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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
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SÉRGIO ROBERTO ROCHA DA SILVA
Porto Alegre, Julho de 2008.
Tese apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em História da
Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial à obtenção do
título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Moacyr
Flores
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DEDICATÓRIA
À Viviane Saballa, pela constante
e valorosa dedicação e por me
ajudar a contrariar aqueles que
achavam que não chegaríamos ao
final desta investida. Esta
vitória é nossa!
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, pela Bolsa de Doutorado concedida e por
proporcionar a conclusão desta pesquisa;
Aos meus pais, por acreditarem na educação e por estenderem
suas mãos nos momentos necessários;
Ao Prof.Dr. Moacyr Flores, pela eficiente orientação em
todas as fases da tese e contribuição com seus pertinentes
comentários sobre o tema;
Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em História
da PUCRS;
Aos responsáveis pelos museus e arquivos visitados em Porto
Alegre, Curitiba e Florianópolis;
Ao Fábio Tovo pelo auxílio na busca de fontes e aos demais
integrantes do Grupo de Pesquisa Odisséia;
Ao pesquisador Pedro Moreira da Silva Neto da Casa Erbo
Stenzel – Curitiba, pelo inventário de fontes;
À pesquisadora Suely de Godoy Weisz por sua cooperação
no trabalho;
Agradeço também a todos que ajudaram direta ou
indiretamente na caminhada e finalização deste Doutorado.
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RESUMO
O presente estudo tem como objetivo central analisar a
representação do herói nos monumentos públicos das cidades
de Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis no período entre
1900-1940. A tese central do trabalho está sustentada na
premissa de que os monumentos não traduzem uma realidade
histórica, mas sim um imaginário. Não basta interpretarmos
símbolos e alegorias para entendermos o passado de uma
determinada sociedade, pois somente através de uma
interconexão de fontes poderemos compreender os limites
entre ficção e realidade.
Palavras-chave: Monumentos; Imaginário; História do Brasil;
Alegorias; Símbolos.
ABSTRACT
This study’s major purpose is to analyze the hero’s
representation in public monuments in the cities of Porto
Alegre, Curitiba and Florianópolis (Brazil) over the period
1900-1940. The central thesis of the work is supported in
the premise of that the monuments do not translate a
reality historical, but yes an imaginary one. It is not
enough to interpret symbols and allegories to understand
the past of one definitive society, therefore through an
interconnection of sources we will only be able to
understand the limits between fiction and reality.
Keywords: Monuments; Imaginary; History of Brazil;
Allegories; Symbols.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
............................................19
CAPÍTULO I – “VIVA A REPÚBLICA” – MONUMENTOS E HERÓIS.31
1.1 - Da queda do Império ao nascimento da República....31
1.2 - A importância dos heróis e dos monumentos para a
legitimação da República Brasileira..............38
1.3 - A arte quanto formadora de memórias na difusão do
ideário republicano..............................61
CAPÍTULO II – MONUMENTOS DE PORTO ALEGRE..............82
2.1 – Monumentos de Porto Alegre.................82
2.2 – Monumento a Júlio de Castilhos.............84
2.3 – Monumento a Anita e Giuseppe Garibaldi.....126
2.4 – Monumento ao Barão do Rio Branco...........153
2.5 – Monumento ao General Bento Gonçalves.......164
2.6 – Monumento ao Gaúcho Oriental...............180
2.7 – Monumento ao Marechal Osório...............191
2.8 – Ficha dos monumentos do capítulo II........208
CAPÍTULO III – MONUMENTOS DE FLORIANÓPOLIS............210
3.1 – Monumentos de Florianópolis................210
3.2 – Monumento a Fernando Machado...............226
3.3 – Monumento a Hercílio Luz...................248
3.4 – Ficha dos monumentos do capítulo III.......261
CAPÍTULO IV – MONUMENTOS DE CURITIBA..................263
4.1 – Monumentos de Curitiba.....................263
4.2 – Monumento a Santos Dumont..................270
4.3 – Monumento à República e a Benjamin Constant.......283
4.4 Monumento a Rui Barbosa............................306
4.5 Monumento a Tiradentes.............................324
4.6 Monumento ao Marechal Floriano Peixoto.............343
4.7 Monumento ao Barão do Rio Branco...................356
4.8 Monumento ao Semeador..............................363
4.9 Ficha dos monumentos do capítulo IV................368
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................370
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................376
Livros e Artigos............................376
Dissertações e Teses........................390
Revistas....................................392
Folhetos e Documentos.......................393
Jornais e Álbuns............................393
INTRODUÇÃO
Sem o envolvimento e a presença da população
brasileira, a Proclamação da República no Brasil passou a
ser vista mais como um símbolo da queda da Monarquia do que
realmente uma conquista da nova ordem política do Brasil.
Sem uma coesão entre povo e governo, republicanos
implementaram uma batalha simbólica objetivando interferir
no imaginário popular, criando novos ideais e apagando da
memória da sociedade associações com a Monarquia.
O monumento será o melhor veículo para esta
realização, sendo o herói a figura central e divulgadora
dessa realidade inovadora. O herói abordado aqui será
aquele fabricado e projetado pela República de forma
intencional para servir de instrumento para o atendimento
de interesses próprios. A função dos monumentos na Primeira
República era divulgar e autenticar o novo regime político
junto à sociedade, como “’provas materiais’ das versões
oficiais da história nacional, [...] visando a legitimar o
poder atual” (FONSECA, 1997, p.59).
Quando nos referimos a monumentos estamos nos
referindo ao acervo produzido com o propósito de conservar
a memória do herói representado. As alegorias e os símbolos
estarão presentes na obra, como método didático para uma
melhor interpretação. Buscaremos compreender até que ponto
estes monumentos serão capazes de resguardar uma realidade
histórica
1
ou um imaginário
2
. Verificaremos no decorrer do
estudo o quanto os heróis materializados nos monumentos
foram concebidos a partir de fatos reais ou pelo olhar
romanceado de autores e grupos interessados em produzir
homens portadores de virtudes e associados à República,
imortalizando-os no bronze e na pedra.
1
Ao usarmos o termo realidade histórica, estamos fazendo menção aos
acontecimentos registrados em fontes e que expressem coerência,
possibilitando revelação de indícios de verdade, que a História é
produzidas por homens e, por isso, sujeita a interferências pessoais
na versão final dos fatos. Toda sociedade define o que é ou não real,
basta a nós identificarmos na subjetividade o que está circunjacente a
ficção e não-ficção.
2
O termo imaginário tratado aqui está de acordo com o que Castoriadis
diz: [...] falamos de imaginário quando queremos falar de alguma
coisa ‘inventada quer se trate de uma invenção ‘absoluta’ [...] ou
de um deslizamento, de um deslocamento de sentido, onde símbolos já
disponíveis são investidos de outras significações ‘normais’ ou
‘canônicas’. [...] é evidente que o imaginário se separa do real, que
pretende colocar-se em seu lugar [...]” (CASTORIADIS, 2000, p.154).
20
A escolha das capitais Porto Alegre, Florianópolis e
Curitiba, justifica-se por evidenciarem um rico acervo de
monumentos inexplorados através de nossa ótica. Também
especificidades nas três regiões: em Porto Alegre, os
monumentos estão relacionados aos políticos positivistas e
heróis de guerra; Curitiba prioriza os heróis fundadores da
República e políticos destacados no âmbito nacional; em
Florianópolis, os heróis são - na grande maioria - de cunho
regional, não sendo retratados aqueles de reconhecimento
nacional.
O recorte temporal está delimitado a partir da
formação dos acervos nas cidades analisadas e pela
importância deles para o nosso objetivo. O período de foco
se estendeu até 1940 pela possibilidade de enriquecer nosso
trabalho, pois será entre 1930 e 1940, que estarão
circunscritos os monumentos com temática relativa aos
heróis de reconhecimento nacional.
A Primeira República do Brasil é nossa prioridade,
portanto mesmo avançando até 1940, não é nosso propósito
analisar o Estado Novo. A razão única desse avanço
21
temporal, explica-se pelo fato de alguns monumentos
encontrados nas cidades de Porto Alegre, Florianópolis e
Curitiba, possuírem datas de inauguração pós 1930. Como são
monumentos de grande valor analítico, optamos por usá-los.
A alteração de concepção e função dos monumentos a partir
do Estado Novo é objeto de pesquisa para uma nova tese.
Reafirmamos que estes monumentos analisados até 1940 são
portadores de alegorias, símbolos e heróis referentes a
ideologia republicana.
Das três capitais selecionadas, apenas Porto Alegre
terá uma forte presença do positivismo na política local.
Sabendo que o positivismo, o jacobismo e o liberalismo eram
as correntes que disputavam a hegemonia na República e que
a predominância foi do liberalismo, não iremos fazer um
aprofundamento maior do que a pesquisa exige sobre o
positivismo. Não há grande relevância em buscarmos o
histórico ou exaustiva discussão sobre a filosofia
positivista, até porque outros autores o fizeram com a
devida propriedade e eloqüência.
Mesmo sendo os monumentos parte do patrimônio
histórico, não pretensão em se fazer um estudo teórico
da relação entre patrimônio e sociedade.
22
A tese que norteia nosso trabalho é a de que nas
primeiras décadas do século XX, os monumentos produzidos
não são portadores de uma realidade histórica, mas de um
imaginário. A falta de adesão do povo aos ideais
republicanos vai propiciar uma batalha simbólica tendo como
um dos veículos os monumentos públicos. O herói será o
condutor da mensagem, traduzida através de alegorias e
símbolos.
Concebemos como original o enfoque dado aos monumentos
nessa análise. Até o momento as pesquisas e as
bibliografias produzidas sobre o tema enfatizam somente os
monumentos públicos como portadores de memória e História.
Dificilmente algum autor refere-se a eles como
possibilitadores de estudo do imaginário. É comum a
referência aos monumentos como forma de interpretação da
História da sociedade onde foram concebidos.
Destacamos que a discussão nesse trabalho é totalmente
oposta a esta visão, pois sem uma ampla e profunda
interconexão de fontes, não como investigar uma
determinada sociedade através somente de seus monumentos.
Os símbolos e alegorias nos mostram uma memória recriada
para evocar lembranças selecionadas, por isso nas
23
representações dos heróis materializados nas obras, não
espaço para deficiências e julgamentos.
Ao fazer a revisão da literatura pôde-se perceber uma
considerável carência de bibliografias, fato certificado
pela existência de poucos autores envolvidos com o tema e,
principalmente, que fazem uma abordagem semelhante ao aqui
proposto.
Entre os que contribuíram para nossa investigação,
mesmo não havendo relação direta com o assunto, temos
Arnoldo Walter Doberstein com sua tese de doutoramento “RS
(1920-40): estatuária, catolicismo e gauchismo. Doberstein
analisou a produção artística dos escultores que
trabalharam neste período no Rio Grande do Sul. Através dos
artistas ele aborda os monumentos e a arquitetura,
proporcionando ampla discussão entre arte e sociedade.
Outro autor é José Murilo de Carvalho, que no livro
“A Formação das Almas: imaginário da República no Brasil”
produziu uma pesquisa que ofertou subsídios ao
desenvolvimento de algumas idéias incorporadas nessa tese.
Carvalho aborda a República a partir do imaginário, mesmo
não fazendo um aprofundamento do conceito e nem se
dedicando à questão do herói na sociedade.
24
Outros autores também colaboraram com seus trabalhos,
entre eles: Suely Weisz Godoy, que em sua tese de
doutoramento “Estatuária e Ideologia: monumentos
comemorativos de Rodolpho Bernardelli no Rio de Janeiro”
buscou a identificação dos monumentos produzidos no Rio de
Janeiro para trabalhar, em específico, o escultor Rodolpho
Bernardelli, cuja participação na formação do acervo
artístico foi de grande importância. O mérito reside em
trazer dados sobre o escultor Bernardelli e apresentar uma
análise entre estatuária e ideologia.
A tese de doutoramento de Paulo Knauss de Mendonça,
“Imagens Urbanas e Poder Simbólico: esculturas e monumentos
públicos nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói”, fornece
uma discussão sobre a importância da simbologia dos
monumentos na formação histórica da cidade.
O autor José Francisco Alves, publicou em 2004 o livro
A Escultura Pública de Porto Alegre: história, contexto e
significado”. Ainda que não haja um debate mais aprofundado
sobre a relação entre monumentos e sociedade, propicia útil
material de indicação de fontes e ilustrações de monumentos
para consulta.
25
O uso de monumentos da Primeira República brasileira
se justifica pelo valor histórico que lhe é intrínseco,
além de possibilitar melhor interpretação do imaginário das
sociedades aqui elencadas. Outra razão será o valor
patrimonial que os monumentos agregam.
Infelizmente nossos acervos estão atualmente fadados
ao esquecimento. Os monumentos perderam a função primordial
da conservação da memória, passando a ser alvo de
depredações e furtos. Além de fazerem parte de nosso
patrimônio cultural, os monumentos abrigam muito do
imaginário coletivo de uma sociedade. O descaso da
sociedade é patente, pois:
(...) além do comércio
clandestino realizado por negociantes
de antiguidades, (...) ainda a
indiferença da população local como
fator responsável pela situação (..)
facilita o comércio clandestino. (...)
é resultante da ignorância da
população brasileira quanto ao valor
desses objetos como parte do
patrimônio nacional (GONÇALVES, 2002,
p.92).
26
Estamos convictos de nossa contribuição para a
historiografia, frente à realidade de carência de pesquisas
e bibliografias disponíveis atualmente. A tarefa do
historiador é de ofertar à sociedade caminhos de
compreensão da importância da preservação de nossa memória.
Segundo Ricardo Oriá:
O estudo dos monumentos, ícones e
equipamentos urbanos é recente no âmbito
da historiografia brasileira. Acompanha a
tradição da Nova História francesa,
mais precisamente no campo das
mentalidades e do imaginário nas cidades,
sobretudo nos seus espaços públicos de
maior circulação (ORIÁ, 2000, p.220).
Nossos objetivos estão divididos em dois grupos: os
gerais, que buscam identificar e interpretar os símbolos e
alegorias presentes nos monumentos produzidos entre 1900 a
1940, nas cidades de Porto Alegre, Curitiba e
Florianópolis; e os específicos, cujo eixo central de
investigação será a relação entre o imaginário da época e
os monumentos erguidos nas respectivas cidades no período
proposto, analisando o contexto de glorificação do herói
presente nos acervos das obras.
27
No primeiro capítulo nos deteremos em recompor o
cenário da queda da Monarquia e da Proclamação da
República, no Brasil. Em seguida, analisaremos a função do
herói na sociedade, demonstrando qual sua importância na
divulgação dos ideais republicanos, bem como delimitaremos
qual o tipo de herói utilizado em nosso enfoque
investigativo. Juntamente, mostraremos em que sentido e
circunstâncias os monumentos serão evidenciados e qual a
utilização dos mesmos pela República.
Os monumentos de Porto Alegre serão objeto do segundo
capítulo. Além de uma interpretação dos símbolos e
alegorias presentes nas obras e análise dos heróis, também
pretendemos comprovar a tese de que os monumentos não são
portadores de uma realidade histórica, mas sim de um
imaginário. Os homenageados representados foram
reinventados e romanceados sob a égide do reconhecimento
quanto heróis divulgadores dos ideais republicanos. Na
capital do Rio Grande do Sul, os heróis políticos e
militares serão predominantes em quase todos os monumentos,
refletindo assim o cenário da sociedade em que foram
recriados.
28
No capítulo três serão investigados os monumentos de
Florianópolis. Diferentemente de Porto Alegre, a capital de
Santa Catarina possui um número reduzido de obras, com
reduzidas alegorias e símbolos. Os heróis idealizados serão
mais regionais do que nacionais, diferentemente das
principais capitais do Brasil. A pouca expressividade dos
ideais republicanos na cidade Florianópolis foi um dos
fatores que levaram a cidade a formar um reduzido acervo de
obras e cultuar um diminuto número de heróis.
Os monumentos da cidade de Curitiba estarão em nosso
último capítulo. Com um número expressivo de obras e heróis
republicanos, Curitiba será o melhor exemplo de
reelaboração de uma memória, cuja finalidade foi
imortalizar no imaginário da sociedade os principais
representantes da República, tais como: Benjamin Constant,
Tiradentes e Floriano Peixoto.
29
CAPÍTULO I
1.1 - Da queda do Império ao nascimento da República
No período Imperial o Brasil conservava ainda a
tradição de isolamento entre suas regiões, refletindo na
sociedade uma desunião, herança do período colonial com as
suas capitanias, sendo o mais comum a comunicação entre as
principais regiões do Brasil diretamente com Portugal
(SODRÉ, 1998, p.39). Por não ser o país da coesão, mas sim
da fragmentação, tal situação deixava-se transparecer na
política, economia e cultura, comprometendo a sociedade
brasileira. Desse modo, não se vislumbrava uma visão de
nação ou de identidade nacional.
No Brasil Império a principal forma de diversão do
povo era as cerimônias públicas religiosas, que envolviam
grande parte da população (SODRÉ, 1998, p.110), esses
festejos eram palcos de encontro e convivência entre as
diferentes classes sociais, cultivando assim um hábito que
influenciou todo um modo de pensar e de agir, pois “[...]
as influências dessa festa do culto católico foram fundas e
permanentes. Constituíram a fisionomia da sociedade
imperial” (SODRÉ, 1998, p.111). Relevante foi a presença do
clero na sociedade brasileira do Segundo Reinado, através
do fortalecimento da nova elite do Brasil, letrada, em
substituição da agrária (SODRÉ, 1998, p.117).
No Império o processo de escolha do nome dos filhos não era
o mesmo que na República. Na Monarquia a opção era por
denominativas de santos católicos; já na República, a escolha se
dava por identificação de nomes de heróis cívicos, que vai
proliferar na sociedade brasileira principalmente após a Guerra
do Paraguai, que serviu de cenário heróico até mesmo para os
republicanos (FREYRE, 2000, p.690). Isso denota que o Brasil
ainda estava preso aos costumes da época colonial que
atrasava o país até mesmo no modo de se portar e pensar.
É possível observar o quanto era contraditório o
Brasil Imperial, pois contrastava aspectos da Modernidade
3
3
O sentido de modernidade utilizado aqui será aquele almejado pelos
republicanos, não reduzido à idéia de progresso industrial. Seu
significado é permeado pelo ideário de transformações no modo de agir
e pensar na sociedade. Novos hábitos e costumes deixariam para trás
tradições delineadas e vivenciadas pela Monarquia. Tais transformações
dariam uma nova percepção de civilização para o Brasil, pois -
conforme Touraine - essa idéia estava mais ligada a uma antitradição
com a “derrubada das convenções, dos costumes e das crenças”,
(TOURAINE, 1995, p.216).
com valores do período colonial. De um lado, novidades,
como o telefone e a energia; de outro, a velha concepção de
escravidão. Quando se fala em Modernização
4
no Brasil
Imperial estamos nos referindo principalmente à cidade
capital do Reino, onde se dava a implantação de inovações
pela Corte, para só depois serem repassadas para as
Províncias. Entre as novidades estava a vigência de novas
regras de civilidade que orientavam comportamentos, herança da
cultura européia que chegava via elite. A República
propunha modificações na forma de pensar, não sendo mais
concebível a permanência da sociedade no “arcaico”, diante
da possibilidade do “moderno” (NEVES; MACHADO, 1999, p.18).
Outra grande carência que podemos perceber no período
Imperial foi na área da Educação. Como a responsabilidade
da educação primária ficava nas mãos das províncias, o
quadro era de total falta de assistência. O ensino em
grande parte estava sob tutela de ordens religiosas, a
ênfase recaía sobre o ensino das ciências humanas, em
detrimento do cientificismo. Uma das grandes mudanças na
concepção da República em comparação ao Império, será esta
4
O conceito de modernização aqui presente é baseado nas transformações
que os centros urbanos passam a partir de sua industrialização e
urbanização, e que interferem nas práticas e costumes da sociedade,
entendendo-as segundo Marschall Berman, como o: “[...] conjunto dos
processos sociais que alimentam o ‘turbilhão da vida moderna’” (1986,
p.16).
33
nova visão de que a ciência está na base de tudo,
notabilizada na proliferação das escolas técnicas fundadas
no Brasil.
5
Não era apenas na área da educação que o Brasil estava
em estado precário, a partir da segunda metade do século
XIX, a deficiência na saúde fazia com que a população
tivesse expectativa de vida muito baixa. Uma das poucas
localidades de recorrência da população eram as Santas
Casas de Misericórdia, presentes somente nas principais
cidades. Por falta de alternativa nos demais centros
urbanos, a população de baixo poder aquisitivo apelava à
medicina popular - curandeiros.
Havia uma enorme diferença entre elite e povo no
Império: enquanto uma camada convivia com o requinte e a
chegada constante de novidades da Europa, a outra tinha que
conviver com o marasmo, por isso:
Se a civilidade, o luxo, o
conforto, o gosto pelas artes, o
teatro e a música enraizavam-se nas
5
Conforme Hilsdorf “[...] o positivismo, teve ampla aceitação na
sociedade brasileira, não apenas pelo seu cientificismo, isto é,
enquanto proposta de cultivo das ciências modernas como base do
progresso [...]” (HILSDORF, 2003, p.58). Essa aceitação da educação
positivista deve-se muito as escolas técnicas, que preparavam a futura
mão-de-obra que o “Brasil Moderno” exigiria.
34
camadas da elite, costumes rudes e
violentos persistiam, de modo geral,
no cotidiano das populações rurais,
e, no próprio meio urbano [...]
(NEVES; MACHADO, 1999, p.472).
A principal defesa dos republicanos era de que a
modernização teria que estar associada à ordem e ao
progresso, diferentemente do que estava acontecendo,
julgavam que “a monarquia era responsável pelo atraso e
conservadorismo” (NEVES; MACHADO, 1999, p.473).
Na economia também havia uma visão conservadora muito
própria da época colonial. A organização e a atividade
econômica estavam baseadas na escravidão e no modelo
colonial agrário-exportador. Havia uma grande diferença
entre a vida urbana e rural, enquanto o “mundo agrário” era
de condições extremamente precárias, as grandes cidades se
estruturavam com edificações imponentes e infra-estrutura
com traços de modernidade – luz e esgoto.
O grande trunfo dos republicanos foi de mapear as
fraquezas do Império, pois a partir de então puderam montar
estratégias que apareceriam no discurso “modernidade contra
estagnação e atraso”. Não quer dizer com isso que com a
35
Proclamação da República as transformações ocorreram de
imediato, pois:
“Nenhum regime ou sistema,
nem econômico como o de trabalho
nem político como o de governo
- se deixa substituir de todo por
outro, da noite para o dia; e na
vida das instituições, essa
transição dura às vezes tanto, em
suas contemporizações de natureza
sociológica, que as datas de
registro do fim deste regime ou de
começo daquele sistema, não
significam, em sua pureza ou
rigidez cronológica, senão mudanças
de superfície (FREYRE, 2000, p.561).
Mesmo não havendo mudanças concretas no Brasil logo
após a efetivamente Proclamação, foi a partir de então que
o País começou a se modernizar. A construção do imaginário
republicano começou a se formar sustentado em bases como a
industrialização, liberdade, modernidade e progresso. Para
apagar do passado e da memória da sociedade lembranças do
Império, símbolos e heróis foram usados como agentes de
mudança e “exterminadores” do testemunho do Brasil
Imperial.
36
Não foi apenas o Golpe Militar que levou o Império a
sua queda, mas um conjunto de fatores que influenciaram
diretamente no resultado final. Com a abolição da
escravatura, os senhores de escravos ficaram insatisfeitos
com o prejuízo e pela falta de uma compensação financeira
por parte do governo. Por acreditarem que a Monarquia não
servia mais aos seus interesses, passaram a buscar na
República a melhor saída para seus problemas. O Exército
não estava satisfeito com o tratamento que recebia do Império,
já que não era dada aos militares a devida importância dentro da
sociedade. Com as punições aplicadas por se manifestarem contra
a escravidão e corrupção política, cresceu a indignação por
parte dos oficiais que não aceitavam censura às suas atitudes. A
partir de então, os ideais republicanos começaram a motivar
reações por parte da alta patente.
Outros setores da sociedade também alimentaram a crise que
precedia à República, como a Igreja Católica e os
republicanos que passaram a ter no Brasil, a partir de
1870, maior força e organização. O autor Sodré afirma o que
sintetiza a chegada ao poder pela República “O Partido
republicano não venceu o império. [...] Não o destruiu.
Assistiu ao seu esboroamento” (SODRÉ, 1998, p.322). O autor
expõe que a Monarquia já estava em ruínas quando a
República se instaurou no País, não havendo uma vitória e
37
sim, uma substituição de regimes: um estava decadente e à
espera do fim, o outro, em ascensão e em prontidão para dar
início à nova administração. Gilberto Freyre comenta que entre a
Proclamação da República e à Abolição da Escravatura, a segunda
foi mais importante e firmou mais mudanças na sociedade
brasileira do que a efetivação da República (FREYRE, 2000,
p.469).
O problema não era mais afastar o regime Imperial da
administração do Brasil, um novo obstáculo se impôs: a falta de
coesão do povo com os ideais republicanos. Como apagar da
lembrança da sociedade traços forjados durante anos pelos
princípios monárquicos? A resposta estava na batalha simbólica e
na representação dos heróis nos monumentos públicos do Brasil.
1.2 - A importância dos heróis e dos monumentos
para a legitimação da República Brasileira
Buscamos entender o processo de como se deu a
apropriação dos monumentos
6
pela República para
representação dos heróis e quais eram seus objetivos
6
O conceito de monumento que utilizamos será aquele que diz que:
“[...] O sentido original do termo é o latim monumentum, que por sua
vez deriva de monere (‘advertir’, ‘lembrar’), aquilo que traz à
lembrança alguma coisa (CHOAY, 2001, p.17-18).
38
na divulgação. Outro ponto que também se faz presente
ao tema, será a percepção da necessidade da criação de
um imaginário de patriotismo nacional em um momento de
transição política no qual passava o Brasil. A
iconografia
7
será o principal mecanismo de representação
do herói utilizado pela República.
O episódio da Proclamação da República não passou de
uma concentração de militares que se reuniram para anunciar
o novo regime político. Toda mobilização serviu mais como
marco simbólico do que representação de uma conquista do
povo brasileiro. Um dos grandes obstáculos foi atingir o
poder sem uma Revolução, diferentemente da Revolução
Francesa. As conseqüências foram prejudiciais para coesão
entre povo e governo, a ausência de mobilização popular se
deu por total falta de conhecimento e por ter sido um golpe
militar.
7
A importância do estudo da iconografia pode ser delineada a partir do
que o autor Vovelle considera: “As fontes iconográficas não somente
são abundantes, mesmo em seu inventário atual, como também oferecem
perspectivas renovadas de reflexão. Não obstante afigurar-se
paradoxal, eu diria que, em certos aspectos, elas podem parecer mais
‘inocentes’ ou, afinal de contas, mais reveladoras que o discurso
escrito ou oral, graças às significações que delas podemos extrair, em
termos de confissões involuntárias”(VOVELLE,1991,p.70).
39
Não há dúvida entre os estudiosos da temática de que o fim
do regime monárquico derivou-se de uma crise econômica que se
estendeu até a sua queda. Para Penna, não foi difícil a
Monarquia cair depois de uma modesta parada militar (PENNA,
1999, p.35), já que seu fim era uma questão de tempo.
A República se iniciava de forma tímida aos olhos do
povo, que esse não participou e tão pouco conseguiu
alcançar a compreensão do que ocorria naquele instante.
Podemos interpretar a situação como a conformação de um
grande erro por parte dos republicanos: a falta de um
trabalho do desenvolvimento do apoio popular. A solução
encontrada foi o desencadeamento de uma verdadeira batalha
simbólica como tentativa de reversão da situação.
A análise do quadro “A Proclamação da República”
(Fig.1) do artista Henrique Bernardelli, possibilita a
interpretação de que a pintura encomendada pelos próprios
republicanos, retrata o Marechal Deodoro da Fonseca em um
cenário de isolamento do grande público civil. A presença
que observamos é a dos seus pares: Deodoro, a cavalo, junto
a outros militares no momento da Proclamação da República
do Brasil. O Marechal, no primeiro plano, está “saudando” a
República e, à frente de outros militares, representando a
40
glória e a liderança.
Mas o que fica evidente
é a ausência de civis no
conjunto da obra, o que
reafirma a hipótese de
que o ato da Proclamação
foi um acontecimento
isolado, sem presença
maciça da população.
Para ser pintado o
quadro que retrata
Deodoro proclamando a
República, em 1889, exigiu-se seu comparecimento no ateliê
de Bernardelli para prestar pose a cavalo (SENA, 1999,
p.179). Deodoro está sendo figurado na pintura como os
antigos heróis romanos eram apresentados ao povo: em
representações eqüestres valorizando toda simbologia dos
heróis militares. Esse tipo de imagem artística por si
própria tem uma conotação de culto dos heróis, mas se
tratando de uma representação eqüestre, simboliza uma
transição de perpetuação ao universo do herói de forma
gloriosa, pois:
Fig.1 – A “Proclamação da
República”
41
“O deodorismo aparece com
nitidez no conhecido óleo de H.
Bernardelli que representa a
Proclamação da República. O quadro
é totalmente dominado pela imagem
eqüestre do marechal, que ocupa
todo o primeiro plano. As outras
figuras aparecem ao fundo e em
postura secundária. estão
Benjamin, em de igualdade com
Quintino Bocaiúva, ambos a cavalo,
e, a pé, Aristides Lobo (CARVALHO,1990,p.40).
As imagens do referido episódio, geralmente feitas por
artistas conhecidos do Brasil, mostram a mesma essência nas
retratações. Mas, se analisarmos outros dois trabalhos que
foram criados fora da arte oficial republicana, veremos uma
grande e importante mudança de concepção do ocorrido no 15
de Novembro de 1889.
O desenho de Bellenger a Proclamação da República
no Brasil-1889 (Fig.2), mostra toda uma aclamação do
povo, quando Deodoro e Benjamin, ambos a cavalo,
percorrem as ruas do Rio de Janeiro no dia da Proclamão.
Aqui o povo participa de forma ativa, além de
compartilhar o momento.
42
A gravura do artista
Scott, denominada Revolução
Republicana no Brasil 1889
(Fig.3) apresenta os militares
e o povo fazendo não apenas uma
Proclamação, mas sim uma
Revolução de fato. A imagem
mostra o acontecimento como
se a mudança política,
naquele período no Brasil,
fosse algo discutido de
forma geral com a sociedade. Tanto as imagens aqui
apresentadas, como consulta à historiografia geral nos
mostram o contrário dessa colocação. A gravura
apresenta uma revolução idealizada na espada, e não
no papel. Esses artistas europeus espelharam-se em
revoluções que nasceram da luta armada e apoiada pelo
povo, diferentemente do ocorrido no Brasil.
Fig.2- “Proclamação da República
no Brasil – 1889”
43
O imaginário da época da implantação da República era
que com o novo regime político estabelecido no país, a
efetivação da modernidade, que era uma realidade em
outras metrópoles, seria uma questão de tempo. Para
diferenciá-lo em contraponto à monarquia, os republicanos
buscaram no simbolismo a maneira mais eficaz de alcançar
grande parte da sociedade, que ainda se mostrava alheia em
relação ao que se passava na nova ordem social (COSTA;
SCHWARCZ, 2000, p.27).
Como observa José Murilo de Carvalho, para apresentar
quais as intenções da República e divulgar as diferenças de
sua proposta em relação ao período Imperial, foi necessário
Fig.3- “Revolução Republicana no
Brasil – 1889”
44
criar para a camada social não eletizada
8
e de educação
deficiente, códigos que traduzissem de modo iconográfico a
mensagem irradiada pela República ao povo (CARVALHO, 1990,
p.10). Com isso, os discursos que atingiam pequena fração
da população brasileira, foram trocados por alegorias e
símbolos, pois:
As culturas nacionais são compostas não
apenas de instituições culturais,
mas também de símbolos e representações.
Uma cultura nacional é um discurso
um modo de construir sentidos que
influencia e organiza nossas ações
quanto a concepção que temos de
nós mesmos [...] (HALL,2002,p.50).
Além destes códigos universais, também veremos a
figura do herói como grande difusor da ideologia
republicana, já que: “[...] o simbolismo pressupõe a
capacidade imaginária. Pois pressupõe a capacidade de ver
em uma coisa o que ela não é, de vê-la diferente do que é”.
(CASTORIADIS, 1962, p.154)
8
Para elite, usaremos o conceito de Needell que diz que: “[...] A
elite está identificada a uma definição mais ampla de poder poder
derivado da riqueza, ocupação e status social reconhecido, bem como a
porção política e, mais comumente, poder derivado de uma combinação de
todos estes fatores” (NEEDELL, 1993, p.275).
45
Este modo do agir coletivo dos grupos sociais será
nosso enfoque de análise para tratar a temática exposta.
Nosso interesse aqui será o monumento público e não o
privado, o que justifica seu uso como principal fonte de
pesquisa.
Na virada do século XIX para o XX, o imaginário de
progresso envolvia de modo abrangente a sociedade
brasileira e o agente da busca pelo “moderno” foi o herói.
A República percebeu no herói a melhor forma de simbolizar
a metáfora da humanidade (FÉLIX, 1998, p.145). Muitos eram
os entraves para a transformação do imaginário de grande
parte do povo brasileiro, pois ainda herdava-se do Império
antigos valores, inconcebíveis para o novo momento
político. Conforme Halbwachs:
“Os hábitos locais resistem
às forças que tendem a transformá-
los, e essa resistência permite
perceber melhor até que ponto, em
tais grupos, a memória coletiva tem
seu ponto de apoio sobre as imagens
espaciais (HALBWACHS, 1990, p.136).
46
Se verificou que, na virada do século passado, os
velhos hábitos e costumes da sociedade brasileira passaram
por significativas modificações a partir principalmente da
inclusão dos monumentos como mecanismo de divulgação dos
ideais políticos. Na Monarquia os monumentos não foram
utilizados para formação da memória coletiva
9
como
aconteceu na República. Conforme Michel Vovelle há o
entendimento de que “[...] a memória se fabrica e se
elabora no decorrer do tempo” (VOVELLE, 1989, p.44-45), com
isso a construção do cenário ideal para difundir as idéias
republicanas estava em parte firmada na “fabricação da
memória” do povo, promovendo o esquecimento do passado, ao
mesmo tempo que resguarda para futuras gerações os
princípios da República.
Antes da queda da Monarquia, não era usual a população
brasileira cultuar um número grande de heróis brasileiros e
a sociedade formadora de opinião estava mais direcionada
para a cultura européia do que para o território
brasileiro. O herói neste período era associado a figuras
de monarcas e a personagens religiosos, como santos e
9
Entendemos por memória coletiva “[...] aquela formada pelos fatos e
aspectos julgados relevantes e que são guardados como memória oficial
da sociedade. Ela geralmente se expressa naquilo que chamamos de
lugares da memória que o os monumentos, hinos oficiais, quadros e
obras literárias e artísticas que expressam a versão consolidada de um
passado coletivo de uma dada sociedade” (SIMSON, 2000, p.63).
47
cenários bíblicos. O que havia eram inexpressivas
manifestações do culto dos heróis nas artes, principalmente
em monumentos públicos.
Para a construção de uma coesão nacional,
10
a
República viu nos heróis um mecanismo de legitimação da
concepção patriótica e, nos monumentos, um aliado na
edificação e resguardo da nova memória brasileira. Para
esquecer o que remetesse à Monarquia e que pudesse trazer
riscos à afirmação do novo regime, promoveu-se proliferação
de novos símbolos para apresentação dos ideais. Para o povo
brasileiro era algo recente, mas para os republicanos era
se espelhar em modelos existentes na França, assim
souberam manipular com muita propriedade seus símbolos e
trabalhar com o imaginário da sociedade. Toda forma de
implantação de um sistema político exige que haja um
reconhecimento, principalmente quando a população não toma
parte.
Era fundamental apagar da lembrança da sociedade
recordações do Império. O maior símbolo do Império foi o
próprio Imperador D. Pedro II. Perto da virada do século,
10
O Brasil não tem uma coesão nacional construída, várias
diferenças culturais dentro do vasto território brasileiro. Mesmo a
língua sendo o português, diferenciadas maneiras de expressá-la, o
que nos apresenta uma diversidade grandiosa. As regiões do País
possuem suas próprias particularidades, principalmente culturais.
48
intensificaram-se muito as críticas sobre o seu governo e
seu comando. As caricaturas e charges traduziram essa
situação. Ele tinha interesse exagerado pelas ciências
e em especial pela astronomia, tanto é que em
diferentes representações é visível a menção a
extremada dedicação do governante ao assunto (TÁVORA,
1976, p.20). As atividades que D. Pedro II devotava-se
fora da esfera política se configurava em uma das mais
severas críticas de seus opositores, que colocavam ser
essa a causa principal para que o Brasil permanecesse no
atraso.
Na charge (Fig.4), observamos a representação de
um monumento, cuja figura em destaque é a do Imperador
sentado em cima de uma lesma (símbolo da lerdeza,)
tendo em suas mãos uma luneta direcionada para o céu,
mostrando que a sua atenção estava voltada para as
estrelas (crítica a obsessão pela astronomia). Na
própria charge, está escrito na base do monumento
Aqui repousa a progresso político e social do
Império. Povo orai por ele!.
49
Além de ter como
figura central o Imperador,
também estão presentes os
parlamentares colocados em cima
de uma tartaruga (a lentidão
das ações do governo).
Se por um lado, as
charges usavam os hábitos
pessoais de D. Pedro II como
alicerce das críticas, por
outro, as fraquezas de sua
postura no governo propiciavam
novas representações. Na
charge (Fig.5), a ridicularização
está fundamentada em apresentar o
Imperador como um mero porta-voz
do governo, tendo seu papel
reduzido a um menino de recado,
cuja finalidade se limitava a
comunicar aquilo que a ele
ordenavam. As falas do trono tinham
o propósito de abrir e encerrar
as sessões parlamentares.
Fig.4
-
D. Pedro II em Monumento
Fig.5- D. Pedro II
E o Discurso
50
Como o símbolo do Império, o Imperador estava sujeito
a críticas e intrigas da oposição, dentro e fora de seu
governo. Tudo isso contribuiu para que sua administração
chegasse ao desgaste e às mãos de líderes republicanos.
Na passagem do Império para a República, se tornou
propício o uso de símbolos que legitimassem o novo regime na
busca da conformação de uma identidade nacional. Para Renato
Ortiz:
Toda identidade é uma
concepção simbólica e que [...]
elimina portanto as dúvidas sobre
a veracidade ou falsidade do que é
produzido. Dito de outra forma, não
existe uma identidade autêntica, mas
uma pluralidade de identidades,
construídas por diferentes grupos
sociais em diferentes momentos
históricos”. (ORTIZ, 2003, p.8).
A prática ritualista contínua da utilização do
simbolismo e do tema herói nos monumentos para expressar os
ideais da República brasileira, compreende aquilo que
Hobsbawn denomina “tradição inventada”. Segundo esse
historiador, por tradição inventada:
51
[...] entende-se um conjunto por
regras tácita ou abertamente aceitas;
tais práticas, de natureza ritual
ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através
da repetição, o que implica, automaticamente;
uma continuidade em relação ao passado
(HOBSBAWN; RANGER, 2002, p.9).
A República do Brasil apenas buscou no passado fatos
históricos que pudesse auxiliar na aceitação de seu regime.
Outra vez a memória coletiva estava sendo manipulada, pois
tudo que fizesse alusão ou até mesmo trouxesse algum tipo
de referência ao Império foi definitivamente descartado,
porém aquilo que nasceu no período Imperial, mas que não
fazia parte da concepção ideológica da Monarquia, foi
absolvido e utilizado pela República. Aceitar heróis do
período Imperial foi uma estratégia da República em
atendimento à necessidade de formar o panteão de heróis do
Brasil, resgatando alguns personagens do passado para
satisfazer e preparar o povo com os novos homenageados que
viriam. A Guerra do Paraguai foi um celeiro rico produtor
de heróis, como o General Osório que foi retratado
simbolicamente na cidade do Rio de Janeiro em monumento
pela iniciativa da República.
52
A tradição inventada ocorre de modo recorrente em
períodos onde uma veloz transformação na sociedade e
seus promotores passam a descartar padrões sociais
anteriores
11
. Este “choque” que se opera nas mudanças
comprova a falta de flexibilidade na transição de um regime
político para o outro. Na destruição de velhos padrões,
em substituição, devem-se investir na construção de
modo ativo e abrangente, até mesmo para induzir ao
esquecimento e impossibilitar comparações com as
tradições antigas (HOBSBAWN; RANGER, 2002, p.12).
Uma das formas que a República encontrou para
propagandear seus novos padrões, foi utilizar homens
ilustres que estavam vinculados à ideologia republicana
ou que de alguma forma manifestaram-se de modo
contrário à Monarquia. Estes seriam ícones a serem
divulgados, prevendo resultados na população, criando o
imaginário do novo regime do Brasil.
11
Em Porto Alegre, a forma mais eficaz encontrada pelos republicanos
positivistas de apagar da lembrança da sociedade padrões que lembrasse
o Império foi a não vinculação de nomes destacados naquele período na
cidade. O exemplo mais pontual é a falta de monumentos que lembre
personagens do Império. Em 1972 foi inaugurado o viaduto D. Pedro I e
em 1974 o viaduto Imperatriz Leopoldina. Para uma capital como Porto
Alegre em comparação com outras (exemplo, São Paulo), uma nítida
negação aos velhos padrões, aqui no caso a Monarquia.
53
Toda cultura tem o seu herói, seja nas sociedades
primitivas como na da atualidade, todavia seu sentido se
diferencia de acordo com o período e o contexto histórico.
O que se altera na concepção e função do herói serão os
valores culturais atribuídos a ele e a finalidade do seu
surgimento (DRUCKER; CATHCART, 1994, p.82). Conforme Feijó,
o herói atua restrito a sua época e pela “cultura de seu
tempo” (1995, p.35).
Segundo Carvalho “por ser parte real, parte
construído, por ser fruto de um processo de elaboração
coletiva, o herói nos diz menos sobre si mesmo do que sobre
a sociedade que o produz” (CARVALHO,1990,p.14). O conceito
de herói que estamos analisando aqui é aquele que se
separou da História e tornou-se real a partir de uma
elaboração ideológica e intencional, operando como
testemunho da memória de uma época.
O ser humano procura no outro a solução para suas
maiores necessidades. Esta idealização pela busca da
segurança e proteção passa a requerer um amparo adicional
que excede o domínio do “homem comum”, cujas preocupações
são direcionadas aos cuidados de um herói (HOOK, 1962,
p.24-25). Mesmo o herói sendo “fabricado”, ou seja, gerado
para atender às exigências de um grupo, tem em sua
54
concepção toda carga de características que envolvem o
universo do verdadeiro herói.
Na Antigüidade o herói era imaginado como uma figura
lendária que possuía atributos como um ser de grande
altura, com poderes sobrenaturais, bravura e magia, sendo
divinizado pelo povo de sua cultura. Narrativas a seu
respeito têm passado de geração a geração, e o herói, na
morte mais do que na vida, vem sendo exaltado no decorrer
da história (DRUCKER; CATHCART, 1994, p.221).
O conceito que utilizaremos para definir herói será
aquele proposto pelo autor Sidney Hook:
O herói, na História, é um
indivíduo a que podemos com justiça
atribuir influência preponderante na
determinação de um desfecho ou
acontecimento cujas conseqüências teriam
sido profundamente diferente se ele não
agisse” (HOOK, 1962, p.130).
O herói, portanto aqui será identificado como aquele
homem que passa a ser conhecido por sua qualidade e
dedicação nas atividades que se propõe a desenvolver,
partindo da premissa de que sempre alcançará êxito em suas
55
decisões. Como citamos, servirá de emblema dentro da
sociedade, como espelho à população e gerações vindouras.
O herói evidenciado na Primeira República será o que
Sidney Hook denomina de um produto sintético”. Não será
aquele que se torna herói na trajetória em vida, mas sim
após sua morte. O principal meio de fabricação será via
propaganda e o discurso, mesmo que o eleito nunca tenha se
destacado na sociedade em que viveu (HOOK, 1962, p.17). Ele
nada mais é que um instrumento de vontade de um grupo, que
desenvolve as intenções de outros indivíduos que o criaram
por puro interesse (HOOK, 1962, p.140).
O herói tem sido definido na maioria das vezes somente
em sua terminologia, por isso nossa proposta parte do
princípio de que a essência do nascimento do mito deva ser
analisada (SILVA, 2001, p.83). Parte dos autores define a
criação do herói como apenas um mecanismo para se evitar
mudanças na sociedade. Contrariamente a esta afirmativa,
podemos refletir acerca da República, onde o herói foi
concebido exatamente para mudar o olhar de um povo diante
das transformações ocorridas na sociedade e na vida
política.
56
Thomas Carlyle em seu estudo intitulado “Os Heróis”,
perseguiu o objetivo de analisar os grandes personagens da
história Antiga e Moderna. Em suas conclusões considera que
para chegarmos ao conhecimento da história da humanidade,
basta estudarmos a vida dos grandes heróis (CARLYLE, s/d.
p.7-8). O fato de estar vivendo em um contexto e período
onde o herói estava em plena evidência e ressuscitamento,
se fazendo presente na literatura e no cenário político da
época, acabou por influenciar o resultado de suas
pesquisas. A historiografia comprova que o estudo do herói
oferta possibilidades de leituras societais, se coloca como
uma opção, não a única, de compreensão do cotidiano de uma
sociedade.
A atual concepção de herói difere da noção do passado,
pois não podemos concebê-lo como aquele que obteve destaque
somente pela sua valentia, força e astúcia. Esta idéia
defendida por estudiosos do século XIX, como o próprio
Carlyle, foi posta em questão e hoje consideramos que para
pô-la em prática se faz necessário minuciosa análise da
sociedade onde se insere (FEIJÓ, 1984, p.12). O ambiente
onde é concebido é determinante para estabelecermos teias
de conexões, que desvendarão os caminhos para autêntica
compreensão do seu real significado e valor.
57
Uma observação que desperta interesse nas
representações dos heróis nos monumentos é a perfeição da
imagem. O cenário, que geralmente apresenta parte de sua
vida, é recriado salientando glorificações e feitos
grandiosos. Sendo o herói uma figura exemplar e modelo a
ser seguido, ficam compreensíveis as razões pela expressão
nos monumentos de apenas àquilo que devesse tangenciar a
percepção da sociedade, ou seja, somente aspectos
positivos, não evidenciado-se nenhum traço depreciativo
(SILVA,2001,p.89).
Em nossas pesquisas, ficou constatado que não podemos
afirmar que necessariamente o herói se cria a partir de
grupos sociais elitizados, que estão no topo do poder.
Devemos ter cuidado em afirmar de que grupos pequenos não
tenham a capacidade de conceber seus próprios heróis. Como
exemplo, na Idade Média, conhecemos a lenda do herói
bandido” que roubava dos ricos para servir aos pobres. O
lendário Robin Hood representa bem o personagem que se
imortalizou durante séculos (FEIJÓ, 1984, p.29-30). Não
precisamos ir até a Idade Média para encontrarmos heróis
nascidos fora da alta sociedade, basta olharmos para o
período da República do Brasil, onde Lampião era
considerado um herói bandido e Antônio Conselheiro um herói
divino.
58
A criação de heróis que se identificassem com o
surgimento da República no Brasil apresentou suas
dificuldades. Os heróis são representações de idéias que
reportam, como símbolo forte, ao regime que o criou,
trazendo a essência da ideologia e atingindo ao povo.
Conforme José Murilo de Carvalho existem dois tipos de
surgimento dos heróis: um, é quando aparece de forma
espontânea em meio às lutas que antecederam mudanças; já no
outro, há uma dificuldade em promovê-lo, não há uma
naturalidade em identificá-lo na sociedade, apesar disso
torna-se o mais importante (CARVALHO, 1990, p.55).
Quando ocorre mudança na ordem política de um país,
cuja participação popular é limitada, investe-se de forma
enfática na busca de símbolos. Isto aconteceu com a
implantação da República no Brasil, feita a partir de um
grupo de militares. Difícil foi eleger heróis identificados
de modo específico ao evento histórico em si, pois parte da
população não conseguiria entender e identificar líderes a
partir de desconhecidos, tal qual aconteceu no momento da
Proclamação da República.
Para Thomas Carlyle, o herói estava associado à figura
de “grandes homens,” à participação desses na formação
histórica do Mundo, e as suas “obras e idéias” (CARLYLE,
59
s/d, p.9). Para o autor Martin Feijó, a concepção de herói
de Carlyle significava uma visão cuja pretensão era
defender a aristocracia e afastar de vez a democracia da
sociedade, que o povo em um regime democrático teria
participação na formação da sociedade, e isto seria tarefa
para alguns poucos homens (FEIJÓ, 1995, p.34).
Carlyle tinha uma visão muito particular da situação,
para ele a sociedade estava embasada no culto ao herói,
pois:
Todas as dignidades de posição
sobre as quais as associações humanas
são, o que podemos chamar, uma
Herarquia, (Governo de Heróis) ou
uma Hierarquia, porque é bastante
sagrada em si (CARLYLE,s/d,p.20).
O herói, para Carlyle era divino, assim como o grande
líder, restando ao povo veneração e obediência. Por esta
razão, não usaremos tal conceito de herói, que a teoria
de Carlyle não condiz com a nossa interpretação. Para ele,
cultuar os heróis era uma forma de evitar transformações na
sociedade, pois: “(...) podemos afirmar que o grande homem,
o homem genuíno, é por natureza amigo da Ordem e da
60
Desordem” (CARLYLE, s/d, p.248). Assim sendo, o herói era o
responsável por manter a ordem e as tradições.
1.3 - A arte quanto formadora de memórias na
difusão do ideário republicano
A batalha simbólica promovida pela Primeira República
encontrou nos monumentos um veículo que atendia a um dos
objetivos principais: promover um esquecimento das
lembranças da velha Monarquia, na memória da população. A
imagem do Brasil mudou e, com isso, começou-se a seguir os
padrões das grandes metrópoles, tendo como principal
espelho a França que vivera uma “revolução simbólica” de
grandes proporções:
[...] figuras de mulheres
francesas substituíam os índios
tropicais, Tiradentes entrava
no lugar de marcos imperiais, a
República preparava-se para
redesenhar a nação (COSTA;
SCHWARCZ, 2000, p.127).
Não era objetivo da República apresentar os heróis
somente como mera exaltação ao patriotismo, mas sim evocar
através do trabalho simbólico e do imaginário, uma
61
afirmação do regime político a pouco implantado. Através
dos monumentos, a Primeira República estaria alcançando de
forma mais eficaz a idealização do governo que era
ambicionada até mesmo antes do 15 de novembro. Como diria
Roncayolo:
(...) os homens, as sociedades,
não criam seu ambiente somente para
satisfazer certas necessidades físicas ou
sociais, mas também para projetar
dentro de um espaço real de vida
algumas esperanças, ambições e
utopias”. (RONCAYOLO, 1988, p.10).
A inauguração dos monumentos na República envolvia uma
preparação ritualística, solene. O envolvimento da
sociedade nessas ocasiões funcionava como um termômetro que
media a relevância daquela obra, a dimensão da repercussão
do herói e seu significado junto ao povo. A autora Suely
Weisz descreve muito bem como eram estes momentos:
O propósito político das estátuas
monumentais seria comprovado nas ocasiões
de suas inaugurações. Revestidas de
grande solenidade, estas festas
ofereciam uma excelente oportunidade para
os governantes exaltarem seus ideais,
ao mesmo tempo em que tentavam
62
arrebanhar novos adeptos às suas
causas. [...] Geralmente os dias
que as antecediam, eram dedicados
a divulgar o programa de
solenidade e listar todos aqueles
que iam discursar ou desfilar
perante o monumento. No grande
dia, publicava-se na primeira
página uma ode ao homenageado,
relatando sua vida e seus feitos”
(WEISZ, s/d, p.3).
Na tentativa de reconstrução do cenário do período
correspondente à República Velha, concluímos que a melhor
forma de compreendermos como se deu essa busca da
recomposição da “memória do povo”, é via análise do
imaginário da época. A efetivação dava-se de várias formas:
seja pelos discursos em jornais, que se estendiam apenas a
uma pequena parcela da sociedade alfabetizada e que excluía
grande parte que não sabia ler, ou através das artes,
principalmente dos monumentos públicos que, por sua vez,
atingia a maioria da população.
Para que a associação entre o monumento e povo fosse
maciçamente trabalhada pelos artistas, símbolos e alegorias
orientavam a interpretação das obras, faziam-se presente,
indicando o que “era para ser entendido”, mesmo que não
63
correspondesse à realidade. O Herói assim o era porque o
monumento o representava dessa forma.
Se por um lado a batalha simbólica tinha por
finalidade atingir o imaginário popular para recriá-lo
dentro dos valores republicanos (CARVALHO, 1990, p.10),
por outro, trazia um revigoramento para o novo regime. A
ideologia agora tinha que ser representada de modo mais
universal, alcançando a porção da sociedade que antes
ficava alheia da política imperial. Os símbolos e as
alegorias visavam mais do que meios de divulgação de uma
nova postura política objetivavam apagar da lembrança da
sociedade resquícios de um passado desprezado. Apresentou
menos dificuldades buscar no exterior, a França, os ideais
a serem seguidos do que se voltar ao passado do Brasil, que
até a Proclamação da República vivera “às margens do
Progresso e da Modernidade”.
Os monumentos além do valor artístico são portadores
de um imaginário e servem de instrumento de glorificação
dos heróis. Dessa forma: “[...] toda arte é condicionada
pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com
as idéias e aspirações às necessidades e às esperanças de
uma situação histórica particular” (FISCHER, 1973, p.17).
64
Erguer monumentos públicos que trouxessem
homenageados representados era um costume habitual na
Antigüidade. No Egito antigo, os monumentos compõem a base
desta civilização; na Grécia, o aprimoramento de técnicas
fez com que a perfeição das obras fossem perpetuada até os
dias de hoje e, de Roma, temos a herança dos retratos e
bustos, mas principalmente da estátua eqüestre, que dava
opulência a sua representação.
Como expõe Le Goff, os “arquivos de pedra” são dotados
de um poder de durabilidade que despertou nos regimes
políticos o princípio de perpetuação dos ideais ali
depositados (1994, p.432). Os monumentos foram, portanto,
portadores da capacidade de conservar recordações de um
imaginário social que marcou um período tão significativo
para a História do Brasil, que é entre o final do século
XIX e as primeiras décadas do século XX.
Estes patrimônios não são produções artísticas que
servem somente para embelezar praças e ruas das cidades,
são “lugares de memória”, que testemunham um passado e são
instrumento de formação e fortalecimento de identidades:
Os lugares de memória seriam o coroamento de uma busca
desenfreada pelas chamadas ‘identidades ameaçadas’
(POSSAMAI,2000,p.21).
65
Através do presente estudo, confirmamos que é o poder
político que acaba por determinar o que deve ou não ser
lembrado pela sociedade, elegendo acontecimentos para serem
tornados presentes em monumentos públicos, agindo
diretamente na formação da memória coletiva. Segundo Peter
Burke:
“Historiadores dos séculos
XIX e XX, (...), vêm dedicando um
interesse cada vez maior aos
monumentos públicos nos últimos anos
(...) esse monumentos ao mesmo tempo
expressavam e formavam a memória
nacional (BURKE, 2000, p.74).
As obras dos acervos investigados foram concebidas e
patrocinadas com o intuito de invocar lembranças
selecionadas, tendo por propósito construir uma identidade
e divulgar os fundamentos ideológicos de um grupo social
representante do poder (CHOAY, 2001, p.17). Conforme Choay,
a supremacia do monumento perdurou até o implemento
indiscriminado da imprensa escrita, que se tornou um
dispositivo mais eficaz de conservação da memória (2001,
p.20). Mas, mesmo com o advento da imprensa escrita, o
monumento ainda era um veículo mais eficaz e eficiente para
alcançar a população não letrada. Aglomerado de palavras no
66
papel não apresentavam sentido para população analfabeta
deste período, que não compreendia os discursos políticos
publicados nos jornais.
O descaso da sociedade de hoje pelos monumentos se
deve muito pela perda de espaço para o registro escrito,
que assume a função de “guardião da memória”, tornando-se
um documento mais confiável para a preservação dos
principais fatos e personalidades da História.
Usar a arte como método pedagógico e como demonstração
de poder é uma prática costumeira, tanto na esfera política
como na religiosa. Exemplo da afirmativa pode ser
verificado em determinados períodos históricos como na
Idade Média, onde a arte estava notadamente a serviço da
religião na arquitetura e pintura. no campo político,
basta verificarmos a História do Brasil no período da
Primeira República, onde os monumentos e as pinturas eram a
grande “arma” artística de divulgação e autenticação do
novo regime. A arte é concebida a partir de prioridades
próprias, cuja visibilidade é expressa tanto pelo artista
quanto pelo patrocinador da obra, já que:
“A obra de arte produz-se no
interior de uma sociedade e de uma
67
situação histórica específica:
dessa sociedade, o próprio artista
é parte ativa; a sua obra é
requestada, promovida, avaliada,
utilizada” (ARGAN, 1994, p.36).
Partindo do pressuposto de que a sociedade existe
porque existe o imaginário, como afirma o autor Castoriadis
em sua obra “A Instituição Imaginária da Sociedade”, se faz
necessário perceber a imagem como um mecanismo de códigos,
onde os signos traduzem um conjunto de significações e
valores. O poder político exerce estruturas de apropriações
na sociedade, que se fundamentalmente através de
simbologias, porque o entendimento através de códigos
atinge com maior eficácia todas as camadas sociais.
Conforme Baczko:
“O exercício do poder, em
especial o poder político, passa
pelo imaginário coletivo. Exercer
um poder simbólico [...], significa
multiplicar e reforçar uma dominação
efetiva pela apropriação de símbolos,
pela conjugação das relações de
sentido e poderio” (BACZKO, 1991,
p. 12).
68
Monumento, herói e sociedade se vinculam à medida que
traduzem uma dimensão imaginária que condensa em si a
decifração de expectativas de um grupo societário, pensando
a formulação de um código unificador que vez aos
indivíduos que compartilham ações comuns. Considerando que
todo pensamento, projeto e ação possui uma dimensão
imaginária”, (BOIA, 1998, p.28) cabe identificá-la
concebendo a historicidade própria de uma sociedade que se
reflete em diferentes formas de manifestações, entre as
quais na materialidade edificada nos monumentos,
transmissores de pensamentos, ideologias e cotidiano de uma
época.
Os monumentos são estruturas que agem na lembrança e
interagem com a memória, tornando-os além de documentos,
corporificações de um imaginário construído. Para Maria
Eurydice Ribeiro, monumento remete a:
[...] tudo que busca perpetuar
personagens ou acontecimentos associando-
se ainda, ao tempo e à memória, em
particular à memória social, e à
idéia de marco delimitador de uma ordem
temporal e espacial (RIBEIRO, 1999,
p.26).
69
O monumento foi incorporado pela República do Brasil
como um veículo de divulgação do herói para a sociedade,
sendo ele o protagonista e mensageiro da ideologia adotada.
Divulgar os heróis era difundir para o povo uma concepção
de governo fora dos preceitos da Monarquia. Houve
necessidade de se construir um imaginário de patriotismo
nacional, que o período político exigia tais mudanças.
Deveria haver uma unidade para que, assim a República
obtivesse a tão almejada base de legitimidade de seu
governo.
O estudo dos monumentos exige que haja delimitação do
campo investigativo, faremos - então - uso da categoria de
“monumento intencional de Alöis Riegl, que tem por princípio a
rememoração dos feitos do herói representado/materializado.
Riegl, pioneiro na análise dos monumentos, considera a
categoria intencional como aquela que tem como objetivo a
conservação da lembrança para gerações futuras.
A prova de que não mais ênfase no culto aos heróis
e que os monumentos perderam a função de origem na
atualidade, está no descaso e na depredação dos mesmos.
Este abandono nos mostra que hoje a sociedade não está
interessada em buscar nos monumentos o testemunho do
passado, pelo contrário, por ignorá-los, não os preservam.
70
Se “a história começa seu percurso justamente no ponto
onde se detém a memória coletiva (SEIXAS, 2001, p.40),
isto quer dizer que quando nos deparamos com um monumento e
seu herói “sintético”, não estamos revendo uma realidade
histórica, mas um imaginário que se propõe a romancear o
personagem a partir do uso das alegorias e símbolos como
mecanismos de interpretação. Para nos distanciarmos desta
história “pulverizada”
12
pela memória, devemos buscar nos
documentos o complemento para a construção dos fatos
históricos que estão escondidos por detrás dos monumentos e
seus heróis.
Os monumentos nos mostram uma realidade paralela e não
a história, porém quando ocorrem mudanças repentinas e sem
a participação do povo como ocorreu na Proclamação e
consolidação da República, a memória coletiva passa a
servir a própria História para satisfazer grupos que estão
no poder e não à maioria da sociedade:
A memória é ativada visando, de
alguma forma, ao controle do passado (e,
portanto, do presente). Reformar o
passado em função do presente via gestão
12
Como a memória coletiva está baseada basicamente na oralidade e na
afetividade, torna-se pulverizada em múltiplas narrativas (SEIXAS,
2001, p.40).
71
das memórias significa, antes de mais
nada, controlar a materialidade em que a
memória se expressa (das relíquias aos
monumentos, aos arquivos, símbolos,
rituais, datas, comemorações...). Noção
de que a memória torna poderoso(s)
aquele(s) que a gere(m) e controla(m)
(SEIXAS, 2001, p.42).
Foi tão eficaz usar os monumentos públicos para
divulgar os heróis republicanos, que ainda hoje muitos
acreditam que os personagens presentes nas obras foram e
fizeram realmente o que está sendo representado nas
alegorias e símbolos. A recorrência imediata é ao
imaginário, em prejuízo à própria História:
Quer dizer, a memória não se
confunde com a história; pelo contrário,
a escrita da história é, o mais das
vezes, o lugar do apagamento da memória
ao privilegiar a memória-conhecimento em
detrimento da memória involuntária
(TRONCA, 2001, p.130).
Para fazer relembrar certos momentos do passado foi
necessário buscar no imaginário os argumentos necessários
para o preenchimento de lacunas que o tempo e a História
deixaram:
72
O monumento tem como
características o ligar-se ao poder de
perpetuação, voluntária ou involuntária,
das sociedades históricas (é um legado à
memória coletiva) e o reenviar a
testemunhos que só numa parcela mínima
são testemunhos escritos (LE GOFF,
1994, p.536).
O monumento foi utilizado para corporificar memórias
selecionadas, porém não podemos desconsiderar que o tempo
fez com que esta memória coletiva estivesse sujeita à
transitariedade.
A difusão da doutrina republicana, pelo viés do herói
e do monumento, justificará a formação do acervo de obras
no Brasil. As alegorias e símbolos induzirão a aceitação
do regime político pela sociedade brasileira. Porém, hoje,
este patrimônio não cumpre mais sua função, está suscetível
ao descaso, roubo e vandalismo, o que acaba reafirmando a
perda de função dos monumentos erguidos com a finalidade de
divulgar os ideais republicanos. Essas obras já não atendem
mais ao propósito idealizado pelos seus patrocinadores:
[...] além do comércio
clandestino realizado por negociantes
de antiguidades, [...] ainda a
73
indiferença da população local como
fator responsável pela situação [...]
facilita o comércio clandestino. [...]
é resultante da ignorância da
população brasileira quanto ao valor
desses objetos como parte do patrimônio
nacional (GONÇALVES, 2002, p.92).
Os monumentos analisados neste trabalho são antes de
tudo obras de arte. O homem as produziu desde sua origem,
seja em pinturas de cavernas (no período da pré-história)
ou mesmo na finalidade religiosa do antigo Egito, assim a
manifestação artística é uma prática tão antiga quanto a
civilização. No decorrer da História percebe-se que a obra
de arte teve funções diferenciadas, sua utilidade
transparece desde a promoção de dogmas religiosos via peças
artísticas, nas produções para divulgação bem com na
apreciação estética. Com isto, a arte passa a ser um objeto
de variação temporal e funcional na sociedade (OSBORNE,
1974, p.29).
Não se pode fazer uma avaliação da produção dos
monumentos sem levarmos em consideração as condições
históricas de seu surgimento na sociedade. Como arte,
reflete uma época, cuja percepção de mundo e realidade é
própria de uma classe social. Mesmo a arte sendo para
74
alguns autores como nunca limitada à sua gênese social e
que como resultado de uma atividade criadora do homem, a
obra de arte é sempre algo mais do que mero quadro das
condições em que ela aparece (KONDER, 1968, p.191) não
devemos ignorar o meio e a função de sua produção.
Antonio Banfi descreve que a estrutura e a vida social
agem de forma determinante sobre o universo da arte e do
artista e que "[...] as condições da sociabilidade
determinam os planos real e ideal da relação entre sujeito
e objeto artístico, o plano da sensibilidade e do valor"
(BANFI, 1970, p.384). Não se pode conceber a produção da
arte como uma simples manifestação individual do artista,
pois tanto ele como seus idealizadores agem no produto
final artístico:
“A obra de arte produz-se no
interior de uma sociedade e de uma
situação histórica específica:
dessa sociedade, o próprio artista
é parte ativa; a sua obra é
requestada, promovida, avaliada,
utilizada” (ARGAN, 1994, p.36).
75
A função do artista também varia de acordo com a época
e contexto social ao qual se insere, sua arte tanto pode
atender às demandas de um grupo social, quanto sua produção
pode ser voltada aos que se identifiquem com sua ideologia.
Para Pierre Francastel A natureza e a situação na
sociedade do grupo produtor de arte podem variar
indefinidamente, tal como a situação individual do artista
no interior desse grupo" (FRANCASTEL, 1962, p.22).
Para os republicanos, a arte assume o papel de
refletir o universo e a sociedade em que está inserida
(LINS, 1964, p.444), e o Neoclassicismo como estilo mais
usado nos monumentos caracteriza-se pelo equilíbrio,
objetividade, proporções geométricas e clareza na mensagem
passada ao público, fazendo com que seja um estilo
artístico provocador de um imaginário (ARGAN, 1992, p.21).
Os artistas que chegaram ao Brasil para trabalhar na
virada do século, tinham na sua formação artística o
estilo clássico, na Europa a arte clássica estava em plena
evidência. No País, as tendências européias eram absorvidas
com muita intensidade, sendo que o gosto artístico da elite
recaía na cultura clássica.
76
Como movimento artístico inspirado no esteticismo
greco-romano e que se desenvolveu no período do século
XVIII até meados do século XIX, o neoclassicismo surge como
reação ao Barroco e contra às extravagâncias e requintes
do estilo Rococó (ZANINI, 1971, p.190). Outro fator
determinante ao ressurgimento da arte antiga foram às
escavações arqueológicas em Pompéia e Herculano, que
proporcionaram maior interesse pelo mundo clássico.
Adquirir peças de arte pertencentes à Antigüidade era,
antes de mais nada, estar na moda e conviver com a
revitalização da arte clássica, houve o investimento de
altas quantias para formação de acervos que viabilizaram o
início de riquíssimas coleções particulares (HAUSER, 1995,
p.640).
Entre os idealizadores e teóricos desta retomada da
arte clássica, Joham Joachim Winckelmann foi o que mais se
encantou com tal possibilidade. Sua concepção do ideal de
beleza estava baseada na sociedade grega - modelo e reflexo
da perfeita harmonia entre corpo e espírito (BORNAY, 1996,
p.6-7). Winckelmann prega uma imitação da arte clássica,
porém não se pode entender essa sugestão de cópia na noção
literal do termo, mas como uma imitação da natureza dos
gregos em pleno estado de beleza (WINCKELMANN, 1975, p.20).
77
Assim sendo, a arte clássica grega era representada
como as características de perfeição anatômica, retratação
de um ideal e não de um ser, pois não tendo compromisso com
a realidade suas medidas eram exatas, com ausência de
defeitos nos contornos e proporções, gestos e emoções. Os
monumentos retratavam seus heróis em uma completa
plenitude, sem externar imperfeições.
Outro defensor do neoclassicismo, e que contribuiu
para a análise do estilo neoclássico, foi Georg Wilhelm
Friedrich Hegel, que dizia que a arte grega representava a
forma espiritual do homem de modo materializado, sendo que
é no ideal clássico que estava a união entre conteúdo e
forma. Hegel define de modo expressivo o que vem a ser a
arte neoclássica. Em uma frase a conceitua e demonstra sua
admiração aos gregos:
A beleza clássica, com a sua
infinita variedade de conteúdo, sujeitos
e formas, foi um dom concedido ao povo
grego, povo que devemos honrar porque
criou uma arte sumamente viva" (HEGEL,
1972, p.24).
78
O neoclassicismo para Hegel exprime esta dominação
sobre a natureza, e torna-se uma arte perfeita no momento
em que transcende o físico, sendo que demonstra o conteúdo
espiritual da obra, de forma clara e sensível.
A produção artística neoclássica dá-se, em grande
parte, pela própria constituição do artista quanto
profissional. Seu aprendizado não era feito unicamente na
relação direta com seus mestres, mas de forma pública, nas
escolas e academias. Como tarefa inicial, do aprendiz era
exigido que fizesse cópias de obras clássicas para que
ficasse embuído deste ideal. Assim, eram formados artistas
que pudessem traduzir as obras em uma linguagem conceitual
e não emotiva, perante os modelos copiados (ARGAN, 1992,
p.25). O artista neoclássico concebia uma cosmovisão
racionalista, onde o valor estético do neoclassicismo
estava presente na obra, unicamente nela (ROSENFELD;
GUINSBURG, 1978, p.262-263).
A escultura-retrato tão presente nos monumentos é
herança da cultura romana. Hauser defende a arte do retrato
da antiga Roma como algo mais complexo do que uma simples
“arte popular” e ainda acrescenta que a diferença entre a
produção da arte do retrato grego para o romano está no
fato de que os gregos produziam em escala maior para o
79
mercado público, para os romanos a exclusividade
correspondia à necessidade do consumo de particulares.
A escultura do retrato foi adotada quantitativamente
pelo neoclassicismo e, nos monumentos, caracterizou as
obras de cunho celebrativas. Os escultores que trabalharam
na formação do acervo dos monumentos de Porto Alegre,
Florianópolis e Curitiba, tiveram uma formação
academicista, tendo o estilo neoclássico predominando em
suas obras.
Hoje o bronze e o mármore dos monumentos não produzem
o efeito de conservação do passado. O que antes era visto
como a personificação de nossa História, na atualidade
percebida mais como testemunhos de um imaginário e
recriação de uma memória vivida. Os heróis que habitam os
monumentos da Primeira República nos remetem a uma ficção,
sem comprometimento com a realidade: Os monumentos, dos
quais se tornou necessário dizer que são ‘comemorativos’,
seguem, levados pelo hábito, uma carreira formal e
insignificantes” (CHOAY, 2001, 23).
80
CAPÍTULO II
2.1 - Monumentos de Porto Alegre
Este capítulo não visa fazer uma mera interpretação
dos símbolos e alegorias presentes nos monumentos, ou mesmo
reconstituir na íntegra as biografias dos homenageados
presentes nas obras. Conforme a tese do trabalho, os
monumentos não traduzem uma realidade histórica, mas
reinventam personagens a partir de uma memória reconstruída
para atender à necessidade de grupos que se beneficiam com
heróis idealizados e é sob essa premissa que empreenderemos
nossas buscas.
Em Porto Alegre, os monumentos mais representativos
estão ligados ao cenário político do Estado do Rio Grande
do Sul. Os heróis da Proclamação da República do Brasil
deram lugar aos heróis? Positivistas e de guerra. Não resta
dúvida de que a influência dos acontecimentos políticos do
final do século XIX e início do XX produziram um panteão de
heróis aclamados por suas façanhas e lideranças.
De todos os monumentos de Porto Alegre, o que oferta
maior complexidade à análise será o do positivista Júlio de
Castilhos. Sua riqueza de símbolos e alegorias nos remete a
interpretações que ultrapassam a barreira entre o real e o
imaginário, por isso nos deteremos mais nesse monumento em
relação aos outros. Lembramos que Júlio de Castilhos foi e
ainda é uma figura que divide opiniões: uma parte assinala
Castilhos como herói; outra, afirma que ele não passou de
um vilão que chegou ao poder à custa de uma “ditadura
sanguinária” e pela força.
Veremos o que o monumento nos diz através de seus
símbolos e alegorias, mas também buscaremos em outras
fontes subsídios que possibilitem remontar o perfil de
Júlio de Castilhos para desenvolvimento de análises
baseadas em fatos que revelam contradição entre a
interpretação - a partir do monumento - e a realidade
histórica.
2.2 - Monumento a Júlio de Castilhos
De acordo com os
positivistas o Rio Grande do Sul
não seria o mesmo no cenário
político se Júlio de Castilhos
13
(Fig.6) não tivesse nascido. No
final do século XIX e início do
XX esse homem se destacou na
forma de governar e de agir.
Figura polêmica, Castilhos ainda
hoje desperta duplo sentimento,
fazendo com que seja associado como um dos principais
heróis gaúchos, mas também como o “tirano” que governou o
Estado.
Tinha uma personalidade forte, bem como possuía
características físicas que não o agradava: estatura baixa
e corpo que marcava uma forma obesa. Além disso, seu rosto
externava sinais da varíola, obrigando-o a deixar crescer a
13
Júlio Prates de Castilhos nasceu em 29/6/1860 em uma localidade do
município de Júlio de Castilhos e faleceu na cidade de Porto Alegre,
em 24/10/1903.
Fig. 6 – Foto de Júlio de
Castilhos, 1880.
84
barba. Somada a esses elementos, ainda havia a gagueira que
o impedia de falar sem longas pausas. Esse último problema
explica um dos grandes motivos para que Castilhos não
gostasse de falar em público. Por isso, no que tange ao
aspecto físico, Castilhos não se assemelhava a nenhum herói
mitológico.
Júlio de Castilhos, através do Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR), apresentou uma conduta nada compatível
com um homem que defendia o bem-estar do povo e a
manutenção da democracia. Seus atos estavam baseados na
busca pelo poder e por princípios que transcendiam a falta
de tolerância e de liberdade para aqueles que discordavam
de sua ideologia. Conforme Flores:
Júlio de Castilhos adotou a
doutrina positivista que tinha como
princípio a ordem social para chegar
ao progresso de uma sociedade
industrial. Tal idéia gerou a chamada
ditadura científica positivista
formando um estado policial, onde
toda queso social se transformou
num caso de polícia (FLORES, 1993,
p.13-14).
85
Castilhos, para poder chegar ao governo gaúcho, contou
com ajuda de sua habilidade como jornalista, era ele quem
comandava o jornal A Federação. O jornal, mais que um
veículo jornalístico, assumia a função de divulgar seus
ideais políticos para o doutrinamento da sociedade (CAMPOS,
1903, p.2). Como jornalista, não media esforços para
alcançar seus propósitos, para isto atacava seus
adversários com “golpes rudes e precisos” (ROSA, 1930,
p.27).
Acreditava na força que exercia o jornal na sociedade
e no universo político. Ele fez de seus artigos no A
Federação uma de suas maiores armas. Por ter plena
consciência disso, Castilhos instituiu aos jornais
adversários a lei do silêncio. Como afirma Rossini:
O antigo opositor, A Reforma,
foi constantemente empastelado e,
durante a Revolução Federalista,
esteve por um longo tempo impedido de
editar suas folhas, fechando
definitivamente em 1910 (ROSSINI,
2005, p.236).
86
Uma das ações jornalísticas de Júlio de Castilho era
ir contra as práticas políticas exercidas no período
Imperial do Brasil, destacando o “clientelismo” e o
“nepotismo”. Contraditoriamente, em seu governo foi comum o
ato de contratação de pessoas com vínculo familiar ou de
amizade para ocuparem funções públicas (FREITAS, 1999,
p.171).
A partir de agora, buscaremos em diferenciadas fontes
respostas que nos proporcione um melhor entendimento sobre
o perfil do líder positivista. Para tanto, recorreremos a
colocações de autores; às homenagens prestadas; às
correspondências e às impressões de viajantes,
constituindo-se como subsídios que possibilitem a
recomposição da imagem de Júlio de Castilhos.
Othelo Rosa traçou um delineamento de Castilhos bem
diferenciado daquele imaginado por muitos dos opositores e
pessoas que conviveram a sua época. Para Rosa, ele era
portador de uma moral incontestável, seguida de uma
grandeza, que o vestia de coragem e honra, bem como de
patriotismo e dignidade (ROSA, 1930, p.315). O autor segue
vestindo Castilhos com uma roupagem de homem singular, onde
batia um coração “heróico,” fazendo surgir a partir do
87
político um grande filósofo, cuja maior qualidade estava na
virtude de ser um pensador (ROSA, 1930, p.317).
Othelo Rosa encerra sua obra com a parte biográfica de
Castilhos acrescentando que: “Para Castilhos, como para
todos os grandes homens, a morte foi a justiça, foi a
apoteose, foi a glorificação” (ROSA, 1930, p.325). Essa
consideração do autor reforça a teoria de que Castilhos
passa a ser considerado herói a partir de sua morte. Em
vida ele era considerado um líder pelos seus apoiadores,
mas será na morte que triunfará entre os grandes homens,
garantindo sua entrada no panteão dos heróis.
Júlio de Castilhos não era portador de uma força
física tal como os heróis na literatura, porém seu poder
advinha de outros meios, tais como: ações políticas
conjugadas a artigos nas folhas do jornal A Federação e na
força da polícia. É de conhecimento que teve um modo de
agir, em grande parte de sua vida, que se caracterizava em
não eximir seus adversários, pelo contrário - fazia o que
fosse possível para derrotá-los, nem que para isso tivesse
que fazer uso de violência (FRANCO, 1996, p.43).
88
Com uma personalidade dominadora, a fama de Castilhos
era interpretada pelos seus opositores de várias formas,
indo de tirano à autocrata, porém sua vida pessoal e
familiar pouco era ofuscada pelos inimigos
14
(FRANCO, 1996,
p.103).
O falso herói tem características bem comuns:
demagogia e popularidade. Segundo Franco, desse mal Júlio
de Castilho não sofria. Como líder, jamais buscou a
popularidade e suas palavras não eram fundamentadas em
promessas demagógicas que envolvesse o povo. Não apreciava
demonstrações públicas a favor de seus atos e tão pouco
homenagens encomendadas, comuns em sua época (FRANCO, 1996,
p.172).
Ary Veiga Sanhudo proferiu um discurso em 23 de
Outubro de 1953, na Câmara Municipal de Porto Alegre, cujo
tema era uma homenagem a Júlio de Castilhos. Sanhudo
considerava Castilhos como um herói da República do Brasil
e grande patriarca do Rio Grande do Sul, pois “Júlio de
Castilhos, sem dúvida alguma, foi o maior cérebro político
que até hoje nasceu nas plagas do nosso Estado” (SANHUDO,
1953, p.3).
14
Parece que ainda hoje permanece um “pacto” entre os políticos para
que o haja ofensa no plano familiar. Dificilmente veremos acusações
que tragam à tona fatos que depreciem membros da família de algum
político.
89
Na concepção do vereador, Castilhos deve ser lembrado
pelo ato heróico, onde em 1892 entregou seu governo para
evitar derramamento de sangue, que a oposição percorria
o caminho da ambição e do proveito próprio (SANHUDO, 1953,
p.7). Júlio de Castilhos sabia que ao entregar seu governo
teria mais chances de retornar, não era pelo povo que teria
feito essa renúncia, configurava-se sim, uma manobra
política para atender seus próprios ideais.
A glorificação idealizada por Sanhudo a Castilhos era
tamanha que, segundo ele, a dedicação de Castilhos à
República lhe tirou tempo para progredir financeiramente,
deixando a esposa em situação precária após sua morte. Ao
relatar os momentos finais de Castilhos, Sanhudo diz:
Morreu tranquilamente, porque
havia cumprido com sua obrigação,
deixando um grande exemplo aos
pôsteres; morreu tranquilamente Júlio
de Castilhos e a posteridade, os
nossos dias que o digam do seu
exemplo e do seu trabalho
(SANHUDO,1953,p.13).
O imaginário circundante nos momentos finais de
Castilhos afeta o nobre vereador, levando-o a interpretar
um fato isolado.
90
A morte de Júlio de Castilhos foi causada por grave
problema na faringe e demais complicações que afetaram a
respiração. No final de uma tarde de outubro de 1903, foi
submetido à intervenção cirúrgica. Na sala, andou alguns
passos até a cadeira operatória apresentando dificuldades,
necessitando do apoio do médico assistente Dr. Wallau (o
médico titular que iria fazer a cirurgia era Protásio
Alves) que lhe disse: “Coragem Júlio”. Conforme relatos,
nesse momento Castilhos teria dito desse modo: “Coragem não
me falta, falta-me ar”. Para a situação que se apresentava
não haveria algo mais apropriado a ser dito.
Esse breve diálogo de Castilhos bastou para conduzi-lo
ao caminho do panteão dos heróis, pois segundo Sanhudo:
“Esse homem, que disse num momento derradeiro essas
palavras, merece todo nosso respeito! [...] os
grandes, os fortes, os justos tem a glória de assim
morrer, morrer tranquilamente” (SANHUDO, 1953, p.13).
Por iniciativa da Brigada Militar, foi lembrado com
uma homenagem o 30º dia da morte de Júlio de Castilhos, que
resultou em uma publicação que reuniu agraciamentos
dirigidos ao estadista. No teor desse material está a
reprodução de telegramas de pêsames, poemas, discursos e
91
notas emitidas nos principais jornais do Brasil, referentes
ao falecimento de Castilhos.
O Tenente Augusto começa seu discurso com uma
oração, destacando a figura de Castilhos. Em seu texto
encontramos palavras de exaltação e analogias que o elevam
ao universo dos grandes heróis. Segundo Sá:
“De joelhos devêra ser este
confiteor de civismo e de elevada
unção patriótica, porque ele
encerra, em sua magua serena e
pungentíssima, a agonia profunda e
silenciosa de um povo que se
debruça sobre o ataúde minúsculo
em que se contém gigante, o
Lidador Atleta, o Lidador da
Honra, o maior vencedor de todos
os vencedores” (1903, p.9).
O Dr. Pinto da Rocha, em seu discurso, denomina Júlio
de Castilhos como o “Hércules Rio-grandense”. Além de
comparar Castilhos ao herói da mitologia grega, filho de
Zeus e Alcmena, Rocha cria um personagem a partir de sua
concepção. Conforme Rocha:
92
Esse homem o era santo, mas
foi um sacerdote; não era um
filosofo mas foi um estadista; o
escreveu a historia de sua terra mas
elaborou a sua constituição política;
não era um profeta, mas foi um
vidente; e, não sendo santo, nem
filosofo, nem historiador, nem
profeta, foi mais, foi muito mais,
foi um condutor de seu povo[...]
(1903,p.12).
O jornal Diário Popular de Pelotas também prestou uma
homenagem sob o título de “A Morte do Chefe”. Em linhas que
narram a trajetória de Castilhos, o jornal conta seu
percurso através de metáforas e comparações entre a
História e o governante. Em uma dessas passagens, o texto
revela a glorificação de Castilhos:
No dia em que a Republica
veio como a idea salvadora, no
meio da atonia moral em que a
Pátria se debatia, o Dr. Julio de
Castilhos apresentou-se com as
suas insígnias de atleta, a
fronte coroada de louros pelas
vitórias conquistadas no ardor de
prélios constantes e renhidos
(1903,p.35).
93
O Jornal intitulado “Ao Indigete
15
de 24 de Novembro
de 1903 (Fig.7), que homenageava Júlio de Castilhos no 30º
dia da sua morte, também trouxe idealizações que
facilitaram a construção do mito.
15
O termo usado nesse jornal “ao indígete”, significa prestar
homenagens ao herói ou semideus. Na Roma Antiga era dada essa
conotação aos seres míticos que protegiam a cidade.
Fig.7 – Capa do Jornal que homenageava
Castilhos no aniversário de sua morte.
94
Theophilo Chataignier escreve um longo texto na primeira
parte do jornal comparando Castilhos a um herói. Segundo
Chataignier: Não! Júlio de Castilhos não morreu! o se
encerra num tumulo o gênio de um herói” (1903, p.2). A idéia
de imortalidade é uma presença, observa-se também a
percepção de que os atos do governante se perpetuariam. Em
seguida, o autor continua a construir a idéia de herói:
[...] Ele, desapareceu
fisicamente da face da Terra, sim, mas
os echos da eterna saudade que nos
assoberba, repercutirão sempre nos
nossos corações essa legenda feita das
suas cinco derradeiras palavras:
CORAGEM TENHO, PRECISO É AR!
(1903, p.5).
Novamente a suposta e já referida frase dita por Júlio
de Castilhos na hora de sua morte passa a ter uma conotação
que nutre todo um imaginário.
Vicente de Lima Souza tratava Castilhos como um
semideus, um “Hércules dos Pampas”: “Curvemos-nos diante
dos feitos heróicos desse semideus e guardamos nítidos as
suas ações” (1903, p.6). Analisando a expressão de Souza,
podemos concluir que a maior preocupação evidenciada nas
95
homenagens era de eternizar seus atos e manter viva na
memória da sociedade a existência do líder positivista.
Se por um lado haviam homens que consideravam Júlio de
Castilhos um herói, também existiam os que o consideravam
um vilão na História. No olhar dos viajantes que visitaram
Porto Alegre entre o final do século XIX e início do XX, um
outro Castilhos foi descrito, sem traços de heroísmo.
O viajante Stanislaw Klobukowski esteve em Porto
Alegre no final do século XIX. Dirigiu duras críticas ao
governo de Castilhos, chegando a anunciar que grande parte
da população não queria Castilhos à frente do governo do
Rio Grande do Sul. O que não impediu Castilhos, através de
meios não considerados característicos de um governo
republicano - a força de se eleger (FRANCO; NOEL FILHO,
2004, p.42). No relato de suas impressões acerca de
Castilhos, Klobukowski expôs que foi muito bem recebido
pelo governante, mas que mesmo assim Júlio teria deixado “a
impressão de um sanguinário, não de um herói” (FRANCO; NOEL
FILHO, 2004, p.43), declarando que tinha chegado a essa
conclusão por ter ouvido muito das crueldades praticadas a
mando do líder republicano.
96
Outra descrição foi do viajante Herrmann Meyer, que
veio a Porto Alegre em 1898 e 1900 (FRANCO; NOEL FILHO,
2004, p.52). Meyer começa elogiando Castilhos por sua
inteligência no modo de governar e que seria muito bom para
o Brasil que houvesse um presidente como ele. Percebe que
Castilhos não mede suas palavras, principalmente em se
tratando de política. Em uma parte de sua narrativa,
descreve:
[...] soldados de sua
Brigada Militar surraram até a
morte, ao som de marcha militar,
aqueles que assaltaram e roubaram
alguns alemães, à noite, por que
faltaram testemunhas para um
processo militar [...]” (FRANCO;
NOEL FILHO, 2004, p.53).
O que Meyer registra foram os duros castigos
aplicados, por ordem de Castilhos, a criminosos culpados ou
inocentes. A forma da punição a esses indivíduos foi o que
impressionou o viajante: ao toque de uma marcha, espancava-
se o acusado até a morte.
Hesse-Wartegg, passou por Porto Alegre no início do
século XX. Não fez grandes referências a Júlio de
Castilhos, porém reafirmou o que era comum ouvir do
97
governante. Hesse-Wartegg esteve na cidade na ocasião em
que eram prestadas homenagens a Castilhos. Ao se referir a
ele, o viajante lembra que foi um governante que
administrou o Estado “com mãos de ferro” e que exercia o
poder como um “autocrata”, ou seja, de forma absoluta,
independente e arbitrária (FRANCO; NOEL FILHO, 2004,
p.155).
O livro de Décio Freitas intitulado “O Homem que
Inventou a Ditadura no Brasil”, traz relatos da cobertura
jornalística realizada pelo norte-americano Ambrose Bierce
sobre a Revolução Federalista, ocorrida entre os anos de
1893 e 1895, no Estado. Evidencia que em cada palavra ou
movimento, Castilhos transmitia com uma interpretação
teatral, querendo passar a idéia de um homem centrado e de
superioridade pessoal (FREITAS, 1999, p.40).
Outra particularidade da vida de Castilhos que chamou
a atenção do jornalista foi a sua gagueira. Intrigante era
que Castilhos tinha dificuldades em se expressar e
articular palavras quando conversava, porém mais tarde,
Bierce tomou conhecimento de que a gagueira desaparecia no
momento em que o governante discursava, tornando-o um
“orador fluente” (FREITAS, 1999, p.41).
98
Mais uma vez Castilhos é caracterizado como um homem
sem o mínimo de piedade para com seus inimigos. Bierce
relata que após a vitória na Revolução, tanto derrotados
quanto vencidos jamais receberam anistia, também sofriam
perseguições de forma contínua, segundo Castilhos a morte
dos adversários não significava vitória (FREITAS, 1999,
p.159-162). De acordo com Reckziegel:
Por seu turno, o líder do PRR,
Castilhos, era uma personalidade
complexa, cujo caráter autoritário
converteria qualquer dissidente de
seu credo em inimigo potencial digno
de um só tratamento: perseguição e
destruição (RECKZIEGEL, 2005, p.48).
A leitura dos relatos dos viajantes deixa clara a
impopularidade de Castilhos não era popular, mesmo tendo
saído da Revolução Federalista como vitorioso. O povo cada
vez mais perdia o interesse em apoiar o líder republicano.
nas cartas endereçadas a Castilhos, o que se viu
foi uma rede de interesses cujo foco principal era a
influência do líder positivista em resolver questões
diversas. Além de pedidos de empregos, transferências de
99
militares e de agradecimentos, também havia demonstração de
fidelidade à ideologia por ele seguida.
Seguidamente aparece nas biografias de Júlio de
Castilhos a informação de que ao se retirar do governo se
manteve presente e a par da política, administrando a
influência partidária. Lendo as cartas que Castilhos
recebia de amigos e correligionários, podemos perceber que
sua interferência política ainda era marcante e decisiva em
várias situações, atingindo diferenciados segmentos.
A carta de José Joaquim Francisco para Júlio de
Castilhos, datada de 12 de Dezembro de 1900, traz elogios
ao chefe político:
[...] presentes linhas saudando
e escrevendo ao erito patcio e
glorioso da terra de Bento
Gonçalves, dessa terra rio-
grandense que as tanto estremecer
e onde seu nome sempre merecedor
a hoje, o respeito, a gratidão,
as esperanças, e a uno do grande
partido republicano do qual é o
chefe único e indivisível [...]”
(Arquivo Histórico do RS).
100
José Joaquim segue com julgamentos favoráveis ao líder
republicano e legitima a idéia de que Castilhos ainda
estava “na ativa” e exercendo ação na política do Rio
Grande do Sul.
A carta de Eduardo Dumont, de Arroio Grande, com data
de 10 de Novembro de 1900, pede a Castilhos indicação para
um cargo público. Segundo ele, durante a revolução seu
estabelecimento comercial foi atacado e roubado pelo fato
de ser do mesmo partido de Júlio de Castilhos. Não é
incomum encontrarmos cartas de pessoas solicitando favores,
o que era muito comum na política da época. Havia muitos
pedidos de que Castilhos intercedesse junto ao Presidente
do Estado em relação a questões ligadas a transferências de
funcionários públicos, impedimento de prisões e obtenção de
empregos.
A carta de Paulino Ignácio Ferreira, de 7 de março de
1900, busca justificar o uso de sua autoridade (talvez pelo
excesso de rigor de sua aplicação, que comunica a Júlio
de Castilhos tal fato, como que se objetivasse fornecer
argumentos a seu favor em tal ação) exercida para
manutenção da ordem local:
101
“Saudações. Em cumprimento ao
que vos diguastes de ordenar-me
reassumi, após minha chegada nesta
vila, a exercício dos cargos que
exerço.
Cabe-me cientificar-vos mais
uma vez de que me conservarei,
como sempre, no meu posto servindo
com lealdade ao partido tão
sabiamente dirigido por vós. [...]
Bastos, provocou, à noite, desordens
com o único fim de criar embaraços à
minha administração. Dei instruções
reservadas ao subdelegado judiciário,
Subintendente e Comandante da guarda
Municipal afim de, reunidos,
providenciarem sobre o patrulhamento
da vila. Fiz sentir àquelas
autoridades que, embora com
sacrifícios, estava disposto a manter
a ordem publica em toda a sua
plenitude.
Com estima e consideração
subscrevo-me com prazer e toda
consideração vosso admirador e fiel
amigo muito grato (Arquivo Histórico
do RS).
102
Em uma carta de Armando Azambuja, de Caxias do Sul /
RS, de 4 de Julho de 1900, desculpas são dadas a Castilhos
por ter se casado no religioso
16
.
O Correio do Povo, em sua
edição de 28 de junho... noticiou que
eu me havia casado religiosamente. A
notícia é verdadeira. O fato passou-
se na intimidade do meu lar, com a
assistência apenas do padre, sacristão
e testemunhas [...] (Arquivo
Histórico do RS).
Toda a carta esta centrada no fato do casamento ter
sido realizado nos moldes religiosos e ter tornado-se - via
jornal - pública a sua divulgação.
O que se deduz, analisando as cartas enviadas a Júlio
de Castilhos, é o tratamento por parte de seus amigos e
corregilionários estava baseado na formalidade, respeito e
admiração iluminando nossa compreensão a respeito da
glorificação a Castilhos após sua morte. O mito Castilhos
pode ser traduzido naquilo que Flores diz: “O mito é a
interpretação de uma realidade com afirmação de valores,
portanto não expressa a verdade e nem a mentira, nem se
16
Com a República, o casamento seria válido perante a Lei se fosse
realizado no civil e não somente no religioso, como acontecia no
período Monárquico.
103
esgota de uma geração para outra” (FLORES, 2006, p.12). A
necessidade de sua exaltação se deu em um momento de
transição e de fortalecimento do governo gaúcho, por tal
razão a imagem de Castilhos foi reelaborada através do
monumento.
Com a morte de Castilhos, toda admiração dos
simpatizantes de sua doutrina, é transformada em
notabilização excessiva. Uma das formas de tornar esse
herói mais universal foi buscar nas palavras, nos símbolos
e nos discursos meios para a construção desse personagem. O
monumento vai retratar algumas verdades da vida de
Castilhos, mas irá criar mitos sobre a realidade vivida
pelo governante. As lacunas que se abrem na construção de
um herói são preenchidas pelo imaginário e pelos símbolos.
A iniciativa de edificação do monumento a Julio de
Castilhos não partiu do povo. Quando a maquete da obra
ficou exposta na capital, chamou a atenção da população,
porém o que prevaleceu foi uma curiosidade por tamanha
complexidade da obra, sendo seu significado secundário, não
envolvendo o povo (COHEN, 1985, p.59).
104
A partir de agora faremos uma leitura do monumento a
Júlio de Castilhos, utilizando as significações das
alegorias e símbolos descritas no jornal A Federação de
1913 e pela Edição Comemorativa do Governo do Estado ao
Monumento a Júlio de Castilhos. Ambas terão uma visão
ideológica bem particular que servirá para exaltar o líder
positivista e transformá-lo em herói da pátria.
Buscaremos desconstruir alguns mitos presentes na obra
que descrevem um Júlio de Castilhos idealizado, bem
diferente daquele que a História nos mostra. Para isso,
reinterpretaremos símbolos e alegorias presentes no
monumento.
A finalidade desse tipo de arte, no período em
questão, está traduzida na seguinte frase: “A arte
consiste, na frase de Augusto Comte, em uma representação
ideal do que é, destinada a cultivar o nosso instinto da
perfeição” (GOVERNO DO ESTADO, 1922, p.5). Assim começa o
folheto que homenageia o monumento. O pensamento de Comte
mostrará o teor do papel que a obra buscou exercer na
sociedade. A capa do jornal A Federação apresenta o
seguinte título: A Glorificação: monumento a Júlio de
Castilhos histórico e descrição, ou seja, com essa
chamada a tradução do significado da obra foi antecipada
105
para a maioria da população que não saberia interpretar, no
dia seguinte, o monumento que seria inaugurado.
Buscaremos identificar aquilo que não condiz com essa
versão divulgada. Será possível perceber que as alegorias e
símbolos nem sempre conseguem traduzir o que foi idealizado
por aqueles que encomendaram esse tipo de arte.
Em 1903, por iniciativa do Governo do Estado na figura
do então Governador Borges de Medeiros nasceu a proposta de
erguer em praça pública um monumento que perpetuasse os
feitos de Júlio de Castilhos para prosperidade. No mesmo
ano de sua morte, foi transformada em Projeto de Lei (1º de
Dezembro de 1903) a elevação de dois monumentos que
glorificasse Castilhos. Um, localizar-se-ia no Cemitério da
Santa Casa e outro, na Praça Marechal Deodoro (Fig.8). No
documento constava:
A Assembléia dos Representantes
do Estado, associando-se reconhecimento
às homenagens prestadas e por prestar
pelo emérito governo do Estado ao
excelso organizador do Rio
Grande do Sul republicano,
incomparável brasileiro Dr.
Júlio Prates de Castilhos, entre
outras a do levantamento de um
106
monumento no santo lugar em que
repousar o seu sagrado corpo e a da
ereção, na Praça Marechal
Deodoro, de uma estátua que
traduza o reconhecimento publico dos
contemporâneos pelo gênio político e
civismo rio-grandense [...]
(Jornal A Federão, 24/01/1913).
O escultor escolhido para ser o artista responsável
pelas obras foi Décio Villares
17
:
17
Décio Rodrigues Villares nasceu no Rio de Janeiro em 01/12/1851 e
faleceu no mesmo local em 04/07/1931. Artista positivista, realizou
entre outros trabalhos o Monumento a Benjamin Constant na cidade do
Rio de Janeiro, a Bandeira do Brasil e monumentos tumulares.
Fig. 8 – Foto do início da Construção do Monumento a
Júlio de Castilhos
107
Poucos dias depois Décio
Villares apresentava ao governo os
projetos dos dois monumentos, que
salvo ligeiras modificações, são os que
acham, hoje, erguidos no cemitério
público e na Praça Marechal Deodoro (A
Federação, 24/01/1913).
Décio Villares cumpriu a exigência de levantar uma
pirâmide toda em granito onde seriam colocadas alegorias
(Fig. 9 e 10). Essa pirâmide teve como matéria-prima pedras
que vieram do Bairro Teresópolis, em Porto Alegre, assim
como seu pedestal. A base teve a contribuição dos serviços
da Casa Aloys Friederichs
18
, que preparou a sustentação que
a grandiosidade do monumento exigiria (A Federação
24/01/1913).
A decisão pelo material a ser utilizado incidiu sobre o
bronze e a temática, aquela que traduzisse melhor a vida de
Castilhos. Foi dividida em três fases: a propaganda, a
organização e suas ações após ter deixado o governo.
18
A Casa Aloys Ltda - Indústria do Mármore, Granito e Bronze - foi sem
dúvida um dos nomes mais expressivos do ramo, no Rio Grande do Sul. Em
Janeiro de 1884, foi fundada a firma pelo alemão Miguel Friederichs.
Posteriormente, em 13 de Novembro do mesmo ano, chegaria seu irmão
Jacob Aloys Friederichs que assumiria o estabelecimento em 1891 (Álbum
da Casa Aloys, 1950).
Com a execução de inúmeras obras, logo a popularidade da casa
comercial viria a crescer, passando a receber encomendas de outros
Estados. A Casa Aloys contratou um grupo de artistas que se destacaram
como escultores, entre eles estão André Arjonas, Leone Lonardi e
Alfred Adloff.
108
No alto do monumento vemos a alegoria da República
(Fig.11), que segundo a idealização oficial deveria
representar “a política moderna” que busca a liberdade, a
paz e a fraternidade. Com isso, o entusiasmo do povo pela
República também deveria estar presente na obra, que alguns
símbolos:
“[...] com o feixe da nova
luz em uma das mãos e a taboa da
lei nova na outra, repousando
sobre uma esfera de bronze
esverdeado, onde se distinguem as
21 estrelas representativa dos
Fig.10 – Face norte do Monumento
a Júlio de Castilhos
Fig.9 – Face sul do Monumento a
Júlio de Castilhos
109
Estados federativos Brasileiros,
mais o constelação do Cruzeiro e a
faixa do zodíaco com a divisa
política Ordem e Progresso
concretiza a situação” (GOVERNO DO
ESTADO, 1922, p.26).
A figura da República aparece no
ponto mais alto do monumento,
mostrando que estar acima de tudo. A
alegoria está apoiada em um globo
simbolizando a pátria brasileira. Abaixo
temos a data de 1789, expressando a
Revolução Francesa, tendo em segundo
plano a lembrança da mais nova filha,
a República do Brasil, nascida cem
anos depois.
A grandiosidade do monumento
tinha um propósito: tornar-se grande
referencial ideológico da República Positivista do Rio
Grande do Sul. Essa visão era tão explícita que se chegou a
propor que prédios altos como o Teatro São Pedro e antigo
Tesouro do Estado fossem demolidos para dar melhor
visibilidade a obra (Jornal O Diário, 1912, p.1).
Fig.11 – Alegoria
da República
110
No nosso entender, o feixe não está associado apenas
com à nova luz, também se configura como símbolo da força e
da integração (CIRLOT, 1984, p.252) ditada pelo lema
positivista “Ordem e progresso,” presente no globo. Era um
momento de solidificação da República brasileira após anos
de Monarquia, a sociedade ainda não tinha total confiança
nessa nova ordem política.
A alegoria central do monumento é a figura de Júlio de
Castilhos (Fig.12). Sentado, com
os olhos em direção ao
horizonte, parece estar revendo
sua vida naquele instante, dando
idéia de movimento. Poucos sabem
que na capa do livro às suas
mãos está escrito Comte. Essa
informação nos faz acreditar que
Castilhos, após ler as idéias de
Comte, se levantaria e colocaria em prática seus ensinamentos.
Está sentado em pose de reflexão, tendo um livro em
sua mão esquerda. Conforme o Folheto: “[...] a destra
apoiada no braço da cadeira, o pé firmando o solo, - tem a
atitude resoluta de quem está prestes a erguer-se para agir
com a energia que a situação requer” (1922, p.22).
Fig.12 – Representação de
Júlio de Castilhos
111
O livro na sua mão esquerda, marcando a leitura
interrompida para esse momento de reflexão, demonstra a
erudição tão destacada por seus aliados. A cadeira, mais parecida com um
trono, simboliza glória e poder. Castilhos está em destaque em seu
“altar” não para se despedir de seus “súditos”, mas para
mostrar que mesmo morto,
ainda continua governando
os vivos
19
.
No monumento estão
colocadas alegorias (Fig.13)
que servem para transparecer
as influências que nortearam
Júlio de Castilhos durante
sua vida. A Coragem está
representada em uma figura
ávida, carregando louros em
uma de suas mãos. Com a
outra, gesticula para
19
A frase de Augusto Comte “Os vivos são sempre, e cada vez mais,
governados necessariamente pelos mortos” será a essência do pensamento
positivista. Por isso o culto ao herói terá uma importância na
conservação ideológica a partir de uma reconstrução simbólica, através
dos monumentos, na memória da sociedade.
Fig.13
Conjunto de Alegorias
112
Castilhos, dando a idéia de que o governante deva agir. Em
Um dos olhos vendados, exprime que ela não vê tudo, nem mede
dificuldades (GOVERNO DO ESTADO, 1922, p.23).
A Coragem está demonstrada na figura de um jovem homem
trazendo um ramo de louros. A interpretação apropriada para
o gesto da alegoria não corresponde àquilo que a imprensa
oficial noticiou: que o gesto não está dando a idéia
somente de que Castilhos devesse levantar e agir, mas sim
de que ele deva seguir o caminho da prosperidade e
continuar sua trajetória de forma corajosa, colocando em
prática aquilo que aprendeu. O olhar fixo dessa alegoria
está na mesma direção da figura de Castilhos, sendo que os
dois estão em sintonia de reflexão.
A Prudência voltada para a Coragem aponta os possíveis
riscos presentes no caminho. Para simbolizar o perigo, o
escultor optou por colocar o dragão na parte de baixo, que
“sobe rastejando o solo da Pátria” (GOVERNO DO ESTADO,
1922, p.23). Junto a Castilho, está a alegoria da Firmeza,
representada em um corpo atlético dando idéia de força e
resistência.
113
A Prudência está representada na figura feminina
abaixo da coragem. Ela aponta para as dificuldades pelas
quais o governante passaria nesse caminho. Para alguns
autores, o dragão (que será analisado em separado)
simboliza o perigo e os percalços no decorrer da vida de
Castilhos.
No centro da obra e acima de Castilhos está o Civismo.
A alegoria representa as influências das ações políticas do
estadista. De acordo com a nossa interpretação, o Civismo
está representado por uma alegoria feminina de cabeça
baixa, dando a idéia de tristeza ao segurar a Bandeira do
Brasil, cujo simbolismo é de “soberania e da identidade
nacional” (LEXIKON, 1990, p.32). Não houve no Rio Grande do
Sul - no período de Castilhos – o desenvolvimento de noções
de identidade nacional, pelo contrário, o governante queria
um Estado com sua própria constituição e autonomia.
O Estado viveu um momento de fragmentação e desunião
resumida na Revolução de 1893. Talvez a alegoria estivesse ali
para mostrar ao estadista o caminho a seguir: em direção da
soberania e da união.
114
A alegoria da Firmeza
(Fig.14) nos diz mais do que
apenas o corpo esculpido dando
idéia de força e solidez. A
literatura nos diz que o herói
usa sua força para proteger os
fracos e oprimidos. Júlio de
Castilhos fazia uso de sua
força para intimidar e acabar
com seus inimigos, pois:
A marca de Castilhos no
republicanismo gaúcho com a rigidez
de seus princípios seria a
intransigência para com a oposição.
Nacionalmente o castilhismo seria,
também, profundamente criticado pelos
representantes liberais da elite
(NOLL; TRINDADE, 2005, p.29).
Na corporificação desse personagem greco-romano,
externa-se o vigor físico e a fisionomia de um solitário
guerreiro que faz justiça com as próprias mãos. Dois
símbolos estão presentes nessa alegoria. O leão, que possui
vários significados, aqui está associado à coragem,
sabedoria e como sinônimo de poder (LEXIKON,1990,p.121). As
Fig.14
Alegoria da Firmeza
115
chaves, na mão direita da alegoria podem estar
representando o saber, onde: “A primeira chave, de prata,
concerne às revelações do ensino psicológico. A segunda, de
ouro, às do saber filosófico. A terceira e última, de
diamante, confere o poder” (CIRLOT, 1984, p.157).
Uma outra versão levantada por Doberstein é de que as
chaves estejam simbolizando os três poderes - Executivo,
Legislativo e Judiciário (DOBERSTEIN, 1988, p.93). Até
podemos considerar tal hipótese que Castilhos tinha em
suas “mãos” esses poderes, bem como exercia seu comando de
forma arbitrária, interferindo nas resoluções tomadas a seu
favor.
A força do povo tão necessária e que deu sustentação
ao governo de Castilhos, conforme a versão oficial, está
estampada na parte oposta da figura de Júlio de Castilhos,
na alegoria de um Gaúcho (Fig.15). O jovem montado em um
cavalo indica a esperança no futuro e:
[...] representado no momento em que
faz esbarrar o animal que trazia à
desfilada, pisando um solo onde se
distinguem a caveira de um animal bovino e
um arado, em sinal das duas principais
indústrias rio-grandenses momento esse em
116
que, firmando-se nos estribos ergue o
chapéu num entusiástico viva à República
(GOVERNO DO ESTADO, 1922, p.24).
O Gaúcho a cavalo
pode estar associado a
qualquer outra coisa menos
à força do povo que
apoiava Júlio de Castilhos
e seu governo. Vimos que
mesmo com a vitória de
Castilhos na Revolução
Federalista de 1893, o
povo não o apoiou por
completo. A alegoria do
Gaúcho está associada ao homem do campo, a força da
agricultura e da pecuária. Porém, como poderia haver
esperança se não havia incentivo para a agricultura? já que
a visão positivista era que a prática agrícola era uma
atividade econômica do período do Império
20
.
20
Conforme o autor Doberstein: “Esta face ‘populista’ do monumento
denota mais uma idealização que uma realidade, pois é sabido que o
apoio ao PRR veio mais das populações urbanas e coloniais e que o
reduto do gaúcho pico, tal como foi representado, a campanha, foi
zona onde se concentrou a mais consistente oposição ao castilhismo”
(DOBERSTEIN, 1988,p.95).
Fig.15
Alegoria do Gaúcho
117
A nova ordem agora era a indústria, ela sim traria o
progresso tão almejado pelos republicanos e: “Seguindo a
doutrina positivista, Castilhos estabeleceu uma nova ordem
que seria organizada pelos banqueiros, industriais e
técnicos” (FLORES, 1996, p.169).
Por que será que essa alegoria está no monumento
justamente às costas da representação de Júlio de
Castilhos? O crânio do boi e o arado mostram a crise
agrária e o definho da vida agrícola e pecuária. Na própria
descrição oficial, se “[...] a caveira de um animal
bovino e um arado, em sinal das duas principais indústrias
rio-grandenses [...]”. A versão oficial também conseguiu
traduzir o gesto do gaúcho de forma distorcida, afirmando
que ele estava dando um “viva à República”. Dentro da
lógica, jamais receberiam saudações os responsáveis pela
crise, já que:
Em matéria fiscal, o PRR
instituiu algumas medidas
progressistas nos anos que seguiram à
guerra civil. Um dos projetos
favoritos de Castilhos era um imposto
sobre a propriedade rural destinado a
substituir gradativamente o imposto de
exportação, que tinha o inconveniente
de sufocar o incentivo, e do qual
118
dependia substancialmente a receita
do Rio Grande (como dos demais
Estados) (LOVE, 2005, p.79).
Acima, neste mesmo lado onde se encontra o gaúcho,
está escrita a tão famosa frase de Castilhos: “Conservar
melhorando”. Também encontramos no monumento a data de 14
de Julho de 1789, referente à Revolução Francesa, que para
os republicanos significou para o mundo a evolução humana. Nas
laterais do monumento, as alegorias irão completar o
conjunto da obra.
Em um lado, Júlio de
Castilhos está representado
por um jovem que vende
exemplares (Fig.16) do jornal
A Federação, exprimindo o
sentido de luta contra o
regime monárquico do país.
Castilhos obteve muita de sua força política através do
jornal A Federação. A alegoria apresenta-o ainda jovem,
idealizado na figura de um personagem greco-romano. Além de
Fig.16 A importância do jornal
A Federação para Castilhos
119
combater a Monarquia através das páginas de seu jornal,
combateu também - de forma árdua - a oposição.
Nessa campanha diária, Castilhos divulgava sua
ideologia e ao mesmo tempo combatia aqueles que divergiam
de sua opinião. Na alegoria, ele não oferta o exemplar do
jornal, mas o impõe, como aquele que mostra o caminho da
verdade.
Na outra lateral, a
alegoria de um velho com
longas barbas (Fig.17)
está mostrando que o
passar dos anos não
trouxe fragilidade, pelo
contrário, o vigor o
envolve.
Se por um lado um Castilhos está sendo idealizado na
figura de um jovem, por outro, está posto como um ancião.
Nessa idealização, a figura de um velho mostra que o passar
dos anos fortifica a sabedoria, portanto apresenta um
portador do saber e astúcia. Considera-se um exagero fazer
alusão a Júlio de Castilhos através dessa alegoria, pois
Castilho morreu ainda jovem, aos 43 anos. A julgar pela
Fig.17
A Sabedoria
120
mensagem contida nessa imagem, chega-se à conclusão que
estava em plena construção a tão destacada sabedoria do
estadista.
Sobre a alegoria do Dragão (Fig.18), para muitos o
significado diz respeito ao perigo que ronda a Pátria. Mas
se nos atermos com
maior atenção à
figura, percebemos
que de dragão não
existe quase nada, a
única possível alusão
estaria nas asas. Em
verdade, é um corpo
de leão com asas e
calda. Será que não poderia estar associado o referido
perigo à ameaça vinda dos inimigos? No simbolismo, o dragão
é visto como o inimigo primordial e um “adversário”
(CIRLOT, 1984, p.213), sendo assim, a oposição aos ideais
republicanos era vista como uma ameaça ao futuro da Pátria.
Para Doberstein, seria pouco possível que o dragão
simbolizasse o perigo da restauração monárquica, pois
“[...] o dragão consta no brasão imperial” (DOBERSTEIN,
1988, p.92).
Fig.18
-
Dragão
121
dois equívocos nessa afirmação de Doberstein: a
primeira é a colocação de que o símbolo do dragão está
presente no brasão imperial, o que de fato não confere,
pois se localiza no cetro do Imperador. O segundo é a
afirmação da falta de vínculos entre o dragão e a
monarquia, pois é explícita a associação simbólica de que o
dragão esteja representando o “possível perigo que ronda a
República”, ou seja, a monarquia
21
.
Já os cães que estão à
frente do monumento (Fig.19
e 20), nem são mencionados
pelo folheto oficial que
descreve a obra e pelo
jornal A Federação. O
símbolo do cão nos remete à
idéia de guardião, bem como
de fidelidade. No monumento
o sentido mais apropriado
será o de guardião, já que a
pose dos animais dá a idéia
de proteção e resguardo.
21
Não era apenas o perigo da Monarquia que preocupava a jovem
República, mas também as revoltas populares que se introduziram no
país. Entre esses movimentos Anti-República, estavam o messianismo de
Antônio Conselheiro (Canudos), o Contestado, A Revolta da Vacina e a
Revolta da Chibata.
Fig.20
-
Cão
Fig.
19
-
Cão
122
Em todo o monumento não uma alegoria que sirva de
guardião, pois todas estão associadas diretamente a Júlio de
Castilhos, descrevendo a vida e os atos do governante. O que
nos resta serão os dois cães que passam quase desapercebidos,
embora estejam bem à frente do conjunto da obra.
Para encerrar a descrição do monumento, informamos que o
folheto faz alusões a Castilhos como de exemplo a ser
seguido, tendo a obra traduzido fielmente a vida do
estadista positivista. Acima de tudo, o caminho seguido
pelo herói ali glorificado teria que ser seguido pelos
verdadeiros republicanos. Todo esse imaginário foi criado
para atender um propósito, onde a vida do líder serviria de
exemplo para as futuras gerações.
A consagração como autoridade positivista na esfera
pública foi possível após sua morte (Fig.21). Em vida,
não houve mobilização do povo a seu favor e tão pouco
haviam manifestações de exaltação e glorificação pelos seus
atos políticos.
123
A melhor definição para a trajetória de Júlio de
Castilhos talvez fosse essa: “herói depois de morto”.
Quando vivo, certamente não teve a glória que esperava, e a
partir de sua morte começa todo o procedimento de distorção
da realidade do que realmente foi sua vida. Serão
homenagens através dos monumentos, artigos dos jornais e em
nomes de ruas que farão de Castilhos um dos heróis mais
louvados do cenário político do Rio Grande do Sul, mas que
não simbolizou os anseios do povo.
Fig.21 – Cena do Cortejo do Enterro de Júlio de
Castilhos pelas ruas de Porto Alegre e as imagens dos
heróis republicanos e positivistas
124
Há uma grande diferença entre liderança e heroísmo. No
caso da figura de Júlio de Castilhos, devemos entender que
sua popularidade se originava de sua capacidade de comando
e não de seus atos. Para a maioria da população ele estava
mais para vilão do que para herói. Segundo Boeira, a
liderança nasce a partir de momentos de extrema crise
dentro de uma “ordem legítima [...] como guerras ou em meio
a crises ideológicas, sociais, econômicas ou políticas”
(BOEIRA, 2005, p.184).
Um questionamento surge a partir dessa conclusão:
Júlio de Castilhos tentou construir de forma consciente na
sua trajetória política uma imagem de herói? A resposta
surge com uma frase: “Para que haja heróis deve haver
vilões”, ou seja, o nascimento do herói na sociedade está
condicionado a existência do vilão. Castilhos passou grande
parte de sua vida política atacando através de seus
discursos e atos seus opositores, principalmente nos
últimos anos do Império. Será que Castilhos não construiu
um vilão para que ele pudesse surgir na sociedade gaúcha
como o “grande salvador”? Se de fato ele tentou construir a
imagem de herói, não obteve êxito.
125
2.3 - Monumento a Anita e Giuseppe Garibaldi
O “aventureiro e o herói dos dois continentes”, assim
é apresentado Giuseppe Garibaldi
22
(Fig.22) na maioria das
obras que narram a sua
trajetória. Em vários países é
possível encontrarmos monumentos
que homenageiam Garibaldi, bem
como uma vasta bibliografia
sobre sua vida e aventuras.
Segundo Dumas, amigo de
Garibaldi e autor de suas
memórias, bem como responsável
pelo mito de herói, suas
habilidades não foram frutos de ensinamentos de um mestre,
mas de persistência na busca de seu aperfeiçoamento. Seu
pai pode custear apenas seus estudos, mas a situação
financeira não o deixava propiciar ao seu filho outros
tipos de ensinamento fora do meio escolar. Com isso,
Garibaldi não tendo acesso a aulas de natação, aprendeu a
nadar sozinho; não tendo aulas de esgrima, buscou por conta
22
Giuseppe Garibaldi nasceu em Nice, em 9 de Julho de 1807. Faleceu em
2 de Junho de 1882, em Caprera (ilha ao norte da Sardenha – Itália).
Fig.22- Giuseppe Garibaldi,
em 1860.
126
própria aperfeiçoar o manejo da espada para melhor se
proteger e atacar o inimigo. Segundo Garibaldi:
Aprendi a exercitar-me subindo
pelas maromas e deslizando pelos
ovéns; aprendi a esgrima defendendo a
minha própria cabeça e tentando
cortar do modo mais hábil a dos
meus oponentes; aprendi a equitação
valendo-me do modelo dos melhores
cavaleiros do mundo, os gaúchos
(DUMAS, 1999, p.24).
Existe o herói fabricado, aquele conhecido como o
“herói sintético”, que passa a ser elaborado após a sua
morte e por iniciativa de terceiros. Outro tipo de herói
será aquele que constrói a sua trajetória e tem
conhecimento de que seus atos mudarão e conduzirão o rumo
da História. Garibaldi acreditava que a mudança poderia
partir de “grandes homens” e, portanto, buscou se tornar um
desses heróis. Construiu a sua própria imagem, não
dependendo exclusivamente da intervenção de outros.
Ao narrar fatos de sua vida, Garibaldi relembra de
certo momento em que ele viajava para Constantinopla, a
bordo do La Clorinda, junto com um grupo de sansimonistas.
Ao conversar com o chefe deles, Emile Barrault, passou a
127
entender melhor qual seria seu verdadeiro destino e que
navios poderiam ter outra função além de transporte de
mercadorias:
“O apóstolo começou por
provar-me que o homem que defende
a sua pátria ou que ataca a pátria
de outrem não passa de um soldado
devoto no primeiro caso e injusto
no segundo, e que o homem que,
fazendo-se cosmopolita, adota pátrias
e vai erguer a sua espada e
oferecer o seu sangue a todo povo
que luta contra a tirania, é mais
que um soldado, é um herói
(DUMAS, 1999, p.33-34).
Essas palavras ecoaram nos pensamentos de Garibaldi e
passaram a guiar o rumo de sua vida:
“Acendeu-se em meu âmago um
inusitada chama, sob cuja luz eu
deixei de reconhecer num navio
simplesmente o veículo de comércio
de mercadorias a operar-se entre
dois países, mas o mensageiro
alado a palavra do senhor e a
espada do arcanjo (DUMAS, 1999,
p.33-34).
128
Grande parte da bibliografia disponível que narra a
saga de Garibaldi idealiza um herói que lutou para libertar
oprimidos e combateu tiranos. Dificilmente encontramos uma
obra que seja imparcial ou que interprete os fatos a partir
de outras evidências. Sendo assim, mostraremos um pouco
dessa construção do mito garibaldiano a partir da
literatura.
O autor Candido Salvatore interpreta a figura de
Garibaldi como um predestinado a combater as tiranias e a
salvar as pessoas da opressão. Na conclusão do contexto da
Revolução Farroupilha em seu capítulo, Salvatore enuncia:
“Bastam estas poucas notas
para orientar o leitor e para
enquadrar na história de um povo
que luta pela sua independência o
drama de um homem que reivindica
para si o direito de poder combater
em cada país pela causa da liberdade
dos cidadãos oprimidos” (SALVATORE,
1992, p.36).
Há uma grande discordância entre aos adeptos do
Garibaldi e aqueles que possuem um olhar crítico aos seus
atos. Em 1837, Garibaldi a bordo da lancha “Mazzini”, no
Rio de Janeiro, praticou aquilo que para alguns e para
129
muitos historiadores não seria conduta adequada:
interceptou uma lancha para saquear. A primeira vista,
Garibaldi percebeu que pouco valia a embarcação e a carga,
por isso levou consigo um negro, uma bomba de água e
mantimentos, liberando o restante para partir. O intrigante
é que esse episódio não consta nas Memórias escrita por
Garibaldi ou Dumas, e tampouco na historiografia que se
refere ao tema (SALVATORE, 1992, p.77).
Poderíamos pensar que Salvatore apresentou esse fato
para mostrar que Garibaldi também usou do saque para se
beneficiar, que era um corsário. Infelizmente, esse
episódio foi introdutório para dizer que Garibaldi após
roubar o negro da embarcação, libertou-o no mesmo momento.
Com esse argumento, o autor critica o período da escravidão
no Brasil e presunçosamente diz que Garibaldi praticou o
primeiro ato de soltura dos escravos nos países do
Atlântico (SALVATORE, 1992, p.77).
Para encerrar, Salvatore externa sua opinião sobre
Garibaldi:
Não é preciso dizer mais nada.
Giuseppe Garibaldi, com a alma cheia
de liberdade, de fraternidade, de
130
igualdade entre os homens, sem
distinção alguma de religião, de
raça, de cor, vê, naqueles pobres e
assustados marinheiros negros, outros
irmãos [...] (SALVATORE, 1992,
p.83).
Sua imagem e aventuras estão tão impregnadas no
imaginário popular que um consenso em quase todos os
autores que escrevem sobre ele, em interpretar fatos
históricos a partir de um olhar de admiração. Tudo indica
exaltação ao seu heroísmo, até o óbvio é visto como
virtude, como pode ser notado a seguir.
Após o nascimento do filho
de Garibaldi com Anita
23
(Fig.23)
Menotti, Garibaldi resolveu
cessar sua contribuição à
Revolução Farroupilha e ir
para Montevidéu. A situação
dos farroupilhas estava cada vez
mais crítica em todos os sentidos,
principalmente na questão financeira.
Garibaldi não poderia recomeçar sua
vida sem uma gratificação por parte dos farroupilhas, que sua
23
Ana Maria de Jesus Ribeiro (Anita Garibaldi) nasceu em Laguna em
1821 e morreu em 4 de Agosto de 1849 em Mandriole, Itália.
Fig.
23
Anita Garibaldi
131
participação teve importância para a causa defendida. Foi
oferecido a ele um pagamento em cabeças de gado.
Foi um fato inusitado, um mercenário que lutou em um
conflito ser pago pelos serviços prestados. Uma situação
dada como natural para Garibaldi e Farroupilhas. Porém, é
normal encontrarmos esse fato narrado a partir de uma ótica
fantasiosa, quase uma releitura da mitologia grega como a
Ilíada e o personagem Aquiles.
Os autores Elma Sant’ana e André Stolaruck descrevem o
episódio da ida de Garibaldi com sua família para
Montevidéu de forma idealizada. Segundo eles:
“A Família Garibaldi se põe
em marcha rumo a Montevidéu, onde
obviamente o herói via mais condições
para continuar sua luta. Leva por
diante uma tropa de aproximadamente
900 bois e alguns ajudantes
(SANTANA; STOLARUCK,2002,p.65).
Quando Garibaldi deixou de lutar na República Rio-
grandense para ir para o Uruguai, não havia muitas
chances de inverter o quadro dos farroupilhas em relação às
tropas Imperiais. Ele não foi embora para o Uruguai para
132
continuar sua luta, mas para fugir do quadro de derrota que
se formava no Rio Grande do Sul, onde ele e sua família
poderiam sofrer conseqüências.
Há outro fato curioso no trecho selecionado dos
autores acima. Quando eles referem os 900 bois que
Garibaldi ganhou, colocam em pequena nota o seguinte:
“Domingos José de Almeida deu-lhe autorização para
organizar uma tropa de gado 1000 reses... Reuniu somente
900”. Será que Garibaldi levou somente 900 bois ao invés
dos 1000 porque sabia que não conseguiria chegar em seu
destino com um número maior da boiada? Segundo os autores
foi a generosidade do herói que prevaleceu. Por outro lado,
a história nos diz que Garibaldi perdeu quase todos os 900
bois no transcurso de sua viagem, pois ao chegar no Uruguai
tinha em sua posse não mais de 300 animais, seja vivo ou
apenas em couro.
Algo presente na literatura acerca da temática e na
própria biografia de Garibaldi, era seu poder de liderança
e comando, não havendo necessidade de buscar na força o
cumprimento de suas ordens. O espírito de chefia é algo que
está presente tanto entre tiranos quanto heróis. Contudo,
para os tiranos, a necessidade do uso da força, para
133
os heróis o espírito de chefia advém de sua natureza e
virtudes.
Ao estudarmos o perfil dos homenageados presentes nos
monumentos de Porto Alegre, com o intuito de identificarmos
aqueles que são condizentes entre a realidade vivida e a
representação na obra, Garibaldi parece ter sido o único a
admitir um erro, de forma explícita, e assumir seus atos em
vida. Essas conclusões não são fruto de nossas
preferências, mas a partir de análises de nossas pesquisas.
Em uma das passagens relembrada por Garibaldi “A Lagoa
de Imaruí” em suas memórias, ele admite seu erro por um
episódio ocorrido e que, segundo o próprio, deixou marcas
na consciência. Em desvantagem no combate em Santa Catarina
juntamente com a população dessa região que apoiava as
tropas Imperiais, Canabarro deu ordens a Garibaldi para
castigar duramente um homem “a ferro e fogo” (DUMAS, 1999,
p.102), pois:
“Auguro a toda criatura fiel
à sua condição humana, como a mim
mesmo, que ela jamais receba uma
ordem de teor igual àquela que me
fora expedida; ordem que, firme e
afirmativa, não me abria qualquer
134
caminho para contorná-la. [...] Que
Deus, do alto da Sua compaixão, possa
perdoar-me! Jamais um outro dia desta
vida gravou em minha alma uma tão
amarga recordação... (DUMAS, 1999,
p.102-103).
Não na História muitos homens considerados heróis
que tornassem público - ainda em vida - algum
arrependimento, expondo-se a julgamentos. Para alguém que
tinha sua imagem de herói construída no decorrer de suas
aventuras, esse episódio marcou mais do que qualquer outro.
Garibaldi tinha conhecimento de que mártires nascem da
luta contra a opressão e a tirania. Ao nascer seu filho com
Anita, Garibaldi lhe deu um nome de um herói: “Eu, ao invés
de dar a ele o nome de um santo, ofereci-lhe o de um
mártir: Menotti
24
(DUMAS, 1999, p.129).
24
Ciro Menotti nasceu em Carpi, em 1798. Conforme Markun: “Entrou em
contato com os exilados italianos liberais em Londres e, a partir de
1830, começou a organizar comitês insurrecionais em Bolonha, Florença,
Parma e Mântova” (MARKUN, 1999, p.41). Acabou executado em 1831, após
ser preso. Garibaldi ao ler um folheto que tratava da morte de Menotti
se interessou em saber mais sobre a vida dele e passou a se espelhar
no seu mais novo herói.
135
O mito Garibaldi nasceu da literatura. A saga do Herói
iniciou com Dumas, em seus textos publicados no jornal
Diário de Pelotas na década de 1860
25
. A literatura cria o
imaginário a partir de uma realidade, nesse caso temos a
participação de um italiano na Revolução Farroupilha. Como
mito, se instituiu um modelo que facilitasse explicações às
proezas de Garibaldi.
Se ele é um personagem gerado para atender os
requisitos básicos de um herói, tal como valentia, justiça
e proteção, por outro o mito também pode ser desmistificado
pela literatura.
O Corsário de Caldre Fião teve um papel importante em
apresentar para o leitor um outro lado de Garibaldi. Caldre
Fião tratou em seu romance histórico o Rio Grande do Sul,
inserindo em seu trabalho a Revolução Farroupilha.
Contemporâneo à Revolução Farroupilha trata de forma
diferenciada a atuação de Garibaldi. Para ele, Garibaldi
não passava de um “aventureiro vulgar, interessado em
suas audaciosas pilhagens marítimas” (FIÃO, 1979, p.11). O
surpreendente é que em sua obra, Garibaldi passa
25
Conforme a autora Hilda Agnes Hübner Flores o jornal pelotense Brado
do Sul foi quem publicou em folhetim As memórias de Garibaldi. FLORES,
Hilda Agnes Hübner. A Mulher no Período Farroupilha. In: RETAMOZO,
Aldir Correa [et al.]. O Papel da Mulher na Revolução Farroupilha.
Porto Alegre: Tchê, 1980, p.103-126, p.110.
136
desapercebido, não tendo quase participação na trama.
Porém, um outro personagem faz lembrar de forma constante o
herói italiano, pois nos episódios reais ocorridos na
Revolução Farroupilha retratados no texto, não é Garibaldi
que protagoniza, mas sim Vanzini.
Caldre Fião criou um personagem chamado Giuseppe
Vanzini, um italiano e corsário que não tem nada de herói,
pelo contrário, passa a ser o vilão dessa narrativa. Como
tinha uma idéia contrária daquela defendida hoje sobre
Garibaldi, fica passível de compreensão deduzir que seu
protagonista verdadeiro não seria Vanzini, mas o próprio
Garibaldi.
Outro meio de romanceá-lo como herói, foi através de
sua história extremamente marcante com Anita, de modo que
poucos autores se colocaram a escrever que tenha contraído
matrimônio após a morte dela. Em 1860 casou-se com a
Marquesa Giuseppina Raimondi, uma união marcada pela
efemeridade. No ano de 1880, após a anulação de sua união
com Giuseppina, casa pela terceira vez, agora com Francesca
Armosino (RAU, 1987, p.12). Um modo de vincular Garibaldi
como os antigos heróis, foi de relacioná-lo com Anita,
mostrando que sua vida tinha dois grandes propósitos: um
era a luta pela justiça e o outro, Anita.
137
Como o monumento erguido em Porto Alegre apresenta
Anita e Giuseppe Garibaldi juntos, não poderíamos deixar de
abordá-la. O número de homenagens espalhadas por vários
países lhe concede o título de ser uma das mulheres mais
retratadas através de monumentos, talvez perdendo para
manifestações de personagens femininas religiosas.
Desde a publicação do folhetim de Alexandre Dumas onde
romanceou a biografia de Garibaldi, Anita passou a ser
idealizada:
Anita é apresentada como a
virgem que encantou o grande
guerreiro italiano, a mulher que
venceu obstáculo nunca antes
transpostos por qualquer figura
feminina, companheira, amante,
guerreira, esposa e mãe, heroína de
dois mundos (FLORES, 1980, p.110).
Anita era casada no período em que conheceu Garibaldi,
seu casamento, arranjado, trazia-lhe infelicidade. Ao
presumir o cenário e a época, fica fácil entendermos as
motivações para a Anita largar tudo para ir embora com
Garibaldi. Ainda casada, ao se envolver com o italiano,
quebrou regras que vigoravam na sociedade do período. A
solução para viver novamente de forma honrada foi
138
acompanhar Garibaldi (FLORES, 1980, p.110). Jamais Anita
voltaria para Laguna por ter sido abandonada, já que:
Não voltaria ao Rincão vencida
e desprezada pelo amante e enfrentar
a sua vizinhança rebentando de
ironia e a galhofa daquelas mesmas
pessoas que iriam festejar, com
zombaria, o possível fim de um
romance de pecados” (ZUMBLICK, 1980,
p.43).
Aqui começamos a perceber que o autêntico
fundamento de seu envolvimento na Revolução Farroupilha não
foi por crença em uma causa, mas por um homem. Anita lutava
para convencer Garibaldi que poderia segui-lo e que também
era uma guerreira.
Giuseppe Garibaldi era um homem que freqüentemente
envolvia-se com mulheres. Quando esteve na Revolução
Farroupilha, conheceu Manuela, sobrinha de Bento Gonçalves
e prometida a seu filho. Para alguns escritores, nunca
houve nada entre Manuela e Garibaldi. Porém, sabemos que
Manuela nunca se casou com o filho de Bento Gonçalves -
Joaquim, ficando conhecida como “a noiva de Garibaldi”.
139
Nesse período de padrões rígidos, não poderia o
envolvimento de uma jovem como Manuela com um forasteiro
como Garibaldi ter comprometido seu enlace com o já
prometido? Conforme Garibaldi: “Uma dessas jovens, Manuela,
era a senhora absoluta do meu coração; sem esperança de
poder possuí-la, ainda assim não podia deixar de a amar”
(ZUMBLICK, 1980, p.14). Nas memórias de Garibaldi ele
refere Manuela como um tabu, o fato é que Joaquim não se
casou com Manuela.
Em correspondência entre Bento Gonçalves e seu filho
Joaquim, um momento em que podemos identificar que algo
de sério ocorreu para que o casamento o fosse
concretizado. Segundo Bento Gonçalves:
“[...] Isento como estou, meu
filho, dessa paixão amorosa que
vos cegou ao ponto de supordes que
meu compadre punha traves a esse
negócio porque o não queria
efetuar sem o consentimento de seu
sogro, quem lhe confiou sua filha,
cunhada e sobrinha, devo dizer-vos
que ele obrou como eu obraria,
como obraria todo homem de bem e
como vós mesmo obraríeis em seu
lugar.
140
Finalmente tudo está dissipado e
podeis executar vosso consórcio
com prima Josefina na melhor
harmonia com meu compadre e amigo
[...]”.
Bento Gonçalves da Silva
Candiota, 27 de julho de 1843.
(Arquivo Histórico do RS, 1985, p.227-228).
Anita (Fig.24) diferentemente daquele cenário montado
pelos romancistas sobre seu envolvimento com Garibaldi,
também teve que literalmente lutar para, após conhecer seu
italiano, permanecer junto a ele. Garibaldi não queria
nenhuma mulher seguindo seus passos, principalmente em um
período de guerra.
Fig.24 – Representação idealizada de Anita
tentando sair de um cerco dos inimigos
141
um fato ocorrido entre Farroupilhas e Imperiais em
1840 que colocou em dúvida qual seria a real intenção de
Garibaldi com Anita. Em uma batalha sangrenta, Garibaldi
abandonou Anita sem a maior explicação, deixando que a
decisão de vida e morte ficasse nas mãos do destino. Uma
“ação que os pesquisadores apontam como um gesto negativo e
incapaz de merecer nem justificativa e nem perdão”
(ZUMBLICK, 1980, p.55-56).
Por mais privações que Anita tenha passado para estar
junto a Garibaldi, talvez a sua morte deva servir de
reflexão de que nem sempre a História é justa com seus
heróis. Quase que a totalidade da bibliografia
especializada na saga de Anita e Garibaldi, omite
informações sobre sua morte e o envolvimento de Garibaldi
nesse instante.
Próximo à vila de Mandriole / Itália, Garibaldi chega
com Anita após fugir das forças inimigas. doente, ela
recebe atendimento médico, mas não se pode fazer mais nada,
pois seu quadro clínico está muito grave. No final da tarde
de Sábado, em 4 de Agosto de 1849, falece Anita Garibaldi.
Guiseppe Garibaldi não pode ficar ao lado dela nenhum
minuto a mais após a sua morte, pois os inimigos já estavam
bem próximos. Por isso mal se despediu e logo foi tirado
142
dali, prometendo que voltaria um dia para enterrá-la de
forma honrosa
26
.
Na sexta-feira do dia 10 de Agosto de 1849, esse fato
passou a ter duas versões (MARKUN, 1999, p.13). Algumas
crianças acharam no chão da localidade, parte de um braço e
uma mão para fora da terra. As autoridades de Mandriole
fizeram a exumação do corpo e chegaram a intrigantes
constatações.
No relatório do Delegado local, dizia o seguinte:
“[...] Observou-se que os
olhos estavam salientes e metade
da língua para fora, entre os
dentes, além da traquéia rota e um
sinal circular em torno do colo,
sinais inequívocas de que sofreu
estrangulamento. [...] Seccionado
o cadáver, foi encontrado grávido
de aproximadamente seis meses”
(MARKUN, 1999, p.15-16).
Uma hipótese há de se levantar: Anita, grávida e muito
doente, estava atrasando a fuga de Garibaldi e seus
companheiros. Sabendo que não conseguiria sobreviver,
26
Garibaldi realmente voltou para buscar o corpo de Anita, porém após
dez anos.
143
Garibaldi teria ordenado ou ele mesmo teria precipitado sua
morte, sufocando-a. Em suas memórias, com certeza não narra
esse episódio.
Para reforçar nossa hipótese, podemos recorrer, além
do laudo médico, ao seguinte fato: o delegado ao enviar o
seu relatório para o monsenhor Bedini, no dia 15 de Agosto,
em Bolonha, mandou junto algumas correspondências anônimas
que teria recebido. Entre essas cartas, uma dizia o
seguinte:
“[...] denunciava que o
responsável pelo estrangulamento
da desconhecida (Anita) era
justamente Giuseppe Garibaldi, num
ato de desespero destinado a
facilitar sua fuga, dificultada
pela gravidez da mulher que o
seguia” (MARKUN, 1999, p.20).
A proposta aqui não está em identificar e nem
biografar a vida dos grandes vultos da História, mas de
analisar eles através dos monumentos selecionados. O que
interessa, portanto é constatar se os monumentos traduzem
uma realidade dos heróis na sociedade onde estão inseridos.
144
O monumento localizado em Porto Alegre não foi erguido
por decisão local, mas pela iniciativa da colônia italiana.
Mesmo que Garibaldi seja reconhecido pela maior parte dos
gaúchos como um herói da Revolução Farroupilha, não teve
esse reconhecimento da sociedade porto-alegrense na forma
de monumento.
Encontramos monumentos de Garibaldi e Anita em vários
países, tais como: Estados Unidos, Uruguai, Brasil, Itália
entre outros (Fig.25 e 26)
27
. Na Itália, berço maior da
glorificação está um grande número de monumentos que contam
a trajetória dos dois. Porém, a maioria dos monumentos a
Garibaldi em países fora da Itália, são presentes
oferecidos pelas colônias italianas.
27
O autor do monumento (Fig.25) foi o escultor uruguaio Edmundo Prati,
nascido em Paysandú, em 1889. Quando adolescente freqüentou a escola
de Artes e Ofícios da cidade de Trento, Itália. Continuou estudando
seu ofício, passando pela Real Academia de Belas Artes de Brera, em
Milan (www.prati.com.br – Acessada em 23 de Abril de 2007).
O Monumento (Fig.26) é de autoria de Giovanni Turini. O escultor
nasceu em Verona, Itália, em 1841. Estudou escultura em Milão e
Roma. O monumento erguido foi iniciativa dos Italianos
residentes em Washington que incubiram Turini de ser o artista
responsável por erguer uma estátua que homenageasse Giuseppe
Garibaldi (www.famousamericans.net/giovanniturini - Acessada em 26 de
Dezembro de 2006).
145
O monumento de Anita e Garibaldi (Fig.27) concretizado na
Itália, em 1913 pelo artista Filadelfo Simi
28
. Esse foi um
presente oferecido pela colônia italiana de Porto Alegre, para
comemorar o centenário de Garibaldi
29
.
Nessa obra, Anita e Giuseppe Garibaldi foram
idealizados a partir do imaginário criado sobre a
participação dos dois na Revolução Farroupilha.
28 Filadelfo Simi nasceu em 1849 em Levigliani / Itália. Formado pela
Academia de Belas Artes de Florença. Em 1900, recebe a encomenda da
comunidade italiana de Porto Alegre para fazer um monumento de Anita e
Garibaldi. Simi faleceu em Florença, no ano de 1923. Para maiores
informações, um site dedicado ao artista no endereço
www.filadelfosimi.it – Acessada em 28 de Julho de 2006.
29 Dados técnicos relativos ao monumento e discursos de inauguração
dessa obra, ver ALVES, José Francisco. A Escultura Pública de Porto
Alegre: história, contexto e significado. Porto Alegre: Artfolio,
2004, p.103-104.
Fig.25 – Monumento a
Garibaldi. Uruguai, 1957.
Fig.26 – Monumento a Garibaldi.
Washington, 1888.
146
Segundo Alves, houve uma comissão designada que
organizou essa homenagem, tendo como objetivo erguer em
Porto Alegre (Fig.28) um monumento que retratasse o
“ilustre italiano” e seus feitos heróicos:
A Comissão organizadora da
homenagem foi composta inicialmente
por Guido Bertolotti (presidente),
Ângelo Crivelaro (vice-presidente),
Giovanni Pilla (tesoureiro) e
Francesco Zuliani (secretário).
Posteriormente, devido ao atraso em
Fig.27 – Monumento a Anita e
Giuseppe Garibaldi
147
providenciar o monumento, a comissão
foi substituída [...] formado por
Francisco Provenzano, Pietro Bonotto
e Nicola Muccillo, auxiliados por
Paulo Paganini e Alexandre Piccini
(tesoureiro)” (ALVES, 2004,
p.103).
Conforme vimos, a iniciativa partiu de um grupo
específico e não do corpo social de Porto Alegre. O que
percebemos foi que a maioria dos monumentos dedicados a
Fig.28 - Construção do Monumento
de Anita e Garibaldi, em 1912.
148
Garibaldi são oferecidos pelas colônias italianas e não
iniciativa das sociedades por onde Garibaldi passou.
Partindo da hipótese de que o monumento se configura
por uma representação de Anita e Garibaldi, devemos agora
interpretar a obra para assinalar até que ponto a realidade
e o imaginário são evidenciados.
Anita Garibaldi (Fig.29)
está sendo representada como se
estivesse no campo de batalha.
Esse foi o perfil de Anita mais
romanceado pela literatura. Com
uma posição de ataque, passa a
idéia de estar à frente de uma
tropa, tomando a iniciativa
investida contra os inimigos. O
canhão ao lado, agrega à pose o
verdadeiro cenário de enfrentamento e luta.
No jornal A Federação de 22 de setembro de 1913, entre
os discursos proferidos em homenagem à inauguração do
monumento, uma descrição da obra como o combate de
Laguna em que Anita, ao estar a bordo da embarcação Rio
Pardo, foi a responsável pelo início do confronto.
Fig.29 – Anita Garibaldi
no monumento
149
No combate à Laguna, Anita ainda estava tentando
convencer Garibaldi de que a levasse junto. Com muito
esforço, conseguiu embarcar no Rio Pardo. Nesse período,
uma mulher, da cidade, jovem, em meio a vários homens,
teria a chance de comandar uma tropa, se colocando à frente
como símbolo de liderança? E Garibaldi, como capitão da
embarcação, deixaria sua autoridade de lado e repassaria a
uma mulher pela qual não queria que estivesse ao seu lado
nesse momento? Infelizmente, parece-nos que a mulher
guerreira foi demasiadamente idealizada. O fato é que
Anita teve que se defender em combate, o que não quer dizer
que estivesse necessariamente liderando todo grupo nessa
ação.
Os indícios nos levam a crer que Anita não lutou ao
lado dos Farroupilhas por questões ideológicas, mas sim por
motivações pessoais. A sua luta foi pela sobrevivência, e
não por defesa do Rio Grande do Sul.
O grande homenageado da obra, Giuseppe Garibaldi
(Fig.30), aparece mais como um coadjuvante nessa
interpretação. Com um olhar que mistura contemplação e
apreensão, parece estar em um cenário diferenciado ao de
Anita. Se a representação é de um combate, Garibaldi parece
estar apenas assistindo a decorrência dos fatos.
150
A literatura compreende a
coragem e os heróis nessa cena
da seguinte forma:
Vê-se a seguir o monumento
erguido por iniciativa da colônia
italiana em 20 de setembro de
1913 a glória de Garibaldi e
Anita. A linda estátua branca
[...] lembrando ao Rio Grande do
Sul que o grande libertador
italiano e o heroína catarinense
tem seus nomes gravados nas
páginas soberba do decurso
imortal dos ‘farrapos’”
(Revista do Globo, 1931,p.39).
Portanto, como exemplo, podemos citar a biografia
romântica de Bandi
30
, cuja primeira publicação foi em 1889,
trazendo de forma popular a história de Anita e seu
envolvimento com Garibaldi. O episódio da dramática morte
de Anita fez dela uma heroína na História da Itália.
30
Guiseppe Bandi nasceu em 1834 em Florença / Itália e faleceu em
1894.
Fig.30 – Giuseppe Garibaldi
no monumento
151
A capa do romance (Fig.31) de Giuseppe Bandi traz um
conjunto de elementos visuais bem típicos desse tipo de
literatura. Mostra Garibaldi
saindo do mar, após ter
deixado o navio, carregando
Anita às costas. Essa
alusão à morte de Anita foi
reinventada a partir do
imaginário do escritor.
Mesmo havendo uma versão bem
diferente da apresentada e,
inclusive analisada aqui,
será justamente essa que irá
fazer de Anita e Giuseppe
Garibaldi os heróis que são
hoje.
Voltamos a nossa questão que norteia a análise dos
monumentos: podemos considerar Anita e Garibaldi heróis a
partir desse monumento? Não, que foi uma iniciativa da
colônia italiana em erguer essa homenagem. Os heróis foram
impostos a nossa sociedade. Não houve reconhecimento da
população de Porto Alegre ou iniciativa por parte do
governo de efetivar tal homenagem.
Fig.31 – Capa do Romance
de Giuseppe Bandi
152
Ao revermos alguns pontos na vida de Garibaldi e
Anita, percebemos que o vivido foi bem diferente do
estabelecido pela literatura. Ao examinarmos esse
monumento, sob a luz dos fatos aqui levantados, será
possível interpretarmos a obra com o mesmo olhar daquele
baseado nos textos romanceados? Não, já que o monumento foi
concebido a partir de um imaginário criado para divulgar
uma história recriada. Garibaldi, assim como Anita, não
lutou na Revolução Farroupilha por ideologia, a prova é que
Garibaldi quando chegou a Montevidéu, renegou a causa
Farroupilha ao pedir anistia a D. Pedro II (FLORES, 1978,
p.52).
2.4 - Monumento ao Barão do Rio Branco
José Maria da Silva Paranhos Júnior - Barão do Rio
Branco
31
(Fig.32) atuou em diversificados segmentos
profissionais, entre eles: jornalismo, diplomacia, e
política. Foi membro da Academia Brasileira de Letras,
tomando posse em outubro de 1898, ocupando a cadeira de no.
34, mas foi como diplomata que Rio Branco obteve seu maior
reconhecimento (CARVALHO, 1945, p.32). Por isso a
31
José Maria da Silva Paranhos Júnior nasceu na cidade do Rio de
Janeiro, em 25 de Março de 1845, e faleceu em 19 de Fevereiro de 1912,
no Rio de Janeiro.
153
Diplomacia do Brasil o tem como seu patrono. Em Brasília,
na Praça dos Três Poderes, juntamente com outros nomes que
formam o panteão dos heróis
da Pátria, o nome do Barão
do Rio Branco se faz
presente.
A importância de Rio
Branco para o Brasil está
além de sua ação no
delimitar do território
brasileiro, reside na inserção
do Brasil no cenário
internacional, bem como na
aproximação do País com os Estados Unidos:
“O Brasil fizera, das suas
relações com os Estados Unidos, na
época de Rio-Branco, uma das
linhas mestres da sua política
externa, combatendo a política de
isolamento, abrindo caminhos à
pátria real do pan-americanismo e
mostrando, com o seu exemplo, num
momento em que os Estados Unidos
eram olhados com desconfiança
Fig.32
Barão do Rio B
ranco
154
no Hemisfério Ocidental [...]”
(NAPOLEÃO, 1947, p.212).
Entre suas contribuições para o País temos, em 1900, a
incorporação do Amapá ao território brasileiro - por essa
ação, ganhou seu título de “Barão”- e a disputa territorial
com a Argentina, onde o Brasil assegurou parte dos Estados
de Santa Catarina e do Paraná, fato esse conhecido como a
“Questão de Palmas”, em 1895. O Estado do Acre também teve
que contar com a diplomacia de Rio Branco para se tornar
parte do nosso território: em 1903 Bolívia e Brasil
assinaram o tratado de Petrópolis, em troca do Acre, a
Bolívia recebeu - entre outras coisas - benefícios
financeiros.
Com a queda da monarquia no Brasil, o Barão do Rio
Branco, amigo de D. Pedro II e simpatizante de sua formade
governo, viveu um dilema: servir à República ou abandonar a
carreira e ser solidário ao regime deposto? A História nos
respondeu essa questão: Rio Branco foi uma iniciativa
decisiva na delimitação territorial do Brasil justamente no
período da República (FILHO, s/d, p.175).
155
Como nossa preocupação será de associar Rio Branco a
sua representação através do monumento, surge um ponto que
não devemos ignorar: uma contradição no que se refere à
figura de Rio Branco e a República, o título “Barão” é um
título nobiliárquico e mesmo assim continuou a ser usado
por Rio Branco (CARVALHO, 1945, p.74). Como monarquista,
recebeu a titulação pouco antes da queda da monarquia, em
1888, e continuou a utilizá-la mesmo após a Proclamação da
República no Brasil. Teria sido ele um monarquista adotado
pelos republicanos, já que a “Era Rio Branco coincide com o
apogeu da chamada República Velha”? (HEINSFELD, 2000,
p.16).
Para termos uma noção da afeição de Rio Branco pelo
Imperador D. Pedro II, recorremos a um trecho das tantas
cartas enviadas por ele ao monarca, tendo em vista que os
dois eram grandes amigos:
“[...] Peço licença para
beijar respeitosamente a mão de
Vossa Majestade e sinto imenso poder
fazê-lo pessoalmente, indo a Cannes.
As ingratidões do período agitado que
atravessamos hão de passar e, Vossa
Majestade pode encarar com animo
sereno o futuro e descansar no juízo
da posteridade e no respeito e
156
reconhecimento dos Brasileiros
[...]. Tenho a honra de ser, com o
mais profundo respeito - De Vossa
Majestade Imperial muito humilde,
obediente e agradecido súdito”.
Paris, 22 de Julho de 1890 (RIO
BRANCO, 1957, p.100).
Pela carta, percebemos que Rio Branco era um
monarquista mesmo que não admitisse sua predileção por
nenhum regime político, pois:
“O Barão, malgré tout, era
admirador de D. Pedro II, a quem
votava uma estima muito enraizada
em suas afinidades históricas.
[...] E embora não fosse fetichista
de nenhum regime político, tinha
suas acentuadas preferências pela
monarquia” (CARVALHO, 1945, p.73).
Mesmo assim Rio Branco continuou a prestar seus
serviços à República, e foi nesse período em que foi mais
decisivo para o País. Conhecido como o “Construtor de
fronteiras” (HEINSFELD, 2000, p.72), por essa iniciativa
que será perpetuado e homenageado nos monumentos públicos.
157
Na charge (Fig.33), podemos perceber que era muito bem traduzida
no período, através do recurso satírico, a questão das fronteiras do
Brasil.
Está sendo representado o
Tratado de Montevidéu, de 25 de
Janeiro de 1890. O Barão do Rio
Branco é figurado pelo Rei
Salomão, onde a criança passa
a ser o território e as
mulheres, as duas pátrias:
Brasil e Argentina. A alegoria
do Brasil (mulher da esquerda),
de forma indignada, não
aceita a solução da divisão.
Abaixo, na imagem, Rio
Branco aparece estudando o caso, conforme a charge “[...]
por meio de pesquisa e estudo profundo da questão”,
vislumbrando o mapa a solução. Após conseguir provar que o
Brasil era o verdadeiro “pai” da “criança”, ao lado,
aparece um índio (significando o Brasil) segurando seu
filho (novo território anexado).
Fig.33 – Sátira de questão
territorial do Brasil
158
Para muitos, “Rio-Branco é a sinonímia mais alta que
se encontra no dicionário do Brasil. Na mitologia do Brasil
Rio-Branco será o nosso Hércules [...]” (AMADO, 1947, p.7),
por isso de sua transição tranqüila da Monarquia para
República, sendo que ele: “Manteve-se no cargo durante a
administração de quatro presidentes Rodrigues Alves,
Afonso Penna, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Somente a
morte tirou-o do poder” (HEINSFELD, 2000, p.15).
O monumento erguido
em Porto Alegre (Fig.34)
para homenagear Rio Branco
nos dá aportes suficientes
para demonstrar que o
monumento não condiz com a
realidade histórica. O que
difere nessa obra em
relação às outras, é a
figura do homenageado. O
Barão, em si, não foi
considerado herói pelos
republicanos, mas sim os seus atos, afinal trouxeram
grandes benefícios ao país.
Fig.34 – Monumento ao Barão do
Rio Branco
159
O monumento ao Barão do Rio Branco foi uma obra do
escultor alemão Alfred Adloff
32
, contratado por João
Vicente Friedrichs. Segundo Fortini, o original da obra foi
enviado à Alemanha para ser fundido em bronze, porém a
alegoria da República nunca chegou a retornar, tendo que
ser feita aqui mesmo em galvanoplastia (FORTINI, 1962,
p.125).
A obra foi uma “iniciativa do Clube Militar de
Oficiais da Guarda Nacional, com contribuições espontâneas
popular” (FORTINI, 1962, p.125). Segundo Doberstein: “[...]
uma figura da República oferecendo louros ao estadista.
Simboliza o agradecimento da pátria republicana pelos
serviços a ela prestados pelo barão monarquista”
(DOBERSTEIN, 2002, p.84-85).
Com uma vestimenta à moda Bismarck” (ALVES, 2004,
p.104), o Barão (Fig.35) foi retratado segurando em uma das
mãos seus óculos e, na outra, um documento que simboliza as
negociações - onde teve participação que resultou em
assinaturas de tratados.
32
Para saber mais sobre o escultor Alfred Adloff ler: DOBERSTEIN,
Arnoldo W. Alfred Adloff e o Ornamentalismo Figurativo. In: FLORES,
Hilda A. Hübner (Org.). Vidas e Costumes. Porto Alegre: Nova Dimensão,
1994. p.57-74.
160
O revelador é que além da estátua do Barão do Rio
Branco, uma alegoria da República (Fig.36) oferecendo
louros (símbolo da vitória e dos heróis) a ele. Segundo a
hipótese de Doberstein:
“Mas para os positivistas não
importava que o Barão talvez
preferisse receber a coroa de
louros das mãos da Pátria em vez
da República. Partidários fanáticos e
republicanismo, ao qual deviam sua
ascensão ao poder do estado, para
eles o único sinônimo de pátria
Fig.35 – Detalhe do Barão do
Rio Branco
161
era república. Ser patriota era
ser, necessariamente, republicano.
Por isso entendemos que essa
figura da república, mais do que
uma simples alegoria, é um símbolo
positivista (DOBERSTEIN,1988,p.100).
Autorizamos-nos, porém,
a desenvolver uma leitura
possível: se realmente a
alegoria é um símbolo
positivista, conforme Doberstein,
qual a necessidade de erguer
uma obra para homenagear um
monarquista? A apropriação
da figura do Barão de Rio
Branco pela República está
inserida naquela mesma questão
da promoção do herói
Tiradentes. O Barão foi
reconhecido pelos seus serviços
ao Brasil, aclamado herói
pelos seus feitos e pela
sociedade brasileira.
Fig.36
Alegoria da República
162
Como Tiradentes, também passou a divulgar a República
através das inúmeras obras espalhadas pelo Brasil. Ao olhar
Rio Branco, vê-se a República.
Em Porto Alegre, o ato da alegoria da República
oferecer flores ao herói não é símbolo somente de
reconhecimento, mas de associação entre seus feitos e a
República. Não podemos esquecer que a iniciativa de erguer
esse monumento não partiu do governo positivista
republicano, mas de um grupo, nesse caso, de militares.
Para encerrar, constatamos que o monumento ao Barão do
Rio Branco foi uma apropriação de sua imagem. O Barão como
vimos era monarquista e a obra transmite uma idéia de
herói, onde o “filho” republicano recebe o reconhecimento
da “mãe” República. Talvez esse seja o mais contraditório
monumento em Porto Alegre.
163
2.5 - Monumento ao General Bento Gonçalves
Um dos heróis mais
cultuados no Rio Grande do Sul
é, sem dúvida, Bento Gonçalves
33
(Fig.37). Em torno dele foi
criado um longo discurso de
glorificação que chega a torná-
lo quase um ser mitológico.
Ele passa a ser real no
instante que recorremos à História, onde podemos analisá-lo
a partir de documentos e, não somente da literatura
romanceada que o torna um ser inatingível e isento das
fraquezas humanas, pois como os homens, teve suas virtudes
e suas falhas. Para alimentar o imaginário da sociedade
foram criadas inverdades sobre Bento Gonçalves, como por
exemplo, de sua pretensa vocação republicana.
33
Bento Gonçalves da Silva nasceu em 23 de setembro de 1788, no
Distrito de Piedade / RS e falesceu em 18 de julho de 1847, em Guaíba
/ RS.
Fig.37 – Retratação de
Bento Gonçalves
164
Em um trecho da carta de Bento Gonçalves, é possível
constatar que não era adepto à República e muito menos um
republicano:
[...] Briosos Guardas Nacionais!
Não escuteis suas vozes insidiosas,
não acrediteis em tais boatos; eu
posso assegurar-vos que não existe
nenhum plano de reblica e
separação do Brasil. Os rio-
grandenses que empunharam as armas
para resistir a opressão, amam e
querem todos pertencer à união
brasileira [...]
[...] União, Guardas Nacionais,
e a Pátria será feliz: união outra
vez vos digo e a Pátria nada terá
que temer. Viva a liberdade! Viva
a constituição reformada! Viva o
Sr. D. Pedro II! Viva a união dos
rio-grandenses livres!
Porto Alegre, 3 de janeiro de 1836
(MACEDO, 1990, p.55-56).
Bento Gonçalves reafirma em outras cartas que não
havia intenção de declarar no Rio Grande do Sul uma
República e tampouco buscar uma separação do restante do
Brasil. Sua presença em um governo declarado republicano
foi por puro acaso do destino, onde a circunstância o
conduziu ao comando.
165
Essa nossa afirmação de que Bento Gonçalves não era
republicano também é compartilhada pelo autor Moacyr
Flores, que sustenta que não evidências de simpatia por
tal regime em suas correspondências
34
e que justamente quem
proclamou a República foi Antônio de Souza Neto e não Bento
Gonçalves (FLORES, 1978, p.138).
O discurso de Bento Gonçalves possui um outro teor a
respeito da República e do próprio D. Pedro II. Em um
trecho da Proclamação, Bento Gonçalves se refere ao
Imperador da seguinte forma: “O Brasil em massa se levanta
como um homem para sacudir o férreo jugo do segundo
Pedro. Cacequi, 13 de julho de 1842” (Arquivo Histórico do
RS, 1985, p.294). Em 1936, como vimos na carta anterior, dá
um “viva” ao Imperador, contraditoriamente agora diz que é
uma autoridade impiedosa e inflexível. Sobre a República,
ele inverte totalmente a sua opinião - “[...] Se assim
fizerdes vereis em breve tremular o estandarte tricolor em
todos os pontos da República [...] Cacequi, 13 de julho de
1842” (Arquivo Histórico do RS, 1985, p.294).
34
Uma grande parte das correspondências de Bento Gonçalves consta na
publicação: Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva
1835/1845. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Comissão Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha,
Subcomissão de Publicações e Concursos, 1985.
166
O que percebemos é que Bento Gonçalves passou a
conviver com a idéia de República a partir da oportunidade
de governar o Rio Grande do Sul. Seu discurso mudou
totalmente quando percebeu que a causa farroupilha não
poderia ser defendida via preceitos monarquistas, os quais
constavam em seus discursos. O que nos parece é que o herói
comandante dos farrapos somente nasceu após a mudança de
seu discurso.
Na literatura um extenso material dedicado ao
personagem Bento Gonçalves. A maioria repete décadas o
mesmo enfoque: Bento Gonçalves como o herói comandante
farroupilha. Mesmo assim, uma vertente que tenta
desmistificar essa visão romântica de que Bento Gonçalves,
que não receia perigo algum, devesse ser um ícone a ser
seguido pelo gaúcho.
Para Tau Golin, Bento Gonçalves foi um contrabandista
e um dos piores ladrões de gado e cavalo que existiu no
Rio Grande do Sul (GOLIN, 1983, p.12). A tese de Bento
vilão se confirma na assertiva de que era um espião da
Coroa Portuguesa, o que teria contribuído em muito para a
os desdobramentos apresentados na guerra com Artigas
(GOLIN, 1983, p.31). Após trazer dados e fragmentos de
cartas, Golin declara que:
167
Além de diversos historiadores
ligados ao poder, o Tradicionalismo é
o principal responsável pelo mito
Bento Gonçalves. Quando Cezimbra
Jacques fundou em 22 de maio de 1898,
o Grêmio Gaúcho precursor do
Movimento Tradicionalista Gaúcho em
seu Estatuto ficou demarcado que
entre seus fins estava o de
cultivar as tradições gaúcha,
inspirada na personalidade
inconfundível do ínclito General
Bento Gonçalves da Silva” (GOLIN,
1983, p.15).
Frente a essa visão muito particular de Tau Golin, a
repercussão foi de total repúdio dos adeptos à figura de
Bento Gonçalves. Definir como ladrão” e “contrabandista”
um “herói farroupilha,” cultuado principalmente pelos
tradicionalistas, fez renascer uma discussão que muito
estava adormecida.
Para responder às acusações de Golin, Fernando Sampaio
lançou um livro dedicado à defesa da honra de Bento
Gonçalves. Sampaio respondeu sobre o contrabando da
seguinte maneira: “Porém, se informar mais profundamente na
questão, veremos que o contrabando era uma atividade social
168
revolucionária” (SAMPAIO, 1984, p.49). O autor ao invés de
ir contra a afirmação de Golin, acabou reconhecendo a
prática contraversiva, alegando ser comum.
Tau Golin chega em um ponto determinado de seu livro a
dizer que Bento Gonçalves comprou sua patente de militar,
mas para Sampaio o que parecia um ato impróprio, não
passava de mais uma prática da época (SAMPAIO,1984,p.75).
Enfim, Bento Gonçalves não teve um bom defensor de suas
acusações, pois a maioria do livro de Sampaio serviu para
dizer que tudo não passava de um “costume” e que se operava
dentro da normalidade do período.
A partir desses dois autores, podemos entender que
Bento Gonçalves tem seu maior culto dentro dos Centros de
Tradições, por sua representatividade quanto ícone.
Nas vésperas do centenário farroupilha, na década de
1930, a campanha de elevação de Bento Gonçalves a herói se
intensificou. Jornais e revistas publicavam artigos de
glorificação ao chefe farroupilha. Na Revista do Globo,
surgiram vários artigos contando a saga dos farroupilhas,
sempre aludindo ao líder. Em 1931, a revista publicou o
seguinte texto:
169
“Thomas Carlyle, o famoso
ensaísta inglês escreveu que os
heróis são os guias dos homens, os
modelos, os padrões e, num sentido
mais largo, os criadores de tudo
quanto a grande massa do povo
procura fazer ou atingir.
[...] Bento Gonçalves pode ser
catalogado dentro dessa elite great
Men ou heróis de que fala Carlyle,
esse general rude e bravo, inteligente
e impetuoso, cavalheiresco [...]
(Revista do Globo, 20/09/1931, p.6).
Thomas Carlyle entendia o herói como o condutor da
História. Para ele bastava estudar a vida dos grandes
homens para entender a História da humanidade. Essa visão
equivocada ainda fazia parte da imagem do herói, corrente
nos anos 1930. Bento Gonçalves passa então a possuir
atributos que envolvem o universo dos heróis, tais como:
inteligência, espírito aventureiro e coragem. Não podemos
esquecer a idealização do gaúcho com seu cavalo, o que o
faz ser relacionado a um cavaleiro medieval.
Sabemos que Bento Gonçalves não era um republicano,
mas apoiou a República quando proclamada. Por que apoiou?
Não foi por acreditar que seria melhor para o povo ou para
a causa, mas porque percebeu que assumiria o cargo de
170
presidente e consequentemente poderia reestruturar uma nova
administração ao seu gosto e modo (FLORES, 2002, p.451).
A partir de Bento Gonçalves e da Revolução
Farroupilha, foi criado um personagem mitológico. A
dimensão que se ao fato ocorrido não tange à causa do
conflito, mas sim ao imaginário criado sobre a imagem do
gaúcho corporificado na coragem daqueles que lutaram a
favor do Rio Grande do Sul, pois:
“O mito em torno da Revolução
e dos heróis farroupilhas não foi
algo que surgiu imediatamente após
1845. Foi lentamente tomando forma,
para ser incorporado ao imaginário
da população rio-grandense de
maneira definitiva na primeira
metade do século XX.
[...] Os heróis nacionais e os
mitos de origem ocupam papel de
destaque na construção da identidade
nacional, no caso rio-grandense na
identidade regional, conseguindo
servir de modelo para a sociedade”
(MARTINS, 2005, p.407).
A glorificação a Bento Gonçalves se renova todos anos
no mês de setembro, quando ocorrem os desfiles
farroupilhas. A inspiração para a comemoração do início de
171
um período sangrento que precedeu a derrota dos farrapos em
um território onde se apoiava os imperiais
35
será a do
gaúcho idealizado, é um grande teatro, onde os atores
inspiram-se na saga Farroupilha.
O monumento a Bento
Gonçalves (Fig.38) apresenta
um herói idealizado a
partir de sua participação
na Revolução Farroupilha.
Montado a cavalo, símbolo
do gaúcho, é retratado em
postura de comando e de
liderança.
Esse monumento era para ter sido erguido no final
do século XIX, quando os positivistas tinham Bento
Gonçalves como modelo de herói gaúcho. Essa apropriação da
imagem do líder farroupilha foi tão representativa para os
republicanos, que Júlio de Castilhos em sua Constituição de
14 de Julho de 1891, Art. das disposições transitórias,
escreve o seguinte:
35
Compartilhamos da opinião do Prof. Dr. Moacyr Flores, que acredita
que uma contradição em comemorar o início de um período sangrento,
onde o final é marcado pela derrota.
Fig.38 – Monumento a
Bento Gonçalves.
172
“Será elevado, em uma das
praças públicas do estado, um
monumento à memória de Bento
Gonçalves e de seus gloriosos
companheiros da cruzada de 1835,
logo que os cofres públicos o
permitam, se antes a iniciativa
particular não houver satisfeito
esse patriótico tributo” (CRUZ,
1977,p.132).
O importante nesse monumento será a imagem de como
Gonçalves será concebido. Primeiramente, devemos convergir
nossas atenções para o escultor realizador dessa obra.
Antônio Caringi nasceu em 18 de maio de 1905, na
cidade de Pelotas, filho de Antônio Caringi e de Josefina
Sica Caringi, passando
parte de sua infância na
cidade de Bagé. Obtendo
formação artística na
Alemanha (Fig.39), sendo
discípulo de Hans Stangl e
aluno de Herman Hahn,
seguiu uma linha artística
Fig.39 – Caringi no Ateliê
de Munich / Alemanha
173
que expressava a razão e a emoção, utilizando com
freqüência o modelo alegórico em seus trabalhos (SILVA,
2001, p.73).
Por ter desenvolvido seus estudos na Alemanha, herdou
um estilo europeu na produção de seus trabalhos. Seus
professores, Stangl e Hahn também tiveram na figura de
Adolf Hildebrand (Fig.40) o grande mestre, que:
“[...] intentou romper com a
tradição naturalista da escultura
de seu país, retornando o estudo
aos antigos, às suas leis gregas,
buscando um novo caminho que conduzisse
ao despertar da consciência e
intuição do mundo” (GOMES, 1998,
p.82).
Fig.40
Adolf Hildebrand
174
Essa nova concepção de se fazer escultura é adotada
por Hildebrand. Onde Caringi se coloca nisso tudo? Seu
professor Herman Hahn, teve seus ensinamentos inspirados no
escultor Hildebrand (GOMES, 1998, p.82).
A arte produzida por Caringi tem inspiração na de seus
mestres que, por sinal, criaram seus estilos a partir da
mudança no contexto da escultura produzida na Alemanha, sob
preceitos de Hildebrand. Além de herdar a técnica ensinada,
não poderíamos esquecer de Arno Breker, seu professor de
plástica monumental em Berlim, cuja formação foi
“influenciada por Rodin, Despiau e Maillol” (GOMES, 1998,
p.82). Mais tarde, Breker e seu modo de produzir arte,
despertará as atenções de Hitler que o tornará o “escultor
oficial do 3º Reich” (GOMES, 1998, p.82).
Com isso, Caringi (Fig.41) herdou uma formação acadêmica
típica do ensinamento alemão, que caracterizará toda produção de
sua arte. Sobre o monumento a Bento a Bento Gonçalves, veremos
que a concepção da obra possui ambas influências: de Hildebrand
(Fig.42) e de Breker. De Hildebrand vemos o gigantismo,
imponência e o todo de se dar forma figurativa ao relevo.
de Breker, Caringi aprendeu “a expressar a ideologia em
obras discursivas e panfletárias, de porte grandioso [...]”
(GOMES, 1998, p.82).
175
Como se pode perceber uma semelhança no estilo de
Caringi e de Hildebrand. A monumentalidade, as linhas
fortes, a postura firme de Bismarch e Bento Gonçalves. O
cavalo é tipicamente europeu, nos dois exemplos, e a
fisionomia dos representados transcende a seriedade e
liderança.
Bento Gonçalves pode ter sido considerado um herói por
muitos, porém seu monumento não recria o contexto, muito
menos o cenário de sua participação na Revolução
Farroupilha. Se não fosse o mito criado em torno dele, não
seríamos capazes de fazer uma leitura apenas a partir dessa
obra. O cavalo está nos moldes europeu. Bento Gonçalves
Fig. 42 – Monumento a Bismarck,
Adolf von Hildebrand
Fig.41 Monumento a Bento Gonçalves,
Antonio Caringi
176
está mais para um General alemão que desfila à frente da
tropa após uma batalha vitoriosa, vestindo a casaca típica
do exército germânico.
Com esse monumento, vai ser confirmada uma outra fase
na tipologia das obras. Antes o herói criado era o letrado,
agora serão os heróis armados (DOBERSTEIN, 1994, p.57),
pois os anos 30 vão gerar o culto ao nacionalismo
exagerado, onde os expoentes inspiradores serão os heróis
“guerreiros”.
Houve dois projetos para o monumento a Bento
Gonçalves, um do escultor Leão Velloso e o outro, de
Caringi. Velloso propôs mostrar um Bento Gonçalves mais
gaúcho, em combate com um “ponche esvoaçante, o cavalo
empinado, a espada desembainhada, apontada para o inimigo”
(DOBERSTEIN, 1994, p.58). Talvez essa proposta de Velloso
tivesse uma maior identificação com o mito Bento Gonçalves.
A obra de Antônio Caringi (Fig.43 e 44) foi fundida na
Alemanha, tendo sido inaugurada, em um primeiro momento, no
Parque Farroupilha em 15 de Janeiro de 1936 para em 1941
ser transferida para a Avenida João Pessoa (ALVES, 2004,
p.108).
177
A imagem escolhida por Caringi para retratar Bento
Gonçalves será a típica figura do líder farroupilha em
trajes militares. um excesso por parte do escultor em
acentuar as expressões do rosto de Bento Gonçalves, dando
uma idéia de mau humor ou como Doberstein denomina
“expressão carrancuda” (DOBERSTEIN, 1995, p.83).
Nos baixos – relevos (Fig.45 e 46) foram representadas
cenas da Revolução Farroupilha. Como foi financiada pelo
Governo para comemorar o Centenário da Revolução
Farroupilha, nada mais justo que o monumento despertasse o
máximo na sociedade de reconhecimento aos heróis
farroupilhas, sintetizado na figura de Bento Gonçalves.
Fig.43 – Caringi e o modelo em
Gesso na Alemanha
Fig.44 Caringi modelando a obra a
partir da imagem de Bento Gonçalves
178
Os relevos se assemelham a uma tropa de romanos em
marcha para batalha. Diferente do monumento de Bento
Gonçalves, que está representado em uma marcha triunfal
após a vitória. Os farroupilhas - no relevo - estão
próximos de uma caracterização de gaúchos idealizados. O
problema é que se Caringi tentou se utilizar do símbolo da
bombacha para acentuar a figura do gaúcho, houve um
Fig. 46 – Baixos-relevos do
Monumento a Bento Gonçalves
Fig. 45 – Baixos-relevos do
Monumento a Bento Gonçalves
179
equívoco, pois ela iria surgir trinta anos depois na
Guerra do Paraguai. Também é um erro representar os
lanceiros a pé, o que não corresponde à realidade da
Revolução Farroupilha. Convivemos com um monumento que nos
diz mais pelo conhecimento que temos acerca do mito Bento
Gonçalves do que sua trajetória de vida.
Com uma estética da arte alemã, fugiu dos padrões
artísticos que manteria acesa na memória dos gaúchos a
Revolução Farroupilha. Se Bento Gonçalves mereceu o título
de herói por sua liderança, não cabe a nós julgar e nem é
nosso propósito. Mas na análise do monumento quanto relação
com a realidade histórica, verificamos que o tal
ocorrência. Aquele Bento idealizado no monumento é uma
recriação e foge da noção de um típico líder farrapo.
2.6 - Monumento ao Gaúcho Oriental
O monumento ao “Gaúcho Oriental” (Fig.47), será um
caso à parte, que a homenagem não recai em uma pessoa
específica e sim em um símbolo rio-grandense. Por isso ao
invés de analisarmos a biografia para remontarmos o perfil
do herói presente no monumento, estaremos abordando o
180
significado do simbolismo do gaúcho
36
em nossa sociedade.
Esse gaúcho presente no nosso imaginário está de acordo com
a História ou ele é
fruto de um personagem
projetado? Será o que
investigaremos a seguir.
O gaúcho pode ser
considerado um personagem
que está presente apenas
no Rio Grande do Sul ou
já estava presente
antes de delimitações
geográficas? Segundo
Reverbel:
São bem acentuadas as
diferenças entre o gaúcho rio-
grandense e o platino. Nas respectivas
composições étnicas, este recebeu
maior contribuição do contingente
indígena, enquanto aquele a recebeu
36
Segundo Kaiser: “[...] o gaúcho é um personagem mitológico que
habitou o sudoeste do Rio Grande do Sul, a região dos pampas do sul do
Brasil, na atual fronteira com Argentina e Uruguai, conhecida como
Campanha. Ele existiu também nos pampas argentinos e uruguaios. [...]
mesmo quando ficcional, a literatura baseia-se em experiências, tipos
humanos e situações que têm fundamentos na história, mesmo que mítica,
da sociedade” (1999, p.37).
Fig.47
Monumento “Gaúcho Oriental”
181
em maior escala do contingente
africano (2002, p.133).
A formação do nosso gaúcho tem muito da participação
do negro, sendo constatada antes de sua participação nas
charqueadas, sendo utilizado como “peão de estância”
(REVERBEL, 2002, p.133). Se o gaúcho platino é diferente em
muitos aspectos do gaúcho Rio-grandense, como podemos ter
um monumento em sua homenagem cuja autoria foi de um
escultor uruguaio para a sociedade Rio-grandense
completamente isenta de associações? Apontamos assim essa
obra como permeada pela contradição.
Segundo Reverbel, não se pode estabelecer vínculos
entre o gaúcho Rio-grandense e o platino, pois: “Trata-se
de tipos sociais diferenciados histórica, sociológica e
culturalmente” (REVERBEL,2002,p.136). O campo e a atividade
agropecuária talvez produzam algumas semelhanças, gerando
uma maior aproximação, seja pelo aspecto geográfico quanto
por suas atividades econômicas.
O gauchismo não pode ser entendido apenas a partir da
literatura ou da criação tradicionalista. O que permanece
sobre o gaúcho, ainda é aquele imaginário onde um homem
está trajado com sua indumentária típica, com seu cavalo e
182
possuidor de uma valentia que daria inveja aos grandes
heróis da mitologia grega.
Segundo Moacyr Flores, existe duas correntes sobre o
gauchismo. Uma delas foi concebida por autores como João
Cezimbra Lacques, Augusto Meyer, Simões Lopes Neto, Alcides
Maya, Salis Goulart que idealizaram a figura do gaúcho. Os
tradicionalistas seguiram os passos românticos dessa
recriação do gaúcho e deram a ele “atributos de cavaleiro
medieval, imitando os heróis do romantismo literário
europeu” (FLORES, 1996, p.69). Outra corrente será aquela
que consta nos documentos históricos e nos relatos dos
viajantes: o gaúcho como não tendo nada de herói, sendo
inclusive marginalizado (FLORES, 1996, p.69).
Podemos dizer então que o gaúcho é um personagem
mitológico, que habita as fronteiras entre o real e o
imaginário. No real, será aquele descrito nos documentos
históricos e, no imaginário, será o idealizado, pertencente
ao mundo da ficção e da concepção dos centros
tradicionalistas, onde o “mito está associado a um
cavaleiro indomável, viril, hábil no manejo das armas,
guerreiro valente, capaz de suportar grandes sacrifícios e
reveses” (KAISER, 1999, p.37).
183
O gaúcho mítico foi o personagem central nas obras de
vários escritores gaúchos, o que contribuiu para perpetuar
esse imaginário tão presente em nossa sociedade (LARA,
1979, p.29).
Causa estranheza ao percebermos que o gaúcho
idealizado no monumento está a pé. No conjunto que forma o
cenário do herói mítico e do gaúcho do Rio Grande do Sul,
seria improvável a representação sem o seu cavalo: “O mito
do gaúcho não pode se manter sem a existência do cavalo”
(LARA, 1979, p.79),
A indumentária do gaúcho é fundamental para sua imagem
heróica. O campo, o costume e a linguagem completam essa
“gauchidade” (LARA, 1979, p.94), onde:
“O macho adornado com bota,
lenço e bombacha, encimado um
cavalo, preparado para a guerra,
honrado no cumprimento do dever e
galanteador, este tipo habita com
primazia e intimidade as representações
que se faz do gaúcho desde as primeiras
experiências literárias efetivadas no Rio
Grande do Sul [...]” (NECCHI, 2005,
p.170).
184
Erguer um monumento para homenagear a figura do gaúcho
“heróico” é homenagear um personagem que não existiu. O
“gaúcho heróico do padrão romântico é muitas vezes
generalizado como sendo a imagem da sociedade rio-
grandense” (ALBECHE, 1996, p.17), e por isso se oculta o
verdadeiro gaúcho que possuía características nada nobres,
sendo inclusive excluído da sociedade. O tradicionalismo
compôs uma representação do gaúcho que agrupa múltiplas
associações: portador da coragem, o guerreiro, o
estancieiro, o guardião de nossas fronteiras, entre outras.
O monumento ao “Gaúcho Oriental”, tem duas
propriedades distintivas fundamentais que comprovam a nossa
tese de que não confere com a realidade histórica e que a
designação de herói não é fruto de uma escolha coletiva da
sociedade. Como vimos, primeiramente, foi uma iniciativa da
colônia uruguaia e segundo, o gaúcho assim apresentado, é
um personagem mítico, inventado e recriado pela literatura
romântica. Essa obra homenageia um imaginário e, por não
ser real, reflete um anseio de parte da sociedade que o
elegeu como herói a partir da leitura de uma literatura que
recriou a imagem do gaúcho.
185
O monumento “Gaúcho Oriental” foi uma oferta do Clube
Uruguaio de Porto Alegre, em comemoração ao centenário da
Revolução Farroupilha, tendo como autor o escultor uruguaio
Federico Escalada
37
(Revista do Globo, 1935, p.24).
Segundo Doberstein: “Trata-se da representação de um
típico gaúcho campeiro, com vestuário, apetrechos e postura
bem característicos. Em suas feições os traços indígenas
aparecem com bastante evidência” (DOBERSTEIN, 1995, p.81).
Discordamos da afirmação de Doberstein de que esse
gaúcho está associado ao do Rio Grande do Sul. O gaúcho
símbolo Rio-grandense deveria estar acompanhado com
seu cavalo. Outro aspecto que desperta interesse, é que
Doberstein reconhece as feições indígenas no rosto da
representação do gaúcho, o que evidencia ser um gaúcho mais
platino por sua formação étnica.
Se compararmos o monumento do “Gaúcho Oriental”
(Fig.48) e o monumento do Uruguai “El Peon de Estancia”
(Fig.49) veremos que o escultor teve a mesma concepção ao
fazer as duas obras.
37
O escultor uruguaio Federico Escalada nasceu em 1888 e faleceu em
1960.
186
A fisionomia, a indumentária e o chapéu tornam
manifesta a similitude dos dois monumentos. Os gaúchos
estão a e caracterizam-se pela expressão serena e
longínqua. Os traços indígenas estão presentificados no
semblante das obras artísticas, bem como visualizamos a
existência do chiripá
38
, botas de potro e das boleadeiras.
38
Chiripá faz parte da indumentária do gaúcho, é caracterizado por ser
uma proteção de tecido que envolve as coxas e amarrado na cintura.
Fig.48 – Detalhe do
“Gaúcho Oriental”
Fig.49 – Detalhe do “El
Peon de
Estancia”
187
O herói descrito na literatura e cultuado pelos
centros tradicionalistas não está eternizado nesta obra.
Talvez seja por isso que o monumento ao Laçador venha
suprir essa falta de um herói que represente o gaúcho
idealizado. Nesse período os heróis letrados darão lugar
aos heróis armados, e essa obra é um exemplo do culto a
heróis que defenderam o Rio Grande do Sul, dando início ao
“[...] grande momento dessa gauchização na estatuária”
(DOBERSTEIN,1995,p.80), o que alimentará esse culto ao
“espírito guerreiro” do povo gaúcho nas comemorações do
centenário da Revolução Farroupilha.
Não foi encontrado artigo ou divulgação que tenha
depreciado o monumento do gaúcho uruguaio. A Revista do Globo
(Fig.50) é uma que destaca de forma positiva a inauguração
da obra. Por que não houve rejeição da sociedade? Devemos
buscar a resposta na imagem recriada do gaúcho no Uruguai e
no Rio Grande do Sul. O fato de ser um mito reconhecido em
ambas as regiões, facilitou a aceitação. Mesmo tendo sido o
Uruguai um inimigo nas guerras contra o Brasil, esse gaúcho
não será aquele participante desses conflitos, mas sim o
idealizado e consagrado pelo imaginário.
188
Para exemplificar que o gaúcho é idealizado da mesma
forma no Uruguai e no Rio Grande do Sul, vejamos dois
poemas que externam esse imaginário:
Tengo em el dedo um anillo
de uma cola de peludo,
como hombre soy corajudo
y ande quiera desensillo;
le enseño al gaúcho más pillo
Fig.50 – Divulgação do monumento
ao Gaúcho pela Revista do Globo
189
de cualquier modo a chuciar,
y al mejor he de cortar
si presume de muy bravo,
enterrándole hasta el cabo
mi alfajor, sin tutubiar.
(Fragmento do poema Los Três Gaúchos
Orientales de Antonio D. Lussich, In:
GARCIA, 1941, p.40).
Gaúcho é nome e herança,
Que os bravos heróis nos legaram,
Que muito mal empregaram
Não compreendendo por certo
Gaúcho é altivo, esperto,
Espontâneo, inteligente,
Respeitador bom amigo,
Mas quando encontra o perigo,
Costuma chegar de frente.
(Fragmento do poema, sem título, de
Ruben Sofildo da Silva, In:
www.paginadogaucho.com Acessada em 22
de Junho de 2006).
Nos dois poemas o gaúcho é entendido como aquele
possuidor de virtudes, entre elas a valentia e a astúcia.
Nesses exemplos, encontramos os adjetivos pertencentes ao
universo dos heróis. Por essa razão não houve resistência
na imprensa escrita e por parte da sociedade de Porto
Alegre em receber de presente um monumento que
190
representasse um gaúcho uruguaio. Não fazia mal se era ou
não o nosso gaúcho, desde que fosse o herói reinventado na
literatura.
2.7 - Monumento ao Marechal Osório
Entre os monumentos
analisados nesse capítulo,
a estátua eqüestre do
Marechal Osório
39
(Fig.51) é
a mais autêntica representação
de um herói militar. Diferente
de Bento Gonçalves, Osório
foi muito bem representado
pelo artista. O Marechal foi
aquilo que está imortalizado
no monumento, um líder e um
bem sucedido na arte da guerra, excluindo-se qualquer
contestação de seu heroísmo.
39
Manuel Luis Osório nasceu em 1808 em Conceição do Arroio (hoje
cidade de Osório / RS) e faleceu em 1879 na cidade do Rio de Janeiro.
Também conhecido como Marquês do Herval, recebeu em 1962 o título de
Patrono da Arma de Cavalaria do Exército Brasileiro.
Fig.51
Marechal Osório
191
Mesmo assim, contradição no monumento que vai ao
encontro a nossa tese. Essa homenagem não reflete a
História presenciada pela sociedade de Porto Alegre e uma
leitura do nosso passado não é propiciada a partir desse
monumento. Veremos que Osório é um herói consagrado na
Monarquia, por lutar ao lado dos Imperiais em conflitos que
vão da revolução Farroupilha à Guerra do Paraguai:
Participou da Revolução
Farroupilha, mas quando o gen.
Antônio de Souza Neto proclamou a
República Rio-grandense, separada do
Brasil, abandonou a Revolução e
passou a lutar do lado do Império
(FLORES,1996,p.377).
Diferente do destino de Bento Gonçalves, Osório optou por
abandonar o lado farroupilha e servir ao Império, pois a
proclamação de Neto dava a entender que se formaria uma nova
nação e isso não estava de acordo com os prinpios de Osório.
Bento Gonçalves por o ser republicano, teve nessa situação a
sua oportunidade de chegar à presidência da República. O cargo
foi oferecido a ele por receio de que os farroupilhas seguissem
o mesmo destino de Osório, o lado Imperial (FLORES, 2006,
p.85).
192
Há duas explicações para que Osório mudasse de posição
em relação à Revolução Farroupilha. A primeira é a de que
ao tomar conhecimento da Proclamação da República pelo
General Antônio de Souza Neto, Osório acreditando ser uma
precipitação por parte dos rebeldes, não concordou. Achava que
o povo e o Rio Grande do Sul não estavam pronto ainda para uma
República.
A segunda vem do conflito ideológico com seu pai. Em
Caçapava seu pai Manuel, Luiz da Silva Borges, tomou
conhecimento que Osório estava servindo aos revolucionários.
De imediato escreveu para seu filho:
Estou-me aprontando para marchar
em defesa da legalidade. Se tu és
dos revolucionários, que desconhecem a
autoridade do Presidente Araújo Ribeiro
e tramam a separação da Província
podes contar em mim um inimigo
mais com quem brigar” (SANTOS,
1961, p.41).
Como percebemos, o pai de Osório estava do lado dos
Imperiais, ou seja, no lado oposto ao de seu filho. De
imediato Osório respondeu-lhe:
193
“Seu filho é republicano de
coração mas não quer a República
para o povo que não está para ela
preparado. Sou coerente. A revolução de
setembro de que fui humilde soldado não
se fez para separar do Império a
Província do Rio Grande do Sul,
nem para dar-lhe um governo
republicano, mas para por termo à
péssima administração que a
ofendia.
[...] Colocando-me, como fiz,
sob as ordens de Bento Manuel, fui
também fiel ao juramento que prestei no
dia em que assentei praça.
que nada poderia neste
mundo colocar-me na atitude de mais um
inimigo com quem meu pai tivesse
de combater.
Ao seu lado, deve meu pai contar
sempre com seu filho (SANTOS, 1967,
p.41-42).
Osório não queria contrariar seu pai ou combatê-lo no
campo de batalha. Isso vai influenciar muito na sua decisão
de abandonar a causa farroupilha e passar a lutar ao lado
dos Imperiais.
194
Mesmo que Porto Alegre não tenha sido território
Farroupilha, hoje há um feriado (20 de setembro) dedicado a
homenagear o início dessa sangrenta guerra civil. De um
lado temos o herói farroupilha aclamado pelos gaúchos,
Bento Gonçalves; por outro, um herói que compartilhou da
vitória sobre os farroupilhas, Marechal Osório. A
contradição está em possuir na capital um monumento
homenageando Bento Gonçalves, sendo ele um líder
Farroupilha. Como Porto Alegre era território Imperial,
nada mais justo que erguer um monumento ao seu herói
Osório.
Para entendermos a vida do Marechal Osório, basta
estudarmos a sua atuação militar. Em sua carreira, lutou ao
lado das campanhas militares do Império. Antes de completar
os 15 anos, Osório juntou-se à Cavalaria da Legião de
São Paulo (COSTA, 1940, p.8-9). Entrou em combate pela
primeira vez contra as tropas portuguesas que ignoraram a
Independência do Brasil na Região da Cisplatina. Em 1823
inicia sua formação militar, alguns autores afirmam que foi
para obedecer a seu pai e agradá-lo, já que sua vontade era
de seguir os estudos (SANTOS, 1967, p.31).
195
Com isso, Osório se tornou cadete e logo em seguida
alferes do Regimento de Cavalaria de Primeira Linha. A
partir de então sua carreira militar teve uma ascensão
interrompida apenas com a sua morte. No ano de 1835, Osório
se encontrava na cidade de Bagé / RS, servindo no Corpo
de Cavalaria. No início da Revolução Farroupilha apoiou a
causa, pois era simpatizante dos liberais. Mas o destino
fez com que trocasse de lado, servindo agora aos imperiais,
tendo que combater os farroupilhas, inclusive em Porto
Alegre.
No ano de 1851, teve destacada presença na ação contra
os presidentes Rosas e Oribe, na Região Cisplatina. Mas,
sua consagração se deu na Guerra do Paraguai. Comandando as
tropas em 1866 na invasão do Paraguai e sendo bem sucedido
na sua estratégia militar, recebeu de D. Pedro II o título
de Marquês do Herval.
A partir do ponto de vista de alguns autores, a
diferença entre Osório e outros militares de mesma
graduação, era sua valentia. Na Batalha do Avaí, mesmo
ferido em campo, permaneceu presente para incentivar os
soldados. Seu diferencial era que se fazia presente junto à
tropa, liderando o grupo no momento das batalhas. O relato
de um soldado 40 anos depois que lutou ao lado de Osório na
196
Guerra do Paraguai nos a dimensão de como ele era visto
na ótica dos outros combatentes: “Tínhamos felizmente à
nossa frente, o grande Osório, que surgia como um semideus,
nos momentos mais críticos, levando consigo a vitória
[...]” (COSTA, 1940, p.85).
Como militar, Osório seguiu ordens e combateu os
farrapos da mesma forma que lutou em outras guerras. Não
concebia em ter como inimigos homens de sua própria pátria
e “mais de uma vez salvou da morte adversários, convencendo
os chefes que tal morte seria uma inutilidade” (COSTA,
1940, p.24). Por isso, a data de comemoração ressaltada por
ele sobre o episódio da Guerra dos Farrapos não é o dia 20
de setembro, mas sim o dia da assinatura do acordo em
Poncho Verde, pois “este nome recorda um combate
sanguinolento, e lembra também a pacificação. Pacificação!
A data, para mim, mais gloriosa dessa época” (COSTA, 1940,
p.25).
Sobre a Batalha do Avaí (Fig.52), Osório certa vez
criticou o exagero do quadro de Pedro Américo na retratação
de tal episódio, pois segundo ele: “Nem ao próprio soldado
que assisti à batalha é dado descrevê-la minuciosa e
completamente” (MAGALHÃES, 1978, p.319). O que vemos na
imagem é uma batalha sangrenta, tendo no centro da cena o
197
Marechal Osório, a cavalo. Essa cena influenciará os
artistas que o representarão nos monumentos.
O Osório militar está bem representado através do
monumento eqüestre de Porto Alegre. Diferentemente dos
outros monumentos, esse condiz com uma realidade histórica
no que diz respeito ao homenageado e à obra. O que de
incoerência é ser um herói cultuado por uma sociedade que
também cultua o inimigo. A questão de oferecer homenagem a
um militar que lutou ao lado dos Imperiais contra os
farroupilhas passa a ser uma contradição.
Fig.52 – Fragmento do Quadro de Pedro Américo
Batalha do Avaí 1872 / 1877.
198
Após concorrência, em 1931, o escultor Hildegardo Leão
Velloso foi o indicado a erguer a estátua eqüestre em
homenagem ao General Osório (Fig.53). A inauguração se deu
em 1933, na Praça da Alfândega (ALVES, 2004, p.106).
Na leitura do monumento vemos que Osório está
representado como se tivesse à frente de uma tropa,
averiguando o território e atento ao movimento do inimigo.
Fig.53
Monumento ao General Osório
199
Discordamos de leituras que explicitam que o General
Osório demonstra uma fisionomia de quem avistou seu inimigo
e que de forma brusca travou seu cavalo, dando o sentido de
um leve “susto” por ter encontrado a força inimiga (Jornal
Correio do Povo 6/8/1933).
Dificilmente o escultor Leão Velloso imortalizaria o
General Osório dessa forma. Conhecido pela sua valentia e
visão estratégica de guerra, não seria surpreendido dessa
forma ao avistar seu inimigo.
A expressão do rosto
de Osório (Fig.54) não é
de surpresa, mas sim de
liderança. Em um gesto
firme nas rédeas ele
comanda seu cavalo e
rumo à sua investida no
território inimigo.
Fig.54 – Detalhe do Monumento
ao General Osório
200
Como os antigos imperadores romanos, foi idealizado
como um verdadeiro herói armado (SILVA, 2006, p.37).
Conforme Doberstein:
O herói da guerra do Paraguai
foi representado como se tivesse
acabado de sofrear sua montaria
para observar o movimento de seus
comandados numa de suas batalhas,
no caso a batalha do Tuiutí”
(DOBERSTEIN, 1997, p.28).
O que discordamos de Doberstein é essa visão de que
Osório estivesse atrás de seus comandados, fora de alcance
de seus olhos. Acreditamos que seja o contrário, Osório à
frente analisando o território e a tropa logo atrás, tal
como descrito por testemunhas que lutaram ao seu lado nas
várias guerras em que participou.
Para ilustrar a teoria de que o Osório, no monumento,
repassa a idéia de estar olhando para o horizonte e
reconhecendo o caminho a seguir, vejamos a foto (Fig.55) da
década de 1930, período de sua inauguração. A imagem nos
mostra o monumento voltado para Av. Sepúlveda, simbolizando
um logo caminho a ser seguido. Não foi por acaso que a
posição do monumento foi determinada dessa forma, pois
201
nesse período, Porto Alegre possuía uma urbanização bem
diferente de hoje.
A foto, que retrata a Praça da Alfândega e o
monumento, traduz o sentido de sua edificação naquele
local. É homenagem de iniciativa de uma minoria, mas
possuidora de uma estratégica no tocante à localização: na
entrada de Porto Alegre. Um local nobre, pois quem chegasse
pela entrada do porto, veria a obra destacada como que
enquadrada em uma pintura. Os dois prédios estão servindo
de moldura, como um arco do triunfo enquadrando a
representação do herói através do monumento.
Fig.55 – Foto do Monumento Osório na Praça
da Alfândega, década de 1930.
202
Com a visão de um nacionalismo exagerado por parte da
nova ordem política do Brasil, heróis militares vão surgir
para mostrar que o País tem uma história de conquistas
militares. Por ser um herói nacional, Osório obteve um
lugar no panteão de Porto Alegre. Dificilmente no período
da república positivista se ergueria um monumento para
homenagear um herói nascido no Império e que serviu de
forma intensa ao Imperador.
Nesse capítulo, já há indícios de comprovação de nossa
tese: os monumentos erguidos em Porto Alegre, cuja temática
se insere nas homenagens de heróis através de alegorias e
símbolos, não representam necessariamente uma realidade da
época do homenageado. Também não um reconhecimento pela
maioria da sociedade de culto desses heróis. Grande parte
dessas produções são iniciativa de pequenos e específicos
grupos ou de governantes, que assim representam suas idéias
e propósitos.
A partir desse estudo, percebemos que não existe uma
nítida e objetiva leitura histórica da imagem personificada
na obra, impossibilitando uma análise profunda somente a
partir do estudo desses monumentos quanto materialidade. Se
faz necessária uma investigação científica em outras
fontes. Os monumentos informam sobre a sociedade e os
203
homenageados, pois o imaginário que os envolvem está
baseado em parte em uma memória recriada e não na História.
No monumento a Júlio de Castilhos, as alegorias e
símbolos apresentam o líder positivista do Rio Grande do
Sul de modo diferenciado. O que se naquele monumento é
uma recriação de fatos baseados na idealização política e
no culto ao herói imaginado.
Sobre Anita e Giuseppe Garibaldi, afirmamos que não
houve um culto pela sociedade de Porto Alegre, que a
produção do monumento foi uma iniciativa da Colônia
Italiana. Verificou-se também ao fazermos uma leitura do
monumento que uma falsa representação entre os
personagens idealizados na obra e a vida deles. Isso nos
leva a crer que o monumento pouco comunica a respeito de
suas vidas, denota de fato - uma visão romanceada desses
homenageados.
O monumento ao Barão do Rio Branco apresenta uma
contradição histórica. Quem analisar a obra sem fazer uma
leitura prévia de sua biografia, concluirá que ele foi um
republicano atuante. A alegoria da República está saudando
o grande herói da Pátria” conforme a representação do
conjunto do monumento. Foi uma apropriação da imagem de Rio
204
Branco, pelos seus feitos, para servir ideológica e
politicamente a um grupo e não à sociedade.
Sobre o monumento a Bento Gonçalves, devemos nos deter
no estilo artístico da obra. Não uma representação do
líder farroupilha a partir dos preceitos Rio-grandenses,
mas sim dos moldes europeus alemão. O escultor Antônio
Caringi representou Bento Gonçalves
40
, mas não considerou a
possibilidade de tomar por base os símbolos e o ambiente
onde Bento viveu, predominando a inspiração alemã. O que
temos é uma homenagem a um militar com símbolos que fogem
da interpretação em conformidade com quem foi Bento
Gonçalves para o Rio Grande do Sul, mesmo sendo idealizado
como herói.
O monumento ao Gaúcho é o que possui maior contradição
entre os monumentos aqui analisados. É uma idealização,
sendo feita por um escultor uruguaio e oferecido como
presente da Colônia Uruguaia. Não representa o nosso
gaúcho, nem aquele cultuado pelos grupos tradicionalistas e
manifesto na literatura. Se olharmos o “Gaúcho oriental” e
o gaúcho idealizado na literatura e no folclore,
40
Nem Caringi tem por certo como era o rosto de Bento Gonçalves.
Baseou-se em uma descrição do filho do líder farroupilha.
205
perceberemos que até semelhança, mas não uma
identificação.
Por último, o monumento ao General Osório. Entre os
demais monumentos analisados aqui, esse está mais vinculado
a fatos reais, ao invés da via imaginária. Osório foi
representado na obra de forma fiel a sua vida militar. O
único porém que faz a obra não fugir da confirmação de
nossa tese, será a contradição de homenagear um herói
Imperial em uma cidade que também cultua um herói
farroupilha. Talvez seja a primeira evidência de uma
sociedade moderna em cultuar heróis de lados opostos em uma
mesma guerra.
Um dos textos impressos na pedra da obra (Fig.56) nos
mostra uma pequena, mas significativa mensagem dos
positivistas. De
acordo com a Religião
da Humanidade, o
homem alcançaria seus
objetivos através
do saber e do
cientificismo, e não pela guerra. A frase em destaque
apresenta uma visão antibélica, onde o guerreiro é
apresentado de acordo com a doutrina positivista. Osório
Fig. 56
Frase do Marechal Osório
206
não está sendo representado no monumento como os heróis
guerreiros que trazem símbolos como espada ou armas. Como
guerreiro pacifista, o monumento de Osório serve como
mensageiro dos fundamentos filosóficos do Positivismo.
A cidade de Porto Alegre demonstra pelos seus
monumentos que conhece muito pouco dos heróis
representados. A sociedade convive com eles, mas não os
cultua. A política e as guerras foram um celeiro rico para
servirem a ideologias dos governantes e à vontade de grupos
que viram nesses heróis um modo de apropriação de seus
feitos, mesmo que tenham sido reinventado através de um
imaginário social. Não estamos dizendo que os monumentos
não são possuidores de um testemunho histórico, mas: “Como
documentos, os monumentos são criações marcadas social e
historicamente; testemunham, porém, melhor à época de sua
execução do que o período que pretendem evocar” (FREIRE,
1997, p.95).
207
2.8 - Ficha dos Monumentos do Capítulo II
1 - Monumento a Júlio de Castilhos.
Data: 1913.
Escultor: Décio Villares.
Localização: Praça Marechal Deodoro.
2 – Monumento a Anita e Giuseppe Garibaldi.
Data: 1913.
Escultor: Filadelfo Simi.
Localização: Praça Garibaldi.
3 – Monumento ao Barão do Rio Branco.
Data: 1916.
Escultor: Alfred Adloff.
Localização: Praça da Alfândega.
4- Monumento ao General Bento Gonçalves.
Data: 1936.
Escultor: Antônio Caringi.
Localização: Praça Piratini.
5 – Monumento ao Gaúcho Oriental.
Data: 1935.
Escultor: Federico Escalada.
Localização: Praça Farroupilha.
6 – Monumento ao Marechal Osório.
Data: 1933.
Escultor: Hildegardo Leão Velloso
Localização: Praça da Alfândega.
208
CAPÍTULO III
3.1 - Monumentos de Florianópolis
Nesse capítulo, o objetivo é a análise dos monumentos
públicos da cidade de Florianópolis. O acervo inventariado
não apresenta um imaginário de heróis semelhante ao da
capital do Rio Grande do Sul, porém expõe uma
particularidade: os homenageados nos monumentos estão sendo
lembrados por suas atuações na sociedade somente após o fim
da Primeira República
41
. Do mesmo modo percebemos que um
número extremamente reduzido de obras
42
, bem como ausência
de alegorias na composição dos conjuntos escultóricos.
Florianópolis (Fig.57) não seguiu a tendência de
utilizar os monumentos como um mecanismo pedagógico da
41
Exceto o monumento ao Cel. Fernando Machado, que data o ano de 1917.
42
Dentro da categoria de monumentos que estamos utilizando em nosso
trabalho, somente quatro obras que compõem o acervo, sendo que duas
estão fora de nosso recorte temporal entre 1900 -1940.
ideologia republicana, optou pela perpetuação da memória
daqueles que atuaram na região, de modo sobressalente e
positivo. Com exceção de Fernando Machado (Herói da Guerra
do Paraguai), todos estiveram presentes na vida política de
Santa Catarina.
A confirmação da hipótese de que Florianópolis não
aderiu de forma maciça à idéia do culto aos heróis através
dos monumentos, como ocorreu em Porto Alegre, está no fato
de que o acervo de maior número de obras se formou a partir
do fim da Primeira República. Se Porto Alegre viveu
intensamente os ideais republicanos positivistas,
Florianópolis apenas assistiu a chegada do novo regime. O
imaginário do culto do herói não foi a grande engrenagem
Fig.57 – Vista parcial da cidade de Florianópolis
no final do Século XIX.
211
que impulsionou as mudanças nos hábitos e costumes da
cidade, a partir da implantação da República.
Analisamos quatro monumentos que poderiam fazer parte
dessa pesquisa, porém dois estavam fora do período em
estudo. Destes quatro exemplares, todos são de homenagem a
personalidades locais de Santa Catarina, que exerceram
prestígio junto à sociedade. Uma das explicações para tal
ocorrência é a forte influência de famílias e grupos que
articularam o rumo a ser tomado pelo Estado, na questão
política.
Em Florianópolis o culto de heróis através dos
monumentos é tão inexpressivo que o ex-governador Lauro
Severiano Müller
43
teve somente um monumento (Fig.58)
significativo
44
produzido no governo de Antônio Carlos
Konder Reis (1975-1979)
45
.
43
Lauro Severiano Müller nasceu em Itajaí / SC em 8 de Novembro de
1863 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 30 de Julho de 1926.
Começou sua carreira política em 1889 quando recebeu de Deodoro da
Fonseca a convocação para administrar o Estado de Santa Catarina. Teve
um grande papel na política nacional quando ocupou, em 1912, a função
exercida pelo Barão do Rio Branco, no Ministério das Relações
Exteriores.
44
Lauro Müller está sendo representado em uma estátua de tamanho
natural. Uma das formas de expressão da falta de culto ao herói
catarinense são as contínuas depredações ocorridas no monumento: “Para
se ter uma idéia do prejuízo que os pichadores causam à cidade, a
recuperação do monumento dedicado ao ex governador Lauro Müller, perto
do Beiramar Schopping, custou R$ 2.540,00, porque além de lavada, a
obra teve de ser recuperada pela Comcap” (Jornal O Estado,
06/08/1998).
45
Informação obtida junto à arquiteta-técnica da Casa da Memória /
Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, Sra. Eliane
Veiga Pacheco.
212
O desconhecimento sobre este monumento é uma realidade
não somente na comunidade, mas também nos órgãos públicos
da cidade. Por diversas ocasiões entramos em contado com os
departamentos responsáveis pelo Patrimônio, Cultura e
Turismo da Prefeitura de Florianópolis e do Governo do
Estado, e não obtemos qualquer informação.
O monumento, de autoria desconhecida (Fig.59), está
localizado na Praça Lauro Müller e apresenta o político em
posição de movimento, não trazendo nenhuma alegoria ou
símbolo. Também uma grande placa que resume as atuações
Fig.58
Monumento a Lauro Müller
213
do ex-governador, enumerando suas
participações na vida pública.
Lauro Müller teve sua memória
personificada 50 anos depois de sua
morte, fora do período da Primeira
República e, portanto, fora daquele
imaginário de culto a heróis através
de monumentos públicos.
Outro personagem conhecido na
vida política e social da cidade de Florianópolis e Santa
Catarina foi Antônio Vicente Bulcão Vianna
46
. Mesmo não
tendo passado muito tempo entre sua morte e a elevação de
seu monumento, o período não se situa na Primeira República
e nem no recorte temporal de nosso trabalho.
O Jornal O Estado foi o responsável em promover uma
campanha para a elevação de um monumento homenageando
Bulcão Vianna:
46
Antônio Vicente Bulcão Vianna nasceu em 11 de Janeiro de 1875, no
município de São Francisco, Bahia, falecendo em 26 de março de 1940 -
na cidade de Florianópolis. Quando Hercílio Luz morreu em 1924,
Antônio Pereira Oliveira assumiu o governo de Santa Catarina, passando
o comando em 1926 para Bulcão Vianna, por ser Presidente do Congresso
Estadual, permanecendo de 23/03/1926 até 28/09/1926. Sua vida se
dividiu entre a carreira militar, a política e a medicina.
Fig.59 - Detalhe do monumento a
Lauro Müller
214
“Catarinenses!
Perpetuemos a memória do Dr.
Bulcão Viana!
Por cerca de 40 anos, viveu entre
nós, o Dr. Bulcão Viana.
[...] Agora que ele dorme em chão
catarinense, devemos perpetuar-lhe a
memória através dos tempos, provando
aos vindouros o que êle fêz,
desinteressadamente, pelo nosso povo.
Melhor maneira não há do que erguer
numa das nossas praças a sua estátua,
sob cujos olhos desfilarão as gerações
agradecidas.
Nesse sentido apelamos para os
colegas desta capital, como órgãos que
são da opinião pública (Jornal O
Estado, 26/3/1940).
O apelo surtiu efeito, pois em 14 de Julho de 1943 a
obra foi inaugurada na Praça Getúlio Vargas. O monumento
(Fig.60) foi erguido por João Zacco Paraná
47
, tendo a base
47
João Zacco Paraná nasceu na Polônia em 1884 e faleceu na cidade do
Rio de Janeiro em 1961. Aos oito anos chegou ao Para onde mais tarde
estudou escultura na Escola de Arte e Ofícios Industriais de Antônio Mariano
de Lima, em Curitiba. Desde então não parou mais de aperfeiçoar sua técnica
de escultura, pintura, retratista e desenhista. Com uma Bolsa do
governo do Estado do Paraná, foi para a Real Academia de Belas Artes de Bruxelas,
retornando ao Brasil em 1918(http://www.alerj.rj.gov.br/memorial/cd/bios/zparana.html
- Acessada em 14 de maio de 2006). Entre suas exposições coletivas estão: Salão
Oficial de Belas Artes - 1909 (Bruxelas); Salão Oficial dos Artistas Franceses
1912 (Paris); Salão Oficial de Belas Artes 1926, (Rio de Janeiro). Além de um
número grande de participação em exposições no Brasil e no Exterior, Zacco
Paraná foi professor na Escola Nacional de Belas Artes e produziu muitos
trabalhos, entre eles: Monumento em homenagem a Antônio Vicente Bulcão Vianna -
1943 (Florianópolis / SC); O Semeador 1923 (Curitiba / Paraná); Alegorias
da Ordem e do Progresso do Palácio Tiradentes (Rio de Janeiro).
215
desenhada pelo próprio escultor e talhada em granito por
Nicodemus. A montagem coube a João Mendonça, construtor que
prestou seus serviços gratuitamente (MATTOS, 1948, p.90). O
monumento apresenta Antônio Vicente Bulcão Vianna em trajes
militares, como síntese de sua vida na carreira militar. O
monumento não traduz a sua atuação política e nem refere
sua profissão ligada à medicina.
Não faremos uma
reconstituição da história da
cidade de Florianópolis e
tampouco uma análise política.
Nossa proposta é estudar a
falta de monumentos para a
representação do herói. Portanto,
queremos averiguar os motivos
dessa ausência e do culto dos
heróis na cidade, tendo em
vista que era um hábito tão
presente nos princípios republicanos.
Como vimos no primeiro capítulo, a República foi
implantada no Brasil sem participação maciça do povo
brasileiro. Em Florianópolis, a Proclamação da República
quase passou desapercebida, e mesmo depois da notícia ainda
Fig.60 Monumento a Bulcão
Vianna
200
216
pouco mudou no cotidiano da população. Segundo Roselane
Neckel:
“A rotina da província de
Santa Catarina e de sua capital
foi quebrada apenas, [...] por um
telegrama em inglês endereçado aos
escritórios da firma Hoepcke, que
informava laconicamente que: No
governement, no change (sem governo,
sem câmbio” (NECKEL, 2003, p.9).
Em Florianópolis, como em todas as capitais do
território brasileiro os republicanos investiram na
substituição dos nomes de ruas e de praças da cidade. A
troca de nomes, construção de prédios e reformas em tantos
outros, não surte efeito se a população não estiver a par
das mudanças que estão ocorrendo.
Em Florianópolis não houve o uso pedagógico dos
monumentos de forma intensa pelos republicanos. Eles não
foram usados como método educacional e instrucional na
divulgação do governo. Somente em 1917, irá surgir o
primeiro monumento significativo na cidade, que trará um
herói que lutou ao lado do Império e que lembra não a
República, mas sim a Monarquia.
217
Após a Proclamação da República, Florianópolis
48
viveu
de forma harmoniosa a troca de administração, tendo
inclusive uma cerimônia para o governo provisório, onde foi
hasteada a bandeira do Clube Republicano ao som da
Marselhesa. Ao invés de uma batalha simbólica, os
republicanos se limitaram a implantar na cidade um grande
mutirão de troca de nomes, como por exemplos temos a Praça
Barão de Laguna que passou a chamar Praça XV de Novembro
(Fig.61) (CORRÊA, 2005, p.251-252).
48
Ainda era Desterro em 1890, pois somente em de Outubro de 1894,
por decreto, passou a ser chamar Florianópolis.
Fig.61
Praça XV de Novembro no final do século XIX
218
A sociedade de Florianópolis na virada do século XIX
para o XX, estava dividida em dois grupos bem delineados: a
elite letrada, e influente nas decisões políticas e
econômicas da cidade, e a camada popular, que ficava
assistindo o desenrolar das disputas por cargos públicos e
poder político. A pequena parcela letrada não agiu tal como
ocorrera em Porto Alegre, de imediato estava envolvida com
a concorrência por cargos gerados pela República, assim a
divulgação dos ideais que alicerçavam o novo regime foi
relegada a segundo plano.
Nossa Senhora do
Desterro teve seu nome mudado
para Florianópolis (Fig.62)
por ocasião de homenagem ao
então Presidente do Brasil,
Marechal Floriano Peixoto.
Segundo Jali Meirinho
havia uma recíproca simpatia
entre os republicanos
catarinenses e o Marechal
Floriano Peixoto, entre as
principais razões estavam
Fig.62 Cópia Original da Lei n
o
111 de
1/10/1894 que mudou o nome para Florianópolis
219
a derrota dos federalistas e a fiel administração do Estado
dentro dos ideais defendidos pelo “Marechal de Ferro”
(MEIRINHO, 1982, p.67-68). Essa homenagem configura-se como
controversa, era pouco usual dar nome a uma capital do
Brasil de alguém que ainda estivesse vivo e no poder:
[...] os catarinenses,
apressaram-se em homenagear a figura do
‘Consolidador da República’, de
uma maneira um tanto condenável,
qual a de fazê-la com o homenageado,
ainda em vida, e em pleno
exercício de alta função pública,
prática que, apesar de legislação
reguladora, até hoje é vigente”
(MEIRINHO, 1982, p.68).
Na modernidade tardia porque passou Florianópolis,
talvez a Ponte Hercílio Luz (Fig.63,64 e 65) tenha sido o
melhor exemplo de um ideal de progresso. A ilha passa a se
ligar ao Continente e dessa forma vincula-se aos novos
preceitos de civilidade, que percorria o ideário das
grandes metrópoles. Entre os anos de 1922 e 1926, a ponte
fez a capital compartilhar o espírito de mudança que a
República trazia em seu discurso e que as grandes capitais
do Brasil 20 anos estavam colocando em prática, seja
220
através da modernização das cidades, na alteração de
comportamentos ou mesmo nos monumentos erguidos nos centros
urbanos:
[...] Florianópolis também havia
passado pela experiência modernizadora
do começo do século, mais
intensamente, na década de 1920, que
produzira um ímpeto reformista, uma
radicalidade intervencionista nos
espaços urbanos e nas condutas
sociais, sob o paradigma daquela
primeira modernidade brasileira, sob a
tônica da civilização européia
(FLORES, 2006, p.22).
Fig.63 – Aspecto da construção da Ponte Hercílio
Luz na parte continental – 1922
221
A cidade de Florianópolis (Fig.66) teve seu
desenvolvimento em descompasso em comparação com outras
capitais. Enquanto Porto Alegre vivia intensamente sua
modernização, Florianópolis ainda buscava obter
Fi
g.64
Aspecto da construção,
1923
Fig.65
Ponte Hercílio Luz já concluída em 1935
222
sustentações básicas em sua infra-estrura, como a própria
Ponte Hercílio Luz sugere:
Até 1926, quando foi inaugurada a
Ponte Hercílio Luz, praticamente não
houve modificações na estrutura da
cidade, ficando sua base econômica no
pequeno comércio e, em segundo lugar,
na administração pública, que era
importante, pois através dela era
assegurada a entrada de recursos
financeiros necessários para a
manutenção do núcleo urbano (CORRÊA,
2005, p.278).
Fig.66 - A modernidade chegando a Florianópolis.
Alargamento e calçamento da Rua Anita Garibaldi, ao fundo a Catedral, 1915.
223
A falta do culto de heróis através de monumentos na
cidade, talvez possa ser explicada por esse isolamento
geográfico e pela dificuldade em compreender que a
monarquia não mais administrava o Brasil. Foi tão
marcante a Ponte Hercílio Luz para almejada inserção de
Florianópolis na modernidade, que o grande monumento da
cidade perpetuou-se nessa edificação. Segundo Mário César
Coelho “[...] além de elemento de passagem, a ponte
nascia como monumento da modernidade, representando um
período significativo na mudança da imagem da cidade”
(COELHO, 2006, p.282).
Outra peculiaridade encontrada concerne ao aspecto da
política local desenvolvida. Se Porto Alegre tinha o
positivista Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros na
liderança do governo e muitos seguidores espalhados pelo
Rio Grande do Sul, Florianópolis era controlada por poucos:
Durante a Primeira República
(1889-1930), a política catarinense
foi controlada por duas grandes
forças políticas, ambas de caráter
estamental, a primeira ligada a Lauro
Müller, que seguia uma linha mais
austera, e a segunda ligada a Hercílio
Luz, que tinha uma postura mais
224
liberal” (GOULARTI FILHO, 2002,
p.128).
A falta de envolvimento da população em geral na
política local estava explícita em diversos segmentos, como
na imprensa escrita direcionada para a elite:
A camada letrada escrevia
nos jornais, fazia transcrições,
comentários, e a tradões. Desta
forma, os perdicos resultavam de
uma mistura de extraídos com algumas
informações, e produções literária
locais (PEDRO, 1994, p.33).
Diferente o que ocorrera em outras capitais, não houve
uma preocupação em alcançar a camada analfabeta com as
mensagens contidas na figura dos heróis perpetuados nos
monumentos. Possivelmente seja por essa razão que
Florianópolis tenha a singularidade de ter assimilado os
ideais republicanos de forma lenta. A instabilidade social
e econômica que se formou na capital na virada do século
XIX para o XX também impediu seu progresso:
“Em Desterro, o declínio das
riquezas acumuladas nas décadas
anteriores e a mudança das relações de
produção oriunda da extinção da
225
escravidão; a modificação do regime
político, da Monarquia para a
República; o aparecimento de novos
cargos político-administrativos; a
disputa por esses cargos; a
Revolução de 1893 e a mudança do
nome da cidade que, a partir de 1894
passou a chamar-se Florianópolis,
todos esses fatores marcaram o
final do século XIX e o início do
XX com uma grande instabilidade”
(PEDRO, 1994, p.51).
A maior fonte de renda da elite que se formou, e da
que se fortaleceu, foram os cargos públicos, trazendo para
essa parcela da população poder e prestígio (PEDRO, 1994,
p.87), bem como a certeza de um futuro seguro, pelo menos
até a troca de liderança, que basicamente se alternava
entre Hercílio Luz e Lauro Müller.
3.2 - Monumento a Fernando Machado
O Cel. Fernando Machado
49
(Fig.67) é mais lembrado
pelos nomes de ruas e pelo monumento do que por sua
carreira. Apesar dos esforços, não foi possível obter
49
O Cel. Fernando Machado nasceu na Vila do Desterro (hoje
Florianópolis), em 11 de Janeiro de 1822 e faleceu em Itororó
(Paraguai), em 6 de Dezembro de 1866.
226
acesso a bibliografias que se propusessem a apresentar sua
trajetória de vida. Em obras dedicadas a relatar a História
da Guerra do Paraguai, raramente seu
nome é referido. Na própria
cidade de Florianópolis, sua terra
natal, não encontramos produção
consistente que se dispusesse a
examinar sua biografia e exercício
militar.
Será que Fernando Machado
foi esquecido ou nunca foi
lembrado realmente? Uma das
explicações possíveis para seu
abandono, pode ser tangenciada pela seguinte afirmativa:
seus serviços militares ao Império não teriam lhe dado uma
considerável associação ao regime. Com a República, nomes
que estabelecessem relação com a memória do período do
Império foram aos poucos extinguidos do pensamento da
sociedade, exceto aqueles que foram incorporados pelo novo
regime para divulgar novos projetos políticos, o que não é
o caso.
Fig.67 - Foto do Cel. Fernando
Machado
227
A historiografia acerca de Florianópolis permanece
restrita, em grande parte, à produção universitária. Os
temas priorizam recorrentemente datas e números,
caracterizando uma História tradicional e quantitativa. Não
localizamos trabalhos específicos sobre os monumentos de
Florianópolis
50
, o que existe são parágrafos e citações
pulverizados em publicações. Outro grande problema são os
dados relativos aos monumentos, pois trazem informações
como datas e autoria equivocadas, portanto, imprecisas.
Um exemplo é o autor Carlos Humberto Corrêa, cujo
trabalho se reveste de suma importância para a História
local, porém no que diz respeito ao momento em refere os
monumentos da cidade, encontramos erro de periodização:
“Para finalizar a série de
obras que embelezaram a capital
catarinense com o objetivo de colocá-la
ao nível das outras capitais, durante o
período de 1922 e 1930 foram erguidas
seis estátuas homenageando grandes
figuras da História de Santa Catarina:
a heroína Anita Garibaldi, o fundador
da imprensa catarinense Jerônimo
Coelho, o grande artista Victor
50
A única obra que aborda parte dos monumentos de Santa Catarina é:
MATTOS, João Baptista de. Os Monumentos Nacionais: Santa Catarina. Rio
de Janeiro: Imprensa Militar, 1948.
228
Meirelles, o general Fernando Machado,
herói da Guerra contra o Paraguai e o
poeta Cruz e Souza [...]” (CORRÊA,
2005, p.299).
A cidade de Florianópolis pouco cultuou seus heróis
homenageados nos monumentos, isso denota que iniciativas de
poucos homens no passado foi o que transformou pessoas
comuns em heróis. Hoje a desinformação sobre o monumento a
Fernando Machado é tanta que até mesmo um pesquisador como
Corrêa desconhece a data correta de sua inauguração.
A obra foi inaugurada em 1917, dentro de um contexto
fora dos anos 20, o que implica alteração da
contextualização do monumento do seu período de execução,
pois em 1917 o mundo ainda vivia o terror da Primeira
Guerra Mundial, um momento em que estava em moda homenagear
heróis militares através de monumentos.
O Coronel Fernando Machado de Souza iniciou carreira
militar em Nossa Senhora de Desterro, hoje Florianópolis.
Em 1838, combateu os farroupilhas. Após lutar contra os
liberais de São Paulo e Minas Gerais, retornou para o Rio
Grande do Sul, juntando-se ao exército imperial para lutar
em Ponche Verde e Porongos (FLORES, 1996, p.497).
229
Fernando Machado foi comandante da Companhia que
fez a guarnição do Estado do Paraná que recém havia sido
desmembrada de São Paulo, tal participação resultou em uma
condecoração do Governo Imperial (Hábito da Ordem da Rosa)
em 1853.
Em 1855, foi promovido por merecimento a Major, não
apenas por fazer parte da guarnição territorial do Paraná,
mas também por compor as forças enviadas para o conflito
com Rosas (BOITEUX, 1942, p.170-
171). O que de disponível
sobre Fernando Machado é
demasiadamente restrito à sua
presença na Guerra do Paraguai.
Entre o limitado material
encontrado acerca de sua vida,
José Boiteux
51
(Fig.68) teve uma
51
José Arthur Boiteux nasceu em Tijucas/SC, em 1865. No governo de
Lauro Müller, foi oficial de gabinete. Entre os anos de 1894 e 1896
elegeu-se deputado estadual e federal. No governo de Hercílio Luz, foi
responsável pela Secretaria Geral do Estado. Em 1896 fundou o
Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Em 1917 foi
fundado por ele o Instituto Politécnico de Santa Catarina. Com alguns
intelectuais, Boiteux também fundou em 1920 a Academia Brasileira de
Letras e, no ano de 1932, a Faculdade de Direito de Santa Catarina.
Conhecido como jornalista, historiador e ficcionista, Boiteux faleceu
em 1934, deixando um legado cultural significativo no Estado
Catarinense (www.funjab.ufsc.br - Acessada 18 de Abril de 2006).
Fig.68 José Boiteux (assinalado) e seus
irmãos
230
participação determinante em sua glorificação como herói.
Foi de sua iniciativa erguer um monumento em Florianópolis
para homenagear o herói militar catarinense.
O ato de glorificar se torna mais eficaz quanto mais
oculta for a face dos esclarecimentos relativos à vida do
homenageado. O exemplo que temos é Tiradentes
52
, nosso
primeiro herói republicano, e que pouco se sabia de sua
trajetória. Quanto menos informações tivermos sobre um
pretenso herói, maior a conveniência para a criação de um
imaginário sobre ele. Recriar e imaginar é melhor do que
tornar públicos fatos e ações.
Parece que Henrique Boiteux sabia da importância de se
recriar um personagem a partir de fragmentos de seu
passado, principalmente no que diz respeito aos aspectos
positivos e gloriosos de sua vida. Logo no início de seu
texto sobre Fernando Machado, o autor destaca a escassa
informação sobre o herói catarinense, chegando a levantar a
hipótese de que o arquivo militar sobre Machado foi
propositalmente destruído num “complô” e “conspiração”:
52
Outro exemplo é Sepé Tiaraju, que se tornou herói a partir de
romances e por Lei promulgada pelo Governo do Rio Grande do Sul, em 30
de Novembro de 2005. Para melhor saber sobre a criação desse mito que
era súdito do Rei da Espanha e, ao mesmo tempo, herói do Rio Grande do
Sul, ver o trabalho de Moacyr Flores: FLORES, Moacyr. Se Tiaraju:
história e mito. Porto Alegre: EST, 2006.
231
Coma aqui a nossa penosa
busca de meus esforços, auxiliados
pelo digno e competenssimo Coronel
Rego Monteiro, criterioso e meticuloso
arquivista do Exército e da extrema
boa vontade e interesse do Snr.
Coronel Laurênio Lago, ilustrado
diretor da secretaria da Guerra, na
busca de papéis informativos de sua
ação desde o posto de Major até o
de sua morte; nenhum foi encontrado,
enquanto os demais que tive oportunidade
de consultá-los estavam em perfeita
ordem.
Nem mesmo os seus feitos da
campanha se acham registrados seo
nas ordens do dia e nos compêndios e
história de guerra. Dir-se-ia que
alguém se comprazeu em fazê-lo
desaparecer para que o seu mérito não
ofuscasse o de outros, e isso nos faz
crer, porque é estranho que um oficial
de tanto valor e mérito militar
[...] (BOITEUX, 1942, p.172).
A partir de tal constatação, o autor se permite tomar
a liberdade de construir o percurso de Fernando Machado,
criando teorias e afirmando-as sob suposições incabíveis.
Boiteux coloca que Machado tinha um comando exemplar à
frente de sua tropa, mantendo a disciplina sem a
necessidade do uso de força e severidades. Engrandecia seus
232
soldados, conservando a tropa sempre asseiada e ocupada,
para que seus pensamentos não os tirassem do caminho da
dignidade (BOITEUX, 1942, p.174).
O verdadeiro herói se constrói por sua liderança, sua
força está a serviço do próximo e não para causas próprias.
Parece que o autor estudou o manual dos grandes heróis e
percebeu que o diferencial nessa construção imagética
estava nos atos.
Destacado no comando de seu batalhão na Guerra do
Paraguai, Fernando Machado ganhava o respeito por suas
ações no campo de batalha, com isso foi promovido a Coronel
por merecimento. Vejamos a manifestação honrosa do Conde de
Porto Alegre
53
na segunda batalha de Tuiuti, onde as tropas
paraguaias não obtiveram êxito no cerco de Humaitá:
Pela batalha de 3 de Novembro
de 1867, o general, então Visconde,
hoje Conde de Porto Alegre, o
cumprimentou, no campo, dando-lhe um
pomposo elogio, à vista de todos,
53
Em Porto Alegre um monumento dedicado ao Conde de Porto Alegre.
Foi o primeiro a ser erguido na capital, 1885. Com a República, os
governantes positivistas removeram a obra da Praça da Matriz para um
local secundário, a Praça Conde de Porto Alegre. A troca foi
justificada pela homenagem prestada ao governante positivista Júlio de
Castilhos, cujo monumento se destaca pelo seu poder simbólico. Esse
monumento foi analisado no capítulo II, referente à cidade de Porto
Alegre.
233
dizendo que eficazmente tinha ele
concorrido para a completa derrota
do inimigo; e repetiu o elogio perante
Generais, Junta Militar de Saúde
[...] (BOITEUX, 1942, p.205).
Foi na ponte sobre o Rio Itororó (Fig.69) que Fernando
Machado encerrou sua carreira. Marechal Argolo, por ordem
de Caxias, recebeu ordens de ocupar a ponte sobre o rio
Itororó, porém por circunstâncias desconhecidas não o fez
naquela noite. Na manhã seguinte, o inimigo já ocupava esse
território sem deixar que as tropas brasileiras avançassem.
Segundo Boiteux:
Sem querer descrever o que se
passou, diremos que Fernando Machado
no comando da 5º Brigada, composta de
quatro batalhões de infantaria, com
dez bocas de fogo, é que fazia a
vanguarda do 2º Corpo. Ordenado o
ataque, deu ordem o Coronel Fernando
Machado ao 1º de Infantaria de
marchar na vanguarda de sua brigada,
e de destacar duas companhias de
exploradores em proteção da
cavalaria, e com o resto do batalhão
e duas bocas de fogo avançou em
direção à ponte (BOITEUX, 1942,
p.189).
234
A infantaria paraguaia
atacou com todo seu
vigor. O General Argolo
chegou a pedir que o
Cel. Fernando Machado
recuasse, porém conforme
suas próprias palavras
“meus soldados nunca
recuaram”. Essa falta de
visão estratégica ocasionou
a morte de soldados e do Cel. Machado: “Um vivíssimo fogo
de fuzilaria e de metralha, fê-lo cair morto, com uma bala
no coração, sendo levado em braços dos seus valorosos
soldados para a retaguarda” (BOITEUX, 1942, p.190). Ainda
temos o relato de um soldado que estava ao lado de Fernando
Machado no momento de sua morte:
Ao toque da alvorada marchamos
em procura do inimigo, que nos
esperava em uma ponte de madeira,
muito estreita, sobre o rio Itororó,
pela qual só poamos passar a ts
homens formados.
[...] Quando o inimigo, vendo-
se privado da artilharia, tornou à
carga, feriu-se um combate terrível,
em que morreu como um bravo o
Fig.69 – Localização do Rio
Itororó (assinalado)
235
coronel Fernando Machado: perto de
mim estava ele quando o vi tombar do
cavalo, vítima de uma bala no peito
(SOUSA,1944,p.121).
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Catarinense publicou algumas cartas de Fernando Machado,
reproduzidas na obra de Boiteux. Na carta de 6 de Novembro
de 1866, Machado estava em Curuzú e relatou a sua esposa o
que pensava sobre a Guerra do Paraguai: “Esta guerra feita
sem arte e brutamente, de um modo inexplicável, é uma
guerra de extermínio; bem poucos escaparão” (BOITEUX, 1942,
p.209).
Nas cartas, Fernando Machado também elucida uma
contradição presente no seu cotidiano de trabalho: embora
haja o discurso de exaltação aos seus méritos, na prática
parece que Machado demonstra certa insatisfação frente à
falta de reconhecimento, bem como pouco otimismo quanto ao
futuro de sua carreira militar:
[...] a maldita política que
até influe neste exército em
campanha, e outras razões que por
prudência omito, dá lugar à mais
escandalosa proteção despendida
prodigam com certa gente que aliás
236
para nada presta, nem nada faz, no
entretanto o os elogiados, são os
premiados com espanto e assombro do
exército que os conhece e sabe de suas
infamias e cobardias. O desgosto, a
descrença e a falta de confiança
desgosta-me, desmoralisa e mata-me,
amortecendo os meus brios, e
arrefecendo-me o ardor, porque nem
siquer appareço nas ordens do dia
tal qual sou, tal qual o ercito
reconhece e confessa [...] (BOITEUX,
1942, p.210-211).
Os restos mortais de Fernando Machado estão em túmulo
de mármore e granito no Cemitério de São Francisco Xavier,
no Rio de Janeiro. As palavras escritas em sua lápide são:
“À memória do bravo Coronel Fernando Machado de Souza,
morto gloriosamente a 6 de Dezembro de 1868, no combate de
Itororó” (BOITEUX, 1942, p.216).
O Cel. Fernando Machado foi personificado como herói
somente após 50 anos de sua morte, por iniciativa de um
homem que estimulou um pequeno grupo para cultuar um
representante de Santa Catarina que lutou e morreu na
Guerra do Paraguai. Será herói o militar que luta em uma
guerra e morre no campo de batalha? Se fosse esse o
237
requisito, milhares de mortos na guerra seriam heróis. Como
diria Feijó:
“O herói na história é mais
uma fascinante aventura da invenção
humana; que com uma agravante:
passa por elaboração racional,
ganha foros de verdade, separa-se
do mito, da poesia, da imaginação
e serve à ideologia dominante”
(FEIJÓ, 1995, p.49).
Outra particularidade pouco lembrada sobre a morte de
Fernando Machado foi o modo como ele morreu. Relatos dizem
que a ponte sobre o rio Itororó estava tomada pelo inimigo
e que o coronel resolveu atacar pela frente (sua morte foi
ocasionada por um tiro no peito) e pelo meio do inimigo,
ignorando os flancos e uma estratégia de tomada do
território. Onde estava a astúcia e comando tão ressaltados
nos poucos textos que descrevem sua passagem pelas guerras
em que lutou? Talvez ele tenha esquecido que a guerra se
faz por homens e não acaba por isoladas iniciativas, pois:
“Nenhum homem é tão forte que
não possa ser derrotado por um
grupo de homens individualmente
mais fracos. Se os homens fizessem
História apenas por virtude de sua
238
força física, os homens fortes de
nosso tempo seriam heróis [...]”
(HOOK, 1962, p.31).
A Guerra do Paraguai foi um celeiro de heróis
militares para os republicanos. Mesmo tendo ocorrida no
período Imperial, o início da campanha republicana deveu-se
em grande parte aos militares descontentes que combateram
no Paraguai e não receberam a valorização que pensavam que
teriam, no retorno ao Brasil.
Em plena República, Santa Catarina ergueu monumento a
um herói da monarquia. Para José Boiteux não houve essa
preocupação em cultuar um herói gerado na monarquia, mas em
ter um herói militar que representasse o povo catarinense.
Talvez seja por essa razão que Boiteux tenha levado
praticamente duas décadas para convencer a sociedade local
da importância em erigir uma estátua a Fernando Machado: “A
inauguração foi o resultado dum trabalho de 20 anos duma
comissão que entre outros nomes contou com os de: José
Artur Boiteux [...]” (MATTOS, 1948, p.53).
O monumento a Fernando Machado (Fig.70) está situado
na Praça de mesmo nome, junto à Praça XV de Novembro no
centro de Florianópolis. O material usado foi o bronze,
239
tendo seu pedestal em
granito. José Otávio Correia
Lima
54
(MATTOS, 1948, p.53)
foi o escultor responsável
pela obra e a fundição
foi da empresa Cavina
Rio.
Segundo o jornal da
época, a inauguração se
deu em 28 de Janeiro de 1917
(Jornal O Estado 04/01/1917).
Porém, a placa que está
no monumento, refere a data 15 de Janeiro de 1917. O autor
João Baptista Mattos, em seu livro Os Monumentos
Nacionais: Santa Catarinaconfirma 15 de janeiro de 1917,
como a data correta:
54
José Otávio Correia Lima nasceu em São João Marcos, Rio de Janeiro,
em 1883. Escultor e professor, Correia Lima começou seus estudos em
1892 no Colégio São Bento. Mais tarde ingressou na antiga Escola
Nacional de Belas Artes. Em 1896, pela primeira vez expôs um trabalho
seu e, em 1899, obteve o prêmio com a obra Remorso, toda de bronze.
Com esse reconhecimento, Correia Lima foi para Europa, visitou os
ateliês de Corpeux e Dalou. Montou um ateliê em Roma onde trabalhou
durante três anos. Regressando ao Brasil, foi professor de Escultura
da antiga Escola Nacional de Belas Artes entre os anos de 1910 e 1946
(CAVALCANTI, 1973, s/p). São muitas as obras de sua autoria, entre
elas: Monumento ao Almirante Barroso (RJ); República (Niterói);
Monumento ao Cel. Fernando Machado (Florianópolis); Monumento
Funerário (Pelotas). Correia Lima faleceu em 1974, sendo reconhecido
como um especialista na escultura em bronze, ofício que se deve muito
à aprendizagem que recebeu de seu professor Rodolfo Bernadelli.
Fig.70
Monumento ao Cel. Fernando Machado
240
Conforme noticiamos, reuniu-se, na
sala de redacção d* O Estado, a commissão
promotora da erecção da estatua, em
bronze, do bravo coronel Fernando Machado,
o nosso illustre no combate de Itororó,
aos 6 de Dezembro de 1868.
Presidiu-a o sr. Raulino Horn,
secretariado pelo sr. Major Pedro Taulois,
tendo comparecido todos os demais membros
da alludida commisão: dr. José Boiteux,
iniciador e presidente honorário; dr.
Henrique Rupp. Dr. Carlos Wendhausen e
tenete-coronel João da Silva Ramos.
Ficou resolvido que a inauguração da
estatua se faça no dia 28 do corrente, às
17 horas.
Conforme a praxe, serão proferidos
apenas dois discursos: o do orador da
commissão, entregando o monumento à
municipalidade, e do sr. Superintendente
municipal, em resposta. (Jornal O Estado
4/01/1917).
A obra foi uma ação de José Boiteux e de uma comissão
reunida para colocar em prática esse desejo. Na República
do Brasil, a iniciativa de erguer monumentos quase sempre
foi dos positivistas. Coincidência ou não, José Boiteux era
um, portanto, conhecedor da força da figura do herói e do
monumento na reformulação do imaginário social. A
influência de José Boiteux sobre a sociedade letrada e
241
elitizada foi marcante, tanto que outros monumentos foram
erguidos por vontade e aprovação da política local.
No discurso de José Boiteux na inauguração do
monumento ao Cel. Fernando Machado há várias justificativas
que remetem o homenageado ao panteão dos heróis. São frases
que estão associadas ao imaginário criado exclusivamente
para ressaltar as qualidades de Fernando Machado: “Mas,
onde a sua ação de militar instruído, disciplinado e
valente se fez efetivamente sentir nesse qüinqüênio de
homéricas lutas, nos plainos do Paraguai contra o ditador
[...]” (BOITEUX, 1942, p.218). Todo herói é possuidor da
sabedoria, coragem e audácia, bem como protagonista de
grandes batalhas, o contraponto é sempre o vilão, neste
caso o “ditador”.
Ainda na fala do responsável pela homenagem, podemos
encontrar do início ao fim a recriação da saga de Fernando
Machado. José Boiteux diz: Daí, corporificar-se nossa
estátua o valor, a bravura, o heroísmo do catarinense
ilustre, em holocausto à Pátria, morreu por ela, lutando,
em 6 de Dezembro de 1868” (BOITEUX, 1942, p. 219).
242
A inauguração do monumento se deu em um período que a
República se fazia presente através da exaltação de seus
heróis. Nesse momento também vivia-se a apreensão
resultante da Primeira Guerra Mundial e o herói militar
começava a renascer e se sobrepor aos heróis letrados.
Florianópolis ainda não tinha um herói destacado em uma
campanha militar e José Boiteux sabia disso, viu a
oportunidade em Fernando Machado de colocar na história de
Santa Catarina o culto de seu próprio “guerreiro”.
Boiteux manifesta seu sentimento de patriotismo focado
através da imagem de Machado:
[...] olha para este monumento,
como si para ti se abrisse uma
página de educação cívica, que o
verdadeiro amor à Pátria ele bem o
representa nesse heróico patrício;
e recorda-te que em ti, no teu
peito, a nossatria comum, o nosso
cada vez mais amado Brasil, confia a
inviolabilidade das suas fronteiras
terrestres a marítimas e que será a
clamide que a defenderá no dia em
que ela de ti exigir esse dever
(BOITEUX, 1942, p.220).
243
O escultor Correia Lima buscou uma representação a
partir de lembranças recriadas por aqueles que
testemunharam ou descreveram o cenário de sua morte. No
relevo da obra (Fig.71), vemos Fernando Machado ferido,
após ter sido atingido por um tiro no peito. O curioso é
que soldados brasileiros conseguem resgatá-lo após o
ocorrido. Como os antigos heróis romanos, Machado aparece
em cima de seu cavalo. Essa recriação, fora da realidade,
não condiz com o ocorrido.
Fig.71 – Relevo idealizado do
monumento a Fernando Machado
244
Primeiramente, ele morreu com um tiro no peito ao
tentar passar a ponte do Rio Itororó, caindo no território
inimigo, sem ter tido a chance de ser socorrido de imediato
pelos seus soldados. O artista não esteve no cenário do
ocorrido, pois o relevo é uma idealização que apresenta a
ponte do Itororó como um “palco de guerra”, porém pelos
relatos, a ponte era tão estreita que cabia três homens
de cada vez. Os restos mortais somente vieram para o Brasil em
1871, por intermédio de Zacarias de Góis e Vasconcelos
(BOITEUX, 1942, p.216).
A recriação de Correia Lima está muito bem
representada conforme o propósito requisitado por
José Boiteux e sua comissão. O coronel (Fig.72) está
caracterizado com sua indumentária de guerra,
trazendo um óculos-de-alcance na mão direita,
simbolizando sua visão ampla no campo de batalha para
compor suas estratégicas militares.
245
Infelizmente, Machado
não teve essa visão “além
das fronteiras”, morrendo
por uma atitude de impulso
que o cegou perante o
inimigo. Também carrega a
espada na mão esquerda,
símbolo do guerreiro e
dos grandes deres de
guerra: “Em primeiro lugar
é simplesmente o símbolo das
virtudes militares, sobretudo
da força masculina e da
valentia [..]” (LEXIKON,
1990, p.87).
Com o pé direito sustentado por um fragmento de canhão
em um cenário do campo de batalha, parece estar pronto para
conduzir seus soldados à vitória. Talvez por questões
financeiras, o escultor teve que idealizar o Cel. Fernando
Machado a pé, deixando o cavalo para o revelo do monumento.
Fig.72 – Detalhe da representação
de Fernando Machado no monumento
246
Fernando Machado não mudou o rumo da história da
Guerra do Paraguai com a sua morte, pelo contrário, com ela
prejudicou seus homens que o tinham como um verdadeiro
líder:
“Numa primeira perspectiva,
heróis são aqueles cujo ato
heróico relaciona-se com a morte.
Dito de outra maneira, refere-se
àqueles que acedem a uma dimensão
acima dos demais em virtude de
terem sido mortos no cumprimento
de alguma ação considerada relevante.
Assim, para serem legitimados como
heróis, é necesrio uma ação cujo
sentido é considerado excepcional,
implicando um sacrifício e
aproximando-se da categoria de
mártir’” (MACIEL, 1998, p.81).
O episódio da ponte do Itororó foi para ele a
possibilidade de sua entrada no panteão dos heróis. Sua
frustração pela falta de gratidão do exército está presente
na carta já referida nesse capítulo.
Sua morte se justifica provavelmente muito mais por um
ato desesperador na busca de reconhecimento do que na
suposta bravura externada. Talvez soubesse que ao se lançar
247
para cima dos inimigos na Ponte do Itororó, mesmo morrendo,
teria aquilo que o exército não tinha lhe dado em vida:
status de intrepidez e heroísmo. Nas palavras escritas em
sua carta, Fernando Machado ensaia uma prévia despedida:
“[...] O desgosto, a descrença e a falta de confiança
desgosta-me, desmoralisa e mata-me, amortecendo os meus
brios [...]” (BOITEUX, 1942, p.210-211).
3.3 - Monumento a Hercílio Luz
Há dois nomes na
política de Santa Catarina
que ocupam lugar de destaque
na história do Estado:
Hercílio Luz
55
(Fig.73) e
Lauro Müller. Porém, é
Hercílio Luz que mais
será lembrado através de
seu governo e carisma.
Conforme Pauli: “[...]
Hercílio Luz foi a contínua revolução catarinense no
decurso da primeira República. Efetivamente, foi ele a
55
Hercílio Luz nasceu em 29 de maio de 1860, no Desterro e faleceu em
20 de outubro de 1924, em Florianópolis.
Fig.73
Foto de Hercílio Luz
248
vitalidade de mais de trinta anos de síntese construtora”
(PAULI, 1976, p.11).
Por indicação de Benjamin Constant, Lauro Müller foi o
primeiro presidente de Santa Catarina. Freqüentou a Escola
Militar onde desenvolveu simpatia pela República e pelo
positivismo. Enquanto Hercílio Luz,”cursara humanidades no
Rio de Janeiro, e engenharia das artes e da manufatura na
Bélgica. Foi presidente por três vezes, dedicando-se
integralmente ao cargo” (GOULARTI FILHO, 2002, p.128),
Müller sempre abandonava o governo de Santa Catarina para
assumir funções federais.
Após iniciar seus estudos em Santa Catarina, Hercílio
Luz partiu para estudar na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro (MATTOS, 1948, p.102). Com uma visão além das
fronteiras, Hercílio seguiu para Bélgica: “Acha-se entre
nós o nosso comprovinciano Hercílio Pedro da Luz, que vem
de completar seus estudos na Bélgica, como engenheiro de
artes e manufaturas” (Jornal A Regeneração, 14/7/1883).
Para melhor exemplificar como a política catarinense
estava dividida, vejamos o quadro que o autor Alcides
Goulart Filho elaborou:
249
Tabela 1
Divisão dentro do Partido Republicano Catarinense
durante a Primeira República
Comparando com Porto Alegre, o positivismo do governo
de Santa Catarina parece ter ficado mais no campo das
idéias do que da ação. A ausência constante de Lauro Müller
do governo local impediu um maior fortalecimento de seus
ideais fundamentados na filosofia de Augusto Comte.
Outro fato relevante será a industrialização tão
presente no eixo central dos governantes positivistas.
Enquanto que no Rio Grande do Sul a ordem era abandonar a
vida rural em prol do desenvolvimento industrial, na
capital de Santa Catarina somente haverá de fato as
Positivistas
Conservadores
Liberais
Coronéis
Lauro Müller 1889
1890
1891
1902
Felipe Schmidt 1898-1902
1914-1918
Gustavo Richard 1906-1910
Hercílio Luz 1894-1898
1918-1922
1922-1924
Adolpho Konder 1926-1930
Fulvio Aducci 1930
Família Ramos
Vidal Ramos 1902-1906
1910-1914
Nereu Ramos
Aristiliano Ramos
Família Costa
Otacílio Costa
Caetano Costa
Fonte: GOULARTI FILHO, Alcides. Formação Econômica de Santa Catarina. Florianópolis:
Cidade Futura, 2002, p. 129.
250
reformulações nas bases estruturais necessárias para a
industrialização a partir de 1920.
A maioria dos autores que escrevem sobre Hercílio Luz,
é unânime em apontar a sua atuante participação na
modernização do Estado e da cidade de Florianópolis. Mais
do que seu monumento, a ponte ligando a ilha e o
continente, torna-o presente na memória da sociedade e
símbolo de seu governo:
Extremamente popular, retirando
diretamente do povo o grande prestígio
de que desfrutou em longos anos de
atuação, no seu primeiro governo deu
grande impulso aos serviços, visando
modernizar o Estado e coloca-lo em
situação de destaque dentro da comunhão
nacional.
[...] O seu segundo governo
marcou-se pelo saneamento da Capital e
pela ligação da Ilha de Santa Catarina
ao continente pela ponte que recebeu
o seu nome, além de outras obras que
o tornavam verdadeiro benemérito do
seu Estado (CABRAL, 1968, p.275).
O monumento (Fig.74) erguido para homenageá-lo tem uma
rara singularidade: o conjunto da obra apresenta Hercílio
Luz de acordo com a sua correlata atuação na sociedade.
251
Como republicano convicto, está sendo representado como um
verdadeiro filho da República.
Porém, a obra não torna patente sua contribuição para
a política da sociedade e, menos ainda, a aceitação por
parte dela.
A inauguração apenas se deu em 1936, após a Primeira
República com o propósito de lembrá-lo como responsável
pela construção da Ponte. A verdade é que o monumento
existe somente em função da Ponte Hercílio Luz, considerada
o maior monumento da cidade. A sua localização em lugar
estratégico, próximo à ponte, está para apresentar o homem
Fig.74 Monumento a Hercílio Luz e, ao fundo, a Ponte - 1964.
Detalhe: A alegoria ainda tinha em sua mão direita o ramo de louro
252
que deu nome a essa estrutura e não para cultuá-lo como
herói político.
Hercílio Luz sabia que o desenvolvimento da capital e
do Estado de Santa Catarina estava vinculado à construção
da ponte. Havia muitas críticas de que a ilha estava
isolada do resto do Estado e, portanto, como capital,
estava afastada das demais regiões:
Para Hercílio Luz, a realização
desta obra, bem como toda a remodelação
urbana de Florianópolis, não tinha
apenas o sentido de embelezar a
cidade. Estava convicto de que o
saneamento, a abertura de ruas e a
própria ponte eram fatores decisivos
para o desenvolvimento do próprio
Estado e, principalmente para
permanência da Capital na ilha de
Santa Catarina [...] (MEIRINHO,
1982, p.108).
Como republicano, concebia a ordem e o progresso como
vitais para a modernização do Estado e de Florianópolis.
Desde seu primeiro governo, teve como base o
desenvolvimento como meta de sua administração e buscou
unir os principais representantes políticos em um só ideal,
253
evitando o desgaste das disputas pelo poder que ocorreriam,
tal como em Porto Alegre com a Revolução Federalista:
“[...] governado pelo valente
republicano Dr. Hercílio Pedro da
Luz, seu dileto filho, que de
ensinar ao Sr. Manuel Joaquim
Machado e seus sucessores como se
governa Santa Catarina a contendo
todos, em geral, sem violências,
fazendo justiça, conferindo todas
as liberdades e direitos que as
leis garantem, fazendo, enfim, com
que a família catarinense, hoje
tão dividida, tão saturada de
ódios ou de ressentimentos, pelo
menos se confraternize para um
fim: ter tranqüilidade, ordem e
progresso” (Jornal A República
26/7/1893).
A ponte pênsil Hercílio Luz teve como engenheiros
responsáveis David Steinmar e Holton Robinson, ambos dos
Estados Unidos. Após falir o Banco Imbrie & Co., cujo
primeiro empréstimo fora concedido ao Governador, Hercílio
Luz retoma sua busca por financiamento, obtido através da
firma Halsey Stuart & Co., totalizando nesse segundo
acordo 5 milhões de dólares (PAULI, 1976, p.351-352).
254
Os técnicos foram trazidos pelos engenheiros, ficando
o trabalho operário a cargo da população da região de
Florianópolis. Hercílio Luz viajou longe para concretizar
essa obra grandiosa, solicitando empréstimos que equivaliam
a dois anos de orçamento de Santa Catarina, cuja quitação
da dívida acorrera somente em 1978. Hercílio começa e ser
percebido no momento em que a ponte inicia a sua atividade,
proporcionando o trânsito de pedestres e veículos,
acelerando o progresso da capital de Santa Catarina:
“Por oito anos se cobrou
pedágio, inclusive aos pedestres.
As cabeceiras foram paulatinamente
urbanizadas. Cresce a memória de
Hercílio Luz, com o progresso que
aumenta. As 8 lanchas do Sr.
Valente, que faziam a travessia da
população, ficaram apenas uma
saudade. Por difíceis que fossem
as travessias em dias de chuva e
vento, nos outros constituíam belo
passeio” (PAULI, 1976, p.353).
255
O monumento erguido ao Governador (Fig. 75 e 76) foi
encomendado ao escultor Antônio Mattos
56
e inaugurado em 12 de
Outubro de 1936. Está localizado na Praça Hercílio Luz / Alameda
Adolfo Konder:
Quando a ponte completou dez
anos, em 1936, à sua cabeceira no lado
da ilha, foi erguido um monumento com
estátua do governador Hercílio Pedro
Luz, e ali colocados seus restos
mortais (MEIRINHO, 1982, p.111).
56
Antônio Pinto de Mattos nasceu em 1891 em Vassouras/ RJ e faleceu na
cidade de Rio de Janeiro, em 1939. Estudou na Escola Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro, tendo como mestre Zeferino da Costa e José
Otávio Correia Lima. Os dois monumentos mais significativos, e que
estão sendo usado nesse capítulo são desses dois escultores: Correia
Lima, com a obra a Fernando Machado, e Antônio Mattos com o monumento
ao Governador Hercílio Luz. No Liceu de Artes e Ofícios - RJ foi
professor de desenho e também de escultura. Foi um artista que teve
trabalhos premiados e reconhecidos pela qualidade (AYALA, 1997,
p.258).
Fig.75 Detalhe da
representação de Hercílio Luz
Fig.76
Monumento a Hercílio Luz
256
O monumento representa sua dedicação à República. Seu
traje típico, a bengala e o chapéu corporificam o
governador, repassando a idéia de vigor e determinação.
Com olhar longínquo, antecipa o futuro concebendo-o como de
prosperidade. O escultor Antônio Mattos interpretou com
muita propriedade essa afã de modernidade que Hercílio Luz
ambicionava para Santa Catarina e Florianópolis.
O monumento teve inauguração tardia (1936), verifica-
se que a obra em 1929 estava concluída, segundo consta
na data ao lado da assinatura do artista. Também há ao lado
da obra um relevo retratando a Ponte Hercílio Luz (Fig.77),
como a maior herança deixada pelo homenageado.
Fig.77 – Relevo retratando a Ponte
Hercílio Luz
257
A alegoria feminina representa a própria República,
que oferece ao seu “filho” um ramo de louro
57
, simbolizando
o reconhecimento ao herói. O digno de atenção é que o olhar
de Hercílio Luz não está direcionado para a Ponte, mas para
a ilha.
Para concluirmos esse capítulo, reforçamos a
constatação de que Florianópolis não viveu o modismo de
erguer monumentos para homenagear heróis ligados à
República. O acervo é quase inexpressivo, não apresentando
sequer um conjunto de símbolos e alegorias em seus
monumentos. Dos quatro monumentos inventariado, apenas uma
obra (Cel. Fernando Machado 1917) está dentro do período
da Primeira República.
Como em Porto Alegre, os monumentos analisados não
traduzem a vida dos heróis ali presentes, pois estão sendo
idealizados como parte de uma memória e fora de uma
realidade histórica. O conjunto escultórico não conseguiu
57
Hoje o há mais o ramo de louro na mão da alegoria da República,
mas em fotos antigas é possível identificar o símbolo dos heróis. O
ramo de louro é muito difundido entre as simbologias usadas pelos
artistas para retratação dos heróis nos monumentos. Por ser uma planta
que permanece conservada por muito tempo, é relacionada à imortalidade
e o vigor da juventude (SILVA, 2001, p.98-99). Na Grécia Antiga, berço
dos Jogos Olímpicos servia para homenagear os vitoriosos, pois aquele
que vencesse a competição recebia três recompensas: uma coroa de
louros, um poema declamado e, por fim, o título de herói (FEIJÓ, 1995.
p. 22-23).
258
traduzir através de símbolos e alegorias a verdadeira
função do homenageado no seio social.
A República de Santa Catarina não foi aquela que
buscou apoio junto ao povo para legitimar seus ideais. Isso
está presente na falta de mecanismos utilizados na política
exercida pelos republicanos do Estado e da ilha de
Florianópolis: “A República legitimou-se não com base no
apoio do povo, mas com base na constituição do novo regime
como emblema de modernidade e de civilização (NECKEL,
2003, p.99).
Pelos monumentos estudados, percebemos que grande
parte da sociedade não cultuou seus heróis locais. No
tocante a Hercílio Luz, houve interesse de perpetuar o
responsável pela construção da ponte, enquanto que no
referente a Fernando Machado, temos o cenário da Primeira
Guerra Mundial promovendo a proliferação de heróis
militares. Florianópolis não tinha seu herói militar ainda,
portanto a hora era propícia para a eleição de um, como foi
de fato feito por José Boiteux e sua comissão.
259
Tanto Hercílio Luz como Fernando Machado se
distinguiram em relação a outros homens por seus feitos,
porém suas ações permaneceram distantes das atribuições
dadas aos heróis, pois:
Todos os sentidos do termo
herói, tal como é usado pelos
adeptos das interpretões heróicas
da História, pressupõem que, quem
quer que seja o herói, ele se
destaca de um modo qualitativamente
único dos outros homens na esfera de
sua atividade e, ainda mais, que o
registro das realizações em
qualquer setor é a história dos
feitos e pensamentos de heróis”
(HOOK, 1962, p.29).
Ambos tiveram bons momentos e atuaram de forma
expressiva em suas áreas, mas poucos reconheceram seus
méritos. Estão perpetuados no bronze, porém o espírito que
envolve os grandes heróis da História nos monumentos não
está presente. Mais significativo do que ser apagado da
lembrança de uma sociedade pelo tempo é o herói nunca ter
sido realmente lembrado e cultuado na sociedade em que
viveu.
260
3.4 - Ficha dos Monumentos do Capítulo III
1 - Monumento a Lauro Müller.
Data: entre os anos de 1975 e 1979.
Escultor: Desconhecido.
Localização: Praça Lauro Müller.
2 – Monumento a Bulcão Vianna.
Data: 1943.
Escultor: João Zacco Paraná.
Localização: Praça Getúlio Vargas.
3 – Monumento a Fernando Machado.
Data: 1917.
Escultor: José Otávio Correia Lima.
Localização: Praça Fernando Machado junto a Praça XV
de Novembro.
4 – Monumento a Hercílio Luz.
Data: 1936.
Escultor: Antônio Pinto de Mattos.
Localização: Praça Hercílio Luz / Alameda Adolfo
Konder.
261
CAPÍTULO IV
4.1 - Monumentos de Curitiba
Neste capítulo analisaremos os monumentos da cidade de
Curitiba Estado do Paraná. Não é nossa meta escrever
sobre a História das cidades onde se encontram os acervos.
Partimos do pressuposto de que a Primeira República no
Brasil popularizou o costume de perpetuar os heróis nos
monumentos públicos.
A fim de contextualizar estes centros urbanos,
buscamos sempre introduzir informações que nos mostrem como
estava o panorama político, econômico e social e de que
forma se refletiu tal hábito reinventado pela República
para sua legitimação junto à sociedade.
A cidade de Curitiba, no período da Primeira
República, (Fig.78) apresenta maior atmosfera de metrópole
em comparação à cidade de Florianópolis. A capital do
Paraná em fins do século XIX e no decorrer do século XX,
deixa de se caracterizar pela paisagem rural para tornar-se
um núcleo urbano. Em 1872, o relato do viajante Thomas
Bigg-Wither já nos mostra uma cidade em processo de
crescimento e modernização: [...] às ruas seguiam as mesmas
disposições peculiares as das cidades estrangeiras. No centro havia
uma grande praça, com 200 jardas talvez de um lado, achando-se à
igreja em um dos cantos (BIGG-WITHER, 1974, p.49).
Se em 1872, chamava a atenção dos viajantes, em
1900 a cidade (Fig.79) pode ser considerada uma área
urbana desenvolvida, com estrutura modelo. José Francisco
Fig.78
V
ista da Cidade de Curitiba em 1905
264
da Rocha Pombo
58
, descreve um centro urbano com sinais de
progresso, como por exemplo, a luz elétrica:
A Nossa capital é uma das mais
belas, das mais opulentas e grandiosa do
sul. Quem viu aquela Curitiba, acanhada
e sonolenta, de 1853, não reconhece a
Curitiba suntuosa de hoje, com as suas
grandes avenidas e boulevards, as ruas
amplas ruas alegres, as suas praças, os
jardins, os seus magníficos edifícios. A
cidade é iluminada a luz elétrica
(POMBO, 1980, p.141).
58
Rocha Pombo nasceu em Morretes / Paraem 4 de dezembro de 1857 e
atuou como escritor, jornalista e historiador. Foi sócio do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro desde 1900 e, no ano de 1933, foi
eleito para a Academia Brasileira de Letras; porém não chegou assumir
a sua cadeira, vindo a falecer no mesmo ano.
Fig.79 Rua Dr. Cândido Leão, antiga Rua Alegre e o Largo
da Matriz, hoje Praça Tiradentes, 1873
265
Rocha Pombo faz a referência ao ano de 1853, um
período em que a cidade não contava com todo o
desenvolvimento material como em 1900. Ele refere o em que
o Estado do Paraná foi emancipado de São Paulo.
A pretensão do autor era afirmar que a cidade de
Curitiba somente entrou na tão esperada transformação
urbanística e melhorias de infra-estrutura com a sua
autonomia e, principalmente, com a chegada da República.
A visão de modernidade tão presente no discurso da
República, também influenciou Curitiba. O problema era
transformar o centro urbano em um lugar civilizado e sem a
presença das camadas mais populares. A solução estava no
exemplo das grandes metrópoles expulsar os pobres para a
periferia. Em 1872, (Fig.80) a cidade tinha 11.730
habitantes, sendo que mais de 6.000 eram analfabetos. Em
1890 a população era de 24.553, mas os não letrados ainda
eram o dobro (VASCO, 2006, p.32). Este aumento populacional
se deu principalmente pela imigração:
[...] a preocupação de
diversificar e de modernizar o Paraná,
sobretudo, Curitiba motivou as
autoridades a importarem mão-de-obra
estrangeira. A implantação de mão-de-
266
obra livre nas indústrias e fábricas
[...] (VASCO, 2006, p.76).
Curitiba no século XX reafirmou a necessidade de
buscar na modernização os alicerces de sustentação do
ideário de modernidade, idealizada pela a nova elite que se
formava, pois com a troca de regime político também mudaram
os novos ricos desta sociedade. Os imigrantes que foram
responsáveis em grande parte pela mão-de-obra que ajudou a
transformar a Curitiba aldeia em um centro urbano, foram obrigados a
assistir o desenvolvimento econômico da capital de longe, nos
arrabaldes (Fig.81):
Fig.80 – Praça Generoso Marques e o antigo Mercado Público,
início do século XX
267
[...] Curitiba, começa a se distinguir
como sede de beneficiamento da erva-mate e de
comércio. A partir de meados do Século XIX,
recebeu um grande contingente imigratório,
que, em sua maioria, estabeleceu-se nos
arredores da cidade, formando colônias
agrícolas (CASTRO, 2004, p.27).
Como vimos anteriormente, a República não foi o
remédio para os problemas sociais e econômicos do Brasil.
Foi uma mudança de regime político que sustentou a sua
legitimidade na promessa de transformar o país em uma nação
moderna e regida pelo progresso. Se as principais capitais
do Brasil não testemunharam todo esse compromisso de
transformações, o que dizer das cidades que estavam
nascendo e saindo do atraso de uma economia agrícola?
Fig.81
-
Aspecto do Arrabalde, 1913
268
Em relatos anteriores percebemos uma Curitiba com
ares de moderna e transformando seu cenário rural em
urbano. Mas não podemos ignorar que tal visão estava
baseada em olhares de narradores que não alcançavam a
percepção em sua totalidade, o que os impediam de ver que
haviam sim problemas que afetavam a vida de uma parte
considerável da população:
Os primeiros anos republicanos em
Curitiba foram marcados pelo crescimento
e adensamento populacional, pela
expansão territorial, pela escassez e
precariedade de moradias e de infra-
estrutura urbana e pela ocorrência
constante de epidemias (CASTRO, 2004,
p.27).
Mesmo com uma deficiente assistência junto à camada
popular, os governantes de Curitiba trataram de idealizar a
cidade moderna, cujo centro tornou-se o cartão-de-visita
para os que chegassem na capital e espaço de circulação e
cenário do cotidiano da elite local, onde a “Rua Quinze de
Novembro foi comparada com a Rua do Ouvidor no Rio de
Janeiro” (CASTRO, 2004, p.30), sendo que a área central
era a mais nobre e, por esta condição, deveria ficar isenta
de tudo que pudesse comprometê-la estética e
funcionalmente” (CASTRO, 2004, p.31).
269
Os monumentos de Curitiba se diferenciam daqueles
estudados em Porto Alegre e Florianópolis. Na capital
paranaense os homenageados são representados de forma
harmoniosa, sem haver grandes distorções entre o herói
fabricado e aquele que viveu na sociedade. Porém, esses
heróis tiveram sua construção imagética a partir de suas
biografias idealizadas e não pelo viés de uma realidade
histórica.
A busca pela modernidade e urbanização de Curitiba no
período da Primeira República, influenciará na formação dos
acervos de monumentos da cidade. Portanto, analisaremos
esta prática com o intuito de constatar que a
personificação dos heróis nas obras fez parte da tão
almejada modernização.
4.2 - Monumento a Santos Dumont
Santos Dumont
59
(Fig.82) foi herói dos brasileiros num
período em que a busca por ícones estavam em plena moda:
59
Alberto Santos Dumont nasceu em 20/07/1873 na cidade de Palmira / MG
(Hoje Santos Dumont) e faleceu na cidade de Guaru / SP, no dia
23/07/1932.
270
“Nunca ninguém foi mais herói para
seu povo do que Alberto Santos Dumont.
Por ele o brasileiro se sentiu vingado
dos estrangeiros petulantes que diziam
desdenhosamente do Brasil que era o
país do ‘tenha paciência’, do ‘espere
até amanhã’, do ‘depois de amanhã’”
(FREYRE, 2000, p.660).
Talvez a segunda parte de
sua vida tenha ofuscado a imagem
de herói, pois fisicamente a
fragilidade e o medo lhe fizeram
apagar em grande parte o triunfo
alcançado no início do século XX,
ao fazer o homem “criar asas”.
O seu sepultamento se deu literalmente no momento em
que a fraqueza ficou estampada no ato desesperador que foi
o seu suicídio, demonstrando que a essência do herói já não
fazia mais parte daquele corpo franzino a genialidade que
em 1906 lhe coroou como um dos personagens mais importantes
da História da Humanidade perdeu espaço para a
instabilidade de um homem, demasiadamente humano. O
monumento nos mostra parte da biografia de um homem, mas
não traduz a história real de sua vida.
Fig
.82
Santos Dumont
271
O brasileiro passou a se ver como capaz de alcançar
seus objetivos com êxito, tal como Santos Dumont alcançou
seu sonho de um dia poder voar. Dumont foi o primeiro herói
de expressão que não era militar. Dentro do lema
positivista “Ordem e Progresso”, talvez tenha sido no
início da República do Brasil o maior representante, um
expoente a ser seguido e um herói a ser cultuado:
“O Brasil precisava de
um Santos Dumont que lhe
avisasse a num futuro
messiânico: Santos Dumont
correspondeu esplendidamente
a essa necessidade da sua
gente, passando de repente de
indivíduo a símbolo e de símbolo a
mito (FREYRE, 2000, p.661).
Santos Dumont possivelmente teve na aviação sua grande
motivação de vida. Quem via Dumont sem antes saber de seus
feitos, nunca desconfiaria que ali naquele corpo debilitado
foi gerado alguns atos que fizeram nascer o mito do “pai da
aviação”, pois:
Quando chegou a Paris, 1892, era
um rapaz provinciano, de estatura baixa
e corpo franzino, prestes a iniciar seus
estudos. Nove anos depois, transformou-
272
se em modelo para os franceses,
ultrapassou barreiras e limites impostos
aos estrangeiros e construiu na fantasia
popular a imagem de super-homem
(INSTITUTO CULTURAL ITAÚ, 1996, p.9).
Albert Santos Dumont foi deslumbrado pela tecnologia,
sendo o responsável por trazer para o Brasil o primeiro
automóvel, comprado na fábrica em Valentigny, nos arredores
de Paris: uma Peugeot de estrada, de 3,5 cavalos de força”
(BARROS, 2003, p.34), isso ao retornar da França em 1891,
terra que irradiava as novidades e era centro das grandes
invenções, segundo Dumont.
A imagem de herói teve sua construção a partir das
primeiras manifestações públicas de suas invenções no céu
de Paris. Alberto Ramos homenageava Dumont com seus
versos, glorificando e o definindo como um “homem
especial”. Nesse fragmento retirado de um livreto dedicado
a glorificar Dumont, podemos perceber o teor de sua
admiração:
Gloria ao homem! Arbitro supremo,
a terra impera, rege o oceano;
sobre o universo, de um outro
extremo, paira a fulgura o
273
espírito humano (RAMOS,
1903,p.5).
Algumas narrativas se formaram em torno de sua pessoa,
entre elas de que tenha sido o primeiro idealizador do
relógio de pulso. Muitos autores utilizam-se desse fato
para descrever sua genialidade, que acaba reforçando a
construção do mito do herói:
Durante o jantar de comemoração
realizado no restaurante Maxims,
Alberto segredou ao joalheiro Louis
Cartier que, no final da prova, não
sabia se havia ganhado o prêmio, pois
ficara o tempo todo com as mãos ocupadas
no manejo do balão e não tinha como
tirar o relógio do bolso do colete, para
controlar e conferir o tempo.
- Louis, que tal se você fizesse
para mim um relógio-bracelete? Alberto
propôs, para espanto do joalheiro.
[...] Algum tempo depois, Cartier
mandou entregar ao brasileiro o primeiro
modelo de relógio de pulso do mundo,
fabricado especialmente para ele.
Tratava-se do modelo Santos,
exclusividade da Maison Cartier.
Era outro vôo bem-sucedido de
Alberto (GODOY; DOMENICO, 2005, p.191-
192).
274
A verdade é que Santos Dumont não inventou o relógio
de pulso, mas popularizou algo que já estava inventado. É a
empresa Patek Philippe, no final do século XIX, que irá
produzir os primeiros exemplares. Antes da iniciativa de
Dumont, o relógio de pulso era utilizado mais pelas
mulheres e pela nobreza, inviabilizando que fosse um
utilitário popular. Em torno de Santos Dumont surgiram
histórias que serviram mais como ilustração da construção
da imagem do herói do que para elucidar acontecimentos que
realmente marcaram a sua vida.
A morte de Dumont foi por muitos associada ao seu
desgosto pelo uso do avião na guerra. Contudo, é sabido que
sofria de complicações do sistema nervoso. Muitos autores
referem a doença esclerose múltipla, que se configura como
diagnóstico equivocado, pois os sintomas de tal doença não
são perceptíveis até a sua morte como, por exemplo,
distúrbios de memória e falta de firmeza nas mãos (sua
carta de punho escrita antes de morrer não apresenta
irregularidade na grafia).
O autor Antonio Sodré faz uma curta, mas esclarecedora
abordagem sobre a possível causa de Santos Dumont ter
abandonado de forma repentina e tão precoce suas invenções.
Sua retirada do cenário científico se deu bem antes do
275
emprego dos aviões nas guerras. É mais razoável pensar que
a profunda depressão de Dumont tenha se agravado com esse
acontecimento, mas de modo algum teria sido a causa única
de sua desmotivação frente à vida (SODRÉ, 2006, p.156),
pois:
[...] a doença que acometeu
Santos Dumont, identificada a partir de
1910 e que o acompanhou até a morte, não
foi esclerose múltipla. Várias das suas
atitudes durante esse período confirmam
que a doença de que sofreu foi realmente
uma forte depressão (SODRÉ, 2006,
p.155).
Santos Dumont se suicidou em um ato nada heróico, pelo
contrário, foi a declaração pública do desespero. uma
informação pouco divulgada pelos autores, o fato de que sua
mãe, dona Francisca, também matou-se em Portugal “durante
um acesso de neurastenia” (JORGE, 2003, p.139), ou seja,
uma doença que também atingia o sistema nervoso.
O pior para o herói é o esquecimento. Infelizmente
Santos Dumont é lembrado apenas nas comemorações do vôo do
14 bis e não pelo conjunto de sua obra. Esquecemos outras
invenções e o seu pioneirismo. Talvez ao suicidar-se também
tenha sepultado a imagem de herói que nada teme e que
276
jamais demonstra sinais de fraqueza, como aquela que tirou
a sua vida. A grande invenção de Dumont passou a ser o
herói e não o próprio personagem, pois lembramos seu feito
e descartamos o ser humano. Fonseca descreve bem a
situação:
Não adiantará por certo
transcrever mais telegramas. Ao ser
informado da morte de Santos Dumont,
todo o mundo reconheceu nele o Pai da
Aviação; mas logo se esqueceu no dia
seguinte [...] (FONSECA, 1956, p.339).
O verdadeiro herói povoador do imaginário não associa-
se ao legítimo tabu da morte. O suicídio está estreitamente
ligado à covardia, de modo que o indivíduo que comete o ato
não pode ser digno de respeito e admiração. Prova disto
foi que quando Santos Dumont morreu, a sociedade não ficou
sabendo de imediato a causa verdadeira da morte, o
Presidente Getúlio Vargas ao saber do fato, prontamente
proibiu quaisquer divulgação nesse sentido (Fig.83)
(PIMENTEL; URBAN, 2006, p.204).
277
Segundo a divulgação oficial, o “nosso herói” morreu de
“colapso cardíaco”. Somente no ano de 1948 foi divulgado o
suicídio de Santos Dumont, já fora do contexto, assim pouco
assimilado pelas sociedades brasileira e mundial. O que
encontramos nos monumentos dedicados a ele é uma homenagem
não diretamente ao inventor, mas a sua invenção.
O monumento a Santos Dumont, situado na Praça Santos
Andrade (Fig.84), teve como escultor o italiano Iolando
Malozzi. Segundo Camargo:
Fig.83
Certidão de Óbito de Santos Dumont
278
“A obra foi encomendada pelo
Aeroclube do Paraná [...] após a morte
de Dumont, em 1932, a escultura,
prevista para ser inaugurada em 19 de
dezembro de 1935, foi entregue em meio a
muitas solenidades em 22 do mesmo mês. A
obra vencedora, de um concurso do qual
participaram oito escultores de renome
(CAMARGO, 2005, p.64).
Fig.84
Monumento a Santos Dumont
279
A maioria das pessoas, entre elas autores que se
esforçam para analisar o monumento, formulam novas
interpretações para alegoria da obra (Fig.85), presente no
topo do monumento: [...] figura do ser alado,
representando Ícaro. Acima, o avião 14 bis” (BAHLS, 2001,
P.61). Geraldo Leão Veiga de Camargo, em seu artigo
citado “Esculturas Públicas em Curitiba e a Estética
Autoritária”, elege um significado inusitado para a
alegoria que representa Ícaro:
[...] apresenta um homem de
corpo atlético heroicamente estilizado,
que ergue nos braços elementos
mecânicos como um troféu da modernidade
e apóia-se em um pedestal construído
por Domingos Grecca (CAMARGO, 2005,
p.64).
Fig.85 – Detalhe da
alegoria do Ícaro
280
A informação concernente à fundição e execução da obra
(realizadas por Domingos Grecca) confere. no quesito
alegoria, Camargo não foi capaz de interpretar a mensagem
contida na obra, onde a figura de Ícaro simboliza o legado
de Santos Dumont, resumido no 14 bis simbolizado por aquilo
que o autor chamou de “elementos mecânicos”. Tal
interpretação denuncia que sem a devida recorrência à
História, fica impraticável o monumento comunicar algo
sobre o personagem ali representado.
Outro autor foi mais longe em sua análise, João
Baptista de Mattos é responsável pela principal publicação
que trata dos monumentos de Estado do Paraná e das cidades,
inclusive de Curitiba. Devemos nos ater em alguns dados que
nos apresenta, pois nem tudo que escreveu está de acordo
com o significado histórico ou em concordância com datas e
autorias. Sobre o monumento a Santos Dumont, percebe-se a
capacidade inventativa:
“É constituído por estátua de
bronze representando um índio com
capacete e óculo de aviador sustentando
no alto um motor radial de
aviação, com a hélice na vertical
ornado com duas águias, sobre um
281
pedestal de granito (MATTOS, 1959,
p.130).
Qual seria o propósito de se colocar no monumento em
homenagem a Santos Dumont um índio de capacete e óculos?
Possivelmente o autor não tomou contato sobre a existência
do ser mitológico Ícaro. Outro equívoco advém da afirmativa
de ser Yolando Mallogri o escultor, dado que não confere.
No Baixo-relevo com a efígie
é possível reconhecer a imagem
idealizada de Dumont (Fig.86),
circundada com ramos, símbolo
típico dos heróis. Abaixo, a
placa representa Ícaro, tendo o
14 bis logo acima.
três elementos que
devemos relembrar: além da
complexa interpretação que o
monumento exige de quem passa
pela praça, também salientamos
que trata de uma homenagem de iniciativa particular e não
popular, e que Santos Dumont não foi homenageado por
Fig.86 – Baixo-relevo
de Dumont.
282
sua pessoa, mas pela invenção, sem o tradicional culto ao
herói.
Em Curitiba, a construção dos monumentos foi
basicamente por iniciativa privada, para dar uma maior
autenticidade ao culto e ao ato, foi colocado em placas e
relevos, o registro de participações da sociedade como
idealizadora das iniciativas de glorificar estes
personagens, o que, no entanto não se sucedeu.
4.3 - Monumento à República e a Benjamin Constant
Para muitos a Proclamação da República não trouxe
inovação. A euforia dos republicanos foi constantemente
questionada pelos monarquistas, que afirmavam que:
O regime monárquico dera ao país
setenta anos de paz interna e externa
garantindo a unidade nacional, o
progresso a liberdade e o prestígio
internacional. Uma simples parada
militar substituíra esse regime por um
outro instável, incapaz de garantir a
segurança e a ordem ou de promover o
equilíbrio econômico e financeiro e, que
283
além de tudo, restringia a liberdade
individual (COSTA, 1999, p.393).
A monarquia não foi a perfeição idealizada pelos
monarquistas. Também devemos nos ater na questão da ordem e
do progresso, o almejada pelos republicanos, mas que na
prática mostrou-se uma quimera, pois no Brasil republicano
houve proliferação de revoltas contra o novo regime.
Após a Proclamação da República (Fig.87) o descontentamento
aumentou devido à disputa de lideranças de grupos como os militares
e fazendeiros. Podemos afirmar que a República foi benéfica para
pequenos grupos, mas a grande massa da população brasileira
continuou a conviver com velhos problemas e vícios conhecidos da
Monarquia, como as questões sociais e econômicas:
Fig.87 Comemoração do aniversário de um ano da Proclamação da República em
15/11/1890, Palácio do Governo RJ.
284
A República não produziu
correntes ideológicas próprias ou novas
visões estéticas. Mas, por um momento,
houve um abrir de janelas, por onde
circularam mais livremente idéias que
antes se continham no recatado mundo
imperial (CARVALHO, 1987, p.24).
Quando a euforia pela Proclamação passou, veio a
decepção. Os militares não voltaram para seus quartéis e nem
entregaram para a sociedade
civil a administração do
Brasil. O ponto de vista de
Benjamin Constant
60
(Fig.88)
de que a democracia não se faz
pelas mãos de apenas um grupo
e menos ainda pela força,
não foi compartilhada. A
título de exemplificação temos
o caso de Marechal Floriano
Peixoto, que achou mais
viável a “ditadura da
espada” (COSTA, 1999,
p.401).
60
Benjamin Constant Botelho de Magalhães nasceu em 18/10/1836 na
cidade de Niterói / RJ, falecendo no mesmo local, em 22/01/1891.
Fig.88
Benjamin Constant.
285
A Primeira República foi marcada por conflitos e
divergências que traduziram distintos modos de agir e
pensar. Discordamos da visão de que a virada do século foi
marcada exclusivamente pela modernidade eufórica e por
inovações tecnológicas. Para além disso, houve uma
revolução social, revelada através de uma ditadura militar
e ideológica:
Os primeiros anos da República
foram anos de agitação. Revoltas,
conflitos, conspirações eclodiam por
toda parte. Em meio a toda efervescência
sobressaía a ação das classes armadas
(COSTA, 1999, p.402).
Não se pode conceber a queda da Monarquia como um ato
isolado de um grupo apenas, mas da união de militares e
civis. Segundo Emília Viotti da Costa:
O movimento resultou da
conjugação de três forças: uma parcela
do Exército, fazendeiros do Oeste
Paulista e representantes das classes
médias urbanas que, para obtenção dos
seus desígnios, contaram indiretamente
com o desprestígio da Monarquia
e o enfraquecimento das oligarquias
tradicionais (1999, p.489).
286
Os ideais republicanos reforçaram a idéia de
continuidade:
O ano de 1889 não significou uma
ruptura do processo histórico
brasileiro. As condições de vida dos
trabalhadores rurais continuaram as
mesmas; permaneceram o sistema de
produção e o caráter colonial da
economia, a dependência em relação aos
mercados e capitais estrangeiros
(COSTA, 1999, p.490).
Essa República imponente projetada no monumento de
Curitiba não condiz com a real República proclamada. No
mesmo monumento está aquele considerado por muitos autores
como a personificação da República no Brasil. Analisaremos
até que ponto Benjamin Constant está comprometido com o
movimento e quais eram os seus verdadeiros interesses na
queda da Monarquia e na Proclamação do novo regime.
Segundo José Murilo de Carvalho, Benjamin Constant não
passou de um mero candidato a herói da República, perdendo
para a figura de Tiradentes:
Por mais que os positivistas,
hábeis fabricadores de símbolos,
tentassem promovê-lo a um dos
componentes da trindade cívica nacional,
287
ao lado de Tiradentes e José Bonifácio,
seu apelo era ainda mais limitado que o
de Deodoro. No exército, atingia apenas
a juventude militar, alunos das escolas
e jovens oficiais; no meio civil,
contava quase só com os positivistas
(CARVALHO, 1990, p.56).
A importância de Benjamin Constant em relação ao
processo de Proclamação da República pode não ser aquela
figurada nos monumentos, como o grande responsável pelo
histórico 15 de Novembro. Os positivistas fizeram de
Benjamin Constant um herói, assim como Tiradentes foi
construído para a Inconfidência e José Bonifácio para a
Independência (CARVALHO, 1999, p.41). Vários são os autores
que tratam Constant como o “salvador” e associam ele a
nomes como José Bonifácio e Tiradentes:
“Ave, Benjamin!
Tua epopéia republicana jamais
perecerá em nossos corações
agradecidos!
Associado, no culto cívico, à
gratidão que nos merecem teus
antecessores na informação da Pátria
Brasileira, figuras, na constelação
política do Brasil, entre as
estrelas de maior fulgor!
288
Ligado, pêlos antecedentes
históricos, ao martírio de Tiradentes e
à emancipação de José Bonifácio,
fórmas, com eles, a trindade bendita,
que nos protege e nos guia!
Salve! Republico sem par! Salve!
(LINS, 1936, p.108).
Benjamin Constant teve uma vida conturbada desde a
morte de seu pai. Em sua biografia é possível através de
cartas e poemas tomar contato com a revelação de que sua
juventude acabou nesse momento trágico, que inclusive
levou-o a tentar o suicídio: “jogando-se num ribeirão da
fazenda, sendo salvo por uma escrava” (CASTRO, 1995,
p.106).
Mais tarde, homem feito, teve que conviver com
dificuldades financeiras e a responsabilidade de sustentar
uma família numerosa. Além disso, sua mãe necessitava
tratamento de problemas mentais, dificultando ainda mais
tanto sua vida emocional quanto econômica.
Em poema escrito por ele próprio, pode-se notar o
quanto foi impactante a morte de seu pai. Vejamos alguns
fragmentos:
289
“Na minha idade inocente,
Na tenra idade da infância,
Dos anjos tinha a candura
Das flores tinha a fragância.
Tinha pai… era feliz…
Nesse tempo me era a vida
Toda bordada de flores,
Só conhecia ventures
Não provara dissabores.
Tinha pai… era feliz…
Mas hoje sou triste órfão,
Só conheço luto e dores,
Perdi meu pai, perdi tudo,
Murcharam todas as flores”.
(NETO, 1940, p.12-13)
A Proclamação da República acabou por apresentar a
Benjamin a possibilidade de oferecer estabilidade
financeira a sua família, uma preocupação que permeou
basicamente toda a sua vida. Não era um Republicano
convicto, mas viu nesse regime político o possível caminho
para a resolução de seus problemas pessoais. Era
positivista, mas não compartilhava totalmente do pensamento
de Augusto Comte, tinha sua própria visão da filosofia
positivista.
290
Mais positivista do que republicano, assim era
Benjamin Constant. Porém seu positivismo não alcançava por
completo os ensinamentos apregoados pelo seu fundador, para
Constant lhe era mais útil na vida seguir a fração
científica do Catecismo positivista
61
:
“Benjamin Constant iniciou-se
no estudo do positivismo quando
estava na metade do curso da
Escola Militar. Segundo Francisco
Pereira Passos (1836-1913), seu
colega e futuro prefeito da cidade
do Rio de Janeiro, isso ocorreu em
1856” (LEMOS, 1999, p.40-41).
Para ele a República apresentou-se como um expediente e não
como uma direção ideológica. Do mesmo modo que não era um completo
republicano, Benjamin também não foi um grande militar. Por ser
imprescindível a ele, Constant ingressou nas forças armadas.
Sua função no exército foi o magistério, excetuando sua rápida
passagem pela Guerra do Paraguai. O positivismo foi para Benjamin
Constant um meio de organização pessoal e profissional. A ordem
social racional tornou-se seu guia e, portanto, um mecanismo de
controle de seus medos e decepções (LEMOS, 1999, p.43).
61
O professor Benjamin Constant chegou ao Positivismo provavelmente
através da matemática (“mãe das ciências”). Por isso, a parte
científica do Positivismo foi a sua escolha.
291
Para ele a Guerra do Paraguai foi mais um motivo para se
distanciar da carreira militar. Foi neste conflito que aumentou sua
decepção diante de episódios como, por exemplo, do Duque de Caxias
(na época Marquês) que, na sua opinião, não passava de um covarde em
campo de batalha, seria um líder militar sem liderança alguma:
“Benjamin Constant o acusava
de não ter vocação para o combate:
‘o nosso marquês de Caxias ainda
não ouviu de perto o [ruído] das
balas inimigas, nem sabe que
cheiro tem o fumo de sua pólvora
[...]” (LEMOS, 1999, p.123-124).
A República serviu a Benjamin como um caminho de
atendimento as suas reivindicações. Não foi um defensor do
regime republicano e nem um crítico acirrado da Monarquia.
Quando da ocasião do lançamento da pedra fundamental do
Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1872), em seu
discurso tratou a política imperial como um caminho para o
desenvolvimento do Brasil:
[...] É grato reconhecer-se O
Brasil progride sempre e na imensa
felicidade de sua marcha impetuosa no
caminho do verdadeiro progresso, temos a
mais grata e lisonjeira esperança de que
em breve o nosso vasto, opulento e
292
formosíssimo país poderá competir
vantajosamente no campo da civilização
com as mais adiantadas potências da
velha Europa. [...] virtuosa família
Imperial uma garantia de paz e
prosperidade; no seu virtuoso e sábio
chefe um dedicado amigo da pátria e de
seus concidadãos, um incansável e
acérrimo protetor de todos os
melhoramentos morais e materiais que a
civilização vai explorando em benefício
da humanidade [...] (LEMOS, 1999,
p.227-228).
Nesse período amargava a falta de reconhecimento por parte do
Império de seu profissionalismo
62
. O que não era ainda algo profundo,
nos anos seguintes começou a se transformar em um repúdio que
culminara em seu total apoio na queda da Monarquia:
A malfadada vida foi o caldo de
cultura da radicalização política de
Benjamin Constant. O Império começava a
abrir-lhe, com uma mão, a porta da
consagração como professor; com a outra,
lhe impunha as duras condições materiais
de existência reservadas ao funcionários
públicos em geral (LEMOS, 1999, p.303).
62
O descontentamento de Benjamin Constant com o Império baseava-se na
falta de promoção na carreira militar.
293
A maioria das biografias escritas sobre Benjamin Constant
tratam o episódio da Proclamação como sendo um marco na iniciativa
de liderar e catequizar os jovens militares da Escola Militar da
Praia Vermelha, onde era professor. Porém ratificamos aqui a posição
do autor Celso Castro, quando afirmar que ocorrera justamente o
contrário.
Os jovens militares seduziram Benjamin Constant a ter a
República como o melhor caminho para o Brasil. Portanto, devemos nos
ater a uma realidade: o protagonista do 15 de Novembro não foi
Constant, mas a ala jovem militar, que conspirou para a queda da
Monarquia e teve como forte aliado o respeitado professor e militar
(CASTRO, 2000, p.10):
A partir do final de 1886, a
biografia de Benjamin Constant não pode
mais ser desvinculada de sua relação com
a mocidade militar. É no Dr.
Benjamin que os jovens oficiais
científicos irão fixar na busca por um
líder da conspiração republicana
(CASTRO, 2000, p.34).
Os interesses públicos e privados dos republicanos do dia 15
de Novembro andavam de certo modo lado a lado, já nos primeiros anos
da República no Brasil. Uma das primeiras ações colocadas em prática
294
foi o aumento dos salários dos militares, sendo Benjamin
protagonista dessa iniciativa.
Abaixo podemos ver a tabela elaborada pelo autor Renato Lemos,
que apresenta a evolução dos vencimentos dos militares durante o
século XIX e a nova realidade pretendida pelos republicanos a partir
da aplicabilidade do projeto de Benjamin Constant, que aumentou em
mais de 50% os vencimentos:
Tabela 2
Salário no Exército (em mil-réis)
POSTO 1825
1841
1852
1873
1890
1894
marechal–de-exército 200 250 300 500 750 1000
tenente-general 140 200 240 400 600 800
marechal-de-campo 110 150 180 300 450 600
brigadeiro 80 120 144 240 360 -*
coronel 70 100 120 200 300 400
tenente-coronel 60 80 96 160 240 320
major 50 70 84 140 210 280
capitão 30 50 60 100 150 200
primeiro-tenente 25 35 42 70 105 140
segundo-tenente 22 30 36 60 90 120
* Sem cifra em virtude da redução do quadro de generais a três postos: general-de-
brigada, general-de-divisão e marechal.
Fonte: LEMOS, Renato. Benjamin Constant: vida e história. Rio de Janeiro: Topbooks,
1999. p. 466.
295
Como Ministro de Guerra, decretou medidas que visaram
satisfazer as reivindicações dos militares e, em
particular, aquelas requeridas por ele e que nunca foram
atendidas (LEMOS, 1999, p.466).
A disputa por cargos públicos e sua proliferação
traduziram o início da República. O contraditório é que
justamente esse era um dos focos de crítica contra a
Monarquia, aliando-se à falta de democracia e liberdade de
uma sociedade que não sentiu modificações concretas no
regime republicano, mesmo com o fim do reinado de D. Pedro
II. A prova disso está em demonstrar nos monumentos uma
República imaginada e espelhada na Revolução Francesa.
Nos monumentos que retratam a República não foram
Benjamin Constant nem Deodoro da Fonseca os que se fizeram
representar, mas sim uma alegoria feminina. Uma posição
acima dos heróis republicanos produzidos está
invariavelmente a “grande mãe República”:
Um dos elementos marcantes do
imaginário republicano francês foi o uso
da alegoria feminina para representar a
República. A Monarquia representava-se
naturalmente pela figura do rei, que,
eventualmente, simbolizava a própria
296
nação. Derrubada a Monarquia, decapitado
o rei, novos símbolos faziam-se
necessários para preencher o vazio, para
representar a pátria (CARVALHO, 1990,
p.75).
O maior símbolo do Brasil Império foi D. Pedro II,
portanto o uso da alegoria feminina como representação da
República objetivava fixar no imaginário popular um rosto,
ao mesmo tempo que repudiava o “velho monarca”.
O Brasil não teve, de imediato, personagens que
simbolizassem a nova organização política e que pudessem
ser associados como heróis. O que se viu foi a própria
República como a heroína de uma época em que o discurso de
modernidade e progresso ajudou a construir toda uma
concepção de transformações no Brasil. O que persistiu foi
a “vitória da ‘sciencia’, derrota do obscurantismo” (COSTA;
SCHWARCZ, 2000, p.9) e não os atos heróicos de um grupo de
homens que aceleraram a queda da monarquia.
A promoção da República se deu pela exigência de se
buscar uma consolidação junto à sociedade. A monarquia
estava “velha e cansada”, enfraquecida em suas bases
econômica e política, assim como o Imperador. Os monumentos
mostram uma República atuante e determinada, mas subtraem
297
das alegorias e símbolos a falta de uso de força ou a
ausência de resistência: “[...] o regime monárquico não
resistiu a uma singela parada militar. Bestificados ficaram
os poucos populares que transitavam pelo Campo de Santana
[...]” (PENNA, 1999, p.35).
Dentro de nossa tese, verificamos em Curitiba que os
monumentos não existem somente para aclamar seus heróis,
servem de pretexto para representar em primeiro plano a
República. São personagens coadjuvantes, cujo principal
foco é o próprio regime político, que deve ser representado
através deles. Os monumentos são nada mais do que a idéia
que os republicanos “faziam de si próprio e queriam
transmitir à posteridade” (MARTINS, 2001, p.12).
O ato em si da Proclamação não teve a força simbólica
denotadora de um acontecimento histórico tal como em outras
circunstâncias da História do Brasil:
Nem mesmo uma imagem consagrada,
como a da forca, ou um grito, como o do
Ipiranga: apenas uma proclamação, um
anúncio público de que a Monarquia havia
sido substituída pela República. Sem
luta, sem sangue, sem mortes (CASTRO,
2000, p.7).
298
Está tão bem trabalhado nas imagens e monumentos o
panteão de heróis republicanos, de modo que fica quase
impossível não associar os nomes de Deodoro da Fonseca e
Benjamin Constant o mérito deve-se à propaganda
simbólica. Para entendermos um pouco mais sobre a questão,
vejamos o que realmente Deodoro da Fonseca pensava sobre a
República, em trecho de carta para seu sobrinho, em 1888:
República no Brasil é coisa
impossível, porque será verdadeira
desgraça. Quem quer República, quer que
o Brasil seja dos gaspares, Cotegipe,
Paulino de Souza, etc. Os brasileiros
estão e estarão muito mal educados para
republicanos. O único sustentáculo do
nosso Brasil é a monarquia; se mal com
ela, pior sem ela... República no Brasil
é desgraça completa é a mesma coisa; os
brasileiros nunca se prepararão para
isso, porque sempre lhes faltarão
educação e respeito para isso (CASTRO,
2000, p.41-42).
Com a morte de Benjamin Constant, inicia-se uma pesada
campanha para associar seu nome aos heróis da pátria.
Alguns dos grandes nomes da Proclamação irão tentar colocar
Benjamin como símbolo do episódio, mas será em vão, pois
seu perfil e suas verdadeiras intenções a respeito do novo
299
regime farão dele apenas mais um candidato. Marechal
Floriano identifica Benjamin como o fundador e o filho da
Pátria:
O meu venerando amigo, general
dr. Benjamin Constant Botelho de
Magalhães, fundador da república, mestre
e sábio, conservou sempre a inteireza de
sua grande mentalidade; seu espírito,
sempre radiante até que a morte roubo-o
tão prematuramente à família, aos amigos
e à esta Pátria, que agora como dantes,
carecia de seus inimitáveis serviços
Marechal Floriano Peixoto Carta à
família Benjamin Constant, 1891(NETO,
1940, p.120).
No discurso na Assembléia Constituinte em 24 de
Janeiro de 1891, Aristides Lobo sugere que o nome de
Benjamin Constant seja eternizado: “Peço ao Congresso que
decrete o Panteão Nacional, sendo Benjamin Constant a
primeira figura que entre nesse Panteão, como símbolo da
grandeza da Pátria” (NETO, 1940, p.122).
Como representante da segunda geração dos positivistas
da política do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros em
discurso na Câmara em 17 de outubro de 1936, manifestou sua
300
visão sobre Benjamin Constant e concluiu que ele foi o
herói idealizado por Carlyle:
“Benjamin Constant foi grande
na vida, e grande na inteligência,
no caráter e no coração; foi um
mixto de herói, de santo e de
sábio, comparável àquele tipo
ideal do herói ou super-homem de
Carlyle e de Nietzsche [...]”
(NETO, 1940, p.132).
Benjamin aparece como ‘Fundador da República’, porém é
pouco lembrado pela sociedade ou pelos atos oficiais
referentes a nossa história. Sua participação se resumiu
predominantemente a uma busca por segurança material e uma
melhor vida para seus familiares:
Este trajeto, que o conduziu a
envolver-se na conspiração republicana
com todos os riscos para a segurança
material e moral da sua família e a
dirigir o golpe que liquidou a
Monarquia, só adquire algum sentido
quando se considera que o guia da
mocidade militar e Fundador da
República nasceu de uma experiência
quotidiana que não se orientava para um
papel heróico ou um futuro glorioso,
301
mas, em larga medida, para a conquista
de um orçamento doméstico equilibrado
(LEMOS, 1999, p.545).
O monumento em homenagem à República e a Benjamin
Constant (Fig.89) teve como propósito homenagear o
centenário do “herói fundador” da República, porém, o
monumento foi inaugurado em 1938. Em 1933 criou-se uma
comissão de festejos para a comemoração do centenário de nascimento
de Benjamin Constant [...] presidida pelo historiador Carneiro,
positivista e entusiasta da vida e da obra do homenageado (LACERDA,
1998, p.35).
Fig.89 - Monumento à República e
a Benjamin Constant
302
No monumento de Curitiba, a glorificação póstuma de
Benjamin Constant partiu de um grupo com interesses
próprios e sem a conivência da maioria da sociedade. Obra
do escultor João Turin, é feita sob encomenda do Governo do
Estado através de uma Comissão, tendo David Carneiro na
presidência: “A idéia partiu de Augusto Pernetta e David
Carneiro, que conseguiram a entusiástica adesão do Gen.
João Guedes de Fontoura e por isso o apoio oficial”
(MATTOS, 1959, p.67). Será o próprio Carneiro que irá
assessorar Turin na realização da obra, sendo referencial
aos trabalhos do escultor positivista Décio Villares.
A alegoria da República (Fig.90) predodomina com sua
magnitude, demonstrando que a homenagem recai mais sobre a
Proclamação da República do que propriamente a seu
“fundador”. O “herói” Benjamin Constant está sendo ofuscado
pela “heroína” República:
A concepção do monumento dentro
dos padrões referidos pode ser
comprovada na alegoria da República que
encima o monumento que recorre à
representação da mulher com barrete
frígio (usado pelos escravos libertos da
antiga Roma), trajes clássicos com
postura entre o altivo e o belicoso,
efeito obtido pelo movimento dos
303
panejamentos do traje e da bandeira
(LACERDA, 1998, p.37).
Discordamos com a autora Cassiana
Lacerda de que a bandeira segurada pela
alegoria também faz alusão a uma lança e
que: [...] essa bandeira-arma é
evidentemente mais uma contribuição
positivista (LACERDA, 1998, p.38).
Dificilmente dentro da concepção
filosófica dos positivistas se faria
alusão a algum tipo de arma, já que o
ensinamento de Comte excluía o alcance de
propósitos por meio de força ou armas. Um
monumento positivista como este em
Curitiba, não haveria de associar a
República a nenhuma força bélica. Basta ver que Benjamin
Constant está sendo representado sem a sua espada ou
qualquer tipo de armamento.
Não culto ao herói, ocorreu uma iniciativa com
fundamentos e interesses particulares com o apoio do
governo. No momento em que temos uma Praça, como a
Tiradentes, abrigando um monumento ao Marechal Floriano que
usou a força para manter uma utópica ordem no Brasil; um
Fig.90
Alegoria da República
304
“Jesus Cristo” brasileiro na imagem de Tiradentes,
personagem totalmente romanceado e mítico; um adepto ao
positivismo, como Benjamin Constant, e que enxergou na
República o melhor caminho para resolver seus problemas
pessoais, devemos nos perguntar: houve coerência no culto
ao herói ou foi uma mera conveniência e modismo a reunião na praça
dos três principais personagens da República Brasileira?
Além da alegoria da
República e da figura de
Constant, há também dois
baixos-relevos. Um, apresenta
o cenário da Proclamação da
República, (Fig.91) tendo
como principal figura Deodoro
da Fonseca a cavalo,
inspirado no quadro A
Proclamação da República de
Henrique Bernardelli. No
outro, os principais nomes
envolvidos na Proclamação
(Fig.92), sendo que Benjamin
está em primeiro plano. Os baixos-relevos foram muito bem
trabalhados pelo escultor, bem como toda a obra. Não
Fig.91 – Baixo-relevo do cenário da
Proclamação da República
Fig.92 – Baixo-relevo dos principais
republicanos
305
estamos aqui para julgar o valor estético, mas a função dos
monumentos na sociedade e o culto dos heróis.
4.4 - Monumento a Rui Barbosa
O monumento a Rui Barbosa
63
(Fig.93) mostra devaneios acerca da
vida de um homem. O imaginário
criado sobre sua trajetória faz com
que hoje alguns celebrem de forma
exagerada um personagem mítico,
inventado e perpetuado na memória da
sociedade brasileira. Em seu
prefácio, Magalhães Júnior expressa
de forma sintetizada quem foi, para ele, Rui Barbosa:
[...] Mas igualmente absurda é a
mitificação de sua personalidade e a
magnificação de todos os seus atos,
iniciada por seu próprio genro, o
publicista Batista Pereira, e engrossada
por uma legião de seguidores, em dezenas
de obras de caráter meramente apologético,
em que os seus erros, contradições,
63
Rui Barbosa nasceu em Salvador/BA em 5/11/1849 e faleceu em
Petrópolis, no Rio de janeiro, no dia 1/3/1923.
Fig.93
Rui Barbosa
306
fraquezas morais, idéias antiquadas,
preconceitos enraizados, visão limitada,
falta de senso de medida e ausência de
realismo são, em geral, omitidos ou
dissimulados por trás de um catadupa de
adjetivos sonoros ou de uma deformação
romantizada dos acontecimentos (JÚNIOR,
1965).
É um equívoco afirmar que Rui Barbosa tenha sido um
destacado republicano e um dos fundadores da República,
pois a sua presença na formação da primeira administração
republicana do Brasil foi meramente profissional e não
ideológica:
Tinha sido sempre monarquista.
Mas um monarquista que condenava muitas
maneiras de ser do Trono, no Brasil,
notadamente a centralização exagerada
que atrofiava a vida das províncias; a
interferência pessoal do monarca na
composição dos gabinetes [...]
(NOGUEIRA, 1954, p.127).
A maioria dos autores que escreveram sobre Rui Barbosa
omitem o seu lado anti-herói. Muitas vezes justificam atos
incoerentes com explicações fundamentadas sob olhares e
julgamentos próprios. Um exemplo clássico de defesa de Rui
é o livro de Salomão Jorge: Um Piolho na Asa da Águia”. A
307
obra foi escrita somente para desfazer as acusações feitas
pelo autor Magalhães Júnior Rui: o homem e o mito - que
aborda várias questões de atos impróprios realizados por
Rui Barbosa. Com Magalhães, o leitor irá encontrar um
verdadeiro manual de desmistificação. Não são acusações
infundadas, pois o autor busca em documentos e nos próprios
discursos de Rui seus argumentos.
Na contra capa
do livro de Magalhães
Júnior (Fig.94),
podemos encontrar o
teor da crítica do
autor em relação a
Rui Barbosa:
Os biógrafos
oficiais de Rui não
abordam alguns temas
relativos a sua vida
pública. Polêmicas como
a tentativa de exclusão de operários brasileiros nas
eleições em detrimento da presença de estrangeiros, mesmo
os não naturalizados, bem como de proprietários, os de
posses materiais e dinheiro não recebem destaque. A
Fig.94 Contra capa do livro de Magalhães
Júnior
.
308
desculpa de Rui era que: “[...] o sufrágio popular seria
necessariamente fraudado” (JÚNIOR, 1965, p.23). O propósito
era restringir o eleitorado.
Rui Barbosa ficou conhecido pela sua constante troca
de opinião sobre vários assuntos. De acordo com a sua
conveniência, falava e escrevia o oposto daquilo que
tinha se manifestado. Em 1874, Rui condenou D. Pedro II por
desejar ampliar e modernizar nossa frota militar, afirmando
que antes “devia o Brasil abster-se de estultas
ostentações belicosas’ e de ‘guerras provocadas pela nossa
diplomacia inepta’” (JÚNIOR, 1965, p.216).
Se aos 25 anos ele pensava assim, aos 46 considerava
assunto prioritário a eficiência do poder naval: “Queria,
antes de tudo, que o Brasil tivesse uma Marinha de Guerra
bastante forte, capaz de assegurar-lhe incontestável
hegemonia na América do Sul” (JÚNIOR, 1965, p.217).
Na Segunda Conferência de Haia
64
, Rui teve um grande
aparato publicitário a seu favor. Seu destaque ficou por conta de
uma investida pesada em recursos de publicidade: Nenhuma
64
Rui Barbosa não foi o primeiro nome escolhido pelo Barão do Rio
Branco para representar o Brasil na Segunda Conferência de Haia,
preferiu Nabuco. Por sugestão do Jornal Correio da Manhã e pressão de
uma parcela da imprensa, o nome de Rui foi também escolhido por Rio
Branco. Seriam mandados os dois representantes, mas Nabuco declinou do
convite, ficando apenas Rui Barbosa com a tarefa (FILHO, 1960, p.334).
309
celebridade foi tão bem montada, tão fortemente alicerçada por um
extraordinário fluxo de publicidade. Rio Branco, em gastos de
propaganda, não tinha meias medidas (JÚNIOR, 1965, p.286).
Ainda acusações de que o jornalista William T.
Stead tenha sido bem pago pelo Brasil para lançar opiniões
positivas de Rui em Haia e divulgar, de forma maciça, sua
destacada presença na Conferência. Foi tudo bem planejado
para a construção de herói brasileiro. Tamanha exposição na
mídia e os banquetes oferecidos por Rui em Haia (oito, no
total) tiveram um preço:
Por esse serviço, pagou a nação,
pela mão do próprio Rio Branco, a gorda
soma de 9.600 florins, de que o autor
passou recibo nos seguintes termos:
Recebida do Dr. Rui a soma de 9.600
florins, em pagamento da publicação de O
Brasil em Haia, na Review of Reviews em
suplementado especial conforme minha
carta. 20 de outubro de 1907. William T.
Stead (JÚNIOR, 1965, p.291).
Ou seja, o reconhecimento de Rui Barbosa em Haia teve
seu custo. Mesmo com a sua glorificação, perguntamos o que
o Brasil conquistou na Conferência além da artificial
criação de um herói que precisou pagar para que houvesse um
310
maior reconhecimento das potências estrangeiras em relação
ao Brasil?
Barbosa ficou conhecido por sua oratória, também algo
questionável. Além de sua constante mudança de opinião, Rui
expunha excessivamente seu dom da oratória para dizer quase
nada:
Sua característica principal era,
contudo, a prolixidade. Nessas orações
intermináveis, falava muito para dizer
pouco, não raro salientando de assunto
para assunto, sem fixar-se em nenhum, sem
aprofundar uma análise ou ponto de vista,
como se não domar a torrencialidade
verbal, tornando-se, por isso, incômodo e
fatigante, na maioria das ocasiões
(JÚNIOR, 1965, p.250-251).
Alguns mitos foram criados como uma realidade
distorcida em torno de Rui Barbosa. Da mesma forma,
encontramos fatos reais que se tornaram mitos por pura
conveniência de admiradores, com o intuito de apagar da
memória da sociedade os atos impróprios de qualquer herói.
Um destes fatos, entre muitos, foi a questão da queima de
documentos sobre a escravidão no Brasil. O autor Homero
311
Senna classifica o assunto como signo de displicência e
irresponsabilidade.
Quando Ministro da Fazenda, Rui Barbosa ordenou que se
queimassem “todos os papéis, livros de matrícula e
documentos relativos à escravidão, existentes no Ministério
da Fazenda” (SENNA, 1994, p.85). Assim, em 1890 foi
destruída uma quantidade desconhecida de documentos.
Segundo Senna, Barbosa teria mandado queimá-los para
proteger o Estado do pagamento das indenizações:
E a medida nada tinha de
romântica ou sonhadora: era até bem
objetiva e prática, pois visava a tornar
inviáveis (pela ausência de qualquer
elemento de cálculo) os pedidos de
indenização formulados pelos fazendeiros
inconformados com a Lei de 13 de maio,
que a abolira a escravidão sem cogitar
de qualquer ressarcimento (SENNA, 1994,
p.86).
E, para encerrar, o autor tem a capacidade de dizer
que: “documentos sobre a escravidão no Brasil muitos,
ainda” (SENNA, 1994, p.87), ou seja, o crime da queima de
documentos não haveria de causar nenhum mal à memória de
312
nossa História (não se sabe até hoje a extensão total da
perda, tanto quantitativa, como qualitativamente).
O que é de difícil compreensão é a verdadeira razão
dessa atitude sob o pretexto de proteger os ex-escravos se
a lei estava contra os fazendeiros e não previa
indenização. Sendo Rui Barbosa considerado como um dos
melhores juristas do Brasil, neste caso não poderia
utilizar-se da lei ao invés de nos privar de documentos que
são de interesse da nação?
Ao observar a trajetória de nossos heróis sintéticos,
tomando o exemplo de Rui Barbosa, percebemos que foram mais
de tentativas do que de realizações. Rui passou a
colecionar sonhos que não se tornaram realidade. Um dos
mais significativos foi sua candidatura à presidência do
Brasil, que trouxe frustração pela derrota. No discurso do
Senador Artur da Távola, em 2000 e dedicado a Rui Barbosa,
observou o fato de Rui ser herói mais pelas suas derrotas
do que por suas vitórias:
Rui, então, se forma dentro dessa
linha e, a partir daí, toda a história
de sua vida é uma história permanente de
tentativa, eu quase diria fracassada
de um fracasso que hoje lhe traz a
313
glória [...] Ele, portanto, passa à
História não como o homem que conquistou
o poder, embora tenha sido Senador por
muitos anos, mas como um homem que não
conquistou o poder, de um homem sempre
barrado no sonho de conquistar o poder
[...] (TÁVOLA, 2000, p.4).
Uma forma de justificar as derrotas e os insucessos de
Rui Barbosa, está na construção biográfica de sua vida
pública. Os autores, em sua maioria, buscam diversas formas
de apagar da memória coletiva indícios que denigrem e
desmistifiquem a figura do jurista. Rui não chegou à
Presidência do Brasil por não ter a competência exigida de
representar uma nação. Isto ficou claro para a sociedade e
para a política da época. Mas o curioso é que, segundo o
autor Rubem Nogueira, o povo foi culpado:
Impedido embora de chegar à
Presidência da República pela imaturidade
política do povo brasileiro, assim como
pelos métodos político-partidários e
eleitorais [...] Com os seus títulos, a
sua popularidade e os seus serviços
prestados ao Brasil, devia ter sido
Presidente da República [...] (NOGUEIRA,
1954, p.188).
314
Se havia tanta popularidade, como nos diz Nogueira, como não
foi eleito? No exemplo abaixo (Fig.95), podemos ver que seu
reconhecimento não era uma unanimidade. Pesquisa realizada em 1909,
na Revista Careta, quis saber quem seria o candidato do povo para
Presidência do Brasil e Rui ficou em nono lugar.
Fig.95
Pesquisa para Presidência do Brasil
315
Se os atos de Rui Barbosa não o fizeram um herói, seu
aspecto físico também não contribuiu. O herói é possuidor
de ações e imagem que proporciona credibilidade. Na
descrição de um jornalista estrangeiro, podemos ter uma
pequena idéia do “conjunto da obra”:
Pequeno, nervoso, irritável e
autoritário, o sr. Rui Barbosa é um
filho da Bahia: nascido sob o sol
vertical do Equador, as suas paixões são
duma vivacidade extraordinária, seu
estilo tem uma amplidão imensa. Vendo-se
essa cabeça enorme sobre esse corpo
franzino, os olhos ardentes e os gestos
exaltados, parece que esse homem esteja
permanentemente agitado, e sua cabeça a
pique de arrebentar (FILHO, 1960,
p.222-223).
Foi o Barão do Rio Branco que deu o apelido de “Águia
de Haia” para Rui Barbosa, fazendo referência ao seu desejo
de enviar uma “delegação de águias” para a Segunda
Conferência de Haia, assim como ocorrido na monarquia o
“ministérios das águias”, no 21º Gabinete do Império.
Lembramos que o Brasil somente teve destaque na
Conferência por duas grandes razões: pelo investimento em
publicidade e pela ajuda de Rio Branco e Joaquim Nabuco
316
junto a Rui Barbosa, isto é, não foi apenas Rui que colocou
o nome do Brasil na política externa, mas a junção destes
fatores. Não crime neste golpe publicitário, mas
moralmente os brasileiros foram enganados e passaram a ter
a falsa impressão de que a popularidade do Brasil no
exterior foi fruto somente da sua atuação.
O autor Américo Jacobina define de forma simplista o
que venha ser a criação do herói na sociedade:
Todo Homem significativo cria,
assim, fatalmente, em torno de sua
biografia, uma auréola lendária,
ampliada pela consagração popular à sua
figura, que passa a ser o centro de uma
construção mítica, geradora de um ciclo
que se amplia com o passar das gerações.
Há heróis que formam a própria lenda, e
contribuem, poderosamente, para a
formação dos mitos que lhes convêm
(LACOMBE, 1984, p.158).
Aqui salientamos que não foi a consagração popular que
elegeu Rui Barbosa como herói, mas sim pequenos grupos com
interesses próprios. Felizmente o ciclo da construção
mítica em torno dele não aumentou com o passar do tempo -
317
pelo contrário - diminuiu, pois hoje poucos lembram quem
foi Rui Barbosa e quais suas contribuições para o Brasil.
Aclamado como herói em vida por seus seguidores, após
a sua morte não foi diferente. As homenagens através de
jornais e discursos vão proliferar ainda mais, demonstrando
elevado número de manifestações a consagração de Rui
Barbosa como o “eterno herói brasileiro”. Em um artigo de
Vicente de Medeiros, Rui passa a ser divinizado e colocado
não como um ser humano, mas como um semi-deus:
Era bom, eras justo, e eras
perfeito; era o gênio integralizado numa
criatura humana; era até mesmo
semelhante aos deuses; porque era um
deus-criatura moral, que viverás para
sempre com a imortalidade dos gênios que
são deuses! (Jornal O Dia, 04/03/23)
65
.
Os monumentos aos políticos e militares da República
não foram erguidos com o propósito de homenagear somente o
“herói” ali presentificado, antes de tudo serviam como
personificação da Pátria. São representantes de uma
construção patriótica, que servem para simbolizar uma idéia
65
A citação do jornal O Dia está inserido no artigo de João Felipe
Gonçalves “Enterrado Rui Barbosa: um estudo de caso da construção
fúnebre de heróis nacionais na Primeira República”. Artigo sem
referência para citação.
318
de união e nação. Portanto, a exaltação exagerada busca não
perpetuar a memória do homenageado, mas mostrar às futuras
gerações que homens ajudaram a construir a História do
Brasil, mesmo que sejam heróis fabricados para este fim
específico e meramente ilustrativos aos olhos da sociedade.
Nas contradições de Rui Barbosa, um momento de sua
vida em que ele chegou a mostrar um certo receio em relação
a homenagens prestadas via monumento:
Nas multidões de hoje em dia se
gastou e extinguiu esse culto das
virtudes e glórias de exibição, talhadas
no mármore ou vazadas no bronze. As
turbas de agora passam descuriosas e
irreverentes, sem levantar os olhos
pelas imagens dos grandes homens,
alçadas nos seus pedestais de granito; e
a impressão da sorte desses personagens,
condenadas, numa exposição eterna, à
distração dos transeuntes, é a do
suplicio da indiferença, imposto aos
glorificados (FILHO, s/d, p.35).
O que podemos perceber neste discurso de Rui Barbosa
do dia 12 de agosto de 1918, na Biblioteca Nacional, é
quase um apelo para que sua memória um dia fosse perpetuada
319
em um monumento. Neste período o ato de erguer monumentos
públicos era costume e tinha uma função social.
Conhecendo as incoerências dos ideais de Rui, o que de
fato ocultava era um desejo de homenagem, a fim de que não
fosse esquecido através do tempo, assegurando a
funcionalidade e razão dessa prática. Infelizmente hoje Rui
Barbosa, como tantos outros, estão esquecidos nos
monumentos, também não mais a publicidade a favor,
tornando-os meros homens imortalizados através de um
imaginário.
Igualar Rui Barbosa aos fundadores da República do
Brasil é afirmar que era um adepto ao regime republicano.
Mesmo criticando D. Pedro II através de seus artigos nos
jornais, Rui considerava a monarquia o mais adequado para o
País, com a ressalva de que haveria de se promover
melhorias na administração. Esta monarquia parlamentar
desejada por Rui foi mais uma quimera em sua vida: “[...] as
monarquias nominais podem ser de fato as melhores repúblicas, e que,
na realidade, as repúblicas aparentes são muitas vezes as piores
tiranias (BARBOSA, 1929, p.290).
320
O monumento a Rui Barbosa não retrata seus feitos por
completo e não descreve sua vida, a partir do conjunto
artístico da obra. Quem não conhece a trajetória de Rui
Barbosa, por exemplo, não interpreta o símbolo da águia em
referência a II Conferência de Haia, onde Rui passa a ser
associado a este simbolismo. O monumento nos mostra muito
mais um homem, do que o mito do herói.
João Turin foi responsável pelo monumento a Rui
Barbosa (Fig.96), situado na Praça Santos Andrade, cuja
inauguração se deu em 5 de novembro de 1937. Todo feito em
bronze, este trabalho possui além da estátua de Rui, a
referida alegoria de águia (BAHLS, 2001, p.67). A
iniciativa da homenagem foi dos acadêmicos do Curso de
Direito da Universidade do Paraná (hoje Universidade
Federal do Paraná):
No final da década de 1920, o
desejo de erigir-se um monumento a Rui
Barbosa, movimentou o meio acadêmico
paranaense. Para arrecadar donativos para
a execução da obra, foi organizado um
Livro de Ouro, que circulou por todo o
Brasil. Após quatorze anos, e tendo o
governo estadual contribuído com os oito
mil contos de réis faltantes, foi
organizado um concurso para a escolha de
321
um protótipo da obra a ser confeccionada
(BAHLS, 2001, p.65).
Deste modo, o “herói” Rui Barbosa não teve de imediato
seu monumento concretizado, foi preciso quatorze anos e
mais a contribuição financeira do governo para finalização
da obra, evidenciando um culto tardio.
Aquilo que mais foi criticado e ao mesmo tempo
exaltado foi representado pelo escultor Turin através do
uso de pose de oratória (Fig.97). O artista apresenta um
Fig.96
Monumento a Rui Barbosa
322
Rui Barbosa idealizado, onde a
supremacia está refletida na
posição dele na parte mais
alta do conjunto da obra.
Há no monumento a figura de
uma águia (Fig.98). Os transeuntes
sabem interpretar o
significado da águia?
Possivelmente não, pois para
entender o motivo da colocação
do pássaro no monumento, seria
preciso recorrer à História e
à biografia de Rui, mesmo que seja aquela romanceada.
Fig.97 – Rui Barbosa
em pose de oratória
Fig.98
Alegoria da águia
Fig.97 Rui Barbosa em
pose de oratória
323
Simbolicamente a águia é a “rainha dos pássaros”,
tendo sido associada na antiguidade à força, poder e a
rituais funerários. Também temos a águia como o símbolo de
João Evangelista e, na Idade Média, o pássaro estava
associado a Jesus Cristo (SILVA, 2000, p.209).
Qual destes significados está presente na simbologia
da águia no monumento a Rui Barbosa? Nenhum, pois foi
colocada provavelmente sob encomenda para lembrar o apelido
de Águia de Haia, ou seja, a imagem do próprio Barbosa está
personificada na imagem do pássaro.
4.5 - Monumento a Tiradentes
Tiradentes nasceu em 1746 na região situada entre São
João del Rei e São José del Rei, hoje cidade denominada de
Tiradentes. É desconhecido o dia de seu nascimento, mas seu
batismo foi em 12 de novembro de 1746 (BARROS, 1985, p.7).
Faleceu em 21 de abril de 1792, na cidade do Rio de
Janeiro.
A imagem mais consubstanciada de Tiradentes é esta (Fig.99) e
não aquela criada para associá-lo a Jesus Cristo:
324
Aqui representa-se mais claramente
opatriota, o austero oficial da tropa
paga e patrono da polícia militar de
Minas Gerais, que é retratado com seu
uniforme e sem barba, como era de esperar
de um militar. É a representação oficial
pela qual se batem, sem sucesso, as
autoridades em Minas Gerais desde longa
data. O imaginário nacional e popular é
mais forte (FURTADO, 2002, p,116).
Tiradentes talvez tivesse as
características adequadas para se
transformar em um herói da República:
não tinha um passado registrado, seus
traços fisionômicos eram desconhecidos,
bem como informações quanto ao seu
comportamento e seus atos eram
escassas. Um legítimo personagem
conveniente que, ao ser eleito ao
panteão dos heróis, se torna
insuspeito, com imagem imaculada. Assim
Tiradentes se prestava a uma
reconstrução simbólica que o mitificasse.
Fig.99 Pintura retratando
Tiradentes.
325
Os artistas republicanos trabalharam sua imagem de
forma tão idealizada, que a cada nova pintura ou escultura
ficava ainda mais divinizado. Tiradentes não era apenas um
herói da República, mas sim do Brasil. Entre heróis divinos
e trágicos, o segundo foi escolhido na busca de um
representante da República.
Como observa Maria Milliet, o imaginário da morte foi
o fio condutor para transformar Tiradentes em herói,um
recurso próprio do universo das artes que comumente
estabelece vínculo com este tipo de alusão (MILLIET, 2001,
p.255).
Assim como o herói, a morte é de significativa
importância para o estudo do imaginário de uma sociedade,
não importando o período de abordagem, como afirma Morin
“[...] o regresso da morte é um grande acontecimento
civilizacional e o problema de conviver com a morte vai
inscrever-se cada vez mais profundamente no nosso viver”
(MORIN, 1970, p.11).
326
Em um período de grande cientificismo como foi a
virada do século XIX para o XX
66
, onde o homem pensava que
podia responder a tudo e fazer qualquer coisa, a morte
ainda era vista como algo que não merecia tanta atenção(
THOMAS, 1993, p.183). Com isso, os homens passaram a buscar
superação frente à morte, provocando uma valorização da
vida, sendo a finitude escamoteada, cuja manifestação se
externava através das artes, principalmente dos monumentos
(BELLOMO, 1988, p.24).
O culto do herói está associado diretamente a essa
questão. Na República, os heróis encontrados nos monumentos
públicos eram homenagens feitas a homens que assim foram
consagrados após a morte. Por que não encontramos
monumentos erguidos, como forma de homenagem, em vida?
Aqui cabem reflexões mais aprofundadas: a primeira é
que foi inevitável buscar o culto de herói na República
para seu reforço e legitimação. Um herói vivo estaria
sujeito a praticar erros, o morto não, pois não se
encontrava mais vulnerável a críticas e julgamentos. a
segunda reflexão, diz respeito ao imaginário da morte na
66
Segundo Hobsbawm uma ruptura a partir de 1914, pois: “como
acredita o historiador inglês, para além das datas que congelam os
marcos, o século XIX teria terminado apenas em 1914. Foi, então, e com
a realidade da Primeira Guerra, que se s fim a esse ‘tempo das
certezas’” (COSTA, 2000, p.14).
327
sociedade. Sendo um tabu que envolve crença e religião,
fortalece alianças com o mito do herói.
O ato de comemorar, tão em voga na República, seja nas
datas criadas para este fim, na aclamação dos heróis ou nos
discursos políticos, teve como principal razão a
rememoração pública dos acontecimentos marcantes que
envolveram a sociedade e os governantes e que, a partir de
então, permanecerão com os portadores dessa memória, ou
seja, os grupos sociais (SILVA, 2003, p.438).
Tiradentes se transformou em herói a partir de uma
imagem construída. O mártir está associado ao herói trágico
que foi atribuído a sua personalidade, de acordo com a
representação ofertada nas artes. A República buscou na
heroificação de Tiradentes um forte mecanismo para a
formação da identidade nacional, pois carecia de uma coesão
nacional legitimadora e que descaracterizasse quaisquer
traços que lembrassem de modo positivo o Império. Lembramos
que Tiradentes foi morto por se opôr à Coroa, segundo
Milliet:
O surgimento do Tiradentes se dá
num momento de anseio por maior
participação política, por incorporação
328
do escravo à sociedade civil, por
industrialização; o desejo de
modernização percebe o Império como
anacrônico e incapaz de agilizar as
mudanças necessárias, o que coloca a
república como saída para o
desenvolvimento e o progresso. (...) o
herói tem na aspiração republicana seu
fundamento e sua permanente celebração,
contribuindo, na República, para a
difusão e conservação do sentimento
patriótico (MILLIET, 2001, p.20-21).
A Representação de Tiradentes
feita pelo artista Pedro
Américo (Fig.100) apresenta uma
idéia de ser humano vulnerável
às fraquezas da carne. A
pintura não alude ao herói, no
que diz respeito ao corpo
esquartejado. Mas se nos
determos em analisar o
simbolismo presente na obra,
veremos que mais do que um
simples mortal ali.
Fig.100 – Tiradentes
Esquartejado.
329
O herói trágico está configurado no cenário, seja
pela semelhança à figura de Jesus Cristo, quando pelo altar
e crucifixo exibidos ao lado do corpo. Tais presenças
estão para reforçar a mensagem proposta pelo artista, que
enxergara na trajetória de Cristo, uma semelhança na idealização
construída no imaginário popular sobre Tiradentes. Pedro Américo
se inspirou em demasia na Bíblia Sagrada, sua fonte de estudo o
que esclarece muito de sua produção, que traz símbolos e
cenários relativos à Religião Cristã:
Dramaticidade, mutilação e
transcendência. O pintor Pedro Américo,
famoso também por ter pintado o quadro
alusivo ao grito do Ipiranga, reinventa
o imaginário com fortes doses de
realismo e algum grau de antropofagia.
Um detalhe revela pequena tentação à
qual muitos dos artistas que retrataram
o tema sucumbiram: as casinhas evocam o
familiar cenário das Minas, embora a
execução tenha ocorrido no Rio de
Janeiro em espaço e cerimônia marcados
pela monumentalidade (FURTADO, 2002,
p.117).
330
A pintura de Décio Villares, retratando Tiradentes
(Fig.101), se caracteriza pela ausência de traços que
lembrem a finitude do corpo humano. Villares preferiu
representá-lo com traços suaves, onde a corda em seu
pescoço se traduz somente como um ornato. Não sinais de
suplício que o coloque em igualdade a um mortal. Ele é a
personificação do herói que viveu uma situação violenta,
porém com superação.
Este triunfo é uma das
principais dádivas do herói, e
o rosto que vemos na obra
apresenta um semblante de
serenidade e um olhar que
volta-se para o alto, em
resposta ao castigo humano
aplicado a ele. Seu destino
foi traçado, como fora aos
heróis trágicos, pois: “o herói trágico é denotado diante
da força do destino, mas o que o humaniza, o que a ele
uma ‘paixão terrestre’, é exatamente a sua luta contra
isso” (FEIJÓ, 1995, p.61).
Fig.101
Tiradentes.
331
É curioso observar que, na atualidade, o dia reservado
para festejar o herói Tiradentes
67
é de tal forma
apreendido que evoca mais lembranças e entendimento que o
próprio 15 de Novembro. O herói escolhido para representar
a República do Brasil se sobrepôs ao ideal construído.
Dificilmente alguém associa Tiradentes à República, a
partir principalmente da Proclamação, mesmo sendo esta a
verdadeira razão da concessão do título de herói ao “Jesus
Cristo” brasileiro (CASTRO, 2000, p.7). Tiradentes foi bem
mais divulgado do que qualquer outro herói brasileiro:
“Presença destacada em todos os manuais cívicos
brasileiros, no calendário de comemorações oficiais [...].
Tiradentes é das figuras mais familiares de nossa História”
(BARROS, 1985, p.3), o que justifica tamanho culto.
O fato de Tiradentes ter sido enforcado e esquartejado
não pode estar associado a sua possível posição de líder da
conspiração, mas por pertencer à camada popular. Para o
Governo Português, foi a solução cabível frente à opinião
pública, pois quem daria importância a um “qualquer” que
decidiu ir contra Portugal? Dificilmente alguém valorizaria
67
No Governo do Presidente Castelo Branco (1964-1967), uma Lei passou
a vigorar (1966), obrigando que as representações feitas de Tiradentes
tivessem barba, cabelos longos e camisolão. Em 1976, foi revogada pelo
Presidente Ernesto Geisel.
332
um movimento cuja “líder” era um desvairado”, porquanto se
fosse um membro da elite, causaria maior impacto na opinião
pública:
[] ao motivo mais profundo que
explica o fato de Tiradentes ter sido o
bode expiatório da conspiração.
Aparentemente há uma lógica: ele vinha
da arraia-miúda da sociedade mineira e,
portanto, sua execução não acarretaria
problemas. [] Um julgamento-exibição
seguido pela execução pública de Silva
Xavier proporcionaria o impacto máximo
como advertência, ao mesmo tempo que
minimizaria e ridicularizaria os
objetivos do movimento (LOPEZ, 1989,
p.67).
A maioria dos autores escrevem sobre Tiradentes por
meio de uma visão fantasiosa:
Um dos aspectos mais
impressionantes do mito Tiradentes é a
obstinação com que seus biógrafos
reincidem na ficção para encobrir-lhes
as tropelias e outras atitudes não
gloriosas. Veja-se o episódio de sua
prisão em Minas Gerais, que desde o
alvorecer do século XX vem sendo
333
descrito com o recurso da imaginação
(FARACO, 1982, p.31).
grandes semelhanças entre Jesus Cristo e o mito
Tiradentes. Começando pelo episódio de Judas ter traído
Jesus assemelhando-se bastante com o caso do alferes ter
sido traído por Joaquim Silvério dos Reis. Antes de sua
morte na prisão, assim como Jesus, Tiradentes estava de
fato com cabelos longos e de barba:
Naquele momento, trazia nos
braços uma corda comprida e grossa e um
camisolão branco, a chamada alva dos
condenados. Tiradentes, já com o cabelo
e a barba, que haviam crescido muito
durante a prisão, totalmente raspados
(como era costume para os condenados),
foi libertado das algemas que lhe
prendiam os pés e trocou suas roupas
esfarrapadas e imundas pelo camisolão
(BARROS, 1985, p.74).
Assim, os artistas representam Tiradentes na hora de
sua morte de modo fantasioso, não deixando de introduzir
nas pinturas e esculturas, adereços e símbolos relativos a
Cristo.
334
Acreditamos que não foi no momento do enforcamento e
esquartejamento de Tiradentes que ele se tornou “herói
nacional”, fato que introduziu no imaginário popular um
leque de interpretações daquele episódio. É mais tarde,
porém, com a Proclamação da República, que haverá uma
intensificação em prol de sua glorificação. Cada um que
assistiu à execução da sentença da manhã de 1792 criou uma
interpretação própria do episódio:
Ao final de uma radiosa manhã de
sol, em abril do ano de 1792, foi
executado no Rio de Janeiro o alferes
Joaquim José da Silva Xavier, por
alcunha Tiradentes, personagem que
passaria desde aquele momento a ocupar
lugar central no imaginário nacional e
em alguns dos mais vigorosos ambates
intelectuais e políticos brasileiros
(FURTADO, 2002, p.11).
O imaginário criado a partir da morte de Tiradentes
teve uma forte associação entre o alferes e a religião.
Além de se igualar o episódio de Jesus Cristo e Tiradentes,
também houve supostas testemunhas da época que ouviram as
palavras finais com forte conotação religiosa:
335
Segundo testemunhos, durante os
momentos em que ficou nu, sem cabelo nem
barba, sujo, magro e profundamente
abatido, teria olhado para os presentes,
fitado os olhos do supersticioso
carrasco e exclamado: Meu Salvador
morreu também assim, nu, por meus
pecados! (BARROS, 1985, p.74).
No caminho entre a prisão e o local do enforcamento,
Tiradentes percorreu um trajeto longo, nas ruas as pessoas
assistiam o evento. Um cortejo de militares, autoridades e
eclesiásticos o acompanhava. Este momento ficou conhecido
como a Via Crucis de Jesus Cristo: tendo que carregar a
cruz em seu trajeto que ia do Pretário até o Calvário. Com
estas semelhanças, surgiram testemunhas que relataram ter
ouvido Tiradentes pedindo a Deus que lhe ajudasse, por não
suportar tamanho suplício:
Meus Deus, me ajude! Eu não
agüento mais, murmurou quase
inaudivelmente o condenado. Enclausurado
durante tanto tempo, praticamente sem se
expor ao sol e sem exercícios,
Tiradentes estava no limite de suas
forças quando, com o sol escaldante das
onze horas, pisou o primeiro dos 24
degraus do patíbulo (BARROS, 1985,
p.77).
336
Dentro ainda da visão de que Tiradentes é o nosso
Jesus Cristo brasileiro, lendas se tornaram “verdades” nas
palavras dos biógrafos do alferes.
Segundo o autor José Feliciano de Oliveira,
republicano que viveu o período da Proclamação e sempre foi
um defensor do heroísmo de Tiradentes. No dia da execução
da sentença, o carrasco foi até a cadeia pedir ao condenado
o perdão por ser ele quem ia lhe tirar-lhe a vida.
Tiradentes não só perdoou como também lhe disse:
- Ó meu amigo, deixe-me beijar-
lhe as mãos e os pés! E tendo feito,
provocou admiração e lágrima do próprio
empedernido executor. Ao despir-se para
enfiar a alva e receber o baraço, tirou
também a camisa, dizendo: - Meu Redentor
também por mim morreu nu! (OLIVEIRA,
1966, p.53).
O autor ainda não muito satisfeito em romancear ao
extremo a história de Tiradentes, recorre a supostos
testemunhos para descrever os últimos momentos. A partir da
declaração de um tal capitão Barbosa, Tiradentes tentou
falar para o povo a seguinte frase: Ó Pátria! recebe meu
sacrifício! (OLIVEIRA, 1966, p.55), mas o carrasco, aquele
337
mesmo perdoado, executou a sentença sem deixar Tiradentes
se pronunciar ao povo.
O monumento a Tiradentes (Fig.102) foi feito em 1922,
em Paris, pelo escultor João Turin (Fig.103) e inaugurado
em 21 de abril de 1927, na Praça Tiradentes
68
(MATTOS,
1959, p.25). A estátua feita em bronze, está sobre um
pedestal de granito. A iniciativa da homenagem foi privada
e não pública.
No acervo dos sete
monumentos analisados em
Curitiba em nosso trabalho,
três são de autoria do
escultor e pintor João
Turin. Nascido em 21 de
setembro de 1878, em Porto
de Cima (município de
Marretes / litoral do
Paraná), destacando-se no
cenário artístico produziu
muitas obras, principalmente
em Curitiba. Faleceu em 10
68
O antigo Largo da Matriz passou a se chamar, em 1889, Praça
Tiradentes.
Fig.102 – Monumento a
Tiradentes.
Fig.103 – João Turin em
seu ateliê.
Fig.102
Monumento a Tiradentes
338
de julho de 1949 na capital do Paraná (BUTTER, 2002, p.24).
Realizando seus estudos
na Escola de Belas-Artes do
Paraná, Turin recebe do
Presidente do Estado do
Paraná, Vicente Machado (1901-
1906), uma bolsa para
aperfeiçoar sua técnica de
escultura na Academia de Belas-
Artes de Bruxelas, onde obteve
reconhecimento do seu mestre
Charles Van Der Stappen
(BUTTER, 2002, p.24-26).
O Belga Charles Van Der
Stappen (Fig.104) era um artista
destacado pela sua produção de
esculturas. Sua arte era
influenciada pelo renascimento
italiano, com detalhes do
naturalismo. Também era especialista em
esculturas decorativas e arte
funerária.
Fig.104 – Charles
Van Der Stappen
Fig.103 João Turin em seu
ateliê
339
João Turin atuava em vários segmentos da arte
escultórica e da pintura:
[...] as obras de Turin englobam
temáticas variadas, que são expressas
através de estátuas, bustos, cabeças,
monumentos, medalhas, baixos-relevos,
objetos, esculturas de pequena e de
grandes dimensões. Basicamente utilizava
gesso e bronze para a execução de suas
obras. Sua temática origina-se desde a
mitologia grega até a Paranismo,
passando pela representação de animais,
silvícolas, personalidades históricas e
motivos de cunho religioso (BUTTER,
2002, p.5).
O monumento a Tiradentes foi realizado por Turin ainda
na Europa, no ano de 1922, cuja avaliação da crítica foi
extremamente positiva. Na exposição comemorativa aos 100
anos da Independência do Brasil, Turin participou com a sua
obra Tiradentes - e recebeu a Menção Honrosa no Salão
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro (Casa João
Turin). Um ano após, em 1923, Turin volta ao Brasil:
Desde ontem que Curitiba hospeda
o laureado artista conterrâneo João
Turin, que há vinte anos deixou [...]
João Turin torna à sua terra cercado da
340
mais justa admiração conquistada pelo
seu talento de artista (Jornal
Gazeta do Povo, 8/1/1923).
O monumento não foi feito com o intuito de ser
colocada em Praça pública de Curitiba, mas foi adaptado
para este propósito:
Em 1927, recebeu uma encomenda
para produzir uma estátua de Tiradentes
em pedra, em comemoração ao
cinqüentenário da imigração italiana no
Paraná. Como já tinha uma estátua em
gesso de Tiradentes pronta, a ofereceu
no lugar da que seria feita em pedra,
fato que lhe trouxe aborrecimentos, pois
foi mal entendido em seu gesto. Por fim,
Turin doou a estátua à colônia italiana,
pois sendo filho de imigrantes
italianos, tinha muito orgulho de
pertencer a essa, desfazendo o mal
entendido e ainda ganhando uma medalha
de ouro do Comitê Pró Monumentos a
Tiradentes (BUTTER, 2002, p.30).
341
O monumento (Fig.105) não está em
harmonia com uma realidade histórica,
mas com a história fantasiosa escrita
por seus biógrafos e presente no imaginário
popular. Está sendo representado a
partir da concepção do artista, que
preferiu ser fiel às alusões e
semelhanças entre Tiradentes e Jesus
Cristo.
A barba, os cabelos, a postura e a
roupa diferem do cenário histórico. Após muito tempo na
prisão, Tiradentes de Turin ainda exibe um peitoral
imponente e segurança na sua postura. As correntes
simbolizam a idéia do martírio presente no imaginário
popular. Ao mesmo tempo, aparece como ressuscitado, pois
não sinais de tortura ou dor, mas sobrepujamento. Turin
nos mostra um Tiradentes semi-deus (Jesus Cristo), um herói
e não homem que foi enforcado e esquartejado pela Coroa
portuguesa.
No Diário do Paraná de 19 de setembro de 1968, foi
noticiado que Turin recebeu um pedido para fazer a
representação de Jesus Cristo, porém quase no final da obra
a solicitação foi cancelada. Quando a Colônia Italiana lhe
Fig.105 Detalhe de
Tiradentes no monumento
342
encomendou o Tiradentes, Turin aproveitou a sua estátua
quase finalizada de Cristo, acrescentando somente a corda
em volta do pescoço e as correntes, transformando-o em
alferes (LACERDA, 1998, p.30).
O total desconhecimento de quem veiculou esta
reportagem faz com que acreditemos na falta de conhecimento
ao não reconhecer à representação de Tiradentes recriado
pelos Republicanos, nas artes. O autor ignorava ou
desconhecia a diferença entre o Tiradentes histórico e o
ficcional.
4.6 - Monumento ao Marechal Floriano Peixoto
Floriano Peixoto (Fig.106) nasceu em 30 de abril de
1839, no Estado das Alagoas (SILVA, 1894, p.13) e faleceu
em 29 de junho de 1895 / RJ. Era um homem de poucas
palavras e preciso nas suas ordens:
Econômico até nas palavras, suas
ordens eram curtas, breves, rápidas.
Ponderado, profundo analista, quando
reunido a políticos ou a militares,
pouco falava, ouvindo de preferência,
mensurando o pensamento de cada um,
343
para, intimamente, tirar conclusões
(CAMÊU; PEIXOTO, 1925, p.8).
Floriano Peixoto não era positivista, por isso a ordem
e a disciplina para ele se davam através da força e da
espada. Na sua compreensão, muitos estavam contra a
República naquele momento,
assim restaria combater os
inimigos a qualquer custo e,
se possível, exterminar os
oponentes para não haver perigo
no futuro. Como diz o autor
Saes, “a luta pela República,
e contra os seus imaginários
inimigos, era uma cruzada”
(SAES, 2005, p.10).
Com um radicalismo extremado, Floriano viria a ordenar
prisões e deposições sem temer a oposição ou os ditames da
ética. O Marechal não representava uma instituição, mas a
si próprio, impondo a ditadura da espada. Com uma forte
associação aos jacobismo, Floriano seguirá a máxima de crer
que o fim justifica os meios, mesmo que pessoas tivessem
que morrer: esta corrente política (Jacobismo) representa a ala
mais radical do Florianismo, e pode-se dizer que ela será
Fig.106 Marechal Floriano
Peixoto
344
responsável pela crescente radicalização deste (Floriano) (SAES,
2005, p.48).
Na biografia do Marechal, encontramos basicamente
duas correntes bem opostas: uma que lhe defende e glorifica
e, outra que o concebe como um dos maiores tiranos da
História do Brasil. Nessa segunda corrente, temos como um
dos maiores representantes Jacques Ourique.
Segundo o autor, Floriano não foi nada democrático em
suas ações, pelo contrário, o autoritarismo fez dele um
homem frio e calculista. Como não bastava vencer, ele
perseguia os inimigos a ponto de exterminar o derrotado. A
paz prometida por ele na sua posse de presidente não
existiu. O período em que Floriano esteve no poder foi um
dos mais conturbados da Primeira República:
[...] o marechal Peixoto, sempre
de acordo com o seu caráter traiçoeiro e
cruelmente frio, apresentou-se à nação,
brando, modesto [...] prometendo em nome
de sua palavra de MILITAR HONRADO,
respeitar as leis, não distinguir
vencidos de vencedores, e governar o
país pela via larga da concórdia, da paz
e do progresso (OURIQUE, 1894, p.9).
345
Para Ourique, o Marechal era um demente, utilizando-se
de outros adjetivos pejorativos para descrever o perfil do
governante: “o marechal Floriano não será um tigre da
história. Quando muito uma fera imunda, asquerosa e
traiçoeira da ordem dos chacais e das hienas” (OURIQUE,
1894, p.33).
Em Curitiba, Floriano é acusado de mandar matar e de
transformar a cidade em um local de execuções: “depois do
susto dos primeiros momentos de ocupação de Curitiba [...]
pelas forças florianistas, começaram os emissários da morte
e do crime a perseguir, prender e encarcerar, [...] a
inimigos e até amigos [...]” (OURIQUE, 1894, p.63).
A partir de testemunhas, Ourique narra o depoimento de
um morador da cidade e sua impressão do clima hostil em que
se encontrava Curitiba:
Nas horas mortas da noite ouvimos
repetidamente o estampido de tiros de
espingarda vindo do lado do cemitério,
que nos informaram, com o maior segredo,
serem dados contra cidadãos, que muitas
vezes são vítimas de simples denúncia de
inimigos pessoais, aos quais obrigam
antes a abrir as covas onde tem de ser
enterrados (OURIQUE, 1894, p.64).
346
Curitiba presenciou um dos mais tensos momentos de sua
História com o episódio da tomada das tropas de Floriano na
cidade. Seria lógico erguer um monumento para um homem que
ordenou o uso de qualquer meio, inclusive a morte?
Floriano também sofreu acusação por outros crimes,
além dos já mencionados. Muitos diziam que ele, por
entender estar acima de tudo e de todos, apropriou-se de
bens materiais e de quantias em dinheiro: “considerando que
acumulou clandestinamente elementos de corrupção, meteu
mãos criminosas na arca do Tesouro e apropriou-se de
objetos do Estado existentes em Itamaraty” (CALDAS, 1895,
p.155).
A glorificação de Floriano Peixoto se deu
principalmente por uma abundância de biografias escritas
após o seu governo e sua morte, descrevendo-o como um
personagem de ficção, que se tornou real ao olhar dos
seguidores do Marechal de Ferro.
A preparação da entrada de Floriano na seleta lista de
heróis da República já era descrita nos livros. A memória a
ser resguardada seria a de um homem que “salvou” o Brasil
de voltar a ser monarquista:
347
Fique ao tempo o comentário. Nós
erguemo-nos de pé, e inclinamo-nos
diante do herói, que vai ao caminho da
história, e entra o próstilo da
imortalidade [...] se há estátua de
bronze, ou Panteon de mármore, que
iguale esse tributo, que valha esta
memória (SILVA, 1894, p.78).
Para o autor Roberto Macedo, Floriano foi um
representante divino e acredita que “se o ferro é um
minério de difícil fusão, no Marechal de Ferro se fundiram
numerosos elementos divinos, a decomposição de cujo
amálgama não pode ser tentada no laboratório transeunte das
tribunas” (MACEDO, 1938, p.32). Os autores adeptos a
Floriano evitam fazer uma biografia a partir da História
para inventar aquilo que não podem explicar ou justificar
sobre a vida do Marechal.
As mortes ocorridas em Curitiba após a invasão das
tropas de Floriano Peixoto, foram contestadas por alguns
autores. A maioria, justifica a não participação direta do
Marechal nos fatos ocorridos:
Os fuzilamentos do Paraná, que
tiveram como culminância o trágico
acontecimento do quilômetro 65, onde
348
perdeu a vida, entre outros, o honrado
barão do Cerro Azul, também fazem parte
dos fatos cuja autoria é atribuída ao
Consolidador, pelos seus inimigos, com o
fito de macularem a sua memória
(PEIXOTO, 1940, p.9).
Dizem que não é verdade os fuzilamentos, mas também
não indicam quem foram os verdadeiros autores dos crimes
ocorridos no Paraná e Curitiba.
O crítico e escritor Carlos Maul, publicou em 1940 um
pequeno livro sobre o Marechal, com ilustrações para
crianças. Esta publicação nos indica como foi formado o
imaginário acerca da figura de Floriano. A respeito da
chegada ao poder, Maul analisa sob este viés:
O Imperador tendo que ser
substituído por um presidente. Este foi
o Marechal Deodoro, tendo como vice-
presidente Floriano. Logo depois Deodoro
passou o governo a Floriano que começou
a cuidar dos interesses do povo com
satisfação (MAUL, 1940, s/p).
349
A criança que tivesse acesso a esta visão idealizada
seria levada a pensar que D. Pedro II deixou o governo por
decisão própria e que Floriano fez um favor a Deodoro, ao
substituí-lo no Governo.
Para o autor e militar João Baptista Mattos o perfil
de Floriano Peixoto foi analisado por especialistas no
assunto da seguinte maneira:
Analistas, que investigaram os
episódios da consolidação do regime,
frisam certos reflexos do caráter de
Floriano, para classificá-lo como um
espécime de homem forte, carlyliano,
capaz de comandar guerreiros e povos
(MATTOS, 1959, p.47).
Para Mattos, Floriano era o herói idealizado por Thomas
Carlyle. Infelizmente ele estava certo, pois o herói de
Carlyle tinha que ser autoritário e não pertencer à camada
popular da sociedade.
O estranho é que os autores florianistas eram
conhecedores dos atos nada heróicos de Floriano, o que não
os impedia de glorificá-lo:
350
Durante a revolta, mesmo
esquecendo a lei algumas vezes, para
melhor garantir a paz e a tranqüilidade
publicas, soube conquistar dedicações,
fazer amigos tão desinteressados que
ainda hoje lhe veneram o nome (CAMÊU;
PEIXOTO, 1925, p.9).
Quando falamos de República no Brasil, referimo-nos a
três correntes políticas interessadas em definir a
fundamentação do novo regime: “o liberalismo à americana, o
jacobismo à francesa, e o positivismo” (CARVALHO, 1998,
p.9), acabando por vencer o liberalismo. A partir dessas
correntes, podemos compreender como Floriano Peixoto
conseguiu ser aclamado herói por alguns:
Sua resitência às revoltas
inspirou o jacobismo republicano do Rio
de Janeiro, movimento que pela primeira
vez deu à República tintas populares.
Para jacobinos, civis e militares, era
ele sem dúvida o herói republicano por
excelência (CARVALHO, 1998, p.56).
Como o liberalismo se consolidou, não houve lugar para
um herói da ala jacobina, portanto, Floriano Peixoto
oficialmente não teve destaque nas imagens e monumentos
criados pela República do Brasil nas suas glorificações.
351
O monumento a Floriano Peixoto foi inaugurado em 19 de
dezembro de 1904, tendo como desenhista do projeto Ricardo
Honorato Pereira de Carvalho
(LACERDA, 1998, p.25). O escultor
escolhido foi Pasquale de Chirico
(Fig.107).
Pasquale de Chirico nasceu em
1873, na Itália e teve seus
primeiros estudos de artes no Rial
Intituto de Belli Arti, em Nápoles com o escultor Achiles
D’Orsi. Em 1893 veio para o Brasil e depois de permanecer
uma década em São Paulo foi para Bahia. Especialista em
esculpir personalidades que marcaram a História do Brasil,
Pasquale foi responsável por obras como a do Barão do Rio
Branco, situada em Salvador (Bahia).
Os seus principais trabalhos foram confeccionados na
Itália devido à oferta de material de melhor qualidade,
beneficiando o resultado final de suas criações. Foi
professor da Escola de Belas Artes da Bahia entre 1918 e
Fig.107 Pasquele
de Chirico
352
1942, um ano antes de seu falecimento na própria cidade de
Salvador, local onde produziu inúmeros monumentos
69
.
O monumento de Floriano Peixoto (Fig.108) foi o
primeiro a ocupar o espaço público de Curitiba. Em plena
consolidação da República a cidade homenageia, através da
Associação Cívica, Marechal Floriano, um nome expressivo da
História do Brasil:
O Marechal Floriano, a figura
histórica homenageada com o monumento
que, principalmente para Vicente
Machado e seu grupo, era símbolo do
Regime Republicano, é uma figura
polêmica. Era corrente o ódio ao seu
desempenho na Revolução Federalista,
sobretudo entre as famílias das
vítimas da Revolução (LACERDA, 1998,
p.21).
69 Para maiores informações sobre Pasquale de Chirico, acessar os sites:
www.cultura.salvador.ba.gov.br e www.acirv.org/hp/revista, fonte consultada para
analisar o artista neste trabalho.
Fig.108 Monumento ao Marechal
Floriano Peixoto
353
É extremamente contraditório erguer um monumento a um
homem que usou de força e armas para manter a ordem na cidade de
Curitiba. Neste caso, o herói se fez por iniciativa de um grupo e não
pela sociedade. Fazer uma interpretação a partir do monumento sem a
ocorrência à História de Curitiba e algumas biografias de Floriano
Peixoto torna-se inviável. Para os desavisados, Floriano foi um herói e
não um o autoritário como nos mostra a História:
Para homenageá-lo, Vicente Machado
e seu grupo, que fundaram em Curitiba a
Associação Cívica Marechal Floriano
tendo o General J. Bernardino Bormann
como Presidente de Honra e Joaquim
Cardoso como Presidente -, propuseram a
execução e a implantação da estátua,
fato que resultou na Lei Municipal no
82, de junho de 1902. Quando Vicente
Machado estava em seu segundo mandato
(25 de abril de 1904 a 3 de março 1907),
a Associação inaugurou a Estátua do
Marechal Floriano, a 19 de dezembro de
1904, ano do 9º aniversário do Marechal
Floriano (LACERDA, 1998, p.21).
O monumento apresenta Floriano Peixoto em pose segura
dando a idéia de civismo, seguindo a filosofia de Comte:
[...] segundo a regra suprema da
arte, traçada pelo incomparável gênio de
354
A. Comte [...] Ele ali nada mais fez, em
suma, do que modelar rigorosamente a
aureola de imortalidade subjetiva que
cinge a gloria fronte do nosso
benemérito e redivivo vulto histórico
(CASTRO,1910, p.38).
Realmente é o que vemos na obra, porém não quer dizer
que esteja em compatibilidade com a realidade histórica,
temos é um personagem idealizado e por um grupo restrito.
Com uma postura vigilante (Fig.109) e um olhar lançado
ao horizonte, a personificação de Floriano parece estar
observando o inimigo no campo de batalha. A indumentária
militar oferece mais seriedade à
composição da imagem do Marechal de
Ferro. Destacado na Guerra do
Paraguai, Floriano apresenta
medalhas em seu peito e a sua mão
esquerda segura a espada.
Dentro dos preceitos ideológicos
de Comte, o monumento cumpriu
seu propósito, mesmo havendo uma
fronteira entre a história e a ficção,
pois segundo Comte: O impulso social
Fig.109
D
etalhe do monumento
355
devido à glorificação do passado conduzirá a escultura a superar as
dificuldades técnicas que lhe oferecem as representações
coletivas, em breve tornadas seu campo principal” (CASTRO,
1910, p.105). Na Primeira República, o monumento servirá
para abrigar um passado, mesmo que seja criado dentro de um
imaginário.
4.7 - Monumento ao Barão do Rio Branco
O escultor do monumento ao Barão Rio Branco foi Rodolfo
Bernardelli (Fig.110). Nascido no México, em 1852, e falecido no Rio
de Janeiro em 1931, atuou desde
a última década do século XIX
até 1915 como diretor da Escola
Nacional de Belas-Artes. Com um
estilo inconfundível dentro da
linha do Neoclassicismo,
Bernardelli obteve reconhecimento
principalmente por suas obras de
cunho celebrativo.
Fig.110 Rodolfo Bernardelli e o prefeito
do Rio de Janeiro, Pereira Passos
356
“Entre seus alunos que
posteriormente viraram artistas
conhecidos, destacam-se Amadeo
Zani e Leão Velloso. Bernardelli é
autor de dezenas de monumentos e
obras ao ar livre, dos quais
ressaltam-se as esculturas que
adornam o Teatro Municipal do Rio
de Janeiro e o Monumento ao
Descobrimento, no Rio de janeiro e
Lisboa (ALVES,2004, p.238).
Em 1876, Bernardelli foi estudar na Itália, após uma
rápida passagem pela França, onde percebeu que não seria a
arte francesa seu objetivo de estudo:
Ali ele relata que encontrou a
arte francesa em estado latente de
transição, com a escola Romântica
quase morta e o Realismo começando
sua dominação no espírito dos
novos. [...] A Itália, ao mesmo
tempo em que lhe ofereceria a
oportunidade de estudar as obras
clássicas, com o qual ele tinha
maior afinidade, lhe proporcionaria o
contato com o verismo, corrente
naturalista e detalhista que adotaria
em diversos momentos de seu
trabalho. Nesse particular, sofreu
certa influência de seus mestres
357
italianos, os irmãos Giulio e
Achilles Monteverde, com quem
aprendeu a trabalhar o mármore”
(WEISZ, 2007, s/p).
Bernardelli retornou ao Brasil em 1885, para atuar
como professor e escultor. Conhecido por um temperamento
forte, Bernardelli fez alguns inimigos em sua trajetória,
principalmente quando foi Diretor do Museu de Belas Artes
do Rio de Janeiro. Como monarquista, irá produzir a maior
parte de seus trabalhos para a República:
Monarquista e admirador
do Imperador, foi por ele
agraciado com amizade e proteção.
Com o fim da Monarquia, num gesto
de solidariedade para com a família
Imperial, deixou a cadeira de
estatuária que ocupava na
Academia Imperial de Belas
Artes. Com a República, voltou
ao mesmo posto, a pedido do amigo
Benjamim Constant, e passou a
fazer parte da comiso destinada a
estudar e propor a reforma do
ensino arstico. [...] Rodolpho
Bernardelli permaneceria à frente da
Escola de Belas Artes até 1915, quando
um movimento de professores e
358
alunos o afastaria da direção
(WEISZ, 2007, s/p).
Dentro das obras
produzidas por Rodolfo
Bernardelli
70
, o monumento ao
Barão do Rio Branco (Fig.111)
aparece de forma destacada em
Curitiba, por seus traços
fortes em consonância com o
realismo. Os detalhes deste
monumento traduzem a
autoridade do escultor perante
seu ofício.
José Maria da Silva Paranhos (Fig.112), mais conhecido
como o Barão do Rio Branco, é uma das personalidades mais
marcantes da História do Brasil e mais homenageado através
de monumentos,
71
que apresentam uma contradição aos
princípios republicanos e incoerência ideológica a
República utilizar-se-á de um monarquista como um de seus
heróis.
70
Para saber mais sobre o escultor Rodolfo Bernardelli, ver o Trabalho
de: WEISZ, Suely de Godoy. Estatuária e Ideologia: monumentos
comemorativos de Rodolpho Bernardelli no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, (Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
História – UFRJ / EBA), 1996.
71
Já estudada a sua biografia no capítulo II.
Fig.111
Monumento ao Barão do Rio Branco.
359
Com maior investimento da
Prefeitura de Curitiba, o
monumento foi erguido como
reconhecimento da atuação do
Barão com questões de limite
territoriais do Paraná. A
inauguração se deu em 19 de
Dezembro de 1914, na Praça
Generoso Marques.
Bernardelli optou
por mostrar um Barão
culto e letrado (Fig.113),
trazendo livros e impressos
utilizados por ele nos
assuntos territoriais, onde
fora decissivo para o País.
Na parte frontal do
monumento um mapa do
Brasil, fazendo alusão à
atuação do Barão na atual
fronteira que delimita
nosso território.
Fig.112 Foto do Barão
do Rio Branco
Fig.113 Detalhe do monumento ao Barão do
Rio Branco
360
O notável é que o monumento não apresenta símbolos e
alegorias que remetam à República, como em Porto Alegre.
Uma das explicações se encontra na figura do escultor:
Rodolfo Bernardelli era monarquista e amigo da Família
Real, portanto prefiriu representar um Barão monarquista,
como realmente era.
Em plena consolidação da República, um escultor
monarquista cria um monumento sem alusões à República. Quem
observar a obra sem ter informações sobre sua inauguração
(Fig.114 e 115), com certeza pensará que foi erguido no
período de D. Pedro II, em memória à atuação diplomática do
Barão do Rio Branco.
Fig.114 – Construção do Monumento ao Barão
do Rio Branco - Outubro de 1913
361
Por outro lado, a maquete em gesso (Fig.116) feita
pelos escultores João Turin e Zaco Paraná
72
- que
concorreram na escolha de quem seria responsável pela
execução - apresenta uma outra versão de monumento. Como em
Porto Alegre, Rio Branco
tornaria-se um verdadeiro
republicano a partir de sua
representação. A alegoria da
República lhe oferece flores
em forma de gratidão.
72
João Turin e Zaco Paraná ainda estavam em Paris quando tomaram
conhecimento do concurso. Fizeram juntos o projeto que chegou
atrasado, sendo a maquete desclassificada. Rodolfo Bernardelli como
vitorioso foi o autor da obra.
Fig.115 – Inauguração do Monumento ao Barão do
Rio Branco.
Fig.116 – Maquete dos escultores
T
urin e Zaco Paraná
362
O Barão, diferentemente da obra de Bernardelli, está
sentado e na mão esquerda traz possivelmente um tratado,
representando sua vida diplomática. Também um mapa do
Brasil como forma de menção aos tratados territoriais.
Não há nenhum propósito específico na alegoria do leão
e nem associação direta ao Barão do Rio Branco. O leão em
seu significado mais específico simboliza poder,
inteligência e justiça. Como soberano e “rei dos animais”,
muitas vezes encontramos o leão nos brazões do trono de
diversos reis (SILVA, 2000, p.210). Com a pata direita em
cima do mapa do Brasil, o leão simbolicamente nos diz: “Com
a sua inteligência, o Barão do Rio Branco conquistou
territórios para o Brasil”. Uma idéia de monumento que
certamente iria exemplificar o propósito dos republicanos
em erguer monumentos ao monarquista Rio Branco.
4.8 - Monumento ao Semeador
O último monumento a ser analisado será O Semeador
(Fig.117). Entre todos abordados neste capítulo e que
compõe o acervo de Curitiba, será o único que não
homenageia os heróis republicanos ou a figura de um
indivíduo, mas uma etnia.
363
Toda em bronze, a obra
é do escultor João Zaco
Paraná. A inauguração se deu
em 7 de setembro de 1922 e
localiza-se na Praça Eufrásio
Corrêa (MATTOS, 1959, p.109).
Zaco Paraná nasceu em 3 de
Julho de 1884, na Polônia, e
faleceu em Julho de 1961, no
Rio de Janeiro. Era amigo de
João Turin, ambos estudaram
juntos o ofício, tendo como
mestre Charles Van Der
Stappen. Aos 14 anos, ganhou
uma bolsa do Estado do
Paraná para estudar na
Escola de Belas Artes e
Indústrias do Estado, transferindo-se em 1901 para a Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.
Mas será em Bruxelas (Bélgica) que Zaco Paraná
aprofundará sua técnica artística e aprimorá sua atividade de
escultor, desenhista e pintor, porém não terá uma representatividade
na formação do acervo dos monumentos de Curitiba como o seu
amigo João Turin.
Fig.117 – Monumento ao
Semeador.
364
Neste monumento (Fig.118) não há um herói ou um nome a
ser lembrado pelas futuras gerações. Os imigrantes
poloneses o ofereceram a
Curitiba em agradecimento pela
acolhida do fluxo migratório
ocorrido a partir de 1871,
constituindo a cidade a maior
colônia brasileira de Poloneses
do Brasil. A inscrição na
obra nos mostra uma dupla
intenção com o monumento:
Ao Brasil em comemoração ao 1º
Centenário de sua independência
A Colônia Polaca 1822-
1922”.
É contraditória a função do monumento, bem como seu
propósito. A colônia polonesa presenteou Curitiba com um
monumento que homenageia a si própria, e não a cidade.
Outro fato é a segunda função do monumento: homenagear ao
Centenário da Independência do Brasil. Surge o
questionamento: qual a associação entre os dois fatos
históricos, que a alegoria tenta representar um
imigrante polonês?
Fig.118
Detalhe do monumento
365
A explicação está na data de inauguração, 1922, que
coincidentemente remete às festividades do centenário de
nossa independência. Isto quer dizer que a homenagem foi ao
Brasil e não a Curitiba. Na figura alegórica criada pelo
escultor Zaco Paraná, que também era um imigrante polonês,
o Semeador somente indica que os imigrantes se dedicaram à
agricultura, excluindo o comércio de suas atividades. A
alegoria criada pelo artista nos mostra um homem semeando.
Em Porto Alegre temos o monumento ao gaúcho oriental,
visto no capítulo II. Foi um presente da colônia
uruguaia para homenagear o gaúcho (mesmo na ausência de
referências ao gaúcho do Rio Grande do Sul, representado na
obra), que em Curitiba a colônia polonesa presenteou a
cidade com um monumento que homenageia a si própria quanto
colônia, ou seja, um legítimo presente de grego. A figura
do herói aqui era para estar associada à etnia polonês. Não
culto ao herói, pois não partiu do reconhecimento de
terceiros.
Sobre o uso dos monumentos para divulgar o ideário
republicano podemos seguramente afirmar que não foi
prioridade do governo local, como ocorrera em Porto Alegre.
Cerca de 50% dos monumentos mais ligados aos heróis da
República somente foram erguidos após a República Velha,
366
sendo que aqueles que foram feitos até 1930, originaram-se
de iniciativas de particulares ou instituições não
governamentais.
Dificilmente os monumentos analisados em Curitiba
foram confeccionados por exclusiva ação do Governo local,
como ocorreu, por exemplo, com o monumento a Júlio de
Castilhos em Porto Alegre.
No acervo da capital do Paraná, não um forte
simbolismo e alegorias, impossibilitando uma leitura mais
apurada da vida dos homenageados. Para o leigo que passa
pelos monumentos, os supostos heróis são apenas nomes
conhecidos que se destacaram na História do Brasil e nada
mais. Para interpretar a mensagem contida nas obras é
necessário conhecer a História de cada personagem, pois os
monumentos nos dizem muito pouco.
Todos os monumentos de Curitiba, exceto o “Semeador”,
são personagens criados no imaginário republicano. Outro
aspecto relevante é que cerca de 50% dos monumentos
foram erguidos após o término da Primeira República. O
herói deve ser cultuado por diversos segmentos da
sociedade, porém esta postergação do culto só vem constatar
367
que não houve participação popular na glorificação destes
“heróis”.
Podemos traduzir a partir dos monumentos de Curitiba
que houve um atendimento a uma moda em erguer obras que
trouxessem heróis conhecidos, colocando a cidade entre
aquelas que reverenciam os “grandes homens” e fatos da
pátria. Em Curitiba o aspecto local, como em Florianópolis,
não está presente, como também não aparecem as conquistas
militares e políticas, como as manifestas nos monumentos de
Porto Alegre, pois a capital do Paraná preferiu idealizar
heróis nacionais, ao invés dos regionais.
4.9 - Ficha dos Monumentos do Capítulo IV
1- Monumento a Santos Dumont
Data: 22 de Dezembro de 1935.
Escultor: Iolando Malozzi.
Localização: Praça Santos Andrade.
2- Monumento à República e a Benjamin Constant
Data: 1938.
Escultor: João Turin.
Localização: Praça Tiradentes.
368
3- Monumento a Rui Barbosa.
Data: 5 de Novembro de 1937.
Escultor: João Turin.
Localização: Praça Santos Andrade.
4- Monumento a Tiradentes.
Data: 1922 e inauguração em 21 de Abril de 1927.
Escultor: João Turin.
Localização: Praça Tiradentes.
5- Monumento ao Marechal Floriano Peixoto
Data: 19 de Dezembro de 1904.
Escultor: Pasquale de Chirico.
Localização: Praça Tiradentes.
6- Monumento ao Barão do Rio Branco
Data: 19 de Dezembro de 1914.
Escultor: Rodolfo Bernardelli.
Localização: Praça Generoso Marques.
7- Monumento O Semeador
Data: 7 de Abril de 1922.
Escultor: João Zaco Paraná.
Localização: Praça Eufrásio Corrêa.
369
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao encerrarmos este estudo não estaremos de esgotando
o ensejo de futuras pesquisas acerca da temática, ainda
contamos com os monumentos em nossa sociedade, bem como
dispomos da rica iconografia produzida no período da
Primeira República.
O uso do simbolismo foi certamente uma prática
marcante do novo regime político do Brasil. Percebemos que
os monumentos não são mais concebidos por grande parte da
população como um elo de ligação entre passado e presente,
basta a constatação do descaso e ações depredatórias
dirigidas a estas obras. Os heróis personificados no bronze
e na pedra hoje são ignorados pelos transeuntes,
confirmando a perda daquela função idealizada na formação
do acervo.
Em Porto Alegre, os monumentos foram erguidos por
iniciativa de pequenos grupos, com a intenção de divulgação
de ideais para atender interesses particulares. Os heróis
políticos e militares foram os que mais estiveram presentes
nesta glorificação, reafirmando-os como promotores da
iniciativa. A sociedade apenas assistiu as decorrências dos
fatos e, como na Proclamação da República, teve
participação um tanto quanto inexpressiva.
Na capital gaúcha, percebemos também que há uma nítida
diferença entre os heróis idealizados e sua atuação no meio
social. Se não tivéssemos recorrido à associação e conexão
de diversificadas fontes, dificilmente poderíamos traçar um
perfil do personagem representado, mais próximo do real e
da História. O monumento ao positivista Júlio de Castilhos
é o melhor exemplo de propaganda política. A vida de
Castilhos foi idealizada nos mínimos detalhes, objetivando
perpetuar para o futuro não somente os atos e a existência
do líder político, mas a de um herói, onde os defeitos
foram transformados em glória e virtude.
Em Florianópolis, concluímos que o hábito de construir
monumentos para homenagear heróis e utilizá-los como
propaganda dos ideais republicanos foi sem expressão. Na
cidade foram encontrados poucos monumentos e com reduzido
371
número de símbolos e alegorias. Somente a obra ao Cel.
Fernando Machado está localizado no período da Primeira
República.
Os heróis em Florianópolis não são de grande projeção
nacional, pois foram evidenciados aqueles homens que
nasceram e deixaram algum legado para a História da capital
catarinense. Não houve mobilização de culto a esses heróis
por parte da sociedade. Heróis regionais foram usados para
divulgar certos interesses como, por exemplo, Hercílo Luz,
cuja relação com a ponte que liga a cidade ao Continente
foi mais evidenciada que suas virtudes. Fernando Machado
foi lembrado por José Boiteux porque vivia-se um período de
conflitos da Primeira Guerra Mundial e a cidade ainda não
tinha um herói militar para cultuar.
Em Curitiba, podemos constatar a utilização de
monumentos e heróis como forma de divulgação de ideais da
República. Grande parte do acervo de obras é de heróis
ligados diretamente à República e o restante (exceto O
Semeador) foi adotado para propagar a mensagem da nova
administração política do Brasil. A comprovação de que
houve culto aos heróis de forma tardia em Curitiba, está
verificada a partir das datas de inauguração dos
monumentos: cerca da metade foi erguido somente após o fim
372
da Primeira República. Diferentemente de Porto Alegre, a
capital paranaense não teve o governo local como o grande
financiador das obras, tarefa concretizada por pequenos
grupos.
Está visível o modismo em erguer monumentos em
Curitiba. Ao invés de glorificar heróis que atuaram
diretamente na região, preferiu-se cultuar homens que se
destacaram nacionalmente. A incoerência de ter na praça da
cidade uma obra homenageando Floriano Peixoto nos mostra a
dimensão das contradições encontradas nos acervos
analisados.
Foi uma pesquisa exaustiva na busca de informações, o
que solicitou constante trabalho de campo. Na tabela da
página seguinte podemos visualizar o número de monumentos
utilizados para esta investigação:
Além dos monumentos utilizados aqui, também
inventariamos aqueles que poderiam fazer parte do estudo e
que por razões de incompatibilidade com os nossos
objetivos, não foram contemplados. As cidades de Porto
Alegre e Curitiba foram as capitais com maior número de
obras. Proporcional foi a riqueza de detalhes encontrada
nesses monumentos. Pela tabela é possível compreender nosso
373
avanço até 1940, visto que a metade dos exemplares situa-se
entre os anos de 1931 e 1940.
* Em Florianópolis optamos por colocar dois monumentos fora do nosso recorte temporal
Bulcão Vianna (1943) e Lauro Müller (entre 1975 e 1979) para exemplificar a
tardia prática de culto aos heróis na cidade.
Com quinze obras utilizadas, houve a necessidade de
buscarmos em documentos e publicações o perfil de cada
homenageado. Não foi nossa proposta desenvolver um estudo
biográfico, utilizamo-nos de dados para identificar as
contradições entre as representações nos monumentos e a
História de vida de cada um.
Cidades
Números de
monumentos
selecionados
(1900-1930)
Números de
monumentos
selecionados
(1931-1940)
Total de
monumentos
Porto Alegre
3
3
6
Curitiba
4
3
7
Florianópolis
1
1
2*
Totais de obras
nas três
capitais
15
Tabela 3
-
Demonstrativa de m
onumentos
utilizados na pesquisa
374
Os objetivos foram alcançados com plena satisfação,
pois símbolos e alegorias foram analisados e interpretados
em todos os monumentos selecionados nas cidades de Porto
Alegre, Curitiba e Florianópolis. Também fizemos um estudo
relacionando o imaginário da época à glorificação dos
heróis e a formação desses acervos.
A nossa tese de que os monumentos não refletem uma
realidade histórica, mas um imaginário foi confirmado no
decorrer do trabalho. Apontamos as diferenças entre fato
e ficção contidas nos conjuntos artísticos que compunham
os acervos, ficando nítida a idealização daqueles que
financiaram e tiveram a iniciativa de erguer monumentos
para homenagear heróis criados para prover seus desejos.
Não podemos analisar a História de uma sociedade
somente através de seus monumentos. Essas obras são
testemunhos de um imaginário e os heróis homenageados foram
recriados a partir de uma realidade, tornando-se
personagens inverossímeis.
375
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Livros Grátis
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