Download PDF
ads:
TIMOTHEU GARCIA PESSOA
RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE DOIS GÊNEROS DISCURSIVOS JURÍDICOS:
O ACÓRDÃO DO STF E SUA EMENTA
Universidade Federal de Mato Grosso UFMT
Instituto de Linguagens IL
Cuiabá
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
TIMOTHEU GARCIA PESSOA
RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE DOIS GÊNEROS DISCURSIVOS JURÍDICOS:
O ACÓRDÃO DO STF E SUA EMENTA
Dissertação apresentada ao programa de
Mestrado em Estudos de Linguagem do
Instituto de Linguagens da Universidade
Federal de Mato Grosso, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Estudos de Linguagem.
Área de Concentração: Estudos Linguísticos
Orientadora: Professora Doutora Cláudia
Graziano Paes de Barros.
Universidade Federal de Mato Grosso UFMT
Instituto de Linguagens IL
Cuiabá
2009
ads:
I
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a minha esposa Loide Santana Pessoa por ter
sido a primeira leitora desta dissertação e por todos os comentários e sugestões.
Aos colegas de trabalho pelo apoio: o Henry, o Divino e o Kleber.
A todos os colegas e professores do mestrado pelas discussões
acadêmicas.
Agradeço à Professora Cláudia e à Professora Simone por terem me
a(es)colhido como orientando e por me mostrarem o oriente do meu caminho
nesta dissertação.
Agradeço, ainda, às observações feitas, na qualificação, pelo Professor
Miotello e pela Professora Maria Inês.
II
Epígrafe
Em mim falam muitas vozes, inclusive a minha
Timotheu Garcia Pessoa ?
III
Resumo
A dissertação tem como objeto as relações dialógicas entre dois gêneros
discursivos jurídicos: o acórdão do STF e sua ementa. São seus objetivos
analisar: 1) como o plurilinguismo de perspectivas ideológicas do acórdão do STF
é reduzido para se transformar na perspectiva ideológica única da ementa; 2)
como as características concretas dos casos julgados são abstraídas na
formulação da ementa; 3) como os juízes de outros tribunais usam as ementas do
STF como precedentes. O corpus de análise é composto de quatro acórdãos,
sendo dois acórdãos do STF e os outros dois são de outros tribunais que usaram
os do STF como precedentes. O referencial teórico fundamental adotado é a
Teoria Dialógica de Bakhtin. A análise é guiada pelo método sociológico de três
níveis proposto por Bakhtin. Nessa metodologia, inicialmente são analisadas a
esfera e as condições concretas onde os gêneros discursivos são utilizados. No
segundo nível, é feita a investigação das características dos gêneros discursivos
empregados nessa esfera. No terceiro, são examinados recursos lexicais,
sintáticos e semânticos que afetam os objetivos da pesquisa. Os resultados da
análise mostram que: 1) a esfera jurídica brasileira está estruturada de acordo
com a ideologia liberal de limitação ao poder estatal; 2) a Constituição Federal de
1988 (CF/88) impôs um estilo para os gêneros discursivos usados pelos Ministros
do STF que obedece a essa ideologia; 3) o estilo dos votos componentes do
acórdão conforma-se, na maioria dos casos, ao estilo imposto pela CF/88; 4) a
ementa apresenta maior variação em sua forma composicional e estilo do que o
acórdão; 5) o estilo das ementas não contempla modalização explícita nem
marcas da primeira pessoa e omite as perspectivas ideológicas divergentes
existentes entre os Ministros; 6) um mesmo Ministro altera sua perspectiva
ideológica expressa de forma modalizada no acórdão para que ela se submeta ao
estilo da ementa; 7) o sentido concreto atribuído pela maioria vencedora no
julgamento para a questão julgada adquire uma relativa estabilidade para ser
aplicado a novos contextos; 8) os juízes de outros tribunais posicionam-se de
modo ambivalente em relação aos precedentes do STF porque, por um lado,
citam as ementas estabelecendo limites rígidos entre o texto citante e o citado,
não questionam a validade dos argumentos do acórdão de origem da ementa,
não aferem se houve transformações históricas entre o momento em que o
acórdão foi proferido e o momento em que está sendo feita a citação, mas, por
outro, citam as ementas em lista de ementas juntamente com outras, insinuando
assim que elas individualmente têm menos força.
IV
Abstract
This master thesis has as object the dialogic relations between two legal
discursive genres: the decision of the Brazilian Federal Supreme Court (STF) and
its abstract. The objectives of the master thesis are to analyze how: 1) the
heteroglossia of ideological perspectives of the decision is reduced in order to be
transformed in the single ideological perspective of the abstract; 2) the concrete
aspects of the judged cases are abstracted in the formulation of the abstract; 3)
the judges of other courts uses the STF‟s abstract as precedents. The corpus of
analysis is composed of four court decisions, two are from the STF and the other
two are from other courts that used those two as precedents. The theoretical
framework adopted is the Bakhtin Circle Dialogic Theory. The analysis is guided
by the sociological method proposed by Bakhtin. In this methodology, initially it is
analyzed the sphere and the concrete conditions where the discursive genres are
used. On the second level, the aspects of these genres are investigated. On the
third level, the lexical, syntactic and semantic resources that influence the
objectives are examined. The results of the analysis show that: 1) the Brazilian
legal sphere is structured according to the liberal ideology of limitation of the state
power; 2) the Federal Constitution of 1988 (CF/88), also according to that
ideology, imposed a style to the discursive genres employed by the STF Justices;
3) the style of the Justice‟s individual written opinion obeys, in the most of the
cases, the style imposed by the CF/88; 4) the compositional structure and style of
the abstract have more variation than those of the decision; 5) the style of the
abstract has no explicit modalisation nor marks of first person and omits the
divergent ideological perspectives that exist between the Justices; 6) one same
Justice alters his ideological perspective expressed with modalisation in the
decision in order to submit it to the abstract‟s style. 7) the concrete meaning
attributed by the winner majority of Justices in the decision to the question
acquires a relative stability in order to be applied in new contexts; 8) judges of
other courts position themselves in an ambivalent manner concerning the STF
precedents because, on the one hand, they quote the abstracts with rigid limits
between the quoted text and the surrounding text; they do not question the validity
of the arguments of the decision that is the origin of the abstract; they do not verify
whether occurred historical transformation between the moment in which the
decision was proffered and the moment in which the quotation is being made; but,
on the other hand, they quote the abstract in a list containing other abstracts,
implying that individually the abstracts have a lesser degree of force.
V
Lista de figuras
Figura 1 - Composição das Turmas e Plenário do STF ............................................ 68
Figura 2 - Divergência entre Turmas do STF ............................................................ 69
Lista de tabelas
Tabela 1 - Lista dos gêneros discursivos da esfera jurídica segundo Barbosa ......... 58
Tabela 2 - Lista de gêneros discursivos da esfera jurídica ....................................... 59
Tabela 3 - Síntese dos resultados da segunda etapa da coleta de dados ................ 74
Tabela 4 - Votos dos ministros no processo n.º 1 ..................................................... 83
Tabela 5 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 1 ............................... 100
Tabela 6 - Significações contextuais atribuídas pelos três Ministros ...................... 104
Tabela 7 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 1 ............................... 106
Tabela 8 - Votos dos ministros no acórdão n.º 2 ..................................................... 108
Tabela 9 - Significações contextuais atribuídas pelos dois Ministros ...................... 119
Tabela 10 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 2 ............................. 120
VI
Sumário
Agradecimentos ........................................................................................................... I
Epígrafe ...................................................................................................................... II
Resumo ...................................................................................................................... III
Abstract ...................................................................................................................... IV
Lista de figuras ............................................................................................................ V
Lista de tabelas ........................................................................................................... V
Introdução à dissertação ............................................................................................. 9
1. A Teoria Dialógica do Círculo de Bakhtin .............................................................. 15
1.1. Retórica e diálogo .......................................................................................... 15
1.2. Dialogicidade ................................................................................................. 18
1.3. Relações dialógicas ....................................................................................... 19
1.4. Interação verbal ............................................................................................. 23
1.5. Esferas da atividade humana ......................................................................... 25
1.6. Concepção de ideologia ................................................................................ 26
1.7. Semântica ...................................................................................................... 27
1.8. Gêneros discursivos ...................................................................................... 29
1.9. Plurilinguismo ................................................................................................. 32
1.10. A sequência da mudança da língua ............................................................. 33
2. Estudos sobre os gêneros discursivos jurídicos .................................................... 36
2.1. Os gêneros jurídicos na perspectiva de Bhatia .............................................. 36
2.1.1. Análise de gêneros jurídicos .................................................................. 38
2.1.2. A estruturação cognitiva dos casos legais ............................................. 39
2.1.3. Avaliação da abordagem de Bhatia para o estudo dos gêneros ............ 39
2.2. O gênero discursivo Acórdão na visão de Catunda e Soares ........................ 40
2.3. Critérios para elaboração de ementas na visão de Campestrini ................... 43
2.4. Esquemas argumentativos usados em decisões judiciais na visão da
Teoria argumentativa de Alexy ..................................................................... 46
3. A esfera jurídica .................................................................................................... 48
3.1. A função social da esfera jurídica .................................................................. 48
3.2. Breve caracterização da esfera jurídica brasileira ......................................... 49
3.3. Breve história do acórdão e ementa .............................................................. 51
3.3.1. A fundamentação das decisões judiciais e a ideologia do liberalismo ... 51
3.3.2. Os assentos e o livro de assentos ......................................................... 52
3.3.3. A primeira lei federal sobre a ementa e o ementário .............................. 52
3.3.4. Ementa no Código de Processo Civil (CPC) .......................................... 54
3.3.5. Circulação do acórdão e da ementa do Supremo Tribunal Federal ....... 54
3.3.6. O fim das publicações impressas dos acórdãos do STF ....................... 56
3.4. A linguagem usada na esfera jurídica ............................................................ 56
3.5. O repertório de gêneros discursivos jurídicos brasileiros ............................... 57
3.6. Uma visão do funcionamento de parte da esfera jurídica brasileira ............... 59
3.7. Influência dos fatores institucionais sobre os precedentes numa
perspectiva comparada ................................................................................ 61
3.8. Graus de normatividade dos precedentes numa perspectiva comparada ..... 64
4. Metodologia da pesquisa ...................................................................................... 66
VII
4.1. Justificativa da adoção da metodologia de pesquisa qualitativa .................... 66
4.2. A metodologia das ciências humanas na visão de Bakhtin ........................... 67
4.3. Contexto imediato de produção do acórdão do STF ...................................... 68
4.3.1. Composição do STF .............................................................................. 68
4.3.2. Divergência entre turmas do STF .......................................................... 68
4.4. Metodologia para coleta dos dados ............................................................... 69
4.4.1. Primeira etapa da coleta dos dados ....................................................... 70
4.4.2. Segunda etapa da coleta dos dados ...................................................... 71
4.4.3. Terceira etapa da coleta dos dados ....................................................... 74
4.5. Metodologia de análise dos dados ................................................................. 74
5. Análise dos dados: características do acórdão do STF e de sua ementa ............. 76
5.1. Regras de produção dos acórdãos do STF e suas ementas ......................... 76
5.1.1. Papéis e etapas do julgamento oral e do acórdão do julgamento .......... 76
5.1.2. Diversidade de manifestações escritas e orais no julgamento ............... 79
5.1.3. Interações verbais na construção do acórdão........................................ 79
5.1.4. Estilo dos gêneros discursivos empregados pelos Ministros do STF ..... 80
5.2. Análise do acórdão n.º 1 ................................................................................ 82
5.2.1. Dados básicos do processo judicial relativo ao acórdão n.º 1 ................ 82
5.2.2. Estrutura composicional do acórdão e de sua ementa .......................... 83
5.2.3. Estilo do acórdão e de sua ementa ........................................................ 91
5.2.4. Conteúdo temático do acórdão e de sua ementa ................................. 102
5.2.5. Plurilinguismo de perspectivas sócio-ideológicas na ementa .............. 106
5.3. Análise do acórdão n.º 2 .............................................................................. 108
5.3.1. Dados básicos do processo judicial relativo ao acórdão n.º 2 .............. 108
5.3.2. Estrutura composicional do acórdão e de sua ementa ........................ 109
5.3.3. Estilo do acórdão e de sua ementa ...................................................... 112
5.3.4. Conteúdo temático do acórdão e de sua ementa ................................. 118
5.3.5. Plurilinguismo de perspectivas sócio-ideológicas na ementa .............. 120
6. Análise dos dados: citação das ementas do STF por outros tribunais ................ 122
6.1. Análise da citação da ementa dos acórdãos n.ºs 1 e 2 no acórdão n.º 3 .... 123
6.1.1. Transcrição da citação ......................................................................... 123
6.1.2. Circulação e recepção das ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2 .............. 124
6.1.3. Introdução da citação da ementa ......................................................... 124
6.1.4. Atribuição de autoria ............................................................................ 125
6.1.5. Influência dos fatores institucionais no grau de normatividade ............ 126
6.1.6. Ambivalência entre autoridade e persuasão ........................................ 127
6.2. Análise da citação da ementa dos acórdãos n.ºs 1 e 2 no acórdão n.º 4 .... 129
6.2.1. Transcrição da citação ......................................................................... 129
6.2.2. Circulação e recepção das ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2 .............. 130
6.2.3. Introdução da citação da ementa ......................................................... 131
6.2.4. Atribuição de autoria ............................................................................ 132
6.2.5. Influência dos fatores institucionais no grau de normatividade ............ 132
6.2.6. Ambivalência entre autoridade e persuasão ........................................ 133
7. Conclusões ......................................................................................................... 136
7.1. Plurilinguismo no acórdão do STF e na ementa .......................................... 137
7.1.1. O STF e a esfera jurídica ..................................................................... 137
7.1.2. Os gêneros discursivos acórdão do STF e sua ementa ....................... 138
7.1.3. Os recursos linguísticos usados na materialização do estilo e das
perspectivas ideológicas ................................................................................. 139
VIII
7.2. Abstração do caso concreto ......................................................................... 141
7.3. Aplicação da ementa a novos contextos ...................................................... 141
7.4. O precedente e o papel do juiz .................................................................... 142
Referências bibliográficas ....................................................................................... 143
Referências bibliográficas de decisões judiciais ..................................................... 147
Referências bibliográficas de atos normativos ........................................................ 147
Apêndices ............................................................................................................... 149
9
Introdução à dissertação
Para evitar que os juízes exerçam um poder arbitrário, as sociedades
ocidentais contemporâneas exigem que as decisões judiciais sejam fundamentadas
em argumentos racionais. O padrão de racionalidade desses argumentos, contudo,
não é único, pois ele depende da comunidade em que o julgador vive. Um dos tipos
de argumentos usados pelos juízes é o precedente judicial.
Os precedentes judiciais são o conjunto de decisões judiciais sobre casos
passados. Assim, ao usar um ou mais precedentes, o juiz de um caso atual tenta
demonstrar que a decisão atual não se afasta das decisões de casos anteriores e
análogos ao caso atual. São duas as finalidades dessa demonstração. A primeira
finalidade é que o juiz quer mostrar que é justo, isto é, julga da mesma forma casos
que são semelhantes. A segunda finalidade é manter a certeza na aplicação do
direito, pois as partes envolvidas no processo e a sociedade em geral podem prever
com certa margem de segurança qual será o resultado do julgamento.
No Brasil, as decisões judiciais proferidas por tribunais são denominadas de
acórdão. Uma das partes do acórdão é a ementa que contém uma espécie de
resumo do acórdão. As ementas são feitas com a finalidade de facilitar a pesquisa e
a localização de acórdãos, mas os integrantes da esfera jurídica também atribuíram
a elas a finalidade de serem usadas como argumentos de autoridade. Os próprios
tribunais publicam coletâneas de ementas isoladas dos acórdãos. Tais publicações
recebem o nome de ementários.
Na grande maioria dos casos, quando um juiz cita um precedente em sua
decisão, ele efetivamente está citando apenas a ementa e não outra parte do
acórdão. Além dos juízes, os advogados, nas petições e recursos, para amparar
suas teses de defesa ou de ataque, quase sempre citam apenas ementas e não
citam outras partes do acórdão. Os autores dos livros de direito às vezes incluem
ementas e eles usam-nas para sustentar ou refutar determinados pontos de vista ou
apenas para ilustrar como os tribunais decidem determinado tipo de caso.
As ementas, portanto, são usadas com muita frequência como precedentes
por vários grupos profissionais dentro da esfera jurídica. A autoridade das ementas,
como argumento, é desigual, pois uma hierarquia de força persuasiva das
ementas. Assim, aquelas produzidas por tribunais superiores possuem maior força
10
persuasiva do que aquelas de instâncias inferiores. As ementas de acórdãos do
Supremo Tribunal Federal (doravante STF) são as que possuem maior força.
Como dissemos, a ementa nasce como parte do acórdão, mas ela é
publicada em separado em ementários e é citada como argumento de autoridade
também isoladamente do acórdão. Esse isolamento da ementa é parcialmente
semelhante ao isolamento sofrido pelos resumos de artigos científicos. Atualmente
os resumos de artigos científicos nascem juntamente com eles, no entanto, é normal
que os resumos sejam publicados em cadernos de resumos. A semelhança para aí,
pois é quase impossível que o resumo de um artigo seja citado como argumento de
autoridade em outro artigo ou texto científico. Consideramos que esse modo de
emprego da ementa do STF na esfera jurídica comporta dois grupos de problemas:
1 Cada acórdão do STF contém diferentes ideologias que estão expressas
nos votos de cada Ministro, mas a ementa do acórdão expressa apenas a ideologia
do grupo majoritário de Ministros que venceu a votação;
2 Cada acórdão está ligado ao caso concreto em suas particularidades,
mas, na ementa, essas ligações concretas são abstraídas, cortadas de modo que a
ementa possa ser empregada como precedente em novos casos.
Para responder a esses problemas, adotaremos como referencial teórico a
Teoria Dialógica do Circulo de Bakhtin. Secundariamente, adotaremos algumas
categorias conceituais de outros autores.
Assim, firmados nesse referencial teórico, formulamos três objetivos para
responder a esses problemas:
O primeiro objetivo visa mostrar como o plurilinguismo de perspectivas
ideológicas do acórdão do STF é reduzido para se transformar na perspectiva
ideológica única da ementa. Para atingir esse objetivo, empregaremos os conceitos
de plurilinguismo sócio-ideológico; relação dialógica entre acórdão e ementa; estilo e
forma composicional do gênero acórdão e estilo individual dos Ministros na redação
dos votos.
O segundo objetivo visa descrever como a ementa é formulada a partir da
abstração das características concretas do acórdão e o terceiro objetivo é analisar
como ela é empregada em novos contextos. Para alcançar o segundo e o terceiro
objetivo, faremos uso dos conceitos de estilo e forma composicional do gênero
ementa e estilo individual dos Ministros na redação da ementa; formas de
11
transmissão do discurso alheio, relação dialógica entre contexto de produção e de
recepção da ementa;
As análises serão empreendidas sobre dois acórdãos do STF e dois acórdãos
de outros Tribunais Regionais Federais que citaram as ementas daqueles dois do
STF. Nosso caminho para aplicação dos conceitos, na análise desses acórdãos,
será guiado principalmente pela ordem metodológica de Bakhtin (cf. seção 1.10),
adaptada ao nosso objeto:
1) analisar o contexto da construção do acórdão do STF e da ementa, isto é,
os tipos de interações verbais entre os Ministros e as condições concretas em que
elas ocorrem;
2) analisar as características dos gêneros discursivos acórdão do STF e sua
ementa em estreita ligação com a interação de que são elementos;
3) analisar as formas linguísticas das relações dialógicas existentes entre as
perspectivas ideológicas do acórdão e da ementa;
Em nosso ponto de vista, há dois tipos de justificativas inter-relacionadas para
nossa pesquisa: uma teórica e outra social.
A justificativa teórica refere-se ao fato de que não existem pesquisas
aprofundadas, na perspectiva dos estudos de gêneros discursivos, sobre a relação
entre ementa e acórdão. Bhatia (2003) foi o único autor que tratou dessa questão,
no entanto, seu objeto de pesquisa foram casos legais do Reino Unido. Bhatia
(2003, p.118-136) explicou que esses casos são, normalmente, versões resumidas
de decisões judiciais completas e que dependendo da finalidade para a qual são
elaborados, esses resumos variam. Bhatia tratou principalmente da estrutura
composicional desses casos legais, deixando de lado o estilo, o conteúdo temático e
as relações dialógicas entre o texto da decisão judicial e o seu resumo.
Uma pesquisa comparada elaborada por dez juristas em dez países
identificou, entre outros aspectos, os modos de uso de precedentes. Taruffo (1997,
p.451-454), com base nessa pesquisa, constatou que os tribunais normalmente
publicam apenas um resumo muito curto da decisão judicial. Ele relata que, mesmo
quando o tribunal publica o texto completo da decisão juntamente com o resumo, os
juízes de outros casos e os advogados usualmente citam apenas o resumo. Apesar
de ter feito essas constatações sobre o resumo, Taruffo não se aprofundou nessa
questão.
12
Campestrini (1994), adotando uma visão da estilística prescritiva, elaborou um
manual em que estipula vários critérios para se redigir uma boa ementa e apresenta
exemplos de como ementas redigidas com vícios podem ser convertidas em boas
ementas. Guimarães (2000), a partir da perspectiva da ciência da informação e
seguindo grande parte do estudo de Campestrini, também propõe diretrizes para
elaboração de ementas. Esses dois autores pretenderam prescrever regras para
estrutura composicional das ementas, colocando em segundo plano, portanto, a
descrição e análise das relações dialógicas existentes entre ementa e acórdão e,
consequentemente entre os juízes que produzem e utilizam esses dois gêneros.
A justificativa social está relacionada com a importância dos precedentes
judiciais dentro da esfera jurídica e para a sociedade. A citação de precedentes
pelos juízes (seja o acórdão como um todo, seja apenas a ementa) cumpre, como
vimos acima, duas finalidades: a) fundamentar racionalmente o tratamento
semelhante dado a casos semelhantes; b) possibilitar uma margem de certeza na
aplicação do direito. Na Alemanha, Larenz (1997, p.509), na perspectiva da
metodologia da ciência do direito, reputa ser socialmente perigosa a prática de o
Supremo Tribunal Alemão inserir, no início de suas decisões, uma série de
proposições retratando de forma resumida e abstrata a decisão daquele Tribunal. O
perigo decorre do fato de que o formato proposicional assemelha-se ao de uma
norma abstrata, enquanto que a decisão é necessariamente casuística. Além disso,
os juízes daquele Tribunal ao decidirem um caso concreto, não examinam todas as
possibilidades futuras para formularem uma norma abstrata. Portanto, segundo
Larenz, a ementa com o formato de norma abstrata oculta indevidamente as
particularidades do caso julgado. No Brasil, Ávila (2004), buscando construir uma
metodologia para a ciência do direito constitucional, propôs diretrizes para análise de
princípios jurídicos empregados nas decisões judiciais. Ávila (2004, p.73-75 e 91-93)
especificamente recomenda que essa análise seja feita por meio da leitura da
íntegra dos acórdãos dos tribunais superiores e não apenas por meio da leitura da
ementa. Entre essas diretrizes, está a que recomenda que o analista investigue se e
como, num dado acórdão, foram usados os princípios jurídicos. Ávila, portanto, não
tem como objetivo principal estudar as relações da ementa com o acórdão. Seu
objetivo maior é a construção de uma metodologia para o estudo de princípios
empregados nas decisões judiciais. Em suma, Larenz e Ávila olharam a relação
entre a ementa e o acórdão pelo ângulo do Direito.
13
Os precedentes do Supremo Tribunal Federal do Brasil são considerados os
com maior força, justamente pelo fato de o STF estar no cume do poder judiciário
brasileiro. A crítica de Larenz, embora dirigida ao Supremo Tribunal Alemão, e a
diretriz de Ávila para que seja feita a leitura integral do acórdão foram as principais
razões que nos levaram a investigar as relações dialógicas entre o acórdão do STF
e sua ementa vistos como gêneros discursivos e verificar como a ementa é citada
em novos contextos.
A dissertação está dividida em sete capítulos. No capítulo 1, apresentaremos
os conceitos da teoria dialógica do Círculo de Bakhtin que entendemos serem
pertinentes ao nosso objeto.
No capítulo 2, resenharemos os estudos de Bhatia sobre casos legais.
Apresentaremos, a aplicação que Catunda e Soares fizeram do conceito de
movimentos retóricos na análise da estrutura composicional de acórdãos.
Examinaremos a estilística prescritiva de Campestrini e explicaremos a classificação
de esquemas argumentativos de Alexy.
A caracterização geral da esfera jurídica está no capítulo 3 onde explicaremos
sucintamente sua função social, seus principais condicionantes históricos,
econômicos e ideológicos a partir do nascimento do Estado liberal. Também
trataremos dos aspectos gerais da linguagem jurídica e o funcionamento da esfera
jurídica por meio de seu repertório de gêneros discursivos.
O detalhamento da metodologia de coleta e análise de dados faz parte do
capitulo 4. Nele, ofereceremos fundamentação para a metodologia adotada e
detalharemos, passo a passo, a seleção e coleta de dados. Também
apresentaremos o modo como utilizaremos as principais categorias conceituais em
nossa análise.
A análise das características dos gêneros discursivos acórdão do STF e de
sua ementa será realizada no capítulo 5. É nesse capítulo que também analisaremos
as relações dialógicas existentes entre o acórdão e sua ementa.
No capítulo 6, analisaremos a citação da ementa do STF por dois Tribunais
Regionais Federais. Perscrutaremos como outros juízes relacionam-se
dialogicamente com a ementa e o acórdão do STF. Verificaremos ainda como
fatores institucionais influem na força normativa das ementas.
14
Apresentaremos, no capítulo 7, nossas conclusões sobre a pesquisa. Depois,
discriminaremos as referências bibliográficas e juntaremos os apêndices com a
íntegra dos quatro acórdãos coletados para análise.
15
1. A Teoria Dialógica do Círculo de Bakhtin
O objeto da presente dissertação são as relações dialógicas entre dois
gêneros discursivos da esfera jurídica: o acórdão do STF e sua ementa. Dentro
dessa esfera, esses dois gêneros são empregados por juízes, advogados e partes
em suas interações verbais. Além desses dois, vários outros gêneros discursivos
estruturam as atividades da esfera jurídica.
A maioria dos gêneros jurídicos tem a finalidade explícita de convencer os
interlocutores. Para atingir essa finalidade, cada advogado busca convencer o juiz
antecipando e refutando as possíveis objeções da parte adversária. Os juízes, ao
julgarem os casos, proferem decisões que também precisam apresentar razões que
convençam diferentes interlocutores: eventuais juízes do mesmo tribunal; juízes de
tribunais superiores; os advogados e as partes envolvidas no processo; os demais
membros em geral da esfera jurídica e a opinião pública.
Enfim, juízes e advogados têm como finalidade convencer seus interlocutores.
No entanto, essa atividade de convencimento varia conforme o grupo de
interlocutores visados. Além disso, essa atividade está submetida a diferentes regras
dos gêneros discursivos jurídicos.
Além dessa influência explícita do interlocutor na formulação da decisão do
juiz, cada conflito levado ao poder judiciário deve ser decidido conforme a lei e os
precedentes judiciais. Desse modo, as significações fixadas nas leis e precedentes
são modificadas com a avaliação que cada juiz daa esses precedentes ao apli-
los na decisão do caso concreto que ele tiver de resolver.
Para dar conta dessas questões, adotamos como referencial teórico a teoria
dialógica do círculo de Bakhtin. Assim, na primeira parte do presente capítulo,
faremos a apresentação dos conceitos fundamentais da teoria dialógica do Círculo
de Bakhtin que são pertinentes ao nosso objeto.
1.1. Retórica e diálogo
O conceito de diálogo está no centro das preocupações do Círculo de
Bakhtin. Recentemente, vários especialistas nas obras do Círculo de Bakhtin têm
estabelecido quais foram as influências teóricas que atuaram para que esse conceito
ocupasse essa posição central. Brandist (2002, p.88, 95, 158; 2004, p.97-124; 2006,
16
p.70-71) demonstra a importância dos estudos de Iakubinskii sobre o diálogo, e das
idéias dos seguidores da filosofia realista de Franz Brentano e dos seguidores do
neo-kantismo. Lahteenmaki (2005, p.52-55) também explica como Iakubinskii
influenciou o desenvolvimento do conceito de diálogo pelo Círculo.
Bakhtin não discutiu de modo aprofundado os trabalhos desses pensadores
sobre o diálogo. No entanto, discutiu, de forma mais demorada, o modo pelo qual a
retórica
1
estudava o diálogo. Para Bakhtin (1934/1935, p.79 e 89), a retórica possui
pontos positivos e negativos. Os positivos referem-se ao fato de que uma
característica constitutiva da retórica é sua fixação no ouvinte e por isso as formas
retóricas têm grande significado metodológico e heurístico para a linguística e a
filosofia da linguagem, pois essas formas revelam com grande precisão as
características que qualquer discurso possui: a dialogização interna e os fenômenos
correlatos.
Embora Bakhtin não as enumere, essas formas retóricas o as figuras
retóricas que incluem o ouvinte na formulação do enunciado do falante. Nesse
sentido, a principal figura é a do dialogismus (BURTON, 2008a, s/p) por intermédio
da qual alguém fala como outra pessoa com a finalidade de trazer os pontos de vista
dessa outra para a própria fala, concordando com eles ou para discordar deles.
Outra figura é a da praeccupatio (também denominada de procatalepsis em grego)
por meio da qual um falante antecipa e refuta objeções de um interlocutor (BURTON,
2008b, s/p).
os pontos negativos da retórica decorrem do que Bakhtin denomina de
bivocalidade inautêntica dos gêneros retóricos. Ele distingue a bivocalidade
autêntica da inautêntica. Segundo Bakhtin, o critério distintivo é a presença ou falta
do plurilinguismo no discurso (BAKHTIN, 1934/1935, p.128-129):
O discurso bivocal é muito difundido nos gêneros retóricos, mas
também, permanecendo nos limites de sistema linguístico único, ele não é
fecundado por um laço profundo com as forças do devir histórico, que
1
Aristóteles (2007, p.29-30) já classificava os gêneros jurídicos entre os gêneros retóricos. Ele
afirmava que um “discurso é constituído por três elementos, a saber: o orador, o assunto e o ouvinte,
a quem se dirige o discurso e o qual determina o fim e o objeto do discurso”. A finalidade dos
discursos jurídicos é convencer os juízes da culpa ou inocência de partes envolvidas em conflitos
jurídicos.
17
estratificam a ngua, e, na melhor das hipóteses, é apenas um eco
longínquo, reduzido a uma polêmica individual, desse devir.
Assim, a crítica de Bakhtin é que, nos gêneros retóricos, a falta de
autenticidade decorre do fato de essa bivocalidade estar pouco ligada ao
plurilinguismo provocado pelas mudanças históricas. Por essa razão, ele sustenta
que a disputa individual dentro de uma linguagem única tem uma bivocalidade que é
superficial porque não ocorre dentro do plurilinguismo social.
Ao tratar da questão da transmissão dos enunciados de outrem, Bakhtin
(1934/1935, p. 154-155) volta a criticar a bivocalidade dos gêneros retóricos:
Estas formas concentradas sobre a transmissão dos enunciados (seja ela
livre ou criativa) não pretendem ver e fixar atrás dos enunciados a imagem
de uma linguagem social que realiza neles sem esgotar-se; trata-se
precisamente da imagem e não do empirismo positivo desta linguagem.
Logo a seguir, ele explica que entende como “linguagem social”:
[...] não o conjunto dos signos linguísticos que determinam a valorização
dialetológica e a singularização da linguagem, mas precisamente uma
entidade concreta e viva dos signos, sua singularização social, a qual pode
se realizar também nos quadros de uma linguagem linguisticamente única,
determinando pelas transformações semânticas e pelas seleções
lexicológicas.
É uma perspectiva sócio-linguística concreta, que se singulariza no interior
da língua abstratamente uma. [...]
Acreditamos que, no caso dos acórdãos do STF, essa crítica sobre a
bivocalidade inautêntica não se aplica, pois esses acórdãos são decisões proferidas
por um colegiado de juízes o qual é formado justamente para possibilitar que juízes
com diferentes perspectivas sócio-ideológicas debatam o caso a ser decidido e
profiram uma decisão que normalmente não é unânime. Ademais, essas
perspectivas não são meramente dos juízes, elas são perspectivas compartilhadas
por diferentes grupos sociais. Portanto, ainda que os juízes empreguem a mesma
língua em suas decisões, eles manifestam, por meio dela, as diferentes perspectivas
sócio-ideológicas existentes na sociedade.
18
1.2. Dialogicidade
Bakhtin/Volochinov (1929, p.127) afirma que a verdadeira substância da
língua é a interação verbal a qual ele também denomina de diálogo em sentido
amplo e que abrange todo tipo de comunicação verbal. Posteriormente, em outra
obra, Bakhtin (1934/1935, p. 88-89) distingue dois tipos de dialogicidade que podem
existir em cada discurso: a interna e a externa.
A dialogicidade interna é resultado da influência de dois componentes: a) a
relação dialógica com o discurso alheio dito sobre o objeto e; b) a antecipação da
resposta do ouvinte. Esses dois componentes provocam diferentes efeitos
estilísticos no discurso (BAKHTIN 1934/1935, p. 91). A dialogicidade interna sempre
ocorre no discurso que contém palavras bivocais as quais servem simultaneamente
a dois locutores e exprimem também simultaneamente duas intenções diferentes
(BAKHTIN 1934/1935, p. 127).
a dialogicidade externa é a característica da forma composicional usada
para reproduzir o diálogo entre interlocutores. Bakhtin lamenta que, até o início do
século XX, o diálogo havia sido estudado pelos linguistas apenas como forma
composicional de construção do discurso. Segundo ele, a dialogicidade interna não
aceita formas dialógicas externas de composição porque o como transformar
toda a influência exercida pelo ouvinte em uma sequência de réplicas (BAKHTIN
1934/1935, p. 88, 89).
Além desses dois tipos de dialogicidade interna e externa, há um terceiro tipo:
a dialogicidade como característica geral da ação humana. De acordo com Sobral
(2005, p. 106) e Fiorin (2005, p. 55), todo sujeito age em relação aos outros e em
relação aos atos dos outros e todo sujeito se constitui em relação aos outros
2
.
2
Tanto Sobral, quanto Fiorin na citação substituem sem mais explicações o termo dialogicidade pelo
termo dialogismo. Além disso, apesar da origem bakhtiniana de ambos os termos, é mais usual os
intérpretes brasileiros de Bakhtin fazerem uso do termo dialogismo nesse contexto de distinção dos
três tipos de dialogicidade. Em nosso ponto de vista, tal substituição não possui maiores
consequências teóricas exceto a variação terminológica.
19
1.3. Relações dialógicas
O conceito de dialogicidade foi aprofundado por Bakhtin no livro “Problemas
de Poética de Dostoiévski”, publicado em 1963. Nessa obra, o conceito foi
denominado de relações dialógicas. Bakhtin define essas relações como aquelas
existentes entre as posições de diferentes sujeitos expressas por enunciados. O
pensador russo enfatiza que as relações dialógicas são irredutíveis às relações
lógicas, dialéticas ou às relações semânticas entre enunciados (BAKHTIN, 1963,
p.183). Para que possamos identificar as relações dialógicas, s precisamos
atribuir os enunciados a um autor que pode, até mesmo, ser distinto do autor real:
Neste sentido, todo enunciado tem uma espécie de autor, que no próprio
enunciado escutamos como o seu criador. Podemos não saber
absolutamente nada sobre o autor real, como ele existe fora do enunciado.
As formas dessa autoria real, podem ser muito diversas. Uma obra pode
ser produto de um trabalho de equipe, pode ser interpretada como trabalho
hereditário de várias gerações, etc., e apesar de tudo, sentimos nela uma
vontade criativa única, uma posição determinada diante da qual se pode
reagir dialogicamente. A reação dialógica personifica toda enunciação à
qual ela reage. (BAKHTIN, 1963, p.183)
Embora a definição das relações dialógicas vincule-as, num primeiro
momento, aos enunciados integrais, Bakhtin acrescenta que elas podem ocorrer
entre parte dum enunciado e parte doutro e também entre um enunciado e uma
parte isolada do próprio enunciado. Em um nível macro, as relações dialógicas
também são possíveis entre estilos de linguagem, dialetos sociais etc. Em quaisquer
desses níveis de relações dialógicas, elas só existem se pudermos entender os dois
pólos da relação como duas posições de autores diferentes ou duas cosmovisões
diferentes:
As relações dialógicas são possíveis não apenas entre enunciações
integrais (relativamente), mas o enfoque dialógico é possível a qualquer
parte significante do enunciado, inclusive a palavra isolada, caso esta não
seja interpretada como palavra impessoal da língua, mas como signo da
posição semântica de um outro, como representante do enunciado de um
outro, ou seja, se ouvimos nela a voz do outro. Por isso, as relações
dialógicas podem penetrar no âmago do enunciado, inclusive no íntimo de
uma palavra isolada se nela se chocam dialogicamente duas vozes (o
microdiálogo de que já tivemos oportunidade de falar).
Por outro lado, as relações dialógicas são possíveis também entre estilos
de linguagem, os dialeto sociais, etc., desde que sejam entendidos como
20
certas posições semânticas, como uma espécie de cosmovisão da
linguagem, isto é, numa abordagem não mais linguística.
Por último, as relações dialógicas são possíveis também com a sua própria
enunciação como um todo, como partes isoladas desse todo e com uma
palavra isolada nele, se de algum modo nós nos separamos dessas
relações, falamos com ressalva interna, mantemos distância face a elas,
como que limitamos ou desdobramos a nossa autoridade. (BAKHTIN,
1963, p.184)
Quando um mesmo discurso, ou uma mesma palavra expressa duas vozes,
isto é, expressa posições de dois autores diferentes, esse discurso ou palavra torna-
se bivocal. Para estudar as obras de Dostoiévski, Bakhtin classificou, com muitas
ressalvas, os vários tipos de discursos bivocais e não-bivocais nelas encontrados.
As ressalvas foram feitas porque esses tipos não são rigidamente separados, mas
podem fundir-se com nuances. Resumimos, a seguir, a classificação (BAKHTIN,
1963, p.199-200):
I. Discurso univocal direto imediatamente orientada para o seu referente.
II. Discurso univocal objetificado (Discurso da pessoa representada).
III. Discurso bivocal orientado para a palavra de outra pessoa:
1. Discurso bivocal passivo de orientação única;
2. Discurso bivocal passivo de orientação vária;
3. Discurso bivocal ativo (Discurso refletido de outra pessoa):
a) polêmica interna velada;
b) autobiografia e confissão polemicamente refletidas;
c) qualquer palavra que visa à palavra de outra pessoa;
d) réplica do diálogo;
e) diálogo velado.
Morson e Emerson (2008, p.154 e 162; 1990, p. 138 e 146) explicam que
cada enunciado é formulado com um ou mais objetivos. Um enunciado pode ter,
entre seus objetivos, o de indicar ao interlocutor a fonte de nossas palavras para que
ele perceba que elas são de certo modo citadas, ditas com aspas. Essas são as
palavras bivocais. Outro enunciado pode não ter esse objetivo, pois queremos que o
ouvinte encare as palavras do enunciado como palavras diretas, não citadas, não
mediadas, ditas sem aspas. De acordo com Bakhtin, essas palavras são
21
monovocais. Morson e Emerson (idem), advertem que apesar de serem monovocais,
é necessário esclarecer que todo enunciado é construído com o uso de palavras
usadas por outros falantes e o referente também já está permeado pelos enunciados
de outros falantes a seu respeito. Entretanto, o enunciado monovocal não é
formulado com o objetivo de indicar a fonte de nossas palavras, nem de indicar que
ele se dirige ao que já foi dito sobre o objeto.
Feitos esses esclarecimentos, passamos aos tipos da classificação em
questão. A palavra do tipo I não é bivocal, pois seu falante não tem como finalidade
principal indicar a fonte de nossas palavras. O falante tem como propósito principal
enunciar algo a respeito de um referente.
Por sua vez no tipo II, o falante cita a palavra de outra pessoa, mas de forma
objetificada, na forma de discurso direto, marcando expressamente os limites entre o
discurso citante e o citado. Além disso, segundo Morson e Emerson (2008, p.164-
165; 1990, p. 149) o crucial nesse tipo II é que o autor do enunciado citado não o
formulou tendo consciência de que seria objeto de citação. o autor citante trata a
citação como um objeto referencial e assim o citante tem o propósito principal de
enunciar algo sobre um referente da forma mais adequada e direta possível. Por
essas razões, Bakhtin (1963, p.186-187) considera que, no caso da palavra
objetificada, não relação dialógica entre o autor citante e o citado.
Consequentemente, essa palavra é monovocal.
No tipo III, estão classificados os vários subtipos de discurso bivocal. Neles, o
falante adota como finalidade principal mostrar as fontes de suas palavras. Como
dissemos, Bakhtin elaborou classificação das palavras univocais e bivocais visando
estudar as complexas relações dialógicas na literatura, por essa razão entre os
subtipos do tipo III.1 e III.2, o autor russo abordou, entre outros, a estilização e a
paródia. Todavia, para tratar do objeto de nossa dissertação, ou seja, as relações
dialógicas entre o acórdão do STF e sua ementa, nós selecionaremos, como
categoria de análise, entre os subtipos do tipo III, apenas o subtipo III.3, isto é, o
discurso bivocal ativo.
De acordo com Bakhtin (1963, p.195-199), nesse subtipo, a palavra do outro
não é citada pelo falante, ela permanece fora dos limites do discurso dele, no
entanto, ela influi determinando de um modo ou de outro a palavra do falante. A
polêmica velada e a maioria das réplicas dialógicas são exemplos do discurso
bivocal ativo.
22
Na polêmica velada, o discurso do seu autor está direcionado tanto a seu
objeto quanto ao discurso do outro sobre o mesmo objeto. O autor quer atacar o
discurso do outro a respeito daquele assunto, mas o autor não reproduz esse outro
discurso, apenas o deixa subentendido. Nos casos concretos, uma zona
nebulosa que dificulta a distinção entre a polêmica velada e a aberta. Bakhtin (1963,
p.196), todavia, assevera que, entre os dois tipos de polêmicas:
[...] as diferenças de significação são consideráveis. A polêmica aberta
está simplemente orientada para o discurso refutável do outro, que é o seu
objeto. a polêmica velada está orientada para um objeto habitual,
nomeando-o, representando-o, enunciando-o, e indiretamente ataca o
discurso do outro, entrando em conflito com ele no próprio objeto. Graças a
isto, o discurso do outro começa a influenciar dentro para fora o discurso
do autor.
Semelhante à polêmica velada, é a réplica de qualquer diálogo dotado de
profundidade também construída antecipando a resposta ou objeções do
interlocutor:
É como se o discurso reunisse, absorvesse as réplicas do outro,
reelaborando-as intensamente. [...] A consideração do contra-argumento
(Gegenrede) produz mudanças específicas na estrutura do discurso
dialógico, tornando-o interiormente fatual e dando um enfoque novo ao
próprio objeto do discurso, descorbrindo, neste, aspectos novo
inacessíveis ao discurso monológico (Bakhtin, 1963, p.197).
A linguística do tempo de Bakhtin não estava preparada para lidar com as
relações dialógicas. Por tal razão, o pensador russo propôs uma nova ciência: a
metalinguística para estudar essas relações. Em sentido amplo, o objeto da
metalinguística seriam as relações dialógicas e, dentro dessas, o objeto principal
seria o discurso bivocal e o secundário, o monovocal:
O objeto principal do nosso exame, pode-se dizer, seu herói principal, é o
discurso bivocal, que surge inevitavelmente sob as condições da
comunicação dialógica, ou seja, nas condições da vida autêntica da
palavra. A linguística desconhece esse discurso bivocal. Mas, achamos, é
precisamente ela que deve tornar-se o objeto principal de estudo da
metalinguística (Bakhtin, 1963, p.184-185)
23
Souza (2002, p.101) pondera que, na obra de 1963, Bakhtin não abandonou o
enfoque sociológico no estudo da linguagem, mas, sim, o posicionou em segundo
plano e trouxe, para o primeiro, o enfoque dialógico.
No que tange ao objeto de nossa dissertação, constatamos que, dentro do
acórdão do STF, votos de ministros com perspectivas ideológicas divergentes.
Essas divergências são apagadas na elaboração da ementa que termina
expressando apenas a perspectiva da maioria vencedora no julgamento. Nesse
sentido, o conceito de relações dialógicas será aplicado, principalmente, na análise
das relações dialógicas estabelecidas entre as perspectivas materializadas nos
votos dos ministros e aquela perspectiva ideológica que predomina na ementa.
1.4. Interação verbal
Os conceitos de dialogicidade interna e externa e de relações dialógicas
foram expostos acima sem que tivéssemos relacionado os participantes do diálogo
com os processos sócio-históricos. Agora indicaremos como essa relação ocorre.
Numa perspectiva mais abrangente, Bakhtin/Volochinov (1929, p. 118, 125,
129) enfatiza que o contexto social mais imediato (o qual abrange o ouvinte) e o
mais amplo, que envolvem o locutor, são o centro organizador de toda produção de
enunciados.
Segundo Volochinov/Bakhtin (1926, p.11), a compreensão e a avaliação
(concordância ou discordância) de um enunciado sempre abrangem o discurso
verbal e a situação pragmática extraverbal à qual o discurso está ligado. Essa
situação pragmática extraverbal tem três elementos: a) horizonte espacial comum; b)
conhecimentos e compreensão comum da situação por parte dos interlocutores; c)
avaliação da situação (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1926, p. 5).
A situação pragmática extraverbal é a parte presumida do enunciado. Essa
presunção é social e é gerada pelas condições reais de vida que dão origem a uma
comunidade de mesmas avaliações (VOLOCHINOV/BAKHTIN, 1926, p. 6). Os
autores comparam um enunciado concreto a um entimema. Eles explicam que
entimema é um tipo de silogismo em que uma das premissas é presumida. Assim,
em razão de a situação pragmática extraverbal ser presumida, o enunciado é um
entimema social objetivo conhecido apenas pelas pessoas que pertencem ao
mesmo campo social.
24
As avaliações fundamentais para uma comunidade não são objeto de
contestações. Por essa razão, a verbalização, a discussão e a justificação de uma
avaliação fundamental indicam que essa avaliação perdeu sua ligação fundamental
com as condições existenciais do grupo social.
Tanto nas contestações das avaliações fundamentais, quanto nas daquelas
que não sejam fundamentais, o desacordo no diálogo pode ocorrer em duas
direções. Uma direção é retrospectiva e deve-se ao fato de cada enunciado estar
precedido pelos enunciados anteriores de um determinado campo. Nesse sentido,
cada enunciado, então, é como uma resposta aos enunciados precedentes
(BAKHTIN, 1952/1953, p. 297-298). Essa resposta pode tanto concordar quanto
polemizar com eles.
Outra direção é prospectiva e decorre do fato de que o falante espera que o
ouvinte faça uma compreensão ativa, isto é, espera que ele concorde, discorde,
execute etc. Por essa razão, o falante pode antecipar e responder antecipadamente
as objeções do ouvinte (BAKHTIN 1952/1953, p. 272, 298).
Na interação verbal, o locutor e o interlocutor trocam enunciados que são
produzidos e compreendidos de acordo com dois contextos sociais em que estão
inseridos: a) o imediato e; b) o amplo (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 117).
Esses dois contextos e a ideologia que os permeia afetarão o modo como o
interlocutor compreenderá o enunciado. Além disso, quando um locutor endereça
seu enunciado a um interlocutor real, o locutor procurará ajustar o enunciado ao
grau de proximidade familiar e de distância hierárquica entre eles e ao tipo de
conhecimento que o interlocutor tem sobre o conteúdo. Pode ocorrer que o locutor
direcione seu enunciado a uma coletividade, nesse caso ele construirá o enunciado
também fazendo esses ajustes, mas o endereçará a um interlocutor ideal que o
locutor considere ser um representante médio da referida coletividade
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 116-117).
Os conceitos de contexto extraverbal, locutores e interlocutores socialmente
situados serão aplicados na análise da atividade dos juízes do Supremo Tribunal
Federal (STF) e dos juízes de outros Tribunais que adotam as decisões do STF
como precedentes.
25
1.5. Esferas da atividade humana
No presente item, especificaremos quais são as duas perspectivas que o
Círculo de Bakhtin usa para caracterizar cada esfera da atividade humana: a
perspectiva micro-sociológica e a macro-sociológica.
Por meio da perspectiva micro-sociológica, o foco está nas relações sociais,
ou seja, na interação humana. Nessa perspectiva, o que caracteriza uma esfera da
atividade humana é a relativa constância de relações sociais e de um modo de vida
em comum. Disso decorrem modos relativamente estáveis de interação verbal entre
os membros da esfera (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 130):
se pode falar de fórmulas específicas, de estereótipos no discurso da
vida cotidiana quando existem formas de vida em comum relativamente
regularizadas, reforçadas pelo uso e pelas circunstâncias.
pela perspectiva macro-sociológica, o foco está nas grandes partes que
compõem a sociedade que possuem determinadas funções para o seu
funcionamento. Por isso Bakhtin/Volochinov (1929, p. 33) afirmam que:
Cada campo da criatividade ideológica dispõe de sua própria função no
conjunto da vida social.
Posteriormente, Bakhtin (1952/1953, p. 266) reiterou essa ligação do campo
da atividade humana com a função social:
Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às
condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que
correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica,
técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de
comunicação discursiva, específicas de cada campo, geram determinados
gêneros, isto é, determinados tipo de enunciados estilísticos, temáticos e
composicionais relativamente estáveis.
Desse modo, a expressão esfera da atividade humana designa um modo de
vida em comum e com relativa constância de relações sociais. Tais relações são
estabelecidas para atingir determinadas funções sociais.
Refletindo sobre o objeto de nosso estudo, a esfera jurídica, observamos que
sua função é regular as condutas humanas por meio de normas jurídicas. Essa
regulação ocorre em três etapas. Na primeira etapa, órgãos socialmente autorizados
produzem normas jurídicas obrigando, proibindo ou permitindo determinadas
condutas. Na segunda, outros órgãos executam essas normas e vigiam se os
26
destinatários das normas as cumprem. Na terceira etapa, órgãos que julgam os
casos de descumprimento. Também integram a esfera jurídica, os órgãos notariais e
de registro onde são registrados certidões de nascimento, de óbito, de casamento,
escrituras de imóveis, contratos, estatutos etc. Além desses, fazem parte da esfera
jurídica, em sentido amplo, as relações contratuais entre particulares e os
respectivos documentos de contrato, comprovação de pagamento de dívidas e
documentos fiscais. Por fim, nos cursos de graduação e pós-graduação de direito,
ocorre uma intersecção da esfera jurídica com a esfera acadêmica. Nesses cursos,
para formar os futuros profissionais da esfera jurídica, são empregados livros
jurídicos, leis em sentido amplo e decisões judiciais.
O conceito de esfera da atividade humana será empregado em outros
capítulos da presente dissertação para caracterizar a esfera jurídica e para
descrever seu funcionamento por meio de gêneros discursivos.
1.6. Concepção de ideologia
Brandão (2007, p.19-32) resenhou e fez um balanço das concepções de
ideologia de Marx, Althusser e Ricouer. Ela distinguiu duas correntes de
concepções: uma restrita e que geralmente é defendida pela tradição marxista
representada por Marx e Althusser; e uma concepção ampla defendida por Ricouer.
Na concepção restrita, a ideologia é definida como escamoteamento da
realidade feito por apenas um discurso ideológico e um grupo ou classe dominante.
Na concepção ampla, a ideologia é uma visão de mundo de um determinado grupo
social num determinado momento histórico. Nessa concepção ampla, a ideologia é
inerente ao signo e, portanto, todos os discursos são ideológicos. Para a autora, a
concepção ampla abrange a restrita, pois uma visão de mundo pode ser
incompatível com a realidade.
Esse balanço feito por Brandão é elucidativo, no entanto notamos que ela
omitiu a concepção de ideologia do Círculo de Bakhtin. Em várias partes de sua
valiosa obra, Brandão apresenta outras idéias do Círculo, mas ela não apresenta
essa concepção. Essa ausência chama a atenção porque a concepção do Círculo
para ideologia foi, segundo Eagleton (1997, p.172), a primeira teoria semiótica da
ideologia.
27
O Círculo de Bakhtin (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929: 32-38, 33, 37, 124-
125) definiu que a ideologia é composta por signos verbais e não-verbais. Todos
esses signos são gerados de forma não mecânica pelas condições concretas das
interações sociais e essas interações são determinadas pelas condições sócio-
econômicas de uma sociedade.
Segundo Miotello (2005, p.167-176), o Círculo discorda em dois aspectos da
concepção marxista tradicional de ideologia. O primeiro aspecto é que, para o
marxismo tradicional, a ideologia é um escamoteamento da realidade. O segundo
aspecto é que, ainda na visão tradicional, a ideologia reflete de modo mecânico as
condições sócio-econômicas.
Na concepção do Círculo, a ideologia tem dois níveis. O primeiro nível é a
ideologia do cotidiano a qual, por sua vez, tem dois subníveis. No subnível inferior,
estão os processos mentais e enunciados desordenados que não se estabilizam. No
subnível superior, estão as atividades mentais ordenadas e os enunciados mais ou
menos fixos. Nesse subnível superior, estão as interações sociais mais estáveis e é
nele que se desenvolve a ideologia do cotidiano a qual serve de energia para manter
vivo o segundo nível: a ideologia oficial.
A ideologia oficial é constituída pela visão de mundo dos grupos que dominam
uma determinada sociedade. Esses grupos dominantes tentam imprimir significados
monovalentes aos signos que, no entanto, sempre rejeitam essa monovalência, pois
todo signo, e especialmente a palavra, é uma arena de luta de ideologias
contraditórias.
A concepção de ideologia do Círculo de Bakhtin será empregada na análise
das várias perspectivas ideológicas das partes em conflito, dos juízes, dos
enunciados das leis e dos precedentes judiciais que se confrontam no acórdão do
STF e na sua ementa que compõem o corpus de análise.
1.7. Semântica
A semântica do Círculo de Bakhtin contém dois grandes elementos: o tema e
a significação. O tema é o sentido do enunciado completo. Ele é irrepetível, único e
depende da situação histórica concreta mais imediata. Ele é determinado por
elementos verbais e não-verbais da situação de interação (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
1929: 133). a significação de um enunciado concreto é uma parte do tema e é
28
abstrata, reiterável, é idêntica a cada repetição (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929:
134).
Embora seja impossível traçar fronteira absoluta entre significação e tema, é
possível classificar ambos como dois estágios da capacidade linguística de
significar: o estágio inferior e o superior os quais podem ser estudados por dois tipos
de investigação respectivamente: a investigação da significação dicionarística e a
investigação da significação contextual (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929: 136).
Julgamos que essa variação terminológica para tratar da semântica dificulta o
entendimento para os fins do nosso estudo. Por essa razão, somos da opinião que
os termos que melhor explicam esses dois estágios são justamente a significação
dicionarística e a significação contextual.
A significação contextual surge em decorrência da avaliação que o falante
expressa juntamente com a significação dicionarística, modificando-a. Oralmente,
essa avaliação é transmitida de modo superficial pela entoação expressiva; por
escrito, ela é transmitida pela seleção de recursos estilísticos
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 137-138).
É importante destacar que a avaliação é socialmente determinada. O falante
pode apenas acrescentar, em alguns casos, alguns tons individuais a ela. É a
avaliação que provoca a mudança histórica na significação. Assim, a evolução
semântica da língua sempre depende da evolução das avaliações de um dado grupo
social.
Ademais, essa evolução é inteiramente determinada pela mudança nas
condições sócio-econômicas. Ela também ocorre de modo dialético, pois os novos
objetos ou os novos modos de vida que surgirem ou passarem a ser usados em um
dado grupo social, irão entrar em luta com os anteriores, provocando reavaliações
de todos eles (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p.137-138).
A significação dicionarística, a contextual e a avaliação serão conceitos
empregados na análise de como os juízes compreendem os enunciados das leis e
dos precedentes e os adaptam a novos casos concretos.
29
1.8. Gêneros discursivos
Cada esfera da atividade humana caracteriza-se pelas finalidades e pelo
modo relativamente duradouro das relações sociais. Para reduzir a incerteza nessas
relações e para satisfazer as finalidades de cada esfera, os seus respectivos
membros criam tipos relativamente estáveis de enunciados que Bakhtin (1952/1953,
p.262) denomina de gêneros discursivos.
Bakhtin, buscando entender os gêneros discursivos, estabeleceu uma
distinção entre oração e enunciado a partir de três aspectos estruturais comuns que
os enunciados entendidos como unidades da comunicação verbal têm, mas as
orações não.
Esses aspectos são os seguintes: a) alternância de sujeitos falantes; b)
finalização do enunciado e; c) relação do enunciado com o falante e com outros
participantes na comunicação.
O primeiro aspecto estrutural é a alternância de interlocutores em um diálogo.
Todo enunciado visa provocar resposta do interlocutor e, para que essa resposta
ocorra, é necessário que o locutor finalize o enunciado e sinalize isso ao interlocutor.
Essa alternância não acontece apenas no diálogo face-a-face entre duas pessoas,
pois o enunciado pode variar desde uma palavra até livros inteiros. Nesse último
caso, cada livro responde, ou seja, é influenciado, cita e polemiza com outras obras
e, ao mesmo tempo, provoca novas respostas, tais como discussões, críticas,
influencia novas obras, etc. (BAKHTIN, 1952/1953, p. 275-280).
O segundo aspecto, a finalização do enunciado, é a face interna da
alternância de falantes. Para que o interlocutor tenha a possibilidade de assumir
uma atitude responsiva, o locutor deve indicar que exauriu semanticamente o tema
do enunciado e também indicar qual é a sua intenção expressa no enunciado. Além
disso, o interlocutor pode detectar quando essa finalização ocorre a partir do
conhecimento que tem das típicas formas composicionais e formas genéricas de
finalização (BAKHTIN, 1952/1953, p. 280-289).
Bakhtin afirma que o terceiro aspecto estrutural do enunciado é a relação do
enunciado com o falante e com outros participantes na comunicação.
Na relação do enunciado com o falante, tanto o objeto ao qual o enunciado se
refere, quanto a avaliação feita pelo falante sobre esse objeto influenciam o estilo e
a forma composicional que o falante adota. Determinados objetos exigem estilos e
30
formas composicionais mais ritualizados, enquanto outros permitem maior liberdade.
O estilo materializa-se na seleção de palavras, estruturas frasais e sintáticas
(Bakhtin 1952/1953, p. 289-296).
Na relação do enunciado com outros participantes na comunicação, ao
elaborar o enunciado, o falante frequentemente encontra o objeto permeado por
avaliações de falantes antecedentes. Nesse caso, o falante está respondendo a
esses outros falantes que o antecederam na grande corrente da comunicação
verbal. Além disso, as palavras que o falante usará estão impregnadas pelas
avaliações desses enunciados antecedentes. Por isso, o falante terá de se
posicionar, seja discordando, seja concordando com elas ou mesmo as
complementando (BAKHTIN, 1952/1953, p. 296-301).
Uma das marcas da presença desses enunciados anteriores é a citação feita
por meio do discurso direto ou do indireto ou ainda do discurso indireto livre. Toda
citação sempre está relacionada com procedimentos de introdução e de avaliação
que tanto podem reproduzir de modo fiel, quanto podem distorcer o discurso citado.
Esses modos de citação, de introdução e de avaliação variam conforme cada esfera
e cada época (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 162, 176, 201; BAKHTIN,
1934/1935, p. 140-141, 149-153).
Bakhtin (1934/1935, p. 142-143) enfatiza que a palavra de outrem exerce uma
profunda influência na construção da perspectiva ideológica de cada ser humano.
Nessa construção, a palavra de outrem assume um papel autoritário ou um papel
interiormente persuasivo. Ele esclarece que, apesar da profunda diferença entre
esses papéis, eles podem se unir na mesma palavra, sendo o conflito e as relações
dialógicas existentes entre eles os determinantes da história da consciência
ideológica individual.
Segundo Bakhtin (1934/1935, p. 143-147), a palavra autoritária exige de nós o
reconhecimento independentemente de nossa persuasão interior, “[...] Ela já foi
reconhecida no passado. É uma palavra encontrada de antemão. [...]”. As formas de
transmissão da palavra autoritária exigem que ela não se confunda com massas de
palavras que a exaltem ou que a apliquem de um modo ou de outro.
a palavra interiormente persuasiva possui relações difusas com outras
palavras interiormente persuasivas, pois “[...] a palavra interiormente persuasiva é
comumente metade nossa, metade de outrem. [...]”. As formas de transmissão da
31
palavra interiormente persuasiva dão origem a ricas interações dela com o contexto,
por isso Bakhtin (1934/1935, p.147) afirma que:
“[...] Nós a introduzimos em novos contextos, a aplicamos a um novo
material, nós a colocamos numa nova posição, a fim de obter dela novas
respostas, novos esclarecimentos sobre seu sentido e novas palavras
“para nós” [...]”
As palavras anteriores de outrem, sejam autoritárias, sejam internamente
persuasivas exercem grande influência sobre a produção do enunciado. Todavia, a
relação que exerce maior influência sobre o enunciado é a do falante com os
participantes posteriores na corrente da comunicação verbal, isto é, o
endereçamento do enunciado a um ouvinte. Ao elaborar o enunciado, o falante
tentará formulá-lo de acordo com o volume de conhecimento e conforme a posição
social do ouvinte e da proximidade existente entre eles.
gêneros discursivos tão padronizados que quase eliminam as
possibilidades de o falante inserir seu estilo individual neles. Nesses gêneros, o
ouvinte triunfa sobre a expressão da individualidade do falante, pois este se
preocupa mais em tornar o enunciado claro do que em criar ou inovar
estilisticamente. os gêneros que envolvam relação de proximidade, tais como os
gêneros familiares e íntimos, normalmente possibilitam uma franqueza muito grande
na expressão. Com relação à posição social do ouvinte é necessário enfatizar que
embora a língua possa conter pronomes de tratamento e outras formas para várias
posições sociais, será apenas dentro de um dado enunciado que cada uma dessas
formas receberá uma avaliação concreta (BAKHTIN, 1952/1953, p.301-306).
Essa diferenciação entre gêneros é constatada por meio de três elementos
indissociáveis que identificam cada gênero: o mais importante para essa finalidade
de identificação é a construção composicional e os outros dois são o estilo e o
conteúdo temático (BAKHTIN, 1952/1953, p. 262-263).
Os elementos indissociáveis do enunciado e os seus aspectos estruturais
serão conceitos empregados na identificação da forma composicional, estilo, tema
da ementa e do acórdão do STF e na descrição das relações existentes entre os
participantes na construção do acórdão e da ementa do STF. Também analisaremos
se o acórdão do STF e sua ementa são considerados como palavra autoritária ou
como internamente persuasiva por juízes de outros tribunais ao citarem precedentes
do STF.
32
1.9. Plurilinguismo
Uma língua nacional única sempre está sujeita a duas forças opostas: as
forças centrípetas e as centrífugas. As centrípetas são os processos históricos de
unificação da língua nos quais uma língua ou variante linguística subjugam ou
tentam conter o avanço de outras. Já as forças centrífugas produzem a estratificação
interna de uma língua nacional única. Essa estratificação origem às linguagens
de gêneros, às sócio-profissionais, às das gerações e às literárias, etc. Uma vez que
essas duas forças estão sempre presentes, cada enunciado, então, torna-se o ponto
onde se cruzam essas forças opostas (BAKHTIN, 1934/1935, p. 81-82).
A causa fundamental do surgimento desses estratos internos de uma língua
nacional é o modo de valorar e interpretar o mundo que cada linguagem tem, isto é,
a perspectiva ideológica de cada uma. Por essa razão, as linguagens mudam os
significados e valorações das palavras, mas, normalmente, mantêm a morfologia e
regras sintáticas da língua nacional. Às vezes, contudo, essas linguagens alteram a
forma das palavras e dos sons e tornam-se, assim, dialetos (BAKHTIN, 1934/1935,
81-82 e 98).
Desse modo, podemos distinguir dois tipos de plurilinguismo. O primeiro
refere-se a uma diversidade de linguagens com perspectivas sócio-ideológicas
diferentes dentro do mesmo idioma. O segundo relaciona-se a dialetos ou mesmo
idiomas diferentes, mas usados por uma mesma comunidade.
Os elementos que compõem cada tipo de plurilinguismo o estão separados
rigidamente uns dos outros. No caso da diversidade de linguagens com perspectivas
sócio-ideológicas diferentes, cada uma dessas linguagens mantém relações de
concordância ou discordância com outra linguagem. Também no caso de diferentes
dialetos ou idiomas usados pela mesma comunidade, os membros da comunidade
misturam palavras e formas sintáticas de um dialeto ou idioma com outros dialetos
ou idiomas. Além dessas relações internas dentro de cada tipo de plurilinguismo,
relações externas entre eles, isto é, o plurilinguismo de perspectivas sócio-
ideológicas relaciona-se com o plurilinguismo de dialetos ou idiomas. Isso acontece
porque as palavras ou as formas sintáticas de um dialeto/idioma sempre estão
associadas a determinadas perspectivas sócio-ideológicas.
33
Apesar dessa diversidade de linguagens com perspectivas sócio-ideológicas
diferentes com diferentes graus de evolução histórica dentro do mesmo idioma em
uma mesma época, é possível o diálogo entre os falantes de estratos diferentes.
No entanto, esse diálogo não é fácil, pois os falantes pertencentes a um
mesmo estrato usam a respectiva linguagem de modo espontaneamente expressivo.
Ao passo que os falantes que não pertencem a esse estrato consideram-nas
pesadas e de difícil utilização espontânea (BAKHTIN, 1934/1935, p.97).
O conceito de plurilinguismo terá várias aplicações na análise a ser
empreendida na presente dissertação. A primeira aplicação será na análise de
forças centrífugas e centrípetas atuantes nas regras dos gêneros ementa e acórdão
do STF. A segunda será na análise da relação entre falantes que pertencem à
esfera jurídica e aqueles que não pertencem a ela. A terceira e principal aplicação
será na identificação de várias perspectivas ideológicas presentes nos acórdãos e
ementas.
1.10. A sequência da mudança da língua
Na obra "Marxismo e filosofia da linguagem" (1929, p. 129),
Bakhtin/Volochinov apresentam uma sequência de como ocorre a mudança histórica
da língua. Num primeiro estágio dessa sequência, a mudança nas relações sociais e
nas condições econômicas causa alterações nas interações verbais; No segundo
estágio, a variação nas interações verbais provoca mudanças nas formas dos
enunciados. No terceiro, a variação nessas formas de enunciados acarreta a
alteração das formas linguísticas.
Essa sequência, contudo, não segue uma causalidade mecânica por meio da
qual uma mudança sócio-econômica produziria diretamente uma mudança na língua.
Esse tipo de causalidade não ocorre porque a língua tem leis internas de mudança
que independem das externas ou que modificam a abrangência das causas sócio-
econômicas (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929, p. 40-41).
Já em "O discurso no Romance" (1934/1935, p.81-84 e 96), Bakhtin, descreve
de modo mais resumido a mudança da língua nacional única, pois ele trata apenas
de forças centrífugas e centrípetas que provocam mudanças em uma língua nacional
única.
34
Em nosso entendimento, é possível compatibilizarmos as duas explicações
sobre a mudança histórica da língua, constantes nas duas obras. Basta, para tanto,
que consideremos que, entre as forças centrífugas, estão as forças produzidas por
mudanças nas relações sociais e nas condições econômicas.
Assim, a ordem de mudança histórica da língua é a seguinte:
1) Interações verbais evoluem dentro dos limites das mudanças provocadas
pelas forças centrífugas, isto é, pelas mudanças nas relações sociais e nas
condições econômicas;
2) Formas de enunciados evoluem em consequência das mudanças nas
interações verbais;
3) As formas da língua evoluem.
A oposição entre as forças centrípetas e centrífugas gera a mudança da
língua ao longo do tempo. Assim, a linguagem de cada estrato social muda em cada
época histórica. Essas mudanças serão mais estáveis e duráveis dependendo da
intensidade e da duração da força estratificante (BAKHTIN, 1934/1935, p. 97 e 100).
Esse modo de funcionamento da estratificação da língua influencia o modo
como as linguagens são estudadas. Isso se deve ao fato de que as características
estáveis e duradouras de cada linguagem são resultado de forças estratificantes
ligadas a determinado ponto de vista interpretativo e valorativo de cada estrato
social. Portanto, o vocabulário fixo e outras formas duradouras de cada linguagem
podem ser estudados caso seja também estudado o ponto de vista interpretativo
e valorativo que lhes deram origem (BAKHTIN, 1934/1935, p. 97 e 99).
Para o estudo da língua, BAKHTIN/VOLOCHINOV (1929, p.128-129) propõe
uma ordem metodológica que espelha essa ordem da mudança histórica. Assim,
deve-se estudar a língua na seguinte sequência:
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições
concretas em que se realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em
ligação estreita com a interação de que constituem elementos, isto é, as
categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a
uma determinação pela interação verbal.
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística
habitual.
Na análise dos dados, adotaremos essa ordem metodológica proposta por
Bakhtin. Assim, identificaremos as interações verbais e as condições concretas da
35
construção do acórdão e da ementa do STF, depois analisaremos os dois gêneros e,
por fim, buscaremos identificar formas linguísticas que relacionem dialogicamente o
acórdão do STF e a sua ementa.
36
2. Estudos sobre os gêneros discursivos jurídicos
No presente capítulo, exporemos sinteticamente a teoria de gêneros de
Bhatia e a sua aplicação na análise de gêneros jurídicos do Reino Unido. Nessa
análise, Bhatia emprega as categorias de movimentos retóricos de Swales. Também
apresentaremos a análise que Catunda e Soares realizaram, empregando alguns
conceitos bakhtinianos e as categorias de movimentos retóricos de Swales, de
acórdãos brasileiros. Em seguida, mostraremos os critérios que Campestrini
formulou para a redação de ementas. Também apresentaremos sucintamente a
classificação de Alexy para os esquemas argumentativos empregados em decisões
judiciais.
2.1. Os gêneros jurídicos na perspectiva de Bhatia
O conceito de gênero discursivo de Bhatia está intimamente ligado ao seu
conceito de discurso. Bhatia (2005, p. 19-22) propõe um modelo de três espaços
superpostos para a análise do discurso escrito. No primeiro espaço, o discurso é
visto como texto e o foco de análise é direcionado para as características textuais. O
segundo espaço é denominado de sócio-pragmático e é subdividido em dois
subespaços: o primeiro subespaço é chamado de espaço tático, nele o discurso é
analisado como gênero. O segundo subespaço é denominado de espaço
profissional no qual o discurso é visualizado como prática profissional. O terceiro
espaço é o espaço social no qual o discurso é encarado como prática social.
Bhatia concorda com Swales quanto à afirmação de que o gênero é
principalmente caracterizado pelo propósito comunicativo que ele deve preencher.
No entanto, Bhatia (2003, p. 16) enfatiza que seu conceito difere do de Swales
porque este deixa, em segundo plano, o nível cognitivo
3
da construção do gênero e,
assim, desvaloriza os aspectos táticos
4
da construção do gênero
5
, os quais
3
Para evitar as implicações individualistas que podem estar associadas ao conceito de nível
cognitivo, Bhatia (2003, p. 21) afirma que a estruturação cognitiva do gênero reflete o conhecimento
social convencionalizado e acumulado disponível em uma comunidade profissional ou discursiva e
não apenas o conhecimento individual.
4
Para tratar da flexibilidade e da inovação nos gêneros, Bhatia (2005, p. 87-95 e 111) cunhou o
conceito de apropriação de recursos genéricos. Quem realiza essa apropriação são membros
37
desempenham um importante papel no conceito de gênero como um processo social
dinâmico
6
.
Para tratar desse aspecto dinâmico do gênero, Bhatia construiu uma
perspectiva teórica com base em conceitos que tentam identificar como os gêneros
mudam e como os membros de uma comunidade discursiva agem para mudá-los.
Nessa linha, Bhatia (2003, p. 39) propõe uma metodologia de análise de gêneros
que deve clarificar tanto as finalidades comunicativas de uma determinada
comunidade discursiva, quanto as estratégias que seus membros empregam para
atingir essas finalidades
7
.
experientes de determinadas comunidades discursivas. O grau de conhecimento e domínio que esses
membros têm dos gêneros possibilitam que eles façam dois tipos de mudanças: a alteração de
propósitos e a fusão entre gêneros.
5
Um gênero é identificado, segundo Bhatia (2005, p.123-133), por sua integridade genérica. duas
grandes categorias de indicadores dessa integridade: a primeira abrange fatores internos ao texto (os
recursos textuais, intertextuais e o contexto) e a segunda compreende fatores externos ao texto
(forma de participação na autoria, interdiscursividade entre gêneros, cultura do grupo onde o gênero é
usado, práticas discursivas que determinam a escolha de um certo gênero para cumprir determinadas
finalidades). Bhatia ressalta que essa integridade é flexível e, às vezes, contestada pelos usuários de
um determinado gênero. Um exemplo dessa contestação, segundo Bhatia (2005, p.136-142), é a dos
gêneros legislativos no Reino Unido onde a definição dos papéis dos autores e leitores reais das leis
é conflituosa
6
Visando tratar da variação de gêneros dentro de um domínio, Bhatia (2005, p.53-56) criou o
conceito de gêneros de um domínio específico abrangendo os conceitos de conjunto de gêneros,
sistema de gêneros e gêneros disciplinares. Para tratar da variação entre domínios, Bhatia (2005,
p.57-59) cunhou os conceitos de supergêneros, subgêneros e colônias de gêneros.
7
De acordo com o autor, essa metodologia tem sete passos (BHATIA, 2003, p. 22-36) que,
dependendo do conhecimento prévio do analista ou de seus objetivos de análise, podem ou não ser
todos aplicados na análise de um certo gênero. O primeiro passo é o da colocação, de modo
aproximado, de um gênero dentro de um contexto situacional. O segundo é o da pesquisa da
literatura existente sobre o gênero. Essa literatura possibilitará a execução do terceiro passo, que é o
do refinamento da análise do contexto situacional do gênero. O quarto passo é o da seleção do
corpus. No quinto passo, o analista estuda o contexto institucional e as regras que regulam como o
gênero é empregado nele.
O sexto passo é o da análise linguística, a qual Bhatia subdividiu em três níveis interligados. O
primeiro nível é o da análise quantitativa de aspectos léxico-gramaticais. No segundo nível, é
realizada a análise das finalidades específicas que regem a escolha e combinação de determinados
elementos léxicos, sintáticos ou até mesmo discursivos. O terceiro nível, por fim, é o que visa a
destacar os aspectos cognitivos da organização da linguagem do gênero. Nesse nível, Bhatia
entende, com algumas ressalvas, que a noção de movimentos retóricos de Swales serve para
esclarecer como a finalidade comunicativa principal do gênero influencia as finalidades de cada
movimento e vice-versa.
O sétimo passo da metodologia é o uso de informantes especialistas que sejam membros da
instituição em que o gênero é utilizado. O papel dos informantes é fornecer dados sobre o
funcionamento do campo e confirmar os achados de pesquisa do analista.
38
2.1.1. Análise de gêneros jurídicos
Bhatia exemplifica sua perspectiva teórica e sua metodologia com a análise
de gêneros profissionais, tais como cartas promocionais de vendas, pedidos de
emprego, gêneros acadêmicos e gêneros jurídicos como leis e casos judiciais. Para
os fins da presente dissertação, iremos apresentar o modo como Bhatia conduz a
análise desses gêneros jurídicos. Entre esses gêneros, dedicaremos mais espaço
aos casos judiciais.
No que tange ao gênero da lei, Bhatia (2003, p.117) afirma que os enunciados
dos textos legislativos possuem um propósito comunicativo que é compartilhado
pelos membros praticantes da comunidade de especialistas. Esse propósito é, em
grande parte, refletido no modo como os enunciados legislativos são
convencionalmente escritos e lidos pelos membros da comunidade. Tais propósitos
influenciam as propriedades sintáticas e a estruturação cognitiva que são
tipicamente exibidas nos textos legislativos.
Os gêneros judiciais analisados por Bhatia (2003, p.118-136) são versões
condensadas de julgamentos proferidos pelo poder judiciário do Reino Unido.
Conforme a finalidade da condensação, um mesmo julgamento pode ser resumido
de modo bem detalhado e ou bem breve. Bhatia usa a expressão “casos legais”
tanto para se referir a essas condensações quanto para se referir aos julgamentos
completos. O autor identifica (BHATIA, 2003, p. 119-120) quatro propósitos
comunicativos dos casos legais:
1 - Na forma de julgamentos completos, os casos servem como registros
autênticos de julgamentos passados;
2 - Os casos legais completos ou condensados também têm a função de
servirem como precedentes para julgamentos subsequentes;
3 - Os casos legais altamente resumidos são agrupados em livros que servem
como lembretes para os especialistas da área jurídica tanto durante as sessões de
julgamento quanto nas escolas jurídicas;
4 - Os casos legais resumidos com maiores detalhes servem para os
estudantes aprenderem determinados pontos do direito.
39
2.1.2. A estruturação cognitiva dos casos legais
Bhatia (2003, p.127-136), adotando os conceitos de movimentos retóricos
formulados por Swales, identifica, em vários casos legais condensados, uma
estrutura de quatro movimentos que resumimos a seguir:
1 º movimento identificando o caso;
2 º movimento estabelecendo os fatos do caso;
3 º movimento argumentando o caso;
3.1 fornecendo o histórico do caso;
3.2 apresentando os argumentos;
3.3 derivando a ratio decidendi, isto é, a razão principal da decisão;
4 º movimento proferindo o julgamento;
Ao identificar esse quatro movimentos, Bhatia detectou uma variação na
extensão ou na presença de cada um deles nos casos analisados. Ele concluiu que
essa variação foi resultado dos diferentes propósitos comunicativos para os quais
cada caso foi condensado.
2.1.3. Avaliação da abordagem de Bhatia para o estudo dos gêneros
Bhatia entrou em questões teóricas e metodológicas que haviam sido
pioneiramente inauguradas
8
pelo Círculo de Bakhtin. Todavia, Bhatia contribui para o
estudo de gêneros ao detalhar os conceitos Bakhtinianos e ao estudar os gêneros
8
A abordagem de Bhatia possui muitas relações com a teoria do Círculo de Bakhtin. A primeira delas
é o modelo de três espaços para o estudo do discurso proposto por Bhatia. Esses três espaços
correspondem aos três passos do estudo e da mudança da linguagem apresentado pelo Círculo de
Bakhtin.
A segunda relação é a constatação de que os neros discursivos são simultaneamente estáveis e
instáveis. Para lidar com essa instabilidade, Bhatia adotou o conceito de hibridização de gêneros. Da
mesma forma, o Círculo de Bakhtin já havia definido os gêneros como tipos relativamente estáveis de
enunciados e, especificamente Bakhtin já havia estudado os modos de hibridização do discurso.
A última relação está na pirâmide de agrupamento de gêneros elaborada por Bhatia: conjunto de
gêneros, sistema de gêneros, gêneros disciplinares e, por fim, gêneros de um domínio profissional.
Esses critérios de agrupamento em razão de um domínio, já haviam sido descritos pelo Círculo por
meio do conceito de repertório de gêneros de uma esfera.
40
discursivos profissionais, especificamente, os gêneros jurídicos os quais não foram
objeto de estudo do Círculo.
2.2. O gênero discursivo Acórdão na visão de Catunda e Soares
Catunda e Soares (2007) adotam a teoria bakhtiniana e as categorias de
movimentos retóricos de Swales para realizar uma análise da estrutura
composicional de 30 acórdãos, sendo 15 acórdãos de um Tribunal de Justiça e 15
acórdãos de um Tribunal Regional do Trabalho.
Elas endossam a definição bakhtiniana de que gênero discursivo é uma forma
típica de enunciado e que este é composto pela união indissolúvel entre forma
composicional, estilo e conteúdo temático. Entretanto, as autoras afirmam que
Bakhtin não chegou a desenvolver uma teoria sobre a forma composicional com o
mesmo grau de complexidade que desenvolveu sua teoria do estilo. As autoras
(CATUNDA e SOARES, 2007, p. 117) interpretam que a construção composicional:
[...] diz respeito à estruturação, à organização geral dos tipos de
enunciado. Poderíamos dizer que ela é um conjunto de restrições às
formas de dizer impostas pelas situações recorrentes, mas específicas, de
comunicação.
No que se refere aos acórdãos, Catunda e Soares reconhecem que eles
fazem parte de gêneros que são rígidos porque refletem as condições e finalidades
da esfera jurídica. Tal rigidez decorre do fato de que leis que determinam qual
deve ser a estrutura dos acórdãos.
As autoras (CATUNDA e SOARES, p. 129-130) discriminam quais são os
enunciadores e destinatários do acórdão. O Relator é o principal enunciador do
acórdão e sua voz e a voz do tribunal a que pertence passa ser uma só. Quanto aos
destinatários, Catunda e Soares asseveram que eles normalmente não
compreendem a linguagem e estrutura do acórdão e, por essa razão, eles precisam
de um mediador que faça a tradução da linguagem jurídica para a linguagem
comum.
As autoras, então, adotam a categoria de movimentos retóricos de Swales
para identificar a estrutura de 30 acórdãos e para comparar se essas estruturas
41
assim identificadas estão de acordo com o modelo previsto em lei. Apresentamos, a
seguir, uma síntese da estrutura constatada na análise dos acórdãos:
Unidade retórica 1 Identificação das partes;
Unidade retórica 2 Sumário do conteúdo;
Unidade retórica 3 Relato dos motivos do autor;
Unidade retórica 5 Justificativa da posição do colegiado
Unidade retórica 5 Encerramento da sentença;
Depois de encontradas essas unidades maiores, Catunda e Soares (2007,
p.132-134) identificaram 22 subunidades, a seguir resumidas:
Subunidade 1 identificando o tribunal
Subunidade 2 identificando o processo
Subunidade 3 identificando a primeira parte envolvida
Subunidade 4 identificando a segunda parte envolvida
Subunidade 5 nomeando o relator
Subunidade 6 especificando o tipo de acórdão
Subunidade 7 antecipando a decisão do colegiado
Subunidade 8 comentando a decisão
Subunidade 9 expondo a legislação que dá suporte à decisão
Subunidade 10 expondo a insatisfação do autor com a primeira sentença
Subunidade 11 expondo as alegações do autor
Subunidade 12 tecendo uma breve análise
Subunidade 13 expondo as alegações da segunda parte
Subunidade 14 fundamentando a decisão
Subunidade 15 discutindo a legislação que dá suporte à decisão
Subunidade 16 explicando a decisão colegiada
Subunidade 17 pronunciando a decisão
Subunidade 18 localizando a decisão
Subunidade 19 procedendo à assinatura do presidente do tribunal
Subunidade 20 procedendo à assinatura do juiz-relator
Subunidade 21 procedendo à assinatura do procurador-chefe
Subunidade 22 procedendo à assinatura do membro
42
Catunda e Soares afirmam (2007, p.134) que quinze dessas subunidades
obrigatoriamente devem constar em todo acórdão em razão das determinações
legais. Elas realizaram a correlação dessas subunidades com as unidades e
construíram um modelo da organização retórica do acórdão que contemplasse
apenas as unidades e subunidades que ocorreram em mais de 50% dos acórdãos
analisados. Elas renumeraram as subunidades e indicaram com a conjunção “e”
antecedendo as subunidades do modelo que são obrigatórias e com “e/ou”
introduzindo as que são opcionais. Abaixo estão relacionadas, de forma resumida,
as unidades e subunidades em questão:
Unidade retórica 1 Identificação das partes;
Subunidade 1 identificando o tribunal e
Subunidade 2 identificando o processo e
Subunidade 3 identificando a primeira parte envolvida e
Subunidade 4 identificando a segunda parte envolvida e
Subunidade 5 nomeando o relator e
Subunidade 6 especificando o tipo de acórdão e
Unidade retórica 2 Sumário do conteúdo;
Subunidade 7 especificando a ação e/ou
Subunidade 8 expondo a legislação que dá suporte à decisão e/ou
Subunidade 9 antecipando a decisão do colegiado
Unidade retórica 3 Relato dos motivos do autor;
Subunidade 10 expondo a insatisfação do autor com a primeira sentença e
Subunidade 11 fazendo uma breve análise (relator)
Unidade retórica 4 Justificativa da posição do colegiado;
Subunidade 12 fundamentando a decisão e
Subunidade 13 discutindo a legislação que dá suporte à decisão e/ou
Subunidade 14 explicando a decisão colegiada e
Subunidade 15 pronunciando a decisão
43
Unidade retórica 5 Encerramento da sentença
Subunidade 16 localizando e datando a decisão e
Subunidade 17 procedendo à assinatura do presidente do tribunal e
Subunidade 18 procedendo à assinatura do juiz-relator
Comparando esse modelo por elas construído com o modelo previsto nas leis,
as autoras concluíram que as unidades retóricas 1, 2 e 5 não estão previstas
legalmente, mas ocorreram em 100% dos acórdãos analisados. Na opinião delas,
apesar dessa ocorrência de unidades não previstas, a estrutura dos acórdãos é
altamente formulaica e que isso reforça a idéia de que a comunidade discursiva
jurídica dificulta a participação de membros estranhos à comunidade.
Em nossa opinião, a análise empreendida por Catunda e Soares é pioneira e
aplicou de modo pertinente as categorias de Swales. Porém, temos uma pequena
observação a fazer sobre as conclusões que elas deixaram de tirar a partir da teoria
bakhtiniana. As autoras concluíram corretamente que membros estranhos à
comunidade jurídica têm dificuldade de compreender a linguagem dos acórdãos, no
entanto, elas deixaram de relacionar essa incompreensão com a categoria
bakhtiniana do plurilinguismo e as razões de estratos diferentes de linguagem
aparecerem como opacos uns para os outros.
2.3. Critérios para elaboração de ementas na visão de Campestrini
Campestrini (1994) propõe um modelo fortemente prescritivo de como redigir
ementas. Ele principia (1994, p.1) seu valioso opúsculo com a explicação
etimológica e lexicográfica:
A palavra “ementa” origina-se do neutro plural de ementum (do verbo
latino eminiscor), que significa anotações, apontamentos, coisa a lembrar.
Vem sendo empregada com acepções diversas: nos programas de ensino
e projetos, significa relação de tópicos; na legislação, designa a parte da
epígrafe que contém o objetivo do ato; nas áreas jurisprudencial e
administrativa, constitui atualmente o dispositivo (regra de conduta)
resultante da decisão ou do parecer, passando a ter força de lei entre as
partes ou no âmbito do órgão.
O autor entende que a ementa passou a ser usada na esfera jurídica como se
fosse uma lei, pois juízes e advogados usam ementas em suas argumentações para
44
fundamentar decisões e pedidos respectivamente. Por essa razão, Campestrini
defende (1994, p. 2) que a ementa seja “redigida dentro das orientações da técnica
legislativa; elaborada com maior rigor formal, porque é a linguagem que realiza o
direito”.
O autor estipula que a ementa é composta de duas partes: verbetação e
dispositivo. Contudo, Campestrini reconhece (1994, p.5) que nas publicações são
acrescentadas outras informações: órgão julgador, natureza e número do processo,
local de origem do processo, nome do relator, data e órgão de publicação e se a
decisão foi unânime. Se o julgamento contiver mais de um ponto controvertido, a
ementa será composta e assim terá uma verbetação e dispositivo para cada ponto
(CAMPESTRINI, 1994, p.10).
A verbetação tem como função facilitar a busca das ementas e deve ser
composta, segundo Campestrini (1994, p.5-7), por palavras ou expressões sendo
vedado o uso de sentenças. O formato da verbetação deve ser em caixa baixa
(maiúscula somente a inicial), com ponto entre cada uma das palavras ou
expressões. Ele afirma que recursos como o negrito e palavras todas em maiúsculas
mancham o texto e diminuem o destaque do dispositivo, por tais razões esses
recursos são proibidos.
De acordo com Campestrini (1994, p.9), o dispositivo é a regra resultante do
julgamento do caso concreto. Por ser regra, ele entende que o dispositivo deve ser
abstrato. Além disso, por entender que o dispositivo é, em princípio, original,
Campestrini prescreve que no dispositivo não deve haver citação de outros
julgamentos, de lei ou de doutrina. Em termos gráficos, ele recomenda que o
dispositivo seja inserido em parágrafo distinto da verbetação e em caracteres
itálicos.
Por meio de exemplos de ementas defeituosas, Campestrini (1994, p.13)
mostra como elas podem ser corrigidas para que o dispositivo seja: 1) objetivo; 2)
conciso; 3) afirmativo; 4) propositivo; 5) preciso; 6) unívoco;7) coerente; 8) correto.
Explicaremos, a seguir, como Campestrini entende esses requisitos.
O dispositivo deveria ser objetivo porque a ementa deve corresponder ao que
foi decidido e, desse modo, ela não pode conter palavras de caráter subjetivo e nem
ênfase gráfica, além disso, o julgador não deve citar outras decisões para amparar
seu convencimento.
45
A concisão prescreveria que o dispositivo não pode conter elementos
metalinguísticos, exemplificação, expressões indefinidas, nem pode conter resumo
do voto ou da argumentação, nem, ainda, pode conter justificativa para a regra
prescrita.
A regra deveria ser expressa de modo afirmativo com a indicação da conduta
que o destinatário deve fazer ou deixar de fazer.
Para facilitar o entendimento do sentido completo da conduta prescrita ou
proibida, o dispositivo deveria ser construído com forma de proposição contendo
sentido completo com sujeito, verbo, complementos e/ou adjuntos.
Para que a conduta seja indicada com precisão, o dispositivo não deveria
conter termos em sentido figurado ou amplo em excesso, nem sinônimos, porque
são raros na língua portuguesa os casos de sinônimos perfeitos.
O requisito da univocidade é atendido quando o dispositivo além de ser
preciso, não tem os seguintes elementos que provocam ambiguidade: orações
reduzidas de gerúndio e de particípio; a colocação de adjuntos adnominais e
adverbiais; ordem inversa das palavras .
A coerência é obtida quando o dispositivo apresenta lógica e coesão entre
suas partes.
Por fim, segundo Campestrini, um dispositivo é correto quando respeita as
regras gramaticais. Mesmo que as sete características acima dificultem a elegância
de estilo no dispositivo, o seu redator deve se atentar as regras de regência,
concordância e de formação de palavras.
Dentro do referencial teórico do Círculo de Bakhtin que adotamos,
acreditamos que o modelo prescritivo de Campestrini é necessário para dar relativa
estabilidade ao gênero ementa. Essa necessidade torna-se ainda maior no caso do
direito que precisa produzir leis e decisões judiciais que garantam a segurança
jurídica e a justiça nas relações humanas. Desse modo, esse modelo prescritivo
representa duas grandes forças centrípetas no plurilinguismo. A primeira é força que
prescreve regras para o gênero ementa. A segunda é aquela contida na oitava
característica do dispositivo: a correção gramatical.
Além dessas duas, há uma terceira força centrípeta representada na proposta
de Campestrini: ele sustenta que a ementa é composta apenas por verbetação e
dispositivo e que nela não deve constar informação sobre se o julgamento foi
atingido por votação unânime ou por maioria. Ao propor que essa informação seja
46
omitida, ele está propondo que eventuais perspectivas ideológicas divergentes
sejam ocultadas e que, assim, apenas uma perspectiva apareça.
Embora concordemos com a defesa, feita por Campestrini, das duas
primeiras forças centrípetas, discordamos da defesa da terceira força centrípeta.
Nossa discordância está assentada em três argumentos. O primeiro é o fato de que
os tribunais colegiados existem para possibilitar o debate entre os julgadores e para
que, desse modo, eles aprendam e argumentem com pontos de vista contrários. O
segundo é que a própria lei não exige unanimidade nas votações dos julgamentos,
isto é, nem o legislador espera que os julgadores compartilhem sempre das mesmas
perspectivas. Por fim, o terceiro argumento é o de que os julgadores com frequência
mudam suas perspectivas para ajustá-las às mudanças na sociedade. Desse modo,
um precedente estabelecido por julgamento por uma pequena margem de maioria
de votos tem maior probabilidade de ser mudado do que o precedente estabelecido
por unanimidade. Assim, a composição dos votos de cada julgamento deve constar
na ementa para que todos os destinatários dela saibam de modo rápido sobre a
diversidade ou não das perspectivas ideológicas dos julgadores e assim possam
tomar decisões sobre o impacto dessa diversidade em casos judiciais futuros.
2.4. Esquemas argumentativos usados em decisões judiciais na visão da
Teoria argumentativa de Alexy
Alexy (2001) elaborou uma teoria complexa sobre a argumentação jurídica.
Para fins de nossa dissertação, abordaremos apenas a visão que o autor tem dos
esquemas argumentativos usados nas decisões judiciais.
Alexy (2001, p.218) distingue dois níveis de argumentação nas decisões
judiciais: o nível interno e o externo. No nível interno, a finalidade é fazer com que a
conclusão decorra logicamente das premissas adotadas na argumentação. no
externo, a finalidade é apresentar argumentos em favor das próprias premissas
usadas na argumentação.
No nível externo da argumentação, Alexy (2001, p.225) distinguiu seis grupos
de esquemas argumentativos usados também por juízes para argumentar em suas
decisões. Enumeramos a seguir esses esquemas argumentativos:
1 sobre cânones de interpretação da legislação;
2 sobre a doutrina;
47
3 sobre uso dos precedentes;
4 sobre regras gerais práticas;
5 sobre fatos empíricos;
6 sobre formas especiais da argumentação jurídica.
Alexy (2001, p.228) subdividiu o primeiro grupo em seis subgrupos. Assim, os
esquemas argumentativos sobre cânones de interpretação da legislação abrangem
os esquemas sobre:
1.1 semântica das normas;
1.2 a intenção subjetiva do legislador;
1.3 a história da lei;
1.4 a comparação da lei de um país com as leis de outro país;
1.5 a posição e relações da lei dentro do sistema normativo;
1.6 a finalidade objetiva da lei.
Ao tratar do terceiro grupo, o sobre uso de precedentes, Alexy explica que
para aplicar um precedente, o juiz deve demonstrar que o caso atual assemelha-se
ao precedente nos aspectos relevantes. Alexy reconhece que normalmente é difícil
identificar quais são esses aspectos.
Os juízes que quiserem se afastar do precedente assumem um ônus
argumentativo maior do que aqueles que querem aplicá-lo, ou seja, eles terão que
apresentar mais argumentos para se afastar do precedente.
Um precedente pode ser afastado total ou parcialmente. No primeiro caso, o
juiz reverte o precedente. No segundo, o juiz elabora distinções no precedente para
reduzir ou modificar o âmbito de aplicação do precedente.
Alexy não detalha quais são os esquemas argumentativos usados para
interpretar precedentes. Em uma rápida passagem, Alexy (1997, p. 55) afirma que,
na elaboração de distinções, o Tribunal Constitucional Alemão utiliza os esquemas
argumentativos sobre cânones de interpretação.
A classificação de esquemas argumentativos elaborada por Alexy será, na
presente dissertação, empregada na análise da forma composicional dos votos dos
acórdãos selecionados.
48
3. A esfera jurídica
3.1. A função social da esfera jurídica
Na perspectiva jurídica, o conflito entre duas pessoas é resultado da violação
de uma norma jurídica por uma delas em prejuízo da outra pessoa. As partes em
conflito, todavia, o podem usar a força na resolução desse conflito, pois o estado
contemporâneo detém o monopólio da força legítima. Assim, as partes devem
submeter seus conflitos ao poder judiciário que os soluciona e impõe suas decisões
mediante o uso da força legítima.
Para evitar que os juízes exerçam um poder arbitrário, as sociedades
ocidentais contemporâneas exigem que as decisões judiciais sejam fundamentadas
em argumentos racionais. O padrão de racionalidade desses argumentos, contudo,
não é único
9
, pois ele depende da comunidade em que o julgador vive. Um dos tipos
de argumentos usados pelos juízes é o precedente judicial.
Os precedentes judiciais são o conjunto de decisões judiciais sobre casos
passados. Assim, ao usar um ou mais precedentes, o juiz de um caso atual tenta
demonstrar que a decisão atual o se afasta das decisões de casos anteriores e
análogos ao caso atual. São duas as finalidades dessa demonstração. A primeira
finalidade é que o juiz quer mostrar que é justo, isto é, julga da mesma forma casos
que são semelhantes. A segunda finalidade é manter a certeza na aplicação do
direito, pois as partes envolvidas no processo e a sociedade em geral podem prever
com certa margem de segurança qual será o resultado do julgamento.
registros de uso de precedentes judiciais desde a Roma Antiga (Tucci,
2004, p.45-51). No entanto, tal uso era feito principalmente por advogados para
argumentar perante o juiz e não por juízes para justificar suas decisões. Isso ocorria
porque a sociedade da Roma Antiga não exigia dos juízes uma fundamentação
racional.
9
Não queremos afirmar que a racionalidade, na argumentação, é totalmente relativa. Nossa posição
a esse respeito é a mesma de Alexy. Alexy (2001, p.129-141) seguindo, nesse ponto, a teoria da
argumentação de Perelman, afirma que cada argumentante constrói sua argumentação direcionada a
seu auditório imediato, mas usa, como parâmetro para aferição da racionalidade dos argumentos, um
conceito de auditório universal.
49
No ocidente, atualmente, dois tipos de esferas jurídicas: a) as anglo-saxãs
que dão muito valor aos precedentes judiciais, dentro delas estão os EUA, Inglaterra
e alguns países colonizados por ela; b) as romano-germânicas
10
que prezam mais
as leis do que os precedentes judiciais. Esse segundo tipo de esfera abrange a
Europa continental e países colonizados por ela como o Brasil.
3.2. Breve caracterização da esfera jurídica brasileira
O modo como o poder judiciário de um país está organizado é consequência
da ideologia que fundamenta o modelo de Estado. No caso brasileiro, a esfera
jurídica atual é resultante principalmente da ideologia do liberalismo. Segundo
Wolkmer (2003, p.121-122), o liberalismo foi formulado pela burguesia em sua luta
contra a dominação do feudalismo aristocrático fundiário, entre os séculos XVII e
XVIII, na Europa. O Liberalismo caracteriza-se pela afirmação de direitos individuais
(direito de liberdade, direito de igualdade perante a lei, direito de propriedade) que
pré-existiriam ao Estado e que não poderiam ser violados por ele. Com as
revoluções burguesas da Inglaterra e França, esses direitos ficaram incorporados
em Constituições que passaram a ser as leis supremas nesses países.
Assim, de acordo com Bobbio (1994, p.19), o Estado liberal é aquele no qual
existem mecanismos constitucionais que limitam o poder estatal arbitrário ou
abusivo. O pensador italiano enumera alguns desses mecanismos, que resumimos a
seguir:
1) o controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo;
2) eventual controle do Poder Legislativo ordinário por parte de um tribunal
constitucional a que se pede a averiguação da constitucionalidade das leis;
3) relativa autonomia do governo local em todas as suas formas e em seus
graus com respeito ao governo central;
4) uma magistratura independente do poder político.
Bobbio (1994, p.36 e 43) conta que os primeiros liberais exprimiam profunda
desconfiança contra toda forma de governo popular, por essa razão defendiam que
10
Sobre a história do direito romano-germânico, consultar: Bretone (1998); Castro (2007); Costa
(2007); Cunha (2005); Klabin (2004). Sobre a história do direito processual, ver Fiuza (2002) e Paula
(2002). Sobre a história da sentença, conferir Noronha (1995).
50
o voto fosse restrito principalmente aos detentores de propriedades. No entanto, diz
Bobbio (idem), como o voto universal não contraria a ideologia do Estado liberal, ao
longo do tempo formou-se uma interdependência entre democracia e liberalismo.
Assim, Bobbio (idem) conclui que:
Existem, em suma, boas razões para crer: a) que hoje o método
democrático seja necessário para a salvaguarda dos direitos fundamentais
da pessoa, que estão na base do Estado liberal; b) que a salvaguarda
desses direitos seja necessária para o correto funcionamento do método
democrático.
Wolkmer (2003, p.127-128) aventa a hipótese de que a ausência de uma
revolução burguesa no Brasil limitou as possibilidades de que se desenvolvesse a
ideologia liberal da forma como aconteceu na Inglaterra, França e Estados Unidos.
Aqui, desde parte do período colonial até a República, o liberalismo marcou apenas
a necessidade de reordenação do poder entre a elite oligárquica.
Durante o século XX, o autoritarismo esteve muito presente no Brasil.
Primeiramente, na Ditadura de Vargas, depois entre 1964 e 1988, na Ditadura
Militar. A primeira Ditadura é decorrência, por um lado, do enfraquecimento da
oligarquia agrária abalada pela depressão de 1929 e, por outro lado, dos conflitos
entre os trabalhadores e capitalistas. Vargas assumiu o poder, estimulou a
industrialização do país e concedeu direitos sociais aos trabalhadores. Nesse
sentido, Vargas, em oposição à ideologia liberal, adotou a ideologia do paternalismo
e do fascismo. A segunda ditadura é efeito da polarização mundial da guerra fria e
da desigualdade social brasileira, pois os militares, com apoio norte-americano,
tomaram o poder alegando que o País estava ameaçado pelos comunistas. Os
militares também estimularam a modernização, não desmontaram o Estado social
criado por Vargas e intervieram nos outros poderes, fechando o Congresso e
forçando membros do poder judiciário a se aposentarem.
A Constituição Federal de 1988, já no regime democrático, foi elaborada
mediante intenso embate entre constituintes representantes dos capitalistas e dos
trabalhadores. Seu texto materializa tanto a ideologia do liberalismo quanto a do
socialismo. A garantia de direitos individuais, a separação de poderes, a existência
do Supremo Tribunal Federal que julga a constitucionalidade das leis, a exigência de
que os juízes fundamentem as decisões judiciais são todos aspectos do Estado
Liberal. a garantia de direitos sociais, a exigência de que a propriedade cumpra
51
sua função social, o trabalho como um dos fundamentos da ordem econômica são
traços que caracterizam o Estado Social.
Pela concepção bakhtiniana de ideologia (cf. seção 1.6), podemos afirmar,
portanto, que, num primeiro momento, a ideologia liberal sob a fachada de direitos
universais dos indivíduos, na verdade, admitia esses direitos para os
proprietários. Nesse sentido, a ideologia cumpria uma função de escamoteamento
da realidade. Posteriormente, essa ideologia passou a ser arma para reivindicação
desses direitos para todos os cidadãos. Além disso, essa ideologia ficou
materializada semioticamente tanto nos textos constitucionais, quanto nas
instituições instituídas ou reguladas pelas constituições.
3.3. Breve história do acórdão e ementa
Apresentaremos, a seguir, uma breve história do acórdão e da ementa.
Mostraremos como surgiu a principal característica atual do acórdão: a sua
fundamentação. Também traçaremos sucinta evolução das regras que normatizam a
produção da ementa desde os assentos da Casa da Suplicação, no século XVIII, até
o Código de Processo Civil de 1973. Depois, trataremos da circulação do acórdão do
STF e de sua ementa.
3.3.1. A fundamentação das decisões judiciais e a ideologia do liberalismo
Como vimos, depois das revoluções burguesas, a imposição de limites ao
poder estatal ficou plasmada nos textos das constituições liberais. Um desses limites
é a separação de poderes entre legislativo, executivo e judiciário. Uma das formas
de limitação especificamente contra o arbítrio do poder judiciário foi obrigá-lo a
decidir apenas de modo fundamentado. Portanto, a exigência para que o juiz
fundamente as decisões judiciais atuais é parte integrante da ideologia do
liberalismo.
Na Constituição Federal de 1988 (doravante CF/88), o Brasil é caracterizado
como um Estado Democrático de Direito, pois todas as ações estatais estão
submetidas ao direito produzido democraticamente. Além disso, nela, os poderes
legislativo, executivo e judiciário são considerados independentes e harmônicos
entre si.
52
Também está previsto em seu texto que a finalidade principal do STF é
proteger a Constituição, devendo, para tanto, julgar ações ajuizadas diretamente no
STF e recursos contra decisões contrárias à Constituição proferidas por outros
juízes. No que se refere às decisões judiciais, o inciso IX do art. 93 da CF/88 manda
que todas elas contenham fundamentação, caso contrário elas serão consideradas
nulas.
3.3.2. Os assentos e o livro de assentos
No culo XVIII, durante o período colonial, alguns tribunais brasileiros
redigiam assentos que eram registros resumidos do posicionamento de cada tribunal
sobre determinadas questões, sendo tal resumo realizado a partir de uma abstração
de casos concretos decididos pelo tribunal.
A Reforma Pombalina proibiu que esses tribunais emitissem assentos e
estabeleceu que apenas os assentos da Casa da Suplicação de Lisboa (que, na
época, era o tribunal mais elevado na organização judiciária) tivessem valor
normativo, isto é, esses assentos passaram a valer como normas a serem seguidas
por juízes e tribunais inferiores (NORONHA, p. 242-243).
Em síntese, esse registro resumido (o assento): 1) não fazia parte do texto de
cada decisão judicial; 2) tinha força de norma obrigatória; 3) e podia ser
elaborado pela Casa da Suplicação de Lisboa. Embora ele fosse um resumo
abstraído de casos concretos, essas outras três características distinguem-no da
ementa conforme veremos a seguir.
3.3.3. A primeira lei federal sobre a ementa e o ementário
O Congresso Nacional editou a Lei 1.301, de 28 de dezembro de 1950,
para regular o funcionamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, então
situado no Rio de Janeiro. Essa lei, portanto, não regulou o funcionamento do STF,
mas ela é importante porque, pela primeira vez em nível federal, foi previsto que os
acórdãos contivessem ementas e, além disso, a lei obrigou que fossem elaborados
ementários de acórdãos com índices para facilitar a consulta. Tais prescrições estão
contidas no art. 30 da mencionada lei, abaixo reproduzido:
53
Art. 30 As decisões do Tribunal de Justiça, assim como as das suas
Câmaras, serão lavradas em forma de acórdão, do qual constarão a
espécie e o número do feito, os nomes das partes, a exposição dos fatos
ou a indicação do relatório de que constarem, os fundamentos da decisão,
as suas conclusões e a data do julgamento.
§ Constituirá parte integrante do acórdão a sua ementa, na qual o
relator indicará o principio jurídico que houver orientado a decisão,
podendo o juiz vencido aditá-la com a súmula do seu voto.
§ A seção de jurisprudência do Tribunal de Justiça organizará, até o
comêço de cada quinzena, o ementário dos acórdãos registrados na
quinzena anterior, e, até o princípio de cada ano, o dos acórdãos
registrados no ano findo, selecionando, dentre todos, até o início de cada
trimestre, os que merecerem ser publicados em volume.
§ À medida que forem sendo concluídos êsses trabalhos, a mesma
seção os enviará ao Departamento de Imprensa Nacional, que publicará,
quinzenalmente, no Diário da Justiça, o ementário dos acórdãos recém-
registrados; anualmente, em volume, o dos acórdãos registrados no ano
antecedente; nos meses de março, junho, setembro e dezembro, também
em volume e sob o título Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, os acórdãos selecionados.
§ Sempre que possível, o Diário da Justiça quando publicar o
ementário quinzenal, fará também a publicação dos acórdãos respectivos.
§ Os mencionados trabalhos serão remetidos ao Departamento da
Imprensa Nacional pela seção de jurisprudência com a antecedência que
aquêle declare necessária para que as publicações se façam
pontualmente.
§ Para facilitar a consulta aos acórdãos, a referida seção organizará
não só os índices gerais dos volumes de ementários, logo que êstes sejam
publicados, mas também fichas em ordem alfabética, de que os acórdãos
constarão pelas respectivas matérias, pelos nomes das partes e pela
natureza do feito.
§ É revogado, em relação à Secretaria do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal, o Decreto nº 2.977, de 23 de janeiro de 1941.
Conjeturamos que essas exigências legais sobre a ementa e o ementário são
influenciadas parcialmente pelo direito da esfera jurídica anglo-saxã. Tucci (2004)
explica que na Inglaterra as decisões judiciais passadas são usadas como
precedentes vinculantes para os juízes. Segundo Tucci (2004, p.154-177), essas
decisões são resumidas por um órgão semi-oficial e publicadas em Law reports que
são consultadas pelos membros daquela esfera jurídica. Tucci (2004, p. 157)
ressalta que não é o caso judicial inteiro que importa para os Law reports “mas, sim,
a ratio decidendi, isto é, o princípio de direito contido na sentença”.
diferenças, contudo, no que se refere ao momento e à pessoa que extrai
da sentença e redige, na ementa, o princípio de direito. De acordo com o §do art.
30 da Lei n.º 1.301 supracitada, é o juiz relator que deveria indicar, no acórdão, o
54
principio jurídico que havia orientado a decisão, enquanto que no que se refere aos
Law reports, Tucci (2004, p.175) afirma que:
Cumpre esclarecer que a ratio decidendi não é pontuada ou individuada
pelo órgão julgador que profere a decisão. Cabe aos juízes, em momento
posterior, ao examinarem-na como precedente, extrair a “norma legal”
(abstraindo-a do caso) que poderá ou não incidir na situação concreta.
Assim, segundo esse esclarecimento de Tucci, na esfera jurídica anglo-saxã,
nem os juízes que proferem as decisões que se tornam precedentes, nem os
membros do órgão semi-oficial responsável pelo resumo e publicação das decisões
indicam no texto qual é o princípio jurídico que orientou a decisão. São os juízes de
casos futuros que, ao consultar os Law reports, extraem o princípio contido em um
determinado precedente para testarem se ele é aplicável ou não no caso concreto.
3.3.4. Ementa no Código de Processo Civil (CPC)
Em 1973, é editado o Código de Processo Civil (CPC) tendo o seu art. 564
determinando que, depois de o acórdão ter sido lavrado, suas conclusões devem ser
publicadas no órgão oficial dentro do prazo de 10(dez) dias. Em 1994, o art. 563 é
alterado, ficando com a seguinte redação:
Art. 563. Todo acórdão conterá ementa. (Redação dada pela Lei 8.950,
de 13.12.1994)
Desse modo, a partir de 1994, o CPC obriga que sejam publicadas as
conclusões dos acórdãos e que estes tenham ementa.
3.3.5. Circulação do acórdão e da ementa do Supremo Tribunal Federal
De acordo com a citada Lei n1.301/1950, a ementa passou a ser parte
integrante do acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ela devia indicar o
princípio jurídico que houvesse orientado a decisão do relator. Ainda segundo a lei, a
seção de jurisprudência do Tribunal em questão devia providenciar a publicação de
ementários quinzenalmente no Diário de Justiça.
55
A finalidade do ementário era divulgar, como jurisprudência, os princípios
jurídicos contidos nas ementas. Essa divulgação possibilitava que advogados de
outros processos citassem as ementas em questão em suas argumentações.
A referida lei era restrita ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas
podemos conjeturar que, na mesma época em que a lei foi publicada, o STF também
adotava procedimentos similares com relação à obrigatoriedade da ementa nos
acórdãos e talvez com relação à publicação de ementários. Nossas conclusões a
esse respeito são apenas conjeturas porque, em pesquisa nos sítios do Senado e do
STF, na Internet, não localizamos o Regimento do STF que vigorava em 1950.
Os arts. 95 e 100 do atual Regimento do Supremo Tribunal Federal mandam
que seus acórdãos sejam parcialmente publicados no Diário da Justiça. As partes
que devem ser publicadas são as conclusões e a ementa de todos os acórdãos. O
prazo para essa publicação é, em regra, de sessenta dias, contados a partir da
sessão em que tenha sido proclamado o resultado do julgamento.
Além dessa publicação parcial no Diário da Justiça, o art. 32 do Regimento
determina que a Comissão de Jurisprudência selecione alguns acórdãos a serem
publicados na integra na Revista Trimestral de Jurisprudência do STF. O parágrafo
único do art.100 do Regimento estipula que essa Revista e outras publicações sejam
distribuídas gratuitamente de acordo com os planos organizados do STF.
As decisões passadas do STF podem ser citadas pelos advogados em um
processo atual, desde que a citação tenha base em um repositório autorizado de
jurisprudência do STF. Esses repositórios são publicações em meio impresso e
digital, feitas por editoras privadas. É a Comissão de Jurisprudência que tem a
incumbência de emitir parecer a respeito dessa autorização às editoras privadas.
Quem decide se concede ou não a autorização é o Presidente do STF.
A Resolução do STF n.º 330, de 27 de novembro de 2006, criou várias
exigências para que os repositórios recebam essa autorização. Uma dessas
exigências é a de que os acórdãos sejam publicados na íntegra, isto é, ficou vedada
a autorização da publicação de ementários como repositórios da jurisprudência do
STF.
56
3.3.6. O fim das publicações impressas dos acórdãos do STF
Desde o final da década de 1990, os tribunais brasileiros passaram a publicar
ementas e acórdãos na íntegra na Internet. Essa publicação na Internet coexistiu
com a versão impressa. No final da primeira década do terceiro milênio, o STF,
contudo, tomou a decisão de abandonar a versão impressa.
Esse abandono ocorreu por intermédio da Resolução do STF n.º 341, de 16
de abril de 2007, que instituiu o Diário de Justiça Eletrônico como instrumento de
comunicação oficial, publicação e divulgação dos atos judiciais do STF. Segundo
essa resolução, o Diário da Justiça Eletrônico substituiu a versão impressa das
publicações oficiais e passou a ser veiculado gratuitamente na rede mundial de
computadores Internet, endereço www.stf.gov.br. A resolução previu ainda que o
STF mantivesse publicação impressa e eletrônica até 31 de dezembro de 2007.
Após tal data, o Diário da Justiça Eletrônico substituiu integralmente a versão em
papel.
Assim, o acórdão do STF e sua ementa são resultados de toda essa evolução
histórica. Esses dois gêneros discursivos jurídicos mantêm relações com vários
outros gêneros discursivos dentro da esfera jurídica. Todos esses gêneros
compartilham, em larga medida, a mesma linguagem especializada.
3.4. A linguagem usada na esfera jurídica
Ao usarem os gêneros discursivos da esfera jurídica, os juízes, os advogados
e partes interagem entre si por meio da linguagem jurídica que é especializada e,
portanto, distante da linguagem comum.
Na perspectiva Bakhtiniana, todo gênero discursivo é composto por conteúdo
temático, forma composicional e por estilo próprio. Esse estilo abrange, entre outros,
a seleção lexical, a forma de construção de frases, pronomes de tratamento. A
compreensão ativa e responsiva depende de o falante construir seus enunciados
levando em conta os interlocutores mais imediatos e também a esfera onde esse
enunciado irá circular.
A especialização da linguagem jurídica faz com que ela tenha um estilo que
limita a compreensão ativa e responsiva. Essa limitação decorre do fato de que o juiz
e o advogado utilizam os diversos gêneros discursivos da esfera jurídica pensando
57
frequentemente apenas nos outros membros dessa esfera e deixando de fora tanto
os leigos em geral quanto principalmente os seus respectivos clientes.
Essa dificuldade de compreensão por parte dos leigos ilustra a afirmação de
Bakhtin sobre a estratificação linguística em geral. Como vimos no capítulo 1,
Bakhtin (1934/1935, p.97) afirma que é possível que exista diálogo entre os falantes
de diferentes estratos, mas esse diálogo não é fácil, pois os falantes pertencentes a
um mesmo estrato usam a respectiva linguagem de modo espontaneamente
expressivo. Ao passo que os falantes que não pertencem a esse estrato consideram-
na pesada e de difícil utilização espontânea.
No caso da linguagem jurídica, a limitação da compreensão ativa e
responsiva está relacionada com as três funções da especialização dessa linguagem
(GIBBONS, 2003, p.37; TIERSMA, 1999, p.69, 114 e 108; BHATIA, 2003, p.101-
102). A primeira é atender à necessidade de precisão nos termos que toda atividade
humana racional exige. A segunda é satisfazer a necessidade de manutenção de
identidades profissionais dos membros da esfera jurídica. Essas identidades
dependem do estabelecimento de diferenças com as identidades de membros de
outras esferas, sendo o uso de linguagem especializada uma das formas de
diferenciação. A terceira função é possibilitar o exercício de poder sobre aqueles que
não detêm o conhecimento da linguagem jurídica.
As interações e os gêneros discursivos da esfera jurídica o estruturados
nessa linguagem. Assim, quando as partes em conflito quiserem que o poder
judiciário decida quem tem o direito, elas, em quase todos os casos, não podem
levar o conflito ao judiciário diretamente. Precisam contratar advogados que, além de
serem detentores do conhecimento do direito, agem, ou deveriam agir, como
tradutores da linguagem jurídica para seus clientes.
3.5. O repertório de gêneros discursivos jurídicos brasileiros
Da mesma forma que toda interação humana é feita por meio do uso de
gêneros discursivos, a esfera jurídica também funciona por meio da utilização de um
repertório de gêneros discursivos jurídicos.
Barbosa (2001, p. 153-155), dentro da perspectiva bakhtiniana, elaborou
para fins didáticos uma lista extensa de esferas e correlacionou-as com os
principais gêneros discursivos que compõem o repertório de cada esfera.
58
Reproduzimos a seguir, com algumas alterações, a parte dessa lista (BARBOSA,
2001, p. 153-155) relativa à esfera jurídica:
Esfera da atividade
Gêneros discursivos
JURÍDICA
discurso de defesa (advocacia)
discurso de acusação (advocacia)
boletim de ocorrência
Depoimento
Procuração
Leis
Constituição
declaração de direitos
Tabela 1 - Lista dos gêneros discursivos da esfera jurídica segundo Barbosa
Barbosa (2001, p.153) reconhece que sua lista não é exaustiva. Notamos
que, justamente no caso da esfera jurídica, a autora não inseriu nenhum tipo de
decisões judiciais. Buscando completar a parte relativa à esfera jurídica, propomos o
seguinte quadro:
Poder legislativo
Poder executivo
Poder judiciário
Particulares
Constituição federal
Constituição estadual
Lei orgânica municipal
Emenda à constituição
Lei complementar
Lei ordinária
Medida provisória
Decreto Legislativo
Resolução
Tratado internacional
Decreto
Portaria
Instrução normativa
Ordem de serviço
Edital
Carta convite
Decisão administrativa
Parecer administrativo
Auto de infração
Notificação de lançamento
Intimação
Requerimento
Impugnação administrativa
Recurso administrativo
Alvará de construção
Alvará de funcionamento
Carteira de identificação
Carteira de motorista
Certificado de registro de
veículo
Cartão de identificação do
contribuinte
Sentença
Decisão interlocutória
Despacho
Acórdão
Ementa
Petição inicial
Contestação
Impugnação
Recurso
Contra-razões ao recurso
Laudo pericial
Parecer do Ministério
Público
Representação para fins
penais
Boletim de ocorrência
Auto de prisão
Inquérito policial
Queixa-crime
Denúncia do Ministério
Público
Libelo
Contrariedade ao libelo
Interrogatório
Depoimento
Termo de interrogatório
Termo de depoimento
Protesto por novo júri
Pedido de revisão criminal
Atestado de antecedentes
Nota de culpa
Mandado de prisão
Alvará de soltura
Intimação
Notificação
Sustentação oral da
acusação
Sustentação oral da defesa
Audiência de conciliação
Audiência de julgamento
Contrato
Estatuto de sociedade
anônima
Nota promissória
Duplicata
Cheque
Recibo
Nota fiscal
Testamento
Certidão de nascimento
Certidão de óbito
Certidão de casamento
Certidão de divórcio
Escritura de imóvel
Parecer
Livro jurídico
59
Tabela 2 - Lista de gêneros discursivos da esfera jurídica
O quadro acima possui quatro colunas com gêneros discursivos da esfera
jurídica brasileira. Na primeira coluna, estão os gêneros relativos à produção de
normas, na segunda aqueles relacionados com a implementação e execução dessas
normas, na terceira coluna estão os gêneros pertinentes à violação de normas e a
conflitos julgados pelo poder judiciário. Na quarta coluna, estão os gêneros
empregados entre particulares ou entre esses e Serviços Notariais e de Registro
Público.
Vários gêneros discursivos constantes na tabela acima não são empregados
apenas por um poder. Por exemplo, a decisão judicial (despacho, sentença e
acórdão) em sentido amplo, gênero típico do poder judiciário, tem seu
correspondente na decisão em processos administrativos do poder legislativo e
executivo. Nesses dois poderes, contudo, a decisão sofre transformações para se
amoldar às finalidades e condições específicas deles. Além disso, essas decisões
administrativas contêm ementas que também cumprem funções específicas. No
entanto, por questão de delimitação do objeto da dissertação, focalizaremos, em
nossa análise apenas o acórdão do STF e sua ementa.
3.6. Uma visão do funcionamento de parte da esfera jurídica brasileira
Apresentaremos a seguir, de modo sintético, o funcionamento dos principais
gêneros discursivos jurídicos empregados atualmente durante os processos judiciais
no Brasil. Embora essa apresentação focalize os gêneros discursivos de causas
cíveis, ela se aplica de modo aproximado aos gêneros existentes nas causas
criminais.
Quando o conflito é levado para o poder judiciário, as partes não mais
interagem diretamente, pois a legislação as obriga a contratar advogados para as
representarem perante o poder judiciário. Em suas primeiras interações, os clientes
e advogados empregam o gênero oral denominado consulta. A contratação ocorre
por meio de texto pertencente ao gênero contrato advocatício e os poderes para a
representação são outorgados por meio texto pertencente ao gênero procuração ad
juditia.
60
O processo judicial se inicia com um texto do gênero petição inicial por
intermédio do qual o advogado da parte autora relata a um juiz o conflito existente
entre a parte autora e a parte ré, indica qual foi a legislação que o réu infringiu e faz
um pedido ao juiz para que este julgue o conflito em favor do autor. O réu
responderá a essa petição inicial com um texto pertencente ao gênero contestação.
Depois de iniciado o processo judicial, os clientes interagem de modo direto
com seus respectivos advogados e de modo indireto com o advogado da parte
contrária, com a própria parte contrária e com os julgadores que decidirão em favor
ou contra o autor. Dependendo do tipo do processo, o juiz faz uso do gênero oral
audiência. Nessa audiência, ele pode empregar os gêneros orais interrogatório e
tomada de depoimento. As decisões judiciais proferidas por apenas um juiz
enquadram no gênero sentença e as proferidas por um grupo de juízes fazem parte
do gênero acórdão.
Apesar de tentarem sempre resolver os conflitos de modo correto, os juízes
têm a probabilidade de errar nas decisões judiciais. Mesmo que eles não errem, as
partes ficam sempre insatisfeitas com as decisões judiciais. Para lidar com essa
probabilidade de erro e com a insatisfação das partes, a esfera jurídica criou a
possibilidade de as partes poderem recorrer a um tribunal para corrigir as decisões
dos juízes. A parte insatisfeita recorre ao tribunal por meio de texto pertencente ao
gênero recurso. A parte contrária a esse recurso manifesta sua contrariedade por
meio de texto que se enquadra no gênero contra-razões ao recurso.
Nos tribunais, as decisões são tomadas de forma colegiada (por meio de
votos fundamentados) para que sejam debatidas entre os julgadores do tribunal e
com isso sejam mais bem fundamentadas. O julgamento realizado pelos Tribunais é
feito de forma oral e depois transcrito, com várias alterações, num texto que se
enquadra no gênero discursivo acórdão, sendo cada acórdão composto de relatório,
votos, declaração do resultado do julgamento, extrato da ata e ementa.
Tanto no gênero sentença quanto no acórdão, os julgadores usam decisões
passadas como precedentes para fundamentar o julgamento do caso atual. Essa
adoção de precedentes visa mostrar que o julgador trata de forma semelhante casos
semelhantes.
Até aqui estudamos o acórdão a partir de uma perspectiva principalmente
diacrônica, contudo, a partir de agora não focalizaremos mais o acórdão da esfera
jurídica brasileira nem adotaremos essa perspectiva. Desse modo, a seguir,
61
apresentaremos uma perspectiva sincrônica do modo como aspectos institucionais
de esferas jurídicas de vários países influenciam os respectivos precedentes.
Quando analisarmos os acórdãos do STF e suas ementas, verificaremos se esses
aspectos institucionais também os influenciam.
3.7. Influência dos fatores institucionais sobre os precedentes numa
perspectiva comparada
Taruffo (1997, p. 437-460), a partir de levantamento feito por dez juristas em
dez países, correlacionou fatores institucionais das esferas jurídicas desses países e
os respectivos precedentes. A partir dessa perspectiva comparada, Taruffo
estabeleceu cinco grupos de fatores institucionais que influenciam os precedentes.
Apresentaremos, a seguir, um resumo desses cinco grupos:
1) Organização do poder judiciário (TARUFFO, 1997, p. 437-443)
Nos países comparados, em geral, o poder judiciário possui três níveis
hierárquicos, estando cada nível subordinado ao nível superior com exceção do
nível mais alto que não está subordinado a nenhum outro nível dentro do poder
judiciário.
Outra característica detectada foi a existência de ramos de justiças
especializadas diferentes dentro de cada país, como, por exemplo, justiça
administrativa e justiça civil. Caso o país seja uma federação, cada estado conta
com uma organização judiciária específica em algumas matérias, sendo outras
matérias de responsabilidade da organização judiciária federal.
Dentro de cada ramo de justiça, os juízes dos níveis inferiores normalmente
seguem os precedentes dos níveis superiores. Os precedentes de ramos diferentes,
quando citados, possuem menos força que os do próprio ramo. Em algumas
questões, os tribunais estaduais seguem os precedentes dos tribunais federais.
2) Funções dos tribunais superiores (TARUFFO, 1997, p. 443-448)
62
Em razão da grande variação existente entre os tribunais superiores dos
países analisados, Taruffo restringiu sua comparação ao modo como esses tribunais
trabalham com os precedentes.
Ao realizar julgamentos, a maioria desses tribunais adota tanto a orientação
prospectiva como a retrospectiva. No caso da prospectiva, o tribunal ao julgar um
caso antecipa que esse julgamento será um precedente e, assim, elabora regras
para casos futuros. Já na orientação retrospectiva, o tribunal concentra-se nas
particularidades do caso concreto sem se preocupar em formular critérios que
possam ser usados em casos futuros.
Em vários dos países comparados, os tribunais superiores não têm nenhum
poder de selecionar os processos que pretende julgar. Com esse poder, eles
poderiam evitar casos frívolos ou sem fundamento e selecionar apenas os casos
considerados relevantes. Consequentemente, o julgamento dos casos relevantes é
realizado a partir de uma orientação prospectiva, isto é, o tribunal elabora regras a
serem aplicadas em casos futuros.
Outro aspecto dos tribunais superiores que afeta a produção de precedentes
é o tamanho e a composição do tribunal. Quando os tribunais possuem grande
número de juízes ou são divididos em turmas, podem acontecer problemas de
consistência e o conflito entre os precedentes de um mesmo tribunal. Caso cada
turma profira julgamentos conflitantes para o mesmo tipo de casos, o mecanismo
mais usual para resolver o conflito é levar um dos casos para julgamento pelo pleno
do tribunal cuja decisão torna-se precedente que vincula os futuros julgamentos
feitos pelas turmas.
3) Estrutura, conteúdo e estilo das decisões judiciais (TARUFFO, 1997, p.
448-451)
Para Taruffo, a estrutura, o conteúdo e o estilo das decisões judiciais
influenciam como elas são usadas como precedentes pelos juízes em casos
subsequentes. Em sua visão, existem dois tipos extremos de estrutura, conteúdo e
estilo:
a) o tipo dedutivo cuja estruturação segue o padrão de uma demonstração
lógica feita com linguagem neutra e oficial;
63
b) o tipo discursivo no qual o juiz adota uma estrutura mais flexível e emite
avaliação explícita do caso por meio de linguagem comum.
Muitos tribunais, segundo Taruffo, produzem decisões que estão situadas
entre esses dois extremos. Outro importante aspecto é o modo como a diversidade
de posicionamento dos juízes é expressa nas decisões judiciais. Outra vez, Taruffo
identifica dois grupos:
a) a decisão não apresenta votos divergentes nem votos concorrentes;
b) a decisão contém votos divergentes ou concorrentes.
De acordo com Taruffo, por influência dos tribunais constitucionais, na maioria
dos países, os outros tribunais começaram a produzir decisões judiciais que
identificam votos divergentes ou concorrentes.
4) Publicação dos precedentes (TARUFFO, 1997, p. 451-454)
O critério sico de seleção de publicação das decisões recai sobre aquelas
que os tribunais vêem como precedentes prospectivos. São três as formas de
publicação dos precedentes: 1) por organizações oficiais; 2) semi-oficiais; 3) por
organizações privadas.
Taruffo constata que é mais frequente a publicação apenas de parte de cada
julgamento. Essas partes publicadas normalmente o um resumo muito curto que
expressam o princípio jurídico que serviu de base ao julgamento. Mesmo quando o
julgamento é publicado na íntegra, os juízes e os advogados também usam com
maior frequência os resumos.
O armazenamento eletrônico de precedentes facilitou sua circulação, contudo
criou o problema das listas de precedentes. Esse problema ocorre porque os juízes
e advogados, em razão dessa facilidade, em seus textos listam muitos precedentes
sem uma discussão aprofundada de cada precedente.
5) Uso dos precedentes (TARUFFO, 1997, p. 454-457)
Nos países comparados, Taruffo identificou variação no número de
precedentes citados pelos juízes em cada decisão: alguns citam e discutem poucos
precedentes; outros citam lista de precedentes.
64
O número de precedentes citados influencia os modos de usar os
precedentes. Quando poucos precedentes são citados, o juiz normalmente discute
aprofundadamente as relações entre o precedente e o caso atual. Já quando muitos
precedentes são citados, eles normalmente não são discutidos, sendo introduzidos
com fórmulas do tipo “no mesmo sentido veja também os seguintes precedentes”.
Para Taruffo parece que o julgamento de questões constitucionais requer em
qualquer caso um uso intensivo de precedentes, enquanto que para questões não-
constitucionais esse uso parece ser menor. Para essas últimas questões, a
legislação tem maior força do que os precedentes para fundamentar as decisões.
Além dos juízes, em todos os países comparados, o uso de precedentes na
redação de petições e recursos é prática comum entre os advogados. Outro grupo
de profissionais que usam os precedentes é o dos juristas. Esse grupo normalmente
utiliza os precedentes para traçar a evolução histórica de um determinado
precedente ou para criticar a forma como os tribunais julgaram um dado caso.
3.8. Graus de normatividade dos precedentes numa perspectiva comparada
Os juízes de casos subsequentes seguem os precedentes porque eles
entendem que os precedentes devem ser seguidos. Peczenik (1997, p.463-479)
entende que ao reconhecer que estão submetidos a esse dever, os juízes, portanto,
reconhecem que os precedentes possuem um caráter de norma a ser seguida.
Peczenik (1997, p. 473), desse modo, distingue três graus de normatividade com
base também na comparação do levantamento feito por dez juristas em dez países:
1) precedente com o caráter formal de norma nessa hipótese, um
julgamento que desobedecer um precedente comete uma ilegalidade e desse modo
fica sujeito a ser corrigido por meio de recurso;
2) precedente sem o caráter formal de norma, mas com força nesse caso,
julgamento que desobedecer um precedente não comete uma ilegalidade, mas
apesar disso também fica sujeito a ser corrigido por meio de recurso;
3) precedente sem o caráter formal de norma e sem força, mas fornecendo
apoio adicional nessa hipótese, o julgamento que deixar de citar o precedente
apenas deixa de mostrar que está bem fundamentado;
65
O segundo grau de normatividade pode, de acordo com Peczenik (1997,
p.477-479), também ter gradações. Os fatores que influenciam a gradação de
normatividade são os seguintes:
1) posição hierárquica do tribunal que produziu o precedente;
2) se o precedente foi produzido por turma ou pelo tribunal pleno;
3) reputação do tribunal ou do juiz que proferiu o voto;
4) mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas desde que o
precedente foi produzido;
5) validade dos argumentos que fundamentam o voto;
6) idade do precedente;
7) presença ou ausência de divergência na produção do precedente;
8) área do direito envolvido (por exemplo direito civil, criminal, tributário);
9) se o precedente representa uma tendência;
10) quão bem aceito é o precedente nos escritos dos estudiosos do direito;
11) os efeitos de mudança legal em áreas relacionadas.
66
4. Metodologia da pesquisa
No presente capítulo, apresentaremos a metodologia de coleta e análise dos
dados da pesquisa. Nossa metodologia é qualitativa e nossa técnica de coleta de
dados será documental. A metodologia da pesquisa está condicionada tanto pelos
fundamentos teóricos adotados na presente dissertação, quanto pelos problemas e
objetivos a serem atingidos.
4.1. Justificativa da adoção da metodologia de pesquisa qualitativa
Como o próprio nome indica a metodologia qualitativa distingue-se por
privilegiar, nos objetos de pesquisa, os aspectos qualitativos em vez dos
quantitativos.
A primeira defesa fundamentada da pesquisa qualitativa foi feita por
Windelband no final do século XIX. Em sua visão, as ciências subdividiam-se em
dois ramos: as ciências nomotéticas e as ciências idiográficas (CHIZZOTTI, 2006,
p.46).
As ciências nomotéticas buscam principalmente a formulação de leis gerais a
partir de muitos casos estudados. as idiográficas visam estudar em profundidade
seus objetos e não se preocupam em formular leis gerais. No primeiro ramo estão as
ciências físicas e naturais, enquanto o segundo ramo abrange as ciências sociais e
humanas.
O método dessas ciências nomotéticas recebeu a denominação de
metodologia quantitativa, enquanto que o método das idiográficas foi designado de
metodologia qualitativa (CHIZZOTTI, 2006, p.43-58).
A metodologia de pesquisa quantitativa restringe-se a estudar fatos externos
e uniformes. Ao ser aplicada às ciências humanas e sociais, essa metodologia
privilegia, portanto, apenas o comportamento externo e ignora os significados
atribuídos pelos seres humanos a seus comportamentos e, além disso, ela defende
que exista uma uniformidade também na vida social.
Por outro lado, a metodologia de pesquisa qualitativa não adota esse
postulado da uniformidade da vida social e, assim, não coloca em primeiro plano a
busca de grande quantidade de casos para formular leis gerais que possam ser
aplicadas uniformemente a muitos outros casos. A característica principal da
67
metodologia qualitativa é privilegiar o estudo dos significados que os seres humanos
atribuem às suas próprias ações. Esse foco nos significados internos se justifica
porque, na vida social, muitos o os casos em que o comportamento externo é o
mesmo, mas os significados atribuídos pelos praticantes desses comportamentos
não são os mesmos.
Todavia, atualmente, estudiosos da metodologia científica como Demo (2001,
p.8) não consideram que haja uma dicotomia intransponível entre os dois tipos de
metodologia, pois na prática os pesquisadores adotam uma combinação de
metodologia de pesquisa quantitativa e qualitativa.
Nosso objeto de pesquisa são as relações entre a ementa e o acórdão do
STF vistos como gêneros discursivos. É evidente que esse objeto não está dentro do
âmbito das ciências físicas ou biológicas, ele está, sim, dentro do das ciências
humanas e sociais. Desse modo, a metodologia de pesquisa mais adequada a ele é
a qualitativa.
4.2. A metodologia das ciências humanas na visão de Bakhtin
No referencial teórico do Círculo de Bakhtin, o pesquisador das ciências
humanas precisa adotar uma postura que corresponda a seu objeto. Por isso, no
texto “Metodologia das ciências humanas”, Bakhtin (1974, p.400) assevera que:
As ciências exatas são uma forma monológica do saber: o intelecto
contempla uma coisa e emite enunciado sobre ela. um sujeito: o
cognoscente (contemplador) e falante (enunciador). A ele se contrapõe
a coisa muda. Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser
percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo
sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que
se tem dele só pode ser dialógico.
Cada uma das produções feitas dentro dos gêneros discursivos acórdão do
STF e sua ementa têm como autores seres humanos sócio-historicamente situados
e que, por essa razão, enunciam diferentes visões de mundo compartilhadas por
determinados grupos sociais. Por um lado, esses autores sempre reagem a
enunciados anteriores tais como os recursos judiciais das partes envolvidas nos
processos e os textos de leis e de precedentes judiciais. Por outro lado, eles levam
em conta as reações de seus interlocutores. Desse modo, as relações entre esses
gêneros discursivos só podem ser dialógicas.
68
4.3. Contexto imediato de produção do acórdão do STF
4.3.1. Composição do STF
O Regimento do STF prevê uma forma de aumentar o número de julgamentos
do próprio STF. Essa forma é subdividir os onze ministros que compõem o STF em
dois grupos de cinco e atribuir ao julgamento proferido por um grupo o mesmo efeito
jurídico que o julgamento proferido pelos onze ministros. O Presidente do STF não
está em nenhum desses dois grupos. Cada um desses grupos recebe o nome de
Turma e a reunião das duas Turmas mais o Presidente é denominada de "Plenário
do STF" ou "Pleno do STF"
Esse mesmo Regimento prevê que vários tipos de processos devem ser
julgados por uma dessas Turmas. Ele prevê também que alguns tipos de processos
devem ser julgados apenas pelo Plenário do STF, isto é, pela reunião das duas
Turmas e o Presidente.
Plenário do STF composto de onze
Ministros
Figura 1 - Composição das Turmas e Plenário do STF
4.3.2. Divergência entre turmas do STF
Para explicarmos como funciona a uniformização de divergência entre
Turmas do STF, vamos supor que três casos A, B e C semelhantes cheguem ao
STF para julgamento. Suponhamos que o caso A seja julgado pela Turma e o
caso B seja julgado pela 2ª Turma.
Esse caso A é semelhante ao caso B, mas a Turma julgou o caso A de
forma oposta à forma como a Turma julgou o caso B, ou seja, os casos eram
semelhantes, mas os julgamentos das duas Turmas foram divergentes, conforme
figura abaixo:
69
2ª Turma - composta de cinco Ministros -
julgou caso B de forma oposta ao julgamento
do caso A
Figura 2 - Divergência entre Turmas do STF
Suponhamos agora que o caso C seja encaminhado para ser julgado por
qualquer uma das Turmas. Em razão da divergência que houve nos julgamentos dos
casos A e B, qualquer ministro de quaisquer das Turmas que for julgar o caso C
pode pedir para que o caso C seja julgado pelo Plenário do STF. Em síntese:
1ª Turma - julgou caso A de forma oposta ao julgamento do caso B
2ª Turma - julgou caso B de forma oposta ao julgamento do caso A
1ª ou 2ª Turma - recebe o caso C para julgar
Quando o Plenário julgar o caso C, esse julgamento servirá como precedente
que as duas Turmas deverão seguir em futuros casos que se assemelharam aos
casos A, B e C. O julgamento do Plenário, então, uniformiza o posicionamento do
STF para os casos semelhantes futuros.
Os acórdãos produzidos pelo Plenário do STF possuem maior força
persuasiva para outros tribunais e para outros juízes, isto é, em razão de terem sido
proferidos por um maior número de ministros, esses acórdãos são citados com mais
respeito pelos outros tribunais e juízes.
4.4. Metodologia para coleta dos dados
Decidimos selecionar um corpus de decisões judiciais que tratassem da
questão da imunidade tributária de livros e jornais. A seleção teve três etapas. A
primeira visava selecionar um acórdão do STF que contivesse julgamento dessa
questão.
A segunda etapa visou identificar decisões de cinco Tribunais Regionais
Federais (doravante TRFs) que empregassem esse acórdão do STF como
precedente. Além desse precedente, a segunda etapa buscou identificar um
segundo precedente do STF que os TRFs citaram. Ao iniciar a segunda etapa, não
70
sabíamos qual seria esse segundo precedente do STF. Esse segundo precedente
foi identificado conforme explicado a seguir.
Os TRFs normalmente usam como precedentes as decisões emitidas pelo
Plenário do STF. Se esses precedentes forem relativamente antigos, os TRFs
também citam, no mesmo acórdão, esses precedentes mais antigos e precedentes
mais recentes também do STF, mesmo que esses mais recentes não tenham sido
proferidos pelo Plenário.
Assim, na terceira etapa, buscamos localizar decisões mais recentes do STF
mesmo que não tenham sido proferidas pelo Plenário. Essa terceira etapa iria
depender de como as decisões dos TRFs usassem o precedente do plenário, isto é,
depois de identificarmos a decisão do plenário, verificaríamos como e quais TRFs
empregaram essa decisão como precedente e verificaríamos quais decisões mais
recentes eles também usaram. Depois de identificarmos o número do processo
dessa decisão mais recente, voltaríamos para a página do STF para realizar a
terceira etapa da seleção e coletar o texto do segundo precedente do STF.
4.4.1. Primeira etapa da coleta dos dados
Seguindo esse percurso de coleta de dados, na primeira etapa, realizamos,
em 22/06/2008, busca na página do Supremo Tribunal Federal (STF), no endereço
http://stf.gov.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp, com as palavras-
chave “IMUNIDADE E LIVRO” e indicamos como parâmetros o órgão julgador
“plenário” e o tipo de decisão “acórdãos”. Os resultados da busca mostraram dados
de cinco processos a seguir relacionados:
- Processo RE 203859/SP julgamento ocorrido em 11/12/1996;
- Processo RE 174476/SP julgamento ocorrido em 29/09/1996;
- Processo ADI-MC 986/DF julgamento ocorrido em 10/02/1994;
- Processo ADI-MC 986/DF julgamento ocorrido em 15/12/1993;
- Processo ADI-MC 773/RJ julgamento ocorrido em 09/09/1992;
71
4.4.2. Segunda etapa da coleta dos dados
A decisão que apareceu em primeiro lugar na lista acima foi a do processo RE
203859/SP. A segunda etapa de coleta dos dados visou, então, localizar se algum
TRF citou essa decisão do STF como precedente.
Desse modo, partimos para a segunda etapa: pesquisar, nas páginas do
TRFs, na Internet, quais deles usaram essa decisão como precedente e que outras
decisões do STF relativas à imunidade de jornais e livros foram usadas. A palavra-
chave de busca foi a expressão “203.859 ou 203859” e indicamos que a busca
deveria ser feita apenas em decisões do tipo acórdão.
4.4.2.1. Coleta dos dados no TRF da 1ª Região
No TRF da Região, a busca foi feita no endereço
http://www.trf1.gov.br/Processos/JurisprudenciaOracle/jurisprudencia.php e retornou
como resultado dois processos relacionados a seguir:
- Processo AMS 93.01.37138-3/MG julgamento ocorrido em 06/11/1998;
- Processo EIAC 96.01.52244-1/DF julgamento ocorrido em 11/03/1998.
Na folha dez do acórdão do primeiro processo, o juiz fez referência ao
acórdão do STF no processo RE 203.859, mas não citou a ementa do mencionado
acórdão do STF. Na folha três do acórdão do segundo processo, o juiz citou uma
ementa do acórdão do STF no julgamento do processo RE 178863. Nessa ementa
desse outro acórdão do STF, o Ministro do STF fez referência ao acórdão do
processo RE 203.859. Enfim, também no segundo acórdão desse TRF, não houve
citação da ementa do processo RE 203.859.
4.4.2.2. Coleta dos dados no TRF da 2ª Região
No TRF da Região, a busca foi feita no endereço
http://www2.trf2.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=base_jud:v
_it. Dois processos relacionados a seguir foram localizados na busca:
- Processo AMS 200151010111313 julgamento ocorrido em 09/10/2002;
- Processo AMS 200251010003703 julgamento ocorrido em 10/10/2002.
72
A página onde foi feita a busca nesse TRF não permitiu que ela fosse restrita
a acórdãos. Ao lermos o texto das decisões desses dois processos verificamos que
elas foram proferidas apenas por um juiz. Assim, elas não se enquadram nos
critérios de seleção dos dados.
4.4.2.3. Coleta dos dados no TRF da 3ª Região
No TRF da Região, a busca foi feita no endereço
http://www.trf3.gov.br/NXT/Gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve.
Apenas o seguinte processo foi localizado na busca:
- Processo 2000.03.99.016012-7 julgamento ocorrido em 14/02/2007.
Na folha cinco do acórdão desse processo, o juiz citou a ementa de acórdão
do STF no processo RE 203859. O juiz também citou ementas dos acórdãos do STF
proferidos nos seguintes processos:
- Processo RE 273308 Julgamento ocorrido em 22/08/2000;
- Processo RE 265025 Julgamento ocorrido em 12/06/2001;
- Processo RE 324.600-AgR Decisão publicada em 25/10/2002;
- Processo RE 230.782 Decisão publicada em 10/11/2000;
- Processo RE-AgR 346771 - Julgamento ocorrido em 19/11/2002.
4.4.2.4. Coleta dos dados no TRF da 4ª Região
No TRF da Região, a busca foi feita no endereço
http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/pesquisa.php. Apenas o seguinte processo foi
localizado na busca:
- Processo 96.04.55528-6 julgamento ocorrido em 07/04/1999.
A página desse TRF não forneceu automaticamente o texto da decisão desse
processo. Por essa razão, não pudemos verificar se e como a ementa do acórdão do
processo RE 203859 foi citada ou se foi feita referência apenas ao número do
mencionado processo do STF.
73
4.4.2.5. Coleta dos dados no TRF da 5ª Região
No TRF da Região, a busca foi feita no endereço
http://www.trf5.gov.br/Jurisprudencia/index.jsp. Os três processos a seguir
relacionados foram localizados na busca:
- Processo AGTR 44201 Julgamento ocorrido em 15/02/2005;
- Processo AMS 2001.05.00.025760-1 Julgamento ocorrido em 28/08/2003;
- Processo AC 137266 Julgamento ocorrido em 08/06/2000.
No Processo AGTR 44201, foram citadas as ementas do acórdão do STF nos
processos RE 325334 AgR e RE 265025. Nas duas ementas desses outros
acórdãos do STF, havia apenas referência ao acórdão do processo RE 203859.
Portanto, nesse processo AGTR 44201, não houve a citação da ementa do processo
RE 203859.
No acórdão do Processo AMS 2001.05.00.025760-1, foi citada a ementa do
acórdão do STF no processo RE 203859. Também foram citadas ementas dos
seguintes processos julgados pelo STF:
- Processo RE 174476 Julgamento ocorrido em 26/09/1996;
- Processo RE 244698 Julgamento ocorrido em 07/08/2001;
- Processo RE 265025 Julgamento ocorrido em 12/06/2001;
- Processo RE 267690 Julgamento ocorrido em 25/04/2000.
No acórdão do Processo AC 137266, foi citada a ementa do acórdão do STF
no processo RE 203706. Na ementa desse outro acórdão do STF, o Ministro do STF
fez apenas referência ao acórdão do processo RE 203859. Portanto, nesse
processo AC 137266, não houve a citação da ementa do processo RE 203859
74
4.4.2.6. Síntese dos dados coletados na segunda etapa
A tabela abaixo sintetiza os resultados da segunda etapa de coleta dos
dados:
Tribunal
Ementa do processo RE 203859
Outras ementas citadas
TRF 1ª Reg.
Não foi citada. Houve apenas referência ao seu
número.
TRF 2ª Reg.
Não foi localizado nenhum acórdão que citasse a
ementa
TRF 3ª Reg.
Foi citada no acórdão do processo
2000.03.99.016012-7
Foram citadas ementas dos acórdãos dos
processos RE 230782, 273308, 265025,
324600-AgR, 346771-AgR
TRF 4ª Reg.
Texto do acórdão não estava automaticamente
disponível para leitura.
TRF 5ª Reg.
Foi citada no acórdão do processo AMS
2001.05.00.025760-1.
Foram citadas ementas dos acórdãos dos
processos RE 174476, 244698, 265025,
267690.
Tabela 3 - Síntese dos resultados da segunda etapa da coleta de dados
Como está discriminado na tabela acima, os acórdãos dos processos dos
TRFs da 3ª e o da Região citaram a ementa do acórdão proferido pelo STF no
processo RE 203859. Esses dois acórdãos dos mencionados TRFs serão
submetidos à análise.
4.4.3. Terceira etapa da coleta dos dados
Conforme está demonstrado na tabela acima, o TRF da e o da Região
citaram em comum as ementas dos acórdãos nos processos RE 203859 e 265025.
Efetuamos, então, nova busca na página do STF na internet e localizamos o
acórdão proferido nesse processo RE 265025.
Assim, os acórdãos proferidos pelo STF nos processos RE 203859 e 265025
serão as duas decisões do STF submetidas à análise.
4.5. Metodologia de análise dos dados
Nossos problemas e objetivos de pesquisa ditam quais serão nossas
categorias de análise. Os dois problemas são:
75
1 Cada acórdão do STF contém diferentes ideologias que estão expressas
nos votos de cada Ministro, mas a ementa do acórdão expressa apenas a ideologia
do grupo majoritário de Ministros que venceu a votação;
2 Cada acórdão está ligado ao caso concreto em suas particularidades, mas
na ementa, essas ligações concretas são abstraídas, cortadas de modo que a
ementa possa ser empregada como precedente a novos casos.
Para responder a esses problemas, formulamos três objetivos.
O primeiro objetivo visa mostrar como o plurilinguismo de perspectivas
ideológicas do acórdão do STF é reduzido para se transformar na perspectiva
ideológica única da ementa.
Para atingir esse objetivo, empregaremos os conceitos de plurilinguismo
sócio-ideológico; relação dialógica entre acórdão e ementa; estilo e forma
composicional do gênero acórdão e estilo individual dos Ministros na redação dos
votos.
O segundo objetivo visa descrever como a ementa é formulada a partir da
abstração das características concretas do acórdão e o terceiro objetivo é analisar
como ela é empregada em novos contextos.
Para alcançar o segundo e o terceiro objetivo, faremos uso dos conceitos de
estilo e forma composicional do gênero ementa e estilo individual dos Ministros na
redação da ementa; formas de transmissão do discurso alheio, relação dialógica
entre contexto de produção e de recepção da ementa;
Nosso caminho para aplicação desses conceitos, na análise dos dados, será
guiado principalmente pela ordem metodológica de Bakhtin (cf. seção 1.10),
adaptada ao nosso objeto:
1) analisar o contexto da construção do acórdão do STF e da ementa, isto é,
os tipos de interações verbais entre os Ministros e as condições concretas onde elas
ocorrem;
2) analisar as características dos gêneros discursivos acórdão do STF e sua
ementa em estreita ligação com a interação de que são elementos;
3) analisar as formas linguísticas das relações dialógicas existentes entre as
perspectivas ideológicas do acórdão e da ementa;
76
5. Análise dos dados: características do acórdão do STF e de sua ementa
5.1. Regras de produção dos acórdãos do STF e suas ementas
Antes de realizarmos a análise dos acórdãos do STF selecionados,
descreveremos de forma relativamente sucinta as regras do gênero discursivo oral
denominado de julgamento do STF e do gênero escrito denominado de acórdão. A
descrição focalizará a divisão de papéis, os locais, os momentos de produção e o
estilo que esses gêneros impõem aos ministros do STF.
5.1.1. Papéis e etapas do julgamento oral e do acórdão do julgamento
O STF é sediado no Distrito Federal, tem como principal atribuição julgar
processos em que uma das partes alega que normas contidas na Constituição
Federal de 1988 (doravante CF/88) foram violadas. Para desempenhar de modo
organizado essa incumbência de proteger a CF/88, o STF criou um Regimento
Interno no qual estão previstos procedimentos de divisão de trabalho para os
julgamentos de vários tipos de ações.
Os onze Ministros foram agrupados pelo Regimento em três grupos: duas
Turmas de julgamento com cinco Ministros cada e um grupo denominado de
Plenário no qual participam os onze Ministros. A finalidade dessa subdivisão em
turmas é aumentar o número de julgamentos. Caso as duas turmas decidam de
modo oposto processos que tratem de questões semelhantes, qualquer Ministro
pode requerer que um dado processo que trate das mesmas questões seja julgado
pelo Plenário de onze Ministros. Essa decisão do Plenário passará a servir como
precedentes para novos casos a serem julgados. Além disso, determinados tipos
de processos, como, por exemplo, a ação direta de inconstitucionalidade, que
podem ser julgados pelo Plenário. Tanto as Turmas, quanto o Plenário têm salas de
julgamento exclusivas.
O procedimento de julgamento nas Turmas segue, em geral, os mesmos
passos daquele feito pelo Plenário. A seguir, está descrito, de modo resumido, como
se desenrola, no Plenário, o roteiro de julgamento de processos relativos a
desrespeito às normas contidas na Constituição.
77
De acordo com o mencionado Regimento, quando um desses processos
chega ao STF, cada Ministro receberá uma atribuição específica para participar do
julgamento da ação em questão. A primeira parte do trabalho cabe ao Ministro que
recebe a atribuição de estudar a fundo o caso da ação em questão, fazer seu
relatório escrito sobre o caso e redigir seu voto no qual expressa seu julgamento
individual. Esse Ministro é denominado de Ministro-Relator e é escolhido, com raras
exceções, por meio de sorteio feito especificamente para cada julgamento.
Para cumprir seu papel, o Ministro-Relator faz inicialmente uma leitura para si
próprio do caso, depois busca nos bancos de dados do STF ou em bibliotecas
decisões judiciais de outros casos assemelhados e livros jurídicos que o auxiliem a
entender e a formar sua convicção sobre o caso. Na pesquisa e na redação de seus
votos, não somente o Ministro-Relator, mas todos os Ministros contam com o
trabalho de profissionais servidores do STF que, contudo, não assinam as partes do
trabalho que efetuam.
Ao concluir o relatório, o Ministro-Relator tem o dever, em alguns casos, de
distribuí-lo aos outros Ministros. No entanto, ele nunca tem obrigação de distribuir o
voto antes da sessão de julgamento. Quando a redação do voto estiver terminada, o
Ministro-Relator solicita ao Presidente do STF uma data para que o caso seja
julgado. O Presidente, então, estipulará por meio do Diário Oficial a data para a
sessão de julgamento do caso.
Essa sessão de julgamento é presidida pelo Presidente do STF que inicia o
julgamento e distribui os turnos de fala entre o Ministro-Relator e os outros Ministros.
A distribuição de turnos de fala, contudo, não depende apenas do Presidente do
STF, pois cada Ministro pode interromper a fala do outro e solicitar o direito de falar,
pedindo esclarecimentos ou iniciando uma discussão a respeito de algum aspecto
do caso.
Desse modo, no início da sessão, o Presidente pedirá que o Relator leia o
relatório. Depois que o Relator fizer isso, o Presidente permitirá que os advogados
falem em defesa de suas teses. Em seguida, o Presidente permitirá a discussão
sobre o caso entre os Ministros participantes no julgamento. Na sequência, o
Presidente solicita que o Relator leia o seu voto. Depois, também atendendo à
solicitação do Presidente, os outros Ministros apresentam oralmente os seus votos,
concordando ou discordando do voto do relator. Às vezes, alguns desses outros
78
Ministros levam para a sessão os votos redigidos, enquanto outros elaboram o
voto apenas oralmente durante a sessão.
Em todos os votos apresentados, os Ministros fazem uso de cânones de
interpretação que, embora não possibilitem as mesmas interpretações, são de
conhecimento comum entre eles.
Caso algum Ministro queira consultar todo o processo antes de proferir seu
voto, ele pode pedir vista do processo. Esse pedido significa que o processo passará
para as mãos do Ministro solicitante. Nessa hipótese, esse julgamento será
interrompido, devendo o Ministro que pediu vista devolver, dentro do prazo de trinta
dias, o processo para prosseguimento da votação.
Ao final do julgamento do caso, o Presidente proclama o resultado. Depois
disso, todos os Ministros participantes do julgamento que apresentaram votos
apenas oralmente, convertem-nos para a forma escrita e normalmente o Ministro-
Relator redige a ementa do acórdão contendo uma espécie de resumo da decisão
proferida. Caso o voto do Relator não seja o voto vencedor, o Ministro que tiver
primeiramente apresentado voto discordando do Relator e cuja discordância seja
compartilhada pela maioria dos votos, ficará, então, com a incumbência de redigir a
ementa.
Durante toda a sessão de julgamento de um processo, além dos Ministros,
outros profissionais que desempenham atividades na redação do acórdão. Um grupo
desses profissionais é o dos taquígrafos do STF que elaboram notas taquigráficas
do relatório, da discussão, dos votos e das perguntas feitas aos advogados e suas
respostas. Essas notas são revistas e rubricadas pelos Ministros e depois juntadas
ao processo. Com base nelas são elaborados os textos escritos finais que comporão
o acórdão.
Outro profissional que atua nesse julgamento é o secretário, que tem a
incumbência de lavrar a ata da sessão de julgamento. Essa ata é submetida aos
Ministros para aprovação na próxima sessão de julgamento.
As notas taquigráficas e a ata terão destinos diferentes. Aquelas fazem parte
do julgamento, mas não fazem parte do acórdão. Estas serão reduzidas a um extrato
da ata pelo secretário que o assina, passando tal extrato a ser considerado parte do
acórdão.
Assim, o texto escrito, composto pelo relatório, votos, declaração do resultado
do julgamento, extrato da ata e ementa passa a ser chamado de acórdão. O acórdão
79
na sua integridade deve ser juntado ao processo, mas apenas a ementa do acórdão
e parte do extrato da ata devem ser publicadas no Diário da Justiça no prazo de
sessenta dias a contar da sessão na qual o julgamento foi encerrado.
5.1.2. Diversidade de manifestações escritas e orais no julgamento
Todo esse roteiro do julgamento abrange vários modos de linguagem e
interações: o relatório e o voto do Ministro-Relator são redigidos e depois lidos em
público; os votos dos outros Ministros às vezes são, inicialmente, apresentados sem
que tenham sido redigidos. Todos esses eventos da sessão do julgamento de uma
ação envolvem interações face-a-face dos Ministros entre si e entre eles e os
Advogados.
Apesar dessa diversidade de manifestações escritas e orais, é apenas o texto
escrito no final do julgamento publicado que tem a força jurídica de obrigar as partes
a cumprirem a ordem emitida pelo STF. É também apenas esse texto escrito que
recebe o nome de acórdão. Desse modo, entendemos que essa diversidade
origem a dois gêneros inter-relacionados
11
: o gênero discursivo oral face-a-face
denominado julgamento e o gênero discursivo escrito denominado acórdão.
5.1.3. Interações verbais na construção do acórdão
Em síntese, como vimos acima, no julgamento e, consequentemente, na
construção do acórdão, os Ministros participam de interações verbais
12
diretas e
indiretas. As interações verbais indiretas ocorrem entre os Ministros e as partes no
11
Apenas a título informativo, acrescentamos que Maingueneau (2006, p.152 e 158) analisou dois
gêneros que têm certo paralelo com a sessão de julgamento e o acórdão. O objeto principal dessa
análise foi o gênero escrito acadêmico denominado relatório da sessão de defesa de tese na França.
Nessa análise, ele comparou o relatório com o gênero oral do qual esse relatório deveria ser o
registro: a sessão de defesa da tese. Em razão das diferenças que encontrou entre esses dois
gêneros, ele concluiu que são gêneros distintos.
12
Baum (2006), a partir da perspectiva da ciência política e da psicologia social, considera que a
motivação do comportamento dos juízes, no desempenho de suas funções, é o interesse que eles
têm em serem avaliados positivamente por alguns auditórios. Em vários capítulos, Baum examina
quais são esses auditórios: os colegas do mesmo tribunal; o público em geral; membros de outros
poderes estatais; grupos sociais; grupos profissionais como advogados e juízes em geral; e grupos de
pressão política. Baum (2006, p.171-174) reconhece que é difícil determinar quais são os principais
auditórios de cada juiz, contudo ele oferece algumas diretrizes para essa determinação.
80
processo que são representadas pelos advogados. Já as diretas acontecem entre os
Ministros e:
a) Os advogados das partes;
b) Os juízes do tribunal recorrido;
c) Outros Ministros presentes;
d) Juristas que os Ministros citam para fundamentar seus votos;
e) Legisladores;
f) Ministros ausentes do próprio tribunal, mas que proferiram decisões usadas
como precedentes;
g) Servidores e assessores do STF;
h) População em geral que assiste aos julgamentos ou lê os acórdãos.
5.1.4. Estilo dos gêneros discursivos empregados pelos Ministros do STF
Na perspectiva bakhtiniana, o estilo é dialógico, pois resulta do modo como o
autor responde aos outros participantes da interação ou antecipa suas reações.
Também resulta da forma como o autor valora esses participantes e o próprio
enunciado.
Outro fator que influencia o estilo é a intensidade das coerções impostas pelo
gênero. Alguns gêneros são menos coercitivos, permitindo maior grau de liberdade
na expressão do estilo. Enquanto outros exercem forte coerção. Assim, cada gênero
discursivo está associado a determinadas concepções de como o autor deve se
expressar e de quais são os interlocutores daquele gênero. Por essas razões, o
gênero pré-define quais são as possíveis respostas e reações dos interlocutores. Ele
também pré-estabelece um padrão social que o autor deve empregar para valorar o
próprio enunciado e os outros participantes da interação. Todos esses fatores
influem na seleção de recursos léxicos, sintáticos e semânticos que o autor faz para
materializar seu estilo. Assim, a valoração social atua também sobre a própria forma
com que um conteúdo é expresso.
A CF/88 impõe aos Ministros do STF um estilo que abrange todos os gêneros
discursivos por eles empregados. No caso dos acórdãos, os Ministros, ao
enunciarem seus votos, exercem o poder de julgar que a CF/88 atribui-lhes. Todavia,
mesmo ao exercer esse poder, eles também devem obedecer às normas que a
CF/88 e a legislação infraconstitucional lhes impõem. Entre esses deveres estão os
81
de que cada Ministro deve: a) apresentar razões que fundamentem seu voto no
julgamento e; b) ser imparcial.
A exigência de racionalidade afasta a valoração exclusiva ou
predominantemente emocional. o requisito de imparcialidade obriga que os
Ministros valorem o caso sob julgamento com base no direito e não com base em
preferências políticas ou pessoais.
Além disso, o art.101 da CF/88 estabelece critérios para a escolha de
Ministros do STF. Os Ministros devem ser escolhidos dentre cidadãos com mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e
reputação ilibada. Dessa forma, durante os julgamentos, os Ministros ficam
obrigados a demonstrar sabedoria jurídica e austeridade.
Em suma, a CF/88 impõe aos Ministros do STF um estilo que deve expressar
imparcialidade e racionalidade, sabedoria e austeridade. Essas coerções sobre o
estilo fazem parte da ideologia do liberalismo, pois objetivam impedir o arbítrio dos
juízes. Assim, independentemente de qual seja o conteúdo dos votos, a ideologia
liberal afeta a própria forma de expressão desse conteúdo.
.
82
5.2. Análise do acórdão n.º 1
5.2.1. Dados básicos do processo judicial relativo ao acórdão n.º 1
Na presente seção, analisaremos um acórdão do STF e sua ementa usando
os conceitos relativos às características identificadoras dos gêneros discursivos.
Esclarecemos que o n.º verdadeiro do processo que deu origem a esse acórdão é
n.º RE 203.859-8. No entanto, para facilitar as referências, esse acórdão e sua
ementa receberão, em nossa análise, o número 1, doravante n.º 1.
Para contextualizar a análise, apresentaremos, antes, alguns dados do
processo que deu origem ao primeiro acórdão analisado.
Uma empresa jornalística "A" ajuizou ação judicial pedindo que o poder
judiciário reconhecesse o seu direito de não pagar um determinado imposto sobre
dois insumos que usava na impressão do jornal. Ela fundamentou seu pedido no
artigo 150, VI, d da CF/88 que veda a cobrança de impostos sobre livros, jornais,
periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Os dois insumos em questão eram papel fotográfico e uma solução usada
para acelerar a secagem da tinta impressa. O argumento da empresa foi que
embora os dois insumos não estivessem enquadrados literalmente na norma que a
livrava de pagar o imposto, essa norma deveria ter uma interpretação finalística.
Segundo a empresa, a finalidade da norma era livrar de impostos todos os insumos
empregados no processo industrial de produção do jornal e, com isso, baratear o
custo dos jornais e livros e, consequentemente, facilitar a circulação de
conhecimento e informação.
O juiz de primeiro grau negou o pedido da empresa, que recorreu ao Tribunal
Estadual de São Paulo, o qual também negou o pedido. Então a empresa recorreu
ao Supremo Tribunal Federal.
O julgamento desse processo n.º 1 foi realizado pelo Plenário do STF em
11/12/1996. Na sessão de julgamento participaram onze Ministros: três deles
votaram totalmente a favor da empresa, cinco parcialmente favoráveis e três
totalmente contrários à empresa. Os que votaram parcialmente a favor negaram o
pedido de imunidade quanto ao insumo solução alcalina, mas atenderam-no quanto
ao papel fotográfico. Assim, por maioria de votos, o pedido foi parcialmente atendido,
ficando a empresa, portanto, livre de pagar imposto sobre o papel fotográfico, mas
83
continuou obrigada a pagar imposto sobre a solução alcalina usada para acelerar a
secagem da tinta de impressão. O seguinte quadro sintetiza, na ordem em que os
votos foram pronunciados, o posicionamento dos Ministros:
Ministro
Voto
totalmente a
favor
Voto
parcialmente
a favor
Voto
totalmente
contrário
01 - Carlos Velloso
Sim
02 - Maurício Corrêa
Sim
03 - Francisco Rezek
Sim
04 - Ilmar Galvão
Sim
05 - Marco Aurélio
Sim
06 - Celso de Mello
Sim
07 - Octavio Gallotti
Sim
08 - Sydney Sanches
Sim
09 - Néri da Silveira
Sim
10 - Moreira Alves
Sim
11 - Sepúlveda Pertence
Sim
Tabela 4 - Votos dos ministros no processo n.º 1
5.2.2. Estrutura composicional do acórdão e de sua ementa
Como vimos na seção 2.2, Catunda e Soares identificaram a seguinte
estrutura composicional para os acórdãos que elas pesquisaram:
Unidade retórica 1 Identificação das partes;
Unidade retórica 2 Sumário do conteúdo;
Unidade retórica 3 Relato dos motivos do autor;
Unidade retórica 4 Justificativa da posição do colegiado;
Unidade retórica 5 Encerramento da sentença
Em sua análise, as autoras objetivaram construir um modelo linguístico dos
acórdãos do corpus e confrontá-lo com o modelo previsto na legislação. É aceitável
que a terminologia desse modelo linguístico seja diferente da terminologia legal.
Todavia, a diferença não pode redundar em obscuridade. Por exemplo, a
unidade retórica 5 foi denominada de “Encerramento da sentença”; essa
denominação está incorreta porque o termo “Sentença” só deve ser aplicado à
decisão que foi proferida apenas por um juiz. No caso de decisões judiciais
colegiadas, a denominação correta é “acórdão”.
84
De nossa parte, adotaremos a terminologia legal ao analisarmos a estrutura
composicional do acórdão. Ressaltamos que os acórdãos pesquisados pelas
autoras não eram do STF. Apesar disso, o acórdão n.º 1 ora analisado também
possui uma estrutura semelhante a essa encontrada pelas autoras. Assim, a
estrutura composicional do acórdão n.º 1 é a seguinte:
Unidade retórica 1 Identificação do tribunal, do processo, do Relator e das partes;
Unidade retórica 2 Ementa e acórdão em sentido estrito;
Unidade retórica 3 Relatório do ministro-relator;
Unidade retórica 4 Votos dos ministros;
Unidade retórica 5 Extrato da ata das sessões de julgamento
5.2.2.1. Unidade retórica 1
Na unidade retórica 1, logo abaixo da identificação do tribunal estão dados
acrescidos depois de o acórdão ter sido finalizado. Esses dados são:
- o nome da Coordenação de análise de Jurisprudência;
- data de publicação do acórdão completo no Diário de Justiça;
- número do ementário do qual o acórdão faz parte.
Como vimos na seção 5.1.1, a legislação obriga que a ementa e o extrato da
ata sejam publicados no Diário da Justiça. No entanto, como vimos na seção 3.3.5,
nos tribunais setores de análise da jurisprudência que selecionam alguns
acórdãos para serem publicados na íntegra no Diário da Justiça.
No caso do acórdão sob análise, os referidos dados abaixo da identificação
do tribunal indicam que o acórdão foi selecionado pela Coordenação de análise de
jurisprudência do STF para ser publicado na íntegra no Diário de Justiça e para ser
publicado de forma resumida em ementário.
5.2.2.2. Unidade retórica 2
A unidade retórica 2 do acórdão sob análise contém a ementa e o acórdão em
sentido estrito.
Na seção 3.3.3, ficou explicado que, segundo a legislação, a ementa deve
expressar o princípio jurídico que embasou a decisão judicial. A legislação, contudo,
não especifica como deve ser a estrutura composicional da ementa.
A íntegra da ementa do acórdão sob análise é a seguinte:
85
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO. JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA. INSUMO. EXTENSÃO MÍNIMA.
Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na
confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a imunidade
tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o
chamado papel fotográfico - filmes não impressionados.
Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido.
Essa estrutura está prevista no modelo prescritivo de redação de ementas
formulado por Campestrini (cf. seção 2.3). De acordo com esse autor, a ementa
deve ter duas partes: a primeira é denominada de verbetação e a segunda de
dispositivo. A parte da verbetação é composta de palavras-chave relativas ao
acórdão e que são grafadas com letras minúsculas (maiúscula a inicial) e sem
negrito. Entretanto, essa restrição tipográfica não foi respeitada na verbetação da
ementa acima transcrita.
A parte do dispositivo é o texto que vem abaixo da verbetação. Nessa
segunda parte é expresso o posicionamento do órgão julgador com relação à
questão julgada. As convenções da redação da ementa exigem que ela seja
concisa, despida de marcas de subjetividade e seja enunciada como uma norma
(CAMPESTRINI, 1994, p. 13, 19, 25, 27). Campestrini recomenda, ainda, que a
parte dispositiva seja redigida em caracteres itálicos e não sejam acrescentadas
informações sobre o tipo do processo e a extensão do julgamento.
A parte do dispositivo da ementa acima citada não obedece às
recomendações sobre a tipografia nem sobre o acréscimo de informações a respeito
do tipo do processo e extensão do julgamento, pois nas duas últimas linhas da
ementa está indicado qual é o tipo do processo e o resultado do julgamento. Apesar
disso, a parte do dispositivo da ementa obedece às restrições relativas à concisão, à
formulação como uma norma e à ausência de marcas de subjetividade.
Depois da ementa, está o acórdão em sentido estrito que contém: uma
narrativa sintética do julgamento; local e data do julgamento; Nome e assinatura do
Presidente do STF; Nome e assinatura do Relator para o acórdão.
A seguir, transcrevemos o acórdão em sentido estrito em sua integridade:
86
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros
do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da
ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos,
conhecer, em parte, do recurso e, nesta parte, dar provimento para
declarar a imunidade com relação à guia de importação de fls. 23
relativa a “filmes” e “papéis fotográficos”. E por maioria de votos, não
conhecer do recurso com relação à importação documentada pela guia
de fls. 25, relativa à “solução alcalina”.
Brasília, 11 de dezembro de 1996 .
SEPÚLVEDA PERTENCE - PRESIDENTE
MAURÍCIO CORRÊA - RELATOR PARA O ACÓRDÃO
O acórdão em sentido estrito possui o título “ACÓRDÃO”. De acordo com
Silva (2002, p.33), esse título é substantivo que deriva do verbo “acordarutilizado
para indicar que os Ministros acordam em julgar o caso de uma determinada forma.
O termo “acórdão” indicava, inicialmente, apenas a parte da decisão judicial
onde constava o verbo conjugado acordam, mas, com o tempo, o termo passou a
designar a totalidade da decisão. Uma vez que o mesmo termo “acórdão” é usado
tanto para a totalidade, quanto para a parte da decisão judicial, a forma para se
evitar ambiguidade é se referir à parte como “acórdão em sentido estrito”.
A forma composicional do acórdão em sentido estrito é altamente formulaica:
começa com a narração de que houve a vista, relatório e discussão do processo. A
narração dessas ações é feita com verbos no particípio passado.
Em seguida está narrado o fato de que os Ministros do STF acordam em
conformidade com a ata e as notas, depois é narrada a composição de votos e no
final a extensão do julgamento. O tempo verbal empregado para designar a ação de
acordar dos Ministros está no presente do indicativo: “acordam”; seguido de verbos
no infinitivo: “conhecer”, “dar”.
Apesar de estar situado na primeira folha do acórdão, o acórdão em sentido
estrito, em razão da narração nele contida, é produzido depois que todo o
julgamento ocorreu.
87
5.2.2.3. Unidade retórica 3
A unidade retórica 3 é o relatório elaborado pelo ministro-relator. Esse
relatório contém identificação do tipo da ação, relato do pedido inicial do autor, a
decisão do tribunal recorrido e o recurso da parte que não concordou com a decisão
do tribunal recorrido.
Para relatar o que esses outros participantes na construção do acórdão
disseram, o Ministro-Relator citou, por meio de discurso direto, trecho da decisão
recorrida e por meio do discurso indireto os argumentos do recorrente. Conjeturamos
que o Ministro-Relator escolheu citar, por meio de discurso direto, a decisão
recorrida porque ele valorou de modo mais reverente a decisão dos juízes recorridos
do que os argumentos do recorrente. Essa reverência maior teria exigido que os
limites entre o discurso citante e o citado ficassem mais rígidos.
5.2.2.4. Unidade retórica 4
A unidade retórica 4 abrange os votos individuais de cada Ministro. Nesses
votos, cada Ministro apresenta argumentos para fundamentar porque julgou o caso
de uma determinada forma. Cada voto é composto pelas seguintes partes:
1) Identificação do voto;
2) Fundamentação do voto;
3) Parte dispositiva do voto.
5.2.2.4.a. Voto do Ministro Carlos Velloso (relator)
O primeiro voto é o do Ministro-Relator do processo. A identificação desse
voto apresenta a seguinte composição: Nome do tribunal; Número da gina; Data
do julgamento; Nome do órgão julgador; Tipo, número e estado de origem do
recurso.
Mais abaixo está a palavra “Voto” seguida da expressão que indica que ele foi
vencido em parte. Depois, consta a ementa que o Ministro-Relator havia elaborado,
mas que, por ter sido vencido em parte, não foi a ementa que prevaleceu.
Em seguida, está o nome do Ministro seguido da indicação de que ele foi o
Relator do processo. Com exceção dessa indicação sobre o Relator e da ementa
88
vencida, a parte da identificação de todos os votos dos outros Ministros começa da
mesma forma que o do Ministro-Relator.
O Ministro-Relator inicia a parte da fundamentação com o vocativo “Sr.
Presidente”. Ele usa esse vocativo porque, como vimos na seção 5.1.1, o Ministro
que preside o julgamento pergunta a ele como ele vota. Assim, o voto é proferido
como uma resposta imediata à pergunta do Ministro Presidente. Entretanto, o
Ministro-Relator dirige seus argumentos a diversos outros interlocutores, sendo os
mais importantes as partes, os advogados e os outros Ministros.
Os juízes normalmente usam esquemas argumentativos na parte da
fundamentação de suas decisões. Seguindo a classificação feita por Alexy (cf. seção
2.4), nós constatamos que, na fundamentação desse voto do Ministro-Relator, foram
usados os seguintes esquemas argumentativos:
1) esquema sobre fatos empíricos o Ministro-Relator inicialmente
argumentou sobre quais são os fatos controversos do julgamento;
2) esquema sobre uso de precedentes judiciais Ele argumenta que o caso
sob julgamento deve ser julgado de acordo com o voto por ele próprio proferido em
outro processo. Ele chega a fazer uma extensa citação desse voto;
3) esquema sobre o significado dos atos normativos especificamente o
Ministro-Relator argumenta sobre a finalidade objetiva da norma em questão;
4) esquema sobre a doutrina, isto é, pareceres ou livros de juristas Nesse
caso o Ministro-Relator cita trecho de livro como argumento de autoridade.
Todos esses esquemas são elaborados por meio de citações de precedentes,
de atos normativos, de livros e pareceres de juristas. Nesse voto, esses esquemas
não estão empregados em uma ordem linear, mas sim interpolados uns com os
outros. Mesmo com essa interpolação, é possível construir uma estrutura sequencial
dos argumentos
13
. Contudo, por estar fora dos objetivos da presente dissertação,
não empreenderemos tal construção.
No final do voto do Ministro-Relator, consta a parte dispositiva do voto a qual
está expressa em duas linhas nas quais ele julga totalmente em favor do recorrente.
13
Feteris (1999, p.174-181), a partir da perspectiva teoria pragma-dialética da argumentação,
apresenta diretrizes para a leitura e reconstrução da estrutura dos argumentos usados em decisões
judiciais.
89
5.2.2.4.b. Voto do Ministro Maurício Corrêa
Como ressaltamos acima, com exceção da indicação sobre o Relator e da
ementa vencida, a parte da identificação de todos os votos dos outros Ministros
começam da mesma forma que a do Ministro-Relator.
Em termos de esquemas argumentativos, constatamos que o Ministro
Maurício Corrêa empregou os seguintes:
1) esquema sobre o significado dos atos normativos especificamente o
Ministro argumentou sobre a intenção dos legisladores constituintes de 1988;
2) esquema sobre uso de precedentes judiciais com esses esquemas o
Ministro fixa qual é o precedente que deve ser seguido no caso sob julgamento;
3) esquema sobre fatos empíricos o Ministro argumenta sobre quais são os
produtos para os quais a empresa pleiteia imunidade.
Diferentemente do Ministro-Relator, o Ministro Maurício Corrêa usou os
esquemas em ordem sequencial. Outra diferença é que, nesse voto, não foi
empregado esquema argumentativo sobre a doutrina.
Na parte dispositiva desse voto, o Ministro pede desculpas ao Ministro-Relator
por discordar dele e pronuncia seu julgamento parcialmente em favor da empresa.
5.2.2.4.c. Voto do Ministro Sydney Sanches
A identificação desse voto é semelhante à do Ministro Maurício Corrêa. O
Ministro Sydney Sanches também empregou esquemas argumentativos os quais
estão a seguir enumerados:
1) esquema sobre o significado dos atos normativos esse esquema foi
usado para argumentar sobre o sentido das palavras papel, filme e solução alcalina;
2) esquema sobre fatos empíricos o Ministro combinou o esquema sobre o
significado com o esquema sobre o modo como o jornal é impresso e como a
solução alcalina é utilizada.
3) esquema sobre uso de precedentes judiciais o Ministro limitou-se a
afirmar que persistia no voto que proferira no precedente anterior.
Na parte dispositiva, o Ministro pediu desculpa, sem indicar o nome do
destinatário desse pedido e, em seguida, limitou-se a pronunciar que acompanhava
90
os votos dos Ministros Ilmar Galvão e Octavio Gallotti. Desse modo, ele não deixou
expresso se julgava totalmente contra ou totalmente a favor ou mesmo parcialmente
a favor do pedido da empresa.
Por questão de delimitação, os votos dos Ministros Ilmar Galvão e Octavio
Gallotti não serão analisados na presente dissertação. Esses dois Ministros haviam
votado totalmente contra o que a empresa pediu. Assim, o Ministro Sydney Sanches,
ao acompanhá-los, também votou totalmente contra.
5.2.2.5. Unidade retórica 5
A unidade retórica 5 do acórdão sob análise é de tipo diferente da unidade de
mesmo número dos acórdãos analisados por Catunda e Soares. As autoras
denominaram a unidade retórica 5 de “encerramento da sentença” explicando que
ela contém informações sobre o local, data e assinaturas do Presidente do tribunal e
do relator.
No caso do acórdão ora analisado, essas informações estão contidas no
acórdão em sentido estrito que analisamos e classificamos na unidade retórica 2.
Por outro lado, no nosso caso, entendemos que a unidade retórica 5 é o extrato da
ata das sessões de julgamento do processo. Esse extrato é composto das seguintes
partes:
1) Identificação do processo;
2) Resumo das decisões tomadas em cada sessão nas quais o processo foi
julgado;
3) Nome dos Ministros presentes à sessão em que o julgamento foi finalizado;
4) Nome do Procurador-Geral da República que acompanhou a sessão de
julgamento final;
5) Nome e assinatura do secretário que lavrou o extrato da ata.
91
5.2.3. Estilo do acórdão e de sua ementa
5.2.3.1. Estilo do Acórdão
5.2.3.1.a. Voto do Ministro Carlos Velloso (relator)
Esse voto faz parte daqueles três que foram totalmente favoráveis à empresa
e que restaram vencidos. Em seu voto, o Ministro-Relator inicia esclarecendo qual é
a questão discutida no processo. Em seguida, afirma que precedentes do próprio
STF que concedem a imunidade pretendida pela empresa, justifica que esses
precedentes adotaram uma interpretação finalística. Por isso, concederam a
imunidade para os insumos essenciais, e não apenas para a tinta para impressão de
jornal e para o papel em que o jornal é impresso. Depois, faz extensa citação de um
voto que ele próprio proferiu no julgamento a que se refere o precedente.
No voto citado, o Ministro emprega interpoladamente esquemas
argumentativos sobre o sentido da Constituição, sobre a doutrina e sobre outros
precedentes. Todos esses esquemas visam dar suporte a sua tese de que a
imunidade pleiteada deve ser interpretada tendo em vista as finalidades para as
quais ela foi instituída. Esses esquemas contêm citações, com uso de aspas, da
doutrina e de votos de outros Ministros do STF nos precedentes.
Essas citações fazem parte do que foi dito sobre a questão da imunidade
dos insumos. Ao trazê-las para seu voto, o Ministro estabelece relações dialógicas
de concordância com os autores dos trechos citados, atribuindo a eles uma
valoração positiva. De certo modo, ele, ao aliar-se aos autores citados, está
dirigindo-se também a eles. Depois de empregar e citar parte de voto do Ministro
Rezek (que explicou porque os insumos essenciais deveriam ser imunes a impostos)
num precedente do STF, o Relator afirma que:
Também penso assim. O fato de a Constituição estabelecer,
expressamente, no art. 150, VI, d, que o papel está imune a imposto, não
quer dizer que os insumos essenciais não estejam abrangidos pela mesma
imunidade.
Repito: é preciso interpretar a imunidade inscrita no art. 150, VI, d, tendo
em vista os valores que a norma visa a proteger: valores da cultura, da
liberdade de expressão, de crítica, de informação. Ora, é incontestável que
o livro, o jornal e o periódico estão a serviço de tais valores, certo que a
proteção a esses valores é a tônica do constitucionalismo brasileiro.
92
O entendimento em sentido contrário assenta-se, na verdade, numa
interpretação puramente literal do texto constitucional. A interpretação
literal, entretanto, não presta obséquio nem ao Direito nem à Justiça. Ela
não chega a ser, aliás, interpretação. É técnica de trabalho, tão-só. [...]
Com a oração curta Também penso assim”, o Relator alia-se ao Ministro
Rezek e resume anaforicamente sua explicação com o advérbio assim. Em
seguida, vem um longo período composto, mas sem nenhuma marca explícita da
pessoa do relator. Ele principia esse período admitindo que é fato que a Constituição
expressamente não concede imunidade a todos os insumos essenciais. Essa
admissão funciona como uma preparação para refutação de uma objeção que algum
Ministro por ventura tenha levantado ou levantaria afirmando justamente a questão
de que, expressamente, a imunidade não foi atribuída a todos os insumos. No
mesmo período, ele efetivamente refuta essa possível objeção, ao afirmar que o
referido “fato de a Constituição estabelecer [...] não quer dizer que os insumos
essenciais não estejam abrangidos pela mesma imunidade
Ao asseverar que "a Constituição estabelece" para se referir ao fato de que os
legisladores constituintes estabeleceram a imunidade, o Relator emprega a
metonímia do produto pelo produtor. Desse modo, para efeitos argumentativos, ele
destitui os constituintes (representantes do povo) da posição de autores da
Constituição.
Um outro caminho para se interpretar a imunidade em questão seria
investigar os anais da Assembléia Constituinte para verificar quais foram os debates
que cercaram a concessão da imunidade e sua inserção no texto da Constituição. A
leitura do registro desses debates forneceria elementos mais próximos daquilo que
os constituintes entendiam que eram as finalidades da imunidade em discussão. O
relator, todavia, não optou por esse outro caminho de interpretação. Assim,
entendemos que, com essa metonímia, o Relator foi no mínimo indiferente, em
termos valorativos, com relação aos constituintes.
No parágrafo seguinte, o Relator diz que: Repito: é preciso interpretar a
imunidade inscrita no art. 150, VI, d, tendo em vista os valores que a norma visa a
proteger: valores da cultura, da liberdade de expressão, de crítica, de informação.
Lembramos que estamos analisando fragmento de voto que o Relator proferiu
em outro acórdão e que ele próprio citou no acórdão n.º 1. No parágrafo que
93
principia com a oração principal Repito:, o relator, ao usar os dois pontos, adota o
procedimento de citação por meio de discurso direto.
Assim, no voto proferido no acórdão n1 o Relator cita parte de seu voto
proferido em outro acórdão (que vamos chamar de acórdão B) e, dentro dessa
citação, ele cita a si próprio indicando que está repetindo o que havia dito. No
entanto, examinamos todo esse voto do acórdão B e constatamos que o Relator não
havia dito anterior e claramente com suas palavras o que ele afirmou que estava
repetindo na oração subordinada subjetiva apositiva que se seguiu a “Repito:.
Aliás, a única parte anterior a essa alegada repetição, em que aparece ligada
a imunidade em questão com os valores, foi quando, no acórdão B, o Relator citou
texto doutrinário indicando com aspas que as palavras eram de outrem. Desse
modo, ao afirmar que estava repetindo, o Relator estava apropriando-se do texto
doutrinário que citara anteriormente com aspas. Com a apropriação, as aspas
desapareceram, assim, a bivocalidade que era explícita tornou-se implícita.
Além disso, a repetição indica um reforço do que foi dito antes. Acreditamos
que o Relator repetiu porque antecipou respostas ou havia posicionamento
expresso de outros Ministros que discordavam dessa interpretação finalística. Outros
reforços estão no período seguinte do mesmo parágrafo:
Ora, é incontestável que o livro, o jornal e o periódico estão a serviço de
tais valores, certo que a proteção a esses valores é a tônica do
constitucionalismo brasileiro.
A oração principal “Ora, é incontestável valora com muita ênfase a sua
oração subordinada substantiva subjetiva que o livro, o jornal e o periódico estão a
serviço de tais valores”. No mesmo período, vem outra oração. Essa oração
apresenta ambiguidade. Conjeturamos que certo pode ser uma forma elíptica de é
certo”. Assim, essa seria a oração principal e sua dependente seria a oração
subordinada substantiva subjetiva que está após. Outra vez, o Relator usou esse
tipo de construção sintática para valorar enfaticamente a oração subordinada. Nessa
linha de interpretação, haveria uma coordenação assindética
14
entre Ora, é
14
Lapa (1998, p.260) afirma que o estilo assindético serve para dar um tom levemente exclamativo
para a segunda oração justaposta.
94
incontestável [...] e é certo [...] que também visaria aumentar ainda mais essa
ênfase.
Na oração subordinada da principal é certo”, o Ministro empregou o termo
constitucionalismo para se referir ao movimento integrado pelas pessoas que
defendem, no Brasil, as ideias de limites constitucionais ao poder estatal e a
promoção das liberdades de expressão, crítica etc. Ele atribuiu, como tônica desse
movimento, a proteção dos valores mencionados no período anterior. Desse modo,
ao votar pela proteção desses valores, o Relator pretendeu fazer parte desse
movimento. Consequentemente, ele também está dirigindo seu voto àquelas
pessoas que, em sua concepção, integram esse movimento.
O Relator faz todos esses reforços para valorar intensamente o próprio voto e
assim, tentar angariar a adesão dos outros Ministros e atacar, por meio de uma
polêmica velada, os Ministros que veem a questão por outra perspectiva. Essa
polêmica velada transforma-se em aberta no parágrafo seguinte:
O entendimento em sentido contrário assenta-se, na verdade, numa
interpretação puramente literal do texto constitucional. A interpretação
literal, entretanto, não presta obséquio nem ao Direito nem à Justiça. Ela
não chega a ser, aliás, interpretação. É técnica de trabalho, tão-só. [...]
Embora não indique os nomes dos Ministros que teriam entendimento
contrário ao seu, o Relator ataca duramente esses Ministros ao afirmar que eles
adotam uma interpretação literal que não presta obséquio nem ao Direito nem à
Justiça. Ela não chega a ser, aliás, interpretação. É técnica de trabalho, tão-só
Lembramos mais uma vez que todos os fragmentos analisados pertencem a
citação que o Relator fez, no acórdão n.º 1, de voto por ele proferido em outro
acórdão. Ele citou esse voto de outro acórdão para demonstrar que estava
mantendo a coerência com o precedente e, assim, o Relator votou, no acórdão n.º 1,
totalmente a favor da imunidade em questão.
Em seu voto, o Relator empregou uma linguagem séria, apresentou
argumentos jurídicos, demonstrou conhecer doutrina e precedentes sobre a
imunidade em questão. No entanto, ele ignorou os debates na Assembléia
Constituinte sobre essa imunidade. O registro desses debates, em nossa opinião,
seria um elemento importante na construção do seu voto. Assim, entendemos que o
Relator deu mostra de saber jurídico, mas não de “notável saber jurídico”. Portanto,
95
ele, embora adotando um estilo individual peremptório e elevado, conformou-se, em
grande parte, ao estilo do gênero.
Como foi explicado na seção 5.1.1, quando o voto do Relator consegue a
adesão da maioria, é ele quem redige a ementa. No presente voto, o Ministro-
Relator tinha a expectativa de ser o redator da ementa. No entanto, como a sua tese
não obteve a maioria de votos, a ementa foi redigida por outro Ministro.
5.2.3.1.b. Voto do Ministro Maurício Corrêa
Esse voto faz parte daqueles cinco que foram parcialmente favoráveis à
empresa e que foram vitoriosos no julgamento. Consideramos relevantes os
seguintes fragmentos do voto:
Senhor Presidente,[...]
[...]Por ocasião da Constituinte de 1988, como se sabe, foi apresentada
emenda no sentido de introduzir no atual artigo 150, VI, letra "d", da
Constituição Federal, alguns outros insumos.
Essa emenda, todavia, não resultou aprovada, o que significa dizer que a
mens legislatoris, sem dúvida, entendeu que havia imunidade tão-somente
para o papel de impressão, tal qual ficou plasmado de forma definitiva no
dispositivo constitucional acima mencionado, afastando-se dessa forma, a
sua extensão para outros tipos de insumos[...]
[...]na Sessão do dia 26.06.96, apreciando o Recurso Extraordinário
174.474, de que fui relator, e que examinou a extensão do que quer dizer a
constituição em termos de insumos gráficos para jornais, a teor do
dispositivo constitucional, fiquei vencido ...
[...]
Quanto [...] à importação do papel fotográfico, submeto-me à decisão da
maioria, embora não convencido, estou pedagogicamente alinhado à
decisão que resultou majoritária. Contudo, tendo-se em vista a imunidade
para a importação do material consignado no segundo fundamento, para
mim seria estender o julgado para algo além do que se deu. Ora, conceder
essa imunidade para solução alcalina, a mim me parece que extrapolaria
o parâmetro que foi estabelecido[...]
Assim, ao proferir seu voto no acórdão n.º 1, ora analisado, o Ministro
Maurício Corrêa encontrou a imunidade para insumos permeada de enunciados
anteriores (Constituição e precedentes de outros acórdãos e o voto do Relator no
acórdão n.º 1)
Nos fragmentos acima transcritos, o Ministro usa a expressão latina mens
legislatoris para fazer referência à intenção dos legisladores constituintes de 1988. O
Ministro faz inferências sobre o grau de conhecimento desses legisladores quando a
96
imunidade para o papel de impressão foi discutida durante a Assembléia
Constituinte de 1988 e inserida no texto constitucional.
Diferentemente do relator, o Ministro Maurício Corrêa reconhece
expressamente os constituintes como autores do texto da Constituição que
concedeu a imunidade apenas para o papel de impressão. Ao tratar dessa questão,
o Ministro Maurício Corrêa ainda menciona precedente do julgamento anterior
(processo RE n.º 174.476) no qual ele foi contra a concessão da imunidade para o
papel fotográfico e foi vencido pela maioria.
O reconhecimento de que os constituintes foram os autores da Constituição e
de que eles objetivaram dar imunidade apenas para o papel em que o jornal é
impresso, no entanto, não fez com que o Ministro Maurício Corrêa continuasse
negando a imunidade para o papel fotográfico. Assim, o Ministro mudou seu
posicionamento sobre a imunidade para o papel fotográfico. A mudança ficou
expressa em três orações justapostas:
[...], submeto-me à decisão da maioria, embora não convencido, estou
pedagogicamente alinhado à decisão que resultou majoritária.
O Ministro selecionou o verbo submeter para indicar que foi depois de vencido
na votação do precedente, agora ele adota a posição da maioria vencedora. Para
melhor compreensão, em nossa opinião, essas três orações poderiam ser reescritas
assim: Embora não esteja convencido, submeto-me à decisão da maioria, porque
estou pedagogicamente alinhado à decisão que resultou majoritária. Conjeturamos
que o Ministro empregou o advérbio pedagogicamente para indicar que estava
aprendendo a seguir a maioria na questão. Ou seja, o Ministro acreditou que seguir
a maioria era uma razão mais forte que votar apenas com base em seu
convencimento. Essa ressalva poderia ser empregada, em casos futuros, pelos
advogados do Fisco que quisessem argumentar contra o precedente estabelecido
por esse acórdão n.º 1, pois eles poderiam sustentar que, na verdade, o Ministro
Maurício Corrêa era contra a imunidade para o papel fotográfico.
Seja como for, a mudança de posicionamento quanto à imunidade, portanto,
indica que ele não valora, de modo absoluto, os constituintes no que se refere à
amplitude dessa imunidade. No entanto, a ampliação da imunidade, segundo o
97
Ministro, tem limite: a solução alcalina não está contemplada no precedente. Por
isso, ele diz que conceder a imunidade para a solução alcalina:
para mim seria estender o julgado para algo além do que se deu. Ora,
conceder essa imunidade para solução alcalina, a mim me parece que
extrapolaria o parâmetro que foi estabelecido[...]
O Ministro Maurício Corrêa, nesse fragmento, está discordando do Relator
(que votou totalmente a favor da imunidade pretendida pela empresa), embora com
bastante polidez, isto é, o Relator está sendo valorado negativamente no que tange
à amplitude da imunidade. A polidez na discordância está no fato de que o Ministro
vincula suas afirmações explicitamente a si (em vez de enunciá-las como verdades
objetivas) e emprega verbos conjugados no futuro do preterido: para mim seria; e
até com pleonasmo em: a mim me parece que extrapolaria”. Essa discordância
polida também pode estar respondendo antecipadamente aos Ministros que
julgariam a questão de modo diferente do Ministro Maurício Corrêa.
Os Ministros não têm nenhuma obrigação de seguir a maioria nas votações
do STF. Assim, somos da opinião que a humildade do Ministro em se submeter à
maioria, mesmo não estando convencido, não está de acordo com a racionalidade
imposta pelo estilo do gênero.
um grande contraste entre o estilo do Relator e o do Ministro Maurício
Corrêa. O primeiro foi enfaticamente peremptório e, por se posicionar no plano dos
valores, elevado. O segundo foi mais terreno, humilde e enfaticamente polido ao
discordar do primeiro. Apesar desse estilo individual, observamos que, no restante
do voto, o Ministro Maurício Corrêa também usou uma linguagem séria, apresentou
argumentos jurídicos, demonstrou conhecer os precedentes e os debates entre os
constituintes sobre a imunidade em questão. Assim, ele seguiu, com exceção da
questão da racionalidade, o estilo imposto pelo gênero.
Como o Ministro Maurício Corrêa foi o primeiro a discordar do voto do
Ministro-Relator e como essa tese discordante foi compartilhada pela maioria dos
votos, a redação da ementa ficou sob a responsabilidade desse Ministro.
98
5.2.3.1.c. Voto do Ministro Sydney Sanches
Esse é um dos três votos totalmente contrários à empresa "A". Lembramos
que tal posicionamento foi derrotado pela maioria de votos parcialmente favoráveis.
Desse voto derrotado, analisaremos o seguinte fragmento:
Sr. Presidente, para mim, papel destinado à impressão de jornal é aquele
em que o jornal é impresso. No filme fotográfico não é impresso o jornal.
Ao contrário, o filme é utilizado para que no papel haja a impressão do
jornal.
Persisto no entendimento adotado no precedente anterior, também nesse
ponto.
Com relação à solução alcalina, que não entra na composição do papel,
mas, sim, é utilizada na composição do jornal, não me parece que esteja
abrangida pela imunidade[...]
O Ministro anuncia que persiste no mesmo entendimento que adotara no
julgamento do precedente anterior (processo RE n.º 174.476). Além disso, ele não
fundamenta nem direta, nem indiretamente por meio de metonímia, o seu
posicionamento no legislador constituinte, isto é, nas normas previstas na
Constituição.
Com a expressão "para mim", o Ministro Sydney Sanches vincula
explicitamente a si a afirmação que faz sobre o papel. Ao expressar que esse
entendimento é subjetivo, o Ministro reconhece que para outros Ministros a questão
pode ser vista por outras perspectivas. O mesmo reconhecimento é expresso com
"não me parece".
Diferentemente do primeiro e segundo votos analisados, o raciocínio do
Ministro não têm referência à proteção de valores, nem à intenção do legislador
constituinte. Poderíamos dizer que se o Ministro não tivesse afirmado que persistia
no entendimento que adotara no precedente anterior, ele não estaria fazendo uso de
nenhum conhecimento jurídico. Assim, estaria interpretando a imunidade em
questão da mesma forma que, acreditamos, seja a interpretação feita pelo senso
comum, não especializado.
Conforme a tabela que apresentamos no item 5.2.1, esse Ministro foi o oitavo
a proferir o voto. Antes dele dois Ministros também votaram totalmente contra a
imunidade em questão. Por questão de delimitação não analisaremos esses dois
votos. Entretanto, pensamos que o Ministro Sydney Sanches não quis alongar seu
99
voto (e assim responder ao ataque lançado pelo Relator contra quem adotasse a
interpretação literal) porque os seus dois aliados haviam respondido ao ataque do
relator.
Em síntese, o Ministro Sydney Sanches também adotou uma linguagem séria,
apresentou argumentos jurídicos sucintamente dizendo que persistia no
entendimento adotado no precedente. Por tais razões, acreditamos que seu estilo
conformou-se em parte ao estilo do gênero, pois não houve demonstração do
notável saber jurídico” exigido pela Constituição.
5.2.3.2. Estilo da Ementa
Vimos (cf. item 3.3.5) que tanto a legislação sobre a ementa obriga que ela
expresse o princípio que serviu de base à decisão judicial, quanto o modelo
prescritivo de Campestrini (cf. item 2.3) determina que a ementa não tenha marcas
de subjetividade, seja concisa e tenha o formato de uma norma. Em suma, todas
essas prescrições impõem um estilo objetivo e, digamos, normativo para o redator
da ementa.
Vimos acima que o Ministro-Relator Carlos Velloso reconheceu a imunidade
aos dois insumos e foi vencido pela maioria dos votos que a reconheceram apenas
para o papel fotográfico. Quando o voto do Relator do processo não é o vencedor,
como ficou explicado na seção 5.1.1, o primeiro Ministro a pronunciar o voto
vencedor fica com a atribuição de redigir a ementa. No presente caso, esse papel foi
atribuído ao Ministro Maurício Corrêa
15
.
A tabela, a seguir, exibe fragmentos do voto do Ministro-Redator da ementa e
o que ficou redigido na ementa:
15
Quando Ministro-Relator não fica responsável pela redação da ementa, o redator desta é
identificado nos documentos do STF como: Ministro-Relator para o acórdão ou Ministro-Redator para
o acórdão ou redator da ementa.
100
Voto
Ementa
...Essa emenda, todavia, não resultou aprovada,
o que significa dizer que a mens legislatoris, sem
dúvida, entendeu que havia imunidade tão-
somente para o papel de impressão...
Além do próprio papel de impressão, a
imunidade tributária conferida aos livros, jornais e
periódicos
...
Quanto ... à importação do papel fotográfico,
submeto-me à decisão da maioria, embora não
convencido, estou pedagogicamente alinhado à
decisão que resultou majoritária
....
somente alcança o chamado papel fotográfico -
filmes não impressionados.
...Ora, conceder essa imunidade para solução
alcalina, a mim me parece que extrapolaria o
parâmetro que foi estabelecido...
Tabela 5 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 1
Como está mostrado na primeira linha do quadro, a referência à intenção do
legislador e a modalização foram suprimidas na ementa. Nas segunda e terceira
linhas da primeira coluna, as modalizações, o reconhecimento da submissão à
decisão da maioria quanto à imunidade do papel fotográfico e a auto-afirmação da
opinião de que esse é um limite que não pode ser extrapolado, foram todos
eliminados, sendo os conteúdos dessas duas linhas da primeira coluna,
condensados na expressão da segunda linha da segunda coluna.
Uma vez feita essa comparação, agora voltamos a analisar apenas a ementa
cuja transcrição completa está a seguir:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
TRIBUTÁRIO. JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA. INSUMO. EXTENSÃO MÍNIMA.
Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na
confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a imunidade
tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o
chamado papel fotográfico - filmes não impressionados.
Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido.
A parte da verbetação tem a finalidade de facilitar a classificação e pesquisa
do assunto sob julgamento. Ela contém os seguintes verbetes:
101
1º verbete: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
2º verbete: CONSTITUCIONAL.
3º verbete: TRIBUTÁRIO.
4º verbete: JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS.
5º verbete: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.
6º verbete: INSUMO.
7º verbete: EXTENSÃO MÍNIMA.
Em todos esses verbetes substantivos, adjetivos e a conjunção “e”.
Sintaticamente, a verbetação apresenta os adjuntos adnominais nos 1º, 5º e
verbetes. a parte dispositiva da ementa apresenta orações sintaticamente
completas com sujeito e predicado verbal.
Iremos focalizar agora o seguinte fragmento da parte dispositiva da ementa:
[...] Além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária
conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado
papel fotográfico - filmes não impressionados. [...]
Em todo o seu texto, a ementa contém poucas marcas da enunciação: a
ausência mais relevante é a do enunciador que não se inseriu no enunciado. As
palavras "recurso extraordinário" são as únicas que ligam o enunciado ao local e
momento da enunciação onde o julgamento ocorreu.
A expressão "além do" serve para introduzir uma citação do texto da
Constituição que concede imunidade ao papel de impressão. No entanto, essa
citação não foi acompanhada das referências bibliográficas. Certamente, o
enunciador as omitiu porque acredita que os leitores da ementa conheçam
o texto
constitucional em questão.
A frase "a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos
somente alcança o chamado" contém o verbo "alcançar" no tempo presente. No
entanto, apesar de ter sido usado no tempo presente, esse verbo não está ancorado
na situação de enunciação.
Maingueneau (2002, p. 115) chama de generalização esse uso do presente
que serve para indicar que um enunciado é considerado como sempre verdadeiro,
em todas as situações de enunciação e para qualquer enunciador. O presente do
indicativo é utilizado na formulação de normas para estipular abstratamente que
102
determinado direito vale para uma rie de casos concretos que se enquadram na
norma.
Em toda a ementa, não nenhuma marca expressa da subjetividade do
redator da ementa tais como o pronome pessoal da primeira pessoa ou como
desinência verbal da primeira pessoa. Porém, mesmo se ocultando, esse enunciador
expressa o estilo de alguém objetivo que pronuncia verdades ampliadas. Os demais
recursos linguísticos da ementa expressam outros elementos desse estilo: alguém
que se posiciona num conflito sobre qual é a extensão da imunidade em questão.
Em suma, essa ementa expressa um estilo impessoal e normativo. Quando
outros juízes e advogados quiserem usar essa ementa como argumento de
autoridade em casos futuros, eles terão de adaptar o estilo normativo e, portanto,
abstrato dela, ao caso concreto.
5.2.4. Conteúdo temático do acórdão e de sua ementa
Na seção 1.7, apresentamos os principais conceitos do Círculo de Bakhtin
sobre a semântica: a significação dicionarística que abrange os elementos
repetíveis; a avaliação socialmente condicionada que o falante atribui a cada
situação; e a significação contextual que surge em decorrência da avaliação que o
falante expressa juntamente com a significação dicionarística, modificando-a.
Adaptamos esses conceitos para o objeto da nossa dissertação da seguinte
forma:
1) A significação dicionarística é aquela fornecida pelos textos da Constituição
e pelos precedentes;
2) A avaliação é a que os Ministros expressam em seus votos sobre a
questão posta em julgamento, sobre os precedentes, e em relação aos participantes
do julgamento;
3) A significação contextual, consequentemente, decorre da alteração que a
avaliação produz na significação dicionarística, isto é, a contextual é a interpretação
que cada Ministro atribui à legislação e aos precedentes para o caso concreto.
Embora essa significação contextual esteja ligada ao caso concreto sob
julgamento, essa decisão do STF servirá como precedente para o próprio STF e
para outros Tribunais. Assim, por se tornar uma significação repetível em novos
contextos, a significação contextual transforma-se em dicionarística. Nesses novos
103
contextos, todavia, haverá as particularidades dos novos casos e, assim, novas
avaliações produzirão novos sentidos contextuais.
Segundo o Ministro-Relator, a questão discutida no acórdão é saber se:
[...] os insumos necessários à edição de livros, jornais, periódicos,
além do papel destinado à sua impressão, estão incluídos na norma do
artigo 150, VI, letra “d” da Constituição Federal, que decreta a não
incidência tributária qualificada traduzida na imunidade fiscal [...]
Especificamente, a recorrente pediu que o STF reconhecesse que solução
alcalina para impressão, filmes e papéis fotográficos fossem liberados do pagamento
de impostos. A recorrente alegou que todos esses insumos estão abrangidos pela
imunidade prevista no art. 150, VI, letra “d” da Constituição Federal, a seguir
transcrito:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: [...]
VI - instituir impostos sobre: [...]
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua
impressão.[...]
Para facilitar o cotejo entre o pedido da recorrente, a significação dada pela
Constituição e aquelas atribuídas pelos Ministros, apresentamos, a seguir, quadro
onde todos os três votos estão dispostos lado a lado:
104
Trechos do Voto do Ministro
Carlos Velloso
Trechos do Voto do Ministro
Maurício Corrêa
Trechos do Voto do Ministro
Sydney Sanches
Senhor Presidente,[...]
Também penso assim. O fato
de a Constituição estabelecer,
expressamente, no art. 150, VI,
d, que o papel está imune a
imposto, não quer dizer que os
insumos essenciais não
estejam abrangidos pela
mesma imunidade.
Repito: é preciso interpretar a
imunidade inscrita no art. 150,
VI, d, tendo em vista os valores
que a norma visa a proteger:
valores da cultura, da liberdade
de expressão, de crítica, de
informação. Ora, é incontestável
que o livro, o jornal e o
periódico estão a serviço de tais
valores, certo que a proteção a
esses valores é a tônica do
constitucionalismo brasileiro[...]
Senhor Presidente,[...]
[...]Por ocasião da Constituinte
de 1988, como se sabe, foi
apresentada emenda no sentido
de introduzir no atual artigo
150, VI, letra "d", da
Constituição Federal, alguns
outros insumos.
Essa emenda, todavia, não
resultou aprovada, o que
significa dizer que a mens
legislatoris, sem dúvida,
entendeu que havia imunidade
tão-somente para o papel de
impressão, tal qual ficou
plasmado de forma definitiva
no dispositivo constitucional
acima mencionado,
afastando-se dessa forma, a
sua extensão para outros
tipos de insumos[...]
[...]na Sessão do dia 26.06.96,
apreciando o Recurso
Extraordinário nº 174.474, de
que fui relator, e que examinou
a extensão do que quer dizer a
constituição em termos de
insumos gráficos para jornais, a
teor do dispositivo
constitucional, fiquei vencido [...]
Quanto [...] à importação do
papel fotográfico, submeto-
me à decisão da maioria,
embora não convencido, estou
pedagogicamente alinhado à
decisão que resultou
majoritária. Contudo, tendo-se
em vista a imunidade para a
importação do material
consignado no segundo
fundamento, para mim seria
estender o julgado para algo
além do que se deu. Ora,
conceder essa imunidade
para solução alcalina, a mim
me parece que extrapolaria o
parâmetro que foi
estabelecido[...]
Sr. Presidente[...]
[...] para mim, papel destinado
à impressão de jornal é
aquele em que o jornal é
impresso. No filme fotográfico
não é impresso o jornal. Ao
contrário, o filme é utilizado
para que no papel haja a
impressão do jornal.
Persisto no entendimento
adotado no precedente anterior,
também nesse ponto.
Com relação à solução
alcalina, que não entra na
composição do papel, mas,
sim, é utilizada na
composição do jornal, não me
parece que esteja abrangida
pela imunidade[...]
Tabela 6 - Significações contextuais atribuídas pelos três Ministros
105
A Constituição Federal foi resultado de uma Assembléia de legisladores
constituintes, desse modo, as significações contextuais diferentes atribuídas pelos
três Ministros implicam que eles estão valorando de formas também diferentes os
legisladores constituintes.
Em nossa opinião, o Ministro Carlos Velloso (relator) não valoriza os limites
que os legisladores constituintes colocaram nos insumos que podem ficar livres dos
impostos. Ao defender que livrar todos os insumos necessários ao jornal de
impostos é uma forma de proteger os valores da cultura e do livre acesso à
informação, esse Ministro coloca esses valores em posição superior àquela do valor
do respeito aos legisladores constituintes.
O Ministro Maurício Corrêa, por sua vez, enfatiza o respeito que tem pelas
restrições postas pelos legisladores constituintes. Ele chega a narrar as discussões
havidas na Assembléia Constituinte sobre a abrangência da imunidade dos insumos
dos jornais. Todavia, ele aceita que o papel fotográfico também está abrangido pela
imunidade.
O Ministro Sydney Sanches, no trecho acima transcrito, não amplia em nada
o significado que o senso comum atribuiria à norma em questão. Desse modo, o
Ministro não quis ultrapassar os limites postos pelos legisladores constituintes.
Consequentemente, esse respeito aos limites indica, a nosso ver, uma valorização
muito grande pelos legisladores constituintes.
Em síntese, logo após a promulgação da CF/88, o Fisco entendia que a
imunidade em questão abrangia apenas o papel em que o jornal era impresso e a
tinta para sua impressão. Os contribuintes que discordavam dessa interpretação
levaram a questão para o judiciário. No acórdão sob análise, um Ministro, entendeu
que a imunidade em discussão abrangia o papel fotográfico e a solução alcalina;
Outro entendeu que abrangia apenas o papel fotográfico; e o outro, que abrangia
apenas o papel em que jornal era impresso. Venceu a interpretação de que ela
abrangia também o papel fotográfico.
Transcrevemos, abaixo, parte da ementa para analisarmos o seu conteúdo
temático:
[...] Além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária
conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado
papel fotográfico - filmes não impressionados. [...]
106
A ementa não reproduz explicitamente nenhuma das avaliações dos
Ministros. Entretanto, implicitamente, ela contém a avaliação dos Ministros que
compuseram a maioria vencedora, isto é, valorização do limite posto pelo legislador
constituinte, e, ao mesmo tempo, valorização da atividade do STF em interpretar que
a evolução tecnológica fez com que o papel fotográfico também seja considerado
papel para impressão. Assim, a ementa atribui a significação contextual estendendo
a imunidade para o papel fotográfico e, ao mesmo tempo, negando implicitamente a
imunidade para solução alcalina.
Desse modo, uma vez que esse acórdão como um todo passou valer como
precedente, a palavra “papel”, para fins da imunidade em questão, passou a ter mais
um sentido estabilizado: o de papel fotográfico. Essa estabilização, no entanto, está
sujeita às transformações históricas e tecnológicas e, por essa razão, pode ser
instabilizada em outros momentos.
5.2.5. Plurilinguismo de perspectivas sócio-ideológicas na ementa
O quadro abaixo exibe fragmentos do voto do Ministro redator da ementa e o
que ficou redigido na ementa:
Voto
Ementa
...Essa emenda, todavia, não resultou aprovada,
o que significa dizer que a mens legislatoris, sem
dúvida, entendeu que havia imunidade tão-
somente para o papel de impressão...
Além do próprio papel de impressão, a
imunidade tributária conferida aos livros, jornais e
periódicos
...
Quanto ... à importação do papel fotográfico,
submeto-me à decisão da maioria, embora não
convencido, estou pedagogicamente alinhado à
decisão que resultou majoritária
....
somente alcança o chamado papel fotográfico -
filmes não impressionados.
...Ora, conceder essa imunidade para solução
alcalina, a mim me parece que extrapolaria o
parâmetro que foi estabelecido...
Tabela 7 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 1
Mesmo possuindo o estilo de uma norma impessoal, a ementa mantém um
diálogo implícito de discordância (o que se assemelha a uma polêmica velada, cf.
seção 1.3) com as perspectivas ideológicas dos Ministros que foram vencidos na
107
votação e também dialoga implicitamente concordando com aquelas perspectivas
ideológicas dos Ministros vencedores.
O fragmento “[...] Além do próprio papel de impressão [...] faz referência à
norma constitucional que imunidade explicitamente ao papel de impressão. Esse
fragmento mantém relação dialógica de concordância parcial com os votos daqueles
Ministros que reconheciam a imunidade apenas para o papel de impressão. É como
se o redator da ementa dissesse “concordamos com aqueles que entendem que o
papel de impressão está imune aos impostos”. Por outro lado, o fragmento discorda
parcialmente deles porque ele amplia essa imunidade com a expressão “[...] Além de
[...]”. É como se o redator afirmasse que “discordamos daqueles que entendem que
apenas o papel de impressão no sentido dado pelo senso comum está imune a
impostos, pois entendemos que também o papel fotográfico em questão está imune
a impostos”.
Outro grupo de Ministros reconhecia a imunidade tanto para papel para
impressão, papel fotográfico e para a solução alcalina. O fragmento “[...] Além do
próprio papel de impressão [...]” estabelece relação dialógica de concordância
parcial com esse outro grupo. Contudo, o fragmento “[...] a imunidade tributária
conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado papel
fotográfico - filmes não impressionados [...]” relaciona-se dialogicamente
discordando deles, pois esse último fragmento o reconhece a imunidade para a
solução alcalina.
A maioria dos Ministros votou pela imunidade apenas para os papéis
fotográficos. Portanto, a ementa é expressão sintética da perspectiva ideológica
dessa maioria e com ela concorda totalmente.
108
5.3. Análise do acórdão n.º 2
5.3.1. Dados básicos do processo judicial relativo ao acórdão n.º 2
Na presente seção, analisaremos o segundo acórdão do STF e sua ementa
também usando os conceitos relativos às características identificadoras dos gêneros
discursivos. Da mesma forma que procedemos na análise do acórdão n.º 1,
esclarecemos que o n.º verdadeiro do processo que deu origem a esse acórdão é
n.º RE 265.025-1. Entretanto, para facilitar as referências esse acórdão e sua
ementa receberão, em nossa análise, o n.º 2.
Para contextualizar a análise, apresentaremos, antes, alguns dados do
processo que deu origem ao primeiro acórdão analisado.
Uma empresa jornalística "B" ajuizou uma ação pedindo que o poder judiciário
estadual de São Paulo a livrasse de pagar um determinado imposto sobre tinta para
impressão de jornal. Ela alegou que esse insumo está abrangido pela imunidade
prevista no art. 150, VI, letra “d” da Constituição Federal.
O juiz de primeiro grau negou o pedido. A empresa recorreu ao Tribunal de
Justiça do Estado de o Paulo que atendeu ao que ela pediu e a livrou de pagar o
imposto sobre a tinta. A Fazenda do Estado de São Paulo, então, recorreu ao
Supremo Tribunal Federal onde o processo recebeu o número RE 265.025-1.
O julgamento desse processo foi realizado pela Primeira Turma em
12/06/2001. Na sessão de julgamento, participaram cinco Ministros que por
unanimidade de votos negaram o pedido da empresa, que voltou a ficar obrigada a
pagar o imposto sobre a tinta.
O seguinte quadro sintetiza, na ordem em que os votos foram pronunciados, o
posicionamento dos Ministros:
Ministro
Voto totalmente a
favor da imunidade
para tinta
Voto parcialmente a
favor da imunidade
para tinta
Voto totalmente
contrário à
imunidade para tinta
01 Moreira Alves
Sim
02 Sydney Sanches
Sim
03 Sepúlveda Pertence
Sim
04 Ilmar Galvão
Sim
05 Ellen Gracie
Sim
Tabela 8 - Votos dos ministros no acórdão n.º 2
109
5.3.2. Estrutura composicional do acórdão e de sua ementa
Do mesmo modo que o acórdão n.º 1 acima analisado, o acórdão n.º 2
também possui a seguinte estrutura composicional:
Unidade retórica 1 Identificação do tribunal, do processo, do Relator e das partes;
Unidade retórica 2 Ementa e acórdão em sentido estrito;
Unidade retórica 3 Relatório do ministro-relator;
Unidade retórica 4 Votos dos ministros;
Unidade retórica 5 Extrato da ata das sessões de julgamento
5.3.2.1. Unidade retórica 1
Também no caso do acórdão sob análise, os dados abaixo da identificação
indicam que o acórdão foi selecionado pela Coordenação de análise de
jurisprudência do STF para ser publicado na íntegra e que a ementa do acórdão foi
publicada em ementário.
5.3.2.2. Unidade retórica 2
Da mesma forma que o acórdão n.º 1, a unidade retórica 2 do acórdão sob
análise contém a ementa e o acórdão em sentido estrito. A íntegra da ementa do
acórdão sob análise é a seguinte:
EMENTA: ICMS. Tinta para impressão de livros, jornais, revistas e
periódicos. Não-ocorrência de imunidade tributária.
- Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos
RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel
fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e
papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo
como abrangido pela referida imunidade, e portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
110
Todavia, essa estrutura da ementa não está prevista no modelo prescritivo de
redação de ementas formulado por Campestrini (cf. seção 2.3). As prescrições
formuladas por Campestrini proíbem que, na ementa, sejam feitas referências a
precedentes e exigem que a ementa tenha a estrutura composicional de uma norma.
A ementa acima viola essas prescrições porque possui a estrutura
composicional de um silogismo: premissa maior (precedentes do STF) + premissa
menor (caso concreto) = conclusão (resultado do julgamento). Além disso, na
ementa, há referência a seis outros precedentes do próprio STF.
Essas violações demonstram, portanto, que a estabilidade da estrutura
composicional da ementa é apenas relativa.
Depois da ementa, está o acórdão em sentido estrito que segue, com poucas
mudanças, a estrutura composicional já analisada no acórdão n.º 1.
5.3.2.3. Unidade retórica 3
O relatório elaborado pelo Ministro-Relator é a unidade retórica 3. No acórdão
n.º 2 sob análise, o relatório também contém identificação do tipo da ação, relato do
pedido inicial do autor, a decisão do tribunal recorrido e o recurso da parte que não
concordou com a decisão do tribunal recorrido.
O relatório sob análise tem uma característica peculiar: ele tem cerca de
quatro páginas, mas apenas quatro linhas de discurso de autoria do próprio Ministro-
Relator. Quase todo o restante do relatório é constituído de citações do acórdão do
Tribunal Estadual de São Paulo.
5.3.2.4. Unidade retórica 4
Os votos individuais de cada Ministro estão agrupados na unidade retórica 4.
Os votos do acórdão n.º 2 do mesmo modo que o n.º 1 têm a seguinte composição:
1) Identificação do voto;
2) Fundamentação do voto;
3) Parte dispositiva do voto.
111
5.3.2.4.a. Voto do Ministro Moreira Alves (relator)
A identificação do voto segue o mesmo padrão dos votos analisados no
acórdão n.º 1. A diferença digna de nota é o fato de que o Ministro-Relator do
acórdão n2 também era o Presidente da Primeira Turma. Assim, esse voto não
contém o vocativo “Sr. Presidente”.
Na fundamentação do voto, foi utilizado apenas o esquema argumentativo
sobre o uso de precedentes. Por meio de um silogismo em que os precedentes
ocuparam a posição de premissa maior e o caso concreto, a de premissa menor, o
Ministro-Relator negou o pedido da empresa. Essa negativa está na parte dispositiva
do voto a qual começa com a expressão “Em face do exposto [...]”.
5.3.2.4.b. Voto do Ministro Sepúlveda Pertence
A identificação do voto do Ministro Sepúlveda Pertence é seguida do vocativo
Sr. Presidenteque ele dirige ao Ministro Presidente da Primeira Turma. Igualmente
como no acórdão n.º 1, apesar desse vocativo, o Ministro Sepúlveda Pertence
direciona seu voto para vários outros interlocutores: partes, advogados, Ministros
presentes no julgamento etc.
O principal esquema argumentativo empregado na fundamentação é o
esquema sobre uso do precedente por meio do qual o Ministro Sepúlveda Pertence
relembra os argumentos que foram usados pelo STF para estabelecer os
precedentes citados pelo Ministro-Relator. Secundariamente, o Ministro Sepúlveda
Pertence utiliza os esquemas argumentativos sobre o significado da norma e sobre
fatos empíricos para fixar o sentido das palavras papel e tinta e para explicar fatos
relativos à impressão do jornal.
A parte dispositiva do voto está no último parágrafo que contém uma oração
curta: Acompanho o voto de Vossa Excelência”. Essa oração não contém nenhum
conectivo que indique conclusão como portanto ou em vista do exposto etc.
112
5.3.2.5. Unidade retórica 5
Do mesmo modo que o acórdão n.º 1, a unidade retórica do acórdão nº2 é o
extrato da ata contendo os mesmos tipos de partes daquele acórdão.
5.3.3. Estilo do acórdão e de sua ementa
5.3.3.1.a. Voto do Ministro Moreira Alves (relator)
Como o objetivo da divisão em turmas é aumentar o número de julgamentos,
e como a questão da imunidade para tintas havia sido decidida em casos
precedentes pelo Plenário do STF, apenas o Ministro-Relator e o Ministro Sepúlveda
Pertence apresentaram votos, sendo ambos bem breves. Os outros Ministros se
limitaram a acompanhar o Ministro-Relator sem apresentar nenhuma fundamentação
individual.
Outra razão para essa brevidade de votos está no fato de que quatro dos
cinco Ministros presentes no julgamento que resultou no acórdão n.º 2 também
participaram do julgamento que resultou no acórdão n1 feito pelo Plenário do STF
que havia estabelecido precedente contra a imunidade para tinta de impressão de
jornais (cf. seção 5.2.1). Naquele julgamento anterior, todos esses quatro haviam se
posicionado contra a imunidade em questão.
Em razão de o voto ser breve, transcrevemo-lo quase que totalmente a
seguir:
1. Esta Corte firmou o entendimento (a título exemplificativo,
nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de
que apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel
fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e
papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo
como abrangido pela referida imunidade, e portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte.
2 . Em face do exposto, conheço do presente recurso e lhe dou
provimento [...]
113
Além da identificação, o voto está dividido em duas partes numeradas. A
primeira é a fundamentação. Nela, o Ministro argumenta, de modo sucinto, que o
STF firmou entendimento de que apenas alguns materiais relacionados ao papel
estão imunes a impostos e que a decisão do Tribunal inferior não respeitou esse
entendimento restritivo. A segunda parte é o dispositivo do acórdão. Nela, o Ministro-
Relator pronuncia seu julgamento final do caso.
O voto fundamenta sua conclusão em precedentes do STF. Todavia, eles
foram mencionados apenas por números. Assim, nem o Relator para o processo
nem os eventuais relatores para a ementa (como foi o caso do RE 203.859-8) foram
identificados. Portanto, o Ministro-Relator valora de modo impessoal os precedentes.
Ainda na primeira parte, o Ministro-Relator enuncia, embora com o verbo na
pessoa, em nome do STF em "Esta Corte firmou entendimento" e em "[...] o
acórdão recorrido [...] divergiu da jurisprudência desta Corte".
Em suma, em toda a primeira parte, apagamento dos nomes de outros
Ministros e das marcas da pessoa do singular e de qualquer modalização.
Podemos afirmar, portanto, que o estilo dessa primeira parte do voto é de alguém
que quer mostrar objetividade e que é fiel aos precedentes.
Na segunda parte do voto, contudo, o Ministro-Relator põe sua marca em
"conheço" e "dou". Esse uso da 1ª pessoa sem modalização indica o estilo de
alguém que cumpre seu dever e se responsabiliza pelo que fez.
Já dissemos que as turmas, normalmente, seguem o posicionamento do
plenário sobre determinadas questões. No presente caso, o Relator enumerou
alguns acórdãos do Plenário que negaram a imunidade para a tinta. Assim,
acreditamos que, nessa situação, essa argumentação com base nos precedentes do
próprio STF era o bastante para resolver a questão.
Desse modo ao usar uma linguagem séria, apresentar argumentos jurídicos,
demonstrar conhecimento e seguir os precedentes do próprio STF, o Ministro,
embora expresse um estilo individual, também se adequou ao estilo imposto pelo
gênero.
5.3.3.1.b. Voto do Ministro Sepúlveda Pertence
Para análise, consideramos relevante a maior parte desse voto, a seguir
transcrita:
114
[...] Senhor Presidente, como observou Vossa Excelência, quando
entendeu coberta [sic] pela imunidade o material fotográfico papéis
fotográficos consumidos na impressão o Tribunal considerou que isso
era uma interpretação evolutiva, à base da evolução tecnológica da
feitura de jornal.
Não é o que acontece com a tinta. Desde o momento primitivo o
jornal se fazia de papel e de tinta. E o constituinte, à base de
precedentes históricos de contenção, sobretudo, do papel importado
para os jornais malquistos pelo Governo, decidiu atribuir essa
imunidade ao papel, mas não à tinta.
Foram esses os fundamentos pelos quais votei com a maioria na
decisão extensiva ou ampliativa do RE 174.476. Mas tenho
acompanhado os numerosos precedentes que negam a imunidade em
se tratando de tinta.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.
O Ministro retoma pequena parte do voto do Ministro-Relator e em seguida
acrescenta um relato sobre formação do precedente no STF. Depois faz uma
afirmação sobre a tinta com o verbo ser no presente do indicativo. Pensamos que
essa conjugação verbal (o presente como generalização
16
) objetivou mostrar que a
tinta é e sempre foi um insumo não abrangido pela imunidade. Ele justifica essa
afirmação, a seguir, quando faz um sucinto relato sobre a feitura do jornal com o uso
do verbo fazer na voz passiva sintética com pretérito imperfeito “[...] o jornal se fazia
[...]”. Essa voz foi usada para chamar atenção para o processo de produção do jornal
e não para os agentes dessa produção. o tempo verbal no pretérito imperfeito
está correlacionado com o tempo no pretérito simples no período seguinte onde,
também para justificar a afirmação sobre a tinta, o Ministro alonga-se um pouco mais
para narrar a elaboração da Constituição no que se refere à imunidade em questão.
Nessa parte da narrativa, ele usou o verbo decidir no pretérito perfeito.
Consideramos relevante a informação de que essa imunidade foi uma forma
de se evitar a censura exercida, por meio de aumento de tributos sobre o papel, pelo
Governo contra os jornais que o desagradassem. Embora, o Ministro não
especifique quais Governos praticavam a censura, certamente os outros Ministros da
Turma conheciam os abusos contra a liberdade de expressão cometidos na Ditadura
16
Como dissemos na seção 5.2.3.2, Maingueneau (2002, p. 115) chama de generalização esse uso
do presente que serve para indicar que um enunciado é considerado como sempre verdadeiro, em
todas as situações de enunciação e para qualquer enunciador.
115
Militar e na Ditadura de Vargas. Ou seja, na visão do Ministro, essa imunidade está
ligada à ideologia do Estado liberal, do Estado que deve ser limitado.
Toda essa narrativa foi feita como se os fatos narrados fossem objetivamente
verdadeiros. O Ministro nem citou de que fonte ele coletou a informação sobre a
decisão do constituinte em dar imunidade apenas ao papel. Pensamos que ele
adotou essa forma objetiva porque ele sabia que os outros Ministros presentes
tinham conhecimento dos fatos narrados. Assim, o Ministro apenas avivou a
memória de seus colegas de Turma.
Essa argumentação sobre as razões de o constituinte atribuir a imunidade em
questão é identificada pelo Ministro como sendo os fundamentos que ele usou em
outro julgamento. Essa identificação é feita com o uso do verbo votar conjugado na
primeira pessoa do singular no tempo pretérito perfeito. Nesse outro julgamento, ao
que parece, ele votou a favor da imunidade para todos os insumos essenciais para a
produção do jornal. No entanto, depois disso, ele não admitiu mais a imunidade para
a tinta. Assim, usando a expressão verbal tenho acompanhado”, ele anuncia que
reiteradamente segue os precedentes que negam imunidade para a tinta.
Ao analisarmos a estrutura composicional da parte dispositiva desse voto,
constatamos que contém uma oração curta: “Acompanho o voto de Vossa
Excelência”. Essa oração não contém nenhum conectivo que indique conclusão
como “portanto” ou “em vista do exposto” etc. Parece que essa elipse do conectivo,
indica um estilo de alguém expedito e, até mesmo, abrupto.
Embora tenha acompanhado o voto do Ministro-Relator, o Ministro Sepúlveda
Pertence apresentou fundamentação um pouco distinta daquele. Enquanto aquele
Ministro-Relator fundamentou seu voto apenas nos precedentes, esse Ministro usou
também o esquema argumentativo sobre a intenção do legislador constituinte. Desse
modo, o Ministro Sepúlveda Pertence expressa um estilo de alguém que não segue
de forma automática os precedentes, mas, sim, de alguém que se relaciona de
forma aprofundada com eles.
Ademais, ao explicar as razões do legislador constituinte para limitar a
imunidade apenas ao papel, o Ministro expressa um estilo de subordinação parcial
aos limites impostos pelo constituinte e, ao mesmo tempo, o estilo de quem está
sintonizado com a evolução tecnológica da feitura dos jornais, pois o Ministro lembra
que aceitou, em outros julgamentos, que o papel fotográfico destinado à impressão
de livros e jornais também teria imunidade.
116
Em suma, constatamos que, no voto, o Ministro empregou uma linguagem
séria, argumentou com base em precedentes e fatos históricos e, especificamente,
com base nos trabalhos da Assembléia Constituinte, deixou de lado preferências
políticas ou pessoais e adotou a ideologia materializada na CF/88. Por essas razões,
consideramos que, apesar de possuir um estilo individual, o Ministro também se
conforma ao estilo do gênero.
5.3.3.2. Estilo da Ementa
Vimos (cf. item 3.3.5) que a legislação sobre a ementa obriga que ela
expresse o princípio jurídico que serviu de base à decisão judicial. Também
apresentamos o modelo prescritivo de Campestrini (cf. item 2.3) o qual determina
que a ementa não tenha marcas de subjetividade, seja concisa e tenha o formato de
uma norma. Em suma, todas essas prescrições impõem um estilo objetivo e
normativo para o redator da ementa. Para cotejar essas prescrições com a ementa
do acórdão n.º 2, transcrevemos novamente a ementa em questão:
EMENTA: ICMS. Tinta para impressão de livros, jornais, revistas e
periódicos. Não-ocorrência de imunidade tributária.
- Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos
RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel
fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e
papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo
como abrangido pela referida imunidade, e portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
A verbetação da ementa do acórdão n.º 1 continha apenas palavras-chave
tais como, substantivos, adjetivos e conjunção, para a classificação do assunto sob
julgamento. a verbetação da ementa do acórdão n.º 2, contém três verbetes,
tendo dois deles maior organização sintática:
1º verbete: ICMS.
2º verbete: Tinta para impressão de livros, jornais, revistas e periódicos.
3º verbete: Não-ocorrência de imunidade tributária.
117
O segundo verbete possui substantivo seguido de complemento nominal. No
caso do terceiro verbete, o substantivo é composto e está seguido de adjunto
adnominal. Esse terceiro verbete poderia ser reformulado da seguinte forma:
imunidade tributária não ocorre. De acordo com Campestrini (cf. item 2.3), na
verbetação é vedado o uso de sentenças. Assim, ao não usar o verbo ocorrer, o
redator da ementa conformou-se às prescrições para a verbetação.
a parte dispositiva da ementa apresenta orações sintaticamente completas
com sujeitos e predicados. Iremos focalizar agora o seguinte fragmento da parte
dispositiva da ementa:
[...]
- Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo, nos
RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel
fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e
papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo
como abrangido pela referida imunidade, e portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte.
[...]
Quando fizemos a análise da estrutura composicional da ementa (cf. item
5.2.2.2), constatamos que ela tem a estrutura de um silogismo. O redator da ementa
relata usando o verbo firmar no pretérito perfeito que Esta Corte firmou o
entendimento”. Esse verbo tem o sentido de posicionamento reiterado, firme.
Assim, ao relatar o posicionamento reiterado do STF, o redator da ementa
não assumiu o estilo de quem formula normas abstratas para casos futuros como no
caso da ementa do acórdão n.º 1. Se a ementa do acórdão n.º 2 fosse elaborada
como uma norma, a ementa poderia se restringir ao seguinte fragmento:
[...] apenas os materiais relacionados com o papel - assim, papel
fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e
papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista
no artigo 150, VI, "d", da Constituição. [...]
118
Em toda a ementa não nenhuma marca expressa da subjetividade do
redator da ementa, tais como o pronome pessoal da primeira pessoa ou como
desinência verbal da primeira pessoa.
Por outro lado, o autor colocou o STF na posição de sujeito ao escrever que
Esta Corte firmou o entendimento“. Em seguida, ele exemplifica o referido
entendimento fazendo referência a seis julgamentos feitos pelo STF. Depois ele
assevera que o tribunal recorrido violou esse entendimento.
Em suma, embora essa ementa não expresse um estilo normativo, ela
expressa, sim, um estilo impessoal e de coerência com os precedentes. Essa
exibição de coerência influenciará casos futuros, pois, quando outros juízes e
advogados pesquisarem essa ementa para usarem-na como argumento de
autoridade, eles verificarão que precedentes reiterados do STF na mesma linha.
Essa reiteração indica uma maior força e, consequentemente, quem quiser contestar
os precedentes terá de empreender um grande esforço argumentativo.
5.3.4. Conteúdo temático do acórdão e de sua ementa
Agora, analisaremos as significações e a avaliação no acórdão n.º 2 e na sua
ementa.
O produto sobre o qual a empresa pede imunidade é tinta para impressão de
jornais, revistas, livros e periódicos. Sobre esse fato não houve controvérsia. O
conflito ocorreu porque a empresa entendia que o produto estava imune ao
pagamento de impostos. Ela alegou que esse insumo está abrangido pela imunidade
prevista no art. 150, VI, letra “d” da Constituição Federal, a seguir transcrito:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: [...]
VI - instituir impostos sobre: [...]
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua
impressão.[...]
Para facilitar o cotejo entre o pedido da empresa, a significação dada pela
Constituição e aquelas atribuídas pelos Ministros, apresentamos, a seguir, quadro
onde os dois votos estão dispostos lado a lado:
119
Trechos do Voto do Ministro-Relator
Trechos do Voto do Ministro Sepúlveda pertence
1. Esta Corte já firmou o entendimento (a título
exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476,
203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel -
assim, papel fotográfico, inclusive para
fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, o impressionados, para
imagens monocromáticas e papel para telefoto -
estão abrangidos pela imunidade tributária
prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
No caso, trata-se de tinta para impressão de livros,
revistas e periódicos, razão por que o acórdão
recorrido, por ter esse insumo como abrangido pela
referida imunidade, e portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte.
2 . Em face do exposto, conheço do presente recurso
e lhe dou provimento [...]
[...] Senhor Presidente, como observou Vossa
Excelência, quando entendeu coberta pela
imunidade o material fotográfico papéis
fotográficos consumidas na impressão o
Tribunal considerou que isso era uma interpretação
evolutiva, à base da evolução tecnológica da feitura
de jornal.
Não é o que acontece com a tinta.Desde o momento
primitivo o jornal se fazia de papel e de tinta. E o
constituinte, à base de precedentes históricos de
contenção, sobretudo, do papel importado para os
jornais malquistos pelo Governo, decidiu atribuir
essa imunidade ao papel, mas não à tinta.
Foram esses os fundamentos pelos quais votei com a
maioria na decisão extensiva ou ampliativa do RE
174.476. Mas tenho acompanhado os numerosos
precedentes que negam a imunidade em se tratando
de tinta.
Acompanho o voto de Vossa Excelência.
Tabela 9 - Significações contextuais atribuídas pelos dois Ministros
A significação dicionarística da Constituição abrangia apenas papel, a
significação reiterada em vários precedentes é um pouco mais ampla ao abranger
materiais relacionados com papel, mas apenas esses materiais.
O Ministro-Relator, em seu voto, valoriza unicamente a significação dada
pelos precedentes. Assim, ele expressa uma valorização da coerência dos
precedentes do STF. Consequentemente, a significação contextual por ele atribuída
ao caso é de que a tinta não está abrangida pela imunidade.
Já o Ministro Sepúlveda Pertence valoriza os precedentes, mas valoriza muito
mais os limites impostos pelos constituintes. Desse modo, ele valoriza a separação
de poderes entre o Legislativo Constituinte e o Judiciário. Portanto, ele atribuiu ao
caso a mesma significação contextual de que a tinta não está abrangida pela
imunidade.
Uma vez que a ementa é quase uma cópia do voto do Ministro-Relator, o
conteúdo temático da ementa reproduz o do seu voto, isto é, valorização da
coerência dos precedentes e significação contextual de que a tinta não está
abrangida pela imunidade. A repetição de decisões do STF negando a imunidade
para a tinta reforça a estabilidade da significação da imunidade em questão.
Consequentemente, aumenta a dificuldade para quem quiser argumentar em sentido
120
contrário e diminui o receio de quem usar esse posicionamento do STF como
argumento de autoridade.
5.3.5. Plurilinguismo de perspectivas sócio-ideológicas na ementa
O quadro abaixo exibe fragmentos do voto do Ministro-Relator e o que ficou
redigido na ementa:
Voto do Ministro Moreira Alves
Ementa redigida pelo Ministro Moreira Alves
EMENTA: ICMS. Tinta para impressão de livros,
jornais, revistas e periódicos. Não-ocorrência de
imunidade tributária.
1. Esta Corte firmou o entendimento (a título
exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476,
203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel -
assim, papel fotográfico, inclusive para
fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para
imagens monocromáticas e papel para telefoto -
estão abrangidos pela imunidade tributária
prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
- Esta Corte já firmou o entendimento (a título
exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476,
203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que
apenas os materiais relacionados com o papel -
assim, papel fotográfico, inclusive para
fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para
imagens monocromáticas e papel para telefoto -
estão abrangidos pela imunidade tributária
prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição.
No caso, trata-se de tinta para impressão de
livros, revistas e periódicos, razão por que o
acórdão recorrido, por ter esse insumo como
abrangido pela referida imunidade, e portanto,
imune ao ICMS, divergiu da jurisprudência desta
Corte.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de
livros, revistas e periódicos, razão por que o
acórdão recorrido, por ter esse insumo como
abrangido pela referida imunidade, e portanto,
imune ao ICMS, divergiu da jurisprudência desta
Corte.
2 . Em face do exposto, conheço do presente
recurso e lhe dou provimento [...]
Recurso extraordinário conhecido e provido.
Tabela 10 - Comparação entre voto e ementa do acórdão n.º 2
No acórdão n.º 2, o julgamento foi unânime para negar a imunidade para a
tinta. Todavia, apenas dois Ministros apresentaram votos. O Ministro Sepúlveda
Pertence acompanhou o voto do Ministro-Relator, porém com fundamentação um
pouco diferente.
Como a ementa é quase uma cópia do voto do Ministro-Relator, a perspectiva
sócio-ideológica do Ministro Sepúlveda Pertence foi parcialmente omitida. Ele
enfatizou em seu voto que seguia os precedentes porque eles estavam baseados no
respeito aos limites postos pelo legislador constituinte. o Ministro-Relator não fez
nenhuma referência a esses limites.
121
Uma vez que essa perspectiva foi omitida da ementa, consideramos que o
Ministro-Relator pode ter estabelecido uma relação dialógica de discordância com o
Ministro Sepúlveda Pertence quanto à valorização da separação de poderes.
122
6. Análise dos dados: citação das ementas do STF por outros tribunais
Durante a sessão de julgamento, no Plenário do STF, os Ministros dirigem
formalmente seus votos ao Presidente do STF. Apesar desse direcionamento formal,
eles dirigem seus votos, principalmente, para os outros Ministros presentes e para
as partes do processo sob julgamento. Secundariamente, os votos também são
dirigidos aos membros da esfera jurídica (cf. seção 5.1.3).
Esses votos mais outros elementos resultam no acórdão e na ementa que
também são dirigidos, em primeiro lugar, às partes do processo julgado pelo STF e
em segundo lugar aos membros da esfera jurídica que os usam como precedentes
para construir a argumentação de petições, recursos e decisões judiciais.
Desse modo, os Ministros do STF elaboram seus votos e as ementas dos
acórdãos também levando em conta esse uso pelos outros integrantes da esfera
jurídica. Como vimos (cf. seção 3.3.3), a ementa surgiu especificamente para facilitar
a localização e a consulta de decisões judiciais. Para cumprir essas finalidades, a
ementa contém os princípios jurídicos que fundamentaram o acórdão. Esses
princípios expressam, de modo sintético, o posicionamento do STF sobre a questão
decidida.
Para que essa síntese possa ser produzida, o acórdão é submetido a várias
abstrações que possibilitam que a ementa seja cotejada de modo mais rápido com
novos casos concretos. Caso outros juízes e advogados, ao realizar esse cotejo,
percebam similaridades, eles citam a ementa ou trechos do acórdão correspondente
para embasar suas argumentações.
Quando juízes dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) citam essas ementas
do STF em suas decisões, eles estabelecem relações dialógicas entre seus votos e
elas. Entretanto, como as ementas têm origem nos acórdãos e como esses são
compostos de votos dos Ministros, os juízes também estabelecem relações
dialógicas com as perspectivas ideológicas expressas nos votos dos Ministros.
Como dissemos na seção 4.5, o nosso terceiro objetivo na presente
dissertação é analisar como a ementa é empregada em novos contextos. Para
realizar essa análise, faremos uso dos conceitos de formas de transmissão do
discurso alheio, relação dialógica entre contexto de produção e de recepção da
ementa.
123
Explicamos, no capítulo relativo à metodologia, que iríamos analisar dois
acórdãos de outros tribunais que citaram as ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2 do
STF. Para facilitar a referência a eles, esses dois outros acórdãos serão tratados de
acórdão números 3 e 4, doravante denominados de n.º 3 e n.º 4. A seguir está a
correlação entre os seus números verdadeiros e os números por nós adotados:
- Acórdão n.º 3: acórdão do processo n.º 2000.03.99.016012-7;
- Acórdão n.º 4: acórdão do processo n.º AMS 77136.
6.1. Análise da citação da ementa dos acórdãos n.ºs 1 e 2 no acórdão n.º 3
Para contextualizar a análise da citação, também apresentaremos, antes,
alguns dados do processo que, enfatizamos, envolve empresa e Tribunal diferentes
dos anteriormente analisados.
Uma empresa "C" ajuizou ação judicial requerendo imunidade de impostos
para tinta e filmes fotográficos. O Juiz de primeiro grau negou, para ambos produtos,
o pedido de imunidade. A empresa então recorreu ao Tribunal Regional Federal da
Região (sediado em São Paulo-SP) onde o processo recebeu o n.º
2000.03.99.016012-7. Esse recurso foi julgado em 14/02/2007, tendo como relatora
a Juíza Convocada Eliana Marcelo.
6.1.1. Transcrição da citação
A seguir estão transcritas as partes do voto da Relatora onde ela citou
integralmente as ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2 do STF (processos n.ºs RE
203.859-8 e RE 265.025-1):
[...]observa-se que, dentre os bens importados, apenas o filme fotográfico,
por ser considerado "papel" na extensão da palavra e no uso empregado,
deve ser abrangido pela imunidade, ao contrário da tinta para a impressão
do papel, a qual, embora ligada diretamente ao processo para a veiculação
do periódico, revista ou livro, não se mostra adequada à interpretação do
que seja "papel", conformada pelo Supremo.
Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais:
"Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na
confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a
imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos
somente alcança o chamado papel fotográfico - filmes não
impressionados." (RE 203.859, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
24/08/01)
124
[...]
“ICMS. Tinta para impressão de livros, jornais, revistas e
periódicos. Não-ocorrência de imunidade tributária.
- Esta Corte já firmou o entendimento (a título exemplificativo,
nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e
267.690) de que apenas os materiais relacionados com o papel
- assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por
laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados,
para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão
abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI,
"d", da Constituição.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse
insumo como abrangido pela referida imunidade, e portanto,
imune ao ICMS, divergiu da jurisprudência desta Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
(STF - RE 265025 / SP - Relator(a): Min. MOREIRA ALVES -
Julgamento: 12/06/2001) "
[...]
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, concedendo a
imunidade sobre os filmes fotográficos utilizados para a impressão de
revistas, periódicos ou livros, importados pela impetrante,
6.1.2. Circulação e recepção das ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2
Vimos, na seção 3.3.6, que as ementas do STF circularam no Diário da
Justiça impresso e hoje circulam no Diário da Justiça eletrônico na Internet. Elas
circulam também em repositórios de jurisprudência impressos.
Na citação do acórdão n.º 1, acima, a juíza indicou DJ 24/08/01insinuando
que coletara essa ementa do Diário da Justiça dessa data. na citação da ementa
do acórdão n.º 2, não houve indicação de que fonte ela foi coletada.
Essa falta de indicação prejudica a conferência da citação pelas partes
envolvidas. Prejudica, também, eventual análise mais aprofundada que elas queiram
fazer dos votos do acórdão de onde a ementa se originou.
6.1.3. Introdução da citação da ementa
Essas duas ementas do STF, citadas pela juíza, fizeram parte de uma lista de
citações de outras ementas que foram introduzidas uma única vez. Nessa
introdução, a juíza citante não fez referência a nenhum Ministro-Relator específico,
também não indicou que citaria apenas ementas. Ademais, a juíza citante não
125
especificou que as citações eram do STF. De forma imprecisa, ela introduziu a
citação com a frase "Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais: [...]"
O entendimento dos Tribunais referiu-se a uma lista de cinco ementas dos
processos a seguir enumerados juntamente com a data em que ocorreu o
julgamento ou a publicação da ementa no Diário da Justiça:
-RE 203.859 - (data de publicação: 24/08/2001);
-RE 346.771 - (data do julgamento: 19/01/2002);
-RE 273.308 - (data do julgamento: 22/08/2000);
-RE 265.025 - (data do julgamento: 12/06/2001);
-Decisão sem número do TRF 3ª - (data do julgamento: 06/03/2002).
Dessas cinco ementas, apenas duas referem-se àquelas dos acórdãos n.º 1 e
2 do STF, isto é, as ementas dos processos n.ºs RE 203.859-8 e RE 265.025-1.
A forma de introdução e a lista de ementas que se seguiu parecem indicar
que elas foram coletadas de alguma fonte na Internet. A respeito do armazenamento
eletrônico de precedentes em dez países, Taruffo (cf. seção 3.7) concluiu que isso
facilitou sua circulação, contudo criou o problema das listas de precedentes.
Esse problema ocorre porque os juízes e advogados, em razão dessa
facilidade, em seus textos listam muitos precedentes sem uma discussão
aprofundada de cada precedente. Ao examinarmos todo o acórdão n.º 3 sob análise,
constatamos que essa falta de discussão também ocorreu.
.
6.1.4. Atribuição de autoria
Com relação à ementa do acórdão n.º 1 do STF (RE 203.859-8), a juíza
citante não reproduziu a parte da verbetação, mas reproduziu a parte dispositiva da
ementa citada. No final da citação da ementa, a juíza citante identificou que a
ementa era do STF, o processo pelo número e a data de publicação do Diário da
Justiça. Também foi indicado o nome do Relator do processo. Todavia, ela não
identificou que o Relator para a ementa não foi o mesmo Relator do processo (cf.
seção 5.2.3.2). Nem informou se o processo foi julgado por Turma ou pelo Plenário
do STF, nem ainda, se a votação foi por maioria ou por unanimidade.
com relação à ementa do acórdão n.º 2 do STF (RE 265.025-1), a juíza
citante fez citação completa da verbetação e do dispositivo da ementa. No final da
126
citação, ela identificou o nome do STF e o número do processo. Porém não indicou a
data de publicação e página do Diário da Justiça, inseriu apenas a data de
julgamento. Também foi indicado o nome do Relator do processo. Entretanto, ela
não informou se o processo foi julgado por Turma ou pelo Plenário do STF, nem,
ainda, se a votação foi por maioria ou por unanimidade.
6.1.5. Influência dos fatores institucionais no grau de normatividade
dissemos (cf. seção 3.7) que, de acordo com Taruffo (1997, p. 437-443), a
organização do poder judiciário afeta o grau de normatividade dos precedentes.
Assim, dentro de cada ramo de justiça, os juízes dos níveis inferiores normalmente
seguem os precedentes dos níveis superiores. Vimos que Peczenik (cf. seção 3.8)
distinguiu três níveis de normatividade.
As ementas do STF enquadram-se no segundo nível de normatividade de
precedente estabelecido por Peczenik. Nesse caso, se o TRF desobedecesse ao
precedente do STF, ele não teria cometido uma ilegalidade, mas ficaria sujeito a ser
corrigido por meio de recurso. Peczenik enumerou onze fatores (cf. seção 3.8) que
influenciam esse segundo nível de normatividade. Repetimos, de modo
reorganizado e resumido, cinco desses fatores que entendemos relevantes para a
presente análise:
A) Se o precedente foi produzido por turma ou pelo tribunal pleno sabemos
que o acórdão n.º 1 foi produzido pelo plenário do STF, enquanto que o n.º 2 foi pela
Turma. Entre os dois, o do plenário possui mais força. Entretanto, essa diferença
não foi indicada na citação de ambos;
B) Presença ou ausência de divergência na produção do precedente no final
de cada ementa citada, a juíza não explicitou se houve votos divergentes nas
votações que deram origem aos dois acórdãos correspondentes. Sabemos que, no
caso do acórdão n.º 1, formaram-se três grupos de Ministros com posicionamentos
divergentes. Já no caso do acórdão n.º 2, a votação foi unânime;
C) Validade dos argumentos que fundamentam o voto a juíza citante não
analisou nenhum dos votos dos dois acórdãos citados. Assim ela deixou de entender
as razões que fundamentaram as diferentes perspectivas sócio-ideológicas dos
Ministros;
127
D) Idade do precedente o acórdão n.º 1 foi proferido em 11/12/1996. Apesar
disso, ele foi publicado cerca de cinco anos depois, pois na primeira folha do
acórdão n.º 1, consta que ele foi selecionado pela Coordenação de Análise de
Jurisprudência do STF (cf. seção 3.3.5) e foi publicado no Diário da Justiça de
24/08/2001. Já o n.º 2 foi em proferido 12/06/2001. No final da citação da ementa n
1, a juíza indicou a data da publicação (24/08/2001) e no final da n.º 2 ela indicou a
data do julgamento (12/06/2001). Assim, na citação, a ementa n.º 1 aparenta ser
mais nova do que a n.º 2.
E) Mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas desde que o
precedente foi produzido as transformações havidas em relação ao contexto sócio-
histórico em que os acórdãos foram produzidos também não foram objeto de análise
por parte da juíza. Aliás, a falta de indicação da data do julgamento que originou a
ementa n.º 1 induz erroneamente o leitor a considerá-la mais nova do que realmente
é e, talvez, a concluir que ela não está tão defasada historicamente.
6.1.6. Ambivalência entre autoridade e persuasão
Como relatamos acima, das cinco ementas citadas pela juíza, apenas duas
referem-se àquelas dos acórdãos n.º 1 e 2 do STF. Ambas as ementas foram
citadas por meio de discurso direto logo após dois pontos. Todo o texto citado está
separado por aspas e recuado em relação ao texto citante.
Acreditamos que esses limites rígidos entre o discurso citante e citado teria,
no mínimo, duas finalidades. Uma seria indicar que a citação estaria reproduzindo
fielmente as ementas originais. A outra seria prestar reverência ao STF, não
fundindo, não se apropriando e, assim, o transformando, para as palavras
próprias da juíza, o texto citado. Outro modo de reverenciar o STF foi o fato de que
ela não questionou as razões que os Ministros empregaram nos votos dos acórdãos
respectivos. Também não aferiu se houve mudanças históricas ou tecnológicas entre
o momento dos julgamentos que originaram as ementas e o momento em que ela,
juíza, estava fazendo a citação.
Contudo, essa reverência não é absoluta, pois a juíza considerou as duas
ementas insuficientes, sem diferenças importantes entre si e fracas. Em primeiro
lugar, o fato de essas duas não terem sido citadas isoladamente também indica que
a juíza citante considerou-as insuficientes para fundamentar seu voto. Em segundo
128
lugar, ela ignorou as diferenças que apontamos nos cinco fatores acima analisados.
Assim, ela classificou ambas as ementas como argumentos de autoridade iguais
entre si e iguais às três outras ementas. Em terceiro lugar, ela também considerou
as duas ementas fracas isoladamente, pois tiveram de estar em companhia das
outras três ementas da lista. Essa redução da força e, consequentemente, da
autoridade, contudo, não foi explicitamente assumida pela juíza.
Há, em suma, uma ambivalência no modo como a juíza citou as duas
ementas. Por um lado, ela delimitou rigidamente os limites, não questionou os
argumentos dos Ministros nem aferiu se houve mudanças históricas ou tecnológicas
entre o momento de produção e o de recepção da ementa. Por outro lado,
considerou as duas ementas insuficientes, sem diferenças importantes e fracas.
Essa ambivalência produziu, na citação da ementa n.º 1, relações dialógicas
complexas. Essa complexidade decorre de três fatores. Primeiramente, houve
divergências entre três grupos de Ministros no julgamento. Em segundo lugar, a
ementa expressou apenas a perspectiva ideológica do grupo majoritário. Em terceiro
lugar, a juíza, ao deixar de identificar a composição dos votos, estabeleceu relações
dialógicas de concordância total com o grupo vencedor e, sem estar ciente, firmou
relações de discordância total ou parcial com aqueles Ministros que não
compuseram o grupo vencedor.
por meio da citação da ementa n.º 2, a juíza estabeleceu uma relação
dialógica que pareceria ser apenas de concordância com os Ministros da Turma,
pois a votação havia sido unânime. Contudo, vimos que dois Ministros apresentaram
argumentos distintos para chegar à mesma conclusão. Poderíamos dizer que
concordaram na conclusão, mas discordaram parcialmente nas premissas. A
ementa, entretanto, expressou apenas a perspectiva ideológica do Ministro-Relator.
Portanto, nesse caso, a juíza teria estabelecido uma relação dialógica de
discordância com a perspectiva que foi omitida da ementa n.º 2
Em nossa opinião, a ambivalência da juíza ilustra a afirmação de Bakhtin
sobre o papel da palavra autoritária e o da palavra interiormente persuasiva (cf.
seção 1.8). Segundo Bakhtin (1934/1935, p. 143-147), a palavra autoritária exige de
nós o reconhecimento independentemente de nossa persuasão interior. Além disso,
as formas de transmissão da palavra autoritária exigem que ela não se confunda
com massas de palavras que a exaltem ou que a apliquem de um modo ou de outro.
a palavra interiormente persuasiva possui relações difusas com outras palavras
129
interiormente persuasivas. Bakhtin (1934/1935, p. 142-143) esclarece que, apesar
da profunda diferença entre esses papéis, eles podem se unir na mesma palavra.
6.2. Análise da citação da ementa dos acórdãos n.ºs 1 e 2 no acórdão n.º 4
Para contextualizar a análise da citação, também apresentaremos, antes,
alguns dados do processo que, ressaltamos, envolve empresa e Tribunal diferentes
dos anteriormente analisados.
Por intermédio de ação judicial, uma empresa "D" requereu a imunidade de
impostos para máquina de impressão. O Juiz de primeiro grau negou o pedido de
imunidade. A empresa então recorreu ao Tribunal Regional Federal da Região
(sediado em Recife-PE) onde o processo recebeu o n.º 2001.05.00.025760-1. O
julgamento desse recurso ocorreu em 28/08/2003, tendo como Relator o
Desembargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos que, em seu voto, negou o
pedido da empresa e também citou integralmente as ementas dos acórdãos n.ºs 1 e
2 do STF.
6.2.1. Transcrição da citação
As citações estão transcritas a seguir:
[...]
3. Inicialmente, observo que a questão sucitada foi apreciada pelo Col.
STF, em Sessão Plenária, que decidiu pela extensão mínima da imunidade
tributária prevista no referido artigo 150 inciso, VI, letra "d", da Constituição
Federal, para alcançar, além do próprio papel destinado à impressão,
apenas o chamado papel fotográfico, filmes não impressionados.
Conforme os seguintes precedentes, in verbis:
RE 203859/SP - SÃO PAULO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO.
Rel. Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA. Julgamento:
11/12/1996 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO.
Publicação: DJ DATA-24-08-2001 PP-00062 EMENT VOL-
02040-06 PP-01263. Decisão Por Maioria.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. JORNAIS, LIVROS E
PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSUMO.
EXTENSÃO MÍNIMA. Extensão da imunidade tributária aos
insumos utilizados na confecção de jornais. Além do
próprio papel de impressão, a imunidade tributária
conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança
o chamado papel fotográfico - filmes não impressionados.
130
Recurso extraordinário parcialmente conhecido e, nessa parte,
provido.
[...]
No âmbito da Primeira Turma daquela Colenda Corte, já restou, neste
sentido, consolidada a jurisprudência. Conforme os seguintes precedentes,
que, por oportuno, colaciono:
[...]
RE 265025 / SP SÃO PAULO. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MOREIRA ALVES -
Julgamento: 12/06/2001 Órgão Julgador: Primeira Turma.
Publicação: DJ DATA-21-09-01 PP-00054 EMENT VOL-
02044-02 PP-00445. DECISÃO UNÂNIME.
EMENTA: ICMS. Tinta para impressão de livros, jornais,
revistas e periódicos. Não-ocorrência de imunidade
tributária.
- Esta Corte firmou o entendimento (a título
exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859,
204.234, 178.863 e 267.690) de que apenas os materiais
relacionados com o papel - assim, papel fotográfico,
inclusive para fotocomposição por laser, filmes
fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para
imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão
abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo
150, VI, "d", da Constituição.
- No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, revistas e
periódicos, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse
insumo como abrangido pela referida imunidade, e portanto,
imune ao ICMS, divergiu da jurisprudência desta Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
[...]
Em sendo assim, adoto os precedentes como razão de decidir, em
homenagem aos princípios da segurança jurídica e da economia
processual.
6.2.2. Circulação e recepção das ementas dos acórdãos n.ºs 1 e 2
Nas ementas citadas no acórdão nº3, a juíza incluiu os dados de identificação
da ementa no final de cada uma. Diferentemente dela, no acórdão n 4, o juiz
inseriu a identificação no início de cada ementa.
De forma abreviada, ele indicou a data e a página em que ela foi publicada no
Diário da Justiça. Registrou também o número do volume e a página do ementário
onde ela foi publicada.
131
Constatamos que essa estruturação da identificação da ementa é igual a da
ementa que estava disponível no sítio do STF, na Internet, quando fizemos a coleta
de dados para nossa dissertação.
Atrevemos a afirmar, portanto, que o juiz também coletou as duas ementas do
mesmo sítio do STF. Se ele usou essa fonte da Internet, por que, então, ele não
reconheceu esse fato?
Vimos, na seção 3.3.6, que a Resolução do STF n341, de 16 de abril de
2007, instituiu o Diário de Justiça Eletrônico como instrumento de comunicação
oficial, publicação e divulgação dos atos judiciais do STF.
O julgamento do qual resultou o acórdão n.º 4 aconteceu em 28/08/2003, ou
seja, o julgamento ocorreu antes que o STF instituísse oficialmente o Diário de
Justiça Eletrônico para publicação e divulgação de seus atos judiciais. Antes de essa
instituição oficial do referido Diário, o STF disponibilizava (e ainda disponibiliza)
ementas e acórdãos em seu sítio na Internet.
Acreditamos, portanto, que o juiz não indicou expressamente que coletou as
ementas do sítio do STF porque essa fonte ainda não era oficialmente instituída para
esse fim.
6.2.3. Introdução da citação da ementa
Igualmente como ocorreu nas duas citações das ementas dos acórdãos n.º 1
e 2 do STF analisadas na seção 6.1, na introdução das citações ora analisadas, o
juiz citante não fez referência a nenhum Ministro-Relator específico, ele também não
indicou que citaria apenas ementas. Ele explicou que citaria decisões do Plenário do
STF e introduziu a citação com a frase "Conforme os seguintes precedentes, in
verbis:". Esses precedentes eram duas ementas dos processos a seguir
enumerados juntamente com a data em que ocorreu o julgamento do processo ou a
publicação da ementa no Diário da Justiça:
-RE 203.859 (data do julgamento: 11/12/96; data de publicação: 24/08/01);
-RE 174.476 (data do julgamento: 26/09/96; data de publicação: 12/12/97).
Depois dessas duas, o juiz citante anunciou que introduziria precedentes da
Primeira Turma do STF e, usando a oração Conforme os seguintes precedentes,
132
que, por oportuno, colaciono:”, citou três ementas dos processos enumerados a
seguir:
-RE 244.698 (data do julgamento: 07/08/01; data de publicação: 31/08/01);
-RE 265.025 (data do julgamento: 12/06/01; data de publicação: 21/09/01);
-RE 267.690 (data do julgamento: 25/04/00; data de publicação: 10/08/00).
6.2.4. Atribuição de autoria
Diferentemente das citações analisadas na seção 6.1, no presente caso, o
juiz inseriu os dados de identificação do processo no início das citações das
ementas. Dentro dessa identificação, ele colocou o nome do Relator do processo e
do Relator da ementa, a data de julgamento e de publicação e a gina do Diário da
Justiça. Também contrastando com as outras citações analisadas no item 6.1, o juiz
citante indicou que o julgamento foi feito pelo Plenário do STF, que a decisão foi por
maioria no caso da ementa do acórdão n.º 1 do STF e que foi unânime pela Primeira
Turma no caso da ementa do acórdão n.º 2 do STF.
6.2.5. Influência dos fatores institucionais no grau de normatividade
Analisamos a seguir como os fatores institucionais influenciaram o grau de
normatividade das ementas n.º 1 e 2 na citação no acórdão n.º 4. Nessa análise,
também estabeleceremos uma comparação com a que fizemos com relação ao
acórdão n.º 3.
A) Se o precedente foi produzido por turma ou pelo tribunal pleno
diferentemente das citações das ementas n.ºs 1 e 2 feitas no acórdão n.º 3, aqui o
juiz identificou expressamente que as ementas eram do Plenário e da Turma. Ele
chegou a citar um grupo de ementas do Plenário e depois explicou que citaria
ementas da Primeira Turma. Desse modo ele explicitou a diferença existente entre
elas.
B) Presença ou ausência de divergência na produção do precedente
também contrastando com o acórdão n.º 3, aqui o juiz indicou que a decisão que
originou a ementa n.º 1 foi por maioria e a que originou a ementa n.º 2 foi unânime.
Assim, novamente, ele marcou a diferença entre elas.
133
C) Validade dos argumentos que fundamentam o voto apesar desses
contrastes em relação ao acórdão n.º 3, o Juiz do acórdão n.º 4 também não
analisou nenhum dos votos dos dois acórdãos cujas ementas foram citadas,
deixando, assim também, de entender os argumentos que embasaram as diferentes
perspectivas sócio-ideológicas dos Ministros;
D) Idade do precedente no entanto, o acórdão n.º 4 volta a contrastar com o
n.º 3, pois o juiz indicou, em ambas as ementas, a data de julgamento e a data de
publicação. Desse modo, ficou evidente a diferença de idade entre elas.
E) Mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas desde que o
precedente foi produzido apesar de explicitar as datas, de novo o juiz do acórdão
n.º 4 agiu como a juíza do n.º 3, pois ele também não investigou as transformações
havidas em relação ao contexto sócio-histórico em que os acórdãos foram
produzidos e o efeito dessas mudanças em seu voto.
6.2.6. Ambivalência entre autoridade e persuasão
Do mesmo modo como ocorreu no acórdão n.º 3, também no acórdão n.º 4,
ambas as ementas foram citadas por meio de discurso direto logo após dois pontos.
Todo o texto citado está separado por aspas e recuado em relação ao texto citante.
Entretanto, o acórdão n.º 4 contrasta com o de n3 quanto ao fato de que
aqui estão presentes o uso de negritos e sublinhados que não constam nas ementas
originais. Com esses dois recursos, o juiz citante modalizou as palavras por eles
atingidas. Essa modalização serve como um comentário de ênfase sobre essas
palavras.
No caso da ementa n.º 1, o uso de negrito e sublinhado foi empregado
principalmente na parte dispositiva da ementa. No caso da n.º 2, a verbetação e
metade da parte dispositiva foram negritadas e sublinhadas. Na citação de ambas as
ementas, foram negritadas as indicações do órgão onde ocorreu e a composição
dos votos do julgamento.
A ênfase sobre esses elementos sugere que o juiz, além de reproduzir mais
os dados de identificação das ementas, também percebeu a diferença existente
entre elas no que tange tanto à unanimidade ou não dos votos, quanto ao órgão
onde foi realizado o julgamento. Apesar de usar essa modalização, digamos, não-
134
verbal, o juiz não construiu discursivamente argumentos que explicassem essas
enfáticas diferenças entre as ementas.
Assim, no acórdão n.º 4, os limites entre o discurso citante e o citado não foi
tão rígido como no acórdão n.º 3: O juiz não usou aspas, mas recuou as citações em
relação ao texto citante; Reproduziu fielmente o texto, porém se introduziu
visualmente dentro da citação, exaltando por meio de negrito e sublinhados algumas
de suas partes.
Também diferentemente do acórdão n.º 3, o juiz identificou as diferenças, na
composição dos votos, no órgão julgador e na data do julgamento. No entanto, ele,
do mesmo jeito que a juíza do acórdão n.º 3, também não examinou a validade dos
argumentos que fundamentaram os votos dos acórdãos, nem aferiu se as mudanças
econômicas, sociais e políticas ocorridas desde que os precedentes foram
estabelecidos teriam afetado a sua aplicação, por intermédio da ementa, ao contexto
sócio-histórico em que ocorreu o julgamento que deu origem ao acórdão n.º 4.
Talvez por não realizar essas análises, o juiz também considerou as ementas
n.º 1 e 2 insuficientes para fundamentar isoladamente seu voto. Assim, ele citou
mais três outras ementas do STF as quais também não foram objeto de exame
aprofundado pelo juiz. Ele introduziu as duas primeiras ementas identificando-as
como originárias de julgamentos feitos pelo Plenário e as três seguintes como sendo
provenientes da Primeira Turma. Com exceção dessa separação e da mera
indicação da composição dos votos e do uso de negritos e sublinhados, ele anulou,
para fins de sua argumentação, as diferenças existentes entre as cinco ementas.
Em razão de ter indicado a composição dos votos dos julgamentos que deram
origem as ementas, consideramos que, por meio da citação da ementa n.º 1, o juiz
estava ciente de que não estava estabelecendo apenas relações dialógicas de
concordância como os votos dos Ministros. Apesar disso, ele não manifestou em seu
voto que sabia que houve três grupos de Ministros com perspectivas ideológicas
distintas sobre a imunidade em questão: um grupo totalmente contrário à imunidade,
outro totalmente a favor e o parcialmente favorável. Desse modo, o juiz não estaria
ciente de que as relações dialógicas de discordância eram contra duas perspectivas
ideológicas distintas entre si.
no que se refere à relação dialógica estabelecida por meio da ementa n.º
2, o juiz relacionou-se dialogicamente, por um lado, concordando com a perspectiva
ideológica vencedora e expressa no voto do Relator e, por outro lado, talvez, sem
135
saber, discordando das premissas que fundamentaram o outro voto do acórdão n
2.
Comparado com a juíza do acórdão n.º 3, o juiz tratou como menos
reverência as ementas em questão. Apesar desse fato, ele, como a juíza do acórdão
n.º 3, também usou as ementas ambivalentemente como palavra autoritária e
interiormente persuasiva. Também como a juíza, ele não ousou questionar os
argumentos dos votos dos Ministros, nem examinou a adequação sócio-histórica das
ementas no contexto do julgamento que originou o acórdão n.º 4.
136
7. Conclusões
O presente estudo foi elaborado para responder dois grupos de problemas
relacionados com o modo de emprego da ementa do STF na esfera jurídica:
1 Cada acórdão do STF contém diferentes ideologias que estão expressas
nos votos de cada Ministro, mas a ementa do acórdão expressa apenas a ideologia
do grupo majoritário de Ministros que venceu a votação;
2 Cada acórdão está ligado ao caso concreto em suas particularidades,
mas, na ementa, essas ligações concretas são abstraídas, cortadas de modo que a
ementa possa ser empregada como precedente em novos casos.
Com base principalmente no referencial teórico da Teoria Dialógica do Circulo
de Bakhtin e, secundariamente, com base em algumas categorias conceituais de
outros autores, formulamos três objetivos para responder a esses problemas:
O primeiro objetivo pretendeu mostrar como o plurilinguismo de perspectivas
ideológicas do acórdão do STF é reduzido para se transformar na perspectiva
ideológica única da ementa. Para atingir esse objetivo, fizemos uso dos conceitos de
plurilinguismo sócio-ideológico; relação dialógica entre acórdão e ementa; estilo e
forma composicional do gênero acórdão e estilo individual dos Ministros na redação
dos votos. O segundo objetivo visou descrever como a ementa é formulada a partir
da abstração das características concretas do acórdão e o terceiro objetivo foi
analisar como ela é empregada em novos contextos. Para alcançar o segundo e o
terceiro objetivo, empregamos os conceitos de estilo e forma composicional do
gênero ementa e estilo individual dos Ministros na redação da ementa; formas de
transmissão do discurso alheio, relação dialógica entre contexto de produção e de
recepção da ementa;
As análises foram realizadas sobre dois acórdãos do STF e dois acórdãos de
outros Tribunais Regionais Federais que citaram as ementas daqueles dois do STF.
A aplicação dos conceitos na análise foi guiada principalmente pela ordem
metodológica de Bakhtin, adaptada ao nosso objeto:
1) analisar o contexto da construção do acórdão do STF e da ementa, isto é,
os tipos de interações verbais entre os Ministros e as condições concretas onde elas
ocorrem;
2) analisar as características dos gêneros discursivos acórdão do STF e sua
ementa em estreita ligação com a interação de que são elementos;
137
3) analisar as formas linguísticas das relações dialógicas existentes entre as
perspectivas ideológicas do acórdão e da ementa;
7.1. Plurilinguismo no acórdão do STF e na ementa
7.1.1. O STF e a esfera jurídica
A ideologia do liberalismo está fundada na defesa de direitos individuais que
pré-existem ao Estado e que por ele não podem ser violados. O modo de impedir
essas violações é por meio da imposição de limites ao poder do Estado. Entre esses
limites está a separação dos poderes, o reconhecimento desses direitos em
Constituições e a criação de Tribunais Constitucionais para julgar essas violações.
Além disso, para evitar o arbítrio do poder judiciário, as Constituições passaram a
exigir deles a fundamentação de suas decisões.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 também materializa em seu texto a
ideologia do Estado liberal. Assim, os constituintes de 1988 separaram os poderes
legislativo, executivo e judiciário, criaram o Supremo Tribunal Federal para julgar
casos de violações à Constituição e impuseram a todos os juízes o dever de
fundamentar suas decisões.
Como todas as esferas da atividade humana, a esfera jurídica brasileira
funciona por meio de um repertório de gêneros discursivos. O acórdão é um desses
gêneros. Esse é o nome dado à decisão colegiada de um tribunal. Ao decidirem, os
juízes usam precedentes para mostrarem que determinada decisão passada deve
ser seguida como parâmetro para a decisão atual. O gênero discursivo ementa
surgiu, bem recentemente, com as finalidades de facilitar a consulta e a localização
de acórdãos que os membros da esfera jurídica querem usar como precedentes.
Para cumprir essas finalidades, as ementas o publicadas em ementários e em
meios eletrônicos.
Os procedimentos do STF são regulados por um Regimento que determina a
divisão de papéis dos Ministros e de outros profissionais antes, durante e depois de
um julgamento. Um Ministro-Relator assume a incumbência de estudar um processo
a fundo, elaborar o relatório e o voto. Ao Presidente do STF compete marcar a data
da sessão de julgamento e presidi-la. Nessa sessão os outros Ministros também
138
pronunciam seus votos. A sessão de julgamento é taquigrafada e posteriormente é
usada, com várias alterações, para elaboração do acórdão.
7.1.2. Os gêneros discursivos acórdão do STF e sua ementa
O gênero discursivo acórdão do STF é produto das interações ocorridas entre
os Ministros, principalmente durante a sessão de julgamento. Com exceção da parte
relativa à ementa, constatamos que a estrutura composicional dos acórdãos
analisados apresenta quase nenhuma variação. as duas ementas respectivas
variam muito nesse aspecto. A primeira ementa possui a estrutura de uma norma,
enquanto que a segunda a de um silogismo. A segunda ementa, por causa dessa
estrutura, afastou-se das prescrições de Campestrini. Consequentemente, nos casos
analisados, a estabilidade do gênero ementa é menor do que a das outras partes
dos acórdãos do STF.
O estilo do acórdão é resultado principalmente da ideologia liberal. Para evitar
o abuso de poder por parte dos juízes, a CF/88 impõe a eles o dever de julgar com
racionalidade, imparcialidade, austeridade e notável saber jurídico. Assim,
independentemente de qual seja o conteúdo acórdão como um todo, seu estilo é
ideológico. No próximo item, veremos como o estilo apareceu nos dois acórdãos
analisados.
O conteúdo temático dos dois acórdãos foi moldado pela relação entre a
questão fática, o texto da CF/88 sobre a questão, precedentes, opiniões de juristas e
valoração dada pelos Ministros. Antes do julgamento que originou o acórdão n.º 1, o
texto constitucional sobre a imunidade em questão estava permeado por
significações atribuídas por outros precedentes do próprio STF. O precedente
anterior havia estabelecido que todos os insumos essenciais para a produção do
jornal estavam imunes.
No caso do acórdão n.º 1, contudo, os Ministros divergiram na própria
interpretação do que seriam os insumos essenciais. Essa divergência decorreu de
suas distintas valorações e perspectivas ideológicas. Assim, um grupo de Ministros
considerou que esses insumos abrangiam apenas a tinta e o papel onde o jornal é
impresso. Outro grupo entendeu que, além disso, a imunidade abrangia também o
papel fotográfico. o grupo do Relator julgou que todos os insumos essenciais
estavam abrangidos pela imunidade. Prevaleceu o grupo que estendia a
139
imunidade para o papel fotográfico. Desse modo, essa significação contextualmente
atribuída adquiriu uma relativa estabilidade para ser aplicada a novos contextos.
O conteúdo temático do acórdão n.º 2 foi diretamente influenciado pela
significação que havia sido atribuída, pelo acórdão n.º 1, ao texto constitucional
sobre a imunidade em questão. Dessa forma, os Ministros que participaram do
julgamento que originou o acórdão n.º 2, reforçaram a significação atribuída pelo
acórdão n.º 1.
7.1.3. Os recursos linguísticos usados na materialização do estilo e das
perspectivas ideológicas
Nos votos analisados, constatamos que os Ministros obedeceram em larga
medida ao estilo do gênero: os votos foram construídos argumentativamente; com
linguagem austera; demonstraram conhecimento jurídico; e não eram expressão de
preferências partidárias.
No caso do acórdão n.º 1, verificamos, todavia, que o segundo voto analisado
continha um aspecto que não se amolda totalmente ao conceito de racionalidade
esperado para o voto. No que tange ao primeiro voto do mesmo acórdão,
consideramos que não houve demonstração de notável conhecimento jurídico a
respeito do processo constituinte de 1988. No terceiro voto analisado, houve uma
mostra ainda menor de conhecimento jurídico.
Com relação ao acórdão n.º 2, por ter sido resultado de julgamento em Turma
ocorrido em data posterior à data do acórdão n.º 1, a votação foi unânime. Além do
Relator, apenas um Ministro apresentou voto. A fundamentação de ambos foi breve.
Acreditamos que os Ministros não reputaram necessário argumentar extensamente
sobre os fundamentos de cada voto porque anteciparam que haveria quase nenhum
conflito, pois sobre a questão já havia precedentes reiterados do Plenário.
Em todos os votos analisados dos dois acórdãos, os Ministros marcaram de
modo explícito, com uso de pronomes e desinências da primeira pessoa do singular,
que eram os autores de seus enunciados. No entanto, em outros aspectos, o estilo
individual de cada um deles divergiu. No primeiro voto do acórdão n.º 1, foram
empregados recursos que enfatizaram de modo elevado a perspectiva do Ministro.
No segundo voto analisado do mesmo acórdão, os recursos enfatizaram a
140
humildade do Ministro. no terceiro voto, houve pouco uso de recursos de
valoração explícita do próprio voto.
Os votos do acórdão n.º 2 também tiveram estilos individuais distintos. O voto
do relator posicionou o STF como o autor dos precedentes e não fez referências ao
processo constituinte que criou a imunidade em discussão. o segundo voto não
valorou apenas os precedentes, pois valorou positivamente os constituintes,
explicando as razões dos constituintes em limitar a imunidade. Em ambos os votos,
houve pouco uso de recursos linguísticos que indicassem explicitamente essas
valorações dos Ministros.
Diferentemente dos votos, as duas ementas não expressaram, em nenhum
momento, marcas das pessoas dos Ministros. Mostramos, por meio de comparação,
as mudanças que os Redatores das ementas fizeram em seus votos.
dissemos que o próprio estilo do gênero, independentemente do seu
conteúdo, é ideológico. Desse modo, embora empregando, em grande medida, o
mesmo estilo ideológico do gênero, os Ministros podem expressar conteúdos
ideologicamente distintos, isto é, pode haver um plurilinguismo entre os votos. No
que tange ao conteúdo do acórdão n.º 1, formaram-se três grupos de Ministros com
perspectivas ideológicas distintas. O grupo vencedor era parcialmente favorável à
imunidade pedida pela empresa. O grupo totalmente contrário e o totalmente
favorável foram os perdedores. Na ementa n.º 1, apareceu explicitamente apenas a
perspectiva do grupo vencedor. Apesar disso, demonstramos que a ementa
mantinha relações dialógicas de concordância e discordância distintas com aqueles
três grupos.
No que se refere ao acórdão n.º 2, a votação foi unânime sobre a imunidade
pedida naquele caso. No entanto, o segundo voto apresentou razões diferentes das
do Relator, mas chegou às mesmas conclusões. Assim, quase não houve
plurilinguismo nesse acórdão. Como a votação foi unânime, a ementa estabeleceu
uma relação dialógica de concordância com o Relator e com os Ministros que o
acompanharam sem apresentar voto em separado. Mas suspeitamos que, embora a
votação tenha sido unânime, a ementa não manteve relação dialógica de
concordância total com o voto do outro Ministro que apresentou razões diferentes
para chegar à mesma conclusão.
141
7.2. Abstração do caso concreto
A ementa é construída não a partir, como vimos acima, da ocultação das
diferentes perspectivas ideológicas, mas também a partir: da ocultação dos
diferentes argumentos usados pelos Ministros para fundamentar cada perspectiva; e
da eliminação dos fatos narrados na parte do relatório e que identificam as
características de cada caso concreto submetido a julgamento.
No caso da ementa n.º 1, como houve três grupos de diferentes perspectivas
ideológicas, essa abstração foi maior do que a da ementa n.º 2 em que a votação foi
unânime. Na ementa n.º 1 não aparece nenhuma referência explícita à solução
alcalina, que era o segundo produto para o qual ela pedia imunidade. a ementa
n.º 2 não ocultou o nome do produto para o qual a imunidade foi negada nem omitiu
os precedentes do próprio STF que fundamentaram o acórdão n.º 2.
Enfim, com essas abstrações (maior no caso da ementa n.º 1, menor no caso
da n.º 2), a significação estabelecida na ementa adquire uma temporária estabilidade
e, desse modo, pode ser aplicada a novos contextos.
7.3. Aplicação da ementa a novos contextos
A estabilização da significação é sempre temporária porque, a cada novo
contexto de aplicação, ela será instabilizada em razão das características concretas
sempre diferentes em novos contextos. Ao sair do contexto de produção, no STF, as
duas ementas circularam por ementários impressos e pela Internet onde foram
coletadas para servirem como argumento de autoridade em acórdãos proferidos por
Tribunais Regionais Federais.
A juíza do acórdão n.º 3 citou as duas ementas omitindo muitas
características do contexto de produção das ementas, delimitando rigidamente o
limite entre o discurso citante e o citado e não questionando a validade dos
argumentos empregados nos acórdãos do STF de onde as duas ementas se
originaram. Esse modo de citação indica uma reverência muito grande com relação
às ementas do STF. Todavia, essa reverência não é absoluta, pois a juíza, ao omitir
as características específicas e ao citar as duas ementas numa lista com outras
ementas, reduziu a força das duas ementas sem, explicitamente, assumir a
responsabilidade por essa redução.
142
No caso do acórdão n.º 4, o juiz citou de forma diferente as duas ementas,
pois identificou muitos aspectos do contexto de produção das ementas e, embora
tenha definido rigidamente os limites entre discurso citante e citado, intrometeu-se
dentro da citação das duas ementas, negritando e sublinhando algumas partes.
Todavia, da mesma forma que a juíza do acórdão n.º 3, ele não questionou a
validade dos argumentos dos acórdãos do STF. O juiz, desse modo, foi menos
reverente que a juíza do acórdão n3. Entretanto, da mesma forma que ela, ele
também citou as duas ementas juntamente com outras ementas, assim, reduziu
implicitamente a força das duas ementas.
Em suma, cada um a seu modo, os juízes dos acórdãos n.º 3 e 4 adotaram
uma atitude ambivalente em relação às ementas do STF, tratando-as, ao mesmo
tempo como palavra autoritária e como palavra interiormente persuasiva.
7.4. O precedente e o papel do juiz
Num Estado Democrático de Direito, o juiz possui o dever de fundamentar sua
decisão ao julgar cada caso concreto. Se empregar precedentes, ele deve
apresentar, portanto, argumentos que justifiquem quais são os aspectos do
precedente que se assemelham ao caso concreto atual.
Os precedentes em sentido amplo são os acórdãos de casos concretos
passados. Nesses acórdãos, está registrada toda a particularidade desses casos.
Entretanto, nas ementas, precedentes em sentido limitado, essas particularidades
são omitidas em sua maior parte.
Entendemos que os juízes, para cumprirem seu papel de modo pleno, devem
cotejar as particularidades do caso concreto atual com as particularidades dos casos
concretos passados e, assim, indicar quais são semelhanças que justificam a
aplicação do precedente ao caso atual.
Apenas a leitura integral dos acórdãos de onde as ementas se originaram
permite que esse cotejo seja feito e que a força de cada precedente seja
corretamente aferida. A ementa, pensamos, deve servir apenas como porta de
entrada para que o juiz de um caso atual entre no contexto de produção do
precedente. Não é possível saber em que medida o resultado de um julgamento
pode ser afetado pela leitura integral do precedente. No entanto, esse é o papel do
juiz: aplicar o direito corretamente aos casos concretos.
143
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Precedent in the Federal Republic of Germany. In MACCORMICK,
Neil e SUMMERS, Robert S (Eds). Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate
Publishing, 1997. p. 17-64.
____. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchington Schild Silva.
São Paulo: Landy, 2001.
ARISTÓTELES. Retórica.Tradução Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel,
2007.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
BAKHTIN, Mikhail; VOLOCHINOV, Valentin N. Discurso na vida e discurso na arte:
sobre a poética sociológica. Tradução de Carlos Alberto Faraco e Cristovão Tezza.
1926.
____; ____. [1929]. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e
Yara Frateschi Vieira. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
BAKHTIN, Mikhail [1934/1935]. Questões de literatura e de estética: a teoria do
romance. 5. ed. São Paulo: Annablume/Hucitec, 2002.
____. [1952/53]. Os gêneros do discurso. In Estética da criação verbal. Tradução de
Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes editores, 2003.
____. [1963]. Problemas de poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
____. [1974]. Metodologia das ciências humanas. In Estética da criação verbal.
Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo, SP: Martins Fontes editores, 2003.
____. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo, SP:
Martins Fontes Editores, 2003.
BARBOSA, Jacqueline Peixoto. Trabalhando com os gêneros do discurso: uma
perspectiva enunciativa para o ensino de língua portuguesa. Tese de doutorado.
LAEL/PUC-SP, 2001.
BAUM, Lawrence. Judges and their audiences: a perspective on judicial behavior.
Princeton: Princeton University Press, 2006.
BHATIA, Vijay K. Analysing genre: language use in professional settings. Essex:
Pearson Education, 2003.
____. Worlds of written discourse: a genre-based view. London: Continuum, 2005.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira.
6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
144
BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005
BRANDIST, Craig. The Bakhtin Circle: philosophy, culture and politics.London, Pluto
Press, 2002.
BRANDIST, Craig e SHEPERD, David e TIHANOV, Galin (Orgs). The Bakhtin Circle:
in the master‟s absence. Manchester: Manchester University Press, 2004.
____. Voloshinov‟s dilemma: on the philosophical roots of the dialogic theory of the
utterance. In BRANDIST, Craig e SHEPERD, David e TIHANOV, Galin (Orgs). The
Bakhtin Circle: in the master‟s absence. Manchester: Manchester University Press,
2004. p. 97-124.
____. Mikhail Bakhtin e os primórdios da sociolinguística soviética. in FARACO,
Carlos Alberto e TEZZA, Cristovão e CASTRO, Gilberto de (Orgs). Vinte ensaios
sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis: Vozes, 2006. p. 67-88.
BRETONE, Mario. História do direito romano. Lisboa: Stampa, 1998
BURTON, Gideon O. Silva rhetoricae. Disponível em :
<http://humanities.byu.edu/rhetoric/Figures/D/dialogismus.htm> Acesso em:
01/05/2008a.
____. Silva rhetoricae. Disponível em
<http://humanities.byu.edu/rhetoric/Figures/P/procatalepsis.htm> Acesso em:
01/05/2008b.
CAMPESTRINI, Hildebrando. Como redigir ementas. São Paulo: Saraiva, 1994.
CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007.
CATUNDA, Elisabeth e SOARES, Maria Elias. Uma análise da organização retórica
do acórdão jurídico in CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. (Orgs). Texto e
discurso sob múltiplos olhares, v.1: gêneros e sequências textuais. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007. p. 113-140.
CAVALCANTE, Mônica Magalhães et al. (Orgs). Texto e discurso sob múltiplos
olhares, v.1: gêneros e sequências textuais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.
COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do direito português. 3 ed. Coimbra:
Almedina, 2007.
CUNHA, Paulo Ferreira da Cunha et al. História do direito: do direito romano à
Constituição Européia. Coimbra: Almedina, 2005.
DEMO, Pedro. Pesquisa e informação qualitativa. 3 ed. Campinas, SP: Papirus,
2001.
145
FARACO,Carlos Alberto e TEZZA, Cristovão e CASTRO, Gilberto de (Orgs). Vinte
ensaios sobre Mikhail Bakhtin. Petrópolis: Vozes, 2006.
FETERIS, Eveline T. Fundamentals of legal argumentation. Dordrecht: Kluwer
Academic Publishers, 1999.
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.
FIUZA, César (Org.). Direito processual na história. Belo Horizonte: Mandamentos,
2002.
GIBBONS, John. Forensic linguistics. Oxford: Blackwell Publishing, 2003.
GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Elaboração de ementas jurisprudenciais.
Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2004. Disponível em:
<http://www.cjf.gov.br/revista/monografia09.pdf> Acesso em: 09/01/2008
KLABIN, Aracy Augusta Leme. História geral do direito. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004.
LAHTEENMAKI, Mika. Estratificação social da linguagem no „Discurso sobre o
romance‟: o contexto soviético oculto. in ZANDWAIS, Ana (Org). Mikhail Bakhtin:
Contribuições para a filosofia da linguagem e estudos linguísticos. Porto Alegre:
Sagra-Luzzatto, 2005. p. 41-58.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbekian, 1997.
LAPA, M. Rodrigues. Estilística da língua portuguesa. 4. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
MACCORMICK, Neil e SUMMERS, Robert S. (Eds). Interpreting precedents.
Aldershot: Ashgate Publishing, 1997.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Tradução Cecília
P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. 2.ed. São Paulo : Cortez , 2002.
____ . Cenas da enunciação. Tradução Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva et al.
Curitiba: Criar Edições, 2006.
MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: conceitos-chave.
São Paulo: Contexto, 2005. p. 167-176.
MORSON, Gary Saul e EMERSON, Caryl. Mikhail Bakhtin: criação de uma
prosaística. São Paulo: Edusp, 2008.
____,____. Mikhail Bakhtin: creation of a prosaics. Stanford: Stanford University
Press, 1990.
NORONHA, Carlos Silveira. Sentença civil: perfil histórico-dogmático. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1995.
146
PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. História do direito processual brasileiro. Barueri:
Manole, 2002.
PECZENIK, Aleksander. The binding force of precedent. In MACCORMICK, Neil e
SUMMERS, Robert S (Eds). Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate Publishing,
1997. p. 461-480.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualização de Nagib Slaibi Filho e
Geraldo Magela Alves. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
SOBRAL, Adail. Ético e estético na vida, na arte e na pesquisa em ciências
humanas. In BRAIT, Beth (Org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto,
2005. p. 103-122.
SOUZA, Geraldo Tadeu. A construção da metalinguística (fragmentos de uma
ciência da linguagem na obra de Bakhtin e seu Círculo). Tese de doutorado.
Universidade de São Paulo, 2002.
TARUFFO, Michele. Institutional factors influencing precedents. In MACCORMICK,
Neil e SUMMERS, Robert S (Eds). Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate
Publishing, 1997. p. 437-460.
TIERSMA, Peter M. Legal language. Chigago: University of Chigago Press, 1999.
TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo:
Editora Revista do Tribunais, 2004.
ZANDWAIS, Ana (Org). Mikhail Bakhtin: Contribuições para a filosofia da linguagem
e estudos linguísticos. Porto Alegre, Sagra-Luzzatto, 2005.
WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2003.
147
Referências bibliográficas de decisões judiciais
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Processo RE 203.859-8. Disponível em :
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=203859&class
e=RE > Acesso em: 08/03/2008.
____. Supremo Tribunal Federal. Processo RE 265.025-1. Disponível em :
<http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=265025&class
e=RE > Acesso em: 08/03/2008.
____. Tribunal Regional Federal da 3ª Região - Processo n.º 2000.03.99.016012-7 -
Disponível em: <http://www.trf3.gov.br/acordao/verrtf2.php?rtfa=63308285462171> .
Acesso em: 16/03/2008.
____. Tribunal Regional Federal da 5ª Região - Processo n.º 2001.05.00.025760-1 -
Disponível em :
<http://www.trf5.gov.br/archive/2003/12/200105000257601_20031202.pdf >. Acesso
em: 16/03/2008.
Referências bibliográficas de atos normativos
Constituição
BRASIL. Constituição (1988). Presidência da República - Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Disponível em :
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm> Acesso em:
16/03/2008
Leis ordinárias
BRASIL. Lei nº 1.301, de 28 de dezembro de 1950. Dispõe sôbre a organização
judiciária do Distrito Federal. Presidência da República - Subchefia para Assuntos
Jurídicos. Disponível em : <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-
1969/L1301.htm> Acesso em: 20/09/2008
____. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Presidência da República - Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em :
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm> Acesso em: 20/09/2008
148
Atos normativos do STF
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Resolução 330. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/portal/atoNormativo/verAtoNormativo.asp?documento=1123>
Acesso em: 20/09/2008
____. Supremo Tribunal Federal. Resolução 341. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/ARQUIVO/NORMA/RESOLUCAO341-2007.PDF> Acesso em:
20/09/2008
____. Supremo Tribunal Federal. Regimento interno em vigor (atualizado até março
de 2008). Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_2008.p
df> Acesso em: 20/09/2008
149
Apêndices
Acórdão n.º 1
RE 203859Ementa e Acórdão (1)
Relatório (2)
Voto - CARLOS VELLOSO (4)
Voto - MAURÍCIO CORRÊA (4)
Voto - FRANCISCO REZEK (2)
Voto - ILMAR GALVÃO (2)
Voto - MARCO AURÉLIO (3)
Voto - CELSO DE MELLO (6)
Voto - OCTAVIO GALLOTTI (1)
Voto - SYDNEY SANCHES (1)
Voto - NÉRI DA SILVEIRA (1)
Voto - MOREIRA ALVES (3)
Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (2)
Extrato de Ata (1)
Acórdão n.º 2
RE 265025Ementa e Acórdão (1)
Relatório (4)
Voto - MOREIRA ALVES (1)
Voto - SEPÚLVEDA PERTENCE (1)
Extrato de Ata (1)
Acórdão n.º 3
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
MINUTA DE JULGAMENTO FLS.
*** TERCEIRA TURMA ***
2000.03.99.016012-7 199643 AMS-SP
PAUTA: 14/02/2007 JULGADO: 14/02/2007 NUM. PAUTA: 00162
RELATOR: JUÍZA CONV ELIANA MARCELO
PRESIDENTE DO ÓRGÃO JULGADOR: DES.FED. CARLOS MUTA
PRESIDENTE DA SESSÃO: DES.FED. CARLOS MUTA
PROCURADOR(A) DA REPÚBLICA: Dr(a). JUVENAL CÉSAR MARQUES JÚNIOR
AUTUAÇÃO
APTE : W ROTH S/A IND/ GRAFICA
APDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO(S)
ADV : MARCELO TADEU SALUM
ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM
SUSTENTAÇÃO ORAL
CERTIDÃO
Certifico que a Egrégia TERCEIRA TURMA, ao
apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, deu provimento parcial à
apelação, nos termos do voto do(a) Relator(a).
Votaram os(as) DES.FED. MÁRCIO MORAES e DES.FED. NERY
JUNIOR.
Ausente justificadamente o(a) DES.FED. CECILIA
MARCONDES.
_________________________________
SILVIA SENCIALES SOBREIRA MACHADO
Secretário(a)
Página 1
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
PROC. : 2000.03.99.016012-7 AMS 199643
ORIG. : 9800036423 1 Vr SAO PAULO/SP
APTE : W ROTH S/A IND/ GRAFICA
ADV : MARCELO TADEU SALUM
APDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM
RELATOR: JUIZA FED. CONV ELIANA MARCELO / TERCEIRA TURMA
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação, em mandado de segurança impetrado objetivando afastar o recolhimento dos impostos incidentes sobre a
importação de tinta e filmes fotográficos, destinados à impressão de livros, revistas e periódicos, fundamentada na imunidade
conferida pelo artigo 151, VI, "d", da Constituição Federal.
Alega a impetrante, em suma, na inicial, que importou tinta e rolos de filmes fotográficos destinados à impressão de jornais, revistas
e periódicos, os quais estariam imunes na forma do art. 150, VI, "d" da Constituição Federal. Entretanto, durante o desfecho do
despacho aduaneiro foi-lhe obstada pela autoridade impetrada a retirada de seus bens por não contemplar na Lei a extensão desse
benefício fiscal às mercadorias, sujeitando-as a cobrança do Imposto de Importação. Reputa ser ilegal e abusivo o ato da
autoridade, diante da norma em questão e dos precedentes constitucionais, requerendo a liberação dos bens sem a imposição da
exigência tributária.
A autoridade sustentou a legalidade de seus atos, aduzindo que a imunidade conferida pela Constituição é de natureza objetiva, não
sendo extensiva às mercadorias importadas.
A r. sentença denegou a ordem, não reconhecendo a imunidade às mercadorias importadas, por não conferir interpretação ampla ao
dispositivo constitucional, no sentido de incluir no conceito de papel, outros insumos destinados a impressão de livros, jornais e
periódicos, determinando o pagamento dos tributos devidos sobre a importação, isentando a impetrante da multa respectiva, desde
que efetuado o pagamento em tempo hábil (fls. 153/155).
Apelou a impetrante, pleiteando em sede recursal, a reforma da r. sentença, reiterando suas alegações na inicial. Aduz estar
registrada e previamente autorizada pela Receita Federal a importar papel imune, sendo, por essa razão, desnecessária a prova de que
a tinta se destinaria à impressão, pois é insumo diretamente incorporado ao papel. No que tange ao filme fotográfico, invoca os
precedentes do Supremo Tribunal Federal para validar a imunidade pretendida (fls. 163/180).
Sem contra-razões, subiram os autos a esta Corte, opinando o Ministério Público Federal, pela manutenção da r. sentença.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
É o relatório.
ELIANA MARCELO
Juíza Federal Convocada
Relatora
Processo nº 2000.03.99.016012-7 AMS
V O T O
Página 2
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Senhores Desembargadores, na presente ação discute-se o direito ao desembaraço aduaneiro de tinta de impressão e rolos de filme
fotográfico, destinados à impressão de livros, revistas e periódicos, sem o pagamento dos impostos exigidos, fundamentada na
imunidade consagrada no artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal, norma à qual entende a impetrante deva ser
conferida uma interpretação ampla, para o fim de ser atribuída a imunidade também aos insumos.
A impetrante apela, em razão da denegação da ordem, pleiteando a reforma do decisum, para que seja dado ao fato interpretação
consentânea com os ditames constitucionais, lastreando-se nos precedentes jurisprudenciais de nossa Corte Constitucional.
No que tange à imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea "d" da Constituição Federal, algumas considerações devem ser
feitas.
Não restam dúvidas que a Constituição Federal, ao inserir uma regra de imunidade para o livro, o jornal, o periódico, bem como o
papel destinado a sua impressão (este sendo o papel de imprensa), quis prestigiar a liberdade de imprensa e o acesso à cultura, como
uma das formas de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e
incentivando a difusão das manifestações culturais, insertas no artigo 215, da magna Carta.
A imunidade, como uma regra de competência negativa, deve alcançar as situações específicas delimitadas pelo próprio texto
constitucional, pois, nesse contexto, se compatibiliza com os demais princípios que a Constituição consagrou.
Nesse aspecto, os princípios servem como limite de atuação do julgador, limitando a vontade subjetiva do aplicador do direito, no
mesmo passo em que funciona como vetor de interpretação, estabelecendo balizamentos dentro dos quais exercitará a sua
criatividade, seu senso do razoável e suas capacidades, respectivamente, de interpretação e de fazer a justiça ao caso concreto. E é a
Constituição, no nosso sistema, que fornece as balizas do Direito a ser aplicado, este, reconhecido como o todo, composto de
princípios e normas.
Tomando por empréstimo as palavras de Eros Roberto Grau, e sob um aspecto amplo:
... a interpretação - compreensão, a decisão judicial, segundo Frosini (1991:11), considera e é determinada pelas palavras da lei e
pelos antecedentes judiciais; pela figura delitiva que se imputa; pelas interpretações elaboradas pelas duas ou mais partes em
conflito; pelas regras processuais; pelas expectativas de justiça nutrida pela consciência da sociedade; finalmente, pelas convicções
do próprio juiz, que pode estar influenciado, de forma decisiva, por preceitos de ética religiosa ou social, por esquemas doutrinais
em voga ou por instâncias de ordem política. De mais a mais, o juiz, em verdade, considera o direito todo, e não apenas um
determinado texto normativo.
A decisão judicial implica necessariamente elementos emotivos e volitivos, dado que o juiz decide sempre dentro de uma situação
histórica determinada, participando da consciência social de seu tempo 1.
No caso da imunidade, a linha de interpretação a ser seguida deverá ser e estar conforme os ditames constitucionais e seus
princípios, linha que se opera dentro de um sistema jurídico, composto de um todo; é a aplicação do Direito que a informa.
Para a interpretação de qualquer texto, deve-se buscar a hermenêutica jurídica. Para Peter Härbele:
... a interpretação é uma arte. Um processo contínuo, historicamente situado e datado, objetivo e racional pelo qual se dá a criação,
renovação, efetivação, segurança e estabilidade do Direito em uma situação concreta específica.
Trata-se de uma arte, pois, a hermenêutica tem por função criar o direito e mantê-lo vivo, latente no seio da sociedade. O intérprete é
o renovador inteligente e cauto, o filósofo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita e
atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita 2.
Como afirma Pietro Lora Alarcón, "o juiz tem sempre como parâmetro a ordem jurídica e sua fórmula de justo" 3, ordem que se
funda no princípio constitucional da tripartição dos Poderes. Nesse exercício, aduz o referido autor, o juiz se inspira no seu
raciocínio, aplicando a lei de forma razoável e proporcional. Partindo-se dessa idéia, vê-se que as decisões judiciais, como não
poderiam deixar de ser, fundam-se em uma ordem jurídica constituída, porém, são, sobretudo, frutos da razão humana, razão que
Página 3
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
decorre da racionalidade fundada em uma técnica interpretativa já dimensionada.
Diante dessas premissas, vê-se que a evolução jurisprudencial sobre o tema, se inclina para uma interpretação restritiva da
imunidade conferida pela Constituição Federal aos livros, aos jornais, aos periódicos, bem como aos papéis destinado a sua
impressão, limitando-a e não a estendendo, por exemplo, a insumos e aos serviços de composição gráfica. Nesse sentido, se
posiciona o Pretório Excelso:
"Imunidade conferida pelo art. 150, VI, d da Constituição. Impossibilidade de ser estendida a outros insumos não compreendidos no
significado da expressão 'papel destinado à sua impressão'. Precedentes do Tribunal." (RE 324.600-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ
25/10/02). No mesmo sentido: RE 244.698-AgR, DJ 31/08/01.
"Não há de ser estendida a imunidade de impostos prevista no dispositivo constitucional sob referência, concedida ao papel
destinado exclusivamente à impressão de livros, jornais e periódicos, aos serviços de composição gráfica necessários à confecção do
produto final." (RE 230.782, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10/11/00)
"Esta Corte já firmou o entendimento (a título de exemplo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234 e 178.863) de que apenas
os materiais relacionados com o papel - assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária
prevista no artigo 150, VI, d, da Constituição. No caso, trata-se de tinta para jornal, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse
insumo como abrangido pela referida imunidade, e, portanto, imune ao imposto de importação, divergiu da jurisprudência desta
Corte." (RE 273.308, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15/09/00)
A questão ainda não é pacífica, a doutrina se posta pela abrangência do tema, enquanto a jurisprudência se divide. Porém, o
entendimento prevalente e atual do Supremo Tribunal Federal, é no sentido de que a imunidade consagrada pelo art. 150, VI, "d", da
Constituição Federal, deve se restringir aos elementos de transmissão, propriamente ditos, evoluindo apenas para abranger novos
mecanismos de divulgação e propagação da cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados livros, jornais
e periódicos eletrônicos, é o que melhor atende ao preceito em tela.
Interpretação sistemática e teleológica que se amolda aos critérios limitadores da tributação. Pensar de forma diversa seria
desencadear um processo imunizante ilimitado em relação aos instrumentos que levam à produção final de um jornal, não abarcados
expressamente pela Constituição, afinal, o texto limita as hipóteses, não cabendo ao intérprete estender outras àquelas já traçadas,
distinguindo onde o legislador constituinte não quis distinguir.
Conforme leciona Sacha Calmon Navarro Coelho, ao discorrer sobre o tema: "A imunidade, seu fundamento, é político e cultural.
Procura-se retirar impostos dos veículos de educação, cultura e saber para livrá-los, de sobremodo, das influências políticas para que,
através do livro, da imprensa, das revistas, possa-se criticar livremente os governos sem interferências fiscais. Por isso mesmo o
insumo básico, o papel de impressão, está imune. Não por ser custo, senão porque, através dos impostos de barreira e do
contingenciamento, poderia o Fisco embaraçar a liberdade de imprensa. A imunidade filia-se aos dispositivos constitucionais que
asseguram a liberdade de expressão e opinião e partejam o debate de idéias, em prol da cidadania, além de simpatizar com o
desenvolvimento da cultura, da educação e da informação.
Entretanto, colocando uma pá de cal e considerando os inúmeros precedentes acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal culminou
por sumular a matéria, ementada sob o número 657, nos seguintes termos:
"A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e
periódicos." (SÚM. 657)
Na espécie e diante dos precedentes alinhavados, observa-se que, dentre os bens importados, apenas o filme fotográfico, por ser
considerado "papel" na extensão da palavra e no uso empregado, deve ser abrangido pela imunidade, ao contrário da tinta para a
impressão do papel, a qual, embora ligada diretamente ao processo para a veiculação do periódico, revista ou livro, não se mostra
adequada à interpretação do que seja "papel", conformada pelo Supremo.
Página 4
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais:
"Extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na confecção de jornais. Além do próprio papel de impressão, a imunidade
tributária conferida aos livros, jornais e periódicos somente alcança o chamado papel fotográfico - filmes não impressionados." (RE
203.859, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 24/08/01)
"Imunidade do papel na impressão do jornal não estende à tintas. Precedentes do STF. Regimental não provido." (STF - RE-AgR
346771 / RJ Relator(a):
Min. NELSON JOBIM - Julgamento:
19/11/2002)
"Imposto de importação. Tinta especial para jornal. Não-ocorrência de imunidade tributária. - Esta Corte já firmou o entendimento (a
título de exemplo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234 e 178.863) de que apenas os materiais relacionados com o papel -
assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposicão por laser, filmes fotográficos, sensibilizados, não impressionados, para
imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da
Constituição. - No caso, trata-se de tinta para jornal, razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo como abrangido pela
referida imunidade, e, portanto, imune ao imposto de importação, divergiu da jurisprudência desta Corte. Recurso extraordinário
conhecido e provido." ( STF - RE 273308 / SP - Relator(a):
Min. MOREIRA ALVES - Julgamento:
22/08/2000)
" ICMS. Tinta para impressão de livros, jornais, revistas e periódicos. Não ocorrência de imunidade tributária. - Esta Corte já firmou
o entendimento (a título exemplificativo, nos RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e 267.690) de que apenas os
materiais relacionados com o papel - assim, papel fotográfico, inclusive para fotocomposição por laser, filmes fotográficos,
sensibilizados, não impressionados, para imagens monocromáticas e papel para telefoto - estão abrangidos pela imunidade tributária
prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição. - No caso, trata-se de tinta para impressão de livros, jornais, revistas e periódicos,
razão por que o acórdão recorrido, por ter esse insumo como abrangido pela referida imunidade, e, portanto, imune ao ICMS,
divergiu da jurisprudência desta Corte. Recurso extraordinário conhecido e provido" ( STF - RE 265025 / SP - Relator(a):
Min. MOREIRA ALVES - Julgamento:
12/06/2001)
"CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - IMPORTAÇÃO DE CHAPAS DE AÇO IMANTÁVEL PARA IMPRESSÃO -
RECOLHIMENTO DOS TRIBUTOS ADUANEIROS - IMUNIDADE - ARTIGO 150, VI, "D" DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
- NÃO CONFIGURADA I. A imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "d", da Constituição Federal não se estende aos
equipamentos utilizados no processo produtivo envolvendo a atividade jornalística, ajustando-se, tão-somente, ao conceito físico de
papel que entra no processo direto de produção do livro, jornal ou periódico. (TRF 3ª. Região AMS Relator(a) -JUIZ MAIRAN
MAIA Data da decisão: 06/03/2002 DJU DATA:10/04/2002 PÁGINA: 390)
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, concedendo a imunidade sobre os filmes fotográficos utilizados para a impressão
de revistas, periódicos ou livros, importados pela impetrante, ficando sob responsabilidade da fiscalização dos auditores da Receita
Federal, a constatação da regularidade da destinação de tais filmes, no âmbito das atividades empresariais daquela.
Página 5
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
É como voto.
ELIANA MARCELO
Juíza Federal Convocada
Relatora
Página 6
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
PROC. : 2000.03.99.016012-7 AMS 199643
ORIG. : 9800036423 1 Vr SAO PAULO/SP
APTE : W ROTH S/A IND/ GRAFICA
ADV : MARCELO TADEU SALUM
APDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM
RELATOR: JUIZA FED. CONV ELIANA MARCELO / TERCEIRA TURMA
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. TINTA E ROLOS DE FILMES
FOTOGRÁFICOS PARA IMPRESSÃO DE LIVROS REVISTAS E PERIÓDICOS. ARTIGO 150, VI, "D" DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA.
1. Discute-se o direito ao desembaraço aduaneiro de tinta de impressão e rolos de filme fotográfico, destinados à impressão de
livros, revistas e periódicos, sem o pagamento dos impostos exigidos, fundamentada na imunidade consagrada no artigo 150, inciso
VI, alínea "d", da Constituição Federal.
2. Não restam dúvidas que a Constituição Federal, ao inserir uma regra de imunidade para o livro, o jornal, o periódico, bem como o
papel destinado a sua impressão (este sendo o papel de imprensa) quis prestigiar a liberdade de imprensa e o acesso à cultura, como
uma das formas de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e
incentivando a difusão das manifestações culturais, insertas no artigo 215, da magna Carta.
3. A imunidade como uma regra de competência negativa deve alcançar as situações específicas delimitadas pelo próprio texto
constitucional, pois, nesse contexto, se compatibiliza com os demais princípios que a Constituição consagrou.
4. A evolução jurisprudencial sobre o tema, se inclina para uma interpretação restritiva da imunidade conferida pela Constituição
Federal aos livros, aos jornais, aos periódicos, bem como aos papéis destinado a sua impressão, limitando-a e não a estendendo.
5. A questão ainda não é pacífica, a doutrina se posta pela abrangência do tema, enquanto a jurisprudência se divide. Porém, o
entendimento prevalente e atual do Supremo Tribunal Federal, é no sentido de que a imunidade consagrada pelo art. 150, VI, "d", da
Constituição Federal, deve se restringir aos elementos de transmissão propriamente ditos, evoluindo apenas para abranger novos
mecanismos de divulgação e propagação da cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados livros, jornais
e periódicos eletrônicos, é o que melhor atende ao preceito em tela. Interpretação sistemática e teleológica que se amolda aos
critérios limitadores da tributação. Pensar de forma diversa seria desencadear um processo imunizante ilimitado em relação aos
instrumentos que levam à produção final de um livro, não abarcados expressamente pela Constituição, afinal, o texto limita as
hipóteses, não cabendo ao intérprete estender outras àquelas já traçadas, distinguindo onde o legislador constituinte não quis
distinguir.
6. Precedentes do STF RREE 190.761, 174.476, 203.859, 204.234, 178.863 e Súmula n° 657. (A imunidade prevista no art. 150, VI,
d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos)". Diante desses precedentes,
observa-se que, dentre os bens importados, apenas o filme fotográfico, por ser considerado "papel" na extensão da palavra e no uso
empregado, deve ser abrangido pela imunidade, ao contrário da tinta para a impressão do papel, a qual, embora ligada diretamente
ao processo para a veiculação do periódico, revista ou livro, não se mostra adequada à interpretação do que seja "papel", conformada
pelo Supremo.
7. Recurso a que se dá parcial provimento, concedendo a imunidade dos filmes fotográficos.
A C Ó R D Ã O
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira
Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto, que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2007. (data do julgamento)
ELIANA MARCELO
Juíza Federal Convocada
Relatora
1 Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito, p. 107-108.
2 Rafael Caiado Amaral, Peter Härbele e a hermenêutica constitucional ao alcance doutrinário, p. 72.
3 Revista Brasileira de Direito Constitucional, p. 171.
Página 7
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
??
??
??
??
9
10
2000.03.99.016012-7 IMUNIDADE-ART 150,IV,D,CF
Página 8
Acórdão n.º 4
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo