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ROSÂNGELA APARECIDA MELLO
A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA
ESCOLA: a emancipação humana como finalidade
FLORIANÓPOLIS
2009
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A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA
ESCOLA: a emancipação humana como finalidade
Tese submetida ao Colegiado do Curso
de Pós-Graduação em Educação do
Centro de Ciências da Educação em
cumprimento parcial para a obtenção do
título de Doutora em Educação na linha
Trabalho e Educação.
Comissão Examinadora
Dr. Lucídio Bianchetti – CED/UFSC (Orientador)
Dra. Celi Nelza Züke Taffarel – UFBA/BA (Examinadora)
Dr. Pedro Jorge de Freitas – UEM/PR (Examinador)
Dra. Nise Jinkings – CED/UFSC – (Examinadora)
Dra.CéliaVendramini – CED/UFSC (Examinadora)
Dr. Ari Paulo Jantsch – CED/UFSC (Suplente)
Dra. Elisa Maria Quartiero – UDESC/SC (Suplente)
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ROSÂNGELA APARECIDA MELLO
A NECESSIDADE HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA
ESCOLA: a emancipação humana como finalidade
Tese apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Educação, Centro de
Ciências da Educação, Universidade
Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Doutora em Educação na linha Trabalho
e Educação.
Orientador: Prof. Dr. Lucídio Bianchetti
Florianópolis
2009
À Ademir, minha família;
À Billy e Lili;
À Maria Rosymary Coimbra Campos
Sheen (in memorian).
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha família, em especial a meus pais e a minha avó,
ao meu companheiro Ademir;
aos amigos e companheiros Sr. Antônio, D. Maria, Marcos, Thaisa, Ismênia, Amália,
David, Fernanda, Tina, Fátima, Rafael, Adriana, Mauro, Bené, Tita, Carol, D. Cida,
Alda, Sérgio,Telma, Deiva, Glaudia, Sandra, Pedro Jorge, Mainha e especialmente ao
Fernando;
aos meus amigos da pós-graduação;
aos companheiros do Espaço Marx de Maringá;
aos amigos do Departamento de Educação Física da UEM;
aos amigos da PPG – UEM;
aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, especialmente
a Paulo Sérgio Tumolo;
aos professores presentes na Banca de Qualificação,
à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES;
ao meu orientador, Lucídio Bianchetti.
VIOLA ENLUARADA
Paulo Sérgio Valle
Marcos Valle
(1967)
A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino
Louva a morte
Viola em noite enluarada
No sertão é como espada
Esperança de vingança
O mesmo pé que dança um samba
Se preciso vai a luta,
Capoeira
Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira
Pra defendê-la se levanta
E grita: Eu vou!
Mão, violão, canção, espada
E viola enluarada
Pelo campo e cidade
Porta-bandeira, capoeira
Desfilando vão cantando
Liberdade!
SUMÁRIO
RESUMO......................................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
Capítulo 1 – A PRÁXIS LEGITIMADORA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA
ESCOLA........................................................................................................................ 17
Capítulo 2 - A GÊNESE ONTOLÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: O
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL .............................................. 47
2.1 – O desenvolvimento contraditório do ser social ................................................. 62
2.1.1 – A relação corpo e consciência .................................................................... 64
2.1.2 – A relação teoria e prática............................................................................ 69
2.2 – A Educação Física como um dos complexos do ser social: algumas
possibilidades ............................................................................................................. 80
Capítulo 3 - NATUREZA (E ESPECIFICIDADE) DA EDUCAÇÃO .................... 85
3.1 – A Natureza da educação: educação é trabalho?................................................. 88
3.2 – Educação: trabalho não-material? ..................................................................... 90
3.3 – A Natureza e a especificidade da Educação ...................................................... 97
Capítulo 4 – A GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
MODERNA................................................................................................................. 104
4.1 – A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino .......................................... 106
4.2 – O ressurgimento da Educação Física no século XIX ...................................... 118
4.3 – A especificidade brasileira: a formação de um homem biologizado, moral e
competitivo............................................................................................................... 123
Capítulo 5 - A EDUCAÇÃO FÍSICA NO QUADRO DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA CONTEMPORÂNEA ....................................................................... 133
5.1 – O movimento crítico na Educação Física na década de 1980 ......................... 142
5.2 – Revisão Crítica ou Crítica da Crítica............................................................... 151
5. 3 – Educação Física e Estado: o ordenamento legal da educação física na escola155
Capítulo 6 – ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA
LEGITIMAR A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: MUDAR PARA QUE
TUDO PERMANEÇA COMO ESTÁ? .................................................................... 164
6.1 – O GTT – Epistemologia/1999/2001/2003 ....................................................... 165
6.2 – GTT – Escola................................................................................................... 184
6.2.1 – GTT – Escola/1999................................................................................... 184
6.2.2 – GTT – Escola – 2001................................................................................ 203
6.2.3 – GTT – escola – 2003 ................................................................................ 240
6. 4 - Síntese geral do GTT – epistemologia e do GTT – escola.............................. 259
Quadro 1. Temáticas dos GTT epistemologia – 1999 a 2003 .................................. 260
Quadro 2. Temáticas dos GTT escola – 1999 a 2003............................................... 266
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 268
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 273
Anexos.......................................................................................................................... 282
RESUMO
Esta tese tem como objeto de estudo analisar a necessidade histórica da Educação Física
na escola, no contexto atual de crise do capital. Para tanto, foi empreendida a análise da
produção científica da área da Educação Física divulgada no CONBRACE Congresso
Brasileiro de Ciências do Esporte, dos anos de 1999, 2001 e 2003, referente aos GTTs
(Grupo de Trabalho Temático) Escola e o de Epistemologia. Também foi analisada a
produção teórica do autor mais referenciado nos estudos apresentados naqueles
Congressos: Valter Bracht. A matriz teórica que norteou o presente estudo está centrada
no materialismo histórico fundado por Karl Marx e Friedrich Engels. A compreensão
aqui exposta parte do pressuposto de que as categorias por eles desenvolvidas
pertinentes à crítica do capital e do capitalismo continuam atuais. Também serviram
como referencial teórico alguns autores marxistas do século XX e contemporâneos
como, por exemplo, Georg Lukács, István Mészáros, Ivo Tonet e Sérgio Lessa. Dos
estudos realizados, as principais conclusões extraídas foram as seguintes: a
predominância das várias vertentes teóricas do pensamento pós-moderno na área da
Educação Física e, por decorrência, de perspectivas teórico-práticas, postas no sentido
de conformar a atual lógica social, bem como a acentuação de formulações pautadas na
dicotomia corpo e mente, objetividade e subjetividade e teoria e prática; a necessidade
de recuperação do pensamento marxiano para aqueles professores da área que se
colocam no campo da crítica radical em relação à ordem social vigente; por fim, a
necessidade para esses professores atuarem – dentro e fora das instituições educacionais
no sentido de contribuir com um projeto histórico de emancipação da humanidade em
relação aos ditames da ordem social do capital.
Palavras-chave: Educação Física; Necessidade Histórica; Emancipação Humana;
Ontologia Materialista.
INTRODUÇÃO
A única alternativa histórica viável aos interesses irreparavelmente
conservadores que emanam de forma direta do modo de controle
sociometabólico do capital é a reestruturação revolucionária de toda a
ordem social. As autodefinições políticas variáveis de “conservador” e
“liberal” são totalmente irrelevantes a esse respeito.
(MÉSZÁROS, 2007)
Quando anuncio a “necessidade histórica” da educação física, não se trata nem
de uma defesa incondicional da educação física “na e da” escola e nem de uma
determinação histórica de transformação social fundamentada um uma posição utópica.
No século XIX, Marx e Engels mostram cientificamente (ontologicamente) a
possibilidade de superação do modo de produção capitalista. Mostram que essa
possibilidade não é uma utopia, mas que faz parte das alternativas postas para a
humanidade; e a emancipação humana
1
como alternativa pode ou não se concretizar.
Marx, ao desvelar como se processa o desenvolvimento humano, esclarece que
cada uma das instituições que formam uma determinada sociedade corresponde, na
verdade, à forma assumida por essa sociedade, o que significa postular que o havia a
necessidade dessa forma em sociedades anteriores e que, possivelmente, não haverá em
uma outra forma societária. Com isto quero enfatizar que as instituições, os complexos
sócias, toda a práxis humana, são frutos das relações sociais estabelecidas em
determinados períodos históricos, respondendo a determinadas necessidades humanas.
Partindo desse pressuposto, é fundamental compreender que a educação física
não é um fenômeno social isolado, mas faz parte da totalidade social através da qual a
história dos homens se realiza. À medida que a sociedade é transformada pelos homens,
transforma-se a forma da educação física. Esta, portanto, não é um produto natural, mas
sim o resultado do processo histórico através do qual os homens, a partir do seu
trabalho, constroem a si mesmos e à sociedade em que vivem, como afirmou Marx:
A um nível determinado do desenvolvimento das forças produtivas
dos homens corresponde uma forma determinada de comércio, de
consumo; correspondem formas determinadas de organização social,
uma determinada organização da família, das camadas ou classes: em
resumo: uma determinada sociedade civil. A uma sociedade civil
determinada corresponde uma situação política determinada que por
sua vez, nada mais é do que a expressão oficial dessa sociedade civil
(1985, p. 245).
1
É imprescindível frisar que a “emancipação humana” (produtores livres associados/comunismo) é a
emancipação real e não a “emancipação política” (cidadania/capitalismo), tão aclamada hoje.
11
Assim, a Educação Física
2
tal qual a conhecemos hoje expressa, de alguma
maneira, a forma como os seres humanos se relacionam no modo societário capitalista.
As modificações do seu conteúdo e da forma de aplicá-los, bem como as disposições
legais dessa disciplina no âmbito escolar, tendem a obedecer à gica das modificações
dessa organização social.
Neste sentido, sabemos que a Educação Física nasce antes da proposta da
“escola para todos”, portanto fora do ambiente escolar. Ela foi nele incorporada, no final
do século XIX, momento em que se tentava organizar os Sistemas Nacionais de Ensino
em vários países, inclusive no Brasil.
Em nosso país, desde as primeiras discussões sobre essa disciplina como
conteúdo escolar e suas primeiras concretizações até o final dos anos de 1970, o seu
conteúdo esteve pautado no paradigma das ciências biológicas, voltadas para a aptidão
física, higiene e formação moral do trabalhador. A partir da década de 1980, essa área
entra no processo que ficou conhecido como “crise de identidade e começa a
manifestar preocupações com a resolução dessa crise. Muitos pesquisadores passam a
discutir a especificidade de seu conhecimento, a sua legitimidade e a sua
obrigatoriedade, fundamentados em algumas vertentes teóricas das ciências humanas,
tecendo críticas diversas à sociedade capitalista.
Após reflexões e propostas, alguns teóricos incorporam à visão de Educação
Física o sentido da prática social, de disciplina pedagógica que na escola tematiza os
elementos da cultura corporal. Contudo, o paradigma biológico e positivista, mesmo
com outra roupagem, permanece. Além disso, a educação física se expande fora da
escola, nos clubes, nas escolinhas esportivas, nas academias, nos centros esportivos, nas
empresas, adequando-se às demandas e às necessidades do mercado.
A compensação pela postura inadequada, os desgastes físicos e mentais (estresse
e depressão) provocados pelo trabalho repetitivo e pela pressão por produtividade
também se dão hoje, na própria empresa que contrata profissionais para trabalhar com
sessões de alongamento e relaxamento durante o período de trabalho, ou nas academias
de ginástica que ainda contribuem para o aprimoramento estético.
O “descanso” dos trabalhadores tem sido incorporado como um ramo de negócio
também pelos clubes e associações, os quais oferecem “aulas” de esportes e momentos
de atividades recreativas que parecem estar subordinadas direta ou indiretamente às
2
O termo “Educação Física” é utilizado em maiúsculo quando se refere especificamente a uma disciplina
escolar.
12
exigências reprodutivas do capital, fazendo das “horas livres” momentos de
recomposição da debilitada força de trabalho ou se apropriando dos parcos recursos
daqueles que ainda conseguem reservar algum pecúlio para efetivar essa compensação.
Bruno assinala que:
[...] o lazer do trabalhador se modifica, pois seu tempo livre é cada vez
mais utilizado em atividades que visam incrementar seus atributos
qualificacionais e/ou reconstituí-lo. Não proliferam as academias
de ginástica onde se busca exercitar o físico cada vez menos solicitado
nos locais de trabalho, mas também enquadrá-lo dentro de um modelo
estético padronizado, que a aparência física é cada vez mais
importante, especialmente para aquelas atividades relacionadas com o
atendimento do público. Ao mesmo tempo à medida que a classe
trabalhadora apresenta qualificações mais complexas, a indústria do
entretenimento sofistica-se e hoje é comum a organização de grandes
concertos de massa com pretensões eruditas que visam aos segmentos
qualificados da classe trabalhadora (1996, p. 96).
A formação de atletas, mesmo sendo, em regra, política estatal, também é
deslocada para as diversas “escolinhas particulares”, fora do ambiente escolar ou em
escolas particulares que também oferecem aulas de treinamento como uma opção a
mais, cobrando, para isto, mensalidades à parte.
Com esses redirecionamentos, o movimento crítico que ganhava corpo no
interior da Educação Física no final da década de 1980 paulatinamente perde espaço
para as tendências pedagógicas que, intencionalmente ou não, estão mais próximas das
orientações do novo ordenamento político e econômico da sociedade brasileira e do
capitalismo em geral.
Esse problema não é apenas da Educação Física, mas de todo o sistema escolar,
ao perder a sua especificidade em relação à transmissão do conhecimento para reforçar
comportamentos que colaboram, ou ao menos não se constituam em obstáculos
ideológicos à reprodução da sociabilidade estabelecida. Tal sociabilidade, mantendo
seus princípios fundamentais, apresenta agora uma série de novos elementos, tais como:
mudanças nos processos de trabalho com vista à manutenção da extração de mais-valia,
desemprego crônico em ampliação, precarização de postos de trabalho existentes
(trabalho a domicílio, por peça etc.) e outros.
Mesmo diante dessa tendência histórica, os currículos escolares estão recheados
de questões como moral e ética, formação de consumidores aptos e força de trabalho
disciplinada que possa acompanhar o desenvolvimento tecnológico, unindo, segundo
13
seus ideológos, flexibilidade e empregabilidade. Esse receituário daria aos indivíduos a
possibilidade de conquistar as “inúmeras oportunidades oferecidas pelo mercado”.
Duarte (2004) critica veementemente essa postura dos ideólogos educacionais do
status quo vigente
3
ao realizar uma análise pormenorizada do lema “aprender a
aprender”, em que aponta os seus limites apologéticos à ordem do capital, bem como
suas incongruências argumentativas internas, usando os seguintes termos:
Para a reprodução do capital torna-se hoje necessária, como foi visto,
uma educação que forme os trabalhadores segundo os novos padrões
de exploração do trabalho. Ao mesmo tempo, há necessidade, no
plano ideológico, de limitar as expectativas dos trabalhadores em
termos de socialização do conhecimento pela escola, difundindo a
idéia de que o mais importante a ser adquirido por meio da educação
não é o conhecimento mas sim a capacidade de constante adaptação às
mudanças no sistema produtivo. que se difundir a idéia de que o
desemprego e o constante adiamento da concretização da promessa de
fazer o Brasil ingressar no Primeiro Mundo são conseqüências da
formação dos trabalhadores, da mentalidade anacrônica difundida por
uma escola não adequada aos novos tempos, com seus conteúdos
ultrapassados, seus recursos pedagógicos obsoletos, com professores
sem iniciativa própria, sem criatividade e sem espírito de trabalho
coletivo e ainda uma comunidade de pais que não arregaça as mangas
para trabalhar em permanente mutirão de recuperação e preservação
das escolas do bairro. Assim, o discurso sobre a educação possui a
importante tarefa de esconder as contradições do projeto neoliberal de
sociedade, isto é, as contradições do capitalismo contemporâneo,
transformando a superação de problemas sociais em uma questão de
mentalidade individual que resultaria em última instância, da
educação (p. 47- 48).
A partir dessa problemática, evidencio que a busca pela legitimidade da
Educação Física elaborando mudanças em seu interior, seja na construção ou na simples
adesão às novas práticas pedagógicas, seja na responsabilização dos professores pela
falta de competência, está tendencialmente fadada ao fracasso. O problema não se
3
Duarte (2004) se refere no capítulo de onde foi extraída a citação a teóricos como os espanhóis César
Coll, Juan Delval entre outros. Deste último chega a afirmar que o autor postula “uma educação que não
privilegie nenhuma concepção política, científica etc., ele adota nitidamente a doutrina liberal sobre o
homem, a sociedade e a educação. Ele defende que as crianças devem aprender a ‘conhecer diferentes
opções, valorizando-as e julgando-as’. Como a criança pode aprender a julgar as distintas concepções e a
adotar seu próprio ponto de vista se os adultos que a educam omitirem suas opções e seus julgamentos?
Pode o educador ser neutro do ponto de vista ideológico, ou científico, ou filosófico?” (p. 39). Duarte
discute, também, como no Brasil essas questões chegaram oficialmente com o aval do presidente da
república Fernando Henrique Cardoso (1995 2002) e do Ministro Paulo Renato de Souza, quando estes
incorporam o relatório Jacques Delors da Unesco publicado em 1996 como uma “esperança” para a
educação brasileira. Duarte faz o seguinte comentário este a respeito: “tal esperança manifestada pelo
ministro não pode passar despercebida àqueles que, como s, vêem a política educacional levada a cabo
pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, como parte do projeto de adequação do Brasil
aos moldes ditados pelo capitalismo mundializado. Essa adequação é, antes de mais nada, um processo de
adaptação ao mercado mundial, isto é, um processo de desregulamentação do mercado interno, deixando
o caminho livre para os ditames do capital.” (Idem, p. 45).
14
encontra somente na especificidade da Educação Física e naquele que é responsável por
ela, mas sim na escola edificada na sociedade capitalista. Dizendo de outra forma:
levantei a hipótese de que a legitimidade da Educação Física é dada pelas necessidades
de manutenção das relações sociais capitalistas e não pela necessidade de seu conteúdo
específico. Portanto, é uma impossibilidade histórica legitimar a Educação Física a
partir dela mesma seja em seu modelo conservador ou na perspectiva de emancipação
dentro dos limites de uma sociabilidade que não trás como perspectiva nem a
emancipação humana nem esse conhecimento específico.
Uma perspectiva de pesquisa crítica e revolucionária não deve perguntar pela
legitimidade da Educação Física, mas por sua necessidade histórica
4
, compreendendo
que em uma sociedade de classes as necessidades são, em regra, antagônicas. Logo, é
necessário se perguntar qual é o projeto histórico que objetivamos. Nos termos do
materialismo histórico fundado por Marx e Engels, essa objetivação não pode ser posta
como posição de um desejo arbitrário, mas sim no âmbito das possibilidades históricas
contidas no socialmente existente e nos desdobramentos que nelas estão inscritas. Daí a
importância de termos clareza sobre as posições fins que almejamos nas nossas práticas
sociais, ainda que estas não se apresentem como de um devir imediato.
É neste sentido que esta pesquisa objetivou investigar, no contexto atual de crise
e renovação do capital, qual a necessidade histórica da Educação Física na escola,
segundo as perspectivas societárias concretas das classes e frações que compõem a
sociedade.
Os questionamentos se deram no sentido de compreender até que ponto a crise
de identidade e legitimidade da Educação Física escolar reflete a crise mais ampla pela
qual passa a escola pública. Até que ponto a Educação Física é ainda uma disciplina
necessária no ambiente escolar, considerando os possíveis encaminhamentos para a
escola no processo do atual desenvolvimento societário? E ainda, em que medida o
professor de Educação Física não é um trabalhador sujeito ao mesmo processo de
alienação e estranhamento próprios do trabalho abstrato capitalista, cujo conhecimento
por ele veiculado se torna não empobrecido como também desnecessário na escola,
do ponto de vista do capital
5
?
4
Necessidades históricas são construídas pelos homens em seu processo de desenvolvimento e, portanto,
são necessidades transitórias. Seja qual for a particularidade do momento histórico, elas serão sempre
produto da relação entre necessidade natural e sociabilidade. Essa síntese está fundamentada em
Mészáros (1993) e Engels (2003), e será explicitada nos capítulos que seguem.
5
Aqui assumo a definição exposta por Marx (1988, p. 296-7), segundo a qual capital não é uma coisa,
15
Meu pressuposto funda-se no entendimento segundo o qual para entender a
implementação da Educação Física na escola faz-se necessário reconhecer que a
educação não é um fenômeno social isolado, mas é parte da totalidade social construída
historicamente pelos seres humanos. E à medida que a sociedade se transforma,
modifica-se também a forma da educação. Esta, portanto, não é um produto natural, mas
o resultado do processo histórico em que os homens, a partir do seu trabalho, constroem
a si mesmos, a sociedade em que vivem e todas as suas contradições.
Esta tese contendo estas reflexões foi dividida em seis capítulos. No primeiro,
aponto como se desenvolveu a discussão sobre a legitimidade da educação física na
escola a partir da análise da produção científica de Valter Bracht, o autor que discute
especificamente essa questão, e ainda o mais referenciado na área. Nos dois capítulos
subsequentes, abordo a gênese ontológica
6
da educação física, ou seja, mostro como o
trabalho
7
fundante do ser social é protoforma de todas as outras práxis e, por
conseguinte, da educação e de seus temas específicos, dentre eles a educação física.
Aponto como se dá, no processo de construção do ser social, a formulação dos
conceitos-chaves encontrados nos textos dos autores da Educação Física, quais sejam: a
dicotomia corpo/mente, teoria/prática, objetividade/subjetividade explícitas ou não na
mas sim uma relação social que se efetiva sob determinadas condições históricas específicas. Um dos
momentos em que ele sintetiza com precisão o caráter dessa relação social é sua incisiva crítica a Edward
Gibbon Wakefield (1796-1862), pois este não compreendia o porquê das relações sociais capitalistas não
se estabelecerem espontaneamente nas Colônias Inglesas. Afinal, pensava ele, para foram o dinheiro e
os seus legítimos proprietários, os meios e instrumentos de produção e a força de trabalho. A essa
pressuposição respondeu Marx de maneira muito didática nos seguintes termos: “De início, Walkefield
descobriu nas colônias que a propriedade de dinheiro, meios de subsistência, máquinas e outros meios de
produção ainda não faz de uma pessoa um capitalista se falta o complemento, o trabalhador assalariado,
a outra pessoa, que é obrigada a vender a si mesma voluntariamente. Ele descobriu que o capital não é
uma coisa, mas uma relação social entre pessoas intermediada pelas coisas [...] Enquanto o
trabalhador, portanto, pode acumular para si mesmo e isso pode enquanto permanecer proprietário dos
seus meios de produção – a acumulação capitalista e o modo capitalista de produção o impossíveis.
A classe dos trabalhadores assalariados, imprescindíveis para tanto, falta. Como então, na velha Europa,
se produziu a expropriação do trabalhador de suas condições de trabalho, portanto capital e trabalho
assalariado? [...] a expropriação da massa do povo de sua base fundiária constituiu a base do modo de
produção capitalista.” (grifos meus).
6
Trata-se da ontologia materialista de Marx resgatada por Lukács, cuja compreensão é a de que o ser
social se produz através do trabalho. Lukács (1979, p. 11) discute que: “Quem tenta resumir teoricamente
a ontologia marxiana, encontra-se diante de uma situação paradoxal. Por um lado, qualquer leitor sereno
de Marx não pode deixar de notar que todos os seus enunciados concretos, se interpretados corretamente
(isto é, fora dos preconceitos da moda), são entendidos em última instância como enunciados diretos
sobre um certo tipo de ser, ou seja, são afirmações ontológicas. Por um lado, não há nele nenhum
tratamento autônomo de problemas ontológicos; ele jamais se preocupa em determinar o lugar desses
problemas no pensamento, em defini-los com relação à gnosiologia, àgica etc., de modo sistemático ou
sistematizante.”
7
A maioria dos autores da Educação Física imputa ora à cultura ora à linguagem o papel de fundante do
ser social, como demonstro nos capítulos 1 e 6 desta pesquisa.
16
crítica à racionalidade (mente/teoria) e na supervalorização da sensibilidade
(corpo/prática), e ainda a relação indivíduo/sociedade.
O esclarecimento sobre a gênese ontológica do processo de constituição do ser
social ajuda a compreender a sociabilidade atual como uma construção humana e que,
portanto, pode ser redefinida.
Nos capítulos quatro e cinco, discuto como a Educação Física é incorporada à
escola da sociedade capitalista com uma função social definida e que os avanços na
área, em regra, são ajustes dessa disciplina à lógica do capital. Para chegar a essa última
afirmação realizei a leitura analítica de todos os artigos do GTT Escola e do GTT
Epistemologia, do evento bianual do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, o
COMBRACE Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte dos anos de 1999, 2001,
2003. Com a leitura analítica, procurei apontar os objetivos propostos pelos autores dos
referidos artigos e as conclusões a que chegaram, bem como os seus pressupostos
teórico-metodológicos confirmados pelas referências utilizadas por eles. Essas análises
revelam as questões que venho apresentando nesta introdução, entre elas, a colocação
do conhecimento específico da Educação Física em um plano secundário nas aulas
dessa disciplina; uma ênfase exacerbada à sensibilidade corporal e na necessidade de
valorizar movimentos livres e espontâneos. E, ainda, um abandono dos referenciais
marxistas que se faziam presentes em alguns pesquisadores da área e a predominância
das teorias pós-modernas.
Na Educação Física histórico-concreta, sua necessidade histórica está atrelada às
funções sociais da sociabilidade que a criou. Isto implica não a reprodução social,
mas a reprodução das contradições inerentes a ela. Contradições que abrem
possibilidades de impulsionar as relações sociais para além da sociedade posta,
produzindo a necessidade da busca dos meios para a sua superação radical.
Capítulo 1 A PRÁXIS LEGITIMADORA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA
ESCOLA
Legitimidade significa que bons argumentos para que um
ordenamento político seja reconhecido como justo e equânime; (...)
Legitimidade significa que um ordenamento político é digno de ser
reconhecido. Com essa definição, sublinha-se que a legitimidade é
uma exigência de validade contestável; e que é (também) do
reconhecimento (pelo menos) factual dessa exigência que depende a
estabilidade de um ordenamento de poder.
(HABERMAS, 1983)
Apesar dos avanços na década de 1980 em relação à educação física, muitas
questões permanecem em aberto e desafiam o empenho de alguns pesquisadores da
área. Diria mesmo que algumas questões precisam ser reformuladas ou redefinidas para
que possamos avançar efetivamente nãoem termos de uma compreensão mais ampla
da educação física, mas tendo em vista uma ação historicamente fundamentada.
É neste sentido que apresento o processo de discussão sobre a legitimidade da
educação física, questionando se esta se constitui realmente na questão fundamental
para aqueles que se colocam no campo da revolução socialista. Ou seja, como indico na
introdução desta tese, uma perspectiva crítica e revolucionária deve perguntar pela
legitimidade da Educação Física na sociedade capitalista ou pela necessidade
histórica de transformação radical desta sociedade?
Neste sentido, apresento a discussão a cerca da legitimidade da Educação Física
na escola e de seus desdobramentos, que se inicia com o movimento de
redemocratização do Estado Brasileiro e o fim da ditadura militar
8
. Nesse contexto, os
professores de educação física se veem em uma posição desconfortável diante da função
social atribuída a essa disciplina e, portanto, a eles. Durante a ditadura militar, a essa
“atividade”, obrigatória em todos os níveis de ensino e estimulada aos trabalhadores em
geral, era atribuída a função de ocupar o tempo dos estudantes e trabalhadores,
colaborando para desviá-los das discussões econômicas e políticas.
Com o processo de redemocratização, disciplinas escolares como Educação
Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira, Estudos de Problemas
Brasileiros e a Educação Física, distribuídas em todos os níveis de ensino, são
questionadas e perdem o sentido. Questionados também são os programas de atividades
8
Uma melhor explicitação do processo em questão é apresentada no capítulo 5 desta tese.
18
físicas oferecidos à população em geral, e grande ênfase é dada aos esportes e às
competições esportivas em detrimento da resolução dos graves problemas de miséria
vividos pela maioria do povo brasileiro. Para os professores de educação física, esse
contexto deu origem ao que se chamou de “crise de identidade”. Castellani Filho explica
assim esse processo:
Acontece que a Educação Física que, segundo o Decreto n. 69.450/71
em seu artigo 3º, §1 tem na aptidão física “a referência fundamental
para orientar o planejamento, controle e avaliação da Educação Física,
Desportiva e Recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino”,
tornou-se anacrônica no contexto do processo de democratização da
sociedade brasileira, por dois motivos. O primeiro deles diz respeito
ao modelo educacional que, no que tange à “formação de homens com
consciência do tempo em que vivem”, deixava muito a desejar,
precisando, portanto, ser modificado para sincronizar-se aos “novos
tempos”. (...) O segundo motivo está relacionado com a questão da
produtividade. Assistíamos, naqueles anos dentro do mundo do
trabalho alicerçado no modelo industrial brasileiro, fundado no modo
de produção capitalista –, ao avançar de um processo de automação da
mão-de-obra, até então toda ela apoiada na força de trabalho humana,
que fez por secundarizar a importância da construção do modelo de
corpo produtivo (1993, p.121, grifo do autor).
Buscar
“formação de homens com consciência do tempo em que vivem”
significava
redefinir a educação física e buscar por sua “legitimidade”, ou seja, encontrar a sua
“verdadeira função social”. Vários professores, entre eles Carmo, apontam que a
“questão da obrigatoriedade ultrapassa em muito os limites da legalidade” (1990, p. 9),
à medida que mais importante do que a lei é a legitimidade social que pode ser
atribuída a esta área de conhecimento.
No entanto, a partir do momento em que os autores/professores dessa disciplina
se sentem ameaçados de extinção com as discussões da LDBEN/96, lutam pela
permanência da obrigatoriedade da Educação Física na escola, sem desistir da busca
pela sua legitimidade. Assim, com a manutenção dessa disciplina na grade curricular, no
editorial do Boletim Informativo do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte)
fez-se o alerta:
Sem dúvidas, a manutenção da obrigatoriedade concede à Educação
Física um status de disciplina escolar que, sem a citação no texto
legal, seria difícil conseguir, haja visto a fragilidade das nossas
justificativas (...) É preciso, portanto, que estejamos atentos e
engajados neste objetivo comum para que, num futuro não muito
distante, a simples ameaça de retirada da obrigatoriedade da Educação
Física Escolar venha desencadear um movimento de protesto não
apenas da sua própria comunidade mas da sociedade como um todo,
19
consciente da importância deste componente curricular, tarefa que
ainda estamos por realizar (1996, p. 2).
Durante a década que se segue a esse alerta, nas pesquisas e experiências
pedagógicas
9
daqueles que se consideram parte integrante do “movimento crítico” na
educação física agora também denominado “renovador”, a busca pela legitimidade,
procurando mostrar a importância dessa disciplina, surge explícita ou implicitamente
nas discussões relativas a seu conteúdo, aos planejamentos de ensino, às buscas de
novos referenciais teóricos, enfim, em várias temáticas pesquisadas pelos professores.
Com a intenção de demonstrar as referências da área nesse processo, destaco as
discussões realizadas por Valter Bracht
10
. Este autor aparece como a grande referência
da educação física na perspectiva “progressista”: é o mais citado
11
nos trabalhos que
analisei nos anais do CONBRACE. Também é o autor que manteve em suas
publicações uma discussão sistemática sobre a “identidade e legitimidade” da educação
física e é a expressão na área das tendências de discussões e ações acerca da a educação
física.
Desde o início preocupado em levantar os problemas que mais afligem os
professores de Educação Física, Bracht aponta em seus primeiros escritos certa
“negligência” da área em relação a sua legitimidade nos seguintes termos: “o professor
de Educação Física não soube, até o momento, articular nada além de “altos brados de
indignação” e um discurso, na maioria das vezes, teoricamente inconsistente, isto
quando não se apega ou faz um discurso “legalista”, confundindo legalidade com
legitimidade” (1992, p.37)
12
. Na tentativa de modificar essa posição, esclarece o
9
Para a consecução do projeto de pesquisa que originou este estudo foi realizada a análise dos trabalhos
apresentados nos GTTs (Grupo de Trabalho Temático) Escola, Epistemologia e Políticas Públicas do
CONBRACE (Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte) de 2003, evento bianual do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte. Na execução das pesquisas foi realizada a análise dos trabalhos
também nos GTTs Escola e Epistemologia de 1999, 2001 e 2003.
10
Bracht é natural de Toledo PR. Licenciou-se em Educação Física na Universidade Federal do Paraná
em 1980 e especializou-se na mesma universidade em treinamento desportivo em 1981. Obteve o grau de
mestre em Educação Física na Universidade Federal de Santa Maria RS em 1983 e o título de doutor
pela Universidade de Oldenburg na Alemanha, em 1990. Foi docente da Universidade Estadual de
Maringá PR de 1981 ao final da década de 1990, quando foi para a Universidade Federal de Santa
Maria e em seguida para a Universidade Federal do Espírito Santo, onde está atualmente como professor
titular do Centro de Educação Física e Desporto, coordenando o Laboratório de Estudos em Educação
Física (LESEF). Foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte por duas gestões 1991/93
e 1993/95.
11
Bracht aparece como referência para grande parte dos pesquisadores juntamente com o livro
Metodologia do Ensino de Educação Física, do qual é co-autor, e nos últimos encontros CONBRACE,
além dele, destacam-se os autores Kunz e Daolio.
12
Nessa publicação de 1992, no livro Educação Física e aprendizagem social, o autor organiza textos
anteriormente publicados e um texto inédito. Justifica a publicação à falta de acesso dos professores aos
20
significado desse conceito “fundamental” para a construção de uma “teoria (crítica) para
a Educação Física”, a partir de Welffor e Habermas. A sua identificação teórica com
este último autor será marcada em suas discussões.
Para Bracht, legitimidade significa:
Como lembra Habermas (1983, p.220), “somente ordenamentos
políticos podem ter legitimidade e perde-la; somente eles têm
necessidade de legitimação”. “Legitimidade significa que bons
argumentos para que um ordenamento político seja reconhecido como
justo e equânime; um ordenamento legítimo merece reconhecimento.
Legitimidade significa que um ordenamento político é digno de ser
reconhecido” (Idem, p.219-220). E neste sentido, como lembra
Weffort (1988)
13
, “a um regime de legitimidade política só pode ser
a democracia. ... E isto porque a democracia é o único regime que
organiza, isto é, institucionaliza, o consentimento popular, sem o
qual a legitimidade perece” (p.24). Eu diria, trazendo a discussão
para o nosso tema, que é na democracia (ou seja, na luta
democrática entre grupos/partidos para a realização de sua
proposta de democracia), que a questão da legitimidade pode vir à
tona e ser efetivamente colocada (1992, p.37, grifos meus).
A partir dessa compreensão sobre a legitimidade, Bracht explica qual é o
significado de legitimar a Educação Física:
Apresentar argumentos plausíveis para a sua permanência ou
inclusão no currículo escolar, apelando exclusivamente para a
força dos argumentos, declinando dos argumentos da força (que é
o que acontece quando um regime autoritário legaliza” alguma
prática social). Esta legitimação precisa integrar-se e apoiar-se
discursivamente numa teoria da Educação (Ibid, p.37, grifo meu).
O momento propício para a discussão e legitimação da Educação Física era o
retorno à democracia combatendo os modelos de legitimidade até então vigentes na
ditadura ou no período anterior a ela, quando a legitimação de se dava a partir de
instituições que não a escolar.
Neste sentido, para este autor, discutir a legitimidade da Educação Física
implicava também compreender o que ela era, o que foi e quais os papéis sociais que lhe
foram atribuídos. É possível, para fins didáticos, dividir as suas discussões em três
grupos de problemáticas que representam também o movimento das discussões da área.
periódicos da área e adverte que, embora “algumas das posições defendidas na época em alguns destes
artigos hoje ser relativadas, e outras tivessem sido superadas pelo autor, decidiu-se pela publicação sem
alterações significativas, de vez que, na essência, as posições permanecem inalteradas” (1992, p.11).
13
Bracht se refere à obra de Habermas Para a reconstrução do Materialismo histórico e ao artigo de
WEFFORT, F. C.. Dilemas da legitimidade política. Revista Lua Nova, São Paulo [s. n.], 1980.v.3, n.3,
p.7-30.
21
Mas antes de apresentá-las, é imprescindível compreender posições que perpassam toda
a sua obra.
Uma delas diz respeito à abrangência do termo educação física. Bracht considera
educação física apenas a “disciplina escolar”, contrariando aqueles que julgam que seu
campo de atuação seria mais amplo e argumenta:
No seu sentido “restrito” o termo Educação Física abrange as
atividades pedagógicas tendo como tema o movimento corporal
que toma lugar na instituição educacional. No seu sentido “amplo
tem sido utilizado para designar inadequadamente a meu ver, todas as
manifestações culturais ligadas à ludomotricidade humana, que no seu
conjunto parecem-me melhor abarcadas com termos como cultura
corporal ou cultura de movimento (1989, p.28, grifo meu).
Atribui, em parte, o sentido amplo aos professores/licenciados em Educação
física que requerem “para si o direito de atuação profissional com todas as atividades
corporais de movimento – da Educação Física, passando pelo desporto, pela dança até à
ginástica de academia.” (Ibid, p.28). No entanto reconhece inicialmente que os cursos
de formação de professores abrangem essas atividades
14
.
Assim, sempre definirá a educação física como “prática pedagógica” restrita à
escola e o tema “movimento corporal” será tratado como “cultura corporal/movimento”
e depois, “cultura corporal de movimento”
15
.
Essa compreensão referente à especificidade ou tema da educação física é
compartilhada por Kunz
16
, que como Bracht se fundamenta em Habermas
17
. A cultura
corporal de movimento é então explicada nos seguintes termos:
14
Essa posição do autor de certa forma prevalece, mesmo aparentemente não sendo a sua intenção, com a
distinção entre o curso de Graduação em Educação Física e o de Licenciatura em Educação Física,
embora a grade curricular e as exigências para a formação estabelecidas pela resolução n. 007/2004 não
acentuem diferenças significativas entre as duas formações. Interessante também é que Bracht, ao fazer a
distinção entre o sentido amplo e o restrito da educação física, em um texto de 1996 sobre a constituição
do campo acadêmico dessa disciplina publicado em 1999a, aponte para a autonomização do campo
acadêmico da educação física em relação ao esporte com a criação dos cursos de bacharelado (hoje
graduação em Educação Física), alerta que isto “coloca questões para a EF como a de obter,
urgentemente, legitimidade no interior do campo pedagógico, enquanto prática e disciplina acadêmicas,
sob pena de ter sua própria existência ameaçada e isso não simplesmente no sentido da extinção, mas de
simples substituição pelo esporte (na escola)”. (p.26)
15
Bracht (1999), ao discutir as “expressões-chaves” para identificar a especificidade da educação física,
sintetiza o seguinte: “a) ‘atividade física’; em alguns casos, ‘atividades físico-esportivas e recreativas’; b)
‘movimento humano’ ou ‘movimento corporal humano’, ‘motricidade humana’ ou, ainda, ‘movimento
humano consciente’; c) ‘cultura corporal’, ‘cultura corporal de movimento’ ou ‘cultura de movimento’.
(p.42 -3). O autor se identifica com a expressão “cultura corporal de movimento”. Sua definição de
Educação física pode ser encontrada também em Bracht (1989; 1992; 1993; 1996; 1997; 1999
a
, entre
outros.)
16
A posição de Kunz é apresentada no capítulo 5 desta tese.
17
É imprescindível lembrar que para Habermas a categoria fundante do ser humano é a linguagem e não
o trabalho, como explica Marx e Engels e os materialistas históricos. Em Habermas, a dimensão política,
22
O movimentar-se é entendido como forma de comunicação com o
mundo que é constituinte e construtora de cultura, mas, também,
possibilitada por ela. É uma linguagem, com especificidade, é claro,
mas que, enquanto cultura habita o mundo simbólico. (...) Ora, o que
qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do
mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente e que o coloca
no plano da cultura (BRACHT, 1996, p.24).
Argumenta que não basta se apropriar do termo cultura para que a educação
física seja colocada como progressista, pois este possui vários significados. Neste
sentido, estabelece que:
a análise cultural como o estudo de formas simbólicas deve considerar
os “contextos e processos específicos e socialmente estruturadas
dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas o
produzidas, transmitidas e recebidas”. Portanto, o movimentar-se e
mesmo o corpo humano precisam ser entendidos e estudados como
uma complexa estrutura social de sentido e significado, em contextos
e processos sócio-históricos específicos (Idem, p.25).
Apresenta também o significado de prática pedagógica se posicionando contrário
àqueles que a consideram como área de conhecimento. Esse caráter de “prática” da
educação física é outra questão fortemente marcada na obra do autor. Desta forma, faz
questão de frisar:
Eu acentuo, a Educação Física é antes de tudo uma prática
pedagógica, que como toda prática social não é obviamente destituída
de pensamento eu quero com isso me contrapor àquelas posições
que a denominam preferencialmente como área do conhecimento. Ela
elabora um corpo de conhecimentos que tendem a fundamentá-la, pois
toda prática exige uma teoria que a constitua e dirija. Mas a
as relações intersubjetivas é que são definidoras; o trabalho relacionado com a racionalidade técnica” é
posto em um plano secundário, no qual a categoria fundamental é a “linguagem” e, a “razão
comunicativa”. Isto impõe uma compreensão específica do que seja o homem, a sociedade, a cultura
etc. que é radicalmente impossível ser compartilhada pelo materialismo histórico. Como muitos
professores de Educação Física se equivocam, antecipo que as posições habermasianas que são
explicitadas neste capítulo em nada se aproximam das discussões marxianas. O próprio Habermas se
coloca nessa posição. Além dessa diferença radical sobre a questão da categoria fundante do ser social,
existem inúmeras outras. Como, por exemplo, Marx estava preocupado com a emancipação real dos
homens e Habermas preocupado em manter a organização social capitalista em uma perspectiva
eurocêntrica, como é possível constatar nessa entrevista de Anderson e Dews concedida por Habermas em
1986: Pergunta (Perry Anderson e Peter Dews) “A tradição da Escola de Frankfurt como um todo
concentrou suas análises nas sociedades capitalistas mais avançadas, à custa de qualquer consideração do
capitalismo como um sistema global. Em sua opinião, as concepções do socialismo desenvolvidas no
decorrer das lutas antiimperialistas e anticapitalistas no Terceiro Mundo tem algum significado
para as tarefas do socialismo democrático no mundo capitalista avançado? Reciprocamente, sua
própria análise do capitalismo avançado tem alguma lição para as forças socialistas do Terceiro
Mundo? Resposta (Habermas): “Estou tentado a responder ‘não para ambos os casos. Tenho
consciência de que esta é uma visão eurocêntrica, limitada. Eu preferia não responder esta pergunta”.
(apud Mészáros, 2004, p.79, grifo meu). Outra referência sobre a posição de Habermas (1994) pode ser
conferida em seu livro Técnica e ciência como ‘ideologia’ e, críticas a esse autor em Lessa (2002);
Antunes (2000) e Mészáros op. Cit..
23
Educação Física é uma prática social de intervenção imediata, e,
não uma prática social cuja característica primeira seja explicar
ou compreender um determinado fenômeno social ou uma
determinada parte do real (BRACHT, 1992, p.35, grifo meu).
Em síntese, para o autor existe uma separação entre compreender a realidade e
atuar nela. Essa posição e a definição ou o esclarecimento sobre o que é educação física
e os conceitos que a envolvem não se alteram ou pouco se alteram no desenvolver de
suas discussões. As pequenas alterações que ocorrem nesses e em outros conceitos estão
relacionadas com as incorporações teóricas e, portanto, práticas que o autor irá
estabelecer e que apresento a seguir.
Realizada essas explicações, apresento, com fins didáticos, uma divisão das
discussões do autor em três problemáticas que percorrem 30 anos, do final dos anos de
1980 aos de 2000 e se entrelacem nessas décadas, muitas vezes não havendo separação
temporal entre elas.
A primeira fase ou problemática é caracterizada pela “crise de identidade” da
educação física e acontece durante a década de 1980 e início dos anos de 1990. Nesse
período foram realizadas denúncias ao “modelo”, cujo conteúdo e objetivo eram o
esporte. Bracht discute que essa perspectiva de educação física estava relacionada à
“visão biológica” e à “visão bio-psicológica”. Na primeira perspectiva, os professores
assumiam o papel de melhorar a aptidão física e na segunda, além da aptidão física, a
finalidade também era o desenvolvimento intelectual e o equilíbrio afetivo. Segundo o
autor, nessas “visões” a preocupação está em formar um cidadão que se adapte à
estrutura social, desempenhando o melhor possível o seu papel. As considera como “a-
históricas” e estariam no âmbito das tendências “a-críticas” da educação a partir de uma
matriz teórica positivista.
Ainda em relação a essas perspectivas, questiona a falta de autonomia
pedagógica
18
dessa disciplina na escola, pois ela se subordinou e assumiu os “códigos”
e sentidos” de outras instituições como a militar e a esportiva, além de não questionar
o próprio papel da escola na sociedade capitalista. Afirma que nessa instituição, a
escolar, a Educação Física geralmente procurou a sua legitimação da seguinte forma:
a) contribuição para o desenvolvimento da aptidão física para a saúde;
b) contribuição para o desenvolvimento integral da criança e, neste
18
Bracht toma como referência para a discussão sobre autonomia a teoria dos sistemas utilizando a
seguinte definição: “A autonomia pressupõe uma determinada interdependência, e expressa o grau de
liberdade com o qual as relações entre os sistemas e o meio-ambiente podem, através dos critérios
seletivos dos sistemas, serem por ele próprio reguladas” (LUHMANN apud BRACHT, 1989, p.28).
24
sentido, a contribuição (específica) da Educação Física era
principalmente sobre o “domínio psicomotor” ou “motor”; c)
contribuição para a massificação esportiva e detecção de talentos
esportivos (a famosa base da pirâmide); d) a Educação Física trata de
dimensões do comportamento humano que são básicas: o movimento
e o jogo (BRACHT, 1992, p. 47).
Procurando superar esses modelos de legitimação, se identificava com a
perspectiva de educação física que estava em processo de formulação e que era
denominada “revolucionária” e privilegiava a discussão política. Importante ressaltar
que Bracht, ao se identificar com essa perspectiva, esclarece que prefere chamá-la de
“crítica”, e que ele identifica a prioridade da “dimensão política” com as influências do
marxismo. Neste sentido, argumenta que essa tendência se diferencia das anteriores
porque realiza
a crítica da Educação sica a partir de sua contextualização na
sociedade capitalista, operando tal crítica a partir da tradição teórica
do marxismo e, assim, ressaltando a dimensão política da Educação e
da Educação Física. Seus adeptos colocam como elemento norteador
de uma “nova” Educação Física, um compromisso político com as
classes oprimidas, com vistas a transformações estruturais na
sociedade, condição indispensável para um conviver Humano
(BRACHT, 1989, p. 31).
Bracht busca subsídios a partir do referencial teórico do marxismo
19
, do
estrutural funcionalismo (teoria da diferenciação dos sistemas) e principalmente com o
desenvolvimento de suas análises na teoria da ação comunicativa formulada por
Habermas, ou seja, suas formulações se constroem a partir do ecletismo.
19
Embora Bracht, em publicações recentes afirme a “hegemonia” do materialismo histórico nesse
período, inclusive imputando a esse referencial a responsabilidade pela eclosão da crise na educação
física, é fundamental frisar dois pontos. Primeiro,que não houve tal hegemonia. Tecer denúncias sobre os
problemas da sociedade capitalista não é privilégio dessa teoria, assim, os principais teóricos que
norteavam as discussões na educação física não se utilizavam desse referencial ou o utilizavam em
conjunto com outros, às vezes com posições antagônicas. Como exemplo, Medina (1983), com
referências em Paulo Freire e na fenomenologia; Oliveira (1983,1985), na psicologia de Carl Rogers;
Soares (1992) com leituras de Marx e Engels e também análises de Foucault etc. Segundo ponto, a leitura
do marxismo se dá, em geral, de forma superficial e não contato direto com a obra marxiana. Este é
feito por intermédio de outros autores (caso específico de Bracht), por exemplo, por intermédio de Demo
(1983), Saviani (1999; 1991; em princípio), Habermas (1983), Schaff (1986) e outros. A obra
Metodologia de ensino da Educação Física, escrita pelo que ficou conhecido como “Coletivo de
Autores”, publicada em 1992, coloca na perspectiva do materialismo histórico dialético e possui entre
seus autores representantes marxistas (e que continuam marxistas), mas também representantes da Teoria
da Ação Comunicativa de Habermas (Bracht) e do campo da Nova História. Ou seja, nunca houve na
educação física uma hegemonia do materialismo histórico. Houve denúncias sobre os problemas internos
dessa prática social e sobre o capitalismo, um crescimento nos últimos anos do que se chama
“progressista” ou “renovador”, com fundamentação teórica na Fenomenologia, na Teoria Crítica e nas
várias tendências Pós-Modernas. Concordo que no início das discussões era difícil obter essa clareza em
função do tipo de formação do professor de educação física, mas atualmente isto é plenamente possível
e imprescindível.
25
Alerta que no modelo criticado, cuja matriz teórica é o positivismo, apresentam-
se problemas entre o conhecimento científico produzido na “área” e a sua prática
pedagógica. Chega a postular que normalmente o conhecimento produzido é inútil para
a prática pedagógica (BRACHT, 1992). O autor parece desconsiderar, assim como os
professores em geral, que na verdade o conhecimento produzido estava relacionado com
uma determinada prática, a qual o autor queria transformar. A “matriz positivista”
estava em consonância com a perspectiva de formação de atletas e em conformação
com a organização social. Em desacordo estavam os projetos “revolucionários” ou
“críticos”, visto que o fim da ditadura e a redemocratização não transformam a essência
social capitalista, não eliminam a sua lógica e não constroem outra forma de
organização social.
Todavia, Bracht argumenta que esse tipo de conhecimento, o positivista, enfoca
questões que envolvem “neutralidade e objetividade científica”, ou seja, envolve
“questões técnicas” e o se preocupa com “questões práticas” nas quais devem ser
tomadas “decisões de cunho normativo”. Para confirmar seus argumentos nos remete a
Habermas:
Habermas (1988, p.11)
20
lembra que “questões técnicas colocam-se no
sentido da organização de meios racionais com vistas a objetivos, e da
escolha racional entre meios alternativos tendo em vista objetivos
dados (valores e máximas). Questões práticas no entanto, colocam-se
no sentido da aceitação ou rejeição de normas, especialmente de
normas de ação, cuja aspiração de validade nós podemos fundamentar
ou rejeitar racionalmente. Teorias que pela sua estrutura servem para
esclarecer questões práticas, são estruturadas para entrar no âmbito da
ação comunicativa”. O que é importante ressaltar, é que “os interesses
orientadores do conhecimento técnico e prático não são condutores da
cognição, que em função da aspiração de objetividade do
conhecimento, precisariam ser colocados fora de ação. Eles muito
mais determinam o aspecto sob o qual a realidade pode ser objetivada
e assim tornada acessível à experiência” (Idem, p.16) (BRACHT,
1992, p. 40).
Na Educação Física, em sua perspectiva, é preciso dar conta das questões
normativas que envolvem valores, assim, “ela vai refletir (e fazer opções conscientes)
em torno de uma visão (projeto) de mundo, de homem e de sociedade” (Ibid, p.41).
Neste sentido, argumenta que na prática pedagógica dessa disciplina as várias
disciplinas científicas que estão envolvidas devem ser teorizadas pedagogicamente, pois
a “pedagogia da Educação Física enquanto ciência prática, tem seu sentido não na
20
Bracht se refere à obra de Habermas Theorie und Praxis. Frankfurt, Suhrkamp, 1988.
26
‘compreensão, mas no aperfeiçoamento da práxis’(Ibid, p.42, grifo do autor). Para
uma teoria da prática pedagógica da Educação Física
21
é preciso:
a) poder fundamentar esta prática no currículo escolar, isto é, precisa
dizer a quais necessidades vem atender e da indispensabilidade de sua
função, caracterizando assim o seu objeto ou seja, precisa se
defrontar com a pergunta do porquê Educação Física na Escola,
legitimá-la (implica discutir os fundamentos filófico-
antropológicos, o significado humano e social da ludomotricidade
humana); b) desenvolver e apoiar-se numa concepção de currículo,
definindo, entre outras coisas, a função da Escola no contexto societal,
o saber ou o conteúdo de que vai tratar, bem como dos critérios para a
seleção e sistematização destes conteúdos; c) em consonância com os
objetivos e as características dos conteúdos, propor e fundamentar
uma metodologia do ensino; d) explicitar uma proposta para o
problema da avaliação do ensino (Ibid, p.42, grifo meu).
Com esses pressupostos, inicialmente propõe uma Educação Física que forme
uma unidade dialética entre “educação do, pelo e para o movimento”. Isto pressupõe
que a “educação do movimento” se justifica porque a cultura corporal de movimento
possui um “acervo produzido pelo homem que merece ser veiculado pela instituição
educacional” (Ibid, p.49), com as devidas críticas e superações a esse saber. “Educar
pelo movimento” compreende considerar que os homens ao se relacionarem com o
mundo se apropriam dele através do movimento e, “que as relações que os homens
desenvolvem para com seus corpos (neste processo de apropriação do mundo)
acontecem em condições histórico-sociais específicas e determinadas” (Ibid, p.49). E
finalmente, “educar para o movimento” implicaria educar para o “não-trabalho” ou
“lazer”.
Bracht faz questão de repetir que os conteúdos da Educação Física estão
relacionados com as atividades lúdicas e não com o trabalho. “Não é porque o trabalho é
importante que a Educação Física é importante, mas porque o lazer é importante, a
Educação Física é importante. A ‘utilidade’ da Educação Física advém do seu caráter
‘inútil’” (Ibid, p.51).
Para o autor isto é fundamental. Implica problemas para a legitimação dessa
prática pedagógica, porque, na escola a preocupação é com a preparação para o
trabalho. Embora explique que com as mudanças no setor produtivo a reprodução da
21
No mesmo ano que socializa essas idéias, Bracht publica como co-autor o livro Metodologia do Ensino
da Educação Física. Nesse livro, os autores tentam dar conta das questões que Bracht aponta para uma
teoria da Educação Física, mas como indiquei anteriormente, seus autores possuem em comum: a
tentativa de uma primeira sistematização desta disciplina e perspectivas teóricas distintas. Isto faz com
que os fundamentos e os resultados não sejam aqueles apresentados no desenvolvimento das pesquisas de
Bracht. Sobre o livro em questão, discuto nos capítulos 5 e 6 desta tese.
27
força de trabalho se muito mais através de uma mais necessária recuperação
psíquica. (...) cresce a importância do lazer também no processo de controle social, pois
o mundo do lazer está colonizado pelo mundo do trabalho (Ibid, p.49-50, grifo do
autor).
Afirma equivocadamente que o controle no lazer é possível em função da
“rígida” separação entre a “esfera da produção” e a “esfera do consumo” e que,
portanto, é necessário, através de uma Educação Física crítica, fazer frente aos efeitos
muitas vezes imbecilizantes da indústria cultural” (Ibid, p.50), normalmente
compreendida como a “esfera do consumo”.
Ainda equivocadamente propala que o lazer existente em nossa sociedade não
precisa ser pensado como “uma função do setor produtivo”, ou seja, ele pode “se
justificar por ele mesmo”. Busca seus argumentos em Marx citado por Galvão, que
enuncia:
Somente quando a história tiver desenvolvido suficientemente
as forças produtivas é que o homem poderá começar a se libertar
do trabalho. Se o modo capitalista de produção trabalha-se para criar
mais riqueza para o capital, o socialismo deveria encaminhar o
trabalho social para a criação de mais liberdade, de mais tempo livre e
menos tempo de trabalho socialmente necessário. É por esta razão que
Paul Lafargue dizia que o socialismo seria a realização do direito à
preguiça (GALVÃO apud BRACHT, 1992, p.51, grifo meu).
Assim, Bracht conclui sua problemática e questiona em relação à sociedade
brasileira:
Como justificar uma prática pedagógica na Escola tendo como
referência básica para sua fundamentação o lazer, numa sociedade que
nem sequer concretizou o acesso ao trabalho, e que mantém
marginalizada grande parte da população? (...) A Educação Física,
nesta perspectiva, educaria no sentido de instrumentalizar o indivíduo
para ocupar de forma autônoma seu tempo livre também com
atividades corporais de movimento (com as consequências orgânicas,
motoras, psíquicas e de qualidade de vida postuladas para as
atividades corporais de movimento), de instrumentalizar o indivíduo
para entender e se posicionar criticamente frente à nossa cultura
corporal/movimento, e educaria no sentido de desenvolver uma
sociabilidade composta de valores que permitam um enfrentamento
crítico com valores dominantes (Ibid, p.51-52).
22
22
É interessante verificar que as conclusões de Bracht se fazem a partir da citação de Marx apud Galvão
(na obra Capital ou Estado? São Paulo: Cortez Editora, 1984), mas sem uma compreensão dos
fundamentos marxianos, o que ocasiona os equívocos cometidos pelo autor. A citação de Marx é a
seguinte: “A riqueza efetiva da sociedade e a possibilidade de ampliar sempre o processo de reprodução
depende, não da duração do trabalho excedente, e sim da produtividade deste e do grau de eficiência das
condições de produção em que se efetua. De fato, o reino da liberdade começa onde o trabalho deixa de
ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente imposta, por natureza situa-se além da
28
O segundo momento ou fase
23
da produção teórica do autor corresponde ao
início dos anos de 1990 e início da década de 2000. Nesse período no Brasil ocorre o
desenvolvimento do processo de reestruturação produtiva e as políticas de Estado
neoliberais, ações que compõem o quadro mundial de tentativas de reorganização do
capital. Essa busca de alternativas de manutenção da sociedade capitalista se em
função das crises provocadas por sua própria lógica interna. Se coloca também uma
descrença nos processos revolucionários socialistas provocados pelo fim da URSS.
Toda essa situação abre espaço para concepções teóricas conservadoras. Netto assim
expõe, o contexto geral:
Na entrada dos anos noventa, o projeto socialista revolucionário
parece experimentar um refluxo irreversível. A ‘crise do socialismo
(a razão das aspas se verá em seguida) é apresentada como a agonia de
ideários que, prometéicos, buscavam a superação da ordem burguesa;
a “pós-modernidade”, sugere-se, é a sepultura da revolução e esta é
mostrada como um dinossauro da racionalidade do século XIX. À
base do seu proclamado fracasso, procura-se infirmar o seu o seu
suporte elementar: a teoria social de Marx é desqualificada. A ordem
burguesa recupera a (pseudo) legitimidade que se supunha típica da
sua apologia mais descarada: o velho mito (velha mistificação) do
“fim da história” ressurge e ganha ampla ressonância. Em resumo: os
passos em direção a uma ordem social diferente (o comunismo)
revelaram-se um equívoco e sua sustentação (a obra marxiana)
um sistema de erros; que corrigir o desvio, retomar à
“sociedade livre fundada no mercado”, tratando de administrá-la
razoável e honestamente e os melhores candidatos à gestão são
os chamados neoliberais, ainda que se tolerem, nalguns casos, as
aspirações de socialistas ditos democráticos”. (2001, p.11).
Na educação física, os autores distanciam-se das discussões relativas à
organização social e, como em Bracht, o enfoque passa a ser a discussão sobre a
produção do conhecimento, vislumbrando que uma possível definição de um objeto e de
uma linguagem própria poderia contribuir para superar a crise de legitimidade.
Problematizar então acerca da legitimidade implicava discutir se a educação física é
esfera da produção propriamente dita. O esforço para produzir com menor dispêndio de energia e nas
condições mais condignas com a natureza humana situar-se-á sempre no reino da necessidade. É além
dele que começa o desenvolvimento das forças humanas como um fim em si mesmo, o reino genuíno da
liberdade, que pode florescer tendo por base o reino da necessidade. E a condição fundamental desse
desenvolvimento humano é a redução da jornada de trabalho”. Bracht não aponta a página da obra de
Galvão de onde extraiu essa citação de Marx.
23
De certa forma, esse segundo momento foi sintetizado” pelo autor com a publicação, em 1999, do
livro Educação Física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Neste, Bracht apresenta, de forma
organizada por temas, os seus artigos publicados durante a década de 1990. Desta vez sem advertências
quanto a sua concordância com o conteúdo.
29
uma prática pedagógica e/ou uma ciência?; qual ciência?; é possível a
interdisciplinaridade? E, ainda, a partir de caminhos encontrados, formulavam-se
tentativas de sistematizar ou indicar como organizar essa disciplina na escola. Na
segunda metade dos anos 1990, se acentuam também, na área e no autor em questão, as
discussões e as críticas à razão científica e se aceita que esta está em crise, ou seja,
acompanham o movimento apontado por Netto na citação anterior.
Encaminhando as questões, Bracht, possui inicialmente uma preocupação em
sintetizar o interesse da área em avaliar a produção do conhecimento
24
. Isto se em
relação à necessidade de orientar o seu desenvolvimento científico. Nesse contexto, o
autor denomina a “área” como EF/CE (Educação Física/Ciências do Esporte),
exatamente pela falta de uma definição mais precisa e assevera que esses problemas
acompanhavam os professores/pesquisadores desde a década de 1970. Entretanto,
naquele momento a preocupação era fortalecer as pesquisas na área com o objetivo de
garantir a eficiência do sistema esportivo. O novo rumo pretendido para a problemática
impulsionava para a tentativa de construir uma prática científica mais afinada com
os interesses democráticos da sociedade brasileira” (1993, p.111, grifo meu).
Assim, Bracht (1993; 1995; 1999a) apresenta dois momentos dessas avaliações.
O primeiro, na década de 1980, com estudos nos quais os pesquisadores se
preocupavam em identificar as “subáreas” e o percentual de pesquisas em cada uma
delas
25
. Como resultado, apresenta que havia uma predominância das ciências naturais
com estudos nas subáreas da medicina esportiva, fisiologia e cineantropometria, e
apenas a partir da década de 1980 um crescimento em pesquisas nas ciências sociais
e humanas, com estudos nas subáreas pedagógicas e socioculturais.
24
Essa produção, em parte, está relacionada à produção do CBCE (Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte). É interessante notar que até a primeira metade da década de 1990 Bracht está na presidência do
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte CBCE e, em suas análises, sem perder o foco da educação
física e de sua relação com a ciência na tentativa de legitimação e construção do campo acadêmico, busca
avaliar a produção na área em geral e também no CBCE. Es,e processo de avaliação continua em suas
publicações até o final da referida década. Essas preocupações são acompanhadas pelos professores que
apresentam seus trabalhos no CONBRACE no período analisado nesta tese, conforme os quadros 1 e 2
apresentados no capítulo 6.
25
Esses estudos foram apresentados por Matsudo em Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte. Guarulhos, 1983; Canfield em Pesquisa e pós-graduação em educação física. In:
Passos, S. C. (org.). Educação Física e esportes na universidade. Brasília: MEC, 1988; Tubino em As
tendências internacionais de pesquisa em educação física. Kinesis, número especial, dez., 1984; Faria Jr
em A contribuição da pós-graduação para o desenvolvimento do corpo de conhecimentos da educação
física (1975 – 1984). Rio de Janeiro, 1987.
30
O segundo momento de avaliações apresentado pelo autor ocorre no início da
década de 1990, quando acontece uma preocupação com as “concepções de ciência”
26
.
Os resultados das pesquisas demonstram uma orientação de cunho positivista ou
empírico analítica e um “tímido” surgimento de pesquisas na fenomenologia
hermenêutica e no materialismo histórico dialético.
Além disso, Bracht (1999a) levanta uma série de questões expostas por essas
pesquisas, que sintetizo: aponta que a investigação na área é heterogênea e não uma
unidade demonstrando uma ausência de paradigma; as pesquisas se direcionam para as
“ciências-mães”, ocasionando a falta de “autonomia científica”, relegando o tema
específico das EF/CE em plano secundário e tornando a prática científica
multidisciplinar no lugar de torná-la interdisciplinar; apresenta problemas de cunho
metodológico, que produzem pesquisas ora com um “objetivismo empirista ingênuo”,
ora pesquisas com um “discurso hiperpolitizado”, que levaram a um descuido do rigor
metodológico, e por fim, não há critérios definidos que separem os pesquisadores que
pertencem às ciências do esporte e os que pertencem à educação física em função dos
professores de educação física pesquisar nessas duas áreas.
Esses resultados levantados levam o autor a se perguntar sobre a legitimidade
das ciências do esporte sob vários aspectos, como, por exemplo, “por que e para que
elas existem?”; e “quais as bases (teoria da ciência) sobre as quais assenta sua prática
científica, sua produção do conhecimento?” (Idem, p. 84). Assim, busca as raízes da
problemática na compreensão da “modernidade”
27
e a sua relação estreita com o
esporte. Relação, segundo Bracht, permeada pela “racionalidade científica hegemônica
(denominada pelos frankfurtianos “razão instrumental”), porque está voltada
26
Os estudos sintetizados por Bracht foram dos pesquisadores Rossana V. S. e Silva em1990 (dissertação
de mestrado); Faria Jr em Produção do conhecimento na educação física brasileira: dos cursos de
graduação à escola de e graus. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol. 13, 1, p.45-
53,1991; Gamboa em A dialética na pesquisa em educação: elementos de contexto. In: Fazenda, I. (org.).
Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989; Francisco Sobral em Problemas da
investigação científica em ciências do desporto: teses e propostas de orientação. Revista da Educação
Física/UEM, n.3, v. 1, p.57-61, 1992;Gaya em As ciências do desporto nos países de língua portuguesa.
Revista Horizonte, Lisboa, IX(53): 165-72, 1993; Fernanda Paiva em Ciência e poder simbólico no
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Vitória: UFES, 1994.
27
É interessante observar que no início da crise de legitimidade da educação física, nos anos de 1980, a
referência e as críticas eram à sociedade capitalista, com a aproximação maior do autor aos teóricos da
Escola de Frankfurt e de autores pós-modernos, a referencia para tecer críticas aos modelos constuídos na
educação física passa a ser a modernidade. Bracht explica que “A chamada EF moderna é filha da
modernidade. Isso significa que ela surge num quadro social em que a racionalidade científica se afirma
como a forma correta de ler a realidade e que o Estado burguês se afirma como forma legítima de
organização do poder e a economia capitalista baseada na indústria emerge e se consolida” (BRACHT,
1999a, p.28). Posteriormente apresentará um posicionamento mais definido do que significa a
modernidade.
31
exatamente para o aumento da eficiência dos meios, excluindo, por definição, a
discussão em torno dos fins dessa prática” (Idem, p.87). Neste sentido, o que direciona a
produção do conhecimento é o interesse técnico e não “os interesses prático e
emancipatório”
28
. O que o autor reivindica nesse caso é: “uma reflexão sobre a
legitimidade das Ciências do Esporte, que ultrapasse uma legitimação funcional pela
obviedade do desporto [e que] busque ancorar-se num projeto emancipatório” (Idem,
90).
Outra reflexão que Bracht faz a partir de todas essas constatações e que
considera fundamental é a “construção da identidade epistemológica”
29
da área e, para
isto, é necessário, a busca sobre qual é o objeto da educação física. Inicialmente,
concorda parcialmente com Go Tani quando este trata da necessidade de distinguir a
educação física enquanto profissão e enquanto disciplina acadêmica. Para Bracht, essa
diferenciação é importante, porém adverte que isto não pode ocasionar algum tipo de
antagonismo:
Entendemos que não antagonismo, mas, reconhecer a EF primeiro
enquanto prática pedagógica é fundamental para o reconhecimento, do
tipo de conhecimento, de saber necessário para orientá-la e para o
reconhecimento do tipo de relação possível/desejável entre a
Educação Física e o “saber científico”, ou as disciplinas científicas
30
(1999a, p. 66).
Com essa separação entre o cientista e o professor que normalmente faz questão
de afirmar, ou seja, que a área da educação física se caracteriza como um campo de
aplicação do conhecimento e não de sua produção, compreende o autor que a prática
28
Essas diferenciações entre “interesse prático” e “interesse emancipatório”, Bracht toma de Habermas e
explica em nota de rodapé (nota n.12 da referida edição) fazendo referencia a este autor: “argumenta que
toda produção do conhecimento tem a norteá-la um interesse cognitivo. Ele classifica esses interesses em
técnico, prático e emancipatório. O interesse cognitivo determina como o fenômeno será objectualizado.
‘As ciências estritamente empíricas estão sob as condições transcendentais da ão instrumental,
enquanto que as ciências hermenêuticas procedem ao nível das ações comunicativas’” (HABERMAS
apud BRACHT, 1999, p.88).
29
Bracht (1993) aponta que foram também realizados estudos em que os autores se preocuparam com a
identidade epistemológica da área. São eles: o filósofo português Manoel Sérgio no livro Motricidade
Humana: uma nova ciência do homem. Lisboa: D.G.D., 1986 ( tese da ciência da motricidade humana);
Go Tani no texto Pesquisa e pós-graduação em educação física. In: Passos, S. C. E. (org.). Educação
física e esportes na universidade. Brasília: MEC, 1988; Silvino Santin em Educação física: temas
pedagógicos: Porto Alegre: EST/ESEF, 1992; Apolônio A. do Carmo em Estatuto epistemológico da
educação física. Caderno Pedagógico da Secretaria de Estado da Educação do Paraná. Curitiba: SEDU,
1987; Hugo Lovisolo nos textos: Educação Física como arte da mediação. Ijuí: Contexto & Educação,
1993 e Educação física arte da mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.
30
Exatamente neste ponto do texto o autor insere uma nota de rodapé (nota n.11 da presente edição) de
caráter complementar, de suma importância citando Hugo Lovisolo: “Confundir os dois papéis, o do
cientista e o do Bricoleur ou ‘interventor’, é o primeiro e freqüente mal-entendido que encontramos entre
os educadores físicos” (LOVISOLO apud BRACHT, 1999, p.66).
32
pedagógica deve orientar a “construção da problemática teórica”. Entretanto, ao
mesmo tempo, para ele, o objeto não é dado ou não está dado na realidade, é preciso
construí-lo
31
. Assim:
Não são as relações reais entre ‘coisas’ o que constitui o princípio de
delimitação dos diferentes campos científicos, e sim, as relações
conceituais entre problemas. Somente assim, onde se aplica um
método novo a novos problemas e onde, portanto, se descobrem novas
perspectivas nasce uma ‘ciência nova’ (BOURDIEU et al. apud
BRACHT, 1999a, p. 67).
A partir dessas argumentações equivocadas, Bracht conclui que não existe na
educação física/ciências do esporte a construção de um objeto único. Estes são
construídos em função das perspectivas de investigação científica:
Ou seja, na biomecânica, na aprendizagem motora, na sociologia
do esporte, na fisiologia do esforço, etc., o movimento humano
enquanto objeto científico não é o mesmo. Então não temos um
objeto científico. Isto modifica a percepção do problema que se
tem colocado como o da fragmentação do conhecimento em
torno do movimento humano. Isto explica porque as chamadas
ciências do esporte, cada vez menos mantêm diálogo entre si
(mesmo tendo como ‘objeto’ o movimento humano ou o
esporte) e tendem, ou a criar organizações específicas, na
verdade, fóruns específicos de discussão (...), ou então de
retornarem ou buscarem o abrigo das disciplinas mães
(psicologia, fisiologia, sociologia, etc.) onde a identidade
epistemológica é determinada pela disciplina mãe e não pela
especialidade, ou seja, sociologia do esporte ou fisiologia do
esforço não é ciência do esporte e sim ciência sociológica ou
fisiológica (1993, p.115, grifo do autor).
31
Não posso deixar de apresentar que Bracht, no sentido de argumentar sobre a construção do objeto,
recorre à formulação de Bourdieu et al. ao citar Saussure e, mais uma vez compartilha com equívocos em
relação a Marx. Nos termos dos autores: “‘o ponto de vista cria o objeto(p.51). Isto é, uma ciência não
pode definir-se por um setor do real que lhe corresponder. Continuam os autores, citando então Marx: ‘a
totalidade concreta, como realidade do pensamento é, de fato, um produto do pensamento na concepção’
(Idem, p.51)” (BRACHT 1993, p. 115). A frase de Marx posta desta forma não tem sentido. Sua
compreensão vai na direção oposta à destes pesquisadores. A consciência humana apreende a realidade,
mas a realidade não é um produto do pensamento, ou seja: “O concreto é concreto porque é síntese de
múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o
processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo
e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a
representação plena volatiza-se em determinações abstratas; no segundo, as determinações abstratas
conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de
conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por
si mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto, não é senão a
maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto
pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto” (MARX, 1987,
p.16-7, grifo do autor).
33
Bracht argumenta ainda sobre essa questão que, embora, sob a perspectiva da
prática, exista realmente um objeto comum, o mesmo não acontece com a
produção do conhecimento (1999a, p. 93, grifo meu). Isto é possível, segundo o
autor, como mencionado, exatamente porque o objeto é construído: “Cada método é
uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada”. (SANTOS apud
BRACHT, Ibidem, p.93). Desse modo, é evidente que para o autor a linguagem funda o
real e é a partir dessa realidade formulada pelos discursos que se constrói o
conhecimento.
Mais um aspecto essencial para o autor nessa discussão, em função de considerar
a educação física uma prática pedagógica, é a questão relativa ao o “olhar” da
pedagogia
32
, que, conforme Bracht, possui “problemas semelhantes”, ser ou não ser
ciência e construir, “uma disciplina (no caso ainda adjetivada de científica) síntese ou
articuladora que pudesse fornecer o saber necessário ou que pudesse construir esse
saber – para orientar a prática dos educadores” (1993, p. 115).
Seria necessária, de acordo com Bracht, a construção de uma nova ciência cuja
investigação se voltasse para a prática pedagógica
33
. Nova ciência porque esta precisaria
ultrapassar os limites daciência clássica” e do próprio “teorizar científico”. Seria
necessário que este “teorizar” contemplasse “o biológico, o psicológico o social, mas
também o ético e o estético, numa perspectiva globalizante – portanto numa nova
construção do objeto” (Idem, p.116). Assim, direciona a questão novamente à razão
comunicativa de Habermas:
Para
que a EF se desse por satisfeita com o conhecimento
científico precisamos ampliar o significado de ciência, ou faze-
la operar, como querem K. O. Apel e J. Habermas com um
novo conceito de razão, a razão comunicativa, que
englobaria a razão teórica, a razão prática e a dimensão da
subjetividade (Idem, p.116, grifo meu).
Questionada a legitimidade da pesquisa em “ciências do esporte” e posta a
necessidade de construir uma identidade epistemológica, as discussões na área foram
32
Para Bracht (1996), historicamente o “discurso pedagógico foi colocado em segundo plano na
educação física e retorna às principais discussões nas décadas de 1970 e 1980 quando seus professores
freqüentam cursos de pós-graduação na área da educação.
33
Sobre essa questão, Bracht utiliza como referência, entre outros, GAMBOA, S.S. Pesquisa em
educação física: as inter-relações necessárias. Motrivivência. V. 5, n.5/6/7, p.34-46, 1994; e explique que
a educação sica e a pedagogia “estariam situadas no que chama de “novos campos epistemológicos”,
cuja característica específica seria exatamente a dimensão da “ação” (que estou chamando de
‘intervenção’): para este autor, a EF seria então, uma ciência da e para a ação” (1996, p.27, grifo do
autor).
34
encaminhadas, segundo o autor, para duas possibilidades: ou buscar a unidade
epistemológica ou admitir a fragmentação e estar sujeito a um “diálogo de surdos”.
Entretanto, Bracht aponta para um outro caminho. Ele vê a possibilidade para uma saída
no chamado “pluralismo científico” e explica:
É preciso não incorrer no equívoco de reduzir a multiplicidade,
“nem a uma unidade inconstante, imune à controvérsia, dotada
de critérios unívocos de cientificidade, nem a uma mera
diversidade, supostamente neutra”, pois, “o conceito de
pluralismo científico abrange uma diversidade antagônica e não
neutra” (Martins, 1993, p.105)
34
. Para que não se busque uma
solução simplista e negativa como a de excluir o antagônico,
parece-nos existir o lábil caminho da democracia interna; a
humildade democrática de não possuir a verdade acabada e
absoluta e ao mesmo tempo reconhecer e fazer valer os
melhores argumentos. Unir a vigilância epistemológica à
vigilância democrática (Idem, p.117).
Sobre a mesma questão, com um maior acúmulo de discussões, Bracht
acrescenta:
a Educação Física (ou pedagogia, onde o esporte é um dos temas)
oferece uma problemática teórica que pode ser tratada também
cientificamente; essa problemática exige exercício/tratamento
interdisciplinar, tanto entre diferentes disciplinas, quanto diferentes
racionalidades. (...) viemos construindo a tese de que existe a
possibilidade de construir um campo acadêmico a partir de um
elemento integrador do esforço teórico da área da “EF”. Para tanto
temos de superar o entendimento empirista-ingênuo de que o esporte,
a atividade física, o movimento ou a motricidade humana podem ser
entendidos como um objeto científico (de uma ou de mais ciências).
Assim, um pressuposto inicial é o de que tal elemento integrador,
ou o nosso objeto, é uma problemática teórica compartilhada
(1999a, p.94-5 e p. 118, grifo meu).
Caracterizando assim, como tem feitodesde o início de suas reflexões a educação
física enquanto prática pedagógica, reafirma de modo contundente que o corpo de
conhecimentos da educação física deve ter como elemento norteador (identidade
‘epistemológica’) o “olhar” pedagógico, é este “olhar” que constrói o objeto
científico da área. Bracht então justifica que o conhecimento precisa ser construído na
“problemática” que ele identifica como
o movimentar-se humano e suas objetivações culturais na perspectiva
de sua participação/contribuição para a educação do homem. Portanto,
elemento caracterizador indispensável dessa proposta de
problemática
é a intenção pedagógica, ou seja, o olhar que orientará a reflexão (na
34
Bracht se refere a MARTIINS, E. de R. Pluralismo científico. In: STEIN, E., DE BONI, L. A. (org.).
Dialética e Liberdade. Petrópolis/Porto Alegre: Vozes/Ed. Da UFRGS, 1993.
35
busca de explicações e compreensões), sobre o movimenta-se humano
e suas objetivações culturais (cultura corporal de movimento), é o
pedagógico (Idem, p.119).
Neste sentido, para Bracht, “o olhar” pedagógico implica tomar decisões
políticas que definem os projetos políticos constituídos de uma perspectiva sobre o
homem ou sobre o que deveria ser o homem. Fundamental nesse processo, como o autor
frisa em vários momentos, é construir o conhecimento a partir da prática, realizando um
trabalho de síntese em relação às várias disciplinas científicas que envolvem essa
construção. Quando isto não acontece, pode ocorrer a separação entre teoria e prática,
como pondera Bracht:
A forma como se estruturou o campo acadêmico da educação física
levou a uma negligência desta, qual seja, a da necessidade de
articular o conhecimento em função da prática. Entendemos
ser esta uma das razões da tão identificada distância entre a
teoria e a prática na educação física entre os teóricos e os
práticos. A produção do conhecimento e os nossos currículos
estão orientados por uma perspectiva cientificista, na qual as
disciplinas se bastam a si próprias, não precisam tomar como
referência as problemáticas da prática, podem se ater às suas
próprias problemáticas (das disciplinas de origem) o professor
de educação física aliás gosta de posar de cientista (1999,
p.100, grifo meu).
Com isto, reclama a negligência da área com o saber prático que é
“desqualificado pela academia”. Isto o levará em suas experiências pedagógicas com
grupos de professores a radicalizar no sentido de considerar o cotidiano escolar como se
este fosse destituído de conhecimentos científicos e negligenciar o conhecimento
acumulado sobre as questões escolares.
Nessa perspectiva, ainda mais uma problemática mencionada e que tem
acompanhado o autor, a crítica à modernidade, portanto à ciência moderna e à razão.
Isto se torna mais evidente no final da década de 1990
35
, o que leva o autor a uma maior
35
Como tenho afirmado, Bracht, em suas discussões, expressa o que acontece na área. No período em
questão, conforme análise do CONBRACE, é possível verificar o crescimento vertiginoso das tendências
pós-modernas. Alguns ainda com posições ecléticas, outros assumindo radicalmente essas tendências.
Bracht permanecerá no ecletismo (com raízes idealistas). Ao compartilhar com as posições de Habermas
sobre a razão comunicativa, procura uma conciliação com os pós-modernos, principalmente com aqueles
que como este filósofo define a linguagem como fundadora do real. Mas Bracht não assume radicalmente
o irracionalismo presente em vertentes pós-modernas. Neste sentido, deixa explícita como saída para os
problemas da relação educação física/ciência a seguinte abordagem: “Como a EF, enquanto prática
pedagógica, necessariamente envolve a dimensão do ético normativo, para que a ciência (ou a
racionalidade científica) possa lhe fornecer a fundamentação necessária, é preciso, ou complementar o
conhecimento científico com a filosofia (...) ou, trabalhar com um novo conceito de racionalidade (...) que
36
consideração às discussões pós-modernas com seu relativismo, jogos de linguagens nas
diferentes racionalidades, sem procurar por unidades etc.
Neste sentido, discute que historicamente muitos têm alertado sobre as
limitações do conhecimento científico, mas que essa consciência apenas se fortaleceu
nesse período. Bracht afirma não desconsiderar os avanços científicos, principalmente
nas áreas tecnológicas, genética e outras, mas em se tratando do “conhecimento da
realidade social”, o conhecimento científico possui mais limites
36
. Isto se porque o
conhecimento da realidade modifica a realidade, ou seja:
O conhecimento da realidade social modifica esta mesma realidade e
pode alterar o decurso de seu movimento, ou seja, as previsões feitas
com base na identificação de leis que regem a realidade não se
confirmam em função das alterações provocadas pelo conhecimento
destas leis ou previsões feitas a partir de teorias. Isto se deve ao fato
de que, no caso da realidade social, o conhecimento não é exterior à
realidade. (...) Ao ácido lático não ocorrerá modificar seu
comportamento metabólico em função das teorias fisiológicas
poderem prever onde ele é metabolizado após um esforço físico. (...)
as previsões sobre o desempenho econômico modificam o próprio
mercado, fazendo com que as previsões iniciais não se confirmem.
(...) As teorias ou as previsões estão equivocadas? A ciência
econômica não é rigorosa o suficiente? (...) As ciências sociais são
impossíveis? Nem uma coisa nem outra, os exemplos apenas ilustram
os limites das teorias neste campo (Idem, p. 97, grifo do autor).
Ainda sobre os problemas da racionalidade ou da ciência moderna, explica
algumas posições de autores que fazem sua crítica e expõe:
As humanidades (Geistswissenschaften) devem operar com a
categoria da compreensão, ao passo que as ciências naturais
(Naturwissenschaften) operam com a categoria da explicação.
Compreender (verstehen) é uma operação diferente da de explicar
(erklären) e, para o caso das humanidades, o adequado é o primeiro:
compreender o sentido/significado subjetivo das condutas humanas
(BRACHT, 1999a, p. 34-5).
consiga estabelecer a ponte entre o fático e o normativo sem abdicar da pretensão à racionalidade para
suas assertivas. Esse é o projeto conhecido de J. Habermas, o da razão comunicativa. Mas, base para tal
empreendimento é a superação do paradigma científico centrado na relação sujeito-objeto, a favor do
paradigma da linguagem (a partir da virada lingüística operada pela filosofia analítica e pela
hermenêutica), que se constitui em base do conceito de razão comunicativa. (...) superar o dualismo entre
a racionalidade técnica e a racionalidade normativa, a teoria da ação comunicativa busca uma
racionalidade prática de ação comum à procura dos melhores objetivos através do diálogo” (BRACHT,
1999, p.124-25).
36
Bracht nessa discussão também chama a atenção para a questão da “neutralidade científica”. Explica
que esta “seria decorrente do postulado da objetividade (a realidade é um dado, esta aí), ou seja, do retrato
fiel da realidade, que foram transferidos para as ciências sociais e humanas” (1999, p. 97). Argumenta
entre outras coisas que para os cientistas a dimensão política estaria no uso que se faz da ciência e não na
sua produção, este equivoco deveria ser superado e a comunidade científica deveria assumir a sua
“responsabilidade social”. Para o autor, isto coloca novos problemas, como, “enfrentar as questões ético-
políticas que quem assume esta posição geralmente faz” (Idem, p. 98).
37
Assume que no caso da educação física é fundamental não se posicionar em
favor de uma ou outra abordagem de ciência naturais ou humanas porém entender
qual “tipo de conhecimento”, “possibilidades” e “limites” das abordagens, pois: “Toda
abordagem científica é “pré-conceituosa”, portanto, oferece explicações/interpretações
da realidade que são relativas (a um ponto de vista) e, por conseqüência, limitadas pelo
aparato teórico-metodológico própria daquela disciplina” (Idem, p. 35).
Enfim, para a educação física enquanto uma prática pedagógica o teorizar
deveria ser integrador em relação às várias abordagens, tendo como ponto de referência
“as necessidades específicas” dessa prática. Ainda assim se pergunta sobre a existência
de um “saber prático ou corporal” que resista à teorização
37
. Neste sentido, faz a
seguinte reflexão:
Racionalizar algo que ao ser racionalizado se descaracteriza. Ou seja,
existiria uma dimensão das experiências/vivências humanas, passíveis
de serem propiciadas também pelo movimenta-se (nas diferentes
formas culturais) que “resistiria às palavras”, ou dito de outra forma,
não seria possível pedagogizá-la via descrição científica das mesmas;
fugiria ao controle, à previsão (da ciência), seriam de certa forma
únicas, singulares (1996, p.26).
E sintetiza: “Diria que o teorizar na EF precisa ultrapassar as limitações da
racionalidade científica, para integrar no seu teorizar/fazer a dimensão do ético e do
estético.” (1999a, p.39). Bracht parece estar divido entre a possibilidade ainda de uma
razão (comunicativa) e as colocações atraentes das perspectivas pós-modernas.
No último momento das elaborações teóricas do autor, algumas dessas
discussões descritas tomam uma maior contundência. Trata-se de um
aprofundamento de algumas posições, por isso, didaticamente, trato como um terceiro
momento que se inicia no final da década de 1990, concomitantemente a algumas das
discussões anteriores, e se estende na década de 2000.
Nesse período, Bracht está envolto com as pesquisas de LESEF (Laboratório de
Estudos em Educação Física), realizando trabalhos de formação continuada
38
com
professores de educação física de Vitória ES. Ainda discute a legitimidade da
37
Em vários momentos, ao discutir sobre essa questão Bracht tece elogios à Mauro Betti, autor do artigo
O que a semiótica inspira ao ensino da educação física publicado na revista Discorpo, em 1994.
38
Essas pesquisas parecem ter se iniciado em 1996 e foram divulgadas no CONBRACE no GTTEscola
em 1999 e 2001, e se encontram mapeadas no capítulo 6 desta tese. também a publicação Bracht, V.
et. al..Pesquisa em ação: educação física na escola. Ijuí: Unijuí, 2003 e um artigo: “Bracht, V. et. al. A
prática pedagógica em educação física: a mudança a partir da pesquisa ação. Revista Brasileira de
Ciências do Esporte. Campinas: Autores Associados, v.23, n.2, p.9-29, 2002.
38
educação física na escola, e sua ênfase está nas críticas à modernidade e à racionalidade
científica e busca uma conciliação entre a razão (comunicativa) e os discursos pós-
modernos, que prefere nomear diferentemente ao conhecer os pressupostos teóricos de
Bauman. Assim, os problemas permanecem e as posições se radicalizam.
O autor enuncia ser impossível definir o que é ciência. Por conseguinte, a
discussão sobre a educação física ser ou não ciência deve ser redimensionada. Bracht
explica quais são os seus pressupostos:
a) de que a Educação Física não é uma ciência, que sua característica
central é a de ser uma prática de intervenção social imediata, que
obviamente não pode prescindir do conhecimento científico para
efetivar tal intervenção;
b) que não é possível satisfazer critérios epistemológicos que
permitam identificar uma ciência (seja da Educação Física, do
Movimento Humano ou da Motricidade Humana (BRACHT, 2000,
p.55-56).
Nesse novo momento, a avaliação realizada acerca o conhecimento científico na
área é de outra ordem. Bracht indica com maior nitidez as polêmicas que se instalaram
na educação física e as separa “didaticamente” em dois polos: um diz respeito à
existência de “pluralismo, diversidade, diferença, particularismo, fragmentação,
antifundamentalismo, irracionalismo, acaso/caos” (BRACHT, 1999a, p. 131); o outro
diz respeito à “unidade, totalidade, universalidade, ordem e racionalismo” (Idem). Dito
de outra forma, trata-se de “uma polarização do tipo: modernos ou iluministas versus
pós-modernos ou pós-estruturalistas” (BRACHT; ALMEIDA, 2006, p. 5).
Para os autores, como apresentei antes, a modernidade está em crise
39
e,
subjacente a esse sentimento de crise, o que temos é uma crise do
projeto moderno de civilização elaborado pela Ilustração européia
com base em motivos judeo-clássico-cristãos e aprofundados em dois
séculos subseqüentes por movimentos como o liberal-capitalismo e o
socialismo. (...) a modernidade gerou (e inúmeros sentidos)
basicamente dois modos de produção: o capitalismo e o socialismo.
Isso significa que concebido como modo de produção, o socialismo
marxista é, tal como o capitalismo, parte constitutiva da modernidade.
(Santos, 2000). Em outros termos, o programa socialista pode ser
entendido como uma versão do projeto da modernidade, aguçando e
radicalizando a promessa que a sociedade moderna como um todo
jurava cumprir (BAUMAN, 1999a)
40
(Idem, p.6 -7).
39
Bracht e Almeida explicam, a partir de Bauman, que a crise faz parte da essência humana, ou seja, “a
crise, à medida que se refere à invalidação dos jeitos e maneiras costumeiros e à resultante incerteza sobre
como prosseguir, é o estado normal da sociedade humana” (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA
2006, p.37).
40
Bracht e Almeida tomam como base para as suas afirmações: ROUANET, S. P. Moderno e pós-
moderno. Rio de Janeiro: Ed. da Uerj, 1994; SANTOS, B. S.. A crítica da razão indolente: contra o
desperdício da razão. São Paulo: Cortez e, BAUMAN, Z.. Modernidade e ambivalência. Rio de
39
As críticas de Bracht em relação ao modelo de educação física positivista
predominante até a década de 1970 se estendem às discussões críticas” que ele chama
agora de “engajadas”, e que ocorreram na década de 1980. Na verdade, suas críticas se
remetem principalmente ao materialismo histórico (socialismo)
41
.
Aponta como críticos da modernidade a Escola de Frankfurt (teoria crítica,
principalmente Adorno) e os pós-modernos. Nos primeiros, a crítica é ainda realizada a
partir da perspectiva da modernidade, e nos segundos “movimento de despedida” e
de “repúdio à modernidade”. Bracht
42
, juntamente com Almeida, fazem um balaço das
duas críticas, procurando os pontos positivos e negativos, os encontram e se encantam
com a perspectiva anunciada por Bauman. Os motivos desse encanto, entre outros, são o
fato de sua “sociologia da ambigüidade” apresentar, na “sensibilidade pós-moderna” ou
na “modernidade líquida”, a “possibilidade da teoria e ação crítica” (2006, p. 9), e ainda
trouxe a possibilidade de realizar uma leitura do pós-moderno “sem a ortodoxia de
alguns e sem a celebração acrítica de outros” (Idem, p.162).
Janeiro:Jorge Zahar, 1999ª.
41
Bracht (1999a) expõe sua argumentação apresentando algumas características dessa perspectiva teórica.
São elas: “A opção pelo interesse (político) histórico da maioria (classe trabalhadora/proletariado)
conferiria a condição de um acesso privilegiado) em termos de conhecimento (verdadeiro), à realidade”
(...) Essa posição desemboca em contradições e está sustentada em bases hoje dificilmente defensáveis e
muitas vezes é alvo de banalização.(BRACHT, 1999a, p. 133). Acrescenta ainda em suas críticas que:
“Numa versão vulgar, essa posição advoga a possibilidade da identificação de leis históricas “à
semelhança das leis da natureza) que indicam o proletariado como classe responsável pelo projeto de
emancipação humana; a reconciliação do homem por ele mesmo. Não maiores problemas, em
princípio, em identificar um grupo, uma classe social responsável por um tal projeto. O problema se
coloca quando se o faz com a pretensão de que essa é uma necessidade histórica inelutável e portanto,
‘cientificamente comprovável’. Entendo ser essa necessidade argumentável, mas não pelo seu caráter
inevitável e sim por razões políticas e éticas.” (Idem). Por fim, questiona também, a “idéia da prática
como critério de verdade”, pois, para o autor, o critério de verdade é a “prática interpretada”, quando,
para tal interpretação “ocorrem (pré)conceitos que demandam opções. Ou seja, estamos no plano do
círculo hermenêutico” (1999a, p.134). E conclui que essa posição, “adota a perspectiva da unidade
metodológica no sentido de que determinada via permite um acesso privilegiado (verdadeiro) à realidade,
negando assim, o relativismo e o pluralismo metodológico”. (Idem).
42
Bracht (1999a) analisa duas perspectivas teóricas na área, o materialismo histórico, citado na nota
anterior e a perspectiva pós-moderna tomando, por exemplo, o “liberal irônico” Richard Rorty. Bracht sai
em defesa dos pós-modernos, porque eles rejeitam a universalidade, a unidade, a idéia de totalidade e
ainda, “nega qualquer possibilidade de hierarquizar o conhecimento em mais ou menos verdadeiro
(portanto, rejeita a idéia de ideologia), propugnando um pluralismo radical, com base no relativismo, e
que de forma conseqüente declara como inimiga a idéia de unidade/totalidade, erigindo como princípio a
diferença” (Idem, p.138). Diante destas posições apresentadas, Bracht, naquele momento, se coloca como
fiel a uma terceira perspectiva, a de Habermas que se orienta “pela idéia colocada no horizonte de que
deve valer o melhor argumento, que pode ser identificado, terá validade, se construído por uma
comunidade ilimitada de comunicação” (Idem, p.141). É importante frisar que qualquer problema ou
virtude apontado, tanto nos pós-modernos quanto na formulação teórica de Habermas, giram em torno da
garantia da “democracia”.
40
Essas reflexões são encontradas no livro Emancipação e diferença na educação:
uma leitura com Bauman, publicado em 2006. Compreendo que mostrar alguns pontos
expostos nesse livro colabora para conhecer o estágio das discussões de Bracht. Neste
sentido, apresento alguns posicionamentos dos autores em relação ao momento atual,
de “modernidade líquida” e algumas das suas questões expostas sobre a educação e a
educação física.
Em relação ao “pós-moderno”, os autores compreendem que este não é um
“movimento unificado” de conceitos ou idéias. Examinam várias posições de autores
que procuram esclarecer o seu significado, autores estes que se posicionam a partir da
modernidade e que equivocadamente, para Bracht e Almeida, “rotulam” várias
perspectivas com a expressão pós-moderna. Sintetizam as rotulações:
A lista de definições, comparações e afinidades eletivas entre as
diferentes compreensões do pós-modernismo não cessaria por aqui.
Às expressões “pós-modernismo”, “pós-modernidade” e “pós-
estruturalismo” poderíamos ainda acrescentar como constituintes
dessa “agenda pós-moderna” (...) o neopragmatismo (rortyano), o
construcionismo social, o multiculturalismo, os estudos culturais, a
teoria pós-colonial, a teoria feminista, a teoria pós-analítica, a
hermenêutica, certas tensões da própria teoria crítica, que, por
inúmeras vezes, são todas enquadradas no rótulo de pós-modernas,
desrespeitando-se, assim, diferenças fundamentais entre elas (Idem,
p.19).
Comentam também sobre o preconceito e confusão semântica em relação a essa
expressão, dando-lhe uma conotação negativa. Essa situação fez também com que
muitos educadores e professores de educação física deixassem de discutir questões
importantes apontadas na perspectiva pós-moderna. Bracht e Almeida, mesmo
afirmando que não existe uma unidade pós-moderna, estão em acordo:
o pós-moderno, no seu núcleo, deve ser visto como um tipo de dúvida
(não como uma posição alternativa nova ou um conjunto de posições),
mais bem expressa na palavra de incredulidade, ou seja, uma
expressão que não significa negação, refutação ou rejeição, mas
incapacidade de acreditar
no moderno ou acreditar nele de um
modo suficiente com a mesma confiança (Idem, p.21).
Dentre as inúmeras críticas realizadas aos pós-modernos, para os autores estão
aquelas realizadas por educadores brasileiros que se colocam com uma orientação
marxista e vinculam essa perspectiva aos “fenômenos como globalização, o
neoliberalismo, o advento da nova direita etc.” (Idem, p.22). Bracht e Almeida
esclarecem que esses educadores “não deixam, em certo sentido de ter razão”, pois “‘os
41
pós-modernos’ não falam de um lugar ideológica e politicamente neutros, estão
inseridos no contexto do espírito neoliberal” (Idem, p.22).
Além dos educadores marxistas, os autores assinalam que outros educadores
brasileiros que aderem ao pós-modernismo, e outros ainda que embora questionem essa
perspectiva apontam para os problemas importantes que estes trouxeram à tona e
argumentam com fundamentos em Morais (2003)
43
:
Nesse bojo, com uma freqüência cada vez maior, emergem temas
candentes nas pesquisas educacionais, tais como os estudos chamados
pós-críticos, as questões de gênero, da diferença, das identidades, da
sexualidade, das etnias, do multiculturalismo, da raça, do meio
ambiente, do imaginário social, das microrrelações, do poder-saber, da
teoria queer, entre outros (Idem, 23).
Indicam também as discussões pró e contra aos pós-modernos, realizadas por
autores da educação física, e propalam existir nessa prática muitos que “se agarram
inadvertidamente à estratégia da ortodoxia de crítica, são cada vez mais desligados das
realidades correntes e elaboram propostas cada vez mais nebulosas (...) muitos insistem
em travar velhas batalhas” (Idem, p.156). Nessa questão, Bracht e Almeida possuem
algumas posições definidas em relação aos caminhos para esta prática pedagógica,
alguns inspirados por Bauman. Entre eles, destaco:
Bracht (2003a, 2003b) irá aventar a hipótese de um descompasso (ou
transição) entre o subuniverso simbólico ainda moderno da educação
física e o universo simbólico que está sendo construído na
modernidade em seu presente estágio. Trata-se, então de construirmos
um novo subuniverso simbólico a partir do espaço cognitivo da
modernidade atual, que muitos denominam tardia (Giddens, 1997),
segunda modernidade (Beck, 1997), hipermodernidade (Lipovetsky,
2004), modernidade líquida (Bauman, 2001) ou, como é mais
corrente, pós-modernidade. Isso não significa, é bom destacar,
adaptação pura e simples aos novos tempos, mas construção de um
novo instrumental teórico que possa superar o “anacronismo” e
enfrentar as novas condições societárias (Idem, p.4).
Asseveram também que as posições de Bauman colaboram para o avanço da
educação e educação física, porque:
O autor não prescinde de teorizar, como vimos, os problemas de uma
sociedade cujas características desregulamentadas, privatizadas e
individualizantes aprofundam o abismo existente entre a
individualidade de jure e a individualidade de facto
44
e lançam os
43
Os autores se referem à MORAES, M. C. M.. O recuo da teoria. In: Iluminismo às avessas: produção
de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
44
Essas expressões significam, de acordo com Bracht e Almeida (2006), fundamentados em Bauman,
que: “A individualidade de facto é aquela na qual o indivíduo é capaz de controlar os recursos
42
indivíduos numa condição humana marcada por uma profunda
situação de incerteza, insegurança e falta de garantias. Nesse sentido,
tecerá uma cáustica crítica àquelas teses pós-modernistas que, nas
mãos dos governos neoliberais, dão amplo apoio às forças do mercado
ao mesmo tempo em que prescindem da responsabilidade de
promover a justiça social e uma sociedade igualitária.(...)
No âmbito da educação física (da cultura corporal de movimento), na
substituição da idéia de que as práticas corporais (por exemplo, a
prática esportiva) são direito do cidadão pela de que as práticas
corporais se inscrevem no âmbito do direito do consumidor de
mercado. Isso significa dizer a transformação, na sociedade de
consumidores, do “[...] indivíduo de cidadão político em consumidor
de mercado (Idem, p.156 - 7; 159).
Defendem com Bauman a perspectiva de uma pedagogia crítica que trabalhe na
perspectiva da emancipação humana e da liberdade. A pedagogia crítica, entre outras
coisas, “trabalharia no sentido de instrumentalizar os indivíduos para exercer
criticamente a tarefa de sua autoconstituição, além de dotá-los da capacidade de
desvendar as muitas antinomias que se colocam a essa genuína oportunidade
emancipadora da modernidade líquida” (Idem, p.108).
Assim, o “principal propósito da emancipação” seria “reconectar” o abismo
existente entre o indivíduo de jure e o indivíduo de facto. Neste sentido, a garantia de
indivíduos e de uma sociedade verdadeiramente livres estaria na aceitação de uma
sociedade caracterizada pela “falta de significados prefixados, de verdades absolutas, de
normas de conduta preordenadas, de fronteira pretraçadas entre o certo e o errado, de
regras de ação garantida” (Idem, p.37- 8). Neste sentido, a emancipação significa
essa aceitação de sua própria contingência, fundamentada no
reconhecimento da contingência como razão suficiente para viver e ter
permissão de viver. Ela assinala o fim do horror à alteridade e da
abominação da ambivalência. Como a verdade, a emancipação não é
uma qualidade de objetos, mas da relação entre eles. A relação aberta
pelo ato da emancipação é marcada pelo fim do medo e o começo da
tolerância. É na tolerância que o vocabulário da contingência como
destino está fadado a ser parasitário para permitir que se formule a
emancipação [...]. Para revelar o potencial emancipatório da
contingência como destino, não bastaria a humilhação dos outros. É
preciso também respeitá-los e respeitá-los precisamente na sua
alteridade, nas suas preferências, no seu direito de ter preferências. É
preciso honrar a alteridade no outro, a estranheza no estranho [...] que
o único é o universal, que ser diferente é que nos faz semelhantes uns
aos outros e que eu só posso respeitar a minha própria diferença
indispensáveis à genuína autodeterminação, isto é [...] de ganhar controle sobre seus destinos e tomar
decisões que em verdade desejam” (p.92). e “[...] ser um indivíduo de jure [na modernidade líquida]
significa não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria, significa não procurar as causas das
próprias derrotas senão na própria indolência e preguiça, e não procurar outro remédio senão tentar com
mais e mais determinação” (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA, Idem, p.92).
43
respeitando a diferença do outro. A consciência da condição pós-
moderna revela a tolerância como sina. Ela também torna possível
apenas possível o longo caminho que leva do fado ao destino, da
tolerância à solidariedade (BAUMAN apud BRACHT; ALMEIDA,
2006, p.100).
Os autores concluem, a partir dos questionamentos a Bauman, que este coloca a
existência de uma possibilidade de emancipação, e fazem a seguinte reflexão:
Se a responsabilidade (e o fracasso) na escolha de minhas identidades
é responsabilidade totalmente individual, a oportunidade
emancipadora da modernidade quida, ou seja, levar à conclusão “a
obra de desencaixe”, parece “reintroduzir pela porta dos fundos” a
possibilidade de um sujeito (ou subjetividade) capaz de exercer sua
autonomia e responsabilidade no sentido de originar novas formas de
subjetivação que escapassem a toda e qualquer forma de coação
(sejam elas de tribo, Estado ou mercado). Em outras palavras, os
indivíduos são confrontados na longa e árdua tarefa de identificação
ou subjetivação de si próprios, jamais concluída (BRACHT;
ALMEIDA, 2006, p.105 - 6).
Enfim, todas essas grandes preocupações dos autores são possíveis pela
existência de uma “modernidade quida”, desregulamentada com o fim de um “Estado
jardineiro”
45
e de um “capitalismo pesado”, transformado em um “capitalismo leve, de
software”, ou seja, “viaja leve, apenas com a bagagem de mão, que incluiu telefone
celular, pasta e computador portátil. Pode saltar em qualquer ponto do caminho e não
precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar a sua satisfação” (Idem,
p. 67).
Destacadas algumas das discussões nessa última fase de Bracht, é importante lembrar
que as suas preocupações com a
legitimidade da educação física na escola permanecem.
Em conformidade com as posições descritas até agora e fiel também à perspectiva
harbemasiana de “vencer o melhor argumento”, alerta: coloca-se como tarefa
construir nossa legitimidade no campo pedagógico, convencendo esse campo da
nossa importância, da importância do não trabalho, da dignidade do lazer, da
inutilidade como em outro momento afirmei” (2001, p.77, grifo meu).
45
Bauman, citado por Bracht e Almeida (2006), explica em vários momentos que o estado moderno é um
estado jardineiro; destaco essa passagem: “o estado moderno que legislou a ordem para a existência e
definiu a ordem como a clareza de aglutinar divisões, classificações, distribuições e fronteiras. Os
estranhos tipicamente modernos foram o refugo do zelo de organização do estado. Foi à visão da ordem
que os estranhos modernos não se ajustaram. Quando se traça linhas divisórias e se separa o assim
dividido, tudo o que borra as linhas e atravessa as divisões solapa esse trabalho e destroça-lhe os
produtos” (p.58).
44
Considera que é importante a mudança de status ontológico e epistemológico
do corpo”, ou seja:
O corpo é redescoberto ou descoberto como sujeito histórico, no
sentido do reconhecimento de sua importância para entender o
processo histórico. (...) a história do homem é também uma história do
controle sobre o corpo, das ações sobre ele. Outro aspecto importante
é o reconhecimento da importância ontológica do corpo, portanto,
para o entendimento do próprio homem, recuperando, assim, para a
sensibilidade, para a dimensão sensível ou estética, prestígio em frente
à razão. O corpo, que sempre foi hierarquicamente secundarizado
diante da razão, parece começar a recuperar uma certa dignidade
ontológica (Idem, p.74).
Entretanto, mesmo com essa “redescoberta do corpo”, demonstra grande
preocupação com a ameaça de extinção da prática pedagógica Educação Física em
função das políticas neoliberais que direcionam a formação escolar para o mercado de
trabalho; ademais, o problema se aprofunda quando as políticas públicas do Estado
brasileiro direcionam novamente a educação física na escola para a formação de atletas,
subsidiando o esporte de alto rendimento, tal como na década de 1970. De acordo o
autor, isto se torna evidente com os argumentos utilizados por alguns setores
vencedores
46
, ao tornarem a educação física obrigatória na LDBEN, e ainda, com o
“Programa Esporte na Escola”, vinculado ao Ministério de Esporte e Turismo.
Bracht alerta, juntamente com Almeida, que além de trazer alguns problemas, o
esporte na escola não é suficiente para legitimar a educação física, pois este é
confundido com a própria disciplina pedagógica. Como a experiência mostrou, sem o
esporte a educação física não formula justificativas para continuar no ambiente escolar,
ou seja, “a presença do esporte nessa escola não transferiu à disciplina EF garantias de
sua presença indubitável no currículo da instituição” (BRACHT; ALMEIDA, 2003, p.
96).
Os autores com suas argumentações não defendem a abolição do esporte, mas
que este seja tratado pedagogicamente “para que se torne educativo numa determinada
perspectiva (crítica) de educação” (Idem, p. 97). Defendem ainda, entre outras coisas,
que “os professores de EF assumam a responsabilidade e sua autonomia como agentes
sociais e atuem ressignificando práticas hegemônicas de esporte, dando origem a uma
cultura escolar do esporte” (Idem, p.99). É necessário, para a continuidade da existência
da educação física, construir urgentemente a sua legitimidade.
46
Seriam os setores esportivos e o Confef (Conselho Federal de Educação Física).
45
Em suma, as posições de Bracht expostas neste capítulo estão em consonância
com as posições da maioria dos professores/pesquisadores da educação física
47
, com
algumas diferenças, porque a ênfase explicita à sensibilidade e ao irracionalismo é
maior nessas pesquisas. Nelas os professores demonstram que, tentando afirmar a
importância dessa disciplina no ambiente escolar, relegam a segundo plano o seu
conteúdo e apontam como principal objetivo a construção de uma melhor convivência
social, tema que também é trabalhado em outras disciplinas escolares. Assim, na
Educação Física os professores transformam o seu conhecimento específico a ser
transmitido em uma estratégia de ensino para alcançar determinados valores. Defendem
a construção da cidadania, solidariedade, coletividade e em nenhum momento os
professores/pesquisadores fazem a crítica às bases fundamentais das relações sociais
postas; a questão é sempre colocada em termos individualizados, a ser resolvida no
interior da escola.
Esses professores, em suas discussões, se intitulam críticos da Educação Física
dicotomizada, competitiva, atrelada à racionalidade e procuram construir um campo de
conhecimento e uma disciplina pedagógica que torne o convívio social cada vez melhor.
Procuram encontrar a legitimidade e a identidade da Educação Física apontando ora o
discurso, ora a cultura como formadores da realidade e definidores do indivíduo
ser social. Na tentativa de superar a dicotomia entre corpo e mente, acabam por reforçá-
la ainda mais, dando ênfase ao ‘mundo sensível’, cujo locus é o corpo.
Para resolver o problema da distância das discussões teóricas em relação à
prática, propõem a formação continuada fundando-se no conhecimento limitado ao
cotidiano e que prioriza os relacionamentos interpessoais. Via de regra, acabam por
naturalizar e eternizar a sociabilidade capitalista, como se tudo acontecesse de forma
independente e aleatória as suas determinações fundamentais, ou seja, apontam para
uma relação dicotômica entre indivíduo e sociedade.
Enfim, a legitimidade pretendida e conclamada por Bracht a ser conquistada
com urgência se apresenta atualmente nos mesmos moldes antes criticados, porém com
novas roupagens. Ou seja, legitimar a educação física significa colocá-la em
conformidade com a “pós-modernidade” ou “modernidade líquida”, mudar para que
tudo permaneça como está
48
.
47
Refiro-me especialmente àqueles com trabalhos apresentados no CONBRACE, cuja análise pode ser
encontrada no capítulo 6 desta tese.
48
Refiro-me ao romance de Giuseppe Tomasi Di Lampedusa (1896 – 1957) O Leopardo. Naquele
46
Esforço talvez inútil, defendo a tese que se em última instância, não houver
uma transformação radical na organização social (necessidade histórica hoje
posta), a presença ou não da educação física na escola continuará a depender das
necessidades e da lógica do mercado. Como legitimidade diz respeito a questões
políticas e de Estado, para concluir este capítulo utilizo as reflexões do educador
marxista Sanfelice:
Quando o Estado traça as denominadas políticas sociais, não está
fazendo outra coisa a não ser gerenciar regras para esse jogo [do
capital] no qual o resultado não pode ser melhor do que aquele
intrínseco à natureza da própria natureza da sociedade capitalista. Os
interesses do capital, precisam sobreviver, dentro de certos contornos
controláveis, de alguma maneira subordinados a ele. O resultado deste
jogo social acaba sendo previsível quando a disputa é entre os fortes
adversários entre si, quando ocorre entre estes e os adversários de
nível médio ou quando é destes com os sempre frágeis perdedores. Há
uma previsibilidade, mas não um determinismo, porque como na
Loteria Esportiva, criteriosas previsões matemáticas, sobre as
possibilidades dos times envolvidos nas disputas, acabam se
desmoronando com as famosas “zebras”. As zebras” esportivas vão
contra a lógica matemática e assim é a história dos homens e das
sociedades
. (SANFELICE 2002, p. xiv).
romance tratava-se da tardia “revolução burguesa” na Sicília; hoje se trata da aceitação sem culpa da
“barbárie”.
Capítulo 2
-
A GÊNESE ONTOLÓGICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: O
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela
religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se
distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de
vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao
produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua
própria vida material.
(MARX; ENGELS, 2007)
Em um primeiro momento pode parecer estranho discutir a origem ontológica
do ser social e da educação física
49
. Contudo, para compreender a natureza e a função
da educação/educação física
50
e a raiz das suas questões problemáticas é fundamental
buscar desvendar como se processa a construção do ser social, como se originam as
categorias fundamentais e como elas se transformam. Isto nos permite apreender que
não existe uma essência a priori dos homens, mas sim o fato dessa essência ser sempre
histórica, ou seja, construída cotidianamente pelos seres humanos.
Essa discussão é imprescindível, considerando que a maioria dos teóricos da
educação física, principalmente aqueles que se tornaram referência para a área se
colocam em uma posição ou de incompreensão sobre o que são os homens e como se
estabelece o seu processo de construção ou de naturalização das relações sociais,
assumindo como a essência humana o homem cindido das relações capitalistas, ou seja,
naturalizam a sociedade capitalista e as teorias que confirmam essa naturalização
51
.
49
Na perspectiva de apontar a falta de uma discussão sobre uma ontologia do ser social na Educação
Física, Vidalcir Ortigara produziu a tese de doutorado intitulada: Ausência sentida nos estudos em
educação física: A determinação ontológica do ser social, defendida em 2002, no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. No entanto, é importante lembrar
que um autor de fundamental importância como Bracht quando argumenta sobre a legitimidade da
educação física, chama a atenção para a necessidade de uma discussão ontológica, mas não com uma
perspectiva materialista histórica. Nos termos do autor: “O corpo é redescoberto ou descoberto como
sujeito histórico, no sentido do reconhecimento de sua importância para entender o processo histórico.
(...) a história do homem é também uma história do controle do corpo, das ações sobre ele. Outro aspecto
importante é o reconhecimento da importância ontológica do corpo, portanto, para o entendimento do
próprio homem, recuperando, assim, para a sensibilidade, para a dimensão sensível ou estética, prestígio
em frente à razão. O corpo, que sempre foi hierarquicamente secundarizado diante da razão, parece
começar a recuperar uma certa dignidade ontológica. A dimensão corpórea do homem não é menos
importante que a dimensão racional” (2001, p.74, grifo meu).
50
Historicamente, as formas de educar e os conteúdos dessa educação são resultantes da compreensão
sobre o que é o homem e sua relação com a sociedade. Exemplos podem ser verificados em: Paidéia. A
formação do homem Grego, escrito por Jaeger (1995), ou as propostas educativas de Locke (1986),
Rousseau (1995), entre outros.
51
Marx (1988) em O Capital mostra esse processo de naturalização nos teóricos burgueses em vários
48
Isto não é um fato isolado nessa área e está relacionado exatamente com o
momento atual, como nos indica Lessa ao apontar o porquê de se recuperar o estudo da
ontologia:
A derrocada das tentativas revolucionárias para superar o capital é de
tal monta, até o presente momento, que gera a ilusão da
impossibilidade de os homens construírem conscientemente a sua
história. A derrota revolucionária revitalizou a concepção liberal
segundo a qual a permanência da ordem capitalista se deve ao fato de
ela corresponder a uma pretensa “essência” humana. O homem seria,
segundo esta concepção, de modo essencial e imprescindível, um
proprietário privado que se relaciona com outros pela mediação dos
seus interesses egoístas. Parafraseando Marx, a essência do homem
capitalista foi elevada à essência capitalista do homem (2007, p.13,
grifos do autor).
Lessa responde nessa citação àqueles que se contrapõem à recuperação de
estudos ontológicos realizada por Lukács. Recuperação esta não de qualquer ontologia,
mas da ontologia materialista concebida por Marx com a colaboração de Engels.
Argumenta ainda o autor que isto é de suma importância, pois:
Para se contrapor à concepção conservadora segundo a qual aos
homens corresponde uma essência a-histórica de proprietários, e que,
por isso, não como ser superada a sociedade capitalista, deve-se
comprovar que o limites ao desenvolvimento humano, a não ser
aqueles construídos pelos próprios homens. (...) a Ontologia
lukacsiana tem por objetivo demonstrar a possibilidade ontológica da
emancipação humana (2007, p.13, grifos do autor).
Tonet, na mesma direção de Lessa, ao apresentar os fundamentos a partir dos
quais faz as suas análises, enfatiza o caráter radicalmente novo da perspectiva marxiana
que instaurou um patamar de cientificidade cuja abordagem possui um caráter
ontológico e não gnosiológico. Assim, a questão dos fundamentos “é constituída por um
momentos, como por exemplo, nessa nota explicativa: “Jeremias Bentham é um fenômeno puramente
inglês. Mesmo sem excetuar nosso filósofo, Christian Wolf, em nenhum tempo e em nenhum país o
lugar-comum mais comezinho jamais se instalou com tanta auto-satisfação. O princípio da utilidade não
foi invenção de Bentham. Ele reproduziu, sem espírito, o que Helvetius e outros franceses do século
XVIII tinham dito espirituosamente. Se por exemplo se quer saber o que é útil a um cachorro, precisa-se
pesquisar a natureza canina. Essa natureza não se pode construir a partir do ‘princípio de utilidade’.
Aplicado ao homem, isso significa que se se quer julgar toda a ação, movimento, condições etc. humanos
segundo o princípio da utilidade, trata-se primeiramente da natureza humana em geral e depois da
natureza humana historicamente modificada em cada época. Bentham não perde tempo com isso. Com a
mais ingênua secura ele supõe o filisteu moderno, especialmente o filisteu inglês, como o ser humano
normal. O que é útil para esse original homem normal e seu mundo é em si e para si útil. E por esse
padrão ele julga então passado, presente e futuro. Assim, por exemplo, a religião cristã é ‘útil’ porque
reprova religiosamente os mesmos delitos que o código penal condena juridicamente. A crítica da arte é
nociva porque perturba o prazer que as pessoas honestas encontram em Martin Tupper etc. Com lixo
dessa espécie, o bom homem, cuja divisa é nulla dies sine linea, encheu montanhas de livros. Se eu
tivesse a coragem de meu amigo H. Heine, eu chamava o Sr. Jeremias de um gênio da estupidez
burguesa” (p. 176).
49
conjunto articulado de categorias que expressam o mundo real. E que, além disso,
pressupõe uma articulação essencial na maioria das vezes não reconhecida entre o
conhecer e o agir” (2005, p. 37).
Neste sentido, Tonet explica que no mundo greco-medieval no “conhecer” havia
a centralidade da objetividade e que no mundo moderno a centralidade passa a ser da
subjetividade. Demonstra o significado de objetividade e subjetividade para ambos e
acevera também que Marx as supera, ou seja, faz a superação destas perspectivas pela
perspectiva da totalidade. Por isso, ao discutir objeto e objetividade e sujeito e
subjetividade não as trata como uma “simples relação gnosiológica”; considera “o
homem como um ser ativo” que “conhece e faz”, ou seja, reconhece que essas
categorias possuem um estatuto ontológico:
Desse modo objeto e objetividade e sujeito e subjetividade são
tomadas como resultado real da atividade humana que implica
conhecimento e ação. Fica claro, assim que a relação gnosiológica
entre sujeito e objeto é apenas um momento de uma relação mais
ampla, que é a criação da realidade social como totalidade (TONET,
2005, p.39).
Essa questão é de fundamental importância, porque ainda para Tonet, a
centralidade da subjetividade
52
posta pelos modernos continua não dominante, mas
se coloca em patamares mais elevados, como é possível constatar no caso particular da
educação física. Em seus termos:
A especial importância da superação da subjetividade está no fato de
que esta, além de ser, hoje, o modo de pensar dominante, foi aos
poucos, tomando a forma de algo “natural”, uma espécie de
“pensamento único”, passando a influenciar tanto a elaboração
filosófico-científica quanto a ação prática nas mais diversas
modalidades. Mais ainda, pelo fato de ela estar hoje
superdimensionada, implicando um corte profundo entre consciência e
realidade (2005, p.38).
52
Tonet (2005) explica de forma pormenorizada o processo de passagem da centralidade da objetividade
para a subjetividade, quando no início a burguesia revolucionária mantinha o nculo com a realidade
objetiva, mas depois necessita realizar uma mudança. Cito uma pequena passagem conclusiva de sua
argumentação: “No âmbito do conhecimento, o fenômeno era considerado como algo real e não ilusório,
embora o movimento da razão individual fosse orientado por normas de caráter transcendental. Após a
vitória da revolução burguesa, porém, a necessidade de assegurar o caráter ‘positivo’ (conservador) da
nova ordem social teve como conseqüência a ampliação cada vez maior desse fosso entre a consciência e
a realidade efetiva, conferindo à ação e à razão um caráter cada vez mais manipulatório. No plano do
conhecimento a passagem da regência da objetividade para a regência da subjetividade foi considerada
não apenas uma conquista fundamental, mas a descoberta do ‘verdadeiro caminho’ para a produção do
conhecimento científico” (p.43-4).
50
Essa perspectiva superdimensionada, discutida por Tonet como
“hipercentralidade da subjetividade”, em nossa sociedade é marcada pelo fetichismo da
mercadoria e na esfera do conhecimento caracteriza-se por uma recusa à possibilidade
de compreensão total ou parcial da objetividade “desde sua forma mais extremada, que
é o irracionalismo, tônica das chamadas concepções pós-modernas, até as formas mais
moderadas, como o neo-iluminismo, o pragmatismo e outras” (2005, p.46). Ademais,
com faces de voluntarismo, politicismo, superficialidade teórica etc., realiza-se uma
rejeição à perspectiva histórico-ontológica e nega-se a possibilidade de uma intervenção
radicalmente transformadora na realidade.
Desse modo o discurso, apoiando apenas em si mesmo, passa a ter a
exclusiva responsabilidade de resolver os problemas teóricos, e às
diversas instâncias da subjetividade, especialmente à política, é
atribuída a tarefa de reger a ação prática. Daí resulta, em resumo, uma
sempre maior afirmação da incapacidade do homem de compreender a
realidade como totalidade e, por conseqüência, de intervir para
transformá-la radicalmente (Ibid, 48).
Essa posição aparece em setores no interior do próprio marxismo, fazendo com
que neste desapareça a radicalidade
53
e também em pensadores da Escola de Frankfurt,
por exemplo, em um caráter antiontológico cujas duas ordens de consequências
fundamentais são, respectivamente, as seguintes:
O resultado disso é, ora uma justaposição entre necessidade e
liberdade (inevitabilidade do socialismo e apelo à luta revolucionária),
ora uma crítica subjetiva (não subjetivista) do capitalismo, que
permanece incapaz de vislumbrar a possibilidade da sua superação
(Ibid, p.48).
53
Tonet (2005) aponta que nessa perda da radicalidade acaba por predominar no interior do marxismo
uma versão positivista e aponta a influência para isto nas obras maduras de Engels e, depois, o seu
desenvolvimento posterior em Kautsky, Bernstein e outros. Lukács (1979, p. 30-1) expõe essa
problemática, ou seja, os equívocos que transformavam a ontologia materialista em uma gnosiologia
mecanicista, no capítulo da Ontologia do ser social intitulado Os princípios ontológicos fundamentais
de Marx, argumentando: “O que existe de ortodoxia marxista é feito de afirmações e conseqüências
singulares extraídas de Marx, freqüentemente mal-compreendidas e sempre coaguladas em slogans
extremistas. É assim, por exemplo, que foi desenvolvida com a ajuda de Kautsky a suposta lei da
pauperização absoluta. Engels busca inutilmente, através sobretudo de críticas e conselhos epistolares,
quebrar com essa rigidez e conduzir as pessoas à dialética autêntica. É muito sintomático que tais cartas
tenham sido publicadas pela primeira vez por Bernstein, com a intenção de dar força às tendências
revisionistas entre os marxistas. O fato de que a flexibilidade exigida por Engels, a recusa da vulgarização
coagulante, possam ter sido entendidas desse modo, esse fato mostra que nenhuma das duas orientações
em disputa havia compreendido a essência metodológica da doutrina de Marx. Inclusive teóricos que se
revelaram marxistas em muitas questões sigulares, como Rosa Luxemburg ou Franz Mehring, possuíam
escassa sensibilidade para as tendências filsóficas essenciais presentes na obra de Marx. Enquanto
Bernstein, Max Adler e muitos outros supõem encontrar na filosofia de Kant uma ‘integração’ ao
marxismo, e enquanto Friedrich Adler (entre outros) busca tal integração em Mach, Mehring que em
política é um radical – nega que o marxismo tenha alguma coisa a ver com a filosofia.”
51
E ainda argumenta sobre a centralidade da subjetividade:
É, no entanto, o fato de ser considerado como o ponto de vista que o
torna problemático, pois ao se tornar “natural” ele admite a
possibilidade de divergências no seu interior, mas não de divergências
radicais que o coloquem em questão a partir dos seus fundamentos (...)
Esta perspectiva impregna de tal modo o pensamento atual que faz
com que a abordagem de qualquer fenômeno social de uma
perspectiva radicalmente oposta (histótico-ontológica) seja
considerada como uma pretensão totalmente infundada (Ibid, p.49,
grifo do autor).
Por essa razão e isso é específico também em relação à educação Física
torna-se cada vez mais imprescindível para compreender e atuar na atual quadra
histórica recuperar a ontologia materialista e apreender as questões a partir das relações
sociais entre os homens reais e não unilateralmente das “ideias” e “discursos”, como se
estes independessem daquelas relações. Na esteira de Marx e Engels é preciso reafirmar
a necessidade de estabelecer a conexão entre as idéias e a realidade e, partir não de
pressupostos arbitrários, mas de “indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais
de vida, tanto aquelas por eles encontradas como as produzidas por sua própria ação”
(2007, p.87). Tarefa extremamente difícil, mas radicalmente necessária.
É então neste sentido que Lukács recupera Marx. O autor húngaro assinala que a
ontologia materialista marxiana estabelece a articulação entre conhecimento científico e
a nova filosofia materialista e, por isso, propala:
Seu espírito científico passou através da filosofia e jamais a
abandonou, de modo que toda verificação de um fato, toda apreensão
de um nexo, não são simplesmente fruto de uma elaboração crítica na
perspectiva de uma correção factual imediata; ao contrário, partem
daqui para ir além, para investigar ininterruptamente todo o âmbito do
factual na perspectiva do seu autêntico conteúdo de ser, de sua
constituição ontológica. A ciência se desenvolve a partir da vida; e, na
vida, quer saibamos ou não, somos obrigados a nos comportar
espontaneamente de modo ontológico. (...) trata-se aqui, portanto, de
uma cientificidade que não perde jamais a ligação com a atitude
ontologicamente espontânea da vida cotidiana; ao contrário, o que faz
é depurá-la e desenvolvê-la continuamente a nível crítico, elaborando
conscientemente as determinações ontológicas que estão
necessariamente na base de qualquer ciência (1979, p. 23 - 4).
Em suma, repito: recuperar a ontologia materialista, formulada por Marx e
Engels e retomada por Lukács, não significa um confronto de discursos ou de ideias, e
sim a necessidade de analisar objetivamente a prática social para compreender o
52
processo de desenvolvimento do ser humano, seus nexos, suas leis históricas
54
e a
educação/educação física nesse conjunto. Compreendê-las não como
representações/discursos dos seus professores/teóricos, mas como complexos parciais
que só possuem significado na relação com a totalidade social. E é a partir desse
pressuposto que se torna possível compreender os problemas enfrentados pela área e
como parte do gênero humano/sociedade compreender/atuar dentro das parcas
possibilidades pela transformação radical da sociedade capitalista.
Diante do exposto, realizo uma aproximação
55
à discussão sobre o que é o ser
social. Essa aproximação é no sentido de apontar que no processo de construção desse
ser as contradições apontadas como dicotomias pelos autores da educação física –
corpo/mente, teoria/prática, objetividade/subjetividade, indivíduo/sociedade se
constituem em unidades (compreendidas na identidade da identidade e não
identidade
56
), mas que no processo de desenvolvimento das relações sociais são
compreendidas como dicotomias insolúveis e naturalizadas.
54
A compreensão das leis históricas não significa incorporar à sociedade as leis da natureza, mas
compreender os nexos de desenvolvimento do ser social. Marx (1988), ao responder ao periódico
Mensageiro Europeu, utiliza uma citação extensa deste, por ser este o artigo que mais se aproximava da
compreensão do seu método, mesmo apresentando muitas denominações equivocadas e, nos dá, assim,
uma aproximação da compreensão dessas leis. Destaco alguns pontos importantes da citação: “Para Marx,
importa uma coisa: descobrir a lei dos fenômenos de cuja investigação ele se ocupa. E para ele é
importante não a lei que os rege, à medida que eles têm forma definida e estão numa relação que pode
ser observada em determinado período de tempo. Para ele, o mais importante é a lei de sua modificação,
de seu desenvolvimento, isto é, a transição de uma forma a outra, de uma ordem de relações para a outra.
Uma vez descoberta essa lei, ele examina detalhadamente as conseqüências por meio das quais ela se
manifesta na vida social (...) Mas, dir-se-á, as leis gerais da vida econômica são sempre as mesmas, sejam
elas aplicadas no presente ou no passado. (...) É exatamente isso o que Marx nega. Segundo ele, essas leis
abstratas não existem. (...) Segundo sua opinião, pelo contrário, cada período histórico possui suas
próprias leis. Assim que a vida esgotou determinado período de desenvolvimento, tendo passado
de determinado estágio a outro, começa a ser dirigida por outras leis. (...)” (apud MARX, p.25-6,
grifo meu).
55
Falo em aproximação por dois motivos: primeiro, em função de que discutir tal processo implica uma
complexidade de reflexões que por si só se constituiriam em uma tese e, segundo, porque também
necessita de um longo caminho para um amadurecimento teórico no qual apenas inicio uma trilha. Neste
sentido utilizo como base teórica Marx e Engels que inauguraram a ontologia materialista; Lukács que se
apropria e a desenvolve procurando a compreensão indo à raiz das categorias apreendidas por esses
pensadores e, fundamentalmente, as análises de Lessa e de Tonet sobre a ontologia do ser social.
56
A “identidade da identidade e não identidade” implica que o trabalho é a protoforma de toda a práxis, e
que no desenvolvimento do ser social as outras práxis possuem uma independência relativa do trabalho.
Ou seja, este continua sendo o modelo, mas as várias práxis não se identificam imediatamente com o
trabalho. Lessa, a partir de Lukács, ao explicar o processo de generalização afirma que neste o ser social
se remete para além da esfera do trabalho. Assim: “Ao generalizar subjetivamente, por exemplo, dá
origem a conhecimentos e a processos de valoração que em nada se relacionam, a não ser mediatamente,
com atos de trabalho enquanto tal. Objetivamente, dão origem a relações e categorias sociais que apenas
mediatamente se articulam com a transformação direta da natureza. (...) Entre a esfera do trabalho e a
construção da generalidade humana se desdobra uma relação de identidade da identidade e da não
identidade: o trabalho origem a novas necessidades e as possibilidades para o desenvolvimento
humano que não mais se identifica com ele” (p.28).
53
Considero necessário destacar, objetivando desvelar o processo de individuação,
que a constituição do indivíduo humano em hipótese alguma acontece de forma isolada
do conjunto das relações sociais. O indivíduo não é uma mônoda: existe enquanto
generidade. Essa definição aparece de maneira precisa na VI Tese sobre Feuerbach,
quando Marx expõe que “a essência humana não é uma abstração intrínseca ao
indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (MARX;
ENGELS, 2007, p.538). Os seres humanos se constituem em seres sociais, ou seja, são
os resultados de sua construção enquanto indivíduos e enquanto gênero humano.
Assim, além de social, a essência humana não é dada a priori, ela é histórica, ou
seja, é construída pelos homens nas relações entre si no seu intercâmbio com a natureza.
Apreender a essência humana dessa forma implica na modificação da compreensão do
mundo até então predominante. Significa, ainda, uma nova concepção de história
também não predominante, como explicam os autores de A Ideologia Alemã:
Essa concepção de história consiste, portanto, em desenvolver o
processo real de produção a partir da produção material da vida
imediata e em conceber a forma de intercâmbio conectada a esse
modo de produção e por ela engendrada (...) Ela não tem necessidade,
como na concepção idealista da história, de procurar uma categoria
em cada período, mas sim de permanecer constante sobre o solo da
história real; não de explicar a práxis partindo da idéia, mas de
explicar as formações ideais a partir da práxis material e chegar, com
isso, ao resultado de que todas as formas e [todos os] produtos da
consciência não podem ser dissolvidos por obra da crítica espiritual,
por sua dissolução na “autoconsciência” ou sua transformação em
“fantasmas”, “espectro”, “visões” etc., mas apenas pela demolição
prática das relações sociais reais [realen] de onde provêm essas
enganações idealistas; não é a crítica, mas a revolução a força
motriz da história e também da religião, da filosofia e de toda a
forma de teoria (2007, p.43, grifo meu).
Na compreensão do processo real é necessário partir dos indivíduos reais e estes
não podem ser apreendidos apenas pela contemplação do imediato, mas procurando as
suas conexões, as suas condições efetivas de vida. E é neste âmbito que Marx e Engels
apontam os pressupostos para a compreensão do ser social da seguinte forma:
Devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a
existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o
pressuposto de que os homens m de estar em condições de viver
para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo,
de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O
primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para satisfação
dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem
54
dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a
história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida
diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos
(2007, p.32-3).
O primeiro ato histórico, portanto, é a produção dos meios para satisfazer
necessidades das quais os homens não podem prescindir. Esse ato histórico é o trabalho,
compreendido como relação eterna entre os homens e a natureza. Relação eterna,
porque os homens em qualquer organização social não podem deixar de realizar esse
intercâmbio com a natureza. Por isso o trabalho foi e continuará sendo a categoria
fundante do ser social, a produção da vida que não é simplesmente dada pela natureza,
mas é construída socialmente pelos seres humanos. Marx em vários momentos explica o
significado do trabalho, em várias das suas obras, desde a juventude até a maturidade.
Entre essas explicações, destaco a seguinte passagem d’O Capital:
O processo de trabalho (...) é a atividade orientada a um fim para
produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer
necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o
homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e,
portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes
igualmente comum a todas as suas formas sociais (1988, p. 146).
O segundo ato histórico consiste em que a partir do momento em que são
satisfeitas as necessidades modificam-se os homens e a realidade, surgem novas
necessidades e a construção de novos instrumentos para satisfazê-las. Acrescenta-se
ainda um terceiro componente nesse processo: os homens produzem e reproduzem não
apenas a sua própria vida individual como a de seu gênero, constituindo sempre novas
relações sociais. Ou seja:
O segundo ponto é que a satisfação dessa primeira necessidade, a ação
de satisfazê-la e o instrumento de satisfação adquirido conduzem a
novas necessidades e essa produção de novas necessidades constitui
o primeiro ato histórico. (...) A terceira condição que já de início
intervém no desenvolvimento histórico é que os homens, que renovam
diariamente sua própria vida, começam a criar outros homens, a
procriar – a relação entre homem e mulher, entre pais e filhos, a
família (Marx; Engels, 2007, p. 33).
Segundo esses pensadores, esses três momentos coexistem e se interpenetram
condicionando-se reciprocamente; em suma, os homens para fazer história precisam
estar vivos e para isto é preciso, diferentemente dos outros animais, produzir os meios
55
necessários. Essa é uma condição fundamental que perpassa a humanidade. Ao realizá-
la, criam novas necessidades e novos meios e instrumentos para supri-las. Além disso, a
partir desse ato histórico garantem a sua existência individual e do seu gênero humano.
A produção e reprodução da vida realizada no trabalho é desde o princípio uma
ineliminável relação social. Existe sempre uma unidade entre a produção da história e a
produção da humanidade, portanto, dos indivíduos humanos. Dessa forma,
desde o princípio, uma conexão materialista dos homens entre si,
conexão que depende das necessidades e do modo de produção e que é
tão antiga quanto os próprios homens – uma conexão que assume
sempre novas formas e que apresenta, assim, uma “História”, sem que
precise existir qualquer absurdo político ou religioso que também
mantenha os homens unidos (Ibid, p.34).
Lukács, analisando esse processo demonstrado por Marx e Engels e em
concordância com eles, explica o longo processo do salto ontológico
57
do ser biológico
para o ser social e o momento predominante desse salto, o trabalho, uma categoria que
contém todas as características dos atos humanos. Essa categoria, juntamente com
outras como a linguagem, a sociabilidade e a divisão do trabalho, formam um complexo
que é o ser social. Cada uma delas apenas pode ser compreendida na sua relação com a
totalidade social, mas a protoforma é sempre o trabalho, ele é a base inclusive para as
dicotomias criadas, pois neste “estão gravadas in nuce todas as determinações que,
como veremos, constituem a essência de tudo que é novo no ser social. Deste modo, o
trabalho pode ser considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social” (Lukács,
s/d, p. 3).
Na processualidade social quando os homens procuram suprir suas
necessidades surge com o trabalho um elemento qualitativamente novo em relação ao
57
O estudo do ser social implica compreender que além desta esfera de ser existem na natureza também a
esfera inorgânica e a orgânica. A primeira existência é da esfera inorgânica, na qual o seu ser caracteriza-
se em um “tornar-se outro”; a esfera orgânica significa o início da vida animal e vegetal e possui a
capacidade de se reproduzir, “repor o mesmo”; a esfera do ser social, sem abandonar sua natureza
inorgânica e orgânica (biológica) caracteriza-se por produzir sempre o novo, num processo contínuo de
autoconstrução. A passagem de um ser para o outro implica, mesmo que o processo se dê por um longo
período, um salto qualitativo, o qual foi chamado por Lukács de “salto ontológico”. O salto (passagem do
animal à humanização) que deu origem ao ser social tem como elemento prioritário o trabalho. O salto de
uma esfera de ser para outra significa que, sem eliminar o ser anterior, surge um ser radicalmente novo,
no caso do ser inorgânico para o orgânico o processo de se de forma causal na natureza e estas duas
esferas de ser também se desenvolvem de forma causal. No caso do ser social o processo natural, com o
trabalho, lugar a um processo que se desenvolve histórica e socialmente afastando cada vez mais, na
expressão de Marx “as barreiras naturais”. Sobre esse assunto podem ser encontradas discussões em
Marx e Engels (2007); Lukács (s/d), Lessa (2002, 2007); Netto e Braz (2006);
entre outros.
56
processo natural. Esse elemento novo são os atos teleologicamente postos, ou seja, atos
que possuem uma finalidade e que alteram a realidade. Esses atos sempre trazem com
eles alternativas novas que só passam a existir com essa intervenção humana.
São apenas os homens que se diferenciam da natureza pelo trabalho e que
podem, portanto, colocar finalidades em suas ações. Na natureza, no desenvolvimento
histórico e social em si não existe teleologia. São somente os indivíduos que realizam
esse movimento cotidianamente, compreendendo isto ou não
58
. Isto faz deles os únicos
que constantemente constroem uma nova realidade em que a sua substancialidade
também é construída historicamente por seus atos.
Assim, a lógica do processo de desenvolvimento do ser social não é igual e nem
pode ser confundida com a lógica do movimento da natureza. A primeira se a partir
da teleologia, em um desenvolvimento contraditório do ser, a segunda estabelece uma
relação de causalidade, um movimento sem intencionalidade. Lukács assim explica
esses movimentos:
enquanto a causalidade é um princípio de automovimento que repousa
sobre si mesmo e que mantém este caráter mesmo quando uma série
causal tenha o seu ponto de partida num ato de consciência, a
teleologia, ao contrário, por sua própria natureza, é uma categoria
posta: todo processo teleológico implica numa finalidade e, portanto,
numa consciência que estabelece um fim. Por, neste caso, não
significa simplesmente assumir conscientemente, como acontece com
as outras categorias e especialmente com a causalidade; ao contrário,
aqui, com o ato de por, a consciência início a um processo real,
exatamente ao processo teleológico. Assim, o por tem, neste caso, um
ineliminável caráter ontológico (s/d, p.5).
Teleologia e causalidade são partes constitutivas do trabalho, e nesse processo
fazem com que o sujeito, depois do ato de “pôr”, não se identifique mais com o objeto
posto. A nova objetividade torna-se independente do sujeito que a “pôs” e passa a ter
um desenvolvimento causal, mas uma causalidade posta e não uma causalidade natural.
Essa causalidade posta precisa ser novamente apreendida pelo sujeito para que possa
realizar um novo “pôr” e assim sucessivamente, suprindo as necessidades, construindo
sempre uma nova realidade objetiva e necessitando apreendê-la.
58
Não importa o nível de consciência que uma parte significativa dos homens possua sobre o processo
histórico que estão construindo, mas o fato é que estão construindo, pois são seres sociais cujas atividades
corroboram com a edificação dos processos sociais mais amplos.
57
A objetividade encontrada e a posta possuem, assim, uma trajetória
independente do sujeito que a “pôs”. Isto se tanto naquilo que Lukács denominou
“pôr teleológico primário”, quando se realiza o trabalho relação do homem com a
natureza –, quanto ao que ele denominou “pôr teleológico secundário” práxis que diz
respeito à relação do homem com outros homens
59
. Isso significa que a nova
objetividade pode ser um instrumento como um machado ou idéias, depois de postas
não se confundem com o sujeito que os objetivou.
Além disso, a objetividade determina a possibilidade ou o de um determinado
por teleológico. Por isso Marx afirma:
Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos (1988, p.7).
O processo teleológico existente no trabalho, portanto existente somente no ser
social, é mediado pela consciência, ou seja, é sempre necessário um ser consciente
“capaz” do pôr teleológico, uma subjetividade que possua uma finalidade, que busque
os meios para realizá-la, que escolha entre as alternativas postas e que objetive aquilo
que foi previamente idealizado. Mas sempre a subjetividade está inevitavelmente
relacionada a sua materialidade, ou seja, a subjetividade sem a sua materialidade, sem a
relação com a objetividade, é uma impossibilidade. Lessa assim sintetiza a relação
inextrincável entre objetividade/subjetividade:
59
O “por teleológico secundário” faz parte do ser social desde sua gênese, mas tal como afirma Lukács,
ganha maior importância na medida em que as relações sociais se tornam mais complexas. Na passagem a
seguir o filósofo explica esta questão e a diferença entre as posições teleológicas primárias e secundárias:
“Mais importante, porém, é deixar claro o que distingue o trabalho neste sentido das formas mais
evoluídas da práxis social. Neste sentido originário e mais restrito, o trabalho é um processo entre
atividade humana e natureza: seus atos tendem a transformar alguns objetos naturais em valores de uso.
Junto a isto, nas formas ulteriores e mais evoluídas da práxis social, se destaca mais acentuadamente a
ação sobre outros homens, cujo objetivo é, em última instância mas somente em última instância
mediar a produção de valores de uso. Também neste caso o fundamento ontológico-estrutural é
constituído pelas posições teleológicas e pelas séries causais que elas põem em movimento. No entanto, o
conteúdo essencial da posição teleológica neste momento falando em termos gerais e abstratos é a
tentativa de induzir uma outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar algumas posições
teleológicas concretas. Este problema aparece logo que o trabalho se torna social, no sentido de que
depende da cooperação de mais pessoas, e independente do fato de que esteja presente o problema do
valor de troca ou que a cooperação tenha apenas como objetivo os valores de uso. Por isso, esta segunda
forma de posição teleológica, na qual o fim posto é imediatamente finalidade de outras pessoas,
pode existir em estágios muito iniciais” (s/d, p.24, grifos meus).
58
O fato de a teleologia ser necessariamente posta pela consciência não
a reduz a mera e simples pulsão da subjetividade. Sem subjetividade
não há teleologia mas a consciência, assim como a teleologia,
apenas existe no interior do ser social e, portanto, em relação com a
sua materialidade (2001, p. 71).
A mediação realizada pela consciência é possível porque não existe identidade
entre sujeito/objeto e subjetividade/objetividade. Essas são categorias igualmente reais
e, ao mesmo tempo em que são distintas, formam uma unidade. Na primeira categoria
existe a intencionalidade, a prévia-ideação e na segunda é sempre causalidade posta e
neste sentido não se orienta mais com a legalidade da consciência que a “pôs”, ou seja,
não identidade entre elas, entre a prévia-ideação existente na consciência e o mundo
objetivo.
Dito de outra forma: a prévia-ideação existente na teleologia pressupõe uma
subjetividade, um ser consciente que a possua e a “ponha”. Depois de posta, objetivada,
se torna causalidade, pois faz parte do mundo objetivo que se relaciona com a
subjetividade que a pôs, mas que em nenhum momento se confunde com ela. Uma vez
“posta”, ela é portadora de uma legalidade causal e em hipótese alguma possui uma
intencionalidade, uma consciência capaz de pôr
60
. Neste sentido, Lessa explica:
Uma vez objetivado, o ente adquire uma objetividade independente
(em um grau maior ou menor, conforme o caso) da consciência que o
pôs. Assim sendo, as criações humanas (sejam elas objetos singulares
ou a totalidade das relações sociais) passam a se desenvolver de forma
puramente causal, não-teleológica e, por isso, na cotidianidade, se
confrontam com os indivíduos como uma “segunda natureza” (2002,
p. 81).
Por conseguinte, é impossível haver uma teleologia na história, no
desenvolvimento social. A teleologia existe no ser social mediada pela consciência -
na totalidade de sua práxis, cuja protoforma é o trabalho. Repito, são os homens que
fazem a história.
É com a consciência mediadora da práxis que podemos estabelecer relações
entre o passado, o presente e projetar o futuro, mas sempre a partir das condições dadas,
60
Lessa reforça que: “As interações, portanto, que transformam a causalidade de ‘dada’ em ‘posta’ são
aquelas pelas quais são objetivadas as prévias-ideações e jamais são interações que cancelam a distinção
ontológica entre teleologia e causalidade” (2002, p.73).
59
objetivadas. E exatamente pela possibilidade de estabelecer essas relações, no
desenvolvimento histórico concreto, é a posição do fim que guia nossas práticas sociais
tanto no processo imediato do trabalho quanto na práxis em que não se tem esse devir
imediato.
A história nada mais é do que o suceder-se de gerações distintas, em
que cada uma explora os materiais, os capitais e as forças de produção
a ela transmitidas pelas gerações anteriores; portanto, por um lado ela
continua a atividade anterior sob condições totalmente alteradas, e,
por outro, modifica com uma atividade completamente diferente as
condições antigas (MARX; ENGELS, 2007, p.40)
Lukács categoriza esse domínio da posição do fim como o “dever-ser”. Sobre
essa categoria fundamental preconiza:
Quando, então, observamos que o ato decisivo do sujeito é a própria
posição teleológica e sua realização, fica imediatamente evidente que
o momento categorial determinante destes atos implica o surgimento
de uma práxis caracterizada pelo dever-ser. O momento determinante
imediato de qualquer ação que vise à realização não pode deixar de ter
a forma do dever-ser, uma vez que qualquer passo em direção à
realização é decidido verificando se e como ele favorece a obtenção
do fim. O sentido da determinação, então, se inverte: na determinação
biológica normal, causal, ou seja, nos animais e também nos homens,
existe um processo causal no qual é sempre inevitavelmente o passado
que determina o presente. Também a adaptação dos seres vivos a um
ambiente transformado é regido pela necessidade causal, na medida
em que as propriedades produzidas no organismo passado reagem à
transformação, conservando-se ou anulando-se. A posição de um fim
inverte, como vimos, este andamento: o fim vem (na
consciência) antes da sua realização e, no processo que orienta
todos os passos, todo
movimento é guiado pela posição do fim
(futuro) (Lukács, s.n. p. 23, grifo meu).
O dever-ser possui uma função reguladora que age modificando o sujeito que
trabalha. O projetar do futuro implica, para a sua realização, o conhecimento da
realidade, em escolher entre as várias alternativas, dominar os afetos e, depois de
realizado, avaliar a partir da finalidade planejada. Assim, essa posição do fim modifica
o comportamento humano
61
. O comportamento efetivo do sujeito, segundo Lukács, é o
ponto de partida para a realização do trabalho. Segundo os argumentos lukacsianos:
61
A essência de um “ser” é o que ele possui de constante, ou seja, aquilo que lhe continuidade. No ser
social, a essência é a sua processualidade, é a condição de estar em constante transformação e essa
transformação é provocada pelos próprios homens. Esta processualidade é completamente distinta da
processualidade natural, pois como afirmei, no ser social, e neste, existe a teleologia, ou seja, os
homens constroem-se cotidianamente com atos intencionalmente postos e neste processo ao mesmo
tempo se distanciam da natureza, a transformam, complexificam as relações entre si e constroem a sua
60
A essência ontológica do dever-ser no trabalho atua sobre o sujeito
que trabalha e determina o comportamento laborativo, mas não
acontece apenas isto, ela determina também o seu comportamento em
relação a si mesmo enquanto sujeito do processo de trabalho. (...) a
constituição do fim, do objeto, dos meios, determina também a
essência da postura subjetiva. Em outros termos, também do ponto de
vista do sujeito um trabalho só pode ter sucesso quando realizado com
base numa grande objetividade, e deste modo a subjetividade, neste
processo, deve estar a serviço da produção. É claro que as qualidades
do sujeito (espírito de observação, destreza, habilidade, tenacidade,
etc.), influem (...) O autodomínio do homem, que aparece pela
primeira vez no trabalho como efeito necessário do dever-ser, o
domínio crescente de sua inteligência sobre as suas inclinações
biológicas e hábitos espontâneos, etc. são regulados e orientados pela
objetividade deste processo; ela, por sua vez, se funda no próprio ser
natural do objeto, dos meios, etc. do trabalho (s/d, p.33).
Como outras categorias, o dever-ser está completamente relacionado com as
alternativas concretas dos homens, portanto, o estabelecimento da “posição do fim” é
sempre histórico, ou seja, se transforma com a construção histórica realizada pelo ser
social. Dessa forma, o dever-ser não atua como finalidade ideal, universal que deve ser
atingida para que um fim a priori seja cumprido. O dever ser também não diz respeito
às posições teleológicas que não podem ser alcançadas e, por isso, atuam como
“reguladoras” das atitudes e comportamentos, mas sim é fruto de necessidades e
situações concretas, com possibilidades reais de se realizarem. Mas, como
possibilidade, pode ou não se concretizar. Daí a afirmação de Lukács segundo a qual:
O dever-ser em si mesmo, possui, no processo de trabalho,
possibilidades muito diversas, objetivas e subjetivas. Quais dessas e
de que modo se tornarão realidade social, é uma coisa que depende do
respectivo desenvolvimento concreto da sociedade e também
sabemos isto somente post festum se pode compreender de maneira
adequada as determinações concretas de um tal desenvolvimento
(Ibid, p.36).
Como acontece em outras categorias, também no dever-ser as formas mais
complexas não podem ser deduzidas logicamente do dever-ser do trabalho, mas não
representam em hipótese alguma uma dualidade em relação a ele. Este continua sendo o
modelo de toda práxis. Assim sendo, quando
história. Assim, nos homens, com o “dever-ser” os atos teleológicos invertem o domínio do presente pelo
passado para o domínio do presente pelo futuro. Lessa sintetiza a questão da seguinte forma: “O ser é
histórico porque sua essência, em vez de ser dada a priori, se consubstancia ao longo do próprio processo
de desenvolvimento ontológico. (...) no ser social, a essência, em vez de uma ‘determinação geral,
inevitável de todo conteúdo prático’, desenha o horizonte de possibilidades dentro do qual pode se
desenvolver o ineliminável caráter de alternativa de todos os atos humanos” (2002, p.51; 56).
61
o fim teleológico é o de induzir outros homens a posições teleológicas
que eles mesmos deverão realizar, a subjetividade de quem põe
adquire um papel qualitativamente diferente e, ao final, o
desenvolvimento das relações sociais entre os homens implica que
também a autotransformação do sujeito se torne objeto imediato de
posições teleológicas, cujo conteúdo é um dever-ser. É claro que estas
posições são diferentes daquelas que encontramos no processo de
trabalho, não apenas por serem mais complexas, mas, e exatamente
por isto, pela diversidade da qualidade. (...) Em qualquer caso, essas
inegáveis diferenças qualitativas não nos devem fazer esquecer o fato
fundamental comum, isto é, que todas as relações do dever-ser, atos
dos quais não é o passado, na sua espontânea causalidade que
determina o presente, mas, ao contrário, é o objetivo futuro,
teleologicamente posto, o princípio determinante da práxis (Idem,
p. 36, grifo meu).
As condições objetivas determinam por um lado as ações e a construção da
história; por outro, é a finalidade futura que as impulsiona modificando as condições
objetivas e subjetivas do presente. Esse processo lança o ser social para uma constante
transformação, para mudanças qualitativas, mas que por depender de escolhas entre as
alternativas, podem produzir erros e as transformações qualitativas podem significar
uma inflexão ou uma superação no processo de desenvolvimento.
Relacionado ao dever-ser atuando nessas transformações, estão os valores. Eles
possuem um caráter de objetividade tal qual o dever-ser e atuam como critério para a
avaliação do produto que foi realizado.
É de fundamental importância compreender que é ontologicamente impossível a
existência da subjetividade sem a prévia existência da objetividade. A subjetividade é a
síntese entre teleologia e causalidade, ou seja, pressupõe o trabalho, como é sempre bom
lembrar, categoria da qual se origina o ser social.
É impossível também a redução da subjetividade aos limites das sensações
corporais em detrimento da racionalidade, ou da “racionalidade técnica”. Se assim
fosse, isto faria com que desaparecesse a subjetividade, não existiria mais o
distanciamento entre sujeito e o objeto e o ser social, deixando de existir, seria apenas
um dos animais superiores
62
. A dicotomia entre subjetividade e objetividade não é
possível.
62
Sobre as diferenças dos animais superiores e o ser social, ver Leontiev (2004).
62
2.1 – O desenvolvimento contraditório do ser social
O processo de desenvolvimento, o distanciamento entre o sujeito e o objeto é um
processo unitário e contraditório e que gera outras aparentes dicotomias além daquela
entre subjetividade e objetividade. Esse processo se constrói a partir da contradição
entre o fenômeno e a essência realizada a partir do distanciamento entre o sujeito e o
objeto criado no trabalho; é necessária uma autonomia da consciência em relação ao
corpo para que isso ocorra, mas esse processo gera na consciência uma falsa percepção,
elimina a contradição e cria uma falsa dualidade que objetivada passa a ser
compreendida como verdadeira.
A relação sujeito/objeto e o necessário distanciamento que nasce do trabalho, do
salto ontológico do ser natural para o ser social são manifestações humanas e não
podem ser encontradas em outro lugar na natureza. Dessa relação nascem categorias
essenciais à formação do ser social, como, por exemplo, a linguagem
63
. Essa categoria é
uma das bases indispensáveis do ser social. Sua compreensão, juntamente com a da
formação da consciência, fornecem argumentos para entender as dicotomias citadas.
Marx e Engels, ao discutirem a base material da consciência, explicam que:
O “espírito” tem em si de antemão a maldição de ser “afetado” pela
matéria, que aqui se faz presente na forma de camadas de ar em
movimento, de sons, em suma de linguagem. A linguagem é tão velha
quanto a consciência a linguagem é a consciência efetiva, prática
também existente para outros homens, portanto tamm existente
primeiro para mim mesmo, e assim como a consciência a linguagem
surge somente da necessidade //Bedürfnis//, da emergência de
intercâmbio com outros homens (...) Já de antemão, portanto, a
consciência é um produto social e assim continua enquanto em geral
existirem homens (2003, p. 197, grifo dos autores).
Lukács (s.n.), na esteira desses pensadores, argumenta que a comunicação existe
entre animais superiores e está relacionada à sobrevivência da espécie. Faz parte do
63
Embora nas citações que se seguem os autores se refiram à fala, compreendo que a linguagem não é
somente verbal, mas é também gestual, diz respeito às representações feitas por meio de desenhos,
escritas, enfim várias formas que permitam a comunicação entre as pessoas. Ela pressupõe a existência de
uma sociabilidade. Assim, as formas de comunicação precisam ser cada vez mais precisas para a
realização do trabalho e promove o desenvolvimento cada vez mais preciso da fala. Lukács (s.n., p. 48)
retoma Engels quando este “observa com justeza que a linguagem surgiu porque os homens ‘tinham
alguma coisa para dizer-se. A necessidade desenvolveu o órgão necessário para isso’”.
63
caráter biológico desess animais. E o que os diferencia dos seres humanos é exatamente
o fato desses últimos realizarem o distanciamento, ou seja, os homens são capazes de,
pela capacidade de abstração, se distinguirem dos outros homens e de todo o mundo que
os cerca. Isto acontece com o afastamento do objeto em relação a sua existência
imediata em dois sentidos: primeiro, porque o entende como independente da sua
existência humana imediata e, depois, por tentar precisar cada vez mais concretamente
este objeto afastado, conceituando-o e representando-o através de signos. Esses signos
são cada vez mais precisos e capazes de serem mutuamente compreendidos, assim,
permitem a compreensão do objeto afastado nas condições mais diversas. Então, do
mesmo modo que no trabalho ocorre o distanciamento entre sujeito e objeto e que dele
origina a linguagem, simultaneamente esta também produz o distanciamento entre o
objeto concreto e o seu conceito criado. Lukács explica que
[...] os seus meios de expressão, as suas designações são tais que
permitem muito bem a cada sinal figurar em contextos completamente
diferentes. De modo que a reprodução realizada através do signo
verbal se separa dos objetos designados por ela e, por conseguinte,
também do sujeito que a realiza, tornando-se expressão conceptual de
um grupo inteiro de fenômenos determinados, que podem ser
utilizados de modo análogo por sujeitos inteiramente diferentes (s.n,
p.48).
O distanciamento que ocorre tanto no trabalho como na linguagem é sempre
diferente, porque todo o processo laboral, mesmo o mais simples, realiza uma relação
nova entre imediaticidade e mediação” (Idem, 48). Essa relação é sempre diferente, pois
os seres humanos, ao objetivarem o trabalho, transformam tanto a necessidade quanto a
forma de mediar a sua satisfação. Ambas deixam de ser naturais para transformarem-se
em construções humanas. Por isso Lukács afirma: “A contraditoriedade desse estado de
coisas é reforçada pela circunstância, também ineliminável, de que todo produto do
trabalho, quando está terminado, tem para o homem que o utiliza, uma nova
imediaticidade, não mais natural” (Ibid, p.48).
A essa questão o filósofo húngaro acrescenta que, à medida que o trabalho se
desenvolve, as mediações entre o homem e o fim imediato a que ele objetiva se tornam
cada vez mais complexas. Há nesse processo, desde o início, uma diferenciação entre as
finalidades imediatas e as mais mediatas, de maneira que “só o distanciamento
conceptual dos objetos por meio da linguagem é capaz de fazer com que o
distanciamento real que se realizou no trabalho seja comunicável e seja fixado como um
patrimônio comum de uma sociedade” (Ibid, p.49).
64
A generalização das experiências se torna possível através da linguagem, o que
permite que estas se tornem práxis social. O autor argumenta que com a linguagem
também foi possível um salto do ser natural para o ser social. Ela faz parte das
categorias que constituem esse ser. Assim, explica:
É suficiente um olhar muito superficial ao ser social para perceber a
inextricável imbricação em que se encontram suas categorias decisivas
como o trabalho, a linguagem, a cooperação e a divisão do trabalho e
para perceber que aí surgem novas relações da consciência com a
realidade e, em decorrência, consigo mesma, etc. Nenhuma destas
categorias pode ser adequadamente compreendida se for considerada
isoladamente (Ibid, p.1).
Entretanto, é sempre bom lembrar que embora o ser social seja a “inextrincável
imbricação” de algumas categorias, o trabalho é aquela fundante, ou seja, as outras
categorias são desdobramentos do ser social constituído. O trabalho é a única categoria
que possui em sua essência, como afirmei anteriormente, “uma inter-relação entre
homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto de
trabalho, etc.) como orgânica, (...) mas antes de mais nada assinala a passagem, no
homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social” (Ibid, p. 2).
2.1.1 – A relação corpo e consciência
No processo de inter-relação, ao surgir o distanciamento entre o sujeito e o
objeto, entre o objeto e seu conceito, se constrói a consciência. Ela é um
desdobramento do distanciamento entre sujeito e objeto ocorrido no salto ontológico a
partir do trabalho. Em seu desenvolvimento, a consciência cada vez mais pode ter um
domínio sobre o corpo e, os homens, ao criarem as representações sobre si mesmos,
acabam por estabelecer uma cisão entre a consciência e o corpo. Assim:
Esse domínio da consciência sobre o seu próprio corpo, que também
se estende a uma parte da esfera da consciência, aos hábitos, aos
instintos, aos afetos, é uma condição elementar do trabalho mais
primitivo, e por isso não pode deixar de marcar profundamente as
representações que o homem faz de si mesmo, uma vez que exige,
para consigo mesmo, uma atitude qualitativamente diferente,
inteiramente heterogênea em relação à condição animal, e uma vez
que tais exigências são postas por todo tipo de trabalho (Ibid, p.49).
Entretanto, a consciência humana está indissociavelmente ligada ao processo de
reprodução biológica de seu corpo. Neste contexto, existe um contínuo “recuo dos
65
limites naturais
64
”, mas nunca a sua completa supressão. Por isso,
o trabalho modifica, por sua própria natureza, também a natureza do
homem que o realiza. A linha através da qual se efetiva este processo
de mudança é dada pela posição teleológica e pela sua realização
prática (...) o ponto central do processo de transformação interna do
homem consiste em chegar a um domínio consciente sobre si mesmo.
Não somente o objetivo existe na consciência antes de realiza-se
praticamente, como essa estrutura dinâmica do trabalho se estende a
cada movimento singular: o homem que trabalha deve planejar
antecipadamente cada um dos seus movimentos e controlar
continuamente, conscientemente, a realização do seu plano, se quer
obter o melhor resultado concreto possível (Ibid, p. 49).
A partir disso a consciência, ao torna-se portadora das posições teleológicas da
práxis, deixa de ser um epifenômeno para ser essencialmente ativa. Esse processo faz
com que nasça no homem a ideia equivocada de que se é a consciência que domina o
corpo, ela deve possuir uma substancialidade independente e autônoma em relação a
ele, mas a consciência do homem está indissociavelmente ligada ao processo de
reprodução biológica de seu corpo. Não existe sem a materialidade do corpo, portanto,
por maiores transformações que possam acontecer, “nada muda quanto à relação
ontológica última da consciência com o processo vital do corpo” (Ibid, p.50).
Essa questão parece ser indiscutível, mas os desdobramentos da consciência
podem levar ao entendimento equivocado sobre a relação entre o ser natural e o social,
ou seja: “o desdobramento da consciência cria posições socialmente relevantes que na
própria vida cotidiana podem caminhar para uma estrada errada a intentio recta
ontológica” (Ibid, p. 50).
Aparentemente o que se produz é uma dicotomia entre consciência e corpo, em
que a primeira subordina o segundo. Por isso a necessidade de se compreender para
além do fenômeno dessa cisão, e se chegar à concretude da relação do caráter
insuprimivel entre a unidade da consciência e corpo.
A partir dessa compreensão de Lukács dois componentes explicativos que
parecem ser opostos. Um diz respeito ao que ele chama de ‘ontológico-objetivo’, ou
64
Essa definição lukacsiana tomada de Marx diz respeito à ampliação da socialidade humana através do
seu controle cada vez mais ampliado sobre a natureza. O pensador húngaro expõe a questão da seguinte
forma: “Existem, certamente, categorias sociais puras, ou, melhor, apenas o conjunto delas constitui a
especificidade do ser social; todavia, esse ser não apenas se desenvolve no processo concreto-material de
sua gênese a partir do ser da natureza, mas também se reproduz constantemente nesse quadro e não pode
jamais se separar de modo completo precisamente em sentido ontológico dessa base. (...) A tendência
principal do processo que assim tem lugar é o constante crescimento, quantitativo e qualitativo, das
componentes pura ou predominantemente sociais, aquilo que Marx costuma chamar de ‘recuo dos limites
naturais’” (Ibid, p. 19-20).
66
seja, a atividade da consciência está ligada indissoluvelmente à trajetória biológica do
organismo vivo, assim “cada consciência individual e não existem outras nasce e
morre junto com seu corpo” (Ibid, p. 50). O outro aspecto diz respeito à consciência ter
uma função dirigente em relação ao corpo que se apresenta como órgão executivo. Isto
acontece porque no processo de trabalho o homem planeja antecipadamente o que
pretende realizar e procura controlar esse processo para obter um resultado melhor
possível.
Mesmo não existindo nenhuma prova a respeito da autonomia da consciência, a
não ser a simples aparência, existe aqui, como em outros momentos, uma contradição
entre fenômeno e essência. Na aparente dicotomia, afirma Lukács, existe uma unidade
ontológica:
É preciso dizer que, do ponto de vista ontológico, é possível a
existência de um corpo sem consciência quando, por exemplo, por
causa de uma doença, esta deixa de funcionar, ao passo que uma
consciência sem a base biológica não pode existir. Isto não contradiz o
papel autônomo, dirigente e planificador da consciência nas suas
relações com o corpo, pelo contrário, é o seu fundamento ontológico
(Ibid, p. 50).
Ainda de acordo com Lukács, essa percepção está ligada a uma necessidade
religiosa subjetiva. Esse problema deve ser pensado levando em consideração que,
nesse caso, a autonomia da alma em relação ao corpo se baseia em uma ideia
equivocada. Existe a autonomia do agir da consciência em relação ao corpo, mas como
‘fatos objetivos da ontologia do ser social’ e, em função disto,
quando a consciência toma a própria autonomia em relação ao corpo
como verdade ontológica absoluta, não erra ao fixar imediatamente no
pensamento o fenômeno, como acontece no caso do sistema
planetário, mas apenas na medida em que considera o modo
fenomênico que é ontologicamente necessário como fundado
direta e adequadamente da própria coisa (p.51).
Tanto na história das religiões quanto na história da filosofia torna-se muito
difícil a superação do dualismo
65
. Isto é decorrente da
dificuldade em apreender esse erro da intentio recta ontológica da
vida cotidiana e também da filosofia aumenta na medida [rever
original em que o ser social vai se desenvolvendo, mesmo que o
desenvolvimento da ciência biológica forneça sempre argumentos
novos e melhores para afirmar que consciência e ser são inseparáveis
65
Lukács adverte que isto acontece mesmo com aqueles filósofos que procuram romper com o dualismo
advindo da religião.
67
e que uma “alma” como substância autônoma não pode existir (Ibid,
p. 51).
No entanto, adverte Lukács, o processo da complexificação da vida social
reforça o sentido oposto. Nesse caso, o aspecto discutido por ele refere-se ao sentido
que todo homem necessita dar a sua vida e a dos seus semelhantes. Dar sentido a sua
existência é parte constitutiva do ser social. “Vida, nascimento, morte estão, enquanto
fenômenos da vida natural, para além do sentido, não são nem sensatos nem absurdos.
na medida em que o homem, em sociedade, procura um sentido para a sua própria
vida e essa fracassa, só então surge também o seu oposto, o absurdo” (Ibid, p.51).
No princípio, nas sociedades primitivas, isso se dava de forma espontânea,
diferentemente daquilo que acontece em sociedades mais desenvolvidas, em que a
aparente autonomia individual é capaz de produzir a autonomia da “alma” em relação
ao corpo e a seus afetos espontâneos. Embora isto não seja uma regra absoluta, a
existência individual que possui um sentido aparece como parte de um plano maior,
como por exemplo, a premissa religiosa da salvação do mundo. Por isso, postula Lukács
é irrelevante se o coroamento da cadeia teleológica é constituído pela
beatitude celeste ou pela dissolução de si mesmo numa feliz não-
objetividade, num salvífico não-ser. O importante é que a vontade de
conservar uma sensata integridade da personalidade que a partir de
um determinado estágio é um problema social relevante encontra
uma base de apoio espiritual numa ontologia fictícia nascida a partir
dessas necessidades (Ibid, p.51-2).
O autor argumenta que essas explicações tão mediadas pela interpretação
ontologicamente falsa da relação consciência e corpo são importantes para demonstrar o
quanto é abrangente esse processo de humanização do homem pelo trabalho. Durante
toda a história da humanidade pode ser observada a dominação da consciência em
relação ao corpo e a outros aspectos humanos, por isso o “comportamento crítico-
distanciado, assim obtido, da consciência humana sobre a sua própria pessoa.” (Ibid, p.
52). Isto vai acontecer das formas mais variadas e com conteúdos diversamente novos.
Mas o autor sempre reforça que é no trabalho que se encontra a gênese do processo e de
qualquer percepção que se possa ter. Expõe, neste sentido, o exemplo dos sonhos. É
equivocado procurar a origem da autonomia da “alma” nos sonhos.
Explica, também, que alguns animais superiores sonham, mas isto não os faz
superar sua consciência epifenomênica. Para os homens, “o sonho é uma experiência
interior insegura exatamente porque o seu sujeito, interpretado como “alma”, toma
68
caminhos que parecem estar mais ou menos em contradição com seu domínio normal da
vida.” (Ibid, p. 52). O sonho pode levar a uma construção transcendental quando a
autonomia da alma se torna um elemento da imaginação do homem a partir das
experiências do trabalho.
Outro aspecto apontado por Lukács para entender a construção da relação
dicotômica entre a consciência e o corpo é a magia. Mas adverte: “No entanto, nada
disto permite esquecer que tanto a aspiração da magia a dominar as forças naturais não
dominadas de outro modo, quanto as concepções religiosas fundadas em deuses
criadores têm como modelo, em última análise, o trabalho humano” (Ibid, p. 52).
Lukács retoma Engels quando este discute a questão e busca a gênese da
concepção de mundo filosófico-idealista a partir da análise dos primórdios da
propriedade privada. Nessa análise, expõe a separação entre corpo e consciência como
consequência da separação entre trabalho intelectual e físico, ou seja, na expressão de
Engels, “a cabeça organizadora do trabalho pôde fazer executar por outras mãos o
trabalho planejado.” (Apud Lukács, p.52). Lukács acrescenta a isso que “é sem dúvida
correto para aquelas sociedades nas quais as classes dominantes já deixaram de
trabalhar elas mesmas e nas quais por isso o trabalho físico realizado pelos escravos é
objeto de desprezo social, como na polis helênica evoluída” (Ibid, p. 52).
Por mais mistificadoras que sejam as representações que os homens façam da
sua existência elas terão, em última instância, explicação na realidade terrena cuja base
ontológica está no trabalho. Portanto, a necessária separação ontológica entre
consciência e corpo produz essas representações.
A magia possuía um caráter ‘fantástico’, mas estava ligada ao domínio das
forças naturais. Ademais, a idéia de transcendentalidade pós-morte está relacionada à
incompletude da vida terrena, ou seja, a não concretização do sentido terreno dado à
vida. Esses aspectos estão inevitavelmente relacionados mediatamente e muitas vezes
imediatamente às relações sociais concretas, à produção e à reprodução da existência
em determinado período.
Hoje, relacionada à conservação da sociedade, com a crença de impotência
diante do mundo, a dicotomia corpo/consciência se torna muito presente, como é
possível constatar nos textos sobre a educação física. Na tentativa de mostrar a
legitimidade dessa área, sem questionar a totalidade social na qual se quer ser legítima,
69
se reforça essa dicotomia, ora por tratar o corpo como um instrumento de um espírito
independente deste, ora por tratá-lo, como o próprio homem sensível, perceptivo, lúdico
independente da racionalidade. O corpo se torna a própria subjetividade compreendida
como sentimentos, vontades, desejos.
2.1.2 – A relação teoria e prática
Além da falsa dicotomia entre consciência e corpo,outro aspe cto de
fundamental importância é criado no distanciamento entre sujeito e objeto: a falsa
dicotomia entre teoria e prática. A raiz da questão problemática dessa dicotomia está
na relação entre teleologia e causalidade, na forma como estas se apresentam no
desenvolvimento dos complexos da práxis social originados no trabalho
66
. Por isso
torna-se necessário compreender melhor essas categorias e suas relações.
Neste sentido, é preciso reafirmar que existe sim o distanciamento entre sujeito e
objeto; é radicalmente necessário que eles não se confundam. Mas ao mesmo tempo em
que se distanciam, formam necessariamente uma unidade. Teleologia e causalidade não
se separam. Lukács coloca a questão nos seguintes termos:
É apenas a partir da coexistência ontológica entre teleologia e
causalidade no trabalho (prática) do homem que deriva o fato de que,
no plano do ser, teoria e práxis, dada a sua essência social, são
momentos de um único e idêntico complexo do ser, o ser social, o que
66
Lukács (s/d) esclarece que historicamente se pensa a teoria como contemplação de maneira que esta
não tem relação ou nasce descolada da prática social. Isto porque se atribui à natureza e a história uma
teleologia e, à causalidade atribui-se a função de “fim último”. Isto acontece com o idealismo e, também,
no materialismo sensitivo quando este tenta inverter o processo e acaba por retirar do homem a teleologia.
Nesses casos, não se compreende que o único ser a ter teleologia é o ser social. É Marx quem soluciona o
problema do desenvolvimento do pensamento humano colocando a questão corretamente. Ele faz a crítica
tanto ao idealismo quanto ao materialismo sensitivo, rompe com a compreensão de que as questões sobre
o conhecimento devem ser tratadas a partir do primado gnosiológico e busca a resposta na origem, nos
fundamentos ontológicos – no trabalho - como é possível verificar na primeira tese Ad Feuerbach
(1845): “O principal defeito de todo o materialismo existente até agora (o de Feuerbach incluído) é que o
objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, é apreendido sob a forma do Objeto [Objekt] ou da
contemplação, mas não como atividade humana sensível, como prática, não subjetivamente. Daí o lado
ativo, em oposição ao materialismo, [ter sido] abstratamente desenvolvido pelo idealismo que,
naturalmente, não conhece a atividade real, sensível, como tal. Feuerbach quer objetos sensíveis
[sinnliche Objekte], efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento: mas ele não apreende a
própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Razão pela qual ele
enxerga, n’A essência do cristianismo, apenas o comportamento teórico como o autenticamente humano,
enquanto a prática é apreendida e fixada apenas em sua forma de manifestação judaica, suja. Ele não
entende, por isso, o significado da atividade revolucionária”, prático-crítica” (MARX; ENGELS, 2007,
p.533, grifo dos autores).
70
quer dizer que podem ser compreendidas de modo adequado
tomando como ponto de partida esta relação recíproca (p.27-8).
E ainda:
O objeto só pode tornar-se uma coisa da consciência quando esta
procura agarrá-lo mesmo no caso de não haver interesses biológicos
imediatos que liguem o objeto com o organismo portador dos
movimentos. Por outro lado, o sujeito se torna sujeito exatamente
quando tem esse tipo de atitude para com os objetos do mundo
exterior. Fica claro, então, que a posição do fim teleológico e a dos
meios para executá-lo, que funcionam de modo causal, jamais se
dão, enquanto atos de consciência, independente uma da outra.
Neste complexo constituído pela execução de um trabalho reflete e
se realiza a conexão inseparável entre teleologia e causalidade
posta (p.29-30, grifo meu).
No processo de trabalho sob a forma originária, ou seja, produtor de coisas úteis
se torna mais fácil perceber a unidade entre teleologia e causalidade posta. No entanto,
na construção das relações sociais desenvolvem-se complexos que possuem uma relação
extremamente mediada com esse trabalho, assim, uma rie de questões se coloca e é
mais difícil compreender a existência da unidade. O “por teleológico secundário” – ação
dos homens sobre os outros homens passa a ter uma função cada vez mais importante
e os interesses sociais, intervém inevitavelmente. Mas, em última instância, essas
posições secundárias estão sempre relacionadas com o processo produtivo.
Para compreender a questão da relação entre teoria e prática, inicialmente é mais
tranquilo nos remetermos ao processo de trabalho. Para tanto, é necessário retomar
algumas questões.
Como tenho insistido, o trabalho é a protoforma de toda a práxis social. Isto
significa que não a possibilidade de práxis sociais em que não existam atos
teleológicos. De acordo com Lukács: “O fato simples de que no trabalho se realiza uma
posição teleológica é uma experiência elementar da vida cotidiana de todos os homens,
tornando-se isto um componente ineliminável de qualquer pensamento; desde os
discursos cotidianos até a economia e a filosofia” (s/d, p.4).
Além disso, a teleologia existe apenas e unicamente no ser social e torna-se
realidade somente ao ser posta. Isso significa dizer que qualquer processo de trabalho
pressupõe uma posição teleológica que só se confirma ao se realizar esse processo.
71
Lukács, ao se referir a Marx e afirmar como ele responde corretamente à questão da
teleologia, confirma que,
para Marx, o trabalho não é uma das formas fenomênicas da teleologia
em geral, mas o único lugar onde se pode demonstrar ontologicamente
a presença de um verdadeiro por teleológico como momento efetivo
da realidade material (...) antes de mais nada, a característica real
decisiva da teleologia, isto é, o fato de que ela pode adquirir
realidade quando for posta, recebe um fundamento simples, óbvio,
real: nem é preciso repetir Marx para entender que qualquer trabalho
seria impossível se ele não fosse precedido de um tal por, que
determina o processo em todas as suas fases (s/d, p.6-7, grifo meu).
Na teleologia, além da determinação da “posição do fim” finalidade a ser
alcançada para satisfação de uma necessidade existe também a “busca dos meios”
para realizar a finalidade almejada. Isto pressupõe que para se chegar ao fim proposto
de modo eficiente torna-se necessário conhecer a realidade, ou as cadeias de nexos
causais” que a compõe. No processo de trabalho, segundo
Lessa:
Para que a teleologia possa converter a causalidade em causalidade
posta é fundamental que a subjetividade capture, na medida
minimamente necessária para cada objetivação, as determinações do
real. Desse modo, ainda que um conhecimento absoluto da
totalidade do existente seja uma impossibilidade ontológica (acima
de tudo porque o real está permanentemente em movimento), sem
um mínimo de conhecimento do ser-precisamente-assim existente o
trabalho não pode ser bem-sucedido (2002, p.93, grifo meu).
Posto nesses termos, o momento predominante de toda a ação humana,
de todo o pôr teleológico, é a posição do fim. Essa posição orienta todo o processo. Mas
entre o início, a idéia e a realização da finalidade, está o que Lukács chama de “a busca
dos meios”
67
. Assim:
A busca dos meios para realizar o fim não pode deixar de implicar um
conhecimento objetivo do sistema causal dos objetos e dos processos
cujo movimento pode levar a alcançar o fim posto (...) a busca tem
dupla função: de um lado evidenciar aquilo que em si mesmo governa
os objetos em questão independente de toda consciência; de outro,
descobrir neles aquelas novas conexões, aquelas novas possíveis
funções que, quando postas em movimento, tornam efetivável o fim
teleologicamente posto (Lukács, s/d, p.8).
Essa busca significa a compreensão da realidade em sua totalidade, não de forma
absoluta, mas apreendendo da melhor forma possível os “nexos causais” necessários ao
67
Lukács atribui a distinção entre “a posição do fim” e “a busca dos meios” como momentos da
teleologia a Nicolas Hartmann (1954).
72
pôr teleológico, pois se fosse necessário compreender “todos” os nexos causais
“infinitos”, o trabalho não se realizaria, principalmente nos momentos dos primórdios
da humanidade, quando o conhecimento sobre a natureza era ínfimo. O conhecimento
dos nexos causais incide no sucesso do trabalho imediato, mas este pode ser realizado
sem que se tenha um total domínio das várias conexões. Segundo Lukács:
Este fato é realçado não apenas porque está presente a possibilidade
objetiva de um desenvolvimento ilimitado do trabalho, mas também
porque deriva com clareza como um por correto, um por que apanhe
com aquela adequação concretamente requerida pela finalidade
concreta os momentos causais necessários para o fim em questão, tem
a possibilidade de ser realizado com sucesso também nos casos em
que as representações gerais acerca dos objetos, dos processos, das
conexões, etc. da natureza ainda são inteiramente inadequadas
enquanto conhecimento da natureza em sua totalidade (s/d, p.9,
grifo meu).
Junto a essa possibilidade há também um fato inquestionável. Para se concretizar
a posição do fim é necessário que se tenha historicamente alcançado um
desenvolvimento adequado na “busca dos meios”. Caso isto não ocorra, a finalidade a
ser conquistada se torna uma utopia. Como exemplifica Lukács: “o vôo foi um sonho
desde Ícaro até Leonardo e até um bom tempo depois” (s.n., p.9). então, sempre o
limitador da causalidade, ou seja, se pode ter como finalidade o que é possível
68
realizar.
Somado a isso, importa ressaltar que conhecer os nexos causais é
imprescindível, mas não garante a efetivação do pôr. Embora exista a necessidade de
apreensão da realidade posta, esta nem sempre é apreendida corretamente (ou mesmo
que isto aconteça) nem sempre se efetiva o “pôr” da forma idealizada. Ou seja, existe a
possibilidade do erro. Essa possibilidade está sempre presente nas análises humanas.
Como consciência e objeto são heterogêneos e o reflexo
69
deste último não pode ser sua
68
No processo de trabalho, quando na consciência se reflete ou se apreende a realidade surge o “caráter
de possibilidade”. Isto significa que mesmo uma finalidade não se efetivando na prática social ela pode
estar presente como “potência”. Uma possibilidade latente que existe quando a realização é
momentaneamente impedida como no exemplo de Leonardo da Vinci e Ícaro em relação ao voo. Neste
sentido, Tonet explica a categoria do possível a partir de Aristóteles, da seguinte forma: “o possível é um
conjunto de determinações do objeto que podem ou não vir a se realizar. Em princípio, todas as coisas são
possíveis” (2003, p.44). Para este autor, a não possibilidade existe quando se estabelece determinados fins
que são contrários àquilo que se pretende efetivar, como por exemplo, na conformação social, buscar a
liberdade tendo como meta da cidadania.
69
Lukács explica o reflexo da seguinte forma: “No reflexo da realidade, a reprodução se destaca da
realidade produzida, coagulando-se numa ‘realidade’ própria da consciência. Pusemos entre aspas a
palavra realidade, porque, na consciência, ela é apenas reproduzida; nasce uma nova forma de
objetividade, mas não uma realidade, e – exatamente em sentido ontológico – não é possível que a
73
“cópia perfeita”, e como nessa apreensão do objeto são realizadas aproximações cada
vez mais concretas da totalidade, mas não de forma finita, sempre possibilidades de
equívocos. Esse fato não significa de modo algum uma dicotomia entre teoria e prática,
mas ao contrário, indica que elas só existem em relação.
Assim, o conhecimento pode fazer com que se chegue à finalidade planejada,
idealizada, ou pode levar a realizações não previstas. Lukács (s/d) também argumenta
que quando isto acontece, mesmo não se atingindo o fim proposto, pode-se chegar a
descobertas que proporcionem outras ações teleológicas que façam parte da construção
de uma objetividade não esperada.
Nessa discussão, é importante destacar que para se chegar à posição do fim
prevista ou não, necessariamente “na busca dos meios” se tem a construção do
conhecimento sobre a realidade. E que embora a finalidade no processo de trabalho
singular seja determinante para a objetivação, domine e regule os meios, este último é
imprescindível e é ele que permanece ao ser generalizado no processo de
desenvolvimento humano.
Nesse âmbito, a finalidade que orienta a ação pode desaparecer ao ser suprida a
necessidade histórica social que lhe deu origem, mas na “busca dos meios” o
conhecimento adquirido, principalmente se apanhou corretamente os nexos causais,
subsiste ao tempo, pois é incorporado nas relações sociais, é generalizado e pode ser
utilizado para as mais variadas finalidades que em princípio nada lembram e não se
parecem com as finalidades que lhe deram origem. Os meios possuem uma
sobrevivência histórica e não os fins. Assim:
Uma vez que a pesquisa da natureza, indispensável ao trabalho, está,
antes de mais nada, concentrada na preparação dos meios, são estes o
principal instrumento de garantia social de que os resultados dos
processos de trabalho permaneça fixados, que haja uma continuidade
na experiência de trabalho e especialmente que haja um
desenvolvimento ulterior. É por isso que o conhecimento mais
adequado que fundamenta os meios (utensílio, etc.) é, muitas vezes,
reprodução seja da mesma natureza daquilo que ela reproduz e muito menos idêntica a ela. Pelo contrário,
no plano ontológico o ser social se subdivide em dois momentos heterogêneos, que do ponto de vista do
ser não estão defronte um ao outro como coisas heterogêneas, mas são até mesmo opostos: o ser e o
seu reflexo na consciência.” (s/d, p.14-15). Sobre a questão da ‘realidade’ destes momentos hetrogêneos
faço uma discussão no “Capítulo III no item 3.2 Educação: Trabalho não-material?”. Outro ponto
fundamental sobre a categoria do reflexo” é que, segundo Lessa, ela foi indevidamente apropriada pelo
“marxismo vulgar” tornando-se necessário esclarecer que “o reflexo não funda o real e, por si só, não
funda a subjetividade. Nem a consciência pode ser reduzida ao reflexo, nem o objeto é pura e
simplesmente o refletido. Novamente temos aqui o tertium datur lukacsiano, ou seja, nem identidade
sujeito objeto, nem marxismo vulgar” (2002, p. 97).
74
para o ser social, mais importante do que a satisfação daquela
necessidade (finalidade) (Lukács, s/d, p.10).
O resultado desse processo é também a gênese da ciência. Esta, na
complexificação das relações sociais, se distancia do trabalho imediato e ganha uma
autonomia relativa em relação a ele. Como os outros complexos desenvolvidos pelo ser
social, também a ciência possui “autonomia relativa” e “dependência ontológica” em
relação ao trabalho. Isto significa que em última instância a ciência está relacionada
com o processo produtivo e possui suas raízes nele. Lukács apresenta a gênese da
ciência em vários momentos e em um deles faz a seguinte afirmação esclarecedora:
Na medida em que as experiências de um trabalho concreto são
utilizadas num outro trabalho, elas se tornam gradativamente
autônomas em um sentido relativo ou seja, são generalizadas e
fixadas determinadas observações que já não se referem de modo
exclusivo e direto a um determinado procedimento, mas, ao contrário,
adquirem certo caráter de generalidade como observações que se
referem a fatos da natureza em geral. São estas generalizações que
formam os germes das futuras ciências, cujos inícios, no caso da
geometria e da aritmética, se perdem na noite dos tempos. Mesmo sem
que se tenha uma clara consciência disto, tais generalizações apenas
iniciais já contêm princípios decisivos de futuras ciências de fato
autônomas (s/d, p. 25).
O fato da ciência se desenvolver paralelamente e não diretamente ligada ao
trabalho gera confusões. Tem-se a impressão de que são coisas completamente distintas
e que o desenvolvimento do conhecimento científico está totalmente descolado das
relações de produção. Que a teoria se desenvolve como forma ideal e dotada de
autonomia absoluta em relação à produção econômica. Contrapondo-se a esse tipo de
assertiva, Lukács pondera que
a autonomia do reflexo do mundo externo e interno é um pressuposto
indispensável para que o trabalho surja e se desenvolva. E no entanto
a ciência, a teoria como processo auto-operante e independente das
posições teleológico-causais originadas no trabalho, mesmo quando
chegou ao grau máximo de desenvolvimento, não pode nunca romper
inteiramente esta relação de última instância com a sua própria origem
(LUKÁCS, s/d, p. 26).
A captura dos nexos causais, a autonomia relativa da busca dos meios que
origina a ciência é possível com o desenvolvimento da consciência. Já apresentei
anteriormente alguns fundamentos em relação à consciência ao discutir a sua unidade
com o corpo. Nesta discussão sobre a unidade entre teoria e prática é necessário resgatar
75
e acrescentar alguns pontos. Ou seja, como apresentei, no processo de trabalho o
distanciamento entre sujeito e objeto, entre o objeto e o seu conceito faz surgir a
consciência humana. Lukács argumenta:
Essa separação tornada consciente entre sujeito e objeto é um produto
necessário do processo de trabalho e com isso a base para o modo de
existência especificamente humano. Se o sujeito, enquanto separado
na consciência do mundo objetivo, não fosse capaz de observar e de
reproduzir no seu ser-em-si este último, jamais aquela posição do fim,
que é o fundamento do trabalho, mesmo do mais primitivo, poderia
realizar-se (s/d, p. 14).
O homem que trabalha planeja antecipadamente. A sua consciência é a portadora
das posições teleológicas da práxis. Só os homens são capazes de elaborar conceitos, ter
uma compreensão conceitual da realidade, de reproduzir na consciência o mundo
objetivo e de expressá-lo por meio da linguagem. Assim, os nexos causais da realidade
e o reflexo correto desses nexos capturados pelo sujeito são combinações indispensáveis
à realização de uma finalidade.
Junto a isso está a “escolha entre alternativas”. Esta é também um ato
existente na consciência humana e não é condicionada biologicamente. O caráter de
escolha entre alternativas está presente no processo de apreensão da realidade e também
é necessária para a efetivação de uma finalidade.
Essas escolhas não são garantia de acerto, mas são decisões balizadas pelo que é
“certo” ou “errado” a partir da realização, da efetivação do fim proposto. Neste sentido,
as alternativas no processo de trabalho nem são todas do mesmo tipo e nem possuem a
mesma importância para a efetivação do pôr. Quanto mais um reflexo é apanhado
corretamente pela consciência, mais se amplia o leque das alternativas. Essa ampliação
também se dá porque mesmo depois de concluído o trabalho as alternativas continuam a
operar como controle e supervisão.
Entretanto, é de fundamental importância lembrar que um projeto que foi
elaborado com reflexos corretos, se não for objetivado, não existe. Sua existência
depende de uma subjetividade que transforme a causalidade em causalidade posta. Ou
seja, ganha realidade se “a alternativa daquela pessoa (ou daquele coletivo de
pessoas) que e em movimento o processo da execução material através do trabalho,
pode efetivar essa transformação da potencialidade em um ser existente” (LUKÁCS s/d,
p. 19).
76
Enfim, “o momento intelectual do projeto” é fundamental. É importante na
busca dos meios, no reflexo correto da realidade, na escolha entre alternativas, mas este
momento só possui sentido se responder a necessidades sociais concretas e se for
objetivado, se transformar a realidade em realidade posta. Mais uma vez, o fato de todo
esse processo ser um ato de consciência, que pode ser realizado pela consciência
humana, não separa teoria e prática, mas confirma a relação unitária entre elas. Lukács
sintetiza assim essas questões:
As alternativas orientadas para o trabalho sempre são decididas em
circunstâncias concretas, quer se trate do problema de fazer um
machado de pedra ou do modelo de um automóvel para ser produzido
às centenas. Isto implica, em primeiro lugar, que a racionalidade
depende da necessidade concreta que aquele produto singular
deve satisfazer. Esta satisfação da necessidade e também as idéias
próprias para isso são, deste modo, componentes que determinam a
estrutura do projeto, a seleção e a reunião dos pontos de vista, tanto
quanto a tentativa de refletir corretamente as relações causais da
efetivação. Em última análise, todos estes aspectos fundam-se na
singularidade da realização projetada. (...) toda alternativa (e toda
cadeia de alternativas) no trabalho pode se referir à realidade em geral,
mas é uma escolha concreta entre caminhos cuja meta (em última
análise a satisfação da necessidade) foi produzida não pelo sujeito
que decide, mas pelo ser social no qual ele vive e opera (Idem, p.
20).
O trabalho, ao ser a mediação entre a necessidade imediata e a sua satisfação,
produz a superação da “espontaneidade do instinto biológico” para um ato cognitivo e
consciente. Dominar os instintos e transformar a realidade criando novas necessidades e
alternativas produz fundamentalmente a transformação do sujeito que trabalha. Ou seja,
é o processo de transformação do homem em homem que implica no domínio cada vez
maior da consciência sobre o instinto para a realização do trabalho.
Para a execução dessa atividade é então necessário, de acordo segundo Lukács:
“eliminar tudo o que seja meramente instintivo, sentimental, etc. e que poderia
atrapalhar a visão objetiva. Esta é a forma pela qual a consciência torna-se dominante
sobre o instinto, conhecimento sobre a emoção” (s/d, p. 21).
Enfim, esse homem é “o iniciador da posição do fim, da transformação das
cadeias causais refletidas em cadeias causais postas e da efetivação real de todas estas
posições no processo de trabalho. Ou seja, o sujeito realiza todo um conjunto de
posições diversas, de caráter teórico e prático(Ibid, p. 23, grifo meu). Dessa forma,
77
o êxito no trabalho que depende do domínio consciente, das escolhas corretas tanto para
determinar a finalidade quanto para a sua realização faz com que, nesse caso, a prática
seja o critério de correção (verdade) de uma teoria.
Lukács explica que nos experimentos científicos a prática também pode ser
critério de verdade para a teoria. Como no trabalho, o resultado de uma experiência
tende a confirmar, ao ser objetivado, a sua correção ou não de acordo com a finalidade
proposta. Essa confirmação deve ocorrer com um grau mais elevado, pois toda a
experiência é desenvolvida com o objetivo de generalização para uma práxis futura. Em
suas palavras:
A experiência pode nos permitir fazer um julgamento sobre o certo e o
errado com a mesma clareza do trabalho e, além do mais, elabora este
julgamento num nível mais alto de generalização, aquele de uma
interpretação matematicamente formulável dos nexos quantitativos
factuais que caracterizam este complexo fenomênico. Assim quando
utilizamos este resultado para aperfeiçoar o processo de trabalho, não
parece de nenhum modo problemático tomar a práxis como critério da
teoria. A questão se torna mais complexa quando se quer utilizar o
conhecimento assim obtido para ampliar o próprio conhecimento (s/d,
p. 30).
Isto ocorre porque nesse e em outros processos é sempre a totalidade social que
os orienta. Nesse ponto da complexificação das relações sociais, a questão da práxis
como critério de verdade para a teoria se torna também complexa, principalmente
quando se confrontam posições de classes antagônicas e a produção de novos
conhecimentos.
Nesses casos, entra em questão a conexão ou a articulação de vários
conhecimentos sobre “o ser” adquiridos cientificamente como aspectos químicos,
biológicos, físicos do fenômeno em questão. Isto direciona, conforme Lukács, para uma
“interpretação ontológica”, ou seja, remete para a questão sobre o que é “o ser”.
Faz com que na base das explicações científicas esteja a concepção sobre o que é
o homem, o que é a natureza e a história. Essas concepções podem não interferir
especificamente nos experimentos ou no trabalho em si, mas lhes dão um determinado
sentido ou significado social.
Independente do grau de consciência, todas as representações
ontológicas dos homens são amplamente influenciadas pela sociedade,
não importando se o componente predominante é a vida cotidiana, a fé
religiosa, etc. Essas idéias perfazem uma parte muito grande da práxis
78
social dos homens e muitas vezes se cristalizam num poder social
(Ibid, p. 30).
Essas “representações ontológicas” podem ser verdadeiras, possuindo uma
explicação objetiva, real e comprovada, ou apenas a criação de representações falsas,
mas que ao serem objetivadas adquirem corpo social.
Esse processo pode acontecer em momentos da humanidade e que o próprio
nível de domínio sobre a natureza faz surgir explicações mágicas, mas que não
impedem a realização do trabalho e o seu processo de generalização, colaborando para o
desenvolvimento correto de práticas científicas e tecnológicas
70
. Ou em momentos com
um elevado vel de desenvolvimento científico, compreensão da natureza e das
relações sociais em que as falsas representações também podem ganhar força, porque a
teoria (a construção da ciência), por estar sempre relacionada com a totalidade social,
também está permeada pelos possíveis interesses sociais antagônicos nas sociedades de
classes. Dessa maneira:
Nas posições da causalidade de tipo superior, isto é, mais sociais, é
inevitável uma intervenção, uma influência do por teleológico
[secundário] sobre as reproduções espirituais. Mesmo quando este
último ato já se transformou em ciência, em fator relativamente
autônomo da vida social, é uma ilusão, quando vistas as coisas em
termos ontológicos, pensar que se possa obter uma reprodução
inteiramente imparcial e, por esse meio, também das causalidades
naturais, que se possa chegar a uma forma de confronto direto e
exclusivo entre natureza e homem mais pura do que no próprio
trabalho (Ibid, p. 28).
Como anunciei no início desta discussão a respeito da relação entre teoria e
prática, com a complexificação das relações sociais o “por teleológico secundário”
ganha maior importância. No trabalho relação homem/natureza o caráter cognitivo
70
Lukács explica esse movimento ao discutir as novas categorias que se “desdobram” do trabalho com o
desenvolvimento da consciência humana e as suas implicações para a gênese das ciências. Nos oferece
uma argumentação sobre a relação entre ideias místicas e o desenvolvimento da ciência da seguinte
forma: “O obstinado imbricamento destes conceitos com idéias mágicas e míticas, que acontece ao longo
da história, mostra como, na consciência dos homens, o agir finalisticamente necessário, sua correta
preparação no pensamento e sua execução podem dar origem a formas superiores de práxis que se
misturam com idéias falsas acerca de coisas que não existem e são tidas como verdadeiras e como
fundamento último. Isso mostra que a consciência relativa às tarefas, ao mundo, ao próprio sujeito, brota
da reprodução da própria existência (e, junto com essa, daquela do ser da espécie), como instrumento
indispensável de uma tal reprodução. Essa consciência se torna certamente sempre mais difusa, sempre
mais autônoma, e no entanto continua ineliminavelmente, embora através de mediações, em última
análise, um instrumento da reprodução do homem” (s/d, p. 26).
79
dos atos aparecem “com maior pureza” do que nos momentos mais complexos onde a
relação homem/homem (homem/sociedade) possui uma interferência mais significativa
no desenvolvimento humano, ou seja, nessas relações as interferências
biológico/naturais, sem deixar de existir, cada vez mais cedem lugar para as
interferências sociais postas pelos homens.
No ato de trabalho, o reflexo falso ou verdadeiro conduz ao fracasso ou sucesso
do processo, porque a necessidade de efetivar a finalidade está sempre em primeiro
plano. Mas quando o objetivo é interferir ou transformar a consciência de outros
homens
71
para que esses tenham determinadas ações, o “interesse social” com certeza
influenciará na efetivação do fim.
Entretanto, os interesses podem ser distintos ou mesmo antagônicos, fazendo
com que a consciência, ou seja, a subjetividade a ser transformada também possua
“motivações sociais e individuais” que influenciem neste processo. Lukács apresenta a
questão da importância da posição teleológica secundária da seguinte forma:
Assim, esse tipo de posição pretende mudar, isto é, reforçar ou
enfraquecer certas tendências na consciência dos homens, e por isso
trabalha sobre um material que em si mesmo não é indiferente, mas,
ao contrário, tem em si movimentos favoráveis ou desfavoráveis,
tende a colocar-se objetivos. A própria indiferença eventual dos
homens nos confrontos de intenções desse tipo tem em comum o
nome com a indiferença antes referida do material natural (...) a
indiferença dos homens para com estas intenções é um modo
concreto de comportar-se, que tem motivações sociais e
individuais concretas e que, em certas circunstâncias, é
modificável (s/d, p. 28, grifo meu).
A práxis, seja ela qual for, desde a construção de teorias científicas e filosóficas,
às ações cotidianas, políticas, religiosas etc., sempre se desenvolve em um ambiente e
representações ontológicas e esse acontecimento é inevitável no ser social. É por isso
que Lukács assim diferencia a atuação do homem sobre a natureza em relação àquela do
homem sobre o homem:
No que se refere à natureza, estes problemas, no seu genuíno ser em
si, são completamente deferentes da sociedade e das suas
necessidades, são inteiramente neutros em relação a elas e, no entanto,
a ontologia que entra na consciência nunca poderá ser indiferente
71
Isto não significa que essa influência não acontecia nos primórdios da humanidade, mas que naquele
momento as determinações naturais, os limites impostos sobre o conhecimento da natureza prevaleciam
em relação às determinações sociais.
80
para nenhuma práxis social, no sentido mais mediato acima
referido. A relação estreita entre teoria e práxis implica
necessariamente o fato de que esta última sofra, nas suas formas
sociais concretas de aparecer, em grau bastante elevado, a influência
das idéias ontológicas que os homens tem a respeito da natureza. Por
sua vez, a ciência, quando procura compreender com seriedade e
de modo adequado a realidade, não pode deixar de lado tais
questões ontológicas; que isto aconteça conscientemente ou não,
que as perguntas e as respostas sejam certas ou erradas, que ele
negue a possibilidade de responder de maneira racional a tais
questões, não tem nenhuma importância neste nível, porque esta
negação, de qualquer modo, age ontologicamente dentro da
consciência social (LUKÁCS, s/d, p. 29, grifo meu).
Enfim, não existe nenhuma teoria que não seja relacionada à prática. A teoria
surge como apreensão consciente da realidade possibilitada pelo reconhecimento da
separação/relação entre a subjetividade e objetividade. Pode estar relacionada com uma
ontologia fictícia, pode aparentar não ter fundamentação histórica, mas é formulada a
partir da práxis. Pode estar relacionada com o trabalho imediato de forma precisa ou
permeada por interesses sociais que necessitam se pautar em teorias gerais equivocadas
para a perpetuação das relações sociais, ou seja, continuidade de determinada produção
da vida. Não obstante, na existência do ser social teoria e prática, apesar de
heterogêneas, só existem em relação, sempre formam uma unidade.
2.2 – A Educação Física como um dos complexos do ser social: algumas possibilidades
Apresento em linhas gerais a possibilidade de uma discussão sobre a origem
ontológica da Educação Física, ou seja, como essa atividade passa a fazer parte da
construção do ser social. Em princípio, não ainda como “atividade educativa” (cultura
corporal) como na atualidade, mas como atividades físicas ou corporais que possuem
um outro sentido/significado nas relações sócio-históricas que se estabeleciam. Assim,
considero fundamental enunciar que a sua construção se realiza no processo de
desenvolvimento do ser humano e o acompanha mediatamente as transformações
ocorridas nesse processo.
É fundamental realçar que o processo de desenvolvimento humano é histórico e
não natural, portanto, a educação física que conhecemos na sociedade capitalista não é
natural, mas sim um produto do desenvolvimento complexo e contraditório do ser
81
social. Desenvolvimento provocado pelo próprio ser social, diretamente relacionado
com a totalidade construída.
O trabalho protoforma do ser social proporciona desde o início o impulso, no ser
social, para a criação do novo e, desde o início, contém a possibilidade de produzir mais
do que o necessário para a sobrevivência daquele que trabalha
72
. Além disso, o ser
social não se resume ao trabalho. Ele é a síntese entre teleologia e causalidade que
origina uma totalidade de complexos que vão muito além do trabalho originário.
Dessa forma, a totalidade social no processo de reprodução é o momento
predominante de todos os complexos parciais que surgem no processo de
desenvolvimento do ser social. Esses complexos se reproduzem sempre com uma
autonomia relativa em relação à totalidade social, ou seja, se constituem em estruturas
ou até instituições com fins próprios. Lessa explicita da seguinte forma a categoria da
totalidade social: “Totalidade social é, para Lukács, a mediação ineliminável entre o
momento predominante exercido pela troca orgânica homem/natureza via trabalho e a
história de cada um dos complexos parciais” (2007, p. 93, grifos do autor).
Lukács também faz uma distinção entre os complexos que acompanham todo o
desenvolvimento do ser social e aqueles de caráter transitório. Os primeiros se
modificam em conjunto com as novas necessidades criadas pelas novas organizações do
trabalho, e os segundos complexos transitórios surgem em determinado momento
específico e depois desaparecem quando não forem mais necessários. Como exemplo de
complexos que não desaparecem, o autor cita a “fala”, e como aqueles transitórios, cita
o “direito”.
Compreendo a educação física como um dos complexos que acompanham todo
o desenvolvimento do ser social. A reprodução biológica (física) é a base da reprodução
do ser social. Mas é preciso deixar claro que essa posição nada tem a ver com as
vertentes teóricas de caráter biologicistas. Trata-se aqui da compreensão do ser social
que é dotado de uma ineliminável base biológica, mas que se modifica histórica e
socialmente. O fundamento teórico dessa compreensão foi formulado por Marx e Engels
em A ideologia alemã, quando afirmaram que: “O primeiro pressuposto de toda a
história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro
72
De acordo com Lukács, a partir de Marx, esse processo de produzir além do necessário está na base,
por exemplo, tanto da escravidão como do socialismo. Assim, “O reino da liberdade no socialismo, a
possibilidade de um tempo livre com sentido também repousa sobre esta peculiaridade fundamental do
trabalho produzir mais do quanto é necessário para reprodução do trabalhador” (s.n.a, p. 2).
82
fato a constatar é, pois, a organização corporal desses indivíduos e, por meio dela,
sua relação dada com o restante da natureza” (2007, p. 87, grifos meus).
É preciso não perder de vista, no entanto, que com o processo de
desenvolvimento e complexificação do ser social e, por conseguinte, o afastamento das
barreiras naturais, até mesmo as mais elementares funções biológicas são determinadas
socialmente. Lukács exemplifica essa determinação, utilizando Marx, por meio do
exemplo da alimentação:
É fato inevitável para a reprodução biológica de cada ser humano
enquanto ser vivo, e aqui tornaremos a citar Marx: “A fome é a fome,
mas a fome que se satisfaz com carne cozida, comida com garfo e
faca, é uma fome diferente daquela que devora carne crua, com o
auxílio das mãos, unhas e dentes.” Aqui é enunciada com clareza a
dupla determinação: o caráter insuprimivelmente biológico da fome e
da sua satisfação, e, ao mesmo tempo, o fato de que todas as formas
concretas dessa última são funções do desenvolvimento econômico-
social. Porém, seríamos superficiais e não iríamos além dos aspectos
externos se entendêssemos a fome biológica como supra-histórica e a
forma social da sua satisfação como “superestrutura” variável que a
deixa imutável. Deixando completamente de lado a questão que a
passagem dos homens à alimentação carnívora não pode senão ter
provocado tamm conseqüências biológicas, permanece o fato de
que a regulamentação social da posse da comida tem,
indubitavelmente, efeitos biológicos (s.n.a, p. 14).
Da mesma maneira, as atividades físicas, não obstante o seu caráter
ineliminavelmente biológico, são cada vez mais determinadas pelas relações sociais.
Isso reafirma o princípio pelo o qual, em qualquer forma de sociedade, os homens
terão que manter o seu bom funcionamento orgânico, caso contrário, definham ou
padecem definitivamente. Mesmo aquelas atividades físicas predominantemente ligadas
à saúde possuem esse caráter social. Por isso a dicotomia entre “corpo (homem) e
sociedade não existe efetivamente
73
.
Outro aspecto que também pode ser relacionado com as atividades físicas é a
comunicação. Lukács apresenta a fala como um dos complexos fundamentais para a
realização do trabalho, visto que, desde o início, pelo seu caráter social, se faz presente
a divisão do trabalho
74
. Em função disso, o ser social na sua comunicação transforma
“os sinais emitidos” em uma linguagem mais precisa. Neste sentido, a fala surge com a
73
Como já expus anteriormente neste capítulo, trata-se de uma falsa ontologia.
74
Essa divisão do trabalho em princípio é realizada a partir de determinantes biológicos, como idade e
sexo. Com a complexificação das relações sociais, a divisão do trabalho passa a ser determinada cada vez
mais por condicionantes sociais.
83
necessidade de expressar como conceito o que o objeto realmente é. Devido a isso
concordo plenamente com a definição lukacsiana, segundo a qual
a fala é um instrumento para fixar conhecimentos e exprimir a
essência dos objetos existentes, através de pontos de vista que se
tornam cada vez mais verdadeiros, um instrumento para comunicar as
múltiplas e mutáveis formas de relacionamento dos homens entre si,
em contraposição aos sinais, por mais precisos e desenvolvidos que os
animais trocam entre si e que transmitem conexões fixas, sempre
voltadas a uma determinada constelação importante de sua vida (s.n.a
p. 2).
Os gestos também eram utilizados para a comunicação; mas com a crescente
necessidade de aprimorar a comunicação com o desenvolvimento da fala esta se torna
mais precisa do que apenas os gestos. Todavia os gestos continuam fazendo parte do
desenvolvimento social, e também, como forma de comunicação relacionada a rituais
religiosos, estéticos, à sexualidade, etc. Enfim, como uma das formas de transmissão de
comportamentos humanos. A mímica, a dança e outros se desenvolvem e, dessa forma,
os gestos que antes eram necessários como comunicação se tornam também arte e são
desenvolvidos como tal.
Em relação às atividades esportivas, as desenvolvidas atualmente não são as
mesmas da Antiguidade. O dardo é lançado para quebrar recordes, e junto com as outras
modalidades esportivas, movimentar milhões. Não é mais para matar o inimigo em uma
guerra, ou abater um animal para matar a fome do grupo, como na sociedade primitiva.
Antes ainda, os movimentos humanos de correr, saltar etc. possuem uma
finalidade, ou seja, são movimentos teleologicamente postos. Não são como os
movimentos instintivos dos animais, cujas ações são determinadas biologicamente para
assegurar sua sobrevivência e adaptação às condições naturais. Daí que o correr, o
saltar, o nadar etc. dos seres humanos modifica-se, já que são atividades histórico-
sociais que atendem a determinadas necessidades produzidas e não mais puramente
biológicas.
As atividades de caça, guerreira, artística fazem parte de outra dimensão
desenvolvida no ser social, o lúdico. A dimensão lúdica do homem também é marcada
pela teleologia, portanto, ela não está mais circunscrita aos limites biofísicos
espontâneos dos outros animais. Além disso, no desenvolvimento social essas
atividades se relacionam de forma diferente com a organização da produção, sendo
inclusive muitas delas sendo consideradas profanas como na sociedade feudal, ou como
forma de alcançar a plenitude espiritual nos povos orientais.
84
Com a sociedade de classe também torna-se necessária a preparação físico-
militar. Então, a atividade física na sociedade escravista, feudal e capitalista se relaciona
com a questão militar. O que antes era uma atividade para proteger o grupo dos outros
grupos humanos (disputa por caça, alimentos coletados, água, abrigo etc.) ou dos
animais passa a ser uma atividade para lutar com outros homens a fim de submetê-los à
escravidão ou a outras formas de exploração econômica com o objetivo de acumular
privadamente a riqueza socialmente produzida.
Na sociedade capitalista, as manifestações dessas atividades às quais chamamos
de cultura corporal pois são os sentidos e significados construídos pelo ser social
historicamente estão relacionadas com a lógica dessa sociedade, ou seja,
tendencialmente todas as atividades se tornam mercadorias. Desde aquelas para
manutenção da saúde, a arte, as esportivas e lúdicas, acrescentando aquelas que surgem
para ajudar a compensar os problemas de saúde causados pela forma de organização do
processo de trabalho.
Em uma possível sociedade verdadeiramente livre, ou seja, dos produtores
livremente associados (comunista), as atividades que fazem parte da cultura corporal
com certeza modificarão radicalmente as suas funções sociais. Mesmo sem poder
afirmar precisamente quais seriam elas, estariam relacionadas com a nova totalidade
cujo eixo social seria o trabalho associado.
Capítulo 3 - NATUREZA (E ESPECIFICIDADE) DA EDUCAÇÃO
A compreensão da natureza da educação passa pela compreensão da
natureza humana (...) diferente dos outros animais, que se adaptam à
realidade natural tendo a sua existência garantida naturalmente, o
homem necessita produzir continuamente sua própria existência.
(DERMEVAL SAVIANI, 1991)
Compreendo que quando se discute a “necessidade histórica da Educação Física
na escola” torna-se fundamental compreender a natureza da educação e, mais ainda, a
sua especificidade na sociedade capitalista onde a escola é um dos locus de transmissão
da cultura. Isto possibilita discutir a educação sica como parte ou não do processo
educativo.
Optei por fazer esta discussão partindo das elaborações teóricas de Saviani. Essa
opção metodológica possui várias razões, dentre elas, por ser este um autor de
fundamental importância desde a década de 1980 por introduzir nas discussões sobre
educação a matriz teórica marxista e a partir dela construir uma proposta pedagógica em
uma perspectiva revolucionária. Assim, a “Pedagogia Histórico-crítica”, sistematizada
pelo autor, se apresenta ainda como a referência teórico-metodológica dessa
perspectiva, embora comecem a surgir as primeiras críticas no campo do marxismo no
sentido de superá-la
75
.
Outra razão é o fato de Saviani ser um dos autores importantes para as
discussões que aconteceram na Educação Física também na década de 1980, sendo
também uma das referências para a tentativa de mudança de paradigma nessa área. Sua
Pedagogia Histórico-Crítica influenciou na construção da Pedagogia Crítico-Superadora
na Educação Física, única concepção que se fundamenta no Materialismo Histórico.
E decisivamente o que me remete a este autor é por este não considerar a
disciplina de Educação Física como conteúdo curricular. Para Saviani, a especificidade
75
Refiro-me às críticas elaboradas por Tonet (2003) não especificamente a Saviani, mas à chamada
“esquerda educacional”; às críticas elaboradas por Lessa (2007) no livro Trabalho e proletariado no
capitalismo contemporâneo. É necessário deixar claro que embora eu não concorde com a concepção
expressa por Lessa sobre o proletariado, considero fundamentais suas análises quando discute, não apenas
as posições de Dermeval Saviani na educação, mas também as posições de Marilda Iamamoto para o
serviço social e Ricardo Antunes nas ciências sociais. Lessa toma para a discussão estes pesquisadores
pela importância que possuem em suas áreas e setores da esquerda e movimentos sociais, e discute a
incompreensão deste sobre a categoria trabalho e seus desdobramentos. Na mesma direção de procurar
avançar na construção de uma teoria revolucionária, também a tese em andamento no Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina de Ademir Quintilio Lazarini,
cujo título provisório é A relação entre capital e educação escolar: apontamentos para a esquerda
educacional e que pretende um estudo minucioso sobre Saviani, apontando equívocos deste autor na sua
compreensão da relação entre “capital e educação escolar”.
86
da educação é decorrente de sua natureza, e sua compreensão desta interdita a
possibilidade da Educação Física fazer parte do currículo escolar. Em outros termos, a
partir da sua compreensão de educação o autor discute quais são os conteúdos
específicos para a escola, e entre eles não se encontra a Educação Física.
Uma última questão é a possibilidade de contribuir na recuperação da matriz
teórica marxista, apreendendo o seu significado de educação e contribuindo para
recolocá-la efetivamente nas discussões referentes à educação física na busca de
avançar em relação ao que foi construído a partir década de 1980, lembrando que a
questão central desta tese á a compreensão da “necessidade histórica da educação física
na escola: a emancipação humana como finalidade”.
Para empreender esta tarefa, meu ponto de partida é o texto de Saviani, Sobre a
natureza e especificidade da educação
76
. Texto que é para muitos que se pretendem em
uma posição crítica diante da educação e da organização social vigente, um estudo de
fundamental importância, devido à relevância de seu autor nessa área de conhecimento.
Considero importante ressaltar que para compreender a posição de Saviani e
isto vale para qualquer outro pesquisador não basta a leitura de um único texto,
mesmo porque este faz parte de um conjunto de trabalhos realizados por Saviani e que
culminam no processo de construção denominado por ele Pedagogia Histórico-Crítica.
Por isso, alguns esclarecimentos são necessários. O próprio autor, na apresentação do
livro Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações, descreve a sequência de
discussões realizadas desde o livro Escola e Democracia
77
. Argumenta que a construção
dessa pedagogia crítica é um trabalho coletivo, e que sua contribuição particular e sem
prazo de conclusão se dá na pesquisa, cujo objetivo é:
Rastrear o percurso da educação desde suas origens remotas tendo
como guia o conceito de modo de produção”. Trata-se de explicar
como as mudanças das formas de produção da existência humana
foram gerando historicamente novas formas de educação as quais, por
sua vez, exerceram influxo sobre o processo de transformação do
modo de produção correspondente. É um estudo que não se move sob
o acicate das urgências imediatas de conjuntura, mas que se propõe a
captar o movimento orgânico definidor do processo histórico (...)
Pretende-se assim revelar as bases sobre as quais se assenta a
pedagogia histórico-crítica de modo a viabilizar a configuração
76
Texto publicado no livro Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações e que, segundo Saviani,
resulta de uma comunicação proferida no “Seminário organizado pelo INEP e realizado em Brasília (DF),
em 1984. Ao texto da comunicação se incorporou, na origem, a palestra proferida em Olinda (PE) em
1983, cujo texto foi denominado ‘o papel da escola básica no processo de democratização da sociedade
brasileira’”, (SAVIANI 1991).
77
Livro publicado pela primeira vez em 1983.
87
consistente do sistema educacional em seu conjunto sob o ponto de
vista dessa concepção educacional (SAVIANI, 1991, p. 10).
Esse trabalho de longo prazo é vinculado a uma perspectiva de construção de
uma pedagogia crítica que para Saviani poderia ser chamada de Pedagogia Dialética.
Entretanto não o fez, em função das conotações equivocadas que poderiam ser
atribuídas ao termo ‘dialética’; optando por denominá-la Pedagogia histórico-crítica,
explicando que:
O que eu quero traduzir com a expressão “Pedagogia Histórico-
crítica” é o empenho em compreender a questão educacional a partir
do desenvolvimento histórico objetivo. Portanto, a concepção
pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-crítica é o
materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do
desenvolvimento material, da determinação das condições materiais
da existência humana (SAVIANI, 1991, p. 91).
E ainda:
Uma visão crítico-dialética, portanto histórico-crítica, da Educação, é
o que queremos traduzir com a expressão Pedagogia histórico-crítica.
Esta formulação envolve a necessidade de se compreender a Educação
no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por conseqüência, a
possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de
referência, cujo compromisso, seja a transformação da sociedade e
não sua manutenção, a sua perpetuação (SAVIANI, 1991, p. 95 - 6).
Em suma, para discutir as questões que desafiam o autor é imprescindível situá-
las no conjunto das suas elaborações teóricas. O autor, na apresentação do livro
Pedagogia Histórico-crítica, além do exposto acima, indica como pontos centrais de
sua discussão e como parâmetro teórico-metodológico: 1) a condição da natureza
humana não ser naturalmente dada, mas de ser produzida historicamente pelo trabalho
sobre sua base bio-física; 2) a definição da natureza da educação como um trabalho não-
material; 3) o saber objetivo, e não outro saber, como ponto central da Pedagogia
Histórico-Crítica; 4) a escola historicamente posta como locus do saber objetivo e como
determinante da especificidade da educação.
Pretendo então estabelecer algumas reflexões relativas à natureza da educação,
correspondentes aos dois primeiros itens supracitados, procurando não perder, dentro do
possível, o contexto maior da sua obra. Esclareço que o contato com a obra de Lessa
(2007) foi imprescindível para a formulação de alguns questionamentos e para a
realização de várias análises, mas que fundamentalmente tenho como referências as
obras de Marx (1988; 2004) e o capítulo O Trabalho da Ontologia do ser social de
Lukács (s.n.a.).
88
3.1 – A Natureza da educação: educação é trabalho?
Sobre a natureza da educação, temos duas questões a partir das leituras de
Saviani. A primeira relaciona-se à identidade entre trabalho e educação, e a segunda diz
respeito à educação ser um trabalho não-material.
Quanto à identidade entre trabalho e educação, talvez a confusão esteja em
considerar como trabalho toda ação humana, em função de possuírem teleologia. Na
verdade, a confusão se em estabelecer o que é trabalho, principalmente nos dias de
hoje, quando, segundo Lessa (2002), se confunde “trabalho”, categoria fundante do ser
social e “trabalho abstrato”, aquele relacionado à produção de mais-valia e próprio da
sociabilidade capitalista.
Embora Saviani em determinado momento passe a identificar “trabalho” com a
“educação”, ele compreende acertadamente que a educação é própria dos seres humanos
e que entender sua natureza significa compreender a própria natureza humana. Neste
sentido afirma:
Diferentemente dos outros animais, que se adaptam à realidade natural
tendo a sua existência garantida naturalmente, o homem necessita
produzir continuamente sua própria existência. Para tanto, em lugar de
se adaptar à natureza, ele tem que adaptar a natureza a si, isto é,
transformá-la.(...) o que diferencia o homem dos outros animais é o
trabalho. (...) o trabalho não é qualquer tipo de atividade, mas uma
ação adequada a finalidades. É, pois, uma ação intencional
(SAVIANI, 1991, p. 19).
Além disso, assinala que ao transformar a natureza para garantir sua
existência,cria “um mundo humano” (o mundo da cultura). A partir de então, afirma que
a educação é “uma exigência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria,
um processo de trabalho” (SAVIANI, 1991, p.19), ou seja, identifica, como pontua
Lessa, trabalho e educação.
Parece-me necessário retomar o significado da categoria
78
trabalho para explicar
o que é educação. Marx considera que o trabalho, em qualquer formação social, é
78
Lukács explica o significado de “categoria” para Marx da seguinte forma: “a totalidade não é um fato
formal do pensamento, mas constitui a reprodução mental do realmente existente, as categorias não são
elementos de uma arquitetura hierárquica e sistemática; ao contrário, são na realidade formas de ser,
determinações da existência’, elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais, dinâmicos,
cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes, em sentido tanto
extensivo quanto intensivo” (1979, p. 28).
89
um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o
homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria
natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças
naturais pertencentes à sua corporeidade, braços e pernas, cabeça e
mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para a
sua vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza
externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza (1988, p. 142).
Como afirmei anteriormente, o trabalho é próprio do ser humano, distinguindo-
o dos outros animais porque estes realizam suas tarefas de forma instintiva, por mais
que sejam bem elaboradas. O ser humano é diferente. Ele projeta idealmente o que vai
realizar em seu trabalho. É uma ação planejada que pode ser alterada ao surgirem
imprevistos. Pode ainda se modificar em função de condições geográficas e históricas. É
uma ação que possui uma finalidade, um objetivo previamente elaborado.
Trabalho é a categoria fundante do ser social. Ao transformar a natureza para
suprir suas necessidades, os homens se constroem enquanto homens. Isto significa que
nesse processo de autoconstrução constroem a sua sociabilidade, a sua forma de
existência enquanto gênero humano e sua constante modificação. Ao mesmo tempo, os
homens modificam a si mesmos, ou seja, criam novas estruturas internas, constroem sua
individualidade.
Em suma, mesmo com o salto ontológico o ser social possui uma ineliminável
condição biológica que o faz prescindir inevitavelmente do ser inorgânico e orgânico,
ou seja, extraí-los da natureza para se mantererem vivos. O ser social precisa estabelecer
em qualquer que seja a forma social o intercâmbio com a natureza, e essa relação é
mediada pelo trabalho. Embora o trabalho contenha todos os elementos de toda a práxis,
ou seja, de ser a sua protoforma, ele só pode ser compreendido na relação com a
totalidade social. Ademais, faz do ser social o único capaz de construir incessantemente
o novo; o faz capaz de escolher entre alternativas e criar uma nova objetividade a partir
de atos teleologicamente postos e, portanto, ontologicamente distintos da materialidade
natural.
Fica claro que o trabalho, mediador da relação ineliminável e eterna entre o
homem e a natureza, não pode ser confundido com a educação. Ela está no processo
da relação entre os homens. E a educação, como todos os outros complexos, pressupõe
o salto ontológico, pressupõe a existência do ser social.
90
Insisto que todos os elementos que compõem a práxis social surgem do trabalho,
mas não podem ser confundidos com este. O que possuem em comum, exatamente por
ser o trabalho a categoria fundante, protoforma de todas as outras, é que todas as
atividades humanas têm um caráter teleológico que pode resultar em uma causalidade
posta. Todos possuem como base a relação ontológica entre subjetividade e
objetividade, o distanciamento entre sujeito e objeto. Assim: “A essência do trabalho é,
em Lukács, uma peculiar e exclusiva articulação entre teleologia e causalidade.
Exclusiva e peculiar porque apenas no mundo dos homens a teleologia se faz presente”
(LESSA, 2002, p. 70).
Como já expus, o caráter teleológico do trabalho significa que o ser humano é o
único capaz de pôr uma finalidade em sua ão, é o único que se orienta pelo fim, pelo
objetivo a ser conquistado. Neste sentido, uma consciência (subjetividade) ao realizar o
ato de pôr produz algo completamente distinto e independente de si mesma. Esse ‘algo’
passa a pertencer a uma outra esfera que possui uma legalidade própria e não segue
mais a legalidade da consciência que a pôs, portanto o que era teleologia se transforma
em “princípio de automovimento que repousa sobre si mesmo”, este não possui
subjetividade, não se transforma em subjetividade, não é capaz de planejar, ou seja, é
uma causalidade, mas não mais natural e sim uma causalidade posta pelos homens. Ao
transformar a causalidade natural em causalidade posta, não se retira da natureza a sua
essência, a natureza nunca deixa de existir, mas cria-se cada vez mais um mundo
humano, aquilo que chamamos de cultura.
Enfim, esse processo, ou essa relação entre teleologia e causalidade faz parte de
toda a práxis social, porque toda a práxis tem como modelo o trabalho. Por isso, tanto
no processo de trabalho como na educação existe teleologia e causalidade, mas isto de
forma alguma os identifica. Trabalho continua sendo uma relação ineliminável entre os
homens e a natureza e educação uma relação que se estabelece entre os homens, relação
que também participa na criação de uma nova objetividade. Embora as relações
homem/natureza e homem/homem sejam distintas, formam uma unidade, pois ambas
constituem o ser social.
3.2 – Educação: trabalho não-material?
91
Outra questão que me chama atenção é que ao considerar a identidade entre
trabalho e educação, Saviani realiza uma cisão na categoria trabalho. O processo que
produz os “bens materiais” necessários à produção da existência é “trabalho material” e
o processo mental de representação, planejamento dos objetivos propostos ele chama de
“trabalho não-material”. Seus termos são os seguintes:
Para produzir materialmente, o homem necessita antecipar em idéias
os objetivos reais, o que significa que ele representa mentalmente os
objetivos reais. Essa representação inclui o aspecto de conhecimento
das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de
simbolização (arte). Tais aspectos, na medida em que são objeto de
preocupação explícita e direta, abrem a perspectiva de uma outra
categoria de produção que pode ser traduzida pela rubrica “trabalho
não-material”. Trata-se aqui da produção de idéias, conceitos, valores,
símbolos, hábitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da
produção do saber, seja sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura,
isto é, o conjunto da produção humana (SAVIANI, 1979, p. 20).
Na área da Educação Física, essa compreensão da educação como trabalho não-
material foi incorporada por autores que fazem as seguintes interpretações:
A própria história da escola indica que ela cresceu separada do mundo
do trabalho (...) A escola não está desvinculada da sociedade, assim
como, não está totalmente determinada por ela, nem totalmente livre
dela. (...) A organização do trabalho pedagógico da escola, é
desvinculado da prática, porque não é vinculado ao trabalho
material; pois é no trabalho material que se garante a
indissociabilidade entre teoria e prática social e exige
interdisciplinariedade. É por isso que a pedagogia socialista no
trabalho material uma categoria central para a educação (...) a
fragmentação do conhecimento e a ausência do trabalho como
princípio educativo são dois aspectos fundamentais que
caracterizam a atual relação conteúdo/forma da escola capitalista,
com repercussões diretas para os métodos e ensino empregados
em seu interior (CARVALHO, 1999, p. 197, grifo meu).
E, também, autores que defendem uma “sociedade democrática e participativa”,
justificando, a partir disso, sua opção teórica pelo materialismo histórico. Nesse âmbito
anunciam que:
Isto requer a clareza de que o conhecimento com o qual a escola
trabalha: a) não é uma propriedade privada do professor nem de
ninguém, mas sim um produto que foi produzido por uma coletividade
dentro das relações de produção e dentro dos limites impostos pelo
modo de produção (o Capitalismo); b) que por ser propriedade de
todos precisa ser socializado; e ainda, c) que o mediador entre este
processo de produção/socialização é o Professor. Logo, se a estrutura
da sociedade capitalista não permite socializar o que a
humanidade produz na forma material, isso não ocorre (em
partes) quando se menciona a produção “não material” (Marx,
92
s/d), onde ainda condições de se executar tal socialização
(DIETTRICH et al, 2001, p. 3, grifos meus).
Essa questão do trabalho não-material precisa, com certeza, ser esclarecida para
evitar caminhos equivocados. É certo que, como explicitei anteriormente, o definidor do
ser social é a capacidade de pôr finalidades, de conhecer os nexos causais para melhor
escolher entre as muitas ou poucas alternativas e transformar a realidade em realidade
posta. Este é o trabalho. Mas a aparência produz uma dicotomia entre corpo e mente, em
que esta subordina aquele. Como a consciência tem uma função dirigente em relação ao
corpo que se apresenta como órgão executivo, isto a ideia de que a consciência é
autônoma, embora não exista nenhuma prova a respeito disso. Historicamente, a
separação entre trabalho intelectual e físico, principalmente com o desenvolvimento das
sociedades de classes, reforça essa impressão de cisão entre corpo e alma, e ainda que
são trabalhos diferentes. Mas no trabalho (definidor do ser social) descrito por Marx não
cisão, pelo contrário, é justamente essa capacidade de planejar e antecipar que o
caracteriza. O pensador alemão foi enfático sobre essa questão ao afirmar que:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha
envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos
de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da
melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de
construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um
resultado que no início deste existiu na imaginação do trabalhador,
e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da
forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural
seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo
de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa
subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que
trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta
como atenção durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais
quanto menos esse trabalho, pelo próprio conteúdo e pela espécie e
modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele
aproveita, como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais
(1988, p. 142-3).
Saviani, ao apontar dois tipos de trabalho, o material e o não-material, não
estaria reforçando uma perspectiva filosófica idealista?
Além disso, outra questão diz respeito ao resultado do “trabalho-não material”,
ou seja, de acordo com Saviani, “trata-se aqui da produção de idéias, conceitos, valores,
símbolos, hábitos, atitudes, habilidades (...) produção do saber” (1991, p.20). Esses
elementos apontados não são “trabalho”.
93
Essas capacidades somente existem a partir do processo de trabalho, e no
desenvolvimento complexo do ser nas outras práxis sociais que têm no trabalho o seu
modelo. O trabalho, categoria fundante do ser social, tem como essência a relação entre
teleologia e causalidade, que são ontologicamente distintas, mas igualmente reais e
formam uma unidade cuja síntese é o ser social. Assim, os outros complexos da práxis
social (que fazem parte da totalidade desse ser) possuem também uma materialidade,
possuem objetividade. Como exemplo o caso dos valores, tal como argumenta Lessa:
Fora da peculiar conversão da causalidade em causalidade posta, via
trabalho, não é possível a existência da tamm peculiar relação entre
teleologia e a causalidade que consubstancia o valor e os processos
valorativos. Salientemos que isso não significa que a valoração seja
uma processualidade meramente subjetiva. Ela só pode valorar o
existente com base em finalidades projetadas no escopo do trabalho
portanto apenas pode operar no interior da complexa articulação
teleologia/causalidade que funda o ser social.(...) Tal como no caso do
reflexo, temos aqui uma forma de objetividade que é tão real quanto a
objetividade de uma pedra, ainda que distinta desta última porque
apenas pode existir e se desenvolver no interior do complexo
ontológico que é o trabalho (2002, p. 130-1)
Enfim, um trabalho não-material poderia reforçar a falsa ideia da independência
da consciência em relação ao “mundo material” e ainda que a materialidade estaria
apenas nos “bens materiais” produzidos pela relação homem/natureza e a produção da
existência humana estaria reduzida a essa materialidade
79
.
Todavia a objetividade da teleologia é distinta da objetividade material, pois
como nos mostra Lessa:
A teleologia é necessariamente uma categoria posta pela consciência,
sempre articulada e ontologicamente distinta da causalidade, de tal
modo que a transformação da causalidade em causalidade posta não
significa, em momento algum, nenhuma diluição da distinção
ontológica entre teleologia e causalidade. Sendo assim, a objetividade
da teleologia não pode ser a mesma da causalidade. Ainda que sejam
categorias objetivas no interior do trabalho, apenas a causalidade
exibe um caráter material. O que não significa que, pelo processo de
objetivação, a teleologia não venha a exercer uma força de
transformação material da causalidade; todavia, isso apenas é possível
por meio de outras mediações (além da teleologia) que se apresentam
no ato de trabalho. Portanto, num primeiro momento, temos a
distinção entre objetividade e materialidade: no interior do ser social –
ao contrário do que ocorre na natureza - uma objetividade não-
material. Essa objetividade, por enquanto, é peculiar à teleologia
(2002, p. 113).
79
Os desdobramentos dessa concepção de natureza da educação podem ser decisivos na discussão sobre
qual a especificidade da educação e que tipo de conhecimento é ou não importante para a constituição do
ser social.
94
Essa é uma questão muito complexa, e que pressupõe o domínio de muitas
outras categorias, mas posso provisoriamente pensar que a teleologia como um
momento da consciência possui uma objetividade diferente da objetividade da
causalidade. A objetividade da teleologia seria não-material, e a da causalidade,
material. Neste sentido, não importa se a objetividade material da causalidade é uma
árvore, ou se a objetividade material da causalidade são ideias postas, e também
não importa se a objetividade teleológica o-material é o projeto de uma mesa ou o
projeto de uma revolução. Esses projetos ganham objetividade material depois de
postos e transformados em causalidade posta
80
.
É objetividade teleológica “não-material”, não porque está na consciência, mas
porque precisa ser posta, objetivada, ser transformada em causalidade posta, se
desprender do sujeito consciente, não ter mais identidade entre eles, possuir outra
legalidade independente do sujeito que a pôs. Enfim, é ainda uma potencialidade real
que precisa ser objetivada para ganhar força material, e por ser potencialidade, pode ou
não se materializar. Destaco que essa materialidade pode ser a de ideias, valores ou
outros que se generalizaram.
Não existe trabalho não-material. O momento não-material é o momento do
reflexo da realidade na consciência no processo de prévia-ideação. Reflexo necessário
para agir, projetar sobre os nexos causais postos ou não, em um desenvolvimento
complexo no qual cada vez mais o mundo se constitui de causalidades postas e torna-se
cada vez mais social.
Contudo Saviani chegou a essa afirmação a partir da leitura do Capítulo VI
Inédito
81
, no qual Marx (2004) faz a discussão sobre o que é trabalho produtivo e
improdutivo, explicando que:
(No caso da produção não material, mesmo quando é efetuada com
vista exclusivamente à troca e mesmo que crie mercadorias, existem
duas possibilidades:
80
Não é necessário que a revolução seja feita, mas que exista como força material e faça parte da
causalidade posta, ou seja, do mundo dos homens, interferindo no seu desenvolvimento.
81
Saviani, na introdução do livro Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações, faz referência ao
texto Trabalhadores em educação e crise na universidade. Nesse artigo, busca fundamentar-se em Marx
para argumentar sobre a natureza da educação como um trabalho não-material. Considera
equivocadamente que o caminho para conceituar o trabalho em educação não está na característica de ser
produtivo ou improdutivo, mas na “contraposição” entre trabalho material e trabalho não-material,
afirmando que “o trabalho produtivo, independente de gerar ou não riqueza material, independente de
produzir bens utilitários ou supérfluos, ele é produtivo na medida em que gera mais-valia. Neste sentido,
mesmo o trabalho não material pode ser produtivo” (SAVIANI, 1987, p.79).
95
1) O seu resultado são mercadorias que existem separadamente do
produtor, ou seja, podem circular como mercadorias no intervalo
entre a produção e o consumo; por exemplo, livros, quadros, todos
os produtos artísticos que existem separadamente da atividade
artística do seu criador e executante. A produção capitalista se
pode aplicar aqui de maneira muito limitada. Estas pessoas,
sempre que não tomem oficiais etc., na qualidade de escultores
(sculptors. Ing.) etc., em geral (salvo caso sejam independentes)
trabalham para um capital comercial, como, por exemplo, editores
livreiros, uma relação que constitui tão uma forma de transição
para o modo de produção formalmente capitalista. Que nestas
formas de transição alcance a exploração do trabalho um grau
superlativo, tal não modifica em nada a essência do problema.
2) O produto não é separável do ato da produção. Também aqui o
modo capitalista de produção tem lugar de maneira limitada, e
pode tê-lo, devido à natureza da coisa, em algumas esferas.
(Necessito do dico e não do seu menino de recados.) Nas
instituições de ensino, por exemplo, para o empresário da fábrica
de conhecimentos os docentes podem ser meros assalariados.
Casos similares não devem ser tidos em conta quando se analisa o
conjunto da produção capitalista (p.119 - 20).
Essa citação não autoriza Saviani a afirmar a existência de um trabalho não-
material para Marx. Ele discute no conjunto desse texto e, particularmente nessa
citação, o que é trabalho produtivo e improdutivo no caso específico da sociedade
capitalista, ou seja, não se trata aqui de discutir o que é trabalho (relação ineliminável
entre o homem e a natureza em qualquer modo societário), mas de discutir o que é ou
não produtivo para o capital. Especificamente nessa citação Marx explica como
“serviços” ou a “prestação de serviços” cujo resultado é uma atividade e não um
objeto pode ou não ser produtivo para o capital; de maneira que: “A determinação do
trabalho produtivo (e, por conseguinte também a do improdutivo, como seu contrário)
baseia-se pois no fato de a produção do capital ser produção de mais-valia e de o
trabalho por ela empregado ser trabalho produtor de mais-valia” (MARX, 2004, p.120).
Um aspecto destacado é que na sociedade capitalista uma tendência de que
tudo se torne mercadoria e muitos se tornem assalariados, inclusive aqueles
considerados como profissionais liberais, médicos, advogados etc. Esse fato, o de se
tornarem assalariados, por si não os faz trabalhadores produtivos
82
, embora possam
82
Marx (2004) explica que erroneamente pode se confundir o trabalhador assalariado com o trabalhador
produtivo, mas não é essa a condição. Mesmo que o trabalhador seja assalariado, é produtivo se
produzir mais-valia, se estiver diretamente ligado ao processo de valorização do capital. Assim, “todo
trabalhador produtivo é um assalariado mas, nem todo assalariado é um trabalhador produtivo. Quando se
compra um trabalho para o consumir como valor de uso, como serviço, não para colocar como fator vivo
no lugar do valor do capital variável e o incorporar no processo capitalista de produção, o trabalho não é
produtivo e o trabalhador assalariado não é trabalhador produtivo” (2004, p. 111).
96
se tornar produtivos, dependendo da relação que estabelecem com o processo de
produção do capital. Assim, propala Marx:
Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora
improdutiva. Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada
ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por um
empresário (entrepeneur. Fr.) que a põe a cantar para ganhar dinheiro,
é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital. Um
mestre-escola que ensina outras pessoas não é um trabalhador
produtivo. Porém, um mestre-escola que contratado com outros para
valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da
instituição que trafica com o conhecimento (Knowledge mongering
instituion. Ing.) é um trabalhador produtivo. Mesmo assim, a maior
parte desses trabalhadores, do ponto de vista da forma, apenas se
submetem formalmente ao capital: pertencem às formas de transição
(2004, p. 115).
Essa diferenciação explicada por Marx entre o produto em forma de objeto
realizado pelo conjunto dos operários e o produto em forma de atividade origina-se do
fato de que os operários possuem uma participação muito mais significativa na
produção da mais-valia do que os prestadores de serviços.
Saviani, após afirmar a existência do trabalho não-material
83
, desdobra sua
reflexão concluindo que a natureza da educação consiste em ela mesma ser um trabalho
não-material. Para ele,
trata-se aqui da produção de idéias, conceitos, valores, símbolos,
hábitos, atitudes, habilidades, Numa palavra, trata-se da produção do
saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto
é, o conjunto da produção humana. Obviamente, a educação se situa
nessa categoria do trabalho não material (1991, p.20).
Como enunciei anteriormente, esses elementos não são trabalho, e a educação
não é trabalho. Por isso, compartilho da posição teórica de Tonet (2003, p. 38), segundo
a qual:
Na esteira de Marx, entendemos que o trabalho é o fundamento
ontológico do ser social. E que todas as outras dimensões sociais a
exemplo da política, do direito, da ciência, da arte etc. mantêm com
ele uma relação de dependência ontológica e de autonomia relativa.
Ao trabalho, pois este caráter matrizador que nenhuma das outras
dimensões pode assumir. Quanto às outras dimensões, embora se
originem a partir do trabalho, sua natureza e legalidade específicas
mostram que elas não são uma expressão direta e mecânica dele.
83
Saviani, ao deslocar a discussão para algo inexistente, o trabalho não-material, abandona o que é
fundamental, ou seja, abandona a discussão sobre o que é ou não produtivo para o capital e neste sentido a
relação do professor, trabalhador assalariado, com a lógica societária capitalista.
97
Mas, o que é educação? Com certeza ela faz parte das “outras dimensões” que
constituem a totalidade do ser social.
A compreensão da sua especificidade também se torna fundamental, pois dela
depende a inclusão ou não da Educação Física na escola. Embora Saviani, por exemplo,
se aproxime da compreensão de educação que tento apreender, ao propor que:
A natureza humana não é dada ao homem mas é por ele produzida
sobre a base da natureza bio-física. Consequentemente, o trabalho
educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
individuo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens (1991, p.14).
Quando discute a especificidade decorrente dessa compreensão, ele informa que
a escola é na sociedade capitalista o locus da educação, e que cabe a ela a transmissão
do “saber sistematizado”. Assim sendo:
A opinião, o conhecimento que produz palpites, não justifica a
existência da escola. Do mesmo modo, a sabedoria baseada na
experiência de vida dispensa e até mesmo desdenha a experiência
escolar, o que, inclusive, chegou a se cristalizar em ditos populares
como: “mais vale a prática do que a gramática” e “as crianças
aprendem apesar da escola”. É a exigência de apropriação do
conhecimento sistematizado por parte das novas gerações que torna
necessária a existência da escola. (...) A escola existe, pois, para
propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao
saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos
desse saber (Ibid, p. 23).
Neste sentido, complementa definindo que o “conteúdo fundamental da escola
elementar” é: “ler, escrever, contar, os rudimentos das ciências naturais e das ciências
sociais (história e geografia humanas)” (Ibid, p. 23). Portanto, não faz menção ao
conhecimento específico da Educação Física, bem como de artes em geral. A ausência
dessas especificidades educacionais não empobrece a formação do ser social?
Responder a essa questão implica compreender a relação da educação em geral e
de suas especificidades no desenvolvimento do ser social.
3.3 – A Natureza e a especificidade da Educação
Em relação à natureza da educação em termos ontológicos, considero importante
retomar, tal como apresento na citação de Tonet, que o trabalho não é a totalidade da
práxis social. Lukács assinala que junto ao trabalho originário no processo de
98
constituição do ser social surgem outros complexos que formam a totalidade social,
como, por exemplo, a fala, o direito, a arte etc.
Nesse processo de constituição, é fundamental que as descobertas humanas, a
sua apreensão da realidade, enfim, o conhecimento produzido seja generalizado para
que aconteça a reprodução social
84
. São os indivíduos na sua cotidianidade que realizam
a apreensão do real, mas se suas descobertas não foram generalizadas, se não se tornam
de domínio do nero humano, em nada contribuem, na verdade não existem enquanto
objetivação humano-social. É nesse processo que se faz necessária a educação. Lessa
nos dá essa indicação a partir das reflexões de Lukács, ao afirmar que
são as articulações genéricas do real que possibilitam que a
subjetividade humana se movimente no sentido da generalização das
experiências singulares. Independente do grau de consciência que se
tenha dessa situação, independente mesmo de se haver ou não
desenvolvido a capacidade de sua generalização por meio da
discussão metodológica, a necessidade, que brota da própria
constituição do em-si do pôr teleológico, de um processo de
generalização e fixação dos conhecimentos do ser-precisamente-
assim, obtidos nos atos singulares, em um conhecimento genérico
aplicável às mais diferentes situações. Esse impulso à generalização
das experiências cotidianas está, como veremos, na gênese de
complexos sociais como a arte, a filosofia, a religião etc. Mutatis
Mutandis, o impulso à generalização do conhecimento do ser-
precisamente-assim existente compõe a gênese da ciência (2002,
p.89).
Leontiev, a partir das reflexões de Marx e Engels e, com muita proximidade à
discussão de Lukács, justifica que esse processo educativo é necessário porque os
homens, diferentemente dos animais, não possuem em seu desenvolvimento um
determinante prioritariamente biológico, mas sim cada vez mais é regido pelas leis
histórico-sociais: Para ele, “A passagem do homem a uma vida em que sua cultura é
cada vez mais elevada não exige mudanças biológicas hereditárias” (2004, p. 281).
Para o fato desse constante “afastamento das barreiras naturais”, Leontiev alerta
que isto não significa que as influências hereditárias deixem de existir, mas que suas
transformações são cada vez mais dirigidas pela totalidade das relações sociais
construídas pelos próprios homens. Nos termos do autor,
84
Lembrando que me refiro à “reprodução social” no sentido ontológico. Não estou discutindo nenhuma
especificidade social, como, por exemplo, o capitalismo ou qualquer outra sociedade de classes. Tonet
(2005) nos ajuda a compreender que se trata de reprodução, pois “a maior parte do tempo e das energias
no processo educativo é gasto na assimilação de elementos já existentes, sem os quais não se poderia criar
o novo e sem os quais o próprio indivíduo não se constituiria como indivíduo” (p. 216 - 17).
99
as aptidões e caracteres especificamente humanos
85
não se transmitem
de modo algum por hereditariedade biológica, mas adquirem-se no
decurso da vida por um processo de apropriação da cultura criada
pelas gerações precedentes. (...)
Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a
natureza lhe quando nasce não lhe basta para viver em sociedade.
É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do
desenvolvimento histórico da sociedade humana. (...)
Criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas. É visto que
se diferencia do processo de aprendizagem dos animais. Enquanto este
último é o resultado de uma adaptação individual do comportamento
genérico a condições de existência complexas e mutantes, a
assimilação no homem é um processo de reprodução, nas
propriedades do indivíduo, das propriedades e aptidões historicamente
formadas na espécie humana (Idem, p. 285 - 6, grifo do autor).
Lukács, neste sentido, alerta para o erro, “segundo o qual seria a sua
peculiaridade biológica que faria o homem se desenvolver mais lentamente como
exemplar autônomo da espécie” (s.n.a, p.18). Na verdade, as mudanças são sociais,
estas também retroagem na constituição biológica dos homens, mas com caráter
prioritariamente social. O filósofo húngaro traz o seguinte exemplo:
Se hoje nas fábricas não trabalham mais as crianças, como no início
do século XIX, não é por razões biológicas, mas pelo
desenvolvimento da indústria e sobretudo pela luta de classes. Se hoje,
nos países civilizados, é generalizada a obrigatoriedade escolar e os
rapazes ficam fora do trabalho em tempo relativamente longo, também
este tempo deixado livre para a educação é um produto do
desenvolvimento industrial (Idem, p. 18 - 9).
Sendo assim, a educação, em seu sentido estrito, é o resultado das necessidades
sociais surgidas em determinada sociedade. Esta exige determinados comportamentos e
habilidades que precisam ser apreendidas. No entanto, Lukács adverte que ao
permanecer inalterada a forma de educação durante algum tempo em determinada classe
social, reforçando determinados comportamentos e conhecimentos, isso provoca efeitos
também na “constituição física e psíquica” nessas classes. Esse fato pode causar a falsa
85
É importante destacar o que o psicólogo russo compreende, a partir de Marx, por “aptidões e caracteres
especificamente humanos”: “Foi Karl Marx, o fundador do socialismo científico, o primeiro que forneceu
a análise teórica da natureza social do homem e do seu desenvolvimento sócio-histórico: ‘todas as suas
(trata-se do homem) relações humanas com o mundo, a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato, o
pensamento, a contemplação, o sentimento, a vontade, a atividade, o amor, em resumo, todos os órgãos da
sua individualidade que, na sua forma, são imediatamente órgãos sociais, são no seu comportamento
objetivo ou na sua relação com o objeto a apropriação deste, a apropriação da realidade humana’. Mais de
cem anos se passaram depois que Marx escreveu estas linhas, mas as idéias que elas encerram
permanecem até os nossos dias a expressão mais profunda da verdadeira natureza das aptidões humanas
ou, como dizia Marx, ‘das forças essenciais do homem’ (Wesenskräfte des Menschen)”. (LEONTIEV,
2004, p. 286, grifo do autor).
100
impressão de que essas características são hereditárias, ou seja, diferenças hereditárias
entre os homens que os fazem parecer não pertencentes ao mesmo gênero humano.
Leontiev também discute essa questão, afirmando que a desigualdade é
“produto da desigualdade econômica, da desigualdade de classes e da diversidade
consecutiva das suas relações com as aquisições que encarnam todas as aptidões e
faculdades da natureza humana, formadas no decurso de um processo sócio-histórico”
(2004, p. 293).
Retomando, o “indivíduo aprende a ser um homem”.
Esse aprender a ser homem, em
sentido do desenvolvimento ontológico, processo de generalização é o impulso para a
gênese da ciência, arte etc., mas é também a generalização de valores, comportamentos,
linguagem, sentimentos, enfim, daquilo que forma as individualidades. Lembrando
sempre que estas não podem existir fora da relação com a totalidade do ser social.
Portanto, com Lessa,
o ser social é a síntese dos atos singulares dos indivíduos em
tendências, forças etc. genéricas. Neste contexto, a substância concreta
que distingue uma individualidade das demais, bem como da
totalidade social, é dada pela qualidade, pela direção etc. da cadeia de
decisões alternativas que adota ao longo da vida. É a qualidade das
relações que estabelece com o mundo que caracteriza a
substancialidade de cada indivíduo singular (2002, p. 146 - 7, grifo
meu).
Seguindo esse raciocínio, posso entender que a educação é uma atividade
humana, na relação homem/homem, que possui sua gênese no trabalho, também é
constituída de uma teleologia e causalidade, mas que não pode ser confundida com a
relação homem/natureza, trabalho. Mais uma vez concordo com Tonet (2005,
p.218)
quando este pontua:
O ato educativo, ao contrário do trabalho, supõe uma relação não entre
um sujeito e um objeto, mas entre um sujeito e um objeto que é ao
mesmo tempo também sujeito. Trata-se, aqui, de uma ação sobre uma
consciência visando induzí-la a agir de determinada forma. No
trabalho, se dispusermos dos conhecimentos e das habilidades
necessários e realizarmos as ões adequadas, é certo que, salvo
intervenção do acaso, atingiremos o objetivo desejado. No caso do ato
educativo, o mesmo conjunto de elementos está longe de garantir a
consecução do objetivo, pois não podemos prever como reagirá o
educando.
Na mesma direção dessas assertivas, Leontiev argumenta:
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não
são simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da
cultura material e espiritual que os encarnam, mas são postas. Para
101
se apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, os
órgãos da sua individualidade’, a criança, o ser humano, deve entrar
em relação com os fenômenos do mundo circundante através de outros
homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a
criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo,
é, portanto, um processo de educação (2004, p. 290, grifo do autor).
Dessa forma, o processo educativo faz parte da reprodução social, tanto no
sentido da construção das individualidades quanto no sentido de constituição do gênero
humano. Esse processo, em conformidade com Lukács, possui a sua essência em
influenciar os homens para que estes estejam aptos a atuaram frente as novas
alternativas que encontrarão durante suas vidas. Essa atuação, para que se reproduzam
às relações sociais, devem ser aquelas esperadas, ou seja, é necessário que os homens
“reajam no modo socialmente desejado”. Entretanto, argumenta o autor que “este
propósito se realiza sempre em parte e isto contribui para manter a continuidade na
transformação da reprodução do ser social; mas ele a longo prazo fracassa” (s/d.a, p.
19).
Esse fracasso não elimina o fato de que os seres humanos devem apreender
aquilo que foi construído; ao contrário, existe a possibilidade de avançar porque
existe esse processo de generalização na mesma geração e nas novas gerações, ou seja,
porque existe o processo educativo. Dessa forma, Leontiev argumenta:
Cada geração começa, portanto, a sua vida num mundo de objetos e de
fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se das
riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas
diversas formas de atividade social e desenvolvendo assim as aptidões
especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse
mundo. Com efeito, mesmo a aptidão para usar a linguagem articulada
se forma, em cada geração, pela aprendizagem da língua que se
desenvolveu num processo histórico, em função das características
objetivas da língua. O mesmo se passa com o desenvolvimento do
pensamento ou da aquisição do saber. Está fora de questão que a
experiência individual do homem, por mais rica que seja, baste para
produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato
e sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida,
mas mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração
formam-se a partir da apropriação dos resultados da atividade
cognitiva das gerações precedentes (2004, p. 84).
Essa apropriação é imprescindível, mas ela não deve ser a finalidade última do
processo educativo. Este consiste ao mesmo tempo na apropriação do construído e na
formulação das novas condições individuais e sociais para atuar frente à nova realidade
posta.
102
O fracasso parcial da educação a longo prazo, apontado por Lukács na
reprodução do ser social:
é o reflexo psíquico não do fato que tal reprodução se realiza de
modo desigual, que ela produz continuamente movimentos novos e
contraditórios, aos quais nenhuma educação, por mais prudente, pode
preparar suficientemente, mas também do fato que nestes movimentos
novos se exprimem – de maneira desigual e contraditória – o processo
objetivo do ser social no curso de sua reprodução (s.n.a, p.19-20).
Nesse processo, com um futuro imprevisível, o filósofo complementa que: “A
sua vida [do indivíduo], se se o caso, pode terminar numa sociedade de caráter
totalmente distinto, com exigências que são completamente diversas daquelas para as
quais a educação – em sentido estrito – o havia preparado” (s.n.a, p. 18).
Enfim, no sentido objetivo-ontológico, o processo de reprodução, ao construir o
gênero humano, torna as individualidades humanas cada vez mais sociais, mais
“multilaterais”
86
. Na complexificação das relações sociais a tarefa da educação também
se torna mais complexa. De acordo com Leontiev,
Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-
histórica acumulada por ela, mais cresce o papel específico da
educação e mais complexa é a sua tarefa (...) o tempo que a sociedade
consagra à educação das gerações aumenta; criam-se estabelecimentos
de ensino, a instrução toma formas especializadas, diferencia-se o
trabalho do educador do professor; os programas de estudo
enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se, desenvolve-
se a ciência pedagógica (2004, p. 291).
A complexidade das relações sociais, além de se expressar nas relações de
trabalho, na ciência, na filosofia, por exemplo, também é expressa nas artes, nas
atividades físicas, nas línguas etc., e estas precisam ser apreendidas, que fazem parte
do desenvolvimento do gênero humano.
Logo, também precisam ser sistematizadas, para que de modo adequado possam
ser transmitidas às novas gerações. Esses conteúdos fazem parte da educação no sentido
da reprodução humana, no sentido de apropriação da “cultura”, no processo de tornar-se
homem dos indivíduos humanos. Em uma sociedade complexa, devem fazer parte da
86
No entanto, nas sociedades de classes, esse processo pode significar o afastamento de grande parte da
humanidade do acesso ao processo de humanização conquistado pelo nero humano: “A unidade da
espécie humana parece ser praticamente inexistente não em virtude das diferenças de cor da pele, da
forma dos olhos ou de quaisquer outros traços exteriores, mas sim das enormes diferenças e condições do
modo de vida, da riqueza da atividade material e mental, do nível de desenvolvimento das formas e
aptidões intelectuais” (LEONTIEV, 2004, p. 293).
103
educação formulada, porque, também fazem parte das “aquisições” necessárias ao
“desenvolvimento histórico das aptidões humanas”.
Capítulo 4 – A GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
MODERNA
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários,
dogmas, mas pressupostos reais, de que se pode abstrair na
imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as
produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto,
constatáveis por via puramente empírica.
(MARX; ENGELS, 2007)
Não devemos confundir a questão ontológica com a questão histórico-concreta,
sob pena de se tratar particularidades do desenvolvimento do ser social de maneira
universal abstrata. Feito esse alerta trato do capitalismo, uma sociedade com sua lógica,
suas leis sociais fundamentais que foram explicadas por Marx e da educação física
como um complexo particular possível de ser compreendida somente em relação à
totalidade, no caso, a sociedade capitalista.
Apresento, na construção do ser social na sociedade capitalista como a Educação
Física é incorporada na escola dessa sociedade e sofre modificações em função das
necessidades que são engendradas nessas relações sociais. Não tenho a intenção de
recontar a história da Educação Física, o que tem sido amplamente feito com maior ou
menor profundidade por vários pesquisadores da área desde a década de 1980. Minha
intenção é mostrar a função social que essa disciplina pedagógica assumiu ao ser
incorporada à escola, bem como as suas funções no desenvolvimento dessa
sociabilidade. Com isso, obtenho um parâmetro balizador a fim de afirmar que os seus
avanços na área nas últimas décadas, em regra, são adaptações para conformar a
Educação Física à lógica do capital. Desse modo, as discussões de alguns autores,
permeadas por um matiz revolucionário com base em correntes do materialismo
histórico, vão gradativamente desaparecendo.
A inclusão da Educação Física enquanto uma disciplina escolar data do final do
século XIX, momento em que se tentava organizar os Sistemas Nacionais de Ensino em
vários países
87
. Essa preocupação não era uma questão isolada de uma determinada
87
Sobre essa questão, Leonel (1994), em sua tese de doutorado Contribuições à história da escola
pública: elementos para a crítica da teoria liberal, demonstra a construção não apenas do Sistema
Nacional de Ensino francês e suas influências em outros países como o Brasil, mas explica como essa
criação dos SNE é um dos resultados do processo de criação e desenvolvimento da sociedade burguesa e
com a sua consequente dualidade entre o “burguês egoísta” e o “cidadão político”.
105
localidade. Cada país possuía suas especificidades histórico-concretas, mas todos
estavam ligados pela universalidade do modo de produção capitalista. Embora questões
sobre a educação em geral, a educação física em particular ou sobre outros setores
sociais possam parecer exclusivas de determinadas localidades, são desdobramentos de
um mesmo movimento, o processo de expansão do capital.
Neste sentido, ao tratar de educação física estou discutindo uma prática concreta,
ou seja, construída nas relações sociais capitalistas e que traz as determinações e
contradições dessa sociedade. A educação física tal como a conhecemos é uma
produção das relações capitalistas; portanto, nasce com o capitalismo e transforma-se
com este. Embora em civilizações antigas como a chinesa ou grega já existisse a prática
de exercícios corporais, estes apresentavam o sentido e significados próprios da sua
organização social, diferentes daqueles vividos hoje. No ressurgimento da Educação
Física, não se trata mais da antiga educação guerreira ou da educação cortesã, mas da
formação do cidadão moderno. Nessa educação, os exercícios físicos funcionariam
como higienizadores, disciplinadores do caráter e da vontade, formadores do sentido
patriótico que colaboraria na formação (Alemanha, Japão e Itália), manutenção e
aperfeiçoamento (França, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos) dos Estados Nacionais.
Atualmente reconhecemos que a Educação Física Escolar surge junto com os
Sistemas Nacionais de Ensino, quando, ao se organizar a escola, a educação do corpo
aparece como um quesito importante no contexto dos objetivos definidos para essa
instituição. Logo, a necessidade da Educação Física Escolar é apenas um aspecto
particular de uma questão mais ampla: a necessidade de criação dos Sistemas Nacionais
de Ensino e a obrigatoriedade da educação para todos. Entender, então, os motivos que
levaram os homens desse momento a sentirem necessidade da Educação Física
enquanto um conteúdo escolar implica compreender o processo e as razões para a
construção da escola pública e universal.
Tendo presente essa postura metodológica, organizei este capítulo em duas
partes. Na primeira, procuro sintetizar o processo histórico de constituição dos Sistemas
Nacionais de Ensino e, na segunda, analiso a especificidade da Educação Física
enquanto disciplina a ser incluída nos currículos escolares.
106
4.1 – A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino
A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino tem início em meados do
século XVIII e se consolida, em muitos países, no final do século XIX. Nesse período, a
sociedade capitalista se define, deixando explícitas as suas contradições, sendo que a
mais latente e potencialmente explosiva era a apropriação privada da produção social da
riqueza por uma minoria detentora dos meios e instrumentos fundamentais de produção
e, como consequência, a miséria para a maior parte da população, ou seja, para aqueles
que só possuíam a força de trabalhado como única mercadoria a ser trocada
88
. É
também para estes últimos que será estendida a educação escolar blica e laica. Como
parte desse processo, ressurge a educação física, entendida não mais como as antigas
práticas do passado (educação guerreira, educação cortesã), mas vista “como parte
essencial da formação do homem, que somente a Grécia antiga conhecera e
desenvolvera em formas originais” (MANACORDA, 1989, p. 188 - 9).
A valorização da educação física para o aprimoramento do “corpo humano”
começa a se manifestar no pensamento de significativos autores desde o início da
sociedade moderna, entendendo-se essa valorização do exercício físico como parte de
uma “boa educação” que não necessariamente acontecia no incipiente ambiente escolar.
Podemos observar essa postura em Michel de Montaigne (1533 - 1592), que em
seu ensaio Educação das Crianças, publicado por volta de 1580, enfatiza a necessidade
de se cuidar e educar o “corpo”
89
, argumentando que: “quem quiser fazer do menino um
homem não deve poupar na juventude nem deixar de infringir amiúde os preceitos dos
médicos: ‘que viva ao ar livre e no meio dos perigos’. Não basta fortalecer-lhe a alma, é
preciso desenvolver-lhe, os músculos” (1984, p. 78).
A valorização do “corpo”, no entanto, não acontece de forma isolada, mas é
fruto das transformações na vida moderna que determina, inclusive, uma nova forma de
educação. Esta não é um epifenômeno, mas suas raízes estão fincadas nas
88
Uma pesquisa minuciosa sobre as condições de vida da classe trabalhadora dos países mais
industrializados (Inglaterra e Bélgica) do final da década de 1860 e início 1870 pode ser encontrada em O
Capital. No capítulo XXIII (Lei Geral da Acumulação Capitalista) dessa obra, Marx expõe
pormenorizadamente a relação entre a lógica da produção capitalista e a situação social da classe
trabalhadora, acrescentando que essas condições se deterioram quando ocorrem crises cíclicas de
acumulação do capital.
89
É comum entre os professores de educação física falar em “corpo” e, era comum desde a gestação da
sociedade capitalista utilizar essa expressão em função da dualidade corpo e mente que permanece. Como
apresentei no capítulo 2, essa separação é uma impossibilidade. O que se educa são os homens. Por isso
utilizo a denominação corpo entre aspas referindo-me à compreensão dicotômica entre corpo e mente do
período em questão.
107
determinações sociais emergentes daquele momento histórico, ou seja, na lógica
concreta do capital mercantil que se chocava com o conjunto da ordem social feudal
que, sob inúmeros aspectos, se faziam ainda presentes na sociedade européia do século
XVI, tal qual é o caso da França de Montaigne.
É, então, nesse contexto que aparecem as primeiras discussões específicas em
relação à educação do trabalhador. João Amós Comenius (1592 - 1670), autor de
Didática Magna e um dos expoentes intelectuais que expressam os interesses do capital
mercantil e manufatureiro, manifesta a necessidade de formar homens aptos para o
funcionamento dessa sociedade. É neste sentido que nesta obra aparece a seguinte
prescrição:
Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a
todos. Isto não quer dizer, todavia, que ergamos a todos o
conhecimento de todas as ciências e de todas as artes (sobretudo se se
trata de um conhecimento reto e profundo). Com efeito, isso nem de
sua natureza, é útil, nem, pela brevidade de nossa vida, é possível a
qualquer dos homens. (...) Pretendemos apenas que se ensine a todos a
conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas
principais, das que existem na natureza como das que se fabricam,
pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de
espectadores, mas também de atores. Deve, portanto, providenciar-se
e fazer-se um espaço para que ninguém, enquanto está neste mundo,
surja qualquer coisa que não lhe seja de tal modo desconhecida que
sobre ela não possa dar modestamente o seu juízo e dela se não possa
servir prudentemente para um determinado uso, sem cair em erros
nocivos ([198 - ?], p. 145 - 6).
É importante lembrar que essas posições teórico-educacionais estavam
articuladas imediata ou mediatamente à quebra da hegemonia católica na Europa e,
portanto, ao conjunto de relações sociais que lhe eram correspondentes. Foi por isso que
Comenius e sua família sentiram diretamente os efeitos da “Guerra dos 30 Anos”, sendo
alvo das mais intensas perseguições da Contra Reforma Católica.
Na segunda metade do século XVII, John Locke (1632 - 1704), encarnando o
espírito da burguesia inglesa em ascensão, preocupa-se em traçar um projeto educativo
para o gentleman, no qual inclui a prática da Educação Física. No seu Pensamentos
sobre a Educação, discute que,
o educar bem às crianças, é de tal maneira o dever e a missão dos pais,
e o bem-estar e a prosperidade das nações depende tanto deste fato,
que eu gostaria de colocar essa convicção no coração de todos; e que
depois de ter examinado o que a fantasia, o costume ou a razão
ensinou sobre este tema, contribuíssem auxiliando a expandir essa
convicção de que o modo de educar a juventude, tendo em conta sua
diversa condição, é também a maneira mais fácil, breve e adequada
108
para produzir homens virtuosos, hábeis e úteis em suas distintas
vocações; e que aquela vocação ou profissão de que mais devemos
cuidar é a do gentleman. Porque se os dessa posição são colocados
pela educação no caminho certo, eles colocarão rapidamente em
ordem os demais (LOCKE, 1986, p. 26 - 7).
Ainda sobre esta questão, para não deixar margem de dúvidas a quem ele se
refere, seus termos são inequívocos:
Além disso, creio que um príncipe, um aristocrata e o filho de um
burguês comum, deveriam ter diferentes formas de criação. Mas aqui
somente se tem exposto alguns pontos de vista gerais, referidos ao fim
principal e aos objetivos da educação, e pensados para o filho de um
burguês (Ibid, p. 275).
Preocupado com a saúde e com o vigor do novo homem de Estado e de
negócios, que além das preocupações imediatas na Inglaterra tinham diante de si a
Europa e o mundo como locus dos seus interesses estatais e privados, propõe a inclusão
de atividades físicas nessa educação. Argumenta, então, que:
ninguém ignora que o saber nadar é uma grande vantagem, e que isto
salva a vida diariamente de muitos; e os romanos o consideravam tão
necessário, que o colocavam no mesmo lugar que as letras e era frase
comum, para designar a um mal educado e inútil para tudo, que não
tinha aprendido nem a ler nem a nadar (Ibid, p. 42).
Na verdade, Locke também estava falando de si próprio, pois ele mesmo era um
latifundiário absenteísta
90
, que após a queda da monarquia absoluta na Inglaterra em
1689, com a chamada “Revolução Gloriosa”, tornou-se funcionário do novo Estado
inglês, exercendo ali inúmeros cargos, dentre eles, o de funcionário da Junta Comercial
Inglesa em Londres, recebendo 1.500 libras anuais por seus serviços. Nele se
expressavam as contradições da sociedade burguesa emergente, porque não teve
dúvidas em defender a perspectiva dos pobres receberem “a penny per dien” (um
centavo ao dia) (BOURNE apud MÉSZÁROS, 2005).
Esses exemplos indicam que a preocupação em preparar o “homem” para a
emergente sociedade capitalista, dando-lhe oportunidades ou “sucesso” nessa nova
organização social, remonta aos seus primórdios e que, entre os conteúdos necessários a
essa preparação, estão incluídos os exercícios físicos. Mas é importante assinalar que a
preocupação com a educação física no pensamento dos autores liberais estava voltada
para a formação do burguês ou do “indivíduo egoísta”. A educação do trabalhador tinha
90
Termo utilizado para designar um proprietário de terras que não vivia nelas.
109
pouca expressão nas concepções educacionais desse período
91
. Somente a partir do
século XVIII, essa educação começa a despontar como elemento importante de
reflexão, muito embora possam ser apontadas diferenças fundamentais quanto aos
objetivos a serem alcançados, como veremos neste capítulo.
Em síntese, é necessário pontuar que: a) a preocupação em preparar o “homem”
para a nascente sociedade capitalista, a acompanha desde seu início; b) os primeiros
sinais de uma escola de massas, ou seja, a ampliação obrigatória para todos, se deram no
sentido de respaldar as novas formas de trabalho desenvolvidas no modo de produção
capitalista no século XVIII.
A realidade social se constitui como um todo complexo, em que vários são os
seus determinantes. Dentro das possibilidades deste texto, considero pertinente resgatar
que o alicerce dessa sociedade está fundado na organização social do trabalho e seus
desdobramentos, ou seja, é necessário compreender como essa sociedade se organiza
para garantir a sua existência, o que inclui a sua organização política e as diferentes
formas de pensar essa mesma realidade. Marx explica que a base de sustentação dessa
sociedade está calcada no terreno contraditório das relações entre compradores e
vendedores da força de trabalho. Para ele,
duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias têm de
defrontar-se e entrar em contato; de um lado, possuidores de dinheiro,
de meios de produção e meios de subsistência, que se propõem a
valorizar a soma-valor que possuem mediante compra de força de
trabalho alheia; do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria
força de trabalho e, portanto, vendedores de trabalho. (...) A relação-
capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade
das condições da realização do trabalho (...) esses recém-libertados
se tornaram vendedores de si mesmo depois que todos os seus meios
de produção e todas as garantias de sua existência, oferecidas pelas
velhas instituições feudais, lhe foram roubados. E a história dessa sua
expropriação está inscrita nos anais da humanidade com traços de
sangue e fogo
(MARX, 1985, p. 262)
.
91
Um exemplo ilustrativo é a obra de Locke, pois o precursor do Iluminismo e do Liberalismo propunha
que a educação dos filhos da classe trabalhadora se resumisse à férrea disciplina laborativa e
doutrinarismo religioso. No seu Memorandum on the reform of the poor law a sintetiza essa proposição
da seguinte forma: “Os filhos das pessoas trabalhadoras são um corriqueiro fardo para a paróquia, e
normalmente são mantidas na ociosidade, de forma que geralmente também se perde o que produziriam
para a população até eles completarem doze ou catorze anos de idade. Para esse problema, a solução mais
eficaz que somos capazes de conceber, e que portanto humildemente propomos, é a de que, (...) seja
determinado, (....) que se criem escolas profissionalizantes em todas as paróquias, as quais os filhos de
todos, na medida das necessidades da paróquia, entre quatro e treze anos de idade (...) devem ser
obrigados a freqüentar. Outra vantagem de se levar as crianças a uma escola profissionalizante é que,
desta forma, elas seriam obrigadas a ir à Igreja todos os domingos, juntamente com os seus professores
ou professoras e teriam alguma compreensão da religião; ao passo que agora, sendo criadas, em geral, no
ócio e sem rédeas, elas são totalmente alheias tanto à religião e à moralidade como são para a diligência.”
(LOCKE apud MÉSZÁROS, 2005, p. 41 - 2, grifos do autor).
110
Nessa sociedade, a relação entre os homens é mediada pela mercadoria e o
objetivo é a valorização do capital através da exploração do trabalho excedente
realizado pelo trabalhador livre. Este último não possui outra forma para garantir a sua
existência a não ser vendendo sua força de trabalho, já que foi expropriado dos meios de
produção. Trabalhadores e capitalistas se relacionam no mercado como produtores
independentes, e ao mesmo tempo em que o trabalhador necessita vender a sua força de
trabalho, o capitalista precisa para produzir mercadorias
92
, comprá-la. Além disso, a
força de trabalho é a única mercadoria que, no processo de produção ao ser consumida,
produz um valor excedente – a mais-valia – que pertence ao capitalista.
No interior da lógica de produção e reprodução do capital existem leis
imanentes, dentre elas, a da concorrência inter-capitalista. Isto significa que para a
sobrevivência do capitalista individual este precisa aumentar a força produtiva do
trabalho, tornando mais baratas as suas mercadorias, e assim, se manter em uma posição
de vantagem na disputa com outros capitalistas. Para que isto aconteça, é necessário
diminuir o tempo social médio para a produção das mercadorias. Nesse processo, os
capitalistas em seu conjunto acabam por baixar o valor das mercadorias que fazem parte
dos meios de subsistência do trabalhador, diminuindo o valor da sua força de trabalho.
Assim, reduzindo esse valor, reduz-se o trabalho necessário e aumenta-se o trabalho
excedente.
Por isso, é impulso imanente e tendência constante do capital
aumentar a força produtiva do trabalho para baratear a mercadoria e,
mediante o barateamento da mercadoria, baratear o próprio
trabalhador. (...) O desenvolvimento da força produtiva do trabalho,
no seio da produção capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da
jornada de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para
si mesmo, justamente para prolongar a outra parte da jornada de
trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente ao capitalista
(MARX, 1988, p. 242 - 3).
Neste sentido, é imanente às relações fundadas no capital que os proprietários
dos meios de produção busquem promover modificações no processo de trabalho com o
objetivo de aumentar a extração de mais-valia e valorizar o capital.
92
Marx (1988, p. 45) define mercadoria como: “antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas
suas próprias propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas
necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui também não
se trata de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se imediatamente, como meio de subsistência,
isto é, objeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção”. Ou seja, tanto faz produzir
software, armas nucleares, doces, arte, força de trabalho; na sociabilidade capitalista tudo pode ser
mercadoria.
111
Na manufatura,
93
o trabalhador que na fase artesanal produzia uma mercadoria
por inteiro e tinha total domínio sobre o seu trabalho passa a ser responsável por apenas
uma parcela da produção, ou seja, realiza apenas uma tarefa na produção de
mercadorias, fazendo com que um produto passe pelas mãos de muitos trabalhadores até
estar concluído. O trabalhador individual perde seu valor enquanto tal, só fazendo
sentido, segundo Marx, enquanto trabalhador coletivo:
A maquinaria específica do período manufatureiro permanece o
trabalhador coletivo, combinação de muitos trabalhadores parciais. As
diferentes operações que são executadas alternadamente pelo produtor
de uma mercadoria e que se entrelaçam no conjunto de seu processo
de trabalho apresentam-lhe exigências diferentes. Numa ele tem de
desenvolver mais força, em outra mais habilidade, numa terceira mais
atenção mental etc., e o mesmo indivíduo não possui essas qualidades
no mesmo grau. Depois da separação, autonomização e isolamento
das diferentes operações, os trabalhadores são separados, classificados
e agrupados segundo suas qualidades dominantes. Se suas
peculiaridades naturais formam a base sobre a qual se monta a divisão
do trabalho, a manufatura desenvolve, uma vez introduzida, força de
trabalho que por natureza são aptas para funções específicas
unilaterais. (...) A unilateralidade e mesmo imperfeição do trabalhador
parcial tornam-se sua perfeição como membro do trabalhador coletivo
(1998, p. 202 - 3).
O trabalhador coletivo, aliado à especialização das ferramentas, produz um
aumento considerável na quantidade de mercadorias a ser produzidas e,
concomitantemente, reduz o tempo necessário para essa produção.
Entretanto, essa divisão do trabalho que o simplifica e gera riquezas simplifica e
empobrece o trabalhador individual, tanto em função das tarefas simples e repetitivas
quanto pela hierarquia criada entre os trabalhadores em função de suas habilidades;
hierarquia que faz com que o salário seja diferenciado. Ademais, quanto mais simples as
tarefas, menores também os gastos para aprender a sua função, chegando a serem
inexistentes em alguns casos. Isto também acaba tendo influência no rebaixamento dos
salários. Baixos salários significam, entre outras coisas, reduzir a um nimo as
condições de existência, ou seja, os trabalhadores adquirem apenas o mínimo necessário
para continuar se reproduzindo
94
. Nos argumentos de Marx:
93
Marx (1985; 1988) ao explicar a produção da mais-valia relativa, analisa as modificações necessárias
no processo de trabalho para essa produção. As formas de organização do trabalho são caracterizadas em
três fases, a cooperação, a manufatura e a grande indústria. Estamos discutindo a partir da manufatura por
se tratar do período em que se inicia a “desqualificação do trabalhador” e surge a necessidade da escola
para todos.
94
Os gastos com a formação dos trabalhadores e a hierarquia em função das tarefas, não são os únicos
determinantes do seu salário. Sabemos que o valor da força de trabalho é calculado como o de qualquer
112
Ao lado da graduação hierárquica surge a simples separação dos
trabalhadores em qualificados e o qualificados. Para os últimos os
custos de aprendizagem desaparecem por inteiro, para os primeiros
esses custos se reduzem, em comparação com o artesão, devido à
função simplificada. Em ambos os casos cai o valor da força de
trabalho. (...) A desvalorização relativa da força de trabalho, que
decorre da eliminação ou da redução dos custos de aprendizagem,
implica diretamente uma valorização maior do capital, pois tudo que
reduz o tempo de trabalho necessário para reproduzir a força de
trabalho amplia os domínios do mais-trabalho (1988, p. 263).
Além dessa questão, o trabalhador também é destituído de sua autonomia e
criatividade no processo produtivo, e praticamente não dispõe de outro espaço para
fazê-lo, porque sua capacidade de trabalho é colocada em movimento se vendida ao
capitalista.
As consequências de todo esse quadro são desastrosas para o trabalhador. Este
vive em condições precárias, é degradado física e intelectualmente. uma grande
concorrência entre os trabalhadores, permanecendo os mais hábeis e que tiveram uma
maior preparação para as tarefas mais difíceis. Além disso, em todo esse período os
trabalhadores são “indisciplinados” em virtude de suas próprias condições, forçando os
capitalistas a tomarem providências. Marx comenta tal situação ao citar a formulação de
um destes:
A fraqueza humana’, exclama o amigo Ure, ‘é tão grande que quanto mais
hábil for o trabalhador, tanto mais ele se torna voluntarioso e mais difícil de ser tratado
e, por conseguinte, causa grande dano ao mecanismo global, por meio de seus caprichos
tolos’” (1988, p. 275).
Adam Smith (1723 - 1790), expoente da Economia Política Clássica e defensor
ardoroso da divisão do trabalho, não deixou de sublinhar suas consequências nefastas
para o trabalhador. Ele compreendeu que a manufatura, ao simplificar o trabalho,
simplificou também o trabalhador, e este, como resultado,
torna-se geralmente tão estúpido e ignorante quanto é possível
conceber-se uma criatura humana. O torpor de seu raciocínio torna-se
não só incapaz de saborear ou tomar parte em qualquer conversa
racional como também de conceber qualquer sentimento generoso,
outra mercadoria, isto é, representa o tempo social médio necessário para reproduzi-la, portanto, o tempo
para obter a soma dos valores dos meios necessários à subsistência do trabalhador e de sua família. Isto
envolve todo o processo de produção. No livro A miséria da filosofia, Marx aponta essa questão, mesmo
sendo um leitor crítico da Economia Política ainda não faz a distinção fundamental entre “trabalho” e
“força de trabalho”. Em suas palavras: “Quando forem necessárias menos despesas para pôr em
movimento a máquina que produz as mercadorias, as coisas indispensáveis para sustentar esta máquina
que se chama trabalhador custarão igualmente menos. Se todas as mercadoria estiverem mais baratas, o
trabalho, que é também uma mercadoria baixará também de preço, e, como veremos mais tarde, este
trabalho-mercadoria baixará proporcionalmente muito mais do que as outras mercadorias” ([196 - ?] p.
172).
113
nobre ou terno e, por conseqüência, até incapaz de formar qualquer
julgamento sensato no que diz respeito a muitos dos deveres comuns
da vida privada (SMITH, 1993, p. 417).
O economista recomenda a escola para os trabalhadores como forma de
compensar os problemas causados. A educação não é uma necessidade de preparação
para a execução de suas tarefas simplificadas, isto o trabalhador aprende no trabalho,
mas é um paliativo para as consequências da própria divisão do trabalho. Consequências
sentidas em todos os momentos da vida desse trabalhador. Mészáros, ao se referir à
preocupação de Smith em relação à educação dos trabalhadores, expõe que:
esse arguto observador das condições da Inglaterra sob o avanço
triunfante do “espírito comercial” não encontra outra solução a não ser
uma denúncia moralizadora dos efeitos degradantes das forças ocultas,
culpando os próprios trabalhadores em vez do sistema que lhes impõe
essa situação infeliz.(...)
Considerar que Adam Smith gostaria de ter instituído algo mais
elevado do que uma utilização inescrupulosa e insensível do “tempo
de lazer” dos jovens não altera o fato de que até o discurso dessa
grande figura do Iluminismo escocês é completamente incapaz de se
dirigir às causas mas deve permanecer aprisionado no círculo vicioso
dos efeitos condenados. Os limites objetivos da lógica do capital
prevalecem mesmo quando nos referimos a grandes figuras que
conceituam o mundo a partir do ponto de vista do capital, e mesmo
quando eles tentam expressar subjetivamente, com um espírito
iluminado, uma preocupação humanitária genuína (2005, p. 29-30).
Com o surgimento da grande indústria, ainda no final do século XVIII
resultante do processo de tentativa de aumentar a produtividade para extrair uma
quantidade maior de mais-valia as questões referentes à educação se tornam mais
complexas. Ao desenvolver-se no século XIX, a grande indústria se caracteriza pela
introdução da máquina no processo de trabalho, principalmente daquela que não
necessita ter como força motriz o trabalhador. Uma mesma máquina é capaz de
movimentar várias outras, e a divisão do trabalho dentro da fábrica é organizada a partir
da combinação de várias máquinas que realizam trabalhos parciais. Ao produzir
máquinas através de máquinas, cria ainda “uma base técnica” necessária à sua
sustentação e desenvolvimento. Na explicação de Marx:
Como máquina, o meio de trabalho adquire um modo de existência
material que pressupõe a substituição da força humana por forças
naturais e da rotina empírica pela ampliação consciente das ciências
da Natureza. (...) no sistema de máquinas, a grande indústria tem um
mecanismo de produção inteiramente objetivo, que o operário já
encontra pronto, como condição de produção material (1985, p. 17).
114
Neste sentido, uma divisão do trabalho mais intensa fazendo, com que não
sejam necessários grandes conhecimentos e habilidades do operário para a realização
das tarefas; estas se tornam tão simplificadas que qualquer um pode executá-las, e o
trabalhador passa, então, a ser apenas uma peça a mais nas engrenagens
95
.
O conhecimento que antes estava no trabalhador transfere-se para a máquina, se
materializa nesta, e se antes o processo de trabalho é ajustado ao trabalhador, na
produção mecanizada o trabalhador é que se ajusta à máquina, perdendo o controle
sobre o seu próprio trabalho. Mais do que o controle, a máquina libera muitos
trabalhadores nesse processo, ao mesmo tempo em que sobrecarrega de trabalho uma
outra parte.
A ciência manifesta-se portanto nas máquinas, e aparece como
estranha e exterior ao operário. O trabalho vivo encontra-se
subordinado ao trabalho materializado, que age como autônomo.
Nessa altura, o operário é supérfluo, a menos que sua ação não seja
determinada pela necessidade do capital (...). o conjunto do processo
de produção não está, então, subordinado à habilidade do operário;
tornou-se numa aplicação tecnológica da ciência (MARX, 1980, p.
41).
É interessante compreender que nesse processo a utilização da máquina
desqualifica a grande massa de trabalhadores e substitui uma imensa parte deles, ao
mesmo tempo em que exige uma maior qualificação de alguns setores para continuar o
desenvolvimento dos meios de produção, pois tal desenvolvimento é essencial em uma
sociedade baseada na concorrência. Esse desenvolvimento acaba liberando ainda mais
trabalhadores que não podem ser absorvidos pela indústria, e aliado a outros fatores,
aumenta a crise econômica e social.
96
Contudo, se apenas uma pequena parcela de trabalhadores necessita de uma
95
Marx (1985) nos mostra que nesse período, em função da simplificação do trabalho, a apropriação
do trabalho feminino e infantil de forma degradante. Crianças e jovens submetidos ao trabalho intenso se
desenvolvem sem adquirirem traços mínimos de humanidade. Além disso, o alto índice de mortalidade
infantil deve-se, não às precárias condições de trabalho, mas também ao fato de que mães ao
trabalharem nas fábricas não sabem e não cuidam adequadamente de seus filhos. As mulheres operárias
deixam de aprender e realizar suas tarefas domésticas. A alimentação, a confecção de roupas, entre outras,
ficam prejudicadas e aquilo que antes era produzido em casa, passa a ser comprado, o que encarece mais
ainda a vida do trabalhador.
96
Embora não seja intenção discutir as crises, considero importante resgatar que Marx as explica como
periódicas e inerentes ao modo de produção capitalista. Como, por exemplo, na passagem que se segue,
ao discutir o desenvolvimento da grande indústria: “A enorme capacidade de expansão aos saltos do
sistema fabril e sua dependência do mercado mundial produzem necessariamente produção febril e
conseqüente saturação dos mercados, cuja contração provoca estagnação. A vida da indústria se
transforma numa seqüência de períodos de vitalidade média, prosperidade, superprodução, crise e
estagnação. A insegurança e a instabilidade a que a produção mecanizada submete a ocupação e, com
isso, a situação de vida dos trabalhadores tornam-se normais com essas oscilações periódicas do ciclo
industrial” (1985, p. 64).
115
maior qualificação, por que nessa nova sociedade se torna necessária a extensão da
educação a todos?
Vimos que desde o século XVIII se desenvolve com a divisão social do trabalho
a preocupação com a formação da classe trabalhadora em duas perspectivas: uma no
sentido de compensar os problemas do trabalho simplificado, e a outra com o propósito
de formar força de trabalho altamente qualificada para dar continuidade ao
aperfeiçoamento tecnológico
97
. A escola para todos trata muito mais da primeira
proposição do que da segunda. É fundamental à sobrevivência do capital a crescente
base técnico-científica, mas esta não é necessária à ocupação de todos os trabalhadores.
Por conseguinte, a extensão da escola para todos significa muito mais dar instrução
básica e educação moral àqueles cuja função dentro da fábrica exige qualificações
mínimas, além de dar essa mesma formação a todos os assalariados em potencial.
Para manter a ordem na produção dentro da fábrica, o capitalista necessita
inculcar a ordem e a disciplina nos trabalhadores que teimam em não se sujeitar ao
trabalho degradante. Uma das respostas parece estar na compreensão do papel da
maioria da população na construção ou, como gostariam os burgueses, na manutenção
dessa organização social e na compreensão de que a classe oponente à burguesia não é
mais a dos senhores feudais, mas o proletariado.
A organização escolar, ou a necessidade da escola aparece junto com a
necessidade burguesa de reprodução do capitalismo, no sentido de continuar
aprimorando os recursos tecnológicos para a produção, mas também na condição de
classe contra-revolucionária, impregnar no trabalhador a lógica do trabalho capitalista,
embora a própria lógica produtiva imponha aos trabalhadores a sua submissão ao
capital. Marx mostra que:
Da especialidade por toda vida em manejar uma ferramenta parcial
surge, agora, a especialidade por toda vida em servir a uma máquina
parcial. Abusa-se da maquinaria para transformar o próprio
trabalhador, desde a infância, em parte de uma máquina parcial. Não
diminuem assim os custos necessários para sua própria reprodução
de modo significativo, mas, ao mesmo tempo, completa-se sua
irremediável dependência da fábrica como um todo e, portanto, do
capitalista
(1985, p. 43).
Nesse período, marcado por crises provocadas pela própria estrutura do
capitalismo, um aumento do número de desempregados, os salários tornam-se cada
97
Não discutirei neste capítulo, em função dos seus limites, embora considere de suma importância, a
criação dos centros de formação tecnológica para o trabalhador.
116
vez mais baixos e as precárias condições de vida a que foi submetida a população
trabalhadora pioram, deixando explícitas as contradições desse modo de produção.
Dentre essas contradições, a produção sem limites de riquezas se concomitantemente
ao aumento sem precedentes da miséria, além da apropriação particular de uma
produção coletivamente realizada com o processo de divisão do trabalho
98
.
Ao serem explicitadas as contradições da sociedade capitalista se tornam
também explícitas as novas classes em luta, isto é, os representantes da burguesia, agora
contra-revolucionária, empenhados em continuar reproduzindo as relações capitalistas e
os representantes do proletariado, empenhados em transformar essas relações. Essa
necessidade de transformação não é apenas vontade, ideias que partem da cabeça de
insatisfeitos, mas é a necessidade concreta de transformar um modo de produção que
não garante ao conjunto dos homens as condições básicas de sobrevivência, mesmo
produzindo um grande excedente em escala cada vez mais ampliada.
A classe operária, que crescia cada vez mais em número e organização política
na Europa, luta contra a opressão social que lhe era imposta, ora dentro das marcas da
sociedade capitalista, ao exigir direitos que lhe garantiam participação política (como no
caso do movimento cartista na Inglaterra, 1839-1848) e melhores condições de trabalho
(luta pela redução da jornada de trabalho)
99
, ora no campo da revolução anticapitalistta
aberta, como foi o caso dos movimentos de Julho de 1848 e a Comuna de Paris em
1871. Portanto, o medo das insurreições proletárias que surge aos olhos da burguesia de
maneira bastante insipiente ainda durante a Revolução Francesa
100
ganha contornos
nítidos após 1848 quando, nas palavras de Marx:
Isto não era mera figura de retórica, questão de moda ou tática
partidária. A burguesia tinha uma noção exata do fato de que todas as
armas contra o feudalismo voltavam seu gume contra ela, que todos os
meios de cultura que criara rebelavam-se contra sua própria
civilização, que todos os deuses que inventara a tinham abandonado.
Compreendia que todas as chamadas liberdades burguesas e órgãos
de progresso atacavam e ameaçavam seu domínio de classe, e se
tinham, portanto, convertido em “socialista”. ([198-?], p. 237, grifos
do autor).
Essa contradição ontológica da sociabilidade do capital manifestava-se
98
Marx (1988) faz a diferenciação entre a divisão do trabalho dentro da fábrica e a divisão do trabalho na
sociedade. Na primeira, muitos trabalhadores são necessários para a objetivação de uma mercadoria, ou
seja, esta é produto não do trabalhador individual, mas do coletivo; na segunda, a divisão social do
trabalho se dá em uma relação entre proprietários de mercadorias diferentes que se confrontam no
mercado.
99
Ver em Marx (1985).
100
Ver em Engels (1986).
117
politicamente de uma maneira que não poderia ser eliminada nos seus próprios limites.
Pode-se, tal como ocorria à época de Marx, tentar camuflá-la, mas não é possível
superá-la com palavras bem colocadas e/ou com a truculência mais brutal.
Esse mesmo modo de produção, que produz necessidades antagônicas, produz
também soluções antagônicas. Uma, na perspectiva de conservação dessa sociedade;
outra, na perspectiva de sua transformação
101
.
Surge cada vez mais forte na burguesia a necessidade de controlar sua classe
oponente, educar esse novo cidadão que nesse período conquistava espaço nas decisões
políticas e tinha mostrado sinais de sua força. Além disso, educar essa nova classe
significava livrar a burguesia das graves doenças trazidas pelos “péssimos hábitos
morais e higiênicos” dos trabalhadores. Ou seja, na relação social fundada na
produção/reprodução do capital se impõe ao trabalhador condições degradantes de
sobrevivência e, ao mesmo tempo, imputam-lhe a responsabilidade individual por isto.
O Estado Moderno, expressão política e jurídica da ordem social do capital,
começa a ser pressionado para assumir a responsabilidade dessa educação. A
preocupação é “apaziguar” as contradições da nova forma de ser do homem e lutar
contra a ameaça dos movimentos proletários de cunho revolucionários
102
. Como vemos
no caso da Inglaterra, citado por Marx:
A devastação intelectual, artificialmente produzida pela
transformação de pessoas imaturas em meras máquinas de produção
de mais-valia – que deve ser bem distinguida daquela ignorância
natural que deixa o espírito ocioso sem estragar sua capacidade de
desenvolvimento, sua fecundidade natural –, obrigou, finalmente, até
o Parlamento inglês a fazer do ensino primário a condição legal para o
uso “produtivo” de crianças com menos de 14 anos em todas as
indústrias sujeitas às leis fabris
103
(1985, p. 26).
As primeiras preocupações com a educação popular, e que originaram escolas
precárias – cubículos onde são ‘ depositadas’ crianças de todas as idades, por um
101
Considero importante destacar, mesmo não discutindo esse aspecto da questão, que o surgimento da
escola pública vem atender às demandas da sociedade burguesa e da conformação desta em relação às
reivindicações da classe trabalhadora no que diz respeito à educação. Apenas a título de exemplo, cito
algumas pontuações sobre a comuna de Paris: “A comuna, em matéria de ensino, não teve tempo de dar a
sua medida. A Circular Vaillant indica, contudo, que ela pretendia realizar uma reforma socialista da
escola. A instrução integral, tendendo a fazer homens completos, a desenvolver harmonicamente todas as
faculdades, a ligar a cultura intelectual à cultura física e ao ensino cnico, era uma das reivindicações da
Associação Internacional dos Trabalhadores” (COGGIOLA, 2002, p. 54).
102
Essa preocupação em educar as classes trabalhadoras para que estas se conformassem à ordem social
burguesa pode ser encontrada em alguns dos seus expoentes intelectuais daquele momento histórico,
como por exemplo: Comte (1996), Tocquevile [198 - ?], Guizot (1872).
103
As referidas Leis Fabris datam de 1844.
118
período irrisório e onde são encontrados professores analfabetos –, se constituem em
muitos países nas discussões em torno da organização dos Sistemas Nacionais de
Ensino. Estes, conforme Leonel, não surgem como algo natural, mas como forma da
obrigatoriedade imposta pelo medo da insurreição:
Tratava-se, na verdade, de defender os interesses burgueses frente à
grande crise do capital, na esteira da qual seguiram as lutas
concorrenciais por novos mercados, dificultados pelo enfraquecimento
da unidade nacional que o movimento operário provocava. Ora, se os
interesses burgueses têm que passar pelo sufrágio universal e a
sociedade se encontra dividida em classes antagônicas, a escola
pública não pode mais ser adiada. É preciso educar o novo soberano,
transformando o sujeito submetido aos antigos poderes, em cidadão
defensor da pátria amada; substituir seus “deveres para com Deus”
pelos seus “deveres para com o Estado” (1994, p. 184 - 5).
Tendo a educação como mediação, se constrói um forte sentido nacionalista e
patriótico, uma forte preocupação com a questão moral. Era preciso moralizar os
homens no sentido de conformá-los à ordem social hegemônica. O que não se conseguia
com a instrução, e o dia-a-dia não fornecia; como postula Compayré, “a prática da
virtude, o cumprimento do dever em todas as suas formas, eis as metas supremas da
educação humana. A instrução não vale a não ser que tenda e conduza a fins morais”
(COMPAYRÉ apud LEONEL, 1994, p. 20).
Os discursos sobre o corpo mostrando a importância dos exercícios físicos na
educação não possuem tonalidades diferentes do exposto até então.
4.2 – O ressurgimento da Educação Física no século XIX
A preocupação com o “corpo”, como afirmamos, está presente desde o início
da sociedade capitalista, quando, nas discussões de vários pensadores, estes apresentam
a necessidade de mudar hábitos e valores para a construção de um novo homem livre e
independente que responda à nova forma de produção da vida em detrimento das
relações feudais. A nova forma de organização forja nos indivíduos a sua
independência, torna-os diretamente independentes uns dos outros. Cada um tem em si
uma propriedade que não é mais a terra, mas o seu corpo, sua força de trabalho e deve
cuidar dela. Passa a ser necessário que cada um, se preciso, possa dispor de meios para
garantir sua vida, uns vendendo sua força de trabalho, outros comprando-a. Desta
maneira, a preocupação com um corpo forte, saudável, disciplinado se torna presente
119
nos discursos educacionais. No século XIX, antes da formação dos Sistemas Nacionais
de Ensino, quando foi incorporada a Educação Física, a educação do corpo se vê
difundida como essencial para livrar a nova sociedade de muitos dos seus males como,
por exemplo, problemas de saúde pública. Isso fez com que fosse atribuída aos médicos
higienistas a função de dar à população essa educação. Assim, como constata Soares,
esses médicos,
Irão impor-se no sentido de alterar bitos, costumes, crenças e
valores. Têm a pretensão de realizar uma assepsia neste meio físico
fonte de todas as misérias na mesma medida em que pretendem
impor-se à família, ditando-lhe uma educação física, moral intelectual
e sexual. O discurso higienista na Europa do século XIX veiculava a
idéia de que as classes populares viviam mal por possuírem um
espírito vicioso, uma vida imoral, liberada de regras e que, portanto,
era premente a necessidade de garantir-lhes não somente a saúde, mas
fundamentalmente a educação higiênica e os bons hábitos morais
(2001, p. 25).
A sistematização de muitos métodos de ginástica em diversos países também
antecede à Educação Física escolar. Esses, embora elaborados com características
regionais, expressam também um movimento maior de expansão capitalista,
contribuindo para a inculcação de medidas higiênicas, reforçando responsabilidades
individuais, formando indivíduos doutrinados para o trabalho e fortalecendo os
movimentos para a edificação ou o fortalecimento dos Estados Nacionais.
Como discuti anteriormente, no século XIX havia o desenvolvimento da
maquinaria que, em regra, tornava desnecessária muita habilidade do trabalhador,
chegando-se ao ponto de se contratar para o trabalho um grande número de crianças.
Além disso, uma das principais características do capitalismo está na divisão do
trabalho dentro da fábrica, na qual alguns realizam o trabalho intelectual e muitos
apenas executam tarefas repetitivas. A simplificação do trabalho transforma o
trabalhador em apenas uma peça a mais na engrenagem. Por que então a defesa da
Educação Física como uma das disciplinas do currículo escolar?
Não é, então, no desenvolvimento da habilidade do trabalhador que está a
participação dessa disciplina nesse período. Soares nos indica com precisão essa
questão:
a Educação Física, seja aquela que se estrutura no interior da
instituição escolar, seja aquela que se estrutura fora dela, será a
expressão de uma visão biologizada e naturalizada da sociedade e dos
indivíduos. Ela incorporará e veiculará a idéia da hierarquia, da
ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como
responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á
120
em valioso instrumento de disciplinarização da vontade, de adequação
e reorganização de gestos e atitudes necessários à manutenção da
ordem. Está organicamente ligada ao social biologizado cada vez mais
pesquisado e sistematizado ao longo do século XIX, pesquisas e
sistematizações estas que vêm responder, paulatinamente, a um maior
número de problemas que se coloca à classe no poder (2001, p. 14).
As péssimas condições em que vivia a classe trabalhadora, condições estas
resultantes da gica do capital, como a falta de higiene e doenças
104
, prejudicavam e
atingiam também a burguesia, que necessitava controlar esses problemas. Os exercícios
físicos funcionavam como higienizadores, nos quais eram trabalhados os cuidados com
o corpo. A saúde física, moral e social era vista como responsabilidade do
indivíduo.
Toda a fundamentação dos exercícios físicos tinha como pressuposto teórico a
biologia e a medicina, num período em que era altamente valorizado o homem em seu
aspecto biológico. Não é sem razão que isto acontece neste período, que a concepção
de ciência e a ideologia dominante definiam o homem como sendo um ser biológico, tal
como afirma Soares:
As leis biológicas ao longo de todo o século XIX subordinam as leis
sócio-históricas. A “ideologia das aptidões naturais” permeia os
estudos científicos e as práticas sociais deles decorrentes. As leis
biológicas aprisionam o homem ao seu organismo, percebem as suas
necessidades apenas como necessidades orgânicas e biológicas,
“esquecendo-se” que, embora algumas necessidades sejam desta
ordem, elas são satisfeitas socialmente (2001, p. 16).
Os exercícios físicos possuem um respaldo duplamente científico à medida que,
além do respaldo biológico, contribuíam para uma assepsia social. Duplicidade em
104
Marx (1985), a partir do relatório das comissões de inquérito periódicas sobre as condições de higiene,
trabalho das crianças, educação, segurança, entre outras, nos dá vários exemplos das condições de
trabalho e da vida dos trabalhadores. Dentre eles: “O excesso de trabalho, para maiores e menores de
idade, assegurou a diversas gráficas de jornais e livros o honroso nome de “matadouro”. [...] Um dos
trabalhos mais infames, sujos e mal pagos, para o qual são empregadas de preferência mocinhas e
mulheres, é o de classificar trapos.[...] As classificadoras de trapos tornam-se transmissoras de varíola e
de outras doenças contagiosas, cujas primeiras vítimas são elas mesmas” (p. 72). E na sequência, uma
outra citação tendo por base o referido relatório: “É impossível a uma criança passar pelo purgatório de
uma olaria sem grande degradação moral. (...) A linguagem baixa que tem de ouvir desde a mais tenra
idade, os hábitos obscenos, indecentes e desavergonhados, entre os quais as crianças crescem
inconscientes e meio selvagens, tornam-nas, para o resto da vida, sem-lei, vis e dissolutas. [...] Os corpos
estão tão exaustos pela grande transpiração que de nenhum modo são observadas as regras de higiene, de
limpeza ou de decência. [...] O maior mal desse sistema, que emprega mocinhas para esta espécie de
trabalho, reside em que, em regra, ele as amarra, desde a infância, por todo o resto da vida,à corja mais
abjeta. Elas se tornam rudes rapagões desbocados (rough, foul-mouthed boys) antes mesmo de a Natureza
tê-las ensinado que são mulheres. Vestidas com poucos trapos imundos, pernas desnudas até bem acima
dos joelhos, cabelos e rostos manchados com sujeira, aprendem a tratar com desprezo todos os
sentimentos de decência e pudor. Durante o intervalo das refeições, deitam-se esticadas pelos campos ou
espiam os rapazes que tomam banho num canal próximo. Concluído, afinal, seu pesado labor cotidiano,
vestem roupas melhores e acompanham os homens às tabernas” (p. 73).
121
virtude do rumo que tomava a ciência, negando qualquer outra explicação da realidade
que não fosse a conferida pelas ciências naturais que discutiam inclusive a própria
sociedade a partir de seus prismas.
A educação do físico ajudava no combate às doenças e agia muito mais como
disciplinadora da vontade. Os métodos de ginástica, que embora tivessem em cada país
características específicas, de uma forma geral não estavam direcionados somente à
saúde física. Esses educariam moralmente os homens para lhes dar um forte sentido
patriótico, da mesma forma que a escola. Deveriam, como enuncia Soares em sua
síntese,
regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e
de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida);
desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia e, finalmente,
desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas
tradições e nos costumes dos povos) (2001, p. 52).
Em alguns países, como a Alemanha e a Suécia, eram realizadas festas de
ginástica procurando envolver a população em um forte espírito nacionalista para
formar o cidadão e o soldado. Na França, o método de ginástica foi desenvolvido por
militares, o que não o distancia da escola, pois como destaca Leonel (1994, p. 206 - 7),
Em 1882, é votada uma lei introduzindo o ensino militar na escola. A
unidade desse ensino moral, cívico e militar deverá desenvolver na
criança o dever e honra, de amor à Pátria e o verdadeiro patriota é
aquele que traz no seu coração o culto da Pátria; que está decidido a
sacrificar tudo por ela, mesmo sua vida. A formação desse cidadão é a
finalidade última da escola e todas as disciplinas deverão concorrer
para esta educação.
A ideia é que todas as disciplinas que compunham o currículo escolar tivessem a
mesma finalidade: a formação do cidadão. Nesse caso, a Educação Física, cuja
especificidade estava ligada às questões de saúde e higiene, na totalidade do universo
escolar tinha as mesmas funções que as demais disciplinas.
Postas essas questões, uma outra aparece: havia outra possibilidade para o
entendimento da Educação Física? Marx e Engels, embora não escrevessem
especificamente sobre educação, fazem menção à questão educacional em vários
momentos e, por ora, consideramos importante realçar que esses críticos da ordem
burguesa propõem uma educação para o trabalhador do seu tempo, ou seja, para a classe
trabalhadora composta de homens que precisam ser preparados para o trabalho e que
precisam desenvolver todas as suas possibilidades tendo como meta a construção da
122
sociedade socialista.
Dessa educação faz parte, junto com a educação intelectual e a formação
tecnológica, a ginástica, conteúdo da educação física nesse período. Esta é sempre
mencionada como sendo a mesma dos métodos de ginástica utilizados em vários países
e a ginástica militar. Tomemos como exemplo a seguinte citação de Marx e Engels:
Por educação entendemos três coisas:
1-Educação intelectual.
2-Educação corporal, tal como a que se consegue com os exercícios de
ginástica e militares.
3-Educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e de caráter
científico de todo o processo de produção e, ao mesmo tempo, inicia
as crianças e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares
dos diversos ramos industriais (1992, p. 60).
Em síntese, provisoriamente, pontuo que a preocupação com a educação física
está presente desde o início da sociedade capitalista, quando nas discussões de vários
pensadores clássicos estes apontam a necessidade de mudar hábitos e valores para a
construção de um novo homem livre e independente que respondesse à nova forma de
produção da vida em detrimento das relações feudais. A Educação Física se torna
historicamente necessária, como conhecimento sistematizado na escola, ao aparecerem
os problemas da sociedade consolidada.
Sob essas condições, a preocupação com um “corpo” forte, saudável,
disciplinado se torna presente nos discursos educacionais. A “educação do corpose
difundida como essencial para livrar a nova sociedade de muitos dos seus males como,
por exemplo, problemas de saúde pública, sendo atribuída aos médicos higienistas a
função de propiciar à população esta educação.
A Educação Física, em seu início, além de valorizada por suas bases científicas e
de ter suma importância enquanto higienizadora em um momento em que a sociedade
era produtora de enfermidades, contribuía então para a formação do caráter,
disciplinando a vontade, pois era necessário apaziguar os ânimos, formando o cidadão
cada vez mais responsável por si e pela manutenção da ordem social. Isto contribuiu
também com os movimentos de formação dos Estados Nacionais, capitaneados pela
burguesia.
123
4.3 – A especificidade brasileira: a formação de um homem biologizado, moral e
competitivo
O Brasil do final do século XIX, mesmo não sendo naquele momento um país
industrializado e não possuir internamente movimentos de cunho revolucionário
socialista como na Europa, também sofreu as consequências do processo de expansão
capitalista. De acordo com Ribeiro (1993), existia grande disponibilidade de capitais,
tanto externos como internos, que promoveram significativas alterações na sociedade
brasileira
105
.
Dentre as transformações, aparecem as preocupações e depois a consolidação da
passagem do trabalho escravo em trabalho assalariado. A discussão sobre essa transição
ocupará durante muito tempo a “elite” brasileira, e será importante aspecto a influenciar
as discussões em relação à organização da escola (SCHELBAUER, 1997).
Dentre esses aspectos aparecem a formação da nacionalidade e a preparação da
força de trabalho. Segundo Schelbauer (1997, p. 44):
A preocupação com a criação de escolas para treinamento de mão-de-
obra surge vinculada aos debates sobre a transição para o trabalho
livre, uma vez que ao se libertar o escravo, seu encaminhamento ao
trabalho não mais poderia ser feito pelo chicote, mas, agora, pela
persuasão
106
. Logo, a disciplina e o amor ao trabalho passam a
embasar os discursos que, na época, se ocupavam da questão da
transição e, conseqüentemente, da educação.
Na Europa, os trabalhadores que haviam sido expropriados dos seus meios de
subsistência tinham como alternativa vender sua força de trabalho ou “tentar a sorte”
como imigrantes nos novos continentes. Os proprietários de terras brasileiros
necessitavam comprar força de trabalho e buscavam contratar europeus. No Brasil, em
função da grande abundância natural, o povo não se sentia obrigado a sujeitar-se a esse
105
Além disso, “em 1852, tinha início o movimento regular de constituição das sociedades anônimas; na
mesma data funda-se o segundo Banco do Brasil (...); em 1852, inaugura-se a primeira linha telegráfica
na cidade do Rio de Janeiro. Em 1853 funda-se o Banco Rural e Hipotecário (...). Em 1854 abre-se ao
tráfego a primeira linha de estradas de ferro do país (...). A segunda, que irá da Corte à capital da
província de São Paulo, começa a construir-se em 1855” (HOLANDA apud RIBEIRO, 1993, p.64).
106
É impresindível esclarecer que as contribuições de Schelbauer são extremamente importantes para a
compreenção das discussões sobre a educação para a formação da força de trabalho no Brasil do final do
século XIX, mas não posso deixar de expor que a autora está equivocada ao afirmar que o trabalhador
livre deve ser persuadido para o trabalho. Apresentei no início deste capítulo que a sociedade capitalista
possui em sua base de sustentação, a relação entre compradores e vendedores da força de trabalho, ou
seja, retomando Marx: “A relação capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade
das condições da realização do trabalho” (1985, p. 262). Assim, o trabalhador desprovido dos meios
fundamentais de produção não possui outra alternativa a não ser vender a sua força de trabalho,
portanto, o trabalhador não é persuadido.
124
trabalho
107
. Isto gerava no país um tom diferente ao debate sobre a questão da educação
enquanto formadora da nacionalidade, como afirma Leonel (1994, p.197):
Essa mesma preocupação com a educação popular com o objetivo de
criar a unidade nacional, tem seu desdobramento desse lado do
mundo. Nas discussões que se faz, no Brasil, sobre a criação de um
sistema nacional de ensino, aparece o outro lado da moeda. À revelia
da Constituição, que autonomia ao Estado quanto à educação, se
propõe passar às mãos da União a direção e controle de um sistema de
ensino capaz de criar uma tal unidade, tendo em vista, de um lado, a
imigração dos deserdados europeus, principalmente, os alemães, os
italianos e depois, os japoneses que para aqui vieram com o espírito
altamente desenvolvido pelo nacionalismo de seu país de origem, de
outro, as disputas imperialistas por novos mercados.
Nesse período, então, será amplamente defendida a formação do ideário do povo
brasileiro, do amor à tria e do amor ao trabalho. A orientação militar na Educação
Física serve bem a esses propósitos.
Vários foram aqueles que se dedicaram às questões da educação no final do
século XIX e início do século XX e deram suas contribuições à Educação Física, como,
por exemplo: Rui Barbosa, José Veríssimo e Fernando de Azevedo
108
.
Reforço que, embora cada país tenha sua especificidade, permanece na sua
estrutura a mesma trama social inexorável ao capitalismo. Nessa lógica também está o
Brasil, que apresentará características comuns às novas repúblicas que antes eram
colônias. Assim:
Ao mesmo tempo que tornam o trabalhador livre com a abolição da
escravatura, e tem necessidade de submetê-lo ao capital pela
persuasão, e não mais pelo chicote, recebem numerosos contingentes
de trabalhadores deserdados de diferentes nacionalidades e por isso
mesmo, tem necessidade
de dissolver todas essas
nacionalidades na
unidade nacional. A educação vai representar a solução para todos
esses problemas (LEONEL, 1994, p. 196 - 7).
No Brasil, a educação e a Educação Física também são idealizadas como solução
dos problemas de higiene causados pela falta de estrutura das crescentes cidades
107
Schelbauer, em sua dissertação de mestrado intitulada Idéias que não se realizam: O debate sobre a
Educação do Povo no Brasil de 1870 a 1914, ao mostrar a discussão em torno da substituição do escravo
como força de trabalho, explica o seguinte: “Joaquim Alvares dos Santos e Silva foi um dos oradores que
durante as discussões do Congresso do Rio de Janeiro se mostrou contrário a utilização da população
nacional qualificando-a como inapta aos serviços das fazendas por sua “natural indolência”, que impedia
um trabalho contínuo e regular: ‘O nosso povo é de um natural indolente e não se presta geralmente ao
serviço da agricultura. Os operários nacionais entendem que com esse serviço se degradam e não o
querem prestar, preferindo comer no seu canto um pedaço de rapadura e beber uma xícara de café, a
adquirir por meio do trabalho agrícola nas fazendas os meios de alimentarem-se melhor em suas
choupanas’” (1997, p.39-40).
108
Sobre essas questões, tomo como referência Ferreira Netto (1999).
125
brasileiras no limiar da sua industrialização e em função dos péssimos hábitos das
populações das fazendas. Esses problemas são tidos como responsabilidade do
indivíduo e este, portanto, deve ser educado para assumi-los.
As reformas educacionais brasileiras da primeira metade do século XX
expressaram as débeis tentativas
109
de corroborar com o processo de modernização do
país que, saído das bases escravocratas do final do século XIX, mantinha-se preso ao
modelo agrário exportador no quadro da divisão internacional do trabalho. Essa situação
será parcialmente alterada durante e após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
quando, devido à escassez de produtos industrializados decorrentes deste conflito, o país
experimentou um relativo crescimento industrial.
110
O Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932 foi o primeiro conjunto de
ideias sistematizadas sobre educação que a tratou como uma questão social. Os seus
signatários, em regra, se fundamentavam nas premissas escolanovistas de John Dewey
(1859-1952) e, portanto, compreendiam a educação escolar como instrumento
fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade urbana e industrial nos moldes
da Europa Ocidental e Estados Unidos
111
.
Entretanto, nesse período, a Educação Física estava atrelada ao Ministério da
Guerra e o seu modelo educacional seguia o método de ginástica francês, desenvolvido
pelo exército daquele país e adotado pelos militares brasileiros.
Com a Constituição Brasileira promulgada em 1937, a Educação Física torna-se
obrigatória no ensino primário e secundário e facultativa no ensino superior. Essa
disciplina, juntamente com Educação Moral e Cívica, estavam relacionadas com a Lei
de Segurança Nacional do Estado Novo, que temia, conforme Castellani Filho, os
perigos internos relacionados principalmente à intentona comunista em 1935 e, aos
perigos externos – a iminência de uma guerra mundial.
Nessa perspectiva, os pilares do ensino seriam a “moralização do corpo pelo
exercício físico”, o “aprimoramento eugênico” e o “preparo físico para o trabalho”.
109
A respeito das limitações das reformas educacionais brasileira da primeira metade do século XX ver
Romanelli (2003).
110
Sobre essas questões, ver: Caio Prado Jr (1994); Chasin (1978); Lenine (1986).
111
Vale lembrar que embora essas ideias educacionais fossem extremamente avançadas para o Brasil, na
União Soviética de então a questão que se punha como resultado da Revolução de 1917 era a efetivação
da educação socialista. Na Europa Ocidental e Estados Unidos, as propostas fundamentais de educação
que se confrontavam eram aquelas de caráter afirmador da sociedade capitalista versus as socialistas.
(RIBEIRO, 1993). Embora houvesse no Brasil o movimento socialista cuja expressão maior foi a
Intentona Comunista de 1935, ele carecia de vigor para apresentar propostas sistemáticas aos mais
diversos setores da sociedade brasileira, inclusive o educacional (KONDER, 2003).
126
Além desses pilares no âmbito educacional, havia a preocupação em controlar os
trabalhadores no seu tempo livre para aumentar a capacidade de produção e também
amenizar os conflitos “capital - trabalho”, descaracterizando a classe trabalhadora
enquanto classe. Para isto, foram criados em 1942 o SENAI Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial e o SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial,
com essa finalidade:
A coletividade verá de perto os benefícios que o sistema trará ao país,
criando uma nova mentalidade das classes trabalhadoras, para que
melhor exerçam suas atividades, sem ressentimentos e sem
desarmonia, num justo equilíbrio de ação, para maior estabilidade e
grandeza da vida nacional (MINISTRO CAPANEMA apud
CASTELLANI FILHO, 2007 p. 96).
E ainda a prática do desporto nessas instituições e nas indústrias serviriam para
compensar o desgaste no trabalho:
Restabelecer convenientemente a compensação dos desgastes de
força, mediante a prática dos exercícios adequados, constitui a missão
da Educação Física nos estabelecimentos fabris. Este revigoramento e
fortalecimento corporais, mediante os desportos e jogos ao ar livre e
ao sol, devem compensar o esforço realizado no desempenho da
profissão, proporcionando forças, alegria e saúde (...) A organização
das instituições com o objetivo de colocar ao alcance do operário as
possibilidades de divertir-se, melhorando a saúde depois de um dia de
trabalho, é deveras empolgante pelos seus mais amplos benéficos
resultados (Idem, p. 97 - 8).
No final do século XIX e na primeira metade do século XX, a Educação Física
permanece ligada às questões de higiene, saúde e formação do homem sempre pronto a
servir a Pátria e ser um trabalhador eficiente. Sua cientificidade estava relacionada à
biologia e ao positivismo. Havia uma grande preocupação de que fizesse parte dos
currículos escolares e contribuísse para a formação do povo brasileiro, assim como
acontecia com a organização escolar em outros países.
Após a Segunda Guerra Mundial até a década de 1970 no Brasil, o suporte
teórico da educação física continuava dominado pelas ciências biológicas na perspectiva
da aptidão física, mas direcionado para o esporte como único conteúdo. Em âmbito
mundial essa fase se caracterizou pela expansão do capital monopolista e pela guerra
fria. Essas características, aliadas às condições internas do Estado Brasileiro, constroem
contornos muito significativos tanto para a economia quanto para a política,
determinando os rumos da educação bem como definindo a razão de ser da Educação
127
Física no universo escolar.
De acordo com Tavares (1980), havia interesse em investimentos no Brasil, em
especial dos Estados Unidos, principalmente em função da necessidade de manutenção
dos mercados norte-americanos conquistados anteriormente à Segunda Guerra. Também
estava em tela nesse momento a necessidade de prevenção, diante da ameaça dos países
socialistas, e o controle de novos mercados nas áreas subdesenvolvidas.
112
O Estado brasileiro, em função de seu projeto de crescimento, estabeleceu
acordos que propiciaram inúmeros projetos de assistência econômico-financeira e
assistência técnica, com investimentos em vários setores como o agrícola, o industrial, o
administrativo, o da saúde, o educacional em todos os níveis etc. Esses acordos de ajuda
financeira firmados entre agências americanas e o Brasil tiveram seus processos
iniciados a partir da década de 1950 e foram consolidados em 1961.
Esta intensificação na entrada de capitais foi vista e aceita como
necessária à execução do projeto de desenvolvimento, diante das
mudanças na estrutura interna. As necessidades imediatas de capital
eram grandes não pela crise econômica atravessada durante o
governo anterior, como pelo fato de a indústria estar passando para a
Segunda fase do processo de substituição de importações, que não se
caracterizava pela instalação da indústria leve de consumo e sim pela
ênfase na produção de equipamentos, bens de consumo duráveis e
produtos químicos, o que, conseqüentemente, requeria capitais mais
elevados (RIBEIRO, 1993, p.153).
Esses acordos não são aceitos com tranquilidade por alguns setores da sociedade
brasileira que se mostram resistentes, principalmente no início dos anos de 1960,
quando crescem e ganham força grupos de centro-esquerda. Esses grupos dividiam-se
em dois setores fundamentais: um, que pretendia reformas democrático-burguesas
tentando viabilizar o capitalismo no Brasil, e outro grupo, mais à esquerda, cujos
integrantes “negavam o modelo econômico que ia sendo gestado, não em nome de uma
compatibilização com o modelo político do nacional-desenvolvimentismo de base
capitalista e sim de uma compatibilização econômico-política de base socialista”
(RIBEIRO,1993, p. 156, grifos da autora).
O golpe militar de 1964 praticamente dissipou as forças sociais resistentes às
estratégias de expansão do capitalismo monopolista para países periféricos como o
Brasil. Para Ribeiro, esse golpe,
112
A Revolução Cubana que contou com a ajuda soviética fez com que se intensificassem as ações
imperialistas norte-americanas na América Latina.
128
em verdade, isto é, analisando os atos dos governos militares que
se seguem, representou a possibilidade de instalação, pela força,
de um Estado que tinha como tarefa concreta a eliminação dos
obstáculos à expansão do capitalismo internacional, agora em sua
fase monopolista. Um Estado, portanto, transformado em instrumento
político de generalização e consolidação de um modelo econômico
encontrado numa fase embrionária de 1955 a 1964 (1993, p. 182, grifo
do autor).
Após o golpe, o Estado brasileiro opta por um desenvolvimento com segurança,
ou seja, adota o modelo político de Segurança Nacional com um forte aparato ao
combate do que chamam de subversão. No sentido de corroborar nesse processo, as
agências de assistência técnica operam contribuindo para uma reformulação da política
educacional e procuram moldar o ensino na direção de uma concepção de eficiência e
tecnicismo. A ação das agências de financiamento estadunidense
113
voltam-se
fortemente às universidades brasileiras e iniciam os projetos de convênios entre essas
instituições (FINOCCHIO, 1991).
A partir de 1970 reforçam-se as investidas nesse setor, em função da grande
resistência por parte de estudantes e professores. Mesmo não estando colocados de
forma explicita, é possível perceber alguns objetivos da política estadunidense em
relação à educação no sentido de atingir seus objetivos mais gerais. Esses objetivos
seriam:
1) a assistência no campo da educação visa a fortalecer a “ideologia
democrática” entre as novas gerações; 2) os acordos e convênios
educacionais pretendem aprofundar as bases para o futuro
beneficiamento dos interesses econômicos e financeiros americanos
no país; 3) a ajuda às iniciativas educacionais procura criar entre os
brasileiros a imagem do “amigo americano”, empenhado na melhoria
das condições sócio-culturais do país (TAVARES, 1980, p. 10).
Este mesmo autor, citando parte de um dos relatórios de uma das agências, deixa
claro que essa reestruturação se mostra importante em função de que, no Brasil, é
necessária uma formação em tecnologia, agricultura, medicina, educação, e que:
Necessita de professores de ensino médio que tenham sido treinados
nas Faculdades de Filosofia (...) Necessita de administradores públicos
e de empresas para a expansão da sua estrutura governamental e
comercial. O número de pessoas atualmente em processo de formação
nas escolas profissionais é ridiculamente pequeno para atender as
necessidades de uma sociedade rapidamente em mudança. Além do
113
Se é verdade que a agência estadunidense teve hegemonia na educação brasileira no período do
Regime Militar, não devemos esquecer a participação de organismos de outros países ocidentais como,
por exemplo, a Fundação Konrad Adenauer (FKA) da Alemanha Ocidental, cujos investimentos no
Brasil se centraram na tele-educação (EVANGELISTA, 1997).
129
mais, a guerra fria é uma batalha para o intelecto do homem (...) Se
nós pudermos ajudar as universidades a exaltar a verdade, a
encontrá-la, e a ensiná-la, então nós teríamos a maior segurança
de que o Brasil seria uma sociedade livre e um amigo leal dos
Estados Unidos (RELATÓRIO DA AID- WASHINGTON apud
TAVARES, 1980, p. 24, grifo do autor).
Em todos os níveis de escolarização, os melhores profissionais ganhavam bolsas
para estudarem em universidades nos Estados Unidos, e ao retornarem ao Brasil
tornavam-se dirigentes e consultores em seus locais específicos de trabalho. Isto
colaborava na formação de uma ideologia americanizada, além de garantir a aquisição e
a utilização de seus produtos, sendo que a familiarização e o aprendizado dos técnicos
estavam ligados a eles.
Nesse período de forte determinação tecnicista, o sistema educacional
incorporou em seu interior os mesmos princípios da empresa taylorista-fordista, ou seja,
rendimento, produtividade, eficiência, eficácia. É o período de predomínio dos objetivos
operacionais, da fragmentação dos conteúdos, da ênfase na organização do processo
educacional, nos métodos e nas técnicas de ensino.
A política interna de desenvolvimento que, pós-golpe de 1964, contava com
forte repressão no país, aliada à ação externa no sentido de formar uma ideologia
brasileira que favorecesse economicamente os EUA e setores significativos das elites
econômicas brasileiras é o ambiente onde se desenvolvem na Educação Física os
mesmos ideais. Esses ideais de desenvolvimento têm no desporto o seu foco de
principal atenção.
O desporto fortalecido torna-se hegemônico em todo o mundo
114
após a Segunda
Guerra Mundial. Essa atividade nasce na Inglaterra no século XIX e torna-se o principal
elemento da Educação Física estadunidense. No Brasil, esse conteúdo inicia sua
expansão a partir da década de 1950 e ganha maior força com a ditadura militar, aliada
ao modelo pedagógico tecnicista na educação. Para Teixeira e Pini, um teórico da
educação física naquele período:
É ponto firmado, atualmente, que a educação física escolar deve ser
cada vez mais esportiva, conduzindo o aluno para a prática do esporte,
despertando nele o gosto pela atividade física ao ar livre (...) que
contribuem de maneira decisiva para o seu desenvolvimento orgânico,
114
O esporte nasceu na Inglaterra como uma distinção da classe burguesa em relação a outras. É o
principal conteúdo da Educação Física nesse país e nos Estados Unidos. Após a Segunda Guerra, esse
conteúdo movimenta em suas várias atividades um enorme mercado. Além disto, servirá para divulgar
pelo mundo a identidade americana, e é concebido ainda como forma de mostrar a soberania dos países
vencedores em competições internacionais.
130
funcional e psíquico, plasmando a sua personalidade e o seu caráter,
afinal, a sua maneira de ser na sociedade da qual é integrante (1978, p.
34).
A tendência esportiva se fará presente em todos os veis de ensino. No ensino
superior, no que diz respeito à formação profissional, ocorre uma expansão nos cursos
de Educação Física e na organização de cursos de pós-graduação. Os teóricos da
Educação Física se perguntam sobre a sua cientificidade e buscam resolver a questão
reforçando sua ligação às ciências biológicas, no sentido de dar suporte ao esporte de
rendimento.
O “Diagnóstico da EF /Desportos no Brasil” (Costa, 1971) apontou
uma deficiência no âmbito da medicina desportiva, considerada uma
das razões da deficiência na área. A partir daí investimentos foram
orientados para melhorar o nível de desenvolvimento científico da
“área”, como o incentivo à pós-graduação e os investimentos em
laboratórios de fisiologia do exercício. Neste contexto é fundada, no
final dos anos 70, uma nova entidade científica, o Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte (CBCE) (BRACHT, 1999, p. 20).
A formação acadêmica do professor de Educação Física se ligada às
ciências naturais como a biologia, a física e a fisiologia. Seus esforços são direcionados
no sentido de contribuir para a grandeza do Brasil’, por meio das medalhas
conquistadas em competições internacionais.
A Educação Física na escola, com o Decreto Federal 69.450 de 1971, torna-se
obrigatória em todos os níveis de ensino, inclusive no superior, estabelecendo para este
último os mesmos objetivos e conteúdos dos outros níveis de ensino.
Nas séries iniciais, a preocupação se dava em função de uma formação técnica
para o desporto, e as aulas confundiam-se com treinamento. Essa posição muitas vezes
não se torna explícita e se esconde atrás de objetivos ligados a determinados valores. A
Educação Física passa a ser responsável, na visão de autores como Negrine (1983) e
Borsari (1980), pela formação das crianças no sentido de desenvolver-lhes o domínio do
seu próprio corpo, preparando-o para o melhor desempenho em habilidades futuras,
como o esporte.
Enfatizam também que, além das aspirações de melhor preparação física,
higiene e saúde, a Educação Física trabalha e deve ser respeitada em função disso, para
a incorporação eficaz de valores, entre os quais se destacam a disposição para assumir e
aceitar lideranças e a disciplina, solidariedade para com a Nação e, enfim, a educação
para a adaptação à vida nessa sociedade. Evidenciam a importância da competição para
131
corrigir comportamentos anti-sociais e reforçar as boas condutas, sendo que, a
finalidade primeira da escola e das disciplinas do currículo é o ajustamento social do
indivíduo ao meio em que vive” (NEGRENI, 1983, p. 66).
Essa formação desportiva funcionava como selecionadora de talentos para
‘fortalecer o esporte nacional’ na tentativa de formar a imagem do Brasil enquanto um
país em pleno desenvolvimento, e também agia como força discriminatória em relação
aos alunos menos habilidosos.
Ressalto que essa força era duplamente discriminatória, pois além de separar
fortes e fracos, preocupava-se apenas com uma formação esportiva e negligenciava
outras possibilidades de conteúdo nessa disciplina. O movimento humano reduziu-se a
apenas um gesto motor e técnico, reforçando a dicotomia entre corpo e mente.
Além disso, esse modelo para a Educação Física tinha como objetivo ocupar o
tempo, principalmente dos estudantes, para que estes não se comprometessem com
movimentos que poderiam abalar a ordem estabelecida. Esse tipo de formação foi
caracterizado por Castellani Filho como “Corpo Apolítico”:
No final dos anos sessenta, esteve ela também associada à estratégia
de minimização das possibilidades de rearticulação do movimento
estudantil, que fora violentamente atingido - como de resto todos os
demais setores da sociedade que exigiam a volta do país à
normalidade institucional democrática - pelo aparelho repressivo do
Estado, vindo a colaborar, com seu caráter lúdico-esportivo, para
desviar as atenções dos estudantes das questões de ordem
sociopolítica (1993, p. 120).
Em relação ao trabalhador, Souza (apud GHIRALDELLI JUNIOR, 1989)
demonstra estar clara esaa mesma intenção do Estado, como podemos observar nesse
excerto de um artigo publicado na Revista Brasileira de Educação Física, do Ministério
da Educação e Cultura:
Não tenho dúvida em afirmar que o papel da Educação Física se
ombreia aos ensinamentos de cunho religioso. Pois se, às vezes as
convicções religiosas afastam pessoas, grupos da convivência social, a
Educação Física, principalmente através dos desportos, aproxima, une,
dirime dissidências, extingue preconceitos (...)
Se fatigarmos o corpo e orientarmos o espírito sem rumo desocupado,
do ocioso, ele buscará a recuperação no leito, no descanso, e não no
bar, nas esquinas (...)
Se dermos ao operário de corpo cansado, após uma jornada laboriosa,
uma atividade desportiva sadia, o seu repouso será mais reconfortante,
sofreando nele, por vezes, a revolta contra os patrões, contra a própria
atividade funcional.
Se na escola aplicamos uma atividade física adequada, ajudamos os
jovens a suportar os desajustes familiares.
132
Quanto mais quadras de esporte, menos hospitais e menos prisões.
Quanto mais calção, menos pijamas de enfermos e menos uniformes
de presidiários (p. 32).
Percebemos a clara intenção de amenizar problemas estruturais da sociedade
com medidas que são, na verdade, paliativas e que contribuem apenas para uma
tentativa de reorganização, colocando cada um em seu devido lugar, sem que isto
resulte em protestos.
No exposto até o momento, aponto alguns aspectos que demonstram os sentidos
atribuídos à Educação Física. Podemos verificar que desde o século XIX a presença
desse conteúdo na escola era defendida pelos teóricos da educação brasileira, ou seja,
havia grande preocupação no sentido de que a Educação Física fizesse parte dos
currículos escolares, contribuindo para a formação do povo brasileiro, assim como
acontecia com a organização escolar em outros países. Esse processo se mantém,
apresentando várias nuanças, durante quase todo o século XX; ora formando um sujeito
com bases higiênicas-eugênicas, ora formando a força de trabalho disciplinada, ora
formando o sujeito ‘amigo dos Estados Unidos’ e atletas para a ‘grandeza nacional’.
Contudo, sempre a partir do entendimento do ser humano biologicamente determinado e
moralmente disciplinado para melhor se adaptar à lógica da sociedade capitalista.
Esses sentidos atribuídos à Educação Física brasileira sofrem questionamentos
apenas quando cessa a pressão da ditadura militar, que dicorro a seguir.
Capítulo 5 - A EDUCAÇÃO FÍSICA NO QUADRO DA REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA CONTEMPORÂNEA
Temos vivido, nas últimas décadas, mudanças ocorridas em setores importantes
do capitalismo, que mexem com a totalidade das relações de produção, especialmente
nas nações mais desenvolvidas ou naquelas (ditas em desenvolvimento, como o Brasil)
que possuem setores intrinsecamente articulados aos principais ramos da produção
capitalista. Essas mudanças (tecnológicas e de novas formas de organização produtiva
nos processos de trabalho) têm sua gênese e desenvolvimento na “crise
115
estrutural” do
capitalismo eclodida na década de 1970 e que se estende aos nossos dias.
Mészáros (2004) preconiza que ela não é como as outras “crises cíclicas” do
capital, tendo como característica o fato de ser uma “crise estrutural”, visto que interfere
ao mesmo tempo em “três dimensões fundamentais do sistema capitalista produção,
consumo e circulação/realização” (p. 4). O filósofo justifica:
A novidade histórica da nossa crise estrutural manifesta-se em quatro
temas principais: 1. Mais do que restringido a uma esfera particular
(por exemplo, financeira, comercial ou de outro ramo da produção, ou
de um outro setor particular de trabalho com a sua gama específica de
capacidades e grau de produtividade etc.), o seu carácter é universal;
2. mais do que limitado a uma série particular de países (como foram
todas as mais importantes crises do passado, incluindo a grande crise
mundial” de 1929-1933), o seu alcance é realmente global no sentido
mais extremadamente literal do termo); 3. mais do que restrita e
cíclica, como foram todas as crises anteriores do capitalismo a sua
escala temporal é alargada, contínua – permanente, se se quiser – e 4.
no que respeita à sua modalidade de desenvolvimento, definí-la como
sub-reptícia poderia ser uma descrição adequada em contraste com
as erupções e desmoronamentos mais espetaculares do passado -, com
a advertência de que não se excluem para o futuro nem mesmo as
mais veementes e violentas convulsões uma vez quebrada aquela
complexa máquina hoje activamente empenhada na “gestão” da crise
e na transferência mais ou menos provisória das crescentes
contradições (Idem, p. 9).
115
É necessário lembrar, como mencionei no capítulo anterior, que Marx, ao explicitar o processo de
produção do capital, afirma que as crises não são anomalias, mas são inerentes a esse processo de
produção.
134
Antunes, também ao discutir essa crise
116
esclarece que ela se inicia depois de
um período de grande acumulação capitalista, da fase keynesiana
117
associada ao
modelo taylorista-fordista no processo de produção. Explica assim sua gênese: “as
raízes da estagnação e da crise atual estão na compressão dos lucros do setor
manufatureiro que se originou no excesso de capacidade e de produção fabril, que era
em si a expressão da acirrada competição internacional” (BRENNER apud ANTUNES,
2000, p. 30).
Esse processo resultou em um “deslocamento de capital” para o setor financeiro
que se expandiu em grandes proporções em detrimento do setor produtivo. Esse
crescimento do chamado “capital financeiro” foi combinado com o esgotamento do
estado de bem-estar social – modelo keynesiano e do taylorismo-fordismo.
Com o esgotamento do keynesianismo, são recuperados princípios do
pensamento liberal, agora conceituado como neoliberalismo e surgem questionamentos
sobre o papel do Estado enquanto regulador da economia
118
. Entretanto, o que ocorre
116
Sobre essa questão da crise, Ricardo Antunes faz uma síntese dos seus sinais mais evidentes. Vejamos
o que diz o sociólogo: “1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do
preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela intensificação das lutas sociais
dos anos 60, que objetivaram o controle social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma
redução dos níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro; 2) o
esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em verdade era a expressão
mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela incapacidade de responder à retração do
consumo que se acentuava. Na verdade, tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural
que então se iniciava; 3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos
capitais produtivos, o que também era expressão da própria crise estrutural do capital e seu sistema de
produção, colocando-se o capital financeiro como um campo prioritário para a especulação, na nova fase
do processo de internacionalização; 4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as
empresas monopolistas e oligopolistas; 5) a crise do welfare state ou do “Estado do bem-estar social” e
dos seus mecanismo de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de
retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 6) incremento acentuado das
privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos
mercados e da força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse novo
quadro crítico” (2000, p. 29-30).
117
De acordo com Jinkings, a fase keynesiana se refere ao “período imediatamente posterior à Segunda
Guerra Mundial que se consolidou e complexificou o intervencionismo social e econômico do Estado,
agora fundamentados nos estudos de John M. Keynes desenvolvidos durante a depressão da década de
1930, segundo os quais o capitalismo alcançaria seu equilíbrio caso fossem aplicados adequadamente
instrumentos de política econômica do Estado(2005, p. 90). Esse modelo, cujo período áureo se situa
entre os anos de 1947-1973, se estendeu a alguns países da Europa Ocidental e Nórdica, Estados Unidos,
Canadá e parcialmente o Japão, podemos afirmar que não se estendeu a 15% do total da população
mundial. Além disso, trata-se de um modelo que não é possível ser universalizado. Assim, nos países
“periféricos do capital”, o que ocorreu foram “melhorias pouco significativas no padrão de vida das
populações e um desenvolvimento restrito do fornecimento de bens coletivos pelo Estado eram
acompanhados de forma de opressão econômica, política e culturais que se aprofundavam sua
dependência e subordinação das potências capitalistas centrais” (Idem, p.90).
118
Sobre o “afastamento do estado”, Mészáros comenta em entrevista concedida no programa Roda Viva
da TV Cultura em 2002 no dia 08 de julho, ocasião do lançamento no Brasil do seu livro Para além do
capital, que “o capitalismo não sobreviveria nem um dia sequer sem a intervenção do estado”. E
argumenta no artigo Marx, nosso contemporâneo, e o seu conceito de globalização, publicado em 2004
135
não é o afastamento das questões relacionadas diretamente com a “economia
capitalista”, mas o afastamento do Estado em relação às questões sociais.
A crise é atribuída à organização sindical e aos direitos adquiridos em relação
aos salários e à seguridade social conquistados durante o período keynesiano. Jinkings,
a partir das discussões de Perry Anderson, assinala que os neoliberais, para a superação
dos problemas causados, propõem uma conjugação de medidas, dentre elas:
A subjugação total dos sindicatos e a imposição de duras reformas
políticas e econômicas que “libertassem” o capital dos limites a eles
impostos pelas atividades regulatórias do Estado. Tais idéias
transformam-se em programas práticos quando se consolidou o
predomínio de governos conservadores na Europa e nos Estados
Unidos na década de 1980, conjugando políticas de
desregulamentação e privatização da vida social e econômica a
medidas políticas de ataque sistemático aos direitos democráticos
(JINKINGS, 2005, p. 94).
Essas políticas nos setores sociais fazem parte do que se configurava
como um novo estágio de acumulação capitalista presidido pelo chamado processo de
globalização. Mészáros pontua que esse processo, tão idealizado nesse período, na
verdade, é uma tendência que “emana da natureza do capital desde o seu início” e que
significa na realidade: o desenvolvimento necessário de um sistema internacional
de dominação e subordinação” (2002, p. 111, grifo meu). Assim explica ao discutir as
“taxas diferenciais de exploração da força de trabalho”:
Com essa globalização em andamento, que se apresenta como muito
benéfica, nada se oferece aos “países subdesenvolvidos” além da
perpetuação da taxa diferenciada de exploração. Isto está muito bem
ilustrado pelos números reconhecidos até mesmo pela revista The
Economist de Londres, segundo a qual, nas fábricas norte-americanas
recentemente estabelecidas na região da fronteira norte do México, os
trabalhadores não ganham mais do que 7 por cento do que recebe a
força de trabalho norte-americana para fazer o mesmo trabalho na
Califórnia (Idem, p. 64).
Confirmando os posteriores desdobramentos do processo de globalização
como um sistema internacional de subordinação, o teórico estadunidense James Petras,
utilizando como fonte de pesquisa “os critérios e cálculos utilizados pelo Financial
que mesmo essa constante intervenção do estado não é capaz de paralisar essa crise estrutural, ou seja,
“na atualidade, nenhuma medida de ‘ajuda extra-econômica’ de garantias políticas, nem mesmo quando é
acompanhada de financiamentos estatais calculados em números astronômicos (de muitos milhares de
milhões de dólares) pode ser considerada suficiente para satisfazer a voracidade do sistema. A hibridação
do capitalismo, cada vez mais intensificada no século XX através da injeção da contínua ‘ajuda extra-
econômica’ e econômica mais ou menos oculta, não tem aparentemente limites, embora seja apresentada
com a falsa moralidade e na verdade também de fé – da ‘retirada do Estado dos assuntos
econômicos’” (2004, p. 8).
136
Times em seu documento Special Report FT Global 500, de 27 de maio de 2004”
(PETRAS, 2007, p. 11), sistematizou que o real poder das 500 maiores empresas
transnacionais do mundo contemporâneo divide-se da seguinte maneira
119
:
Os Estados Unidos da América (EUA) continuam sendo o poder
dominante em termos absolutos e relativos: contam com 227 (45%)
das 500 EMNs
120
mais importantes, seguidos pela Europa Ocidental,
com 141 (28%), e Ásia, 92 (18%). Esses três blocos regionais
controlam 91% das principais EMNs do mundo. A “globalização”
pode ser entendida em seu sentido mais geral como o poder
derivado das EMNs estabelecidas nos três blocos de poder citados,
que lhes permite movimentar capitais, controlar o comércio, o
crédito, o financiamento e o espetáculo. Quase três quartos (73%)
das grandes instituições corporativas encontram-se na esfera de poder
configurada pela Europa e EUA (Idem, p. 12, grifo meu).
Mais um aspecto fundamental da tentativa de superação da crise estrutural e da
reorganização do capital, apontado anteriormente, foi o esgotamento do taylorismo-
fordismo. De acordo com Antunes:
O capital deflagrou, então, várias transformações no processo
produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação
flexível, do downsizing, das formas de gestão organizacional, do
119
Considerando alguns dos principais ramos econômicos do capitalismo contemporâneo, Petras extraiu
os seguintes dados da pesquisa acima referida: “COMÉRCIO VAREJISTA: as empresas estadunidenses
dedicadas ao comércio varejista ocupam oito lugares entre os dez primeiros. Não é surpreendente,
considerando que a economia estadunidense baseia-se em grande medida no consumo dos particulares,
nas bolhas especulativas e em altos níveis de endividamento. (...) TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
(TI): Os EUA dominam o setor de tecnologia da informação, com oito das dez principais empresas o
restante são européias , em parte como resultado das subvenções estatais obtidas do gasto militar, e
também da fraude/do mito do ‘ano 2000’ (o cenário de fim do mundo’, que permitiu canalizar milhares
de dólares para novas empresas da TI), e a bolha especulativa da década de 1990. (...) MEIOS DE
COMUNICAÇÃO DE MASSA E ENTRETENIMENTO: As EMNs dos EUA dominam em todo o
mundo o setor dos meios de comunicação de massa e entretenimento: Quase 80% das principais EMNs
(11 de 14) são controladas por capital estadunidense. (...) O COMPLEXO MILITAR-INDUSTIAL: As
EMNs estadunidenses ocupam os primeiros lugares na lista das indústrias militares relacionadas com a
guerra e a construção do império: das onze firmas gigantes deste setor que se encontram entre as ‘top
500’, nove são estadunidenses e duas européias. O militarismo vem potencializando a expansão industrial
estadunidense nos últimos 65 anos, e foi o que permitiu aos EUA sair da Grande Depressão dos anos de
1930 (...) PROGRAMAS E SERVIÇO DE INFORMÁTICA: Neste setor, as EMNs dos EUA são também
dominantes, com seis das dez principais firmas. Entretanto, a supremacia dos EUA está ameaçada pelo
Japão e pela Europa, cada uma das quais possuindo duas das dez maiores empresas. (...) SISTEMA
FINANCEIRO: O capital financeiro e bancário dos EUA cresceu a ponto de se transformar na principal
força da economia mundial. Os bancos multinacionais dos EUA representam 60% dos dez principais
bancos do mundo, seguidos pelos europeus com três e os japoneses com 1.(...) Em matéria de petróleo e
gás, EUA e Europa possuem quatro cada um, e Rússia e Brasil, uma cada um. A mesma ‘paridade’ existe
entre as empresas farmacêuticas, nas quais EUA e Europa dominam as dez primeiras. A expressão mais
clara da concorrência intercapitalista pode ser encontrada na indústria manufatureira, tanto a leve como a
pesada, na eletrônica, entre outras. As maiores empresas da indústria leve são divididas da seguinte
forma: EUA possuem 44%, Europa 48% e Japão 8%. A proporção na indústria pesada é a seguinte: 32%
das 100 principais são estadunidenses, 30% são européias, 22% japonesas, 7% de outros países asiáticos,
e o restante divide-se entre outros cinco países” (PETRAS, 2007, p. 14 - 8).
120
EMNs significa “Empresas Multinacionais”.
137
avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio
taylorismo/fordismo, onde se destaca especialmente o “toyotismo” ou
o modelo japonês. Essas transformações, decorrentes da própria
concorrência intercapitalista (num momento de crises e de disputas
intensificadas entre os grandes grupos transnacionais e monopolista)
e, por outro lado, da própria necessidade de controlar as lutas sociais
oriundas do trabalho, acabaram por suscitar a resposta do capital à sua
crise estrutural (2000, p.47-8).
Nos processos de trabalho, na década de 1980, um grande avanço
tecnológico, avanço mais especificamente em relação à microeletrônica, à automação e
à robótica, o que faz com que o modelo de organização taylorista-fordista, hegemônico
como forma de organização do trabalho, divida certo espaço com outro modelo, o
toyotismo. Segundo Chesnais, “todas as virtudes atribuídas ao ‘toyotismo’ estão
dirigidas a obter a máxima intensidade do trabalho e o máximo rendimento de uma
mão-de-obra totalmente flexível, à qual se volta a contestar, cada vez mais (até nos
relatórios do Banco Mundial), o direito de organização sindical” (1996, p. 17).
Nessa nova forma de organização, trabalha-se com estoque mínimo e
flexibilização da produção
121
para atender às demandas do mercado e não mais às
produções em série das linhas de montagem taylorista, além de um grande controle de
qualidade.
Muda-se o próprio operário, de maneira que:
Esta flexibilização do aparato produtivo então, rompe a relação
presente no fordismo, de um homem com a máquina. Apenas a título
de exemplo, no toyotismo a relação é de um homem com cinco
máquinas. Isto faz com que o trabalhador não seja mais típico da linha
de montagem fordista, mas um trabalho em equipe, em grupo
(ANTUNES, 1996, p. 09).
E ainda:
Leva o “estranhamento” do trabalhador ao limite, à alienação do
trabalho ao limite, fazendo com que as respostas ao mundo do
trabalho encontrem-se em algumas situações num quadro muito
defensivo. [...] Ele é déspota de si mesmo, sem chicote, ele não se
121
De acordo com Harvey, esse processo da “acumulação flexível” se caracteriza “por um confronto
direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados
de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente de intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A
acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre
setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no
chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas (tais como a ‘Terceira Itália’, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para o
falar da vasta profusão de atividades dos países recém-industrializados)” (2004, p. 140).
138
avilta com o chicote, ele se avilta no plano ideário. A empresa é vista
como a “sua empresa”, a produtividade é a produtividade da “sua
empresa” (Ibid, p. 10).
Há uma considerável redução do número de trabalhadores fabris nos países
capitalistas centrais e nos setores industrialmente avançados dos países periféricos.
Aqueles que permanecem em seus postos de trabalho precisam ter certa flexibilidade e
um conhecimento geral de todo o processo produtivo, visto que todos os integrantes da
empresa, não importando o cargo, devem estar prontos a melhorar o desempenho da
‘sua empresa’, solucionando problemas que possam causar perdas na produção. Neste
sentido:
Os capitalistas compreenderam então que, em vez de se limitar a
explorar a força de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os
de qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas
compartimentações estritas do taylorismo e do fordismo, podiam
multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes
organizativos, a capacidade de cooperação, todas as virtualidades da
inteligência. (...) Um trabalhador que raciocina no ato do trabalho e
conhece mais processos tecnológicos e econômicos do que os aspectos
estritos do seu âmbito imediato é um trabalhador que pode ser tornado
polivalente (BERNARDO apud ANTUNES, 2000, p. 45).
Jinkings, objetivando mostrar que na tentativa de controlar “ações de
confronto com as classes trabalhadoras” são incorporadas nesses novos processos de
trabalho as suas reivindicações, cujo resultado pode ser visto na comparação entre o
modelo taylorista-fordita com as novas transformações do trabalho:
Assim, o trabalho repetitivo e rotineiro disciplinado sob o sistema
taylorista-fordista, a acumulação flexível contrapôs a atividade
apresentada como polivalente e enriquecida de conteúdo; ao operário
dócil, o trabalhador dotado de inteligência e criatividade; à rígida
cisão entre concepção e execução do trabalho, a participação e o
envolvimento do assalariado nas questões relativas à sua atividade
laboral. Todavia, no contexto mundial de aumento drástico dos níveis
de desemprego e de desmontagem de direitos sociais e do trabalho, a
realidade do cotidiano laboral está longe do quadro ideal pintado pelos
ideólogos da reestruturação produtiva (2007, p. 98).
Além disso, em combinação com a perda de direitos conquistados e a
desregulamentação do trabalho assalariado
122
, multiplica-se, inclusive, o trabalho
122
Mészáros discute o retrocesso no “campo do trabalho” com os seguintes dados: “reaparecimento
cada vez mais perturbador – da ‘mais-valia absoluta’ (na forma de swatshops etc.) em países que incluem
as ‘democracias ocidentais’, para não falar do chamado ‘Terceiro Mundo’, onde sempre foi muito
evidente. Existem também algumas tendências, quase incompreensíveis, para inverter a diminuição dos
horários de trabalho nos países mais avançados. Para referir apenas três: 1. No Japão, uma lei recente
139
escravo
123
, noticiado pelos telejornais “escandalizados”. Coexistem setores altamente
avançados e outros quase que arcaicos voltados ao artesanato: fábricas de fundo de
quintal e crescimento vertiginoso dos setores chamados informais e de prestação de
serviços. Como expõe Antunes:
No caso do “trabalho em domicílio”, sua utilização não pode abranger
inúmeros setores produtivos, como a empresa automobilística, a
siderurgia, a petroquímica etc. Mas onde ela tem proliferado, seu
vínculo com o sistema produtivo capitalista é muito mais evidente,
sua subordinação ao capital é direta, sendo um mecanismo de
reintrodução de formas pretéritas de trabalho, como o trabalho por
peça, de que falou Marx, o qual o capitalismo da era da mundialização
está recuperando em grande escala. Basta lembrar o caso da
monumental expansão da Benetton, da Nike, em tantas partes do
mundo, dentre as inúmeras experiências de trabalho realizado no
espaço domiciliar, doméstico ou pequenas unidades (2000, p. 115,
grifos do autor).
Com essas mudanças no processo de trabalho, junto à retomada de velhas
posturas liberais recupera-se também a ideia de que está na educação a solução para os
problemas inerentes à ordem social regida pelo capital ao mesmo tempo em que o
Estado se desobriga de investir neste setor. Conforme Silva:
No âmbito educacional, cristalizaram-se as políticas e estratégias
dirigidas para a descentralização administrativa e financeira: ênfase
nos resultados e na racionalização de recursos públicos; prioridades
fundadas nos critérios econômicos de produtividade, qualidade e
competitividade; criação do sistema nacional de informação e dados
estatísticos; institucionalização de parcerias; políticas voltadas para o
auto-financiamento; manutenção das práticas autoritárias nos
processos decisórios na educação pública; recentralização do processo
de avaliação institucional e estreitamento de vínculos entre educação e
trabalho através da política de educação profissional (2002, p. 06).
Entretanto, enfatizo que as mudanças nos processos de trabalho em nada mudam
a lógica da sociabilidade capitalista de valorização do valor. Pelo contrário, essas
aumentou o horário de trabalho semanal de 48 para 52 horas; e para sublinhar o absurdo dessas práticas,
enquanto o horário semanal é aumentado, ao mesmo tempo o desemprego, já a um nível recorde, continua
a aumentar; 2. Na Alemanha, um acordo recente entre a direção da Volkswagen e os sindicatos alargou o
horário ‘normal’ de trabalhado (quer dizer, o que não chega ao horário extraordinário com aumento de
pagamento) de 35 para 42 horas; além disso, inclusivamente na Alemanha, o desemprego é
ameaçadoramente elevado (mais de 4,5 milhões atualmente); e 3. Em Itália, a introdução das ’35 horas’
projetada pela lei concedida pelo governo de Prodi aos sindicatos e ao Partido da Refundação antes de se
dividir em dois, suscitou a hostilidade aberta do patronato; o chefe da Confindustria, Giorgio Fossa (cujo
nome diz tudo) declarou que organizará uma ‘grande coligação’ para sepultar esta lei. (Depois da
mudança de governo a favor de Berlusconi, isso deverá ser uma brincadeira de crianças se a esquerda nos
sindicatos e nos movimentos políticos não conseguir mobilizar as massas dos seus apoiantes para a defesa
daquela lei, na realidade muito modesta)” (2004, p. 9).
123
A Revista National Geographic (2003) em matéria pormenorizada sobre os escravos do século XXI
que envolve desde crianças até idosos calcula que existam 27 milhões de escravos pelo mundo. Isto
demonstra que o trabalho escravo continua coexistindo e complementando a produção capitalista.
140
mudanças sempre ocorrem no sentido de dar continuidade a essa lógica segundo as
necessidades e possibilidades existentes. As medidas empreendidas na educação e o
perfil do trabalhador a ser formado podem parecer novos, mas mesmo com roupagens
diferentes estão na direção da reprodução societária.
Esse “quadro” histórico de crise e tentativa de recomposição do capital
124
foi
também caracterizado pelo desenvolvimento do movimento intelectual (cuja gênese é
anterior
125
) que atinge a arte, a arquitetura, a literatura, a filosofia etc. e que ficou
conhecido como pós-moderno. Não obviamente uma relação direta, mas certamente
existe uma relação mediata entre a emergência predominante desse matiz teórico
cultural multifacetário e a referida crise estrutural. Daí a coerência das seguintes
assertivas de David Harvey:
Façamos o que quisermos com o conceito, não devemos ler o pós-
modernismo como uma corrente artística autônoma; seu enraizamento
na vida cotidiana é uma de suas características mais patentemente
claras. (...)
O pós-modernismo também deve ser considerado algo que imita as
práticas sociais, econômicas e políticas da sociedade. Mas, por imitar
facetas distintas dessas práticas, apresenta-se com aparências bem
variadas. A superposição, em tantos romances pós-modernos, de
diferentes mundos entre os quais prevalece uma ‘alteridade’
incomunicativa num espaço de coexistência tem uma estranha relação
com a crescente favelização, enfraquecimento e isolamento da
pobreza e das populações minoritárias no centro ampliado das cidades
britânicas e norte-americana” (2004, p. 65 e p. 109).
124
Vale lembrar em termos breves que, no momento em que este estudo se desenvolve, irrompeu no
centro do capitalismo mundial os EUA uma “nova” crise do capital (como tenho apresentado, a partir
de Mészáros e outros, uma crise cujas causas vinham sendo gestadas anos) sob a forma de crise
financeira. A sua intensidade pode ser medida, por exemplo, pela doação direta de dinheiro que o governo
dos EUA tem dado aos seus principais bancos, comprando títulos podres (sem lastro) por enormes
quantias que atingem a casa de 1 trilhão de dólares (a confirmação da farsa neoliberal da não intervenção
do Estado na economia). A extensão da crise pode ser avaliada, por exemplo, pela queda continua das
bolsas de valores nas principais centros financeiros do planeta. Mas é preciso ter claro que a raiz não está
nas bolsas e nos créditos, a raiz está na produção capitalista e na queda das taxas de lucro que são
imanentes a essa forma social. Neste sentido, tenho concordância com a análise do economista marxista
brasileiro José Martins: “Nestes momentos de pânico, deve-se acompanhar em primeiro lugar o
rendimento dos títulos do Tesouro. E o preço do ouro. São mais importantes para análise do que os
populares índices da bolsa de valores. O ouro é essa relíquia bárbara’ que ressurge nos períodos de crise
com força, como a última e a mais concreta forma-valor do equivalente universal das trocas entre as
mercadorias. Antes dessa especialíssima semana, o preço do ouro girava em torno de US$ 700 a onça
troy. No final da quinta-feira, 18, alcançava US$901,30. Isso reflete um processo mais geral de crise, em
que rompe a unidade da valorização: o abstrato valor de troca distancia-se abruptamente do concreto valor
de uso. A unidade contraditória do duplo caráter do trabalho contido na mercadoria só poderá ser
restaurada de forma altamente violenta” (MARTINS, 2008, p. 2).
125
Para essa questão, é interessante a obra de Perry Anderson: ANDERSON, P. As origens da pós-
modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
141
Harvey também alerta, com sua investigação, que momentos de crise de
superprodução, como aquela eclodida nos anos de 1970, resultam em uma virada para
a estética”. Assim, argumenta:
As respostas estéticas a condições de compressão do tempo-espaço
são importantes, e assim têm sido desde que a separação, ocorrida no
século XVIII, entre o conhecimento científico e julgamento moral
criou para elas um papel distintivo. A confiança de uma época pode
ser avaliada pela largura do fosso entre o raciocínio científico e a
razão moral. Em períodos de confusão e incerteza, a virada para a
estética (de qualquer espécie) fica mais pronunciada. Como fases
de compreensão do tempo-espaço o disruptivas, podemos esperar
que a virada para a estética e para as forças da cultura, tanto como
explicações quanto como loci de luta ativa, seja particularmente aguda
nesses momentos. Sendo típico das crises de superacumulação
catalisar a busca de soluções temporais e espaciais que criam, por
sua vez, um sentido avassalador de compressão do tempo-espaço,
também podemos esperar que as crises de superacumulação sejam
seguidas por fortes movimentos estéticos (Idem, p. 293, grifo meu).
Harvey também conclui que existe muito mais continuidade no movimento pós-
moderno em relação ao moderno do que diferenças. E considera mais interessante tratar
o pós-modernismo como um “tipo particular de crise” do modernismo que se completa
satisfatoriamente à lógica do mercado. Nesse contexto, trata-se de:
Uma crise que enfatiza o lado fragmentário, efêmero, caótico da
formulação de Baudelarie (o lado que Marx disseca tão
admiravelmente como parte integrante do modo capitalista de
produção), enquanto exprime um profundo ceticismo diante de
toda prescrição particular sobre como conceber, representar ou
exprimir o eterno e imutável. Mas o pós-modernismo, com sua
ênfase na efemeridade da jouissance, sua instância na
impenetrabilidade do outro, sua concentração antes no texto do que na
obra, sua inclinação pela descontrução que beira o niilismo, sua
preferência pela estética, em vez da ética, leva as coisas longe demais.
Ele as conduz além do ponto em que acaba a política coerente,
enquanto a corrente que busca uma acomodação pacífica com o
mercado o envereda firmemente pelo caminho de uma cultura
empreendimentalista que é o marco do neoconservadorismo
reacionário (Idem, p. 111 - 2, grifo meu).
Enfim, o autor esclarece que as mudanças ocorridas não são novas e que embora
os pós-modernistas afirmem a impossibilidade de qualquer compreensão que abarque a
totalidade e que seja mais precisa na compreensão real desse período histórico, isto não
é verdadeiro. E argumenta:
O pós-modernismo quer que aceitemos as reificações e partições,
celebrando a atividade de mascaramento e de simulação, todos os
fetichismos de localidade, de lugar ou de grupo social, enquanto nega
o tipo de metateoria capaz de apreender os processos políticos
econômicos, (fluxos de dinheiro, divisões internacionais do trabalho,
142
mercados finanças etc.), que estão se tornando cada vez mais
universalizantes em sua profundidade, intensidade, alcance e poder
sobre a vida cotidiana.
Pior do que isso, enquanto abre uma perspectiva radical mediante o
reconhecimento da autenticidade de outras vozes, o pensamento pós-
moderno veda imediatamente essas outras vozes o acesso a fontes
mais universais de poder, circunscrevendo-se num gueto de alteridade
opaco, da especificidade de um outro jogo de linguagem (Idem, p.
112).
Concluindo sobre as mudanças:
O esboço histórico que propus aqui sugere, no entanto, que mudanças
dessa espécie de modo algum são novas, e que a sua versão mais
recente por certo está ao alcance da pesquisa materialista-
histórica, podendo até ser teorizada com base na metanarrativa
do desenvolvimento capitalista que Marx formulou. (Idem, p. 294,
grifo meu).
Essas afirmações de Harvey estão em direção radicalmente opostas às posições
tomadas por Bracht e Almeida, expostas no capítulo 1, bem como aquelas da maioria
dos professores de educação física cujos trabalhos sintetizo no capítulo 6. Expostas
algumas das determinações sociais fundamentais da reestruturação produtiva, trato, a
seguir, das suas conseqüências para a área da educação física.
5.1 – O movimento crítico na Educação Física na década de 1980
Entendo o “movimento crítico na educação física dos anos de 1980” como
manifestação de uma consciência histórica que corresponde à organização da sociedade
brasileira no período que compreende o fim da ditadura militar e o restabelecimento da
democracia e que, em determinado momento, questiona a produção social capitalista.
Esse movimento concretizou-se na produção teórica e na luta política de significativo
segmento dos profissionais da Educação Física brasileira.
Ao mesmo tempo em que vivíamos internamente a luta pelo fim da ditadura,
mundialmente configurava-se um novo estágio de acumulação capitalista descrito
anteriormente, ou seja, o chamado processo de globalização, com questionamentos
sobre o papel do Estado enquanto regulador da economia e pelas mudanças em alguns
setores produtivos fundamentais.
Internamente, o fim da ditadura militar provoca um crescimento dos movimentos
sociais, uma grande mobilização sindical que aconteceu, em um primeiro momento, no
143
setor privado, depois ganhou enorme força no setor público. As greves se tornaram a
expressão maior na luta desses sindicatos contra o arrocho salarial. Incluíam-se nesse
movimento setores ligados à educação que antes haviam sido imobilizados pela
repressão.
Nas paralisações dos professores, além da luta por melhores salários,
apresentava-se a luta por uma escola pública de qualidade que se fazia através de
discussões e propostas de mudanças de encaminhamento pedagógico e de conteúdos.
Nesse momento, se tornava explícito para alguns educadores que a educação
estava intimamente ligada aos processos de construção da sociedade, fosse no sentido
de conservar ou transformar radicalmente as relações sociais capitalistas. Para aqueles
educadores que se punham contra a ordem social vigente, fazia-se necessária uma
tomada de decisão no sentido da transformá-la. Voltava à tona a Pedagogia Libertadora
de Paulo Freire
126
formulada na década de 1960 e reprimida pela ditadura militar, e
começava a ser construída, tornando-se decisiva, a Pedagogia Histórico-Crítica
formulada por Dermeval Saviani
127
. Essas duas correntes se transformaram nas
principais referências para a maioria dos educadores que se posicionaram no campo da
“esquerda educacional”.
Se, em princípio, a Educação Física continuasse com seu discurso apolítico,
pautado em ciências que advogavam a neutralidade, formando o homem unilateral, teria
ela encontrado eco na escola em um momento em que a preocupação estava em formar
126
Freire, na década de 1960, trabalhava no Programa Nacional de Alfabetização de Adultos com seu
método único, interrompido pela ditadura militar. No exílio, continuou a discutir e escrever sobre
educação e suas ideias ganham muita força com o final da ditadura. “O “convite” de Freire ao
alfabetizado adulto é, inicialmente, para que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e
produzindo em determinada sociedade. Convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo de
“demitido da vida” em que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também
um fazedor de cultura, fazendo-o apreender o conceito antropológico de cultura. O “ser-menos” das
camadas populares é trabalhado para não ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como
determinação do contexto econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem. [...] A eficácia e
validade do “Métodoconsistem em partir da realidade do alfabetizando, do que ele conhece, do valor
pragmático das coisas e fatos de sua vida cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso
comum e dele partindo, Freire propõe a sua superação” (FREIRE, 1996, p. 37 - 9).
127
A Pedagogia Histórico-Crítica, como mencionei no primeiro capítulo, tornava-se a base para a
elaboração de vários currículos e passa ser o principal eixo para a reformulação da escola. Para esta
pedagogia é fundamental que a classe trabalhadora tenha acesso ao acúmulo cultural, ao conhecimento
produzido historicamente pelos homens. Esse conhecimento é também entendido como a expressão das
contradições e da luta de classes, constituindo-se num importante instrumento de formação crítica e de
luta para a transformação das relações sociais. Trata-se da reapropriação pelo trabalhador do
conhecimento produzido no interior dessas relações. Os alicerces teóricos dessa proposta pedagógica
estão no pensamento socialista clássico de Marx, Engels e Gramsci.
144
o homem crítico, em uma ciência comprometida com posicionamentos políticos e com a
formação do homem omnilateral?
Algumas questões necessitavam de discussão na Educação Física. Tornou-se
imprescindível questionar seu “suporte teórico”, até então dominado pelas ciências
biológicas na perspectiva da aptidão física, questionar seus papéis historicamente
determinados e sua última função socialmente estabelecida, que colocava o esporte
como único conteúdo. Esses questionamentos geraram uma crise de identidade, levando
os profissionais da área a indagar a respeito do que é Educação Física e de qual é sua
legitimidade como disciplina escolar, conforme vimos no capítulo 1.
Identidade e legitimidade passaram a ser o foco principal da atenção de alguns
pesquisadores, que buscam outra orientação para a educação física nas ciências
humanas não vinculadas ao positivismo.
A década de 1980 colocava uma tarefa a ser cumprida, como expressa Castellani
Filho em entrevista concedida a Ferreira Netto (1996), referindo-se também a
companheiros daquele momento:
Nós tínhamos uma questão complexa. Vivíamos um momento político
onde o que mais se cogitava era resgatar nossa capacidade de
intervenção na realidade. E nós, enquanto profissionais da educação,
queríamos intervir na Educação brasileira, na configuração de
políticas educacionais, na administração e planejamento dessas
políticas, e na construção de projetos curriculares. Esse era o problema
concreto (1996, p. 211).
Neste sentido, a mudança interna na Educação Física se esboçava na crítica ao
seu paradigma pautado nas ciências naturais e humanas de cunho positivista,
direcionada à aptidão física e vinculada à saúde e ao esporte. Busca suporte na
fenomenologia, no materialismo histórico, na psicologia humanista de Carl Rogers e em
autores da Escola de Frankfurt.
128
Temos como expressão desse momento de crítica autores como: Medina
(1983)
129
, Oliveira (1985,1987)
130
, Bracht (1987, 1989, 1992), entre outros. A partir das
128
Parece-me que a grande influência dessa escola de pensadores na Educação Física brasileira tem início
com os programas de cooperação técnica internacional com agências alemãs (cujo maior exemplo é o
Instituto de Solidariedade Internacional vinculado à Fundação Adenauer) realizados ainda durante a
ditadura militar. No princípio, isso se deu com a formação de técnicos para o desenvolvimento do esporte
de alto nível e suas raízes na escola. Mais tarde, pesquisadores brasileiros de descendência alemã, com o
fim da ditadura, na tentativa de responder às problemáticas que surgem na área se beneficiam desses
programas, trazendo para o Brasil algumas respostas. A Teoria Crítica parece esclarecer para muitos
professores de Educação Física as questões pertinentes ao esporte tecnicista e de sua grande
mercadorização ao realizarem suas críticas à racionalidade técnica e à indústria cultural.
129
Medina entende que a saída da crise pela qual passa a sociedade, a educação e a educação física está
no resgate de valores humanos, no diálogo, no combate à superficialidade do relacionamento interpessoal.
145
reflexões destes e de outros professores de educação física, essa disciplina passa a ser
defendida por um grupo de profissionais, não mais como atividade física, mas como
uma disciplina pedagógica que na escola tematiza os elementos da cultura corporal da
qual fazem parte os jogos, o esporte, as lutas, a dança, a ginástica etc. Mas este não é o
consenso. Os posicionamentos em relação ao que é Educação Física e qual a sua função
na escola ou qual seria a sua relação com a sociedade continuam divergentes.
Essas divergências se mostraram presentes durante a década de 1980 e
permanecem até hoje. Existe em princípio uma preocupação com a cientificidade da
Educação Física que parece ser comum a todos. Mas a partir do momento em que é
denunciado o forte conteúdo ideológico da Educação Física, bem como a sua restrição à
aptidão física e ao esporte, o que não deixa de ser também um componente ideológico,
os grupos se distanciam.
Alguns teóricos incorporam à visão de Educação Física o sentido de prática
social, de disciplina pedagógica que na escola tematiza os elementos da cultura
corporal, mas continuam reforçando seu caráter biológico e apolítico, além da ideia de
que o que se tem a fazer é tentar contribuir para a organização da sociedade, tal como
ela se apresenta. Isto porque passada a luta política contra a ditadura cessam, para
muitos profissionais da área, as críticas ao modo de produção capitalista.
A partir desses posicionamentos são esboçadas propostas pedagógicas para a
Educação Física, tanto no sentido de uma Educação Física crítica quanto em seu sentido
mais conservador. Os primeiros sinais de propostas resultantes do “movimento crítico”
começam a ser esboçados nas propostas curriculares das Secretarias de Educação de
alguns estados, como é o caso do Paraná, de Pernambuco, Santa Catarina e resultam nas
concepções crítico-superadora e a crítico-emancipatória, no início da década de 1990.
Como perspectiva conservadora temos em princípio a Abordagem Desenvolvimentista,
além da continuidade da perspectiva tecnicista já mencionada.
Considero importante apresentar sucintamente essas concepções, pois elas se
Define a educação física como “a arte da ciência e do movimento humano que através de atividades
específicas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos, renovando-os e transformando-os
no sentido de sua auto-realização e em conformidade com a própria realização de uma sociedade mais
justa e livre” (1989, p. 83).
130
Oliveira demonstra uma preocupação com o adestramento imposto nas aulas de educação física com a
supervalorização da técnica e sua forte ligação com a saúde, pois assim abandona o “verdadeiro sentido
da educação física”: formar o homem total. Baseia-se principalmente em Carl Rogers e propõe a
educação física humanista.
Define a educação física como educação quando a mesma apresenta uma
reflexão em relação aos seus conteúdos e métodos, mas somente “a medida em que reconhece o homem
como arquiteto de si mesmo e da construção de uma sociedade melhor e mais humana” (1987, p. 105).
146
tornam as referências para o desenvolvimento da educação física.
A concepção crítico-superadora é uma proposição pedagógica para a
organização escolar e não é uma proposta direcionada apenas para a Educação Física.
Na área, ela se torna conhecida com a publicação do livro Metodologia do Ensino de
Educação Física, que além de apresentar essa concepção, discute a especificidade dessa
disciplina. É considerada a propostas mais sistematizada para a Educação Física; foi
construída por um grupo que se autodenominou “Coletivo de Autores”, do qual fazem
parte os professores Valter Bracht, Lino Castellani Filho, Celi Taffarel, Carmen Lúcia
Soares, Elizabeth Varjal e Micheli Escobar.
O Coletivo de Autores (1992) explica que, ao tratar os temas em seu livro,
considera as “reais condições” dos professores, qual seja, “limitações materiais da
escola”, “baixos salários”, desvalorização da profissão e do seu trabalho”, e também a
disposição para “transformar a sua prática”.
Além disso, compreendem que a sociedade é composta por classes antagônicas
identificadas como classe trabalhadora” e classe proprietária”. Se posicionam
claramente a favor da “classe trabalhadora”, afirmando que os “interesses históricos”
dessa classe se expressam “através da luta e da vontade política para tomar a direção da
sociedade, construindo a hegemonia popular. Essa luta se expressa através de uma ação
prática, no sentido de transformar a sociedade de forma que os trabalhadores possam
usufruir do resultado do seu trabalho” (Idem, p. 24).
Explicitam que uma pedagogia que atenda aos interesses de classe deve ser
diagnóstica, judicativa e teleológica; assim, todo educador deve definir o seu projeto
político-pedagógico a partir da compreensão sobre as questões: “qual o projeto de
sociedade e de homem que persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais
os valores, a ética e a moral que elege para consolidar através de sua prática? Como
articula suas aulas com este projeto maior de homem e sociedade?” (Idem, p. 26).
Trabalham com a perspectiva de “currículo ampliado”, pois esta proporciona a
possibilidade da “constatação, a interpretação, a compreensão e a explicação da
realidade social complexa e contraditória” (Idem, p. 28). Assim, a organização escolar
não pode ser da forma convencional, mas ter a perspectiva de que o aluno adquira uma
“visão de totalidade”, compreendida como uma “síntese, no seu pensamento [do aluno],
da compreensão das diferentes ciências para a explicação da realidade” (Idem, p. 28).
Neste sentido:
147
Cada matéria ou disciplina deve ser considerada na escola como um
componente curricular que tem sentido pedagógico à medida que
seu objeto se articula aos diferentes objetos dos outros componentes
do currículo (Línguas, Geografia, Matemática, História, Educação
Física etc.). Pode-se afirmar que uma disciplina é legítima ou
relevante para essa perspectiva de currículo quando a presença do seu
objeto de estudo é fundamental para a reflexão pedagógica do aluno e
a sua ausência compromete a perspectiva de totalidade dessa reflexão
(Idem, p. 29).
A legitimidade das disciplinas, incluindo a Educação Física, se daria pela
necessidade de articulação dos conhecimentos sistematizados em cada área, e desta
forma, sem essa articulação a compreensão da totalidade estaria comprometida.
Nesta proposta, os autores apontam um “novo objeto do conhecimento” para a
Educação Física na escola: “a expressão corporal como linguagem e como saber ou
conhecimento” (Idem, p. 42) e, a definem, “provisoriamente”, como: “uma prática
pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais
como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de
conhecimento que podemos chamar de cultura corporal” (Idem,1992, p. 50).
Os elementos que formam essa cultura corporal são produzidos historicamente
nas relações sociais e precisam ser sistematizados para a escola. Essa sistematização não
é a simples incorporação de formas de movimento à Educação Física, mas a análise dos
condicionantes históricos sociais que os produziram para a busca de um entendimento
crítico desse saber pelos alunos. Desta forma, na dinâmica curricular, deve-se procurar:
Buscar desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de
formas de representação do mundo que o homem tem produzido no
decorrer da história, exteriorizados pela expressão corporal: jogos,
dança, lutas, exercícios ginásticos, esportes, malabarismo,
contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como
formas de representação simlica de realidades vividas pelo homem,
historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas. (Idem, p. 38).
Como a proposta do Coletivo de Autores compreende uma organização escolar
vinculada a um projeto político-pedagógico, não apenas para uma disciplina específica,
mas para toda a escola, a organização escolar se a partir de ciclos que são assim
identificados: o primeiro como Ciclo de Educação Infantil (Pré-Escolar) e Ciclo de
organização e identificação da Realidade (1ª a séries do Ensino Fundamental); o
segundo corresponde ao Ciclo de Iniciação ao Conhecimento Sistematizado (4ª a
séries do Ensino Fundamental); o terceiro é o Ciclo de Ampliação do Conhecimento
Sistematizado (7ª a séries do Ensino Fundamental) e o último é o Ciclo de
148
Aprofundamento do Conhecimento (1ª a 3ª séries do Ensino Médio).
Os autores apresentam, também, modelos de aulas como propostas de trabalho
pedagógico nas aulas de Educação Física. Conjugado a isso, discutem uma proposta de
avaliação, entendendo-a como um momento diagnóstico que colabora com o
crescimento do aluno.
Outra perspectiva “crítico-emancipatória” para a Educação Física tem em
Eleonor Kunz o principal referencial de sua construção. Este pesquisador tece críticas à
educação física por esta não ser compatível às exigências da educação escolar, porque
essa disciplina, na escola, possui como conteúdo exclusivo o esporte com seu caráter de
competição e concorrência. Acredita, então, ser necessário desenvolver na Educação
Física funções sociais e políticas inerentes à ação pedagógica e dar-lhe legitimidade
teórica. Considera ainda que as críticas elaboradas a partir do marxismo e da
psicomotricidade não surtiram efeito.
A divulgação de seu trabalho se principalmente por meio de duas publicações
no início dos anos de 1990: a primeira, resultado de sua tese de doutorado finalizada em
1987 e publicada em 1991, com o título Educação Física: ensino & mudanças; a
segunda, intitulada Transformação Didático-pedagógica do Esporte, foi publicada em
1994, dá continuidade aos estudos anteriores e apresenta mais detalhadamente sua
proposta pedagógica.
Na segunda obra, o autor demonstra uma aproximação muito maior e decisiva
com a “Teoria Crítica da Sociedade” da Escola de Frankfurt, encontrando em Habermas
sua maior fundamentação. Além de autores da Escola de Frankfurt, se fundamenta em
autores da fenomenologia, como Merleau-ponty e Paulo Freire
131
, este último citado
principalmente na primeira publicação.
Suas críticas dizem respeito também à escola, que para o autor deve procurar
desenvolver uma educação libertadora baseada no diálogo, conhecendo o “Mundo
Vivido”
132
do aluno e compreendendo-o como sujeito de sua própria ação. O ensino
escolar deve, então, tornar-se uma parte da educação que desenvolva a competência
131
Paulo Freire se considerava eclético e fundamentava-se prioritariamente na Fenomenologia e no
Existencialismo Cristão.
132
De acordo com Kunz, para Habermas “Mundo Vivido” é “o horizonte de possibilidades das pessoas na
busca de entendimentos no mundo social, objetivo ou subjetivo. É um mundo comum a todos e que se
apresenta às pessoas, intuitivamente sem nunca ser problematizado.” (KUNZ, 1994, p.59); e nas palavras
de Habermas em seu livro Theorie des Kommunikativen Handelns: “As estruturas do mundo vivido são as
formas de sociabilidade do entendimento possível: O mundo vivido é o lugar transcendental de encontro
entre falantes e ouvintes, o lugar onde ambos levantem pretensões de validade, e têm possibilidades de
testá-las, conseguindo, assim, um consenso fundado” (HABERMAS apud KUNZ 1994, p. 59).
149
crítica e emancipada.
Neste sentido, a Educação Física tem uma posição importante no processo
educativo, pois o “Movimento Humano”, entendido pelo autor como objeto da educação
física, “consiste de experiências significativas e individuais, onde pelo seu se-
movimentar o Indivíduo realiza sempre um contato e um confronto com o Mundo
material e social, bem como consigo mesmo” (KUNZ, 1991, p. 165). O movimento,
segundo sua análise, deve ser interpretado como um diálogo entre o homem e o mundo:
O Se-movimentar, entendido como diálogo entre Homem e Mundo,
envolve o Sujeito deste acontecimento, sempre na sua
Intencionalidade. E é através desta intencionalidade que se constitui o
Sentido/significado e Intencionalidade têm assim uma relação muito
estreita na concepção dialógica do Movimento (Ibid, p. 174).
O Movimento Humano assim compreendido não pode ser confundido com a
forma do esporte encontrado nas aulas de Educação Física. É necessária uma
transformação didático-pedagógica do esporte, principalmente por considerar esse
conteúdo de suma importância e que, portanto, deve ser preservado.
O entendimento do esporte deve ser amplo, ou seja, contemplar várias
manifestações do movimento e não somente aquelas ligadas à instituição esportiva.
Embora seja preciso destacar que em seus exemplos de aulas trabalhe especificamente
com as modalidades oficiais. Nas aulas, esse conteúdo deve atender ao desenvolvimento
do aluno nas competências da autonomia, da interação social e objetiva.
Discute e faz críticas à ciência que, a serviço do esporte de alto nível, se
interessa por questões tecnológicas e de rendimento. Nessa especificidade, o homem
não chega a ser substituído pela máquina, mas se torna uma máquina de rendimentos.
Suas críticas se dão a partir das críticas dos teóricos da Escola de Frankfurt sobre a
racionalidade técnica e em relação à indústria cultural.
Ao tomar como princípios a Teoria da Ação Comunicativa elaborada por
Habermas, explica que a partir da ação comunicativa
133
os homens devem chegar ao
esclarecimento
134
, emancipando e adquirindo a maioridade: “Maioridade ou
emancipação devem ser colocadas como tarefa fundamental da Educação, isto implica,
principalmente, num processo de esclarecimento racional e se estabelece num processo
comunicativo” (KUNZ, 1994, p. 31).
133
Lembrando que para Habermas a ão comunicativa é a atividade fundamental que diferencia os
homens dos animais.
134
Para a questão do esclarecimento, Kunz se reporta à discussão feita por Habermas em obra citada,
sobre Kant em Was ist Aufklärung? (O que é Esclarecimento?).
150
Para que isto se desenvolva, é necessário um processo de auto-reflexão:
Uma emancipação seria possível quando os agentes sociais, pelo
esclarecimento, reconhecem a origem e os determinantes da
dominação e da alienação. Os agentes sociais são levados assim, à
auto-reflexão. Pela reflexão, estes podem perceber que sua forma de
consciência é ideologicamente falsa e que a coerção que sofrem é
auto-imposta (Ibid, p. 33).
Ainda a partir da teoria de Habermas, desenvolve suas teses para a
transformação didático-pedagógica do esporte e para a preparação das aulas de
educação física três categorias: a do Trabalho, a da Interação e a da linguagem. À
primeira corresponde a competência objetiva e diz respeito à aprendizagem técnica; a
segunda está relacionada à competência social e significa discutir as relações
socioculturais, apreender os papéis sociais e o agir solidário e cooperativo; à terceira
corresponde a competência comunicativa e possui o papel decisivo para a educação
crítico-emancipatória, no que tange à linguagem verbal e de movimento.
Partindo desses pressupostos, as ‘situações de ensino’ apresentam como
conteúdo os esportes, as danças e as atividades lúdicas. Os dois últimos enfatizando seu
caráter de sensibilidade e libertador da subjetividade humana, da submissão e da
obediência.
O autor não apresenta proposta de seriação dos conteúdos, mas exemplos de
aulas nas quais são trabalhadas as competências consideradas necessárias para atingir os
objetivos supracitados.
Representando o entendimento conservador na área, temos a Abordagem
Desenvolvimentista, incorporada por uma grande parte dos professores. Nessa
abordagem, a discussão parte do princípio de que a Educação Física carece de uma
fundamentação teórica com uma base científica. Fato este que, em consonância com
Tani et.al.(1988), tem criado incertezas junto aos profissionais da área.
Essa fundamentação é buscada nos processos de desenvolvimento e de
aprendizagem motora, em que o profissional para “atender às reais necessidades da
criança necessita ter como ponto de partida a compreensão das mudanças no seu
comportamento motor, com o objetivo de identificar estas necessidades” (TANI, 1987,
p. 20).
O movimento é considerado como tema da Educação Física, sendo que este
possui dois aspectos. Ao mesmo tempo em que o movimento é um comportamento que
pode ser observado, ele é o resultado de um processo interno do indivíduo que ocorre no
151
sistema nervoso. É este último aspecto, e não simplesmente o produto, que analisa e
leva em consideração para a formulação dos objetivos e conteúdos.
Os conteúdos devem ser trabalhados para que se desenvolvam as habilidades
básicas e depois as específicas, em que:
Convém acrescentar que as habilidades básicas são importantes para a
aprendizagem de todas as habilidades específicas ou culturalmente
determinadas, requisitadas no trabalho, na vida social, enfim na vida
das pessoas, e não somente para a aprendizagem das habilidades
desportivas (TANI et al. 1988, p. 89).
Consideram que, ao se trabalhar com as habilidades básicas e específicas,
automaticamente será contemplado o desenvolvimento afetivo-social, no qual estão
envolvidos fenômenos sociais como liderança, conflitos, competição etc. Os fenômenos
sociais restringem-se, aqui, à psicologia individual, descontextualizados, não se levando
em conta sua produção histórica. Ademais, partem de um conceito natural de criança,
eliminando as desigualdades sociais como determinantes nos processos de seu
desenvolvimento.
Com o exposto, podemos perceber que os anos de 1980 e início de 1990 são
marcados, na Educação Física, por uma intensa busca pela ruptura de suas proposições
teóricas e encaminhamentos pedagógicos e até mesmo por uma maior busca de
pressupostos que a legitime como matéria científica na perspectiva de transformar ou de
conservar o existente. Essas perspectivas dizem respeito tanto ao caso particular da
Educação Física quanto a um entendimento mais geral em relação à escola e em alguns
poucos casos chegando-se à totalidade da sociabilidade capitalista. Temos como
hipótese que essa discussão, em um momento muito específico do capitalismo, como
apresentamos brevemente no início deste item, colabora para que algumas perspectivas
avancem e outras sejam tratadas como propostas derrotadas, ou seja, com o processo de
globalização ou mundialização do capital, as perspectivas que apontavam para uma
crítica mais radical da sociedade capitalista perdem espaço para aquelas que
explicitamente defendem essa sociabilidade e para aquelas que se autodenominam de
críticas, porém trabalham na mesma lógica do capital.
5.2 – Revisão Crítica ou Crítica da Crítica
152
Se na década de 1980 a educação física ficou marcada pelas críticas ao
tecnicismo, pela busca de sua identidade e legitimidade, nos anos de 1990, além da
continuidade dessas problemáticas e de novas propostas pedagógicas, inicia-se um
processo conhecido como “crítica da crítica”, cuja tentativa seria a de dar melhor
qualidade às discussões.
Os autores que realizam a chamada “crítica da crítica” procuram analisar o
“movimento crítico” no sentido de repensarem as denúncias, os debates, refletirem
sobre os possíveis avanços, detectarem as falhas. Esses pesquisadores são
representantes de perspectivas distintas, mas também não escapam às contradições do
processo de produção e reprodução do capitalismo. Na verdade, compreender o real não
é uma tarefa fácil, não foi para o “movimento crítico”, e também não foi e não é para
aqueles que fazem sua crítica. É preciso entender que viver um processo dinâmico de
contínua construção social implica um processo de contínua reflexão. Neste sentido, as
questões estão longe de se esgotarem.
Parece importante destacar, dentre as muitas existentes, algumas dessas
críticas
135
. Em síntese, apresentamos dois autores: Oliveira (1994)
136
, que indica como
araiz dos problemas vividos pela área da Educação Física a estrutura social capitalista e,
Caparroz (1997), autor que se intitula um órfão dessa década, pois segundo ele as
críticas eram de ordem macroestrutural e não deram conta das especificidades da
disciplina no interior da escola.
Oliveira (1994) analisa a produção teórica na Educação Física utilizando como
critério as produções de maior veiculação a partir da cada de 1980, tendo a
preocupação de detectar o quanto essa produção está comprometida com o que ele
denomina “Pedagogia do Consenso” ou com o que define como “Pedagogia do
Conflito”.
A Pedagogia do Consenso apoia-se na “neutralidade das práticas corporais”,
assume uma postura conservadora e atua na manutenção da ordem social. A Pedagogia
do Conflito entende a Educação Física como uma prática social vinculada às relações
sociais. Neste sentido, busca compreendê-la a partir das contradições e dos
135
Além das críticas de Oliveira (1994) e Caparroz (1997), surgiram como alternativas tanto para as
tendências apontadas como conservadoras quanto para as tendências apontadas como críticas as
seguintes concepções de Educação Física: a fenomenológica, a sociológica, a cultural, a construtivista e a
concepção de aulas abertas.
136
Este autor, citado anteriormente pela importância que adquiriu com as suas elaborações teóricas nos
anos de 1980, procura, nesse período, superar as discussões iniciais da área, inclusive revendo suas
próprias posições.
153
questionamentos à sociedade capitalista.
O autor adverte que muitos teóricos defendem uma posição conservadora e
chama a atenção para que mesmo com a grande produção dentro da Pedagogia do
Conflito, os autores nem sempre percebem o modo de produção capitalista como
gerador da “injustiça social”, e por isso mesmo, ao buscarem uma transformação,
acabam por adotar uma postura conciliatória.
Propõe a recuperação de valores marxistas que passem pela “elaboração do nível
de consciência dos trabalhadores” e da “alteração da base econômica”, porque
a existência de classes sociais inviabiliza qualquer tentativa de se
viver em uma sociedade justa. As nossas utopias de liberdade e
igualdade não se realizarão sem a necessária socialização dos meios
de produção, condição para a construção do comunismo, única forma
de organizar a sociedade que poderá viabilizar a realização plena do
ser humano (OLIVEIRA,1994, p. 185 - 6).
E conclui:
As novas formas de dar aula estão vinculadas a um novo conteúdo que
emergirá do processo de construção de uma nova moral, de uma nova
cultura e de um novo humanismo. Essa é uma questão pedagógica,
pois trata, antes de mais nada, de luta por hegemonia. Esta dependerá
da produção de um outro consenso, bem diverso daquele que aponta
para o fim da História. Esse novo consenso será sempre provisório,
pois resulta da identificação e da superação de uma sucessão de
conflitos (Ibid, p. 187).
Com outro foco de discussão, Caparroz (1997), ao analisar também a produção
teórica da área na década de 1980, apresenta como preocupação central a questão da
Educação Física enquanto componente curricular, mais especificamente procura
entender como essa questão foi analisada, e embora perceba fortes diferenças de
posicionamento na produção teórica, traça algumas conclusões mais gerais.
Tais conclusões resultam em críticas aos autores que, ao tentar explicar a
marginalidade da disciplina Educação Física no currículo escolar, incorrem no equívoco
determinista de estabelecer explicações mecânicas entre as estruturas sócioeconômicas e
a referida disciplina. É por isso que reclama da carência de discussões centradas a partir
das relações peculiares estabelecidas no interior da escola. Ou seja:
Observa-se que uma interlocução entre Educação Física e
Educação, mas não no sentido de penetrar nas peculiaridades da
própria área, de estabelecer os traços principais do currículo, com o
objetivo de levantar-se o tratamento que deve ser dado e quais
aspectos devem estar presentes para que se possa caracterizar a
154
Educação Física, no sentido de buscar concepções que conformariam
as práticas pedagógicas. Tem-se a impressão de que a Educação Física
não consegue olhar para o seu interior e visualizar as questões da
prática pedagógica, do componente curricular, da didática (Ibid, p. 15
- 6).
As saídas apresentadas, na acepção deste autor, na tentativa de dar à Educação
Física o mesmo status das outras disciplinas, acabam por dar-lhe características
genéricas, deixando de apreender e discutir sua especificidade. Alguns, tentando atribuir
a ela um caráter educativo, incorporam um “discurso sóciopolítico” sem analisar, no
entanto, o que a caracteriza enquanto componente curricular. Neste sentido, a análise
torna-se idealista,
pois perspectiva aliar a Educação Física escolar às condições sociais e
históricas, sem entretanto se aprofundar sobre o que caracteriza esta
área no currículo, ou seja, as considerações sobre Educação Física se
dão de forma descolada da sua prática como componente curricular
(Ibid, p. 159).
Mostra também que um grupo tenta estabelecer a especificidade da Educação
Física colocando como seu objeto “o movimento humano, sendo que este não pode ser
entendido de forma abstrata, tornando-se necessário compreendê-lo em seu caráter
sócio-histórico-cultural” (Ibid, p. 168). O mesmo grupo apresenta como conteúdo os
elementos que fazem parte da “cultura corporal”. Nesse caso, concorda com os autores,
mas entende como problema estes desconsiderarem que a Educação Física, na verdade,
sempre trabalhou com elementos da cultura corporal.
Enfim, o autor parece identificar-se especialmente com o Coletivo de Autores e
com Bracht, haja vista que estes respondem mais as suas expectativas, e observa que
“essa produção se circunscreve num determinado limite, quando não consegue
ultrapassar o nível genérico, e isso não pode ser entendido como insuficiência de seus
autores, mas como decorrência da própria trajetória dos estudos referentes à Educação
Física escolar” (CAPARROZ, 1997, p. 169). Essas críticas se desenvolveram no
contexto de avanço das políticas neoliberais e o setor mais conservador, aquele que
trabalha a perspectiva da Educação Física tecnicista e desenvolvimentista se fortaleceu,
pois o esporte de rendimento continuava predominante. E, em princípio, no tocante à
permanência da Educação Física na escola, nem esse grupo conservador havia
conseguido justificá-la.
155
5. 3 – Educação Física e Estado: o ordenamento legal da educação física na escola
Neste item, faço um esboço da implementação da Lei de Diretrizes de Bases da
Educação Nacional de 1996 no que se refere à Educação Física. Momento em que se
mostra com maior força a fragilidade da manutenção da educação física como prática
pedagógica no ambiente escolar.
Antes, considero importante esclarecer o caráter de classe do Estado Moderno
expresso também na questão da conformação dos Sistemas Nacionais de Educação aos
interesses funcionais de manutenção e desenvolvimento da sociedade capitalista. Esse
caráter classista do Estado foi expresso desde a Revolução Francesa
137
através de suas
proposições mais avançadas, a saber: a edificação da democracia e da cidadania.
Marx, embora nunca tenha conseguido realizar o seu projeto de empreender um
estudo centrado e sistematizado sobre o significado histórico do Estado, em seus
estudos apreende que o Estado foi e pode ser um órgão de dominação de classe, cujo
fim último é sempre legitimar a exploração econômica de uma classe pela outra
138
. O
pensador alemão nunca nutriu ilusões quanto ao significado sócio-histórico do Estado
Moderno, principalmente naquilo que tange ao seu papel de suporte imprescindível à
constituição e desenvolvimento da ordem social do capital, tal como está exposto na
passagem referente à “acumulação primitiva do capital”, ao comentar métodos
coercitivos da exploração colonial e da luta contra a ordem feudal:
Esses métodos baseiam-se, em parte, sobre a mais brutal violência,
por exemplo, o sistema colonial. Todos, porém, utilizam o poder do
Estado, a violência concentrada e organizada da sociedade, para ativar
artificialmente o processo de transformação do modo feudal de
produção em capitalista e para abreviar a transição. (1988, t. 2, p.
276).
É importante frisar, também, que Marx nunca limitou a sua compreensão do
papel do Estado Burguês a um mero instrumento direto de coerção da burguesia contra
os trabalhadores. Ao contrário, ele foi capaz de compreender que essa dominação pode
assumir formas que realmente correspondam, na aparência, à ideia de um ‘Estado
137
Isso aparece em sua plenitude na Constituição Republicana de 1793, quando foi proclamada a
Déclaration dês droits de homme et du citoyen(Declaração dos direitos do homem e do cidadão)
(MARX, 1991).
138
Sobre essas questões, é interessante o livro de Celso Frederico O Jovem Marx. As origens da ontologia
do der social.
156
mediador’ colocado acima dos interesses de classe. O “Estado democrático de direito”
em sua plenitude é a forma mais plena (mas não a única) de conformação política da
exploração do trabalho assalariado pelo capital e, por consequência, da legitimação
política da propriedade privada dos meios e instrumentos de produção com vistas à
produção e reprodução do capital.
É no e pelo controle dos meios e instrumentos de produção que se o poder
social, cuja representação política pode ser expressa nos parlamentos, no poder
judiciário ou nos palácios de governos. O poder político que surgiu com as sociedades
de classes nunca existiu de forma autônoma; ele deriva das condições sob as quais são
apropriados os referidos meios e instrumentos. Esse fundamento essencial surgido com
a escravidão antiga e reiterado com o feudalismo não pode ser rompido no interior dos
próprios limites da sociedade capitalista, porque esta possui como objetivo central
produzir e valorizar o capital.
A supressão do Estado pode se dar com a supressão da propriedade privada, ou
seja, com a construção de uma sociedade em que não haja a exploração do homem pelo
homem. Marx, de maneira enfática, explica que o objetivo das revoluções socialistas
não é eternizar o proletariado no poder político e econômico, mas sim a dissolução desta
e das demais classes que compõem a sociedade burguesa com vistas à edificação de
uma sociedade sem classes em âmbito mundial fundada no “livre trabalho associado”.
No Manifesto do Partido Comunista, escrito conjuntamente com Engels, em 1848,
propalam que:
Se o proletariado na luta contra a burguesia necessariamente se unifica
em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe
dominante suprime pela força as velhas relações de produção, então
suprime juntamente com estas relações de produção as condições de
existência do antagonismo de classes, as classes em geral, e, com isto,
o seu próprio domínio de classe (MARX; ENGELS, 198-?, p. 54,
grifos meus).
Vale ainda lembrar que o jovem Marx, em 1843, em seu livro A Questão
Judaica, apresentou sua tese sobre a subordinação da emancipação política ainda
identificada com o “reino da propriedade privada e do dinheiro
139
”. Seus termos são os
seguintes:
[...] A emancipação política da religião não é a emancipação da
religião de modo radical e isento de contradições, porque a
139
Posteriormente, Marx identificará essas limitações como subordinadas ao “reino do capital e suas
relações de propriedade correspondentes”.
157
emancipação política não é o modo radical e isento de contradições da
emancipação humana (...)
Não há dúvida que a emancipação política representa um grande
progresso. Embora não seja a última etapa da emancipação humana
em geral, ela se caracteriza como a derradeira etapa da emancipação
humana dentro do contexto atual. É óbvio que nos referimos à
emancipação real, à emancipação prática (1991, p. 23-28, grifos do
autor).
Marx havia compreendido que o cidadão moderno é, por excelência, a expressão
jurídica e política mais plena dos indivíduos na sociedade burguesa e, por conseguinte, a
personalização de uma sociedade fundada na propriedade privada dos meios e
instrumentos de produção. Em termos sistêmicos, isso não está em contradição com a
existência dos não proprietários privados dos referidos meios, pois na condição de
cidadãos livres e iguais, não havendo ninguém subordinado a outro por laços de
servidão ou escravidão, todos estão dotados da liberdade política e econômica para
tornarem-se proprietários. Entretanto, o jovem Marx, mesmo sem contar naquele
momento com o instrumental da crítica à economia política burguesa e, portanto, da
relação social do capital, mas com um senso da realidade concretamente posto, foi
capaz de compreender que a essência social dualista e irreconciliável que contrapõe o
“homem” ao “cidadão” não se constitui em anomalia para o funcionamento da
sociedade burguesa. Ao contrário, ela é expressão política e jurídica dessa forma social,
cuja igualdade formal busca conformar a desigualdade social real que se constitui no
seu fundamento.
Como as críticas de Marx não conseguiram ganhar substancialidade
revolucionária que o autor objetivava, o “reino do capital e da propriedade privada”
permaneceu vigente, as referidas proposições sociais pertinentes a essa ordem social são
sempre retomadas. É isso que acontece na atualidade, por exemplo, com as propostas de
Educação. A constatação disso pode ser identificada em todos os principais documentos
que norteiam as práticas educacionais em todo o mundo
140
.
Isto se reflete no processo de construção da Lei de Diretrizes e Bases de 1996
em relação à disciplina Educação Física. Mesmo com os autores do “movimento
crítico” tentando dar à Educação Física um status de disciplina pedagógica e não mais
140
Os documentos dizem respeito às Conferências Internacionais de Educação cujo conteúdo, vêm
parametrando as práticas da educação formal nas últimas décadas no Brasil. Por exemplo, o Plano
Decenal de Educação (1993-2003), os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996, são totalmente
articulados à “Declaração Mundial sobre a Educação Para Todos Satisfação das Necessidades Básicas”
realizada no ano de 1990, em Jomtien (Tailândia) sob a coordenação da ONU.
158
de atividade exclusivamente física, esta não aparece como importante na construção da
LDBEN. Aparentemente, primeiro por seu entendimento estar atrelado aos papéis que
ela assumira até o final da ditadura militar e, depois, durante o processo de votações na
Câmara e no Senado, parece não ter sido imprescindível aos novos interesses que se
colocavam em proeminência no Brasil.
Nas primeiras discussões realizadas pela comunidade educacional, que
resultaram na publicação de um artigo na Revista ANDES, em 1987, sob o nome de “Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, redigido por Dermeval Saviani, não são
mencionadas questões relativas à Educação Física.
No projeto apresentado à Câmara dos Deputados em 1988 pelo Deputado Otávio
Elísio, de Minas Gerais, também não menção à Educação Física. Apenas no Artigo
27, que trata da educação anterior ao 1.º grau, referência ao objetivo de desenvolver
nas crianças os aspectos físico, emocional e intelectual.
No projeto Substitutivo relatado pelo Deputado Jorge Hage do PSDB da Bahia,
que teve início em junho de 1988 e obteve aprovação final em maio de 1993, a
Educação Física é proposta apenas como componente curricular na educação básica,
além de uma menção no Artigo 43, que versa sobre a educação infantil, em relação à
‘proporcionar condições para o desenvolvimento físico’. A ênfase maior é dada ao
desporto, ignorando, de certa forma, as discussões da área da Educação Física.
Embora não contemple as questões levantadas pela área (o motivo ainda há de se
buscar, pois o CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte participara das
discussões), o Substitutivo foi resultado de ampla discussão na comunidade da educação
que, segundo Saviani (1997, p. 57),
manteve-se mobilizada principalmente através do Fórum em Defesa
da Escola Pública na LDB que reunia aproximadamente 30 entidades
de âmbito nacional: ANDE, ANDES-SN, ANPAE, ANPEd, CBCE,
CEDES, CGT, CNTE, CNTEEC, CONAM, CONARCFE (depois
ANFOPE), CONSED, CONTAG, CRUB, CUT, FASUBRA,
FBAPEF, FENAJ, FENASE, FENOE (as duas últimas, depois se
integram à CNTE), OAB, SBF, SBPC, UBES, UNDIME e UNE, além
das seguintes entidades convidadas: CNBB, INEP e AEC.
E ainda:
no primeiro semestre de 1989 foram ouvidas em audiências
públicas cerca de 40 entidades e instituições. E no segundo semestre
do mesmo ano foram promovidos seminários temáticos com
especialistas convidados para discutir os pontos polêmicos do
substitutivo que o relator vinha construindo (Ibid, p. 58).
159
Na LDBEN sancionada em 1996, que teve como base o Projeto do Senador
Darcy Ribeiro do PDT do Rio de Janeiro, a educação física é apresentada como
componente curricular no Ensino Fundamental e Médio, e facultativa no ensino
noturno. Esta inclusão se deu a partir de uma pressão do movimento realizado em prol
da Educação Física e que tinha como suporte, docentes e o movimento estudantil da
Educação Física:
Pressões do movimento estudantil e docente da educação física, trouxe
o retorno ao texto original, na forma da nova LDB 9.394/96, onde
“A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é
componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas
etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa no
ensino noturno” (Brasil, 1996). Desta feita, o movimento organizado
da educação física conseguiu defender-se, momentaneamente, de sua
exclusão no campo da educação formal (NOZAKI, 1999, p. 08).
Mas a obrigatoriedade parcial não garantiu a sua legitimidade. Após a
promulgação da lei, configurou-se uma situação que se estabelecera desde a década
de 1980, qual seja, o esgotamento da finalidade da Educação Física no ambiente
escolar:
[...] esgotamento de uma Educação Física que, tendo balizado sua
prática pedagógica pelo parâmetro da aptidão física, vinculado-a a
caracteres inerentes à - que entendia ser sua - função higiênica e
eugênica, acoplada à idéia do rendimento físico-esportivo, que abriu o
precedente para o pensar de novos papéis sociais para ela, em uma
sociedade que se desejava justa e democrática (CASTELLANI
FILHO, 1993, p. 121).
Essa situação da Educação Física se torna conflitante com os desdobramentos da
lei, pois a interpretação desta se apresenta dúbia, e em muitas escolas, em vários
Estados, essa disciplina tem sua carga horária reduzida ou até mesmo fica sem espaço
em cursos de Ensino Médio e ensino noturno, não fazendo mais parte do currículo
desses cursos.
Outra questão aparece com a organização e posterior divulgação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, nos quais se ignorou a parte mais crítica do referencial teórico
produzido a partir da década de 1980. Mais ainda, em conformidade com Taffarel,
os PCNs colocam-se na perspectiva de referências ideológicas
idealistas que, se valendo dos mecanismos da inversão, do
silenciamento e da manipulação do imaginário popular, asseguram os
interesses do grande capital internacional que se articula através dos
seus agentes financiadores - BANCO MUNDIAL - orientando
políticas educacionais (1997, p. 36).
160
A exclusão da Educação Física não acontece de forma aleatória. Alguns
denunciam que esse processo pode estar ligado à necessidade de “deixar espaço” na
grade curricular para outras disciplinas que contribuam para a formação de força de
trabalho qualificada ou semiqualificada, pronta para competir no mercado de trabalho,
levando em conta o perfil do “novo” trabalhador. É neste sentido que Bruno esclarece:
Atualmente, a etapa que estamos começando a atravessar caracteriza-
se exatamente pela predominância dos componentes intelectuais da
força de trabalho, especialmente daquela em processo de formação.
Trata-se hoje, pelo menos nos setores mais dinâmicos da economia
mundial, de explorar não mais as mãos do trabalhador, mas seu
cérebro (1996, p. 92).
Outros pesquisadores trabalham com outras causas para a exclusão, procuram
respostas no despreparo dos professores em acompanhar as novas estratégias
metodológicas e atribuem à competência profissional a saída para a legitimação da
Educação Física. Como exemplo, temos as afirmações de Oliveira
(1997, p. 22)
:
Infelizmente a Educação Física é entendida como atividade dentro do
processo educacional, é resolvida como uma prática sem interesse
para a formação integral dos educandos e assim por diante. Uma prova
bastante evidente deste fato foi a última medida adotada pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo que retirou a
Educação Física das séries iniciais, através de regulamentação
estadual (1995). Isso é prova, mais do
que evidente, de que o trabalho
que temos pela frente é muito grande e necessita de muita força de
vontade, de persistência e, acima de tudo, de competência
profissional. E é contando com a competência profissional que
podemos vir a legitimar a Educação Física dentro do sistema
educacional.
Não pretendo desconsiderar a importância da competência do professor, fator
essencial nesse processo ou em qualquer outra circunstância em que se pretenda uma
sociedade mais humanizada. Mas a real questão está em entender que a redução de
carga horária e até mesmo a redução de salas de aulas, como “se esqueceu” de
mencionar o autor citado acima
141
, fazem parte das repercussões no sistema educacional
da política econômica posta em curso na atualidade, fundada na redução de gastos com
setores sociais.
141
Um exemplo pontual que caracteriza a precarização das condições de ensino pode ser encontrado no
fato de que “Quarenta e uma mil classes foram fechadas pela Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo nos últimos seis anos (...) até 1995, a rede estadual possuía 148.572 turmas em 625 cidades. Em
2000, as turmas diminuíram para 107.309. O número das escolas na rede caiu de 6.800 para 6.392, entre
1995 e 2000, conforme a Apeoesp.” (NASCIMENTO, 2001, p. 51).
161
Quando mais se falou em “inclusão escolar” como forma de corrigir as
distorções sociais a fim de promover a cidadania, mais os Estados, através das suas
políticas econômicas, cortaram investimentos em educação. Neste sentido, o caso
brasileiro é exemplar, visto que a demanda por educação pública aumentou no país na
década de 1990, enquanto os investimentos nesse setor foram drasticamente reduzidos.
Isso pode ser constatado através das assertivas que se seguem:
Estudos efetuados por Carlos Eduardo Baldijão, professor da
Universidade de São Paulo, sobre Orçamento Geral da União mostram
uma contínua evolução negativa, no primeiro governo FHC, dos
valores autorizados para a Educação e Cultura (em bilhões de reais:
1995: 14.010.293.873; 1996: 12.252.383.350; 1997: 12.220.174.739;
1998: 11.269.810.530). (...) Contudo, estes números não são
inteiramente fiéis, uma vez que apontam somente os recursos
autorizados, que não correspondem ao que foi efetivamente aplicado;
a aplicação, em geral, tem sido menor que a dotação (assim, em 1995,
aplicou-se somente 82,23%; em 1996, 86,18% e em 1997, até finais
de outubro, 55,33%). Enquanto cresciam as demandas, o governo
FHC sistematicamente cortava recursos, e isto em todos os programas
da área da educação conforme o comprovam os mesmos estudos de
Baldijão (considerando apenas os recursos autorizados): no programa
“Educação de crianças de 0 a 6 anos”, o corte, entre 1995 e 1998, foi
17,74%; no programa de “Ensino Fundamental”, no mesmo período, o
corte foi 15,28%; no Programa de Ensino Médio”, ao longo do
primeiro governo FHC, o corte foi de 31,51%; no programa “Ensino
Superior” o corte, entre 1995 e 1998, chegou a 28,7% (aqui, os dois
subprogramas, “Ensino de graduação” e “Ensino de pós-graduação”,
também foram objeto de cortes). Noutro campo fundamental, o da
Ciência e Tecnologia, a tesoura de FHC tamm funcionou com
sofreguidão: no conjunto, esta área perdeu, entre 1995 e 1998, 56%.
No programa “Ensino Supletivo”, o corte, no primeiro governo FHC,
foi da ordem de 82,17% (NETTO, 1999, p. 82).
142
Nessas circunstâncias, ainda a ressaltar uma outra questão: temos no
cotidiano da escola e nas discussões teóricas as lutas internas entre as várias concepções
de Educação Física aqui apresentadas, e que tentam justificá-la a partir das mais
variadas perspectivas. Cada uma dessas concepções parte de pressupostos teóricos que,
em sua maioria, não extrapolam os limites da própria área, tratando-a de uma maneira
idealizada.
Os grupos conservadores, além de apostarem na competência profissional,
tentam justificar a educação física na escola através de sua importância para o
desenvolvimento motor, para a saúde e para a formação de talentos esportivos.
142
Sabemos que essa tendência de cortes se acentuou durante o segundo governo de FHC (1999 – 2002) e
no primeiro governo de Lula (2003-). Os dados pormenorizados desses cortes deverão ser apresentados
no texto final desta pesquisa.
162
Este último, em especial, tem ganhado força em função dos resultados aquém do
esperado do esporte brasileiro na olimpíada realizada em Sidney no ano 2000 e foi
reforçado com os resultados em Atenas no ano de 2004. O fracasso olímpico é creditado
às aulas de educação física que, portanto, devem ser confirmadas como obrigatórias,
tendo como conteúdo o esporte de rendimento para ajudar o Brasil a ganhar medalhas
nas competições oficiais. Essa defesa está a pleno vapor, tendo a sua frente o Ministério
do Esporte e Turismo e o Ministério da Educação.
De acordo com Bracht (2003, p. 92),
O poder público, mostrando-se sensível aos “anseios populares”,
sente-se ainda responsável por ações políticas ligadas ao setor
esportivo. Esse foi um motivo assaz útil para que dois segmentos de
nossa sociedade se manifestassem e pleiteassem alguma
responsabilidade nesse processo: trata-se dos interesses do sistema
esportivo e dos interesses corporativos da educação física, estes
últimos representados pelo Conselho Federal de Educação Física
(Confef). Os resultados foram, por um lado, a criação do Programa
Esporte na Escola e, por outro, o processo de revisão da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), fruto, talvez, do
próprio Programa.
Essas intervenções, principalmente as relacionadas ao CONFEF
143
, resultaram
na alteração da LDBEN/1996, confirmando a educação física como componente
curricular obrigatório
144
.
Isto causa certa tranquilidade, pois garante a permanência da Educação Física na
escola no âmbito da Educação Básica e, com ela, o emprego de muitos professores; mas
provoca também muito desconforto, em parte pelo crescimento do CONFEF, que
interfere cada vez mais, inclusive nas Diretrizes Curriculares para os cursos de
graduação. Esse desconforto se porque a obrigatoriedade posta nesses termos, além
de retomar as condições muito próximas das colocadas a essa disciplina nos tempos da
143
O CONFEF (Conselho Nacional de Educação Física) foi criado com a Lei 9.696/98, estabelecendo
com ele a criação de conselhos regionais denominados CREF. O Conselho nacional teve como bandeira
para a sua criação a eliminação dos chamados leigos que atuavam no setor informal da educação física
(clubes, associações, academias etc.). Esse conselho tem sido combatido desde as primeiras discussões
referentes a sua criação. As denúncias são feitas em relação ao seu caráter corporativista e a sua ligação
com setores patronais o que em nada contribui para a defesa do trabalhador da área. Aliás os problemas e
conflitos têm aumentado. Na impossibilidade do CONFEF definir qual o seu campo de atuação, visto
que esbarra em outras profissões que também trabalham com o corpo e o movimento humano,
acrescentou em seus “programas” de trabalho a intervenção na escola, o que tem criado ainda mais
problemas para o próprio conselho e para os professores. Atua contra o CONFEF o Movimento Nacional
Contra a Regulamentação (MNCR). Discussões sobre este tema podemos encontrar em Castellani Filho
(1998), Gonçalves de Carvalho e Taffarel (1997), Nozaki (1999), Nozaki (2004), entre outros.
144
Segundo Bracht (2003, p. 94), a revisão da LDBEN resultou na promulgação da lei n. 10.328, de 12
de dezembro de 2001, retificando a LDBEN/1996, mais precisamente seu artigo 26, mediante a inclusão
da palavra obrigatório à frente da expressão curricular.”
163
ditadura militar
145
, reforça a ideia de que os fracassos estão relacionados à falta de
competência dos professores.
Obrigatoriedade não garante a legitimidade tão pretendida, e esta continua a ser
a grande busca dos teóricos e professores atuantes nas escolas, mesmo que isto nem
sempre apareça explicitamente. Existe a procura, como veremos a seguir, por
referenciais teórico-metodológicos, por uma nova concepção de corpo, por novas
formas de ensinar que proporcionem à disciplina Educação Física e aos seus professores
o mesmo status das outras disciplinas.
145
As propagandas divulgadas pelo Ministério do Esporte em muito lembram aquelas do período da
ditadura. Além disso, retoma a ideia de que a escola tem a função de formar atletas, pois o esporte seria
uma das formas de mostrar a grandeza do país.
Capítulo 6 ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA
LEGITIMAR A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: MUDAR PARA QUE
TUDO PERMANEÇA COMO ESTÁ?
Neste capítulo, apresento um mapeamento com posicionamento dos trabalhos de
professores e estudantes de Educação Física que atuam em diversos níveis de ensino e
também são professores. Esses professores e estudantes procuram contribuir para a
construção de uma teoria para a Educação Física, no sentido de fundamentar e legitimar
esta área ou como ciência ou como prática pedagógica.
Em síntese, nos trabalhos que analiso é possível verificar que eles estão em
consonância com a discussão apresentada no capítulo 1 desta pesquisa, ou seja, no
período que corresponde ao final da década de 1990 e início da década de 2000 as
grandes preocupações que ocuparam a área giram em torno da “construção/ procura de
novas abordagens geralmente relacionada às vertentes pós-modernas e a construção
de uma prática pedagógica que também possui como referência teórica essas mesmas
abordagens.
Os trabalhos analisados correspondem aos anos de 1999, 2001 e 2003 e foram
apresentados no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte CONBRACE, nos anos
de 1999, 2001 e 2003.
Esse evento é bienal e organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte, maior entidade científica da educação física e possui atualmente 12 GTTs
(Grupos de Trabalhos Temáticos) intitulados: atividade física e saúde; comunicação e
mídia; corpo e cultura; epistemologia; escola; formação de professores e mundo do
trabalho; memórias da Educação Física e esportes; movimentos sociais; pessoas
portadoras de necessidades especiais; políticas públicas; recreação e lazer;
treinamento esportivo. Embora esses GTTs sejam permanentes, podem ocorrer
modificações a cada CONBRACE, de acordo com a avaliação dos associados.
146
Nos eventos, além de apresentação de artigos nos GTTs, também se oferecem
cursos e são organizadas mesas que discutem questões relacionadas à temática geral do
evento. Desta forma, o CONBRACE de 1999 (XI Congresso Brasileiro de Ciências do
Esporte), realizado na cidade de Florianópolis, teve como tema geral do evento
146
Os Grupos de Trabalhos Temáticos começaram a fazer parte da estrutura do CBCE a partir de 1997 e
desde essa data sofreram pequenas modificações de acordo com as decisões dos cios após a realização
das avaliações do evento.
165
Educação Física/Ciências do Esporte: Intervenção e Conhecimento; o CONBRACE de
2001 (XII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte) foi realizado em Caxambu com
a temática Sociedade, Ciência e Ética: Desafios para a Educação Física/Ciências do
Esporte e, o CONBRACE de 2003 (XIII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte)
foi realizado também em Caxambu, tendo como tema 25 Anos de História: O Percurso
do CBCE na Educação Física Brasileira.
Dentre os GTTs, foram escolhidos para análise, considerando a proximidade
com o objetivo da pesquisa, dois grupos: epistemologia e escola
147
. Nos GTTs de
Epistemologia e Escola foram analisados um total de 130 artigos, vindos de todas a
regiões do Brasil.
Os artigos são resultado de trabalhos de mestrado, doutorado, graduação (PIBIC
e TCC), projetos de professores universitários, projetos entre universidades públicas e
governos municipais e estaduais. Muitos apresentam experiências de ensino ou estudos
de caso em Ensino Fundamental e Médio, revelando também a posição dos seus
professores e alunos em relação à Educação Física.
Na análise dos artigos, busquei informações sobre como os autores têm
procurado justificar a Educação Física na escola, quais as referências teórico-
metodológicas apresentadas, quais as concepções de Educação Física presentes nas suas
abordagens, bem como sua compreensão sobre a dicotomia corpo e mente, teoria e
prática, indivíduo e sociedade.
Enfim, o caminho escolhido tem se mostrado muito revelador e tem aberto
várias possibilidades. Entendo que as discussões apresentadas, ainda que sobre os
aspectos gerais dos artigos, poderão colaborar na compreensão dos rumos tomados
pelos professores e pesquisadores da área.
6.1 – O GTT – Epistemologia/1999/2001/2003
147
O GTT epistemologia tem como objetivo: “Estudos dos pressupostos teórico-filosóficos, presentes
nos diferentes projetos de delimitação da Educação Física, como possível campo acadêmico/científico.
Estudos sobre os fundamentos teóricos balizadores dos distintos discursos da Educação Física, na
condição de área de conhecimento, voltados para o fomentar da atividade epistemológica como
interrogação dos saberes construídos” (www.cbce.org.br). O GTT– escola tem como proposta o: “Estudo
sobre a inserção da disciplina curricular, Educação Física, no âmbito da Educação Escolar, ao seu
ordenamento legal e distintas perspectivas metodológicas animadoras das suas práticas pedagógicas”
(Idem).
166
Do GTT – epistemologia/1999, optei por dividir os artigos em temas, a partir das
indicações dos autores, no sentido de facilitar a exposição. Além disso, procuro mostrar
quais são as perspectivas teóricas e concepções de Educação Física predominantes. Os
temas encontrados foram “conteúdo específico”, “concepção de corpo”, “construção do
campo acadêmico” e a busca de “novas abordagens” para a construção desse campo.
Foram apresentados três trabalhos sobre conteúdos da Educação Física, um
sobre a ginástica e dois sobre o esporte. O artigo sobre a ginástica foi escrito por
Martins (1999)
148
, da Universidade Federal de Paraíba, que procurou mostrar como ela
recebe a influência estética do movimento Expressionista ocorrido na dança no início do
século XX. Apresenta, também, como essa influência se estendeu à ginástica enquanto
desporto. Suas referências principais são Diem, Legrand & Legaillerie e Baril
149
.
No primeiro artigo sobre esporte, Freitas Júnior (1999) discute a dinâmica da
transformação de uma atividade informal, prazerosa e espontânea, para uma instituição
com regras, normas e que se tornou “altamente comercializável”. Discute, também, o
caso específico da administração do futebol brasileiro. A pesquisa foi realizada no
Centro Universitário Positivo/PR e as suas principais referências são Bourdieu e
Proni
150
.
O segundo artigo refrente o esporte foi elaborado por Vaz (1999), docente da
Universidade Federal de Santa Catarina, que possui como referência autores da Escola
de Frankfurt e procura mostrar o “caráter de crueldade” com o corpo e o irracionalismo
presentes nos espetáculos esportivos. Trata a violência como inerente ao esporte e
compara as academias de ginástica com a pornografia. As referências utilizadas foram
Adorno e Horkheimer
151
.
Sobre a temática “concepções de corpo”, também foram apresentados três
artigos, sendo um resultado de dissertação de mestrado e os outros dois de tese de
148
As referências completas dos artigos analisados neste capítulo encontram-se nos anexos.
149
Os autores citados no texto e que são referências nos artigos analisados terão sua referência
bibliográfica somente em notas de rodapé, não contando das referências bibliográficas da tese. Quando
houver mais de uma obra citada, apresentarei apenas a primeira. Assim: DIEM, C. História de los
deportes. Barcelona: Luís de Caralt Editor, 1966.
LEGRAND, F. & LEGAILLERIE, J. L’Éducacion physique au XIX et XX siécle en france et a
l’étranger. Paris: Librarie Armand, 1974. (Colletion Bourellie).
BARIL, J. La danza moderna. Barcelona: Ediciones Paidós, 1985.
150
BOURDIEU, P. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
PRONI, M. W. Esporte espetáculo x futebol empresa. Tese (Doutorado). Campinas. Faculdade de
Educação Física, 1998.
151
ADORNO, T. Erziehung zur entbarbarbarisierung. In: Erziehung zur mündigkeit. Vorträge und
Gespräche mit Helmt Becker. Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1978.
HORKHEIMER, M. The end of reason. Studies in philosophy and social science. New York City:
Institut of Social Research, 1941.
167
doutorado. As três pesquisas apontam como referência teórico-metodológica a
Fenomenologia. No primeiro, Almeida (1999) faz uma crítica à análise marxista sobre a
dualidade corpo e mente, apontando que é necessário reavaliar essa discussão. Segundo
o autor, a dualidade é tratada como um legado dos gregos, especificamente de Platão,
mas deve ser compreendida como um legado da “ciência positivizada” identificada com
o Renascimento e o Iluminismo. Suas principais referências são Schochodlski, Soares,
Heidegger e Merleau-Ponty
152
.
Os outros dois artigos objetivam a construção de uma teoria acerca da
corporeidade a partir da obra de Merleau-Ponty
153
. Nóbrega e Moreira (1999) utilizam
também como referência Nietzsche, Morin, Maffesoli
154
entre outros; Silva (1999),
além de Marleau-Ponty, embasa seu pensamento em Guatarri e Assmann
155
.
Nos artigos que discutem a formação do campo acadêmico, existe uma
preocupação com a legitimidade da Educação Física, problematizando se é ou não
necessário que ela seja uma ciência para se tornar legítima. As preocupações se dão no
sentido de contribuir para o debate sobre a crise de identidade, procurando entender qual
o seu objeto de estudos, qual teoria do conhecimento que melhor daria suporte à
Educação Física.
dois artigos nos quais os autores estão preocupados com a definição do
objeto da Educação Física. Marchi Júnior e Pilatti (1999) tecem críticas ao modelo
clássico de ciência, propõem uma abordagem holística e indicam o “corpo humano” e
suas práticas, ou seja, a dança, o esporte, os jogos e outros como objeto de estudo da
Educação Física. Fundamentados em autores da Fenomenologia, propõem, então, uma
construção interdisciplinar em que atuem tanto as ciências bio-médicas quanto as
histórico-sociais. Suas principais referências são Capra, Alves, Gebara e Manuel Sergio
Vieira e Cunha
156
.
152
SUCHODOLSKI, B. A pedagogia e grandes correntes filosóficas. 3. ed. Lisboa: Horizonte, 1984.
SOARES, C. L. Imagens da educação do corpo: um estudo a partir da ginástica francesa no século XIX.
Anais do X Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte. Goiânia, 1997.
Os outros autores citados não constam das referências do artigo.
153
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
154
NIETZSCHE, F. A origem da tragédia. São Paulo: Morais, 19[?].
MORIN, E. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1986.
MAFFESOLI, M. Elogio da razão sensível. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.
155
GUATARRI, F. Pulsões políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense, 1989.
ASSMANN, H. Paradigmas educacionais e corporeidade. 3. ed. Piracicaba: Unimep, 1995.
156
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: [s.n.], 1990.
ALVES, R. A filosofia da ciência. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
GEBARA, A. A pesquisa em história e em sociologia da educação física e esporte. Simpósio Paulista de
Educação Física. Anais. Rio Claro/SP: Unesp, 1989.
168
Em outro artigo, Loi e Barros (1999) demonstram preocupação com a adequação
do termo “Educação Física”, pois esse reforçaria a dualidade corpo e mente. Concluem,
depois de várias argumentações, que esse termo ainda é o mais adequado para expressar
o que é realizado pela área. Como referência citam Bracht, Nahas
157
entre outros.
Há três pesquisas nos quais os autores procuram avaliar determinadas teorias que
estão presentes na Educação Física. São elas a Ciência da Motricidade Humana, a
Teoria de Herbert Marcuse e as Ciências bio-médicas. Em relação à primeira, Santos e
Bracht (1999) discutem a evolução interna dessa teoria procurando compreender se esta
é necessária e possível. Os autores concluem que é impossível pensar um campo de
conhecimento único na Educação Física, porque seu objeto pode ser visto de diferentes
maneiras, dependendo da “condição epistemológica” e das disciplinas que possuem esse
objeto. Suas principais referências são Bracht e Japiassu
158
.
Em relação ao segundo artigo, Pina (1999) analisa a Teoria de Herbert Marcuse
que é pensada como uma possibilidade de aprofundamento sobre o campo da Educação
Física, pois esta permite compreender essa disciplina como um campo que pode tender
tanto para a libertação quanto para a restrição e controle dos homens. Apresenta como
referências Foucault, Freud, Marcuse, Eagleton e Arendt
159
, entre outros.
No último artigo, Silva (1999) faz críticas à construção do conhecimento nas
ciências biomédicas, realizando também uma crítica à racionalidade científica
encontrada nessas ciências. Suas principais referências são Heidegger, Horkheimer,
Adorno, Bordo, Illich
160
, entre outros.
VIEIRA e CUNHA, M. S. Para uma epistemologia da motricidade humana. Lisboa: Compendium,
1987.
157
BRACHT, V. Educação Física: a busca da autonomia pedagógica. Revista da Educação Física/UEM,
v. 1, n. 0, p. 28-33, 1989.
NAHAS, M. V.; BEM, M. F. L. de. Perspectivas e tendências da relação teoria e prática na Educação
Física. Motriz, v. 3, n. 2, dez, p.73-79, 1997.
158
BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
JAPIASSU, H. Introdução ao pensamento epistemológico. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
159
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1994.
FREUD, S. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago Editores, 1974. (Edição Estandart
Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
MARCUSE, H. Eros e civilização uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8. ed.Rio de
Janeiro: Zahar Editores,1981.
EAGLETON, T. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
ARENDT, H. Origini Del totalitarismo. Milano: Comunità, 1967.
160
HEIDEGGER, M. A questão da técnica. Cadernos de tradução. o Paulo: Editora da USP, n. 2,
1997.
HORKHEIMER, M. & ADORNO, T. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
BORDO, S. Il peso Del corpo. Milano: Feltrinelli, 1993.
ILLICH, I. L’odsession de la santé parfaite. monde diplomatique. Paris, mars, 1999.
169
um grupo de três artigos nos quais os autores criticam o saber fragmentado e
especializado que tem predominado na Educação Física. Ferraz (1999) argumenta que
essa especialização tem levado à construção de novos campos e, além disso, tem
conduzido a um abandono das questões específicas. Isso se dá quando os pesquisadores,
ao procurarem uma proximidade com as chamadas “ciências-mãe”, constroem como
produto das suas pesquisas conclusões próximas ao campo de conhecimento das
referidas ciências matriciais em detrimento da Educação Física.
Lopes e Oro (1999) são unânimes em afirmar a necessidade da
interdisciplinaridade tanto na teoria quanto na prática pedagógica. Em comum também
possuem como referência Japiassu
161
e, individualmente, Piaget
162
.
Nesse grupo de artigos, um de Bartholo (1999) que propõe, além do esforço
interdisciplinar, uma “práxis social transformadora” que mantenha os princípios
democráticos da interação social, do “diálogo entre as classes” e da busca de um novo
modelo de organização do cotidiano. Suas referências são, além de Japiassu, Bobbio,
Gramsci e Vazquez
163
.
Em outro grupo de pesquisas, os autores demonstram, através dos seus artigos, a
preocupação em buscar novas abordagens teórico-metodológicas para a construção do
campo acadêmico da Educação Física. Prevalecem numericamente as teses de
doutorado, cujas abordagens teóricas são similares.
No primeiro artigo, Pardo (1999) tece críticas à escrita científica e defende uma
escrita livre e própria. Assinala que rir é o melhor remédio contra a ameaça da escrita.
Suas referências são Nietzsche, Foucault e Deleuze
164
.
No segundo, Silva (1999) busca uma alternativa para a análise na Educação
Física, o pesquisador critica as teses que postulam o trabalho como fundador da
161
JAPIASSU, H. Interdiciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
162
PIAGET, J. Problemas gerais da investigação interdisciplinar e mecanismos comuns. Lisboa:
Bertrand, 1973.
163
JAPIASSU, H. Nascimento e morte das ciências humanas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982.
BOBBIO, N. Estado, governo, sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
164
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1995.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins
Fontes, 1987.
DELEUZE, G. Crítica e Clínica. São Paulo:
Editora 34, 1997.
170
sociedade e afirma que se deve abandonar o “monopólio da racionalidade científica”.
Suas principais referências são Arendt, Maffesoli e Santin
165
, entre outros.
dois artigos similares e seus autores fazem críticas à racionalidade científica
e às teorias pós-modernas. Em um deles, escrito por Bracht (1999), são criticadas,
também, as teorias que produzem “leis históricas” para a sociedade. Ambos indicam
como solução para a superação dessas teorias a “racionalidade comunicativa de
Habermas”. Bracht conclui que nessa teoria existe uma garantia da democracia e, ainda,
fundamentalmente, a garantia de que o melhor argumento é o que ganha validade.
Possui como referência, além de Habermas, Laclau
166
. Souza (1999) conclui que é
necessário retomar a filosofia e esta deve estar relacionada ao agir político. Suas
referências são Bracht, Vaz
167
, entre outros.
O quinto artigo escrito por Tavares (1999) apresenta uma investigação sobre as
contribuições que a “Antropologia das sociedades contemporâneas” pode trazer para a
área. O autor tem a preocupação em superar a “Teoria Estrutural-funcionalista”. Para
tanto, busca referência principalmente em Boudon e também em Feldman-Bianco,
Geertz, Boissevain
168
.
O próximo artigo elaborado por Oliveira, Correa e Votre (1999) traz reflexões
acerca da importância da “Teoria da Representação Social” para compreender a
subjetividade humana e a intersubjetividade. Aspectos que, conforme os autores, têm se
tornado objeto das ciências sociais. Suas referências são Castoriadis, Jodelet
169
, entre
outros.
165
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983.
MAFFESOLI, M. A comunicação pós-moderna como cultura. Textos de Cultura e Comunicação.
Salvador: Dep. De comunicação/UFBa, n1, 1985.
SANTIN, S. Educação Física: Uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: Unijuí, 1987.
166
HABERMAS, J. Der philosophische diskurs der moderne. Frankfurt : Suhrkamp, 1988.
LACLAU, E. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996.
167
BRACHT, V. Epistemologia da Educação Física. CARVALHO, M. & MAIA, A. (Orgs.). Ensaios:
Educação Física e Esporte. Vitória: UFES, Centro de Educação Física e Desportos, 1997.
VAZ, A. F. A filosofia na Educação Física: soltando as amarras, e a capacidade de ser negatividade. In:
FERREIRA Netto, A.; GOELLNER, S. V. & BRACHT, V. (Orgs.). As ciências do esporte no Brasil.
Campinas: Autores Associados, 1995.
168
BOUDON, R. Ação. _______. (Org.) Tratado de sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.
27-64.
FELDMAN-BIANCO, B. Introdução. _______. (Org.). Antropologia das sociedades contemporâneas.
São Paulo: Global, 1987, p.7-48.
GEERTZ, C. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara – Koogan, 1989.
BOISSEVAIN, J. Apresentando “Amigos de amigos: redes sociais, manipuladores e coalizões”. In:
FELDMAN-BIANCO, B. (Org.) Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo: Global,
1987, p.195-226.
169
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
JODELET, D. R’presentation sociales: um domaine em expansion. JODELET, D. Les representations
171
No último artigo, Ferreira (1999) propõe que os autores da Educação Física
façam uma aproximação com a “Dialética Materialista Histórica”, entendendo-a como
método, lógica e teoria do conhecimento. Critica a neutralidade científica e aborda o
cientista como parte da totalidade social. Tece críticas também ao positivismo, ao
estruturalismo e aos pós-modernos. Suas referências são Freitas e Lowy
170
, entre outros.
No GTT – epistemologia 2001, a divisão temática dos artigos contemplou
“tempo livre”, doping”, “ética”, “prática pedagógica”, “avaliação da produção da
área”, “construção do campo acadêmico”, “novas abordagens teóricas” e concepção de
corpo”. Nesse evento, foi apresentado o maior número de trabalhos, totalizando 25.
A primeira pesquisa apresentada por Farias e Rodrigues (2001) teve como objeto
de investigação o “tempo livre”. Os autores discutem o objeto a partir do referencial
teórico de Adorno
171
, quando este assevera que a administração da organização social
está mais eficiente por ser pautada na evolução tecnológica. Questionam, a partir disso,
se o tempo livre escaparia ao controle dessa administração.
Apontam que nessa sociedade, com o desenvolvimento das forças produtivas, o
homem tem se separado cada vez mais da sua liberdade e da busca por “experiências
formativas autônomas”. Neste sentido, o tempo livre também está sujeito às mesmas
condições de opressão que o “tempo de trabalho”, evitando-se, assim, o choque entre
eles.
Propõem que sejam construídas as “experiências formativas” que não
fragmentem o aspecto cultural e intelectual (como na escola), na tentativa de cultivar
um tempo livre em que se tenha a reflexão e a capacidade imaginativa não encontradas
no tempo de trabalho. Utilizam também como referência Marcelino
172
e outros.
No segundo artigo, Tavares (2001) tem a preocupação de discutir o que pode ou
não ser considerado como doping no esporte. Possui referências como Grupe e Lenk
173
,
sociales. Paris: Presses Universitaires de France, 1989.
170
FREITAS, L. C. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas: Papirus,
1995.
LOWY, M. Ideologia e Ciência Social. São Paulo: Cortez, 1988.
171
ADORNO, T. W. Capitalismo tardio ou sociedade industrial. Theodor W. Adorno (Org.). COHN, G.
São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
172
MARCELINO, N. C. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987.
173
GRUPE, O. The sport culture and the sportization of culture: identily, legitimacy, sense and monsense
of modern sport as a cultural phenomenon. In: LANDRY, F. et el (eds.) Sport… the third millenium.
Quebec: Les Presses de I’Université Laval, 1992.
LENK, H. Toward a social philosophy of the Olympies: values, aims and reality of modern olympic
movement. In: GRAHAM, P. J. e UEBERHORST, H. (eds.) The modern olympics. West Point: Leisure
Press, 1976.
172
entre outros. Demonstra que o doping se constitui como algo ilegal em um determinado
momento da história quando passam a ser considerados os argumentos
técnico/científicos, sócioculturais, éticos e políticos.
Apresenta a superação desses argumentos, principalmente dos
técnicos/científicos e éticos, em favor de uma discussão voltada para a “essência
simbólica da prática esportiva”, evidenciando o que o autor chama de “verdadeiro limite
humano na competição física”.
O terceiro artigo escrito por Silva (2001) procura contribuir com a discussão
sobre a relação entre ética e o discurso científico. Pontua que o afastamento desses
polos se deu quando se inseriu a verdade como componente do mundo objetivo
(ciência) e a virtude como componente do mundo subjetivo (ética). Ou seja, a ciência
assumiu o “postulado da objetividade” e, com isto, se desvincula do “mundo vivido”,
das particularidades e da produção subjetiva do conhecimento.
Faz a defesa da filosofia e da Educação Física, de maneira que esta última seria
o espaço privilegiado para a discussão da ética por trabalhar diretamente com a
sensibilidade, o corpo e as “infinitas formas de movimento”. Suas referências são
Monod, Atlan, Freitag, Maffesoli
174
, entre outros.
Em relação ao tema “prática pedagógica”, há dois artigos. O primeiro é um
projeto de tese de doutorado apresentado por Montenegro e Garcia (2001), no qual os
autores se preocupam com a exclusão realizada na aula de Educação Física. Segundo
eles, em geral, valorizam-se os mais aptos fisicamente em detrimento dos menos
habilidosos. Sugerem que a educação/educação física deve ser orientada pelo fim
almejado, e que esse fim deve ser a formação do homem. Nesse âmbito, é preciso que
essa formação procure ir ao encontro das necessidades dos alunos e dos valores que os
movem, tanto na escola quanto fora dela.
Entendem assim que o ensino deve ser inclusivo e compreendem a inclusão
como um processo legal e legítimo da prática pedagógica. Afirmam, como necessário
investigar as “representações sociais” que os professores possuem nas aulas de
Educação Física, além de compreender as contradições dessas representações e suas
interferências no processo de inclusão nas aulas. Destacam como referências
174
MONOD, J. O acaso e a necessidade. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1989.
ATLAN, H. Entre o cristal e a fumaça: ensaio sobre a organização do ser vivo. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1992.
FREITAG, B. Itinerários de Antígona. Campinas: Papirus, 1992.
MAFFESOLI, M. A comunicação s-moderna como cultura. In: Textos de Cultura e Comunicação.
Salvador: Departamento de Comunicação/UFBa, 1985.
173
Montenegro, Habermas, Teves, Orlandi, Bourdieu, Lüdke & André e Haguette
175
, entre
outros.
No segundo artigo dessa temática, Nogueira (2001) discute se os professores de
natação ou aqueles, atuantes na construção da chamada “pedagogia da natação”
desconsideram as descobertas científicas da biomecânica em suas atividades. Seu
referencial teórico é Bracht, Lovisolo, Hall
176
, entre outros.
Compreende a Educação Física como a “arte da mediação”, prática de
intervenção pedagógica socialmente construída e relacionada ao “mito de recriação
corporal”. Após a análise da relação entre estudos biomecânicos e o ensino da natação,
conclui que nem os pesquisadores dessa ciência possuem tal preocupação pois
priorizam a formação de atletas – nem os professores fazem uso das descobertas
científicas.
Em relação ao tema “avaliação da produção da área”, três artigos. No
primeiro, Cunha et al (2001) realizam uma avaliação da produção científica da área
utilizando o Diretório dos Grupos de Pesquisa, versão 3.0 (1997) e a versão 4.0 (2000)
do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os
autores encontraram 83 grupos de pesquisa cadastrados que desenvolvem investigações,
principalmente na área da Educação Física e áreas afins.
No artigo, apresentam o número de pesquisas por região, por instituição e
informam a existência de 272 linhas de pesquisas. Explicam que nas pesquisas são
utilizados diferentes enfoques e metodologias para cada situação, havendo uma
“pluralidade de abordagens”, o que, segundo eles, provoca processos de fragmentação e
especialização na área da educação física. O referencial dos autores é Jesuíno et al,
Lawson, Gaya
177
e outros.
175
MONTENEGRO, E. L. L. A Educação Física e o desenvolvimento moral do indivíduo numa
perspectiva Kohlberguiana. Dissertação (Mestrado). Rio de Janeiro: UGF, 1994.
HABERMAS, J. Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
TEVES, N. (Org.). Imaginário social e educação. Rio de Janeiro: Gryphus, 1992.
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1987.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Beltrand do Brasil, 2000.
LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU, s/d.
HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987.
176
BRACHT, V. Educação Física e ciência. Cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Editora Unijuí, 1999.
LOVISOLO, H. Educação Física. A arte da mediação. Rio de janeiro: Sprint, 1995.
HALL, J. G. Biomecânica da técnicas desportivas. Rio de Janeiro: Interamericana, 1991.
177
JESUÍNO, J. C. et al. A comunidade científica portuguesa nos finais do século XX;
comportamentes, atitudes e expectativas. Oeiras: Celta, 1995.
LAWSON, H. Future research on physical education teacher education professors. Journal of Teaching
in Physical Education, n. 10, p. 229-248.
174
O segundo artigo escrito por Nóbrega et al (2001) se refere a uma pesquisa em
andamento e procura compreender, através dos trabalhos apresentados nos
CONBRACEs na década de 1990, o conceito de epistemologia; os principais
interlocutores; as temáticas que foram privilegiadas; e os sentidos das várias
contribuições para a produção em Educação Física. As análises se encontram em fase
inicial e não apresentam resultados. As referências utilizadas são Morin, Ricoeur, Gallo,
Bardin, Bracht
178
e outros.
No terceiro artigo, Malina e Oliveira (2001) analisam dois artigos publicados na
Revista Movimento, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sobre a
questão da identidade da Educação Física. Para completar a análise dos artigos, os seus
autores foram entrevistados. Os pesquisadores se pautam, para a análise, em Kosik,
Goldmann, Gramsci e Manheim
179
. Possuem como preocupação de fundo verificar os
dicursos dos intelectuais da área da Educação Física e sua função social em relação à
área e à sociedade.
O primeiro artigo foi escrito por Gaya
180
, e o segundo por Taffarel e Escobar
181
como resposta ao primeiro. Dentre as conclusões, revelam que a discussão de Gaya se
aproxima de uma vertente empírico-analítica; opõe-se ao conservadorismo
predominante na área; sua proposta epistemológica possui um fim em si mesma. Na
discussão de Taffarel e Escobar, demonstram que a “radicalização” das autoras acaba
por ocultar as contradições que elas apontam no texto de Gaya; auxiliam
contraditoriamente os que combatem o marxismo; suas críticas eram pertinentes;
revelam autenticidade teórica dos princípios e valores do marxismo; coerência interna
na argumentação teórica.
GAYA, A. C. A. As ciências do desporto nos países de língua portuguesa; uma abordagem
epistemológica. Porto: FCDEF/UP, 1994.
178
MORIN, E. O método III: O conhecimento do conhecimento. 2. ed. Lisboa: Publicação Europa-
América, 1996.
RICOEUR, P. Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70, 1978.
GALLO, S. Conhecimento, transversalidade e educação. Impulso. Revista de Ciências Sociais e
Humanas da UNIMEP, Piracicaba: Editora Unimep, v. 10, n. 21, 1997.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRACHT, V. Educação Física & ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1999.
179
KOSIK, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
GOLDMANN, L.. Ciências humanas e filosofia. São Paulo: DIFEL, 1980.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
MANNHEIM, K. Sociologia da cultura. In: FORACCHI, M. M. (Org.). Karl Mannhein: sociologia. São
Paulo: Ática, 1982. (Coleção: Grandes Cientistas Sociais).
180
GAYA, A. C. A. Mas, afinal, o que é Educação Física? Revista Movimento, Porto Alegre: UFRGS,
n. 1, p. 29-34, 1994.
181
TAFFAREL, C. N. Z. ; ESCOBAR, M. O. Mas, afinal, o que é Educação Física?: Um exemplo de
simplismo intelectual. Revista Movimento, Porto Alegre: UFRGS, n. 1, p. 35-40, 1994.
175
Sobre a temática “constituição do campo acadêmico” foram apresentados quatro
artigos. No primeiro artigo, Sautchuk (2001) procura alertar para a importância de se
refletir a respeito da regulamentação da profissão de Educação Física o que constituiu
o CONFEF e seus efeitos na discussão epistemológica. Para tanto, busca
fundamentação em Weber
182
, quando este discute a “dominação burocrática”. Ou seja,
argumenta como as características dessa dominação respaldam o processo de
regulamentação ou, conforme caracteriza o autor: “burocratização da Educação Física”.
Finaliza questionando que o processo de burocratização traz uma perspectiva
epistemológica pautada nas “atividades físicas comerciais” e que se faz necessário que
esse processo seja discutido. Além de Max Weber, também utiliza como referência
Fensterseifer e Foucault
183
.
No segundo artigo, Pich (2001) procura analisar as propostas que na área da
Educação Física indicam como objeto de estudos a “cultura corporal” e a “cultura
corporal de movimento”. Seu interesse é o de contribuir para a legitimação da Educação
Física como uma área de conhecimento. Suas referências para empreender a análise são
Bordieu, Cuche, Laraia, Mauss
184
, entre outros.
As propostas escolhidas para serem analisadas foram a do Coletivo de Autores
(cultura corporal), Betti (cultura corporal de movimento), Bracht (cultura corporal de
movimento), Kunz (objetivações culturais de movimento). Embora a nomenclatura seja
similar, o seu significado não é o mesmo. O autor destaca pontos importantes das
propostas e as questiona. Identifica-se com Bracht quando este afirma que as atividades
da Educação Física estão relacionadas ao lúdico, e também com Kunz porque a
proposição deste ao movimento a “identidade com um grupo cultural específico”.
Propõe que as “objetivações culturais de movimento” podem ser estudadas a partir das
ciências sociais, mas predominantemente na sub-área da antropologia, a antropologia
corporal.
No próximo artigo, Velozo (2001), a fim de compreender as implicações da
incorporação de práticas científicas na Educação Física, discute o estatuto científico da
182
WEBER, M. Economia e sociedade. Brasília: Editora UnB, 1999, v. 1 e 2.
183
FENSTERSEIFER, P. Conhecimento, epistemologia e intervenção. In: GOELLNER, S. V. Educação
física/ciência do esporte: intervenção e conhecimento. Florianópolis: CBCE, 1999.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
184
BORDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999.
LARAIA, R. Cultura: um conceito antropológico. [s.l; s.n.].
MAUSS, M. Noção de técnica corporal. En: _______. Sociologia y antropologia. São Paulo: EPU, 1974,
v. 2.
176
área e do seu objeto de estudo, as concepções metodológicas de ciência e a
compreensão da “verdade científica”. Conclui que a Educação Física é uma prática
pedagógica que também veicula conhecimentos científicos. É um campo de
conhecimento interdisciplinar que possui como objeto de estudos a cultura corporal e o
movimento humano. Conclui ainda que embora exista na área a hegemonia de
determinadas disciplinas como, por exemplo, a biomecânica, é necessário que se
conheça várias formas de construção do conhecimento para não se deter a um “método
rígido” e a uma “verdade absoluta”. Suas referências são Bracht, Feyranbend, Japiassu,
Popper
185
, entre outros.
Por fim, Silva (2001) aponta as discussões que permeiam a área sobre sua
cientificidade e sobre quais ciências estariam vinculadas à Educação Física. Ou ainda se
esta não seria uma área de intervenção social que necessita do conhecimento científico.
Entre as questões abordadas no texto, a autora enfatiza a preocupação da demarcação ou
construção da identidade científica em função da concessão de recursos (fomentos à
pesquisa) que possam ser recebidos. Discute essa indefinição do campo acadêmico em
função da construção da dualidade corpo e mente presente na ciência moderna e propõe
algumas reflexões: a concepção de phisis dos gregos clássicos; a compreensão da
relação entre cultura e natureza; o papel fundante da emoção na corporeidade, entre
outros. Suas referências são Bracht, Gramsci, Abrantes, Damásio, Marx e Foucault
186
.
No que concerne à temática “novas abordagens teóricas”, foram apresentados
cinco artigos. No primeiro, Teves (2001) discute a importância das pesquisas na
Educação Física a partir da teoria do “imaginário social”. A discussão perpassa pela
crítica ao “modelo tradicional de ciência” e ao “cientificismo metodológico”. Propõe a
teoria do imaginário social como uma alternativa “não irracionalista” que traz
discussões relativas às questões do campo simbólico e das representações sociais,
trabalhando com o real, o imaginário e o simbólico. Indica vários autores que defendem
185
BRACHT, V. Educação Física e ciência: cenas de um casamento (in) feliz. Ijuí: Editora Unijui, 1999.
FEYERANBEND, P. Contra o método. São Paulo: Francisco Alves, 1988.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1989.
186
BRACHT. V. Educação Física/ciências do esporte: que ciência é essa? Revista Brasileira de Ciências
do Esporte, v. 14, n. 3, p. 111-7, 1993.
GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
ABRANTES, P. C. C. Imagens da natureza, imagens da ciência. Campinas: Papirus, 1998.
DAMÁSIO, A. O erro de Descartes. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo: Ática, 1985.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
177
essa perspectiva, e dentre eles estão as suas referências teóricas: Lefebvre, Castoriadis,
Morin, Maffesoli
187
, entre outros.
No próximo artigo, Correa e Teves (2001) também apresentam a teoria do
imaginário social. Nesse caso, discutem a proposta de Castoriadis
188
objetivando buscar
parcerias teórico-metodológicas que tornem essa perspectiva mais efetiva na realização
das pesquisas de campo. As pesquisadoras apresentam as convergências e divergências
entre Castoriadis, Orlandi e Rorty
189
. Tomam, também como referências Barbie e
Culler
190
.
No quarto artigo dessa temática, Gauthier e Castro Júnior (2001) procuram
mostrar a “sociopoética” como uma perspectiva de pesquisa que permite legitimar a
produção do conhecimento com a participação efetiva dos seus integrantes. Isso
acontece em um movimento de “concidadania” do grupo pesquisador, em que o
imaginário social e individual é fundamental no processo de pesquisa e o pesquisador
atua como um mediador. Suas referências são Gauthier, Kosik, Freire, Assman
191
, entre
outros.
No artigo que se segue, Bichara (2001) descreve os pressupostos teóricos
desenvolvidos por Reich
192
denominado “funcionalismo orgonômico”. Compreende
essa teoria como uma “ferramenta do pensamento”, na qual se trabalha o movimento
energético corporal e entende as sensações como fundamentais para a construção
187
LEFEBRVE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
MORIN, E. O método III. O conhecimento do conhecimento. Lisboa: Publicações Europa-América,
1986.
MAFFESOLI, M. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1988.
188
CASTORIADIS, C. Op. cit.
189
ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. Campinas: Cortez, 1988.
RORTY, R. Contingência, ironia e solidariedade. Lisboa: Presença, 1994.
190
BARBIE, R. Sobre o imaginário. Em Aberto. Brasília: INEP-MEC, n. 61, p. 15-23, 1994.
CULLER, J. Em defesa da superinterpretação. In: ECO, U. (Org.). Interpretação e superinterpretação.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
191
GALTHIER, J. Sociopoética encontro entre arte, ciência e democracia na pesquisa em ciências
humanas e sociais, enfermagem e educação. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 1999.
KOSIK, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
ASSMAN, H. Reencantar a educação: rumo a uma sociedade aprendente. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
1998.
192
REICH, W. A análise do caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
_______. Funcionalismo orgonômico. Sobre o desenvolvimento histórico do funcionalismo
orgonômico. 1991. (mimeo).
178
humana. Considera que essa teoria pode ser fundamental para que a Educação Física
contribua para o desenvolvimento do ser humano em sua plenitude.
Ainda sobre o tema “novas abordagens teóricas”, Rodrigues (2001) discute a
importância de se compreender o processo “impulso” (instinto e pulsão), porque o seu
entendimento pode contribuir com as definições da atividade educativa. Ou seja, para
educar, conforme o autor, é necessário compreender como acontece a relação entre os
sujeitos e a “pulsão de saber”. Se essa pulsão leva à construção ou à destruição, o autor
não consegue responder. Sua abordagem fica nos limites da crítica à escola que adestra
e silencia, e também ressalta que somente a descarga da pulsão pode levar a “atitudes
psicóticas”. Suas referências são Freud, Gallo, Nietzsche
193
, entre outros.
No último artigo dessa temática, Guimarães (2001) discorre sobre a teoria de
Fleck como sugestão para a avaliação da produção teórica da Educação Física, pois a
partir dela é possível identificar os “estilos de pensamento” e as variedades que podem
surgir nestes. Suas referências são Fleck, Lowy, Kuhn, Delizoicov
194
.
A última temática diz respeito à “concepção de corpo”. No primeiro artigo,
Oliveira e Silva (2001) explicam os pressupostos de Descartes (1596-1650),
principalmente em seu Tratado do Homem (1664), procurando identificar seus
desdobramentos na modernidade e as consequências naquilo que concerne à dualidade
corpo e mente na instituição escolar. Discutem que essa leitura dualista do homem leva
ao entendimento do corpo como objeto que é analisado e controlado pela ciência. Na
construção da instituição escolar predomina, segundo os autores, essa mesma concepção
de corpo. Pontuam a necessidade de se repensar a racionalidade instrumental e buscar
um processo educativo pautado em visão de homem que não seja reducionista e que
conduza a uma reflexão ética e estética. Suas referências são Vaz, Silva, Vago,
Bracht
195
, entre outros.
193
FREUD, S. La moral sexual “cultural” y la nervosidad moderna. In: _______. Obras completas.
Buenos Aires: amorrortu editores, 1993, v. 9.
GALLO, S. Anotações de sala de aula. In: _______. Fundamentos filosóficos da educação. Campinas:
Unicamp, 2001.
NIETZSCHE, F. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
194
FLECK, L. La génesis y el desarrollo de un hecho científico. Madrid: Alianza Editorial, 1986.
LOWY, I. Ludwik Fleck e a presente história das ciências. História, Ciência e Saúde. Manguinhos:
Fiocruz, p. 7-18, jul-out. 1994.
DELIZOICOV, D. et al. Sociogênese do conhecimento e pesquisa em ensino: contribuições a partir do
referencial fleckiano. Valinhos: LI ENPEC, 1999.
195
VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no
179
No segundo artigo, Grasel (2001) relata uma pesquisa em andamento cuja meta é
a construção de uma proposta metodológica para a educação física permanente,
preocupação que surge para a autora em função do aumento da longevidade humana.
Especificamente nesse artigo, aborda as concepções de corpo e movimento presentes na
educação física que, para a autora, são “o paradigma da ciência natural” e o da
“fenomenologia”. Sua opção, ao final do artigo, é pela fenomenologia, na qual o
movimento é compreendido como “diálogo entre o homem e o mundo” e a corporeidade
como a forma de “ser e estar no mundo”. Suas referências são Merleau-Ponty, Paulo
Freire
196
, entre outros.
No próximo artigo, Rocha (2001) aborda a concepção dicotômica de homem a
partir de Descartes
197
e a concepção de corpo tratada por Merleau-Ponty como o “ser no
mundo”. Realiza entrevistas com professores de educação física e descobre que o corpo
é concebido por eles como biológico e reduzido à dimensão fisiológica, aproximando-
se, portanto, da concepção cartesiana. Neste sentido, de acordo com a autora, o corpo é
desvalorizado em relação à alma e, em regra, a educação física é justificada na escola
por trabalhar com valores desenvolvidos pela sociedade. Propõe que os professores se
aproximem da concepção de Merleau-Ponty, porque nesta o corpo é compreendido
como manifestação fenomênica da existência humana, como uma modalidade do ser no
mundo.
No quarto artigo sobre “concepção de corpo”, Lima (2001) aborda os inevitáveis
problemas traduzidos pela evolução da técnica para a espécie humana, especialmente os
perigos trazidos pela engenharia genética. Nesse sentido discute aquilo que chama de
“biopoder” nas relações da “biopolítica” e critica as tentativas de descobertas que
procuram prolongar a vida, contrariando a “condição humana”. Suas referências são
Heidegger, Arendt, Foucault, Nietzsche, Sloterdijk
198
, entre outros.
treinamento corporal. Cadernos Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 89-108, 1999.
SILVA, A. M. Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional. Cadernos
Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 7-29, 1999.
VAGO, T. M. Início e fim do século XX: maneiras de se fazer educação física na escola. Cadernos
Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 30-51, 1999.
BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas de educação física. Cadernos Cedes. Campinas:
Unicamp, n. 48, p. 69-88, 1999.
196
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1998.
197
DESCARTES, R. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MERLEAU-PONTY, M. Op. cit.
198
HEIDEGGER, M. Conferencias y artículos. Barcelona: Ediciones Del Serbal, 1994.
180
No próximo artigo, Almeida (2001) procura mostrar que a dualidade corpo e
mente entre os gregos da Antiguidade foi mal interpretada. A partir da prioridade
discursiva, rediscute essa dualidade, assumindo que a racionalidade/dualidade
construída naquele momento histórico não pode ser descartada, visto que faz parte da
compreensão assumida sobre a ideia de homem. Negar a dualidade seria, conforme o
autor, negar essa ideia. Entre as suas principais referências estão Merleau-Ponty e
Platão
199
.
O sexto artigo tem como conteúdo um projeto no qual os pesquisadores estão
preocupados em compreender como se processam as relações da corporeidade e da
ludicidade entre os professores/pesquisadores da área da saúde. Pires e Santos (2001)
criticam a prioridade atribuída exclusivamente ao processo racional de elaborar o
conhecimento. Assim, deve-se compreender, de acordo com os autores, que a pós-
modernidade é marcada pelo resgate do “sensível”. A pesquisa, então, deve ser pautada
pelo novo espírito científico “intuitivo e simbólico”. E ainda, compreender a
subjetividade, os sentimentos, a sensibilidade, as emoções como importantes para se
construir “o próprio saber no experienciar”. Suas referências são Morin, Bachelard,
Maffesoli, Shiller
200
, entre outros.
No último artigo, Borges (2001) apresenta a compreensão segundo a qual a
linguagem é o elemento fundante do “mundo dos homens”. A partir disso analisa a
dicotomia corpo, mente e espírito, assinalando a necessidade de pensar o “ser no
mundo” como uma totalidade. Aborda, também, que essa dicotomia se desdobra em
outras como sujeito e objeto, teoria e prática. Esse processo interfere na formação
profissional, dando maior status às disciplinas relacionadas ao “ser biológico”. Na
educação física, na acepção o autor, o objeto de estudo é a “cultura de movimento” e o
ARENDT. H. A condição humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos (ou como filosofar com o martelo). Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 2000.
SLOTERDIJK, P. Regras para o parque humano: uma resposta à carta de Heidegger sobre o
humanismo. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
199
MERLEAU-PONTY, M. Elogio da filosofia. [s.n.; s.l.].
PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção: Os Pensadores).
200
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985.
(Coleção: Biblioteca Tempo Universitário – 12).
MAFFESOLI, M. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.
SHILLER, F. Cartas sobre a educação estética da humanidade. São Paulo: EPU, 1991.
181
professor deve tentar diminuir essa grande separação entre corpo (sensível) e a mente
(intelecto). Suas referências são Gonçalves, Vaz, Marques, Daolio
201
, entre outros.
No que diz respeito aos trabalhos do GTT-epistemologia/2003, a divisão por
temas obedece à mesma lógica dos eventos anteriores. Os temas encontrados foram
questões sobre a bioética; sobre a prática pedagógica na escola; a avaliação da
divulgação e da produção científica; a busca da identidade da área e construção do seu
campo acadêmico; a pós-modernidade; e a discussão sobre a concepção de corpo.
Em relação à “bioética”, encontrei apenas um artigo escrito por Silva (2003) que
indica a necessidade de incluir estudos do assunto para a realização de pesquisas, ou
seja, discutir os aspectos morais dos procedimentos científicos que, conforme a
pesquisa, são negligenciados pela área. Suas referências são Santin, Dias, Baudrillard,
Engelhardt
202
e outros.
Temos, também, apenas uma pesquisa que discute a “prática pedagógica”. Essa
discussão é realizada por Rosa (2003) com base em autores da Teoria Crítica. Parte do
entendimento da Educação Física como área do conhecimento que versa sobre a cultura
corporal. Procura demonstrar que com o desenvolvimento civilizatório o
desenvolvimento do que os autores chamam de “mais-repressão”. Esse processo pode
ser transformado com a Educação Física, pois ela representaria a possibilidade de uma
Educação Libertária desde que seja formado um professor crítico e reflexivo. Suas
referências são Marcuse, Adorno e Horkheimer
203
.
No que tange à temática da “avaliação da divulgação e da produção científica”,
foram apresentados três trabalhos com o intuito de facilitar o cruzamento de dados para
as futuras pesquisas, tornando-os de fácil manuseio. Alguns pesquisadores, como Lima
et al (2003) e Nascimento (2003), procuraram verificar a qualidade dos catálogos e das
201
GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1994.
VAZ, A. F. Treinar o corpo, dominar a natureza: notas para uma análise do esporte com base no
treinamento corporal. Cadernos Cedes. Campinas: Unicamp, n. 48, p. 89-108, 1999.
MARQUES, M. O. A escola no computador: Linguagens articuladas educação outra. Ijuí: Editora
Unijuí, 1999.
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1994.
202
SANTIN, S. Educação Física: educar e profissionalizar. Porto Alegre: EST, 1999.
DIAS, J. M. Bioética e a Educação Física. Revista Educação Física, Rio de Janeiro: CONFEF, ano 1, n.
4, set. 2002.
BAUDRILLARD, J. A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. 2. ed. Campinas:
Papirus, 1992.
ENGELHARDT, H. T. J. Fundamentos da bioética. São Paulo: Loyola, 1998.
203
MARCUSE, H. Eros e civilização – uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. 8. ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1966.
ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
HORKHEIMER, M. Teoria crítica: uma documentação. São Paulo: Perspectiva, 1990.
182
revistas específicas, opinando sobre sua melhora; outras, como a de Oliveira et al
(2003) se preocupam em propiciar uma visualização das pesquisas contribuindo para
sua melhora qualitativa. Buscam identificar quais as áreas da Educação Física de maior
interesse, quais as problemáticas mais discutidas e quais as tendências teórico-
metodológicas que as norteiam. Esta última pesquisa apresenta como resultado o
aumento das pesquisas com fundamentação em autores da “fenomenologia-
compreensiva” e “críticos-dialéticos”. Suas referências são, respectivamente, Meadows,
Miranda e Pereira, Mueller, Pino
204
; Ferreira Netto
205
; Sanchez Gamboa
206
, entre outros.
A temática sobre a “busca da identidade da área e construção do seu campo
acadêmico” conta com a apresentação de cinco trabalhos que procuram demonstrar
como determinadas teorias podem colaborar para que a Educação Física encontre sua
identidade, seu status de ciência, enfim, construa seu campo acadêmico.
Nesses trabalhos, aparecem como respostas a “linguística e a praxiologia”
apresentada por Ramos (2003), cuja principal referência é Parlebas
207
; o “anarquismo
epistemológico” discutido por Veloso, que tem como principais referências Feyerabend,
Nietzsche e Daolio
208
; o “pós-estruturalismo” explicitado por Nogueira (2003), tendo
como referências Silva, Hall, Veiga-Neto e Foucault
209
. A conclusão a que chegam é
que as diferenças teóricas estão apenas nas ideias e representam lutas entre grupos. Essa
compreensão é explicitada principalmente por Rocha Jr. (2003), que se fundamenta em
Guiraldelli Jr., Bracht, Lovisolo, Bordieu
210
e outros. Alguns tentam, ainda, verificar
204
MEADOWS, J. A. Comunicação científica. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 1999.
MIRANDA, D.B.; PEREIRA, M.N.F. O periódico científico como veículo de comunicação: uma revisão
de literatura. Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 3, p. 375-383, set/dez. 1996.
MUELLER, S. P. M. O círculo vicioso que prende os periódicos nacionais. DataGramaZero Revista
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210
GUIRALDELLI JÚNIOR, P. Educação Física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos
183
como outros países têm enfrentado essa questão, mas sem encontrarem respostas, tal
qual é o caso de Reppold Fiho (2003), cujas referências são Bambra, Best, Start,
Hirst
211
, entre outros.
Embora nos trabalhos dessa temática exista a preocupação central com a
construção do campo acadêmico, em todos os outros discutidos no GTT – epistemologia
está colocada a apresentação de formas de tratamento do objeto da Educação Física no
sentido de dar-lhe a identidade e a legitimidade almejadas pela área.
Em relação à “pós-modernidade”, ao que parece o pano de fundo de quase todas
as discussões, esta se constitui como objeto específico em três pesquisas, que discutem a
interferência positiva das críticas de autores pós-modernos, destacando-as em relação à
razão e às metanarrativas, conforme as abordagens de Nogueira e Lovisolo (2003) e
Pires (2003). Em outro artigo, escrito por Almeida (2003), as resposta às questões pós-
modernas são postas no campo da política, ou seja, seria o fim do reino da justificação
espistemológica e o início do reinado da política.
O maior número de artigos apresentados, no total de sete, discutem a “concepção
de corpo” veiculada na Educação Física relacionada com a dicotomia entre corpo e
mente, bem como a proposição de outra perspectiva.
Dentre os trabalhos, apenas um procurou ter como referência teórica o
materialismo histórico, como é o caso de Silva (2003), mas entra em contradição ao
afirmar que vivemos na pós-modernidade e utiliza-se desse conceito para ajudar na
compreensão da problemática. Suas principais referências são Marx, Fromm, Paula
Silva e Galeano
212
.
As outras pesquisas utilizam, em grande parte, como referência teórica a
fenomenologia, destacando-se também a Teoria Crítica e a Teoria da Estruturação. Seus
e a Educação Física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES, 1997.
LOVISOLO, H. Educação Física: a arte da mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.
BORDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
211
BAMBRA, A. J. An address on future of physical education. Bulletin of Physical Education, Special
Supplemente, n. 5, p. 41-52, 1964.
BEST, D. The slipperiness of movement. Journal of Human Movement Studies, n. 2. p. 182-190, 1976.
START, K. B. Physical education as a university discipline. Bulletin Of Physical Education, v. 6, n. 7,
p. 4-17, 1965.
HIRST, P. Knowledge and the curriculum: a collection of philosophical papers. London: Rotledge and
Kegan Paul, 1974.
212
MARX, K. O capital: edição resumida por Julien Borchardt. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
FROMM, E. Conceito marxista do homem. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.
PAULA SILVA, M. C. O esporte na proposta pedagógica de educação física do colégio Grambery:
uma compreensão histórica. Dissertação (mestrado em educação física), Rio de Janeior:PPGEF/UGF,
1998.
GALEANO, E. De pernas pro ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM, 1999.
184
autores são Porpino e Almeida (2003), Lima (2003), Mendes e Nóbrega (2003), Lima,
Dias e Nóbrega (2003), Bassani e Vaz (2003) e Gomes (2003). Alguns veem o discurso
como o formador da realidade, e por isso alertam para a necessidade dos ‘atores’ da área
em construir novas significações, distintas da visão de ‘corpo máquina’.
6.2 – GTT – Escola
Essas questões que aprecem no GTT – Epistemologia também estão presentes no
GTT escola, embora não de forma tão explícita. Apresento a seguir uma síntese dos
artigos desse GTT, procurando mostrar como os autores têm discutido e realizado essa
disciplina na escola. Foram analisados 64 artigos de diversas partes do país. No evento
de 1999, a maior parte deles resulta de dissertações de mestrado, seguidos pelas
pesquisas institucionais e teses de doutorado. Em 2001, são em igual número
dissertações e pesquisas institucionais, e em 2003, a grande maioria resulta de pesquisas
institucionais.
6.2.1 – GTT – Escola/1999
Na análise do GTT escola/1999, optei por subdividir os artigos de acordo com
as temáticas abordadas pelos autores da seguinte forma: gênero (1), concepções de
educação física (2), educação e saúde (1), psicanálise (1), legitimidade da educação
física (3), planejamento de ensino e propostas curriculares (4), conhecimento específico
(8)
213
.
Inicio com o único artigo que discute aquestão de nero”. A pesquisa é
resultado de dissertação de mestrado defendida em 1988 na UFMG (Universidade
Federal de Minas Gerais). A autora da pesquisa observou aulas, o horário de recreio e os
jogos escolares. Entrevistou “meninos e meninas” e os professores de quatro turmas de
5ª. séries. Seu objetivo, em função da lei que estabelece turmas mistas nas aulas
Educação Física, era “compreender como meninos e meninas constroem as relações de
gênero na Educação Física” (ALTMANN, 1999, p. 112).
213
Os números entre parênteses ao lado das temáticas, em todo este capítulo, representam a quantidade de
artigos.
185
Como referência teórica, a autora privilegia Scott
214
, o qual discute questões de
gênero e sexualidade e Foucault
215
. Embora tenha estas referências, as discussões
apresentadas no artigo são descrições dos comportamentos das crianças, um relato de
suas ações cotidianas, enfim, análises superficiais que a conduziu à seguinte conclusão:
Enfim, separar turmas por sexo é estabelecer uma decisão polarizada
entre os gêneros; é exagerar uma generificação das diferenças entre as
pessoas, desconsiderando variações no gênero e considerando apenas
diferenças de gênero como importantes numa aula; é tornar as
fronteiras das divisões de gênero mais rígidas do que de fato são e
negar a meninas e meninos a possibilidade de cruza-las; é furtar-se de
antemão a possibilidade de escolha entre estarem juntos ou separados.
(Ibid, p. 116).
Os dois artigos referentes a “concepções de educação física” resultam de
dissertações de mestrado. O primeiro corresponde à dissertação defendida em 1998 na
Unimep e o segundo à defesa em 1999 na UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco).
No artigo de Colpas (1999), a preocupação principal do autor é mostrar como
pode ser construído, durante as aulas de um período letivo, um conceito de educação
física em uma perspectiva crítica que supere a concepção de “atividade motora” até
então predominante.
O pesquisador trabalhou com alunos da 4ª. série de uma mesma escola, tendo
como referência para a mudança de concepção dos alunos a teorização de Vygotsky
216
.
Discute a escola como o local onde a elaboração conceitual dos fenômenos e conteúdos
torna-se científica, partindo de Saviani
217
. Apresenta ainda como referência Paulo
Freire
218
, e principalmente o Coletivo de Autores
219
, sendo que o último é que
suporte para todo a sua compreensão de Educação Física.
Tendo sempre o diálogo e a participação coletiva como princípios norteadores,
dividiu a estrutura do processo de ensino em dois níveis. O primeiro nível compreende:
214
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre. v.
20, n. 2, p. 71-99. Jul/dez, 1995.
215
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organizado e traduzido de Roberto Machado. Rio de Janeiro:
Graal, 1995.
216
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
217
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez; Campinas:
Autores Associados,1991.
218
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1996. (Coleção Leitura).
219
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da educação física. o Paulo: Cortez, 1993.
(Coleção Magistério 2
o
. grau, Série formação do professor).
186
reflexão sobre o tema; prática das variações do conhecido; reflexão sobre a prática. O
segundo nível: aprofundamento com apoio da literatura.
Todo o esforço em internalizar nos alunos uma compreensão da educação física
associada à “cultura corporal” e não à “atividade motora” não garantiu ao próprio autor
superar a dicotomia entre corpo e mente; ação e reflexão. Assim, temos:
A presença da ação verbal nas aulas de educação Física, a
possibilidade de reflexão (pensamento) por parte dos alunos
durante as aulas, pode se dar no início ou em qualquer outro
momento, caso seja necessário. por meio da práxis, a ação
projetada, refletida, consciente, é capaz de produzir transformações
sociais (COLPAS, 1999, p. 133, grifo meu).
E ainda:
Como as expressões iniciais indicavam, aproximavam-se de uma
concepção associada predominantemente à atividade motora. A partir
dessa dimensão atuei metodologicamente no sentido de uma
compreensão vinculada à cultura corporal, reconhecida como uma
área de conhecimento que se utiliza do corpo e de seus
movimentos para o desenvolvimento potencial e unitário das
dimensões humanas (Ibid, p. 135 - 6, grifo meu).
O segundo artigo, diferentemente do primeiro, procura recuperar que no ser
humano as ações são conscientes e que não é possível separar teoria e prática. Para a
discussão, utiliza como referência Sanches Vasquez
220
e argumenta: “o que o
podemos perder de vista é que a atividade humana, com poucas exceções, é uma
atividade consciente, portanto não cabível de ser compreendida como fazer sem saber,
um agir sem saber” (SOUZA JUNIOR, 1999, p. 209).
O autor realiza uma pesquisa “bibliográfica/documental” (análise de conteúdo) e
faz o trabalho de campo de “estilo etnográfico”. Sua preocupação principal é:
ultrapassar uma conotação de que seus conteúdos escolares se constituem num mero
‘fazer prático destituído de uma reflexão teórica’ e assumir a responsabilidade de
oferecer aos alunos o exercício da sistematização do conhecimento um fazer crítico-
reflexivo” (Ibid, p. 207, grifo do autor).
Analisa a história dos currículos e das disciplinas e discute que as escolhas “não
acontecem com fundamentos de uma lógica imparcial, neutra e desinteressada e, sim,
são resultados de conflitos e confrontos entre concepções sociais e pedagógicas
diferentes” (Ibid, p. 208). E na análise de dois professores de Educação Física com
posturas diferentes, depois de apresentar vários argumentos, conclui que, entre outros
220
VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997.
187
aspectos, elementos indicadores da existência de aproximação da compreensão dessa
disciplina como parte integrante da escola. No entanto, um entende que ela é
desprestigiada em sua função; para a outra ela tem uma contribuição importante para a
“formação/reflexão” dos alunos.
Como conclusão da apresentação desse artigo, apresento as seguintes posições
do autor:
Procurando superar uma Educação Física que vem se caracterizando,
ao longo da história, como um mero “fazer prático destituído de uma
reflexão teórica”, devemos assumir a responsabilidade de oferecer aos
alunos o exercício da sistematização e da compreensão acerca de um
corpo de conhecimentos específicos diante da organização curricular.
(...) Primamos pela construção de uma realidade educacional escolar
em que todos os componentes curriculares venham a se caracterizar
como uma atividade, mas não num sentido pejorativo, restrito e
mecânico e, sim, entendendo a atividade educacional, portanto
humana, como algo produtivo, consciente, com finalidade, reflexivo.
Neste entendimento, o saber e o fazer constituem-se como um par
dialético (Ibid, p. 213).
No que concerne ao tema “educação e saúde”, há um artigo resultante de uma
pesquisa institucional na UFG, em que o autor discute a obra de Comenius (1592-1670),
buscando nela a base teórica para analisar o vínculo entre educação e saúde.
Aborda a obra de Comenius tendo como foco os objetivos desse pensador.
Enfatiza a sua capacidade de antever consequências sobre algumas áreas do
conhecimento antes mesmo que as investigações científicas as iluminassem. Cita como
exemplo a condenação que Comenius faz ao excesso de trabalho, considerando-o
pernicioso para a saúde humana. Afirma ainda que para ele o que importava não era a
duração da vida, mas a qualidade de como vivemos, pois “gastamos” a vida de forma
“perdulária”, por isso o sentimento de que ela é insuficiente.
O autor apresenta as ideias de Comenius de forma descontextualizada, ou seja,
as premissas do autor o aparecem relacionadas às determinações fundamentais do seu
tempo histórico e ainda as projeta para o nosso tempo histórico. Além disso, o autor, ao
explicitar suas próprias idéias demonstra uma compreensão dualista de homem e
pontua: “Se o dualismo mente/corpo ou espírito/carne é forte, não menos fortes são as
vontades de estabelecer as pontes vinculantes. Portanto, a formação da mente, formação
dos sentimentos morais e estéticos e educação física formadora do corpo pareceria que
podem e devem caminhar juntas” (LOVISOLO, 1999, p. 165). Apresenta a mesma
fragmentação ao discutir a função da Educação Física quando expõe: “Como arte
188
pedagógica deve contribuir para os processos de autoformação, de autonomia do
aprender do espírito. Como arte médica, corporal e
esportiva, deve cultivar a autonomia
dos homens nos cuidados e usos do corpo, prolongando a vida e aumentando sua
qualidade e potência” (Ibid, p. 166).
No tocante ao tema “psicanálise”, um artigo, resultado de dissertação de
mestrado apresentada na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), cujo autor tem
como objetivo “explicitar uma visão geral sobre o entendimento de Freud acerca das
possibilidades de uma educação voltada à profilaxia das neuroses e suas relações com a
educação moral, sobretudo no que diz respeito às perversões tais como a crueldade –,
que encontram na Educação Física um lugar propício para a sua manifestação”
(RODRIGUES, 1999, p. 171).
Além de Freud (1856 - 1936) possui como referências teóricas Foucault
221
e
principalmente Adorno
222
. Toda a discussão se no sentido de compreender porque
somos cruéis e se existe a possibilidade de nos educarmos para sermos diferentes. Neste
sentido, para o autor do artigo a educação é sinônimo de repressão e a civilização está
em oposição à felicidade, ou seja, ser cruel é o impulso natural que deve ser reprimido
com a educação e a felicidade é uma impossibilidade.
Quanto ao tema “legitimidade da Educação Física”, foram apresentados três
artigos, dos quais dois são resultado de dissertações de mestrado. Um elaborado na
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o outro na UFSM (Universidade
Federal de Santa Maria); o terceiro é proveniente de pesquisa institucional da UFES
(Universidade Federal do Espírito Santo)
223
.
A pesquisa realizada em Minas Gerais discute a legitimidade da Educação Física
no CEFET-MG e as outras pesquisas debatem essa disciplina nas escolas públicas de
Ensino Fundamental em seus respectivos locais de origem.
O primeiro artigo, sobre o CEFET, tem como objetivo “construir um conjunto de
argumentações concisas e articuladas que legitime a presença da Educação Física no
interior dos currículos dos Cursos de Engenharia Industrial do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais” (GARIGLIO, 1999, p. 151). Utiliza como
referência teórica autores que discutem o “mundo do trabalho” como Deluiz, Azevedo,
221
FOUCALT, M. A verdade e as Formas jurídicas. Tradução: Roberto de Melo Machado e Eduardo
Jardins Morais. Rio de janeiro: NAU, 1996.
222
ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Tradução: Wolfang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1995.
223
O artigo da UFES pertence ao LESEF – Laboratório de Estudos em Educação Física e Desportos.
189
Machado e, na Educação Física, Bracht
224
, e procurando mostrar que a Educação Física
pode contribuir com a educação do trabalhador brasileiro, principalmente com as
modificações do “mundo do trabalho” ocorridas após a crise estrutural do capitalismo
nos anos de 1970.
O “novo papel do trabalhador” nessa nova ordem produtiva exigiria, segundo o
autor, uma qualificação polivalente; são necessárias competências relacionadas com a
comunicabilidade, espírito de equipe, cooperação, sociabilidade, entre outros. A
contribuição dessa disciplina seria no sentido da formação relacional e comunicativa do
trabalhador, no “mundo do lazer” e para a atividade física e saúde. A contribuição se
daria por ser uma disciplina que promove “vivências e experiências coletivas e de
intensa ão comunicativa (...), suas estruturas internas estão ligadas o somente ao
universo do trabalho mas também ao mundo do lazer” (Ibid, p. 153-154). A sua
importância também se revela quanto à saúde preventiva, pois esta, conforme o autor,
tem sido objeto de grande divulgação na mídia.
Enfim, além de separar o “mundo do trabalho” do “mundo do lazer”, está
preocupado em melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores sem questionar em
nenhum momento a lógica social. Ou seja, em sua concepção a Educação Física se
legitima por adequar o trabalhador aos ajustes do capitalismo.
O segundo artigo tem como objetivo “identificar elementos que viabilizem a
inserção da Educação Física na proposta político-pedagógica da escola, determinando o
seu papel na estruturação do currículo escolar” (GOEDERT, 1999, p. 222).
A pesquisadora trabalha com fontes documentais, observações e participações
em reuniões e palestras de uma escola pública. Além dessas fontes, ela faz entrevistas e
debates no período de 1996 a 1998, quando se construía na escola o projeto político
225
.
Sua referência teórica é Bracht, o Coletivo de Autores
226
, entre outros.
Apresenta como caminhos para a superação dos problemas percebidos:
224
BRACHT, V. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
DELUIZ, N. A formação do trabalhador no contexto de mudança tecnológica. Boletim Técnico do
SENAC. Rio de Janeiro. V. 20, n.1, p.14-25, jan./abr. 1994.
AZEVEDO, J. Educação tecnológica: anos 90. Portugal: Asa, 1991.
MACHADO, L. R. de S. Recurso humanos com qualificações sólidas: a redistribuição do saber e das
competências na nova era da qualidade e da produtividade. Cadernos de RH. Belo Horizonte: IEDRHU,
1993, p.19-31.
225
A autora cursou o mestrado em Santa Maria/RS na UFSM, mas a pesquisa foi realizada na cidade de
Curitiba com o auxílio de alunos participantes de um projeto do curso de Educação Física da
Universidade Federal do Paraná.
226
BRACHT, V. Considerações acerca da identidade da educação física. UFSM/RS,1994. (mimeo)
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.
190
a) reconhecimento das concepções pedagógicas presentes no ensino da
educação sica, de modo que estabeleçam ligações entre o mundo
social, o educacional e o do educando, intentando ao surgimento da
ação pedagógica através da mediação entre teoria e prática, e
relacionando a Educação Física com a educação intelectual e política
crítica; b) esclarecimento quanto ao saber em torno do qual se
constitui a Educação Física, frente às diferentes matrizes
epistemológicas e legitimões que constituem este saber; c)
construção de propostas didático-metodológicas coerentes com uma
Educação Física comprometida e atuante nas transformações sociais
(Ibid, p. 225).
Como limites que dificultam esse processo a autora aponta:
a) lacunas relacionadas a conhecimentos e competências de ação do
professor para organizar o seu trabalho escolar, com base na assunção
do aluno como um ser concreto;
b) Falta de assessoramento e de políticas públicas bem definidas para
a capacitação dos
professores, no tocante ao domínio dos pressupostos
político-metodológicos que avançam numa perspectiva progressista da
Educação (Ibid, p. 225).
A pesquisadora também questiona a falta de articulação dos professores com as
questões sociais mais amplas. Mesmo considerando a relevância do problema
levantado, relata a falta de “vontade política” para a concretização do projeto político
pedagógico e enxerga a resposta na articulação entre “Estado, Escola e Universidade”,
ou seja, também não consegue ir à raiz das questões, relações sociais, e direciona seus
esforços para as políticas públicas.
O terceiro artigo que discute a legitimidade da Educação Física propõe “captar e
compreender alguns elementos presentes no imaginário do professor de EF acerca do
seu trabalho pedagógico quanto à relevância da EF na escola, aos conteúdos que ensina,
à importância de ensiná-los e ao seu planejamento educacional” (BRACHT et al., 1999,
p.184). O grupo de pesquisadores informa que essa investigação faz parte de um projeto
mais amplo que visa avaliar a Educação Física enquanto um componente curricular nas
escolas de todo o Estado do Espírito Santo. Trabalham a análise de respostas dadas a
um questionário, em uma amostra de 62 escolas de todas as regiões do estado.
Para fundamentar o trabalho, utilizam-se das contribuições de Bracht,
Perrenoud
227
, entre outros. E como estão em busca de compreender o imaginário do
227
BRACHT, V. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1997.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote,
1997.
191
professor, o fio condutor da análise é a apreensão do discurso individual. Por isso
esclarece:
O discurso individual de cada professor manifesta o universo
subjetivo que ele constrói a partir das suas vivências objetivas/sociais.
Essa carga subjetiva também redimensiona e reconstrói, em certa
medida, esta mesma realidade. Desta forma, para um projeto que
pretende contribuir para a mudança na prática pedagógica do
professor de EF, torna-se relevante apreender e compreender a
representação que este professor tem acerca de seu trabalho, pois esta
representação é constituída e constituidora da realidade social na qual
ele se insere (Ibid, p.185).
Ao final, os autores chegam à conclusão de que o esporte é ainda o conteúdo
predominante nas aulas, seguido pela recreação e noções de saúde. A maioria dos
professores assevera que dedica tempo à preparação das aulas, mas uma parcela revela
que, por terem experiência, não necessitam desse tempo. Embora relatem que utilizam
livros para a preparação das aulas, não conseguem indicar bibliografia. Enfim, a
pesquisa indica fundamentalmente que:
O professor de EF justifica a importância da EF na escola vinculada
especificamente ao “desenvolvimento do aluno”, à “socialização” e à
“educação interdisciplinar”; nessas três principais justificativas, o
professor revela impossibilidade de perceber a especificidade da EF
enquanto um componente curricular; (...) Esses elementos nos
permitem considerar que os professores de EF das escolas estaduais
do Espírito Santo estabelecem um certo estranhamento com facetas de
seu próprio trabalho pedagógico. As contradições e ambigüidades
desse processo de estranhamento constituem o ponto de partida de um
possível projeto de intervenção rumo a mudanças na sua prática
pedagógica (Ibid, p.192).
Sem desconsiderar a importância da pesquisa e de algumas de suas conclusões, o
grupo se mostra eclético em seu referencial, mas com uma perspectiva idealista e
subjetivista no trato com as questões.
Sobre o assunto “planejamento de ensino e propostas pedagógicas” foram
apresentados quatro artigos no GTT - escola. Dois deles são resultado de pesquisas
realizadas no mestrado na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e na UFU
(Universidade Federal de Uberlândia). Os outros dois são resultado de pesquisa
institucional, sendo um do grupo NepeccUFU e o outro da disciplina de Prática de
Ensino do curso de Educação física da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
A autora do primeiro artigo postula que seu estudo “pretendeu trabalhar e
analisar o desenvolvimento da práxis político-pedagógica da Educação Física no ensino
de 1º. grau, com base na teoria pedagógica de Paulo Freire” (VENTORIM, 1999, p.
192
239). Seu referencial teórico estava fundamentado no Coletivo de Autores, Bracht e
principalmente em Kunz e Paulo Freire
228
. Sua pesquisa-ação, como denomina a autora,
foi realizada durante 39 encontros com uma turma de . série da escola pública. O
conteúdo a ser trabalhado foi decidido coletivamente, ficando estabelecido que as aulas
versariam sobre futebol.
Após a descrição das aulas, a pesquisadora relata, entre outras questões, que
houve a tentativa de equacionar problemas como a tensão entre liberdade e autoridade e
a dicotomia entre aulas teóricas e práticas, trabalhando no sentido da interdependência
das mesmas. Revela ainda grande dificuldade com as “ações dialógicas” que foram
superadas, ou seja:
Mesmo rejeitando as ações dialógicas os estudantes revelaram que a
práxis pedagógica, orientada pela abertura ao diálogo e pela busca da
compreensão dos problemas cotidianos, apresenta-se como referência
para a melhoria nas relações professor/alunos/conhecimento (Ibid, p.
243).
A abertura democrática e dialógica da professora garantiu como conteúdo da
Educação Física o esporte que é hegemônico, mais especificamente o futebol que
normalmente é ‘praticado’ nas aulas de Educação Física. Será que os alunos possuem
condições para escolher qual é o conteúdo de uma disciplina pedagógica? Não deveria
ser papel do professor?
O segundo artigo, também resultado de dissertação de mestrado, tem por
objetivo tratar da “organização do trabalho pedagógico e produção de conhecimento na
construção do projeto-pedagógico da escola” (CARVALHO, 1999, p. 193). Tem como
um dos princípios o trabalho coletivo que deve se estender em toda a organização do
trabalho pedagógico. Compreende que o projeto político-pedagógico deve se dar da
seguinte forma:
Projeto com uma orientação, uma direção, a partir de uma ação
intencional, como um compromisso assumido coletivamente. Desta
forma, o projeto político-pedagógico da escola deve estar
essencialmente/intimamente articulado ao compromisso sócio-político
dos interesses coletivos reais da classe trabalhadora. (...) E este
processo de construção se enquanto organização do processo de
trabalho da escola, permitindo determinados princípios de vivência
democrática na participação de todos os sujeitos da comunidade
escolar no exercício da cidadania (Ibid, p. 194).
228
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.
BRACHT, V. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
KUNZ, E. Educação física: ensino & mudança. Ijuí: Unijuí,1991.
FREIRE, P. Uma educação para a liberdade. 4. ed. Porto: Textos Marginais, 1994.
193
Além disso, aponta o trabalho como princípio educativo” como importante,
pois, sua ausência junto à fragmentação do conhecimento caracteriza a relação conteúdo
e forma da “escola capitalista”. Chega a essa afirmação discutindo com base em
Vázquez e Freitas
229
. A partir dessas referências explica o significado da categoria
trabalho e particularmente o seu significado no capitalismo, bem como as características
dessa sociedade, o processo de trabalho e a introdução de novas tecnologias. Na esteira
de Saviani, considera o trabalho do professor como não-material, discute a necessidade
de socialização do conhecimento, confunde trabalho com educação e afirma:
A própria história da escola indica que ela cresceu separada do mundo
do trabalho (...) A escola não está desvinculada da sociedade, assim
como, não está totalmente determinada por ela, nem totalmente livre
dela. (...) A organização do trabalho pedagógico da escola, é
desvinculado da prática, porque não é vinculado ao trabalho
material; pois é no trabalho material que se garante a
indissociabilidade entre teoria e prática social e exige
interdisciplinariedade. É por isso que a pedagogia socialista no
trabalho material uma categoria central para a educação (...) a
fragmentação do conhecimento e a ausência do trabalho como
princípio educativo são dois aspectos fundamentais que caracterizam a
atual relação conteúdo/forma da escola capitalista, com repercussões
diretas para os métodos de ensino empregados em seu interior (Ibid, p.
197, grifo meu).
E ainda, buscando uma síntese provisória à superação da dicotomia
teoria/prática, enuncia que:
A articulação da Pedagogia Crítico-superadora, perpassa pela
apreensão do materialismo histórico-dialético, enquanto
epistemologia, gnosiologia e lógica; especialmente como referencial
do Projeto Histórico-Socialista. Para que haja uma compreensão mais
ampla dos dados demonstrados pela realidade escolar, concretizando
assim uma intervenção coletiva de qualidade (Ibid, p. 199, grifo meu).
A autora traz referências fundamentais para a discussão da área da Educação
Física, principalmente considerando a época em que foi realizada a pesquisa. Seu texto
é avançado inclusive para a atualidade, porque as discussões sofreram retrocesso. No
entanto, a necessidade de avançar e superar questões que hoje entendo como
equívocos cometidos não só pela autora, mas também por muitos teóricos que se
orientam pelo referencial marxista. Dentre os equívocos, chamo a atenção para educar
para a cidadania como proposta socialista; a incompreensão da categoria trabalho e
como consequência a sua especificidade na sociedade capitalista; a incompreensão da
229
VÁZQUEZ, A. S. Op. Cit.
FREITAS, L. C. de. O trabalho como princípio articulador na Prática de ensino e nos Estágios.
Campinas: Papirus, 1995.
194
categoria de totalidade; enfim, a incompreensão do significado do materialismo
histórico.
O terceiro artigo, resultante de pesquisa institucional da mesma universidade e
grupo de pesquisa do artigo anterior, tem como objetivo
apresentar o processo de elaboração, desenvolvimento e avaliação
crítica de uma estratégia de ensino fundamentada no jogo
enquanto instrumento do agir comunicativo, que vem sendo
desenvolvida no contexto do Planejamento Coletivo do Trabalho
Pedagógico PCTP dos/as professores de Educação Física que
ministram aula na rede Municipal de Ensino de Uberlândia, MG
(CAMARGO et. al., 1999, p. 159, grifo meu).
Suas referências teóricas são Habermas
230
, Mumñoz Palafox, Kunz, Berger e
Lukmamn
231
. Desse referencial deriva a compreensão pela qual a aprendizagem deve
ser voltada para a cidadania crítica, o que resulta em uma “situação de ensino dinâmico-
dialógica” na qual se faz a análise dos comportamentos nas aulas e como consequência
se procura resolver as situações de conflito que surgem durante o processo. Os conflitos
são, então, resolvidos pelo consenso ou pelo voto, elevando, conforme os autores, a
consciência dos alunos acerca da “importância da cooperação, da necessidade de mediar
criticamente seus interesses individuais com os coletivos e de construir a prática da
alteridade” (Ibid, p.159).
Apontam ainda a necessidade de superação da racionalidade instrumental pela
constituição de uma racionalidade dialética, que tem como fundamento o agir
comunicativo. O grupo apresenta ainda um plano de atividades completo com o título
“Conhecendo, modificando e criando novos jogos coletivamente pelo agir
comunicativo”, em que as dificuldades encontradas para a realização das aulas foram a
resistência dos alunos; a indisciplina; e a ausência dos professores no trabalho coletivo.
Na verdade, a proposta do grupo perde a especificidade da Educação Física, haja
vista que o “jogo” é apenas uma estratégia para melhorar a conduta dos alunos e
professores na tentativa de atingir sua meta, qual seja, a cidadania. Possui como
principal referência Habermas, que também acredita nas modificações internas na
230
O autor é citado no artigo, mas não consta das referências bibliográficas.
231
MUMÑOZ PALAFOX, G. Implicações do processo ensino-aprendizagem na construção da
personalidade do educando. Revista em busca de novos caminhos: pré-escola, 1
o
.graus. Uberlândia,
1(1):43-50.1995.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí. Unijuí. 1994.
BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis. Vozes. 1974.
195
sociedade pela comunicação, consenso, política, desconsiderando a totalidade das
relações de produção.
O quarto artigo foi escrito na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e tem
como objetivo:
Analisar as dificuldades presentes no cotidiano escolar, relacionadas
com o processo de elaboração e implementação de uma proposta
pedagógica para a educação física, numa perspectiva crítica de ensino,
a partir dos limites e possibilidades que historicamente vêm
condicionando a prática pedagógica dos professores de educação
física, como é o caso também, da formação profissional e da realidade
concreta da escola onde se processa a experiência docente (FRATTI,
1999, p. 201).
As principais referências do autor são Bracht, Coletivo de Autores, Gadotti e
Saviani
232
. Para a realização da pesquisa, o autor organizou e ministrou um ano de aulas
em uma turma de 5ª. série, no ano de 1998. Sua grande preocupação era que mesmo
com todos os limites encontrados fosse possível realizar “intervenções contra-
hegemônicas no contexto escolar que sustentem uma nova postura político pedagógica
para a educação física/educação que se contraponha ao sistema capitalista” (Ibid, p.
201).
Esse projeto de organização curricular pode ser realizado, na concepção do
autor, por ter “mergulhado” no cotidiano escolar e perceber que este é muito mais
amplo e envolve questões como, por exemplo, diferentes níveis de escolaridade,
políticas públicas, crenças religiosas, entre outras.
Trabalha como eixo temático gênero, classe, raça, local, mas sem perder de vista
os conteúdos específicos como: esporte, ginástica, dança e jogos. Indica como
diretrizes:
a) promover dentro da disciplina de educação física a produção
coletiva do conhecimento; b) estimular que os alunos se tornassem
sujeitos do processo de construção do conhecimento; c) discutir sobre
categorias essenciais que sustentem o trabalho coletivo: da produção
individual à cooperação, do individualismo à consciência coletiva, da
submissão à liderança, da alienação ao pensamento crítico, do
autoritarismo à democracia (Ibid, p. 203).
O trabalho possui pontos relevantes, já que procura manter a especificidade da
Educação Física e entendê-la em uma totalidade, embora não faça uma previsão do
232
BRACHT, V. Op. Cit.
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.
GADOTTI, M. Pensamento pedagógico brasileiro. 6. ed. São Paulo: Ática, 1995 (Série Fundamentos).
SAVIANI, D. Op. Cit.
196
planejamento como um todo. O autor confunde classe trabalhadora com classes
populares e se coloca em uma posição de fora dessas classes. Aponta que um dos
problemas do município onde realiza o trabalho é ter apenas um vereador do PT
(Partido dos Trabalhadores), o que demonstra que o autor faz uma grande aposta na
intervenção política partidária institucional.
Em relação ao tema que denominei “conhecimento específico”, foram
apresentados oito artigos. Um que discute o conhecimento em Educação Física, outro
sobre capoeira e os outros são artigos referente à dança, esporte e ginástica geral. Os
textos se originam de diversas partes do país, como o do Rio de Janeiro, Florianópolis,
Campinas, Salvador, Porto Alegre e Recife, possibilitando mostrar as preocupações com
o conteúdo específico da disciplina Educação Física de forma mais abrangente.
O artigo que trata do conhecimento específico do professor de Educação Física é
resultado de dissertação de mestrado da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande
do Sul). O objetivo da pesquisa é, a partir da interpretação e da observação de 20
professores de Porto Alegre,
responder na perspectiva de seus participantes as seguintes
perguntas: a) Que conhecimentos são importantes para seu
trabalho na escola pública de Porto Alegre? b) que
conhecimentos produzem e como os incorporam à sua atividade
diária na escola? c) que expectativas têm as outras parcelas da
comunidade escolar quanto a seu conhecimento? d) que relação
mantém o coletivo com o conhecimento produzido no âmbito de
sua disciplina? (MOLINA, 1999, p. 214).
Molina tem como principais referências teóricas Shulman, Shön, Martínez
Bonafé e Elbaz
233
. Após fazer uma síntese de suas posições, o pesquisador expõe:
Os autores citados coincidem em que o conhecimento do professorado
se constrói e se organiza a partir da experiência de cada docente, que
mesmo sendo pessoal, está delimitada pelo marco das interações
produzidas em contextos sociais e culturais, fato que permite
identificar suas características comuns em cada coletivo em particular
(Ibid, p. 216).
233
SHULMAN, L. S. Paradigmas y programas de investigación en el estudio de la enseñanza: Una
perspectiva contemporanea. En: WITTROK, M. C. La investigación de la enseñanza, I. Enfoques,
teorías y métodos. Barcelona: Paidós-MEC, p. 09-91, 1989.
SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos. Madrid: Paidós-MEC, 1992.
MARTINÉZ BONAFÉ, J. Renovación pedagógica y emancipación profesional. Valencia: Servei de
Publicacions, Universitat de Valencia.
ELBAZ, F. Cuestiones en el estudio del conocimiento de los profesores. En. VILLAR ANGULO, L. M.
Conocimiento, creencias y teorías de los profesores. Acoy: Marfil, p. 87-97, 1988.
197
Em outro momento do texto, deixa claro que os contextos aos quais se refere são
os ambientes em que o professor está inserido e com o qual estabelece relações
imediatas. Assim:
Logo que alguém é iniciado numa prática docente passa a compartir as
tradições de uma comunidade docente, um conjunto de significados e
de compreensões, além de interrogações comuns. Para Schön (1992),
nesse caso, o iniciante aprende a linguagem, o sistema, o sistema de
valores, o repertório (Ibid, p. 215).
No decorrer do artigo, faz várias considerações sobre os professores
investigados, como o fato de não haver acordo entre eles sobre qual é o conhecimento
mais adequado a ser ministrado; a questão de considerarem como “missão” a
socialização do conhecimento; reclamarem a falta de livros na área; sofrerem muito
preconceito na escola. Para o pesquisador:
A estratégia mais eficaz [dos professores] é sua capacidade de resolver
problemas para viabilizar sua aula, seja buscando novos recursos
didáticos, ou superando situações adversas, como por exemplo,
desenvolver um artefato alternativo. Entretanto a de maior impacto na
comunidade escolar é quando fazem público seu conhecimento sobre
como conectar com o aluno, estando este em situação de liberdade de
movimentos, isto é, fora da aula (Ibid, p. 217).
O pesquisador sugere uma revisão da formação inicial e formação permanente
em função da distância entre a produção acadêmica e a prática dos professores. Em seu
seu texto fica explícito que para os professores as relações interpessoais são mais
importantes do que o conteúdo, e a “sensibilidade na experiência” mais importante que
o conhecimento. Neste sentido, os conteúdos têm importância se facilitam essas
situações. Enfim, o conhecimento específico é secundário.
O outro artigo aborda o conteúdo da capoeira. Embora não explicitado, parece
tratar-se de uma pesquisa institucional da UFBA (Universidade Federal da Bahia). O
referencial teórico utilizado pelos autores diz respeito às produções que tratam do
referido tema e também o livro do Coletivo de Autores. Os pesquisadores propõem
como objetivo:
Discutir a importância da capoeira enquanto instrumento pedagógico
de intervenção no âmbito da escola, sobretudo no que se refere ao
universo constituído pelo público mais carente, priorizando um
processo que enfatize a aquisição da auto-estima, autonomia e
construção da identidade por parte dos alunos. Relata tamm a
experiência do Festival de Capoeira na Escola. (CASTRO; ABIB,
1999, p. 177).
198
Os autores defendem a capoeira como um conteúdo que ajudaria no
enfrentamento dos obstáculos da vida e na construção da cidadania. E assim:
A partir de alguns anos de experiência com processos pedagógicos
envolvendo a Capoeira, sobretudo junto a crianças e adolescentes
provenientes de um nível sócio-econômico mais baixo, é que um dos
elementos que mais tem servido como indicador da importância desse
trabalho, reside justamente na valorização da identidade e da auto-
estima desses jovens (incluindo-se também aí os adultos) que ao se
integrarem ao universo da Capoeira, começam a estabelecer uma
relação mais próxima com a história de seu povo, de sua cultura e
conseqüentemente, de sua idiossincrasia (Ibid, p.179).
Apontam ainda a capoeira como conteúdo que pode ampliar as discussões para
além dos problemas raciais e étnicos, levando as preocupações para as questões de
classe social no capitalismo e afirmam que a essa altura do culo torna-se impossível,
até para educadores medianamente conscientes, desligar as implicações econômicas,
sociais e políticas de suas atividades pedagógicas” (Ibid, p. 181). E ainda, torna-se
imprescindível a formação de uma consciência crítica e reflexiva sobre a realidade que
cerca o aluno, que por sua vez, tem a possibilidade de se reconhecer como sujeito de
uma práxis político-pedagógica, dentro dos princípios de uma educação libertadora”
(Ibid, p. 181).
Embora procurem uma direção de crítica à sociabilidade capitalista, os autores
se mostram equivocados ao propor a construção da cidadania como saída para o
capitalismo. Essa compreensão sobre a cidadania é comum dentre alguns autores
marxistas, o que não é o caso dos autores. Confundem ainda a crise do capital com a
crise da modernidade, fortalecendo implicitamente a compreensão pós-moderna como
saída. E ainda em relação ao conteúdo, para destacar a capoeira não apontam os outros
conteúdos da Educação Física, não mencionam em nenhum momento que esse conteúdo
deve ser desenvolvido junto a outros.
Ainda no que tange ao tema “conhecimentos específicos” da Educação Física, há
dois artigos com abordagens distintas acerca do conteúdo dança. O primeiro, produzido
por uma professora de escola municipal do Rio de Janeiro, é resultado de uma pesquisa
bibliográfica que pretende “analisar na literatura brasileira como a dança tem sido
considerada e refletida enquanto tematização na educação física” (PACHECO, 1999, p.
117). O segundo artigo, organizado em Florianópolis, investiga “nas séries iniciais a
utilização da dança como conteúdo das aulas de Educação Física, analisando a
importância que os professores dessas escolas oferecem à dança e propô-la ainda como
199
componente do desenvolvimento das crianças em idade escolar” (SOARES, 1999, p.
124).
No primeiro artigo, a autora faz críticas ao tecnicismo e justifica que é
necessário legitimar a Educação Física, reconhecendo que o ser humano é corpo. Por
isso a escola deve ser entendida também como um espaço de resistência, pois “se a
escola reproduz estruturas predominantes da sociedade pensar sua corporeidade, as
atividades físicas e a dança, a própria escola pode torna-se um espaço de resistência, de
transformação e de superação de manifestações discriminatórias” (PACHECO, 1999, p.
122).
Pontua ainda que a dança é construída fora da escola e deve receber uma
“filtragem crítica” ao se tornar um conteúdo escolar. Como referência teórica destas
discussões a autora apresenta pesquisadores da dança, da Educação física como Vago
234
e, também, o filósofo Santin
235
.
O segundo artigo sobre dança possui um enfoque diferenciado do anterior. A
pesquisadora em alguns momentos cita o Coletivo de Autores, mas tem como referência
principal Kunz
236
.
Para a autora, a dança se justificaria na escola por contribuir para o resgate da
subjetividade, desenvolver a afetividade, a autoestima, a sociabilidade e a expressão
corporal. Assim: “A dança como componente curricular da Educação Física não pode
ser esquecida, pois através da cultura de movimento dos alunos é possível que se possa
desenvolver a criatividade, coeducação e solidariedade e o resgate do ser humano na Era
da tecnologização” (SOARES, 1999, p. 124). E ainda ao citar Soares et. al. (1998, p.
124)
237
complementa que a dança contribui para estabelecer uma “sociedade ética, mais
eqüitativa e solidária”.
Nos conceitos de cultura de movimento, Educação Física e a crítica ao esporte, a
autora toma os conceitos de Kunz. Também sempre retoma a ideia de resgate histórico e
cultural da dança para tratá-la como conteúdo, mas não é esse o tratamento dado pela
autora. A dança é justificada no decorrer de todo o texto, como já apontei, como
estratégia para atingir determinados valores. A sociedade é sempre dada e não
234
VAGO, T. M. O ‘esporte na escola’ e o ‘esporte da escola’: Da negação radical para uma relação de
tensão permanente. Porto Alegre, Movimento. Ano 3, n. 5, p. 4-17, 1996/2.
235
Embora utilizado como referência no artigo, o autor não consta das referências bibliográficas.
236
COLETIVO DE AUTORES. Op. Cit.
KUNZ, E. Educação Física: Ensino e mudança. Ijuí: Unijuí, 1995.
237
SOARES, A., ANDRADE, C. G., SOUZA, E. C. & SARAIVA-KUNZ, M. C. Improvisação e dança:
conteúdos para a dança na educação física. Florianópolis/UFSC: Imprensa Universitária, 1998.
200
questionada. O questionamento sempre recai à perda da subjetividade num mundo da
“tecnologização”.
O enfoque teórico-metodológico é diferente nos dois artigos. Implicitamente, o
primeiro está no campo da fenomenologia e o segundo no campo da teoria crítica da
Escola de Frankfurt.
Foram apresentados também dois artigos referentes à ginástica geral de
diferentes autoras, mas ambas são participantes do mesmo grupo de ginástica geral da
Unicamp. Os dois artigos partem da crítica à esportivização da Educação Física. Um
deles é uma apresentação da concepção de ginástica geral desenvolvida pelo grupo, e o
outro é parte de uma tese de doutorado em que a autora afirma que quer compartilhar,
no artigo, suas reflexões construídas no seu estudo de doutorado sobre a perspectiva da
ginástica geral para a Educação Física.
No artigo em que a autora apresenta o trabalho do grupo de pesquisa, a meta a
ser atingida é “a facilitação da interação social entre os participantes, por meio da
vivência motora e da exploração dos recursos de materiais tradicionais e/ou adaptados”
(SOUZA, 1999, p. 233). Define ginástica geral como “uma manifestação da cultura
corporal, que reúne as diferentes interpretações da Ginástica, integradas às demais
formas de expressão do ser humano, de forma livre e criativa” (Ibid, p. 233).
Nos dois artigos, a proposta é que a aula seja construída com os alunos, de
maneira que o professor os ensine a vivenciar valores humanos, como cooperação,
responsabilidade, a amizade, a solidariedade, o respeito a si próprio e aos demais
(Ibid, p. 234) (grifo meu). Somam-se a esses ensinamentos “a criatividade, o respeito às
normas e leis do grupo e da sociedade como um todo, o espírito crítico, a honradez, a
afetividade, a liberdade, a disponibilidade” (Ibid, p. 235). Assim sendo,
na Ginástica Geral, o principal alvo de atenção deve ser a pessoa que a
pratica, sendo as metas fundamentais promover a integração entre as
pessoas e grupos e desenvolver o interesse pela prática da Ginástica
com prazer e criatividade. A ludicidade, a liberdade
de expressão
e a criatividade são pontos marcantes na Ginástica Geral (AYOUB,
1999, p. 139, grifo da autora).
Constata-se que na aula se tem um caráter livre e espontâneo e a ginástica geral
não é utilizada como conteúdo, mas como estratégia para vivenciar determinados
valores. O conteúdo da ginástica estruturado historicamente não é mencionado nessas
aulas.
201
Os dois últimos artigos tratam do conteúdo esporte. O primeiro, organizado a
partir de um projeto de doutorado da FE/UFRJ ( Faculdade de Educação/ Universidade
Federal do Rio de Janeiro), tem como objetivo discutir,
como o professor trabalha o esporte enquanto conteúdo da Educação
Física e como essa cultura esportiva é mercantilizada pelo próprio
professor, quando o espaço físico, os recursos materiais, as condições
objetivas de vida dos alunos e as condições de trabalho são
consideráveis para uma aula de qualidade (MORAES, 1999, p. 147).
Como referencial teórico-metodológico, o pesquisador utiliza as teorias de
representações sociais de Serge Moscovici e a teoria crítico-emancipatória de Kunz
238
.
Trabalha com a perspectiva das três dimensões do esporte classificadas por Tubino
239
, o
esporte de participação, o educacional e o de rendimento, pontuando que nas três
dimensões o processo pedagógico está presente. Denuncia ainda os problemas do
esporte como o doping, o treinamento precoce, argumentando que:
Minha concepção de esporte é que se trata de um objeto social que
envolve grupos complexos e diferenciados em diversos aspectos
sociais e culturais. Apesar disso, a prática do esporte nos diversos
ambientes se apresenta de forma sistematizada e universal, tendo no
topo do sistema a competição, o auto rendimento técnico, físico e
tático como de produção coletiva, mesmo quando o discurso da
comunidade deixa predominar as questões pedagógicas (Ibid, p.147).
Assevera também que na escola o esporte faz parte das atividades
extracurriculares, assim chamando a atenção de pais e alunos sobre a escola. Isto para os
professores representa um aumento nos rendimentos, e a Educação Física se torna uma
amostra do esporte que o aluno pode praticar fora da aula. Por fim, conclui enunciando
que,
desse modo podemos entender que o professor deixa de agir como no
passado, quando formava grupos de “elite” de alunos hábeis para
determinadas modalidades esportivas, e passa a formar grupos a partir
de interesses dos alunos com ou sem habilidades mas que tenham
condições de pagar pela aula que supostamente oferecerá melhores
(condições?) de ensino e aproveitamento (Ibid, p. 148).
238
MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zhar Editores, 1978.
KUNZ, E. Op. Cit.
239
TUBINO, M. J. G. Uma visão paradigmática do esporte para o início do século XXI. In: MOREIRA,
W. W. (Org.). Educação física & esportes: Perspectivas para o século XXI. Campinas-SP: Papirus,
1993.
202
Como se trata de um projeto de doutorado, a pesquisa não está concluída,
embora apresente algumas constatações sobre o que acontece em escolas, afirmando o
seu propósito no objetivo enunciado.
O segundo artigo é resultado de uma dissertação de mestrado da UFPE e tem
como objetivo questionar “como o esporte forma cultural que ritualiza elementos
fundamentais da sociedade capitalista pode participar de um projeto político-
pedagógico emancipatório?(Oliveira, 1999, p. 226). O autor possui como referências
teóricas Bourdieu, o Coletivo de Autores e principalmente Bracht
240
.
Tece considerações sobre o surgimento do esporte moderno, aponta as críticas
que se faz ao esporte na sociedade capitalista, reconhece essas críticas e indica a
superação:
O caminho a perseguir é o de uma reinvenção do esporte, uma
reorientação no seu sentido e significado, uma alteração no seu papel
social. O ponto crucial parece ser o acesso real e refletido à cultura
corporal, através da prática efetiva das atividades, mas de uma prática
capaz de aquisição e compreensão da expressividade da linguagem
corporal, refletindo sobre o significado e os valores do mundo por ela
representado e, também, construído (Ibid, p. 229).
Neste sentido, o autor compreende que a escola é um espaço que não
reproduz a sociedade, mas pode ser também um espaço de atuação contra-hegemônica.
Portanto, sendo o esporte um elemento da cultura corporal trabalhado na escola pela
disciplina Educação Física, ele pode ser transformado e apreendido de uma forma
crítica, ou seja:
Um esporte que sai da condição de conteúdo prioritário ou exclusivo
da organização das aulas, para ser tratado no âmbito de um programa
que contempla o amplo acervo de conteúdos ou temas da cultura
corporal, sem hierarquia. Um esporte que foge da ditadura dos gestos,
modelos e regras, que tem suas normas questionadas e é adaptado à
realidade social e cultural dos alunos. Um esporte desmistificado
porque conhecido, praticado de forma prazerosa, com vivências de
sucesso para todos. Um esporte adquirido como bem cultural, cuja
prática passa a ser compreendida como direito (Ibid, p. 231).
Para isso, além de outros pontos mencionados no artigo, o pesquisador assevera
que é necessário que o professor constantemente tenha um projeto político e um projeto
histórico de superação do capitalismo. O autor não deixa claro se a estratégia dessa luta
240
BOURDIEU, P. Programa para uma sociologia do esporte. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro:
Marco Zero, 1983.
COLETIVO DE AUTORES. OP. Cit.
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES/CEFED,1997.
203
é a transformação do esporte nas aulas ou a sua compreensão e apreensão concreta com
vistas à transformação da sociedade.
6.2.2 – GTT – Escola – 2001
Na análise do GTT escola/2001, a subdivisão dos artigos foi feita de acordo
com as temáticas abordadas pelos autores e sofreu uma pequena alteração em relação à
anterior em função do acréscimo e supressão de temas apresentados e organizados da
seguinte forma: Educação Física infantil (1), gênero (2), concepções de educação física
(2), legislação sobre a educação física (1), discussão sobre currículo (1), planejamento
de ensino e propostas curriculares (8), conhecimento específico (7).
No que tange ao tema “Educação Física Infantil”, nesse evento foi apresentado
um artigo em que a pesquisadora tem como preocupação o encaminhamento dado à
Educação Infantil e mais precisamente sobre a Educação Física em seu interior. Sua
pesquisa está vinculada ao mestrado em Educação Física da Unicamp e também faz
parte das reflexões do Gepia Grupo de Estudos e Pesquisa Infância e Aprendizagem.
Utiliza como referência autores que discutem a Educação Infantil e autores da Educação
Física envolvidos com esse tema. Entre eles cito Sao, Cerisara, Silva, Pinto, Coletivo
de Autores
241
.
A autora delimita sua discussão acerca da Educação Infantil às instituições
educacionais como creches e pré-escolas. Informa que estas surgem em meados do
século XIX com a consolidação do capitalismo, que cria a necessidade das mulheres
trabalharem, não tendo como cuidar de seus filhos. Essas instituições tinham caráter
assistencialista e higienista, educando a classe trabalhadora para a submissão, para a
cordialidade, entre outros objetivos. Afirma ainda que no Brasil possuíam as mesmas
características, sendo iniciadas a partir da Lei do Ventre Livre e se destinando à
educação dos filhos de escravos.
241
SAYÃO, D. T. A hora de A Educação sica na Pré-escola. Anais. Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte, n.10, p. 261-268, 1997. Goiânia.
CERISARA, A. B. A produção acadêmica na área da educação infantil a partir da análise de pareceres
sobre o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil: primeira aproximações. In: DE FARIA, A.
L. G., PALHARES, M. (Orgs). Educação Infantil Pós-LDB: Rumos e desafios. 2. ed. Campinas/SP:
Autores Associados, 2000.
SILVA, A. S. Educação Infantil: Simplesmente complexa. Campo Grande, 2001. (Mimeografado).
PINTO, R. N. A relação Estado/Infância/Sociedade: primeiras palavras. Goiânia, 2000.
(Mimeografado).
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
204
A autora também explica que o debate sobre a Educação Infantil no Brasil
começa no final da década de 1970 e início da década de 1980, mas é somente a partir
dos anos de1990 que há um pequeno avanço.
Neste sentido, discute a legislação que garante a educação das crianças de 0 a 6
anos, mostrando a sua obrigatoriedade. Aborda ainda como o processo de construção
dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI foi realizado
de forma equivocada. No seu início, participavam vários grupos de pesquisadores de
diversos locais, mas depois suas posições foram ignoradas e o documento construído
por um “grupo de especialistas”.
Em relação à Educação Física, após apresentar um breve histórico, a
pesquisadora demonstra preocupação pela falta de preparo dos professores dessa
disciplina e, também, dos professores de “sala” em relação a ela. Comenta a disputa
desses professores pelo espaço de aula e a discussão sobre a possível fragmentação do
trabalho pedagógico com a presença de especialistas na educação Infantil. E argumenta:
No entanto, entendemos que o fato de o especialista “entrar” no
currículo da Educação Infantil não “causa” a fragmentação, até porque
devido à própria falta de formação/qualificação do professor “de sala”,
este é um ponto que merece séria reflexão e se constitui enquanto uma
das principais causas desta fragmentação (OLIVEIRA, 2001, p.6).
Diante de todo o exposto, apresenta as questões que considera fundamentais e
que, para as responder, é preciso ser radical, ou seja, ir à raiz do problema. Suas
questões são:
Para além dos problemas no bojo da discussão mais ampla da
Educação Infantil, como legitimar uma prática de Educação Física que
atenda as reais necessidades da criança, se a nossa própria formação
profissional não conta disso? E ainda, para além desta questão,
como pode se dar o convívio com os demais profissionais, como
garantir um trabalho integrado, se estamos em uma área onde os
demais profissionais envolvidos também não possuem formação
qualificada? As respostas para estas questões, talvez sejam a médio ou
longo prazo. Uma certeza porém temos: A criança enquanto um ser
cidadão tem direito a uma educação de qualidad (Ibid, p. 6).
A respeito do tema “discussão sobre currículo”, foi apresentada uma pesquisa
que é parte de uma dissertação de mestrado da UFES (Universidade Federal do Espírito
Santo). Nesse estudo, os autores pretendem desenvolver uma análise de artigos
selecionados entre os relacionados à discussão sobre currículo na Revista Brasileira de
Ciências do Esporte, partindo da hipótese que a atuação dos docentes em geral, é
205
condicionada pelo seu papel na construção do currículo. Explica que essa pesquisa faz
parte de um estudo mais abrangente que analisa 18 periódicos.
A referência teórica para a análise é a Sociologia e Teoria Crítica do Currículo
de Silva, Moreira e Giroux
242
. Nessa perspectiva teórica há uma classificação das teorias
do currículo em: Teorias Tradicionais, Teorias críticas e Teorias Pós-críticas
243
. Assim,
assume uma concepção de currículo a partir dessa referência “como um conjunto de
todas as experiências de conhecimento proporcionadas aos/às estudantes, como um
núcleo do processo institucionalizado de educação, como um espaço de poder e
identidades sociais” (AROEIRA; FERREIRA NETO, 2001, p. 1).
Embasados nessa concepção de currículo e na referida classificação das teorias,
os autores propalam durante todo o texto que fazem a análise a partir da compreensão
das Teorias Críticas, em que a crítica recai sobre as Teorias Tradicionais. No entanto,
considerando a classificação apresentada pelos autores, suas afirmações demonstram
estarem mais próximos das Teorias Pós-críticas, como vemos nessa passagem:
Nesse sentido, entendemos, a partir das teorias, que não se pode estar
esquecendo, neste contexto, de outras relações aí envolvidas, como: de
gênero e raça, conceitos,
preocupações que envolvam as fronteiras
artificiais entre política e educação, entre currículo e ensino e
questões de poder cultural, político e econômico (Ibid, p. 6).
E também na síntese da análise realizada pelos autores afirmam existir uma
“relação superficial” entre o debate sobre o currículo e o contexto educacional mais
amplo e ainda o desconhecimento das concepções de currículo na atualidade. Essa falta
sentida nas discussões atuais pelos autores parece ser a discussão realizada pela
Sociologia e Teoria do Currículo.
Foi apresentado, também, um artigo em que a autora está preocupada com o
tema “legislação sobre a Educação Física”. Neste são discutidos os PCN’s, e sua
242
SILVA, T. T. da. Os novos mapas culturais e o lugar do currículo numa paisagem pós-moderna. In:
SILVA, T. T. da, MOREIRA, A. F. (Ogrs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
MOREIRA, A. F., SILVA, T. T. da (Orgs). Currículo, cultura e sociedade. 3. ed. São Paulo: Cortez,
1999.
GIROUX, H. A. Rumo a uma nova sociologia do currículo. In: GIROUX, H. A. (Org.). Os professores
como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
243
Segundo os autores, os principais conceitos dessas teorias são: Teorias tradicionais: ensino;
aprendizagem; avaliação; metodologia; didática; organização; planejamento; eficiência e objetivos.
Teorias Críticas: ideologia; reprodução cultural e social; poder; classe social; capitalismo; relações
sociais de produção; conscientização; emancipação e liberdade; currículo oculto; resistência. Teorias Pós-
críticas: identidade; alteridade; diferença; subjetividade; significação e discurso; saber-poder;
representação; cultura; gênero; raça; etnia; sexualidade; multiculturalismo” (AROEIRA; FERREIRA
NETO 2001, p. 3, grifo meu).
206
elaboração é resultante da dissertação de mestrado defendida na FEF/UFG (Faculdade
de Educação Física/Universidade Federal de Goiás). A autora se propõe a refletir sobre
“o sentido e a nese dos PCN’s, buscando apreender seus desdobramentos para a
educação física, suas prioridades e seus compromissos” (RODRIGUES, 2001, p. 1).
Algumas das suas referências são Cheptulin, Chauí, Frigotto, Coletivo de Autores,
Kunz
244
.
A autora explica o processo de elaboração do documento assinalando que não
houve a ampla participação de educadores brasileiros como consta no documento, mas
sim a elaboração por uma equipe de especialistas cujos nomes não foram explicitados.
Pontua também que houve influência dos organismos internacionais nessa elaboração.
Explica de maneira crítica que o documento introdutório apresenta várias contradições,
das quais, a seguir, exponho algumas de forma sintetizada.
A pesquisadora discute que no documento se fala em ensino para formar o
cidadão crítico, mas a ênfase recai na formação do profissional para atender a demanda
do mercado; anuncia-se a autonomia da escola, porém a captação de recursos depende
do projeto político pedagógico fundamentado nos PCN’s; possui um aparente caráter
democrático, mas o houve o debate, não está explicitada a participação dos diversos
segmentos sociais como movimentos do campo, experiências pedagógica de diferentes
cidades e escolas do Brasil; há uma ênfase no “aprender a viver juntos” e a “boa
educação” como forma de resolver problemas e conflitos de classes e etnias; enfim,
fala-se em integração social desconsiderando-se as relações “capital - trabalho”.
Explica como é tratada a Educação Física nos PCN’s de 5
a
. à 8
a
. séries e afirma
que uma ênfase nos aspectos prescritivos e um aligeiramento no tratamento dos
conceitos. Também a presença do ecletismo no referencial teórico, exemplificada
com a definição do objeto da Educação Física, sendo que existe uma sobreposição das
concepções de Kunz com aquelas do Coletivo de Autores.
A autora faz uma discussão sobre o tratamento dado aos princípios norteadores,
sendo eles: “inclusão, integração, diversidade, aprender a aprender, e o convívio social
ou aprender a viver juntos” (Ibid, p. 4). Mostra os problemas de todos eles, discutindo
244
CHEPTLIN, A. A dialética materialista: categorias e leis da dialética. Tradução de Leda R. C.
Ferraz. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
CHAUÍ, M. de S. A reforma do ensino. Revista Discurso, n. 8, p.148 a 160. São Paulo: Hucitec, maio de
1978.
FRIGOTTO, G. Educação e crise do capitalismo real. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
COLETIVO DE AUTORES. Op. cit.
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.
207
que não se leva em consideração a luta de classes que caracteriza o capitalismo.
Também faz a discussão relativa aos os conceitos cidadania, ética, aos temas
transversais, aos conteúdos e a sua organização, indústria cultural e conclui que no
documento estes nunca são tratados considerando a raiz das questões.
A pesquisadora, além dessas conclusões, ressalta algumas outras. Postula que os
PCN’s expressam o ideário neoliberal no sentido do:
cumprimento das reais funções do Estado capitalista (...), ação
coercitiva que busca justificar e manter sua hegemonia, além de
utilizá-la como instrumento para a conquista do consentimento da
classe dominada através de um discurso com a aparência crítica e
democrática (Ibid, p. 7).
No caso específico da Educação Física, expõe que neste se apresenta uma
atualização do discurso dando a impressão de criticidade, mas a atualização é para
adequá-la às “novas exigências do processo de globalização para a sociedade brasileira”
(Ibid, p. 8). Assim, defende-se a Educação Física,
para a formação da cidadania com base em princípios de inclusão,
integração, e diversidade como se isso significasse um rompimento
com a exclusão social e as injustiças provenientes das desigualdades
sociais. Entretanto, as bases conceituais de realidade social, educação,
escola, cidadania, e educação física ao serem vinculadas ao discursso
da integração e formação para o convívio social continua presa a
velhos interesses ideológicos, porém travestidos de uma roupagem
para as novas necessidades de adaptação ao perfil atual de cidadania
(neoliberal) e às novas exigências do capital para a formação do
trabalhador: autonomia, múltiplas habilidades, policognição,
polivalência, formação abstrata, capacidades e competências ligadas à
flexibilidade, participação, trabalho em equipe e competitividade
(Ibid, p. 7).
Enfim, os PCN’s trazem uma “visão de integração social”; de “ênfase ao
convívio social”; de prioridade das experiências; formando valores e competências para
a integração em grupos; “desprestígio do conhecimento”; “cotidianização da escola e da
educação física”. Ainda segundo a autora, em função da precariedade da escola, entre
outras coisas, “podem ajudar a cristalizar práticas e idéias na dimensão de senso
comum” (Ibid, p. 9). Nesse contexto, afirma sua posição no sentido de superação do
existente, ou seja, superação da
realidade da prática pedagógica em direção ao humano-genérico, que,
no sentido dado por Heller (1970)
245
significa a formação do sujeito
coletivo, a emancipação do “nós”, a articulação com a produção do
saber científico e com a reflexão filosófica. Essas são as
245
HELLER, A. O cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 1970.
208
possibilidades que o trabalho educativo pode assumir: ação
transformada em práxis e pensamento em teoria (Ibid, p. 9).
Neste sentido, encerra com a seguinte assertiva:
Acreditamos que os PCNs podem ser utilizados como ponto de partida
para reflexão sobre os compromissos e prioridades que a prática
pedagógica da educação física e da escola cumprem quando são
assimilados acriticamente. Na conjuntura atual, esta é a única
possibilidade que visualizamos: o diálogo crítico entre os PCNs, o
conhecimento produzido historicamente como ciência, filosofia,
política, arte, cultura, a prática pedagógica da educação física, e
as contradições da realidade social (Ibid, p. 9, grifo meu).
É possível constatar o trabalho minucioso da autora desvelando questões
fundamentais que foram incorporadas pela escola. No entanto, apresento cinco questões
que também considero fundamentais. A primeira diz respeito à definição de
“categorias” feita a partir de Cheptulin como “imagens ideais que expressam os
aspectos e os laços correspondentes da aparência das coisas materiais (o fenômeno).
Entendendo, inclusive, que a essência nem sempre coincide com o fenômeno, podendo
se diferenciar e até contradizê-lo” (RODRIGUES, 2001, p. 1). Essa definição de
categoria corresponde à matriz teórica proposta pela autora? Ou seja, ao materialismo
histórico? Lembrando que seu autor matricial discute categoria como “formas de modos
de ser, determinações da existência” (MARX, 1996, p. 45).
Outra questão também se refere à matriz teórica. Ao afirmar que é necessário ter
a ação transformada em práxis e pensamento em teoria” não seria um equívoco? Toda
ação humana é práxis e pensamento é teoria.
Na terceira, ao discutir ecletismo em relação às concepções de Educação Física,
não fica clara a posição da autora em relação à concepção crítico-superadora e à crítico-
emancipatória. A autora também parece incorporar as duas ao dar destaque ao objeto da
Educação Física.
Ficam também dúvidas acerca dos os conceitos de cidadania e democracia. A
autora critica a forma como eles são utilizados, mas não esclarece sua posição ou sua
compreensão acerca desses conceitos.
O último ponto, embora a autora apresente o Estado e suas respectivas
instituições e políticas como a expressão do capital, indica como resposta aos problemas
levantados a construção de outra política pública. A autora não estaria avançando e
depois recuando em suas posições?
209
Foram apresentados dois artigos acerca da “questão de gênero”, um deles pela
mesma autora que havia discutido esse tema no COMBRACE/1999. Na época era sua
dissertação de mestrado e nesse evento trata-se de uma pesquisa para o curso de
doutorado na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica). A autora possui como
objetivo “analisar a presença da sexualidade nos parâmetros Curriculares Nacionais,
buscando identificar a singularidade histórica desta proposta e seus possíveis efeitos na
escola e, mais especificamente, na Educação Física” (ALTMAN, 2001, p. 1).
Sua principal referência teórica é Foucault
246
. No decorrer do texto, ao
apresentar e discutir sobre sexualidade nos PCN’s, remete a discussão para questões de
poder e controle discutidas por esse autor.
A pesquisadora compreende que a sexualidade é uma discussão que está “na
ordem do dia” na escola e que essa instituição é chamada à responsabilidade pela
educação sexual. Explica a origem do conceito “sexualidade” no século XVII na Europa
e depois no Brasil relacionados a doenças e a desvios sexuais”. Na atualidade, essa
discussão se em função do grande número de gravidez indesejada na adolescência e
riscos de contaminação pelo HIV.
A autora, preocupada com a “inserção da orientação sexual na escola”, indica
que os PCN’s possuem uma proposta para fomentar essa discussão nesse ambiente. Para
ela, com a evidência de várias pesquisas, esse documento tem sido utilizado e
incorporado nas escolas, por isso sua análise é de fundamental importância. Neste
sentido, explica como no documento aparece a organização do conteúdo sexualidade”,
além de mostrar algumas contradições e pontos positivos do documento.
Para a Educação Física, embora não apareça especificamente o tema da
sexualidade em seus conteúdos, este é contemplado no bloco “conhecimentos sobre o
corpo” e quando se trata da questão de gênero, a autora argumenta:
Um dos principais objetivos apontados pelos PCN’s da orientação
sexual na escola é fomento de atitudes de autocuidadado, preparando
sujeitos autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua
sexualidade, sujeitos que incorporem a mentalidade preventiva e a
pratiquem sempre. A Educação Física aparece como um espaço
privilegiado para isto, seja devido aos seus conteúdos e dinâmica
de aula, seja pela relação que se estabelece entre professores e
alunos nestas aulas (Idem, p. 6, grifo meu).
246
FOUCAULT, M. A história da sexualidade 2. O uso dos prazeres. 8. ed. Tradução Maria Thereza de
Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
_______________ A história da sexualidade 1. A vontade de saber. 12. ed. Tradução Maria Thereza de
Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1997.
210
E conclui o artigo, pontuando:
O tema orientação sexual não tem apenas um caráter informativo,
como sugerem os PCN’s, mas sobretudo um efeito de intervenção no
interior do espaço escolar. (...) os PCN’s incitam a escola a, através de
práticas pedagógicas diversas, construir e mediar a relação do sujeito
consigo mesmo (...) Através da colocação do sexo em discurso, parece
haver um complexo aumento do controle exercido sobre os
indivíduos, o qual se exerce não tanto através de proibições, mas
através de mecanismos, metodologias e práticas que visam produzir
sujeitos autodisciplinados no que se refere à maneira de viver sua
sexualidade. De maneiras diversas, meninos e meninas também
exercem formas de controle uns sobre os outros, bem como escapam e
resistem a este poder (Ibid, p. 7).
O segundo artigo referente à “questão de gênero” é uma pesquisa institucional
da UFPR, em que os pesquisadores defendem a Educação Co-educativa. Utilizam vários
autores como referência teórica, dentre eles Talbot, Saraiva, Pérez de Lara, Urruzola
247
.
A partir destes, fazem a defesa da co-educação em função de que a educação tradicional
tem como uma de suas funções
apresentar condutas diferenciadas para os indivíduos de ambos os
sexos (...) De maneira geral, as meninas e meninos “escolarizados”,
recebem educação diferenciada, conseqüência dos diferentes papeis
que eram requisitados para os mesmos, ou seja, para as meninas ser
boa esposa e mãe e, para os meninos bastava ser bons trabalhadores
para sustentar a casa (COSTA; SILVA, 2001, p. 1).
Os pesquisadores ainda afirmam que com os movimentos feministas as escolas
passam a ser mistas, mas o que houve foi incorporar a mulher numa escola de modelo
masculino. Assim:
Na realidade, a escola tem ignorado a dupla socialização, a meta foi
educar as meninas adaptando-as ao modelo masculino (...) Dessa
forma o modelo de escola mista não levou em consideração a
diversidade, oferecendo alternativas que valorizam apenas o modelo
masculino. Com isto, as meninas acabam sofrendo discriminações,
em função da falta de condições pedagógicas para o
desenvolvimento de suas potencialidades (Ibid, p. 2).
Para os autores, esses problemas levantados se fazem presentes nas aulas de
Educação Física, pois esse espaço talvez seja para as meninas “a única possibilidade
247
TALBOT, M. A gendered physical education: Equality and sexism. EVANS, J. (ed.) Equality,
education & physical education. London: Falmer Press, p.74-89, 1993.
SARAIVA, M. do C. Co- educação física e esporte:quando a diferença é mito. Ijuí: Ed.Unijuí, 1999.
PÉREZ de LARA, N. Feminismo, multiculturalismo y educacion especial. Cuadernos de Pedagogia. n.
253, p. 86-91, 1994.
URRUZOLA, M. J. Coeducar para el desarrolo físico. RAMOS, G. J. (Coord.). El camino hacia uma
escuela coeducativa. Sevilla: Morón. 1998.
211
para aprender e desenvolver as atividades físicas e corporais” (Ibid, p.4). Então sugerem
um suporte pedagógico que auxilie as meninas através do diálogo e algumas atividades
que não se balize pela questão de gênero
248
. A saída, segundo eles, é a co-educação que
trabalha com “eqüidade entre os sexos e cria um clima de desenvolvimento social,
motor, intelectual e psicológico tanto para a formação do sexo feminino quanto para o
masculino, valorizando suas contribuições e habilidades diferenciadas.
Na Educação Física, a co-educação:
Não deve ser pautada na comparação dos meninos com as meninas ou
da necessidade de destreza na dança por parte dos meninos e do
futebol por parte das meninas. O mais importante é valorizar a
diferença e a contribuição individual para todos os meninos e
meninas, sendo oferecidas atividades femininas e masculinas,
ampliando, desta forma, a sua oferta e proporcionando um maior
elenco de atividades (Ibid, p. 5).
Referente ao tema “concepções de educação física”, foram apresentados dois
trabalhos. No primeiro, o autor expõe em seu texto a concepção de “Educação Física
Plural”, tendo como referência teórica Daolio, Geertz
249
e Mauss
250
. Inicia com uma
discussão a respeito das várias conotações da “expressão cultura corporal” e sobre a
utilização de outras expressões como “cultura física, cultura motora, cultura de
movimento e cultura corporal de movimento” (CELANTE, 2001, p. 1), utilizadas como
sinônimos, mas que expressam conceitos distintos que dependem do referencial teórico
em que se fundamenta.
Discute a utilização desses termos nos autores Betti
251
, Coletivo de Autores,
Kunz, Bracht e reafirma a sua opção por Daolio, que utiliza a expressão “cultura
corporal” na perspectiva da “Educação Física Plural”. Feito isso, dedica-se, no artigo, a
explicar essa concepção.
Apresenta o objetivo principal, que “consiste em considerar o contexto
sociocultural onde ela ocorre e, por conseguinte, as diferenças entre os alunos, fazendo
delas condição de igualdade ao invés de critério para justificar discriminações e
248
Para ilustrar, os pesquisadores tomam como referência Urruzola, cujas propostas são: “a) não falar ou
escrever no masculino ou neutro quando a referência for o sexo feminino; b) considerar a importância das
opiniões femininas; c) incentivar e reforçar a participação das meninas para aumento da auto-estima; d)
levantar polêmica na oportunidade na qual meninos ridicularizam as meninas e e) valorizar nos meninos
qualidades “ditas” femininas” ( COSTA; SILVA, 2001, p.3).
249
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. Campinas, SP: Papirus, 1995.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
250
Embora este autor seja referência no artigo, não consta das referências bibliográficas.
251
BETTI, M. Cultura corporal e cultura esportiva. São Paulo. Revista Paulista de Educação física. V.7,
n.12, p. 44-51, 1993.
212
preconceitos”. (Ibid, p. 4). Neste sentido, assinala que o que mais chama a sua atenção
nessa vertente, é a concepção de homem e de cultura empregada por Daolio e explica
que o autor se fundamenta para isso, na antropologia de Geertz e Mauss.
A partir disso, faz uma crítica à Educação Física “biologicista, tecnicista e
desportivista, pelo fato desta ter estabelecido alguns movimentos corporais como sendo
melhores, “corretos”, desconsiderando, assim as demais formas de movimento” (Ibid,
p.5).
Sugere trabalhar com a eficácia simbólica”, pois compreende que o movimento
humano possui sentido/significado particular de acordo com o contexto onde ocorre.
Assim afirma que a “Eficácia que pode, algumas vezes, não funcionar em termos
biomecânicos, fisiológicos ou de rendimento esportivo, mas é a forma cultural como os
alunos utilizam as técnicas corporais” (DAOLIO apud CELANTE, 2001, p. 5, grifo do
autor).
Para perceber a “eficácia simbólica”, é necessário o “chamado ‘olhar
antropológico’, compreendendo o outro e compreendendo a si mesmo através do outro,
num processo de constante reavaliação da prática pedagógica”. (CELANTE, 2001, p.5).
O autor ainda apresenta os objetivos que devem ser contemplados no Ensino
Fundamental e Médio e contêm três aspectos: “vivencial, relacional e reflexivo”. Depois
de apresentar estes aspectos nas fases de ensino, explica:
Apesar da ênfase dada a cada um dos três aspectos do conhecimento
(vivencial, relacional e reflexivo), um o suprime o outro. Portanto,
apesar do aluno do Ensino Médio possuir estrutura cognitiva para
desenvolver uma reflexão acerca da cultura corporal, é de fundamental
importância que não seja privado das dimensões vivencial e relacional
do conhecimento, evitando assim que a Educação Física se torne uma
disciplina teórica por excelência (Ibid, p.6-7).
O autor também enuncia que, independentemente do conteúdo da cultura
corporal a ser trabalhado nos aspectos supracitados, ainda princípios que precisam
ser observados, quais sejam, “alteridade, pluralidade, inclusão, cooperação e
autonomia”. Nesta última, afirma a importância do “aprender a aprender”; nas outras
estão presentes a relativização da imagem do outro”; “vivenciar os movimentos na
maior diversidade”; aceitação de movimentos corporais mesmo que estes não sejam
“adequados”; realizar práticas cooperativas.
No segundo artigo sobre “concepções de educação física”, os autores têm como
objetivo “analisar a proposta de Iniciação Esportiva Universal de autoria de Pablo Greco
213
e Rodolfo Novellino Benda, sendo esta, direcionada à aplicação no trabalho
desenvolvido nas escolas, clubes e escolinhas” (SILVA; LANDIM, 2001, p. 1).
Analisam a obra dos autores em função da ampla divulgação e também aceitação dessa
proposta, que defende como sendo o papel da Educação Física na escola a “preparação
para o esporte de rendimento, demonstrando-se, de modo mais geral, orgânica aos
valores do mercado” (Ibid, p. 1).
Os pesquisadores realizam, no artigo, uma descrição dessa concepção de
Educação Física e depois apontam suas considerações críticas que resumo a seguir. Eles
discutem que os mentores da proposta em questão fazem a “apropriação degradante” do
termo “cultura corporal” elaborada pelo Coletivo de Autores. Cometem um equívoco ao
considerarem como sinônimo as correntes humanistas e a corrente crítico-social, pois
esta última é fundamentada no materialismo histórico dialético e a primeira na
fenomenologia.
Apresentam de forma equivocada as concepções críticas ao esporte” e
erroneamente criticam a não formação de equipes na escola
252
, porque desconsideram
que uma das questões concernentes às concepções críticas é o tratamento do esporte
“como um conteúdo, pois somente quando abordado como uma produção histórico-
cultural, considerando seus fatores internos e externos, o esporte poderá ser considerado
um conteúdo educacional” (Ibid, p. 4).
Os autores também criticam que na Iniciação Esportiva Universal o “tema
jogos” se constitui em um instrumento para o aprendizado do esporte. E ainda nessa
proposta se fala em “atuação social” e utilizam equivocadamente a “formação do
cidadão” como “individualista, competitivo, flexível e adaptado ao mercado de trabalho,
respeitando a hierarquia presente no esporte, no trabalho e na vida, como algo
proveniente do mérito pessoal” (Ibid, p. 4).
Enfim, que “esta proposta não é nova, nem alternativa e sim a concepção
esportivizante/tecnicista, com uma nova roupagem, ou seja, uma espécie de
neoesportivização/neotecnicismo” (Ibid, p. 5).
É possível constatar, pela descrição dos autores, que suas críticas à Iniciação
Esportiva Universal” têm procedência, mas me suscitam alguns questionamentos. O
primeiro, quando os autores afirmam que na proposta tentam “transplantar políticas
252
Os autores do artigo defendem a não formação de equipes para jogos, fundamentados em Saviani no
seu livro Pedagogia Histórico-crítica, quando este afirma que o trabalho pedagógico na escola deve ser
organizado levando-se em conta o “saber sistematizado”.
214
esportivas de países desenvolvidos, porque não levam em consideração a precariedade
material, as péssimas condições de saúde, alimentação, habitação, transporte e educação
da maior parte da população brasileira” (Ibid, p. 5). Não seria a precariedade um dos
fatores que levam muitas crianças e adolescentes a ingressarem no esporte de
rendimento, almejando tornarem-se atletas porque veem no esporte a chance de
mobilidade social? As concepções críticas do esporte não discutem essa questão?
Outro aspecto diz respeito à utilização da justificativa da Educação Física pelo
viés da Pedagogia Histórico-Crítica. Os autores desconsideram que Saviani também não
inclui a disciplina Educação Física como parte do saber sistematizado.
No tocante à temática “planejamento de ensino e propostas curriculares”, houve
um aumento dos trabalhos se comparado com o GTT escola/1999. Foram
apresentados um total de sete artigos que exponho a seguir.
O primeiro artigo tem por objetivo: “Descrever o cotidiano da relação professor-
aluno durante o transcorrer das aulas de educação física em uma instituição secular de
ensino religioso Tomista
253
da cidade do Rio de Janeiro, identificando atitudes do
comportamento docente que permitam qualificá-lo ou não como autoridade” (GAMA;
RETONDAR 2001, p. 1).
Os autores justificam a pesquisa pela necessidade sentida na Educação Física de
se estudar particularidades raciais, linguísticas, religiosas, entre outras. A opção então se
deu pela Pedagogia Tomista, e dentro dela o princípio da autoridade. Para discutir o
princípio da autoridade, utiliza como referência Arendt, Fromm e Benjamin
254
.
A Pedagogia Tomista se torna fundamental para os autores por “explorar
racionalmente a sensibilidade dos alunos e dirigir a transição de suas experiências
sensíveis ao desenvolvimento intelectual e moral” (Ibid, p. 1).
A disciplina Educação Física tem um papel importante nessa pedagogia por
colocar em confronto o sensível e o intelecto. Para seu êxito, a autoridade é
fundamental, junto com o domínio efetivo dos conteúdos específicos que o professor
precisa ter.
253
A Pedagogia Tomista, segundo os autores, explora “racionalmente a sensibilidade dos alunos e dirigi a
transição de suas experiências sensíveis ao desenvolvimento intelectual e moral (...) Santo Tomás de
Aquino é o responsável por destacar com radicalidade a da razão, demarcando, dentro da realidade
divina, um espaço de afirmação do homem segundo suas qualidades naturais. A valorização da ciência
humana em nada invalida as verdades da fé, porque o teor de suas verdades é superior” (p. 1 e 3).
254
ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1997.
FROMM, E. Análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
BENJAMIN, V. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Summus, 1984.
215
Com a observação das aulas de Educação Física e fazendo uma comparação com
os pressupostos teóricos, os pesquisadores levantaram as categorias da agressividade e
passividade. A primeira relacionada aos alunos e a segunda ao professor. Após a análise
das duas categorias, relacionam o problema à falta de autoridade do professor e
afirmam:
O risco do professor se tornar impotente perante o universo infantil
implica diminuir a importância do papel da escola como instituição
formadora de juízos, ao mesmo tempo que outorga à criança a árdua
tarefa de discernirem sozinhas as esferas públicas e privadas (Ibid,
p.5).
Concluem que existe uma separação entre a teoria e a prática, ou seja, o
professor não consegue pôr em prática a teoria tomista e sugerem que a agressividade
dos alunos pode acontecer nas aulas em função disso, ou seja, da falta de autoridade do
professor.
Em suma, é possível observar que, no artigo, os pesquisadores partem do
pressuposto da dicotomia entre corpo e mente, em que o corpo é parte do sensível. Não
negam a razão e buscam a conciliação tendo como meio as aulas de Educação Física. O
insucesso que aparece na agressividade dos alunos é de responsabilidade do professor,
que não aplica corretamente a teoria. Desconsideram os fatores externos às aulas que
formam tanto os alunos quanto os professores, mesmo admitindo a “violência” que
existe fora do ambiente escolar.
O segundo artigo relata um projeto da Universidade Federal de Viçosa que
envolve uma graduanda e duas professoras. As pesquisadoras pretendem vivenciar com
professoras regentes de classe uma nova proposta pedagógica denominada “Dança
Educativa Moderna” formulada por Rudolf Laban
255
. Nessa proposta, a dança é
utilizada como estratégia de ensino para a matemática, ciências, português etc.
Essa estratégia se justifica em função das péssimas condições das escolas em
vários aspectos, das rotinas de aprendizagem, como afirmam as autoras:
A rotina de aprendizagem numa escola nem sempre estimula a livre
movimentação da criança obrigando-a a passar a maior parte do tempo
sentada na carteira, prestando atenção nas informações e cuidando de
suas tarefas que se restringem ao papel e caneta. Isso pode
desestimular a criança em sua maior forma de se expressar, que é com
seu próprio corpo em movimento (COSTA; LIMA; VIEIRA, 2001, p.
1).
E ainda:
255
LABAN, R. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone,1999.
216
Em nosso ambiente escolar o aluno foi estimulado a deixar suas
emoções, a escola era uma ambiente se trabalharia a razão, sem
influências das emoções, sem levar em conta as experiências
pessoais. Na escola os alunos iriam apenas para adquirir
conhecimentos, esses distantes das suas realidades. Sabendo que se
aprende quando parte da realidade, das experiências vividas e sobre
elas se desenvolve a aplicação de conhecimentos. O intuito era
somente a produção (sociedade industrial) sem deixar as emoções e os
valores pessoais interferirem no processo (Ibid, p. 5, grifo meu).
O projeto estava no início, e o artigo relata dois semestres nos quais as
professoras regentes assistiram as aulas que foram observadas e também comentadas
por elas e pela estagiária. Alguns dos resultados são possíveis de serem observados
nessas passagens: “As regentes de classe vivenciaram movimentos que levaram ao
conhecimento do próprio corpo, bem como um instrumento de comunicação e de
interação no mundo” (Ibid, p. 2) e ainda: “As regentes conseguiram perceber a fluidez
como ocorre o aprendizado de forma criativa, através da expressão corporal e se
diferenciando um pouco da forma como o ensino é tratado de uma maneira geral” (Ibid,
p. 4).
Em suma, a dança livre e criativa enquanto estratégia de ensino é entendida
como o momento de prazer para os alunos, e essas atividades prazerosas são momentos
importantes para as professoras regentes ao final de um dia estressante. Nesse caso,
não se trata do conteúdo da Educação Física, na verdade os conteúdos devem ser
vivenciados através da dança. Fica explícito ainda que, na tentativa de se entender o “ser
como uno”, sobressai-se o reforço da dicotomia corpo e mente, no qual é
supervalorizado o corpo/sensível em detrimento da mente/razão.
No terceiro artigo, a pesquisadora se contrapõe à forma tradicional de
organização do ensino em favor do que ela chama de “práticas educativas inovadoras”,
considerando serem essas mais democráticas e inclusivas. Neste sentido, afirma:
O discurso que fundamenta as propostas pedagógicas consideradas
inovadoras aponta para uma educação comprometida com a
emancipação do sujeito e o pleno exercício da cidadania,
compromisso esse que deve impregnar a atividade educativa desde a
organização do tempo até a seleção de conteúdos a serem abordados.
Aponta também para a construção de uma escola configurada como
tempo/espaço de vivência cultural e de produção coletiva (MAZONI,
2001, p. 1).
A partir disso, objetiva “investigar o papel que a Educação Física componente
curricular que tem como objeto a cultura corporal está desempenhando nos
217
estabelecimentos de ensino que aderiram à Escola Plural
256
, e as maneiras pelas quais a
disciplina está se apropriando do processo de transformação promovido pelo projeto”
(Ibid, 2001, p. 6).
A autora escolhe como locus de pesquisa o Projeto Escola Plural desenvolvido
no município de Belo Horizonte desde 1994. Esse projeto está entre os que o PT
(Partido dos Trabalhadores) tem desenvolvido em algumas administrações. A Escola
Plural em específico recebe influência das experiências espanholas e tem como um de
seus idealizadores Miguel Arroyo
257
.
Nessa escola, mudam-se o tempo escolar e o tratamento do conteúdo. As
atividades funcionam a partir de projetos, e não de disciplinas. A maioria desses
projetos está relacionada com a cultura corporal e artística. A pesquisadora não
menciona como são trabalhados os outros conteúdos, mas assevera que a escola é
compreendida como o “espaço de vivência, construção e expressão de cultura” (Ibid, p.
3). Por outro lado, não deixa explícita a compreensão de cultura, apenas o modelo de
escola que extrapola a atividade intelectual que é enfatizada no modelo tradicional.
Em sua pesquisa, a autora utiliza como referência teórica os construtores da
Escola Plural
258
. No caso da Educação Física, que é o foco de interesse da pesquisa,
após realizar uma discussão sobre questões relacionadas ao corpo cuja principal
referência é Bracht
259
, afirma identificar-se com as concepções crítico-superadora e
crítico-emamcipatória, dando maior ênfase à segunda.
Mesmo com a pesquisa ainda no início, a pesquisadora faz algumas
constatações. Como seu foco é estudar as atividades corporais, ela descobriu que vários
projetos estão relacionados a essas atividades. Assim se manifesta:
Por enquanto é possível dizer que elas acontecem nos mais diferentes
256
A Escola Plural possui os seguintes eixos norteadores: “1. Uma intervenção coletiva mais radical; 2.
Sensibilidade com a Totalidade da Formação Humana; 3. A Escola como tempo de vivência cultural; “4.
Escola experiência de produção coletiva; 5. As virtualidades educativas da materialidade da escola; 6. A
vivência de cada idade de formação sem interrupção; 7. Socialização adequada a cada idade-ciclo de
formação; 8. Nova identidade da escola, nova identidade do seu Profissional.”
(www.rebidia.org.br/notícias/educação/rede8461.html). Essa escola funciona ainda, segundo Mazoni
(2001, p.2) com os “ciclos de idade de formação”, dispostos da seguinte forma no ensino fundamental:
“1
o
. ciclo (da infância): 6, 7 e 8 anos; 2
o
. ciclo (da pré-adolescência): 9, 10 e 11 anos; 3
o
. ciclo (da
adolescência): 12, 13 e 14 anos”. Nesse projeto de Escola Plural, para combater a repetência e corrigir as
distorções entre a idade e a série, inclui-se ainda, o projeto Sistema de Promoção de Avanços Sucessivos,
o Projeto Alfa/ Aceleração de Estudos e o Ciclo Básico de Alfabetização.
257
ARROYO, M. G. Experiências de inovação educativa: o currículo na prática da escola. In.
MOREIRA, A. F. (Org.). Currículo: políticas e práticas. Campinas- SP: Papirus, 1999.
258
BELO HORIZONTE, Prefeitura Municipal. Escola Plural; propospata político-pedagógica. Belo
Horizonte: PBH/SMED, out. 1994.
259
BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes. Campinas
– SP, n. 48, p. 69-88, 1999.
218
espaços, dentro e fora do currículo. Entretanto, creio que os elementos
observados já permitem a confirmação de que existe uma correlação
positiva entre um projeto pedagógico inovador e uma maior abertura
para as vivências corporais no contexto escolar (Ibid, p. 9).
Embora Mazoni aponte para a abertura das atividades corporais, ela também
constata que acontece “uma ‘desmobilização’ da Educação Física como área de
conhecimento à medida que seus conteúdos são ‘diluídos’ entre diferentes projetos e
levando-se em conta que as atividades corporais nem sempre são ministradas por
professores da área” (Ibid, p. 9).
No quarto artigo, os autores relatam o trabalho desenvolvido durante quatro anos
por oito professores de Educação Física em uma escola particular católica de Belo
Horizonte, onde procuravam desenvolver uma proposta baseada no Coletivo de Autores
e na abordagem crítico-social dos conteúdos discutida por Luckesi
260
. Utilizam também
como referência Vago, Castellani Filho, Kunz e outros
261
.
Embora a proposta do grupo esteja baseada na concepção crítico-superadora,
para definirem a especificidade da Educação Física utilizam “cultura de movimento
humano”, nomenclatura defendida por Kunz e não “cultura corporal”, como faz o
Coletivo de Autores. Neste sentido, para justificar a Educação Física na escola, afirmam
que:
O movimento humano é uma forma de expressão cultural e que por
isso, carrega em si elementos históricos, éticos, técnicos, políticos,
filosóficos, étnicos que devem ser estudados e praticados na escola
(...) não outra prática pedagógica que se ocupe da dimensão
cultural de que a Educação sica trata que é a cultura de
movimento humano (...) Temos que dar nossa contribuição para que
nosso aluno possa conhecer, escolher, vivenciar, transformar, planejar
e ser capaz de julgar os valores associados à pratica da atividade
física, mais do que apenas praticar sem entender essa prática,
simplesmente aderindo (ou não) à moda da atividade física (PINTO;
SILVEIRA, 2001, p. 1).
Discutem brevemente as relações entre Educação Física e conhecimento,
Educação Física e a formação para o lazer e Educação Física e ludicidade. Destacam
como princípios norteadores a ludicidade, a inclusão, o conhecimento, a co-educação, a
participação, o questionamento, a transformação, a diversidade de conteúdos.
260
COLETIVO de AUTORES, Op.Cit.
LUCKESI, C. C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1992.
261
VAGO, T. M. Rumos da EF escolar: o que foi, o que é, o que poderia ser. UFMG, 1997. (digit.)
CASTELLANI FILHO, L. Política educacional e educação física. Campinas: Autores Associados,
1998.
KUNZ, E. Op. Cit.
219
Expressam a compreensão de currículo que envolve tanto as atividades nas aulas
quanto as atividades extraclasse, exemplificando no artigo com o Festival de Jogos
262
,
que envolveu todas as manifestações culturais apreendidas nas aulas e que foi
organizado com a participação de todos os alunos. Consideram esse festival mais um
espaço para construir a cidadania.
Para as aulas, apresentam um plano de curso e um currículo mínimo para cada
série, que é ampliado em um momento específico do ano com atividades sugeridas e
organizadas pelos alunos. No currículo mínimo e nas atividades organizadas pelos
alunos estão os conteúdos sugeridos pelo Coletivo de Autores (jogos, dança, esportes
coletivos, ginástica, lutas e outros).
Para efeito didático, os professores atribuem para cada conteúdo os seguintes
aspectos: quanto ao “saber fazer” – aspectos técnicos e táticos, regras, saber-fazer
social, ludicidade x alto rendimento e produção de uma cultura escolar; quanto ao
“saber sobre”, os professores dividem em dois grupos, o primeiro contempla os aspectos
sócioculturais como história, evolução sóciocultural, conteúdo como campo de trabalho,
lazer e tempo livre, mitos, mídia; o segundo contempla os aspectos fisiológicos da
prática corporal, primeiros socorros, doping, lesões na prática corporal, planejamento de
práticas corporais.
A avaliação é compreendida, no sentido diagnóstico da aprendizagem, pelos
professores e pelos próprios alunos. Por fim, os professores acreditam que embora eles
tenham obstáculos a serem superados, realizam um bom trabalho no sentido da
transformação da Educação Física.
Considero importante frisar que ao discutirem a Educação Física na relação com
o lazer, partem de uma compreensão equivocada da ampliação do tempo de não-
trabalho na nossa sociedade, o que justificaria também, nas aulas de Educação Física, a
preparação do cidadão para uma vivência crítica desse tempo e não de uma forma
compensatória ou de controle social como normalmente acontece. Assim:
Todo cidadão tem hoje grande envolvimento com elementos da
262
Os professores organizam anualmente o “festival de Jogos”, juntamente com os alunos, com o objetivo
de encaixar “todas as manifestações da cultura corporal: jogos, brincadeiras, ginástica e dança, esportes,
capoeira e lutas (...) realizar uma arbitragem compartilhada pelas próprias equipes participantes (...)
extinguir a premiação tradicional, substituindo-as por uma lembrança trocada entre todos os alunos de
todas as salas (...) realizar paralelamente ao Festival de Jogos, eventos como mostras esportivo-culturais e
palestras sobre as práticas corporais e as políticas públicas de esporte e lazer (...) ter, em cada modalidade
do Festival de Jogos, 3 tempos: um feminino, um masculino e um misto” (PINTO; SILVEIRA, 2001, p.
9).
220
cultura de movimento, seja na prática ou como espectadores e/ou
consumidores na escola, na rua, nos parques, nos clubes, nos estádios,
nas academias e escolas de esporte e através da mídia. Entretanto, a
escola é o único espaço em que esta prática pode ser vivenciada,
estudada e discutida ancorada em valores éticos e, por isso, não
podemos fugir ao dever de preparar para este tempo do não-trabalho
(e não apenas para o tempo do trabalho, como normalmente se faz na
escola) (Idem, p. 2).
O próximo artigo é resultado de uma pesquisa institucional do
LESEF/CEFD/UFES. Esse grupo de pesquisa parte da constatação de que na década de
1990, para as Pedagogias Progressistas ou Críticas na Educação e na Educação Física,
se colocava a tarefa de “mudar a prática”. Essa tarefa, no entanto, não foi efetivada entre
os professores, mesmo sabendo-se que existe uma “adesão teórica” às perspectivas
progressistas. Diante dessa questão, propõem os seguintes objetivos:
a) verificar em que medida a metodologia da pesquisa-ação traz
resultados positivos quando o objetivo é operar mudanças na prática
pedagógica em EF; b) identificar no processo os elementos de ordem
sócio-estrutural e psico-social que se colocam como obstáculos para a
mudança, permitindo colher informações para pensar estratégias mais
eficientes; c) produzir relatos de experiência e material didático-
pedagógico para ser utilizado em outros programas de formação
continuada de professores, bem como, fornecer subsídios para o
próprio desenvolvimento das propostas pedagógicas em EF
(BRACHT et. al. 2001, p. 2).
Para concretizar esses objetivos, propõem como metodologia a pesquisa-ação,
que é também alvo de investigação a respeito de sua validade. Elencam vários autores
como referência, dentre eles Thiollent, Elliot, Perrenoud, Pimenta, Hernandéz
263
.
A pesquisa-ação foi desenvolvida no curso de especialização promovido pelo
LESEF que contou com a participação de 15 professores. Dentre eles, predominam
professores formados na UFES na década de 1990, com o currículo que havia passado
de “uma formação técnico-instrumental para uma formação de caráter mais crítico-
263
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.
ELLIOT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, C. M. G. et al.
(Orgs.) Cartografias do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado de
Letras/ALB, 1998, p.137-152.
PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas.
Lisboa: Dom Quixote, 1997.
PIMENTA, S. G. A pesquisa em didática 1996 a 1999. In: CANDAU, V. (Org.) Didática, currículo e
saberes escolares. Rio Janeiro: DP&A, 2000.
HERNANDÉZ, F. A formação do professorado e a investigação sobre a aprendizagem dos docentes. In:
MOLINA NETO, V. e TRIVIÑOS, A. N. S. (Orgs.) A pesquisa qualitativa na Educação Física. Porto
Alegre: Ed. Univ. UFRGS/Sulina, 1999.
221
reflexivo” (Ibid, p. 2). Havia também um significativo número de professores que não
possuía estabilidade empregatícia.
Foram utilizados para a pesquisa depoimentos dos professores, relatórios
elaborados por eles e monografias de conclusão de curso. Foi um amplo trabalho
coletivo que o grupo de pesquisadores desenvolveu junto com os professores,
procurando enfatizar desde o início que:
Era nosso entendimento que não dispúnhamos de um conhecimento
“superior” ou “mágico” que lhes pudesse ser oferecido e que faria
então que sua prática pedagógica se aperfeiçoasse. Neste sentido, foi
importante a discussão com base em texto de Pérez-Goméz (1997)
264
sobre os limites da racionalidade instrumental como orientadora das
ações docentes (Ibid, p. 3).
Os pesquisadores apresentam no artigo, em detalhes, os resultados e discussões.
Para tanto, classificam os problemas e dificuldades nos dois seguintes grupos: “A)
aqueles relacionados especificamente à EF, e B) aqueles de ordem mais geral ou não
ligados especificamente à EF. Por sua vez, no grupo A encontramos dois subtipos: 1) os
que dizem respeito da EF com a escola e 2) aqueles relacionados com
problemas/questões internas à EF” (Ibid, p. 4).
Os resultados apresentados pelo grupo de pesquisa, de uma maneira geral,
indicam que as aulas de Educação Física são vistas na escola relacionadas ao esporte.
Seu papel enquanto disciplina parece não ser claro e é secundário. O professor da
disciplina funciona mais como um “quebra galho”. Em relação às questões internas, não
se sabe quais são seus conteúdos, como avaliar, como tratar os conteúdos, qual sua
importância para formar o cidadão etc. E ainda em relação às questões mais gerais,
citam-se a falta de projeto político pedagógico, a ausência de uma interação maior na
escola e a dificuldade para integrar às discussões os professores em fim de carreira.
Na tentativa de solucionar os problemas, o grupo detalha várias ações, como, por
exemplo, a discussão das pedagogias progressistas; sobre a função social da Educação
Física; sobre que tipo de formação se quer com essa disciplina, entre outras. Uma das
respostas encontradas foi “a formação do cidadão crítico”, no entanto, isso gerou uma
discussão sobre o que é esse cidadão, pergunta para a qual não houve uma resposta
consensual.
Para finalizar, os pesquisadores fazem os seguintes destaques:
264
PÉREZ-GOMÉZ, A. O pensamento prático do professor. In: VOA, A. (Coord.). Os professores e
a sua formação. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997.
222
1) ficou claro que a prática docente envolve a vivência de situações e
problemas não solucionáveis com a simples aplicação do
conhecimento técnico-teórico disponível, e por outro, expõe o
professor a demandas que se modificam. Essas circunstâncias exigem
a tomada de decisões e a construção de soluções por parte dos
próprios professores e não simplesmente a aplicação de soluções pré-
conformadas. 2) Confirmou-se a idéia de que as diferentes concepções
dos professores relativas aos diversos elementos do processo ensino-
aprendizagem modelam e influenciam suas percepções, sua
compreensão dos eventos em sala de aula e na quadra e,
conseqüentemente, sua prática pedagógica. Somente haverá chance de
mudança se forem oferecidas aos professores condições para que
tomem consciência de suas concepções e atitudes, analisando-as
criticamente em situações extensivas e dinâmicas, que possibilitem o
exame pessoal e o de outras pessoas, o confronto direto de opiniões e
de alternativas de ão para superá-las. 3) O curso, em função do seu
aporte metodológico, permitiu o estabelecimento de uma relação de
confiança e segurança mútua entre as partes envolvidas, em que as
‘máscaras’ e as ‘defesas’ tiveram a oportunidade de cair e pode haver
o confronto entre o declarado e o realizado (Ibid, p. 7).
Os pesquisadores realizaram ainda uma avaliação sobre a pesquisa-ação,
chegando à conclusão de que essa estratégia metodológica é decisiva quando se
almejam professores autônomos e crítico-reflexivos. Alertam para possíveis distorções e
para os limites de “ordem macro” encontrados, e que se relacionam com as políticas
públicas e de “ordem micro”, relacionados à escola e à sala de aula. Salientam entre
esses limites o modelo adotado pelo governo federal no Brasil, que se aproxima do
enfoque tecnológico.
Reforçam a importância do trabalho coletivo, da formação continuada e da
formação de professores reflexivos. E ainda a necessidade de programas de formação
permanente que extrapolem as disciplinas específicas.
É possível constatar nesse artigo a valorização do trabalho coletivo, a procura
por um caminho cujo ponto de chegada é o cidadão crítico e a formação do professor
crítico-reflexivo que participe do projeto político-pedagógico da escola e que construa
práticas progressistas. Constata-se também a dificuldade em relacionar as questões
particulares com as mais amplas.
O sexto artigo apresenta o processo de construção da proposta de Ensino da
Educação Física para o município de Camaragibe/PE. Esse município completava 19
anos de emancipação política e era governado por uma coligação “de esquerda”
265
,
pautada por uma gestão de caráter “democrática popular” e que organizava uma
265
Os partidos da coligação são: PT, PSB, PC do B, PCB e PV.
223
proposta para o ensino e, dentro dela, uma proposta para a Educação Física, contando
com um total de cinco professores dessa disciplina para atender todo o município. Com
a reduzida quantidade de professores, foram privilegiadas algumas escolas escolhidas
pelos seguintes critérios: “escolas que apresentavam uma melhor estrutura física (espaço
para a prática da Educação Física); escolas que apresentavam um alto percentual de
alunos evadidos; e escolas que apresentavam alunos com maior dificuldade de conduta”.
(ARAÚJO; SANTOS, 2001, p. 1).
A construção da proposta para a Educação Física se deu a partir da necessidade
de se compreender várias questões, dentre elas o papel dessa disciplina na escola e
também pela inexistência de um programa específico para ela. Assim, a partir de
critérios como competência técnica, compromisso político em relação a questões sociais
e com a educação, escolheu-se um “capacitor”
266
que organizou o processo.
No artigo, os autores apresentam todos os procedimentos para a elaboração da
proposta que se iniciou com a conceituação dos termos projeto político pedagógico,
currículo e programa de ensino, fundamentados no Coletivo de Autores, Piletti e
Saviani
267
. A partir disso, organizaram seis módulos caracterizados pela reflexão e
construção coletiva. Nesses módulos, partiu-se de discussões mais amplas como
“globalização, políticas públicas, neoliberalismo, pós-modernidade” (Ibid, p. 2),
passando por questões históricas e problemáticas específicas à Educação Física. Além
dessas, foram contempladas as diretrizes político/administrativas da Secretaria
Municipal de Educação, culminando com a escolha de uma concepção específica de
Educação Física, qual seja, a proposta do Coletivo de Autores. Essa opção se deu após a
realização de uma análise, na qual foram também avaliadas outras duas propostas: a
desenvolvimentista e a construtivista.
Percorrido o caminho, os autores apresentam uma síntese do programa de
ensino, que contempla:
Introdução Traz elementos da história, conceito e argumentos que
justificam a Educação Física na escola (...). A Opção Político-
Pedagógica Construída a partir de uma análise conjuntural da
realidade, aponta para o papel fundametal que a educação exerce no
esforço de cumprir o desafio de uma administração democrática e
popular de “mobilizar a sua população para construir coletivamente
266
Professor escolhido em função da afinidade com a proposta do grupo e que é o responsável por
organizar todas as atividades.
267
COLETIVO DE AUTORES, op. cit.
PILETTI, C. Didática geral. 10. ed. Campinas, SP: Ática, 1980.
SAVIANI, N. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/método no processo
pedagógico. Campinas, SP: Autores Associados, 1994.
224
uma sociedade verdadeiramente democrática”. (...) A Concepção de
Ensino-Aprendizagem Apresenta o caminho percorrido e a
justificativa para a escolha da perspectiva crítico-superadora da
Educação Física. (...) A Orientação Metodológica Apresenta como
eixo básico de intervenção pedagógica a capacidade de reflexão do
aluno (...) Para potencializar este eixo buscará privilegiar três
princípios gerais para nortear as intervenções: A reflexão pedagógica,
a participação efetiva e a dialogidade. (...) Algumas Palavras sobre a
Avaliação Busca uma referência que não considere padrões fixos,
que não tentem homogeneizar os alunos, mas que considere que os
conhecimentos da cultura corporal e sua expressão se diferenciam de
aluno para aluno de acordo com a sua realidade. (...) Conteúdos
Programáticos Critérios utilizados na escolha dos conteúdos: “a
tradição que aponta que conteúdos vêm sendo tematizados nas aulas
de Educação Física; a relevência que garante o reconhecimento de
temas com maior significado para crianças e jovens (Ibid, p. 4, grifos
dos autores).
Concluem o artigo destacando a participação democrática com o envolvimento
de todos e no trato dos conteúdos, em que o conhecimento foi realizado,
contextualizando “nossa sociedade contraditória, dinâmica e dialética” (Ibid, p. 5).
Constata-se mais uma vez a importância atribuída à formação para a cidadania,
quando, ao discutir as questões do primeiro módulo, revelam a necessidade de situar o
debate em relação a propostas que pretendem formar o “novo trabalhador” e aquelas
que priorizam a “formação do cidadão”. No caso específico da Educação Física, chama
a atenção não o fato da opção pelo Coletivo de Autores, mas também na escolha das
escolas onde a proposta seria efetivada, que teve como critério o alto índice de evadidos
e com problemas de conduta.
No penúltimo artigo, os autores integram os grupos de pesquisa: Grupo de
Educação Física Escolar e Grupo de Ginástica Geral da FEF/Unicamp. Possuem como
objetivo “analisar a linguagem verbal do professor, mediando a ação dos alunos nas
aulas de Educação Física, verificando como a linguagem (discurso verbal) desses
professores contribui para mediar também as interações professor-aluno e aluno-aluno”
(GALLARDO, et al., 2001, p. 1).
Essa preocupação dos autores dá-se em função do descuido de muitos
professores com sua linguagem, principalmente quando se compreende a linguagem
como “instrumento maximizador do movimento como fator de ligação entre a
aprendizagem e o movimento” (Ibid, p. 1).
225
Fundamentam a pesquisa em Piaget e Vygotsky
268
. Para analisar a fala do
professor e a consequente movimentação dos alunos, utilizam o instrumento elaborado
por Underwood
269
. Desse instrumento, trabalharam apenas três das sete categorias
propostas pelo autor. São elas:
A categoria 1: (Fala do professor Resposta) (...) Os principais
comportamentos observados nesta categoria são: elogiar ou criticar
comportamentos dos alunos; encorajar os alunos; criticar ou
chamar atenção dos alunos após a manifestação de um
comportamento deles; fazer uma retificação da aprendizagem;
efetuar uma avaliação da aprendizagem. (...) categoria 2: Fala do
professor Iniciativa) (...) Os principais comportamentos referentes a
esta categoria são: impor regras de conduta; impor procedimentos
de trabalho e organização; expor, dar informações, propor
perguntas sobre posições, exercícios, movimentos, testes, situações
didáticas e padrões de performance. (...) categoria 7: (Movimento
da classe Resposta) (...) Os principais comportamentos dessa
categoria são: execução dos exercícios propostos pelo professor;
movimentos feitos pelos alunos durante o jogo; movimentos
desenvolvidos pelos alunos ao carregar um material; movimentos
que precedem uma formação (círculo, oval, semi círculo, fileiras
paralelas (Ibid, p. 2, grifos dos autores).
Os autores apresentam algumas conclusões que passo a sintetizar. A primeira
explicita qual é a forma de expressão do professor considerada fundamental ao processo
comunicativo, comprovando que “as falas” maximizam as ações dos alunos; a segunda,
que existe uma relação de autoridade e de poder. Os autores cometam: “os alunos
movimentam-se conforme suas ordens [do professor] e com isso nota-se uma restrição
sensível no número de movimentos realizados. Não entramos no mérito se a aula foi boa
ou ruim por causa desse comportamento” (Ibid, p. 5). A terceira conclusão é que “as
falas” dos professores possuem um padrão e são repetitivas; a quarta é que houve
muitas ocorrências de categorias como:
Fazer retificação da aprendizagem, criticar ou chamar atenção de um
ou mais alunos após a manifestação de um comportamento deles,
elogiar ou criticar comportamento dos alunos, impor regras de
conduta, impor procedimentos de trabalho e organização, execução de
exercícios propostos pelo professor (Idem, p. 4).
268
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho. Imagem e representação.
Trad. de Álvaro Cabral e Cristiano Monteiro Oiticia, 2. ed. Zahar, RJ. 1975.
VYGOTSKY, L. S. Thought and Language. Nova York. Wiley. 1962.
269
UNDERWOOD, G. L. An ivestigacion into the teaching of a basktball lessin using intericon analysis
teckniques. Pieron M. (ed) Towards a Science of Teaching Physical Education Teaching Analysis.
Liége, AIESEP, vol.2. 1978.
226
Por fim, manifestam que pretendem prosseguir na investigação, estudando
aspectos como “ameaças; prêmios; castigos; imitação; competição, entre outros” (Ibid,
p. 7).
O último artigo desse tema é resultado das atividades desenvolvidas em 1998 no
projeto “Fazendo Escola”, na Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Seus autores
apresentam como objetivo “discutir alternativas de entendimento para os principais
fenômenos presentes na Educação Física Escolar no que tange à compreensão dos seus
objetivos e conteúdos” (DIETTRICH et. al., 2001, p.1). Se preocupam especificamente
em encontrar respostas para as questões relacionadas com a “sistematização dos
conteúdos” e os seus “encaminhamentos metodológicos”.
As principais referências teóricas são Kunz, Saviani e Cheptulin
270
. Daí definem
como conteúdo da Educação Física a “cultura do movimento humano”, partindo da
definição de cultura discutida por Saviani como:
O processo pelo qual o homem transforma a natureza, bem como os
resultados desta transformação. No processo de autoproduzir-se, o
homem produz, simultaneamente em ação recíproca, a cultura. Isto
significa que não existe cultura sem homem, da mesma forma que não
existe homem sem cultura (Ibid, p. 2, grifo dos autores).
Procuram deixar clara a sua opção teórica pelo materialismo histórico,
fundamentado em Cheptulin, a partir do qual discutem o conhecimento e a organização
das aulas. Este autor postula que existe a reprodução infinita do ciclo de construção do
conhecimento e da consciência nos seguintes termos:
Estando ligado organicamente à atividade laboriosa dos homens e à
prática, o conhecimento (...) funciona a partir da prática e desenvolve-
se da intuição viva ao pensamento abstrato, e do pensamento abstrato
à prática, como critério de verdade. Repetindo um número infinito de
vezes o ciclo: intuição viva pensamento abstrato prática, o
conhecimento desenvolve-se, descobre novos aspectos e ligações e,
em um certo estágio de seu desenvlvimento, começa a captar e a
distinguir as propriedades e as ligações universais e a tomar
consciência das leis universais da realidade e das formas
universais do ser (CHEPTULIN apud DIETTICH et. al. , 2001, p. 2,
grifos dos autores).
270
Kunz, E. Op. Cit.
SAVIANI, D. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.
CHEPTULIN, A. A dialética materialista. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
227
Os autores justificam a perspectiva metodológica escolhida por defenderem uma
sociedade democrática e participativa tanto no que se refere à “produção” quanto à
fruição” do produzido. Neste sentido, afirmam:
Isto requer a clareza de que o conhecimento com o qual a escola
trabalha: a) não é uma propriedade privada do professor nem de
ninguém, mas sim um produto que foi produzido por uma coletividade
dentro das relações de produção e dentro dos limites impostos pelo
modo de produção (o Capitalismo); b) que por ser propriedade de
todos precisa ser socializado; e ainda, c) que o mediador entre este
processo de produção/socialização é o Professor. Logo, se a estrutura
da sociedade capitalista não permite socializar o que a
humanidade produz na forma material, isso não ocorre (em
partes) quando se menciona a produção “não material” (Marx,
s/d), onde ainda condições de se executar tal socialização.
(DIETTRICH et. al., 2001, p. 3, grifo meu).
Os pesquisadores, então, apresentam no texto os conteúdos da Educação Física
para as séries iniciais, que são constituídos por “temas de movimento” e “jogos”.
Aproveitando o tempo escolar, no primeiro semestre trabalham com os primeiros e no
último semestre com os segundos. Ao mostrarem a forma de organizar esses conteúdos,
realizam uma transposição das afirmações de Cheptulin para as aulas, como, por
exemplo, através da seguinte assertiva: “A participação do aluno na construção e
reconstrução de jogos e brincadeiras simples, nos quais possa ser trabalhado o que os
alunos aprenderam, tendo a partir d a compreensão do seu mundo de relações”
(Ibid, p. 4). E complementam:
Pode-se observar a lei do movimento do conhecimento de uma
categoria a outra no desenvolvimento dos conhecimentos científicos.
Pelo fato de que as categorias são graus do desenvolvimento do
conhecimento social, o movimento de umas às outras deve
necessariamente surgir em qualquer domínio do saber (CHEPTULIN
apud DIETRICHT et al, 2001, p. 4).
Para os autores, os “temas de movimento” são as formas mais variadas possíveis
de “correr, lançar, rolamento, parada de mão, saltos (distância e altura), rebater, chutar”
(DIETRICHT et. al., 2001,p. 5). No segundo semestre, trabalham-se com os jogos
“voleibol com bola gigante, bate-ombro, caçador, futebol, e outros similares” (IbIdem,
p. 5), relacionando-os com os “temas de movimento”.
Os autores ainda asseveram que seguindo esses passos os alunos das séries
iniciais do Ensino Fundamental irão aprender os sentidos/significados dos jogos,
compreendendo que eles são construídos culturalmente.
228
A leitura desse artigo remete a muitas questões importantes e controversas, das
quais ressalto algumas. A primeira diz respeito aos conteúdos da Educação Física que
nas séries iniciais ficam reduzidos ao que os autores chamam de “temas de movimento”
e “jogos”, desconsiderando todas as outras formas de “movimento corporal”
271
. Ainda
sobre o conteúdo, os autores sempre tratam da necessidade da ampliação do
conhecimento, mas essa ampliação fica restrita aos movimentos em si e, no máximo, na
relação entre temas de movimento de jogos.
Outra questão se refere à afirmação de terem como pressuposto teórico-
metodológico o materialismo histórico, porém a adoção do conceito “cultura de
movimento”. O tratamento dado ao conteúdo mais se aproxima da concepção crítico-
emancipatória de Kunz, cujo fundamento é a Teoria Comunicativa de Habermas.
Outro ponto seria a apropriação de Cheptulin com o seu ciclo de construção do
conhecimento e da consciência, formulado de forma equivocada. No materialismo
histórico (levando-se em consideração o autor matricial), não se parte da intuição viva
(sujeito), mas do empírico (objeto) e o ponto de chegada é o concreto. Os autores, ao
tomarem as definições de Cheptulin, além de as transplantarem diretamente para as
aulas, resumem a “prática” (ponto de chegada) à execução de suas aulas.
Por fim, a apropriação da ideia de Saviani segundo a qual existe uma produção
“não-material” conduz os autores a preconizar a socialização dessa produção por meio
da escola.
No que tange ao tema “conhecimento específico”, foi apresentado um grande
número de artigos, totalizando sete, mantendo-se praticamente igual ao evento anterior.
O autor do primeiro artigo coordena o Grupo de Estudos sobre o Esporte Escolar
da FEF/UFG (Faculdade de Educação Física/Universidade Federal de Goiás) e
apresenta “algumas considerações sobre a adoção do treinamento desportivo
especializado no ambiente escolar como alternativa de trabalho, por parte dos
professores de educação física” (GUIMARÃES, 2001, p. 1). Suas considerações
representam o posicionamento do seu grupo a partir das observações no ano de 2000, do
“planejamento, execução e avaliação dos Jogos Estudantis do Estado de Goiás, através
de parceria estabelecida com o Programa Educacional da Secretaria Estadual de
Educação (Ibid, p. 1).
271
A forma como tratam dessa questão remete à Abordagem desenvolvimentista da Educação Física.
229
O fato que originou as preocupações do grupo é o projeto da Secretaria de
Educação Estadual de Goiás PrDE Programa de Desporto Educacional, que permite
aos professores de Educação Física, através de projeto específico, completar a sua carga
horária com treinamento esportivo.
Os pesquisadores discutem a legalidade e a legitimidade da questão. Para tanto,
utilizam como referências Vago, Bracht, Rodrigues et. al.
272
, entre outros. Fazem uma
retrospectiva histórica e legal a respeito do esporte na escola, culminando com a
LDBEN/96 e os PCNs/98. Isso porque, na primeira, a Educação Física se torna
componente curricular obrigatório na Educação Básica e facultativa no ensino noturno e
superior; no segundo, destacam “o universo de conhecimentos/conteúdos a serem
tematizados pela área de educação física (elementos da cultura corporal de movimento)
deveriam obedecer princípios como criticidade, a participação, a cooperação, a inclusão
e a educação para a cidadania” (Ibid, p. 2).
Afirmam ser um problema a falta de capacidade/qualificação” dos professores
para construírem os projetos específicos para os treinamentos desportivos. Mais do que
isso, os pesquisadores descobriram que a maior dificuldade está na falta de
compreensão dos professores a respeito da necessidade da disciplina Educação Física.
Para esses professores, essa disciplina é suprida com os treinamentos. Segundo os
autores, os dois problemas não tiveram solução satisfatória.
Quanto à legalidade e legitimidade, os pesquisadores chegam à conclusão de que
o projeto tem amparo legal e que também possui legitimidade, mesmo indo na “contra-
mão” das discussões, pois tem a aceitação dos professores, que cada vez mais
participam das atividades esportivas. Alertam, então, para a importância de se continuar
com a reflexão e somente depois desta realizar ações que intervenham na prática do
professor e no cotidiano da escola. Nesse âmbito, é necessário:
Uma reflexão que possibilite a compreensão do treinamento
desportivo escolar como uma atividade extra-curricular e distinta da
educação física escolar e que passe, como condição sine qua non, pela
compreensão do esporte escolar enquanto uma das manifestações do
fenômeno esportivo e enquanto um dos elementos da cultura corporal
de movimento de que é dotado todo ser humano. Tal reflexão deve ser
272
VAGO, T. M. Das escrituras à escola pública: a educação física nas séries iniciais do 1
o
. grau.
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais, 1993.
BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. Cadernos Cedes, ano XIX, n.
48, agosto, Campinas, p. 69-88, 1999.
RODRIGUES, A. T. et al. Da impropriedade de substituir a educação física da escola por atividades
físicas e/ou esportivas realizados em academias, clubes, escolinhas. Pensar a Prática, Goiânia:
FEF/UFG. v.3, p.127-132, 1999/2000.
230
capaz, também, de possibilitar aos professores de educação física a
compreensão de seu papel no contexto dos mecanismos de
legitimação (ou não!) dos eventos esportivos escolares (Ibid, p. 3).
O artigo revela a falta de compreensão e legitimação não do treinamento, mas da
disciplina Educação Física, mesmo tendo sua obrigatoriedade garantida legalmente.
No segundo artigo, o autor propõe as seguintes questões de pesquisa: “Como os
professores apresentam a inclusão da sensibilidade na sua prática pedagógica? Quais as
perspectivas apontadas pelos professores para a construção do saber docente na área de
Educação Física que valorize a dimensão da sensibilidade? (PIRES, 2001, p. 1).
Pires tem como princípio que a educação não pode mais se vincular apenas à
transmissão de conhecimentos e ao racionalismo que prevalece no mundo atual. Propõe
a busca da sensibilidade em uma perspectiva educacional em que a corporeidade seja o
eixo norteador.
Sua referência teórica é Assmann
273
e também autores relacionados à
fenomenologia como Santin, Moreira, Manuel Sérgio, Merleau-Ponty
274
, e outros.
Demonstra ainda um profundo encanto com a descoberta de Schiller
275
(1759-1805),
por este ser “o principal expoente teórico que percebeu na educação estética uma
alternativa não revolucionária para a transformação da sociedade” (Ibid, p. 3). Quanto
aos outros autores citados, enaltece o fato de discutirem a corporeidade e colocá-la
como algo fundamental para a formação do ser e também por estabelecerem
discussões
sobre a sensibilidade e o corpo, possibilitando a emergência da razão sensível que
não é nenhuma novidade para os que acompanham o que já estava
presente no sensualismo, no romantismo, no empirismo, ou em
Nietzsche, Merleau-Ponty e Foucault, que tomam o corpo como
objeto de suas reflexões em seus escritos. Convergem nesse
entendendimento os defensores da “Inteligência Emocional”, “Das
Inteligências Múltiplas”, Da Razão sensível” ou das diferentes razões
que se constitui o
ser humano e que também podem ser representadas
numa única razão dentro de uma concepção de totalidade, na qual o
sensível e o inteligível estão presentes (Ibid, 3).
273
ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.
274
SANTIN, S. Educação física: uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: Unijuí, 1987.
MOREIRA, W. W. Educação física escolar: uma abordagem fenomenológica. 2. ed. Campinas:
Unicamp, 1992.
VIEIRA E CUNHA, M.S. Motricidade humana, um paradigma emergente. Blumenau: Furb, 1995.
MERLEAU-Ponty, M. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
275
SHILLER, F. Cartas sobre a educação estética da humanidade. Tradução e notas de Anatol
Rosenfild. São Paulo: EPU, 1991.
231
Na Educação Física, discute a importância da presença da corporeidade e da
sensibilidade, e para responder às questões apresentadas o autor acompanha os
professores do Curso de Especialização em Educação Física Infantil e apresenta as
conclusões apontadas a seguir.
Os professores buscam o curso para o aprofundamento de seus conhecimentos.
No início, suas “narrativas” sobre a formação inicial mostravam que a sensibilidade não
estava presente e havia a “prática esportiva e o desenvolvimento de habilidades
motoras, desenvolvida de forma tecnicista, desprovida de reflexões e autocrítica,
elementos motivadores e recriadores da prática pedagógica” (Ibid, p. 4). Essa concepção
foi mudada com o enfoque do curso de especialização, na Ciência da Motricidade
Humana de Manuel Sérgio Vieira e Cunha (1995).
O autor cita depoimentos dos professores que apontam nessa direção e ainda os
conteúdos utilizados, argumentando que:
Destaca-se, em todas as narrativas, a importância e o espaço que a
sensibilidade tem no âmbito da prática pedagógica dos professores.
Nesse sentido, as justificativas partem da necessidade de se considerar
o desenvolvimento da criança, pelas possibilidades de compreensão,
cooperação, solidariedade e fraternidade que a sensibilidade
representa, e, ainda, pelas experiências significativas despertadas pela
sensibilidade para a formação de seres humanos críticos, criativos e
equilibrados (razão e emoção, natureza e cultura...) (Ibid, p.5).
E conclui, pontuando que a humanidade não pode mais se desenvolver apenas
pela via da racionalidade, é preciso realçar as outras dimensões. Reafirma o corpo ou a
corporeidade como o lugar do sensível.
No terceiro artigo, embora não apareça de forma explícita, a pesquisa parece
resultar de uma dissertação de mestrado apresentada na FAE/UFMG (Faculdade de
Educação/Universidade Federal de Minas Gerias). A autora tem como objetivo
“compreender a produção de usos e significados do esporte na escola” (FARIA, 2001,
p.3).
Para responder ao objetivo proposto, ela analisa o cotidiano de duas escolas
públicas de Belo Horizonte que trabalham na perspectiva da “Escola Plural”. Procurou
entrevistar alunos e professores e observar sua prática e o “discurso dos atores” nas
aulas de Educação Física, no horário de entrada e saída da escola e no horário do
recreio.
232
Fundamenta-se em autores como Linhales, Bracht, Chervel, Vago, Chauí
276
.
Desses autores, extrai alguns apontamentos sobre os esportes, destacando sua
hegemonia em relação a outras atividades da “cultura corporal de movimento” e suas
características, como o fato de reproduzir normas e valores da sociedade moderna, além
de ainda ampliar determinado consumo de bens e serviços.
Discute uma certa autonomia do esporte denominada “cultura esportiva” e a
influência das análises de cunho marxista que indicam no esporte valores da classe
dominante.
A autora discute, também, a escola não apenas como local de reprodução social,
mas o local de contradições que cria novos significados culturais. Compreende cultura
no sentido de que “toda cultura requer uma atividade, um modo de apropriação, uma
adoção e uma transformação pessoais, um intercâmbio instaurado em um grupo social”
(Ibid, p. 3). Por isso, justifica a importância de buscar a prática cotidiana do esporte na
escola.
E após descrever como acontece essa prática e levantar algumas questões, como,
por exemplo, a predominância do futebol, a pesquisadora conclui que não é possível
afirmar a hegemonia do esporte na escola, pois não “o ‘esporte escolar’, mas sim
‘esportes escolares’ (práticas plurais), ou seja, várias maneiras de praticar esporte são
constituídas na particularidade de cada escola, apesar de traços, influências, usos e
significações comuns aos diferentes estabelecimentos de ensino” (Ibid, p. 8). Assinala
também que nas aulas os alunos são os “atores” que tomam todas as decisões e fazem o
mesmo que nos outros tempos escolares, ou seja,
formas de seleção de grupos, exaltam o direito dos mais habilidosos,
premiam os “vencedores” e punem os “perdedores” com a exclusão
dos jogos, produzem competição e rivalidade, fazem das regras uma
“lei” a ser seguida, produzem hierarquia nas relações de gênero. (...)
Para além dos aspectos de regulação, aula de Educação Física é um
espaço de acesso aos esportes, visto que as políticas implementadas
nesse setor não os têm privilegiado como direito social (...) a ausência
de intervenções docentes [nas aulas] mostrou-se como um dificultador
(...) Nas escolas pesquisadas, as práticas de esporte não eram
276
LINHALES, M. A. A trajetória do esporte no Brasil: interesses envolvidos, setores excluídos.
Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 1996.
BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. Vitória: UFES, 1997.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e
Educação. Porto Alegre, n. 2, p.177-229, 1990.
VAGO, T. M. Cultura escolar, cultivo de corpos: educação phisica e gymnastica como práticas
constitutivas dos corpos de crianças no ensino público de Belo Horizonte (1897-1920). Tese (Doutorado)
São Paulo: USP, Faculdade de Educação, 1999.
CHAUÍ, M. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. 6. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
233
assimiladas pelos atores como simulacro de dominação, alienação e
passividade. (...) Cada escola, portanto, numa mescla de reprodução,
apropriação e produção, é capaz de produzir significados que
tensionam padrões culturais, os modelos esportivos (Ibid, p. 8-9).
O próximo artigo é fruto de pesquisa institucional da Unesp e do SESI de Rio
Claro e das Faculdades Integradas de Ribeirão Pires. Seus autores possuem como
objetivo “verificar como se processa o que seria uma ramificação da modalidade
voleibol, especificamente aquele jogado na rua, modalidade esta que se tornou mais
evidente com o advento das conquistas do selecionado brasileiro a partir do final da
década de 80” (Oliveira e Galdino, 2001, p. 1). Utilizam como referência teórica
Huizinga, Paes, Piccolo, Dencker
277
e outros.
Os autores compreendem que o que separa o “jogo” do esporte é a liberdade e a
ludicidade e afirmam, fundamentados em Huizinga, que o homem, antes de se tornar
faber” ou “sapiens” era “ludens”. Assim, argumentam que “talvez o lúdico das ruas e o
direcionamento pedagógico do que contém o desporto coletivo possam orientar alguns
caminhos ainda inexplorados pela pedagogia esportiva” (Ibid, p. 1).
Formulam duas questões que pretendem responder: “Por que a rua tornou-se um
bom lugar para se jogar voleibol? Será este um refúgio dos excluídos de nossas aulas?
Eles sentem-se melhor na rua ou na escola para a prática do voleibol?” (Ibid, p. 1). Para
responder às questões, os pesquisadores aplicaram um questionário para crianças entre
11 e 14 anos que praticavam o voleibol de rua. Os autores mostraram no artigo, através
de vários gráficos percentuais, os resultados da pesquisa.
O interessante é que os dados revelam que as crianças, em sua maioria
responderam que gostam mais de jogar na rua porque é divertido
278
. Mas a pesquisa
também mostra que a maioria joga com bola oficial, aprendeu a jogar na escola,
preferem jogar na escola porque aprendem mais. Embora a descrição dos pesquisadores
e os gráficos indiquem isto, eles concluem que:
As informações coletadas neste estudo demonstram que muitos jovens
preferem jogar voleibol na rua pois desta forma o que está em jogo
não é o “jogar melhor” e sim “o prazer que o jogar proporciona” (...)
Não se sabe ao certo como efetivamente a aprendizagem do voleibol
277
HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Plexus, 1994.
PAES, R. R. A aprendizagem e competição precoce: O caso do basquetebol. Campinas: Ed. Unicamp,
1992.
PICCOLO, V. L. (Org.). Pedagogia dos Esportes. Campinas: Papirus, 1999.
DENCKER, A. de F. M. Pesquisa empírica em ciências humanas. São Paulo: Futura, 2001.
278
Algumas crianças responderam que aprendem voleibol jogando neste espaço e que para isto é preciso
sempre improvisar.
234
ocorre na rua pois todos os entrevistados freqüentavam as aulas de
Educação Física o que não descarta a possibilidade da aprendizagem
ter ocorrido naquele local (Ibid, p. 9).
O quarto artigo é resultado de uma monografia de especialização em Educação
Física Escolar da Universidade Federal de Pelotas. Sua autora é professora da rede
municipal de ensino de Porto Alegre Escola Cidadã, e por ter uma grande
preocupação com a infância e com o brincar, tem como objetivo “abordar a brincadeira
através de alguns elementos sócio-históricos, analisando mais especificamente sua
presença na escola” (PETERSON, 2001, p. 1). Para concretizar esse objetivo, a autora
se fundamenta principalmente em Santin, seguido de Benjamin, Enguita
279
e outros. Sua
base empírica é a escola onde trabalha com alunos em idade pré-escolar.
A pesquisadora tem como ponto de partida suas “memórias de infância” e as
descreve concluindo que: “Revisitando minha infância, pude perceber o corte entre as
minhas experiências e aquelas que estão sendo vividas pela infância que está constituída
e constituindo-se atualmente” (Ibid, p. 3).
A pesquisadora também afirma ser o brincar uma “atividade fundante da nossa
humanidade, quase como uma segunda natureza” (Ibid, p. 1). Como professora de
Educação Física, compreende essa disciplina como um componente curricular que
“trabalha o corpo e o movimento” e que a brincadeira é fundamental nas séries iniciais.
A partir dessas considerações, tece críticas ao primado da racionalidade utilizando-se da
seguinte passagem de Santin: “desde que a racionalidade tornou-se a única maneira
respeitada das manifestações do homem, o brinquedo foi banido para os espaços
periféricos da existência humana” (apud PETERSON, 2001, p. 2).
A autora faz uma breve apresentação histórica sobre a sua concepção de
infância, sobre sua concepção de escola baseada em Benjamin e Enguita,
respectivamente, e depois relata as suas experiências e observações referentes ao brincar
na escola e em especial no horário do recreio, expondo que:
Falar sobre a brincadeira na escola remete necessariamente à uma
reflexão sobre os corpos que vivem e convivem nesse espaço. Corpos
brincantes que desde muito cedo são obrigados a horas e horas de
estudo, muitas vezes de uma forma não tão agradável assim. Corpos
submetidos a horas a fio sentados e imobilizados em suas classes.
Corpos que esperam o recreio e as aulas de Educação Física com uma
279
SANTIN, S. Educação Física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto Alegre:
EST/ESEF, 1994.
BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. 5. ed. São Paulo: Summus, 1984.
ENGUITA, M. A face oculta da escola. Porto Alegra: Artes Médicas, 1992.
235
ansiedade quase que incontrolável. Isso de fato! Corpos que emanam
uma agitação inversamente proporcional à vontade do professor, que é
a de corpos silenciosos e prestativos. Corpos dóceis! (Ibid, p. 6).
E conclui que a criança brinca “porque sim”, não tem motivo específico e
complementa:
A brincadeira está presente nas aulas de Educação Física, seja
utilizada com outros fins que não o próprio brincar, seja como um
espaço de livre expressão da ludicidade. (...) Para mim, a riqueza de
experiências propiciadas durantes as atividades lúdicas é muito maior,
está relacionada com o desenvolvimento do ser humano enquanto ser
humano, em relação com outros seres humanos. O que passa inclusive
pelo desenvolvimento corporal, se é que podemos desmembrar assim
as pessoas. (...) Ao professor cabe a sensibilidade de criar espaços
onde essa postura de vida possa ser estimulada e desenvolvida, e não
posta de lado e substituída por outros valores (Ibid, p. 8).
A sexta pesquisa sobre o tema “conhecimento específico” foi realizada no curso
de mestrado na CDS/UFSC, e o autor tem como objetivo “analisar a cultura corporal
dos alunos nas aulas de Educação Física, o esporte na escola, e sua influência nos
modos de ocupação do espaço físico da escola” (Perim, 2001, p. 1). Apresenta, também,
as seguintes questões: “Como a constituição do espaço físico valoriza a cultura corporal
dos alunos? E ainda, como o esporte normatizado, com seu espaço físico consagrado na
escola, influencia o conteúdo da Educação Física?” (Ibid, p. 1).
O pesquisador realiza a pesquisa qualitativa do “tipo etnográfica”, cuja forma é o
estudo de caso. Fundamenta-se em autores como Daolio, Betti, Bracht, Vago, Kunz,
Santos
280
, entre outros. Realiza a pesquisa em uma escola pública, com um espaço físico
privilegiado, em um bairro da periferia de Santa Maria, RS. Faz uma descrição da
escola, dos professores, dos alunos e da carga horária da disciplina Educação Física.
Faz uma apresentação da discussão sobre “cultura corporal”, “esporte” e o
“espaço escolar”. Discute também algumas questões como a influência da mídia na
cultura física das crianças e que nela toda atividade corporal é denominada esporte;
considera que a Educação Física tem se legitimado na escola pelo esporte e que este
280
DAOLIO, J. Op. Cit.
BETTI, M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
VAGO, T. M. O “esporte na escolae o “esporte da escola”. CARVALHO, S. (Org.). Comunicação,
movimento e mídia na Educação Física – Caderno I. Santa Maria: CEFD/UFSM, 1993.
KUNZ, E. Op. Cit.
SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: HUCITEC, 1982.
236
reproduz códigos e sentidos da instituição esportiva, tornando-se “instrumento de
legitimação do sistema capitalista de produção” (Ibid, p. 5).
Revela que para a organização dos espaços físicos na escola não se considera a
cultura corporal do aluno, mas sim o esporte, e que este determina o “modo de agir de
seus atores”. Então, discute que a Educação Física deve construir sua autonomia e junto
com a escola construir a cultura escolar, assim, “a escola pode ser reconhecida como um
local de produção de cultura. Para a Educação Física Escolar é a possibilidade de
construção de novos modos de apropriação do esporte” (Ibid, p. 5).
O autor, ao mesmo tempo em que deseja a “cultura corporal dos alunos” na
escola, vive a seguinte contradição:
Somente a apropriação de determinado conteúdo, em função deste ser
praticado pelos alunos, não basta para assegurar que o mesmo assuma
códigos e valores próprios da cultura escolar, visto que, são os alunos
que o influenciados pelo conteúdo escolar, reproduzindo os códigos
do “esporte instituição” no seu cotidiano, contaminando, desse modo,
a cultura da comunidade onde vive (Ibid, p. 7).
Enfim, o autor do artigo busca uma legitimidade para a Educação Física na
escola que não seja dada pelo esporte. Além disso, almeja a sua autonomia e a da
escola, para terem uma cultura própria e que esta intervenha na “cultura esportiva”.
É possível constatar que o autor trabalha em uma perspectiva dicotômica entre a
escola e a sociedade ou, pelo menos, na tentativa dessa separação. Uma questão que
chama a atenção é que o autor transcreve frases dos alunos como esta: “É, jogamos
bola, né, só. Porque o professor chega, larga a bola prá nós e nós jogamos só.” (Ibid,
p. 4). Utiliza essas frases para mostrar a hegemonia do esporte na escola e não faz
nenhuma menção ao fato revelado de que o professor não aula, apenas larga a bola
pra nós e nós jogamos só”.
No sétimo artigo, a autora apresenta uma síntese da sua dissertação de mestrado
defendida na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que tem como objetivo
contribuir nas discussões acerca de problemáticas significativas da
prática pedagógica, entre as quais destaca-se a questão do
conhecimento no currículo escolar, apresentando como objeto de
estudo o trato com o conhecimento Dança, em aulas de Educação
Física, a partir de práticas pedagógicas na Teoria Crítica da Educação
(BRASILEIRO, 2001, p. 1).
237
Para responder a esse objetivo, a autora faz uma pesquisa de abordagem
qualitativa, a pesquisa-ação, em quatro turmas de Ensino Fundamental e Médio de uma
escola pública de Pernambuco.
Explica, fundamentada em Sader & Gentili
281
, que a escola está pautada por
políticas públicas sob a hegemonia neoliberal. Aponta como referências na educação a
Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani e as discussões de Freitas
282
sobre a organização
do trabalho pedagógico. Faz uma discussão relativa ao currículo a partir de Forquin,
Silva e Moreira
283
, se posicionando na perspectiva da teoria crítica do currículo.
Em relação à Educação Física, afirma que esta tem se justificado na escola por
vários motivos que não o seu conteúdo específico. Indica como obra principal o
Coletivo de Autores, que para a autora é a expressão da Pedagogia Histórico-Crítica na
Educação Física. Assevera que não houve, após o livro do Coletivo de Autores, uma
sistematização do conteúdo, embora haja algumas tentativas, como no Estado de
Pernambuco, locus de sua pesquisa. Propõe, então, contribuir para essa sistematização,
discutindo o conteúdo da dança.
Neste sentido, expõe que a dança normalmente não faz parte do currículo escolar
e que, além disso, uma discussão sobre qual profissional deveria dar conta desse
conteúdo na escola, ou seja, se o professor de Educação Física ou o profissional da
dança. No entanto, sua preocupação é com a formação profissional. Desse modo,
considera importante “discutir sobre as possibilidades, já historicamente em construção,
de qualificação profissional” (Ibid, p. 4). Sobre a dança, afirma:
No contexto da dança temos os elementos históricos, culturais e
sociais da dança, tais como, o trato com a história, música, estética,
apreciação e crítica etc. A dança é entendida, na proposta da Educação
Física em Pernambuco, como uma das formas de linguagem do
homem, expressiva e representativa de diversos aspectos de sua vida,
privilegiando de seus momentos festivos. (...) Nas poucas experiências
relatadas de aulas de Educação Física, vemos o privilégio do universo
popular, caracterizado como resgate cultural. Reconhecemos a
importância de repertórios da cultura local, porém faz-se necessário
281
SADER, E. & GENTILI, P. (Org.) Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia?
Petrópolis: Vozes, 1999.
282
SAVIANI, D. Op. Cit.
FREITAS, L. C. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas: Papirus,
1995.
283
FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1993.
SILVA, T. T. da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
MOREIRA, A. F. A crise da teoria curricular crítica. Cadernos de Educação. Pelotas: FaE/UFPel, ano 6,
n.8, jan/jun, p.49-73, 1997.
238
conhecer/explorar as referências acerca da dança e seus diferentes
repertórios bem como as possibilidades de improvisação e
(re)construção coreográfica (Ibid, p. 5).
Depois de relatar como foram os trabalhos na escola, conclui que ao ter um
projeto histórico socialista, compreende a escola como um espaço de luta que possui
como função primeira a “aquisição/sistematização/produção do conhecimento” (Ibid, p.
8) e que essa função deve ser recuperada e garantida. Compreende, também, que as
discussões sobre as Teorias Críticas estão inacabadas.
Na Educação Física, aponta que esta continua a reforçar “práticas pedagógicas
assistemáticas” e que “apesar da ampliação da referências, é evidenciado um fosso entre
o que diz a teoria e a realidade prática das aulas” (Ibid, p. 8).
A partir da experiência de sua pesquisa, a autora indica possibilidades concretas
sobre o trato do conhecimento sintetizando-as da seguinte forma:
Planejamento participativo; problematização; recuperação do acervo
dos alunos; pesquisa escolar; produção coletiva para a sistematização
das aulas; avaliação sistemática interativa. Os limites: relações de
poder; questões de comportamento e relação interpessoal; contexto
escolar e suas interferências na aula; sendo destacado na avaliação
ampliada a superação dos limites, frente à discussão sistemática por
alunos e professora (Ibid, p. 8).
Enfim, pontua que a dança “é uma produção do homem em suas relações com o
mundo e que explicita diferentes relações na sua constituição” (Ibid, p. 9). Apresenta
como referência importante para a discussão
Vasquez
284
, quando discute sobre a Estética, sendo essa “a ciência de
um modo específico de apropriação da realidade, vinculado a outros
modos de apropriação humana do mundo e com as condições
históricas, sociais e culturais em que ocorre” (1999, p. 47) (Ibid, p. 9,
grifo da autora).
No último artigo, que trata da temática “conhecimento específico”, a
pesquisadora se propõe a responder às questões:
Qual (is) as dimensões metodológicas do jogo presentes nas
diferentes abordagens, concepções ou proposições pedagógicas da
Educação Física Escolar, hoje, sistematizadas no Brasil? Nessas
abordagens, o jogo caracteriza-se como um
conhecimento/conteúdo fundamental por excelência da educação
Física ou como um caminho facilitador para outros conhecimentos
(recurso ou estratégia pedagógica, instrumento metodológico ou
meio para aprendizagem de habilidades?) (ARAÚJO, 2001, p. 2,
284
VASQUEZ, A. S. Convite à Estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
239
grifo da autora).
A autora assinala a abrangência dos termos quando se fala em jogo e o define a
partir de Huizinga como
uma atividade livre, conscientemente tomada como não séria e
exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o
jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo
e qualquer interesse material, com o qual não se pode obter qualquer
lucro, praticado dentro de limites espaciais e temporais próprios,
segundo uma certa ordem e certas regras (HUIZINGA apud
ARAÚJO, 2001, p. 1).
Procura destacar também a importância de se definir a infância por esta ter uma
relação com a ludicidade, considerando “a infância como fenômeno/categoria concreta
determinada pelas relações sociais, econômicas e culturais do contexto em que está
inserida” (Ibid, p. 1).
Para responder as suas questões, faz um levantamento sobre como são
classificadas as concepções de Educação Física e dá preferência à classificação de
Daolio. As concepções estudadas são: “Sistêmica, Desenvolvimentista, Construtivista
Interacionista e Crítico-superadora” (Ibid, p. 2). Apresenta, então, cada concepção e
seus mentores em relação especificamente ao tratamento atribuído ao jogo nessas
concepções, chegando às conclusões: A abordagem Sistêmica de Betti inclui os jogos
como conteúdo da Educação Física, mas não apresenta nenhuma proposta teórico-
metodológica. A abordagem desenvolvimentista não discute o jogo, mas o apresenta
como um meio para a aprendizagem de outras habilidades e outras dimensões, como,
por exemplo, os aspectos cognitivo e afetivo-social. Na abordagem construtivista, o
jogo tem um papel central, faz parte da proposta organizada pelo autor, não como um
conteúdo específico da Educação Física, mas sim como um meio de ensino. A
abordagem crítico-superadora, para a autora, é a única que explicita o jogo como
conteúdo, ou seja, apresenta
o jogo como conhecimento/conteúdo específico da Educação Física a
ser transmitido e assimilado pelos alunos e apresenta uma proposta
sistematizada para o seu ensino, nas diferentes etapas de escolarização
apontando diretrizes metodológicas e critérios de seleção das
atividades (Ibid, p. 6).
Conclui afirmando que o jogo “deve se configurar, na escola, como conteúdo
próprio da Educação Física, mas também pode estar presente para outras áreas do
240
conhecimento como um recurso pedagógico, uma estratégia metodológica” (Ibid, p. 6).
Ou seja, para a autora todas as abordagens são válidas.
6.2.3 – GTT – escola – 2003
No GTT-escola/2003, os subtemas, a partir das indicações dos autores,
Avaliação do GTT-escola (2), Educação Física Infantil (1), Legislação sobre a
Educação Física (1), Avaliação (1), Concepções de Educação Física (3), Planejamento
de Ensino e Propostas Curriculares (12), Conhecimento Específico (2).
Inicio com os artigos que pretendem uma “avaliação” do GTT- escola. Foram
apresentados os resultados de duas pesquisas. A primeira faz a análise da Jornada
Preparatória realizada em Pernambuco no ano de 2001. Observamos nos autores uma
forte influência de Paulo Freire
285
, sendo este a única referência teórica do artigo.
Os autores fazem uma síntese das discussões ocorridas no evento e mostram que,
nos trabalhos apresentados naquela região, a maioria relatava experiências de ensino,
tinham como referencial metodológico a pesquisa-ação e como base teórica para a
Educação Física escolar a perspectiva crítico-superadora. Além disso, propalam que
Paulo Freire é a principal referência teórica nos trabalhos apresentados. Desse autor
procuram salientar os princípios da liberdade, da práxis, da conscientização e do
diálogo. E concluem:
Freire também pode ser lembrado mediante uma metodologia que lê o
mundo da natureza partindo da condição dos sujeitos num aprender
praticando, da realidade principalmente dos recifenses oprimidos, e do
mundo da cultura que parte do popular, busca o universal e recria o
conhecimento, processo este que envolve: pesquisa, planejamento,
implementação, avaliação. Paulo Freire diz que aprendemos com o
corpo todo, construindo um paradigma educacional que abarca o todo
do mundo social e do mundo da natureza. Isto nos faz refletir sobre as
possibilidades de diálogo na área de Educação Física aberta ao
referencial freireano, não para seguirmos’ Paulo freire, mas para
reinventa-lo, para ressignificá-lo diante do tipo de conhecimento da
referida área (BRASILEIRO; LORENZINE, 2003, p. 4).
285
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.
_______. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
_______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1998.
241
A segunda pesquisa foi desenvolvida pelo LEPEL
286
e possui o intuito de criar
um banco de dados acerca da produção do conhecimento pertinente à Educação Física
Escolar. Sua análise incide sobre o GTT- escola nos eventos realizados nos anos de
1997, 1999 e 2001.
A síntese dos dados foi realizada a partir de uma organização que indicou o
número total de trabalhos, as instituições envolvidas, a participação por regiões, pelo
número de pessoas que desenvolveram as pesquisas e pela identificação de grupos de
pesquisas. Foram também levantadas quais as temáticas e metodologias utilizadas, bem
como o nível das produções, ou seja, iniciação científica, mestrado e doutorado.
Utilizaram como referência teórico-metodológica principalmente Sanchez
Gamboa e Souza e Silva
287
; a investigação é realizada a partir da “análise de
conteúdos”. Dentre os resultados, destaco que, sobre as temáticas, em um total de 14,
são de maior incidência aquelas relacionadas aos conteúdos específicos da Educação
Física, educação infantil, prática pedagógica e educação do corpo. A maioria dos
estudos é constituída por relatos de experiências, análise de literatura, de discurso, de
conteúdo, entre outros.
Dentre as diversas considerações, o grupo conclui que:
No cruzamento das informações observamos que apesar das mudanças
do nível acadêmico dos autores as temáticas mantiveram-se em
essência o predomínio por análise de fenômenos específicos
conteúdos específicos, prática pedagógica; propostas pedagógicas
ocorrendo em número ainda bastante reduzido as temáticas sobre
questões sobre a estrutura da cultura escolar e da cultura corporal tais
como: políticas públicas, fundamentos teóricos metodológicos,
políticas educacionais discutidos a partir de concepção filosófica,
ontológicas, e epistemológica, inerentes à produção científica. As
problemáticas objetivas do campo da Educação e Educação
Física, e das questões
sociais mais amplas, determinantes das
condições objetivas do trabalho socialmente útil e transformador
não tem expressão significativa nos registros do GTT Escola. Tal
fato reflete uma produção de pesquisa pautada em interesses
específicos, alheio às questões sociais e educativas mais gerais,
bem como, gerada pelo aligeiramento da formação acadêmica nos
cursos de pós-graduação no Brasil, resultado dos baixos
investimentos na Educação no Brasil (CRUZ et. al., 2003, p. 7,
grifo meu).
286
LEPEL – Linha de Estudos e Pesquisa em Educação Física & Esporte e Lazer da Universidade Federal
da Bahia.
287
SANCHEZ GAMBOA, S. Epistemologia da pesquisa em educação. Tese (Doutorado). Campinas
UNICAMP, 1987.
SOUZA e SILVA, R. V. Mestrados em Educação Física no Brasil: pesquisando suas pesquisas.
Dissertação (Mestrado). Santa Maria. Universidade Federal de Santa Maria, 1990.
242
No tocante à Educação Física Infantil”, encontrei uma pesquisa continuidade
do trabalho apresentado no evento anterior que identifica o conceito de infância na
produção da Educação Física pré-escolar no período de 1980 a 2002, procurando
estabelecer sua íntima relação com a educação. Demonstra a preocupação em justificar
a presença, tanto da disciplina Educação Física quanto do seu professor específico para
o ensino infantil. Entre as referências teóricas estão, Charlot, Kramer e Minayo, Sayão,
Gouvêa
288
.
Reconhece que a predominância de propostas tem sido em relação à
psicomotricidade e ao desenvolvimento motor. Define essas tendências teóricas como
possuidoras de uma concepção abstrata de infância, o que resulta em um entendimento
idealista de ser humano. Essa postura provoca uma visão fragmentada, ou seja,
dicotômica em relação a corpo/mente; sala/pátio; teoria/prática.
Procura demonstrar a historicidade da questão da infância com relação à
realidade social, com a cultura e com as classes. Compreende, a partir de Sayão, a
possibilidade de superação da Educação Física existente realizando uma aproximação
com Vigotsky
289
e com o Coletivo de Autores
290
, ambos com base teórica no
materialismo histórico. Mas ao mesmo tempo em que tem essa proposta como
possibilidade de superação, parte contraditoriamente do pressuposto de que é a
linguagem que constitui a humanidade como tal e que para justificar a Educação Física
na escola o centro das discussões deve ser o movimento, a linguagem e a expressão
lúdica
291
. Nesse âmbito, expõe:
Gouvêa (2001) lembra-nos que, etmologicamente, a palavra infância
advém do termo infant ou in-fans, que significa aquele que “não sabe
falar”. Neste sentido, se partimos do entendimento de que a
humanidade se constitui na e através da linguagem, como afirma a
autora, a ausência desta transmite simbolicamente, no sentido do
termo infant, a idéia de criança como um ser alienado como sujeito
(OLIVEIRA, 2003, p. 2, grifo da autora).
288
CHARLOT, B. A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da
educação. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 5.ed. São Paulo: Cortez, 1995.
MINAYO, M. C. De S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes, 1994.
SAYÃO, D. T. Educação Física na educação infantil: riscos, conflitos e controvérsias. Motrivivência:
Petrópolis, ano XI, n.13, p.221-238, nov. 1999.
GOUVÊA, M. C. S. Infância: entre a anterioridade e a alteridade. CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DO ESPORTE, n.12, 2001. Caxambu. Campinas: CBCE, 2001. (CD-ROM).
289
VIGOTSKI, L. S. A formação Social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
290
COLETIVO de AUTORES. Op. Cit.
291
Neste caso existe uma aproximação não explícita com as proposições de Kunz e Habermas.
243
No que diz respeito à Educação Física, compreende que esta deve ter um projeto
para a Educação Infantil, o qual,
deve superar o discurso “pobre” do desenvolvimentismo, focando na
dimensão lúdica do movimento humano, em que o movimento, a
linguagem e a expressão lúdica estejam no centro das discussões,
possibilitando às crianças efetivarem-se como sujeitos de suas
aprendizagens. Segundo Sayão (1999b, 1999), para que a Educação
física possa concretizar-se no âmbito da Educação Infantil, necessário
se faz que seu projeto educativo ultrapasse a fragmentação,
reconhecendo a singularidade das crianças e concebendo-as como
não-escolares (Ibid, p. 4).
Em relação à questão da “Legislação sobre a Educação Física”, foi apresentado
um artigo que a discute no sentido de pensá-la no ensino de a 8ª séries, em virtude da
quase inexistência de literatura para essas séries.
Os autores demonstram ter como base teórico-metodológica a perspectiva de
Educação Física desenvolvimentista, e possuem como referencial teórico autores como
Gallardo e Charles
292
.
Na pesquisa, não se apresenta nenhum problema em relação à legitimidade ou
legalidade, apenas uma averiguação de como se estrutura a legislação sobre a formação
de professores, incluindo a LDBEN, PCN’s, com o intuito de ter respaldo legal na
continuidade dos estudos.
Apresentam também “as características humanas básicas do aluno de 5
a
. a 8
a
.
séries” no que tange aos aspectos motor e biológico, cognitivo e o afetivo, discutindo
estes últimos com relação ao comportamento social, fazem os seguintes comentários:
Quanto ao comportamento social, cremos que a aula de Educação
Física Escolar propicia um ótimo espaço para interações sociais, pois
não se joga bola ou só se exercita em uma aula, pois também as
ações de torcedores, dirigentes, “palpiteiros”, atualização de
informações pessoais e de grupo, etc., diferentemente de uma aula
dentro de uma sala. Além do mais, o contato é mais estreito e
“tocável”. Cremos que o que torna a Educação “especial” é justamente
essas possíveis interações no contexto da aula (CAMPOS; PÉREZ
GALLARDO, 2003, p. 5).
Acerca dessa temática, os autores acrescentam:
Às vezes, em reuniões pedagógicas, adotando uma postura
provocativa destacamos o seguinte: como um professor vai ensinar o
conceito de cidadania se ele não quer e não gosta de lutar por
melhores salários? Entendemos que discutir melhores salários na
292
PÉREZ GALLARDO, J. S. Disciplina FF129 A Educação Física Escolar. Campinas: FEF.
UNICAMP: Anotações em sala de aula, 2002.
CHARLES, C. M. Piaget ao alcance dos professores. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1975.
244
educação seja um ato cidadão. Luta pelos direitos, claro não
esquecendo ao deveres. Essa criança, nessa fase [5
a
. a 8
a
.], observa
muito essas questões. Não queremos dizer com isso que o professor
deve estimular a rebeldia sem propósito ou com qualquer propósito,
entendemos que o espaço da aula, as interações sociais que propiciam
devem ser consideradas e em uma aula de Educação Física Escolar
poderá haver espaço para reflexões assim. Elas podem ser possíveis,
as discussões, quando professor e aluno se deparam com as questões
da moralidade e punição, por exemplo (Ibid, p. 6).
O tema “avaliação” também foi apresentado em apenas um artigo, como
resultado de pesquisa institucional da Universidade Federal do Espírito Santo, cujo
objetivo em princípio era analisar o “estado da arte” sobre a avaliação nos periódicos da
Educação Física. Nesse artigo tratam do Catálogo de Periódicos de educação física e
esporte (1930-2000).
Faz a análise a partir da década de 1970, mostrando o desenvolvimento do
interesse pelo tema e das mudanças de abordagens. Possui como pressuposto para
discutir a avaliação a proposta educacional da “ação-reflexão-ação”. Suas referências
teórico-metodológicas são Catani e Souza, Barreto
293
, entre outros.
Em algumas das conclusões, informam que as discussões relativas à avaliação
têm acompanhado as discussões na educação, e ainda que sentem carência na área de
uma investigação sobre a avaliação no “fazer pedagógico” do professor. Esse objetivo
será o objeto de investigação na continuidade da pesquisa. Assim:
Outro ponto crucial emergente do estudo refere-se ao número de
artigos que investigaram a prática pedagógica do professor sobre a
temática em questão. Dos trinta e três artigos que compunham o lócus
da pesquisa, apenas quatro abordaram a prática do cotidiano escolar.
Esse problema não é específico da avaliação e sim de toda uma
produção da década de 1980 a 1990 no campo da Educação Física
escolar, como enfatizam Oliveira (2001) e Caparroz (2001)
294
ao
indicarem a necessidade de um aprofundamento e amadurecimento
que levam à reflexão sobre o que está dentro da
escola, principalmente
no que tange à Educação Física, pois, caso não se compreenda isso,
293
CATANI, D. B.; SOUZA, C. P. de. A geração de instrumentos de pesquisa em história da educação:
estudos sobre revistas de ensino. In: VIDAL, D. G,; HILSDORF, M. L. S. (Orgs.). Brasil 500 anos:
tópicos em história da educação. São Paulo: Edusp, 2001.
BARRETO, E. S. de S.; PINTO, R. P. Avaliação na educação básica (1990-1998). Brasília:
MEC/Inep/Comped, 2001.
294
OLIVEIRA, M. A. T. de. Para uma crítica da historiografia: ditadura militar, educação física e negação
da experiência do professor. In: FERREIRA NETTO, A. (Org). Pesquisa histórica na educação física.
Vitória: PROTEORIA, 2001, v.6.
CAPARROZ, F. E. Perspectivas para compreender e transformar as contribuições da educação física na
constituição dos saberes escolares. In: In: FERREIRA NETTO, A. (Org). Pesquisa histórica na
educação física. Vitória: PROTEORIA, 2001, v.6.
245
dificilmente se poderá falar de contribuições para a constituição dos
saberes escolares (SANTOS, et al., 2003, p. 7).
No que se refere ao tema “conhecimentos específicos”, foram apresentados dois
artigos, um do “Laboratório de Estudos Pedagógicos em Educação Física e esportes” do
Departamento de Ginástica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o outro
do Departamento de Educação Física da UFRN (Universidade Federal do Rio do
Norte).
No primeiro, a pesquisadora tem a preocupação de relatar suas experiências com
o conteúdo “Ginástica Rítmica”, no sentido de desmistificar que essa atividade seja
exclusivamente para meninas, além de mostrar os “sentidos e significados de suas ações
motoras” (ALONSO, 2003, p. 1).
Os principais autores utilizados como referência nesse artigo são Kunz, Freire,
Lê Bouch e Bronfenbrenner
295
. Em relação ao método de ensino, a autora expõe:
O método de trabalho aqui mencionado tem, como proposta, um
ensino centrado no aluno, tendo o professor como facilitador da
aprendizagem. (...) nesta fase [métodos e avaliação de ensino]
decidimos o caminho pelo qual iremos atingir o objetivo maior na
formação da criança, que é proporcionar o desenvolvimento de forma
integrada no meio ambiente em que ela se relaciona, possibilitando-
lhe descobrir, sustentar ou alterar suas propriedades cognitiva, motora
e afetivo-social, seja na matemática, nas artes, na educação física e
nos esportes (Ibid, p. 2).
Após explicar todo o trabalho desenvolvido, sem perder de vista o “inter-
relacionamento das ações motora/cognitiva/afetivo-social” (Ibid, p. 2), a autora, entre as
conclusões, explica que:
Este estudo nos faz acreditar que estamos alcançando uma proposta
pedagógica da Ginástica Rítmica que poderá ser atingida por todos,
pois é possível ensinar a GR buscando o seu entendimento como
modalidade esportiva e indo além do gesto técnico, acrescentando a
este a compreensão a respeito da própria ação. E, segundo Freire
(1996, p. 48), a criança, quando de posse da compreensão, “pode se
libertar das amarras da situação específica em que ocorreu a
aprendizagem e dispor de seu conhecimento livremente para utilizá-lo
de acordo com suas decisões” (Ibid, p. 6).
295
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1994.
FREIRE, J. B. Pedagogia do esporte. Coletânea do 3
o
. Congresso Latino-Americano de Esporte,
Educação e Saúde no Movimento Humano. Foz de Iguaçu, p. 38-49, 1996.
LE BOUCH, J. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1985.
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e
planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
246
No segundo artigo, o autor discute a metodologia para se trabalhar com a
consciência corporal e como “um grupo específico de professores migra essas
orientações para seu fazer pedagógico” (MELO, 2003, p. 1). As referências do autor
são, principalmente, Claro, Campelo, Del Nero e Nóbrega
296
.
O autor faz uma reflexão relativas às práticas corporais voltadas à consciência
corporal, normalmente realizadas em consultórios por terapeutas corporais e como isso
é “migrado” para as aulas de Educação Física. Apresenta o depoimento dos professores
entrevistados e analisados sobre essa questão e pontua que:
deve existir (...) uma preocupação na adequação metodológica, uma
vez que os mesmos procedimentos verificados nos consultórios de
terapias corporais diferem do que cremos ser a metodologia mais
viável para tratar a temática da consciência corporal nas aulas de
educação física (Ibid, p. 4).
Ainda sobre essa questão, acrescenta:
Tratar a consciência corporal nas aulas de educação física é ir além
dos exercícios de sensibilização, é, em primeira instância, acessar os
alunos a uma reflexão de corpo, mas necessariamente transitar pelas
relações que esse corpo vivencia e, também, compreender a dinâmica
das manifestações motoras que este produz no seio da sociedade, não
praticando-as, mas entendendo o seu enraizamento social, o
momento histórico que os corpos as produzem e a sua transmissão
cultural (Ibid, p. 5).
O autor distingue e explica também três dimensões no trabalho de consciência
corporal, quais sejam, potencialidade para realizar o movimento, afetividade e
sexualidade e a relação sujeito/mundo (exercício da cidadania). A partir disso, na
consciência corporal a possibilidade de “regate da corporeidade plena” destruída pelas
“condições nas quais o homem se encontra, que o transforma muitas vezes em máquina,
em utensílio de produção para a classe dominante, que só visa ao lucro, podem provocar
doenças do caráter que são passadas de geração à geração” (Ibid, p. 6).
Acerca do tema que denominamos “Concepções de Educação Física”, foram
apresentados três artigos que propõem a necessidade de transformação na Educação
Física para que esta se torne legítima no âmbito escolar. Nos dois primeiros artigos, a
296
CLARO, E. Método dança-educação física uma reflexão sobre consciência corporal e profissional.
São Paulo: Robe, 1995.
CAMPELO, C. R. Cal(e)idóscorpos: um estudo semiótico do corpo e seus códigos. São Paulo:
ANNABLUME, 1996.
DEL NERO, H. S. O sítio da mente: pensamento, emoção e vontade do cérebro humano. São Paulo:
Collegium Cognitio, 1997.
NÓBREGA, T. P. Corporeidade e educação física: do corpo-objeto ao corpo-sujeito. Natal: EDUFRN,
2000.
247
cultura é apontada como categoria central não apenas no processo escolar, mas também
na formação da essência humana. No último, há uma preocupação mais ampla na
discussão em direção à transformação da sociedade capitalista.
No primeiro artigo
297
, é feita a defesa da “escola viva e plural”, onde a rigidez, o
conhecimento fragmentado e o distanciamento entre teoria e prática docente existentes
hoje nas escolas são substituídos por práticas interdiciplinares que articulam teoria e
prática, ação e reflexão, subjetividade e objetividade. Entre as referências teóricas
utilizadas na defesa dessa substituição estão Arroyo, Freire, Morin, Geertz e Adorno
298
.
Nessa transformação, a centralidade do processo interdiciplinar deve estar na
interculturalidade
299
. Nesse contexto, o conhecimento deve ser construído em sala de
aula pelos professores e alunos, ou seja:
É uma concepção de produção/construção de conhecimento em sala
de aula, que perpassa não somente pela crítica radical aos modelos
pedagógicos, mas também de uma concepção epistemológica, onde
alunos e alunas e professores e professoras aprendem juntos, elaboram
o seu próprio material didático, ressignificam suas relações e
representações. Para que isso ocorra, é imprescindível assumirmos as
práticas educacionais, como “espaço/tempo de redes de múltiplas
relações e movimento que permitem a criação, rica e turbulenta de
novos conhecimentos” (ALVES; GARCIA
300
apud ANDRADE, 2003,
p. 3).
A Educação Física, nesse processo, pode ser o “carro-chefe” na escola, pois
conforme o autor sua especificidade é justamente o trabalho com os elementos da
cultura corporal, no qual se encontram todas as dimensões humanas. Em suas palavras:
Se a Educação Física, até então, preocupou-se principalmente com a
formação de um tipo ideal de corpo, de talentos esportivos e de
performances, talvez seja hora de aprendermos um pouco com Adorno
(1995), assumindo uma atuação pedagógica mais plural, voltada ao
atendimento de indivíduos com desejos, sonhos e expectativas
297
Pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina.
298
ARROYO, M. (Org.) Educação e cidadania: quem educa o cidadão. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand do
Brasil, 2001.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. São Paulo: Zahar, 1978.
ADORNO, T. W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
299
O termo “interculturalidade” utilizado pelo autor é fundamentado em Fleuri e diferencia-se de outros
processos que envolvem a relação entre as culturas, pela sua intencionalidade, proposta de mudanças e de
projetualidade” (ANDRADE, 2003, p. 2). Neste sentido, Fleuri apud Andrade, aponta que “a educação
intercultural não se reduz a uma simples relação de conhecimentos: trata-se da interação entre
sujeitos...relação de troca e de reciprocidade entre pessoas vivas, com rostos e nomes próprios,
reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua dignidade. Uma relação que vai além dos sujeitos e
envolve suas respectivas identidades culturais diferentes” (2003, p. 2).
300
ALVES, N. & GARCIA, R. L. O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
248
diversificadas, conjecturadas em contextos sociais distintos,
contribuindo e participando de um projeto social pautado na
emancipação humana (ANDRADE, 2003, p. 4).
Em outro artigo, a ênfase é dada às dificuldades para se efetivar a proposta de
Educação Física a partir da cultura corporal
301
, dificuldade verificada com o
desenvolvimento do “Projeto Esporte Cidadão” na Disciplina de Estágio
Supervisionado I, II, III no Centro Universitário Vila Velha.
Para analisar as representações sociais em relação à proposta da “Cultura
Corporal”, o autor utilizou como referência metodológica a etnografia, para a “análise
das práticas e por meio do discurso dos sujeitos (professores e estagiários). Essas
representações sociais foram analisadas sob a luz do referencial teórico subjacente à
perspectiva pedagógica trabalhada. Por meio dessa análise, percebemos o grau de
inconsistência das mesmas” (MELLO, 2003, p. 1).
Utiliza como referencial teórico autores como Geertz, Leontiev, Daolio, Sá,
Betti, Bracht
302
, entre outros.
Ao discutir a relação entre a Educação Física e a cultura, preconiza:
Os movimentos expressam a cultura do ser humano, explicitam as
determinações de caráter político, econômico, religioso, etc. dos
contextos nos quais os sujeitos estão inseridos. Para Daolio (1997) “O
corpo é uma síntese da cultura, porque expressa elementos específicos
da sociedade da qual faz parte. O homem, por meio do seu corpo, vai
se apropriando de valores, normas e costumes sociais, num processo
de inCORPOração...” (...) A educação física, segundo nossa ótica, é
entendida como uma área de intervenção social, comprometida com a
aquisição crítica do saber para o processo de emancipação social.
Neste sentido, precisa considerar a cultura como referência para
compreensão do corpo e do movimento humano (Ibid, p. 2).
O autor identificou como problemas alguns fatores, entre eles, as representações
sociais dos professores em relação a essa proposta; a falta de experiências concretas em
301
Neste caso, a referência para o trabalho com a Cultura Corporal é o livro Metodologia do Ensino da
Educação Física do Coletivo de Autores.
302
GEERTZ, C. Op. Cit.
LEONTIEV, A. R. O homem e a cultura. In: O papel da cultura nas ciências sociais. Porto Alegre: Vila
Martha, 1980.
DAOLIO, J. Cultura: educação física e futebol. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1997.
SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis/RJ: Vozes, 1996.
BETTI, M. O que a semiótica inspira no ensino da educação física. Discorpo. São Paulo: EDUC, n.3,
1994.
BRACHT, V. A constituição das teorias pedagógicas da educação física. In: Cadernos Cedes 48.
Campinas/SP: Unicamp, 1999.
249
relação à mesma; a contínua hegemonia de perspectivas orientadas a partir da aptidão
física e do esporte.
O terceiro artigo é aquele que busca dar um enfoque mais crítico em relação ao
tema em tela. Resulta de uma tese de doutorado em andamento na UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro). Os autores procuram, através do “método dialético”,
analisar o “trabalho pedagógico” e a “didática da Educação Física Escolar”, e neste
sentido afirmam:
O que será analisado são as contradições da escola capitalista e as
possíveis superações do seu método, compreendendo que o processo
de superação deve partir do entendimento dessas construções no
interior da própria escola. Para tanto, deve-se compreender o contexto
escolar em suas múltiplas determinações e não somente num
procedimento específico, ou num local próprio (o espaço da sala de
aula). (...) A proposta, nesse sentido, é uma nova organização do
trabalho pedagógico e da didática da Educação Física Escolar (EFE),
admitindo-se que a escola (sua organização, seus objetivos e métodos)
deve, também, estar sob, análise, uma vez que todos esses níveis são
históricos e, portanto, mutáveis no fluxo da própria história (SILVA;
SILVA, 2003, p. 1).
Para essa análise, o principal autor tomado como referência é Freitas, sendo
utilizado, entre outros, Saviani
303
. Além disso, a vinculação da Educação Física às
perspectivas destes autores se justifica pela necessidade de “ampliar as ações de ensino
para além de concepções de aula, implica uma contextualização do trabalho
pedagógico da escola com o trabalho material produtivo (Ibid, p. 2, grifo meu).
Essa posição se põe quando os autores, ao apresentarem as críticas que a Pedagogia
Histórico-Crítica recebe, na tentativa de defendê-la argumentam:
Mesmo admitindo que a aula e suas sistematizações são produtos da
escola capitalista e que sempre haverá aluno, matéria e professor, além
de objetivos e condições concretas, Freitas (1995) indica a recusa do
confinamento pedagógico aos domínios do trabalho o-material do
tipo “aula”, admitindo tal como Saviani (1991), que a atividade
pedagógica é um trabalho não-material, mas deve-se distinguir
com cuidado o trabalho não-material produtivo do trabalho não-
material não produtivo, não bastando para isso selecionar conteúdos
de forma crítica (Ibid, p. 3, grifo meu).
Em relação às críticas que recebe a concepção crítico-superadora na Educação
Física, os autores afirmam:
Mesmo partindo de alguns conceitos próprios da escola capitalista, a
303
FREITAS, L. C. de. Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. o Paulo:
Papirus, 1995.
SAVIANI, D. Op. Cit.
250
proposta consegue, em relação à área, não eleger, pelo menos
diretamente, a aula como centro do processo. Para muitos, as críticas à
metodologia apresentada pelo Coletivo de Autores encontram-se,
exatamente, na pouca ênfase dada aos processos de ensino (aula).
Reclamam da pouca objetividade no trato das sistematizações,
deixando em aberto como se “organizam as aulas” nessa nova
perspectiva. É justamente o avanço, em relação às teorias
existentes e até à própria Pedagogia Histórico-crítica, que é
criticado, demonstrando o longo percurso que a área da EFE ainda
necessita percorrer (Ibid, p. 3, grifo meu).
Os autores ainda apresentam e criticam a Pedagogia dos Conflitos Sociais
defendida por Santos
304
, e concluem o artigo assinalando que:
Saviani captou a essência do método dialético, de movimento, de
processo, de reflexão sobre a ação. Ao invés de alimentar expectativas
salvadoras ou procedimentos infalíveis de ensino, pode-se construir
dialeticamente o processo de intervenção a partir das sínteses dos
diversos contextos da escola capitalista, compreendendo a sua lógica e
a partir dela produzir meios de sua superação (Ibid, p. 4).
Em relação à temática a qual denominamos “Propostas curriculares e
experiências de ensino”, encontramos a maior concentração de artigos apresentados,
totalizando 12. Alguns derivam de teses e dissertações que avaliam as tentativas de
experimentar nas escolas as propostas pedagógicas desenvolvidas como contraponto à
Educação Física existente. Outros são resultados de pesquisas desenvolvidas em
universidades públicas que procuram, através de experiências pedagógicas, construírem
novas propostas curriculares e estratégias de ensino para a Educação Física.
Dois dos trabalhos apresentados procuram fazer a crítica à sociedade capitalista
e têm como meta a sua superação. Pensam a educação como um dos elementos que
pode contribuir para a transformação social e a Educação Física como um dos
componentes dessa educação. Procuram formular experiências de ensino a partir da
Pedagogia Histórico-Crítica e da Educação Física Superadora.
O primeiro artigo origina-se de um projeto de pesquisa da FADEP/PR
(Faculdade de Pato Branco) com o objetivo de realizar um diagnóstico da Educação
Física nas escolas do sudoeste do Paraná. Para tanto, procura identificar suas
concepções, a relação entre elas e o projeto político pedagógico da escola, bem como a
304
SANTOS, O. Princípios de uma pedagogia dos conflitos sociais. Tese (Doutorado). Belo Horizonte:
FAE-UFMG, 1991.
251
prática do professor para encaminhar uma proposta de “Educação Física progressista ou
revolucionária (BRACHT
305
, 1997)”.
A partir da síntese de Darido
306
, apresentam um breve histórico e as concepções
de Educação Física, a abordagem desenvolvimentista, a construtivista-interacionista, a
educação física humanista, a abordagem crítico-superadora e a abordagem sistêmica.
Concluem postulando que a Educação Física é uma disciplina “marginal” na
escola e que é necessário legitimá-la dando-lhe uma fundamentação autônoma. Estão
em pleno acordo com Bracht, quando o autor sugere que a Educação Física se efetive
como:
a) Educação através do movimento: conferindo historicidade à
fundamentação autônoma; b) Educação do movimento: veiculando de
forma crítica o acervo da cultura corporal/movimento produzida pelo
homem, superando-a; c) Educação para o movimento: utilizando
como referência os momentos do não-trabalho, o lazer (HARTMAN
et al., 2003, p. 3, grifos dos autores).
O segundo artigo trata de uma experiência de ensino realizada em um estágio
por alunos da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), que procura trabalhar o
conteúdo “voleibol” na perspectiva crítico-superadora. Os autores utilizados como
referência teórica são Enguita, Saviani, Neves, Coletivo de Autores
307
, entre outros.
A opção teórica se a partir de uma determinada concepção de escola
fundamentada na Pedagogia Histórico-crítica, e neste sentido, argumentam:
Considerando que a escola é uma instituição responsável pela
formação humana dos futuros cidadãos-trabalhadores livres, e
esta formação se justifica a partir da especificidade do
conhecimento, acreditamos que a inserção pedagógica de qualquer
outra área, em especial a EF, não pode se constituir por fora desta
definição histórico-conceitual defendida pela pedagogia histórico-
crítica (SILVA et. al, 2003, p. 2, grifo meu).
Após uma descrição dos princípios da abordagem crítico-superadora e também
das aulas realizadas no estágio, concluem que:
A EF, ao trabalhar com a linha esportivizada na escola, não
305
BRACHT, V. Educação Física e Aprendizagem Social. 2. ed. Porto Alegre: Magister, 1997.
306
DARIDO, S. C. Educação Física na Escola: Questões e reflexões, 1999. (a referência é apresentada
pelos autores de forma incompleta).
307
ENGUITA, M. F. A face oculta da escola: educação, trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.
NEVES, L. M. W. Educação e política no Brasil de hoje. São Paulo: Cortez, 1994.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1992.
COLETIVO DE AUTORES, Op. Cit.
252
enfatiza a aprendizagem correta das técnicas e táticas, limitando-
se a elas, mas também reforça a lógica do modelo capitalista no
espaço escolar. Por isso, trabalhamos com paciência para romper
com as dificuldades e limitações impostas pela cultura
esportivizante da EF, internalizada pelos alunos, tendo como
referência a incorporação de uma nova forma de pensar-agir
frente ao voleibol. Acreditamos que esta experiência vem somar à
tentativa de se criar uma práxis pedagógica que esteja firmemente
articulada com a função da escola, garantindo a EF enquanto
disciplina e a escola como instrumento que pode estar a serviço da
transformação social (Ibid, p. 4, grifo meu).
Diferentemente desses artigos citados, ainda outro trabalho referente à
temática “Propostas curriculares e experiências de ensino” que não parte de nenhuma
crítica específica, mas procura organizar a Educação Física tanto em relação ao tempo
escolar como em relação aos conteúdos.
Esse artigo é uma elaboração empreendida por uma professora do Cesumar
(Centro Universitário de Maringá) e UEM (Universidade Estadual de Maringá). Ela
pretende contribuir com a elaboração da proposta pensada por Oliveira
308
, “Planejando a
Educação Física Escolar” com a organização dos conteúdos do núcleo temático “O
movimento em expressão e ritmo” desde o jardim I até a 3
a
. série do Ensino Médio. A
autora apresenta no artigo a proposta de maneira sistematizada.
Nessa proposta, intitulada “Planejando a Educação Física Escolar”, além do
tema desenvolvido pela autora, Oliveira (2003) divide os conteúdos nos seguintes
núcleos temáticos: “a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas
manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; o movimento
e a saúde” (LARA, 2003, p. 2).
Como referências teóricas toma por base Merleau-Ponty, Manuel Sérgio,
Hildebrandt e Laging, Grupo de Trabalho Pedagógico, Gallardo, Oliveira e Avarña
309
,
concluindo que:
Embora possa parecer pragmática a estruturação de um “modelo”
dessa natureza, as reflexões em torno da proposta levam a perceber
308
OLIVEIRA, A. A.B. de. Planejando a Educação Física escolar. In: VIEIRA, J. L. L. (Org.) Educação
Física e esporte; estudos e proposições. Maringá: EDUEM, 2003.
309
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
SÉRGIO, M. Motricidade humana. Contribuições para um paradigma emergente. Lisboa Portugal:
Instituto Piaget, 1995.
HILDEBRANDT, R. e LACING, R. Concepções abertas do Ensino da Educação Física. Rio de
janeiro: Ao Livro Técnico, 1986.
GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO. Visão didática da educação física: análises críticas e
exemplos práticos de aulas. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1991.
GALLARDO, J.; OLIVEIRA, A. A. B. de e ARAVEÑA, C. Didática da Educação Física. A criança em
movimento: jogo, prazer e transformação. São Paulo: FTD, 1998.
253
que a preocupação maior é fornecer elementos que possam orientar o
trabalho docente rumo a uma Educação Física legítima no setor
escolar. E, nesse sentido, o “modelo” é flexível em essência, passível
de modificações, constituindo um referencial extremamente relevante
a profissionais que anseiam por sistematizações que possam nortear
sua prática profissional (Ibid, p. 8).
Os demais artigos possuem um encaminhamento muito próximo e são
originários de várias partes do país. um artigo da UFRGS (Universidade Federal do
Rio grande do Sul), resultado de uma pesquisa institucional, que teve como objetivo
“compreender os significados atribuídos pelos professores de educação física ao
planejamento de ensino e à sua prática educativa cotidiana nas escolas dessa Rede de
Ensino” (BOSSLE; BOND, 2003, p. 1).
Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica em escolas da rede
municipal de ensino de Porto Alegre, onde existe a “Proposta Político-Pedagógica da
Escola Cidadã”
310
. Para realizar essa pesquisa, dentre as referências teóricas utilizadas
pelos autores, destaco Freire, André, Schön, Nóvoa, Arroyo, Perrenoud
311
.
A partir das informações colhidas nas escolas, foram construídas sete categorias
apresentadas e discutidas no artigo. São elas: da formação institucional à prática
educativa; orientações e encaminhamentos pedagógicos; espaços e tempos de planejar;
proposta político-pedagógica e a perspectiva dos professores; contexto singular das
escolas; autonomia na prática educativa; concepção e construção do planejamento de
ensino.
Das conclusões, é possível destacar que para os professores o planejamento
expressa apenas uma formalidade na escola; o planejamento é realizado de forma
individualizada e isolada; existe uma distância entre a “literatura especializada sobre o
planejamento de ensino e o que ocorre no cotidiano escolar” (Ibid, p.7); na Educação
310
O autores explicam que: “A partir de 1993 a Secretaria Municipal de Educação (SMED) adota o
Projeto Escola Cidadã, contemplando a proposta de reinvenção da escola defendida por Paulo Freire
(2000) na construção de uma escola fundamentalmente comprometida com as classes populares. A Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre passa a adotar o currículo organizado por ciclos de formação,
complexos temáticos, turmas de progressão, interdisciplinaridade e o planejamento coletivo dos
professores” (BOSSLE; BOND, 2003, p. 2).
311
FREIRE, P. A educação na Cidade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
ANDRÉ, M. E. D. A etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem.
Porto Alegre: ARTMED, 2000.
NÓVOA, A. A racionalização do ensino e a profissão docente. Inovação. Porto: v. 4, 1991.
ARROYO, M. G. A escola possível é possível? In: ____. Da escola carente à escola possível. São Paulo:
Loyola, 1991.
PERRENOUD, P. A pedagogia da escola das diferenças: fragmentos de uma sociologia do fracasso.
Porto Alegre: ARTMED, 2001.
254
Física existe grande ênfase no tecnicismo tanto no planejamento quanto nas aulas; e
ainda, em geral:
A lógica de planejar e de realizar obedece à racionalidade técnica de
que os professores são profissionais que, diante de determinadas
situações previstas, devem empregar soluções preestabelecidas. O
cotidiano escolar e a dinâmica das relações que acontecem dentro das
escolas, porém, não podem obedecer a um programa de soluções
técnicas, mas considerar o planejamento como processo de construção
coletiva (Ibid, p. 7).
Os pesquisadores também reforçam a necessidade de se considerar o cotidiano
e a rotina nas escolas como perspectiva de análise” (Ibid, p. 6), e a necessidade do
planejamento participativo, ou seja:
Mesmo reconhecendo a complexidade do cotidiano das Escolas em
que realizamos o estudo, consideramos que o planejamento
participativo poderia ser uma possibilidade de construção da proposta
inclusiva. O planejamento participativo já é fato na Realização do
Orçamento Participativo na Cidade de Porto Alegre, e na decisão
sobre a destinação das verbas nas escolas, de acordo com as
prioridades apontadas pela comunidade escolar. O processo de
construção participativa no planejamento de ensino dos professores de
educação física pode contribuir para a superação de limitações
apresentadas neste estudo, sob a perspectiva dialógica, fundamental
para o entendimento e esclarecimento dos homens e mulheres no
mover-se no mundo (Ibid, p. 7).
As autoras desse próximo artigo objetivaram interpretar o “fazer docente de uma
professora de Educação Física Escolar, visando a identificar e discutir diferentes
aspectos de sua atuação pedagógica com base nos referências da corporeidade e da
educação para a solidariedade (BEZERRA; CAVALCANTI, 2003, p. 1). Utilizaram
como metodologia a “História de vida” e a “etnografia”, e suas principais referências,
entre outras, são Assmann, Elias, Bauman, Resende, Daolio
312
.
Fazem a crítica à escola e à sociedade; criticam também o excesso de
“competitivismo” e a ideia dualista “na qual o ‘eu pessoa’ corresponde a uma visão
externa do corpo, sendo o corpo a sua sede” (Ibid, p. 2). Buscam uma “corporeidade
cidadã” e almejam uma Educação Física que seja “movida por outra sensibilidade, por
uma ética solidária exigindo um novo fazer pedagógico, é necessário identificar os
312
ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis/RJ: Vozes, 1998.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge zahar, 1994.
BAUMANN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
RESENDE, H. G. Necessidades da educação motora na escola. In: DE MARCO, A. (Org.) Pensando a
educação motora. Campinas/SP: Papirus, 1995.
DAOLIO, J. Da cultura do corpo. São Paulo: Papirus, 1995.
255
nexos existentes entre essa realidade educacional e o legado que o processo civilizatório
nos marcou até os dias atuais de uma sociedade globalizada” (Ibid, p. 1).
Após explicar essas questões, apresentam a trajetória de vida de uma professora
e concluem:
O corpo, como linguagem e expressividade pela gestualidade dos
alunos, é fonte de conhecimento para o agir da professora, pois
são gestos e expressões que precisam ser utilizados
sistematicamente como fonte de conhecimento no seu cotidiano
escolar, visto que lhe dão indícios sobre a corporeidade dos alunos. É
no campo das emoções, sentimentos e valores que a corporeidade
pode contribuir para construir homens mais participantes,
democráticos, livres e felizes, e apenas os sentidos refinados
podem construir harmonias para o viver. Enfim, sintetizando o
fazer pedagógico da professora Iracyara, vislumbrando uma prática
docente em consonância com concepções crítico-transformadoras
evidenciadas no seu discurso, caracterizando o papel do professor
como mediador que substancia sua ação no diálogo e na reflexão,
tendo como molas propulsoras do seu agir o espaço profissional
conquistado por isso a liberdade do agir -, a filosofia da escola é
incorporada em cada ação e o seu compromisso amoroso com seus
alunos e sua profissão (Ibid, p. 6, grifo meu).
Os próximos três artigos são de participantes do NEPECC/UFU Núcleo de
Estudos e Planejamento e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal da Universidade
Federal de Uberlândia e possuem a mesma fundamentação teórica e compreensão de
Educação Física.
O NEPECC/UFU é coordenado pelo professor Gabriel Munõs Palafox, o qual
realiza um trabalho conjunto com professores da rede municipal e estadual de
Uberlândia desde 1993. Possuem três “marcos teóricos de referência”, que são
explicados nos três artigos. São eles:
Análise das Competências Instrumental, Social e Comunicativa
(KUNZ, 1991; MUÑOZ PALAFOX, et al; 1997)
313
, como base para a
compreensão da formação ampliada do ser humano.
A teoria de Aprendizagem Sócio-Crítica subjacente às vivências
dinâmico-dialógicas que ocorrem durante as estratégias de ensino e no
cotidiano escolar, onde procura tomar-se consciência das diferentes e
variadas formas de comportamento e de participação que exigem
reflexão por parte dos alunos e do professor no momento da
construção coletiva de normas constitutivas e/ou regulativas, cujas
implicações o individuais e sociais (BRACHT, 1992;
313
KUNZ, E. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Editora Unijuí, 1991.
MUMÑOZ PALAFOX, G. H.; TERRA, D. V.; PIROLO, A. L. Educação Física: uma abordagem
histórico-cultural de educação. Revista Educação Física da Universidade Estadual de Maringá, v.8,
n.1 p.3-09, 1997.
256
HILDEBRANDT, 1986)
314
.
O Multiculturalismo Crítico, considerando a necessidade de
promover ações comprometidas com a produção de saberes e sua
apreensão para a construção de uma cidadania capaz de coordenar
planos de ação compreendendo e agindo criticamente diante das
condições de gênero, geração, etnia/raça, sexualidade, diferenças de
habilidades motoras e corporais, etc. que, dentre outros, aspectos
procuram explicar os diversos preconceitos que impedem a construção
da equidade social e suas implicações individuais e sociais
(MCLAREN, 1997; BELLO, 2001)
315
(FARIA et. al., 2003, p. 3).
Outra questão que os pesquisadores sempre reiteram é a relevância do trabalho
coletivo, apontando que para sua realização é necessário desejo, esforço pessoal e
vontade política para assumir com transparência e sem ingenuidade a responsabilidade
de colocar-nos, historicamente, na contramão de tudo aquilo que criticamos e que está
posto no cotidiano escolar. (ANDRADE et. al., 2003, p.5, grifo dos autores). Além
disso, ressaltam a relação dinâmico-dialógica, o aluno como sujeito e o professor como
orientador e facilitador, porém todos contribuindo para alcançar o objetivo do PCTP
(Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico), qual seja:
Refletir criticamente o sentido e significado deste componente
curricular e, ao mesmo tempo, implementar, tanto uma proposta
pedagógica, bem como Estratégias de Ensino orientadas por uma
perspectiva Emancipatória de Educação em parceria com a área de
Educação Física da UFU, através do Núcleo de Estudos em
Planejamento e Metodologias de Ensino da Cultura Corporal
NEPECC/UFU (Ibid, p. 1).
Em todos os artigos são apresentadas as atividades desenvolvidas com seus
respectivos objetivos e resultados, demonstrando que os conteúdos são estratégias para
se conseguir objetivos outros. No primeiro artigo consta um plano básico para a
Educação Física Infantil, tendo a fundamentação teórica, além do exposto, a partir
principalmente de Vigotsky e de Piaget apud Kamil e Devries.
316
O segundo artigo procura mostrar a experiência com alunos da 3
a
. e 4
a
. séries do
Ensino Fundamental no sentido de criar uma “Estratégia de Ensino” construída
coletivamente na tentativa de resolver os conflitos de “interação e convivência social
314
BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
HILDEBRANDT, R. Concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1986.
315
McLAREN, P. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.
BELLO, L. Multiculturalismo e educação crítica. In. Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico:
a experiência de Uberlândia. Uberlândia: Linograf/Casa do Livro, 2002.
316
VIGOSTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Ícone/Edusp, 1984.
KAMIL, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na Educação Física Infantil: Implicações na Teoria de
Piaget. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
257
entre os alunos” (Ibid, p. 2). Neste sentido, o “jogo” foi utilizado como estratégia,
considerando que:
A partir de situações de conflito social que ocorrem cotidianamente na
escola, promover a assimilação/internalização de conhecimento
instrumental, social e comunicativo, socialmente relevante, capaz de
estimular entre os alunos, a reflexão crítica de suas dificuldades e
problemas de interação social, ao mesmo tempo em que
oportunizamos a vivência de processos de construção coletiva de
normas necessárias à sua superação (Ibid, p. 1).
O terceiro artigo foi elaborado por funcionárias da Prefeitura Municipal de
Uberlândia, que realizam o trabalho com o NEPECC/UFU. O objetivo também era
apresentar uma Estratégia de Ensino” desenvolvida de forma coletiva, mas agora, com
o “Eixo Temático Esporte Indivíduo e Sociedade”. Ao final, afirmam que:
A construção de uma prática reflexiva e da autonomia docente está
vinculada à inclusão dos problemas da prática em uma perspectiva de
análise que vai além de nossas intenções e atuações pessoais. Implica
com contexto coletivo de ação e participação social para tomar
decisões frente à realidade. Tais capacidades podem ser
conquistadas através de práticas inovadoras nas quais os professores
são livres para experimentar propostas de ensino, sem perder de vista
seu compromisso com uma formação crítica e emancipada
(VALADARES, 2002). Estabelecendo uma outra forma crítica de
relação com os alunos e, por outro lado favorecendo a possibilidade de
que estes últimos possam vivenciar de uma maneira menos coercitiva
e mais autônoma, seus referenciais de vida individual e social.
(MUÑOS PALAFOX, 1995) (ANTUNES et. al., 2003, p. 8).
Os dois últimos artigos que versam sobre o tema “Propostas curriculares e
experiências de ensino” discutem a “Escola Plural” de Belo Horizonte. O primeiro é
resultado de uma dissertação de mestrado
317
defendida na UFMG (Universidade Federal
de Minas Gerais), cujo objetivo foi verificar as relações desse projeto de escola com as
“práticas corporais” que, conforme a autora, acontecem tanto nas aulas de Educação
Física quanto em outros “tempos/espaços”. Dentre as muitas referências citadas pela
autora, saliento Arroyo, Bracht, Game
318
.
317
O projeto dessa dissertação foi apresentado no COMBRACE/2001. No projeto a autora expõe todas as
características da “Escola Plural”.
318
ARROYO, M. Os movimentos sociais e a construção da concepção e prática da Educação Básica
Universal (Minicurso). Reunião Anual da Anped, n. 23, 2000, Caxambu. Notas.
BRACHT, V. Pesquisa pedagógica em educação física: o estado da arte. Congresso Brasileiro de
Ciências do Esporte, n.12, 2001, Caxambu. Anais, CBCE, 2001.
GAME. Avaliação da implantação do projeto político-pedagógico Escola Plural. Belo Horizonte:
GAME/FaE/UFMG, 2000.
258
A autora identifica-se com o modelo da “Escola Plural” e apregoa que esta tem
como preocupação a “emancipação humana do sujeito e o pleno exercício da cidadania”
(MAZONI, 2003, p. 1) e ainda que sua pesquisa apontou para “a construção de uma
escola atenta à dimensão corporal de seus alunos e aberta ao envolvimento de práticas
corporais em seu cotidiano” (Ibid, p. 2).
Neste sentido, mostra os vários aspectos que a ajudaram a responder suas
questões. Entre eles, ressalto: a “flexibilidade e autonomia” na organização escolar não
presas a um programa de ensino rígido
319
, de maneira que a escola funcione com a
organização de projetos permitindo uma maior vivência das práticas corporais
320
; uma
mudança no “clima da escola”, com uma ênfase maior à liberdade de movimentação e
expressão corporal, onde a centralidade está no aluno, compreendendo-o como “sujeito
do presente” e não como preparação para etapas futuras; a escola como “espaço de
socialização, não apenas no que tange às relações interpessoais, mas também no que diz
respeito à construção de papéis, identidades e valores éticos” (Ibid, p. 4); ampliação
sobre a concepção de saberes escolares; sobre a Educação Física explica que seu
conteúdo e sua “existência” na escola depende das decisões dos professores e aponta
que esta disciplina precisa mudar seus paradigmas. Enfim, chamo a atenção para as
conclusões:
A forma de organização da escola pesquisada e as próprias diretrizes
do Programa Escola Plural conduzem a uma discussão da qual o se
pode fugir: a questão da organização dos saberes escolares em
disciplinas. Em um momento em que a flexibilidade curricular e a
integração de diferentes saberes vêm se impondo como direção a ser
tomada em face das atuais demandas educacionais, é necessário que a
Educação física problematiza o seu “lugar” na escola (Ibid, p. 6).
O segundo artigo também é resultado de uma dissertação de mestrado defendida
na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e tem como objetivo discutir a
“relação entre corpo e temporalidade na Escola Plural” (OLIVEIRA, 2003, p. 1). A
preocupação do autor é com a organização escolar em relação ao tempo necessário à
aprendizagem.
Utilizou a investigação técnica de “análise de conteúdo” para analisar os
documentos produzidos pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em relação a esse
319
Mesmo concordando com a proposta a autora aponta que a “ausência de uma diretriz curricular no
projeto-político pedagógico da escola faz com que muitas das práticas se percam em seu próprio
experimentalismo, gerando nos professores sentimentos de angústia e insegurança.” (Ibid, p.3).
320
Uma preocupação nas avaliações realizadas pelo GAME (Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais
da FaE/UFMG) é com a falta de continuidade dos projetos.
259
modelo de escola. Dentre os autores utilizados como referência estão Viñao-Frago,
Daolio, Triviños, Thompson e Bracht
321
.
Expõe os princípios e toda a forma de organização da Escola Plural”, discute a
concepção de “tempo escolar”
322
e indica os diferentes “usos” das “práticas corporais”
nesse modelo escolar. Neste contexto, as práticas corporais são compreendidas como:
Patrimônio que constituiu a identidade cultural dos educandos (...) um
recurso para obter outras aprendizagens (...) relacionada aos processos
de desenvolvimento humano (...) como forma de criar um “clima
favorável” na escola (...) como forma de linguagem, na qual serviriam,
inclusive, de recursos para a avaliação e diagnóstico dos alunos (Ibid,
p.4-5).
A partir disso, o autor conclui que existem duas possibilidades para compreender
o “movimentar-se dos sujeitos nas práticas pedagógicas”. A primeira é apreendê-lo
como forma de compreensão da realidade, ou seja, uma “compreensão-do-mundo-pela-
ação”; a segunda, no sentido de entender as práticas corporais como
um saber, produzido pela cultura e na cultura. (...) Patrimônio que,
segundo BRACHT (1997, p.18) encerraria um duplo caráter: “ser um
saber que se traduz num saber fazer, num realizar ‘corporal’; ser um
saber sobre este realizar corporal”. O “movimentar-se” e o “refletir
sobre ele” andariam de mãos dadas (Ibid, p. 5).
6. 4 - Síntese geral do GTT – epistemologia e do GTT – escola
Em uma perspectiva geral nos GTTepistemologia é possível verificarmos uma
preocupação constante com a construção do campo acadêmico da educação física e com
as novas abordagens epistemológicas, como lustra o quadro 1, abaixo:
321
VIÑAO-FRAGO, A. Tiempos escolares, tiempos sociales; la distribuicíon del tiempo y del trabajo en
la enseñanza primaria en España (1838-1936). Barcelona: Ariel, 1998.
DAOLIO, J. Educação física e cultura. Corpoconsciência. Santo André: Faculdade de Educação Física
de Santo André, v. l. p.12-28, 1 sem. 1998.
TRIVIÑOS, A. N. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. o
Paulo: Atlas, 1987.
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
BRACHT, V. Educação Física; conhecimento e especificidade. In: VAGO, T. M., SOUZA, E. (Orgs.).
Trilhas & Partilhas; Educação Física na cultura escolar e nas práticas sociais. Belo Horizonte: Cultura,
1997. p. 13-24.
322
O autor assume a concepção de Viña-Frago que explica: “o tempo escolar é um tempo por sua vez
institucional, pessoal, cultural e individual. Desde um ponto de vista institucional se mostra como um
tempo prescrito e uniforme. E efetivamente o é, ao menos em sua intenção. No entanto, desde uma
perspectiva individual, é um tempo plural e diverso. Não um tempo, e sim uma variedade de tempos”.
(VIÑA-FRAGO apud OLIVEIRA, 2003, p. 3).
260
Quadro 1. Temáticas dos GTT epistemologia – 1999 a 2003
TEMAS 1999
2001
2003
TOTAL
Avaliação da produção - 3 3 6
Conhecimento específico 3 - - 3
Construção do campo acadêmico
5 4 5 14
Novas abordagens 7 5 3 15
Concepção de corpo 3 7 7 17
Tempo livre - 1 1
Dopping - 1 - 1
Ética - 1 1 2
Prática pedagógica - 2 1 3
TOTAL 18 24 17 47
(Fonte: Elaborado pela autora)
A preocupação exposta acontece no sentido daquele anunciado por Bracht, ou
seja, preocupação em reformular ou abandonar as “velhas” abordagens positivistas e
marxistas para se posicionarem criticamente ou assumidamente nas novas perspectivas
pós-modernas, muito mais apropriadas à “realidade atual”.
Dentre as temáticas, as questões sobre o “corpo” também possuem grande
relevo. Não por acaso, nessas perspectivas não o indivíduo é tomado como isolado,
diferente, único, como também é subjetividade sensível, na qual é necessário abandonar
a “repressora” racionalidade e fazer com que o homem se reencontre na sensibilidade
corporal.
Assim, em geral a dicotomia entre corpo e mente mostrada é discutida como
parte da racionalidade construída na tradição cultural ocidental, e a mente diz respeito à
racionalidade, sempre criticada. Procuram construir uma outra perspectiva, que
enxergue o corpo relacionado com a sensibilidade, a qual, por sua vez deve ser
261
procurada; ou seja: o corpo tem seu locus privilegiado no mundo atual, pois pode ser
utilizado para combater um mundo dominado pela racionalidade. É o lugar da expressão
da cultura e, principalmente, a própria manifestação do sensível e da linguagem,
também sensível. A Educação Física, por trabalhar com essas temáticas, encontra nessa
perspectiva a legitimidade necessária para sua manutenção não apenas na escola, mas na
vida humana. Os autores comuns tomados como referências nesses artigos são Adorno,
Horkheimer, Maffesoli, Merleau-Ponty, Foucault e Morin
323
.
Com raras exceções, destaca-se uma heterogeneidade de temáticas e um
ecletismo teórico como base mas sempre apoiados na teoria crítica e nas vertentes
pós-modernas. Ademais, em alguns artigos existe a compreensão sobre o que é o ser
humano, em sintonia com a totalidade da sociedade capitalista: o indivíduo mônada,
agora o corpo mônada.
No GTT escola/1999 é possível encontrarmos uma preocupação em
compreender o cotidiano escolar. Ao mesmo tempo, em alguns artigos os autores tratam
da dicotomia existente entre teoria e prática, e isso é muitas vezes traduzido na distância
do conhecimento produzido na universidade e o que acontece no cotidiano da escola.
Essa situação leva, em muitos casos, a reforçar a preocupação com o cotidiano escolar
em detrimento da teoria produzida, reforçando a falsa compreensão de que é na escola,
com o trabalho “coletivo” entre professores e alunos, que se dá a produção do
conhecimento.
Trabalha-se também na perspectiva da formação do professor para o “fazer
crítico-reflexivo”, ou, como preferem alguns, a formação da “consciência crítica e
reflexiva”.
Em relação à perspectiva teórica, muitos pesquisadores utilizam como método a
“análise de conteúdo” e o “estilo etnográfico” de pesquisa. Alguns se mostram também
ecléticos, ou seja, se fundamentam em autores que tecem críticas à escola, à Educação
Física voltada para a aptidão física e ao esporte
324
, mas não levam em consideração que
323
ADORNO, T. W. Mínima morália: reflexionen aus dem beschädigten Leben. Gesammelte Schiften 4.
Frankfut am Main: Suhrkamp, 1997.
HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976.
MAFFESOLI, M. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
MORIN, E. O paradigma perdido: a natureza humana. 5. ed. Lisboa: Publicações Europa/América,
1973.
324
As críticas em relação à Educação Física tecnicista começam a ser realizadas a partir da crítica à
racionalidade instrumental sob a influência da Escola de Frankfurt.
262
essas críticas podem ser realizadas por questões e objetivos diferentes e acabam por
utilizar autores cuja compreensão sobre o mundo e o ser social são incompatíveis. É
possível, por exemplo, encontrarmos, entre os pesquisadores, fundamentação em
autores da Educação Física, cuja referência é o Materialismo Histórico ao lado de
autores que possuem como fundamento a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas;
ou ainda artigos que mesclam Paulo Freire e Dermeval Saviani.
Podemos constatar que os autores da Educação Física mais citados são o
Coletivo de Autores e Bracht, seguidos por Kunz. Os dois últimos se fundamentam na
Teoria de Habermas e suas ideias são melhores incorporadas pelos autores, mesmo
quando citados juntamente com o Coletivo de Autores
325
. Deste, incorpora-se
normalmente o termo “cultura corporal”, destituído do sentido/significado proposto
pelos autores.
Os pesquisadores têm ainda ampliado suas referências teóricas para autores da
psicologia, filosofia, sociologia e, especialmente, educação, incorporando as
perspectivas ‘inovadoras’ ou pós-modernas.
Outro aspecto observado no que se referem às posições a cerca da legitimidade,
conhecimento específico, planejamento e propostas de ensino. Particularmente sobre a
legitimidade da Educação Física, os autores não conseguem chegar à raiz das questões.
Explicita ou implicitamente, conscientemente ou não, reforçam as relações que
dificultam a legitimidade almejada, ora enfatizando como problema as questões
políticas, ora enfatizando a falta de competência dos professores.
Além disso, na tentativa de se legitimar essa disciplina, perdem sua
especificidade na escola. Mesmo ao serem apresentados vários artigos sobre os
conteúdos da Educação Física, estes são justificados não por suas características
próprias, mas por desenvolverem determinados valores como a solidariedade, a
cooperação, a criatividade, promoção da interação social, o resgate da subjetividade e da
autoestima. Alguns abordam a eqüidade social, a expressão livre e criativa e a maioria
tem como objetivo último formar o cidadão
326
.
Para conseguir êxito, parte dos pesquisadores utilizam como estratégia o
“trabalho coletivo”, a “solidariedade” e o “diálogo” ou o ensino “dinâmico-dialógico”.
325
Embora Valter Bracht faça parte do grupo Coletivo de Autores, em sua produção individual e com
outros pesquisadores não tem se pautado pelo Materialismo Histórico como referência.
326
Na época da Ditadura Militar, por exemplo, para justificar a Educação Física/esporte na escola se
utilizavam também dos valores a serem internalizados, como assumir e aceitar lideranças, formação
integral, solidariedade, ajustamento do indivíduo ao meio em que vive, amor à Pátria etc.
263
Uma questão que vem à tona não é ser contra o trabalho coletivo, a solidariedade, mas
questionarmos que se o objetivo final é formar o cidadão para um melhor convívio em
sociedade, estaremos apenas educando para atingir as “demandas do mercado”,
formando trabalhadores que tenham “autonomia”, saibam trabalhar em grupo, sejam
solidários para manter e aprimorar a sociedade capitalista (BRUNO, 1996).
Nos trabalhos que se posicionam com uma filiação teórica no Materialismo
Histórico ou apontam a superação do capitalismo como meta, algumas dessas questões
também aparecem, principalmente a formação para cidadania, a escola como
produtora de conhecimento, a educação como trabalho não-material e, às vezes, a
incompreensão do que seja o Materialismo Histórico.
As pesquisas apresentadas no GTT – escola/2001 dão continuidade às questões
apresentadas no evento anterior, com um aumento significativo do número de trabalhos
apresentados sobre a temática “Planejamento de Ensino e Propostas Curriculares”.
Neste sentido, existe uma preocupação com a falta de preparo dos professores de
Educação Física em vários aspectos da sua formação. Para superar o problema,
propõemcomo necessária a formação do professor autônomo e crítico-reflexivo. Existe
ainda uma preocupação com a formação continuada e com o trabalho coletivo do
professor, porém não com tanta ênfase como no evento anterior. Dessa forma, foi
apresentado um número maior de relatos de experiências pessoais.
Os pesquisadores, ao realizarem críticas à escola tradicional, buscam uma nova
organização escolar que seja mais livre, que possibilite ao professor e aos alunos novas
condutas que priorizem o corpo/sensível, as emoções, e em alguns casos existe também
a preocupação com a formação do professor para a sensibilidade, evidenciando, em
muitos casos, a dicotomia corpo/mente.
Foi constatado, também, um qualitativo esvaziamento ao se tratar de conteúdos,
tanto no que diz respeito aos seus aspectos técnicos quanto das características que lhes
são próprias. Embora se tenha apresentado um grande número de artigos versando sobre
o “conhecimento específico”, em regra o que se valorizam são movimentos livres
mesmo que sua ação biomecânica esteja errada – e são enaltecidas também as vivências
emotivas dos conteúdos, além das críticas ao esporte por este continuar a ser
hegemônico.
Quanto à perspectiva teórica, alguns autores citam como “tipo de pesquisa” a
etnografia e a pesquisa-ação ou pesquisa participativa. Em relação aos autores mais
utilizados como referência, permanece a mesma lógica do evento anterior e, na
264
Educação Física os mais citados são o Coletivo de Autores, Bracht, Kunz e Vago,
seguidos de Daolio. A apropriação do Coletivo de Autores também ocorre, na maioria
das vezes, sem a compreensão do seu arcabouço teórico.
Foram apresentados alguns artigos que mesmo ecleticamente se posicionam em
uma perspectiva progressista. Apenas um deles apresenta a organização e a
sistematização de todo o conteúdo da Educação Física, tomando como referência Kunz
e o Coletivo de Autores. Três pesquisas tomam como referência explícita autores do
Materialismo Histórico, mas em geral apresentando problemas teóricos, em função do
ecletismo.
Nos trabalhos analisados no GTT escola/2003, os pesquisadores, em regra,
estão preocupados em compreender a realidade escolar e construir uma Educação Física
condizente com essa realidade. Os temas apresentados sobre a temática “Planejamneto
de Ensino e propostas pedagógicas” aumentam significativamente em relação a todas as
outras temáticas.
As formas de pesquisas utilizadas especificamente nos artigos são a etnografia,
história de vida, relato de experiência, relacionados à descrição do cotidiano na escola
ou do cotidiano de um ou mais professores, e ainda a análise de conteúdo relacionado a
documentos oficiais.
Alguns buscam principalmente como referência teórica a fenomenologia, de
maneira que, para muitos, Paulo Freire é o referencial. Outros se fundamentam na
Teoria Crítica, no Multiculturalismo Crítico, ou todos esses referenciais aparecem em
um só texto. São poucos os que buscam uma fundamentação no Materialismo Histórico.
Em relação aos autores mais citados da Educação Física, nesse evento houve uma
pulverização, ou seja, Bracht continua sendo o mais citado, mas uma distribuição
quase igualitária entre todos, apresentando-se o Coletivo de Autores, Kunz, Daolio e
outros.
Existe uma preocupação comum, qual seja, transformar a Educação Física em
uma disciplina necessária. Esse propósito é objetivado da seguinte maneira: superar o
modelo tecnicista juntamente com sua competição excessiva e sua cultura da
indiferença; superar a dicotomia entre teoria e prática, principalmente porque os
conteúdos estudados nos cursos de graduação em nada estão relacionados com o
cotidiano escolar; romper com a forma de organização da escola e criar um modelo de
maior liberdade, eliminando aquele produzido pela racionalidade técnica; superar o
265
distanciamento cultural entre professores e alunos; superar a falta de tempo para o
planejamento de ensino.
Toda essa transformação justificaria, segundo os pesquisadores que a assumem,
a presença dessa disciplina na escola, porque com isto contribuiria para alcançar o
objetivo último, qual seja, formar para a prática da cidadania, construindo a
solidariedade, a democracia e a equidade social.
Para a concretização desses objetivos, os pesquisadores apontam como
necessidade compreender a proposta pedagógica da escola, conhecer o seu cotidiano e a
sua rotina e, ainda, realizar o planejamento coletivamente.
Defendem que para empreender a superação da dicotomia entre teoria e prática e
do planejamento de ensino baseado na racionalidade técnica, a construção do
planejamento, além de coletiva, deve acontecer cotidianamente. Isso significa que as
soluções dos problemas devem ser pensadas conforme eles apareçam, deve-se “aprender
fazendo”. Nesse âmbito, os professores precisam desenvolver novas competências para
agir no cotidiano escolar em um processo de formação continuada.
Os objetivos fundamentais das aulas de Educação Física são aprender o trabalho
coletivo, ser solidário, desenvolver uma “outra” sensibilidade que se desprenda da busca
pela razão, enfim, desenvolver “boas emoções” e “sentimentos”. As estratégias de
ensino devem ser prazerosas, e o movimento corporal deve ser concebido como a
linguagem que expressa a produção da cultura. Tais estratégias são direcionadas para
atingir o objetivo último que é a formação para a cidadania.
Em relação aos eventos analisados, uma pequena ampliação do número de
trabalhos que possuem como referência o Materialismo Histórico (quatro trabalhos),
mas mesmo nesses trabalhos com referências em autores marxistas permanecem
problemas como, por exemplo, a questão do trabalho não-material e a formação do
“cidadão-trabalhador”.
Na maioria dos artigos apresentados no GTT - escola 1999/2001/2003, foi
possível constatar, nessa análise, entre outras questões, que a Educação Física perde sua
especificidade, porque os objetivos apontados dizem respeito à interações interpessoais
e formação do cidadão e poderiam ser trabalhados por qualquer disciplina, ou seja,
deixa de ser uma disciplina com um conhecimento específico a ser transmitido e torna-
se uma estratégia de ensino para alcançar determinados valores pertinentes à
conformação da sociabilidade vigente. Ou seja, os professores da disciplina Educação
266
Física continuam procurando legitimá-la não por seu conteúdo específico, mas porque
ela pode contribuir para a solidariedade e para a formação da cidadania.
As temáticas se modificaram gradativamente nos eventos, destacando-se no
evento de 2003 uma preocupação maior em organizar a disciplina na escola, ou seja,
uma quantificação maior da temática relacionada com o planejamento de ensino e com
propostas pedagógicas. Essa tendência pode ser constatada no quadro abaixo:
Quadro 2. Temáticas dos GTT escola – 1999 a 2003
TEMAS 1999
2001
2003
TOTAL
Avaliação do GTT – escola - - 2 2
Conhecimento específico 8 7 2 17
Concepções de Educação Física 2 2 3 7
Educação Física Infantil - 1 1 2
Legislação sobre Educação Física - 1 1 2
Avaliação - - 1 1
Planejamento de ensino e propostas curriculares
4 8 12 24
Questões de gênero 1 2 - 3
Legitimidade 3 - - 3
Educação e saúde 1 - - 1
Psicanálise 1 - - 1
Discussão sobre currículo - 1 - 1
TOTAL 20 22 22 64
(Fonte: Elaborado pela autora)
Outra questão passível de observação nas pesquisas apresentadas foi o
diagnóstico da Educação Física na escola, ou seja, em várias pesquisas os autores
apresentaram os resultados de análises, entrevistas e observações dos professores e de
aulas dessa disciplina em várias regiões do país.
Os resultados apresentados nessas pesquisas demonstram que o esporte ainda é o
conteúdo hegemônico, mas que a maioria dos professores não prepara aulas, e também
que grande parte deles não sabe para que serve seu conteúdo na escola. Na maioria das
vezes, ignoram até mesmo com quais conteúdos devem trabalhar e como devem ser
feitas as avaliações.
267
Ademais, as pesquisas sugerem que os professores sofrem preconceito na escola
e são tidos como “quebra-galhos”. Para tentar superar isso, aproveitam da proximidade
afetiva com o aluno e da capacidade que possuem para resolver problemas ao viabilizar
a aula.
Enfim, nos GTTs epistemologia e escola, ao se tentar abandonar o paradigma da
aptidão física e buscar se justificar pela “cultura corporal de movimento”, na verdade
os professores mudaram o enfoque, mas continuam a justificá-la pelos possíveis valores
e normas de conduta. Fica evidenciado, assim, que a compreensão do que é ser “crítico”
na Educação Física está relacionada à rejeição à técnica, à racionalidade científica (ou a
qualquer racionalidade), à disciplina e está próxima da ‘liberdade de movimentos’,
‘sensibilidade’, ‘autonomia’ etc.
A Educação Física em construção hoje, com nova roupagem, em muito se parece
com aquela do século XIX, quando era necessário formar o caráter, ou seja, formar o
cidadão para a sociedade capitalista. Ao que parece, as mudanças realizadas ou
pretendidas são ajustes dessa disciplina à reorganização para a manutenção da mesma
lógica da sociedade capitalista, e não em seus professores qualquer posicionamento
em direção a uma possibilidade ou necessidade de um rompimento radical com essa
lógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No conjunto das reflexões empreendidas neste estudo, busquei mostrar que
necessidades históricas são causalidades postas, ou novos nexos causais desencadeados
pelos atos teleologicamente postos. Dito de outra forma, os homens, ao agirem
intencionalmente, transformam o mundo e se transformam, criam necessidades e
buscam meios para satisfazê-las. Essas necessidades não são naturais, são construídas
pelos homens, são histórico-sociais. Portanto, a necessidade histórica da educação
física ou de qualquer campo social é a construção da emancipação humana.
Por isso, considero que houve um retrocesso entre os professores de educação
física. Retrocesso porque no início das discussões, após a ditadura militar, nascia uma
preocupação em criticar a situação social posta, qual seja, educar os indivíduos para a
convivência harmoniosa na sociedade capitalista e, a partir disso, uma preocupação em
relação à educação física, pois esta vinha servindo adequadamente a esse propósito.
Alguns apontavam que a desigualdade social estava relacionada à própria
organização social e que era necessário transformá-la. Entretanto, como demonstrei nos
capítulo 1 e 6, as perspectivas a partir das quais procuravam fazer a crítica radical à
sociedade vigente se reduziram consideravelmente. E mesmo dentre aqueles que se
posicionam a favor de uma superação desta sociedade, há os que defendam como
finalidade a ser alcançada a cidadania, ou seja, a “emancipação política” e não a
“emancipação humana” de fato
327
.
Muitas das problemáticas encontradas entre os professores da Educação Física
são comuns aos demais educadores. A escola constituída na sociedade capitalista, e a
educação física como um dos seus conteúdos, esteve sempre atrelada à conformação de
padrões de conduta para a reprodução dessa sociedade, tal como tenho insistido nesta
tese.
Assim, o que ocorre hoje com as chamadas “novas teorias e práticas da
educação” pode ser considerado como uma supervalorização desse papel conformador
sob a forma de prescrição de valores éticos e morais em detrimento da transmissão do
conhecimento, que se constituiu historicamente na sua especificidade basilar. Essa
situação também pode ser constatada na especificidade da Educação Física, conforme
327
Neste sentido, é bom lembrar que alguns professores de Educação Física como Bracht (2006), se
apropriam do conceito de “emancipação humana”, e equivocadamente o tratam como sinônimo de
“emancipação política”.
269
aquilo que está exposto na maioria dos artigos analisados no capítulo 6. Neste sentido,
as perspectivas pós-modernas, nas suas várias tendências, assim como outras
perspectivas apontadas, vêm ao encontro dessa conformação, ainda que a maioria dos
seus autores se denominem “críticos”
328
.
Considero fundamental ter a compreensão de que a escola é apenas um
complexo parcial da totalidade social e que a sua “legitimidade” e a “legitimidade” de
suas disciplinas são mediadas por essa totalidade. Ao deslocar a questão da legitimidade
para a necessidade histórica, a discussão ganha um novo patamar: ao invés de buscar
compreender a legitimidade da educação física por ela mesma (autonomia), é preciso
compreender que essa legitimidade é dada pela dinâmica da totalidade social capitalista
de acordo com os interesses de seus agentes. Esses interesses se modificam buscando o
que é ou não necessário para a produção e realização da mais-valia, ou seja, para o
incessante processo de valorização do valor.
Deslocar para a questão da necessidade histórica significa recolocar no leque de
alternativas, para além da necessidade de se reproduzir do capital, prioritariamente a
necessidade de reprodução da humanidade. Significa compreender que, em
contraposição à legitimidade posta pelo capital, o “pôr teleológico” deve estar
direcionado à emancipação humana, ou seja, ter como finalidade a construção de uma
outra organização social que possibilite a todos os homens usufruírem daquilo que o
gênero humano tem conquistado.
Como a “posição do fim” é o momento predominante de toda a ação humana, é
ela que orienta a busca do conhecimento sobre a realidade, a escolha entre as várias
alternativas, o domínio dos afetos, e também possibilita a modificação das condições
objetivas e subjetivas do presente e impulsiona para a transformação.
Estabelecer a posição do fim é sempre uma posição histórica, ou seja, essa
posição se transforma com a construção histórica realizada pelo ser social. Não é a
busca de algo ideal, mas é a formulação do fim, a partir das condições concretas
objetivas. Condições concretas e objetivamente postas que se expressam no gigantesco
desenvolvimento das forças produtivas que possibilitariam a redução do tempo
socialmente necessário para a produção da riqueza e o atendimento progressivo das
multifacetárias necessidades de toda a humanidade. Contraditoriamente, sob a lógica da
328
Compreendo que em muitos casos existe uma posição sincera no sentido de contribuir para que as
pessoas tenham uma vida melhor, procurando reformas no interior da educação sica e da educação. No
entanto, a melhor das intenções não pode fazer com que somente mudanças internas nos complexos
parciais alterem o eixo da totalidade social.
270
ordem social do capital, esse desenvolvimento inaudito, construído e acumulado
historicamente pelos homens não objetiva, por si mesmo, a sua superação. Ao
contrário, a atual gica produtiva e reprodutiva cada vez se efetiva sob o ônus da
miserabilização física e espiritual da maioria da humanidade, que serve de meio direto
ou indireto para a acumulação privada de riqueza. A contundência dessa situação, tal
como nos informa Mészáros, é de tal ordem que até mesmo a ONU (Organização das
Nações Unidas) admite, em seus relatórios sobre desenvolvimento humano, que:
o 1% mais rico do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais
pobres. A proporção, no que se refere aos rendimentos, entre os 20%
mais ricos e os 20% mais pobres no mundo aumentou de 30 para 1 em
1960, para 60 para 1 em 1990 e para 74 para 1 em 1999, e estima-se
que atinja 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas
viviam com menos de 2 dólares por dia, 840 milhões estavam
subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a nenhuma forma
aprimorada de serviço de saneamento, e uma em cada seis crianças em
idade de freqüentar a escola primária não estava na escola. Estima-se
que cerca de 50% da força de trabalho não-agrícola esteja
desempregada ou subempregada (2005, p. 73 - 4).
Vale lembrar que essa situação não se constitui em uma anomalia para a lógica
do capital, mas é a confirmação de uma tendência intrínseca a sua forma de ser, que
tende a se aprofundar. Daí que a posição fim para garantir a continuidade do gênero
humano sob patamares de organização social superiores aos estabelecidos atualmente
pode ser a busca da emancipação humana.
A escola e a educação física, como um dos seus conteúdos, pouco pode fazer
para a superação radical desta sociedade degradada. Mas é preciso ter clareza que,
dentro dos limites e possibilidades atuais, é possível pensar a cultura corporal para a
emancipação humana se o foco, a direção for a emancipação humana. Dessa forma, a
finalidade última deve ser a transformação radical da sociedade capitalista em prol
dessa emancipação.
A necessidade histórica que se apresenta atualmente para a humanidade é esta.
Ao continuar o capital, constrói-se cada vez mais a barbárie e é ela que como totalidade
social determinará em última instância os rumos da educação física, da escola e dos
indivíduos. Lessa (2007a, p. 138), ao recuperar Lukács, afirma que é preciso ficar claro
que é possível a construção de uma generalidade humana autêntica” com a
superação do capital.
Isto significa a construção da totalidade social não mediada, na base da sua
organização da produção da riqueza, pelo antagonismo de classe. Antagonismo este que,
271
na sociedade vigente, tem como eixo matricial a produção e valorização do capital por
meio da apropriação privada dos meios e instrumentos fundamentais de produção e pela
compra da mercadoria força de trabalho.
A necessidade histórica de se contrapor ao capital é muito mais importante do
que legitimar a educação física na sociedade capitalista. São grandes os limites e
pequenas as possibilidades da educação/educação física em contribuir no processo de
construção de alternativas sociais transcendentes à sociabilidade estabelecida. Concordo
com Mészáros quando postula que
a educação formal o é a força ideologicamente primária que
consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só,
fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma das funções
principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta
conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por
meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente
sancionados. Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa
ou mesmo mera tolerância de um mandato que estimule as
instituições de educação formal a abraçar plenamente a grande tarefa
histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de romper com a lógica do
capital no interesse da sobrevivência humana, seria um milagre
monumental. É por isso que, também no âmbito educacional, as
soluções “não podem ser formais; elas devem ser essenciais”. Em
outras palavras, elas devem abarcar a totalidade das práticas
educacionais da sociedade estabelecida (2005, p. 45, grifo do autor).
A concordância com Mészáros se no sentido de não se alimentar ilusões
quanto às possibilidades de intervenção dos educadores formais que buscam a
emancipação humana. Essa posição não é conformista e muito menos derrotista; ao
contrário, ela é parametradora daquilo que pode ser feito sob as condições hostis das
instituições formais de educação. Essa posição se complementa com a formulação de
Tonet, quando este discute os limites e as possibilidades colocadas objetivamente aos
professores que se posicionam como críticos radicais dessa sociedade:
O que é possível fazer, hoje, ao nosso ver, são atividades educativas
que apontem no sentido da emancipação (além, obviamente, da
disputa com o capital no terreno das políticas educacionais). (...) Mas,
para isso, além de ter clareza quanto ao objetivo final a ser atingido,
também é necessário compreender bem a lógica que preside a
sociedade capitalista e a natureza atual da crise; ter clareza acerca da
natureza e das funções sociais da educação, de modo a nem
subestimá-la nem superestimá-la; ter um domínio tal da área com a
qual se trabalha que permita oferecer o melhor conhecimento possível
aos educandos e, finalmente, articular as lutas específicas dos
educadores com as lutas mais gerais (2003, p. 47 - 8).
272
Assim, de acordo com a compreensão aqui expressa, o Coletivo de Autores
acerta quanto à proposição do conteúdo específico da educação física na escola, quais
sejam, os “elementos da cultura corporal” a dança, os jogos, os esportes, a ginástica,
as lutas, micas, malabarismos e outros. Também acerta em aspectos do tratamento
dado a esse conteúdo e em relação à avaliação. A sistematização realizada pelo Coletivo
de Autores, portanto, poderia continuar sendo o ponto de partida para a prática
pedagógica da Educação Física escolar. Mas de forma alguma essa proposição esgota as
práticas dentro e fora do ambiente escolar dos professores postados na perspectiva
da emancipação humana.
Erram de maneira visceral todos os que pensam que o professor, por estar na
escola, tem um espaço privilegiado para a formação revolucionária. Acrescenta-se ao
que foi exposto sobre as instituições escolares o fato de que o professor está sujeito aos
mesmos processos de contradições que os outros trabalhadores e são igualmente
vendedores de força de trabalho, seja para o estado capitalista (como trabalhadores
improdutivos para o capital), ou para a rede privada em geral (como trabalhadores
produtivos para o capital). Os professores da Educação Física não são seres supra-
históricos, eles também não deixam de ser trabalhadores assalariados da sociedade
capitalista. As suas atividades, por conseguinte, não estão isentas do processo de
subordinação a essa forma social.
A tarefa pedagógica dos professores postados no campo da critica radicalmente
superadora da ordem social estabelecida, como de qualquer outro revolucionário, não
pode se limitar ao seu ambiente de trabalho. Essa tarefa também pode e deve ser
mediada ali, mas como ser social consciente dos objetivos que pretende atingir, o
revolucionário deve estabelecer as mediações críticas onde quer que as possibilidades se
apresentem. No caso específico dos professores de Educação Física, espaços como
academias, centros esportivos, clubes ou qualquer outro campo de atuação não podem
ser negligenciados. Mas não se pode esquecer que o campo privilegiado para a ação
revolucionária são os partidos e sindicatos postados no campo revolucionário, bem
como os movimentos sociais e organizações sóciopolíticas pautadas por esse objetivo.
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3 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Epistemologia/2003
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4 - Referências dos Artigos Analisados GTT – Escola/1999
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Rom.
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