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coloca o conhecimento como um processo que tem no corpo e na sua capacidade de ser
afetado o seu primado. Sua teoria admite esta multiplicidade gerada pela afecção e tem
na razão, um instrumento capaz de organizar esta variedade. O corpo abre mil
possibilidades e desconhecemos o que ele pode, de fato. Se a razão limita-se como um
instrumento regulador a traçar leis e padrões, no campo das afecções-imagens há um
caos sensitivo. Ondas emotivas, turbilhão de idéias. Conhecer implica em fazer este
produto, a razão, interagir com este caos, fazer esta recente invenção do corpo, a
consciência, chegar ao limiar do inconsciente corporal.
Com Jung, introduzimos o conceito de inconsciente como esta usina produtiva,
com a capacidade de pensar e produzir julgamentos e idéias, em uma linguagem
simbólica, cujo acesso reproduz arquétipos, esquemas primitivos gravados no nível
mais arcaico da psique humana.
A linguagem que vemos nascer do inconsciente remete à idéia de afecções-
imagens, nos faz concluir que a razão não é a única a produzir pensamentos. Também
nos leva a concluir que os mitos, a fabulação, assim como o cômico, ou a tragédia, nada
mais são do que uma forma de pensamento, assim como a ciência, a filosofia, entre
outros. Uma forma de explicação que remete a este esforço de ajustamento homem-
mundo, que nada mais é do que uma necessidade de adaptação e autoconhecimento.
Em uma linguagem mais recente, como o da neurociência, temos com Damásio
uma explicação científica para as mesmas faculdades, uma consciência antiga, que faz
lembrar o inconsciente, uma consciência recente, e todas elas tendo como inicio de seu
desenvolvimento a capacidade de ser afetado do corpo no ato de conhecer. A
identidade, mesmo que temporária, surge desta fricção dos corpos, na medida em que
começamos a ter um sentimento em relação ao que ocorre em nosso interior.
Todas essas teorias, recentes ou não, trabalhadas aqui, Espinosa, Jung, Damásio,
parecem variar sobre um mesmo tema: conhecimento, emoção-sentimento, corpo,
consciência.
Mas ainda permanece apenas subentendida nossa perspectiva sobre o processo
cognitivo, sendo assim, vamos explicitá-lo de forma mais clara.
O conhecimento depende das emoções, ele é gerado a partir das afecções deste
corpo. O aspecto racional do conhecimento é apenas uma parcela ínfima deste processo,
ele se ramifica de forma subterrânea gerando várias perspectivas, o “eu” são muitos.
Sendo assim, alguns aspectos, sempre ficam escondidos ou guardados, no inconsciente,
não temos acesso direto a todas as formas como somos afetados pelo objeto.