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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA
ENEGELLY TEBALDI
RELAÇÕES DE TRABALHO DOS OPERÁRIOS DA FAVILLE DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR
Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon
2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA
ENEGELLY TEBALDI
RELAÇÕES DE TRABALHO DOS OPERÁRIOS DA FAVILLE DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora na Universidade
Estadual do Oeste do Paraná Campus de Marechal Cândido
Rondon Cândido Rondon, como exigência para obtenção do
título de Mestre em História no Programa de Mestrado em
História, sob a orientação do Professor Dr. Antônio de Pádua
Bosi.
Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca da UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)
Tebaldi, Enegelly
T254r Relações de trabalho dos operários da Faville de Marechal
Cândido Rondon/PR / Enegelly Tebaldi – Marechal Cândido
Rondon, 2009.
169 p.
Orientador: Prof. Dr. Antônio de Pádua Bosi
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Marechal Cândido
Rondon, 2009.
1. Faville - Relações de trabalho. 2. Faville -
Reestruturação produtiva. I. Universidade Estadual do Oeste
do Paraná. II. Título.
CDD 21.ed. 305.562
331.11
158.2
CIP-NBR 12899
Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9/539
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA
ENEGELLY TEBALDI
RELAÇÕES DE TRABALHO DOS OPERÁRIOS DA FAVILLE DE
MARECHAL CÂNDIDO RONDON/PR
Dissertação apresentada à Banca Examinadora na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– Campus de Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon, como exigência para obtenção do
título de Mestre em História no Programa de Mestrado em História.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________
Professor Dr. Antônio de Pádua Bosi - Orientador
_______________________________________________
Professor Dr.
_______________________________________________
Professor Dr.
Marechal Cândido Rondon ndido Rondon, 28 de fevereiro de 2009
RESUMO
Esta Dissertação busca investigar como ocorrem as relações de trabalho fabril no Oeste do
Paraná, tendo em vista as experiências e os modos de viver e trabalhar dos operários da
fábrica Faville de Marechal ndido Rondon Cândido Rondon no período compreendido
entre a década de 1990 a 2008. Período esse que se constitui um parque industrial no
município. Portanto, a pesquisa tem como enfoque principal, entender as relações de trabalho
desses “novos” operários quando se tem uma ampla rede de discuses que discutem as
mudanças e transformações ocorridas em diversas fábricas brasileiras. Nesse contexto, busca-
se compreender como os trabalhadores vivenciam situações ao longo do processo de trabalho,
movidos ou não por características ligadas pelo processo de reestruturação produtiva do
capital. Pois, a brica se instala em um período recente, final da década de 1990, quando a
maioria dos estudos que tratam do mundo trabalho, discutiam mudanças e transformações
ocorridas tanto nas organizações quanto nos métodos de trabalho. Do mesmo modo, através
das fontes produzidas pela empresa, foi possível verificar algumas estratégias voltadas para
tentar promover o chamado consentimento na esfera da produção. Portanto, o objetivo
desdobra-se na necessidade de compreender os sentidos atribuídos pelos trabalhadores à
empresa, quando esta tenta construir sua hegemonia no espaço da produção. Quando foram
percebidas estratégias da empresa para tentar convencer o trabalhador acerca do seu trabalho e
da sua subjetividade. Entretanto, ao partir da realidade vivida por esses trabalhadores, é
possível entender que para além da busca e tentativa do convencimento, os trabalhadores
trabalham por “medo de perder o emprego”.
Palavras-Chave: relações de trabalho; reestruturação produtiva; Faville; consentimento.
ABSTRACTS
RELATIONS AND EXPERIENCE OF WORKING WORKERS FAVILLE OF
MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON / PR
This research try to investigate how the “fabril” labor relations happens in the West of Paraná,
having as a point of view the experiences, life habits and how the manual workers do their job
at Faville company in Marechal Cândido Rondon, in the period between the decades 1990
until 2008. Through this period an industrial park was built in the city. Therefore, the research
has the main focus in understanding the labor relations of the new manual workers, having an
ample discussion net that consider the changes and transformations occurred in many
Brazilian factories. In this context, we try to understand how the employees live these
situations towards the work process, moved or not for connected characteristics by the
restructuring process of capital. As the factory was settled in a recent period 1990, when the
researches that deals with the work world, discussed changes and transformation occurred as
much in the organizations as in the work methods. In the same way, through the information
produced by the company, it was possible to verify some directed strategies to promote the
consent in the sphere of production. Therefore, the objective is unfolded in the necessity to
understand the senses assigned by the manual workers to the company, when it tries to build
its hegemony in the production area. When were noticed company strategies trying to
persuade the worker about their job and their subjectivity. However, starting from the reality
lived by these workers, it’s possible to understand that in addition to the fetch and persuation,
the manual workers do their jobs because of the “fear to lose their jobs.”
Keywords: labor relations; productive restructuring; Faville; consent
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Organização- Apostila SOLAR........................................................................... 123
Figura 2: “Práticas de ordenação” - Apostila SOLAR......................................................... 126
Figura 3: Práticas de ordenação Apostila SOLAR ............................................................. 127
Figura 4: Práticas de ordenação-Apostila SOLAR.............................................................. 128
Figura 5: Promoção realizada pela Faville.......................................................................... 147
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Empresas que mais contratam em MCR................................................................ 35
Tabela 2: Números de indústrias em Rondon........................................................................43
Tabela 3: Royalties pagos por ITAIPU.................................................................................45
Tabela 4: Evolução dos Empregos na Indústria em M.C. Rondon (2006) .............................46
Tabela 5: Evolução do emprego no setor industrial .............................................................. 49
Tabela 6: Índice anual de evolução do emprego nas indústrias .............................................49
Tabela 7: Local de origem dos trabalhadores entrevistados ..................................................56
Tabela 8: Formas de contratação de trabalhadores................................................................ 59
Tabela 9: Escolaridade.........................................................................................................63
Tabela 10: Composição salarial............................................................................................ 66
Tabela 11: Salário médio de admissão (Extraída de CAGED/MTE).....................................67
Tabela 12:mero de empregos formais em 31 de dezembro de 2005.................................72
Tabela 13: Remuneração média de empregos formais em 31 de dezembro de 2005..............72
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................8
I PARTE: INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA E RECRUTAMENTO DE
TRABALHADORES ...................................................................................................16
CAPÍTULO 1 - ACUMULAÇÃO REGIONAL DE CAPITAL: (A INSERÇÃO DA
FAVILLE EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON)- “EM
TEMPOS DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA” ...............................................17
1.1 GRUPO ZADVILLE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: FAVILLE EM MARECHAL
CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON ............................................................... 32
1.2 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO LOCAL E REGIONAL: A INSERÇÃO DA
FAVILLE EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON................. 39
CAPÍTULO 2 - AS ESTRATÉGIAS DE RECRUTAMENTO DA FAVILLE E AS
PERCEPÇÕES DOS TRABALHADORES SOBRE O SALÁRIO E EMPREGO...56
2.1 O RECRUTAMENTO DA FORÇA DE TRABALHO: ESTRATÉGIAS DE
CONTRATAÇÃO E DISPUTAS SOBRE O TRABALHO............................................ 56
2.2 A PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES SOBRE O SALÁRIO............................... 64
2.3 TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS: O INGRESSO NA FAVILLE. .............................. 77
II PARTE: RELAÇÕES DE TRABALHO NA FAVILLE..............................................89
CAPÍTULO 3 - RELAÇÕES DE TRABALHO NA FAVILLE: A DICIL
CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA FABRIL ........................................................... 90
3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ..........................................................................90
3.2 A CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA NO ESPAÇO FABRIL................................... 110
CAPÍTULO 4 - REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, VISTO COMO ACEITAÇÕES
E RESISTÊNCIAS DOS TRABALHADORES........................................................ 131
4.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS........................ 131
4.2 RELAÇÕES DE TRABALHO..................................................................................... 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 160
FONTES........................................................................................................................... 165
FONTES PRIMÁRIAS...................................................................................................... 165
DEPOIMENTOS ORAIS...................................................................................................166
REFERÊNCIAS............................................................................................................... 168
INTRODUÇÃO
Esta Dissertação tem por objetivo investigar as experiências e relações de trabalho dos
operários da Faville, indústria de alimentos localizada na cidade de Marechal Cândido
Rondon. Dessa forma, analiso o modo com que os trabalhadores vivenciam e interpretam
situações ao longo do processo de trabalho. A análise dessa pesquisa está pautada entre a
década de 1990 a 2008 partindo do período que a empresa se instalou na cidade. Período este
em que além de se tratar do momento de inauguração, também é possível perceber uma ampla
rede de discussões que tratam de mudanças e transformações acontecidas em diversas
indústrias brasileiras que destacam alguns aspectos como: fechamento de bricas,
enxugamento da produção, terceirização, modernizações tecnológicas, entre outros.
A vontade de pesquisar esse tema tem ligação com a pesquisa de iniciação científica
que realizei sobe a orientação do Prof. Dr. Rinaldo JoVarussa, com processos trabalhistas
doados pela Vara do Trabalho de Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon, alocados no
CEPEDAL, procurei investigar as relações dos trabalhadores das indústrias alimentícias com
os sindicatos na sua categoria, quando acionavam a Justiça do Trabalho. Verifiquei assim, que
os trabalhadores do setor alimentício eram os que mais acionavam a instituição judicial. O
volume de reclamações ligava-se a um expressivo número de empresas alimentícias.
Além disso, nessa pesquisa identifiquei certa ausência dos sindicatos nas ações
movidas pelos trabalhadores contra as empresas, pois de um total de 76 processos analisados,
apenas em três registrava-se o sindicato, e estes não eram do setor alimentício. Isso me levou
a construir um novo projeto de pesquisa para tentar entender a ausência de representação
sindical, principalmente alimentícia, já que esse setor abrange grande parte da região.
Nesta tentativa, constatei que os trabalhadores são abrangidos por dois sindicatos: o
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de alimentação (Sintranal), fundado em cinco de
agosto de 1989, em Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon, e o Sindicato dos
Trabalhadores em Cooperativas Agrícolas, Agropecuárias e Agroindustriais de Palotina e
região (Sintrascoopa). Assim nessa pesquisa, busquei construir uma análise acerca da relação
dos trabalhadores das indústrias alimentícias com os seus sindicatos.
Partindo da experiência anterior, procuro agora discutir as relações de trabalho na
fábrica. O objetivo é compreender situações vividas pelos trabalhadores no seu local de
trabalho. A partir de alguns indicativos propiciados pelas pesquisas de iniciação científica, e
também pelo trabalho de conclusão de curso, resolvi construir essa pesquisa para entender o
9
modo como os trabalhadores experimentam e vivenciam situações no espaço de trabalho
fabril.
Acerca do trabalho com a documentação, é importante dizer que tive algumas
dificuldades para executar a pesquisa. Inicialmente a empresa teve uma postura de
colaboração no que fosse possível. Durante a construção do projeto, nas visitas que realizei na
fábrica tive um bom recebimento. Entretanto, quando retornei a empresa buscando dados para
a construção da Dissertação, encontrei muitas dificuldades. Apresentei um projeto e esse não
foi aprovado. Não consegui nem mesmo dados específicos acerca da produção, da
organização, entre outros. Isso dificultou também meu contato com os trabalhadores, alguns
que eu conhecia, me disseram para não procura-los próximo à empresa porque poderia
provocar irritação na diretoria da mesma, havendo pressão sobre os mesmos. A partir disso,
realizei algumas entrevistas com pessoas que conhecia e trabalhavam na fábrica, além de
questionários com trabalhadores.
Alguns poucos dados sobre a empresa foram conseguidos antes de a mesma fechar as
portas para a pesquisa, com algumas revistas criadas pelo próprio grupo Zadville. Dessas,
trabalhei com exemplares referentes a 2003 e 2005 e também apostila do projeto Solar, (com
uso interno direcionado para disciplinarização dos trabalhadores). Em geral, o material
apresenta relatos das fábricas que fazem parte do grupo, como também dos trabalhadores.
Além desse material produzido pela empresa, também tive acesso a manual de
embaladeiras, foulders promocionais, contrato de trabalho, etc. Tais publicações permitiram
identificar algumas estratégias utilizadas para tentar produzir o consentimento na esfera
produtiva, não para convencer operários acerca do seu perfil, mas também a sociedade,
acerca da importância da brica para a cidade. Foi possível levantar alguns dados sobre o
processo de fundação, e trajetória da empresa até o momento.
Também trabalhei com revistas que discorriam sobre o processo de industrialização
ocorrido em Marechal Cândido Rondon e na região Oeste do Paraná. Como é o caso da
Revista Indústria Rondonense, que era produzida anualmente comemorando o dia da
indústria, com matérias indústrias de Marechal ndido Rondon, e o processo de
industrialização do município. O material era destinado aos funcionários e proprietários de
indústrias e comércios, já que eram produzidas pela Associação Comercial, Industrial e
Agropecuária da Região (Acimacar). Além dessa, utilizei a Revista Região, que também
trazia notícias sobre instrias, a Revista Bragadense, sobre a instalação da Faville em Pato
Bragado. Além de recortes do Jornal “O Presente”, (que é produzido em Marechal Cândido
10
Rondon mesmo), o qual a sociedade tem acesso, e teve um espaço especial para a instalação
da Faville em Marechal Cândido Rondon e Pato Bragado.
Para não interpretar apenas construções e percepções da empresa, mas sim as
fornecidas pelos próprios trabalhadores, produzi um questionário com 43 perguntas em que
variaram desde o nome, jornada de trabalho, renda, tempo de serviço, etc, que foi aplicado em
23 funcionários da empresa. Os dados foram tabulados, o que possibilitou a verificação de
alguns elementos que ajudaram na compreensão da realidade de vida e trabalho dos mesmos.
A aplicação dos questionários foi realizada próximo a fábrica, nas saídas de alguns turnos em
especial as 15 horas e também nas casas dos trabalhadores.
Produzi também, ao longo da pesquisa, 11 entrevistas (com funcionários que não
participaram da aplicação do questionário), totalizando um total de quinze, somada as que
possuía do trabalho de conclusão de curso. Os trabalhadores entrevistados em sua maioria são
jovens, entre 20 e 30 anos. Dos quinze entrevistados 4 tinham curso superior, o restante estava
cursando ou tinha terminado o segundo grau.
Levando em conta as dificuldades da pesquisa, as entrevistas foram realizadas através
do contato que tinha com as pessoas, pela dificuldade de poder falar com os trabalhadores.
Durante a procura por trabalhadores encontrava certo receio e apreensão de falar sobre a
empresa, ou seja, medo de sofrer retaliação. Assim, procurei trabalhadores com funções
ligadas ao espo de produção, dispostos a gravar entrevista, estando há mais tempo na
empresa. Além dos que já o trabalhavam mais na Faville. Desses quinze entrevistados,
apenas Jaqueline teve oportunidade de trocar de setor já que passou a trabalhar por um
período no administrativo. Os demais continuaram no espaço de produção. Alguns passaram
por vários setores, outros permaneceram na mesma função desde a entrada na fábrica.
Além disso, dos trabalhadores que entrevistei, 11 estavam trabalhando na empresa no
período da entrevista. Desses, 2 foram demitidos, sendo que, na percepção dos entrevistados,
os motivos foram porque não concordavam com a organização do trabalho da empresa, tendo
práticas de questionar os representantes de setores, o que incomodou a gestão da empresa a
ponto de demitir os trabalhadores. Atualmente apenas quatro continuam na empresa.
Entre junho e agosto de 2007 e também agosto e outubro de 2008, realizei entrevistas
com os trabalhadores, em que alguns preferiam realiza-la na minha casa por conta da distância
de onde moravam. E, quando ia na casa dos trabalhadores, tive ajuda de algumas pessoas que
os conheciam , amigos, que me acompanhavam até a casa dos entrevistados e conversavam
antes representando certa confiança na relão com a pesquisa e
entrevistador/entrevistado.Além disso, a produção destas, respeitou um roteiro que sofreu
11
alterações à medida das suas próprias dinâmicas. Exemplo disso foram algumas falas dos
entrevistados que, por vezes, fugia do roteiro destacando colocações importantes para eles.
Além do trabalho com os documentos, realizei algumas reflexões a partir de leituras de
Karl Marx, Edward Thompson, Ricardo Antunes, Cornelius Castoriadis, Edmundo Dias e
Michael Burawoy. Foi possível refletir e problematizar algumas transformações ocorridas no
mundo do trabalho (“terceirização”, “enxugamento da produção”, “multifunção”, “Just in
time”, “kanban”, etc) as quais fazem parte de um processo conhecido como “reestruturação
produtiva”. Os autores selecionados acima discutem os elementos pertencentes as mudanças
no mundo do trabalho de formas diferenciadas e em momentos distintos. Mesmo assim, os
elementos por eles apontados contribuíram para essa pesquisa seja com suas críticas,
controvérsias, ou concordâncias entre si, ou com a perspectiva da qual concordo.
Nesse sentido, torna-se interessante ressaltar que a perspectiva buscada aqui, entende
“reestruturação produtiva” não como mudanças concretas instituídas pelo capital, pairando
sobre os trabalhadores. Mas como um processo, e para tanto, entende-se as mudanças como
tentativas. Além, das novas reestruturações produtivas, serem analisadas a partir das
experiências e percepções dos trabalhadores.
Mas, o podemos entender o conceito de reestruturação produtiva como um conceito
fechado e generalizante para explicar a realidade. Como também, reestruturação produtiva
deve ser visto como tentativas que dependem das relações de força, da luta de classes.
O objetivo não é entender a reestruturação produtiva agindo sobre os trabalhadores,
mas sim, partir da idéia de entender reestruturação produtiva como fruto de luta de classes,
produto de relações sociais. De acordo com Dias, o capitalista apresenta a reestruturação
produtiva como algo natural, resultado de uma revolução tecnológica. E a luta de classes
como “meras relações entre coisas” (DIAS, 1998, p. 45). Nega-se portando que há luta de
classes, enfim as próprias classes. Desse modo, coloca-se fim ao trabalhador e
conseqüentemente ao trabalho.
Vale ressaltar ainda, que a perspectiva da qual parte esse trabalho, entende que as
mudanças ocorridas na organização da produção são tidas como novas estratégias, eo como
um “processo de revolução dos meios de produção”, pois o mundo do trabalho está em
constante revolução da organização dos meios de produção. E que não se dá sozinho, mas
sim, no embate entre classes, vivenciados por elas. Nessa direção, é necessário entender que a
dominação não se unicamente e inteiramente, pois um “jogoonde ocorrem disputas
por parte de constantes pressões vindas dos trabalhadores. Os trabalhadores não devem ser
visto como vítimas, mas como sujeitos que interagem no “jogo” do capital.
12
A partir disso, é importante ressaltar que os trabalhadores agem e vivenciam de forma
diferenciada com relação ao jogo do capital, pois, cada fábrica possui suas especificidades não
em relação a empresa mas também ao local em que insere. Outra análise também
pertinente a essa pesquisa, trata da especificidade contida nas dinâmicas de trabalho da brica
Faville, isso porque seu processo de instalação ocorreu em um momento de significativas
transformações no espaço de produção de algumas fábricas, como por exemplo, das que se
instalam no Paraná. Enquanto a Faville estava apenas em seu momento de instalação na
década de 1990, o Paraná passava por um processo de desindustrialização e desnacionalização
das instrias (OLIVEIRA, 2001). Tanto empresas vindas de outros estados, quanto a
mudança de indústrias nacionais para posse de capital estrangeiro. Assim, na capital do
Estado, Curitiba se instala um parque automotivo.
Mas, em Marechal Cândido Rondon, as instrias iniciam sua instituição significativa
a partir da década de 1990. E como foi visto instituições ligadas aos trabalhadores também, já
que, os sindicatos e a Justiça do Trabalho, constroem suas sedes na cidade nesse período
também.
Assim, o contexto pode ser visto de forma que Marechal Cândido Rondon, até 1970
ainda era um município com sua economia baseada na agricultura, uma região de recentes
transformações, com uma expressiva mão-de-obra barata, com poucas possibilidades de
trabalho, mas que passa a mudar a partir de alguns processos como a instalação de indústrias
no município. Visto desse modo, não possui histórico industrial anterior, nem de uma base
sindical desenvolvida, ao mesmo tempo em que tinha uma mão-de-obra significativa, quase
não havendo oportunidades de trabalho. Assim, os trabalhadores podem ser caracterizados
com experiência fabril recente, tendo sua origem expressivamente rural, quando muitos
passaram recentemente de trabalhadores do campo a operários.
A partir da pesquisa foi perceptível que mesmo que tenha ocorrido um processo de
“migração” das pessoas que moravam no campo, (isso na década de 1970), os trabalhadores
continuam mudando-se para a cidade. O caso de trabalhadores entrevistados, que mudam do
campo para a cidade vindo trabalhar em fábricas em períodos recentes. Em geral, pode-se
entender que nem toda família muda-se para a cidade, os país permanecem no campo. Surge
como hipótese, a idade destes, que na maioria das vezes estaria ultrapassada para as
exigências do mercado de trabalho. Também, representa uma segurança para os filhos, se
acaso não der certo na cidade tem para onde voltar.
Isso pode ser percebido a partir da própria trajeria de trabalho dos entrevistados,
buscando entender então quem são esses novos operários, quando a maioria apresentou ser
13
jovem, sem experiência e muito menos prática de trabalho em fábrica, a qualificação para o
cargo acontecia no exercício do mesmo, tendo como primeiro emprego a Faville. Em sua
maioria, homens que saem do campo, da casa dos pais em busca de melhores condições de
vida. Enquanto que os pais continuam morando no campo.
Havia muitas semelhanças nas razões de terem deixado o lugar de origem, ou o
campo, para mudarem para Marechal Cândido Rondon. Dos 15 trabalhadores entrevistados 5
nasceram em Marechal Cândido Rondon, o restante ou em cidades vizinhas, ou fora do
estado, o que demonstra que a maioria deixou falia e cidade de origem em busca de
emprego em Marechal Cândido Rondon.
Dentro disso, ao caracterizar os motivos de deixarem o lugar em que nasceram ou
moravam, apresentava-se afirmações ligadas ao fato de “não haver futuro”, não tinha
emprego”, “não tinha oportunidade”. Como também ao referenciarem o trabalho no campo,
este era caracterizado como lugar sem perspectiva de crescimento, ou um trabalho incerto.
Diferente do que poderiam encontrar no trabalho nas novas fábricas, um trabalho assalariado,
um futuro mais seguro. Assim, o trabalho na fábrica significava em sua maioria,
independência e sustento pprio.
Desse modo, é importante investigar a trajetórias desses trabalhadores, dada a
diversidade de experiências sociais que na maioria das vezes o descaracterizadas ou
sufocadas por dar-se ênfase aos índices demográficos (como o número do emprego e
desenvolvimento industrial do município) ao mesmo tempo, em que se enfatiza o
desenvolvimento e crescimento da conjuntura econômica, por uma historiografia local ou
regional, por conta de destacar os interesses da classe dominante. Deixando os conflitos por
que passam esses trabalhadores emudecidos.
A prática do governo municipal volta-se para criar uma versão positiva da construção
do parque instrias de Marechal ndido Rondon, priorizando enfoques nas transformações
de uma cidade que era baseada economicamente na agricultura e passa a inserir uma nova
diversidade com a implantação de indústrias e no desenvolvimento industrial. Entretanto, é
importante notar, que nesse processo os trabalhadores que moravam no campo, saíram de suas
terras por vários conflitos, entre eles a construção da barragem de Itaipu.
Em geral, é possível afirmar que ao buscar entender as relações e experiências de
trabalho dos novos operários de Marechal Cândido Rondon, deve-se levar em conta que estes
sujeitos viveram mudanças recentes tanto na vida social quanto no conjunto das relações de
trabalho. Ao passarem por transformações na dinâmica de vida e de moradia, quando muitos
migram do campo para a cidade ou de outras cidades em busca de novas e melhores
14
condições de vida ao mesmo tempo em que passam a engendrar novos ambientes de trabalho,
trabalho fabril que passa a fazer parte do cotidiano desses sujeitos.
Dado as mudanças que se realizam no conjunto das relações desses trabalhadores, em
que alguns estudos ao perceberem mudanças de localidades, instituição de parques industriais
anteriormente nem eram enxergados ou visíveis para o capital. Alguns estudos tendem a
colocar como causador das mudanças implementadas o processo de reestruturação produtiva.
No qual a busca do capital por lugares mais lucrativos levou essas indústrias para lugares
antes não desenvolvidos. Essas novas áreas ou “regiões novas” tem sido alvo de estudos
recentes.
Entretanto, essa pesquisa busca apresentar um estudo voltado para transformações em
decorrência da construção recente de um parque industrial ligado ou não aos acontecimentos
recentes da re-configurações do processo industrial como forma de reestruturação produtiva
de capital.
Assim, a partir das discussões e dos materiais produzidos foi possível realizar a
construção de quatro capítulos. O primeiro capítulo: “Acumulação regional de capital (a
inserção da Faville em Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon) “em tempos de
reestruturação produtiva”“ busca apresentar a brica, como se instala na cidade, dentro do
processo de industrializão e acumulação regional e local de capital, visto como um período
de reestruturação produtiva de capital Como também, as tentativas de convencimento da
comunidade em geral que partem não só da empresa, mas também do governo municipal.
O segundo capítulo “As estratégias de recrutamento da Faville e as percepções dos
trabalhadores sobre o salário e emprego” discute as estratégias da brica para recrutar a mão-
de-obra local. Além de apresentar uma discussão acerca de quem o os trabalhadores da
Faville, verificando assim, o tipo de trabalhador que faz parte do quadro funcional da
empresa. Como também as questões que mais se pautam pelos trabalhadores, a partir da sua
visão sobre o seu próprio salário e do emprego. Assim, busca-se entender o modo e as formas
com que os trabalhadores passam a fazer parte da fábrica, dando ênfase a trajetória
ocupacional dos trabalhadores, entendendo as relações e organizações de trabalho vivenciadas
pelos mesmos.
No terceiro capítulo Relações de trabalho na Faville: a difícil construção da
hegemonia fabril” busca problematizar e discutir a forma como os trabalhadores percebem o
seu trabalho, além de visualizar o modo como à empresa tenta organizar esse trabalho, ou
seja, algumas das estratégias da fábrica voltadas para tentativas de disciplinarização dos
15
trabalhadores, bem como os trabalhadores por vezes reagem ou consentem com essas
estratégias.
No quarto capítulo, “Reestruturação produtiva: visto como aceitações e resistências
dos trabalhadores”, busco discutir o processo de reestruturação produtiva a partir das relações
sociais, das estratégias articuladas pela empresa objetivando produzir o consentimento entre
os trabalhadores. Ou seja, como a construção desse consentimento envolve principalmente um
conjunto de valores para os trabalhadores, não de ordem econômica, mas social, moral e
cultural. Portanto, como algumas tentativas de mudanças na organização da empresa foram
vivenciadas e interpretadas pelos trabalhadores.
I PARTE:
INDUSTRIALIZAÇÃO TARDIA E
RECRUTAMENTO DE TRABALHADORES
CAPÍTULO 1
ACUMULAÇÃO REGIONAL DE CAPITAL: (A INSERÇÃO DA FAVILLE EM
MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON)- “EM TEMPOS DE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA”
Ao voltar essa pesquisa para estudo das relações de trabalho em uma fábrica na década
de 1990 preciso antes entender a forma como tem sido produzidas discussões em torno do
mundo do trabalho e das relações de trabalho no setor industrial. Já que o mesmo tem passado
por uma série de transformações, principalmente na sua estrutura organizacional sendo que
uma vasta literatura foi e tem sido produzida tentando explicar tais transformações.
Portanto, alguns termos foram criados como: “Just time”, “Kanban, polivalência”,
“multifuncionalidade”, “flexibilização”, “terceirização”, “CCQ”, etc. Em geral, esses termos
o utilizados para caracterizar a reestruturação produtiva de capital, que representam novas
organizações e relações de produção marcadamente a partir das últimas três décadas. Assim,
pode-se dizer que por um lado foi positivo, o fato de se ter um enfoque de discussões voltadas
para o mundo do trabalho, entretanto, o conceito de reestruturação produtiva foi e continua
sendo utilizado como representação das mudanças, afim de dar conta de explicar a própria
realidade.
Em geral direcionam-se para um debate que apresenta a substituição do modelo de
produção taylorista pela inserção/adoção do modelo toyotista. Assim como a tendência é
destacar mudanças nos métodos de organização do trabalho e transformações centrando
análises a partir de mudanças ocorridas em fábricas, mas o do cotidiano fabril, ou seja, no
“chão da fábrica”.
Tal questão é importante, pois tem-se uma série de discussões que ao construírem
perspectivas acerca das “reestruturações produtivas”, limitam-se a tratar dessas mudanças
focando expressivamente em fábricas. É como se indústrias representassem o mundo do
trabalho. Não tratando de acrescentar debates acerca das relações de trabalho além da brica,
ou mesmo para uma diversidade de trabalhos que surgem a partir da debandada do emprego
no setor industrial. Tal perspectiva tende a traduzir os trabalhadores apenas como os
operários. Daí, com o enxugamento de produção, chegou-se a pôr em debate o fim do
trabalho, a partir do fim do trabalho industrial.
Assim a reestruturação produtiva, teve como sinônimo o fim do trabalho também.
Nessa visão, reestruturação produtiva seriam medidas implantadas para mudar as formas de
produção e/ou aumentar a produtividade e o lucro. Mas, também, medidas utilizadas para
18
aniquilar o proletariado, pelo processo de “abolição do trabalho”. (GORZ, 1987, p 87). Nesse
sentido, os novos métodos e reestruturações produtivas teriam modificado não as relações
de trabalho, mas o seu significado.
Como se as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, como o processo de
enxugamento da produção em fábricas diminuindo drasticamente o emprego no setor
industrial, ou do próprio emprego assalariado formal, abolisse com a classe operária e também
com o trabalho. Ao mesmo tempo em que surgem novas ocupações, afirma-se que o trabalho
não é mais central na vida das pessoas.
Além disso, dá-se ênfase aos métodos, verificando mudanças ocorridas na organização
de empresas, nas relações de trabalho. Mas deixam de trazer discussões acerca dos sujeitos
que vivenciam o processo de “reestruturação produtiva”. Desse modo, é comum aparecerem
discussões a respeito das mudanças no processo de trabalho, transferindo-se de formas
tradicionais para inovações tecnológicas, ocasionando intensificação do ritmo do trabalho,
aumento da produtividade, entre outros. Entretanto, como admitiu Antonio de Pádua Bosi, “os
estudos das mudanças recentes no mundo do trabalho, desde o início, fixaram-se bem mais
nas alterações ocorridas nos processos de trabalho do que nos próprios trabalhadores que
vivenciaram (e vivenciam) tais transformações.” (BOSI, 2007, p2).
Assim, alguns autores ao produzirem discussões em torno das mudanças ocorridas no
trabalho, apresentam-nas como completamente inseridas pelo capital sobre os trabalhadores.
Sem levar em conta, a realidade de trabalho vivenciada pelos trabalhadores, ou seja, da luta de
classes. Ao contrário da perspectiva de Dias que destaca que as novidades devem ser buscadas
na forma de luta de classes, na medida em que o capital consegue ou não consegue estabelecer
a hegemonia. Isto porque entendem reestruturação produtiva como tentativas, portanto,
dependente das relações de força.
Também, ao tratar do processo de reestruturação produtiva, alguns estudos
apresentaram como necessárias para a realidade das empresas e dos trabalhadores. Se as
empresas almejassem se manter ou se inserir na competitividade do mercado global, haveria a
necessidade de realizar essas mudanças no processo produtivo. Também, se os trabalhadores
almejassem manter os seus empregos, teriam que seguir as novas prerrogativas do mercado
global. Nessa perspectiva, Afonso Fleury admitiu que as empresas brasileiras “(...) Tendo
atingido um relativo grau de maturidade e precisando posicionar-se frente a um mercado
nacional extremamente competitivo, empresas estão procurando recolocar a dimensão
tecnológica em suas estratégias (...)” (FLEURY, 1993, p. 44).
19
Edmundo Fernandes Dias referiu-se acertadamente ao termo “reestruturação
produtivacomo a “forma atual da luta de classes” (DIAS, 1998). Esta é uma importante
referência para pensar as estratégias articuladas pela empresa com o objetivo produzir o
consentimento entre os trabalhadores.
Nessa direção, é possível discutir a Faville como um ambiente de trabalho que faz
parte de um “jogo amplo”, ou seja, as práticas utilizadas pela Faville fazem parte de um leque
diversificado de práticas, muitas vezes adotado também por outras empresas. A fim de tentar
moldar e subordinar o trabalhador a determinadas estratégias e intenções que fazem parte das
tentativas vivenciadas pelas mesmas no mercado de trabalho. Com a Faville não é diferente.
Por isso, o processo de reestruturação produtiva deve ser pensado não apenas como
um produto do capital e sim como um produto das relações sociais, das lutas de classes.
Quando de alguma forma as estratégias de dominão estão saturadas, ou mesmo quando o
sistema capitalista pode estar ameaçado pela resistência dos trabalhadores criam-se novas.
Tem-se uma reformulação das formas de exploração e dominação. Por isso, é preciso entender
que a reestruturação produtiva é fruto da luta de classes. Quando os trabalhadores impõem
seus direitos por pressão, a burguesia sente-se ameaçada e tenta mudar de estratégia, portanto,
verifica-se que é, principalmente, um embate entre classes, que leva às mudanças (DIAS,
1998).
O argumento utilizado por Edmundo Dias é importante para analisar esse contexto
tendo em vista que admite que o mercado o determina todas as relações existentes e que as
próprias empresas não constroem suas estratégias sem considerar os próprios trabalhadores e
sua cultura. Afinal, o capitalismo desde seus primórdios, se transforma a partir dos sujeitos
que vivenciam concretamente as relações sociais de produção. Por isso, o processo de
reestruturação produtiva deve ser analisado não como uma imposição efetivada, mas como
uma tentativa que se realiza à luz da luta de classes. Por conta de que a própria “história do
capitalismo é a história da reestruturação produtiva” e de que o embate entre as classes é o
que caracteriza as relações, Dias argumenta que:
O capitalismo, desde o início, teve que, seguida e permanentemente,
revolucionar-se sem cessar e expropriar os trabalhadores, tanto em relação
aos instrumentos de produção quanto ao conhecimento e a identidade;
expropriá-los da sua própria existência enquanto classe (DIAS, 1998, p. 46).
De acordo com Dias o capitalismo sempre esteve em constante revolução, o que mudou foram
as formas de se explorar o trabalhador de acordo com as necessidades do capital conforme a
resistência dos trabalhadores. Hoje o que se visualiza é uma nova forma de exploração, logo
20
as características da reestruturação produtiva são diferentes embora o fato de reestruturar as
formas de exploração não tenha nada de novo, pois nasce com o capital. Edmundo Dias
oferece alguns exemplos dessa reestruturação produtiva, existentes antes da década de 1970,
como é o caso do Toyotismo, inspirado em mudanças ocorridas na montadora japonesa
Toyota, que reorganizou sua produção em base dita flexíveis, com medidas diferentes da
organização taylorista/fordista O autor também frisa que essas mudanças ocorrem a partir das
relações estabelecidas entre os empregados e os empregadores. Porém, nenhuma dessas
tentativas de extrair mais valia possui uma garantia e é por isso que Edmundo Dias argumenta
que a reestruturação é apenas uma tentativa.
Importante perceber também que são nos momentos em que os trabalhadores
ameaçam de certa forma o território da burguesia, que as formas de dominão e exploração
o reinventadas e/ou reformuladas. Tal fator tem a ver com o estudo que trata dos
trabalhadores da Faville, sendo necessário discutir um pouco as formas de dominação
implantadas pela burguesia. No início do século XX, tentava-se implantar uma prática na área
de produção, que pensasse o trabalhador como uma máquina; tal atitude direcionava-se no
sentido de arrancar toda subjetividade existente no trabalhador. Como aponta Dias:
A experiência taylorista foi a forma da subsunção real do trabalho ao capital
de forma mais completa praticada no inicio do século XX. [...] O taylorismo
foi o instrumento da criação de uma disciplina operária através da perda da
sua subjetividade classista: os trabalhadores deveriam abrir o do controle
que possuíam sobre a produção e passar a executar o trabalho a partir da
objetividade do capital, centrada na reconstrução das lógicas operativas
(DIAS, 1998, p. 47).
Com o taylorismo buscava-se dominar o trabalhador, desumanizá-lo, arrancar toda
forma de subjetividade presente no indivíduo, fazendo-o agir como quina. Uma máquina
não pensa, não sente, não tem família, vive para produzir, para produzir. Entretanto, dado
momento, essa forma de dominação começa a entrar em crise, os trabalhadores parecem não
aceitar mais serem tratados como máquinas.
O capitalista não pode contar com o fato de que uma determinada produção dar-se-á
de tal forma objetiva, uma vez que pode ocorrer de uma máquina quebrar, um operário se
acidentar, causando atrasos na produção. Mas, mais que isso, segundo Castoriadis, o que não
permite que haja uma racionalização da organização do trabalho é a própria realidade de
trabalho vivida pelos operários nas fábricas. O autor conclui:
21
A crítica trica do taylorismo, em particular tal como foi realizada pelos
sociólogos industriais modernos, consiste essencialmente em mostrar que
essa visão é absurda que o homem não é uma máquina, que Taylor era um
mecanicista, etc. Mas trata-se apenas de uma meia verdade. A verdade
inteira é que a realidade da produção moderna, na qual vivem centenas de
milhões de indivíduos nas empresas do mundo inteiro, essa realidade é
precisamente esse próprio ‘absurdo’ (CASTORIADIS, 1985, p. 107).
Pelo olhar de Castoriadis toda crítica com relação à produção dos trabalhadores deve
partir do cotidiano vivido pelos mesmos nas fábricas. Assim, cada operário tende a colocar
seu jeito, seu modo de ser no trabalho. Desse modo, o capitalismo tem que lidar com a
subjetividade do trabalhador.
Castoriadis afirmou que o taylorismo tentava arrancar toda e qualquer subjetividade do
trabalhador. Hoje, essa subjetividade tende a ser permitida desde que seja voltada para a
produção. Tem-se uma tentativa de obter um trabalhador que não seja completamente
mecânico, valorizando a subjetividade do mesmo para man-lo disciplinado dentro da
fábrica, utilizando alguns dos valores trazidos de fora dela. O patrão utiliza alguns “valores”
dos trabalhadores como honestidade, caráter, solidariedade, a sua maneira de ser, em
benefício produtivo.
Dessa forma, visa-se a re-configuração do trabalhador, ou seja, para o capital é
necessário recriá-lo, considerando como parte do processo de trabalho. Dessa forma, exigi-se
dos trabalhadores maior qualificação, para seguirem uma rotina laboral mais flexível,
polivalente, etc. Eliminando do quadro das empresas aquela idéia de uma máquina um
trabalhador, caracterizado pelo esquema taylorista. Voltando-se para uma perspectiva de
trabalho flexível, um trabalhador e várias máquinas. (ANTUNES, 1995). Diminuindo-se o
número de “homens para executar tarefas, (menos trabalhadores mais tarefas realizadas)
proporcionando uma acentuação do ritmo da produção e do trabalho.
A reestruturação produtiva foi vista não como um radicalismo e revolução dos
meios de produção, mas também de forma positiva por alguns autores, que visualizaram o
processo anterior como tradicionalista, que não permitia nem a empresa nem o trabalhador
desenvolverem-se. Pois, implantar os programas ligados à “reestruturação produtiva” daria
maiores condições para as empresas de se inserirem na competição do mercado global,
também adquiria trabalhadores melhor qualificados, o que concretizaria uma maior qualidade
e produtividade do seu produto. Portanto as empresas que não adotassem esses métodos
estariam sendo vistas ainda com um processo atrasado, um modelo antiquado de produção.
Pois “moda” é automação dos meios de produção: menos trabalhadores e mais máquinas.
22
Assim, acaba-se por naturalizar o processo como uma necessidade das empresas manterem-se
na competitividade do mercado.
Entretanto, para que esse processo tivesse maior ênfase, buscando não provocar certa
resistência dos trabalhadores, que uma das ações do processo foi a demissão em massa de
trabalhadores. A justificativa utilizada foi de que os trabalhadores não eram qualificados para
os empregos. Deste modo, na estratégia do capital, se o trabalhador está desempregado a
culpa é dele mesmo.
Portanto, dentre as questões trazidas, é preciso entender que nessa pesquisa pretende-
se abordar o processo de reestruturação produtiva a partir da perspectiva da experiência dos
trabalhadores. Diferente de entender tal processo a partir de marcos ou de dominação plena
sobre os mesmos. Levando em conta que nem tudo que ocorre nas empresas parte do capital,
e que o processo não ocorreu da mesma forma em todas as empresas e no mesmo período.
Deve-se considerar a realidade vivida pelos trabalhadores, e que cada empresa tem o seu
ritmo como afirmou Maralice Maschio,
As empresas tem suas próprias experiências, assim como os trabalhadores
ditam sua própria dinâmicas no jogo do capital, não havendo portanto um
manual de como "moldar um trabalhador” ou como “progredir uma grande
empresa de acordo com a reestruturação produtiva. Existem elementos
locais e regionais, de onde estão instaladas as empresas, que devem ser
levados em conta, bem como valores, intenções, sentidos e interpretações
dos trabalhadores, dos clientes, entre outros sujeitos que ajudam a
determinar o processo de constituição de um local de trabalho e as relações
que estabelece. (MACHIO, 2008, P 19).
Assim, grande parte da literatura produzida buscou apresentar reestruturações
produtivas em fábricas de grande porte de centros como São Paulo e Rio de Janeiro,
apresentando processo de enxugamento da produção, do desemprego em massa, automação,
robotização, etc.
Esses processos tiveram seu marco constituído pela literatura, a partir da década de
1970. Então, as novas empresas instaladas em período posterior ao processo de reestruturação
produtiva, possivelmente seriam inseridas “reestruturadas”. Isso foi discutido por Borsoi,
ao afirma que,
As fábricas são para os trabalhadores as “firmas” que segundo alguns
sindicalistas, vêm se instalando no Cea “reestruturadas”. Uma vez
integradas ao processo de reestruturação produtiva, essas bricas estariam
modernizadas tanto do ponto de vista tecnogico como também de gestão
23
de produção. Neste último caso, elas estariam inclusive adotando o modelo
toyotista. Entretanto, a análise das descrições que os próprios trabalhadores
fazem do trabalho que realizam aponta uma realidade muito mais próxima
de uma lógica taylorista-fordista, embora seja possível notas, em algumas
situações, a presença de determinados aspectos que seriam característicos do
toyotismo (BORSOI, 2005, p108).
A discussão apresentada por Borsoi critica de certa forma visões que apresentam o
processo de reestruturação produtiva como um modelo p-determinado, que ocorre em todas
as empresas e sobre todos os trabalhadores. A proposta da autora levanta questões a respeito
de como em algumas práticas prioriza-se determinar a dominação absoluta do capital. Quando
um modelo se estabelece sobre os trabalhadores, e esses na maioria das vezes aparecem como
seres receptivos e por vezes timas.
Entende-se a partir da análise realizada por Borsoi que há uma diferença entre partir de
um conceito e partir da realidade vivida e experimentada pelos trabalhadores. Pois, se sua
perspectiva de pesquisa partisse do fato de que algumas discussões tendem a construir um
processo linear homogêneo, em que toda empresa deveria adotar o novo método, para garantir
sua inserção no mercado global. Então, de certa forma, toda empresa que se instalasse a partir
desse período teria que trazer para a organização do seu processo produtivo, práticas ligadas
as reestruturações produtivas, (ou seja, as empresas já estariam reestruturadas).
Mas, a autora percebeu as especificidades do local e partiu da realidade das fábricas,
das experiências dos trabalhadores. Concluindo, que nelas a organização do trabalho estaria
mais voltada para técnicas de produção marcadas pelos modelos tayloristas-fordistas, do que
para novas técnicas em discussão (JIT, kanban, flexibilização, terceirização, etc).
Sobre essa questão, utilizo a análise de Castoriadis, quando afirma que:
O taylorismo e todos os todos de “organização científica do trabalho”
que dele decorrem direta ou indiretamente pretendem precisamente fornecer
essa base objetiva. Postulando que há apenas “um único bom todo” (...)
para cada operação e fazer dele o critério do rendimento a ser cumprido pelo
operário.” (CASTORIADIS, 1985, p102).
O autor explica que o taylorismo tentou implantar um método totalmente objetivo,
inserindo tempos por atividade, cada movimentão uma duração, etc. Entretanto, o modelo
fracassou, pois, segundo o autor “o único bom método não tem relação com a realidade
concreta da produção. Sua definição pressupõe condições ideais, extremamente afastadas das
condições de fato que o operário enfrenta: qualidades dos instrumentos e das matérias primas,
fluxo ininterrupto de abastecimento, etc. - em suma eliminação completa de todos os
24
acidentes que frequentemente interrompem o curso da produção ou fazem surgir problemas
imprevistos” (CASTORIADIS, 1985, P 103).
Assim, ao planejar o método a ser utilizado a gerência produtiva torna-o plenamente
objetivo, não lidando com os imprevistos que podem surgir durante a realização do trabalho.
Ao mesmo tempo, cada trabalhador tende a colocar o seu modo de ser na realização do seu
trabalho, uma única tarefa pode ser realizada de diversas formas por vários operários, ou por
um só. O operário tende a seguir “o seu próprio bom método” ou “a sua maneira de ser” na
realização do trabalho.
A discussão realizada por Castoriadis, mesmo tratando de discutir questões voltadas ao
método mecanicista ligado às formas organizacionais de trabalho taylorista, pode ser utilizada
aqui para se pensar questões relacionadas às reestruturações produtivas. Quando, de alguma
forma, ao tentar destacar os novos métodos ligados a reestruturação produtiva de capital,
acaba-se por colocar para tal como um único bom método”. No qual, para as empresas
conquistarem desenvolvimento, qualidade, produtividade, devem adaptar o processo
produtivo para os novos métodos de produção, ou “japonização”
1
.
Assim, considerando as análises de Castoriadis em sentindo mais amplo, não se
pretende aqui entender a forma como o taylorismo é colocado pelo capital e pelos
trabalhadores. O autor ao analisar a inserção de métodos científicos na organização do
trabalho em bricas, constatou que não existe um único bom método, porque, partiu da
realidade da fábrica, considerando que o processo de trabalho o é estático, ele está em
constante mudanças. Castoriadis entendeu que a “raiz dos fracassos dos métodos de
organização científica do trabalho é que não se tem relação com a realidade concreta da
produção”. Os métodos criados para remodelarem processos de trabalho são afastados das
condições que de fato o operário enfrenta.
O que se entende, é que não é possível instalar um todo científico de organização
produtiva em uma fábrica seja ela qual for, porque cada operário tende a pôr seu modo, sua
maneira na execução do mesmo. Nem mesmo uma mesma função será realizada por vários
operários da mesma forma. Como percebeu também, Robert Linhart no seu livro intitulado
“Greve na fábrica”, ao adentrar a rotina de uma fábrica, podendo vivenciar a realidade de
trabalho, quando já tinha um pré-conceito inicial de que por serem métodos objetivos,
planejado, encontraria ritmos de trabalho totalmente homogêneos. O autor afirmou que
1
Quando em algumas vezes, destacam a adaptação plena do modelo de produção japonês, (visto como a teoria
da japonização” )em empresas não japonesas. O qual possui características voltadas para Jit, Kanbam, etc.
25
(...) Agora, observando os operários, um depois do outro, começo a notar
uma certa diversidade naquilo que, á primeira vista, assemelhava-se a uma
mecânica humana homogênea: um, comedido e preciso, o outro, nervoso e
suando, os avanços, os atrasos, as minúsculas táticas de posto, os que largam
suas ferramentas entre cada carro e os que as conservam na mão, “os
desligamentos”(...) (LINHART, 1980,)
Se numa mesma tarefa, cada trabalhador tende a agir diferente do outro, colocar o seu
jeito e sua maneira, o que poderá ser dito sobre a tentativa de impor um modelo de produção
em uma fábrica “toda”, ou mesmo da adoção de um modelo em várias empresas? Desse
modo, foi possível entender, que se busca apresentar um “enredo” a ser seguido pelas
empresas, acerca das mudanças ocorridas no processo de trabalho. Mas o que isso significa
para os sujeitos desse processo que são os trabalhadores? Partindo desse questionamento a
presente pesquisa tem como objetivo analisar as relações de trabalho na Faville dentro ou não
das perspectivas do processo de reestruturação, a partir de experiências e percepções de
trabalhadores.
É nessa perspectiva que Telma Bessa Sales, ao buscar investigar o processo de
reestruturação produtiva na fábrica Wolksvagen em São Bernardo do Campo, priorizou
entender o processo a partir da experiência dos trabalhadores. A autora percebeu que a fábrica
passou por diversas reestruturações no seu processo produtivo. As mudanças am de
diminuir significativamente o número de trabalhadores, ocasionaram também alterações nos
métodos de trabalho.
Sales explica que a introdução de novas tecnologias e a substituição de trabalhadores
por máquinas, foram alguns dos acontecimentos que marcaram o processo de reestruturação
produtiva na VW “Com a introdução de robôs para a unidade Anchieta (SBC), em 1982,
anuncia-se na VW a reestruturação produtiva”. (SALES, 2002, p 64) O trabalho de Sales tem
sua importância não por apresentar as mudanças acontecidas no processo de trabalho da
fábrica, mas, também porque ao invés de simplesmente traçar uma linha de mudanças e
acontecimentos no mundo do trabalho, trata de apresentar o que esse processo de
reestruturação produtiva significou para o trabalhador da VW. Como os trabalhadores
vivenciaram essas transformações, entendendo como que estas alteraram o só o modo de
trabalhar, também, o modo de vida desses trabalhadores. Como ela mesma afirma que o seu
objetivo,
“(...) Não é (...) fazer uma descrição minuciosa dos processos de alteração
de máquinas ou de tarefas em casa setor. Não se trata de aprofundar o que já
foi exaustivamente escrito sobre a reestruturação produtiva, mas de analisar
26
as experiências dos trabalhadores frente a mesma, os modos de trabalho,
inserindo e construindo essa dimensão de análise e compreensão nos debates
atuais.(SALES, 2002, p 77).
É importante ressaltar, que ao realizar um debate acerca das características das
inovações nos processos produtivos, por meio da reestruturação produtiva”, ou ao
demonstrar certas peculiaridades de tal processo, de alguma forma pode ser traçado um
panorama do setor industrial no Brasil, pois, grande parte dos estudos que tratam de
reestruturação produtiva, limitam-se significativamente as transformações ocorridas no
processo produtivo de instrias. Há uma vasta literatura que apresenta mudanças no mundo
do trabalho, reestruturação produtiva, a partir do processo fabril.
O setor industrial, tem sido voltado para as novas adaptações do processo de trabalho.
Apresentando-se um novo perfil para o trabalhador, mais qualificado e com grau de
escolaridade maior. Do mesmo modo, um trabalhador que saiba lidar com várias máquinas,
polivalente, perde a noção de especialidade, de demarcação rígida de função, etc. Também
apontam
2
características comuns para as mudanças realizadas nas empresas, entre elas:
enxugamento da produção, inovações tecnológicas, redução de níveis hierárquicos, de postos
de trabalho, terceirização, programas de qualidade, etc. Além da redução no quadro de
trabalhadores, também para o número de empresas com o fechamento de unidades produtivas,
etc.
É preciso discutir a partir das questões propostas acerca do processo de reestruturação
produtiva, tendo em vista a análise deste, como tentativas do capital, diferente de ser um
procedimento homogêneo. Partindo da analise das relações e situação de trabalho vivenciada
pelos trabalhadores, podendo perceber como estes vivenciam reagem e por vezes consentem a
algumas estratégias da empresa voltadas para dominação do trabalhador, que podem
corresponder ou o ao processo de reestruturação produtiva. Portanto, esta fora de ser uma
“regra” para entrar ou manter-se no mercado global de venda e consumo. Portanto, faz-se
necessário perceber o quadro de organização da produção da Faville face as inovações
discutidas pela literatura: kanban, just in time, terceirização, CCQ, flexibilização,
multifuncionalidade, etc.
A começar pela divisão do trabalho, no que os trabalhadores relataram, mostra-se uma
rigorosa separação entre elaboração e execução e uma divisão não menos rígida de tarefas.
Cada trabalhador realiza uma pequena parcela do produto final. O que corresponde a uma
2
Discussões presentes nas análises Márcia da Silva Costa, Telma Bessa Sales, entre outros autores.
27
caracterização bem próxima da esteira taylorista. Assim, o trabalhador que prepara a massa,
não é o mesmo que embala o biscoito. Um trabalho significativamente fragmentado.
Também quando se sugere um trabalho diferenciado, como o que se chamou de
células de produção, “pequena empresa dentro da grande empresa, melhores condões de
trabalho, maio envolvimento de trabalhadores” (SALES, 2002, p 80). A autora aponta que
para esse novo método, como uma tentativa de inserir uma perspectiva de equipe nos
trabalhadores, uma união entre os mesmos. Diminuído o caráter autoritário das formas
tradicionais de organização de trabalho, entre patrão e empregado. No qual, retira-se a figura
do chefe, e instala-se o monitor de célula. A concepção do trabalho em célula é um trabalho
feito em equipe, o pessoal luta senta e discute, vendo qual a melhor forma de resolver
problemas.” (SALES, 2002, p 84)
A autora explica que na tentativa da gestão da empresa em obter a cooperação do
trabalhador, investe-se num método menos autoritário. Ao invés de o supervisor chegar
gritando e cobrando, os monitores de células tentam conversar com o trabalhador. Assim, as
células de produção visam maior responsabilidade do trabalhador com o processo de trabalho,
mais produção e qualidade do produto.
Partindo dessa discussão acerca de características de reestruturação produtiva
acontecidas em algumas fábricas brasileiras, faz-se necessário perceber algumas questões
presentes na Faville. Portanto, buscando entender melhor as questões propostas neste inicio de
texto, utilizo as narrativas dos trabalhadores para verificar algumas situações de trabalho na
Faville correspondente ou não ao processo de reestruturação produtiva.
Portanto, partindo da questão trazida por Sales acerca das “células de produção”, foi
possível perceber situação semelhante na Faville, ao tentar implantar células de produção,
denominadas de “equipes multidisciplinares.” Entre essas equipes estaria o grupo Solar, que
terá uma discussão maior ao longo do texto. Dada a complexidade que envolve esse método
na fábrica. O Solar além de atuar, como programa de qualidade, atua como uma equipe
multidisciplinar. Um grupo que faz inspeções na fábrica, verificando se os trabalhadores estão
fazendo bom uso dos aparelhos de segurança, e também da disciplina dos trabalhadores. O
método tenta ser democrático, os trabalhadores podem fazer parte da equipe. Entretanto,
gerou vários conflitos entre os trabalhadores, que não aceitavam serem vigiados e cobrados
por outros trabalhadores. Como aponta Osvaldo Ramos de Quadra, nascido em Marechal
Cândido Rondon, 23 anos, trabalhava como abastecedor de máquinas na Faville. Assim, ao
explicar a forma como os trabalhadores reagiam frente as relações com as equipes
multidisciplinares. Afirma que os trabalhadores reagiam da seguinte forma perante os colegas
28
que faziam parte do Solar: “Ah, o que esse cara que vim falar alguma coisa pra mim? É um
funcionário que nem eu”
3
.
Assim, a partir da fala de Osvaldo pode-se perceber que os trabalhadores não
respeitavam as cobranças por parte dos colegas de trabalho, por não haver uma hierarquia,
para lhe prestarem obediência. Questionando a inexistência de uma hierarquia entre um
trabalhador e um líder de equipe.
Outra fala de Osvaldo, que considero como ponto chave para entender como se
processavam as relações entre os trabalhadores, como experimentavam essas tentativas da
fabrica. Ao falar sobre a relação que tinham com seus supervisores, as relações traziam
geralmente uma demonstração de controle rígido por parte da gerência, um autoritarismo e até
mesmo brutalidade. Ocasionando em uma diversidade de conflitos na empresa. Assim,
Osvaldo afirma que “Eu também, não gostava muito, eu nem conversava com meu supervisor.
Assim, era muito difícil. (...) e para ele o que fazia estava certo. Se era para ter supervisor
assim, para que eles faziam reunião com colaboradores pedindo o que pode, o que eles não
podem melhorar?”
4
A narrativa de Osvaldo sintetiza a forma como estava sendo tratada a organização do
trabalho na Faville, a aparente democratização da participação dos trabalhadores no
planejamento do processo de trabalho e a efetiva prática autoritária dos supervisores para com
os trabalhadores. O próprio trabalhador afirma, que de nada adiantava fazer as reuniões
buscando a cooperação do trabalhador, quando as relações de força e de poder eram levadas
ao extremo. Osvaldo afirma que não tinha possibilidade nenhuma de conversa com o
supervisor.
Portanto, a tentativa de eliminar a hierarquia entre um trabalhador e um chefe, uma
maior democratização das relações entre trabalhadores e gerência, dividir os trabalhadores em
equipe, tentando trazer uma aparência de extinção de classes, acontece de forma diferenciada
na Faville, ou ao que se percebe, não ocorre. Na Faville a supervisão é imediata, autoritária,
como caracteriza Osvaldo: “Ali dentro você não tem palavra nenhuma”.
Outra questão importante, trazida por alguns autores que discutem mudanças nos
métodos organizacionais das empresas brasileiras, atentando para o fato de haver uma maior
exigência para qualificação do trabalhador. Com o processo de reestruturação produtiva, para
que o trabalhador seja contratado é necessário ser especializado e qualificado para o cargo.
3
QUADRA, Osvaldo Ramos de. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon 08 out. 2008. 23 anos,
nascido em Marechal Cândido Rondon- PR, possui segundo grau completo. Trabalhou quatro anos na Faville
4
QUADRA, op. cit
29
Entretanto, na Faville os trabalhadores em geral apresentaram não ter trajetória
antecedente de trabalho fabril quando contratados, aprendendo suas funções na prática.
Também considero importante discutir que entre as questões apresentadas por Márcia da Silva
Costa que merecem uma comparação com a situação de trabalho da Faville. Tem-se o fato de
que nas fábricas por ela estudada, havia um esforço em prol do treinamento e qualificação dos
trabalhadores, que era uma exigência para o trabalhador assumir um cargo na empresa, “o
trabalhador não deve efetuar um cargo para o qual não tenha sido treinado.” (COSTA, p214)
A partir dessa questão trazida pela autora foi possível perceber que na Faville, muitos
foram os relatos dos trabalhadores que eram chamados para manusear em máquinas que não
haviam operado antes, aprendendo na prática. Alguns trabalhadores inclusive acusam seus
colegas de trabalho de não saberem efetuar seu trabalho “direito”. Ao contrário do que Costa
afirmou que os trabalhadores só eram colocados para assumirem os cargos se sentissem aptos
para efetuá-los, para garantia da qualidade do produto.
O método de organização do trabalho na Faville, como a qualificação dos
trabalhadores, se diferencia dos novos métodos e produção em que as empresas devem voltar-
se para o controle rígido de desperdício. Entretanto, além de serem chamados para efetuarem
funções para as quais não foram treinados, alguns trabalhadores da Faville criticavam o modo
de treinamento da empresa. Como pode ser visto na narrativa de Jaqueline (nascida em
Marechal Cândido Rondon, PR, 27 anos, possui curso superior, no momento da entrevista não
trabalhava na Faville), ao comentar que,
Uma coisa que me chamou atenção foi assim, na primeira semana a
preocupação que eles tinham com você. Eles te chamavam no escritório na
salinha do supervisor pra pergunta pra você: É, e aí Jaqueline como você ta
se sentindo? Você ta bem? Ta conseguindo né? (...) Ta gostando né? Ta
puxado né? Porque, é puxado o processo pra quem não é acostumado assim
de cara. Aí, o que você vai fala? Você vai fala sim, né? Porque você ta
precisando trabalha, você vai fala não? Ta entendendo? Então assim, eu não
via lógica de ta perguntando se você ta bem.(...) Então assim, depois de um
processo que você entro lá, as primeira semanas são horríveis, por quê? É
um ritmo de trabalho que você não era acostumado. Depois que você tava
sozinha na máquina você tinha que conta. Então assim, o Jaqueline como
que você ta? Mais eles tiraram a pessoa que ensinava você lá depois de uma
semana. Então você tinha que então o mínimo pelo menos conseguir né.
5
A entrevistada questiona o modo como é realizado o treinamento dos trabalhadores na
Faville. Para ela é pouco tempo, uma semana sendo ensinada e auxiliada. Depois disso, o
5
JAQUELINE. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 31 maio 2007. 27 anos, nascida em
Marechal Cândido Rondon- PR. No momento da entrevista não trabalhava na Faville
30
trabalhador tem que lidar com o trabalho esforçado, as cobranças da gerência, etc. Apontando
uma série de questões voltadas para a intensificão do trabalho, juntamente com a ausência
de experiência do trabalhador.
A narrativa de Jaqueline transmite os sentimentos e anseios do novo operário, frente a
uma linha de produção. O medo, o receio de não conseguir, juntamente com as cobranças,
atingir e adaptar-se ao ritmo da produção. Dado esse ritmo inovador, em que o trabalhador
estaria o tempo todo ocupado. Não haveria espo para indisciplina, pelo contrário, os
próprios trabalhadores se auto-cobrariam, uma espécie de auto-controle. Colaborando para
diminuir as hierarquias e relações de poder, o haveria necessidade de um chefe de
produção. Entretanto, na Faville além haver um controle rígido do supervisor de linha, e do
coordenador de linha, foi criado mais uma função de chefe, o orientador de linha. O que
demonstra que não teve atitudes dos trabalhadores que fizessem não haver necessidade de ter
um chefe de produção.
Uma prática que diferencia bem o momento vivido com o processo de reestruturação
produtiva e o processo de produção por assim dizer da Faville, quando Costa ao discutir sobre
uma das características que mais evidenciam o processo de reestruturação produtiva, o
enxugamento da produção. “A ameaça de ser demitido por conflitos individuais com a
gerência é então substituído pela ameaça da disputa coletiva, de trabalho em momentos de
retração de demanda, renovação, tecnológica, etc” (COSTA, 2006,p 189)
É um item que distância bem as estratégias e práticas dadas na Faville, em que os
trabalhadores em geral são demitidos por falta de disciplina, tanto por não obedecerem e
respeitarem ordens, quanto por terem faltas, atestados médicos, etc. Diferente de serem
mandados embora da empresa juntos com centenas de trabalhadores para serem substituídos
por algumas máquinas. Relaciona também para essa questão, que o medo que os operários
tinham dos seus supervisores, de punições, etc, é transformado em medo de demissões em
massa. o medo de perder o emprego na Faville está mais ligado a questões de indisciplina,
ou seja, questionar e não cumprir ordens.
Do mesmo modo, na Faville a divisão do trabalho segue uma linha em que cada
trabalhador executa uma parte do produto final, tarefas simples na organização do trabalho,
em que em algumas funções o trabalhador está ligado ao manuseio da máquina, outras dos
componentes que dão forma ao produto final ou alguma monitoração ou intervenção do
processo de trabalho. Um tipo de trabalho, que detém tarefas repetitivas, de algum modo
simples, “desmotivante, e embrutecedor”, que para alguns autores seria substituído com o
processo de reestruturação produtiva. (ANTUNES, 1995) Um trabalhador mais qualificado,
31
polivalente, etc. Mas, ao que se vê é uma divisão de trabalho fragmentado, no qual, o
trabalhador que faz a massa, não é o mesmo que repõem biscoito na esteira, ou que embala os
biscoitos.
Assim, o controle é rígido, tanto com relação a produtividade quanto ao cumprimento
das normas de comportamento. A expressiva repetitividade de tarefas, a pressão pelo ritmo
exigido, etc. Do mesmo modo condições insalubres de trabalho e carga horária em que
geralmente executam hora-extra, trabalhando além do seu horário de trabalho, aos sábados e
domingos. Além do que, o maquinário é ruim, necessitando uma intensificação maior do
trabalho.
Assim, a perspectiva de trabalho percebida na Faville, vai na mesma direção do que
afirmou Borsoi,
(...) a divisão do trabalho é fragmentada, a forma de controle fundamentada
num modelo verticalizado de mando, a política de punições atuando mais
em lugar de uma política de incentivos, que seria típica de uma proposta em
torno da noção de parceria” e “colaboração”, tendem a apontar para um
modelo de gestão de força-de-trabalho bastante distante do paradigma
toyotista, sugerido por sindicalistas e até preconizados nas empresas. (...)
(BORSOI, 2005, p113).
Assim diferente de uma produção flexível de um trabalhador polivalente, o trabalho
acontece de forma fragmentada, em que cada trabalhador conhece uma parte do produto final.
Essa perspectiva pode ser visualizada na fala de Marcos Vinicius Backes, 24 anos, nascido em
Marechal ndido Rondon, trabalhava a um ano na Faville, ao falar sobre o que aprendeu
com seu trabalho na fábrica explica que:
Aprendi como que é a forma de organização de uma empresa que produz
em série né? Eu nunca tinha visto como que era o sistema de produção.
Assim, o que eu aprendi é como que é distribuído as funções ali. Como que
40 pessoas conseguem dar conta da produção de 6 toneladas de biscoitos
por dia né? São 40 pessoas e cada uma faz uma coisa.
6
A narrativa de Marcos Vinicius, que trabalha na Faville há um ano, demonstra que
diferente de um trabalhador polivalente, organizado em equipes, estipulado a cumprir metas
produtivas, os trabalhadores estão divididos em tarefas individuais, cumprindo cada um a sua
parte da produção final. Mesmo a meta produtiva a ser estipulada por linha de produção, por
6
BACKES, Marcos Vinicius. Entrevista concedida. Marechal ndido Rondon, 19 nov. 2008. 24 anos,
nascido em Marechal Cândido Rondon, possui grau completo. Começou a trabalhar na Faville em março de
2008.
32
setor, cada trabalhador tende a cumprir sua meta com relação a sua produtividade o ritmo
exigido pela quina, pois, os trabalhadores ao falarem de sua função, remetem-se a traduzir
quantos pacotinhos por minuto a máquina joga, ou quantas vezes repetem o mesmo
movimento durante a realização do seu trabalho na fábrica. Do mesmo modo, a fábrica
apresenta características como as trazidas por Borsoi, diferente do modelo toyotista de
produção, em que o trabalhador teria uma idéia de que controla o processo todo de produção,
ou seja, o trabalho é fragmentado, parcelar.
Portanto, diante de um cenário pautado por transformações significativas nas relações
e organizações de trabalho, notadamente no setor da produção, considera-se necessário
entender as diferenças e especificidades. A pesquisa discute relações de trabalho em uma
fábrica no Oeste do Paraná que pode ser percebido na forma como discuto a inserção da
Faville juntamente com o desenvolvimento da industrialização na cidade.
1.1 GRUPO ZADVILLE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS: FAVILLE EM MARECHAL
CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON
A Faville é uma indústria de comércio e alimentos situada em Marechal Cândido
Rondon Cândido Rondon no Oeste do Paraná. É uma das quatro empresas que integram o
grupo Zadville, que esdistribuído em três outras cidades: fábrica de macarrão instantâneo
em Pato Bragado (Faville), fecularia Tuffeco em Toledo, e Zadimel em Marechal Cândido
Rondon e Goioêre (biscoitos, entre outros). Todas as indústrias pertencem a Dali Zadnello.
Para a gestão da empresa, o grupo Zadville teve seu início a partir da instalação da primeira
fábrica do grupo, a Zadimel. Segundo dados de uma revista produzida pelo próprio grupo a
fábrica teve início no ano de 1995 na cidade de Goioêre:
Tudo começou no dia 3 de março de 1995, quando aconteceu a solenidade
de inauguração da Indústria de Biscoitos Zadimel, localizada no município
de Goioêre (PR). A fábrica iniciou suas atividades gerando 18 empregos
diretos que trabalhava somente em um turno (de 8 horas) e na produção de
três tipos de produtos. Naquela época, toda a produção era comercializada
somente em três estados. De lá pra muita coisa mudou. A empresa
expandiu horizontes. Hoje, a Zadimel está entre as 20 maiores indústrias
de biscoitos do Brasil. Possui 42 itens na sua linha de produtos e três turnos
de produção, gerando diretamente 117 empregos e aproximadamente 150
indiretos. A fábrica conta ainda com 45 representantes comerciais
distribuídos em 19 estados brasileiros, isso sem contar que parte da produção
é destinada para a exportão aos países integrantes do Mercado Comum do
Sul (Mercosul.) (GRUPO ZADINELLO, 2003, p. 10).
33
Os números apontam para certo desenvolvimento da fábrica Zadmel, que começou
com uma indústria de porte pequeno, e hoje está entre as 20 maiores indústrias do Brasil. A
partir dos dados percebe-se a forma como a empresa procura apresentar sua imagem para a
comunidade e seus trabalhadores, de uma empresa que se desenvolveu significativamente,
começou pequena, mas, que hoje tem sua consolidação no mercado. Essa prática pode ser
visualizada em dados mais recentes trazidos pelo grupo, caracterizando o crescimento do
mesmo, os seguintes dados produzidos pela empresa exemplificam:
Com uma produção diária de 170.000 quilos de biscoitos, o Grupo Zadville
gera aproximadamente 800 empregos diretos e centenas de empregos
indiretos. Através de seus representantes e produtos, o Grupo Zadville está
presente em todos os Estados do Brasil e em diversos países destinos de
exportação. Levando ao da letra o slogan: ‘A família que não pára de
crescer’, em 2006 o Grupo Zadville passa a ter mais um integrante, ou seja,
macarrão instantâneo, com unidade fabril localizada no município de Pato
Bragado. Também em 2006 mais duas novas linhas de wafer na unidade
Faville, bem como o lançamento de novos produtos que irão agregar o
grande mix de produtos. (FAVILLE INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE
ALIMENTOS, 2007)
O informativo pretende apresentar o desenvolvimento e expansão do grupo Zadville,
sendo que uma das práticas da gestão da fábrica é justamente trazer dados que visualizem
números significativos, acerca da produtividade e desenvolvimento do grupo Zadville, o que
facilita a prática ideológica de desenvolvimento do grupo Zadville. Como pode ser visto,
nesse relato informa-se o crescimento do grupo Zadville com relação a sua produção, dada a
venda de seus produtos e a sua expansão, que iniciou com a instalação da Zadmel em
Goioêre, e seguiu com a instalação das demais indústrias. Dentro disso, é possível afirmar que
a fábrica utiliza o slogan: “Zadville-A família que não pára e crescer”, tanto no sentido da
contratação de novos trabalhadores, quanto no sentido de expansão do grupo Zadiville, ao
demonstrar que o mesmo tem objetivos de expandir-se e criar novas unidades. Assim cada
novo trabalhador seria um nono membro da família Zadville, como também cada novo
produto.
Mesmo assim, dentre as empresas que fazem parte do grupo Zadville, pode-se dizer
que a Faville carrega maior participação no grupo, por ser uma das maiores empresas. Mais de
dois terços do número de trabalhadores contratados encontram-se na Faville. Na pesquisa de
campo, na fábrica foi informado que todas as unidades possuíam aproximadamente 850
trabalhadores, desses, na Faville trabalhavam 624, na Zadmel em Goioere, 40, o restante
34
distribuído nas unidades de Toledo e Pato Bragado. Os números dizem respeito aos
trabalhadores “diretos da empresa”, sem incluir os que fazem serviços terceirizados.
A presença desta empresa foi notada pela imprensa local, que destinou uma rie de
matérias sobre ela. Analisando o conteúdo das publicações, percebe-se a intenção de associar
a instalação da empresa a uma nova dinâmica de desenvolvimento que chegava à cidade, por
aparecer entre os objetivos do grupo Zadville a geração de empregos para a cidade onde se
instala. Isso pode ser percebido no relato sobre a instalação da fábrica Faville, presente no
jornal “O Presente”, em que Dali Zadinello proprietário da empresa, explica de onde surgiu a
idéia de construir uma fábrica de biscoitos.
O proprietário da Faville Dali Zadinello, conta que o projeto de implantação
da fábrica iniciou em 1996, com estudos, viagens a outras empresas,
participação em feiras, pesquisas de mercado, produtos e marcas em
evidência. O empresário lembra que pensou em implantar na região uma
fábrica competitiva, com equipe enxuta e equipamentos de alta qualidade e
desse conjunto de idéias, surgiu a Faville, em Marechal Cândido Rondon
Cândido Rondon.(O PRESENTE, 1999, p04)
De acordo com o comentário feito no jornal “O Presente”, entre as pretensões de Dali
Zadnello ao construir uma fábrica de biscoitos que viria a ser a Faville, estava presente a
questão de produzir em grande quantidade, com poucos gastos. Ou seja, obter uma expressiva
produtividade, com poucos trabalhadores e possivelmente salários baixos, o que indica que
estaria investindo muito mais nas máquinas, do que nos operários.
Sem desprezar o caráter ideológico da inserção da Faville em Marechal Cândido
Rondon Cândido Rondon, bem como o planejamento de uma acumulação regional de capital
fundada na agroindústria, cabe avaliar o peso efetivo dessa fábrica na cidade. Assim, é
importante ressaltar alguns caminhos traçados pela fábrica desde a sua fundação.
Com relação à composição da força de trabalho da Faville ressalto que o número de
trabalhadores teve um crescimento relevante desde a sua instalação no ano de 1999, quando a
fábrica contava com 174 funcionários em duas linhas de produção. No período de 1999 a
2003, a fábrica duplicou o número de funcionários, passando a ter 320 trabalhadores diretos e
143 indiretos (ZADNELLO, 2006, p. 7).
Nos anos de 2007 e 2008, quando realizei o trabalho de campo, a fábrica contava com
aproximadamente 630 funcionários diretos e mais 140 indiretos, ou terceirizados, divididos
em turnos de 8 hr e 6 hr (a fábrica possui 3 turnos de 8 hr e 4 turnos de 6 hr). Tais elementos
indicam que a fábrica aumentou pouco o quadro de funcionários tendo em vista o aumento de
sua produção.
35
O fato da empresa ter aumentado sua produção com relação ao número de
funcionários, denota que o proprietário Dali Zadnello tem buscado cumprir sua meta inicial de
construir uma fábrica com uma grande produção e com “equipe enxuta”. Mesmo assim, a
fábrica encontra-se entre as empresas que mais contratam na cidade, de acordo com dados
informados pela Associação Comercial e Industrial de Marechal Cândido Rondon ndido
Rondon (Acimacar), sendo superada apenas pela Cooperativa Agroindustrial (Copagril).
Tabela 1: Empresas que mais contratam em MCR
Empresas N ° de funcionários
Copagril 765
Biscoitos Faville 551
Agrícola Horizonte 330
Fonte: Trabalho de campo realizado em outubro de 2008- dados retirados
da Acimacar- Organização da autora.
Assim, a tabela 1 indica que do total de 95 empresas associadas à Associação
Comercial, Industrial e Agropecuária de Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon
(Acimacar), a Faville é a segunda que mais emprega, há frente tem o frigorífico de aves da
Cooperativa Agroindustrial (Coopagril). Através dos dados, foi possível perceber algumas
mudanças com relação ao aumento de produção e de funcionários na fábrica. Entretanto, é
preciso entender que ocorrem mudanças no perfil da fábrica, não só com relação à produção.
Em 2002 e 2003 foram realizadas obras de ampliação da unidade Faville em Marechal
Cândido Rondon Cândido Rondon. Entre as mudanças realizadas tem-se a construção do que
a brica chamou de “casa de apoio ao transportador”, ou seja, casa utilizada pelos motoristas
das transportadoras. Ampliou-se também a área administrativa, transferindo-se a
administração da Zadmel em Goioêre para Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon,
havendo assim uma centralização administrativa.
Com a ampliação da unidade Faville, também foi efetuada a transferência da
administração da unidade Zadimel do município de Goioêre para Marechal
Cândido Rondon Cândido Rondon. Esta mudança, inclusive foi realizada
com toda a estrutura administrativa e comercial, de transporte e faturamento.
O objetivo desta unificação foi a centralização da administração,
aumentando os níveis de controle e reduzindo custos operacionais.
(ZADVILLE, 2005, p. 23)
Na revista também está presente o registro da responsabilidade social da Faville,
mostrando como a fábrica procura construir sua imagem junto à comunidade local. Exemplos
36
disso são o projeto de arrecadação de alimentos para associações beneficentes, ou ainda
quando e o festival da canção do grupo Zadiville (FECAD), com o objetivo de arrecadar
alimentos a serem entregues à associações de crianças e idosos da cidade. Assim, tenta-se
demonstrar que a brica além de proporcionar benefícios econômicos através da criação de
empregos, tem também um compromisso com a comunidade local, uma “responsabilidade
social”.
É possível identificar que a idéia de demonstrar os benefícios estava enfatizada pela
empresa, que, a revista segue registrando matérias sobre os investimentos que a fábrica
promove em vários setores, entre eles o esporte. Como aponta o relato, “O Grupo Zadville
destaca-se pelo grande número de parceiros que consegue firmar com os mais diversos
setores. A importância desse trabalho é confirmada pelos parceiros [...]” (ZADVILLE, 2005,
p. 13) A Acimacar, o Colégio Rui Barbosa, asilo Lar Rosas Unidas, etc. A empresa tem a
prática de apresentar-se integrada as reações sociais da cidade, a dinâmica das pessoas.
Foi possível perceber como a gerência da fábrica caracteriza a trajetória da empresa. É
importante discutir como os trabalhadores percebem a fábrica. Para isso, apresento a fala de
Mauro, que tem 30 anos, é nascido em Missal-PR, de suma importância, por ser um dos
trabalhadores mais “antigos” da empresa, que foi contratado quando a brica se instalou na
cidade. (Portanto, trabalha a nove anos na empresa.) Como pode ser percebido na fala de,
Mauro ao perguntar o que ele percebia de mudanças na fábrica desde que trabalha lá, afirmou
que:
O processo da empresa do início até agora ele não mudou muito né, o
processo né? Mais o maquinário assim, ele está evoluindo né? Tipo, cada
pouco tempo vem uma máquina mais nova né? E as pessoas elas o
treinadas, quando chega uma máquina ela chega desmontada, as pessoas
pegam tipo, tem três turnos nós temos né? São três operadores, pega essas
três pessoas uns quinze dias e enquanto eles o montando a máquina essas
pessoas acompanham. Vem umcnico de fora, então eles vão se preparando
né? Quando essa máquina está montada, está rodando e vai para a linha, fica
a responsabilidade dessas três pessoas como operadores. Daí tem a parte da
manutenção que dá um apoio né? Hoje a empresa está bem estruturada nesse
tipo de coisa, porque daí ela não acaba perdendo muito porque ela se
programa pra... E antes no começo não, no começo era tudo novo pra nós,
ninguém sabia muita coisa; tinha umas quatro ou cinco pessoas só que
entendia de biscoito né? Nós não, né, nós entramos ali, não só eu né, quando
todo mundo entrava queria ver o que acontecia com uma empresa né? Tipo,
como que... que produzia, como que fazia né? Então tudo era novo né?
7
7
ZANELLA, Mauro. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, o2 out. Casado, 30 anos, nascido em
Missal -Paraná, mora em casa alugada. Trabalha na Faville a nove anos desde que a fábrica se instalou na cidade,
é representante sindical.
37
Entretanto, é preciso ir além da narrativa de Mauro acerca da Fábrica, ao perceber que
ele é um dos trabalhadores mais velhos na empresa e também é representante sindical. Assim,
é preciso entender que Mauro mantém uma relação de proximidade e respeito tanto com os
trabalhadores quanto com o patrão. Dada sua trajetória, em que sua contratação se deu quando
a brica estava iniciando suas instalações na cidade, conseguindo adentrar a empresa porque
sua irmã trabalhava na casa do proprietário e esta o indicou para o seu futuro patrão. A partir
de então manteve uma relação próxima com o patrão. Tanto que, por algumas vezes ele
ajudou sua família. Como foi relatado por Mauro, que o patrão ajudou tanto a conseguir a
aposentadoria do seu pai, quanto ao custeio do enterro de sua irmã. Assim, o patrão esteve
presente em momentos difíceis de sua vida, criando uma relação de respeito e dívida.
A trajetória de Mauro e relação de amizade e consideração com o dono da empresa
parece estar expressa em sua fala. Ao comentar sobre as mudanças ocorridas na fábrica,
afirma que entre o período que ele começou a trabalhar quando a empresa iniciou a produção,
e o período atual, houveram melhorias tanto para os funcionários quanto para a empresa.
Porque, hoje os trabalhadores tem experiência na produção de biscoitos, estão mais inteirados
do processo e tem facilidade inclusive de aprender o processo com novas máquinas. Do ponto
de vista da empresa, isto significa a constituição de uma força de trabalho mais numerosa e
“preparada” para lidar com as máquinas. Isto é uma solução (de baixo custo) para a empresa.
Para os trabalhadores isto é visto como uma qualificação que confere a ele uma identidade
profissional.
Diferente de quando a empresa se instalou, quando poucos trabalhadores estavam
inteirados do funcionamento das máquinas e da fabricação de biscoitos, “tudo era novo”, a
fábrica, o processo de trabalho, etc. O tempo na empresa permitiu especializar-se no trabalho
fabril, identificando a construção de um operariado recente, pois os trabalhadores obtiveram
qualificação para o cargo a partir de seu trabalho.
Outro fato importante na fala de Mauro é quando ele conta como foi o impacto dos
primeiros trabalhadores da Faville, afirmando que havia curiosidade por parte dos mesmos
acerca do seu trabalho na fábrica e do funcionamento da mesma. Poucas pessoas tinham
conhecimento do trabalho na fabricação de biscoitos. Os primeiros trabalhadores foram a
primeira experiência para a empresa, uma adaptação da produção, o que fazia com que a
própria organização do trabalho na mesma fosse uma tentativa.
Assim, a fala de Mauro retrata um conjunto de ações vivenciadas pelos trabalhadores
de Marechal Cândido Rondon, demonstrando o que os trabalhadores sentiram, ou seja, a visão
38
que eles tinham da fábrica com a sua chegada: algo novo para a convivência da cidade, pois,
havia poucas fábricas em Marechal Cândido Rondon, nesse período.
Ainda sobre as mudanças ocorridas na empresa, Marizete Nunes, casada, nascida em
Marechal Cândido Rondon, 34 anos, afirma que
A indústria cresceu... cresceu um monte, tipo... a qualidade está bem mais
exigida. Ta... Eu acho que está ficando uma indústria moderna. Claro, tem
muito caminho pela frente, mas ela está no caminho. [Cresceu assim...]
Com certeza, quando eu entrei lá só tinha a linha 1 e linha 2, hoje tem a linha
3, tem três linhas de wafer, praticamente 4 linhas de wafer, aumentaram o
carregamento. O carregamento aumentou são quatro turnos esta crescendo
um monte. [você percebe o aumento da produção também?] Com certeza,
aumento bastante.
8
Tanto Marizete quando Mauro perceberam o crescimento da fábrica. Entretanto, pode-
se dizer que os dois trabalhadores perceberam as mesmas questões, que o “cresceu muito”,
de Marizete vai na mesma direção de Mauro acerca de que a fábrica implantou novas linhas,
aumentou a produção, etc. Sendo que para Mauro, a fábrica tem mudado por conta das
exigências do mercado de trabalho, e para Marizete tem se direcionado para uma “fábrica
moderna”. Entretanto, deve-se levar em conta que Marizete não trabalhou no mesmo período
que Mauro. Ela trabalha na fábrica há seis anos. Além disso, Marizete trabalhou sempre na
mesma função, como abastecedora desde que entrou na fábrica, e Mauro já passou por vários
setores dentro do espaço de produção, estando no setor da caldeira atualmente.
Ao mesmo tempo, pode-se entender que a partir da fala dos dois trabalhadores
mencionados acima, a fábrica o teve mudanças repentinas. Demorou nove anos para
implantar algumas linhas novas. Sua expansão tem acontecido a passos lentos. Isso se deve a
uma série de fatores, que não podem ser vistos como algo que parte exclusivamente da
organização da fábrica, mas do próprio trabalhador, se não estiver acostumado com as
mudanças. Tal fator pode ser notado na fala de Mauro, que ao responder sobre os pedidos de
demissão de muitos trabalhadores na Faville, afirmou que:
[E, desses nove anos, você acha que esse é o período que mais as pessoas
estão pedindo demissão no caso?] Mais, de toda a época mais é esse aí.
[Por que você isso?] É que a empresa está fazendo muitas mudanças né,
ela está se aperfeiçoando, porque ela está sendo exigida né? E as pessoas
não querem acompanhar essas mudanças entendeu? Porque normalmente
8
NUNES, Marizete. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, o3 out., 2008. casada, 34 anos, nascida
no Rio Grande do sul, três filhos, terminando o segundo grau, mora em casa ppria. Trabalha na Faville a seis
anos, com a mesma função- embaladora.
39
aquela pessoa que trabalha a quatro ou cinco anos, então ela já se
habituou, ao trabalho, o eu trabalhava daquele jeito então porque que eu
vou mudar hoje né? E não é assim, a empresa se você não mudar junto com
ela, ou ela te manda embora, ou você acaba pedindo para sair. Porque ela
também, que nem ele está investindo muito dinheiro para fazer essas
mudanças né?
9
De acordo com Mauro, atualmente está havendo prática de demissão “em massa” dos
trabalhadores, entre os motivos para tal demissão estão as mudanças implantadas pela
empresa. Segundo o entrevistado, os trabalhadores criam resistências em relação as
mudanças, pois querem que o seu trabalho continue como sempre foi. Porque mudar,
modernizar, trás exigências para os trabalhadores, que terão que se adaptar a novas máquinas,
novos ritmos de trabalho. Assim, nessa fala está presente o trabalho ligado ao costume, o
trabalhador acostumado a determinado tipo de trabalho, resiste às modificações.
O entrevistado afirma que se o trabalhador não vai ao mesmo ritmo da empresa, não se
encaixa mais no novo perfil da fábrica devido às transformações realizadas. Além disso, acaba
justificando a exploração sobre o trabalhador, a intensidade do trabalho, por apresentar as
mudanças que partem da empresa, como algo que não parte dela, mas sim do próprio mercado
de trabalho, o qual para se manter na competição e concorrência de empresas, necessita
cumprir algumas exigências. Então o trabalhador deve entender as práticas e transformações
que se sucedem na fábrica, a partir de uma perspectiva positiva, de que a gestão da fábrica
está buscando o melhor para a empresa e automaticamente para o trabalhador.
De modo geral, é possível entender a Faville na construção do seu próprio perfil. Por
isso, a importância de entender a conjuntura onde se instala e inaugura na cidade. A partir
disso, a empresa lança uma série de estratégias durante a sua instalação, objetivando
convencer a comunidade local de que traria benefícios para o município, fortalecendo o ramo
industrial local e regional.
1.2 O PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO LOCAL E REGIONAL: A INSERÇÃO DA
FAVILLE EM MARECHAL CÂNDIDO RONDON CÂNDIDO RONDON.
Quando a Faville iniciou sua produção em Marechal Cândido Rondon Cândido
Rondon procurou atuar com uma prática de que a fábrica traria crescimento para a
“comunidade rondonense”, a medida que iria priorizar as contratações de moradores da
9
Idem, ibidem.
40
cidade. Assim, a fábrica buscou apresentar-se a comunidade como uma empresa que estaria
trazendo benefícios, pois estaria tendo um comprometimento com a própria política do
município, de industrializar-se e desenvolver-se.
Tal prática da empresa possui ligação com a política do governo municipal, uma vez
que, nos destaques sobre o crescimento industrial e uma possível industrialização em
Marechal ndido Rondon, consti-se certa positivização do processo industrial através do
fato de ser uma forma de permitir geração de empregos para a cidade. Como pode ser visto no
recorte trazido pela Revista Indústria:
O município de Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon tem priorizado
atenções à industrialização no sentido de fomentar cada vez mais a geração
de empregos. Este processo passa não pela busca de empreendedores de
outras reges que querem estabelecer aqui, mas também pela manutenção e
fomento dos empreendimentos que já existem e que surgiram há muito
tempo ou estão surgindo agora. Neste sentido, o foco do governo municipal
está voltado para a geração de empregos e renda, conseqüentemente
vislumbrando a geração de mais tributos que permitem retorno para
investimento no município. (RONDONENSE, 2007, p. 8)
O governo municipal justifica a postura de voltar-se fortemente para industrialização pelo fato
de vir a trazer méritos econômicos para o município através de investimentos dos empresários
e principalmente da geração de empregos. Tal estratégia, tenta convencer a sociedade que
cada nova indústria traz novos postos de trabalho para as pessoas que moram na cidade. Ou
seja, quando as pessoas têm emprego elas podem gerar renda e conseqüentemente,
investimentos, fortalecendo a economia do município. Assim, a prática da Faville iria de
encontro a tal política do governo do município, entre as suas intenções estaria presente
gerar retorno para o município através da geração de empregos.
Nesse sentido, é preciso mencionar que a partir de dados retirados de pesquisas feitas
em revistas e jornais da região, verifica-se que o desenvolvimento industrial de Marechal
Cândido Rondon Cândido Rondon é recente, uma vez que, o município é caracterizado por
uma economia basicamente agrícola, além da criação de avícolas e suínos. Isto pode ser visto
no relato a seguir:
[...] menos de uma década, Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon
tinha sua economia praticamente toda ancorada na agropecuária. Como tal, o
município estava sempre sujeito ás condições climáticas e á política de
preços imposta pelo governo federal e pelo mercado internacional. Hoje a
realidade é um pouco diferente. O processo de industrialização
desencadeado nos últimos anos está fazendo com que mais valor seja
agregado ao setor primário e, conseqüentemente, passe a girar mais dinheiro
41
no município, influenciando em todos os demais setores, como o comércio e
prestação de serviços. (REGIÃO, 2006, p. 30)
O relato pode ser visto como uma forma de conduzir a uma positivização acerca da
instalação de indústrias, pois ao destacar a diferença do município antes e após a
industrialização, indica-se que Marechal Cândido Rondon recentemente deixou de ter sua
economia baseada exclusivamente na agricultura, o que favoreceu o município. Quando era
baseado unicamente na agricultura tinha-se o problema de que se esse setor não “ia bem”,
fazia com que toda economia ficasse negativa.
Assim, de acordo com o informativo, uma série de fatores influenciou a
industrialização do município, entre eles as crises financeiras, quando apenas um setor
movimentava toda a economia do município. a entender ainda, que as indústrias
possibilitam maior autonomia financeira ao município, que deixa de depender dos ditames
econômicos do Estado. Assim, pode-se dizer que uma prática por parte da prefeitura em
levar notícias para a sociedade em si, demonstrando o bem que as indústrias trazem para a
cidade num todo, que a cidade se desenvolve e com isso todos ganham, tanto o governo,
quanto a população e as empresas privadas.
Assim, com a industrialização, tem havido um maior giro de capital, favorecendo os
demais setores, gerando renda e automaticamente o consumo. Entretanto, deve-se levar em
conta que na citação anterior destaca-se o fato de que quando o município tinha sua economia
basicamente agrícola não se desenvolveria. Isto permite verificar que nessa mudança da
economia, não está caracterizado o processo de expulsão dos moradores do campo por uma
rie de fatores, mas dá-se ênfase ao processo de industrialização do município.
Nesse sentido, para visualizar a forma como o desenvolvimento industrial de Marechal
Cândido Rondon é apresentado, destaco aqui um recorte da Revista Indústria Rondonense,
que visa descrever “os primeiros passos da industrialização”.
O processo de industrialização em Marechal Cândido Rondon Cândido
Rondon não começou por acaso. A gente daqui precisou apostar numa nova
fase, diante da necessidade de geração de mais renda e a iminência do caos
econômico. O arrojo do poder público, aliado ao engajamento de todos os
segmentos organizados do município possibilitou a transformação do perfil
econômico até então dependente apenas da agricultura (soja, milho, trigo,
etc...) O jovem município passaria a experimentar uma nova fase de
desenvolvimento, tendo como bandeiras de luta a industrialização e
diversificação agcola. Para dimensionar o começo do processo de
industrialização é preciso voltar no tempo. pouco mais de duas décadas
[...] o município tinha como identidade a agricultura e nela sua total
dependência. Uma frustração de safra colocava em xeque essa economia. E
foi o que aconteceu em 1978, quando foi registrado um longo período de
42
estiagem. O comércio sofreu as conseqüências e o poder público sentiu na
pele a necessidade de partir para um novo caminho, que não dependesse
tanto dos fatores climáticos, incentivando a diversificação agrícola. [...]
em 1979, o município investiria na aquisição da primeira área destinada á
implantação de instrias e paralelamente a isto, iniciava-se a luta para atrair
novos empreendimentos. Inúmeras viagens foram realizadas para vários
Estados, principalmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com o objetivo
de divulgar as potencialidades de Marechal ndido Rondon Cândido
Rondon e Rego. Isto contribuiu para a viabilização de vários
empreendimentos. Entre os primeiros destacam-se a reativação da Cia.
Lorenz, localizada em Quatro Pontes; a instalação do Frigorífico Marechal
Cândido Rondon ndido Rondon (antiga Ceval) e a Agroindústria Três
Passos. [...] O poder público atuaria, então, em três vertentes distintas: o
incentivo á diversificação agcola; suporte para indústrias existentes e
busca por novos empreendimentos industriais. A iniciativa arrojada
consolidou o início da industrialização em Marechal Cândido Rondon
Cândido Rondon [...] (RONDONENSE, 2001, p. 8)
A partir do relato retirado da Revista Indústria Rondonense, é possível entender que se
tem uma forte busca por parte do poder público municipal em construir uma vero positiva
da industrialização em Marechal ndido Rondon Cândido Rondon. Descaracterizando o
setor agrícola, procura-se destacar que se não fosse pelo desempenho público, a cidade não
teria se desenvolvido e evitado a crise econômica que poderia se alastrar com a economia
baseada no setor agrícola. Cabe ressaltar que as indústrias mais antigas tais como as oficinas
metalúrgicas existentes na cidade serviam de apoio a este tipo de economia.
Ainda nesse recorte, destaca-se um marco para o início da industrialização em
Marechal Cândido Rondon em 1979. Entretanto, o processo de industrialização no município
é retratado somente a partir da década de 1990. Isso pode ser percebido no fato de que, ao
requerer dados na prefeitura de Marechal Cândido Rondon sobre indústrias na cidade,
destacam o ano de instalação das empresas iniciando a partir de 1994, como se não houvesse
indústrias anteriormente a esse período, como indica a tabela 2:
43
Tabela 2: Números de indústrias em Rondon
Ano Indústrias
1994 34
1995 3
1996 1
1997 8
1998 6
1999 2
2000 6
2001 8
2002 14
2003 11
2004 17
2005 18
2006 10
Fonte: Prefeitura de Marechal
Cândido Rondon Cândido Rondon
- 04/ 10/2006. Organização da
autora
A partir da tabela 2, pode-se visualizar considerando apenas os 10 primeiros anos a
partir de 1994, o crescimento de indústrias instaladas (pequenas, médias e grandes) foi de 76
novas indústrias. Tal crescimento é absolutamente relevante e se concentrou a partir do ano de
2002, quando as indústrias instaladas superaram os dois gitos por ano. Somente no período
de 2002 a 2006, foram instaladas 70 indústrias.
Além disso, os relatos públicos tendem a pautar seus debates, destacando que as
indústrias realmente trouxeram benefícios para o município, devido aos resultados de
empregos concretizados, já que a porcentagem maior de números de empregos em Marechal
Cândido Rondon, centraliza-se nesse setor. Isso pode ser visualizado na matéria a seguir que
traz debates acerca das indústrias em Marechal Cândido Rondon ndido Rondon.
[...] Com este desenvolvimento, hoje as indústrias são as maiores
responsáveis pela geração de empregos em Marechal Cândido Rondon
Cândido Rondon. Conforme o cadastro Geral de Admitidos e Demitidos
(CAGED), da Secretaria de Estado e do Trabalho, Emprego e Promoção
Social, em 2006, a instria foi responsável por 64, 64% das contratações no
município. Este número é bem superior ao do comércio, segundo setor que
mais emprega, que chegou a 16,55%; e á prestação de serviços que contratou
7, 60% de todos os trabalhadores que conseguiram emprego no ano passado.
Nos quatros primeiros meses desse ano, a indústria conforme a CAGED,
induziu um pouco as contratações, mas, ainda assim é o setor que mais
emprega. Entre todas as contratações do período, a indústria foi responsável
por 53,39%, o comércio 22,47%, e a prestação de serviços 8,74%.
(REGIÃO, 2007, p. 13)
Percebe-se todo um esforço do poder público em destacar o crescimento e
desenvolvimento que a industrializão trouxe para Marechal ndido Rondon Cândido
44
Rondon. Buscando enfatizar isso apresenta os dados em proporção e não em quantidade
numérica de aumento, o que parece causar maior impacto para elucidar o desenvolvimento de
empregos trazidos pelas indústrias. Ou seja, o governo tenta demonstrar que ao apoiar e tentar
trazer indústrias para o município, tem atraído benefícios para a população, que os
próprios números demonstram que o setor industrial foi responsável por 64,64% das
contratações, representando um crescimento no número de empregos, dentro das indústrias,
sendo o “setor que mais emprega”.
Então, ao destacar a proporção de empregos trazidos pelas indústrias, o poder público
apóia-se nas práticas de que o “próprio governo municipal” tem aprovado a instalação dessas
empresas privadas no município. Com isso, cria-se a impressão de que o governo municipal
juntamente com a iniciativa privada está criando uma riqueza na região que favorecerá a
todos.
De modo geral, percebe-se que há certa prática do poder público municipal para que
haja crescimento industrial na região, por conta de rios motivos, mas os governos
municipais admitem entre eles, o rmino do apoio financeiro vindo dos royalties. Ou seja,
quando ocorreu a construção da Itaipu foram desapropriados um expressivo número de
alqueires no Oeste do Paraná, região a que pertence Marechal ndido Rondon Cândido
Rondon. Dentro disso, os municípios perderam parte significativa de sua produção agrícola.
Para compensá-los, a Itaipu passou a repassar os Royalties.
Os royalties, são o valor pago ao detentor de uma marca, patente, processo
de produção, produto ou obra original pelos direitos de sua exploração
comercial. Os detentores recebem porcentagem das vendas dos produtos
produzidos com o consumo de suas marcas, processos, etc., ou dos lucros
obtidos com essas operações. (SANDRONI, 1989, p. 36)
Assim, é válido ressaltar que entre os municípios atingidos pelo lago que recebem o
valor compensatório pelos royalties, está o município de Marechal Cândido Rondon que tem
buscado certo desenvolvimento econômico apoiado no crescimento industrial, para suprir a
perda do apoio financeiro que sofrera com o término dos royalties.
Vale ressaltar que Rondon teve sua área alagada em aproximadamente 56, 04 km. É
possível perceber quanto o município recebeu por essa perda. Na tabela 3 pode-se visualizar o
valor que os municípios receberam até agora:
45
Tabela 3: Royalties pagos por ITAIPU
Município Repasse atual Acumulado
Foz do Iguaçu US$ 589,6 mil US$ 193,6 milhões
Santa Terezinha de Itaipu US$ 122,4 mil US$ 40,2 milhões
o Miguel do Iguaçu US$ 265,6 mil US$ 99,7 milhões
Itaipulândia US$ 525,0 mil US$ 160,0 milhões
Medianeira US$ 3,4 mil US$ 1,1 milhão
Missal US$ 117,1 mil US$ 38,4 milhões
Santa Helena US$ 770,5 mil US$ 253,1 milhões
Diamante do Oeste US$ 16,4 mil US$ 5,3 milhões
o José das Palmeiras US$ 5,7 mil US$ 1,8 milhão
Marechal Cândido Rondon US$ 163,7 mil US$ 60,6 milhões
Mercedes US$ 56,4 mil US$ 17,2 milhões
Pato Bragado US$ 137,5 mil US$ 41,9 milhões
Entre Rios do Oeste US$ 96,1 mil US$ 29,2 milhões
Terra Roxa US$ 4,6 mil US$ 1,5 milhão
Guairá US$ 149,0 mil US$ 48,9 milhões
Mundo Novo (MS) US$ 43,0 mil US$ 14,0 milhões
Fonte: Pesquisa realizada em 05/05/2008 http://www.itaipu.gov.br/?q=pt/node/194
Analisando a tabela 3 pode-se verificar que Itaipu transferiu grandes somas para os
municípios atingidos pelo lago. Pautados nisso, alguns municípios têm buscado construir uma
base econômica e financeira através dos investimentos industriais. Como indicou o ex-
prefeito de Marechal ndido Rondon, em seu discurso sobre a preocupação com os
investimentos industriais: “Estamos investindo no setor produtivo pensando no futuro. Daqui
alguns anos, quando estiverem encerrados os pagamentos dos royalties da Itaipu, Marechal
Cândido Rondon terá condições de garantir seu fortalecimento através de arrecadação de
impostos gerados em todos os setores, em especial a indústria” (REGIÃO, 2007, p. 8).
Sobre isso, tem-se verificado certo crescimento nos investimentos nesse setor, quando
o mero de empregos demonstra concentrar-se no setor industrial do município, ou seja, a
partir de dados retirados da RAIS, percebe-se que as indústrias passaram a empregar mais
trabalhadores a partir da metade da década de 1990. Como aponta a tabela 4.
46
Tabela 4: Evolução dos Empregos na Indústria em M.C. Rondon (2006)
Fonte: Ministério do trabalho e do emprego, Programa de Disseminação de Estatísticas Rais. Organização da
Autora
A Tabela 4 indica que as indústrias começaram a ter uma participação expressiva no
emprego formal no município a partir do ano de 1996, quando iniciam com uma participação
de 13% no total do emprego formal de Rondon, passando a 30% no ano de 2006. Não
podemos deixar de pensar que as indústrias passaram a deter um expressivo número de
empregos ao mesmo tempo em que elas se instalam no município, pois boa parte delas
instalou-se nesse período de 10 anos aproximadamente, confirmando então, a recente
industrialização e formação do operariado local.
É importante ressaltar que ao discutir o processo de instalação de um parque industrial
em Marechal Cândido Rondon deve-se levar em conta as especificidades locais. Ao buscar
entender as transformações pelas quais passa a cidade no âmbito do desenvolvimento
industrial, deve-se perceber juntamente com isso que está se dando à formação do operariado
local. É importante perceber as transformações vivenciadas por esses trabalhadores, pois a
cidade tem tanto uma experiência fabril recente quanto urbanização.
Assim, ao dizer que a cidade centrava sua economia basicamente no setor agrícola,
referi-me ao fato de que em Marechal Cândido Rondon a população concentrava-se
expressivamente no campo. Isso pode ser percebido quando a diferea entre a população
urbana e rural é acentuada, pois em 1970 a população rural de Marechal Cândido Rondon era
de 36.587 moradores, enquanto que a urbana era de 7.189. A partir do final da década de 1970
e início da década de 1980 esse quadro se alterou. Em 1993 a população urbana era de 20.099
e a rural, 13.060. Sendo que, a diferença na população atual é de 32.245 na população urbana,
e 9.761 na rural, de um total de 41.007 pessoas.
Portanto, esses dados acerca das mudanças ocorridas em Marechal Cândido Rondon
o relevantes, pois permitem entender e visualizar algumas hipóteses referentes à
constituição das indústrias e do operariado na cidade. Com relação a isso, Inês Kist em seu
trabalho intitulado “O Êxodo rural no município de Marechal Cândido Rondon Candido
Anos 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Indústria 707 837 1059 1066 1331 1558 1804 2184 2486 3370 3693
Total 5300 5744 6087 6328 6756 7537 7689 8774 9097 10930 12064
Emprego
Formal
Indústria
13.3
14.6
17.4
16.8
19.7
20.7
23.5
24.9
27.3
30.8
30.6
47
Rondon 1970-1990, discute a situação da cidade num período antes da “chegada” das
indústrias, quando havia uma superpopulação na cidade, sem emprego, sem renda. “[...] Não
cessava o afluxo de gente desprovida de recursos á cidade. Não havia emprego para todos e
muita oferta de mão-de-obra desqualificada” (KIST, 1973, p. 72).
A autora demonstra que as pessoas que moravam no campo ao virem morar na cidade
encontram uma rie de dificuldades. Isso pode ser relacionado às queses discutidas com
relação aos atrativos que a cidade tinha para instalação da Faville e outras fábricas, quando de
acordo com a autora, havia uma significativa oferta de mão-de-obra, uma boa oferta de
trabalhadores disponíveis. O que admite elucidar que o preço a ser pago pelo trabalho não
seria muito elevado. Portanto, havia pouca escolha e oferta de emprego, mas muita mão-de-
obra disponível.
Assim, perceber as indústrias como positivas, teve maior abertura pela própria
situação de vida dessas pessoas. Que segundo Kist, torciam por um emprego fixo e
sujeitavam-se a formas precárias de trabalho. O que tornaria o emprego em uma fábrica com
trabalho assalariado, significativo para esses trabalhadores. Como a autora afirma que: “o
sonho de todos era ter um trabalho, um “emprego seguro”, mas o que verificamos é a falta de
qualificação dessas pessoas” (KIST, 1973, p. 78).
Em geral, ao analisar a caracterização positiva acerca da implantação de instrias no
município, deve-se levar em conta a situação vivida pelas pessoas, quando muitas almejavam
por um emprego e/ou um salário fixo e de acordo com a autora, não tinham qualificação
profissional. As fábricas seriam oportunidades de emprego, que além de propiciar salários
seguros, aceitavam trabalhadores sem qualificação e sem experiência.
Deve-se levar em conta também, que os fatores mencionados acima acerca do
incentivo das Prefeituras com relação à instalação de indústrias, não ocorre especificadamente
no Oeste do Paraná, mas está ligada a uma política do Estado.
De acordo com Dennilson de Oliveira durante a década de 1990, houve uma
expressiva busca de cidades e municípios brasileiros por atração de indústrias, utilizando entre
muitas coisas a isenção de impostos, o que ele chamou de “guerra fiscal”: “Por guerra fiscal
queremos nos referir justamente à disputa pela atração de investimentos privados entre as
diferentes unidades sub-nacionais incluindo-se estados e municípios que têm na renúncia
fiscal o seu principal instrumento”. (OLIVEIRA, 2001, p. 78) Assim, o autor indica que
houve uma disputa para atrair indústrias por quem pudesse ceder melhores formas de
instalação. Sendo que, é necessário frisar que em grandes centros, capitais, como Curitiba, a
atração voltava-se para empresas automotivas.
48
Como foi dito, na capital do estado os planos eram voltados para a instalação de um
parque automotivo e através da análise do processo de industrialização de Marechal Cândido
Rondon, percebe-se que em regiões como o Oeste do Paraná havia certa inclinação voltada
pra indústria de pequeno e médio porte e/ou agroinstrias. Dessa forma, ao verificar as
especificidades vivenciadas no município, é importante entender que Marechal Cândido
Rondon diferencia-se não de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro no que diz
respeito à formação de um parque industrial, mas também da própria industrialização do
Paraná. Que pode ser destacada a partir da década de 1970 “[...] com a modernização da
agricultura e o avanço da urbanização, o estado passou de uma economia estritamente agrária,
para uma economia calcada na realização de atividades terciárias e secundárias”. (LIMA;
RIPPEL; STAMM, 2007, p. 54)
Além disso, de acordo com Oliveira, no Paraná na década de 1990, ocorria desnacionalização
de empresas,
Por exemplo, na segunda metade da década, a Refripar do empresário Sérgio
Prosdócimo, quinta maior empresa do Estado do Paraná, com uma Receita
Operacional Líquida (ROL), anual de cerca de R$ 304 milhões, foi adquirida
pela sueca Eletrolux. A batavo [...] está em via de ser incorporada pela
Parmalat [...]. (OLIVEIRA, 2001, p. 76)
Isto demonstra que muitas empresas paranaenses nacionais passam a ser representadas
por empresas de fora do país. Ao mesmo tempo, ocorre certa descentralização de instrias
tanto em território nacional quanto estadual, passando a diminuir a concentração e giro de
capital nos grandes centros, movendo-se em direção a regiões mais interioranas, período em
que ocorre uma expressiva atração de indústrias para Marechal Cândido Rondon.
A respeito do processo de desindustrialização, utilizo a análise de Izabel Borsoi ao
concordar com as afirmações de Humprey, quando o mesmo afirma que o processo de
desindustrialização está ligado ao processo de reestruturação produtiva.
O processo de reestruturação produtiva, [...] se caracteriza não por
inovações tecnológicas e produtivas e de gestão de processo produtivo, mas
também pela busca de novas regiões onde o capital industrial possa ser
instalado com menos custo que nas suas regiões de origem. Desse modo
tornam-se alvo de investimento regiões caracterizadas pela presença de
abundante mão-de-obra sem alternativas de trabalho, que possam, por essa
razão permitir a prática de baixos salários e a imposição de condições
precárias e rígidas de trabalho, sem o risco de demissões voluntárias em
busca de melhores oportunidades de emprego (HUMPHEY apud BORSOI,
2005, p. 104,)
49
Assim, o autor afirma que a busca por novas regiões onde o capital industrial possa se
instalar é uma das características da reestruturação produtiva. Borsoi discute o processo de
industrialização recente vivido em um município do interior do Ceará. A leitura desse texto
guarda muitas questões paralelas às perspectivas discutidas acerca de Marechal Cândido
Rondon. A situação analisada em Marechal Cândido Rondon é muito parecida com a do
município de Novo Horizonte, cidade analisada pela autora, que também tem forte presença
rural tendo uma experiência fabril recente, ocorrendo uma industrialização expressiva na
década de 1990. E a autora, pautando-se na citação acima, destacou os motivos que fizeram
com que lugares antes sem atrativos passassem a serem o foco de empresas privadas, entre
eles a presença de abundante mão-de-obra, sem perspectivas de emprego o que poderia
facilitar a prática de baixos salários.
Entretanto, é válido ressaltar que mesmo que haja discussões acerca do processo de
“descentralização de indústrias”, em Marechal Cândido Rondon verifica-se que não são
trazidas indústrias de grandes centros, ou de grande portes, com produção tecnológica,
automotiva, etc. Mas sim, indústrias ligadas a agroindústrias ou produção de alimentos.
Em relação ao salto no número de empregos, pode ser visualizado nas tabelas 5 e 6 a
seguir.
Tabela 5: Evolução do emprego no setor industrial
Fonte: RAIS/CAGED
Tabela 6: Índice anual de evolução do emprego nas indústrias
Ano 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Paraná 27,17
24,96
23,26
21,28
21,41
23,7 27,367
28,884
32,028
32,92 34,464
Oeste
Paranaense
31,29
29,57
26,27
25,16
30,31
37,52
38,807
44,695
49,59 53,693
59,064
Marechal
Cândido Rondon
18,67
14,16
15,21
12,27
18,92
27,52
27,172
28,588
38,5 59,342
72,229
Fonte: RAIS/CAGED
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Paraná 82.800
82.830
81.115
77.551
78.934
88.426
104.733
114.238
131.282
141.097
158.879
Oeste
Paranaense
10.295
10.439
10.010
10.166
12.699
16.434
17.696 21.364 24.894 28.296 32.308
Marechal
Cândido
Rondon
336 354 365 319 492 688 788 972 1.309 2.255 2.528
50
As tabelas 5 e 6 permitem visualizar o salto no número de emprego gerado pela
indústria paranaense, sendo que em Marechal Cândido Rondon o crescimento foi significativo
com relação ao resto do Estado. Ao verificar o salto do emprego gerado pela indústria em
Marechal Cândido Rondon com relação ao Oeste do Paraná, e ao Estado, os números indicam
que o município teve uma participação significativa. Já que, com relação ao número de
empregos, nos dez anos verificados no Estado do Paraná, Marechal Cândido Rondon teve
uma participação no total de número de empregos gerados pela indústria em 1996 de 18,67%,
já em 2006 teve o índice de 72, 22 % com relação ao total de emprego gerado na indústria no
Paraná.
Entretanto Rinaldo Varussa na sua discussão acerca do processo recente de
industrialização em Marechal Cândido Rondon, chama atenção, indicando que é preciso ir
além desses dados, pois mesmo havendo um salto significativo no número de empregos, a
produção com relação à região diminuiu.
Se com base nos elementos (…) é possível de se avaliar como um
deslocamento dos empregos para o interior do Estado, fenômeno observado
também no conjunto do país, o mesmo não se deu quanto á participação nos
valores da produção. Neste caso, os percentuais apresentam-se invertidos,
com a capital do Estado aumentando sua participação em relação ao interior:
a participação da região Metropolitana de Curitiba, entre 1990 e 2000, teve
um crescimento de 7,51% na sua participação nos valores estaduais,
passando de 60% para 64,5% enquanto a região Oeste viu sua participação
reduzida em 36%, ou seja, de 5,08% para 3,24% nos valores totais auferidos.
(VARUSSA, 2006, p. 147)
O autor sugere como hipótese, o fato da região ter aumentado o número de empregos,
mas diminuído no valor da produção, relacionado ao tipo de indústria que se instala na região,
“majoritariamente ligada ao setor de produção alimentícia e de bebidas, o qual agrega menor
valor a produção se comparada a outros setores de indústria de transformação”. Além do valor
da produção discutido acima, deve-se levar em conta os produtos agregados, que enquanto em
Marechal Cândido Rondon vendem-se frangos, em Curitiba vendem-se carros.
Nesse sentido, o Oeste do Paraná tem atraído uma série de indústrias ao mesmo tempo,
em que tem investido em um tipo específico de produção industrial, voltado para as
agroindústrias. Então, boa parte das indústrias que se instalavam, buscava uma participação
ligada a produção da matéria-prima já existente. Não se pode dizer que em Marechal Cândido
Rondon o giro industrial tem uma concentração de produções tecnológicas, mas as empresas
aproveitam a matéria-prima da região.
51
Em Marechal ndido Rondon, muda-se de uma economia movida especificamente
pela agricultura, movimentando-se em direção a indústria, demonstra saltos com relação à
geração de empregos, o trabalho na agricultura a partir de dados do Ministério de Trabalho,
tem estado muito baixo. (Do total de emprego, em Marechal Cândido Rondon, 3.683 cabe a
indústria e 321 a agropecuária.)
Não se constrói um parque industrial, como também específico, voltado para a
agroindustrialização. Nesse conjunto, é válido ressaltar, que a Faville não trabalha com
matéria prima produzida no município (como frangos, porcos, soja, milho), os relatos que
exaltam tal questão não cabem a Faville, tanto é assim que enquanto as demais indústrias têm
a prática de estarem voltando-se para a matéria prima local, a Faville diz voltar-se para a mão-
de-obra local.
Dessa forma, pode-se constatar que a instalação da Faville não deve ser visualizada
fora da contextualização local, já que ela está ligada a uma série de fatores que regem o
município de Marechal Cândido Rondon Cândido Rondon, entre eles o contexto regional e
local de industrialização. Ou o que podemos chamar de processo regional de acumulação de
capital, articulado à gica mais geral, porém com singularidades que precisam ser captadas e
explicadas.
Dado essas perspectivas, é possível entender que houve certa prática da classe
dominante local em construir certa positivização do crescimento industrial possibilitando
geração de empregos para o município. Sendo que, os próprios dados estatísticos dão maior
credibilidade, fortalecem tal prática, como foi possível perceber na tabelas acima, o
crescimento no número do emprego foi significativo.
Entretanto, é preciso ir além desses dados, e perceber que essa mão-de-obra industrial,
geralmente apresenta-se com baixa qualificação e salários baixos. Como afirmou Varussa,
No que se refere á geração de empregos decorrente deste processo de
industrialização, duas características são observadas: uma menor
exigência de qualificação profissional e os baixos salários percebidos
(inferiores a dois mínimos), considerando-se nesses dois aspectos, que
as vagas criadas, majoritariamente, referem-se á atividade nas linhas
de produção de indústrias altamente mecanizadas (...).(VARUSSA,
2006, p 148)
Nesse sentido, entre as questões propiciadas pela pesquisa com os trabalhadores da
Faville foi possível notar algumas dessas características. que os trabalhadores geralmente
recebem um salário baixo, mesmo para os cargos de representante de setor, como para os
52
supervisores de linha de produção, em que os maiores salários são entre 700 e 800 reais, não
chegando a 2 salários mínimos.
Além disso, a baixa qualificação dessa mão-de-obra já que a maioria dos trabalhadores
apresentou não ter experiência do trabalho em fábrica, tendo como primeiro emprego, o
trabalho na Faville. Do mesmo modo, os trabalhadores são contratados para trabalharem nos
cargos inferiores da empresa, geralmente como auxiliar de produção, realizando as tarefas
mais simples.
É importante perceber como os trabalhadores percebem esse emprego na área da
indústria, tão positivizado pela classe dominante local, como gerador de desenvolvimento
local. Assim, entre os trabalhadores entrevistados, ao falarem sobre o trabalho da Faville,
percebem o trabalho de forma negativa, em que não se tem uma qualificação profissional.
Como pode ser percebido na fala de Osvaldo,
Sim demora pra acordar, ou você acorda de uma vez ou fica ali para o resto
da sua vida né? Sendo um “Zé ninguém”, ali dentro, trabalha na produção, o
que você é? Não é nada, um trabalhador normal. Se você sai dali você vai ter
experiência em que? Nenhuma. Se você empacota biscoito você vai ter que
trabalhar de empacotador, só se for outra empresa de biscoito. Você vai em
outra cidade fala: “Ah, o eu era operador de máquinas”. E daí? Não era
uma vantagem para você ser operador de máquinas? dentro sim é uma
função que você está exercendo, mas e fora dali? (...) Eu acho que na função
que você faz ali dentro, você vai usar ou ali, ou em outra fábrica de
biscoito.
10
Osvaldo trabalhou na Faville por 3 anos, e saiu “chateadocom a empresa porque ele
estava fazendo cursos voltados para manutenção industrial visando trabalhar nesse setor na
empresa. Mas, segundo ele a empresa não deu chance. Então ele saiu da empresa e buscou
fazer outros cursos e trabalha como torneiro mecânico atualmente. Além disso, no decorrer da
entrevista Osvaldo mostrou-se chateado porque a empresa não possui um plano de carreira
definido, e não teve justificativa para não dar oportunidade de ele trabalhar no setor de
mecânica industrial, (quando percebeu que haviam pessoas que trabalhavam nesse setor e que
não tinham o curso de mecânica industrial). Pode-se perceber a crítica que ele faz ao trabalho
na mesma, porque o trabalhador o tinha intenção de continuar na produção. Estava fazendo
cursos por conta própria, especializando-se para trabalhar na área de mecânica. Daí a ligação
que se faz, quando ele descreve que o trabalhador do setor de produção não tem qualificação
profissional. A profissão dele é identificada apenas quando está dentro da Faville, na sua
10
QUADRA, op. cit.
53
função e no seu setor, mas fora da empresa, sua função não serve para nada. A menos que ele
trabalhe em outra indústria de biscoitos.
Para Osvaldo o trabalhador apresenta não ter experiência ou qualificação quando entra
na empresa, e continua nessa situação, mesmo após ter uma trajetória fabril.(Isto porque, hoje
ele se identifica como torneiro mecânico, na Faville ele era operador de estampos, o que para
ele não era uma profissão.) Portanto, para Osvaldo, mesmo depois de um tempo trabalhando
na empresa a situação não muda, o trabalhador continua sendo um “Zé ninguém”.
Assim Como Osvaldo, outro entrevistado, Vagner Berté, 25 anos, nascido em
Marechal Cândido Rondon, possui segundo grau completo, atualmente não trabalha mais na
Faville. Ao falar sobre o que significou o trabalho na Faville afirma que “Aprendi que não
devo comer biscoito, não tem o que aprender ali, ali é o mesmo processo todo dia.”
11
Vagner trabalhou na Faville e saiu porque não queria continuar trabalhando em uma
fábrica, tinha vontade de se especializar, buscar uma profissão e que desse oportunidade de
aumentar seu salário. Então, buscou fazer cursos de vigilante e passou a trabalhar como vigia
em uma empresa da cidade, ganhando três vezes mais o que ganhava na Faville. Assim, para o
entrevistado o trabalho na brica não era uma profissão, composto de tarefas simples em que
não tem o que aprender, “é sempre igual”.
Assim, ao entrevistar trabalhadores que não estavam mais na Faville, é possível
perceber que alguns participam da prática corriqueira de muitas pessoas da cidade, que fazem
rotatividade de fábricas, saindo de uma para outra. Do mesmo modo, que alguns desses ao
saírem da fábrica buscam estudar, aprimorar seus conhecimentos, profissionalizar-se, etc.
Também, perspectivas positivas acerca da vinda dessas indústrias para a cidade.
Dado que o trabalhador não precisava mais procurar emprego fora, tinha emprego perto de
casa. Como poder se visto na fala de Marizete que mudou rias vezes de Marechal Cândido
Rondon, realizando diversos tipos de trabalho, mesmo que as vezes pense em sair da cidade
novamente, o fato de morar perto da empresa leva a pensar melhor, “Porque eu gosto do que
eu faço, é um trabalho perto da minha casa, eu vou com segurança, volto com segurança.
Cinco minutos eu estou dentro da instria, e...”
12
Marizete Nunes, 34 anos, nasceu em
Marechal ndido Rondon, mas tentou por várias vezes empregos fora da cidade. Mas, por
conta de ter filhos preferiu voltar para Marechal Cândido Rondon, conseguir um emprego em
que pudesse criar melhor, estar mais por perto. Assim, atualmente ela tem três filhos e mora
11
BERTÉ, Vagner Antonio. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 11 out. 2008. 25 anos, nascido
em Marechal Cândido Rondon- PR, possui segundo grau completo. Atualmente trabalha no setor de vigilância
da empresa Agrícola Horizonte em Marechal.
12
NUNES, op. cit.
54
perto da Faville, o que para ela é sinal de conforto. O fato de gostar do seu emprego está
relacionado com o fato dela morar perto da fábrica.
os trabalhadores que vem de fora da cidade para trabalhar em fábricas. Na maioria
das vezes, a cidade em que moravam anteriormente era menor do que Marechal Cândido
Rondon, não haviam muitas oportunidades de emprego. Acabam por ver nessas fabricas uma
chance de ter uma renda fixa.
Entretanto, os fatos mencionados acima, acerca da prática de baixos salários, fazem
com que os trabalhadores se desanimem a continuar trabalhando e prefiram “voltar para
casa”. Demonstrando o significado do que é compensatório: se compensa ficar longe de casa
para trabalhar em uma fábrica com condições e salários precários? Parece que de início
quando o trabalho ainda é novo, os trabalhadores ficam empolgados em trabalhar na fábrica,
mas, o trabalho que efetuam na empresa não muda, a função que executam para eles é sempre
a mesma, o salário também. O trabalho deixa de ser glorificante, e passa a ser sem
expectativas de melhorias. Como as visões apresentadas por Osvaldo e Vagner, quando disse
que o trabalho é “sempre igual.”
Tal perspectiva pode ser percebida na fala de Rafael, ao falar sobre o significado que a
fábrica tem para ele, assim,
agora você me fez uma pergunta difícil... na verdade nada. Eu acho
que é um meio de me manter na cidade. Mas pra mim não significa
nada. [e você pretende continua aqui?] Eu estou pensando em voltar
para minha cidade, ta surgindo novas oportunidades lá. Como eu te
falei pra você, e eu estou pensando em tentar me restabelecer por lá.
13
Rafael 20 anos, segundo grau completo, nascido em Goioêre e mudou-se para
Marechal Cândido Rondon, procurando emprego em fábrica. O último emprego de Rafael
antes de entrar na Faville era trabalhando com vendas de produtos de Paraguai (informal). O
trabalho na Faville naquele período surgiu como uma perspectiva nova, de um salário certo.
De acordo com ele as vendas estavam baixas havendo a necessidade dele conseguir alguma
coisa para se manter. Na sua opinião, a sua cidade nesse momento não tinha oportunidades de
emprego. Resolveu vir para Marechal Cândido Rondon, trabalhou um ano e dois meses na
Faville. E decidiu voltar para casa. Entre os motivos, Rafael destacou que mesmo havendo
13
RAFAEL. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 19 maio 2007. 20 anos, nascido em Goioêre-
PR. Possui segundo grau. Trabalhava como abastecedor de máquina da empresa Faville. No momento da
entrevista havia sido demitido, cumprindo os 30 dias. E, não continuou morando em Marechal Cândido Rondon
55
fábricas em Marechal Cândido Rondon, em sua cidade também estava começando a surgir
novas oportunidades de emprego, o que o fez mudar de idéia e voltar para casa.
Portanto, a idéia aqui, o é partir apenas da análise dos números e dados estatísticos
acerca do emprego em Marechal Cândido Rondon, pois, fazendo isso, teria a idéia de um
saldo significativo para os trabalhadores, como a classe dominante, percebendo o aumento
significativo de emprego. Ma, ao pensar ao partir da realidade por eles apresentada, de certa
forma, não se tem como negar que emprego tem, as fábricas contratam “direto”. Mas, é
preciso entender as razões dessa prática, isso pode estar ligado a expressiva rotatividade de
emprego que os trabalhadores realizam, em se tratar de ser um trabalho árduo e penoso, que o
trabalhador “não agüenta por muito tempo”. Acaba mudando de empresa, na tentativa de
melhorar as condições de trabalho. Portanto, com relação ao que foi proposto acerca da
industrialização em Marechal Cândido Rondon, é possível admitir que houve uma geração de
emprego no setor industrial. Mas é preciso pensar sobre as condições de trabalho dessas vagas
proporcionadas aos trabalhadores. Tendo como prerrogativa o próprio perfil desses
trabalhadores, que pode ser percebido na discussão do segundo capítulo.
CAPÍTULO 2
AS ESTRATÉGIAS DE RECRUTAMENTO DA FAVILLE E AS PERCEPÇÕES DOS
TRABALHADORES SOBRE O SALÁRIO E EMPREGO
2.1 O RECRUTAMENTO DA FORÇA DE TRABALHO: ESTRATÉGIAS DE
CONTRATAÇÃO E DISPUTAS SOBRE O TRABALHO.
Neste capítulo busca-se apresentar uma discussão acerca do perfil dos trabalhadores da
Faville sendo possível entender as especificidades desse novo operariado pautado na recente
experiência fabril. Assim ao longo da pesquisa, foi possível perceber que uma expressiva
porcentagem desses que não são nascidos em Marechal Cândido Rondon, mas residem na
cidade. Isso pode ser observado na Tabela 7:
Tabela 7: Local de origem dos trabalhadores entrevistados
Local de origem N° de operários Porcentagem
M. C. Rondon 8 34.7%
Paraná 9 39.1%
Outros 6 26.2%
Total 23 100%
Fonte: Trabalho de campo realizado em outubro/novembro 2007.
A partir da Tabela 7, pode-se perceber que mais da metade dos trabalhadores
pesquisados nasceram no Estado do Paraná, mas não em Marechal Cândido Rondon. Assim, é
certo afirmar que houve deslocamento de pessoas para a cidade, pela porcentagem de
trabalhadores que veio de fora, tanto de outras cidades do Paraná, quanto de outros Estados.
Dos 23 trabalhadores entrevistados, três disseram estar morando em Marechal por
menos de um ano. O restante disse ter residência fixa no município, acima de dois anos. Desse
modo, são contratados trabalhadores que se fixaram recentemente na cidade ou que vêm de
fora da cidade para trabalhar na fábrica.
Cabe discutir ainda outros aspectos que compõem a recrutagem de trabalhadores. De
acordo com a organização da empresa:
A Faville faz uso das técnicas modernas de recrutamento e seleção. Os
candidatos após passarem pelo processo de triagem das formas de emprego
são chamados para entrevistas. Ao serem aprovados na entrevista
psicológica, são convidados a participar da seleção. O processo de seleção,
realizado por uma Psicóloga Organizacional, é acompanhado também pelos
57
supervisores e coordenadores, pois por conhecerem o perfil necessário do
colaborador, têm maiores condições de avaliar o perfil do candidato. O
processo é realizado com base em Dinâmicas de grupo, com o objetivo de
perceber e avaliar as atitudes do candidato como: comunicação, iniciativa,
espírito de equipe, cooperação, organização, relacionamento interpessoal,
etc, uma vez que o sucesso dos colaboradores na obtenção dos resultados
está diretamente ligado a estas características. A empresa trabalha muito com
as indicações feitas pelos colaboradores, uma vez que conhecem as duas
realidades- aumentando assim as chances de integração acontecer com maior
tranqüilidade e harmonia. (ZADNELLO, 2003, p. 6)
Nesse recorte da revista Zadnello, tem uma caracterizão das características que se
busca num trabalhador tem-se, a que se preocupe com o seu potencial psicológico, sua forma
de se socializar buscando uma boa relação com os demais colegas de trabalho. Porém, esta
descrição é vista como uma prática da empresa buscar demonstrar sua imagem, para os
trabalhadores e a comunidade em geral. Mas, a partir dos relatos trazidos a realidade de
trabalho acontece diferente do que a gestão da fábrica pretendeu destacar. Como por exemplo,
entre os itens pontuados como a comunicação e iniciativa, em que a gerência da produção da
empresa afirma que os trabalhadores são incentivados a se comunicarem, integrarem-se,
buscando um bom relacionamento entre eles.
Entretanto, ao longo da discussão é verificável que os trabalhadores são limitados
nesses fatores. Isto porque eles o proibidos de conversar no local de trabalho e quando ali
acontece qualquer problema são incitados a chamar o responsável não podendo resolver de
modo individual. Sendo que o uso da máscara além de ser um acessório de higiene, (que
protege o alimento do contato com a saliva), acaba tornando-se um meio de dificultar a
quebra da regra do silêncio. Assim, a gestão da empresa utiliza o uso da máscara como
elemento de disciplinarização, que evita a conversa, o que facilita tal prática, é ao manusear
alimentos, os cuidados devem ser rígidos.
Além disso, os trabalhadores relataram que a conversa é expressivamente proibida,
principalmente quando tem visitas na fábrica, fiscalização, ou observação do processo de
trabalho. A empresa tenta passar uma imagem de que buscam respeitar as regras, são
disciplinados e preocupados com a higiene e proteção dos produtos a serem vendidos.
Entretanto, foi possível perceber ao longo das narrativas, mesmo havendo essa regra, os
trabalhadores dão um jeito de conversar. Assim, o entrevistado Fabinho 20 anos, nascido em
Goioêre, Paraná.explicou que criam estratégias para lograr a gerência e conseguir conversar.
Ah cara, esse negócio de usar a máscara, principalmente na segunda feira
nem tanto, que às vezes ta todo mundo meio de ressaca, chega meio ...
58
segunda- feira ninguém conversa, fica todo mundo meio morto. Aí a partir
da terça, quarta feira, pra frente é um converseiro. Ah que você fez final
de semana? Final de semana eu tava lá... O outro dia ela [supervisora] falo
que.. “Parece que é um monte de papagaio.” Aí é a hora que a mulher fala,
[referindo-se a chamada de atenção da supervisora] mais o que que ta
acontecendo, hoje soltaram... (...) Ás vezes acontece, às vezes ta todo mundo
conversando, daí às vezes a supervisora ta na recheadeira que fica pra
cima, todo mundo de mascara abaixada, daí não sei o que lá, um
converseiro. Daí na hora que a mulher descendo puxa a scara e ficam
tudo quetinho. Às vezes conversa com a scara na boca, mas daí na hora
que ela ta passando em frente da maquina, todo mundo para. As vezes ela
ta até ri, ela que ta todo mundo conversando sem máscara ali, ela que
ela começa a descer o povo começa a se ajeitar ali, ás vezes ela passa ali fica
rindo. “Ei mas vocês não tem jeito mesmo.” Agora quando ela te meio
nervosa que as máquinas não tão indo direito, ninguém conversa cara.
Daí ela chama lá na salinha vai leva um...
14
O trabalhador relata que os funcionários conversam muito durante o trabalho, é um
momento em que eles mantém contato entre eles, contam coisas sobre a vida, etc. Mesmo que
tenham que dar atenção dobrada para o seu trabalho, porque se acontecer de algo sair errado
eles serão cobrados, e ao conversar eles tem que cuidar do que estão fazendo, do colega e da
supervisão para que não que não sejam flagrados.
Além disso, Fabinho relatou que os trabalhadores buscam lidar com as situações do
trabalho, quando procuram esconder” que estão conversando, para evitar de serem
repreendidos e quando a produção não está de acordo com o que deveria, nessas horas
ninguém conversa, porque sabem que a chamada de atenção vai ser maior.
Ainda sobre a questão de contratação, a organização da fábrica relatou que uma das
formas utilizadas é por meio de indicação, na qual alguns trabalhadores são recrutados ao
serem indicados por funcionários antigos. Acerca disso é válido ressaltar que nos
questionários que realizei com alguns trabalhadores sobre a questão de contratação, os
números apontam para uma expressiva porcentagem relacionada à indicação conforme a
tabela 8.
14
FABINHO. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 17 jun. 2007. Natural de Goioêre- PR, 21
anos, solteiro. Possuí primeiro grau. Operador de máquinas da empresa Faville.
59
Tabela 8: Formas de contratação de trabalhadores
Forma de contratação Trabalhadores Total
Indicação 12 52%
Ficha 8 34%
Currículo 2 8%
Outros 1 4%
Total 23 100%
Fonte: Organização da autora. Trabalho de campo. Outubro/novembro de 2007.
A tabela 8 indica que mais da metade dos trabalhadores pesquisados foram contratados
a partir de indicação de outros trabalhadores, sugerindo que esse método de contratação mais
recorrente não está na empresa que se pode dar a impressão de que tal método ainda é
muito utilizado. Isso rompe com a idéia de que o recrutamento segue exclusivamente a
racionalidade burocrática bastante difundida no mercado de trabalho, como a utilização de
fichas, entrevistas, análise de currículos, experiências anteriores, etc. Isso pode ser
relacionado com o que Sales percebeu ao pesquisar o processo de reestruturação produtiva na
fábrica WV quando afirma que uma das mudanças que se deu tem relação com a contratação
do trabalhador, e que os novos métodos de trabalho exigiam um trabalhador mais qualificado.
Também, para se e experiente. Como pode ser percebido,
A qualificação dos trabalhadores anteriormente acontecia na prática, na
experiência de trabalho dentro dos setores da fábrica. “A vida ensinando”.
Contrastando com esta realidade de hoje, para conseguir um emprego, é
necessário apresentar currículo. A especialização é passaporte para um
emprego. A qualificação é exigência maior anterior à contratação (SALES,
2002, p 132)
Sales afirma que com o processo de reestruturação produtiva, houve mudanças nas
questões relacionadas a contratação exigindo-se maior qualificação. Isso é contrastado com a
realidade na Faville, como foi visto o que prevalece é a indicão do trabalhador. Ocorre
atualmente na Faville, que grande parte dos recrutados adentra a fábrica sem experiência em
trabalho fabril, ou mesmo do processo de produção de biscoitos.
Essa forma de contratação utilizada pela empresa atua junto aos outros mecanismos
como fichas e currículos, mas o que prevalece, é a palavra do trabalhador, a sua indicação. O
que de alguma forma reforça o discurso ideológico moldado pela valorização do
trabalhador”, já que tem abertura para participar do ato de contratar seus novos colegas o que
sugere como hipótese, que tal estratégia, pode retornar em forma de maior dedicação ao
60
trabalho e a empresa. Como também, constituem-se relações informais, ou até mesmo laços
de afeições, entre o trabalhador indicado e a própria empresa. O fato do trabalhador que
indicou alguém para uma vaga ser um “bom funcionário” aos olhos da fábrica, pode projetar o
mesmo perfil no trabalhador contratado. Pois, este vai entrar na fábrica tendo conhecimento
acerca do funcionamento do trabalho, da disciplina, etc, comprometendo-se a corresponder as
expectativas e a confiança dada pela indicação. Pelo que foi informado, as redes informais de
contato prevalecem. Somente depois de realizada a “indicaçãoé que os demais mecanismos
o aplicados visando a triagem dos mais aptos.
Com relação ao processo de contratação da Faville, a entrevistada Jaqueline
15
, comenta que
foi admitida na fábrica por indicão de uma pessoa que trabalhava na empresa. Ela conta
que:
[...] Na verdade eu tinha uma grande intenção de trabalha na Faville,
primeiro porque falavam que ganhava mais. Pra mim, ganhar bem era muito
importante naquele momento. E assim, a primeira questão que me fez
procurar é que tinha um guardinha que cuidava as pessoas que entra lá
dentro e era meu conhecido. Então hoje ele é falecido. Era meu conhecido.
eu fui procura ele falei: “oh, tenho interesse em trabalha aqui né?” ele
falou assim: “eu sei que você é uma pessoa legal, eu vou conversa com ô
pessoal e vou se consegue, separo tua ficha pra você trabalha. Porque
eu estou te indicando”. foi uma semana eu acho que ele ligou pra mim. E
falo assim: “eles pegaram tua ficha!”. Porque primeiro instante eles pegam
sua ficha e fazem uma classificação, de certo por faixa etária alguma coisa
nesse sentido. Aí eu fui chamada, né? Também acredito por ele ter me
conduzido né? o essa aqui é uma pessoa bacana. È que fui trabalhar por
indicação dele, né?
16
O trabalhador pode indicar uma pessoa, mas deve ser uma pessoa conhecida e
confiável, que o trabalhador “dá sua palavra” à empresa, estabelecendo um compromisso
com a mesma. Como Jaqueline contou: “será uma pessoa bacana”. A prática de indicação
quebra algumas formas burocráticas (como dito anteriormente) seguidas pela fábrica, pois ao
invés de a fábrica guardar a ficha do trabalhador junto as demais, o trabalhador (já funcionário
da empresa) pede para facilitar a entrada, dando prefencia a ficha do seu “conhecido”.
Essa forma de recrutagem é conhecida no meio de trabalho, pois em geral quando se
vai procurar emprego, mais do que ter um bom currículo conta muito o fato de se ter um
“conhecido” já trabalhando na empresa. Ao mesmo tempo, essa forma de recrutagem faz com
que existam laços entre os trabalhadores e a empresa Assim, o trabalhador que indica passa a
15
JAQUELINE, op. cit.
16
Idem, ibidem.
61
ser o elo entre o empregador e o empregado. Os laços antes criados na contratação de
familiares, ficando na dependência do patrão, agora se realizam pela indicação.
Além disso, o trabalhador passa a ser cobrado duplamente, tanto pela empresa quanto
pela pessoa que o indicou. Pois, o trabalhador que indica, pode vir a fazer cobranças para que
ele trabalhe bem, porque sendo ela que ajudou a dar oportunidade dele trabalhar na empresa,
não quer que “queime o seu filme” com o patrão.
Outro trabalhador, Rafael, natural de Goioêre, conta que também entrou por indicação:
“Não, eu entrei por intermédio de amigos. Eram já, trabalhavam lá, funcionários né? E, me
indicaram na fábrica até”. È importante perceber que o trabalhador frisa que o indicaram na
fábrica, porque algumas indicações acontecem fora da fábrica, quando algumas pessoas
indicam a empresa para procurar trabalho ou para preencher ficha. Mas, de acordo com
Rafael, a sua indicação foi direto na empresa.
Assim como, durante a realização da pesquisa, ao comentar sobre as formas de
contratação, os trabalhadores explicavam que essa se dava em etapas, iniciando com a
indicação, preenchimento de ficha e depois o tempo de espera para serem ou não chamados.
Que pelo que foi verificado de certa forma o tempo de espera se anula nessas relações. Pois,
o preenchimento de ficha, sugere que seria uma forma de a empresa obter as informações do
trabalhador, e quando surgisse uma vaga, ele fosse procurado. Entretanto, a maioria dos
entrevistados afirmou que realizava o preenchimento da ficha e era chamado para trabalhar
imediatamente. O que permite entender também, que há certa rotatividade de trabalhadores na
empresa.
Além disso, a contratação pode ligar-se as relações familiares, quando o contratadas
pessoas da mesma família. Como aconteceu com Fabinho, ao comentar sobre sua contratação,
explicou que foi através de seu tio, comentando que começou a trabalhar
(...) na Faville. Porque meu tio trabalhava lá, né? E daí ele falo que ficava
bem mais fácil deu entra né? Porque eu não tinha conhecimento de nada.
Daí ele falo: Não levo ô pia lá né, daí eu dou uma força pra ele”. Daí ele me
explico assim mais ou menos como é que funciona né? Eu tava morando
com ele. Eu fui lá faze uma ficha, dali uns três dias já me chamaram.
17
Ao verificar que a contratação de Fabinho foi realizada através do tio, sugere-se que
Fabinho ficaria em dívida com o tio, tentando fazer o melhor no seu trabalho na empresa, pois
caso ele o realizasse seu trabalho “direito” prejudicaria não a ele, mas seu tio. que o
mesmo indicou perante a empresa. Assim, a fábrica significava um elo entre ele e a família, o
17
FABINHO, op.cit
62
que fizesse para a fábrica de alguma forma rebatia no tio. Além de estabelecer um elo
profissional, de certa forma respeito pelo emprego, porque foi seu tio quem conseguiu um
trabalho para ele.
Para o entrevistado o fato de seu tio trabalhar na fábrica facilitaria sua aprendizagem,
uma vez que, seu tio possuía conhecimentos sobre o trabalho, indicando que certa
facilidade quando se conhece a pessoa e, mais ainda, quando é da mesma família. Tal forma
de contratação utilizada pela Faville é diferente, pois muitas empresas m a prática de se
informar sobre a pessoa que pretender tornar-se seu funcionário possuir alguma ligação com
algum dos trabalhadores que fazem parte da sua empresa, preferindo que os trabalhadores não
tenham nenhuma ligação entre eles.
a Faville, conforme tento evidenciar, se favorece dessas redes de relacionamento
entre os trabalhadores, procurando utilizar tal elemento em seu favor, já que o trabalhador que
indica passa a ter alguma responsabilidade sobre seu indicado, uma espécie de tutela, pois,
como ele indicou, cobrará do funcionário indicado para que realize o “trabalho bem feito”.
Também, foi possível perceber acerca do relato de Fabinho, ao afirmar que não tinha
conhecimento de nada do trabalho a ser realizado na empresa. Mesmo assim, não foi dado
como obstáculo para trabalhar na fábrica. Mesmo não tendo experiência, o seu tio estaria lhe
auxiliando. O que relaciona-se a experiência nula desses trabalhadores no espaço de trabalho
fabril.
Sobre o perfil do trabalhador buscado pela Faville pode-se afirmar que dos 23
trabalhadores entrevistados, 19 estão na faixa etária dos 20 aos 30 anos. Dos 4 restantes, três
estão entre trinta e trinta e seis anos, e um tem 51 anos. Esse se diferencia do trabalho dos
demais, tem a função de vigia na fábrica, ou seja, não possui uma função que exija condições
de agilidade. Assim, pode-se afirmar que o perfil jovem dos trabalhadores, informa a
superexploração a que são submetidos na fábrica. Já que, a maioria desses trabalhadores são
contratados para trabalhar nas linhas que se tem uma intensificação de trabalho maior na
fábrica. Em geral nas linhas 1 e 2, que de acordo com os trabalhadores são considerados
“museus” por serem as primeiras máquinas instaladas na empresa.
Em geral, as máquinas da brica, detém um processo acelerado, contínuo, sendo que
juntamente com as condições de trabalho, há um maquinário em péssimas condições, “velho”,
que depende de uma força e esforço rigoroso do trabalhador. Isso pode ser percebido também,
durante a realização das entrevistas, em que os trabalhadores me relataram que, nas máquinas
que exigiam maior rapidez eram colocados os trabalhadores que fossem mais jovens para
agüentar o ritmo.
63
Ao visualizar o conjunto da fábrica, entende-se que as exigências em se tratando de
setores se diferenciam, como foi visto que no setor da produção, exige-se do trabalhador
agilidade e rapidez, ao mesmo tempo, a exigência pela profissionalização é maior no setor
administrativo que, em geral, exige-se segundo grau ou curso superior para atuar nos cargos
desse setor. Tanto é assim, que menos da metade dos trabalhadores pesquisados que fazem
parte do setor da produção, não possuem o Ensino Médio, que é uma das exigências do
mercado de trabalho e da Faville no que se refere aos funcionários do setor administrativo. A
tabela 9 exemplifica:
Tabela 9: Escolaridade
Escolaridade N° de operários Porcentagem
Ensino Médio 11 47,8%
Ensino Fundamental 8 34,9%
Básico 4 17,3%
Total 23 100%
Fonte: Trabalho de campo. Outubro/novembro de 2006.
A tabela 9 aponta que mais de 50% dos trabalhadores entrevistados não possuem
Ensino Médio. Nenhum dos entrevistados possuía Ensino Superior
18
. Portanto, a fábrica exige
baixa qualificação para as funções ditas “produtivas”.
O trabalhador é motivado a ter agilidade como um dos pré-requisitos destacados. É
contratado para cumprir metas diárias de produção, envolvido com trabalho manual que
depende praticamente da sua resistência física. Por isso, um dos itens importantes na hora da
contratação é a idade, considerando como verdadeiro que as pessoas mais jovens têm maior
facilidade com tarefas que exigem manuseio da força física, não força, mas rapidez. Em
resumo, o perfil de trabalhador (para as funções “produtivas”) buscado e construído pela
Faville pode ser classificado de taylorista.
18
É importante ressaltar que os dados da tabela remetem-se aos trabalhadores que realizei questionários,
diferente dos que eu realizei entrevistas, que dos quinze entrevistados 5 possuíam curso superior.
64
2.2 A PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES SOBRE O SALÁRIO.
Uma questão importante a ser discutida diz respeito à forma como os trabalhadores
percebem o seu salário dentro da empresa.
19
Sendo que, o salário do trabalhador tem um
reajuste anual, cada ano acontece uma negociação entre o sindicato do patrão e o dos
trabalhadores para discutirem acerca do percentual de aumento (geralmente o reajuste salarial
é anual, no mês de novembro a empresa realiza um aumento, junto ao sindicato.) Também
existe o acréscimo por tempo de trabalho, ou seja, a cada ano de empresa o trabalhador recebe
um percentual a mais no seu salário.
20
Acerca disso, é importante analisar a forma como Neli apresenta o salário na Faville,
afirmando que “lá querendo ou não tem um dos melhores salários, daqui dá região. Que são
poucas horas trabalhadas, e quatrocentos e oitenta. São seis horas trabalhadas. E tem pessoal
que trabalham o dia intero pra ganha um salário. Então dizem que é um dos melhores
salários.”
21
Neli ao comparar o salário da Faville com outros da região, afirma que era um dos
melhores, porque na perspectiva apresentada pela trabalhadora, não é qualquer emprego que
se trabalha seis horas e recebe-se um salário. Então, mesmo que o trabalho não seja dos
melhores, ainda esta entre os melhores com relação ao pagamento/ salário. È preciso levar em
conta, com relação e essa narrativa, que Neli tinha trabalhado somente na Faville, não
podendo fazer um paralelo significativo, porque não experimentou outros trabalhos. O que
compreende de certa forma, o fato de ao realizar uma comparação com outras empresas e o
seu trabalho com relação ao horário de trabalho. Em que, Neli trabalhava no turno na meia-
noite na fábrica diferente dos turnos de 8 horas, trabalhava 6 horas por dia.
Desse modo, percebe-se que os trabalhadores apresentam uma caracterizão positiva
acerca do seu salário na empresa, mesmo sendo um serviço precário, desgastantes, repetitivo.
Entre os motivos, tem-se como hipótese, a relação que os trabalhadores fazem com relão a
sua qualificação. Para aquilo que sabem, ou não sabem fazer, o salário esta bom. Como afirma
Mauro
É aqui em Rondon mesmo tem várias empresas que tem o salário
mais baixo. Você ganharia mais se você tivesse um curso, se você
tivesse formado em alguma coisa né? Formado que nem torneiro, ou
19
Vale ressaltar que a discussão acerca do salário apresentada aqui, remete-se ao setor da produção.
20
De acordo com informações dadas pela empresa, esse aumento anual de salário começa a ter validade quando
o trabalhador tem três anos de empresa. Na seguinte proporção: três anos de empresa, trinta reais a mais no seu
salário, 4 anos, 40, 5 anos , 50, e assim sucessivamente.
21
SONTAG, op.cit.
65
mesmo mecânico, que nem alguma coisa assim né? [Você estudo
ate que série?] Não acabei o segundo grau. [Por isso que você acha
que hoje você não teria outra escolha de trabalho?] Exatamente.
A versão positiva acerca do salário da Faville, é percebida não porque o salário é
melhor com relação as demais empresas, mas em se tratando do que sabem fazer, do
conhecimento que tem, esse é o melhor que conseguem. Para o salário ser melhor/maior,
depende não da empresa, ou do patrão, mas da qualificação do trabalhador. Se tivesse
especialização, ou terminado o segundo grau, como admitiu Mauro, poderia encontrar
serviços em que o salário é melhor. Mas, se o há essa qualificação, o tem como melhorar
o salário. Portanto, esse também é o discurso do capital, de que empregos têm, falta é mão-de-
obra qualificada.
Assim, para a maioria dos trabalhadores o salário é considerado justo, quando
relacionado com sua escolaridade, qualificação, ou mesmo pelo tipo de serviço que realizam,
que mesmo sobre pressão e exploração, são tarefas aparentemente simples. O que também
formula a justificativa, de que para aumentar o salário, teria que realizar tarefas mais
complexas. tem um conjunto, para melhorar salário, teria que executar trabalhos mais
difíceis, tarefas complexas, que exigiriam escolaridade, experiência, etc. Portanto, com
relação a qualificação, ao conhecimento, o salário ainda é considerado justo. Isso pode ser
percebido na fala de Marizete ao comentar sobre o plano de carreira, afirmando que
Com certeza, a Faville tem o tempo de firma né, uns três quatro anos tem
aumento de salário, e também tem oportunidade vamos supor se você entra
lá, você tem uma visão... você tem... também eu acho que conta muito o
estudo, para o cargo com certeza. Eles dão muita oportunidade na Faville
para [inaudível] tem o escritório, tem muita oportunidade na Faville. [Por
que vodisse que tem que ter o estudo?] Eu acho que o estudo conta
muito, porque como que você vai é... fazer um projeto se você não tem
estudo. O estudo conta bastante. [você acha que o fato de você não ter
terminado o segundo grau ainda dificulta você crescer dentro?]
Também, e... tem pessoas que tem o dom de ser líder, eu acho que não é
assim, qualquer um que pode ser líder. Tem que ter capacidade de mexer
com pessoas, tem que ter visão. Um monte de coisas. Não é todos que
recebem cargos... né, tem que ter experiência?
22
De acordo com Marizete, que está há 6 anos trabalhando na mesma função da empresa
no setor de embaladeiras, afirma que na Faville possibilidade do trabalhador subir de
cargo, melhorar de função, etc. Entretanto, para isso o trabalhador tem que ter “estudo”,
22
NUNES, op.cit.
66
experiência, entre outros. Diferente dela, que estava cursando o segundo grau. Ela afirma que
para as tarefas mais complicadas, como as de líder, as exigências o maiores. Portanto, na
empresa tem oportunidades e chances de ter um salário maior e melhorar o ganho. Mas, não é
para todo mundo, são para aqueles que têm escolaridade maior. Como também, apresenta um
elemento trazido com as mudanças do mundo do trabalho, que haveria maior exigência nas
empresas para com a qualificação do trabalhador em que para ter cargos maiores tem que ter
“experiência”. Mesmo assim, a trabalhadora esta a seis anos na empresa, e ainda não
considera-se apita para um cargo que exija maior experiência.
Essa forma de apresentar o salário como algo justo, aceitando o valor que recebem
sobre o seu trabalho deve ser relacionada a trajetória ocupacional desses trabalhadores, que
se discutida mais a frente. Em que, ao que se percebe boa parte dos trabalhadores
realizavam tarefas piores ainda do que o trabalho na Faville. Quando mesmo que algumas
vezes os serviços não eram precários, o salário era incerto. Então, mesmo que o salário da
Faville não seja “bom”, ele apresenta uma coisa certa, todo mês. Portanto, mesmo que
algumas trajerias o trabalho anterior a Faville apresente-se como melhor, sugere-se como
hipótese que a concepção de que esses trabalhadores tem acerca do seu salário, não esta no
valor em si, mas no fato de ter certeza de receber esse salário todo mês.
Além disso, quando foram perguntados sobre o valor do salário, muitos dos
entrevistados não souberam relatar ao certo quanto recebiam por mês, por conta de que são
efetuados muito descontos pela empresa (plano de saúde, vale alimentação,etc). A tabela 10
apresenta os salários recebidos de acordo com as informações dos entrevistados. Ela foi
produzida no mês de novembro de 2007, quando o salário mínimo nacional equivalia a 380,00
R$. No geral o salário base do setor de auxiliar de produção valia R$580,00, e os setores
melhor remunerados, como de supervisores, variava de R$750,00 a R$800,00.
Tabela 10: Composição salarial
Escolaridade N° de operários Porcentagem
Ensino Médio 11 47,8%
Ensino Fundamental 8 34,9%
Básico 4 17,3%
Total 23 100%
Fonte: Trabalho de campo. Outubro/novembro de 2007.
67
Analisando a Tabela 10 percebe-se que a média salarial é um elemento importante
para entender a realidade dos trabalhadores pesquisados. Assim, num mesmo espaço, há
diferenciação entre salários, pois quem tem o salário maior, entre R$600, 00 e R$700, 00,
recebe como supervisor ou coordenador das linhas de produção. Os operadores de máquinas,
embaladores etc, recebem menos. Este modelo também se assemelha ao padrão taylorista,
cuja característica é de pagar maiores salários para os funcionários que fiscalizam” as
funções produtivas.
Outro aspecto que merece ser analisado é a relação dos salários pagos pela Faville no
contexto regional. A Tabela 11 auxilia essa análise.
Tabela 11: Salário médio de admissão (Extraída de CAGED/MTE)
Ocupações com menores saldos
Trabalhador do acabamento de artefatos de tecidos e couros 461,25
Embalador manual 367,05
CBO 84150 Trabalhador de tratamento do leite e fabricação de laticínios e afins 458,25
Vendedor de comércio varejista 396,87
CBO 841 Operador de quinas de fabricação de doces, salgados e massas
alimentícios.
395,00
Fonte: CAGED/TEM/2005
A tabela 11 registra uma sutil diferença em termos de números, entre o salário base da
indústria e do comércio. O salário de um vendedor de comércio varejista aparece como sendo
de R$ 396,87, enquanto que o salário de um operador de máquinas da indústria alimentícia é
de R$ 395,00. Se considerarmos apenas os dados fornecidos pela tabela 5, é possível concluir
que o salário base de um vendedor de comércio varejista é praticamente o mesmo de um
operador de máquinas do setor alimentício. Como também, ao comparar as duas tabelas,
percebe-se que houve um aumento no salário do trabalhador da produção, quando em 2005,
no salário apresentado pelo saldo regional, o valor era de R$ 395,00, já em 2007 quando
realizei a pesquisa a média salarial era de aproximadamente R$ 500,00. O que apresenta uma
diferença, mesmo que mínima do salário dos trabalhadores da produção.
Entretanto, é necessário considerar que está questão carece de maior problematização.
Por exemplo, numa indústria de setor alimentício como a Faville, o trabalhador recebe no
final do mês apenas o seu salário base, descontado em uma série itens como pagamento de
uniformes, da alimentação, do plano de saúde, etc. No caso do vendedor de comércio
varejista, seu salário possui poucos descontos e ainda é incrementado por ganhos de
68
produtividade. A diferença parece ser, portanto, sutil. O trabalhador do setor alimentício
também prolonga sua jornada de trabalho, fazendo uma série de horas-extras, e trabalha num
sistema de metas produtivas a serem cumpridas. Os dois tipos de trabalhadores se mantêm em
atividades que exigem produzir horas-extras, bem como o cumprimento das cotas produtivas.
Os dois têm essas horas-extras convertidas em banco de horas, que coloca os trabalhadores
num sistema onde ao invés de receberem monetariamente pelas horas trabalhadas, tiram-nas
em folgas do trabalho.
A diferença é que, no corcio varejista o trabalhador geralmente tem um percentual
das horas-extras convertido em salário e a outra parte convertida em folga, além de receber
financeiramente percentuais sobre o cumprimento de suas cotas. Inversamente, na fábrica, o
operário tem as suas horas-extras todas convertidas em banco de horas, o existindo a
possibilidade de aumentar o seu salário trabalhando mais. Portanto, o salário base destes dois
tipos de trabalhadores, em números, parece ser o mesmo. Contudo, na prática, eles são
distintos.
É possível verificar ainda, que o salário estipulado aos trabalhadores do comércio e
das indústrias, sendo que o salário médio de um operador de máquinas é de aproximadamente
R$395,00. Nesse sentido, a tabela 5 permite analisar o padrão salarial do município por
setores de atividades. E, segundo dados registrados anteriormente, o setor industrial consta
como um dos setores que mais empregam trabalhadores ao mesmo tempo em que apresenta
em média os salários mais baixos com relação às demais atividades apresentadas.
Acerca do salário da Faville na visão dos trabalhadores, é possível visualizar uma
diferença, a partir da fala de Elise,
[Você acha que o salário lá é bom?] Na época que eu trabalhava sim,
comparando ao salário de outras indústrias. Eu não sei hoje, mais a Faville é
um dos lugares que mais bem ta pagando. È que melhor paga. [você acha
que contando com salário, cesta básica pra ganhar mais?] È na época
que eu tava trabalhando era isso, era o salário mais a cesta básica. que
não podia falta, não podia chega atrasada, não podia te atestado nem nada.
Não era uma ajuda assim certa todo mês, pra todo mundo, quem faltava o
ganhava. Infelizmente era assim, eu não sei agora como que ta? Mais na
época eu achava que era bom o salário com... a cesta básica. E tem a refeição
lá também.
23
Segundo Elise, no período que trabalhou na fábrica, entre 2000 e 2004, o salário era
bom, desde que somado a cesta básica, mesmo que não fosse certa, todo mês. E comparada as
23
CHRISTMANN, Elise Caroline. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 25 jul. 2007. 24 anos,
solteira, nascida em Marechal Cândido Rondon- PR. Possui segundo grau completo. No momento da entrevista
o trabalhava na Faville.
69
demais fábricas da cidade o salário era melhor
24
, então até que compensava, o era
gratificante, mas dava para sobreviver. Rafael, 20 anos, nascido em Goioêre, Paraná,
trabalhava como abastecedor de máquina na fábrica, no momento da entrevista havia sido
demitido estando cumprindo os “30 dias”, portanto, trabalhou na fábrica num período mais
recente, entre 2006 e 2007 crítica o salário.
È, porque no caso o salário é o mais importante pro funcionário eu acho,
que não tem nenhum outro benefício. [...] è tipo de benefícios. Porque tipo
no caso se a empresa não tem aquele salário, mas se tem alguns benefícios
assim ... como saúde, se oferece mais atendimento que nem a cesta básica
que te deixe contente, e que no caso gratificações assim igual de horas-extras
não sejam cortadas, não tem porque do funcionário chega e reclamar. Mais
quando chega a empresa deixa a desejar nessa parte, é claro que gera
insatisfação no caso e reclamação tamm.
25
Rafael assume a importância do salário para o trabalhador. Que, de acordo com ele, o
salário na Faville sempre foi ruim, mas gerava menos conflitos porque haviam benefícios que
somados ao salário compensavam para o trabalhador. Segundo Rafael, o salário é motivo de
reclamação dos trabalhadores junto a empresa, porque o estão satisfeitos com o que estão
recebendo, porque nem o salário está bom e nem os benefícios que eram somados ao salário.
Pode-se perceber que os benefícios trazidos pela firma era uma das formas de facilitar o
pagamento de salários baixos sem que o trabalhador reclamasse. Entretanto, o trabalhador tem
reclamado porque o salário já não era bom e agora não tem mais o que faça com que o salário
seja compensado.
É importante ressaltar ainda, que na grande maioria das vezes que perguntava aos
trabalhadores sobre manifestações ou greves, um dos motivos principais era o salário. Como
pontua Rafael, ao perguntar se ele lembrava de ter acontecido alguma manifestação na fábrica
Ah, com certeza. Porque tipo assim, no ano passado aconteceu uma situação
quase do tipo, não chego a acontece nada entendeu? È tinha ali no caso tem
o aumento do sindicato que é em setembro... é isso mesmo. E aí tipo assim, o
pessoal tava lutando pra que tivesse aumento de pelo menos quatro por cento
entendeu? E daí no caso o sindicato acho que deu dois, parece, não deu
quatro por cento, não deu três por cento. Aí no caso o pessoal não fico
contente. O pessoal do sindicato não aceito, a empresa deu três por cento, o
pessoal do sindicato não aceito. Aí pego foi lá, reivindico, luto um
pouquinho mais ali. dois meses mais conseguiram mais dois por cento de
aumento. Daí deram aumento de cinco por cento no salário. Isso quase
chegou a gerar uma manifestação, porque o pessoal tava ficando meio
24
Sobre essa questão acerca da cesta básica estarei discutindo no segundo capítulo juntamente com a questão dos
benefícios, mas é importante ressaltar que em outras fábricas pesquisadas não aparece tão forte na fala dos
trabalhadores a questão da cesta básica.
25
RAFAEL.op.cit
70
revoltado né? Porque merecia, o trabalho tava muito apurado ali, tava....
tinha que se esforça muito né?
26
A partir da fala de Rafael pode-se perceber que o salário pago na Faville tem sido
motivo de reivindicação. Pois Rafael não lembrava se tinha acontecido alguma greve na
fábrica, porém manifestação sim, e por motivo de aumento salarial. E o aumento de salário
não significava acrescentar, mas sim receber o justo. Segundo Rafael o trabalho estava
árduo e não recebiam pelo seu trabalho.
Sobre a idéia de a questão salarial incomodar tanto os trabalhadores que os leva a
quererem realizar manifestações trabalhistas, é interessante destacar que recentemente houve
uma tentativa de greve por alguns trabalhadores, que traziam os principais motivos ligados a
questão salarial.
Proposta para melhoria do setor de paletização (Faville Indústria e Comércio
de Alimentos).
Segue as propostas elaboradas e discutidas pelos trabalhadores do setor de
paletização
1- Sendo os setores de Recepção de produtos acabados (R.P.A) e Expedição
(carregamento) uma só equipe, exigimos um salário, paletizadores e
carregadores com a mesma remuneração. Sendo que, em uma só equipe
todos os colaboradores tenham a mesma remuneração.
2- Salário coordenadores de turno, igual aos dos conferentes, já que os
mesmos têm a função de conferir o estoque estabelecido e a produção,
responsabilidade essa que justifica a exigência.
3- Aumento do salário do colaborador que é responsável por fazer as notas,
pois o mesmo também e responsável por conferir a produção, além de
controlar as quantidades das mesmas e controlar a produção das linhas, no
início, no decorrer das horas do turno e no fechamento das mesmas.
4- O salário do puxador de carrinho deve ser igual ao dos separadores, por
semelhança de funções e pelo mesmo ser responsável pelo zelo e
organização de CD (que não tem espaço físico suficiente para a demanda da
produção e dos produtos terceirizados), bem como a responsabilidade de
encontrar os espos para o que se produz sem desorganizar o seu espaço de
trabalho.
A proposta acima têm como objetivo a melhoria do setor, foi discutida e
aceita pelos colaboradores e por isso exigimos uma atitude positiva da
empresa, que tudo o que foi citado é viável e justo. Caso contrário
entraremos em paralisação legal por tempo indeterminado.
Este documento representa algumas reivindicações dos trabalhadores do setor de
expedão da Faville, em que os trabalhadores conseguiram reunir aproximadamente 20
trabalhadores, entre o total de turnos, cada turno com 4 trabalhadores. Entretanto, de acordo
com os trabalhadores que redigiram o documento, os demais trabalhadores acabaram
26
Idem, ibidem.
71
desistindo de ultima hora, por medo de sofrerem “retalhação”. Assim, apenas dois
trabalhadores levaram as reivindicações para a direção da empresa. Portanto, o documento foi
redigido por alguns trabalhadores do setor de paletização e foi entregue no RH da empresa,
mas estava assinado pelos trabalhadores que redigiram o documento. A empresa demitiu os
trabalhadores.
Em geral, o documento reivindica melhoria de salário, além de igualdade salarial, em
funções que na visão dos trabalhadores não tem porque terem salários diferentes. que
fazem parte de um mesmo setor e desempenham a mesma função não tem porque terem
salários diferentes.
O documento ainda propõe uma crítica de valorização as funções vistas como
simplistas, ou sem valor na empresa, como puxador de carrinho. Os trabalhadores tentam
chamar a atenção da organização da empresa para que valorizem seu trabalho, que o que
fazem mesmo que não sejam coordenadores, ou supervisores de linha também detém de muita
dedicação e exigência.
É importante ressaltar, que em conversa com um dos trabalhadores que redigiu o
documento, este afirmou que a iniciativa que eles tiveram trouxe melhorias para os operários.
Pois mesmo eles tendo sido demitidos, algumas das questões presentes no documento foram
reivindicadas e os mesmos conseguiram efetuar algumas mudanças, principalmente com
relação ao aumento de salário para o setor de paletização.
Além disso, o documento é de suma importância para essa discussão, dado a trajetória
dos trabalhadores de Marechal Cândido Rondon principalmente das indústrias alimentícias.
Pois, ao que se tem conhecimento, não há registros de greves, ou manifestações desses
trabalhadores. Pelo menos não com cunho coletivo.
Mesmo durante a realização da pesquisa com os trabalhadores da Faville, estes
relataram não ter havido greve, nem mesmo indicativo de greve, desde que ela se implantou
na cidade em 1999. Entre as questões colocadas, pelos trabalhadores, é que os colegas de
trabalho têm “medo” de realizar greves e perder o emprego.
Tendo em vista o conjunto da discussão salarial dos trabalhadores da Faville
processada até aqui. Foi possível verificar certa diferenciação inclusive em se tratando de
gênero no momento da contratação e também da média salarial recebida no setor industrial.
Dos 23 trabalhadores entrevistados 8 eram mulheres e 15 eram homens. A exemplo do que
Maralice Maschio (2008) contatou, o número de trabalhadores ocupados em Marechal
Cândido Rondon aponta que uma diferenciação entre os sexos, tanto entre o número de
contratados, que está voltado mais para o sexo masculino, quanto para a remuneração
72
oferecida. Em 2005 o número de ocupados na indústria era de três mil e trezentos e sessenta e
um e destes 2.037 eram do sexo do sexo masculino e 1.324 do sexo feminino, com idade
variada entre 16 e 24 anos. A tabela 12 indica:
Tabela 12: Número de empregos formais em 31 de dezembro de 2005.
Fonte: RAIS/CAGED
Além disso, a tabela aponta para o número de ocupados na região, em que o setor
industrial encontra-se entre os que mais empregam. De acordo com a tabela 12 em 2005 a
remuneração na indústria para as mulheres era menor do que a dos homens. Entre mulheres e
homens com idade variada entre 16 e 24 anos o salário dos homens é maior em
aproximadamente R$200,00. A tabela 13 indica:
Tabela 13: Remuneração média de empregos formais em 31 de dezembro de 2005.
Indicadores Masculino
Feminino
Total
Total das Atividades 818,83
638,77
739,11
Extrativa Mineral 898,28 658,06 871,59
Indústria de Transformação 741,22 542,99 663,13
Serviços Industriais de Utilidade Pública 1.216,75 1.161,48 1.203,94
Construção Civil 445,25 666,60 453,12
Comércio 754,70 501,96 648,90
Serviços 985,31 751,49 866,87
Administração Pública 1.388,76 848,86 1.010,90
Agropecuária 489,14 400,62 471,12
Idade de 16 a 24 anos 516,70
472,43
497,72
Fonte: CAGED/TEM
Indicadores Masculino
Feminino
Total
Total das atividades 6.091
4.839
10.930
Extrativa Mineral 8 1
9
Indústria de Transformação 2.037 1.324 3.361
Serviços Industriais de Utilidade Pública 53 16
69
Construção Civil 217 8
225
Comércio 1.725 1.242 2.967
Serviços 1.587 1.629 3.216
Administração Pública 241 562
803
Agropecuária 223 57
280
Idade 16 a 24 anos 1.710
1.283
2.993
73
Em geral, além dessa diferenciação salarial por gênero, na Faville ocorre
desigualdades com relação a própria função distribuída na fábrica. Enquanto boa parte dos
trabalhadores homens o contratados como operadores de máquinas (que controlam o
funcionamento da máquina em se tratando dos ritmos produtivos e da própria manutenção
mecânica), as mulheres são contratadas para trabalhar na esteira (que apenas repõem e retiram
os produtos nas esteira, controlando o desperdício). Algumas mulheres entrevistadas disseram
que tentavam se operadoras, mas a fábrica coloca empecilhos, justificados pela capacidade
física. Por isso argumentam que as mulheres devem manusear a esteira no controle dos
biscoitos porque é um trabalho mais delicado e menos braçal.
Sobre a diferença entre o trabalho das mulheres e dos homens, Neli aponta que:
[lá no período que você trabalha tem só mulheres?] Não, tem mulheres e
tem chefes supervisores que é homens né? [parece que homens são a
maioria lá?] Sim, porque abastecimento essas coisa são mulher lá. Os
homens é operador né? Daí que nem, numa tem um operador e duas
meninas pra... e duas pra. Abastecer e uma pra empacotar. Então são três
meninas e um piá né? [por que você acha que eles preferem mulheres?] Sei
lá, acho que os piá lá não tem interesse de abastece né? Apesar que os piá
que não são operador, se precisar eles ajudam. Então, pra maquina o parar
ele vai abastecer no lugar da menina pra ela tomar água. Mas assim...
maioria é mulher, bem verdade, sei bem por que não tem mais homem lá.
o sei se eles o se interessam, sei lá por quê? Que não tem muita
diferença de mulher na máquina tem meninas que operam melhor. E
operam melhor que os piá. Elas são mais calma e tudo, elas sabem como
abastecer, e os piá dão uma abastecida lá male-mal e acabo né? E as menina
que o na máquina operando, geralmente elas elas sabem e não
resmungam. Daí os pia ás vezes tão cós ovo-virado lá, eles já respondem, já
resmungam e coisa assim. E as meninas não né? Se desligar coma de
novo, um pia não né, pia geralmente é esquentado.
27
Segundo Neli, geralmente as funções na brica são distribuídas por sexo, mulheres
geralmente são colocadas para trabalhar no abastecimento e os homens como operadores de
máquinas e supervisores. Mas, para Neli o há uma justificativa a concisa dos motivos que
levam a essa divisão. Demonstrando o autoritarismo com que é tomado as decisões na
empresa. Para ela tanto uma função quanto a outra podem ser realizadas pelas mulheres.
Afirma também, que prefere trabalhar com mulheres que tendem a serem mais delicadas até
na hora de chamar atenção. Isso ela relaciona a questão de experiência na empresa, pois,
quando a função de operador de quinas é realizada por mulheres, essa precisamente
27
SONTAG,Neli. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 06 mar. 2006, 34 anos, natural de Santa
Helena-PR, possui segundo grau completo. Trabalhava como embaladora da empresa Faville.
74
trabalhou no setor de abastecimento, o que facilitaria tanto na hora de executar sua função,
quanto no relacionamento com as demais que realizam o abastecimento.
os homens no setor de abastecimento são colocados para operar quinas e
auxiliar, mas não trabalhar na fuão de abastecedor.
Além disso, ela comenta sobre as dificuldades de se ter uma mulher como operadora
de máquina, o é dividido em função como que é colocado alguns obstáculos. Pois, para
ser operadora mulher tem que ter experiência. Mas, isso faz com que a mulher como
operadora de máquina seja melhor que o homem na opinião de Neli. Pois elas já passaram
pelo abastecimento sabem como funciona, os operadores, na maioria das vezes são
colocados para abastecer sem ter experiência no setor. Assim, a organização da brica ao
fazer essa divisão acaba colocando para controlar a produção de um setor através da máquina
pessoas que nem mesmo sabem o funcionamento deste. a questão de controlar um setor é
importante, porque as linhas te estipulados os representantes de cada setor, que são os
supervisores, coordenadores, etc. Entretanto, o operador de máquinas tem o dever de vigiar e
assegurar que o abastecimento esteja sendo bem feito.
Sobre essa questão da função de operador de máquinas ser restrita para homens,
destaco um trecho da fala de Elise, que ao perguntar:
[È, também me falaram assim, a questão de operador de máquinas,
pode homens né?] Tinha mulheres que estavam começando, na linha 1 e na
linha 3, é.. quase não tinha mulher que se interessasse por isso. Na linha 2,
já... tinha mulheres operando quinas. [Eles permitem que seja mulher?]
Eles permitem, desde que a pessoa se dedique se esforce e corra atrás, e
mostre que tem interesse, sabe que consegue, sem problema nenhum. A
maioria dos operadores sempre eram homens, sempre foi homem. Mas,
agora pelo que eu sei tem bastante mulheres que estão operando as máquinas
agora, máquinas eu digo no abastecimento. [...] [parece que não sei se é
preconceito, mas eles parecem que preferem as mulheres para algumas
funções assim, tipo pra biscoito, os homens para operar quinas.] È
normalmente sim. [Você acha que pela própria dedicação assim, tipo
homem não leva jeito pra...] Não, tinha homens que ... ajudavam
tranquilamente no abastecimento. Mas é... claro mulher leva mais jeito, mas,
eu acho que isso não é uma fator assim, que seja um motivo pra que as
mulheres não tenham esse espaço. Direito de aprende, de corre atrás,
que... é aquela coisa você tem que corre atrás mesmo, votem que insistir
né? Porque eles colocam barreira sim, pra opera máquina lá dentro. [Se você
qué votem que mostrar?] Você tem que mostrar, você tem que corre
atrás e não pode desistir. Porque é... piadinha sempre tem, sempre tem.
(CHISTMANN, 2007)
Assim, no caso das mulheres, para subir de cargo devem cumprir muitas coisas,
porque além de cumprirem com o trabalho, devem romper barreiras e provar que são o
75
capazes quanto os homens de exercerem algumas funções. Ou seja, provar que não é o sexo
frágil e que por isso lhe cabe abastecer uma máquina, e não ser responsabilizar por ela, ou
manuseá-la.
Ainda sobre a discussão acerca do perfil do trabalhador da Faville, os princípios
defendidos são: selão, Ordenação, Limpeza, Asseio e Respeito, que juntos representa
SOLAR. São cinco objetivos presentes na apostila do Solar, que visa promover treinamento
para os trabalhadores. Mas, segundo Rafael, o tipo de trabalhador buscado pela empresa, está
relacionado a um funcionário que não questiona nada.
É no caso tipo assim, o trabalhador que... que... gosta de expressa suas
opiniões ali dentro ali.. ali... com certeza ele vai ser descartado. A empresa
não aceita isso, não principalmente se as opiniões dele, forem contrárias as
opiniões da empresa. Se ele contesta no caso as opiniões da empresa.
28
De acordo com Rafael o funcionário ideal da Faville é aquele que não questiona
ordens, que baixa a cabeça para tudo, que apenas cumpri ordens.
Assim como Rafael, o entrevistado Roseni destaca de forma crítica o trabalhador
modelo da fábrica, que na opinião dele, “[...] o funcionário perfil dá fábrica é aquele que
não falta, que sabe fazer tudo. Um operador que opera a máquina, pega no pacote. Um
funcionário que...que faz hora - extra, que trabalha de graça”
29
. Assim, a partir da fala de
Roseni pode-se visualizar que o trabalhador da fábrica na sua opinião seria um trabalhador
voltado para a reestruturação produtiva, pois esta voltado para a multifuncão, tem que saber
realizar várias funções na fábrica. E que ainda veste a camisa da empresa, que “trabalha de
graça” se precisar. É preciso levar em conta, que Roseni teve uma trajetória de embates e
conflitos na empresa.
Além disso, é preciso entender a relação com que o trabalhador tinha com a empresa,
já que estava na cidade com interesses maior relativo, a cursar a Faculdade, seu trabalho na
empresa era visto como temporário, um meio de se manter na cidade enquanto terminava o
curso.
Durante a sua trajetória, na empresa foi marcada por várias reuniões com os
trabalhadores questionando as regras e a organização do trabalho na Faville. Sendo que, sua
própria demissão foi conseqüência desse tipo de atitude na empresa. Isso denota o sentido
crítico com que a sua narrativa é apresentada.
28
RAFAEL, op.cit. cit.cit.
29
TRINDADE, Roseni. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 18 jul. 2007. Nascido em
Cascavel- PR. Possui 3° grau completo. Atualmente trabalha na área de educação. Trabalhou cinco anos na
empresa, até ser demitido.
76
Isso pode ser visto também na fala de Elise, que ao falar sobre o que seria um
trabalhador ideal para a organização fabril da Faville, afirma que ele deve ser:
Responsável, dedicado, que cumpra com as obrigações, não falta. Porque
toda vez que faltava alguém, desfalcava a equipe. Um sempre tinha que
trabalhar, alguém sempre tinha que trabalhar a mais. Pelo que faltou, então...
eles cobravam muito isso, respeita horário tudo certinho, tanto na hora de
chegada, depois na hora do almoço. O mais assim, que eles mais exigiam era
isso, assim questão de horários, de falta. De compromete, de está ali, só
pra fazer de conta que ta ali, que veio pra bater o cartão. Não vai se
dedicar, vestir a camisa.
30
Para Elise, o trabalhador buscado pela fábrica é um trabalhador que esteja 100%
presente”. É preciso vestir a camisa da empresa”, dar o seu de melhor. É preciso cumprir
com o seu trabalho e ser responsável, não ter faltas. Sendo que, é possível admitir que havia
certa resistência dos trabalhadores em cumprir horários, alguns trabalhadores faltavam na
empresa. O que gerou conflitos.
Assim, a ideologia acerca do trabalho em equipe, que se falta um trabalhador prejudica
o restante da fábrica (tanto com relação ao trabalho quanto com relação aos trabalhadores que
terão que trabalhar a mais para compensar o trabalho do que faltou). Partiu da organização da
empresa, tentar rebater e convencer o trabalhador da importância de sua dedicação, disciplina
e comprometimento para com a empresa. Pois, nessa estratégia, a organização da empresa
prega, que o trabalhador faltando, ou atrasando-se para o trabalho prejudica o processo de
produção, que causara problemas para os seus colegas. Tirando do ponto central que a
empresa é quem perde com sua ausência, com relação a diminuição do ritmo da produção,
apostando na idéia de uma equipe.
Em geral, foi possível perceber que tipo de qualificações e exigências são possíveis de
serem visualizadas no momento da contratação, por exemplo. Já que pelo que se percebe, a
Faville trabalha com um quadro de operários jovens, o se enquadrando em muitas das
supostas exigências estipuladas pelo mercado de trabalho como o grau de escolaridade, cursos
de informática ou idioma e experiência na área.
Contudo, é preciso perceber que além da analise de tais características importantes
para entender a organização do trabalho na empresa e o próprio contexto em se tratando de
emprego no setor industrial de Marechal, a necessidade maior está em desvendar quem o os
trabalhadores da Faville e quais significados que atribuem ao seu trabalho e á empresa, bem
como, qual o significado que muitas das ações da empresa tem para suas vidas e trabalho.
30
CHRISTMANN, op. cit.
77
2.3 TRAJETÓRIAS OCUPACIONAIS: O INGRESSO NA FAVILLE.
Neste item, pretende-se discutir algumas das trajetórias de trabalhadores da Faville,
visando perceber qual era o tipo de vida dessas pessoas antes de ingressarem e iniciarem suas
experiências no mundo fabril.
Neli Sontag, nascida em Santa Helena no Paraná, 34 anos
31
, conta que teve uma
infância tranqüila, até a sua mãe falecer quando tinha oito anos. Além disso, teve que se casar
cedo por vários motivos, entre eles o fato de o casamento poder ser uma “fuga” dos problemas
que tinha em casa, já que não havia uma boa relação entre ela e sua madrasta. Também não
teve uma relação legal como o seu marido. Entretanto, ela indica que a vida dela teve um
novo marco quando passou a trabalhar fora. Até então, era somente dona de casa, cuidando da
casa e dos filhos. Então, para ela, trabalhar fora significava mudar de vida, significava
independência.
É importante analisar a trajetória de Neli a partir dessas narrativas sobre sua vida,
buscando compreender melhor o significado que ela dá ao seu trabalho na Faville. O primeiro
emprego de Neli foi na Faville, sendo uma contratação repentina. Ela procurou o Sistema
Nacional de Emprego (Sine) e foi chamada para trabalhar num frigorífico de peixes. Porém
não aceitou. Então procurou a Faville: “peguei e fiz ficha na Faville de manhã, de tarde
comecei fazer curso e daí já comecei a trabalhar”
32
.
O modo como foi contratada, pode indicar que tinha vagas na empresa e que a mesma
não faz muitas exigências para efetuar contratação, uma vez que a entrevistada fez ficha e foi
contratada no mesmo dia. Assim, a forma como foi contratada quebrou uma das regras da
empresa, pois ao invés dela concluir o curso todo que seriam de três dias, como estavam
precisando de funcionários, ela realizou o curso em meio dia.
Através da fala de Neli, pode-se entender que a mesma não poderá fazer distinção
entre a Faville e outros empregos, pelo menos até o momento da entrevista, porque havia
trabalhado
33
na Faville. O trabalho na Faville inicialmente significava liberdade e
independência, poder comprar com o seu dinheiro. Na sua concepção dava-lhe chance de ela
poder sair de casa para trabalhar. Desse modo, poderia deixar de apenas trabalhar em casa
para ser trabalhadora assalariada podendo ter seu dinheiro e cuidar do seu sustento.
31
Interessante ressaltar que o primeiro emprego de Neli foi na Faville.
32
SONTAG, op. cit.
33
Entende-se que o fato de afirmar que a entrevistada não tinha trabalhão remete-se ao fato de trabalho com
carteira assinada, porque a mesma sempre realizou trabalhos domésticos tanto quando estava no sítio na casa dos
pais, quanto na sua casa depois que casou.
78
Ao falar sobre o curso que realizou antes de começar a trabalhar, Neli comenta que:
É um treinamento. Tipo regras empresa as normas. O que você deve usar
o que não deve. É o uniforme, a roupa que a gente tem que vim trabalhar.
Porque não pode vim com shortes, com saia. A capri abaixo do joelho, se
usar vestido pode usar mais tem que até no pé, blusas assim não pode ser
degotada. Mas daí e os horários, e o negócio do almoço. Como a gente tem
que respeitar os colegas e coisa assim. A maioria dás vezes é feito três dias,
mas eu fiz três dias porque estavam precisando de gente, comecei a
trabalhar.
34
A entrevistada conta que mesmo sem ter começado a trabalhar, durante a realização do
treinamento estava sendo colocados limites a sua “liberdade”. No treinamento eram
apresentadas regras e normas a seguir que, segundo a entrevistada, inserem-se no modo
pessoal da pessoa, ou seja, interfere inclusive no modo de a pessoa se vestir.
Elise conta que não houve necessidade de ter que trabalhar cedo para ajudar em casa,
pois seus pais priorizaram seus estudos e quando terminou o segundo grau, decidiu procurar
emprego. “É, eu terminei os meus estudos, que meus pais sempre deram prioridade pros
estudos. Tipo, nunca exigiram de trabalha fora pra termina os estudos. Depois que eu terminei
o segundo grau, que eu... comecei a trabalha fora”
35
.
Segundo Elise, a família não vivia em condições ruins a ponto de que ela tivesse que
trabalhar fora ainda na infância. Seu pai trabalhava na construção civil e sua mãe era dona de
casa. O seu primeiro emprego foi na brica Fidelitá, que produz lingeries. Onde ela
trabalhou quatro meses e foi demitida, mas não quis revelar o motivo. Depois disso, ela fez
ficha na Faville e foi contratada. O meu primeiro emprego foi na Fidelitá. Trabalhei quatro
meses, fui demitida, casei, depois fui trabalha na Faville. Depois de casada fui trabalha na
Faville, trabalhei quase quatro anos lá
36
.
Outro entrevistado, Marcos Rene Simon, 30 anos, nascido em Goioêre, coordenador
de massas da Faville, comenta sobre uma série de empregos até sua chegada na Faville:
Meu primeiro trabalho foi balconista. Aí depois comecei a trabalha numa
gráfica, trabalhei três anos numa gráfica. Trabalhei até noventa e oito lá. Já
tinha recebido uma proposta pra trabalha na Zadimel, mas não tinha aceito
ainda. Aque chegou um determinado momento, falei ah, vou tentar né?
Vamos o que dá. A Osana (esposa) trabalhava lá. eu entrei trabalha
lá. Eu entrei em outubro de noventa e oito, e to até hoje. Trabalhei lá
[Goioêre] cinco anos comecei deis de empacotar biscoito, até chegar onde eu
34
Idem, ibidem.
35
CHRISTMANN, op. cit.
36
Idem, ibidem.
79
cheguei. Trabalhei cinco anos [Goioêre] depois resolvemos vir para , e
estamos aí até hoje.
37
O entrevistado trabalhava e estudava durante sua adolesncia em Goioêre. Ele conta
que recebeu uma proposta para trabalhar na Faville. Marcos consti sua trajetória de forma
positiva destacando seu crescimento dentro da fábrica, uma vez que começou como
empacotador e atualmente está como coordenador de linha. O trabalho na Faville fez Marcos
mudar-se para Marechal Cândido Rondon porque, segundo ele, a cidade era maior.
Entretanto, para usufruir dessa possível melhoria de vida, Marcos foi morar em Marechal com
sua esposa, que também trabalha na Faville, mas deixou em Goioêre duas filhas, com sua
mãe.
Marcos conta que deixou suas filhas com sua mãe porque não tinha quem cuidasse
delas, pois ele e a esposa trabalham em turnos da noite. O emprego na Faville interfere nas
suas relações familiares. Tal situação é vivida por muitos trabalhadores que não tendo
possibilidades abandonam suas casas e família em busca de um emprego melhor, como pode
ser visto nas demais trajetórias pontuadas a seguir.
Como também, trajetórias de trabalhadores que tiveram seu primeiro emprego em uma
fábrica a partir do trabalho na Faville. Janete de Souza, 27 anos, trabalhava no turno da meia-
noite na Faville. Janete era auxiliar de produção na fábrica. Sempre morou em Marechal
Cândido Rondon. Sobre isso ela afirma que, “Eu sempre morei aqui, e trabalhei antes,
trabalhei de doméstica, secretária e depois entrei na Faville. E... faz seis anos que eu trabalho
lá”
38
.
Outro entrevistado, Rafael, observa que teve oportunidade de estudar. “Aproveitei ao
máximo que eu pude, mas em virtude de precisa ajuda em casa, tive que cancelar os estudos.
Não dava, tinha interesse em fazer Faculdade, não dava pra conciliar com o trabalho. É... o
curso que tinha lá era em período integral, então não dava”
39
.
Segundo Rafael, ele trabalhava desde os doze anos de idade. Sempre trabalhou e
estudou. Mas quando terminou o segundo grau, mesmo tendo desejo de cursar uma faculdade
não teve possibilidade, que o curso que queria era integral e não poderia trabalhar.
Alguma dificuldade ou outra a gente sempre passa né, por ser filho de
funcionário publico. Meus pais se separaram muito cedo. Muito cedo pra
37
SIMON, Marcos René. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 23 mar. 2006. Casado, 30 anos,
natural de Goioêre- PR, possui 2° grau completo. Coordenador de massas da empresa Faville.
38
SOUZA, Janete. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 22 mar. 2006. Casada, 27 anos, natural
de Marechal Cândido Rondon, cursando o 3º grau. Auxiliar de Embalagem da empresa Faville.
39
RAFAEL, op. cit.
80
mim, eu tinha três anos, meus irmãos ainda eram menores e não recebiam
pensão por parte do meu pai. Alguma dificuldade ou outra a gente sempre
passa né? [...] Ah, no como era trabalho informal, porque meu pai nessa
faixa de idade que eu tinha de doze anos, ele tinha se aposentado pela
Prefeitura né? Então ele estava desenvolvendo trabalho informal mesmo. A
gente buscava mercadoria no Paraguai, e eu já dava uma foa pra ele
também nisso daí. pra gente não sê manter parado e conseguir ter meu
próprio sustento. [...] eu não vendia, mais ajudava ele a trazer e saía
distribuindo na cidade também. Isso aí eu já ia tirando o meu ganho também,
pra procura ser um pouco independente nessa parte [...] È trabalhei na
editora abril tamm durante um tempo entregando revistas para eles.
Cheguei a trabalhar na Coopacol frigoficos, na Sintex, e na Faville.
40
O entrevistado comenta que com a separação dos pais, a mãe passou a sustentá-lo e
aos seus irmãos. Rafael trabalhou em vários empregos até chegar a Faville. Como começou a
trabalhar com doze anos não teve muitas opções de emprego. Começou entregando revistas.
Em seguida, trabalhou em duas fábricas. Depois disso entrou para trabalhar na Faville. Rafael
indica que o trabalho para ele tinha significado de independência financeira. Além disso,
Rafael veio de Goiôere, para trabalhar na Faville, buscando tentar uma vida melhor.
Pois é o que me levou a fazer isso, foi o seguinte, eu tava trabalhando na
Sintex e tinha saído né? Aí, fazia, eu tava recebendo um seguro lá, e
continuava eu tava com o trabalho informal, com mercadorias do
Paraguai. Aí o que aconteceu que começou a dificulta muito o trabalho lá. Aí
na cidade na época tava começando a surgir algumas oportunidades.
Entendeu? Mas, eram poucas, né? Tudo muito concorrido, então... pela falta
de oportunidade lá, eu pensei em tenta a sorti aqui, né? Tentar ser
independente, e também pra ter uma experiência de vida a mais, porque eu
nunca tinha saído de casa, meus irmãos também nunca saíram de casa, estão
todos até hoje na minha cidade. Eu pensei então vou tenta ser um pouco
diferente, vou tentar ver como que é a vida fora de casa, como que é passa
talvez por algumas dificuldades, alguns obstáculos, né? Pra tenta talvez me
fortalecer moralmente, foi mais isso daí.
41
Rafael resolveu sair de casa e mudar de cidade em busca de um emprego. Assim, o
trabalho para ele significava independência financeira, mas também familiar. Ele queria tentar
viver sozinho, tomar decisões e cuidar de sua vida, sem os pais e irmãos por perto, sem a
família. E, para ele, seria uma aventura, experimentar a vida fora de casa, longe da cidade em
que nasceu e cresceu.
O exemplo de Rafael demonstra as dificuldades enfrentadas por muitos trabalhadores
que mudam de cidade esperando melhorar de vida. Segundo Rafael, na cidade onde morava,
não tinha muitas condições de melhorar, que a vida era meio limitada. Até o segundo grau,
40
Idem, ibidem.
41
Idem, ibidem.
81
enquanto estudava, ele tinha o que fazer, mas quando alcançou a maior idade percebeu que
não tinha muitas oportunidades de emprego.
É importante ressaltar que boa parte desses trabalhadores é jovem e teve a Faville
como um dos seus primeiros empregos. Ao contrário dos pais que geralmente ficavam anos
em um mesmo emprego, os trabalhadores entrevistados aqui demonstram certa rotatividade de
trabalho, principalmente depois que saem da Faville.
Os pais migraram de cidade, ou do campo para a cidade em busca de melhores
condições de vida. Isso pode ser percebido a partir da entrevista de Osvaldo Ramos de
Quadra, 23 anos, nascido em Marechal possui segundo grau completo, e começou a trabalhar
na Faville como encaixotador, sendo que fazem três meses que não trabalha mais na fábrica.
A Faville foi seu segundo local de trabalho, entrou na Faville com 18 anos, antes trabalhava
na veterinária Formigueri, contratado pela Guarda-mirim de Marechal Candido Rondon.
Tinha eu acho que dezessete, foi na guarda-mirim ? Daí eu arrumei um
emprego na Formigueri, na veterinária Formigueri. [O que você fazia na
Formigueri] Ah, fazia cobrança, ajudava interno também, fazia tipo um
geralzão assim. Daí depois que saí da Formigueri, daí eu fui para Faville.
42
Num período de cinco anos, o entrevistado passou por três empregos. È possível
entender algumas mudanças que ocorrem no mundo do trabalho, a partir da fala do pai de
Osvaldo. Gabriel Alves de Quadra, 60 anos, nascido em Guaraniaçú, no momento da
entrevista estava fazendo supletivo para terminar a quarta rie. Ele aponta que
Eu nasci em Guaraniaçú, traba... trabalhava na roça, atrinta e cinco anos,
daí eu vim... vim pra Marechal ndido Rondon, pra trabalhar de
empregada, numa indústria de óleo, né? Aquele tempo era Sosepar, daí a
Sosepar vendeu pra Copagril, daí a Copagril vendeu para Sperafico, e eu
trabalho lá desde oitenta e um né?
43
.
Como pode ser percebida, a trajetória de trabalho do pai de Osvaldo foi diferente,
trabalhou aos 35 anos na roça, e depois veio para Marechal, trabalhar numa fábrica, sendo
que trabalha nessa mesma fábrica até hoje, desde que chegou na cidade não mudou de
emprego. Tanto Osvaldo, quanto seu pai, buscaram como oportunidades iniciais de trabalho, o
trabalho em fábrica. Mas, Osvaldo mesmo tendo trabalhado na fábrica, optou por procurar
novas áreas, não tinha interesse de trabalhar no espaço de produção. E procura estar
42
QUADRA, Osvaldo Ramos de. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon 08 out. 2008. 23 anos,
nascido em Marechal Cândido Rondon- PR, possui segundo grau completo. Trabalhou quatro anos na Faville,
saiu da empresa.
43
Idem, ibidem.
82
investindo no que gosta, fez dois cursos voltados para área de mecânica, que não teve
oportunidade de serem aproveitados na Faville. A partir do momento que surgiu outra
oportunidade, saiu da fábrica. “Sim, mas eles o deram oportunidade né? Para trabalhar na
área de manutenção ali, daí eu escolhi sair da empresa”.
Para Osvaldo o emprego na Faville no espaço da produção tinha significado
temporário. Enquanto não surgia uma oportunidade melhor de trabalho, continuava na
empresa, mas o que ele almejava era trabalhar com mecânica, ele fez cursos nessa área
pensando em trabalhar na empresa mesmo, na manutenção das máquinas, mas segundo lhe
não deram oportunidade. O que o desmotivou a continuar na empresa.
Marizete Nunes, 34 anos, casada, três filhos, trabalha na Faville como abastecedora,
ao contar sobre sua trajetória de vida, demonstra que passou por vários empregos antes de
trabalhar na Faville.
eu fui morar no Mato Grosso do Sul, né, numa fazenda. Ali eu fiquei
cinco anos nessa fazenda. [Trabalhava com o que lá]? Na verdade eu era
assim secretária, trabalhava com eles assim. Eu morava com eles porque ela
era irmã da minha madrinha, aí tipo assim eu era como da família. [você o
fazia trabalho na casa tipo de doméstica] Eu ajudava. Eu ajudava, fazia de
tudo assim né? [daí depois desse trabalho?] Aí eu vim para Rondon e fui
para Jassiara, Mato Grosso do Sul, do Norte. Aí fiquei um tempo em
Jassiara, ai eu voltei para Rondon, eu fui trabalha em SP, isso eu tinha
dezenove anos, aí eu fui para o Paulo, fiquei seis meses em SP, eu fui
trabalhar em Curitiba, trabalhei em Curitiba em torno duns seis meses, sete
meses, não lembro mais. Aí voltei para Rondon, fiquei aqui eu fiquei um ano
e meio aqui, ao fui para o Paulo, aí fiquei até... casar e vim pra cá. [Nessas
indas e vindas teve algum tipo de trabalho com carteira assinada?]
Deixa eu ver, é sim, MG eu trabalhei de carteira assinada e em SP, também.
[Sp em que votrabalhou?] Em SP eu trabalhei de vendas com jóias, de
roupas [...].
44
A entrevistada faz um relato contando que mudou para várias cidades em busca de
emprego, realizando trabalhos como: babá, empregada doméstica, vendedora ambulante, etc.
Mas a cidade onde passou boa parte de sua vida foi Marechal. Sua família mudou-se para
Marechal quando ainda era bebê, ela mudou da cidade aos quinze anos. Onde começa sua
rotina, indo e voltando, para Mato Grosso, Curitiba e São Paulo, continuando fora de
Marechal. Mas, quando engravidou e achou melhor retornar a cidade morar perto de sua mãe.
Quando chegou na cidade entrou de sócia numa pizzaria. Nesse tempo é que resolveu
procurar emprego na Faville.
44
NUNES, op. cit.
83
Então, daí eu vim morar em Rondon, daí minha tia tinha uma Pizzaria
Coroados ali em Rondon. Aí nós entramos em sociedade com ela nessa
pizzaria. Aí nós cuidava direto, final de semana, aí tava ficando muito
puxado, porque eu tinha criança pequena né? Tinha que ficar domingo lá.
eu sda sociedade, larguei tudo e fui e fiz uma ficha na Faville, aí fui
chamada. Fui chamada a primeira vez. E lá tinha horário né?
45
Ao comentar os motivos que a fizeram procurar a Faville esta a questão dos horários,
mesmo o trabalho na fábrica sendo intenso, não podendo parar a produção, ela ainda preferiu
a brica, tendo mais folgas do que no trabalho com a pizzaria. Porque que tem se tornado
normal o trabalhador não ter finais de semana, nem sábado e domingo para descansar. Ela
optou por trabalhar ate sábado de manhã, pelo menos teria o domingo de folga na brica,
diferente da pizzaria, que segundo ela não tinha nem o domingo de folga.
É importante ressaltar sobre a trajetória de Marizete que demonstrou a expressiva
rotatividade de empregos, ao contrário de sua mãe, que trabalhou 15 anos em uma
churrascaria da cidade e fazem mais de dez anos que é funcioria da Prefeitura.
Assim, pode-se perceber as mudanças no mundo do trabalho a partir da diferença entre
a trajetória de vida dos pais dos entrevistados e dos entrevistados. É importante percebe a
partir de algumas trajerias, em que os trabalhadores destacaram que moravam no campo e
vieram para a cidade em busca de emprego, sendo o primeiro emprego a Faville. Além disso,
os pais geralmente continuam morando no campo. Isso pode ser relacionado ao contexto
vivido pelos trabalhadores. Já que em Marechal ocorrem mudanças em que a experiência
fabril é recente, quando muitos dos trabalhadores moravam e trabalhavam no campo. Como
pode ser visto a partir da entrevista realizada com Mauro Zanella
Eu sou nascido em Missal, levei uns sete anos, de Missal fomos transferidos
para o Paraguai onde que a gente viveu mais treze anos e pouco né? a
minha mãe faleceu lá, depois a gente voltou pra Missal de novo, vivemos
mais assim... deixa eu ver... mais cinco anos eu fiquei em Missal ainda, daí
depois eu vim morar para cá. Mas, os meus familiares moram tudo em...
Missal. [Qual que era a profissão do teu pai?] Pedreiro. [E vocês foram
para o Paraguai trabalhar na...] Na roça. Na roça, numa propriedade
particular né? A gente vendeu em Missal, e compramos no Paraguai. Daí não
fomos muito bem lá, começou a ficar muito difícil para se manter lá, a
gente vendeu no Paraguai e voltamos a Missal de novo. [Mas sempre
trabalhando com fazenda assim?] Sempre trabalhando no mesmo ramo
né? Em roça, pedreiro... o pai sempre trabalhava com construção né,
pedreiro, carpinteiro, e nós sempre na roça.
46
45
Idem, ibidem.
46
ZANELLA, op. cit.
84
A entrevista de Mauro demonstra situação vivida por muitos trabalhadores da região
do Oeste do Paraná, em que a família inteira, geralmente pais e filhos, dependia da
propriedade rural para sobreviver. Sua família migra para o Paraguai em busca de melhores
condições de vida, investindo em propriedades, sempre “trabalhando na roça”. Alguns tentam
migrar da cidade para o campo, como Mauro fez, entretanto seus irmãos e seus pais ainda
continuam morando e trabalhando no campo.
A entrada na Faville não significou apenas uma alternativa de emprego, mas também
de vida, ele mudou-se para Marechal, saiu da vida e trabalho no campo, e veio para a cidade
ao mesmo tempo em que entrou para trabalhar numa brica. As mudanças serão perceptíveis,
tanto no modo de vida quanto de trabalho. Enquanto trabalhava no campo, trabalhava na
propriedade da família, quando passa a trabalhar na brica, de alguma forma há tentativas de
fazer com que tudo seja regulado, o tempo principalmente. Mesmo assim, o entrevistado
acaba caracterizando o trabalho fabril de forma positiva, representando segurança
É, ou ia continuar na roça de... achando assim pedreiro... pedreiro você
sabe como que é? A gente acha uma casa, constrói acaba, se tiver sorte você
pega outra, né? E se tu não tiver sorte você tem que aguarda a oportunidade
de uma pessoa vim te procurar pra... ou vai pra roça né? Tem colheita de
fumo, colheita de milho, plantio. Essas coisas assim. Mas tamm são
temporárias, né? Tipo um plantio é quarenta dias, daí já pára.
47
O entrevistado caracteriza o trabalho na roça como algo incerto, nem sempre tem
trabalho, somente nas safras, ou mesmo como carpinteiro e pedreiro. Já o trabalho na fábrica é
contínuo, a produção não pode parar. Então, mesmo que o trabalho na roça fosse mais
tranqüilo, com relação ao cumprimento do trabalho, ele não proporcionava salário, e sim
renda. O dinheiro era recebido pelo trabalho realizado, então se tinha trabalho tinha dinheiro
se não, não. Já na fábrica sempre tem salário, mas não recebe dinheiro pelo trabalho
desempenhado, o trabalho é muito cansativo, mesmo assim, o salário é certo. Sobre essa
relação entre trabalho no campo e na cidade, Mauro afirma que
eu gosto dos dois, entendeu? Eu sempre gostei. Mas na ra, aqui a gente
fala na roça tipo assim, é mais livre né, você não tem tanta responsabilidade.
Você vai mais tranqüilo assim trabalhar. E na empresa você temrias
normas assim para seguir. Então você tem que i seguindo todas elas, porque
se não as pessoas acabam te cobrando né? E na roça, você o trabalho é mais
tranqüilo, você trabalha mais pra você, as pessoas não tem cobram tanto. O
trabalho também é mais difícil e no soja as pessoas acabam... deixando mais
livre né? E na empresa não, na empresa você tem horário, o horário é mais
crítico, você tem que ta aquele horário e se tu não chegar as pessoas te
47
Idem, ibidem.
85
cobram. Se você chega com o uniforme mal arrumado eles acabam te
cobrando. De barba você não pode você tem que ir de calça, então... tipo
tudo isso é que separa a roça duma empresa, né? Mas gosto muito de
trabalhar na empresa. [Mas assim, se você ta trabalhando na terra ali,
você ta trabalhando em algo que é seu né?] Que é meu, então é mais
gostoso né? Fica mais a vontade né, então você faz mais as coisas mais a
vontade né?
48
Mauro ao narrar suas experiências com o trabalho no campo e na Faville, caracteriza o
trabalho na fábrica como carregado de normas e regras a seguir, enquanto que no campo havia
mais liberdade e tranqüilidade. De acordo com o entrevistado, a delimitação do seu trabalho é
feita por você, e para você, enquanto que na fábrica caso voo cumpra com as regras,
recebe muitas cobranças e de muitas pessoas.
Mesmo o entrevistado caracterizando o trabalho no campo como melhor, com relação
às condições de trabalho e também ao prazer de se trabalhar naquilo que é seu. Mauro esta na
Faville desde que ela se instalou na cidade, indicando que mesmo que o trabalho no campo
seja melhor, mais fácil, em questão de salário e renda, ele prefere continuar na Faville.
Ronildo Alves, nascido em Guaíra, 23 anos, também veio do campo para a cidade.
Exerce a função de embalador na Faville. Ele conta que antes de vir trabalhar na Faville
trabalhava no sítio com seu pai, e decidiu vir para cidade para melhorar de vida: “trabalhava
no sítio, né? Trabalhava no sítio até os vinte anos, daí eu vim pra cá, trabalha aqui na Faville”
49
. Mas, o fato de vir para cidade o foi pelo emprego na Faville, ele veio trabalhar para
fazer faculdade. Segundo ele, não havia muitas opções, seu pai o tinha muitas terras. Não
havia condições de continuar trabalhando na agricultura.
Além disso, Ronildo ressalta as mudanças ocorridas ao passar do trabalho no sítio para
uma fábrica. Inicialmente, foi a questão do horário. Ronildo exerce o turno da meia-noite ás
seis. O que acaba por modificar seus ritmos de vida, horários de dormir e o restante do seu
dia. Assim, ele observa que no sítio “é bem mais tranilo, você dorme cedo e acorda cedo!
Aí se vem pra cá vai te que fica acordado até meia-noite, é... muda tudo, né? [...] E lá também
não tinha regra, né? Votrabalha a hora que qué. Aqui não, votem que cumpri horário,
tem que...”
50
.
O relato de Ronildo aponta para transformação repentina que sofreu em sua vida,
trabalhava no sítio, muda-se para a cidade e vai morar com a irmã. Até já ocorrem algumas
48
Idem, ibidem.
49
ALVES, Ronildo. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 18 mar. 2006. Solteiro, 23 anos, natural
de Guairá-PR, 3º grau completo. Embalador da empresa Faville.
50
Idem, ibidem.
86
mudanças no seu modo de vida. Depois, ele deixa de exercer o trabalho no campo para
trabalhar numa brica. Essas transformações são expressivas. No campo segundo ele a vida
era mais tranqüila, além disso, a mudança que mais teve significado para ele aconteceu no
horário de trabalho, passou a trabalhar no horário que dormia. Também afirmou que não havia
regras, onde as relações eram construídas por contatos mais pessoais, familiares. Ao passar a
trabalhar na fábrica ele entra num meio em que ele tem que mudar seus horários, seus
costumes, etc.
Outro entrevistado, Marcus Vinicius Backes, 24 anos, conta que morou no campo até
os 20 anos, trabalhando como agricultor junto com seus pais.
Os meus pais eram agricultores eles moravam no interior na linha Londrina.
E eles criavam assim... vaca, produziam é milho, soja, trigo, e isso assim.
E como a gente conseguiu uns anos agora que deu uma melhorada o preço
do milho e do soja subiu daí a gente conseguiu poupar um pouco. Tanto é
que em 2004 a gente veio para cidade. A gente conseguiu poupar uma safra e
conseguimos comprar um terreno e viemos para cidade. Ah, o motivo que a
gente veio para a cidade foi porque a conia não era um bom futuro para
nós, os meus pais pensavam muito em s. Os filhos né? Eles falavam oh,
que nem eu tava no primeiro ano, e fazia história, e no terceiro eu
mudei. E... a gente criava vaca enquanto esperava crescer o milho e o soja.
Mas, o leite não dava nada, dava tipo uma cesta básica no fim do mês. E
esse ainda tinha que pagar em despesas com vacas, essas coisas, ia tudo aí.
Assim daí não era viável. Daí meu iro também faz o segundo ano de
Geografia, daí nós dois já éramos acadêmicos daí preferimos morar na
cidade ficava mais perto de ônibus para de deslocar a Marechal. E eles
preferiam que a gente... e a gente tamm supôs que a gente estava meio
afastado, o sítio dava quatro quilômetros da cidade de Entre Rios. È ficava
perto da rodovia, mas não pode ta sempre. Mas, daí a gente decidiu vim para
cidade
51
.
Na perspectiva de Marcus, não compensava trabalhar no campo, tinha-se pouco lucro,
enquanto havia muito trabalho e muita despesa.
Essa narrativa aponta para realidade vivida ainda em Marechal Cândido Rondon. No
inicio da pesquisa foi pautado as transformões ocorridas com a instalação de indústrias na
cidade, quando muitos trabalhadores deixam de viver no campo vindo para as cidades para
trabalhar em indústrias. A realidade de Marcus não foi diferente, mesmo assim, o período
ainda é recente. Há quatro anos atrás ele ainda morava e trabalhava no campo.
Além disso, ao comentar sobre a trajetória de trabalho dos seus pais, Marcus afirmou
que o pai sempre foi agricultor e a mãe trabalhava como professora, no período da década de
51
BACKES, op.cit.
87
1980, quando deixa dessa profissão para ser agricultora, porque segundo ele, esse era um
período bom para quem trabalhava no campo.
Até os vinte anos trabalhava no interior. Por um lado eu estudei mais,
depende tamm casa situação cada família que dava mais valor aos estudos.
Minha mãe era professora, minha mãe chegou a ser professora do primário.
Isso na década de 1980. Antes de se casar, eles se casaram em oitenta e um,
daí ela deixou de ser professora. Na época um professor não tirava muito
diferente de ser agricultor. O período era propício para o colono, tanto é que
a minha mãe deixou de ser professora pra trabalhar na roça.
52
A partir da narrativa de Marcus, percebe-se a diferença e transformações na vida e
trabalho desses trabalhadores, que moravam no campo. Quando o entrevistado comenta sobre
sua vida, afirma que o dá mais para viver e trabalhar no campo, para o sustento não se tem
alternativas, tem dado mais prejuízo do que lucro. Tanto que ele deixou de trabalhar no campo
e tentou melhorar sua vida cursando Universidade voltando-se para a área da educação. Ao
contrário de sua mãe, que na década de 1980, deixou de ter uma vida ligada a profissão de
professor para se dedicar a agricultura.
Assim, a partir do conjunto das narrativas apresentadas e discutidas, foi possível
perceber algumas das experiências vivenciadas por esses trabalhadores. Acerca das funções
que desempenhavam antes de entrar na fábrica é possível admitir que teve semelhanças nas
narrativas. Com relação a isso, muitos apresentaram exercer trabalhos com funções piores das
que executam na fábrica isso se com relação as possibilidades de crescimento, seguridade,
amparo legal, etc. Isso fez com que a maioria visse na empresa uma oportunidade de emprego
mesmo que temporio. Podendo-se dizer que há certa diversidade de perspectiva, para os que
terminaram o segundo grau, a Faville como uma oportunidade de emprego e para os que vêm
para Marechal não para trabalhar, mas, para estudar também. A Faville aparece então,
como uma forma de se manter/sustentar enquanto estudam.
Ainda dentro das questões presentes nas narrativas, foi possível perceber que o
trabalho significava em sua maioria independência ou sustento próprio. Quando entram na
fábrica geralmente ainda não constituem família, o salário seria para apenas o seu sustento.
São trabalhadores jovens, geralmente solteiros e sem filhos. Alguns vêem na fábrica um
primeiro emprego quando terminam o segundo grau. Outros vêem na empresa uma forma
segura de trabalho, diferentes dos demais empregos que possuíam em que não tinham uma
renda segura, todo mês, como o trabalho no campo. se remete também ao trabalho com
carteira assinada, que possibilita uma segurança maior e um amparo legal.
52
Idem, ibidem.
88
Dos 14 entrevistados 5 nasceram em Marechal. O restante nasceu em cidades vizinhas
ou na região do Oeste do Paraná. O que demonstra que a maioria deixou família e cidade de
origem em busca de emprego em Marechal.
De modo geral, o capítulo traz algumas discussões que apresentam as formas com que
o trabalhador passa a fazer parte da brica, dando ênfase a trajetória ocupacional dos
trabalhadores. Do mesmo modo, pode-se entender que algumas mudanças ocorridas no
mundo do trabalho atingiram os trabalhadores de Marechal ndido Rondon. Ao verificar de
alguma forma os trabalhadores justificam seu trabalho na empresa, pelo baixo índice de
qualificação. Tanto com relação a escolaridade quanto ao profissional, tendo a fábrica como o
único lugar que contrataria pessoas com esse perfil.
O que permite entender melhor como ocorre às relações e organizações de trabalho na
Faville vivenciadas pelos trabalhadores. Por isso, é importante ressaltar a forma como os
trabalhadores percebem e vivenciam o seu trabalho na empresa, como será tratado nos
capítulos seguintes.
II PARTE:
RELAÇÕES DE TRABALHO NA FAVILLE
CAPÍTULO 3
RELAÇÕES DE TRABALHO NA FAVILLE: A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO DA
HEGEMONIA FABRIL
3.1 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Neste capítulo busco problematizar e discutir a forma como os trabalhadores percebem
o seu trabalho na empresa; além de visualizar o modo como a empresa tenta organi-lo, isto
é, algumas das estratégias da fábrica voltadas para tentativas de disciplinarização dos
operários. Do mesmo modo, procuro entender como os trabalhadores por vezes reagem ou
consentem a estas estratégias. Pois, estende-se o espo da produção como um chão
conflituoso, de embate e luta de classes. As práticas da empresa não são vistas como um
sistema fechado e imposto para o trabalhador, pois, este vive e disputa com o patrão sentidos
sobre o seu trabalho a partir de sua própria realidade concreta
53
.
Atualmente, a Faville possui um quadro de aproximadamente oitocentos e cinqüenta
trabalhadores divididos em 50 setores. Os principais são: administrativo – composto de
conselho deliberativo, direção geral e gerência administrativa; recursos humanos compete o
recrutamento, treinamento de trabalhadores e segurança do trabalho; produção processo de
produção, manutenção e almoxarifado; comercial distribuição, compras, vendas e
faturamento dos produtos; e financeiro – organiza a contabilidade da empresa.
54
É possível visualizar, através do quadro funcional (Quadro 1), a forma como os
trabalhadores estão divididos na empresa:
53
Devo esta idéia a Michel Burawoy (1990).
54
É importante ressaltar que neste mesmo conjunto de funções tem uma porcentagem de trabalhadores
contratados e sub-contratados. Em geral, a fábrica adquire serviços terceirizados de limpeza e de transportes.
91
Quadro 1: Quadro funcional da Faville (2004)
Número de
funcionários
Função
1
1
1
2
21
2
2
1
2
9
5
322
72
26
7
8
2
4
36
7
1
1
6
4
1
Gerente administrativo
Gerente de RH
Gerente de vendas
Gerente de produção
Assistente Administrativo
Motorista
Recepcionista
Técnico em segurança do trabalho
Supervisor de Controle Patrimonial
Zelador
Serviço de Manutenção e Conserva
Embalador
Operador de Máquinas
Masseiro
Forneiro
Supervisor de Produção
Operador de Caldeira
Almoxarife
Carregador Geral
Conferente de carga
Técnico em Alimentação
Mestre de Obras
Mecânico de Manutenção Industrial
Técnico em eletromecânica
Eletricista
543
Total
Fonte: Estágio Supervisionado em Administração de Recursos Humanos
Organização: PINTO, Ozéias, Hahn, SHONE, Raul Sérgio. Estágio
Supervisionado Faville, Unioeste, 2004.
O quadro traz informações colhidas pelos autores Ozéias Hahn Pinto e Raul Sérgio
Shone no ano de 2004 na Faville. Nesse período a empresa possuía aproximadamente 540
funcionários, sendo que 439 trabalhavam no setor de produção, 25 no setor administrativo e
79 ocupavam-se de outras atividades. Assim, deve ser levado em conta que possivelmente
ocorreram mudanças nesse quadro. Atualmente, segundo informações da empresa, o quadro
de funcionários conta em média com mais de 800 trabalhadores.
Em geral, o espaço de funções da fábrica acaba por agrupar um número maior de
pessoas no setor de embalagem, onde se têm as abastecedoras e embaladoras da produção.
Neste setor é que geralmente são colocados os recém contratados.
92
O setor que detém o maior número de trabalhadores é o setor de abastecimento, que
geralmente tem mais mulheres
55
do que homens abastecendo. Os trabalhadores e/ou
trabalhadoras, são colocados lado a lado. Eles afirmam que o processo de trabalho traz
dependência entre eles. Um depende do trabalho do outro. Se o da frente atrasar vai atrapalhar
aquele que vem depois e, assim, sucessivamente. Não há nenhuma diferença entre este
sistema e à esteira fordista – responsável pela atividade padronizada.
Mesmo sendo um trabalho repetitivo e desgastante, apesar de ficarem em pé por horas
e contorcerem-se para seguir o ritmo da máquina. Em geral, ao comentarem sobre o que
fazem na Faville, os trabalhadores caracterizam como sendo fácil. Também, por meio da
forma como descreviam o processo de trabalho percebeu-se o quanto eles tinham
conhecimento acerca deste, mesmo que tivesse efetuado apenas uma função, ou uma parcela
do mesmo.
Além de um modelo padronizado de produção, a fábrica investe em um controle rígido
dos trabalhadores, ou disciplinarização. O trabalhador é organizado segundo os espos da
fábrica. Desde a sua entrada ele já tem que seguir uma faixa amarela que inicia na entrada da
fábrica até o espaço de produção, não podendo caminhar fora dela. O que demonstra
tentativas de controle e disciplinarização rígidos por parte da gestão da empresa. Algumas
tarefas são realizadas diariamente, isso pode ser visto no cotidiano de trabalho, quando Neli
conta que
Você chega na empresa daí vai no banheiro. Cada um tem seu armário e na
chave consta o nome no cadeado, tudo certinho. A gente tem que levar
uniforme, eles dão uniforme pra nós, a empresa fornece a calça comprida
branca, camisa pólo branca, toca e scara. Tem que usar nis, não pode ser
calçado aberto, daí a gente se troca, espera o horário, tem quinze minutos de
ginástica laboral pra trabalhar [então você tem que estar antes da sua
entrada na empresa para fazer tudo isso?] É, antes, pra se aprontar. Daí
arruma o cabelo, tem que colocar o protetor de ouvido também. Aí as meninas
arrumam o cabelo, daí depende o turno também, toma café, um pãozinho com
manteiga, né?
56
Neli descreve sua rotina diária de trabalho, aquilo que precisa fazer antes de entrar na
produção; como ela diz, pra se aprontar” para o trabalho. A rotina do trabalho começa
mesmo antes de se trabalhar, quando veste o uniforme, os objetos de proteção, etc. Em
55
A partir do quadro funcional da Faville pode ser visualizado que o setor de embaladeiras, com 322
trabalhadores, são todas mulheres.
56
SONTAG, op. cit.
93
seguida, vão para o túnel
57
, espaço onde realizam a ginástica-laboral com duração de 15
minutos. depois disso é que batem o cartão. importante ressaltar que a ginástica-laboral é
obrigatória, segundo os trabalhadores quem não participa da ginástica não recebe cesta
básica
58
.
É importante observar que todo o tempo que os trabalhadores “passam” na indústria
sem bater o cartão, ou seja, sem ser registrado como tempo de trabalho, já foi motivo de
reclamação de trabalhadores. Quando realizei a pesquisa com processos trabalhistas dos
trabalhadores das instrias alimentícias instaurados na Vara do Trabalho de Marechal
Candido Rondon, uma das questões presentes nos processos dizia respeito à questão do tempo
em que os trabalhadores estavam na indústria sem receber. Na Faville, por exemplo, os
trabalhadores devem chegar pelo menos quinze minutos antes de começar a trabalhar, para
trocar de roupa e participar da ginástica.
É válido ressaltar que muitos dos trabalhadores entrevistados disseram que foram
admitidos na fábrica em cargos “mais baixos”, em geral na função de auxiliar de produção.
Quando mudaram de função permaneceram no setor produtivo, praticamente não registrei
mobilidade funcional deste setor para o setor administrativo e vive-versa, dos quinze
trabalhadores entrevistados, apenas Jaqueline começou trabalhando na produção e passou para
o setor administrativo.
Jaqueline começou a trabalhar na empresa na produção de biscoitos, mas foi chamada
para participar de um teste voltado para trabalhadoras visando o setor administrativo. Ao
passar no teste, a trabalhadora passou a trabalhar no setor administrativo da fábrica, mas por
alguns motivos dos quais ela não comentou direito, ela voltou a trabalhar na produção. Essa
ida e volta para Jaqueline foi significativa, pois daí em diante passou a ver o espaço de
produção de outra forma, como afirma Jaqueline, para quem trabalha somente na produção,
[...] eles não mostram o preto no branco como as coisas funcionam fora da
linha de produção. Eu acho importante os funcionários saberem disso.
Porque os trabalhadores da produção não tem essa idéia. [era colocado
para você não colocar isso para os trabalhadores?] Entre aspas assim, se
vazasse alguma coisa lá... Então eu chegava para o supervisor e eu jogava
isso para ele. Eu falava assim: pega o teu salário multiplica por tanto. Um
dia eu cheguei pra ele e falei: oh, nós estamos ganhando 1,75 por hora.
Você sabe o que é 1,75 por hora? Ele não sabia fez a conta ali na hora. De
certa forma eu percebi que ele estava no mesmo nível que eu. Também era
57
O nel é o espaço onde os trabalhadores são reunidos, antes de começarem a trabalhar para realizarem a
ginástica-laboral, ou onde são feitas reuniões, para passarem metas, normas, etc.
58
Mas, antes de entrarem no espaço de produção, os trabalhadores devem lavar bem as mãos, com detergente e
álcool.
94
assim, podemos dizer manipulado né? Eu também ás vezes não sabia de
certa coisa então a gente não deve julgar ele. Eu falei assim: 1,75 eu não
tomo um sorvete no final de semana. Faz uma hora que eu to trabalhando
aqui a máquina mais rápida mandava na época 52 pacotes por minuto, esse
um pacote é vendido por um real. Qual é o lucro dessa empresa? Eu estou
pagando um e pouquinho mais do que um pacote pra mim por hora? Para
ele eu falei assim. Daí ele falou assim: É Jaqueline você tem que ver que
você tem garantia, carteira assinada”. Eu falei isso é garantia pra mim de
alguma coisa? Qual que é o lucro que a empresa está ganhando em cima do
meu trabalho? Aí começou a gerar conflitos né, eu saí da empresa depois
porque eu arranjei outro emprego né? Eu tenho certeza que se eu tivesse
continuado lá eu tinha ganhado a conta, ta entendendo? Acabei saindo
antes disso [...].
59
A narrativa de Jaqueline traz elementos significativos para a discussão construída aqui.
A trabalhadora destaca a diferença entre o trabalho no setor da produção e no administrativo.
Na sua concepção, o trabalhador do setor da produção mesmo tendo consciência de sua
exploração não a tem como é fortemente visualizada para os trabalhadores do setor
administrativo. Pois estes em geral lidam com os lucros, dados e valores econômicos. Mesmo
que o trabalhador do setor produtivo tenha noção da exploração que sofre em seu trabalho,
não é tão brutal quando percebe o seu trabalho distribuído em números. Como descreveu
Jaqueline, ao fazer uma comparação de quanto a empresa lucrava em cima do seu trabalho e
porcentagem de que ela recebia.
A partir da sua trajetória na fábrica é que Jaqueline afirma a questão da exploração
sobre os trabalhadores. A entrevistada iniciou trabalhando no setor de produção, passou para o
setor administrativo e voltou para a produção. Sendo que, a narrativa acima, remete ao
período em que retorna para a produção, tendo trabalhado no setor administrativo, quando
pode verificar uma série de situações que aconteciam na fábrica que segundo ela não tinha
acesso enquanto trabalhava na produção. O que fez com que passasse a questionar a sua
situação de trabalho. Assim, calculando quanto a empresa ganhava em cima do seu trabalho,
ou com trabalho que não era pago. Ela explica a desvalorização do seu trabalho, enquanto
pegava 52 pacotes por minutos, ganhava praticamente um pacote por hora trabalhada.
Podendo expressar o fato de que o trabalhador não fica com o fruto do seu trabalho,
trabalhando não para si, mas, para “outro”.
Também pode-se visualizar a partir da narrativa acima como ocorrem as relações de
trabalho na empresa; quando o supervisor tentou convencê-la de que mesmo o seu trabalho
não sendo valorizado como ela gostaria, significava um emprego com garantia, pois tinha
59
JAQUELINE, op. cit.
95
carteira assinada. A partir do momento que o trabalhador passa a questionar o seu serviço na
empresa ele ou é ameaçado de desemprego ou é demitido. Demonstrando que existe uma
fragmentação na empresa em relação a mudanças no sentido de autonomia para o trabalhador,
participação, liberdade para dar sugestões, ou ampliação do conhecimento acerca do processo
de produção.
Entretanto, mesmo Jaqueline tendo percebido e questionado a exploração sobre o
trabalho fabril, ao sair da Faville foi trabalhar em uma fábrica de lingeries “Fidelitá”
60
.
Segundo ela, a sua experiência de trabalho foi somente em fábricas e ao pensar sobre o modo
de trabalho realizado, afirmou que trabalhar em fábrica “só muda o produto”, pois o trabalho é
o mesmo. De acordo com Jaqueline, principal questão, é na de dependência do trabalho, do
trabalho do outro, tanto do que está atrás quanto do que está na frente na linha de produção.
Mesmo que a trabalhadora afirme que o modo de trabalhar não muda muito de uma brica
para outra é preciso levar em conta que mesmo sendo trabalho fabril, cada fábrica tem o seu
tipo de trabalho, a sua organização, enfim, uma série de especificidades que tornam o trabalho
diferente. Além do que, trabalhar na produção de biscoitos e na produção e lingeries por si só,
já trazem diferenças.
De maneira semelhante, ao procurar entender o modo como os entrevistados percebem
seu trabalho na empresa, Janete de Souza que trabalhava como auxiliar de embalagem na
Faville, e descreve assim sua função na fábrica:
Porque tem... você trabalha na máquina, você abastece a máquina, você pega
o biscoito na mão com pacotinho e você coloca na máquina. A máquina roda
cinqüenta e quatro pacotinhos por minuto, você abastece essa máquina em
duas meninas, tem o operador, que opera a máquina. Eno, a noite a
gente faz um revezamento, de hora em hora, nessa máquina e no pacote da
máquina. No pacote você pega um pacotinho fechadinho, já coloca na caixa
vinte pacotinhos e daí você fecha a caixa e desce na seladora. Ddepois da
seladora tem outro menino que opera a seladora. E tem outra máquina, o
lanchinho que a gente chama de lanchinho, você pega as embalagens
pequenininhas que você encontra na... mais nas escolas, né, que vende
aqueles pequenininhos, né? Então, aqueles que a gente pega embala na
máquina do lanchinho, né? Então a gente tem uma dificuldade bem maior
que abastece três calhas em duas meninas. E depois a gente tem uma hora
que... que tu fica no meio da mesa, eno a gente faz um revezamento a
noite, é pra não cansa muito o braço, pra não ficar repetitivo. Então a noite
tem um revezamento maior que o de dia [...].
61
60
A trajetória de Jaqueline corresponde aos fatos que marcam a rotatividade de emprego em Marechal, quando
muitos trabalhadores saem de uma fábrica e entram em outra.
61
SOUZA, op. cit.
96
Janete identificou-se como auxiliar de embalagem, mas ao descrever a função que
executa na fábrica percebe-se que ela tem duas funções: tanto de embaladora, quanto de
abastecedora de máquinas. De acordo com ela, inicialmente abastece as máquinas e depois
acontece um revezamento: as “meninas” que estavam embalando vão para o abastecimento e
vice-versa. O revezamento favorece em alguma medida os trabalhadores porque burla o
excesso trabalho repetitivo, quando fixação em uma atividade exclusiva. Ao invés de os
trabalhadores permanecerem por horas em uma mesma função, eles se revezam, trocando de
lugares. É importante entender que essa ação descrita pela trabalhadora como revezamento de
funções foi instituída na fábrica por decisão dos próprios trabalhadores. Janete explicou que
alguns começaram a se revezar quando percebem que poderiam diminuir a “dor” e o cansaço
caso trocassem de máquinas e de posição. Tal fator foi passado à organização da fábrica, para
que o revezamento fosse integral, de/entre todos os trabalhadores. Portanto, à luz dessa
percepção, não podemos afirmar que o revezamento de funções resume-se apenas a uma
reorganização do trabalho de tipo flexível, geralmente chamada pela sociologia do trabalho de
“polivalente” (ANTUNES, 1999).
Janete explicou que esse processo é realizado com os trabalhadores que do turno da
madrugada, (da meia-noite às 6 da manhã), que segundo ela, são selecionados pela fábrica por
terem mais experiência. Este critério deve-se ao fato de que na hora do revezamento tem que
conhecer todas as atividades. Não tempo de aprender, por isso é preciso conhecer cada
função para não parar a produção. Assim, o revezamento acaba por facilitar algumas situações
de trabalho para os trabalhadores e para a fábrica também. Ao invés de a fábrica cobrar e
tentar impor que os trabalhadores obtivessem conhecimento não acerca de sua função, mas
de certa forma do quadro funcional da fábrica, os próprios trabalhadores decidiram obter isso
em benefício próprio. Isto posto, podemos afirmar que nem toda regra da produção parte da
fábrica, mas é, antes de tudo, um embate entre classes.
Essa questão pontuada nos leva a pensar a fábrica também como resultado de relações
sociais dinâmicas, em que as coisas não estão dadas, e que a chamada organização do capital
não subordina direta e automaticamente os trabalhadores. De acordo com o fato analisado,
tentou-se instalar um dos mecanismos da chamada “reestruturação produtiva”, definido como
“multifunção”, que é indicada e percebida por muitas análises sobre a organização do
trabalho, como algo que parte do capital. Entretanto, a multifunção caracterizada pelo
trabalhador foi adotada como uma forma de melhorar suas condições de trabalho, evitar a
rotina, o estresse, o tédio e diminuir o cansaço causado pela repetição das tarefas.
97
O patrão, ao permitir o revezamento entre os trabalhadores, aproveitou-se porque pôde
utilizar-se desse quadro para extrair mais ainda a mais-valia do trabalhador, fazendo-o
trabalhar para além do que é necessário à medida que o trabalhador passou a “cobrir” a função
de outros trabalhadores na empresa.
Por outro lado, o próprio trabalhador exige certa qualificação dos demais por não
querer que o revezamento pare. Se houver a entrada de outro operário nesse turno, ele deve
ser experiente para poder continuar o revezamento. Dentro disso, é importante destacar que o
fato de o revezamento ocorrer somente no turno da noite, denota certo desgaste sico maior
em outros turnos. Segundo os trabalhadores, a maior rotatividade entre eles ocorre nos turnos
diurnos, que pode estar ligado também com o fato de não haver revezamento, ao mesmo
tempo em que a rotatividade atrapalharia a troca de funções, porque teriam que ter maior
conhecimento sobre elas. Além disso, aqueles que fazem o turno da noite podem pensar que
se trabalha menos, pois o turno é menor e recebe mais devido ao adicional noturno.
Portanto, tal revezamento acaba por beneficiar também a organização da fábrica, pois
ao invés de ter que ficar vigiando o trabalhador para que ele esteja atento a sua função num
horário em que ele deveria estar dormindo, evitando o sono. O revezamento entre funções faz
com que fiscalizem a si mesmos e não se entreguem ao cansaço. Isso pode ser percebido na
fala de Neli Sontag, que também trabalha no abastecimento à noite:
Eu fico no abastecimento, tenho que abastecer para embalar. Daí tem a
máquina, que corta os tabletes., vem um tablete grandão, uns trinta
cenmetros por cinqüenta. Daí ela vai, eu fico uma hora lá. Dali uma hora,
eu fico no abastecimento e uma no pacote, fazer a caixa e coloca os pacotes
dentro da caixa. Daí eu fico duas horas em cada quina. E na seqüência
você vai então na que corta, na que empacota e no abastecimento. Mais, lá
você abastece uma hora pro lado de fora, a noite, que de dia é oito hora,
quatro horas num lado da máquina e quatro horas no outro. É bem mais
ruim, bem mais complicado, você fica quatro horas num lado máquina
abastecendo. Até eu tive problema nos dedos, nas costas assim que inflama.
Por isso é ruim de dia, porque fica fazendo o mesmo movimento. Até um dia
nós fizemos um cálculo, que de oito horas trabalhadas, nós fizemos o
cálculo, dá onze mil e quinhentas vezes nós fizemos o mesmo gesto, com
oito horas trabalhadas. Daí é muito complicado sempre o mesmo gesto. E a
noite não. E a noite você trabalha pro lado de dentro e pro lado de fora, você
faz o lado direito e o esquerdo e fica uma hora parada, daí passa mais ligeiro,
um pouco mais fácil. É bem mais fácil assim.
62
Segundo Neli, o revezamento ocorre durante o turno da noite. Em geral, ao descrever
sobre o ritmo de trabalho na brica, faz uma crítica ao mesmo admitindo que durante o dia o
62
SONTAG, op. cit.
98
trabalho torna-se árduo por conta de ser muito repetitivo, já que as abastecedoras não fazem a
troca de máquinas, ficando numa mesma posição por horas. Além disso, ela indicou uma
preocupação dos trabalhadores com essa atividade repetitiva, havendo uma organização
coletiva, quando eles mesmos resolveram contar o número de vezes que realizavam a mesma
tarefa a fim de demonstrar e comprovar o quanto era esforçado. De acordo com ela, além de
prejudicar a saúde, o tempo de trabalho acaba sendo mais longo. Isso permite entender que
eles estão tentando demonstrar para a organização da empresa que não são uma quina.”
Pois, não conseguem seguir o ritmo, repetir os movimentos, porque ao contrário de uma
máquina, eles pensam, sentem, reagem e experimentam seu trabalho de formas diferentes.
também, uma análise sobre a agilidade que se tem na sua função, tanto em relação
ao número de biscoitos que tem que ser colocados nas calhas
63
, quanto ao número de pacotes
que devem ser colocados nas caixas. Assim, sobre a agilidade necessária para o abastecimento
das máquinas, Rafael observa que:
Minha função? Ah, eu acho tranqüila em termos assim, eu me incomodava
pouco, com cobrança de supervisor, é... uma coisa que eu tinha pego
habilidade desempenhava, controlava bem, né? Sabia desempenha bem.
que às vezes tipo assim, na parte de... dos produtos que vêm pra você no
caso, é...é... paletizar no caso. É tipo paletização, né? Você monta e daí faz
separação de produto. As vezes é... vem muito produto na mesma hora
entendeu? E falta um pouco de compreensão dos supervisores, e dos
gerentes também nessa parte aí.
64
Rafael destaca que as cobranças feitas pelos supervisores é sua principal preocupação
ao realizar suas atividades. Ele explica que o trabalho é tranqüilo desde que se consiga
administrar a cobrança dos supervisores. Inclusive critica o ritmo da produção. A esteira dita a
velocidade na qual os produtos são enviados. O trabalhador precisa pegá-los porque a
organização da fábrica não quer saber de atrasos na produção.
Portanto, é preciso que o operário tenha energia para executar com rapidez e precisão
suas funções, além das que puderem surgir eventualmente. O trabalhador deve ser ágil e,
quanto mais jovem for, terá mais agilidade e rapidez para realizar as suas funções e contribuir
para com o funcionamento da fábrica. Portanto, é importante perceber que dos 23
trabalhadores entrevistados, 16 tem idade entre 20 e 30 anos, ou seja, pertencem ao grupo de
pessoas jovens. Tal agilidade nas funções pode ser visualizada na descrição feita pela empresa
63
As calhas seriam os suportes que seguram os biscoitos para levar para máquinas, podem ter muitos formatos,
mas, em geral parecem uma esteira, onde se coloca o biscoito e vai para as quinas.
64
RAFAEL, op. cit.
99
sobre a função de abastecedor de máquina na seguinte menção presente na Ordem de serviço
do abastecedor de máquinas:
Abastecedor de máquina: respeitar sempre operadores de quinas.
Abastecer as quinas com rapidez e agilidade, cuidando sempre dos
biscoitos com defeitos. Manter em média de 25 a 28 pacotes por minuto,
abastecidos. Abastecer corretamente as máquinas para dar condições de o
operador desempenhar suas funções. Pegar os biscoitos da sua carreira, não
desorganizando as carreiras ao lado. Manter o setor limpo e organizado. Não
deixar cair biscoitos no chão, todas as abastecedoras serão responsáveis pela
limpeza do setor. Entregar o setor limpo e organizado na troca de turno.
65
Como se vê, determina-se o número de pacotes a serem abastecidos por minutos.
Além disso, esse item permite visualizar a forma como a empresa tenta instalar um ritmo
ligado a reestruturação produtiva, “definindo um perfil “flexívelpara o trabalhador. Desse
modo, de acordo com o trabalho previsto, os trabalhadores devem obter a máxima produção,
evitando prejuízos e mantendo o setor limpo. Ou seja, exercem a sua função e também a de
limpeza do setor.
Nesse sentido, quando discutimos a questão das múltiplas funções é importante
analisar a função da psiloga dentro da fábrica. Que tem entre suas responsabilidades
orientar os trabalhadores não somente com relação ao trabalho, mas no que se refere a esfera
pessoal. Como pode ser visto na descrição a seguir feita pela fábrica com relação ao trabalho
da psicóloga:
Psicóloga: realizar levantamento de necessidades, planejar e executar
treinamentos, com palestras e cursos com o objetivo de aculturar e qualificar
colaboradores. Acompanhar o processo de produção e desempenho,
orientando, acompanhando o comportamento de acordo com as normas e
procedimentos. Organizar festas, feiras, homenagens da empresa. Prestar
orientações e atendimento aos colaboradores visando auxiliar os mesmos a
solucionarem problemas pessoais e conflitos de trabalho. Acompanhar o
período de experiência dos colaboradores novatos, auxiliando no
treinamento e adaptação dos mesmos à execução do serviço de acordo com
os pametros de trabalho. Participar de reuniões de produção e outras,
analisando, discutindo e sugerindo melhorias na execução do trabalho.
Acompanhar o trabalho de limpeza terceirizado na empresa, orientando e
supervisionando a execução do mesmo. Estar em contato com os Gerentes e
Supervisores de linha para orientar e analisar problemas de relacionamento
interpessoal de comportamento (SEIBERT, 2004, p. 38).
65
Ordem de serviço (os). Por atividade segurança do trabalho. Abastecedor de máquina/ setor embaladeira.
100
A partir da descrição feita pela gestão organizacional da Faville e a função da
psicóloga, é possível perceber que se tenta criar mais facilmente um elo da empresa com o
trabalhador, pelo fato de que essa é vista como uma profissional que tem por meta ajudar e
contribuir para que as pessoas alcancem certo “bem-estar”. Em geral, a descrição dessa
função enfatiza a tentativa de convencimento do trabalhador pela fábrica, demonstrando o
quanto ele é importante para a empresa. Do ponto de vista da organização do trabalho
realizada na fábrica, a psicóloga tem o papel de ajudar o trabalhador, de ensinar-lhe a viver
melhor, a ser mais feliz. Utilizando a figura da psicóloga para “ajudar” o trabalhador, tenta-se
estabelecer uma proximidade maior entre este e a empresa.
A gestão da brica quer convencer o funcionário do quanto ele é importante, já que a
empresa busca fazer-se presente na vida dele, acompanhando-o dentro e fora da fábrica.
Como pode ser visto na fala de Neli Sontag, nascida em Santa Helena Paraná, 34 anos, que
trabalhava como embaladora na Faville em Rondon:
[...] que nem a cesta básica é com ela. Ela entrega para as pessoas. Conversa,
vê se tem problemas. Que nem no meu caso, ela conversa, aconselha. O que
foi? Quando a gente ta doente também ela vem fazer visitas nas casas, né?
Vê, conversa com a pessoa, se ela está doente. Por exemplo, teve uma
menina que ficou bastante doente, ela fez é a cirurgia de pedra na vesícula e
deu infecção hospitalar, ela ficou eu acho que sete meses fora. Tem também
as cestas básicas que sobram. Daí é sorteado entre as pessoas que estavam
presentes no trabalho. Muitas vezes o chefe conversava: O que vocês
acham de nós darmos essas cestas, não sorteia elas pra ninguém?” É pra
uma pessoa que ta doente. Daí a assistente social leva essa cesta básica pra
pessoa doente.
66
A partir da fala de Neli pode-se verificar que a psicóloga trabalha observando o
trabalhador tanto dentro como fora do espaço de trabalho. Com isso fica visível o discurso
ideológico da fábrica, na “preocupaçãocom o trabalhador, entendendo que o elo do patrão
estende-se também para a casa do mesmo. O patrão tenta demonstrar que a casa é um espo
importante para a fábrica, pois ela valoriza o trabalhador; preocupa-se com a família, com o
modo como ele vive. Essa é uma das estratégias que a Faville utiliza para disciplinar
construindo um paralelo entre a fábrica e a casa do funcionário.
É importante discutir a forma como os trabalhadores percebem o processo de trabalho
na fábrica, pois, alguns descrevem o processo como dependente, trabalho em equipe, em que
todos estão interligados. Então se um trabalhador não desempenha seu papel direito”, faz
com que dificulte todo o trabalho dele e dos demais. Inicialmente, pode-se problematizar até
66
SONTAG, op. cit.
101
que ponto esta dependência” é uma expressão da organização taylorista do trabalho ou até
que ponto ela se orienta de fato por algum tipo de “nova” gestão do trabalho conforme
bastante divulgado por trabalhos da sociologia do trabalho. (ANTUNES 1999).
Acerca disso, Osvaldo comenta sobre o seu trabalho:
Ah, encaixotador você não trabalha sozinho, você trabalha com mais pessoas
né? Daí assim se você faz o teu serviço e eles não fazem, na verdade você se
ferra sozinho, porque eles vão estar lá zoando e você vai estar trabalhando.
O salário é a mesma coisa ? [...].
67
Então, para Osvaldo o trabalho como encaixotador tinha características negativas por
ter essa dependência com o trabalho dos demais colegas. Se os “outros” ficavam parados ele
acabava tendo que realizar o seu trabalho e o dos demais para conseguir fechar a produção
(“você se ferra sozinho”). De acordo com o empregado o trabalho em equipe tem suas
dificuldades, entre elas: o fato de que nem todos trabalham do mesmo jeito, mas o salário é
igual, pois recebem por equipe e não individualmente.
68
Isso faz com que aumente a cobrança
sobre o trabalhador, uma vez que, ele é cobrado pela organização da fábrica, e também pelos
demais colegas.
Assim como Osvaldo afirmou que o processo de produção é dependente, Marizete
também esclarece que a sua fuão está associado aos outros colegas.
Com certeza, um precisa do outro. Porque se o forneiro atrás manda uma
placa ruim, a menina do corte já não vai da conta, a embaladeira vai parar
aí... E se a operadora não opera direito a embaladeira [inaudível] é um
trabalho bem... é uma linha de produção. O trabalho começa ats, se
atrás mandou bem, com certeza na frente vai chegar bem também. [Mas
aconteceu de trabalhador cobra trabalhador, de culpa assim ah, não
estamos produzindo?] Produção ás vezes ah, o fulano poderia melhorar as
placas, ou tipo assim se o forneiro o cuida direito da guelhadeira e vai
perder lá na frente a produção, isso acontece. Acontece muito. E por isso que
o trabalho, a produção depende de cada um, não é eu que faço a
produção, não é o forneiro, é todos. Se a menina tamm não abastece
direito, tranca a embaladeira, se a menina não cuidou o corte, vai estraga o
corte vai perder placa. Isso acontece, então... tem que ser uma equipe, para
tudo que a gente faz, para a produção e para tudo.
69
A entrevistada afirma que o trabalhador deve ter consciência de que a produção
depende do trabalho de todos. Desde o trabalho mais complicado ao mais simples, todos têm
67
QUADRA, op. cit.
68
Deve-se levar em conta na fala de Osvaldo, que ele saiu da Faville porque pediu a conta, não estando satisfeito
com o seu trabalho, porque queria se aprimorar no setor de menica da empresa, mas não deram abertura nesse
sentido para ele. O que fez com que segundo ele, saísse “chateado” com a organização da fábrica.
69
NUNES, op. cit.
102
a mesma responsabilidade e a mesma importância no processo de trabalho. Obviamente que
isto é, em grande medida, reflexo de uma organização taylorista do trabalho. Isso é uma linha
de produção, um trabalhador precisa do outro, um depende do outro.
Além disso, ela afirma que os trabalhadores devem entender que a partir do momento
em que eles fazem parte de uma linha de produção ele deixa de pensar meramente no “seu”
trabalho e passa a pensar em equipe, que o seu trabalho não é que o que ele está fazendo ali,
mas contém trabalho de outros. Contendo características de um modelo taylotista, com um
trabalho parcelar e fragmentado. Assim, os trabalhadores se vêem na dependência um do
outro. Quando um para ou se torna moroso, afeta toda a produção. Acerca disso, Osvaldo
explicou que trabalhava em uma das máquinas principais da fábrica, o estampo. E quando
essa máquina parava, interrompia a produção por completo.
Ah, eles sempre pedem o que deu? O que foi? E tal ... Alguma coisa assim,
né? Mas, quando parava ali, parava todo mundo, né, para a produção inteira
né? [chegou a parar uma máquina tua?] Sim bastantes vezes parou.
Mas, não por falha do operador né? Muitas vezes é por causa é falha da...
porque se a massa vem ruim não roda direito né? Daí até eles arrumar, fazer
alguma coisa demora, né? Não é de uma hora para outra que eles vão
arrumar a massa, aí para a linha, ou estraga a máquina [...].
70
Assim, para o operador de quina o que dificultava seu trabalho eram problemas de
funcionamento da própria máquina ou com a matéria prima. De acordo com os trabalhadores
o que atrapalhava o andamento do trabalho muitas vezes era que o produto não estava bom
para trabalhar, a farinha ruim, por exemplo. Assim, Osvaldo explica que sua função não
dependia somente do seu desempenho, porque mesmo que ele operasse bem a máquina, se a
massa não estivesse boa, dificultava o andamento da produção. a massa dependia também
do pessoal da masseira. Mas, na maioria das vezes, o problema ficava sem solução: “Aí você
tinha que avisar o supervisor da masseira para ele dar um jeito, arrumar alguma coisa né? Na
massa, ver o que ia fazer para melhorar, né? Mas, muitas vezes eles também falavam: Ah, não
posso fazer nada, é a farinha, aí ficava né?”
71
.
A partir do relato de Osvaldo, pode-se entender que o modo como o trabalho está
organizado na fábrica exige uma significativa intensidade do trabalho, no qual o trabalhador
“faz o que pode e o que não pode” também para trabalhar. Há alguma margem para o
“improviso”, não previsto pela gerência, pois o trabalhador não tem as condições necessárias
para cumprir com seu ofício. A organização da fábrica cobra produtividade, estabelece metas
70
QUADRA, op. cit.
71
Idem, ibidem.
103
e não quer saber do resto. Então, se o produto está saindo ruim, a culpa é do trabalhador, mas
ele afirma que não tem como fazer o produto ficar bom devido a condições que fogem ao seu
controle e escolha.
Assim, muitas vezes o pprio trabalhador acaba culpando e cobrando um ao outro por
coisas que podem não depender do seu trabalho e dedicação, e sim da organização da fábrica.
O trabalhador deixa de ser mero trabalhador, e passa a operar “milagres”, fazendo biscoito
sem possuir o necessário do que precisa para fazer o biscoito.
Ainda sobre o trabalho na fábrica é válido ressaltar que de acordo com as entrevistas,
os trabalhadores afirmaram que a organização da fábrica não tem a prática de instalar
máquinas novas. Isso acontece quando se instala uma nova linha. Então, as primeiras que
foram instaladas continuam funcionando com o mesmo maquinário. Acerca da precariedade
do trabalho, no que se refere à organização da fábrica que prioriza na produção, mas investe
pouco tanto nos trabalhadores quanto nas máquinas e na matéria-prima, Osvaldo afirma que:
Ah, daí... chega no final do mês, você não atingiu a meta alguma coisa
assim, eles cobram né? Não atingiu a meta assim e tal. Mas muitas vezes
eles não vêem o produto que tem ali. Que ali a matéria prima ali na verdade
é ruim, é muito ruim. É muito fraca a matéria prima ali, eles querem que faz
rodar e rodar e isso mesmo, eles falam que tem que rodar e só isso
mesmo. Você vai reclamar alguma coisa e tal, farinha ruim e tal. Não
importa tem que rodar aquilo lá. [...] Eu acho porque eles começam a cobrar
produtividade, o pessoal da produtividade começa a cobrar qualidade, só que
a matéria prima deles não muda né? Como é que vai ter uma qualidade se a
matéria prima não vai mudar? E... e fica assim, eles cobram, cobram,
mas fazer alguma coisa na matéria eles não querem né? Não querem
gastar dinheiro, ? Na verdade eles só querem lucrar, né? Eles só querem
ver o lucro.
72
Osvaldo afirma que a empresa tem buscado obter o máximo de lucro. Diferente do que
se buscava com a reestruturação produtiva teria que produzir mais com menos trabalhadores,
maximizando os lucros das empresas. Com o foco na qualidade e produtividade. Ao que se
percebe, a Faville tem a prática de não investir na qualidade do seu produto. Mesmo que o
próprio trabalhador reclame, ou questione que o produto está ruim, a organização da empresa
ordena que continue produzindo. Dessa forma, Osvaldo afirma que mesmo que o trabalhador
se dedique não vai conseguir ter êxito com a qualidade dos produtos, pois, a matéria-prima é
ruim.
Fica claro que a brica utiliza matéria-prima de baixa qualidade e exige qualidade do
trabalhador. Exibindo um método extremamente contraditório, em que a qualidade do produto
72
Idem, ibidem.
104
não depende do trabalho do trabalhador, mas sim do investimento em matéria-prima por parte
da empresa.
Outro entrevistado que trabalhou como operador de máquinas, Vagner, 25 anos,
nascido em Marechal, ao comentar sobre a sua função, afirmou que as máquinas costumavam
ter problemas e que, na maioria das vezes, eles eram gerados não pelo trabalho do operador,
mas pela própria manutenção das máquinas.
Agora quando elas começam a dar problema você não tem culpa é problema
da manutenção mesmo, eles cobram de você. Mas, nem o mecânico dava
jeito né? [Você acha que o maquinário lá é bom? Ou é tudo máquina de
segunda mão?] Não é tudo máquina velha, embalagem pelo menos, na
linha 1 e linha 2 é tudo museu. O que salvava lá era os estampos, as
recheadeiras, os fornos, e só. Porque o embalador e as embaladeiras o
biscoito de cento e trinta, cento e cinqüenta go é tudo museu. [E ali na
embalagem vo pegou as máquinas?] peguei as máquinas
ultrapassadas. [Você tinha que cuidar da máquina e fazer um relatório
para eles?] Se acaso ficava parado, se estragava [a máquina]. Qual o
mecânico que veio né, essas coisinhas assim. [E daí a responsabilidade da
máquina era tua?] Era minha. [Mesmo quando acontecia alguma coisa
que era de problema da máquina...] É porque tinha que cuidar o papel e
essas coisas, para o papel sair certinho no caso, bem lacrado, bem selado.
Mas, tinha horas que nem o mecânico ali dava um jeito. [E vocêo
tentava consertar ela?] É, você tinha que tentar regular ela dentro do
possível do que você tinha ali mas, fora isso não podia fazer nada né?
73
.
O relato de Vagner traz uma série de informações acerca do trabalho na Faville. Ao
falar sobre os maquinários utilizados na empresa caracteriza-os como “museus”.
Principalmente as primeiras linhas que revelam as atividades das embaladeiras, ou seja, no
lugar em que se concentram uma significativa parte do total dos trabalhadores. Assim, nas
linhas em que se encontram mais funcionários o mais precárias. Do mesmo modo, quando
iniciam o trabalho na empresa são colocados para exercerem funções nessas linhas.
Além disso, o entrevistado comenta sobre o seu trabalho como operador de máquinas,
sendo que a máquina é de responsabilidade do operador, ele tem que cuidar do seu
funcionamento. Entretanto, pode-se perceber que mesmo a responsabilidade da máquina
sendo sua, o trabalhador o tem liberdade para consertá-la e “mexer” nela caso acontecesse
algum problema. Do mesmo modo, algumas vezes o problema era tão grave que nem o
mecânico conseguia solucionar e fazer voltar a funcionar.
Vagner comenta ainda que quando ocorre um problema na máquina o operador deve
chamar o mecânico. Esse fato relaciona-se a questão de autonomia na fábrica, porque os
73
BERTÉ, op. Cit.
105
trabalhadores afirmavam que pelas normas da fábrica eles não poderiam ter a liberdade para
mexer nela, pois quando ocorria um problema tinham que chamar o mecânico. Entretanto,
quando o problema era mínimo eles sabiam o que fazer e “mexiam” por conta própria.
Além disso, o trabalhador comentou que o operador tinha que preencher um relatório
diário acerca do funcionamento da máquina. Para verificar melhor como é o relatório
74
diário
do operador de quina, têm-se um exemplo retirado do manual para operadores de
embaladeiras, que deve ser preenchido os seguintes itens: data, turno, operador, perda de
embalagem, tempo de quina parada, funcionamento do equipamento, manutenções e
ajustes efetuados, observações, idéias, etc.
Como a mesma máquina pode ser utilizada por vários operadores durante um mesmo
dia, ele identifica no relatório o seu turno de trabalho. Durante aquele período, a organização
da fábrica poderá verificar qual trabalhador estava operando-a, e como ela funcionou nesse
tempo de trabalho. Além disso, de acordo com o relatório o trabalhador pode ter liberdade
para indicar idéias acerca do seu serviço. Assim, pode-se entender que a organização da
fábrica pretende demonstrar que não leva seu processo de trabalho da forma como acontecia
antes nas fábricas em que o trabalhador não tinha liberdade para nada, mas sim que agora o
patrão dá valor para o que ele pensa e pelas suas sugeses.
Outro fato importante acerca do trabalho de operador de máquinas é que ele deve
interferir quando a máquina não “faz” o trabalho correto. então a máquina fica sob a
“tutela” do trabalhador. Isso pode ser percebido, ao analisar o manual do operador de
embaladeiras, em que a organização da fábrica admite que o trabalhador deve desligar a
máquina para manuseá-la em todo processo. Como pode ser visto no processo de operação”:
Atividades do operador na embaladeira com riscos
Processo: Ajustar biscoito que está preste a ser embalado e adicionar ou
substituir o biscoito que está faltando ou que está quebrado ou fora de fôrma
com a máquina ligada, ou ajustar o biscoito quando o mesmo está muito
próximo do empurrador ou da faca;
Risco: prensagens, batidas, esmagamentos, queimaduras, cortes, fraturas,
amputações, dentre outros...
Eliminando o risco: ajustar, adicionar ou substituir o biscoito quebrado
ou de fora de fôrma com a máquina ligada se estiver longe do empurrador ou
faca, caso contrário, desligue-a e tenha certeza que está desligada.
Processo: ajustar ou substituir o filme, filtro ou embalagem com a
embalagem máquina ligada e quando o filme, filtro ou embalagem estiver
muito próximo da pinça e da faca;
Risco: prensagens, batidas, esmagamentos, queimaduras, cortes, fraturas,
amputações, dentre outros...
74
Relario diário das embaladeiras, Grupo Zadville, Manual para operadores de embaladeiras.
106
Eliminando o risco: Só ajustar, adicionar ou substituir o filme, filtro e a
embalagem com a quina desligada e parada [...]. (GRUPO
ZADVILLE, Manual para operadores de embaladeiras)
O manual feito pela organização do trabalho da fábrica trás uma série de colocações a
serem seguidas pelo trabalhador durante o processo de produção. , descreve-se e ensina-se
a fazer um trabalho correto, com cuidados e segurança. Indica-se que a função realizada não
es longe de riscos para quem manuseia a máquina. Além disso, pode-se entender que a
organização fabril tenta colocar que ela cumpre com o seu papel diante das leis trabalhistas,
pois coloca para o operário como deve ser realizada sua função de modo correto, dando-lhe
segurança, ensinando-lhe. Se cumprir com o que é colocado pela fábrica, seguir as regras, não
correrá riscos, mas se acaso acontecer algum problema é porque o trabalhador não teve
cuidado com os procedimentos necessários para trabalhar sem riscos.
Vale ressaltar ainda com relação a autonomia e flexibilidade do trabalho acerca da
função de operador de máquinas. É dito aos trabalhadores que quando ocorre de a máquina
quebrar, o devem tentar consertá-la e sim chamar o mecânico, mas ao mesmo tempo cobra-
se dos trabalhadores para não deixarem a máquina parada. Sobre isso, Fabinho comenta que:
Eu peguei cara, os pacotes estavam saindo tudo aberto, daí tem as linha
de wafer só tem dois mecânicos pra fábrica inteira. Mas tem eletricista e
essa parte elétrica e tem os mecânicos né? Daí eu peguei tava ruim lá, só que
eu sabia o que era. Vichê! Porque eu sempre estou olhando o que eles estão
mexendo. Porque se eu chamo o mecânico eu tenho que saber o que ta
acontecendo. Tenho que saber o que está estragando pra mim falar pra ele
né? Pra ele saber: “oh é aqui que está errado, aqui.” Dô ara vai e mexe.
Se eu vejo que está bom daí eu fico olhando onde ele ta mexendo ali né cara.
Aí é que ta, tem cara que chama o mecânico ali, do mecânico chega ele
faz assim, o mecânico fala: “oh, ta pronto”. E daí, ele sempre ta chamando
cara. E essa semana aconteceu deu ir lá chamar o mecânico e ele não
poder ir lá, ele tava mexendo em outra máquina. Daí ele pegou e falou
assim, “há cara você sabe mexer ”, o loco cara, já mexi naquilo altas
vezes. Daí ele falou, “não pega a chave aqui então e vai daí né?” Daí a
minha supervisora chego lá: “o que ta acontecendo aí?”Eu falei não ta
saindo tudo aberto aí? Mas não tem como ir rodando assim? o ta saindo
tudo aberto, como que vai rodar assim? Daí ela falo: você chamo o
mecânico lá?” Eu falei o mecânico não pode vim agora. Aí eu falei, eu
peguei cara, ponhêi a quina manual e eu mesmo comecei a mexer
né? Daí ela pegou e falou assim: “não que chamar o pia ali pra te ajudar?”
Eu falei pô, o cara ta operando máquinas a pouco tempo, ele não sabe nada,
vou chamar o cara para ajudar a mexer na minha máquina ainda? O cara o
entende nem da dele direito e eu vou chamar ele pra mexer na minha? Eu
falei não deixa eu mexer aqui, se fica ruim você pode ir lá chamar os
mecânicos. foi rapidão, eu mesmo mexi e... [cada um tem a sua
maquina?]. É, eu peguei eu mesmo mexi ali, tava com a máquina
ligada. ela pegou e falou assim: “e essa chave e do mecânico? Mas
107
você falou com ele?” Eu falei claro, eles que me deram pra mexer. Eu falei
você acha que eu ia chegar lá pô eles tem a caixa de ferramenta deles sempre
fica fechada. Aí como que eu ia abrir a caixa de ferramenta deles? “Ué, mas,
eles mesmo fala que não, que os operador não pode mexer nas máquinas.
Eu falei, não, não pode se não souber mexer. A partir do momento que eles
vêem que o cara sabe mexer ali, eles entregam a chave. Agora se ele vê que
o cara não sabe mexer, eles não entregam.
75
A narrativa de Fabinho expressa a realidade de trabalho de um operador de máquinas
que além de ter uma série de atividades a serem realizadas diariamente, tem que cuidar do
funcionamento da máquina. Nesse trabalho com a máquina eles são pressionados para
cumprir as metas da produção, pois se deixarem a máquina parar significa atraso e perda de
tempo. Entre os objetivos do operador de máquinas presente no manual esta a questão de
“eliminar desperdícios, reduzir interrupções/paradas de produção por quebras ou
intervenções”. Também devem tomar cuidado com o desperdício. Devem tentar não fazer o
trabalho errado para nada ir fora. Assim, para o operador de máquinas, além de ser cobrado
das metas gerais a serem cumpridas, tem-se a contagem do número de pacotes, por exemplo,
desperdiçados. Sendo contado diariamente e individualmente o saldo desperdiçado por cada
operador.
Além de serem pressionados a não deixarem o ritmo da produção diminuir, ainda
ficam confusos sobre que atitudes tomar frente a alguns problemas de manutenção das
máquinas. Segundo as normas da empresa o operador não deve mexer na máquina se ela
quebrar e sim chamar um mecânico, mas se o operador deixa a máquina parada esperando um
mecânico para consertá-la ele vai ser cobrado por isso. Assim, como Fabinho relatou que ele
procurou consertar a máquina já que o mecânico estava ocupado.
O que permite perceber também, que na fábrica tem um número pequeno de pessoas
autorizadas a realizar a mecânica e/ou conserto das máquinas. Isso pode ser relacionado ao
quadro de funções destacado acima, que informa o número de operadores de máquinas era de
72, enquanto que o número de mecânicos era 6. Se cada operador significar uma máquina,
quer dizer que praticamente para cada mecânico haveria 12 máquinas a serem consertadas. O
que se relaciona ao fato de os trabalhadores mencionarem a dificuldade de encontrar um
mecânico disponível quando uma máquina quebrava. Juntamente com o fato de que segundo
os trabalhadores, dadas as condições das máquinas, estas costumavam quebrar e dar
problemas com freqüência. Isto acaba sobrecarregando os trabalhadores, pois além de
realizarem o seu trabalho de operador devem efetuar o concerto da máquina. Como também
75
FABINHO, op. cit.
108
os mecânicos, que tem que se desdobrarem para conseguir manter as máquinas em
movimento.
Fabinho também afirmou que a sua supervisora o era favorável a atitude que ele
teve de consertar a quina, porque ela mesma questionou quanto a autonomia do operador,
sobre até que ponto “ele” poderia mexer na máquina. Do mesmo modo, em que a tentativa de
autonomia do trabalhador o foi bem vista, ao tomar iniciativa de resolver por si o
problema da máquina a sua supervisora ficou em vida se o que ele estava fazendo estava
dentro das normas da empresa.
Entretanto, Fabinho afirma na sua fala que como é ele que trabalha na máquina ele
conhece o seu funcionamento até mesmo mais do que o próprio mecânico. O mecânico tem
contato mínimo com a máquina, somente quando vem consertá-la. Enquanto que o operador
está praticamente o tempo todo em volta da máquina e na hora de consertá-la não tem
autonomia para mexer nela, tem que chamar outra pessoa para consertá-la. Os trabalhadores
ainda ficam limitados em cada um executar sua função. Uma distribuição rígida de funções e
tarefas, como era feito no sistema taylorista.
Sobre isso, Elise ao comentar sobre os cuidados que o trabalhador tem que ter ao lidar
com o manuseio da máquina, indicando se na fábrica acontece alguma situação de perigo que
coloque em risco a vida do trabalhador afirmou que:
Acontece, por exemplo,... é não... não tentar consertar alguma coisa na
máquina com ela funcionando, que ali tem facas que servem pra cortar
mesmo. Na máquina tem faca que corta a embalagem, se você por o dedo
ali, você... e tinha muito operador ali... que ás vezes eles ligavam as
máquinas para... fazer alguma coisa. E aconteceu, nada grave assim. Uma
guria prendeu o dedo e quase o perdeu. E acabaram jogando a culpa nela
porque não prestou atenção, ou porque não desligo a quina. que aquela
coisa não pode consertar alguma coisa da máquina também não pode
deixar parar. Então muitas vezes o operador acaba se obrigando a consertar
alguma coisa, talvez alguma coisa que tenha ali, alguma coisa leve. Que ele
acaba não desligando a máquina, e acaba tentando resolver ali e ali isso
acaba acontecendo... um acidente. Ou a cobrança não pode desligar a
máquina pra não parar a produção. Então...
76
Elise conta que ocorre algumas situações de riscos para o trabalhador durante o
manuseio da quina. Mesmo que a empresa passe uma série de informações no cuidado que
tem que ter com a máquina, acaso foi consertar, esta deve estar desligada. uma cobrança
intensiva sobre o trabalhador de que não deve deixar a quina parar. Então, de acordo com
Elise, o trabalhador fica pressionado com as cobranças e resolve tentar arrumá-la. O que
76
CHRISTMANN, op. cit.
109
acaba ocasionando em acidentes. Então, a mesma empresa que ensina o trabalhador a prevenir
acidentes de trabalho é a que causa os acidentes.
Do mesmo modo, a estratégia da empresa em distribuir manuais, por exemplo,
ensinando o trabalhador a prevenir-se das situações de risco. O ritmo e as cobranças
intensivas acabam fazendo com que o trabalhador cometa algumas imprudências e
danificando-se a si mesmo. O que faz com que a empresa fique de fora e o trabalhador receba
a culpa, pois a empresa fez a sua parte de ensinar a prevenir. Se o trabalhador agiu de tal
forma, o erro foi dele.
Ainda com relação ao trabalho como operador de máquinas, é notável que a função
representa características de “multifuncionalidade”, quando o trabalhador possui múltiplas
atividades dentro da sua função. Pois o operador de quina, além de cuidar da quina
voltada para o processo de produção, ele tem que verificar o biscoito, cuidar do ambiente de
trabalho, manter a máquina limpa, e auxiliar no trabalho dos embaladores quando estes não
dão conta de “pegar” ou retirar os biscoitos, etc. Acerca disso, destaco a fala de Roseni que
demonstra que uma das funções que sofreu mudanças que podem ser identificadas e
relacionadas com processo de reestruturação produtiva, foi a de operador de máquinas. Pois,
de acordo com Roseni quando ele iniciou seu trabalho como operador de máquinas era
diferente,
Eu tenho que fazer três funções ao mesmo tempo. Hoje o operador lá, tem,
que fazer diversas coisas né? Quando eu entrei ali, o operador ficava na
máquina e cuidava a máquina. Porque cuida a máquina é um processo assim,
que vo tem que ter responsabilidade, ? Porque tem uma menina que
abastece, e tem uma máquina que o biscoito pode virar porque... dependendo
a forma que ele vem. (...) As menina colocam o biscoito numa calha, a calha
vem vindo na tua direção. (...) Aí os biscoitos vem assim naquela calha e
você tem que cuida. Porque se elas por biscoito demais, são treze biscoito, se
elas por catorze, e aperta ele, o creme ta mole ainda. E se elas apertam ele na
calha, aí ele chega perto do empurrador, que empurra pra dentro da máquina
pra embala, antes do empurrador empurra o biscoito pula pra cima assim.
Sabe, ele abre. Daí ele daí antes do empurrador, e abre próximo a calha. Daí
a gente chama de trombamento, a máquina tromba, daí o mecânico vem, d
é uma encheção de saco, sabe? Xingam a gente. Então você tem que cuidar
ali. Se você sai dali e você for pro pacote, que é o que eles o fazendo
agora. O operador tem que ir, pro pacote. O pacote é aqui, oh, em questão
de...vinte cenmetros entre o operador e o pacoteiro né? Então eu estou ali
cuidando a máquina, a máquina embala, logo do lado já está o pacoteiro bem
próximo assim. Aí o pacoteiro coloca o biscoito na caixa. E daquela
caixa pra uma esteira que vai pra uma celadora. Que num outro espaço da
empresa. Então, agora eles estão fazendo o operador também trabalhar no
pacote. Aí você desempenha duas funções e você é cobrado pelas duas. (...)
E a empresa faz o sistema de pesar embalagem. O que é pesar embalagem?
Pesa-se a embalagem e dcoloca o nome do operador, operador tal gasto
110
tantas embalagens. Como se o operador fizesse a máquina gerar aquele
problema. Você percebe? Você está exercendo a tua função como se fosse
um erro teu, e não um erro dá máquina [...].
77
A narrativa de Roseni é importante, pois explica que quando ele começou a trabalhar
na fábrica, quem realizava o trabalho de operador de máquinas tinha apenas a função de
cuidar da máquina. Mas, atualmente ele deve realizar uma série de funções. Segundo Roseni,
tem que trabalhar na máquina, no pacote, etc. Além disso, ele coloca que o trabalhador fica a
mercê da máquina, mas quando acontece algum problema que para ele não seria causado pelo
trabalhador, mas por problemas na máquina, nas condições de trabalho, etc, o trabalhador
recebe críticas e assume pelos erros. O que caracteriza o autoritarismo com que a brica
organiza o trabalho, já que, o trabalhador deve assinar mesmo não estando de acordo,
admitindo o erro e assumindo-o.
A função do operador de máquinas caracteriza de forma explicita as mudanças
ocorridas na fábrica com a implantação de alguns mecanismos referentes ao processo de
reestruturação produtiva. Quando se apresenta que a função desempenhada exige-se não
produzir, mas, conciliar produção, atenção, qualidade, ao mesmo tempo que deve evitar
desperdícios e prejuízos. Assim, a intensificação do ritmo de trabalho, expressa-se no fato de
que o trabalhador deve além de obter produtividade máxima, com máxima de atenção, torna-
se um trabalho difícil quando muita das vezes os resultados dele não depende somente do
trabalhador, e sim de outros fatores que podem interferir: como a qualidade da matéria-prima,
o ajuste e a manutenção de máquinas.
3.2 A CONSTRUÇÃO DA HEGEMONIA NO ESPAÇO FABRIL.
Durante a realização da pesquisa de campo foi possível perceber que na fábrica existe
a prática de oferecer atendimento dico e psicológico para o trabalhador. Ao visualizar tais
questões, a gerência assume a posição de apresentar o que seriam direitos trabalhistas,
conquistados e construídos pelos trabalhadores como benefícios, como seus, “demonstrando
preocupação com os trabalhadores tanto psicológica quanto fisicamente. Tal elemento pode
ser percebido nesse informativo apresentado pela fábrica:
Preocupação com a saúde
77
TRINDADE, op. cit.
111
Saúde é coisa séria. A empresa disponibiliza atendimentos médicos,
psicológicos, programas de saúde preventivos como: PCMSO [Programa de
Controle Médico de saúde Ocupacional], PPRA [Programa de Prevenção de
Riscos Ambientais], Laudo Ambiental e outras iniciativas, cumprindo todas
as normas regulamentadoras (NR) aprovadas pela Portaria n° 3.214, de 08 de
julho de 1978. (ZADINELLO, 2003, p. 8)
Este relato produzido pela empresa presente na revista do grupo Zadinello faz parte de
um conjunto de informações acerca da Faville em que a gestão da empresa busca apresentar-
se preocupada com a saúde do trabalhador, disponibilizando atendimento médico, entre
outros. Destaca também a lei que indica aos patrões possuírem vários tipos de atendimentos
aos trabalhadores, assim, a empresa procurou demonstrar que ela busca cumprir com as
prerrogativas das leis trabalhistas. Os documentos distribuídos pela fábrica visam demonstrar
preocupação com a saúde do trabalhador, ao mesmo tempo a própria citação destaca
programas de atendimento médico para o trabalhador na empresa, não é uma novidade da
Faville, e sim faz parte da legislação trabalhista. Que sugere como hitese, que mais do que
preocupada com o trabalhador, na fábrica tem-se cumprido com a legislação trabalhista na
forma de evitar problemas para a própria empresa.
Nessa mesma perspectiva, não seria exagero, afirmar que atualmente a empresa busca
controlar a saúde do trabalhador, evitando que ele tenha doenças, principalmente causadas por
questões ligadas a forma de trabalho (doenças do trabalho, ocupacionais/profissionais). Não
porque es preocupada com o bem do funcionário, mas para evitar problemas com a
legislação trabalhista ou o que puder a vir ser executado pelo trabalhador caso ele adquira um
problema de saúde estando na empresa. Assim, tenta-se transformar o conteúdo de uma
legislação em concessão da empresa.
Como pode ser percebido na citação a seguir, retirada do site do Serviço Social da
Indústria (SESI), uma das instituições que realizam os exames médicos freqüentes junto as
empresas,
Através do PPRA pode ser conseguido a diminuição de perdas decorrentes
de:
-afastamento por acidentes de trabalho
-afastamentos por doenças ocupacionais
-estabilidade funcional
-atuação de sindicatos e fiscais da DRT
-processos trabalhistas cíveis.
(PROGRAMA de prevenção de riscos ambientais, 2008)
112
Ao que se indica, o PPRA faz com que o empregador possa diminuir uma série de
gastos controlando e evitando riscos aos quais os empregado se exem no ambiente de
trabalho. Além disso, nas vantagens apresentadas com o programa, diz-se diminuir os gastos
com a saúde, ou seja, ao invés de o patrão ter que gastar com indenizações para os
trabalhadores caso adquiram doenças no espaço de trabalho, ele previne para que isso não
aconteça.
Entretanto, a proposta a ser discutida aqui, toma as práticas da empresa, nas tentativas
de convencimento de que visualiza o seu trabalhador como um “todo”, visando um operário
bom por completo, fisicamente e psicologicamente. Tomando como exemplos pontuados
anteriormente o atendimento médico e psicológico conforme pontuado no informativo
produzido pela fábrica, destacando que:
A Faville disponibiliza vários exames laboratoriais (hemograma, glicemia,
parasitológico de fezes) raios-x de coluna, visão e audiometria e quando
necessários encaminhamentos para oftalmologista e otorrinolaringologista,
para todos os colaboradores, a cada seis meses, como forma de acompanhar,
a saúde física de todos. Além disso, a empresa conta com uma psiloga
para acompanhar a saúde mental e emocional dos colaboradores.
(ZADVILLE, 2005, p. 5)
A gestão da brica procura destacar que tem atendimento médico e psicológico como
forma de acompanhar a saúde do trabalhador. Porém, é preciso considerar que alguns fatores
no ritmo de trabalho podem alterar a saúde física e mental. Então a mesma empresa que
oferece atendimento médico pode causar problemas de saúde. Também, quando um
trabalhador acaba ficando doente pelo ritmo de trabalho, como o trabalho repetitivo, ele torna-
se um problema para o patrão, pois ele deixa de ter uma produção acentuada.
Dessa forma, acerca do trabalho do dico da empresa, os trabalhadores afirmaram
terem que fazer exames freqüentes:
Há o médico eu fui uma vez sei lá... [Não é obrigado faze o exame?] Não
é obrigado se eles marcam um lá. Um exemplo tem o médico da Faville que
se você ta mal você vai e se consulta com ele ? Mais que tem os
exames que a gente tem que fazer assim, acho que é uma ou duas vezes por
ano lá, faze exame de urina tudo essas parada cara. Daí eles te dão os
potinho e você urina dentro e faz as parada e leva no laboratório. E
você está com alguma coisa, eles pegam e dão remédio pra você lá È isso
eles cuidam. Eu acho que a gente que trabalha ali tem que ta meio zerado,
não sei se o cara trabalha com alimento tem que ta bem, nem sei se tem
alguma coisa ver. Até que eles vêem isso pra não muita falta né, se
eles virem que o cara ta meio doente. vai saber, não o cara está meio
doente. Porque tem cara que ás vezes não tem nada, vai e pega atestado lá
113
e fala que esdoente e falta dois ou três dias no serviço e ta tudo bem. Mas
o cara não tem nada, e direto tem que ta ... (SANTOS, 2007)
De acordo com Fabinho, a realização de exames médicos frequentes na fábrica é como
uma forma de controlar o trabalhador, verificar se de fato ele está doente. Ao que se percebe,
os trabalhadores apresentam atestado direto na fábrica. Sendo que, o atestando tem sido
motivo de disputa entre empregado e empregador. Pois, os trabalhadores afirmaram que o
atestado tem validade na empresa. No caso de o trabalhador estar doente e ser dispensado
do trabalho por algum tempo, se for assinado e deliberado pelo médico da empresa. Esta
prática permite contestar eventuais atestados médicos apresentados pelos trabalhadores.
Assim, os trabalhadores afirmaram que o atendimento do dico da brica faz com
que tenha controle sobre a saúde dos seus funcionários, quando por algum motivo estes
levarem atestados médicos. Como afirmou Osvaldo que “Uma vez eu caí de moto e tal, fiquei
uma semana de atestado. É, foi porque foi o próprio dico da empresa que liberou né? Se
não eles iam ficar meio ressabiado, né?”
78
. Osvaldo conta que sofreu um acidente o que de
alguma forma denota maior veracidade ao caso do seu atestado. Entretanto, os trabalhadores
em suas narrativas, explicaram que na maioria das vezes quando reclamavam de dores, o
médico da empresa receitava algum remédio para dor, e pedia que o trabalhador retornasse
para sua função. Sobre isso Túlio, 19 anos, nascido em Florianópolis, Santa Catarina,
trabalhava como embalador na Faville, comentou que:
[...] tipo, que nem ontem eu tava trabalhando. Trabalhei até meia-noite
ontem. Daí...antes da janta eu tava mal, meu estômago tava doendo, eu tava
quase caindo em cima, tipo, onde eu trabalho [...] E ali eu tava quase
morrendo cara, tava ruim mesmo, caindo. Aí eu falei que eu tava mal, d
trouxeram o comprimido, ai o médico foi na masseira, fez uma mistura
muito louca né? Daí melhorou. Só que eu falei: oh eu estou ruim, que é
hora-extra, não tem como me liberar para mim ir para casa? Eu vou no
pronto socorro depois. Aí falaram não, você toma isso aqui e tu o
melhorar você vai para o vinte quatro horas daqui mesmo. E eu ia falar o
que? Eu ia embora os caras me dão uma suspensão fica três dias em casa,
perdendo oitenta reais no mínimo do meu pagamento. Que ali é assim, se
você ganha um gancho, que é tipo, você fica três dias em casa, é oitenta reais
que é descontado na folha de pagamento. E você vai falar o que? Ah, o se
importo de dinheiro? [apresentando atestado?] Não apresentando atestado
com do médico ainda vale, que tipo assim se você for você perde a cesta
só [risos].
79
78
QUADRA, op. cit.
79
TÚLIO. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 12 set. 2007. 19 anos, nascido em Florianópolis-
SC. Segundo grau incompleto.
114
Na fala de lio, identifica-se que se o trabalhador passar mal quando estiver
trabalhando terá o atendimento do dico no trabalho. O que pode ser percebido como uma
forma a mais de fazer com que o trabalhador não pare de trabalhar, pois se não tivesse o
médico ele iria sair da brica para consultar. Então, ao mesmo tempo em que o médico
oferece segurança” ao trabalhador, à empresa ele oferece mais uma forma de controlar o
trabalhador e não perder produtividade. A atitude da empresa ao o deixar o trabalhador “ir
embora” pode ser entendida como uma forma de evitar que a produção pare, fazendo com que
o mesmo trabalhe “até não agüentar”. Também procura evitar que não se torne costume, pois
os demais trabalhadores ao perceberem que o que passou mal pode ir embora poderiam
utilizar-se dessa manobra para faltar ao trabalho. Assim, a empresa evita ao máximo de lidar
com imprevistos durante a produção, planejando e organizando para evitar que seja
interrompida a produção. Assim, o objetivo é sempre o mesmo, de não parar a produção, e se
o trabalhador tenta burlar o trabalho fazem exames para ver se ele está realmente doente.
Ao longo da entrevista, Túlio comentou ainda que obedeceu a ordem de ficar na
empresa por receio de receber uma suspensão. Assim, a forma da empresa evitar que o
trabalhador desobedeça as regras e normas é fazê-lo perder os benefícios a cesta básica e
descontos no seu salário. Ao invés de o trabalhador dedicar-se pensando no quanto receberá
com isso, ele passa a fazer cálculos com relação a quanto ele perde caso não obedeça às regras
da empresa. Isso pode ser percebido nos dados retirados da empresa acerca das penalidades.
Segundo a empresa, as penalidades são as seguintes: advertência verbal, advertência escrita,
suspensão, demiso por justa causa, perda de benefícios, desconto das faltas não justificadas,
desconto dos dias de suspensão.
As metas cobradas pela empresa é que o trabalhador seja cem por cento presente no
trabalho, não pode faltar se não será punido. Mesmo que a empresa explique que o
trabalhador recebe penalidades por faltas não justificadas, eles afirmaram que mesmo com
atestado ele perdiam a cesta básica. Portanto, o trabalhador não tem sequer o direito de ficar
doente, o que poderia ser visto como algo normal do ser humano. Na empresa isto é visto sob
o ângulo da produtividade: trabalhador doente é igual queda na produção. Assim, a prova de
que ele não tem o direito de ficar doente é o fato de receber uma punição: se apresentar
atestado perde a cesta básica. Então, pode-se dizer que se estabelece na empresa uma regra de
que o trabalhador não pode ficar doente. Como pode ser visto na fala de Osvaldo, “Sim, ali se
você estive doente, e por mais que você estiver atestado eles ficam te marcando, falam que
115
voo que trabalhar, não sei o que... Não é assim, se voestá doente vovai faze o
que?”
80
A prática do atestado representa significativamente o autoritarismo exacerbado da
empresa, sendo que além do que já foi colocado, houve casos na empresa de os trabalhadores
serem demitidos por apresentarem atestados médicos. Como pode ser visto na fala de Elise,
Eu queria sair porque tava cansada! Eu não tava mais agüentando o ritmo. E
tava tendo problema de saúde: com problemas no braço de tanto ficar com a
mesma função. E... em uma semana eu faltei três dias justificados por
atestado. que eu o sei se foi esse bem o motivo. Mas quando me
chamaram pra fala lá, o meu supervisor falou assim: “A partir de hoje você
não faz mais parte do quadro de funcionários da empresa. Você sempre
trabalho muito bem, nunca tivemos queixa, que esses últimos dias você
faltou, esses dias de atestados a gente não sabe se vai levar em
consideração.” Eu falei: Não por mim tudo bem.
81
De acordo com Elise, o fato de ter apresentado atestados pode ter sido um dos motivos
que a levou a ser demitida da empresa. Como se vê, o atestado tem significado extremo para a
o gerência, pois de acordo com a entrevistada mesmo que ela tivesse sido uma “boa”
trabalhadora, quando ela não conseguiu render mais, quando seu corpo apresentava defeitos e
talvez não conseguisse mais adaptar-se ao ritmo, ela foi dispensada. Como uma quina, que
ao apresentar defeitos é jogada fora, substituída. Portanto, a gestão da fábrica não aceita um
trabalhador parcialmente produtivo, exige-se um trabalhador 100%, que não falte ao trabalho
nem mesmo quando esteja doente.
Entretanto, é necessário entender que tal prática da empresa de praticamente obrigar os
trabalhadores a o faltar foi uma tentativa de buscar um controle gido. Pois, a partir das
entrevistas que realizei, estes afirmaram que determinados colegas tinham costume de faltar
na empresa, sendo que muitas vezes, as faltas o tinham justificativas. O que impulsionou de
certa forma a gestão da fábrica a punir os que faltassem “um dia de trabalho”. Como afirma
Elise: “(...) tinha dias que faltava até três quatro pessoas numa linha. Às vezes até mais, virava
um caos!
82
Este mesmo relato de Elise foi apresentado por muitos trabalhadores, durante as
entrevistas, representando como prática corriqueira no cotidiano da brica, de os
trabalhadores faltarem e não apresentarem justificativas. Assim, eles eram punidos, perdendo
80
QUADRA, op. cit.
81
CHRISTMANN, op.cit
82
Idem,ibidem.
116
o recebimento da cesta básica, somando-se a advertências, nas quais, estabelecia que o
trabalhador deveria ficar três dias em suspensão, sendo descontados esses dias do seu salário.
É válido ressaltar ainda, que durante a entrevista com Elise, esta contou que os problemas que
teve no braço tiveram sequelas que perduraram mesmo após ter saído da fábrica. Como ela
explica que “Se eu for ficar muito tempo no computador digitando não sinto meu braço,
simplesmente perdi a força dele. Porque com o trabalho repetitivo machuquei os nervos tanto
os das costas, quanto do braço inteiro.”
83
É importante perceber, que realizei entrevista com Elise em 2007, quando já fazia três
anos que ela não trabalhava mais na Faville, e ela ainda ressalta a dor que sentia no braço por
conta dos movimentos repetitivos. De acordo com Elise, enquanto estava na fábrica o médico
da empresa receitava remédios para dor. Mas não adiantava, quando viu que não agüentava
mais, procurou um médico fora da empresa, que lhe deu atestado, o qual apresentou a
empresa e foi demitida.
A partir disso, é importante pensar, que mesmo Elise já estando com sua saúde
prejudicada, enquanto estava na empresa, foi demitida sem nenhuma assistência. De acordo
com Elise, isso se deu porque ela foi demitida antes de ter procurado um especialista e
comprovado que a sua ocupação na empresa estava lhe causando danos a sua saúde.
Elise ainda contou que situações como estas, em que o trabalhador aparentava quadro
de dor, mas o médico não dava atestado, eram corriqueiras na empresa. O método era o
mesmo. Quando o trabalhador apresentava um quadro de dor fazia-se de tudo para ele
continuar trabalhando,
Quando era muito, quando a dor era muito, eles te mudavam de setor, eles te
colocavam pra fazer alguma coisa mais leve. Que não forçasse tanto. Mais
questão de médico pegar e da um atestado, se tivesse muito mal mesmo.
Ou se pegasse médico de fora. (...) Era difícil dar atestado, muito difícil
84
A narrativa expressa as dificuldades dos trabalhadores que tinham que ao que se
parece eram obrigados a trabalharem doentes, pois a fábrica não aceitava atestados que não
fossem do dico da empresa, e o mesmo, não dava atestados aos trabalhadores. Alguns
trabalhadores que passavam por cima da autoridade e entregavam atestados eram punidos.
Rafael foi demitido por apresentar atestados na empresa. Ao comentar sobre o motivo que o
levou a ser demitido, Rafael afirmou que:
83
Idem.
84
CHRISTMANN, op.cit
117
Sobre isso, eles não me deram muita justificativa. Eu creio que seja... porque
eu tive dois atestados no mesmo mês na firma entendeu? Um deles foi por
distenção muscular e o outro foi porque tipo assim eu tava com uma virose e
não tava aguentando muito trabalha Eu tava com uma indisposição enorme
mesmo sabe? E daí no caso, joguei esses dois atestados na firma né? E daí
depois do segundo o cara chegou pra mim o supervisor e falou: Você vai
lá conversa com o cara depois do almoço”. E daí eu fui e foi simples, falo: “A
gente vai estar fazendo sua rescisão de contrato.
85
De acordo com Rafael, mesmo que não tenha sido esclarecido os motivos que levaram
a sua demissão, para ele foi porque apresentou atestados na empresa. È valido ressaltar, que o
trabalhador explicou durante a entrevista que um dos atestados foi porque ele machucou o
dedo jogando basquete, e isto não teria relação com o seu trabalho. E o outro, como explicado
no relato acima, foi porque não estava muito bem devido uma virose, mas que estava
dificultando o desempenho de sua função dentro da brica. Além disso, os atestados
“conseguidos” por Rafael que lhe davam despensa de seu trabalho, não foram dados pelo
médico da empresa. Até porque, se para o caso de trabalhadores que apresentaram questões
graves, o médico resistia em dar atestado, o que não dizer das questões colocadas por Rafael.
Que mesmo que dificultasse seu trabalho, não pode ser considerado casos graves, ou
mesmo causados pela intensificação do seu trabalho. Mesmo que, não que seja regra o tempo
de trabalho ocasionar danos a saúde do trabalhador, mas diferente de Elise que estava quatro
anos realizando tarefas repetitiva, Rafael estava a um ano na empresa. O que de alguma forma
fez com que ele ainda não estivesse com sequelas causadas pelo trabalho repetitivo.
Assim, mesmo em “tempos de reestruturação produtiva”, as relações de trabalho na
Faville aparentam-se extremamente autoritárias. Em que a empresa o só passa por cima dos
direitos dos trabalhadores, como os desumaniza. que o trabalhador não tem o direito de
ficar doente, algo normal do ser humano é visto como algo que merece punição. Da mesma
forma em que a empresa aparece como detentora da verdade, já que o único atestado que tem
validade é o do médico da empresa. Os demais são levados a punições severas.
De qualquer modo, mesmo que o dico da/na empresa, tenha sido motivo de
disputas entre os trabalhadores e a fábrica. Em alguma medida esta estratégia da empresa
funciona. Alguns trabalhadores entrevistados relataram que a presença do médico na fábrica é
visto também como uma “segurança”. Na hora de pensar em sair da empresa e procurar outro
lugar para trabalhar, esses trabalhadores recordam que na Faville, se passarem mal receberão
atendimento e cuidados médicos, remédios, etc. Então, ao contrário dele procurar ajuda
85
RAFAEL, op cit
118
médica, psicológica, etc., a empresa proporciona isso a ele, o que pode ser um dos motivos
que faz com que esse trabalhador se submeta a trabalhar tanto na fábrica.
Outra questão importante a ser discutida com relação à pratica de “valorizar” os
trabalhadores diz respeito a forma como a organização da empresa tenta demonstrar à
consolidação da fábrica no mercado de trabalho, disputando espaço com outras indústrias.
Assim, tenta-se mostrar “uma empresa que deu certo”, isso porque há todo um esforço de
caracterizar que a empresa começou com um porte pequeno e atualmente tem se destacado
como uma das grandes empresas de biscoitos do Brasil. Tal fator pode ser observado no
seguinte informativo produzido pela fábrica:
Com o objetivo de diferenciar o atendimento aos pontos de venda dos
produtos Faville e Zadimel, o Grupo Zadville vem investindo nas pessoas,
pois estas são quem geram os verdadeiros resultados. Em 2004 foi dada
ênfase para a evolução comportamental das pessoas participantes do setor
produtivo. em 2005, o foco está nas áreas administrativa e comercial,
assim como na estrutura familiar, tendo em vista que pessoas bem
preparadas fazem a diferença e se transformam em vantagem competitiva.
‘Acreditamos que a família multiplica convicção de que as pessoas fazem a
diferença no mercado afirma Luiz Aguiar, consultor do Grupo Zadville. A
direção do Grupo Zadville entende que investindo na evolução dos
comportamentos e atitudes de cada colaborador, alcança-se a qualidade de
equipe, dos serviços e produtos, ou seja, a qualidade do Grupo Zadville.
(ZADVILLE, 2005, p. 5)
A empresa desenvolve estratégias voltadas para a conquista dos trabalhadores.
Apresenta-se preocupada e entendendo que eles m uma vida para além da fábrica, que deve
ser valorizada e respeitada para que exista uma melhoria na produção, devendo o trabalhador
estar bem em todos os sentidos da sua vida, em especial no âmbito familiar. Assim, a Faville
destaca que a qualidade do seu produto” depende da qualidade de vida do seu “trabalhador”.
Quanto melhor o trabalhador estiver mais ele produzirá. Como aponta a seguinte frase
utilizada pela empresa “As pessoas produzem mais quando trabalham com disposição e
alegria.”
86
O que representa a importância de se ter um trabalhador feliz, alcançando uma
maior produtividade.
Também, se de alguma forma quem possibilita essa melhoria na sua vida,
proporcionando bem estar é a fábrica, o trabalhador se sentino dever de agradecer pela
ajuda e preocupação demonstrada para com ele. Assim, a prática da empresa pode ser pensada
como uma forma de fazer o trabalhador imaginar que a fábrica é “boa” e diferente dos demais
86
Grupo Zadville, Apostila Solar, p 30
119
locais de trabalho, sendo o seu diferencial o fato de que valoriza-se “as pessoase que o
desenvolvimento da empresa depende dos seus trabalhadores.
Isso pode ser visto na fala de Neli ao comentar que quando o trabalhador não esta bem, não só
fisicamente, ele recebe apoio e ajuda na empresa. Assim, Neli conta que:
Existe aquela coisa, tipo se você não está bem pra trabalhar, a gente chega lá
e fala, hoje eu não estou bem para trabalhar, hoje eu não estou legal, assim.
aconteceu inclusive comigo. Eu perdi um irmão assassinado. Daí eu
chegava e falava hoje eu o estou bem, assim. Se eu chorar não é pra se
importa. E aconteceu tantas vezes que eu chorei. [E o que eles fizeram?]
não elas vem e conversam com a gente leva pra sala, conversam, pede o
que foi? O que não foi? A gente conta, eles dão conselho contam da vida
deles quantas dificuldades que eles passaram. Porque às vezes bate aquilo lá,
acontecia várias vezes no começo agora passou.
87
A narrativa de Neli demonstra como o trabalhador percebe a empresa, sentindo-se
amparado, respeitado, visto como uma pessoa e não apenas como uma peça de produção. A
empresa passa a ser um lugar o de trabalho, mas de apoio, conselhos, para além do
espaço de produção, relacionando-se a situações pessoais, sobre a vida do trabalhador.
No geral, ao discutir a forma como a Faville busca apresentar-se preocupada com o
trabalhador tanto nos aspectos psicológicos quanto nos físicos, tentando alcançá-lo para além
das estruturas da fábrica, também no seu cotidiano, relaciona-se a exemplo do que Gramsci
discutiu sobre “Americanismo e o Fordismo”, que foram tentativas de hegemonia nascidas na
fábrica, tentativas de racionalização da produção e também dos modos de viver dos
trabalhadores. Racionalizar o trabalho significava para Gramsci convencer o trabalhador de
seu papel e perfil, valorizando valores pessoais e familiares como o de “trabalhar bem feito”,
de “ser honesto”, por exemplo, como formas de controlar a moralidade do trabalhador,
discipliná-lo dentro e fora da fábrica. Desse modo, caso o trabalhador se convença, ele pode
consentir a exploração sobre seu próprio trabalho. Porém, ele precisa acreditar que está
ganhando ou irá ganhar algo em troca, pois ele é um sujeito pensante e atuante.
Gramsci fala da tentativa de construção de hegemonia no sentido da constante busca
pela re-configuração do trabalhador, no interesse do capital. Afinal, ao longo da história o
embate entre as classes propiciou a alteração nos processos produtivos muitas vezes
produzidos em re-configurações no perfil e no próprio trabalhador porque as tentativas de
mudanças no trabalho além de objetivarem o aumento da produção, têm por finalidade alterar
o trabalhador, até porque, mudar as dinâmicas do mercado de trabalho para aumentar a mais-
87
SONTAG, op. cit.
120
valia significa focar o capital variável, que é o trabalhador, quem produz. Nesse sentido,
Gramsci admitiu:
A adaptação aos novos métodos de produção e trabalho não pode dar-se
apenas através da coerção social [...] a coerção deve por isso ser sabiamente
combinada com a persuasão e com o consenso, e isso pode obter-se, nas
formas próprias da sociedade dada, através de uma maior retribuição que
permita um determinado teor pelo novo tipo de fadiga. (GRAMSCI, 1978, p.
333)
O autor argumenta que o Americanismo e o Fordismo foi uma forma de racionalizar o
trabalho e o trabalhador num todo: físico, mente, vida cotidiana, como um conjunto de
expressões e mecanismos que pertencem a um projeto hegemônico, a uma tentativa de
construção de hegemonia. Nesse sentido, a Faville pode ser pensada como espaço de um
projeto hegemônico.
Assim, entender a Faville como um projeto hegemônico significa enfatizar questões de
coerção, consenso e consentimento. A partir da discussão sobre Americanismo e Fordismo
realizada por Gramsci, pode-se entender que na Faville, a tentativa de dominar o trabalho e o
trabalhador é feita por meio de estratégias que os levem a pensar que eles devem ter o
compromisso de trabalhar e produzir. Portanto, a coerção deve vir de dentro; o pprio
trabalhador deve incutir nele a cobrança voltada para a produção, que nem sempre vem pela
força, pela obrigação. Com isso, tenta-se que o trabalhador consinta a dominação do
empregador, o que não significa sua alienação, mas a ocultação de algumas regras do jogo.
É importante discutir algumas praticas da empresa que buscam o consentimento dos
trabalhadores voltado para a produção. Uma das praticas da empresa é entregar aos
trabalhadores uma apostila, que destaca os valores da empresa. Essa apostila faz parte de um
conjunto de praticas colocadas pela fábrica a partir do grupo SOLAR em que cada letra indica
um valor da empresa a ser seguido pelos trabalhadores: S- Seleção, O- Ordenação, L-
Limpeza, A- Asseio, R- Respeito. Mesmo essa pratica fazendo parte de um conjunto de
inovações tecnológicas discutidas, o foi implantada de forma pacífica e padronizada na
fábrica. Como pode ser percebido na fala de Jaqueline que, ao falar sobre o que seria o Solar,
comentou que:
O Solar era um programa, cada letra do Solar significava alguma coisa, o R
era respeito, eu não lembro direito, mas cada letra significava uma coisa. O
que era o solar? Era um pouco daquele programa não sei se você ouviu
falar? Eles mudaram era um nome eles fizeram Solar, eles fizeram do jeito
deles. Eles reordenaram para ta utilizando na Faville. (...) Então assim, o
121
Solar eles chamavam todos da linha pra ta participando. que o
interessante é que gerava muito conflito, por que? Esse programa era feito
uma vez por mês, uma vez por semana, conforme eles achavam que tinha
que ser. Você ficava para fazer treinamento, todo mundo conhece por
treinamento. Esse treinamento era depois do seu horário de trabalho.
gerava muito conflito. Por que? Porque tem pessoas que tem filho pra cuidar,
que tem que fazer o serviço de casa e não queriam ficar no treinamento.
Porque eles alegavam assim: “não, tem que ficar no treinamento depois das
três e trinta.” Teve cursos que a gente ficava... nós saiamos seis horas da
tarde. Então você ficava mais três horas na empresa. os colaboradores
alegavam assim: “Pô a gente tem que ficar aqui tantas horas a gente o está
recebendo para ficar aqui até as seis horas, não estamos recebendo horas-
extras e é a empresa que quer que nós aprendemos.Ta entendendo? Então
eu acho que a empresa teria que pagar para s ficar aqui. Isso era uma das
coisas que os trabalhadores falavam. Daí esses cursos era de limpeza, de
respeito com o seu companheiro... Tentava instituir no trabalhador esse
senso de responsabilidade, o trabalhador da Faville é o trabalhador , ele é o
cara!
88
A partir da narrativa de Jaqueline é possível entender que o Programa Solar foi uma
tentativa de implantar regime fabril na Faville que combina elementos de uma hegemonia
baseada na persuasão e na coerção. Ao mesmo tempo, que é possível entender que o espaço
de produção longe de ser um local estático, é pautado em embates e lutas de classes. Já que no
exemplo citado, a empresa tentou implantar um método de convencer o trabalhador através de
treinamentos voltados para motivação, acumulando produtividade. Mas, os trabalhadores
demonstraram não aceitar de forma pacífica. Mesmo que continuassem participando do
programa, tiveram atitudes de revolta e questionamento para com as medidas implantas pela
empresa.
Para participar do “treinamento”, o trabalhador tinha que despender do seu tempo em
favor da empresa sem receber por isso. Isso fez com que os trabalhadores protestassem e
passassem a questionar tal prática. O interesse da empresa estava de certa forma, “garantido”,
já que almejava-se maior dedicação dos trabalhadores gerando maior produtividade. Desse
modo, a tentativa de consentimento teve como principal barganha o elemento da coerção.
Como afirmou Osvaldo: “Ah, eu ia também é obrigado participar, se não ninguém ia ir ?
Porque é sempre depois do horário de trabalho
89
.
Portanto, mesmo a partir de algumas praticas que alguns estudiosos discutem como
fazendo parte da “reestruturação produtiva,” a partir da qual os trabalhadores devem ser
convencidos de trabalharem a partir de incentivos que permitam o envolvimento destes com
as metas traçadas pela direção da empresa, na Faville ao invés de o trabalhador ser
88
JAQUELINE, op. cit.
89
QUADRA, op. cit.
122
incentivado ganhando algo, ele perde. Pois, se o trabalhador não participar das reuniões do
SOLAR ele perde a cesta básica, mas se ele participar não ganha nada em troca. Mas, segundo
a empresa o objetivo da participação dos trabalhadores no Solar o é em receber algo em
troca em valores materiais, mas sim para a pessoa, para a vida do trabalhador. Também, o
Solar ensinava o trabalhador a ser não um bom trabalhador, mas a levar a imagem da
empresa fora dela “a empresa queria que ele fosse exemplo dentro, mas fora da empresa
também. Era a imagem do funcionário que trabalha na Faville”
90
.
Além disso, o grupo SOLAR tem como uma de suas práticas realizar inspeções no
local de trabalho. Sendo que, os trabalhadores são convocados a fazerem parte da equipe que
fará a inspeção
91
. Assim, a empresa acaba por incentivar o trabalhador a participar das
decisões ao mesmo tempo em que se indica que ao fazer isso, quebra-se um pouco o quadro
de autoritarismo, já que os próprios trabalhadores passam a se auto-controlarem e se auto-
cobrarem. Analisando o SOLAR, Roseni diz que:
E daí tem um sistema chamado Solar, né? Esse Solar é um esquema assim,
também de controle interno, ? O que, de que forma funciona? Uma vez,
uma vez por mês eles fazem uma tal de inspeção. Que nem agora eu estou
com barba, e se eu tivesse lá na empresa e tivesse uma inspeção do grupo
Solar, iriam cortar minha cesta básica. Então eles cortam minha cesta básica
por causa de unha, por causa de barba. Se você não esta usando a máscara.
Existe uma resistência muito grande da máscara. Isso não é ali, né, deve
ser em qualquer lugar. Que a máscara incomoda, que não sei o que. Por
exemplo, se você trabalha numa linha que é perto do forno, então você
trabalha num lugar que é extremamente quente, com a tua respiração
trancada.
92
O grupo Solar é de suma importância para essa pesquisa, em decorrente da forma
complexa com que é utilizado pela gerência da empresa. Esse grupo tem várias funções dentro
da empresa, utilizado como treinamentos para motivação, produtividade tem relação com os
programas de qualidade dos novos métodos organizacionais ligados a reestruturação
produtiva”. Ao mesmo tempo, que atua como “célula de produção” (SALES, 2002), ou
“equipe multidisciplinar”, já que atua com uma equipe de trabalhadores, realizando inspeções
na empresa, como forma de vigiar os trabalhadores e de obrigá-los a cumprirem as normas. O
que permite pensar que algumas ações dos trabalhadores levam a gestão da fábrica a
90
JAQUELINE, op. cit.
91
De acordo com os trabalhadores as pessoas que fazem parte do Solar fazem inspeção pela fábrica verificando
quem esta trabalhando corretamente, se os trabalhadores estão usando a máscara, se estão com barba, unhas bem
cuidadas, etc...
92
TRINDADE, op. cit.
123
implantar controles rígidos. Porque além de ser vigiado durante o trabalho, o trabalhador é
punido caso esteja atuando fora do que a empresa exige.
Dessa forma, entre as questões trazidas na apostila do Solar, têm-se a questão de organização,
como pode ser visto na figura 1 a seguir.
Figura 1: Organização- Apostila SOLAR
Fonte: GRUPO ZADVILLE. Programa Solar
124
Desse modo, a fábrica utiliza imagens do cotidiano das pessoas, tanto da casa quanto no
ambiente de trabalho, para demonstrar como é positivo a organização do trabalho. Assim, traz
comentários motivando as pessoas a serem organizadas partindo de pontos sobre a
desorganização; caracterizando os ambientes desorganizados como: feio e cansativo. Além
disso, nessa figura tem-se a mensagem de que o trabalhador pode trabalhar muito, mas se ele
não conseguir alcançar seus objetivos é porque faltou junto a sua dedicação o elemento da
organização. Porque, caso não haja organização, “trabalha-se como loucos e parece que nada
rende.” Assim, nessa imagem a gestão da empresa busca passar uma imagem que se o
trabalhador cumprir com as regras de disciplinarização da mesma, estará fazendo bem e
facilitando para si próprio, que itrabalhar e obter rendimento.
Assim, os valores que a fábrica atribui para a sua organização do trabalho são retirados do
trabalhador. Se a casa for limpa, organizada, é resultado de como a pessoa é com a sua vida.
A fábrica incorpora isso no ambiente de trabalho, enfatizando que o modo como o trabalhador
exerce o seu trabalho demonstra quem ele é como pessoa. Exemplo disso é a forma como
Elise comenta sobre a organização na fábrica:
Porque questões da organização muitas vezes colocavam como exemplo,
pessoa que vai no banheiro, que molha toda pia, que joga água no lixo,
eles colocavam assim. Não, mais será que essa pessoa é assim em casa
também? Então a gente mesmo a gente mesmo acabava levando isso pra
dentro de casa. Eu mesma, assim quando ia no banheiro da fábrica, cuidava
para não deixar papel no chão, não joga fora do lixo. Sabe isso você acaba
fazendo em casa também, em todos os sentidos, em tudo.
93
De acordo com Elise, no programa Solar enfatizava-se as discussões acerca da
organização do banheiro da fábrica por ser um ambiente difícil de manter em ordem quando
todos utilizam o mesmo espaço. Além disso, ao incorporar a chamada moral do trabalho,
indicando como deve ser feito o trabalho na fábrica, como parte do trabalho em casa, a
empresa pretende incentivar o trabalhador a ser organizado partindo do pressuposto de que o
trabalhador trará os bons costumes e valores de casa para dentro da empresa. A gestão da
fábrica se apropria de valores do trabalhador trazendo-os para o seu trabalho na fábrica,
subtendendo-se que é natural que o que ele vive fora da empresa é igual nela.
A idéia de família também pode ser aproveitada pela fábrica com relação à estrutura
familiar, aos valores construídos pela família. Ao pensar em família logo vem a idéia de casa,
lar. Sendo assim, num lar é preciso existir valores como: organização, limpeza e respeito. Por
isso, ao valorizar a idéia de família, no seu slogan “Zadville a família que não pára de
93
CHRISTMANN, op. cit
125
crescer”, chama-se a atenção do trabalhador, fazendo-o relacionar a sua casa com a brica, a
sua família com o grupo Zadimel. Por trás disso está a tentativa de convencer o trabalhador de
que assim como a sua casa, a fábrica necessita da sua dedicação e do seu respeito porque ela
também é a sua casa. Afinal, se o trabalhador passa, muitas vezes, a maior parte do seu tempo
na fábrica, esta deve ocupar um lugar especial na vida do trabalhador. Se na sua casa você
procura limpar, organizar, respeitar as pessoas, porque não fazer isso na organização fabril, se
você cria laços com as pessoas e com o lugar também?
A demais, a Faville chama atenção para os valores familiares, pois acredita que para
ter uma empresa com boa produtividade é necessário não deixar de lado a questão da família,
incentivando os trabalhadores para que tenham uma estrutura familiar estável. Ao fazer isso, a
fábrica visa um trabalhador com maior produtividade, pois o trabalhador é cobrado em estar
bem na fábrica, disposto a dar o seu melhor. Porém, ele não tem vida na fábrica, as
relações familiares também o importantes. Assim, a gestão da fábrica percebe que não pode
deixar de fora e nem estar fora das relações familiares. Porque o trabalhador estando bem em
casa produz melhor e a fábrica propagando um discurso ideológico de que se preocupa com o
trabalhador para além da esfera produtiva, leva-o a pensar que a fábrica é quem garante não
o seu sustento, mas o de sua família, sendo a responsabilidade, portanto, maior. Assim, o
trabalhador sente-se em dívida com a fábrica.
Essa discussão pode ser vista em outro ponto, onde é possível verificar os passos de
disciplinarização tentados pela empresa, como pode ser visto na figura 2 abaixo:
126
Figura 2: “Práticas de ordenação” - Apostila SOLAR
Fonte: GRUPO ZADVILLE. Programa Solar
Os pontos destacados pela empresa o mostrados como elementos que tentam codicionar
o trabalhador a fazer seu serviço de maneira correta: não pode errar, pois o “erro gera:
desperdício e prejzo”. Assim, indica que o trabalhador deve trabalhar bem sempre. O
trabalhador deve estar habituado a trabalhar sem errar. Portanto, é uma forma diferente de
organizar a produção, ao invés de chegar com autoritarismo exacerbado ditando regras e
impondo metas, as normas são colocadas de forma emblemática para o trabalhador.
O trabalhador se depara com imagens e ilustrações que demonstram como ele deve ser no
seu trabalho, mas, que não estão fora de como ele é na sua vida, pois, os elementos trazidos
rementem-se as ações do dia-a-dia, pensando em como resolver problemas e situações. Tal
como o elemento do pensar, antes de agir, ou o “prevenir ao contrário de remediar, que está
destacado na figura 3:
127
Figura 3: Práticas de ordenação Apostila SOLAR
Fonte: GRUPO ZADVILLE. Programa Solar
A empresa constrói uma ideologia sobre o perfil do trabalhador, de que o bom
trabalhador seria a pessoa organizada. Pois, se o trabalhador o for estará prevenido acidentes
já que o melhor é “prevenir do que remediar”. Portanto, a gestão da empresa recomenda
atitudes a partir de valores trazidos pelo trabalhador, utilizando como um valor dele,
levantando questões que elevam a qualidade da empresa. Pois, se para ser uma pessoa melhor
é necessário ser organizado, dedicado, responsável, o trabalhador poderá ser isso, pois a
empresa propicia. Ela não recomenda atitudes como torna isso um valor do trabalhador,
que é e deve ser também da empresa. Quanto mais organizado o trabalhador for, mais ágil ele
será em termos produtivos e isso resulta numa maior produção, que é o que realmente
interessa à fábrica.
128
Também pode ser visto a partir da frase destacada pela empresa, “Não queira mudar o
mundo, quando basta mudar você mesmo: seja organizado e comprometido. As tentativas da
empresa de enfatizar que o que deve ser mudado é o trabalhador. O mesmo não deve
questionar, nem querer mudar nada, além de si mesmo. O elemento central para o trabalhador
deve ser adaptar-se ao mundo da empresa e não querer transformá-lo, mudá-lo.
Além disso, atribui a responsabilidade pela segurança do trabalhador para ele mesmo,
deixando a entender que se as coisas derem erradas, se o trabalhador sofrer danos foi porque
ele mesmo foi descuidado com alguma situação no trabalho. Ou seja, seu sucesso na vida
depende de você, é você quem escolhe o que é melhor para você. A empresa inclusive indica
os lugares onde o trabalhador deve organizar, como pode ser visto na figura 4:
Figura 4: Práticas de ordenação-Apostila SOLAR
Fonte: GRUPO ZADVILLE. Programa Solar
A Faville constrói um mapa indicando instruções para que a pessoa possa ser um bom
trabalhador. Basta o trabalhador seguir todos os passos ditados pela fábrica. Assim, a empresa
a entender que ela faz a sua parte, indicando e ensinando o trabalhador a obter sucesso no
seu trabalho, é só ele seguir todas as regras dadas pela empresa. Indica também que acima de
tudo o trabalhador o deve errar, e sim fazer certo desde a primeira vez”. Dessa forma, a
empresa busca uma produção 100%, ou seja, sem prejuízos, e que o trabalhador dê o máximo
129
de si. A responsabilidade é transferida a cada empregado para que consiga trabalhar em
equipe e gerar coletivamente o que é proposto pela empresa. Admite ainda que todos os que
ainda o começaram a organizar e seguir as normas da empresa estão deixando de viver.
Desse modo, destaca que o importante o essencial é organizar as pessoas, pois são elas que
trarão a qualidade para empresa.
Por isso, as mudanças ocorridas na organização da produção podem ser vistas como
um modo de re-configurar o trabalhador. Porque durante décadas houve certa preocupação de
controlar a vida do trabalhador fora da brica, evitando que ele desperdiçasse energia com
festas, passeios etc.; desta forma estaria muito cansado no trabalho, mas de uma forma rígida
e autoritária. Agora, como pode ser visto nessas práticas da empresa, há a tentativa de
utilização da vida fora do trabalho como meio de fazer o trabalhador produzir mais,
convencendo-o de que deve trabalhar.
Ao que se indica a fábrica utiliza a vida do trabalhador fora da empresa, valorizando-o,
entendendo que não existe mais uma separação entre a casa do trabalhador e a fábrica e vice-
versa. Sendo que aquilo que o trabalhador aprende na empresa pode utilizar na sua casa; e a
forma como ele organiza a sua casa pode organizar a empresa. Isso pode ser visto na fala de
Marizete que ao manifestar-se sobre o Solar afirmou que:
Ah, o Solar não dentro da instria, mas, a questão do dia-a-dia questão,
né? Questão da organização, disciplina, respeito, limpeza. Não dentro,
para mim, o Solar ajudou bastante na minha casa. [como organização?]o
é exatamente organização, você aprende organização ás vezes vamos supor,
se lá tem dois potes e você deixa vazio, você vai guardando essas coisas.
Eu acho que assim o Solar me ajudou muito. o que eu fosse uma pessoa
desorganizada, mas, você tem aquelas coisas, vai guardando e hoje eu não
faço isso.
94
A narrativa de Marizete expressa a forma como o trabalhador identifica as questões
passadas com o Solar, que buscavam segundo a entrevistada ensinar o trabalhador a ter uma
postura mais organizada tanto na empresa quanto no trabalho. Sendo que a partir do momento
em que o trabalhador aprende a ter um melhor desenvolvimento e aproveitamento do seu
trabalho na empresa ele pode verificar o quanto é bom ser organizado e dedicado melhorando
sua relação fora da empresa também. Cuidando e trabalhando melhor em casa.
Também deve-se levar em conta que boa parte dos funcionários da Faville são mulheres, que
não só trabalham na fábrica mas devem cuidar da sua casa. Assim, a empresa volta-se para o
94
NUNES, op. cit.
130
trabalho da mulher, ensinando-a organizar-se melhor com o seu trabalho fora da empresa
também.
Essa questão de utilizar o que se aprende na empresa para sua vida, para o seu trabalho
dentro de casa, pode ser visto também na fala de Elise:
Essa questão dos treinamentos, por exemplo, ali a gente aprendeu questões
do trabalho em equipe mesmo. Por exemplo, ali dentro da fábrica, você
trabalhando em equipe ajudando o outro, isso fica mais fácil. Eu trabalho
fora, meu irmão trabalha fora, meu pai trabalha fora, e a minha mãe tem uns
dias que ela trabalha fora tamm, então se cada um sabe ali e chega e... Eu
faço isso, você faz isso e você faz isso. E a gente no final quando ta todo
mundo cansado, isso vai acabar, vai rápido, não vai ficar pra uma pessoa
fazer... e vai ta tudo logo pronto. Então, são coisas assim que a gente acaba
passando pro dia-a-dia gente. Então... trabalho em equipe em casa isso é
uma coisa assim que querendo ou não e isso ajuda também [...].
95
Segundo Elise, os treinamentos realizados na empresa foram úteis para organizar e
tornar mais ágeis as tarefas de casa. O fato de na empresa ter-se destacado o trabalho em
equipe, fez com que ela percebe-se que em casa também se cada um fizesse uma parte do
trabalho o produto final seria melhor. Assim, a narrativa de Elise demonstra que o trabalhador
aceita exercer sua função por perceber que ele está ganhando algo com isso. Já que na
empresa ganhos em valores materiais são mínimos se forem vistos com relação ao aumento de
salário. Os trabalhadores parecem perceber que ganham com relação à aprendizagem de sua
vida. Desse modo, o compromisso com a qualidade da produção só pode ser realmente
cumprido se o trabalhador percebe sua importância como algo que favorece também os seus
interesses.
Dessa forma, o trabalhador passa a perceber questões que antes eram vistas como
autoritárias mais “benéficas e produtivas”. São noções básicas de organização, por exemplo,
cobradas na empresa que são levadas para o seu convívio doméstico. Assim sendo, elementos
cobrados na brica passam a serem associados a noções de convívios dos trabalhadores.
Por conta disso, no capítulo seguinte faz-se necessário discutir algumas
transformações ocorridas no espaço fabril, na esfera da organização da produção entendidas
como elementos da chamada reestruturação produtiva.
95
CHRISTMANN, op. cit.
CAPÍTULO 4
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, VISTO COMO ACEITAÇÕES E
RESISTÊNCIAS DOS TRABALHADORES.
4.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
É possível entender as relações processadas especialmente nas últimas três décadas,
quando a reestruturação produtiva foi anunciada por uma série de estudiosos como as
necessidades inevitáveis de fazer com que as empresas obtivessem inserção no mercado
global ou concorrência nesse mercado. Dada essa conjuntura, passou a ser exigido também,
que o trabalhador se adaptasse as “novas realidades exigidas”; como necessidade de
adaptarem-se a novos saberes, para incorporar-se ou permanecer no mercado de trabalho. Na
verdade, como adverte Edmundo Dias, trata-se da necessidade de re-configurar o trabalhador
de modo a torná-lo parte da família da empresa, alguém que “veste a camisa”, que é
valorizado pelo seu talento tornando-se mais produtivo para a empresa. Ele admite:
Gramsci falando do processo afirmou, como vimos que ocorrerá
inelutavelmente forçada, uma parte da velha classe será desapiedadamente
eliminada do mundo do trabalho [...] Gramsci aponta aqui com clareza que o
processo de construção do trabalhador coletivo, do homem massa, estava
sendo realizado. Lembremos: trata-se da ‘fase mais recente de um longo
processo que se iniciou com o nascimento do próprio industrialismo’. Os
processos fordista e taylorista nada mais fizeram do que ampliar o processo
de desqualificação do trabalho já anteriormente iniciado. O capitalismo que
nos anos 30 necessitou do keynesianismo, como conjunto de medidas de
contra-tendência, redefine hoje o conjunto das relações classistas. A
chamada revolução’ científico-tecnológica em curso atua na construção de
uma nova eficácia capitalista, que se funda em técnicas de gestão do capital
sobre a força de trabalho [...]. Os trabalhadores o diretamente chamados a
se associarem ao capital, a ‘vestir a camisa’ da empresa. O trabalhador de
que o capital necessita é aquele que é capaz de dar resposta, pronta e
adequada ás situações que possam correr no ato produtivo. Requer-se
portanto, o trabalhador polivalente. Ao mesmo tempo em que leva a
desqualificação do trabalhador ao máximo e caracteriza a sua
dispensabilidade, esse processo tem a aparência de recuperação e
reintegração do saber operário. Tudo isso marcado pela tentativa de tornar
desnecessária a atividade sindical na perspectiva classista e, com isso,
possibilitar que a hegemonia capitalista nasça na cotidianidade do ato do
trabalho. Ganhar corões e mentes dos trabalhadores significa, portanto,
desestruturar-lhes a identidade de classe. (DIAS, 1998, p. 47)
132
De acordo com Dias, a hegemonia na fábrica visa o consentimento do trabalhador. A
dominação deve se dar no espaço de produção, nas relações de trabalho. Os trabalhadores
devem não reproduzir o discurso, mas também praticá-lo. Na hegemonia capitalista da
produção tem-se a tentativa de dominar o trabalhador, fazendo-o consentir com sua
dominação, com a aparência de que ele não é explorado, mas que faz parte do processo de
produção. Tenta-se abater da imagem do trabalhador sua identidade enquanto classe
trabalhadora fazendo de “todos” parcelas colaboradoras do capital. Os trabalhadores deixam
de ser trabalhadores e passam a serem indivíduos colaboradores, ou sócios do capital. Assim,
tenta-se derrubar uma antiga visão de mundo, e implantar uma nova, como o autor comenta
que o trabalhador deve “vestir a camisa da empresa”.
Em relação a essa questão, Edmundo Dias pontua que algumas práticas construídas
por empresas que preocupadas com a gestão do trabalho, buscam eliminar a desigualdade
presente nas relações de trabalho, adaptando formas e posturas do trabalhador como
benefícios cedidos pelos patrões. Essas práticas fazem com que “a desigualdade real apareça
como igualdade fechitizada” (DIAS, 1998, p. 47). Essa falsa igualdade parece estar presente
na relação entre a Faville e seus empregados, pois algumas práticas destacadas pela empresa
o colocadas como benefícios cedidos pela empresa ao trabalhador, quando, na verdade,
podem ser conquistas dos trabalhadores. Esta prática faz com que o funcionário venda sua
força de trabalho pensando ser justo, que o patrão dá para ele algo para além do seu salário
porque ele também não trabalha para além do que lhe é exigido.
Por conseguinte, é importante pensar tais questões a partir das relações de trabalho
vivenciadas na Faville, quando a gestão da fábrica busca fazer com que o trabalhador consinta
com sua situação de trabalho. Uma vez que, na fábrica tem-se a prática de utilizar o termo
“colaboradorpara se referir ao funcionário, tentando dissolver e eliminar os conflitos de
classes existentes na fábrica. O que acaba anulando a divisão entre patrão e empregado,
destacando que os trabalhadores são importantes porque colaboram com o crescimento da
empresa.
Exemplo disso é o discurso do proprietário da fábrica, que ao falar da empresa atribui
o seu sucesso aos trabalhadores:
Esta linda história do Grupo Zadville está sendo feita, além dos ingredientes
técnicos, com muita alegria, sinergia, motivação, auto-estima e acima de
tudo através de gente como a gente, com grandes sonhos e objetivos, pois
nada teria acontecido se não acreditássemos na capacidade das pessoas e na
graça de Deus. Dentro desta vio empreendedora e empresarial é que vamos
escrevendo nossa história e nestes projetos e realizações, milhares de pessoas
133
estão juntas contribuindo com sua participação pessoal e profissional. Temos
consciência de nossa jovialidade, mas também da nossa responsabilidade, e é
desta forma que queremos sempre estar cultivando os principais valores
humanos, transformando isto em produtos de qualidade. [...] Nosso grande
objetivo é crescer e nos estabelecer entre as maiores instrias de alimentos
do Brasil, contribuindo desta forma com o desenvolvimento regional e
nacional, através da gerão de emprego e renda. Acreditamos no nosso
Brasil, pela sua riqueza natural, pela riqueza de seu povo e acreditamos em
nossas empresas e em nossos colaboradores. Vamos em frente hoje e
sempre. (ZADVILLE, 2005, p. 3)
Neste trecho da revista Zadville percebe-se que o diretor e proprietário Dali Zadinello
associa o crescimento da empresa aos trabalhadores, incentivando-os a produzirem. Do
mesmo modo, afirma que tem enfatizado os valores dos trabalhadores, os principais valores
humanos, transformando em produtos de qualidade”. Que pode ser pensada na forma atual de
luta de classes, pois, com o taylorismo tentava-se arrancar toda e qualquer subjetividade do
trabalhador. Mas, hoje, essa subjetividade tende a ser permitida desde que seja voltada para a
produção.
Além disso, busca o consentimento dos trabalhadores, sabendo que devem colaborar
para o crescimento da fábrica porque depende da competência deles. E destaca que seu capital
o as pessoas, a mão-de-obra, a força de trabalho. Por isso, busca o consentimento desses
trabalhadores para que haja maior produtividade, através de práticas e discursos que façam
com que o trabalhador apóie e por vezes consinta com o processo de capital.
A estratégia da gestão da brica tenta mostrar certa igualdade nas relações de
trabalho, ocultando a desigualdade que existe entre operários e patrões, no sentido de que
todos colaboram para o crescimento da fábrica. Dessa forma, busca-se convencer os
trabalhadores de que não um interesse individual do patrão, mas uma preocupação com o
geral, ou seja, com todos. Assim, ao tentar construir a imagem do trabalhador como um
colaborador, a gestão da fábrica deseja criar uma identidade de trabalhador que faça parte da
empresa e de sua organização. A gestão da fábrica se propõe a extinguir as desigualdades e
disputas de classes, alicerçando-se no argumento de que todos estão no mesmo patamar,
fazendo parte da mesma equipe. o há patrões e empregados e, sim, colaboradores. Sobre
isso, Edmundo Dias assim discute que
A tecnologia, e o fetichismo por ela imposto, é aqui fundamental. O
trabalhador se torna um ‘associado’ ao capital. O trabalhador-patrão, dono
de muitas vezes pequenas empresas, aparece como responsável pela
produção e pela satisfação dos desejos e interesses dos clientes. Nessa
operação ‘desaparecem’ as contradições entre esses trabalhadores e seus
antigos patrões, entre eles e os consumidores. Eliminando o horizonte
134
antagonista do capital, a referência classista internacional, desconstruindo
esse horizonte, despolitizando o debate, tudo se reduz á administração.
(DIAS, 1998, p. 50)
Segundo Dias a racionalidade presente na organização do capital pressupõe tentativas
de naturalização das relações de classes existentes entre trabalhador e empregado, tornando o
trabalhador parte do processo de produção. Além disso, a responsabilidade sobre o sucesso ou
fracasso da fábrica é atribuída a este porque se todos são donos, todos sofrem com os
benefícios ou com os prejzos. Assim, esse fetichismo colocado pelo capital dá a idéia de que
o trabalhador é autônomo quando, na verdade, o que se está buscando é um trabalhador que
consinta as intenções produtivas do capital. Assim, neste tipo de organização do trabalho é
preciso que o trabalhador vista a camisa da empresa. É preciso fazê-lo desejar o capital”
(DIAS, 1998).
Essa discussão pode ser relacionada com a questão de “ocultação política” discutida
por Edmundo Dias, a qual indica uma tentativa da classe dominante em subtrair as
desigualdades de classe existente.
O problema se coloca de modo distinto: despidos no início de suas
determinações estruturais, esses homens o rapidamente vestidos’.
Despidos no início: se eles são indivíduos, vontades, eles são iguais. E há na
diferença interesses um ponto de unidade: ambos ‘necessitam’ um do outro
(outra aparência necessária). O capitalista necessita comprar a força de
trabalho, o operário necessita vendê-la. O termo comum, força de trabalho,
torna-se assim o núcleo da relação. No entanto, feita a relação, a nudez
desaparece. A ‘colaboração- unidade’ também. Na fábrica, todo homem é
historicamente determinado: operário, capitalista, etc... A diferença torna-se
positividade, a determinação está estabelecida. Na economia capitalista, o
podem existir dois poderes. Esta é a questão. (DIAS, 1998, p. 16)
.
No geral, neste processo agrega-se o trabalhador à organização da produção como
parte integrante do capital, construindo o consentimento dos trabalhadores. Ocorrem
mudanças na forma de tratar o trabalhador, valorizando-o emocionalmente e fisicamente.
Então, criam-se novas estratégias para fazer com que o trabalhador aceite ser subordinado.
Tem-se a recriação do trabalhador, almejando obter disciplina, fazendo com que o trabalhador
“vista a camisa da empresa”.
De algum modo é possível sugerir que o funcionamento do capitalismo necessita de
um “novo trabalhador” toda vez que um modelo parece estar em derrocada ou quando uma
estratégia produtiva deixa de ser lucrativa. A partir do momento em que os trabalhadores
135
passam a reivindicar liberdade, autonomia, participação, o capitalismo torna-os participantes
do processo de capital, “trabalhador associado ao capital”, entendendo que o trabalhador
passa a fazer parte da hegemonia de capital quando ele perde sua identidade de classe.
Dessa forma, ao voltar-se para a questão acerca das formas que a Faville utiliza para
tentar dominar o trabalhador, fazê-lo consentir, entende-se a Faville e seu espaço de produção
como projetos de hegemonia. E, um projeto hegemônico acontece quando tentativa de
dominação de uma classe sobre outra, fazendo as demais classes pensar da forma que se
estabelece. Como aponta Edmundo Dias:
A capacidade que uma classe fundamental (subalterna ou dominante) tenha
de construir sua visão de mundo própria, autônoma. Esse processo de
construção da hegemonia, que ocorre no cotidiano antagônico das classes,
decorre da sua capacidade de elaborar sua visão de mundo autônoma e da
centralidade das classes. Essa centralidade, tomada como síntese de
múltiplas determinações’, e não como a priori lógico como um efeito de
estrutura’ é determinante no exercício da hegemonia. Diferenciar-se,
contrapor-se como visão de mundo ás demais classes, afirmar-se como
projeto para si e para a sociedade, ser direção das classes subalternas e
dominadas na construção de uma nova forma civilizatória. Para tal, é
fundamental ter a capacidade de estruturar o campo de lutas a partir do qual
ela poderá determinar suas frentes de intervenção e articular suas alianças.
(DIAS, 1998, p. 10)
Assim, a hegemonia acontece quando uma classe tem a capacidade de fazer com que
as demais pensem a realidade guiada pela sua visão de mundo. Cria-se uma interpretação
única. Ao pensar a questão de hegemonia voltada para as relações de trabalho estabelecidas na
Faville pode-se entender que a gestão da brica tenta utilizar discursos que valorizem o
trabalhador. Assim, buscando obter o consentimento do trabalhador sobre a organização da
produção, enfatiza-se os discursos construídos sobre o quanto os funcionários são
imprescindíveis.
Isso pode ser percebido quando a fábrica tenta incorporar alguns valores profissionais
e pessoais do trabalhador, presente no seguinte informativo da Faville:
Educação para desenvolver
Sempre tocada com as necessidades crescentes do mercado atual, a empresa
viabiliza diversas atividades de treinamento, investindo no crescimento
pessoal e profissional dos colaboradores. Os resultados aparecem no
comprometimento, responsabilidade e qualidade, tanto da produção quanto
da vida dos colaboradores, garantindo organização, limpeza, redução de
desperdício, e principalmente, alcançar as metas planejadas. O treinamento
contempla palestras, cursos nas áreas cnicas, comportamental, preparando
o colaborador para uma visão ampla e focada da vida. (ZADNELLO, 2003,
p. 9)
136
A empresa declara que se preocupa com o crescimento pessoal e profissional do
trabalhador, justificando que faz isso porque obtém os resultados na produtividade. Nessa
passagem, a gestão da fábrica afirma que quanto mais ela se responsabiliza pela vida do
trabalhador, mais ele aumenta a qualidade na produção, pois o trabalhador tendo
responsabilidade e organização na sua vida acaba transferindo tais práticas para sua forma de
trabalhar.
No geral, é possível afirmar que a gerência da Faville busca mostrar-se preocupada
com o trabalhador como forma de convencê-lo a se envolver com a empresa. E, mais ainda,
ela o elogia os trabalhadores, relacionando o sucesso da brica com seu desempenho,
como atribui a eles a qualidade dos produtos da empresa. Pode-se entender que a
responsabilidade do bom andamento da fábrica e da produção depende dos trabalhadores.
Destaca-se também a importância dos colaboradores para com os resultados.
Para isso os funcionários são estimulados a oferecerem sempre o melhor de
si, para que em cada produto oferecido fique registrada a imagem da
qualidade. Diante do compromisso que a organização tem a cumprir de
satisfazer a necessidade dos clientes, cabe aos próprios colaboradores
assegurarem o serviço que executam, conferem, dirigem ou fiscalizam, e
para que o próprio crescimento na organização, os profissionais devem
primar pela capacitação, pensamento coletivo, responsabilidade, bom
relacionamento dentro e fora da empresam iniciativa e disciplina. Segundo a
sua filosofia, acredita-se que o crescimento da empresa se dará com o
conhecimento e comprometimento dos colaboradores com a política de
qualidade da empresa. Fica de responsabilidade de cada funcionário
desenvolver sua função primando pela qualidade dos produtos.
(ZADNELLO, 2003, p. 22)
De acordo com a empresa ela visa obter uma extrema dedicação do trabalhador para
com seu trabalho, ressaltando que a qualidade dos produtos depende da forma como
trabalhador se dedica. Se ele der o melhor de si, a empresa vai ter um ótimo produto, mas se o
trabalhador fizer de qualquer jeito a empresa vai ter prejuízo, pois o produto não terá
qualidade. A gestão da fábrica se responsabiliza pelo geral dos trabalhadores e cada
trabalhador deve fiscalizar a si mesmo. Dessa forma, na empresa acaba-se por transferir seu
sucesso ou fracasso para o trabalhador. Portanto, o importante para a gestão da fábrica não é
valorizar e ajudar o trabalhador, mas investir na peça chave, na força-de-trabalho, para que
não pare a produção.
A partir disso, é importante discutir tais práticas vivenciadas na Faville como um jogo,
entendendo que nem tudo parte do capital, tomando o espaço de produção da brica como
137
um espaço de relação social e de disputas. Discuto no próximo item o modo como o
trabalhador, de alguma forma, também passa a consentir essa situação de exploração, pois se
não houver consentimento por parte do trabalhador essas estratégias da empresa discutidas
aqui não funcionam.
4.2 RELAÇÕES DE TRABALHO
Conforme venho tentando argumentar e evidenciar, o trabalhador vive uma situação de
exploração por vezes consentida devido às pressões sofridas no trabalho e fora dele. Porém,
isso não significa que os trabalhadores concordem com ela. A esse respeito, Michel Burawoy
observou o seguinte:
Hoje em dia, as gerências não podem mais confiar exclusivamente na coação
econômica do mercado, nem podem impor um despotismo arbitrário. Os
operários devem ser ‘persuadidos’ a cooperar. Os interesses dos
trabalhadores devem ser coordenados com os do capital. Os “regimes
despóticos” dos primeiros anos do capitalismo, nos quais prevalecia a
coerção sobre o consentimento, m que ser substituído por “regimes
hegemônicos”, em que o consenso predomina, embora não se exclua
totalmente a coerção. (BURAWOY, 1990, p. 35)
Nesse sentido, é possível compreender que o chamado consentimento vem
acompanhado do elemento da coerção. A coerção não demonstra atitudes brutais ou violentas
contra o físico do trabalhador. Ela é constituída por uma série de práticas que fazem com que
o trabalhador sinta medo de perder seu emprego. Referindo-se ao processo mais recente de
“reestruturação produtiva”, Edmundo Dias observa que:
Em suma, quer-se produzir um operário parcelar, descontínuo, e acima de
tudo, inteiramente subordinado ao capital. Um trabalhador que por medo de
perder o emprego, defende não apenas a produtividade do capital, mas, até
mesmo, a demissão dos seus companheiros. (DIAS, 1998, p. 50)
De acordo com Edmundo Dias, os capitalistas buscam implantar as relações de
trabalho sustentando-se na idéia do constante “medo da perda do emprego”. O trabalhador
ameaçado acaba por colaborar com algumas práticas do capital. O autor também expõe que
não importa se “são eliminados postos de trabalho”, uma vez que não falta reserva de
trabalho, a realidade é de muitos desempregados em busca de uma ocupação. Por isso, o
trabalhador empregado defende acima de tudo seu emprego, acabando muitas vezes por
defender a produtividade do capital.
138
Pude observar situação semelhante quando entrevistei uma trabalhadora da Faville
sobre a relação com os sindicatos. Ela me disse que a maioria dos trabalhadores não
participava das assembléias e reuniões e nem mesmo freqüentava o sindicato. Segundo Neli, o
motivo desse comportamento devia-se ao medo de perder o emprego: “É que as pessoas têm
medo de perder o emprego porque é difícil um emprego fora, não é fácil. Daí as pessoas tem
medo, daí elas acham: ah ta bom assim, né? Mas podia melhorar muita coisa”
96
.
uma mudança presente na própria forma de pensar do trabalhador: antes tinha-se
medo no emprego, mas medo de sofrer ataques ou violências físicas do patrão se ele não
trabalhasse. Agora, o trabalhador incute em si mesmo a necessidade de trabalhar como forma
de permanência no mercado de trabalho. Este é o argumento de Marcos Rene Simon, 30 anos,
nascido em Goioerê/PR, que trabalha como coordenador de massas. Ele comenta: “Não hoje
não. Hoje o pessoal esta integrado [...]. foi conversado e... foi decidido que tem que
trabalha, não é uma coisa que é brincadeira. Tem e precisa trabalha”
97
.
Vale ressaltar, que Rene começou a trabalhar na fábrica Zadville em Goioere sendo
transferido para Marechal, deixando suas filhas na cidade em que morava. Indicando o
significado de que trabalho é realmente importante para ele. O entrevistado afirma sua
concepção sobre o emprego que o pode ser levado de qualquer forma, não é uma
brincadeiraporque precisa dele. Não é apenas um trabalho, é uma necessidade. Acerca disso,
Osvaldo também trás uma questão importante relacionada a abordagem de alguns estudiosos
que interpretam a reestruturação produtiva como um processo que atinge e alicia todos os
trabalhadores sem qualquer tipo de resistência ou mediação. Osvaldo afirma que mesmo que a
organização da empresa realize palestras para fazer com que o trabalhador se motive a
trabalhar mais,
Não, é esse negócio de motivação aí, porque se o pessoal está desmotivado,
por mais que eles façam esse negócio de motivação e sucesso o pessoal o
muda não. A pessoa cansou de uma coisa parece que ela está ali dentro só
pra ta mesmo, porque ela precisa se não iria estar [...] tem muita gente que
precisa do trabalho e não querem sair dali. Se eles saírem dali eles tem medo
de procurar outro serviço, o pessoal ali é medroso essa que é a verdade.
98
O trabalhador afirma que o motivo responsável por sua permanência na Faville nem
sempre reside no esforço motivacional da empresa. De maneira mais geral, a principal razão
para a permanência na brica é o medo do desemprego. Assim, o entrevistado afirma que
96
SONTAG, op. cit.
97
SIMON, op. cit.
98
QUADRA, op. cit.
139
mesmo os trabalhadores sentindo-se desanimados pelo trabalhar, continuam “lá” por falta de
opção, por medo de saírem e não conseguirem outro emprego.
Além disso, Osvaldo destacou que mesmo que a empresa tente explorar o trabalhador
sutilmente, tratando-o como “colaborador”, a empresa tenta colocar pressão para que o
trabalhador se empenhe no trabalho, afirmando que nenhum trabalhador é insubstituível.
Assim, quando comentei com Osvaldo sobre a questão de a empresa chamar os seus
funcionários de “colaboradores”, ele afirmou que trabalhador ta lá pra trabalhar e fazer bem
feito, isso que eles falam que ninguém é insubstituível. Eles ficam botando pressão sabe? Se
você fizer isso errado tem outro pra botar no teu lugar”
99
.
Segundo Osvaldo, a forma como a gestão organizacional da Faville utiliza-se para
fazer com que os trabalhadores trabalhem, é ameaçando-os de serem demitidos. Então, por
mais que alguns autores promovam discussões acerca da reestruturação produtiva, frisando
novas estratégias de empresas ligadas ao capital no sentido de aumentar a mais-valia, de
acordo com esse entrevistado, a empresa utiliza formas tradicionais para a extração de mais-
valia, praticamente obrigando o trabalhador a trabalhar. Portanto, mesmo que a fábrica utilize
algumas práticas mais sutis, destacando a importância do trabalho do trabalhador, como foi
percebido na discussão com a apostila do Solar, de alguma forma os trabalhadores impõem
resistências. O que faz com que a fábrica passe a modificar a forma de agir, como por
exemplo, utilizando um modo mais autoritário, promovendo ameaças ao trabalhador.
Desse modo, tenta-se mostrar que mesmo que a brica tenha implantado algumas
práticas visando à implantação dos programas de qualidade, exigindo todo um trabalho que
vise o envolvimento do trabalhador. A realidade de trabalho e dos trabalhadores demonstrou
que isso não foi implantado de forma homogênea e pacífica, quando os trabalhadores
permanecem na empresa não por acreditarem que a empresa precisa deles, ou porque ali são
valorizados, mas porque necessitam do emprego, tem medo de ficarem desempregados.
Alguns trabalhadores questionam a organização do trabalho na empresa, percebem os
modos como a mesma tenta organizar a produção, compreendendo que os mesmos vivenciam
e percebem que são explorados. Tal questão pode ser discutida a partir da fala de Rafael
quando explica a prática da empresa para fazer exceder a jornada de trabalho, vencer as metas
sem precisar recompensá-los pelas horas trabalhadas. Ele conta:
Não, claro que não. No caso da minha entrevista ame perguntaram: você
ta disposto a fazer hora-extra? Ô, claro que estou, né? Porque pra mim é
ganho, né? E ajuda no meu orçamento. É claro que eu ia faze quantas fossem
99
Idem, ibidem.
140
preciso desde que fosse remunerado. Agora pra compensa? Não, não teve
questionamento nenhum. Se você quer saber, da última vez que foi pra
discuti alguma coisa eu acho que foi pra discuti lá com meu supervisor sobre
hora-extra ainda. Eles estavam decidindo se iriam paga ou o... a
questão o seguinte: a linha sai pra almoça e ela tem uma hora de almoço, só
que dificilmente ela faz uma hora, geralmente ela faz quarenta e cinco
minutos. Às vezes ela faz trinta minutos, às vezes faz menos, entendeu?
Então tipo nesse caso aí ele tava querendo exigi da minha pessoa e do
restante dos caras, que voltasse a hora que a linha voltasse independente se
tinha dado a sua uma hora de almoço ou não. Mais pô, não é direito meu
fazer uma hora de almoço? Agora porque a linha voltou meia hora eu vou ter
que perde meia-hora? Isso ta se tornando rotina. E sem ta recebendo ainda
essas horas que eu tava perdendo, entendeu? ia acumulando hora e
chegava e me mandava compensa no meio de semana. Ia lá, trabalhava às
vezes num sábado e tinha que compensa numa segunda-fera, a... então pra
mim não é lucro, entendeu? Porque no caso ô acerto que eu tinha feito com
eles, o contrato que eu tinha assinado era pra recebe as horas-extras e o
só...
100
Na fala de Rafael é possível perceber que mesmo sobre uma situação determinada pela
empresa, o trabalhador tenta no limite resistir. Portanto, a exploração o é negada, mas
também é preciso pensar que o trabalhador tem consciência dessa situação. Pois, segundo
Rafael ele estava de acordo em ter que efetuar horas extras, desde que recebesse por elas, não
concordando em trabalhar de graça. Além disso, o depoente questiona a forma da empresa
impor as regras, fazendo os trabalhadores excederem sua jornada de trabalho sem receber por
esse trabalho, perdendo inclusive seu tempo de almoço. É importante ressaltar então, a partir
da fala de Rafael, que o trabalhador percebe a estratégia da empresa de fazer com que os
trabalhadores excedam a jornada de trabalho em um horário que seria de descanso. Ao ins
da fábrica pagar pelas horas a mais, ela aproveita o horário que seria para o trabalhador.
Rafael também comenta sobre a troca que o patrão faz, ao invés de pagar horas-extras,
faz com que as horas do trabalhador sejam compensadas num determinado dia ou horário que
seja melhor para a empresa, no chamado banco-de-horas”. No qual, como indica Rafael, o
trabalhador não se sente animado com essa atitude da empresa, pois ele tem que trabalhar,
excedendo sua jornada de trabalho e não o recebe por elas, como faz uma troca com o
patrão, depositando horas a mais a serem retiradas geralmente em dias que são legais para o
patrão e não para o trabalhador. O trabalhador vai depositando as horas no banco-de-
horas,” esperando serem recompensadas.
A partir disso, percebe-se que o espo de produção é um espaço de disputas, pois a
empresa tentou implantar uma nova estratégia para controlar as horas trabalhadas, através do
100
RAFAEL, op. cit.
141
“banco-de-horas”, mas, o trabalhador questiona tal mudança. Pois as horas-extras seriam uma
garantia que para o trabalhador significava excedente no salário, mesmo que trabalhasse a
mais receberia a mais.
Rafael ficou indignado, questionando o fato de estar prolongando sua jornada de
trabalho sem receber financeiramente por isso. O entrevistado entende que o recebimento da
hora-extra é um direito seu e que a partir da retirada de algo que foi conquistado pelos
trabalhadores, o patrão lucra duplamente: aumenta a produção e não precisa pagar por isso,
enquanto que o trabalhador perde duplamente: não recebe pelo tempo trabalhado e ainda
perde seu tempo de descanso.
Assim, é importante discutir também as formas como o trabalhador percebe o trabalho
e a exploração sobre ele, nas práticas da empresa de não parar a produção. Rafael comenta
porque a empresa faz com que o trabalhador perca seu horário de almoço para voltar à
produção:
Eles [refere-se a gerência] não querem sabe se você está sobrecarregado lá
ou não, eles querem sabe de manda. Tem um horário que, no caso, poderia
ser utilizado pra poder mandar esse produto e não sobrecarregar tanto as
pessoas que estão trabalhando no setor. Às vezes, as pessoa que mandam
eles vão pegar lá na expedição. É que nem no caso, o produto dos dois quilos
lá, deles lá, na hora de manda produto eles vão manda justamente na hora
que a gente está mais sobrecarregado. É na hora do almoço, é no fim do
turno, que é a hora que a produção está mais acelerada em maior quantidade
pra pode fecha mesmo a produção e pode bate as metas, eles vão e mandam
o produto deles justamente naquela hora. Aí você está ali se matando de
trabalha ali, você se sobrecarrega. Eno, no intervalo do almoço talvez
deveria ser usado o tempo ali pra... Tem um intervalo, é uma hora de almoço
pra cada linha, e cada uma sai com quinze minutos de diferença, vai dá na
facha de pelo menos uma hora e meia de descanso pra esteira que vem os
produtos, pra eles pode manda, no caso, a produção que eles fizeram a dois
quilos da waffer também. Então eu acho que nessa parte é um pouco
desorganizado. Na parte também de compensação de hora e de hora-extra e
compensação de hora porque eles não tão mais pagando hora-extra pra
gente, a firma parou de pagar hora-extra.
101
A partir da narrativa de Rafael, pode-se perceber que na fábrica tem-se adotado certa
intensificação da jornada de trabalho, pois os funciorios o levados a excederem esforços
nos horários de intervalo, havendo uma intensificação do ritmo, como afirmou Rafael, ao
dizer que o trabalhador se sobrecarrega. Assim, buscando vencer a meta da produtividade, a
organização da fábrica tenta fazer com que o trabalhador cumpra as metas dentro do seu turno
de trabalho, evitando horas de trabalho a mais, resultando em horas-extras. Ao mesmo tempo
101
Idem, Ibidem.
142
procura evitar que a produção atrase, pois ao invés de ter que deixar trabalho para outro dia, é
realizado dentro do turno de trabalho, ocupando os intervalos e o tempo de descanso do
trabalhador. O trabalhador aumenta o ritmo dentro do seu turno, sendo que, há uma elevação
da produtividade, mas, as horas pagas continuam as mesmas. Ao mesmo tempo, Rafael conta
que tem havido prolongamento da jornada de trabalho, concretizando em horas-extras,
fazendo com que o trabalhador fique na empresa para além do seu turno.
Desse modo, pode-se entender que inicialmente a fábrica optava em trabalhar com a
forma de pagar o trabalhador por horas excedentes, em valor dando um acréscimo ao salário.
Entretanto, no período em que a pesquisa foi realizada
102
os trabalhadores apresentaram
demasiadas reclamações acerca das horas-extras na fábrica, porque se tinha deixado de pagar,
e passado a inserir um novo modo de pagar essas horas, pelo chamado banco de horas”.
É valido ressaltar, que durante as entrevistas muitos trabalhadores disseram não
concordar com a implantação de tal método, pois tinham que trabalhar direto, sábados,
domingos e feriados sem receber nada por isso. Dessa forma, “o banco de horas transfere o
repouso remunerado do trabalhador para qualquer dia da semana [...] um prolongamento
barato da jornada de trabalho.” (COSTA, 2006). Assim como, as horas-extras implantadas
através do banco de horas foram vistas como uma forma autoritária de organizar o trabalho.
Como pode ser visto na fala de Osvaldo
Ah, então por isso o negócio também que eu achei lá foi esse negócio do
banco de hora que eles criaram né? Tipo ninguém avisou ninguém, chegou
de uma hora para outra e muitas pessoas faziam conta contando com hora
extra né? E eles começavam falar que tinha que folgar, e daí ás vezes tinha
que trabalhar num sábado, folgar no domingo pra folgar segunda feriado, pra
folgar dia de semana. o era hora por hora, tipo você o trabalhava hora
cem pra folgar dois dias, tipo trabalha no domingo e folga segunda e terça,
que é dois dias valendo cinqüenta né? Você folgava elas por elas né? Hora
cem por cinqüenta. eles nunca querem pedir. [...] Ali a questão de hora-
extra também é ruim né, que você trabalha pra você ficar em casa
depois?[Não recebia?] Não e tipo, não é o dia que você quer ficar em casa, é
o dia que eles querem né? O dia que eles querem pagar hora-extra, o dia que
eles querem que você folgue. Não é você que escolhe o dia que você q fica
em casa. [desde que você entrou na empresa a hora-extra estava assim?]
Não, quando eu entrei estava pagando. [Daí quando mudou você sentiu
que o pessoal ficou meio revoltado?] Sim, muita gente ficou assim
desanimado né? chegaram do nada e falaram: “oh, mês que vem não vai
mais ter hora-extra.” Tanto que eu entrei de férias eu tava de rias eu tava
acabando minhas rias ligaram aqui falaram que era pra eu ficar mais cinco
dias em casa que... não iam mais pagar hora-extra. Não fiquei sabendo de
102
As entrevistas foram realizadas no final de 2007.
143
nada, só me falaram e daí foi assim nunca mais teve hora-extra.
Simplesmente me mandaram ficar em casa.
103
De acordo com Osvaldo a tentativa de implantar uma nova forma de pagar horas-
extras aos trabalhadores não foi percebida como positiva e nem aceita de forma pacífica. O
trabalhador ao descrevê-la caracteriza como autoritária, não percebe sua participação nas
decisões tomadas na empresa, além de ser pego de surpresa sente-se prejudicado. o foi
perguntado, e sim informado, como será “daqui para frente”! Também, o termo “do nada”
expresso por Osvaldo, quer dizer que a mudança foi implantada não só sem participação do
trabalhador, como também sem aviso de que ia ocorrer.
Além de se sentir desrespeitado pela forma como foi tomada a decisão na empresa,
Osvaldo afirmou que foi prejudicado, pois não sabia da decisão. Talvez contasse com o
dinheiro que receberia pelas horas, sendo um excedente no seu salário. Mas ao invés disso,
recebeu folga. Também afirmou que se sentiu injustiçado, porque muitas vezes trabalhava no
domingo para folgar em dias de semana, colocando os dias em igualdade, sendo que domingo
era hora cem. Isso indica que a empresa tentou obter ainda mais a mais-valia do trabalhador,
fazendo-o trabalhar a mais e não recebendo por isso.
Além disso, a narrativa explicita que as situações colocadas por alguns autores que
com a chamada reestruturação produtiva, haveria mudanças nas estratégias dos empregadores,
pelo menos na aparência, os trabalhadores teriam maior participação nas decisões da empresa,
diminuindo a separação entre planejar e executar. Com relação a isso, percebe-se que na
Faville nem aparentemente os trabalhadores representam ter essa participação, os métodos
identificam com um autoritarismo rígido. O que permite entender, que a reestruturação
produtiva de capital não ocorre de forma homogênea em que todas as empresas devem
cumprir com os trâmites do capital. A fala do trabalhador pode ser entendida com relação ao
modo como ocorre a organização da produção, quando na maioria das vezes a gerência
planeja a forma como o trabalho será realizado, de forma autoritária.
A partir disso é importante ressaltar ainda a discussão sobre as horas-extras pagas na
Faville, ao levar-se em conta que Osvaldo admitiu que a empresa não estava pagando hora-
extra e sim banco de horas. Entretanto, no período em que foi realizada a entrevista com
Osvaldo, fazia quatro meses que não estava na firma, quando ele saiu a empresa ainda
trabalhava com banco de horas. Mas, de acordo com Mauro que é representante do sindicato,
diante de muitas reclamações dos trabalhadores a empresa voltou a pagar horas-extras. O que
103
QUADRA, op. cit.
144
demonstra que nem tudo que ocorre na empresa parte da organizão desta, a mudança
ocorreu porque os trabalhadores resistiram ao banco de horas. Ele afirma que foi conversar
com o patrão acerca das horas-extras, porque os trabalhadores estavam reclamando
expressivamente com ele. Então,
[...] tem bastante coisas assim, que as pessoas, que nem as hora-extra que... a
gente estava sofrendo bastante com isso, dvirou essa bagunça de mandar
as pessoas folgar sem banco de hora né, fazia hora–extra, deixava assim
reservado, chegava um determinado dia, ah hoje você vai folgar. Isso era
errado né? E a gente foi, também três vezes a gente foi conversar com
ele[Dali], também na terceira vez ele...foi agora eles voltaram a pagar. Agora
você fez hora chegou o final do mês você recebe. [Esta pagando né? Mas
faz pouco tempo?] Faz quarenta dias, que a gente conseguiu né? Também
tive que ameaçar ele de ir para o Ministério do Trabalho.
104
Segundo Mauro, a empresa mudou a forma de pagar horas-extras por conta da
intervenção do sindicato na fábrica em negociação direta com o proprietário Dali Zadinello.
Que para ele a negociação não foi fácil, teve que conversar três vezes com o patrão e ameaçar
de mandar a causa para o Ministério do Trabalho. Também, que a atitude do sindicato em
prol dos trabalhadores, evidência que a instituição tinha preferência para que houvesse uma
negociação entre as partes, caso contrário teria denunciado a empresa para o Ministério do
Trabalho, antes de conversar com o patrão.
Mesmo assim, a partir da narrativa pode-se perceber que os trabalhadores
questionaram a mudança com relação as horas-extras, tendo pressionado o sindicato a tomar
atitude conquistando as horas-extras pagas.
Desse modo, com o espaço da produção faz parte de um jogo, nem tudo que parte da
empresa é bem recebido pelos trabalhadores, e nem tudo parte da empresa, o fato de voltar a
pagar horas-extras foi pela forma como os trabalhadores impuseram e questionaram, e não
como estratégia da empresa. Algumas estratégias são criticadas e/ou questionadas pelos
trabalhadores. Sobre isso, é possível afirmar que algumas questões apareciam acentuadamente
na fala dos trabalhadores, reclamações acerca da cesta básica, hora-extra, equipes
multidisciplinares, etc.
A cesta básica, por exemplo, é colocada pela empresa como um benefício para o
trabalhador, a empresa afirma na revista produzida pelo grupo Zadville que “A Faville adotou
como forma de ajudar os colaboradores e suas famílias e premiar os bons resultados a entrega
de cestas básicas. A entrega ocorre praticamente todos os meses, como forma de reconhecer o
104
ZANELLA, op. cit.
145
comprometimento do colaborador com os resultados da empresa e com os colegas de
trabalho” (ZADNELLO, 2003, P. 08).
Entretanto, os trabalhadores ao falarem sobre a cesta básica, descrevem como algo que
é dado desde que se cumpram as regras. Então não é uma premiação dada pela empresa e sim
uma forma de controlar e obter disciplina do trabalhador.
É importante ressaltar, que ocorreram mudanças, pois, inicialmente a cesta vinha em
forma de alimentos e passou a ser em dinheiro (em vale compras). Como pode ser visto no
comentário de Marizete:
Agora ela está muito baixa. [não ta vindo?] é, porque antes quando chegava
cesta básica vinha o feijão, o arroz a e a farinha, então você sabia que aquele
mês você teria aqueles produtos. Agora, com o vale cesta não dá para
comprar. [Como assim o vale cesta?] É, eu acho que é o vale cesta, porque
é depositado na conta, ele é um cartão e você pode usar em qualquer
mercado. [você pega esses trinta e cinco reais, vo vai e compra em
vez de vim a cesta você vai e compra?] Isso. E tem vez que você o
consegue comprar nada né? Não da pra comprar os produtos que vinha
quando vinha a cesta.
105
Para Marizete a cesta básica o tem sido compensatória, porque antes ela vinha em
alimentos, então independente do valor a ser pago pela cesta os alimentos eram distribuídos
regularmente ao trabalhador, uma coisa mais certa, todo mês ela tinha aqueles alimentos. Mas,
a empresa passou a fornecer cesta em vale compras no valor de 35 reais. Assim, o trabalhador
tinha que ir até o mercado e comprar os produtos. O que seria uma forma mais incerta, pois,
os alimentos teriam que ser calculados por aquele valor, o que nem sempre garantia uma
quantidade.
Acerca disso, Osvaldo comenta que
[...] cesta básica né? Mas tipo é uma coisa que toda empresa deveria
beneficiar o trabalhador com isso e tal, mas se você chega atrasado ou você
trazer atestado, ou faltar você não ganhava. [E compensava a cesta básica?]
Em valor, se comparar a outras empresa é pouco né? Que o valor de uma
cesta básica ali na Faville é trinta e cinco reais né? Isso hoje em dia compra
dois pacotes de arroz, um de feijão e acabou o dinheiro né?
106
Osvaldo não a cesta básica como um benefício da fábrica para o trabalhador, pois,
“se você chega atrasado ou você traze atestado, ou faltar vonão ganhava”. Então, para ser
um benefício teria que ser dado pela fábrica, como forma de incentivo, mas ao que se percebe
105
NUNES, op. cit.
106
QUADRA, op. cit.
146
a cesta é conquistada pelo trabalhador através do seu bom comportamento e disciplina. Pois se
ele trabalha “certo”, cumprindo com as regras, ele recebe a cesta, se o ele perde. Além
disso, o trabalhador analisa o valor da cesta, que para ele daria para comprar pouca coisa.
Então percebe-se que a empresa o tem tido a prática através da cesta básica de
trabalhar com incentivos a produtividade do trabalhador. O trabalhador não se motivado a
cumprir com metas para receber a mais por isso, mas sim caso não cumpra ele perde, ou não
recebe a cesta básica, ou recebe menos. Como coloca Rafael
É, na verdade ela sai como uma gratificação, se você for um trabalhador cem
por cento, o que quer dizer pra eles? O que é esse trabalhador cem por
cento? Se você é um trabalhador que não chega atrasado, não é
indisciplinado, o tem falta no trabalho, e que não tem atestado nenhum.
Esse é o trabalhador cem por cento. Ano caso, você tem direito a cesta
básica, eu no caso é uma merreca a cesta sica. Na minha opinião a cesta
básica no valor de vinte cinco reais cara! É muito baixo, é quase hilário isso
aí, parece uma comédia. E até montaram um outro tipo de premiação e tinha
uma premiação do trabalhador cem por cento até no final do ano. Então,
agora até por s, no caso até dinheiro ás vezes eles davam, que assim,
dinheiro em valor de compras. E ás vezes DVD, bicicleta e umas camisetas
lá. Isso tudo pra eles pode incentivar o trabalhador a não te nenhuma falta na
empresa né? E não te nenhuma falta e agi da melhor maneira possível.
107
A fala de Rafael expressa a maneira como o trabalhador percebe o seu trabalho e as
estratégias da empresa para com o mesmo. Pois, Rafael faz uma crítica, e destaca que ele
percebe que algumas práticas da empresa são colocadas como modo de “conquistar o
trabalhador”, de convencê-lo a trabalhar. Assim, o trabalhador estipula metas disciplinares a
serem cumpridas – se não chegar atrasado, não faltar, não ter atestado, recebera a cesta básica
e concorrerá a prêmios. Porque o “colaborador cem por cento” estipula que só pode participar
o trabalhador que teve “cem por cento” presente no trabalho.
108
Então, o funciorio que ficar
doente durante o mês de trabalho, ou tiver alguma falta é punido; além de não receber a cesta
básica, não participa das promoções.
O entrevistado comenta que a empresa realiza algumas promoções na fábrica em que o
trabalhador concorre a prêmios. Além dessa promoção do “colaborador 100%, a empresa tem
uma que “valoriza a idéia do trabalhador” como pode ser analisado a partir da Figura nº. 5
107
RAFAEL, op. cit.
108
Durante a pesquisa de campo, segundo dados da empresa, a promoção do “colaborador 100%” é para os
trabalhadores que não tiveram atestados e nem faltas durante o mês de trabalho. Esses concorrem a prêmios,
como pude observar que na revista do Grupo Zadville de 2005, havia sorteio de uma moto, uma TV, um DVD,
um aparelho de som.
147
Figura 5: Promoção realizada pela Faville
Fonte: Pesquisa de campo realizada no em novembro de 2007.
Os trabalhadores são incentivados a participar e sugerir idéias para melhorar o
trabalho, as relações e a comunicação entre eles e a gestão produtiva da empresa. A partir
disso, gerar uma maior participação para o sucesso da empresa é uma meta para o funcionário.
Entretanto, ele o é incentivado a produzir, e sim a não deixar de produzir. Assim, pode-se
perceber tais práticas como uma forma de a empresa manter a produtividade sem ocorrer
imprevistos na produção.
A tentativa da empresa em obter dedicação máxima dos trabalhadores também é
percebida e questionada. Rafael refere-se ao valor da cesta básica como uma “codia”,
demonstrando que parece ser inacreditável trabalhar tanto para receber vinte reais como
bonificação. Desse modo, os trabalhadores mostram-se insatisfeitos com relação ao valor da
cesta básica, e conseguiram obter um aumento no seu valor, dado que em 2007 quando
realizei a entrevista com Rafael, foi visto que o trabalhador questionava o valor da cesta, que
equivalia a 20 reais e passou em novembro de 2008 para 45 reais sendo entregue na casa do
trabalhador. Portanto, deixou de ser em vale compras como foi colocado por Marizete e
voltou a ser entregue na forma tradicional, isto é, em alimentos.
148
Além das horas-extras e da cesta básica que sofreu mudanças a partir da resistência
dos trabalhadores, outras queses também foram questionadas, pois, a cor do uniforme da
empresa, branca, foi trocada por pressão dos funciorios. A esse respeito Mauro explica que:
Por questão de tratamento das pessoas, o uniforme era mais solto, elas
ficavam mais a vontade, e hoje não. [...] está mudando o uniforme, tipo não a
cor e está sendo cobrado mais das pessoas a questão da higiene né? Que
agora foi feito assim, era assim branco tudo né? Agora as pessoas pintaram
tudo né? O uniforme, tipo tem um branco, um azul, e um laranjado. Então
você tem que seguir, Hoje é branco, amanha é laranjado e depois de amanha
é azul. [Seria por setor] Não, todo dia. [Como assim, no caso segunda é
branco?] É branco para todo mundo, tipo é começa de noite, é branco até o
outro dia a meia noite, nós entra com o laranjado, vai laranjado até o outro
dia a meia noite e a pessoa não pode vir com outra cor. [Quanto tempo que
faz isso aí?] Faz uns sessenta dias. [E está dando certo?] Ta, as pessoas
usam porque elas tem que usar, mas não gostam, criticam, criticam. Porque
era assim, tinha umas pessoas, que era por causa de relaxamento, tem setores
que não sujam o uniforme ,fica bem branquinho, aí as pessoas pegavam
o uniforme e deixavam dentro do armário. Aí ia para casa, no outro dia vinha
e usava o mesmo uniforme. E não pode, isso não pode, tipo a higiene né?
Então por isso que eles fizeram esse sistema de higiene né, para as pessoas
saberem que tem que levar embora, porque se ela vim com o branco ela o
entra trabalhar. Ela tem que i para casa trocar o uniforme e daí voltar [...].
109
A partir da narrativa de Mauro é possível perceber que a fábrica tem mudado a forma
de lidar com a organização do trabalho devido à pressão dos próprios trabalhadores. A
empresa tentou implantar o uniforme padrão para todos os trabalhadores, instituiu
treinamentos voltados para higiene no ambiente de trabalho e mesmo assim as regras não
foram seguidas. Isto fez com que a mesma passasse a tomar atitudes autoritárias. Como o
próprio entrevistado afirmou, “as pessoas ficavam mais a vontade”, diferente de agora que são
obrigadas a seguir as regras. Agora o trabalhador se obriga a lavar seu uniforme, caso
contrário não pode trabalhar.
Em geral, acerca das discussões apresentadas até aqui, foi perceptível que o processo
de reestruturação da produção caracterizado por alguns autores que teria tido intensidade
maior na década de 1990, não é vivido pelos trabalhadores da Faville. Ao que se verificou, a
fábrica tem estado em um período de mudanças e transformações, em relação à intensificação
da jornada de trabalho e, principalmente, o medo de perder o emprego.
Então, assim como foi exposto na discussão desse capítulo o trabalhador consente a
exploração do seu trabalho, conforme suas necessidades, não somente pelos benefícios
trazidos pela fábrica, às vezes por medo de perder o emprego. Portanto, o problema não está
109
ZANELLA, op. cit.
149
em admitir a reestruturação produtiva, mas em apontar que os efeitos desta “caem” sobre os
trabalhadores, sendo possível inclusive, de serem p-determinados.
É necessário discutir acerca dessas questões, já que, os trabalhadores questionaram e
reclamaram de algumas situações vividas no ambiente de trabalho. Entretanto, é válido
mencionar que entre as características que expressam o conjunto dos trabalhadores de
Marechal, tem-se o fato de que não realizam manifestações ou greves. Sobre isso, durante a
realização das entrevistas alguns trabalhadores afirmaram que na empresa não se realizava
greve porque os trabalhadores tinham medo de perder o emprego. Como pode ser visto na fala
de Osvaldo:
Eu acho que o pessoal ali tem medo de fazer greve por... por trabalho
mesmo. Tem muita gente ali que precisa do trabalho e não querem sair dali.
Se eles saírem dali eles tem medo de procurar outro serviço, o pessoal ali é
medroso né, essa que é a verdade. [...].
110
Segundo Osvaldo os trabalhadores na Faville não realizam greves por medo de perder o
emprego. Mesmo o aceitando uma série de questões presentes no ambiente de trabalho,
questionando e por vezes criticando como foi visto nas discuses anteriores, os trabalhadores
não realizam greves aceitando as pressões do patrão pelo medo de perder o emprego.
Além disso, assim como Osvaldo outros trabalhadores afirmaram durante as
entrevistas que a empresa tinha a prática de pressionar e de colocar medo no trabalhador
afirmando que se eles achavam que dentro da fábrica a situação estava ruim é porque eles não
tinham noção do que era a situação fora da empresa: “Lá fora não é do jeito que vocês tão
pensando, lá fora é difícil”.
A narrativa expressa que o chamado “exército de reserva” causa certa aterrorização no
trabalhador. Ao saber que tem uma massa de trabalhadores desempregados, fazendo de tudo
para conseguir emprego, os trabalhadores ficam preocupados, e mesmo tendo consciência de
sua exploração, mesmo não concordando com as estratégias da empresa, não reagem de foram
organizada. Como explica Túlio,
Se todo mundo fosse se mobiliza pra i lá, pra melhora. Agora se são poucos
os revolucionários desalmados”, que nem eu. {risos} Porque tipo assim, a
idéia nossa é ir lá vamos senta todo mundo Dali [patrão], Beto, o povo do
escritório. Vamos pegar os representantes da parte da classe trabalhadora
vamos senta todo mundo ai vamos discuti. Da pra melhora salário? Tem
como melhorar a carga horia? que se a gente chega lá vamos faze uma
reunião vamos troca uma idéia se da certo, o povo vai tudo fugir. Porque
a grande maioria depende do trabalho. Porque a grande maioria depende do
trabalho. Porque o povo tem medo do que? O Dali chega a gente ponha
110
QUADRA, op. cit.
150
um movimento lá dentro. Um movimento vê se consegue aumentar o salário.
Se a gente fizer uma hora de greve lá, o cara ponha todo mundo na rua e
começa uma fábrica que nem ele começou a sete anos atrás. Contratou as
pessoas não sabia se tinha alguma classificação, operador, se sabia alguma
coisa de biscoito. Não sabia se tinha operador. Ponho todo mundo lá dentro e
vamos, vamos.(...) Tem gente sobrando. Eles falam assim cara. Se você
não ta com vontade de trabalhar tem mais de cinqüenta quer estar no seu
lugar.(...) Se você não ta com vontade de trabalhar eu garanto que tem gente
que quer. (...)
111
lio explica que os trabalhadores articulam entre si, conversando, pensando em como
questionar e buscar seus direitos na fábrica. Mesmo assim, o trabalhador informa que acabava
ficando somente em articulações, porque, na sua percepção as reivindicações dariam certo
se fosse na tentativa de negociar com o patrão. Atentando para atitudes que buscassem uma
negociação, não impor nada nem ameaçar, apenas tentar verificar quais as possibilidades de
efetivar mudanças no trabalho. Isso porque, afirmou que se alguns dos trabalhadores
partissem para atitudes bruscas, reagir com greves, ameaças, os próprios colegas não
apoiariam, porque tem medo de perder o emprego.
O medo de perder emprego, esta pautado no mero de trabalhadores a espera e
procura de uma vaga. Esse mesmo exército de reserva, trás um sentimento de insignificância
para o trabalhador perante o seu trabalho. Na medida em que ele pode estar dentro,
trabalhando, mas a partir do momento que realizassem greves o patrão mandaria todos
embora e recomeçaria com novos trabalhadores. O que caracteriza para o trabalhador que ele
é um trabalhador “totalmente descartável”. Porque a partir do momento em que ele infringir
as regras, questionar ele esta fora, e vem outro no seu lugar.
Importante perceber, que o trabalhador explica a questão de como a brica começou
na cidade, que os trabalhadores não tinham idéia nenhuma do que era o trabalho em uma
fábrica. O que também serve para enfatizar, que os trabalhadores mesmo sabendo trabalhar
com a fabricação de biscoito, tendo experiência, não tem significado para o patrão, o tem
importância. Pois, assim como o patrão, começou um dia com pessoas que não sabiam
trabalhar, não entendiam nada do processo de fabricação de biscoitos. O mesmo poderia ser
feito caso demitissem os trabalhadores, poderia fazer de novo. Porque trabalhador “não falta”!
É importante o fato trazido pelo trabalhador, ao relembrar como a fábrica iniciou o
processo de produção, os primeiros produtos e primeiros trabalhadores. Principalmente acerca
da qualificação dos trabalhadores, que o tinham experiência quando foram contratados,
como também não havia exigências da empresa para isso. Ao mesmo tempo, que o sentimento
111
Túlio.op.cit
151
do trabalhador de insignifincia, podem ser substituídos ou dispensados mesmo tendo
qualificação. O trabalhador destacou, que para Dali (o patrão) qualificação não fez diferença
quando a empresa se instalou, também não faria agora . “Se a gente fizer uma hora de greve
lá, o cara ponha todo mundo na rua e começa uma fábrica que nem ele começou a sete anos
atrás.
Outra entrevistada, Jaqueline, narra um fato ocorrido na fábrica, demonstrando como
os trabalhadores se relacionavam com o patrão afirmando que:
Além dessas coisas que eu te falei tem muitas outras coisas, muitas outras
coisas. Por exemplo, um exemplo que eu vou citar agora bem rapidinho, que
ela compro uma área de terra que fica atrás da empresa, que é onde tinha o
Ari Tober, negócio que é onde tinha o pesque-pague. E... simplesmente uma
vez no final do ano, perto do final do ano, parece que ia casamento do
Dali com a esposa dele, mais eu nem sabia eu ouvi comentário. Ela fez, é...
tipo, o dia da higiene na empresa. Ela simplesmente escalou os grupos e fez
o grupos limpa tudo a empresa: forno, chão, teto, banheiro, tudo que você
imagina. E o outro grupo simplesmente fez i naquela propriedade que ela
comprou, limpa salão, limpa banheiro, varre pátio. Espera aí... funcionário é
funcionário da empresa ou é empregado da propriedade que a empresa
adquiriu? Espera então... E o funcionário simplesmente vai lá e faz,
porque acha que ele tem que faze? Você imagina se aquele grupo todo que
foi lá limpa se movesse contra a empresa o que ia acontece? Isso foi cem
funcionários pra limpa uma área de não sei quantos metros quadrados. O
cúmulo que eles fizeram a gente ajuntar folhas de manga de baixo de um pé
de manga. Espera aí... o é por aí, ta entendendo? Como que o funcionário
não se move contra isso? Isso que eu o entendo! E ainda vai agora eu
estou me revoltando, vai lá no Fecad e vai canta música: a Faville é a melhor
empresa do Brasil, está entre as dez melhores do Brasil, distribuí biscoito pra
todos os estados do Brasil. [...].
112
Jaqueline relata uma situação em que o patrão utilizou os trabalhadores para limpar
uma área adquirida por ele. Os trabalhadores tiveram que fazer todo o serviço de faxina, sem
receber nada por isso. A entrevistada faz um relato de como ela percebe a realidade desses
trabalhadores, mostra-se indignada ao colocar que os seus colegas não questionaram tal
atitude, foram e fizeram o trabalho sem questionar. Inclusive, ela afirma que se os
trabalhadores tivessem questionado a ordem do patrão, e se organizado teriam derrubado o
mandato. Isso indica que mesmo o trabalhador sabendo que esta sendo explorado ele acaba
consentindo com essa exploração sem questionar. A trabalhadora mesmo não entende o que
faz com que esses trabalhadores tenham essa atitude de não reagir à exploração, de “baixar a
cabeça” para o patrão, sem nem mesmo reclamar ou questionar.
112
JAQUELINE, op. cit.
152
Em determinados momentos, os próprios trabalhadores parecem não entender o que
faz que alguém trabalhe tanto sem questionar. A entrevistada se questiona em relação aos seus
antigos colegas de trabalho, não entendendo o que os leva a terem atitudes de não se
revoltarem contra as situações vividas no local de trabalho, e mais, ainda conseguem elogiar a
fábrica. A entrevistada percebe que a empresa tem estratégias sutis para explorar o
trabalhador sem que ele perceba, consentindo tal mecanismo.
Jaqueline mencionou que seus colegas de trabalhoo questionam as atitudes da
fábrica porque não percebem que estão sendo explorados, ao contrário de Rafael, que diz que
seus colegas sabem da exploração que sofrem, mas que não tem práticas de reivindicar junto à
empresa:
É agora você chego num ponto que eu queria mesmo argumentar. É...
nessa parte assim, você percebe sim que tem muito deles ali que omitem,
entendeu? Tipo, pô! O cara ta vendo o que está acontecendo, a situação e
não tem coragem, não tem força de vontade suficiente pra pode chega e fala
assim: ô pêra aí, esse negócio não está certo, entendeu? Não pode assim.
Igual, tem gente lá que trabalhava no meu setor, e é um dos setores mais
gelados da firma no caso. Então no frio você já vai já exposto, né? Chega
vai com as os duras já, mesmo usando luva. Na madrugada é muito
gelado. E... se tem que ta mexendo com caixa, aquelas caixas vem ali bate no
seu dedo eles ainda o duro logo pela manha, arrebenta com tudo. O ano
passado eu fiquei com as minhas unhas que tava carne viva. Tudo cortada, ta
sarando agora, ainda está meio cortado. a questão o seguinte: tem cara
que trabalha ali três anos, quatro anos e tem IPI a firma, tem luva tem tudo.
O cara não tem coragem de chega no supervisor dele e fala assim: Pô cara,
você poderia arruma uma luva pra eu pode trabalha aí? Eu estou
arrebentando com as minhas mãos tudo nesse tipo de serviço, ? Eu estou
me machucando todo aqui’. Isso foi uma coisa que eu já pequei e fiz, o
cara que trabalha lá há cinco anos me viu descendo de luva para o meu setor,
depois que eu reivindiquei passado quase um s que eles foram traze a
luva. Aí a gente foi lá e pego. O cara falou assim: “Meu, de luva agora cara,
mais se ta metido!”Tá metido o, a questão é o seguinte: ta machucando
minhas mãos pra pode trabalha eu vou pedi uma luva né? Não vou...,
trabalha tudo bem, agora... me arrebentar pela empresa, também não dá.
113
Ao comentar sobre o trabalho na Faville, Rafael caracteriza os trabalhadores da
fábrica, fazendo um paralelo entre ele e os demais colegas. O entrevistado relata que ele quer
trabalhar, mas não quer se submeter às situações definidas por ele como injustas que, neste
caso, significam exceder seu esfoo no trabalho. Rafael faz uma descrição do esforço que era
a sua função sendo prejudicial inclusive para a saúde, já que sentia dor nas mãos para pegar as
caixas. O que para ele foi uma atitude normal, de pedir luvas para trabalhar, para os demais
113
RAFAEL, op. cit.
153
colegas foi uma novidade, trabalhar com as mãos protegidas, demonstrando ser fora de
costume dos trabalhadores.
O que poderia ser uma simples reivindicação, ou seja, pedir luvas para trabalhar.
Acabou sendo algo “novo”, indicando que muitos trabalhadores deixam passar só para não se
incomodar à toa ou por achar que o vale a pena, para Rafael foi importante. Ele exigiu que
lhe fosse dado um par de luvas para não machucar suas mãos e coloca que o que estava
fazendo não era sinônimo de perturbação, pelo contrário, ele queria trabalhar apenas, mas não
se machucar por causa da empresa. Ele preferiu não vestir a camisa da empresa, não dar a sua
vida por ela, apenas lutar por aquilo que achava que é justo.
Mas, ao apresentar a postura que teve seus colegas de trabalho, pode-se pensar que é
uma característica desses trabalhadores, não reivindicar melhorias no espaço de trabalho, não
questionar.
O entrevistado também comenta o porquê dessa atitude dos seus colegas de trabalho,
pensando o que leva o trabalhador a trabalhar tanto, trabalhar para além do que é necessário,
ser explorado sem questionar. De acordo com Rafael, o medo de perder o emprego faz com
que não expressem o que pensam perante o patrão:
Eu acho que é medo, porque tipo assim, a maioria das pessoas que trabalham
ali tipo a maioria são pessoas que vieram da colônia. Não querendo dizer que
quem vem da conia não tem atitude, ou que são inocente demais pra no
caso quere reivindica alguma coisa. Mais é que ta costumado com aquela
coisa, aquela mesmice de sempre, entendeu? Daí quando arruma emprego
em alguma empresa algum lugar assim tudo que... falam pra ele que ele
poderia fazer ele vai acatando e vai fazendo. Mesmo que seja uma coisa que
não seja bom pra ele, ele não tem coragem de chega e fala. Ele chega a
pensa: aheu saí daqui eu não arrumo mais nada. Sê eu consegui entra aqui
foi por muita sorte, não sei o que e tal. Tipo, eu penso nesse lado de fica
desempregado e tudo, de perde o emprego, de fica um tempo sem trabalha.
Mais também vejo o meu lado, né? Porque se é uma coisa que não está me
contentando, que não está me agradando, gostem ou não...
114
Rafael faz uma análise sobre as relações de trabalho estabelecidas na brica,
destacando a percepção de que os seus colegas, ao contrário dele, não tem a postura de
enfrentar o patrão. Segundo Rafael, isso acontece porque a maioria dos trabalhadores veio da
zona rural, trazendo consigo valores carregados de tradicionalismo. Por isso, segundo o
entrevistado, eles têm medo de se impor, não são acostumados.
A fala indica que o trabalhador está sendo pressionado o tempo todo para produzir,
tem que trabalhar para sustentar a família, que depende do salário recebido por ele para viver.
114
Idem, ibidem.
154
É clara a percepção de que está sendo explorado, mas antes de qualquer coisa vem o medo de
ser demitido, o que fazer se perder o emprego? Mesmo sabendo que as atitudes do patrão são
ilegais, que seu trabalho é amparado pela legislação, que ser demitido por questionar uma
ação que ele julgou injusta é ilegal, o medo de ser demitido sobrepõe.
Por outro lado, existe o medo de questionar o patrão, no qual, muitos trabalhadores
acostumados a morar no campo, com outros ritmos de trabalho, quando na maioria das vezes
não tem patrão, o que predomina nesse sentido é o próprio “costume”. Ou como admite
Rafael por conta da própria “criação”, pelos valores da família, etc, fazendo um paralelo das
pessoas que moram na cidade e das pessoas que moram no sítio. Para ele, as pessoas que
moram no sítio, quando vêm para a cidade, conseguem emprego numa fábrica e trazem todas
as tradições consigo. o são acostumadas a terem atitudes perante patrões, preferem não
questionar para não ter que se incomodar. Mas, para ele, não importa se o que está em jogo é
o emprego, ele pode ser demitido, pois o que importa é que deu a sua opinião.
Mas também não se pode generalizar essa discussão como sendo de todos os
trabalhadores, deve–se levar em conta a realidade vivida pelos trabalhadores, experimentadas
e vivenciadas de forma diferente. Por exemplo, Osvaldo quando cedeu a entrevista não estava
mais na Faville, isso deve ser levado em conta, ao perceber que o trabalhador crítica a
perspectiva de alguns trabalhadores que não questionam a organização do trabalho na Faville
por medo de perder o emprego, achando que não existe oportunidades fora da Faville. Mas, há
uma diferença do trabalhador processar tal questão estando na fábrica e o trabalhador que
conseguirá estabilizar-se fora da empresa.
Outro entrevistado, ao comentar sobre o medo que o trabalhador tem de realizar
manifestações, explica que a empresa faz pressão de várias formas:
[...] Nada contra as mulheres, mas, muitas mulheres, muitas mães na
empresa elas então as mães elas tem aquilo ali, tem umas que fazem a
comparação assim, a, mas, se eu for mandada embora daqui provavelmente
eu vou ter que trabalhar de diarista. Ou de... de doméstica né? o salário
cai muito, tipo não vai seguir o padrão que ela esta ganhando hoje na Faville.
Daí elas questionam isso também. Daí eu vou chegar para elas e dizer o
você tem que... não! A gente traz pra vocês, tudo que eu sei eu posso levar,
agora obrigar vocês eu não posso. Você tem que lembra, eno chega a
época, vocês também tem que por isso na cabeça, não adianta vocês vir me
cobrar que o sindicato não esta fazendo nada, mas se vocês não dão apoio.
Sem apoio... sozinho... [Por que você acha que tem esse medo? A própria
empresa talvez coloque esse medo?] Sim, no começo a empresa fez isso
né, pôs isso na cabeça dos funcionários, o seguir o sindicato. E as pessoas
acabaram entrando naquilo ali, e não deu. Agora é difícil nós mudar a cabeça
das pessoas. [Mas o que no caso a empresa faria de a pessoa estar indo
no sindicato?] Ah, demitiria na hora. Aconteceu caso, aconteceu vários
155
casos assim. Foi reclamar, né, eu não sei de que maneira até hoje, que os
caras descobriram que essa pessoa foi reclamar e chegou no outro dia, oh,
você esta demitido. E daí através dessas demissões da medo nas outras ?
Tipo eu sou demitido fica mais cinco pessoas com medo. Ah, se eu reclamar
eu vou ser demitido.
115
Mauro é representante sindical na Faville. Ele comenta sobre a relação que o sindicato
tem com os trabalhadores na empresa, e que os trabalhadores o procuram fazendo cobranças,
mas não querem se envolver, não querem realizar greves. Segundo ele, o fato de não ter muita
participação dentro do sindicato é por medo. Mas, Mauro esquece que o sindicato deveria ser
um órgão de defesa dos trabalhadores, dos seus direitos e não um órgão que critica a
passividade dos mesmos. Pois, se os trabalhadores não querem fazer greve, se negam a
organizar-se coletivamente, cabe ao sindicato resolver isso. Ao que parece, o sindicalista
procura defender-se dos ataques dos trabalhadores com relação ao trabalho do sindicato.
Isso demonstra os vários sentimentos dos trabalhadores com relação ao seu trabalho, ao
pensar sobre as relações que envolvem o mundo do trabalho, no qual, para manter ou arrumar
um emprego é preciso ser “qualificado”, diante de tantas inovações e diversificações,
prendem-se ao medo de perder o emprego, ao pensarem que nessas situações se não estiverem
acompanhando as inovações estão fora do mercado de trabalho. E nisso a Faville se diferencia
e oferece oportunidades de trabalho, por não discriminar trabalhadores, não trazendo grandes
exigências para as contratações, como grau de escolaridade e experiência, diferente de outros
locais de trabalho. Então, mesmo que o trabalho seja ruim ainda é melhor do que os outros em
que se permite ter oportunidade de emprego.
Além disso, de acordo com Mauro, a empresa tem a prática de incutir medo nos
trabalhadores para que não se organizem coletivamente nos sindicatos, por exemplo, ao
utilizarem a demissão de alguns trabalhadores como exemplo do que pode vir a acontecer
com quem vier a questionar a empresa ou a participar do sindicato. E o sindicato sabendo
disso, não faz nada, porque parece que o próprio sindicato tem medo da empresa. Porque, se
um trabalhador fosse demitido por estar fazendo parte do sindicato, e o sindicato fosse
atuante, alguma coisa iria ser feita para defender o trabalhador. Diferente de os trabalhadores
não participarem do sindicato por terem medo de serem demitidos.
Mesmo assim, é válido ressaltar que, como busquei apresentar o espaço de produção
como um espaço de disputas, mesmo que os trabalhadores o resistam de forma organizada,
coletivamente, demonstraram que não não aceitam como não exercem passivamente todas
115
ZANELLA, op. cit.
156
as regras da fábrica. Como discuti anteriormente algumas situações sofreram mudanças na
empresa por conta de pressão dos trabalhadores.
Dentro disso é possível apresentar algumas situações vividas pelos trabalhadores no
ambiente de trabalho, quando alguns trabalhadores descrevem algumas situações em que
existem estratégias para burlar de alguma forma o ritmo da produção. Uma das questões
pontuadas remete-se a ida ao banheiro”, alguns trabalhadores afirmaram que aproveitavam a
ida ao banheiro para descansar. Sendo que, tem-se um tempo limite permitido para ir ao
banheiro, mesmo assim, alguns trabalhadores iam ao banheiro sem pressa de voltar.
Encontrando assim, uma forma de resistir a forma de trabalho da empresa, resistindo ao ritmo
da produção.
Como pode ser percebido na fala de Fabinho,
O banheiro também, você tem é no máximo cinco minutos que você pode
ir e voltar, que tem gente que vai no banheiro e esquece da vida, ás vezes
a mulher[supervisora] fala: “pô, você ta indo se o homem ta vivo.
que ta feio o negocio aí cara.” Aí isso eles cobram bastante.
Principalmente as mulher, tem mulher cara, pensa numas mulheres
folgada, vão no banheiro lá nem faz xixi. A mulher chego a fala que chega
no banheiro lá abaixa a tampa ali e dá uma descansada uns minuto lá.
Quando elas o com sede, a gente operador tem que dar água para elas, daí
a gente operador tem que abastece a quina enquanto elas o tomando
água. Uma mulher pede um copo lá. Ah ta muito gelada!” Toma um
golinho e fica, e a gente tem que ficar se matando cuidando a máquina pra
não sai fora e...
116
Assim, de acordo com Fabinho, os trabalhadores criam estratégias para burlar o tempo
e o ritmo de trabalho imposto. Mesmo que a empresa estabeleça regras e normas, limitando
até o tempo que o trabalhador tem para fazer suas necessidades fisiológicas, os trabalhadores
dão um jeito de utilizar esse tempo para descansar. Poder sair fora da linha de produção por
algum momento, retomar forças para continuar trabalhando. Além disso, Fabinho conta que
para tomar água, os operadores de máquina substituem as mulheres no abastecimento,
evitando que estar saiam da linha de supervisão para tomar água. Entretanto, de acordo com
Fabinho isso também é utilizado em seu favor, as trabalhadoras aproveitam do tempo de
tomar água para descansar.
Também, foram relatados casos de trabalhadores que implantavam formas de
resistência, quebrando máquinas, como pode ser visto na fala de Fabinho,
116
FABINHO op.cit
157
sei cara, tem gente igual aconteceu alguma vez, igual teve máquina
minha que ficou dias parado porque derrubaram caderno, caderninho de
anotação, dentro da máquina, outros derruba a chave, né cara? Que hoje
operador nem pode ter chave mais por causa disso também. E mexe numa
coisa que não sabe estraga. Tem horas que fala assim: “Ah, joga logo uns
negócio em cima dessa máquina aí, já quebro tudo mesmo!”
117
De acordo com Fabinho, teve diversas formas de os trabalhadores implantarem
resistência ao ritmo da produção. O trabalhador descreve algumas, em que os trabalhadores
jogavam coisas dentro das máquinas, para fazerem elas pararem de funcionar. Além disso,
pode ser percebido que algumas regras implantadas pela empresa surgiram a partir dessas
atitudes dos trabalhadores. Como os fatos citados anteriormente, em que operador de
máquinas, não podia mexer na máquina. De acordo com Fabinho, acontecia de o trabalhador
mexer e estragar. Do mesmo modo que o operador é proibido de utilizar chave, no caso
ferramentas, por causar acidentes nas máquinas. De acordo com Fabinho costumava-se
derrubar as chaves nas máquinas.
Além disso, os trabalhadores controlam o ritmo de acordo com o espaço que estão
vigiados. Quando o supervisor está próximo aceleram o ritmo de trabalho, o supervisor afasta-
se ou “vira as costas” o ritmo de trabalho não é intenso, diminuí. Como pode ser percebido
na fala de Elise, ao contar sobre alguns trabalhadores que davam um jeito de diminuir o ritmo
de produção quando não estavam sendo vigiados
Muitas vezes quando o supervisor tava no final da linha, isso não descia
um biscoitinho, chegava até brigar por causa dum biscoito que descia.
Muitas vezes o supervisor vinha, descia aquele monte. E as meninas que
ficavam na última máquina sofriam, né? Porque a outra em cima deixou
apurar, mas acontecia isso.
118
Segundo Elise, quando o supervisor estava no final da linha de produção, os
trabalhadores que estavam no início da linha davam um jeito de diminuir o ritmo, pois quase
não tinha biscoito para pegar. Mas, quando o supervisor aproximava-se, acumulavam-se
muitos biscoitos na linha de produção, dificultando o trabalho dos que estavam no final da
linha de produção. Tal fato permite observar que as estratégias da empresa não são aceitas por
todos os trabalhadores. Isso pode ser percebido, com base na análise da prática difundida pela
empresa acerca de que o trabalho sendo em equipe um depende do outro, visando o
envolvimento dos trabalhadores e a conscientização acerca do trabalho que realizam, quando,
117
Idem, ibidem.
118
CHRISTMANN, op. cit.
158
para ser “bem feito”, tem que haver dedicação de todos para que a produção não pare. Ou
seja, é necessário que todos se dediquem para não prejudicar não a produção como o
trabalho do colega. Mesmo a gestão da fábrica tendo tal prática, a narrativa acima juntamente
com as experiências dos trabalhadores permite perceber que essas práticas são experimentadas
e percebidas de diferentes maneiras pelos trabalhadores.
Assim, pode-se perceber que o trabalhador consente por vezes situações de exploração
devido a pressões sofridas tanto no trabalho quanto fora dele, como o medo do desemprego, a
seguridade do emprego, etc. Entretanto os trabalhadores ao perceberem que o seu trabalho não
é valorizado, que a sua força de trabalho excede o valor recebido por ele, eles buscam
questionar ou trabalhar utilizando o trabalho em benefício próprio. Assim, como foi visto,
tentando não trabalhar tanto, apenas o necessário para receber o seu salário. Por isso, ao
construírem algumas práticas para diminuírem o ritmo do seu trabalho pode ser percebido
como uma forma de resistir ao regime de trabalho imposto.
Em suma, tentei discutir as relações de trabalho na Faville considerando as pressões
vividas na organização da produção e fora dela. Por isso, o objetivo foi o de constantemente
inteirar o conjunto das experiências vividas pelos trabalhadores para além do espaço da
fábrica, compreendendo que é necessário pensar os trabalhadores como sujeitos não
esquecendo de que sua vida não está apartada do trabalho. Pois este último ainda parece ser o
elemento central na vida das pessoas que, por sinal, vivem do seu trabalho. Logo, as relações
de trabalho e a própria organização do trabalho no espaço fabril não estão desvinculadas das
experiências e valores construídos e vividos pelos trabalhadores, até porque o trabalhador é
sujeito do processo histórico.
Da mesma forma, ao analisar as experiências dos trabalhadores no jogo produtivo, foi
possível perceber as tentativas da Faville tentando colocar o consentimento no espaço da
produção. Assim, muitas vezes o trabalhador na Faville é tentado a se convencer de que é
preciso seguir as regras para permanecer no emprego, ascender no trabalho ou não prejudicar
o trabalho de outros. A empresa busca estratégias para que o trabalhador consinta a
exploração sobre o seu trabalho. Mesmo assim, os trabalhadores não seguem a risca as
práticas da empresa como determinações, mas porque buscam seus interesses no espaço de
produção, suas garantias.
Dentro disso, ao pensar que mesmo dentro de uma série de questões colocadas pelos
trabalhadores como um trabalho negativo, os trabalhadores continuam trabalhando na Faville,
o que durante a pesquisa foi possível perceber que fazem isso na grande maioria das vezes por
159
medo de perder o emprego e não conseguir outro, pela falta de qualificação ou perspectiva de
encontrar um emprego.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa propôs que a Faville é uma brica que se instala na região Oeste do
Paraná, no final da década de 1990, ligada a uma série de transformações ocorridas no
município de Marechal ndido Rondon, como a instalação de um parque industrial,
basicamente constituído por agroinstrias.
Nesse período, tem-se um debate que aponta para mudanças no mundo do trabalho,
admitindo “novas organizações ou “revoluções” principalmente no setor da produção
denominadas “reestruturação produtiva”. As quais apontam para uma descentralização da
produção, trabalhadores mais especializados, mais flexíveis, polivalentes e participativos dos
objetivos da empresa. Além dessas questões, admite-se para a reestruturação produtiva, o
processo de descentralização industrial ocorrido principalmente na década de 1990 em
algumas regiões do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Entretanto, é possível entender que o processo de industrialização recente de
Marechal, deve ser pensado a partir de inúmeras relações e projetos, que tem priorizado as
relações e experiências dos sujeitos e o simplesmente situações e transformações como
implantação da necessidade da reestruturação produtiva de capital. Portanto, entende-se que
nem tudo o que ocorre no mundo do trabalho decorre do capital ou do mercado de trabalho. É
preciso levar em conta as especificidades dos trabalhadores, ao buscar entender as relações de
trabalho nas chamadas regiões novas”. Pois, o conceito de reestruturação produtiva não dá
conta de explicar a realidade de trabalho vivida e experimentada pelos trabalhadores.
Ao estudar os movimentos de re-configuração industrial no Oeste do Paraná, de
implantação de indústrias concentradas no setor agroindustrial, enfatiza-se para uma série de
processos articulados às novas vivências nos modos de viver e trabalhar dos sujeitos. Pois,
partimos da idéia de que o mundo do trabalho é pautado em relações e lutas de classes, nas
quais os trabalhadores geram significados, ritmos e dinâmicas, por vezes conflituosas nos
espaços de produção. Partindo da perspectiva de Edmundo Dias, que entende reestruturação
produtiva como um processo e tentativas do capital, no qual os trabalhadores são vistos como
sujeitos, que ditam dinâmicas e por vezes colaboram para as transformações no processo
produtivo, consentindo com sua exploração.
Nesse sentido, ao buscar entender relações de trabalho na Faville, um elemento
importante foi a tentativa da empresa de produzir o chamado consentimento na esfera da
criação de benefícios para os trabalhadores (como o atendimento médico realizado na brica,
161
por exemplo), no convencimento ideológico de valorizar o trabalhador como um “todo”,
dentro e fora do espaço da produção, tornando-o como parte da organização da empresa: um
“colaborador”.
Essas tentativas da gerência da brica em conquistar a cooperação do trabalhador,
demonstrando para o mesmo o quanto era importante para o desenvolvimento da empresa,
busca fazer com que ele, assimile a importância dos objetivos da empresa como algo de seu
interesse também.
Com relação a isso, foi possível perceber que os trabalhadores demonstram
consentirem algumas vezes. Mais expressivamente por questões ligadas ao medo de perderem
o emprego. A empresa busca realizar ameaças nesse sentido, como por exemplo, quando
realiza preenchimento de fichas para futuras contratações, demonstrando que tem um
“exército de reservadisponível. Assim, a fábrica tem a prática de fazer entender que se não
quiser trabalhar, “tem muitos querendo entrar no seu lugar”!
A partir de um debate acerca de transformações no mundo do trabalho e novos
métodos de organização da produção, percebe-se que a Faville ainda permanece na sua
organização do trabalho de modo limitado, pois, mesmo que a empresa tenha investido numa
rie de estratégias na tentativa de convencer o trabalhador sobre a exploração do seu
trabalho, estes permanecem na maioria das vezes rejeitando e/ou reagindo a essas estratégias.
Ao mesmo tempo em que criam estratégias para burlar o controle rígido da gerência
produtiva.
Dentro disso, algumas questões do cotidiano desses trabalhadores aparecem como
forma de resistir ao ritmo de trabalho imposto: as idas ao banheiro, a conversa com o
companheiro, tentativas de parar algumas máquinas buscando parar a produção, ou mesmo
descansar para voltar o trabalho intensivo.
Os trabalhadores vivenciaram de formas diferentes a organização do trabalho,
atentando para métodos novos, mas na maioria das vezes reagiram a algumas inserções. Como
foi o caso da tentativa de implantar o “banco de horas” na empresa, que recebeu muitas
críticas pelos trabalhadores. Os mesmos admitiram não gostar e não concordar com a nova
forma de marcar hora-extra, em que o trabalhador compensava as horas em folgas. Isso se deu
principalmente, porque na empresa já não haviam alternativas variadas de aumento salarial,
considerando que não há um plano de carreira definido, bem como comissões ou
componentes que permitam este aumento. A realização de hora-extra, seria uma forma de
receber um percentual a mais no salário, que lhes foi tirado.Tornando a exploração mais
visível para o trabalhador.
162
Algumas práticas instituídas pela gerência foram rebatidas e questionadas pelos
trabalhadores: houveram muitas queixas dos trabalhadores resistindo a esse sistema, o que fez
com que a empresa voltasse a realizar o pagamento de horas-extra. Do mesmo modo, outras
questões como os benefícios, programas de qualidade como o “Solar”, entre outros. Assim,
nas tentativas de implantar mudanças por parte da gerência da fábrica, ficaram mais
perceptíveis, as que visavam aumentar a produtividade, ditar regras e a forma como o
trabalhador rebateu algumas mudanças que o puderam ser implantadas, ou sofreram
modificações (como foi o caso do Banco de horas, da cesta básica, etc).
Assim, ao buscar entender (em meio a essas questões em que o trabalhador mostra-se
resistente, questionador), o que faz com que eles permaneçam na empresa ou se submetam a
situações de trabalho gerado por métodos rigorosos e intensivos de disciplinarização e
trabalho fragmentado? Os trabalhadores apresentaram diversas razões ligadas ao medo de
perderem o emprego e permanecerem desempregados, por isso se submetem a algumas
situações de trabalho deploráveis e desumanas. Porém, mesmo com esse trabalho mecanizado,
tentam resistir e mostrar que não o uma quina, mas sujeitos que pensam e reagem no
espaço de produção de formas diferenciadas.
Mesmo que a empresa tenha tentado difundir uma prática de convencimento do
trabalhador, ao trazer o significado do trabalho em “equipe”, do “valorde cada indivíduo
para a empresa, os trabalhadores apresentaram consciência da exploração, elaborando
estratégias para fugir do ritmo intensificante de trabalho e do controle do mesmo, seja nas idas
ao banheiro, seja nas conversas com o companheiro ou na resistência de usar a máscara.
Uma questão importante, foi que ao discutir a trajetória ocupacional dos trabalhadores,
percebeu-se que muitos desses não tinham experiência de trabalho fabril, aprendendo e se
“qualificando” para o trabalho na prática. Diferente do que foi visto em algumas fábricas e
das exigências do mercado de trabalho quanto a experiência e qualificação do trabalhador.
A partir da construção dessa pesquisa foi possível entender como os trabalhadores da
Faville percebem e interpretam situações vividas no espaço de produção. Assim como, o
conceito de reestruturação produtiva não possibilita explicar a realidade perpassada pelos
trabalhadores nas relações construídas no seu trabalho, como também, que entre os conceitos
construídos para explicar as mudanças processadas no processo produtivo e o que os
trabalhadores percebem e interpretam existem expressivas limitações. Já que, a empresa atua
de forma mais coercitiva tentando obrigar os trabalhadores a produzir, fazendo descontos na
folha de pagamento, retirando a cesta básica, por conta de faltas no trabalho, indisciplina, etc.
163
Não esta se negando o processo de reestruturação produtiva, mesmo que o modelo de
organização de trabalho da Faville, atenta para características de um modelo taylorista
fordista. É importante afirmar que algumas inovações isoladas ocorridas também foram
percebidas ao longo do processo de discussão da pesquisa. Como foi o caso da
“multifuncionalidade” presente na realização da função do operador de quinas, que além
de cuidar do funcionamento da máquina, passou a realizar outras tarefas. No entanto, não
como se entender que houve uma reestruturação do processo produtivo na empresa, em que
várias questões discutidas indicam que situações verificadas como fazendo parte do processo
de reestruturação produtiva, não são verificados no ambiente produtivo da Faville.
Do mesmo modo em que algumas características pautadas no setor industrial como:
maiores níveis de qualificação, elevação nos índices de escolaridade exigido pelas empresas,
maior tempo de serviço e vínculo empregatício. Apontam para uma realidade diferente do que
foi caracterizado pelos trabalhadores da Faville, ao demonstrarem que a qualificação se dá na
prática, não havendo experiência para os cargos assumidos, tanto para entrar na empresa,
quanto para mudar de cargo. O nível de escolaridade, ainda é um fator que de certa forma não
preocupa a gestão da empresa, os trabalhadores em sua maioria possuem o primeiro grau
completo e a questão do vinculo empregatício, referente às relações de trabalho da empresa,
que tendem à rotatividade de emprego, tendo o trabalho na fábrica como temporário.
Como também, foi possível perceber uma disputa acirrada entre a gerência e os
trabalhadores, na medida em que estes questionavam a separação entre a execução e o
planejamento do das tarefas, buscando limitar a autonomia do trabalhador. Isso foi percebido
principalmente na discussão referente à função de operador de máquinas, que estando sobre a
tutela da máquina é proibido de “mexer nela” tentando consertá-la.
Mesmo assim, para os trabalhadores o emprego é visto como melhor do que o que
tinham antes e talvez em comparação com os demais tipos de trabalho que existem na cidade,
a Faville ainda é a melhor opção. Pois, se acham incapazes de conseguirem empregos
melhores devido a sua qualificação, capacitação e escolaridade. Dada a trajetória de trabalho,
a maioria apresentou o ter experiência de trabalho fabril, nem qualificação para o cargo a
que foram colocados, diferente dos trâmites apresentados pela reestruturação produtiva em
que o novo trabalhador teria que ter qualificação,como uma das exigências para que fossem
contratados. Bem como a necessidade básica apresentação de currículo para a verificação de
experiências anteriores de trabalho. Do mesmo modo que alguns trabalhadores apresentavam
ter qualificação avançada para o tipo de trabalho, como os que possuíam curso superior e
estavam trabalhando no espaço de produção da fábrica.
164
Foi possível perceber a partir do estudo das relações de trabalho na Faville, a forma
como o trabalho é central na vida dos trabalhadores: quando se submetem a horários, a
intensidade do trabalho fabril faz com que na maioria das vezes tenham mais contato com
seus colegas do que coma própria família, mudam sua rotina em prol do trabalho. Quando não
estão no trabalho, estão descansando para um novo dia de trabalho e em sua maioria
encontram uma identificação ou um significado naquilo que fazem quando estão na fábrica,
dentro da fábrica é um operador de máquinas, e fora dela?
FONTES
FONTES PRIMÁRIAS
BARCELOS, Daniel; DELAZARI, Rodrigo. Contabilidade gerencial com ênfase em
controle e gestão de materiais. Marechal Cândido Rondon 2000. Monografia (Estágio
Supervisionado- Ciências Contábeis) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
FAVILLE indústria e comércio de alimentos. Disponível em:
<http://www.ccibc.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=85&id_empresa=740>.
Acesso em: 05 dez. 2007.
FAVILLE. Contrato de trabalho a título de experiência, realizado com o contratado Roseni
Trindade referente a 01/10/2003 a 30/10/2003.
FAVILLE. Folder explicativo, normas para visitantes da empresa- Boas práticas de
fabricação. Pesquisa produzida em novembro de 2006.
FAVILLE. Folder explicativo, promoção para os trabalhadores. “Sua sugestão de melhorias
vale prêmios”. Pesquisa produzida em novembro de 2006.
FAVILLE. Ordem de serviço por atividade segurança no trabalho. Setor embaladeira. 06 fev.
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FAVILLE: um sonho que se torna realidade. O Presente, Marechal ndido Rondon, edição
especial, 17 dez.1999. Edição especial sobre a Faville.
FOLHA Bragadense. Pato Bragado, ago. 2006.
FOLHA Bragadense. Pato Bragado, mar. 2005.
GRUPO ZADVILLE. Programa Solar (Seleção, Ordenação, Limpeza, Asseio e Respeito),
uso interno do Grupo Zadville. 1. ed. Marechal Cândido Rondon. 1000 exemplares.
GRUPO ZADVILLE. Manual para operadores de embaladeiras.
PATO BRAGADO. Prefeitura Municipal. Lei n ° 158/94. Programa de Desenvolvimento
Industrial de Pato Bragado- PIBRA.
PATO BRAGADO. Prefeitura Municipal. Lei n° 742, de junho de 2005. Concessão de
Empréstimo para a empresa Faville, Indústria e Comércio de Alimentos Ltda, destinando á
implementação da indústria de Macarrão Instantâneo, por intermédio do Fundo de
Desenvolvimento Econômico- FMDE.
PINTO, Oséias, Hahn; SHÔNE, Sérgio, Raul. Estágio Supervisionado em Administração
de Recursos Humanos. Marechal Cândido Rondon, 2004. Monografia (Estágio
Supervisionado- Administração)Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
166
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<www.sesipr.or/br/saúde/componentelivre294.shtml?webcontentepid295>. Acesso em: 02
out. 2007.
REVISTA Grupo Zadnello. Marechal Cândido Rondon, mar. 2003.
REVISTA Grupo Zadville. Marechal Cândido Rondon, jul. 2005.
REVISTA Indústria Rondonense. Marechal Cândido Rondon: O Presente Ltda, maio, 2001.
REVISTA Indústria Rondonense. Marechal Cândido Rondon: O Presente Ltda, jun. 2007.
REVISTA Indústria Rondonense. Marechal Cândido Rondon: O Presente Ltda, maio 2002.
REVISTA Região. Marechal Cândido Rondon: Germânica, jun. 2006.
REVISTA Região. Marechal Cândido Rondon: Germânica Ltda, maio 2007.
ROYALTIES os governos brasileiro e paraguaio recebem uma compensação financeira pela
utilização do potencial hidulico do rio Paraná para a produção de energia elétrica na Itaipu.
Disponível em: <http://www.itaipu.gov.br/?q=pt/node/194>. Acesso em: 05 maio 2008.
DEPOIMENTOS ORAIS
ALVES, Ronildo. Entrevista concedida. Marechal ndido Rondon, 18 mar. 2006. Solteiro,
23 anos, natural de Guairá-PR, 3º grau completo. Embalador da empresa Faville.
BACKES, Marcos Vinicius. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 19 nov.
2008. 24 anos, nascido em Marechal Cândido Rondon, possui grau completo. Começou a
trabalhar na Faville em março de 2008.
BERTÉ, Vagner Antonio. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 11 out. 2008.
25 anos, nascido em Marechal ndido Rondon- PR, possui segundo grau completo.
Atualmente trabalha no setor de vigilância da empresa Agrícola Horizonte em Marechal.
CHRISTMANN, Elise Caroline. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 25 jul.
2007. 24 anos, solteira, nascida em Marechal Cândido Rondon- PR. Possui segundo grau
completo. No momento da entrevista não trabalhava na Faville.
FABINHO. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 17 jun. 2007. Natural de
Goioêre- PR, 21 anos, solteiro. Possuí primeiro grau. Operador de máquinas da empresa
Faville.
JAQUELINE. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 31 maio 2007. 27 anos,
nascida em Marechal ndido Rondon- PR. No momento da entrevista não trabalhava na
Faville.
167
NUNES, Marizete. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 03 out., 2008.
Casada, 34 anos, nascida no Rio Grande do Sul, três filhos, terminando segundo grau, e mora
em casa própria. Trabalha na Faville a seis anos, com a mesma função, embaladora.
QUADRA, Osvaldo Ramos de. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon 08 out.
2008. 23 anos, nascido em Marechal ndido Rondon- PR, possui segundo grau completo.
Trabalhou quatro anos na Faville, saiu da empresa.
RAFAEL. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 19 maio 2007. 20 anos,
nascido em Goioêre- PR. Possui segundo grau. Trabalhava como abastecedor de máquina da
empresa Faville. No momento da entrevista havia sido demitido, cumprindo os 30 dias. E, não
continuou morando em Marechal Cândido Rondon.
SIMON, Marcos René. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 23 mar. 2006.
Casado, 30 anos, natural de Goioêre- PR, possui grau completo. Coordenador de massas da
empresa Faville.
SONTAG, Neli. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 06 mar. 2006. Separada,
34 anos, natural de Santa Helena- PR, possui segundo grau completo. Embaladora da empresa
Faville.
SOUZA, Janete. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 22 mar. 2006. Casada,
27 anos, natural de Marechal ndido Rondon, cursando o grau. Auxiliar de Embalagem
da empresa Faville.
TRINDADE, Roseni. Entrevista concedida. Marechal ndido Rondon, 18 jul. 2007.
Nascido em Cascavel- PR. Possui 3° grau completo. Atualmente trabalha na área de
educação. Trabalhou cinco anos na empresa, até ser demitido.
TÚLIO. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 12 set. 2007. 19 anos, nascido em
Florianópolis- SC. Segundo grau incompleto.
ZANELLA, Mauro. Entrevista concedida. Marechal Cândido Rondon, 02 out. 2008.
Casado, 30 anos, nascido em Missal- Paraná, mora em casa alugada. Trabalha na Faville a
nove anos desde que a fábrica se instalou na cidade, é representante do sindicato
REFERÊNCIAS
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geográfica do Capital. Revista Pegada, Marechal Cândido Rondon, n. 1, p. 77-98, jun.
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comparações entre o modelo japonês e o brasileiro, In: Hirata, Helena (org) Sobre o
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