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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DAS CIÊNCIAS
A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA ABORDAGEM CTS
(CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE) NO ENSINO DA QUÍMICA:
UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA
RUTH DO NASCIMENTO FIRME
Recife
2007
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DAS CIÊNCIAS
RUTH DO NASCIMENTO FIRME
A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA ABORDAGEM CTS
(CIÊNCIA-TECNOLOGIA-SOCIEDADE) NO ENSINO DA QUÍMICA:
UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Ensino das Ciências PPGEC da Universidade
Federal Rural de Pernambuco – como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Mestre em Ensino das
Ciências (Área de concentração: Formação de
Professores).
Orientadora: Profa. Dra.Edenia Maria Ribeiro do Amaral
Recife
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DAS CIÊNCIAS
Ruth do Nascimento Firme
A IMPLEMENTAÇÃO DE UMA ABORDAGEM CTS
(CIÊNCIA/TECNOLOGIA/SOCIEDADE) NO ENSINO DA QUÍMICA:
UM OLHAR SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA
Dissertação defendida e aprovada pela Banca Examinadora composta pelos
seguintes professores:
___________________________________________________________________
Profa. Edenia Maria Ribeiro do Amaral, Dra.
Orientadora
___________________________________________________________________
Prof. Wildson Luiz Pereira dos Santos, Dr.
Examinador externo - UnB
__________________________________________________________________________
Profa. Rejane Martins Novais Barbosa, PhD
Examinadora UFRPE
___________________________________________________________________
Profa. Rosane Maria Alencar da Silva, Dra.
Examinadora UFRPE
Dissertação aprovada no dia 08/02/2007 no Departamento de Educação da UFRPE.
3
Para meus pais que foram o começo de tudo e para meus filhos que
serão a continuidade.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus por sua luz divina que orienta, ilumina e equilibra.
À minha família, filhos e esposo, pela compreensão das ausências que esta
construção exigiu.
À minha orientadora, Dra. Edenia Maria Ribeiro do Amaral, pelos momentos de
amizade, companheirismo, atenção e pela socialização de sua brilhante experiência
profissional.
Aos amigos professores de Química pelo carinho e pela fundamental colaboração
para a construção deste texto.
Ao colega João Roberto Ratis Tenório por sua amizade e participação.
À professora Suely Alves da Silva por sua dedicação e amizade em todos os
momentos.
Aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências que tanto se
empenharam em cooperar para o sucesso de todos.
Ao corpo docente e a todos os outros que contribuem de alguma forma para que o
mestrado de Ensino das Ciências se concretize.
5
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo analisar concepções de professores de
Química sobre Ciência, Tecnologia, Sociedade e as inter-relações CTS e a
implementação de uma abordagem CTS em suas salas de aula, buscando identificar
aspectos da prática pedagógica desses professores que podem se constituir como
obstáculos para uma efetiva implementação dessa abordagem. A proposta de
ensino com orientação CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) visa promover a
articulação dos conhecimentos científicos e tecnológicos com o contexto social
possibilitando a compreensão e a avaliação das conseqüências sócio-ambientais
desse desenvolvimento. A implementação de novas perspectivas de ensino, como
por exemplo, a perspectiva de ensino CTS, tem estreita relação com concepções
docentes que podem influenciar a prática pedagógica na sala de aula. Dessa forma
também foram investigadas as concepções dos professores participantes sobre
CTS. Participaram da pesquisa três professores de Química, embora no
acompanhamento na sala de aula essa amostra foi reduzida a dois professores. A
metodologia envolveu atividades como entrevistas individuais, encontros com os
professores, e a observação desses professores em suas salas de aula. A análise
dos resultados revelou que: as articulações CTS promovidas pelos professores em
suas salas de aula foram compatíveis com suas concepções CTS; a falta de
informações técnicas e científicas contribuiu para pouca expressão do aspecto
tecnológico; a velocidade da inovação tecnológica implicou numa complexidade
científica não abordada na sala de aula; o material didático não deu suporte às
discussões na sala de aula implicando numa abordagem limitada quanto ao aspecto
social; a diversidade nas intenções e nas formas de intervenção dos professores
imprimiram uma dinâmica bem diferente das aulas observadas fora da perspectiva
CTS; a abordagem comunicativa promovida pelos professores possibilitou ou limitou
alguns objetivos propostos pela perspectiva CTS de ensino.
Palavras-chave: concepções docentes; abordagem CTS; ensino de Química; prática
pedagógica.
6
ABSTRACT
This research aimed to analyze teachers of chemistry’s conceptions on
Science, Technology and Society and relationships among them, and how they have
implemented the STS approach in their classrooms, looking for aspects of these
teachers’ pedagogical practices that can configure as obstacles for a effectiveness of
this implementation. An approach for teaching with STS (Science-Technology-
Society) orientation intends to promote the articulation between scientific and
technological knowledge with social context, providing a comprehension and
reflection on social and environmental consequences of the scientific and
technological development. The implement of news approaches for science teaching,
for example, STS teaching perspective, has close relation with teachers’ conceptions
about STS which can influence the pedagogical practice in the classroom. Three
teachers of chemistry have taken part in this research, but analysis about
performance in the classroom was made just for two teachers. The methodological
design included activities such as individuals interviews, meeting with teachers, and
observation in the classrooms. The results analysis revealed that: the STS
articulations that were promoted by teachers in there classrooms were compatibles
with their STS conceptions; the lack of technical and scientific information seems to
contribute for limited discussion on technological aspects related to the studied
theme; the increasing advances of the technology results in a scientific complexity
that is not usually discussed in the classrooms; the didactical sources for teachers
and students have not followed the classroom’s demands resulting in a approach
limited related to the social aspect; the variety of intentions and the different ways of
teachers’ interventions resulted in a dynamical performance differently of the
pedagogical practice without a STS perspective; the communicative approach
promoted by teachers have either promoted or limited some objectives that were
proposed by the teaching perspective STS.
Key words: teachers’ conceptions; STS approach; Chemistry teaching; pedagogical
practice.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1 AS INTER-RELAÇÕES CTS (CIÊNCIA-TECNOLOGIA-
SOCIEDADE) ...........................................................................................................
18
1.1 Ciência e Sociedade........................................................................................... 20
1.2 Tecnologia e Sociedade......................................................................................
25
1.3 Ciência e Tecnologia...........................................................................................
27
CAPÍTULO 2 – O MOVIMENTO CTS E O ENSINO DE CIÊNCIAS......................... 31
2.1 Movimento CTS: visão crítica da Sociedade frente à Ciência e à Tecnologia....
31
2.2 Aspectos pedagógicos da Orientação CTS........................................................ 36
CAPÍTULO 3 – A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA PERSPECTIVA CTS.....................
44
3.1 O professor e a abordagem CTS........................................................................
44
3.2 A formação dos professores de ciências, concepções docentes e prática
pedagógica................................................................................................................
46
3.3 Concepções e práticas pedagógicas dos professores na implementação da
abordagem CTS........................................................................................................
51
CAPÍTULO 4 – METODOLOGIA.............................................................................. 55
4.1 Sujeitos da pesquisa...........................................................................................
56
4.2 Procedimentos metodológicos............................................................................
57
4.3 Análise dos dados...............................................................................................
61
CAPÍTULO 5 – RESULTADOS E DISCUSSÕES.....................................................
66
5.1 Análise das concepções dos professores...........................................................
66
5.1.1 Análise das concepções dos professores identificadas nas entrevistas..........
66
5.1.2
Análise das concepções expressas pelos professores no primeiro encontro..
79
5.2 Análise de aspectos das práticas pedagógicas dos professores na
implementação de uma abordagem CTS.................................................................
88
5.2.1 Aspectos da prática pedagógica da professora A............................................
90
5.2.2 Aspectos da prática pedagógica do professor B..............................................
118
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 143
REFERÊNCIAS.........................................................................................................
151
APÊNDICE A – Entrevista semi-estruturada............................................................ 155
APÊNDICE B – Planejamento dos encontros com os professores.......................... 156
APÊNDICE C – CARTÃO-FICHA 1.......................................................................... 159
APÊNDICE D – CARTÃO-FICHA 2.......................................................................... 160
APÊNDICE E – CARTÃO-FICHA 3.......................................................................... 161
APÊNDICE F – Texto trabalhado no segundo encontro com os professores.......... 162
APÊNDICE G Planejamento dos professores para a intervenção didática de
uma abordagem CTS................................................................................................
169
APENDICE H Artigo: INVESTIGANDO CONCEPÇÕES DE PROFESSORES
DE QUÍMICA SOBRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS INTER-
RELAÇÕES: UM ESTUDO PRELIMINAR PARA O DESENVOLVIMENTO DE
ABORDAGENS CTS NA SALA DE AULA................................................................
171
ANEXO A – Texto trabalhado no primeiro encontro com os professores.................
191
ANEXO B – Texto 1A: Nossa vida e as reações de óxido-redução .........................
196
ANEXO C Texto1B: Metais, Sociedade e Ambiente: os metais podem trazer
prejuízos ao meio ambiente? ...................................................................................
200
ANEXO D – Normas para publicação do artigo .......................................................
203
9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Estratégias de ensino de temas CTS .............................................
39
FIGURA 2 – Proposta metodológica para a abordagem CTS.............................
39
10
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Aspectos da Ciência, Tecnologia e Sociedade na abordagem
CTS............................................................................................
40
QUADRO 2 Concepções não adequadas de Ciência e Tecnologia............. 49
QUADRO 3 Perfis dos professores de Química............................................
56
QUADRO 4 Aspectos da estrutura analítica (MORTIMER e SCOTT,
2002)..........................................................................................
62
QUADRO 5 Quatro classes de abordagem comunicativa.............................
63
QUADRO 6 Mapa de atividades da aula 1A ................................................
90
QUADRO 7 Mapa de atividades da aula 2A................................................. 92
QUADRO 8 Síntese da análise do episódio 1A............................................ 100
QUADRO 9 Síntese da análise do episódio 2A............................................ 106
QUADRO 10 Síntese da análise do trecho do episódio 3A............................ 113
QUADRO 11 Síntese da análise da seqüência das aulas da professora A
na implementação de uma abordagem CTS.............................
113
QUADRO 12 Mapa de atividades da aula 1B................................................. 118
QUADRO 13 Mapa de atividades da aula 2B................................................. 120
QUADRO 14 Síntese da análise do episódio 1B............................................ 127
QUADRO 15 Mapa de atividades da aula 3B................................................. 127
QUADRO 16 Síntese da análise do episódio 2B............................................ 133
QUADRO 17 Síntese da análise do episódio 3B............................................ 136
QUADRO 18 Síntese da análise da seqüência das aulas do professor B na
implementação de uma abordagem CTS..................................
137
QUADRO 19 Análise contrastiva entre as abordagens dos professores A e
B................................................................................................
141
11
LISTA DE EPISÓDIOS
EPISÓDIO 1A CONTEXTUALIZANDO AS REAÇÕES DE ÓXIDO-
REDUÇÃO NA SALA DE AULA..............................................
96
EPISÓDIO 2A ABORDANDO OS CONCEITOS QUÍMICOS NA SALA DE
AULA.......................................................................................
101
EPISÓDIO 3A AMPLIANDO REFLEXÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DO
DESCARTE DAS PILHAS E BATERIAS NA SALA DE
AULA.......................................................................................
107
EPISÓDIO 1B INTRODUZINDO A TEMÁTICA SOCIAL NA SALA DE
AULA.......................................................................................
121
EPISÓDIO 2B ARTICULANDO OS CONCEITOS QUÍMICOS NA SALA DE
AULA.......................................................................................
129
EPISÓDIO 3B RETOMANDO A TEMÁTICA SOCIAL NA SALA DE AULA...
133
12
INTRODUÇÃO
Até pouco tempo, acreditava-se que a ciência e a tecnologia seriam
responsáveis pelo progresso da humanidade e por isso, não eram alvos de um olhar
mais crítico (BUSTAMANTE, 1997). No entanto, desde meados dos anos 60, vem
crescendo um sentimento generalizado de que o avanço científico e tecnológico não
possui uma relação linear com o bem-estar social (AULER e BAZZO, 2001).
A tomada de consciência da sociedade acerca dos problemas ambientais
causados pelo avanço da ciência e da tecnologia fez com que o sonho de que o
progresso científico e tecnológico resolveria todos os males da humanidade
chegasse ao fim. E assim, desde então se tenta estabelecer uma nova forma de ver
as inter-relações entre Ciência-Tecnologia-Sociedade (LINSING, 1999).
Nos dias de hoje, percebemos relações cada vez mais intrínsecas e
complexas entre as descobertas científicas, as inovações tecnológicas e as formas
de vida de uma sociedade. A influência que a ciência e a tecnologia desempenham
no cotidiano da maioria das pessoas modifica de maneira substancial,
comportamentos, atitudes e formas de pensar e agir (GIL PÉREZ e VILCHES, 2003).
Uma análise mais crítica acerca das inter-relações ciência-tecnologia-sociedade nos
mostra que nem sempre o desenvolvimento científico e tecnológico promove, de
forma linear, melhoria na qualidade de vida das pessoas. Se considerarmos a
situação atual do mundo, observamos vários problemas ambientais que reforçam a
necessidade de se compreender melhor a relação risco-benefício do
desenvolvimento científico e tecnológico. Dentre outros problemas ambientais,
podemos citar: a contaminação do solo pelos metais pesados, plásticos não-
biodegradáveis e outros; a contaminação das águas superficiais e subterrâneas por
líquidos poluidores liberados pelas indústrias; a contaminação do ar por processos
industriais; a contaminação acústica pela atividade industrial e pela falta de
planejamento urbanístico, etc. (GIL PÉREZ e VILCHES, 2003).
No âmbito escolar, o reconhecimento da necessária articulação dos
conhecimentos científicos e tecnológicos com o contexto social, com o objetivo de
13
preparar cidadãos capacitados a julgar e avaliar as conseqüências do
desenvolvimento científico e tecnológico, e participar da tomada de decisões
fundamentadas, se constitui, a nosso ver, como um dos possíveis direcionamentos
para o ensino de Ciências. Nesse sentido, a educação científica e tecnológica vem
sendo considerada como aspecto prioritário para o desenvolvimento de um país,
uma vez que um país será mais democrático quanto maior for a participação de seus
cidadãos na tomada de decisões (GIL PÉREZ, 1998).
No contexto do ensino da Química, Santos e Schnetzler (1996) sugerem que,
além de preparar o indivíduo para usar racionalmente o conhecimento químico,
sejam desenvolvidos no mesmo, atitudes e valores de participação social. Dessa
forma, consideramos que os alunos precisam se apropriar do conhecimento químico
para argumentarem de maneira crítica e reflexiva sobre os efeitos ambientais
causados pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Isso por que é a partir
desse conhecimento que o indivíduo terá condições de participar de contextos
sociais e fazer suas opções de julgamento.
Nessa perspectiva, na Educação em Ciências encontramos diversos
trabalhos que apresentam propostas para o ensino a partir de uma orientação
curricular CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade). O objetivo de promover a
capacitação das pessoas para que possam participar de tomadas de decisões
responsáveis acerca da qualidade de vida em uma sociedade impregnada de ciência
e tecnologia, é proposto pela perspectiva de ensino CTS (ACEVEDO, 1996a). Na
orientação CTS são tratadas problemáticas sócio-ambientais, são selecionados
conceitos da ciência e da tecnologia pertinentes, e levantadas questões sobre as
implicações sociais do desenvolvimento científico e tecnológico (MARTINS, 2002).
Dessa forma, concordamos com Acevedo (1996b), quando menciona que o
tratamento das inter-relações CTS no ensino de Ciências possibilita ao professor:
proporcionar, aos alunos, uma visão mais adequada da ciência e da tecnologia ao
situá-las no contexto social; promover, no processo ensino-aprendizagem, uma
maior coerência epistemológica; e potencializar a dimensão ética centrada na
14
educação de valores que desenvolva nos cidadãos posicionamentos críticos e
reflexivos.
Na literatura, são apontados vários fatores que justificam a implementação da
orientação CTS no ensino de Ciências, entre eles:
Visa promover a alfabetização científica e tecnológica para divulgar
conhecimentos para a população para que as tomadas de decisões dos
técnicos possam ser compreendidas e controladas democraticamente
(FOUREZ, 1994).
[...] Hoje mais do que nunca, é necessário fomentar e difundir a alfabetização
científica [...] a fim de melhorar a participação dos cidadãos na tomada de
decisões relativas à aplicação de novos conhecimentos (Conferência Mundial
sobre a Ciência, Budapeste, 1999 em CACHAPUZ et al, 2005, p. 20).
A abordagem CTS permite uma aprendizagem significativa vinculada aos
acontecimentos reais do mundo e da sociedade (TEIXEIRA, 2003).
O ensino da Química [...] deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos
processos químicos em si, quanto da construção de um conhecimento
científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas
implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (BRASIL, 1999, p.
240).
Entretanto, consideramos pertinente observar que a implementação de novas
abordagens de ensino, como por exemplo, a abordagem CTS, depende de um
processo de formação de professores, os quais se constituem, a nosso ver, como
agentes principais em qualquer inovação pedagógica. Assim, “não adianta apenas
inserir temas sociais no currículo, sem qualquer mudança na prática e nas
concepções pedagógicas” dos professores (SANTOS e MORTIMER, 2000, p. 157).
Nesse sentido, alguns trabalhos da literatura (MARTINS, 2002; ACEVEDO,
1996b; FONTES e CARDOSO, 2006) apontam dificuldades encontradas pelos
15
professores para uma efetiva implementação da orientação CTS em suas salas de
aulas, tais como: o fato dos cursos de formação de professores serem basicamente
no formato disciplinar e não acompanharem as novas tendências propostas para a
educação científica, como por exemplo, a contextualização da ciência nos âmbitos
tecnológico e social; muitas vezes, os docentes apresentam concepções e crenças
não adequadas a essa proposta de ensino; a estruturação seqüencial encontrada
nos programas escolares; e os recursos didáticos ainda escassos.
Nesse contexto, de acordo com Acevedo (1996b), existe um abismo entre os
objetivos do ensino de Ciências e o que realmente se faz na sala de aula, ou seja,
os objetivos pretendidos para o ensino de Ciências numa orientação CTS não
predizem as práticas pedagógicas dos professores. Diante dessa realidade,
buscamos, neste trabalho, respostas para o seguinte problema de pesquisa: Como
professores de Química compreendem ciência, tecnologia, sociedade e inter-
relações CTS, como implementam uma abordagem CTS em suas salas de aula
e que relações suas concepções guardam com aspectos de suas práticas
pedagógicas durante a implementação?
Para Praia e Cachapuz (1993, apud MALDANER, 2000), existe uma explícita
relação entre as concepções docentes e as práticas pedagógicas em sala de aula, o
que nos levou inicialmente a identificar as concepções prévias dos professores de
química, acerca da ciência, da tecnologia, da sociedade, e das inter-relações CTS.
Fundamentadas nas idéias de Acevedo (1996b), entendemos que a
incorporação dos aspectos CTS nos programas de formação inicial e continuada dos
professores promove um maior envolvimento dos professores com a proposta de
ensino CTS e que reflexões epistemológicas acerca da ciência, tecnologia,
sociedade, bem como das interações entre essas três instâncias, se constituem
como o cerne no processo de implementação de uma abordagem CTS, pois
possibilita, ao professor, uma maior clareza do significado que cada instância tem
nesta proposta de ensino. Nesse sentido, nos propomos a promover encontros com
os professores envolvidos na pesquisa, com os objetivos de propiciar um processo
de discussão e reflexão sobre aspectos centrais da ciência, da tecnologia e da
sociedade, no contexto da orientação CTS, e de subsidiar a proposição e aplicação,
16
por estes professores, de uma intervenção didática a partir de uma abordagem CTS.
Em seguida, observamos a implementação da intervenção didática de uma
abordagem CTS nas salas de aulas de dois professores, e procuramos identificar, a
partir de uma observação sistemática, dificuldades apresentadas por eles durante a
implementação.
Em resumo, na busca de respostas para o problema de pesquisa delineado
foram propostos os seguintes objetivos:
Objetivo geral
Analisar concepções de professores de química sobre ciência, tecnologia e
sociedade, e aspectos da prática pedagógica desses professores que podem se
constituir como obstáculos na implementação de uma abordagem CTS em suas
salas de aulas.
Objetivos específicos
Identificar as concepções prévias dos professores de química acerca da ciência,
tecnologia, sociedade e das inter-relações CTS;
Promover encontros com os professores com os objetivos de propiciar um processo
de discussão e reflexão sobre aspectos centrais da ciência, tecnologia, e da
sociedade na perspectiva de ensino CTS, e de subsidiar a proposição e aplicação
pelos professores de uma intervenção didática com abordagem CTS;
Identificar a partir de uma observação sistemática, dificuldades apresentadas pelos
professores durante a implementação da abordagem CTS em suas salas de aula.
Dessa forma, justificamos esta pesquisa por uma intenção nossa em
colaborar com pesquisas educacionais que buscam um ensino de Química
concebido como instrumento para a formação do cidadão crítico e reflexivo. Tivemos
as concepções e
a prática pedagógica de professores de química como nosso
objeto de estudo, e partimos da premissa que, concepções docentes que se
17
apresentam como visões consideradas não adequadas de ciência, de tecnologia e
de sociedade (CACHAPUZ et al, 2005) podem comprometer a compreensão das
inter-relações CTS, e favorecer aspectos da prática pedagógica que
descaracterizam os objetivos e as especificidades da perspectiva de ensino CTS.
Nesse sentido, tais concepções podem se constituir como principais obstáculos na
implementação de uma abordagem CTS na sala de aula, considerando que a prática
pedagógica é influenciada pelas concepções que os professores têm acerca das
diversas questões pedagógicas.
A dissertação contempla cinco capítulos. No capítulo 1, abordamos aspectos
da ciência, tecnologia, sociedade e das inter-relações CTS tomando por base
discussões de diversos autores. No capítulo 2, apresentamos uma discussão a
respeito da origem do movimento CTS, das perspectivas geradas por esse
movimento para o ensino de Ciências, dos aspectos pedagógicos da Orientação
CTS, e dos problemas atuais no ensino de Ciências que podem se constituir como
justificativas para a implementação da perspectiva CTS de ensino no âmbito das
disciplinas científicas. No capítulo 3, abordamos aspectos da prática pedagógica de
professores numa perspectiva de ensino CTS e aspectos das relações entre
formação de professores, concepções docentes e práticas pedagógicas. No capítulo
4, descrevemos os procedimentos metodológicos e os fundamentos da análise dos
dados, e no capítulo 5, analisamos e discutimos os resultados da pesquisa. E
finalmente, apresentamos as considerações finais.
18
CAPÍTULO 1 AS INTER-RELAÇÕES CTS (CIÊNCIA-TECNOLOGIA-
SOCIEDADE)
... Será necessária uma consciência social
que
avalie e assuma riscos e
benefícios, um controle
social dos ditos processos e uma cultura tecnológica
nos cidadãos dessa nova aldeia global...
Bustamante
Em meados dos anos 60, a concepção das pessoas acerca das relações
entre ciência, tecnologia e sociedade era a de que o progresso da ciência e da
tecnologia conduzia linearmente ao progresso social. Essa no progresso impedia
um olhar mais criterioso da sociedade em relação à ciência e à tecnologia, pois se
acreditava que ambas eram neutras e promoveriam benefícios a todas as classes
sociais. Entretanto, comprovou-se mais tarde que a relação linear de progresso não
beneficiou a todos e, se constituiu como um dos principais fatores de estratificação
social (BUSTAMANTE, 1997).
Atualmente, percebemos que as inter-relações entre ciência, tecnologia e
sociedade parecem ser complexas e difusas e, que a ciência e a tecnologia não são
neutras, muito pelo contrário, são processos nos quais interesses sociais, históricos,
políticos e econômicos exercem influência de maneira determinante. Nesse sentido,
como integrantes do sistema em que essas inter-relações se constituem, precisamos
compreendê-las, e para contribuir com isso, neste trabalho propomos uma discussão
acerca de aspectos CTS que poderiam ser explorados na escola.
Desde o início dos tempos homens e mulheres têm vivido agrupados. A
tendência natural para viver em sociedade é característica da natureza humana uma
vez que a vida em grupo é condição necessária para a sobrevivência humana
(OLIVEIRA, 1996). Esses agrupamentos que representam a sociedade incluem
“todas as espécies e todos os graus de relações estabelecidas pelos os homens,
sejam elas organizadas ou não organizadas, diretas ou indiretas, conscientes ou
inconscientes, cooperativas ou antagônicas” (CHINOY, 1967, p. 53).
19
Numa perspectiva mais ampla, para Parsons (1996), sociedade é um tipo de
sistema social, em qualquer universo de sistemas sociais que como sistema, atinge
o mais elevado nível de auto-suficiência em relação aos seus ambientes.
Outra concepção de sociedade é apresentada por Giddens (2004). Para esse
autor, “sociedade é um sistema estruturado de relações sociais que liga as pessoas
de acordo com uma cultura compartilhada” (p. 704). Nesse sentido, entendemos que
toda sociedade possui uma cultura a qual define as formas de pensar e agir de seus
integrantes. Dessa forma:
A cultura compreende os bens materiais, de um modo geral, como
utensílios, ferramentas, moradias, meios de transporte, comunicação
e outros. E também os bens não-materiais, como as representações
simbólicas, os conhecimentos, as crenças e os sistemas de valores,
isto é, o conjunto de normas que orienta a vida em sociedade
(OLIVEIRA, 1996, p. 104).
Consideramos conforme Oliveira (1996), que cada sociedade constrói uma
cultura própria. Atualmente, percebemos nas sociedades contemporâneas
complexas um ritmo acelerado das alterações nas formas de vida das pessoas. Em
outras palavras, as mudanças sócio-culturais estão acontecendo muito rapidamente,
tanto por forças endógenas (internas) devido às invenções científicas e tecnológicas,
como por forças exógenas (externas) devido às influências de outras culturas. Nesse
contexto, a cultura tem papel fundamental na vida dos indivíduos de uma sociedade
por proporcionar o conhecimento e a técnica que possibilitam a sobrevivência física
e social dos indivíduos e por permitir a dominação e o controle, quando possível, do
mundo que os rodeia (CHINOY, 1967).
A integração da ciência e da tecnologia na esfera social advém do profundo e
determinante papel que ambas desempenham na modificação de comportamentos,
atitudes, formas de relação social, e formas de fazer, pensar e sentir dos indivíduos
de uma sociedade (BUSTAMANTE, 1997).
20
1.1 Ciência e Sociedade
A ciência, componente fundamental da cultura dos indivíduos nos dias atuais,
se faz presente em diferentes esferas de nossas vidas. Não é mais um
conhecimento restrito à escola ou aos grupos específicos da sociedade. Pelo
contrário, a ciência valida, questiona e influencia nas decisões éticas, políticas,
econômicas que atingem a humanidade como um todo (DELIZOICOV et al, 2002).
Segundo Freire-Maia (2000), os filósofos da ciência não costumam propor
definições de ciência uma vez que toda definição seria incompleta, o problema é
complexo e dificilmente dois filósofos da ciência concordariam sobre como definir
todo o objeto de seus estudos. Devido a sua complexidade, eles não conseguiriam
apresentar a ciência numa formulação restrita, e assim toda definição seria
incompleta. O que há são diferentes conceitos de ciência. Considerando a ciência no
meio social, para Freire-Maia, a ciência “representa um corpo de doutrinas gerado
ou em geração num meio social específico e, obviamente, sofrendo influências dos
fatores que compõem a cultura de que se faz parte(FREIRE-MAIA, 2000, p. 128).
Dessa forma, a ciência, de natureza social, se constrói com profundas relações com
o meio no qual é gerada.
Nessa perspectiva, uma das características da ciência é a historicidade.
Segundo Kneller (1980), a ciência é intrinsecamente histórica. Um olhar através da
História mostra que a finalidade da ciência sempre foi de compreender a ordem da
natureza. E nesta busca, a construção do conhecimento científico, as técnicas pelo
qual esse conhecimento é produzido, as regras de pesquisas que produzem esse
conhecimento e as instituições que as apóiam, mudam em resposta ao mundo social
e cultural a que pertencem.
Conforme Kneller (1980), a ciência é histórica na medida em que:
É uma atividade, uma instituição e um conjunto de conhecimentos que
mudam no tempo;
Tende a ser cumulativa, pelo fato de que a investigação para a solução de
uma problemática é decorrente da solução de um problema anterior;
21
A construção do conhecimento científico é passível de revisões e/ou
reconstruções à luz de novas teorias.
Assim, “se quisermos entender o que a Ciência realmente é, devemos
considerá-la em primeiro lugar e acima de tudo como uma sucessão de movimentos
dentro do movimento histórico mais amplo da própria civilização” (KNELLER, 1980,
p. 13).
Outro aspecto que podemos incluir na discussão sobre a ciência é a
compreensão de que ela não se constitui de verdades eternas. Fourez (1995)
aponta duas perspectivas para o desenvolvimento de conceitos científicos que têm
repercussão nas representações a respeito da ciência: a perspectiva idealista e a
perspectiva histórica. Na perspectiva idealista, a ciência descobre as “leis imutáveis
da natureza”. Sob tal perspectiva, os conceitos científicos não são construções com
vistas a organizar a nossa forma de compreensão do mundo, e sim “descobertas”
(aspas do autor) daquilo que sempre esteve presente na natureza e por isso tais
descobertas corresponderiam às verdades absolutas. Na perspectiva histórica, a
ciência é “feita pelos e para os humanos” (p.252) e suas representações são
construções históricas em um dado contexto. Nesse sentido, de acordo com Fourez
(1995), na visão idealista, caracterizada pela aceitação de leis eternas que
determinam o real, as idéias, independentes das condições sociais, políticas,
econômicas, culturais etc., conduzem à compreensão do mundo. E, na visão
histórica, as representações científicas, resultado de uma evolução inerente à
história da humanidade, são construídas tendo em vista determinados projetos, ou
seja, os conceitos científicos são construídos geralmente no “momento em que um
problema de sociedade os torna úteis” (FOUREZ, 1995, p. 240).
A nosso ver, a perspectiva histórica para construção dos conhecimentos
científicos condiz com o contexto da sociedade contemporânea na medida em que
esses conhecimentos são gerados e condicionados pelas expectativas de um
contexto sócio-cultural constituído por interesses de diversas ordens.
Dessa forma, “a ciência no mundo moderno inclui, além de um conjunto de
conhecimentos, uma série de valores, convenções e práticas que governam o
22
comportamento dos cientistas [...] A ciência é uma das instituições da sociedade [...]
(CHINOY, 1967, p. 563).
A ciência é construída num meio intelectual constituído por visões de mundo e
ideologias (conjunto de crenças) que impregnam o pensamento e o sentimento de
sociedades e classes sociais. Sendo assim, tanto sofre influência de diversos fatores
que agem na cultura e na sociedade de seu tempo, como exerce influência sobre o
contexto sócio-cultural no qual está inserida (KNELLER, 1980).
Dentre os fatores sócio-culturais que influenciam as atividades científicas,
podemos citar, de acordo com Kneller (1980):
Filosofia a influência das questões filosóficas no desenvolvimento científico é
observada historicamente. Muitos pressupostos que orientaram e orientam os
cientistas foram estudados por filósofos. Alguns exemplos de tal influência
podem ser elucidados. Bohr quando propôs que o elétron salta de forma
descontínua entre os níveis energéticos, foi influenciado pela teoria de
Kierkegaard de que o indivíduo salta de um estado moral para outro. Heisenberg
foi orientado pela teoria de Platão de que os constituintes básicos do universo
são relações matemáticas. E Einstein sofreu influências da análise de Ernst
Mach dos conceitos newtonianos de espaço e tempo;
Religião como movimento cio-cultural e fonte de idéias, a religião exerce
influência sobre a ciência por duas vertentes: dotando os indivíduos da ciência
com crenças sobre o homem e sobre o mundo; e fornecendo apoio ou oposição
à pesquisa científica. Podemos citar como exemplo, os conflitos que ocorreram
entre a igreja e a pesquisa científica quando Galileu defendeu a teoria de
Copérnico, e quando Darwin defendeu a teoria da evolução;
Opinião pública a sensibilidade da ciência frente à opinião pública é percebida
historicamente. Após a Segunda Guerra Mundial, a ciência passou a ser vista
como fonte exclusiva de tecnologias para elevar o padrão de vida das pessoas.
Entretanto no fim da década de 60, a tomada de consciência pela população da
vinculação do desenvolvimento científico e tecnológico às guerras provocou um
23
desencanto geral, o que levou os cientistas a procurarem desenvolver estudos
socialmente responsáveis denunciando os abusos da ciência na guerra e na
indústria;
Educação o desenvolvimento científico é acelerado ou retardado pelos
objetivos educacionais no qual é produzido. Dessa forma, percebemos que a
educação pode facilitar ou dificultar o avanço da ciência. Um exemplo desta
relação foi o fato de que até os fins do século XIX, a educação norte-americana
não apresentou nenhuma contribuição significativa para o progresso científico,
porém quando os americanos foram surpreendidos com o desenvolvimento
espacial soviético na década de 50, a educação científica se converteu em
prioridade nacional;
Política as direções das pesquisas científicas são influenciadas por interesses
políticos. Um exemplo significativo de tal influência foi o fato de que nas duas
grandes guerras mundiais os governos aumentaram drasticamente o seu
envolvimento com a ciência na busca por invenções de armas, explosivos,
mísseis, etc.;
Economia – como as pesquisas científicas são dispendiosas, torna-se necessário
um investimento econômico que pode ser oferecido pelo setor governamental ou
pelos interesses comerciais. Este fato justifica a estreita relação entre as
pesquisas científicas e os fatores econômicos.
Entretanto, a ciência também exerce influência sobre a organização social e
cultural na qual ela é produzida. Segundo Kneller (1980), essa influência pode
ocorrer principalmente de três formas:
Como força de produção – a ciência, como um conjunto de conhecimentos,
promove a partir da aplicação desses conhecimentos novos mecanismos e
processos tecnológicos.
Como todo de investigação e código de conduta - o método e a conduta
característicos da ciência foram propostos por alguns cientistas para serem
24
adotados pela sociedade. Exemplificando este tipo de influência, podemos
mencionar que na Inglaterra vitoriana um grupo de cientistas procurou fazer da
ciência, em lugar da religião, a força dominante da cultura nacional.
Como fonte de idéias O conhecimento científico fornece idéias para outros
campos de conhecimento e contribui para a construção de visões específicas de
mundo. Dois exemplos podem ser citados: a crença no progresso através da
ciência como elemento relevante na visão do mundo das sociedades ocidentais e
as mudanças que a Biologia molecular está provocando sobre a natureza
humana a partir da possibilidade da alteração dos genes. No primeiro caso, um
tipo de crença foi discutido pela primeira vez por Bacon a partir de sua tese
“saber é poder”, que vinculava o desenvolvimento científico ao progresso em
geral.
Segundo Habermas (1973, apud FOUREZ, 1995), as concepções acerca das
interações entre ciência e sociedade podem ser identificadas a partir de três
modelos de interação:
Interações tecnocráticas modelo pelo qual a ciência, representada pelos
especialistas, determina o direcionamento das políticas públicas adotadas por
saberem o que é melhor para a sociedade. Neste sentido, “para o modelo
tecnocrático as decisões cabem aos especialistas” (FOUREZ, 1995, p. 209).
Interações decisionistas neste modelo os objetivos a serem atingidos são
delineados pela sociedade e a ciência, a partir de seus conhecimentos, define
os meios mais adequados para atingi-los. Nesta perspectiva, diminui-se a
dependência em relação aos técnicos e se “faz uma distinção entre
tomadores de decisões e técnicos” (FOUREZ, 1995, p. 209).
Interações pragmático-políticas esse modelo de interação pressupõe uma
negociação e uma discussão que consideram tanto os conhecimentos
científicos quanto as representações sócio-políticas, consolidando uma
relação permanente de negociação entre especialista e indivíduo comum.
25
No contexto das interações entre ciência e sociedade nos dias atuais
consideramos que o modelo tecnocrático está bastante presente, uma vez que há
uma tendência de se recorrer aos especialistas pressupondo-se que estes, graças
aos seus conhecimentos, são capazes de decidir o que se deve fazer.
Para ampliar as discussões apresentadas acima, vamos incluir aspectos do
desenvolvimento tecnológico associado ao progresso científico e que apontam para
a aproximação entre tecnologia e sociedade nas inter-relações ciência-tecnologia-
sociedade.
1.2 Tecnologia e Sociedade
As sociedades atuais estão impregnadas com os artefatos tecnológicos. De
um modo geral, os indivíduos de uma sociedade conhecem e utilizam diversos
produtos tecnológicos como o telefone, a televisão, o computador, as fontes de
energia etc. Dessa forma, “os materiais com que uma sociedade satisfaz suas
necessidades incluem, ao mesmo tempo, os recursos e a tecnologia que transforma
os recursos nas coisas que os homens desejam” (CHINOY, 1967, p. 418).
Vivemos numa época em que os artefatos tecnológicos promovem mudanças
culturais. A tecnologia, por meio de invenções históricas como a do relógio, da
imprensa, do telégrafo e do computador, modificou a forma de ser, perceber,
produzir e viver de uma sociedade (DELIZOICOV et al, 2002). Nessa perspectiva, a
“tecnologia é o conhecimento que permite alterar nossas relações com o ambiente e
com outros seres humanos” (HELENE, 1996, p. 11).
A palavra tecnologia é derivada do substantivo grego techne, que significa
arte ou habilidade (KNELLER, 1980). Tal significação caracteriza a tecnologia como
algo essencialmente prático relacionado mais com as alterações existentes no
mundo do que com a sua compreensão. Segundo Kneller (1980, p. 268), tecnologia
“é o empreendimento historicamente em desenvolvimento que consiste em construir
artefatos e organizar o trabalho para satisfazer necessidades humanas”. Nesse
sentido, dentre os objetivos da tecnologia está o de aumentar a eficiência da
26
atividade humana, de aperfeiçoar determinados objetivos, e de melhorar a produção
reduzindo o tempo e o custo envolvidos no processo (KNELLER, 1980).
Outro aspecto a ser considerado sobre a tecnologia é discutido por Fourez
(1995). Para este autor, a tecnologia é um conjunto de elementos materiais que
determina o tipo de vida social de um grupo, sendo assim, a tecnologia se
caracteriza como um sistema social. Tal percepção também é apresentada por
Solomon (1988, apud SANTOS e SCHNETZLER, 1997, p. 61) quando expressa que
a tecnologia é a “aplicação de diferentes formas de conhecimento no atendimento às
necessidades sociais”, o que corresponde, em outras palavras, a um processo de
produção social. Dessa forma, entendemos que, se as contribuições tecnológicas
partem das necessidades sociais e ao mesmo tempo influenciam e modificam as
vidas das pessoas, a tecnologia constitui-se como um processo cultural.
A relação da tecnologia com a sociedade pode ser discutida sob vários
aspectos. A tecnologia promove efeitos sobre a sociedade e pode trazer tanto
benefícios como malefícios. Segundo Kneller (1980), o desenvolvimento tecnológico
interferiu no ambiente natural e causou uma teia de efeitos físicos, químicos e
biológicos. Para atenuar essa problemática, uma das formas de ação apresentada
pelo o autor é a avaliação da tecnologia, ou seja, a avaliação dos efeitos nocivos à
humanidade, decorrentes da inovação tecnológica. Questões do tipo - “de que modo
o produto ou processo proposto afetará a saúde, a segurança e a qualidade de vida
humana?” E, “que efeitos a inovação tecnológica terá sobre o meio ambiente?” (p.
266) (grifo nosso) - podem ser utilizadas para uma avaliação do progresso científico
e tecnológico com vistas a uma conscientização dos sujeitos que deveriam assumir
um compromisso social diante dos problemas sócio-ambientais. Nesse sentido,
podemos citar algumas inovações tecnológicas bem intencionadas que provocaram
e provocam efeitos negativos à sociedade, dentre inúmeras outras. Nos sistemas de
transporte, os avanços tecnológicos proporcionaram mais conforto e rapidez na
movimentação das pessoas, porém os motores de combustão interna desses
mesmos sistemas poluem o ar, e a energia nuclear que disponibiliza uma
indiscutível fonte energética no caso de acabarem as reservas de combustíveis
fósseis, aumenta a possibilidade de um holocausto nuclear (KNELLER, 1980).
27
Nessa perspectiva, Chinoy (1967) faz um alerta em relação à evolução
científica e tecnológica na sociedade. Os objetos materiais utilizados sem referência
às crenças e aos valores, podem induzir facilmente em erro, uma vez que as
máquinas ou instrumentos pouco serão úteis aos homens se estes não tiverem
conhecimentos e habilidades necessários para utilizá-los. Assim, as idéias, os
conhecimentos, os valores, as crenças, e os aparatos materiais estão
intrinsecamente interligados. Como podemos descrever os artefatos culturais, sem
conhecermos “os usos, as atitudes tomadas em relação a eles e o conjunto de
habilidades e conhecimentos necessários para produzi-los?” (CHINOY, 1967, p. 67).
Kneller (1980) aponta três tipos de posicionamentos quanto à forma como as
pessoas concebem a tecnologia: concepções pessimistas, que consideram a
tecnologia como um mal implacável; concepções otimistas, que expressam idéias de
que através da tecnologia o homem pode recuperar o domínio da natureza; e
concepções moderadas, que consideram que não se colhe os benefícios da
tecnologia sem correr alguns riscos. Tomando por base a concepção moderada,
entendemos que a grande questão é sabermos, como cidadãos, avaliar a relação
risco-benefício dos avanços tecnológicos, de modo que tais avanços satisfaçam as
necessidades humanas mais eficazmente.
A perspectiva do risco-benefício, dentre outras, pode contribuir para a
caracterização das inter-relações entre os conhecimentos científicos e tecnológicos
implicadas na rede de relações discutidas neste trabalho.
1.3 Ciência e Tecnologia
Inicialmente, colocaremos em discussão distinções entre ciências puras,
ciências aplicadas e tecnologias com o objetivo de promovermos uma melhor
compreensão de suas representações. Como estas três noções são utilizadas
comumente quando se fala de ciência, entendemos como necessário uma descrição
das noções culturalmente mais aceitas. Dessa forma, chama-se de ciências puras a
uma atividade científica que se concentra na aquisição de novos conhecimentos e
que não tem como objetivo direto a aplicação desses conhecimentos. As ciências
aplicadas referem-se a uma atividade científica com destinação social direta. E as
28
tecnologias são aplicações concretas e operacionais em um dado contexto social
(FOUREZ, 1995).
Além das discussões sobre as especificidades da ciência e da tecnologia no
contexto social, consideramos como aspecto importante as concepções acerca das
inter-relações entre a ciência e a tecnologia. Percepções contemporâneas das inter-
relações entre a ciência e a tecnologia podem conduzir a um entendimento unilateral
e limitado de que é a ciência que permite o desenvolvimento tecnológico. Segundo
Fourez (1995) tal percepção não se fundamenta a partir de uma análise histórica,
uma vez que “na verdade, muitas vezes foi a técnica que esteve em avanço em
relação às compreensões teóricas. Havia máquinas a vapor, por exemplo, bem
antes que se falasse no ciclo de Carnot” (p. 169). Para este autor, o casamento da
ciência com a tecnologia, ocorreu de acordo com o contexto histórico. Assim em
determinada época, a técnica precedeu a ciência, “o desenvolvimento da química no
século XIX, na Alemanha, foi fortemente condicionado pelas indústrias de corantes”
(p.169).
Na análise acerca do modo como a ciência e a tecnologia se relacionaram no
curso da história, Kneller (1980), aponta essa relação sob três pontos de vista: o
primeiro considera que a partir do século XVII, as inovações tecnológicas se
fundamentaram em leis, teorias e dados estabelecidos pela ciência pura; o segundo
considera que na inter-relação ciência-tecnologia, a tecnologia foi parceira decisiva
da ciência, uma vez que foram as necessidades tecnológicas que deram vigor e
direção à pesquisa científica; e um terceiro ponto de vista, considera que a ciência e
a tecnologia se desenvolveram independentemente uma da outra. Segundo este
último, até a primeira metade do século XIX, a maior parte dos progressos
tecnológicos utilizaram conhecimentos práticos e não conhecimentos científicos.
Martins (2003) discute que a relação entre a ciência e a tecnologia tem sido
percebida ao longo dos anos sob diferentes óticas, e apresenta as cinco principais
concepções para expressar tal relação:
A ciência é redutível à tecnologia;
A tecnologia é redutível à ciência;
29
Ciência e tecnologia são a mesma coisa;
Ciência e tecnologia são domínios independentes;
Existe uma interação entre a ciência e a tecnologia.
Parece-nos que a segunda concepção apresentada por Martins é a mais
comum. Essa concepção considera a tecnologia como ciência aplicada, cujos
princípios e conceitos são dependentes dos princípios e conceitos científicos, o que
remete a dependência do desenvolvimento tecnológico ao desenvolvimento
científico. Entretanto, Valdés et al (2002) questiona tal concepção. De acordo com
este autor, uma vez que os conhecimentos científicos, muitas vezes, sugerem novos
direcionamentos para os processos tecnológicos, não quer dizer que o produto
tecnológico derive diretamente desses conhecimentos. O fato é que a ciência e a
tecnologia o domínios distintos, que se influenciam mutuamente na forma como
consolidam os saberes que lhes são próprios (MARTINS, 2003).
um consenso que a partir do século XX, as relações entre a ciência e a
tecnologia, tornaram-se mais íntimas e sistemáticas. Dessa forma, a relação ciência-
tecnologia se estreita uma vez que:
O progresso material é realizado mediante a construção contínua de
novos mecanismos produtores de riqueza e eficiência, os quais são
fabricados e operam de acordo com as leis e teorias científicas. O
progresso tecnológico é mantido tanto para justificar o progresso da
Ciência, que torna possível o primeiro, como para fornecer provas
visíveis desse progresso. Assim, o contínuo progresso intelectual da
humanidade inclui, e o contínuo progresso material da humanidade
exige o progresso tanto da ciência como da tecnologia,
indistintamente (KNELLER, 1980, p. 252).
Assim, se durante muito tempo, a ciência e a tecnologia se desenvolveram
independentemente, hoje a ciência e a técnica estão ligadas de tal forma “que se
torna difícil determinar quais desenvolvimentos são considerados ‘técnicos’ e quais
‘científicos’” (FOUREZ, 1995, p. 170).
Diante das discussões apresentadas, sentimos a necessidade de retomar a
concepção de sociedade que parece prevalecer ao longo das discussões neste
trabalho. Compreendemos a sociedade como um sistema social, organizado e
30
estruturado, no qual uma cultura é compartilhada por todos os seus integrantes.
Considerando que esse sistema social está impregnado pelo desenvolvimento
científico e tecnológico, a participação social em debates e negociações é
fundamental. No entanto, consideramos também que se a sociedade não tem a
compreensão de determinados conhecimentos científicos e tecnológicos, pouco será
capaz de participar de tais negociações, uma vez que para ser um indivíduo
autônomo e um cidadão participativo em uma sociedade altamente tecnológica,
cada sujeito deve ser científica e tecnologicamente alfabetizado (FOUREZ, 1994).
De modo geral, entendemos que as relações entre ciência, tecnologia e
sociedade, existiram, existem e existirão historicamente. Tomando as palavras de
Fourez (1995, p. 207), “na medida em que a ciência é sempre um ‘poder fazer’, certo
domínio da natureza, ela se liga, por tabela, ao poder que o ser humano possui um
sobre o outro”. Assim, os conhecimentos científicos e tecnológicos e suas aplicações
na sociedade contemporânea, como por exemplo, pílulas para impedir a concepção,
automatização da indústria para aumentar a produção, antibióticos para controlar
doenças e prolongar o tempo de vida, entre outras, constituem e constituirão as
complexas inter-relações CTS.
Dessa forma, o impacto da ciência e da tecnologia sobre diversos setores da
sociedade tem fortalecido o consenso de que as aplicações e implicações dos
conhecimentos científicos e tecnológicos não deveriam ser decididas à margem
dessa sociedade. É preciso efetivar a busca por políticas científicas e tecnológicas
que promovam a participação cidadã nas tomadas de decisão acerca destas
aplicações e implicações. Tal postura favorece uma perspectiva particular para o
processo educacional, principalmente no que se refere ao ensino-aprendizagem de
conceitos científicos, que deveria incluir de forma enfática a dimensão da
alfabetização científica e tecnológica. Essa dimensão tornou-se alvo de estudos de
vários pesquisadores em educação em Ciências e será discutida a seguir.
31
CAPÍTULO 2 - O MOVIMENTO CTS E O ENSINO DE CIÊNCIAS
Em uma sociedade na qual a ciência e a tecnologia
se convertem em traços essenciais para definir nossa
forma de ser no mundo, a educação adquire um papel
essencial...
Bustamante
2.1 Movimento CTS: visão crítica da Sociedade frente à Ciência e à Tecnologia
O tratamento da ciência e da tecnologia no contexto social começou a tomar
novo e importante rumo a partir de meados dos anos 60 e início dos anos 70. Nessa
época, foi crescendo o sentimento de que o desenvolvimento científico, tecnológico
e econômico não estava conduzindo, linear e automaticamente, ao desenvolvimento
do bem-estar social (AULER e BAZZO, 2001). Assim, com a tomada de consciência
da sociedade sobre os acontecimentos sociais e ambientais associados às
atividades científicas e tecnológicas chegava ao fim a idéia de que a ciência e a
tecnologia resolveriam todos os males da humanidade.
Vários fatores como, o clima gerado pelas guerras, a difusão de catástrofes
no ambiente, os movimentos ambientalistas, e outros, contribuíram para que se
estabelecesse uma nova postura frente às inter-relações entre ciência, tecnologia e
sociedade. Nesse contexto, o Movimento CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade)
surge a partir de uma visão crítica do papel da ciência e da tecnologia na sociedade,
uma vez que a degradação do ambiente e a vinculação do desenvolvimento
científico e tecnológico às guerras tornaram a ciência e a tecnologia alvo de um
olhar mais crítico (AULER e BAZZO, 2001).
Nessa perspectiva, de acordo com Linseng (1999), o Movimento CTS seguiu
três grandes direções: no campo das pesquisas, no campo das políticas blicas e
no campo da educação. Essas três direções reúnem diferentes tradições CTS (a
tradição norte-americana e a tradição européia) conectadas pelo chamado
“silogismo CTS” (aspas do autor), o qual é baseado em três premissas:
32
A primeira premissa (tradição européia) trata o desenvolvimento científico e
tecnológico como um processo configurado por fatores culturais, políticos,
econômicos e epistêmicos;
A segunda premissa (tradição norte-americana) considera a mudança científica e
tecnológica como um fator determinante para moldar as nossas formas de vida.
De caráter mais pragmático, preocupa-se com as conseqüências sociais e
ambientais dessa mudança;
E a terceira premissa, considera que todos compartilham um compromisso
democrático. Essa premissa justifica a inserção de mecanismos educativos que
promovam a avaliação e o controle social do desenvolvimento científico e
tecnológico para possibilitar a participação consciente e democrática da
sociedade no desenvolvimento científico e tecnológico (GONZALÉZ et al 1996
apud LISINGEN, 1999).
A história dos estudos CTS é bipolar. Desde suas origens, foram abordados
tanto pelas ciências sociais no sentido de tornar os cientistas e engenheiros mais
conscientes do contexto social no qual trabalhavam, como pelas ciências naturais
para promover uma maior compreensão da população de que pode contribuir na
resolução de alguns problemas sociais (ACEVEDO e ACEVEDO, 2002).
Nesse contexto, a mudança de visão da sociedade sobre a ciência e a
tecnologia provocada pelos Movimentos CTS refletiu-se nas inovações educativas e
provocou novos direcionamentos para os conteúdos curriculares, para metodologias
de ensino e para os objetivos educacionais. Assim, consideramos que uma
educação baseada na integração ciência-tecnologia-sociedade poderá assumir uma
práxis transformadora da sociedade, visto que “cada geração tem o direito de agir,
dentro dos limites definidos pelas regras da vida democrática, com o objetivo de
mudar a sociedade” (BUSTAMANTE, 1997, p. 17).
É a partir dessa perspectiva de educação, que podemos promover o
desenvolvimento dos povos de uma sociedade e o fortalecimento dos sistemas
democráticos. Daí porque existe um consenso mais geral que postula como
33
necessário às transformações educacionais, considerar o desenvolvimento científico
e tecnológico (GIL-PERÉZ, 1998).
Dessa forma, compreendemos como necessárias, no âmbito do ensino de
Ciências, propostas educativas que promovam a conscientização dos alunos sobre
as influências do desenvolvimento científico e tecnológico no meio social, para
formar cidadãos críticos e reflexivos que compreendam problemas sociais de
dimensões científico-tecnológicas, uma vez que:
[...] a compreensão das complexas interações CTS se converte em
algo necessário se, se pretende, pois, que no futuro, as pessoas
tenham que tomar decisões, adotar atitudes responsáveis frente ao
desenvolvimento e as conseqüências que deste se derivam. Na
atualidade, o analfabetismo científico e tecnológico é muito mais
perigoso que em qualquer situação anterior [...] (VILCHES e FURIÓ,
1999, p. 6) (tradução nossa).
Assim, consideramos que uma nova percepção da relação ciência-tecnologia-
sociedade implica em mudanças para o ensino de Ciências, de forma que este
permita aos cidadãos compreender e administrar suas vidas no cotidiano de maneira
crítica e fundamentada. A resposta do Movimento CTS para o ensino de Ciências é
a incorporação explícita das relações mútuas entre a ciência, a tecnologia e a
sociedade nos processos de ensino e aprendizagem (SILVA, 2000).
O Movimento CTS busca desenvolver e implantar uma nova postura para o
ensino de Ciências (SILVA, 2000), visando uma conscientização do impacto da
ciência e da tecnologia na sociedade moderna, e sugerindo uma nova estruturação
que alcance as dimensões, conceitual, formativa e cultural dos alunos (TEIXEIRA,
2003). Nesse sentido, o Movimento CTS inspira uma tendência educativa que visa
promover a alfabetização científica e tecnológica para capacitar as pessoas a
tomarem decisões responsáveis em questões controvertidas relacionadas com a
qualidade de vida de uma sociedade impregnada de ciência e de tecnologia
(ACEVEDO, 1996a). Em outras palavras, trata-se de compreender melhor o papel
da ciência e da tecnologia no seu contexto social a partir da abordagem das inter-
relações entre o desenvolvimento científico e tecnológico e os processos sociais.
34
Com essa perspectiva, a relação mútua entre a ciência, tecnologia e
sociedade no ensino de Ciências, pode dar sentido aos conhecimentos escolares,
potencializando suas utilidades e funcionalidades em outros âmbitos; colaborar para
formar cidadãos capazes de opinar com conhecimento de causa e responsabilidade
social sobre os diversos problemas do nosso tempo; contribuir para evitar rupturas
entre a ciência e a tecnologia, uma vez que no mundo atual, são âmbitos bastante
difusos; e servir de elemento motivador para os alunos (ACEVEDO e ACEVEDO,
2002).
De acordo com Sasson (2003), o crescimento exponencial dos avanços
científicos e tecnológicos é um fato perceptível nos dias atuais. Dentre as questões
colocadas por este autor, trataremos aqui da questão de como elevar o nível da
cultura científica e tecnológica dos cidadãos. Segundo este autor, este nível não
está à altura das expectativas de uma sociedade influenciada fortemente pela
ciência e tecnologia, e que precisa, também, julgar os benefícios e desvantagens do
desenvolvimento científico e tecnológico. É no contexto desta questão que
concebemos a necessidade de uma alfabetização científica e tecnológica para a
qual o ensino de Ciências, em particular o ensino de Química, pode contribuir.
Assim, consideramos como objetivo da alfabetização científica e tecnológica
(A.C.T.) divulgar muitas informações para a população para que as decisões
tomadas pelos técnicos possam ser compreendidas e controladas
democraticamente. “Se trata de outorgar responsabilidades à sociedade ou em todo
caso, de chegar a uma situação na qual cidadãos não experimentem um sentimento
de impotência frente à ciência e à tecnologia [...]” (FOUREZ, 1994, p.23-24).
Segundo Fourez (1994), uma pessoa alfabetizada científica e
tecnologicamente é capaz de: utilizar conceitos científicos e integrar valores e
saberes para adotar decisões responsáveis na vida; compreender que tanto a
sociedade exerce um controle sobre a ciência e a tecnologia como a ciência e a
tecnologia produzem impactos sociais; compreender que a sociedade exerce um
controle sobre a ciência e a tecnologia através de políticas que lhes outorga;
reconhecer tantos os limites como a utilidade da ciência e da tecnologia no
progresso do bem-estar humano; conhecer os principais conceitos, hipóteses e
35
teorias científicas e ser capaz de aplicá-los; apreciar a ciência e a tecnologia pelo
aspecto intelectual que lhe é inerente; compreender que a produção dos saberes
científicos depende muitas vezes de processos de investigação e de conceitos
teóricos; saber reconhecer a diferença entre resultados científicos e opiniões
pessoais; reconhecer a origem da ciência, e compreender que o conhecimento
científico é provisório e sujeito às mudanças; compreender as aplicações da
tecnologia e as decisões implicadas em sua utilização; apreciar o valor da pesquisa
e do desenvolvimento tecnológico; extrair de sua visão científica uma visão de
mundo mais fundamentada e interessante; conhecer fontes de informações válidas
de ciência e tecnologia e recorrer a elas quando for necessário tomar decisões; e ter
uma certa compreensão de como a ciência e a tecnologia foram produzidas ao longo
da história.
Segundo a Conferência Mundial sobre ciência para o século XXI e o Conselho
Internacional para ciência (CACHAPUZ et al, 2005):
Para que um País esteja em condições de satisfazer as necessidades
fundamentadas da sua população, o ensino, das ciências e da
tecnologia, é um imperativo estratégico. Como parte dessa educação
científica e tecnológica, os estudantes deveriam aprender a resolver
problemas concretos e satisfazer as necessidades da sociedade,
utilizando as suas competências e conhecimentos científicos
e
tecnológicos. [...] (Conferência Mundial sobre a Ciência, Budapeste,
1999 em CACHAPUZ et al, 2005, p.20).
Diante das propostas da Conferência Mundial de Budapeste para o ensino de
Ciências, entendemos que uma das pretensões para a aquisição de conhecimentos
científicos e tecnológicos advém da necessidade de participação da sociedade nas
tomadas de decisões acerca das aplicações e implicações da ciência e da
tecnologia. Nesse quadro, a alfabetização científica e tecnológica nos parece
indispensável no entendimento dos problemas da vida cotidiana, desde os mais
simples aos mais complexos. Como dizem Macedo e Katzkowicz (2003), tomar
decisões simples no dia-a-dia, como, por exemplo, decidir como manejar as fontes
de energia em casa e economizar o consumo dessa energia, justifica a colocação de
uma alfabetização científica e tecnológica à disposição de todos.
36
Assim, consideramos necessária uma inovação no ensino de Ciências,
objetivando fomentar nos estudantes, cidadãos que constituem a sociedade, o
reconhecimento de que precisam dos conhecimentos científicos e tecnológicos, para
se posicionarem com fundamento e responsabilidade, diante de possíveis
avaliações e julgamentos frente às implicações sociais provocadas pelo
desenvolvimento científico e tecnológico. Neste aspecto, as tentativas de renovação
do ensino de Ciências tendem a uma educação mais humanista, pois propõem uma
aproximação maior com contextos reais (MARTINS, 2002).
2.2 Aspectos pedagógicos da Orientação CTS
Como foi colocado anteriormente, de um modo geral, na orientação CTS o
ensino de Ciências tem como preocupação central a formação para a cidadania a
partir da capacidade de tomada de decisão e da participação ativa do indivíduo na
sociedade democrática (SOLOMON e AIKENHEAD, 1994 apud SANTOS e
SCHNETZLER, 1997, p. 68).
Segundo Hodson (1993, apud MACEDO e KATZKOWICZ, 2003), as
preocupações curriculares do ensino de Ciências nos anos 60 e 70 centralizaram-se
na apropriação do conhecimento científico pelos estudantes, e desde os anos 80 e
90, procuram incluir no ensino de Ciências aspectos como: situações da vida
cotidiana, relações da ciência com questões sociais e tecnológicas, propostas de
alfabetização científica e tecnológica, proposta de ciência como cultura, utilização de
situações-problema, entre outros.
De acordo com Macedo e Katzkowick (2003), a linha de pesquisa ciência-
técnica-sociedade para o ensino de Ciências, pretende que:
Os problemas científicos apresentados em aula estejam associados
às necessidades sociais; que sejam vividos na realidade imediata do
aluno; e estejam relacionados com problemas técnicos, dos quais a
maioria dos cidadãos é usuária (MACEDO e KATZKOWICK, 2003, p.
76-77).
Nesse sentido, entendemos que a educação científica deve possibilitar aos
alunos intervirem em questões sociais em que a ciência e a tecnologia têm papel
37
relevante. Desse modo, segundo Bustamante (1997), a medida do sucesso
educativo não dependerá apenas dos conteúdos conceituais, mas também de
procedimentos mais adequados e de atitudes mais amadurecidas com respeito ao
desenvolvimento científico e tecnológico. Consideramos que a orientação CTS
proposta educativa emergente do Movimento CTS objetiva tratar no ensino de
Ciências problemáticas sócio-ambientais reais e atuais, selecionar os conceitos de
ciência e de tecnologia pertinentes e plausíveis para abordagem explicativa e
interpretativa da problemática em questão, e levantar questões acerca das
implicações sociais do conhecimento científico e tecnológico (MARTINS, 2002).
Na abordagem CTS termo aqui utilizado para designar a implementação da
orientação CTS na sala de aula os conteúdos das disciplinas científicas incluem
temas sociais, sendo esta uma questão central (SANTOS e SCHNETZLER, 1997).
Dessa forma, os problemas científicos abordados nas aulas estão associados às
necessidades sociais e aos processos tecnológicos. De acordo com Santos e
Schnetzler (1997, p. 74) a inclusão dos temas sociais é justificada pelo fato deles
“evidenciarem as inter-relações dos aspectos da ciência, tecnologia e sociedade e
propiciarem condições para o desenvolvimento de atitudes de tomada de decisão
dos alunos”.
Segundo Acevedo e Acevedo (2002) os projetos CTS podem ser classificados
sob duas perspectivas: a perspectiva dos conteúdos CTS e a perspectiva da
componente CTS que determina o conteúdo científico.
Quanto aos conteúdos, os projetos CTS podem ser:
Projetos CTS que ressaltam a natureza da ciência e da tecnologia
consideram suas epistemologias, suas inter-relações, os motivos e interesses
dos cientistas e tecnólogos, e as questões filosóficas, históricas e sociais das
comunidades científica e tecnológica.
Projetos CTS que ressaltam as questões sociais da ciência e da tecnologia
tratam a influência da sociedade na ciência e tecnologia e a influência da
ciência e da tecnologia na sociedade.
38
Projetos CTS que ressaltam os processos e produtos tecnológicos abordam
as aplicações da ciência, os artefatos tecnológicos, e os processos da
produção tecnológica.
Quanto ao componente que determina o conteúdo científico para a
aprendizagem, os projetos CTS podem ser:
Projetos CTS determinados pela ciência a seqüência dos conteúdos
científicos permanece inalterada e a abordagem dos temas sociais é
determinada pela lógica tradicional dos conteúdos escolares.
Projetos CTS determinados pela tecnologia os conteúdos científicos
tornam-se relevantes por suas relações com problemáticas sócio-
tecnológicas abordadas no tema global.
Projetos CTS determinados pela sociedade a relevância social do tema
abordado determina os conhecimentos científicos e tecnológicos estudados.
Com relação às questões metodológicas, segundo Hofstein (1988, apud
SANTOS e SCHNETZLER, 1997), a abordagem CTS sugere a utilização de várias
estratégias de ensino, tais como: palestras com especialistas, visitação a fábricas,
resolução de problemas abertos, sessões de questionamentos, debates, e
experimentos em laboratório. De acordo com Macedo e Katzkowicz (2003), tais
estratégias exigem a associação dos campos de conhecimentos tecnológico, social,
científico e ético.
A figura 1 a seguir apresenta um modelo de estratégias de ensino para a
abordagem CTS.
39
Dessa forma, podemos observar que a característica básica da abordagem
CTS é a colocação de problemas sociais nos pontos de partida e chegada das
seqüências de ensino (SANTOS e SCHNETZLER, 1997).
A seguir, apresentamos um modelo adaptado do trabalho de AIKENHEAD
(1990, apud TEIXEIRA, 2003) para a abordagem dos temas sociais na perspectiva
CTS (figura 2).
Figura 2 - Proposta metodológica para a abordagem CTS
Fonte: Aikenhead (1990, apud TEIXEIRA, 2003, p. 183)
SOCIEDADE
CONCEITOS
E
HABILIDADES
CIENTÍFICAS
Figura 1
Estratégias de ensino de temas CTS
Fonte: Santos e Schnetzler, 1997, p. 86.
40
De acordo com a figura 2, inicialmente uma problemática social é introduzida
(seta saindo da sociedade). Em seguida uma tecnologia relacionada ao problema é
apresentada e o conteúdo (conceito e habilidades) é definido em função da
problemática social e da tecnologia em questão. Posteriormente, a tecnologia é
retomada para discussão, agora com o suporte do conteúdo estudado e, finalmente
a problemática social é re-discutida na busca de possíveis soluções. Entendemos
que essa proposta de ensino além de extrapolar a dimensão meramente conceitual,
contribui de maneira efetiva para um salto qualitativo na formação do cidadão
(TEIXEIRA, 2003).
De uma forma mais geral, para Teixeira (2003, p. 185), na abordagem CTS
em sala de aula, “busca-se dinamizar o processo de ensino-aprendizagem como
forma de permitir uma aprendizagem significativa e vinculada aos acontecimentos do
mundo e da sociedade em geral”. Nesse sentido, “essa nova ênfase na
responsabilidade social aparece como um elemento precioso no currículo do ensino
secundário (médio) para complementar um enfoque mais tradicional da educação
científica” (SOLOMON, 1994, apud BUSTAMANTE, 1997, p. 17).
Outros aspectos que caracterizam uma abordagem CTS na sala de aula
dizem respeito às concepções de ciência, tecnologia, sociedade e suas interações.
Algumas concepções seriam desejáveis para promover uma experiência didática
enraizada no pensamento CTS. Apresentamos uma proposta de tais concepções
(quadro 1) tomando por base concepções apresentadas por Santos e Schnetzler
(1997).
Quadro 1 - Aspectos da Ciência, Tecnologia e Sociedade na abordagem CTS
Aspectos da perspectiva CTS Concepções esperadas
1- Natureza da Ciência Ciência - inserida num contexto sócio-cultural gera
conhecimentos condicionados por interesses
diversos.
2- Natureza da Tecnologia Tecnologia - como uso de conhecimentos (científicos
ou não) para satisfazer as necessidades humanas.
3- Natureza da Sociedade Sociedade - como sistema estruturado de relações
sociais que compartilha uma cultura científico-
tecnológica.
4- As inter-relações Ciência-Tecnologia-
Sociedade
A Ciência e a Tecnologia como domínios distintos
que se influenciam mutuamente na construção de
conhecimentos, tanto promovem modificações nas
formas de vida da sociedade, como podem ser
41
influenciadas por esta sociedade através de políticas
públicas que lhes outorgue este direito ou por
investimentos condicionados por interesses
específicos.
O quadro 1 aponta para fortes e significativas interações entre ciência,
tecnologia e sociedade e a percepção dessas interações vai estar no centro de uma
abordagem CTS aplicada ao ensino de Ciências. Consideramos que a partir de tais
concepções são colocados os desafios para o desenvolvimento metodológico de
uma abordagem CTS em salas de aulas de química.
Além das discussões colocadas anteriormente que justificam a
implementação da orientação curricular CTS no trato das disciplinas científicas, de
acordo com Martins (2002), o ensino de Ciências vem sendo alvo de muitas críticas
ao se constatar que o mesmo não vem correspondendo às necessidades da
sociedade atual devido ao reduzido nível de conhecimento científico e tecnológico
apresentados pelos estudantes. Nesse sentido, propostas de planejamento
curricular expressam uma preocupação com a formação científica insatisfatória dos
alunos que chegam às universidades, e com as exigências propostas para uma
cidadania plena na sociedade contemporânea (MACEDO e KATZKOWICK, 2003).
Uma outra crítica ao ensino de Ciências, relevada em pesquisas (ACEVEDO,
1996b; VILCHES e FURIÓ, 1999) está relacionada com a falta de interesse do
alunado diante das disciplinas científicas. De acordo com Vilches e Furió (1999), as
atitudes negativas dos alunos podem ser conseqüências tanto da não
contextualização entre a ciência abordada em sala de aula e o mundo no qual os
alunos estão inseridos, como da falta de aplicação prática dos conhecimentos
científicos abordados. Cachapuz et al (2005), apresentam críticas ao ensino de
Ciências referindo-se às visões distorcidas da ciência que são transmitidas pelo
ensino, que podem criar desinteresse e rejeição nos estudantes, e se converter em
obstáculos para a aprendizagem dos mesmos.
De um modo geral, Fourez (1994) apresenta três motivos que fundamentaram
a necessidade de renovação no ensino de Ciências:
42
Motivos econômicos motivos esses que partem do entendimento de que o bem
estar da sociedade está vinculado à instrução das pessoas e ao aumento de
riquezas dessa sociedade;
Motivos sociais motivos esses que partem da percepção de que sem cultura
científica e tecnológica, os sistemas democráticos ficam vulneráveis à
tecnocracia;
Motivos humanistas motivos esses que defendem a participação do indivíduo
na cultura científica e tecnológica e propõem que as pessoas façam parte das
negociações sobre os problemas do mundo em que vivem.
A partir das discussões aqui colocadas até o momento, compreendemos que
as considerações feitas para o ensino de Ciências podem ser aplicadas ao ensino
da Química. Dessa forma, podemos considerar que em uma abordagem CTS não
cabe mais enfatizar apenas dimensões conceituais no ensino da Química. A
apresentação de informações e teorias científicas que não tenham qualquer relação
com o cotidiano do aluno inspira, na maioria das vezes, a memorização e a
aprendizagem mecânica dessas informações e teorias. O que pretendemos é um
foco mais amplo para o ensino da Química, superando reducionismos, ênfase nos
conteúdos e ausência de contextualização, ou seja, um ensino que se constitua
efetivamente como “instrumento de formação humana que amplia os horizontes
culturais e a autonomia no exercício cidadania” (BRASIL, 2002, p. 87). Em resumo,
um ensino de Química que permita a compreensão do “complexo mundo social em
que vivemos” (SANTOS e MÓL, 2005, p. 23).
Nessa direção, a orientação CTS parece atender as nossas expectativas,
uma vez que busca promover a formação de uma cidadania consciente e
responsável a partir da compreensão das inter-relações entre ciência, tecnologia e
sociedade. Dessa forma, consideramos que os conhecimentos químicos devem
permitir ao aluno, construir uma visão de mundo mais articulado com as aplicações
científicas e tecnológicas, e com as implicações ambientais, sociais, políticas e
econômicas, dessas aplicações. E nesse contexto, a reorganização tanto dos
conteúdos escolares como da metodologia empregada para abordá-los, tornam-se
43
necessárias. Assim, buscamos um ensino de Química que implique em uma
coerência epistemológica com o atual contexto científico e tecnológico na sociedade,
e que conceda aos alunos conhecimentos químicos e tecnológicos necessários para
que os mesmos avaliem e julguem com fundamento os impactos sociais que advêm
da ciência e da tecnologia. Em outras palavras, um ensino de Química que contribua
na formação de valores e atitudes sociais.
Em resumo, entendemos que os atuais problemas no ensino de Ciências e as
novas perspectivas propostas pela orientação CTS para o ensino de Ciências,
inspiram uma necessidade de renovação e mudança. Entretanto a implementação
de uma perspectiva de ensino CTS, requer modificação do perfil tradicional da ação
pedagógica dos professores (ACEVEDO, 1996b). Dessa forma, consideramos que o
sentido de incorporar às propostas de ensino uma discussão sobre as inter-relações
CTS depende da disponibilidade à mudança e à renovação, por parte do
professorado. Por essa razão, apresentaremos a seguir uma discussão sobre a
construção da prática pedagógica pelos professores e as principais exigências para
esta prática em uma abordagem CTS.
44
CAPÍTULO 3 - A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA PERSPECTIVA CTS
As relações entre ciência, tecnologia e sociedade
tratadas no ensino das disciplinas científicas podem
revelar-se como um instrumento que possibilite atingir
uma sociedade mais humana, justa e solidária,...
Bustamante
Nesta pesquisa, concebemos a prática pedagógica como a ação do professor
na elaboração e execução de seu ensino. Nesse sentido, buscamos discutir alguns
aspectos necessários à prática pedagógica do professor para promover e articular
as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade em suas salas de aulas.
3.1 O professor e a abordagem CTS
As estratégias de ensino na perspectiva CTS, em geral, tomam por base a
concepção de construção de conhecimento pelos alunos, mediada pela ação
docente aproximando-se de uma perspectiva construtivista para o processo ensino-
aprendizagem (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Considerando que a articulação
entre ciência, tecnologia e sociedade na sala de aula objetiva desenvolver nos
alunos atitudes e valores de participação social, Bustamante (1997) propõe aos
professores as seguintes orientações:
Criar no aluno a capacidade de relacionar conceitos de diferentes áreas do
conhecimento estimulando o seu espírito crítico;
Promover debates sociais acerca da implantação, eliminação ou substituição de
uma determinada tecnologia com o objetivo de preparar cidadãos com voz e
opiniões fundamentadas;
Fomentar nos alunos atitudes de reconhecimento das possibilidades de melhoria
de vida relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico;
45
Distinguir a dupla função da tecnociência: o seu papel como instrumento e o seu
papel como criadora de modelos para entender o ser humano e a sociedade em
que vive;
Atender ao estudo das relações ciência, tecnologia e sociedade no contexto da
“sociedade da informação” (aspas do autor). Contexto este em que os alunos
passarão a maior parte de suas vidas.
Partindo de diversos estudos de investigação sobre os professores que
trabalham numa perspectiva CTS, Penick (1993, apud ACEVEDO, 1996a) também
identificou e generalizou um conjunto de habilidades básicas que caracterizam a
ação pedagógica nesta perspectiva de ensino, entre as quais estão: dedicar tempo
para o planejamento das aulas; flexibilizar a ordem curricular dos conteúdos;
favorecer um clima agradável na aula para promover a interação; estimular
questionamentos por parte dos alunos durante a aula; tratar os conhecimentos
científicos voltados para a realidade do aluno; fazer com que os alunos vejam tanto
a utilidade da ciência e da tecnologia como as limitações de ambas para resolver os
complexos problemas sociais; o contemplar as paredes da sala de aula como
fronteira; e educar para a vida e para viver.
Diante das intenções e ações pedagógicas inerentes ao processo de ensino-
aprendizagem na perspectiva de ensino CTS, observamos que o professor assume
um papel de mediador, partindo do pressuposto de que nessa estratégia de ensino,
a mediação para a participação do aluno no processo é fundamental. E por isso,
Hofstein (1988, apud TEIXEIRA, 2003) considera o professor que trabalha com a
abordagem CTS, como uma espécie de organizador dos trabalhos, gerenciando
tempo, recursos, e o ambiente geral da classe.
Entretanto, compreendemos que a forma de trabalhar em sala de aula numa
perspectiva de ensino CTS sugere uma modificação nas concepções docentes e nas
tradicionais práticas pedagógicas. Nesse sentido, ao considerarmos o professor
como agente principal no processo de implementação da orientação CTS,
apresentamos alguns trabalhos da literatura que apontam dificuldades encontradas
pelos professores para implementarem a abordagem CTS em suas salas de aula.
46
Martins (2002) aponta alguns obstáculos à implementação da orientação CTS
na escola. Segundo essa autora, esses obstáculos estão dispostos em três eixos: a
formação, concepções, crenças e atitudes dos professores; a lógica dos programas
escolares; e os recursos didáticos. Mesmo considerando que os obstáculos
apontados por Martins se influenciam mutuamente, enfatizamos neste trabalho de
pesquisa, os obstáculos relacionados às concepções e às ações dos professores na
sala de aula.
Membiela (1995, apud ACEVEDO, 1996b), aponta obstáculos relacionados
especificamente aos professores, para por em prática a orientação CTS no ensino
de Ciências, tais como: a formação do professorado basicamente disciplinar para
abordar algo, sobretudo multidisciplinar; as concepções e crenças dos professores
sobre a natureza da ciência, tanto nos aspectos epistemológicos como nos aspectos
sociológicos; o sentimento do professor de perda de sua identidade profissional,
uma vez que na orientação CTS, mudam suas percepções sobre as finalidades para
o ensino de Ciências. Acreditamos que os obstáculos apontados por Membiela
(1995, apud ACEVEDO, 1996b), poderão ser superados se forem promovidos novos
direcionamentos para os processos de formação de professores.
3.2 A formação dos professores de ciências, concepções docentes e prática
pedagógica
As exigências da sociedade atual refletem-se na escola e implicam em
mudanças nos cursos de formação de professores cujas práticas conservadoras e
tradicionais podem o se adequar às necessidades contemporâneas. As
investigações no âmbito da formação (inicial e continuada) de professores têm
apontado para o fato de que, hoje em dia, os tipos de formação oferecidos não
promovem aos professores preparo suficiente para as inovações educativas
(IMBERNÓN, 2002).
Alguns trabalhos mencionados na literatura (ACEVEDO, 1996b; FONTES e
CARDOSO, 2006) apresentam indicativos de que a formação dos professores de
ciências se constitui como um obstáculo à implementação da orientação CTS em
sala de aula. De acordo com Fontes e Cardoso (2006), os cursos de formação de
47
professores de ciências promovem de certa forma, um insuficiente envolvimento e
interesse por parte dos professores à implementação da abordagem CTS. Isso
porque, segundo essas autoras, esses cursos não têm acompanhado as novas
exigências da educação científica e, dentre tais exigências, podemos mencionar a
contextualização da ciência nos âmbitos tecnológico e social.
De acordo com Martins (2003), ao considerar como um dos requisitos
propostos pela orientação CTS, a capacidade do professor de partir de problemas
locais e dar respostas aos interesses reais dos alunos, os cursos de formação teriam
que preparar os professores para a resolução de situações que não são
antecipadamente conhecidas uma vez que: “o crescimento científico-tecnológico das
sociedades atuais é tão acentuado que não é possível a nenhum professor, [...],
acompanhar ainda que em nível geral, o que acontece em todos os domínios” (p. 7).
No entanto, apesar das considerações de Martins (2003), entendemos como
necessárias propostas de formação de professores de ciências, em particular de
professores de química, que promovam reflexões e práticas pedagógicas numa
perspectiva CTS visando desenvolver a cultura científica desses professores para
que possam implementar efetivamente abordagens CTS em suas aulas.
Acreditamos que a introdução de reflexões epistemológicas nos cursos de
formação de professores de ciências, para um maior envolvimento destes
professores com propostas inovadoras de ensino, como a abordagem CTS, por
exemplo, possibilitaria a mudança por parte dos professores na maneira simplista e
ingênua de tratar a construção do conhecimento científico. Segundo Garcia (1992
apud ABIB, 1996, p. 68), “o que o professor pensa sobre o ensino influencia a sua
maneira de ensinar, pelo que se torna necessário conhecer as concepções dos
professores”.
De acordo com Acevedo (1996b), as atenções a respeito das atitudes e
crenças CTS do professorado vêm sendo cada vez mais freqüentes. Primeiro,
porque o professor não pode ensinar o que não conhece e segundo, porque as
crenças e atitudes sobre as questões CTS influenciam na prática pedagógica do
professor. Segundo Hodson (1994, apud ACEVEDO, 1996b), as crenças
inadequadas do professorado sobre a natureza da Ciência e outros aspectos CTS,
48
são derivadas de suas experiências de aprendizagem escolar e universitária, e que,
de um modo geral, os professores tendem a reproduzi-las em suas práticas
pedagógicas. Tal argumentação nos parece confirmar uma relação entre as
concepções construídas nos processos de formação de professores e as práticas
pedagógicas desses professores.
Para Maldaner (2000), os professores do ensino médio apresentam a
tendência de manter “tacitamente” (aspas do autor) suas concepções nas mesmas
bases epistemológicas que edificaram suas representações sobre o conhecimento
científico e profissional. Nessa direção, Praia e Cachapuz (1993, apud MALDANER,
2000) também vêem uma explícita relação entre as concepções docentes e suas
práticas pedagógicas em sala de aula:
Vai hoje havendo evidências claras de que as concepções dos
professores acerca da natureza da ciência, do conhecimento
científico e do que é método influenciam a forma de abordar
determinado conteúdo e, portanto, a imagem da ciência dada ao
aluno (PRAIA e CACHAPUZ, 1993, apud MALDANER, 2000, p. 60).
No contexto da perspectiva CTS para o ensino de Ciências, alguns trabalhos
identificam concepções docentes consideradas inadequadas para a implementação
dessa perspectiva de ensino. Dentre eles, Acevedo (1995) apresenta alguns
resultados de pesquisas sobre as concepções dos professores acerca das inter-
relações CTS:
Quanto às implicações sociais, os professores identificam a ciência e a
tecnologia como um processo único (tecnociência);
Os professores consideram a tecnologia subordinada à ciência e que não é mais
do que uma aplicação desta;
Os professores, diante das decisões sobre as implicações sociais da tecnologia,
apresentam a tendência de se apoiar o modelo tecnocrático.
Nesse sentido, outros trabalhos de literatura (VALDÉS et al, 2002;
CACHAPUZ et al, 2005) discutem implicações das concepções sobre as inter-
49
relações entre ciência e tecnologia no ensino de Ciências. De acordo com Valdés et
al (2002), a falta de atenção à tecnologia no ensino de Ciências pode ser
conseqüência de concepções simplistas e incorretas da relação ciência-tecnologia.
Esses autores consideram que concepções epistemológicas incorretas sobre a
relação ciência-tecnologia constituem um dos principais obstáculos para a
renovação do ensino de Ciências no contexto atual, e nesse sentido, apresentam
algumas delas:
Concepção que não diferencia a ciência da tecnologia e considera essas
instâncias como única, a tecnociência. Tal visão, de acordo com Valdés et al
(2002), aparece freqüentemente quando se analisam as implicações da ciência e
da tecnologia na sociedade. Trata-se de uma visão superficial que não deve ser
concebida no contexto do ensino de Ciências;
Concepção que reduz a tecnologia à ciência aplicada. Tal concepção segundo
estes autores, tem origem na supervalorização da ciência frente à tecnologia.
Essa concepção provém de um desconhecimento histórico das relações entre a
ciência e a tecnologia.
Na mesma direção, Cachapuz et al (2005) analisa possíveis concepções o
adequadas de ciência e de tecnologia (quadro 2) que podem ser transmitidas no
processo de ensino, e se constituem como um dos obstáculos aos movimentos de
renovação da educação científica.
Quadro 2 - Concepções não adequadas de Ciência e Tecnologia
Concepção descontextualizada Ciência e tecnologia socialmente neutras.
Concepção individualista e elitista Ignora-se o trabalho coletivo.
Concepção empiro-indutivista e ateórica Defende a observação e a experimentação
neutras.
Concepção rígida, algorítma, infalível. Considera a rigidez do método científico
(observação e experimentação rigorosas
determinam os resultados obtidos).
Concepção aproblemática e ahistórica Não faz referência aos problemas da origem dos
conhecimentos científicos nem a evolução
histórica desses conhecimentos.
Concepção exclusivamente analítica Refere-se ao afastamento do cientista da
50
realidade.
Concepção acumulativa e linear Defende o avanço da ciência como linear e
acumulativo.
Fonte: adaptação de Cachapuz et al ( 2005)
De acordo com Cachapuz et al (2005), a concepção descontextualizada da
ciência afeta as propostas de ensino CTS, e comporta em particular a falta de
compreensão sobre as relações entre a ciência e a tecnologia. O que por sua vez,
acarreta a concepção da tecnologia como mera aplicação da ciência. A não
contextualização da atividade científica alimenta a concepção individualista e elitista,
que desconsidera o trabalho coletivo e reserva o domínio do trabalho científico às
minorias bem dotadas que trabalham individualmente em seus laboratórios, onde se
experimenta se observa e se descobre. Essa visão elitista e individualista contribui
para outra concepção não adequada da ciência e da tecnologia, a concepção
empiro-indutivista e ateórica, a qual defende a observação e experimentação
“neutra” (aspas do autor) sem considerar as idéias pessoais dos cientistas. Tal
compreensão vincula o trabalho experimental aotodo científico e essa vinculação
favorece uma concepção rígida, algorítmica e infalível da ciência. E essa exatidão
que o método científico propicia, tende a ignorar problemas e dificuldades
encontrados, superados ou não, na evolução do conhecimento científico conduzindo
a uma concepção aproblemática e ahistórica da ciência. Em resumo, visões
simplistas e incorretas dos professores acerca da relação ciência-tecnologia
possibilitam a construção e transmissão de concepções não adequadas da ciência e
da tecnologia, no ensino de Ciências.
Entendemos que para uma efetiva implementação de uma abordagem CTS, o
tratamento das concepções docentes acerca da ciência, da tecnologia e da
sociedade, bem como das inter-relações CTS, constituem o cerne do processo de
implementação, haja vista que o professor precisa ter clareza do significado que
cada componente tem nessa proposta de ensino. Dessa forma, no caso de uma
proposta de ensino com orientação CTS, essas reflexões epistemológicas deveriam
tratar desses aspectos e questionar concepções docentes que poderiam se
constituir como obstáculo para a implementação da orientação CTS nas práticas
pedagógicas (MARTINS, 2003). Assim, para a implementação da abordagem CTS
51
nas aulas de química, algumas considerações sobre as concepções dos professores
tornaram-se essenciais.
Segundo Solomon (1988, apud SANTOS e SCHNETZLER, 1997), nessa
perspectiva de ensino, é desejável que a ciência seja concebida como produção
humana com caráter provisório e incerto. Se o professor promover uma concepção
de ciência acabada e verdadeira, dificultará ao aluno a aceitação de diferentes
alternativas de aplicação da ciência na resolução dos problemas sociais. A
tecnologia deveria ser concebida como um processo de produção social, e os
professores, poderiam apresentá-la como a “aplicação de diferentes formas de
conhecimento no atendimento das necessidades sociais” (SOLOMON, 1988 apud
SANTOS e SCHNETZLER, 1997, p. 61). Assim, os alunos poderão reconhecer os
níveis de interação entre a sociedade e os produtos tecnológicos gerados.
Finalmente com relação ao componente sociedade, a autora sugere que a mesma
seja apresentada como uma organização social de tal forma que leve o aluno a
compreender o poder de influência dos cidadãos nessa organização.
As concepções de ciência, tecnologia e sociedade sob esta ótica, poderão
possibilitar ao professor promover em suas aulas a compreensão das inter-relações
entre essas três instâncias. Nessa perspectiva, entendemos que concepções
docentes sobre ciência, tecnologia e sociedade que não sejam de alguma forma
compatíveis com aquelas apresentadas por Solomon (1988, apud SANTOS e
SCHNETZLER, 1997) podem se constituir como obstáculos à implementação da
abordagem CTS no ensino de Química.
3.3 Concepções e práticas pedagógicas dos professores na implementação da
abordagem CTS
A implementação da abordagem CTS no ensino de Ciências, e em particular,
no ensino de Química, sugere uma reflexão sobre possíveis mudanças das
concepções, das crenças, dos valores e das práticas pedagógicas do professorado.
A pesquisa educacional tem mostrado que os professores não seguem na
maioria das vezes, as orientações externas que visam às inovações educacionais
52
em suas práticas pedagógicas, isso porque, segundo Maldaner (2000), primeiro
esses professores não as conhecem e segundo, essas inovações não fazem parte
de suas crenças.
Na busca pela melhoria do ensino de Ciências muitas das estratégias
desenvolvidas com esse propósito voltam-se para a formação de professores dessa
disciplina com o objetivo de apresentar novas propostas metodológicas de ensino na
tentativa de romper com práticas pedagógicas inadequadas. A grande questão é:
como desencadear processos de mudanças na prática pedagógica se o modelo de
ensino vivenciado por um professor tem certa coerência e fundamenta-se nas pré-
concepções docentes, que muitas vezes têm grande relevância na atividade do
professor? (GIL-PÉREZ, 2001).
Nesse sentido, Carvalho e Gil-Peréz (1993, p. 66) concebem a “formação do
professor como uma mudança didática que deve questionar as concepções
docentes do senso comum”. Para esses autores, alguns comportamentos docentes,
podem constituir obstáculos para a implementação de uma prática inovadora no
ensino de Ciências, como é o caso da abordagem CTS. Nessa perspectiva, segundo
Gatti (2003), se a intenção é a de promover mudanças efetivas na prática
pedagógica:
É preciso ver os professores não como seres abstratos, ou
essencialmente intelectuais, mas, como seres essencialmente
sociais, com suas identidades pessoais e profissionais, imersos numa
vida grupal na qual compartilham uma cultura, derivando seus
conhecimentos, valores e atitudes dessas relações, com base nas
representações constituídas nesse processo que é, ao mesmo tempo,
social e intersubjetivo (p. 6).
Dessa forma, percebemos que para possibilitar mudanças nas concepções e
nas práticas pedagógicas dos professores, além de promovermos o entrosamento
dos professores com novas abordagens para o ensino, devemos considerar algumas
condições favoráveis à mudança, isso por que os professores incorporam ou não os
novos conhecimentos em função de complexos processos cognitivos, sócio-afetivos
e culturais (GATTI, 2003).
53
Atualmente, compreendemos que os professores têm concepções, atitudes e
comportamentos relativos tanto ao processo ensino-aprendizagem, quanto à
aprendizagem de ciências, oriundos de sua formação inicial e da experiência
acumulada durante anos, e que essas concepções exercem uma grande influência
em suas práticas pedagógicas, muitas vezes vivenciadas de forma não reflexiva.
Entretanto, a intenção de mediar novos significados para as práticas dos professores
de química envolvidos na pesquisa, a partir de abordagens alternativas para o
ensino dessa disciplina, por exemplo, a abordagem CTS, baseia-se no fato de que
“apesar de toda formação anterior dos professores, tanto a ‘formação intencional’
(formação institucional), quanto a ‘ambiental’ (formação na experiência), sempre
uma faixa de potencialidade para novas crenças, novos conceitos e novas práticas”
(MALDANER, 2000, p. 66) (grifos nossos).
Um trabalho realizado por Vieira e Martins (2004, apud FONTES e
CARDOSO, 2006) orientado para a formação dos professores na perspectiva CTS,
mostrou que as concepções docentes prévias sobre ciência, sobre tecnologia e
sobre sociedade foram reconstruídas após a formação. E nesta mesma direção,
Fontes e Cardoso (2006) trabalharam em um processo de formação de professores
de acordo com a abordagem CTS, com os objetivos de proporcionar aos professores
uma análise crítica da contextualização da ciência nas Metaciências. E assim
contribuir para o desenvolvimento da cultura científica desses professores para que
pudessem introduzir a abordagem CTS em suas aulas. Seus resultados mostraram
que os “professores com maior cultura científica estão mais aptos para
proporcionarem aprendizagens científicas mais eficazes aos seus alunos, [...]”
(FONTES e CARDOSO, 2006, p. 28).
Nesse sentido, consideramos segundo Gatti (2003) que:
[...] formas interativas que propiciam convivências e interações com
novos conteúdos culturais, com pessoas de outros ambientes e com
idéias e níveis de informações diversificadas, constituídas com o
objetivo de entrosar elementos do contexto existente com novas
experiências, parecem ser o caminho mais propício à criação de
condições de integração de novos conhecimentos de modo
significativo e de mudança ou criação de novas práticas (p. 9).
54
Assim, consideramos pertinente investigarmos: como professores de química
compreendem a ciência, a tecnologia, a sociedade e as inter-relações CTS; como
esses professores implementaram uma abordagem CTS em suas aulas; e que
relações essas concepções guardam com aspectos da prática pedagógica desses
professores e que podem se constituir como obstáculos para uma efetiva
implementação, uma vez que, esse tipo de abordagem requer uma modificação no
perfil tradicional da ação pedagógica. E a necessidade de investigarmos as questões
colocadas, definiu os procedimentos metodológicos desta pesquisa. Por exemplo, a
proposição de encontros com os professores para a reflexão sobre concepções CTS
e prática pedagógica, e a elaboração de um planejamento prévio na perspectiva
CTS para a intervenção didática, parte do pressuposto considerado acima de que é
possível preparar o professor para a vivência de uma nova experiência pedagógica
em sua sala de aula.
55
CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA
As questões dessa investigação referiram-se à forma como professores de
química compreendem ciência, tecnologia, sociedade e as inter-relações CTS e
como implementaram uma abordagem CTS em suas salas de aula, buscando a
identificação de aspectos da prática pedagógica desses professores que se
constituíram como obstáculos para uma efetiva implementação dessa perspectiva de
ensino. O interesse por desvendar tais obstáculos deve-se ao reconhecimento de
que o professor, utilizando esse tipo de abordagem na sala de aula, poderia
promover um maior interesse e envolvimento por parte dos alunos nas aulas de
química e uma maior coerência epistemológica ao situar a construção dos
conhecimentos químicos nos contextos tecnológico e social (ACEVEDO, 1996b).
Com esse propósito, desenvolvemos uma pesquisa com abordagem
qualitativa, caracterizada como “uma tentativa de se explicar em profundidade o
significado e características do resultado das informações obtidas [...]” (OLIVEIRA,
2003, p. 57), e fundamentada na concepção fenomenológica, a qual postula que é
adentrando no “universo conceitual dos sujeitos” que se pode entender o sentido
que esses sujeitos dão aos eventos e às interações sociais ocorridas no seu dia-a-
dia (ANDRÉ, 1995, p. 18). Nessa perspectiva, realizamos um estudo de caráter
etnográfico, não em todas suas características, mas em algumas, tais como: a
pesquisa envolveu um trabalho de campo; os dados foram mediados pela
pesquisadora; e a pesquisadora fez uso de uma grande quantidade de dados
descritivos (situações, ambientes, diálogos) que foram reconstruídos em forma de
transcrições literais. Dessa forma, esse estudo de caráter etnográfico teve como foco
de interesse, dentre outros, descrever aspectos da prática dos professores
envolvidos no contexto da implementação de uma abordagem CTS em suas salas
de aulas. Nessa perspectiva, houve uma interação entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa a partir da observação na sala de aula.
Nesse sentido, consideramos que quanto mais inseridos estivéssemos no
meio que constitui o objeto de estudo, teríamos mais oportunidades de dispor de
dados relevantes. De um modo mais geral, a pesquisa etnográfica propõe a
descrição da cultura, envolvendo práticas, hábitos, crenças, valores, linguagens e
56
significados, de um grupo social (ANDRÉ, 2005). Entretanto, numa perspectiva
voltada para educação, André (2005) menciona que o que se tem feito é um estudo
do tipo etnográfico, é uma adaptação da etnografia à educação, uma vez que certos
requisitos, como, por exemplo, uma longa permanência do pesquisador no campo e
o uso de amplas categorias sociais de análise de dados, o sejam, nem
necessitem ser cumpridos pelos pesquisadores. Dessa forma, a nossa metodologia
privilegiou aspectos tais como: identificação e caracterização dos sujeitos
envolvidos, a participação ativa desses sujeitos no processo de planejamento de
etapas a serem cumpridas e a observação dos sujeitos no contexto da sala de aula.
4.1 Sujeitos da pesquisa
Considerando o nosso objeto de estudo – concepções CTS de professores de
Química e aspectos da prática pedagógica desses professores na implementação de
uma abordagem CTS em suas salas de aulas – e a natureza metodológica da
pesquisa, na delimitação do universo a ser pesquisado optamos por três professores
de Química levando em conta critérios como, reconhecido compromisso com a
docência e que atuam em salas de aula de escolas blicas da região metropolitana
do Recife.
No quadro 3 estão apresentados os perfis dos professores envolvidos na
investigação.
Quadro 3 - Perfis dos professores de Química
Professores Formação Inicial Tempo de
exercício no
magistério
Pós-
Graduação
Formação
Continuada
Professora A Química industrial e
Licenciatura em
Química.
20 anos Especialista
em Ensino de
Química.
Participação em
diversos cursos.
Professor B Licenciatura em
Química
7anos Especialista
em Ensino de
Química.
Experiência em
um curso de
formação
continuada
Professora C Licenciatura Plena
em Ciências –
habilitação em
Química
17 anos Especialista
em Ensino de
Química.
Participação em
vários cursos de
formação
continuada.
57
A professora A tem formação acadêmica nos cursos de Química Industrial e
Licenciatura em Química e vinte anos de magistério; o professor B cursou
Licenciatura em Química e tem sete anos de experiência em sala de aula; e a
professora C, cursou Licenciatura Plena em Ciências com habilitação em Química e
tem dezessete anos de prática docente. Com relação aos processos de
desenvolvimento profissional, as professoras A e C são atualmente professoras de
escolas públicas com participação em diversos processos de formação continuada.
O professor B leciona em escolas pública e particular, e no período da investigação,
participava pela primeira vez de um processo de formação continuada. Dessa forma,
a pesquisa envolveu três experientes professores de Química que lecionam nas
séries do ensino médio e que estavam cursando especialização em Ensino de
Química. Assim, optamos por professores em exercício e que dispusessem de
alguns anos de experiência em sala de aula, com concepções e práticas construídas
ao longo desses anos.
4.2 Procedimentos Metodológicos
Os procedimentos metodológicos dessa investigação se constituíram em três
momentos. No primeiro momento, os professores foram entrevistados. Optamos por
esta técnica com a intenção de, ao captar ao máximo a fala do professor, identificar
os “sistemas de valores, de representações e os símbolos próprios” de sua cultura
(CUNHA, 2003, p. 54). No dia em que foi realizada a entrevista os professores
estavam em aula no curso de especialização. Durante o intervalo da aula a
pesquisadora convidou cada professor individualmente para ser entrevistado. Os
professores não tiveram conhecimento prévio do conteúdo da entrevista.
Os dados coletados nas entrevistas serviram para identificar as concepções
dos professores sobre ciência, tecnologia e sociedade, e inter-relações CTS. As
respostas dos professores foram expressas quando feitas questões do tipo
(Apêndice A): O que você pensa sobre ciência? Como você definiria tecnologia?
Você poderia apontar algumas relações entre a ciência e a sociedade? A tecnologia
interfere na vida das pessoas de uma sociedade? Em sua opinião, sob quais
condições a sociedade teria o poder de tomada de decisão acerca dos avanços
científicos e tecnológicos?
58
As entrevistas gravadas em áudio tiveram duração de aproximadamente 30 a
40 minutos. As gravações foram completamente transcritas e analisadas. A análise
das entrevistas tomou por base a perspectiva de discurso proposta por Bakhtin
(1992). Bakhtin propõe em seus trabalhos a utilização de uma unidade de análise, a
enunciação, e a denomina como o produto do ato de fala. Dessa forma, a
enunciação “é determinada da maneira mais imediata pelos participantes da fala,
explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem precisa; a situação
forma a enunciação [...]” (BAKHTIN, 1992 apud MACHADO, 1999, p. 57).
Segundo Bakhtin (1992), toda enunciação é construída como uma resposta a
algo. Assim, o enunciado é “um elo real na cadeia da comunicação verbal, no interior
de uma dada esfera da realidade humana ou da vida cotidiana” (BAKHTIN, 1992,
apud AMARAL e MORTIMER, 2002, p. 36). E de acordo com Bolzan (2002), para
Bakhtin (1992) a fala, as condições de comunicação e as estruturas sociais estão
indissoluvelmente ligadas e nesse sentido a palavra está carregada de um conteúdo
e um sentido ideológico ou vivencial, sendo um fenômeno essencialmente
ideológico. Assim em nossa análise, consideramos que “todo enunciado é um
diálogo que faz parte de um processo de comunicação contínuo. Não enunciado
isolado, todo enunciado é parte de um conjunto, podendo ser compreendido no
interior desse conjunto” (BOLZAN, 2002, p. 49). Nessa perspectiva, a análise das
falas dos professores captadas nas entrevistas individuais implicou inicialmente nos
registros das interações verbais retirados das transcrições.
Nesse sentido, no enunciado são estabelecidas diferenças de valores haja
vista que a mesma palavra pode significar coisas diferentes refletindo a visão de
mundo e os conceitos dos sujeitos envolvidos (AMARAL e MORTIMER, 2002). Na
discussão sobre as concepções dos professores foram levados em conta tanto os
aspectos teóricos que caracterizam a ciência, a tecnologia, a sociedade e suas inter-
relações, como as idéias consideradas adequadas ou não adequadas para a
abordagem CTS em sala de aula, propostas na literatura.
No segundo momento da investigação, os professores envolvidos na
pesquisa participaram de dois encontros com a pesquisadora. Esses encontros
tiveram como objetivo geral promover uma maior familiaridade dos professores com
59
os aspectos que caracterizam a abordagem CTS como alternativa metodológica
para o ensino da Química. Como objetivos específicos, buscamos promover um
processo de discussão e reflexão com os professores sobre aspectos centrais da
ciência, tecnologia, sociedade, propostos pela perspectiva de ensino CTS, e
subsidiar a elaboração, pelos professores, de uma intervenção didática com
orientação CTS.
Os encontros com os professores ocorreram no auditório de uma escola da
rede pública estadual localizada no centro da cidade do Recife onde a pesquisadora
atua como professora há cinco anos. O registro do trabalho realizado nos encontros
com os professores foi feito através da filmagem das atividades vivenciadas.
As ações previstas para os encontros com os professores (ver apêndice B)
foram planejadas a partir das considerações de Gil-Perez (2001) acerca dos cursos
de formação continuada de professores. Nessa perspectiva, os encontros docentes
foram planejados para questionar e discutir concepções não adequadas de CTS
identificadas nas entrevistas individuais e subsidiar a vivência desses professores
em propostas inovadoras de ensino, aqui, a abordagem CTS, em suas aulas de
química.
Inicialmente a proposta para a realização dos encontros com os professores
era de dois dias com duração de quatro horas cada, num total de oito horas de
discussões, questionamentos e reflexões. Para a análise das falas dos professores
durante os encontros, a transcrição foi parcial com foco nos momentos pertinentes
aos objetivos dessa pesquisa. Esses momentos de discussão estão apresentados
em blocos que correspondem à transcrição completa dos trechos escolhidos
apresentada em turnos.
De forma resumida, as atividades dos encontros com os professores podem
ser descritas como segue. O primeiro encontro tinha o objetivo de promover um
processo de discussão e reflexão com os professores sobre aspectos da ciência,
tecnologia, sociedade, propostos pela perspectiva de ensino CTS, e se constituiu de
três momentos. No primeiro momento, a pesquisadora expôs aos professores a
importância desses encontros como uma etapa fundamental para alcançar os
60
objetivos propostos nessa pesquisa. Em seguida, explicitou o objetivo geral dos
encontros com os professores e apresentou o objetivo específico do primeiro
encontro. No segundo momento, foi proposta aos professores uma leitura dinâmica
de um texto (anexo A) que tratava da relação entre a ciência e a tecnologia. Após a
leitura, questões relativas ao texto foram apresentadas e as respostas dos
professores para essas questões constituíram uma discussão inicial. No terceiro
momento, os professores foram solicitados a se posicionar individualmente quanto
às percepções de ciência, tecnologia e sociedade apresentadas em citações
extraídas da literatura. Em seguida, as expressões dos professores sobre as
referidas citações foram socializadas com o grande grupo, constituindo-se assim,
uma nova discussão. No final do primeiro encontro, cada professor recebeu o texto
(apêndice F) que seria trabalhado no encontro posterior.
O segundo encontro com os professores teve como objetivo subsidiar a
elaboração, pelos mesmos, de uma intervenção didática de uma abordagem CTS, e
se constituiu de dois momentos. No primeiro momento a pesquisadora apresentou
aos professores o objetivo do respectivo encontro. No segundo momento, foram
apresentados aos professores os fundamentos teóricos e metodológicos da
abordagem CTS a partir da leitura no grupo de um texto (Apêndice F). O texto foi
estruturado num formato de questões e respostas para serem discutidas
coletivamente. Dessa forma, os professores alternadamente faziam a leitura de cada
questão com sua respectiva resposta apresentada no texto e em seguida faziam
suas colocações.
Entretanto, no final do segundo dia de encontro, os professores participantes
optaram por fazer um planejamento único elaborado pelo grupo, e assim decidiram
por um terceiro dia de encontro no qual a pesquisadora assumiu o papel de relatora
do planejamento. Neste terceiro dia de encontro, dos três professores sujeitos da
pesquisa, apenas dois participaram da elaboração da intervenção didática com
abordagem CTS para ser vivenciada em suas aulas. Em um tempo de duas horas as
duas professoras definiram o tema central, os objetivos gerais, as atividades que
seriam desenvolvidas, e os recursos didáticos (Apêndice G).
61
O terceiro momento desta pesquisa corresponde à realização da intervenção
didática com abordagem CTS elaborada pelas professoras e que foi aplicada em
suas salas de aula. Por questões de tempo e de disponibilidade, dos três
professores envolvidos na investigação, apenas dois foram acompanhados em sala
de aula, os professores A e B. Esses são representativos para a nossa análise
considerando que um tem maior experiência na sala de aula e uma maior
participação em cursos de formação continuada (incluindo curso de especialização),
e o outro tem menor tempo de experiência em sala de aula e participação em
apenas um curso de especialização. Dessa forma, os perfis dos professores se
constituíram como mais um dado considerado no processo de análise deste
trabalho.
Todas as aulas durante a intervenção foram observadas procurando-se
registrar na íntegra as ações e interações do professor e alunos. Para a coleta de
dados, optamos por uma observação não participante, uma vez que tivemos contato
com a realidade estudada sem nos integramos a ela. Dessa forma, no
acompanhamento dos professores A e B na sala de aula, a pesquisadora fez o papel
de espectadora ainda que tenha havido uma participação da pesquisadora nas
etapas que antecederam a intervenção. Durante as aulas observadas a
pesquisadora se posicionou num local discreto e neutro da sala de aula de forma
que não chamasse a atenção dos alunos no decorrer da aula.
Os registros da ação dos professores em sala de aula foram realizados
através de anotações em cadernos de notas e de gravação em áudio e deo da
intervenção pedagógica em situação natural, ou seja, nas turmas com as quais
esses professores trabalham.
4.3 Análise de dados
Nessa etapa da pesquisa, o tratamento dos dados coletados neste trabalho
foi qualitativo e direcionado aos seguintes pontos:
Análise das concepções dos professores: concepções de ciência, tecnologia,
sociedade e de suas inter-relações identificadas nas falas dos professores
62
durante as entrevistas individuais (apêndice A); e concepções sobre ciência,
tecnologia, sociedade, e de suas inter-relações, identificadas nas falas dos
professores durante o primeiro encontro. Alguns aspectos considerados para
discussão acerca das concepções dos professores identificadas tanto nas
entrevistas como nos encontros foram: a historicidade da ciência e a ciência
como empreendimento humano (KNELLER, 1980; FREIRE-MAIA, 2000); a
tecnologia como produção cultural (FOUREZ, 1995); as características da
sociedade (CHINOY, 1967; GIDDENS, 2004); e as inter-relações CTS
(KNELLER, 1980; FOUREZ, 1995; SOLOMON, 1988, apud SANTOS e
SCHNETZLER, 1997; VALDÉS et al, 2002; MARTINS, 2002; CACHAPUZ et al,
2005).
Análise de aspectos da prática pedagógica dos professores de química na
implementação de uma intervenção pedagógica com abordagem CTS. Os dados
considerados para análise foram coletados através de deo-gravação,
transcrição e notas de campo.
A análise de aspectos da prática pedagógica dos professores tomou por base
a estrutura analítica da atividade discursiva nas salas de aula de ciências proposta
por Mortimer e Scott (2002), uma vez que a referida estrutura tem como objetivo
caracterizar as formas como professores e alunos interagem no processo de
construção de significados pelo uso da linguagem e outros modos de comunicação
(AMARAL e MORTIMER, 2006). Tal estrutura também toma por base a concepção
de discurso proposta por Bakhtin e aborda cinco aspectos específicos (quadro 4)
organizados em foco de ensino, abordagem e ações, que relacionados entre si,
focalizam a prática pedagógica do professor.
Quadro 4 - Aspectos da estrutura de análise (Mortimer e Scott, 2002)
Aspectos de análise
Focos de ensino 1- intenções do professor
2- conteúdo
Abordagem
3- abordagem comunicativa
63
Ações 4- padrões de interação
5- intervenção do professor
Fonte: Amaral e Mortimer, 2006, p. 245.
Com base nos objetivos propostos nesta pesquisa, a nossa análise
contemplou as intenções, as formas de abordagem comunicativa e as formas de
intervenção apresentadas durante a implementação de uma abordagem CTS pelos
professores. Na utilização da referida ferramenta analítica tivemos como objetivo
identificar aspectos da prática pedagógica dos professores de química que poderiam
se constituir como obstáculos na implementação de uma abordagem CTS em suas
salas de aula.
Nesse sentido, analisamos as intenções dos professores, ou seja, os
objetivos propostos pelos professores de química na articulação dos conceitos
químicos aos contextos tecnológico e social.
Quanto à abordagem comunicativa, considerada por Mortimer e Scott (2002),
como aspecto central na estrutura analítica, analisamos as formas de comunicação
instituídas no contexto das aulas durante a implementação da abordagem CTS.
Mortimer e Scott (2002) consideram o discurso produzido na sala de aula sob duas
dimensões, a dimensão dialógica/de autoridade e a dimensão interativa/não-
interativa das quais propõem quatro tipos de abordagens comunicativas que
caracterizam a comunicação entre professor e alunos (quadro 5).
Quadro 5 - Quatro classes de abordagem comunicativa
Interativa Não-interativa
Dialógica Interativa /dialógica Não-interativa/dialógica
De autoridade Interativa/de autoridade Não-interativa/de autoridade
Fonte: Adaptado de Amaral e Mortimer, 2006, p.250.
Para Mortimer e Scott (2002), cada uma dessas quatro classes está
relacionada à forma como o professor conduz o discurso na aula. Nesse sentido, na
abordagem Interativa/dialógica, professores e alunos participam do processo
comunicativo no qual diferentes pontos de vista são considerados. Segundo Amaral
64
e Mortimer (2006), a característica principal do discurso dialógico é colocar idéias
diferentes em contato, explorar e trabalhar tais idéias. Dessa forma, entendemos o
discurso dialógico como aberto a diversas perspectivas e por meio dele o professor
considera os pontos de vistas dos alunos e os científicos em busca de construir junto
aos alunos significados para as idéias em contextos diversos. Na abordagem
Interativa/de autoridade, a comunicação envolve a participação de professor e
alunos, porém contempla unicamente o ponto de vista científico. Na abordagem
Não-interativa/dialógica, o professor está envolvido na ação comunicativa
contemplando tanto os pontos de vista dos alunos como o ponto de vista científico. E
na abordagem Não-interativa/ de autoridade, o professor é o único sujeito da ação
comunicativa e aborda apenas o ponto de vista científico (AMARAL e MORTIMER,
2006).
Quanto às intervenções do professor, analisamos as formas de intervenção
pedagógica que constituíram as ações dos professores durante a implementação de
uma abordagem CTS em suas aulas de química. Nesse sentido, para a discussão
consideramos, entre outras, as formas apresentadas por Mortimer e Scott (2002):
dando forma aos significados, selecionando significados, marcando significados-
chaves, compartilhando significados, checando o entendimento do aluno, e revendo
significados.
Na investigação de aspectos da prática pedagógica dos professores por meio
da estrutura analítica de Mortimer e Scott (2002), consideramos o discurso
produzido para caracterizar as formas como esses professores desenvolveram uma
abordagem CTS na sala de aula. Dessa forma, os dados foram tratados como
elementos que constituíram o processo discursivo nas salas de aula desses
professores.
Para a organização e apresentação dos dados, tomamos por base estratégias
sugeridas pela etnografia interacional, a qual considera “a linguagem como
construção sócio-cultural de cada grupo social e propõe uma abordagem combinada
do discurso e da etnografia para a investigação do processo de ensino-
aprendizagem” (GEE; GREEN, 1998 apud AMARAL e MORTIMER, 2006, p. 255).
65
A investigação dos aspectos da prática pedagógica dos professores de
química na implementação de uma abordagem CTS foi realizada a partir da análise
da dinâmica discursiva produzida nas salas de aula desses professores.
Fundamentado nas idéias de Amaral e Mortimer (2006), o nosso procedimento
metodológico para análise da dinâmica discursiva consistiu na elaboração de mapas
de atividades para: contextualização das aulas analisadas; escolha dos episódios
representativos no desenvolvimento das aulas; transcrição dos episódios
organizados em turnos de fala; análise dos episódios transcritos, elaboração de
mapas de síntese dos episódios; e elaboração de mapas de síntese das aulas. Os
mapas de atividades constaram dos seguintes itens: tempo, atividade desenvolvida,
principais temas, ações dos participantes e comentários.
Assim, de um modo geral, o procedimento metodológico para a organização
dos dados consistiu da elaboração de mapas de atividades que representavam o
contexto da perspectiva de ensino CTS com os objetivos de: contextualizar os
enunciados produzidos na sala de aula, uma vez que esses enunciados estavam
inseridos numa cadeia de comunicação e não eram indiferentes ou auto-suficientes
(BAKHTIN, 1992, apud AMARAL e MORTIMER, 2006); e orientar a escolha de
episódios relevantes para a análise desses enunciados. Neste contexto, os
episódios escolhidos constituíram uma cadeia de eventos desenvolvidos na aula e
foram considerados como “um conjunto de enunciados que cria um contexto [...]”
(AMARAL e MORTIMER, 2006, p. 257).
Os episódios selecionados e analisados foram transcritos e as transcrições,
organizadas em turnos, seguiram algumas convenções propostas por Marcuschi
(2000, apud AMARAL e MORTIMER, 2006), tais como:
(+) – representação de pausas.
( ) – representação de dúvidas no trecho transcrito.
(()) – representação dos comentários do analista.
/ - representação de truncamentos bruscos de fala.
... – representação de hesitação ou fala não concluída.
(...) – representação de omissão de trechos da transcrição.
66
CAPÍTULO 5 – RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados obtidos nessa investigação estão apresentados em duas
etapas. Inicialmente analisamos as concepções dos professores identificadas nas
entrevistas individuais, e a partir dos resultados dessa análise, os aspectos da
ciência, tecnologia e sociedade foram considerados para discussão no primeiro
encontro com os professores. Na segunda etapa da análise, discutimos a forma
como os professores implementaram uma abordagem CTS em suas aulas de
química e aspectos da prática pedagógica desses professores durante a
implementação.
5.1 Análise das concepções dos professores
Consideramos que a implementação de uma abordagem CTS, sugere como
etapa preliminar, o tratamento das concepções dos professores acerca da ciência,
da tecnologia, da sociedade e das inter-relações CTS, uma vez que, tais
concepções podem influenciar a prática pedagógica desses professores. Nesse
sentido, a análise das concepções dos professores envolvidos na pesquisa justifica-
se por considerarmos, de acordo com Martins (2002), que concepções docentes se
constituem como um dos obstáculos para a implementação desse tipo de
abordagem na sala de aula.
5.1.1 Análise das concepções dos professores identificadas nas entrevistas
As concepções dos professores identificadas nas entrevistas foram
organizadas em blocos individuais nos quais estão transcritos alguns trechos das
respostas desses professores. Após a apresentação de cada bloco, foi delineado um
perfil para o professor a partir da análise de suas respostas.
É importante mencionarmos que para a análise das respostas dos
professores, consideramos idéias de Bakhtin (1992) conforme descrito no capítulo
da metodologia.
A análise do discurso produzido pelos professores nas entrevistas,
nos encontros e na sala de aula levou em consideração as enunciações feitas pelos
mesmos. Dessa forma, o discurso produzido ao longo da entrevista muitas vezes, se
67
constituiu numa cadeia de idéias e noções que se superpõem ou se complementam.
Essas idéias foram consideradas quando da análise da transcrição.
Concepções da professora A
___________________________________________________________________
Concepção de Ciência
[...] a gente tem que ver que a ciência não é isolada não é? Então a ciência seria um conjunto de
conhecimentos, não é isso? Onde o indivíduo estaria interagindo de forma não estagnada nem
estanque com o mundo.
Concepção de Tecnologia
A tecnologia seria assim... Vamos supor, à medida que a ciência vai se superando a tecnologia vai se
inovando. É porque realmente em termos de conceituar, dizer o que é tecnologia, eu acho, eu não
tenho muito assim, essa questão de dizer com palavras, eu acho que a tecnologia é a busca da
inovação [...]
Concepção de Sociedade
Se a gente for pela etimologia da palavra, sociedade, sociedade a gente reúne o que? um grupo de
pessoas, pode ser, está ligado com a humanidade, com o social, o que envolve um todo, um
conjunto. Vamos supor, quando a gente diz assim, ah, preparar o indivíduo para ser um cidadão, para
ser um ser social, a sociedade para você participar dela você tem que interagir, você tem que ser
ativo, participativo, e para que você possa participar desse social você também vai ter que se
desenvolver, não é?
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Tecnologia
Se eu quero fabricar um foguete, eu preciso de uma tecnologia para desenvolver esse foguete. [...]
vou me basear em que? No desenvolvimento da ciência.
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Sociedade
Eu acho que a ciência espresente na sociedade, agora a sociedade não consegue ver que ali está
inserida a ciência.
Se eu tiver numa sociedade indígena, será que a ciência vai influir dentro dessa sociedade? [...] você
ver que a ciência vai interferir a partir da hora que você o significado. Qual o significado da
ciência para o índio?
Eu acho que um dos fatores que a gente vê que pesa muito é a questão econômica.
[...] infelizmente hoje em dia, consegue desenvolver uma pesquisa científica quando se tem um
interesse por trás [...].
Concepções sobre as inter-relações entre Sociedade-Tecnologia
Hoje em dia tudo precisa de tecnologia. Então vamos supor: eu gosto muito de falar com meus alunos
a questão da alimentação. O desenvolvimento tecnológico vive mudando o hábito alimentar da gente.
Eu acho que são as necessidades de uma sociedade que fazem com que se busquem novas
tecnologias.
Em nossa análise, observamos que a professora A parece compreender a
ciência como um conjunto de conhecimentos que não se constituem de forma
isolada nem estagnada e, que esse conjunto de conhecimentos proporciona a
interação dinâmica do indivíduo com o mundo. Diante dessa resposta, percebemos
de certa forma, a concepção da professora acerca da construção da ciência se
aproximar mais da perspectiva humana apresentada por Solomon (1988, apud
68
SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Assim, a ciência é compreendida pela professora
como uma produção humana que possibilita a leitura do mundo pelo homem e para
o homem. Não identificamos nas respostas da professora A, elementos que
caracterizam a natureza histórica da ciência (KNELLER, 1980). Entendemos que a
compreensão pela professora, de uma ciência intrinsecamente histórica, permitiria
uma concepção de ciência que, como um corpo de conhecimentos, muda no tempo
em função da busca de respostas às expectativas humanas. É a partir desse
entendimento que advém a compreensão do caráter social da ciência.
Consideramos esse aspecto essencial para uma prática pedagógica numa
perspectiva CTS, uma vez que, de acordo com Santos e Schnetzler (1997), a ciência
nessa perspectiva de ensino deve ser compreendida como uma busca de
conhecimentos que atendam as necessidades de uma sociedade. E essa
perspectiva social da ciência, segundo Freire-Maia (2000), evitaria uma possível
aceitação da neutralidade científica.
Com relação à concepção de tecnologia, percebemos certa dificuldade da
professora em expressar com palavras a sua idéia de tecnologia e, na tentativa de
elaborar uma definição, expressou uma compreensão da tecnologia como a busca
da inovação. Para a professora, a tecnologia busca inovar diversos materiais a partir
dos conceitos científicos disponíveis. Tal entendimento parece considerar que o
desenvolvimento de artefatos tecnológicos depende unicamente do desenvolvimento
do conhecimento científico. E isto fica mais claro quando a professora se refere às
inovações nos processos alimentares numa resposta posterior. Na análise da idéia
de tecnologia revelada pela professora, observamos certa coerência tanto com a
concepção apresentada por Kneller (1980), quando caracteriza a tecnologia como
um empreendimento historicamente desenvolvido e que envolve a produção de
artefatos para atender às perspectivas da sociedade, como com a concepção
apresentada por Martins (2003), que confere uma estreita relação entre a tecnologia
e a produção. Nesse sentido, a tecnologia para a professora tem uma profunda
relação com as alterações que ocorrem no mundo.
Quanto à concepção de sociedade, a professora parece caracterizá-la como
um grupo de pessoas que busca participação, identidade cultural e desenvolvimento
dentro dessa sociedade. Tal compreensão parece expressar a idéia de sociedade
69
apresentada por Giddens (2004), se considerarmos que a busca mencionada pela
professora se refere a uma cultura compartilhada. Na idéia da professora não
aparece explicitamente o entendimento de que essa sociedade diante de suas
expectativas, possa a partir da pressão pública, influenciar nos direcionamentos da
pesquisa científica e tecnológica. Segundo Solomon (1988, apud SANTOS e
SCHNETZLER, 1997), essa característica da sociedade constitui-se como um
aspecto essencial numa perspectiva de ensino com abordagem CTS.
Quanto às percepções da professora acerca das inter-relações CTS,
observamos que a professora coloca a ciência como determinante para a tecnologia.
Este posicionamento expressa, dentre as relações discutidas por Martins (2003), a
concepção de que a tecnologia é redutível à ciência, uma vez que a tecnologia tem
seus princípios e conceitos dependentes dos princípios e conceitos científicos.
Pudemos identificar também na resposta da professora, um dos pontos de vistas
apresentados por Kneller (1980) sobre o modo como a ciência e a tecnologia se
relacionaram no curso da história. Dessa forma, parece que para a professora A as
inovações tecnológicas se fundamentaram em leis, teorias e dados estabelecidos
pela ciência. Nessa direção, a professora parece não perceber que a tecnologia é
historicamente independente da ciência quanto à produção de conhecimentos, e que
as interações entre ambas estão associadas ao contexto histórico, haja vista que,
nos dias atuais é muito difícil determinar fronteiras entre o desenvolvimento científico
e o desenvolvimento tecnológico (FOUREZ, 1995).
Com relação à presença da ciência na sociedade, a professora parece
expressar a idéia de que a ciência exerce efeito sobre algumas sociedades.
Segundo a professora, para a ciência influenciar numa sociedade é necessário que
pessoas percebam que a ciência se faz presente. Parece-nos que quando a
professora expressa que algumas sociedades, como a sociedade indígena, por
exemplo, não sofrem influência da ciência, tem a idéia de que a ciência se constrói
num ambiente intelectual constituído por visões de mundo (KNELLER, 1980). Talvez
essa idéia de Kneller possibilite-nos compreender o que a professora tentou
expressar quando questionou o significado da ciência para o índio.
70
Dentro da rede de enunciações da professora A acerca das inter-relações da
ciência e da sociedade, o fator econômico foi o único apontado. Porém, a professora
não expressou que a sociedade formada por cidadãos comuns poderia participar
dos debates e decisões acerca do direcionamento da ciência e da tecnologia, e na
ausência de expressão dessa possibilidade, a professora parece compreender a
interação ciência-sociedade a partir do modelo de interação tecnocrata
(HABERMAS, 1973, apud FOUREZ, 1995).
Quanto à forma de como a tecnologia está inserida na sociedade,
percebemos que a professora parece compreender que a tecnologia está presente
na vida das pessoas e que as inovações tecnológicas partem das necessidades que
a sociedade apresenta. Essa percepção revela, segundo Kneller (1980), uma
concepção otimista, por expressar a idéia da tecnologia como fonte de progresso
social. Em nenhum momento foi identificada no discurso da professora A uma
concepção pessimista a qual percebe a tecnologia como um mal à humanidade -
ou moderada a qual percebe a relação risco-benefício do desenvolvimento
tecnológico - na forma de conceber a relação tecnologia-sociedade.
No sentido de traçar um perfil para a professora A, consideramos que ela
expressou uma concepção de ciência mais próxima da atividade humana, porém
que precede, subsidia e fundamenta os avanços tecnológicos. Com relação à
concepção de sociedade, a professora considera que a ciência não exerce influência
em todos os tipos de sociedade, e que alguns grupos específicos têm o poder de
decisão acerca das pesquisas científicas e tecnológicas. A concepção de tecnologia
apresentada como busca da inovação que parte das necessidades de uma
sociedade e promove mudanças nas condições de vida dessa sociedade, remete-
nos a questões relativas ao pequeno percentual de cidadãos que têm acesso à
tecnologia. Além disso, pode ser questionado de que setor da sociedade parte as
necessidades que prioritariamente determinam o avanço tecnológico. Tais fatos não
são enfatizados nas respostas da professora A, mas poderão ser discutidos em sala
de aula.
Em resumo, a partir das concepções apresentadas pela professora A, os
aspectos sobre a influência do cidadão comum no direcionamento do
71
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e a abrangência social desse
desenvolvimento, foram considerados nas discussões do primeiro encontro com os
professores. Nesse sentido, pode ser evidenciado que a formação do aluno na
perspectiva de cidadão lhe reveste de certo poder de transformação de seu contexto
social.
Concepções do professor B
___________________________________________________________________
Concepção de Ciência
A ciência é na realidade um conjunto de informações que norteiam ou tentam exemplificar,
caracterizar e responder as várias considerações do momento, do momento presente, que poderão
ser as mesmas no futuro próximo ou não.
Concepção de Tecnologia
Bom, é um conjunto de instrumentos, que vai dar suporte para resolver determinado tipo de situação.
Concepção de Sociedade
Bom... Sociedade é na realidade um conjunto de seres, que representam leis, regras, é... Só o fato de
estar em grupo, pelo menos para mim, já caracteriza uma sociedade.
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Tecnologia
Eu acredito que as duas vivem de mãos juntas, mas acredito que a ciência concreta vem antes.
À medida que as novas tecnologias chegam, o homem percebe que consegue resolver outros tipos
de situações.
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Sociedade
Muitas informações da ciência em termos da sua aplicabilidade nos remetem a uma considerável
integração.
A gente pode verificar o uso dos conhecimentos científicos dentro da medicina, por exemplo, o caso
da medicina nuclear.
É..., na realidade, a ciência virou comércio. [...] grupos determinam através de suas conveniências o
que deve ser pesquisado, como pesquisar e de que forma aplicar.
Eu acredito que um outro passo desse desenvolvimento humano deveria ser o de informar, mas com
qualidade.
Concepções sobre as inter-relações entre Sociedade – Tecnologia
Algum tempo atrás vivíamos sem celular. Hoje infelizmente não conseguimos viver sem o uso do
celular.
Eu acredito que a sociedade precisa de certa forma da determinação de leis específicas, não é?
[...] essa tecnologia gera grupos que as utilizam, mas também grupos que são excluídos.
Tanto inclui para determinados grupos, como exclui para outros.
Parece que para o professor B, a ciência se apresenta como um conjunto de
informações que busca responder às questões relevantes em cada momento da
vida. Nesse sentido, entendemos que o professor parece considerar a perspectiva
histórica para a construção dos conhecimentos científicos. Tal concepção expressa,
de acordo com Kneller (1980), a natureza histórica da ciência, uma vez que esse
conjunto de informações muda de acordo com diferentes momentos. Entretanto, não
72
percebemos na fala do professor, se as considerações do momento que a ciência
tenta responder estão relacionadas às perspectivas sociais, ou seja, às
necessidades de uma sociedade (FOUREZ, 1995). Aspecto esse importante, visto
que, de acordo com Santos e Schnetzler (1997), a idéia de ciência como busca do
conhecimento que leva em consideração questões sociais, se constitui como
aspecto central para uma abordagem CTS em sala de aula.
Com relação à concepção de tecnologia, percebemos que o professor
apresentou respostas sucintas que foram melhores desenvolvidas quando buscou
explicar as interações pertinentes. A concepção de tecnologia revelada pelo
professor parece está associada a uma dimensão técnica instrumental, ou seja,
como algo essencialmente prático. Parece-nos que o professor revela,
implicitamente, o aspecto social da tecnologia ao considerar que a tecnologia
transforma o tipo de vida de um grupo social. Dessa forma, a concepção do
professor B expressa uma idéia de tecnologia de caráter unicamente operacional, e
não faz relação alguma da tecnologia com a produção de conhecimentos.
Para expressar a sua concepção de sociedade, o professor revela uma
compreensão da sociedade como qualquer agrupamento de pessoas que se
organiza em termos de leis e regras. o observamos na resposta do professor a
possibilidade de uma sociedade efetivamente mais participativa.
Quanto à forma como a ciência e a tecnologia interagem, o professor pareceu
expressar uma compreensão de que a ciência e a tecnologia andam de mãos juntas,
porém entende que a ciência pura precede a tecnologia. Tal como a professora A, a
concepção do professor B expressa a idéia de que a tecnologia é redutível à ciência
(MARTINS, 2003). A nosso ver, essa forma do professor compreender a relação
ciência-tecnologia pode contribuir para difundir no ensino das disciplinas científicas
uma concepção elitista e individualista da ciência (CACHAPUZ et al, 2005). Por
outro lado, o professor expressou uma concepção de que o desenvolvimento
tecnológico amplia os serviços da pesquisa científica.
Quanto à presença da ciência na sociedade, o professor apresentou uma
concepção de que a ciência influencia na sociedade por meio da aplicação dos
73
conhecimentos científicos. Dessa forma, a concepção do professor B parece
considerar a influência da ciência na sociedade como uma força de produção
(KNELLER, 1980). Por outro lado, para o professor B, grupos externos à
comunidade científica interferem nos rumos da ciência, como exemplo, os grupos
que representam o interesse econômico. Observamos nas respostas do professor B
que para uma efetiva participação da sociedade nos direcionamentos das pesquisas
científicas, seria necessário, o acesso da sociedade à informação de qualidade, o
que parece se referir ao processo educativo. Nesse sentido, entendemos que o
professor B ressalta a importância da educação como meio de promover a
participação social diante das tomadas de decisão relativas ao desenvolvimento
científico e tecnológico.
Com relação à forma de interação entre a tecnologia e a sociedade, o
professor expressa claramente que a tecnologia influencia a forma de vida das
pessoas. No entanto, compreende que a sociedade terá condições de participar
da tomada de decisão acerca das questões tecnológicas se forem estabelecidas leis
que possibilitem tal participação. Percebemos que o professor parece compreender
tanto a necessidade de um modelo de interação decisionista (HABERMAS, 1973,
apud FOUREZ, 1995) no âmbito da relação tecnologia-sociedade, como a
impossibilidade da intervenção da sociedade nas tomadas de decisão devido à
estrutura política do nosso país. Ainda no contexto das inter-relações entre a
tecnologia e a sociedade, para o professor B, a tecnologia restrita a certas camadas
sociais promove também um processo de exclusão social. Diante disso, percebemos
que o professor compreende a relação tecnologia-sociedade considerando que a
influência tecnológica tem duas faces: a inclusão e a exclusão social.
No sentido de traçar um perfil para o professor B, consideramos que ele
apresentou uma concepção de ciência como uma busca de respostas às questões,
porém não especifica se a perspectiva dessas questões é social. Reconhece que a
ciência exerce influência sobre a sociedade através da aplicação dos conhecimentos
científicos e que a ciência pura tem primazia sobre a tecnologia. A tecnologia,
segundo o professor, tanto pode contribuir para ampliar o desenvolvimento científico
como interfere na vida de alguns grupos sociais, não estando disponível de forma
ampla para todos os cidadãos. A sociedade, compreendida como um grupo de
74
pessoas que sofre influência do desenvolvimento científico e tecnológico, não
apresenta uma participação ampla e efetiva na tomada de decisão no contexto das
questões científicas e tecnológicas.
Em resumo, o perfil do professor B apresentado apontou como possibilidades
de discussão nos encontros com os professores a idéia de ciência como uma
construção humana e como tal susceptível às influências da sociedade com relação
a seus modos explicativos e às suas teorias.
Concepções da professora C
Concepção de Ciência
Ciência é um conjunto de conhecimentos que tem aplicabilidade prática. [...] condiz com a realidade
do hoje, do agora, porque daqui a dez anos pode ser diferente. Que pode ser modificada mais tarde.
[...] Nada tá pronto, nada tá acabado.
Concepção de Tecnologia
É a aplicação do conhecimento no fazer, não é? É o conhecimento da ciência no fazer, no aplicar, e
que isso promova um bem comum.
Concepção de Sociedade
Sociedade é um povo que vive numa comunidade, sofrendo interferências de outras comunidades.
Ninguém nunca está só, você nunca é só. [...] tem as comunidades científicas formadas pelos
cientistas, as comunidades dos dentistas, os odontólogos, a comunidade dos professores, que já é
outra coisa também, não é?
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Tecnologia
Eu acho que uma não sobrevive sem a outra. Porque de onde vem a tecnologia? Vem da ciência, e
quando não vem a tecnologia faz a ciência dela.
Num experimento, por exemplo, você tem a ciência e quer comprová-la. vo usa a tecnologia
como meio.
Concepções sobre as inter-relações entre Ciência-Sociedade
[...], mas ela (a ciência) está junto da gente, porque se não tivesse, como teríamos remédios,
cosméticos, tecidos [...]
Com certeza. Os fatores externos como o econômico, o social, influenciam a pesquisa científica.
Não, eu acho que a sociedade não deve interferir de jeito nenhum na pesquisa científica, pois nunca
vai se chegar a um consenso.
Concepções sobre as inter-relações entre Tecnologia-Sociedade
[...] a televisão, o telefone, o nosso tipo de alimentação, pois estão os alimentos irradiados, os
remédios, os cosméticos.
Com certeza, numa sociedade tecnológica, não é?
Antigamente, quando se tinha um dente com cárie só fazia arrancar esse dente, hoje (devido a
tecnologia) o dente estragado pode ser refeito.
A professora C revelou uma concepção de ciência como um conjunto de
conhecimentos inerentes ao contexto histórico em que são produzidos. Dessa forma,
consideramos que a professora parece ter a compreensão da natureza histórica da
75
ciência. Tal compreensão está de acordo com Kneller (1980) quando afirma que a
ciência é intrinsecamente histórica. Quando a professora diz que a ciência pode ser
modificada mais tarde, expressa uma concepção não dogmática da ciência, ou seja,
a ciência não se constitui por verdades eternas e certezas absolutas. Nesse
aspecto, consideramos pertinente uma discussão de como a professora C concebe
a evolução dos conhecimentos científicos ao longo da história, para que não seja
difundida em sala de aula uma imagem de ciência como produto do acúmulo linear
do conhecimento. A imagem de uma ciência linear e acumulativa corresponde a uma
das visões não adequadas de ciência apresentadas por Cachapuz et al (2005). Essa
concepção tanto pode impossibilitar uma postura crítica e ativa dos alunos sobre o
processo de desenvolvimento científico na sociedade, uma vez que não seriam
evidenciados possíveis falhas e re-direcionamentos em tal processo, como
prejudicar a idéia de ciência como construção humana, e como tal, falível.
Outra análise que se faz necessária é sobre a compreensão da professora de
uma ciência com aplicabilidade prática. Parece haver na expressão da professora
uma confusão entre ciência e tecnologia. Tal concepção é citada por Valdés et al
(2002) como freqüente no estudo das concepções dos professores sobre a relação
ciência-tecnologia. Nessa direção, ao expressar que a ciência é um conjunto de
conhecimentos com aplicabilidade prática, a professora, segundo Fourez (1995),
talvez expresse uma concepção mais de tecnologia do que da ciência em si, uma
vez que para esse autor, a ciência pode gerar aplicações, porém não as objetiva
diretamente.
Quanto à concepção de tecnologia, a professora C parece expressar a idéia
de tecnologia como aplicação dos conhecimentos científicos visando o bem comum.
Apresenta idéias que associam o desenvolvimento tecnológico ao atendimento das
necessidades sociais. Idéias essas condizentes com Santos e Schnetzler (1997),
quando discutem a natureza da tecnologia numa perspectiva de ensino com
abordagem CTS. A concepção de tecnologia da professora retrata a tecnologia
como algo essencialmente prático. A professora parece compreender os artefatos
tecnológicos como representação da tecnologia, uma vez que, com base nas idéias
de Martins (2002), observamos que a mesma confere à tecnologia a utilidade
associada ao valor desses artefatos. No entanto, a professora parece compreender
76
também que em situações específicas, a tecnologia pode gerar conhecimentos
próprios quando expressa que a tecnologia “produz sua própria ciência”.
Quanto à sociedade, a professora revelou uma compreensão da sociedade
como um todo, formado por grupos específicos que desempenham diferentes
funções no contexto desse todo. Essa percepção sobre as divisões sociais,
principalmente marcadas pelas atividades exercidas, parece dificultar uma visão
mais ampla de sociedade formada por cidadãos comuns que podem exercer
influências e tomar decisões em problemas sociais concretos.
Com relação às inter-relações CTS, a professora apresentou para a forma da
interação entre a ciência e a tecnologia, uma compreensão de interdependência,
expressando idéias de que a tecnologia vem da ciência e os instrumentos
tecnológicos possibilitam os avanços da pesquisa científica. A compreensão da
professora C acerca da relação entre a ciência e a tecnologia parece apontar para
uma tecnologia redutível à ciência, haja vista que a tecnologia foi considerada pela
professora como aplicação da ciência, sendo assim dependente do desenvolvimento
científico.
Para a forma como a ciência e a sociedade interagem, a professora apontou
idéias tais como: a ciência aplicada influencia na sociedade, concepção que,
segundo Kneller (1980), caracteriza a influência da ciência na sociedade como força
de produção; a ciência sofre influência de fatores externos, como o econômico e o
social, porém não explicita quais os segmentos de tais fatores; e a sociedade
formada por cidadãos comuns, não tem condições de interferir no rumo da pesquisa
científica. Tal postura parece advir de uma visão otimista da ciência e expressa,
segundo Habermas (1973, apud FOUREZ, 1995), uma concepção da interação
ciência-sociedade mais tecnocrata, onde a ciência representada por seus
especialistas tem o poder de tomar decisões. No entanto, percebemos que essa
postura pode estar relacionada mais com questões políticas, focadas na dificuldade
de construir tal participação considerando que para a professora C seria impossível
(“nunca”) chegar a consensos, do que propriamente de uma tomada de decisão com
relação a uma sociedade que passa ao largo da produção científica. A partir do
posicionamento da professora C apontamos a importância da discussão com os
77
professores, nos encontros, sobre que tipo de participação se pretende construir
com a formação cidadã a partir de uma abordagem CTS em sala de aula.
No que diz respeito à inter-relação tecnologia-sociedade, a professora
percebe tal interação quando considera que a sociedade usufrui a tecnologia e que o
consumo de produtos por esta sociedade estimula determinados avanços
tecnológicos. Tal posicionamento nos leva a perceber que para a professora C, a
participação da sociedade no desenvolvimento científico e tecnológico resume-se
numa perspectiva mais pragmática e utilitária dos produtos gerados pela tecnologia.
No perfil da professora C observamos uma concepção otimista e até certo
ponto ingênua da ciência, como um conjunto de conhecimentos que podem ser
aplicados para a produção de melhores condições de vida para a sociedade. A
professora revelou que a ciência e a tecnologia o interdependentes na produção
do conhecimento. Expressou a idéia de que tanto a ciência como a tecnologia
interfere na sociedade e que a sociedade, pela necessidade de consumo, estimula
os avanços tecnológicos. Porém o concebe a possibilidade de participação social
na tomada de decisão a respeito das questões das aplicações e implicações
científicas e tecnológicas.
O perfil da professora C apontou possibilidades de discussão nos encontros
com os professores, tais como: as possibilidades do desenvolvimento científico e
tecnológico de inviabilizar a vida humana na Terra (degradação do meio ambiente,
guerras, etc.); e a necessidade de que a sociedade, pensada de forma mais ampla
(todos os seus segmentos), exerça um controle social à produção científica e
tecnológica no sentido de garantir o respeito aos direitos mais essenciais do ser
humano.
Em resumo, com base nos resultados da análise das concepções dos
professores acerca da ciência, tecnologia, sociedade, e das inter-relações CTS
reveladas nas entrevistas, consideramos que tais concepções abriram possibilidades
de discussão no processo de elaboração de propostas de abordagens CTS, tais
como:
78
O fortalecimento da idéia de ciência como uma construção humana suscetível às
influências da sociedade e como uma das formas de interpretação do mundo;
A construção de uma visão menos instrumental e mais influente da tecnologia no
que se refere à produção do conhecimento científico, buscando evidenciar
formas como caminham juntas ciência e tecnologia;
Uma visão de sociedade não somente consumidora, mas intrinsecamente
participante nas avaliações da produção da ciência e tecnologia, estando o seu
poder de ação tanto no âmbito dos grupos de maior poder como ao alcance do
cidadão comum organizado e consciente. Nesse sentido, a formação cidadã
seria um caminho de conscientização de alunos e professores da força social
que possuem.
As questões pontuadas acima direcionaram o encaminhamento das
discussões com os professores nos encontros, uma vez que consideramos
pertinente, desmistificarmos posicionamentos identificados nas concepções dos
professores, tais como:
A desvalorização da tecnologia e conseqüente supervalorização da ciência;
O caráter meramente operacional da tecnologia;
A concepção de uma sociedade utilitária do desenvolvimento científico e
tecnológico;
A concepção de uma sociedade que não tem o poder de avaliar, questionar e se
posicionar diante de questões científicas e tecnológicas que envolvem de certa
forma, toda a comunidade planetária.
A seguir será apresentada uma análise das discussões que ocorreram no
primeiro encontro com os professores. Esta análise teve como objetivo promover
processos de reflexão que poderiam levar os professores a avaliarem e
redimensionarem algumas das suas concepções sobre ciência, tecnologia,
79
sociedade, e sobre as inter-relações CTS que poderiam repercutir na implementação
da abordagem CTS planejada.
5.1.2 Análise das concepções expressas pelos professores no primeiro
encontro
Os encontros com os professores se constituíram num espaço privilegiado de
discussões, tornando-se o lugar, em que buscamos capturar significados dos
professores sobre ciência, tecnologia, sociedade, e sobre as inter-relações CTS.
Nesse sentido, realizamos leituras dinâmicas e questionamentos acerca das
percepções de ciência, tecnologia e sociedade apresentadas pela literatura como
adequadas à perspectiva de ensino CTS. Os professores, após as leituras dos
textos, expressavam suas concepções espontâneas ao grande grupo.
Para a análise dos significados dos professores sobre ciência, tecnologia e
sociedade foram consideradas as discussões feitas no primeiro encontro, uma vez
que elas poderiam contribuir para uma melhor compreensão das concepções dos
professores reveladas nas entrevistas individuais. O segundo encontro diz respeito
mais sobre os aspectos da abordagem CTS em sala de aula e tais aspectos serão
analisados a partir da implementação da abordagem CTS nas salas de aula dos
professores.
Por entendermos que as concepções dos professores acerca da ciência,
tecnologia e sociedade poderiam influenciar no processo de implementação de uma
abordagem CTS, realizamos a análise das concepções desses professores durante
o primeiro encontro com o objetivo de identificarmos novos posicionamentos em
suas concepções frente àquelas identificadas nas entrevistas individuais.
Ao buscarmos evidências das concepções CTS nas falas dos professores,
identificamos categorias que denominamos de significações de ciência, significações
de tecnologia, significações de sociedade. Tais categorias de análise emergiram da
leitura dos discursos dos professores produzidos durante os encontros. A análise
tomou por base considerações de ciência, tecnologia, sociedade, inter-relações
80
CTS, apresentadas na literatura e quando oportuno, foram comparadas àquelas
concepções apresentadas na entrevista.
As enunciações dos professores reveladas no primeiro encontro estão
apresentadas em transcrições de trechos representativos organizados em turnos de
falas. As falas dos professores foram analisadas após trechos de discussão, e em
seguida, para cada professor, apresentamos uma discussão confrontando as
concepções iniciais (identificadas no momento das entrevistas individuais) com as
concepções expressas nos momentos de discussão dos referidos encontros.
Consideramos que o tratamento das concepções sobre ciência, tecnologia e
sociedade pode possibilitar aos professores uma articulação dessas três instâncias
de forma mais adequada às características da abordagem CTS. Os trechos de
discussão transcritos a seguir expressam concepções dos professores em
momentos específicos do primeiro encontro.
Significações de Ciência
O momento de discussão a seguir (trecho 1), apresenta expressões dos
professores sobre a ciência como atividade humana. Essa discussão emergiu
quando cada professor recebeu o cartão-ficha 1 (apêndice C) e foi solicitado a se
posicionar individualmente diante da citação: Como empreendimento humano, a
Ciência é falível; ela pode degenerar ou pode responder às supremas aspirações
dos homens. Como parte da sociedade, a Ciência também está aberta a influências
externas; como qualquer atividade social, pode ser bem ou mal usada(KNELLER,
1980, p. 9).
TRECHO 1:
___________________________________________________________________
1- Professora A: A ciência hoje busca investigar e explicar situações envolvendo a sociedade e a
tecnologia. Portanto deve estar aberta para ajudar a suprir as necessidades de uma sociedade de
forma consciente. Isto é como eu vejo a ciência hoje, antes eu via a ciência como se ela estivesse
numa redoma de vidro e que as coisas poderiam ser explicadas a partir dela. [...] Mas hoje, ela
está saindo dessa redoma e tá buscando, através da sociedade, essa explicação.
2- Professor B: Você concorda ou não concorda com o texto?
81
3- Professora A: O que eu quis dizer foi isso. Que a ciência é falível é, não é? Por isso que eu disse
que busca investigar, [...]. Eu concordo parcialmente com o texto.
4- Professor B: Eu concordo na íntegra. Porque eu acredito numa ciência como instrumento de
desenvolvimento humano, e como tal, fica a critério de quem vai fazer uso de suas atribuições. Vai
ser utilizada para o bem ou para o mal.
5- Professora C: Eu concordo também. Realmente, a ciência pode sofrer influências externas
profundas, porque pode ser usada para o bem ou para o mal. São tantos os exemplos que o
desenvolvimento da ciência foi muito mal usado como empreendimento humano, tais como: os
explosivos, aviação voltada para guerra, agrotóxicos etc. Contudo trouxe tantos outros benefícios
como remédios, cosméticos, vacinas etc. Quem faz uso para o bem ou para o mal da ciência é o
homem. A ciência em si não faz malefícios.
6- Professor B: Ela é um instrumento.
7- Professora C: Exatamente. O homem é que não tem muito bom senso.
___________________________________________________________________
Ao analisarmos as falas dos professores, percebemos que os mesmos não
concebem a ciência como neutra. As expressões dos professores revelam uma
concepção de ciência gerada num meio social e neste caso, sofre influência de
fatores que constituem a cultura da qual faz parte.
De um modo geral, observamos que no discurso da professora A,
permaneceu a concepção de ciência com caráter social, revelada na entrevista. Na
fala do professor B, percebemos novos posicionamentos na sua concepção de
ciência uma vez que esse professor mostrou indícios da percepção do envolvimento
da ciência com as necessidades sociais da humanidade. Com relação à professora
C, percebemos novos posicionamentos em sua concepção de ciência uma vez que
na entrevista, apresentou a ciência como um conjunto de conhecimentos com
aplicabilidade prática para melhorar a vida das pessoas e agora, no discurso
produzido, manifestou uma concepção de ciência mais aberta às influências
externas que podem acarretar problemas para as pessoas. Entendemos que as
significações de ciência expressadas pelos professores nos encontros parecem
caminhar em uma direção que se torna mais próxima daquela considerada como
adequada para a implementação de uma abordagem CTS em suas salas de aulas.
De acordo com Solomon (1988, apud SANTOS e SCHENETZLER, 1997), a ciência,
nesta perspectiva de ensino, deve ser concebida como produção humana de caráter
provisório e incerto.
82
Significações de Tecnologia
No momento de discussão a seguir (trecho 2), foi entregue aos professores o
cartão-ficha 2 (apêndice D) e solicitado aos mesmos que individualmente se
posicionassem frente à citação: Uma tecnologia, portanto, não é somente um
conjunto de elementos materiais, mas também um sistema social. Certos aparelhos,
aliás, podem se tornar absolutamente inúteis nos países em desenvolvimento que
não possuem as infra-estruturas sociais e culturais que lhes implicam (FOUREZ,
1995, p. 218).
TRECHO 2:
1- Professor B: Para mim foi difícil de compreender, no sentido do grau de complexidade (a frase). E
logo no início do texto eu achava que concordava parcialmente e no final do texto
concordo
plenamente. Para
mim, a
tecnologia e suas aplicações devem nortear características da sociedade
inserida. Baseado neste contexto, quando você diz que a tecnologia não é somente um conjunto de
elementos materiais. Perfeito. [...] acredito que a tecnologia não é somente um conjunto de elementos
materiais, mas é um sistema social. É dessa forma que eu encaro também. Agora, certos aparelhos
podem se tornar absolutamente inúteis nos países em desenvolvimento que não possuem as infra-
estruturas sociais e culturais que lhes implicam, vai depender, vai depender das suas estruturas e das
suas tecnologias e a sua aplicação, pois elas devem caminhar com as características daquela
sociedade em que ela está inserida. Por exemplo, um país muito desenvolvido tecnologicamente, a
maioria do produto tecnológico gerado vai acarretar num bem estar da grande maioria da população.
Diferente do que acontece no nosso país, a gente tem desenvolvimento tecnológico e esse pouco
beneficia apenas uma minoria. Então eu concordo com a citação de forma parcial.
2- Professora C: Eu concordo certo. Quando li esse texto eu pensei na África e pensei no Brasil. Veja
bem, concordo com o texto. Dependendo do desenvolvimento da sociedade, a tecnologia pode ser
útil e necessária, ou ser completamente desnecessária. É o contexto da sociedade que vai direcionar.
3- Professora A: Eu coloquei assim.
Não basta o ter, mas o ser. Eu posso importar a tecnologia, mas
que não vai me atender por falta de preparo. Cada sociedade deve desenvolver a sua tecnologia de
acordo com as suas necessidades. Para se chegar a isso é preciso não só ter, mas também ser.
__________________________________________________________________
Da análise das idéias apresentadas pelos professores, percebemos que o
professor B parece não ter compreendido bem a relação entre tecnologia e
sociedade proposta pelo autor na citação e isso pode ser percebido na sua fala
quando busca traduzir as palavras expressas pelo autor. As professoras A e C
parecem ter compreendido e concordado com a afirmação posta: a tecnologia é um
83
processo social uma vez que pode ser considerada como um empreendimento
humano que consiste em satisfazer necessidades humanas. Ou seja, a tecnologia
deve surgir das demandas que a sociedade tem e nesse sentido se torna
dependente das condições em que esta sociedade vive. Nesse sentido, parece não
haver a percepção do fato que a tecnologia pode independentemente de uma
demanda social explícita influenciar nas formas de vida e organização social.
No confronto com as concepções reveladas nas entrevistas individuais,
observamos que na fala da professora A permaneceu a idéia de que a tecnologia
parte das necessidades de uma sociedade. Com relação ao professor B,
percebemos um posicionamento diferente em seu discurso, de uma concepção de
tecnologia numa perspectiva mais instrumental tentar se apropriar de uma
concepção de tecnologia como sistema social e dessa forma, também cultural. A
professora C também nos revelou um novo posicionamento acerca da sua
concepção de tecnologia. Ao situar a tecnologia no contexto das necessidades de
uma sociedade, passa da percepção da tecnologia como aplicação do conhecimento
científico para uma concepção de tecnologia a partir de uma componente também
social. Em resumo, os professores parecem ter percebido dimensões da tecnologia
que antes não haviam refletido. Dessa forma, os encontros parecem ter
oportunizado a ampliação da perspectiva colocada na entrevista.
Significações de Sociedade
No próximo momento de discussão (trecho 3) estão transcritas falas dos
professores quando receberam o cartão-ficha 3 (apêndice E) e foram solicitados a
se posicionarem individualmente frente à citação: Em definitivo, a participação dos
cidadãos na tomada de decisão é hoje um fato positivo, uma garantia de aplicação
do princípio de precaução, que se apóia numa crescente sensibilidade social face às
implicações do desenvolvimento tecno-científico que pode comportar riscos para as
pessoas ou para o ambiente” (CACHAPUZ et al, 2005, p. 28).
TRECHO 3:
__________________________________________________________________
84
1- Professora C: A socialização do desenvolvimento técnico-científico traz melhorias de vida para a
sociedade participante.
2- Professora A: Agora eu vou dizer porque eu concordo com a citação. É importante a formação do
ser crítico e participativo, buscando soluções que possam ajudar na aplicabilidade, minimizando
danos atrelados ao desenvolvimento tecnológico.
3- Professora C: Justamente.
4- Professora A: É esse ser crítico e participativo que vai minimizar. Você não tem como impedir, mas
tem como minimizar, reinvidicar. Vamos supor: você mora de um lado de uma indústria que está
colocando resíduo industrial, eu sei dos danos que isso pode causar ao meio ambiente, então eu vou
me mobilizar. Então eu acho que isso vai minimizar e não acabar.
5- Professor B: Talvez porque tu tenhas analisado o texto de forma bem geral. Eu fui muito restrito na
minha análise, eu pensei em termos de Brasil. Por isso que não concordo. Pois não percebo no Brasil
que as tomadas de decisão são dos cidadãos. Muito pelo contrário, hoje o nosso desenvolvimento
tecnológico vem atendendo a uma minoria que toma as decisões em nosso país.
6- Professora C: Está corretíssimo.
7- Professor B: Foi assim que eu analisei, para o nosso país.
8- Professora A: Já eu me voltei para o nosso papel como professor e que participamos dessa
mudança e estamos inseridos nisso.
9- Professor B: E de que forma tu consegues diferenciar o papel do cidadão do papel de professora?
10- Professora A: Justamente, a forma como você vai trabalhar com seus alunos.
11- Professor B: Eu pensei de forma geral. Cidadão independente da profissão [...]
(Nesse momento, a pesquisadora ler novamente a citação para os professores. E um novo momento
de discussão se inicia)
12- Professor B: Que tomada de decisão é essa que não ficou claro?
13- Pesquisadora: Por exemplo: se você vai num supermercado e tem a opção de comprar dois
produtos. Ao ler o rótulo dos dois você poderá optar pelo produto que não traga prejuízos ao meio
ambiente.
14- Professora A: Por exemplo: eu não vou comprar um detergente não biodegradável porque eu sei
que vai acelerar a poluição, não é?
15- Pesquisadora: Entendeu professor?
16- Professora C: Foi isso que eu pensei. Você joga o produto no mercado, se esse produto trouxer
algum mal para a sociedade, ela vai excluir esse produto.
___________________________________________________________________
Ao analisarmos as falas dos professores, percebemos que o professor B não
acredita na possibilidade de participação cidadã na tomada de decisão acerca das
questões científicas e tecnológicas e justifica a sua posição considerando questões
políticas. Entretanto, observamos posições diferentes nas professoras A e C. Para
preparar o cidadão crítico e participativo que busque soluções que minimizem os
impactos cio-ambientais produzidos pela tecnologia, e para socializar o
85
desenvolvimento técnico-científico, essas professoras expressam a necessidade da
participação dos cidadãos nas tomadas de decisão.
Na busca de relações entre concepções dos professores identificadas nas
entrevistas e expressas nos momentos de discussão sobre a percepção de
sociedade, observamos que a professora A apresentou um novo posicionamento
quanto à sua concepção de sociedade ao situá-la num contexto contemporâneo que
exige dos cidadãos participação e consciência crítica frente aos danos provocados
pelo desenvolvimento científico-tecnológico. Com relação ao professor B,
identificamos em suas falas a permanência da concepção de sociedade participativa
vinculada às condições de políticas públicas. E o discurso da professora C, aponta
para um novo posicionamento na medida em que passa a conceber a sociedade
numa perspectiva mais ampla, não caracterizada por sub-sociedades, e que
necessita da socialização dos conhecimentos científicos e tecnológicos na
concretização de uma participação social e democrática mais efetiva.
Com relação às inter-relações CTS, direcionamos nosso foco de análise para
as inter-relações entre a ciência e a tecnologia, uma vez que algumas pesquisas
(ACEVEDO, 1995; VALDÉS et al, 2002) apontam concepções docentes não
adequadas acerca de tal relação.
Significações da inter-relação ciência-tecnologia
O trecho de discussão a seguir (trecho 4) ocorreu no momento da leitura de
um texto que tratava da construção da luneta por Galileu (anexo A). Com o objetivo
de colocar em discussão a relação ciência-tecnologia, questionou-se com os
professores se o problema enfrentado por Galileu na construção da luneta foi de
ordem científica ou tecnológica
.
TRECHO 4:
___________________________________________________________________
1- Professora A: Eu acho que de imediato foi científico, pois ele não tinha explicação para algumas
coisas que ele gostaria. E partindo d ele precisaria buscar uma nova tecnologia para ampliar a
utilização da luneta dele.
86
2- Professora C: E foi isso que ele fez. Se soubesse o problema cientificamente ele não teria usado a
lente plana. Mas ele usou e não fez efeito. Aí ele passou para a côncava e convexa, intuitivamente.
3- Professor B: Uma boa característica do cientista, a observação.
4- Professora A: Hoje em dia a principal característica é ser crítico, duvidar de tudo.
5- Professora C: Duvidar e investigar.
6- Pesquisadora: Então vocês acham que os problemas enfrentados por Galileu foram de ordem
científica e tecnológica?
7- Professora C: Sinceramente, eu acho que foi mais de ordem científica, pois a tecnologia ele já
sabia [...].
8- Professor B: Tu achas que ele fez por amostragem, não é?
9- Professora C: É. Ele foi intuitivamente juntando as coisas.
10- Professora A: Por isso que a gente acredita que houve a falta das duas na realidade.
11- Professora C: Mas foi mais científico do que tecnológico, não é? Porque a tecnologia estava lá.
12- Professora A: Ele desenvolveu uma tecnologia, mas precisava ser ampliada, ser fundamentada.
13- Professor B: Até para responder essa necessidade dele de fazer uma lente mais potente.
14- Professora A: Ele precisava das duas coisas.
15- Professor B: O que eu percebi é que a ordem não importa. O que importa é que a ciência e a
tecnologia caminhem juntas nesse contexto.
16- Professora C: Para que melhore a vida de todos.
17- Pesquisadora: Nessa relação ciência-tecnologia existe alguma ordem de prioridade?
18- Professora A: Eu penso assim. A tecnologia veio de uma necessidade, certo? que para você
desenvolver uma tecnologia você tem que ter um bom conhecimento científico [...] Ele foi buscar uma
fundamentação científica para aprimorar a luneta.
19- Professor B: Isso que você falou não é verdade absoluta. Nem sempre a tecnologia precisa de
uma fundamentação teórica por trás.
20- Professora A: Você tocou num ponto relevante. [...] Por causa dessa questão da tecnologia
consumimos coisas que não nos fazem bem. Para que eu possa fazer uma opção do que é melhor
para mim, eu preciso do conhecimento científico. A tecnologia pode vir a desenvolver a ciência.
21- Professor B: Mas não necessariamente nessa ordem.
22- Professora C: A ordem não vai alterar o fato.
23- Professora A: Vamos supor: um país pobre da África e um país de primeiro mundo.
24- Professor. B: Canadá.
25- Professora A: Você lá no Canadá para desenvolver uma tecnologia vão em busca da ciência, mas
num país onde a ciência não vem sendo desenvolvida, eles produzem sua própria tecnologia de
acordo com os recursos que eles têm. Por isso é que eu digo que não existe uma ordem, [...]
Depende do contexto da cultura.
26- Professora C: Mas de maneira geral, a tecnologia nasceu primeiro do que a ciência.
27- Professora A: Até para aprimorar.
___________________________________________________________________
87
Nas expressões dos professores A e B, percebemos a idéia de uma difusa
inter-relação ciência-tecnologia pelo fato desses professores não desvincularem, na
produção do objeto “luneta”, o conhecimento científico do conhecimento tecnológico.
Em suas percepções, estes conhecimentos estão bem entrelaçados. Parece-nos
que tais percepções consideram que a ciência e a tecnologia o domínios distintos
que se influenciam mutuamente na consolidação dos saberes. Considerando as
diferentes formas apresentadas por Martins (2003) para a relação entre a ciência e a
tecnologia, esses professores parecem se enquadrar na concepção de que existe
uma interação entre ambas. Por outro lado, a professora C parece separar o
domínio científico do domínio tecnológico. Dessa forma, com base nas idéias de
Martins (2003),
a professora se enquadra na concepção de que a ciência e a
tecnologia são domínios independentes. Acreditamos que tal posicionamento poderá
comprometer a articulação dos aspectos CTS nas aulas dessa professora, e
transmitir uma visão descontextualizada da ciência e da tecnologia, ao
desconsiderar que a ciência a tecnologia, mesmo sendo domínios independentes,
articulam-se mutuamente.
Tal discussão apesar de não ter um caráter conclusivo parece contribuir para
desmistificar o posicionamento unânime dos professores na entrevista quando
consideram a ciência em um estatuto maior do que a tecnologia. As inter-relações
podem ser percebidas a partir da tentativa em responder a questão provocativa de
quem vem primeiro a ciência ou a tecnologia no caso de Galileu.
Percebemos que a professora A compreende a ciência como determinante da
tecnologia no sentido de ampliar as possibilidades de uso dessa tecnologia. Tal
concepção parece advir da supervalorização da ciência frente à tecnologia. No
contexto da sala de aula, Cachapuz et al (2005) argumenta que esse
posicionamento docente afeta as propostas CTS de ensino e comporta em particular
a falta de compreensão sobre as relações entre a ciência e a tecnologia. Parece-nos
que os professores B e C não expressaram neste momento a idéia da dependência
da tecnologia frente à ciência, e isto para uma perspectiva de ensino CTS é positivo,
uma vez que a tecnologia, segundo Solomon (1988, apud SANTOS e
SCHENTZLER 1997), deve ser apresentada como aplicação de diversas formas de
88
conhecimentos, não apenas o conhecimento científico, para atender as
necessidades sociais.
Confrontadas as concepções expressas nas entrevistas e nos momentos de
discussão, consideramos que para a concepção da inter-relação ciência-tecnologia,
a professora A permanece com a percepção de que a ciência abre as possibilidades
ao desenvolvimento tecnológico. O professor B, por sua vez, expressa um novo
posicionamento, pois parece passar a entender que na relação ciência-tecnologia, a
ciência, necessariamente, não precede a tecnologia. A professora C também
apresenta uma idéia diferente sobre a relação ciência e tecnologia. Da concepção
de que a tecnologia vem da ciência, passa a entendê-las como domínios distintos na
produção de seus saberes e que podem se influenciar mutuamente.
Em resumo, consideramos que a inclusão de novos elementos nas formas
dos professores compreenderem sobre ciência, tecnologia, sociedade e sobre as
inter-relações CTS, colocados nos questionamentos, nas discussões e nas reflexões
promovidas nos encontros com os professores, representou um resultado
satisfatório e produtivo diante dos objetivos para os quais esses encontros foram
propostos.
5.2 Análise de aspectos das práticas pedagógicas dos professores na
implementação de uma abordagem CTS
Procuramos nos inserir no cotidiano dos sujeitos de nosso estudo
professores de química na tentativa de descrevermos suas práticas e suas
linguagens, durante a implementação de uma abordagem CTS em suas salas de
aula. Nesse sentido, a convivência com as turmas e com a prática pedagógica
desses professores se deu não apenas no momento da implementação da
abordagem CTS, mas em momentos anteriores. Para a observação das aulas dos
professores A e B foi feita a seguinte programação: na escola do professor B, a
pesquisadora teve um primeiro contato com a turma quando o trabalho que seria
realizado foi apresentado aos alunos. Uma semana antes da aplicação da
intervenção didática com abordagem CTS pelo professor B, a pesquisadora voltou à
escola do referido professor para observar uma aula de sua prática cotidiana;
na
89
escola da professora A, a pesquisadora teve um primeiro contato quando foi
observar uma aula de sua prática cotidiana numa turma que não participaria da
aplicação de uma abordagem CTS. Uma semana depois desse primeiro contato a
pesquisadora voltou à escola da professora A para observar a implementação da
abordagem CTS pela respectiva professora.
A nossa proposta era identificar aspectos da prática pedagógica que
poderiam se constituir como obstáculos para uma efetiva implementação de uma
abordagem CTS na sala de aula. Consideramos que uma implementação não seria
efetiva a partir de algumas ações do professor em sala de aula que poderiam
descaracterizar os objetivos de ensino nesta perspectiva (PENICK, 1993, apud
ACEVEDO, 1996a). Assim, foram relevantes para a escolha dos episódios de ensino
os momentos que consideramos fundamentais para este tipo de abordagem, ou
seja, os momentos entre os quais os professores introduziram a problemática social;
articularam os conceitos químicos aos contextos tecnológico e social; e retomaram a
discussão sobre a problemática abordada.
A análise do processo discursivo a partir das transcrições dos episódios foi
realizada conforme os aspectos da estrutura analítica proposta por Mortimer e Scott
(2002). Em nossa análise, foram consideradas: as intenções do professor; as
classes da abordagem comunicativa; e as formas de intervenção do professor.
Assim, a ferramenta metodológica proposta por Mortimer e Scott (2002) foi
aplicada para analisarmos o discurso produzido na sala de aula de química durante
a implementação de uma abordagem CTS, na qual foram tratados: a questão do
descarte desordenado das pilhas e suas conseqüências ao meio ambiente; o
processo de produção das pilhas; os conceitos químicos - reatividade química,
reações de óxido-redução envolvidos no processo de produção das pilhas; e o
levantamento de possibilidades de solução para a questão do descarte das pilhas e
suas implicações ambientais.
Com a perspectiva de nos aproximarmos do contexto do nosso objeto de
estudo, registramos inicialmente a partir da gravação em vídeo duas
aulas dentre
outras na prática pedagógica cotidiana desses professores com o objetivo de
90
verificarmos se esse tipo de implementação se constitui como um processo de
mudança em suas ações docentes. Com esse propósito, antes de analisarmos como
os professores de química implementaram uma abordagem CTS em suas aulas,
fizemos uma breve análise das aulas registradas.
5.2.1 Aspectos da prática pedagógica da professora A
Como mencionamos anteriormente, discutiremos inicialmente alguns
aspectos da prática pedagógica cotidiana da professora A. A aula analisada, a aula
1A, foi realizada numa turma da 2
a
. série do ensino médio de uma escola pública, no
horário escolar, contemplou duas aulas geminadas de cinqüenta minutos cada, e
tratou os conceitos de misturas, soluções, coeficiente de solubilidade e
classificações das soluções.
A seguir, apresentamos um mapa de atividades (quadro 6) como resumo da
aula 1A para demonstrarmos a dinâmica da prática pedagógica da professora no
seu cotidiano.
Quadro 6 - Mapa de atividades da aula 1A
(Ministrada em 20/10/06)
Tempo
(duração)
Atividade
desenvolvida
Principais temas Ações dos
participantes
Comentários
10’ Organização dos
alunos na sala.
60’ Exposição do
conteúdo pela
professora.
Misturas
homogêneas e
Heterogêneas;
Soluções sólidas,
líquidas e gasosas;
Solubilidade;
Coeficiente de
solubilidade;
Soluções:
saturada,
insaturada, e
supersaturada;
Densidade.
A professora
explica o conteúdo
e ao mesmo tempo
vai sistematizando
o mesmo no
quadro.
Os alunos
praticamente não
participam da
discussão na sala
de aula.
5’ Final da aula. A professora faz a
chamada e
entrega provas.
Observamos no mapa acima que o tratamento dos conceitos químicos
constituiu-se como questão central da aula, bastando-nos considerar o tempo a ele
91
destinado. Identificamos como intenção da professora explicar os conceitos
químicos referentes às misturas, soluções, coeficiente de solubilidade, e a
classificação das soluções. Parece-nos que este fato contribuiu para um discurso na
sala de aula predominantemente não-interativo de autoridade, uma vez que a
professora durante o tratamento dos conceitos químicos foi o único sujeito da
discussão, e o ponto de vista considerado foi unicamente o científico.
Como o objetivo deste trabalho é analisar como a professora A implementou
uma abordagem CTS em suas aulas, não aprofundamos a discussão acerca dos
aspectos da aula 1A dessa professora. Assim não foram considerados nem
analisados episódios representativos desta aula.
Para análise da implementação de uma abordagem CTS pela professora A
questão central de nossa investigação denominamos como aula 2A, a aula
analisada na perspectiva de ensino CTS. A intervenção pedagógica da professora
na perspectiva de ensino CTS foi realizada com uma turma da 3
a
. série do ensino
médio de uma escola pública em horário extra-escolar por conta de uma
necessidade da professora de repor algumas aulas na respectiva turma. Dessa
forma, a implementação de uma abordagem CTS pela professora A se deu num
único momento, o qual contemplou quatro horas e dez minutos de aula,
correspondentes a aproximadamente cinco aulas de cinqüenta minutos. As
atividades vivenciadas na aula 2A foram realizadas no laboratório de química da
escola o qual tinha estrutura para a realização das aulas. Participaram das
respectivas aulas 11 alunos e o clima foi bastante informal, pois estavam em horário
extra-escolar. No entanto, a professora tentou promover a participação desses
alunos desde organização do material até o final das aulas.
Para analisarmos como a professora A implementou uma abordagem CTS na
sua sala de aula e identificarmos quais aspectos de sua prática pedagógica se
constituíram como obstáculos para uma efetiva implementação, elaboramos um
mapa de atividades da seqüência de aulas dessa professora (quadro 7) com o
objetivo de obtermos uma visão mais geral de como ocorreu tal implementação.
92
Da seqüência de aulas planejada pelos professores envolvidos na
investigação (Apêndice G) quando implementada pela professora A, extraímos três
episódios que apresentam aspectos relevantes para uma orientação de ensino CTS,
que foram transcritos e analisados.
Nesse sentido, apresentamos a seguir para a aula 2A um mapa das
atividades realizadas pela professora A numa perspectiva de ensino CTS (quadro 7).
Quadro 7 - Mapa de atividades da aula 2A
(seqüência de aulas ministrada no dia 21/10/2006)
Tempo
(duração)
Atividade desenvolvida Principais temas Ações dos
participantes
Comentários
5’ Apresentação da aula pela
professora.
Contrato didático
entre professora e
alunos.
A professora
explica como será
o processo de
avaliação.
Os alunos
sentados prestam
atenção à
professora.
3’ Discussão acerca dos
objetivos e da necessidade
da aquisição dos
conhecimentos pelos
alunos.
Apresentação do conteúdo
que será abordado.
Delimitação dos pontos
mais importantes que serão
tratados no conteúdo
abordado.
Levantamento de questões
sobre a importância das
pilhas e baterias no
cotidiano, sobre os
princípios científicos que
explicam o funcionamento
das pilhas, e sobre os
fatores que interferem para
a inovação tecnológica das
pilhas e baterias.
Construção do
conhecimento;
Formação do
indivíduo;
Inserção na
sociedade.
Eletroquímica.
Pilhas e baterias.
A professora
apresenta aos
alunos os objetivos
da aula,
conscientizando-os
que o
conhecimento
científico insere o
indivíduo na
sociedade.
Neste momento, a
professora é o
único sujeito da
discussão.
93
30’
Explicação sobre a
atividade de leitura como a
primeira etapa da aula
propriamente dita.
Leitura e explicação do
texto 1A (anexo B):
“Nossa vida e as reações
de óxido-redução”.
Episódio 1A:
Contextualizando as
reações de óxido-redução
na sala de aula
Processos de
oxidação e
redução;
Transferência de
elétrons;
Metais;
Propriedades dos
metais;
Reatividade dos
metais.
Antes da leitura do
texto, a professora
faz algumas
colocações acerca
de relações do
texto com o
conceito de pilhas.
A professora lê o
texto em partes e
após a leitura de
cada parte,
comenta alguns
termos
apresentados no
texto e explica
cientificamente tais
termos.
Durante os
comentários, a
professora pontua
os conceitos
químicos
discutidos no
quadro.
Os alunos
acompanham em
suas duplas a
leitura com uma
cópia do texto
Quando a
professora
comentava o texto
e fazia alguns
questionamentos,
dentre 11 apenas 4
alunos
participaram da
discussão, porém
de forma um pouco
tímida.
10’ Discussão sobre questões
propostas no final do texto
1A.
Reações de óxido-
redução em
diversos
contextos.
Discussão no
grande grupo.
Neste momento
houve uma boa
participação da
maioria dos alunos
durante a
discussão.
60’ Leitura e explicação dos
procedimentos de uma
atividade experimental
proposta.
Execução da atividade
experimental em pequenos
grupos.
Construção da
escala de
reatividade dos
metais.
A professora
distribui o roteiro
dos procedimentos
da atividade
experimental e
explica os
procedimentos da
experimentação
aos alunos.
Durante a
experimentação, a
professora circula
no laboratório.
Os alunos
participaram
ativamente da
atividade
experimental.
94
90’ Exposição teórica sobre os
conceitos envolvidos na
atividade experimental.
Leitura de um parágrafo de
um texto que tratava das
pilhas e o meio ambiente.
Exposição teórica dos
conceitos químicos que
envolvem as pilhas.
Episódio 2A: Abordando
os conceitos químicos na
sala de aula.
Reatividade dos
metais.
Contaminação do
meio ambiente por
pilhas e baterias
por conterem
metais pesados.
Nomenclatura das
pilhas (eletrodo,
ânodo, cátodo,
soluções
eletrolíticas, ponte
salina, número de
oxidação, semi-
reações de
oxidação e
redução);
Cálculo da ddp de
uma pilha.
A partir dos dados
obtidos no
experimento, a
professora
levantou questões
sobre a construção
de uma possível
escala de
reatividade dos
metais usados.
Os alunos
participaram dos
questionamentos
levantados pela
professora.
Os alunos
praticamente não
participaram das
discussões quando
foi feita a
abordagem das
questões
estritamente
científicas.
20’ Atividade em grupo: Leitura
de um texto e resolução de
questões propostas pela
professora.
Discussão nos pequenos
grupos.
Introdução ao
tema social: O
aspecto sócio-
ambiental do
descarte das
pilhas e baterias.
Os alunos em seus
grupos receberam
um texto e foram
solicitados a
responderem
questões
elaboradas
previamente pela
professora.
Neste momento os
alunos discutiam
em seus grupos e
a professora não
interferiu na
discussão.
25’ Socialização das respostas
dos grupos com o grande
grupo.
Episódio 3A: Ampliando
reflexões sobre a
problemática do descarte
das pilhas e baterias na
sala de aula.
A problemática do
descarte das
pilhas e baterias;
O tempo de vida
das pilhas;
As conseqüências
ambientais desse
descarte;
Os problemas de
saúde provocados
pela contaminação
com metais
pesados presentes
nas pilhas e
baterias.
Após a discussão
nos pequenos
grupos, um aluno
de cada grupo
socializava as
respostas do seu
grupo com o
grande grupo.
A professora se
apresentava
satisfeita com as
respostas e os
posicionamentos
dos alunos durante
a discussão.
No quadro 7, o mapa de atividades da aula 2A apresentado corresponde a
uma dinâmica de aula diferente daquela observada na aula 1A da respectiva
professora. Dessa forma, constatamos que numa perspectiva de ensino CTS, alguns
95
aspectos da prática pedagógica da professora A sofreram modificações. De certo
modo, esperávamos algumas mudanças na postura da professora, uma vez que a
orientação de ensino CTS sugere uma nova postura docente para prática
pedagógica da sala de aula, devido aos objetivos de ensino que esse tipo de
abordagem requer e à diversidade de estratégias possíveis de serem aplicadas
(TEIXEIRA, 2003; MACEDO e KATZKOWICK, 2003).
Como podemos observar no mapa de atividades (quadro 7), foram
selecionados três episódios de ensino para análise: contextualizando as reações
de óxido-redução na sala de aula; abordando os conceitos químicos na sala de
aula; e ampliando reflexões sobre a problemática do descarte das pilhas e
baterias na sala de aula.
O episódio 1A: contextualizando as reações de óxido-redução na sala de
aula, foi extraído do momento da aula em que a professora introduziu os conceitos
químicos reações de óxido-redução como processos reacionais presentes nas
pilhas que seriam tratados no decorrer da aula 2A, a partir da contextualização
desses conceitos. Justificamos a escolha deste episódio por entendermos o quanto
é importante no processo ensino-aprendizagem, o professor situar os conceitos
dentro de um contexto vivenciado pelos alunos para que esses referidos conceitos
científicos tornem-se significativos.
No episódio 1A, a professora inicialmente, combinou com os alunos que a
leitura do texto 1A seria feita em duplas e que eles professora e alunos juntos
iriam procurar estabelecer relações entre o texto e os conceitos químicos que seriam
abordados. Em seguida, distribuiu o texto 1A “Nossa vida e as reações de óxido-
redução” para leitura (anexo B). A leitura do texto foi conduzida pela professora e
para cada parágrafo lido, ela fazia intervenções para explicar os conceitos científicos
que iam surgindo no referido texto. Neste momento da discussão, percebemos que a
professora considerou diversos fenômenos inseridos no cotidiano de seus alunos. A
seguir, a transcrição do episódio 1A ilustra o discurso produzido neste momento da
aula.
96
EPISÓDIO 1A - CONTEXTUALIZANDO AS REAÇÕES DE ÓXIDO-REDUÇÃO NA SALA DE AULA
1- Professora (fazendo a leitura do texto 1A): (...) Muitas oxidações são fundamentais à vida, pois
ocorrem de uma forma geral em células de organismos vivos, animais e vegetais. São em geral
reações complexas. para exemplificar, podemos representar de forma muito simplificada a
equação global que representa a respiração celular.
(( )) A professora a equação da respiração celular e questiona aos alunos se a reação é endo ou
exotérmica. Em seguida explica porque é exotérmica.
2- Professora (continua a leitura do texto 1A): É graças a essa reação exotérmica que o nosso
organismo pode obter a energia necessária para as funções vitais. A energia que possibilita a vida de
animais e plantas terrestres ou aquáticas é produzida por uma reação de óxido-redução de
combustão da glicose. A ...
3- Professora: Hein?
4- Aluno: É o caso do alimento.
5- Professora: No caso dos alimentos não é? A gente não viu na parte de termoquímica a questão
da quantidade de energia envolvida?
6- Professora (prossegue a leitura do texto 1A): Há óxido-redução indesejáveis para a nossa espécie,
como as que provocam a putrefação dos alimentos.
7- Professora: Não é isso? Então vejam só. (...) O que acontece com a banana e a maçã quando a
gente começa a se alimentar dessas frutas e geralmente não come toda fruta? reação de óxido-
redução.
8- Professora: Então, por exemplo, quando você passa zarcão numa superfície metálica, aquele
zarcão que você passando ali é para evitar o quê? A formação da ferrugem que é um processo de
óxido-redução. E eu pergunto, como é que eu poderia numa fruta retardar o processo de óxido-
redução, por exemplo, para evitar a putrefação?
9- Professora: Várias coisas a gente utiliza não é isso? A refrigeração, não é? A questão da
temperatura. Mas mesmo assim ainda vai ocorrer. Mas o que eu poderia utilizar, como eu uso zarcão
na superfície do ferro, o que eu poderia utilizar na superfície da fruta para evitar sua oxidação?
10- Professora: Vocês já observaram como ficam as peças de prata de vocês com o tempo?
11- Aluno: inaudível.
12- Professora: Fica o quê?
13- Aluno: Fica preta.
14- Professora: Seria a formação de quê?
(( )) Silêncio
15- Professora: De um óxido, não é?
16- Aluno: (inaudível).
17- Aluna: Coloca pasta de dente.
18- Professora: Aí você coloca pasta de dente e fica bem limpinha.
(( )) Neste momento todos riem.
19- Professora (prossegue a leitura do texto 1A): As pilhas e baterias, tão importantes em nosso
97
cotidiano, são fontes de energia elétrica, obtida graças às reações de óxido redução.
(( )) Em seguida, a professora coloca algumas questões sobre o texto para os alunos
20- Professora: Quem pode responder esta primeira? O que ocorre com um metal quando ele perde o
brilho? E qual é o redutor do processo?
21- Aluno: (inaudível).
22- Professora: Bom, se eu estou sofrendo um desgaste, uma oxidação, é porque alguém está
provocando este desgaste. Seria quem? O agente... Existe o agente oxidante e o agente redutor.
Quem é o agente oxidante? É a substância que vai provocar a oxidação de alguém. Por exemplo,
quando a gente falou tanto da formação da ferrugem, quem sofre a oxidação?
23- Alunos: O metal.
24- Professora: Quem provoca?
25- Alunos: inaudível.
26- Professora: É quem? Pode ser o oxigênio que está presente não é?
27- Professora: Então se eu sofro oxidação, eu posso provocar a oxidação em alguém? Eu provoco o
que? A redução. Quem é que vai responder esse primeiro? Terminamos todos nós respondendo, não
foi?
28- Professora: Então quando a gente fala esses termos, agente oxidante e agente redutor, você tem
que ver quem está sofrendo o quê? A oxidação ou a redução. Porque o agente é que provoca. Então
se eu estou sofrendo, eu posso provocar?
29- Alunos: Não.
30- Professora: Eu provoco o contrário.
31- Professora: Então o que ocorreu? A gente está vendo que é uma reação de quê?
32- Alunos: Oxidação.
33- Professora: De oxidação. E qual é o redutor do processo? No caso vocês tão dando como um
dos exemplos, o oxigênio.
(( )) A professora coloca a segunda questão.
34- Professora: Vejam a segunda questão. A partir de sua experiência de vida, indique qual o metal
que é mais redutor o ferro ou o ouro? Isso vamos deixar para depois quando agente souber a
reatividade.
35- Aluno: O ouro que é um metal puro.
36- Professora: Ele está dizendo que o ouro porque é um metal puro. E você tá dizendo que é o quê?
37- Aluna: Que é o ferro.
38- Professora: Bom, a gente vai fazer o seguinte, vai discuti essa questão após a experimentação.
Essa experimentação que nós vamos fazer vai ser justamente para que vocês possam ver a questão
da reatividade desses metais.
39- Professora: Bom, quem vai ser o mais reativo? E o que se desgasta mais rápido ou o que se
desgasta mais lentamente? Quem se desgastar mais rápido é o que oxida mais ...rápido. eu
pergunto, se eu tenho uma peça de ouro e uma peça de ferro, quem se desgasta mais rapidamente?
40- Alunos: O ferro.
98
41- Professora: Então o ferro vai ser mais o quê? Mais ou menos reativo?
42- Alunos: Mais reativo.
43- Professora: Por que se desgasta mais ...
44- Alunos: Rápido
45- Professora: Então é isso que a gente vai testar. Eu posso ter uma reação que envolve um
processo de oxidação se ali um elemento for mais reativo.
(( )) A professora as outras questões propostas no texto 1A e comenta que estas questões ficarão
para um momento posterior.
Na análise do episódio 1A, tivemos o objetivo de investigar como a professora
A introduziu os conceitos químicos que seriam trabalhados naquela seqüência de
aulas, tendo em vista as perspectivas do ensino CTS. Nesse sentido, observamos
que a professora teve inicialmente a preocupação de dar significados aos conceitos
químicos - oxidação, redução, reações de óxido-redução, transferências de elétrons
- inserindo-os em fatos que poderiam ser facilmente observados pelos alunos. O
texto 1A (anexo B), utilizado pela professora para este fim, tratava os referidos
conceitos numa perspectiva mais ampla, apresentando as reações de óxido-redução
em contextos diversos, tais como: a putrefação dos alimentos; a formação da
ferrugem; o escurecimento da prata; e a produção de energia nas pilhas e baterias.
Entendemos que de certo modo, o tratamento dos conceitos químicos
contextualizados numa forma mais ampla contribuiu para um maior envolvimento de
alguns alunos uma vez que esses mesmos alunos ficaram mais a vontade para se
expressar sobre fenômenos presentes no cotidiano, e abriu possibilidades para a
abordagem do tema social proposto no planejamento. Embora a professora não
tenha abordado a temática social neste primeiro momento da aula 2A, como estava
proposto no planejamento, acreditamos que este fato não prejudicou os objetivos
propostos pelos professores para a implementação de uma abordagem CTS em
suas salas de aulas. Isso porque em outro momento a articulação com a temática
social foi realizada.
Quanto aos aspectos da prática pedagógica no episódio 1A, identificamos
inicialmente como intenções da professora, articular relações entre os conceitos que
seriam tratados na aula com os fenômenos do cotidiano dos alunos (turnos 7-15).
Neste momento da discussão a professora fez questionamentos sobre situações do
cotidiano dos alunos. Quando ela perguntou como ficam as peças de prata de vocês
99
com o tempo? (turno 10), uns alunos responderam imediatamente, fica preta (turno
13). Entendemos que a contextualização dos conceitos científicos com fenômenos
do cotidiano dos alunos parece possibilitar um maior envolvimento de alguns alunos
na aula. Em seguida, percebemos como intenção da professora explorar a
compreensão dos alunos acerca das informações do texto 1A (turnos 20-37) uma
vez que ela coloca em discussão questões propostas no texto. Nos momentos finais
do episódio, percebemos como intenção da professora introduzir a terminologia
científica para explicar os fenômenos do cotidiano, presentes no texto 1A (turnos 38-
45). Observamos neste último momento do episódio 1A, quando a professora
pergunta se eu tenho uma peça de ouro e tenho uma peça de ferro, quem se
desgasta mais? (turno 39), e logo em seguida associa a condição de se desgastar
mais rápido à reatividade do metal, que a professora tentou associar o desgaste dos
materiais à sua reatividade química e ao processo de oxidação. A nosso ver, essa
abordagem contextualizada parece ter favorecido à compreensão dos alunos acerca
das diversas possibilidades de ocorrência das reações de óxido-redução nos
fenômenos do dia-a-dia.
Quanto aos aspectos da abordagem comunicativa instituída durante o
episódio 1A, identificamos o discurso produzido como interativo/dialógico, uma vez
que a professora interagiu com os alunos (durante todo o episódio), considerou suas
colocações (turnos10-13) e explorou tais colocações (turnos 14; 33-45). Quando a
professora perguntou aos alunos como ficam as peças de prata de vocês com o
tempo (turno 10) e aceitou como resposta fica preta (turno 13), considerou uma
explicação do senso comum dada pelo aluno. Dessa forma, não restringiu a
discussão ao ponto de vista unicamente científico. Entretanto, ao considerar
respostas do senso comum sem avaliá-las como certas ou erradas, procurou
explorar tais respostas (turnos 14-15). Assim, de acordo com Mortimer e Scott
(2002), professora e alunos participaram do processo discursivo no qual a
professora conduziu a discussão considerando não o ponto de vista científico,
mas também outros pontos de vistas.
Na análise das intervenções da professora no episódio 1A tomando por base
as formas de intervenções apresentadas por Scott (1998 apud MORTIMER e
SCOTT, 2002), observamos que a professora inicialmente explorou as idéias dos
100
alunos a partir de fenômenos do cotidiano (prática presente em todo episódio) com o
intuito de dar significados aos conceitos químicos que seriam abordados na sala de
aula. Quando a professora pergunta o que acontece com a banana e a maçã
quando a gente começa a se alimentar dessas frutas e geralmente não come a fruta
toda? (turno7) pretendeu dar significado às reações de óxido-redução a partir de
fenômenos do cotidiano dos alunos. Dessa forma, entendemos que quando a
professora colocou em discussão as reações de óxido-redução que ocorrem nas
frutas e nos metais (turnos 7-8), abriu possibilidades para que os conceitos
científicos em estudo se tornassem mais significativos para os alunos. Em outras
palavras, abriu possibilidades para que os alunos situassem os conceitos científicos
tratados pela professora em situações existentes em seus cotidianos.
A seguir, apresentamos uma síntese da análise do episódio 1A (quadro 8)
Quadro 8 – Síntese da análise do episódio 1A
Turnos e sujeitos Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção
Turnos 7-15-
(professora e alunos)
Turnos 20-37
(professora e alunos)
Turnos 38-45
(professora e alunos)
Articular relações entre
os conceitos que seriam
tratados com
fenômenos do cotidiano
dos alunos.
Explorar a
compreensão dos
alunos acerca das
informações do texto
1A.
Introduzir a terminologia
científica para explicar
os fenômenos do
cotidiano.
Interativa/dialógica
Dando forma aos
significados dos
conceitos químicos.
De um modo geral, percebemos que quando os exemplos tratados na sala de
aula partem de situações reais e presentes no cotidiano dos alunos, as
possibilidades de discursos interativos e dialógicos aumentam. Entendemos que
esses discursos interativos e dialógicos o propostos, de certa forma, para uma
perspectiva de ensino CTS, uma vez que, de acordo com Penick (1993 apud
ACEVEDO, 1996a), o professor, nessa perspectiva de ensino, deve procurar
101
favorecer um clima agradável na sala de aula para promover a interação com os
alunos.
O segundo episódio selecionado para análise Episódio 2A: abordando os
conceitos químicos na sala de aula foi extraído do momento da aula após a
atividade experimental. Como o objetivo do experimento foi a construção da escala
de reatividade química dos metais magnésio, alumínio, zinco, ferro, e cobre, a
professora iniciou a discussão naquele momento a partir dos resultados obtidos. A
seguir, a transcrição do episódio ilustra o discurso produzido.
EPISÓDIO 2A - ABORDANDO OS CONCEITOS QUÍMICOS NA SALA DE AULA
(( )) Inicialmente a professora escreve no quadro as escalas de reatividade que os grupos
construíram durante a atividade experimental.
1- Professora: (...) Gente será que teve alguma escala que tenha coincidido?
2- Alunos: O cobre.
3- Professora: Vocês só coincidiram em um elemento. Qual foi esse elemento?
4- Alunos: No magnésio, no cobre.
5- Professora: O elemento que foi mais fácil de verificar foi quem?
6- Alunos: O cobre.
7- Professora: Por que será que não houve reação com o cobre? Primeiro, eu estou fazendo reação
com quem? Vamos ver aqui a reação com o cobre.
(( )) A professora escreve a equação no quadro representando a reação do cobre com o ácido
clorídrico.
8- Professora: Eu estou reagindo o cobre com quem?
9- Aluno: Com o ácido.
10- Professora: Aqui a gente tá representando o ácido muriático. Nessa reação o que vai formar?
11- Aluna: Não vai formar nada.
12- Professora: Não formou nada. Por quê?
13- Aluna: Não reagiu.
14- Professora: Não ocorreu reação. (...) Essas reações são reações de deslocamento. Quem deveria
deslocar quem? Aqui eu tenho o cobre que deveria deslocar quem?
15- Aluno: O ácido.
16- Professora: O hidrogênio. Como eu sei que é o hidrogênio? Vocês não viram nas reações a
formação de um gás? Aquele gás que estava sendo liberado, que gás era aquele?
17- Aluna: O H
2
18- Professora: Que é o gás hidro...
19- Alunos: Hidrogênio.
102
20- Professora: Por que seque o cobre não conseguiu deslocar o hidrogênio como fez o magnésio,
o ferro. Por quê? É a questão da reativi...
21- Alunos: Reatividade.
22- Professora: Se eu consigo deslocar, o que foi que eu disse logo no começo? Eu sou mais reativa
do que você. Então a gente começa a ver. Na tabela periódica, quais são os elementos mais
reativos? São os mais eletropositivos. (...) São os que têm maior tendência em doar elétrons. (...)
Bom, vamos ver aqui. Se essa reação não ocorreu é porque eu tenho que ter na escala, o hidrogênio.
Ele é pra reagir com todos os metais. Mas eu estou vendo que o hidrogênio está sendo maior do que
quem?
23- Alunos: Cobre.
24- Professora: Do que o cobre? Por que o hidrogênio sendo maior do que o cobre? O cobre o
conseguiu deslocar quem?
25- Alunos: O hidrogênio.
26. Professora: O hidrogênio. Agora, o magnésio conseguiu? Ocorreu reação?
27- Aluna: Conseguiu.
28- Professora: Então ele conseguiu deslocar quem?
29- Alunos: O hidrogênio.
30- Professora: O zinco conseguiu?
31- Aluno: Conseguiu.
32- Professora: O alumínio conseguiu?
33- Aluna: O ferro também.
34- Professora: Na ótica de vocês, se eu tenho uma peça de ... Vamos supor: se eu tenho uma peça
de ferro e uma peça de cobre. Qual dessas duas peças teria maior probabilidade de oxidar?
35-Alunos: O ferro.
36- Professora: Por quê?
37-Aluna: inaudível.
38- Professora: Porque ele é mais reativo do que quem?
39- Alunos: O cobre.
40- Professora: Então vamos pensar em termos técnicos. Todo mundo já ouviu falar de próteses?
41- Alunos: já.
42- Professora: Geralmente quando você coloca uma prótese ou você tem uma fratura e coloca um
pino, usa o quê? Um metal. Aí eu pergunto, ele vai usar qualquer metal?
43- Alunos: Não.
44- Professora: Por que não se usa qualquer metal?
45- Aluno: (inaudível)
46- Professora: Porque pode...
47- Alunos: Oxidar.
48- Professora: Oxidar. Entenderam agora a questão? Então eu tenho de saber da reatividade, pois
ela está envolvida em tudo. Em vários fenômenos. O dente, ela falou.
103
49- Aluno: A coroa, materiais cirúrgicos.
50- Professora: As ligas metálicas. Ele está falando em materiais cirúrgicos que são antioxidantes.
Tão entendendo gente? A gente tem que fazer sempre uma associação daquilo que a gente está
aprendendo na escola com o nosso cotidiano (...)
(( )) A professora e alunos continuam a discussão sobre a escala de reatividade.
(( )) A professora distribui um texto aos alunos e propõe que algum aluno faça a leitura só do primeiro
e segundo parágrafos em voz alta. O primeiro parágrafo do texto tratava da questão da contaminação
do meio ambiente, pelos metais pesados, presentes nas pilhas e baterias. E o segundo parágrafo
tratava do conceito de eletroquímica.
51- Professora: Qual foi o objetivo nosso até agora? Vocês devem estar lembrados que a gente falou
na introdução da aula que envolvia a eletroquímica e a questão das pilhas e baterias. (...)
52- Professora: Então gente, uma forma prática da gente associar a reatividade de um metal, pode
ser associar a reatividade com a nobreza. (...).
53- Professora: Vamos lá... Leiam só essa pequena introdução aí.
54- Aluna (fazendo a leitura do primeiro parágrafo do texto): Baterias de celular e pilhas podem
contaminar o meio ambiente. Esses produtos contêm metais pesados altamente tóxicos, que quando
jogados no lixo ( ) podem vazar e atingir os lençóis freáticos e as plantações e alimentos. Estes
metais como chumbo e cádmio podem provocar doenças no sistema nervoso e comprometer ossos e
rins. Segundo ( ), 11 toneladas de baterias de celulares são descartadas anualmente (...).
(( )) Em seguida outro aluno lê o segundo parágrafo do texto o qual introduzia o conceito de
eletroquímica.
(( )) A professora escreve no quadro o esquema sobre pilha e eletrólise apresentado no texto.
55- Professora: Então gente, como ocorre o processo? A gente viu que tem a ver com a
transferência de que?
56- Alunos: Elétrons.
57- Professora: Eu tenho nesse processo a transferência de elétrons. Se eu tenho a transferência de
elétrons, tem tudo a ver com a reatividade. A gente depois vai ver aqui no esquema a questão da
montagem de uma pilha, e à medida que a gente for falando desse esquema, vai discutindo como se
dá a conversão da energia química em energia elétrica.
(( )) Pausa para a colocação do retroprojetor.
58-Professora: Ele fala de eletrodos. Bom o que são os eletrodos de uma pilha? A gente sabe que o
que vai acontecer na reação de transformação de energia química em energia elétrica envolve uma
transferência de elétrons. Se envolver uma transferência de elétrons, significa que irão ocorrer
simultaneamente duas reações. Uma reação de oxidação e uma reação de?
59- Aluno: Redução.
60-Professora: Mas como a gente pode saber como se essa reação de óxido-redução?
Primeiramente temos aí...
(( )) Neste momento a professora coloca a transparência no retroprojetor para explicar o esquema de
uma pilha.
61- Professora: (...) Essa pilha aqui é conhecida como a pilha de Daniel. Infelizmente como o tempo é
104
pouco eu não posso detalhar tudo. Pra se ter uma reação de óxido-redução, eu preciso de dois
eletrodos. Um eletrodo que vai representar o lo positivo e um outro que vai representar o pólo
negativo. O pólo negativo de uma pilha a gente vai chamar de que?
62- Aluno: Ânodo.
63- Professora: E o pólo positivo, vamos chamar de quê?
64- Alunos: De cátodo.
65- Professora: Primeiramente, o que tem a ver esses dois pólos? Observem esses dois eletrodos.
São formados por dois metais. Um metal é o zinco e o outro metal é o cobre. eu pergunto a
vocês,qual desses dois pólos representa o metal de maior reatividade? É o zinco ou é o cobre?
(( )) Silêncio na sala.
66- Professora: Vejam aí pela escala de reatividade dos metais o mais reativo.
67- Alunos: O zinco.
68- Professora: O zinco. Vejam bem. O que ocorre no interior de uma pilha é que eu tenho dois
eletrodos. Um eletrodo que é o pólo positivo e o eletrodo que é o pólo negativo. Mas, por que será
que o zinco é o pólo negativo e o cobre o pólo positivo? O ânodo ele é representado pelo metal de
maior reatividade. Observem. Quem é mais reativo? O zinco. O metal mais reativo vai ser o eletrodo
onde vai ocorrer um processo de oxidação ou redução?
69- Alunos: Redução.
70- Professora: Redução? Quem vai se desgastar?
71- Alunos: O zinco.
72- Professora: O zinco, pois ele é mais reativo. Significa que na reação vão ocorrer duas reações:
uma no eletrodo positivo e a outra no eletrodo?
73- Alunos: Negativo.
74- Professora: (...) A gente já estudou a escala de reatividade. Por quê? Porque eu sabendo essa
escala de reatividade, mesmo que não esteja dizendo quem é o cátodo e quem é o ânodo, posso
ter uma idéia.
(( )) A professora neste momento começa a explicar o porque do zinco sofrer oxidação e o cobre
sofrer redução utilizando também a tabela dos potenciais de oxidação e redução dos metais.
75- Professora: Bom, a gente viu que uma transferência de elétrons. Como eu vou olhar nessa
pilha, o sentido da corrente elétrica? O sentido da corrente elétrica vai ser do ânodo para o ...
76- Alunos: Para o cátodo.
77- Professora: Bom e como isso vai acontecer? Antes de acontecer, vocês vejam que aqui tem um
aparelhinho. Esse aparelho aí. Vamos falar sobre ele.
78- Aluno: É o voltímetro.
79- Professora: É o voltímetro. E para que serve o voltímetro?
80- Aluno: Para medir a voltagem.
81- Professora: E essa voltagem será diferença de potenciais dos dois eletrodos. Que a gente
também costuma chamar de força eletromotriz.
Utilizando a transparência, a professora continua a abordagem dos conceitos químicos envolvidos
105
nas pilhas (soluções eletrolíticas, ponte salina, número de oxidação, semi-reações, reação global da
pilha, espontaneidade e cálculo da ddp da pilha).
O nosso objetivo na análise do episódio 2A foi de investigar como a
professora A articulou os conceitos químicos na sala de aula aos contextos
tecnológico e social. Isso porque, de acordo com Santos e Schnetzler (1997), na
abordagem CTS os conceitos científicos abordados devem estar inseridos na
temática social trabalhada. A nosso ver, embora a professora antes de iniciar a
abordagem dos conceitos químicos da eletroquímica – pilhas e baterias – utilizou um
texto que tratava a questão da problemática do descarte das pilhas e baterias, não
colocou a problemática em discussão e dessa forma, neste momento não houve a
articulação esperada.
Quanto aos aspectos da prática pedagógica da professora A, a partir da
análise do episódio 2A, observamos como intenções da professora: recuperar as
idéias dos alunos a partir dos resultados obtidos pelos grupos na construção da
escala de reatividade dos metais (turnos 1-6); explorar os resultados obtidos na
atividade experimental (turnos 7-39); aplicar esses conceitos em situações práticas
associando-os ao contexto tecnológico (turnos 40-50). A nosso ver, quando a
professora traz para discussão “termos técnicos” e questiona aos alunos todo mundo
ouviu falar em próteses? (turno 40), e discute a questão da reatividade dos metais
utilizados nesses aparatos tecnológicos, fez uma articulação entre o conhecimento
científico e a tecnologia. Fato este relevante numa perspectiva de ensino CTS. Em
seguida, a professora teve como intenção introduzir os conceitos de pilhas na sala
de aula (turno 55-57), e desenvolver os conceitos químicos envolvidos no
funcionamento e produção da pilha (turnos 58-81).
Em relação à abordagem comunicativa do episódio 2A, identificamos um
discurso interativo, a professora coloca constantemente os questionamentos para os
alunos (turnos 1; 3; 12; 20; 38; 44; 58; 61; 65; 75). Entretanto, o discurso produzido
caracterizou-se como um discurso de autoridade, uma vez que durante o episódio
analisado, foi considerado pela professora unicamente o ponto de vista científico.
Tendo em vista as intenções expressas pela professora, esse discurso de
autoridade não se constituiu como aspecto negativo, visto que neste episódio, a
106
professora teve como intenção direcionar as discussões para o desenvolvimento das
idéias científicas.
Quanto à forma de intervenção da professora neste momento da aula,
verificamos que a professora iniciou a discussão para abordagem dos conceitos
químicos revendo os resultados do experimento realizado pelos grupos (turnos 1-6)
com o objetivo de marcar os significados-chaves. Em seguida, ela abriu as
discussões acerca dos resultados da atividade experimental, e neste momento, tanto
compartilhou significados-chaves com o grande grupo como checou o entendimento
dos alunos (turnos 7-39). Posteriormente deu forma aos significados, inserindo os
conceitos químicos em situações do cotidiano associado ao contexto tecnológico
(turnos 40-50), e desenvolveu as idéias científicas a respeito das pilhas (turnos 58-
81). A seguir, apresentamos uma síntese da análise do episódio 2A (quadro 9).
Quadro 9 – Síntese da análise do episódio 2A
Turnos e sujeitos Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção
Turnos 1-6
(professor e alunos)
Turnos 7-39
(professor e alunos)
Turnos 40-50
(professor e alunos)
Turnos 55-57
(professor e alunos)
Turnos 58-81
(professor e alunos)
Recuperar as idéias dos
alunos a partir dos
resultados obtidos pelos
grupos na construção
da escala de
reatividade dos metais.
Explorar os resultados
obtidos na atividade
experimental.
Aplicar os conceitos em
situações práticas
associadas ao contexto
tecnológico.
Introduzir os conceitos
de pilhas na sala de
aula.
Desenvolver os
conceitos químicos da
pilha.
Interativa/de autoridade Revendo os resultados
da atividade
experimental com o
objetivo de marcar
significados-chaves
.
Compartilhando
significados-chaves e
checando o
entendimento dos
alunos
.
Dando forma aos
significados.
Desenvolvendo as
idéias científicas a
respeito das pilhas
.
107
O episódio 3A: ampliando reflexões sobre a problemática do descarte das
pilhas e baterias na sala de aula, foi extraído do momento da aula em que a
professora abordou com os alunos o aspecto social da problemática do descarte das
pilhas e baterias. Consideramos este momento importante, visto que, um dos
objetivos propostos por uma orientação CTS, de acordo com Acevedo (1996a), é
capacitar as pessoas a tomarem decisões responsáveis frente às questões
problemáticas relacionadas ao desenvolvimento científico e tecnológico que
influenciam na qualidade de vida da sociedade. Nesse sentido, entendemos que as
discussões promovidas pela professora neste momento da aula contribuíram para
que os alunos compreendessem a amplitude do problema do descarte das pilhas e
baterias a partir da compreensão dos conceitos químicos tratados em momentos
anteriores, refletissem e se posicionassem diante de tal problemática. Compreensão
esta defendida por Fourez (1995) quando menciona que a alfabetização científica e
tecnológica possibilita ao aluno integrar os conceitos químicos aos valores para
adotar decisões responsáveis em suas vidas.
Neste momento da aula, a professora dividiu a turma em dois grupos e
entregou para cada grupo textos extraídos da internet que tratavam, de um modo
geral, da composição das pilhas, dos problemas da contaminação, e da necessidade
de não descartar as pilhas e baterias em locais não apropriados. Para cada grupo, a
professora elaborou algumas questões e solicitou que eles buscassem as respostas
nos referidos textos. Após algum tempo (25’), a professora iniciou a socialização as
respostas dos grupos. Apesar de termos considerado as respostas de um dos
grupos referentes a um dos textos, não ficaram prejudicados aspectos relevantes
que pretendíamos observar no episódio 3A. A transcrição abaixo ilustra como
ocorreu a discussão.
EPISÓDIO 3A – AMPLIANDO REFLEXÕES SOBRE A PROBLEMÁTICA DO DESCARTE DAS
PILHAS E BATERIAS NA SALA DE AULA
(( )) A professora inicialmente perguntou ao primeiro grupo de alunos de que tratava o texto que eles
receberam. E em seguida iniciou a discussão.
1- Professora: Agora a gente vai partir para uma questão social. E que questão social é essa? É a
questão do descarte dessas pilhas, o descarte das baterias. Quais os danos que trazem em nossas
vidas? (...) Então eu gostaria agora que lessem os textos e que depois a gente escolhesse algumas
questões para discuti-las. O que vocês acham? O trabalho será realizado em duas etapas. Uma
108
etapa vai ser hoje e a outra vocês irão fazer em casa e trazer quarta-feira, para fazermos a nossa
avaliação. Primeiro, vamos para esse grupo. Vamos socializar o que cada grupo trabalhou. Eu queria
primeiro saber de vocês do que trata o texto. Foram textos que eu pesquisei na internet e que achei
interessante essa questão que a gente tem que ter a consciência da questão ambiental. Bom, a gente
precisa tanto das pilhas e baterias. Elas solucionam vários problemas diários, mas também elas vêm
nos trazer o que?
2- Aluno: Dores de cabeça.
3- Professora: Vários problemas não é?. Então é em cima desses problemas, do mal que podem
causar e que também depende muito da nossa atitude, de uma mudança de atitude pelo que vocês
puderam ler nos textos...
4- Aluno: (inaudível).
5- Professora: Se vocês observaram aí, ele fala de um ciclo. Que ciclo é esse? Desde a hora que
vocês descartam uma pilha no lixo doméstico, quem já leu isso?
6- Professora: De todo o processo que vai acontecer com aquela pilha e de como ela contamina o
meio ambiente e que depois como esses metais podem chegar ao seu organismo. Não fala disso aí?
7- Alunos: Fala.
8- Professora: Ele diz até as doenças, o tempo de degradação... Então, isso daí gente, que vocês
leram, será que não estimulou vocês a pensarem no papel social que cada um de vocês pode estar
fazendo? Até então, vocês tinham idéia do que representa chegar e jogar uma pilha, descartar um
metal pesado jogar no lixo doméstico... Vocês começaram a despertar da importância da reciclagem
do lixo? Vamos começar pelo grupo de vocês. Eu coloquei algumas questões para a gente socializar,
para que a gente pudesse ver de que cada texto fala. Pode começar. Qual é a primeira pergunta?
9- Aluno (fazendo a leitura da pergunta): Quais são as pilhas que causam maior dano ao meio
ambiente?
10- Professora: Então está perguntando aí...Quais são os tipos de pilhas que causam maior dano ao
meio ambiente. E pede para justificar. Vocês responderam?
11- Aluno: Respondemos. (O aluno faz a leitura da resposta do grupo): As pilhas alcalinas e as
baterias de celulares, por terem metais pesados entrando na cadeia alimentar humana causando
sérios danos à saúde. Onde o principal agente é o mercúrio.
12- Professora: Aonde um dos principais agentes é o mercúrio, não é isso? Bem vamos continuar. Eu
fiz outra pergunta aí. Qual foi?
13- Aluno (fazendo a leitura da pergunta): Quais são os metais pesados contidos nas pilhas e
baterias de celulares e qual o tempo de degradação?
14- Professora: Então eu estou perguntando aí, quais são os metais pesados, não é?
15- Alunos: É.
16- Professora: Já que ele fala em metais pesados, quais seriam estes metais?
17- Aluno: São vários. Mercúrio, chumbo, lítio, níquel, zinco, cádmio, cobalto, e o dióxido de
manganês. E a degradação das pilhas leva de 100 a 500 anos.
18- Aluno: Já os metais pesados o tempo é infinito.
19- Professora: O que ele está dizendo aí? Que esses metais pesados têm como se degradar na
109
natureza?
20- Alunos: Não.
21- Professora: Não. Se ele não se degrada, depois a gente ver aí, tem um ciclo, ele vai passar
aonde? Onde ele pode chegar? Não é? Bom, tem mais alguma outra pergunta?
22- Aluno (fazendo a leitura da pergunta): Quais são os efeitos dos metais pesados no organismo?
23- Professora: Bom ele tá perguntando quais são os efeitos dos metais pesados no organismo?
24- Aluno: São vários.
25- Aluna: São vários não é?
26- Professora: Podem citar alguns.
27- Aluno (fazendo a leitura da resposta do grupo): Mercúrio causa distúrbios renais e neurológicos,
(inaudível), timidez, problemas de memória, mutações genéticas, alterações no metabolismo e
deficiências nos órgãos sensórias (...)
(( )) E o aluno descreve as possíveis complicações de saúde para cada um dos metais pesados por
ele citados.
28- Professora: Tem mais alguma pergunta?
29- Aluno: Tem a quarta e a quinta.
30- Aluno (fazendo a leitura da pergunta): Por que as pilhas e baterias não devem ir para os aterros?
31- Professora: Então, por que as pilhas e baterias, quando você joga no lixo doméstico, qual o
caminho delas?
32- Alunos: Aterro.
33- Professora: Vão para os aterros sanitários. Então aí, ele (o texto) esdizendo por que as pilhas
não devem ir para os aterros sanitários. Vamos lá?
34- Aluno (fazendo a leitura da resposta do grupo): Em função do que foi apresentado, concluímos
que as pilhas e baterias quando esgotadas, seu potencial energético tornam-se resíduos perigosos e
como tal, deveriam ser encaminhadas para a reciclagem ou para o aterro industrial. Como os metais
pesados entram nas cadeias alimentares ...
(( )) A professora interrompe...
35- Professora: Olha o ciclo. Um minutinho só. Vejam como é o ciclo.
(( )) O aluno continua a leitura de sua resposta.
36- Aluno (continuando a leitura da resposta do grupo): E terminam acumuladas nos organismos das
pessoas produzindo vários tipos de contaminação, não deveria ir para os aterros sanitários ou
compostagem e muito menos para os lixões. Nos aterros, expostas ao sol e a chuva, as pilhas se
oxidam e se rompem e os metais pesados atingem os lençóis freáticos, córregos e riachos. Entram
nas cadeias alimentares através da ingestão da água ou de produtos agrícolas irrigados com água
contaminada. Nas usinas de compostagem, a maior parte das pilhas é triturada junto com o lixo
doméstico e o composto vira biodigestores liberando os metais pesados. O adubo resultante
contamina o solo agrícola e até o leite das vacas que pastam na área que recebeu a adubação fica
contaminado.
37- Professora: Gente, vocês agora começaram a pensar? Vocês escutaram que a incidência de
110
câncer hoje em dia está muito alta. Já ouviram falar nisso?
38- Alunos: Já.
39- Professora: Vocês estão vendo que isso pode ser visto como uma das causas do que es
acontecendo com o ser humano.
40- Aluna: inaudível.
41- Professora: Não está ocorrendo? Por quê? Ou a gente muda (...). A gente passa a ser um agente
pra defender o meio ambiente ou vamos ser o quê? Vítimas de nossos próprios atos. A gente tem
que ter a consciência de que aquele ali não é um simples objeto que você vai e descarta e joga no
lixo e acabou.
42- Aluno: Até mesmo na utilização deles. Assim, o celular, por exemplo, está causando danos
colocando perto da virilha, do seio.
43- Professora: Vocês viram agora por quê?
44- Aluno: E agora vem a pergunta mais importante
45- Aluno (fazendo a leitura da questão): O que fazer com as pilhas e baterias?
46- Professora: Agora, se eu não posso jogar no aterro o que posso fazer?
47- Aluno: Procurar um local apropriado.
48- Professora: O que me dá até uma sugestão, Por que você, na sua escola, não pode fazer isso? A
gente criar uma forma de ...
(( )) Um aluno interrompe.
49- Aluno: Falta também o incentivo das fábricas.
50- Professora: E começar a fazer. A escola pode ser um pólo de recolhimento. Ou seja, você trazer
de sua casa, de forma que a gente pudesse dá essa contribuição.
51- Aluno: Às vezes a gente quer jogar no lixo apropriado, mas é muito longe. Tem lojas de celula
res
que aceitam as baterias. Quando a sua bateria pifa, você vai e tem loja que aceita, mas a maioria
não.
52- Professora: Não estão preparadas.
53- Alunos: Tinha que ter uma estrutura.
54- Professora: eu pergunto: Existe lei? Existe. Foi porque eu não quis trazer o texto que fala
dessa lei. Nós temos leis. Será que toda lei funciona?
55- Aluno: Não.
56- Aluno: No Brasil tem lei pra tudo, só não é cumprida.
57- Professora: Então, só falta esse agora. O que fazer?
58- Aluno (fazendo a leitura da resposta do grupo): Quanto às pilhas usadas evitar jogar em lixos
domésticos, (inaudível) o envio das pilhas usadas ao fabricante os tornam conscientes de sua
preocupação.
59- Professora: Muito bem. Palmas para a equipe.
Na análise do trecho transcrito do episódio 3A, tivemos como objetivo
investigar como a professora A conduziu a discussão sobre a problemática social e
111
se realmente possibilitou aos alunos refletirem sobre uma situação real em que
todos estão envolvidos e expressarem suas posições diante dessa problemática.
De um modo geral, percebemos que a professora possibilitou no decorrer da
discussão que os alunos compreendessem a amplitude da problemática do descarte
das pilhas e baterias. As questões que surgiram durante o episódio 3A foram
relevantes para a conscientização dos alunos acerca da questão do descarte das
pilhas e baterias. Entendemos que a retomada à questão social a partir da
compreensão dos conceitos químicos tem papel central na perspectiva de ensino
CTS. Entretanto, não identificamos neste momento da aula, uma articulação entre
conceitos científicos e a questão do descarte, ou seja, uma maior compreensão dos
conceitos químicos envolvidos no funcionamento do aparato tecnológico pilhas
como um modelo explicativo das causas e conseqüências do descarte das pilhas e
baterias em locais não apropriados.
De certa forma, percebemos que neste momento, houve uma desarticulação
entre os conceitos químicos, o aparato tecnológico (pilhas e baterias) e a
problemática social. Pareceu-nos que a lacuna observada, ou seja, essa
desarticulação, tenha sido conseqüência do tímido tratamento dado aos contextos
tecnológico e social durante a implementação da abordagem CTS pela professora e
também da complexidade científica que a problemática encerra. Um outro ponto
importante a ressaltar é que a discussão sobre o problema do descarte das pilhas foi
praticamente conduzida a partir da leitura de textos. Isso pode significar que não
uma prática comum desse tipo de discussão em salas de aula de química e nem
muita disponibilidade de material didático adequado e diversificado para o
aprofundamento de tais discussões (MARTINS, 2002).
Quanto aos aspectos da prática pedagógica da professora A, verificamos
como intenções da professora: apresentar a temática social do descarte das pilhas e
baterias (turnos 1-8); explorar a problemática (turnos 9-27); explicar o porquê do
descarte das pilhas e baterias se constituir como uma problemática social (turnos
29-36); conscientizar os alunos de que o descarte das pilhas e baterias é um
problema para a sociedade (turnos 38-44). Isto ficou claro quando durante a
discussão, um aluno colocou e agora vem a questão mais importante (turno 45), ou
112
seja, este aluno percebeu a questão do descarte das pilhas e baterias como uma
problemática social que precisa de soluções. Por fim, observamos como intenção da
professora desenvolver nos alunos atitudes mais responsáveis diante da
problemática em estudo (turnos 44-58). Quando a professora colocou a questão o
que fazer? (turno 57), abriu possibilidades para os alunos se posicionarem diante da
referida problemática. Como diz Bustamante (1997), as gerações têm o direito de
agir para mudar a realidade da sociedade, sendo assim a educação científica deve
possibilitar a intervenção dos alunos nas questões sociais associadas à ciência e à
tecnologia.
Quanto à forma como a professora A interagiu com seus alunos neste trecho
do episódio 3A, caracterizamos o discurso produzido durante o episódio como
interativo/dialógico, uma vez que foram considerados pelos participantes (professora
e alunos) pontos de vistas relacionados a contextos diversos, tais como: social;
econômico, e político. Nesse sentido, podemos considerar o texto (anexo D)
discutido como um interlocutor importante na construção do discurso e das
intervenções da professora na sala de aula, naquele momento.
Com relação à forma como a professora A concretizou suas intenções,
percebemos que a professora: explorou as idéias dos alunos quando colocou as
pilhas e baterias como aparatos tecnológicos necessários no dia-a-dia e em seguida
associou esses mesmos aparatos aos problemas que podem causar elas (pilhas e
baterias) solucionam vários problemas diários, mas também elas m nos trazer o
quê (turno 1); deu forma aos significados da problemática em questão quando
gradativamente vai articulando, levando os alunos a buscarem informações no texto
quanto aos causas e conseqüências do descarte das pilhas e baterias (turnos 5-47);
e compartilhou estes significados quando socializou os resultados dos pequenos
grupos com o grande grupo (turnos 5-59).
A seguir apresentamos a síntese da análise do trecho do episódio 3A.
113
Quadro 10 – Síntese da análise do episódio 3A
Turnos e sujeitos Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção
Turnos 1-8
(professora e alunos)
Turnos 9-27
(professora e alunos)
Turnos 29-36
(professora e alunos)
Turnos 38-44
(professora e alunos)
Turnos 44-58
(professora e alunos)
Apresentar a temática
social do descarte das
pilhas e baterias.
Explorar a
problemática.
Explicar o porquê do
descarte das pilhas e
baterias se constituir
como uma problemática
social.
Conscientizar os alunos
de que o descarte das
pilhas e baterias é um
problema para a
sociedade.
Desenvolver nos alunos
atitudes mais
responsáveis diante da
problemática em
estudo.
Interativa/dialógica
Explorando idéias sobre
a problemática.
Dando forma aos
significados frente a
problemática em
estudo.
Compartilhando
significados com o
grande grupo.
Como nossa intenção nesta investigação foi a de analisarmos como a
professora A implementou uma abordagem CTS na sua sala de aula e quais
aspectos da sua prática pedagógica se constituíram como obstáculos para uma
efetiva implementação, elaboramos um quadro resumo (quadro 11) para a aula 2A
com base na análise realizada para os três episódios selecionados.
Quadro 11 - Quadro resumo para a seqüência das aulas da professora A na implementação de
uma abordagem CTS.
Episódios
Turnos
Sujeitos
Intenções do professor Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção.
Episódio 1A: Contextualizando os conceitos químicos na sala de aula
Turnos 7-15
(professora e alunos)
Turnos 20-37
(professora e alunos)
Turnos 38-45
(professora e alunos)
Articular conceitos científicos
com o cotidiano.
Explorar a compreensão dos
alunos.
Introduzir a terminologia
científica.
Interativa/dialógica Dando forma aos
significados dos
conceitos químicos.
Episódio2A: Abordando os conceitos químicos na sala de aula
114
Turnos 1-6
(professor e alunos)
Turnos 7-39
(professor e alunos)
Turnos 40-50
(professor e alunos)
Turnos 55-57
(professor e alunos)
Turnos 58-81
(professor e alunos)
Recuperar as idéias dos
alunos.
Explorar os resultados
obtidos na atividade
experimental.
Aplicar os conceitos em
situações práticas
associadas ao contexto
tecnológico.
Introduzir os conceitos de
pilhas na sala de aula.
Desenvolver os conceitos
químicos da pilha.
Interativa/de
autoridade
Revendo os resultados
da atividade
experimental com o
objetivo de marcar
significados-chaves
.
Compartilhando
significados-chaves e
checando o
entendimento dos
alunos
.
Dando forma aos
significados.
Desenvolvendo as
idéias científicas a
respeito das pilhas
.
Episódio 3A: Ampliando reflexões sobre a problemática do descarte das pilhas e baterias na
sala de aula.
Turnos 1-8
(professora e alunos)
Turnos 9-27
(professora e alunos)
Turnos 29-36
(professora e alunos)
Turnos 38-44
(professora e alunos)
Turnos 44-58
(professora e alunos)
Apresentar a temática social.
Explorar a problemática.
Explicar o porquê do
descarte das pilhas e
baterias se constituir como
uma problemática social.
Conscientizar os alunos.
Desenvolver nos alunos
atitudes mais responsáveis.
Interativa/dialógica Explorando idéias sobre
a problemática.
Dando forma aos
significados frente à
problemática em
estudo.
Compartilhando
significados com o
grande grupo.
Ao analisarmos como a professora A implementou uma abordagem CTS na
sua sala de aula, identificamos dentro das classificações apresentadas por Acevedo
e Acevedo (2002), que a professora implementou uma abordagem CTS ressaltando
as questões sociais da ciência e da tecnologia, uma vez que levantou discussões
115
sobre a influência da ciência e da tecnologia na sociedade, e sobre a influência da
sociedade na solução de problemas cio-ambientais relativos à ciência e a
tecnologia.
Com relação aos componentes que determinaram os conteúdos químicos
abordados, entendemos que no caso da professora A, a abordagem do tema social
o descarte das pilhas e baterias foi determinado pela ciência, haja vista que os
conteúdos químicos reações de óxido-redução e pilhas faziam parte da
seqüência tradicional dos conceitos químicos trabalhados pela professora.
Consideramos que a professora A conseguiu articular na sua sala de aula as inter-
relações CTS, ainda que não fosse o tema social que determinasse os conteúdos
científicos a serem estudados (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Tratou das
relações mútuas da ciência, da tecnologia e da sociedade ao trabalhar os conceitos
químicos reações de óxido-redução aparatos tecnológicos pilhas e a
sociedade problemática do descarte das pilhas e baterias. Embora não tenha sido
dada a mesma ênfase a cada uma dessas dimensões.
Quanto à natureza dos componentes CTS – ciência, tecnologia e sociedade
a professora A pareceu tratar a ciência na perspectiva apresentada por Solomon
(1988 apud SANTOS e SCHNETZLER, 1997), ou seja, como um conjunto de
conhecimentos que dentro de um contexto social apresenta possibilidades (episódio
1A) e limitações (episódio 3A) para a sociedade. Isso parece ser compatível com a
concepção de ciência apresentada pela professora na entrevista, na qual expressa
uma idéia de ciência como uma construção humana. Quanto aos aspectos da
tecnologia, com base no episódio 3A, a professora tratou a tecnologia pilhas e
baterias – como instrumentos que fazem parte do cotidiano da sociedade, que
solucionam vários problemas do dia-a-dia, mas que não estão excluídos em graves
problemas sócio-ambientais, como por exemplo, a contaminação humana advinda
dos metais pesados, presentes nas pilhas e baterias. Dessa forma, a professora
colocou a tecnologia numa perspectiva instrumental, que vem atender às
necessidades da sociedade sem deixar de avaliar possíveis danos que o mau uso
da tecnologia pode ocasionar.
116
Ainda considerando o episódio 3A, verificamos que a professora A procurou
informar seus alunos sobre o papel social que podem exercer diante dos problemas
ambientais que atingem a todos. E isto foi muito relevante, uma vez que, segundo
Solomon (1988 apud SANTOS e SCHNETZLER, 1997), os alunos devem
compreender o poder de influência que têm como cidadãos da sociedade. Esse tipo
de postura parece refletir uma concepção de participação social apresentada pela
professora na entrevista.
A análise dos aspectos da prática pedagógica da professora A intenções,
abordagem comunicativa, e formas de intervenções durante a implementação de
uma abordagem CTS, mostrou que a professora A contextualizou os conceitos
químicos inserindo-os aos fenômenos do cotidiano de seus alunos, articulou o
tratamento dos conceitos químicos com atividade experimental, diversificando dessa
forma suas estratégias metodológicas, e despertou a conscientização dos alunos
quanto à problemática do descarte das pilhas e baterias. De um modo geral,
entendemos que a prática pedagógica da professora A alcançou os objetivos, por
ela propostos no planejamento de sua intervenção pedagógica com abordagem
CTS.
Quanto à forma como a professora interagiu com seus alunos, observamos
alternância de discursos: interativo/dialógico e interativo/de autoridade. Por exemplo,
os momentos da discussão constituídos como discursos interativos e de autoridade
foram aqueles em que a professora tratou os conceitos químicos. Parece fazer parte
da cultura escolar que o professor no tratamento dos conhecimentos científicos, ao
direcionar o discurso para o ponto de vista científico não possa abordar outros
pontos de vista. Entretanto, nos momentos relevantes para uma perspectiva de
ensino CTS, como por exemplo, no episódio 3A, a professora promoveu um discurso
dialógico e considerou os pontos de vistas de seus alunos. Consideramos que neste
momento, a abordagem comunicativa de caráter dialógico contribuiu para que os
alunos se conscientizassem de que, como cidadãos, têm influência na sociedade e
podem exercê-la diante de sua participação social.
Quanto às formas de intervenção desenvolvidas pela professora A,
verificamos como características da professora, contextualizar, selecionar
117
significados-chaves, marcar significados, rever significados e compartilhar
significados. Essa diversidade nas formas de intervenção durante a implementação
de uma abordagem CTS na sala de aula, possibilitou à professora atender suas
intenções propostas para tal implementação.
Em resumo, na forma como a professora implementou uma abordagem CTS
nas suas aulas de Química, identificamos que os aspectos tecnológico e social
poderiam ter sido mais explorados em sala de aula. Ou seja, verificamos que houve
uma pequena articulação entre conceitos científicos, produção de pilhas e o
problema do descarte das mesmas. Neste caso, essa discussão parece apontar
para uma limitação nos processos de formação inicial e continuada que não seriam
adequados para professores que pretendam trabalhar numa perspectiva de ensino
CTS. Além disso, aponta para a falta de informações técnicas e científicas quanto
aos produtos tecnológicos utilizados no dia-a-dia e as suas constantes inovações.
Consideramos a partir das análises dos episódios 1A, 2A e 3A que os
aspectos da prática pedagógica da professora A, que dizem respeito às intenções,
formas de abordagens comunicativas e formas de intervenção, não se constituíram
como obstáculos para uma efetiva implementação da abordagem CTS. No entanto,
é importante ressaltar que a dinâmica utilizada na aula 2A foi completamente
diferente das ações realizadas por esta professora na aula 1A, ou seja, na aula
ministrada fora da perspectiva de ensino CTS.
Em resumo, algumas questões identificadas na referida abordagem podem
ser atribuídas aos desafios inerentes à inovação do ensino de ciências, tais como:
dificuldade de compor um conteúdo significativo que articule de forma adequada
conceitos científicos com uma determinada tecnologia, associados a um tema social
relevante; dificuldade em encontrar e até mesmo em elaborar material didático que
suporte as discussões em sala de aula; e finalmente, a exigência de uma formação
específica e atualizada do professor para cumprir tais desafios.
118
5.2.2 Aspectos da prática pedagógica do professor B
Inicialmente serão discutidos aspectos de uma aula do professor B observada
no seu cotidiano. A referida aula, denominada aula 1B, foi realizada numa turma da
2
a
. rie do ensino dio de uma escola pública, em horário escolar, contemplou
duas aulas geminadas de 50 minutos, e tratou os conceitos de geometria e
polaridade as moléculas. Apresentamos o mapa de atividades (quadro 12) a seguir
como um resumo da dinâmica da aula 1B do professor B.
Quadro 12 - Mapa de atividades da aula 1B
(Ministrada em 04/10/06)
Tempo
(duração)
Atividade desenvolvida Principais temas Ações dos
participantes
Comentários
5’ Resgate de conceitos
trabalhados em aulas
anteriores.
Ligações
Químicas
O professor faz
perguntas aos
alunos e os alunos
respondem.
Neste momento, os
alunos participam
ativamente.
5’ Sistematização do novo
assunto da aula no quadro.
Geometria e
Polaridade das
moléculas.
O professor
escreve no quadro
as anotações.
Durante a
explicação do
professor, a turma
permaneceu em
silêncio.
8’ Anotações das informações
no quadro.
Geometria e
Polaridade das
moléculas
Os alunos copiam
as anotações
feitas pelo
professor.
A turma neste
momento, estava
em silêncio.
10’ Apresentação de exemplos
no quadro.
Geometria e
Polaridade das
moléculas
O professor mostra
alguns exemplos
no quadro
questionando
sempre aos
alunos.
Os alunos
participam
complementando
as lacunas
deixadas pelo
professor.
3’ Aplicação de exercício de
aprendizagem.
Fórmulas
eletrônicas e
estruturais.
O professor anota
no quadro um
exercício de
aprendizagem.
Os alunos copiam
o exercício em
seus cadernos.
10’ Resolução do exercício. Fórmulas
eletrônicas e
estruturais.
O professor
aguarda que os
alunos respondam
o exercício em
seus cadernos.
Os alunos tentam
responder o
exercício.
5’ Correção do exercício. Fórmulas
eletrônicas e
estruturais.
Dois alunos são
solicitados pelo
professor para
responderem o
exercício no
quadro.
Os outros alunos
participaram na
correção do
exercício
contribuindo com
suas colocações.
Final da aula.
119
Analisando a aula 1B, observamos que durante toda aula predominaram
exposição dos conceitos químicos e atividade de resolução de exercícios. O
professor antes da abordagem do conceito - polaridade das moléculas - fez um
resgate de conceitos químicos tratados em aulas anteriores tentando situar o novo
conteúdo no contexto mais amplo ligações químicas para articular conceitos
interdependentes. Provavelmente a intenção do professor era possibilitar ao aluno
compreender como as ligações químicas explicam a existência de moléculas
apolares e polares. Nesse sentido, o professor reforça uma abordagem conceitual
com exemplos e exercícios. De um modo geral, o discurso na sala de aula foi
interativo, os alunos participavam complementando as frases do professor.
Entretanto, como o ponto de vista considerado na aula 1B foi apenas o científico, o
discurso também se caracterizou como não dialógico.
Como procedemos na análise da aula 1A da professora A, na aula 1B do
professor B não foram considerados nem analisados episódios de ensino. Nesse
sentido, direcionamos a discussão para a análise da implementação de uma
abordagem CTS na sala de aula do professor B. A intervenção pedagógica foi
realizada na mesma turma da aula 1B e ocorreu em dois dias contemplando quatro
aulas de cinqüenta minutos. Denominamos como aulas 2B e 3B respectivamente os
dois momentos que constituíram a intervenção pedagógica do professor B numa
perspectiva CTS.
Para descrevermos como o professor B implementou uma abordagem CTS e
identificarmos quais aspectos de sua prática pedagógica se constituíram em
obstáculos para uma efetiva implementação, elaboramos mapas de atividades para
as aulas 2B (quadro 13) e 3B (quadro 14). O professor B implementou as quatro
aulas previstas no planejamento elaborado (apêndice G) das quais, extraímos três
episódios relevantes para uma perspectiva de ensino CTS. Da aula 2B (as duas
primeiras aulas geminadas da seqüência das quatro aulas) um episódio foi extraído,
o episódio 1B, e da aula 3B (as duas últimas aulas da seqüência de quatro aulas)
foram extraídos os outros dois episódios, o episódio 2B e o episódio 3B. Os
episódios de ensino foram transcritos e analisados com base na estrutura analítica
do discurso (MORTIMER e SCOTT, 2002).
120
Apresentamos a seguir para a aula 2B um mapa de atividades realizadas pelo
professor B (quadro 13).
Quadro 13 – Mapa de atividades da aula 2B
(aula ministrada no dia 11/10/2006)
Tempo
(duração)
Atividade desenvolvida Principais temas Ações dos
participantes
Comentários
5’ Enquête com os alunos. Introdução da
tecnologia no
contexto social.
O professor faz
perguntas aos
alunos e os alunos
respondem
levantando as
mãos.
Neste momento, o
professor fez
comparações
relativas ao acesso
da tecnologia nos
dias de hoje e a
três anos atrás.
15’ Leitura do texto 1B (anexo
C) com o grande grupo.
Texto 1B: Metais,
Sociedade e ambiente: os
metais podem trazer
prejuízos ao meio
ambiente?
Metais pesados, o
meio ambiente,
contaminação por
metais pesados, e
problemas de
saúde causados
pela contaminação
por metais
pesados.
O professor, antes
da leitura do texto,
pergunta aos
alunos se os
metais podem
trazer prejuízos ao
meio ambiente. Em
seguida, o
professor inicia a
leitura do texto,
revezando com os
alunos.
A leitura do texto
prosseguiu de
forma que os
alunos, em suas
duplas
voluntariamente se
revezavam na
leitura do texto.
Discussão a partir de
questionamentos aos
alunos.
Episódio 1B:
Introduzindo a temática
social na sala de aula.
Após a leitura do
texto, o professor
inicia a discussão
repetindo a
questão inicial.
Aparentemente,
após a leitura do
texto, os alunos
responderam à
questão inicial com
maior convicção.
Resgate das idéias
trabalhadas no texto.
Metais,
propriedades dos
metais, toxidade
dos metais
pesados.
O professor e
alunos socializam
suas idéias e seus
posicionamentos.
O professor coloca
as questões e os
alunos respondem.
30’
Breve introdução aos
conceitos químicos
envolvidos.
O funcionamento
das pilhas
(tecnologia)
O professor
pergunta onde a
química se insere
nesta discussão?
Os alunos
respondem
imediatamente.
5’ Articulação da tecnologia
com os conceitos
científicos.
Os processos
reacionais
envolvidos nas
pilhas.
O professor explica
de forma rápida a
funcionalidade de
uma pilha e aborda
a energia gerada
pelas pilhas como
produto de
processos
reacionais.
O professor tentou
articular a
discussão com os
conceitos químicos
que seriam
tratados
posteriormente.
121
O mapa acima corresponde a uma dinâmica de aula diferente da aula 1B do
respectivo professor, uma vez que foram considerados aspectos diversos que
envolvem uma discussão ampla da tecnologia associada aos metais pesados
existentes em materiais como as pilhas e outros, estudados na química. Ainda
emergiram questões sociais e políticas na discussão em sala de aula, e não apenas
o aspecto científico. Entendemos que os objetivos propostos pela orientação
curricular CTS exigem, de certa forma, o compromisso por parte do professor de
tratar na sala de aula os conceitos científicos vinculados a outros contextos. Como
podemos observar no mapa de atividades (quadro 13), o episódio 1B: introduzindo
a temática social na sala de aula, foi extraído do momento da aula em que o
professor iniciou a discussão com base no texto 1B:
Metais, Sociedade e ambiente:
os metais podem trazer prejuízos ao meio ambiente? (anexo C). Justificamos a
escolha do referido episódio por entendermos que numa perspectiva de ensino CTS,
o momento da introdução do tema social se constitui como questão central, visto
que, de acordo com Santos e Schnetzler (1997), a característica básica dessa
perspectiva de ensino é o tratamento de problemas sociais como pontos de partida e
chegada das seqüências de ensino. Vale ressaltar nesse sentido a aula 2B do
professor B apresentou uma dinâmica diferente da aula 2A professora A, isso devido
a diferentes etapas de abordagens aos conteúdos químicos em cada uma das
turmas.
No episódio 1B, o professor inicialmente colocou algumas questões para a
turma e solicitou aos alunos que respondessem de acordo com o texto lido. Em
seguida, à medida que os alunos iam respondendo, o professor explicava os
conceitos químicos, presentes nas respostas dos alunos. Neste momento de
discussão, percebemos que o professor explorou mais questões referentes aos
conceitos científicos. E de forma tímida, direcionou os questionamentos para o
aspecto social. A seguir, o episódio 1B transcrito ilustra o processo discursivo na
sala de aula.
EPISÓDIO 1B – INTRODUZINDO A TEMÁTICA SOCIAL NA SALA DE AULA
(( )) O professor inicia a aula levantando questionamentos para os alunos.
1- Professor: Primeiro vamos tentar verificar o papel da tecnologia dentro do nosso contexto social.
dois anos quem tinha DVD em casa? Levante a mão. E hoje, quem tem DVD? três anos atrás
122
quantos de vocês tinham celular? Hoje quantos de vocês têm celular?
(( )) Muitos alunos levantavam à mão a cada questionamento feito.
2- Professor: Pessoal é neste contexto que a gente vai tentar agora fazer uma discussão baseada num
texto. Eu gostaria de contar muito com a participação de vocês. Posso contar?
3- Alunos: Pode.
(( )) O professor solicita que os alunos se organizem em círculo e distribui o texto 1B para cada dupla.
Em seguida, inicia a leitura do texto e vai revezando a leitura com os alunos.
(( )) Antes de iniciar a leitura do texto o professor coloca para os alunos a seguinte questão.
4- Professor: Os metais podem trazer prejuízos ao meio ambiente? Sim ou não?
5- Alunos: Sim.
6- Professor: Então eu percebo que a maioria de vocês mesmo sem ler o texto tem de forma intuitiva
(...)
(( )) A leitura é iniciada pelo professor e continua com a participação alternada dos alunos.
(( )) Após a leitura do texto 1B.
7- Professor: Pessoal, gostaria que vocês abrissem os cadernos que a gente vai fazer algumas
observações (...) Eu tenho algumas perguntas a fazer e agora a gente não vai questionar se escerto
ou errado. Agora mais do que nunca eu quero a participação de vocês em relação às respostas. Eu
quero refazer a pergunta que fiz no início quando perguntei a vocês se os metais podem trazer prejuízos
ao ambiente. Mesmo antes da leitura do texto, vocês disseram para mim que...
8. Alunos: Sim!
9. Professor: E agora pessoal? Depois da leitura do texto o que vocês acham?
10. Aluno: Eu acho que sim (...)
11. Aluno: (inaudível).
12. Professor: Seguindo a ordem de quem levantou a mão. Mais alguém gostaria de fazer um
comentário sobre por que estes metais trazem prejuízo ao meio ambiente?
13. Aluno: (inaudível)
14. Professor: Mais algum aluno? (+) Não? Bom, eu tenho outras perguntas para fazer a vocês. Certo?
A primeira pergunta é o que é metal?
15. Professor: Baseado na leitura do texto o que seria metal? (+) Vocês têm alguns minutos para que
vocês possam encontrar no texto o que é um metal.
(+) (( )) Os alunos tentam responder a questão colocada.
16. Professor: Eu vou perguntar a quem terminou, os demais podem continuar a pesquisar. Minha
querida como é o seu nome?
17. Aluna: (inaudível)
18. Professor: Mais algum aluno? Pois não.
19. Aluna: São materiais constituídos por ligações metálicas.
20. Aluno: (inaudível)
21. Professor: Certo. Alguns alunos chegaram a mencionar as características dos metais.
22. Alunos: Brilho, cor, maleabilidade, ductibilidade...
123
23. Professor: O significado da palavra ductibilidade. Coloque aí, por favor, capacidade de formar fios.
Muitas vezes a gente fala e não sabe o que está falando. Maleabilidade vem de que pessoal?
24. Alunos: Maleável.
25. Professor: Se vocês forem ver no dicionário, maleabilidade é capacidade de envergadura.
Condutividade talvez seja uma das principais características dos metais. O que significa condutividade
elétrica, alguém poderia me dizer? Condutividade vem de?
26. Aluno: Conduzir.
27. Professor: Elétrica vem de que?
28. Alunos: Elétrons.
29. Professor: Então o que seria condutividade elétrica?
30. Alunos: Conduzir elétrons.
31. Professor: Então poderíamos dizer que os metais têm a características de que?
32. Alunos: Conduzir elétrons.
33. Professor: Conduzir corrente elétrica. Muito bem!
34. Eu vou dizer as perguntas e vocês respondem logo para mim. Por que os metais o considerados
materiais tóxicos? Vocês já sabem o que são os metais, e por que são considerados materiais tóxicos?
(+)
35. Aluno: (inaudível)
36. Professor: Vou refazer a pergunta. Por que os metais são considerados materiais tóxicos?
37. Aluno: (inaudível)
38. Professor: Ter massa atômica elevada não é justificativa para o grau de toxidade. A gente não pode
fazer tal grau de correlação. Existem outros fatores. Vejam no texto quais são esses outros fatores.
(+)
39. Professor: Existe uma incapacidade desses seres (vivos citados no texto). Alguém poderia me dizer
qual seria essa incapacidade?
40. Aluna: Não conseguem eliminar quando absorvidos.
41. Professor: Perfeito. Fica claro para todos pessoal? Então por não conseguirmos absorvê-lo e depois
despreza-los, eles acabam fazendo parte do nosso metabolismo orgânico, e dessa forma começa a
mexer e a mudar o comportamento orgânico, fazendo mal de alguma forma à saúde.
42. Aluno: Qual a pergunta professor?
43. Professor: Por que os materiais que contêm metais pesados não podem ser jogados de qualquer
jeito? Vocês podem justificar para mim porque não?
44. Aluno: (inaudível)
45. Professor: É verdade. (...) Pessoas que fazem parte do poder público, ou seja, que fazem as leis,
tentarem solucionar esse tipo de situação. De que forma os fabricantes, de que forma as pessoas
devem conduzir os dejetos desses materiais. Infelizmente não foi nada avançado. O que temos hoje é
uma orientação das fábricas.
46- Professor: Agora eu vou fazer outras perguntas a vocês. Falamos de metais, falamos que eles são
tóxicos e que eles contaminam o meio ambiente. Mas a gente consegue viver sem alguns desses
124
metais?
(( )) O professor coloca para a turma uma situação em que existe a necessidade das pilhas e menciona
que elas têm uma funcionalidade. Em seguida abre uma discussão sobre os avanços tecnológicos de
alguns materiais, como os celulares, por exemplo. No final da discussão, o professor faz um resgate do
que foi discutido.
47- Professor: Para encerrar esta primeira parte. Pessoal onde está a química? Nós falamos do aspecto
social, falamos das características da tecnologia, mas onde está a química neste contexto?
48- Alunos: Metal.
(( )) O professor faz breves considerações sobre as reações que ocorrem nas pilhas fazendo uma
articulação com as atividades da próxima aula.
O nosso objetivo na análise do episódio 1B foi investigar como o professor B
introduziu a problemática social o descarte das pilhas e baterias no meio ambiente
em sua sala de aula. Isso porque na orientação de ensino CTS, para desenvolver
nos alunos atitudes e valores de responsabilidade e participação social, segundo
Bustamante (1997), o professor deve tanto promover debates com os alunos
considerando a implementação, eliminação ou substituição de uma determinada
tecnologia, como fomentar nos alunos o reconhecimento da possibilidade de
melhorar a qualidade de vida frente ao desenvolvimento científico e tecnológico.
Entretanto, percebemos que o professor tratou o aspecto social de forma sucinta. O
texto 1B trabalhado trazia informações amplas como, exemplos de metais pesados
mais comuns, onde são encontrados esses metais pesados, e os problemas de
saúde por eles causados, entretanto o professor não explorou tais informações na
discussão com o grande grupo, retratada no episódio 1B na sua totalidade. A nosso
ver, o professor poderia neste momento da aula, ter dado maior ênfase ao aspecto
social e explorado mais as implicações sócio-ambientais advindas do descarte de
metais pesados em locais não apropriados para que os alunos percebessem a
situação acerca do descarte das pilhas e baterias como um problema social, o qual,
de certa forma, envolve a todos. O fato de ter um texto guiando a discussão em sala
de aula parece ter favorecido uma postura de menor envolvimento do professor com
o assunto discutido. Nesse sentido, uma questão que pode ser evidenciada diz
respeito ao estatuto que tais discussões ganham na aula do professor.
Por outro lado, durante a discussão observamos que o professor favoreceu
um clima agradável na sala de aula, o que possibilitou uma maior participação dos
125
alunos. De acordo com Penick (1993, apud ACEVEDO, 1996a), faz parte da ação
pedagógica numa perspectiva de ensino CTS, o favorecimento de um clima
agradável na sala de aula para promover a interação e a estimulação de
questionamentos pelos alunos. Quando o professor colocou que o questionaria
nesse primeiro momento as respostas dos alunos como certas ou erradas (turno 7)
contribuiu para uma maior participação dos alunos.
Analisando os aspectos da prática pedagógica do professor B no episódio 1B,
identificamos como intenções do professor: situar o tema a problemática do
descarte das pilhas e baterias na sala de aula. Quando colocou para a turma os
metais podem trazer prejuízos ao meio ambiente? (turno 4), tentou levantar
expectativas dos alunos acerca do conteúdo do texto; explorar as informações
trazidas no texto haja vista que após a leitura colocou alguns questionamentos para
a turma e solicitou que buscassem as respostas no texto 1B (turnos 15 e 38); e
explicar os conceitos químicos presentes no texto 1B, pois à medida que os alunos
iam respondendo as questões colocadas, o professor explicava os conceitos
científicos apresentados nas respostas dos alunos (turnos 15-41). Quando os alunos
citaram algumas propriedades dos metais (turno 22), o professor explicou
quimicamente os conceitos maleabilidade e condutividade. Isso pôde ser percebido
quando colocou o que significa condutividade elétrica? (turno 25) e vai conduzindo
as discussões com os alunos: elétrica vem de que? (turno 27), então os metais têm
a característica de que? (turno 31), até os alunos chegarem à conclusão de que os
metais conduzem a corrente elétrica. No último momento da discussão, percebemos
que o professor teve a intenção de inserir os metais pesados na problemática do
descarte das pilhas e baterias. Quando colocou a questão por que os metais são
considerados materiais tóxicos? (turno 34), tentou discutir o papel destes materiais
na problemática abordada. Entretanto, entendemos que esta última intenção do
professor ficou limitada. Aspectos relevantes sobre os problemas causados pelo
descarte de materiais com metais pesados abordados no texto, não foram
explorados na discussão. De um modo geral, observamos que em boa parte dos
questionamentos promovidos pelo professor o aspecto científico predominou. E de
forma tímida, o professor direcionou a discussão para o aspecto social.
126
Quanto à análise dos aspectos da abordagem comunicativa no episódio
analisado, percebemos que o discurso se constituiu como interativo porque houve a
participação tanto do professor como dos alunos. Entretanto, convém mencionarmos
que os diferentes pontos de vista colocados em contato (AMARAL e MORTIMER,
2006), e não explorados pelo professor, caracterizou o processo de discussão como
interativo/ de autoridade, uma vez que a participação dos alunos foi limitada aos
questionamentos colocados pelo professor. Isto pode ser verificado mesmo que na
transcrição do episódio tenha havido dificuldades técnicas com relação à fala dos
alunos. Quando o professor questionou por que os metais pesados não podem ser
jogados de qualquer jeito? (turno 43), poderia ter aberto uma discussão mais ampla
do ponto de vista social, visto que esta era a questão central para promover as
articulações CTS diante da problemática abordada.
Dessa forma, consideramos que o modo como o professor conduz a
discussão de um tema social na sala de aula é fundamental para alcançar os
objetivos propostos pela orientação de ensino CTS, ou seja, promover a participação
ativa dos alunos nos processos de discussões sobre problemáticas sociais para que
construam atitudes mais amadurecidas quanto às implicações sociais do
desenvolvimento científico e tecnológico (FOUREZ, 1995; BUSTAMANTE, 1997;
ACEVEDO, 1996b; SANTOS e SCHNETZLER, 1997; TEIXEIRA, 2003). A nosso ver,
se o professor não explora e questiona as idéias apresentadas pelos alunos sobre
uma problemática que envolve a sociedade, minimiza as possibilidades desses
alunos de analisarem seus posicionamentos diante de tal problemática.
Na análise das formas de intervenção, tomando por base àquelas
apresentadas por SCOTT (1998 apud MORTIMER e SCOTT, 2002), observamos
que o professor inicialmente situou o tema que seria lido a partir do texto 1B, os
metais podem trazer prejuízos ao meio ambiente. Sim ou não? (turno 4). Em
seguida, o professor selecionou e marcou significados-chaves ao questionar o que é
metal (turno 14) e abordar algumas características dos metais (turnos 21-33).
Parece-nos que quando o professor colocou a questão por que os metais pesados
são considerados tóxicos (turno 34), teve a intenção de conduzir a discussão para a
problemática do descarte das pilhas e baterias e neste momento marcou
significados-chaves. Finalmente, o professor rever os significados tratados quando
127
colocou por que os materiais que contêm metais pesados não podem ser jogados de
qualquer jeito? (turno 43), tentando criar articulações com o tema abordado.
A seguir apresentamos a síntese da análise do episódio 1B.
Quadro 14 - Síntese da análise do episódio 1B
Turnos e sujeitos do
discurso
Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção
Turno 4
(professor)
Turnos 15-38
(professor e alunos)
Turnos 15-41
(professor e alunos)
Turnos 34-45
(professor e alunos)
Situar o tema – a
problemática do
descarte das pilhas e
baterias – na sala de
aula.
Explorar as informações
trazidas no texto
Explicar os conceitos
químicos presentes no
texto.
Inserir os metais
pesados na
problemática do
descarte das pilhas e
baterias
Interativa/de autoridade
Interativa/de autoridade
Interativa/de autoridade
Interativa/de autoridade
Situando a temática.
Selecionando e
marcando significados-
chaves.
Revendo os
significados.
O segundo momento da implementação de uma abordagem CTS pelo
professor B constituiu a última etapa da implementação, que ocorreu na aula 3B. A
seguir apresentamos o mapa de atividades da aula 3B.
Quadro 15 - Mapa de atividades da aula 3B
(aulas ministradas em 18/10/2006)
tempo Atividade
desenvolvida
Principais temas Ações dos
participantes
Comentários
10’ Resgate do que
foi trabalhado na
aula anterior.
Episódio 2B:
Articulando os
conceitos
químicos na sala
de aula.
Metais;
Metais pesados;
Descarte das
pilhas e baterias.
O professor
resgata a partir de
questionamentos
os principais
aspectos tratados
na aula anterior.
Os alunos foram
participativos neste
momento.
25’ Abordagem dos
conceitos
Número de
oxidação;
O professor explica
os conceitos
O professor conduz
a discussão em
128
químicos.
Episódio 2B:
Articulando os
conceitos
químicos na sala
de aula.
Oxidação;
Redução;
Reações de óxido-
redução;
Pilhas.
químicos
sistematizando-os
no quadro.
todos os momentos.
Soluções
alternativas para a
problemática do
descarte das
pilhas e baterias.
O professor faz
alguns
comentários sobre
a presença dos
metais pesados no
meio ambiente e
os prejuízos por
eles causados.
Os alunos escutam
o professor em
silêncio.
28’ Retorno à
temática social.
Episódio 3B:
Retomando a
temática social
na sala de aula.
Elaboração de
cartazes pelos
alunos.
Soluções
alternativas para a
problemática do
descarte das
pilhas e baterias.
O professor solicita
aos alunos que se
dividam em grupo
e elaborem
cartazes para
expressarem suas
idéias e/ou
sugestões quanto
à problemática do
descarte das
pilhas.
Os alunos
participaram
ativamente da
atividade em grupo.
15’ Socialização com
o grande grupo.
Soluções
alternativas para a
problemática do
descarte das
pilhas e baterias.
Os grupos
socializam com o
grande grupo suas
sugestões para
minimizarem a
problema
ambiental causado
pelo descarte não
apropriado das
pilhas.
Dois alunos de cada
grupo apresentaram
para o grande grupo
os cartazes por eles
elaborados.
Os episódios selecionados para análise, apresentados no mapa de atividades
acima (quadro 14), foram: articulando os conceitos químicos na sala de aula
(episódio 2B); e retomando a temática social na sala de aula (episódio 3B). O
episódio 2B foi extraído do momento da aula em que o professor abordou os
conceitos químicos relacionados às Pilhas. O episódio 3B, foi extraído do momento
da aula em que o professor, após a abordagem conceitual, retomou a discussão da
temática social. Consideramos a retomada à problemática social após o tratamento
dos conceitos científicos fundamental numa abordagem CTS, pois entendemos que
é neste momento que os conhecimentos científicos abordados pelo professor se
constituem com um instrumento para ampliar a compreensão dos alunos acerca das
implicações sociais da ciência e da tecnologia (FOUREZ, 1994).
129
No episódio 2B, o professor inicialmente, resgatou as idéias trabalhadas na
aula anterior e procurou inserir a abordagem dos conceitos químicos no contexto do
que foi discutido sobre a problemática do descarte dos materiais com metais
pesados. Em seguida, iniciou a abordagem propriamente dita dos conceitos
químicos. O episódio transcrito ilustra a discussão na sala de aula.
EPISÓDIO 2B - ARTICULANDO OS CONCEITOS QUÍMICOS NA SALA DE AULA
1. Professor: Boa tarde pessoal. Vamos relembrar o material que a gente trabalhou na semana passada
e o que ficou de recado para gente (...). Na aula passada a gente falou sobre o que? Lembra?
2. Alunos: Metal.
3. Professor: Sobre o quê?
4. Alunos: Metal.
5. Professor: Tudo bem. É (...) Chegamos a falar através do texto, a comentar, cuidados que se deve ter
ao jogar materiais contendo o que?
6. Alunos: Metais.
7. Professor: Metais. Principalmente no solo, jogar em qualquer lixo. Vocês chegaram a fazer algumas
observações, alguns alunos chegaram a fazer algumas constatações de que era imprescindível não
jogar bateria de celular em qualquer lixo. Não é pessoal?
8. Alunos: Não.
9. Professor: A gente pode jogar pilhas comuns no solo?
10. Alunos: Não.
11. Professor: De jeito nenhum não é? Bom. A gente falou na estória da pilha e na estória da bateria de
celular. E eu falei para vocês que isso tinha a ver com química. Não é verdade? (...) Todo mundo sabe
para que serve uma pilha. Mas vamos ver quantos aqui sabiam que a pilha, a bateria, elas são
tecnologias desenvolvidas a partir de conceitos de química. O que é isso que nós vamos fazer agora.
12. Professor:Já usaram pilhas?
13. .Alunos: Já.
14. Professor: A grande maioria lembra da estatística que a gente fez, quem tem celular tem bateria. (...)
Nós temos que enfatizar aqui é o que contempla essa tecnologia partiu de alguns pressupostos do
conhecimento científico. (...) Para falar de pilhas, precisamos de alguns pré-requisitos. Primeiro saber o
que é um processo de óxido-redução. O que é isso que nós vamos saber agora. Primeiro a identificação
do conceito de Nox. Bom. Nox significa o número de oxidação. Eu vou tentar falar para vocês de uma
forma bem simplificada. A gente pode dizer que o número de oxidação serve para indicar para gente a
quantidade de ligação que aquela espécie química pode fazer. Se aquela espécie química ganha ou
perde elétrons. Bom. Algumas regrinhas sobre o número de oxidação são necessárias lembrar aqui. Por
exemplo, os elementos da família 1A vão apresentar nox +1, os elementos da família
2A vão apresentar
nox fixo +2, elementos como fluór, cloro, bromo e iodo têm nox fixo igual a –1. Eu preciso ver que...
Observação 1: o somatório das cargas em uma molécula é igual a zero. Geralmente, na maioria dos
casos, o oxigênio vai apresentar nox –2. O hidrogênio geralmente vai apresentar nox +1. A primeira
130
pergunta. O que significa a abreviação do nox?
15. Alunos: Número de oxidação.
16. Professor: Eu lembro que disse a vocês que ele serve para indicar, de forma bem resumida, a
quantidade de ligações que a espécie química pode fazer. Se ela ganhou ou perdeu elétrons.
(( )) O professor explica um exemplo no quadro.
17. Professor: Quem fica carregado positivamente é porque perde...?
18. Alunos: Elétrons.
19. Professor: Quem fica carregado negativamente é porque...
20. Alunos: Ganha.
21. Professor: São inteligentes.
22. Professor: Bom. Olha para o quadro! (chamando a atenção dos alunos). A família 2
A qual é o
número de oxidação??
23. Alunos: Dois.
24. Professor: Isso quer dizer que os elementos da família 2
A podem fazer quantas ligações?
25 Alunos: Duas.
26. Professor: Ganha ou perde?
27. Aluno: Perde.
28. Professor: Baseado nestas regrinhas a gente vai calcular o número de oxidação para alguns átomos
pertencentes a estas moléculas.
(( )) Na abordagem do conceito de nox, o professor utilizando exemplos no quadro, mostra aos alunos
como calcular o número de oxidação.
29. Professor: Bom gente isso é a determinação do número de oxidação. Não copia nada. Para que eu
estou chamando atenção para isso aqui? Porque se você sabe identificar o número de oxidação das
espécies, você vai poder prever e perceber se a espécie química oxidou-se ou reduziu-se. (...). O
primeiro conceito de hoje que a gente vai aprender é o de oxidação. Uma definição simples de oxidação
(...) é dizer que na espécie ocorre aumento do nox. A oxidação é então o processo que ocorre com
aumento do nox. E por que aumenta o nox? Porque está perdendo elétrons.
(( )) Neste momento o professor volta ao quadro e escreve um exemplo no quadro para explicar o
aumento do nox .
30. Professor: Isso é uma substância simples. Vou colocar aqui como segunda observação, substância
simples tem nox igual a zero. Todo mundo sabe o que é uma substância simples? Formada por um
único elemento químico. Zinco é uma substância simples?
31. Alunos: É.
32. Professor: Se ele sai de zero para +2, o número de oxidação dele aumentou ou diminuiu?
33. Alunos: aumentou.
34. Professor: Se aumentou o nox, a gente pode dizer que aconteceu o que com ele?
35. Alunos: Oxidação.
36. Professor: Vamos aprender que oxidação é o processo em que o aumento do nox. Agora, por
que aumenta o nox? Aumenta o nox porque a espécie química está perdendo o que pessoal?
131
37. Alunos: Elétrons.
(( )) O professor vai ao quadro novamente e reforça o conceito de oxidação.
38. Professor: Bom. Se a oxidação é o processo que se pelo aumento do nox, redução é o processo
que se dá com diminuição. Posso perguntar?
39. Alunos: Pode.
40. Professor: Redução é o processo que se dá pela diminuição de que pessoal?
41. Alunos: Do nox.
42. Professor: Bom. E o que acontece com os elétrons? Ganha ou perde?
43. Alunos: Perdem/ganham.
44. Professor: Já vi que o pessoal não conseguiu compreender muito bem isso aqui. Vamos
devagarinho.
(( )) O professor volta ao quadro para explicar novamente os conceitos de oxidação e redução.
45. Professor: Isso ficou claro para vocês? A gente definiu o que seria oxidação e redução. Oxidação é
o processo que ocorre com perda de...?
46. Alunos: Elétrons.
47. Professor: Então a espécie química que está se oxidando é aquela que está perdendo...?
48. Alunos: Elétrons.
49. Professor: A espécie que está diminuindo o seu nox está reduzindo por que está o que?
50. Alunos: Ganhando elétrons.
51. Professor: Bom, gente. Pra que eu chamei atenção para isso? Oxidação se pelo processo da
perda de elétrons e redução é um processo que se quando a espécie química ganha elétrons.
Vamos imaginar o que? A pilha. Pessoal imagine que eu tivesse duas soluções que necessariamente
quando colocasse espécies químicas em contato, por exemplo, o zinco está perdendo ou ganhando
elétrons?
(( )) O professor escreve equações químicas no quadro.
52. Alunos: Perdendo.
53. Professor: E o cobre?
54. Aluno: Ganhando.
(( )) O professor apresenta no retroprojetor um esquema da pilha de Daniel.
55. Professor: Bom, o processo de óxido-redução é o processo que se dá quando ao mesmo tempo
uma espécie química oxida e outra espécie química se reduz. Ou seja, a espécie química perde elétrons
e a outra espécie química...?
56. Alunos: Ganha elétrons.
57. Professor: um cara algum tempo atrás percebeu que estas reações químicas em que um
perdia elétrons e outro ganhava elétrons se colocasse esses reagentes em contato iria gerar o que a
gente chama na Física de ddp (...), diferença de potencial, ou seja, iria conseguir gerar a corrente
elétrica. Então na realidade o que seria uma pilha? Seria um processo reacional, ou seja, uma reação
de óxido-redução aonde a reação química iria gerar corrente elétrica. E por que iria gerar corrente
elétrica? Porque nós teríamos lá espécies químicas que iriam perder elétrons e espécie química que iria
132
ganhar elétrons. A gente pode tentar visualizar o processo.
(( )) O professor utiliza o retroprojetor para apresentar o esquema da pilha de Daniel e vai explicando
cada componente do esquema com suas respectivas nomenclaturas. Após a explicação o professor faz
um resgate do que foi abordado. A aula continua com a apresentação de outros conceitos químicos
relativos às pilhas.
Na análise do episódio 2B, tivemos como objetivo investigar como o professor
B articulou os conceitos químicos com o aparato tecnológico pilha e com a temática
social do descarte das pilhas e baterias. De um modo geral, observamos que o
professor teve a preocupação de fazer tal articulação. Antes da abordagem
conceitual retomou as questões da problemática do descarte das pilhas e baterias
(turnos 1-10), caracterizou pilhas e baterias como tecnologias e associou o
funcionamento dessas tecnologias aos conceitos químicos (turno 11). Nesse
sentido, concordamos com Acevedo (1996b) quando afirma que na abordagem CTS,
propõe-se compreender melhor como a ciência e a tecnologia estão inseridas no
contexto social.
Quanto aos aspectos da prática pedagógica do professor B no episódio 2B,
percebemos como intenções do professor: retomar as questões do descarte das
pilhas e baterias (turnos 1-10); caracterizar pilhas e baterias como tecnologias
desenvolvidas a partir dos conceitos químicos (turno 14); e explicar os conceitos
químicos envolvidos no funcionamento das pilhas (turnos 14-57). De modo geral, a
explicação dos conceitos químicos pelo professor predominou neste momento
analisado.
Com relação à análise dos aspectos da abordagem comunicativa,
observamos que o discurso produzido se constituiu de forma interativa, pois o
professor, durante todo processo, interagiu com os alunos (turnos 1-57). Entretanto,
consideramos este discurso como interativo/de autoridade por dois motivos.
Primeiro, porque durante a maior parte do tempo, apenas o ponto de vista científico
foi explorado (turnos 13-47), e segundo, porque a participação dos alunos foi
limitada e direcionada pelas perguntas colocadas pelo professor. Em alguns
momentos durante a exposição conceitual, o discurso caracterizou-se como não-
133
interativo/de autoridade, uma vez que o professor, como único sujeito da
comunicação na sala de aula abordou unicamente o ponto de vista científico.
Quanto às formas de intervenção do professor B no episódio 2B,
identificamos que o professor reviu significados (turnos 1-10); deu forma aos
significados (turno 11); selecionou e marcou significados-chaves e checou o
entendimento dos alunos.
A seguir apresentamos a síntese da análise do episódio 2B.
Quadro 16 - Síntese da análise do episódio 2B
Turnos e sujeitos Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de
intervenção
Turnos 1-10
(professor e alunos)
Turno 14
(professor)
Turnos 14-57
(professor e alunos)
Retomar as questões
do descarte das pilhas e
baterias;
Apresentar pilhas e
baterias como
tecnologias
desenvolvidas a partir
dos conceitos químicos.
Explicar os conceitos
químicos envolvidos no
funcionamento das
pilhas.
Interativa/de autoridade
Não interativa/de
autoridade
Revendo significados
Dando forma aos
significados.
Selecionando,
marcando e checando
os significados-chaves
.
No episódio 3B, o professor inicialmente levantou alguns aspectos tratados na
aula passada, tais como: os metais pesados e os prejuízos causados por eles ao
meio ambiente. Em seguida reforçou a questão da problemática social e solicitou
uma atividade aos alunos para que expressassem seus posicionamentos frente à
problemática do descarte das pilhas e baterias apresentando alternativas para
solucionar ou minimizar a temática social em questão. O episódio transcrito a seguir,
ilustra o processo discursivo.
EPISÓDIO 3B: RETOMANDO A TEMÁTICA SOCIAL NA SALA DE AULA
1. Professor: Baseado nestes conceitos, a semana passada a gente falou no aspecto social de trabalhar
com metais. Alguns desses metais são chamados de metais pesados, e que podem trazer o quê?
Prejuízos (...). E percebemos que algumas tecnologias, como por exemplo, as pilhas e baterias de
134
celular que nós usamos bastante, mas sem os fundamentos teóricos, a informação científica. O que a
gente trabalhou agora? Conceito de pilhas. Baseado neste contexto, o que eu vou pedir a vocês? Vou
pedir que vocês façam um elo de ligação entre o que a gente conversou na aula passada e o que a
gente viu em termos de conceitos até agora. Não o conceito de pilhas, mas também a importância
desse conceito em seu uso. Pessoal, hoje se perguntarem a vocês: eu posso pegar qualquer pilha
dessas alcalinas e jogar fora em qualquer local?
2. Alunos: Não.
3. Professor: Você sabe que se fizer isso pode trazer prejuízos ao meio ambiente. Concordam comigo?
4. Alunos: Sim.
5. Professor: Então o que vamos fazer aqui? Vamos pegar estes conceitos científicos e tentar fazer uma
comunhão entre os dois (...) Vocês vão citar de forma resumida, através de desenhos ou frases, de que
forma, a partir do que a gente acabou de ver, para que a gente pudesse minimizar os efeitos, por
exemplo, jogando fora pilhas, baterias, materiais eletroeletrônicos, que muitas vezes poderiam
(inaudível) o que pode ser feito para minimizar os efeitos (...). Vocês vão elaborar um cartaz sugerindo
soluções em relação a essa problemática social.
(( )) O professor explica aos alunos como devem proceder na atividade e solicita que se organizem em
pequenos grupos.
6.Professor: Vocês vão tentar elaborar um cartaz sugerindo soluções em relação a problemática social.
De que forma nós poderíamos resolver isso?
(( )) A turma organizada nos grupos começa a elaborar os cartazes.
7.Professor: A gente pode jogar material que tenha metais pesados de qualquer jeito no meio ambiente?
8. Alunos: Não.
(( )) Os grupos elaboraram seus cartazes para a socialização dos resultados ao grande grupo. Os
alunos formam um grande círculo e começam as apresentações.
Na análise do episódio 3B, tivemos o objetivo de investigar como o professor
B procurou desenvolver nos alunos atitudes responsáveis frente à problemática do
descarte das pilhas e baterias. De modo geral, o professor procurou reforçar as
inter-relações CTS aos alunos. Em sua fala (turno 1), voltou a mencionar a
problemática social, associou esta problemática aos aparatos tecnológicos, no caso,
as pilhas e baterias, e colocou os conceitos científicos como meio dos alunos
compreenderem o funcionamento da pilhas, mas pouca discussão do ponto de vista
científico foi feita com relação ao descarte das pilhas e baterias que constitui um
problema para a sociedade. Em seguida, o professor buscou uma forma dos alunos
se posicionarem frente ao problema do descarte, e solicitou que eles formassem
grupos para elaborarem cartazes apresentando suas sugestões para diminuir a
problemática do descarte das pilhas e baterias. Dessa forma, considerando o que foi
135
colocado por com Hodson (1993, apud MACEDO e KATZKOWICK, 2003),
verificamos que o professor procurou incluir neste momento de sua aula, relações
dos conceitos químicos com questões sociais e tecnológicas. No entanto, a
abordagem aos conceitos químicos e tecnológicos parece não ter sido suficiente
para os alunos compreenderem com mais profundidade os fenômenos envolvidos no
descarte da pilha. Nesse sentido, isso pode desfavorecer o reconhecimento pelo
aluno de que precisa dos conhecimentos químicos e tecnológicos para se posicionar
e julgar as implicações sociais provocadas pelo desenvolvimento científico e
tecnológico (MACEDO e KATZKOWICK, 2003).
Analisando os aspectos da prática pedagógica do professor B a partir do
episódio 3B, verificamos como intenções do professor: articular os conceitos
químicos com os aparatos tecnológicos pilhas e baterias e com a problemática do
descarte das pilhas e baterias (turnos 1); resgatar idéias acerca da problemática
social (turnos 1-4); e desenvolver reflexões e atitudes críticas frente à referida
problemática (turnos 5-8). Quando o professor colocou de que forma s
poderíamos resolver isto? (turno 6) abriu possibilidades para que os alunos
refletissem e expressassem suas propostas alternativas de solução. Isso foi
apresentado pelos alunos na socialização dos cartazes confeccionados para o
grande grupo. Neste momento os alunos expressaram sugestões mais de
sensibilização com o tema do descarte das pilhas do que fizeram propostas de ação
com base no ponto de vista científico.
Quanto aos aspectos da abordagem comunicativa, observamos inicialmente
que o discurso se caracterizou como interativo/de autoridade pelo fato do professor
direcionar, de certa forma, os posicionamentos dos alunos diante da problemática do
descarte das pilhas e baterias (turnos 1-4). Entretanto, quando o professor deixou os
alunos à vontade para expressarem suas sugestões acerca da respectiva
problemática (turno 5), o discurso passou de interativo/de autoridade para interativo/
dialógico, uma vez que o professor considerou diferentes propostas de solução
dadas pelos alunos.
Analisando as formas como o professor conduziu as discussões,
identificamos que inicialmente (turnos 1-4) o professor marcou significados-chaves
136
ao reafirmar a idéia do descarte das pilhas e baterias como uma problemática social.
Em seguida, o professor compartilhou significados quando socializou os resultados
apresentados pelos alunos ao grande grupo (turno 5).
A seguir apresentamos a síntese de análise do episódio 3B.
Quadro 17 – Síntese da análise do episódio 3B
Turnos e sujeitos Intenções do
professor
Abordagem
comunicativa
Formas de intervenção
Turno 1
(professor)
Turnos 1-4
(professor e alunos)
Turnos 5-8
(professor e alunos)
Articular os conceitos
químicos com os
aparatos tecnológicos
pilhas e baterias e com
a problemática do
descarte das pilhas e
baterias.
Resgatar idéias acerca
do problema do
descarte das pilhas e
baterias
.
Desenvolver reflexões
e atitudes críticas
frente à problemática.
Interativa/de autoridade
Interativa/dialógico.
Marcando significados.
Compartilhando
significados.
Como o nosso propósito nesta investigação foi analisar como o professor B
implementou uma abordagem CTS em sua sala de aula e quais aspectos da sua
prática pedagógica poderiam se constituir como obstáculos para uma efetiva
implementação, elaboramos um quadro resumo da análise da seqüência das aulas
do professor B durante a implementação de uma abordagem CTS (quadro 18 ).
137
Quadro 18 - Síntese de análise da seqüência das aulas do professor B na implementação de
uma abordagem CTS
Episódios
Turnos
Sujeitos
Intenções do professor Abordagem
comunicativa
Formas de intervenção
Episódio 1B: Introduzindo a temática social na sala de aula
Turno 4
(professor)
Turnos 15-38
(professor e alunos)
Turnos 15-41
(professor e alunos)
Turno 34
(professor)
Situar o tema – a
problemática do descarte
das pilhas e baterias – na
sala de aula.
Explorar as informações
trazidas no texto.
Explicar os conceitos
químicos presentes no texto.
Inserir os metais pesados na
problemática do descarte
das pilhas e baterias.
Interativa/de
autoridade.
Dando forma aos
significados.
Selecionando e
marcando significados.
Revendo significados.
Episódio 2B: Articulando os conceitos químicos em sala de aula
Turnos 1-10
(professor)
Turnos 11-13
(professor e alunos)
Turnos 13-47
(professor)
Retomar as questões do
descarte das pilhas e
baterias.
Caracterizar pilhas e
baterias como tecnologias
desenvolvidas a partir dos
conceitos químicos.
Explicar os conceitos
químicos envolvidos no
funcionamento das pilhas.
Interativa/de
autoridade.
Não interativa/
de autoridade.
Revendo significados.
Dando forma aos
significados.
Selecionando, marcando
e checando significados-
chaves.
Episódio 3B: Retomando a temática social na sala de aula.
Turno 1
(professor)
Turnos 1-4
(professor e alunos)
Turnos 5-8
(professor e alunos).
Articular os conceitos com
os aparatos tecnológicos e
com a problemática do
descarte das pilhas e
baterias.
Resgatar idéias acerca da
problemática social.
Desenvolver atitudes frente
à problemática social.
Interativa/de
autoridade.
Marcando significados.
Compartilhando
significados.
Ao analisarmos como o professor B implementou uma abordagem CTS em
sua sala de aula, identificamos, dentro das classificações apresentadas por Acevedo
e Acevedo (2002), que o professor procurou ressaltar as questões sociais da ciência
e da tecnologia, abordando a influência da ciência e da tecnologia na sociedade.
138
Quanto aos componentes que direcionaram os conceitos científicos
abordados, no caso do professor B, a componente sociedade foi determinante uma
vez que os conceitos químicos trabalhados durante a implementação não faziam
parte da seqüência tradicional dos conteúdos, ou seja, a temática social delineou os
conceitos químicos abordados. Naquele momento, o professor se propôs a participar
da pesquisa seguindo um planejamento de abordagem CTS no qual o tema social
orientava a discussão em sala de aula. Nesse sentido, consideramos que o
professor cumpriu o planejado, independentemente do fato de que os momentos
vivenciados em sala de aula representaram uma ruptura na seqüência tradicional
que vinha sendo desenvolvida pelo professor naquela turma. Por exemplo, antes da
implementação CTS, o professor trabalhava os conceitos de ligações químicas, e
rompeu a seqüência ao tratar conceitos como reações de óxido-redução e pilhas.
Verificamos que o professor procurou articular na sala de aula as inter-
relações CTS. Fundamentadas nos aspectos característicos da orientação CTS
apresentadas por Macedo e Katzkowick (2003), consideramos que o professor
trabalhou os conceitos científicos oxidação, redução, reações de óxido-redução, e
pilhas tentando associá-los à necessidade de conscientização da sociedade
acerca de problemas ambientais. A problemática social abordada na sala de aula faz
parte da realidade do aluno e está relacionada com um aparato tecnológico pilhas
– do qual a maioria dos alunos é usuária.
Dessa forma, consideramos que o professor B cumpriu o planejamento feito
para a abordagem CTS, respeitando princípios básicos como nortear o tratamento
dos conceitos científicos a partir de uma temática social e abordar aparatos
tecnológicos relativos aos respectivos conceitos presentes no cotidiano dos alunos.
Entretanto, verificamos três aspectos importantes na implementação da abordagem
pelo professor: as aulas analisadas representaram uma ruptura na dinâmica
normalmente utilizada pelo professor; pareceu-nos que a abordagem do
conhecimento científico em sala de aula recebeu um tratamento privilegiado com
relação à discussão do tema social; e finalmente a discussão dos conceitos
científicos parece não dar conta da complexidade implicada na temática social, o
que pode comprometer a construção de modelos explicativos pelos alunos. Dessa
139
forma, a abordagem teve uma característica mais de problematizar e sensibilizar os
alunos para ações comprometidas com o tema em questão.
Quanto à natureza dos componentes CTS ciência, tecnologia, sociedade, e
inter-relações – o professor B apresentou os conceitos científicos como fundamentos
para o funcionamento das pilhas. Nesse sentido, ele parece tratar a ciência como
um conjunto de conhecimentos que fundamenta a tecnologia, idéia essa expressada
pelo mesmo durante a entrevista. O professor B apresentou os aparatos
tecnológicos pilhas e baterias como aplicações do conhecimento científico, que
influenciam a vida das pessoas de um modo geral. A dimensão tecnológica tratada
pelo professor focou seu caráter instrumental, aspecto este também diagnosticado
na entrevista.
Ao considerarmos que os cursos de licenciatura não têm ainda como proposta
uma formação mais ampla que articule os conceitos químicos ao contexto
tecnológico e social, para um professor tratar os aspectos tecnológicos de forma
mais significativa na sala de aula, precisaria buscar informações e conhecimentos
sobre respectiva tecnologia abordada. E isto exigiria do professor tempo para
pesquisa, planejamento e condições de acesso às informações necessárias, o que
pode contribuir para que o aspecto tecnológico não adquira maior expressão na
implementação de uma abordagem CTS. Um outro fator relevante para a
abordagem de questões tecnológicas em sala de aula diz respeito à velocidade com
a qual a tecnologia se inova implicando muitas vezes numa complexidade científica
que a escola não consegue acompanhar. Por exemplo, enquanto o professor B
apresentou em sala de aula um esquema tradicional de uma pilha (a pilha de Daniel)
retirado do livro didático, no cotidiano nos deparamos com grande diversidade de
modelos e tecnologias de pilhas.
Quanto aos aspectos da prática pedagógica do professor B foram analisadas
as intenções, a abordagem comunicativa, e formas de intervenção na seqüência das
quatro aulas, conforme quadro 18. As intenções do professor variaram durante toda
a seqüência das aulas e consideramos que se apresentaram como adequadas à
perspectiva de ensino CTS. De um modo geral, o professor buscou nas discussões
na sala de aula, a participação dos alunos. Consideramos que o professor ao variar
140
as intenções conseguiu imprimir uma boa dinâmica em sala de aula, uma vez que as
várias intenções orientaram suas ações.
Quanto à abordagem comunicativa que o professor utilizou em sala de aula,
consideramos que o professor B interagiu com os alunos, num discurso
caracterizado predominantemente como interativo/ de autoridade. Pareceu-nos ser
uma característica do professor B conduzir em todos os momentos as discussões e
atividades na sua sala de aula. Apesar da predominância da postura interativa, as
formas de interação se limitam a complementações de frases e respostas curtas.
Esta característica do professor B também foi percebida na análise da aula1B, e
pode ser representativa da sua prática cotidiana na escola. Acreditamos que esta
postura traduz uma prática pedagógica comum em nossas salas de aulas, nas quais
o professor geralmente é o único sujeito da comunicação e o ponto de vista
abordado predominantemente é o científico. Nesse sentido, consideramos que a
forma como o professor B conduziu a interação com a turma durante a
implementação de uma abordagem CTS parece se constituir como um obstáculo
para uma participação mais significativa do aluno. Isso pode prejudicar alguns dos
objetivos propostos por esta perspectiva de ensino, ou seja, a de formar cidadãos
críticos e reflexivos quanto ao julgamento dos limites e possibilidades do
desenvolvimento científico e tecnológico no bem estar de uma sociedade.
Quanto às formas de intervenção desenvolvidas pelo professor B, verificamos
uma tendência do professor em: selecionar significados para conduzir as discussões
para o ponto de vista científico; marcar significados chaves nas interações por ele
iniciadas; e checar a compreensão dos alunos durante a abordagem dos conceitos
químicos (ver quadro resumo). De modo geral, entendemos que a forma como o
professor B conduziu a implementação de uma abordagem CTS foi válida, no
entanto, os significados dados aos conceitos científicos foram pouco articulados aos
contextos tecnológico e social. Isso pode comprometer de alguma forma a proposta
originalmente colocada na literatura para este tipo de abordagem. Dessa forma,
consideramos que a tendência do professor B em selecionar e marcar significados
unicamente na perspectiva científica se constituiu em obstáculo na implementação
de uma abordagem CTS em sua sala de aula.
141
De uma maneira geral, mesmo o professor B obedecendo ao planejamento
feito quanto aos aspectos relevantes da abordagem CTS, outros elementos
influenciaram na maneira como esta abordagem foi vivenciada em sala de aula, tais
como: a forma de interação com os alunos, caracterizada predominantemente por
um discurso de autoridade; e a forma das intervenções feitas pelo o professor na
sala de aula, selecionando, checando, e marcando significados num contexto
predominantemente científico. Tais elementos parecem estar relacionados com o
processo de construção da prática pedagógica do professor considerando
principalmente suas concepções acerca de questões pedagógicas.
Uma breve análise contrastiva entre os professores A e B
No sentido de identificarmos elementos que apontassem especificidades da
forma como cada professor implementou uma abordagem CTS em sua sala de aula
e considerando fatores como tempo de aula, participação dos alunos, quantidade de
alunos, contextos das aulas e a forma como cada professor implementou uma
abordagem CTS, apresentaremos a seguir um quadro resumo (quadro 19) de
natureza contrastiva para aspectos da abordagem CTS inerentes aos professores A
e B.
Quadro 19 – Análise contrastiva entre as abordagens CTS
ASPECTOS DA ABORDAGEM
CTS
PROFESSORA A PROFESSOR B
Conteúdo CTS Questões sociais da ciência e
da tecnologia.
Questões sociais da ciência e da
tecnologia.
Componente que norteou a
abordagem CTS
Ciência Sociedade
Natureza dos componentes
CTS
Ciência inserida num contexto
social;
Tecnologia numa perspectiva
instrumental;
Sociedade como componente
que sofre influencia das
possibilidades e limitações da
ciência e da tecnologia.
Ciência como fundamento da
tecnologia;
Tecnologia como aplicação do
conhecimento científico;
Sociedade como componente
que sofre influencia das
possibilidades e limitações da
ciência e da tecnologia.
Intenções dos professores Variadas durante toda a
abordagem.
Variadas durante toda a
abordagem.
Abordagem comunicativa Alternância de abordagens: Predominância da abordagem
142
interativa/dialógica e
interativa/de autoridade.
interativa/de autoridade.
Formas de intervenção Diversas Diversas com ênfase no ponto de
vista científico.
Tomando por base os aspectos da abordagem CTS vivenciados pelos
professores A e B, entendemos que apesar desses professores terem partido de um
planejamento praticamente único, a condução da intervenção foi diversificada, o que
parece apontar para o papel relevante das subjetividades de cada professor na
implementação da abordagem CTS. Dentre vários pontos a considerar, parece-nos
que o fato da professora A ter se mostrado mais disponível para a preparação da
intervenção, tenha contribuído para uma maior diversidade de recursos utilizados em
sala de aula ampliando as possibilidades de discussão com os alunos. Por outro
lado, o professor B teve pouca disponibilidade de tempo para a intervenção. Isso
pode ter favorecido um menor envolvimento com as atividades propostas e uma
discussão limitada do texto, quando ele faz prevalecer um único ponto de vista a
partir de uma postura de autoridade. Um outro ponto que pode ser favorável para
maior disponibilidade da professora A seria o maior envolvimento dessa professora
em cursos de formação continuada.
143
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscamos descrever a forma como professores de química
compreendem ciência, tecnologia, sociedade e inter-relações CTS e como
implementaram uma abordagem CTS em suas salas de aula. Com isso, visamos
identificar aspectos da prática pedagógica dos professores que se constituíram
como obstáculos para uma efetiva implementação da intervenção planejada. O
interesse por desvendarmos tais obstáculos deve-se ao reconhecimento de que uma
abordagem CTS nas aulas de Química além de promover a formação da cidadania,
poderia propiciar uma maior coerência no tratamento dos conceitos químicos
situando-os nos contextos tecnológico e social, e promover um maior interesse por
parte do alunado nas respectivas aulas. Nesse sentido, consideramos que as
concepções docentes acerca das questões CTS mantêm uma estreita relação com
as ações dos professores na sala de aula no que se refere à forma de articular os
conceitos químicos aos aspectos tecnológicos e sociais. Dessa forma, as
concepções dos professores sobre ciência, tecnologia e sociedade também foram
investigadas.
A análise dos resultados neste trabalho mostrou que as concepções CTS dos
professores envolvidos na investigação foram diversas. Dentre as principais
características de tais concepções podemos ressaltar:
A ciência concebida como uma atividade humana que precede a tecnologia e
fundamenta os avanços tecnológicos. A tecnologia como busca de inovação
que parte das necessidades de uma sociedade e que promove mudanças nas
condições de vida da sociedade. E a sociedade como um grupo de pessoas
que busca participação e desenvolvimento e que pode sofrer ou não
influência da ciência (Professora A);
A ciência como uma busca de respostas que influencia a sociedade por meio
da aplicação dos conhecimentos científicos, e tem primazia sobre a
tecnologia. A idéia de que a tecnologia contribui para ampliar o
desenvolvimento científico interferindo na vida de alguns grupos sociais. E a
sociedade como um grupo de pessoas que sofre influência do
144
desenvolvimento científico e tecnológico, mas que não apresenta uma
participação ampla e efetiva na tomada de decisão no contexto das questões
científicas e tecnológicas (Professor B);
A ciência como um conjunto de conhecimentos que podem ser aplicados para
melhorar as condições de vida das pessoas. A tecnologia como aplicação do
conhecimento científico que interfere na sociedade. E a sociedade que
estimula os avanços tecnológicos pela necessidade de consumo (Professora
C).
Das concepções encontradas emergiram pontos importantes para a
discussão nos encontros com os professores tais como: a desvalorização da
tecnologia e conseqüente supervalorização da ciência; o caráter meramente
operacional da tecnologia; a concepção de uma sociedade utilitária do
desenvolvimento científico e tecnológico; e a concepção de uma sociedade que não
tem o poder de avaliar, questionar e se posicionar diante de questões científicas e
tecnológicas. Esses pontos foram tratados a partir de questionamentos, discussões
e reflexões promovidas nos encontros e apontaram para novos posicionamentos dos
professores sobre ciência, tecnologia, sociedade e inter-relações CTS. Dessa forma,
podemos considerar que é essencial um processo formativo para que os
pressupostos teóricos e metodológicos implicados em propostas alternativas para o
ensino sejam melhores compreendidos pelos professores envolvidos. Estamos
conscientes que não poderá haver uma expectativa de mudança do professor em
curto prazo, mas os momentos de discussão favorecem uma reflexão e
sensibilização dos professores que podem dar suporte ao início de uma mudança
que é processual. Consideramos que neste trabalho o processo de formação foi
continuado na experiência vivenciada na sala de aula, ou seja, após a reflexão foi
dada aos professores a oportunidade de fazer uma tentativa de por em prática àquilo
que foi discutido. Na sala de aula, verificamos esforços feitos pelos professores no
sentido de cumprir uma meta anteriormente estabelecida, como uma tentativa de
obter sucesso na nova proposta de ensino, ainda que tenhamos verificado o quanto
as suas concepções estão implicadas em algumas ações realizadas.
145
De um modo geral, as concepções iniciais dos professores mostraram o
quanto os professores investigados têm enraizado em suas idéias o sentimento de
que o conhecimento científico exerce certa primazia diante de outras dimensões do
desenvolvimento humano. A nosso ver, a repercussão que essas concepções
tiveram na implementação de uma abordagem CTS - na qual a tecnologia e as
questões sociais estão estreitamente articuladas aos conceitos científicos - se traduz
no tratamento do conhecimento científico com um maior estatuto diante dos
aspectos tecnológicos e sociais discutidos em sala de aula. Esse fato pode estar
também relacionado a uma prática não comum dos professores em realizar
discussões sobre outros contextos não necessariamente científicos. Na sala de aula,
de uma forma geral, os professores tiveram mais facilidade de expressar suas idéias
de ciência do que as de tecnologia e aquelas relativas às questões sociais. Dessa
forma, algumas concepções dos professores identificadas neste trabalho podem ter
se constituído como obstáculos uma efetiva implementação da abordagem CTS.
Assim, surge a seguinte questão: como tratar os aspectos tecnológicos e sociais nas
aulas de ciências se as idéias entre as relações de ciência, tecnologia, e sociedade
não têm ainda um significado expressivo para os professores?
Além disso, um outro ponto que devemos considerar, diz respeito ao
planejamento feito após as discussões realizadas nos encontros com os
professores. Mais do que mudar as concepções em um curto prazo, os encontros
possibilitaram a realização de um planejamento inserido no contexto da proposta
CTS o qual foi bastante considerado pelos professores no momento da intervenção.
É importante ressaltar o quanto o planejamento conduziu as atividades da
intervenção e as ações dos professores em sala de aula. O professor B foi mais fiel
àquilo que foi planejado, entretanto parece ter havido um menor envolvimento com a
proposta. Pareceu-nos que fator como falta de tempo e pouco envolvimento em
cursos de formação continuada imprimiu uma menor familiaridade com as mudanças
propostas para a intervenção. Por outro lado, a professora A, com uma maior
vivência em programas de formação continuada, pareceu ter tido um maior
envolvimento e estar mais receptiva para adotar tanto as concepções inerentes à
abordagem CTS como promover uma mudança mais permanente na sua prática
pedagógica. É interessante ressaltar que esta professora não ficou limitada ao que
estava posto no planejamento como o professor B.
146
A despeito do que foi colocado no planejamento podemos perceber que cada
professor traz para a sala de aula elementos da sua própria forma de ser professor.
Mesmo com um planejamento único verificamos diferenças nas formas de conduzir
as atividades e discussões em sala de aula.
Quanto à forma como os professores implementaram a abordagem CTS, este
estudo mostrou que:
A professora A ressaltou como mais ênfase a influência da ciência e da
tecnologia na sociedade e buscou conscientizar os alunos sobre a
possibilidade de participação da sociedade na solução de problemas
sócio-ambientais relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico.
Dessa forma, conseguiu articular a relação mútua da ciência, tecnologia e
sociedade em sua sala de aula, embora não tenha dado a mesma ênfase
a cada uma dessas dimensões. Na sala de aula, a professora A
contextualizou os conceitos científicos, diversificou as estratégias
metodológicas, possibilitou discursos interativo/dialógico e interativo/de
autoridade nos momentos pertinentes, e promoveu diferentes formas de
intervenção.
O professor B procurou articular em sua sala de aula as inter-relações
CTS ao tratar os conceitos químicos associados à necessidade de
conscientização da sociedade acerca de problemas sócio-ambientais. Na
sala de aula, o professor diversificou as intenções imprimindo uma boa
dinâmica na sala de aula. A interação do professor com os alunos
caracterizou-se predominantemente como interativa/de autoridade, uma
vez que a participação dos alunos se limitou à complementação de frases
e respostas curtas e o professor fazia prevalecer o ponto de vista científico
nas discussões. Quanto às formas de intervenção, o professor pareceu
selecionar e marcar significados unicamente na perspectiva científica.
Assim, entendemos que a forma como o professor conduziu a interação
com a turma e a tendência do mesmo em selecionar e marcar significados
do ponto de vista apenas científico pareceu prejudicar alguns dos
objetivos propostos pela perspectiva de ensino CTS, constituindo-se
147
dessa forma, em obstáculos na implementação de uma abordagem CTS
na sala de aula do referido professor.
Um ponto a ser considerado na análise duas intervenções, da professora A e
do professor B, é relativo à disponibilidade e uso do material didático.
Primeiramente, é importante marcar que as discussões sobre temas sociais foram
feitas basicamente a partir de textos. Isso pode ser considerada como evidência de
uma formação inicial de professores que não suporte a esse tipo de discussão e
a constatação de que os recursos didáticos tradicionais da escola, marcadamente o
livro didático, não estão adequados à inovação do ensino. No entanto, mais uma vez
identificamos diferentes formas de ação dos professores com relação a essa
deficiência. A professora A incluiu nas atividades da sala de aula a discussão de
textos diversos e esclarecedores sobre o problema do descarte das pilhas e buscou
ampliar o debate a partir de outras leituras feitas pelos alunos. O professor B
realizou a discussão do tema social basicamente a partir de um único texto e
apresentou uma interatividade limitada com os alunos, como já foi mencionado
anteriormente.
Ainda com relação ao material didático, vale salientar que dificuldade em
obter informações detalhadas sobre aspectos científicos associados ao
funcionamento e uso de artefatos tecnológicos. Isso pode implicar em uma
abordagem superficial dos aspectos tecnológicos e em uma compreensão limitada
sobre os impactos da tecnologia na sociedade e no ambiente, no trabalho em sala
de aula. Por exemplo, o é fácil encontrar informações técnicas e científicas sobre
as diversas pilhas usadas no cotidiano e sobre as reais conseqüências do seu
descarte aleatório. Podemos somar a isso, a complexidade que o tema encerra e o
desafio que é posto no sentido de tornar essas informações didaticamente viáveis
para o trabalho em sala de aula.
A partir dos resultados mostrados neste trabalho apontamos alguns prováveis
obstáculos para uma efetiva implementação de uma abordagem CTS na sala de
aula. Durante a análise dos resultados podemos verificar que tais obstáculos não
estão unicamente associados à prática pedagógica do professor e consideramos
que esses obstáculos podem ser divididos em dois blocos: àqueles relativos aos
148
aspectos da prática pedagógica dos professores e àqueles inerentes ao desafio
proposto pela abordagem CTS e à forma como o conhecimento pode ser tratado
nessa proposta de ensino.
Quanto aos obstáculos relativos aos aspectos da prática pedagógica dos
professores podemos citar:
As concepções dos professores mais voltadas para o ensino de conceitos
científicos em sala de aula, parecem determinar um menor estatuto para as
discussões dos aspectos sociais em sala de aula;
Os diferentes níveis de disponibilidade dos professores às mudanças que
emergem das propostas de ensino inovadoras;
A adoção de uma interatividade pouco significativa com os alunos em sala de
aula, limitando o aparecimento de diferentes visões sobre o tema na
discussão em sala de aula.
A formação inicial inadequada para professores que pretendam trabalhar
numa perspectiva de ensino CTS, uma vez que esses processos de formação
não têm ainda uma ação mais ampla que articule os conceitos científicos aos
contextos tecnológico e social.
Quanto aos obstáculos referentes à forma de como os conhecimentos podem
ser tratados na sala de aula:
A ausência de informações cnicas e científicas quanto aos aparatos
tecnológicos haja vista que pode contribuir para a pouca expressão do
aspecto tecnológico na implementação de uma abordagem CTS;
A velocidade com a qual a tecnologia se inova implicando muitas vezes numa
complexidade científica que a escola não consegue acompanhar;
149
A dificuldade de compor um conteúdo significativo que articule de forma
adequada os conceitos científicos com uma determinada tecnologia,
associados a um tema social relevante;
A dificuldade de dispor de material didático que suporte as discussões na sala
de aula na abordagem do contexto social.
Nessa perspectiva, apresentamos possíveis direcionamentos que podem ser
feitos em trabalhos futuros, com o objetivo de possibilitar a superação dos
obstáculos relativos tanto ao professor como os inerentes ao próprio desafio na
inovação do processo de ensino-aprendizagem dos conhecimentos científicos.
Entre outros:
Incluir o tratamento das questões CTS nos processos de formação inicial dos
professores. Este tratamento poderia ser dado em disciplina específica ou
inserido em disciplinas que abordam as metodologias de ensino, por exemplo,
a disciplina de Metodologia do ensino da Química;
Incentivar os professores para a construção de uma postura reflexiva sobre a
sua prática e sobre a atualização dos conteúdos disciplinares que estão
ensinando;
Promover a formação continuada do professor acerca tanto dos
conhecimentos científicos e tecnológicos como dos problemas sociais
relevantes, de modo que a aprendizagem dos conceitos científicos
associados aos aspectos tecnológicos se constitua como meio de
compreensão e avaliação das temáticas sociais abordadas na sala de aula;
Incentivar a elaboração pelo professor do material didático a partir de um
planejamento prévio que inclua objetivos, estratégias de ensino, conceitos
científicos e tecnológicos, e tema social definido.
150
Nesse sentido, o interesse e a determinação em superar os desafios que
emergem nos processos de inovação no ensino têm estreita relação com a
disponibilidade e com o compromisso subjetivo dos professores.
Finalmente, gostaríamos de colocar que as contribuições deste trabalho
superaram as expectativas iniciais, considerando que a perspectiva de ensino CTS
irá repercutir concretamente na prática pedagógica de uma das professoras
envolvidas. Após o término da intervenção, a direção da escola onde ensina a
professora A manifestou interesse em vivenciar de forma ampla um planejamento
para o ano de 2007, com base na perspectiva de ensino CTS. Nesse sentido, a
pesquisadora foi convidada para ministrar aos professores da referida escola, duas
palestras que trataram dos pressupostos teóricos e metodológicos da orientação
curricular CTS.
151
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2006.
VILCHES, A.; FURIÓ, C. Ciência, tecnologia y sociedad: implicaciones en la
educación científica del siglo XXI. La Habana: Academia, 1999.
155
APÊNDICE A – Entrevista semi-estruturada
1- O que é ciência para você?
2- O que você pensa sobre tecnologia?
3- Qual a sua idéia de sociedade?
4- Em sua opinião como se dá a relação entre a ciência com a tecnologia?
5- A ciência tem efeito sobre a sociedade? Como?
6-A tecnologia interfere na vida das pessoas de uma sociedade? Por favor,
exemplifique.
7-Você acha que a pesquisa científica é influenciada por fatores externos? Quais
seriam esses fatores?
8- A sociedade pode interferir na pesquisa científica?
9- Você acha que a ciência determina os avanços tecnológicos? Por quê?
10- Ou é a tecnologia que influencia no desenvolvimento científico? Você se lembra
de algo que possa justificar tua resposta?
11- A sociedade interfere nas pesquisas tecnológicas? Como?
12-Você poderia exemplificar como a ciência, a tecnologia e a sociedade interagem
entre si?
13-Sob quais condições a sociedade teria o poder de tomada de decisão acerca dos
avanços científicos e tecnológicos?
156
APÊNDICE B – Planejamento dos encontros com os professores
Planejamento para os Encontros com os professores
Objetivo Geral: Promover uma maior familiaridade dos professores com os aspectos
que caracterizam a abordagem CTS como alternativa metodológica para o ensino da
química.
Serão realizados dois encontros da pesquisadora com os professores envolvidos na
pesquisa seguindo a programação abaixo.
I Encontro com os professores
(3 horas e 30 minutos)
Objetivo do 1
o
. encontro: Promover um processo de discussão e reflexão com os
professores sobre concepções de Ciência, Tecnologia, Sociedade e respectivas
inter-relações consideradas adequadas e não adequadas para a implementação da
abordagem CTS em sala de aula, com vistas à re-construção de concepções que
contribuam para o trabalho em sala de aula.
Procedimentos Metodológicos:
1
o
momento: Apresentar o objetivo do encontro para os professores (10
minutos);
2
o
momento: Solicitar leitura dinâmica em grupo de um texto1(em anexo) que
aborda a relação ciência-tecnologia (25 minutos);
3
o.
momento: Solicitar aos professores que individualmente respondam
questões relativas ao texto (25 minutos);
4
o
momento: Socializar com o grande grupo as respostas de cada professor
para as referidas questões, estabelecendo-se dessa forma um
processo de discussão e reflexão (30 minutos);
157
Intervalo: (20 minutos)
5
o
momento: Entregar para cada professor três cartões-ficha (em anexo).
Cada cartão possui respectivamente uma citação transcrita da
literatura que trata de picos relativos à: percepção de ciência
como construção humana, percepção de tecnologia como
processo de produção social e, percepção de sociedade como
uma organização participativa e cidadã. Após a leitura individual
das citações, cada professor deve se posicionar concordando ou
discordando com a referida citação e registrar por escrito a
justificativa de seu posicionamento (40 minutos);
6
o
momento: Solicitar que os professores socializem com o grupo seus
posicionamentos registrados na atividade anterior. Nesse
momento será discutido com os professores um tópico por vez
(40 minutos);
7
o
momento: Após o processo de discussão, os professores serão solicitados
a reverem suas justificativas iniciais visando possíveis re-
construções (20 minutos);
8
o
momento: Entregar aos professores o texto 2 (anexo F) para leitura
posterior e encerrar o primeiro encontro.
II Encontro com os professores
(3 horas e 30 minutos)
Objetivo do 2
o
encontro: Subsidiar a elaboração, pelos professores, de um plano de
aulas com Orientação CTS.
Procedimentos Metodológicos:
1
o
momento: Apresentar para os professores o objetivo do encontro (10
minutos);
158
2
o
momento: Apresentar os fundamentos CTS: origem do Movimento CTS,
razões da orientação CTS para o ensino de ciências, aspectos
metodológicos da orientação CTS e a prática do professor nessa
perspectiva de ensino (200 minutos);
Os professores alternadamente lêem as questões e suas
respectivas respostas propostas no texto para em seguida
colocarem seus posicionamentos para o grande grupo.
3
o
momento: Encerramento do segundo encontro com os professores.
159
APÊNDICE C – CARTÃO-FICHA 1
CARTÃO-FICHA
“Como empreendimento humano, a Ciência é falível; ela pode degenerar ou pode
responder às supremas aspirações dos homens. Como parte da sociedade, a
Ciência também está aberta a influencias externas; como qualquer atividade social,
pode ser bem ou mal usada (KNELLER, 1980, p.9).
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160
APÊNDICE D – CARTÃO-FICHA 2
CARTÃO-FICHA
“Uma tecnologia, portanto, não é somente um conjunto de elementos materiais, mas
também um sistema social. Certos aparelhos aliás podem se tornar absolutamente
inúteis nos países em desenvolvimento que não possuem as infra-estruturas sociais
e culturais que eles implicam” (FOUREZ, 1995, p. 218).
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161
APÊNDICE E – CARTÃO-FICHA 3
CARTÃO-FICHA
“Em definitivo, a participação dos cidadãos na tomada de decisões é hoje um fato
positivo, uma garantia de aplicação do princípio de precaução, que se apóia numa
crescente sensibilidade social face às implicações do desenvolvimento tecno-
científico que pode comportar riscos para as pessoas ou para o ambiente”
(CACHAPUZ, 2005, p. 28).
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162
APÊNDICE F – Texto trabalhado no segundo encontro com os professores
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Este texto é uma ntese de vários trabalhos e artigos da literatura que trazem diversas
interpretações sobre a orientação CTS no ensino de ciências e objetiva promover ao leitor
uma breve apresentação dos objetivos e fundamentos da orientação CTS, da possibilidade
de sua implementação no ensino da química e, dos aspectos referentes à prática
pedagógica nesta estratégia de ensino.
O Ensino de Química numa Perspectiva CTS:
Atenção! O professor é o ponto de partida.
Às vezes (mesmo que isto seja muito raro),
conseguimos transformar algumas de nossas
utopias em realidades... e, aí já valeu a pena.
Attico Chassot.
O que é orientação CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade)?
A orientação CTS é uma proposta educativa que trata das relações mútuas entre o
desenvolvimento científico e tecnológico e os processos sociais. Com o objetivo de
promover a alfabetização científica e tecnológica centrada na formação de atitudes e valores
frente à intervenção da ciência e da tecnologia na sociedade, a orientação CTS propõe uma
maior compreensão dos impactos sociais do desenvolvimento científico e tecnológico para
possibilitar uma participação cidadã responsável e fundamentada nas tomadas de decisões
acerca desse desenvolvimento e de suas conseqüências.
O que se entende por alfabetização científica e tecnológica (A.C.T.)?
Em décadas anteriores, as preocupações curriculares do ensino de ciências se centravam
basicamente na aquisição de conhecimentos científicos. Entretanto, as perspectivas atuais
no âmbito das disciplinas científicas visam formar os estudantes para que possam se
desenvolver num mundo impregnado de ciência e de tecnologia e, dessa forma, a
alfabetização científica e tecnológica converte-se numa necessidade para todos. Nesse
sentido, segundo Fourez (1994), a alfabetização científica e tecnológica objetiva divulgar
conhecimentos para a população para que as decisões tomadas pelos técnicos possam ser
163
compreendidas e controladas democraticamente. Nessa perspectiva, uma pessoa
alfabetizada científica e tecnologicamente é capaz de:
Utilizar conceitos científicos e integrar valores e saberes para adotar decisões
responsáveis;
Compreender as relações mútuas entre a ciência, a tecnologia e a sociedade;
Compreender que a sociedade, através de políticas públicas, pode exercer um controle
sobre a ciência e a tecnologia;
Reconhecer os limites e utilidades da ciência e da tecnologia no bem-estar social;
Conhecer os conceitos e teorias científicas e, saber aplicá-las;
Apreciar o caráter intelectual da ciência e da tecnologia;
Compreender a relação entre a produção dos conhecimentos científicos e os processos
de investigação;
Diferenciar resultados científicos de opiniões pessoais;
Reconhecer a ciência como conhecimento provisório e sujeito à mudanças;
Compreender as aplicações da tecnologia e as decisões envolvidas em sua utilização;
Extrair de sua visão científica uma visão de mundo mais ampla;
Conhecer fontes de informação válidas de ciência e de tecnologia para recorrer a elas
quando for necessário tomar decisões;
Compreender a produção da ciência e da tecnologia na história.
__________________________________________________________________
Por que a orientação CTS no ensino da química?
A orientação CTS está ganhando significado entre os pesquisadores e profissionais do
ensino da química. Tal significação parece advir da concepção de que a química pode ser
um instrumento que possibilita ao aluno o exercício de uma cidadania participativa, crítica e
reflexiva diante das inter-relações ciência-tecnologia-sociedade.
Nesta perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam uma proposta bem
interessante para o ensino da química. Segundo este documento, a química “pode
constituir-se num instrumento de formação humana [...] se o conhecimento químico for
promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade [...]” (BRASIL,
2002, p. 87).
Dessa forma, se a ciência e a tecnologia permeiam o cotidiano da maioria das pessoas, as
relações entre o desenvolvimento científico e tecnológico e seus efeitos na sociedade já não
podem ser ignorados no contexto do ensino das disciplinas científicas, e em particular, no
ensino da química.
164
Além disso, alguns autores (ACEVEDO, 1996b; VICHES e FURIÓ, 1999) acreditam que a
implementação da orientação CTS pode aumentar o interesse do alunado pelas disciplinas
científicas, uma vez que tal orientação trata de problemas sociais reais e significativos para
os alunos.
Qual o papel do professor numa perspectiva de ensino com orientação CTS?
Para adotar os princípios que a orientação CTS estabelece, o professor tende a modificar o
perfil clássico de sua prática pedagógica. Devido à multiplicidade de estratégias de ensino-
aprendizagem que a orientação CTS requer, o professor assume um papel de mediador
promovendo a participação ativa do aluno no processo.
Embora as ações do professor, descritas a seguir, sejam imprescindíveis para qualquer
ensino de qualidade, serão apresentadas aqui como aquelas que foram identificadas em
professores que põem em prática a orientação CTS (PENICK apud ACEVEDO, 1996a). São
elas:
Dedicam tempo suficiente para planejar e programas suas aulas;
São flexíveis quanto à seqüência rígida dos conteúdos curriculares;
Proporcionam um clima acolhedor e intelectualmente estimulante para promover a
interação e a comunicação compreensiva durante a aula;
Têm boas expectativas sobre si mesmo e sobre os seus alunos, animando-os, apoiando-
os e potencializando suas ações;
Indagam ativamente, mostrando-se interessado em aprender novas idéias, habilidades e
ações tanto as que provêm da psicopedagogia como as atualidades científicas e
tecnológicas no âmbito social;
Promovem o surgimento de perguntas e temas de interesse na aula e sempre pedir
fundamentos que sustentam as idéias que os alunos propõem;
Potencializam a aplicação de conhecimentos ao mundo real, discutindo e avalizando
com os alunos as aplicações desses conhecimentos;
Fazem com que os alunos vejam tanto a utilidade como as limitações da ciência e da
tecnologia na resolução dos problemas sociais;
Não contemplam as paredes da sala de aula como fronteiras com o mundo e crêem que
a aprendizagem deve transcendê-las. Educam para a vida e para viver.
______________________________________________________________________
Como o professor pode proceder na sala de aula numa perspectiva CTS? Quais as
estratégias de ensino-aprendizagem que podem ser utilizadas pelo professor?
165
Santos e Schnetzler (1997) apresentam aspectos característicos nos processos e ensino-
aprendizagem numa orientação CTS. Tais aspectos estão apresentados no quadro a seguir
(quadro 1) onde estão apontadas fortes e significativas inter-relações entre ciência,
tecnologia e sociedade.
Quadro 1. Aspectos da abordagem CTS
Aspectos de CTS Esclarecimentos
1- Natureza da Ciência Ciência é uma busca de conhecimentos dentro
de uma perspectiva social.
2- Natureza da Tecnologia Tecnologia envolve o uso de conhecimento
científico e de outros conhecimentos para
resolver problemas práticos. A humanidade
sempre teve tecnologia.
3- Natureza da Sociedade A sociedade é uma instituição humana na qual
ocorrem mudanças tecnológicas.
4-Efeito da Ciência sobre a Tecnologia A produção de novos conhecimentos tem
estimulado mudanças tecnológicas.
5-Efeito da Tecnologia sobre a Sociedade A Tecnologia disponível a um grupo humano
influencia sobre maneira o estilo de vida desse
grupo.
6-Efeito da Sociedade sobre a Ciência Por meio de investimentos e outras pressões, a
sociedade influencia a direção da pesquisa
científica.
7- Efeito da Ciência sobre a Sociedade O desenvolvimento de teorias científicas pode
influenciar a maneira como as pessoas pensam
sobre si próprias e sobre os problemas e as
soluções
8-Efeito da Sociedade sobre a Tecnologia Pressões públicas e privadas podem influenciar
a direção em que os problemas são resolvidos,
em conseqüência, promover mudanças
tecnológicas.
9-Efeito da Tecnologia sobre a Ciência A disponibilidade dos recursos tecnológicos
limitará ou ampliará os progressos científicos.
Fonte: Santos e Schnetzler (1997, p. 65)
166
O tratamento dessas inter-relações na sala de aula determina e propõe os procedimentos
metodológicos, ou seja, as estratégias de ensino. É importante ressaltar que as estratégias
de ensino-aprendizagem numa perspectiva CTS vão além do que se faz habitualmente no
ensino de ciências, como: exposição do professor, demonstrações experimentais,
questionamentos para os alunos e raramente pelos alunos, resolução de problemas com
lápis e papel e trabalhos práticos de laboratório. E nesse sentido objetivam desenvolver
programas de ensino que enfatizam mais os centros de interesse dos alunos que outros
pontos de vistas mais acadêmicos. Dessa forma, a partir de problemas de interesse social
da ciência e da tecnologia, que incluem tanto os efeitos benéficos como os riscos possíveis,
a orientação CTS supõe utilizar, entre outras, as seguintes estratégias de ensino:
Resolução de problemas abertos para promover tomada de decisão frente a tais
problemas;
Realização de pesquisas de campo;
Participação dos estudantes em debates e fóruns;
Palestras com especialistas;
Visitação às fábricas, complexos de interesse científico e tecnológico, parques
tecnológicos etc.
A figura 1 representa um modelo para estratégias de ensino CTS.
Figura 1 – Estratégias de ensino de CTS.
Fonte: Santos e Schnetzler, 1997.
167
Assim, observa-se que a característica básica da orientação CTS é a colocação de
problemas sociais como pontos de partida e chegada das seqüências de ensino. (SANTOS
e SCHNETZLER, 1997). A abordagem desses problemas sociais em sala de aula pode
seguir o modelo proposto por Aikenhead (1994, apud TEIXEIRA, 2003) representado pela
figura 2 a seguir.
Figura 2 - Proposta metodológica para a abordagem CTS
Fonte: Aikenhead (1994 apud Teixeira, 2003, p. 183).
Inicialmente uma problemática social é introduzida. Em seguida uma tecnologia relacionada
à problemática é apresentada e o conteúdo científico é definido em função da tecnologia e
da problemática em questão. Após a abordagem do conteúdo científico, a tecnologia é
retomada para discussão e em seguida a problemática social é re-discutida na busca de
possíveis soluções apontadas pelos alunos.
Nessa perspectiva, a orientação CTS busca promover uma aprendizagem significativa
vinculada aos acontecimentos sociais e reais relacionados com o desenvolvimento científico
e tecnológico.
_________________________________________________________________
Referências bibliográficas
ACEVEDO, J.A. Cambiando la práctica docente en la enseñanza de las ciencias através de
CTS. Borrador, v. 13, p. 26-30, 1996.
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Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
2002.
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mais crítico. Canoas: Editora da ULBRA, 1995.
SOCIEDADE
CONCEITOS
E
HABILIDADES
CIENTÍFICAS
168
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ensenãnza de las ciencias. 1 ed. Ediciones Colihue, 1994.
SANTOS, W. L. dos,; SCHNETZLER, R. P. Educação Química: compromisso com a
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2003.
VILCHES, A.; FURIÓ, C. Ciencia, tecnologia y sociedad: implicaciones en la educación
científica del siglo XXI. La Habana: Academia, 1999.
169
APÊNDICE G Planejamento dos professores para a intervenção pedagógica de
uma abordagem CTS
Dados de identificação
Disciplina: Química.
Série: 2
o
série e 3
o
série do Ensino Médio.
Foco (Idéia central)
Pilhas e o meio ambiente: a problemática do descarte.
Objetivos
Articular o conhecimento químico (Pilhas) ao contexto tecnológico (produção
de energia elétrica) e social (poluição por metais pesados).
Promover mudanças atitudinais diante da problemática abordada.
Procedimentos
1
a
. aula: Introdução da questão social e apresentação da tecnologia envolvida.
Atividades desenvolvidas Recursos didáticos Tempo
Atividade 1:
Leitura em pequenos
grupos do texto.
Atividade 2:
Socialização das questões
propostas sobre o texto
com o grande grupo.
Texto: Metais pesados,
sociedade e o meio
ambiente.
Questões elaboradas para
a discussão.
20 minutos
30 minutos
2
a
. aula: Abordagem aos conceitos químicos envolvidos com a tecnologia
apresentada.
Atividade desenvolvida Recursos didáticos Tempo
Atividade 3:
Experimentação em
grupos.
Experimento: adicionar
ácido clorídrico HCl a 10%
em 5 tubos de ensaio até
1/3 do volume de cada um
dos tubos. Em cada um
dos cinco tubos, adicionar
raspas dos seguintes
Material de laboratório:
reagentes e vidraria.
50 minutos
170
metais respectivamente:
magnésio, zinco, ferro,
cobre, alumínio. O objetivo
deste experimento é fazer
com que os alunos
construíssem a escala de
reatividade dos metais.
3
a
. aula: Sistematização dos conceitos químicos com base na experimentação.
Atividade desenvolvida Recursos didáticos Tempo
Atividade 4:
aula expositiva
Conteúdos: Reatividade
química dos metais,
Reações de óxido-
redução, Número de
oxidação, Pilhas.
Quadro
Retroprojetor
Transparências:
Tabela de ddp/
Esquematização de uma
pilha.
50 minutos
4
a
. aula: Retorno à tecnologia e à problemática social.
Atividades desenvolvidas Recursos didáticos Tempo
Atividade 5:
Discussão de dados
coletados pelos alunos
acerca da problemática
social abordada.
Atividade 6:
Elaboração de cartazes
para debate acerca de
possíveis soluções para a
problemática social.
Revistas
Jornais
Internet
Cartazes
Figuras
25 minutos
25 minutos
171
APÊNDICE H – Artigo:
INVESTIGANDO CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE QUÍMICA SOBRE
CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS INTER-RELAÇÕES: UM ESTUDO
PRELIMINAR PARA O DESENVOLVIMENTO DE ABORDAGENS CTS EM SALA
DE AULA
Ruth do Nascimento Firme
1
Edenia Maria Ribeiro do Amaral
2
Resumo: O presente estudo teve como objetivo investigar como professores de química
compreendem ciência, tecnologia, sociedade e as inter-relações CTS partindo do pressuposto
que tais concepções são importantes para a implementação de abordagens de ensino na
perspectiva CTS. Participaram da pesquisa três professores de química que atuam em escolas
públicas de PE. A metodologia envolveu atividades como entrevistas individuais e encontros
com os professores. A análise dos resultados revelou algumas concepções que não seriam
compatíveis com a proposta didática numa perspectiva CTS. Isto apontou para a necessidade
de um maior envolvimento dos professores na discussão e elaboração de tal proposta. Os
resultados observados mostraram uma tendência de construção de novos posicionamentos dos
professores Dessa forma, podemos considerar que os momentos de discussão que
antecederam a atuação na sala de aula favoreceram uma reflexão e sensibilização dos
professores acerca de aspectos da ciência, tecnologia e sociedade propostos pela perspectiva
de ensino CTS.
Palavras-chave: concepções docentes; ciência, tecnologia, sociedade.
Abstract: This work aimed to investigate how chemistry teachers understand Science,
Technology, Society and relationships among them, taking into account these teachers’
conceptions are important to implement approaches for science teaching in a CTS perspective.
Three teachers of chemistry from different public schools were involved in this research.
Individual interviews were performed with teachers e their conceptions also were analysed
from discussions in a workshop. Data analysis revealed some teachers’ conceptions seem not
be compatible with those required for CTS approach. This showed that is crucial to involve
teachers in the elaboration of this didactical propose. In the workshop, discussions pointed out
a tendency for construction of new ideas by teachers. We considered process of discussion
involving researchers and teachers before planning action in classroom has improved
reflexion and perception on aspects related to Science, Technology and Society such as
required in a CTS perspective for science teaching.
Key words: teachers’ conceptions; science, technology, society.
___________________________________________________________________________
1
Mestranda em Ensino das Ciências pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e
Professora da Rede Pública de Ensino do Estado de Pernambuco, Brasil.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências da
Universidade Federal Rural de Pernambuco.
172
Introdução
Neste trabalho, partimos do pressuposto de que uma efetiva implementação de abordagens
CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) apresenta estreita relação com concepções docentes sobre
ciência, tecnologia e sociedade e suas inter-relações. Dessa forma, consideramos que é
fundamental fazer um levantamento dessas concepções junto a professores de química e
promover discussão e reflexão sobre aspectos centrais da ciência, tecnologia, e da sociedade
na perspectiva de ensino CTS, como uma etapa inicial para o desenvolvimento de abordagens
CTS nas salas de aula desses professores.
Na Educação em Ciências encontramos diversos trabalhos que apresentam propostas para o
ensino a partir de uma orientação curricular CTS. Para Martins (2003), na orientação CTS são
tratadas problemáticas sócio-ambientais a partir da seleção de conceitos da ciência e da
tecnologia pertinentes, e são levantadas questões sobre as implicações sociais do
desenvolvimento científico e tecnológico. De uma forma geral, as propostas de ensino nessa
perspectiva incluem uma abordagem de conceitos científicos articulados a questões
tecnológicas e sociais, promovendo ampla discussão em sala de aula. Elas são oriundas de um
movimento em escala internacional que busca discutir de forma crítica as inter-relações entre
ciência, tecnologia e sociedade o Movimento CTS. Em resumo, o Movimento CTS tem
como base a constatação de que o desenvolvimento da ciência e da tecnologia não
necessariamente apresenta uma relação linear e automática com o bem-estar social. Dessa
forma, a ciência e a tecnologia tornaram-se alvos de um olhar mais crítico (AULER e
BAZZO, 2001).
As implicações desse movimento no ensino de Ciências podem ser verificadas a partir da
proposta de incorporação explícita de discussões sobre as relações mútuas entre ciência,
tecnologia e sociedade no processo de ensino-aprendizagem (SILVA, 2000). A partir dessas
discussões pretende-se ressaltar que o impacto da ciência e da tecnologia sobre diversos
setores da sociedade tem fortalecido uma busca de políticas públicas relativas às aplicações do
conhecimento científico e tecnológico e às implicações do desenvolvimento conseqüente
sejam discutidas e decididas com a participação cidadã. Tal postura parece favorecer uma
perspectiva particular para o processo educacional, principalmente no que se refere ao ensino-
aprendizagem das disciplinas científicas. O Movimento CTS inspira uma tendência educativa
que visa promover a alfabetização científica e tecnológica para capacitar as pessoas a
tomarem decisões responsáveis em questões controvertidas relacionadas com a qualidade de
vida de uma sociedade impregnada de ciência e tecnologia (ACEVEDO, 1996a). Dentre os
objetivos educacionais propostos pelo Movimento CTS, o mais apontado pelos pesquisadores
ressalta a formação para a cidadania a partir da capacidade de tomada de decisão e da
participação ativa do indivíduo na sociedade (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). De uma
forma geral, o Movimento CTS postula para o ensino de Ciências uma nova estruturação,
envolvendo orientações relativas aos conteúdos curriculares, que devem incluir as questões
tecnológicas e sociais além das científicas e aos procedimentos de ensino, que deven
promover uma aprendizagem ampla de conceitos científicos aliada à construção de uma
postura cidadã. Diante do desafio proposto, alguns pesquisadores (SANTOS e MORTIMER,
2000; ACEVEDO, 1996b) ressaltam a importância de que sejam trabalhadas concepções de
professores, quando estes estão envolvidos em propostas de ensino na perspectiva CTS.
173
Os professores e a abordagem CTS
As atenções a respeito das atitudes e crenças CTS do professorado vêm sendo cada vez mais
freqüentes. Primeiro, porque o professor não pode ensinar o que não conhece e segundo,
porque as crenças e atitudes sobre as questões CTS influenciam na prática pedagógica do
professor (ACEVEDO, 1996b). Entendemos que para uma efetiva implementação de uma
abordagem CTS, o tratamento das concepções docentes acerca da ciência, da tecnologia e da
sociedade, bem como das inter-relações CTS, constitui o cerne do processo de tal
implementação, haja vista que o professor precisa ter clareza do significado que cada
componente tem nessa proposta de ensino. Nesse sentido, reflexões epistemológicas poderiam
tratar desses aspectos e contribuir para por em questão concepções docentes que
potencialmente se constituiriam como obstáculo para a apropriação e incorporação de uma
orientação CTS nas práticas pedagógicas dos professores (MARTINS, 2003).
Uma perspectiva de ensino com abordagem CTS, supõe uma concepção de ciência que pode
ser considerada numa dimensão social como busca de conhecimentos que sofre influência
tanto da tecnologia - facilitando ou limitando as pesquisas científicas - como da sociedade,
que direciona os rumos dessa ciência. Quanto à concepção de tecnologia, considera que esta
pode envolver diversos tipos de conhecimentos, sofrendo influência tanto da pesquisa
científica - a produção de novos conhecimentos científicos promove mudanças tecnológicas -
como da sociedade, por meio das pressões públicas e necessidades sociais. Esta sociedade
pode ser vista como uma instituição humana que sofre influência da ciência e da tecnologia,
visto que o desenvolvimento científico e tecnológico altera o modo de vida das pessoas na
sociedade (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Tais concepções são de fundamental
importância no desenvolvimento de uma abordagem CTS e por esta razão devemos buscar
incluí-las no planejamento didático com os professores e na discussão em sala de aula.
Concepções docentes identificadas em diversas investigações podem ser consideradas como
não adequadas às tentativas de renovação no ensino de ciências e se constituírem em
obstáculos à implementação de propostas didáticas inovadoras (CACHAPUZ et al, 2005).
Além disso, vale ressaltar que crenças inadequadas do professorado sobre a natureza da
ciência e outros aspectos CTS, muitas vezes advindas das experiências escolar e universitária,
podem ser reproduzidas por professores em suas práticas pedagógicas (ACEVEDO, 1996b).
Consideramos importante que o professor tenha clareza sobre as concepções de ciência,
tecnologia e sociedade que estão implicadas na discussão sobre as interações CTS em sala de
aula. Algumas dessas concepções são discutidas por Solomon (1988 apud SANTOS e
SCHNETZLER, 1997), e apresentadas de forma resumida no quadro 1.
Quadro 1: Concepções de Ciência, Tecnologia e Sociedade
Ciência Produção humana de caráter provisório e incerto.
Tecnologia Processo de produção social: aplicação de diferentes formas de conhecimento
no atendimento das necessidades sociais.
Sociedade Organização social na qual o cidadão tem o poder de influência.
Fonte: adaptado de Solomon (1988) in Santos e Schnetzler (1997)
Consideramos que concepções docentes que não sejam de alguma forma compatíveis com as
idéias gerais apresentadas o quadro 1, podem se constituir como um obstáculo à
implementação de uma abordagem CTS. Um outro aspecto relevante a ser considerado é o
fato de que, a discussão promovida na sala de aula no sentido de construir novas concepções
sobre ciência, tecnologia e sociedade poderá contribuir para minimizar visões não adequadas
174
aos desafios para a educação científica contemporânea. Tais visões muitas vezes implicadas
no ensino de ciências podem se converter em obstáculos para uma maior compreensão da
atividade científica pelos alunos. Dentre outras, podemos destacar: uma concepção de ciência
e tecnologia como socialmente neutras (descontextualizada), uma idéia do avanço da ciência
como linear e acumulativo e, a tendência de ignorar o trabalho coletivo na produção dos
conhecimentos científicos (concepção individualista e elitista) (CACHAPUZ et al, 2005).
Entendemos que um aspecto fundamental para a implementação de novas abordagens de
ensino, por exemplo, a abordagem CTS, diz respeito a um processo de formação de
professores. Santos e Mortimer (2000)
afirmam que de nada adianta inserir mudanças no
currículo sem que se tente promover, de forma articulada, mudanças nas concepções e prática
pedagógica dos professores. Nesse sentido, não somente as concepções discutidas acima são
evidenciadas, mas a própria concepção de ensino que o professor apresenta se torna relevante,
considerando que ela exerce influência na forma como ele atua no processo educativo (ABIB,
1996). Em síntese, aquilo que o professor pensa sobre ciência, tecnologia e sociedade e a
forma como percebe ou não as relações entre elas poderão influenciar a maneira de articular
os conhecimentos químicos e tecnológicos ao contexto social, na sala de aula. Dessa forma,
tivemos neste trabalho como objetivos identificar concepções CTS de professores de química
e promover encontros com esses professores para discutir e refletir sobre possíveis
concepções consideradas não adequadas à perspectiva de ensino CTS, antes de vivenciar a
implementação de uma abordagem CTS em suas sala de aula. Com isso, consideramos estar
iniciando um processo de tomada de consciência do professor sobre as suas próprias
concepções, ressaltando a necessidade de mudanças quando se quer aplicar propostas
didáticas alternativas àquela usualmente praticada.
Metodologia
Este estudo é parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida em uma dissertação de
mestrado que trata de questões relativas à implementação de uma abordagem CTS no ensino
da química. Para este estudo preliminar, a investigação, de natureza qualitativa, envolveu três
professores de química do ensino médio e consistiu em duas etapas. Inicialmente, foram
realizadas entrevistas individuais semi-estruturadas a partir de questões abertas, que buscavam
captar dos professores as suas concepções acerca de ciência, tecnologia e sociedade e das
percepções sobre as relações ciência-tecnologia, ciência-sociedade e tecnologia-sociedade. As
entrevistas tiveram duração de 30 a 40 minutos cada e foram gravadas em áudio. As
gravações foram completamente transcritas e analisadas. Em seguida, os professores foram
convidados a participar de dois encontros, que tiveram como objetivos promover um processo
de discussão e reflexão com os professores sobre aspectos centrais da ciência, tecnologia,
sociedade, propostos pela perspectiva de ensino CTS, e subsidiar a elaboração, pelos
professores de uma intervenção didática com orientação CTS. Nessa perspectiva, os encontros
contribuíram para o questionamento de concepções consideradas não adequadas para uma
abordagem do tipo CTS e que foram identificadas nas entrevistas individuais. Os encontros
com os professores foram realizados em dois dias com duração de quatro horas cada. As
atividades desses encontros foram gravadas em áudio e deo, para posterior transcrição e
análise. De forma resumida, as atividades dos encontros consistiram de leitura, interpretação e
discussão de textos extraídos de literatura específica.
Para a análise das falas dos professores nas entrevistas e nos encontros docentes foi
considerada a perspectiva de discurso proposta por Bakhtin (1992), principalmente no que se
refere ao fato das enunciações fazerem parte de uma cadeia de comunicação. Dessa forma, a
175
análise das concepções dos professores foi feita considerando a entrevista como um todo e
não apenas respostas a eventuais questões colocadas pelo pesquisador. Após a análise da
transcrição, foram escolhidos trechos representativos das entrevistas que foram apresentados
em blocos ilustrativos de um perfil proposto para cada professor. A análise dos encontros foi
feita no sentido de identificar e transcrever das gravações e vídeo, episódios que nos quais
eram apresentadas concepções CTS nas falas dos professores, quando estavam em discussão.
A partir das transcrições foram estabelecidas categorias que denominamos de significações de
ciência, significações de tecnologia, significações de sociedade, e significações das inter-
relações ciência-tecnologia, considerando a emergência das respectivas concepções dos
professores na discussão analisada. Neste trabalho será apresentada a análise feita dos
discursos produzidos durante o primeiro encontro, sendo a mesma organizada em episódios
representativos dos posicionamentos dos professores expressos em turnos de falas. Após a
análise das falas de cada professor, apresentamos um quadro contrastivo entre concepções
iniciais (identificadas no momento das entrevistas individuais) com as concepções
expressadas nos momentos de discussão do referido encontro.
Resultados e Discussões
Nas entrevistas, as respostas dos professores emergiram quando feitas questões do tipo: O que
você pensa sobre ciência? Como você definiria tecnologia? Você poderia apontar algumas
relações entre a ciência e a tecnologia? A tecnologia interfere na vida das pessoas de uma
sociedade? Em sua opinião, sob quais condições a sociedade teria o poder de tomada de
decisão acerca dos avanços científicos e tecnológicos? Alguns trechos da fala dos professores
são apresentados a seguir com o intuito de possibilitar uma melhor compreensão da análise
feita. As respostas serão apresentadas em bloco para cada professor, considerando que no
discurso produzido ao longo da entrevista, muitas vezes, é constituída uma cadeia de idéias
que se superpõem ou se complementam (BAKHTIN, 1992). Para cada professor serão
apresentados inicialmente aspectos da formação e atuação profissional e uma análise
comparativa entre os professores será feita ao final. A seguir serão apresentados trechos das
respostas da professora A.
Professora A: cursou de Química Industrial e Licenciatura em Química e tem vinte anos de
magistério. Atualmente é professora de uma escola pública de Recife e participou de diversos
processos de formação continuada.
Trechos de respostas da professora A
[...] a gente tem que ver que a ciência não é isolada não é? Então a ciência seria um conjunto de
conhecimentos, não é isso? Onde o indivíduo estaria interagindo de forma não estagnada nem
estanque com o mundo. (aspectos relevantes da concepção de ciência)
A tecnologia seria assim... Vamos supor, à medida que a ciência vai se superando a tecnologia vai se
inovando. É porque realmente em termos de conceituar, dizer o que é tecnologia, eu acho, eu não
tenho muito assim, essa questão de dizer com palavras, eu acho que a tecnologia é a busca da
inovação [...] (aspectos relevantes da concepção de tecnologia)
Se a gente for pela etimologia da palavra, sociedade, sociedade a gente reúne o que? Um grupo de
pessoas pode ser, está ligado com a humanidade, com o social, o que envolve um todo, um conjunto.
Vamos supor, quando a gente diz assim, ah, preparar o indivíduo para ser um cidadão, para ser um
ser social, a sociedade para você participar dela você tem que interagir, você tem que ser ativo,
participativo, e para que você possa participar desse social você também vai ter que se desenvolver,
não é? (aspectos relevantes da concepção de sociedade)
176
Eu acho que primeiro a ciência tem que desenvolver. Vamos supor, se eu quero fabricar um foguete,
eu preciso de uma tecnologia para desenvolver esse foguete. [...] vou me basear em que? No
desenvolvimento da ciência. Fazer uma pesquisa vai ter que ter um ponto de partida. (aspectos
relevantes da concepção sobre as inter-relações ciência-tecnologia)
Eu acho que a ciência está presente na sociedade, agora a sociedade não consegue ver que ali está
inserida a ciência. Não sei se você entendeu o que eu quero dizer, ou seja, eles ainda não despertaram
para o olhar que estar em volta dela...
(Em outro momento da entrevista foi questionado se a ciência tem influência sobre a sociedade)
Depende... Porque quando você vê, é quando você diz a sociedade, cada sociedade tem a sua
cultura... Vamos supor, se eu tiver numa sociedade indígena, será que a ciência vai influir dentro
dessa sociedade? Eu acho que depende do tipo de sociedade que você esinserida. Eu não sei se
você entendeu, mas eu imagino assim. Você que a ciência vai interferir a partir da hora que
você vê o significado, porque qual o significado da ciência para o índio?
(Quanto à influência que a pesquisa científica pode sofrer de fatores externos)
Com certeza. Eu acho que um dos fatores que a gente que pesa muito é a questão econômica. A
questão econômica tem falado bem mais alto não é? (aspectos relevantes da concepção sobre as
inter-relações ciência-sociedade)
Eu acho que muda até as condições de vida de cada um. Deixa eu começar a pensar. Quando a gente
fala de tecnologia pensa de máquina, mas a tecnologia está envolvida em tudo. Hoje em dia, tudo
precisa de tecnologia. Então vamos supor: eu gosto muito de falar com meus alunos a questão da
alimentação. O hábito alimentar. O desenvolvimento tecnológico vive mudando o hábito alimentar da
gente.
(Em outro momento da entrevista foi questionada a relação da sociedade com a tecnologia)
Eu acho que são as necessidades de uma sociedade que fazem com que se busquem novas tecnologias.
(aspectos relevantes da concepção sobre as inter-relações tecnologia-sociedade)
Em nossa análise, consideramos que a professora A parece compreender a ciência como um
conjunto de conhecimentos que não se constituem de forma isolada nem estagnada e que esse
conjunto de conhecimentos proporciona uma interação dinâmica dos indivíduos com o
mundo. Entendemos que essa concepção da professora acerca da ciência poderá corresponder
de certa forma à compreensão de uma ciência como produção humana, a qual possibilita a
leitura do mundo pelo homem e para o homem. Com relação à compreensão da professora
sobre tecnologia, percebemos certa dificuldade de expressão das idéias em palavras e na
tentativa de elaborar uma definição ela expressa uma compreensão da tecnologia como busca
de inovação, que poderia ser considerada associada ao desenvolvimento de produtos
tecnológicos a partir do conhecimento científico. Isso fica mais claro quando a professora se
refere aos hábitos alimentares em uma resposta posterior. A sociedade para a professora A se
caracteriza por um grupo de pessoas que busca participação, identidade cultural e
desenvolvimento dentro da mesma. Na definição não aparecem explicitamente como
constituintes dessa sociedade, possíveis grupos que exercem pressão sobre o desenvolvimento
científico, citado em resposta posterior.
Quanto às percepções acerca das interações CTS, observamos que na relação ciência-
tecnologia, a professora A entende a ciência como determinante para a tecnologia. Em
nenhum momento foi explicitada uma compreensão por parte da professora de que a
tecnologia pode exercer influência sobre a ciência ao limitar ou possibilitar o
desenvolvimento de novas pesquisas científicas. Consideramos que essa visão apresenta a
tecnologia como aplicação dos conhecimentos científicos e essa idéia da tecnologia como
subproduto dos conhecimentos científicos pode reforçar uma percepção que supervaloriza a
177
ciência em detrimento da tecnologia. Essa forma de conceber a relação ciência-tecnologia
pode ser resultado de pouco esclarecimento acerca das influências mútuas exercidas entre a
ciência e a tecnologia. Tal postura, para Cachapuz et al (2005), poderá promover no âmbito
do ensino das disciplinas científicas uma concepção descontextualizada sobre a tecnologia.
A relação ciência-sociedade é percebida pela professora A nos dois sentidos: no primeiro, a
ciência exerce efeito sobre algumas sociedades se estas possuem uma percepção de que a
mesma se faz presente na vida das pessoas e, no segundo, na sociedade, alguns grupos
específicos (econômicos) podem exercer influência no direcionamento de pesquisas
científicas. A professora A admite que a ciência não influencie alguns tipos de sociedade, por
exemplo, a indígena. Entretanto, ela não expressa idéias que apontem claramente para a
possibilidade de que a sociedade, formada por cidadãos comuns, possa exercer influência
sobre a ciência. Este fato nos permite salientar que numa perspectiva de ensino com
abordagem CTS, a sociedade é concebida como uma organização social na qual os cidadãos
devem intervir em questões sociais relacionadas com os aspectos científicos (SANTOS e
SCHNETZLER, 1997).
Finalmente, com relação à interação tecnologia-sociedade, a professora A compreende essa
interação tanto por expressar que a tecnologia está presente em todos os âmbitos da sociedade
contemporânea, como por entender que os avanços tecnológicos partem das necessidades que
a sociedade apresenta. Consideramos que a percepção da professora condiz com aqueles
propostos na abordagem CTS, discutidos por Santos e Schnetzler (1997), os quais indicam
que a tecnologia influencia na forma de vida de uma sociedade e que as necessidades dessa
sociedade podem promover mudanças tecnológicas.
De um modo geral, consideramos que a professora A expressou uma concepção de ciência
mais próxima de uma perspectiva de produção humana, que precede, subsidia e fundamenta
os avanços tecnológicos. No entanto, vale ressaltar que a mesma não faz menção sobre uma
possibilidade de a tecnologia produzir conhecimentos próprios em contextos específicos
(CACHAPUZ et al, 2005). Com relação à concepção de sociedade, ela considera que a
mesma pode ou não sofrer influência dos conhecimentos científicos, ou seja, grupos sociais
que não têm acesso a esses conhecimentos, e também cidadãos comuns na sua maioria
parecem não ter participação no direcionamento dos rumos da ciência e da tecnologia. A
concepção de tecnologia apresentada como uma busca de inovação que parte das necessidades
de uma sociedade e que promove mudanças nas condições de vida dessa sociedade faz
emergir questões relativas ao pequeno percentual de cidadãos que possuem acesso à
tecnologia. Além disso, pode ser questionada a ausência de considerações sobre o setor da
sociedade do qual partem as necessidades, as quais prioritariamente determinariam o avanço
tecnológico. Tais fatos não são enfatizados nas respostas da professora, mas poderiam ser
discutidos em sala de aula. Em resumo, dentre outros, aspectos sobre a influência do cidadão
comum no desenvolvimento científico e tecnológico e a abrangência social desse
desenvolvimento podem ser discutidos com essa professora no planejamento de uma
abordagem CTS para a sua sala de aula. Nesse sentido, também pode ser evidenciado que a
formação do aluno na perspectiva da cidadania lhe reveste de certo poder de transformação do
seu contexto social.
Professor B: cursou Licenciatura em Química e tem sete anos de magistério, leciona em
escolas públicas e particulares de Recife e está participando pela primeira vez de um processo
de formação continuada.
178
Trechos das respostas do professor B
A ciência é na realidade um conjunto de informações que norteiam ou tentam exemplificar,
caracterizar e responder as várias considerações do momento, do momento presente, que poderão ser
as mesmas no futuro próximo ou não. (aspectos relevantes da concepção de ciência)
Bom, é um conjunto de instrumentos, que vai dar suporte para resolver determinado tipo de situação.
(aspectos relevantes da concepção de tecnologia)
Bom. Sociedade é na realidade um conjunto de seres, que representam leis, regras, é... o fato de
estar em grupo, pelo menos para mim, caracteriza uma sociedade. É basicamente isso. (aspectos
relevantes da concepção de sociedade)
(Em outro momento da entrevista foi questionado se a tecnologia tem influência sobre a ciência)
Eu acredito que as duas vivem de mãos juntas, mas acredito que a ciência concreta vem antes.
Bom, acredito que sim. À medida que as novas tecnologias chegam, o homem percebe que consegue
resolver outros tipos de situações. (aspectos relevantes da concepção sobre inter-relações ciência-
tecnologia)
Muitas informações da ciência em termos da sua aplicabilidade nos remetem a uma considerável
integração entre a ciência e a sociedade. O fato dos conceitos científicos, por exemplo, o uso desses
conceitos na medicina nuclear. Existe um aparelho que faz o exame ressonância magnética e que
consegue identificar tumores ou algum tipo de mal específico no corpo.
(Em outro momento da entrevista foi questionado se a ciência pode ser influenciada por fatores
externos) Muito, bastante. É..., na realidade a ciência virou comércio. Hoje você tem vários grupos
que trabalham muitas vezes para um determinado órgão.... Esses grupos determinam através de suas
conveniências o que deve ser pesquisado, como pesquisar e de que forma aplicar. (aspectos
relevantes da concepção sobre inter-relações ciência-sociedade)
A tecnologia interfere bastante na vida das pessoas de uma sociedade. E interfere de duas formas. Eu
acredito que ela consegue incluir através de seus determinados usos, mas também consegue excluir.
Infelizmente no nosso caso, no nosso país... a tecnologia tanto gera grupos que a utilizam como
grupos que são excluídos.
(Em seguida foi solicitado ao professor um exemplo da interferência da tecnologia na vida das
pessoas) Algum tempo atrás vivíamos sem celular. Hoje infelizmente não conseguimos viver sem o uso
do celular.
(Em outro momento da entrevista foi questionado sob quais condições a sociedade teria o poder de
tomada de decisão acerca dos avanços tecnológicos)
Eu acredito que a sociedade precisa de certa forma determinar, através de leis específicas, que o
avanço tecnológico seja em benefício de todos e não de determinados grupos. (aspectos relevantes
da concepção sobre inter-relações tecnologia-sociedade)
Para o professor B, a ciência se apresenta como um conjunto de informações que busca
responder às questões relevantes da vida do homem em diferentes períodos. Nesse sentido,
entendemos que o professor parece expressar uma concepção na qual cabe à ciência uma
produção intelectual capaz de dar respostas aos questionamentos humanos. Entretanto não
percebemos na fala do professor que tais questionamentos podem incluir uma dimensão
social, ou seja, a busca de conhecimentos levando em consideração questões sociais, aspecto
importante em uma abordagem CTS (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Além disso, não
fica explícito que é o próprio homem quem produz tais conhecimentos científicos. Ao tentar
definir tecnologia e sociedade, o professor apresentou respostas sucintas que foram mais
desenvolvidas quando buscou explicar interações entre elas. Tal como a professora A, a
concepção de tecnologia revelada pelo professor B está associada a uma dimensão da técnica
instrumental. Entendemos que essa visão sugere uma tecnologia unicamente de caráter
179
operacional, não tendo sido explicitada alguma relação com a produção de conhecimento.
Alguma menção nesse sentido aparece de forma tímida em resposta posterior. O professor
expressou uma compreensão geral sobre a sociedade como qualquer agrupamento de pessoas
que se organiza em termos de regras e leis.
Quanto às percepções acerca das interações CTS, verificamos que o professor B expressou
uma compreensão de que ciência e tecnologia andam juntas, mas entende que o conhecimento
científico precede ao desenvolvimento tecnológico. Tal entendimento pode contribuir
involuntariamente para difundir no ensino das disciplinas científicas uma concepção elitista e
individualista de ciência que considera a tecnologia numa perspectiva puramente operativista
(CACHAPUZ et al, 2005). No entanto, o professor expressou um entendimento de que a
tecnologia amplia os avanços da pesquisa científica. Com relação à interação entre ciência e
sociedade, o professor B expressou a concepção de que a ciência promove efeitos sobre a
sociedade no que se refere à sua aplicabilidade. E apresentou a compreensão de que grupos
externos à comunidade científica interferem nos rumos da ciência, sendo que, mais uma vez a
participação do cidadão comum não foi evidenciada. Entretanto, o professor ressaltou que a
possibilidade de uma intervenção mais ampla da sociedade nas questões relativas à ciência,
estaria relacionada com informações significantes oferecidas à população, ou seja, por meio
do processo educativo. Nesse sentido, é ressaltada a importância da educação para o incentivo
à participação social nas tomadas de decisão relativas ao desenvolvimento científico. Em
outras palavras, o professor parece entender que os alunos precisam ter consciência do poder
de influência que os mesmos têm como cidadãos de uma sociedade (SANTOS e
SCHNETZLER, 1997). Com relação à interação entre tecnologia e sociedade, o professor
expressa claramente que a tecnologia influencia a forma de vida das pessoas, entretanto,
compreende que a sociedade terá condições de participar na tomada de decisões acerca de
questões tecnológicas se forem estabelecidas leis que possibilitem tal participação. Vale
salientar que o professor evidencia os processos exclusivos promovidos por um
desenvolvimento tecnológico restrito a certas camadas sociais. Diante disso, percebemos que
o mesmo compreende a relação tecnologia-sociedade considerando que a influência
tecnológica numa sociedade tem duas faces: a inclusão e a exclusão social.
De um modo geral, o professor B apresentou uma concepção de ciência como busca de
respostas para as questões atuais, reconhecendo que ela exerce influência sobre a sociedade
através da aplicação dos conhecimentos científicos e tem primazia sobre a tecnologia. A
tecnologia, segundo o professor, pode contribuir para ampliar o desenvolvimento científico e
interfere na vida de alguns grupos sociais, não estando disponível de forma ampla para todos
os cidadãos. A sociedade é um grupo de pessoas que sofre influência do desenvolvimento
científico e tecnológico, porém ainda não apresenta uma participação ampla e efetiva na
tomada de decisão considerando o contexto das questões científicas e tecnológicas. A partir
das respostas do professor B. no planejamento didático, um dos pontos a serem enfatizados
seria a idéia de ciência como uma construção humana e como tal, suscetível às influências da
sociedade na proposição de seus modelos explicativos e teorias. E a tecnologia como
produtora de conhecimento próprio, não necessariamente como aplicação dos conhecimentos
científicos, está presente de alguma forma na vida de todo o cidadão.
PROFESSORA C: cursou Licenciatura Plena em Ciências com habilitação em Química e tem
dezessete anos de prática docente, atualmente é professora de uma escola pública do Recife e
participou de diversos programas de formação continuada.
180
Trechos das respostas da professora C
Ciência é um conjunto de conhecimentos que tem aplicabilidade prática. [...] condiz com a realidade
do hoje, do agora, porque daqui a dez anos pode ser diferente. [...] Que pode ser modificada mais
tarde. É isso que eu digo aos meus alunos, nada tá pronto, nada tá acabado. (aspectos relevantes da
concepção de ciência)
Olha, a tecnologia é o quê? É a aplicação do conhecimento no fazer, não é? É o conhecimento da
ciência no fazer, no aplicar e que isso promova um bem comum, tal como televisor, telefone,
rádio.(aspectos relevantes da concepção de tecnologia)
Sociedade é um povo que vive numa comunidade, sofrendo interferências de outras comunidades.
Ninguém nunca está só, você nunca é só. [...] tem as comunidades científicas formadas pelos
cientistas, as comunidades dos dentistas, os odontólogos, a comunidade dos professores, que é
outra coisa também, não é? (aspectos relevantes da concepção de sociedade)
Eu acho que uma não sobrevive sem a outra. Porque de onde vem a tecnologia? Vem da ciência, e
quando não vem a tecnologia faz a ciência dela.
(Em outro momento da entrevista foi questionado se a tecnologia influencia na ciência)
A tecnologia? Sim, claro. Ela melhora não é? Num experimento, por exemplo, você tem a ciência e
quer comprová-la, você usa a tecnologia como meio. (aspectos relevantes da concepção sobre
inter-relações ciência-tecnologia)
Na prática existe uma relação entre a ciência e a sociedade. Mas a gente acha que não. Que a ciência
está longe. [...] Mas ela (a ciência) está junto da gente, porque se não tivesse, como teríamos
remédios, cosméticos, tecidos, novos adubos.
(Em outro momento da entrevista foi questionado se a ciência sofre influência de fatores externos)
Com certeza. O poder, o dinheiro. Os fatores externos como o econômico, o social, influenciam a
pesquisa científica.
(Em seguida, foi questionado se a sociedade deve interferir nos rumos da pesquisa científica)
Não, eu acho que a sociedade não deve interferir de jeito nenhum na pesquisa científica, pois nunca
vai se chegar a um consenso. (aspectos relevantes da concepção sobre inter-relações ciência-
sociedade)
(Em outro momento da entrevista foi solicitado que a professora identificasse alguma relação entre a
sociedade e a tecnologia)
Assistir televisão, o telefone, que mais..., o nosso tipo de alimentação, pois estão os alimentos
irradiados, as frutas, verduras protegidas para durarem mais, os remédios, os cosméticos.
Antigamente, quando se tinha um dente com cárie fazia arrancar esse dente, hoje (devido à
tecnologia) o dente estragado pode ser refeito. (aspectos relevantes da concepção sobre inter-
relações tecnologia-sociedade)
A professora C revela uma concepção de ciência como um conjunto de conhecimentos que
estaria associado ao contexto sócio-histórico no qual é produzido. Da análise de suas
respostas, percebemos duas características da ciência: a aplicabilidade do conhecimento
científico e a transformação desse conhecimento ao longo dos anos. Entendemos que a
professora expressa uma concepção não dogmática de ciência, ou seja, a mesma não se
constitui de verdades e certezas absolutas. Entretanto, consideramos importante ressaltar que
não menção sobre como a professora concebe a transformação dos conhecimentos
científicos ao longo da história. Nesse sentido, seria importante que não se configurasse uma
imagem de ciência como produto do acúmulo linear do conhecimento (CACHAPUZ et al,
2005), pois tal visão pode desfavorecer uma postura crítica e ativa no processo de
desenvolvimento científico da sociedade, uma vez que não seriam evidenciadas possíveis
rupturas e redirecionamentos em tal processo. Nessa perspectiva, a idéia de ciência como
181
construção humana parece ficar prejudicada. A professora C apresenta uma postura
predominantemente otimista frente ao que é produzido pela ciência, sendo citadas aplicações
em benefício do homem, sem mencionar possíveis prejuízos que podem advir do mau uso do
conhecimento científico. Isso pode resultar na idéia de que é desnecessária a intervenção da
sociedade, o que fica mais claro em respostas posteriores. A professora concebe a tecnologia
como a aplicação do conhecimento científico com vistas ao bem comum, e expressa idéias
que associam o desenvolvimento tecnológico ao atendimento das necessidades sociais
(SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Parece compreender também que em situações
específicas a tecnologia pode gerar conhecimentos próprios (CACHAPUZ et al, 2005).
Quanto à sociedade, a professora C a compreende como um todo formado por estratos
específicos, que desempenham diferentes funções. Essa percepção sobre as divisões sociais
principalmente marcadas pelas atividades exercidas pelos cidadãos parece dificultar a visão
mais ampla de uma sociedade formada por cidadãos comuns que podem exercer influência e
tomar decisões em problemas sociais concretos.
Com relação às interações CTS, a professora C apresenta uma compreensão da
interdependência entre a ciência e a tecnologia, pois expressa idéias de que a tecnologia
advém da ciência e os instrumentos tecnológicos influenciam de forma positiva no avanço da
pesquisa científica. Mais uma vez prevalece uma visão otimista do progresso científico e
tecnológico. A relação ciência-sociedade é concebida pela professora C a partir da
aplicabilidade dos conhecimentos científicos na sociedade e pela percepção de que fatores
externos influenciam o desenvolvimento da pesquisa científica. Porém a professora não
admite a possibilidade de a sociedade interferir no rumo das pesquisas científicas. No entanto,
percebemos que essa postura pode estar focada na dificuldade de construir tal participação,
considerando que seria impossível (“nunca”) chegar a consensos e não como uma idéia de
que a uma sociedade passa ao largo da produção científica. A partir de tal posicionamento,
podemos apontar para a importância de se discutir com a professora C que tipo de
participação se pretende construir com uma formação cidadã, a partir de uma abordagem CTS
em sala de aula. Com relação à interação entre tecnologia e sociedade, a professora percebe
essa interação quando considera que a sociedade usufrui da tecnologia e que o consumo de
produtos pela sociedade estimula determinados avanços tecnológicos. Mais uma vez, isto nos
leva a considerar que a concepção da professora acerca da participação da sociedade, no
desenvolvimento científico e tecnológico no qual está imersa, resume-se a uma perspectiva
mais pragmática e utilitária dos produtos gerados pela tecnologia.
De um modo geral, a professora C parece apresentar uma concepção otimista e até certo ponto
ingênua de ciência, como um conjunto de conhecimentos que podem ser aplicados para a
produção de melhores condições de vida para a sociedade. Apresentou concepções nas quais a
ciência e a tecnologia são consideradas interdependentes na produção de conhecimentos, e
que interferem na sociedade pela necessidade do consumo de produtos e estímulo a novas
pesquisas. Por outro lado, a professora não concebe a possibilidade da participação social na
tomada de decisões a respeito das questões sobre a ciência. O perfil da professora C aponta
algumas possibilidades de discussão e, dentre elas destacamos: aspectos do desenvolvimento
científico e tecnológico que prejudicam a qualidade da vida na terra (degradação do ambiente,
promoção de guerras, etc.); e a necessidade de que a sociedade, pensada de forma mais ampla
(todos os seus segmentos) exerça um controle sobre a produção científica e tecnológica, no
sentido de garantir o respeito aos direitos mais essenciais do ser humano e a
preservação/conservação da natureza.
Em síntese, consideramos que as concepções apresentadas pelos professores e mostradas
acima abrem possibilidades de discussão no processo de elaboração de propostas de
182
abordagens CTS, tais como: fortalecimento da idéia de ciência como uma construção humana,
suscetível às influências da sociedade e como uma das formas de interpretação do mundo; a
construção de uma visão menos instrumental e mais influente da tecnologia no que se refere à
produção do conhecimento científico, buscando evidenciar as formas como caminham juntas
ciência e tecnologia; e finalmente, uma visão de sociedade não somente consumidora, mas
intrinsecamente participante na produção da ciência e tecnologia, estando o seu poder de ação
tanto no âmbito dos grupos de maior influência social como ao alcance do cidadão comum
organizado e consciente. Com relação a este último, a formação cidadã seria um caminho de
conscientização de alunos e professores sobre a força social que possuem. Essas sugestões de
discussão que emergiram da análise das respostas do professores nas entrevistas foram
incluídas nos encontros com os professores para promover uma reflexão e subsidiar o
planejamento de uma abordagem CTS nas suas salas de aula. A seguir será apresentada a
análise das discussões que ocorreram no primeiro encontro docente que está organizada em
categorias de análise, conforme mencionado anteriormente na metodologia.
Uma primeira análise da discussão foi feita com relação ao momento em que cada professor
foi solicitado a se posicionar a partir da leitura da seguinte citação: “Como empreendimento
humano, a Ciência é falível; ela pode degenerar ou pode responder às supremas aspirações
dos homens. Como parte da sociedade, a Ciência também está aberta a influências externas;
como qualquer atividade social, pode ser bem ou mal usada (KNELLER, 1980, p. 9)”. O
episódio 1 é representativo do momento no qual os professores expressam concepções sobre a
ciência a partir da citação.
EPISÓDIO 1: Expressões dos professores que representam Significações de ciência
1. Professora A: A ciência hoje busca investigar e explicar situações envolvendo a sociedade e a
tecnologia. Portanto deve estar aberta para ajudar a suprir as necessidades de
uma sociedade de forma consciente. Isto é como eu vejo a ciência hoje, antes eu
via a ciência como se ela estivesse numa redoma de vidro e que as coisas
poderiam ser explicadas a partir dela. [...] Mas hoje, ela está saindo dessa
redoma e está buscando, através da sociedade, essa explicação.
2. Professor B: Você concorda ou não concorda com o texto?
3. Professora A: O que eu quis dizer foi isso. Que a ciência é falível é, não é? Por isso que eu
disse que busca investigar, [...]. Eu concordo parcialmente com o texto.
4. Professor B: Eu concordo na íntegra. Porque eu acredito numa ciência como instrumento de
desenvolvimento humano, e como tal, fica a critério de quem vai fazer uso de
suas atribuições. Vai ser utilizada para o bem ou para o mal.
5. Professora C: Eu concordo também. Realmente, a ciência pode sofrer influências externas
profundas, porque pode ser usada para o bem ou para o mal. São tantos os
exemplos que o desenvolvimento da ciência foi muito mal usado como
empreendimento humano, tais como: os explosivos, aviação voltados para
guerra, agrotóxicos etc. Contudo trouxe tantos outros benefícios como remédios,
cosméticos, vacinas etc. Quem faz uso para o bem ou para o mal da ciência é o
homem. A ciência em si não faz malefícios.
6. Professor B: Ela é um instrumento.
7. Professora C: Exatamente. O homem é que não tem muito bom senso.
Ao analisarmos as falas dos professores, percebemos que os mesmos apresentam concepções
de ciência como um conjunto de idéias que não é absoluto e que pode ter aplicações benéficas
ou maléficas, apesar de haver alguma relutância com este tipo de postura (turnos 3, 5 e 7). As
expressões docentes parecem revelar uma concepção de ciência gerada num meio social
183
(FREIRE-MAIA, 2000) e neste caso, sofre influência de fatores que constituem a cultura da
qual faz parte, tendo a mesma um poder relativo (turno 6).
De um modo geral, observamos que no discurso da professora A, permaneceu a concepção de
ciência com caráter social revelada na entrevista. No entanto, a pesar do reconhecimento de
uma mudança de postura (turno 1), a professora parece ainda relutar para se posicionar sobre
a falibilidade da ciência (turno 3). Na fala do professor B, percebemos novos posicionamentos
relativos à concepção anteriormente colocada para a ciência (turno 4), uma vez que esse
professor mostrou indícios da percepção do envolvimento da ciência com as necessidades
sociais da humanidade. Com relação à professora C, percebemos novos posicionamentos em
sua concepção de ciência uma vez que na entrevista, apresentou a ciência como um conjunto
de conhecimentos com aplicabilidade prática para melhorar a vida das pessoas. E agora, no
discurso produzido coletivamente a partir de uma citação, manifestou uma concepção de
ciência mais aberta às influências externas que podem acarretar problemas para as pessoas
(turnos 5 e 7).
Entendemos que as significações de ciência expressadas pelos professores nos encontros
docentes parecem caminhar em uma direção que se torna mais próxima daquela considerada
como adequada para a implementação de uma abordagem CTS em suas salas de aulas. No
entanto, um ponto importante a ser colocado diz respeito ao fato de haver uma tendência do
grupo a concordar com o que está dito no texto, provavelmente por reconhecer a competência
do autor no assunto. Por esta razão não seria possível interpretar os novos posicionamentos
como uma mudança de concepção, mas como o resultado de uma reflexão feita naquele
momento e que pode vir a promover mudanças na visão de ciência.
A segunda análise da discussão foi feita com relação ao momento em que cada professor foi
solicitado a se posicionar a partir da leitura da seguinte citação: “Uma tecnologia, portanto,
não é somente um conjunto de elementos materiais, mas também um sistema social. Certos
aparelhos, aliás, podem se tornar absolutamente inúteis nos países em desenvolvimento que
não possuem as infra-estruturas sociais e culturais que lhes implicam” (FOUREZ, 1995, p.
218). O episódio 2 representa o momento em que os professores expressam concepções sobre
a tecnologia a partir da citação.
EPISÓDIO 2: Expressões dos professores que representam Significações de tecnologia
1. Professor B: Para mim foi difícil de compreender, no sentido do grau de complexidade (a
frase). E logo no início do texto eu achava que concordava parcialmente e no
final do texto concordo plenamente. Para mim, a tecnologia e suas aplicações
devem nortear características da sociedade inserida. Baseado neste contexto,
quando você diz que “a tecnologia não é somente um conjunto de elementos
materiais”. Perfeito. [...] acredito que a tecnologia não é somente um conjunto
de elementos materiais, mas é um sistema social. É dessa forma que eu encaro
também. Agora, “certos aparelhos podem se tornar absolutamente inúteis nos
países em desenvolvimento que não possuem as infra-estruturas sociais e
culturais que lhes implicam”, vai depender, vai depender das suas estruturas e
das suas tecnologias e a sua aplicação, pois elas devem caminhar com as
características daquela sociedade em que ela está inserida. Por exemplo, um
país muito desenvolvido tecnologicamente, a maioria do produto tecnológico
gerado vai acarretar num bem estar da grande maioria da população. Diferente
do que acontece no nosso país, a gente tem desenvolvimento tecnológico e esse
pouco beneficia apenas uma minoria. Então eu concordo com a citação de forma
parcial.
2. Professora C: Eu concordo certo. Quando li esse texto eu pensei na África e pensei no Brasil.
184
Veja bem, concordo com o texto. Dependendo do desenvolvimento da sociedade,
a tecnologia pode ser útil e necessária, ou ser completamente desnecessária. É o
contexto da sociedade que vai direcionar.
3. Professora A: Eu coloquei assim. Não basta o ter, mas o ser. Eu posso importar a tecnologia,
mas que não vai me atender por falta de preparo. Cada sociedade deve
desenvolver a sua tecnologia de acordo com as suas necessidades. Para se
chegar a isso é preciso não só ter, mas também ser.
Da análise das idéias apresentadas pelos professores, percebemos que o professor B parece
não ter compreendido bem a relação entre tecnologia e sociedade proposta pelo autor na frase
e isso pode ser percebido na sua fala que busca traduzir as palavras expressas pelo autor
(turno 1). As professoras A e C parecem ter compreendido e concordado com a afirmação
posta (turnos 2 e 3): a tecnologia é um processo social uma vez que pode ser considerada
como um empreendimento humano que consiste em satisfazer necessidades humanas. Ou
seja, a tecnologia deve surgir das demandas que a sociedade tem e nesse sentido se torna
dependente das condições em que esta sociedade vive. Nesse sentido, parece não haver a
percepção do fato que a tecnologia pode independentemente de uma demanda social explícita
influenciar nas formas de vida e organização social.
No confronto com as concepções reveladas nas entrevistas individuais, observamos que na
fala da professora A permaneceu a idéia de que a tecnologia parte das necessidades de uma
sociedade (turno 3). Com relação ao professor B, percebemos um posicionamento diferente
em seu discurso, de uma concepção de tecnologia numa perspectiva mais instrumental tenta
se apropriar de uma concepção de tecnologia como sistema social e dessa forma, também
cultural (turno 1). A professora C também nos revelou um novo posicionamento acerca da
concepção de tecnologia ao situar a tecnologia no contexto das necessidades de uma
sociedade (turno 2), move-se da percepção da tecnologia como aplicação do conhecimento
científico para uma concepção de tecnologia que advém também de uma dimensão social. Os
professores parecem ter percebido dimensões da tecnologia que antes não haviam refletido.
Dessa forma, os encontros parecem ter oportunizado uma ampliação da perspectiva colocada
na entrevista.
O terceiro episódio analisado se refere a discussão feita com relação ao momento em que cada
professor foi solicitado a se posicionar a partir da leitura da seguinte citação: “Em definitivo,
a participação dos cidadãos na tomada de decisão é hoje um fato positivo, uma garantia de
aplicação do princípio de precaução, que se apóia numa crescente sensibilidade social face às
implicações do desenvolvimento tecno-científico que pode comportar riscos para as pessoas
ou para o ambiente” (CACHAPUZ et al, 2005, p. 28). O episódio 3 é representativo do
momento em que os professores expressam concepções de sociedade a partir da citação.
EPISÓDIO 3: Expressões dos professores que representam Significações de sociedade
1. Professora C: A socialização do desenvolvimento técnico-científico traz melhorias de vida
para a sociedade participante.
2. Professora A: Agora eu vou dizer por que eu concordo com a citação. É importante a
formação do ser crítico e participativo, buscando soluções que possam ajudar
na aplicabilidade, minimizando danos atrelados ao desenvolvimento
tecnológico.
3. Professora C: Justamente.
4. Professora A: É esse ser crítico e participativo que vai minimizar. Você não tem como
impedir, mas tem como minimizar, reinvidicar. Vamos supor: você mora de um
lado de uma indústria que está colocando resíduo industrial, eu sei dos danos
que isso pode causar ao meio ambiente, então eu vou me mobilizar. Então eu
185
acho que isso vai minimizar e não acabar.
5. Professor B: Talvez porque tu tenhas analisado o texto de forma bem geral. Eu fui muito
restrito na minha análise, eu pensei em termos de Brasil. Por isso que não
concordo. Pois não percebo no Brasil que as tomadas de decisão são dos
cidadãos. Muito pelo contrário, hoje o nosso desenvolvimento tecnológico vem
atendendo a uma minoria a qual toma as decisões em nosso país.
6. Professora C: Está corretíssimo.
7. Professor B: Foi assim que eu analisei, para o nosso país.
8. Professora A: eu me voltei para o nosso papel como professor e que participamos dessa
mudança e estamos inseridos nisso.
9. Professor B: E de que forma tu consegues diferenciar o papel do cidadão do papel de
professora?
10. Professora A: Justamente, a forma como você vai trabalhar com seus alunos.
11. Professor B: Eu pensei de forma geral. Cidadão independente da profissão [...]
(Nesse momento, a pesquisadora lê novamente a citação para os professores. E um novo momento de
discussão se inicia)
12. Professor B: Que tomada de decisão é essa que não ficou claro?
13. Pesquisadora: Por exemplo: se você vai num supermercado e tem a opção de comprar dois
produtos. Ao ler o tulo dos dois você poderá optar pelo produto que não
traga prejuízos ao meio ambiente.
14. Professora A: Por exemplo: eu não vou comprar um detergente não biodegradável porque eu
sei que vai acelerar a poluição, não é?
15. Pesquisadora: Entendeu professor?
16. Professora C: Foi isso que eu pensei. Você joga o produto no mercado, se esse produto
trouxer algum mal para a sociedade, ela vai excluir esse produto.
Ao analisarmos as falas dos professores, percebemos que o professor B parece não acreditar
na possibilidade de participação cidadã na tomada de decisão acerca das questões científicas e
tecnológicas e justifica a sua posição considerando questões políticas (turno 5). A falta de
credibilidade do professor B parece ser fundada em dificuldades reais que crê existirem para
que haja uma participação cidadã no nosso país e, dessa forma, parece não conseguir
vislumbrar uma possível construção dessa postura para professores e alunos, dentro e fora da
escola. Entretanto, observamos posições diferentes nas professoras A e C, ressaltando que a
professora C parece estar confusa com relação à citação e acaba concordando
majoritariamente com a argumentação feita pela professora A. Essas professoras expressam a
necessidade da participação dos cidadãos nas tomadas de decisão (turnos 2, 3, 4, 14 e 16) e
apontam ações que podem ser realizadas no contexto escolar para preparar o cidadão crítico e
participativo que busque soluções que minimizem os impactos sócio-ambientais produzidos
pela tecnologia, e para socializar o desenvolvimento técnico-científico.
Na busca de relações entre concepções dos professores identificadas nas entrevistas e
expressadas nos momentos de discussão sobre a percepção de sociedade, observamos que a
professora A apresentou um novo posicionamento quanto à sua concepção de sociedade ao
situá-la num contexto contemporâneo que exige dos cidadãos participação e consciência
crítica frente aos danos provocados pelo desenvolvimento científico-tecnológico (turnos 2, 4 e
14). Com relação ao professor B, identificamos em suas falas a permanência da concepção de
sociedade participativa vinculada às condições estabelecidas por uma minoria (talvez política
e econômica) (turno 5). E o discurso da professora C, parece apontar para um novo
posicionamento na medida em que passa a conceber a sociedade numa perspectiva mais
ampla, não caracterizada por grupos ou esferas sociais
186
isolados que necessita da socialização dos conhecimentos científicos e tecnológicos na
concretização de uma participação social e democrática mais efetiva (turnos 1 e 16).
Com relação às inter-relações CTS, direcionamos nosso foco de análise para as inter-relações
entre a ciência e a tecnologia, uma vez que algumas pesquisas (ACEVEDO, 1995; VALDÉS
et al, 2002)
apontam concepções docentes não adequadas acerca de tal relação. A análise da
discussão do episódio 4 foi feita com relação ao momento em que os professores fizeram a
leitura de um texto que tratava da construção da luneta por Galileu (VANNUCHI, 2004).
Com o objetivo de colocar em discussão a relação ciência-tecnologia, questionou-se com os
professores se o problema enfrentado por Galileu na construção da luneta foi de ordem
científica ou tecnológica. O episódio 4 ilustra o momento em que os professores expressam
concepções da inter-relação ciência-tecnologia.
EPISÓDIO 4: Expressões dos professores que representam Significações da inter-relação ciência-
tecnologia
1. Professora A: Eu acho que de imediato foi científico, pois ele não tinha explicação para
algumas coisas que ele gostaria. E partindo daí ele precisaria buscar uma
nova tecnologia para ampliar a utilização da luneta dele.
2. Professora C: E foi isso que ele fez. Se soubesse o problema cientificamente ele não teria
usado a lente plana. Mas ele usou e não fez efeito. ele passou para a
côncava e convexa, intuitivamente.
3. Professor B: Uma boa característica do cientista, a observação.
4. Professora A: Hoje em dia a principal característica é ser crítico, duvidar de tudo.
5. Professora C: Duvidar e investigar.
6. Pesquisadora: Então vocês acham que os problemas enfrentados por Galileu foram de ordem
científica e tecnológica?
7. Professora C: Sinceramente, eu acho que foi mais de ordem científica, pois a tecnologia ele
já sabia [...].
8. Professor B: Tu achas que ele fez por amostragem, não é?
9. Professora C: É. Ele foi intuitivamente juntando as coisas.
10. Professora A: Por isso que a gente acredita que houve a falta das duas na realidade.
11. Professora C: Mas foi mais científico do que tecnológico, não é? Porque a tecnologia estava
lá.
12. Professora A: Ele desenvolveu uma tecnologia, mas precisava ser ampliada, ser
fundamentada.
13. Professor B: Até para responder essa necessidade dele de fazer uma lente mais potente.
14. Professora A: Ele precisava das duas coisas.
15. Professor B: O que eu percebi é que a ordem não importa. O que importa é que a ciência e
a tecnologia caminhem juntas nesse contexto.
16. Professora C: Para que melhore a vida de todos.
17. Pesquisadora: Nessa relação ciência-tecnologia existe alguma ordem de prioridade?
18. Professora A: Eu penso assim. A tecnologia veio de uma necessidade, certo? que para
você desenvolver uma tecnologia você tem que ter um bom conhecimento
científico [...] Ele foi buscar uma fundamentação científica para aprimorar a
luneta.
19. Professor B: Isso que você falou não é verdade absoluta. Nem sempre a tecnologia precisa
de uma fundamentação teórica por trás.
187
20. Professora A: Você tocou num ponto relevante. [...] Por causa dessa questão da tecnologia
consumimos coisas que não nos fazem bem. Para que eu possa fazer uma
opção do que é melhor para mim, eu preciso do conhecimento científico. A
tecnologia pode vir a desenvolver a ciência.
21. Professor B: Mas não necessariamente nessa ordem.
22. Professora C: A ordem não vai alterar o fato.
23. Professora A: Vamos supor: um país pobre da África e um país de primeiro mundo.
24. Professor. B: Canadá.
25. Professora A: Você no Canadá para desenvolver uma tecnologia vai à busca da ciência,
mas num país aonde a ciência não vem sendo desenvolvida, eles produzem sua
própria tecnologia de acordo com os recursos que eles têm. Por isso é que eu
digo que não existe uma ordem, [...] Depende do contexto da cultura.
26. Professora C: Mas de maneira geral, a tecnologia nasceu primeiro do que a ciência.
27. Professora A: Até para aprimorar.
Nas expressões dos professores A e B, percebemos a idéia de uma difusa inter-relação
ciência-tecnologia pelo fato desses professores não desvincularem, na produção do objeto
“luneta”, o conhecimento científico do conhecimento tecnológico (turnos 10, 12, 13 e 14). Em
suas percepções, estes conhecimentos estão bem entrelaçados, de forma que a questão da
ordem em alguns momentos não se configurou relevante. Parece-nos que tais percepções
levam a uma percepção da ciência e tecnologia como domínios distintos (turno 19), mas que
se influenciam mutuamente na consolidação dos saberes (turnos 15). Por outro lado, a
professora C parece separar de forma mais contundente o domínio científico do domínio
tecnológico entendendo que a ciência e a tecnologia são domínios independentes (turnos 2, 7
e 11) sem necessariamente apontar alguma relação entre elas. Acreditamos que tal
posicionamento poderá comprometer a articulação dos aspectos CTS nas aulas dessa
professora, e transmitir uma visão descontextualizada da ciência e da tecnologia, ao
desconsiderar que a ciência a tecnologia, mesmo sendo domínios independentes, articulam-se
mutuamente. Tal discussão apesar de não ter um caráter conclusivo na sua própria
formulação, parece contribuir para desmistificar o posicionamento unânime dos professores
na entrevista quando consideram a ciência em um estatuto maior do que a tecnologia. As
concepções sobre as inter-relações podem ser percebidas a partir da tentativa dos professores
em responder a questão provocativa sobre a natureza do problema no caso de Galileu.
Na tentativa de estabelecer uma ordem prioritária na natureza científica ou tecnológica para o
problema, percebemos que a professora A parece compreender a ciência como determinante
da tecnologia no sentido de ampliar as possibilidades de uso dessa tecnologia (turnos 1, 12, 18
e 20). Tal concepção parece emergir da supervalorização da ciência frente à tecnologia
(VALDÉS et al, 2002)
.
No contexto da sala de aula, para Cachapuz et al (2005), esse
posicionamento docente pode influir negativamente nas propostas CTS de ensino e comporta
em particular a falta de compreensão sobre as relações entre a ciência e a tecnologia. Naquele
momento, parece-nos que os professores B e C não expressaram explicitamente uma idéia de
dependência da tecnologia frente à ciência (turnos 7, 9, 11, 15, 19, 21, 22 e 26), e isto poderia
ser apontado como uma vantagem para uma perspectiva de ensino CTS. No entanto, não
podemos deixar de considerar que as idéias parecem ainda não estar bem estabelecidas para
estes professores, o que demandaria maior discussão sobre este ponto. A vantagem estaria no
fato de que não havendo uma idéia de subordinação da tecnologia com relação à ciência, a
primeira poderia ser apresentada como aplicação de diversas formas de conhecimentos, e não
188
unicamente como conseqüência do conhecimento científico, para atender as necessidades
sociais (SANTOS e SCHNETZLER, 1997). Esta concepção estaria afinada com uma
perspectiva CTS para o ensino.
Confrontadas as concepções expressas nas entrevistas e nos momentos de discussão,
consideramos que para a concepção da inter-relação ciência-tecnologia, a professora A
reforçou a percepção de que a ciência abre as possibilidades ao desenvolvimento tecnológico
(turnos 1, 12, 18 e 20). O professor B, por sua vez, expressou um novo posicionamento, pois
parece passar a entender que na relação ciência-tecnologia, a ciência, necessariamente, o
precede a tecnologia (turnos 15, 19 e 21). A professora C também apresenta uma idéia
diferente sobre a relação ciência e tecnologia: da concepção de que a tecnologia vem
unicamente como conseqüência do conhecimento científico, move-se em direção de
entendimento no qual ciência e tecnologia são domínios distintos na produção de seus saberes
e que podem se influenciar mutuamente (turno 22).
Em resumo, consideramos que os novos posicionamentos dos professores sobre ciência,
tecnologia, sociedade e sobre as inter-relações CTS, expressadas nos questionamentos, nas
discussões e nas reflexões promovidas nos encontros docentes, representaram um resultado
satisfatório e produtivo diante dos objetivos para os quais esses encontros foram propostos.
Após as discussões, no encontro seguinte os professores refletiram sobre os fundamentos
teórico-metodológicos de uma abordagem CTS e em seguida passaram ao planejamento das
atividades que seriam desenvolvidas em sala de aula. Consideramos que esses encontros
foram fundamentais para uma melhor compreensão da proposta de ensino a ser implementada
e que as reflexões feitas aliadas à experiência vivenciada em sala de aula, deverão contribuir
para uma mudança da prática pedagógica desses professores. A análise da implementação da
abordagem CTS em sala de aula será objeto de outro artigo.
Considerações finais
Com este estudo verificamos como três professores de química compreendem ciência,
tecnologia e sociedade e as inter-relações CTS. De uma forma geral, verificamos
convergências em algumas das concepções apresentadas e também identificamos aspectos
diferenciados em posições tomadas pelos professores. Além disso, verificamos a existência de
concepções que não seriam compatíveis com a proposta didática a ser vivenciada por esses
professores em sala de aula. Isto aponta para a necessidade de um maior envolvimento dos
professores na discussão e elaboração de tal proposta.
A análise dos resultados neste trabalho mostrou que as concepções CTS dos professores
envolvidos na investigação foram diversas e houve algumas mudanças de posicionamentos
quando foram realizados os encontros de discussão. Dentre as principais características de tais
concepções podemos ressaltar:
A ciência concebida como uma atividade humana que precede a tecnologia e
fundamenta os avanços tecnológicos. A tecnologia como busca de inovação que parte
das necessidades de uma sociedade e que promove mudanças nas condições de vida da
sociedade. E a sociedade como um grupo de pessoas que busca participação e
desenvolvimento e que pode sofrer ou não influência da ciência (Professora A);
A ciência como uma busca de respostas que influencia a sociedade por meio da
aplicação dos conhecimentos científicos, e tem primazia sobre a tecnologia. A idéia de
que a tecnologia contribui para ampliar o desenvolvimento científico interferindo na
189
vida de alguns grupos sociais. E a sociedade como um grupo de pessoas que sofre
influência do desenvolvimento científico e tecnológico, mas que não apresenta uma
participação ampla e efetiva na tomada de decisão no contexto das questões científicas
e tecnológicas (Professor B);
A ciência como um conjunto de conhecimentos que podem ser aplicados para
melhorar as condições de vida das pessoas. A tecnologia como aplicação do
conhecimento científico que interfere na sociedade. E a sociedade que estimula os
avanços tecnológicos pela necessidade de consumo (Professora C).
Das concepções encontradas emergiram pontos importantes para a discussão nos encontros
docentes: a desvalorização da tecnologia e conseqüente supervalorização da ciência; o caráter
meramente operacional da tecnologia; a concepção de uma sociedade utilitária do
desenvolvimento científico e tecnológico; e a concepção de uma sociedade que não tem o
poder de avaliar, questionar e se posicionar diante de questões científicas e tecnológicas.
Esses pontos foram tratados a partir de questionamentos, discussões e reflexões promovidas
nos encontros e apontaram para novos posicionamentos dos professores sobre ciência,
tecnologia, sociedade e inter-relações CTS. Dessa forma, podemos considerar que é essencial
em um processo formativo incluir o tratamento das questões CTS para que os pressupostos
teóricos e metodológicos implicados nesta proposta de ensino sejam melhores compreendidos
pelos professores envolvidos. Estamos conscientes que não poderá haver uma expectativa de
mudança do professor em curto prazo, mas os momentos de discussão favorecem uma
reflexão e sensibilização dos professores que podem dar suporte ao início de uma mudança
que é processual.
De um modo geral, as concepções iniciais dos docentes apontam para um quadro no qual a
maioria dos professores apresenta a idéia de que o conhecimento científico exerce certa
primazia diante de outras dimensões do desenvolvimento humano. Para nós, a repercussão
que essas concepções deverão ter em sala de aula, e mais especificamente em uma abordagem
CTS pode ser verificada no tratamento do conhecimento científico com um maior estatuto
diante de aspectos tecnológicos e sociais discutidos em sala de aula. Na sala de aula, de uma
forma geral, os professores têm mais facilidade de expressar idéias relativas aos conceitos
científicos que usualmente são apresentados nos livros didáticos e alguma dificuldade em
ampliar a discussão inserindo questões relativas à tecnologia e às questões sociais. Nesse
sentido, algumas concepções dos professores identificadas neste trabalho podem se constituir
como obstáculos para uma efetiva implementação da abordagem CTS e outras propostas de
contextualização para o ensino. E uma questão se torna relevante: como tratar aspectos
tecnológicos e sociais nas aulas de ciências se idéias sobre as relações entre ciência,
tecnologia, e sociedade não tiverem um significado expressivo para os professores?
Ao buscar desenvolver estratégias didáticas que representam mudança na sua prática
pedagógica, os professores podem se deparar com um processo de reflexão sobre suas
concepções e sentir um apelo de revisão das mesmas. Nesse sentido, a disponibilidade dos
professores em abrir as suas salas de aulas para novas propostas didáticas pode ser
compreendida como uma abertura para a sua própria formação. Por essa razão, consideramos
que aspectos levantados neste trabalho constituem um ponto de partida importante para a
discussão com esses professores no processo de elaboração e planejamento de abordagens
didáticas a serem aplicadas em suas salas de aula.
190
__________________
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191
ANEXO A: Texto trabalhado no primeiro encontro com os professores.
A construção da luneta por Galileu
Durante o verão de 1609, um holandês visitou Pádua, cidade onde Galileu
Galilei residia na época, trazendo consigo um instrumento através do qual se
avistavam objetos em tamanho três vezes maior do que a olho nu. O estrangeiro
tentou vendê-lo ao governo local, mas como o preço solicitado era muito alto e
ouvira-se da existência de instrumentos semelhantes com poder de aumento
superior, o aparelho do holandês foi recusado. Soube-se, então, que o aparato
consistia em um longo tubo, contendo uma lente de vidro em cada extremidade.
Galileu, além de professor, desenvolvia atividades de consultoria em
problemas de engenharia civil e militar. Dessa forma, provavelmente prevendo a
utilidade de tal instrumento para a frota naval de Veneza contra os turcos, decidiu
tentar a sua construção. E assim o fez, raciocinando que uma das lentes teria que
ser ncava e a outra convexa. Lentes planas não produziriam efeito algum; uma
lente convexa ampliaria os objetos, mas sem resolução e nitidez, enquanto uma
lente côncava reduziria seu tamanho aparente, mas talvez pudesse eliminar a falta
de nitidez. Tentando essa combinação, com a lente côncava próxima do olho,
verificou o efeito produzido: era possível observar objetos com suas dimensões
ampliadas em três vezes.
Antes do final daquele mesmo ano, Galileu havia construído telescópios de
qualidade satisfatória e poder de ampliação significativa para observações
astronômicas.
Veja a seguir, como é narrado o episódio por meio de um diálogo imaginado
entre pessoas da época por Drake (1983), grande especialista em Galileu Galilei:
Sarpi Por volta de novembro de 1608, recebi da Holanda um pequeno folheto
descrevendo um instrumento, elaborado por um fabricante de óculos de Middlebourg. Este
instrumento ampliaria objetos distantes, fazendo-os aparentarem estar mais perto. Eu
imediatamente escrevi para amigos no exterior indagando a veracidade do fato. [...] Jaques
Badovere me respondeu dizendo que o efeito de ampliação era o fato real e que imitações
da luneta holandesa estavam sendo vendidas em Paris, onde ele mora, embora essas
imitações fossem pouco potentes, praticamente brinquedos.
192
[...] Eu e Galileu tínhamos, por diversas ocasiões ao longo dos muitos anos de
relacionamento, discutido sobre Ciência, de modo que ele não havia jamais demonstrado
maior interesse pela Astronomia, nem estava pensando em tal assunto quando ouviu falar
da luneta holandesa.
Sagredo Pelo que eu conheço dele, seu interesse deu-se pela possibilidade de obter
vantagem para Veneza sobre os turcos, através da posse de uma luneta pela nossa
marinha.
Sarpi Você tem razão. Em junho, ele havia requisitado um aumento de salário ao nobre
Signor Piero Duono, que visitava Pádua, mas as negociações provaram-se infrutíferas.
Nosso amigo ouviu falar da luneta pela primeira vez numa breve visita a Veneza, em julho, e
então percebeu que talvez pudesse construir uma de valor naval para a República. Tão logo
ouviu os relatos, nos quais acreditavam e outros ridicularizavam, ele visitou-me para saber
minha opinião. Eu mostrei-lhe a carta de Badovere atestando a existência do instrumento
holandês e ele retornou imediatamente a Pádua para tentar, em sua oficina, a reinvenção e
construção da luneta.
Sagredo - Quando eu voltei da Síria ouvir dizer que, justamente nessa época, um
estrangeiro visitou Veneza com um desses instrumentos, tentando vendê-lo ao nosso
governo por um preço alto, de modo que a oferta foi recusada. Tal coincidência
surpreendente de fato ocorreu?
Sarpi De fato. E por coincidência ainda maior o estrangeiro chegou a Pádua
imediatamente após o nosso amigo tê-la deixado para visitar Veneza. Algumas pessoas em
Pádua viram o instrumente, como o nosso amigo descobriu em seu regresso, mas pelo
mesmo golpe de destino, o estrangeiro havia acabado de partir para Veneza.
Sagredo Então nosso amigo obteve considerável benefício prático, podendo saber por
outras pessoas de Pádua como o instrumento era construído.
Sarpi De modo algum, pois o estrangeiro não permitia a ninguém exame mais minucioso
que o olhar através da luneta. O preço por ela era de mil ducados, tanto que os senadores
hesitaram agir sem aconselhamento e me indicaram para apreciar a questão. É claro que eu
desejava estudar sua construção, mas fui proibido pelo estrangeiro de demonstrá-la. Tudo
que pude descobrir era que constava de duas lentes, uma em cada extremidade de um
longo tubo. Portanto, isso é tudo que poderia ter sido relatado ao nosso amigo em Pádua. A
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luneta não era de fato muito potente, ampliando uma linha distante em apenas três vezes.
Sabendo pelo folheto que os holandeses possuíam lunetas mais potentes, aconselhei o
Senado contrariamente a este gasto dos fundos públicos e o estrangeiro partiu contrariado.
[...] Justamente nesta época, recebi uma carta de nosso amigo, que dizia ter obtido o
efeito de ampliação, embora fraco. Também estava confiante de poder melhorá-lo
consideravelmente, num tempo curto [...].
Sagredo – Ele contou como havia descoberto o segredo tão rapidamente?
Sarpi - Não naquela carta rápida. Mas, posteriormente, disse ter raciocinado que uma das
lentes deveria ser convexa e a outra côncava. Uma lente plana não produziria efeito algum;
uma lente convexa ampliaria os objetos, mas sem resolução e nitidez, enquanto uma lente
côncava reduziria seu tamanho aparente, mas talvez pudesse eliminar a falta de nitidez.
Experimentando duas lentes de óculos, com a côncava próxima do olho, ele constatou o
efeito desejado. os problemas eram, então, polir a lente côncava mais profundamente, o que
se faz em óculos para míopes, e, também, moldar a lente convexa no raio de uma esfera
grande, aguçando seu efeito. Por motivos óbvios, ele o fez por si mesmo, pois não desejava
que nenhum polidor de lentes soubesse de seu plano. No meio de agosto, ele retornou a
Veneza com uma luneta que ampliava oito vezes ou mais. Com ela, da campânula em São
Marcos, descreveu navios que se aproximavam, duas horas antes que pudessem ser
avistados por observadores treinados.
Sagredo Sabemos que ele presenteou a luneta ao Duque e em retorno recebeu um
salário dobrado e posição vitalícia na universidade, embora ele tenha logo deixado o
magistério e se colocado a serviço do Cosimo II de’Medici, na corte toscana. Agora, o que
fez com que ele voltasse este instrumento comercial e naval para os propósitos da
Astronomia?
Sarpi O folheto dizia, no final, que estrelas invisíveis a olho nu eram observadas através
da luneta. Talvez nosso amigo tenha logo verificado tal fato, ou tenha-o descoberto ele
próprio [...].
Salviati Talvez eu possa esclarecer o que aconteceu a seguir. Tendo apresentado sua
primeira luneta ao Duque, nosso amigo desvencilhou-se de suas obrigações ao príncipe e
aluno. Apresentou a Cosimo, em Florença, um instrumento semelhante, útil para fins
militares. Ocorre-lhe que outro, ainda mais potente, seria um presente apreciável para o
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jovem grão-duque. Tencionava aperfeiçoar ainda mais a luneta. Entretanto, para tal
finalidade, necessitava de vidro duro e cristalino de espessura que não era utilizada pelos
fabricantes de óculos. Receando que outros antecipassem, caso tomassem conhecimento
do material que desejava. Poliu, então, lentes apropriadas para um telescópio duas vezes
mais potente que aquele construído anteriormente, que já era quase três vezes mais potente
que os brinquedos feitos com lentes de óculos. Ele completou o empreendimento no fim de
novembro e, quando o testava ao entardecer, ocorreu de apontá-lo em direção à Lua, então
crescente. Através do telescópio a Lua apresentou-se tão diferente do esperado, tanto em
relação à sua porção iluminada, quando à escura, que durante todo um mês ocupou a
atenção exclusiva do nosso amigo.
Assim, embora Galileu tenha transformado a luneta num instrumento que
possibilitava até a investigação astronômica, não sabia explicar por que e como
funcionava aquele objeto. Somente no ano seguinte, um astrônomo da época,
Johannes Kepler, escreve um livro no qual deduz os princípios de funcionamento do
telescópio, analisando geometricamente a refração da luz por lentes. Mas a
formulação correta da lei da refração não era conhecida, como também não se tinha
um modelo aceitável para explicar por que, afinal, a luz era refratada pelas lentes.
Estes fatos só foram esclarecidos cerca de 70 anos mais tarde pelo holandês
Christian Huygens.
Ou seja, apenas no ano seguinte ao aperfeiçoamento da luneta por Galileu, Kepler
explicou como se dava o funcionamento. Entretanto, por que o instrumento
funcionava daquela forma só pôde ser compreendido 70 anos mais tarde.
Questões
1- De que nova Tecnologia trata o texto? Que parte da Ciência descreve e explica
seu funcionamento?
2- Por que motivo Galileu decidiu aperfeiçoar a luneta? Você saberia fazer um
paralelo com os avanços que ocorrem nos dias de hoje, citando algum que tenha se
dado pelo mesmo motivo?
3- Em que trechos você nota o descompasso entre o desenvolvimento científico e
tecnológico no século de Galileu?
195
4- Quais foram afinal as dificuldades enfrentadas por Galileu para a construção da
luneta? Você as definiria como problemas científicos ou tecnológicos? Por quê?
5- Qual seria então a relação entre Ciência e Tecnologia e científicos e
tecnológicos? Ela seria equivalente à que ocorreu neste episódio? E exemplos no
qual a interação seja diferente?
Texto extraído de:
VANNUCHI A. I. A relação Ciência, Tecnologia e Sociedade no Ensino de Ciências. In: CARVALHO,
A. M. P. de. (org). Ensino de Ciência: unindo pesquisa e a prática. o Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2004.
196
ANEXO B – Texto 1A: “Nossa vida e as reações de óxido-redução”
197
198
199
200
ANEXO C Texto 1B: Metais, Sociedade e Ambiente: os metais podem trazer
prejuízos ao ambiente?
201
202
203
ANEXO D – Normas para publicação do artigo
REVISTA CIÊNCIA E EDUCAÇÃO
Normas para Publicação / Rule for Publication
Artigos a serem submetidos à publicação devem ser encaminhados à Seção de Pós-
Graduação da Faculdade de Ciências, aos cuidados do editor, via e-mail. Devem ser
resultado de pesquisas originais ou trabalhos de revisão bibliográfica desenvolvidos
pelo(s) autor(es) em Ensino de Ciências ou áreas afins. O artigo deve ser entregue
acompanhado de uma prova impressa e um disquete (preferencialmente
em Word 6.0 e obrigatoriamente salvo em extensão.DOC e.RTF). Pede-se que seja
formatado com fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento 1,5, com
extensão dia de 12 páginas (incluindo as referências bibliográficas), sem
qualquer preocupação com projeto gráfico ou paginação, e as páginas devidamente
numeradas. A identificação do(s) autor (es) deve ser feita no início do artigo,
incluindo os seus créditos acadêmicos (observar o formato na revista). Gráficos,
tabelas, mapas, ilustrações etc. devem ser entregues em arquivos separados, com
claras indicações dos locais onde devem ser inseridos. Marcas, logotipos, fotos,
desenhos e similares terão que ser fornecidos pelo(s) autor (es) com qualidade para
reprodução gráfica (arquivos eletrônicos devem ter no mínimo 240 DPI). A
responsabilidade por erros gramaticais é exclusivamente do(s) autor (es), sendo
critério determinante para a publicação do material. A bibliografia deve se restringir
às obras citadas no corpo do artigo e deverá seguir rigorosamente as normas da
ABNT (NBR 6023 Agosto 2002), com especial atenção ao recurso tipográfico
utilizado para destaque dos elementos (títulos) que deverá ser em negrito e as
referências deverão ser alinhadas somente à margem esquerda do documento em
espaço simples e separadas entre si por espaço duplo. O artigo deve ser
acompanhado de resumo e abstract (e respectivos unitermos e keywords).
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