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Capítulo 3: Análise dos contos populares brasileiros de origem indígena,
coletados por Silvio Romero
Neste capítulo realizamos uma análise de onze contos populares brasileiros
de origem indígena, coletados por Silvio Romero.
Conto 1:
O cágado e a fruta (Silvio Romero)
Diz que foi um dia, havia no mato uma fruta que todos os bichos
tinham vontade de comer; mas era proibido comer a tal fruta sem
primeiro saber o nome dela. Todos os animais iam à casa de uma
mulher que morava nas paragens onde estava o pé da fruta,
perguntavam a ela o nome, e voltavam para comer; mas quando
chegavam lá não se lembravam mais do nome. Assim aconteceu
com todos os bichos que iam e voltavam, e nada de acertar com o
nome. Faltava somente amigo cágado; os outros foram chamá-lo
para ir por sua vez. Alguns caçoavam muito dizendo: “Quando os
outros não acertaram, quanto mais ele!” Amigo cágado partiu
munido de uma violinha; quando chegou a casa da mulher
perguntou o nome da fruta. Ela disse: “Boyô yô-boyôyô-quizama-
quizú; boyô-boyôyô-quizama-quizú.” Mas a mulher, depois que
cada bicho ia-se retirando já a alguma distância, punha-se de lá a
bradar: “Oh, amigo tal, o nome não é esse não!” E dizia outros
nomes, o bicho se atrapalhava, e quando chegava ao pé da fruta
não sabia mais o nome. Com o cágado não foi assim, porque ele
deu de mão à sua violinha, e pôs-se a cantar o nome até o lugar da
árvore, e venceu a todos. Mas, amiga onça, que já lá estava à sua
espera, disse-lhe: “Amigo cágado, você como não pode trepar
deixe que eu trepe para tirar as frutas, e você em paga me dá
algumas.” O cágado consentiu: ela encheu o seu saco e largou-se
sem lhe dar nenhuma. O cágado, muito zangado, largou-se atrás.
Chegando os dois a um rio ele disse à onça: “Amiga onça, aqui
você me dê o saco para eu passar, que sou melhor nadador, e você
passa depois.” A onça concordou, mas o sabido, quando se viu da
outra banda, sumiu-se, ficando a onça lograda. Esta formou o plano
de o matar; ele soube e meteu-se embaixo de uma raiz grande de
árvore onde ela costumava descansar. Aí chegada, pôs-se ela a
gritar: “Amigo cágado, amigo cágado!” O sabido respondia ali de
pertinho: “Oi.” A onça olhava de uma banda e doutra e não via
ninguém. Ficou muito espantada, e pensou que era o seu traseiro
que respondia. Pôs-se de novo a gritar e sempre o cágado
respondendo: “Oi” e ela: “Cala a boca, oveiro!” e sempre a coisa
para diante. Amigo macaco veio passando, e a onça lhe contou o
caso da desobediência do seu traseiro e lhe pediu que o açoitasse.
O macaco tanto executou a obra que a matou. Deu-se então o
cágado por satisfeito. [Sergipe] (ROMERO, 2000, p. 265-266)