ANEXOS – Textos coletados da imprensa escrita
O fim (de semana)
Paulo Gouvêa Vieira
Neste fim de semana, minha sogra,
que mora em Porto Alegre, veio ao Rio de Janeiro para visitar
a filha. Com o noticiário sobre a violência no estado, ela desembarcou no Galeão muito apreensiva.
Tentamos de todas as formas convencê-la de que o noticiário era sobre fatos isolados, QUE embora a
situação inspire cuidados, não é a toda hora que acontecem atos violentos. Fizemos, enfim, o discurso
que
nós, cariocas, temos na ponta da língua para tentar suavizar (se isso é possível) o quadro violento
que
vivemos todos os dias.
Entretanto, nossas palavras de cunho otimista começaram a ser desmascaradas no sábado à noite,
quando passamos por uma patrulha no Leblon que estava parando um veículo "suspeito". A cena
consistia em dois guardas de pé, ao lado de um carro escuro, com vidro fumê e faróis apagados - com
exceção das lanternas laranjas - com escopetas apontadas para o interior. Obviamente, não ficamos para
ver o fim da história. Minha sogra ficou um pouco intrigada com a cena e, mais uma vez, iniciamos o tal
discurso, de que são fatos isolados etc. Tentamos até inverter a situação e dizer que a manobra policial
acontecia em prol da nossa tranqüilidade e segurança de ir e vir. A impressão
que tive é que não foi
suficiente.
No domingo, um belíssimo dia de sol, combinamos visitar meu irmão
que mora no Flamengo e,
em seguida, deixaríamos nossa visitante no Galeão. Saímos de casa às 17h50m. A Avenida Atlântica,
ainda parcialmente fechada para área de lazer, estava parada na altura da Praça do Lido. Quando a pista da
praia abriu, fizemos a volta, assim como a maioria dos carros da nossa pista, e retornamos até a Figueiredo
de Magalhães para tentar um caminho alternativo, via Botafogo -
que também estava completamente
engarrafado, principalmente próximo à praia. Muito, mas muito devagar, os automóveis se movimentavam
(o relógio marcava 19h26m).
O motivo do caos era o final de um show musical, mais precisamente de pagode,
que, em
realidade, parecia a saída do Maracanã. Uma multidão ia e vinha ao mesmo tempo, gente cansada, irritada,
gente querendo subir em ônibus já lotados, gente estorricada na calçada, na rua, nos carros superlotados,
nas vans impropriamente cheias, brigas, discussões, nervosismo, tudo acontecendo na nossa frente, no
nosso lado, atrás do carro.
O "filme" tinha como roteiro a falta de organização (nunca deveria ser feito um evento sem a
garantia de um seguro e apropriado escoamento das pessoas, carros e ônibus – é bom lembrar que as vias
do Aterro também estavam interditadas) adicionada à péssima educação do povo (também é bom lembrar
que não é preciso ter dinheiro para ser educado). Todos sabem (ou deveriam saber) que ônibus não é
tambor, que não é possível entrarem 100 pessoas num transporte
em que só cabem 50, que fila é para ser
respeitada, que as ruas são para carros e as calçadas para pedestres, que lixo não deve ser jogado na rua,
que árvores, placas, bancos e sinais não têm culpa se irresponsáveis montaram um show para uma
quantidade de pessoas
que nunca seria viável naquela enseada de Botafogo. Segurança na rua, nem
pensar; guardas organizando trânsito e transeuntes, muito menos. Em suma, o caos armado.
Finalmente, às 19h50m, conseguimos passar pela multidão e, por uma questão de horário,
desistimos de ir à casa do meu irmão; fomos direto ao aeroporto. Mais uma vez, agora na Linha Vermelha,
próximo (depois fiquei sabendo) do Morro/Favela do Timbau, o tráfego parou em ambos os sentidos.
Alguns motoristas saíram de seus carros para ver o que estava acontecendo. Depois de uns três minutos,
voltaram correndo, gritando para que todos dessem marcha a ré e retomassem, pois estava acontecendo
um "arrastão".
A situação,
que já estava tensa, piorou muito. Todos (carros, camionetes e ônibus) tentavam ao
mesmo tempo dar a volta e retomar, um verdadeiro salve-se quem puder. Quando rapidamente fazíamos o
retorno, ouvimos tiros. Seguimos, então, pela contramão, até o viaduto de retorno para a Avenida Brasil.
Na entrada da avenida, uma viatura estava de prontidão, seus guardas com metralhadoras em punho
seguindo em direção à Linha Vermelha. Mais uma vez, a cena parecia de filme.