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Universidade Estácio de Sá
Cíntia Aparecida Garcia Rodrigues
Representação social de gênero no
fracasso escolar de meninos
Rio de Janeiro
2009
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Cíntia Aparecida Garcia Rodrigues
Representação social de gênero no
fracasso escolar de meninos
Dissertação apresentada à Universida-
de Estácio de Sá como requesito par-
cial para a obtenção do grau de Mestre
em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Tarso Bonilha Mazzotti
Rio de Janeiro
2009
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nosor e fruto.
Coração de Estudante
Milton Nascimento.
Esta pesquisa é dedicada ao Felipe, pessoa encantadora presente na minha
vida nos momentos de nervosismo, quando roía as unhas e imaginava que não
chegaria ao nal desta dissertação.
Desde a coleta dos dados e posteriormente nas análises estatísticas, até a
criação de um ambiente agradável para eu escrever, sua presença foi constante
e fundamental.
Agradecimentos
Aos meus pais, que não tiveram oportunidade de freqüentar uma faculdade
mas são exemplos de sabedoria. Obrigada pelo incentivo aos estudos, pelo
amor, pela preocupação e por todas às vezes em que vocês, mesmo de longe,
me deram “colo.
Aos meus irmãos, por entenderem a minha ausência.
Ao Tarso, meu querido orientador, que ao longo de todo curso exigiu mais
do que eu acreditava que conseguiria. Em muitos momentos não sabia por
onde começar, em seguida,cava orgulhosa com seus elogios e por ser sua
orientanda.
À professora Helenice, pela conança desde o processo seletivo, no qual fez
parte da minha banca, e também pelos conhecimentos aprendidos durante
suas aulas, principalmente em fuão da sua sinceridade, mostrava os erros
sem rodeios”!
Ao Departamento de Estatística da Secretaria Municipal de Educação, na
gura do Senhor Sérgio Augusto Ferraz, pelo prossionalismo e boa vontade
no fornecimento de informações fundamentais para o desenvolvimento
desta pesquisa.
À minha amiga Márcia Gentile, cuja amizade permanecerá mesmo após o
Mestrado.
Às diretoras das escolas investigadas, por permitirem a minha presea em
suas respectivas escolas.
À Ana Paula da Secretaria do Mestrado, sempre carinhosa e socita, entendia
a minha diculdade com questões burocráticas!
Representação social de gênero no fracasso escolar de meninos
Resumo
Esta pesquisa tem origem em um problema: os alunos do sexo masculino fracassam em
maior número do que os do sexo feminino? Quais seriam as explicações mais plauveis?
A resposta à primeira questão foi obtida por meio de um estudo estatístico da totalidade
de alunos e alunas de escolas no Município de Mangaratiba (RJ), separando-os por
sexo e situação escolar. Vericou-se que há associação estatisticamente signicativa
(X2 = 13,644; alfa = 0,05%; gl = 1) entre sexo e reprovação, em que os meninos
reprovam mais do que as meninas. Mas o mesmo não ocorre para evasão, indicando
que não se o fenômeno reprovação-evasão, todavia este aspecto não foi investigado.
A segunda questão foi respondida por meio de 82 entrevistas conversacionais e
análise de Livros de Ocorrências para vericar as justicativas para a situação dos
meninos e o perl das censuras de condutas e incidência de meninos nos registros.
Na análise das entrevistas e registros de ocorrências utilizou-se as técnicas retóricas
para identicar as representações sociais de “bom/mau aluno. Vericou que “bom
alunocoincide com a representação social de “feminino, tendo identicados seus
elementos: obediência, passividade, capricho e bom comportamento A representação
social de gênero determina o fracasso escolar de estudantes que não apresentam as
condutas desejáveis pelo ethos feminino e os dados estatísticos mostraram que os
meninos estão sendo mais prejudicados.
Palavras-chave: Fracasso Escolar. Gênero. Representações Sociais.
Social representation of gender in boys school failure
Abstract
This research has its origin in a problem: do the male students fail more than the female
ones? What are the best explanations for that? The answer to the rst question was
gotten by a statistic study about the totality of students, boys and girls from different
schools from Mangaratiba district (RJ), separated by sex and scholarship situation.
It was pointed out that there is a signicant statistical association (X2 = 13,644; alfa
= 0,05%; gl = 1) between sex and reprobation, in what the boys are more reprobated
than the girls. But the same statistic does not occur about evasion, indicating that the
phenomenon reprobation-evasion does not happen, however, this aspect has not been
investigated. The second question was answered by 82 talk interviews, as well as
Occurrence Book analysis to verify the justications for the boys’ situation and their
censorship conduct prole and the boy’s incidence in these registers. In the interviews
analysis and occurrence registers, it was used the rhetorical techniques to identify the
good-bad studentsocials representations. It was veried that a good student” is
directly associated to a “female” social representation, its elements were identied:
obedience, passiveness, care and good behavior. The genre social representation
determines the scholarship fail of the students who do not show the desirable conducts
by the female ethos, the statistical data have showed that the boys have been more
damaged.
Key words: Scholarship Fail. Genre. Socials Representations
Sumário
Resumo — 7
Abstract 7
Introdução10
Capítulo I — Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas 17
Desempenho de estudantes dos sexos feminino e masculino 19
Tabela I 21
Ensinos Fundamental e Médio - Situação dos estudantes em escolas do
Município de Mangaratiba no período de 1999 a 2007
Tabela II 21
Ensino Fundamental = Situação dos estudantes em escolas do Município de
Mangaratiba no período de 1999 a 2007
Tabela III 22
Ensino Médio - Situação dos alunos no período de 1999 a 2007 nas duas
unidades escolares do Município de Mangaratiba
Tabela IV 23
Ensinos Fundamental e dio. Teste de Associação entre sexo e reprovação
com dados acumulados: 1999-2007
Tabela V 24
Evasão sobre matrículas iniciais para ambos os sexos, total dos estudantes do
Ensino Fundamental no período de 1999-2007
Tabela VI 24
Evasão sobre matrícula nal, para ambos os sexos, total dos estudantes dos
Ensinos Fundamental no periodo de 1999-2007
Tabela VII 24
Ensinos Fundamental e dio, utilizada para o Teste de Associação entre
reprovação e evasão com dados acumulados: 1999-2007
Capítulo II — O “mau aluno” nos registros escolares 27
Interpretação dos resultados 34
As primeiras entrevistas – a complementação dos Livros de Ocorrências 40
Capítulo III — Representão social de gênero no fracasso escolar 47
Conclusão — 65
Referências 75
Introdução
O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 53, inciso I) estabelece que a criança e o
adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, prepa-
ro para o exercício da cidadania e qualicação para o trabalho, assegurando-lhes igualdade
de condições de acesso e permanência na escola. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Título II, art.3 ) também assegura, dentre os princípios do ensino, a igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola. Embora os dispositivos legais esta-
beleçam que a criança e o adolescente têm direito à educação, ao acesso e permanência
na escola, verica-se que tal determinação está aquém do desejável, uma vez que a vida
escolar não desperta o interesse e a motivação nos alunos, o que pode acarretar episódios de
fracasso. De acordo com Alves-Mazzotti (2005), os professores, ao fazerem a relação entre
repetência e evasão, representam o “fracasso escolar” como um processo esquematizado: o
desinteresse do aluno e a falta de apoio da família levam à repetência, que aliada ao número
de faltas e à ausência de perspectivas conduz à evasão. Tal resultado indica a estreita ligação
existente entre fracasso, repetência e evasão escolar.
Segundo Glória e Mafra (2004), na década de 1980, os temas evasão, repetência e
fracasso tornaram-se o assunto por excelência no meio acadêmico, especialmente pelos tra-
balhos de Maria Helena Souza Patto, Terezinha Carraher, Analúcia Schliemann, Magda
Soares e Sérgio Brito, que se propuseram a discutir suas causas e conseqüências.
Patto et al (2004), ao estabelecerem o estado da arte acerca do fracasso escolar na
rede blica de ensino fundamental, vericaram, nas pesquisas produzidas no período de
1991 até o ano de 2002, diferentes concepções de fracasso escolar. A primeira concepção
associa o fracasso escolar aos problemas psíquicos relacionados aos prejuízos da capacidade
intelectual dos alunos. Neste caso, a criança possui uma organização psíquica imatura que
resulta em episódios de ansiedade, agressividade, diculdade de atenção, bem como “pro-
Introdução
11
blemas emocionais, que ocasionariam inibição intelectual e psicomotora, culpando tanto as
crianças quanto seus pais pelo seu fracasso. As autoras salientam que não se trata da iia
tradicional de que as crianças das classes populares têm rendimento intelectual baixo devi-
do à carência cultural, mas de uma inibão intelectual causada por diculdades emocionais
decorrentes das relações familiares patologizantes. A segunda concepção, considera o mau
rendimento um problema técnico, responsabizando os professores por suas inadequadas
técnicas de ensino. Também nessas pesquisas considera-se que as crianças das classes po-
pulares trazem para a escola diculdades de aprendizagem, porém o foco está nas inade-
quadas técnicas de ensino que devem ser substituídas por outras adequadas ou corretas. A
terceira, considera que o rendimento insatisfario decorre da lógica excludente da educação
escolar, enfatizando a instituição. Uma vez que a escola é uma instituição de uma sociedade
de classes, onde o capital rege os interesses, a política pública contribuiria para a ocorrência
de episódios de fracasso. Por m, na última concepção analisada por Patto et al, os alunos
fracassariam porque se encontram em uma arena da luta política, das relações de poder.
Tal como na concepção anterior a escola é uma instituição social regida pelos interesses da
classe social hegemônica, todavia, o foco desloca-se para as relações de poder que se cons-
troem no interior da instituição, que, ao se moldar a partir da cultura dominante, desvaloriza
e desqualica a cultura popular.
Perrenoud (2000) também arma que normalmente dene-se fracasso escolar como
conseência de diculdades de aprendizagem, uma “falta objetivade conhecimentos e de
competências, interpretação perigosa pois na medida em que se coloca a culpa no aluno
fecha-se os olhos para o fazer pedagógico e para as reexões decorrentes.
Alves-Mazzotti (1994) observa que os estudos indicam que: a) os professores tendem
a atribuir o fracasso escolar a condições sociopsicogicas do aluno e de sua família, exi-
mindo-se de responsabilidade sobre esse fracasso; b) baixo nível socioecomico do aluno
tende a fazer com que o professor desenvolva baixas expectativas sobre ele; c) professores
tendem a interagir diferentemente com alunos sobre os quais formaram altas e baixas ex-
pectativas; d) esse comportamento diferenciado freqüentemente resulta em menores opor-
12
Cíntia Garcia
tunidades para aprender e diminuição da auto estima dos alunos sobre os quais se formaram
baixas expectativas; e) os alunos de baixo rendimento tendem a atribuir o fracasso a causas
internas (relacionadas à falta de aptidão ou de esforço), assumindo a responsabilidade pelo
“fracasso”; f) fracasso escolar continuado pode resultar em desamparo adquirido.
Em suma, os professores quando atribuem a responsabilidade da aprendizagem ape-
nas às famílias e aos alunos colocam-se em uma posição privilegiada, não se mobilizam
para provocar situações de mudança. Este quadro agrava-se com alunos pobres e negros
pois suscitam baixas expectativas e o fracasso apresenta-se como fato consumado, julga-se
que tais alunos não chegarão muito longe. Este posicionamento se reete nas expectativas
dos alunos acerca da vida escolar, ao notarem este tratamento diferenciado e muitas vezes
determinista.
O papel da escola e suas contribuições para o rendimento dos alunos fora discutido
por duas vertentes sociológicas: a Teoria da Mobilidade e a Teoria da Reprodução.
A Teoria da Mobilidade é defendida por Parsons (1968) e se apóia no paradigma es-
trutural-funcionalista, para o qual a escola possibilita a ascensão social. A oportunidade
oferecida aos alunos seria a mesma, dependeria apenas deles sua concretização. A Teoria da
Reprodução, defendida por Bourdieu (2003), também corresponde a uma vertente estrutura-
lista. Considera a escola não como facilitadora da mobilidade social, mas como reprodutora
da estrutura dominante. O sucesso ou fracasso dos alunos não seria a resposta para os seus
dons” ou estaria relacionado apenas à renda de suas famílias. O conhecimento da cultura
escolar ganha destaque, ou seja, a criança que tem informações acerca desta cultura e seus
desdobramentos estaria muito mais suscetível a ter um desempenho semelhante àquele que
lhe serviu de parâmetro. Por exemplo, um aluno cujos pais têm formação universitária esta-
ria mais propenso a seguir este modelo em relação àquele que não possui.
Muitas pesquisas investigaram o fracasso escolar, suas causas e conseqüências, o pa-pa-
pel da escola, da família, dos professores, todavia, há uma lacuna nestes estudos, pois um
número reduzido articulam o gênero e fracasso escolar. De fato, não põem em questão se
o gênero seria mais um determinante do fracasso; se professores e demais funcionários da
Introdução
13
escola representariam a trajetória escolar dos alunos segundo o gênero e quais são seus
desdobramentos na vida escolar; de que maneira aquelas representações interfeririam, mo-
dicariam, os resultados escolares.
É o que Carvalho ( 2003, p.191) enfatiza ao dizer:
A primeira grande tarefa que está posta para nós é trazer a questão de
gênero para o centro do debate sobre fracasso escolar. Se existe alguma
tradição no Brasil de perceber a questão do fracasso escolar como uma
questão fortemente articulada com a temática de classe, ainda está por
ser feita a complexicação desse conceito mediante sua articulação com
outras hierarquias sociais.
A observação de que um afastamento das questões relativas ao nero nas pesqui-
sas e poticas blicas também é sustentado por Vianna e Unbehaum (2004, p.101), quando
as autoras armam que:
A compreensão das relações de gênero pelas escolas corre o risco de per-
manecer velada, uma vez que as políticas públicas não as mencionam e,
quando o fazem, não exploram em todos os temas e itens curriculares os
antagonismos de gênero presentes na organização do ensino e no cotidi-
ano escolar. Não temos muita tradição no campo educacional sequer de
discutir gênero, menos ainda de entrar na discussão de gênero a partir das
masculinidades. A discussão de gênero historicamente caminhou a partir
da visibilização das mulheres – a história das mulheres, a violência con-
tra as mulheres – e, mesmo em outros países, só após algumas décadas
começou a ser abordada a questão das masculinidades.
Pesquisas sobre o ensino e aprendizagem (Martini e Boruchovitch, 2001; Martini,
1999; Weisz, 1999) têm mostrado que as crenças, expectativas, sentimentos e habilidades
dos professores devem ser levados em consideração, pois existe a possibilidade desses as-
pectos afetarem as relações professor-aluno, interferindo no desempenho e rendimento. A
proposta deste estudo é, pois, vericar no discurso dos professores, professoras e funcio-
nários, se as expectativas depositadas por eles em relação à trajetória escolar dos alunos,
modica-se em fuão do gênero e, sobretudo, se estas expectativas prejudicam meninos e
meninas.
A cultura escolar determina de antemão qual dos grupos irá fracassar? Arroyo (2001,
p.17) considera que a cultura escolar exerce interferência sobre o sucesso ou fracasso escolar
pois
[...] falar em cultura escolar é mais do que reconhecer que os alunos e
14
Cíntia Garcia
prossionais da escola carregam para esta suas crenças, seus valores,
suas expectativas e seus comportamentos, o que sem dúvida poderá con-
dicionar os resultados esperados Aceitar que existe uma cultura escolar
signica trabalhar com o suposto de que os diversos indivíduos que nela
entram e trabalham, adaptam seus valores às crenças, às expectativas e
aos comportamentos da instituição.
Como as representações sociais sustentam-se no desejável, nos valores, nos preferí-
veis para as pessoas, talvez seja uma alternativa viável para entendermos o fracasso escolar
a partir de uma trama de signicados atribuídos ao masculino e ao feminino, além de des-
cortinar como se formam e funcionam os sistemas de referência utilizados pelos diferen-
tes atores sociais das escolas para classicar e interpretar os acontecimentos do cotidiano
(Alves-Mazzotti, 1994).
As representações sociais constituem uma valiosa ferramenta para a compreensão
do fracasso escolar na medida em que desvela a interferência do imaginário social sobre
a conduta das pessoas e dos grupos, isto é, dar subsídios para compreender de que forma
os sistemas simbólicos interferem nas interações estabelecidas no dia-a-dia da escola, com
seus diferentes atores compartilhando contradições, conhecimentos e percepções da vida
escolar de meninos e meninas.
No primeiro capítulo discutiremos a literatura que indica o menor rendimento dos
meninos na escola e os possíveis motivos de tal fenômeno. A partir da polêmica pesquisa de
Thomas Dee, tentaremos esclarecer questões como a constatação de que os meninos apren-
dem mais com professores homens e as meninas aprendem mais com professoras. Dee teria
razão? Em que medida a feminização da escola interfere nos resultados escolares?
Também descreveremos duas escolas do munipio de Mangaratiba, suas caracte-
rísticas, seu funcionamento, o quantitativo de meninos e meninas para matrícula inicial,
matrícula nal, aprovação, reprovação, transferências e evasão. Informações de suma im-
portância para vericar qual grupo, o de meninos ou de meninas, apresentou resultados
insatisfatórios no período de nove anos de investigação. Não trabalhamos com amostras,
mas com toda a população de estudantes para responder a questão acima acerca do fracasso
escolar dos meninos. A resposta veio da análise estatística das informações (qui-quadrado),
Introdução
15
pela qual foi possível decidir se há a independência entre sexo e reprovação, sexo e evasão,
e reprovação e evasão. O que nos possibilitou responder se os meninos de Mangaratiba re-
provaram menos ou mais do que as meninas; se evadiram menos ou mais; e se diferenças
entre os Ensinos Fundamental e Médio, além disto, determinadas “verdades” sobre a arti-
culação entre reprovação e evasão são questionadas.
No segundo capítulo o analisados os Livros de Ocorrências das escolas com o intui-
to de investigar as condutas escolares preferíveis para meninos e meninas de acordo com os
professores, professoras e demais atores sociais. Discutimos se maior incidência de ações
censuradas cometidas pelos meninos ou pelas meninas e se há um predomínio de registros
escritos por professoras ou professores. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental as profes-
soras não relacionam a indisciplina e agressividade dos meninos com as diculdades esco-
lares e consideram que a sexualidade aorada nas meninas prejudica o rendimento; e, nos
anos nais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, foco desta pesquisa, estas concepções
modicam-se ou permanecem? Além de respondermos a estas questões, apresentamos a
relação ensino e aprendizagem, se as professoras
1
das escolas investigadas preferem ensinar
às meninas ou aos meninos, se reagem com intolerância diante do comportamento de um
destes grupos; bem como o olhar das gestoras sobre as diferenças de desempenho.
algum ponto de interseção entre gênero, fracasso e violência escolar? Será que
estes três eixos temáticos estão interligados? As explicações dadas pela literatura não nos
satisfazem. Partimos de um enfoque diferenciado, tendo como respaldo teórico Moscovici
(1992), que faz distinção para a vioncia, concebendo-a de duas formas, como veremos no
capítulo.
Ainda neste capítulo, serão analisadas as primeiras entrevistas. Os sujeitos disseram
coisas reveladoras, intrigantes e, acima de tudo, caram muito à vontade para expressarem
seus argumentos, o que possibilitou uma riqueza de informações e que viabilizou a análise
retórica em que identicamos as guras de pensamento utilizadas em seus discursos. Por
1. Utilizamos “professoras” por serem a grande maioria nas duas escolas.
16
Cíntia Garcia
m, no terceiro capítulo discutimos a co-educação e a eciência didático-pedagógica de
aulas mistas e separadas, especicamente no campo da Educação Física, nos posicionando
favoravelmente a um desses modelos. Também abordaremos se existe um único tipo de
masculinidade, ou podemos falar de masculinidades? (Connell, 1995, 1997), se diferen-
ças nos operadores éticos de meninos e meninas e os posveis artifícios utilizados pelos
meninos que conseguem conciliar a armação da masculinidade com o sucesso acadêmico.
Ao longo de todo capítulo apreende-se as representações sociais que justicam e orientam
as práticas no contexto escolar, prejudicando tanto meninos quanto meninas.
Explicaremos a dissociação de noções entre masculino e feminino, ou seja, os dife-
rentes atores sociais das escolas, ao hierarquizarem estes termos, qualicam um deles e
desqualicam o outro.
Capítulo I
Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas
O fracasso escolar, suas causas e conseqüências, têm sido objeto de muitas pesqui-
sas, como as de Patto et al.(2000, 2004) e Alves-Mazzotti (2004, 2005). No entanto, estas
pesquisas desconsideraram uma possível associação entre o gênero dos alunos e o seu de-
sempenho escolar.
Embora Carvalho (1999, 2001, 2003, 2004), Brito ( 2004a, 2004b, 2006), Auad ( 2005,
2006a, 2006b, 2007 ), Silva ( 1999), Vianna ( 2004, 2006 ) e Rosemberg (1982, 1994, 2001)
tenham tratado desse aspecto, privilegiaram nos seus estudos as crianças dos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental. Nessa investigação o foco foi adolescentes e adultos dos Anos
Finais do Ensino Fundamental e Ensino dio. Aquelas autoras ressaltam a importância
de as pesquisas acerca do fracasso escolar abordarem o gênero dos alunos e que o contem-
ple tanto na determinação de políticas públicas quanto na formação docente. As pesquisas
que vincularam o gênero ao fracasso escolar, mostraram que os meninos apresentam pior
rendimento quando comparados com as meninas, logo, é o grupo que mais fracassa na es-
cola. Souza (2003), ao analisar Conselho Tutelar e fracasso escolar, vericou que as queixas
dos prontuários incidem mais sobre os meninos (74%) do que as meninas (26%), no que
diz respeito ao aproveitamento escolar; também são mais freqüentes as queixas contra os
meninos (83,3%). O mesmo ocorre quanto à ausência na escola: 69,2% de meninos, 23,1%
de meninas, e 7,7% sem especicação. Carvalho (2003, p. 191) relata: o que eu tenho visto
em classes de refoo, nas classes de aceleração, quando elas estavam no auge, são princi-
palmente meninos (do sexo masculino [sic]), negros e pobres. Brito e Vianna (2006, p.1)
armam que,embora a produção acadêmica acerca do fracasso escolar em nosso país seja
vasta, existe um número reduzido de investigações que tenham como objeto de pesquisa o
fato de que os meninos, desde os anos 1970, estão apresentando resultados insatisfatórios.
Cíntia Garcia
18
O Relario do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2004) salienta
que na América Latina e no Caribe os meninos geralmente apresentam taxa de repetência
maior e os resultados escolares mais baixos do que as meninas. Além disto, chama atenção
para o fato de que o momento dramático para os meninos começa na adolescência.
Os possíveis motivos freqüentemente apontados para explicar o menor rendimen-
to dos meninos na escola são: (1) a entrada precoce no mercado de trabalho, a família tende
a sacricar mais os meninos para aumentar a renda da casa; (2) os meninos estão mais ex-
postos à vioncia urbana; (3) os meninos são mais indisciplinados e suportam menos a dis-
ciplina escolar, com isso reprovam e abandonam a escola. No que concerne a esses motivos
e explicações para o rendimento insatisfatório dos meninos, Perozim ( 2006,p.3) arma que:
Entre as explicações de especialistas para o pior desempenho e menor número
de garotos na escola, está o fato de terem uma relação conituosa com a
instituição: maiores índices de reprovação, de evasão, seja ela denitiva ou
não. São também os maiores protagonistas da indisciplina escolar e vítimas da
violência social.
Mello (1975), ao explicar por qual motivo as meninas têm apresentado melhores
resultados escolares, sustenta que a escola, enquanto instituição, valoriza determinados
comportamentos como a passividade, dependência de aprovação aos outros, obediência,
condutas ensinadas para as meninas no âmbito familiar. Silva et al (1999) e Palomino (2003)
também defendem esta explicação, armando que as meninas seriam mais adaptadas à
escola, pois o processo de socialização feminino estaria voltado para a passividade e obedi-
ência às normas, em sentido oposto estariam os meninos, educados com maior autonomia e
liberdade, aptos a desbravarem o mundo público, logo, não conseguiriam adequar-se facil-
mente à rigidez das regras escolares. Esta explicação para o bom desempenho das meninas
e o fracasso escolar dos meninos foi contestada por Carvalho (2003, p.189) com veemência:
Vejam que imagem de mulher vem desse discurso, que imagem de nós mesmas!
Ao mesmo tempo que os meninos seriam agitados, agressivos e indisciplinados,
s seríamos calmas, obedientes e passivas – professoras e alunase seríamos
mais adequadas para a escola.
Além desta discussão do “modelomais adaptável para a escola, o feminino ou o
masculino, a questão do fracasso escolar dos meninos também suscita a discussão acerca da
19
Cap. I - Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas
feminização da escola, em especial do magistério. A feminização colaboraria para o baixo
desempenho dos meninos? Palomino (2003), ao pesquisar o fracasso de meninos em uma
classe de aceleração de uma escola de periferia urbana, sustenta que os meninos são timas
de uma escola feminina, em consonância com a tese da vitimização masculina armada
por Robert Bly (1990), William Pollack (1999), Steve Biddulph (1994) e Neil Lydon (1996).
Carvalho (2004, p.13) opõe-se a essa associação entre fracasso dos meninos e feminização
da escola, ressaltando que:
A pergunta sobre quem são os meninos que o mal na escola tem sido feita
com insistência, especialmente por feministas de língua inglesa, no esforço de
contraporse a discursos essencialistas e conservadores, bastante difundidos em
seus países, discursos que falam de uma escola feminilizada, que prejudica os
meninos em geral, acusando as professoras e o movimento feminista por um
indiscriminado fracasso escolar do sexo masculino, no bojo de uma pretensa
crise de masculinidade.
Um estudo provocativo, e alvo de inúmeras críticas, foi desenvolvido por Thomas
Dee (acesso em 20 de setembro de 2008), professor de economia da Universidade de Swar-
thmore e publicado no jornal Education Next, da instituição Hoover. De acordo com sua
pesquisa, os meninos aprendem mais com professores homens, logo o nero do professor
inuenciaria a aprendizagem de estudantes do Ensino Médio. Dee vericou que ter uma
professora mulher aumenta o desempenho das meninas e diminui o desempenho dos meni-
nos em Ciências, Estudos Sociais e Inglês; em contrapartida, quando um homem comanda
a classe os meninos apresentam melhores resultados. Além da aprendizagem, o pesquisador
sustenta que o gênero inuencia as atitudes, com uma professora mulher os meninos estão
mais propensos a serem vistos como indisciplinados. Em suma, seja qual for a razão, assu-
me-se que os meninos apresentam menor rendimento escolar e evadem em uma proporção
maior do que as meninas.
Desempenho de estudantes dos sexos feminino e masculino
Com o objetivo de vericar a asserção de que os meninos apresentam baixo desempe-
nho escolar tendo por indicadores a evasão e reprovação, coletamos dados de duas escolas
do município de Mangaratiba (RJ), nos anos de 1999 a 2007, dos Ensinos Fundamental e
Cíntia Garcia
20
Médio. Computamos o total de alunos (número de alunos no início do ano letivo), e eva-
didos, transferidos, aprovados, reprovados e a matrícula nal (somatório dos aprovados e
reprovados), distinguindo meninos e meninas.
A Escola A e a Escola B têm como diferencial a diversidade cultural de seus alunos.
A primeira abriga alunos provenientes do centrodo Distrito de Itacuruçá e lugares con-
siderados de difícil acesso, tais como as ilhas, pois o trajeto até a escola é feito em barcos
cedidos pela Prefeitura Municipal. Essa escola atende desde os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental até o Ensino Médio, além do Ensino Fundamental Noturno Acelerado, que é
uma espécie de supletivo. A escola funciona nos períodos da manhã, tarde e noite, totali-
zando 914 alunos. Nos Anos Iniciais há 336 alunos, 173 meninos e 163 meninas, nos Anos
Finais 261 alunos, 127 meninos e 134 meninas, no Ensino Fundamental Noturno Acelerado
118 alunos, 52 meninos e 66 meninas e no Ensino dio (mane noite) 199 alunos, 96 me-
ninos e 103 meninas. A escola possui 7 homens trabalhando no setor técnico-administrativo
e 32 mulheres, além de 62 professoras e 16 professores. A segunda escola localiza-se no
Distrito de Conceição de Jacareí, abriga alunos de Mangaratiba e do munipio com que faz
divisa: Angra dos Reis. Atende os Anos Finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio e
o Ensino Fundamental Noturno Acelerado, também nos períodos da manhã, tarde e noite,
totalizando 1091 alunos.
Nos Anos Iniciais 264 alunos, 136 meninos e 128 meninas, nos Anos Finais 335
alunos, 156 meninos e 179 meninas, no Ensino Fundamental Noturno Acelerado 221 alunos,
124 meninos e 97 meninas e no Ensino Médio (manhã e noite) 271 alunos,130 meninos e
141 meninas. A escola possui 6 homens trabalhando no setor técnico-administrativo e 45
mulheres, am de 6 professores e 45 professoras. Ambas as escolas são caracterizadas pela
Secretaria Municipal de Educação como de grande porte. A tabela I sumaria as informações
a respeito da situação dos alunos nas duas escolas, para os Ensinos Fundamental e Médio,
em seguida são apresentadas estas informações desagregadas para ambas as escolas, tabe-
las II Ensino Fundamental e III Ensino Médio.
21
Cap. I - Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas
Tabela I
Ensinos Fundamental e Médio - Situação dos estudantes em escolas
do Município de Mangaratiba no período de 1999 a 2007
Anos
Matrícula
Inicial
Aprovados Reprovados Transferidos Evadidos Matrícula Final
M F M F M F M F M F M F
1999
391 390 247 283 56 30 21 28 57 59 303 313
2000 507 459 285 324 94 43 33 36 84 67 379 367
2001 505 496 315 339 73 46 41 41 76 70 388 385
2002 561 554 285 337 138 86 51 41 87 90 423 423
2003 606 544 321 376 122 69 50 26 114 71 443 445
2004 643 651 337 407 116 77 63 56 127 111 453 484
2005 637 583 400 403 83 44 73 55 102 78 483 447
2006 710 642 404 437 149 85 73 56 84 64 553 522
2007 767 692 423 437 151 94 84 72 113 89 576 531
Total 5327 5011 3017 3343 982 574 489 411 844 699 4001 3917
Tabela II
Ensino Fundamental = Situação dos estudantes em escolas do
Município de Mangaratiba no período de 1999 a 2007
Anos
Matrícula
Inicial
Aprovados Reprovados
Trans-
feridos
Evadidos
Matrícula
Final
M F M F M F M F M F M F
1999 278 276 176 188 49 29 17 22 36 37 225 217
2000 371 339 199 235 83 36 27 21 62 47 282 271
2001 374 373 228 251 65 41 34 32 47 49 293 292
2002 410 408 195 227 128 80 37 35 51 65 323 307
2003 411 373 211 249 100 63 23 17 77 44 311 312
2004 452 440 229 266 91 62 46 33 86 79 320 328
2005 456 430 275 290 70 40 52 44 64 51 345 330
2006 501 446 272 297 122 71 53 37 54 41 394 368
2007 487 456 256 277 110 73 56 48 63 58 368 350
Total
3740 3541 2041 2280 818 495 345 289 540 471 2861 2775
Cíntia Garcia
22
Os dados acima, referentes às tabelas I, II e III, corroboram a armação de Carvalho
(2001, p.554) a respeito das difereas entre alunos do sexo masculino e feminino quanto
a reprovação, mas não a respeito da evasão, como veremos adiante. Aquela autora diz que:
As estatísticas nacionais, embora precárias no que se refere à desagregação
por sexo, não deixam dúvidas quanto à diferença de desempenho escolar entre
meninos e meninas em todo o Ensino Fundamental e Ensino Médio. Pode-se
tomar os dados sobre evasão e repetência ou as informações sobre defasagem
entre série cursada e idade da criança: qualquer dessas cifras indica que os
meninos teriam maiores diculdades.
Pode-se sustentar que dependência entre o sexo dos alunos e sua situação esco-
lar? Tendo as informações completas da situação da população de alunos por um período
extenso de 9 anos, o que controla possíveis inuências sazonais, realizamos o teste de qui-
quadrado para vericar a independência entre sexo (variável independente) e reprovação,
sexo e evasão, reprovação e evasão.
O qui-quadrado é aconselhado quando se deseja vericar a associação entre variáveis
categoriais, como é o caso, obedecendo a fórmula: X
2
= Σ(o-e)
2
e, em que osão as fre-
quências observadas, no caso a das categorias na população, e” as frequências esperadas
calculadas a partir das observadas. A hipótese nula, no caso, é não associação entre o
sexo do aluno e sua situação escolar: reprovação ou evasão, bem como reprovação e evasão.
Tabela III
Ensino Médio - Situação dos alunos no período de 1999 a 2007
nas duas unidades escolares do Município de Mangaratiba
Anos Matrícula Inicial Aprovados Reprovados
Trans-
feridos
Evadidos
Matrícula
Final
M F M F M F M F M F M F
1999 113 114 71 95 7 1 4 6 21 22 78 96
2000 136 120 86 89 11 7 6 15 22 20 97 96
2001 131 123 87 88 8 5 7 9 29 21 95 93
2002 151 146 90 110 10 6 14 6 36 25 100 116
2003 195 171 110 127 22 6 27 9 37 27 132 133
2004 191 211 108 141 25 15 17 23 41 32 133 156
2005 181 153 125 113 13 4 21 11 38 27 138 117
2006 209 196 132 140 27 14 20 19 30 23 159 154
2007 280 236 167 160 41 21 28 24 50 31 208 181
Total
1587 1470 976 1063 164 79 144 122 304 228 1140 1142
23
Cap. I - Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas
Em todos os casos utilizamos o vel de signicância de 0,05%, em tabela de 2 colunas, logo
com grau de liberdade 1, pois comparamos os pares: aprovação/reprovação e reprovação/
evasão para ambos os sexos em todo o período, tanto ano a ano quanto agregando os anos,
e para cada vel de escolaridade. Produzimos uma tabela para os reprovados e a outra para
os evadidos, na primeira preenchemos as linhas com reprovados e aprovados e as colunas
com masculino e feminino, na segunda zemos de duas formas: as linhas com matrícula
inicial e evadidos e as colunas com masculino e feminino, e as linhas com matrícula nal e
evadidos e as colunas com masculino e feminino. A distinção das matrículas é importante,
pois a inicial agrega os alunos evadidos, transferidos, aprovados e reprovados e a nal agre-
ga apenas os aprovados e reprovados.
Tanto no Ensino Fundamental
quanto no Ensino Médio, nos 9 anos,
o tabelado foi de 3,841, com alfa
0,05%, 1 grau de liberdade, deven-
do rejeitar da hitese nula. Logo,
podemos armar que há associação
entre sexo e reprovação (X²=13,644;
alfa=0,05%; gl=1), donde os meninos reprovam signicativamente mais do que as me-
ninas.
Uma informação relevante é que no Ensino Fundamental, nos lculos ano a ano, a
hipótese nula foi rejeitada durante todos os anos, ou seja, associação entre sexo e reprova-
ção durante todo o período, donde os meninos estão apresentando resultados insatisfarios
estatisticamente signicativos.
Em contrapartida, nos lculos ano a ano para o Ensino Médio, a hipótese nula foi
rejeitada em 5 anos e aceita em 4 anos, com os dados agregados de todos os anos, um cál-
culo único do para reprovação no Ensino dio, constatamos que a H
o
foi aceita (X²=
3,722; alfa=0,05% ; gl=1), logo não há associação estatisticamente signicativa para sexo e
reprovação no Ensino Médio, diferentemente do Ensino Fundamental.
Tabela IV
Ensinos Fundamental e Médio. Teste
de Associação entre sexo e reprovação
com dados acumulados: 1999-2007
Masculino Feminino Total
%
M F
Reprovados 982 574 1556 24,55 14,65
Aprovados 3017 3343 6360 75,45 85,34
Total 3999 3917 7916
Cíntia Garcia
24
Ao fazermos o lculo do
com a juão das duas modalidades
de ensino durante os 9 anos de inves-
tigação (Tabela IV), encontramos o re-
sultado mostrado acima (X²=13,644 ;
alfa=0,05% ; gl=1), havendo associação
entre sexo e reprovação, com os meni-
nos apresentando resultados mais insa-
tisfatórios do que as meninas.
Corrobora-se, assim, as arma-
ções a respeito da discriminação dos
meninos nas escolas. Note-se que os
dados aqui apresentados não incluem
os alunos das séries iniciais do Ensino
Fundamental, visto que, este blico
já fora contemplado em algumas pes-
quisas, tais como as de Brito (2004a,
2004b, 2006) e Carvalho (1999, 2001).
Nos debruçamos na investigação dos
anos nais do Ensino Fundamental e
Ensino Médio, inclusive esta última autora salienta que
nessas investigações tenho trabalhado com aquelas avaliações que ocorrem no
cotidiano da escola, feitas pelas professoras – e falo professoras porque estudo
principalmente o ensino de primeira à quarta série, no qual são mulheres mais
de 95% dos prossionais. Sem vida uma outra investigação a ser feita,
sobre o desempenho por sexo em testes padronizados como Saeb ( Sistema
Nacional de Avaliação do Ensino Básico) ou o Enem (Exame Nacional do
Ensino Médio), estudos que certamente também poderão indicar elementos
importantes. (CARVALHO, 2003, p.187)
No caso da evasão, a hipótese nula foi aceita para as duas modalidades de ensino, tan-
to no lculo com as matrículas iniciais (Tabela V), quanto com as matrículas nais (Tabela
Tabela V
Evasão sobre matrículas iniciais para ambos
os sexos, total dos estudantes do Ensino
Fundamental no período de 1999-2007
Masculino Feminino Total
%
M F
Matrícula
inicial
5327 5011 10338 86.32 87,65
Evadidos 844 699 1543 13,67 12,24
Total 6171 5710 11881
Tabela VI
Evasão sobre matrícula nal, para ambos
os sexos, total dos estudantes dos Ensinos
Fundamental no periodo de 1999-2007
Masculino Feminino Total
%
M F
Matrícula nal 4001 3917 7918 81,90 84,85
Evadidos 844 699 1543 17,27 15,14
Total 4885 4616 9461
Tabela VII
Ensinos Fundamental e Médio, utilizada
para o Teste de Associação entre reprovão
e evao com dados acumulados: 1999-2007
Masculino Feminino Total
%
M F
Reprovados 982 574 1556 53,71 45,09
Evadidos 844 699 1543 46,17 54,90
Total 1826 1273 3099
25
Cap. I - Reprovação e evasão escolar de meninos e meninas
VI). Para evasão e matrícula inicial (X²=0,597; alfa=0,05%; gl=1) e para evasão e matrícula
nal (X²=0,996; alfa=0,05%; gl=1). Não associação entre sexo e evao, os meninos
não evadiram mais do que as meninas durante os nove anos, não diferença estatística
signicativa.
Dentre os autores, Carvalho (2004, p.250) arma que uma relação de dependência
entre reprovação e evasão, quanto mais vezes um aluno é reprovado, maior a probabilidade
de ele evadir. A autora sustenta: sabemos que a evasão escolar, assim como trajetórias com
muitas interrupções estão intimamente articuladas a sucessivas reprovações. No entanto,
pela análise estatística isso não ocorre no município de Mangaratiba, ou seja, o há asso-
cião entre as variáveis dependentes reprovão e evao (Tabela VII), elas são inde-
pendentes (X
2
= 2,492 ; alfa= 0,05 %; gl =1).
Recorde-se que não trabalhamos com amostras, mas com toda a população de estu-
dantes e por um período longo (9 anos). Mesmo que não possamos armar com certeza de
que Mangaratiba seja uma amostra representativa da população escolar brasileira, temos
elementos para armar que a reprovação está associada ao sexo dos alunos, sendo os de
sexo masculino os que mais reprovam; e que a evasão não esassociada ao sexo dos alunos,
bem como a evasão não depende da reprovação.
Tendo em mãos a ata de resultados nais das duas escolas, com a relação nominal
dos alunos durante todo o período investigado, decidimos acompanhar os reprovados para
vericar suas trajetórias escolares. Existem algumas opções para o aluno reprovado: pode
pedir transferência para outra escola, continuar estudando na mesma escola, ou pedir trans-
ferência interna, fazendo a mudança de turno.
Iniciamos a investigação com uma turma do sexto ano de 1999, todavia, para nos-
sa frustração, esse trabalho é inviável em virtude da precariedade dos registros escolares.
Havia na turma oito alunos reprovados, conseguimos acompanhar a trajetória escolar até o
Ensino Médio de apenas um, os demais “perderam-sepelo caminho. Retornamos àquela
escola com o intuito de descobrir possíveis respostas, procuramos os respectivos alunos na
documentação arquivada e não encontramos. Nossas dúvidas não foram sanadas e não de-
Cíntia Garcia
26
mos continuidade ao trabalho, pois os dados poderiam ser não dedignos. Não pudemos, as-
sim, corroborar as decisões estatísticas com informações baseadas nos registros escolares.
Neste capítulo inicial nos propusemos mostrar dados de extrema relevância para o estudo
do fracasso escolar e sua articulação com o gênero. A partir do teste do qui-quadrado, ve-
ricamos o desempenho de estudantes dos sexos feminino e masculino em nove anos, para
corroborar, por meio de indicadores como reprovação e evasão, se no munipio de Manga-
ratiba os meninos apresentaram baixo desempenho escolar, comparados com as meninas,
tal como as pesquisas estão alertando.
Os dados estatísticos foram reveladores, pois colocaram em questão determinadas
“verdades” como o fato de que reprovação e evasão encontram-se sempre intimamente as-
sociadas. Uma informação preocupante é a associação entre sexo e reprovação, em que os
meninoso reprovados em maior número do que as meninas.
Se há dependência de gênero na reprovação, então deve haver alguma representação
social de gênero que organize a seleção negativa dos meninos, e este foi objetivo da pesquisa
aqui relatada, o que será desenvolvido nos pximos capítulos.
Capítulo II
O “mau aluno” nos registros escolares
A partir da constatação de que há dependência de gênero na reprovação, vericamos
os elementos de uma possível representação social de nero sustentada pelos atores sociais
das escolas e que poderia estar organizando a seleção negativa dos meninos.
Com o objetivo de investigar as condutas escolares preferíveis para meninos e meni-
nas, o que se aceita como “bom, correto, “permitido, no ambiente escolar, segundo os
professores, professoras, e demais atores sociais, analisamos os chamados Livros de Ocor-
rências, nas escolas cujos dados foram submetidos ao teste do qui-quadrado. Para isto,
optamos pelo processo inverso, ou seja, identicamos as condutas inadequadas tanto para
meninos quanto para meninas e, assim, constatamos quais seriam as condutas certas”.
As representações sociais divergem das demais formas de pensamento porque se es-
truturam muito mais a partir de valores, ou seja, naquilo que é preferível para um grupo
social do que em relação aos conceitos. Constituem-se em torno de inferências valorativas
mais do que conceituais (Moscovici, 1978) Isto quer dizer que os conceitos adquirem sig-
nicados diferenciados em função da cultura, dos valores sustentados pelos grupos. E, é
justamente esta trama de signicados, as diferentes percepções que os sujeitos atribuem ao
objeto, que interessa à teoria das representações sociais. Identicamos as representações
sociais a partir do momento que os membros de um determinado grupo atribuem aos seus
pares, comportamentos “normais, “permitidos, “melhores, “corretos.
Os Livros de Ocorrências são “livros proibidos, de difícil acesso, pois, como a di-
retora de uma das escolas disse: “[deles] constam particularidades da escola, coisas muito
íntimas dos alunos, a vida deles está toda ali...Funcionam também como uma espécie de
mecanismo coercitivo, lugar de desabafo diante de situações que as professoras talvez não
saibam lidar, como episódios de indisciplina, má conduta, comportamentos que fugiam da
Cíntia Garcia
28
normalidade, do estabelecido pelas normas escolares.
De que maneira estes registros reetiriam o fracasso escolar? Haveria maior incidên-
cia de ocorrências de meninos ou de meninas? O que se espera da conduta dos meninos? E,
das meninas?
Jodelet (1998, apud SÁ) enfatiza as práticas quotidianas que sustentam as representa-
ções sociais, correspondem aos discursos das pessoas e grupos, mantendo condutas e suas
explicações.
Tais discursos podem estar em documentos e outros registros xados no âmbito insti-
tucional, como são os Livros de Ocorrências. Estes livros registram as condutas considera-
das impróprias por uma instituição pública, mas não podem ser acedidos por outras pessoas,
são mantidos em segredo, logo não são blicos. Público, como recorda Arendt (1997, p.
59), “signica, em primeiro lugar que tudo o que vem do blico pode ser visto e ouvido por
todos e tem a maior divulgação possível. Todavia, em certas escolas esta concepção de pú-
blico não tem lugar, especialmente quando se trata dos Livros de Ocorrências. A diretora da
escola A deixou que eu zesse a leitura do Livro, desde que nas dependências da escola, po-
rém, negou sua reprodução. Depois de muita insistência, e assegurando que todo o cuidado
seria tomado a m de preservar a identidade dos alunos, nalmente realizei a reprodão.
O Livro grosso, de cor preta, ca guardado na sala dos professores e detém um valor
simbólico. No período em que visitei a escola para a pesquisa, ouvia alunos falandocuida-
do, seu nome vai pra ocorrência, não pode fazer bagunça não. Os relatos podem ser feitos
pelas professoras, diretoras, pela coordenação e demais funcionários da escola e, no Livro
do segundo turno, há registros no período de 10 de Março de 2008 a 16 de Julho de 2008.
O segundo turno atende apenas as turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
cujas crianças têm entre 8-12 anos. Foram escritos 87 relatos; todos por mulheres, apesar
da existência de 5 homens trabalhando na escola neste período, não como professores mas
com outras atribuições. Destes relatos, 24 tratavam de assuntos diversos, tais como: pe-
dido dos responsáveis para a criança sair mais cedo da escola; entrega de materiais para
as professoras; atendimento de responsáveis; solicitação para o responsável comparecer na
29
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
escola; crianças que se machuca-
ram acidentalmente e 63 tratavam
de questões ligadas ao comporta-
mento.
No Livro de Ocorrências do
primeiro turno, que corresponde
às turmas dos Anos Finais do En-
sino Fundamental (12-15 anos) e o Ensino dio (16-18 anos), havia registros no período de
27 de Fevereiro de 2008 até o dia 16 de Maio de 2008. Foram escritos 77 relatos; dos quais
4 feitos por professores e 73 por professoras, diretoras e principalmente pela coordenadora
pedagógica. Destes, 14 tratavam de assuntos diversos, tais como: atendimento-compareci-
mento de responsáveis na escola; sumiço de material escolar; liberação de alunos, justi-
cativa de faltas, uso de garfo no refeitório, alunos que passaram mal, recebimento de cartas;
alunos que saíram mais cedo a pedido do responvel e 63 tratavam de questões ligadas ao
comportamento.
No Livro de Ocorrências do terceiro turno (noturno), que corresponde às turmas do
Ensino dio e EFNA (Ensino Fundamental Noturno Acelerado), havia registros no perío-
do de 17 de Março de 2008 à 13 de Maio de 2008, feitos pelas professoras e pela coordena-
dora pedagógica. Totalizava 5 ocorrências, 4 relacionadas aos comportamentos inadequa-
dos, ações realizadas apenas por meninos, as meninas não realizaram nenhuma ação e uma
reclamação de uma aluna a respeito da prática pedagógica de uma professora.
Tabela I
Anos Iniciais do Ensino Fundamental - Escola A
Ocorrências
Meninos Meninas
Meni-
nos e
meninas
Total
geral
Comportamento
impróprio
56 4 3 63
Porcentagem
88,8 6,3 4,7 100
Tabela II
Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio -
Escola A
Ocorrência Meninos Meninas
Meninos e
meninas
Total
geral
Comportamento
impróprio
41 15 7 63
Porcentagem 65,0 23,8 11,1
100
Cíntia Garcia
30
O Livro de Ocorrências da
Escola B estava guardado na sala
da direção e, embora eu tenha ar-
gumentado que a leitura do mes-
mo seria de extrema importância
para a pesquisa, senti um cons-
trangedor desconforto por parte
das diretoras, infelizmente não pude ter acesso.
Para não comprometermos o desenvolvimento da pesquisa, traçamos outro percurso
para a obtenção das informações.
Vericamos que a orientadora educacional usava um caderno de anotações para o
registro do dia-a-dia dos alunos, principalmente questões relacionadas ao comportamento;
as professoras, quando faziam relarios sobre algum aluno em especial, também usavam o
caderno colocando seus relarios em anexo. Assim como a leitura do Livro de Ocorrências,
a reprodução do caderno de comportamento também foi negada pela direção. A opção foi
cop-lo pacientemente, diante dos olhares repressores de alguns funcionários. Parecia que
estávamos cometendo algo muito grave, atitude distante daquela iia de público menciona-
da no início deste capítulo.
No Caderno do primeiro turno, que corresponde às turmas dos Anos Iniciais do En-
sino Fundamental e o Ensino Médio, havia registros no período de 5-3-2008 até o dia 7-5-
2008.
Foram 28 relatos; nenhum destes feito por professor, 2 tratavam de assuntos diversos,
tais como: negociação com alu-
no (carrinho) e encaminhamento
para fonoaudióloga e psiloga,
8 solicitavam o comparecimento
dos responsáveis à escola para
discutir o comportamento de seus
Tabela III
EFNA e Ensino Médio - Escola A
Ocorrência Meninos Meninas
Meninos
e
meninas
Total
geral
Comportamento
impróprio
4 0 0 4
Porcentagem 100 0 0 100
Tabela IV
Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio -
Escola B
Ocorrência Meninos Meninas
Meninos e
meninas
Total
geral
Comportamento
impróprio
17 2 1 20
Porcentagem 85,0 10,0 5,0 100
31
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
lhos (uma responvel apenas por
menina e 7 responsáveis por meni-
nos) e 18 falavam sobre questões
ligadas ao comportamento.
No Caderno do segundo tur-
no, que corresponde às turmas dos
Anos Finais do Ensino Fundamen-
tal e Ensino Médio, havia registros
no período de 19-3-2008 até o dia
16-5-2008. Foram 21 relatos; destes
20 falavam sobre questões ligadas
ao comportamento, não havia ne-
nhum registro feito por professor, e
1 pedia o comparecimento de um responsável (por menino).
No Caderno do terceiro turno, que corresponde às turmas do Ensino Fundamental
Noturno Acelerado e o Ensino Médio, havia apenas um registro, feito pela Orientadora Edu-
cacional no dia 10-3-2008, relatando o mau comportamento de três meninos e uma menina.
Para melhor identicarmos as condutas censuradas
1
, categorizamo-nas a partir de
uma simples contagem da repetição de uma determinada ação e as nomeando tal se encon-
tra registrado no Livro.
Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental do Cogio A, das 56 ações realizadas
apenas por meninos, 56 condutas foram censuradas:
(1) cortar o caderno dos outros alunos com gilete, puxar o cabelo, falar porcarias
na hora da merenda, car debrado na janela, cuspir, car fora da sala de aula
provocando tumulto e batendo na porta de outras salas, se arranhar para colocar
a culpa em outro menino, falar que está sentindo dor para ir embora mais cedo,
furar a mão de outro menino, trazer desenhos para a turma (o desenho foi
1. Estabelecemos uma relação entre ação e conduta, pois a uma mesma ação poderão ser atri-
buídas rias condutas de censura. Por exemplo, ao jogar uma pedra na janela da escola (uma
ação), o aluno sepunido por desrespeito, falta de zelo pelo patrimônio público, indisciplina e
desordem (quatro condutas de censura).
Tabela V
Anos Iniciais do Ensino Fundamental e Ensino Médio -
Escola B
Ocorncia Meninos Meninas
Meninos e
meninas
Total
geral
Comportamento
impróprio
11 7 0 18
Porcentagem 61,1 38,8 0
100
Tabela VI
Ensino Fundamental Noturno Acelerado e Ensino
Médio – Escola B
Ocorncias Meninos Meninas
Meninos e
Meninas
Total
Comportamento
impróprio
0 0 1 1
Porcntagem 0 0 100 100
Cíntia Garcia
32
anexado ao Livro e mostrava um homem com um pênis na boca), jogar bolinha
de papel em outro menino, jogar a borracha em outro menino, pular o muro da
escola, usar calculadora na prova de Matemática, pular o muro da escola, gritar
em sala de aula, ir embora sem autorização da professora (um registro de cada
um dos itens)
(2) brincadeiras em geral (quatro registros sob esta rubrica)
(3) dar tapa (seis registros sob esta rubrica)
(3) chegar atrasado (três registros)
(4) brigas em geral (sete registros)
(5) dar soco, pontapé e chute nos outros meninos (seis registros)
(6) desrespeitar a professora ou a inspetora (nove registros)
(7) fazer tumulto, algazarra, bagunça na escola (quatro registros)
Ações censuradas e apresentadas apenas por meninaso:
(1) fazer gestos obscenos para a professora; (2) brincar no horário de aula com
brincadeiras obscenas; (3) faltar o respeito com a professora com palavras de
baixo calão; (4) fazer movimentos sensuais. Estas o o total das condutas
apresentadas nos registros.
Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio deste mesmo cogio, das
41 ações realizadas apenas por meninos, 71 condutas foram censuradas:
(1) atrapalhar o andamento da aula (8 registros)
(2) brigas em geral (8 registros)
(3) ensinar as outras crianças a fazer sexo usando o quadro, levar garrafa de
bebida alcoólica para a escola, esquecer o livro de Matemática, usar aparelhos
eletrônicos, passar pimenta nos olhos dos amigos, se atrasar para a aula, car
fora da sala, quebrar a cadeira (um registro para cada item)
(4) brincadeiras em geral (10 registros)
(5) não usar o uniforme (2 registros)
(6) fugir da aula ou da escola (6 registros)
(7) falar palavrões (2 registros)
(8) falar em demasia durante as aulas (2 registros )
(9) desrespeitar a professora, se exaltar com a professora (6 registros)
(10) comportar-se de forma indisciplinada, abusada, debochada e atrevida com
a professora (10 registros)
(11) não obedecer a uma ordem da professora (9 registros)
33
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
Das 15 ações realizadas apenas por meninas, 19 condutas foram censuradas:
(1) atrasar para aula (2 registros )
(2) brigas em geral (3 registros)
(3) fugir da aula ou da escola (2 registros)
(4) atrapalhar o andamento da aula (2 registros)
(5) desrespeitar a professora (2 registros )
(6) faltar, car fora da sala, ir de short para a escola, escutar mp3, rasgar o
teste, brincadeiras em geral,car passeando pela escola sem se importar com o
horário da aula, ir para a escola sem o sapato (um registro para cada item). Neste
episódio em particular, as três meninas voltaram para casa, colocaram o sapato
e retornaram para a escola, um menino que estava acompanhando a situação
disse se fosse comigo euo voltava para a escola.
No Ensino dio e Ensino Fundamental Noturno Acelerado (ciclos), no período com-
preendido para análise do Livro, havia um reduzido número de registros. Das 4 ações re-
alizadas por meninos, 4 condutas foram censuradas: (1) entrar em sala de aula faltando 5
minutos pra bater o sinal: (2) sair da escola mais cedo; (3) atrapalhar a aula ; (4) desrespeitar
a professora. As meninas não realizaram, no período, ações que provocassem censura.
No Caderno de Comportamento da Escola B, recurso que utilizamos diante da proibi-
ção da leitura do Livro de Ocorrências, nos registros feitos para os alunos do primeiro turno,
que corresponde às turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio,
das 11 ações realizadas apenas por meninos, 18 condutas foram censuradas: (1) brigas em
geral (4 registros); (2) levantar a saia de uma menina durante a aula de Educação Física,
fazer “vaquinhapara comprar refrigerante com os meninos do Ensino Médio (percebemos
no registro certa preocupação diante da convivência dos meninos mais novos, dos Anos Ini-
ciais, com os meninos mais velhos do Ensino Médio, brincadeiras em geral, falar palaves,
chutar o armário (um registro para cada item); (3) comportar-se de forma indisciplinada (7
registros); (4) desrespeitar a professora (2 registros).
Das 7 ações realizadas apenas por meninas, as censuradas foram: (1) dar soco (2 re-
gistros); (2) enar giz de cera no ouvido da colega, amassar a folha do dever, brincadeiras
em geral (1 registro para cada item); (3) não obedecer a professora (2 registros)
Cíntia Garcia
34
Nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino dio, das 17 ações realiza-
das apenas por meninos, 29 condutas foram censuradas: (1) atrapalhar o andamento das
aulas (4 registros); (2) desrespeitar a professora (4 registros); (3) comportar-se de forma
indisciplinada,abusada e debochada (6 registros); (4) brigas (2 registros); (5) brincadeiras
em geral (3 registros); (6) xingar palaves ( 2 registros); (7) pintar o rosto com branquinho,
(nome dado pelas crianças ao corretor líquido), chamar uma aluna de burra, colocar papel
nas costas da colega (o papel foi anexado ao Caderno e estava escrito faz créu em mim, sou
viado”), colocar alnete na cadeira dos colegas, colocar ta adesiva na cadeira dos colegas
(foi anexada ao Caderno e estava escrito vou dar 1 real pra quem comer minha bunda”),
colocar bomba no banheiro, implicar com a colega chamando-a de “melequenta, falar que
as meninas estão dando” pra todo mundo (um registro para cada item)
Das duas ações realizadas apenas por meninas, quatro foram censuradas: (1) car fora
de sala durante a aula de Matemática; (2) fazer barulhos com a boca; (3) conversar; (4) jogar
beijos pela janela.
No Caderno do terceiro turno, que corresponde às turmas do Ensino Fundamental
Noturno Acelerado e o Ensino Médio, havia apenas um registro de mau comportamento de
três meninos e uma menina.
Interpretação dos resultados
Em todos os segmentos de ensino, inclusive nos Anos Iniciais, que mesmoo sendo
o alvo desta pesquisa, complementa as informações, os meninos apresentaram um maior
número de condutas censuradas, comportamentos considerados impróprios pela escola.
Vericamos o número de casos censurados, tanto no Livro de Ocorrências quanto nos
cadernos e calculamos sobre o percentual total de meninos e meninas nas duas escolas. Os
resultados indicaram que: 22,5% das ações impróprias são cometidas apenas por meninos;
4% por meninas; 1,1% para ações cometidas por meninas e meninos, resultados do Colégio
A. Para o Colégio B temos 5,1% das ações impprias cometidas apenas por meninos; 1,6%
por meninas; 0,18% para meninas e meninos.
35
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
Nos Anos Iniciais, as condutas inadequadas para os meninos são as consideradas
como “prova da masculinidade”, as ações violentas, tais como: tapas, brigas, socos, ponta-
pés, chutes, além de fazer bagunça, tumulto e algazarra. Parece que os meninos são mais
indisciplinados e desrespeitam mais as professoras (neste segmento não há nenhum profes-
sor em ambas as escolas). As meninas, quando censuradas, o são por apresentarem condutas
semelhantes às dos meninos e muito mais quando fazem atos relacionados à sexualidade.
Na pesquisa de Carvalho (2001), as professoras também se mostraram preocupadas
com o despertar da sexualidade das meninas e com a incorporação de características de
uma feminilidade que seduz e atrapalha o rendimento escolar. As professoras percebiam
negativamente a manifestação de traços femininos e, em função destas descobertas sen-
timentais e amorosas, meninas que eram bem sucedidas nos estudos, estariam baixando
suas notas. Um dado curioso da pesquisa de Carvalho e de Britto (2004, 2006) é que, nos
anos iniciais, as professoras não relacionam a indisciplina e a agressividade dos meninos,
que a nossa cultura considera como atitudes tipicamente masculinas, com as diculdades
escolares, ou seja, um menino pode ser considerado bom aluno mesmo que apresente com-
portamento indisciplinado. No entanto, a erotização compromete o desempenho escolar das
meninas, o despertar da sexualidade feminina acarreta problemas escolares, de aprendiza-
gem. Ou seja, a indisciplina atrapalha, mas não provoca o baixo rendimento dos meninos
enquanto a sensualidade determina o insucesso das meninas.
E nos Anos Finais, as professoras relacionam a indisciplina, o comportamento, com
o fracasso escolar dos meninos? A sexualidade das meninas adolescentes inuencia o de-
sempenho das mesmas?
Para Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio é importante ressaltar
o predomínio de registros feitos pelas professoras, apesar de o número de professores ser
baixo nas duas escolas. Na escola A existem 62 professoras e 16 professores e na escola B: 6
professores e 45 professoras. Parece que as professoras tendem a enxergar e reprimir mais a
conduta indisciplinada dos meninos do que os professores. Thomas Dee também sustentou
que numa classe comandada por uma professora, maior probabilidade de os meninos
Cíntia Garcia
36
serem considerados violentos e indisciplinados.
A conduta indisciplinada dos meninos adolescentes investigados nas duas escolas não
é compatível com as regras escolares, eles atrapalham o andamento das aulas, desrespeitam
a professora ao se comportarem de forma abusada, debochada e atrevida, fazendo brin-
cadeiras em excesso, não obedecendo as professoras e, como prova maior de que a escola
não está atendendo as suas expectativas, acabam fugindo das aulas e do recinto escolar. De
acordo com a fala das professoras na pesquisa de Carvalho (2001), nem a indisciplina nem a
agressividade traduzida pelas brigas, seriam marcadas pelas relações de gênero, ao contrá-
rio, estes episódios aconteceriam igualmente entre meninas e meninos.
No entanto, embora aconteça igualmente, a atitude tomada pelas professoras nas es-
colas investigadas nesta pesquisa, de registrar formalmente as más condutas nos Livros de
Ocorrências, é diferenciada para meninos e meninas, tanto no quantitativo de ações censu-
radas quanto na visibilidade e “valorização” destas ações. A tomada de atitude não estaria
vinculada às representações de feminino e masculino?
Em função do menor número de registros das condutas inadequadas das meninas,
podemos supor que elas se adaptam melhor ao ambiente escolar, o que corrobora Mello
(1975), Silva et al (1999) e Palomino (2003), e que foi contestado por Carvalho (2003) e Brito
(2004,2006). A respeito da conduta violenta dos meninos, Carvalho (2003, p.18) assegura
que
Esses dois temas – o fracasso e a violência escolares – vêm sendo discutidos
no Brasil como se eles nada tivessem a ver com as relações de gênero,
quando na verdade estamos falando o tempo todo de determinadas formas de
masculinidade.
De acordo com a autora, os conitos seriam a forma encontrada por determinados
rapazes, principalmente negros e pobres, para mostrar certo poder e status no ambiente
escolar, uma escolha que encaminha para atitudes anti-escola, de transgressão, usando a
força, a indisciplina, a violência, que por meio das boas notas eles normalmente não
conseguem o almejado destaque. Carvalho é corroborada por Connell (2000), para quem
os meninos apresentam atitudes de vioncia com o objetivo de adquirir prestígio, marcar
37
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
diferenças, obter prazer e satisfação, principalmente quando não conseguem tais objetivos
pelo sucesso acadêmico. Assim sendo, o quebrar regrasfaria parte da constituição de uma
das diferentes formas de masculinidades. Brito (2004, p.8), compartilha as explicações de
Carvalho e Connel, armando que os meninos, ao viverem uma diferenciação hierarquiza-
da estabelecida pela professora, na qual eles não constavam como os mais valorizados, iam
cada vez mais assumindo uma postura antiescola, como uma fonte alternativa de poder, o
que contribuía intensamente para o aumento e a manutenção de um conito permanente
entre esses estudantes, professora e instituição escolar.
Estes autores indiretamente atribuem a culpa de tais conitos escolares aos próprios
meninos, é claro que não se respaldam em posições biogicas. Isso porque Connell defende
a não existência de “hormônios masculinos da agressividade, interpretando os conitos
como demonstração prática, recurso, talvez a solução encontrada pelos meninos para se
destacarem positivamente perante a escola. O psiquiatra da Infância e Adolescência Paulo
Marmorato, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, escreveu no portal Pró-
menino (acesso em 10 de novembro de 2008) que a “agressividade pode ser uma reação à
frustração e ao sentimento de inferioridade que suas diculdades lhes impõe, pensamento
semelhante ao dos autores acima. Moser (1991) coloca em destaque, no seu relevante traba-
lho de síntese das teorias e modelos de estudo sobre a agressão, as falhas nas explicações
sustentadas no modelo frustração-agressão, no nosso caso especicamente a explicação
de que os meninos frustrados com o baixo rendimento, notas ruins, insucesso acadêmico,
assumiriam uma postura violenta, isto porque nem toda frustração gera automaticamente
uma conduta, um comportamento agressivo. Os autores que sustentam a associação entre
violência escolar e baixo desempenho, não se perguntam acerca das representações das pro-
fessoras e demais funcionários das escolas a respeito daquelas condutas. Aão não ganha
mais visibilidade e, em conseqüência disto, uma ação punitiva mais rigorosa por parte da
escola, pelo fato de ter sido realizada por um menino, em especial se ele for negro e pobre?
Pelos Livros e Cadernos de Ocorrências, percebemos que as meninas também partici-
pam de conitos violentos, não é uma exclusividade masculina. Sendo assim, as professoras
Cíntia Garcia
38
não seriam mais tolerantes com as meninas? Não seria importante desvelar a existência de
uma trama de valores, de signicados, que determinam diferentes interpretações para os
conitos, assim como para concretizar o registro formal?
Moscovici (1992, p.65-75) fez uma distinção para a violência: ela é um fato“nominado,
em oposão aos “anônimos, ou seja, esarticulada ao olhar, à concepções e interpreta-
ções dos sujeitos, no caso, as professoras, fruto de uma constrão social pois acontece no
interior das relações de poder (a escola enquanto instituição é moldada pelas relações de
poder), e, além disto, a ppria percepção de um fato como uma ação violenta constitui um
produto social, é um conhecimento instaurado nas interações, no contexto social depen-
dente da cultura e dos valores daqueles que a concebem como tal.
Campos et al (2004) considera a violência como um fenômeno complexo multi-de-
terminado, que não deve ser analisado isoladamente, e que se estrutura a partir de três di-
mensões: dimensão estrutural, que envolve desigualdade e exclusão, donde supormos que
os meninos pobres e negros sejam os principais agentes que, de acordo com a interpretação
das professoras, cometem ações violentas, censuradas e, por conseguinte, têm seus nomes
registrados nos Livros de Ocorrências; dimensão interpessoal, relacionada aos conitos in-
terpessoais, no contexto escolar aqueles que acontecem entre os próprios meninos, entre os
meninos e meninas e principalmente entre os meninos e as professoras, visto a diculdade
enfrentada pelas mesmas na resolução destes conitos; e, por último, a dimensão simlica,
que envolve os processos representacionais, as ações violentas que as professoras conside-
ram como “erradas, “incorretas, “feias, a partir das referências de masculino e feminino.
O que estamos tentando mostrar é que realmente existe uma aproximação entre fra-
casso gênero vioncia escolar, concordando com Carvalho (2003), Connell (2000) e
Brito (2004). No entanto, suas explicações não nos satisfazem, uma vez que é preciso pensar
também que por trás dos conitos existe uma trama representacional daqueles que na escola
são responsáveis pela manutenção da ordem, especialmente as professoras. Para julgar estas
ações, o registro por escrito nos Livros de Ocorrências, propondo mecanismos punitivos,
lançam mão de referências pautadas nos preferíveis. Um ato de violência escolar não deveria
39
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
ser visto por si só, tendo como respaldo somente o olhar da professora (detentora do poder).
Mas, infelizmente, no período em que visitei as escolas pude constatar esta realidade, que
na maioria das vezes é injusta para meninos e meninas.
No Ensino Fundamental Noturno Acelerado, observamos uma redução no número
de registros, uma explicação plausível: o ensino noturno abriga, em sua maioria, alunos
com histórico de fracasso escolar, mais velhos, cujos lhos também estudam na escola,
então, o número de ações consideradas como mal comportamento tende a diminuir. O
que é corroborado pelos registros, eles se referem aos meninos adolescentes, em ambas
as escolas, e na escola B também há anotação
da participação de uma menina.
Nas pesquisas de Carvalho e Brito, que tiveram por foco de análise os Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, o comportamento estava frouxamente associado ao desempenho
escolar, de acordo com a fala das professoras, Brito (2006, p.137) constatou que
[...] a professora parecia desejar um aluno (a) crítico (a), participativo (a), mesmo
que eventualmente apresentasse problema de disciplina que justicassem
admoestações verbais ou até mesmo repreensões mais severas. Portanto, rompe-
se aqui a idéia de que as escolas estão buscando simplesmente a passividade
e a obediência, características supostamente mais encontradas no universo
feminino.
No entanto, nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nas
escolas investigadas, vericamos pela análise dos depoimentos de professoras, professores e
demais atores sociais, que o mau comportamento dos alunos (as) está intimamente associa-
do ao desempenho acadêmico. No caso dos meninos, fracassariam na escola por serem in-
disciplinados, bagunceiros, rebeldes. Nessas escolas há uma grande “mistura” entre apren-
dizagem e comportamento, principalmente na determinação da nota nal, a nota relativa ao
bimestre. Carvalho (2003, p.13) também observou isto em pesquisas anteriores, para ela:
As crianças do sexo masculino estariam recebendo conceitos negativos e
indicações para atividades de reforço não por problemas de aprendizagem, mas
por terem maior diculdade em se adequar ao papel de aluno e alcançar os
comportamentos desejados pela escola.
Tomando como referência a literatura internacional (Connell,2000;Lingard,Dougl
as,1999; Jackson, 1998; Hey et al, 1998) aquela autora sustenta a necessidade de separação
da avaliação de comportamento e avaliação de aprendizagem. O sistema avaliativo nas es-
Cíntia Garcia
40
colas investigadas é composto da seguinte maneira: a prova vale 50 pontos, o teste vale 20
pontos, e os 30 pontos restantes cam a critério das professoras. O critério das professoras é
absolutamente subjetivo, referem-se ao comportamento, interesse pelas aulas, participação,
responsabilidade, compromisso, realização de tarefas durante as aulas, e outros que julga-
rem necessários.
Para ter certeza se este sistema inuenciou nos resultados da pesquisa ou se era algo
recente, vericamos os diários nos arquivos das escolas, desde o ano de 1998. Constatamos
que todas as escolas do munipio adotam aquele modelo, portanto cobre o período desta
pesquisa: a partir de 1999 ao ano de 2007.
As primeiras entrevistas – a complementação dos Livros de Ocorrências
Num primeiro momento, realizamos 48 entrevistas conversacionais no Colégio A e
34 no Colégio B, com professoras, inspetoras, coordenadoras e merendeiras. Às quais per-
guntamos: qual grupo, dos meninos ou das meninas, mais fracassa na escola, tem piores
rendimentos? Quais seriam os possíveis motivos? No Cogio A, 29 sujeitos asseguraram
que os meninos fracassam mais na escola; 15 sujeitos armaram que não existem diferen-
ças entre meninos e meninas em relação ao fracasso escolar; e 4 atribram às meninas um
pior rendimento. No Colégio B, 21 sujeitos asseguraram que os meninos fracassam mais;
12 armaram que não existem diferenças entre meninos e meninas; e 1 sujeito atribuiu às
meninas um pior rendimento.
Depreende-se que muitas vezes a diferença de rendimento escolar segundo o gênero
não é apreendida, principalmente quando sustentam a igualdade de desempenho segundo
as interpretações das gestoras (diretoras, coordenadoras, supervisoras), para as quais está
“tudo bem, o que não oportuniza um espaço para discussão, abrindo um abismo entre o
posicionamento do corpo técnico-administrativo e professoras. No que diz respeito a esta
negação das diferenças de desempenho entre meninas e meninos, Carvalho (2001) observa
que alguns pesquisadores têm relatado que, num primeiro contato, professores e professoras
se posicionam desta maneira com o receio de que, a simples constatação das diferenças fos-
41
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
se expressão de preconceito e tratamento desigual.
Quiçá as gestoras e algumas professoras também tenham pensado assim, preferem
homogeinizar os alunos, colocá-los como iguais, é o respaldo para não serem rotuladas
como preconceituosas.
Abaixo identicamos claramente este discurso:
Não consigo perceber estas diferenças entre sexos, vejo de uma forma geral.
Atribuo o fracasso ao tradicionalismo de alguns professores, não fazem nada
para modernizarem suas aulas. (Diretora do Colégio A 21 anos de magistério)
As questões de gênero não inuenciam no rendimento dos alunos e sim a
estrutura familiar. (Diretora do Colégio A – 11 anos de magistério)
Não tem essa divisão. São muitas diculdades, vários fatores que inuenciam
nesse fracasso, não tem muita essa divisão de menino e menina. (Diretora do
Cogio A – 11 anos de magistério)
Depende de aluno para aluno...é de acordo com o interesse, não tem como
generalizar, é muito relativo. (Diretora do Colégio B24 anos de magistério)
Por esses relatos, percebemos além do perigo de não se atentar para as questões de
gênero e desempenho escolar, justicativas recorrentes na literatura que aborda o fracasso
escolar: ora o problema está concentrado na estrutura interna da escola (as aulas são desmo-
tivantes, a culpa recai sobre as professoras); ora o problema está concentrado nas famílias
desestruturadas e no pprio aluno que não tem interesse.
Como provocar mudanças neste quadro de maior fracasso dos meninos, comprovado
pelos testes estatísticos durante os nove anos de investigação, se as próprias gestoras não
assumem responsabilidades que lhes são inerentes? Por “desconheceremesta problemáti-
ca, não podem propor ações concretas, como por exemplo colocar o debate sobre gênero no
centro das discussões escolares.
Retomemos a questão da aprendizagem e comportamento. Carvalho na Revista
Educação Masculino e Feminino: plural ( acesso em 18 de novembro de 2008 ) sustenta
que se tolera a indisciplina dos meninos, o que está prejudicando-os, pois
[...] eles precisam ter certo grau de agitação, agressividade, no mínimo ser
meio malandro, crítico, ou então sua própria identidade sexual será colocada em
questão. Pode ser bom aluno, desde que não mostre que faz muito esforço por
isso. É um grau de exigência tremendo.
Cíntia Garcia
42
Espera-se, segundo a autora, que o comportamento das meninas oriente-se pela passivi-
dade e obediência, e que o dos meninos na rebeldia e indisciplina, daí a tolerância estar
associada à naturalização do mau comportamento masculino. Auad (2006), em palestra
proferida na 19ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo (acesso em 8 de novembro
de 2008) também sustenta essa explicação.
[...] na escola, os professores utilizam o sexo dos alunos e as representações de
gênero de que a menina é quieta e o menino bagunceiro, para tentar controlar a
disciplina na sala de aula. Há uma idéia de que o menino muito quietinho está
doente. E, assim, aceitamos mais a indisciplina dos meninos, o que é ruim.
Estas autoras investigaram principalmente crianças, dos anos iniciais do Ensino Fun-
damental. Em nossa pesquisa que abrange os anos nais do Ensino Fundamental e todo o
Ensino Médio, não vericamos tolerância para com a indisciplina dos meninos evidenciado
pelo elevado número de registros das más condutas masculinas nos Livros de Ocorrências
e nos Cadernos das Coordenadoras. Pelos registros, os meninos adolescentes são os gran-
des protagonistas das ações consideradas inadequadas do ponto de vista da ordem escolar.
Outro aspecto da intolerância para com a indisciplina dos meninos é a associação, quase
direta, entre mau comportamento e rendimento: se houvesse tolerância, não haveria tanta
reprovação dos meninos. Há maior reprovação, como vimos no primeiro capítulo, dos me-
ninos e as notas são compostas com base em maior valor para os comportamentos do que
na avaliação do aprendido.
Nas entrevistas, conrmamos a atribuição do fracasso escolar para o grupo dos me-
ninos e o comportamento como uma posvel explicação.
Ah...os meninos...eles o mais desleixados, mais rebeldes, os meninos são mais
indisciplinados...isso vem de casa. ( Mulher Servente Colégio A ) (Figura de
repetição reforça o comportamento dos meninos; atribui a responsabilidade
aos pais - atribuição causal)
Pelo que eu vejo assim...os meninos...pelo que eles fazem, eles não obedecem
nem a direção.(Mulher – Servente – Cogio A) (Ilustração ou exemplicação
para fortalecer a armação)
Varia muito...os meninos apresentam um desinteresse maior.....se o
desinteresse, vai vir o problema de comportamento e a diculdade de
aprendizagem...esse fracasso que votá falando pra gente. (Coordenadora
Cogio B) (Petição de princípio – raciocínio circular ).
Sem sombra de dúvidas os meninos...acredito que isto vindo de casa...devido
à bagunça. ( Professora – Colégio B. ) Atribuição causal (casa, pais).
43
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
Os meninos estão mais [em relação ao fracasso].. facilidade dos meios de
comunicação, Internet, para busca de trabalhos, eles não pesquisam nada.
(Professor – Cogio A) (Atribuição causal: a culpa é da Internet, algo externo
à escola)
Os meninos faltam bater na gente, na nossa época a gente achava que o
professor era tudo. (Professor Cogio B) (Antítese professor antigamente
tudo x professor atualmente nada.)
Eu acho que o os meninos...eles são mais desinteressados, mais
indisciplinados... claro que existem algumas exceções...mas as meninas
normalmente são mais dedicadas. (Professora – Colégio B.)
Eu acho que o os meninos...e olha que a minha opinião tem muito valor
porque eu sou inspetora e aluna do noturno...os meninos o muito imaturos,
querem farra, não querem estudar. (Inspetora – Cogio A). (A entrevistada
se coloca nos dois lugares: aluna e inspetora, logo, de acordo com seu discurso,
tem autoridade para falar.)
Apesar de constatarmos a maior reprovação dos meninos, a literatura internacional
(GILBERT e GILBERT, 1998; WARRINGTON ;YOUNGER, 2000) tem mostrado uma in-
terpretação diferente para o processo ensino-aprendizagem dos mesmos: tanto professores
quanto professoras preferem ensinar aos meninos, por considerá-los mais criativos, autô-
nomos, desaadores, proporcionam uma discussão mais rica, crítica e estimulante, todavia,
não percebemos isto na fala das professoras entrevistadas:
Eu sempre achei que as meninas o mais concentradas, têm mais atenção que
os meninos. Acredito que os meninos são mais interessados em brincar...talvez
a natureza das meninas de serem mais quietas, comportadas. Os meninos
brincam muito de brigar eo obedecem a gente . (Professora do Colégio A )
Observação: No meio da entrevista a inspetora bateu na porta e disse:
Professora, vou colocar alguns alunos aqui com vo(sala de leitura) porque
eles tão em horário vago, a professora, sem se incomodar com a minha
presea, respondeu: Manda as bênçãos, as meninas mais boazinhas...se
puder não manda nenhum menino.
Sabe, não gosto de ensinar para os meninos, eles são muito... não sei, é como
se sempre colocassem um nó na questão e acaba prejudicando o andamento da
aula, toda hora tem que parar, eles também nãocam quietos... as meninas são
diferentes, elas acatam o que a gente fala. No ano passado eu me dei bem porque
a minha turma tinha mais meninas, agora, esse ano, uma droga, me ferrei
bonito... [Mas você não fala isso pra diretora não, heim... Senão ela me mata!
Você é uma pesquisadora e eu te tratando como velhas amigas! (Professora do
Cogio B)
O preocupante nestes depoimentos é a atribuição biológica para o comportamento
Cíntia Garcia
44
das meninas, elas são assim por causa da natureza, algo de cunho genético, e também o
fato de as professoras não se intimidarem ao relatar a visão negativa que depositam sobre os
meninos, como se esta visão fosse algo “normalno âmbito destas escolas, não tem por que
esconder, mesmo diante de uma pessoa estranha. Aquela imagem masculina desaadora e
autônoma relatada pelas professoras nas pesquisas internacionais se traduz em incômodo
para estas professoras porque os meninos não as obedecem, não cam quietos, enquanto as
meninas acatam mais passivamente suas determinações. A metáfora “nó” coordena e con-
densa esta diculdade percebida pelas professoras no trato com a transgressão dos meninos.
Pelos registros nos Livros de Ocorrências, percebemos a atribuição do fracasso es-
colar das meninas à questão da sexualidade apenas nos Anos Iniciais, tal como Carvalho
(2001), todavia, através da fala das professoras, esta atribuição também se aplica às adoles-
centes dos Anos Finais e Ensino Médio.
Eu vou ser sincera com você... não tem muito essa coisa de menino
e menina, bem generalizado, o interesse é bem pouco pra puxar pelos
alunos... as meninas hoje pensam muito em namorados, elas assim... não sei
o que aconteceu com essas meninas... (Professora Colégio B ) (Antítese
meninas hoje assanhadas x meninas ontem recatadas, donde é preferível para a
professora ser como ontem, o tom nostálgico devida indica isto. )
Olha ... assim... questão de interesse, eu acho que as meninas estão mais
desinteressadas.... é o batonzinho, sainha, elas matam aula pra namorar....
(CoordenadoraCogio A)
Os dois grupos [em relação aos meninos e meninas]... mas as meninas tão
mais..... elas o mais assanhadas,com brincadeirinhas meio... elas só pensam
em namoradinho, passam batonzinho,cam toda pintada... (Auxiliar Escolar
Cogio A )
Eu acho que é igual... tem uns meninos que o mais esforçados e tem umas
meninas que querem saber de paquerar, vir pra escola arrumadinhas... mas
a nota no nal do ano... Todas essas com namoradinhos chega no nal do ano
cam reprovadas... (Inspetora Cogio A) (Generalização infundada nem
todas as meninas com namorados reprovam)
Observamos nestes discursos a constante utilização do diminutivo, que é um recurso
próprio da linguagem afetiva, no entanto, as entrevistadas não expressaram noções positi-
vas no que diz respeito ao comportamento das meninas, pelo contrário, expressaram um
tom pejorativo, debochado, de negação da sexualidade das alunas.
45
Cap. I I - O :mau aluno» nos registros escolares
A escola continua sendo um campo minadopara tratar questões relativas à sexu-
alidade, tanto das meninas quanto dos meninos, este assunto é tabu, embora a criação do
tema transversal Orientão Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) não
seja garantia de sua implementação nas escolas, a iniciativa de formulação do documento
constituiu um avanço para a área.
Entretanto, a sexualidade é tratada de forma meramente informativa e prescritiva,
está atrelada à preocupação com o aumento de casos de gravidez na adolescência e a proli-
feração de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a AIDS.
Apesar de não ser objetivo desta pesquisa fazer uma análise aprofundada acerca dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, selecionamos alguns fragmentos que revelam o caráter
conservador assumido no texto.
No trabalho com crianças, os conteúdos devem também favorecer a compreensão
de que o ato sexual, assim como as carícias genitais, são manifestações
pertinentes à sexualidade de jovens e adultos, não de crianças. Os jogos sexuais
infantis têm caráter explorario, pré-genital. (BRASIL, 1998, p.319)
A partir da puberdade e das transformações hormonais ocorridas no corpo
de meninos e meninas, é comum a curiosidade e o desejo da experimentação
erótica a dois. (BRASIL, 1998, p.317)
O documento limita a noção de sexualidade ao plano biológico, às transformações
hormonais; o prazer e o desejo são normais, comuns, desde que praticado a dois e nega-se a
descoberta do sexo pelas crianças.
Neste segundo capítulo analisamos os Livros e Cadernos de Ocorrências, com o ob-
jetivo de identicar as condutas preferíveis para meninas e meninos no ambiente escolar
e para melhor entender o fracasso escolar dos meninos a partir dos registros contidos nos
mesmos. Vericamos que eles apresentaram um maior número de condutas censuradas e
que a indisciplina e o mau comportamento podem ser uma explicação para o fato de eles
terem reprovado signicativamente mais do que as meninas durante os nove anos de in-
vestigação. Corroboramos com alguns autores no que concerne à associação direta entre
fracasso, gênero e vioncia escolar, todavia, preocupamo-nos com a análise dos conitos,
cometidos principalmente pelos meninos, que seja feita levando em consideração os proces-
Cíntia Garcia
46
sos representacionais dos envolvidos. Observamos que as gestoras tendem a não enxergar as
diferenças de desempenho entre meninos e meninas pois a simples constatação das diferen-
ças poderia ser uma “provade preconceito. Através da fala pejorativa das professoras para
com a sexualidade das meninas, discutimos de que forma as escolas estão tratando questões
relativas à sexualidade, tomando como suporte os Parâmetros Curriculares Nacionais.
Iniciamos este capítulo com a intenção de vericar os elementos de uma possível re-
presentação social de gênero que poderia estar organizando a seleção negativa dos meninos,
comprovada pelo número signicativamente maior de reprovação. Podemos armar que a
dependência entre reprovação e gênero está relacionada ao fato de que, quem determina
se o aluno será reprovado ou não é a professora, esta, atribui os pontos de comportamento
(que modica o conceito nal), de acordo com a sua representação social de “bom aluno,
que é coordenada pela representação social de gênero, valores femininos “superioresaos
masculinos, o comportamento que é preferível para uma mulher: passividade, obediência,
também é preferível para ser ou se tornar um “bom aluno, logo a reprovação ou aprovação
dependem basicamente da professora. Parece que um número maior de meninos frente às
meninas, não se encaixam nesta representação social de “bom aluno.
No pximo capítulo desenvolveremos melhor esta concepção.
Capítulo III
Representação social de gênero no fracasso escolar
Finalizamos o capítulo anterior argumentando que a representação social de “bom
alunoé coordenada pela representação social de gênero, donde a feminilidade encontra-
se atrelada à concepção desejada de aluno ideal. Na escola, os valores ditos femininos
são os melhores, os preferíveis, os mais importantes, associados ao sucesso acadêmico, em
contrapartida, os valores ditos masculinos correspondem ao fracasso escolar. No entanto,
Louro (1992, 1996) considera que não existe essa oposição binária entre feminilidade versus
masculinidade, pois há uma diversidade de constrões de gênero. Para ela, o conceito de
feminino e masculino é plural, fruto de uma construção social e hisrica, uma vez que as
diferentes sociedades têm concepções próprias acerca do ser homem e do ser mulher, as-
sim como existem variações no interior de uma mesma sociedade, sendo incoerente pensar
numa rigidez de conceitos.
Brito (2006), em estudo de caso sobre o fracasso dos meninos no Ensino Fundamen-
tal, investigou crianças dos Anos Iniciais de uma escola estadual de São Paulo e vericou a
inexistência de referenciais xos de masculino e feminino, na turma havia meninas que se
comportavam de forma passiva e outras que ousavam apresentar comportamento semelhan-
te ao dos garotos, a autora (p. 10) arma que
tais evidências mostram-nos que formas múltiplas, masculinas ou femininas,
de construção de trajetórias escolares bem sucedidas, o que não signica
concordar com a iia de que os meninos têm apresentado maiores diculdades
por serem vítimas de uma escola feminina.
Ainda de acordo com a autora (p.15), a construção de trajetórias escolares bem suce-
Cíntia Garcia
48
didas não precisa necessariamente corresponder aos estereótipos da aluna quieta e passiva
e do aluno perturbador, e que trabalhar com essa complexidade constitui o ponto de partida
para a continuidade de estudos sobre essa problemática.
Carvalho (2001, 2004) também considera que a multiplicidade de formas de mascu-
linidades e feminilidades orienta atitudes de contraposição ou não às regras e à autoridade
escolar, além disto, observa que esta temática já fora explorada na literatura internacional
por autores como Kimell (2000); McAnGhail (1995) e Connell (2000).
Vericamos, pelas análises das estatísticas escolares, que os alunos do sexo masculi-
no são signicativamente mais reprovados dos que as meninas, não havendo diferenças para
evasão, e entre evasão e reprovação. Recorde-se que o sistema de avaliação regularmente
utilizado atribui 30 pontos para condutas, 20 para testes e 50 para provas. Logo, a composi-
ção das notas pode ser o reexo do que as professoras consideram ser “bom aluno.
Parece que nas escolas uma hierarquia de valores em que feminino é “melhor” que
masculino. Para ser enxergado pela professora como um “bom alunoe garantir pontos,
prestígio, reconhecimento, meninos e meninas deverão ter condutas consideradas tipica-
mente femininas. Os diferentes atores sociais alunos, alunas, professores e professoras
signicam o “bom alunono âmbito da representação social de gênero: menino é indisci-
plinado, rebelde, mal educado, agitado, desrespeita a professora; em contrapartida, menina
é boazinha, calma, não responde a professora, faz todos os deveres, é obediente, isto vem
de casa... Operam uma dissociação de noções em que ser humano é dividido segundo seus
gêneros: masculino (termo I) e feminino (termo II), quando se trata das condutas aprovadas
pela escola. O termo II (feminino) apresenta aquelas “boas qualidades” para a vida escolar,
as que faltam no termo I (masculino). Quando se estabelece a dissociação de noções para o
ser humano, os argumentos ou enunciados utilizados para qualicar e hierarquizar os ter-
mos caracterizam o núcleo gurativo da representação social de “feminino” e “masculino
de cada grupo social.
A concepção apresentada pelas estudiosas de gênero são ideais, abstratas, reetem as
regras dos direitos humanos, para as quais as pessoas humanas não se diferenciam sob qual-
49
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
quer aspecto físico. Elas têm razão quando armam a multiplicidade de representações de
gênero segundo as culturas ou sociedades e momentos hisricos, mesmo em cada cultura.
Essa constatação nos conduz a armar que tal diversidade, e que elas são representações
sociais que operam segundo as circunstâncias sociais. A discrepância entre o proclamado,
os valores universais, e a dissociação de noções entre masculino e feminino apenas nos
mostra a distância entre o desevel universal e o que efetivamente se realiza.
Izquierdo (1994) considera que o conceito de gênero muitas vezes é utilizado de forma
equivocada e banalizada e que alguns trabalhos apresentam enfoques neutralizantes e xos,
colocando gênero como sinônimo de pais sexuais e estereótipos. A representação de gê-
nero apontada por Izquierdo é uma reicação dos papéis sociais, tornando-os “naturais, o
que permite dizer que algo como uma essênciada mulher e outra do homem, e que ca
claro pela dissociação de noções, como veremos a seguir. Vimos que as qualidades que se
diz serem próprias das mulheres são as que estabelecem as condutas do bom aluno, e cons-
tituem o núcleo gurativo da representação social de feminino; e as qualidades que se diz
serem próprias dos homens são as que estabelecem as condutas do mau aluno, constituem o
núcleo gurativo da representação social de masculino.
O núcleo argumentativo da representação social de gênero feminino, que se encontra
na escola, é o mesmo da sociedade em geral, parece que tem por centro a obediência: ao pai,
à mãe, à professora, ao marido. Os depoimentos mostram que o bom aluno é aquele que obe-
dece, não desrespeita a professora, e, segundo o discurso dos sujeitos, a própria educação
feminina favorece isto, pois desde cedo as meninas aprendem que o certo é se comportar
dessa maneira.
A representação social de gênero determina o fracasso escolar de estudantes que não
apresentam as condutas desejáveis pelo ethos feminino, pois a existência de uma hierarquia
estabelece que as condutas de obediência, que parece ser o cleo da representação social
de feminino e as correlatas, também consideradas próprias do “feminino, são as mais de-
sejadas na escola. O inverso é indesevel e corresponderia ao “modo de ser masculino. O
“masculinoestá no mais alto posto na vida social mais ampla, Fonseca (1998) vericou isto
Cíntia Garcia
50
em sua dissertação de Mestrado. Há, pois, uma assimetria sexual na sociedade: os homens
são o modelo de pessoa desejada pela sociedade; em contrapartida, o “masculinoencontra-
se no mais baixo posto nas escolas. Em sentido oposto, o “femininoestá no mais baixo
posto na vida social mais ampla e no mais alto posto nas escolas. As pessoas, independen-
temente do sexo biológico, são classicadas com base naquela hierarquia, podendo ser mais
ou menos feminina ou masculina. Meninos ou meninas que não correspondem ao ethos
feminino são prejudicados nas escolas porque a representação social de gênero determina
a classicação das condutas e o sistema avaliativo valoriza sobretudo as condutas e não o
rendimento propriamente dito.
O núcleo da representação social de feminino, o conjunto das qualidades que se diz
serem próprias das “mulheres, explicita-se por oposição ao “masculino. A representação
social de gênero naturaliza, reica o que se instituiu ao longo da história e da cultura, logo
assume que uma essência de cada gênero. Os grupos em que predominam mulheres,
como a escola, tendem a assumir um ethos reicado de feminino; o inverso ocorre nos
grupos em que predominam homens. Para facilitar o entendimento, podemos exempli-
car os grupos esportivos, em especial o futebol, em que predominam homens, quando
mulheres elas são consideradas menos mulheres e mais homens; nas empresas no geral
predonio de homens, julga-se que o ramo empresarial é lugar natural do masculino,
logo as mulheres empresárias são representadas como um ser de outro mundo. Se o gê-
nero é culturalmente instituído, então não é algo em si e por si, estabelece-se através do
discurso das pessoas e é admitido porque reica as qualidades ditas masculinas e femini-
nas.
A reicação é própria das representações sociais e, no caso em exame o corpo mas-
culino/ feminino, constitui sua base, por meio de uma relação causal: se corpo masculino,
então X (atribuição de qualidades ditas masculinas); se corpo feminino, então Y (atribuição
de qualidades ditas femininas). Tais argumentos sustentam-se em sinais, signos, que reme-
tem à uma conclusão. Essa forma é a do entimema, o silogismo retórico, que é persuasiva
por parecer uma relação lógica ou cientíca, mas infere a partir de signos e exemplos. Não
51
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
é causal, como ocorre no silogismo cientíco. Mais ainda, o silogismo retórico parte de
premissas próximas para chegar à conclusão, evitando uma longa cadeia de inferências, as
premissas maior e menor já são admitidas pelo auditório, não sendo preciso mostrá-las,
por este motivo a conclusão também é aceita (MAZZOTTI, 2004). Assim, ao se admitir
que as diferenças corporais, biogicas, implicam as psicogicas e sociais, então se torna
admissível dizer que sendo mulher ou homem então apresentará tais ou quais qualidades. O
corpo será, pois, o signo das diferenças previamente postuladas e admitidas pelos membros
da sociedade.
Nos universos reicados há presença de classes e papéis que diferenciam as pessoas,
elas se apresentam na sociedade com diferentes papéis e essas difereas tornam-se justi-
cativas para as normas de condutas. A reicação dene o “lugar” para as pessoas, donde seu
discurso está centrado e reetindo este “lugar”.
Em suma, o núcleo gurativo da representação social de masculino e feminino reica
a relação social por a ancorar no corpo, no sexo, o qual aparece como fonte e razão de ser
das qualidades diferentes de homens e mulheres. Essas diferenças tornam-se as justicati-
vas para as normas de condutas, a ética defendida pelas pessoas. Nas escolas essa eticidade
sustenta-se no feminino, que impõe a todos às qualidades próprias do “bom aluno: obe-
diente, passivo. A objetivação é a reicação, a naturalização dos gêneros: o corpo feminino
e o corpo masculino determinam o que cada um é (essêncianatural, genética, hereditária);
e, se ancora nas difereas óbvias do sexo feminino e masculino.
Gilly (1989, p.382) observa que as representações sociais, enquanto sistemas autôno-
mos de signicações sociais, são fruto de compromissos contraditórios, sob a dupla pressão
de fatores ideogicos e de restrições ligadas ao funcionamento efetivo do sistema escolar, e
que o peso destas últimas parece tão mais forte que os indivíduos são diretamente afetados
ou implicados as práticas cotidianas. Vê-se então que, face a uma instituição que está longe
de realizar nos fatos as mudanças esperadas, os indivíduos se apóiam, para guiar e justicar
seus comportamentos, em sistemas representacionais que privilegiam mais frequentemente
elementos e esquemas de forte inércia.
Cíntia Garcia
52
A intenção desta pesquisa foi justamente identicar como se formam e como funcio-
nam o repertório de referências que recorremos para interpretar os fenômenos do cotidiano
para classicar e hierarquizar pessoas e grupos,ou seja, de que maneira os diferentes atores
sociais das escolas investigadas apóiam suas concepções de masculino e feminino, que
orienta e justica seus comportamentos e escolhas, dentre estas a seleção dos alunos que
serão aprovados ou reprovados.
No que concerne a estreita aproximação entre feminilidade e sucesso acadêmico, Car-
valho (2001, p.561) admite que não apenas se reconhece a existência de problemas escolares
maiores entre os meninos, como também a imagem de “bom aluno” estaria mais associada
às meninas brancas (e orientais), talvez a um certo perl de feminilidade. Pois, de acordo
com as falas dessas professoras, o “bom alunoseria quem participa; quem consegue ter um
elo legal com o grupo; quem se envolve com a escola. E muitas meninas o descritas como
boas alunas, mas sem essas características, o que ofuscaria suas qualidades.
O que Carvalho chama de “imagem de bom alunoé um indicativo do esquema repre-
sentacional dos sujeitos. Todavia Moscovici (1978, p.51) enfatiza: as representações sociais
não são apenasopiniões sobre” ou “imagens de, correspondem a uma estrutura pautada
em valores que “regem subseqüentemente as condutas deseveis ou admitidas.
Os resultados da pesquisa indicam uma diferença relevante entre a concepção de
“bom alunonos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e nos Anos Finais, foco desta in-
vestigação.
Nos Anos Iniciais as pesquisas conrmam que, embora o “bom alunoé aquela crian-
ça que detém um certo perl de feminilidade, as professoras valorizam sobretudo a par-
ticipação e o envolvimento com a escola, as meninas enxergadas como boas alunas mas
que não possuíam estas características não eram reconhecidas pelas professoras. Carvalho
(2001, p.562) explica: essas meninas falhavam, do ponto de vista das professoras, por não
terem criatividade, voz própria, autonomia, participarem pouco, não serem questionadoras,
não terem papel de liderança no grupo. Nesse caso, uma forte adesão a um padrão de femi-
nilidade diferente daquele evocado pelas professoras em suas avaliações parece comprome-
53
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
ter o sucesso escolar dessas meninas.
Existe uma distância muito grande entre a concepção de “bom alunosustentada
pelas professoras dos Anos Iniciais e a de “bom alunona visão dos meninos e meninas.
Enquanto as professoras consideram que as atitudes, os comportamentos, não interferem
no desempenho acadêmico, não interferem no fracasso ou sucesso escolar; as crianças ca-
racterizavam o “bom alunomuito mais em função das condutas do que em relação ao
aproveitamento. Nos depoimentos recolhidos por Carvalho (2001, p. 571), quem “faz todas
as lições, não responde a professora e faz tudo o que ela quer” tem chances de obter sucesso,
em contrapartida, “estudar para a prova” e “tirar nota boa” foi percebido secundariamente
pelas crianças como meio para alcançar êxito.
Brito (2004, p.11) também vericou, em todos os grupos de crianças entrevistadas,
uma forte vinculação entre rendimento escolar e bom ou mau comportamento em sala de
aula. Meninos e meninas acreditavam que a postura indisciplinada resultaria em insucesso
escolar. Essa iia era tão enraizada que eles aceitavam o fato de as professoras não ofere-
cerem ajuda nas lições caso o comportamento fugisse da conduta esperada.
A distância existente entre o pensamento das professoras e das crianças é perigosa,
pois pode inuenciar o desempenho acadêmico: as crianças, ao considerarem o comporta-
mento mais importante que o aproveitamento nos exames, o se empenham para tirar boas
notas; além disto, talvez as professoras não estejam sendo objetivas na determinação do
processo ensino e aprendizagem e na explicação dos critérios avaliativos.
Nos Anos Finais, a idéia de que o comportamento inuencia no desempenho e por
este motivo os meninos não conseguem alcançar bons resultados é compartilhada por todos
os atores sociais das escolas, incluindo as professoras, professores, serventes, inspetores,
direção, coordenação, alunos e alunas, como podemos perceber nos discursos abaixo:
Tá meio balançado [referindo-se ao fracasso escolar]...os meninos em matéria
de querer aprender não quer nadinha de nada... as meninas quando você chama
atenção, dá bronca...elas te escuta, os meninos não tão nem aí... no nal as
meninas sempre têm uma nota, um resultado bom. (Antítese: meninos não
querem nada (não estão nem aí) x meninas querem tudo (anal, elas escutam e
acatam as ordens da inspetora) e Generalização infundada pois nem sempre as
Cíntia Garcia
54
meninas têm resultados positivos (Inspetora – Colégio A )
Meninos, com certeza, certeza [em relação ao fracasso escolar]...elas são mais
interessadas, mais caprichosas, sei lá, participa mais...os rapazes não presta
atenção, são os maiores briguentos da face da terra!!! (Servente - Homem
Cogio B) ( A repetição do termo “maisacentua o bom comportamento das
meninas e o uso da hipérbole acentua, através do exagero, o mau comportamento
dos meninos.)
As meninas tão sendo mais aprovadas porque prestam mais ateão e tem
medo dos pais em casa... No comportamento eu acho que as meninas são
assanhadinhas... bom....pelas amizade, elas querem namorar muito cedo e elas
gosta de ser dona do próprio nariz. Os meninos tão mais responsáveis porque
os pais botam pra trabalhar mais cedo, as meninas só trabalham em casa, aí
viu. (Aluna do Ensino de Jovens e Adultos 40 anos) (Antítese: trabalho na rua
– valorizado x trabalho doméstico – desvalorizado)
Presta mais atenção ...por ser menina, pra conseguir alguma coisa tem que
ter estudo ? Ora bolas, as meninas são mais comportadas por elas serem
meninas.. .elas têm o dever de serem mais educadas, o comportamento ruim é
feio pros meninos ,imagina pra elas ...Por isso elas se dão bem na escola, são
comportada, acho que é isso... (Aluno do Ensino de Jovens e Adultos 45 anos)
(Petição de Princípio – raciocínio circular – são mais comportadas porque são
meninas, sendo meninas, são mais comportadas)
Eu acho que as meninas são mais empenhadas no estudo e levam as coisas mais
a sério, a gente pensa mais no futuro. Meninas se comportam bem, geralmente
a criação das meninas é diferente, elas são criadas pra serem aquelas coisinhas
meigas, comportadas, desde cedo não pode fazer isto, não pode fazer aquilo, a
gente não pode fazer bagunça sabe... os meninos já têm uma educação de mais
liberdade. (Aluna do Ensino Médio – 17 anos)
A representação social de gênero controla e determina as condutas certase “erra-
daspara meninas e meninos em todas as situações, logo na escola. Os depoimentos con-
rmam que os meninos são considerados maus alunos por apresentarem comportamento de
independência, o que não ocorre com as meninas, como bem disse a aluna do Ensino Mé-
dio. As meninas o criadas para a passividade (“elas têm o dever de serem mais educadas,
“têm medo dos pais em casa”) e não para desbravar o mundo (elas gostam de ser dona do
próprio nariz”, atitude censurada pela aluna), ao contrário dos meninos, criados com maior
liberdade.
Nas escolas investigadas, o “bom aluno, de acordo com a representação social dos
sujeitos, é aquele que obedece, acata as ordens, escuta a professora, tem capricho, bom com-
55
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
portamento, quem possui estes atributos certamente será visto com “bons” olhos, indepen-
dentemente de ser menina ou menino, e terá maiores chances de obter a aprovação.
Os depoimentos, associados à composição das notas centradas nos comportamentos
e as anotações nos Livros de Ocorrências levam-nos a acreditar que os alunos reprova-
dos o são por comportamento, não pelo desempenho nas provas, o mesmo ocorre com as
meninas, as “assanhadas, como discutimos no segundo catulo. McClelland (1982, apud
Gilligan) sustenta que o sexo é um dos mais relevantes determinantes do comportamento
humano e que os psicólogos têm apostado no comportamento masculino como “normae o
comportamento feminino como desvio dessa norma, quando as mulheres não se adaptam
aos padrões masculinos, é sinal de que as coisas estão “fora do lugar”.
Este posicionamento poderia ser aplicado às escolas? Acreditamos que não, a nor-
ma preferível para as escolas é o comportamento feminino, se considerarmos o masculino
como ideologia dominante discordamos de MacAnGahill (1996), pois, de acordo com a sua
concepção de vida escolar e gênero, as escolas reetem a ideologia sexual dominante da
sociedade, o que não está acontecendo, pelo menos nas escolas de Mangaratiba.
Durante as entrevistas, uma situação em especial despertou minha atenção e curiosi-
dade, me aproximei de duas professoras e um professor numa sala a eles destinada, identi-
quei-me e comecei a fazer perguntas acerca do tema desta pesquisa. Durante todo o tempo
da conversa a fala do professor foi ofuscada pelas professoras, percebendo a situação tentei
trazê-lo para a conversa, solicitei sua opinião, porém, ele mostrava-se apático, fazia gesto
de armação com a cabeça enquanto as professoras falavam entusiasmadas, ele se limitou
a poucas palavras: é, concordo, é isso mesmo, também acho, vocês têm razão...” A falta de
espaço para o masculino nas escolas é muito bem traduzida neste relato e no desabafo de um
aluno do Ensino Médio, que se diz injustiçado por uma ação de um professor
Acho que professor, a gura de professor, sabe, ser professor, não sei se você
tá me entendendo...gosta mais delas, das meninas... Você sabe que no bimestre
passado o professor J aplicou prova de recuperação, no nal das contas eu quei
com a nota nal menor que uma aluna que quase não aparece na escola... isso é a
maior sacanagem... parece que escola foi feita para as meninas...fala a verdade,
votambém não acha isso não? Duvido que não...
Cíntia Garcia
56
Em suma, não estamos querendo levantar a bandeira em defesa dos homens e pôr as
mulheres contra a parede! A intenção é mostrar que a hierarquização dos gêneros existente
nas escolas atuais inverteu a anterior: de uma escola jestica predominantemente mascu-
lina para uma escola onde o feminino impera na fala e nas ações. Ambas as situações são
danosas. Quando falamos de uma escola feminina, dizemos que professoras e professores
agem de acordo com os valores femininos, tanto que a ação relatada pelo aluno fora come-
tida por um homem.
A força da representação social compartilhada pelo grupo é traduzida explicitamente
pelo controle da fala do professor e também, de forma mais discreta, quando o professor
beneciou uma menina que não comparecia às aulas, mas que talvez possuía o padrão de
feminilidade defendido pela escola, prejudicando o menino, atribuindo-lhe nota baixa. Um
grupo social não é apenas uma juão de pessoas com opiniões diversas, para se constituir
um grupo real, seus membros devem compartilhar a mesma representação social sobre algo
que seja objeto para o grupo.
Bernardes (1989) identicou em sua tese de doutorado, uma diferea em relação à
natureza da indisciplina de meninas e meninos. A indisciplina das meninas estaria relacio-
nada às conversas e ações discretas, pouco percebidas pelas professoras, enquanto a indis-
ciplina dos meninos estaria relacionada à movimentação, enfrentamento dos adultos e falar
alto. Sabemos que ambos os grupos são indisciplinados, os Livros de Ocorrências mostram
isto, e cometemdelitos” que não correspondem às normas escolares. Então, por qual mo-
tivo as professoras percebem menos a indisciplina das meninas? Seria somente porque suas
ações são discretas? A prática pedagica das professoras é coordenada pela representa-
ção social de gênero que determina que as meninas sempre são “boazinhas, “obedientes,
quietinhas, embora não tenham um comportamento adequado e sejam indisciplinadas, a
representação social orienta o olhar das professoras sobre estas ações. No caso dos meninos,
sua representação social é a de “desobediente, “rebelde”, “briguento, o que acentua e re-
força ainda mais o mau comportamento. Além disso, parece que as meninas estão sabendo
lidar melhor com a dinâmica escolar, brincam, conversam, mas escolhem os momentos,
57
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
como fora mostrado nos discursos abaixo:
As meninas tiram mais proveito da escola porque presta mais atenção, aí são
mais aprovadas. As meninas acho que são mais comportada, no canto da sala,
faz o dever primeiro pra depoooooois conversar, na hora que a professora
explicando elas perguntam as coisas que não tão entendendo, os meninos às
vezes até atrapalha o outro que quer aprender. (Aluno do Ensino de Jovens
e Adultos 34 anos) (Petição de Princípio raciocínio circular -as meninas
prestam mais atenção daí são mais aprovadas, são mais aprovadas porque
prestam mais atenção)
As meninas aprovam mais porque na grande maioria das vezes as meninas são
mais interessadas. As meninas têm comportamento melhor...porque...porque...
tipo assim,aqui na sala, as meninas mostram mais interesse, conversar,brincar,
todo mundo brinca,mas as meninas sabem exatamente a hora de parar...agora os
meninos, xiii, eles nunca sabem a hora de parar. (Aluna do Ensino Fundamental
– 14 anos)
Gilligan (1982), no seu estudo sobre a Psicologia da diferea entre homens e mulhe-
res, mostra que há uma diferença empírica signicativa entre os gêneros a respeito da ética.
Os operadores éticos comuns e observados nas meninas são os relacionados com o cuidar, a
responsabilidade para com o outro; enquanto nos meninos são os relacionados à obediência
às regras.
Esses operadores éticos, de acordo com Gilligan, são complementares, utilizados em
fuão das circunstâncias, não são absolutos, como de resto toda a eticidade. Na moralidade
da justiça o desenvolvimento relaciona-se à compreensão de direitos e regras; na do cuida-
do, relaciona-se à compreensão da responsabilidade e dos relacionamentos pessoais. O fato
de as meninas fazerem o dever primeiro para depois conversar, e saber o momento certo
para nalizar as brincadeiras e não aborrecer a professora, traduz este cuidado, realiza-se
a vontade do outro, o outro não pode sofrer; em contrapartida, os meninos quando notam a
falta de sentido naquilo que estão aprendendo dispersam-se, não se concentram nas tarefas,
independentemente do desejo das professoras.
Em meio a esta tensão, alguns meninos conseguem alcançar bons resultados na esco-
la, têm um bom aproveitamento. Nas palavras de Carvalho ( 2001, p.567)
o garotos que desenvolvem a habilidade de equilibrar-se entre o mundo do
tio, do recreio, e da cultura dos meninos e o mundo da sala de aula, descobrindo
ou inventando uma posão masculina bem sucedida em meio a essa tensão.
Cíntia Garcia
58
Gilbert e Gilbert (1998) sustentam que a escola atende os meninos de forma diferen-
ciada: atende pior os meninos advindo das classes trabalhadoras que apresentam um perl
de masculinidade voltado para a agressividade, com posturas anti-escola; e atende melhor
os meninos de famílias mais estruturadas economicamente, que apresentam posturas mais
adequadas às normas escolares, que valorizam a competitividade não pela agressão física,
mas atras do conhecimento.
Recorde-se que as pessoas quando hierarquizam a escolha dos grupos para atender
melhor ou pior lançam mão de referências cristalizadas, enraizadas no reperrio repre-
sentacional, apóiam-se nos valores. muito as pesquisas identicaram que os atores so-
ciais das escolas, ao tratarem crianças negras e pobres das classes trabalhadoras, partem
do pressuposto de que elas fracassarão, agora incluímos o gênero como outra categoria
de exclusão. O fato de alguns meninos driblarem estes determinismos e construírem uma
trajetória escolar de sucesso desperta nosso interesse, pois, anal, de que forma eles defen-
dem a masculinidade sem “bater de frente” com as regras escolares? Segundo os Gilbert e
Gilbert (1998), eles aprenderam a equilibrar em sala de aula dois los distintos: de um lado
o reconhecimento dos professores e de outro o respeito dos colegas.
Connell (1995, 1997) faz uma separação entre os modelos de masculinidades: a mas-
culinidade da razão e a masculinidade de protesto. O modelo masculinidade da razão é o
valorizado pela escola, em que se privilegia a educação como mecanismo para a constrão
de uma carreira prossional bem sucedida e a conquista de uma posição social elevada.
Aquele autor observa que este modelo de masculinidade está mais presente entre os meni-
nos cujas famílias pertencem à setores médios da população. De acordo com este modelo
de masculinidade, que se adapta melhor às normas disciplinares das escolas, à obtenção de
conhecimentos, à valorização da escolaridade, é de suma importância para estes meninos,
muito mais do que a confrontão física. A masculinidade de protesto (Connell, 1995) es
presente principalmente nos meninos pertencentes à classe trabalhadora que não conse-
guem alcançar status social tendo por recurso o sucesso acadêmico, diante do reconheci-
mento do fracasso, buscam outras possibilidades, dentre as quais a força física, a agressão.
59
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
Na pesquisa de Brito (2006) os alunos sabiam que o exercício deste modelo de masculinida-
de prejudicaria suas possibilidades de sucesso escolar, por não ser o valorizado pela escola,
a partir do julgamento da professora.
Certamente esta questão suscita muitas dúvidas e precisaria de um exame mais apro-
fundado. Porém, acreditamos que estes meninos conseguem relativizar o feminino e o mas-
culino, possuem comportamentos ditos femininos, têm atitudes condizentes com os valores
femininos, por esta razão o reconhecidos pela escola, encaixam-se no perl de “bom
aluno, porém não abrem mão da identidade masculina, tarefa difícil por demais, principal-
mente no que diz respeito à armação da masculinidade diante dos outros meninos. Carva-
lho (2003, p. 191) reete sobre alguns pontos:
[...] Perceber como aquele menino que vai bem na escola e é elogiado pela
professora acaba sendo desprezado pelos colegas, chamado de “bichaou de
“mulherzinha, e para armar sua masculinidade acaba tendo que recorrer até
ao mau desempenho escolar, à indisciplina.
Esta é mais uma evidência de que a representação social de gênero coordena o que
não é permitido para os meninos, pois ser elogiado pela professora, ser disciplinado nos
estudos, abrir mão de momentos de lazer, tirar boas notas, ter cadernos organizados, uma
letra bonita, é coisa de menina. Os que apresentam tais atributos têm sua sexualidade ques-
tionada pelos amigos e pela professora. meninos, o que pode ser vericado quando se
esparticipando da vida escolar, que recorrem à indisciplina e ao mau comportamento
para ser aceito pelo grupo; os que alcançam bons resultados, mas mascaram suas qualida-
des perante os amigos; e, os mais corajosos, conseguem “driblar” a representação social de
gênero armando sua masculinidade desconsiderando os comentários apresentados pelos
mais diversos atores sociais.
Em relação aos meninos que conseguem articular a armação da masculinidade com
um desempenho escolar satisfario do ponto de vista das professoras, Carvalho (2003)
chama a atenção para a relevância de entendermos as múltiplas noções de masculinidades.
Entretanto, como argumentamos no início deste capítulo na discussão a respeitos das dife-
rentes feminilidades e masculinidades, quando os sujeitos operam representações sociais
Cíntia Garcia
60
de nero em situação, no contexto escolar, apoiam-se em modelos xos do masculino/fe-
minino, acreditam na existência de um único modelo e este é considerado o padrão “ideal.
A partir do depoimento de duas professoras e de uma aluna, vericamos como se
concebe o sucesso acadêmico de alguns meninos.
Porque as meninas são mais aprovadas? Porque...caraca, não sei...acho que elas
têm mais compromisso com os estudos que os meninos. Comportamento...
depende... depende porque...sabe, tem umas meninas que são muito bagunceiras
e uns meninos que sabem se comportar do jeitinho que a professora quer...aí
eles também são aprovados. (Aluna do Ensino Fundamental – 13 anos)
As meninas se dão melhor na escola porque sempre são ceis, quietinhas,
os meninos são mais agitados, apela própria educação a gente sabe isso,
... mas engraçado... pensando aqui... geralmente os meus melhores alunos
são meninos, mas o comportamento deles estraga... parece que eles por serem
dinâmicos, falantes, inquietos, não conseguem se concentrar, car quietinho na
atividade... as meninas conseguem, são mais recatadas pela própria educação
feminina. (Professora do Ensino Fundamental)
Nos dois depoimentos o comportamento prevalece sobre a performance nos exames,
o que prejudica os meninos que têm suas práticas escolares pautadas na representação so-
cial de gênero, aqueles que aparentemente sabem lidar com os valores femininos (sabem se
comportar do jeito que a professora quer), são reconhecidos e aprovados.
A representação social de “bom aluno, que justica as práticas pedagógicas das pro-
fessoras, em especial a decisão quanto à aprovação e reprovação, é reforçada quando se trata
de adolescentes, como podemos vericar abaixo no discurso de um professor e uma aluna
do EJA e segundo o Relario do Fundo das Nações Unidas (UNICEF, 2004). Vimos no
primeiro capítulo que este documento alerta para o fracasso, para o momento dramático dos
meninos, que começa na adolescência.
Nós somos melhores porque somos mais interessadas que os meninos. Em
questão de comportamento... não são todas as meninas não...mas nós temos
um comportamento bem melhor que dos meninos, e eu vejo isso mais forte na
adolescência, vejo pelos meus lhotes, que estuda aqui. (Aluna do Ensino de
Jovens e Adultos41 anos)
Eu prero dar aula para os adultos do EJA e para o pessoal do Ensino Médio,
sabe, porque eles são mais maduros, mais interessados, se comportam melhor...
os adolescentes são terríveis, é difícil pacas lidar com eles...aí o tanto meninos
quanto as meninas. (Professor do Ensino Fundamental e Médio)
61
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
Quando realizamos o cálculo do qui-quadrado para os Ensinos Fundamental e Médio,
durante 9 anos de investigação, vericamos que associação estatisticamente signicativa
para reprovação e sexo, como examinamos ao longo deste capítulo, donde a seleção negativa
dos meninos é justicada pela representação social de “bom alunoe de nero. Entretanto,
quando calculamos separadamente os dois ensinos, notamos uma distinção nos resulta-
dos. No Ensino Médio (faixa etária entre 15 a 17 anos) não há associação estatisticamente
signicativa entre reprovação e sexo, o sexo dos alunos não interfere na reprovação, os
meninos não são mais reprovados; em contrapartida, no Ensino Fundamental Anos Finais
(faixa etária entre 11 a 14 anos) associação entre sexo e reprovação, os meninos são mais
reprovados do que as meninas. Tudo indica que na adolescência a representação social de
gênero opere de maneira ainda mais expcita, como disse um professor. Temos agora outro
mecanismo excludente, meninos negros, pobres e adolescentes não são desejáveis na escola.
Auad (2006, p. 67) assegura que a co-educação seria uma possibilidade para a cons-
trução de uma cultura escolar integradora das contribuições dos dois sexos. Mas, para isto
acontecer, não basta apenas “juntar” meninos e meninas na escola, os objetivos da co-
educação seriam a transformação das relações de poder entre o masculino e o feminino,
a relativização da polaridade entre esses dois gruposde representações e a criação de
novas condições de relacionamento entre os gêneros”. Ainda segundo a autora, o projeto co-
educativo poderia ser uma maneira para trabalhar a neutralidade e invisibilidade do gênero
nas escolas. Não é nossa intenção polemizar a respeito da melhor alternativa: aulas mistas
ou aulas separadas, uma vez que é um tema de suma importância e requer um embasamento
mais aprofundado do que o desenvolvido nesta pesquisa.
Cabe uma questão: “juntar” meninos e meninas também não estaria contribuindo
para a homogeinização dos sexos? Não seria um mecanismo para tornar invisível a ação da
representação social de gênero? Se tomarmos como exemplo as aulas de Educação Física,
nas quais meninas e meninos realizam as mesmas atividades, as diferenças anatômicas e -
siológicas estariam sendo respeitadas? Muitas vezes defende-se as aulas mistas, pois atras
deste espaço meninos e meninas aprenderiam a trabalhar com o outro, do sexo contrário,
Cíntia Garcia
62
mas de que maneira, se todos são vistos como iguais? Em 2005, uma escola de Estocolmo
que atende a cerca de cem crianças, instaurou um dos tempos não-mistos, uma vez por
semana as meninas dessa escola piloto em termos de igualdade de sexos fazem ginástica
separadas dos meninos. Iniciou-se a mudança no ano anterior, quando uma pesquisadora
especializada em questões de nero começou a investigar a escola no âmbito de um progra-
ma governamental sobre a igualdade dos sexos, o governo sueco implantou esta iniciativa
em 28 escolas que recebem crianças de 1 a 5 anos. Uma das responveis por esta escola
diz: “quando as crianças faziam ginástica juntas, os meninos ocupavam o maior espaço, se
apoderavam dos jogos, ocupavam o lugar, e as meninas acabavam se reunindo nos cantos,
desde que as meninascaram sozinhas, retomaram a conança. Brincam livremente e des-
cobrem outras maneiras de se divertir, sem medo e insegurança.Ao nal desta investiga-
ção, a equipe educativa decidiu instaurar dois tempos não-mistos de uma hora e meia por
semana (acesso em 2 de Dezembro de 2008).
Este é um exemplo favorável da incorporação de aulas não-mistas, traduz uma pre-
ocupação para com as particularidades de meninos e meninas e não constitui uma prática
retrógrada, conservadora, como argumentam os defensores da co-educação.
Martori (1998), no texto intitulado “Educación de la mujeres: de la marginalidad a la
coeducacn, propõe a co-educação como metodologia para transformar a educação dis-
criminatória no que concerne às relações de gênero na escola. A co-educação teria como
objetivo:
a redenição de um modelo cultural que não apenas admita a existência de
diferenças, mas que também construa uma forma de universalizar as condutas
e capacidades diferentes, que inicialmente tenham sido consideradas como
próprias de grupos especícos.
A autora defende também a co-educação como uma vontade, como um ideal, que
pode, por si, transformar as práticas, em função de sua proximidade com os ideais não-
excludentes, igualitários. Consideramos as propostas da autora aquém do realizável, uma
vez que transformar as práticas, e suas consequentes representações sociais, é preciso muito
mais que a simples vontade das pessoas.
63
Cap. III - Representação social de gênero no fracasso escolar
A proposta co-educativa prega que meninos e meninas deveriam ser tratados como
iguais em nero, sem discriminações ou preconceitos. No entanto, uma diferea entre
um ideal regulatório (homens e mulheres iguais em direitos e deveres) e o ideal operatório
cotidiano, que é a expressão da representação social de gênero. Essa diferea é fundamen-
tal, não se pode considerar que a representação social de feminino seja um erro, ainda que
possa ser um obstáculo para a realização do ideal ético da igualdade das pessoas, mas,
neste caso, não estamos tratando da igualdade de gêneros, pois eles são diferentes, foram
constitdos na história de uma cultura. As pessoas são iguais em direitos e deveres em
uma cultura democrática, como a Ocidental, mas cada uma é diferente pelas mais variadas
razões, inclusive seus neros. Os gêneros são necessariamente desiguais, caso contrário se-
quer existiriam. A proclamada igualdade entre “masculinoe “femininoé imppria, toma
o gênero como essência, reicando uma condição cultural procurando superar a diferença
pela igualdade.
No entanto, o nero não é algo, uma coisa, é uma representação socialmente ins-
titda que coordena e condensa condutas. A igualdade pode ser das pessoas em uma
sociedade democrática que as considera para além de suas diferenças, sejam elas quais
forem. Para a democracia, tal como foi determinada pelos Sostas na Grécia Antiga, e que
permanece em nossas sociedades Ocidentais, as pessoas, quando cidadãs, são iguais, mas
completamente diferentes como indivíduos. Isso ca mais expcito quando se considera a
situação social de escravo. O escravo, na sociedade grega (bem como em outras), era consi-
derado naturalmente humano, mas socialmente desprovido dos direitos de cidadão. O mes-
mo ocorria com as mulheres: naturalmente (do ponto de vista físico) são humanas, mas não
cidadãs, logo não eram livres, deviam obediência aos seus pais e maridos. As legislações
expressam claramente as diferenças de lugares sociais das pessoas: as consideram humanas,
mas em lugares sociais diversos segundo algum critério.
Em suma, a co-educação busca estabelecer cienticamente” que as mulheres,são
iguais empiricamente aos homens. Entretanto, homens e mulheres não são iguais entre si
empiricamente, nem mesmo entre seus pares, caso contrário, não haveria disputas a respeito
Cíntia Garcia
64
das diferenças que devem ser consideradas e as igualdades a serem sustentadas, não haveria
disputas, sejam judiciais ou não. Tal projeto busca encontrar a “essênciada igualdade entre
as pessoas que possa ser cienticamente demonstrada, como se faz com uma conta mate-
tica. Isto é um grande engano, pois as representações sociais que constituímos a respeito
do feminino e masculino não são lógicas, demonstveis como numa conta, são fundamen-
talmente retóricas ou argumentativas. Assim sendo, a proposta co-educativa encontra-se
atrelada às representações sociais, às concepções históricas e culturalmente determinadas
de masculino e feminino, bem longe de uma suposta “essência. O que prevalece neste dis-
curso é um horizonte ético/moral em que masculino e feminino são colocados como iguais
em tudo, não apenas em direito, assim se elimina as diferenças dos sujeitos em geral, não
apenas segundo o sexo. Além de tornar viável a neutralização dos neros nas escolas, pelo
que uma representação social predomina. Esta, como vimos mostrando, é a do gênero femi-
nino que coordena a de “bom aluno.
Conclusão
Ao nal desta pesquisa guardo na memória as primeiras conversas com o meu orien-
tador em que fui seduzida a estudar o fracasso escolar dos meninos, fenômeno grave que,
mesmo participando do cotidiano escolar dando aulas de Educação Física, não despertava o
meu interesse, tal como acontece com aqueles com quem convivo diariamente nas escolas
do município de Mangaratiba.
um acordo pvio entre os autores que investigam o fracasso escolar e as relações
de nero: os meninos saem-se pior na escola do que as meninas. Este é o ponto comum em
torno do qual podemos dividir aqueles que atribuem o insucesso dos meninos à feminização
da escola, em especial do magistério; e aqueles que atribuem-no a outros motivos, e não ao
fato de a maioria dos professores serem mulheres.
Autoras como Palomino (2003), Mello (1975) e Silva et al (1999), argumentam que
as meninas adaptam-se melhor ao ambiente escolar. Pois, a escola valoriza determinados
comportamentos como a passividade, obediência, dependência de aprovação pelos outros,
condutas ensinadas para as meninas desde cedo no âmbito familiar. Em contrapartida, os
meninos são educados com mais liberdade e autonomia, aptos a desbravarem o espaço pú-
blico, logo, não se adaptariam às rígidas regras escolares que são as mesmas da socialização
das mulheres.
Palomino (2003) sustenta que os meninoso vítimas de uma escola feminina, o que
foi contestado por Carvalho (2003) e Brito (2004,2006). De acordo com estas autoras, a
feminização da escola é uma explicação conservadora para compreendermos o fracasso
dos meninos, elas também questionam o “modelo, a imagem de mulher que se congura
no discurso da obediência e passividade feminina. Parece que os que acusam o feminino
têm por base os valores masculinos, donde o feminino está prejudicando os meninos na
escola. Os que os contestam, armam o feminino, defendem os valores femininos. Como
Cíntia Garcia
66
as representações sociais sustentam-se mais em valores do que conceitos, concluímos que
cada grupo de autoras sustenta-se em uma representação social de gênero. Reconhecem o
conceito, fracasso escolar dos meninos e o atribuem aos valores femininos (os que armam
o masculino); ou aos valores extra escolares (os que armam o feminino). Temos, pois, um
debate sem m, uma vez que não podemos armar que um grupo está certo e o outro erra-
do: o que está em jogo são os valores defendidos pelos grupos.
Para compreendermos tal debate, recorremos à Retórica: os grupos têm um ponto
em comum, um acordo a respeito do real, o maior fracasso escolar dos meninos. Organizam
seus argumentos em torno dos lugares do preferível (topoí).
Parece que as autoras operam com base no que consideram ser típico de cada gêne-
ro, lugar da essência, que trata dos casos exemplares, o que encarna melhor um padrão
(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2000,p.106) organizando suas premissas a partir
deste esquema ou lugar. Palomino (2003), Mello (1975) e Silva (1999), ao argumentarem
que as meninas adaptam-se melhor ao ambiente escolar, sustentam-se no lugar da essência
porque as meninas, em função do processo de socialização, encarnariam melhor o padrão
valorizado pela escola, donde características como passividade e obediência às regras são
valorizadas. A essência feminina é muito bem traduzida quando as autoras armam que
tais condutas são ensinadas desde cedo, no âmbito familiar. Este discurso também foi muito
utilizado pelas professoras durante as entrevistas (segundo catulo), elas asseguram que as
meninas são mais concentradas, comportadas, dedicadas, têm mais atenção, é da “nature-
zadas meninas ser quieta. O mesmo argumenta uma aluna do Ensino dio (terceiro capí-
tulo), para ela, as meninas são criadas “para serem aquelas coisinhas meigas, comportadas,
que desde cedo não podem fazer isto ou aquilo.
Podemos concluir que a representação social de gênero, sustentada tanto pelas auto-
ras quanto pelos diferentes sujeitos nas duas escolas investigadas, é constitda com base
no lugar da essência, no que consideram ser típico para as meninas (dedicação, obediência,
passividade, quietude, meiguice) e para os meninos (rebeldia, desobediência, agitação, in-
disciplina).
Conclusão
67
Carvalho (2003) e Brito (2004, 2006) negam a existência de modelos xos para meni-
nos e meninas; negam essa imagem de menina quieta e menino perturbador; segundo aque-
las autoras, há diferentes masculinidades e feminilidades e não um único “modelo. À luz
da teoria das representações sociais concordamos com elas, anal os mais diferentes grupos
sociais instituem signicados diferentes para masculino e feminino de acordo com suas
referências simbólicas, com os valores que garantem a coesão e a identidade desses grupos.
Por exemplo, os signicados atribuídos ao masculino e ao feminino poderá ser diferente se
compararmos o discurso dos sujeitos de escolas situadas na zona urbana ou rural, escolas
tradicionais católicas e outras mais progressistas, as representações para masculinidades e
feminilidades poderão ser semelhantes ou diferentes das que encontramos nas escolas de
Mangaratiba.
Quando Brito (2006, p. 10) verica que algumas meninas ousavamapresentar com-
portamentos semelhantes aos dos meninos, comprova o quanto as representações sociais
direcionam as práticas cotidianas. Aquelas meninas deveriam agir de acordo com os “prefe-
ríveis” para o gênero feminino, defendidos pelos sujeitos do grupo, “ousavam” porque não
se comportavam a partir desses referenciais, não se comportavam de acordo com o que seria
típico para uma menina para aquele grupo.
As premissas que os sujeitos recorrem para justicar suas escolhas, os lugares do pre-
ferível, são explicitadas por meio de guras de pensamento, como veremos a seguir.
Enquanto as meninas encarnam melhor a representação social de “bom aluno, em
sentido oposto estão os meninos, cujas condutas inadequadas também “vêm de casa, como
argumentou uma funcionária (segundo capítulo), que utiliza a epanalepse para reforçar o
comportamento “ruimdos meninos, a que não condiz com a representação social de “bom
aluno. Quando o funcionário (terceiro catulo) recorre à hipérbole (maiores briguentos da
face da terra), mostra que, de fato, os meninos têm comportamentos impróprios, por esta
razão não alcançam resultados satisfarios.
A partir da dissociação de noções, a de homem (espécie humana), é dividida em dois
gêneros (masculino e feminino). Para um grupo, o termo II, que atua como parâmetro “ide-
Cíntia Garcia
68
al, aquele que deve ser seguido, é masculino; para o outro, o termo II é feminino. Assim,
masculino contém as boas qualidades que faltam em feminino, centradas na obediência às
regras, bem como força física, ação em grupos, inteligência racional. Em oposição, femi-
nino, quando semanticamente considerado bom, desevel, apresenta as qualidades: intui-
ção, obediência, responsabilidade para com o outro (cuidado), o que falta em masculino. O
debate em defesa do masculino ou do feminino não tem como se encerrar em um acordo,
pois a dissociação de noções exige que eles desapareçam enquanto tal. Pois o grupo que
defende os valores femininos considera que aqueles que defendem os valores masculinos
estão errados, sendo assim, deveriam ser “eliminados; em contrapartida, o grupo que
defende os valores masculinos considera que o pensamento em defesa do feminino é errô-
neo, inferior, inadequado, e também deveria ser “eliminado. Carvalho (2004, p.287), ao
relatar os escritos de um menino negro de sua pesquisa diz que ele escreveu: “branco =
pardo = pretoe que em entrevista posterior justicou armando que é tudo igual mesmo.
A autora, então, arma que a resposta do menino expressa “a revolta contra essas classi-
cações e as desigualdades a elas ligadas, ao mesmo tempo que apresenta sua utopia nossa
utopia – de um mundo de iguais, de seres humanos que se equivalem para além da cor da
pele: branco=pardo=preto.
Há, pois, uma outra representação em ação: a de vida social ou política. Por ela o exis-
tente deve ser ultrapassado de alguma maneira, pois as desigualdades entre as pessoas pre-
cisa ser substituída pela igualdade. Mas qual igualdade? A que se diz ser “utópica” que, por
denição, é irrealizável. Ela é a expressão máxima do desejável, logo coordena os valores
de muitos grupos sociais. O que se deseja? Uma sociedade em que não haja lutas políticas
pelos múltiplos interesses pessoais e de grupos para se encontrar a harmonia social. Caso se
pretenda que essa harmonia social seja instituída por meio de algum mecanismo total, em
que as partes (os indivíduos) seja subsumidos no todo (a sociedade), então se adota a posão
platoniciana, totalitária. A metáfora que opera nessa representação de vida social é a que
se sustenta na comparação de “corpo social” (tema) como ocorpo orgânico” (foro), o qual
é considerado como sendo a realização de um equilíbrio estático. Se a harmonia social for
Conclusão
69
compreendida como o resultado das lutas poticas, como algo que emerge desses embates,
então a proposta será a da democracia participativa defendida pelos Sostas. Nesse caso, a
igualdade social é potica, mas não de fato, cabendo aos envolvidos negociarem as diferen-
ças reais ou ilurias para garantir a todos os mesmos direitos e deveres. A harmonia não
esgarantida, ela resulta de uma permanente negociação e organização das partes tendo
por base as regras admitidas para as decisões nos embates. Aqui operam as regras do di-
reito, da jurisprudência, que têm por base a da diferença entre o “natural” e o social, pela
qual o “natural”o determina os argumentos éticos ou sociais.
A igualdade social não pode ser compreendida como algo “natural, nem mesmo
ocultar as diferenças de classe, etnias ou gêneros, que são empíricas, experimentadas pelas
pessoas segundo seus lugares sociais. Isso implica em não mascarar as difereas por meio
de argumentos universais ou genéricos, que norteiam a vida em comum, pois tal procedi-
mento não produz a igualdade de direito, ao contrário, resulta na armação dos valores dos
grupos que controlam a vida social. No caso da escola, o apagamento das difereas pela
armação do que se considera preferível para o gênero feminino resulta na exclusão dos
que a ele não se ajustam, sejam meninos ou meninas. Seja qual for o desevel, ele só pode
ser comum ou democrático caso as diferenças sejam reconhecidas e se negocie as regras
que operem para a manutenção da estabilidade da instituição, no caso da escola. Não é uma
utopia, pois as sociedades democráticas realizam o que foi dito, particularmente por meio
de seu sistema judiciário, com todas as mazelas humanas.
Quando analisamos as entrevistas concluímos que uma representação social de
“bom aluno, que, tal como na representação social de gênero, é sustentada no lugar da
essência. O “bom aluno” é o menino ou menina que encarna melhor um padrão baseado no
“bom comportamento, na obediência às professoras, não questiona os contdos escolares,
enm, quem não provoca conitos. Nas escolas pesquisadas, os atores sociais consideram
que as meninas se encaixam melhor neste padrão do “bom aluno. Dois alunos do Ensino
de Jovens e Adultos (terceiro capítulo), armam, utilizando uma petição de princípio, que
a representação social de “bom aluno” é coordenada pela de gênero, donde o feminino cor-
Cíntia Garcia
70
responde ao padrão ideal de sucesso acadêmico. Eles argumentam que “as meninas prestam
mais atenção, daí são mais aprovadas; e que as meninas são mais comportadas porque são
meninas e, por isto, se dão bem na escola. A coordenadora pedagógica (segundo capítulo),
também utiliza o raciocínio circular para justicar a estreita ligação entre a representação
social denero” e de “bom aluno, para ela, se “há problema de comportamento vai vir a
diculdade de aprendizagem, o fracasso.
O sentido de “bom alunoé condensado na metáfora anjo: o “bom aluno” é repre-
sentado pelas professoras e professores, assim como pelos outros envolvidos no processo
educativo, como um ser abstrato e romântico, com qualidades sublimes e superiores, que
não provoca conitos, garantindo assim que o ambiente escolar seja agradável, em um clima
pacicador. Uma imagem bem distante dos meninos e meninas de verdadeque interagem
nas escolas.
Esta dissertação não apresentaria resultadosdedignos caso não realizássemos o tes-
te estatístico do Qui-quadrado, um trabalho que envolveu toda a população de meninos
e meninas do munipio de Mangaratiba no período de nove anos. Temos elementos para
concluir que há associação estatisticamente signicativa entre sexo e reprovação, os meni-
nos reprovaram signicativamente mais do que as meninas; não há associação entre sexo e
evasão, os meninos não evadiram mais do que as meninas durante estes nove anos; e não
associação entre as variáveis dependentes reprovação e evasão, a evasão não depende da
reprovação.
Vericamos que o sistema de avaliação garante a reprovação dos meninos porque,
embora consigam êxito nas provas e testes, que somam 70 pontos, os outros 30 são atri-
buídos subjetivamente pelas professoras, a partir do interesse, comportamento, realização
de trabalhos, empenho nas atividades. As professoras atribuem os pontos de acordo com
a representação social que sustentam para “bom aluno: quem obedece, acata as ordens,
escuta a professora, tem capricho com os materiais escolares, bom comportamento, não
atrapalha a aula, independentemente de ser menina ou menino. Entretanto, observamos que
as meninas tendem a ser enxergadas mais freqüentemente nestes padrões, a representação
Conclusão
71
social do gênero feminino coincide com a representação social de “bom aluno, garantindo
às meninas maiores chances de aprovação.
A representação social orienta a prática das professoras, o que compromete as me-
ninas pois, embora não tenham alcançado rendimento satisfatório, têm uma falsa idéia da
aprendizagem em função da nota que valoriza sobretudo o comportamento. Os meninos,
em especial os negros, podem ser prejudicados, porque as professoras tendem a enxergá-los
como rebeldes e indisciplinados, atributos que encarnam melhor o padrão do masculino
nestas escolas, mesmo que eles alcancem boas notas, a conduta tem um peso importante na
determinação da trajetória escolar.
Durante o período em que visitei as escolas, algumas situações provocaram descon-
forto e preocupação, tal como o acesso negado aos documentos escolares, principalmente os
Livros de Ocorrências, livros proibidos cuja leitura é restrita a poucas pessoas. Além disso,
a diculdade das professoras, diante do enfrentamento de situações aparentemente sim-
ples, como o uso de uma calculadora na prova de Matemática e a repressão às travessuras
infantis, como falar porcarias na hora da merenda; bater na porta de outras salas; fazer “va-
quinhapara comprar refrigerante; chamar a colega de “melequenta, dentre tantas outras
brincadeiras, são comportamentos infantis registrados no Livro e os culpados” advertidos.
A metáfora “nó, presente no discurso de uma professora (segundo catulo), traduz clara-
mente esta diculdade no trato das situações disciplinares e a necessidade de se preservar
o bom senso para distinguir o que, de fato, corresponde a um delitoe o que é apenas
travessuras das crianças, em especial dos meninos, cujas ações foram mais censuradas nas
duas escolas e em todos os veis de ensino. A mesma professora condenciou na entrevista
que no ano passado tivera mais sorte, pois na turma em que lecionava havia mais meninas,
entretanto, neste ano de 2008 elase ferrou”, completa armando que não gosta de ensinar
aos meninos. Angústia semelhante vivencia outra professora (segundo capítulo) que solici-
tou à inspetora que “mande apenas as bênçãos, as meninas mais boazinhas. Como iremos
desamarrar este ? A intenção desta pesquisa não foi dar respostas para esta probletica,
mas mostrar o quanto os meninos e as meninas estão sendo prejudicados nessas escolas e
Cíntia Garcia
72
provavelmente em diversas outras. Observamos, no período da investigação, desde episó-
dios mascarados aaqueles que o considerados “normais, tanto que as professoras falam
sem restrições.
Podemos exemplicar a atitude das diretoras, coordenadoras e supervisoras (segundo
capítulo) no âmbito daqueles episódios que mascaram as diferenças de gênero dos alunos, o
simples fato de admitir as diferenças poderia ser um indício de que elas são preconceituosas,
então, a estratégia encontrada é o discurso bem aceito de uma igualdade genérica.
As professoras investigadas nesta pesquisa, dos Anos Finais do Ensino Fundamental
e Ensino dio, relacionam a indisciplina, o comportamento, com o fracasso escolar dos
meninos, diferentemente das professoras dos Anos Iniciais, que não fazem qualquer relação
entre comportamento e rendimento. Em contrapartida, os resultados foram semelhantes no
que concerne à sexualidade das meninas: tanto as professoras dos Anos Iniciais quanto às
dos Anos Finais e Ensino dio, admitem que o despertar da sexualidade nas meninas
compromete seu rendimento.
A questão da sexualidade de meninos e meninas continua sendo negligenciada nas
escolas, apesar dos Parâmetros Curriculares Nacionais contemplarem a sexualidade como
um tema transversal que deveria ser discutido em todas as disciplinas. No entanto, o texto
do documento reete o conservadorismo que impera nas escolas, muitas vezes é melhor não
admitir a sexualidade ou simplesmente reprimir ações mais escandalosas, como aquelas que
foram registradas nos Livros de Ocorrências: brincadeiras obscenas no recreio; fazer gestos
obscenos; ensinar as outras crianças a fazer sexo usando o quadro; desenhar um pênis.
Gostaríamos de rearmar ao término desta dissertação que concordamos com Carva-
lho (2003), Connell (2000) e Brito (2004) no que tange à aproximação entre fracasso, gênero
e violência escolar. Não são fatos isolados, todavia não nos satisfaz a explicação baseada no
modelo frustração-agressão, no nosso caso especicamente a concepção de que os meninos
frustrados com o baixo desempenho, notas ruins, insucesso, pouco status acadêmico, assu-
miriam uma postura violenta. Concordamos com Moscovici (1992) quando sustenta que a
violência está articulada ao olhar, às interpretações dos sujeitos, sendo dependente da cultu-
Conclusão
73
ra e dos valores daqueles que a concebem como tal. Um ato pode ser considerado violento
por uma pessoa e não por outra; as professoras podem enxergar uma briga entre meninos
como uma ação violenta e perigosa e eles de outro modo, ás vezes como uma brincadeira
que logo em seguida será resolvida. Em suma, para julgar estas ações e propor mecanismos
punitivos, as pessoas lançam mão de referências pautadas nos preferíveis, logo não deve-
riam ser vistas por si , pois se corre o risco de cometer injustiças tanto com os meninos
quanto com as meninas.
Louro (1997, p. 89) admite que “a escola é atravessada pelos gêneros (grifos da auto-
ra), é inviável discutir seu contexto sem admitir as construções sociais e culturais de mascu-
lino e feminino. O que nos preocupa a partir dos resultados desta pesquisa é a discrepância
entre o ethos da escola e o admitido pela sociedade.
Fonseca (1998) em sua dissertação de Mestrado vericou que uma assimetria se-
xual na sociedade, os homens são o modelo de pessoa desejada pela sociedade, a noção de
masculino sobrepõe à de indivíduo. Pois, quando se pede às pessoas que listem ou citem
quais os principais atributos para denir o que é ser homem, o que é ser mulher, e qual o
modelo de pessoa desejada, há sobreposão de ser homem e o modelo de pessoa desejada,
o que não acontece com o ser mulher. Mas isso não ocorre nas escolas em que o ethos é
feminino, uma vez que professores e professoras agem de acordo com os valores femininos,
tanto que uma ação injusta relatada por um aluno (terceiro capítulo) foi cometida por um
professor. Se o modelo valorizado pela sociedade é o masculino, estamos diante de uma
incompatibilidade entre o ethos escolar e o social mais amplo.
Algumas questões cam em aberto e necessitam de novos estudos. Quando calcu-
lamos o qui-quadrado com os valores agregados do Ensino Fundamental e Médio, cons-
tatamos que associação entre sexo e reprovação. No entanto, ao desagregar por nível
de Ensino, admitimos a hipótese nula para o Ensinodio, o oposto do que ocorre com o
Fundamental. Nossa hipótese, que apresentamos ao longo da dissertação, é que os adoles-
centes poderiam estar sendo prejudicados pela representação social de “bom aluno, refor-
çada neste período da adolescência, mas certamente precisamos investigar as outras razões
Cíntia Garcia
74
das difereas entre os dois níveis de ensino.
Também precisamos desenvolver uma pesquisa com os alunos do sexo masculino que
se saem bem na escola, nunca foram reprovados; e os que foram reprovados e aprenderam
as regras de conduta que conduzem à aprovação.
Para nalizar, temos elementos para armar que a representação social de gênero
coordena e orienta as condutas de professores e professoras, bem como determina as con-
dutas “certas” e “erradas” para meninas e meninos em todas as situações. Logo, na escola,
produz o fracasso de parte dos estudantes do sexo masculino. Gatti (2001, p.80) argumenta
que para ser tomado como conhecimento relevante e penetrar no social, o conhecimento
advindo das pesquisas parece ter necessidade de carregar em si um certo tipo de abrangên-
cia, nível de consistência e foco de impacto, aderência ao real, tocando em pontos críticos
concretos.
Esperamos que os conhecimentos produzidos nesta dissertação sejam relevantes para
a discussão do fracasso escolar dos meninos e que possam ser transferidos para outras si-
tuações semelhantes. Em nenhum momento nosso objetivo foi determinar o que as profes-
soras deveriam fazer ou como deveriam ser. Entendemos que as mudanças nas práticas não
acontecem num simples “piscar de olhos”, mas entender todo o repertório representacional
que se vincula ao maior fracasso dos meninos constitui um passo para que a escola não seja
vista como no depoimento de um aluno que, intrigado, falou: “parece que escola foi feita
para as meninas”.
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