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Fundação Edson Queiroz
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – VRPPG
Mestrado em Psicologia
Wládia Guimarães Pereira
O estado em que o sujeito encontra-se diante das
perdas ou desinvestimentos objetais: uma leitura em
Freud, Karl Abraham e Ferenczi
Fortaleza
2007
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Fundação Edson Queiroz
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – VRPPG
Mestrado em Psicologia
Wládia Guimarães Pereira
O estado em que o sujeito encontra-se diante das
perdas ou desinvestimentos objetais: uma leitura em
Freud, Karl Abraham e Ferenczi
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em
Psicologia do Centro de Ciências Humanas da
Universidade de Fortaleza – UNIFOR, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Área de concentração: Estudos psicanalíticos
Orientador: Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro
Fortaleza – CE
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
2007
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___________________________________________________________________________
P436e Pereira, Wládia Guimarães.
O estado em que o sujeito encontra-se diante das perdas ou desinvestimentos
objetais : uma leitura em Freud, Karl Abraham e Ferenczi / Wládia Guimarães
Pereira. - 2007.
124 f.
Cópia de computador.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2007.
“Orientação : Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro.”
1. Luto – Aspetos psicológicos. 2. Melancolia. 3. Mal-estar.
4. Sofrimento – Aspectos psicológicos. I. Título.
CDU 159.9:393.7
___________________________________________________________________________
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Mestrado em Psicologia
Estudos Psicanalíticos: Sujeito, Sofrimento Psíquico e
Contemporaneidade.
Dissertação de mestrado intitulada: “O estado em que o sujeito encontra-se diante
das perdas ou desinvestimentos objetais: uma leitura em Freud, Karl Abraham e
Ferenczi”, de autoria da mestranda Wládia Guimarães Pereira, aprovada pela banca
examinadora constituída pelos professores:
Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro – UNIFOR – Orientador
Profª. Drª. Karla Patrícia Holanda Martins – UNIFOR
Prof.ª Drª. Marta Yolanda Del Valle Gerez Ambertín – Universidad Tucumán
Prof. Dr. Mauricio Fernàndez Arcila – Universidad de Antioquia
Prof. Dr. HENRIQUE FIGUEIREDO CARNEIRO
Coordenador do Curso de Mestrado em Psicologia - UNIFOR
Fortaleza, 18 de setembro de 2007.
Avenida Washington Soares, 1321, Edson Queiroz – Fortaleza, CE – 60.811-905 – Brasil - tel: 55 (0**85) 3477-3000.
Aos amores da minha vida:
meus pais, por sempre deixarem claro a todas nós que
“uma filha deles não foge a luta”. As apaixonantes irmãs
que tenho, a minha protetora Ayala e a minha protegida
Sabrina. A Raphael “essa coisa toda minha que ninguém
mais pode ser”, depois de ter você, poetas para que...
A Vic minha flor, minha linda, minha filha, afilhada e
sobrinha, por ter me ensinado muito cedo o delicado de
amar, parafraseando sua avó: você é a coisa mais linda
que meus olhos já viram... Ao pequeno Yurizinho, meu
“velhinho” que diante de tantas mulheres: mamãe, Ayala,
Sabrina, Victória e eu, ensina-me como amar um
menino...
Agradecimentos:
Agradeço melancolizada a todos os que foram meus parceiros nesta jornada.
Ao meu avô Américo pela lucidez. Aos meus sogros Socorro e Geraldo, e minha
cunhada Caroline por serem minha segunda família. Ao meu cunhado e grande
incentivador, Régis Richael por acreditar que estudar está acima de tudo. Aos
queridos Rafa, e Dedei meus sobrinhos do coração.
Ao fiel amigo-irmão, poeta e guardião Clauberson Rios sempre comigo em
tantos encontros acadêmicos... Quantos estudos, dúvidas, angústias e filosofias...
amizade para a vida.
Ao mestre e amigo querido Henrique Figueiredo Carneiro, por sempre nos
contar (a mim e Clauberson) a mentira de não ter amor para dar...
Aos amigos: Adail Lôbo quem em momentos tão duros me ajudou a ver luz.
Clerton Martins, por me encontrar como pesquisadora, Thiago Costa, pela confiança,
Fernanda Vieira minha amiga-irmã, presença fundamental e insubstituível na defesa,
Iratan Sabóia pelo apoio. As amigas Isabella Aguiar, Cristiane Queiroz, Rosângela
Bezerra e Tereza Gláucia dentre outras coisas, me emprestarem com tanto
desprendimento os livros que precisei. A amiga Andréa Sampaio pela alegria. Ao
amigo Márcio Castro pela disponibilidade. A Taciana e Izabel pelo carinho de
sempre.
A querida Karla Patrícia pela delicadeza e atenção dedicadas a mim desde o
começo...
A Prof (a) Marta Ambertín pela nova oportunidade de vê-la e ouví-la.
Ao Prof. Maurício a chance de conhecê-lo.
A Capes pela oportunidade de realizar um sonho.
A todos, meu sincero abraço...
...Mas, pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não...
...Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza, tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança:
A de um dia não ser mais triste não.. ”
Vinícius de Moraes.
Resumo
As afecções clínicas contemporâneas nos levam a investigar as novas formas de
sofrimento psíquico, ou seja, as versões que o sujeito da atualidade utiliza para
evidenciar o seu mal-estar. Para tanto, tomando como base a relação entre sujeito e
objeto, propostas pela psicanálise, esta dissertação tem por objetivo investigar como
se estabelecem as perdas objetais em nossos dias. Assim apresentamos três
tempos subjetivos: a perda, o luto e a melancolia. A perda como um momento em
que o objeto desaparece do campo de investimento do sujeito, o luto quando o
sujeito consegue desligar-se do objeto desinvestido, para investir em novos objetos e
a melancolia onde finalmente o sujeito não realiza este desenlace e perde-se no
vínculo com o objeto. Trabalhamos com a hipótese de haver um outro tempo
subjetivo no qual o sujeito não estruturou um trabalho de luto e nem tampouco se
apresentou como um sujeito melancólico. Estamos tratando de um momento
transitório entre a perda do objeto e as respostas encontradas pelo sujeito para
subjetivar suas perdas, o que denominamos de melancolização. Esta passagem
subjetiva conduz ao sujeito estar em contato com as perdas estruturais do início do
desenvolvimento, diferenciando-se assim de um estado psicopatológico. Deste
modo, visitamos os textos freudianos que tratam sobre o tema, assim como os textos
de Karl Abraham e Ferenczi, pois trazem uma infinidade de indicações sobre o
assunto evidenciando conceitos fundamentais para nosso trabalho; Abraham com a
introjeção, a incorporação e as etapas pré-genitais da libido e Ferenczi com seu
conceito de trauma, introjeção e incorporação. Concluímos, assim, trazendo três
casos clínicos: Rabinovich (1989), Ambertin (2000) e Carneiro (2006) os quais foram
utilizados para ilustrar, auxiliando-nos a fazer uma interligação entre o que foi
edificado teoricamente durante o trabalho e evidenciar esta passagem da
melancolização como uma constatação clínica. Além do que podemos destacar que
a melancolização possui traços do luto e da melancolia, além de apresentar e
evidenciar que estes momentos de desinvestimento objetal lançam o sujeito em suas
perdas constitutivas, para que, findado isto, o sujeito seja tomado por suas possíveis
respostas subjetivas: o luto ou a melancolia.
Palavras-chave: melancolização, melancolia, luto, sofrimento psíquico,
contemporaneidade.
Abstract
The clinical affections contemporaries in take them to investigate the new forms of
psychic suffering, that is, the versions that the citizen of the present time uses to
evidence its malaise. For in such a way, taking as base the relation between citizen
and object, proposals for the psychoanalysis, this work desires to investigate as if
they establish the losses you object in our days. Thus we present three subjective
times: the loss, mourning and the melancholy. The loss as a moment where the
object disappears of the field of investment of the citizen, mourning it when the citizen
obtains disconnect itself of the deprived of right object, to invest in new objects and
the melancholy where finally the citizen does not carry through this outcome and is
lost in the bond with the object. We work with the hypothesis to have one another
subjective time in which the citizen did not structuralize a work of mourning and nor
neither it was presented as a melancholic citizen. We are dealing with a transitory
moment enters the loss of the object and the answers found for the citizen to submit
its losses, what we call of “melancolização”. This subjective ticket leads to the citizen
to be in contact with the structural losses of the beginning of the development,
differentiating itself thus of a psichopathologic state. In this way, we visit the freudian
texts that treat on the subject, as well as the texts of Karl Abraham and Ferenczi,
therefore bring a infinity of indications on the subject evidencing basic concepts for
our work; Abraham with the introduction, the incorporation and the daily pay-genital
stages of the libido and Ferenczi with its concept of trauma, introduction and
incorporation. We conclude, thus, bringing three clinical cases: Rabinovich (1989),
Ambertin (2000) and Sheep (2006) which had been used to illustrate, assist-in
making an interconnection between what it was built theoretically during the work and
evidencing this ticket of the “melancolização” as a clinical fact. Beyond what we can
detach that the “melancolização” have traces of mourning and of the melancholy,
beyond presenting and evidencing that these moments of objetal uninvestiment
launch the citizen in its constituent losses, so that, ending this, the citizen is taken by
its possible subjective answers: the mourning or the melancholy
Key Words:melancolização”, melancholy, mourning, psychic suffering,
contemporary.
Sumário
Introdução
Começando a falar de perdas... .....................................................................p. 10
Capítulo 1
O irremediável mal-estar e a atualidade: O consumo e as perdas de
objeto .............................................................................................................p. 18
Capítulo 2
Freud e as perdas objetais .............................................................................p. 34
2.1. Freud: o sujeito após as perdas: o luto e a melancolia .....................p. 35
2.2. Freud: angústia dor e luto .................................................................p. 44
2.3. Freud e Fliess as perdas e sua relação com a angústia ..................p. 48
Capítulo 3
Karl Abraham e as suas contribuições para a hipótese da
melancolização ..............................................................................................p. 60
3.1. Freud e Karl Abraham: um pouco de história ...................................p. 61
3.2. Karl Abraham: as fases pré-genitais da libido, a introjeção e a
incorporação do objeto .....................................................................p. 62
Capítulo 4
Ferenczi: o momento transitório após as perdas e a introjeção .....................p. 83
4.1. Ferenczi e Freud ..............................................................................p. 84
4.2. Ferenczi e a introjeção do objeto ......................................................p. 85
4.3. O trauma, a confusão de línguas, e o desmentido ferencziano.........p. 90
Conclusão
Concluindo a partir de três fragmentos clínicos .............................................p. 97
Referências
1. Referências consultadas ..................................................................p.110
2. Referências complementares ...........................................................p.118
3. Sites da internet ................................................................................p.120
Anexos:
1. Quadro de categorias teóricas utilizados na construção do
problema de pesquisa ......................................................................p.122
2. Nota necrológica de Freud a Karl Abraham ......................................p.123
3. Carta póstuma de Freud a Ferenczi .................................................p.124
4. Declaração do revisor gramatical ......................................................p.127
10
Introdução:
Começando a falar de perdas...
11
Tristeza por favor vai embora;
A minha alma que chora está vendo o meu fim;
Fez do meu coração a sua moradia
Já é demais o meu penar;
Quero voltar aquela vida de alegria
Quero de novo cantar
Vinícius de Moraes
O sofrimento psíquico é algo que se revela na prática clínica como intrigante
e motivador ao conhecimento. Como se deslocar então do lugar clínico-psicanalítico
para investigar as demandas psíquicas no âmbito acadêmico? Como fazer isto sem
ferir a técnica, a ética, o sigilo, e sem cair nas armadilhas de uma impossível
psicanálise da cultura? Ante isto, estamos aqui entre todas estas dúvidas arriscando,
em um trabalho articulado e estruturado dentro do referencial psicanalítico, para
refletir sobre o sujeito que sofre em função do exercício da sua subjetividade, de
acordo com Mezan (1994, p.59):
assim como o número imaginário é uma entidade matemática, a
práxis, a substância, a essência, o fenômeno a idéia, são idealidades
filosóficas, às quais não corresponde absolutamente nada
empiricamente. São construtos do pensamento. A psicanálise
também tem esse lado, porque ela é uma disciplina especulativa
também. Ela cria uma teoria; o inconsciente, a pulsão... a psicanálise
tem a ambição não só de descrever ou inventar alguma coisa no
plano ideal, mas também a pretensão de intervir neste real e de
modificar alguma coisa dele. Isso se dá na experiência psicanalítica.
Assim, chegamos a esta investigação partindo de um incômodo proveniente
de nossa prática. Certamente que uma pesquisa sempre deriva de uma inquietação
primeira, então seguiremos frente a uma nova oportunidade de versar sobre o
12
sofrimento psíquico. Buscamos neste trabalho refletir sobre quais as feições que o
sujeito da atualidade se utiliza, subjetivamente, quando é afetado pelas perdas.
Para isto, construímos um estudo teórico-conceitual, onde nos debruçamos sobre a
literatura psicanalítica concernente ao tema das perdas de objeto. Segundo Elia
(2000) a pesquisa em psicanálise é sempre uma pesquisa clínica, não há a rigor,
uma pesquisa de campo, o que há para ele é um (P.23) “campo de pesquisa” (grifo
do autor), que é o inconsciente e inclui o sujeito. Para ele a pesquisa em psicanálise
transita dentro de uma prática clínica, entre a teoria e a prática.
Neste sentido estamos considerando o sofrimento psíquico do sujeito
evidenciado a partir das perdas de objeto. Durante o trabalho trataremos de
diferentes tempos subjetivos; a perda, o luto e a melancolia. Então nos deparamos
com uma indagação: Há algo antes do luto e da melancolia além destes tempos
subjetivos ora explicitados? Acreditamos haver um outro tempo subjetivo o da
melancolização, um estado primeiro, transitório e comum a todo sujeito após as
perdas objetais. Faz parte deste momento, da melancolização, o sujeito abrir espaço
para afirmar ter sido afetado por uma perda, além do que estar em contato com as
perdas estruturadoras do eu. Neste instante, ainda não se iniciou um trabalho de
luto, e nem se instalou um estado melancólico propriamente dito. A partir dele é que
podemos encontrar dois caminhos: o trabalho de luto ou a melancolia. Adiante no
texto estaremos deixando mais claras as diferenças entre cada um destes tempos
subjetivos.
Mas porque estudar as perdas na atualidade? Cada tempo conduz o sujeito
a construir novas formas para suportar sua existência, assim como Freud deixa claro
em seu texto de (1908/2003c) “A moral sexual civilizada e a doença nervosa
13
moderna”. A nossa época nos dirige a este mesmo fim, o de edificar versões de
existir em um tempo imiscuído pelo discurso do consumo dos objetos, visto que
sempre se utiliza como referência o adquirir e o comprar, que em função da
descartabilidade lança por fim o sujeito em uma outra lógica de ser, ampliando a
dificuldade em desfazer-se dos objetos, por ser cada vez mais insuportável resistir
aos desenlaces.
A atualidade diante desta lógica, tentar apagar do sujeito o tempo de
entristecer-se, e resguardar-se quando o objeto desaparece do seu campo de
investimento; ao sujeito não é permitido confessar finalmente após o desinvestimento
ter sido de fato deixado pelo objeto.
Assim o sujeito recorre à dor sem dispor de um espaço ao sofrimento, não
tendo como referência a representação, mas a corporificação, a dor destituída de
qualquer estrutura que o conduza a um trabalho de luto. Confirmando a nossa
argumentação Melman (2002, p.30) se questiona:
E é por isso que a psicanálise está diante de um desafio: será que
ela pode preservar o espaço do pensamento no qual um homem
possa refletir sobre sua conduta, suas escolhas, sua maneira de viver
e não ser apenas um indivíduo feliz na massa?
Neste processo, apresentamos como objetivo investigar o mal-estar
produzido em função das perdas de objeto, a partir da leitura de Freud, Karl
Abraham e Sandór Ferenczi, pois eles evidenciam conceitos fundamentais para
14
estes tempos subjetivos, tais como as fases pré-genitais da libido, a introjeção, a
incorporação do objeto e a identificação. Isto justifica-se pois em tempos de
pulsionalidade à vista é importante retomarmos as experiências constitutivas do
desenvolvimento do sujeito assim como estamos propondo neste trabalho. A
princípio, trouxemos estes tópicos como categorias teóricas, estruturadas em um
mapa categórico (anexo) vinculadas aos objetivos da pesquisa. Estas categorias nos
serviram de guia durante todo o processo.
A relevância deste trabalho firma-se em apontar a necessidade de atentar as
novas construções subjetivas de nossa época, ampliando portanto, a escuta na
esfera clínica e também a condição de investigar na prática acadêmico-universitária,
pois a psicanálise nos oferece esta liberdade, a de reinventá-la a cada novo
sofrimento que nos afete em função do nosso desejo de pesquisar e clinicar.
Outra nuance da psicanálise é de comprometer-se em buscar um saber do
sujeito a partir de sua singularidade, sem perder de vista, que este está envolto em
um tempo e em uma cultura que o marca a ferro, resvalando enfim em sua
subjetividade.
Não há pesquisa em psicanálise sem uma estreita transferência entre o
objeto de investigação e o investigador. O pesquisador sempre deve ter como
premissa para a busca psicanalítica, ser tocado pelo eros do não saber, de ser
sempre neófito frente ao que vai encontrar pelo caminho, como afirma Elia (2000,
p.25):
15
O inconsciente comporta uma forma de não saber, ou, mais
exatamente ainda, é uma forma de saber que não se deixa apreender
por todo e qualquer método ortodoxo ou tradicional da ciência
clássica: ao estabelecimento de um novo “objeto” (Grifo do autor) de
saber - o inconsciente – corresponde o estabelecimento de um novo
método de saber, o método analítico... a psicanálise só é acessível a
um método psicanalítico.
Vamos agora adentrar no trabalho propriamente dito. Os quatro capítulos os
quais dimensionamos a pesquisa têm como característica não estarem fechados em
si, mas constantemente interagindo entre eles, quando necessário se faz buscar no
correr de cada um, recurso de um outro para dar continuidade à construção. Visto
que a melancolização não se encontra no texto de nenhum dos autores utilizados,
nos empenhamos em buscar recursos nas entrelinhas dos escritos que tratavam do
assunto em pauta: perdas de objeto, as relações entre sujeito e objeto, a
melancolização, o luto e a melancolia.
No primeiro capítulo, abordamos o mal-estar como inerente à subjetividade,
desde então trouxemos os desinvestimentos objetais como uma fonte deste mal-
estar. Assim dizemos da dificuldade na atualidade de se efetivarem aos
desinvestimentos objetais, ou seja, como a cultura de nosso tempo atravessada pelo
discurso do consumo dificulta o processo de elaboração das perdas.
Neste viés, resolvemos esclarecer sobre o conceito de objeto, deixando
evidente o que pode ser explicitado sobre isso através dos escritos de Freud, e em
definições de outros autores contemporâneos. Deste modo expusemos do que se
trata o objeto do desejo, da pulsão e do amor e deixamos claro que as construções
subjetivas são instauradas a partir destes três; já que as perdas estruturantes do eu
16
são basais para refletir como as perdas e os desinvestimentos objetais futuros
marcarão o sujeito e o levarão a construir o seu sofrimento.
No segundo capítulo, deter-nos-emos no início ao que Freud constrói sobre o
luto e a melancolia e o que diz sobre os desinvestimentos objetais em seu texto “Luto
e melancolia” (1915[1917]/2003g) e em outros textos construídos por ele para
subsidiar-nos sobre o assunto. Abordado isto, nos dirigimos aos rascunhos de Freud
à Fliess para delinear as primeiras composições freudianas sobre o luto e a
melancolia, o sofrimento psíquico e a angústia proveniente destes estados de
desenlace amoroso com o objeto, ilustrado constantemente por seus casos clínicos.
No terceiro capítulo, lançamo-nos nos escritos de Abraham desde as
primeiras composições, acerca da primeira fase de construção da libido, fase oral,
além de adentrarmos em seus estudos sobre a depressão, o luto, a melancolia e a
relação entre estes estados subjetivos e as vivências primitivas do sujeito (etapas
pré-genitais da libido) que conduzem a incorporação do objeto. A partir disto
discorremos também sobe a incorporação e as divergências conceituais entre estes
dois mecanismos.
No quarto capítulo, buscamos um diálogo com Ferenczi no que ele trata
sobre a introjeção como a forma de funcionar do aparelho psíquico, ou seja, um
recurso derivado da linguagem e a impossibilidade de recorrer a ela. Desde então
apoiamo-nos no que o autor trata sobre o trauma, e a “confusão de língua” fazendo
uma interface com a condição subjetiva de introjetar construída por ele, para estear
nossa discussão sobre a melancolização.
17
Finalmente, para associar o percurso realizado com um fundamento da
clínica, e fazermos referência ao sofrimento psíquico contemporâneo, associamos a
discussão teórico-conceitual a três ilustrações clínicas, através de fragmentos de
caso que tratam da melancolização do sujeito não fazendo indicação de uma
caracterização psicótica.
18
Capítulo 1:
O irremediável mal-estar e a atualidade: O
consumo e as perdas de objeto.
19
É que o nosso céu;
Onde as estrelas cantavam;
De repente ficou mudo;
Foi-se o encanto de tudo;
Quem sou eu, quem é você;
Foi assim e só deus sabe quem;
Deixou de querer bem;
Não somos mais alguém;
O meu nome é ninguém;
E o meu nome também;
Também ninguém...
Miltinho
O mal-estar inerente ao sujeito o convoca a mostrar outras faces de sua
subjetividade para responder ao legado de seu tempo. A nossa época é revestida e
investida de valores que indicam o consumo, a oferta e o excesso como afirma
Birman (2005, p.104) “Inventamos necessidades em função exatamente do excesso
e não sabemos o que fazer com ele”. Diante disso que respostas subjetivas são
construídas e estabelecidas?
Certamente o sujeito encontra estrategicamente formas de suportar as
imposições de sua época. Neste trabalho trilhamos um percurso para construir
alguma referência a estas novas formas de viver as perdas na atualidade. No
momento estamos envoltos no impetuoso empreendimento de nosso tempo, o de
desviar-nos dos sentimentos de tristeza, apatia e desilusão, ou como se refere
Carneiro (2006) “Do tempo da tristeza”, tão inerentes à subjetividade humana
quando perdemos nossos objetos de amor. Factualmente nos nossos dias estes
recolhimentos de si são pouco ou dificilmente autorizados a serem vividos.
Logo devemos apresentar, uma espécie de inatingibilidade atendendo
prontamente as necessidades de aparente felicidade e de prazer onde a dor fica
enclausurada dentro dos porões psíquicos. As exigências da época nos encaminham
a acreditar ser cada vez mais custosos ao sujeito, a vivência do sofrimento, o espaço
20
para substituição, e isto deixa brechas para construção de novos sintomas psíquicos
como saída para o mal-estar ou como diz Kristeva (2002), estamos diante de novas
doenças da alma. A autora ainda acrescenta que (p.14) “O homem moderno está
perdendo sua alma... O corpo conquista o território invisível da alma”. Desta forma a
Kristeva deixa evidente, serem estas novas criações subjetivas, derivadas do
impedimento do funcionamento psíquico, e isto dirige o sujeito a situar-se entre a
pobreza da representação e a ascensão do sofrimento corporal.
Freud em O mal-estar na civilização (1930/2003n) indica ser o mal-estar e o
desamparo inerentes à condição de ser humano. E o sujeito suporta esta condição
através de três focos de sofrimento, onde uma delas é o próprio corpo. Estamos na
atualidade diante da referência corporal em evidência.
Vivemos a intensidade do sofrimento corporal com pouco espaço para a
representação, presos a referências muito primitivas do sujeito, ou seja, a dor na
própria carne, a qual introduzimos objetos, que na verdade funcionam como parte do
próprio eu, próteses aliviantes na tentativa de amainar o desconforto e o desalento.
Sem elas fica a sensação de ser impossível suportar a existência, afinal não seria
isto evidenciado através do comer nada da anorexia, do ingerir e se esvaziar da
bulimia, dos tranqüilizantes das depressões e da droga das toxicomanias?
Concordamos em dizer ao leitor que estas patologias sempre existiram, a diferença
consiste na condição de um caráter epidêmico destas afecções constituída em
nossos dias. Dito isto podemos fazer uso das palavras de Melman (2003, p.15):
21
Assim a saúde mental, hoje em dia, não se origina mais numa
harmonia com o ideal, mas com o objeto de satisfação. A tarefa
psíquica se vê enormemente atenuada, e a responsabilidade do
sujeito apagada por uma regulação puramente orgânica.
Mas porque na atualidade viver as perdas é tão difícil? Nossa época nos
propõe o recurso de “perder nada”. Certamente que “perder nada” é uma
impossibilidade extremamente ilusória, não há sujeito sem perdas. No entanto, não
podemos desconsiderar, que a nossa cultura vê as perdas de um modo
demasiadamente incômodo, patrocinando então um enlaçamento cada vez mais
forte com os objetos, onde se complica o instante em que se faz preciso desvincular-
se deles. Novamente citando Freud em O mal-estar na civilização (1930/2003n,
p.3018):
Na culminação do enamoramento o limite entre o eu e o objeto
ameaça desfazer-se. Contra todos os testemunhos de seus sentidos
o enamorado afirma que o eu e o tu são somente um e estão
dispostos a comportarem-se como se realmente fosse assim
Freud neste momento do texto fala do enamoramento entre o sujeito e o
objeto, onde o sujeito se perde na busca de sentir-se pleno com o objeto, sendo
invadido por ele afastando de si, o próprio sofrimento. Ainda com Freud (1930/2003n,
p.3024):
22
A vida tal como nos é imposta é demasidamente pesada e nos
proporciona excessivos sofrimentos decepções e empreendimentos
impossíveis. Para suportá-la não podemos passar sem medidas
paliativas.
As medidas paliativas são justamente o que propiciam alivio para o mal-
estar, então Freud coloca como sendo a arte, a intoxicação e as ciências
1
. Frente ao
que Freud propõe como apaziguador do sofrimento, podemos considerar ser nossa
época inflacionada por dois destes paliativos: a intoxicação e a ciência. Apontamos,
portanto, como forte aliada a estas duas a tecnologia.
Isso exposto, o que temos diante de nossos olhos é justamente um encontro
extremamente proveitoso para responder a demanda de prazer, e o sujeito
constitucionalmente desamparado reafirma sempre esta posição, de estar disposto a
acatar tudo o que puder aliviar, restabelecer e reintegrar suas funções subjetivas ora
avariadas. Desde modo o sujeito do contemporâneo age como o boneco Pinóquio,
do conto italiano escrito em meados de 1883 por Carlo Collodi, boneco este que
buscava a fada azul para realizar o sonho impossível: o de ser pleno transformando-
se em um menino, o intrigante é que ser pleno para ele significava ser humano.
Sendo assim, o sujeito posiciona-se sempre como alguém em busca da
evitação do sofrimento aprisionando-se então ao objeto, onde se complica a
condição de desfazer-se dele quando desaparece do seu campo de investimento,
segundo Carneiro (2005, p.57):
1
Freud utiliza-se de dois destes recursos paliativos: a intoxicação e as ciências, para aliviar-se de seu próprio sofrimento.
23
O consumo alcança um nível tão sofisticado na cadeia de invenções
da técnica que os objetos de consumo não precisam ser
necessariamente estupefacientes. Basta que se insinue uma espécie
de saber do objeto, fato que atribui ao mesmo um caráter de
superobjeto para que ele se torne o lugar de onde emanam alívio e
suspensão de rea
lidade.
Como estamos falando de perda de objeto, devemos dissertar um pouco
sobre que objeto é este do qual estamos discutindo. Certamente estamos nos
referindo aqui, em princípio, ao objeto do desejo, ou seja, o objeto perdido,
estruturador da falta constitutiva fundadora da subjetividade, o que enfim faz
referência à primeira experiência de satisfação do sujeito. Contudo também iremos
nos deter um pouco aos descendentes dele: o objeto da pulsão e o objeto do amor.
Segundo Freud em seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”
(1905/2003b) em um momento, muito primitivo, da vida o sujeito recorre ao objeto
somente ao nível de sua sobrevivência, ou seja, a referência neste instante da vida
ainda é a necessidade, neste espaço diz o autor que a criança ao alimentar-se,
necessita do seio, e do corpo da mãe servindo-lhe de suporte. Tratando desde então
do conceito de apoio, o corpo materno como amparo e esteio para a sobrevivência
da criança, além do que, este corpo coloca-se também para a criança como um
primeiro objeto amoroso. O fato é que o leite vem junto do seio, que vem junto do
corpo, que vem junto de algo mais...
O que propõe esta visão freudiana fazendo um corte fundamental de uma
questão puramente biológica da existência, é o fato de juntamente a esta experiência
a princípio de necessidade, vir todo o investimento de um outro. O sujeito quando é
alimentado não se nutre somente do alimento, mas também de sedução, e aquela
24
experiência de intenso prazer, o marca mobilizando algo do psíquico quando o corpo
da criança é erotizado; desencadeando a tentativa de repetição no ensejo de
resgatar o prazer vivido, como afirma Freud (1905/2003b, p.1200): “É fácil também
adivinhar em que ocasião a criança teve pela primeira vez o prazer, o qual uma vez
sentido quer tê-lo de novo”.
A partir de então o sujeito encontra-se com a falta e reivindica novamente a
posição anterior de plenitude e gozo, funda-se, portanto, o sujeito do desejo, e
juntamente a ele o objeto do desejo, ou como diz Lacan (1956/1995) em seu
seminário IV; o objeto perdido, constituído na relação imaginária entre a criança e
sua mãe, o qual temos a sina de permanentemente buscá-lo.
Como conseqüência da perda inicial, encaminha-se o sujeito ao luto
estruturador, organizando então uma outra condição subjetiva. Segundo Rabinovich
(1988) esta passagem subjetiva de edificação do objeto do desejo, abre precedentes
para todas as outras construções objetais tais como o objeto da pulsão e do amor,
como nos evidencia Rabinovich (1988, p.11):
A realização do desejo separa o sujeito do caminho da satisfação
encaminhando-o para uma busca infrutífera desde a perspectiva
adaptativa, busca destinada a repetição, busca de uma percepção
primeira, como marcou uma mítica primeira vez.
O sujeito sustenta a ilusão de um dia voltar a ser pleno, ele e o objeto, tempo
este em que ele era alienado no desejo do outro como nos diz Lacan (1988) em eu
25
texto “O estádio do espelho como formador da função do eu”. O discurso
contemporâneo nos convoca a crer, em função de sermos faltosos, que somos
fantasticamente capazes de capturar este objeto, nos apresentando a condição da
completude, como conseqüência não nos sentimos falhos e sim perfeitos,
impecáveis, num anseio de perfeição narcísica capaz de apagar qualquer indício ou
rastro da falta.
Neste sentido, em acordo com nossa argumentação, as perdas são
fundamentais e estruturantes, como viver então em tempos de permissão somente
para ganhos?
Assim acreditamos ser necessário remontar o início das construções
freudianas sobre a pulsão, novamente vamos nos referir aos “Três ensaios sobre a
teoria da sexualidade” (1905/2003b) Freud apresenta primeiro uma montagem da
percepção que sua época tinha acerca da relação biologizante entre objetivo e
objeto referendada e aferida pela ciência, pois esta apostava no sujeito do instinto,
onde estavam claros meios e fins.
Nesta perspectiva, via-se o sujeito da necessidade, ligado ao natural onde as
suas escolhas de objeto estavam bem definidas, e o que porventura fugisse a estas
determinações era por fim uma aberração era então a indicação assertiva da
patologia. Adiante no texto há uma crítica a este enredo biologicista, onde o autor
argumenta não ser o instinto quem rege o sujeito e sim algo contido em uma outra
esfera, o que ele chama de pulsão. Ele chega a estas conclusões a partir da
sexualidade infantil considerando-a auto-erótica, a qual indica, além disso, como
perversa e polimorfa.
26
O corpo a partir daí é visto como um corpo erótico revestido de libido, e
pulsionalidade. A partir de então o sujeito não tem sua regência dominada pelo
instinto e sim pela circulação pulsional libidinal e pelas escolhas objetais, o sujeito
passa a ser regulado, por conseguinte, pela ordem do prazer e da evitação do
desprazer, de acordo com Freud (1905/2003d, p.1191):
Compreendemos ser o conceito de pulsão mais que a representação
psíquica de uma fonte de excitação, continuamente corrente ou
intrassomática diferença do “estímulo” produzido por excitações
isoladas procedentes do interior. A pulsão é pois um dos conceitos
limite entre o psíquico e o físico... Outra hipótese interina da teoria da
pulsão, a qual não podemos fugir, é a que os órgãos do corpo
emanam excitações de duas classes, fundadas nas diferenças de
natureza química, uma dessas classes de excitação a designaremos
como especificamente sexual e o órgão correspondente como zona
erógena dos instintos parciais por ela emanados.
A partir das primeiras formulações sobre a pulsão Freud traz importantes
indicações sobre a sexualidade infantil (as quais já encetamos no princípio desta
argumentação) considerada auto-erótica e destinada aos objetos parciais. Auto-
erótica, pois a criança encontra prazer nas mais diversas partes do seu corpo
(objetos parciais), não utilizando como fim a genitalidade propriamente dita. Já que o
corpo é erógeno, é atravessado pela pulsão e por sua representante, a libido.
Para Lacan, em seu seminário XI (1973/1990, p.167): “A pulsão é
precisamente essa montagem pela qual a sexualidade participa da vida psíquica, de
uma maneira que se deve conformar com a estrutura de hiância que é do
inconsciente”. O grande legado da pulsão é que ela precisa ser satisfeita, quer ser
27
realizada a qualquer custo, não há portanto objeto capaz de satisfazer e de suprimir
as exigências dela.
Se o sujeito é da ordem do pulsional ele agrega objetos, faz escolhas
objetais, circula, movimenta-se, desloca-se. Quando falamos das primeiras
experiências de satisfação, estamos em contato com duas faces destinadas ao
objeto: o objeto do desejo o qual nos conduz a estar em constante contato com a
falta como citamos anteriormente, o qual buscamos neuroticamente encontrá-lo e o
objeto da pulsão o qual insiste que o prazer deve ser sempre satisfeito, se repetir na
mesma intensidade, conduzindo-nos a está sempre no ápice, e na urgência de
intensas sensações: o desejo da pulsão é o não-limite.
Argumentando desta forma cremos que o pulsional está em pauta, e a nossa
economia psíquica adquiriu fortes traços do consumo. A lei do consumo nos dita que
é preciso comprar, consumir, adquirir, fazendo de um objeto não presente do
cotidiano do sujeito, algo indispensável. Elegemos os objetos, os erotizamos e o
trazemos para nosso corpo, na busca de reiterar a completude, assim afirma Freud
(1915/2003e, p.2042):
O objeto da pulsão é a coisa na qual e por meio da qual a pulsão
pode alcançar sua satisfação... Não necessariamente é algo exterior
ao sujeito, pode ser uma parte qualquer de seu próprio corpo e é
suscetível de ser substituída por outro no curso dos destinos da vida
da pulsão. Quando a pulsão aparece ligada de um modo
especialmente íntimo e estreito ao objeto, falamos de uma fixação da
dita pulsão. Esta fixação tem acontecido com grande freqüência no
período inicial do desenvolvimento das pulsões, e põe fim a
mobilidade da pulsão de que está se tratando, opondo-se
intensamente sua separação do objeto.
28
Freud acrescenta (1915/2003e, p.2042): “A finalidade da pulsão é sempre a
satisfação que somente pode ser alcançada pela supressão do estado de
estimulação da fonte da pulsão”.
O sujeito recorre ao objeto de consumo como anseio de evitar estar em
contato com suas faltas, o consumo atinge em cheio ao sujeito na sua fragilidade e o
inebria na sua dor, no entanto o impede de estar em contato com seu sofrimento e
isto tem as suas conseqüências. De que forma, no espaço onde há um intenso mal-
estar em viver o desprazer, o sujeito pode suportar as perdas objetais? A cultura
abre espaço para essa dinâmica objetal típica da existência? Como viver o vácuo
deixado pelo objeto perdido? E a tristeza, a angústia, o mal-estar, e a singularidade
da dor?
Podemos supor estar então diante de afecções narcísicas, o sujeito fica
perdido no eco da perfeita imagem, o eu precisa ser a reflexo e semelhança de
narciso.
Freud em seu texto “Introdução ao narcisismo” (1914/2003d) já inicia o texto
deixando bem claro, (p. 2017) “O termo narcisismo procede da descrição clínica e foi
eleito em 1899 por Paul Nacke para designar aqueles casos em que o indivíduo
toma o próprio corpo e o contempla com agrados, o acaricia, o beija para chegar a
uma satisfação completa”. A contemplação do corpo na contemporaneidade faz
referência à idéia narcísica de plenitude, do eu consagrado a não ser destituído de
nenhum indicativo de prazer, de acordo com Freud (1914/2003d, p.2028):
29
A este eu ideal se consagra o amor ególatra de que na infância era
objeto o eu verdadeiro. O narcisismo aparece deslocado sobre este
eu ideal adornado como o infantil com todas as perfeições. Como
sempre no terreno da libido o homem, demonstra-se aqui uma vez
mais incapaz de renunciar a uma satisfação já gozada uma vez. Não
quer renunciar a perfeição de sua infância
.
A atualidade nos determina ser a estética a mola mestra, o eu fica sempre
submetido ao olhar de aprovação, satisfação e de perfeição exigido pelo outro.
Assim nos dirijamos novamente aos nossos ditos sobre a criança e sua relação com
a mãe no início da vida. Lacan em seus Escritos (1949/1998) nos propõe que a
criança aliena-se no desejo do outro e esta condição funciona como estruturadora
para o eu.
No entanto podemos dizer que o retorno a esta referência de alienação
sobre si, é extremamente esvaziador para o sujeito. O que nos leva a considerar que
o doloroso ao sujeito, hoje, é deslocar-se do olhar do outro, para ver a si e dizer algo
sobre a sua própria subjetividade.
Neste ponto, podemos supor experimentar uma subjetividade submetida ao
corporal, empobrecida em conseqüência disto, na referência à representação, ou
seja, há o que podemos dizer de uma falência do pensamento. Desta forma nos
perguntamos: onde está o espaço da memória, das lembranças, dos vestígios das
reminiscências? Estamos suportando a existência não mais pela ordem do onírico
mais sim do anímico, do físico, do somático, do corporal. Por que não conseguimos
palavrear, se nos estruturamos enquanto falantes? Supomos, portanto, que a
30
“máquina” mostra-se danificada assim podemos recorrer, portanto a um sábio dito
popular “Quando a cabeça não pensa, o corpo padece”.
Trazemos indícios da vivência corporal propriamente dita, elucidando então
sobre a referência à sensação e ao pulsional, ocasionando então um esmaecimento
do eu e do potencial psíquico do sujeito.
Estamos diante de um não estancamento da energia psíquica, algo escoa,
deixando o sujeito preso, sem lugar para elaborar uma historicidade sobre si. O
padecimento deste ponto de vista é um acontecimento à margem da linguagem,
onde o objeto perdido não pode ser representado, o sofrimento não pode ser vivido.
Frente a toda esta argumentação, explicitamos alguns pontos de amarração
que envolvem a nossa proposta sobre as perdas na atualidade. Dentre estes
dissemos sobre o conceito de objeto, evidenciando as perdas constitutivas, as quais
o sujeito está em constante contato (pois cada uma prevê uma perda, e antecipa a
outra) servindo de referência para as experiências de perdas vindouras.
Segundo Rabinovich (1988) diante das perdas há diferentes concepções de
objeto as quais ela evidencia respectivamente: como a perda do objeto do desejo, da
pulsão e do amor. Para ela a perda da naturalidade do objeto instaura o objeto do
desejo, a perda do objeto real o objeto da pulsão (incorporação e auto-erotismo),
assim como a perda do objeto de amor abre precedentes para a eleição de novos
objetos, o sujeito circula entre estas três perdas estruturantes para o eu. Vamos
então agora expor o que de fato estamos dispostos a discutir adiante.
Estabelecer referências de como estamos vivendo as perdas na atualidade,
certamente nos conduz a rever as perdas estruturantes para o sujeito como já vimos
31
e continuaremos a discutir no correr do trabalho, pois cremos ser deste modo a
melancolização, um recurso subjetivo que se estabelece após a perda do objeto,
remetendo então o sujeito ao encontro de suas perdas primitivas e constitutivas do
psiquismo.
Desta forma, gostaríamos de explicitar mais claramente quais são os tempos
subjetivos vividos pelo sujeito após as perdas. Construir alguma resolução para
transpor a ausência é, supostamente, colocar-se diante de diferentes tempos
subjetivos os quais Freud apresenta e que serão discutidos neste trabalho: a perda,
quando o objeto desaparece de nosso campo de investimento, em que a energia
depositada nele retorna para nós com toda a sua força; o trabalho do luto, onde a
energia, que ora retida pelo eu, encontra novos objetos para poder novamente
circular e a melancolia, quando há um resultado de negação à castração, onde se
evita, indubitavelmente, o encontro com o nada. Porém, quais saídas se
estabelecem logo após o desaparecimento do objeto? O sujeito está disposto a que
mediante isto?
Sendo assim, estamos diante de um outro tempo subjetivo, a
melancolização, ou seja, apresentamos a hipótese de haver um tempo anterior ao
luto, característico das perdas de objeto, até que findado este tempo nos
encontremos com a chance de uma reorganização psíquica abrindo alas para a
alteridade, enfim a um trabalho de luto. Vale ressaltar a partir disto, ser este tempo
subjetivo não característico de uma melancolia tomada em termos psicopatológicos
indicativos de uma psicose.
O sujeito neste momento subjetivo não encontra ainda, a possibilidade de
realizar um trabalho de luto, e fica impossibilitado ao menos por algum tempo do
32
recurso de deslocar-se do vínculo com o objeto, impedido por alguns instantes que
seja de evocar alguma saída que o liberte para realizar um trabalho de luto, negando
momentaneamente a sua condição de divisão, diante do que a vida pode lhe
acometer de incertezas.
O mal-estar é algo do qual nenhum sujeito escapa, sofremos em função de
existir, para tanto o psíquico precisa elaborar e construir constantemente saídas para
estes entraves, aqui estamos tratando das perdas de objeto, e como o sujeito da
atualidade também submetido às perdas, como já dissemos anteriormente, encontra
soluções para estes momentos.
O que fica evidente para nós é que em tempos de consumo e de aquisições
exacerbadas, perder é sem dúvida bastante difícil, não havendo passe livre para o
enlutamento. O processo funciona como se a dor do sujeito não conseguisse
mobilizar o psíquico para o encontro de respostas. Assim o sujeito utiliza-se de
outras formas para evidenciar sua dor, o corpo paga o preço, e o corpo na
atualidade, é o grande receptor desse desconforto.
Mais a frente, iremos trazer o que Abraham e Ferenczi tem a propor sobre o
tema. A princípio iremos falar de Freud e o que tem a nos dizer sobre as perdas de
objeto, depois de Abraham pois versa muito sobre o luto e a melancolia além de
discutir algo fundamental sobre a incorporação e introjeção do objeto e as etapas
pré-genitais da libido. Já Ferenczi além de escrever sobre a introjeção trazendo um
sentido diferente do que Abraham propõe, diferença esta a qual deixaremos mais
clara durante o texto, fala da falha do mecanismo do pensamento, como um
elemento fundamental para o adoecimento psíquico.
33
Deste modo, para investigarmos sobre estas psicopatologias faremos uso de
três pilares fundamentais: os escritos de Freud, Abraham e Ferenczi sobre o tema.
Vejamos agora o que Freud pode trazer de contribuição ao nosso estudo. Dirijamo-
nos então ao que ele escreve sobre as perdas de objeto, o luto e a melancolia, já
que ele traz indicações valiosas sobre os desinvestimentos objetais, como rastro
para fundamentar a hipótese da existência subjetiva de um tempo da
melancolização, o qual o sujeito enfrenta diante das perdas que sofre.
34
Capítulo 2
Freud e as perdas objetais.
35
Se ela me deixou, a dor, é minha só, não é
de mais ninguém aos outros eu devolvo a
dó eu tenho a minha dor...
Marisa Monte
2.1. Freud: o sujeito após as perdas; o luto e a melancolia.
O sujeito quando perde seu objeto de investimento libidinal, ou seja, seu
objeto de amor, atravessa um processo de intenso sofrimento. Essa passagem fora
discutida por Freud em seu texto “Luto e Melancolia” (1915[1917]/2003g). Freud
apresenta que o luto (p. 2091) “... é geralmente a reação à perda de um ser amado,
ou de uma abstração equivalente: a pátria, a liberdade o ideal”. Ele acreditava que
esse momento seria superado após algum tempo, (p. 2092) “Ao final do trabalho do
luto o ego volta a estar livre e isento de toda inibição”.
Quanto à melancolia, Freud traça algumas características que a distinguem
do luto (p. 2091 e 2092):
A melancolia se caracteriza psiquicamente por um estado de ânimo
profundamente doloroso, uma cessação de interesse pelo mundo
exterior, a perda da capacidade de amar, a inibição de todas as
funções, a diminuição do amor próprio traduzindo-se em auto-
recriminação e auto-acusações, podendo chegar inclusive a uma
delirante espera de castigo... pode-se reconhecer que existe uma
perda de natureza mais ideal.
36
O objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido
enquanto objeto de amor. Para Freud, no sujeito melancólico, não está claro o que
foi perdido. O sujeito sabe que perdeu o objeto, no entanto não tem conhecimento do
que perdeu de si com este desinvestimento. Freud propõe inclusive, haver no luto
uma definição do que foi perdido, já na melancolia não; então o autor conclui que na
melancolia há algo inconsciente não presente no luto. O que fica bastante evidente é
o empobrecimento do eu. Freud, em (1915[1917]/2003g, p.2095), quando faz
referência a melancolia, diz que esse estado abate-se sobre o sujeito quando “... a
sombra do objeto caiu assim sobre o eu”. Desde então podemos evocar nossa
hipótese norteadora: há algo antes do luto e da melancolia? O que pode ser
construído a partir do desenlace com o objeto? O sujeito ao perder um objeto
submete-se diretamente a um trabalho de luto ou há algum estado anterior a este
processo?
Tanto no luto quanto na melancolia o sujeito constata a ausência do objeto.
Contudo, antes do sujeito atingir estas duas instâncias, ele atravessa um processo
de transição onde há uma experiência na qual utiliza como referência uma
melancolia constitutiva e estruturadora. Isto ocorre, visto ser o sujeito lançado após
a perda em seu referencial arcaico, das perdas primitivas sofridas onde se sentiu
desamparado pelo seu primeiro objeto amoroso, diferentemente da melancolia onde
o paciente faz alusão à psicose, a psicopatologia ao adoecimento psíquico. Desde
então fica nesta passagem até apropriar-se de algo que o resgate conduzindo-o a
um trabalho de luto. Este estado não sugere estarmos diante de uma melancolia,
não se trata de fato de uma psicopatologia e sim do resgate de um referencial
precoce de uma experiência melancólica, para que enfim o sujeito eleja a forma a
qual é capaz de suportar a ausência do objeto.
37
Podemos deixar claro então ser este estado primitivo de melancolia algo,
constitutivo e organizador do psiquismo. Freud em (1905/2003b) indica a passagem
do sujeito de uma referência da necessidade para a instalação do pulsional, onde há
um corte fundamental neste sujeito do natural implicando em novas construções
subjetivas da ordem do desejo. Aqui podemos dizer está instalada uma perda
fundamental deflagrando então a melancolia.
O que podemos verificar é que há uma passagem subjetiva entre o objeto
que cai e a organização do sujeito em direção ao investimento de novos objetos.
Segundo Freud, enquanto a libido não é dedicada a outros objetos, o eu fica
submetido à sombra do objeto perdido, podendo ser julgado também como objeto,
um objeto abandonado. O sujeito vive à sombra do objeto perdido, até encontrar
possíveis amarrações simbólicas que possam desemaranhá-lo e desguiá-lo, para
alguma resolução subjetiva encaminhando-o para significar a perda.
A partir disso, podemos está em contato com os primeiros movimentos de
elaboração psíquica. Qual enunciação proferiria o sujeito nesse ermo onde o objeto
amado o deixou? A melancolia...? Viver o trabalho do luto...? No caso da elaboração
do luto, estamos diante de um trabalho psíquico ocorrido após o deslocamento da
libido destinada ao objeto perdido para dedicar-se, portanto, a outros investimentos.
Essa articulação é realizada mediante novos encaminhamentos pulsionais
que oportunizam ao sujeito reorganizar o seu viver. Acreditamos, portanto como já
vínhamos dizendo, que até o sujeito deslocar-se libidinalmente, ele presencia outro
momento subjetivo, trabalhamos com a hipótese de que melancolizar é justamente
vivenciar isto: dar o testemunho da perda, ou seja, dar-se conta do acontecimento do
desenlace; para que possa enveredar-se por outros caminhos sendo então uma
38
passagem, a transição entre a perda do objeto de amor e uma possível resolução
das perdas através do luto.
Porém até o sujeito chegar a alguma resposta, ele entra em contato com
referências muito primitivas de sua existência, ou seja, um referencial arcaico do
desenvolvimento. É isto que Freud então diz em “Luto e melancolia”
(1915[1917]/2003g) que a oposição do sujeito à perda do objeto pode ser tão
intensa, podendo inclusive levá-lo a um afastamento da realidade, onde o sujeito
mantém o objeto por meio de uma experiência somente presente segundo ele na
amência e na esquizofrenia: a alucinação. A alucinação não patológica do objeto dá-
se justamente nos instantes primevos do desenvolvimento, onde a criança mobiliza o
psíquico na busca da realização de seu desejo, ela não tem o objeto ao seu alcance
e então o alucina. Isto fica bem claro no capítulo VII da “Interpretação dos sonhos”
(1900/2003a, p.708):
Havemos de aceitar a ficção de um aparelho psíquico primitivo cujo
trabalho era regulado pela tendência a evitar a acumulação de
excitações e manter-se livre delas quando possível. Deste modo sua
estrutura respondia ao esquema de um aparelho reflexo. A
motilidade, que foi à princípio o caminho condutor as modificações
interiores do corpo era a rota de derivação de que ele poderia dispor.
Discutimos depois as conseqüências psíquicas de uma experiência
de satisfação e podemos estabelecer uma segunda hipótese esta é a
acumulação de excitação, (conforme as modalidades delas que não
temos porque ocupar-nos) é sentida como desprazer e põe em
atividade o aparato para atrair novamente o sucesso satisfatório em
que a diminuição da excitação é sentida como prazer... Somente o
desejo pode colocar o aparelho em movimento... O primeiro desejo
dedicou-se a ser uma carga alucinatória da lembrança de satisfação.
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A criança alucina o objeto como um recurso para estar novamente em
contato com a sua experiência de prazer. Muitos anos depois Freud em seu texto
“Suplemento metapsicológico a teoria dos sonhos” (1915[1917]/2003f) no mesmo
ano de publicação de “Luto e melancolia(1915[1917]/2003g) recoloca sobre esta
experiência de alucinação como sendo a representação da crença de satisfação do
sujeito.
Isso exposto pode indicar que o sujeito quando está experimentando a
passagem subjetiva da melancolização, evidencia sentimentos muito semelhantes ao
da melancolia: dor profunda, negação da ausência, severas auto-acusações, em
função de estar tendo contato neste tempo subjetivo com uma vivência melancólica
anterior e primitiva de desamparo.
O melancólico amalgama-se, junta-se, cola-se ao objeto, sustentando uma
relação simbiótica entre ele e o objeto. O objeto fica sendo, portanto a sua única
razão de viver: o sujeito submete-se ao objeto. Por esse motivo, vamos continuar
fazendo o resgate sobre o que Freud escreveu a respeito da melancolia.
Freud constatou que o luto e a melancolia apresentam sintomas muito
semelhantes. A diferença consiste na perda do amor próprio que se encontra
ausente no luto. No luto, como estamos explicitando, o eu fica absorto no trabalho o
qual está submetido tentando se restabelecer. A melancolia idem, ou seja, também
submete o eu a um labor. Freud apontou que o paciente melancólico apresenta o
que ele denomina como uma, (1915[1917]/2003g, p. 2092) “impressão enigmática”
por não saber o que está de fato o consumindo.
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Esses dois estados subjetivos apontam para a mesma dificuldade de eleger
um novo objeto de amor, pois o eu do sujeito está exclusivamente entregue ao
processo de estabelecer uma nova órbita ao objeto perdido, não estando disponível
para novos vínculos, apreensões, ou propósitos. De acordo com Freud
(1915[1917]/2003g, p. 2092), “Cada uma das lembranças e recordações que
constituem um ponto de enlaçamento libidinal com o objeto é sucessivamente
despertada e sobrecarregada”.
O melancólico, segundo Freud, evidencia outro caráter que, como já citamos
anteriormente, não encontramos no luto, qual seja; uma grande diminuição de seu
amor próprio. A perda do amor próprio a qual Freud apresenta, junto as auto-
acusações também explicitadas, evidenciam indícios da crueldade do supereu na
melancolia, Ambertín (2003, p.62) deixa claro que: “Caberá a melancolia, com sua
dolorosa ferida moral e seus delírios de insignificância, indignidade e infâmia, reabrir
o caminho cruel da Consciência Moral”. Segundo a autora isto fica evidente na
crueldade, na vingança e no ódio contra si mesmo do paciente melancólico.
Freud acrescenta ainda a isso um considerável empobrecimento do eu
melancólico ficando evidente quando o sujeito expõe-se como alguém desprezível,
desvalorizado e incapaz de amar. O autor demonstra isso no esgotamento
ocasionado também pela intensa atividade do eu. O paciente enlutado sofreu a
perda de seu objeto de amor, e o melancólico perdeu algo referente ao eu. Há
alguma coisa que se foi, mas em vez de estabelecer um deslocamento para um novo
objeto de amor a energia retorna para o eu do paciente. O amor que poderia ser
reinvestido é completamente dedicado ao objeto perdido e o eu fica encharcado,
inundado pela referência ao objeto.
41
Desta forma, podemos dizer sobre uma outra referência freudiana quando
ele afirma sobre a identificação, ou seja, quando o eu do paciente identifica-se com o
objeto perdido: o eu e o objeto tornam-se um e o sujeito perde-se neste vínculo
Freud (1915[1917]/2003g) “mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto;
sendo retirada para o eu encontrando neste uma aplicação determinada servindo
para estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado”. Em
(1921/2003j) no seu escrito “Psicologia das massas e análise do eu” ele retoma sua
fala sobre a identificação, e diz ser derivada da primeira fase de organização da
libido, para ele esse é o processo mais primitivo de constituição dos laços afetivos.
De acordo com o que já vínhamos apresentando, adiante vamos aprofundar ainda
mais esta idéia da relação entre os mecanismos primitivos, de estruturação objetal e
as perdas futuras do sujeito.
Freud apresenta duas hipóteses para esse processo vivido pelo sujeito
mediante as perdas. Uma delas é a intensa ligação ou fixação do sujeito sobre o
objeto, à outra é a pequena resistência do eu. Essas proposições são resultados das
eleições que fazemos, pois ele acreditava serem de base narcisista e uma vez que
desaparece o objeto, contrariando o primeiro movimento, a energia retorna para
onde veio, sua origem, o próprio narcisismo. (1915[1917]/2003g, p. 2099)
Assim, pois as causas estimulantes da melancolia são mais
numerosas que as do luto o qual somente é provocado na realidade
pela morte do objeto. Travando-se assim, na melancolia, infinitos
combates isolados em torno do objeto, combates estes que o amor e
o ódio lutam entre si; o primeiro, para desligar a libido do objeto e o
segundo para evitá-lo.
42
Neste sentido, podemos inferir que todos estamos submetidos a
melancolização quando perdemos algo, o que vamos responder a partir dela é sem
dúvida singular e único, assim podemos então, encontrar o trabalho de luto ou então
por fim a melancolia.
Para prosseguirmos na nossa investigação sobre o trabalho do luto, da
melancolia e da melancolização resgataremos outros escritos freudianos sobre tais
temáticas anteriores aos textos “Luto e melancolia” (1915[1917]/2003g),
“Considerações da atualidade sobre a guerra e a morte (1915/2003h) e sobre “A
transitoriedade” (1915[1916]/2003i).
Freud na mesma época em que escreve “Luto e melancolia”, embora este
somente tenha sido publicado em 1917, constrói um importante texto, também
trazendo boas referências sobre o luto, através de uma reflexão sobre a morte. Em
“Considerações da atualidade sobre a guerra e a morte” (1915/2003h) ele considera
que fazemos um grande esforço para retirar a morte da nossa realidade da vida,
afastar a finitude da condição de ser humano, já que é tão nefasta e incômoda.
Freud inclusive conclui que tentamos silenciá-la e apagá-la de nossa existência,
(1915/2003h, p.2110 e 2111),
Esta atitude convencional do homem civilizado frente a morte
complementada por nosso desmoronamento espiritual quando a
morte atinge uma pessoa amada, o pai, a mãe, o esposo, a esposa,
um filho, um irmão, ou um amigo querido. Enterramos com elas
nossas esperanças, nossas aspirações e nossos gozos; não
queremos nos consolar e nos negamos a qualquer substituição do
ser perdido. Nos conduzimos então com os “Aras” que morrem
quando morrem aqueles que amam... Nos paralisa a preocupação de
43
quem substituirá o filho ao lado da mãe, o esposo ao lado da esposa
e o pai para com os filhos, sem suceder uma desgraça. A tendência
de excluir a morte dos projetos de vida traz consigo muitas renúncias
e exclusões.
As reflexões que Freud faz sobre a posição a qual o sujeito se coloca diante
da morte, são frutíferas para pensarmos a atualidade e a nossa negação a tudo o
que possa lembrar a inevitável condição de sermos finitos, frágeis e desamparados.
No texto “A transitoriedade” (1915[1916]/2003i) Freud faz novas
considerações sobre o luto explicitando portanto novas caracterizações sobre este
estado da existência ( p.2119):
Ao leigo parece natural o luto pela perda de algo amado e admirado e
não vacila em qualificá-lo como óbvio e evidente. Para o psicólogo,
esta aflição representa um grande problema, um daqueles
fenômenos que em si mesmos são bem incógnitos, mas a partir dos
quais podem explicar outras incertezas... Se os objetos são
destruídos ou se os perdemos, nossa capacidade amorosa (libido)
volta a ficar livre e pode escolher outros objetos como substitutos, ou
retornar temporariamente para o eu. No entanto não conseguimos
explicar nem podemos deduzir nenhuma hipótese a respeito – porque
este desprendimento da libido de seus objetos deve ser
necessariamente um processo tão doloroso.
Ele aposta inclusive tal como em “Luto e melancolia”, uma vez a libido
estando ligada a um objeto, não o renuncia de forma cordial, mesmo que outro
objeto o acene e então ele finaliza (1915[1917]/2003g, p.2119), “Pois aqui está o
luto”.
44
Neste ponto, Freud já estrutura outras referências às perdas. Este instante
na escrita freudiana é bastante considerável, pois ele deixa evidente que quando o
objeto desaparece o sujeito encontra-se em um lugar inópio e vê-se esgotado e oco;
pois jamais poderá substituí-lo e sim, significá-lo. Freud inclusive conclui o luto como
extremamente doloroso, inevitável, implacável e inadiável, visto afirmar não saber as
conseqüências de não viver o luto. Este estudo baseia-se justamente no
enlutamento e na melancolia, para refletir sobre como o sujeito suporta as perdas
com dificuldades para encontrar-se com o luto.
2.2. Freud: angústia dor e luto.
Neste momento do texto, já que estamos dissertando sobre o mal-estar
construído a partir dos desinvestimentos objetais, sentimos a necessidade de
verificar semanticamente a palavra dor,
já que esta, segundo Freud, é a primeira
evocação do sujeito, o que encontramos; Bueno (1986, p.382).
1- Dor, s.f. Sofrimento físico ou moral; mágoa; aflição; dó; condolência; remorso;
manifestação de sentimento.
2- Dor (lat. Tore) suf. Designativo de agente e de instrumento, o que serve para;
amador, criador, descobridor, ferrador, regedor, coador.
Curioso os significados semânticos da palavra dor. O primeiro relaciona-se a
lástima e pesar. O segundo, no entanto, é um sufixo que aglutinado, unido as
palavras, transformam-se em significantes indicadores de ação. Interessante porque
na semelhança encontramos a diferença, algo as distingue, mas ao mesmo tempo as
45
une, nos levando a considerar que o único mecanismo restante a quem é acometido
pela dor de uma perda, é a ação, o movimento, o deslocamento, e o descolamento
do objeto.
A dor quando não é significada nega ao sujeito a possibilidade de um novo
investimento. A atualidade obstina-se em mostrar de forma insofismável que o
sofrimento para quem é apanhado por uma perda, é algo démodé, fora de moda, em
desuso. Mas isto tem seu preço: não sabemos como indicou Freud, no texto
“Considerações da atualidade sobre a guerra e a morte” (1915/2003h), as
proporções de não viver a intensidade destes sentimentos de vazio.
Talvez uma das respostas esteja no mal-estar inerente à atualidade; sujeitos
sofrendo por não conseguir viver suas perdas. Aqui podemos demonstrar outra
contribuição freudiana, vejamos o que ele diz em seu texto “Inibição, sintoma e
angústia” (1925[1926]/2003m, p.2881) no apêndice XI, o qual ele denomina como
“Angústia, dor e luto”: “A angústia é uma reação ao perigo da perda”, o autor diz
também ser o luto outra reação à perda acrescentando ser este processo
extremamente doloroso. Então ele se pergunta quando surge a angústia, quando
surge o luto e quando surge somente dor?
Então ele mesmo responde dizendo não ser capaz naquele momento de
precisar as respostas para estas três indagações, mas irá tentar fazer algumas
afirmações sobre isso. Assim ele afirma ser a dor, a verdadeira reação à perda do
objeto, a angústia a reação do sujeito ao perigo da concretização da perda e
acrescenta que sobre a dor ele tem bastante conhecimento então afirma (p.2882):
46
O único dado seguro nos é dado pelo fato de que a dor surge
primeira e regularmente quando um estímulo que ataca a periferia
traspassa os dispositivos da proteção contra os estímulos e passa a
atuar como um estímulo instintivo contínuo...
Novamente, neste mesmo texto, Freud diz sobre o luto algo muito
semelhante ao que construiu em “Luto e melancolia” dez anos antes (p.2883):
O luto surge diante da influência do exame de realidade, que impõe
definitivamente a separação do objeto, posto que o mesmo já não
existe... O caráter doloroso desta separação se adapta a explicação
acabamos de dar pela elevada carga de desejo concentrada no
objeto impossível de ser satisfeita ...
A dor para Freud é a primeira reação constituindo-se como algo da
percepção corporal propriamente dita, é a referência da sensação física, o
desconforto. A angústia perpassa esta lógica, e chega a uma construção subjetiva
estruturada através do medo de perder o objeto. A colocação de Freud permite que
percebamos claramente as diferentes concepções: a dor pertence à categoria do
sensorial, mas a angústia e o luto são atravessados por um processo de elaboração
psíquica.
Freud deixa claro que a angústia se estabelece em consonância com a
experiência já vivida pela criança, quando percebe a ausência de sua mãe, mesmo
que seja momentânea. Logo que a mãe retorne fica marcado o traço mnêmico da
47
sua ausência e o receio que ela desapareça novamente. A angústia e o luto são,
portanto, diferentes da dor, estruturam-se a partir de uma organização interna do
sujeito, na busca de alívio para o seu mal-estar.
Gostaríamos de evidenciar que apesar de buscarmos em clássicos da obra
de Freud o que ele afirmou sobre o luto e o desinvestimento objetal, em nenhum
deles o autor é tão preciso e nem fala com tanta limpidez e poesia, quando diz sobre
o seu próprio luto da morte de Sophie, sua filha e Heinz seu neto. Vamos então a
elas. Em uma carta a Eitingon, Freud diz a Jones (1979, p.585):
Não sei que há mais a dizer. É um fato tão paralisador que não pode
trazer pensamentos complementares de nenhuma espécie quando
não se é crente, o que pouparia todos os conflitos que acompanham
acontecimentos como esse. Inapelável necessidade muda
submissão.
Ainda em uma carta a Ferenczi, na mesma página:
Durante anos estive preparado para suportar a perda de meus filhos;
agora ocorre a de minha filha... O caminho inalterado dos deveres de
um soldado e o “doce hábito” da existência se encarregarão de
mostrar que as coisas continuam como dantes. Muito lá no fundo
posso perceber o sentimento de uma profunda ferida narcísistica que
não é passível de cura.
48
Freud consegue ser bem claro nestas cartas a Eitingon e a Ferenczi, quando
diz do real sentimento do sujeito abandonado pelo objeto de amor, do vazio deixado
ao objeto sair de cena em que o sujeito herda somente o oco, o buraco, e a sombra
do objeto de alguém perdido de amor.
Assim, continuando nossa busca pela obra freudiana, vamos apresentar
neste momento alguns dos Rascunhos e cartas endereçadas a Fliess, estes são
preciosos, pois apresentam o percurso de Freud na tentativa de desvencilhar seus
pacientes daquilo que eram acometidos: neurastenia, angústia, depressão, luto,
melancolia, paranóia, histeria. Isso abre muitas lacunas para pensarmos sobre as
perdas na atualidade, aqui existe uma grande diversidade de idéias as quais ele
lança mão no começo dos seus estudos, muitas delas somente consegue
desenvolver anos depois, outras nos servem de base para conseguirmos construir
um aporte teórico sobre os desinvestimentos objetais.
2.3. Freud e Fliess as perdas e sua relação com a angústia.
Freud manteve por muitos anos (de 1887 até 1904) correspondências com
Wilhelm Fliess. Naqueles anos de intensa amizade, surgiram as primeiras
publicações e esboços sobre a psicanálise. Os rascunhos fizeram parte desse
processo. Nesses escritos, ele buscava encontrar respostas para as neuroses de
angústia, as neurastenias, a depressão periódica e, finalmente, a melancolia,
algumas patologias que refletiam a angústia, a tristeza, enfim o sofrimento psíquico
de seus pacientes. Ademais, fazendo referência mais uma vez ao sofrimento do
49
próprio Freud, durante aquele tempo, segundo Jones, ele sofria curiosamente de
uma psiconeurose (1979, p. 307) “... sofreu ele de uma psiconeurose bastante
considerável”. O que mais tarde foi classificado pelo próprio Freud como (p. 308)
“Histeria de angústia”. O que mais uma vez, o mobiliza a produzir.
No Rascunho A (1892/1986a), Freud discute sobre observações referentes à
angústia das neuroses de angústia e as apresenta como um problema, juntamente
com a neurastenia e a etiologia da depressão periódica. Logo depois, ele expôs suas
teses sobre o assunto, onde explicitou que não há nenhuma neurastenia ou neurose
análoga sem disfunção sexual. Neste momento, Freud ainda estava profundamente
vinculado aos dados relacionados à vida sexual de seus pacientes. Ele acreditava
que a sexualidade, a prática sexual, era um fator, possivelmente, determinante do
intenso sofrimento desses sujeitos.
A neurose de angústia tem a inibição sexual como uma de suas causas.
Como uma representação da neurose de angústia, Freud apresenta a depressão
periódica, o que o fez crer, existir também nessa patologia uma resposta advinda da
experiência sexual, tal como na neurose de angústia. Freud respondeu suas
indagações através de grupos de observação, apresentando como causa dessas
psicopatologias a satisfação sexual “anormal”, no caso, a masturbação, a inibição
sexual através do coito interrompido, traumas e os afetos correspondentes a estas
experiências.
Freud conclui no Rascunho B (1893/1986b p. 39) “Pode-se tomar como fato
reconhecido que a neurastenia é uma conseqüência da vida sexual anormal... a
neurastenia só pode ser uma neurose sexual”. Mesmo que o paciente esteja
50
submetido as mais diversas tensões sem as dificuldades sexuais os sintomas
somáticos são incapazes de desencadear a neurastenia.
Mais adiante, Freud retomou a neurose de angústia, dizendo ser ela
apresentada de duas formas: como um estado crônico (angústia em relação ao
corpo e ao seu funcionamento) que está mais voltado aos sintomas somáticos, ou
como crises de angústia, onde expôs que o ataque de angústia jamais ocorre sem
sintomas crônicos. Ele manteve a tese confirmando que as causas da angústia são
as dificuldades sexuais, no entanto explicitou outra observação referente às
questões hereditárias desenvolvendo-a mais à frente. Ele retomou as referências
sobre a depressão, mas aqui apresenta uma outra versão, nesse caso a depressão
periódica branda. Além de Freud tocar os primeiros acordes sobre a melancolia, em
que ele situou (p. 43):
Essa depressão, no caso a depressão periódica branda, em
contraste com a melancolia propriamente dita, quase sempre tem
uma ligação aparentemente racional com um trauma psíquico. Este
último, porém, é apenas a causa provocadora. Ademais a depressão
periódica branda ocorre sem anestesia psíquica, que é característica
da melancolia
.
Freud faz em seu Rascunho D (1894/1986c), uma espécie de esboço do que
iria desenvolver posteriormente sobre a melancolia. Ele inclui a melancolia dentro de
dois quadros: um é denominado “Morfologia das neuroses”, (1894/1986c, p. 76) o
outro chamado “Etiologia das neuroses” (1894/1986c, p. 77), onde prometeu
escrever sobre a etiologia da melancolia que desenvolve no Rascunho G.
51
Tendo como referência o Rascunho E (1894/1986d), Freud movimentou
novas idéias sobre a neurose de angústia, pois acreditava que ela era produzida na
esfera física. Ele não tinha conhecimento ainda sobre o que causava seus sintomas.
A única constatação que supunha sobre a neurose de angústia, era ter origem
sexual (como já expusemos antes), ou seja, há um acúmulo de tensão sexual física.
Ele chegou a abordar que a neurose de angústia é uma neurose de represamento.
Nesse rascunho, Freud faz, novamente, referência à melancolia. Afirma que
o sujeito melancólico, em sua maioria, é anestésico, pois não possui desejo sexual
(coito). No entanto, sugeriu algo ao qual o autor nomeia de (p. 80) “ânsia de amor”,
ou seja, “uma tensão erótica psíquica” que com seu acúmulo, quando permanece
insatisfeita, desencadeia a melancolia (p. 80) “Quando há acúmulo de tensão sexual
física – neurose de angústia. Quando há acúmulo de tensão sexual psíquica –
melancolia”.
No Rascunho F(1894/1986e), Freud expressa outro dado interessante sobre
a melancolia, ou seja, o fator hereditário. Aponta esse aspecto como um fator
significativo que se repete nos casos clínicos que ele apresenta. Nesse rascunho,
utiliza quatro casos clínicos para obter subsídios para as suas discussões.
O primeiro trata-se do Sr. K.. O paciente sofria de melancolia caracterizada
como melancolia hereditária, haja vista que o pai do paciente sofria de uma possível
melancolia de angústia e a irmã de neurose de angústia. Ele também apresentava
sintomas somáticos: palpitações, excitabilidade e sofria de súbitos ataques de
angústia. À noite, era acometido de ataques curtos de depressão profunda. A vida
sexual do paciente apresentava também alguns indícios, frente a sua hipótese,
52
relacionado às questões sexuais. O Sr. K. apresentou seu primeiro ataque de
angústia durante o coito, e um outro ataque noturno ocorreu dois dias depois.
Outros casos também são expostos, tais como, o do Sr. Von F. Ele cita (p.
93) “Sendo um homem fisicamente sadio, queixa-se de que está perdendo o ânimo e
o gosto pela vida, de um modo que não é natural para um homem de sua idade”.
Esse paciente demonstrava também sintomas somáticos (pressão na cabeça,
dificuldades para se alimentar). Freud citou nesse caso sintomas de um quadro
intermitente onde, periodicamente, o paciente apresentava uma evidência
sintomática maior e que aos poucos se atenuava. Ele denominou isso de (p.94)
“Depressão periódica”. Nesse processo, Freud investigou também a vida sexual do
paciente que, nesse caso, encontrava-se reduzida.
Dois novos casos foram comentados, onde os sintomas somáticos e sexuais
repetiram-se. No último caso, ratificaram-se, mais uma vez, os (p. 96) “estados de
angústia”. Os sintomas somáticos e a sensação de angústia estavam sempre
presentes nos casos que ele acompanhou. Ele também não descarta os fatores
hereditários e ainda se preocupa com a origem orgânica da etiologia das neuroses.
Freud chega a conclusões com relação à melancolia no Rascunho G
(1894/1986f), uma delas foi haver uma estreita relação entre a melancolia e a
anestesia sexual. Isso fica claro quando os seus pacientes apresentam perdas
relativas à atividade sexual. Outro fator foi que (p. 98) “... tudo o que provoca
anestesia favorece ao desenvolvimento da melancolia”. Freud também, nesse
processo, considerava ser a melancolia acompanhada de um grave sentimento de
angústia que atingia o paciente. Aqui ele ratificou o que explicita no Rascunho F, ou
53
seja, considerou que a melancolia trazia em sua sintomatologia uma origem
hereditária.
As elaborações de Freud o levaram a pensar que (p. 99) “O afeto
correspondente à melancolia é o do luto” e que a melancolia estava relacionada a
uma perda, (p. 99) “... uma perda na vida instintiva”. Ele já avistava aqui o que Karl
Abraham – posteriormente escreveu – a melancolia ter uma relação com as fases
mais arcaicas do desenvolvimento do sujeito. Freud aponta a anorexia como neurose
paralela à melancolia. Expõe que a perda de apetite anoréxica significa, em termos
sexuais, algo semelhante à perda da libido. Este fato ele afirmou novamente em
(1915[1917]/2003g) no texto “Luto e melancolia”, quando discute sobre a recusa do
paciente em se alimentar. Ele relacionou a perda de apetite, a perda de libido. Logo
depois, afirmou que (p. 99) “... a melancolia consiste num luto pela perda da libido”.
Freud constrói no rascunho G o que ele chamou de (p. 100) “Diagrama
esquemático da sexualidade” para explicar as formas de expressão da melancolia.
Ele cita, portanto, a melancolia grave, que é caracterizada pelo cessar da produção
de excitação somática. Esse caso de melancolia, segundo Freud, tem recorrência
periódica. Outro caso possível é o de melancolia cíclica, nele os períodos de
aumento e cessação de produção de excitação somática eram alternados, ora
aumentavam, ora diminuíam. Aponta também que a masturbação excessiva causaria
uma grande descarga afetando a produção de tensão sexual somática, debilitando
assim o grupo psíquico sexual, o que ele denominou de melancolia neurastênica.
Explana, ademais, um outro caso, em que a tensão sexual é diferenciada do grupo
psíquico sexual. Indica que essa tensão foi direcionada para a fronteira entre o
54
somático e o psíquico denominando-a como (p. 100) melancolia de angústia, um
tipo de neurose que combinava angústia e melancolia.
Nesse esquema, Freud destina prioridade ao que é relativo à sexualidade.
Ao final, tal como nas outras psiconeuroses, foi quando ele realmente chegou a algo
fundamental para pensar a melancolia: a sensação de angústia. Apresentou também
alguns casos em que a anestesia não é a causa da melancolia. Ela apenas
predispõe ao desencadeamento do processo. No final do rascunho, Freud concluiu
que os efeitos da melancolia estavam ligados à (p.102) “... inibição psíquica com
empobrecimento pulsional e dor a respeito dele”.
Dando continuidade a contribuição de Freud proposta nos Rascunhos
anteriores, vamos agora visitar o que Freud trata no Rascunho K (1896/1986j). Aqui
propomos evidenciar alguns dados a partir dos sintomas da obsessão, da paranóia e
da histeria. Assim Freud consegue demonstrar pontos de convergência entre as três.
Ele considera inclusive estas patologias como “Aberrações patológicas de estados
afetivos psíquicos normais” (1896/1986j, p.163), e acrescenta: o que estivesse
relacionado ao conflito seria ligado à histeria, a auto-recriminação a neurose
obsessiva, a mortificação à paranóia e o luto a amência alucinatória aguda.
Ele considera que as causas condutoras a formação destes sintomas, está
relacionada a dois aspectos os quais ele já havia exposto em seus outros rascunhos,
ou seja, o fato das patologias serem desencadeadas por questões sexuais
(considerando importante elas se manifestarem imediatamente antes do
amadurecimento sexual), além de referir-se a hereditariedade, como importante
causa, mas não como determinante da neurose. Aqui ele trata da construção da
neurose como defesa psíquica. Mais à frente ele prossegue (1896/1986j, p.165)
55
As principais diferenças entre as vária neuroses aparecem na
maneira como retornam as idéias recalcadas, outras se evidenciam
no modo como se formam os sintomas e no rumo tomado pela
doença. Mas o caráter específico de uma determinada neurose
reside na maneira como se realiza o recalcamento.
Assim ele diz como se estrutura a neurose: através do recalque e da forma
como o próprio recalque se estabelece. Para ele a construção da neurose está
relacionada às experiências de prazer e desprazer vividas pelo sujeito. Logo após
estes esclarecimentos ele expõe algo extremamente relevante para nosso estudo, a
submissão do ego na obsessão quando este é afetado por estados de melancolia
episódica. Esta consideração freudiana fica mais clara vinte anos depois em “Luto e
melancolia”, (1915[1917]/2003g) pois neste texto ele é bastante assertivo em sua
afirmação, indicando que na melancolia o ego fica inibido, no seu funcionamento em
função de sua baixa resistência a afetação melancólica.
No princípio do Rascunho K (1896/1986j), os estados melancólicos estariam
presentes somente na obsessão, mas com o avançar da leitura encontramos esta
ocorrência também na paranóia. Apropriando-se Freud da mesma idéia de
submissão do ego citada anteriormente, aqui Freud coloca como (1896/1986j),
p.168) um “sentimento de pequenez do ego”. Sendo assim ele deixa evidente que na
histeria a intensa sensação de desprazer sofrida pelo ego faz com que ele não
resista e entregue-se, “A histeria começa pela subjugação do ego” (1896/1986j,
p.168). Assim Freud deixa clara a presença da melancolia como um sintoma que é
56
construído a partir da afetação do sujeito pelas patologias supracitadas, Martins
(2002, p.31):
A melancolia é aqui tomada como um dos pontos limites de uma
catástrofe: um sintoma de submissão do ego. Antes associada à
obsessão, agora à paranóia, parece que o fundamental é descrevê-la
como sintoma e não particularizá-la como estrutura.
À frente em uma carta datada de 30 de maio de 1896, (1896/1986g/p.190),
Freud acrescenta:
É preciso fazer uma distinção fundamental entre os processos
psíquicos não inibidos e os inibidos pelo pensamento
2
. É no conflito
entre esses dois que surgem os sintomas como compromisso através
do qual se abre acesso à consciência. Nas neuroses, cada um
desses dois processos é racional em si mesmo (o não racional é
mono-ideativo, unilateral); o compromisso deles resultante é
irracional análogo a um erro do pensamento.
No correr da carta ele continua:
Surge uma determinada espécie de distúrbio psíquico quando há um
deslocamento do poder dos processos não–inibidos, outra emerge
2
O que compreendemos como “processos psíquicos não inibidos” seriam justamente o que temos acesso através da
consciência. Da mesma forma no que diz respeito aos “processos psíquicos inibidos” estaria relacionado ao inconsciente.
57
usando a força da inibição do pensamento é relaxada (melancolia,
esgotamento - os sonhos como protótipo).
Podemos extrair desta passagem à referência da inibição do melancólico e
dos mecanismos de defesa psíquica no pensamento freudiano. Em função do que
estamos tratando, este relaxamento psíquico no nível do pensamento, é algo
extremamente ligado ao esgotamento do eu, a falência de alguma organização
interior que lute por um trabalho de luto e que estabeleça alguma oposição. De
alguma forma o psiquismo deixa-se levar pelo ocorrido, operando pouca resistência,
ficando, portanto a deriva, perdido, vencido. Supomos então que a melancolização
pode ser vista também como uma tentativa de defesa psíquica em resposta ao
desprazer ocasionado pela perda.
Tratando-se no Rascunho N (1897/1986i) Freud começa a relacionar a
melancolia com a neurose obsessiva, tal como fez Abraham quase trinta anos depois
no texto “Breve estudo do desenvolvimento da libido visto à luz das perturbações
mentais (1924/1948c). Freud cita (1897/1986i, p.190): “O recalcamento dos impulsos
não parece produzir angústia, e sim, talvez, depressão, melancolia”. Desse modo a
melancolia está relacionada com a neurose obsessiva, fato este que nos deteremos
mais adiante no texto, quando explorarmos as contribuições de Abraham.
Depois de caminhar sempre refletindo sobre os aspectos sexuais como fonte
de sofrimento psíquico, Freud chegou a momentos bastante esclarecedores quando
nos rascunhos apresenta duas instâncias fundamentais para nosso trabalho: as
perdas e o sentimento de angústia decorrente delas. Esses são os dois pilares que
nos apoiaremos para pensar sobre o sujeito melancolizado, pois alijado pelo objeto
58
de amor, fica em um momento transitório, e suspensa qualquer resolução, mesmo
que temporariamente. No entanto o paciente fica em contato constante com o mal-
estar que insiste em aparecer.
A preocupação com a angústia é algo bastante relevante no discurso de
Freud nesse começo, já deixando bem clara a sua predisposição em pensar esse
sentimento como invasivo, destruidor e aterrador para o sujeito, construído no
espaço do vazio, do esmaecimento, e na desmesura do encontro com o nada. O
comparecimento da angústia é inevitável, ela é a única presença inadiável diante da
ausência anunciada: a da falta do objeto. O que nos é flagrante a partir dela é o
sofrimento, a dor na existência.
Estamos em contato neste capítulo com muitas das elaborações freudianas
sobre os desinvestimentos objetais: as perdas freudianas, o que ele diz sobre o luto
e a melancolia e outras patologias tais como a paranóia, a histeria, a obsessão, as
neurastenias, as neuroses de angústia enfim, estas patologias abrem espaço para
compreendermos a melancolização, visto ser ela resultado de um desenlace, no qual
somos afetados quando o objeto nos deixa.
Após a perda o vazio da dor e o grito desesperado são companheiros
inseparáveis, o desconforto do desamor e o desamparo servem a estes dois últimos
como aliados insubstituíveis. O eu é atingido pela lança da sombra do objeto que já
não existe mais, a não ser como uma ausência insuportável ao existir. Assim o
sujeito é arremessado no que é de fato seu anteparo de referência: as perdas
constitutivas do eu. Perdas estas que o levam ao encontro da experiência de uma
melancolia organizadora, ocorrendo ao sujeito quando se encontra neste estado
transitório o qual apresentamos como hipótese de trabalho. O sujeito tem a chance
59
de realizar uma atualização, atualizar significa, para o sujeito, fazer uso das
experiências anteriores, para enfim edificar sua próprias saídas subjetivas para o
desinvestimento vivido.
Desde então buscamos o que Abraham tem a nos dizer para acrescentar e
aprofundar as contribuições freudianas já que ele versa sobre os mecanismos que o
eu se reporta para suportar a ausência, mecanismos estes o quais ele denomina de:
introjeção, incorporação, e etapas pré-genitais da libido.
60
Capítulo 3:
Karl Abraham e as suas contribuições para a
hipótese da melancolização.
61
3.1. Freud e Karl Abraham:um pouco de história.
Vai minha tristeza e diz a ela que sem ela
Não pode ser, diz-lhe numa prece
Que ela regresse, porque eu não posso
Mais sofrer. Chega de saudade a realidade
É que sem ela não há paz, não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai...
Tom Jobim
Karl Abraham nasceu em Bremem, Alemanha em 3 de maio de 1877 e
faleceu em 25 de dezembro de 1925 aos 48 anos de broncopneumonia. Freud
escreveu em profundo pesar a morte de seu amigo Karl Abraham, Jones (1979,
p.674) “Quem poderia imaginar, quando nos encontrávamos todos juntos no Harz,
que seria ele o primeiro a deixar essa vida sem sentido... ninguém pode substituir
esta perda...”
No ano de 1901 Abraham terminou o curso de medicina. Em 1904, iniciou
seus estudos na obra de Freud através de Bleuler e Yung. Seu primeiro encontro
com Freud deu-se em 1907, desde então começou a fazer parte do “Comitê dos sete
anillos”. Abraham foi o primeiro psicanalista alemão a ter consultório privado, além
disto ele fundou em 1910 a Sociedade Psicanalítica de Berlim. Durante estes anos
de trabalho em meados de 1915, Freud e Abraham começam a se interessar pela
melancolia. Nesta época, segundo Jones (1979, p.517) “O tema mais importante que
Freud discutiu com Abraham em 1915 foi um tema de interesse comum a ambos, a
psicologia da melancolia” esta discussão apontou para algo extremamente
importante: a compreensão da sexualidade infantil. As primeiras comunicações de
62
Karl Abraham sobre o estágio pré-genital da libido foram realizadas na sociedade de
Berlim em 1913. Abraham foi o primeiro a propor termos tais como: pré-genital e o
estágio canibalesco, inclusive neste trabalho irá expor suas primeiras comunicações
sobre o estágio pré-genital da libido.
Desta data em diante até meados de 1924 ele e Freud estiveram juntos e se
corresponderam mantendo uma interlocução de amizade e trabalho por todo este
tempo. Anexo, no final do trabalho, trouxemos a nota necrológica que Freud
escreveu para homenagear Abraham em virtude de seu falecimento.
Assim dispomos em mão de um pequeno resumo do que foi a vida de
Abraham. Certamente teríamos mais de sua biografia a comentar, mas acreditamos
que os principais pontos estão evidenciados: a terna e produtiva amizade com Freud
e o seu interesse em trabalhar com o luto, a melancolia e as etapas pré-genitais da
libido, aspectos fundamentais para enriquecer nossa pesquisa. A partir de agora
descortinaremos o que Abraham traz de contribuição para a melancolização, assim
tentaremos construir e manter um diálogo entre ele e Freud.
3.2. Karl Abraham: as fases pré-genitais da libido, a introjeção e a
incorporação do objeto.
As questões clínicas contemporâneas nos levam a retornar aos estudos do
início da psicanálise, para clarificar o nosso entendimento sobre as sintomatologias
subjetivas constituídas em nossa época. Assim buscamos as construções de Karl
Abraham para nos auxiliar nesta procura visto ampliar alguns conceitos ditos por
63
Freud tais como o de incorporação e das etapas pré-genitais da libido. Em alguns
momentos de sua teoria ele é mais preciso que Freud, às vezes superando-o, em
outros retoma a escrita do companheiro de trabalho, para referendar suas
elaborações, sendo necessário, portanto, constantes idas e vindas a fim de
lograrmos êxito em nossas buscas.
Tal como Freud, Abraham traz referências de grande valor sobre o luto e a
melancolia, as quais buscamos, para investigar sobre a melancolização. O autor é
de fundamental importância, pois desliza em um solo bastante fértil de produção
baseado em sua própria experiência clínica. Ele indica, incansavelmente, durante o
seu trabalho, recortes de casos clínicos, ilustrando passo a passo o seu percurso
sobre a depressão, a mania, a neurose obsessiva e a melancolia. Ainda de uma
forma indelével percorre o escrito freudiano relativo ao tema, retomando sempre ao
ensino de Freud como indicamos acima.
No início de seu primeiro texto sobre o tema de (1911/1948a) “Notas sobre a
investigação e o tratamento psicanalítico da psicose maníaco-depressiva e estados
afins”, o autor destaca a importância de um estudo sobre a depressão, pois os
estados depressivos estavam presentes com grande recorrência em todos os
estados neuróticos e psicóticos, e até então não havia feito uma investigação
minuciosa sobre esta patologia este intento seria de suma relevância, para suas
conclusões futuras sobre estas psicopatologias.
Segundo o referido autor (1911/1948a, p.46) “Todo estado neurótico de
depressão, como todo estado de angústia vinculado, contém uma tendência a negar
a vida”. Abraham já começa a expressar neste material os sintomas cíclicos entre a
mania e melancolia e cita para ilustrar casos clínicos nos quais os pacientes sofrem
64
desta sintomatologia: casos de depressão breve, acompanhados de sintomas
típicos, e outros casos que apresentavam psicose maníaco-depressiva.
A depressão segundo ele, neste texto, apresenta-se como uma inibição
mental, semelhante ao que Freud indica nos Rascunhos como sintoma para a
melancolia, ou seja, a anestesia psíquica do paciente. Esta constatação dos dois
autores sobre a inibição mental indica algo como uma mitigação subjetiva, algo no
nível da pobreza do pensamento. Esta condição leva o paciente a adoecer, pois o
destitui do recurso de lutar contra o seu próprio sofrimento, como se estivesse
instalada sobre ele uma exaustão de si
3
.
Mais à frente Abraham evidencia uma relação auto-erótica como sintoma da
depressão, além do estupor depressivo observado no agravamento da patologia,
representando uma morte simbólica do paciente desencadeando dificuldades nas
relações dos pacientes com o mundo externo, tendendo a negação à vida
(1911/1948a, p.55) “O paciente não reage mesmo à aplicação de poderosos
estímulos externos, tal como se estivesse deixado de viver”.
A morte simbólica que Abraham expõe abre precedentes para discussão, tal
como a inibição psíquica citada acima, pois ela é representante exclusiva e
insubstituível da impossibilidade do sujeito de afirmar sua alteridade, ou seja, de
construir respostas para si, vemos então claramente uma interrupção, o sujeito assim
é só dor. O sujeito melancólico fica aprisionado na dor, e então se perde, caindo em
um estado de torpor, de miséria, do que pode ser dito sobre si, segundo Abraham
(1911/1948a, p.55), “De certo modo a libido do paciente desapareceu do mundo, por
3
Birman (2005) um autor contemporâneo, refere-se a esta condição subjetiva dizendo ser, (p.105) “Perda do
domínio de si”.
65
assim dizer. Enquanto que outras pessoas podem investir sua libido nos objetos do
mundo externo ele já não possui semelhante capital para gastar”.
Em uma carta a Freud datada de 31 de março de 1915, fica explícito que
neste período eles estudaram intensamente sobre a psicologia da melancolia.
Abraham já diz sobre as auto-acusações do melancólico:
na análise de meus pacientes melancólicos tenho encontrado
demasiada violência e criminalidade. As auto-acusações estão
indicando emoções hostis reprimidas. A total inibição motora permite
suspeitar também ter sido necessário converte-la numa forte
inocuidade dos impulsos motores. A maneira como o melancólico
atormenta aos que o rodeiam é resultado.Desta mesma
tendência...de acordo com minha experiência ele se identifica
efetivamente com seu objeto amoroso, não podendo suportar sua
perda. Psicomundo el sitio de la melancolia – www.herreros
.com.ar/
melanco. Acessado em 15/06/2007
Ele antecipa isto com muita propriedade, pois propõe neste dito o que
realmente aprisiona o sujeito, a incapacidade mesmo que momentânea, de construir
as suas singulares respostas para os desmoronamentos que o afetam, por se sentir
empobrecido na sua capacidade de restabelecer-se.
O autor apresenta neste mesmo texto (1911/1948a) um caso clínico, onde o
paciente em sua fase depressiva apresentava disposição mental apática, desejava
morrer, tinha idéias de suicídio, sofria de exaustão e sensação de opressão na
cabeça. Ainda neste caso o paciente apresentava crises de melancolia e de
hipomania. Segundo Abraham as crises maníacas estão relacionadas ao mesmo
66
complexo causador da depressão, o que se modifica é a relação do paciente com
seu complexo.
É importante a aferência abrahaniana sobre a depressão, pois ainda
acrescenta que estes estados depressivos trazem em sua sintomatologia estados de
intenso sentimento de culpa constituídos em função de forte necessidade de
vingança, quanto maiores os desejos de vingança maior a culpa. O autor acredita
haver, portanto, uma considerável dose de sadismo reprimido em seu inconsciente.
Neste ponto parece-nos que Abraham apresenta algo semelhante ao que Freud nos
indica para a melancolia (as auto acusações e o auto-envilecimento), e que
comentamos anteriormente no capítulo 2 deste trabalho, a conduta do supereu nos
estados depressivos e melancólicos, presente nos sentimentos de vingança e culpa
experimentados pelo paciente. Indicando então, que o sadismo reprimido está
diretamente ligado à depressão, a ansiedade e auto-acusação do paciente.
Assim ele chega à conclusão que a repressão do sadismo o conduzirá a
uma atitude passiva, em que o paciente sentirá prazer no seu sofrimento ele então
conclui na mesma página “O mais profundo sofrimento de melancolia contém uma
fonte oculta de prazer”.
Assim vamos visitar outro escrito de Abraham, para adentrar em nossa
investigação sobre as fases pré-genitais. Abraham em seu texto “Investigações
sobre a primeira fase pré-genital da libido” (1916/1948b) neste retoma a leitura
realizada em (1905/2003b), nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”
indicando a proposta freudiana sobre a pulsão, o auto-erotismo e as zonas
erógenas, concluindo então que ainda há muito a descobrir sobre isso.
67
Na tentativa de elucidar o que disse, ele apresenta um caso clínico para
dizer da fixação oral, genital e anal de um paciente seu o qual tinha o hábito de
brincar com suas fezes, de deglutir seu sêmem, além de ter o hábito de beber
constantemente leite, pois dizia sentir um prazer especial ao ingeri-lo, de acordo com
Abraham (1916/1948b, p.106):
Costumava flexionar a língua para cima e apertá-la por trás dos
dentes superiores contra o palato, e logo sugava nesta posição o
leite. Este não podia estar quente ou frio, mas sim à temperatura do
corpo. Assim procedendo, obtinha uma sensação particularmente
agradável. Acrescentou espontaneamente: “é como se estivesse
chupando o seio, chupo minha própria língua como se ela fosse o
mamilo”.
O paciente incorporava literalmente o objeto, se não encontrava leite
masturbava-se, mantendo uma vivência extremamente corporal. Toda sua libido
girava em torno da esfera física, havendo uma intensa fixação oral. O paciente
encontrava-se somente pela via da concretude e não da representação, deixando
clara a evidência de um sujeito preso à própria carne, não se deslocando em busca
de outros objetos.
Este caso indica o aprisionamento do paciente no sentido de uma busca de
satisfação lidimamente pulsional, assim como percebemos na atualidade, pacientes
que não conseguem estabelecer qualquer deslocamento para além de seu próprio
68
corpo, então cortam, rasgam, injetam o corpo para ver se encontram a própria alma
4
.
Adiante Abraham contribui com uma referencia essencial na sexta parte deste texto
(1916/1948b, p.121):
Não há dúvida de que na pessoa normal a satisfação das
necessidades sexuais exerce influencia sobre a estabilidade seu
estado de ânimo. Mas também é indiscutível que o sujeito normal
pode tolerar, dentro de certos limites, a falta temporária de sua
satisfação habitual, sendo capaz de proporcionar certas gratificações
substitutivas ao longo da linha da sublimação. Isto serve também
para uma grande parte dos neuróticos, mas outros, exibem maior
intolerância frente a qualquer diminuição de seu prazer costumeiro,
intolerância que é tanto mais aguçada quanto menos sua vida estiver
afastada do nível infantil. Eles são muito semelhantes a crianças
“mimadas”. Sua libido exige incessantemente pela satisfação
costumeira.
Desta forma, podemos verificar que a pouca tolerância a restrições é
diretamente ligada a uma vivência pré-genital, visto que o sujeito neste momento
ainda ligado às necessidades primárias básicas, e em processo de construção das
suas relações com o objeto, está por eleger objetos além de seu próprio corpo.
Assim aludimos que de fato estamos em tempos de retorno a uma pulsionalidade
infantil, egóica e narcisista; a urgência do prazer está em evidência.
Nos escritos “Notas sobre a investigação e o tratamento psicanalítico da
psicose maníaco-depressiva e estados afins” (1911/1848a), e de “O primeiro estágio
pré-genital da libido” (1916/1948b) Abraham já nos mostra em muitos casos clínicos
os quais evidencia no correr dos textos, a fixação nas etapas primitivas de
4
Assim Kristeva (2002) afirma que (p.14 e 15) “o sofrimento prende ao corpo ele somatiza” a autora acrescenta
adiante, “A vida psíquica do homem moderno situa-se entre os sintomas somáticos... e a transformação dos
desejos em imagens”.
69
construção da libido, evocando assim, pontos de parada subjetiva, de estancamento
psíquico.
Vejamos o que Abraham nos diz sobre os desinvestimentos objetais. Karl
Abraham em seu texto de (1924/1948c) revê as considerações freudianas sobre a
melancolia, ratificando que o sujeito melancólico possui uma intensa necessidade de
recuperar de alguma forma o objeto, o que ele denomina de introjeção (1924/1948c,
p.189) “... o inconsciente contempla a perda do objeto como um processo de
expulsão excrementícia e a sua introjeção como um processo de incorporação oral”.
Neste mesmo texto “Breve estudo do desenvolvimento da libido visto à luz
das perturbações mentais” (1924/1948c) ele retoma o que escreveu nos trabalhos
anteriores, datados de (1911 e 1916), mas sempre dizendo que as idéias primeiras
eram apenas tentativas incertas do que estava se propondo a explicar até então; no
entanto ele foi muito preciso nos trabalhos pretéritos, quanto ao que escreve sobre a
depressão e a fixação da libido em momentos tão rudimentares da formação do eu.
Ele inicia o texto fazendo uma diferença entre os estados maníaco-
depressivos, e os estados obsessivos, ele indica que os estados maníaco-
depressivos têm caráter intermitente, ora se manifestam ora não, já os obsessivos
possuem caráter crônico, e em alguns casos a doença se apresenta em forma de
crises agudas que são semelhantes a surtos periódicos de melancolia. Conclui
dizendo, que com o tempo estes estados transformam-se um no outro.
À frente ele afirma que todas as psicopatologias cíclicas possuem um
intervalo livre, e neste período de espaço entre uma crise e outra os pacientes
constituem sintomas com os mesmos aspectos da neurose obsessiva encontrando
70
assim uma saída através da neurose (isto nos parece salutar para o paciente). Karl
Abraham explicita haver nos pacientes maníaco-depressivos, estados de depressão
e de mania, dando continuidade a sua escrita do texto anterior, de (1911/1948a)
“Notas sobre a investigação e o tratamento psicanalítico da psicose maníaco-
depressiva e estados afins”.
A partir disto, ele considera então, que os sintomas obsessivos se encontram
frequentemente nos casos de melancolia, tal como os melancólicos apresentam
sintomas obsessivos. Comenta por várias vezes durante o texto, ainda não possuir
conhecimento suficiente sobre o luto e a melancolia, assim como citou anteriormente
sobre a depressão, mas através de uma análise profunda, promete poder perceber
as relações entre a perda do objeto, e o retorno às fases primitivas do
desenvolvimento tão freqüente em seu pacientes.
Karl Abraham retoma o que escreveu sobre as etapas pré-genitais em
(1916/1948b), expondo novamente as fases pré-genitais da libido, como o que há de
mais arcaico no desenvolvimento do sujeito, considera este aspecto, e indica haver
algumas psiconeuroses que trazem traços desta época do desenvolvimento, tal
como a melancolia. Segundo Abraham o melancólico apóia-se em retornar a uma
fase muito primitiva da vida instintiva, porque na sua constituição psíquica há pontos
de fixação nesta fase. O sujeito retoma a esta fase por que nela há uma experiência
melancólica primitiva, desta forma as respostas que se utilizará, tomará como base
esta vivência arcaica.
Ele aposta ser a melancolia acompanhada de intensos sentimentos de
desprazer, e esta quantidade de desprazer sentida pelo sujeito está relacionada ao
processo de escolha da neurose na vida instintiva. O autor propõe, que a melancolia
71
possui duas fases: a perda do objeto de amor, e a recuperação do mesmo. Este
resgate do objeto aconteceria através de mecanismos orais canibalescos
(1924/1948c, p.166) “... como no processo da introjeção do objeto de amor constitui
uma incorporação do mesmo, em harmonia com a regressão da libido ao nível
canibalesco”. O sujeito perde o objeto e depois o introjeta, recolocando o objeto em
si.
Assim ele chega a elucidar que a psicose maníaco-depressiva e a neurose
obsessiva possuem intensa ligação com a mesma fase pré-genital da libido, a etapa
sádico-anal, porém cada uma possui suas próprias particularidades, inclusive com
relação ao objeto eleito segundo Abraham (1924/1948c, p.172 e 173):
A ameaça da perda do objeto no neurótico obsessivo e a perda no
melancólico significam, para o inconsciente de cada um, a expulsão
do objeto no sentido de uma expulsão física das fezes.
A reação à perda expressa pelo paciente está de acordo com as suas
elaborações inconscientes, afirmando que qualquer sujeito pode responder as
perdas recorrendo a analidade. Assim ele considera que isto se trata de uma forma
“arcaica de luto” (1924/1948c, p.173).
Podemos aludir, portanto, que Abraham deixa algo bem evidente com
relação às reações corporais a partir das perdas, e declara a dificuldade de viver o
luto, onde o sujeito recorre a recursos arcaicos de si em função da abreviada
condição de desligar-se dos objetos. Concordamos que não é nada fácil deslocar a
72
libido para novos objetos, assim já dizia Freud, e Abraham não diz o oposto, e em
conseqüência disto um trabalho de luto não chega termo, nem é transcorrido sem
sofrimento, mas precisa acontecer, o objeto não pode ser substituído, mas pode
ocupar o lugar da representação.
Abraham acrescenta ser estes mecanismos arcaicos a base da introjeção,
sendo assim o jogo se mantém, introjetar para incorporar e recompor o objeto.
Abraham deixa claro quando afirma (1924/1948c, p.173): “O inconsciente dos
neuróticos nega ou afirma a perda por meio da linguagem orgânica a qual estamos
tão familiarizados”.
Familiarizados porque já tivemos contato com esta experiência em um
momento precoce do desenvolvimento, onde fazíamos uso da introjeção e da
incorporação: da oralidade e da analidade. Nesta fase ao perdermos os objetos de
amor, utilizamos o que Abraham nos indica como a incorporação oral e a excreção
anal. Este processo vivido no início da vida não tem ainda uma referência
psicopatológica e sim organizadora do eu. Aqui podemos ser esteados por Klein
(1940/1996) quando fala da posição depressiva do bebê (p.385):
A perda de uma pessoa amada reativa a posição depressiva infantil,
e que a habilidade de entrar em luto e se recuperar depende da
posição depressiva da infância... O principal é que a perda do objeto
bom externo provoca uma sensação inconsciente de também ter
perdido um objeto bom interno.
Adiante ela acrescenta (p.388):
73
o objeto que desperta o luto é o seio da mãe, juntamente com tudo
aquilo que o seio e o leite passam a representar na mente do bebê: o
amor, a bondade e a segurança. O bebê se sente como se isso tudo
estivesse perdido como resultado de suas incontroláveis fantasias e
impulsos destrutivos, e vorazes contra o seio da mãe.
Segundo Abraham o melancólico ao perder o objeto tenta de alguma forma
recuperá-lo. O autor arrola também ser a introjeção um mecanismo presente nos
neuróticos, nas pessoas normais e nos melancólicos; no melancólico a introjeção é
uma forma de manter o objeto junto de si, utilizando este mecanismo no afã de negar
radicalmente o desaparecimento do objeto.
Aqui ele faz distinções entre o luto e a melancolia reafirmando que a
introjeção também ocorre em pessoas sadias e no neurótico deixando bem claro
nesta frase ser a melancolia uma afecção que faz referência à psicose; a colagem do
objeto. Nos dirijamos, portanto, as diferenciações realizadas por ele (1924/1948,
p.184):
No sujeito normal “No sujeito normal o processo é colocado em ação por
uma perda real (morte) seu propósito maior é preservar a relação do indivíduo com o
objeto morto. A pessoa nunca perde o conhecimento consciente de sua perda coisa
que ocorre no melancólico”.
No sujeito melancólico:
74
o processo de introjeção no melancólico está baseado num distúrbio
radical das relações libidinais com o objeto, manifestando-se em um
severo conflito de sentimentos ambivalentes que somente pode
escapar voltando contra si mesmo a hostilidade que originalmente
seria dada ao objeto.
Algo mais é indicado por Abraham sobre a introjeção, no entanto ele expõe
que se trata de um processo do “luto normal” (1924/1948c, p.181) “... no processo
normal do luto a pessoa reage à perda do objeto real realizando uma introjeção
temporária da pessoa amada”, para ele o luto do sujeito normal tem a referência de
uma perda real, genuinamente falando, o sujeito nunca perde o contato consciente
com a realidade.
Assim como Freud diz em “Luto e melancolia” (1915[1917]/2003g) que na
melancolia o sujeito não tem conhecimento do que perdeu com o desinvestimento do
objeto.
O melancólico em seu inconsciente estabelece a introjeção através de uma
incorporação oral e a perda como um processo de excreção anal. O autor baseia-se
nisto, através de um caso clínico onde o paciente tem a fantasia de ingerir
excrementos encontrados na rua, pois havia expelido o objeto amado também sob a
forma de excremento, deste modo, com a ingestão, ele encontraria novamente o
objeto amado.
Abraham tal como Freud nos Rascunhos e em “Luto e melancolia”
(1915[1917]/2003g) referem-se novamente sobre o retraimento da libido do
melancólico. Freud inclusive trata como já dissemos no capítulo dois deste trabalho,
da “submissão do ego” em outras psicopatologias tais como: na neurose obsessiva,
75
na paranóia e na histeria, Assim ele concorda com Freud quanto ao trabalho do ego
e a sua dificuldade de organizar-se para suportar as perdas.
Tal como Freud, Karl Abraham tenta buscar a causa da “escolha das
neuroses”, para responder aos sintomas evidenciados pelos seus pacientes. Freud
busca responder a etiologia das neuroses, através da sexualidade e da
hereditariedade. Para ele a etiologia da melancolia, é composta de fatores
constitucionais; nas famílias dos seus pacientes, havia sempre alguém que havia
desenvolvido alguma neurose.
Pensando tal como Freud, pela via do hereditário, Abraham demonstra algo
mais; que havia a hipótese também, de uma especial fixação na libido no nível oral,
já que seus pacientes sempre traziam a lembrança de experiência orais da infância.
O autor tratou inclusive de um caso onde o paciente em seus momentos depressivos
era dominado pelo “desejo do seio da mãe” (1924/1948c, p.203) concluindo que se o
desejo do sujeito permanece ligado a esta fase quando este se torna adulto, o
paciente apresenta uma marca psíquica relevante para padecer de melancolia.
O autor propõe ainda ser parte da etiologia da melancolia como já citamos
anteriormente, uma grave lesão ao narcisismo infantil, e também a ocorrência de um
primeiro desapontamento amoroso e a repetição deste desamor na vida adulta.
Acrescenta ainda que para diagnosticar o paciente como melancólico, ele deveria
apresentar todos estes sintomas. De forma que estes sintomas vistos de forma
isolada, poderiam fazer parte da etiologia de qualquer psiconeurose.
Desde então o autor tenta articular como se dá a escolha da neurose, e se
pergunta, porque o sujeito não se torna histérico ou obsessivo, e sim um paciente
76
maníaco-depressivo. Em um primeiro momento diz (1924/1948c, p.201): “Não há
alguma dúvida de que um ataque de depressão melancólica é precedida por um
desengano amoroso”.
Não um desengano amoroso qualquer, mas intrincado por um intenso
sofrimento, pois remete ao paciente a uma perda anterior, ou seja, a forma como o
sujeito responde ao desenlace presente, está relacionada aos desinvestimentos do
passado, do início de suas construções inconscientes. Ante o exposto o desvincular-
se do objeto amoroso joga o sujeito em uma repetição de uma experimentação já
assistida por ele. No entanto Abraham abre outro dado surpreendente e diz que em
nenhuma outra forma de neurose este desabamento do sujeito é tão freqüente
quanto nas psicoses maníaco-depressivas. A melancolia segundo Abraham, surge
exatamente do fracasso em tentar reviver a experiência primária de prazer. Em
consonância a isto vamos fazer uso de um fragmento de caso explicitado por
Abraham (1924/1948c, p.214):
Nos anos que se seguiram efetuou tentativas de conseguir um amor
objetal bem sucedido e todo fracasso a respeito se traduzia em um
estado mental que não era mais que uma réplica exata de sua
paratimia primária. A tal estado mental designamos o nome de
melancolia.
Como visto estes vínculos iniciais, ou seja, as essenciais experiências de
prazer junto aos objetos como diz Klein (1940/1996), o contato com o seio, e com os
primeiros objetos de amor, a internalização de objetos bons e maus, nos servem de
sustentáculo para a estruturação do eu, assim afirma Klein (1940/1996, p. 388):
77
Assim se constrói um mundo interior no inconsciente da criança,
mundo este que corresponde as suas experiências reais e as
impressões que recebe da pessoa e do mundo externo, que no
entanto são alteradas pelas suas próprias fantasias e impulsos
.
As desilusões ocorridas junto a estes objetos ferem o narcisismo infantil e a
repetição destas experiências de desamor são percebidas como fortes golpes no eu,
sentidos por não ser correspondido em função da fantasia de completude e de não
divisão, entre a criança e seu primeiro objeto amoroso: a mãe, Klein (1940/1996,
p.387):
Em minha opinião, há uma íntima ligação entre o teste de realidade
no luto normal e os processos arcaicos da mente. Afirmo, portanto,
que a criança passa por estados mentais comparáveis ao luto do
adulto, ou melhor, que o luto arcaico é revivido sempre que se sente
algum pesar na vida ulterior
Isto afirmado por Melanie Klein leva-nos a compreender a forma como é
muitas vezes encarado o desamor pela criança, como uma condição aniquiladora
para o eu infantil, por ser impossível suportar o desapego, para agregar-se a outros
objetos. Abraham diz que a repetição de uma frustração amorosa atinge ao sujeito
de forma fatal, todo o desencanto ocorrido no presente volta-se para ele, levando-o a
rever todo o mal-estar sentido por ter atingido pelo desamor de quem dedicou todo o
seu amor no passado e não foi correspondido, enfim como fantasiara e supusera ser
78
narcísicamente o seu vínculo com o objeto, o sujeito fere-se na sua expectativa de
ser amado.
Como exemplo ele diz que o melancólico diante de suas auto-acusações
contra si deseja afetar quem o abandonou. Ele conclui que a origem da melancolia
está na afetação amorosa ocorrida em uma fase rudimentar do seu desenvolvimento
e em virtude da repetição na vida adulta ele vem à tona, e a melancolia se manifesta.
Este momento libidinal o qual o sujeito regride após a perda do objeto, está
imiscuído de ambivalência, há um intenso sentimento de amor e ódio com o objeto,
que submete ora a buscá-lo, ora a odiá-lo por ter sido abandonado. Este sentimento
de ambivalência encontra a sua origem em momentos muito primitivos do
desenvolvimento. Já comentamos acima, onde ele indica que há uma diferença entre
a fase oral e a fase sádico-anal.
Na primeira fase da libido da criança o que Abraham chama de pré-
ambivalente, a criança suga, e ainda não percebe a diferenciação entre ela e o seio,
não há ainda sentimentos de ambivalência, de amor e de ódio, pois ela é uma
extensão materna. A segunda fase expande-se para o processo sádico, como visto,
esta constatação é fundamental para melancolia, pois impõe o impulso de morder,
destruindo, ao passo que retém o objeto. Ao mesmo tempo em que introjeta, ela faz
com que o objeto retorne, e o destrói canibalescamente, voltando mais adiante a
retê-lo através da fase sádico-anal.
Para Karl Abraham, o sujeito considera o objeto amado, como parte de si,
sobre o qual mantém propriedade, dedicando ao objeto o mesmo tratamento que
oferece às suas fezes. Sendo assim mediante ao desaparecimento do objeto o
79
sujeito retoma a algo primitivo do seu desenvolvimento, indicando que a perda do
objeto no sujeito melancólico está relacionada para o inconsciente tal como a
expulsão das fezes. Neste sentido, o eu terá que suportar todas estas oscilações
(1924/1948c, p.240):
Etapas de organização libidinal-----------------------------Etapas do amor objetal
I - Etapa oral primária (sucção) -------------------------------- Autoerotismo (Pré-
ambivalente/ anobjetal)
II - Etapa oral secundária (canibalística)---------------------Narcisismo (Incorporação
total do objeto) ambivalente.
III - Etapa anal-sádica primária---------------------------------Amor parcial com
incorporação (ambivalente).
IV - Etapa anal-sádica secundária-----------------------------Amor parcial (ambivalente).
Abraham acrescenta (1924/1948c, p.241):
Na melancolia, a capacidade do amor objetal do sujeito está
especialmente pouco desenvolvida e portanto se o indivíduo adoece,
sua tendência em incorporar na forma canibalesca domina,
coincidindo com a regressão de sua libido segundo a etapa indicada
no quadro anterior.
80
Abraham (1924/1948c) conclui seguindo o raciocínio de Freud e
compartilhando também de nossa exposição do pensamento de Rabinovich (1988) o
qual expusemos no início do trabalho que o inconsciente do adulto contém muitos
traços das fases anteriores de sua vida psicossexual. O autor afirma, portanto, que
nas pessoas sadias esta vivência dos momentos primitivos, da vida se revela na
experiência onírica.
Podemos compreender, por conseguinte, que remontar esta experiência
arcaica através dos sonhos é uma forma de construção representativa e simbólica
indicando assim que algo que remeta a incorporação e a introjeção propriamente dita
é da ordem do patológico. Mas nem sempre foi assim, esta experimentação da
incorporação e introjeção são fundamentais para a estruturação do eu. Aqui estamos
investigando qual o recurso subjetivo utilizado pelo sujeito para suportar a perda do
objeto. Abraham deixa claro haver uma introjeção temporária do objeto, este
mecanismo é revelado ao sujeito em um momento precoce da vida. Ao perdermos
um objeto, vamos buscar referências como Abraham diz em nossas estruturas
básicas.
Este resgate da organização arcaica do desenvolvimento do sujeito não é
psicopatológico. O que é de fato psicopatológico para ele é a fixação nesta fase, ou
seja, quando o sujeito não consegue desemaranhar-se dela. Embora todo sujeito
tenha resquícios destes momentos precoces, eles não se configuram como
psicopatológicos. A psicopatologia consiste quando o sujeito ao viver a perda do
objeto amoroso não consegue realizar uma retificação, se fixando e então submete-
se a linguagem dos órgãos como Abraham mesmo diz.
81
Abraham vem nos dizer então que os aprisionamentos libidinais da infância
levados à vida adulta são indiscutivelmente da ordem de um adoecimento psíquico.
Este dado é fundamental e tangencia fortemente a nossa clínica de cada dia,
pacientes presos à oralidade, analidade, enfim, ao corpo; e desta forma encontramos
cada vez mais depressivos, bulímicos, anoréxicos, drogaditos, álcool-aditos, sexo-
aditos. Introduzindo ao corpo o psicotrópico, o alimento, o sexo, o álcool enfim
qualquer objeto que lhe traga prazer e sensação de completude.
Neste momento de nosso trabalho, acreditamos ser necessária uma pausa,
para alguns esclarecimentos conceituais já que estamos trazendo a discussão três
autores que juntos produziram intensamente em função da clínica e da psicanálise.
De acordo com o quadro de categorias, (anexo) neste trabalho, para facilitar a
visualização do leitor, elencamos a introjeção do objeto, a incorporação do objeto, a
identificação do objeto e as etapas pré-genitais da libido.
O que nos preocupa é esclarecer aqui as diferenças conceituais entre a
introjeção e a incorporação para Abraham e Ferenczi, já que o relativo às etapas pré-
genitais da libido e a identificação não apresentam problemas junto às construções
argumentativas dos autores. O conceito de introjeção do objeto para Abraham é
parte do mecanismo da incorporação do objeto, ou seja, são complementares. Já
para Ferenczi não, a introjeção do objeto é o próprio funcionamento do aparelho
psíquico, a incorporação no caso é a impossibilidade de introjetar.
Assim, neste capítulo, referimo-nos a introjeção e a incorporação de acordo
com o pensamento de Karl Abraham. No capítulo seguinte, utilizaremos a mesma
proposta com Sandór Ferenczi. Segundo estudiosos sobre a obra dos dois autores
Nicolas Abraham e Torok (1995, p.222) “A maior parte dos caracteres falsamente
82
atribuídos a introjeção vale, ao contrário para o mecanismo fantasmático que
constitui a incorporação”.
83
Capítulo 4:
Ferenczi: o momento transitório após as
perdas e a introjeção.
84
4.1. Ferenczi e Freud:
Quem acha vive se perdendo;
por isso agora eu vou me defendendo;
da dor tão cruel desta saudade;
Que por infelicidade;
meu pobre peito invade...
Noel Rosa e Vandico
Ferenczi nasceu em Miskolk na Hungria em 07 de julho 1873 e faleceu em
24 de março de 1933 próximo de completar 60 anos em conseqüência de problemas
respiratórios complicados por uma anemia perniciosa. Em 1907 ele inicia seu contato
com Freud durante anos de 1908 a 1933, se corresponderam em um total
aproximado de 1.200 cartas, segundo Jones (1979, p.392) “A correspondência entre
ele próprio, Karl Abraham e Ferenczi provocaram os comentários científicos mais
valiosos” de 1914 a 1916 fez análise com Freud.
Ferenczi como psiquiatra e psicanalista sempre foi alguém interessado em
curar e minimizar a dor e o sofrimento de seus pacientes era conhecido como um
profundo interessado pelos “casos difíceis”, patologias de tratamento pouco
conhecido para a época como a psicose. Nesta postura de trabalho foi escritor de um
“Diário clínico” concluído em 1932, e somente publicado 40 anos depois. Esta
demora na publicação foi justificada por Michael Balint, dizendo ter sido necessária,
para que as divergências conceituais entre ele e Freud fossem esquecidas do
grande público que acompanhou durante anos de parceria, para lembrarem então
somente de dados relevantes para o conhecimento científico, legado construído
entre o aprendiz e Freud produzido através da sutileza desta história de produção
85
científica, divergências, amizade e parceria. Consta anexo a carta póstuma, uma
homenagem freudiana a Ferenczi, motivado por seu falecimento.
4.2. Ferenczi e a introjeção do objeto.
Ferenczi traz uma contribuição ímpar sobre as respostas subjetivas,
mediante as perdas, as quais utilizamos para destinarmos uma pluralidade de saídas
ao desinvestimento objetal. A princípio iremos falar de um mecanismo, o qual ele
elege como primordial para o funcionamento psíquico: a introjeção
5
.
O termo introjeção foi criado por Ferenczi, embora tenha ganhado outros
significados para outros autores; aqui priorizamos pelo significado indicado por
Abraham e Freud. Para Ferenczi a introjeção é de fato o genuíno funcionamento do
aparelho psíquico; é a forma pela qual apreendemos o mundo, os objetos e a
capacidade de simbolizar. Isto ele começa a revelar em seu texto “Transferência e
introjeção” (1909/1988a) neste texto ele relaciona a introjeção ao mecanismo da
transferência, onde o sujeito elege como objeto de amor tudo o que pode
estabelecer uma transferência consigo, assim diz Ferenczi (1909/1988a, p.36):
O neurótico busca incluir em sua esfera de interesses uma parte tão
grande quanto possível do mundo exterior, para torná-lo objeto de
fantasmas conscientes ou inconscientes... O neurótico está em
perpétua busca de objetos de identificação, de transferência; isto
significa que lê atrai tudo o que pode pra a sua esfera de interesses,
ele “introjeta”.
5
Tal como esclarecemos no capítulo anterior, aqui trataremos as categoria teóricas: introjeção e incorporação do
objeto de acordo com a argumentação do autor que está sendo apresentado no capítulo; neste caso vamos tratar
da concepção ferencziana destes dois conceitos.
86
Ele deixa claro ser o eu o preenchido por tudo aquilo que é capaz de
introjetar. A introjeção significa, portanto, ter acesso à linguagem e a capacidade de
representar. Pinheiro (1995, p.49):
A introjeção é assim a responsável pela inclusão na esfera psíquica
das representações e suas associações entre si, determinando e
permitindo ao sujeito estruturar-se narcisicamente... A introjeção
como primeiro movimento psíquico, traria o esboço de formação
egóica, sem que esta instância sequer tivesse sido vislumbrada.
Para Ferenczi, isso acontece desde as primeiras experiências infantis as
quais a criança introjeta os objetos oferecidos a ela. Segundo Ferenczi, a criança no
princípio da vida no nível da necessidade ama a saciedade, pois a liberta da fome,
depois ama a mãe, pois é através dela que a sensação de fome é amenizada, então
ele conclui que (p.37) “O primeiro amor objetal, o primeiro ódio objetal é, pois a raiz,
o modelo para toda transferência ulterior”, ou seja, servem de parâmetro para a
eleição posterior de outros, e diferentes objetos.
O mecanismo da introjeção é sem dúvida, diretamente proporcional ao
acesso às representações simbólicas. Ulteriormente ele versa sobre o mesmo tema,
em um novo escrito dando continuidade ao texto de (1909/1988a), assim acrescenta
em seu texto “O conceito de introjeção” (1912/1988b, p.61):
87
Descrevi a introjeção como a extensão ao mundo exterior, do
interesse, de origem auto-erótica, pela introdução de objetos
exteriores na esfera do ego. Insisti nesta “introdução” para sublinhar
que considero todo amor objetal (ou toda transferência) como uma
extensão do ego ou introjeção. É a essa união entre os objetos
amados e nós mesmos, essa fusão desses objetos com o nosso ego,
que chamei de introjeção.
Para Pinheiro (1995, p.45):
A introjeção é um processo do aparelho psíquico, longo, complexo e
extremamente laborioso. Não é um fenômeno isolado que ocorra de
maneira aleatória... e o objeto nada mais é que o suporte daquilo que
visa a introjeção, ou seja, a apropriação das representações
investidas das quais o objeto é portador.
Iniciamos a fala sobre Ferenczi enfatizando a introjeção, pois para ele tem
um sentido bem diferente do que Karl Abraham e Freud descrevem. Para eles a
introjeção é um mecanismo utilizado para negar a finitude do objeto, assim o sujeito
introjeta-o, utilizando como mecanismo complementar a incorporação, sob a ânsia de
não mais perdê-lo, pois fazendo assim parte do corpo do sujeito incorporado, ou
seja, jamais desaparecerá mantendo-se fantasmaticamente nesta condição.
O que Ferenczi deixa claro no seu trabalho, é que o sujeito não utiliza o
mecanismo da introjeção somente mediante as perdas, tal como afirmam Abraham e
Freud, já que este é o modo de funcionamento do psiquismo. Uma perda não é
capaz de fazê-lo parar, ou seja, lidar com as perdas é mais uma de suas atribuições
o que de fato teria esta função, é o fenômeno da incorporação, posteriormente
88
indicado por Nicolas Abraham e Torok (1995) estudiosos sobre a obra de Ferenczi,
que partindo de suas inferências, postularam algo sobre este fenômeno.
De acordo com a interpretação destes autores fica bastante evidente que a
introjeção conceituada por Ferenczi (1995, p.222) “tem um papel mediador para o
inconsciente”, ou seja, algo que permita o seu funcionamento. Tomando como base
o pensamento ferencziano, a incorporação é justamente a impossibilidade de
introjetar, e então o sujeito alucina o objeto, isto sim é capaz de causar o sofrimento
psíquico, a não a condição de organizar psiquicamente a ausência, o que seria o
resultado da escolha melancólica, tal como nos declara Abraham e Torok (1995,
p.222):
A maior parte dos caracteres atribuídos à introjeção vale, ao
contrário, para o mecanismo fantasmático que constitui a
incorporação. É esse mecanismo que supõe, para entrar em ação,a
perda de um objeto, e, isso, antes mesmo que os desejos que o
concernem sejam liberados. A perda seja qual for sua forma, agindo
sempre como interdito, constituirá para a introjeção um obstáculo
intransponível. Como compensação do prazer perdido e da introjeção
ausente realizar-se-á a instalação do objeto proibido no interior de si.
É essa a incorporação propriamente dita.
Quanto à incorporação Karl Abraham também contribuiu sobre este princípio,
quando fala sobre os rituais canibalescos, e da ambivalência deste processo, onde o
alvo é resgatar e trazer para o próprio corpo, o objeto perdido, como já esclarecemos
anteriormente.
Já que estamos dissertando sobre as perdas, vejamos como estes
mecanismos se comportariam em cada um destes processos. No luto a ausência é
89
de fato introjetada, ao passo que após todo um processo doloroso, pois não é sem
sofrimento que o luto se faz, o sujeito é capaz de, em um dado momento, ampliar
novamente seus investimentos e fazer circular o seu desejo. Na melancolia a
introjeção é impossível, o sujeito extasiado pelo objeto, não consegue lidar com a
sua finitude a ausência é enfim destruidora para o eu melancólico, resta ao sujeito
então incorporar o objeto submeter-se a sua ausência.
Como podemos pensar sobre isso na melancolização? Indubitavelmente o
sujeito fica impedido de introjetar, logo que em um primeiro instante ele não conhece
ainda o rumo a tomar. Findado isto, ele tem como uma saída subjetiva recorrer ao
trabalho de luto e então introjetar a perda. Devemos considerar que nem todos serão
tomados pelo luto; alguns permanecerão presos, evidenciando que algo falhou; o
psíquico agiu como se tivesse o seu ritmo e capacidade de atuar diminuído, assim de
acordo com Ferenczi o psíquico como um aparelho de linguagem, locus da
introjeção, entra em colapso.
Teresa Pinheiro escreve muitas articulações significantes sobre este
processo e então nos diz (1995, p.65): “Não é sem perdas que as instâncias
psíquicas se formam...”, a patologia instala-se, quando o aparelho psíquico não
consegue seguir o seu funcionamento, seu curso normal enfim, o eu rendido não
encontra espaço para introjetar, ficando então congelado, paralisado pela perda.
Para prosseguirmos neste momento do trabalho iremos discutir outras
contribuições de Ferenczi, já que esclarecemos aspectos cruciais para nossa
discussão sobre a introjeção e a incorporação. Acreditamos ser pertinente conduzir
algum comentário sobre o que Ferenczi apresenta utilizando como referência a sua
concepção de trauma, pois se trata do suporte de muito do que ele escreve em sua
90
obra, além disso, nos servirá quando estivermos adiante contextualizando o que
propõe sobre o desmentido, e a relação entre o trauma e a melancolia.
4.3. O trauma, a confusão de línguas, e o desmentido ferencziano.
Para Ferenczi o trauma funciona como um princípio organizador do
psiquismo humano, ele sempre rompe o funcionamento psíquico, com uma nova
experiência. Segundo Pinheiro (1995, p.65) “A castração é o exemplo máximo disto”
visto que é um processo de inserção do sujeito humano na cultura.
Para Ferenczi o trauma não é relacionado somente a uma cena sexual (tal
como Freud pensava nos primeiros tempos da psicanálise, ao passo que depois
desligou-se desta proposta quando ao tratar das histéricas vislumbrou ser este
acontecido, ligado a uma fantasia de sedução) e sim a qualquer nova experiência.
Após a experiência traumática o sujeito tem como condição construir e elaborar ou
não, algo sobre este novo fato. Desta forma o trauma pode ser patológico sim,
quando não se é capaz de produzir uma retificação mental, quando psiquismo não
metaboliza e nem absorve o acontecido.
Neste processo, tal como comentamos acima o sujeito não é capaz de se
reorganizar internamente, ele comenta ainda que mesmo os traumas estruturantes
podem tornarem-se patológicos se não ocorrerem em um ritmo o qual o sujeito é
capaz de assimilar. Fazendo alusão ao trauma podemos evidenciar que um primeiro
passo para Ferenczi é deixar claro que a experiência de uma fantasia sexual de uma
91
cena primária tal bem discutido por Freud não funciona em muitos de seus casos
clínicos, já que muitos de seus pacientes deixam bem claro terem experiências
sexuais do ponto de vista da realidade, com crianças, assim ele disse em “Confusão
de língua entre os adultos e as crianças” (1933/1988d, p.351):
A objeção que se faz, vendo-se nisto fantasmas da própria criança,
isto é, mentiras histéricas, perde infelizmente sua força, em
conseqüência do considerável número de pacientes, em análise, que
confessa ações desse tipo de crianças.
A sedução acontece quando há um encontro amoroso entre o adulto e uma
criança, para ele a criança aproxima-se do adulto com um desejo erótico da ordem
da ternura, já o adulto com “predisposições psicopatológicas” (p.351) confunde esta
postura lúdica com uma atitude amorosa do ponto de vista do ato sexual.
Neste mesmo texto Ferenczi (1933/1988d) busca explicitar que, justamente
ao haver um mau entendimento do adulto, mediante as investidas afetivas da
criança, (pois ela recorre ao adulto com a “linguagem da ternura”), ela é mal
interpretada, aceita então pelo adulto, como o que ele chama, de “linguagem da
paixão”, da sexualidade genital propriamente dita. Isto ocasiona, portanto o que ele
denomina de “Confusão de língua”. A criança acena à linguagem da ternura e o
adulto à do sexo. Ferenczi não discorda de Freud quanto à existência da
sexualidade infantil e do desejo sexual da criança, o que ele considera é haver algo
novo nas investigações sexuais da criança, estando além de sua condição de
organizar-se psiquicamente.
92
Então Ferenczi justifica dizendo que a causa de qualquer tipo de trauma
neste sentido, não é a experiência propriamente dita, não é o ato, e sim a culpa do
agressor, pelo acontecido, a qual a criança se identifica, Ferenczi (1933/1988d,
p.102)
Mas esse medo, quando atinge seu ponto culminante, obriga-as a
submeter-se automaticamente à vontade do agressor, a adivinhar o
menor de seus desejos, a obedecer esquecendo-se de si mesmas, e
a se identificar totalmente com o agressor.
Neste processo ainda acontece um outro fato, o desmentido, que é a atitude
de negação, de quem a criança recorre para expressar o acontecido, no caso a mãe
a quem a criança relata, e isto a impede de estruturá-lo psiquicamente. A atitude de
não crença no acontecido estanca toda a possibilidade da criança de introjetar. A
identificação acontece então com o objeto tal como no melancólico. Esta falha da
introjeção neste processo acontece, pois, sendo tomado de assalto pelo objeto, que
ocupa o eu e furta a pungente introjeção objetal, o sujeito se perde no objeto onde
renuncia a tudo, em função de algo que não se transfigura, não é absorvido pelo
aparelho psíquico, entregue a um apaixonamento cego, que o interrompe cerceando
o caminho do seu desejo.
Assim a criança vive o que Abraham diz de um desengano, um
desapontamento amoroso, sofrendo uma ambivalência de sentimentos que não é
capaz de suportar. Ela fica entre o prazer do encontro com o adulto, e o medo, então
o eu submete-se ao agressor. Ferenczi vai denominar este fenômeno de “clivagem
93
do eu”, o eu se divide, uma parte dele sucumbe ao acontecimento, a outra se
identifica com o objeto.
No texto, Ferenczi diz que a criança introjeta o agressor, mas se o agressor
fosse de fato introjetado não haveria o padecimento. Acreditamos também que há
neste momento do seu escrito um desacordo com relação ao conceito de introjeção
e a introjeção do agressor. O que de fato acontece é a incorporação, a criança perde
a sua marca alteritária subjugando-se ao agressor. Após toda esta argumentação
sobre a “confusão de língua” como pensar então a melancolização?
A princípio vamos tentar articular o que podemos dizer sobre isto através da
melancolia, pelos olhos da leitura de Pinheiro (1993), pois ela traz considerações
importantes em seu texto “Trauma e Melancolia” (1993), onde aposta em uma
intensa relação entre o que Ferenczi escreve em “Confusão de língua entre o adulto
e a criança” (1933/1988d) e a melancolia freudiana, já que o eu da criança ameaça
aniquilar-se tal como no melancólico.
A criança perde nesta experiência afetiva a capacidade de introjetar, o
melancólico também quando se vê sem o objeto, perde-se no objeto perdido
identificando-se com ele, vejamos então as palavras de Pinheiro (1993, p.53) “Como
se a identificação perdesse a própria possibilidade de se apropriar do objeto
subjetivamente, e só pudesse fazê-lo objetivamente”. Para ela a identificação com o
agressor é semelhante à identificação melancólica, um mecanismo de defesa
6
subjetivo diante da incapacidade de introjetar. Ainda com Pinheiro (1993, p.53) “Na
6
Assim podemos trazer o que nos diz Winnicott (1963/1994), sobre o acionamento subjetivo de mecanismos de
defesa psíquico, quando somos afetados por algo que desorganize seu funcionamento, ou melhor, um resguardo,
uma forma de evitar o colapso, desta forma o psíquico encontra saídas motivado pelo medo do colapso.
94
melancolia, algo foi perdido; o que é não se sabe, mas de uma coisa pode-se ter
certeza foi perdida a própria possibilidade da subjetividade de se constituir
dialeticamente”.
Em outro momento de seus escritos inclusive anterior ao texto de
(1933/1988d) Ferenczi faz aferência a outro acontecimento desencadeador de um
aniquilamento do eu em função do desamparo vivido. Em seu texto “A criança mal
acolhida e sua pulsão de morte” (1929/1988c) diz ser a experiência dos primeiros
laços afetivos uma referência para a edificação dos sintomas posteriores.
Ferenczi está de acordo com o Abraham quando propõe sobre as vivências
primitivas, como basilares para as construções psicopatológicas vindouras. Abraham
deixa claro que a sensação primitiva de abandono está diretamente aferida ao
desamparo constituído no início da vida e como o sujeito se posicionou nesta
experiência. Ferenczi acresce a esta formulação deixando evidente que estas
crianças apresentam fortes indícios de um desejo de aniquilação fazendo inferências
constantes a sua pulsão de morte (1929/1988c, p. 314):
Todos os indícios confirmam que estas crianças não deixam de notar
os sinais conscientes ou inconscientes de aversão ou impaciência da
mãe, como conseqüente arrefecimento da vontade de viver.
Ocasiões relativamente pueris, no curso da vida ulterior bastavam
então para suscitar-lhe a vontade de morrer, mesmo que
compensadas por uma forte tensão da vontade... Queria apenas
indicar a probabilidade do fato de que crianças acolhidas com rudeza
e sem gentileza morrem fácil e voluntariamente. Utilizam um dos
numerosos meios orgânicos para desaparecerem rapidamente ou, se
escapam, ficam-lhes um certo pessimismo e desgosto pela vida.
95
Se a introjeção é a capacidade subjetiva de fazer o psíquico funcionar nestas
duas apresentações ferenczianas há uma falha na introjeção, que se dá através de
um desencontro amoroso entre o sujeito e o objeto. Se o sujeito se vê impedido de
pensar é incapaz de restabelecer-se e então ameaça desfazer-se.
Assim é o sujeito melancólico, este fica preso ao objeto por não sentir-se
amado por ele, e sim abandonado então incorpora na tentativa de obtê-lo
novamente. Ferenczi em seu “Diário clínico” datado de 10 de janeiro de 1932,
intitulado “Pensar com o com corpo é como na histeria” (p.37) diz:
Nos momentos de grande aflição, em face dos quais o sistema
psíquico não está a altura, ou quando esses órgãos especiais
(nervosos e psíquicos) são destruídos com a violência, forças muito
primitivas despertam e são elas que tentam controlar a situação
perturbada. Nos momentos em que o sistema psíquico falha o
organismo começa a pensar.
Pinheiro (1993) afirma na mesma linha da proposição de Ferenczi (p.52):
“na falha da conclusão do processo de introjeção, o corpo registra o que o psíquico
não consegue registrar”. O corpo responde por aquilo que o sujeito não é capaz de
introjetar psiquicamente. Isto fica claro dado as afecções psicopatológicas
contemporâneas.
O que Ferenczi antecipa para nós através do trauma e da confusão de língua
é que a dificuldade de introjetar é algo indicativo de um psíquico a deriva em um mar
de ausência representativa, adoecido em função da impossibilidade de funcionar.
Por fim o psíquico falha neste momento, em virtude do sujeito mostrar-se
96
impossibilitado e impedido de desprender-se do objeto. Assim constitui-se o sujeito
da atualidade em profundo desafeto consigo.
Para Ferenczi como já dissemos, introjetar significa funcionar psiquicamente.
Pensando a partir de nossa hipótese, encontramo-nos após a perda com um
momento transitório em que momentaneamente é impossível que a introjeção se
estabeleça, neste instante o sujeito ainda não abre espaço para o enlutamento.
Introjetar significa então de acordo com nossa argumentação, viver o luto, absorver a
perda considerando que o luto é um trabalho psíquico que exige o funcionamento
efetivo da capacidade de elaboração do sujeito.
A introjeção para Ferenczi é um mecanismo utilizado primitivamente pelo
sujeito, pois é através dela que o eu da criança é preenchido para vir então a se
estruturar. Embora tenhamos conhecimento que uma perda não é capaz de fazer o
psiquismo parar, acreditamos que as experiências primitivas servem de referência
para as introjeções futuras, este mecanismo irá utilizar como base algo já acontecido
pelo sujeito. Sem dúvida como diz Ferenczi as experimentações de desamor da
infância interferirão na capacidade de suportar as perdas no futuro como Ferenczi
deixa bem evidente nos textos de (1929/1988c e 1933/1988d). A melancolização é,
pois, uma experiência subjetiva não psicopatológica, há ainda a possibilidade futura
de introjetar, após a perda e da vivência do tempo da tristeza.
97
Concluindo a partir de três fragmentos
clínicos:
98
E o amor,em momentos assim;
morre um pouquinho mais;
E ao morrer,então é que se vê;
que quem morreu fui eu e foi você;
pois sem amor, estamos sós morremos nós...
Evaldo Côrrea e Jair Amorim
A clínica contemporânea tem se deparado com novas formas do sujeito
exercer sua subjetividade. Como já dissemos durante o trabalho, a atualidade
conduz ao sujeito a construir as mais diversas formas de suportar a sua existência,
a montar diversas faces de si, no intuito de encontrar suas respostas, lançando-se a
novos espaços de construção psíquica. Freud em (1930/2003n) em “O mal-estar na
civilização” diz que a civilização tem duas faces a primeira é de possibilitar o
sofrimento e a outra é a de encontrar o caminho ao encontro de aliviar-se do mal-
estar, estamos sempre assim entre a dor e o alívio.
O consumo atinge em cheio o sujeito da atualidade com suas ofertas: a
descartabilidade dos objetos, a rapidez com que tudo deve acontecer, a emergência
de respostas, a urgência em ser perfeito, esteticamente belo e feliz, enfim apresenta
então ao sujeito uma existência higiênica e sem falhas, mas tudo isso tem seu preço,
o sujeito da atualidade está cada vez mais pobre no que diz respeito a sua vida
psíquica. Assim diante do que dissemos faremos uso das palavras de Melman (2003,
p.28):
Esta, com efeito, é capaz de nos fornecer satisfações, tanto objetais
quanto narcísicas. Graças a eles, não se trata mais de se satisfazer
com representações, mas com o próprio autêntico, com o objeto não
mais representado, mas efetivamente ali, presente na realidade. O
ideal liberal não é favorecer o enriquecimento recíproco, liberando as
trocas de toda referência reguladora? Encontra-se assim, no seu
99
princípio, uma relação dual, liberada de entraves, cujos efeitos
parecem manifesto na vida psíquica.
Deste modo, estamos neste trabalho, frente a uma possibilidade de estar
versando sobre este sujeito. Pensamos então no princípio do trabalho: quais os
recursos que o sujeito da atualidade apresenta, para sofrer os desinvestimentos
objetais e entristecer-se pelo objeto que se foi?
Então elencamos os tempos subjetivos que atingem o sujeito após as
perdas: a perda dissemos que é o momento em que o sujeito vê-se sem o objeto, o
objeto sai do seu campo de investimento, o luto quando através de um trabalho
psíquico de elaboração, o sujeito consegue oferecer um destino ao objeto perdido e
por fim a melancolia quando finalmente ele não consegue se ver sem o objeto e
nega constantemente seu desaparecimento.
Neste intento, construímos nossa hipótese norteadora: o que poderíamos
encontrar entre a perda e o luto? Há alguma construção psíquica antes do luto e da
melancolia? Assim trouxemos a melancolização como uma passagem transitória
entre a perda, e as outras possíveis respostas subjetivas. Acreditamos que as
perdas se estruturem da seguinte forma: A perda, a melancolização, o luto ou a
melancolia. Desde então visitamos obras clássicas da psicanálise de Freud Abraham
e Ferenczi para localizarmos o que poderíamos extrair destes autores sobre a
temática supracitada.
Podemos evidenciar que esta passagem transitória possui dados do luto e
da melancolia. No luto e na melancolia o sujeito constata a perda, tem clara a
100
evidência da perda do objeto, da mesma forma isto acontece na melancolização,
assim afirma Freud (1915[1917]/2003g) e Abraham (1924/1948c) que o sujeito tem
acesso a esta constatação a diferença consiste que no luto segundo os dois autores,
não há nada que impeça o seu trabalho, o sujeito tem a consciência do que perdeu
com o objeto, o melancólico não, ele não reconhece o que perdeu de si com o
desenlace ocorrido.
No entanto, há no início do luto e da melancolia, um período melancólico,
pois a cada vez que o sujeito é afetado por uma perda ele é inevitavelmente
arremessado as sua perdas constitutivas, estas perdas ocorrem em momentos
precoces do desenvolvimento, como já dissemos durante o texto e Freud vem a
confirmar adiante, esta passagem tem um caráter melancólico. O resultado deste
atravessamento, vai indubitavelmente interferir na construção que o sujeito vem a
fazer nas perdas que o interceptarão durante a vida. Isto foi evidenciado por
Abraham em (1924/1948c), quando diz que a experimentação da perda conduz ao
sujeito a primitividade do seu desenvolvimento, momentos inclusive relacionados a
analidade, e oralidade; ainda acrescenta que os pontos de fixação nesta fase
podem desencadear estados psicopatológicos como o da melancolia.
Segundo Freud (1915[1917]/2003g, p.2095), “Se nos for lícito supor que
nossas deduções coincidam com os resultados das observações, não vacilaríamos
em integrar entre as características da melancolia a regressão da carga do objeto a
fase oral da libido pertencente todavia ao narcisismo”.
Após o contato com estes momentos arcaicos de si, em que o sujeito
depara-se com o desamparo, pode ser capaz por fim de encontrar-se com o luto.
Freud leva a crer ser o luto, uma saída enriquecedora do ponto de vista de um
101
trabalho propriamente dito auxiliando ao sujeito escapar do adoecimento. Por
conseguinte esta resultante dependerá de como este foi capaz de se organizar
internamente no passado quando viveu as etapas pré-genitais da libido.
Segundo Ferenczi (1909/1988a), a introjeção é algo que ocorre desde o
início da vida, então está intrinsecamente ligada também à organização psíquica
infantil. A forma a qual estes momentos primitivos do desenvolvimento foram
internalizados, ou seja, como a criança introjetou estas experiências, e a estruturou
psiquicamente servem-lhe de base para organizações internas futuras, vale salientar
que a introjeção indica estar o psíquico em funcionamento.
Na melancolização, o sujeito também sabe que perdeu o objeto de amor, ela
é uma nova experimentação, a reedição destes momentos primitivos sendo
retomada a cada perda sofrida. Vale considerar como já evidenciamos durante o
trabalho, que estes momentos primitivos tem suas características próprias, visto os
recursos os quais a criança tem disponível no momento, no caso o próprio corpo
pois, ainda não é organizada do ponto de vista da linguagem.
A melancolização se configura, como um momento de entristecimento do
sujeito visto encontrar-se como o mal-estar que constituiu-se através de sua própria
fragilidade, do desamparo e do desamor que no princípio da vida como nos diz Klein
(1940/1996) constrói-se no sujeito em função das fantasias de aniquilação e de
destruição do eu e posteriormente de seu objeto de amor. Sendo assim este também
se estrutura como um momento doloroso já que segundo Freud, não é algo fácil ao
sujeito, desprender-se do vínculo com o objeto amado.
102
A partir de nossa construção, até o momento apoiaremos nossa conclusão
em função do percurso edificado durante a dissertação e além disto utilizaremos
também três casos clínicos os quais nos servirão para estear-nos neste momento do
trabalho. Para tanto elencamos os casos clínicos escritos por Rabinovich (1989),
Ambertín (2000) e Carneiro, et al, (2006). Os casos dizem respeito a três pacientes
que se encontram melancolizadas a partir de suas perdas. Vale considerar também
que todas elas passaram ao ato através de “tentativas de suicídio”. Para Lacan
(1962[1963]/2004, p.129):
A passagem ao ato está do lado do sujeito na medida em que este
aparece apagado ao máximo pela barra. O momento da passagem
ao ato é do embaraço maior do sujeito, com o acréscimo
comportamental da emoção como distúrbio do movimento. É então
que, do lugar em que se encontra - ou seja, do lugar da cena em que
como fundamentalmente historizado, só ele pode manter-se em seu
status de sujeito -, ele se precipita e despenca fora da cena. Essa é a
própria estrutura da passagem ao ato.
Além deste ponto em comum é importante deixar-nos claro também que
embora as pacientes se encontrem em intenso mal-estar diante das perdas vividas
elas não são melancólicas, dado este que certamente ficará evidente nos casos que
serão explicitados já que elas encontram saídas que não estão relacionadas a uma
melancolia psicopatológica, não indicativas de psicose.
Rabinovich (1989) escreve sobre um caso o qual ela intitula como: “Uma
histeria desmelancolizada”. Segundo a autora a paciente apresenta-se como uma
histérica melancolizada (p.80). Neste caso ela acompanha uma paciente Magdalena
103
que após uma “tentativa de suicídio” a procura como analista. A autora denomina o
ato como (p.80) “suicídios amorosos” em virtude da freqüência destes
acontecimentos em sua prática. Então ela compõe o caso (p.81) “Estrutura narcísica,
fixação oral e histeria de defesa contra a psicose”. Magdalena perde os pais na
puberdade, é também frígida, insatisfeita com o casamento e com o parceiro. Ela
sofre uma afecção ginecológica, perdendo a condição de ser mãe, pois é submetida
a uma histerectomia, após isto se coloca para o marido como desvalorizada e inútil,
passando a ter ciúmes dele com Beatriz , uma garota a qual o casal considerava
como filha adotiva. O marido de Magdalena diz-se envolvido pela moça e quer a
separação. Após isto ela “tenta o suicídio” passando então ao ato. Ao iniciar a
análise a paciente se dizia como (p.83) “merda”, e Rabinovich acrescenta que a
paciente sente-se resto de tudo do casamento, da análise anterior...
Ante isto ela coloca-se em uma posição masoquista articulada a histeria, a
qual a autora propõe que a paciente se oferece como alguém sempre às ordens e
complementa dizendo ser preciso ela elaborar o luto e organizar sua vida. Segundo a
autora (p.84):
Ficou verificado ser indispensável articular o fantasma masoquista à
estrutura histérica para analisar a ‘melancolização’ suposta da
paciente. Após esse longo e difícil percurso, Magdalena atravessou o
luto do objeto: ela está lá onde o objeto do fantasma permite operar a
separação.
Vamos então ao nosso próximo caso; que está presente nas palavras de
Ambertín (2000), em seu trabalho: “Entre a passagem ao ato e o acting out” a
104
paciente chega até ela após três tentativas frustradas de análise, cada uma delas se
finalizava após “tentativas de suicídio” jogou-se de um ônibus, depois no fosso de um
elevador e por fim da escadaria de uma confeitaria. A paciente María apresentava
segundo a autora (p.80) tristeza, marcada inibição, significativas autopunições,
culpabilidade e uma mortificação transbordante. Todos os profissionais por quem
passara apostavam em um padecimento de ordem melancólica.
Adiante a autora propõe que se a paciente conseguia estabelecer uma
transferência e a produção de um sintoma, isto a afastava então da possibilidade da
melancolia então ela comenta (p.82) “a medida que a produção sintomática se
acentuava, a tristeza e a anorexia decresciam”. Além do que ela fazia suas tentativas
para buscar as razões de suas dores, uma delas foi uma viagem até o colégio de
monjas onde fora refugiada durante a infância e adolescência, a paciente foi deixada
lá por seus pais, após um acidente acontecido e sua infância que quase a levou a
morte. Esta exclusão familiar é fundamental para a construção de seu mal-estar visto
ela sentir-se excluída do desejo do outro.
María então resolve retornar lá na busca de desvendar seus enigmas: o
abandono pelos pais e o sentimento de vazio, a qual ela respondia através de uma
posição melancolizante. A autora ao final aponta que (p.86):
Apesar de suas insistentes passagens ao ato Maria pode, em seu
trabalho analítico ‘reconhecer-se no seu inconsciente’, o que indica
que não estava desabonada dele. Sua tristeza e pecado moral
demonstravam que sua posição subjetiva ante o desejo do outro
respondia a uma neurose que se melancolizava.
105
A paciente encontrava suas saídas subjetivas, a forma como se apropriava
de si e a tentativa de um luto pelo objeto perdido, a afastava de uma melancolia e a
aproximava de uma melancolização e um posterior trabalho de luto de acordo com a
autora, já que deixou claro que a paciente começava a estruturar o luto pelo objeto.
Assim vejamos o próximo e último caso escrito por Carneiro et al, (2006),
tratava-se de uma paciente que tinha sido acometida por uma série de perdas que
evidenciavam o seu sofrimento, ela também tal como nos outros casos chega ao
tratamento após uma “tentativa de suicídio”, havia cortado os pulsos e se atirado a
uma cisterna, ela tentou suicídio outras duas vezes utilizando-se de medicamentos.
A paciente dizia estar desesperada, pois havia perdido o filho e a saúde. Dentre as
suas perdas a paciente era: órfã de mãe perdeu um filho e separou-se do marido.
Adotou então, outra criança, no entanto o filho adoeceu e ao ter que cuidar da
criança ficou desempregada, precisando deixar o filho com a família. A partir daí
começa a trabalhar em uma casa noturna, fazendo-a terminar como profissional do
sexo, desde então outras perdas são então estabelecidas. Já que quando a família
descobriu sua profissão, não deixou mais que ela visse a criança.
Ela sempre acenava o desejo de ser mãe, até que se submeteu a uma
cirurgia para realizá-lo, ao acordar do procedimento é avisada que lhe foi feita uma
ovariectomia, ela então estava impedida definitivamente de realizar seu desejo: gerar
uma criança. A paciente já antes da cirurgia, apresentava as convulsões como
sintoma, estas se agravaram após o procedimento cirúrgico, o que o autor denomina
de convulsão pseudo-epiléptica.
106
Segundo Carneiro et al, (2006, p.20), “O sentido dado á convulsão é de uma
verdadeira conversão”, diga-se de passagem, que apesar do tratamento
medicamentoso a paciente não respondia as intervenções. Após os exames
realizados concluiu-se que a paciente sofria de um caso “sugestivo de epilepsia”
desencadeado por problemas psíquicos. Outro dado relevante é que a freqüência
das crises aumentava em ambientes e em trabalhos de grupo além do que sempre
que os episódios se repetiam ela era atendida prontamente, o que respondia a sua
demanda de amor voltada para a equipe responsável por seu tratamento (p.21):
Além disso, fica caracterizada sua manifestação em lugares abertos,
comprovando a hipótese de que era um ataque com platéia, fator de
grande relevância para uma formulação do quadro de uma pseudo-
epilepsia acompanhado de uma posição subjetiva histérica.
Este caso apresenta uma paciente envolta em uma trama de perdas sem
viver seus lutos recorrendo ao corpo como último recurso que lhe resta, segundo os
autores afirmam, a paciente apresenta (p.23) “uma melancolização histérica” dando
continuidade ao seu raciocínio na mesma página diz: “A paciente vivia um autêntico
processo de melancolização que nunca a permite de fato elaborar seus lutos em
função do que perde, já que as perdas são inúmeras e constantes, dando-lhe a
impressão de estar sempre com as feridas abertas”.
Os três casos desenham este estado transitório fundamental para a
elaboração da perda, o qual o sujeito responde como pode aos desenlaces vividos,
estruturados de acordo com as condições as quais é capaz de suportá-las. Isto fica
107
evidente, pois revela pacientes enredadas em perdas sucessivas que as atingiram
de forma a causar dor mas não abrindo espaço para ainda viverem o luto,
experienciando assim a alteridade.
As pacientes são arremessadas a um padecimento em resposta as suas
dores de existir. Isto se constituiu como uma melancolização, e não como
melancolia, pois segundo Freud e Abraham consideram, na melancolia o sujeito não
reconhece o que perdeu de si com o objeto, mantendo então uma relação de
simbiose com o objeto; o eu então “se submete” como versa Freud nos Rascunhos.
Ambertín (2000) deixa isto bem claro no segundo caso, quando fala do
afastamento do diagnóstico de melancolia, já que a paciente se dirigia a um trabalho
de luto, temporariamente suspenso em razão das perdas sucessivas e não
elaboradas, mas que a atravessavam pela via da neurose e não da psicose, visto
após este processo o desejo voltar a circular, algo impossível em um diagnóstico de
melancolia, tal como fica indubitavelmente claro nos casos ora explicitados.
Acreditamos que a melancolização afeta a qualquer sujeito que perca um objeto
amado, visto sermos todos submetidos à melancolia constitutiva isto se vê
claramente com Freud, Klein (com a posição depressiva do bebê) e Abraham, que a
cada perda o sujeito encontra-se com uma oportunidade de atualizar estes
momentos arcaicos do desenvolvimento, já que abre a possibilidade do sujeito
organizar-se internamente.
É bastante pertinente neste instante verificar que Ferenczi fez-se presente
nas entrelinhas em todo o percurso, embora somente tenha sido trabalhado no
último capítulo desta dissertação, já que estamos falando da possibilidade de
introjetar e não introjetar o objeto. O recurso de introjetar está cada vez mais
108
ausente, o que se faz presente é falha do recurso do pensamento, da representação
e da atualização deste mecanismo vivido primitivamente.
Segundo Ferenczi mesmo afirma, a patologia instala-se quando não somos
socorridos pelo recurso da introjeção e sim pela impossibilidade de fazer uso dele.
Então recorremos ao recurso da incorporação, onde Abraham e Ferenczi tem a
mesma posição, porque dizem ser um mecanismo acionado, quando o sujeito não é
capaz de encontrar caminhos para reorganizar-se psiquicamente e então o sujeito
incorpora o objeto: isto caracteriza a melancolia evidenciando “uma morte simbólica”
do sujeito segundo nos diz Abraham (1911/1948a, p.55) ou como afirma Freud no
Rascunho G indica a “inibição psíquica” do paciente.
Se Freud diz claramente em “Luto e melancolia” (1915[1917]/2003g), ser o
luto um “trabalho”, podemos considerar que este é um processo de intenso labor e
elaboração psíquica, onde sujeito após as perdas deve atravessar o momento que
segundo Freud mesmo diz como: “paralisador” e de uma profunda ferida narcisística”
Jones (1979, p.585) até que por fim dê um destino ao objeto que se foi, oferecendo
espaço para deixar-se investir por outros objetos, afastando-se do adoecimento.
Desta forma melancolizar é um tempo subjetivo o qual o sujeito atravessa pois está
em um primeiro contato uma perda, e resta a este ao encontrar-se com o vazio:
lamentar, chorar, viver o desalento, o desamor, enfim entristecer-se pela perda do
objeto.
109
Referências
110
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em11/06/2007 às 14:27.
121
Anexos
122
1. QUADRO DE CATEGORIAS TEÓRICAS UTILIZADO NA
CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA:
MELANCOLIZAÇÃO
FREUD FERENCZI ABRAHAM
INTROJEÇÃO DO
OBJETO
Freud fala da introjeção como algo
semelhante à incorporação tal como
Abraham.
Foi diferenciado da incorporação
posteriormente por Torok. Para
Ferenczi (1912) a introjeção e o
próprio funcionamento do
aparelho psíquico. Segundo
Ferenczi (1912), “É a esta união
entre os objetos com nosso ego
que chamamos de introjeção.”
Faz parte do mecanismo da
incorporação, (1924, p. 97) “... o
processo de introjeção tem
caráter de uma incorporação
física.”
INCORPORAÇÃO
DO OBJETO
Algo semelhante a identificação onde
ele cita (1915[1917]2003b], p. 2095).
O ego deseja incorporar a si esse
objeto, e, em conformidade com a fase
oral ou canibalística do
desenvolvimento libidinal em que se
acha, deseja fazer isso devorando-o.
Introjeção e incorporação são
distintas. Segundo Torok (1995) a
incorporação é um mecanismo
alucinatório para recuperar o
objeto.
Incorporação faz parte do
mecanismo da introjeção.
IDENTIFICAÇÃO
DO OBJETO
Freud (1915[1917]2003b, p. 2095) “...
a libido livre não foi deslocada para
outro objeto; foi retirada para o eu. Ali,
contudo, não foi empregada de
maneira não especificada, mas serviu
para estabelecer uma identificação do
ego com o objeto abandonado.”
A identificação com o agressor,
onde o sujeito não introjeta o
acontecido motivado pelo
desmentido.
FASES PRÉ-
GENITAIS DA
LIBIDO
Freud acredita que as fases pré–
genitais da libido (momentos primitivos
do desenvolvimento),estão
relacionadas construção das primeiras
relações de objeto.
Abraham acredita que a
incorporação do objeto esta
relacionada a fase oral da libido
e a perda a algo relativo à
excreção, à expulsão anal do
objeto.
123
2. Nota necrológica de Freud a Karl Abraham em virtude de seu
falecimento:
Em memória de Karl Abraham (1926/2003l), p.3235)
O Dr. Karl Abraham, presidente do grupo de Berlim, do qual foi
fundador, e presidente, na época da Associação Psicanalítica
Internacional, faleceu em Berlim em 25 de dezembro [1925]. Não
havia alcançado a idade de cinqüenta anos (Abraham1877-1925
contava 48 anos de idade por ocasião de sua morte) quando
sucumbiu a um mal interno contra o qual seu vigoroso corpo vinha
lutando desde a primavera de 1925. No Congresso (O nono
Congresso Psicanalítico Internacional, realizado em setembro
de1925) de Homburg Karl Abraham parecia, para grande alegria de
todos nós, ter-se recuperado, mas uma recaída nos trouxe penoso
desapontamento.
Com este homeminteger vitae scelerisque purus
(Integro de vida e
puro de culpa) –perdemos uma das sólidas promessas da nossa
ciência, jovem como e uma parte do seu futuro que agora, talvez,
seja irrealizável. Conquistou um lugar de destaque dentre todos
aqueles que me acompanharam pelos sombrios caminhos da
pesquisa psicanalítica, ele grangeou um lugar tão proeminente que
somente um outro nome poderia ser posto ao lado dele(Freud sem
dúvida tinha Ferenczi em mente). A confiança ilimitada de seus
colaboradores e discípulos o teria provocado para a liderança e sem
dúvida ele foi um líder modelo na busca da verdade, não se deixando
desencaminhar nem pelo louvor, nem pela censura dos muitos, nem
pela sedutora ilusão de suas própria fantasias.
Escrevo estas linhas para os amigos e companheiros de trabalho que
conheceram e valorizaram Abraham como eu o fiz. Para aqueles que
sem dúvida compreenderão o quanto representa a perda desse
amigo muito mais jovem que eu, significa para mim; e me perdoarão
se eu não fizer qualquer outra tentativa de expressar o que é tão
difícil de traduzir em palavras. Em nossa revista outros renderão
tributo a personalidade científica de Abraham e sua obra.
Sigmund Freud
124
3. Carta póstuma escrita por Freud em homenagem à Ferenczi:
Carta póstuma a Sandór Ferenczi (1933/2003o), p. 3237)
Nos tem demonstrado a experiência que felicitar custa pouco; assim,
apresentamo-nos uns aos outros generosamente com os melhores e
mais calorosos votos de felicidade. Entre os quais em primeiro lugar
corresponde ao desejo de uma vida longa. Mas justamente este
desejo tem uma ambivalência e que nos é revelada por uma
conhecida lenda oriental.. O sultão ordenou que dois sábios lhe
revelassem seu horóscopo. “A vossa fortuna está contigo!”, disse o
primeiro. “Está escrito nas estrelas que havereis de ver todos os
vossos parentes morrerem ante de vós”. Esse profeta foi executado.
“A vossa fortuna está contigo”, disse também o outro, “pois li nas
estrelas que havereis de sobreviver a todos os vossos parentes”.
Este foi ricamente recompensado. Ambos tinham expressado a
realização do mesmo desejo.
Em janeiro de 1926, coube-me escrever um obituário de nosso
inesquecível amigo Karl Abraham. Alguns anos antes, em 1923, eu
pude cumprimentar Sándor Ferenczi quando este completava seus
cinqüenta anos. Hoje mal passada uma década,constrita-me ter eu
sobrevivido também a ele. Naquilo que escrevi para seu aniversário,
pude homenagear publicamente sua versatilidade, sua originalidade,
e a riqueza de seu talento; mas a discrição que se exige de um amigo
proibia-me de falar de sua personalidade afável e afetuosa, sempre
disposta a receber bem tudo o que tivesse importância.
Desde que o interesse pela psicanálise o trouxe a mim, então ainda
nos seus primórdios, compartilhamos, juntos, de muitas coisas.
Convidei-o para ir comigo a Worcester, Massacussets, quando,em
1909, ali fui convidado a dar conferências durante uma semana de
comemorações. Todas as manhãs, antes de chegar a hora de minha
conferência, caminhava junto com ele, em frente ao edifício da
universidade, e pedia-lhe que me sugerisse o que eu deveria abordar
naquele dia. Ele me dava um esboço daquilo que, meia horta depois,
eu improvisava na minha conferência. Dessa maneira, Ferenczi
participou da origem das Cinco Lições. Logo depois disto, no
Congresso de Nuremberg de 1910, dispus as coisas de modo tal que
ele devesse propor a organização dos analistas numa associação
internacional – esquema que elaboramos juntos. Com pequenas
modificações, o projeto foi aceito e vigora até hoje. Por muitos anos
seguidos, passamos as férias de outono, juntos, na Itália, e
numerosos artigos que posteriormente surgiram na bibliografia, com
o seu nome ou com o meu nome, tiveram ali em nossas conversas
seu primeiro formato.. Quando da irrupção da guerra mundial pôs fim
à nossa liberdade de movimentos, e também paralisou nossa
atividade analítica, ele utilizou o intervalo para começar sua análise
comigo. Esta foi interrompida quando de sua convocação para o
125
serviço militar, mas conseguiu retomá-la posteriormente. O
sentimento de um vínculo comum seguro que paulatinamente se
desenvolveu entre nós, a partir de tantas experiências
compartilhadas, não foi interrompido quando, em época já
infelizmente tardia, uniu-se à ilustre mulher que hoje o pranteia como
viúva.
Quando a Internationale Zeitschrift [e o Internacional Journal] fez
dez anos dedicou um número especial a Ferenczi por seu
qüinquagésimo aniversário, ele já havia publicado a maior parte de
seus trabalhos, que tornaram todos os analistas seus discípulos. Ele,
contudo,estava retendo sua realização mais brilhante e mais fértil. Eu
a conhecia, e, concluí minha mensagem de congratulação na fase
final de minha contribuição, instei com ele para que no-la desse.
Então, em 1924, surgiu a sua Versuch einer Genitaltheorie. Esse
pequeno livro constitui, antes, um estudo biológico do que
psicanalítico; é uma aplicação das atitudes e das compreensões
associadas a psicanálise em relação à biologia dos processos
sexuais e além destes, à vida orgânica em geral.
Foi talvez a mais ousada aplicação da psicanálise que já se tentou.
Em suas idéias principais, acentua a natureza conservadora dos
instintos que procuram restabelecer toda situação interrompida em
virtude de alguma interferência externa, os símbolos são
reconhecidos como prova de primitivas correlações. São
apresentados exemplos impressionantes, para mostrar como as
características daquilo que é psíquico conservam vestígios da antigas
modificações na substância corporal. Depois de se ler esse livro,
parece que se compreende muitas particularidades da vida sexual,
das quais antes nunca se pôde obter uma visão abrangente, e sente-
se enriquecido pelas sugestões que prometem uma profunda
compreensão de amplas áreas da biologia. É tarefa inútil tentar, já
hoje em dia, diferenciar aquilo que pode ser aceito como descoberta
autêntica, daquilo que busca, à maneira de fantasia científica,
adivinhar os acontecimentos do futuro.Deixamos este pequeno livro
de lado com este sentimento: “Isto é quase demais para ser
apreendido numa primeira leitura; vou lê-lo novamente, em breve”.
Mas não sou eu, apenas, que sinto assim. É provável que um dia, no
futuro, haverá uma “bio-análise”, conforme profetizou Ferenczi, e ele
terá de remeter-se à Versuch einer Genitaltheorie
Depois desse apogeu de realização, sucedeu que nosso amigo
lentamente se afastou de nós. Quando de seu regresso de um
período de trabalho nos Estados unidos da América, pareceu retrair-
me cada vez mais para um trabalho solitário, embora anteriormente
participasse muito ativamente de tudo o que acontecia nos círculos
analíticos. Sabíamos que um só problema vinha monopolizando seu
interesse. Nele a, necessidade de curar e de ajudar havia-se tornado
soberana. Provavelmente ele se havia proposto objetivos que
mediante nossos meios terapêuticos, estão, atualmente totalmente
fora do nosso alcance. De fontes inesgotáveis de emoção, brotara
nele a convicção de que se podia efetuar muito mais com seus
pacientes, se se lhes desse to do aquele anos que tinham desejado
profundamente quando crianças. Ele queria descobrir o modo como
isto podia ser realizado, dentro do quadro referencial da situação
psicanalítica; e como não a conseguisse, mantinha-se afastado,
talvez já não mais seguro de que pudesse haver concordância com
seus amigos. Fosse qual fosse a direção que pudesse levá-lo a
126
estrada por que havia enveredado, não pôde prosseguir nela até o
fim. Lentamente, revelaram-se nele sinais de um processo orgânico
destrutivo grave, que provavelmente já tivesse entristecido sua vida
por muitos anos. Um pouco antes de completar 60 anos, sucumbiu à
anemia perniciosa. É impossível que a história de nossa ciência
venha algum dia a esquecê-lo.
Sigmund Freud, maio de 1933
127
DECLARAÇÃO
Declaro para os devidos fins que eu, MÁRCIO ROBERTO DA SILVA
CASTRO, brasileiro, solteiro, portador do RG nº. 91015112210 SSP/CE e licenciado
em Letras pela Universidade Estadual do Ceará com habilitação em língua
portuguesa e espanhola e suas respectivas literaturas de acordo com o Parecer nº
104/67 do Conselho Federal de Educação com registro nº. 41.085, livro Gc-44, folha
270 e processo L-2833/2005, prestei serviço de correção orto-gramatical da
dissertação de mestrado cujo título é: O estado em que o sujeito encontra-se
diante das perdas ou desinvestimentos objetais: uma leitura em Freud, Karl
Abraham e Ferenzi, cuja autoria é de WLÁDIA GUIMARÃES PEREIRA. Outrossim,
afirmo que o referido trabalho encontra-se dentro das normas gramaticais da língua
portuguesa padrão. Sem mais para declarar dou fé às informações supracitadas.
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