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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
Cronistas de Viagem e Viajantes Cronistas: O Pêndulo da
Representação no Brasil Colonial
Lucinéa Rinaldi
Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Literatura
Brasileira, do Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas da
Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo de Almeida Navarro
São Paulo
2007
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
Cronistas de Viagem e Viajantes Cronistas: O Pêndulo da
Representação no Brasil Colonial
Lucinéa Rinaldi
São Paulo
2007
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A um viajante chamado Domenico,
que com muita coragem,
atravessou um oceano.
venceu o medo
e achou no Brasil
a possibilidade de plantar sementes.
4
Agradecimentos
Ao professor Eduardo, querido orientador que com confiança e generosidade,
aceitou-me como mestranda, incentivando-me a fazer uma viagem pelos estudos
literários de cultura brasileira.
À querida Tia Fátima, mestra que com amor, carinho e muito saber ensinou-me
as primeiras letras num mundo tão encantado como o Paraíso chamado Pedacinho de
Gente.
Ao professor Carlos Delmonte que, mesmo distante por outros mares, pelo seu
exemplo, dedicação e estímulo, incentivou-me a continuar navegando, pelo caminho
infinito do conhecimento, e pela importância do estudo e da pesquisa.
A todos aqueles que direta ou indiretamente serviram-me de interlocutores. À
sempre amiga Vera, pelos comentários, pelas correções sugeridas e não menos pelo
carinho e amizade.
A Sophia, pedacinho de gente que, com sua luz e alegria, trouxe-me confiança
neste momento único e especial.
5
Resumo
Esta dissertação investiga fragmentos de quatro livros escritos a partir do
momento em que o Brasil foi encontrado por colonizadores e propõe uma reflexão da
narrativa quinhentista produzida sobre o país por portugueses e franceses como
literatura de viagem, analisando a questão do olhar do narrador viajante pela tentativa
intencional de representação do que foi “achado”. Essa abordagem permite repensar os
diferentes perfis narrativos e rediscutir a questão textual que extrapola o campo da
informação sobre a terra e alcança a fronteira da representação ficcional.
Palavras-chave: Viagem, Literatura Brasileira, Crônica, Viajantes, Século XVI.
6
Abstract
This dissertation looks into excerpts of four colonial journals written after Brazil
has been encountered and proposes a reflection on the narratives produced by
Portuguese and French voyagers, by analyzing the topic of the narrator’s own words
while intentionally aiming to represent the country itself from the XVI century on. This
investigation proposes to rethink the different profiles and sights of the narrators and
texts which can not merely be understood as documents of information about the new
land, however a means of reaching the border of the fictional representation in the field
of literature of travel.
Key words: Travel, Brazilian Literature, Journals, Narrative, XVI Century.
7
Índice
“Caminante, no hay camino, se hace camino al andar.
Antonio Machado
I - Apresentação................................................................................................. 08
Viajar! Perder países!................................................................................... 12
II. - A viagem: Embarque.................................................................................... 13
II.1 - Viajantes primeiros do sonho de navegar................................................. .. 14
II.2 - Viajar e Transviajar.................................................................................... 19
II.3 - Para o corpus, muitos recortes................................................................ ... 21
Diário de Viagem ........................................................................................ 36
III - Literatura de Viagem: Por que ler os Viajantes?......................................... .37
III.1 - A polissemia da Viagem.............................................................................. 40
III.2 - Viagem mastigada e compartilhada.............................................................45
III.3 - O resgate da narração................................................................................. 53
Erro de Português........................................................................................ 57
IV - Viajando
IV.1 - por crônicas portuguesas............................................................................ 58
Textos.......................................................................................................... 65
IV.2 - por crônicas francesas................................................................................ 70
Textos.......................................................................................................... 82
Falação......................................................................................................... 86
V - Considerações Finais................................................................................... 88
VI - Bibliografia..................................................................................................98
8
I - Apresentação
Com base no projeto inicialmente apresentado, este trabalho encontra-se
modificado, tanto quanto resta a cabeça de um viajante ao voltar de sua viagem: na
bagagem volta com ele todo o aprendizado adquirido, a experiência vivida, a sorte e o
risco que se propôs a correr.
A mudança é feliz, pois a mera enumeração e descrição dos elementos seria tão
somente mais uma dissertação informativa sobre o período colonial, uma tentativa de
arrolamento de curiosidades, tomando-se por partida a análise textual.
Ora, mais que da necessidade de se repensar o Brasil, da intenção de sugerir um
panorama de cronistas quinhentistas e seiscentistas, importante será convidar o
interlocutor a refletir sobre o papel do texto produzido: serviu ele de uma espécie de
documento ficcional informativo, ilustrativo para se tentar explicar as bases da
formação do Brasil, da intenção do projeto de colonização estabelecido para o país?
O trabalho não pretende discorrer sobre a questão das especiarias e riquezas, do
índio, do mito, dos demônios dos mares, da sublimação do imaginário europeu sobre a
América ou da crônica produzida por jesuítas, embora tais tópicos sejam relevantes para
as discussões propostas; nem mesmo fazer um levantamento primitivo da geografia,
botânica ou antropologia descrita pelos informantes ou viajantes, posto ser isto que se
vê nos estudos realizados até o momento.
9
O projeto, numa primeira versão, tentou caminhar pela questão comparativa
entre textos produzidos na América portuguesa e na América espanhola, porque não há
como negar a importância e a relevância de Cristóvão Colombo, Américo Vespucci,
Bartolomé de las Casas, ao se destacar o papel relevante dos viajantes espanhóis. Sem
intenção de fazer ou refazer a circunavegação pela leitura comparativa dos diários,
procurou-se dar destaque à investigação da produção de textos realizada em língua
portuguesa.
Em uma segunda intenção, a exemplo dos viajantes que não menos alteravam a
própria rota para o caminho às Índias, o projeto caminhou também sobre dois mundos,
dois campos que se complementam ou se distanciam, de acordo com a intenção daquele
que investiga, visto que o campo da literatura de viagem vem nutrido tanto pelo campo
historiográfico como pelo literário.
Finalmente, acreditou-se que a leitura e a análise do texto em foco, a reflexão
sobre o léxico contido nas crônicas, a intenção do projeto e da propaganda católicos
para a América portuguesa, com base no texto de dois autores portugueses e franceses,
foi a melhor trilha de análise a ser traçada, em virtude de ser esta dissertação
apresentada para o departamento de Literatura Brasileira.
Este trabalho justifica-se, em primeiro lugar, porque não há como ler um tratado
descritivo sobre o país apenas com o olhar historiográfico, dado o hibridismo do tema.
Em segundo lugar, ao realizar a sua crônica, esses informantes narram, descrevem,
contam, relatam a partir da construção de um discurso significativo; o olhar daquele que
narra já estabelece a escolha, faz o recorte, a colagem do sentido.
Cabe ao trabalho refletir sobre a questão do olhar: como o homem e a natureza
foram representados por portugueses e franceses que por aqui passaram ou ficaram e, ao
preliminarmente tentarem descrever a terra e a gente do Brasil, caminharam pela
questão da alegoria; ao narrar sobre o lhes parecia pitoresco ou exótico, estabeleceram
as bases de construção da identidade no plano da ficção; pela observação e através da
imaginação, fragmentaram conceitos a partir dos interesses próprios.
10
No capítulo A viagem: Embarque, o objetivo é refletir sobre o termo “viagem”
como metáfora da modernidade partindo-se com Colombo, porque não se pode fazer
uma análise da narrativa produzida sobre o Brasil desvinculada do contexto
“Descobrimento da América”, enxergar-se a imagem de um quebra cabeças a partir de
um recorte, partir-se do fragmentado para o todo, pois a chave das engrenagens do
processo de colonização usa do homem Colombo para inaugurar uma nova era, intenção
esta que se pode reconhecer nos diários e nas crônicas produzidas no período colonial.
Neste primeiro capítulo, procura-se identificar a relevância do estudo sobre as
narrativas produzidas sobre o Brasil, campo fértil do ponto de vista do hibridismo
cultural retratado como também do plano discursivo como tentativa de se explicar para
o mundo quinhentista e outrora seiscentista, como era a terra e a gente “desta vossa
terra nova achada”, como escreve Pero Vaz de Caminha, em sua Carta ao Rei D.
Manuel, investigação esta que se perfaz necessária diante de um silêncio existente sobre
quais foram as crônicas produzidas e por que devem ser consideradas pelo gênero da
Literatura de Viagem, uma vez que não se limitam a mera informação da terra.
No capítulo seguinte, Literatura de Viagens: Por que ler os viajantes? busca-se
realizar um convite ao tema, direcionado para o campo da Literatura de Viagens, a
partir de uma análise reflexiva sobre a natureza e as características desta área levantadas
pela leitura realizada dos textos investigados, fazendo uso na teoria que se ocupa em
resgatar o assunto acolhendo-o como gênero, fundamentado no relevante discurso do
sujeito viajante e no posicionamento da crônica para o campo literário em comunicação
com o histórico.
No capítulo Viajando por crônicas portuguesas e francesas, o foco é a
observação da escrita produzida sobre o Brasil, a partir do modo de olhar e de relatar a
terra e a gente da Terra de Santa Cruz ou da França Antártica / Equinocial,
exemplificando-se a partir da análise de alguns capítulos.
Quanto aos “Tratadosescritos por Pero de Magalhães Gandavo e por Gabriel
Soares de Souza, realiza-se uma investigação sobre o modo de representação do homem
e da natureza, considerando-se o discurso narrativo determinante sobre a colonização
enquanto processo no Novo Mundo. Com os franceses observa-se a narrativa produzida
11
refletindo-se sobre a intenção religiosa de huguenotes e capuchinhos que vislumbraram
a instauração de uma França nos trópicos, com base na “Viagem” feita por Jean de Léry
e na “História” contada por Claude d’Abbeville, para uma adequada sistematização de
leitura da obras como pertencentes ao nero denominado Literatura de Viagem.
O capítulo final, intitulado Considerações Finais, tece algumas reflexões sobre o
tema, comunicando relevantes aspectos retirados a partir da leitura da crônica do
período colonial com questões atuais por uma opção de procedimento. Difere-se de uma
conclusão em virtude da proposta desta investigação: propiciar a leitura destes e de
muitos outros textos coloniais semelhantes ao do corpus, à luz da curiosidade acadêmica
e a partir de uma visão literária aberta a discussões que transcendam o debate histórico e
o geográfico.
12
Viajar! Perder países!
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!
Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!
Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.
Fernando Pessoa
13
II – A viagem: Embarque
“NAVIGARE NECESSE; VIVERE NON EST NECESSE”.
(
Frase de Pompeu, general romano, 106-48 a.C. dita aos marinheiros amedrontados).
Viajar é preciso. É uma necessidade, uma descoberta.
A viagem possibilita muito mais do que o simples conhecimento de um outro
lugar; vai além do mero encontro de pessoas, da chegada a outras terras, do contato com
povos tão heterogêneos quanto ao modo de vida.
O encontro com outras línguas, culturas, cerimônias, comida, arte, economia e
religião torna o viajante um aprendiz, pois é na leitura do outro que se realiza não
somente o conhecimento, mas principalmente o reconhecimento de sua condição.
Navegar foi preciso, já que este viajante descobriu mais do que o Novo Mundo,
mas um mundo novo de diferenças.
Navegar pelo mundo. Navegar pelo texto. Ler um relato também é uma forma de
navegar, é o contato, o convite para se vivenciar uma experiência realizada ou
imaginada por um sujeito.
14
II.1 Viajantes primeiros do sonho de navegar
Ao percorrer as páginas pelos caminhos traçados por Homero, o leitor delicia-
se na condição de observador que imagina a tudo, pois é envolvido por uma narrativa
que possibilita vivenciar as aventuras de um herói, protagonista, o qual retorna com
suas conquistas e seus feitos; Homero, em sua Odisséia, traz na sua bagagem o leitor
que, na condição de viajante, é convidado a vivenciar as experiências do herói pelos
caminhos narrados, uma trajetória que pressupõe as questões do encontro e do
reencontro.
Encontrar o novo, o desconhecido para Homero e para seu acompanhante
leitor é uma forma de proporcionar a aprendizagem daquilo que não se conhece, de
um mundo de mistérios, de um universo narrativo que desperta a condição de que
retornar é tão bom quanto partir, reencontrar é a recompensa de poder transmitir tudo
aquilo que se aprendeu.
“O Navio chegou aos confins do profundo Oceano, onde surge a cidade dos
Cimérios, sempre envolta em neblina e em nuvens: nunca o sol brilhante os visita com
sua luz, nem quando sobe para o céu cheio de astros nem quando do céu se inclina
para a terra, pois uma noite ali se estende sobre os pobres mortais. Lá chegando,
impelimos o navio para a praia, desembarcamos as reses e, seguindo o curso do
Oceano fomos ter ao lugar indicado por Circe. Perimedes e Euríloco seguravam com
firmeza as vítimas; eu, desembainhando a cortante espada que levava o flanco, escavei
um buraco do comprimento e da largura de um braço. Em seguida, ali despejei uma
libação para os defuntos: primeiro mel e leite, depois suave vinho e, por fim, água e por
cima espargi a branca farinha. E dirigi uma ardente prece às lânguidas sombras dos
mortos: de volta a Ítaca, haveria de imolar em minha casa uma estéril vaca, a melhor
15
da manada, enchendo a pira de esplêndidas ofertas; a Tirésias, em particular, prometi
sacrificar uma rés negra, a mais bela de todo o rebanho.”
1
Homero convida o leitor a realizar uma viagem de aventura por meio de uma
narrativa composta por conceitos como o amor e a amizade, discorre sobre valores
universais como a virtude, a honra e o patriotismo, tece um emaranhado de
acontecimentos de forma que o leitor, porque experimentou a aventura e compartilhou
sentimentos com o outro, sente-se tão aventureiro pelo que vivenciou na sua
imaginação.
Esperar pelo retorno de Ulisses proporciona uma tensão que aproxima leitor e
escritor como participantes do mesmo contexto e o sobrenatural serve de combustível
para o imaginário desta angústia, o fio condutor que sugere o caminho a ser percorrido
repleto de perigos, monstros de um mar desconhecido, criaturas contidas também nos
mapas e nas narrativas dos escritores quinhentistas.
O caminho percorrido pelo desbravador Marco Pólo prolonga-se para além das
fronteiras geográficas do maravilhoso bem como estabelecido por Fernão Mendes Pinto,
peregrino pelos mares das letras, convida-nos a embarcar por uma aventura das riquezas
até o caminho para o Oriente, uma rota de navegação vivenciada e narrada por
genoveses, venezianos e já tocada por navegantes, comerciantes, peregrinos do Velho
Mundo.
Ler um diário de viagem, como o de Colombo ou de Marco Polo é uma forma de
conhecer um pouco da expressão, do modo de olhar de cada viajante, por trás da
máscara que os revestem, das letras que nos contam sobre mais do que o destino, a
vontade de escrever e como relatar o novo.
Peregrinação, narrativa produzida no século XVI pelo escritor português Fernão
Mendes Pinto, também serve de base, uma espécie de pilar de sustentação para se
compreender a intenção a qual a presente investigação se propõe.
1
Homero. Odisséia. São Paulo, Atena Editora, 1960.
16
No capítulo 126 o autor escreve sobre o caminho feito entre a cidade de
“Tuymicão” até a chegada ao terreiro das caveiras dos mortos, maio de 1544. A
narrativa é misteriosamente tecida com uma riqueza de dados, imaginários ou não, que
brinda o leitor contemporâneo como uma visão de mundo e um modo de escrever muito
particular, um convite ao embarque:
2
“Ao outro dia pela manhã nos partimos desta cidade e, fomos dormir a outra muito
mais nobre, de nome “Linxau”. E seguindo mais cinco dias nossa viagem por este rio abaixo,
fomos um sábado pela manhã ter a um grande templo de nome “Singuafatur”, o qual tinha uma
cerca que seria de mais de uma légua em roda, dentro da qual estavam fabricadas cento e
sessenta e quatro casas muito compridas e largas, a modo de terecenas, todas cheias até os
telhados, de caveira de gente morta, os quais eram tantas e em tanta quantidade que receio
muito dizê-lo, tanto por ser coisa que se poderia mal crer, como pelo uso e cegueira destes
miseráveis.
Fora de cada uma destas casas estavam os ossos das caveiras que estavam dentro dela,
postos em rimas tão altas que sobrepujavam o cimo dos telhados, mais de três braças, de
maneira que a mesma casa ficava metida debaixo de toda esta ossada, sem aparecer mais que
somente a frontaria em que estava a porta. Sobre um teso que a terra fazia para a banda do sul,
estava feito um terreiro alto, fechado todo com nove ordens de grades de ferro, para o qual se
subia por quatro entradas. Dentro deste terreiro estava posto em pé, encostado a um cubelo de
cantaria muito forte e alto, o mais disforme e espantoso monstro de ferro coado que os homens
podem imaginar, o qual tomado assim a esmo, julgava que seria de mais de trinta braças em
alto e seis de largo, e nesta tamanha disformidade era muito bem proporcionado em todos os
membros salvo na cabeça que era um pouco pequena para tamanho do corpo, o qual monstro
sustentava em ambas as mãos um pelouro do mesmo ferra coado, de trinta e seis palmos em
roda.”
Marco Pólo, ao viajar pela Armênia, Pérsia e Índia, não economiza na
adjetivação do termo “maravilhoso”, opção recuperada por cronistas franceses ao
descrever o Brasil enquanto deslocavam-se pela sua terra e se aproximavam de sua
gente.
2
Para o crítico António José Saraiva, em História da Língua Portuguesa, Peregrinaçãoé o livro de
viagens mais interessante do século XVI.” porque “apresenta uma aparência verossímil de coisa vivida.”
17
No capítulo sobre sua chegada a Pérsia, descreve um lugar onde os homens são
cruéis porque se matam uns aos outros, homens fortes em armas e que seguem o profeta
Mohamed, porém temem o Tártaro do Oriente, o senhor que se apropriava de bens dos
mercadores ou dos viajantes, ou ainda os aprisionam, um lugar onde se produzem panos
com fios de ouro e de seda em grande abundância e também onde se tem muito trigo
cevada, algodão azeite, aveia, pão, vinho e fruta.
Colombo, ao anotar o mesmo capítulo, acrescenta à descrição uma intenção
diferente, descrevendo o mesmo lugar como imenso, assolado por Tártaros onde se
adora o Deus do fogo, onde há animais de montaria grandes, bonitos e caros, um lugar
de homens velhos, bons de briga, bandoleiros e homicidas, onde salteadores roubam
mercadores, onde se recomenda ao viajante participar em grandes caravanas. Um lugar
onde idolatram o “miserável” Mohamed e excelentes artesãos são capazes de trabalhar
com ouro, seda e outros tecidos de modo “admirável”. Há também uma abundância de
algodão, trigo, cevada, milho, pão, grãos, vinho e fruta.
3
Muitos foram os viajantes, quase todos na categoria de aprendizes
deslumbrados; na tentativa da descoberta do caminho para as índias, Colombo chega ao
novo continente sem perceber que descobriu muito mais do que esperava.
Ianni, em A Metáfora da Viagem, relembra a trajetória realizada por Colombo,
navegante que imaginou ter alcançado o Ásia, como assim fez Marco Pólo.
4
É esta concepção do encontro que traz para o Velho Continente a carga de
significação à qual perecia, pois precisa do Novo Mundo para ser denominado o Velho
Mundo; o mapa geográfico tem de ser modificado.
3
Marco Polo. El Libro de Marco Polo – anotado por Cristobal Colón. Madrid, Alianza Editorial, 1987.
4
O Novo Mundo nasce, desenvolve-se e transforma-se ou articula-se, desarticula-se e rearticula-se sob
os signos da modernidade”.Os enigmas da modernidade – “o modo pelo qual os enigmas se formam,
sucedem e coexistem pode ser uma perspectiva fecunda para esclarecer o modo pelo qual o novo mundo
reflete, expressa, realiza e elide formas e possibilidades da modernidade” IANNI, Octavio. Enigmas da
modernidade-mundo. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2000. pp 13 a 31
18
É, pois, a viagem que questiona este conhecimento prévio: até que ponto as rotas
de navegação, os caminhos, os novos povos descobertos estavam contidos nos livros de
leitura dos navegantes? Até que ponto a imaginação não serviu de combustível
necessário para se realizar o sonho de se lançar ao mar e buscar terra à vista, de
conhecer e conquistar o território do outro, de encontrar a rota para o Paraíso?
Lewis Hanke, ao prefaciar a História das Índias escrita pelo Frei Bartolomé de
las Casas, comenta sobre a urgência espanhola de escrever a história de seu Império,
mencionando Colombo como o primeiro a iniciar o costume de enviar ao outro, os reis
de Espanha, cartas contando sobre as “maravilhas encontradas no Novo Mundo
”.
5
Colombo fez o seu diário de navegação e por ser a Coroa Espanhola sua
principal interlocutora e financiadora da empreitada e, subsidiariamente a Igreja
Católica, guardiã dos ideais de cristianização, desvendou a conquista da nova “ilha”
como rica em ouro e almas. Atingiu seu objetivo mercantilista. Tocou o Paraíso e
revelou o conhecimento imaginado, lido nos livros de ficção. Construiu alegorias do
exótico e do impreciso. Construiu a idéia do Paraíso por meio de um discurso fundado
num mundo ideal, impressionista. Reconstruiu o conhecimento do outro a partir do
olhar europeu, maravilhado diante do reconhecimento do imaginado. Realizou o sonho
e provou que sonhar é preciso, tanto quanto navegar.
Em carta dirigida ao Papa Alexandre VI, autor de uma bula antecessora ao
Tratado de Tordesilhas a qual concede ao Rei de Portugal e aos Reis de Espanha a
concessão da posse de ilhas e territórios encontrados nas Índias Ocidentais, escreve
sobre a intenção ibérica em descobrir e ganhar terras.
6
5
Las Casas, Bartolomé de. História de las Índias. México DF, Fondo de Cultura
Econômica, 1992. V.1
6
“A monarquia lusitana havia ressaltado seus direitos com a bula outorgada pelo papa Alexandre VI em
maio de 1493, e com o Tratado de Tordesilhas (1494).” In Furtado, Celso. Economia Colonial no Brasil
nos Séculos XVI e XVII. São Paulo. Hucitec/Abphe, 2001.
19
Colombo, a exemplo de Vespucci em carta aos Reis de Espanha em 1503
7
, na
qualidade de bom articulador, porque não somente mantém o diálogo com os Reis de
Portugal, de Espanha e com o Papa, procura legalizar uma condição de posse que
garantirá o domínio da Terra e do Povo. Entretanto, em seu diário, cria a narrativa com
base na imprecisão, construindo um discurso fundamentado em termos como “acho
que”, “penso que”, “não estou seguro que”. Aos Reis, escreve que trabalhava para
descobrir o ouro. Ao Papa, divulga sua intenção quanto a levar a palavra e os
ensinamentos de Cristo para o Novo Mundo porque lá se encontrava o Paraíso.
8
II.2 – Viajar e Transviajar
Mais do que o sonho, o viajante leva muito do seu “eu”, de sua cultura e
dependendo da aventura, querendo ou não, acaba por se reconhecer no outro. Viaja-se e
espera-se encontrar no lugar visitado semelhanças do que já se conhece ou de tudo
aquilo que pertence ao referencial do viajante, seja no vestuário, na comida, no falar das
pessoas, nos costumes. Há sempre um choque para quem quer ser aprendiz. Feliz
daquele que já não viaja com um olhar pronto, porque nada vai aprender. Viajar é
sempre aprender.
Todo viajante é de certa forma um aprendiz. Mário de Andrade, por exemplo,
fez também este exercício. No mundo das Letras, no campo da Literatura Brasileira,
7
“Y ciertamente si el Paraíso Terrenal en alguna parte de la tierra está, estimo que no estará lejos de
aquellos países.” In Vespucci, Amerígo. Cartas de Viaje. Madrid, Alianza Editorial S. A., 1986.
8
“Y yo estava atento y trabajava de saber si avía oro (...) Y también aquí naçe el oro que traen colgado
a la nariz.(...) Esta isla es grañidísima y tengo determinado de la rodear, porque según puedo entender,
en ella o açerca d’ella ay mina de oro.” outubro 1492 “Creí y creo aquello que creyeron y creen tantos
sanctos y sacros theólogos, que allí en la comarca es el Paraíso Terrenal.(…) porque yo espero en
Nuestro Señor de divulgar su Santo Nombre y Evangelio en el Universo.”fevereiro 1502 Colón,
Cristóbal. Textos e Documentos Completos. Relaciones de viajes, Cartas y Memoriales. Madrid, Alianza
Editorial, Sociedad Quinto Centenario, 1989.
20
ninguém melhor cuidou da importância de se refletir a língua, a riqueza do Brasil para o
Brasil.
Mário, ao desembarcar no Vaticano, deixou o olhar de encantamento no cais.
Não foi o escritor quem chegou, mas o turista, o aprendiz confesso em busca de
conhecer o desconhecido em seu próprio país, o pesquisador em busca de seu objeto,
como que um brasileiro buscando descobrir ou redescobrir o Brasil, até hoje
desconhecido pelos brasileiros. É o escritor, eterno viajante, realizando uma viagem
para o interior do país, como que para o interior de si mesmo.
“Entro na cabina, agora já é tarde, já parti, nem posso me arrepender. Um
vazio compacto dentro de mim. Sento em mim”.
9
Mário de Andrade, na condição de aprendiz, escreve um diário, faz anotações e a
tudo observa; realiza duas viagens ao mesmo tempo: a viagem propriamente dita, que
explora rituais e tradições, desbrava mitos e mistérios; e a “transviagem”, a viagem do
“eu”, já que prossegue em seu “pensamentear”.
E os ventos deste “pensamentear”, sentimento e não menos sonho já plantado, é
um convite para se refletir sobre textos escritos nos séculos XVI e XVII cuja intenção
era retratar um Brasil, mais do que descrevê-lo ou documentá-lo.
Colombo, sem saber, desembarca no Novo Mundo e escreve seu diário, como o
viajante que descobre o outro e o informa de sua existência, a partir do que lhe possa ser
semelhante, parecido com o conceito de mundo. É o viajante que conta, narra os fatos,
imagina e inicia o discurso do vencedor.
Mário viaja, ou melhor, “transviaja”. Navega pelo Nordeste e Norte do Brasil,
para ele o Mundo Novo, uma terra repleta de conceitos, de símbolos, riquíssima do
ponto de vista cultural, popular, não-erudita. Aprende com os homens comuns, da terra
e conhece gente tão brasileira quanto ele. Escreveu seu diário, na condição de turista
9
ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1976.
21
aprendiz. Redescobre o Brasil para o Brasil. Não pretende informar ou formar uma
opinião sobre a terra, mas experimentá-la, saboreando uma diversidade de mundo.
Mário deixou no cais aquilo que conhece para aprender sobre o que lhe é diferente.
Mas, na qualidade de viajante não impõe o seu discurso, não retrata maravilhas, não
pinta a gravura do exótico, não reproduz a aquarela da idolatria, mas preserva um olhar
de respeito pelo diferente, coloca-se à disposição do outro para aprender, porque é ele
que detém a sabedoria.
Aprender, estudar a crônica produzida sobre o Brasil quinhentista e seiscentista a
partir de um levantamento de questões, como tentativa de investigação sobre textos
ainda desconhecidos pela maioria dos brasileiros, no campo das Letras, é tarefa que
pretende reconhecer a grandeza e a importância dessas narrativas, ainda que uma visão
canônica de interpretação literária considere essa produção meramente informativa ou
intencionalmente histórica.
Tal reflexão faz-se necessária porque os textos produzidos, na tentativa de
explicar o que era a terra achada, reinventaram um Brasil construindo formas de
representação e contêm elementos que nos atualmente podem servir de fonte para a
compreensão do que é o país e quem é o brasileiro.
II. 3 – Para o corpus, muitos recortes
A crônica produzida serve de base para esta partida, pois muitos desses textos
são desconhecidos pelos brasileiros, ignorados por Centros de Estudos de Literatura de
Viagem pelo mundo, ou porque priorizam viajantes espanhóis, franceses, ingleses e
alemães, ou porque a língua portuguesa é ainda uma barreira para o acesso.
A presente investigação refletirá sobre a crônica produzida nos períodos
quinhentista e seiscentista do Brasil. A América que fala português, ocupada e descrita
por cronistas portugueses e franceses e, segundo um olhar europeu, reinventada a partir
do discurso, teve como protagonistas esses viajantes que recriaram o conceito do real e
22
esculpiram uma aquarela multifacetada de sentidos, imaginando enquanto viam,
descrevendo intencionalmente as belezas de uma Terra tão distante e desconhecida,
realizando o arrolamento das riquezas, das maravilhas descritas para o acúmulo da
posse e propriedade de tudo o que pertencera ao outro, para ocupar e colonizar o
território um dia pertencente ao vencido.
Não será estabelecida uma análise literária ou comparativa entre a produção de
crônicas escritas por outros viajantes que por aqui estiveram, como alemães ou
holandeses. Serão abordados alguns fragmentos de textos de dois cronistas portugueses,
e dois cronistas franceses, uma espécie de panorama introdutório, que pretende
investigar a produção textual realizada sob o campo da Literatura de Viagem enquanto
gênero.
A investigação não se propõe a realizar a análise completa de cada obra porque
para uma dissertação de mestrado isto seria impossível, inviável do ponto de vista da
extensão do “corpus” e do objetivo proposto.
Quanto aos escritores portugueses, o foco será investigar como foi realizada a
representação do homem e da natureza e como o relato serviu de registro para um
projeto de colonização corroborado por um projeto religioso.
Quanto aos escritores franceses, o foco será refletir sobre a representação do
homem e da natureza e como o relato serviu de registro para um projeto religioso
revestido por uma intenção colonizadora.
Estas crônicas são ainda arroladas como produção “não-canônica” ou
pertencente a um subgênero de literatura, e são consideradas por uma parte da crítica
literária como mera informação sobre a terra e sua gente; para um outro grupo composto
de historiadores, antropólogos, geógrafos, por exemplo, servem de leitura documental
do ponto de vista do arrolamento de dados ou ilustrativa face às imagens apresentadas.
Quanto às diretrizes da dissertação, propõe-se uma leitura seguida de uma
discussão reflexiva sobre a interpretação textual com base na intenção destes cronistas
viajantes ou viajantes cronistas, que todo o tempo nos conduz a narrativa nutrida de
23
ensinamentos, descrições e representações porque mais importante do que rotulá-los
dividindo-os em duas categorias, foram cronistas que meramente viajaram ou foram
viajantes que produziram crônicas, o fato é que a viagem, o relato, a experiência do
escrever e como escrever é o que importa, daí a alusão ao pêndulo, mesmo porque até
hoje a humanidade ainda não resolveu o enigma de Colombo: colocou ou não o ovo em
pé? As obras escolhidas como textos-fonte para o levantamento de fragmentos são as
seguintes:
Tratado da Terra do Brasil – de Pero de Magalhães Gandavo
Tratado Descritivo do Brasil – de Gabriel Soares de Souza
Viagem à Terra do Brasil – de Jean de Léry
História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras
Circunvizinhas – de Claude d’Abbeville
Embora reconhecendo que os alemães realizaram primeiro uma tentativa de
descrever o Brasil, o trabalho caminhou no sentido de traçar um panorama desta
representação do país a partir da produção dos escritores escolhidos porque refletem
uma produção mais representativa do ponto de vista da influência e transformação entre
a relação homem - natureza no início da colonização.
Hans Staden, ao descrever sua própria aventura de sobreviver nas terras dos
canibais, estrutura uma narrativa informando sobre o modo de vida dos homens e a
natureza nos moldes de Colombo, a partir de construções como “ouvi-lhes dizer
também, mas não vi propriamente” cujo livro segundo de sua obra chega a ser intitulado
“pequeno relatório verídico sobre a vida e costumes dos tupinambás dos quais fui
prisioneiro”.
10
Hans Staden, narra no capítulo quarenta e cinco, um episódio antropofágico,
momento que os índios resolveram comer o primeiro dos dois cristãos assados:
10
STADEN, Hans. Duas Viagens ao Brasil. Belo Horizonte, Editora Itatiaia Ltda, 1988.
24
“Em frente da minha choça ficava a do chefe Tatámiri, o“Foguinho”. Este
guardava um dos cristãos assados e, segundo a praxe dos índios, fazia preparar a
bebida. Juntava-se muita gente, bebiam, cantavam e aprontavam uma grande festança.
No dia seguinte, depois da bebedeira, apreciavam de novo a carne assada e comiam-
na. A carne do outro porém, do Jerônimo, foi pendurada na cabana em que estava,
numa cesta sobre o fumeiro, durante três semanas talvez, até que ficou seca como um
pau. Que ela assim ficasse pendurada, esquecida sobre o fogo, durante tanto tempo,
tinha a sua razão: o selvagem, a quem ela pertencia, chamava-se Paraguá. Ele tinha
partido à procura de raízes para o preparo da bebida, que se precisa para o festim
anterior ao banquete. Assim se passava o tempo; não me queriam levar ao navio antes
que a festa tivesse sido realizada e o Jerônimo, devorado. Entrementes havia largado
de novo o navio francês, que ancorava a cerca de oito milhas distantes.”
É na condição de viajante retratista que inaugura uma representação significativa
do país e sua narrativa não procura corroborar a intenção de um projeto maior, porque
reside na experiência individual, compondo mais um diário do que um tratado ou
história descritiva.
Schmidel, outro cronista alemão, em apenas três capítulos sobre o Brasil,
constrói uma narrativa com um olhar distante, periférico, uma espécie de navegante que
literalmente passa pela costa do país, pois transcorre um olhar na condição de
passageiro do que observa e como conta o observado.
Descreve a grande quantidade de pássaros e que podem ser mortos a pauladas e
peixes voadores, grandes e “maravilhosos”. Pouco fala sobre um lugar chamado Rio de
Janeiro porque mesmo estando lá por quatorze dias, apenas nos informa que a ilha
pertence ao rei de Portugal e os índios se chamam Tupis. Sua forma de narrar é
telegráfica, objetiva e não correlaciona um olhar próprio daquilo que observa. Pode ser
considerado um viajante passageiro que se limita à composição de um relato.
11
11
SCHMIDEL, Ulrico. Relatos de la Conquista del Río de la Plata y Paraguay 1534-1554. Madrid,
Alianza Editorial, 1986.
25
Por se tratar de um texto híbrido, a crônica desse período merece melhor
investigação devido à pluralidade de temas que ainda carecem de estudo. Não podem
ser vistos como simples testemunho ou início de um processo. Não cabe aqui discutir o
termo origem, mas negar sua importância do ponto de vista estético não é possível.
Alfredo Bosi entende que estes textos são de origem portuguesa porque
documentam a instauração de um processo”. Porém, apesar de classificá-los como
“pré-históricos”, interessam como “reflexo de uma visão de mundo”.
12
Antonio Cândido considera que os escritores do período eram formados segundo
uma mentalidade européia e escreviam para europeus e escreviam segundo uma
necessidade, no caso para a Coroa ou para as Ordens Religiosas às quais pertenciam.
13
Massaud Moisés classifica a produção realizada como de “Informação da Terra",
ainda ligada a uma questão historiográfica, uma literatura caracterizada pelo
“sentimento de ufania, resultante da busca pelo Paraíso“.
14
José Veríssimo entende o Tratado Descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de
Souza como um livro significativo do século XVI, porém não uma obra literária, mas
“um memorial de concessão apresentado ao Governo, como justificativa dos favores
para a sua empresa de exploração do país”.
15
Veríssimo, quando menciona Soares, tece seus comentários com algumas
impressões que refletem o interesse por esta obra enquanto investigação, objeto dessa
pesquisa, como por exemplo, o propósito do autor o qual por ele é chamado de
empreiteiro”, porque registra uma “notícia interesseira da terra que se propunha a
12
BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura Brasileira. São Paulo, editora Cultrix, Ltda, 1991. 3ª
edição.
13
CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo, Companhia Editorial Nacional, 1965.
14
MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo, Editora Cultrix, 2004. 24ª
edição.
15
VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. São Paulo, Editora Letras &
Letras, 1998.
26
explorar”. Quanto ao texto produzido por Soares, entende que seu rudimentar estilo é
menos eivado dos vícios literários do tempo.
“…a obra, por virtude do próprio assunto, é muito mais interessante e
proveitosa ainda hoje do que a maior parte das que então mais classicamente se
escreviam, sermonários, vidas de santos, crônicas de rei, de príncipes e magnatas,
livros de devoção e milagrices.”
16
Um outro Veríssimo, Érico, entende que no século XVI não havia literatura
brasileira nenhuma. Contudo, ao refletir sobre os livros escritos hoje, menciona a
questão do gênero, associando formas de entender um texto como literário em função do
clima, das tradições, da raça, da paisagem e da atividade econômica.
17
Antonio Soares Amora considera a obra de Jean de Léry e a de André Thevet
como motivadoras no sentido de despertar na Europa a curiosidade pelo exótico da
terra, uma vez que tais textos estavam “empenhados em revelar a realidade do novo
mundo”.
18
O autor cita também a obra de Gandavo, a de Gabriel Soares e a de Ambrósio
Fernandes Brandão a título de exemplos, considerando-as desprovidas de valor artístico,
mais empenhados em enriquecer na conquista da terra do que adquirir glórias
literárias”, mas são interessantes na medida em que “muito revelam do homem e da
natureza brasílica, surpreendidos em seu estado natural, e pelo que documentam do
processo de conquista e colonização do Brasil. (...) Das obras destila, a par do
sentimento de amor à terra nova, quanto ao clima, fertilidade, riqueza do subsolo,
recursos da flora e fauna, o sentido prático dos descobrimentos e conquistas, muito
característico da gente portuguesa, e muito natural na época, quando a preocupação
do Estado era povoar e colonizar as terras novas”.
19
16
Idem.
17
VERÍSSIMO, Érico. Breve História da Literatura Brasileira. São Paulo, Editora Globo, 1945.
18
AMORA, História da literatura Brasileira. São Paulo, Ática, 1998
19
Idem.
27
O crítico Amora nos concede uma chave para melhor interpretação da
consideração crítica dessas obras quando entende que o desprovimento do espírito
crítico é natural nelas, porque somente a partir do século XVIII desenvolvem-se
ciências capazes de lograr um olhar científico ou teórico sobre o assunto.
20
Silvio Romero inaugura seu capítulo sobre o século XVI entendendo o povo
brasileiro como emergente da selvageria, porque atravessa as fases do pensamento na
qualidade de partícipe da cultura dos tempos modernos, entra para a história em plena
luz, rotulando o português como vindo de um país culto, o qual veio para uma “ilha
estéril, perdida no oceano”, para que tomasse conta da nova terra, lugar povoado por
seres pertencentes a uma das grandes divisões da família humana, gentes selvagens” e
que “a elas vieram mais tarde ligar-se alguns milhões de indivíduos de uma raça ainda
inferior: os africanos”.
21
E ainda:
Nestas condições, é evidente que os homens mais fortes, porque mais cultos,
tinham de abrir caminho por meio de nossas selvas e indicar as normas da viagem. Ele
porém não era o único, tinha concorrentes: e aqui começa o interesse dramático da
nossa história, interesse etnológico, mais e mais crescente, e cujos últimos resultados
estamos ainda bem longe de prever mesmo depois de passados quatrocentos anos”.
22
Segundo Romero, não existiu literatura no Brasil no primeiro século, na acepção
do termo que hoje denominamos. Mas a crônica, especialmente de Gandavo, Cardim,
Gabriel Soares e José de Anchieta, em conjunto com Léry ou Thevet, na qualidade de
estrangeiros, fizeram os autores passarem pelo país sem se abrasileirar. Quanto à
produção de Gandavo, embora seu livro leve o título de História, “de histórico ele quase
nada tem além do título”.
23
20
Ibidem.
21
ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1943.
22
Idem
23
Ibidem.
28
Diante disso, o trabalho não pretende negar toda a crítica já realizada, no sentido
de ir de encontro às idéias e lançar uma inusitada forma de analisar estes livros.
Pretende-se sim, sugerir a releitura de tais obras sob o gênero Literatura de Viagem,
observando-se o discurso feito; buscar-se-á, contudo, o incentivo de retomar uma
questão já proposta pelos modernistas, para começar a entender o que é o Brasil, como
ele foi visto por portugueses e franceses que por aqui estiveram e não repetir
informações históricas, mesmo porque não se pode negar o fato de que o imaginário
faz-se presente do relato de alguns viajantes.
Há uma intenção nas palavras desses viajantes da terra, que não apenas
descrevem, mas intencionalmente sublimam. Encontrou-se, pois, mais do que um
continente, porém gente, a possibilidade de se levantar questões sobre o outro, a
diferença.
Não se pode esquecer do fato de que os relatos históricos transmitidos partem
do pressuposto do mais forte, segundo a visão dos vencedores que, com o passar dos
anos, dizimaram índios, escravizaram negros, violaram natureza, tomando para si o que
era do outro.
Não cabe repensar a produção realizada sobre o Brasil por Gandavo, Gabriel
Soares, Léry ou Claude d’Abbeville enquanto origem da Literatura Brasileira e nem se
propõe a dissertação a caminhar nesse sentido.
José A. Castello considera o período colonial como determinante para a fixação
do colonizador e a instauração do processo de miscigenação como responsáveis pelo
desencadeamento do lento processo de conquista da identidade, registrando como
elementos desse período o nativismo de exaltação das coisas materiais e de louvor
servil, transformando-se até o reconhecimento de valores, lendas e tradições. No
entanto, o autor, como a totalidade dos críticos, determina que uma reflexão literária só
pode ser considerada significativa a partir do século XVIII, momento que buscava-se o
sentido da expressão literária diante da questão da compreensão do que significava ser
brasileiro:
29
Caminha-se para a reação a estilos literários que, transpostos e impostos, se
sucedem, sem possibilidades favoráveis à assimilação, salvo o Barroco, facilmente
reconhecível entre nós pela exuberância da linguagem, forma, cor, visão de mundo”.
24
A análise literária tampouco será usada como plano dado o primitivismo do
tempo e do espaço em questão. Será feita uma releitura do texto, observando-se o
hibridismo dos temas, com o propósito de se identificarem e de se arrolarem questões
preliminarmente levantadas por esses autores.
A releitura proposta não abraça nem a possibilidade de se efetuar uma
abordagem antropológica do assunto a partir da análise das narrativas nem mesmo um
levantamento lexical da flora e a fauna descrita porque tal abordagem se distanciaria da
proposta: refletir sobre a relação e a voz de seu relator no texto, viajando pelas palavras
do autor. Propõe-se olhar para o texto, mais interna que externamente.
Dessa forma, os capítulos seguintes versarão sobre viajantes portugueses e
franceses e não outros que por aqui estiveram, tendo-se por objetivo uma reflexão sobre
semelhanças e / ou diferenças nas representações do homem e da natureza do Brasil
enquanto temas comuns a esses autores, conforme citado anteriormente.
Finalmente será defendida a tese de que ler crônica de viagens desse período,
por se tratar de um “gênero de fronteira”, termo sugerido por Bosi, não pode e não deve
ser entendido, como simples questão historiográfica, uma espécie de tentativa de se
inventariar a “realidade”; o texto, contudo, será analisado do ponto de vista literário e
ficcional, refletindo-se sobre a intenção do discurso desses “informantes”, a partir da
narrativa proposta.
Reler tratados e outros textos coloniais fora da ótica histórica, com os olhos
voltados para a perspectiva literária, é tarefa instigante não somente do ponto de vista
quantitativo, pois quatro são os textos-fonte, bem como do qualitativo, gênero híbrido,
“de fronteira” conforme postula o crítico Bosi; contudo, traduz-se por uma possibilidade
24
CASTELLO, José Aderaldo. A Literatura Brasileira: Origens e unidade. São Paulo, EDUSP, 1999.
30
de se realizar um trabalho gratificante, já que muito há que se investigar sobre os
estudos brasileiros do período colonial.
Nesse sentido, esta dissertação será apresentada ao Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas, área de Literatura Brasileira, propondo-se uma releitura de
fragmentos de quatro obras escritas nos séculos XVI e XVII, repensando a questão do
narrar, tendo-se em vista que as histórias ou tratados sobre o Brasil foram articulados
pelos cronistas, intencionalmente almejando um objetivo. Outra proposta é abordar
como o ato de “contar sobre” consegue inaugurar uma espécie de antropologia cultural e
primitiva das questões brasileiras.
Embora a crítica literária maior, respeitável e canônica não acolha as crônicas
como literatura e não corroborem valor literário para análise, esta proposição não se
justifica porque é possível ler uma obra do século XVI, em pleno século XXI,
respeitando-se este procedimento de “fronteira”, ainda que não se consiga escapar da
herança de uma concepção de formação acadêmica européia.
Reitera-se que esta investigação se ocupa de não realizar o simples
questionamento sobre a produção crítica, mas de demonstrar a importância desses textos
enquanto produção preliminar, culturalmente híbrida e ficcionalmente discursiva, a qual
inaugura o sentido do que é ser Brasileiro, do que é o Brasil, um país cujas relações de
dependência ocorrem há cinco séculos.
Não se pode negar a importância da fonte literária enquanto registro de um
momento de formação de um povo e da informação de uma terra com bases subjetivas,
subliminarmente comparativas com a Metrópole e intencionalmente transparentes no
que se destina a uma dominação pré-estabelecida, a instauração da Colônia enquanto
projeto.
Os textos sob análise não podem e não devem ser meramente considerados como
fonte de informação historiográfica pura, porque os tratados ou os diálogos não têm
somente a intenção de relatar a colonização e a exploração do Brasil por meio de um
discurso direcionado pelos viajantes, residentes ou religiosos exploradores, mas sim
uma composição de um discurso de ficção, de imaginação e não menos de intenção.
31
Entretanto, porque há intenção, há que se refletir sobre a diferença entre o olhar
português e o olhar francês, com base nas crônicas produzidas naquele período,
sugerindo e justificando uma leitura dessas obras enquanto gênero específico, sem
rotulá-las segundo o campo da literatura ou da história, mas propor uma releitura deste
olhar, tendo-se como objeto específico a composição da natureza e do homem, segundo
os autores.
Para Bosi, colo significou em língua de Roma, “eu moro, eu ocupo a terra” e por
extensão, “eu trabalho, eu cultivo o campo”. Em suas palavras, “Colo é a matriz de
colônia enquanto espaço que está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e se
sujeitar”.
25
Assim, a dissertação pretende considerar o homem e a natureza como objeto de
estudo porque são esses os grandes temas representados nas obras.
Outras áreas do conhecimento como a Literatura, a História, a Antropologia, a
Cultura Brasileira, a Religião e a Pedagogia muito enriqueceram a investigação; porém
decidiu-se realizar uma delimitação do campo de investigação a partir dos textos-fonte,
dada a fertilidade do assunto, caso contrário a análise seria prejudicada diante de um
mar de informações.
Nesse sentido, foi muito positivo buscar conteúdo em disciplinas de outros
Institutos, como no IEB e na Pedagogia, pesquisa que proporcionou um ótimo contato
com as questões vivenciadas no curso de Letras, com a aplicabilidade da investigação
propriamente dita, uma eventual discussão de currículo para o ensino superior, uma vez
que na quase totalidade das disciplinas lecionadas pelo Brasil, quando o tema é incluído,
isso se faz pelo viés de historiadores a título de ilustração e/ ou exemplificação.
25
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 4ª edição.
32
O enigma que hoje ainda toca o Ocidente, envolvendo-o e questionando-o sobre
semelhanças e diferenças, respeito e intolerância, seja social, cultural ou religiosa,
principalmente, é fruto do desconhecimento sobre o Oriente. Eis o mistério e o segredo
sobre a alteridade ainda não desvendada, embora encontrada. Os véus ainda hoje
revestem, guardam e inquietam atuais navegantes na constante busca pelo que pertence
ao outro.
Ianni nos lembra que:
“O Velho Mundo somente começou a existir quando os navegantes
descobriram e conquistaram o Novo Mundo. O Ocidente somente começou a existir
quando os viajantes, comerciantes, traficantes, missionários, conquistadores e outros
descobriram o Oriente(...) a viagem pode alterar o significado do tempo e do espaço,
da história e da memória, do ser e do devir.”
26
Com base nesta referência em relação ao velho continente, não se pode
ignorar o fato de que a divisão dos movimentos literários por períodos é uma forma de
fragmentação sugerida por toda a crítica que, segundo um estilo enraizado, determina e
rotula autores e textos, nos termos do discurso mais dominante, imposto, não permitindo
a inclusão do outros textos, com qualidades e estruturas diferentes.
Nos estudos acadêmicos, tomando-se a investigação como fim, cabe ao
pesquisador refletir sobre textos produzidos e não cair nas armadilhas de tudo o que foi
previamente estabelecido como canônico ou não canônico.
Ainda que o graduando ou o pós-graduando chegue à conclusão de que toda a
crítica está correta ao determinar que a crônica produzida entre os séculos XVI e XVII
deva ser considerada como gênero menor ou texto informativo sobre o Brasil, cabe ao
pesquisador ou ao professor motivar o conhecimento de forma ampla.
26
IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
2000.
33
Não é o papel da universidade enlatar ou armazenar nas estantes das bibliotecas
obras previamente julgadas como de referência, principalmente quando os temas nelas
contidos permeiam há cinco séculos, quando as vozes nelas contidas ainda inquietam,
fascinam, comunicam com o presente e revelam força e capacidade de fornecer meios
de compreensão para refletir sobre a questão da identidade, contida em toda e qualquer
discussão quando o assunto é América.
Tais obras não podem mais dormir no silêncio das estantes porque
permaneceram escondidas ou adormecidas há séculos. Os véus ainda escondem, ainda
encantam. É o enigma ainda a ser descoberto.
Propõe-se aqui a leitura dos textos enquanto mimesis, imitação da realidade a
sugerir certo distanciamento do conceito de real imaginado ou descrito entre os séculos
XVI e XVII, restituindo-se não o conceito, porém o olhar sobre esta descrição do Brasil
e do Brasileiro, e para quais conseqüências estes relatos serviram de processo de
construção de uma identidade, a partir do discurso realizado e do olhar direcionado
desses informantes/ viajantes.
As idéias de Alfredo Bosi, proferidas num encontro entre pesquisadores e
professores provenientes de vinte universidades, em 1995, contidas no artigo As
Fronteiras da Literatura, que inaugura uma série de estudos sobre Gêneros de Fronteira
como forma de cruzamento entre o histórico e o literário, servirá como uma espécie de
bússola na viagem que esta investigação pretende realizar, pois corroboram toda
intenção da pesquisa.
Segundo Bosi, falar em “fronteiras” da literatura dentro desse campo de
interações é sempre recuar um pouco, pensar as diferenças entre ficção e não-ficção.
Mesmo que sejam memórias, mesmo que se use a primeira pessoa gramatical
como sujeito da enunciação, mesmo que sejam diários, cartas, autobiografia, enfim
textos cujas formas estão às vezes próximas do que nós consideramos como literatura –
uma hipótese provável é que há realmente um momento em que a fronteira existe, por
34
pura, por mínima que seja, por transparente que seja, como um cristal que separa dois
ambientes: e a percepção da fronteira é testada pela consciência do escritor, enquanto
testemunha. Ele sabe que o objeto de sua escrita é a sua experiência, e é uma
experiência que ele pode atestar, empiricamente verificável: o real que aconteceu.
Quando assume situar-se no plano da memória, no plano da ficção, ele sabe o momento
em que está mentindo. Sabe muito bem quando está dizendo alguma coisa que não pode
atestar, mas que ele gostaria que tivesse sido assim. Mas a sua consciência de
memorialista, de historiador, sabe que ele está mentindo, e Oxalá, o público também o
perceba. Porque o lado da recepção é a mesma coisa, há o momento em que o leitor
duvida. Se o leitor pode duvidar de um fato ou de outro então ele poderá dizer: bom,
temos um grande memorialista, mas aqui ele mentiu, pois toda a erudição mostra que
aquela afirmação não poderia ser verdade... Ainda que o quantum de real histórico
seja ponderável, o modo de trabalhar, que é essencial, é ficcional... Ao passo que no
registro da memória histórica os desejo são desejos e os fatos, fatos. A imbricação de
devaneio com relato propriamente é ficção”.
27
E nos orienta também que:
... teria chegado o momento de acabar com esta pesada e canônica tradição segundo a
qual literatura é literatura, linguagem de comunicação é linguagem de comunicação, e
realizar performaticamente a identidade profunda de ambas as atividades... Vejo que
esta fome de realidade no fazer-se dos atos simbólicos tem como contraponto uma fome
de idealização e de anti-realismo. São duas posições estremadas na nossa cultura: o
realismo mais nu e a fantasia mais livre. As duas tendências estão compresentes, e vejo
que isto faz com que a crítica literária empreenda a busca de um exemplário, de um
novo corpus em que as fronteiras estejam derrubadas, onde o histórico entre para o
literário e o literário entre para o histórico. Nele me parece que Sarte está ainda bem
firme na preposição de que há uma fronteira. Só que esta fronteira, diz ele, foi criada
pelo idealismo literário burguês”.
28
27
BOSI, Alfredo. “As Fronteiras da Literatura”. In: Gêneros de Fronteira – Cruzamento entre o
Histórico e o Literário. São Paulo, Centro Angél Rama, 1997. 1ª edição. Flávio Aguiar, José Carlos
S.B.Meihy e Sandra G. T. Vasconcelos (org.) .
28
Idem.
35
E ainda:
“Dessa forma, nasce pois da necessidade de se repensar o Brasil, com base nos
textos preliminares produzidos por aqui, a título de exemplificação, a nossa intenção de
escolher o presente tema de investigação. Optamos sim a re-estudar como foram
retratados a natureza e o homem na crônica produzida no Brasil naquele tempo, tendo-
se como ponto de partida as intenções históricas de colonização e de exploração bem
como na herança cultural recebida e reproduzida porque, passados cinco séculos, os
temas referentes à natureza e ao homem ainda são as grandes questões do país, visto
que nos tornamos herdeiros de um projeto latifundiário de formação de território,
modelo de ocupação e uso pré-determinado pela Metrópole, apropriando-se das
riquezas aqui existentes e sobretudo iniciando a formação da idéia do que é ser
brasileiro, como resultado deste projeto de exploração, a partir da sincronia entre o
índio, o branco, e o negro”.
29
Assim compreender a viagem enquanto metáfora realizada pelo universo do
imaginário dos viajantes é uma possibilidade de resgatar um inventário de
representações que ultrapassa os limites do campo histórico e econômico para o
literário, cultural e social do Brasil.
29
Ibidem.
36
Diário de Viagem
“ O Brasil, com sua fina armadura moderna colada sobre esse imenso continente
fervilhante e forças naturais e primitivas, me faz pensar num edifício corroído cada vez
mais de baixo para cima por traças invisíveis. Um dia o edifício desabará, e todo um
pequeno povo agitado, negro, vermelho e amarelo espalhar-se-á péla superfície do
continente, mascarado e munido de lanças, para a dança da vitória.”
Albert Camus.
37
III - Literatura de Viagem: Por que ler os viajantes?
Viagem e descobrimento, duas palavras que possuem uma correlação de
dependência referente ou aos feitos históricos ou à prática do lazer, termos presentes nos
guias ou compêndios didáticos, cristalizados ou no campo do turismo como roteiro e ou
no histórico visto como testemunho.
Esta afirmação reflete um pensamento muito comum, principalmente do grande
público, o qual não se dá conta que viajar ou descobrir mundos através da escrita, é uma
forma de desfrutar as aventuras do novo, do desconhecido pelos caminhos da literatura,
saborear o diferente pelas mãos do narrador, o qual estabelece o caminho, constrói a
aventura.
No entanto, a crônica produzida nesse período sobre o país serve como
ilustração relativa à experiência do contar sobre e do descrever a terra e sua gente.
Conduz o leitor a um entendimento derivado da intenção do autor aliado a um olhar
encantado, herança das leituras realizadas por outros viajantes, em outros tempos e
lugares.
Quando chegaram no Novo Mundo, tentaram encontrar o lido e acharam o
diverso, depararam-se como o híbrido, o novo quanto aos mitos, às línguas, aos
costumes, a uma flora e a uma fauna que pudessem realizar a idéia do tão esperado
Paraíso, a terra mítica das riquezas e belezas do maravilhoso descrito, a partir de Marco
Pólo, e contido nos livros do Velho Mundo.
Contudo, há uma totalidade de textos ou relatos de bordo, capazes de
documentar, registrar brevemente os dias vividos por capitães em naus que cruzaram os
oceanos à procura das riquezas em outras terras, no áureo período das conquistas, que
meramente informam sobre navegantes e descobertas, e não permite que o leitor realize
a experiência do prazer da viagem enquanto imaginação, composição de sentidos.
38
A relevância do termo “achar” ajusta-se propriamente à intenção do viajante,
enquanto autor (o narrador de histórias) e ao mesmo tempo personagem (o herói de seus
feitos), ao tentar explicar o que é a terra, quem é o outro que come gente e ao mesmo
tempo digere e questiona o sentido de ser humano, do que é permitido, do que pode ser
aceito ou não pelo sistema determinado pela Igreja, pelo Rei ou por pessoas
economicamente privilegiadas, as quais estavam por trás da grande empreitada cujo
projeto residiu mais do que a ação de deslocar-se até outras terras, mas encontrar o
diferente, o contraponto que faltava para uma melhor composição e explicação do
mundo. Uma trajetória intencionalmente planejada, financiada, preparada e projetada,
enquanto processo de apropriação.
Não cabe aqui descrever o cotidiano dos navegantes, mas a representação do
conteúdo encontrado e relatado, a partir de uma visão multifacetada de sentidos
imaginados e narrados, e como este narrador português e francês escreve o que vê, com
base na sua experiência pessoal enquanto sujeito indicado por uma autoridade para
registrar a verdade sobre o Novo Mundo, porque recolhe o lido e o imaginado para
transpor a melhor representação descritiva do descoberto ao grupo financiador e maior
interessado em ler sobre o que foi de fato encontrado.
Informar sobre a terra, sobre sua natureza e sua gente é uma espécie de aperitivo,
pois permite ao leitor ser levado a outros campos do conhecimento sem se deslocar
fisicamente; é pelas mãos do autor que o leitor é incitado a realizar sua própria viagem,
ao observar como a narrativa foi construída.
A curiosidade estimula o aprendizado, o conhecimento e é na condição de
viajante, e não de mero informante que o objeto observado e outrora descrito ou narrado
ganha uma nova carga de sentido, pois é reconstruído sob o olhar do outro, o qual
fotografa em sua mente, pela lente de seu exclusivo modo de ver, a gravura e a alegoria
do que foi toda a questão do “achamento”.
Ao descrever a natureza e o homem no período colonial, o cronista narra o que
os olhos alcançam com base no que conhece. É o olhar do Velho Mundo que se
sobrepõe ao objeto achado, no caso o Novo Mundo.
39
Thaís Pimentel, em seu estudo sobre Viagens e Narrativas, conceitua os relatos
de viagem como textos ou narrativas que têm como objeto uma experiência de viagem,
experiência que não leva em conta apenas a contribuição do viajante, mas todo seu
repertório anterior, seu olhar para o mundo.
O entendimento proposto pela professora também é o mesmo deste trabalho no
sentido de que “cada viajante escolhe uma opção em função de circunstâncias da sua
viagem, da sua história de vida e da expectativa que outros depositam na sua narrativa
de viagem”.
30
Ainda que os cronistas quinhentistas viessem em grandes grupos para a
América, ainda que gozassem da permanência de portugueses, franceses, negros, índios
e prisioneiros, seu relato não contém a presença do outro como autor ou partícipe, mas
sim uma espécie de objeto incorporado à paisagem, personagens de uma estória maior.
O leitor mais próximo do campo da Literatura possui um olhar diferente sob o
mesmo texto comparado ao leitor que observa o mesmo objeto enquanto fonte histórica.
Nesse sentido, Thaís Pimentel analisa a questão comentando os dois campos.
“Os viajantes produzem um olhar sobre o mundo o qual produz imagens que
todo o tempo se confundem com as da literatura. E muitas delas irão se constituir em
novas imagens literárias”....“Para o historiador, trabalhar com imagens literárias é se
valer do testemunho sensível daqueles que vêem o mundo com a mediação das
palavras. Suas viagens produzem principalmente textos, idéias e reflexões apresentadas
com o objetivo de registrar uma memória da experiência vivida. E essa é uma
experiência particular, de alguém que usa a língua como outros preferem utilizar
outros recursos, seja o desenho ou a pintura na forma como eram utilizados num tempo
em que os recursos tecnológicos eram poucos, seja a fotografia ou as filmagens, a
partir do momento que as novas tecnologias criaram tal possibilidade”.
31
30
PIMENTEL, Thaís Velloso C. De viagens e de Narrativas: Viajantes Brasileiros no Além-Mar (1913-
1957). Tese de Doutorado em História Social apresentada a FFLCH/USP. São Paulo, 1998.
31
Idem.
40
Para um melhor posicionamento de leitura e adequado procedimento
investigativo quanto à crônica produzida neste período, o presente estudo sugere uma
possibilidade diversa de enfrentamento do texto, com base na observação da construção
do discurso contido, uma espécie de convite à redescoberta de narrativas, ainda que
desconhecidas por muitos leitores, para que se reconheça a importância de um corpus
produzido, para que se estimulem os estudos coloniais sobre o Brasil e, para que se
motive um diálogo entre o campo literário com o histórico.
Pelo material produzido, é possível identificar a tentativa de descrição da
“realidade” observada sobre o país, intencionalmente produzida segundo os interesses
de um projeto colonial estabelecido, não se podendo distanciar-se da idéia de ficção
quando se pensa sobre o imaginário, o inventado contido nestes relatos.
Cada viajante, na qualidade de visitante, constrói sua narrativa a partir de uma
experiência singular. Escreve sobre o que observa e o que espera ser observado. Na
condição de informante, mantém interlocução com seu provável leitor, sendo que este,
por sua vez, na condição de financiador da empreitada, já tem por si determinado o que
espera ser encontrado.
A narrativa produzida sobre o Brasil do século XVI há que ser vista sob um
conceito de primitivismo de campo, seja ela de cunho literário, antropológico, histórico
ou geográfico, pois não se recomenda ler estes textos com base na interpretação
exclusivista. Há o descrito, o narrado, o contado e também o inventado.
Enquanto invenção, ao leitor é feito o convite para fazer seu próprio caminho
pelo campo literário, que pode auxiliar os outros campos na compreensão de questões
tais como o que pode ser mentira ou verdade e a quem interessa informar esse limite na
composição do relato.
Toma-se, pois, a produção realizada para sugerir um outro olhar diante da
questão do período colonial, quanto ao material produzido sobre o Brasil, a partir do
momento de “achamento” do país e início do processo de ocupação de seu território, ou
seja, como a descrição deste viajante tentou explicar muito em pouco tempo.
41
Mais que secularização, há canonização do campo, no sentido da determinação
histórica. Não há, contudo, como escapar da questão textual de produção propriamente
dita, quando se reexaminam tratados, diálogos ou histórias escritas no início da
formação e colonização do Brasil. Informa-se para formar uma mentalidade e o discurso
é o registro desta intenção.
III.1 – A polissemia da Viagem
Por aqui passaram muitos viajantes, piratas, navegadores, todos na condição de
passagem. Alguns deles resolveram escrever, registrar o que se pode refletir, a imagem
digerida a partir do que foi observado. Não foram comidos por índios como temiam;
sobreviveram às dificuldades de viver dos trópicos, aos naufrágios e à fome.
Alimentaram-se da oportunidade de ver o diferente para aprender mais sobre si mesmos.
A viagem em si possibilita a idéia de mudança. O registro dessa experiência
contribui para o que se lê, proporcionando aos leitores um pouco de vivência pelo
mundo das letras, pela reflexão das imagens e pela comunicação estabelecida com o
objeto, o homem e o mundo.
É pela crônica produzida no período colonial, pela possibilidade de se realizar a
viagem sobre textos os quais retratam um país ainda a ser redescoberto pelo e para os
Brasileiros, que este projeto de reflexão caminha, sobre porque considerar o campo da
literatura de viagem relevante do ponto de vista textual, narrativo, da condição do
escritor, mais viajante do que informante, o movimento sugerido pelo pêndulo.
É possível ler ou reler estes textos com os olhos voltados para a arte e para a
representação dos símbolos, com o objetivo de apontar a forma pela qual o Brasil foi
42
retratado pelos cronistas, segundo uma particularidade de visão de mundo. Cronistas,
viajantes também, porque mesmo em solo firme permitiram-se muitas vezes ao
exercício de “pensamentear”, como disse melhor Mário de Andrade.
O termo “retratar” é usado literalmente no sentido de esboço, constituição de um
retrato; como esses escritores compuseram a alegoria do país, descrevendo além do que
os olhares pudessem alcançar, para além do que a imaginação pudesse sugerir, a partir
de uma intenção de descrever o que tomavam por uma “verdade”, construindo assim um
sentido observado a partir de um modelo conhecido.
Todorov sugere uma forma de entender a literatura do ponto de vista
estrutural, como imitação pela linguagem, comparando-a com a pintura, não como uma
imitação qualquer, “porque não se imitam coisas reais, mas também coisas fictícias”.
32
Dessa forma, a dissertação se propõe à reflexão do tema, motivando a
importância da leitura de narrativas as quais permanecem no silêncio do conhecimento
pelo público leitor, ainda que a crítica entenda-a como crônica da terra, como gênero
menor.
Gandavo, Gabriel Soares, Jean de Léry e Claude d”Abbeville foram de fato
viajantes? Como incluí-los nessa categoria, se permaneceram em solo firme, em
companhia de índios e de europeus?
Para uma compreensão do que é ser um viajante e por que e para que lê-los,
iniciamos uma melhor elucidação do campo a partir do estudo realizado por Álvaro
Manuel Machado, o qual classifica três formas elementares de viagem ao longo da
história: a peregrinação, a viagem e o turismo.
33
A peregrinação é a seu ver uma prática de tradição cristã, associada a conceitos
como mundo, vida e travessia enquanto que o turismo pressupõe itinerários, uma
espécie de peregrinação em grupo.
32
TODOROV, Tzvetan. Os Gêneros do Discurso. Lisboa, Edições 70, 1978.
33
ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1976.
43
Os escritores investigados não se encontram nestas categorias, porque há um
propósito diverso de deslocar-se em busca da terra prometida ou dos passos de Cristo e
nem mesmo participaram de expedições para somente retratar o desconhecido. O turista
registra e não modifica o que encontra.
Quanto à viagem, ao contrário do termo dos outros dois conceitos, podemos
considerar a transitoriedade dos cronistas portugueses e franceses como processo de
fixação no território a serviço de uma intenção e/ ou de um grupo. Não foram
permanentes navegantes, mesmo porque não era essa a tarefa esperada, não lhes cabia
preocupar-se com navios e mares.
O viajante reivindica um caráter individual, e não coletivo, como o peregrino ou
o turista. O viajante modifica o objeto ou se modifica em face do objeto encontrado.
Cabia aos viajantes a função de registrar, mas como seria possível dar conta de tantas
diferenças? Ao se debruçarem sobre o objeto achado, construíram imagens com
particularidades que em algumas descrições se encontram e em outras se distanciam.
Estabelecer um parâmetro para uma melhor conceituação do tópico no campo
literatura de viagem é tarefa a ser percorrida; ainda que o termo viagem implique no
conceito de deslocamento, pois alguém chegou a algum lugar, não é o conceito de
turismo, ampliação mais genérica e mais próxima do século XX.
Sair de Gênova, viajar até Roma ou Santiago de Compostela, navegar entre os
mares da Ásia e da África, refazendo-se o trajeto da descoberta não é o objetivo, pois o
descoberto já fora realizado, bem como o explorado.
Não interessa a viagem física propriamente dita, mas sim a viagem pela metáfora
de construção do conceito de identidade, tanto física como humana, de um país
preliminarmente edificado e descrito por portugueses e franceses, os quais não apenas
narraram sobre um Novo Mundo, fazendo uma espécie de colagem e transposição de
valores e conceitos conhecidos do Velho Mundo e, não menos inauguraram uma idéia
de empresa quanto ao sentido de colonização e instauraram, inclusive, um conceito
prévio de globalização.
44
Ao escreverem sobre o Novo Mundo com os olhos do Velho Continente, ainda
que presentes em terra firme e em contato com toda sorte de diversidade, os cronistas
produziram seus textos após alguns anos; o tempo, corrosivo das memórias, possibilitou
a fragmentação e a transposição das idéias, a aventura da recriação do conteúdo
vivenciado, a estrutura narrativa sobre uma terra recuperada nas anotações, nas
lembranças, mais registrada em diários do que em mapas. Esta escrita sugere mais
verdades ou mentiras?
Não pretende a dissertação responder a esta questão, porque não se preocupa
com a veracidade do registro ou do documento mencionado no relato. Contudo, a
investigação se volta para a questão textual, posto que a terra e a gente do Brasil é
apresentada ao Velho Mundo segundo o relato, a intenção do cronista: se português
descreve a busca das riquezas e das almas, justificado como missão a ele delegada pelo
Rei e pelo Papa; se francês narra a possibilidade de se instaurar sua missão religiosa,
justificado como intenção de implementação de um projeto colonizador de exploração
das grandezas da terra e da gente.
Gandavo e Gabriel Soares, na condição de europeus, escrevem suas histórias
transportando um modo de expressão com base no repertório cultural que possuíam para
tentar explicar o que ainda estavam por conhecer, ainda realizavam um breve,
superficial contato. Ao descreverem e registrarem o Novo Mundo, na condição de
comunicadores, faziam o arrolamento da gente e da terra para o interlocutor interessado
em saber como era o desconhecido. Ao criarem suas histórias, recriaram conceitos,
porque na tentativa de explicar, misturavam olhar europeu a uma experiência primitiva,
o encontro de dois mundos.
Anita de Moraes, ao estudar a obra de Érico Veríssimo como narrador de
viagens, pensa sobre a questão do campo da literatura de viagem, refletindo sobre a
questão do olhar daquele que escreve, registra e como conseqüência, cria.
“De todas as experiências no estrangeiro, literalmente, a viagem é uma das
mais complexas. Ao longo da história, as viagens sempre estiveram relacionadas à
difusão de informações, conhecimento e, também, ao prazer de se locomover e
45
percorrer terras estranhas. O contato com as paisagens, com a maneira de ser e a
cultura dos mais diversos povos impele o escritor, a partir de sua condição de viajante,
a ver o mundo desconhecido com admiração e curiosidade, tornando-se um narrador
de páginas descritivas e avaliativas sobre as regiões, as cidades ou países visitados...”
34
E ainda:
“No olhar do visitante / viajante sobre o mundo verifica-se, ao longo de uma
tradição literária, a necessidade de narrar sua experiência de viagem. Dessa
necessidade surge, como tema literário e gênero ‘de fronteira’, a literatura de viagem:
de uma aguda percepção aliada à arte literária”.
35
O escritor português Fernando Cristóvão, em Para uma Teoria da Literatura de
Viagens, preliminarmente classifica a Literatura de Viagem como uma espécie de
subgênero. Afirma que seu reconhecimento é recente devido a uma natureza
interdisciplinar com outros campos como a História, a Antropologia e a Literatura.
Realmente, o fato de se estabelecerem conexões com outros campos do
conhecimento sugere ao tema uma riqueza singular, no tocante à polarização de idéias e
à arquitetura do discurso, modalidade peculiar quanto à palavra escrita em português e
em francês.
Sob essa perspectiva, o termo subgênero é equivocado, visto que se trata de um
gênero, pois estamos num campo híbrido, multifacetado de informações e festejado por
um número significativo de leitores.
Cristóvão também sugere uma exemplificação exaustiva de textos que são
considerados segundo o gênero viagem, chegando à conclusão de que o turismo pode
encerrar o interesse em se relatarem viagens, porque não há liberdade de pensamento e
34
MORAES, Anita de. Os Olhos do Gato. O narrador de viagens Érico Veríssimo. Tese de mestrado
apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da FFLCH/USP. São Paulo, 2005.
35
Idem.
46
de invenção de imagens, não há contribuição de vocabulário, nem palavra tratada como
arte, como sugestão ao leitor.
36
Não é o conceito de guia de viagem que o tema se propõe a delimitar o campo,
mas o relato como possibilidade de se permitir ao leitor sua participação enquanto
sujeito, adjuvante ou coadjuvante do roteiro.
III. 2 – Viagem mastigada e compartilhada
“Best-sellers” como O Código da Vinci ou O Senhor dos Anéis podem ser
considerados pertencentes a este gênero porque procuram fazer o leitor encontrar a
veracidade do caminho, a descoberta pela visão do autor que vende suas “idéias de
viagem” como turista profissional, nada aprendiz.
O tema, contudo, é extremante fértil do ponto de vista de interesse do público;
porém, ler autores do período quinhentista e seiscentista ainda é um fato muito distante
do leitor atual, que muitas vezes sequer ouviu falar sobre a produção literária deste
período.
Assim, ainda que o mundo acadêmico se distancie dos livros de aceitação
popular, não é possível ignorá-los em se tratando de escolha feita por um determinado
público, mais próxima do turista que do viajante.
Como explicar a esses leitores, crianças ou adultos de várias classes sociais que,
mais do que realizar uma viagem pela imaginação, como qualquer estória nos permite,
eles percorrem o caminho da ficção por situações ou lugares que parecem ser
verdadeiros?
36
CRISTÓVÃO, Fernando. Condicionantes culturais da Literatura de Viagens. Coimbra, Almedina,
2002
47
Ainda do ponto de vista da sucessão de aventuras, esse roteiro de descobertas
não conduziria nosso leitor mediano a uma viagem, ainda que na condição de mero
turista? Quantas e quantas pessoas não procuraram lugares na França ou na Nova
Zelândia em busca dos lugares encantados presentes nas estórias, a fim de comprovar
fatos relatados nos livros?
Porém, as obras citadas são desprovidas de um campo híbrido de estudo bem
como os autores realizaram uma viagem pela ficção e convidam os leitores na condição
de meros observadores, passageiros que imitam a realização de uma odisséia por mitos
inventados e apropriados conforme o gosto e aceitação do público-cliente-consumidor,
uma espécie de digerir o imaginário como se estivesse consumindo comida rápida. Não
há a antropofagia do mundo vivenciado pela crônica descritiva colonial.
Escritores contemporâneos festejados pelos altos índices de venda de seus
produtos proporcionam ao leitor a leitura rápida de diários repletos de estórias de
bruxos, fadas e heróis, mas não convidam o leitor a realizar diferentes leituras sobre o
mesmo texto, não contribuem com um repertório lexical e nem mesmo propõem um
levantamento de questões divergentes sobre um mesmo fato.
O leitor inexperiente de um repertório literário mais elaborado, desprovido
culturalmente de formação ou informação e afoito em desvendar mistérios da moda,
concentra-se como público-alvo, uma espécie de presa para a leitura de obras que são
produzidas para responder às verdades do homem contemporâneo.
Os editores, ao massificarem sua produção, vendem livros-sanduíche que, pela
rapidez de seu preparo, atendem a uma demanda atual, livros cujo imaginário contido
serve de combustível para se buscar a resolução de tudo o que não se conseguiu provar,
seja pelo caminho da ciência ou da religião, especialmente quando se muda o século, o
milênio. Estórias são produzidas para atenderem a expectativa do leitor, financiador do
segmento.
Retomemos os pensamentos de Cristóvão, o qual propõe uma repartição do
campo em cinco itens principais, a saber: viagens de peregrinação, de comércio, de
48
expansão, de erudição e imaginárias, tópicos presentes nos tratados, nos diálogos e
histórias dos séculos XVI e XVII.
37
Os relatos de Fernão Cardim e Jean de Léry, no que se refere à descoberta e à
enumeração de elementos naturais, permitem uma introdução ao campo da ciência, da
biologia, da botânica e estende-se a narrativa para uma enumeração de dados que podem
servir como fonte preliminar de pesquisa, privilegiando um olhar rudimentar do
universo do conhecimento primitivo, do nativo que conhece o meio em que vive, como
o segredo das plantas que curam, as raízes que saciam a fome, e alimentam o espírito, o
mistério das ervas que produzem as bebidas mágicas, elixires de um mundo de
encantos.
Finalmente, ao comentar sobre viagens imaginárias, Cristóvão fornece
relevantes considerações, fundamentais para a compreensão do campo de estudo em
questão, na direção de que cabe à Literatura de Viagens uma melhor adequação quanto
ao papel que desempenha como conteúdo literário proposto:
Tão natural é a ligação do maravilhoso com a viagem que lhe dá acesso, que
também a viagem real dificilmente escapa a ser descrita em termos de ficção(...) na
narrativa de viagem real, a estrutura assenta na verdade ou na verossimilhança, sendo
os elementos imaginários meros ornatos; na narrativa de viagem imaginária, é ao real
que cabe o papel de ornamento”.
38
E ainda, retoma o autor a concepção de Todorov enquanto viagens “estranhas”,
“maravilhosas” e “fantásticas”, ao concluir:
A homologia entre os dois tipos de viagens vai ainda mais longe se
considerarmos que, assim como no imaginário muita coisa real se contêm, assim
37
CRISTÓVÃO, Fernando. Condicionantes culturais da Literatura de Viagens. Coimbra, Almedina,
2002.
38
Idem.
49
também no real, muito imaginário está encerrado... a ponto de obras que durante muito
tempo se consideravam viagens reais, passarem a ser entendidas por imaginárias
depois de os investigadores terem descoberto o seu verdadeiro estatuto referencial”.
39
Ele também nos informa que:
O mesmo acontece a certos episódios de viagens efetivamente realizadas, mas
que são fictícios, e há outros de viagens imaginárias que são reprodução de situações
reais”.
40
Dessa forma, o campo da Literatura de Viagens conduz o entendimento de que
não é possível ler os tratados, os diálogos e as histórias desprovidos desta “visão
imaginária”. É necessário reformular o conceito de enfrentamento, ou seja, diante do
território ficcional, não há como considerá-los textos de informação tão somente. Ainda
que se trata de “verdade”, perfaz-se uma idéia recriada intencionalmente a seu modo e
tempo.
Northrop Frye, em Anatomia da Crítica, escreve que:
Em todas as estruturas verbais literárias, a orientação definitiva da
significação é interna. E em literatura as exigências da significação externa são
secundárias porque as obras literárias não pretendem descrever ou afirmar e, portanto,
não são verdadeiras ou falsas... Assim, as questões de realidade ou verdade estão
subordinadas ao objetivo literário essencial, que é produzir uma estrutura verbal que
encontra a justificação em si própria”.
41
Não se pode esquecer também de que há de evasão e de utopia nos textos
examinados; foram autores leitores de séculos passados, construíram suas próprias
visões, num lugar pré-concebido como Paraíso.
39
Ibidem.
40
Ibidem.
41
FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica. São Paulo, Editora Cultrix, 1978
50
Os livros-fonte praticamente adormeceram nas estantes até o século XIX,
começo do XX, e a leitura dessas obras ainda se faz necessária mediante um olhar mais
crítico, pois descreviam um presente real (?), irreal (?), com vistas a um futuro em que
exerciam papel de documento e / ou registro, sob a forma de um estilo e de uma
mentalidade do passado.
.
Todorov, em A Conquista da América, refere-se exatamente a esta descoberta
que “o eu faz do outro” sugerindo no primeiro capítulo intitulado Descobrir, que
Colombo considerou a busca pela riqueza como escusa para um projeto maior, o qual
era ser reconhecido como o descobridor, aquele que ao chegar e tocar o outro ao mesmo
tempo inicia um novo tempo, liberta-se de seu olhar medieval para não procurar saber
onde o ouro nascia, mas onde se encontravam as terras e como relatar a viagem: “O
relato de viagem não é, em si mesmo, o ponto de partida, e não somente o ponto de
chegada, de uma nova viagem?”
42
Cristóvão:
“Em função dos conhecimentos e da autoridade dos antigos (Aristóteles, Plínio,
Estrabão, Ptolomeu, Santo Agostinho, Santo Isidoro, Padres da Igreja), os primeiros
navegadores descreveram as terras descobertas. Ainda hesitantes entre a realidade e o
mito, entre o que os tratados preceituavam e o que seus olhos iam descobrindo a
respeito da forma da terra, da existência de antípodas, da habitabilidade da zona
tórrida”.
43
E também:
“A descrição da natureza é de grande riqueza, e está sempre presente num
relato de viagem (...) como o olhar cultural se processa em conformidade com a
informação e a sensibilidade de cada época, a utilização da natureza como tema
literário variou ao longo dos tempos (...) entre mitos e símbolos é feita a descrição da
42
TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
43
CRISTÓVÃO, Fernando. Condicionantes Culturais da Literatura de viagens. Coimbra, Almedina,
2002.
51
natureza na Idade Média, por ser fortemente tributária da mentalidade simbólica e
religiosa que dominava”.
44
Outro autor português também nos remete a uma teorização do conceito:
“As narrativas de viagem, relativamente à área lusitana, datam provavelmente
dos primeiros ensaios no atlântico e ao longo da costa africana feitos pelas caravelas
do Infante, determinando um gênero específico, a chamada” literatura de viagens.”...
Tal literatura é constituída por um corpus textual muito heterogêneo, de acordo com os
objetivos do produto literário e sua recepção, o que implica a íntima conexão entre o
tecido histórico-social e a matéria objeto de narração.”...” Naturalmente que é o
século XVI o período áureo em que consolida e afirma, em termos de oficina e
maturidade, este singular gênero literário”.
45
Nesse livro observamos uma antologia de textos, arrolados a partir da Carta de
Pêro Vaz de Caminha, bem como outros relatos de naufrágios, limitando-se ao
entendimento de “literatura” a informação de viagem, como documentos ou diários de
bordo, muitas vezes.
Quanto à Carta, Simões nos relembra:
“Ela cumpre uma preciosa função ideológica, toda centralizada no programa de
catequese e da conversão religiosa do ‘outro’ (vertente da euforia); quanto aos relatos
de naufrágios, temos um conjunto de relatos acumulados por traços e tópicos
revisitados pelos homens de cultura da época (vertente da disforia)”.
46
No que se refere ao modelo literário, os relatos revelam um sistema específico,
intrínseco aos seus elementos constitutivos em funcionamento:
44
Idem.
45
SIMÕES, Manuel. A Literatura de Viagens nos Séculos XVI e XVII. Lisboa, Editorial Comunicação,
1985.
46
Idem.
52
“São legíveis inúmeros casos de intertextualidade explícita ou implícita, o que
não pode deixar de pressupor uma revisitação de temas (estereótipos) do próprio
modelo narrativo”.
47
Os tratados, diálogos e histórias dos períodos quinhentista e seiscentista revelam
um Brasil de muitas belezas, com paisagens, fauna e flora riquíssimas, a leitura de uma
terra que tudo pode fornecer a quem a procura. Há uma larga descrição de lugares e
gentes, uma tentativa de explicar a história pela natureza.
Assim, Cristóvão, no artigo A Literatura de viagem e a História Natural, nos
conta:
há uma história refletida nos textos de literatura de Viagens que atravessa
toda a história, com modulações diversificadas em função do modo como a natureza é
olhada e testemunhada”.
48
Para ele, a contribuição das singularidades dos novos mundos motivou mais que
novos critérios de valorização, mas uma mudaa de ponto de vista entre o Velho e o
Novo Continente, muito além da mera observação de plantas, animais e minerais em seu
próprio lugar, fora dos museus.
“Nesta fase nasce a literatura de Viagens que, para além de deleitar o leitor,
teve também outros objetivos, como o de atrair colonos para cultivarem a terra e para
diminuírem os níveis de pobreza existentes na Europa”.
49
Quanto à metáfora da viagem, a exemplo de Cristóvão, Ianni reitera:
O exótico ainda é o que mais seduz nos diários de Caminha, Cardim ou mesmo
Colombo, a constatação da nudez dos indígenas ainda é observada como estupefação.
Colombo tinha uma mentalidade medieval quando partiu para as Américas, até porque
o seu grande
sonho era organizar uma expedição para conquistar Jerusalém. E quando
47
Ibidem.
48
CRISTÓVÃO, Fernando. Condicionantes Culturais da Literatura de Viagens. Coimbra, Almedina,
2002.
49
Idem.
53
andava a descobrir as ilhas, antes de chegar ao Continente, ainda julgava que eram
ilhas dos reis magos onde se supunha existirem fabulosas riquezas. Mas deixou-se
cativar pela realidade, e evoluiu para uma mentalidade moderna. Daí o entusiasmo de
suas descrições, e a facilidade com que a palavra maravilha ocorre à sua boca.”
50
E ainda:
“A descrição dos elementos da Natureza nem sequer está ausente nas obras dos
principais utopistas dos séculos XVI e XVII, todas elas inspiradas nas viagens de
expansão e descobertas”.
51
A respeito do Brasil, acrescenta:
Seria interminável a exemplificação se quiséssemos referir muitas outras relações de
viagens, mas estas são suficientemente representativas, até porque queremos voltar às
frutas do Brasil, não tanto para enriquecer desnecessariamente o elenco, mas porque o
modo como se faz este louvor da abundância tropical, a que se chamou “ufanismo”,
tem um valor literário especial.”
52
Corroborando a intenção de qualificar a Literatura de Viagem como gênero,
Antônio Soares Amora, em Introdução à Teoria da Literatura, remete-nos ao
entendimento de Croce quanto à questão da gênese, pois
“Toda discussão sobre os gêneros literários fora uma acumulação de equívocos: uma
obra é sempre uma individualidade inclassificável”. Realmente, existiriam gêneros
literários puros, como assim professaram os clássicos, subdivididos em épico, lírico,
satírico e dramático?
25
50
IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro. Editora Civilização Brasileira,
2000.
51
Idem.
52
Ibidem.
54
Segundo a teoria da literatura, é possível classificar a Literatura de Viagem
como gênero e, mais direcionada, tomar os Tratados, os Diálogos e as Histórias
redigidos sobre o Brasil, no século XVI, para uma teorização da questão, a título de
exemplificação, bem como dar uma noção genérica de Literatura de Viagem ao refletir
sobre a questão do discurso.
Ainda de acordo como Todorov, “os gêneros literários não são outra coisa
senão uma escolha entre os possíveis do discurso.” 26
Tais questões serão retomadas no capítulo que versará sobre o olhar dos
viajantes portugueses e dos franceses, voltando-se para a discussão do homem e da
natureza nos períodos em questão, bem como da aplicação do conceito de Literatura de
viagem como gênero, tarefa conclusiva, mas não terminativa da análise.
O termo “viagem” será objeto de atenção do próximo capítulo, sem perder de
vista a relevância do discurso realizado pelo viajante, tampouco as questões
historiográficas serão marginalizadas, pois servirão de apoio para a compreensão do
campo de investigação. A intenção principal é refletir sobre os tratados, diálogos e
histórias não enquanto leitura informativa, todavia resgatando-os para o campo das
Letras.
III. 3 – O resgate da narração
Em Palavra e Ruptura, Berhold Zilly analisa o imaginário de uma sociedade a
partir de um fato, a Guerra dos Canudos, contada por Euclides da Cunha, em Os
Sertões, refletindo sobre o caminho realizado da crônica à ficção, no sentido de que um
texto historiográfico narrativo, possui elementos ficcionais porque:
A história aparece não como uma seqüência de acontecimentos a serem
descobertos em seu entrelaçamento objetivo, mas como uma infinidade mais ou menos
caótica de fatos, cuja seleção e organização dependem da perspectiva, do
55
conhecimento, do interesse cognitivo, da ideologia e da formação literária do
historiador”.
53
A análise de Antonio Candido quanto à imagem do “espectrograma”, quando
pensa a respeito do início e da identidade de nossas letras, contribui como crítica à
questão.
“Com o passar do tempo foi ficando cada vez mais visível que a nossa é uma
literatura modificada pelas condições do Novo Mundo”.... “No momento da descoberta
e durante o processo de conquista e colonização, houve o transplante de línguas e
literaturas já maduras para um meio físico diferente, povoado por povos de outras
raças, caracterizados por modelos culturais completamente diferentes, incompatíveis
com as formas de expressão do colonizador”.
54
Procurar uma nacionalidade, uma origem quanto ao descritivismo realizado
pelos cronistas é sem dúvida investir em idéias desnecessárias porque não negamos que
é uma produção que reflete uma composição européia do como escrever.
Contudo, não se pode atribuir uma exclusividade portuguesa ou francesa ao
texto porque o fato a ser contado, a terra e sua gente, bem como a forma como este
conteúdo é descrito, é muito diferente do que se conhece, do estilo de se escrever em
moda naquela época.
Há uma recuperação do modo de narrar, a qual absorve o novo e transforma-o
como um produto, a ser encaminhado aos Reis e à Igreja e, porque há uma adequação
quanto ao que deve ser escrito e como isso deve ser contado. Entende-se que há uma
recriação do ponto de vista estético, que varia conforme a intenção deste narrador, o
qual enumera suas singularidades de uma forma alterada, e isso varia de cronista pra
cronista, não meramente documentada, visto que há uma marca, uma pessoalidade, uma
53
ZILLI, Berthold. Palavra e Ruptura. A Guerra de Canudos e o Imaginário da sociedade sertaneja em
Os Sertões, de Euclides da Cunha. Da Crônica à Ficção. In: Literatura e História na América
Latina. Aguiar, Flávio Wolf de (org.). São Paulo, EDUSP, Centro Angel Rama, 2001.
54
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul, 2004.
56
voz própria de cada autor, como explica Flora Süssekind, ao colocar a questão da
origem da literatura brasileira.
55
Não há como se pensar na crônica enquanto origem porque o Brasil recebeu uma
cultura já pronta e ensinou aos portugueses aos franceses o contraponto, a diferença; por
isso, recepciona-se a produção realizada como rica e significativa, posto que são
narrativas cujo processo de composição textual foi transferido e simultaneamente
modificado: “A literatura não nasceu aqui: veio pronta de fora pra transformar-se à
medida que se formava uma sociedade nova”.
56
Flora citando a Foucault fala sobre a questão da discórdia, do disparate como
mais relevantes do que se pensar em origem e identidade porque o elemento narrativo
específico, o narrador “adquire perfil próprio, marcado exatamente quando talvez fosse
de se esperar que se mantivesse em papel apagado”.
57
Muito embora a autora trace seu comentário sobre a produção literária realizada
no Brasil no século XIX, acolhe-se esta observação para os cronistas do século XVI,
porque compreende-se que não se pode menosprezar o discurso encoberto pelos véus do
texto. A figura do narrador é decisiva para isto. Há um diálogo, uma relação, uma
comunicação entre cronista e financiador da empreitada, do ponto de vista da
estruturação própria do texto que, aos olhos ingênuos, parece não ter pretensão.
Sugerem uma direta vocação para se contar coisas verdadeiras, mas como esta verdade é
contada é que causa, motiva inquietação.
“O diálogo persistente com o relato de viagem e o paisagismo parece sugerir,
entre outras coisas, que essas figuras de narrador necessitam obrigatoriamente de um
olhar-de-fora e não de uma exibição – consciente ou não – de certa “sensação de não
estar todo” na sua composição. Necessidade que funciona como uma espécie de
indicador prévio de deslocamento, distância, desenraizamento, marcas registradas da
escrita de ficção brasileira”.
58
55
SÜSSEKIND, Flora. O Brasil Não é Longe Daqui. São Paulo. Companhia das Letras, 2006.
56
Idem.
57
Ibidem.
58
Ibidem.
57
Refletir sobre as obras escritas por Gandavo, Gabriel Soares, Jean de Léry, e
Claude d’Abbeville como corpus do discurso colonial do ponto vista literário é tarefa
desta dissertação. Verificar como a composição das imagens que não meramente
retratam sua gente e sua paisagem do ponto de vista iconográfico, contudo “fronteiriço”,
é entendê-los como pertencentes a um corpus híbrido dedicado ao campo da literatura
de viagem porque foram construídas, conforme informa o professor José Carlos
Gimenez, “como fenômeno social e como percepção da realidade, a partir de uma
imaginação criadora”.
59
59
GIMENEZ, José Carlos. A presença do imaginário medieval no Brasil colonial: descrições dos
viajantes. Maringá, Departamento de História, Universidade Estadual de Maringá, 2001.
58
Erro de Português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
Oswald de Andrade
59
IV - Viajando
IV.1 -
por crônicas portuguesas
Imagine-se um determinado tipo de fruto, semelhante aos pepinos, nascido em
árvore “tenra”e não muito alta, criado em cachos tão pesados a ponto de quebrar a
própria árvore ao meio, saboroso, com uma pele semelhante ao figo e, se consumido em
grande quantidade, causa febre; quando assado maduro, serve de excelente alimento
para doentes e assado verde, funciona como comida para negros porque parece pão,
podendo ser pequeno ou comprido e que descobre um sinal como o crucifixo.
Essa foi a explicação aos europeus sobre um tipo de fruto encontrado no Novo
Mundo. A banana, um fruto por séculos associado à terra e à gente do Brasil, o qual
ocupa um espaço no imaginário de alguns estrangeiros que, ainda descrevem o país,
como a República das Bananas e o brasileiro, como alguém que só se alimenta delas.
Assim a banana foi apresentada por Pero de Magalhães Gandavo, em seu
Tratado da Terra do Brasil, escrito na década de 1570. Serviu para estimular à
imigração portuguesa - pois todo o interesse estava voltado para o Oriente até então -
texto necessário para a compreensão das relações entre Portugal e Brasil, fonte de
estudo e investigação que somente surgiu em 1826, no volume referente à “Coleção de
notícias sobre a História e Geografia nas nações ultramarinas que vivem nos domínios
portugueses ou lhe são vizinhas”, segundo Capistrano de Abreu.
Por um viés cristão, a imagem da fruta sublimada pela representação do
crucifixo serve de justificativa para o projeto de colonizar pela fé e o belo, o exótico, a
fartura do alimento, constrói uma alusão ao Paraíso, imagem que corrobora ainda mais a
intenção de fixação do colonizador no Novo Mundo sob a ótica religiosa, ao encontrar a
terra prometida.
60
Gandavo relata o início da ocupação da terra, inverte os papéis entre sujeito e
objeto do processo de conquista; aos portugueses cabia a tarefa de povoar a terra
encontrada e porque o gentio se revoltou contra a conquista, necessário se fez o
extermínio de índios não amigos. O título justifica esta intenção. O autor pretende falar
sobre a terra. O Gentio encontrado faz parte deste cenário, não interessa o diálogo de
integração, mas o entendimento necessário para se desenvolverem as atividades de
ocupação e exploração.
O Tratado da Terra do Brasil contém nove capítulos e se propõe a descrever as
Capitanias estabelecidas entre Tamaracá e Sam Vicente. O texto vem antecedido por
uma Carta ao Príncipe dom Henrique, Cardeal, Infante de Portugal, assinada por um
“Humilde Vassallo de S.A.”, de um prólogo ao leitor e de uma Declaração da Costa.
Na Carta, Gandavo já deixa clara sua função, cumprir as ordens do Rei, escrever
o que testemunhou “pera que nestes Reinos se divulgue sua fertilidade e provoque a
muitas pessoas pobres que se vão viver a esta província a possibilidade de felicidade,
em outras palavras, ganhar seu próprio sustento. A palavra escrita na Carta reforça o
projeto religioso estabelecido para a Colônia, tendo-se em vista a forma com que o autor
encerra o texto com uma despedida: “Amem”.
No Prólogo, dirige-se ao discreto e curioso leitor, sobre a fertilidade e
abundância de terra “deserta”, uma terra “natural e favoravel aos estranhos que a todos
agazalha e convida como remédio por pobres e desemparados” já determinando uma
condição de oficial ocupação como projeto para a detenção de posse, a promessa da
recompensa ou da possibilidade de riqueza.
A curiosidade desperta o motivo da viagem, um sentimento nato como condição
de viajante. Escrever para um leitor curioso é uma forma de alimentar este desejo,
propiciar a possibilidade de sonhar, e outrora realizar esta vontade graças a uma garantia
fidedigna; primeiro porque quem escreve, é um homem letrado, da confiança do rei,
legitimado para realizar o registro da terra encontrada; segundo porque o texto escrito
documenta o encontrado, concede publicidade à empreitada.
61
“Porque he certo ser em si a terra mui rica e haver nella muitos metaes, os
quaes ategora se não descobrem ou por não haver gente na terra pera cometer esta
empreza, ou tambem por negligência dos moradores que se não querem dispor a esse
trabalho: qual seja a causa por que o deixão de fazer não sei. Mas permitirá nosso
Senhor que ainda em nossos dias se descubram nella grandes thesouros, assi para
serviço a augmento de S.A., como pera proveito de seus Vassallos que o desejão
servir.”
A língua serve de condição para se legitimar a intenção de dominar o outro; a
ausência das letras F, L e R leva o autor a concluir a inexistência de Fé, de Lei e de Rei,
garantindo a intenção de dominação, e desta maneira vivem sem Justiça e
desordenadamente.”.
“... e assi vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida.”
Gandavo, ao escrever um Tratado sobre a Terra inaugura uma discussão teórica
tanto quanto a forma, a modalidade de colonização imposta, a condição de colônia para
exploração das riquezas como também discute o processo de evangelização no Brasil, a
catequização das almas no sentido de se expandir fronteiras, levar a condição de ser
cristão para mais e mais terras, não somente como fenômeno de difusão e propagação,
mas sobretudo acúmulo de propriedade, gerador de riquezas.
Nesse sentido, Gandavo mantém uma visão naturalista, primitiva, descritiva de
uma natureza bruta, ainda a ser lapidada pelo colonizador, ao classificar a gente
encontrada em macho e fêmea, a andarem nus e dormirem em redes. Na vida em
comunidade, são mantidos mais selvagens que humanos, descaracterizando-se assim
uma capacidade de fato para que essa gente encontrada mantivesse sua condição de
posse da terra e assim, por direito, transferisse essa condição, a permissibilidade de
controle ao colonizador.
A organização social é apresentada do ponto de vista coletivo, como “obedecem
a um capitão por vontade e não por força” que decide sobre as questões externas (de
guerra) e internas (dos grupos), uma idéia de parentesco que se estende para o todo.
62
“Este principal tem três, quatro mulheres, a primeira tem em mais conta, e faz
della mais caso que das outras”.
A descrição da religião, a ausência da crença em Deus justifica o caos, a
desorganização porque, segundo o autor, “não adorão cousa alguma nem têm pera si
que há na outra vida gloria pera os bons, e pera os mãos, tudo cuidão que se acaba
nesta e que as almas fenecem com os corpos.”
Gandavo descreve a gente encontrada como a parte no todo, no caso a terra, a
primeira inserida e dependente das questões da segunda, com base numa motivação real
e religiosa, mais voltada para a noção de empresa do que missão religiosa porque carece
a terra encontrada de uma organização civil diante do caos diante que se apresenta.
Fernão Cardim também escreve sobre seus Tratados da Terra e Gente Do
Brasil a partir de uma descrição da fauna e da flora brasileira; nesse sentido, aproxima-
se mais da informação a ser contada, reiterando sobre as grandezas da terra encontrada e
a crença dos índios do Brasil, como registro de manutenção do projeto determinado.
Quanto às árvores de fruto, explica o significado da jabuticaba:
Nesta arvore se dá huma fructa do tamanho de hum limão de seitil; a casca, e
gosto, parece de uva ferral, desde a raiza da arvore por todo o tronco até o derradeiro
raminho; he fructa rara, e acha-se somente pelo sertão a dentro da capitania de são
Vicente. Desta fructa fazem os Índios vinho e o cozem como vinho d’uvas.”
Quanto ao conhecimento de que os índios têm sobre o Criador:
Este gentio parece que não tem conhecimento do princípio do Mundo, do
dilúvio parece que tem alguma notícia, mas como não tem escripturas, nem caracteres,
a tal noticia é escura e confusa.”
60
60
Cardim, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. São Paulo, Editora Itatiaia Ltda / Editora da
Universidade de São Paulo, 1980.
63
Gabriel Soares de Souza escreve seu Tratado Descritivo do Brasil em 1587,
dividindo-o em duas partes: um roteiro geral contendo informações sobre a costa do
Brasil e um memorial e declaração das grandezas da Bahia.
Os fragmentos escolhidos para reflexão referem-se a informações sobre um
fruto, descrito no capítulo cinqüenta, o qual informa a natureza das pacobas e das
bananas e no capítulo cento e sessenta e um, a respeito de feiticeiros e dos que comem
terra para se matarem.
Gabriel Soares sugere uma explicação do ponto de vista do observador,
contando sobre uma árvore com folhas e criação como as pacobeiras que produz um
fruto curto, sadio, com miolo mole chamado figo de horta na Índia, e que cheira melhor
do que a pacoba; quando maduro, faz ferida, árvore esta trazida ao “Brasil de São
Tomé”. O autor recorre um mito para explicar o que não consegue definir, a banana.
Remete aos negros o consumo desta fruta porque “são mais afeiçoados” bem
como “delas usam nas suas roças”, reiterando a questão religiosa mencionada por
Gandavo “ver-lhes-á no meio uma feição de crucifixo”.
Gabriel mantém o entendimento de que os índios não crêem em Deus, mas em
feiticeiros, os pajés que conversam com o diabo, controlam-nos pelo medo e que, por
causa da falta de vontade de viver, decidem morrer, comendo terra, como assim lhes
ensinou o diabo.
“Entre esse gentio tupinambá há grandes feiticeiros, que têm este nome entre
eles, por lhes meterem em cabeça mil mentiras”... “os quais se escandalizam de algum
índio por lhe não dar sua filha ou outra coisa que lhe pedem, e lhe dizem: “Vai que hás
de morrer”, ao que chamam “lançar a morte”.
Gabriel Soares, na condição de testemunha, realiza um arrolamento das
grandezas do Brasil, também no sentido de despertar a importância para se proceder à
exploração das riquezas, criando uma espécie de propaganda para atrair mais
portugueses, necessários à ocupação do território.
64
“A narrativa é resultado das observações pessoais de Gabriel Soares de Souza,
contudo, o sesmeiro incorporou também informações extraídas de outras crônicas.
Várias passagens de seus livros aproximam-se muito do relato de Pero Magalhães
Gandavo.”
61
Gandavo e Gabriel Soares produziram textos que remetem o leitor caminhar por
discussões e reflexões em vários campos científicos e, nesse sentido, sugerem um
hibridismo cultural de idéias e de fatos; porque relataram o desconhecido segundo um
modo de olhar próprio; por produzirem narrativas que despertam a curiosidade do leitor,
tão viajante quanto eles, ao vivenciar cada passo; pela tentativa que registraram nos
textos, fragmentado um mundo novo a ser inserido no contexto universal, a quarta parte
que faltava para compor o quebra cabeças e por proporcionar um diálogo entre dois
campos, dois mundos, o histórico e o literário; pela forma como os fatos foram
contados, podem ser compreendidos como viajantes.
A Terra brasilis sujeita-se à ambigüidade da sua origem: se vê por fora, através
dos olhos espantados dos europeus, como pátria da diversidade, vivendo, ao mesmo
tempo, por dentro, no interior do seu corpo cultural, aquela condição de “lugar outro”
que a discrimina em relação ao “aqui” europeu. E tudo isso deixa o Brasil como que
suspenso duma situação de incertezas ou, mais ainda, o condena a um Álibi histórico
Cultural, a não se encontrar nem aqui nem ali, mas perenemente “algures.”
62
Estes autores narram sobre a terra e a gente do Brasil não no sentido de se
permanecer no mundo encantado, das maravilhas, mas é através de uma estética
construída pela beleza que se atinge a finalidade principal, a ocupação da terra e a
dominação de sua gente justificada por uma razão, a econômica.
61
Corrêa, Dora Shellard. Historiadores e cronistas e a paisagem da Colônia Brasil.. In: Revista Brasileira
de História. São Paulo, ANPUH, 2006.V.26 Nº.51. p.72
62
Agro, Ettore Finazzi. O Duplo e a Falta Construção do Outro e Identidade Nacional na Literatura
Brasileira. In: Revista Brasileira de Literatura Comparada. Niterói, Abralic, 1991. p.55
65
Analisar o discurso realizado por Gandavo e Gabriel Soares para dar conta desta
diversidade que significou a experiência do encontro, campo da Literatura de Viagem, é
uma forma de se tentar recuperar uma interpretação textual necessária para a
compreensão dos fatos que sucederam a chegada dos portugueses.
66
Da Terra
“Também há huma fruita que lhe chamão Bananas, e pela língua dos índios
Pacovas: há na terra muita abundancia dellas: parecem-se na feição com pepinos,
nascem numas arvores mui tenras e não são muito altas, nem têm ramos senão folhas
mui compridas e largas. Estas bananas crião-se em cachos, algum se acha que tem de
cento e cincoenta pêra cima, e muitas vezes he tam grande o peso dellas que faz
quebrar a arvore pelo meio; como são de vez cilhem estes cachos, e depois de colhidos
amadurecem, e tanto que estas arvores dão huma fruita, logo as cortão porque não
frutificão mais que a primeira vez, e tornão a rebentar pelos pés outras novas. Esta he
huma fruita mui saborosa e das boas que há na terra, tem huma pelle como de figo, a
qual lhes lanção fora quando as querem comer e se come muitas dellas fazem dano à
saúde e causão febre a quem se desmanda nellas. E assadas maduras são muito sadias
e mandão-se aos enfermos. Com essa fruita se mantem a maior parte dos escravos
desta terra, porque assadas verdes passão por mantimento, e quase tem sustância de
pão. Há duas qualidades desta fruita, humas o pequenas como figos berjacotes, as
outras são maiores e mais compridas. Estas pequenas têm dentro de si huma cousa
estranha, a qual he que quando as cortão pelo meio com huma faca ou por qualquer
parte que seja acha-se nellas hum signal á maneira de Crucifixo, e assi totalmente o
parecem..... E desta maneira nunca está o Brasil sem fruitas.”(p.50-51)
Capitulo Sexto
Das Fruitas da Terra
Pero de Magalhães Gandavo
67
Da Gente
“Havia muitos destes índios pela Costa junto das Capitanias, tudo enfim estava
cheio delles quando começarão os portuguezes a povoar aterra; mas porque os
mesmos índios se alevantarão contra elles e fazião-lhes muitas treições, os
governadores e capitães da terra destruirão-nos pouco a pouco e matarão muitos
delles, outros fugirão para o Sertão, e assi ficou a costa despovoada de gentio ao longo
das Capitanias. Junto dellas ficarão alguns índios destes nas aldeãs que são de paz, e
amigos dos portuguezes.
A língua deste gentio toda pela Costa he, huma: carece de três letras – scilicet,
não se acha nella F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé,
nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente.
Estes índios andão nus sem cobertura alguma, assi machos como fêmeas; não
cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descoberto quanto a natureza lhes deu.
Vivem todos em aldeãs, póde haver em cada huma sete, oito casas, as quaes são
compridas feitas a maneira de cordoarias; e cada huma dellas está cheia de gente
duma parte e doutra, e cada hum por si tem sua estância e sua rede armada em que
dorme, e assi estão todos juntos huns dos outros por ordem, e pelo meio da casa fica
hum caminho aberto pêra se servirem. Não há como digo entre elles nenhum Rei, nem
Justiça, somente em cada aldeã tem hum principal que he como capitão, ao qual
obedecem por vontade e não por força; morrendo este principal fica seu filho no
mesmo lugar; não serve doutra cousa se não de ir com elles á guerra, e conselha-los
como se hão de haver na peleja, mas não castiga seus erros, nem manda sobrelles
alguma contra sua vontade. Este principal tem três, quatro mulheres, a primeira tem
em mais conta, e faz della mais caso que das outras. Isto tem por estado e por honra.
Não adorão cousa alguma nem têm pêra si que há na outra vida gloria pêra os bons, e
pena pêra os mãos, tudo cuidão que se acaba nesta e que as almas fenecem com os
corpos, e assi vivem bestialmente sem ter conta, nem peso, nem medida.(p.52-54)
Capítulo Sétimo
Da Condição e costumes dos Índios da Terra.
Pero de Magalhães Gandavo
68
Da Terra
“As bananeiras têm árvores, folhas e criação como as pacobeiras, e não há nas
árvores de umas às outras nenhuma diferença, as quais foram ao Brasil de São Tomé,
aonde ao seu fruto chamam bananas e na Índia chamam a estes figos de horta, as quais
são mais curtas que as pacobas, mas mais grossas e de três quinas; têm a casca da
mesma cor e grossura das pacobas, e o miolo mais mole, e cheiram melhor como são
de vez, às quais arregoa a casca como vão amadurecendo e fazendo algumas feridas ao
alto, o que fazem na árvore; e não são tão sadias como as pacobas.”
“Os negros da Guiné são mais afeiçoados a estas bananas que às pacobas, e
delas usam nas suas roças; e umas e outras se querem plantadas em vales perto da
água, ou ao menos em terra que seja muito úmida para se darem bem e também se dão
em terras secas e de areia; quem cortar atravessadas as pacobas ou bananas, ver-lhes-
á no meio uma feição de crucifixo, sobre o que contemplativos têm muito a dizer.”
(145)
Capítulo L
Em que se declara a natureza das pacobas e bananas
Gabriel Soares de Souza
69
Da Gente
“Entre esse gentio tupinambá há grandes feiticeiros, que têm este nome entre
eles, por lhes meterem em cabeça mil mentiras; os quais feiticeiros vivem em casa
apartada cada um por si, a qual é muito escura e tem a porta muito pequena, pela qual
não ousa ninguém entrar em sua casa, nem de lhe tocar em coisa dela; os quais, pela
maior parte, não sabem nada, e para se fazerem estimar e temer tomam este ofício, por
entenderem com quanta facilidade se mete em cabeça esta gente qualquer coisa; mas
há alguns que falam com os diabos, que os espancam muitas vezes, os quais os fazem
muitas vezes ficar em falta com o que dizem; pelo que não são tão crido dos índios,
como temidos. A estes feiticeiros chamam os tupinambás pajés; os quais se
escandalizam de algum índio por lhe não dar sua filha ou outra coisa que lhe pedem, e
lhe dizem: “Vai que hás de morrer”, ao que chamam “lançar a morte”; e são tão
bárbaros que se vão deitar nas redes pasmados, sem quererem comer; e de pasmo se
deixam morrer, sem haver quem lhes possa tirar da cabeça que podem escapar do
mandado dos feiticeiros, aos quais dão alguns índios suas filhas por mulheres, com
medo deles, por se assegurarem suas vidas. Muitas vezes acontece aparecer o diabo a
este gentio, em lugares escuros, e os espanca de que correm de pasmo; mas a outros
não faz mal, e lhes dá novas de coisas sabidas.
Tem este gentio outra barbaria muito grande, que se tomam qualquer desgosto,
se anojam de maneira que determinam de morrer; e põem-se a comer terra, cada dia
uma pouca, até que vem a definhar e inchar do rosto e olhos, e morrer disso, sem lhe
ninguém poder valer, nem desviar de se quererem matar; o que afirmam que lhes
ensinou o diabo, e que lhes aparece, como se determinam a comer carne.
Capítulo CLXI
Que trata dos feiticeiros e dos que comem terra para se matarem
Gabriel Soares de Souza
70
IV - Viajando
IV.2 - ... por crônicas francesas
“Mair, deagotoren amabé morubí”
63
“Tudo pretendo fazer aqui para todos aqueles que vierem com o mesmo fim que
viestes. É minha intenção criar aqui um refúgio para os fiéis perseguidos em França,
na Espanha ou em qualquer outro país além-mar, a fim de sem temer o rei nem o
imperador nem quaisquer potentados, possam servir a Deus com pureza conforme a
sua vontade.”
Villegagnon
E creio que se Villegagnon tivesse permanecido fiel à religião reformada, cerca
de dez mil franceses estariam hoje instalados no Brasil; assim não só teríamos aí uma
boa defesa contra os portugueses, em cujas mãos não cairia o forte, como caiu depois
de nosso regresso, mas ainda boa extensão de terras pertenceria ao nosso rei e esse
pedaço do Brasil com toda a razão continuaria a chamar-se França Antártica.”
Jean de Léry
Os franceses realizaram duas tentativas de implementação colonial no Brasil. A
primeira, a França Antártica, entre 1555 e 1560, no Rio de Janeiro. A segunda, a França
Equinocial, entre 1612 e 1615, no Maranhão.
63
“francês, tú és bom, dá-me os braceletes de conta de vidro.”
71
Jean de Léry, em Viagem à Terra do Brasil, escrito em 1578, foi um calvinista
que participou da primeira tentativa francesa de colonização, empreendida por Nicolas
Durand de Villegaignon, em 1555, ao desembarcar na baía de Guanabara.
Obra escrita em vinte e dois capítulos, acrescida de um colóquio entre a língua
brasílica e a francesa, antecedida por uma dedicatória ao senhor Conde Francisco de
Coligny, partidário de Villegagnon, e um prefaciada pelo próprio autor, registra um
momento singular sobre o Brasil do século XVI.
Léry é muito claro quanto ao projeto de instauração da França Antártica e
decide escrevê-la porque, o monge André Thevet, escreveu inverdades, a quem Léry
atribui mais invenção do que informação contada, “ele somente repetia suas mentiras e
ampliava seus erros.”
Thevet, ao escrever entre 1557 e 1558, suas Singularidades da França
Antártica, é o escritor que classifica os sírios de “avarentos”, os turcos, mouros e
nativos como “seguidores da desgraçada lei de Maomé, “esta religião diabólica”,
homens belicosos” que guerreiam contra os espanhóis, “por causa da religião”.
Curioso também é a forma que Thevet divide as Índias Ocidentais: França
Antártica, Peru e México.
Segundo ele,
“os mouros possuem seus sacerdotes, que são os maiores impostores do mundo.
Eles fazem crer ao povo que conhecem os segredos de Deus e de seu Profeta, de vez que
conversam freqüentemente com ambos. Além disso, empregam uma extravagante
maneira de escrever, atribuindo a si próprios a primazia do uso da escrita entre todos
os outros povos do mundo.”
64
E quanto a intenção de se divulgar a fé cristã, ele admite que
64
Thevet, André. Singularidades da França Antártica. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1944.
72
“ os portugueses conquistaram alguns pontos da Barbaria, neles tendo
edificado cidades e fortalezas, e também induzido nossa religião.”
65
Entretanto, Léry, na qualidade de pastor, comenta sobre a aparência física dos
Tupinambás com verdadeira imprecisão, comparando a longevidade da vida com o
clima bem como a qualidade de vida à falta de preocupação dos índios.
Compara o comportamento do selvagem com o civilizado, fundamentado na
ausência de avareza, desconfiança, intriga, inveja e ambição, sentimentos que os índios
não conhecem. Compara a cor do índio com a cor dos negros, “apesar da região
quente”. Chega a dizer que os índios possuem “a vista feroz e zarolha” porque retiram
seus pelos com as pinças, recebidas dos cristãos.
Léry menciona a bondade dos índios ao acolherem os franceses da violência
praticada por outros compatriotas. Compara os costumes das mulheres francesas, numa
França quinhentista que pecava pelo excesso das roupas, à atitude das índias que,
mesmo despidas, não despertavam o desejo pela cobiça.
“...quero responder aos que dizem que a convivência com esses selvagens nus,
principalmente entre as mulheres, incita à lascívia e à luxúria. Mas direi que, em que
pese às opiniões em contrário, acerca da concupiscência provocada pela presença de
mulheres nuas, a nudez grosseira das mulheres é muito menos atraente do que
comumente imaginam. Os atavios, arrebiques, postiços, cabelos encrespados, golas de
rendas, anquinhas, sobre-saias e outras bagatelas com que as mulheres de cá se
enfeitam e de que jamais se fartam, são causas de males incomparavelmente maiores
do que a nudez habitual das índias, as quais, entretanto, nada devem às outras quanto à
formosura.”
Comparar. Esta é a ação mais observada e contada por ele. Ele estabelece uma
relação cultural entre os dois mundos, reflete sobre sua sociedade de origem e a outra na
qual teve a oportunidade de viver por um tempo de sua vida.
65
idem
73
Diante deste modo de enxergar o diferente, necessário se faz a leitura de sua
obra acompanhado pelos ensaios de Montaigne porque toda uma argumentação é
lançada a partir de uma exemplificação do Novo Mundo, com base no modo de pensar e
de escrever, inaugurado pelo Ensaísta que, mais do que produzir uma obra, inaugura um
nero.
66
Montaigne é a chave para a compreensão da obra de Jean de Léry quanto à
forma de escrever. Ao concluir o capítulo VIII, por exemplo, escreve “antes, porém, de
encerrar este capítulo, quero responder aos que dizem que a convivência com esses
selvagens nus...” e Montaigne “Tudo isso é , em verdade, interessante, mas que diabo,
essa gente não usa calças!”
Léry concede a sua narrativa uma estrutura respeitável do ponto de vista legal
porque é o relato feito por um cronista presente aos fatos, de posse de conceitos e
valores do Novo Mundo porque esteve presente, não na categoria de observador e mero
missionário, mas participante do ponto de vista tanto da exploração quanto ao
conhecimento das belezas naturais bem como das relações humanas com os franceses,
com a gente e com alguns portugueses que conheceu, na condição de prisioneiros.
“O homem que tinha a meu serviço, e que voltava do novo Mundo, era simples e
grosseiro de espírito, o que dá mais valor a seu testemunho.”
Montaigne
Léry, ainda que em outro idioma, constrói uma imagem sobre o Brasil, a partir
de sua experiência, como resultado de sua viagem, daquele que venceu o enigma dos
mares, superou o medo, a doença, a fome e tocou o Novo Mundo. Construiu uma
narrativa, transmitindo conhecimentos advindos de um momento vivenciado por ele,
não é o homem letrado que escreve, não recupera a palavra de doutos como o faz
66
Montaigne. Dos Canibais. In: Ensaios. São Paulo, Abril Cultural, 1972.
74
Thevet, o qual cita Sócrates, Estrabão, Diodoro, Plínio, Cícero e Vergílio para explicar
sobre a nova terra e a gente tão diferente encontrada.
“O primeiro que mostrou que as terras entre as duas zonas temperadas eram habitáveis
foi Parmênides, conforme cita Plutarco. Vários outros escreveram que a Zona Tórrida
não só deveria ter habitantes, mas até que seria densamente povoada! Averróis, no
Capítulo IV de seu livro Do Céu e do Mundo , chega a prová-lo citando o testemunho
de Aristóteles.”.”
67
Jean Léry e André Thevet foram viajantes de seu tempo, porque apresentam
uma visão de mundo muito particular pela deformação que emprestam ao objeto
descrito, a terra e a gente do Brasil, aproximando-se do campo de literário, em virtude
das imagens construídas.
Thevet, na qualidade de cosmógrafo, tenta encontrar as imagens do Mundo
Antigo no Novo Mundo, fundamentado seu discurso na informação absorvida pelos
clássicos. Léry, na qualidade de observador, cria um modo próprio de narrar para o
Velho Mundo, relato fundamentado na sua condição de testemunha aos fatos presentes,
aproximando-se da forma de um diário de viagem.
E de fato nem bebem eles nessas fontes lodosas e pestilenciais que nos corroem
os ossos, dessoram a medula, debilitam o corpo e consomem o espírito, essas fontes em
suma que, nas cidades, nos envenenam e matam e que são a desconfiança e a avareza,
os processos e intrigas, a inveja e a ambição. Nada disso tudo os inquieta e menos
ainda os apaixona e domina, como adiante mostrarei. E parece que haurem todos eles
na fonte da Juventude.”
Os cronistas franceses usaram do diálogo como forma de persuasão,
evidentemente marcado por um discurso avesso aos portugueses e posicionamento
estratégico de aliados aos índios, tanto do ponto de vista político como de guerra. O
conhecimento da língua do outro foi vital para se chegar até ele e ganhar sua confiança,
67
ibidem
75
embora o real motivo estava muito distante da preservação dos valores e das riquezas
dos índios.”
Nos relatos dos capuchinhos do Maranhão, a transcrição dos discursos
proferidos pelos índios é o pilar do projeto de conversão e de francização dos
Tupinambá que sustenta a aliança franco-tupi.”
68
Claude Lévi-Strauss, citado pelo professor Frank Lestringant no artigo De Jean
de Léry a Claude Lévi-Strauss: por uma arqueologia de Tristes Trópicos, numa aula
inaugural no Collége de France, conta para o público que a leitura de Léry lhe ajuda a
escapar de seu século, a retomar contato com a “sobre-realidade”, mais real do que ele
próprio testemunhou.
“Léry viu coisas que não têm preço, porque era a primeira vez que eram vistas e
porque foi há quatrocentos anos. A presença alucinatória do índio em Léry nos
transporta para um outro tempo, que é o tempo das origens. Permite-nos ver esse
milagre. A História de uma viagem à terra do Brasil, representaria nesse sentido o
auge da literatura de evasão, a obra prima acabada do gênero. Ao lê-la, como por
magia, poder-se-ia escapar do triste presente e recuperar a euforia dos princípios,
quando tu ainda era possível e, do outro lado do oceano, a humanidade que surgia
ainda não estava condenada, prematuramente desgastada, assassinada na infância por
uma conquista das mais horríveis. O charme e a eficácia da História de Léry viriam
primeiramente do fato de se tratar de um “relato de primeiro encontro.”
69
Claude d’Abbeville, em História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do
Maranhão e Terras Circunvizinhas, escreve em sessenta e dois capítulos, entre 1614 e
1615, observações sobre a terra e agente do Maranhão, apesar de ter permanecido no
Brasil por cerca de quatro meses.
68
Daher,Andréa. A conversão dos Tupinambá entre Oralidade e Escrita nos Relatos Franceses dos
Séculos XVI e XVII. In: Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, 2004.
69
Lestringant, Frank. De Jean de Léry a Claude Lévi-Strauss: por uma arqueologia de Tristes Trópicos.
São
Paulo, Revista de Antropologia, 2000. Vol. 43 nº 2.
76
No prefácio, já se tem uma idéia da proposta determinada pelo autor, ao associar
a “pobre gente do Maranhão” com razões da natureza e doutrina religiosa para fundar as
bases de uma intenção.
É o homem que cita princípios naturalistas, passagens bíblicas, ensinamentos de
profetas, santos, filósofos para garantir e dar suporte sua palavra, base de seu discurso, a
erudição transportada para uma terra primitiva, arquitetando a estrutura de um projeto
maior:
“Ó França que tiveste a felicidade de ser a filha mais velha da Igreja, se como
irmã gêmea desta nova França Equinocial (selvagem e pagã ainda, mas eleita e
predestinada ao céu oportunamente) a ela estás unida pelos laços do amor e da
caridade, assim como aos demais reinos e nações católicos, como não hás de sentir a
dor que a oprime nesse longo cativeiro do paganismo? Como não hás de sentir os
ferimentos nela feitos pelo Diabo que a mortalizam? Como não hás de ter piedade
dessas pombas que, para fugir ao naufrágio do dilúvio da danação eterna,
amorosamente e com lágrimas nos olhos te suplicam que lhes abras a porta da Arca da
Igreja e lhes estendas as mãos para que entrem?”
No primeiro capítulo, Claude d’Abbeville cita Charles des Vaux, um francês que
segundo ele, guerreou com outras tribos, alcançou vitórias e, porque respeitou os usos e
os costumes do país, aprendeu a língua dos índios.
Segundo ele, Des Vaux observou a beleza e as delícias da terra, sua fertilidade,
sua fecundidade em tudo o que o homem pode desejar, tanto quanto ao prazer do corpo,
graças ao clima ameno, como também quanto a posse de imensas riquezas suscetíveis
de serem transportadas para a França.
Por outro lado, Claude d’Abbeville escreve sobre a promessa dos índios de se
converterem ao Cristianismo, e o aceite em acolher pessoa qualificada a fim de governá-
los e defendê-los contra seus inimigos, porque julgavam o temperamento francês mais
semelhante, “pela doçura das relações”.
77
Conforme o estudo de Rodolfo Garcia que introduz a obra, Des Vaux foi um
aventureiro francês que já estivera no Brasil nos final do século XVI, traficando nas
costas do Norte, feito amizade com os índios e que, retornando à França, divulgou as
riquezas da região e as vantagens de uma colonização francesa, feito a propaganda do
país para os franceses, aventureiro que Claude d’Abbeville apresenta como herói, por
sua coragem e determinação pelas “notáveis vitórias”, “bravos feitos” e por sua
capacidade de negociação por falar a língua do outro.
Ao retornar à França, Des Vaux conta para o Rei sobre sua descoberta e Sua
Majestade, porque lhe escuta com alegria, e “duvidando das maravilhas relatadas”,
convoca outro francês La Ravardière, conhecedor de técnicas náuticas que já estivera na
região e que desejava voltar, para a Ilha do Maranhão, onde permaneceram por seis
meses para verificar “a autenticidade dos informes e mais ainda a possibilidade de
estabelecer uma bela colônia”.
Concedeu-se à ordem dos capuchinhos a participação no projeto em função de
relações de amizade, favorecimento, justificado pelas “glória de Deus, a salvação
dessas almas selvagens e a honra que a França colheria na empresa” bem como esta
ordem seria melhor do que jesuítas ou beneditinos, a exemplo do que fez de D. Manuel
II, Rei de Portugal, “inspirado pelo Espírito Santo, enviou os Irmãos menores, filhos de
São Francisco, às Índias Orientais” e Maria de Médicis, quanto às Índias Ocidentais.
Quem plantou a Cruz nas Índias Orientais senão os filhos desse glorioso
patriarca?”....”e por intermédio de seis filhos, por idênticos instrumentos faz o mesmo
no Ocidente.”
“Após uma viagem feliz, narrou fielmente à Sua Majestade Cristianíssima,
Henrique, o Grande, tudo o que lhe ocorreu na viagem e lhe mostrou a honra que
caberia a Sua Majestade no empreendimento da conquista, além do proveito e da
utilidade que dela tiraria a França, e da coroa de gloria que o céu infalivelmente lhe
outorgaria pela salvação de tantas almas que se jogavam em seus braços na intenção
de se converterem à religião do verdadeiro Deus.”
78
Des Vaux, entretanto, era um reformista, mas Claude d’Abbeville atribui ao
bom Rei” seu poder de persuasão em “conduzir a ovelha tresmalhada ao aprisco
evangélico da Igreja Romana antes de sua partida para as Índias.”
O trecho escolhido não economiza na adjetivação da natureza, cuja visão
edênica é construída a partir de um discurso justificado pelo plano religioso para se
atingir uma função: a ocupação e exploração do território, base para o início da
colonização de uma Ilha já ocupada por portugueses.
Claude d’Abbeville constrói uma narrativa que justifica o projeto religioso a
partir de uma “verdade” fundada nos princípios naturalistas, religiosos e filosóficos. É a
palavra da autoridade religiosa, o erudito que leu, estudou e escreve sobre o Novo
Mundo, mascarando por trás de um véu, um projeto maior mercantilista.
O valor descritivo atribuído sobre a terra e sua gente caminha mais no sentido da
imprecisão, mais opinativo como uma terra “bela”, “agradável”, “maravilhosa”,
“realçada pela bondade”, “deleitosa”, “vegetação abundante”, um processo de
adjetivação quanto a terra e uma deformação quanto ao modo de ser da gente, alterada
pelas relações “de amizade”, estrutura narrativa que motiva mais dúvidas do que
certezas, pois que reconstrói o encontrado pelas palavras e promove mais do que a
propaganda sobre o país, concebe um sentido diverso, modificado, tocado, daquele que
o olha, mais imagina e transforma do que propriamente observa e registra.
Daí a importância de ler a obra do ponto de vista da Literatura de Viagem.
O capuchinho Claude, segundo Daher constrói uma representação do “selvagem
convertível”, próxima à construção de Léry, chegando a parafrasear algumas passagens
do relato do huguenote, uma espécie de processo de colagem, adaptando-o ao discurso
católico, ao descrever o índio como objeto de análise de uma fase pré-etnográfica, pela
tendência missionária da época, a persuasão doce, gentil, diferente das “crueldades”
cometidas pelos portugueses.
79
Daher faz a reflexão sobre as obras produzidas quanto ao gênero e retórica dos
relatos, compreendidos como literatura de viagem, enumerando o relato missionário, o
diário de bordo, o tratado, a história bem como outros gêneros textuais escritos ente os
séculos XVI e XVII como relatos de viagem.
Desta forma, Claude corresponde ao esperado pelos franceses, ao realizar uma
enumeração do exótico aliado a uma propaganda da obra missionária, a ponto de
estabelecer o conceito da amizade entre franceses e índios, de despertar nos índios seu
desejo de cristianização, a conversão pelo amor, diferentemente dos portugueses, que
teciam uma representação do índio como selvagem, feroz, que comia carne humana. Os
franceses, por outro lado, souberam negociar suas próprias almas através do escambo
que praticavam.
Assim, o campo da literatura de viagem orienta melhor no sentido de se entender
o olhar dos destes cronistas através dos relatos; os escritores portugueses sugerem uma
descrição mais selvagem do índio, como o objetivo der dominá-lo pela força; os
franceses, uma descrição mais próxima da simplicidade, das relações de amizade,
porque o objetivo era conquistá-los pela confiança pois, afinal de contas, este era o meio
porque os peró chegaram primeiro.
La thèse d’um clivage à intérieur de la littérature de voyages – d’un côté la
vision du colonisateur Portugais qui deprecie l’image de l’Indien, el de láutre celle du
voyageur Français qui l’exalte, nous paraît d’une extreme simplicité.”
70
Daher reitera que esta discussão não abrange tópicos relevantes no século XVI
como a questão da ideologia religiosa quinhentista ou seiscentista, nem a lógica de
formação e de circulação de um capital de informação sobre os Brasileiros, mas estas
frentes de evangelização encontram-se na visão dos viajantes, colonizadores ou
missionários, para uma ambição colonialista perfeita como empresa francesa no
Maranhão.
70
Daher, Andréa. Le Voyage de Jean de Léry et la Mission de Claude d’Abbeville. Paris, Colloque
International “Voyageurs et images du Brésil”, 2003.
80
Léry também nos conta da relação mais “pacífica” entre os franceses (maí) e os
índios do que entre os portugueses (peró) , mas livra-se de uma manutenção do discurso
religioso e passa a traçar um olhar mais observador sobre a terra e sua gente, a ponto de
experimentar e vivenciar o novo.
“Bem sabiam os tupinambás, já inimigos dos portugueses, que se matassem um
francês, guerra terrível lhes seria declarada e ficariam privados para sempre de
mercadorias.”
Léry chega a afirmar: “Eis portanto aí um tema de dissertação suscetível de
mostrar que os habitantes da Europa, da Ásia e da África devem louvar a Deus pela
sua superioridade sobre os dessa quarta parte do mundo.”
“É difícil contar tudo o que fizeram esses selvagens para nos servir.”
Como andávamos sempre com um saco de couro cheio de mercadorias que nos
serviam de moedas, ao deixarmos a aldeia demos-lhes facas, tesouras e pinças e às
mulheres presenteamos com pentes, braceletes e missangas e aos meninos com anzóis.”
Tom Conley, ao escrever sobre os Ensaios do Novo Mundo, ressalta esta
importância no sentido de que são os primeiros e os melhores textos reflexivos sobre o
impacto da descoberta e da colonização do Novo Mundo tanto para a Europa como para
uma realização da consciência moderna de era, em virtude do primitivo.
Reitera que Montaigne oferece a primeira especulação antropológica sobre o
significado do Novo Mundo, mesmo porque os cronistas até então eram leitores de
textos bíblicos ou clássicos, incapazes de explicar o significado do Novo Mundo pelas
sombras da dúvida, Ensaios que remetem a um embasamento revisionista oriundo da
leitura da concepção de mundo escrita por Ptolomeu.
“The politics of Montaigne’s assessment of the state of “Antarctic France” and
the Americas inform not only the project of self-portraiture but also the nascent
anthropology of the Essays as a whole… “Politics, art, and self-study are related to the
81
new lands. The New World serves as plot-point in a field of tension that extends
between the eastern and western hemispheres.”
Segundo Conley, Montaigne é a chave de compreensão porque trata as
descobertas como um objeto tanto do campo histórico como do imaginado, as quais
precisam ser preliminarmente vistas pelo que elas significavam antes de serem
encontradas e qual espaço elas ocupam na imaginação, a visão do Paraíso descrito, fato
este justificou uma promoção ideológica cristã de redenção, com base numa
interpretação e descrição do Novo Mundo como alegoria do maravilhoso.
71
Os limites entre a imaginação e a realidade permeiam a crônica quinhentista e
seiscentista produzida; pela necessidade de se documentar verdades, exagera-se na
descrição das grandezas e das belezas da terra de sua gente, para se fundamentar uma
dominação cristã.
Por outro lado, o estudo das obras como literatura de viagem permite uma
análise do discurso registrado viajante, e abre uma possibilidade de se questionar as
conseqüências de uma visão paradisíaca intencionalmente marcante por cronistas que
mais do que um projeto religioso, tentaram estabelecer uma base de exploração.
Desta forma, a narrativa do huguenote e do capuchinho revela á relação entre
franceses e a gente do Brasil do ponto de vista das relações humanas convivência, amor
e amizade cujo escambo de mercadorias adaptava-se as diferenças de credor para se
justificar o projeto maior: primeiro conquistara a gente para tentativa apropriação
posterior de sua terra, o caminho inverso dos portugueses.
Estes viajantes conferem um olhar próprio ao escreverem sobre a terra e a gente
do Brasil porque reconstroem um discurso a partir de um repertório cultural do Velho
Mundo para se explicar o significado do Novo Mundo na condição de testemunha dos
fatos; conhecimento que se faz presente entre o que se leu e o que se experimentou.
.
71
Conley, Tom. The Essays and the New World. In: The Cambridge Companion to Montaigne. New
York, Cambridge University Press, 2005
82
Da Terra
“Depois de ancorados os nossos navios no porto desse rio Guanabara, muito
perto da terra firme, cada qual arranjou sua bagagem e a trouxe para os escaleres. E
assim fomos todos desembarcar na ilha e forte de Coligny. E vendo-nos livres dos
riscos e perigos que tantas vezes nos cercam no mar, a primeira coisa que fizemos,
depois de pôr o pé nessa terra, para onde havíamos conduzidos com tanta felicidade,
foi todos juntos rendermos graças a Deus. Em seguida fomos ter com Villegagnon que
nos esperava em lugar conveniente e nos saudamos todos uns aos outros. E ele a todos
abraçou muito risonho. A seguir o senhor Du Pont, apoiado por Richier e Cartier,
ministros do evangelho, declarou a causa principal que nos movera àquela viagem e a
passar em meio a tantos perigos para irmos ter com ele e aí erigirmos nossa igreja
reformada, concorde com a palavra de Deus. Em resposta disse ele textualmente o
seguinte: “quanto a mim, desde muito e de todo o coração desejei tal coisa e recebo-
vos de muito bom grado mesmo porque aspiro a que a nossa igreja seja a mais
reformada de todas. Quero que os vícios sejam reprimidos, o luxo do vestuário
condenado e que se remova de nosso meio tudo quanto possa prejudicar o serviço de
Deus.” Erguedo depois os olhos ao céu e juntado as mãos disse: “Senhor Deus, rendo-
te graças por teres-me enviado o que há tanto venho ardentemente pedindo.” E
voltando-se novamente para os nossos companheiros continuou:” meus filhos (pois
quero ser vosso pai), assim como Jesus Cristo nada teve deste mundo para si e tudo fez
por nós, assim eu (esperando que Deus me conserve a vida até nos fortificarmos neste
país e poderes dispensar-me) tudo pretendo fazer aqui para todos aqueles que vierem
com o mesmo fim que viestes. É minha intenção criar aqui um refúgio para os fiéis
perseguidos em França, na Espanha ou em qualquer outro país além-mar, a fim de sem
temer o rei nem o imperador nem quaisquer potentados, posam servir a Deus com
pureza conforme a sua vontade.” Essas foram as primeiras palavras que Villegagnon
nos dirigiu por ocasião de nossa chegada, na quarta-feira, dia 10 de março de 1557.”
(p.85-86)
Capítulo VI
Do desembarque no Forte de Coligny; da acolhida de Villegagnon e de seu
comportamento em relação à Religião e ao Governo do País
Jean de Léry
83
Da Gente
“Direi, inicialmente, a fim de proceder com ordem, que os selvagens do Brasil,
habitantes da América, chamados Tupinambás, entre os quais residi durante quase um
ano e com os quais residi durante quase um ano e com os quais tratei familiarmente,
não são maiores nem mais gordos do que os europeus; são porém mais fortes, mais
robustos, mas entroncados, mais bem dispostos e menos sujeitos a moléstias, havendo
entre eles muito poucos coxos, disformes, aleijados ou doentios. Apesar de chegarem a
120 anos, (sabem contar a idade pela lunação) poucos são os que na velhice têm os
cabelos grisalhos, o que demonstra não só o bom clima da terra, sem geadas nem frios
excessivos que perturbem o verdejar permanente dos campos e da vegetação, mas
ainda que pouco se preocupam com as coisasa deste mundo. E de fato nem bebem eles
nessas fontes lodosas e pestilenciais que nos corroem os ossos, dessoram a medula,
debilitam o corpo e consomem o espírito, essas fontes em suma que, nas cidades, nos
envenenam e matam e que são a desconfiança e a avareza, os processos e intrigas, a
inveja e a ambição. Nada disso tudo os inquieta e menos ainda os apaixona e domina,
como adiante mostrarei. E parece que haurem todos eles na fonte da Juventude.”
Quanto à sua cor natural, apesar da região quente em que habitam, não
são negros; são apenas morenos como os espanhóis ou os provençais. Coisa não menos
estranha e difícil de crer para os que não os viram é que andam todos, homens e
mulheres e crianças, nus como ao saírem do ventre materno. Não só não ocultam
nenhuma parte do corpo, mas ainda não dão o menor sinal de pudor ou vergonha. Não
são como alguns imaginam e outros os querem fazer crer, cobertos de pêlos ou
cabeludos. Ao contrário. Têm pêlos como nós, mas apenas lhes reportam pêlos em
qualquer parte do corpo, mesmo nas pálpebras e sobrancelhas, arrancam-nos com as
unhas ou pinças que lhes dão os cristãos, e tal como fazem ao que se diz, os habitantes
da ilha de Cumuna, no Peru. Aliás o fato de arrancá-los das pálpebras e sobrancelhas
torna-lhes a vista zarolha e feroz.” (p.111-112)
Capitulo VII
Índole, força, estatura , disposição e ornatos dos homens e mulheres brasileiros
habitantes da América, entre os quais permaneci quase um ano
Jean de Léry
84
Da Terra
“Há países férteis que não são bonitos, pois fertilidade e beleza são qualidades
diferentes, embora uma contribua muito para a outra. A fertilidade depende mais da
temperatura, e a beleza mais da simetria e da bela disposição das partes exteriores,
como vemos no corpo humano ou em qualquer outra cousa bem construída. Da mesma
forma consiste a beleza de um país na boa ordem e nas proporções externas de tudo o
que lhe é necessário.
Ora o Brasil não é somente muito fértil e bom, mas ainda muito bonito e
muito agradável; o que aí é bom realça ainda mais a sua beleza, assim como que nele
realça ainda mais a sua beleza, assim como o que nele há de belo aumenta
maravilhosamente sua bondade. Tem grande extensão territorial e vai do lado
setentrional da linha até a Patagônia, além do trópico; e a partir da Ilha do Maranhão,
na costa, estende-se até o Peru com igual clima e ao mesmo tempo paralelo da Castilha
de Ouro. Não me refiro à suavidade do ar, à temperatura muito suave e agradável e a
todas as particularidades de que já falamos e que fazem esta terra bonita, agradável,
deleitosa.
Com relação à Ilha do Maranhão, deve-se confessar que é extremamente
agradável, cercada pelo mar e com quatro ou cinco grandes rios que vêm se colocar e
expandir-se em torno dela, oferecendo mil novidades comodidades para a pesca de uma
infinidade de peixes de mil espécies diversas. Por outro lado o verão é aí permanente e
as águas nessa estação são agradáveis e deliciosas.
“...As palmeiras abundam por aí, mais ainda do que as outras árvores. É um
verdadeiro jardim de palmeiras, e como a palma é o emblema da vitória pode-se dizer
que esta ilha mais do que outros lugares é um verdadeiro campo de vitória, mesmo
porque nenhum inimigo a pode vencer: ela permanece sempre vitoriosa,
desassombrada diante de todos.”
As sagradas escrituras encarecem a beleza do paraíso terrestre, principalmente
por causa de um rio que aí nasce, dividindo-se em quatro outros. Sem atentar para o
que há de misterioso nisto, limitar-me-ei a observar que esse país do Brasil é
embelezado e enriquecido por muitos grandes rios e regatos de dez a oitenta léguas de
largura e de quinhentos a mil léguas de comprimento como já foi dito.”
...”Não há nesse país outro jardineiro senão Deus.”... “Há no Brasil inúmeras
árvores frutíferas que crescem naturalmente graças apenas à providência do soberano
jardineiro.”
Capítulo XXXVII
Da beleza da Ilha do Maranhão e circunvizinhanças
Claude d’Abbeville
85
Da Gente
É admirável que os índios tupinambás, guiados apenas por sua própria
natureza, e por uma natureza em verdade corrupta, tenham uns para com os outros tão
cordial e fraternal amizade que se intitulam todos aliados e chama-se mutuamente pai,
irmão, irmãozinho, tio, sobrinho ou primo, como se pertencessem todos a uma só
família.
Embora possuam alguns objetos e roças particulares, não têm o espírito da
propriedade particular e qualquer um pode aproveitar-se de seus haveres livremente.
Distribuem entre si tudo o que possuem e não comem nada sem oferecer a seus
vizinhos. Quando voltam de suas pescaria ou de suas caçadas, com algum bom peixe,
algum veado, corça, javali, paca ou outra qualquer presa, tudo repartem
cuidadosamente de modo a que dê para todos.
São muito hospitaleiros entre si; onde quer se encontrem entre seus aliados, são
sempre muito bem acolhidos. Não lhes falta então comida e o mais necessário ao seu
divertimento. Quando Deus os houver iluminado com o conhecimento de seu santo
nome serão esses selvagens um povo bom e caridoso, à condição de se manter dentro
da mesma simplicidade e temperamento.”
“...Quanto ao visitante, cabe-lhe fazer o mesmo por cortesia, isto é, pôr as mãos
sobre o rosto e chorar, ou pelo menos fingir.
“...Se o visitante é índio, como eles, nada lhe pedem a título de recompensa;
mas se o visitante é francês, antes de partir deverá dar alguma cousa para que seja bem
recebido na próxima vez. Se não dá nada, chamam-no “scatein”, avarento. E não
deverá mais voltar, pois já não será bem recebido.”
“Se o visitante deseja recompensá-los pelas cortesias recebidas, deve dar facas,
tesouras, aos homens, e às mulheres, pentes, espelhos e missangas.”
Capítulo XLVIII -Da amizade dos maranhenses entre si e da recepção que fazem aos
seus amigos.
Claude d’Abbeville
86
FALAÇÃO
O Cabralismo. A civilização dos donatários. A Querência e a Exportação.
O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso.
A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o
ouro e a dança.
Toda a história da Penetração e a história comercial da América. Pau-Brasil.
Contra a fatalidade do primeiro branco aportado e dominando diplomaticamente
as selvas selvagens. Citando Virgílio para tupiniquins. O bacharel.
País de dores anônimas. De doutores anônimos. Sociedade de náufragos
eruditos.
Donde a nunca exportação de poesia. A poesia emaranhada na cultura. Nos cipós
das metrificações.
Século XX. Um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam tudo se
deformaram como bacharéis de borracha. Rebentaram de enciclopedismo.
A poesia para os poetas. Alegria da ignorância que descobre. Per’Álvares.
Uma sugestão de Blaise Cendrars: - Tendes as locomotivas cheias, ides partir.
Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O menor descuido
vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.
Contra o gabinetismo, a palmilhação dos climas.
A língua sem arcaísmos. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição
milionária de todos os erros.
Passara-se do naturalismo à pirogravura doméstica e à kodak excursionista.
Todas as meninas prendadas. Virtuoses de piano de manivela.
87
As procissões saíram do bojo das fábricas.
Foi preciso desmanchar. A deformação através do impressionismo e do símbolo.
O lirismo em folha. A apresentação dos materiais.
A coincidência da primeira construção brasileira no movimento de reconstrução
geral. Poesia Pau-Brasil.
Contra a argúcia naturalística, a síntese. Contra a cópia, a invenção e a surpresa.
Uma perspectiva de outra ordem que a visual. O correspondente ao milagre
físico em arte. Estrelas fechadas nos negativos fotográficos.
E a sábia preguiça solar. A reza. A energia silenciosa. A hospitalidade.
Bárbaros, pitorescos e crédulos. Pau-Brasil. A floresta e a escola. A cozinha, o
minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.
Oswald de Andrade
88
V - Considerações Finais
Como experiência humana, a viagem ensina a aprender sobre o desconhecido, a
encontrar e pensar sobre valores de outras culturas, informações sobre pessoas e lugares
diferentes daqueles que se conhece, é mais do que o deslocamento. É a reflexão sobre o
novo, o diferente.
O encontro, ou melhor, o “achamento” da nova terra, o contato com sua gente
suscita uma série de questões, observadas nas narrativas investigadas.
Quando os europeus aqui desembarcaram, impuseram a conquista da terra e o
extermínio de um considerável número de nativos, dominantes de um universo
lingüístico significativo, cujo contato direto ou indireto proporcionou, a extinção de
estruturas sociais indígenas, um legado histórico e social impossível de ser
reconstituído.
Dessa forma, um grande problema que os pesquisadores enfrentam é exatamente
a ausência de dados arqueológicos, biológicos, antropológicos e históricos das tribos,
em virtude da violenta sobreposição da cultura européia sobre a nativa. Entretanto, as
narrativas quinhentistas podem orientar pesquisadores quanto ao início de um longo
trabalho científico.
Quando hoje se observa a situação dos índios brasileiros que conseguiram
sobreviver porque algumas etnias alojaram-se distantes do litoral e não compuseram o
início do processo de miscigenação das três raças, em alguns casos, identifica-se um
verdadeiro flagelo social porque algumas etnias foram expulsas de sua reserva ou
moram em favelas nas grandes cidades.
89
Não cabe aqui falar de Índios já aculturados, vivendo à moda dos brancos, com
telefone celular, TV a cabo, exportadores de diamantes e amigos de pessoas famosas no
Brasil e no mundo. Tais índios representam uma parcela não representativa quando
olhamos para a questão do conflito da terra, herdeiro de uma tradição determinada pela
chegada do colonizador.
A questão da terra e de suas grandezas há quinhentos anos permeia discussões
como em casos ocorridos, a morte de Chico Mendes, o massacre de Eldorado dos
Carajás, o extermínio de religiosos no Pará e no Amazonas devido às terras devolutas, o
movimento dos camponeses sem-terra, o crescimento das favelas nas grandes cidades, o
extrativismo desordenado, o corte de madeira de lei e a biopirataria e outros crimes
ambientais.
Todos estes fatos recentes desencadeiam uma reflexão no sentido de que não se
pode pensar o que é o Brasil e quem é o povo Brasileiro sem olhar para seu passado, um
país que, mediante o projeto de colonização determinado, herdou o modelo das
capitanias hereditárias para a sua terra e o extermínio de índios e de quatro séculos de
escravidão para a gente.
Hoje, estamos talvez numa outra fase, caminhando novamente para plantar cana
nos engenhos porque um outro Rei, detentor do Império do ouro negro, retroage em
busca do ouro branco, agora traduzido como a energia do futuro, em outras palavras, a
manutenção do jogo entre dominador e dominado.
A vontade e a intenção de dominar sobrepõem valores, exterminam vidas,
tomam posse da terra e de riquezas e impõem língua e cultura sobre aquele que deve ser
vencido e como deve ser o relato contado para outras gerações. É o Império que hoje
usa de palavras como “liberdade”, “democracia” e “Deus” para controlar e estabelecer
valores ao mundo pela força econômica, espécie de catapulta que remete as sociedades
mais à era moderna do que as mantém na era contemporânea porque as torna cada vez
mais dependentes, permanentes de um processo de manutenção colonial iniciado no
período das grandes navegações.
90
A questão do projeto de colonização determinado como colônia de exploração,
de sua terra, de suas riquezas e a dominação de sua gente, índios, negros ou brancos,
serve de pressuposto para se pensar quanto a um paradoxo: como justificar uma
intenção religiosa diante de uma prática de apropriação? Como educar as almas, levar as
palavras de Cristo se o que se procura é o brilho do ouro, a cor da madeira de tinta, a
possibilidade de se cultivar o ouro branco de que a Europa toda necessita?
Quanto ao olhar dos viajantes, testemunhas deste processo, o Índio é descrito por
um modo de vida simples, convivendo com a natureza para manutenção de sua
existência, praticando rituais com valores diferentes dos Cristãos, fato este que
propiciou uma maior legitimidade para que fosse dominado pelo europeu que,
posteriormente, negociou o preço das almas negras, embarcando-as em muitos navios
para o Novo Mundo .
Tais narrativas são imprescindíveis para uma composição da base do que é o
Brasil e porque o Brasil hoje se encontra na situação atual rico, porém desigual,
desconhecido por muita gente que ainda pensa que Buenos Aires é a nossa capital,
agimos como macacos, alimentamo-nos de bananas, andamos nus e falamos espanhol
ou brasileiro.
Embora seja o português uma das línguas mais faladas no mundo, o Brasil é
ainda lembrado como a terra do futebol que constrói heróis para os outros, a terra do
carnaval que mostra a nudez e a beleza das mulheres e onde se pode tudo, a terra onde a
cidade maravilhosa é também a mais violenta, o país sem lei e nem rei, onde a fé sugere
um sincretismo de crenças e credos. É a terra para o turista, não mais para o viajante, é o
país exótico, tropical, o Paraíso, o lugar abençoado por Deus.
Os escritores europeus, franceses ou portugueses embriagaram-se desta alusão
ao Paraíso, ao denominavam o que viam a partir do que conheciam, comparando o
incomparável. O modernismo, por outro lado, ao buscar recuperar a fonte textual para se
poder reconstruir a concepção cultural artística sobre o Brasil desprovida da carga de
influência européia, questionou esta reconstrução do Paraíso, recuperando a questão da
preservação da identidade e da carnavalização do entendimento destes viajantes os quais
91
compuseram uma descrição sobre a Terra, inaugurando uma produção fragmentada de
um discurso híbrido entre que se leu e o que se viu, reinventando o “achado”.
O contato entre viajantes e nativos, colonizadores e colonizados permitiu mais
do que encontro físico, o encontro dos signos, da linguagem. Para o entendimento do
outro, necessário se fez aprender sua língua para dominá-lo, a ferramenta necessária
para a realização do escambo cultural, a troca de ouro por espelho, de produtos naturais
em abundância por pentes.
Em busca das minas de prata, dos rios onde nascia o ouro, do caminho para o
Eldorado das esmeraldas e da posse da Terra tão prometida, chegaram os exploradores e
com eles os cronistas, com suas bandeiras, armas, indumentárias, vícios e doenças, em
busca de almas cujo projeto religioso foi usado como escusa para um processo maior.
Aprender a língua do outro para entendê-lo e ensinar a nova língua, promover
costumes diferentes e difundir a religião. Foram estas as estratégias usadas para se
dominar o universo do outro pelo mundo do conceito; foi pela imposição de novas
formas de língua e de pensamento que se chegou até o outro que, em contrapartida,
forneceu um léxico rico, um tesouro.
Ao colecionarem curiosidades, os recém chegados viajantes, na condição de
passageiros de uma circunstância imposta pelo Rei e pela Religião, compuseram
narrativas que sugerem uma diversidade de mundo pela lente do olhar, fato este que
toca o campo da literatura quanto à forma, como texto estético descritivo, corroborado
pelo inventário de dados registrados, pelas estórias contadas, cuja finalidade era
documentar “verdades” para se construir a “História”, uma narrativa que agradava aos
interesses de muitas partes em jogo.
Cada missão, religiosa ou jesuítica, franciscana ou capuchinha não se
distanciava da intenção real, o qual estabeleceu um projeto mercantil de colonização,
claro nas palavras escritas pela crônica.
O texto narrativo foi o campo escolhido, a forma de registrar as descobertas
intencionalmente ajustadas, de um mundo e de uma sociedade diferente, o que desmente
92
a concepção de Fernão Cardim, em 1585, ao descrever os animais, as árvores, as ervas
que vieram de Portugal e se dão no Brasil, escreve que “este Brasil é já outro
Portugal”.
72
e aproxima-se mais da afirmativa do historiador mexicano Edmundo O’
Gorman, autor de A Invenção da América, autor que nega a idéia de descobrimento,
uma vez que ela não existiu.
73
É a leitura atenta dos relatos, a observação quanto à escolha das palavras, dos
signos, que buscavam nossos viajantes apresentar a terra encontrada, aqui relação entre
linguagem e processo de colonização, a imposição de uma língua e de valores através da
construção do discurso para um objetivo mais amplo, processo de instauração da
economia agrária, extrativista para fins de exploração e não fixação.
Logo, o Brasil não podia ser outro Portugal porque ainda não se conhecia o seu
território; para ser o outro, o Brasil teria que ter existido primeiro, inclusive como país;
sabia-se que era uma ilha; a existência como país é posterior a tudo isso. Nesta época, A
Terra de Santa Cruz estava sendo aos poucos “inventada”, e não descoberta, por isso
não podíamos ser outro. 2
Os índios não deixaram suas histórias ou tratados informando como foi realizado
este encontro de mundos, mesmo porque os costumes, estórias ou histórias contadas
pelos mais velhos das tribos, os mitos e as tradições como herança eram construídos e
transmitidos oralmente e isso fatalmente se perdeu.
É evidente que se pensarmos em reescrever a história do ponto de vista do
vencido, com base em revisar-se conceitos e reconstruí-los buscando-se uma identidade,
estaríamos lutando contra moinhos de vento.
Não há como se retroagir a uma condição já posta porque a história já se fez, a
língua já se impôs, o modelo de organização social, religiosa e econômica também; o
72
Cardim, Fernão. Tratados da Terra e Gente do Brasil. Rio de Janeiro, Editores J
Leite & Cia, 1925.
73
O’Gorman. Edmundo. La Invención de América . México, Fondo de Cultura Económica, 1977.
93
importante é ver como o texto fonte, a crônica confirma e registra previamente o que se
conhece hoje, o que resulta como conseqüência da “contribuição de todos os erros”.
Ainda que se pense nas condições que motivaram a vinda de portugueses e
franceses, seja pela manutenção de uma religião, seja pela garantia de se poder ter uma
religião diversa, sobretudo por causa da intolerância religiosa do Velho Mundo, o fato é
que os objetivos comerciais se sobrepunham aos anteriores, dada a idéia de construir um
Novo Mundo, uma possibilidade de se oferecer garantias de enriquecimento,
comprovado nas narrativas porque a construção do outro é feita a partir da reconstrução
do sentido que se quer dar e como se quer falar sobre, para outrora registrar e
documentar. Assim se edificam conceitos.
“A colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial,
mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela,
destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do
comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil
é uma das resultantes.”
74
Mais importante do que enumerar as grandezas e singularidades, numa tentativa
exaustiva de citar, explicar e arrolar os nomes de plantas, animais e frutas ou mesmo
discorrer sobre a intenção religiosa de cristãos, não importa se os calvinistas,
huguenotes e presbiterianos e os católicos, jesuítas e capuchinhos, porque o mundo, sob
a perspectiva ocidental, já se fragmentara em ser ou não ser cristão.
Aqui cabe relevância aos dois planos determinados por Hjelmslev, com base no
plano da expressão e o plano do conteúdo, uma teoria que compreende a língua como
um sistema de figuras que, ao se combinarem, produzem signos. Podemos pensar nas
reconstruções elaboradas pelos escritores ao buscarem interpretar, explicar o que não
conheciam.
74
Prado Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. Editora Brasiliense, São Paulo, 1994.
94
É pela leitura e reflexão do texto elaborado, como nível lingüístico superior à
frase e, conseqüentemente, ao signo per si, que se pode pensar sobre a elaboração do
texto realizado.
Registrados com nomes de tratado, história ou viagem, o modo de narrar busca
simultaneamente elaborar uma explicação sobre uma nova concepção de mundo,
universal do ponto de vista da forma, da escrita, do modo de escrever europeu; e
estrutural, do ponto de vista do conteúdo, da experiência advinda do contato proveniente
do léxico experimentado, o que sugere uma dialética entre linguagem e realidade.
A narrativa sobre o Brasil nos períodos quinhentista e seiscentista elaborada, ao
tentar dar contar do “real” contado, terminava por criar imagens oferecendo um novo
sentido ao que se observava.
Quanto à construção da realidade, cada viajante narra o que vê com um olhar
próprio, modificando enquanto registra a totalidade e exuberância do novo, do país e de
sua gente. Temos aí um novo sentido.
Quanto à teoria da Linguagem, Hjelmslev entende uma unilateralidade sobre a
questão no sentido de que o objeto influencia e determina a teoria.
75
Com base nesta acepção, propõe-se, como técnica de análise, um olhar interno
para a linguagem e a realidade construída do texto e, como conseqüência, transportá-la
para a teoria que entende a narrativa produzida para uma aproximação maior do campo
da Literatura de Viagem do que do histórico ou meramente informativo. Ainda que
testemunho os escritores, cada qual conforme sua intenção, realizaram uma forma de
contar modificada, conforme um modo próprio de olhar e descrever.
É a estrutura do texto realizada que nos conta sobre a terra e sua gente, que nos
motiva a encontrar campo fértil para outras ciências do conhecimento.
75
Hjelmslev, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. São Paulo, Editora Perspectiva, 2003.
95
Os objetos descritos podem fornecer material de campo de pesquisa para outras
ciências. Nas letras, a narrativa elaborada serve tanto para a arte e a estética (literatura)
ou lexical (língua).
A escrita realizada pelos cronistas é dirigida ao leitor e a um terceiro leitor, este
último considerado o maior interessado e aquele que detém o poder, o sujeito para quem
se transmite a posse do objeto.
“O erro fundamental dos pesquisadores que já se debruçaram sobre as formas
de transmissão do discurso de outrem, é tê-lo sistematicamente divorciado do contexto
narrativo.”
76
A concepção textual dos cronistas investigados registra a informação descrita,
narrada ou dialogada, alcançando a terceira fronteira, o leitor para quem de fato se
escreve, no caso os Reis e a Igreja, como também para outros leitores interessados nas
grandezas, singularidades da terra encontrada, pessoas que detinham o interesse próprio
em conseguir riquezas, partícipes do projeto maior e indispensáveis para a fixação e
ocupação da terra como garantia de posse de fato, um grupo interessado em reconhecer
nos livros a possibilidade de enriquecimento, concentrando-se ouro e terras, um grupo
pequeno determinado, permitido ou indicado pelos Reis ou pelo Papa, o privilégio, os
amigos do Rei.
O narrador precisa contar o que vai de encontro a tudo isso, o que garante a
manutenção do projeto, justifica a finalidade e concede um sentido próprio.
“A decomposição do contexto narrativo testemunha uma posição de
individualismo relativista na apreensão do discurso.”
77
Fato este que nos remete a questão do olhar, individualizado pela forma como
cada viajante narra sua história, competente para a realização do registro do testemunho
presencial, histórico e ao mesmo tempo incompetente diante da descoberta do outro.
76
Bakhtin, Mikhail M. Questões de Teoria e Estética: a teoria do romance. São Paulo, UNESP, 1990.
77
idem
96
O que ele estranha é o que ele não conhece porque não reconhece,
porque lhe faltam os esquemas da competência necessária para saber o que vê, o que
ele olha pela primeira vez, sentindo-se um sujeito incompetente que se descobre de
repente diante do outro, o objeto observado que ele não sabe o que é.”
78
O cronista, na condição de observador, descreve o Novo Mundo com um modo
de olhar externo, porque entra em contato com o diferente na condição de testemunha,
experimenta o novo, escreve sobre o mundo encontrado, transforma o visto em sabido,
transforma o objeto encontrado criando uma nova visão, atribui um outro sentido ao
objeto, impõe a sua visão sobre o universo encontrado.
“O relato histórico, tanto quanto o ficcional, é sem limites de extensão. As
ramificações, os pormenores e as especulações são infinitos. Os limites do discurso
histórico são os documentos. Mas na interpretação e na interligação dos documentos, é
a imaginação que constrói a verdade possível, sobretudo quando os documentos são
poucos e lacunares.”
79
Há uma transposição de valores sociais e religiosos, um modo de produção
econômica que é transportada para a nova terra e, a leitura e a análise dos textos
investigados sugere esta concepção de mundo implementado, o objeto descrito é o
objeto encontrado.
Não cabe aqui a discussão de condenar portugueses e franceses pela sucessão
dos fatos, porque as condições do encontro derivaram-se de um longo processo e
dinâmica entre dominador e dominado pela história da civilização.
78
Lopes, Edward. Ler a Diferença. In: Barros, Diana Luz Pessoa de. Os Discursos do Descobrimento.
São Paulo, FAPESP / EDUSP, 2000.
79
Moisés, Leyla Perrone. Vinte Luas. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
97
Os textos analisados fornecem uma possibilidade de compreender o início do
processo de formação do povo brasileiro e como portugueses e franceses transpuseram
seus valores para um processo de miscigenação com os índios e com os negros.
Os relatos nos contam, ainda que da perspectiva dos europeus, algo muito
significativo, relevante para a compreensão do processo de exploração, que foi a
condição do contato, a possibilidade de transportar para o Brasil a forma de ser, de se
pensar e de se organizar como sociedade, porque o brasileiro carrega em sua formação,
o fruto dessa dinâmica, um pouco da alma destes povos.
Daí a importância de se olhar para uma temática de literatura enquanto viagem
realizada por franceses e principalmente pelos portugueses. Os erros e os acertos, a
miscigenação de três raças, o início de formação de um povo e de seu modo de ser, e
como esta mistura de culturas serve para uma relevante discussão, porque o Velho
Mundo em pleno XXI encontra-se perdido nesta mesma questão do encontro, ou
melhor, hoje reencontro, a reivindicação da existência do outro, que na condição de
imigrante, fruto deste longo processo, busca fazer o retorno, deslocando-se por uma
trajetória inversa até as terras por ele atribuídas hoje como o Paraíso, o Primeiro Mundo,
o desejo e a necessidade de fazer a América. O sonho continua....assim como a vontade
de viajar...
98
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