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Leandra Leal
SABER SOCIAL E DESENVOLVIMENTO DE
SOFTWARE: AVALIAÇÃO CRÍTICA DO
MODELO DA FÁBRICA DE SOFTWARE
Belo Horizonte
Departamento de Engenharia de Produção da UFMG
2008
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ii
Leandra Leal
SABER SOCIAL E DESENVOLVIMENTO DE
SOFTWARE: AVALIAÇÃO CRÍTICA DO
MODELO DA FÁBRICA DE SOFTWARE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Engenharia de Produção.
Área de concentração: Produto e Trabalho
Linha de pesquisa: Ergonomia e Organização do Trabalho
Orientador: Prof. Dr. Francisco de Paula Antunes Lima
Belo Horizonte
Departamento de Engenharia de Produção da UFMG
2008
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iii
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Profº Dr. Francisco de Paula Antunes Lima
Departamento de Engenharia de Produção - UFMG
_____________________________________________________________
Profª Drª Ana Valéria Carneiro Dias
Departamento de Engenharia de Produção - UFMG
_____________________________________________________________
Profª Drª Cristina de Castro Frade
Centro Pedagógico - UFMG
iv
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, prof. Francisco, pelos ensinamentos, pelo carinho e pelo grande
incentivo em me fazer acreditar que era possível alcançar aquilo que eu julgava ser
inatingível. Com a sua competência e paciência, soube conduzir-me com segurança na
realização desta dissertação, ampliando consideravelmente o meu crescimento
profissional.
A todos os professores, funcionários e colegas do Departamento de Engenharia de
Produção, especialmente a professora Ana Valéria pela sua disponibilidade e especial
atenção.
Aos técnicos em informática da empresa pesquisada, pela disposição incansável em
viabilizar o acesso a documentos e informações, além de permitirem as inúmeras
observações de suas atividades realizadas em seu ambiente de trabalho.
Aos meus amigos de trabalho Maria das Graças, Vauelice, Luciana, Nara, Gabriela e
Raquel, pela compreensão de minhas ausências e pelo apoio dado.
Ao Marcos Geraldo por sua compreensão, permitindo o meu ingresso e a conclusão do
curso de mestrado.
À minha mãe e irmãos pelo apoio e vibrações positivas.
Ao meu filho Artur, que apesar da pouca idade, me trouxe luz e força de vontade nos
momentos difíceis de incertezas e preocupações, trazendo-me a certeza de que as
ausências de hoje serão compreendidas amanhã.
Finalmente, muito obrigada ao meu grande marido e constante revisor, que com muita
dedicação leu meus textos e esteve sempre presente me ajudando e incentivando a
seguir em frente.
v
RESUMO
A presente dissertação discorre sobre os problemas decorrentes da utilização de uma
estrutura organizacional, adotada pela empresa analisada, denominada "fábrica de
software", na qual utilizam-se métodos supostamente universais de engenharia,
seguindo os modelos da organização industrial, numa tentativa de solucionar
problemas da produtividade e melhorar a qualidade de seus produtos. No entanto, tais
métodos tendem mais a resultados ineficientes do que a pretendida melhoria de
qualidade.
A utilização de regras e modelos formais da Engenharia de Software “amputa” a
dimensão imaginativa e social do profissional em informática, o que denota um
profundo desconhecimento acerca de como os analistas adquirem o saber das
necessidades reais do usuário, especialmente no que diz respeito ao saber que envolve o
processo criativo.
Tendo como base o estudo empírico, realizado sob uma abordagem metodológica da
análise ergonômica do trabalho, junto aos técnicos em informática de uma empresa
prestadora de serviços públicos, aponta-se aqui a importância da socialização entre os
agentes envolvidos, bem como toda a capacidade imaginativa dos técnicos em
informática, fundamentais na construção de um software de qualidade
.
O resultado do estudo demonstrou que a divisão de papéis adotada pelo modelo
“Fábrica de Software”, aliada à terceirização do desenvolvimento de software, onde os
desenvolvedores distam geograficamente da empresa analisada, apenas agravou os
problemas encontrados no modelo anteriormente utilizado. A separação física entre
os desenvolvedores e o analista de negócio, bem como o isolamento destes do contexto
da empresa, não permitiram que os desenvolvedores adquirissem o saber necessário
para desenvolver um produto que atendesse as necessidades reais dos usuários.
Palavras chaves: fábrica de software, desenvolvimento de software, saber, socialização.
vi
ABSTRACT
This paper address the problems of the organizational structure named "software
factory" adopted by the company under analysis. This model utilizes alleged universal
engineering methods, according to the fundamentals of industrial manufacturing,
aiming to eliminate productivity issues and improve product quality. However, such
methods have shown a trend of ineffective results rather than the expected quality
improvement.
The utilization of formal Software Engineering regulations and models "mutilates" the
social and creative dimension of the information technology personnel and indicates a
profound lack of knowledge regarding the means used by the analyst in the
identification of user requirements, mainly those related to the innovative process.
The empirical study based on the ergonomic analysis of the work performed by
information technology analysts of a public services company demonstrates the
importance of socialization in the work environment and the utilization of creative
capacity in the development of higher quality software.
The study has also disclosed that the reassignment of roles dictated by the "Software
Factory" structure coupled with the outsourcing of software development has further
aggravated the problems of the model previously utilized. The transfer of this activity to
a remote location has generated difficulties regarding the relationship with business
analysts and the integration with company operations. Under these conditions, the
programmers have not been able to acquire the required knowledge for the development
of products that meet user requirements.
Key Words: software factory, software development, knowledge, socialization.
vii
Lista de quadros:
Quadro 1 - Modelo do RUP
Quadro 2 - Depoimentos dos analistas de sistemas
Quadro 3 - Depoimentos dos analistas da SERVPUB
Quadro 4 - Estrutura funcional do SDS
Quadro 5 - Depoimentos dos analistas de sistemas
Quadro 6 - Módulos do sistema comercial
Quadro 7 - Exemplos de informatizações das rotinas da empresa
Quadro 8 - Resoluções da Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Política Urbana
Quadro 9 - Exemplo de fatura do cliente que utiliza os produtos A e E
Quadro 10 - Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto “A”
Quadro 11 - Diálogo entre analista da SERVPUB e analista da FABRISOFT
Quadro 12 - Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto “A”
Quadro 13 - Fluxo dos valores da fatura do cliente no sistema comercial
Quadro 14 - Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto “A” no
consolidado
Quadro 15 - Depoimentos dos analistas da SERVIPUB
Quadro 16 - Esquema do analista de sistema
Quadro 17
-
Tela do sistema comercial
Quadro 18 - Depoimentos dos analistas da SERVPUB
Quadro 19
-
Depoimento do analista da SERVPUB
viii
Lista de figuras:
Figura 1 - A hierarquia convencional do saber
Figura 2 – As três relações que caracterizam uma comunidade de prática
ix
Lista de siglas:
AD - Administração de Dados
ABD - Administração de Banco de Dados
CMMI -Capability Maturity Model Integration
DS - Desenvolvimento de Software
ES - Engenharia de Software
FABRISOFT - Nome fictício da fábrica de Software terceirizada
FS - Fábrica de Software
IA - Inteligência Artificial
IEC - International Electrical Commission
ISO - International Organization for Standardization
PF - Ponto de Função
PMO - Project Manager Office
SDS - Setor de Desenvolvimento de Software
RUP -Rational Unified Process
XP - Extreme Programming
x
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 -
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................1
CAPÍTULO 2 -
A CRISE DO SOFTWARE .......................................................................................6
2.1
P
ROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE
.....................................................................6
2.2
O
MODELO
"
FÁBRICA DE SOFTWARE
":
SOLUÇÃO INADEQUADA PARA UM PROBLEMA REAL
..........8
2.3
A
ATIVIDADE
ARTESANAL
DO DESENVOLVEDOR DE SOFTWARE
..............................................14
CAPÍTULO 3 -
CRÍTICAS AOS MODELOS INDUSTRIAIS .......................................................17
3.1
P
ROCESSOS E CERTIFICAÇÕES
:
UMA FALSA ILUSÃO DE QUALIDADE
...........................................18
3.2
A
OBSESSÃO PELOS PROJETOS
....................................................................................................21
3.3
A
VISÃO RACIONALISTA DA
E
NGENHARIA DE
S
OFTWARE
..........................................................23
3.4
C
RÍTICAS ÀS CIÊNCIAS COGNITIVAS TRADICIONAIS
....................................................................26
CAPÍTULO 4 -
SABER SOCIAL, COGNIÇÃO SITUADA E REGRAS LÓGICAS ...................28
4.1.
A
COGNIÇÃO SITUADA
................................................................................................................29
4.2.
A
CONSTRUÇÃO DO SABER
:
UMA QUESTÃO SOCIAL
....................................................................31
4.3.
O
S MODELOS FORMAIS E O SABER CULTURAL
.............................................................................35
CAPÍTULO 5 -
O ESTUDO NO SETOR DE DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE DE
UMA EMPRESA QUE PRESTA SERVIÇOS PÚBLICOS .................................................................40
5.1
M
ETODOLOGIA
...........................................................................................................................40
5.2
R
EORGANIZAÇÃO DO
SDS..........................................................................................................44
5.2.1.
A
EMPRESA E O
SDS...................................................................................................................44
5.2.2.
C
ONDIÇÕES ORGANIZACIONAIS DO
SDS
ANTES DA FÁBRICA DE SOFTWARE
...............................45
5.2.3.
C
ONDIÇÃO ORGANIZACIONAL ATUAL DO
SDS ...........................................................................48
5.2.4.
A
IMPLANTAÇÃO DO MODELO
FÁBRICA DE SOFTWARE
...........................................................49
5.3
SISTEMA COMERCIAL
..................................................................................................................57
5.3.1.
C
ARACTERÍSTICAS DO SISTEMA COMERCIAL
..............................................................................57
5.3.2.
E
VOLUÇÃO DO
S
ISTEMA
.............................................................................................................61
5.3.3.
P
OLÍTICA TARIFÁRIA DA EMPRESA
.............................................................................................62
5.4.
O
CASO DO REAJUSTE TARIFÁRIO
...............................................................................................64
5.4.1
A
QUESTÃO DA TERCEIRIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA COMO UM INSTRUMENTO DE
TRABALHO
...............................................................................................................................................66
5.4.2
C
OMPETÊNCIA
:
A COMBINAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS INDIVIDUAIS NA SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
..75
5.5
A
S DIFICULDADES DE DOCUMENTAR
..........................................................................................79
5.6
ROTATIVIDADE
,
FLEXIBILIDADE E EXPERIÊNCIA
.........................................................................81
CAPÍTULO 6 -
A ARTE DO DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE......................................83
CAPÍTULO 7 -
CONCLUSÃO...........................................................................................................96
CAPÍTULO 8 -
REFERÊNCIA........................................................................................................100
CAPÍTULO 9 -
ANEXOS .................................................................................................................104
CAPÍTULO 10 -
APÊNDICE ............................................................................................................105
1
Capítulo 1 - Introdução
Os ambientes de desenvolvimento de software vêm ao longo dos anos
utilizando-se dos modelos industriais para melhorar a qualidade e rapidez na entrega de
seus produtos. Assim, a Engenharia de Software (ES), na busca pela superação da
natureza “artesanal” do Desenvolvimento de Software (DS), utiliza-se de modelos
1
supostamente universais da organização industrial. Essa sistematização da atividade de
DS, diante dos conceitos genéricos das metodologias existentes, tende mais a resultados
ineficientes do que à melhoria da qualidade do software. Um exemplo é o da empresa
analisada que, na busca da melhoria de qualidade de seus produtos, adotou o modelo
industrial da Fábrica de Software (FS), concomitante com a terceirização de alguns
serviços. No entanto, a implantação do novo modelo organizacional, aliada à
terceirização, não respondeu às expectativas de melhoria, inicialmente pretendidas. Ao
contrário, os produtos não atenderam as necessidades do usuário, como ocorreu com o
projeto denominado “reajuste tarifário”, que será discutido nesta dissertação. Com o
fracasso da implantação desses modelos, a empresa não encontrou alternativa senão a de
retornar a sua antiga forma de trabalho, ainda que, para a gerência, essa opção seja em
1
Boyer e Freyssenet (apud Zilbocivius, 87) apresenta a seguinte definição de modelos: “podemos
considerar como modelos... processos periódicos que tornam internamente coerentes ou internamente
compatíveis, e externamente apropriados, os elementos que estruturam a vida das empresas e as
instituições que governam as relações de mercado e de salários”. E completam: “um estado de
coerência / apropriação será mais ou menos atingido e o grau em que o será vai depender da extensão
em que [o modelo] assegura a viabilidade das empresas e das relações profissionais”.
Boyer e Freyssenet (apud Zilbocivius, 87) ressaltam que “nenhum modelo foi ou está sendo
reproduzido de maneira idêntica” e que um modelo certamente não é um sistema estável e fechado
que se desenvolve ou desaparece apenas como resultado de constrangimentos externos”.
2
caráter provisório até que se encontre uma solução que viabilize nova mudança, desde
que guarde correspondência com o modelo industrial inicialmente adotado.
“(...) na realidade estamos trabalhando da mesma forma que trabalhávamos
antes. Mudam daqui e mudam dali e no final começaram tudo de novo”.
(analista da SERVPUB)
A ES, como ocorre nas ciências naturais, desconsidera a base cultural da
construção do saber ao transformar o DS em regras universais. É desta forma que a
atividade de criação software vem sendo tratada, qual seja, a partir da utilização de
métodos universais de organizações industriais. Apoiando-se nas prescrições, a ES
acredita que por meio de regras e modelos formais é possível transferir o saber dos
usuários para os técnicos em informática. Neste sentido, muitas vezes colocam os
desenvolvedores distantes dos membros da equipe e da empresa para a qual vão
desenvolver o software, reduzindo ou até impedindo os contatos presenciais. Esta forma
de organizar a atividade de DS demonstra desconhecimento profundo sobre como os
analistas adquirem o saber das necessidades reais do usuário.
A separação presencial do desenvolvedor, suprimindo-o do convívio com o
usuário, dificulta o entendimento das necessidades deste usuário, essencial para
transformar o artefato em instrumento de trabalho
2
. Segundo Collins (1992), o saber
3
,
mesmo das regras formais e heurísticas (regras empíricas explicitáveis e de práticas
padronizáveis), é adquirido pelo convívio com os membros daquela cultura,
essencial, no caso do DS, para a tradução das necessidades do usuário e para
transformá-las em um software de qualidade, isto é, em um instrumento de trabalho.
2
Segundo Rabardel (1995), o instrumento representa a combinação de um esquema e de um artefato. Este
último refere-se a artefatos como, por exemplo, partes de uma interface computacional. O instrumento
é definido como sendo uma entidade mista definida a partir da associação entre duas entidades. A
primeira delas, o artefato, trata-se o meio através do qual o sujeito age. Os artefatos podem ser
materiais ou não. Qualquer que seja sua estrutura, ele constitui-se enquanto elemento da cultura.
“(...) o artefato não é em si um instrumento ou componente de um instrumento (mesmo quando
concebido para isso), sendo instituído como instrumento pelo sujeito que lhe dá o estatuto de meio
para atingir o objetivo da sua ação” (Clot, 2006).
3
O termo conhecimento e saber recebem diferentes significados, dependendo do contexto de utilização e
do idioma. A língua inglesa utiliza o termo “conhecimento” enquanto a literatura em francês adota
“saber”. Nesta dissertação utilizaremos a palavra saber para descrever o saber aprendido socialmente
seguindo a tradução francesa de Collins (1992). O tradutor francês verteu o inglês know-ledge por
“saber” no lugar de “conhecimento”, “Esta escolha se justifica pela aproximação do termo saber com
a dimensão social, mais do que o termo connaissance. [Essa] tradução é assim conforme o espírito
que tem inspirado através de todo o trabalho o uso que o autor faz deste termo” (Collins, 1992, p.15).
3
A interação presencial entre os envolvidos no desenvolvimento de software
(técnicos em informática e usuários) facilita a troca de idéias, experiências e a
construção de uma competência coletiva. No entanto, a tendência das organizações de
desenvolvimento de software tem sido a de manter a separação entre os envolvidos
(técnicos em informática e usuários).
Assim, a engenharia de software fez opção pela adoção de modelos industriais
de produção, onde os métodos são efetivamente utilizados numa tentativa de antecipar e
de controlar pessoas e resultados.
“No entanto, o projeto de industrialização contradiz a natureza da atividade dos
profissionais d
e informática,
que se assemelha mais a uma “criação artística” do que a
um produto industrial, produzido em massa. O equívoco da adoção de modelos fabris
para lidar com produtos cuja natureza é artística se assenta sobre a concepção errônea de
que o trabalho do analista e a produção de software, em geral, seriam ainda artesanais.
Compreende-se o raciocínio: assim como a indústria erguer-se-ia sobre as ruínas de uma
era artesanal supostamente decadente e ineficiente, o paradigma fabril de eficiência e de
sofisticação tecnológica deve também substituir a prática atrasada e ineficiente dos
analistas artesãos. Na verdade, duplo equívoco sustenta as premissas desse silogismo:
primeiramente, a atividade do analista não tem nenhuma similaridade com o trabalho
artesanal, comparação possível apenas por um profundo desconhecimento da época pré-
industrial; em segundo lugar, que a organização industrial tenha eliminado inteiramente
a natureza artesanal do trabalho pré-fabril, atribuindo a eficiência da produção industrial
inteiramente à organização formal (regras, padrões, divisão do trabalho, hierarquia etc.).
O artesanato não foi superado pela indústria, pelos menos quando se considera a
qualidade dos produtos, nem a prática artesanal deixou de existir na era industrial.
Superado no sentido dialético, o artesanal passa a existir nos interstícios da produção de
base tecnológica: nenhum produto ou sistema industrial funcionaria sem uma boa cota
de trabalhadores "artesãos", que continuam bricolando suas "gambiarras" e
desenvolvendo competências tradicionais, transmitidas pela socialização nos assépticos
e formais ambientes industriais, no caso em laboratórios de alta tecnologia (ver Latour e
Woolgar, 1997)” (Leal e Lima, 2006).
4
Este estudo pretende mostrar como os modelos organizacionais do trabalho
(modelos fabris, etc) podem facilitar ou dificultar a tradução das necessidades reais dos
usuários, imprescindível para transformar os artefatos em verdadeiros instrumentos de
trabalho. A pesquisa foi realizada no setor de desenvolvimento de software de uma
empresa prestadora de serviços públicos, juntamente com os profissionais de uma
equipe que trabalha com um software cujo objetivo é atender, de forma integrada, uma
rede de unidades com funções distintas: comerciais, operacionais e serviços de
atendimento aos clientes da empresa. Os usuários do software desenvolvido por esses
profissionais são os trabalhadores dos diversos setores da empresa. Os técnicos em
informática da equipe trabalham aproximadamente há doze anos com o sistema.
Além deste capítulo introdutório, a dissertação contempla outros cinco capítulos.
No capítulo 2, serão discutidos os problemas de desenvolvimento de software e a
utilização dos modelos industriais para a solução destes problemas, que são reais. Este
capítulo conta ainda com uma análise crítica sobre a concepção errônea de que o
trabalho do analista e a produção de software, em geral, seriam ainda “artesanais”. O
capítulo 3 discorre sobre a análise crítica dos modelos industriais e sobre a visão
tecnocêntrica da engenharia de software, a influência das ciências cognitivas na
atividade de desenvolvimento de software, bem como a crítica de alguns teóricos sobre
esta visão. O capítulo 4 discute sobre a construção social do saber dos analistas,
imprescindível para traduzir e transformar as necessidades do usuário em um software
de qualidade. O capítulo 5 detalha a análise ergonômica realizada no setor de
desenvolvimento de software de uma empresa prestadora de serviços públicos,
evidenciando as dificuldades decorrentes da opção da empresa pela adoção do modelo
“fábrica de software” e pela terceirização de serviços, demonstrado com o caso do
“reajuste tarifário”, bem como uma discussão teórica acerca da viabilidade e
conseqüências da adoção desses modelos (fábrica de software e terceirização). O
capítulo 6 discute a face artística da atividade de desenvolvimento de software,
mostrando que parte da atividade se constitui em verdadeiro trabalho artístico,
consubstanciado na sensibilidade aguçada do analista para conseguir expressar as reais
necessidades dos usuários e transformá-las em um software que servirá de instrumento
de trabalho.
5
Os nomes dos técnicos em informática, da empresa pública, do setor e da
empresa terceirizada, utilizados na dissertação, são fictícios.
6
Capítulo 2 - A crise do software
2.1 P
ROBLEMAS DO DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE
Os modelos industriais de organização, planejamento e gestão vêm sendo
utilizados pelos fabricantes de software como tentativa de solucionar os problemas
encontrados no processo de desenvolvimento de software, tais como, sistemas
ineficientes e não funcionais, erros de programação, prazos ultrapassados no
atendimento às demandas e orçamentos estourados, “gerando frustração, perda de
tempo em retrabalho e, inevitavelmente, conflitos e desgastes das relações entre os
contratantes. Os estudos de avaliação das promessas da informática colocam em
dúvida se os ganhos de produtividade são efetivos ou tão significativos como se
pretende (sobre isso, ver Lojkine, 1996; Dertouzos, 1997 e vários estudos em Kling,
1996)” ( Ferreira e Lima, 2006).
No que chamou de “o canto da sereia comercial” Dertouzos (2000) escreve
sobre os riscos de fracasso econômico que correm as empresas que invadem áreas
alheias à sua especialidade, nas quais não possuem experiência, tentando oferecer de
tudo, acreditando apenas nas promessas da informática - que cada vez mais vêm sendo
questionadas - de ganhos ilimitados proporcionados pela criação de sistemas capazes de
reduzir o tempo de produção e de possibilitar a utilização cada vez menor de mão de
obra, aumentando a produtividade e, conseqüentemente, os lucros.
7
Diante das inúmeras dificuldades associadas ao desenvolvimento de software e
do conseqüente descrédito das promessas da informática, muitos autores passaram a
definir o conjunto de problemas como “crise”. Pressman (1995, p. 22) prefere utilizar a
palavra “aflição”, por ser definida no Webster’s Dictionary como “algo que causa dor e
sofrimento” e, portanto, exige cura. Independentemente da denominação, seja ela crise
ou aflição, os problemas são reais e existem em todas as empresas de desenvolvimento
de software.
Assim, como ocorre em todas as empresas de DS, o setor de desenvolvimento de
software (SDS) da empresa prestadora de serviço público analisada encontrava-se diante
de uma “crise”. Na opinião do gerente, o setor apresentava uma forma organizacional
considerada “artesanal”, o que, aparentemente, refletia em uma grande diversidade de
problemas. De acordo com o diagnóstico apresentado pela gerência do setor, os
profissionais da área eram submetidos constantemente à pressão temporal para finalizar
os sistemas. Além disso, a empresa não mantinha a documentação do sistema em dia, o
que a colocava em situação temerária, pois passava a depender da memória dos analistas
e programadores. Quando alguém era remanejado da função ou se ausentava por motivo
de rias, licença médica ou outro motivo qualquer, os demais profissionais, por
desconhecerem o sistema, tinham dificuldades em dar continuidade ao trabalho.
Estes problemas não são específicos da empresa analisada, nem se explicam,
embora pudessem ser agravados pela forma como as demandas chegavam ao setor, às
vezes por imposição dos superiores hierárquicos, às vezes pela negligência do próprio
setor e dos analistas em não documentarem os sistemas. De modo geral, esta é a
realidade do desenvolvimento de softwares, já relatada vários anos (ver Carvalho,
1988), e que perdura até hoje, sem que se entreveja uma solução.
“(...) os prazos são estabelecidos de modo aleatório e, por conseguinte são
descumpridos de modo escandaloso. Não se documenta e formaliza as coisas
desde o começo (...)” (Carvalho, 1998, p.205)
8
2.2 O
MODELO
"
FÁBRICA DE SOFTWARE
":
SOLUÇÃO INADEQUADA PARA UM
PROBLEMA REAL
Os fabricantes de software acreditam que a industrialização da atividade de
desenvolvimento de software, utilizando-se dos métodos da engenharia, resolverá os
problemas que atingem o DS:
“(...) há uma consciência bastante generalizada acerca da necessidade de
transformar o processo de desenvolvimento de sistemas de um artesanato
para uma engenharia verdadeira” (Carvalho, 1998).
O fundamento principal para a adoção deste modelo produtivo apóia-se na
assertiva de que o trabalho de desenvolvimento de software é considerado “artesanal” e,
por conseguinte, suscetível à industrialização.
Vários fabricantes de software (Ver Greenfield, 2007; Quidgest, 2007; Squadra,
2007 e Meta, 2007) divulgam e promovem propagandas de suas fábricas, utilizando o
seu modelo organizacional como forma de superação do modelo “artesanal” e como
garantia de qualidade de seus produtos. A fábrica de software utiliza processos formais
da ES que são baseados em conceitos industriais de planejamento, controle e
produção. Por isso difere dos antigos bureais (sic) de programação, que constroem
software de maneira artesanal” (Squadra, 2007).
Segundo Fernandes e Teixeira (2004), até meados da década de 80, o processo
de desenvolvimento de software era totalmente artesanal no Brasil e foi a partir daí que
tiveram início os processos disciplinados.
A expressão brica de Software é utilizada desde os anos 60. “Cusumano foi
um dos primeiros autores a divulgar o termo, a partir de suas pesquisas comparativas
entre Estados Unidos e Japão, no final da década de 80, acerca de práticas de
desenvolvimento de software” (Fernandes e Teixeira, 2004). Segundo Cusumano, (apud
Nomura et al., 2006):
“O sucesso da FS do Japão e dos Estados Unidos se deve à inclusão de um
alto grau de reusabilidade, modularização, uso de ferramentas e controle e
9
gerenciamento dos sistemas aumentando a qualidade e a flexibilidade. Os
projetos de FS desenvolvidos mostraram que o ganho de produtividade da
indústria japonesa pôde ser pela adoção de seus métodos de trabalho, com a
simplificação, integridade conceitual, aderência aos padrões e automação
seletiva no processo de desenvolvimento”.
A SERVPUB está implantando o modelo "fábrica de software" em seu setor de
desenvolvimento de software, seguindo a tendência atual do mercado, que busca novos
padrões de racionalização da produção, inspirados em modelos fabris de gestão de
projetos, certificação de garantia de qualidade do processo e na organização do processo
de desenvolvimento segundo modelos industriais. “O conceito de fábrica de software
está baseado na idéia de prover uma linha de produção que atenda às necessidades
específicas de cada cliente através da formalização de todas as atividades e seus
produtos, trabalhando em linha de produção, com etapas e tarefas bem definidas para
cada tipo de profissional, indo da produtividade da linha de produção a rotinas de
controle de qualidade (Brito, 2004). Foi com base nesse conceito que o gerente do
setor construiu o projeto de implantação da FS na empresa.
Fernandes e Teixeira (2004) definem fábricas de software como um processo
estruturado, controlado e melhorado de forma contínua, considerando abordagens de
engenharia industrial e orientado para o atendimento a múltiplas demandas de natureza
e escopo distintas, visando à geração de produtos de software, conforme os
requerimentos documentados dos usuários e/ou clientes, da forma mais produtiva e
econômica possível.
Assim, para esses autores “Há várias conotações para a expressão Fábrica de
Software. A maioria das empresas de serviços tem como Fábrica de Software a
“Fábrica de Programas”, dedicada exclusivamente para a codificação de programas
(ibid p.115).
Dessa forma, a conotação para a expressão “Fábrica de Software” que será
utilizada nesta dissertação é a mesma que lhe emprestam os autores Fernandes e
Teixeira, também adotada pela empresa analisada. Para estes autores, a Fábrica de
Software pode ter vários escopos de atuação, desde um projeto de software completo à
codificação de programas de computador.
10
As bricas de software são sempre inspiradas em modelos fabris de gestão de
projetos, em certificação de garantia de qualidade do processo, tais como CMMI
(Capability Maturity Model Integration) e NBR ISO 9000-3 e na organização do
processo de desenvolvimento segundo modelos industriais, como o RUP (Rational
Unified Process) ou XP (Extreme Programming). A adoção dos processos, que serão
detalhados adiante, tem sido o objetivo padrão dos desenvolvedores de software para
atender um mercado cada vez mais exigente de certificações, utilizadas como garantia
de qualidade dos produtos.
Como na indústria, o planejamento, organização, controle e processos são
utilizados pela Engenharia de Software, sendo considerados como o principal
mecanismo para se obter qualidade e cumprir corretamente prazos e contratos. Em
suma, destinam-se à resolução da “crise do software”.
Seguindo os modelos industriais, as fábricas de software trabalham partindo do
princípio de que os projetos devem ser realizados seguindo-se rigorosamente os
processos formalizados. Processo, segundo Paula Filho (2001, p.11), é um conjunto de
passos parcialmente ordenados, constituídos por atividades, métodos, práticas e
transformações, usado para atingir uma meta. Esta meta geralmente está associada a
um ou mais resultados concretos finais, que são os produtos de execução do processo”.
As pessoas, numa fábrica, estão agrupadas em estruturas funcionais, sendo que
cada uma delas é responsável por um ou vários papéis ao longo do ciclo de
desenvolvimento do serviço, conforme exemplificado no quadro 1.
Quadro 1: Divisão de funções do modelo do RUP
Funções Papéis
Analistas de sistema:
Os analistas de sistemas estão
envolvidos principalmente na
investigação de requisitos.
Analistas de sistemas
Designer de negócios
Analista de processos de
negócios
Especificador de requisitos
11
Desenvolvedores:
Os desenvolvedores estão agrupados
em papéis, envolvidos principalmente
no designer e implementação de
software.
Designer de cápsula
Designer de banco de dados
Implementador
Integrador
Arquiteto de software
Designer de interface de
usuário
Testadores:
Os testadores são os que lidam com
habilidades específicas exclusivas para
teste. Observe-se que existem papéis
adicionais envolvidos na disciplina de
Teste e que juntos ampliam as
habilidades básicas de outros papéis.
Esses papéis adicionais podem ser
encontrados nos demais papéis
organizados pelas habilidades básicas
que ele amplia (por exemplo, Gerente,
Designer, Analista).
Testador
Analista de teste
Designer de teste
Produção e suporte:
São aqueles que não estão diretamente
relacionados com a definição,
gerência, desenvolvimento e teste de
software, mas são necessários para o
apoio do processo de desenvolvimento
de software ou para produzir materiais
adicionais necessários para o produto
final.
Escritor técnico
Administrador em sistema
Especialista em ferramenta
Desenvolvedor de cursos
Artista gráfico
Gerentes:
Os gerentes estão organizados em
papéis principalmente envolvidos na
gerência e configuração do processo da
engenharia de software.
Engenheiro de processo
Gerente de projeto
Gerente de controle de
mudança
Gerente de configuração
Gerente de montagem
Revisor do projeto
Gerente de testes
12
Papéis adicionais:
São separados dos outros papéis
porque eles não se encaixam em
nenhum outro grupo de papéis
Revisor
Coordenador de revisão
Revisor técnico
Parte interessada
(Stakeholder)
Convidado
Fonte: RUP (Rational Unified Process) – versão 2003.06.12.01
Os papéis são unidades de responsabilidade que podem ser assumidas por um
ou mais indivíduos. Esses papéis são usados para descrever funções lógicas” (Paula
Filho, 2001). “Os papéis não representam pessoas, apenas descrevem as habilidades
necessárias e as responsabilidades que elas têm, ao assumir determinado papel
funcional. Um membro da equipe do projeto geralmente desempenha muitos papéis
distintos” (França e Silva, 2007).
Estabelecendo a crença de ser possível seguir-se rigorosamente os processos
formalizados, a engenharia de software entende que um software pode ser desenvolvido
por uma ou várias pessoas, admitindo inclusive que partes ou mesmo a integralidade do
desenvolvimento de um projeto possa ser terceirizado. Portanto, ao assumir
concomitantemente essa divisão de papéis e a formalização dos processos, o modelo da
fábrica de software favorece a terceirização.
Demais disso, é possível verificar-se tipos diferentes de fábricas de software
com escopos distintos de atuação. Fernandes e Teixeira (2004) denominam “fábrica de
programas” aquela que tem por objetivo codificar e testar programas de computadores,
e “fábrica de projetos” aquela que possui maior amplitude, indo além das atividades
inerentes a fábrica de programas, admitindo, entre outras, fases como a pós-conceitual,
de especificação lógica e detalhamento de solução.
Desde a década de 70 se verificava uma tentativa, frustrada, de
implementação da divisão do trabalho entre a concepção (tarefa de especificação) e a
execução (tarefa de programação) inspirada no processo manufatureiro. Tavares (1983)
já escrevia:
“a distinção feita pelas empresas entre analistas e programadores prende-se
mais aos aspectos formais que a uma diferenciação funcional. As
especificações das funções não são claras, mesmo quando algumas
subcategorias são criadas ((analistas de sistemas, analista de suporte, analista
13
de O&M, programador sênior, júnior e trainee)) as especificações ora se
sobrepõem ou se confundem”.
No entanto, ainda hoje insistem nessa divisão do trabalho, a qual a Engenharia
de software denomina de papéis. É visível que esta divisão dificulta a atividade dos
técnicos de informática. Na SERVPUB, para que estes pudessem levar a cabo suas
atividades, deixaram de seguir a prescrição e desenvolveram um sistema de cooperação,
interagindo entre si e com os usuários, durante todo o desenvolvimento, para
conseguirem construir um software com melhor qualidade, isto é, que atendesse as
necessidades do usuário. Portanto, a atual dificuldade encontrada pelos técnicos da
SERVIPUB reside na separação geográfica existente entre os desenvolvedores e os
analistas da empresa, que são submetidos a uma terceirização à distância. Entretanto, é
importante esclarecer que as dificuldades dos analistas não se resumem apenas na
distância geográfica, elas surgem também quando os analistas são submetidos a uma
divisão do trabalho nos moldes sugeridos pela Engenharia de Software, fator
determinante da atitude dos analistas da SERVPUB em deixar de seguir a prescrição e
desenvolver por conta própria um sistema de cooperação.
Dessa forma, para se adquirir os saberes dos usuários, necessários para a
construção do software, é de fundamental importância a interação entre os envolvidos
dentro do contexto social e cultural do qual eles fazem parte. Segundo Collins (1992),
este é o único caminho para se adquirir o saber-fazer cultural.
“A pesquisa sobre o conhecimento científico tem ajudado a mostrar o quanto
as atividades são sociais. A história e a sociologia do conhecimento científico
mostraram que qualquer transferência científica, mesmo uma competência
experimental radicalmente nova, deve ter interação social. Quando nós
escrevemos ou falamos por telefone, mesmo todas as vezes que precisamos,
nada se compara a uma visita à pessoa com a qual você quer aprender alguma
coisa e com a qual é preciso estabelecer um contato social” (Collins, 1992, p.
16, tradução da autora).
Assim, fica visível que a atividade de DS exige uma interação presencial entre
os envolvidos para a construção do saber. No entanto, a Engenharia de Software não
tem essa percepção da atividade de DS, que é tratada como se fosse puramente lógica.
Parece que, diante do fato de seu produto (software) ser lógico, ele, por conta disso,
contaminaria a Engenharia de Software ao considerar que o seu desenvolvimento
também é lógico.
14
2.3 A
ATIVIDADE
ARTESANAL
DO DESENVOLVEDOR DE SOFTWARE
As fábricas de software podem assumir configurações diferentes, mas um dos
pontos comuns ao modelo é que todas as propostas assumem como pressuposto que a
atividade do analista é semelhante à dos artesãos, causa fundamental dos problemas
mencionados (sistemas ineficientes e não funcionais, erros de programação e prazos
ultrapassados no atendimento às demandas, orçamentos estourados, frustração, perda de
tempo em retrabalho, conflitos e desgastes das relações com os contratantes), que serão
prontamente resolvidos pela industrialização. O trabalho de desenvolvimento de
software é considerado “artesanal” pelo fato de os produtos inteiros serem criados desde
o início por um indivíduo ou pequenas equipes, “sem documentar precisamente etapa
por etapa todas as idéias e soluções parciais que vão surgindo ao longo do trabalho de
elaboração de um sistema de informações” (Carvalho, 1988, p.149), tornando esse(s)
trabalhador(es) o(s) único(s) conhecedor(es) dos processos da construção do software.
No entanto, a atividade do analista não guarda qualquer similaridade com o
trabalho artesanal, comparação possível apenas quando se desconhece a produção da
época pré-industrial. Para se estabelecer uma diferenciação consistente entre o trabalho
artesanal e o trabalho de desenvolvimento de software é importante conhecer melhor as
características do trabalho artesanal (Leal e Lima, 2007).
O artesanato foi a forma de produção característica da Idade Média, na qual o
artesão detinha os meios de produção (era o proprietário da oficina e das ferramentas) e
trabalhava com a família em sua própria casa, conduzindo todas as fases de produção
de um objeto, desde a concepção até sua execução final” (Vargas, 1979).
O trabalho artesanal segue rigorosamente os padrões cristalizados nos costumes,
que são transmitidos de geração a geração, cujas técnicas e experiências são acumuladas
em um ofício.
“Os trabalhadores numa oficina estavam organizados de forma hierárquica,
indo do aprendiz ao mestre, em vários níveis, até atingir o chefe. Todos
viviam na mesma casa, participavam da vida do patrão até adquirirem
também o grau de mestre, através de um trabalho considerado de alta
qualidade” (Canêdo, 1987).
15
“Ao contrário da divisão hierárquica do trabalho na indústria, no início existe
uma divisão do trabalho entre o aprendiz e o mestre artesão, mas ao final do processo de
aprendizagem eliminam-se as diferenças e a hierarquia” (Lima, 1998).
O trabalho artesanal segue uma tradição, o artesão não detém uma marca
individual ou autoral como acontece no caso do analista de sistemas. Segundo
Alexander (1969), o artesão normalmente reproduz o que lhe foi transmitido pela
tradição. Não é necessária a introdução de inovações sem forte razão. As pequenas
mudanças ocorrem como um processo de adaptação, em virtude de alguns ajustes
necessários para sanar os defeitos que impõem correção.
O princípio básico da adaptação depende do fato de que o processo que faz o
equilíbrio é irreversível. O desajuste proporciona um incentivo para mudanças,
enquanto o bom ajuste não pede mudanças. Na teoria, o processo está obrigado a
chegar, com o tempo, ao equilíbrio das formas bem ajustadas (Alexander, 1969).
Entretanto, para que o ajuste se dê na prática, deve-se satisfazer uma condição de
importância vital, qual seja, contar com o tempo para que ocorram os ajustes
necessários àquele contexto. O processo deve ser capaz de alcançar seu equilíbrio antes
que a próxima mudança cultural o transforme novamente. Concretamente, o processo
conta com o tempo para alcançar seu equilíbrio cada vez em que é perturbado. Se vemos
o processo como algo contínuo e não intermitente, o ajuste deve encerrar-se antes que
ocorra nova mudança do contexto cultural. Sem estas condições, o sistema nunca vai
produzir formas bem ajustadas, pois o equilíbrio da adaptação não se sustentará. (ibid).
As mudanças tecnológicas do mundo atual ocorrem com mais velocidade que
nunca, não existe mais tempo para a adaptação, enquanto que no período da Idade
Média os artesãos podiam descansar sobre os ombros dos seus antecessores; o conjunto
de tradições facilitava todas as suas decisões. As rápidas mudanças do mundo atual
impedem as integrações dos técnicos em informática com os seus antecessores, não é
mais possível copiar, as inovações exigem novas formas de produção e assim o
indivíduo fica cada dia mais isolado (Ver Alexander, 1969). O ritmo acelerado das
mudanças técnicas na informática é fator preponderante para impedir que uma tradição
se consolide, o que diferencia ainda mais a atividade do analista da do artesão e o leva a
deixar no produto marca pessoal, autoral.
16
Na produção de software, diferentemente da artesanal, o analista não sabe aonde
vai chegar, está constantemente diante de novas situações. O profissional adquire o
domínio do seu produto com o término de sua criação, não dispondo de padrões
preestabelecidos, uma vez que cada software é desenvolvido em um processo produtivo
diferente, único e específico que surge para atender as diversas demandas apresentadas
no decorrer de sua produção. Por isso, o software se assemelha mais a uma obra de arte
(Lévy, 1992) que a um produto industrial, produzido em massa.
Lévy mostrou que a programação não é tão simplista como coloca a psicologia
cognitiva. O curso da programação é sinuoso e imprevisível. Os programadores
encontram vários problemas e imprevistos que os guiam sobre novos caminhos.
Negociam os constrangimentos que apareceram e saltam de uma singularidade a outra.
“Não se pode confundir o processo com o produto. É o computador que deve
seguir uma série de instruções numa ordem inflexível, não o programador.
Este último deve, sem dúvida, respeitar a sintaxe da linguagem de
programação e produzir um texto coerente. Estes constrangimentos são mais
rigorosos que aqueles aos quais todas as pessoas que escrevem estão
submetidas” (Lévy, 1992, p.241, tradução da autora).
Não se pode criar um padrão seguindo padrões. A atividade que produz
regularidades e resultados uniformes não é regida por regras pré-definidas (Lima, 2005).
A programação não segue método justamente porque ela é um processo de
escritura. Segundo Lévy (1992), a programação é efetivamente um gênero ou uma
espécie de escritura, que utiliza uma ideografia ou um sistema semiótico simplesmente
um pouco mais rígido do que o que se emprega para produzirem romances. Como no
processo de escritura de um romance, cada desenvolvimento de um software é uma
criação e por isso ele é único.
O próximo capítulo trás uma a análise crítica dos modelos industriais e discorre
sobre a visão racionalista da engenharia de software, que possui a crença de que por
meio do controle dos métodos predefinidos é possível produzir os resultados esperados.
Além disso, discute também sobre a influência das ciências cognitivas na atividade de
desenvolvimento de software, bem como aponta a crítica de alguns teóricos sobre esta
visão.
17
Capítulo 3 - Críticas aos modelos industriais
A racionalização da produção vem sendo questionada pela psicologia,
etnogragia industrial e sociologia. A ergonomia e a ergologia demonstram a existência
de uma distância ineliminável entre as regras formais e a realidade da produção. Mesmo
nas atividades “regulares” da indústria, a prática se diferencia da regra. A ergonomia da
atividade evidencia que as diferenças entre norma e atividade persistem mesmo em
situações de trabalho extremamente taylorizadas (Lima, 2005).
Como ocorre nas indústrias, as empresas de software buscam a melhoria
contínua de seus processos, como se fosse possível reduzir a diferença entre o formal e
o real. Além do mais, na atividade de desenvolvimento de software a variabilidade
decorre do próprio tipo de trabalho, a atividade é criativa, única no seu
desenvolvimento, assim torna-se insustentável pensar em padronizar uma atividade cuja
natureza é criar padrões. Criar padrão é estabelecer regras para determinada atividade.
As atividades diferem entre si, sendo necessária, assim, a criação de padrões distintos
que atendam às especificidades de cada uma delas, o que inviabiliza por completo a
padronização de uma atividade que tem por objeto a criação de padrões para diversas
outras.
Em contraposição aos modelos industriais e a forma de racionalidade
mecanicista, a atividade de desenvolvimento de software é criativa e única. O
profissional envolvido nessa atividade somente adquire o domínio do seu produto com o
término de seu trabalho. Este profissional não sabe aonde vai chegar, não dispõe de
padrões preestabelecidos, uma vez que cada software é desenvolvido em um processo
18
produtivo diferente, único e específico. Cada software é desenvolvido para atender a
uma demanda específica, direcionada a determinados usuários, que fazem parte de uma
comunidade e que detêm uma cultura própria.
Percebe-se, atualmente, que a própria indústria faz emergir um novo modelo
organizacional que busca superar a organização taylorista/fordista, pois a mercadoria
padrão da era Ford não gera mais lucros extraordinários para as empresas, que devem
inovar continuamente para sobreviver em mercados saturados (Leal e Lima, 2007).
Mesmo diante das críticas ao modelo industrial e da tentativa da própria
indústria em encontrar novos modelos organizacionais, os fabricantes de software
insistem em transformar o processo “artesanal” em modelos industriais.
3.1 P
ROCESSOS E CERTIFICAÇÕES
:
UMA FALSA ILUSÃO DE QUALIDADE
A Engenharia de software é disciplina nova que, como outras, ainda sustenta
uma visão racionalista do mundo, dando continuidade à existência da crença de que por
meio do controle dos métodos predefinidos é possível produzir os resultados esperados.
Uma primeira definição de engenharia de software, que espelha bem o
pensamento ainda hoje dominante, foi proposta por Fritz Bauer (apud Pressman, 1995,
p.31) na primeira grande conferência [NAU69] dedicada ao assunto:
O estabelecimento e uso de sólidos princípios de engenharia para que se
possa obter economicamente um software que seja confiável e que funcione
eficientemente em máquinas reais.
Seguindo o mesmo entendimento, a engenharia de software, para Pressman
(1995), abrange um conjunto de três elementos fundamentais métodos, ferramentas e
procedimentos. As ferramentas proporcionam apoio automatizado ou semi-
automatizado aos métodos. Os procedimentos constituem o elo de ligação que mantêm
juntos os métodos e as ferramentas. Os métodos, para esse autor, proporcionam os
detalhes de “como fazer” para construir o software.
19
“A engenharia de software é construção muito recente, pois o próprio
software passou a ser reconhecido como artefato aproximadamente meio
século. O conceito de software não surgiu imediatamente após o
aparecimento dos primeiros computadores eletromecânicos e das válvulas, na
década de 1940. Naqueles computadores, como ainda não havia o conceito de
instruções armazenadas na memória, a programação era algo muito próxima
do hardware, normalmente sendo realizada pelas mesmas pessoas que
projetavam, construíam e operavam o computador. A programação consistia
em ligar/interromper a conexão de fios ou ligar/desligar chaves em um painel
do computador. Era um cenário em que não existia o entendimento da
programação de hoje, como algo separado do hardware. Por isso, até mesmo
o surgimento dos cartões perfurados para a programação de computadores
representou um expressivo avanço na área” (Teixeira, 2007).
A ES, ao considerar a atividade de DS como um processo lógico, busca cada vez
mais a melhoria de seus processos para padronização final de sua atividade, conforme
os modelos industriais. Assim a ES adota a premissa na qual quanto mais definidos
forem os processos de DS maior será a garantia de qualidade do produto.
O mercado atual, com base na perspectiva da engenharia, vem cada vez mais
exigindo certificações como garantia de qualidade. Portanto, para que os fabricantes
consigam as certificações existentes, os processos de desenvolvimento de software
devem ser bem definidos.
“Um processo é definido quando tem documentação que detalha: o que é
feito (produto), quando (passos), por quem (agentes), as coisas que usa
(insumos) e as coisas que produz (resultados). Processos podem ser definidos
com mais ou menos detalhes, como acontece em qualquer receita. Os passos
de um processo podem ter ordenação apenas parcial, o que pode permitir
paralelismo entre alguns” (Paula Filho, 2001, p.11).
A existência de processos é imprescindível para as certificações de qualidade de
software. A prática de certificação se baseia nos modelos industriais, os quais seguem a
denominada Gestão da Qualidade Total, com princípios de melhoria contínua de seus
processos. Um exemplo é o CMMI, uma evolução do CMM, que foi baseado em
algumas das idéias dos movimentos de qualidade industrial das últimas décadas.
Destacam-se entre elas os conceitos de W. E. Deming, que também teve grande
influência na filosofia japonesa de qualidade industrial. Esses conceitos foram
adaptados para a área de software por Watts Humphrey [Humphrey90](Paula Filho,
2001, p.10).
Outro exemplo é a ISO (International Organization for Standardization) que
tem como objetivo promover o desenvolvimento de padronização, se constituindo em
20
uma família composta de um conjunto de normas. Os padrões da ISO estabelecem
especificações técnicas, regras e critérios. Atualmente a versão 2000 da ISO 9001
combinou três normas (9001, 9002 e 9003) em apenas uma, agora denominada de 9001.
A implementação da ISO é destinada a "produtos" que podem se constituir em um
objeto físico, um serviço ou um software.
O modelo ISO/IEC 12207 (IEC significa International Electrical Commission e
atua, juntamente com a ISO, na área da tecnologia da informação) faz parte do conjunto
de normas ISO. O modelo, conhecido no Brasil como [ABNT987], descreve os
principais processos no ciclo de vida do software, e os relacionamentos entre eles
(Paula Filho, 2001, p. 81).
O ISO/IEC 15504, também conhecido como Spice (Software Process
Improvement and Capability Determination) tem raízes do governo britânico ao definir
um processo de avaliação de software, visando ajustar expectativas de contratação junto
a provedores de software e serviços. Esta norma tem as seguintes finalidades: (1)
determinar a capacidade de um fornecedor de software; (2) auxiliar na melhoria do
processo de software; e (3) servir como instrumento de auto-avaliação (Fernandes e
Teixeira, 2004).
As empresas de DS, para conseguirem as certificações de qualidade, utilizam-se
de modelos de processos existentes no mercado atual. Apesar de os processos
apresentarem algumas diferenças. Uns são considerados mais gidos, como o RUP,
outros mais maleáveis e ágeis, como o XP. Entretanto, ambos explicitam papéis,
estabelecem regras e normas rígidas. O RUP tem uma abordagem voltada para o
planejamento detalhado, com fases seqüenciais de processo e artefatos evoluindo de
uma fase para a seguinte. Este processo tem recebido críticas por ser notadamente
burocrático e por apresentar vasta documentação.
Os métodos tradicionais, como o RUP, trazem problemas de comunicação ao
adotar o processo de desenvolvimento seqüencial e linear, separando a concepção da
operação e impedindo a mudança do escopo inicial. Desta forma, o modelo exige
grande volume de documentação e por isto é taxado como burocrático. A falta de
contato direto entre os técnicos de informática e usuários, necessário para um melhor
21
entendimento das necessidades reais do usuário, se constitui em um dos principais
fatores que levam à construção de softwares ineficientes.
Ao contrário dos métodos tradicionais, os métodos ágeis, como o XP, procuram
desenvolver o software com o mínimo de documentação. Assim, prefere a comunicação
face-a-face, durante o desenvolvimento, que a documentação. Possui uma fase de
especificação mais curta, cuja regra é a utilização de códigos simples e genéricos para
serem utilizados como documentação. No entanto, o XP também é alvo de críticas, por
retroceder ao método de tentativa e erro.
Apesar de os métodos ágeis aumentarem a participação do usuário durante toda
a atividade de desenvolvimento de software, sua fase de especificação é curta e o tempo
de levantamento de dados não é suficiente para entender as necessidades do usuário.
Dessa forma o retrabalho é inevitável. Na realidade, o método de tentativa e erro, alvo
de crítica do XP, é um retrabalho.
Mesmo com suas diferenças, os métodos consideram a atividade lógica, como se
fosse possível ao usuário informar todas as suas necessidades e ao analista de negócio
possuir o completo entendimento de todas elas. É fato que o usuário nunca se lembra de
todas as informações específicas de sua atividade. Além disso, para se ter o
entendimento dessas informações é preciso uma vivência com a prática diária, não é
possível alguém que não conhece nada da empresa (SERVPUB) chegar aqui e
conseguir fazer um software de qualidade” (Analista da SERVPUB).
3.2 A
OBSESSÃO PELOS PROJETOS
A sociedade pós-industrial acredita que as dificuldades de controle, verificadas
com a ocorrência de imprevistos, encontrados desde o período taylorista e fordista,
poderão ser sanadas com a antecipação das situações pelas experiências passadas. As
condutas antecipadoras conduzem a uma “obsessão projetiva”.
“Encontramos essa obsessão especialmente nos novos profissionais que
desempenham a função de conselheiros de projetos, mormente quando, ao se
dirigirem a atores em posição frágil e precária, exigem de seus orientados
22
uma lucidez e uma transparência que eles próprios muitas vezes são
incapazes de aplicar ao seu próprio devir!” (Boutinet, 2002, p.14).
Ao sabor dessa ilusão, a Engenharia de Software se propaga acreditando na
possibilidade de se ter uma visão das situações futuras e assim poder formalizar e
controlar as atividades de desenvolvimento de software. O imperativo moderno da
representação e formalização está explícito nas inúmeras linguagens, métodos e
ferramentas.
“A perspectiva do controle, algo central no pensamento modernista, jaz na
disciplina dos processos de software, herdeiros das idéias de burocracia, que
considera possível prever, predeterminar e explicitar papéis, estabelecer
regras que garantam o comportamento esperado e a coordenação central
necessária. Normalmente parte-se do pressuposto, nos projetos de software,
de que é possível saber antecipadamente o que deve ser feito, existindo pouca
incerteza acerca das tarefas” (Dahlobom e Mathiassen, 1993, p.16 apud
Teixeira, 2007).
A pressuposição subjacente é de que, a priori, existe um mundo ordenado
bastando ao engenheiro de software descobrir/capturar os requisitos preexistentes,
formalizar uma especificação e desenvolver o sistema desejado a partir dela. A maioria
das abordagens tende a considerar que é possível, de antemão, definir os requisitos e
que eles se manterão estáveis ao longo do desenvolvimento (ibid).
Verifica-se que o projeto se resume a mais uma esperança de se controlar o que é
incontrolável. Entretanto, no dizer de Boutinet (2002, p.273), (...) o projeto constitui
uma maneira de dar novamente esperança aos atores, mas também o risco que essa
esperança seja ilusória”.
Diferentemente do que a cultura do projeto define como antecipação, Schwartz
(1998) demonstra que é possível antecipar algumas situações que ainda estão por vir por
meio de um trabalhador competente, na acepção popular do termo, que tenha se
imbuído de uma cultura histórica, se imiscuído na sua rede e nos seus sinais, e, portanto,
que ela tenha adquirido, para ele, um valor patrimonial
4
como campo pertinente de sua
atividade e de sua vida.
23
3.3 A
VISÃO RACIONALISTA DA
E
NGENHARIA DE
S
OFTWARE
A idéia de utilizar processos, métodos e estabelecer regras é considerar que a
atividade de desenvolvimento de software pode ser prevista ou predeterminada. “Pensa-
se que as descrições passadas nos colocam em posição de predizer o futuro por
exploração” (Collins, 1992, p.66).
A Engenharia de software discute, quase ou exclusivamente, sobre assuntos
técnicos, tais como: processos, padrões e métodos, considerando-os como os
responsáveis pela qualidade do software, deixando os assuntos não técnicos (questões
sociais, culturais, políticas, organizacionais e econômicas) para outras disciplinas (ver
Teixeira, 2007). São campos distintos, que se misturam apenas provisoriamente, seja
porque a ES ainda não se desenvolveu suficientemente, seja porque os aspectos
irracionais (poder, medo, resistência e outros) do comportamento humano perturbam a
racionalidade lógica do DS.
A Engenharia de software, como toda produção científica e tecnológica
ocidental, tem uma visão mecanicista e tecnocêntrica que ainda persiste na ciência
moderna.
“A visão mecanicista do mundo foi desenvolvida por grandes filósofos do século
XVII, dentre os quais despontam René Descartes, Newton e Leibniz. Descartes foi o pai
do racionalismo na filosofia. Seu método foi o instrumento matemático da dedução
pura. Dos seus vários ensinamentos, o novo racionalismo e o mecanicismo foram,
indubitavelmente, os que tiveram maior influência. E seus princípios cartesianos foram
adotados, de uma forma ou de outra, pela maioria dos filósofos do século XVII. A
inspiração do Iluminismo proveio, em parte, do racionalismo de Descartes, Spinoza e
Hobbes, mas os verdadeiros fundadores do movimento foram Newton e Locke” (Lévy,
1998).
A ciência cognitiva clássica, que ainda tem grande influência na tecnologia da
informação, surgiu através da cibernética seguindo o mesmo pressuposto lógico-
4
valor patrimonial é a expressão que designa o conjunto de ingredientes sociais e históricos adquiridos por
um indivíduo ao longo do tempo e da sua história.
24
matemático. A cibernética nasceu em 1943 e foi a partir dela, que alguns anos depois,
surgiu o cognitivismo. No período da cibernética vários avanços ocorreram para o
surgimento dos primeiros computadores. Os cibernéticos construíram os fundamentos
da inteligência artificial. Introduziram os conceitos e o formalismo lógico-matemático
nas ciências neurológicas. No plano mais geral, a cibernética tem deixado profundas
marcas em disciplinas científicas, desde a biologia molecular até a sociologia,
passando pela psicologia. O movimento cibernético exerceu um papel considerável no
estabelecimento do paradigma computacional que pretende tornar-se hoje a linguagem
dominante da ciência”. (Lévy, 1998, p.88/89).
Todos os precursores da cibernética enxergavam o mundo do ponto de vista
lógico. Talvez isto decorra do fato de todos eles serem matemáticos, à exceção de Mac
Culloch, que apesar de não possuir a referida formação, interessou-se pela matemática
desde o início de sua carreira (Lévy, 1998).
Toda linha de pensamento cibernético, em sua origem, contém a marca da lógica
matemática. Wiener iniciou sua carreia publicando alguns trabalhos de lógica. Em sua
obra prima denominada cybernets, publicada em 1948, destaca no tópico introdutório
que a “influência ciclicamente repetida da lógica matemática levou ao mesmo tempo à
mecanização ideal ou real dos processos de pensamento”. A costumeira remissão a
Leibniz, idealizador concomitante do calculus ratiocinator e da “comunicação das
substâncias”, apenas confirma com maior precisão esse ponto de vista (Lévy, 1998).
“O empreendimento da cibernética e da inteligência artificial deve muito à
filosofia do primeiro Wittgenstein, pois ele foi o primeiro a construir o
mundo no qual se estabelece. Os cibernéticos, porém, concebem o homem
como um autômato lógico que processa informação. Detiveram-se, pois, no
dizível e, esquecendo quem eram, desprezam o inexprimível mostrado por
Wittgenstein. Por isso, mesmo que a cibernética e seus rebentos dependam de
Wittgenstein, nem sempre são dignos dele. Instalaram-se definitivamente na
lógica, no cálculo e na informação, quando Wittgenstein pedia que se os
utilizasse para ir adiante. O limite entre o dizível e o indizível continua sendo,
ainda hoje, um desafio. A cibernética triunfante dos anos quarenta e
cinqüenta fingia nem sequer percebê-lo e, para sê-lo, entrou no jogo das
operações, a ronda das traduções e o caleidoscópio lógico dos eventos” (ibid,
p.100).
“Assim como 1943 foi sem dúvida o ano no qual nasceu a cibernética, 1956
foi claramente o ano que deu origem ao cognitivismo. Durante este ano, em
dois encontros realizados em Cambridge e Damouth, novas vozes como as de
Hebert Simon, Nam Chomsky, Marvin Minsky e John M. C. Carthy
expuseram idéias que viriam a se tornar as linhas mestras das ciências
cognitivas modernas” (Varela, Thompson e Rosch, 2003, p.55).
25
O cognitivismo
A intuição central por detrás do cognitivismo é que a inteligência incluindo a
inteligência humana assemelha-se a um computador em suas características essenciais
de que a cognição pode ser efetivamente definida como computações de representações
simbólicas. Os cognitivistas afirmam que a única forma pela qual podemos explicar a
inteligência e a intencionalidade é por meio da hipótese de que a cognição consiste na
ação baseada em representações fisicamente realizadas sob a forma de um código
simbólico no cérebro ou em uma máquina (Varela, Thompson e Rosch, 2003).
Resumindo as questões fundamentais do cognitivismo, pode-se dizer que a
cognição é o processamento de informações sob a forma de computação simbólica
manipulação de símbolos baseada em regras. A cognição funciona por meio de qualquer
aparato que possa abrigar e manipular elementos funcionais discretos os símbolos. O
sistema interage somente com a forma dos símbolos (seus atributos físicos) e não com o
seu significado. Não há, na hipótese cognitivista sobre o conhecimento, quaisquer
tratamentos ao nível semântico. O sistema funciona quando os símbolos representam de
forma adequada algum aspecto do mundo real e o processamento de informações leva a
uma solução bem-sucedida do problema proposto ao sistema (ibid).
O cognitivismo produziu manifestações em várias disciplinas, mas em nenhum
outro lugar tais manifestações foram mais visíveis do que na Inteligência Artificial (IA),
que é a implementação literal da hipótese cognitivista.
Grandes nomes da inteligência artificial, como Simon, Papert e Minsky,
entendem que as atividades cerebrais complexas, não rotineiras, não formalizadas por
regras explícitas, são passíveis de redução a atividades simples e programadas
(Lojkine, 1995, p. 128). Assim, a complexidade dos processos de resolução de
problemas resulta de interações relativamente simples de um grande número de
elementos de base extremamente simples. Cada problema engendra sub-problemas, até
que encontremos um sub-problema que saibamos resolver, para o qual temos um
programa na memória” (H. A. Simon, 1980 apud Lojkine, 1995, p.128).
26
O conexionismo
Após 25 anos de dominação da ortodoxia cognitivista, emerge, na década de 70,
o movimento conexionista que, enxergando a conexão numa contrapartida mais
biológica, influenciada por descobertas da neurociência a respeito do funcionamento do
cérebro, passa a explicar a cognição como uma propriedade emergente do
funcionamento global de uma rede neural.
Sinteticamente, para o conexionismo, um sistema cognitivo é um conjunto de
elementos simples e não inteligentes que, como os neurônios, exprimem propriedades
globais interessantes quando são interligados. A cognição é a emergência de estados
globais em uma rede de componentes simples. As regras locais gerenciam as relações
entre os indivíduos e as regras de mudanças gerenciam as relações entre os elementos.
O sistema funciona quando as propriedades emergentes e a estrutura daí resultante são
identificáveis com uma solução adequada para uma tarefa dada.
3.4 C
RÍTICAS ÀS CIÊNCIAS COGNITIVAS TRADICIONAIS
Alguns teóricos acreditam que o “modelo conexionista” é uma transformação
decisiva na estrutura conceitual da ciência cognitiva e que muitas das dificuldades
teóricas e filosóficas que afligem o cognitivismo “clássico” podem ser evitadas, em
parte ou no todo, por meio de um exame atento da nova alternativa Conexionista”
(Button, G. et. al, 1998, p.147).
No entanto, os parâmetros principais do “modelo conexionista” não se diferem
muito do modelo cognitivista. Se os cognitivistas dizem que cada item físico
corresponde a um item externo, um objeto, um símbolo, os conexionistas sustentam que
o significado não está localizado em símbolos particulares, mas sim em componentes
mais elementares que os próprios símbolos sub-símbolos. O conexionismo é também
idealizado e referido como “paradigma sub-simbólico”. No entanto, o paradigma
conexionista não rompe com o modelo de processamento descritivo simbólico, uma vez
27
que os símbolos continuam presentes como representações do mundo objetivo, porém
distribuídos nas sinapses neurais.
Nesse sentido, tanto o cognitivismo quanto o conexionismo compartilham da
visão na qual o mundo é predeterminado, que é possível prever as situações que ainda
estão por vir. Consideram que a partir da abstração da realidade seja possível construir
representações, tal como pressupõe a visão do mundo objetivista que permeia muitas
áreas da ciência, inclusive a engenharia de software.
A visão do mundo estritamente calculável, considerando o homem como ser
puramente lógico, é irreal. Esse mundo exclui por baixo nosso meio de vida: o espaço,
as cores, os sons, as línguas que formam um meio para mensagens eventuais e, por fim,
toda a espessura sensível do mundo. Exclui, por cima, o porquê vivemos e todos os
significados em geral” (Lévy, 98, p.100).
A suposição por detrás desses diferentes tipos de realismo cognitivo
(cognitivismo, propriedades emergentes e conexionismo) “é que o mundo pode ser
dividido em regiões discretas de elementos e tarefas. A cognição consiste na resolução
de problemas que deve, para ser bem-sucedida, respeitar os elementos, as propriedades
e as relações dessas regiões predeterminadas” (Ibid, p.155).
O capítulo seguinte descreve as contradições entre as regras lógicas da
engenharia de software e como os analistas adquirem o saber imprescindível para
traduzir e transformar as necessidades do usuário em um software de qualidade.
28
Capítulo 4 - Saber Social, cognição situada e regras lógicas
A engenharia de software trata a atividade de desenvolvimento de software
como uma resolução de problemas, da mesma forma que a ciência cognitiva. A
resolução de problemas, sob a ótica da psicologia cognitiva, é um processo de
exploração ativa do “espaço do problema” constituído de etapas (situação inicial, sub-
objetivos e objetivo final). Assim, para se resolver efetivamente um problema
considera-se necessário determinar uma seqüência de operações que transformam a
etapa inicial em objetivo final” (Lévy, 1992, p.44, tradução da autora).
A atividade de DS não produz resultados uniformes e, por isso, torna-se
impossível obter representações de uma situação que ainda não aconteceu. As próprias
atividades “regulares” apresentam variabilidades, o que as diferenciam das regras
formais. Pensar na concepção de um software apenas como uma “resolução de
problemas” denota uma visão errônea da atividade real dos analistas e programadores.
Várias são as situações imprevisíveis e os ajustamentos que ocorrem durante e após o
desenvolvimento de um software, o que torna impossível a previsão, em sua concepção,
de todas as situações, mesmo porque elas são únicas em cada desenvolvimento.
Outro não é o entendimento de Lévy (1992, p.44-5), senão vejamos:
“Estudando em detalhe a maneira pela qual um profissional de
informática resolve o «problema» que é a concepção de um software, nós
constatamos que as coisas não se passam exatamente como pretende a teoria.
Primeiramente, não somente o objetivo a atingir não é perfeitamente definido
no início, mas ele sofre ao longo do desenvolvimento vários remanejamentos
essenciais. Em seguida, os objetivos intermediários que levam ao objetivo
final podem adquirir, no decorrer dos processos de resolução de problemas,
29
um peso tal que todos os termos do problema são transformados” (tradução
Leal e Lima).
O cognitivismo ao abordar a cognição como resolução de problemas funciona,
até certo ponto, para domínios de tarefas dos quais é relativamente fácil especificar
todos os estados possíveis. (...) Entretanto, para domínios de tarefas menos
circunscritos ou mais indefinidos, esta abordagem tem-se mostrado significativamente
menos produtiva” (Varela; Thompson e Rosch, 2003, p.155).
As ciências cognitivas, como várias outras ciências, se tornam insuficientes por
não considerarem as situações reais e, por corolário, não compreendem a maneira pela
qual o trabalhador constrói o problema. E não são poucas as variabilidades encontradas
pelo trabalhador, no curso de sua atividade, que podem interferir na construção do
problema. Essas variações podem ser de natureza externa ou interna em relação ao
indivíduo. Wisner (1995, p.135,136) denomina estas variabilidades de condições
secundárias (variabilidade da tarefa, instabilidade das equipes, complexidade dos
sistemas) e de condições próprias o funcionamento humano (sexo, idade, dimensões
antropométricas, força física, suas deficiências e seu estado de saúde).
4.1. A
COGNIÇÃO SITUADA
Na esteira destas reflexões teóricas, autores como Varela, Thompson e Rosch
(2003), questionam explicitamente a pressuposição, prevalente nas ciências cognitivas
como um todo, de que a cognição consiste na representação de um mundo, que é
independente de nossas capacidades perceptivas e cognitivas, por um sistema cognitivo
que existe independente desse mundo. Ao contrário, demonstram que a cognição é um
fenômeno situado e explicam a cognição através da teoria da “enação”.
“Na enação, o ambiente em que se vive de forma alguma poderia ser pré-
determinado, tal como pressupõe a visão do mundo objetivista. Ao contrário,
esse "background
5
tem fronteiras ilimitadas, exigindo e confirmando que a
cognição é um processo “criativo” desenvolvido no indivíduo dependente do
nicho onde ele vive. De fato, se desejamos recuperar o senso comum, então
devemos inverter a atitude representacionista e tratar o conhecimento
5
Este termo é utilizado por Varela, Thompson e Roche (2003) para conotar o conhecimento do senso
comum envolvido nas ações do cotidiano de um ser vivo.
30
dependente do contexto, o como um artefato residual que pode ser
progressivamente eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas
como, na verdade, a própria essência da cognição criativa” (ibid, p.156).
Na cognição como fenômeno socialmente situado não se confundem memória e
atividade do sujeito. “Não se pode confundir cultura e saber, porque a cultura não é um
“celeiro” nem um “entreposto”, mas antes de tudo, sede de relações produtivas entre
as pessoas em ação e o mundo social (p.90-92). A sede dos gêneros, diríamos. Os
objetos analisados são elementos da conjuntura histórica e cultural, devendo ser
considerado como tais, nem separados do mundo social como o faz uma psicologia
cognitivista e funcionalista nem confundidos com ele, como propõe a fenomenologia (p.
149). A idéia central, acentua Lave, é que a “mesma” ação realizada em situações
diferentes é estruturada pelas outras atividades e as estruturas. Essa maneira de ver as
coisas se opõe claramente, segundo ela, à idéia de que as atividades e as situações são
isoladas e não estão vinculadas entre si, ou ainda à idéia de que certas formas de saber
são utilizáveis em qualquer situação (p.122)” (Clot, 2006, p.110).
“As áreas como antropologia, psicologia, sociologia e ciências da computação,
estão participando de pesquisas a explorar o desenvolvimento humano da ação de
pensamentos humanos em situações práticas (Rogoff, 1984). A pesquisa da prática do
dia-a-dia focaliza pessoas em ação, pois há consenso, por parte desses autores, acerca do
princípio de que é impossível analisar a prática fora do mundo socialmente material da
atividade humana. Portanto, na teoria da atividade situada, a aprendizagem
descontextualizada, como propõem os modelos convencionais de aprendizagem, seria
uma contradição. Tradicionalmente, a aprendizagem é considerada um processo
estritamente mental, o contexto em que se desenvolve a atividade é desconsiderado e,
assim, reforça-se a dicotomia entre corpo e mente (já que os problemas são resolvidos
“na cabeça”) (Lave, 1996)” (Fonseca, 2005).
A cognição situada adota o princípio no qual o ser humano possui
representações que são adquiridas com as suas experiências passadas. Mas é diante da
situação real que a ação do ser humano vai ser determinada. Portanto, a determinação da
ação humana decorre da utilização, pelo indivíduo, de sua experiência passada na
construção de um problema.
<<Um indivíduo representa o que ele compreendeu de suas experiências
anteriores, como o saber cultural (profissional), sob diversas formas e ele
31
reemprega este saber segundo a sua percepção como apropriado em função
do contexto. A representação e a reutilização reforçam simultaneamente
todas as duas combinações de experiências e abastecem os elementos de
reorganização cognitiva e de criatividade no comportamento e na
compreensão>> (Dougherty, 1985 apud Wisner, p.147).
Na realidade o comportamento humano depende de cada situação no singular, e
está relacionado com o contexto. Assim, pode-se dizer que a cognição é situada e o
saber, que está relacionado com o contexto, não se constitui em um acúmulo de
representações, mas na reconstrução da representação dentro de uma situação singular.
4.2. A
CONSTRUÇÃO DO SABER
:
UMA QUESTÃO SOCIAL
O húngaro Michael Polanyi, em sua obra denominada Tacit Dimension, descreve
o conhecimento tácito como uma ação interna que o indivíduo não poderia controlar
nem sequer perceber. Parte desse conhecimento tácito pode ser explicitada, enquanto a
outra parte não pode ser exposta ou declarada, porém isso não significa que o
conhecimento não possa ser comunicado ou compartilhado, mas, para o seu
desenvolvimento, deve ser considerada sua natureza complexa que envolveria, além dos
processos mentais conscientes, os processos subconscientes ou inconscientes e os
processos corporais que participariam da nossa percepção, ou seja, as raízes corporais
dos pensamentos (Frade, 2003; Fonseca, 2005).
A partir dos estudos fundamentais de Polanyi, considerados referências
clássicas, uma tendência a se identificar o saber tácito com o saber social, o tácito à
socialização, ou o tácito ao não explicitável e formalizável, portanto, aquilo que escapa
ao conhecimento formalizável, exprimível pela linguagem. Segundo Collins (1992),
Polanyi distingue o saber tácito e o saber cultural. Um exemplo bastante conhecido de
Polanyi é o saber-fazer necessário para andar de bicicleta, nesse caso ele demonstra
apenas o saber tácito (como equilibrar na bicicleta), mas não descreve o saber cultural
(ex: como saber andar de bicicleta nas ruas da cidade), isto é, não basta o equilíbrio, o
indivíduo tem que conhecer as normas e regras da cidade por onde circula que fazem
parte daquela cultura, para saber, por exemplo, que para atravessar uma rua é preciso
32
antes verificar se há algum veículo em trânsito no local, ou se deparar com um semáforo
qual a atitude a seguir para prosseguir na travessia. Polanyi, portanto, diferencia o tácito
do formal, enquanto Collins (1992) não faz esta distinção. Collins demonstra que a
relação entre a parte explicita do conhecimento (1 e 2 da figura 1) e as habilidades
dificilmente explicitadas do conhecimento (3 e 4 da figura 1) são dinâmicas. No
entanto, os deslocamentos (que podem ocorrer de baixo para cima ou de cima para
baixo) só podem ser compreendidos dentro do contexto em que o conhecimento é
utilizado.
As heurísticas e regras de aprendizagem são formalizadas por convenção de
uma comunidade e parte dessas regras é interiorizada pelos indivíduos. Portanto,
participar de uma mesma cultura é condição indispensável para se ter um entendimento
e saber usar as regras e heurísticas.
Figura 1: A hierarquia convencional do saber
Fonte: Collins (1992, p.153)
São quatro os tipos de saberes descritos por Collins (1992, p.151-152), na
hierarquia convencional do saber: fatos e regras; heurísticas; saber-fazer perceptível e
saber-fazer cultural. Os fatos e regras formais incluem fatos que são ceis de explicar,
tais como a água ferve a 100 graus, ou nos jogos de xadrez, quando o rei tornou-se a
única peça que se possa mexer, se encontra na impossibilidade de ser deslocada sem se
colocar em risco, se diz que a partida termina por xeque-mate(Collins, 1992, p.151).
As heurísticas são regras empíricas explicitáveis e práticas padronizadas. São
encontradas, por exemplo, nos manuais de treinamento esportivo, nas práticas
científicas e tecnológicas, como a produção de cristais: “começar sempre o
ENSINO
SUPERIOR
QUALIFICAÇÃO
SUPERIOR
SABER DO
SENSO COMUM
1
2
Fatos e regras
Heurísticas
Regras de
aprendizagem
3
Saber fazer
Perceptíveis
e manuais
4
Saber fazer
Culturais
33
resfriamento da mistura fundida bem acima do ponto de fusão indicado” (Collins, 1992,
p.151). Estas regras, ao serem interiorizadas, tornam-se subconscientes para o sujeito.
Quanto ao saber-fazer, este seria a dimensão tácita do conhecimento, isto é, o indivíduo
sabe fazer, mas não sabe explicar como ele faz.
A hierarquia convencional do saber, representado na figura 1, retrata a noção do
ensino no ocidente. Pode-se ver também nessa figura como as categorias mais
formalizadas e mais explicitáveis estão hierarquicamente acima do saber-fazer.
Um dos movimentos das ciências é a evolução de baixo para cima do diagrama.
Isto seria buscar explicitar ao máximo o saber-fazer e transformá-lo em regras. As
ciências desconsideram a base cultural do saber-fazer e tentam transformá-lo em regras
universais.
Assim, conforme mencionado anteriormente, mesmo o conhecimento formal
tem uma parte explícita e outra não. No entanto, para se desenvolver um software, cuja
construção é de um sistema formal, o desenvolvedor deverá deter o entendimento sobre
as regras dos usuários, que acontece através da aculturação entre os agentes envolvidos,
possibilitando, posteriormente, a criação de uma regra específica para o software.
O resultado da atividade do desenvolvedor são escrituras formais ou lógicas,
mas estas escrituras não são meramente lógicas ou formais, pois o desenvolvedor
também cria significação a partir de uma construção coletiva. Quando as pessoas
compartilham o mesmo universo de signos, torna-se possível o entendimento dos seus
significados e a negociação para a construção de novos signos. Assim, a codificação do
sistema não é apenas uma escritura lógica, os códigos também têm seus significados,
que lhe são atribuídos pelo indivíduo.
O depoimento de um analista de sistemas da SERVPUB demonstra a
necessidade de um contato social com os usuários para a compreensão das regras, uma
palavra na própria empresa possuía significados diferentes que não foram explicitados
na demanda:
“a palavra “diversos” também tinha significados diferentes para os setores da
empresa, eu apanhei até entender isso... o setor de contabilidade chamava de
“diversos” todos que não são “produtos”... enquanto o pessoal do
faturamento separa alguns itens ((multa, atualização monetária)) que para
34
eles não são produtos e nem “diversos”... apareceram alguns erros até eu
descobrir que existiam essas diferenças... eles me falavam que o item
“diversos” estava com problema... eu não entendia... até que um dia, quando
sentei com eles ((representantes de cada setor)), eu percebi que diversos...
para a contabilidade... era diferentemente do faturamento... Juntei os dois
setores para a gente entrar num acordo” (Analista da SERVPUB).
O analista, especialista no setor de faturamento, não mantinha contato com os
usuários de outros setores. Portanto, ele não possuía o conhecimento nem o
entendimento de que a palavra “diversos” tinha significados diferentes para os
trabalhadores do outro setor. Segundo Collins (1992), para a compreensão e utilização
dos fatos, das regras e das heurísticas é necessário compartilhar uma mesma cultura.
Disto decorre a capacidade de ler e compreender as informações. Um exemplo, citado
pelo mencionado autor, é uma receita de cozinha que contém as seguintes instruções:
“Bater os ovos em neve”. Para seguir a receita é necessário entender cada palavra, é
preciso saber que o branco não é branco e sim transparente antes de bater os ovos. Além
disso, temos que saber quebrar o ovo, saber separar a clara da gema, saber bater os ovos
e saber a hora que está pronto. Resumindo, para bater os ovos em neve é necessário que
se tenha vivido uma experiência anterior e, assim, interiorizado esses saberes.
Uma vez adquirida a compreensão pelos analistas e trabalhadores sobre os
significados que a palavra “diversos” tinha para o outro setor, foi realizada uma nova
conversão entre os trabalhadores dos setores e analistas, na qual a palavra “diversos
passou a ter apenas um significado, qual seja, “os que não são produtos”. Essa regra se
constituiu em uma construção social entre os membros envolvidos que, com o tempo,
será interiorizada pelos indivíduos e dificilmente será lembrada ou exteriorizada.
“O saber e o fazer não são separáveis. Eu sei como falar falando com outras
pessoas (...). Todas as mudanças das regras da fala é um acordo social; é um acordo das
práticas comuns. Se as regras da fala mudam, eu faço como os outros, não porque as
pessoas me dizem o que eu devo fazer, mas vivendo com os outros - partilhando suas
<<formas de vida>> (Wittgenstein, 1953) -, eu mudo com eles. Eu mudarei o que eu sei
sobre a maneira pela qual é preciso falar, não por causa de uma escolha, não em função
da aceitação de uma regra avaliada conscientemente, não no nível de um processo
consciente, mas porque, fazendo com os outros, eu descobrirei que eu sei o que eles
sabem. Sabendo o que eles sabem, eu farei o que eles fazem. Isso acontece no falar, no
35
escrever, no fazer um trabalho industrial ou uma escultura, no praticar a medicina e no
descobrir partículas elementares” (Collins, 1992, p.19, tradução da autora).
“Esses savoir-faire culturais comportam a capacidade de induzir as mesmas
conclusões que os outros, no âmbito da ação combinada. São nossos savoir-
faire culturais que nos permitem fabricar um mundo de comportamentos
combinados. É assim que concordamos, por exemplo, com o fato de certo
objeto ser um Rembrandt ou tal mbolo ser a letra s. É deste modo que
digitalizamos o mundo. É nossa cultura comum que torna tais consensos
possíveis e é nossa atitude de fabricar esses consensos que funda nossa
cultura” (Collins, 1992, p.152, tradução Haddad).
4.3. O
S MODELOS FORMAIS E O SABER CULTURAL
O modelo formal, a separação funcional e a distância física entre os técnicos em
informática e usuários não permitem a criação de uma cultura entre os envolvidos no
DS. A falta de interação entre os profissionais é a queixa dos técnicos em informática e
usuários de uma empresa prestadora de serviço público. Este modelo organizacional tem
se constituído em um obstáculo para os técnicos em informática compartilharem os seus
saberes. Tanto os empregados da SERVPUB quanto os empregados da FABRISOFT
estão apresentando dificuldades em realizar as atividades dentro do novo modelo
organizacional de “Fábrica de Software”. A separação dos membros da equipe em salas
distintas e a distância geográfica da FABRISOFT, situada fora do estabelecimento físico
da SERVPUB, são as principais queixas dos trabalhadores. As dificuldades se revelam
na insistência da analista de sistema da FABRISOFT em permanecer trabalhando no
setor de desenvolvimento de software da SERVPUB, mesmo após o término do tempo
de aprendizado previsto pelas empresas (SERVPUB e a FABRISOFT), que se
estende por mais de um ano após sucessivos adiamentos.
Como visto, o trabalho do analista envolve várias pessoas (usuários leigos e
profissionais de informática), implicando interações de diversas naturezas e em diversos
momentos. O saber desse profissional faz parte de uma cultura e, para o aprendizado, é
preciso que as pessoas compartilhem o mesmo ambiente, tornando a interação
presencial entre os envolvidos imprescindível no momento de desenvolver soluções ou
resolver problemas.
36
Quadro 2: Depoimento dos analistas de sistemas
“já imaginou quando eu sair daqui? Eu preciso das pessoas o tempo todo para
discutir... eu não conheço nada daqui. Eu sou direcionada por eles ((empregados do
setor de desenvolvimento))... são eles que sabem a regra do negócio... eu não consigo
estar fora daqui... o conhecimento está aqui... o ambiente está aqui... o apoio está
aqui... só o desenvolvimento está lá” (Analista de sistema da FABRISOFT).
“o pessoal da equipe não deixa eu ir para lá... dizem que eu produzo mais
aqui... aqui está difícil eu achar as pessoas... imaginou na fábrica... eu estou
precisando de falar com fulano mas não consigo” (Analista de sistema da
FABRISOFT).
“estão passando para ela ((analista terceirizada)) uma demanda de
faturamento... mas ela não sabe nada... se ela ficar aqui a gente pode discutir e eu vou
passando aos poucos as informações... imagina ela longe anotando em um papel...
como foi falado na palestra... e tendo que vir aqui trazer o papelzinho... quando ela
voltar vai estar cheia de dúvidas de novo... olha... eu conheço muito tempo o
faturamento e ainda tenho dúvidas” (Analista da SERVPUB).
“dizem que não precisa da gente passar as informações porque está tudo
registrado... mas o sistema é muito grande... isto não é possível... mesmo com toda a
documentação... a pessoa tem dúvida e vem aqui” (Analista da SERVPUB).
No depoimento acima “(...) eu não consigo estar fora daqui... o conhecimento
está aqui... o ambiente está aqui... o apoio está aqui...” ressalta-se a importância da
interação direta entre os técnicos de informática e usuários, dentro do ambiente de
trabalho destes últimos, para a construção do conhecimento. Observou-se que os
analistas da FABRISOFT, quando estavam distantes da SERVPUB, apresentaram
diversas dificuldades na obtenção do entendimento das necessidades do usuário. Mesmo
com toda a documentação sobre a demanda do usuário os analistas tinham dúvidas de
interpretação: “(...) mesmo com toda a documentação... a pessoa tem dúvida e vem aqui
(SERVPUB). Muitas são as informações necessárias para se desenvolver um software,
37
verifica-se que o tempo consumido pelo desenvolvedor, na obtenção de um
entendimento dessas informações, é maior do que com o gasto com a comunicação
presencial: “ (...) aqui já está difícil eu achar as pessoas...já imaginou na fábrica...eu
estou precisando de falar com fulano mas não consigo”. O risco da falta de
entendimento das necessidades do usuário aumenta o retrabalho e, conseqüentemente, o
tempo de desenvolvimento e o custo da atividade.
A interação presencial, como descrita acima, permite que as pessoas, diante das
tomadas de decisão, criem novas regras. A atividade de DS demanda constantes
tomadas de decisão, pois a atividade é processo de construção de uma teoria que não
está pronta na mente do seu usuário, é um processo que ainda será elaborado. Portanto,
a sua construção exige um processo coletivo, no qual todas as pessoas envolvidas
devem participar.
Estar dentro de uma empresa, para a qual vai se desenvolver um software, é
estar dentro de um contexto histórico e social, no qual é imprescindível, para um
entendimento comum dos significados e para o favorecimento do fluxo rápido de
informações, o conhecimento sobre o que os envolvidos sabem e a compreensão dos
jargões utilizados na empresa.
Em torno de um software existem duas comunidades (a comunidade interna
entre os técnicos e a comunidade que utiliza o software) com atores bem
individualizados, com suas regras, hierarquias, conflitos e jogos de interesses. O
entendimento dessas (regras, hierarquia...), segundo Wenger (apud Agydelo e Souza,
2003), situa-se, a partir do ponto de vista dialógico, numa perspectiva relacional,
dinâmica e social ocorrendo, com mais ou menos ênfase, em qualquer comunidade que
se configure como uma comunidade de prática”.
“O conceito de comunidades de prática desenvolvido por Wenger surgiu da
observação das relações naturalmente feitas pelas pessoas no convívio social diário (por
exemplo: na família, na participação em um time de futebol ou nos ambientes de
trabalho). A comunidade de prática, diferente de uma comunidade comum, reúne
pessoas em torno de uma determinada prática, que a realizam num mútuo
comprometimento. E segundo Wenger, as pessoas tendem a engajar-se com maior
facilidade em ações, cujos significados negociaram entre si. Isso quer dizer que não
38
existe um lugar ou lugares específicos do saber, mas que ele acontece ininterruptamente
nas comunidades de prática e é essencialmente interacionista” ( Frade, 2003).
A associação entre prática e comunidade é dada através de três relações (ver na
figura 2), são elas:
1. Engajamento/envolvimento mútuo (organizado em torno dos objetivos que a
comunidade busca alcançar);
2. Um empreendimento conjunto (e, consequentemente, negociação mútua e
responsabilidade, da qual se devem prestar contas);
3. Um repertório compartilhado (rotinas, linguagens, símbolos, modos de fazer as
coisas, dentre outros) (Wenger, apud Frade, 2003, p.67).
Wenger reconhece que existem fatores externos que escapam ao controle dos
membros de uma comunidade e que podem influenciar e limitar o funcionamento da
prática. Porém, diz ele, a realidade do dia-a-dia da prática é, em última instância,
produzida por seus membros (ibid).
39
Figura 2: As três relações que caracterizam uma comunidade de prática
Fonte: Adaptado de Agydelo e Souza (2003)
O próximo capítulo descreve a análise ergonômica realizada com os analistas de
um setor de desenvolvimento de software de uma empresa prestadora de serviços
públicos, evidenciando as dificuldades decorrentes da opção da empresa pela adoção do
modelo “fábrica de software” e pela terceirização de serviços, demonstrado com o caso
do “reajuste tarifário”, bem como uma discussão teórica acerca da viabilidade e
conseqüências da adoção desse modelo.
40
Capítulo 5 - O estudo no setor de desenvolvimento de software de
uma empresa que presta serviços públicos
Este estudo teve origem quando do recebimento de uma demanda destinada ao
grupo de trabalho em ergonomia da empresa, do qual a autora fazia parte. O gerente do
setor de desenvolvimento de software solicitava um “parecer ergonômico para verificar
e qualificar as condições a que estavam sujeitos os funcionários do setor em suas
atividades durante o processo produtivo de software”. O objetivo da demanda era
adequar o mobiliário, otimizar o desenvolvimento operacional, melhorar o vel de
conforto do ambiente de trabalho, reduzir a ocorrência de doenças oriundas dos postos
de trabalho, reduzir o estresse, reduzir o absenteísmo e atender a legislação trabalhista
(NR17). A avaliação ergonômica teve início em dezembro de 2004.
5.1
M
ETODOLOGIA
A metodologia empregada nesta pesquisa é a da Análise da Atividade, que está
fundamentada no ponto de vista da atividade real de trabalho, isto é, consiste em
evidenciar, por meio de observações, como o trabalhador executa a sua atividade, qual o
seu comportamento, as suas condutas, processos cognitivos e interação (Daniellou,
2004).
A compreensão da atividade real dos desenvolvedores de software ocorreu
durante a pesquisa de campo, na análise dos dados de observação e nas entrevistas em
autoconfrontação que duraram cerca de três anos. Dessa forma foi possível penetrar
41
realmente na atividade de trabalho dos desenvolvedores, conhecer seu fazer e assim
compreender seu trabalho, suas dificuldades, suas variabilidades e dominar seu
vocabulário.
Foram observadas situações cotidianas no próprio local de trabalho e realizadas
entrevistas em autoconfrontação, o que permitiu avaliar as reais condições em
determinada situação de trabalho. “Esta atenção voltada para o trabalho real, no seu
nível mais apurado, encontra sua origem na busca dos fatos, uma atitude
comportamentalista (Daniellou, 2001, p.29). Os ergonomistas partem da premissa
fundamental de que uma parte do comportamento é subconsciente para aquele que o
realiza e, por isso, ele é incapaz de relatá-lo espontaneamente, pois ele próprio
desconhece o saber ali construído (Vermersch, 1994; Lima, 2001). Esta seria a
dimensão tácita do conhecimento, isto é, o indivíduo sabe fazer, mas não sabe explicar
como ele faz. As próprias regras, ao serem interiorizadas, tornam-se subconscientes para
o sujeito.
A pesquisa teve início em dezembro de 2004 com uma análise ergonômica do
trabalho (Leal e Pereira, 2004), com o objetivo de atender a solicitação da gerência de
um “parecer ergonômico para verificar e qualificar as condições a que estavam sujeitos
os funcionários daquele setor em suas atividades durante o processo produtivo de
software”.
Segundo Guérin et al. (2001, p.1), compreender o trabalho para transformá-lo é a
finalidade primeira da ação ergonômica. Conhecer a atividade do desenvolvedor exige
conhecer seu fazer, vê-lo trabalhar, observá-lo em um ciclo completo de um projeto,
desde as fases iniciais de levantamento de campo e construção da especificação
funcional, até a fase de desenvolvimento propriamente dita, as fases de testes e a
implantação do sistema.
Para realização do estudo foi firmada uma negociação formal com o gerente do
setor da empresa, viabilizando os trabalhos da pesquisa, que se ateve inicialmente em
responder à demanda da empresa, que se constituía em avaliar o leiaute, o mobiliário, a
incidência de doenças osteo-musculares e o nível de estresse dos técnicos em
informática da SERVPUB.
42
A avaliação ergonômica do trabalho realizada para a empresa ocorreu no ano de
2005. Em janeiro e fevereiro daquele ano, foram realizadas observações gerais dos
trabalhadores (analistas e programadores). Diante dos resultados destas observações
surgiu a hipótese de que as atividades dos analistas e programadores se confundem. Um
questionário com perguntas variadas sobre posto de trabalho, saúde do trabalhador,
leiaute e organizacional foi realizado.
Concomitante à avaliação do questionário, iniciamos observações específicas,
entrevistas individuais, em grupo, semi-dirigidas e livres. Após as observações, foram
realizadas autoconfrontações dos fatos observados, com a finalidade de compreender as
situações de trabalho, as representações que têm do trabalho, os sentimentos a respeito
do trabalho. Os resultados qualitativos e quantitativos possibilitaram identificar os
impactos da atividade sobre a saúde dos técnicos em informática, o melhor leiaute para
o setor e confirmar a primeira hipótese de que as atividades dos analistas e
programadores se confundem. Os resultados desta avaliação serão descritos adiante.
Em 2006, após a entrega dos resultados da avaliação ergonômica para a
empresa, o estudo foi reiniciado com o objetivo de aprofundar a análise da segunda
hipótese, qual seja, que os problemas existentes no DS são, em certa medida, inerentes à
natureza dessa atividade, que mais se assemelha a uma "criação artística" que ao
produto massificado da era industrial e do papel do social, isto é, da importância da
interação entre os agentes envolvidos (analistas e usuários) na construção do saber dos
desenvolvedores de software, primordial para a criação do software.
Diante do grande número de analistas e programadores e equipes distintas no
setor, foi escolhida uma equipe do sistema comercial para a realização deste estudo.
Foi realizada uma análise documental na proposta do novo modelo
organizacional do setor, na qual se descrevia as novas funções e papéis dos técnicos em
informática e análise.
Nas observações sistemáticas da atividade do desenvolvedor de software, foram
realizadas anotações manuais e gravações em fitas K-7 dos diálogos entre as diversas
pessoas envolvidas (analistas de negócio, analistas de sistemas, desenvolvedores,
clientes e usuários). Os diálogos aconteceram durante o desenvolvimento do software,
43
na empresa SERVPUB. Após a coleta das observações, foram realizadas entrevistas em
autoconfrontação com as pessoas envolvidas nos diálogos.
A partir das observações diretas do programador, analista e usuário, foram
identificados e analisados a natureza da atividade e o caráter social do desenvolvimento
de software. Este último se manifesta, sobretudo, pela via da comunicação entre os
participantes. Para o entendimento da demanda do cliente é preciso que as pessoas
compartilhem com o mesmo grupo social, tornando a interação presencial entre os
envolvidos imprescindível no momento de traduzir as necessidades do usuário,
desenvolver soluções ou resolver problemas.
Com o entendimento da natureza da atividade dos técnicos em informática e do
caráter social do DS surge uma outra hipótese com o trabalho dos técnicos da
FABRISOFT: só é possível adquirir o saber, necessário para a construção de um
software eficiente, por meio da aculturação entre os membros envolvidos. Assim, novas
observações diretas foram realizadas através de entrevistas de autoconfrontação junto
aos técnicos da FABRISOFT e usuários, na tentativa de entender como se dá a interação
entre os envolvidos e se essa é suficiente para a construção dos saberes.
O resultado obtido, dessa última hipótese, é que os desenvolvedores, distantes da
SERVPUB, comunicando com os usuários por meio de reuniões, por documentos e
telefones, não conseguiram construir o saber necessário para se desenvolver um
software com qualidade, confirmando a hipótese de que é possível adquirir o saber,
necessário para a construção de um software eficiente, pela aculturação entre os
membros envolvidos.
As entrevistas de autoconfrontação consistem basicamente em obter comentários
do sujeito sobre seu próprio comportamento em diversos níveis, obedecendo a
sequência: Como? (se faz, se sabe, escolhe, etc); Para que? (finalidade, objetivos) e Por
que? (motivos, razão). Nesta seqüência estão implícitos dois níveis de autoconfrontação,
o primeiro se concentrando na explicitação dos procedimentos concretos, modos
operatórios, atos observáveis, informações utilizadas na execução do trabalho,
elementos que influenciam as decisões, etc; e o segundo explicitando os significados
latentes de comportamento observável (Telles, 1995).
44
O confronto do sujeito com seu próprio comportamento dar-se-á a partir de
dados de observação cuidadosamente coletados. Os dados observados não são
aleatórios, devem consistir em um conjunto de comportamentos e elementos do
contexto, pertinentes ao que se pretende explicitar.
Paralelamente ao trabalho de campo, realizou-se pesquisa bibliográfica em busca
de trabalhos sobre o tema, tais como: desenvolvimento de software, engenharia de
software, fábrica de software, atividade artesanal, atividade industrial, organização do
trabalho, saber ou conhecimento, gestão do conhecimento, cognição humana,
competência, processo de tradução, artefatos e instrumentos de trabalho.
A análise dos resultados apresentados aqui, obtidos por meio de observações e
entrevistas de autoconfrontação, será descrita no decorrer desta dissertação.
5.2
R
EORGANIZAÇÃO DO
SDS
5.2.1. A empresa e o SDS
A empresa comercializa quatro tipos de serviços, sendo eles, “produto A bruto”,
“produto A tratado”, “produto E” e “produto E industrial”. Tais serviços são fornecidos
diretamente às comunidades que fazem parte dos municípios que têm contrato firmado
com a SERVPUB. A empresa presta serviços para a maioria dos municípios do Estado.
A busca atual da SERVPUB é pela excelência na sua área de atuação. Portanto,
a consolidação da imagem de excelência da empresa se dará por meio da implantação da
grande meta descrita em seu planejamento estratégico, qual seja, a promoção de um
“choque de gestão”, seguindo o objetivo prioritário traçado pelo Governo do Estado.
Um dos pontos chave dessa meta é a redução da relação despesa/receita do Governo
Estadual.
Traçada a meta, a empresa optou pela adoção de políticas de redução de pessoal,
afetando alguns setores da empresa como o SDS, que teve a produção comprometida
45
por não conseguir atender a sua demanda. Atualmente, conforme sugestão da gerência
da SDS, a empresa pública contratou uma fábrica de software terceirizada para atender,
em caráter parcial ou total, algumas de suas demandas.
Existem evidências de que a intenção da empresa, no futuro, é a completa
terceirização do referido setor de desenvolvimento. Seguem alguns depoimentos:
Quadro 3: Depoimentos dos analistas da SERVPUB
“as pessoas que saíram não foram substituídas... estamos sobrecarregados... estão passando tudo
para a fábrica ((terceirizada))” (Analista da SERVPUB).
“dizem que nós vamos ficar com análise de projeto... mas eu não sei não” (Analista da SERVPUB).
“a gente acha que a tendência é acabar com a DSD... estão criando uma divisão a DVIE ((Divisão de
Informações Estratégicas)) para fazer atividades para a diretoria... que eram feitas na DSD... o SAP
pegou uma parte e a DVIE a outra” (Analista da SERVPUB).
aqui a gente não consegue mais promoção... na DVIE as pessoas que passarem no concurso interno
vão conseguir promoção. As pessoas que estão saindo do setor não serão repostas. A divisão abriu
vaga para dois analistas e três programadores. Pelo que eu sei aproximadamente 11 programadores
e 7 analistas estão concorrendo para a vaga. É um número muito grande de pessoas que estão
querendo sair, eu não sei o motivo, mas a impressão é a sensação que a área es acabando
(Analista da SERVPUB).
5.2.2. Condições organizacionais do SDS antes da fábrica de software
Em 2004, início da análise ergonômica realizada para a empresa, o setor contava
com a colaboração de 70 trabalhadores entre analistas de sistemas e programadores. Os
trabalhadores se dispunham em equipes heterogêneas lideradas por analistas de sistemas
ou por programadores.
Os técnicos em informática, analistas e programadores, desenvolviam sistemas
para a própria empresa, realizavam manutenção corretiva, evolutiva e adaptativa,
46
inclusive a adaptação de pacotes (programas prontos adquiridos de terceiros). Na época
a empresa contava com 160 programas ativos, tais como: sistema comercial Sistema
de Informações Comerciais; Sistema de Informações de Apoio à Gestão Operacional;
Sistema de Recursos Humanos; Sistema de Administração de Materiais; Sistema
Integrado de Controle e Análise de Custos. Todos sob a responsabilidade dos técnicos,
encarregados das manutenções.
As demandas que chegavam ao setor eram repassadas aos líderes das equipes,
que por sua vez as repassavam a um analista e/ou programador de sua equipe, ou ainda
a uma outra equipe. As escolhas dos profissionais para atender as demandas eram feitas
de acordo com a disponibilidade, experiência e conhecimento dos analistas e
programadores. Algumas demandas eram atendidas apenas pelos especialistas do
sistema.
Apesar da existência de classificação para as funções do analista (júnior, pleno,
sênior...) e de programador (júnior, profissional, pleno...), na prática a classificação não
era observada. Tratava-se apenas de mera formalidade, pois o que a realidade
evidenciava era uma mistura de papéis, em que os analistas realizavam as atividades dos
programadores e vice-versa.
Formalmente, para se desenvolver um sistema é necessário que o programador
obtenha dos analistas uma definição precisa. No entanto, o que acontecia na prática o
era exatamente o que se esperava, as definições eram realizadas por meio de pedaços de
papéis ("jaquetes", no jargão do ofício) ou verbalmente, sem que as informações fossem
completas.
“o analista me passou uma definição... mas na realidade não é uma definição
correta... ele me passou apenas campos... vou ter que procurá-lo para me
passar o restante das informações” (programador).
Não se tratava de negligência ou vontade dos analistas. Durante as
observações, os analistas verbalizaram que, devido ao tempo consumido para formalizar
o entendimento do processo, a confecção de uma definição completa não compensaria.
Outros verbalizaram que preferiam fazer a programação a repassar todas as informações
para o programador. Além disso, houve queixas acerca do risco de incompreensão na
transmissão de informações, o que poderia levar a um erro de programação.
47
“o tempo que o analista gasta para fazer a definição e o risco que a gente corre
de não ser bem entendido... é melhor fazer a programação de uma vez” (analista).
A pressão temporal e as informações "incompletas" do usuário contribuíam para
a definição ser deficiente, conforme se aduz do depoimento abaixo:
“os usuários nunca informam tudo... quando estou desenvolvendo o sistema
tenho que correr atrás deles para fazer as alterações... a pressão também
atrapalha, pois não é possível passar tudo para o programador” (analista).
Fator importante na produção de informações incompletas ou insuficientes está
relacionado à diferença de linguagem dos interlocutores. A diferença de linguagem é
responsável por uma parte considerável de informações inadequadas obtidas pelos
programadores (Ver Ferreira, 2004).
Pesquisa realizada com um questionário aplicado a 73% do pessoal no setor (50
técnicos em informática) confirmou a existência da interdependência das fases de
concepção e execução de desenvolvimento de um sistema, pois 80% dos trabalhadores
pesquisados informaram que as funções se superpõem ou se confundem. O resultado
apresentado para a empresa demonstrou que existia interdependência e superposições
entre as atividades que não poderiam ser eliminadas por uma rigorosa divisão do
trabalho. Ao contrário da crença dos defensores do modelo da FS, não é a "confusão"
entre tarefas que gera problemas de qualidade ou ineficiência, mas os problemas é que
podem ser agravados se a divisão do trabalho for efetivamente imposta ao setor.
“Nas diversas etapas do processo de geração do software a diferenciação de
funções é dificultada pela interdependência das tarefas, o que exige uma
participação simultânea, muitas vezes indiferenciada do ponto de vista de
contribuição profissional, do analista e do programador. A interdependência
das fases de concepção e execução ((desenvolvimento)) de um sistema requer
um ambiente pouco hierarquizado. Percebe-se que existem contradições entre
a hierarquização e a sobreposição das atividades dos técnicos de
desenvolvimento de sistemas ((analistas e programadores)) que vêm
contribuindo para os conflitos entre estes profissionais” (Tavares, 1983).
Quando os profissionais se propõem a realizar apenas a tarefa prescrita
(operação padrão), os conflitos aparecem e repercutem em todo o trabalho dos
informáticos, da qualidade do serviço, passando pelo descumprimento dos prazos e pela
insatisfação do cliente, aos efeitos sobre a saúde dos trabalhadores envolvidos. Eis um
depoimento significativo:
48
“(...) comuniquei à minha gerência que, a partir daquele dia, eu ia fazer o
serviço de programador. Quando eu tomei esta decisão o analista ficou
olhando torto para mim, expliquei que o problema não era com ele, o
problema era meu. Mas eu não consegui fazer isso por muito tempo, eu
resisti apenas dois meses, então eu não ia trabalhar. Se eu ficar aqui só
esperando a definição não ia trabalhar, se eu não corro atrás e não busco as
informações, não trabalho ou trabalho pior, trabalho mal. Quem faz isso aqui
é discriminado. O programador que faz o serviço de programação é
discriminado” (programador).
5.2.3. Condição organizacional atual do SDS
Atualmente o setor conta com 40 técnicos em informática. Em aproximadamente
quatro anos houve redução de 43% do pessoal. Isso se deu em conseqüência da política
de remanejamento de pessoal da empresa, que permitiu a saída dos empregados do setor
(ex: aposentadoria, mudanças de área por concurso interno ou transferências), mas não
os substituiu. Conforme mencionado, a empresa preferiu a contratação de uma fábrica
de software terceirizada à contratação de pessoal.
aproximadamente dois anos, com a redução dos técnicos do sistema
comercial, a empresa havia iniciado a contratação de profissionais terceirizados para
reposição do quadro de pessoal. Transcorrido esse período, deu-se início às mudanças
organizacionais com a SERVPUB firmando contrato com uma fábrica de software aqui
denominada FABRISOFT.
Os analistas da SERVPUB sugeriram que a FABRISOFT contratasse os
profissionais terceirizados que prestavam serviços a SERVPUB, objetivando o
aproveitamento da experiência desses profissionais na empresa. Tal solicitação foi
aceita e os profissionais foram contratados pela terceirizada.
Durante o desenvolvimento do sistema havia aproximadamente 18 técnicos
(analistas e programadores). Após a implantação do sistema, o número de técnicos
vem reduzindo. No ato da contratação da fábrica apenas 9 técnicos estavam trabalhando
na equipe do sistema comercial. Com a implantação da fábrica o quadro de pessoal
chegou a ser reduzido para apenas 1 técnico.
49
Assim, os técnicos do sistema comercial ocupavam, inicialmente, duas salas
subdivididas. Com a redução do quadro de pessoal, passaram a ocupar apenas uma sala
e, após a implantação da fábrica, foram separados em salas distintas, incluindo a analista
terceirizada. Nesse momento pode-se perceber a tentativa de divisão dos papéis e
funções, bem como o controle hierárquico dos processos formalizados.
Logo após o contrato, várias demandas foram enviadas a FABRISOFT, mas logo
o primeiro projeto, demandado e realizado pela FABRISOFT, apresentou diversos
problemas, que serão abordados adiante. Com isso, os técnicos de informática
reuniram-se com a gerência e solicitaram o remanejamento dos técnicos da
FABRISOFT para a empresa. A partir de então se estabeleceu que os técnicos da
FABRISOFT trabalhariam nas dependências da SERVPUB, próximo aos analistas da
equipe comercial, que haviam sido remanejados para exercerem outros papéis e
retornaram conforme determinação da gerência do SDS.
Os analistas e desenvolvedores de ambas as empresas (SERVPUB e
FABRISOFT) foram alocados em uma mesma sala. A orientação dos dirigentes era que
os analistas e desenvolvedores da FABRISOFT deveriam ser mantidos na empresa
durante seis meses, tempo considerado por eles suficiente para se adquirir todo o
conhecimento com os analistas de negócio.
5.2.4. A implantação do modelo “fábrica de software”
O contrato da SERVPUB com esta fábrica é amplo no que se refere ao seu
objeto, podendo servir para atender total ou parcialmente a projetos, ou podendo ainda
ser utilizado para prestar consultoria ou apenas realizar a documentação. O contrato
realizado com a referida fábrica de software exige que a metodologia seja da
SERVPUB. A metodologia prescrita e implantada pela SERVPUB, como
mencionado, foi baseada no RUP.
Os técnicos em informática da SERVPUB foram agrupados em estruturas
funcionais, sendo que cada um deles desempenhava um ou mais papéis e era
50
responsável por uma parcela de trabalho ao longo do ciclo de desenvolvimento do
serviço, conforme a demanda do projeto. A estrutura do setor está representada no
quadro 4:
Quadro 4: Estrutura funcional do SDS
Setor Unidades Funções/Papéis
Gerente
Gerência
Secretária
Gerente PMO PMO Project
Manager Office
PMO
Assessor PMO
Gerente Setor de Desenvolvimento Gerente Projeto –
Desenvolvimento
Unidade de Requisitos Analista Negócio/Analista
Sistemas
Unidade de Protótipo Prototipador
Unidade de Projeto (desenho) Projetista
Setor de
desenvimento.
Unidade de Implementação Desenvolvedores
Gerente Setor de Manutenção Gerente Projeto – Manutenção
Unidade de Requisitos Analista Negócio / Analista
Sistemas
Unidade de Projeto (desenho) Projetistas
Setor de
Manutenção
Unidade de Implementação Desenvolvedores
Unidade de Componentes Administração de Componentes
Unidade de Dados Administração e Dados
Setor de Apoio a
Sistemas
Unidade de Suporte ao
Desenvolvimento
Consultor Desenvolvimento
Setor de Controle da Qualidade Coordenador da Qualidade
Unidade de Administração Qualidade
Analista Processos
Analista Controle Qualidade
Coordenação Célula de Teste
Setor de Controle da
qualidade
Unidade de Administração.
Qualidade Produto
Testador
Unid. Adm. Métrica/Indicador
Fonte: adaptada dos documentos internos da SERVPUB
51
O papel do gerente do escritório de projetos é acompanhar os indicadores de
performance dos projetos. É também de sua responsabilidade: apoiar o processo de
planejamento e a preparação do orçamento dos projetos; auditar os projetos; manter e
armazenar as lições aprendidas, bem como as melhores práticas desenvolvidas; além de
apoiar e avaliar os gerentes de projeto.
O gerente de projeto atua de forma a atingir os objetivos propostos dentro de
determinados parâmetros de qualidade, obedecendo a um planejamento prévio de prazos
(cronograma) e custos (orçamento). Dadas as metas e as restrições de recursos e tempo,
cabe ao gerente de projetos garantir que ele atinja os objetivos propostos.
A gerência de requisitos envolve todas as atividades responsáveis por identificar,
registrar e catalogar e controlar uma versão para acompanhar as mudanças e assegurar
que elas sejam implementadas no produto final.
A Administração de Dados (AD) é de natureza estratégica e de planejamento,
sendo que a Administração de Banco de Dados (ABD) se constitui no nível mais
técnico, ligado aos meios físicos e à tecnologia disponível. Estas podem atuar em
conjunto.
O Arquiteto de software é o responsável por definir as combinações de técnicas
e tecnologias mais indicadas para cada projeto, orientando o desenvolvimento de
sistemas e buscando garantir a melhor integração entre estas combinações e a
reutilização das estruturas já existentes ou iminentes.
O Analista de Ponto de Função realiza a métrica por Ponto de Função, isto é, a
medida para expressar a quantidade de funcionalidade que um sistema de informação
provê a um cliente, independentemente da tecnologia a ser utilizada no seu
desenvolvimento, na perspectiva do mesmo.
O Controle de qualidade é a garantia da conformidade do produto gerado em
relação aos processos da metodologia.
O Analista de negócio é o que detém o conhecimento do negócio” da área do
solicitante, ele é o responsável pela interface entre o cliente e/ou usuário e o analista de
sistemas.
52
Como descrito anteriormente, as atividades de DS entre os analistas e
programadores (desenvolvedores) se sobrepõem. No entanto, a nova divisão de papéis,
aliada à terceirização de uma fábrica onde os desenvolvedores distam geograficamente
da SERVPUB, apenas agravou as dificuldades encontradas no modelo anterior. A
separação física entre os desenvolvedores e o analista de negócio, bem como o
isolamento destes do contexto (da empresa) não permitiram que os desenvolvedores
adquirissem o saber necessário para desenvolver um produto que atendesse as
necessidades reais dos usuários. Um exemplo de dificuldade ocorreu quando uma
demanda foi enviada a FABRISOFT para desenvolver um relatório das atividades dos
leituristas da SERVPUP por meio do pocket (aparelho que realiza leitura on line e off
line do consumo do cliente). Após o início dos trabalhos, a empresa terceirizada
repassou a SERVPUB um outro preço para dar continuidade ao serviço contratado de
desenvolvimento do software. Como o preço foi considerado muito alto pela
SERVPUB, esta resolveu repassar a tarefa para o seu setor de desenvolvimento.
A FABRISOFT, então, repassou a SERVPUB todos os documentos pertinentes
às etapas do trabalho que havia desenvolvido. Durante a avaliação do programa e das
informações descritas nos documentos, os analistas da SERVPUB, responsáveis pela
demanda, apontaram várias críticas sobre ele, conforme os depoimentos abaixo:
Quadro 5: Depoimentos dos analistas da SERVPUB
“estou vendo que a fábrica terceirizada fez uma coisa a mais... eles criaram um processo
para o registro de ociosidade... eles estão dando uma volta a mais que não precisava...
como eu sempre digo, tem vários caminhos para chegar ao centro, mas você pode ter que
dar mais volta para chegar” (Analista da SERVPUB).
“estou tendo que fazer o serviço de novo... assim que eles começassem a rodar o relatório
iriam aparecer os problemas... tive que mudar o leiaute... eu conheço mais a empresa... sei
dos detalhes... já fiz outros relatórios” (Analista da SERVPUB).
“estou retirando este processo de ociosidade a mais que eles redefiniram para não
precisar fazer uma comunicação a mais entre o POCKET e o servidor... a nossa empresa
paga por cada comunicação... estou aproveitando a comunicação da própria leitura para
53
mostrar a ociosidade... na realidade eu mudei o nome... não chamo de ociosidade... mudei
para intervalo entre leitura... eu achei pesado colocar ociosidade... sei que não ia ficar
bom para os leituristas... sei o que eles pensam... então perguntei para o gerente da
leitura e ele achou melhor colocar intervalo entre leitura... o registro de ociosidade ia
mostrar apenas o tempo de intervalo sem executar a leitura e não ia ter a hora que iniciou
e finalizou... e é claro que é isso que o gerente quer... exemplo... ele fez 15 minutos de
intervalo... mas qual foi a hora que ele iniciou e a que finalizou o intervalo” (Analista da
SERVPUB).
Neste caso, os analistas e programadores da SERVPUB, com o conhecimento
real da atividade dos leituristas, sabiam que estes não ficavam ociosos entre uma leitura
e outra. O termo “ociosoestá incorreto. “(...) eu achei pesado colocar ociosidade... sei
que não ia ficar bom para os leituristas... sei o que eles pensam (...). Os analistas
tinham um julgamento de valor compartilhado com os leituristas sobre o tempo entre as
leituras. Ociosidade para eles significava estar sem atividade, é como se eles estivessem,
no período, desocupados ou “fazendo hora”. O termo que os leituristas utilizam para
expressar o tempo gasto entre uma leitura e outra é “intervalo de leitura”. Para eles esta
expressão denota que estão em atividade e não ociosos. Os analistas sabiam que o
tempo entre as leituras podia variar em conseqüência de diversos fatores inerentes à
atividade (distância entre as residências, cliente que demora a atender, sistema lento,
cliente que solicita informações e outros).
Os analistas e usuários estão integrados de tal maneira que compartilham valores
e significados. Pode-se dizer que as pessoas envolvidas no DS (analistas da SERVPUB
e usuários) são uma comunidade de prática (seguindo a definição de Wenger). Isto
porque, além do repertório compartilhado (linguagem, símbolos), do envolvimento
mútuo entre analistas e usuários em torno de um mesmo objetivo (construção de um
software eficiente), existe um empreendimento conjunto (e, conseqüentemente,
negociação mútua e responsabilidade, das quais se deve prestar conta).
Fazer parte da mesma comunidade foi o que possibilitou ao analista da
SERVPUB conhecer a necessidade do usuário (gerente): “é claro que o gerente não
54
quer o tempo de intervalo... ele também vai querer saber o horário que iniciou e o
término de cada leitura, eu sei o que eles querem... fiz muitos relatórios... a gente
aprende com a experiência... mas é difícil passar isso à distância... eles tinham que
estar aqui”.
O analista da SERVPUB concluiu outros relatórios, nos quais também foram
criadas regras para atender as necessidades dos usuários, conforme se em sua
verbalização: conheço mais a empresa, sei dos detalhes... fiz outros relatórios”.
Como mencionado anteriormente, as regras são formalizadas por convenção da
comunidade e parte dessas regras é interiorizada pelos indivíduos (Collins, 1992),
assim, a gente aprende com a experiência...”. Portanto, participar de uma mesma
cultura é condição indispensável para se ter um entendimento e saber usar as regras
criadas por aquela comunidade. É por isso que fica “difícil passar isso à distância...”,
eles tinham que estar aqui...”.
A principal queixa dos analistas da SERVPUB é a distância física dos analistas
da FABRISOFT. Nas entrevistas, os técnicos da empresa analisada informaram que
todas as tentativas de terceirização, com técnicos de informática lotados fora da
empresa, não tiveram bons resultados. Segue depoimento do analista de negócio da
SERVPUB:
“as terceirizações que funcionaram foram quando os analistas ficaram lotados
na SERVPUB”.
Durante as observações, verificou-se a importância das interações presenciais no
cumprimento da tarefa e na constituição da competência. A copresença das pessoas
facilita a comunicação, a escuta direta ou difusa, o intervir para ajudar, o compartilhar
informações úteis à tarefa, a cooperação” (Jamil, 2004). Diante da necessidade de
copresença permanente, seis meses de treinamento dos analistas da FABRISOFT nas
dependências da SERVPUB não foram suficientes para que eles se sentissem seguros e
retornassem a FABRISOFT. O prazo de permanência estipulado para o término em
setembro de 2007 não pôde ser cumprido. Os analistas ainda continuam no setor e
continuarão ainda pelo menos até fevereiro de 2008, prazo negociado entre as empresas
para o fim do contrato firmado entre a FABRISOFT e a SERVPUB.
55
eles estão fazendo o que a gente faz... porque a equipe está reduzida, o que
acontece... estão no processo de aprendizagem... vai ser com o tempo mesmo... eles
estão atendendo demandas... mas estão em um processo de aprendizagem... não sei
quanto tempo... daqui um ano ou dois, quem sabe? Nessa nova estrutura a gente fica
em reunião o tempo todo... então eles estão aprendendo o tempo todo... na realidade
estamos trabalhando da mesma forma que trabalhávamos antes ((todos dentro da
SERVPUB e na mesma sala))... mudam daqui e mudam dali e no final começaram tudo
de novo” (Analista da SERVPUB).
A individualização dos papéis e a distância física da fábrica terceirizada
dificultaram a construção do saber para poder interpretar as regras e adquirir
experiência. Além do mais, dificultaram também as trocas e contribuições de cada
indivíduo, primordiais para a criação de uma competência coletiva.
O fato de os analistas da FABRISOFT não fazerem parte da mesma comunidade
dos usuários dificultou, ou mesmo impediu, que estes adquirissem o saber necessário
para realizar um software eficiente.
Um dos principais motivos de fracassos nas vendas de software é o fato de os
fabricantes desconsiderarem a ligação indissociável entre a atividade de
desenvolvimento de software, a cultura e o contexto. “A aquisição dos saberes não pode
ser considerada exclusivamente como um fenômeno mental e individual, mas como um
fenômeno constituído de relações no interior de contextos precisos(Lave, 1996 apud
Fonseca).
Exemplo de fracasso na venda de um produto ocorreu na empresa analisada. A
SERVPUB realizou parceria com uma fornecedora de software em tecnologia de
sistemas com o objetivo de construir um software para ser comercializado junto a outras
empresas que visassem o mesmo fim.
De acordo com os dados levantados, a comercialização do sistema não foi bem
sucedida. O software foi vendido apenas para uma empresa pública de outro Estado.
Segundo informações prestadas pelo gerente do setor comercial e pelos analistas da
empresa, o sistema encontrou vários problemas na sua utilização, negando-se os
adquirentes a pagar as necessárias manutenções. O gerente da empresa sob estudo,
56
envolvido na comercialização, acredita que o insucesso da venda tenha ocorrido em
virtude do fato da empresa adquirente ser também empresa pública e possuir interesses
políticos diversos, além da falta de verba. Quanto aos analistas da empresa sob estudo,
segue o seguinte depoimento:
“a fornecedora vendeu para uma empresa pública... mas não deu certo...
falaram que foi porque era uma empresa pública e por isto não deu certo...
falaram que eles não tinham dinheiro para pagar a implantação... a
fornecedora não tinha o que receber... mas também não tinha o que dar...
quando nós fomos implantar o sistema na nossa empresa... a fornecedora de
software saiu fora e sobrou para a gente...ela não participou da implantação...
quem implantou foi a gente... quando a fornecedora foi realizar a implantação
na empresa que vendemos o software ela deu o tratamento como se fosse uma
fábrica de software... a implantação precisava de um analista... ela mandou
um analista disponível para que não participou do desenvolvimento do
sistema... colocou junto com o pacote e falou assim é esse cara que vai
fazer a implantação... o que aconteceu? Ele não conseguiu dar o
atendimento que o usuário precisava... ele não tinha o conhecimento que
precisava... isso não se adquire da noite para o dia não... a fornecedora não
deu a verdadeira importância que tinha que dar... para ela qualquer analista
que fosse saberia implantar... não houve um tratamento legal para o
primeiro cliente”
(Analista da SERVPUB).
Segundo este depoimento, os analistas da FABRISOFT seguiram o modelo
racionalista da Engenharia de Software: “(...) ela deu o tratamento como se fosse uma
fábrica de software...”. O software não foi adaptado de forma que atendesse as
necessidades dos usuários. Apesar das empresas terem o mesmo fim, as práticas são
diferentes, inseridas numa cultura própria. Não é possível extrair o conhecimento de
uma empresa e utilizá-la da mesma forma em outra empresa, situada em outro estado,
com outra cultura.
Buscar as necessidades do usuário para a construção de um software utilizando-
se apenas do trabalho prescrito e do conhecimento de outra empresa, que realiza
atividades similares, é contrapor-se à natureza da atividade situada. Do ponto de vista da
atividade situada, ação, sentimento, valor, formas culturais e históricas não se separam
da atividade que é necessariamente localizada, proposital, significativa e potencialmente
conflituosa (Lave 1996, p.7 apud Fonseca, 2005).
57
5.3
SISTEMA COMERCIAL
História
Transcorridos 14 anos de sua implantação, o antigo sistema comercial se
encontrava em fase de declínio do seu ciclo de vida, o sistema tinha sido bastante
alterado, numa busca de atender as necessidades dos usuários. Ademais, o sistema
representava o ano com apenas dois dígitos e, com a iminência do chamado “bug do
milênio”, havia necessidade imediata de alterá-lo. A equipe de manutenção era grande e
já não mais conseguia atender à crescente demanda de informatização das rotinas
comerciais. Uma das demandas que chegou ao setor de desenvolvimento de software foi
a solicitação de integração das informações dos setores comercial, operacional e de
atendimento. Em função de tudo isso, decidiu-se por desenvolver um novo sistema
computacional mais abrangente, flexível e adaptável que fosse capaz de conferir maior
agilidade e confiabilidade aos processos comerciais.
Na busca por uma gestão comercial estruturada, o sistema comercial foi
desenvolvido com o objetivo de atender, de forma ágil, segura e flexível, as demandas
dos seus clientes, incorporando em sua estrutura as políticas, normas de procedimentos
e processos estabelecidos pela Empresa.
5.3.1. Características do sistema comercial
O sistema comercial foi concebido para se constituir na ferramenta ideal de
prestação de serviços aos clientes da empresa, conferindo ao processo de atendimento
maior agilidade e segurança. É um sistema que opera de maneira integrada às funções
comerciais e operacionais de atendimento e serviços aos clientes da empresa,
proporcionando maior agilidade à prestação de serviços ao cliente.
58
Projetado e desenvolvido em módulos funcionais, o sistema comercial permite
administrar as funções comerciais e de interface (operacional e atendimento). O sistema
é composto por dez módulos, a saber:
Quadro 6: Módulos do sistema comercial
Módulos Funções
1 - Planejamento e Controle
Gerencia os calendários das
atividades do ciclo de faturamento, produz
informações gerenciais e de interface
contábil e operacional. Permite o bloqueio
de faturamento, destinação de mensagens e
malas diretas em faturas, entre outras.
Administra o remanejamento de localidades,
atendendo à necessidade de alteração da
estrutura organizacional da empresa,
conforme a política da empresa.
2 - Segurança e Auxílio
Gerencia as autorizações para
execução das funções do sistema pelo
usuário, permitindo o uso destas somente
para os previamente cadastrados e
autorizados, além de orientá-los no seu uso e
no preenchimento dos campos das telas.
3 - Informações Municipais
Gerencia as informações dos
municípios onde a empresa opera, tais como
bairros, logradouros, além de informações
dos contratos com a prefeitura para a
execução dos serviços. Por extensão, pode
conter outras localidades para efeito de
marketing e planejamento.
59
4 - Infra-estrutura de saneamento
Gerencia as informações das unidades
organizacionais por:
- Diretorias - Superintendências e Distritos;
- Zonas de abastecimento e distritos
pitométricos;
- Sub-bacias de Drenagem.
Administra os Setores/Rotas por classe de
serviços e bairros, permitindo a distribuição
de serviços para as unidades operacionais.
5 - Cadastro
Gerencia as informações dos clientes,
necessárias ao Atendimento e Serviços,
Medição, Faturamento, Ações de Cobrança e
apoio ao Planejamento e Controle
Comercial/Operacional.
6 - Atendimento e Serviços
Gerencia as solicitações dos clientes,
gerando solicitações e ordens de serviços.
Efetua o encaminhamento automático das
ordens de serviços para a área responsável,
possibilitando a programação, execução e
baixa, disponibilizando, desta forma,
informações sobre as etapas da execução.
Trabalha com cadeias de serviços, onde a
baixa de uma ordem de serviço dispara
automaticamente a próxima.
7 - Medição e Apuração de Consumo
Gerencia o processo de
micromedição tradicional e/ou coletor
eletrônico de dados, de acordo com
calendários de atividades, resultando na
apuração do consumo.
Módulo concebido na administração
60
de parâmetros de equilíbrio do consumo,
absorvendo a tendência individualizada do
comportamento de consumo dos clientes da
empresa.
Disponibiliza, automaticamente, para
o módulo de atendimento, a solicitação para
geração de serviços, com base em
ocorrências encontradas no imóvel quando
da execução da leitura do hidrômetro.
8 - Faturamento
Gerencia todas as atividades de
faturamento em massa ou individual,
cancelamentos, desdobramento e
agrupamento de faturas.
Gera os lançamentos de tarifas,
subsídios, subvenções, descontos,
devoluções, serviços, multas, parcelamentos,
financiamentos, atualização monetária, etc.,
bem como efetua o controle da entrega de
faturas.
9 - Arrecadação Gerencia a baixa de faturas pagas
pelos clientes, gera lançamentos de acertos
de valores pagos incorretamente, controla o
crédito diário informado pelos agentes
arrecadores”, permitindo os acertos
necessários.
10 - Cobrança
Gerencia e apura os débitos e aciona as
políticas de cobrança, identificando os
clientes inadimplentes e aplicando as
sanções cabíveis, bem como acompanha o
61
índice de evasão da receita. Disponibiliza,
automaticamente, para o módulo de
atendimento, a solicitação para gerar ordens
de serviços de acordo com parâmetros para
priorização das suspensões, tamponamentos
e supressões do abastecimento.
5.3.2. Evolução do Sistema
O sistema comercial foi implantado com programas e relatórios básicos
estritamente necessários às atividades comerciais básicas. Na época, estabeleceu-se o
consenso pela continuidade evolutiva do sistema, atendendo, dentro do possível, as
demandas definidas pelos usuários comerciais e de interface. A dinâmica das funções
comerciais irão sempre exigir uma evolução do sistema comercial, seja para o
atendimento do cliente ou de natureza legal.
O sistema comercial informatizou várias rotinas da empresa, conforme se vê nos
exemplos descritos no quadro abaixo:
Quadro 7: Exemplos de informatizações das rotinas da empresa
Consulta de dados de Localidade:
-Disponibilização de serviço (por produto: produto A e produto E)
-Informações de contrato (operação e faturamento)
Disponibilização de cadastramento do imóvel, através de infra-estruturas (Zonas de
Abastecimento – Sub-bacias de drenagem e Organizacional);
Cobrança automática de valores, através da geração e baixa de serviços;
Estatística de ocorrência de leitura por leiturista;
Consistência automática da leitura no ato da digitação;
Faturas avulsas para cobrança de valores de serviços pagos à vista;
Avisos de débitos com tratamentos específicos (mensagens) à natureza do Cliente ou
situação cadastral;
62
Minimização na utilização de papel com a disponibilidade da visualização de relatório em
tela;
Programação automática de atividades através de calendários preestabelecidos:
- Calendário de processamento;
- Calendário de ações de cobrança;
Segurança de dados por unidade de atuação e empregado;
Este sistema é uma ferramenta que operacionaliza o faturamento, a arrecadação,
o cadastro e o atendimento de 2.870.000 clientes e 794 localidades, sendo 559
municípios, dentro dos inúmeros modelos de atuações de mercado, definidos pela
empresa (Dados fornecidos pela empresa em 2005).
5.3.3. Política tarifária da empresa
O primeiro projeto demandado e realizado pela FABRISOFT foi a alteração do
sistema para o reajuste tarifário dos serviços da empresa do ano 2007, adequando os
cálculos deste reajuste, que variam a cada ano, segundo a política da empresa e os
parâmetros legais permitidos.
A empresa comercializa seus produtos com valores diferenciados para os seus
clientes. Existem descontos por categoria (residência, comércio, residência e comércio,
indústria e pública), para residentes por área construída (tarifa social) e descontos pela
quantidade do consumo do cliente (desconto tarifário). Outros descontos podem
aparecer, ou os existentes podem ser modificados, de acordo com a política do Estado,
dos Municípios ou por determinação legal.
Além dos descontos da empresa, alguns Municípios oferecem subsídios às suas
comunidades, podendo ser parciais ou totais em relação ao valor da fatura. A prefeitura
de cada Município é que determina se concede ou não o subsídio, o seu valor e se ele
abrangerá alguns ou todos os moradores do respectivo Município. Alguns Municípios
concedem o subsídio apenas para o “produto A”, outros apenas para o “produto E”,
63
alguns vão de acordo com a renda dos moradores da residência, outros de acordo com o
volume faturado (ex: residências que consomem até 20 m³ do produto A) e outros.
A SERVPUB tem realizado os reajuste das tarifas de seus produtos anualmente.
Segue abaixo o quadro que demonstra a variabilidade das Resoluções da Secretaria de
Estado de Desenvolvimento e Política Urbana que interferiram na política de preço da
empresa, nos anos de 2003 a 2007.
Quadro 8: Resoluções da Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Política Urbana
Resolução
Data de
Publicação
Data de
Aplicação
Reajuste
Reajuste diferenciado por faixa de consumo,
entre 29,80% e 35%.
O Reajuste de 29,80% foi aplicado para
87% dos clientes da SERVPUB.
- CLIENTES CONTRATADOS -
(REAJUSTE MÉDIO )
Contratado Residencial : 32,92%
Contratado Público : 33,60%
Contratado Comercial : 31,46%
Contratado Industrial : 32,09%
004/2003 de
28/02/2003
01/03/2003
01/03/2003
CONTRATADO TOTAL
MÉDIO:
32,52%
003/2004 de
26/02/2004
28/02/2004
01/03/2004
Reajuste de 9,50% , com aumento
na progressividade das
faixas de consumo.
002/2005 de
02/02/2005
05/02/2005
01/03/2005
Reajuste de 11,77%, com aumento
na progressividade das
faixas de consumo.
005/2006 de
21/02/2006
25/02/2006
01/03/2006
- Reajuste médio de 7,60% para clientes do produto A+E- Redução do consumo
mínimo de 10m³ para 6m³
- Redução da tarifa do produto E de 100% para 90% em relação ao valor da tarifa do
produto A.
22/2007 de
15/02/2007
17/02/2007
01/03/2007
- Reajuste médio de 6,72%
- Categoria residencial até 10m³ :
...- Consumo até 6m³: sem reajuste
...- Consumo > 6m³ até 10m³: reajuste inferior ao IGP-M (3,77%)
- Redução da tarifa do produto E de 90% para 60% ou 40% em relação ao valor da
tarifa do produto A.
64
No ano de 2007 o reajuste tarifário da SERVIPUB atendeu a referida resolução:
reduzir em 40 ou 60% os valores de coleta do “produto E”, que até então era de 90% do
“produto A”. Mas, para reduzir o valor do serviço de coleta do “produto E” em 40 ou
60%, a empresa aumentou nos mesmos patamares o valor do serviço do “produto A”.
Para as pessoas que não utilizam o serviço de coleta do “produto E”, o valor do aumento
do serviço de fornecimento do “produto A” foi compensado através da concessão do
desconto promocional, no qual a empresa compensa o aumento do “produto A” através
do referido desconto. Exemplificando:
Quadro 9: Exemplo de fatura do cliente que utiliza os produtos A e E
Situação anterior da fatura de consumo Situação atual da fatura de consumo
Produto A: 60,00
Produto E: 54,00 (90% do produto A)
Valor total: 114,00
Produto A: 60+11,25 = 71,25 (aumento para
compensar a redução do produto E)
Produto E: 42,75 (60% do “produto A”)
Valor total: 114,00 (o valor permanece igual
à fatura anterior)
Quadro 10: Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto A
Situação anterior da fatura de consumo Situação atual da fatura de consumo
Produto A: 60,00
Valor total: 60,00
Produto A: 60+11,25 = 71,25
Desconto promocional: 11,25
Valor total: 60,00 (o valor permanece igual à
fatura anterior)
5.4. O
CASO DO REAJUSTE TARIFÁRIO
Essa demanda foi enviada do setor comercial da SERVPUB ao seu setor de
desenvolvimento de software (SDS). Apesar de tê-lo enviado ao SDS, a SERVPUB
terceirizou, integralmente, o projeto de reajuste tarifário deixando-o a cargo da
FABRISOFT.
65
Vários problemas ocorreram após a execução do projeto, originando grande
quantidade de erros. Para resolver alguns problemas, a gerência de projetos (da
SERVPUB) solicitou ao analista Marco Antônio do sistema comercial, especialista na
área de faturamento da empresa, que se reunisse com os técnicos da FABRISOFT numa
tentativa de identificar e solucionar os erros. Segundo o analista Marco Antônio, não foi
possível, em uma reunião, descobrir onde se encontrava o erro, pois não havia
participado da construção do sistema. O analista foi julgado pelo colega (analista de
sistemas) como “amarrador de conhecimento”.
Transcorridos 30 dias da alteração do sistema, apesar da aparente tranqüilidade
sem grandes intercorrências, surgiram novos problemas, que foram considerados a gota
d’água para os técnicos do sistema comercial; o reajuste tarifário não era mais confiável.
Segue um depoimento do Analista Marco Antônio:
“nós forçamos a barra porque não tinha mais jeito de suportar o que estava
acontecendo aqui... nós, analistas do sistema comercial... fizemos uma reunião e
falamos que do jeito que estava não tinha condições... do jeito que estava não dava
para ficar... porque a gente não ia ter controle do sistema que a gente trabalhava... da
forma que estava sendo tratada... foi que sugerimos esta estrutura que está aqui ((os
técnicos da FABRISOFT dentro da SERVPUB)) com essa estrutura a gente ia preparar
esse pessoal que está aqui”.
Diante dos vários erros, o sistema estava sendo mais dificultador que um
facilitador para os usuários, estes estavam sendo submetidos a um retrabalho: tinham
que realizar as atividades manualmente, conferir os erros no sistema e, assim,
proceder à alteração de dados no sistema para obter relatórios corretos:
“O consolidado está todo errado... estou somando tudo na mão e depois
mudando” (trabalhador do setor de faturamento).
66
5.4.1 A questão da terceirização e a construção de um sistema como
um instrumento de trabalho
O software é eficiente quando deixa de ser apenas um artefato e se torna um
instrumento de trabalho (Rabardel, 1995), mas, para que isso ocorra, é necessário que o
profissional em informática consiga identificar as necessidades do usuário e construir
um software capaz de contribuir, ao invés de complicar, para a tarefa do sujeito (Clot,
2006).
A partir do momento em que os usuários do sistema comercial não conseguiram
mais, através deste, obter os resultados reais do consolidado, o sistema deixou de ser um
instrumento de trabalho. Tiveram, então, que deixar de usar a função e fazê-la
manualmente. Os analistas da FABRISOFT não tiveram o entendimento necessário para
a construção deste instrumento.
Para que os computadores sejam instrumentos de trabalho, eles não podem ser
tratados como cérebros isolados, como sugerem os cognitivistas. Os computadores
devem ser considerados “próteses sociais destinados ao input dos seres humanos
dentro de uma comunidade. Do mesmo jeito que um coração artificial pode estar
contido dentro do contexto do corpo, os dispositivos do computador podem estar
contidos no contexto do grupo social para o qual ele contribui através do seu
funcionamento (Collins, 1992).
Rabardel (1995) contrapõe as idéias do cognitivismo, que tem uma concepção
do instrumento informático centrado no objeto, e apresenta uma concepção dos
instrumentos centrada no sujeito (abordagem antropotécnica dos instrumentos). Essa
abordagem reinsere o homem no cerne do processo de concepção, criação, modificação
e usabilidade dos instrumentos. Portanto, o instrumento é tido como uma entidade
mista, que considera tanto o sujeito quanto o artefato. Este último cede estatuto de
instrumento durante a ação. Um artefato passa de seu uso efetivo pela mediação de
uma criação instrumental, ela mesma depende da atividade do sujeito. Um instrumento
resulta, por conseguinte, de uma dupla seleção progressiva: ao mesmo tempo seleção
no artefato das operações realmente necessárias à sua utilização num dado tipo de
67
situações e, no sujeito, seleção dos esquemas solicitados pelo uso desse artefato nesse
mesmo tipo de situações” (Clot, 2006, p.120).
Segundo Rabardel (1995), um instrumento representa a combinação de um
esquema e de um artefato. Dessa forma, um artefato se torna um instrumento quando se
insere num esquema, quando é um meio para o usuário poder realizar determinado
objetivo.
Assim, Uma ferramenta formal não é necessariamente um instrumento real
mesmo que cristalize usos possíveis ou preconizados. Ela pode tornar-se um
instrumento efetivo se servir para realizar a ação do sujeito. O artefato o é em si um
instrumento ou componente de um instrumento (mesmo quando foi concebido pra isso),
sendo instituído como instrumento pelo sujeito que lhe o estatuto de meio para
atingir os objetivos de sua ação(Clot, 2006, p.120). Com esse ponto de vista percebe-
se a importância do analista em compreender não somente a forma operatória desse
instrumento, mas o uso variado que ele dá ao sujeito.
Os problemas do sistema
Um dos vários problemas que ocorreram após a implantação do reajuste
tarifário, desenvolvido pelos analistas da FABRISOFT, se refere ao cálculo do subsídio
das prefeituras do interior realizado pelo sistema, no qual o valor apurado para o
subsídio era superior àquele autorizado pela prefeitura.
“o subsídio é um jargão da empresa... acho que eles não entenderam direito o
que significa subsídio” (Analista da SERVPUB).
Na realidade, os subsídios oferecidos por algumas prefeituras são considerados,
pelos usuários e analistas de sistemas, exceções do programa. E essa foi mais uma das
exceções que o usuário não informou ao analista antes do desenvolvimento do software.
O cálculo do subsídio é automático no sistema, sendo os valores percentuais pré-
definidos pelas prefeituras. Entretanto, o sistema calculou o valor do subsídio,
considerando o valor total do produto, sem a incidência do desconto promocional
fornecido pela empresa, conferindo um aumento irregular ao subsídio. Detectado o erro,
o analista Marco Antônio e o cliente entenderam que a analista da FABRISOFT não
compreendeu o que eram os subsídios das prefeituras. Segue um depoimento:
68
“a gente falava em subsídio mas acho que eles não entenderam” (usuário).
Segundo a analista da FABRISOFT, ela só ficou sabendo da existência do
subsídio após o aparecimento do erro na fatura.
Mesmo após a descoberta da existência dos subsídios, a analista da FABRISOFT
sentiu necessidade de manter-se próxima do analista Marco Antônio (especialista no
setor de faturamento) e dos usuários, visando um melhor entendimento das exceções
durante as correções do sistema. O depoimento abaixo demonstra a necessidade de
interações:
“o Marco Antônio pediu para eu levantar com os usuários... porque mês
passado a gente teve problema com umas fatura de subsídios de duas
localidade... Prado e Barroso... que a gente teve que acertar na mão... a
gente acertou as faturas mas não corrigiu o erro no programa... a gente viu
que estava com problema... mas não sabíamos o que fazer... Marco Antônio é
que olhou o programa para nos ajudar e pediu pra gente cancelar as faturas”
(Analista da SERVPUB).
Segue um diálogo entre a analista da FABRISOFT e o analista da SERVPUB
para o cancelamento das faturas geradas incorretamente.
Quadro 11: Diálogo entre analista da SERVPUB e analista da FABRISOFT
Analista da FABRISOFT: “o vencimento é dia 29... temos três dias para fazer
Analista da SERVPUB: primeira coisa... você tem que pegar todo mundo do grupo 106 e
107 ((são os grupos de clientes que tiveram erros na fatura))... esquece o que foi errado e
cancela débito automático... não é cancelar... você vai levar ao banco o estorno do valor...
tem uns que conseguiram ir para o banco... o os que têm vencimentos alternativos...
quem que tem vencimento alternativo? aquele cara que (...) esse cara você vai ter que
debitar... pode ter ido cancelamento? pode... pode não ter ido? pode”
Analista da FABRISOFT: “porque você acha que pode não ter ido?
Analista da SERVPUB: porque o vencimento não é dia 29? o vencimento dele alternativo
poderia ser dia 30... não tem problema... não vai também... entendeu? poderia ir no dia 5
69
do mês seguinte aí esse cara foi cancelado... quem tinha a fatura do dia 25/03 para frente...
esta turma aqui está OK... foi cancelado... esta não tem que cancelar... que esta turma
aqui estava no banco e foi debitado o que fez? faturou aqui olha... 106 e 107 aqui tá?
isso aqui... qual que é o vencimento desta turma... dia 29/03 não é? essa turma que venceu
maior que isso aqui oh... foi cancelado e foi enviado correto... tá? porque? todo mundo que
tiver diferente desse aqui é alternativo... agora é alternativo como? esse número do
alternativo é maior que o dia 25... é... esse cara foi cancelado atrás... está entendendo?
mas pode não ter dado tempo... e se esse cara tiver fatura automática? pode estar no
banco não pode?”
Analista da FABRISOFT: “isso (...)”
Na realidade, existem várias exceções nas regras e no momento em que elas vão
sendo corrigidas outras vão aparecendo. O diálogo acima mostra que aparentemente um
simples cancelamento da fatura do cliente, para a analista da FABRISOFT, não ocorria
daquela forma. No momento da intervenção, o analista mostrou que fazem parte
também do cancelamento os clientes que têm fatura alternativa (o cliente pode alterar a
data da fatura) e que esta pode ser faturada antes do dia 29, que é o dia normal de
vencimento da fatura. O analista da SERVPUB, ao dizer ... e se esse cara tiver fatura
automática? pode estar no banco... não pode?”, demonstrou que os clientes
detentores de faturas com vencimento entre os dias 25 e 29, com débito automático,
talvez não tivessem mais tempo de cancelá-las, pois, na data de realização do
cancelamento das faturas, elas já poderiam estar no Banco.
Grande parte dos erros cometidos pelos analistas da FABRISOFT decorreu da
falta de entendimento e desconhecimento das exceções e jargões utilizados pelos
trabalhadores da empresa, bem como da inabilidade no trato das exceções, como por
exemplo, o subsídio e o CF03:
“esses erros são provenientes da fábrica... olha lá... arroz com feijão é fácil...
quando sai do normal...” (Analista da SERVPUB).
“tem várias negociações que são complicadas que a gente trata... o subsídio é
um deles... a maioria da fatura está dando certo... o subsídio está dando
70
errado... outra exceção é o CF03... o consumo máximo faturado está com
problema”. (Analista da SERVPUB)
CF03 é jargão utilizado pelos analistas e usuários ao se referirem à regra
aplicada às faturas dos clientes que estão acima ou abaixo do valor esperado pela
empresa. Os analistas da FABRISOFT não sabiam da existência dessa regra no início da
concepção do software. Tal regra só foi comunicada aos desenvolvedores no curso do
desenvolvimento, mas o foi por eles assimilada e, de acordo com a analista Joana (da
FABRISOFT), o tempo predeterminado não foi suficiente para introduzi-la antes da
implantação. Assim, o CF03 é bom exemplo de que não basta apenas conhecer o
significado dos jargões utilizados na empresa, é preciso que eles sejam apreendidos e
que a sua utilização pelos analistas se torne uma prática, o que possibilitaria a sua
inserção no software.
no teste que apareceram os erros... foi que o Hudson ((cliente)) me falou
de algumas exceções... já não dava mais tempo de mudar dentro do prazo(Analista
da FABRISOFT).
eles ((analista da FABRISOFT)) não entenderam o que era CF03 (...)”
A aplicação das regras varia de inúmeras maneiras para os diversos clientes,
sendo necessário se ter prática para saber lidar com uma infinidade de detalhes e saber
interpretá-los corretamente. Os analistas da FABRISOFT não faziam parte da cultura da
empresa e não tiveram convívio suficiente com os usuários para a construção do
conhecimento e de práticas necessárias ao desenvolvimento do software. Entretanto, o
analista da SERVPUB vem compartilhando dessa cultura vários anos, e foi a partir
dessa aculturação que ele adquiriu a competência para a resolução dos problemas,
conseguindo antecipar as disfunções, como o fez, no exemplo acima, ao solicitar à
analista da FABRISOFT que verificasse as faturas com vencimentos alternativos
(vencimentos diferentes do dia 29, dia normal da fatura), que poderiam estar no
Banco para desconto em débito automático.
É importante a relação presencial para poder compartilhar os saberes, as tomadas
de decisões e antecipar situações problemáticas. A interação na atividade de
desenvolvimento de software é necessária para a construção de um software eficiente.
71
A falta do conhecimento das regras, ou a falta de compreensão delas, aliada à
ausência de prática, favoreceram o aparecimento de diversos erros no sistema. Dos
vários problemas encontrados, o de maior repercussão e magnitude surgiu no
consolidado, módulo do sistema que contém informações gerenciais sobre a
arrecadação. A partir de então, os analistas da SERVPUB foram convocados para
participar da análise dos erros do sistema e os analistas da FABRISOFT foram lotados
na SERVPUB.
Na busca do entendimento sobre o desenvolvimento realizado pelos analistas
terceirizados, os analistas da SERVPUB perceberam que o reajuste tarifário somente foi
considerado, pelos analistas da FABRISOFT, na fase de faturamento, não o sendo na
fase do consolidado.
a fatura do cliente saiu correta, mas o consolidado ficou todo errado
(Analista da SERVPUB).
O usuário (gerente do setor comercial) não se deu conta da necessidade de
informar aos analistas sobre a existência do consolidado. Para ele estava clara a regra de
que toda fatura tem que gerar consolidado. Segue os depoimentos dos usuários:
“isso para mim é óbvio... eu não iria lembrar de falar que toda fatura tem que
ser consolidada” (usuário - gerente do setor comercial).
“eles foram lá e alteraram a fatura... mas não pensaram nos outros” (usuário -
gerente do setor comercial).
Na verdade os analistas da FABRISOFT não sabiam da existência do
consolidado e isso provocou um erro no sistema. Para os analistas da FABRISOFT, a
regra era criar um desconto promocional para o produto “A” e demonstrá-lo na fatura do
cliente, mas eles nem foram informados sobre o significado do desconto promocional
dentro dos diversos contextos da empresa e do sistema.
“o sistema comercial tem que mandar informações para vários outros
sistemas que recebem dados... ERP... CR04 e outros... pensaram na
fatura... não pensaram nas informações que estão interligadas no sistema
comercial... do jeito que foi pensado não consegue mandar correto para outro
sistema... o pessoal da fábrica não sabia disso” (analista da SERVPUB).
O consolidado faz parte da cultura da empresa e tinha sido interiorizada pelos
usuários: “isso para mim é óbvio
... eu não iria lembrar de falar (...). No entanto, os
72
analistas terceirizados não faziam parte da cultura da empresa e, por isso, não
conheciam as regras construídas pelos trabalhadores (usuários) e analistas da
SERVPUB, situação evidenciada na fala: “(...) o pessoal da fábrica não sabia disso”.
Os Analistas da FABRISOFT, com a orientação do cliente (gerente do setor
comercial da SERVPUB), criaram um novo código no sistema comercial, o código (9),
para o desconto promocional do produto “A”. O código (1), referente ao produto “A”, já
existente no sistema, não sofreu alterações de valor. Dessa forma, a fatura do cliente
continha as informações sobre o valor do produto “A” tratado, o valor do desconto
promocional e o valor total da fatura, conforme solicitação dos próprios usuários. O
quadro 12 exemplifica a fatura do cliente.
Quadro 12: Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto “A”
Descrição de lançamentos
Produto A: Valor bruto (código / 1) + 40,00
Produto A: Desconto promocional (código / 9 ) - 10,00
Valor total da fatura: 30,00
No entanto, a criação do código (9), separando o desconto promocional do
código (1) referente ao produto “A” tratado, foi o que ocasionou o problema no
consolidado. Isto porque o sistema envia automaticamente os dados do código (1),
referente ao produto “A” tratado, para o consolidado. Mas, o valor enviado, nesse caso,
diz respeito somente ao valor bruto, desconsiderando o desconto promocional. O valor
do código (9), correspondente ao desconto promocional, foi enviado automaticamente
para os códigos denominados “diversos” do consolidado.
73
Quadro 13: Fluxo dos valores da fatura do cliente no sistema comercial
Código
Serviços / Produto
Código
Serviços / Produto
1
Prod A tratado
1
Prod A tratado
2
Produto A Bruto
2
Produto A Bruto
3
Produto E domiciliar
3
Produt
o E domiciliar
4
Produto E industrial
4
Produto E industrial
9
Desconto promocional
29
Vistoria
30
Multa
31
Ligação provisória
Faturamento
Consolidado
Diversos
Assim, o desconto promocional deveria aparecer no consolidado junto com o
produto (1). No entanto, foi para os códigos “diversos” no consolidado. Dessa forma, o
sistema entendeu que a empresa arrecadara 40,00 (valor bruto, sem o desconto
promocional), quando, na verdade, ela somente arrecadara 30,00, em virtude da
incidência do desconto promocional, no valor de 10,00, conforme exemplo representado
no quadro 12.
Quadro 14: Exemplo de fatura do cliente que utiliza apenas o produto “A” no
consolidado
Descrição de lançamentos
Produto A: Valor bruto (código / 1) + 40,00
O equívoco cometido na apuração do valor do produto “A” tratado determinou a
alteração nos valores dos “diversos”, que por sua vez também provocou o surgimento de
outros erros no consolidado.
Na realidade, os trabalhadores do faturamento entendem que, para o sistema, os
códigos acima de 21 são os “diversos” e os abaixo são os produtos. Portanto, o número
9 para eles se refere ao produto. O sistema, porém, não foi definido dessa forma. Não
são os códigos menores de 21 que são produtos. Os códigos foram definidos para cada
produto (produto “A” tratado, produto “E”, produto “A” bruto e produto “E” industrial)
e também para os que não são produtos (multa, atualização monetária, ligação
74
provisória do produto “A” e outros), de forma que cada um possua seu código no
sistema. Por exemplo, o código do produto “A” tratado é (1).
Quando se muda de contexto, no caso do faturamento para o consolidado, as
regras são utilizadas de diferentes maneiras. No caso do módulo do faturamento, ele é
utilizado apenas para a fatura do cliente. Quando os dados vão para o consolidado, são
usados por usuários de diversos setores, com objetivos diversos. O reajuste tarifário
deveria ter sido construído de forma a atender os dois contextos: faturamento e
consolidado. No entanto, os analistas da FABRISOFT utilizaram as regras apenas para
atender o faturamento. Pela falta de conhecimento do consolidado, seguiram a sugestão
do usuário de criar o código (9) para o desconto promocional.
O usuário não entende a lógica do programa, apenas o utiliza como instrumento
de trabalho. Uma das funções do instrumento é demonstrar a fatura do cliente, outra é
consolidar os valores das faturas e demonstrá-las em forma de relatório, conforme o
modelo de relatório do setor comercial no anexo 1. Com a presença dos erros no
sistema, este não estava servindo de instrumento de trabalho para os usuários. Segue um
depoimento do usuário:
estou tendo que conferir no manual... não dá para confiar nesses dados
”.
Os erros do sistema poderiam ter sido evitados, se os analistas da FABRISOFT
tivessem compreendido as atividades reais dos usuários. Dessa forma saberiam da
existência dos dois contextos (fatura e consolidado). O usuário não sabe quais são as
informações necessárias para repassar aos analistas ou não se lembra de informar.
“o usuário entende que o lançamento de produto está aqui e o lançamento
de diversos está aqui... na verdade os analistas tinham que ter interpretado... o
que era esse desconto? e o que era produto... eles iriam perceber que não
poderiam ter tratado o desconto da forma que foi tratado” (Analista da
SERVPUB).
Para que os analistas terceirizados conseguissem perceber a existência do
consolidado, seria necessário que conhecessem a lógica criada pelos usuários e analistas
da SERVPUB sobre o que é produto, e o significado dele para os diversos usuários do
sistema.
75
O analista da SERVPUB com o conhecimento interiorizado, já tinha experiência
para conseguir alterar o sistema para o novo reajuste tarifário, sem necessitar recorrer às
regras. Segundo Dreyfus e Dreyfus (apud Collins, 1992) o sujeito experiente não tem
mais nenhuma consciência sobre as tomadas de decisões, ele age sobre as regras
empíricas caso a caso sem que seja necessário explicitar as regras subjacentes, apenas
faz. Não existe planejamento e reflexão em seus atos, apenas certos elementos de
escolha e de análise conscientes para ajudar nas suas decisões. Abaixo, depoimento do
analista da SERVPUB.
“a gente sabe que tem coisa que a comercial pede... mas a gente tem que
absorver aquilo ali... mas não pode ser por isso... por isso e por isso... mesmo
o cliente pedindo um lançamento (9)... o analista tinha que ter falado assim...
eu vou te dar o resultado que você quer... mas não vai ser um lançamento
(9)... para o cliente isso é transparente... (9) ou (1) tanto faz... mas para o
sistema o (9) e o (1) faz diferença”
(Analista da SERVPUB).
No caso em questão, ocorreu inversão de papéis. O usuário definiu as regras do
sistema, certo de que tal função é de responsabilidade do analista, cuja atividade é
abstrair e generalizar situações reais e específicas, regras abstratas e gerais adequadas à
informatização (sobre este assunto, ver Ferreira, 2004).
5.4.2 Competência: a combinação de experiências individuais na
solução de problemas
Para as correções dos erros do sistema foi preciso contar com a experiência do
técnico Marco Antônio da SERVPUB na busca de soluções para os problemas. Os
analistas da FABRISOFT com a ajuda do analista da SERVPUB criaram um conversor
capaz de enviar os dados do código (9) para o código (1). Dessa forma o sistema
começou a reconhecer o desconto promocional como parte do produto “A”.
Mesmo após a conversão, os analistas perceberam que ainda existiam
problemas. O analista Marco Antônio, analisando a questão, descobriu que o produto
“A” não fora tratado como produto “A” no consolidado.
76
“o consolidado da SERVPUB é por categoria... volume medido... volume
faturado... eu enxergo dessa forma... quando eu falo produto “A” eu enxergo dessa
forma”
(analista da SERVPUB)”.
Para os trabalhadores do faturamento, quando se fala em tarifa do produto “A”
pensa-se em categorias, tais como, residência, comércio, residência e comércio, público
e industrial. As categorias, por sua vez, são detalhadas em volume medido e volume
faturado e outros parâmetros que não foram considerados no código (9). Além disso, se
pensa, ainda, nos descontos promocionais do produto “A”, preestabelecidos pela
empresa, em subsídios das prefeituras e outros. Assim, o consolidado do produto “A” é
separado por categoria e por volume medido de consumo do cliente, dentro de cada
categoria, para atender os diversos usuários (trabalhadores, gerentes e diretores da
empresa).
Apesar de o analista Marco Antônio ser especialista do módulo do faturamento,
ele tem o conhecimento de que os módulos são interligados e, assim, qualquer alteração
no módulo do faturamento pode interferir nos outros módulos do sistema. Desta forma,
quando o analista Marco Antônio se depara com algumas alterações sobre as quais ele
ainda não adquiriu o conhecimento dos impactos que elas podem ocasionar nos outros
módulos, ele recorre aos colegas.
“toda vez que a gente vai alterar algum módulo do sistema... a gente pergunta
para os nossos colegas se vai interferir no outro módulo... o pessoal da FABRISOFT
não tem essa visão”(
Analista da SERVPUB) .
As regras do reajuste tarifário dentro do sistema são diferentes das regras
isoladas de cada usuário, tomado isoladamente. No próprio sistema comercial existem
contextos sociais diversos, pelo fato de o sistema atender a várias áreas. Assim, é
possível alterar o sistema a partir do compartilhamento dos conhecimentos de cada
analista e dos usuários que se constituem em parte integrante dos diversos contextos.
Uma mesma ferramenta (o sistema)
“é uma interseção de vários instrumentos
que atendem e se definem por inserirem em atividades diferentes” (Lima, 2008). Esse
mesmo sistema pode ser uma ferramenta diferente “de sujeito para sujeito e para um
mesmo sujeito de acordo com as situações e os momentos”
(Rabardel, 1995, p.119).
77
“Existem situações onde se extrapolam as funções convencionais, caracterizando
uma atividade propriamente criativa da parte do usuário. São comuns as catacreses
instrumentais (Rabardel, 1995; Clot, 1997), quando os usuários inventam novas
funcionalidades e utilizações para os instrumentos e produtos que manipulam, tanto no
trabalho quanto na vida cotidiana:
Os objetos técnicos não são jamais ajustados e
tampouco acabados
(Clot, 1999, p.6). De modo geral, nenhum produto ou objeto fala
por si mesmo ou funciona de modo realmente automático, exigindo sempre ações
compensatórias do usuário para poder funcionar adequadamente” ( Lima, Soares e Leal,
2002)
.
Os diferentes técnicos adquiriram, ao longo do tempo e da história de cada um,
ingredientes sociais e históricos, armazenados em forma de patrimônio (Schwartz,
1998), que possibilitam identificar, mais rapidamente, as melhores soluções para o
sistema. Assim, os analistas experientes, competentes no entendimento popular do
termo, são capazes de prever disfunções em seu ambiente de trabalho e de apresentar
soluções.
Para Schwartz (1998), a competência “comporta pelo menos três polaridades
diferentes: o grau de apropriação de saberes conceitualizáveis, o grau de apreensão das
dimensões propriamente históricas da situação e o debate de valores a que se
convocado todo indivíduo no meio de trabalho particular”.
No entanto, as modalidades de armazenamento na forma de patrimônio não
criam indivíduos supostos todos iguais
(Schwartz, 1998). Ninguém pode ser de modo
igual em todos os registros. Os técnicos de informática da SERVPUB, cada qual com o
seu patrimônio, se integram em um coletivo de trabalho como um elemento de suporte
para a intervenção no processo. Segue um depoimento do analista da SERVPUB:
“eu conheço mais da empresa... sei dos detalhes... a gente tem conhecimento
do sistema na verdade a gente mexeu em vários pontos tá... como a gente
sabe que a fatura gerada aqui vai ser consolidada nos outros... sistemas ou
então vai ser enviada para outros sistemas a gente conhece esse caminho todo
aqui... ou se eu não conheço procuro o João, Marcelo ou alguém que saiba
esse caminho até chegar no consolidado. Porque quando eu mexo com
faturamento no consolidado eu preciso de alguém para me ajudar. Até porque
para eu gerar os dados corretos aqui e serem consolidados aqui, correto”.
(analista da SERVPUB)
78
Assim, cada analista é especialista de um módulo do sistema e detém um
conhecimento específico, mas todos eles trabalham integrados, dando suporte uns aos
outros sempre que necessário:
“... a gente conhece esse caminho todo aqui... ou se eu
não conheço procuro o João, Marcelo ou alguém que saiba esse caminho até chegar no
consolidado”.
O problema das eficiências coletivas será o de constituir equilíbrios variados e
complementares de ingredientes (da competência), conforme o tipo e o vel da tarefa
ou da missão a ser realizada. (...) a eficiência de conjunto não é a soma de
competências individuais avaliadas separadamente, mas a combinação dos espectros
pessoais que conseguem cooperar localmente, cada qual completando as lacunas dos
outros
” (Shwartz, 1998). No lugar de “competência coletiva” Schwartz prefere utilizar a
expressão qualidade sinérgica, “construção sinérgica”.
“As qualidades sinérgicas não são, portanto, um simples dado, um traço de
caráter. Não são evidentemente independentes de predisposições individuais. Pode-se
falar, e há quem o faça, em “sociabilidade”, em capacidade para trabalhar em equipe. As
políticas de trabalho podem mostrar a sua genialidade ao tecer a sinergia ou, pelo
contrário, podem mostrar sua fraqueza, ao buscar “implodir as equipes” em
concordância com a tradição taylorista” (ibid).
Além da criação das competências coletivas, a sociabilidade, como
mencionado, também é importante para entender os próprios jargões e os diversos
significados das palavras utilizadas pelos trabalhadores da empresa. Além do mais,
esses significados dentro da cultura da empresa e de seus setores são diferentes das
noções universais aplicadas independentemente dos contextos. Tais significados foram
construídos pelos trabalhadores (usuários) e analistas da FABRISOFT que
desenvolveram o sistema.
Como ocorre na língua, não basta ter conhecimento das regras gramaticais para
saber utilizá-las nos diversos contextos. Segundo Collins (1992), as palavras são
utilizadas em função de uma história, de relações e convenções sociais atadas ao
contexto, não se referem exclusivamente à estrutura intrínseca da língua como questões
sintáticas e gramaticais.
79
Os técnicos em informática estão aproximadamente doze anos realizando
manutenções e novos desenvolvimentos para o software integrado. Nesse meio tempo,
os trabalhadores foram adquirindo conhecimento acerca das atividades dos usuários, das
regras e da cultura da empresa e compartilhando-o entre os membros. A competência
desse coletivo de trabalho, que é essencial para a eficiência do processo, não se adquire
de um dia para o outro, mas ao longo do tempo, realizando atividades específicas para a
SERVPUB, daí a dificuldade em explicitá-las.
“a gente tem uma maior dificuldade de passar como o sistema comercial
funciona... como ele trabalha... a gente não consegue convencer ninguém
aqui... todo mundo vem cobrar sem considerar essa dificuldade... o que eu
espero é que continue com esse jeito que a gente está trabalhando agora
((todos na mesma sala))... e que esse grupo ((analistas da FABRISOFT)) dê
a opinião deles” (analista da SERVPUB).
Cada analista vem, ao longo dos anos, desenvolvendo atividades para setores
diferenciados da SERVPUB que fazem parte dos módulos do sistema comercial. Com
isso, cada um foi se tornando parte de um meio cultural específico e, a partir dessa
aculturação, os analistas construíram os seus saberes específicos, pertinentes às
atividades de determinadas áreas e de partes (módulos) do sistema do qual eles fazem
parte. Apesar das especialidades dos analistas, todos compartilham da cultura da
empresa como um todo, o que facilitou a elaboração de uma representação das
atividades que seriam formalizadas.
“quem vive no sistema comercial sabe da complexidade dele, eu não tenho
condição de pegar um módulo que o analista João tem um determinado
conhecimento, falar de um dia para o outro que é meu... tenho que ter um
treinamento... preciso de um apoio de alguém que conhece” (Analista Marco
Antônio).
5.5 A
S DIFICULDADES DE DOCUMENTAR
Sabe-se que existem problemas de falta de documentação do sistema. Ao longo
dos anos ocorreram várias modificações e alterações que não foram documentadas.
Foram vários os motivos que levaram os analistas a não documentar o sistema, podendo
ter ocorrido, em alguns casos, até mesmo negligência. Mas isso não se constituiu no
principal motivo para a não documentação. A pressão temporal para entregar a demanda
80
e a carência de recursos humanos foram os fatores que mais contribuíram para a falta de
documentação do sistema.
Quadro 15: Depoimentos dos Analistas da SERVIPUB
“o problema são as atualizações... é muito difícil atualizar... a gente conserta o erro por que
é urgente e depois outro e outro... e a gente esquece de atualizar”
(Analista da
SERVPUB).
“são mais de 5000 programas ou objetos... o tem jeito de documentar... chega uma hora
que a gente tem que ir atrás do erro... a gente faz o que tem que resolver... e se a gente
lembra... documenta”
(Analista da SERVPUB).
“nós temos documentação aqui que se alguém pegar para entender... vai ficar lendo de 4 a 5
meses... elas não foram atualizadas... nós viemos perdendo recurso e a documentação não foi
dada a prioridade... nós sempre trabalhamos com recurso escasso... agora estão dando a
importância... mas só que com a equipe que está aqui é inviável”
(Analista da SERVPUB).
O tempo que o analista gasta para obter as informações por meio dos
documentos é muito maior do que pelo contato presencial. Mas é importante salientar
que mesmo feita a leitura de todas as informações documentadas, isso, por si só, não
seria suficiente para o entendimento de todas as regras. Muitos acreditam que a falta de
entendimento das regras decorre do fato de estarem elas incompletas. Na verdade, as
principais causas foram mencionadas no caso do reajuste tarifário (o
desconhecimento ou a falta do entendimento dos significados das regras e a ausência de
prática). Por mais detalhado que seja o documento, sempre lhe faltarão as informações
das regras que foram interiorizadas pelos indivíduos. No mais, mesmo as regras
explícitas precisam ser compreendidas, pois fazem parte de uma cultura específica.
Entretanto, para que elas sejam entendidas é preciso que as pessoas estejam sempre
interagindo com o mesmo grupo social. Ademais, elas podem ter os significados
alterados, de acordo com o contexto, serem modificadas ou outras regras podem surgir.
81
5.6
ROTATIVIDADE
,
FLEXIBILIDADE E EXPERIÊNCIA
Além das dificuldades que os analistas enfrentam com o modelo racionalista da
“fábrica de software”, existem outros dificultadores, a rotatividade do pessoal na fábrica
e a imposição legal de licitação para a contratação de uma fábrica de software, devido
ao fato de ser a SERVPUB uma empresa pública. O contrato da atual fábrica está no fim
e, se esta não vencer a nova licitação, outra ou outras fábricas assumirão o seu lugar e
terão que reiniciar todo o processo de construção do saber que os analistas da brica
atual construíram. O contrato atual termina no mês de outubro/2007 e o pessoal será
mantido até fevereiro/2008, enquanto a empresa realiza a nova licitação.
se outra for entrar nós vamos voltar no zero... isso tudo que nós fizemos aqui
vamos voltar do zero... e outro problema nós estamos sem pessoa... dependemos deles
(analista da SERVPUB).
As dificuldades encontradas pelos trabalhadores da SERVPUB, contratos em
curto prazo e grande rotatividade de pessoal na empresa terceirizada, impedem a
existência de um contato social duradouro, ambiente essencial para a construção de um
software eficiente.
As novas mudanças nas modernas estruturas institucionais, como a flexibilidade,
focalização e terceirização da atividade-meio (ou atividades de apoio), propiciam uma
nova relação do trabalhador com a empresa. Segundo Sennett (2003, p.24):
“a expressão “Não longo prazo” se constitui em um verdadeiro princípio
utilizado pelas instituições modernas que corrói a confiança, a lealdade e o
compromisso mútuo. A confiança pode, claro, ser uma questão puramente
formal, como quando as pessoas concordam numa transação comercial ou
dependem de que as outras observem as regras do jogo. Mas em geral as
experiências mais profundas de confiança são informais, como quando as
pessoas aprendem em quem podem ou com quem podem contar ao receberem
uma tarefa difícil ou impossível. Esses laços sociais levam tempo para surgir,
enraizando-se devagar nas fendas e brechas das instituições”.
““
Não longo prazo” significa mudar, não se comprometer e não se
sacrificar; os fortes laços sociais, como a lealdade, deixaram de existir, as pessoas
mantêm apenas relações superficiais com a empresa
(ibid, p.25
). “A própria
82
instabilidade das organizações impõem a necessidade de os indivíduos serem
aventureiros e correrem riscos com seus trabalhos
” (ibid, p.90)
A falta de compromisso dos trabalhadores nas organizações leva a uma grande
rotatividade de pessoal, o que impede a formação dos laços sociais. Os laços fracos se
concretizam no trabalho em equipe, onde a equipe passa de tarefa em tarefa e muda o
pessoal no caminho (ibid).
Não eficiência possível sem reconstruir a trama social
que permite a aquisição e manutenção de experiências concretas, geradas graças ao
contato duradouro com o processo produtivo
” (Lima, 2000).
O capítulo 6 discute a face artística da atividade de desenvolvimento de
software, mostrando que parte da atividade se constitui em verdadeiro trabalho artístico,
consubstanciado na sensibilidade aguçada do analista, permitindo-o expressar as reais
necessidades dos usuários e conseguir criar um software “único” que servirá de
instrumento de trabalho.
83
Capítulo 6 - A arte do desenvolvimento de software
A atividade de DS se assemelha mais a uma obra de arte que a um produto
industrial, diferentemente da visão mecanicista e tecnocêntrica da engenharia de
software. Os profissionais de informática nem sempre assumem a dimensão artística e
social de sua profissão. Desde as escolas de engenharia, tornam-se especialistas em
máquinas e linguagens formais. Segundo Lévy (1992), essa formação das escolas de
engenharia é um pouco como se somente fosse ensinado aos arquitetos a resistência dos
materiais e a economia da construção, sem fazer nenhuma alusão à História da arte à
sociologia urbana.
“Numerosos analistas de sistemas [
informaticiens
] se tomam por “técnicos
puros”. Vários dentre eles, ainda quando estão em condições de conceber e de propor,
esperam dos clientes uma definição perfeitamente precisa do problema a resolver, de
modo que eles teriam apenas o trabalho de <<codificação>>, sem se colocar outras
questões. Desse modo, eles infelizmente amputam toda a dimensão imaginativa do seu
ofício. De outro modo, um informático que se percebesse como um verdadeiro operador
cultural e intelectual, teria certamente uma escuta mais fina dos futuros utilizadores de
seus produtos, uma visão mais ampla das conseqüências de suas decisões e um sentido
de responsabilidade mais apurado” (Lévy, 1992, p.8, tradução Ferreira e Lima).
A arte do desenvolvimento de software está presente em vários momentos da
atividade de DS: na sensibilidade social dos analistas para conseguirem expressar estas
necessidades em roteiros (script); na tradução das necessidades reais do usuário e, por
meio de toda sua capacidade imaginativa, na codificação dos dados e introdução do
software na atividade real. A arte do DS está no caminho que o analista percorre para
criar um software “único” que servirá de instrumento de trabalho. No entanto, para que
84
o caminho encontrado pelo analista seja convincente, é preciso que os resultados não
sejam obras do acaso ou um erro dentro do processo. Ao contrário, os resultados obtidos
têm que ter validade perante os seus parceiros.
O executivo-chefe de pesquisa e estratégia da Microsoft, Paul Meller, diz em
uma entrevista que o software falha porque o seu desenvolvimento é mais uma arte que
uma ciência (Apud. Greenfilta, 2006). Nós diríamos o contrário. Falha quando o
software é desenvolvido como uma rotina alheia à compreensão das necessidades do
usuário, indiferente às relações intersubjetivas entre conceptor e usuário. Quando
arte, porém, ele funciona bem.
A arte do desenvolvedor está justamente em se criar o software que funcione
como um verdadeiro instrumento de trabalho. Essa atividade não é apenas a codificação
de um conjunto de dados e regras, trata-se de se transformar linguagem prática em
linguagem formal de códigos, que atenderá as necessidades dos usuários. Isto torna o
seu desenvolvimento complexo e difícil. Para Lévy (1992), uma das grandes
dificuldades do programador, geradora de sofrimento gigantesco, é a de respeitar a
sintaxe da linguagem da programação e produzir um “texto” coerente.
Quando o sistema comercial da SERVPUB foi construído, os analistas faziam
parte da empresa e participaram do desenvolvimento do sistema anterior. Os analistas
vieram ao longo dos anos, fazendo parte do mesmo grupo social. Dessa forma, o
analista Marco Antônio, especialista do módulo de faturamento, tem como grupo social
o setor de faturamento. Desde a concepção do sistema comercial, os analistas vêm
construindo um saber que é específico dessa cultura.
Os analistas da SERVPUB desenvolveram o sistema com base no entendimento
das necessidades dos usuários, que adquiriram durante anos de contato com os
trabalhadores do setor comercial. Sua arte aparece ao conseguirem construir um
instrumento de trabalho que atende usuários de diversos setores da empresa (setor de
atendimento ao cliente, setor operacional e setor comercial).
Encontraram eles diversas dificuldades para adequar as atividades reais dos
usuários ao sistema, cuja criação exigiu do analista o desenvolvimento de uma
85
sensibilidade social aguçada, capaz de traduzir as necessidades reais dos usuários por
meio da confrontação de diversas formalidades inerentes às suas atividades.
Um exemplo é o caso da criação da fatura do produto “A”. O analista precisou
discernir o que era “produto” para os trabalhadores e para as gerências, o que isso
significava, as mudanças que ocorriam nas regras, quais as exceções (ex: subsídios,
descontos por categoria e outros). Adquiriu o entendimento acerca dos significados das
regras e como elas estão organizadas para os trabalhadores. Grande parte do
conhecimento do analista se deu pelos contatos com os trabalhadores. Segue um
depoimento:
são muitos anos de convívio com o pessoal do faturamento... as demandas vão
chegando e para a gente entender... temos que voltar muitas vezes no cliente.... a
empresa é cheia de exceções a gente sabe que tudo depende da política da empresa...
aqui tudo muda o tempo todo e tudo tem prazo”
(Analista de sistemas da SERVPUB).
A construção do sistema e as manutenções vêm seguindo uma gica que atende
os diversos usuários da empresa. Um exemplo são os códigos criados numa seqüência
numérica, de forma que os números abaixo de 21 seriam considerados produtos e os
acima deste, diversos. Essa regra, como já mencionada, foi um consenso entre os
analistas e usuários de setores diversos.
“a palavra “diversos” também tinha significados diferentes para os setores da
empresa, eu apanhei até entender isso... o setor de contabilidade chamava de
“diversos” todos que o são produtos”... enquanto o pessoal do faturamento separa
alguns itens ((multa, atualização monetária)) que para eles não são produtos e nem
“diversos” (...) Juntei os dois setores para a gente entrar num acordo
(Analista da
SERVPUB).
Com os códigos exclusivos para cada produto e para cada serviço (que não são
produtos para a empresa), é possível que os usuários dos diversos setores utilizem os
dados de várias maneiras possíveis.
Para o sistema, cada código criado pelo analista tem o seu significado, como, por
exemplo, o código 1 (produto A). Exemplificando:
86
“quando eu falo... eu enxergo dessa forma... quando eu falo produto “A” eu
enxergo dessa forma (desenho demonstrado pelo analista no quadro abaixo)”.
Quadro 16: Esquema do analista de sistema
Categoria Natureza
1 R D ´´
1 I D ´´
1 C C ´0 - *
1 C e R D ´´
R- Residência D- débito
C- Comércio C- Crédito
I- Indústria
A natureza do lançamento é débito ou crédito. Utiliza-se este mecanismo para saber se o
sistema irá somar ou subtrair.
A regra do sistema é somar todos os lançamentos e onde houver *, subtrai-se.
O esquema acima foi elaborado pelo analista após adquirir o entendimento da
política tarifária da empresa, em diversos contextos (reajustes tarifários, subsídios
descontos e outros), bem como das necessidades dos diversos usuários, como por
exemplo, trabalhadores (usuários), que necessitam dos valores das faturas do produto
“A” de cada cliente, separados por categorias: residência, comércio, residência e
comércio, público e industrial, para realizar relatório gerencial. Dessa forma o analista
elaborou um esquema no qual foram postas, numa mesma linha, todas as informações
do cliente, necessárias para atender os usuários e dados advindos das tarifas praticadas
pela empresa. Em cada linha visualiza-se o código (1), que é produto “A”, a categoria
(R, C, I, D e C) e se a natureza da fatura do cliente é débito ou crédito (D ou C), como
demonstrado no quadro acima.
O analista, sabendo dos diversos descontos e subsídios concedidos pela empresa
ou prefeituras e da existência de clientes que possuem débito ou crédito com a empresa,
87
inseriu no esquema a natureza da fatura (D ou C) para facilitar a elaboração do
programa que realiza o cálculo. Assim, toda vez que surgir um (D), soma-se o valor do
débito na fatura do cliente e quando surgir um (C), subtrai-se o valor do crédito na
fatura do cliente. Com a adoção desse procedimento o analista criou uma lógica para o
programa somar todos os valores e subtrair apenas quando surgir o símbolo (*) na
fatura. O símbolo (*) existe em todos os créditos. Por isso, quando se fala em produto
“A” o analista já pensa no esquema:
... quando eu falo produto“A” eu enxergo dessa
forma”.
Os analistas organizam parcialmente o trabalho, as atividades, o universo de
signos dos usuários de seus produtos de forma que atenda as necessidades reais do
sistema. No caso do sistema comercial, os analistas construíram os dados e as funções
para que os usuários realizem atividades diversas em diversos contextos. Os usuários do
faturamento apenas consultam os dados cadastrais do cliente, os usuários do setor de
atendimento ao cliente ou os usuários dos setores operacionais são os que lançam os
cadastros. As atividades são interligadas, uma depende da outra. Por isso, os analistas
responsáveis em cada módulo estão sempre interagindo entre si. Um exemplo é a
transferência de dados do módulo do faturamento, pertinentes à fatura do cliente, para o
consolidado, onde as regras são utilizadas de diferentes maneiras. Assim, no módulo do
consolidado, os dados são utilizados com objetivo diverso do adotado no módulo da
fatura do cliente, como por exemplo, na elaboração de um relatório gerencial ou apenas
em uma consulta. Portanto, o sistema foi construído de forma a atender os dois
contextos: faturamento e consolidado.
A separação entre produtos e não produtos, cada um com seu código e
detalhamento da fatura, foi estabelecida para atender os usuários do consolidado e
também para adaptar o programa à política tarifária da empresa e às suas diversas
alterações, discutidas no capítulo 5, tais como, o reajuste tarifário anual, os descontos
por categoria (residência, comercio, residência e comércio, indústria e pública) para
residentes por área construída (tarifa social), descontos por volume consumido
(desconto tarifário) e demais descontos, tanto os que possam surgir quanto os
existentes, que podem ser modificados de acordo com a política do Estado, dos
Municípios ou por determinação legal.
88
Além dos descontos concedidos pela empresa, existem também os subsídios das
prefeituras. Cada município é que determina se concede ou não o subsídio, sendo que
alguns municípios concedem o subsídio apenas para o “produto A”, outros apenas para
o “produto E”, alguns vão de acordo com a renda dos moradores da residência, outros
de acordo com o volume faturado (ex: residências que consomem até 20 do produto
A) e outros.
Os analistas foram construindo um saber das atividades dos usuários e da
política da empresa em diversos contextos e, com a sua sensibilidade para obter o
entendimento e a competência coletiva, construíram o sistema que vem sendo utilizado
como instrumento de trabalho. A tela representada no quadro abaixo mostra como o
instrumento de trabalho é utilizado pelos seus usuários:
Quadro 17: Tela do sistema comercial
Cadastro 19/11/07
Tabelas 11:11
Tipos de Produto
Opcao : P
Codigo : A_
Descricao: produto “A” tratada__________________
Classe produto: “A”_
Comando: ____________________________________________________________ 3.T.Y
SERVPUB Faturamento
sistema comercial-DESEN Tabelas
SC16TB00 Lancamentos
Opcao : P
Codigo : 1__
Tipo servico : 001
Nome resumido :PRODUTO “A” TRATADA___
Nome : :PRODUTO “A” TRATADA
TRATADA______________________________________
Gera lancamento
Atendimento de Servico Processamento grupo
N S
89
Comando: ____________________________________________________________ 6.T.B
Esta tela, manuseada por diversos usuários da empresa, foi construída de forma
que pudesse ser utilizada para a criação ou consulta de um cadastro, para realizar a
fatura do cliente e ainda para consolidar os dados cadastrais. A primeira parte da tela
destina-se aos dados cadastrais do cliente e a segunda parte à fatura do cliente. Os dados
da fatura aparecem separados para serem utilizados no consolidado. Foi dessa forma
que o analista organizou (parcialmente) o trabalho dos usuários e é por meio das opções
e seqüências que utilizam o software.
O caso do vale-serviço
Outro caso analisado foi o desenvolvimento de um programa que deveria atender
a nova atividade da empresa, denominada vale-serviço: trocar latinhas e garrafas-pet por
desconto na fatura do serviço da empresa. O analista possuía o domínio da fatura,
mas o serviço era novo e seria implantado após o desenvolvimento do software. No
caso, o analista da empresa, juntamente com a analista terceirizada (com um ano e meio
de experiência na empresa), desenvolveu a primeira etapa do sistema. A segunda etapa
foi desenvolvida pela analista terceirizada, enquanto o analista da empresa teve o papel
de analista de negócio, seguindo as mudanças organizacionais do setor.
Inicialmente imaginaram uma situação e, na primeira etapa, o analista e a
analista terceirizada dividiram partes do desenvolvimento. Foi um processo de escritura
coletiva em várias etapas, que contou também com a participação dos usuários.
A demanda
O usuário informou ao analista as suas necessidades e as funções que achava
necessário conter no software. A tarefa do atendente comercial, usuário do sistema,
90
seria recolher o material reciclável e descontar na fatura do cliente (consumidor) o valor
estipulado por peso do material. O material recolhido seria vendido a um reciclador. De
início, havia algumas idéias que foram sendo alteradas no decorrer dos encontros entre
analista e usuário. Várias perguntas surgiram, na tentativa de buscar informações sobre
a nova atividade, como por exemplo: Como os atendentes iriam receber esse material?
Como iriam utilizar o sistema? O analista de sistema e o usuário realizaram vários
encontros para estudar a melhor maneira de se formalizar a atividade. O depoimento do
analista de negócio no quadro abaixo descreve partes de alguns diálogos com o usuário
nessa tentativa:
Quadro 18: Depoimento dos analistas da SERVPUB
((usuário
)) eu tenho que poder abrir lote e fechar o lote... aí eu perguntei pra ele... o que é
lote? ah... porque é o seguinte... o pessoal vai entregando lata no atendimento... depois
quando eu vejo que tem muita latinha lá eu vejo que tem que fechar o lote... vou pegar tudo
e vou enviar tudo pra o reciclador
...
ta bom... mas como é que você vai enviar isso para
o reciclador? a gente não pode pegar um material de uma pessoa jurídica... pôr num
caminhão sem uma nota fiscal, não é? principalmente se ele estiver vendendo ((Analista))...
ah... então tem a geração da nota fiscal... .isso tudo é a gente conversando... então ta
bom... a gente vai gerar uma nota fiscal... criamos uma função pra gerar uma nota fiscal
pra ele... pra que? pra ele poder enviar o material pra lá... ah... mas essa nota fiscal pode
ter tido um erro... por que? a quantidade de lata que foi é diferente da quantidade de lata
que chegou lá... ah é? então o que o cara vai fazer? vai fazer um ajuste... vai fazer uma
correção na nota fiscal... olha aqui... depois que eu abrir um lote que eu receber o
material... que eu gerei uma nota fiscal... fiz um ajuste... o que eu tenho que fazer... tudo
tem uma seqüência... eu tenho que cobrar desse cara... não tenho? a geração da fatura aí...
tá vendo?
(Analista da SERVPUB).
Como a atividade ainda não existe na empresa, nota-se no depoimento acima que
o analista e o usuário tentaram antecipar as situações que poderiam ocorrer na atividade.
Com a experiência adquirida no setor de faturamento da empresa, o analista e o usuário
91
sabem que vão ter que gerar nota fiscal para o produto que a empresa vender:
a gente
não pode pegar um material de uma pessoa jurídica... pôr num caminhão sem uma nota
fiscal..., não é? principalmente se ele estiver vendendo
”, isso é rotina da empresa, existe
uma norma fiscal. Os analistas possuem a vivência de que os atendentes necessitam de
alternativas para a correção de eventuais erros que eles cometem durante as suas
atividades e, por isso, anteciparam:
mas essa nota fiscal pode ter tido um erro
”, mas
não detinham o conhecimento da atividade para saber quais os tipos de erros que
poderiam ocorrer. Foi por intermédio de experiências acumuladas no setor de
faturamento e na aguçada percepção dos analistas na busca das possibilidades que
poderiam encontrar, tais como
“eu ficava pensando em tudo que poderia acontecer...
um dia eu vi uma lata caindo de um caminhão e já fui logo pensando... e se no
deslocamento dessas latas alguma cair? as latas podem chegar numa quantidade
menor do que estava na nota fiscal” e “a quantidade de lata que foi é diferente da
quantidade de lata que chegou lá”,
que os analistas desenvolveram o software.
A formalização da demanda foi conseguida por meio das diversas interações
entre o analista e usuários. Segue um depoimento:
Quadro 19: Depoimento da analista da SERVPUB
“foram várias reuniões. Fui lá, a gente conversou a primeira parte, quando eu comecei
a fazer eu vi, opa! tá faltando isso: aglomerado. Eu cheguei num ponto que eu fiz isso aqui,
tava pra a empresa toda, que tem um detalhezinho, eu falei pra ele assim: é pra
empresa toda? não, é pra aglomerado. eu perguntei pra ele: o que é aglomerado? e
ele tinha esse conceito lá. Mas a gente não tinha informatizado o que era aglomerado.
Como é que funciona? Aí eu fui desenvolvendo. a gente desceu, conversou oh! Participa
de uma localidade, sei lá... dentro desses aglomerados aqui eu tenho vários clientes
dentro. Isso que a gente bolou. Como é que você quer enxergar isso aqui na tela? Ah,
você me um nome e tal aí... nós é que bolamos essa saída aqui oh. Primeiro ele informa
a localidade. Vem pesquisando porque? Porque primeiro eu tenho que ter a localidade,
depois eu tenho uma agência de atendimento e depois eu tenho os aglomerados. Porque
tudo tem uma seqüência. E os imóveis é que fazem parte daquela localidade. O município é
uma localidade. Hoje eu falo isso tudo, mas a gente reuniu várias vezes. A gente voltou lá e
falou assim: desse jeito não vai dar certo. Vamos pensar pra este lado”
(Analista da
92
SERVPUB).
O software foi desenvolvido com as seguintes funcionalidades:
Abrir um lote para receber o material; fechar o lote quando o espaço físico
para guardar o material estiver cheio. O sistema permitirá somente um lote
em aberto por agência.
Receber o material reciclável dos clientes. Através de um registro do
material recebido o sistema calculará o valor do crédito.
Incluir o lançamento do crédito na fatura do cliente.
Emitir o comprovante do crédito onde constatará as informações de
quantidade, valores e o mês de referência com o valor do crédito em conta.
Criar relatórios do material recebido.
Quando fechar o lote e o material for enviado para a recicladora, emitir a
fatura avulsa para a empresa recicladora após a conferência do peso pela
recicladora.
Se for preciso, ajustar a alteração do peso e emitir a fatura avulsa com o
novo valor.
A SERVPUB irá definir o preço do material.
Apenas uma recicladora poderá comprar os materiais.
Este software não atendeu as necessidades do usuário devido a uma situação real
que não foi prevista. No momento de fechar um lote e repassá-lo a recicladora, viu-se
que existia uma recicladora que só comprava latas e outra que comprava os dois
93
materiais (latas e garrafas pet), mas esta pagava um preço menor. O usuário (trabalhador
do setor comercial) disse que tinha dificuldades em negociar preço com a recicladora
que comprava os dois materiais. Antes, utilizando-se a tabela de preço da SERVPUB,
realizava-se um leilão e vencia quem melhor negociasse com a empresa. Mas isso ficou
inviável para a SERVPUB, pois não havia muita concorrência. Diante disso, o usuário
solicitou que o software fosse adaptado para poder atender a mais de uma recicladora.
A demanda gerou grande dificuldade para os analistas, pois o software foi todo
concebido seguindo a lógica de que a empresa venderia os materiais apenas para uma
recicladora. Com a mudança, o software deveria sofrer uma grande reformulação. Após
várias discussões entre analistas e usuários, decidiu-se que o software deveria ser refeito
para que a empresa pudesse operar com mais de uma recicladora.
Mesmo tentando antecipar as situações que estão por vir, é incerta a previsão de
todas elas. Várias são as situações singulares, um exemplo foi o problema ocorrido com
as recicladoras. Além disso, nem sempre se tem uma representação correta da atividade
do usuário, o problema surge da interface do sistema com os processos reais de venda.
Como era um produto novo, não havia experiência acumulada, d a necessidade de
realizar alguns ajustes para melhor atendê-lo.
Dessa forma, o problema, com as recicladoras, não foi resolvido com um
simples reajuste, o software teve que ser refeito integralmente. Esta situação demonstra
claramente como uma pequena mudança no mundo real pode determinar grandes
mudanças na formalização (informatização).
A organização do sistema
Repassada a demanda, os analistas Maria da Conceição e Marco Antônio
começaram a analisar como deveriam proceder para desenvolver o sistema:
“Na hora que o usuário falou que tinha que ter recicladora diferente a gente
foi repensando o que estava feito. Ah não, na inclusão do lote não vai poder ser
94
mais assim a partir de agora a gente vai ter que tratar tudo diferenciado por material.
Aí a gente já foi enxergando o que estava pronto e o que tinha que mudar
É por meio do entendimento da atividade dos usuários que os analistas vão
organizar o trabalho no sistema. Isto seria o mesmo que ditar as regras de como os
trabalhadores deverão realizar as suas atividades. Pode-se dizer que, para o sistema ser
eficiente, os analistas devem entender a atividade real do usuário e assim poder
reorganizar a atividade dentro de um programa de computador. Esta é uma arte que os
desenvolvedores realizam: entender a atividade dos trabalhadores, que é informal, e
organizar as atividades em um sistema, que é formal. Como foi dito, no caso do vale-
serviço a situação era ainda mais difícil, o analista tinha que desenvolver um software
para uma atividade que ainda não existia. Mesmo após a implantação do software
continuaram a pensar em situações que poderiam ocorrer na nova atividade. Seguem
abaixo partes do raciocínio do analista Marco Antônio durante o desenvolvimento do
sistema.
“por exemplo, se você fosse pra entregar lata e pet, só que seu irmão
chegou e trouxe mais três latinhas aqui pra entregar para você. Como é que
eu ia fazer pra poder somar essa lata que você está trazendo com essa aqui,
eu tive esta dificuldade, eu ia programar mais eu não sabia como eu ia
fazer isso, eu tive essa dúvida. Fiquei só pensando: eu ia perguntar pro Marco
Antônio. eu pensei: eu não preciso fazer isso em momento diferente não,
eu vou tratar o lote de lata recebendo lata e lote de pet do mesmo jeito e vou
continuar emitindo recibo do mesmo jeito. levei pra ela (usuária) e essa
tela aqui a gente estava com essa questão, a gente não tinha definido com ela
como a gente ia emitir esse recibo, se a gente ia criar uma opção que retira o
recibo daqui e criar uma opção no menu pra poder emitir o recibo onde
você ia ter a possibilidade de marcar qual o material que você queria que
saísse no recibo. Mas na hora que você tivesse essa opção fora, você
concorda que a emissão do recibo ela perderia o ato do recebimento?”
(Analista da SERVPUB).
Os analistas não utilizaram nenhum método para a construção do software. As
novas situações iam aparecendo no decorrer do desenvolvimento, como
“(...) se você
fosse pra entregar lata e pet, que seu irmão chegou e trouxe mais três latinhas
aqui pra entregar para você. Como é que eu ia fazer pra poder somar essa lata que
você está trazendo com essa aqui, eu tive esta dificuldade”,
e novos caminhos e
negociações tiveram que ser realizados para a construção do sistema.
O profissional de informática é uma espécie de escritor, mas de uma escrita não
repertoriada e sim a definir (Lévy, 1992). Este profissional não segue padrões, ele os
95
cria a partir de cada nova realidade que se lhe apresenta, transformando-a em artefato
interativo.
96
Capítulo 7 - Conclusão
O modelo "fábrica de software" surgiu como tentativa de solucionar os
problemas encontrados no processo de desenvolvimento de software, tais como,
sistemas ineficientes e não funcionais, erros de programação, prazos ultrapassados no
atendimento às demandas e orçamentos estourados. No entanto, o emprego desse
modelo, utilizando-se de métodos da engenharia baseados em modelos fabris, não vem
correspondendo às expectativas de garantia de melhoria da qualidade do software e
aumento de sua produtividade, pretendidas pelos fabricantes de software em geral. Isto
porque o modelo adotado traz em si a pretensão de que o saber é passível de
transferência, dos usuários para os técnicos em informática, por meio de regras e
modelos formais, no interior de uma divisão do trabalho dentro da equipe e pela
formalização do processo de desenvolvimento do software, incluindo a própria
atividade dos analistas. .
Utilizando-se da metodologia da análise da atividade, foi possível demonstrar
aqui que a separação presencial do desenvolvedor, suprimindo-o do convívio com o
usuário, bem como a individualização dos papéis, conforme determina o modelo
“Fábrica de software”, dificultou a construção social do saber dos analistas,
fundamental para desenvolver uma experiência coletiva e poder interpretar as regras,
viabilizando a construção de um software de qualidade. Assim, foi possível confirmar a
hipótese de que a atividade de desenvolvimento de software tem toda uma dimensão
social (inclusive artística) e por isso a aquisição do saber, necessária para a construção
de um software eficiente, somente é possível pela aculturação dos membros envolvidos.
Mesmo o conhecimento formal (regras e heurísticas) possui uma parte explícita
e outra não. As regras se constituem em uma construção social entre os membros
97
envolvidos que, com o tempo, serão interiorizadas pelos indivíduos e dificilmente serão
lembradas ou exteriorizadas. Todas as mudanças e criações de regras ocorrem mediante
um acordo social, por meio de convenções, que se traduz em um acordo das práticas
comuns. Daí a importância da aculturação entre os técnicos de informática e usuários,
dentro do ambiente de trabalho destes últimos, para a construção do saber. Conforme se
demonstrou nas situações analisadas, quando os desenvolvedores estão distantes
geograficamente da empresa contratada para o desenvolvimento do software, a
comunicação com os usuários se por meio de reuniões, remessas de documentos e
telefonemas, impedindo a construção do saber necessário para se desenvolver um
software com qualidade. O depoimento da analista da FABRISOFT, quando diz:
(...)
eu não consigo estar fora daqui... o conhecimento está aqui... o ambiente está aqui... o
apoio está aqui (...)”
mostra a importância da aculturação entre os técnicos de
informática e usuários para a construção do saber.
Além do mais, as trocas e contribuições de cada indivíduo são primordiais para a
criação de uma competência coletiva. A atividade de DS demanda constantes tomadas
de decisão, pois se constitui na construção de um processo formal que ainda não se
encontra pronta na mente do seu usuário, e que será elaborada no curso desse processo.
Os diferentes técnicos da empresa analisada adquiriram com a experiência
saberes individuais, que dentro de um coletivo de trabalho são combinados completando
as lacunas dos outros, formando uma competência coletiva. Dessa maneira, os analistas
da SERVPUB vinham desenvolvendo suas atividades, cada qual como especialista em
um módulo do sistema e, portanto, detentores de um saber específico, mas todos eles
trabalhando de forma integrada, dando suporte uns aos outros sempre que necessário.
O sistema comercial da empresa atende a contextos sociais diversos. Assim,
somente é possível a alteração do sistema a partir do compartilhamento dos
conhecimentos de cada analista e dos usuários, que se constitui em parte integrante dos
diversos contextos.
Os diferentes técnicos adquiriram, ao longo do tempo e da história de cada um,
competências com
ingredientes sociais e históricos, armazenados em forma de
patrimônio”
(Schwartz 1998), que possibilitam identificar, mais rapidamente, as
melhores soluções para o sistema. Assim, os analistas experientes são capazes de prever
98
disfunções que ainda estão por vir em seu ambiente de trabalho e de apresentar
soluções.
A competência de cada analista é valorizada dentro de uma coletividade na
medida em que as combinações das experiências individuais evitam os erros e ajudam
na solução de problemas. Pôde-se ver nesta dissertação como a experiência do analista
da SERVPUB foi imprescindível para ajudar os analistas da FABRISOFT no momento
da busca de soluções para os problemas do sistema no caso do reajuste tarifário.
Dessa forma, a interação ocorrida entre os analistas da SERVPUB e da
FABRISOFT solucionando problemas, foi fator determinante para a retomada do
modelo organizacional adotado anteriormente à implantação da “Fábrica de Software”,
conforme denota o depoimento abaixo do analista da SERVPUB:
“(...) na realidade estamos trabalhando da mesma forma que trabalhávamos
antes. Mudam daqui e mudam dali e no final começaram tudo de novo”.
Assim, fica visível que a prática dos desenvolvedores de software é social, que a
interação entre os membros (analistas e usuários) envolvidos é essencial para a
construção do software. Mas, pode-se dizer que apenas a interação não basta para a
construção de um software de qualidade. Precisa-se mais do que isso. As pessoas
envolvidas têm que se constituírem em uma comunidade de prática, cuja característica
“se revela em três dimensões engajamento mútuo, empreendimento comum e
compartilhamento de repertório” (Wenger, apud Frade 2003). Os analistas da
FABRISOFT não integram uma comunidade prática, eles mantêm apenas relações
superficiais com a empresa, impossibilitando a criação em seu ambiente de trabalho das
três dimensões que caracterizam essa comunidade.
Os contratos em curto prazo e a grande rotatividade de pessoal na empresa
terceirizada impedem a formação de laços sociais duradouros, essenciais para a
construção de um software eficiente.
Os laços fracos se concretizam no trabalho em
equipe, onde a equipe passa de tarefa em tarefa e muda o pessoal no caminho
(Sennett, 2003), dessa forma, o profissional não tem comprometimento. O fato da
SERVPUB ser uma empresa pública impõe que o contrato firmado com a fábrica
terceirizada seja por prazo determinado e, se esta não vencer a nova licitação, outra ou
outras fábricas assumirão o seu lugar e terão que reiniciar todo o processo de construção
99
do saber que os analistas da fábrica atual construíram. Isto inviabilizaria por completo o
surgimento de uma comunidade de prática.
A atividade de DS é uma construção social que envolve tanto os usuários quanto
os analistas. Viabilizar ações que conduzam as pessoas envolvidas a se tornarem uma
comunidade de prática é a forma mais coerente para se construir um software que
atenda as necessidades reais do usuário. A utilização do modelo “Fábrica de software”
como forma de garantia de qualidade não resolve os problemas reais existentes na
atividade de desenvolvimento de software. A sistematização da atividade de DS, diante
dos conceitos genéricos das metodologias existentes, não leva aos resultados esperados
de melhoria e podem estar distantes do que o cliente considera qualidade.
Portanto, minimizar os problemas decorrentes da falta de entendimento das
necessidades reais do usuário, que afetam a qualidade do produto, é questão
fundamental a ser enfrentada pelos fabricantes de software, que deverão introduzir
novas formas de organização que permitam a constituição de uma comunidade de
prática.
A autora, ao fazer uma análise crítica da dissertação, acredita que foi possível
demonstrar a dimensão social da atividade de desenvolvimento de software, necessária
para a construção de um software de qualidade. Mas, quanto a proposta de demonstrar a
dimensão artística da atividade de desenvolvimento de software, esta poderia ter sido
melhor evidenciada. No período em que foram realizadas as observações para confirmar
a hipótese da dimensão artística da atividade, os analistas da empresa estudada eram os
responsáveis pela realização das atividades de desenvolvimento de software e não
dispunham de tempo para implementar as auto-confrontações necessárias, segundo a
metodologia utilizada, para explicitar os procedimentos concretos e os significados
latentes do comportamento observável, o que dificultou melhor evidenciar a dimensão
artística da atividade desses profissionais.
No decorrer da presente dissertação foram mencionados alguns outros problemas
que ocorrem na atividade de desenvolvimento de software, tais como, pressão temporal;
falta de documentação; contratos em curto prazo e a rotatividade de pessoal da empresa
terceirizada, que ainda não foram resolvidos e que merecem ser melhor analisados.
100
Capítulo 8 - Referência
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Octarès, 1995.
104
Capítulo 9 - Anexos
Quadro resumo de dados comerciais (consolidado)
-------------------------------------V A L O R
RESIDENCIAL COMERCIAL INDUSTRIAL
NORMAl .... PRODUTO A 96.678.917,67 16.390.316,29 3.656.009,53
PRODUTO E 30.786.588,24 6.361.761,12 1.098.594,88
SUBTOTAL 127.465.505,91 22.752.077,41 4.754.604,41
F A T U R A M E N T 0----------------------------------------
PUBLICO SUBTOTAL OUTROS
TOTAL GERAL
12.629.987,10 129.355.230,59
129.355.230,59
3.715.576,55 41.962.520,79
41.962.520,79
16.345.563,65 171.317.751,38 12.390.596,88 183.708.348,26
--------------------VOLUME FATURADO(m3)------------------ -------------------VOLUME MEDIDO(m3)-------------------------
-
RESIDENC. COMERCIAL INDUSTRIAL PUBLICO TOTAL RESIDENC. COMERCIAL INDUSTRIAL PUBLICO TOTAL
NOR Prod.A 2656888,08 4363219,84 847726,92 2617937,76 50485772,60 41227338,32 4002557,04 836691,12 2544249,52 48610836,00
Prod E 22352974,56 2737515,72 416358,47 1223486,79 26730335,54 21659615,51 2392608,83 387640,27 1179159,39 25619024,00
Subtotal 65009862,64 7100735,56 1264085,39 3841424,55 77216108,14 62886953,83 6395165,87 1224331,39 3723408,91 74229860,00
-----------------------------------IMOVEIS POR PERFIL DO CLIENTE (PRODUTO A E PRODUTO E) - SITUACAO: REAIS------------------------
---------
IMOVEIS SO PRODUTO A IMOVEIS SO PRODUTO E PRODUTO A+ E TOTAL IMOVEIS
NORMAL.................... 1.726.001 43.911 1.439.846 3.209.758
ESPECIAL.................. 18 29 372 419
CONTRATADO................ 102 11 432 545
TOTAL..................... 1.726.121 43.951 1.440.650 3.210.722
-----------------
IMOVEIS
POR PERFIL
DO CLIENTE
-
SUBDIVIDIDO EM CATEGORIAS
--------------------
RESIDENC.
(%)HID
COMERCIAL
(%)HI
INDUSTRIA
(%)HID
PUBLIC
(%)HID
MISTO
(%)HID
TOTAL
(%)HID
NORMAL PRODUTO A
2835.472
99,70
170.839
99,76
19.429
99,78
48.940
99,60
91.170
99,57
3165.850
99,70
PRODUTO E
1316.808
96.79
96.596
95,40
9.742
95,26 16.785
97,62
43.826
96,62
1483.757
96,70
ESPECIAL PRODUTO A
136
100,00
99
100,0
0
38
100,00 35
100,00
82
100,00
390
100,00
PRODUTO E
137
99,27
109
85,32
33
81,81 39
89,74
83
97,59
401
92,76
CONTRATADO PRODUTO A
133
100,00
178
100,0
0
142
100,00 52
100,00
29
100,00
534
100,00
PRODUTO E
126
99;20
167
97,60
86
95,34 40
97,50
24
100,00
443
97,74
TOTAL .... PRODUTO A
2835.741
99,70
171.116
99,76
19.609
99,78 49.027
99,61
91.281
99,57
3166.774
99,70
PRODUTO E
1317.071
96,79
96.872
95,40
9.861
95,22 16.864
97,60
43.933
96,63
1484.601
96,70
105
Capítulo 10 - APÊNDICE
Normas para transcrição
6
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado
(com o gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou timbre)
/ e comé/ e reinicia
Entonação enfática Maiúscula porque as pessoas reTÊM
moeda
Prolongamento de vogal e
consoante (como s,r)
:: podendo aumentar
para::::ou mais
Ao emprestarem os ...
Éh:::... o dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? e o Banco...Central...certo?
Qualquer pausa ... são três motivos... ou três
razões...que fazem com que se
retenha moeda... existe uma...
retenção
Comentários descritivos do
transcritor
((minúscula)) ((tossiu))
Comentários que quebram a
seqüência temática da exposição;
-- -- ... a demanda de moeda – vamos
dar essa notação—
6
Quadro retirado do livro Análise de Textos Orais, Preti, D. (2001:11-12 apud. Soares, 2005).
106
desvio temático demanda de moeda por motivo
Superposição, simultaneidade de
vozes
Indicações de que a fala foi
tomada ou interrompida em
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo
(...) (...) nós vimos que existem...
Citações literais ou leituras de
testos, durante a gravação
“ ” Pedro Lima... ah escreve na
ocasião “O cinema falado em
língua estrangeira não precisa de
nenhuma baRREIra entre nós”...
OBSERVAÇÕES:
1. Iniciais maísuculas: só para nomes próprios ou para siglas
2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá
3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros grifados
4. Não se indica ponto de exclamação
5. Não se anota cadenciamento de frase
6. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como
ponto-e-vírgula, ponto final, dois pontos, vírgula. As reticências
marcam qualquer tipo de pausa.
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