Download PDF
ads:
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Elenice Santos de Assis Costa de Souza
A Interpretação das Cláusulas Relativas no Português do Brasil: um Estudo Funcional
v. 1
Rio de Janeiro
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Elenice Santos de Assis Costa de Souza
A Interpretação das Cláusulas Relativas no Português do Brasil: um Estudo Funcional
v. 1
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa). Faculdade de Letras, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Violeta Virginia
Rodrigues
Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Myrian Azevedo de
Freitas
Rio de Janeiro
2009
ads:
SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de
A interpretação das cláusulas relativas no português do Brasil: um estudo funcional.
Elenice Santos de Assis Costa de Souza - Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2009.
xix, 260 f.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/FL/Departamento de
Letras Vernáculas – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa),
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Violeta Virgina Rodrigues - UFRJ/FL/Departamento de Letras
Vernáculas, Co-Orientadora: Prof.ª Dr.ª Myrian Azevedo de Freitas – UFRJ/FL/Departamento
de Lingüística e Filologia.
1. Cláusulas relativas, 2. Interpretação, 3. Proposta tipológica, 4. Funcionalismo.
A interpretação das cláusulas relativas no português do Brasil: um estudo funcional
Elenice Santos de Assis Costa de Souza
Orientadora: Professora Doutora Violeta Virginia Rodrigues
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte integrante dos requisitos necessários
para obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por
________________________________________________________________________
Presidente, Profª. Doutora Violeta Virginia Rodrigues - UFRJ
________________________________________________________________________
Profª. Doutora Maria Beatriz do Nascimento Decat - UFMG
________________________________________________________________________
Profª. Doutora Mirian Therezinha da Matta Machado - UFF
________________________________________________________________________
Prof. Doutor João Luiz Ferreira de Azevedo - UFRRJ
________________________________________________________________________
Profª. Doutora Mônica Tavares Orsini - UFRJ
________________________________________________________________________
Profª. Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – PPG Letras Vernáculas – UFRJ, Suplente
________________________________________________________________________
Prof. Doutor Mário Eduardo Toscano Martelotta – PPG Lingüística e Filologia – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2009
Dedico esta tese:
a Ana Carolina, Benedito, Florenice e Muniz
e a todos os meus professores que, ao longo da
minha trajetória como aprendiz, contribuíram para
o meu crescimento intelectual e humano.
Agradecimentos
A Deus, em primeiro lugar, por me sustentar nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais, Benedito e Florenice, pelo apoio incomensurável e pelo amor imprescindível.
Ao meu marido, Muniz, pelo apoio dispensado e por compreender as minhas ausências.
À minha filha, Ana Carolina, pela sua maneira toda especial de participar.
Ao primo Wellington, pelo apoio logístico e pela amizade.
À Eliane Alves, pelo apoio e compreensão.
À Prof.ª Dr.ª Violeta Rodrigues, orientadora e amiga, pela cumplicidade, confiança e,
principalmente, pelas lições de profissionalismo e de vida.
À Prof.ª Dr.ª Myrian Azevedo de Freitas, minha co-orientadora, pelo apoio constante e por ter me
recebido de forma tão acolhedora.
À Prof.ª Dr.ª Mônica Tavares Orsini, pela participação na banca examinadora, pelas
contribuições bibliográficas, pela ajuda na aplicação do teste de interpretação e, principalmente,
pelo incentivo e amizade sincera.
Ao Prof. Dr. João Luiz Azevedo, pela participação na banca examinadora, pelas contribuições
bibliográficas, pelo incentivo e amizade.
À Prof.ª Dr.ª Maria Beatriz do Nascimento Decat, pela participação na banca examinadora, pelas
contribuições bibliográficas, pela gentileza e receptividade nos nossos contatos.
À Prof.ª PhD. Mirian da Matta Machado, pela participação na banca examinadora e pela atenção.
À Prof.ª Dr.ª Célia Regina dos Santos Lopes, pela participação na banca e pelas contribuições no
Exame de Qualificação.
Ao Prof. Dr. Mário Martelotta, pela participação na banca, pela gentileza e receptividade nos
nossos contatos e pela importante contribuição teórica por meio do curso ministrado na Pós-
Graduação.
Ao Prof. PhD. Uli Reich, pelo grande incentivo e pelas preciosas contribuições.
À Prof.ª Dr.ª Eugênia Duarte, pelo incentivo e pelas contribuições bibliográficas.
À Prof.ª Dr.ª Mônica Nobre e à Prof.ª PhD. Aurora Neiva, pelo incentivo e contribuições.
Ao Prof. Ms. Leandro Abrantes, pela participação como informante, pelo incentivo, pela
paciência e pelo auxílio imprescindível no manuseio de alguns programas computacionais.
À Prof.ª Manuela Colamarco, pela participação como informante.
Aos graduandos do curso de Letras da UFRJ que, com tão boa vontade, dispuseram-se a realizar
o teste de interpretação.
Aos graduandos da UFRRJ que se dispuseram de bom grado a participar do teste de
interpretação.
Ao técnico-administrativo Paulo Silveira, pelo auxílio no uso do Laboratório de Fonética da
Faculdade de Letras da UFRJ.
À Administração Superior da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, pelo apoio
constante, em especial, à Vice-Reitora, Prof.ª Dr.ª Ana Maria Dantas.
À Administração do Colégio Técnico da UFRRJ, pelo apoio fundamental: ao diretor, prof. Délcio
de Castro, e, em especial, à prof. Eliane Mendonça, chefe da DAG, e ao prof. Zair Oliveira, ex-
coordenador do Ensino Médio.
Ao Prof. Ms. Abner Chiquieri, pelo respeito, amizade e versão do resumo para o francês.
À Prof.ª Rosemar Pereira da Silva, pela apoio na aplicação do teste de interpretação com os
alunos de Graduação da UFRRJ.
À Prof.ª Dr.ª Sônia Amparo, pelas contribuições bibliográficas, incentivo e amizade.
À Prof.ª Adriana Loureiro, pela amizade e pela ajuda com a língua inglesa.
À Prof.ª Mariana Gesteira, amiga e ex-aluna, pelo incentivo e pela versão do resumo para o
espanhol.
À Prof.ª Mariza de Azevedo Catarino, in memoriam, por ter despertado em mim, antes mesmo do
ingresso na faculdade, a paixão pela língua portuguesa e pela análise sintática.
À Prof.ª Dr.ª Regina Cohen Barros, pelo apoio imprescindível, pela solidariedade e,
especialmente, pela amizade sincera.
Ao Prof. Ms. Frederico Falcão, amigo de longa data, pelo apoio, pelo incentivo e pelos “puxões
de orelha” nas horas certas.
À Prof.ª Ms. Virgínia Tafuri, por todo o apoio dispensado, pela amizade sincera e pelas grandes
lições de profissionalismo, solidariedade e ética.
À equipe do Programa Faixa Livre, da Rádio Bandeirantes, em especial, ao operador de áudio,
Francisco de Assis Ildefonso.
A todos os familiares, amigos, professores e alunos cujos nomes não constam nesta página, mas
fazem parte, de forma especial, da minha história.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
(Carlos Drummond de Andrade)
RESUMO
SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no português
do Brasil: um estudo funcional. Rio de Janeiro, 2009. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Este estudo analisou as cláusulas relativas finitas do português brasileiro contemporâneo
com base em amostra constituída a partir de textos do domínio discursivo jornalístico. Foram
usados textos das duas modalidades lingüísticas (oral e escrita) correspondentes aos seguintes
gêneros textuais: editorial, artigo, crônica, entrevista e notícia. A análise pautou-se na
metodologia qualitativa sob o enfoque teórico do Funcionalismo, mais precisamente da
Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday (1994), além de outros estudos complementares.
Assim, as relativas foram examinadas não só no nível da cláusula, como também no
âmbito do texto e dos contextos de situação e de cultura. Entende-se como cláusula relativa finita
a construção que se subordina a um SN, denominado antecedente, por meio de um pronome
relativo, com o qual estabelece uma relação de predicação. O SN antecedente pode ser
constituído, no mínimo, por um nome, por um pronome ou por uma categoria lexicalmente vazia.
A subordinação pode realizar-se por hipotaxe ou por encaixamento, nos termos de Lehmann
(1988). A cláusula relativa hipotática funciona como adjunto em relação ao SN antecedente, e a
encaixada, como argumento, de acordo com Decat (1999).
Comprovou-se a hipótese de que a classificação binária das relativas não recobre todos os
seus usos, havendo quatro categorias dessas cláusulas: não-restritiva prototípica, não-restritiva
não-prototípica, restritiva prototípica e restritiva não-prototípica. Os principais fatores
determinantes dessa tipologia são o grau de definitude e o status informacional do SN
antecedente. O status informacional foi estabelecido segundo duas perspectivas: a do texto e a do
leitor/ouvinte, de acordo com Prince (1992). Concluiu-se que as relativas prototípicas são
determinadas no âmbito da gramática a partir do grau de definitude do SN antecedente. Já as
relativas não-prototípicas dependem de correlações mais complexas entre esse aspecto formal e
fatores textual-discursivos, dentre os quais destaca-se a informatividade.
Quanto à modalidade oral, analisada acusticamente com base instrumental, concluiu-se
que entram em jogo aspectos prosódicos, principalmente a entoação e a pausa. As restritivas
pospostas prototípicas caracterizam-se pela ausência de marcas prosódicas, enquanto as não-
restritivas são marcadas por uma segmentação em relação à cláusula matriz, cuja principal
manifestação é o tom de fronteira, sendo a pausa um fator secundário. Dessa forma, no que tange
à distinção entre as cláusulas relativas, a prosódia mostrou-se congruente com a sintaxe,
comprovando-se a interrelação entre os dois domínios.
Essa interrelação tem desdobramentos no âmbito semântico e discursivo. Embora os
vários tipos de relativas propostos se concentrem em torno dos pólos da restrição e da não-
restrição, a hipótese central postulada nesta tese foi comprovada visto que há quatro categorias
dessas cláusulas, evidenciando, assim, sua gradiência.
ABSTRACT
SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no português
do Brasil: um estudo funcional. Rio de Janeiro, 2009. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
The present study analyzed the finite relative clauses of contemporary Brazilian
Portuguese based upon samples compiled from texts within the journalistic discourse. Texts from
the two linguistic modalities (verbal and written) were used, corresponding to the following text
genres: editorial, article, chronicle, interview and news piece. The analysis was grounded on
qualitative methodology under the theoretical focus of Functionalism, more precisely of
Halliday’s Systemic-Functional Grammar (1994), as well as other supplementary studies.
Thus, relative clauses were examined not only at the clause level, but also in the scope of
cultural and situational text and contexts. The finite relative clause can be defined as a
construction subordinated to a SN, designated as precedent, by means of a relative pronoun, with
which it establishes a predicative relation. The preceding SN may be formed, at lest, by a noun,
by a pronoun or by a category devoid of lexical function. Subordination may occur by hypotaxis
or by embedding, in Lehmann’s terms (1988). The relative clause in hypotaxis acts as an adjunct
regarding the preceding SN, and the embedded clause, as an argument, according to Decat
(1999).
The hypothesis that the binary classification of relatives does not cover all their uses was
confirmed; those clauses are divided into four categories: nonrestrictive prototypical,
nonrestrictive non-prototypical, restrictive prototypical and restrictive non-prototypical. The main
determinant factors in that typology are the degree of definitiveness and the informational status
of the preceding SN. Informational status was established in accordance with two perspectives:
the text’s and the reader/listener’s perspective, according to Prince (1992). It was concluded that
the prototypical relatives proposed are determined in the scope of grammar as of the degree of
definitiveness of the preceding SN. However, non prototypical relatives depend on more complex
correlations between the formal aspect and textual-discursive factors, among which we highlight
the information status.
Regarding the speech modality, under acoustic analysis based upon instruments, it was
concluded that it involves prosodic aspects, particularly intonation and pause. The prototypical
restrictive clauses proposed are characterized by the absence of prosodic marks, while the non-
restrictive are marked by a segmentation of the master clause, which main manifestation is the
boundary tone, being the pause an accessory factor. Hence, regarding the distinction between
relative clauses, prosody has proven congruent with syntax, confirming the interrelation of those
two domains.
Such interrelation unfolds into the semantic and discursive scope. Despite the various
types of relatives proposed being concentrated around the poles of restriction non-restriction, the
central hypothesis postulated on this thesis was confirmed, considering there are four categories
of such clauses, therefore evidencing their gradient.
RESUMEN
SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no português
do Brasil: um estudo funcional. Rio de Janeiro, 2009. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Este estudio analizó las cláusulas relativas finitas del portugués brasileño contemporáneo
basado en amuestra constituída a partir de los textos del dominio discursivo periodístico. Se
utilizaron dos modalidades lingüísticas (oral y escrita) correspondientes a los siguientes géneros
textuales: editorial, artículo, crónica, entrevista y noticias. El análisis se pautó en la metodología
qualitativa sob el enfoque teórico del Funcionalismo, más precisamente de la Gramática
Sistémico-Funcional de Halliday (1994), además de otros estudios complementares.
Así que las relativas fueron examinadas no solamente al nivel de la cláusula, sino al nivel
del texto y de los contextos de situación y de cultura. Se entiende como cláusula relativa finita la
construcción que se subordina a un SN, llamada antecedente, por medio de un pronombre
relativo, con el cual se establece una relación de predicación. El SN antecedente puede ser
constituido, por lo menos, por un nombre, por un pronombre o por una categoría lexicalmente
vacía. La subordinación puede realizarse por hipotaxe o por encaixamento, según Lehmann
(1988). La cláusula relativa hipotática funciona como adjunto en relación al SN antecedente, y la
encaixada, como argumento, de acuerdo con Decat (1999).
Se comprovó la hipótesis de que la clasificación binaria de las relativas no cubre todos
sus usos; hay cuatro categorías de esas cláusulas: no restrictiva prototípica, no restrictiva no
prototípica, restrictiva prototípica y restrictiva no prototípica. Los principales factores
determinantes de esa tipología son el grado de definitud y el estatus informacional del SN
antecedente. El estatus informacional fue establecido según dos perspectivas: la del texto y la del
lector/oyente, de acuerdo con Prince (1992). Se concluye que las relativas prototípicas son
determinadas en el ámbito de la gramática a partir del grado de definitud del SN antecedente. Ya
las relativas no prototípicas dependen de correlaciones más complejas entre ese aspecto formal y
factores textuales-discursivos, entre los cuales se destaca la informatividad.
En cuanto a la modalidad oral, analizada acústicamente con base instrumental, se
concluye que involucran aspectos prosódicos, sobre todo la entonación y la pausa. Las restrictivas
pospuestas prototípicas se caracterizan por la ausencia de rasgos prosódicos, mientras que las no
restrictivas se caracterizan por una segmentación respecto a la cláusula matriz, cuya principal
manifestación es el tono de frontera, y la pausa es un factor secundario. De modo que respecto a
la diferencia entre las cláusulas relativas, la prosodia se mostró congruente con la sintaxis,
comprovándose la interrelación entre los dos dominios.
Esa interrelación tiene desdoblamientos en el ámbito semántico y discursivo. Aunque los
varios tipos de relativas propuestos se concentren al rededor de los polos de la restricción y de la
no restricción, la hipótesis central que se postula en esta tesis fue comprovada ya que hay cuatro
categorías de esas cláusulas, lo que evidencia su gradiencia.
RÉSUMÉ
SOUZA, Elenice Santos de Assis Costa de. A interpretação das cláusulas relativas no português
do Brasil: um estudo funcional. Rio de Janeiro, 2009. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –
Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Cette étude a analysé les phrases relatives finies du portugais brésilien contemporain
basée sur un corpus constitué de textes du discours journalistique. Des textes des deux modalités
(orale et écrite) ont été utilisés comprenant les genres textuels suivants: éditorial, article,
chronique, interview, nouvelle. L’analyse s’est fondée sur la méthodologie qualitative, dans la
perspective du fonctionnalisme, et plus précisément de la grammaire systémico-fonctionnelle de
Halliday (1994) et d’autres études complémentaires.
Ainsi, les phrases relatives ont été examinées non seulement en elles-mêmes, mais aussi
dans l’ensemble du texte et dans les contextes de situation et de culture. On comprend la phrase
relative finie comme celle qui est subordonnée à un SN nommé antécédent, au moyen d’un
pronom relatif avec lequel elle établit un rapport de prédicat. Le SN antécédent peut être
constitué par au moins un nom, un pronom ou une classe vide du point de vue lexical. La
subordinnation peut se réaliser soit par hypotaxe soit par enchâssement, selon la terminologie de
Lehmann (1988). La phrase relative hypotaxique joue le rôle d’un adjoint au SN antécédent, et la
phrase enchâssée fonctionne comme un argument, selon Décat (1999).
On a confirmé une hypothèse: que la classification binaire de la phrase relative ne
recouvre pas tous ses usages. En vérité, il y a quatre catégories: la phrase non-restrictive
prototypique, la phrase non-restrictive non-prototypique, la phrase restrictive prototypique et la
phrase relative non-prototypique. Les principaux facteurs qui déterminent cette typologie sont le
degré de définitif et le statut d’information du SN antécédent. Le statut d’information a été établi
suivant deux perspectives: celle du texte et celle de l’lecteur/auditeur, d’après Prince (1992). On a
conclu que les phrases relatives prototypiques sont déterminées dans le domaine de la grammaire,
selon le degré de définitif du SN antécédent. Les phrases relatives non-prototypiques dépendent
de correlations plus complexes entre cet aspect formel et des facteurs textuels discursifs, en
particulier le statut de l’information.
Pour ce qui est de la modalité orale, analysée à l’aide de l’acoustique instrumentale, on a
conclu que des aspects prosodiques, surtout l’intonation et la pause, entrent en jeu. Les phrases
restrictives prototypiques postposées se caractérisent par l’absence de marques prosodiques,
tandis que les phrases non-restrictives sont marquées par une segmentation par rapport à la
proposition principale, dont la manifestation plus importante est le ton de frontière, la pause étant
un facteur secondaire. De cette façon, en ce qui concerne la distinction entre les propositions
relatives, la prosodie s’est montrée en congruence avec la syntaxe, tout en confirmant le rapport
entre les deux domaines.
Cette conformité a des conséquences dans le champ sémantique et discursif. Bien que les
différents types de phrases relatives proposés se concentrent autour des pôles de la restriction et
de la non-restriction, l’hypothèse centrale postulée dans cette thèse a été confirmée, étant donné
qu’il y a quatre catégories de ces phrases, ce qui met en évidence leur gradience.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Figura 1: Cláusula como mensagem, troca e representação......................................................... 36
Quadro 1: Distribuição dos textos da modalidade escrita por gêneros e suportes....................... 68
Quadro 2: Distribuição dos textos da modalidade oral por gêneros............................................ 68
Figura 2: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência ocupado diante dos hotéis e que estão.......................................................................... 84
Figura 3: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência ocupado diante dos hotéis e que estão.......................................................................... 85
Figura 4: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência ocupado diante dos hotéis e que estão.......................................................................... 87
Quadro 3: Cláusulas primárias e secundárias............................................................................... 90
Quadro 4: Tipos de processos verbais, significados e participantes.......................................... 109
Quadro 5: Correlação entre constituição e graus de definitude do SN antecedente em construções
relativas.........................................................................................................................................137
Quadro 6: Tipologia textual na perspectiva do falante/escritor em relação ao objeto do dizer
(fazer/acontecer, conhecer/saber)................................................................................................ 166
Figura 5: Configuração do acento nuclear...................................................................................187
Figura 6: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência de professores que estão..............................................................................................189
Figura 7: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência agora com relação a essa denúncia que você faz........................................................191
Figura 8: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência Sarkosy que é um reacionário de marca maior na Espanha onde a repressão ........ 194
Figura 9: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência pouco dessas eleições que vão ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze
de agosto né..................................................................................................................................196
Figura 10: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência (a) primeira vez que existiu um departamento de educação e cultura eu fui a ......... 198
Figura 11: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência a gente escolheu o seu programa que tá sempre atento a essas questões.................. 199
Figura 12: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática e notação fonológica da
seqüência ................................................................................................................................... 201
Quadro 7: Correlação entre grau de definitude e constituição do SN antecedente e tipos de
relativas........................................................................................................................................ 215
Figura 13: Processos de combinação de cláusulas..................................................................... 216
Figura 14: Posição das cláusulas relativas no contínuo oracional em relação às adverbiais e
completivas.................................................................................................................................. 216
Figura 15: Tipologia das cláusulas relativas.............................................................................. 217
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Total de textos e gêneros da amostra............................................................................ 69
Tabela 2: Valores da F0 e da duração da seqüência diante dos hotéis........................................ 82
Tabela 3: Valores da F0 e da duração da seqüência que não construíram garagens................... 83
Tabela 4: Notação fonológica do vocábulo hotéis....................................................................... 83
Tabela 5: Distribuição do status informacional e definitude do SN antecedente em construções
de relativização por modalidade...................................................................................................140
Tabela 6: Valores da F0 da seqüência professores que estão....................................................188
Tabela 7: Notação fonológica do vocábulo professores..............................................................188
Tabela 8: Localização e tipo de pausa.........................................................................................189
Tabela 9: Valores da F0 e da duração da seqüência denúncia (fronteira sintática 1)..................190
Tabela 10: Valores da F0 e da duração da seqüência que você faz (fronteira sintática 2) ........ 190
Tabela 11: Notação fonológica dos vocábulos denúncia e faz..................................................190
Tabela 12: Localização e tipo de pausa......................................................................................190
Tabela 13: Valores da F0 e da duração da seqüência Sarkosy que é um.....................................192
Tabela 14: Notação fonológica do vocábulo Sarkosy ............................................................... 192
Tabela 15: Localização e tipo de pausa.......................................................................................192
Tabela 16: Valores da F0 da seqüência na Espanha onde a.......................................................192
Tabela 17: Notação fonológica da seqüência na Espanha..........................................................192
Tabela 18: Localização e tipo de pausa.......................................................................................192
Tabela 19: Valores da F0 e da duração da seqüência dessas eleições que vão (fronteira sintática
1).................................................................................................................................................. 194
Tabela 20: Valores da F0 e da duração da seqüência de agosto (fronteira sintática 2) ..............194
Tabela 21: Notação fonológica das seqüências eleições e de agosto .........................................195
Tabela 22: Localização e tipo de pausa ......................................................................................195
Tabela 23: Valores da F0 da seqüência (a) primeira vez que existiu ........................................ 196
Tabela 24: Valores da F0 da seqüência cultura eu......................................................................196
Tabela 25: Notação fonológica das seqüências primeira vez e cultura eu ................................197
Tabela 26: Valores da F0 da seqüência programa que tá sempre ..............................................198
Tabela 27: Notação fonológica do vocábulo programa ............................................................ 198
Tabela 28: Localização e tipo de pausa ..................................................................................... 199
Tabela 29: Valores da F0 da seqüência um carrinho ................................................................ 200
Tabela 30: Notação fonológica do vocábulo carrinho .............................................................. 200
Tabela 31: Localização e tipo de pausa ..................................................................................... 200
Tabela 32: Distribuição dos tipos de cláusulas relativas por modalidade ................................. 218
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Art Def – artigo definido
Art Ind – artigo indefinido
Cf. – conferir ou confrontar
Dem – pronome demonstrativo
F0 – freqüência fundamental
GSF – Gramática Sistêmico-Funcional
H – tom alto ou ascendente
Ind – pronome indefinido
L – tom baixo ou descendente
N – nome
NURC – Norma Urbana Oral Culta
Oco – ocorrência
PB – português do Brasil
Poss – pronome possessivo
Pro – pronome
RJ – Rio de Janeiro
s - segundo
SP – São Paulo
SN – sintagma nominal
SAdj – sintagma adjetivo
SAdv – sintagma adverbial
SPrep – sintagma preposicionado
Quant - quantificador
SUMÁRIO
1 POR QUE ESTUDAR AS CONSTRUÇÕES RELATIVAS? ...................................... 20
2 A ABORDAGEM TRADICIONAL ................................................................................ 25
3 A ABORDAGEM FUNCIONAL .................................................................................... 29
3.1 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS GERAIS ..................................................... 29
3.2 A GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (GSF) ........................................ 30
3.3 A CONTRIBUIÇÃO DE LEHMANN ................................................................ 39
3.4 A CONTRIBUIÇÃO DE DECAT ....................................................................... 42
3.5 OUTRAS CONTRIBUIÇÕES ............................................................................. 48
4 METODOLOGIA ............................................................................................................. 63
4.1 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS ............................................................................... 63
4.2 PROPOSTA DE ANÁLISE ....................................................................................... 69
4.3 ANÁLISE ACÚSTICA .............................................................................................. 72
4.3.1 Análise acústica do corpus controlado ..................................................... 78
4.3.2 Análise acústica do corpus semi-espontâneo ............................................ 87
5 ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES RELATIVAS ........................................................... 89
5.1 A RELATIVIZAÇÃO NO ÂMBITO DA CLÁUSULA ............................................ 89
5.1.1 Cláusula e Modo ....................................................................................... 103
5.1.2 Cláusula e transitividade ......................................................................... 103
5.1.3 Cláusula e prosódia .................................................................................. 110
5.2 A RELATIVIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TEXTO ................................................. 116
5.2.1 Status informacional e definitude do SN antecedente .......................... 116
5.2.2 Gêneros textuais ...................................................................................... 142
5.2.3 Gêneros jornalísticos ............................................................................... 144
5.2.3.1 A notícia ...................................................................................... 149
5.2.3.2 A entrevista ................................................................................. 152
5.2.3.3 O editorial ................................................................................... 159
5.2.3.4 O artigo ....................................................................................... 161
5.2.3.5 A crônica .................................................................................... 162
5.2.4 Seqüências tipológicas ............................................................................. 165
5.2.4.1 Seqüência descritiva ................................................................... 167
5.2.4.2 Seqüência dissertativa ................................................................ 168
5.2.4.3 Seqüência injuntiva .................................................................... 169
5.2.4.4 Seqüência narrativa .................................................................... 170
5.2.5 Análise da modalidade escrita ............................................................... 171
5.2.6 Análise da modalidade oral .................................................................... 185
6 TIPOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES RELATIVAS ............................................. 204
6.1 Não-restritivas prototípicas ....................................................................... 204
6.2 Restritivas prototípicas .............................................................................. 205
6.3 Não-restritivas não-prototípicas ................................................................ 210
6.4 Restritivas não-prototípicas ....................................................................... 211
6.5 Proposta tipológica ...................................................................................... 213
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 220
8 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 224
9 APÊNDICES .................................................................................................................... 235
APÊNDICE A – Protocolo experimental 1 .......................................................................... 235
APÊNDICE B - Protocolo experimental 2 ........................................................................... 240
APÊNDICE C – Transcrição grafemática das entrevistas radiofônicas ............................... 241
10 ANEXOS - Textos coletados da imprensa escrita .......................................................... 247
1 POR QUE ESTUDAR AS CONSTRUÇÕES RELATIVAS?
Embora este tema já tenha sido objeto de estudo de inúmeras pesquisas, sob a forma de
dissertações, teses e outros gêneros acadêmicos, parece-nos ainda não estar esgotado,
principalmente se levarmos em conta a perspectiva usada para examinar o fenômeno. Trabalhos
que podem ser considerados clássicos como Mollica (1977), Tarallo (1983), Brito (1991), Kato
(1993), Peres e Móia (1995), e outros mais recentes como Oliveira (2001), Areas (2003), Mollica
(2003), Silva (2005), Amorim (2006), para citarmos apenas alguns poucos, demonstram a
complexidade do tema e, conseqüentemente, a multiplicidade das abordagens que podem ser
desenvolvidas. Sem deixarmos de reconhecer o mérito de nenhum deles, tais estudos diferem
deste ou pela linha teórica adotada, ou pelo aspecto da relativização posto em foco, ou pela
natureza do corpus analisado, ou ainda pela conjugação de dois ou mais desses fatores.
As construções que chamamos cláusulas relativas correspondem às orações subordinadas
adjetivas da tradição gramatical, que as subclassifica em restritivas e explicativas, denominadas
neste estudo restritivas e não-restritivas, respectivamente. Na sua forma finita, que corresponde
ao nosso objeto de estudo, são introduzidas, segundo a tradição, por pronomes relativos.
No que tange ao ensino de língua materna, essas construções suscitam muitas dúvidas aos
aprendizes em vários aspectos. Um deles é o emprego de alguns conectivos relativos,
principalmente do onde e do cujo. A prescrição gramatical estabeleceu que o onde deve retomar
somente antecedentes com significação espacial (de lugar), mas sabemos que seu emprego é mais
amplo tanto na produção textual de estudantes, quanto em textos acadêmicos e jornalísticos, que,
em geral, são considerados modelares. A fronteira semântica entre espaço físico e espaço
nocional é tênue levando os usuários da língua a generalizarem as duas categorias como
“espaço”, empregando o onde em construções não canônicas.
Já o cujo, por desempenhar funções sintáticas mais encaixadas, exige do usuário uma
habilidade que nem sempre ele tem, ou, se tem, pode não empregar devido a fatores pragmáticos
como registro, modalidade, relação entre interlocutores, intencionalidade, entre outros. Essa
característica morfossintática do cujo também o torna menos freqüente mesmo em textos escritos
mais formais.
Outro aspecto relevante é o emprego dos sinais de pontuação: a tradição gramatical e os
diversos manuais de redação existentes recomendam que a oração subordinada adjetiva
explicativa seja usada com vírgula, ou entre vírgulas, a depender da posição em que ela se
encontra no período. Esse sinal de pontuação corresponderia, na modalidade falada, à pausa,
elemento prosódico que caracterizaria a oração explicativa. Essa prescrição nos leva a dois outros
pontos polêmicos e inter-relacionados.
O primeiro é a classificação em restritivas e explicativas, cuja dificuldade se dá não só em
função do sentido suscitado pelo último rótulo pois tudo o que explica é essencial, contraposto
à orientação didática em geral fornecida de que essa oração pode ser descartada sem prejuízo para
a mensagem , mas também porque nem sempre tal distinção é evidente para o aluno,
principalmente se o período estiver isolado do texto a que pertence e se não houver nenhuma
referência à situação comunicativa na qual se insere.
O segundo ponto polêmico refere-se à relação entre sinais de pontuação e aspectos
prosódicos, relação a respeito da qual um olhar mais acurado permite verificar que não é
biunívoca, e ouvidos mais atentos percebem que não só a pausa está envolvida, mas também, – e,
talvez, principalmente – a curva melódica da fala. Devemos ter muita cautela no que diz respeito
a essa correlação, que não se reduz à simples ausência ou presença de pausa. Fatores prosódicos
como pausa e entoação devem ser levados em consideração em um estudo funcional. Eles não se
restringem somente a questões de segmentação no plano sintático, mas também contribuem para
a construção dos significados em um sentido mais amplo. O grande desafio para os estudos
lingüísticos, no entanto, é avaliar o papel dos fatores prosódicos em situações reais de interação.
A observação dos dados do nosso corpus demonstra que a classificação das relativas em
termos binários não recobre todos os usos dessas construções. Além das restritivas prototípicas e
das não-restritivas prototípicas, defendemos a hipótese de haver categorias intermediárias. Em
algumas construções relativas, o papel de atribuição (característico das não-restritivas) ou de
definição (característico das restritivas) em relação ao antecedente não é tão claro, levando-nos a
pensar que haveria mais de dois tipos de relativas.
Acreditamos que a classificação binária das relativas não dá conta da complexidade das
relações estabelecidas na interação entre antecedente, relativa, texto e contextos havendo,
portanto, casos que merecem uma discussão mais cuidadosa. Acreditamos ainda que a
dificuldade de classificação dessas construções se deve, em parte, ao fato de não se privilegiarem
análises que levem em conta um escopo mais amplo que o do período ou da sentença.
Algumas definições de cláusulas relativas e a respectiva exemplificação fornecida por
obras da tradição gramatical dão margem ao entendimento de que tais construções estão sempre
vinculadas a um sintagma nominal (doravante SN) inserido em uma oração, quando na realidade,
o antecedente pode não fazer parte de outra oração. Embora essa seja uma estratégia utilizada
pelos usuários do português, ela não é contemplada pelas gramáticas tradicionais nem pelos
próprios manuais publicados por jornais de renome do Brasil. A referida estratégia pode
desempenhar um papel importante no âmbito da configuração textual – na elaboração de títulos e
na codificação de seqüências tipológicas dissertativas, por exemplo.
Outra questão polêmica em relação ao quadro dos morfemas relativos é o emprego de o
que. Há casos nos quais o primeiro elemento parece manter ainda sua “autonomia” funcionando
como antecedente pronominal do que relativo; mas há casos dúbios nos quais há mais de uma
possibilidade de análise; e há ainda outros nos quais parece estarmos diante de uma unidade
morfêmica em função anafórica retomando uma seqüência textual mais ampla que um SN.
Ainda no que se refere ao inventário dos conectivos relativos, a grande maioria dos
gramáticos considera que, o qual (e flexões), quem, cujo (e flexões), onde e quanto (e flexões)
precedido de tudo ou todo(a)(s). No entanto, os conectivos quando e como também podem
desempenhar a função de relativo.
Nossa hipótese principal é, portanto, a de que, além das relativas não-restritivas e das
relativas restritivas prototípicas, haveria categorias intermediárias desse tipo de cláusula. A
interpretação dessas construções quanto ao caráter mais ou menos restritivo em relação ao SN
antecedente (ou co-referente) dever-se-ia a uma intrincada rede de fatores morfossintáticos,
semânticos, discursivos e fonológicos (no caso da modalidade falada).
Pretendemos, ao término deste estudo, elucidar boa parte desses fatores debruçando-nos
sobre os usos dessas construções observadas em alguns gêneros textuais das duas modalidades do
português brasileiro contemporâneo. À luz da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e de alguns
trabalhos de Lehmann (1986, 1988 e 2003), complementados por outros estudos julgados
pertinentes (cf. capítulo 4), constituímos uma amostra de quinze textos distribuídos pelas duas
modalidades da língua e pelos seguintes gêneros: editoriais, artigos, crônicas, entrevistas (orais e
escritas) e notícias. Nosso corpus foi constituído basicamente a partir desses quinze textos.
O trabalho está organizado em sete capítulos. No segundo, fazemos uma breve revisão da
tradição gramatical no tocante às orações adjetivas, como são concebidas nesse tipo de
abordagem, qual o inventário dos pronomes relativos e se é feita alguma alusão a aspectos
prosódicos. No terceiro, apresentamos os pressupostos teóricos que embasam este estudo. No
quarto, explicitamos a metodologia utilizada detalhando a constituição do corpus, o tratamento
concedido aos dados e oferecendo as informações indispensáveis sobre o programa
computacional usado para a análise acústica. O capítulo quinto foi dividido em dois grandes
blocos: o primeiro privilegia a análise dos dados no âmbito da cláusula relacionando essa unidade
aos sistemas de Modo e de Transitividade; já o segundo, privilegia as construções relativas no
âmbito do texto, relacionando-as ao status informacional e à definitude do SN relativizado, aos
gêneros textuais e às seqüências tipológicas. Apresentamos a análise completa de um texto da
amostra escrita, do gênero editorial, nos moldes da Gramática Sistêmico-Funcional a fim de
ilustrar o procedimento realizado para a análise de todos os textos. Ainda no capítulo quinto
ilustramos a análise feita para o texto oral a partir de alguns fragmentos mais expressivos. No
sexto capítulo, propomos uma classificação para as cláusulas relativas na perspectiva de um
contínuo tipológico. Finalmente, no sétimo capítulo, apresentamos as conclusões a que podemos
chegar com base na amostra examinada e no enfoque teórico adotado.
Acreditamos que ainda há muito que discutir sobre o processo de relativização e que as
diversas pesquisas, a despeito de suas diferenças teóricas e metodológicas, contribuem para
elucidar o fenômeno e, em última instância, o funcionamento das línguas, de natureza tão
complexa que, em pleno século XXI, com todo o avanço científico e tecnológico, ainda não
conhecemos plenamente.
2 A ABORDAGEM TRADICIONAL
Como dissemos anteriormente, algumas definições de orações adjetivas, bem como sua
respectiva exemplificação, dão margem ao entendimento de que tais construções estão sempre
vinculadas a um antecedente inserido em outra oração, como podemos observar nos excertos a
seguir:
Estas orações, que valem por adjetivos, funcionam como adjunto
adnominal. Na trama do período, subordinam-se, portanto, a qualquer
termo da oração anterior cujo núcleo seja substantivo, ou equivalente de
substantivo.
(Rocha Lima, 1982:239)
Adjetivas – têm função de adjetivo: restringem ou explicam um
substantivo (nome ou pronome) da oração principal.
(Luft, 1985:53)
A
ORAÇÃO SUBORDINADA ADJETIVA pode, como todo ADJUNTO
ADNOMINAL
, depender de qualquer termo da oração, cujo núcleo seja um
substantivo ou um pronome:
SUJEITO, PREDICATIVO, COMPLEMENTO
NOMINAL, OBJETO DIRETO, OBJETO INDIRETO, AGENTE DA PASSIVA,
ADJUNTO ADVERBIAL
, APOSTO e, até mesmo, VOCATIVO.
(Cunha e Cintra, 1985:587)
A oração subordinada adjetiva funciona como adjunto adnominal de um
termo chamado antecedente (substantivo ou pronome) posto na oração a
que se prende.
(Bechara, 1982:118)
Na realidade, o antecedente pode não ser um sintagma nominal que integra outra oração.
Esse uso precisa ser contemplado na descrição da língua, principalmente devido ao importante
papel que desempenha no âmbito da tessitura textual e da argumentação.
Apesar de qualquer falante nativo do português conceber como aceitável e gramatical o
uso de quando como relativo
1
, as gramáticas, em geral, não o incluem no quadro desses
pronomes. Isso pode ser constatado em obras como Cunha (1982), Rocha Lima (1982), Cunha e
Cintra (1985) e Bechara (1975), e mesmo Neves (2000), que não pode ser considerada uma obra
tradicional.
Já Luft (1985:122) insere-o nesse quadro dentro de sua perspectiva tripartida de pronomes
substantivos (que, quem, o qual, o que), adjetivos (cujo, o qual) e advérbios (como, onde e
quando). Embora não seja uma obra prescritiva, é interessante ressaltar que Mateus et alii
(2003:664) tratam do assunto em extensa nota de rodapé, mas não o assumem explicitamente no
quadro desses morfemas alegando que há controvérsias a respeito do assunto.
Em relação ao como, o quadro é mais favorável: se por um lado, Cunha (1982), Cunha e
Cintra (1985) e Bechara (2002) não o consideram como relativo, por outro, Neves (2000) e
Rocha Lima (1982) o consideram.
Ao conceber esses vocábulos como morfemas multifuncionais, ou seja, como conectivos
que podem assumir diversas funções (entre as quais a de relativo) na construção das sentenças
complexas, seja na parataxe ou na subordinação, a descrição lingüística torna-se mais coerente e
econômica, mesmo porque, até em certas construções de relativização, os morfemas em questão
podem ser destituídos de sua função anafórica (caso da estratégia relativa designada por alguns
estudiosos como “copiadora”), função que não lhe parece intrínseca, e sim oriunda do co-texto
2
em que está sendo empregado. Talvez fosse mais interessante, econômico e coerente designar
esses vocábulos como “conectivos relativos”.
1
O quando desempenha papel de relativo em cláusulas do tipo “A época mais feliz da minha infância era o Natal,
quando ganhava presentes e comia rabanada” (cf. exemplo 22).
2
Entendemos por co-texto “o ambiente verbal da unidade” (cf. Charaudeau e Maingueneau, 2004: 127) lingüística
em análise.
Quanto à distinção entre restritivas e explicativas, as gramáticas de orientação prescritiva
situam a questão no âmbito semântico. Vejamos, primeiramente, o que elas dizem a respeito das
restritivas:
(...) chamam-se restritivas as que servem para delimitar ou definir melhor
seu antecedente, o qual, sem o concurso da oração adjetiva, pode ou não
fazer sentido ou dizer coisa diferente do que se tem em mente.
(Bechara, 1975:228)
A oração RESTRITIVA tem por ofício delimitar o antecedente, com o
qual forma um todo significativo, em razão disso, não pode ser suprimida,
sob pena de a oração principal ficar prejudicada em sua compreensão (...).
(Rocha Lima, 1982:242)
As RESTRITIVAS, como o nome indica, restringem, limitam, precisam a
significação do substantivo (ou pronome) antecedente. São, por
conseguinte, indispensáveis ao sentido da frase (...).
(Cunha e Cintra, 1985:588)
Vejamos, agora, o que dizem as mesmas gramáticas a respeito das chamadas orações
explicativas (não-restritivas):
A adjetiva se diz explicativa quando encerra uma simples explicação ou
pormenor do antecedente, uma informação adicional de um ser omitida
sem prejuízo (...).
(Bechara, 1975:228)
A oração EXPLICATIVA é termo adicional, que encerra simples
esclarecimento ou pormenor do antecedente não indispensável para a
compreensão do conjunto (...).
(Rocha Lima, 1982:242)
As EXPLICATIVAS acrescentam ao antecedente uma qualidade
acessória, isto é, esclarecem melhor a sua significação, à semelhança de
um aposto. Mas, por isso mesmo, não são indispensáveis ao sentido
essencial da frase.
(Cunha e Cintra, 1985:589)
A menção a aspectos prosódicos ocorre em algumas obras desse gênero, nas quais as
explicativas são sempre caracterizadas pela presença de vírgula(s) na escrita, o que
corresponderia a pausa(s) na fala, e as restritivas são sempre caracterizadas pela ausência dessas
marcas.
Bechara (1975), no entanto, vai além da simples consideração sobre a pausa dizendo
haver para as explicativas uma “entoação suspensiva ou pausal”:
Consiste a entoação suspensiva ou pausal em elevar a voz antes da pausa
final dentro da oração. Difere das entoações finais pelo fato de mostrar
que o enunciado não termina no lugar em que, em outras circunstâncias, a
estrutura oracional poderia marcar o fim de uma oração.
(Bechara, 1975:195)
Essa reflexão é importante porque não limita a diferença entre as adjetivas ao emprego ou
não da pausa fazendo alusão à curva melódica. Isso corrobora a nossa hipótese de que os dois
fatores funcionam de forma articulada, tendo a entoação um papel mais decisivo na diferenciação
dos tipos de orações adjetivas. É importante ressaltar que essa proposta baseia-se em alguns
resultados de estudos anteriores
3
. Outro aspecto a considerar é que algumas mudanças na curva
melódica e/ou um alongamento de uma sílaba podem ser percebidos como pausa pelo ouvinte.
Para confirmar ou não o emprego da pausa de forma fidedigna, faz-se necessária a utilização de
um programa computacional a fim de medir acusticamente sua presença nas fronteiras sintáticas
pertinentes, pois só a análise perceptiva não é suficiente.
3
Cf. Souza (1996), Souza (2007b).
3 A ABORDAGEM FUNCIONAL
3.1 OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS GERAIS
Embora o rótulo “funcionalismo” abrigue várias correntes com origens e preocupações
específicas distintas, como o chamado funcionalismo norte-americano, a escola holandesa, a
escola francesa, a escola de Londres e a escola de Sidney, todas essas correntes partem de duas
premissas básicas: a de que as línguas são entidades dinâmicas e a de que elas se configuram a
partir da interação. Desse modo, uma abordagem funcional teria como pilares o uso e a função,
sendo a segunda configurada a partir do primeiro.
Segundo Nichols (1984, apud Neves, 2004), haveria três funcionalismos: o conservador, o
moderado e o extremado. O primeiro limita-se a criticar e apontar as falhas das abordagens
estruturalistas e formalistas (ou gerativistas). O segundo, além de apontar tais lacunas, propõe
uma análise funcional da estrutura lingüística. Já o terceiro desconsidera a estrutura e preconiza
que as regras advêm da função, donde se conclui que não existiriam restrições sintáticas. Barreto
(1999:60) inclui na primeira corrente Susumu Kuno (1987); na segunda, autores como Dik,
Halliday e Givón (1984, 1990, 1993); já na terceira, inclui Thompson (1987) e Hopper (1987).
De acordo com Cunha, Oliveira e Martelotta (2003:29) “a necessidade de investigar a
sintaxe nos termos da semântica e da pragmática é comum a todas as abordagens funcionalistas
atuais”. Além disso, tanto o funcionalismo quanto a lingüística textual partem da premissa de que
o texto é a unidade primordial da comunicação e, portanto, de estudo. É evidente que, em
determinados momentos da análise, por uma questão metodológica, faz-se necessário segmentar
o texto em unidades menores, como a cláusula, por exemplo, mas tal procedimento não invalida a
perspectiva funcional desde que não se perca a noção do todo. Neves (2006:27) estreita os laços
entre as duas abordagens “defendendo que gramática funcional e lingüística do texto se aliam no
tratamento de processos de constituição do enunciado (...)”.
Segundo Halliday (1994:xxii),
lingüistas das principais ‘escolas’ funcionais européias – a escola de
Praga, os funcionalistas franceses, a escola de Londres, a escola de
Copenhagen – todos, de diferentes mas relacionadas maneiras,
consideram o texto objeto da lingüística juntamente com o sistema. Seu
ponto de vista é o de que realmente não se pode compreender um sem o
outro.
4
É nessa perspectiva que o fenômeno da relativização é investigado aqui, adotando-se
como principal suporte teórico Halliday (1977, 1994) e Lehmann (1986, 1988, 2003),
complementados por outros estudos como os de Cunha e Souza (2007), Marcuschi (2001, 2002),
Neves (2000, 2002, 2004, 2006), Prince (1992), Travaglia (1992, 1993, 2002a, 2002b, 2003a,
2003b), Vilela e Koch (2001), Decat (1999, 2001a, 2001b, 2004) entre outros.
Apesar de a chamada lingüística textual se dedicar mais detidamente ao estudo dos
mecanismos de coesão, dos tipos e gêneros textuais e dos domínios discursivos, ela e o
funcionalismo se complementam já que ambos, em última instância, preocupam-se com o
funcionamento da língua com vistas à construção dos sentidos a partir dos textos usados na
interação. Esta é entendida como um processo sócio-histórico-cultural por meio do qual os
indivíduos concebem o mundo e a si mesmos, agindo e promovendo transformações.
3.2 A GRAMÁTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL (GSF)
A Gramática Sistêmico-Funcional (doravante referida pela sigla GSF) é direcionada para
a semântica, no sentido amplo do termo, ou seja, é voltada para a construção do sentido no
âmbito do texto e dos contextos de situação e de cultura. A ênfase no componente sistêmico
4
“linguistics of the main European functional ‘schools’ – the Prague school, the French functionalists, the London
school, the Copenhagen school – all, in different but related ways, regarded the text as the object of linguistics along
with the system. Their view would be that one cannot really understand the one without the other.”
deve-se ao pressuposto de que os sentidos são codificados pelos sintagmas não se podendo,
assim, analisar aqueles sem descrever o funcionamento destes.
O termo “sistema” é entendido como um construto no qual cada parte define-se e
caracteriza-se em função do todo. Este é constituído de uma rede de vários sistemas disponíveis
na forma de paradigmas. A GSF é, em sua essência, paradigmática caracterizando-se como uma
gramática de escolhas. Estas, não necessariamente conscientes, integram os diferentes sistemas
que constituem o sistema geral e estão inter-relacionadas de modo que uma escolha traz
conseqüências em relação a outra(s), e toda essa rede produz significados. Evidentemente a
dimensão sintagmática não é descartada, mas ela é vista no plano das realizações lingüísticas,
enquanto a dimensão paradigmática é tratada como a face abstrata do sistema. No modelo de
análise proposto por Halliday (1994), o sistema pressupõe três instâncias: em que nível a escolha
é realizada, o quadro de opções (paradigma) e a realização lingüística.
O termo “funcional” justifica-se porque a GSF pressupõe que os elementos de uma língua
significam com vistas a um determinado objetivo, que, em última instância, é o comunicativo. A
função desses elementos é configurada a partir do uso, ou seja, a língua empregada na construção
de textos, produzidos em um dado contexto de situação e em um certo contexto de cultura,
viabilizando a interação verbal, seja na modalidade falada ou na escrita.
Nesse sentido, a GSF adota outro pressuposto geral do funcionalismo, qual seja, o da
naturalidade, ou não arbitrariedade, ao admitir que todas as manifestações lingüísticas podem ser
explicadas a partir do modo como a língua é usada e para que ela é usada. Nesse sentido,
considera-se, por esse prisma, que as escolhas dos falantes são motivadas. Essa naturalidade, no
entanto, não é absoluta; assim como nem todas as relações no sistema são arbitrárias.
O contexto de situação corresponde às circunstâncias mais imediatas envolvidas no
processo de interação que afetam os sentidos, as suas codificações e, conseqüentemente, as
configurações textuais. Dizem respeito à atividade social envolvida (aula, conferência, conversa,
entrevista), ao tipo de relação estabelecida entre os interlocutores (simétrica, assimétrica,
próxima, distanciada), à modalidade (falada, escrita), ao meio de transmissão (conversa por
telefone ou presencial, televisão, rádio, jornal, revista, livro), ao nível de formalidade (informal,
semi-formal, formal).
Cunha e Souza (2007:20-21) afirmam que
No contexto de situação, estão as características extralingüísticas dos
textos, que dão substância às palavras e aos padrões gramaticais que
falantes e escritores usam, consciente ou inconscientemente, para
construir os diferentes gêneros, e que os ouvintes e leitores usam para
identificar e classificar esses gêneros. Essas diferenças entre os gêneros
podem ser atribuídas a três aspectos constitutivos do contexto de situação
que a LSF
5
denomina de campo, relação e modo.
Resumidamente, campo refere-se à atividade social envolvida pela interação; relação ou
teor refere-se à estruturação dos papéis desempenhados pelos interlocutores no processo
comunicativo; e modo refere-se ao canal de comunicação e ao papel da própria linguagem na
interação.
O contexto de cultura é mais abstrato e abrangente e, embora não esteja relacionado
diretamente aos elementos que configuram o contexto de situação, está impregnado nele. Para
Cunha e Souza (2007:20), “é a soma de todos os significados possíveis de fazerem sentido em
uma cultura particular”.
Naturalmente, os dois tipos de contexto imbricam-se visto que tanto a língua quanto o
texto são concebidos pala GSF como processo – sendo, por isso, dinâmicos – não havendo uma
5
As autoras usam a sigla LSF (Lingüística Sistêmico-Funcional) em vez de GSF (Gramática Sistêmico-Funcional).
linha nítida que separa a situação comunicativa da cultura na qual estão inscritos todos os
participantes da interação. Halliday (1994:xxxi) afirma que
Exatamente porque cada texto tem seu contexto, o “contexto de situação”,
nos termos de Malinowski, o sistema de linguagem como um todo tem seu
contexto, o “contexto de cultura” de Malinowski. O contexto de cultura
determina a natureza do código. Como uma língua se manifesta por meio
dos seus textos, uma cultura se manifesta por meio de suas situações;
então, prestando atenção ao texto-em-situação uma criança constrói o
código, e usando o código para interpretar o texto ela constrói a cultura.
6
De acordo com Cunha e Souza (2007:21), “esses parâmetros do contexto de situação
afetam nossas escolhas lingüísticas porque refletem as três funções que constituem os propósitos
principais da linguagem” e em torno das quais todas as línguas se organizam segundo a
perspectiva sistêmico-funcional: são elas as funções (ou metafunções) ideacional, interpessoal e
textual. A ideacional é usada para representarmos nossas experiências do universo social e do
universo psicológico. A interpessoal, como o próprio nome sugere, é usada para representarmos
os papéis desempenhados pelos interlocutores na interação. E, por fim, a metafunção textual é
usada para organizar a tessitura do texto em uma rede de informações conferindo relevância às
outras duas metafunções. A sistematização dos significados no sistema lingüístico por meio
dessas metafunções está relacionada aos dois principais objetivos da língua em uso: compreender
o mundo e influenciar os outros.
Cada uma das metafunções realiza-se por meio de um sistema. A ideacional é codificada,
principalmente, pelo sistema de transitividade, que, na perspectiva funcional, não se restringe ao
verbo, mas se estende por toda a cláusula. A metafunção interpessoal é codificada pelo sistema de
6
Just as each text has its environment, the “context of situation” in Malinowski’s terms, so the overall language
system has its environment, Malinowski’s “context of culture”. The context of culture determines the nature of the
code. As a language is manifested through its texts, a culture is manifested through its situations; so by attending to
text-in-situation a child construes the code, and by using the code to interpret text he construes the culture.
modo, que também não se restringe aos modos verbais da tradição gramatical, mas abrange as
vozes dos verbos, a organização morfossintática e a modalidade da cláusula. Esta categoria é
entendida de duas formas: como tipo de enunciado (declarativo, interrogativo, imperativo), e
como uma gradação entre os pólos positivo e negativo, ou seja, polaridade.
7
A metafunção
textual é codificada pelos vários mecanismos de coesão e pelo sistema de informação (nas
categorias de Dado e Novo) – e, de certa forma, pelo sistema temático (nas categorias de Tema e
Rema).
Embora o texto em interação seja considerado a unidade de análise lingüística, a GSF não
prescinde da noção de sistema e vê os sintagmas como as realizações dos significados. Assim, a
análise no nível sintagmático é o primeiro passo para a interpretação de um texto. Nessa
perspectiva, Halliday (1994) concebe a cláusula como uma unidade de análise, lembrando que ela
pode ser uma sentença simples (correspondendo, aproximadamente, ao conceito de oração
absoluta da tradição) ou complexa (correspondendo, aproximadamente, ao conceito de período
composto da tradição).
Olhando-se do ponto de vista do texto, uma sentença é a menor unidade
que não pode ser deslocada. A sentença, então, constitui uma fronteira
posterior significativa, por isso os sistemas de escrita são sensíveis a ela
assinalando-a. (...) Gramaticalmente é onde a ação está; e dentro da
sentença a unidade fundamental de organização é a cláusula. É importante
lembrar que na gramática funcional a cláusula é a mesma unidade se ela
está sozinha (como uma sentença simples) ou como parte de uma cláusula
(em uma sentença composta/complexa).
8
(Halliday, 1994:xxi)
7
Neste último caso, talvez a melhor tradução fosse “modalização”.
8
Looked at from the vantagepoint of the text, a sentence is the smallest unit that cannot be displaced in sequence.
(...) The sentence, then, does constitute a significant border post, which is why writing systems are sensitive to it and
mark it off. Grammatically, that is where the action is; and within that, the fundamental unit of organization is the
clause. It should be remembered that in functional grammar (...) a clause is the same unit whether it is functioning
alone (as a simple sentence) or as part of a clause complex (a compound/complex sentence).
Halliday (1994) focaliza a cláusula sob três perspectivas: como troca, como representação
e como mensagem. A cláusula como troca é realizada pelo sistema de modo, entendendo-se este
não só como os modos indicativo, subjuntivo e imperativo da tradição gramatical, mas também
incluindo nesse sistema as vozes verbais, as modalidades das cláusulas (declarativa, interrogativa
e imperativa), além dos recursos de modalização.
Em termos mais específicos, o Modo constitui-se de Modo + Resíduo. O primeiro
componente, por sua vez, constitui-se de Sujeito + Operador Verbal, e o segundo, de Predicador
+ Complemento(s) + Adjunto(s). Dessa maneira, tanto a cláusula matriz quanto a relativa foram
analisadas de acordo com essas categorias gramaticais. Nesse nível de análise, a metafunção
focalizada é a interpessoal.
Na perspectiva da cláusula como representação, o principal sistema que codifica seus
significados é o da transitividade. Ele é constituído pelos vários tipos de Processos e de
Participantes, além das Circunstâncias. Nesse nível, a metafunção em destaque é a ideacional; por
meio dela concebemos e representamos os eventos, sejam eles concretos, abstratos, externos (do
mundo físico e social) ou internos (do mundo psicológico). É importante ressaltar que a
transitividade é vista como um processo extensivo a toda a cláusula, e não como um fenômeno
restrito ao verbo.
A perspectiva da cláusula como mensagem é estruturada pelo sistema temático,
constituído de Tema e Rema. O primeiro componente é o ponto de partida da mensagem, ou seja,
é aquele a que a cláusula se refere, e o Rema é o que se diz sobre o Tema. Este pode vir expresso
por um grupo nominal, por um grupo adverbial ou por uma frase preposicional. Há outras
categorias que podem ser temáticas (como os adjuntos conjuntivos, os adjuntos modais
9
), e ainda
9
Tradução dos termos “conjunctive adjuncts” e “modal adjuncts”, usados por Halliday (1994).
outras que são intrinsecamente temáticas devido à posição que ocupam na cláusula (como as
conjunções e os pronomes relativos).
Por meio do diagrama a seguir (figura 1), podemos visualizar melhor o enfoque dado à
cláusula pela GSF:
Figura 1: Cláusula como mensagem, troca e representação.
Os três sistemas se interpenetram e se complementam. Há ainda o sistema de informação,
responsável pela organização do fluxo de informação no texto e o sistema de “key”. De acordo
com o primeiro, a informação pode ser concebida pelo falante como Dada (“Given”), ou seja,
conhecida ou recuperável pelo ouvinte em certo ponto do discurso, mas também pode ser
concebida como Nova (“New”), isto é, desconhecida ou não-recuperável. Em termos de língua
falada, esse sistema informacional correlaciona-se ao que Halliday (1985) denomina sistema de
“key”. Este se constitui de cinco tons que funcionam como sinais para o ouvinte de significados
ligados tanto ao sistema de modo quanto ao sistema informacional. A representação fonológica
CLÁUSULA
como:
Mensagem
(Tema + Rema)
Troca
(Modo + Resíduo)
Representação
(Transitividade)
Modo = sujeito + operador verbal
Resíduo = predicador + complementos + adjuntos
Processos + Participantes + Circunstâncias
por meio do sistema de “key” oferece ao ouvinte sinais sobre o status da informação no discurso
e sobre a modalidade das cláusulas.
O sistema temático direciona a análise para a metafunção textual, pois está mais próximo
da organização das informações no texto. Halliday (1994) não compartilha da visão de muitos
autores de que o Tema equivale à informação Dada, e o Rema, à informação Nova. Para ele,
essas categorias podem coincidir, mas elas pertencem a níveis diferentes. Tema e Rema ocorrem
no âmbito da cláusula enquanto mensagem, Dado e Novo ocorrem no âmbito do texto. Na sua
concepção, quando o Tema é também informação Dada, temos o Tópico, um tipo específico de
Tema. Nesse ponto, podemos observar claramente a inter-relação entre o nível da cláusula e o do
texto.
Tema e Rema são categorias constitutivas do sistema temático, que tanto faz parte do
componente interpessoal, na medida em que organiza as informações a partir do ponto de vista do
locutor, quanto faz parte do componente textual, na medida em que interage com o sistema de
informação auxiliando na organização do fluxo informacional ao longo do texto.
Poderíamos avaliar a organização temática dentro de uma cláusula, identificando, por
exemplo, se o antecedente faz parte de um constituinte ou de outro, poderíamos examiná-la
também no nível da cláusula complexa, verificando se a relativa faz parte do Tema ou do Rema,
assim como a cláusula matriz. Sendo o Tema o ponto de partida no processo de organização da
informação no nível da cláusula, a distribuição das relativas no que concerne a essas duas
categorias poderia se mostrar relevante para o funcionamento e para a interpretação dessas
construções. O fato de o antecedente fazer parte do Tema ou do Rema pode estar relacionado à
necessidade maior ou menor de ele ser definido pela relativa. No entanto, dentro dos limites do
presente estudo, não foi possível realizar essa dimensão da análise tendo em vista que a
perspectiva teórica e metodológica adotada leva em conta o texto e os contextos de situação e de
cultura.
Assim, as construções relativas foram classificadas segundo as seguintes perspectivas de
análise: a gramatical, expressa pelo sistema de Modo; a semântica, que codifica os vários tipos de
processos do nosso mundo (sistema de transitividade); a informacional, que organiza o fluxo das
informações ao longo do texto.
Nosso objeto de estudo, a cláusula relativa finita, é colocado na perspectiva textual como
uma construção que codifica certos significados. O texto é concebido como um processo que se
desenvolve obrigatoriamente dentro de um contexto imediato (de situação), que, por sua vez,
inscreve-se em um quadro de relações semióticas mais amplo e abstrato, que é o contexto de
cultura. Para Halliday (1994:xvi), “uma análise do discurso que não se baseia na gramática não é
uma análise, mas simplesmente um comentário sobre o funcionamento de um texto (...).”
10
Tendo como ponto de partida a análise da relativização em alguns gêneros textuais das
modalidades falada e escrita do português brasileiro contemporâneo, o presente estudo pretende
contribuir para:
a) entender como algumas categorias da língua se moldam às necessidades comunicativas dos
seus usuários;
b) entender o funcionamento dos textos;
c) entender algumas relações entre língua, situação e cultura.
10
“a discourse analysis that is not based on grammar is not an analysis at all, but simply a running commentary on a
text (...).”
3.3 A CONTRIBUIÇÃO DE LEHMANN
Complementando a fundamentação teórica apresentada anteriormente, passamos agora às
importantes contribuições de Christian Lehmann, que, entre outros estudos, tem se dedicado às
relações entre as cláusulas. Um dos objetivos do autor tem sido o de estabelecer uma tipologia
universal para as cláusulas relativas.
Para Lehmann (2003:460), “uma construção relativa consiste em um (possivelmente
vazio) nominal e uma cláusula subordinada que semanticamente modifica o nominal”
11
. Diz
ainda que “o nominal é a cabeça, e o elemento subordinado é a “R[elative] C[lause]” e que “a
relação de modificação entre eles é tal que a cabeça está envolvida na situação expressa pela
cláusula relativa”
12
.
Segundo Lehmann (2003:461), “se uma língua possui cláusulas relativas, ela apresentará
relativas restritivas, mas não necessariamente relativas apositivas”
13
. Tal constatação vai de
encontro à hipótese de Oliveira (2001) de que as relativas não-restritivas, menos integradas,
teriam dado origem às restritivas, mais integradas, discussão que será retomada na seção 3.5.
Lehmann (2003:461) também afirma que “a função das relativas restritivas varia entre os
pólos de identificação de entidade e de formação de conceito
14
, e tanto em um caso quanto no
outro não é necessário haver uma noção lexical de cabeça. Para ele, a cláusula relativa sem
cabeça “é aquela cuja cabeça semântica está lexicalmente vazia”
15
e, nesse caso, “o pronome
relativo funciona como uma cabeça pronominal em torno da qual o conceito complexo pode
11
“A relative construction is a construction consisting of a (possibly empty) nominal and a subordinate clause which
semantically modifies the nominal.”
12
“The nominal is the head, and the subordinate element is R[elative] C[lause]. The modifying relation between
them is such that the head is involved in the situation expressed by the clause.”
13
“If a language has RCs, it hás restrictive RCs, but not necessarily appositive RCs.”
14
“The function of restrictive RCs varies between the poles of entity identification and concept formation.”
15
“A headless RC is one whose semantic head is lexically empty.”
girar”
16
(Lehmann, 2003:462). Nessa perspectiva, cláusulas introduzidas pelos conectivos quem e
onde, em língua portuguesa, chamadas “relativas sem antecedente” por Mateus et alii (1989,
2003), cuja classificação não é consensual entre os estudiosos, seriam “relativas sem cabeça” para
Lehmann (2003).
De acordo com Lehmann (1986), as operações necessárias para a construção de uma
cláusula relativa são as seguintes:
1) uma cláusula é subordinada e nominalizada em algum nível;
2) em seguida, podemos constituir uma lacuna na cláusula relativa e marcá-la numa
relação anafórica (ou quase anafórica) a um nominal fora da relativa, ou podemos
constituir uma cabeça dentro da cláusula marcando um de seus nominais;
3) se constituirmos uma lacuna, devemos conectar a cláusula relativa a uma cabeça
nominal por atribuição.
Em síntese, a construção de uma cláusula relativa envolve um feixe de operações assim
denominadas pelo autor:
· subordinação-nominalização;
· anáfora-formação de lacuna;
· atribuição- formação de cabeça.
Lehmann (1988) estabelece um contínuo oracional que vai da parataxe, no pólo esquerdo,
à subordinação, no pólo direito, considerando a hipotaxe e o encaixamento diferentes graus de
subordinação. A parataxe é a coordenação de cláusulas; já a diferença entre hipotaxe e
encaixamento é concebida em função do tipo de sintagma subordinado, no caso da hipotaxe, e em
função do tipo da relação de subordinação, no caso do encaixamento. Assim, a hipotaxe é a
16
“If a RC with a relative pronoun lacks a lexical head (…), the relative pronoun serves as a pronominal head around
which the complex concept can center.”
subordinação entre cláusulas propriamente ditas (cláusulas finitas), e o encaixamento é a
dependência de um sintagma subordinado a outro. Isso significa que, para haver encaixamento, é
preciso haver dessentencialização em algum grau.
A ligação entre cláusulas pode envolver tanto uma relação de associação quanto de
dependência. Neste último caso, o elemento subordinado pode estar atrelado à cláusula matriz
como um todo ou a algum constituinte desta. De qualquer modo, a construção subordinada deve
fazer parte de uma construção superior. Para Lehmann (1988), uma cláusula compreende
qualquer sintagma que contenha uma predicação. Embora o autor se limite, nessa obra, à ligação
binária de cláusulas, ele também considera a possibilidade de ligação de várias cláusulas numa só
construção.
Para explicar o processo de subordinação, o autor parte do conceito de “construção
endocêntrica”. Esta é “... concebida semântica e sintaticamente como um sintagma binário Z com
partes X e Y tal que Y é o cabeça, pertencendo à mesma categoria geral de Z. A relação sintática
de X para Y pode ser uma relação de dependência ou de associação”
17
(Lehmann, 1988:182). Em
outras palavras, numa construção endocêntrica, o núcleo, ou cabeça, tem a mesma distribuição do
sintagma ao qual pertence; já o modificador tem uma distribuição diferente do sintagma do qual
faz parte. Outro conceito fundamental para entendermos sua proposta é o de “sintagma
relacional”. Esta construção consiste em um sintagma que contém uma fenda (“slot”) gramatical
predeterminando que uma relação gramatical será por ele contraída. A relação de dependência é
definida por ele como “uma relação gramatical R que conecta sintagmas X e Y (...) se X ocupar
uma fenda gramatical de Y ou vice-versa. Numa relação de dependência, Y dependerá de X se X
17
“An endocentric construction will be conceived semantosyntactically, as a binary sintagm Z with parts X and Y
such that Y is the head, belonging to the same general category as Z (cf. Lehmann 1985:780). The syntactic relation
of X to Y may be of dependency or sociation.”
determinar a categoria gramatical do complexo e, conseqüentemente, suas relações externas”.
18
Dessa forma, o autor concebe a subordinação “como uma forma de ligação de cláusulas. Se os
sintagmas (cláusulas) X e Y estiverem numa relação de ligação de cláusula, então X é
subordinado a Y se X e Y formarem uma construção endocêntrica Z com Y como cabeça.”
19
A
hipotaxe e o encaixamento seriam diferentes graus de subordinação. A primeira é concebida
como “a subordinação de uma cláusula no sentido estrito (que provavelmente inclui sua
finitude)”
20
e o encaixamento é concebido como “a dependência de um sintagma subordinado”
21
(Lehmann, 1988:182).
Lehmann (1988:192) chama ainda a atenção para o papel desempenhado pela entoação no
processo de combinação de cláusulas, afirmando que “uma cláusula pode ser rebaixada pelo tom
baixo e pode ser integrada a outra cláusula pela ausência de ruptura entonacional entre elas”.
22
Desse modo, na perspectiva de Lehmann (1988), todas as cláusulas relativas seriam
construções subordinadas, podendo ser hipotáticas ou encaixadas. Segundo ele, essa
categorização não é pontual, e sim gradual, havendo diferentes níveis de subordinação,
exatamente o que postulamos para as relativas.
3.4 A CONTRIBUIÇÃO DE DECAT
Decat (1999), no artigo intitulado “Por uma abordagem da (in)dependência de cláusulas à
luz da noção de ‘unidade informacional’”, como sugere o próprio título do trabalho, debruçou-se
18
“A grammatical relation R connecting syntagms X and Y is a relation of dependency iff X occupies a grammatical
slot of Y or vice-versa. In a dependency relation, Y depends on X iff X determines the grammatical category of
complex and thus its external relations.”
19
Subordination may now be conceived as a form of clause linkage. If syntagms (clauses) X and Y are in a relation
of clause linkage, then X is subordinate to Y iff X and Y form an endocentric construction Z with Y as the head.”
20
Hypotaxis will be understood as the subordination of a clause in the narrow sense (which probably includes its
finiteness).”
21
Embedding is the dependency of a subordinate syntagm.”
22
“A clause may be downgraded by low pitch and may be integrated with another clause by the absence of an
intonation break between them.”
sobre a questão do status das cláusulas com base nos conceitos de “unidade informacional”
(Chafe, 1980 apud Decat, 1999) e de “constituência” (Halliday, 1985 apud Decat, 1999). A
autora trabalhou com testes aplicados a alunos e professores de níveis distintos para averiguar a
percepção dos usuários da língua sobre os vínculos oracionais. Na primeira etapa dos testes, os
informantes deviam indicar se a cláusula era “independente”, “mais dependente” ou “menos
dependente”. Na segunda, eles deviam indicar “a relação semântica que emergia entre as
cláusulas” começando pelas que não possuíam conectivo explícito. Dentre as considerações
levantadas pela autora a partir dos resultados desses testes, destacamos a que mais nos interessa:
... o comportamento diferenciado das cláusulas substantivas e adjetiva
restritiva, de um lado, e das adverbiais e apositivas, de outro, decorre do
fato de as primeiras constituírem estruturas de encaixamento, ou seja,
integradas estruturalmente em outra cláusula numa função de
ARGUMENTO, fazendo parte, portanto, de uma mesma unidade de
informação. Já as segundas funcionam como ADJUNTOS,
caracterizando-se como opções organizacionais do discurso, constituindo,
pois, unidades de informação à parte...
(Decat, 1999:29)
Refletindo um pouco sobre o posicionamento da autora, poderíamos depreender que as
cláusulas restritivas, tendo um status argumental, não desempenhariam a função sintática de
adjunto adnominal. Essa proposta contraria o que se tem dito a respeito dessas construções, não
só no âmbito da gramática tradicional, mas também sob outros enfoques teóricos.
No referido estudo, verificamos uma preocupação especial da autora com as relativas
apositivas (não-restritivas), propensas ao fenômeno do “desgarramento”. Esse comportamento se
explica, segundo ela, devido ao fato de que as não-restritivas constituem uma “unidade de
informação”, independência semântica que conduz à independência sintática. A autora aponta a
semelhança entre o comportamento dessas relativas e o de cláusulas adverbiais. É importante
ressaltar que um dos estudos nos quais ela se baseia (Chafe, 1980 apud Decat, 1999) – enfatiza o
papel da “entoação (contorno entonacional de final de cláusula)” e da “pausa (ou hesitação)” na
delimitação de unidades de informação, aspecto que também será analisado aqui nas seções 4.3,
5.1.3 e 5.2.6.
Decat (2001a) dedica-se especialmente à observação das relativas “apositivas” em textos
de jornais e revistas do português brasileiro e europeu. Examina seis gêneros textuais veiculados
por esses suportes: artigo (“matéria assinada”), editorial e anúncio, agrupados sob o rótulo de
textos instrucionais e argumentativos; notícia, carta do leitor e entrevista, agrupados como textos
de comunicação pública e informativos, de acordo com a proposta de Marcuschi (2001). Sob uma
perspectiva discursivo-funcionalista, a autora analisou as relativas explicativas ratificando o
processo de mudança apontado em Decat (1999), que ela passou a denominar “gramaticalização
das relativas explicativas”. Essa mudança rumo ao “desgarramento” sintático, cuja marca na
escrita é o emprego do ponto, ocorreria por uma necessidade discursiva propiciada pela
independência informacional das relativas não restritivas em relação ao restante do texto, já que
“essas estruturas constituem ‘uma unidade de informação’ por si mesmas, nos moldes
explicitados em Chafe (1980)” (Decat, 2001a:109). A autora apresenta vários dados desse tipo,
encabeçados não só pelo relativo que, como também pelo onde e até mesmo pelo cujo.
Destacamos desse estudo as considerações da autora sobre as construções por ela
chamadas de “relativa sem cabeça” (Decat, 2001a), equivalentes à chamada “apositiva de frase”
por Mateus et alii (1989). Para Decat, trata-se de uma “construção em que não se pode identificar
o substantivo (o sintagma nominal, o referente) que a oração relativa modifica, realça” (Decat,
2001a:106) e “o pronome relativo que inicia o segmento oracional funciona como uma espécie de
pronome resumidor, referindo-se a todo o texto anterior e não a um único elemento, a um
determinado sintagma nominal” (Decat, 2001a:109) como no exemplo “Estava sem assunto. O
que não deve surpreender ninguém. Afinal, esta é praticamente uma constante. Estou sempre sem
assunto. Mas aí tocou o telefone. Era a Adriane Galisteu.” (Artur Xexéo, Jornal do Brasil, 3 de
set. de 1999 - PB apud Decat, 2001a:106). Essa análise, de certa maneira, corrobora nossa
hipótese de que tais construções não seriam, na realidade, cláusulas relativas, tendo em vista que
estas, na sua forma finita prototípica, são concebidas aqui como construções em que há um SN,
inserido ou não em uma cláusula matriz, retomado por um pronome relativo em uma cláusula
relativa (com ou sem cópia) que estabelece com esse SN, chamado antecedente, uma relação
semântica de predicação. Além disso, na perspectiva da gramática sistêmico-funcional, não
poderíamos atribuir à cláusula que seria o “antecedente” do relativo nesse tipo de construção
papéis e/ou funções dentro dos sistemas de modo e de transitividade. Assim, concebemos as
“relativas sem cabeça” ou “apositivas de frase” como construções paratáticas em que a seqüência
o que se unifica e funciona anaforicamente como um demonstrativo. Essa discussão será
retomada na seção 5.1.
Outro aspecto a destacar é a análise que Decat (2001a) propõe para construções em que há
um sintagma nominal (retomando um referente) seguido de uma cláusula relativa, como no
exemplo “São pequenos passos, eu sei. Coisas que passam quase despercebidas aos olhos do
mundo grande.” (Editorial – Pais & Filhos – Abril 00 – n. 111 – p. 5) – PE (apud Decat,
2001a:112). Para Mateus et alii (1989) e Neves (2000), trata-se de um SN aposto seguido de uma
relativa restritiva. Mas, para Decat (2001a), “toda a estrutura constitui o aposto; sendo assim,
toda ela é a oração adjetiva explicativa” (grifo da autora). Essa abordagem também vem ao
encontro da nossa proposta de análise para esse tipo de construção, na qual defendemos que esse
SN já estaria suficientemente definido no co-texto e no contexto de situação não tendo a cláusula
relativa a ele subordinada um papel de especificação. Retomaremos a discussão a esse respeito no
item 5.2.5.
Decat (2001b), embora focalize as construções hipotáticas de realce, também traz várias
contribuições ao presente estudo tendo em vista que acaba tratando direta ou indiretamente das
cláusulas relativas dentro de uma perspectiva bastante semelhante à nossa, tanto em termos de
abordagem teórica quanto em termos de constituição de corpus – trabalhou com textos narrativos
e dissertativos, que ela denominou como gêneros, nas modalidades falada e escrita.
Particularmente, no que diz respeito ao estudo aqui desenvolvido, uma consideração da autora
nos interessa mais de perto.
A reflexão que gostaríamos de ressaltar diz respeito a construções cristalizadas cujos
núcleos são nomes denotando noções de tempo ou espaço. Embora não tenha empregado
explicitamente o termo “gramaticalização”, Decat (2001b:113) trata de construções do tipo “aí na
hora que eu fui baixar pra apanhar uma acho que eu... tropecei” (grifo nosso), considerando-as
cláusulas adverbiais, e não SN’s seguidos de cláusulas relativas.
Na verdade, expressões como “na hora em que”, “no momento em que”
etc. já estão sendo percebidas como um todo, pelos usuários da língua, à
semelhança de locuções conjuntivas ‘admitidas’ pela Gramática
Tradicional. Como apontam Thompson & Longacre (1985), a relação
temporal nesse tipo de estrutura tende a tomar a forma, ou as
propriedades, de uma cláusula adjetiva. Isso se liga ao fato de cláusulas
que expressam relação de tempo e modo, principalmente, poderem
freqüentemente ser parafraseadas como adjetivas, da maneira como se
encontra nos exemplos acima. De qualquer forma, o falante infere esse
tipo de relação, o que o leva a considerar tal estrutura como semelhante a
outras em que a cláusula é classificada como adverbial.
(Decat, 2001b:114)
Essa análise também corrobora nossa proposta de classificação, discutida detalhadamente
no sexto capítulo, em que concebemos tais construções como híbridas, ou seja, que apresentam
características das cláusulas adverbiais e das relativas. Seria interessante verificar que expressões
desse tipo estão sendo percebidas pelos falantes como cristalizadas. É bem provável que a
freqüência de uso tenha um papel relevante nesse caso, mas isso foge ao escopo deste trabalho.
Decat (2004), como também sugere o título do artigo – “Orações relativas apositivas:
SN’s ‘soltos’ como estratégia de focalização e argumentação” –, defende a hipótese de que o
‘desgarramento’ das relativas apositivas (não-restritivas) materializam uma estratégia de
focalização com função argumentativa, à semelhança de SN’s ‘soltos’ e de construções
pseudoclivadas. A autora investigou diversos gêneros da modalidade escrita: artigo de opinião,
crônica, entrevista, anúncio publicitário, horóscopo e o que ela denominou “trabalho acadêmico”.
Além de dados canônicos, ou seja, relativas apositivas não ‘desgarradas’ ligadas a um SN
inserido numa cláusula matriz, ela também analisa construções não canônicas como as que
chamou de “apositivas sem cabeça” (cf. exemplo da autora transcrito anteriormente); relativas do
tipo SN + QUE (“Neste Natal, compre um Vivo. O presente que vem com muito mais presentes.”
Propaganda da “Vivo”, Revista CLÁUDIA, nº 12, ano 43, dezembro de 2004, p. 127 apud Decat,
2004:99) e apositivas “desgarradas”, que podem ser encabeçadas por outros relativos como
demonstra o exemplo seguinte: “UBALDO – É verdade, eles deram algumas contribuições
positivas, e essa é uma delas. Com a qual, por falar nisso, o governo quer acabar, implantando o
sistema de cotas nas universidades.” (João Gabriel de Lima ENTREVISTA João Ubaldo Ribeiro,
Revista VEJA, ano 38, nº 20, 18/05/05, p. 14 apud Decat, 2004:90) . (Grifos da autora)
Ela demonstra que essas construções são empregadas independentemente do gênero
textual examinado
... mas se materializam lingüisticamente, de diferentes maneiras, toda vez
que a necessidade de focalização e argumentação aflora no texto como
resultado das intenções e dos objetivos sociocomunicativos do produtor
do texto. E é também por força desses objetivos que as orações relativas
apositivas ‘desgarradas’ vão exercer certas funções textual-discursivas
como a avaliação, a retomada, além, é claro, de seu valor como adendo,
ou mesmo parentético. (Grifos da autora)
(Decat, 2004:88)
Essas funções textual-discursivas propostas pela autora para as apositivas “desgarradas”
são bastante pertinentes e dão contribuições para a análise de alguns dados do nosso corpus,
ressaltando a importância desse tipo de relativa para a construção dos significados no texto, uma
vez que vários dos gêneros estudados por ela também o foram por nós. Essa abordagem ratifica a
necessidade, defendida no presente estudo, de que construções do tipo SN + QUE, como chamou
Decat (2004), sejam contempladas na definição e na classificação das cláusulas relativas.
3.5 OUTRAS CONTRIBUIÇÕES
Azeredo (1990:89) propõe uma definição para as orações adjetivas (relativas) que
contempla as construções em que o antecedente não está inserido em uma cláusula matriz:
“Chamam-se adjetivas as orações que, introduzidas por um transpositor anafórico, modificam um
nome ou um pronome. Elas podem vir integradas no SN, como um adjunto, ou logo após ele,
como um aposto.” Entre os exemplos apresentados, há um que comprova essa concepção:
“Menino dessa idade tem lá pecado? Ai! De mim que já os tinha e negros.” (Nava, 1973, pp.
192-3 apud Azeredo, 1990:90)
Concebe, então, os pronomes relativos como “transpositores anafóricos” devido ao seu
duplo papel: pronominal e subordinativo. “... pronomes relativos, ao mesmo tempo que remetem
anaforicamente para os antecedentes (...) transpõem as orações que introduzem para o papel de
termos modificadores desses sintagmas” (Azeredo, 1990:90). Considera-os pronomes e advérbios
relativos e, assim, admite onde, quando e como nessa categoria desde que “... necessariamente
referidos a um antecedente” (Azeredo, 1990:92). Nesse sentido, apresenta exemplos semelhantes
aos do nosso corpus: “os moradores só vinham à cidade aos domingos e dias de festa, quando
compareciam às cerimônias religiosas” (Viotti, 1985, p. 202 apud Azeredo, 1990:93).
Para ele, a transposição é “um processo sintagmático de formação de sintagmas ou
constituintes de distribuição distinta das entidades a partir das quais se formam” (Azeredo,
1990:44) e, por conseguinte, “um mecanismo que compensa a rigidez da estrutura sintagmática, a
qual organiza sob a forma de sintagmas a expressão do conteúdo a ser comunicado
analiticamente pela linguagem verbal” (Azeredo, 1990:45).
O autor mantém a classificação binária para as orações adjetivas – restritivas e
explicativas – referindo-se ao caráter integrado da primeira e ao caráter apositivo da segunda.
Ressalta também a relevância das orações adjetivas explicativas para a construção do significado
do texto, preferindo também denominá-las não-restritivas: “Com efeito, se é verdade que uma
oração explicativa não contribui para a identificação da pessoa/coisa a que o antecedente se
refere, pode, contudo, ser fundamental para justificar algo mais que se declare a respeito desse
antecedente” (Azeredo, 1990:90).
Outro aspecto relevante destacado por ele é a semelhança semântica entre as orações
adjetivas e as adverbais: “As orações adjetivas podem acumular um conteúdo circunstancial de
causa, concessão, condição, finalidade, resultado” (Azeredo, 1990:90), afirmando que “muitas
construções adverbiais parecem provir historicamente de construções adjetivas cujo transpositor
se uniu ao antecedente numa locução de valor circunstancial, fenômeno comum nas construções
temporais e comparativas” (Azeredo, 1990:91).
Bechara (2002)
23
analisa a composição de períodos complexos também com base no
processo de transposição. Nessa perspectiva, o autor admite a “adjetivação de oração
originariamente substantiva” (Bechara, 2002:467) e a “substantivação de oração originariamente
adjetiva” (Bechara, 2002:468). No primeiro caso, inclui aquelas orações tradicionalmente
23
Preferimos situar essa obra de Bechara nesta seção já que sua abordagem, pelo menos no que se refere às orações
adjetivas, difere da abordagem tradicional empreendida por outros autores e por ele mesmo em outras obras suas,
apresentando uma preocupação muito mais descritiva do que prescritiva da língua.
classificadas como subordinadas substantivas completivas nominais (“O desejo de que se apurem
os fatos é a maior preocupação dos diretores” – Bechara, 2002:468); e no segundo, inclui orações
polêmicas, tradicionalmente classificadas como subordinadas adjetivas por alguns autores e como
subordinadas substantivas por outros, introduzidas pelo vocábulo quem (sem antecedente
explícito) e pela seqüência o que, como nos exemplos a seguir: “Para quem não tem juízo os
maiores bens da vida se convertem em gravíssimos males [MM].”, “Os elogios de maior crédito
são os que os nossos próprios inimigos nos tributam [MM].” (Bechara, 2002:468).
A “adjetivação de oração originariamente substantiva” ocorre, segundo o autor, devido à
preposição, que, numa segunda etapa do processo de subordinação, transpõe a oração substantiva
a adjetivo modificador de um grupo nominal, que pode ter um núcleo substantivo, como no
exemplo “O desejo de que se apurem os fatos é a maior preocupação dos diretores”, ou um
núcleo adjetivo, como em “Estávamos todos desejosos de que o concurso saísse logo”.
OBSERVAÇÃO: Sendo as expressões preposicionadas de desejo de
glória, ânsia de liberdade, desejoso de glória, ansioso de liberdade
modificadores dos núcleos nominais (e por isso mesmo chamados
complementos nominais 452) e funcionalmente partícipes da natureza
dos adjetivos, manda a coerência que as orações que funcionam como
complemento nominal sejam incluídas entre as adjetivas – como fizemos
aqui – e não entre as substantivas, como faz a tradição entre nós. Como
vimos elas são primitivamente substantivas, mas que, num segundo
momento de estruturação, para funcionarem como modificadoras de
substantivos e adjetivos, são transpostas a adjetivas mediante o concurso
da preposição.
(Bechara, 2002:468)
A “substantivação de oração originariamente adjetiva” envolve, segundo o mesmo autor,
apagamento do termo antecedente dos pronomes relativos quem, como em “Para quem não tem
juízo os maiores bens da vida se convertem em gravíssimos males [MM]”, e que, como em “Os
elogios de maior crédito são os que os nossos próprios inimigos nos tributam [MM]”. Nessa
perspectiva, os seria artigo, e não pronome demonstrativo. O autor faz a mesma análise para
construções como “Não sabemos quanto/por que/como/quando/onde/que/qual comprou” e afirma
que as orações adjetivas não passíveis desse processo são as introduzidas pelos relativos cujo e o
qual.
Acreditamos que o aspecto mais relevante a ressaltar da análise proposta por Bechara
(2002) é a existência de orações híbridas, ou seja, com características de adjetivas e substantivas.
Semelhantemente o autor apresenta, na mesma obra, orações com características de adverbiais e
adjetivas, de um lado, e de adverbiais e substantivas, de outro.
Em Llorach (1984), apesar de tratar-se de um trabalho sobre a língua espanhola,
encontramos reflexões relevantes e pertinentes à língua portuguesa. Para ele, do ponto de vista
diacrônico, não se justifica a classificação diferenciada para o conectivo que nas chamadas
orações subordinadas substantivas e adjetivas, sendo a unidade básica das funções do que a
nominalização.
Nessa perspectiva, teríamos /que/¹ - “transpositor de uma oração a um termo nuclear
nominal” (Llorach, 1984:261) – em oposição a /que/² - “transpositor de uma oração a um termo
adjacente em um grupo nominal”
24
(Llorach, 1984:261). O primeiro corresponde, em geral, à
conjunção subordinativa integrante da gramática tradicional, e o segundo, ao pronome relativo. O
autor não considera o que das construções comparativas um transpositor de subordinação, mas
sim /que/³ igual a um elemento coordenador que relaciona termos com graus de quantificação
distintos. Ele ressalta a maior complexidade funcional de /que/² em relação a /que/¹, pois este
desempenharia o papel de mero transpositor de oração a nome, enquanto aquele, além desse
24
“... /que/² como transpositor de uma oración a término adyacente em um grupo nominal ...”
papel, acumularia o de “referente à outra função dentro da oração original transportada”
25
(Ob.
cit . p. 264).
No que tange à clássica distinção entre orações adjetivas explicativas e restritivas, ele
afirma que o fenômeno extrapola o nível gramatical (entenda-se morfológico), tratando-se de
“diferenças de relação léxica” (entenda-se semântica) (Ob. cit. p. 264).
Lavandera (1984), ainda no que se refere à língua espanhola, também defende a hipótese
de ser o que o mesmo conectivo nas proposições substantivas e nas relativas. Para a autora, o fato
de esse elemento poder ou não exercer uma função sintática dentro da proposição subordinada
(“proposición incluída”) deve-se não a características intrínsecas de formas diferentes, mas ao
tipo de antecedente da oração matriz (“proposición incluyente”), entendendo-se antecedente
como o “elemento da ‘incluyente’ por meio do qual se inclui uma nova proposição”
26
(Lavandera, 1984:85). Para ela, se o antecedente for uma frase nominal, podemos atribuir ao que
uma função sintática, caso contrário, ele se comportará como um mero conector de sentenças.
Dentre os argumentos apresentados pela autora para comprovar seu pressuposto, há dois que
muito nos interessam: a) os casos ambíguos, nos quais o conectivo pode ou não desempenhar
uma função sintática; b) os casos de omissão de preposição antes do que considerado pronome
relativo. Segundo a autora, nesse último, o apagamento da preposição dificulta a atribuição de
uma função sintática ao conectivo. Nos termos da “comparabilidade funcional” proposta por ela,
o significado do que é informar ao ouvinte que “a proposição seguinte está necessariamente
incluída em outra proposição”
27
(Lavandera, 1984:88).
25
“Junto a su papel de transpositor, acumula um valor de referente a outra función dentro de la oración transpuesta
originaria.”
26
“... el elemento de la incluyente a través de la cual se incluye uma nueva proposición ...”
27
“... la proposición seguiente está necesariamente incluida en otra proposición.”
Liberato (2001), ao analisar a estrutura interna do SN no português, examina os elementos
que contribuem para o processo de identificação e determinação desse SN, entre os quais
encontram-se as orações adjetivas. A autora também faz uma reflexão aprofundada sobre o papel
dos artigos nesse processo levando em conta os conceitos de unicidade e identificabilidade. Ela
demonstra que, embora relacionados, são conceitos diferentes, pois tanto podemos ter SN
definido de referente não identificável, quanto SN indefinido de referente identificável. A
identificabilidade estaria relacionada à “capacidade do ouvinte de identificar referentes”
(Liberato, 2001:60), mas “não parece ser suficiente para explicar a oposição entre os artigos
definido e indefinido” (Liberato, 2001:64).
Assim, a autora propõe uma análise que aplique “a noção de unicidade, não ao processo
de identificação do referente pelo ouvinte, mas ao processo de delimitação de classes pelo falante
na descrição do referente” (Liberato, 2001:64). Nessa perspectiva, o artigo definido “não é marca
de identificabilidade”, e a função que se pode atribuir a ele é “a de marcar a existência de apenas
um elemento na classe mais restrita delimitada pelo falante, no processo de descrição do
referente” (Liberato, 2001:72). Por um lado, essa proposta desloca “a questão do uso dos artigos
não apenas do ponto de vista do ouvinte para o do falante, mas da delimitação de referentes para
a delimitação de classes em que o falante enquadra seus referentes” (Liberato, 2001:72). O artigo
indefinido “não atribui ao elemento delimitado uma característica diferente dos elementos
restantes da classe. Pode-se assim dizer que o chamado artigo indefinido exerce uma função
quantificadora na delimitação do referente” (Liberato, 2001:91).
Já o artigo definido não se confunde com o subclassificador, pois não
restringe uma subclasse dentro de outra classe maior delimitada. Mas
pode-se dizer que sua função também é quantificadora. Sua função é
exatamente sinalizar que a quantidade total dos elementos da classe
delimitada constitui o referente do SN.
(
Liberato, 2001:91)
A autora propõe uma outra nomenclatura para os artigos: “recortadores”, cuja função é
indicar “se o referente é constituído da totalidade ou de parte dos elementos da menor classe
delimitada qualitativamente” (Liberato, 2001:92) Nesse sentido, o chamado artigo indefinido
seria um “recortador parcial”, e o chamado artigo definido, um “recortador universal”.
Liberato (2001) critica o tratamento dado às orações adjetivas pela tradição gramatical em
relação à distinção entre restritivas e explicativas. Afirma que a oposição estabelecida entre os
aspectos semânticos obrigatório (ou essencial) versus dispensável (ou acessório) é “pouco
explicitada” e inadequada, pois se esse tipo de oração exerce a função de adjunto adnominal,
termo considerado acessório, como se poderia explicar a essencialidade das restritivas?
Acreditamos que uma saída para esse impasse teórico seria a proposta por Decat (1999),
para quem as relativas restritivas são argumentais, assim como as completivas, e as não-
restritivas não o são.
(...) o comportamento diferenciado das cláusulas substantivas e adjetiva
restritiva, de um lado, e das adverbiais e apositivas, de outro, decorre do
fato de as primeiras constituírem estruturas de encaixamento, ou seja,
integradas estruturalmente em outra cláusula numa função de
ARGUMENTO, fazendo parte, portanto, de uma mesma unidade de
informação. Já as segundas funcionam como ADJUNTOS,
caracterizando-se como opções organizacionais do discurso, constituindo,
pois, unidades de informação à parte;
Decat (1999:29)
Além disso, Liberato (2001) não concebe as explicativas como dispensáveis para a
expressão do que se pretende comunicar e afirma, inclusive, que elas podem ser usadas pelo
ouvinte na identificação do referente, embora não sejam usadas na sua delimitação, que é papel
das restritivas. Ela ressalta a importância de diferenciarmos “a delimitação do referente feita pelo
falante – que tem a ver com o enquadramento do referente em uma classe (representado na sua
descrição)” da “identificação do referente por parte do ouvinte” (Liberato, 2001:52).
Oliveira (1993) afirma que só o nível gramatical não é suficiente para distinguirmos as
relativas “determinativas” (restritivas) das “descritivas” (não-restritivas). Partindo de uma análise
comparativa entre uma entrevista (século XX) e uma carta (século XVIII), sendo os dois sujeitos
envolvidos membros de governos de diferentes épocas, o autor relaciona o emprego dessas
construções com a intencionalidade do enunciador. A carta de Luiz Vahya Monteiro é de 1725; a
entrevista de Marco Maciel foi concedida à revista Veja em 1986. Tendo em vista certas
condições de produção textual, Oliveira (1993) propõe a interpretação “determinativa” para as
orações relativas empregadas no discurso de Marco Maciel, e a interpretação “descritiva” para
aquelas usadas no discurso de Luiz V. Monteiro. Para isso, levou em consideração que o primeiro
concedeu a entrevista em um momento delicado da vida política dele e do país, após a derrota de
seu partido (PFL) nas urnas, pondo
... em relevo o caráter transitório do que está sendo determinado,
descartando-se o aspecto de essencialidade nas construções (...) realça-se
o pessoal, um pensamento restrito.
(Oliveira, 1993:36)
Já na carta, enviada ao rei de Portugal, a preocupação central é fornecer ao interlocutor
informações sobre a colônia (o Brasil), sendo, portanto, um texto predominantemente descritivo.
Desse modo,
... as seqüências independem de uma atitude particularizada do
enunciador, em que transpareçam opiniões próprias, evidenciam-se os
aspectos explicativo e apositivo, que, indubitavelmente, levam à
descrição.
(Oliveira, 1993:37)
Henry (1975), demonstra que as várias abordagens gerativistas para explicar a diferença
entre determinativas (restritivas) e apositivas (não-restritivas) não são satisfatórias, pois essa
distinção ocorre no plano do discurso. Assim, as orações relativas não seriam intrinsecamente
determinativas ou apositivas, mas apresentariam um funcionamento determinativo ou apositivo.
A distinção entre os dois funcionamentos estaria associada ao tipo de relação que pode existir
entre as seqüências lingüísticas (“intra-seqüência” ou “inter-seqüência”) e ao status assertivo dos
sintagmas oracionais. A relação “intra-seqüência” é aquela promovida pelos pronomes em geral e
baseia-se no pressuposto de que essa categoria não pode preceder o elemento que lhe atribui
referência. Já a relação “inter-seqüência” é aquela em que duas seqüências discursivas distintas
atuam sobre elas mesmas ou sobre outra seqüência.
Então o que distingue o funcionamento determinativo do funcionamento
apositivo é que outra modalidade da relação entre duas seqüências, a
relação inter-seqüências, é apagada pela relação intra-seqüência. Ao
contrário, com o funcionamento apositivo, a relação inter-seqüência não é
apagada. De maneira resumida nós diremos que o funcionamento
determinativo da relativa apresenta uma relação inter-seqüência como se
fosse uma relação intra-seqüência. Ocorre o mesmo com todas as relações
de determinação nas quais as marcas da asserção podem ser apagadas.
Enfim esse efeito encontra sua causa na ilusão que o sujeito tem de estar
na origem de suas próprias falas.
28
(Henry, 1975:97)
Isso explicaria a aparente independência maior das apositivas e seu caráter assertivo. Para
o referido autor, portanto, os dois tipos de relativas apresentam a mesma estrutura sintática e a
diferença entre ambas ocorre no plano discursivo, que, conseqüentemente, está sujeito às
condições de produção do texto, ou seja, contextos de situação e de cultura, como tratamos aqui.
É importante ressaltar que o autor admite a existência de outros tipos de relativas embora, nesse
artigo, só trate desses dois.
28
“Alors ce qui sépare le fonctionnement déterminatif du fonctionnement appositif , c’est que l’autre modalité de la
mise en rapport de deux séquences, le rapport inter-séquences, est effacé par le rapport intra-séquence. Au contraire,
avec le fonctionnement appositif, le rapport inter-séquence n’est pas efface. De manière condensée, nous dirons que
le fonctionnement determinative de la relative présente un rapport inter-séquence comme s’il s’agissait d’un rapport
intra-séquence. Il en est de même de tous les rapports de détermination dans lesquels les marques de l’assertion
peuvent être effacées. Enfin cet effet trouve son orige dans l’illusion que le sujet a d’être à la sourge de ses propres
parole”
Entendemos a análise proposta por Henry (1975) como uma outra maneira de caracterizar
o grau maior de subordinação das restritivas (“determinativas”) em comparação com as não-
restritivas (“apositivas”). Fazer com que uma relação “inter-seqüênica” pareça intra-seqüencial é
dessentencializar em algum grau uma cláusula, nos termos de Lehmann (1988).
Grésillon (1975) defende, inicialmente, a tese de que só haveria dois tipos de relativas,
pois existiriam marcas morfossintáticas que os distinguem em várias línguas; contudo, ele
demonstra que tais marcas não são suficientes para distinguir tais construções visto que algumas
só podem ser diferenciadas no plano dos processos discursivos. Ele se baseou em um corpus de
sessenta e uma ocorrências em um texto escrito em alemão submetendo os dados a três níveis de
análise. No primeiro, avaliou critérios morfossintáticos tais como tipo de antecedente (pronome,
N próprio etc.), tipo de pronome relativo (indefinido ou não) e algumas funções sintáticas do
relativo. No segundo nível, investigou as relações anafóricas transfrásicas, que também não se
mostraram suficientes para a distinção das relativas. No terceiro nível, ele trabalhou com a
paráfrase, por meio da qual foram realizados testes de interpretação com informantes. Esse nível
de análise mostrou-se bem mais eficaz, mas ainda restaram sete ocorrências insolúveis que o
levaram a reconsiderar a hipótese de haver mais de dois tipos de relativas.
Grésillon (1975) demonstra que a autonomia das apositivas não é absoluta já que seu
caráter assertivo só pode ser manifestado sob a forma declarativa. A relativa determinativa
(restritiva) não possui nenhum caráter assertivo e “se encontra necessariamente numa relação de
anterioridade no que concerne à frase matriz” (Grésillon, 1975:107), ou seja, há entre a matriz e a
relativa restritiva uma relação de pressuposição. A partir da análise das relativas no nível dos
processos discursivos, o autor conclui que a
... ambigüidade lingüística da superfície não impede o sujeito de
compreender e interpretar, ficando claro que a determinação do sentido
de uma relativa se efetua fora do sistema da língua; é nesse sentido que
consideramos o fenômeno das relativas como região-fronteira da
lingüística, ainda que encontre sua realização na língua.
29
(Grésillon, 1975:114)
Le Goffic (1979) propõe, pelo menos, cinco tipos diferentes de relativas de acordo com “o
grau de complexidade da cadeia das identificações”
30
. Os tipos seriam: “descritiva”, “restritiva”,
“não-contrastiva”, “qualificativa” e “seletiva” (Ob. cit., p. 139). Segundo o autor, o que há de
comum entre todos esses tipos é o processo de identificação, ou seja, uma operação predicativa:
... um núcleo semântico comum existe entre todas as leituras: ele repousa
sobre a relação entre os termos (...) induzida pela operação de
identificação. Segundo a ordem de encadeamento das operações (toda
uma série de combinações é possível, notadamente graças ao jogo com a
lacuna) ...
31
(Le Goffic, 1979:143)
A partir da análise de dados do francês por meio de esquemas representativos de lacunas e
de identificações por anáfora, o referido autor defende a tese de que a dupla classificação para as
relativas não recobre toda a gama de significados que essas construções podem contrair no nível
do discurso. Ele enfatiza o papel da situação comunicativa para a distinção dos cinco tipos de
relativas propostos remetendo-nos, assim, para as condições de produção do texto. É importante
ainda destacar as ressalvas feitas por ele de que as orações “descritivas” (não-restritivas) são mais
raras que as demais, que elas não existem emrias línguas e são tardiamente aprendidas pelas
29
“... l’ambiguité linguistique de la surface n’empêche nullement lê sujet de comprendre et d’interpréter, il est clair
que la détermination du sens d’une relative s’effectue em dehors du système de la langue; c’est en ce sens que nous
considérons le phénomène des relatives comme une région-frontière de la linguistique, bien qu’il trouve as
réalisation dans la langue.”
30
“... le degré de complexité de la chaîne des identifications.”
31
“... um noyau sémantique commun existe dans toutes ces lectures: il repose sur la relation entre les termes (...)
induite par l’opération d’identification. Selon l’ordre et l’enchînement des opérations (tout une série de combinaisons
est possible, notament grace au jeu sur la place vide) …”
crianças em fase de aquisição (Ob. cit., p. 114) – o que contraria a hipótese de Oliveira (2001),
discutida a seguir.
Em Oliveira (2001), trabalho de cunho funcionalista numa perspectiva pancrônica,
observamos uma preocupação semelhante à do presente estudo. A autora tratou as adjetivas sob a
ótica do contínuo oracional, cujos extremos seriam a hipotaxe à esquerda (abarcando as
explicativas) e a subordinação à direita (abarcando as restritivas): “trata-se, funcionalmente, de
testar a hipótese da mudança do domínio da atribuição (mais acessório e desvinculado) para o da
definição (mais essencial e integrado)” (Oliveira, 2001:93).
Os dados desse trabalho, que perfazem um total de dez ocorrências, foram coletados de
textos escritos nos séculos XV e XX, e textos orais do século XX (pertencentes aos acervos dos
projetos NURC/RJ e Discurso & Gramática/Juiz de Fora). As variáveis investigadas para o
estudo do referido contínuo oracional foram: a) informatividade do SN atribuído (genérico ou
não); b) genericidade da adjetiva; c) presença de pausa entre o SN atribuído e a adjetiva; e
d) inserção de constituintes entre o SN atribuído e a adjetiva ou entre o relativo e a adjetiva.
O gradiente proposto se baseia no postulado de Hopper e Traugott (1993), que parte da
parataxe (caracterizada por menos dependência e menos encaixamento), passando pela hipotaxe
(caracterizada por mais dependência e menos encaixamento) até chegar à subordinação (marcada
por mais dependência e mais encaixamento). Nesse contínuo, haveria cinco pontos de
aglomeração, que seriam, da esquerda para a direita: grau 4 > grau 3 > grau 2 > grau 1 > grau 0.
Essa categorização foi desenvolvida com base na atribuição do valor 0 (negativo) ou 1 (positivo)
para cada variável investigada. A autora afirma que não houve ocorrências com grau 2 de
vinculação, ou seja, os dados analisados mostram “a tendência a uma certa polarização desse
arranjo sintático” (Oliveira, 2001:101).
Uma das hipóteses defendidas no referido estudo é a de que as explicativas, com grau
menor de vinculação, teriam dado origem às restritivas, mais integradas. No entanto, a própria
autora levanta um questionamento dessa visão com base na observação de que as restritivas são
mais freqüentes mesmo em textos do português arcaico. A solução apresentada para o impasse
teórico é a seguinte:
Conforme Votre et al. (1998), consideramos que a proposta de
gramaticalização entre orações teria validade maior para o momento da
gênese, da instauração dos vínculos mais integrados, portanto, mais
complexos e marcados nessa fase inicial. A partir daí, sistematizados,
ritualizados pela comunidade lingüística, os arranjos mais vinculados
passariam a se constituir em formas automatizadas, à disposição dos
usuários para a comunicação, tais como os demais, de natureza
coordenada ou hipotática. Nesse sentido, a freqüência de uso seria um dos
principais fatores de automação...
(Oliveira, 2001:102)
A autora aponta ainda “a interferência do contexto pragmático-comunicativo”: “de fato,
temos observado que os contextos favorecedores de menor integração semântico-sintática das
adjetivas são aqueles em que prevalece a marca dissertativo-argumentativa” (Ob. cit. p. 102) .
A partir das reflexões levantadas pelos diversos estudos anteriormente citados, a primeira
consideração a ser feita é a de que a relativização não pode ser considerada um assunto esgotado
no âmbito dos estudos lingüísticos. A segunda é a de que os aspectos polêmicos não se limitam à
língua portuguesa, haja vista que alguns dos trabalhos reportados tratam do fenômeno em outras
línguas, românicas (como espanhol e francês) ou não (como inglês e alemão). A terceira é a de
que vários autores apontam a necessidade de ampliar a análise do fenômeno para além do nível
da cláusula, ou mesmo do texto. E a última é que outros estudiosos também defendem a
existência de mais de dois tipos de cláusulas relativas.
No que tange à classificação das cláusulas, a observação dos dados associada a algumas
das reflexões retomadas aqui corroboram um dos princípios funcionalistas de que as categorias
lingüísticas não são discretas, mas formam um contínuo. Este estaria presente tanto nos processos
de combinação de cláusula de um modo geral quanto no interior de cada tipologia. Assim,
haveria relativas prototípicas e relativas híbridas, isto é, com traços das completivas, de um lado,
e das adverbiais, de outro. Outrossim, quanto à restritividade, haveria restritivas prototípicas e
não-restritivas prototípicas, além de tipos intermediários entre esses pólos.
No que diz respeito aos morfemas que introduzem as cláusulas relativas finitas, uma
análise mais econômica seria a que concebe tais vocábulos como conectores subordinativos cuja
função pode se ampliar para a anafórica a depender do co-texto no qual se inserem (cf.
Lavandera, 1984). Desse modo, não haveria dificuldades para admitir o emprego dos morfemas
como e quando como conectivos relativos. Ademais, uma proposta assim ajudaria a explicar os
casos de relativas híbridas, nos quais há duas possibilidades de interpretação e de análise nas duas
direções do contínuo oracional: como completiva (mais integrada) e como adverbial (menos
integrada).
Outro ponto a ressaltar é que o conceito de cláusula relativa deve contemplar aquelas
construções cujos antecedentes não fazem parte de uma cláusula matriz. Parece-nos que tais usos
constituem uma estratégia de focalização característica de textos com o objetivo principal de
convencimento e/ou persuasão. Talvez pudéssemos traçar um paralelo entre a estratégia de
relativização chamada copiadora (ou do pronome cópia ou do pronome lembrete) e essas
construções relativas, também examinadas por Decat (2004). A estratégia copiadora é mais
comum na língua falada, em registros menos formais e desempenham uma função textual-
discursiva de retomada, de guia para o ouvinte (cf. Tarallo, 1983 e Mollica, 1997; 2003), ainda
que estigmatizadas em certos contextos de situação e de cultura; já as construções relativas com
antecedente sem matriz parecem ser mais comuns na língua escrita e em gêneros nos quais
predominam seqüências tipológicas dissertativas, desempenhando papel semelhante, ou seja, de
retomada para o leitor, podendo também assumir outras funções, como demonstrou Decat (2004),
como a de avaliação ou adendo.
As leituras e reflexões apontam para uma tipologia que extrapola o nível sentencial e a
categorização binária, mas o grande desafio é determinar e sistematizar as variáveis que
contribuem para a classificação das cláusulas relativas na perspectiva do contínuo e,
principalmente, que expliquem o funcionamento dessas construções no uso efetivo da língua.
Esse desafio inclui também a discussão sobre a existência de várias construções relativas no
âmbito da gramática e do discurso.
4 METODOLOGIA
4.1 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS
Como foi explicitado nas seções anteriores, nosso objeto de estudo são as construções
relativas com cláusulas na forma finita tendo em vista o papel desempenhado por elas no
processo de construção do significado no texto. Na tentativa de construir um painel mais amplo,
apesar das limitações inerentes a um trabalho desta natureza, propomos o estudo do fenômeno
nas duas modalidades da língua e em alguns gêneros textuais. Da escrita, foram selecionados
editoriais, artigos, entrevistas jornalísticas
32
, crônicas e notícias extraídos do Jornal do Brasil e
de O Globo.
Em função de o programa computacional Praat, usado para a análise acústica, requerer
registros com o mínimo de interferências sonoras possíveis, selecionamos da modalidade falada
duas entrevistas radiofônicas, cuja gravação foi feita diretamente em estúdio assegurando, assim,
a qualidade sonora requerida.
33
O gênero entrevista (radiofônica), apesar de caracterizar-se por um nível maior de
formalidade, de ter um tempo estipulado para acontecer e de ser transmitido para milhares de
ouvintes simultaneamente, não deixa de apresentar aspectos da fala espontânea, ainda que mais
monitorada. Quanto ao grau de formalidade, poderíamos considerar esse texto como semi-formal.
No entanto, sua maior relevância para este estudo não diz respeito a esse aspecto, e sim ao fato de
termos um texto oral semi-espontâneo passível de análise prosódica instrumental, o que nos
32
A entrevista é, em sua origem, um gênero da modalidade falada. No caso da mídia escrita, não se trata de uma
transcrição literal do que foi falado, mas de um texto baseado, em tese, nas informações apresentadas oralmente pelo
entrevistado. Na realidade, estamos diante de uma das formas do que Marcuschi (2001) chama de “retextualização”,
conceito que será discutido no item 5.2.3.2.
33
As transmissões do programa Faixa Livre são gravadas em computador: primeiramente em arquivos sonoros no
formato wave; em seguida, esses arquivos são digitalizados no formato mp3, no qual os sinais acústicos são
condensados, para, posteriormente, serem disponibilizados na Internet, no sítio do programa. No entanto, a análise
acústica para fins lingüísticos só é possível se os arquivos de som estiverem no formato original. Assim, foi-nos
cedida uma cópia da gravação no formato wave.
permitiu aferir com precisão tanto as pausas como a freqüência fundamental (principal parâmetro
para definir a entoação).
Concebemos a entrevista como um tipo de diálogo, e a análise dos diálogos é
imprescindível quando se pretende contribuir para a descrição do funcionamento da língua em
uso. Segundo Marcuschi (2003),
... há boas razões para o estudo da conversação. Em primeiro lugar, ela é a
prática social mais comum no dia-a-dia do ser humano; em segundo,
desenvolve o espaço privilegiado para a construção de identidades sociais
no contexto real, sendo uma das formas mais eficientes de controle social
imediato; por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam
em muito a simples habilidade lingüística dos falantes.
(Marcuschi 2003a:5)
Os dados provenientes das entrevistas radiofônicas foram transcritos segundo as normas
do Projeto NURC, ouvidos e submetidos à análise acústica instrumental. Cabe ressaltar que,
apesar de terem sido realizadas outras entrevistas nesse mesmo programa, elas foram descartadas
por terem ocorrido por telefone, fato que compromete a qualidade da gravação exigida pelo
programa computacional Praat.
A constituição do corpus baseia-se no pressuposto de que “as diferenças entre fala e
escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na
relação dicotômica de dois pólos opostos” (Marcuschi, 2003b:37). Halliday (1994:xxiii) também
defende que “... embora haja diferenças sistemáticas entre fala e escrita elas são variedades de um
sistema e a mesma língua”.
34
e que
34
“... whereas while there are systematic differences between speech and writing they are varieties of one and the
same language ...”
... seria artificial uma polarização entre fala e escrita, em vez de
reconhecer que há toda sorte de categorias mistas, como fala formal,
diálogo dramatizado, legendas, instruções escritas etc. que têm os traços
típicos das duas modalidades...
35
(Halliday 1994:xxiii)
Halliday (1994) ressalta que não podemos defender a complexidade da escrita sobre a
fala, ou a primazia da fala sobre a escrita. A complexidade de ambas tem naturezas diferenciadas,
e a importância do estudo da fala se deve ao fato de que nela os processos gramaticais se revelam
mais nitidamente do que na escrita devido à quase simultaneidade do processamento e do
resultado deste no plano textual. Ou, em outras palavras, as diferenças entre fala e escrita devem-
se muito mais a aspectos pragmáticos do que a fatores gramaticais. Segundo Fávero et alii
(2003),
Para o estabelecimento das relações entre fala e escrita, sem que haja
distorção do que de fato ocorre, é preciso considerar, portanto, as
condições de produção. Estas possibilitam a efetivação de um evento
comunicativo e são distintas em cada modalidade, como se pode constatar
no esquema a seguir:
35
“... it would force an artificial polarization of speech versus writing, instead of recognizing that there are all sorts
of mixed categories, such as formal speech, dramatic dialogue, subtitles, written instructions and the like, which have
some of the features typical of each ...”
Quadro II
Fala Escrita
– Interação face a face
– Interação à distância (espaço-
temporal)
– Planejamento simultâneo ou
quase simultâneo à produção
– Planejamento anterior à
produção
– Criação coletiva: administrada
passa a passo
– Criação individual
– Impossibilidade de apagamento
– Possibilidade de revisão
– Sem condição de consulta a
outros textos
– Livre consulta
– A reformulação pode ser
promovida tanto pelo falante
quanto pelo interlocutor
– A reformulação é promovida
apenas pelo escritor
– Acesso imediato às reações do
interlocutor
– Sem possibilidade de acesso
imediato
– O falante pode processar o
texto, redirecionando-o a partir
das reações do interlocutor
– O escritor pode processar o texto
a partir das possíveis reações do
leitor
– O texto mostra todo o seu
processo de criação
– O texto tende a esconder o seu
processo de criação, mostrando
apenas o resultado
(Fávero et alii, 2003:74)
Quanto ao quadro transcrito, é evidente que necessitamos ver alguns aspectos dessa
proposta com reservas tendo em vista que há gêneros híbridos, como afirmou Halliday (1994),
que apresentam, conseqüentemente, características de uma e de outra modalidade. Outra questão
a considerar é o papel que o computador e a Internet vêm desempenhando na atualidade enquanto
ferramentas de comunicação que criam outras condições de produção. Por exemplo, em um
“bate-papo” on-line, mesmo em se tratando de um texto escrito, há possibilidade de reformulação
imediata ou quase imediata de acordo com as reações do interlocutor. Outro exemplo de interação
bastante interessante, embora não tão recente quanto o anteriormente citado, é a aula presencial,
em que as duas modalidades são usadas no mesmo contexto de situação e, mesmo na escrita (cujo
suporte, geralmente, é o quadro de giz), há possibilidade de reformulação do texto.
Partindo-se da premissa de que uma das principais fontes da língua escrita padrão são os
textos jornalísticos, principalmente os publicados nos jornais e revistas de grande circulação no
caso da escrita, os dados dessa modalidade foram coletados do Jornal do Brasil e O Globo,
veículos de informação bastante expressivos no país. Foram selecionados artigos, editoriais e
crônicas dos anos de 2002 e 2003
36
, além de entrevistas e notícias dos anos de 2006, 2007 e
2008.
Como não temos condições de investir na análise de um grande número de textos
representativos das duas modalidades e dos inúmeros gêneros disponíveis em nossa cultura,
devido às limitações do presente estudo e ao tipo de análise proposto, para a modalidade escrita
foram selecionados catorze textos (cf. quadro 1), e para a modalidade falada, dois (cf. quadro 2).
36
Os exemplares desses gêneros textuais que integram o corpus foram fornecidos pela Prof. Dra. Maria Eugênia
Lamoglia Duarte, no curso Questões de Sintaxe, ministrado no Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
da Faculdade de Letras da UFRJ.
GÊNERO
TEXTUAL
O GLOBO
JORNAL DO BRASIL
CRÔNICAS “O fim (de semana)”, Paulo Gouvêa
Vieira, 25/10/02
“O quebra-cabeças”, Maria Lúcia
Dahl, 01/11/02
ARTIGOS “A censura e as trevas”, Ricardo
Cravo Albin, 28/10/02
“O empreendedorismo e as
prefeituras”, Celina Amaral Peixoto,
02/06/03
EDITORIAIS “Rápida e eficiente”, 19/10/03 “Boa Vontade”, 01/11/02
ENTREVISTAS Luizão, 10/09/06 Erasmo Carlos, 06/05/07
NOTÍCIAS “Pílula de vinho para aumentar a
longevidade”, 27/04/08
“Cinco reféns em aldeia no
Maranhão”, 03/06/08
“Serra: PT quer transformar
apuração do caso Alstom em
‘eleitoralismo’”, 03/06/08
“Decisão foi de 6 a 5, mas 9 deram
voto contra a ação”, 30/05/08
“A cada ano, número de mortes no
país chega a 200 mil”, 01/06/08
“Milícia tortura equipe de jornal”,
01/06/08
Quadro 1: Distribuição dos textos da modalidade escrita por gêneros e suportes
GÊNERO TEXTUAL
RÁDIO BANDEIRANTES
Entrevistas radiofônicas
Programa “Faixa Livre”, 21/07/08
Quadro 2: Distribuição dos textos da modalidade oral por gêneros
A tabela 1 apresenta a relação quantitativa entre textos e gêneros da amostra. Como o
gênero entrevista está presente tanto na modalidade escrita quanto na oral, o total na última célula
da tabela é cinco em vez de seis.
LÍNGUA
FALADA
LÍNGUA
ESCRITA
TOTAL
Textos 2 (dois) 14 (catorze) 16(dezesseis)
Gêneros 1 (um) 5 (cinco) 5(cinco)
Tabela 1: Total de textos e gêneros da amostra
Van Jr. e Lima-Lopes (2005:37-8), ao apresentarem uma abordagem sistêmico-funcional
para o estudo dos gêneros, propõem uma metodologia estruturada em três etapas: a primeira é
baseada na “descrição detalhada das funções e estruturas da língua, além da relação desses
elementos com as dimensões contextuais de registro, organização semântica e gramatical”; a
segunda baseia-se “no detalhamento da estruturação do texto em estágios e características de cada
gênero”; e a terceira baseia-se no “reconhecimento de que as diferenças entre os textos são o
reflexo de uma dimensão contextual mais abstrata denominada ideologia”. Para o presente
estudo, nos limitaremos à primeira etapa e a alguns aspectos da segunda e da terceira, embora
reconheçamos que só com a análise das três chegaríamos a um estudo exaustivo nos termos da
GSF.
4.2 PROPOSTA DE ANÁLISE
É importante salientar que, apesar de enfatizarmos a cláusula como unidade de análise em
várias etapas deste estudo, não perdemos de vista o todo, que é o texto processado em seus
contextos de situação e de cultura. Contudo, por uma questão de organização com vistas à
facilidade de leitura, só apresentamos no corpo do trabalho a análise global de um exemplar da
amostra da modalidade escrita a fim de ilustrar nossa metodologia de trabalho e nossa proposta
analítica.
É importante ainda esclarecer que utilizamos os termos “locutor” e “interlocutor” tanto
para a modalidade falada quanto para a escrita. Também empregamos os termos “falante” e
“ouvinte”, de um lado, e autor e leitor, de outro, no caso específico da análise de dados de uma
das duas modalidades. Em alguns momentos, utilizamos ainda o termo “interlocutores” de uma
maneira genérica nos referindo às pessoas envolvidas na interação qualquer que seja a
modalidade.
A proposta deste trabalho, como já mencionamos, é a análise dos textos selecionados na
perspectiva explicitada anteriormente (sistemas de modo e de transitividade), que foi
complementada com as perspectivas textual (informatividade) e contextual, em termos de tipos,
gêneros e registros. Desse modo, listamos a seguir os aspectos que foram considerados
potencialmente relevantes para a realização deste estudo, cujo principal objetivo é estabelecer
uma tipologia para as cláusulas relativas finitas na perspectiva de um contínuo que vai da não-
restrição à restrição.
I. Critérios morfossintáticos:
a) constituição do SN antecedente natureza dos determinantes do nome que podem estar
presentes nesse sintagma nominal (artigo, pronome, quantificador, sintagma adjetivo, sintagma
preposicionado) e natureza do próprio núcleo do SN, que pode ser nominal ou pronominal;
b) definitude do SN antecedente em função da presença ou não de determinantes e da natureza
destes, bem como da natureza do núcleo do SN;
c) pronome relativo empregado (que, quem, o qual, cujo, onde, quando, como, quanto);
d) função sintática desempenhada pelo SN antecedente no âmbito do sistema de modo (Sujeito,
Complemento Verbal, Adjunto Adverbial) – cf. seção 5.1.2;
e) função sintática desempenhada pelo pronome relativo no âmbito do sistema de modo (Sujeito,
Complemento Verbal, Adjunto Adverbial) - cf. seção 5.1.2.
II. Critérios semânticos:
a) grau de definitude do SN antecedente em função do tipo de significado codificado pelo
núcleo do SN (nominal ou pronominal) e pelo(s) determinante(s), se houver;
b) tipo de processo verbal da matriz (material, mental, relacional, verbal, existencial,
comportamental) no âmbito do sistema de transitividade (cf. seção 5.1.2);
c) tipo de processo verbal da relativa (material, mental, relacional, verbal, existencial,
comportamental) no âmbito do sistema de transitividade;
d) papel desempenhado pelo SN antecedente quanto ao sistema de transitividade (Ator, Meta,
Beneficiário, Extensão, Experienciador/Fenômeno, Portador/Atributo, Característica/Valor,
Dizente/Verbiagem, Existente, Comportante/“Behaviour”) - cf. seção 5.1.2;
e) papel desempenhado pelo relativo quanto ao sistema de transitividade (Ator, Meta,
Beneficiário, Extensão, Experienciador/Fenômeno, Portador/Atributo, Característica/Valor,
Dizente/Verbiagem, Existente, Comportante/“Behaviour”) - cf. seção 5.1.2.
III. Critérios textual-discursivos
a) status informacional do antecedente (Novo, Inferível ou Velho no texto; Novo ou Velho para o
leitor/ouvinte);
b) gênero textual (artigo, editorial, crônica, entrevista, notícia) – cf. seção 5.2.3;
c) seqüência tipológica (descritiva, narrativa, dissertativa, injuntiva) – cf. seção 5.2.4;
d) distância entre o SN antecedente e a cláusula relativa (presença de elemento intermediário);
e) natureza do elemento intermediário (cláusula completiva, adverbial ou relativa; adjunto
adverbial; marcador conversacional; operador discursivo; aposto, vocativo);
f) modalidade (escrita, falada) – na perspectiva do contínuo discursivo;
g) relações do discurso (tipo de relação entre interlocutores).
IV. Critérios prosódicos
a) segmentação prosódica antes do pronome relativo (fronteira 1);
b) segmentação prosódica depois da cláusula relativa “intercalada”
37
à matriz (fronteira 2);
c) tipo de segmentação prosódica pode ocorrer por meio da curva melódica (tom), da pausa
(silenciosa ou preenchida), do alongamento ou ainda pela conjugação de dois desses fatores ou
dos três.
4.3 ANÁLISE ACÚSTICA
Conforme a perspectiva adotada sobre o fenômeno da fala, os estudos fonéticos
distribuem-se por três áreas, resumidamente descritas a seguir. A fonética articulatória, que es
voltada para a análise dos sons do ponto de vista da sua produção pelo aparelho fonador,
classificando-os de acordo com o modo e o ponto de articulação, por exemplo. A fonética
auditiva, que privilegia a percepção dos sons da fala propiciada pela conexão entre o ouvido, o
nervo auditivo e o cérebro, observando as reações psicológicas e neurológicas provocadas por
eles. E a fonética acústica, que se dedica ao estudo das propriedades físicas dos sons da fala no
percurso entre a boca e o ouvido humanos.
37
Usaremos aqui o termo “intercalada” não no sentido tradicional de uma oração parentética, sintaticamente
independente, que se insere em outra, mas para indicar a posição da relativa em relação à matriz de acordo com a
localização do SN antecedente. Sendo a relativa sempre posposta ao SN antecedente, se este se localiza no início da
matriz, esta tem sua continuidade após o término da relativa, caso que denominamos “intercalda”.
Inicialmente, os aspectos prosódicos da fala eram investigados somente no âmbito da
Fonética, sem se levar em conta valores distintivos, que só caberiam à Fonologia. Com a
evolução dos estudos lingüísticos, esse quadro foi mudando e trazendo à tona a necessidade de
modelos que codificassem os aspectos prosódicos (concretos) em representações abstratas,
caminhando da perspectiva fonética para a fonológica.
É no âmbito da fonética acústica que ganham destaque os estudos sobre prosódia,
fenômeno complexo que abarca diversos aspectos da fala, tais como velocidade, ritmo, duração,
entoação. Esta, que nos interessa mais de perto, constitui-se num contínuo melódico interpretado
como discreto pelo ouvinte, que sabe o que é fonologicamente relevante na sua língua. Contudo,
o grande desafio é chegarmos a uma representação fonológica e, portanto, abstrata, de algo tão
fluido como a entoação, constituída principalmente pela freqüência fundamental, também
chamada F0. A curva melódica (ou melodia da fala, ou ainda curva entonacional) é produzida
pelas primeiras vibrações decorrentes da passagem do ar pelas pregas vocálicas, por isso é
chamada de freqüência fundamental. A freqüência é entendida como a quantidade de ciclos por
segundo e é medida em Hertz (Hz).
Ao longo da evolução dos estudos sobre entoação, diversos autores têm lhe atribuído
várias funções na interação verbal. Prieto (2003) cita três tipos: a expressiva, a focalizadora e a
demarcativa. A primeira visa à expressão de atitudes subjetivas do falante. A segunda tem como
fim destacar uma informação que o falante considera relevante. E a terceira contempla a
segmentação do discurso organizando-o em unidades tonais para facilitar sua interpretação pelo
ouvinte.
Para Moraes (inédito c), a entoação teria quatro macro-funções, que se subdividem em
outras: a) sintática – desempenhando um papel de segmentação do texto em diversos níveis; b)
modal – distinguindo os tipos de cláusula (declaração, pergunta, ordem, pedido) em função dos
papéis dos interlocutores no discurso; c) informacional – auxiliando na sistematização do status
informacional dos sintagmas, ou ainda na organização da cláusula em Tema/Rema,
Tópico/Comentário
38
; e d) expressiva – sendo (co)responsável por exprimir atitudes e emoções
dos falantes.
Embora, no uso, essas funções possam se sobrepor, a preocupação central deste estudo é a
função demarcativa tendo em vista a interpretação das cláusulas relativas, em geral, inseridas em
cláusulas complexas. A presença ou a ausência de ruptura demarcando ou não essas fronteiras
sintáticas é fundamental para a análise empreendida já que a hipótese defendida é a de que não
haveria segmentação entre a relativa restritiva (encaixada) e sua respectiva matriz porque ambas
são concebidas como um todo semântico, sintático e entonacional. Já entre a não-restritiva
(hipotática) e sua respectiva matriz, haveria ruptura visto que esse tipo de relativa apresenta um
vínculo sintático mais débil.
De acordo com Prieto (2003:14),
A entoação é um fenômeno lingüístico complexo cujo tratamento
sistemático precisa da combinação de três níveis de análises
complementares: o eixo físico (ou a evolução do parâmetro físico de
freqüência fundamental ao longo da emissão do enunciado), o eixo
fonológico (as unidades melódicas com importância significativa na
língua) e o eixo semântico (os efeitos significativos que produzem essas
variações melódicas).
39
38
Essa função da entoação às vezes coincide para a função sintática.
39
La entonación es um fenómeno lingüístico complejo cuyo tratamiento sistemático precisa de la combinación de
tres niveles de análisis complementarios: el eje físico (o la evolutión del parámetro físico de frecuencia fundamental
a lo largo de la emissión del enunciado), el eje fonológico (las unidades melódicas con importancia significativa em
una lengua) y el eje semántico (los efectos significativos que producen esas variaciones melódicas).
Fonologicamente falando, “a análise lingüística da entoação pretende relacionar seus
eixos físico e funcional e descobrir as unidades tonais capazes de gerar oposições distintivas ou
produzir diferenças de significado”.
40
(Prieto, 2003:14)
A respeito da entoação, há correntes teóricas que privilegiam a perspectiva do contínuo
propondo modelos de análise por configurações tendo, portanto, um cunho mais fonético. E há
correntes que a concebem como um fenômeno discreto propondo modelos de análises por níveis
tendo, desse modo, um cunho mais fonológico.
Halliday (1985) afirma que “toda fala natural, em qualquer língua, é marcada por padrões
de entoação e ritmo”.
41
O autor define entoação como o movimento melódico do “pitch”, e ritmo
como o compasso da língua organizando-a no tempo. Ambos são, para ele, traços prosódicos que
fazem parte do sistema lingüístico. As diferentes possibilidades desse movimento melódico vão
configurar o que o autor chama de sistema de “key”, constituído por cinco tons. O tom
descendente (tom 1) significa polaridade conhecida (certeza) ou “WH-question” (desejo ou
necessidade de suprir uma informação ausente); o ascendente (tom 2) significa polaridade
desconhecida, por isso expressa uma pergunta sim-não; o plano (tom 3) significa suspensão da
decisão de falar sendo realizado, na prática, por uma leve ascensão que assinala a incompletude
da mensagem; o descendente-ascendente (tom 4) significa reserva e contraste; e o ascendente-
descendente (tom 5) significa ‘naturalmente’, estando relacionado, em particular, às exclamações.
Os tons configuram, assim, um paradigma cujas escolhas geram significado ao assinalar, além do
que já foi apontado, certas relações lógicas. É importante ressaltarmos que essa descrição do
sistema de tons foi proposta pelo autor para a língua inglesa.
40
El análisis lingüístico de la entonación pretende poner em relación los ejes físico y funcional de ésta y ‘descubrir’
las unidades tonales capaces de gnerar oposiciones distintivas o producir diferencias de significado.
41
“all natural speech, in any language, is marked by patterns of intonation and rhythm”
Ainda segundo Halliday (1985:52), “o ritmo está diretamente relacionado à entoação
porque são as sílabas fortes que dão suporte à carga melódica”
42
, embora a unidade rítmica – o pé
– em si mesma não seja significativa. A unidade fonológica significativa superior ao pé é o grupo
tonal. Além de conter um ponto específico de proeminência (núcleo tônico), o grupo tonal
seleciona um dos cinco tons descritos anteriormente. Sua proeminência é uma propriedade
conhecida como tonicidade e serve para assinalar o que está sob foco e o que é concebido como
Novo. O grupo tonal é, portanto, a expressão fonológica da unidade de informação. Há também
um fator relevante quando se trata do ritmo: a pausa. Este elemento entra na configuração do
ritmo uma vez que pode ser empregado no lugar de uma sílaba forte.
Por muito tempo, os aspectos prosódicos foram relegados a segundo plano nos quadros
dos estudos lingüísticos, seja em decorrência da concepção de língua que norteava determinadas
correntes teóricas, seja pelas dificuldades inerentes a esse tipo de análise, que, sem o aparato
tecnológico do qual passamos a dispor em fins do século XX, ficava limitado a procedimentos
impressionistas, ou era dificultado por aparelhagens de manuseio complexo.
Hoje, temos consciência da relevância de fatores prosódicos em relação a diversos
fenômenos lingüísticos, e esses fatores têm sido tema de inúmeros estudos. Além das facilidades
promovidas pela revolução digital, o desejo e a necessidade de se entender o funcionamento das
línguas em uso tem fomentado análises mais acuradas do nível supra-segmental e suas
correlações com os demais. É dentro dessa ótica que procuramos averiguar o papel da curva
melódica e da pausa na interpretação das cláusulas relativas finitas no PB contemporâneo.
Antes de detalharmos essa perspectiva de análise, faz-se necessário esclarecer em que
sentido alguns termos estão sendo empregados neste estudo. A entoação é entendida como um
42
“rhythm is closely linked to intonation, since it is the strong syllables that carry the burden of the
melody.”
fenômeno acústico, supra-segmental, que, do ponto de vista da percepção, é reconhecida como
altura melódica, e, do ponto de vista lingüístico, é entendida como tom. Seu componente
principal é a freqüência fundamental (F0), medida em Hertz (Hz). Esta, do ponto de vista da
produção do aparelho fonador, é gerada pela tensão exercida pelos músculos da laringe sobre as
pregas vocálicas fazendo-as vibrar no eixo horizontal.
Sob a ótica da produção sonora, a intensidade é vista como o resultado da pressão sub-
glótica, medida em decibéis (dB), que, no plano perceptivo, é interpretado como volume da voz
e, no nível lingüístico, costuma ter maior relevância para a constituição do acento vocabular. Por
essa razão não analisamos a intensidade visto que o enfoque deste trabalho recai sobre o nível da
cláusula (e do texto), mas não sobre o nível vocabular.
A pausa, medida em segundos ou milissegundos, pode ser silenciosa ou preenchida. A
primeira caracteriza-se pela ausência de articulação; a segunda pode realizar-se na forma de
repetição, hesitação, murmúrio etc. Tanto a pausa silenciosa quanto a preenchida pode ser
intencional ou não intencional. No caso de ser intencional, ela desempenhará uma função,
gramatical e/ou discursiva. Quando não é intencional, está diretamente relacionada aos aspectos
de processamento da fala como, por exemplo, possíveis falhas do locutor ou necessidade de
respiração. No nível lingüístico, a duração traduz-se no conceito de quantidade – vogais longas
versus vogais breves, por exemplo, oposição que não é fonológica no PB. Às vezes, a maior
duração de um segmento na cadeia da fala pode ser interpretada pelo ouvinte como pausa; por
isso, toda vez em que constatamos alongamento de um segmento fônico nas fronteiras sintáticas
pertinentes, o fenômeno foi auferido e registrado.
Embora as correlações entre esses parâmetros sejam muito complexas, dentro dos limites
do presente estudo, trabalhamos apenas com a entoação, caracterizada acusticamente pela
freqüência fundamental (F0), e com a duração de alguns segmentos e da pausa (silenciosa ou
preenchida), medida em segundos.
De acordo com Moraes (2003), a medida da F0 pode ser realizada de quatro maneiras: a)
considerando-se o meio da vogal ou da sílaba; b) considerando-se o ponto de sua intensidade
máxima; c) considerando-se seu valor máximo ou mínimo na vogal ou sílaba; ou ainda
considerando-se a média dos seus valores na extensão da vogal ou da sílaba. Com base em
Moraes (2003), que afirma que as diferenças entre os quatro métodos “são pequenas se não há
modulações melódicas intra-silábicas importantes”, optamos pela medição da F0 no seu valor
máximo na vogal ou na sílaba pertinente. Assim a freqüência fundamental foi medida na(s)
sílaba(s) do vocábulo precedente ao pronome relativo, na(s) sílaba(s) do próprio pronome relativo
e na(s) sílaba(s) da palavra subseqüente a este. Quando a relativa é “intercalada” à matriz,
medimos a F0 também no último vocábulo da cláusula relativa.
Os dados do corpus oral foram digitalizados a fim de aferirmos a freqüência fundamental
e a duração nos pontos pertinentes da cadeia da fala com o auxílio do programa computacional
Praat. Este foi desenvolvido por Paul Boersm e David Weenink, da Universidade de Amsterdam,
e viabiliza não só a aferição precisa dos diversos parâmetros que contribuem para a configuração
prosódica desde que as gravações sejam de boa qualidade como também possibilita a
“ressíntese” dos dados, caso tal procedimento se faça necessário. Por meio da “ressíntese”,
podemos aumentar ou diminuir os valores da freqüência fundamental (F0) alterando, assim, a
curva melódica; também podemos manipular a duração dos segmentos fônicos e/ou das pausas
(reduzindo-as ou ampliando-as), além de podermos inserir ou eliminar uma pausa do enunciado.
4.3.2 Análise acústica do corpus controlado
Os dados do corpus controlado foram adquiridos no Laboratório de Fonética Acústica da
Faculdade de Letras da UFRJ e produzidos por três (3) falantes nativos do português do Brasil,
graduados em Letras, sendo um do gênero masculino, e dois do feminino. As seqüências
sintagmáticas realizadas por eles foram as seguintes:
I) Veja-se o belíssimo calçadão desenhado por Burle Marx ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens.
II) Os jogadores da seleção que deveriam ter melhor desempenho foram criticados.
A seqüência do primeiro enunciado foi baseada em um trecho do inquérito 25 da Nova
Amostra do Projeto NURC-RJ, gravada na década de 90, sendo regravada por um dos nossos
informantes; já o segundo enunciado foi forjado diretamente em laboratório.
Essas duas seqüências deram origem a dezesseis versões diferentes conforme a realização
do contorno melódico e a presença ou ausência de alongamento(s) e/ou de pausa(s) na(s)
fronteira(s) sintática(s) entre a cláusula matriz e a relativa. As curvas melódicas produzidas pelos
informantes, correspondendo, hipoteticamente, aos sentidos restritivo e não-restritivo, foram
mantidas, mas a duração foi manipulada a partir do referido recurso de ressíntese, oferecido pelo
programa Praat. As pausas silenciosas nas fronteiras entre as relativas e suas respectivas matrizes
foram padronizadas em 0,30 segundos, medida consensualmente aceita pelos estudiosos como
perceptível e significativa para os falantes/ouvintes de um modo geral. Já a duração das sílabas
pertinentes foi manipulada em função das características prosódicas de cada informante de modo
que o enunciado não ficasse artificial. Assim, o alongamento aplicado a essas sílabas variou de
0,20 a 0,30 segundos a mais que a pronúncia original.
Em uma segunda etapa, foram acrescidas a essas dezesseis (16) versões outras duas
seqüências sintagmáticas que constituem seus respectivos co-textos (negritados), obtendo-se, no
total, trinta e duas (32) versões das construções relativas usadas no teste de interpretação.
III) Veja-se o belíssimo calçadão desenhado por Burle Marx ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens. A praia de Copacabana e seus calçadões são áreas de lazer, não são
para ocupação dos fregueses dos hotéis, nem dos ônibus de turismo ou piratas.
IV) Na Copa do Mundo de 98, realizada na França, o Brasil perdeu na final para o
anfitrião. Os jogadores da seleção que deveriam ter melhor desempenho foram criticados.
As trinta e duas (32) versões dessas cláusulas dezesseis (16) sem co-texto e dezesseis
(16) com co-texto , juntamente com os “distratores” (cláusulas ambíguas de outra natureza),
foram submetidas ao julgamento de cinqüenta e oito (58) informantes. Estes, também chamados
juízes, todos falantes nativos do português do Brasil, com nível de escolaridade superior,
completo ou incompleto, ouviram os dados e marcaram suas respectivas interpretações no
protocolo experimental (cf. Apêndice A). Neste, há duas opções para cada enunciado: a paráfrase
correspondente ao sentido restritivo e a paráfrase correspondente ao sentido não-restritivo. Para
evitar qualquer influência dos sinais de pontuação, eles não tiveram acesso à forma escrita dos
enunciados testados, somente à reprodução oral das realizações (gravadas em CD) e suas
respectivas paráfrases escritas. Para evitar o condicionamento das respostas, a ordem de todos
enunciados foi aleatória, incluindo os chamados “distratores”.
Com o objetivo de isolar os fatores prosódicos (entoação e pausa) dos demais, não foram
apresentados aos juízes os co-textos dos enunciados na primeira etapa do teste, pois isso poderia
alterar suas interpretações. Na segunda etapa, esses mesmos informantes ouviram os mesmos
enunciados acrescidos de seus respectivos co-textos a fim de avaliarmos até que ponto
informações no entorno das cláusulas relativas poderiam interferir na sua interpretação. As duas
etapas do teste foram realizadas no mesmo dia, sendo aplicado entre uma e outra um questionário
para coletar informações necessárias à constituição do perfil socioeconômico dos informantes (cf.
Apêndice A). A partir de informações extraídas desse questionário, eliminamos os informantes
que não nasceram no município do Rio de Janeiro ou, pelo menos, na região Metropolitana, bem
como aqueles que não informaram satisfatoriamente sua naturalidade.
Dessa forma, foi necessário um número considerável de enunciados para compor o
protocolo experimental, que contém dezesseis enunciados com cláusulas relativas, além de oito
“distratores”, totalizando vinte e quatro (24) enunciados em cada fase do teste, e quarenta e oito
(48) nas duas fases.
Apesar de todo o rigor metodológico, ficamos impossibilitados de usar os resultados do
teste devido a problemas técnicos que comprometeram sua fidedignidade. Como uma forma de
compensar essa lacuna, retomamos o estudo desenvolvido por Souza (2007b), que também
trabalhou com teste de interpretação aplicado a informantes com o mesmo perfil. Contudo, além
do número de juízes não ser tão expressivo (apenas dezessete), só foi testada uma construção em
que a cláusula relativa é posposta à matriz (o enunciado original do inquérito 25 da Nova
Amostra do Projeto NURC-RJ). Embora saibamos que essa é a posição mais freqüente (cf.
Souza, 1996) porque o constituinte do sistema de modo mais relativizado é o complemento verbal
sem preposição, ou seja, o tradicional objeto direto, o referido estudo deixa uma lacuna quando
não testa as relativas “intercaladas”. Assim, fomos compelidos a extrair do próprio corpus oral
semi-espontâneo dados prototípicos (cuja análise se encontra na seção 5.2.6) para, juntamente
com os resultados mais relevantes demonstrados em Souza (2007b), termos alguns parâmetros
para a interpretação das cláusulas relativas levando em conta fatores prosódicos.
Em Souza (2007b), a fim de que a análise se aproximasse da língua em uso, preferiu-se
uma frase produzida por um falante nativo em uma situação concreta de interação. Assim,
coletou-se do referido inquérito 25 da Nova Amostra do Projeto NURC-RJ uma construção com
cláusula relativa oferecendo duas possibilidades de interpretação: não-restritiva e restritiva.
Posteriormente, esse dado foi digitalizado usando-se o programa computacional Praat para, em
seguida, produzir, com o recurso da ressíntese, suas diversas “versões”. Para isso, manipularam-
se a duração de um dos segmentos, a pausa na fronteira sintática entre a relativa e a matriz e a F0,
o que resultou em vinte e quatro (24) variantes, submetidas a dezessete (17) juízes, que os
ouviram e manifestaram suas interpretações (cf. Apêndice B).
Antes de apresentarmos a análise acústica de alguns dados de Souza (2007b), é necessário
esclarecer que optamos por uma transcrição fonética ampla, ou seja, registramos apenas as
realizações mais relevantes para o nosso trabalho e mais características do dialeto carioca.
A respeito do sistema de notação usado, fazem-se necessários alguns esclarecimentos.
Como já havíamos dito, L representa o tom baixo (“low”), e H, o tom alto (“high”). O asterisco
que se segue ao símbolo do tom significa o alinhamento deste com a sílaba acentuada do
vocábulo que se encontra naquela posição específica da cadeia da fala. O símbolo %, associado a
H ou a L, representa um tom de fronteira, ou seja, indica que naquele determinado ponto da
cadeia há uma ruptura, um limite entre dois constituintes prosódicos, que pode coincidir com uma
segmentação sintática indicando, por exemplo, o término de uma cláusula e o início de outra.
Esse sistema de notação situa-se no âmbito da chamada Fonologia Métrica e Auto-Segmental e
tem origem na tese de doutorado de Pierrehumbert (1980) (apud Prieto, 2003:155), que analisou
a entoação do inglês. Essa proposta tem sido reformulada e adaptada para a descrição
entonacional de diversas línguas e usada por estudiosos de diversas correntes teóricas.
O primeiro dado apresentado é o enunciado original extraído do inquérito 25 do Projeto
NURC-RJ, cuja transcrição grafemática reproduzimos a seguir (o trecho destacado é o que foi
analisado acusticamente).
Veja-se o belíssimo calçadão desenhado por Burle Marx ocupado diante dos hotéis que não construíram
garagens e que estão estragando o calçadão.
(25/NURC-RJ(90))
Segmentos
d
ɘ
t
d
zo
[tj]
Pausa
Valores de F0 (Hz) 182 183 163 166 157 258
Duração (s) 0,52
Tabela 2: Valores da F0 e da duração da seqüência diante dos hotéis
Segmentos
k
nɘ
w
ko

t
i
[o]
a a

Valores de F0 (Hz) 257 271 212 198 166 153 211 274 261
Tabela 3: Valores da F0 e da duração da seqüência que não construíram garagens
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA H% -
ACENTO DE TOM L + H* -
Tabela 4: Notação fonológica do vocábulo hotéis
A fim de ilustrar a análise acústica desenvolvida, apresentaremos alguns gráficos,
referentes aos enunciados, fornecidos pelo programa Praat. Sua primeira porção mostra o
oscilograma, ou forma de ondas, representação gráfica de um dos efeitos acústicos produzidos
pelos fones. A segunda porção mostra o contorno da F0 com suas modulações, um outro efeito
acústico da fala. A interrupção da linha azul que representa a F0, no eixo horizontal, tem
geralmente dois significados: a ocorrência de pausa silenciosa, ou seja, ausência de articulação,
ou a articulação de fonemas surdos ou ensurdecidos pelo ambiente fônico no qual se encontram
(consoantes surdas contíguas). Neste último caso, ficamos impossibilitados de verificar o valor da
F0, o que dificulta a análise. A terceira porção do gráfico contém a transcrição grafemática da
seqüência sintagmática. Procuramos alinhar essa transcrição de forma aproximada ao sinal da F0
e ao oscilograma para facilitar a leitura do gráfico. E, na última parte, registramos a notação
fonológica da curva melódica referente ao trecho pertinente à análise desenvolvida.
Figura 2: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens e que estão; notação fonológica da entoação referente ao trecho dos hotéis.
O enunciado original apresenta elevação de F0 no limite entre a cláusula relativa e a
matriz, caracterizando o tom de fronteira alto (H%). Este é reforçado por uma significativa pausa
silenciosa de 0,52 segundos. Cinqüenta e nove por cento (59%) dos informantes interpretaram
essa relativa como não-restritiva.
Se observarmos os valores da F0 das sílabas que precedem e sucedem imediatamente a
fronteira entre as referidas cláusulas nas tabelas 2 e 3, verificaremos que a F0 alta se mantém no
que e sobe ainda mais na sílaba seguinte (não). Ao manipularmos o dado, diminuindo a F0 em
aproximadamente 60 Hz no pronome relativo e no advérbio, adquirindo, assim, outra versão
prosódica da mesma seqüência sintagmática, o percentual de informantes que interpretaram a
cláusula relativa como não-restritiva se elevou, passando de cinqüenta e nove (59%) para oitenta
e oito (88%), o que é bastante expressivo.
Reproduzimos a seguir o gráfico correspondente ao enunciado com índice maior de
interpretação não-restritiva, no qual podemos perceber que, ao diminuirmos o valor da F0 no
relativo e no advérbio, o tom alto antes da fronteira sintática (sobre a sílaba tônica do vocábulo
hotéis) tornou-se mais saliente, o que certamente fez aumentar a percepção dos ouvintes sobre a
segmentação nesse ponto da cadeia da fala. Esse resultado confirma nossa hipótese de que o tom
de fronteira alto (H%) caracteriza a relativa não-restritiva – o que Bechara (1975) denominou
“entoação suspensiva ou pausal”. Esse tom indica uma ruptura na entoação anunciando ao
ouvinte que a próxima unidade prosódica, embora sintática e semanticamente relacionada à
anterior, é um outro constituinte e codifica uma informação a mais sobre o SN antecedente.
Figura 3: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática da seqüência ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens e que estão; notação fonológica da entoação referente ao trecho dos hotéis.
Ao executarmos outra manipulação por ressíntese, agora retirando a pausa silenciosa que
há entre relativa e matriz no enunciado original e mantendo o mesmo contorno melódico, sem
alterar a F0 (cf. tabelas 2, 3 e 4, figura 2), apenas 53% dos informantes interpretaram a relativa
como não-restritiva, índice que não nos permite afirmar que essa interpretação seja a preferencial
porque é muito próximo de cinqüenta por cento (50%); por isso, consideramos esse enunciado
ambíguo. Tal comportamento também tem relação com o fato de que, no enunciado original, a F0
se mantém alta na sílaba subseqüente (que) à fronteira sintática e se eleva mais na próxima (não),
como comentamos anteriormente, obscurecendo um pouco o tom ascendente, típico da não-
restritiva. Cremos que a ausência da pausa deve ter confundido os ouvintes, que se dividiram na
escolha interpretativa entre restritiva e não-restritiva. Isso ratifica, de certa forma, nossa hipótese
de que a pausa só seria decisiva na interpretação das relativas quando outra(s) variável(is)
interferisse(m) no processo fazendo com que a curva melódica não fosse suficiente para
direcionar o ouvinte para uma ou outra leitura da cláusula relativa.
No entanto, quando retiramos a pausa do enunciado com os valores da F0 diminuídos em
60 Hz (cf. figura 3), sessenta e cinco por cento dos informantes (65%) optaram pela interpretação
restritiva. É verdade que esse índice percentual não é tão expressivo quanto os oitenta e oito por
cento (88%) referentes à interpretação não-restritiva do enunciado com pausa e valores menores
de F0 no que e no não. Contudo foi um resultado que fugiu às nossas expectativas. Reproduzimos
a seguir o gráfico correspondente ao enunciado em questão.
Figura 4: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática da seqüência ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens e que estão; notação fonológica da entoação referente ao trecho dos hotéis.
A partir do estudo preliminar de Souza (2007b), levantamos a hipótese de que o tom
ascendente caracterizaria a relativa não-restritiva. Apesar de a pausa ter-se mostrado relevante no
teste realizado com informantes para o referido estudo, mantivemos nossa hipótese original de
que essa variável não seria determinante na interpretação das relativas, mas atuaria como reforço.
Para tal, baseamo-nos em Souza (1996), que, ao analisar acusticamente dados de alguns
inquéritos do NURC com o auxílio do CECIL (Computerized Extraction of Components of
Intonation in Language), detectou várias ocorrências de relativas não-restritivas sem pausa.
4.3.1 Análise acústica do corpus semi-espontâneo
O programa Faixa Livre tem como apresentador Paulo Passarinho, como produtora e
jornalista responsável Celeste Cintra, como assistente de produção Sandra Priori e como operador
de áudio Francisco de Assis Ildefonso. Em 21 de julho de 2008, foram entrevistados, diretamente
no estúdio da rádio, os professores Lúcia Naegeli e Rubim Aquino. O tempo de gravação da
entrevista é de aproximadamente vinte minutos. Os dois minutos finais foram desprezados devido
à coexistência de um fundo musical, mas isso não trouxe prejuízo à análise empreendida porque
nesse trecho não havia nenhum dado pertinente à nossa pesquisa.
O apresentador/entrevistador dirige-se aos dois convidados presentes ora fazendo-lhes
perguntas propriamente ditas, ora solicitando sua opinião a respeito de determinados assuntos
dentro da temática pré-estabelecida. Só há interação entre entrevistador e entrevistado, mas não
entre os dois entrevistados, por isso consideramos duas entrevistas, apesar de realizadas no
mesmo contexto de situação.
Para a análise dos sessenta e seis dados que compõem o corpus semi-espontâneo,
aferimos os valores da freqüência fundamental e da duração (das pausas e de algumas sílabas)
nos pontos pertinentes da cadeia da fala com auxílio do programa computacional Praat. No
entanto, preferimos não incluir no corpo do texto todas essas medições devido ao elevado
número de dados. Essas informações acústicas serão fornecidas na seção 5.2.6, onde
apresentaremos a análise prosódica dos dados mais significativos que integram nosso corpus
oral.
5 ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES RELATIVAS
5.1 A RELATIVIZAÇÃO NO ÂMBITO DA CLÁUSULA
Halliday (1994) reserva o termo sentença (“sentence”) para a modalidade escrita e chama
de “clause” tanto a cláusula simples (que se aproxima da oração absoluta da tradição) quanto a
cláusula complexa (que se aproxima do período composto da tradição). Neste estudo usaremos o
termo “cláusula” para nos referirmos às construções relativas das duas modalidades, e “cláusula
complexa” para nos referirmos às construções constituídas por mais de uma cláusula.
Para a GSF, há duas dimensões para interpretarmos as relações entre as cláusulas: uma
consiste no sistema de interdependência, ou tático, que pode se estruturar por meio da PARATAXE
ou da
HIPOTAXE; a outra consiste no sistema lógico-semântico, que pode se estruturar por meio da
EXPANSÃO ou da PROJEÇÃO. A hipotaxe consiste na relação entre um elemento dependente e seu
dominante, do qual o primeiro depende. A parataxe é uma relação entre dois elementos
semelhantes, de igual status, um iniciando, e o outro continuando. Tanto o “iniciante” quanto o
“continuante” são livres, no sentido de que cada um pode sustentar-se como um todo
“funcionante”.
Halliday (1994) refere-se ao par de cláusulas que se combinam por meio do sistema tático
como nexo clausal (“clause nexus”). As cláusulas assim organizadas podem ser PRIMÁRIAS e
SECUNDÁRIAS. Aquelas são as iniciantes na parataxe e, as dominantes na hipotaxe. Já as
secundárias são as continuantes na parataxe e, as dependentes na hipotaxe. A fim de tornar essas
relações mais claras, reproduzimos o quadro encontrado em Halliday (1994:219) atentando para o
fato de que o autor usa algarismos arábicos para representar os constituintes paratáticos e, letras
do alfabeto grego, para os hipotáticos.
PRIMÁRIAS
SECUNDÁRIAS
PARATAXE
1 (iniciando)
2 (continuando)
HIPOTAXE
ά (dominante)
β (dependente)
Quadro 3: Cláusulas primárias e secundárias
Apesar de a hipotaxe ser, por excelência, a expressão da relação de interdependência, só a
dimensão do sistema tático não é suficiente para descrever a complexidade das relações no
processo de combinação de cláusulas. Assim, o referido autor aponta para a necessidade de
enriquecê-la com outra dimensão, ou seja, a do sistema lógico-semântico, que pode ser
resumidamente estruturado em dois tipos fundamentais de relações: a expansão e a projeção.
1) Na EXPANSÃO, a cláusula secundária pode expandir a primária por:
a) Elaboração - oferecendo maiores detalhes, especificando, comentando ou
exemplificando (significado: ‘isto é’);
b) Extensão - adicionando algum novo elemento, apresentando uma exceção ou
oferecendo uma alternativa (significado: ‘e, ou’);
c) Realce - qualificando com traços circunstanciais de tempo, lugar, causa ou condição
(significado: ‘então’).
2) Na PROJEÇÃO, a cláusula secundária é projetada por meio da cláusula primária, que a
instancia como:
a) Locução: apresentando-a como uma construção de fala (discurso direto);
b) Idéia: apresentando-a como uma construção de pensamento.
Já o encaixamento é o mecanismo por meio do qual uma cláusula ou uma frase
43
passa a
funcionar como um constituinte dentro da estrutura de um grupo, que pode ser também um
constituinte de uma cláusula. O encaixamento pressupõe o processo de dessentencialização não
sendo, portanto, uma relação entre cláusulas propriamente ditas, como na parataxe ou na
hipotaxe. Para o autor, na hipotaxe, embora a cláusula secundária dependa da primária, aquela
não é um constituinte desta.
Desse modo, as cláusulas complexas típicas seriam constituídas de seqüências paratáticas
e/ou hipotáticas, e a análise de sua construção tem como base o cruzamento das dimensões tática
e lógico-semântica. No entanto, a parataxe e a hipotaxe não se limitam ao nível da cláusula,
embora esse seja o nosso interesse específico.
43
Cabe ressaltar que o termo “frase”, para Halliday (1994), corresponde a uma expressão ou locução.
Assim, o referido autor trata a construção de cláusulas complexas a partir da combinação
dessas duas dimensões, o que resultará em várias classificações. Vamos nos ater somente àquelas
que dizem respeito ao nosso objeto de estudo.
A combinação da relação lógico-semântica de Elaboração com a Hipotaxe teria como
resultado a cláusula relativa não-restritiva. Assim, do ponto de vista lógico-semântico, a não-
restritiva tem a função de expandir a cláusula primária por Elaboração, ou seja, oferecendo
maiores detalhes ou fazendo um comentário a respeito do antecedente (exemplo 01). Do ponto de
vista sintático, ela não funcionaria como um constituinte da matriz.
Exemplo 01:
Neste fim de semana, minha sogra, que mora em Porto Alegre, veio ao Rio de Janeiro para visitar a filha.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002)
Já a cláusula relativa restritiva seria o resultado da combinação da Expansão com o
Encaixamento. Em outras palavras, na perspectiva lógico-semântica, a restritiva também expande
a cláusula primária e, na perspectiva sintática, ela é um constituinte da matriz, como no exemplo
02.
Exemplo 02:
É um índice baixíssimo, por maior que seja a justificada indignação dos eleitores que foram prejudicados
pelas filas e a demora.
(O GLOBO. Rápida e eficiente. 19 de novembro, 2003.)
Há ainda, segundo Halliday (1994), relativas restritivas cuja Expansão se dá por Realce já
que a relação entre a cláusula encaixada e o nome Cabeça é de tempo, lugar, modo, causa ou
condição. Por isso é fundamental a inclusão de quando e como no quadro dos pronomes relativos,
pois eles são específicos para estabelecer essas relações, embora elas também possam ser
estabelecidas por outros conectivos relativos. Em português, o Realce pode ocorrer também com
as não-restritivas, como demonstram os exemplos 03 e 04. Neste último, observamos o emprego
do relativo onde com valor de espaço nocional visto que o antecedente (análise de grupo) não
codifica um espaço físico como no exemplo 03.
Exemplo 03:
Encaixava com a minha família até o ponto que encaixava melhor com as babás. Comparecia às suas
festas nos seus quartos (naquele tempo as dependências de empregados das casas equivaliam a um amplo
quarto-e-sala moderno),
onde iam as outras empregadas da casa e também as da vizinhança e seus noivos
eternos.
(DAHL, Maria Lúcia. O quebra-cabeças. Jornal do Brasil, 01 de novembro, 2002.).
Exemplo 04:
Com a perda dos meus pais e dos privilégios, fiquei reduzida a alguns pedaços meus e, com a nostalgia
dos outros, fui fazer análise de grupo,
onde parecia finalmente pertencer a alguma coisa.
(DAHL, Maria Lúcia. O quebra-cabeças. Jornal do Brasil, 01 de novembro, 2002.).
No entanto, como já dissemos anteriormente, há dados polêmicos, que não se enquadram
nem na categoria das restritivas, nem na das não-restritivas, como os exemplos 05 e 06.
Exemplo 05:
Em tempos mais recentes, porém, a globalização passou a exigir novas e diversificadas formas de atuação
para atenuar os eventuais efeitos perversos que esse movimento possa causar aos pequenos negócios. Ao
fenômeno da globalização pode-se contrapor o desenvolvimento local, como uma modalidade que
permite a articulação e a agregação produtiva de fatores econômicos, sociais, ambientais e culturais. Esse
modelo passa a enfocar a qualidade de vida das populações, das condições de sobrevivência das gerações
futuras e do próprio planeta em
que vivemos.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil, 2 de junho, 2003.)
Exemplo 06:
Todos sabem (ou deveriam saber) que ônibus não é tambor, que não é possível entrarem 100 pessoas num
transporte
em que só cabem 50, que fila é para ser respeitada, que as ruas são para carros e as calçadas
(são) para pedestres, que lixo não deve ser jogado na rua, que árvores, placas, bancos e sinais não têm
culpa se irresponsáveis montaram um show para uma quantidade de pessoas que nunca seria viável
naquela enseada de Botafogo. Segurança na rua, nem pensar; guardas organizando trânsito e transeuntes,
muito menos.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim [de semana]. O Globo. 25 de outubro, 2002.)
Como os exemplos 05 e 06 seriam analisados segundo a proposta de Halliday (1994):
cláusulas hipotáticas ou cláusulas encaixadas?
Tudo indica que o ponto crucial da discussão ultrapassa o âmbito da cláusula. Um aspecto
que dificulta, muitas vezes, a distinção entre as relativas é o fato de que os dois tipos funcionam
como Expansão do antecedente. A relativa restritiva delimita um ou mais elementos dentro de
uma determinada classe, de um determinado universo, papel semântico que não é desempenhado
pelas não-restritivas. No entanto, os exemplos 05 e 06 não parecem enquadrar-se exatamente
nessas categorias.
No exemplo 05, a relativa não restringe o planeta dentro da classe de planetas; em 06, a
relativa não delimita o tipo de transporte dentro da classe de meios de transporte, pois os dois
antecedentes já estão definidos e delimitados no co-texto.
No caso dos exemplos 05 e 06, seria pouco provável a inserção de um elemento
intermediário entre o antecedente e a relativa, bem como de um sinal de pontuação (vírgula,
travessão ou parênteses), usado normalmente com as não-restritivas prototípicas. Se submetermos
essas cláusulas ao teste da interrogação, verificaremos que matriz e relativa formam um todo,
uma unidade de informação:
Exemplo 05’:
Esse modelo passa a enfocar a qualidade de vida das populações, das condições de sobrevivência das
gerações futuras e do próprio planeta
em que vivemos?
Exemplo 06’:
É possível entrarem 100 pessoas num transporte em que só cabem 50?
Tal comportamento favorece a hipótese de que essas relativas apresentam um vínculo
estreito com suas respectivas matrizes e seriam, portanto, encaixadas. Por outro lado, como já
demonstramos, elas não restringem propriamente o significado dos seus antecedentes.
Acreditamos que a explicação para esse impasse esteja na diferença estabelecida por Lehmann
(2003:461) quando ele afirma que “a função de RCs restritivas varia entre os pólos de
identificação de entidade e formação de conceito.” Em outras palavras, nem todas as cláusulas
relativas consideradas restritivas contribuem para a identificação do referente codificado pelo SN
antecedente, podendo contribuir para a construção de um conceito, que seria o caso dos exemplos
05 e 06. Por isso os consideramos restritivas não-prototípicas. Confrontemos, agora, esses dois
dados com os exemplos 07 e 08:
Exemplo 07:
Utilizando-se o TRE-DF de argumentos capciosos para empastelar o jornal, como "o que está proibido é
divulgar, não publicar", voltamos, o que é pior, aos tempos dos sofismas torturantes, valhacouto do
exercício da censura em seus áureos tempos. Acode-me de imediato a lembrança das lutas de gato e rato
nos anos 80 para tentar liberar letras de músicas interditadas, filmes cortados, peças teatrais proibidas,
além do mais sistemático
que eram os cortes nas novelas e em toda dramaturgia televisiva das grandes re-
des de televisão.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
Exemplo 08:
Tive que me reportar às fontes do começo da nação portuguesa e do cordel do Nordeste do Brasil para
salvar a peça do Julião dos arreganhos proibitórios. Isso para não citar outro rumoroso caso,
que foi a
simples interdição da sinopse da novela "Roque Santeiro", de Dias Gomes. Ou seja, proibia-se uma idéia
de ser desenvolvida, mal interessando ao arbítrio as sutilezas de tratamento que todas as histórias
comportam.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
Nos exemplos 07 e 08, as cláusulas relativas expandem os SN’s antecedentes, ou seja,
oferecem informações a mais sobre eles. Observemos que o sinal de pontuação não nos ajuda a
distinguir esses dois casos, que desempenham o mesmo papel, mas no primeiro o autor não
empregou a vírgula na fronteira entre relativa e matriz, e no segundo ele a empregou. Mais uma
vez os usos mostram que há dificuldade em se classificar essas cláusulas em termos binários,
pois, apesar de não restringirem seus antecedentes dentro de uma classe, o conteúdo que elas
expressam auxilia na sua identificação. Ressaltemos que nos exemplos 07 e 08, os antecedentes
são apresentados com uma significação genérica. O exemplo 07, contudo, apresenta um aspecto
que o diferencia do 08: trata-se do grau superlativo do adjetivo. Esse uso já pressupõe uma
comparação, que, por sua vez, delimita o referente, mas não ao ponto de dispensar especificação,
pelo menos no exemplo examinado. Por isso consideramos esses dois dados como não-restritivas
não-prototípicas. Essas reflexões apontam para a necessidade de investigação da definitude do
SN antecedente, que será desenvolvida na seção 5.2.1.
Outro aspecto polêmico dentro do tema da relativização é a similaridade das relativas com
as cláusulas completivas. À semelhança das chamadas “relativas sem antecedente” ou “livres”,
termo usado por Mateus et alii (1989, 2003) para designar as relativas introduzidas por onde,
quem e quanto sem co-referente explícito, há outro caso de construção relativa que compartilha
algumas propriedades com as completivas. São aquelas que oferecem duas possibilidades de
interpretação e de análise e são introduzidas pela seqüência o que (exemplos 09 e 10).
Exemplo 09:
LUIZÃO: Quem fala isso não sabe o que está acontecendo e, pelo visto, não me conhece. Sempre fui um
jogador lutador, que dá tudo em campo. O Flamengo tem um dos melhores departamentos médicos do
Brasil, tem o médico da seleção brasileira. Será que eu ia conseguir ficar enganando essa gente tanto
tempo?
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Exemplo 10:
Ainda hoje a Jovem Guarda é vista com preconceito, sim. Mas não tanto politicamente. Isso acontece
principalmente pela simplicidade das músicas e das letras, pela ingenuidade de todo mundo. Algumas
pessoas acham brega e a crítica ainda é preconceituosa. É direito das pessoas acharem
o que quiserem.
Mas claro que magoa um pouco.
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Se entendidas como relativas, seriam um dos casos de restritivas prototípicas, ou seja, que
delimitam o significado do antecedente, sendo este codificado pelo pronome demonstrativo o e,
por isso, de significação bastante imprecisa. Nessa análise, o morfema o, manteria sua autonomia
e seria modificado pela cláusula relativa introduzida pelo pronome relativo que (“Quem fala isso
não sabe o/aquilo que está acontecendo ...”; “É direito das pessoas acharem o/aquilo que
quiserem”).
Por outro lado, se entendidas como completivas, a seqüência o que funcionaria como um
único morfema estabelecendo a conexão entre o verbo da matriz e a completiva (“Quem fala isso
não sabe o que está acontecendo...”; “É direito das pessoas acharem o que quiserem”).
Se, por um lado, encontramos no português brasileiro contemporâneo construções
híbridas (com traços de relativas e de completivas), por outro, ainda nos deparamos com casos
em que o pronome antecedente deixa explícita sua autonomia, comprovada pela possibilidade de
flexão de gênero e/ou de número (exemplo 11) e pela possibilidade de alternância com o
pronome aquele (exemplo 12).
Exemplo 11:
O número de reclamações pode impressionar, mas é preciso levar em conta que os que votaram com
rapidez e sem problemas não se manifestaram; e que filas e confusão não são necessariamente resultado
do uso de um sistema eletrônico, mas sim de outros problemas, entre eles a falta de esclarecimento dos
eleitores.
(O GLOBO. Rápida e eficiente. 19 de outubro, 2003.)
Exemplo 12:
Quem é o prefeito empreendedor? Aquele que respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal e entende ser
necessário deixar a sociedade desenvolver os seus próprios negócios. O
que cria o ambiente adequado
para os pequenos negócios florescerem e (
que) fortalece as micro e pequenas empresas já existentes.
Aquele
que desburocratiza e facilita a abertura de empresas, reduzindo especialmente impostos que
dificultam a produção. O
que estimula o empreendedorismo nas escolas públicas e privadas, no corpo
docente e discente. E ainda aquele
que institucionaliza o microcrédito, com taxas de juros abaixo da
média do mercado, e proporciona fácil acesso ao novo empreendedor.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil. 02 de junho, 2003.)
Outro aspecto polêmico das construções relativas diz respeito à sua capacidade de referir-
se não só a um sintagma, mas a uma cláusula como um todo ou a uma porção mais ampla que um
SN. Vários autores, embora com denominações diferentes, aludem a esse tipo de construção.
Mateus et alii (2003) chamam-no “apositiva de F”; Neves (2000) chama-o “aposto de oração”;
Decat (1999, 2001) chama-o “relativa sem cabeça”; Vilela e Koch (2001) chamam-no “relativa
continuativa”. Halliday (1994) não lhe dá nenhum rótulo especial, nem o considera um subtipo,
mas o inclui em um dos três grupos de relativas não-restritivas. Vejamos alguns exemplos do
nosso corpus.
Exemplo 13:
Os miasmas vêm procedendo do Poder Judiciário, o que torna mais grave, e muito mais
aflitivo, todo o desenho que desencadeia o processo.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
Exemplo 14:
O fato é que o mal foi feito, e abriu as chagas de tempos que ainda estão na memória recente do
país. E não é uma chagazinha qualquer, porque a tesoura censória foi assestada contra um dos
principais veículos de comunicação do país, primeiro jornal fundado na capital federal, o
que torna o ato ainda mais simbólico.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
Os exemplos 13 e 14 demonstram que a seqüência o + que pode constituir uma unidade,
um único morfema em função anafórica, retomando uma cláusula ou uma porção maior do texto.
Mateus et alii (2003:675) refletem sobre esse fenômeno:
[...] a questão que se coloca é a natureza de o que: ou um só morfema ou
um antecedente seguido de que? Tradicionalmente, o é considerado um
pronome demonstrativo, equivalente a aquilo. No entanto, não há
exemplos gramaticais de apositivas de frase em que seja possível cindir o
de que [...]. Esta impossibilidade permite pensar que estamos perante um
só morfema o que, de natureza nominal, ou uma seqüência formada por o
e que, mas em que houve necessariamente reanálise.
Convém discutir se essas construções são, de fato, estratégias de relativização, uma vez
que não há a conexão que caracteriza as relativas, ou seja, a ligação entre um SN e uma cláusula,
ou se estaríamos diante de um caso específico de coesão referencial cujo vocábulo a desempenhar
essa função seria um “dêitico textual” (o + que), à semelhança de isto, isso, aquilo, o, como
observam Vilela & Koch (2001:482):
As formas do grupo 2 [isto, isso, aquilo, o], por sua vez, remetem,
geralmente, a fragmentos oracionais, orações, enunciados ou a todo o
contexto anterior. Por esta razão, têm sido considerados por vários
autores como dêiticos textuais (cf. Marcuschi, 1998; Koch, 1997;
Cavalcante, 2000).
Apesar da reflexão levantada, Vilela & Koch (2001:398), à semelhança de Mateus et alii
(2003), ainda consideram casos como os exemplos 13 e 14 relativas, mas de um tipo especial:
A designação frase relativa continuativa inclui tipos de frase que não
são frases elementos frásicos ou parte de elementos frásicos. O critério
para estas frases é o de terem capacidade para serem transformadas numa
frase autônoma, o de não se referirem a uma palavra, mas a uma frase
total. Uma frase relativa continuativa é normalmente uma frase relativa
em que a palavra introdutora se reporta ao conteúdo total da frase
subordinada (sic)
44
e em que a transformação é compreendida como uma
combinação quase-coordenativa:
45
A nossa atleta ganhou, o que nos alegrou muito.
(= A nossa atleta ganhou e isso nos alegrou muito)
À luz do conceito de Chafe (1985, apud Decat, 1999, 2001) de “unidade informacional”,
Decat (1999, 2001) defende a tese de que tais construções estariam se desgarrando, ou seja, além
de não serem construções encaixadas, elas estariam deixando de ser hipotáticas para tornarem-se
44
Partindo-se da definição fornecida por Vilela & Koch (2001:391) de que “embora a frase subordinada permaneça
inalterada, o seu valor de elemento frásico pode ser totalmente diferente: esse valor é determinado em função da
dependência da frase portadora (subordinante) da valência e da função sintática que a frase subordinada assume no
conjunto frásico”, acreditamos haver um equívoco, sendo o termo correto “subordinante”.
45
Grifo nosso.
enunciados independentes. A referida autora aproxima tais construções às chamadas orações
coordenadas, o que as caracterizaria como paratáticas:
(...) a noção de “unidade de informação” está correlacionada com a
ocorrência isolada de cláusulas subordinadas. Caracterizando-se como
opções de organização do discurso, servindo a objetivos comunicativo-
interacionais, tais cláusulas “desgarram-se” porque constituem unidades
de informação à parte, o que as reveste de um menor grau de
dependência, tanto formal quanto semântica, chegando mesmo a se
identificarem como cláusulas tidas como independentes, à maneira de
alguns tipos de coordenadas.
(Decat, 1999:17)
Embora tenham percorrido caminhos diferentes, Vilela & Koch (2001) e Decat (1999)
acabam por compartilhar o mesmo ponto de vista sobre as referidas construções.
A seqüência o que estaria ampliando sua função anafórica: de retomada de um SN (dentro
ou não de uma matriz) para a retomada de uma cláusula inteira ou até de porções maiores de
texto. Paralelamente a esse processo, estaria ocorrendo um outro: a seqüência o que (também
como morfema único) encabeçando cláusulas completivas (ou relativas com traços de
completivas) e, portanto, perdendo seu caráter referencial e tornando-se mais gramatical, ou seja,
estaria se gramaticalizando, no sentido amplo do termo – uma forma lingüística gramatical
tornando-se mais gramatical.
Silva (2005) e Lopes e Silva (s/d) defendem a hipótese de decategorização do que nas
construções relativas, ou seja, esse conectivo estaria perdendo traços de pronome e adquirindo
características de conjunção. Sem usar o termo “gramaticalização”, Tarallo (1983) também
demonstra esse comportamento do que, principalmente nas relativas não-restritivas, que, segundo
o autor, são as que mais favorecem a presença da cópia, ou do pronome lembrete. Oliveira (2000)
e Souza (2005, 2006b) apontam para a gramaticalização do onde, cujo emprego, por um lado,
vem sendo gradativamente ampliado do valor espacial para o valor nocional (cf. exemplo 04) e
até temporal; e por outro, vem seguindo a mesma direção da seqüência o que, isto é, de retomada
de uma cláusula inteira, sem estabelecer a conexão entre um SN e uma cláusula matriz, e sim
entre cláusulas.
O percurso da gramática para a gramática é previsível dentro do quadro teórico adotado,
como atesta o excerto a seguir:
O desenvolvimento de novas estruturas gramaticais é motivado quer por
necessidades comunicativas não satisfeitas, quer pela ausência de
designações lingüísticas para determinados conteúdos cognitivos. Dessa
forma, a gramaticalização é interpretada como um processo diacrônico e
um contínuo sincrônico que atingem tanto as formas que vão do léxico
para a gramática como as formas que mudam no interior da gramática.
(Cunha, Oliveira e Martelotta, 2003:53)
Além disso, sabe-se que a ambigüidade é um dos pré-requisitos para a gramaticalização.
Segundo Heine (2003), a gramaticalização de uma expressão lingüística envolve quatro
mecanismos inter-relacionados:
I. dessemantização – perda de conteúdo semântico;
II. extensão (ou generalização de contextos) – usos em novos contextos;
III. decategorização – perda de propriedades características das formas fonte,
incluindo perda de status de forma independente (cliticização, afixação);
IV. erosão (ou redução fonética) – perda de substância fonética.
A atuação inter-relacionada desses quatro mecanismos tem como conseqüência uma
evolução que o referido autor descreve com um modelo em três estágios:
I. uma expressão lingüística A é recrutada para cumprir gramaticalização;
II. essa expressão adquire um segundo padrão de uso, B, que apresenta ambigüidade em
relação a A;
III. finalmente A se perde, restando somente B.
Na análise empreendida, a construção examinada não teria atingido o terceiro estágio –
desaparecimento da expressão lingüística A (pronome demonstrativo o + relativo que), como
demonstram os exemplos 11 e 12. No entanto, sabe-se que nem todas as formas concluem o
percurso da gramaticalização; além disso, A e B podem coexistir por tempo indeterminado na
língua. No que diz respeito à gramaticalização de onde (cf. Oliveira, 2000) e que, já foi
constatado que não se trata de um processo recente no português, remontando, até mesmo, ao
latim (cf. Tarallo, 1983). Quanto ao uso da seqüência o que como unidade morfêmica com
função anafórica, não temos, até o presente momento, conhecimento de algum estudo que tenha
demonstrado seu percurso na história da língua.
Com base na definição adotada de cláusula relativa, não consideramos a chamada
“apositiva de F” (Mateus et alii, 1989, 2003), ou “aposto de oração” (Neves, 2000), ou “relativa
sem cabeça” (Decat, 1999, 2001), ou “relativa continuativa” (Vilela e Koch, 2001) uma
construção relativa (cf. exemplos 13 e 14). Ao nosso ver, o que caracteriza a cláusula relativa
finita é a conexão entre um SN (inserido ou não em uma cláusula matriz), retomado por um
pronome relativo (com ou sem cópia) introduzindo uma cláusula relativa que estabelece com o
antecedente uma relação de predicação. As principais propriedades que caracterizam as relativas
não se aplicam às chamadas “apositivas de F”. Sendo seu “antecedente” uma cláusula não
subordinada ou uma porção maior de texto, como lhe atribuir um papel de participante no sistema
de transitividade? Como lhe atribuir uma função sintática no sistema de modo? Como
caracterizá-la quanto aos traços morfológicos e semânticos de flexão, contável, animado, humano
e comum? Pensamos haver razões suficientes para não tratar tais construções como relativas na
perspectiva teórica da GSF, e sim como paratáticas.
Classificar as cláusulas relativas em restritivas e não-restritivas não é tarefa fácil, é um
assunto que ainda suscita muita discussão. Por isso, levantamos a hipótese de que haveria, além
das restritivas prototípicas e não-restritivas prototípicas, outras categorias intermediárias situadas
entre esses dois pólos. Halliday (1994:243), ao tratar das expansões encaixadas, afirma que
Como sempre, o fato de que duas categorias são claramente distintas em
princípio não significa que todo exemplo pode ser definitivamente
designado para uma ou outra por meio de um critério fixado e facilmente
identificável. A grande maioria dos exemplos é clara, mas há casos
anômalos e fronteiriços que são propensos a causar dificuldade.
46
5.1.1 Cláusula e Modo
Na ótica da cláusula como troca, foi considerada a estrutura de Modo + Resíduo, sendo o
primeiro constituído por Sujeito e Operador Verbal, e o segundo por Predicador, Complementos e
Adjuntos. De acordo com Neves (2004:71):
O modo, que é obrigatório nas frases independentes, representa a
organização dos participantes na situação de fala. Por ele, o falante
escolhe entre declarar, perguntar, ordenar, pedir, oferecer, confirmar,
pedir confirmação, persuadir, etc., isto é, por ele o falante define seu papel
em relação ao interlocutor e à interlocução (...). Por outro lado, o falante
se insere na situação de fala compondo orações para as quais escolhe um
sujeito que pode ser ele próprio (primeira pessoa), o ouvinte (segunda
pessoa) ou nenhum dos interlocutores (não-pessoa, ‘terceira pessoa’).
46
As always, the fact that the two categories are clearly distinct in principle does not mean that every instance can be
definitively assigned to one or other on some fixed and easily identificable criterion. The vast majority of instances
are clear; but there are anomalous and borderline cases which are bound to cause difficulty.
As funções sintáticas desempenhadas pelo antecedente e pelo relativo foram controladas
dentro dessa concepção, bem como os tempos, modos e vozes verbais, além, é claro, das pessoas
do discurso. Apesar de não termos tido condições de avaliar com profundidade o papel que tais
variáveis podem desempenhar na caracterização das relativas, o controle realizado deixa o
caminho aberto para futuras investigações. Uma das vertentes possíveis seria investigar o papel
dos tempos e modos verbais no processo de dessentencialização.
Quanto à modalidade, no sentido de pergunta, ordem, declaração etc., a maior parte dos
dados constitui uma declaração, mas há alguns casos de pergunta, especialmente no gênero
entrevista, cuja organização discursiva propicia esse tipo de ocorrência, como mostram os
exemplos 15, 16 e 17.
Exemplo 15:
Os problemas que você teve no Botafogo já estão todos superados?
(O GLOBO. Entrevista com Luizão.10 de setembro, 2006.)
Exemplo 16:
Como viu o processo
que Roberto Carlos moveu contra o autor da biografia dele?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Exemplo 17:
AP: mas não é essa a posição por exemplo não dá pra afirmar que Fidel Castro Hugo Chávez ou Rafael
Correa ou mesmo um dos representantes do Partido Comunista da Venezuela e da Colômbia...
que
aqui estiveram na quinta-feira... conversando conosco a respeito dessa... palestra lá na ABI eh sejam...
simplesmente... eh: portadores de uma ideo/ideologia conciliatória e que na verdade: acabam eh tendo
uma uma posição ingênua em relação ao processo político me parece que a grande preocupação é:... aquilo
ali ago/a situação da Colômbia hoje é um uma ponta de lança dos interesses dos Estados Unidos pra:...
conflagrar militarmente o nosso continente não seria essa a grande preocupação ((ruído ou tosse)) pelo
menos desses setores de esquerda
que se manifestam me parece têm um ânimo diferente dessas
manifestações eh::
que você chamou de classe média na França ou na/mesmo na Colômbia
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre, 21 de julho, 2008.)
5.1.2 Cláusula e transitividade
O sistema de transitividade estrutura os significados em termos dos vários tipos de
processos por meio dos quais concebemos o que ocorre no mundo e em termos dos papéis
assumidos pelos constituintes envolvidos nesses processos. Como já foi dito, na ótica da GSF, a
transitividade não é um fenômeno restrito ao verbo, mas extensivo a toda a cláusula. Sob essa
perspectiva, não seria coerente propormos uma análise sistêmico-funcional sem refletir sobre a
transitividade nas cláusulas relativas.
Os papéis desempenhados pelos constituintes no sistema de transitividade são: os
Processos, os Participantes e as Circunstâncias.
Em outras palavras, a transitividade é compreendida pela LSF como a
gramática da oração, como uma unidade estrutural que serve para
expressar uma gama particular de significados ideacionais ou cognitivos.
É a base da organização semântica da experiência e denota não somente a
familiar oposição entre verbos transitivos e intransitivos, mas um conjunto
de tipos oracionais com diferentes transitividades (cf. BEAUGRANDE,
1991).
(Cunha e Souza, 2007:53)
É importante ressaltar como a GSF destaca a organização morfo-sintática da organização
semântica da cláusula. Essa perspectiva de análise é bastante proveitosa se pensarmos que nem
sempre há paralelismo entre categorias como sujeito, verbo e objeto direto, de um lado, e ator,
processo e meta, de outro, por exemplo. Ou ainda, que as circunstâncias nas quais um processo se
desenvolve nem sempre são codificadas sintaticamente por um adjunto adverbial, embora isso
seja o esperado. Essa não correspondência entre função sintática, no âmbito do sistema de modo,
e papel semântico, no âmbito do sistema de transitividade, é facilmente percebida no exemplo 18,
no qual o SN o Roberto, embora Sujeito, é Beneficiário do processo codificado pelo verbo
ganhar, e o SPrep da gravadora, apesar de desempenhar a função sintática de Complemento
Verbal, é o Ator na perspectiva da transitividade da cláusula.
Exemplo 18:
Não, bicho. Em primeiro lugar porque não me comparo ao Roberto. Ele é o maior cantor que já
vi. Tem carisma pra caramba. Não é o meu caso. Sou um compositor que canta. Não conto com a
divulgação que o Roberto GANHA da gravadora – justamente por esse carisma. O tino
comercial dele é diferente do meu. Quero estar na praia, com meus netos em casa... Não quero
compromisso com isso ou aquilo. Então, não disputo com o Roberto em nada.
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Os tipos de processo do sistema de transitividade são seis e podem ser subclassificados
em principais (materiais, mentais e relacionais) e secundários (verbais, existenciais e
comportamentais). Com base em Halliday (1994, 2004) e Cunha e Souza (2007), apresentamos a
seguir as definições de cada um acompanhadas de exemplos do nosso corpus.
Tipos de processos principais:
1) MATERIAIS são os processos que envolvem ações, ou seja, uma entidade realiza
algo, que pode ser para outra entidade. Não são necessariamente concretos, no sentido físico do
termo, mas podem representar feitos abstratos ou acontecimentos.
Exemplo 19:
O laboratório britânico anunciou na semana passada a intenção de COMPRAR uma empresa de
biotecnologia
que INVESTIGA a capacidade de um composto do vinho tinto em retardar o
envelhecimento e aumentar a longevidade.
(O GLOBO. Pílula de vinho para aumentar a longevidade. 27de abril, 2008.)
No exemplo 19, tanto o processo da cláusula matriz quanto o da subordinada é do tipo
material, ou seja, comprar e investigar codificam ações.
2) MENTAIS são os processos dos campos semânticos do sentimento, do pensamento
e da visão. Geralmente são codificados por verbos relacionados à emoção, à cognição e à
percepção, respectivamente.
Exemplo 20:
L: bom dia então primeiro antes de de dizer porque que eu sou candidata o seu programa é o
ideal... pra gente fazer uma denúncia... que é a o desequilíbrio que está havendo nesse processo
eleitoral porque a chapa um da situação... enviou a todos os os sindicalizados portanto... os vinte
mil pessoas receberam em casa o jornal da chapa um... e o jornal da chapa dois... nós temos que
em quinze dias agora visitar duas mil escolas para que sejamos conhecidos sendo que há... trinta
por cento dos de aposentados
que só VÃO SABER que nós existimos se forem se receberem
em casa o jornal...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Exemplo 21:
LUIZÃO: Gosto do Rio. O único problema aqui é receber. Tenho US$ 600 mil para receber do
Vasco,
que já DEI como perdidos. O Botafogo também me deve, mas já acertamos a forma de
pagamento. Mas, quando encerrar a carreira, vou morar em São Paulo.
(O GLOBO. Entrevista com Luizão.
Exemplo 22:
Foi em 1968 que saí definitivamente do Club, quando me APAIXONEI por um líder estudantil.
(DAHL, Maria Lúcia. O quebra-cabeças. Jornal do Brasil, 01 de novembro, 2002.)
No exemplo 20, o processo verbal da relativa, codificado pelo verbo saber, é do tipo
mental, relacionado ao campo da cognição; já no exemplo 22, o processo se encontra no campo
da emoção. No exemplo 21, podemos considerar que o processo da cláusula relativa se encontra
no campo semântico da percepção tendo em vista o emprego figurado do verbo dar numa
expressão idiomática equivalente a considerar, conceber.
3) RELACIONAIS são os processos por meio dos quais se estabelecem relações entre
duas entidades, entre as quais uma pode servir para identificar ou classificar a outra, mas são
concebidas como entidades diferentes. Existem os processos relacionais atributivos e os
identificadores. Estes se caracterizam por serem reversíveis (exemplo 24), ou seja, se invertermos
a ordem dos participantes, não alteramos o valor de verdade da cláusula. Já aqueles não são
reversíveis (exemplo 23).
Exemplo 23:
A Sirtris espera em breve começar as experiências com um composto sintético que É muito mais potente
do que o próprio resveratrol.
(O GLOBO. Pílula de vinho para aumentar a longevidade. 27 de abril, 2008.)
Exemplo 24:
Outras pesquisas de Sinclair, que É co-fundador da Sirtris, mostraram que o resveratrol poderia
evitar os efeitos nocivos de uma dieta rica em gordura em camundongos, além de aumentar a
expectativa de vida dos animais.
(O GLOBO. Pílula de vinho para aumentar a longevidade. 27 de abril, 2008.)
No processo verbal do subtipo relacional atributivo, se estabelece uma relação de
classe/membro, por isso não há reversibilidade, como o da cláusula relativa do exemplo 23. Já no
processo verbal do subtipo relacional identificador, se estabelece uma relação de identidade,
como o próprio nome sugere, havendo, portanto, reversibilidade, como no exemplo 24.
Os processos secundários são categorias intermediárias em relação aos processos
principais que lhes são próximos. São eles:
4) VERBAIS são os processos do dizer, sendo os verbos que os codificam conhecidos
tradicionalmente como dicendi. Situam-se entre os relacionais e os mentais, mas apresentam
padrões específicos porque participam da codificação da Projeção em termos da organização
lógico-semântica da cláusula.
Exemplo 25:
LUIZÃO:
Quem FALA isso não sabe o que está acontecendo e, pelo visto, não me conhece.
Sempre fui um jogador lutador, que dá tudo em campo. O Flamengo tem um dos melhores
departamentos médicos do Brasil, tem o médico da seleção brasileira. Será que eu ia conseguir
ficar enganando essa gente tanto tempo?
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Exemplo 26:
Isso para não CITAR outro rumoroso caso,
que foi a simples interdição da sinopse da novela
"Roque Santeiro", de Dias Gomes.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. 28 de outubro, 2002.)
5) EXISTENCIAIS expressam algo que existe ou acontece e situam-se entre os
relacionais e os materiais. Em português são geralmente codificados por verbos como haver,
existir, ter, como no exemplo 27.
Exemplo 27:
Não HAVIA ontem informações sobre as condições e o tratamento dos funcionários da Funai e
do Incra,
cujos nomes não foram revelados.
(O GLOBO. Cinco reféns em aldeia no Maranhão.03 de junho, 2008.)
6) COMPORTAMENTAIS representam os comportamentos humanos, incluindo
atividades psicológicas e fisiológicas. Apresentam semelhanças com os materiais e os verbais,
situando-se entre os dois.
Exemplo 28:
Você ganhou um prêmio como ator pelo filme ‘Os machões’, em que INTERPRETAVA um sujeito que
fingia ser gay. Gostou de ser ator?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Reproduzimos a seguir um quadro adaptado de Halliday (1994:143) apresentando os tipos
de processos com seus respectivos significados e participantes diretos.
TIPOS DE PROCESSO SIGNIFICADOS PARTICIPANTES
Material
Ação
Evento
‘Fazer’
‘Fazer’
‘Acontecer’
Ator, Meta
Comportamental ‘Comportar-se’ Comportante
Mental
Percepção
Emoção
Cognição
‘Sentir’
‘Ver’
‘Sentir’
‘Pensar’
Experienciador, Fenômeno
Verbal ‘Dizer’ Dizente, Alvo
Relacional
Atribuição
Identificação
‘Ser’
‘Atribuir’
‘Identificar’
Portador, Atributo
Identificado, Identificador;
Característica, Valor
Existencial ‘Existir’ Existente
Quadro 4: Tipos de processos verbais, significados e participantes
Além dos processos e dos participantes, o terceiro elemento que integra o sistema de
transitividade são as circunstâncias. Estas expressam as condições em que os processos ocorrem e
podem ser empregadas, teoricamente, com todos os tipos de processos, embora algumas sejam
mais empregadas com certos tipos do que com outros. Elas também podem constituir os
sintagmas antecedentes dos conectivos (ou pronomes) relativos nas construções em estudo, daí
ser relevante a observação do seu comportamento no discurso.
5.1.3 Cláusula e prosódia
No âmbito dos estudos prosódicos, tem-se atribuído à entoação várias funções, que,
segundo Prieto (2003), poderiam se resumir basicamente a três: a expressiva, a focalizadora e a
demarcativa. Muito se tem falado do papel da pausa na interpretação das cláusulas relativas.
Mesmo em obras de cunho prescritivo, são feitas alusões à importância desse aspecto na distinção
entre as relativas restritivas e não-restritivas.
Segundo a tradição, as orações subordinadas adjetivas explicativas são caracterizadas pelo
uso da(s) vírgula(s) na escrita e, paralelamente, da(s) pausa(s) na fala. Já as restritivas são
identificadas pela ausência dessas marcas na escrita e na fala respectivamente.
Bechara (1975) diz haver para as explicativas uma entoação “suspensiva” ou “pausal”:
Consiste a entoação suspensiva ou pausal em elevar a voz
antes da pausa final dentro da oração. Difere das
entoações finais pelo fato de mostrar que o enunciado não
termina no lugar em que, em outras circunstâncias, a
estrutura oracional poderia marcar o fim de uma oração.
(Bechara, 1975:195)
Le Goffic (1979), apesar de refutar a classificação binária das relativas (restritivas X não-
restritivas) e, portanto, a tentativa de se estabelecerem dois padrões prosódicos opostos, admite
que a entoação possa contribuir para o processo de desambigüização:
A entoação pode então funcionar, ao menos em certos
casos, como uma espécie de memória (para o emissor) ou
vestígio (para o receptor) da cadeia de identificações
subjacente, mas esse funcionamento não tem nada de
sistemático.
47
(Le Goffic, 1979:144)
Llorach (1984) também menciona fatores prosódicos para a distinção das relativas, que
ele denomina “explicativas” e “especificativas” (restritivas):
... os segmentos explicativos ou incidentais delimitam-se
entre pausas mais ou menos consideráveis e se modulam
com entoação independente, enquanto os especificativos
47
L’intonation peut donc fonctionner, au moins dans certais cas, comme une sorte de mémoire (chez l’émetteur) ou
de trace (pour le récepteur) de la chaîne d’identifications sous jacente, mais ce fonctionnement n’a rien de
systématique.
formam um todo melódico com o núcleo nominal
precedente.
48
(Llorach, 1984:263)
Embora vários autores se referiram à interferência da prosódia na interpretação das
relativas, poucos são os estudos que se dedicam à análise de tais fatores de forma sistemática e
não impressionista; em outras palavras, são raros os estudos instrumentais sobre o assunto, pelo
menos no Brasil.
Freitas (1995), ao trabalhar com a interface prosódia / sintaxe, entre outros tipos de
cláusulas, analisou o papel do nível supra-segmental nas relativas restritivas e não-restritivas e
concluiu que os informantes tiveram mais dificuldade para produzir distintivamente essas
sentenças do que as coordenadas causais e explicativas. Esse pode ser um indicador de que
somente traços prosódicos não sejam suficientes para estabelecer tal distinção. É importante
ressaltar que o estudo de Freitas (1995) levou em consideração o ponto de vista da produção
trabalhando com corpus não espontâneo analisado acusticamente com o auxílio do programa
computacional CECIL (Computerized Extraction of Components of Intonation in Language).
Lehmann (1988:192), ao estabelecer critérios para descrever os mecanismos de
combinação de cláusulas, ressalta o papel que a entoação assume nesse processo afirmando que
uma cláusula pode ser rebaixada pelo tom e integrar-se a uma outra, o que caracterizaria a
ausência de segmentação entre elas.
Muitos estudiosos, mesmo de tendências teóricas divergentes, consideram que o vínculo
sintático nos dois tipos de relativas apresenta diferentes graus: as restritivas seriam mais
encaixadas, ao passo que as não-restritivas teriam um vínculo de subordinação mais “frouxo” (cf.
48
… los segmentos explicativos o incidentales se enmarcan entre pausas más o menos considerables y se modulan
con intonatión independiente, mientras los especificativos forman un todo melódico con el núcleo nominal
precedente.
Tarallo:1983, Mateus et alii:1989, Brito:1991). Decorre desse fato a nomenclatura “apositiva”
para o último tipo, rótulo não adotado neste trabalho para evitar possíveis equívocos com outros
tipos de cláusulas.
Nesse sentido, o presente estudo buscou averiguar em que medida certos fatores
prosódicos podem interferir na interpretação das cláusulas relativas finitas no português brasileiro
contemporâneo, partindo de uma análise instrumental e tentando conciliar as duas perspectivas
da produção e da recepção. Os vinte minutos de gravação das duas entrevistas radiofônicas foram
segmentados de acordo com a distribuição das cláusulas complexas no discurso, destacando-se e
digitalizando-se as construções em que havia cláusulas relativas finitas para a posterior análise
acústica da duração e da curva melódica.
No entanto, somente os valores da duração (de pausas e de alguns segmentos fônicos) e da
F0 (principal responsável pela configuração do contorno entonacional), fornecidos
instrumentalmente, não são suficientes para uma análise de cunho gramatical, ou seja, esses
valores constituem dados acústicos brutos que precisam ser vistos à luz do sistema entonacional
da língua. Do mesmo modo que nem todos os traços fonéticos são relevantes para as distinções
fonológicas, nem tudo que produzimos acusticamente na fala é relevante para a construção dos
significados. Assim como necessitamos de uma descrição dos sistemas de informação, de modo e
de transitividade para entender o funcionamento da língua, também é necessário que uma
descrição fonológica contemple e explique, além do funcionamento dos fonemas e das sílabas,
por exemplo, o funcionamento dos aspectos suprassegmentais.
O que estamos desenvolvendo aqui é, na realidade, um estudo de interface entre a sintaxe
e a prosódia, tendo em vista a função demarcativa da segunda, geradora de diferença semântica
no âmbito do enunciado que contém a cláusula relativa finita. Essa relação entre a sintaxe e a
prosódia pode ser vista de diferentes perspectivas. Orsini (2003:60), ao estudar as construções de
tópico no PB, resgata as três correntes que se estabeleceram entre os estudiosos: a) a
dissociacionista radical, que não admite nenhuma relação entre sintaxe e prosódia; b) a
dissociacionista moderada, que, embora conceba cada uma como módulos autônomos, admite
haver interrelação entre sintaxe e prosódia; e c) a associacionista, que defende o pressuposto de
que o domínio prosódico é gerado pelo sintático, tendo o primeiro um papel redundante em
relação ao segundo. Dentro da segunda e da terceira correntes apontadas, há ainda aqueles que
defendem que a sintaxe influencia a prosódia, numa perspectiva unidirecional; e há aqueles que
admitem uma inflência mútua, ou seja, numa perspectiva bidirecional.
Adotamos aqui o pressuposto de que há uma relativa autonomia da sintaxe e da prosódia,
sem, no entanto, deixar de admitir mútua influência entre esses dois domínios. Por isso nem
sempre a segmentação sintática coincide com a fonológica porque seus constituintes são regidos
por princípios distintos. Mas a segmentação fonológica não é completamente independente da
organização sintática. Segundo Bisol (1999), há, no módulo fonológico, sete níveis que compõem
sua hierarquia. Do mais elevado ao mais baixo, temos: o enunciado, a frase entonacional, a frase
fonológica, o grupo clítico, a palavra fonológica, o pé e, por fim, a sílaba. Deteremo-nos no nível
mais diretamente relacionado à análise aqui desenvolvovida, ou seja, à frase entonacional, sem,
contudo, perder de vista que, nessa perspectiva hierárquica, o membro que se encontra no nível
superior é constituído de, pelo menos, um membro do nível imediatamente inferior. Por isso
Bisol (1999:239) assim concebe a frase entonacional: “define-se a frase entonacional como o
conjunto de φs [frases fonológicas] ou apenas um φ que porte um contorno de entoação
identificável”. Além desse contorno melódico, a autora se reporta à questão da pausa para definir
a frase fonológica: “A regra básica de formação de I [frase entonacional] fundamenta-se na noção
de que a frase entonacional é o domínio de um contorno de entoação e que os fins de frases
entonacionais coincidem com posições em que pausas podem ser introduzidas” (Nespor e Vogel,
1986:188 apud Bisol, 1999:239). Vários são os constituintes sintáticos que podem coincidir com
a frase entonacional: uma cláusula (simples ou complexa), um vocativo, um aposto, por exemplo.
Moraes (2007, 2008), ao propor uma breve descrição do sistema entonacional do
português brasileiro a partir de estudos experimentais e com base em períodos simples, afirma
que os constituintes prosódicos relevantes para o PB são a sentença fonológica (“enunciado” para
Bisol, 1999), a frase entonacional (ou grupo tonal, nos termos de Halliday, 1985) e a frase
fonológica, também chamada sintagma fonológico.
De acordo com Moraes (2007), no PB sempre há um acento nuclear na posição final de
uma frase entonacional (ou grupo tonal) se o foco da cláusula não estiver deslocado para outra
posição. Os acentos nucleares constituem-se de dois fenômenos entonacionais: os acentos de tom
(“pitch accents”) e os tons de fronteira (“boundary tones”). Os acentos de tom se alinham às
sílabas tônicas acentuadas e são sempre bitonais, contendo um tom principal seguido de outro. O
tom principal do acento de tom apóia-se na sílaba que precede imediatamente a última sílaba
acentuada, e o segundo tom, que também o constitui, realiza-se sobre a última sílaba acentuada,
fato que é representado com um asterisco depois do símbolo do tom (L*, H*). Os tons de
fronteira, também chamados tom de juntura, em geral, associam-se à extremidade direita da frase
entonacional (grupo tonal) e apóiam-se na sílaba postônica final ou na parte final da última sílaba
acentuada se o vocábulo que está nessa posição é oxítono. Os tons de fronteira seriam apenas dois
para o PB: L (“low”, baixo) e H (“high”, alto), sendo o primeiro indiscutivelmente o mais usado.
Segundo o referido autor, os contrastes entonacionais no PB ocorrem principalmente na
última sílaba acentuada e naquela que a precede, especialmente em posição final de frase
entonacional (grupo tonal), consituindo o acento nuclear. Com base nesses pressupostos, Moraes
(2007)
49
propôs onze acentos de tom (“pitch accents”) para a descrição dos principais padrões
entonacionais do PB com vistas às funções modais e expressivas da entoação (declaração,
pergunta, advertência, ironia etc.). Ele afirma que “(...) o contorno nuclear sozinho é responsável,
na maioria dos casos, pelo estabelecimento do significado entonacional da sentença”
50
(Moraes,
2007).
Nosso estudo tem relação mais direta com a função demarcativa (nos termos de Prieto,
2003) ou sintática (nos termos de Moraes, inédito c) da entoação. Contudo, a descrição dos
acentos nucleares proposta por Moraes (2007, 2008) para o PB é, com certeza, um parâmetro a
nos guiar na interpretação das relativas, considerando os aspectos prosódicos aqui analisados.
Assim, o que particularmente nos interessa é a presença ou ausência de um índice
prosódico de segmentação entre a relativa e sua respectiva cláusula matriz, que pode se
manifestar pela pausa (silenciosa ou não), pelo alongamento de uma sílaba, pela curva
entonacional ou, ainda, pela conjugação de dois desses fatores ou dos três. Essa(s) marca(s) de
ruptura seria(m) característica(s) da relativa não-restritiva, enquanto entre a restritiva e sua matriz
não haveria nenhum índice de segmentação, demonstrando, no nível prosódico, o encaixamento
sintático.
Postulamos que a principal marca prosódica da relativa não-restritiva seria a presença de
um tom de fronteira entre a subordinada e a matriz, podendo essa marca ser reforçada pela pausa
e/ou alongamento. No caso de a relativa ser “intercalada” à matriz, haveria também um índice
prosódico anunciando o término da cláusula subordinada e a retomada da matriz. Esses foram os
49
Não indicaremos as páginas das citações extraídas desse estudo, bem como de Moraes (2008) porque não tivemos
acesso à versão publicada do texto, e sim à versão preliminar fornecida pelo autor.
50
“(…) the nuclear contour alone is responsible, in the majority of cases, for the establishment of intonational
meaning of the utterance.”
parâmetros que nortearam a análise prosódica empreendida tendo em vista a interrelação entre os
níveis semântico, sintático e fonológioco (prosódico).
5.2 A RELATIVIZAÇÃO NO ÂMBITO DO TEXTO
Nesse nível da análise, acreditamos que as variáveis mais relevantes sejam gênero textual
e seqüência tipológica, além do status informacional do antecedente. Na perspectiva teórica
adotada, os tipos de texto apresentam marcas formais explícitas que os caracterizam, como
emprego dos tempos e modos verbais, das pessoas do discurso (sistema de modo) e de certos
conectivos, por exemplo. Os gêneros textuais materializam os textos que usamos no nosso
cotidiano. O sistema informacional revela a organização conferida pelo locutor às informações
veiculadas no texto, sendo essa organização mediada pela interação com o interlocutor.
5.2.1. Status informacional e definitude do SN antecedente
Halliday (1985, 1994) considera somente duas categorias no sistema informacional: Dado
(“Given”) e Novo (“New”). Halliday (1985:55) define a primeira categoria como “conhecido, ou
pelo menos, conhecível, para o ouvinte num ponto do discurso”
51
, e a segunda como
“desconhecido ou não recuperável”
52
. Sabemos, no entanto, que, na prática, é muito difícil
classificar as informações no texto com base nesse sistema dual. Além disso, acreditamos que
uma proposta com mais de duas categorias é mais coerente com os pressupostos funcionalistas.
Por isso, utilizamos outras fontes, também funcionalistas, para complementar a análise dos dados
quanto a esse aspecto, principalmente Prince (1992).
51
“‘Given’ means known, or at least knowable, to the listener at this point in the discourse; ….”
52
‘new’ means unknown, or non-recoverable.
A autora estudou o papel do status informacional em correlação com a definitude de
NPs
53
na distribuição de sujeitos e não sujeitos em um exemplar do gênero textual carta
(comercial), mostrando a relevância desse fator para o fenômeno pesquisado por ela. Embora
nosso objeto de estudo seja outro, parece-nos também relevante o papel do status informacional
no funcionamento das cláusulas relativas no discurso, principalmente no que tange à sua
correlação com o antecedente. Nossa hipótese é que antecedentes que codificam informação
Nova tendem a requerer mais especificação favorecendo, assim, o uso de cláusulas relativas
restritivas, enquanto os antecedentes que codificam informação Velha tenderiam a requerer
menos especificação favorecendo, assim, o emprego de relativas não-restritivas.
Prince (1992) trabalhou com as categorias Velho (“Old”) e Novo (“New”) em duas
perspectivas distintas: a do ouvinte e a do discurso. O ponto de vista do ouvinte é, na realidade,
concebido a partir de uma pressuposição do falante sobre o conhecimento do ouvinte a respeito
do referente em questão, que pode ser interpretado, então, como uma informação:
a) Velha-para-o-ouvinte (“Hearer-old”) entidade que o falante presume ser conhecida pelo
ouvinte;
b) Nova-para-o-ouvinte (“Hearer-new”) entidade que o falante presume não ser conhecida
pelo ouvinte.
Na perspectiva do discurso, ou seja, da organização do fluxo de informação na superfície
textual, surge uma terceira categoria, Inferível (“Inferrable”), que ainda pode apresentar o subtipo
Inferível Ancorado (“Containing Inferrable”). Assim, sob esse enfoque, as informações seriam
classificadas como:
a) Velha-no-discurso (“Discourse-old”) entidade que já foi mencionada no discurso;
53
Mantivemos, nessa parte do texto, o rótulo “NP” usado pela autora.
b) Nova-no-discurso (“Discourse-new”) entidade que não foi mencionada previamente no
discurso;
c) Inferível (“Inferrable”);
d) Inferível Ancorada (“Containing Inferrable”).
Em relação às duas últimas categorias, traduzimos as respectivas definições da própria
autora:
Em suma, os Inferíveis são entidades tecnicamente Novas para o ouvinte
(e, por conseguinte, Novas no discurso), mas, diferentemente das
entidades Novas para o ouvinte, sua existência é admitida como Inferível
pelo ouvinte com base em alguma entidade ‘gancho’, que, por sua vez, é
Velha no discurso, em combinação com alguma crença que se assume que
o ouvinte tenha que diz que entidades que parecem ganchos têm
associadas a elas entidades que parecem Inferíveis.
54
(Prince, 1992:307)
Esses NPs [Inferíveis Ancorados] são semelhantes aos Inferíveis em
relação ao fato de que eles requerem inferência com base em certo
conhecimento de fundo que nós temos; a diferença é que a entidade que
possibilita a inferência não está, como no caso dos Inferíveis,
necessariamente no discurso anterior, mas está dentro do próprio NP.
55
(Prince, 1992:307)
Prince (1992) demonstra que uma categorização binária do status informacional não dá
conta da sua complexidade e situa a categoria Inferível em um ponto intermediário do contínuo
em que os extremos seriam a informação Velha e a informação Nova, no discurso. Sua proposta
54
In sum, Inferrables entities are technically Hearer-new (and, therefore, Discourse-new) but, unlike Hearer-new
entities, their existence is assumed to be inferrable by the hearer on the basis of some trigger entity, itself Discourse-
old, in combination with some belief the hearer is assumed to have which says that entities like trigger have
associated with them entities like the Inferrable.
55
These NPs are similar to Inferrables in that they require inferencing on the basis of certain background knowledge
we have; the difference is that the entity which triggers the inference is not, as in the case of the Inferrables,
necessarily in the prior discourse, but is rather within the NP itself.
difere, portanto, da de Halliday (1985, 1994), que estabelece somente duas categorias:
Informação Dada (“Given”) e Informação Nova (“New”).
A autora discute ainda a possibilidade de uma entidade ser tomada como Inferível
Ancorada para um ouvinte e, para outro, ser entendida como Nova-no-discurso. Em razão desse
comportamento e da sua complexidade sintática, ela aponta que a entidade Inferível Ancorada é
mais comum na modalidade escrita, em registros formais e em gêneros que se destinam a
inúmeros interlocutores.
Como eu mencionei em Prince 1981b, isso faz com que Inferíveis
Incluidores sejam muito apropriados para discursos com múltiplos
destinatários, em particular na prosa escrita formal, onde o emissor não
tem certeza do conhecimento/crenças do destinatário ou onde ele acredita
que há diferenças relevantes entre os receptores.
56
(Prince, 1992:308)
Prince (1992) concebe definitude como uma categoria formal e independente do status
informacional, embora correlacionada. Demonstra tamm que só a definitude não é suficiente
para avaliar o grau de conhecimento dos ouvintes em relação aos NPs. É evidente que a análise
promovida pela autora foi desenvolvida mais especificamente para avaliar o efeito da definitude e
do status informacional sobre a ocorrência de NPs na posição canônica de sujeito, ou seja, a
posição pré-verbal no inglês (e também no português). Apesar das diferenças entre as duas
línguas e entre os objetivos de cada estudo, baseamo-nos nessas evidências para defender a
hipótese de que a definitude, em termos formais (constituição do sintagma nominal), não é
suficiente para explicar a relação semântica estabelecida entre o antecedente e a cláusula relativa
no que concerne ao caráter restritivo ou não dessa construção. Em outras palavras, um SN
56
As I mentioned in Prince 1981b, this makes Containing Inferrables very suitable for multi-receiver discourse, in
particular formal written prose, where the sender either is not sure of the receivers’ knowledge/beliefs, or where s/he
believes that there are relevant differences among the receivers.
antecedente constituído de forma definida não exige, necessariamente, que a cláusula relativa
empregada seja não-restritiva, bem como um SN indefinido não pressupõe o uso de uma relativa
restritiva. Acreditamos que a definitude do SN antecedente influencia, mas não determina, o seu
status informacional e que as duas variáveis, correlacionadas, atuam no papel desempenhado pela
cláusula relativa no que diz respeito ao seu antecedente.
Prince (1992) afirma em relação à língua inglesa que as marcas de definitude podem
ser codificadas por: artigo definido, artigos demonstrativos, adjetivos possessivos, pronomes
pessoais, certos quantificadores e nomes próprios. Já as marcas de indefinitude seriam
codificadas pelos artigos indefinidos e por outros quantificadores, incluindo os numerais.
Em português, consideramos como marcas de definitude do núcleo do SN antecedente: os
artigos definidos, os pronomes demonstrativos, os pronomes pessoais, os pronomes possessivos e
os nomes próprios. Já as marcas de indefinitude seriam representadas pelos: artigos indefinidos,
pronomes indefinidos e quantificadores. Para isso, baseamo-nos em Neves (2000:511), a qual
afirma que
Os indefinidos, por princípio, são não-fóricos, isto é, não constituem itens
com função de instruir a busca de recuperação semântica na situação ou
no texto. São também não-descritivos, isto é, não dão informação sobre a
natureza dos objetos, operando sobre um conjunto de objetos previamente
delimitados em razão de suas propriedades.
Tanto os numerais quanto alguns pronomes indefinidos podem quantificar, aqueles de
maneira específica, estes, de maneira genérica . Sobre os artigos indefinidos, Neves (2000:513)
afirma que “... o sintagma nominal com artigo indefinido [grifo da autora] apresenta uma
pessoa ou coisa simplesmente por referência à classe particular à qual ela pertence, ou seja,
apresenta-se como elemento de uma classe.”
Liberato (2001), ao estudar a estrutura do SN em português, conclui que o artigo definido
não é marca de identificabilidade de um SN e, conseqüentemente, podemos ter SN’s definidos de
referentes não identificáveis e SN’s indefinidos de referentes identificáveis. Essa conclusão
corrobora a proposta de Prince (1992) na medida em que esta separa a definitude do SN,
concebendo-a como um aspecto formal, da sua informatividade, que constitui um aspecto
discursivo e textual.
Prince (1992) trabalhou com um corpus de cinqüenta e seis cláusulas entre as quais
havia adverbiais, completivas e relativas constituído a partir de um único texto, do gênero carta
comercial, mas nos alerta para a necessidade de estudos que contemplem um número maior de
textos e de gêneros. Em consonância com esse pensamento é que analisamos a relativização a
partir de um quadro um pouco mais amplo de gêneros textuais nas modalidades escrita e falada
do português brasileiro contemporâneo.
Para isso, adotamos parcialmente a classificação da referida autora para o status
informacional do antecedente das cláusulas relativas considerando, na perspectiva do
ouvinte/leitor (pressuposição que o falante/escritor faz sobre o conhecimento do ouvinte/leitor),
as categorias Velho e Novo; e na perspectiva do discurso, as categorias Velho, Inferível e Novo.
Não adotamos a categoria Inferível Ancorada por entendermos que esta já está contemplada na
categoria Inferível, e a própria autora afirma que, na codificação realizada para seu estudo, uniu
os dois tipos.
Braga e Silva (1984), ao fazerem algumas críticas à proposta de Prince (1981)
57
, sugerem
que se atenue o conceito de Inferível:
Nossa opinião é que a restrição imposta por Prince – de que apenas as
entidades deduzidas de outras entidades evocadas ou inferíveis sejam
57
Embora não houvéssemos tido acesso a esse texto [Prince, E. (1981) Toward a taxonomy of given/new
information. Cole P. ed. Radical Pragmatics, NY: Academic Press], pela discussão promovida por Braga e Silva
(1984) e pelo conceito de “Inferível” fornecido por Prince (1992), depreendemos que o referido conceito permance o
mesmo para a autora.
classificadas – é demasiadamente forte e incapaz de dar conta de dados
reais. Acreditamos que para classificar um determinado referente como
inferível a relação entre ele e os demais que autorizam tal inferência deve
ser explícita e facilmente caracterizável (relação de membro para
conjunto, parte para todo, geral para particular etc...), mas discordamos de
que uma entidade só possa ser inferível de outra entidade.
(Braga e Silva, 1984:37)
Acatamos, então, a proposta de Braga e Silva (1984) de reformular o conceito de Inferível
de Prince, atenuando-o. As referidas autoras também questionam o tratamento dado por Prince
(1981) aos advérbios e sintagmas adverbiais apontando ausência de uniformidade na análise
dessas categorias, pois, sem maiores explicações, ora ela os excluía, ora os incluía entre os seus
dados. Assim, Braga e Silva (1984) preferiram excluir da classificação os advérbios e os
sintagmas adverbiais que exprimissem circunstâncias de tempo, freqüência, quantidade e modo.
Optamos, no entanto, por incluir em nossa análise os sintagmas adverbiais cuja cabeça é um
nome substantivo (exemplo 29), independente da sua função semântica, deixando de fora apenas
os advérbios propriamente ditos (exemplo 30).
Exemplo 29:
Entretanto, nossas palavras de cunho otimista começaram a ser desmascaradas no sábado à noite, quando
passamos por uma patrulha no Leblon
que estava parando um veículo "suspeito".
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro de 2002.)
Exemplo 30:
- O jovem acha que fumando vai ser mais independente - teoriza. - Vai mostrar para os outros que não é careta nem
"filhinho da mamãe", o que é uma idéia errada porque
depois
, quando quer largar o cigarro e se tomar independente
dele, não consegue.
(
JORNAL DO BRASIL
. A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil. 01 de junho de 2008)
No exemplo 29, o sinatgma adverbial no sábado à noite foi considerado informação Nova
no texto e Nova para o leitor, pois nada no co-texto anterior permitiu uma análise diferente desta,
e a cláusula relativa encabeçada pelo pronome relativo quando foi classificada como não-
restritiva prototípica. Da mesma forma analisamos o sintagma por uma patrulha, com a diferença
de que sua respectiva cláusula relativa é restritiva prototípica.
Outro aspecto que merece atenção é o conceito de discurso depreendido a partir da
definição que Prince faz das categorias nessa perspectiva. Entendemos que a autora concebe
discurso como sinônimo de texto, acepção da qual discordamos. Marcushi (2002) diferencia os
dois elementos, afirmando que
... pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada
materialmente e corporificada em algum gênero textual. Discurso é
aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância
discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos, os
textos realizam discursos em situações institucionais, históricas, sociais e
ideológicas.
(Marcushi, 2002:24)
Entre as várias acepções apresentadas por Charaudeau e Maingueneau (2004:169), na que
opõe discurso e texto, “o discurso é concebido como a inclusão de um texto em seu contexto (=
condições de produção e recepção) (Adam, 1971:10)”, e na que opõe discurso e enunciado,
semelhantemente à anterior, “... essa distinção permite opor dois modos de apreensão das
unidades transfrásticas: como unidade lingüística (“enunciado”) e como traço de um ato de
comunicação sócio-historicamente determinado.” Acreditamos que, embora intimamente
relacionados, discurso e texto são instâncias distintas e, por isso, usaremos a taxionomia de
Prince (1992) adaptada para informação Velha/Nova/Inferível no texto (em vez de no discurso).
A fim de exemplificarmos a aplicação dessas categorias aos dados do nosso corpus,
trasncrevemos, a seguir, passagens de alguns textos da amostra, evitando, assim, a exaustiva
demonstração da análise feita em todos eles e a insuficiente demonstração de porções muito
restritas dos mesmos, já que o exame do status informacional requer uma abordagem do texto
como um todo inserido em seus contextos de situação e de cultura.
Exemplo 31:
AP: agora com relação a essa denúncia que você faz há: eu imagino essas eleições devem ter uma
comissão eleitoral... ela não pode garantir um tratamento eh: isonômico aí na: na difusão das propagandas
das chapas por exemplo se a diretoria fez esse envio dos jornais pra casa dos associados não pode garantir
o mesmo procedimento para o jornal da chapa... Movimento Educação?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
O exemplo 31 nos permite refletir sobre o conceito de texto numa interação por meio da
modalidade oral. O SN destacado nesse exemplo foi considerado Velho no texto e Velho para
o(s) ouvinte(s), mas ele havia sido mencionado por outro interlocutor. Como estamos
considerando que nesse gênero textual (entrevista radiofônica) o texto é construído de forma
interativa por entrevistador e entrevistado, não vemos problema em classificar o referente
codificado por esse SN como informação Velha. Essa análise é corroborada pelo emprego do
pronome demonstrativo essa, que precede o nome, caracterizando o SN como definido e
remetendo-o anaforicamente a uma porção precedente do texto. Contudo, mesmo o referente
sendo codificado de forma definida e como uma informação Velha no texto e Velha para o
ouvinte, a cláusula relativa a ele correlacionada é restritiva. Essa interpretação só foi permitida
com base nos aspectos prosódicos visto que não há nenhum tipo de ruptura melódica entre o
antecedente e a relativa.
Exemplo 32:
Milícia tortura equipe de jornal
Repórter, fotógrafo e motorista de ‘O Dia’ faziam reportagem na favela do Batan
Felipe Sáles
Uma equipe de reportagem do jornal O
Dia
foi seqüestrada e torturada por um grupo de milicianos enquanto fazia
uma reportagem sobre a atuação deles na Favela do Batan, em Realengo (Zona Oeste).
Uma repórter, um
fotógrafo e um motorista
, cujos nomes são mantidos em sigilo, viviam havia 14 dias numa casa alugada na
comunidade.
(JORNAL DO BRASIL. Milícia tortura equipe de jornal. 01 de junho de 2008.)
Tanto do ponto de vista do leitor quanto do da organização das informações no texto, o
antecedente destacado no exemplo 32 foi considerado Velho uma vez que ele está expresso no
lead. A cláusula relativa foi classificada como não-restritiva prototípica.
Exemplo 33:
O desrespeito
à
lei
que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos constitui em outro fator determinante para
o aumento do consumo do fumo na juventude. Cerca de 90%
dos fumantes começaram antes do 19 anos.
(
JORNAL DO BRASIL
. A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil. 01 de junho de 2008)
Já no exemplo 33, temos a situação contrária, pois a lei codifica um referente Novo no
texto e Novo para o leitor, e a relativa foi considerada restritiva prototípica.
Exemplo 34:
Não há dúvida de que o sistema brasileiro de votação pode ser aperfeiçoado. A informatização geral
poderá permitir, por exemplo, o voto em trânsito sem maiores dificuldades, à semelhança do uso de um
caixa eletrônico de banco,
que hoje pode ser feito em praticamente qualquer ponto do país, não importa
onde esteja a agência, onde foi aberta a conta.
(O GLOBO. Rápida e eficiente. 19 de novembro, 2003.)
No exemplo 34, do ponto de vista do texto, podemos considerar o antecedente o uso de
um caixa eletrônico de banco Novo, visto que ainda não havia sido mencionado, mas do ponto de
vista do leitor, ou seja, da pressuposição que o escritor faz do conhecimento do leitor sobre o
referente codificado por esse antecedente, é mais coerente considerá-lo Velho, pois esse
antecedente refere-se a um objeto que faz parte do conhecimento de mundo do leitor ou, pelo
menos, o autor presume que faça, como ratificam o conteúdo e o tipo de relativa empregado (não-
restritiva).
O exemplo 34 também nos leva à reflexão de como classificar as relativas sem cabeça em
relação ao status informacional já que são construções em que, de acordo com Lehmann
(2003:462), “a cabeça semântica está lexicalmente vazia”
58
e o pronome relativo “funciona como
uma cabeça pronominal”
59
. Acreditamos que esse tipo de relativa apresenta semelhanças com
aquelas em que o antecedente do pronome relativo é um pronome demonstrativo (o, aquele,
aquilo) empregado genericamente sem referir-se a nenhum SN específico no texto. Assim,
consideramos dados como “não importa onde esteja a agência,” que a nosso ver são construções
híbridas, com características de relativas e de completivas, como Nova no texto e Nova para o
leitor. Como, nesse dado, há uma repetição da estrutura e as duas ocorrências estão
semanticamente relacionadas, a segunda ocorrência do relativo (onde foi aberta a conta) foi
considerada Velha no texto e Velha para o leitor. Por tratar-se de pronome empregado
genericamente, a cláusula relativa foi classificada como restritiva prototípica.
Exemplo 35:
Neste fim de semana, minha sogra, que mora em Porto Alegre, veio ao Rio de Janeiro para visitar a filha.
Com o noticiário sobre a violência no estado, ela desembarcou no Galeão muito apreensiva. Tentamos de
todas as formas convencê-la de que o noticiário era sobre fatos isolados, que embora a situação inspire
cuidados, não é a toda hora que acontecem atos violentos. Fizemos, enfim, o discurso
que nós, cariocas,
temos na ponta da língua para tentar suavizar (se isso é possível) o quadro violento
que vivemos todos os
dias.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro de 2002.)
Análise semelhante à da primeira ocorrência do exemplo 34 (uso de um caixa eletrônico
de banco), temos também na primeira ocorrência destacada no exemplo 35: na perspectiva do
58
A headless RC is one whose semantic head is lexically empty.
59
If a RC with a relative pronoun lacks a lexical head (…), the relative pronoun serves as a pronominal head around
which the complex concept can center.
texto, o antecedente o discurso é Novo, visto que esse SN não tinha sido mencionado
anteriormente; mas, na perspectiva do leitor, podemos considerá-lo Velho. Essa interpretação é
corroborada pela escolha, no sistema de modo, da quarta pessoa do discurso, revelando que o
escritor e o leitor têm experiências comuns e, conseqüentemente, conhecimentos de mundo
também, ou seja, o discurso é conhecido de todos os cariocas e/ou das pessoas que vivem no Rio
de Janeiro, entre as quais se inclui o cronista, dado ratificado pelo aposto empregado na cláusula
relativa (que nós, cariocas, temos na ponta da língua...). Além disso, o SN o discurso se reporta,
de certa forma, a uma declaração feita anteriormente a seqüência “tentamos de todas as formas
convencê-la de que o noticiário era sobre fatos isolados, que embora a situação inspire cuidados,
não é a toda hora que acontecem atos violentos” , que constitui um discurso.
Em relação ao SN o quadro violento, o classificamos como Inferível em função da
seqüência “com o noticiário sobre a violência no estado” usada anteriormente. Nela encontramos
o nome substantivo violência, correlato ao adjetivo que caracteriza o núcleo do SN (quadro);
assim, a partir de violência se pode inferir violento. E na perspectiva do leitor, o consideramos
informação Velha. Em ambos os casos, classificamos as cláusulas relativas como restritivas não-
prototípicas, uma vez que os antecedentes são praticamente especificados pelo contexto.
O trecho a seguir foi extraído do artigo “O empreendedorismo e as prefeituras”. Ele
corresponde a parágrafos não subseqüentes do texto, porém são excertos suficientes para
discutirmos os dados destacados.
Exemplo 36:
Em 2002, o processo seletivo da premiação considerou questões como inovação e criatividade, além de
aspectos relacionados à boa governança. Os vencedores foram premiados em 2003, em cada uma das
cinco regiões do Brasil: Xapuri, no Acre; Maracás, na Bahia;
Campos Verdes, em Goiás; Santa Helena, no
Paraná, e Osvaldo Cruz, em São Paulo.
..........................................................................................................................................................................
Já em Campos Verdes, cidade goiana
que abriga a maior reserva de esmeraldas do mundo, o prefeito
Haroldo Naves transformou uma cidade fantasma em uma comunidade ativa, capaz de desenvolver vários
projetos integrados, ligados à extração da pedra preciosa. Investiu no empreendedorismo e apostou na
vocação natural do município - a exploração sustentável da esmeralda.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as pefeituras. Jornal do Brasil, 02 de junho de 2003.)
No exemplo 36, o antecedente cidade goiana constitui informação Inferível do ponto de
vista do texto porque três parágrafos antes daquele em que esse SN foi empregado, a autora havia
usado a expressão Campos Verdes, em Goiás. Assim, a partir do nome do estado (Goiás), infere-
se o adjetivo relativo a este (goiana). Em porções anteriores do texto, a articulista já havia usado
os nomes prefeito, prefeitura e município, que também autorizam a inferência do termo cidade.
Na perspectiva do leitor, a informação pode ser considerada Velha na medida em que já lhe foi
informado que Campos Verdes fica em Goiás. Contudo, a partir do momento em que o escritor
retoma Campos Verdes por meio de cidade goiana, esse SN requer uma especificação porque a
informação foi codificada de forma indefinida e estabelecendo uma classe (a das cidades goianas)
com vários membros, precisando um deles ser identificado nesse contexto. Em outras palavras, a
construção como um todo tem função não-restritiva, ratificando que Campos Verdes localiza-se
em Goiás, mas a relação entre a cláusula relativa e seu antecedente (cidade goiana) é de
restritividade. Por isso consideramos esse dado uma relativa restritiva não-prototípica, por
delimitar a classe expressa pelo antecedente, mas estar inserida numa construção apositiva.
Ressaltemos que a informação codificada pela relativa é de suma importância para que o leitor
seja capaz de entender como o prefeito conseguiu alavancar a economia do município.
Exemplo 37:
Em Oswaldo Cruz, região de Nova Alta Paulista, o prefeito Valter Luiz Martins fez, em sete anos, a
arrecadação municipal aumentar 207% em termos reais. A cidade,
que foi grande produtora de café e
mantinha os velhos galpões abandonados, agora abriga três indústrias
que proporcionam trabalho e renda
a mais de 150 pessoas. Ele aplicou recursos em saúde, saneamento e educação. O resultado foi rápido: o
orçamento do município passou de R$ 7 milhões, em 1996, para R$ 21 milhões, em 2002.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as pefeituras. Jornal do Brasil, 02 de junho de 2003.)
Já o exemplo 37, embora também contenha uma construção apositiva, estrutura-se de
forma diferente, pois a retomada do SN Oswaldo Cruz ocorre por meio do SN a cidade, que é
formalmente definido pelo artigo. De acordo com Liberato (2001:72), a função do artigo definido
“é a de marcar a existência de apenas um elemento na classe mais restrita delimitada pelo falante,
no processo de descrição do referente”. Assim, a cidade, ao retomar Oswaldo Cruz, o faz como
exemplar único (especificado anteriormente) de uma classe que, conseqüentemente, não precisa
de outra especificação para ser identificada pelo leitor. Diferente é a situação do SN cidade
goiana, no exemplo 36, que, mesmo morfologicamente no singular, refere-se genericamente a
uma classe com vários membros, pois está formalmente indefinida (pela ausência de
determinante definido). No exemplo 37, a cidade foi classificada como informação Velha no
texto e Velha para o leitor, e a cláusula relativa empregada, como não-restritiva prototípica.
Quanto ao outro dado que ocorre no mesmo fragmento (três indústrias), temos uma
informação Nova no discurso e Nova para o leitor, além de ser um SN formalmente indefinido
(Quant + N), necessitando, portanto, de especificação. Esta é fornecida pela cláusula relativa
restritiva (que proporcionam trabalho e renda a mais de 150 pessoas).
Prince (1992) afirma que se uma informação é Nova no discurso (no texto, para nós), esse
fato não diz nada sobre seu status para o ouvinte (ou leitor), assim como se uma informação é
Velha para o ouvinte, isso não nos diz nada sobre seu status na perspectiva do discurso (texto).
Então para uma informação Nova no discurso (texto) podemos ter as categorias Nova ou Velha
para o ouvinte. Por outro lado, se uma informação é Velha no discurso (texto), ela será
necessariamente Velha para o ouvinte, assim como se é Nova para o ouvinte, será
necessariamente Nova no discurso. Contudo, a autora não especifica nenhuma correlação para a
categoria Inferível. Ao analisarmos os dados do nosso corpus, verificamos que é possível ter uma
informação Inferível no texto e Velha para o ouvinte/leitor como nos exemplos 38 e 39. Tal
constatação é coerente, pois, para que a informação possa ser inferível, deve haver algum
elemento na porção anterior do texto a partir do qual a relação de inferência seja permitida.
Exemplo 38:
Uma equipe de reportagem do jornal O
Dia
foi seqüestrada e torturada por um grupo de milicianos enquanto fazia
uma reportagem sobre a atuação deles na Favela do Batan, em Realengo (Zona Oeste).
........................................................................................................................................................................................
Já n
o cativeiro
para onde foram levados, eles perceberam pelo menos 20 milicianos - alguns com fardas da PM,
chamados de coronel e comandante - que acompanharam as sessões de tortura.
(JORNAL DO BRASIL. Milícia tortura equipe de jornal. 01 de junho, 2008.)
O antecedente destacado no exemplo 38 foi classificado como informação Inferível uma
vez que a expressão foi seqüestrada, presente na introdução do texto, permite inferir o referente
codificado pelo SN cativeiro. Todo seqüestro pressupõe um lugar (= cativeiro) para esconder o(s)
seqüestrado(s), o que constituiria uma espécie de frame, daí o referido SN ter sido considerado
Velho na perspectiva do leitor.
Exemplo 39:
AP: é um prazer tê-la aqui no nosso programa... e eu queria que você falasse um pouco dessas eleições
que vão ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze de agosto né e particularmente do programa
da chapa
que você encabeça o Movimento Educação... por que ser candidata Lúcia?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Quanto ao exemplo 39, o referente codificado pelo nominal chapa é Inferível a partir do
SN essas eleições e ratificado pelo tipo de relativa empregado pelo falante, que, ao usar uma não-
restritiva, parte do pressuposto de que sua interlocutora é capaz de identificar o referente de
eleições. Por outro lado, ao empregar uma cláusula relativa indexada ao SN a chapa, o falante
optou por uma restritiva. Pressupõe-se que a candidata não iria à Rádio para falar do programa
da(s) chapa(s) adversárias(s), então o programa ao qual o entrevistador se refere só poderia ser da
chapa dela. Contudo, não podemos perder de vista que a entrevista é transmitida para milhares de
ouvintes. Acreditamos que essa tenha sido a motivação para que o falante quisesse deixar bem
clara a informação, identificando por meio da relativa restritiva a chapa em questão.
Partindo da discussão com base nos exemplos apresentados, podemos depreender que
definitude e status informacional do SN são dois fatores que interferem, de maneira
correlacionada, no papel semântico desempenhado pelas cláusulas relativas em relação aos seus
respectivos antecedentes. Mas de que maneira ou em que medida isso ocorre?
Em nossa amostra, observamos que os antecedentes que codificam informação Nova no
texto e Nova para o leitor, determinados por artigo definido, quando seguidos de cláusula
relativa, exigem o tipo restritivo, seja no singular (exemplo 40), seja no plural (exemplo 41).
Exemplo 40:
além disso não há transparência... não há transparência administrativa... não há transparência financeira...
gasta-se muito e não se presta contas a aos professores... então tudo isso preocupa muito a gente qual é o o
rumo
que esse sindicato vai ter... se não houver uma renovação uma mudança
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
No exemplo 40, a análise acústica permitiu verificar a ausência de qualquer ruptura
prosódica, seja em termos de pausa, seja em termos de entoação, autorizando a interpretação
restritiva para a cláusula relativa (que esse sindicato vai ter).
Exemplo 41:
Os problemas QUE você teve no Botafogo já estão todos superados?
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Se o SN antecedente com a mesma configuração formal (determinado por artigo definido)
é Novo no texto e Velho para o ouvinte/leitor, a relativa também pode ser não-restritiva, como
nos exemplos 42, 43 e 44.
Exemplo 42:
Do ponto de vista do gestor público local, exige-se uma responsabilidade maior com o território, que
pode ser entendido como um estado, uma região, um município, um distrito, um bairro ou uma
comunidade. Para simplificar uma longa discussão sobre o tema, seria possível dizer que o novo caminho
implica “pensar global e agir localmente”.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil, 2 de junho, 2003.)
Exemplo 43:
Ao abrir para Lula a chance de encaixar seu projeto social no orçamento, que já era considerado fechado,
o gesto de boa vontade do Congresso não poderá deixar de ser creditado aos partidos. Entre eles, o PSDB,
que mesmo se anunciando como oposição a partir de janeiro, participou da unanimidade que aprovou a
emenda ao parecer do relator-geral do orçamento.
(JORNAL DO BRASIL. Boa vontade. 01 de novembro, 2002.)
Exemplo 44:
Você ganhou um prêmio como ator pelo filme ‘Os machões’,
em que interpretava um sujeito que fingia
ser gay. Gostou de ser ator?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
No entanto, se compararmos os exemplos 42, 43 e 44, constataremos que os dois últimos
apresentam um aspecto diferente: o núcleo do SN antecedente é um nome próprio. Em 43, temos
o nome de um partido político; em 44, temos o título de um filme. Essa reflexão nos leva a
levantar outra hipótese: além da definitude do SN antecedente interferir, em correlação com seu
status informacional, na interpretação da cláusula relativa, devemos levar em conta ainda o seu
grau de definitude. SN’s precedidos de artigos definidos são definidos, mas os que contêm nomes
próprios possuem um grau de definitude maior do que aqueles que não os contêm. O exemplo 42
é o único do corpus cuja configuração contém artigo definido mais nome comum seguido de
relativa não-restritiva.
Desse modo, podemos depreender que informação Nova no texto e Velha para o ouvinte,
codificada por SN constituído de artigo definido mais nome, pode até aceitar relativa não-
restritiva, mas dependerá do grau de definitude do SN, pois a tendência geral, nesses casos, é o
emprego de relativa restritiva, excetuando-se os casos com nomes próprios.
Se o antecedente determinado por artigo definido codifica informação Velha no texto e
Velha para o ouvinte/leitor, a relativa pode ser de qualquer tipo: restritiva, como nos exemplos 45
e 46, ou não-restritiva, como no exemplo 37 (a cidade referindo-se a Oswaldo Cruz). Cabe
ressaltar que dados como o do exemplo 37 são raros em nosso corpus.
Exemplo 45:
e aí eu fui diretora desse departamento em mil novecentos e noventa noventa e três a partir daí... mesmo
não concordando com a a o rumo
que o sindicato tá tendo né com a política feita por essa diretoria...
nunca deixei de participar da vida do meu sindicato porque eu acredito que o sindicato... a importância
dele na vida do trabalhador... né então eu nunca deixei de participar mas saí da direção do sindicato em
noventa e três
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Exemplo 46:
Exagero ou não, o fato é que, com todos os problemas e a lentidão com que a votação transcorreu num
bom número de seções eleitorais, das mais de 335 mil urnas apenas cinco mil, ou 1,6%, apresentaram
defeito. É um índice baixíssimo, por maior que seja a justificada indignação dos eleitores
que foram
prejudicados pelas filas e a demora.
(O GLOBO. Rápida e eficiente. 19 de novembro, 2003.)
Vejamos agora o comportamento das relativas conectadas a SN’s indefinidos. Em
primeiro lugar, temos que considerar os pronomes demonstrativos que ocupam o lugar de SN’s e
que não se referem, necessariamente, a um elemento específico do texto (exemplo 47). Nesses
casos, tais pronomes se assemelham aos indefinidos (aquilo algo; o algo). Tanto eles quanto
os pronomes indefinidos propriamente ditos, quando conectados a cláusulas relativas, exigem o
tipo restritivo. Poderíamos considerar que esse tipo de antecedente tem um grau mínimo de
definitude.
Exemplo 47
LUIZÃO: Quem fala isso não sabe o que está acontecendo e, pelo visto, não me conhece.
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Os pronomes demonstrativos com função anafórica, quando empregados com relativas,
também exigem o tipo restritivo, como no exemplo 48, em que os refere-se a eleitores, termo
usado anteriormente no texto.
Exemplo 48
O número de reclamações pode impressionar, mas é preciso levar em conta que os que votaram com
rapidez e sem problemas não se manifestaram; e que filas e confusão não são necessariamente resultado
do uso de um sistema eletrônico, mas sim de outros problemas, entre eles a falta de esclarecimento dos
eleitores.
(O GLOBO. Rápida e eficiente. 19 de novembro, 2003.)
SN’s constituídos somente por nomes comuns no plural ou por nomes comuns no singular
precedidos de artigos indefinidos codificando informação Nova no texto e Nova para o
ouvinte/leitor até admitem relativas não-restritivas (exemplos 49 e 50), mesmo tais antecedentes
tendo um grau de definitude baixo, mas o uso mais geral é com relativas restritivas (exemplos 51
e 52), que é o esperado.
Exemplo 49:
L: bom dia então primeiro antes de de dizer porque que eu sou candidata o seu programa é o ideal... pra
gente fazer uma denúncia...
que é a o desequilíbrio que está havendo nesse processo eleitoral porque a
chapa um da situação... enviou a todos os os sindicalizados portanto... os vinte mil pessoas receberam em
casa o jornal da chapa um... e o jornal da chapa dois... nós temos que em quinze dias agora visitar duas mil
escolas para que sejamos conhecidos sendo que há... trinta por cento dos de aposentados que só vão saber
que nós existimos se forem se receberem em casa o jornal...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Exemplo 50:
L: e os/nós já chamamos a comissão eleitoral pra ver um carrinho... que sistematicamente sai cheio de
jornal da sala da presidência do sindicato já mostramos esse carrinho pra comissão eleitoral que não quer
ver que vira o rosto que diz que não pode fazer nada que a chapa dois tem que fazer um uso político das
coisas que acontecem mas que ela não pode interferir... numa briga entre a chapa um e a chapa dois e fica
tudo por isso mesmo...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Tanto no exemplo 49 quanto no 50, a prosódia foi decisiva: a presença de uma
segmentação na fronteira sintática entre o antecedente e a relativa. Esse fator autorizou uma
interpretação não-restritiva para as duas cláusulas em questão; no entanto, essas relativas não
seriam prototípicas, pois o tom de fronteira considerado típico das não-restritivas é o ascendente,
e nesses dois dados o tom realizado foi o descendente. O exemplo 50 será retomado no item
5.2.6, onde será apresentada a análise prosódica de alguns dados orais.
Exemplo 51:
Você fez muitas músicas com temas políticos em uma época em que havia preconceito contra o pessoal
da Jovem Guarda. Ainda há?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Exemplo 52:
Christoph Westphal, o diretor executivo da Sirtris, disse que drogas que conseguissem reproduzir os
efeitos do resveratrol poderiam “evitar de maneira segura e natural muitas das doenças que afetam a
sociedade ocidental”. As drogas atuariam sobre enzimas chamadas sirtuinas.
(O GLOBO. Pílula de vinho para aumentar a longevidade. 27de abril, 2008.)
Já nos exemplos 51 e 52, temos restritivas prototípicas, ou seja, seus antecedentes têm
grau de definitude baixo e codificam informação Nova no texto e Nova para o leitor;
conseqüentemente, necessitam de especificação, sendo esta dada pelas cláusulas relativas.
Além desses aspectos discutidos anteriormente, a própria natureza do nominal também
contribui para um grau maior ou menor de definitude do SN. Vocábulos como coisa, por
exemplo, são tão genéricos que podem ser considerados proformas
60
, à semelhança dos pronomes
indefinidos. Em casos com proforma, se os SN’s que constituem os antecedentes não
apresentarem mais nenhum elemento que aumente seu grau de definitude, eles exigirão cláusula
do tipo restritiva.
Destarte, poderíamos propor uma gradação para a definitude de SN’s que iria do grau
mínimo, passando pelo baixo, médio e alto até chegar ao grau máximo de definitude. Os SN’s
com grau máximo de definitude, quando conectados a cláusula (s) relativa(s), exigem as não-
60
Segundo Dubois et alii (1978:487), “... a proforma é o representante de uma categoria (N, por exemplo), isto é, a
proforma representa o conjunto das propriedades comuns a todos os membros da categoria, abstração feita aos traços
semânticos que distinguem cada membro da categoria em questão”.
restritivas; aqueles com grau mínimo exigem as restritivas, e os de graus intermediários aceitam
qualquer tipo de relativa, a depender das condições específicas de produção, ou seja, dos
contextos de situação e de cultura, e/ou de como se configura a informatividade no texto, como
podemos verificar no exemplo 53.
Exemplo 53:
No domingo, um belíssimo dia de sol, combinamos visitar meu irmão que mora no Flamengo e, em
seguida, deixaríamos nossa visitante no Galeão. Saímos de casa às 17h50m. A Avenida Atlântica, ainda
parcialmente fechada para área de lazer, estava parada na altura da Praça do Lido. Quando a pista da praia
abriu, fizemos a volta, assim como a maioria dos carros da nossa pista, e retornamos até a Figueiredo de
Magalhães para tentar um caminho alternativo, via Botafogo –
que também estava completamente
engarrafado, principalmente próximo à praia.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002.)
No exemplo 53, o antecedente destacado tem um grau médio de definitude (Art Def + N +
SAdj), mas o aposto subseqüente o especifica, possibilitando o emprego de uma cláusula relativa
não-restritiva.
Apresentamos, a seguir, um quadro no qual propomos uma correlação entre a constituição
e o grau de definitude de SN’s antecedentes em construções relativas.
CONSTITUIÇÃO DO SN ANTECEDENTE GRAU DE DEFINITUDE DO SN
ANTECEDENTE
N [próprio]
N [comum] + SPrep [com N próprio]
Pro [pessoal]
Máximo
Poss + N
Dem + N
Dem + N + SAdj*
Dem + N + SAdj + SPrep*
Alto
(Art Def) + N + Sprep
(Art Def) + N + Sadj
Médio
(Art Ind) + N + SPrep
(Art Ind) + N + SAdj
(Art Def) + N
(Art Ind) + N
(Quant) + N
Quant + Art Def + N*
Ind + N
Baixo
Ind
Dem
(Art Def) + N [genérico]
(Art Inf) + N [genérico]
Mínimo
Quadro 5: Correlação entre constituição e grau de definitude do SN antecedente em construções relativas
Em relação ao quadro 5, é importante fazermos algumas ressalvas. Em primeiro lugar, a
proposta foi elaborada a partir dos dados do nosso corpus e com base na nossa amostra de textos;
portanto, não esgota todas as possibilidades de constituição do SN em português. Para que ela
seja ampliada é necessária tamm a ampliação dos dados e dos gêneros textuais. Em segundo
lugar, a ordem dos constituintes não é necessariamente a que sugerem os esquemas do quadro,
pois, em alguns casos, há flexibilidade na posição dos determinantes em relação ao núcleo. Em
terceiro lugar, a ocorrência de SAdj e SPrep é recursiva, ou seja, esses constituintes podem se
repetir dentro do SN. Em quarto lugar, para as configurações marcadas com asterisco, só temos
um dado de cada em nosso corpus: Dem + N + SAdj + SPrep (exemplo 54), Dem + N + SAdj
(exemplo 55) e Quant + Art Def + N (exemplo 56). Por fim, os parênteses colocados em alguns
constituintes indicam que estes podem ou não estar presentes no SN.
Exemplo 54:
A coordenadora do Inca Tânia Cavalcanti conta que alguns elementos contribuem para que a juventude tenha
esse
contato precoce com o cigarro
, que começa, em média, com 15 anos de idade.
(
JORNAL DO BRASIL
. A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil. 01 de junho de 2008.)
No exemplo 54, o grau de definitude do antecedente foi considerado alto, já que o SN
contém dois determinantes (Dem e SAdj) além de um SPrep. Seu referente codifica uma
informação Nova no texto, mas Velha para o leitor. Este último fator, juntamente com o grau de
definitude, viabiliza a identificação do referente pelo interlocutor favorecendo o papel não-
restritivo da relativa.
Exemplo 55:
Exemplos grotescos me voltam agora à cabeça, como a simples proibição de letras de músicas pelo uso de
palavras isoladas. Rita Lee e Mu foram censurados pelo título de uma música, "Moleque sacana". A
palavra sacana foi considerada imoral pelos censores da famigerada Divisão de Censura de Diversões Pú-
blicas. Da mesma maneira, a censura interditou em 1980 a primeira (e única) tentativa de Francisco Julião
(o das Ligas Camponesas) de escrever um longo poema musical em forma de cordel, apenas porque usava
a estrela como símbolo e um (antecipatório) partido dos trabalhadores para esgrimir sobre a liberdade, a
sede de justiça social e democracia para a maioria. Tive que me reportar às fontes do começo da nação
portuguesa e do cordel do Nordeste do Brasil para salvar a peça do Julião dos arreganhos proibitórios. Isso
para não citar outro rumoroso caso,
que foi a simples interdição da sinopse da novela "Roque Santeiro",
de Dias Gomes.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
O exemplo 55 é um pouco mais complexo, pois, se por um lado caso é um nome de
significação genérica, por outro, o SN possui um SAdj, que lhe confere um grau maior de
definitude. Além disso, o pronome outro, classificado sempre como indefinido pela tradição
gramatical, nesse co-texto apresenta um comportamento diferente. Ele pressupõe que a
informação codificada pelo nome que ele determina seja Velha ou Inferível remetendo o leitor ao
co-texto precedente. O nome caso não fora explicitamente usado na porção anterior do texto, mas
é Inferível a partir do termo exemplos, usado no início do fragmento transcrito, que, nesse co-
texto, pode ser considerado sinônimo de caso, que codifica informação Velha para o leitor.
Assim, outro rumoroso caso equivale a outro rumoroso exemplo, já que o autor está citando
vários exemplos (ou casos) em que ele driblou a censura para liberar a exibição ou execução de
obras de arte. Por esse motivo consideramos o vocábulo outro, nesse dado, pronome
demonstrativo, conforme Vilela e Koch (2001), e incluímos esse tipo de constituição de SN no
grau médio de definitude (cf. quadro 5). Quanto ao tipo de relativa empregado, consideramos
não-restritiva não-prototípica, devido ao fato de que essa cláusula contribui para a especificação
do antecedente mesmo que não seja nos moldes esperados haja vista o emprego da vírgula.
Exemplo 56:
Os miasmas vêm procedendo do Poder Judiciário, o que torna mais grave, e muito mais aflitivo, todo o
desenho
que desencadeia o processo.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
No exemplo 56, o SN antecedente apresenta um grau baixo de definitude. É interessante
observarmos que o vocábulo todo, nesse caso, funciona como quantificador indefinido, indicando
de maneira não exata a quantidade, ou a extensão, em relação ao referente codificado por
desenho.
No que tange ao funcionamento do status informacional correlacionado à definitude do
SN antecedente em construções de relativização distribuídas por modalidade e tendo como base
os gêneros textuais analisados, observamos em nossa amostra que, na escrita, o antecedente é
preferencialmente Novo no texto e Novo para o leitor, seja ele mais ou menos definido. Já com
relação à fala, o antecedente codifica, preferencialmente, referente Velho no texto e Velho para o
ouvinte, seja ele mais ou menos definido. Embora este trabalho não tenha um viés quantitativo,
apresentamos a seguir uma tabela com essa distribuição.
FALA
ESCRITA
STATUS NO
TEXTO
STATUS PARA O
INTERLOCUTOR
DEFINITUDE
oco % oco %
Novo Novo + 09 13,5 % 30 24%
Novo Velho + 08 12 % 12 9,5 %
Velho Velho + 17 26 % 10 8 %
Inferível Velho + 01 1,5 % 04 3 %
Novo Novo - 11 16,5 % 34 27,2 %
Novo Velho - - 05 4 %
Velho Velho - 19 29 % 24 19,2 %
Inferível Velho - 01 1,5 % 06 5 %
TOTAL DE DADOS POR MODALIDADE 66 125
Tabela 5: Distribuição do status informacional e definitude do SN antecedente em construções de relativização por
modalidade
No que se refere ao total de dados da modalidade escrita, não estão incluídos os cinco
casos em que o antecedente é um advérbio e, pelos motivos expostos anteriormente, não foram
considerados para efeito da análise da informatividade nem da definitude desse SN. Assim, se
somarmos os casos com antecedentes adverbiais aos da tabela 5, teremos um total de cento e
trinta (130) dados na modalidade escrita.
A distribuição da informatividade correlacionada à definitude do SN antecedente em
construções relativas apontada pela tabela 5 ratifica que as diferenças nas condições de produção
de cada modalidade da língua se refletem na organização textual e, mais especificamente, se
refletem no funcionamento das variáveis em questão. A interação por meio de texto escrito exige
que este apresente um nível mais elevado de informatividade, até mesmo para manter o interesse
do leitor, preocupação constante do discurso jornalístico, em que se prima pela objetividade e
concisão, além do fato de a expressão escrita, em geral, poder contar com um planejamento
prévio, como vimos no quadro proposto por Fávero et alii (2003:74), reproduzido na página ???.
Outro aspecto a considerar nos gêneros da escrita estudados aqui é que temos um escritor
que elabora um texto com vistas não a um leitor específico, mas a vários, dos quais o autor só
pode ter um vago perfil. Já na interação por meio de texto oral, o planejamento simultâneo, ou
quase simultâneo, à produção faz com que, entre outros aspectos, as retomadas a informações
prévias sejam, em geral, mais comuns. Outro dado importante em relação ao gênero textual aqui
analisado é que a entrevista prevê, na sua dinâmica, que o entrevistador compartilhe com o(s)
entrevistado(s) vários conhecimentos, caso contrário o texto corre o risco de ser inócuo. No caso
especial do programa Faixa Livre, há várias afinidades entre os interlocutores, principalmente
político-ideológicas. O segundo entrevistado, inclusive, é um coloborador do programa, como
informou o próprio entrevistador em um dado momento do texto. Contudo, ressaltemos que essa
cumplicidade é relativizada pelo fato de que se trata de um programa radiofônico, portanto
difundido para milhares de ouvintes, que também são, ainda que com status diferenciado do dos
entrevistados, interlocutores. Os ouvintes do programa que tiveram acesso à transmissão da
entrevista em questão, à semelhança dos interlocutores na modalidade escrita, interagiram à
distância espacial e temporal, ainda que a transmissão seja simultânea, pois só puderam interferir
a posteriori. Por sua vez, entrevistador e entrevistados não tiveram acesso imediato às reações
dos ouvintes do programa – semelhantemente a interlocutores na modalidade escrita.
Essas peculiaridades das condições de produção corroboram o pressuposto defendido
neste trabalho de que fala e escrita não se encontram em oposição, e sim numa relação
complementar e gradiente em que, a depender do gênero textual e do contexto de situação,
podemos ter um texto com mais ou menos traços da fala ou da escrita, como preconiza Marcuschi
(2001).
Feitas essas considerações, passemos ao exame mais aprofundado de todos gêneros
textuais que fazem parte da nossa amostra, constituída a partir de exemplares do domínio
discursivo jornalístico.
5.2.2 Gêneros textuais
Ao contrário dos tipos textuais, os gêneros constituem um inventário aberto que sofre
alterações em função das diferentes culturas pelas quais são criados e em função das
transformações por que uma dada cultura passa ao longo dos tempos. Se alguns gêneros caem em
desuso ou têm sua função social redefinida, outros são forjados a partir dos já existentes e de
acordo com as necessidades da comunidade lingüística. Os gêneros estão, pois, diretamente
relacionados aos contextos: de acordo com a situação comunicativa, o locutor faz ou é levado a
fazer a sua opção por um ou por outro gênero.
Para Halliday (1977), três são os elementos que definem um texto como tal: estrutura
genérica, estrutura textual e coesão. Uma receita culinária, uma aula, uma conversa informal,
uma carta, qualquer que seja o texto, possuirá uma estrutura genérica conhecida pelos usuários
que interagem por meio dele. A estrutura textual diz respeito aos sistemas temático e
informacional, que vão organizar a distribuição das informações na perspectiva do locutor e do
interlocutor respectivamente. E a coesão constitui-se de vários mecanismos responsáveis pela
textualidade, ou seja, que auxiliam o interlocutor a recuperar informações pertinentes e
estabelecer relações lógicas entre porções do texto auxiliando-o a percebê-lo como uma unidade.
Esses mecanismos seriam as relações coesivas referencial, elíptica, conjuntiva e lexical.
De acordo com o referido autor, a situação comunicativa estrutura-se semioticamente com
base em três elementos: campo (tipo de ação social que contextualiza a interação), teor (conjunto
de relações socialmente significativas entre os participantes) e modo (modo de organização
simbólica – incluindo o canal e aspectos retóricos – que confere ao texto um determinado status
na interação em relação ao campo e ao teor). O gênero é, portanto, um dos elementos que entram
na configuração da estrutura do contexto de situação estando relacionado mais diretamente ao
modo. O contexto de situação e, conseqüentemente, o gênero determinariam as escolhas
(conscientes ou não) feitas pelos locutores no âmbito dos diversos sistemas que configuram a
língua (de modo, de transitividade, de tema, de informação).
O conceito de gênero [...] é um aspecto do que nós estamos chamando de
‘modo’. Os vários gêneros do discurso, incluindo os literários, são as
funções semióticas específicas de texto que têm valor social na cultura.
Um gênero pode ter implicações para outros componentes do significado:
há freqüentemente associações entre um gênero particular e traços
semânticos específicos de um tipo ideacional ou interpessoal, por
exemplo, entre o gênero ‘reza’ e certas seleções no sistema de modo”
61
(Halliday, 1977:202)
Assim, campo, teor e modo ativariam os respectivos componentes do sistema semântico
criando uma configuração específica em função do tipo de situação envolvido e caracterizando o
que Halliday (1977) entende como ‘registro’. Este é o elemento que possibilita a continuidade
entre um texto e seu contexto, e um dado texto é um exemplar da variedade definida pelo
registro. Em última instância, Halliday (1977:197) considera o texto “[...] um evento sociológico,
61
The concept of genre (...) is an aspect of what we are calling the ‘mode’. The various genres of discourse,
including literary genres, are the specific semiotic functions of text that have social value in the culture. A genre may
have implications for other components of meaning: there are often associations between a particular genre and
particular semantic features of ideational or interpersonal kind, for example between the genre of prayer and certains
selections in the mood system.
um encontro semiótico por meio do qual os significados que constituem o sistema social são
trocados”.
62
No que diz respeito à modalidade, às vezes, o próprio contexto de situação determinará o
uso da fala ou da escrita. Em alguns casos o usuário pode optar por uma ou outra, e a motivação
para a escolha se dará em decorrência de outros fatores. A modalidade, assim como o gênero, está
diretamente relacionada ao contexto.
Marcuschi (2002:22-3) define gênero como “os textos materializados que encontramos
em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica”. Travaglia (2003:7) o
define como a categoria que “se caracteriza por exercer uma função social específica”.
Os gêneros selecionados para desenvolvermos o presente estudo (editorial, artigo, crônica,
entrevista e notícia) foram forjados no âmbito de uma dada cultura estando, portanto, situados
historicamente e estão inseridos no domínio discursivo jornalístico.
5.2.3 Gêneros jornalísticos
Para a descrição e o estabelecimento da norma considerada culta, a tradição gramatical
pautava-se, quase exclusivamente, na produção literária – mais na portuguesa que na brasileira,
diga-se de passagem. Os compêndios escolares, baseados nas gramáticas consagradas, repetiam
basicamente o mesmo procedimento até bem pouco tempo. No entanto, a demanda por um ensino
mais dinâmico e significativo, comprometido com a realidade discente, oficializada e
institucionalizada pela primeira publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), vem
exigindo algumas mudanças no ensino do idioma materno, e o trabalho intenso e diversificado
62
“a sociological event, a semiotic encounter through which the meanings that constitute the social system are
exchanged.”
com os gêneros textuais é uma delas. Os textos devem ter seus domínios ampliados para além do
literário incluindo o discurso jornalístico, tomado, entre outros aspectos, como exemplar mais
acessível e fidedigno da língua portuguesa contemporânea considerada padrão, tanto na fala
quanto na escrita.
Foi sob esse prisma que selecionamos para integrar nosso corpus textos jornalísticos
divulgados por dois meios de comunicação de massa: o jornal (impresso) e o rádio. A constante
ampliação e complexidade da organização social geram por parte dos cidadãos uma necessidade
de informação que, na maioria das vezes, é suprida pelos meios de comunicação. Estes vêm se
tornando cada vez mais abrangentes, acessíveis e rápidos devido, principalmente, ao
desenvolvimento tecnológico. Dentro desse contexto, é impossível não reconhecer a relevância
da atividade jornalística, cujos parâmetros, segundo Groth (apud Melo, 2003a:17), são:
periodicidade, universalidade, atualidade e difusão.
Todas essas características são funcionalmente articuladas, mas o que as
torna concretas e as aciona são os mecanismos que determinam a
“necessidade social da informação” – o que faz com que uma
coletividade busque informar-se e orientar-se sobre o que está
acontecendo ao redor e alhures e justifique o funcionamento das
instituições que correspondem a esse anseio coletivo.
(Melo, 2003a:18)
As transformações sociais e econômicas advindas com a ascensão da burguesia e a
consolidação do capitalismo fizeram com que a informação passasse a ser concebida como “um
bem social, um indicador econômico, um instrumento político” (Melo, 2003a:19). A criação da
imprensa foi fundamental para viabilizar o fluxo de conhecimento e informação de forma mais
ágil e abrangente atendendo às necessidades de uma sociedade que se estruturava com base no
capital e no espaço urbano. O jornalismo configura-se, nesse cenário, como
um processo social que se articula a partir da relação (periódica/
oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e coletividades
(públicos receptores), através de canais de difusão
(jornal/revista/rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de
informações (atuais) em função de interesses e expectativas (universos
culturais ou ideológicos).
(Melo, 2003a:17)
No momento da sua gênese, o jornalismo era eminentemente uma atividade marcada pela
expressão de opiniões. Com o estabelecimento da liberdade de imprensa, diversos setores da
sociedade expunham sua maneira de pensar utilizando as páginas dos jornais. No entanto, quando
a imprensa norte-americana imprimiu um ritmo industrial a essa atividade e transformou a
informação sobre o mundo atual em mercadoria, o jornalismo passou a ter um caráter
predominantemente informativo, e a publicação de jornais e revistas tornou-se um
empreendimento. O rádio e a televisão já surgiram dentro dessa concepção capitalista.
Segundo Melo (2003a), a classificação dos gêneros jornalísticos remonta ao século XVIII,
quando o editor inglês Samuel Buckley estabeleceu a distinção entre news e comments, distinção
que seria adotada e difundida com veemência principalmente pela imprensa norte-americana. A
questão dos gêneros está diretamente relacionada às funções sociais do jornalismo, aspecto sobre
o qual não há, entre os estudiosos do assunto, muito consenso. Para Beltrão (apud Melo,
2003a:26), essas funções seriam informar, orientar e direcionar. Para Bond (apud Melo,
2003a:27), seriam informar, interpretar, orientar e entreter. Para Nixon (apud Melo, 2003a:28),
seriam observar, aconselhar, educar e divertir.
Como já vimos com Halliday (1977), Marcuschi (2002) e Travaglia (2003a), os gêneros
textuais são forjados no âmbito de uma dada cultura e, ainda que apresentem alguns traços
universais, alguns são típicos de um determinado universo geocultural. Não poderia ser diferente
com os gêneros jornalísticos, de modo que a distinção entre news e comments é muito mais
flexível no jornalismo brasileiro do que no norte-americano ou no europeu, por exemplo. Da
mesma forma há gêneros (jornalísticos ou não) que são praticados em algumas culturas e não o
são em outras. Além disso, é comum ocorrer o entrecruzamento de gêneros na prática discursiva.
Desse modo, assim como concebemos as categorias gramaticais, também procedemos em relação
aos gêneros, ou seja, os concebemos como categorias prototípicas dentro de um contínuo.
Da mesma forma que há várias classificações para os gêneros textuais em geral, também
há várias para os gêneros jornalísticos. Adotamos, neste estudo, a classificação proposta por Melo
(2003a), que se baseia em dois critérios: a intencionalidade que rege o relato jornalístico e a
natureza estrutural do relato. O primeiro critério pauta-se em “duas vertentes: a reprodução do
real e a leitura do real”. Para o autor, “reproduzir o real significa descrevê-lo jornalisticamente a
partir de dois parâmetros: o atual e o novo. Ler o real significa identificar o valor do atual e do
novo na conjuntura que nutre e transforma os processos jornalísticos.” O segundo critério leva
“em consideração a articulação que existe do ponto de vista processual entre os acontecimentos
(real), sua expressão jornalística (relato) e a apreensão pela coletividade (leitura).” Desse modo,
Melo (2003a:65) caracteriza as duas grandes categorias segundo as quais classifica os gêneros
jornalísticos:
Os gêneros que correspondem ao universo da informação se estruturam a
partir de um referencial exterior à instituição jornalística: sua expressão
depende diretamente da eclosão e evolução dos acontecimentos e da
relação que os mediadores profissionais (jornalistas) estabelecem em
relação aos seus protagonistas (personalidades ou organizações). Já no
caso dos gêneros que se agrupam na área da opinião, a estrutura da
mensagem é co-determinada por variáveis controladas pela instituição
jornalística e que assumem duas feições: autoria (quem emite a opinião) e
angulagem (perspectiva temporal ou espacial que dá sentido à opinião).
O referido autor estabelece sua classificação com base na observação dos gêneros
praticados no jornalismo brasileiro. Para ele, o jornalismo gira em torno de dois eixos: “a
informação (saber o que passa) e a opinião (saber o que se pensa sobre o que passa)” (Melo,
2003a:63). Em decorrência dessa concepção, o estudioso mantém as consagradas expressões
“jornalismo informativo” e “jornalismo opinativo”. No entanto, não podemos cair na armadilha
que permeia essa categorização binária admitindo a existência de gêneros textuais puramente
informativos ou exclusivamente opinativos uma vez que a atividade jornalística, bem como
qualquer forma de interação verbal, não pode prescindir das dimensões social, política,
ideológica. Assim, o autor nos alerta para o fato de que
... admitir a convivência de categorias que correspondem a modalidades
de relato dos fatos e das idéias no espaço jornalístico não significa
absolutamente desconhecer que o jornalismo continua a ser um processo
social dotado de profundas implicações políticas, onde a expressão
ideológica assume caráter determinante. Cada processo jornalístico tem
sua dimensão ideológica própria, independentemente do artifício
narrativo utilizado.
(Melo, 2003a:25)
Na categoria informativa, ele estabelece quatro gêneros: nota, notícia, reportagem e
entrevista. Na categoria opinativa, estabelece oito: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna,
crônica, caricatura e carta (do leitor). Dos doze gêneros propostos, cinco integram nossa amostra,
contemplando as duas categorias básicas do discurso jornalístico: informativa e opinativa. Da
primeira categoria, coletamos notícias e entrevistas; e da segunda, editoriais, artigos e crônicas.
5.2.3.1 A notícia
Para Melo (2003a:65-66), “a notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no
organismo social.” Embora saibamos que qualquer texto, em maior ou menor grau, deixa
transparecer a visão de mundo de quem o elaborou, o que acaba por permear o texto de juízo de
valor, a notícia caracteriza-se por ter como objetivo principal informar o interlocutor sobre um
acontecimento atual, e não fazer um comentário ou uma análise desse acontecimento,
diferentemente dos gêneros chamados opinativos. Em geral, estrutura-se da seguinte forma:
título, lead e corpo do texto, podendo ou não ser assinada.
O título anuncia a notícia; o lead, como seu próprio significado na língua de origem
sugere, guia o leitor chamando sua atenção para a principal informação contida na notícia,
contextualizando-a com as circunstâncias que teoricamente envolvem qualquer fato, isto é, o
clássico “quem fez o quê, como, onde, quando e por quê” (Garcia, 2005:31). Além de resumir o
fato, o lead exorta o interlocutor a prosseguir na leitura da matéria. E, por fim, o corpo do texto,
que relata o fato anunciado no título e no lead de forma detalhada, apresentando seus
antecedentes, as etapas que constituem seus desdobramentos e suas conseqüências. Segundo
Garcia (2005:35), “o esquema clássico é o da pirâmide invertida: alimenta-se o início da matéria
com os fatos mais relevantes, e o conteúdo dos parágrafos que se seguem vai decrescendo em
importância”.
Por caracterizar-se essencialmente como relato, costuma apresentar predominantemente
seqüências tipológicas narrativas; por isso, nesse tipo de texto, as categorias de tempo e espaço
são fundamentais. Para Charaudeau (2007:153),
O papel da diegese narrativa é então o de construir uma história segundo
um esquema narrativo intencional, no qual se poderá identificar os
projetos de busca dos atores e as conseqüências de suas ações. Em
resumo, trata-se de construir uma narrativa, um narrador (a diegese
evenemencial existe sem narrador, mas não a diegese narrativa) e um
ponto de vista (não há narrativa sem ponto de vista). É por isso que a
narrativização dos fatos implica a descrição do processo da ação (“o
quê?”), dos atores implicados (“quem?”), do contexto espaço-temporal no
qual a ação se desenrola ou se desenrolou (“onde?” e “quando?”).
Quanto às seleções do Sistema de Modo, predominam os tempos do pretérito e a terceira
pessoa do discurso. Este último traço também está diretamente relacionado à intenção de
imparcialidade que norteia o gênero, devendo “apresentar ao leitor um relato objetivo e distante
dos fatos, isento de avaliações pessoais ou julgamentos explícitos ou implícitos” (Franceschini,
2004 apud Oliveira, 2007:57). Desse modo, teoricamente, “só quem opina é a fonte e o texto
precisa deixar bem claro de quem é a opinião, para que aquele juízo de valor não seja entendido
pelo leitor como uma interferência indevida do repórter ou do veículo” (Franceschini, 2004 apud
Oliveira, 2007:57).
Exemplo 57:
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame informou que o caso será apurado com rigor, pois a
liberdade de imprensa não pode ser ameaçada.
-
Policiais
que cometem esses atos são duplamente criminosos. Vamos dar uma resposta
à
sociedade - garantiu.
(JORNAL DO BRASIL. Milícia tortura equipe de jornal. 01 de junho, 2008.)
Nesse trecho do exemplo 57, que constitui uma seqüência tipológica narrativa,
observamos o emprego do pretérito perfeito do indicativo (“informou”, “garantiu”) codificando
um fato registrado e veiculado pela empresa jornalística. Esta reproduz a fala do secretário de
duas maneiras: primeiro, por meio de uma cláusula hipotática de idéia (“
que o caso será apurado
com rigor”)
; segundo, por meio de uma cláusula hipotática de locução (“
-
Policiais
que cometem
esses atos são duplamente criminosos. Vamos dar uma resposta
à
sociedade”
), deixando claro para o
interlocutor que a opinião emitida sobre o fato e sobre os policiais envolvidos com o crime
(codificada por uma relativa) é do secretário de segurança pública, e não do jornal. Dentro da
cláusula hipotática de locução, há uma relativa restritiva prototípica delimitando a avaliação feita
pelo secretário a alguns elementos específicos da classe de policiais.
Exemplo 58:
Na sessão final de ontem à tarde, Marco Aurélio sustentou – na linha da maioria que já se formara – que
“o início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da gravidez” e que, se a fecundação
ocorreu in vitro e não no útero materno, “a personalidade jurídica (do embrião) depende do nascimento
com vida”. Lembrou, ainda, que a norma da Lei de Biossegurança permite pesquisas com células-tronco
embrionárias produzidas in vitro, “consideradas inviáveis para a reprodução humana e, portanto,
descartáveis,
às quais não está reservado outro destino que não o lixo”.
(JORNAL DO BRASIL. Decisão foi de 6 a 5, mas 9 deram voto contra a ação. 30 de maio, 2008.)
Mais uma vez, a instituição jornalística tem a intenção de deixar claro que a argumentação
em prol da utilização das células-tronco em pesquisas é do ministro Marco Aurélio. Nesse
exemplo, o discurso direto é assinalado graficamente pelas aspas. Os verbos que contribuem para
a codificação do fato motivador da notícia estão nos tempos do pretérito (“sustentou”, “formara”,
“lembrou”), em contraste com aqueles que codificam o discurso do ministro expressando sua
argumentação. Nesta, detectamos uma cláusula relativa não-restritiva prototípica (“às quais não
está reservado outro destino que não o lixo”) enfatizando a inviabilidade das referidas células
para a reprodução humana e, conseqüentemente, a possibilidade de aproveitamento das mesmas
para o desenvolvimento científico. Encaixada à não-restritiva há uma relativa restritiva (que não
o lixo), na qual a seqüência que não também pode ser entendida como senão. Esse tipo de
construção será discutido mais adiante, no sexto capítulo.
Dos quinze textos que integram nossa amostra, seis foram classificados como notícias:
“Pílula de vinho para aumentar a longevidade”, “Cinco reféns em aldeia no Maranhão”, “Serra:
PT quer transformar o caso Alstom em ‘eleitoralismo’”, “Decisão foi de 6 a 5, mas 9 deram voto
contra a ação”, “A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil” e “Milícia tortura equipe
de jornal”, tendo sido os três primeiros publicados em O Globo, e os três últimos, no Jornal do
Brasil.
5.2.3.2 A entrevista
Segundo Melo (2003a:66), “a entrevista é um relato que privilegia um ou mais
protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade”. Identifica-
se com a vertente jornalística informativa exatamente por se constituir em um relato cuja voz não
é a da instituição noticiosa, mas a de um cidadão, ou seja, o leitor entra em contato direto com a
fonte. Tal prática discursiva é tomada como um evento, um fato, daí inserir-se na categoria
informativa, ainda que neste ato discursivo o entrevistado exponha seu ponto de vista, sua
opinião. A entrevista pode ser divulgada pelo rádio, pela televisão ou por mídias impressas. Nos
três modos de difusão pode haver editoração, ou seja, esse gênero, como os demais, também pode
passar pelo crivo dos filtros, mas tal processo é muito mais evidente na mídia impressa. Neste
caso, estaremos diante do que Marcuschi (2001) denomina “processo de retextualização”. O
referido autor assim o define:
A retextualização, tal como tratada neste ensaio, não é um processo
mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente
no plano dos processos de textualização. Trata-se de um processo que
envolve operações complexas que interferem tanto no código como no
sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-
compreendidos da relação oralidade-escrita.
(Marcuschi, 2001:46)
No caso do rádio, quando a entrevista ocorre simultaneamente à transmissão, podemos ter a
reprodução fidedigna do relato do entrevistado. Charaudeau (2007) ressalta a importância dos
recursos vocais que podem ser acionados por meio da transmissão radiofônica, revelando
emoções e/ou posicionamentos que não são transmitidos da mesma forma por outros meios de
comunicação (mídia impressa ou mesmo televisão). Charaudeau (2007:213) afirma que a união
da “situação dialógica e relação de intimidade, explica porque a mídia rádio seja, por excelência,
a mídia da entrevista”. Contudo, com o contínuo avanço tecnológico, que facilita a comunicação
e instaura novos modos de interação, há casos em que o contato entre entrevistado e entrevistador
ocorre por correio eletrônico, ou seja, a entrevista jornalística já “nasce” na modalidade escrita, o
que não impede que seja editada.
O autor aponta semelhanças e diferenças entre três gêneros com estrutura dialógica:
entrevista, bate-papo e conversa, afirmando que
A entrevista, ao contrário das outras duas, exige uma diferenciação de
status, de tal modo que um dos parceiros seja legitimado no papel de
‘questionador’ e o outro num papel de ‘questionado-com-razões-para-ser
questionado’. A alternância de fala se acha então regulada e controlada
pela instância entrevistadora segundo suas finalidades.
(Charaudeau, 2007:214)
Observamos, assim, que, nos termos de Halliday (1977), quanto ao teor ou relação, os
interlocutores não têm o mesmo status tratando-se, pois, de um diálogo assimétrico. Charaudeau
(2007) especifica a entrevista jornalística a partir do “contrato midiático”, que possibilita a
participação de um outro interlocutor (o ouvinte) numa estrutura triangular. Cabe ressaltar que, a
depender do programa, o ouvinte pode ter uma participação mais ativa, fazendo pergunta(s) ou
comentário(s) por telefone diretamente ao entrevistado ou pela mediação da produção do
programa, que registra a intervenção do ouvinte, transmitida ou não publicamente pelo
entrevistador. O autor apresenta diversas variantes do gênero: entrevista política, entrevista de
especialista, entrevista de testemunho, entrevista cultural e entrevista de estrelas.
Em nossa amostra, temos duas entrevistas orais e duas entrevistas escritas (retextualizadas).
A amostra da modalidade falada foi constituída por duas entrevistas realizadas no programa
“Faixa Livre”, analisadas no item 5.2.6, transmitido diariamente pela rádio Bandeirantes. Elas
foram consideradas entrevistas políticas, de acordo com a definição proposta por Charaudeau
(2007:215):
• a entrevista política, que se define pelo propósito de concernir à vida
cidadã, e pela identidade do entrevistado. (...) a entrevista política é um
gênero que se presume pôr à disposição da opinião pública uma série de
julgamentos e de análises que justifiquem o engajamento do entrevistado.
Apesar de as entrevistas ocorrerem no mesmo programa durante a mesma transmissão, os
dois entrevistados não interagem entre si, por isso as consideramos duas unidades discursivas
distintas. Além disso, o papel social dos entrevistados é diferente. A primeira, convidada pelo
programa, tinha como pauta falar sobre sua participação na eleição do sindicato dos professores
do Rio de Janeiro. O segundo, que é um dos colaboradores permanentes do programa e membro
da mesma chapa no referido processo eleitoral, ao ser interpelado pelo entrevistador, falou
também sobre sua participação no movimento sindical, mas discorreu, principalmente, sobre a
situação política e diplomática de alguns países da América Latina e suas relações com os
Estados Unidos.
As entrevistas radiofônicas, mesmo sofrendo as pressões peculiares ao contexto de
situação no qual se inserem, não deixam de apresentar aspectos da fala espontânea, como
hesitações, paráfrases, repetições, correções e digressões (Fávero et alii, 2003). Por isso, quanto
ao nível de registro, as consideramos como textos semi-espontâneos.
Quanto às duas entrevistas escritas, podemos considerar que uma delas, publicada em 10
de setembro de 2006, no jornal O Globo, se enquadra na categoria de “entrevista de estrelas”, já
que foi realizada com um famoso jogador de futebol, Luizão, que atuava na ocasião no Clube de
Regatas do Flamengo. A outra, publicada no Jornal do Brasil, em 06 de maio de 2007 e realizada
com o cantor e compositor Erasmo Carlos, seria um misto de “entrevista cultural” e “entrevista
de estrelas” já que o entrevistado, além de ser uma personalidade do cenário cultural, não deixa
de ser um astro. Outrossim, as perguntas do entrevistador tanto giram em torno de aspectos
artísticos quanto de aspectos pessoais. Charaudeau (2007: 216) conceitua a “entrevista cultural”
como aquela que “trata, no caso, da vida literária, cinematográfica, artística, procurando penetrar
os mistérios da criação”. Quanto à “entrevista de estrelas”, ele afirma que “seu propósito diz
respeito à vida das personalidades do mundo do espetáculo (atores, cantores etc.)”.
Como não há, em nenhum dos dois jornais, informação sobre o fato de que as entrevistas
tenham sido realizadas por correio eletrônico ou por telefone, partimos do pressuposto de que as
mesmas se deram em interação face-a-face e de que os textos publicados passaram pelo processo
de retextualização. Marcuschi (2001) apresenta quatro possibilidades de retextualização: a) da
fala para a escrita (entrevista impressa); b) da fala para a fala (tradução simultânea); c) da escrita
para a fala (exposição oral) e d) da escrita para a escrita (resumo escrito). Desse modo, tanto a
entrevista com Luizão quanto a com Erasmo Carlos se enquadrariam na categoria (a): textos
produzidos na modalidade oral sendo posteriormente retextualizados para a modalidade escrita.
Nesse processo, o texto base, produzido oralmente, é, num primeiro momento, transcrito e
constitui o que Marcuschi (2001) denomina “texto transcodificado”. Nessa etapa, que envolve
operações menos complexas, “evitam-se a pontuação, as inserções e qualquer tipo de eliminação
ou idealização até onde isso for possível, devendo trazer indicações específicas da
situacionalidade e da qualidade da produção (por exemplo, indicações como sorriso, movimento
do corpo etc.)” (Marcuschi, 2001:73). Em seu “modelo heurístico, no sentido genuíno do termo”,
o autor só considera registros em áudio e deixa de lado registros em vídeo, que tornariam,
segundo ele, o modelo altamente complexo. Outro aspecto importante a ressaltar é que mesmo a
transcrição mais fiel deixará de lado aspectos entonacionais, que serão parcialmente
representados por sinais de pontuação no início do processo de retextualização propriamente dita.
Segundo Marcuschi (2001), as operações envolvidas no processo de retextualização da
fala para a escrita seriam as seguintes:
1ª Operação: Eliminação de marcas estritamente interacionais, hesitações
e partes de palavras (estratégia de eliminação baseada na idealização
lingüística).
2ª Operação: Introdução da pontuação com base na intuição fornecida
pela entoação das falas (estratégia de inserção em que a primeira
tentativa segue a sugestão da prosódia).
3ª Operação: Retirada de repetições, reduplicações, redundâncias,
paráfrases e pronomes egóticos (estratégia de eliminação para uma
condensação lingüística).
4ª Operação: Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem
modificação da ordem dos tópicos discursivos (estratégia de inserção).
5ª Operação: Introdução de marcas metalingüísticas para referenciação de
ações e verbalização de contextos expressos por dêiticos (estratégia de
reformulação objetivando explicitude).
6ª Operação: Reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias,
reordenação sintática, encadeamentos (estratégia de reconstrução em
função da norma escrita).
7ª Operação: Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas
sintáticas e novas opções léxicas (estratégia de substituição visando a
uma maior formalidade).
8ª Operação: Reordenação tópica do texto e reorganização da seqüência
argumentativa (estratégia de estruturação argumentativa).
9ª Operação: Agrupamento de argumentos condensando as idéias
(estratégia de condensação).
OPERAÇÕES ESPECIAIS: readaptação dos turnos (nos diálogos) para
formas monologadas ou dialogadas.
(Marcuschi, 2001:73)
O próprio autor, no entanto, chama a atenção para as limitações do modelo, que não
contempla a questão da compreensão nem especifica de que maneira os turnos são tratados nos
textos dialogados. Alerta ainda para o fato de que as fronteiras entre alguns conceitos ainda estão
difusas, de que as operações não ocorrem necessariamente na ordem apresentada e de que não é
preciso que todas as operações se realizem para o processo ser considerado concluído. Isso está
relacionado a fatores como intencionalidade, gênero textual, condições de produção, por
exemplo. Da primeira à quarta, as operações compreenderiam “regras de idealização e
regularização”, da quinta à nona, compreenderiam “regras de transformação” constituindo
operações mais complexas que caracterizam propriamente a retextualização.
Ao observarmos as entrevistas escritas da amostra, podemos perceber os resultados de
algumas das operações de retextualização sistematizadas por Marcuschi (2001) e também
algumas observações que o autor faz, como certas marcas da oralidade que são mantidas no texto
final devido a fatores diversos. Podemos perceber isso nos exemplos a seguir, retirados da
entrevista com Erasmo Carlos, concedida ao Jornal do Brasil, em 06/05/07: “Igual a mim, sabe?
E não tem muitos, não.” (pergunta retórica, dupla negação); ‘Você e o Roberto ficam fazendo
essas porra ecológica aí, de baleia e não sei mais o quê! Baleia não compra disco!’
63
(concordância, palavra de baixo calão); “Tem carisma pra caramba.” (contração da preposição,
expressão coloquial); “Me chamaram, mas não fui.” (próclise no início de frase).
É provável que tais usos tenham sido mantidos no texto final para conferir-lhe um tom de
originalidade e espontaneidade e aproximá-lo do leitor. Outro aspecto interessante é a
manutenção da expressão “bicho” no fragmento “Acho normal, bicho. O ouvinte identifica quem
canta”. Essa expressão caracteriza toda uma geração da qual o entrevistado faz parte. Por outro
lado, encontramos arranjos sintáticos típicos de um registro mais formal e da modalidade escrita,
como “Apesar de as composições serem suas e do Roberto, é comum ouvir as pessoas se
referindo ‘àquela canção do Roberto’”. No que tange especificamente às construções relativas, a
retextualização pode envolver mudança de uma estratégia não-padrão para uma padrão. Isso pode
ter ocorrido nos exemplos a seguir, sendo o primeiro produzido pelo entrevistador, e o segundo,
pelo entrevistado:
Exemplo 59:
Você fez muitas músicas com temas políticos em uma época em que havia preconceito contra o
pessoal da Jovem Guarda. Ainda há?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
63
O entrevistado reproduziu o discurso de um interlocutor envolvido no episódio narrado.
Exemplo 60:
Mas, e se alguém em quem ele confiou para entrevistar mentiu?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Já na entrevista feita com o jogador Luizão, concedida ao jornal O Globo, em 10/09/06, o
exemplo mais expressivo da permanência de traços da oralidade é o emprego da expressão
coloquial destacada no excerto “Eu ainda tenho saúde para jogar um bom tempo. Só não sei é se
tenho mais saco.”
Não aprofundaremos a discussão sobre retextualização, pois esse não é o objetivo deste
trabalho, mas é importante ressaltar a relevância do fenômeno uma vez que o gênero entrevista na
modalidade escrita, que integra nossa amostra, sofre as conseqüências desse processo.
Para Melo (2003b:131), a entrevista é fundamental para o domínio discursivo jornalístico
devido à “sua capacidade de resgate da voz das ruas” e porque
... restaura, pois, o diálogo no universo monológico dos meios massivos.
Acolhe múltiplas vozes, orquestrando a diversidade simbólica. Introduz
discrepâncias analíticas, fermentando o sadio pluralismo ideológico.
Reúne protagonistas antagônicos, explorando a riqueza do confronto
dialético.
Ao comparar a entrevista com outros gêneros jornalísticos, como artigos, resenhas,
comentários, editoriais, Melo (2003b:130) afirma que nela “impera uma dinâmica bem distinta”
porque
O jornalista necessita da cooperação de outra pessoa para produzir sua
matéria. Mais do que isso: requer uma certa cumplicidade do interlocutor
para produzir sentidos. O outro assume papel decisivo. É como se ele
ocupasse o lugar dos leitores no discurso jornalístico. O entrevistador
formula questões e significados que se opõem ou confirmam as premissas
do entrevistado. Assim sendo, os cidadãos que lêem jornais possuem
alternativas de avaliação: tanto pode assumir os valores do entrevistado
quanto assimilar as interpretações sugeridas pelo jornalista.
5.2.3.3 O editorial
É consenso que o editorial seja o gênero que exprime o ponto de vista da instituição
noticiosa diante dos fatos ocorridos no cenário nacional. Mas Melo (2003a:103) ressalta que “a
sua natureza de porta-voz da instituição jornalística precisa ser melhor compreendida e
delimitada”. Assim, para o autor,
... nas sociedades capitalistas, o editorial reflete não exatamente a opinião
dos seus proprietários nominais, mas o consenso das opiniões que
emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da
organização. Além dos acionistas majoritários, há financiadores que
subsidiam a operação das empresas, existem anunciantes que carreiam
recursos regulares para os cofres da organização através da compra de
espaço, além de braços do aparelho burocrático do Estado que exerce
grande influência sobre o processo jornalístico pelos controles que exerce
no âmbito fiscal, previdenciário, financeiro.
(Melo, 2003a:103-104)
No caso específico da sociedade brasileira, o estudioso alerta para a presença marcante do
Estado, entidade com a qual os editoriais dialogam na realidade, embora supostamente se dirijam
à opinião pública. Esse seria um dos traços conservadores do nosso jornalismo tendo como
conseqüência uma temática que não corresponde aos interesses do público leitor em geral.
Quanto aos aspectos estruturais como gênero textual, Beltrão (apud Melo, 2003a) levanta
quatro: impessoalidade, topicalidade, condensabilidade e plasticidade.
A impessoalidade é facilmente detectada na construção textual a partir de aspectos do
sistema de modo, como o uso da terceira ou da quarta pessoa do discurso, por exemplo. Os
editoriais constituem matérias não assinadas por expressarem, teoricamente, a voz das
instituições jornalísticas, que, com as mudanças econômicas ocorridas nas sociedades, “deixaram
de ser propriedades individuais ou familiares e se tornaram organizações complexas. Logo, não
há mais lugar para o ‘artigo de fundo’ que era assinado pelo proprietário.” (Melo, 2003a:108).
A topicalidade “emerge da alteração ocorrida na estrutura editorial das empresas
brasileiras, principalmente dos jornais diários, que substituíram o editorial único (...) por vários
editoriais, (...), dentro de limites precisos e analisados com competência.” Como podemos
observar, a topicalidade relaciona-se à temática do editorial, que deve ser específica, tratando de
um único tópico ou tema, e também é uma conseqüência das transformações econômicas pelas
quais passou a sociedade, que, por sua vez, exige uma reestruturação da instituição jornalística
enquanto empresa, que acaba se refletindo na organização textual. O antigo “artigo de fundo”,
mais extenso e abrangente, escrito pelo dono do jornal, deu lugar a vários editoriais, mais
concisos e pontuais, cuja autoria é concebida coletivamente.
A condensabilidade está diretamente relacionada à topicalidade, mas também tem suas
causas nas características da vida moderna, na qual o tempo se tornou um bem escasso e
precioso, e não poderia ser diferente com o tempo destinado à leitura de jornais. Com vistas às
necessidades e limitações dos leitores, os editoriais são, em geral, sucintos. Essa concisão,
naturalmente, afeta a construção do texto, que deve apresentar clareza e objetividade na
organização das informações.
A plasticidade refere-se à capacidade de o texto jornalístico, em geral, e o editorial, em
particular, acompanhar o ritmo da vida em sociedade demonstrando flexibilidade para se moldar
aos fatos e à sua dinamicidade.
Por ser um texto jornalístico opinativo, formulando, portanto, um ponto de vista a respeito
de um determinado assunto atual, além da objetividade e da concisão, o editorial é um gênero que
se caracteriza pelo predomínio de seqüências tipológicas dissertativas e, segundo Melo (2003a), é
praticamente exclusivo do jornal.
Os exemplares desse gênero que fazem parte da nossa amostra são os textos “Boa
Vontade” (analisado no item 5.2.5), publicado no Jornal do Brasil, e “Rápida e eficiente”,
publicado em O Globo. Este último trata do processo eleitoral brasileiro ocorrido no ano de 2003,
ressaltando a eficiência do nosso sistema de votação e de apuração.
5.2.3.4 O artigo
Apesar de ser também um texto opinativo, distingue-se do editorial em vários aspectos:
extensão, profundidade da análise, autoria, maior liberdade formal. Mesmo podendo ser escrito
por um integrante da equipe jornalística da instituição noticiosa, geralmente o artigo é elaborado
por colaboradores, assíduos ou esporádicos, muitas vezes personalidades do cenário nacional,
especialistas ou não no assunto abordado. Esses colaboradores podem ou não ser remunerados, e
os artigos podem ser fruto de uma solicitação ou de colaboração espontânea. Para Vivaldi (apud
Melo, 2003a), dois aspectos são característicos desse gênero: a atualidade e a opinião. Seu tema
deve, pois, ser atual, e o texto deve conter uma análise, uma avaliação explícita do articulista,
que, em geral, é buscada pelo leitor.
Não há muito consenso sobre a estrutura textual do artigo. Vivaldi (apud Melo, 2003a)
defende que nesse gênero “a forma flui do fundo; seu estilo é o estilo do articulista”. Já Beltrão
(apud Melo, 2003a:125) preconiza que “a estrutura narrativa do artigo é semelhante à do
editorial, contendo os seguintes elementos: a) título; b) introdução; c) discussão/argumentação; d)
conclusão”.
Trata-se de um gênero típico da imprensa escrita, no qual o articulista, normalmente uma
figura externa aos quadros profissionais das instituições jornalísticas, dispõe de mais liberdade de
expressão e de mais tempo para elaborar seu texto, já que não sofre as pressões peculiares ao
cotidiano das redações dos jornais. Os argumentos são, em geral, trabalhados de forma
aprofundada e, não raro, criativa. A angulagem está diretamente relacionada à visão de mundo do
articulista, que geralmente é tido como uma autoridade no assunto do qual trata em seu texto.
Os textos que classificamos como artigos foram “A censura e as trevas”, publicado em O
Globo, e “O empreendedorismo e as prefeituras”, publicado no Jornal do Brasil. O primeiro trata
de um episódio envolvendo o Tribunal Regional de Brasília e o Correio Brasiliense, invadido por
um oficial de justiça que pretendia impedir a publicação de matéria sobre gravações, autorizadas
pela justiça, cujo conteúdo comprometia o então governador de Brasília. O segundo discorre
sobre o Prêmio Governador Mário Covas, promovido pelo SEBRAE, para agraciar os prefeitos
que realizaram empreendimentos com vistas ao desenvolvimento sustentável. O texto relata
algumas experiências bem sucedidas pelo Brasil afora, e a articulista traça um perfil, conforme a
sua concepção, do verdadeiro prefeito empreendedor.
5.2.2.5 A crônica
Embora a crônica esteja incluída na segunda categoria de gêneros jornalísticos proposta
por Melo (2003a), ou seja, gêneros opinativos, ela também apresenta um forte vínculo com a
realidade histórica, com os fatos, ou, nas palavras desse autor, com o “jornalismo de rua”, em
contraste com o editorial e o artigo, que, mesmo constituindo análises de aspectos da realidade,
apresentam um certo distanciamento em relação a tais aspectos, realizando o chamado
“jornalismo de gabinete”. Em verdade, a crônica é, em sua própria gênese, ambígua.
A crônica jornalística moderna é um gênero que se consolidou em nossa cultura a partir
dos anos 30 do século passado e, segundo o referido autor, é genuinamente brasileiro. Suas raízes
estão no relato histórico, acepção usada, por exemplo, quando nos referimos aos textos que
relatam os acontecimentos do início da colonização portuguesa no Brasil. Para Melo (2003a:149),
Foi com esse sentido de relato histórico que a crônica chegou ao
jornalismo. Trata-se do embrião da reportagem. Ou seja, uma narrativa
circunstanciada sobre os fatos observados pelo jornalista num
determinado espaço de tempo.
Seu hibridismo também se justifica em relação à sua função social e ao seu estilo:
informar e avaliar jornalística, subjetiva e/ou poeticamente. Apresenta lugar cativo nos nossos
jornais mais expressivos, e sua autoria pode estar vinculada a grandes nomes do cenário
intelectual. Ainda assim, não é considerado um gênero exclusivamente jornalístico, nem
exclusivamente literário. Mesmo que possam ser reunidas, posteriormente, em um livro, como
acontece freqüentemente com a produção de inúmeros escritores consagrados, as crônicas
nascem no domínio discursivo jornalístico e se alimentam dele, ainda que propicie ao escritor
muito mais liberdade que qualquer outro gênero do jornalismo escrito. Hartuique (2003:145)
afirma que
... a crônica é um gênero de classificação ambígua. Escrevendo sobre
fatos do cotidiano, o cronista não pode deixar de falar de seus
sentimentos, ou de narrar belas, tristes ou engraçadas histórias e de
descrever diversas situações. A crônica é um gênero que mistura o épico
e o lírico, focaliza façanha de heróis ou mostra a felicidade e
sensibilidade de pessoas bastante comuns.
Esse caráter ambíguo acaba por lhe conferir liberdade temática, estilística e estrutural,
podendo, inclusive assumir a forma de poema. Não apresentaremos, aqui, as diversas
classificações propostas por vários estudiosos da crônica, mas gostaríamos de chamar a atenção
para dois aspectos fundamentais: “fidelidade ao cotidiano, pela vinculação temática e analítica
que mantém em relação ao que está ocorrendo” (Melo, 2003a:156) e “crítica social, que
corresponde a entrar fundo no significado dos atos e sentimentos do homem” (Antônio Cândido
apud Melo, 2003a:156).
Dessa forma, os textos da amostra considerados crônicas foram “O fim (de semana)”,
publicado em O Globo, e “O quebra-cabeças”, publicado no Jornal do Brasil. A primeira trata do
cotidiano violento da nossa cidade e do caos urbano, analisados a partir de uma experiência
pessoal. A segunda tematiza as mudanças políticas e culturais ocorridas no Brasil no início deste
século, mais especificamente discute a primeira eleição do presidente Lula, as vitórias da
esquerda no país e o processo geral de democratização que atinge também a valorização de
manifestações culturais de segmentos sociais antes marginalizados. Enquanto a primeira focaliza
mais a realidade externa, avaliando-a e criticando-a do ponto de vista do cidadão comum, a
segunda prioriza, ainda que a partir de fatos, o estado psicológico da narradora e seu processo de
busca de identidade contextualizado nesse momento histórico.
Além de a linguagem jornalística representar uma espécie de média das variedades do
português bem aceitas socialmente, a questão dos gêneros e dos tipos textuais é fundamental
dentro da perspectiva sob a qual temos tratado as construções relativas.
Uma vez que os gêneros jornalísticos opinativos constituem o espaço discursivo da
argumentação e/ou da persuasão, em que predominam, teoricamente, seqüências tipológicas
dissertativas, acreditamos serem eles o ambiente propício ao emprego das cláusulas relativas não-
restritivas, que servem para expressar opinião, juízo de valor. Por outro lado, a notícia, gênero
essencialmente informativo, com intenção de imparcialidade, em que predominam seqüências
tipológicas narrativas, constituiria o ambiente propício ao uso das cláusulas relativas restritivas,
que servem para expressar características essenciais na identificação dos seres.
Quanto à entrevista, a questão é mais complexa já que, no caso da modalidade escrita,
vimos que o gênero passa pelo processo de retextualização. Além disso, mesmo pertencendo à
categoria informativa, visto que a fonte fala por si e a forma de interação é concebida como um
fato, um evento, o entrevistado opina, argumenta, avalia. Trata-se, assim, de um gênero
jornalístico informativo no qual não nos parece pertinente a hipótese de que as seqüências
tipológicas narrativas predominem. Assim, no caso específico desse gênero, pressupomos que o
uso das construções relativas será regido localmente de acordo com a distribuição das seqüências
tipológicas ao longo do texto, e não de forma mais global de acordo com a função social do
gênero e com a intencionalidade predominante no discurso.
5.2.4 Seqüências tipológicas
Retomando a distinção entre gênero e tipo, partimos do pressuposto de que em um
exemplar de um dado gênero pode haver, e geralmente há, várias seqüências tipológicas.
Adotando-se a classificação de Travaglia (2003:5), na “perspectiva do produtor do texto em
relação ao objeto do dizer quanto ao fazer/acontecer ou conhecer/saber e quanto à inserção destes
no tempo e/ou espaço”, os tipos textuais seriam quatro: descritivo, narrativo, dissertativo e
injuntivo. Reproduzimos a seguir o quadro apresentado pelo referido autor, que contém as
características dos tipos textuais sob essa perspectiva.
Descrição Dissertação Injunção Narração
Perspectiva do
enunciador /
Enunciador na
perspectiva do
Enunciador na
perspectiva do
Enunciador na
perspectiva do
Enunciador na
perspectiva do
produtor do
texto
espaço em seu
conhecer
conhecer,
abstraído do
tempo e do
espaço
fazer posterior
ao tempo da
enunciação
fazer /
acontecer
inserido no
tempo
Objetivo do
enunciador
O que se quer é
caracterizar,
dizer como é
Busca-se o
refletir, o
explicar, o
avaliar, o
conceituar,
expor idéias
para dar a
conhecer, para
fazer saber,
associando-se à
análise e à
síntese de
representações
Diz-se a ação
requerida,
desejada, diz-se
o que e/ou
como fazer,
incita-se à
realização de
uma situação
O que se quer é
contar, dizer os
fatos, os
acontecimentos,
entendidos
como os
episódios, a
ação / o fato em
sua ocorrência
Forma como se
instaura o
interlocutor
“Voyeur” do
espetáculo
Como ser
pensante, que
raciocina
Como aquele
que realiza
aquilo que se
requer, ou se
determina que
seja feito,
aquilo que se
deseja que seja
feito ou
aconteça
Como
assistente,
espectador não
participante,
que apenas
toma
conhecimento
do(s)
episódio(s)
ocorrido(s)
Tempo
referencial
Simultaneidade
das situações
Simultaneidade
das situações
Indiferente à
simultaneidade
ou não das
situações
Não
simultaneidade
das situações,
portanto
sucessão
Relação entre o
tempo da
enunciação e o
tempo
referencial
O tempo do
enunciado pode
ser posterior,
simultâneo ou
anterior ao
tempo
referencial
O tempo da
enunciação
pode ser
posterior,
simultâneo ou
anterior ao
tempo
referencial
O tempo
referencial é
sempre
posterior ao da
enunciação
O tempo da
enunciação
pode ser
posterior,
simultâneo ou
anterior ao
tempo
referencial
Quadro 6: Tipologia textual na perspectiva do falante/escritor em relação ao objeto do dizer (fazer/acontecer,
conhecer/saber)
Apresentamos, a seguir, as características de cada tipo com base nessa ótica e em alguns
aspectos formais sem, contudo, perder de vista que não há marcas lingüísticas exclusivas de um
ou outro tipo e que essas realizações da superfície textual, de fato, só fazem sentido no uso, ou
seja, na situação comunicativa.
5.2.4.1 Seqüência descritiva
A descrição nos permite construir um perfil de algo, de alguém, de um lugar ou de uma
situação. Para tal é necessário conhecer o objeto da descrição e, por isso, o locutor coloca-se
nessa perspectiva e o interlocutor, na perspectiva do “voyeur”. Esse comportamento leva o
primeiro a lançar mão de recursos lingüísticos que auxiliam na caracterização das entidades,
como o emprego de adjetivos, locuções adjetivas e cláusulas relativas, por exemplo. Nessas
seqüências, o tipo de processo verbal predominante é o relacional, mas tamm ocorrem os
processos mentais, principalmente aqueles relacionados à percepção. Os verbos são empregados
predominantemente no presente ou no imperfeito do indicativo, podendo ocorrer também no
futuro, já que o tempo da enunciação pode ser simultâneo, posterior ou anterior ao tempo
referencial, e o aspecto que torna esse tipo textual possível é o imperfectivo. O objeto da
descrição também pode estar inscrito no espaço e/ou no tempo sendo freqüente, desse modo, o
uso das circunstâncias. Também existem descrições dinâmicas, de ações, que, muitas vezes, é
difícil distinguir do tipo narrativo. Em geral, as cláusulas são construídas predominantemente por
parataxe em combinação com a Elaboração e a Extensão numa configuração sintática menos
complexa que a do tipo dissertativo, por exemplo, no qual costuma predominar a subordinação.
Exemplo 61:
L: bom dia então primeiro antes de de dizer porque que eu sou candidata o seu programa é o
ideal... pra gente fazer uma denúncia... que é a o desequilíbrio que está havendo nesse processo
eleitoral (...)
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
5.2.4.2 Seqüência dissertativa
Por meio do tipo dissertativo, o locutor coloca-se na perspectiva do conhecimento,
abstraindo-se do tempo e do espaço, e vê seu interlocutor como um ser que pensa. Seu objetivo é
refletir, explicar, avaliar, conceituar, expor e, para realizá-lo, necessita tanto do procedimento
analítico quanto do sintético.
À semelhança da descrição, o tempo da enunciação pode ser anterior, simultâneo ou
posterior ao tempo referencial. Conseqüentemente as escolhas para a construção do texto serão
motivadas a partir do modo de interação, fato perceptível nas realizações sintagmáticas. Assim,
são comuns os processos mentais, principalmente aqueles relacionados à cognição, pois o locutor
vê o interlocutor como um ser pensante. Mas outros tipos de processos também são recorrentes,
como os verbais e os relacionais; sendo o primeiro tipo usado para as citações, que, em geral,
funcionam nessa seqüência como argumentos de autoridade, e o segundo é usado,
principalmente, para codificar avaliações e conceituações. Já que o locutor pretende apresentar
suas idéias como válidas em termos atemporais, o aspecto predominante será o imperfectivo. O
modo imperativo será raro, predominando o indicativo, na modalidade declarativa, ou mesmo na
interrogativa – geralmente com fins retóricos – e o subjuntivo. Este geralmente está relacionado à
intrincada combinação das relações táticas com as várias possibilidades do sistema lógico-
semântico, principalmente a Expansão, resultando nas diversas construções paratáticas e
subordinadas, o que configura sua complexidade estrutural.
Além disso, verificamos nessas seqüências que as escolhas lexicais representam
significados mais abstratos e, muitas vezes, mais especializados ou técnicos. Nesse tipo textual,
são raras as marcas formais que evidenciam o sujeito enunciador a fim de criar o efeito da
objetividade.
Exemplo 62:
Fizemos, enfim, o discurso que nós, cariocas, temos na ponta da língua para tentar suavizar (se
isso é possível) o quadro violento que vivemos todos os dias.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002.)
5.2.4.3 Seqüência injuntiva
No tipo injuntivo, o locutor se coloca na perspectiva do fazer posterior ao tempo da
enunciação. Sua meta é informar o que deve ou não ser feito e, muitas vezes, como deve ser feito.
A principal marca lingüística do tipo injuntivo é o modo imperativo, que pode ser expresso por
meio de várias formas verbais. Além das formas canônicas do imperativo (afirmativo ou
negativo), o infinitivo e perífrases com alguns auxiliares como dever e ter são outras
possibilidades de realização desse modo, que não se restringe ao sentido de ordem, podendo
também expressar pedido, sugestão, conselho, prescrição. As seqüências injuntivas codificam as
etapas necessárias à execução de uma determinada ação, por isso são realizadas majoritariamente
pelos processos materiais. Nesse tipo textual, também ficam evidentes as marcas morfo-sintáticas
da cláusula como troca já que o interlocutor é visto como aquele que executa aquilo que o locutor
deseja, prescreve ou determina. Ressalte-se a importância dos conectivos que auxiliam no
seqüenciamento de ações e dos que exprimem justificativa.
Exemplo 63:
AP: é um prazer tê-la aqui no nosso programa... e eu queria que você falasse um pouco dessas
eleições que vão ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze de agosto né e
particularmente do programa da chapa que você encabeça o Movimento Educação... por que ser
candidata Lúcia?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
5.2.4.4 Seqüência narrativa
Na narração, o locutor se coloca na perspectiva do fazer acontecer inscrito no tempo e vê
seu interlocutor como um espectador que toma ciência dos fatos, cujo relato constitui seu
propósito. O tempo referencial é concebido em termos de sucessão, ou seja, da ordem
cronológica dos acontecimentos. À semelhança da descrição e da dissertação, o tempo da
enunciação pode ser anterior, simultâneo ou posterior ao tempo referencial.
Quanto à realização do sistema de transitividade, os processos verbais predominantes são
os materiais, mas também são freqüentes os mentais, principalmente aqueles relacionados à
percepção, e os verbais, para a codificação do discurso reportado. O fator sucessão exige não
uma articulação específica dos tempos verbais, como também a marcação cronológica por meio
de datas, conectivos com valor temporal, advérbios e nomes indicadores de tempo. Como todo
fato ocorre em um lugar, as circunstâncias de localização espacial também são freqüentes nesse
tipo de texto. As marcas formais do sistema de Modo são evidentes na narração, não só pelo
emprego dos tempos e modos verbais, como também pelo emprego do discurso direto para
reproduzir os diálogos, ou do indireto. Essa peculiaridade tem implicações diretas na organização
das cláusulas, que podem ser realizadas, por um lado, como declarativas ou interrogativas, e por
outro, como imperativas, e tamm tem conseqüências na escolha das pessoas do discurso. O
aspecto essencial para o tipo narrativo é o perfectivo, daí a predominância do pretérito perfeito do
indicativo nas narrações codificadas no passado. Também há narrações codificadas no presente
(com predominância do tempo verbal presente) e até futuras (com predominância do tempo
verbal futuro), embora estas sejam mais raras.
Levando-se em consideração o sistema lógico-semântico, a Projeção é fundamental para a
construção das cláusulas, seja na forma de Locução, seja na forma de Idéia.
Exemplo 64:
Entretanto, nossas palavras de cunho otimista começaram a ser desmascaradas no sábado à
noite, quando passamos por uma patrulha no Leblon que estava parando um veículo "suspeito".
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002.)
Como afirmamos anteriormente, um mesmo texto, de um determinado gênero, pode
apresentar várias seqüências tipológicas, podendo haver um tipo dominante ao qual o gênero está
sempre vinculado, auxiliando a identificá-lo. Por outro lado, há gêneros que não se vinculam
diretamente a um tipo, podendo a sua composição se dar em termos da dominância de qualquer
um dos quatro tipos estabelecidos. Segundo Travaglia (2003a), a ocorrência de todos os tipos sem
a dominância de um é rara. Constatamos, assim, que as relações entre tipos e gêneros não são
biunívocas podendo variar em função de diversos fatores.
De acordo com a proposta do referido autor, o tipo de texto caracteriza-se pela maneira
como transcorre a interlocução, ou “por instaurar um modo de interação”, e o gênero textual “se
caracteriza por exercer uma função social específica”. Contudo, na prática, a distinção é
complexa, pois, como vimos, é difícil estabelecer os tipos só do ponto de vista formal. E mesmo
o gênero sendo caracterizado pelos aspectos extrínsecos ao texto, relacionados aos contextos de
situação e de cultura, esses componentes da comunicação não deixam de refletir-se, em maior ou
menor grau, no plano sintagmático.
5.2.5 Análise da modalidade escrita
Como discutimos, o gênero é caracterizado por desempenhar uma função social específica
estando, pois, diretamente relacionado ao contexto de situação e também ao de cultura. O
editorial caracteriza-se por exercer a função social de apresentar aos interlocutores (leitores do
jornal no qual é publicado) a opinião sobre um determinado tema visto como relevante pelo
locutor numa dada conjuntura sócio-histórico-cultural. O locutor, instaurado de forma impessoal,
representa o ponto de vista do próprio meio de comunicação enquanto instituição. Por isso, os
editoriais não apresentam marcas explícitas de subjetividade. Ao expor e defender o ponto de
vista do jornal, geralmente uma instituição com credibilidade perante a sociedade na qual atua, os
editoriais contribuem também para formar a opinião dos leitores. Devido à função social que
desempenha, está vinculado ao tipo dissertativo, embora possa apresentar em sua composição
outras seqüências tipológicas. Por exemplo: narrativas – usadas para ilustrar e corroborar a
argumentação – ou injuntivas – usadas para levar o leitor a tomar determinada atitude.
Nossa hipótese é que, por codificar a exposição, a avaliação, a análise e a síntese com
vistas ao convencimento, e/ou à persuasão, esse gênero textual teria nas construções relativas um
meio para expressar opiniões sem marcas explícitas de subjetividade, sendo as relativas não-
restritivas cláusulas adequadas para esse fim.
Transcrevemos, a seguir, o texto selecionado: um editorial publicado no Jornal do Brasil,
em 01 de novembro de 2002. Para facilitar a compreensão, na transcrição do referido texto, os
conectivos relativos foram sublinhados, e seus respectivos antecedentes foram negritados, assim
também procedemos durante a análise.
Boa Vontade
O acordo entre partidos,
que dá tempo e liberdade ao PT para ajustar o orçamento de 2003 aos
interesses do futuro governo, é mais uma boa conseqüência do clima de entendimento na transição. Restri-
tas aos gastos sociais, as mudanças poderão ser feitas pelo PT até meados de dezembro, um mês a mais
que o prazo dado aos demais partidos.
Ao abrir para Lula a chance de encaixar seu projeto social no orçamento,
que já era considerado fe-
chado, o gesto de boa vontade do Congresso não poderá deixar de ser creditado aos partidos. Entre eles, o
PSDB,
que mesmo se anunciando como oposição a partir de janeiro, participou da unanimidade que
aprovou a emenda ao parecer do relator-geral do orçamento.
Graças aos partidos, portanto, o governo futuro está liberado de parte de sua angústia para identificar,
num orçamento espremido, o meio de bancar, entre outros, o Programa Fome Zero. Somente ele, a um
custo estimado de R$ 20 bilhões por ano, dinheiro
que terá que ser achado em escaninhos próximos,
como o já existente Fundo de Combate à Pobreza. Tarefa complicada. Cada real a mais a ser gasto tem
que vir acompanhado da identificação de sua fonte.
O desafio é tarefa ainda mais delicada, no momento em que a inflação, velha inimiga de todo e qual-
quer planejamento, começa novamente a mostrar suas garras. Só mesmo com muito entendimento.
(JORNAL DO BRASIL. Boa vontade. 01 de novembro, 2002.)
O título do texto insere o leitor em uma perspectiva positiva do assunto a ser tratado, que
poderíamos identificar como o ajuste orçamentário do governo no período de sucessão
presidencial. O contexto sócio-histórico é o da transição do governo de Fernando Henrique
Cardoso para o de Luís Inácio Lula da Silva, mais precisamente o ano de 2002. O ponto de vista
do jornal, expresso no texto, a respeito desse assunto, nesse contexto, é de aprovação, ou seja, ele
faz uma avaliação positiva da postura do governo FHC e do Congresso Nacional em relação à
votação do orçamento no período de transição governamental, autorizando-nos a inferir, por
exemplo, que, apesar da derrota nas urnas do candidato governista José Serra, FHC não coloca
obstáculos ao futuro presidente, facilitando os trâmites da sucessão.
Podemos observar o emprego de seis cláusulas relativas, que serão analisadas a seguir,
juntamente com suas respectivas matrizes, quando houver, em função dos sistemas de modo, de
transitividade e de informação. O gênero textual em questão é o editorial, e cada cláusula
complexa em análise foi classificada quanto à seqüência tipológica. Assim, veremos qual o papel
das relativas em termos dos principais sistemas que realizam as metafunções textual, ideacional e
interpessoal.
1) O acordo entre partidos, que dá tempo e liberdade ao PT para ajustar o orçamento de 2003 aos
interesses do futuro governo, é mais uma boa conseqüência do clima de entendimento na
transição.
a) Sistema de modo:
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula declarativa declarativa
Tempo do verbo presente presente
Modo do verbo indicativo indicativo
Pessoa do discurso terceira terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito o acordo entre
partidos
Predicador é
Operador
verbal
Ø Complemento mais uma boa conseqüência do clima de
entendimento
Adjunto na transição
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito que Predicador
Operador verbal Ø Complementos tempo e liberdade ao PT
Adjunto para ajustar o orçamento de 2003 aos
interesses do futuro governo
b) Sistema de transitividade
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo Relacional identificador (é) Material (dá)
Participantes Caracterísitca = o acordo entre partidos
Valor = mais uma boa conseqüência do
clima de entendimento na transição
Circunstância = na transição
Ator = o acordo entre partidos
Meta = tempo e liberdade
Beneficiário = ao PT
Circunstância = para ajustar o
orçamento de 2003 aos
interesses do futuro governo
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para o escritor/leitor o acordo entre partidos
Novo Velho
d) Seqüência tipológica: dissertativa
A primeira cláusula do texto concretiza a avaliação positiva, sugerida inicialmente pelo
título, por meio de um processo verbal relacional identificador em que a Característica é o
constituinte o acordo entre partidos, o Valor é mais uma boa conseqüência do clima de
entendimento, e a Circunstância é na transição. A relativa se encontra “intercalada” em relação à
matriz porque se vincula ao SN com função sintática de sujeito em posição canônica.
A relativa expressa um processo material codificado pela forma verbal e pelos
participantes o acordo entre partidos (retomado pelo pronome relativo que) no papel de Ator,
tempo e liberdade no papel de Meta e ao PT no papel de Beneficiário. Nesse caso, os
constituintes dos sistemas de transitividade e de modo são convergentes, pois Ator corresponde a
Sujeito, e Meta e Beneficiário correspondem aos Complementos Verbais. Nas duas cláusulas, os
predicadores, no presente do indicativo, codificam processos que eram atuais no momento em
que o texto foi publicado no jornal, preenchendo o requisito de atualidade exigido pelo discurso
jornalístico.
O SN antecedente é constituído de Art Def + N + Sprep, caracterizando-o como
formalmente definido. O autor pressupõe que o leitor já sabe de qual acordo se trata, daí o
emprego da vírgula como um índice da não-restrição; mas, caso esse conhecimento prévio não
exista, a cláusula relativa supre a suposta lacuna informativa auxiliando na identificação do
referente. Esse procedimento é comum em textos do domínio jornalístico tendo em vista que o
autor parte da premissa de que seu interlocutor é um leitor assíduo daquele jornal ou de outro, ou,
pelo menos, tem algum conhecimento sobre o assunto em discussão porque, em geral, ele está em
voga em todos ou quase todos os meios de comunicação num dado momento.
Assim consideramos o acordo entre partidos uma informação Nova no texto por
constituir a primeira ocorrência; mas, do ponto de vista do leitor, ela pode ser entendida como
Velha, por estar presente no contexto de situação e de cultura em função da pressuposta
familiaridade do leitor com o assunto.
2) Ao abrir para Lula a chance de encaixar seu projeto social no orçamento,
que já era considerado fe-
chado, o gesto de boa vontade do Congresso não poderá deixar de ser creditado aos partidos.
a) Sistema de modo
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula Declarativa declarativa
Tempo do verbo Infinitivo pretérito imperfeito
Modo do verbo - indicativo
Pessoa do discurso Terceira terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito Ø Predicador Encaixar
Operador
verbal
Ø Complementos seu projeto social no orçamento
Adjunto -
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito que Predicador considerado
Operador verbal era Complemento fechado
Adjunto
b) Sistema de transitividade
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo Material (encaixar) Mental (considerar)
Participantes Ator = Lula
Meta = seu projeto social
Lugar = no orçamento
Experienciador = Ø
Fenômeno = orçamento
Atributo = fechado
Circunstância = já
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para escritor/leitor no orçamento
Velho Velho
d) Seqüência tipológica: dissertativa
O segundo parágrafo do texto começa com uma cláusula complexa contendo cláusulas
hipotáticas e encaixadas; contudo, nos deteremos somente na análise da relativa e de sua matriz.
O processo verbal desta é do tipo material, codificado pelo verbo encaixar, e os participantes são
Lula (elíptico) no papel de Ator, seu projeto social no papel de Meta e no orçamento no papel de
Lugar. A relativa representa um processo mental codificado pelo verbo considerar na voz
passiva, cujos participantes são o orçamento no papel de Fenômeno (retomado pelo relativo que)
e fechado no papel Atributo. Não há nenhum constituinte explícito desempenhando o papel de
Experienciador, como é comum nas cláusulas na voz passiva, à exceção dos casos em que
informar o Experienciador é relevante para a construção do sentido do texto.
No que concerne ao sistema de Modo, na cláusula matriz, o Sujeito está elíptico (Lula), e
os Complementos são seu projeto social e no orçamento; na cláusula relativa, o que desempenha
a função de Sujeito, e o constituinte fechado, a função de Complemento Verbal. O predicador da
cláusula matriz está na forma não finita, e o da relativa está no pretérito imperfeito do modo
indicativo, remetendo-nos a um tempo referencial anterior ao que está em discussão no texto.
O antecedente do pronome relativo (o orçamento) é uma informação Velha no texto e
para o leitor, pois já tinha sido usado pelo escritor no primeiro parágrafo sendo, portanto,
suficientemente conhecido pelo interlocutor. Por isso, apesar de o SN ser determinado somente
por Art Def, o que exigiria uma relativa restritiva devido ao baixo grau de definitude, o conteúdo
expresso pela relativa não o delimita, mas acrescenta-lhe uma informação reforçando a avaliação
positiva do período de sucessão presidencial. A cláusula relativa elabora o significado do
antecedente, ou seja, é uma cláusula não-restritiva.
3) Entre eles, o PSDB, que mesmo se anunciando como oposição a partir de janeiro, participou da
unanimidade que aprovou a emenda ao parecer do relator-geral do orçamento.
a) Sistema de modo
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula - declarativa
Tempo do verbo - pretérito perfeito
Modo do verbo - indicativo
Pessoa do discurso - terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito - Predicador -
Operador verbal - Complemento -
Adjunto -
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito Que Predicador participou
Operador verbal Ø Complemento da unanimidade
Adjunto -
b) Sistema de transitividade:
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo - Material (participar)
Participantes - Ator = o PSDB
Extensão = da unanimidade
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para o leitor o PSDB
Novo Velho
d) Seqüência tipológica: narrativa
Cabe ressaltar que, nesse dado, o antecedente não é um constituinte de uma cláusula
matriz e, como já havíamos comentado em outras seções deste estudo, essa é uma das
construções relativas que deve ser contemplada pela descrição lingüística. O PSDB é uma
entidade, representada geralmente por uma sigla, como é comum aos partidos políticos, com
unicidade referencial na nossa cultura. Assim, a expectativa é a de que, ao ser empregado no
texto, não necessite de especificação. É o que ocorre aqui estando vinculado a uma cláusula não-
restritiva prototípica, embora essa correlação não seja categórica. Consideramos PSDB uma
informação Nova no texto, uma vez que esse SN não havia sido mencionado, e Velha para o
leitor, pelos motivos explicitados antes.
Entre o pronome relativo e o predicador, há uma cláusula hipotática adverbial, cujo
predicador está na forma não finita. O processo verbal da relativa é do tipo Material, com o
constituinte o PSDB no papel de Ator, e da unanimidade no papel de Extensão. Este termo, por
sua vez, funciona como antecedente de outra relativa, cuja análise apresentaremos em seguida.
Os constituintes do sistema de Modo são o pronome relativo (que) na função de Sujeito e da
unanimidade na função de Complemento Verbal. O predicador da cláusula relativa está
flexionado no pretérito perfeito do indicativo referindo-se a um processo transcorrido no âmbito
das práticas parlamentares, daí a seqüência tipológica ser narrativa.
4) Entre eles, o PSDB, que mesmo se anunciando como oposição a partir de janeiro, participou da
unanimidade
que aprovou a emenda ao parecer do relator-geral do orçamento.
a) Sistema de modo
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula declarativa declarativa
Tempo do verbo pretérito perfeito pretérito perfeito
Modo do verbo indicativo indicativo
Pessoa do discurso terceira terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito que Predicador participou
Operador verbal Ø Complemento da unanimidade
Adjunto -
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito que Predicador aprovou
Operador verbal Ø Complemento a emenda
Adjunto ao parecer do relator-geral do orçamento
b) Sistema de transitividade:
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo Material (participar) Material (aprovar)
Participantes Ator = PSDB
Extensão = da unanimidade
Ator = unanimidade
Meta = a emenda
Circunstância = ao parecer do relator-geral
do orçamento
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para o leitor a unanimidade
Novo Novo
d) Seqüência tipológica: narrativa
Nesse dado, a relativa do item anterior funciona como matriz para a relativa em questão,
cujo processo verbal é do tipo material, com os participantes a unanimidade no papel de Ator e a
emenda no papel de Meta. Já o constituinte ao parecer do relator-geral do orçamento
desempenha o papel de Circunstância. Quanto ao sistema de Modo, que funciona como Sujeito, a
emenda, como Complemento Verbal, e o último constituinte, como Adjunto Adverbial. O
predicador das duas relativas nessa cláusula complexa, como já foi apontado no item anterior,
está no pretérito perfeito, uso que está relacionado ao fato de essa cláusula realizar uma seqüência
tipológica narrativa: o autor está relatando acontecimentos anteriores à publicação do texto que
servem de argumentos para comprovar sua tese. Consideramos que o antecedente do pronome
relativo (a unanimidade) representa uma informação Nova no texto e Nova para o leitor, tendo
sua identificação fornecida pela cláusula relativa restritiva subseqüente, como ocorre quando o
SN é determinado somente pelo Art Def e possui o referido status informacional.
5) Somente ele, a um custo estimado de R$ 20 bilhões por ano,
dinheiro que terá que ser achado em
escaninhos próximos, como o já existente Fundo de Combate à Pobreza.
a) Sistema de modo
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula - declarativa
Tempo do verbo - futuro
Modo do verbo - indicativo
Pessoa do discurso - terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito - Predicador -
Operador verbal - Complemento -
Adjunto -
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito que Predicador achado
Operador verbal ser Complemento Ø
Adjunto em escaninhos próximos
b) Sistema de transitividade:
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo - Material (achar)
Participantes - Ator = o governo Lula
Meta = dinheiro
Circunstâncias = em escaninhos próximos
como o já existente Fundo de Combate à
Pobreza
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para o leitor Dinheiro
Inferível Velho
d) Seqüência tipológica: dissertativa
Esse dado é interessante porque mostra a necessidade de levarmos em conta o texto, e não
só a cláusula isolada. Se nos detivermos apenas na construção SN + cláusula relativa, podemos
analisá-la como restritiva, pois o SN é formalmente indefinido (ausência de determinante),
constituído apenas de substantivo comum. Contudo, podemos entender que toda a construção
(SN + relativa) tem valor apositivo e que o nominal dinheiro retoma a expressão anterior R$
bilhões por ano. A análise no nível textual nos permite ainda entender o antecedente dinheiro não
só como Inferível no texto, a partir de elementos do co-texto precedente (orçamento, R$ 20
bilhões), mas também como uma informação Velha para o leitor. Assim, estamos diante de uma
cláusula relativa restritiva não-prototípica.
O emprego do futuro ocorre em função de o locutor estar se referindo a um processo que é
posterior ao momento da interação e é concebido como certo, por isso foi empregado o futuro do
presente do indicativo. Mesmo ainda não tendo acontecido, trata-se de mais um fato que reforça a
argumentação desenvolvida pelo autor.
6) O desafio é tarefa ainda mais delicada, no momento
em que a inflação, velha inimiga de todo e qual-
quer planejamento, começa novamente a mostrar suas garras. Só mesmo com muito entendimento.
a) Sistema de modo
MATRIZ RELATIVA
Tipo de cláusula declarativa declarativa
Tempo do verbo presente presente
Modo do verbo indicativo indicativo
Pessoa do discurso terceira terceira
Modo (matriz) Resíduo (matriz)
Sujeito o desafio Predicador é
Operador verbal Ø Complemento tarefa ainda mais delicada
Adjunto no momento
Modo (relativa) Resíduo (relativa)
Sujeito a inflação Predicador mostrar
Operador verbal começa Complemento suas garras
Adjunto em que
b) Sistema de transitividade:
MATRIZ RELATIVA
Tipo de processo Relacional identificador (é) Material (mostra)
Participantes Característica = o desafio
Valor = tarefa ainda mais delicada
Ator = a inflação
Meta = suas garras
Circunstância = no momento Circunstância = no momento
c) Sistema de informação
ANTECEDENTE STATUS INFORMACIONAL
No texto Para o leitor o momento
Nova Nova
d) seqüência tipológica: dissertativa
O processo verbal da cláusula matriz é relacional identificador, com o constituinte o
desafio desempenhando o papel de Característica, tarefa ainda mais delicada, o papel de Valor, e
no momento, papel de Circunstância. O processo verbal da cláusula relativa, construído
metaforicamente, é do tipo material, com a inflação funcionando como Ator, e suas garras, como
Meta. No âmbito do sistema de Modo, o primeiro SN (a inflação) funciona como Sujeito, o
segundo (suas garras), como Complemento Atributivo, e o terceiro (no momento), como Adjunto
Adverbial. A forma verbal do presente do indicativo da cláusula matriz, em combinação com o
processo relacional, caracteriza a avaliação expressa pelo locutor numa perspectiva atemporal. A
cláusula relativa contém uma perífrase cujo operador verbal representa o aspecto “inceptivo”
(Travaglia, 1991), ou seja, a fase inicial de um processo. O SN antecedente é determinado apenas
pelo artigo definido, escolha que, geralmente, exige um especificador subseqüente, cabendo esse
papel à cláusula relativa, que assume um valor restritivo nessa construção.
O exemplo 6 do editorial “Boa Vontade” apresenta uma peculiaridade que passamos a
discutir. Decat (2001b) questiona, nesses casos, o reconhecimento de um SN seguido de uma
relativa e propõe a seguinte análise para esse tipo de construção:
Ora, tem-se aí uma expressão formada por uma preposição, um nome e
um conectivo que, na verdade, equivale, toda ela, a um conectivo,
exercendo a função de elo entre a cláusula e o restante do discurso. Na
verdade, expressões como “na hora em que, no momento em que” etc.
já estão sendo percebidas como um todo, pelos usuários da língua, à
semelhança de locuções conjuntivas ‘admitidas’ pela Gramática
Tradicional.
(Decat, 2001b:114)
Se seguirmos o ponto de vista da referida autora, que nos parece bastante plausível, uma
das duas cláusulas restritivas do texto não seria, na realidade, relativa, e sim adverbial; assim,
teríamos cinco relativas. Nessa perspectiva, a seqüência no momento em que passa a ser
entendida como uma expressão única com valor temporal introduzindo uma cláusula hipotática
de realce. Preferimos, contudo, considerar construções desse tipo como híbridas, nas quais as
cláusulas em questão apresentam traços das adverbiais e das relativas, como discutiremos no
sexto capítulo.
No entanto, seja qual for a abordagem adotada, as relativas não-restritivas predominam
nesse texto, o que confirma, em princípio, a hipótese de, nesse gênero, as relativas serem usadas
para codificar a opinião do autor, sem evidenciar, contudo, a presença do locutor com marcas
lingüísticas explícitas de subjetividade, como verbos e pronomes na primeira pessoa do discurso,
por exemplo, criando, assim, o efeito de objetividade. Este é um dos requisitos do gênero
editorial, no qual normalmente predominam seqüências tipológicas dissertativas, por meio das
quais o autor se propõe a realizar uma breve análise de um fato da atualidade com vistas a ganhar
a credibilidade do interlocutor e, em conseqüência disso, convencê-lo a aderir ao seu ponto de
vista.
Resumindo a análise sistêmico-funcional do editorial “Boa Vontade”, teríamos os
seguintes aspectos a destacar:
I. Observamos, nesse texto, o uso categórico da terceira pessoa do discurso e atribuímos
esse fato à necessidade, típica desse gênero textual, de criar o efeito de objetividade. Assim, o
locutor, embora esteja expressando por meio do texto seu ponto de vista, procura ocultar as
marcas lingüísticas que denunciem seu envolvimento, pois sua perspectiva não deve ser definida
com base na emoção, na subjetividade, e sim com base na razão, no conhecimento. Por isso
ocorre o predomínio de seqüências dissertativas, ou seja, o locutor se coloca na perspectiva do
conhecer. A interação transcorre de forma distanciada, portanto a primeira e a segunda pessoas
do discurso não são empregadas.
II. Os tempos verbais empregados foram o presente, o pretérito perfeito e o futuro do
presente do modo indicativo. Embora geralmente se verifique a predominância do presente no
gênero editorial, normalmente com valor atemporal, o texto em questão apresenta uma análise de
um período de transição de um governo para outro. Nesse sentido, a perspectiva cronológica é
significativa para a construção dos sentidos. O que ocorreu antes do momento da interação
enriquece a argumentação desenvolvida, assim como o processo codificado pela forma verbal no
futuro referindo-se ao que ainda ocorrerá. As seqüências narrativas empregadas estão, portanto, a
serviço da argumentação.
III. Quanto ao status informacional, percebemos que ele está correlacionado ao valor
restritivo ou não das cláusulas relativas, embora não se trate de uma relação biunívoca e
categórica (informação Nova relativa restritiva, informação Velha relativa não-restritiva).
IV. Ocorrem duas relativas com antecedentes que não são constituintes de uma cláusula
matriz, ratificando a necessidade de contemplarmos essa estratégia na descrição da língua
portuguesa e dando indícios de que ela parece ser típica de textos argumentativos.
V. Os tipos de processos encontrados no texto foram os principais – material, relacional e
mental – fato que tem estreita relação com o gênero e com a temática do texto. Como os
processos relacionais prestam-se a definir e classificar “entidades materialmente construídas”
(Cunha e Souza, 2007:72), eles são fundamentais na construção da argumentação. Só ocorre um
processo mental (expresso pelo verbo considerar) e ele pertence ao campo semântico da
cognição. Já os materiais são os chamados processos do ‘fazer’, não necessariamente físicos, pois
também podem expressar processos abstratos ou acontecimentos. Dessa forma, tendem a ser os
mais freqüentes, mesmo em textos opinativos.
VI. A classificação das construções relativas deve ser concebida levando-se em
consideração o texto e os contextos, ou seja, essas cláusulas não parecem ser previamente
definidas só em termos formais (definitude ou indefinitude do antecedente, por exemplo).
5.2.6 Análise da modalidade oral
Partindo do princípio, no âmbito sintático, de que as relativas restritivas são encaixadas à
matriz apresentando, portanto, um grau maior de subordinação, e de que as não-restritivas
vinculam-se à matriz em um grau menor de subordinação, associamos o pressuposto prosódico ao
sintático. Assim, nossa hipótese é que não haveria nenhum índice de segmentação na fronteira
sintática entre a restritiva posposta e sua matriz, ao passo que entre esta e a não-restritiva
(posposta ou “intercalada” à matriz) haveria uma marca de ruptura. Como mostramos
anteriormente, a literatura de cunho tradicional só menciona a pausa como índice de
segmentação, à exceção de Bechara (1975:195), que se refere a uma “entoação suspensiva ou
pausal” para as explicativas. Vários outros estudos, porém, relacionam essa discussão à curva
entonacional – como Llorach (1984), Le Goffic (1979), Halliday (1985), Lehmann (1988).
Acreditamos que o principal índice de segmentção seria um tom ascendente para as não-
restritivas antes da fronteira sintática entre essa cláusula e a matriz, sejam elas pospostas ou
“intercaladas”. A pausa atuaria como um índice redundante, uma espécie de reforço dessa ruptura
melódica. Já as restritivas, quando pospostas, formariam um todo melódico com sua respectiva
matriz, em decorrência do encaixamento, não havendo, portanto tom de juntura na fronteira
sintática entre essas duas cláusulas. Já as restritivas “intercaladas” apresentariam uma ruptura no
final da relativa, antes da continuação da cláusula matriz. Ressaltemos que a relativa
“intercalada” só ocorre quando o antecedente corresponde ao Sujeito, na perspectiva da cláusula
como troca, ou ao Tema, na perspectiva da cláusula como mensagem. Destarte, a segmentação na
segunda fronteira sintática das restritivas “intercaladas” seria semelhante àquela que pode ocorrer
entre Sujeito e Predicado, entre Tema e Rema ou entre Tópico e Comentário.
O fato de muitos autores afirmarem que a presença de pausa(s) caracteriza as relativas
não-restritivas e a sua ausência marca as restritivas é compreensível se levarmos em conta que a
maioria dos estudos não tem base instrumental, guiando-se só pela percepção. Ocorre, entretanto,
que muitas vezes nossa percepção auditiva nos leva a crer que o falante produziu uma pausa, na
acepção de silêncio, quando, na realidade, a ruptura é conseqüência de uma mudança de tom ou
ainda de um alongamento de uma das sílabas que precede a fronteira prosódica e/ou sintática.
Assim, o aumento da duração de um segmento fônico (alongamento) é outro aspecto que
pode ser percebido pelos ouvintes como uma pausa, ou, em termos mais abrangentes, como um
índice de segmentação. Daí a importância de partirmos de uma análise fonética com base
instrumental para depois chegarmos à interpretação fonológica. Além disso, nem sempre as
pausas correspondem a silêncios, ou seja, à ausência de articulação de sons. Muitas vezes elas são
preenchidas, isto é, ocorre articulação de sons que podem corresponder, por exemplo, a
hesitações ou preenchedores discursivos, como né, tá, que podem ocupar essas fronteiras e
funcionar também como índices de segmentação.
A respeito da notação fonológica usada, são necessários alguns esclarecimentos. A letra L
representa o tom baixo (“low”), e H, o tom alto (“high”). O asterisco que se segue ao símbolo do
tom significa o alinhamento deste com a sílaba acentuada do vocábulo que se encontra naquela
posição específica da cadeia da fala. O símbolo %, associado a H ou a L, representa um tom de
fronteira, ou seja, indica que naquele determinado ponto da cadeia há uma ruptura, um limite
entre dois constituintes prosódicos, que pode coincidir com uma segmentação sintática indicando,
por exemplo, o término de uma cláusula e o início de outra. Quanto à variável duração, só
registramos seus valores quando ocorre uma pausa (preenchida ou não) ou quando há
alongamento de uma sílaba em especial que funcione como sinal de ruptura.
Propomos, a seguir, um diagrama para representar a configuração do acento nuclear
apresentada por Moraes (2007) para o PB.
Figura 5: Configuração do acento nuclear
ACENTO NUCLEAR
ACENTO DE TOM
TOM DE FRONTEIRA
L% ou H%
TOM PRINCIPAL
L ou H
TOM “SECUNDÁRIO
L* ou H*
É importante lembrarmos que o tom principal apóia-se na sílaba que antecede a última
sílaba acentuada antes da ruptura, o tom “secundário” realiza-se sobre a referida sílaba acentuada,
e o tom de fronteira, sobre a sílaba que sucede a acentuada ou sobre a parte final da sílaba
acentuada quando esta for a última.
Apresentamos a seguir alguns trechos das entrevistas radiofônicas que consideramos mais
relevantes para a análise desenvolvida tendo em vista as hipóteses levantadas no âmbito da
interface sintaxe/prosódia. Cabe ressaltar que, embora não seja apresentada aqui a análise
completa da modalidade oral, ela foi realizada nos mesmos moldes da modalidade escrita, ou
seja, levando em consideração o funcionamento dos sistemas de modo, de transitividade, de
informação, além do gênero e tipos textuais.
a) Relativa restritiva posposta prototípica
Exemplo 65:
L: eu acho que a diretoria tá bastante assustada com a nossa chapa que a gente tem uma chapa forte de
professores
que estão há bastante tempo na categoria temos o apoio de pessoas importantes você vai ver
no próximo jornal a nossa lista de apoios é bastante grande bastante ampla e isso tá assustando a diretoria
porque sabe que são professores... muito experientes politicamente academicamente né e que são pessoas
que têm um reconhecimento na categoria e isso assusta... e aí isso faz contribui pra que eles tenham essa
prática né tão tão desigual tão tão desonesta né...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
po fe
so
i
ki
tɘw
Valores de F0 (Hz)
207 212 181 171 166 170
Tabela 6: Valores da F0 da seqüência professores que estão
FRONTEIRA SINTÁTICA 1 FRONTEIRA SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA - -
ACENTO DE TOM H + L* -
Tabela 7: Notação fonológica do vocábulo professores
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - -
Não-preenchida - -
Tabela 8: Localização e tipo de pausa
O exemplo 65 foi tomado como prototípico porque, do ponto de vista prosódico, ele não
apresenta segmentação entre a relativa e a matriz; e, do ponto de vista semântico, temos um SN
antecedente com grau baixo de definitude, apesar de codificar uma informação Velha no texto e
Velha para o ouvinte. Apresentamos a seguir o gráfico correspondente a esse dado.
Figura 6: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência de professores que estão; notação
fonológica da entoação referente ao vocábulo professores.
b) Relativa restritiva “intercalada” prototípica
Exemplo 66:
AP: agora com relação a essa denúncia que você faz há: eu imagino essas eleições devem ter uma
comissão eleitoral... ela não pode garantir um tratamento eh: isonômico aí na: na difusão das propagandas
das chapas por exemplo se a diretoria fez esse envio dos jornais pra casa dos associados não pode garantir
o mesmo procedimento para o jornal da chapa... Movimento Educação?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
de nu
sjɘ
Valores de F0 (Hz) 139 117 -
Tabela 9: Valores da F0 e da duração do vocábulo denúncia (fronteira sintática 1)
Segmentos
k vo
se
faj
a
Pausa
Valores de F0 (Hz) - 108 105 140 210
Duração (S) 0,58
Tabela 10: Valores da F0 e da duração da seqüência que você faz (fronteira sintática 2)
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA - L%
ACENTO DE TOM H + L* L + H*
Tabela 11: Notação fonológica dos vocábulos denúncia e faz
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - 0,58 s
Não-preenchida - -
Tabela 12: Localização e tipo de pausa
Apesar de termos apenas dois dados de restritivas “intercaladas” no corpus oral, o
exemplo 66 confirma nosssa hipótese de que esse tipo de cláusula apresentaria uma ruptura na
fronteira sintática 2. Nesta há um tom de juntura ascendente e também uma pausa preenchida
com uma duração expressiva (0,58 s), analisada como hesitação. O SN antecedente faz parte da
construção que Halliday (1994) considera Tópico, ou seja, um Tema que corresponde a uma
informação Dada (Velha, nos termos de Prince, 1992), por isso ocorre em posição inicial e a
relativa está “intercalada” à matriz. Por outro lado, não há segmentação na fronteira 1.
Apesar de apresentar um grau alto de definitude, em função do demonstrativo essa, além
de codificar uma informação Velha no texto e Velha para os ouvintes presentes no estúdio, o
falante optou por uma cláusula restritiva em virtude das condições de produção do texto. Este é
construído por ele e pelo entrevistado, mas os ouvintes do programa também são interlocutores.
Assim, a opção pela cláusula restritiva tem como propósito eliminar qualquer possível
dificuldade na identificação do referente codificado pelo SN antecedente essa denúncia.
Figura 7: Oscilograma, curva melódica, transcrição grafemática da seqüência agora com relação a essa denúncia
que você faz; notação fonológica da entoação referente aos trechos denúncia e você faz.
c) Relativa não-restritiva posposta prototípica
Exemplo 67:
e essas manifestações correspondem a anseios de classe média e classe média sempre foi uma classe...
pela sua diversidade sua falta de consciência política uma classe alienada né e e manipulada pelos meios
de comunicação... repara que essas manifestações ocorreram principalmente aonde? França... onde a
população votou no Sarkosy...
que é um reacionário de marca maior... na Espanha... onde a repressão a
movimentos separatistas é extremamente violento né no Peru onde ganhou... o Alan Garcia também um
governo de centro direita...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
sah ko zi

ky

Valores de F0 (Hz) 167 181 334 170 148
Duração (s) 0,31
Tabela 13: Valores da F0 e da duração da seqüência Sarkosy que é um
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA H% -
ACENTO DE TOM L + H* -
Tabela 14: Notação fonológica do vocábulo Sarkosy
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - -
Não-preenchida 0,66 s -
Tabela 15: Localização e tipo de pausa
Segmentos
nɘj pɘ

ɘ o djɘ
Valores de F0 (Hz) 194 251 354 188 161
Tabela 16: Valores da F0 da seqüência na Espanha onde a
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA H% -
ACENTO DE TOM L + H* -
Tabela 17: Notação fonológica da seqüência na Espanha
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - -
Não-preenchida 0,55 s -
Tabela 18: Localização e tipo de pausa
No exemplo 67, temos quatro relativas não-restritivas pospostas prototípicas, mas só
apresentamos aqui a análise prosódica de duas delas, ambas com tom de juntura alto (H%) e
pausas significativas na fronteira 1. Os dois SN’s antecedentes (o Sarkosy e a Espanha)
codificam informações Novas no texto e Velhas para o ouvinte e possuem grau máximo de
definitude são nomes próprios, possuindo, pois, unicidade referencial.
Tanto o primeiro dado analisado (França... onde a população votou no Sarkosy... que é
um reacionário de marca maior...) quanto o segundo (na Espanha... onde a repressão a
movimentos separatistas é extremamente violento né) constituem seqüências tipológicas
descritivas, mas o trecho como um todo está a serviço da argumentação. Na realidade, embora as
entrevistas jornalísitcas sejam consideradas gêneros informativos (cf. Melo, 2003a), as que fazem
parte da nossa amostra oral foram classificadas como entrevistas políticas, de acordo com
Charaudeau (2007), que considera essa espécie uma variante do gênero entrevista. Sendo um
texto de teor político, as relativas não-restritivas auxiliam na codificação do ponto de vista do
falante, corroborando nossa hipótese de que esse tipo de cláusula está diretamente relacionado à
argumentação, embora nesse gênero o falante não tenha necessidade de apagar as marcas da
subjetividade. Temos a seguir o gráfico correspondente ao dado.
Figura 8: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência Sarkosy que é um reacionário de
marca maior na Espanha onde a repressão; notação fonológica da entoação referente aos vocábulos Sarkosy e
Espanha.
d) Relativa não-restritiva “intercalada” prototípica
Exemplo 68:
AP: é um prazer tê-la aqui no nosso programa... e eu queria que você falasse um pouco dessas eleições
que vão ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze de agosto né e particularmente do
programa da chapa que você encabeça o Movimento Educação... por que ser candidata Lúcia?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
d
sɘ
z
e
le
so
j
k
vo
Valores de F0 (Hz) 151 124 125 113 173 101 112
Duração (s) 0,56
Tabela 19: Valores da F0 e da duração da seqüência dessas eleições que vão (fronteira sintática 1)
Segmentos
dj
a
o

t
n
Valores de F0 (Hz) 94 170 90 134
Tabela 20: Valores da F0 da seqüência de agosto né (fronteira sintática 2)
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA H% L%
ACENTO DE TOM L + H* L + H*
Tabela 21: Notação fonológica das seqüências eleições e de agosto
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - 0,15 s
Não-preenchida 0,36 s 0,24 s
Tabela 22: Localização e tipo de pausa
O exemplo 68 é um dos quatro dados do corpus oral que apresentam relativa não-
restritiva “intercalada”. Podemos observar tons de juntura nas duas fronteiras sintáticas, bem
como pausas, sendo a da fronteira 2 parcialmente preenchida, ou seja, além do preenchedor
discursivo (), com duração de 0,15 segundos, há tamm um período de silêncio, de 0,24
segundos, totalizando uma pausa de 0,39 segundos. Embora tenhamos levantado a hipótese de
que o tom de juntura para as não-restritivas “intercaladas” seria o mesmo (ascendente) nas duas
fronteiras, nos quatro dados de que dispomos, os tons funcionam de maneira alternativa: quando
é ascendente na fronteira 1, é descendente na fronteira 2 e vice-versa. Assim, mesmo que os
dados contrariem parcialmente nossa hipótese sobre o tipo de tom na fronteira 2 das não-
restritivas “intercaladas”, consideramos o exemplo 68 prototípico, pois, de qualquer forma, tanto
ele como os outros três dados do mesmo tipo apresentam rupturas nas duas fronteiras, sendo a
prosódia congruente com a sintaxe. Nesses quatro dados, essas rupturas se manifestam por meio
dos tons de juntura e das pausas.
Quanto à informatividade, o SN essas eleições codifica uma informação Nova no texto e
Velha para o ouvinte, pelo menos para a entrevistada, que está participando do pleito eleitoral
tematizado na entrevista.
Figura 9: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência pouco dessas eleições que vão
ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze de agosto né; notação fonológica da entoação referente aos
vocábulos eleições e de agosto.
e) Relativa restritiva “intercalada” não-prototípica
Exemplo 69:
L: eu já fui diretora do sindicato eh (a) primeira vez que existiu um departamento de educação e cultura
eu fui a primeira diretora desse departamento... que tinha como preocupação... chamar mais o professor
pra dentro do sindicato através de cursos seminários investimento na sua formação continuada
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
p

m
e

ɘ
vey

k
z ti
w
Valores de F0
(Hz)
170 218 232 198 193 174 180
Tabela 23: Valores da F0 da seqüência (a) primeira vez que existiu
Segmentos
k tu
e
w
Valores de F0 (Hz) 154 217 207
Tabela 24: Valores da F0 da seqüência cultura eu
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA - -
ACENTO DE TOM H + L* L + H*
Tabela 25: Notação fonológica das seqüências primeira vez e cultura eu
No exemplo 69, apesar de a relativa restritiva estar “intercalada” à matriz, não há um tom
de juntura na fronteira sintática 2, como supomos ser típico dessa espécie de cláusula. O sândi
64
ocorrido entre os vocábulos cultura e eu comprova que não houve segmentação nesse ponto da
cadeia, tendo o co-texto fônico favorecido sua ocorrência. No exemplo 66 (agora com relação a
essa denúncia que você faz há: eu imagino essas eleições devem ter uma comissão eleitoral)
, em que há
segmentação na fronteira sintática 2, ocorre uma pausa preenchida com uma hesitação,
impossibilitando o sândi. Este seria plausível naquele dado, se não houvesse a pausa entre os dois
vocábulos, tendo em vista a presença do fone [] travando a sílaba da forma verbal faz e a vogal
inicial da forma pronominal eu (fazew). Contudo a escassez de cláusulas relativas
“intercaladas” nos impede de fazer mais conjecturas.
O SN antecedente (a) primeira vez codifica uma informação Velha no texto e Velha para
o ouvinte. Seu grau de definitude é médio, e o artigo definido a foi inferido a partir do uso
comum da expressão da qual normalmente faz parte, embora não tenha sido detectado
acusticamente. Esse dado constitui um daqueles casos polêmicos em que a seqüência SN + QUE
pode ser entendida como morfema único introduzindo uma cláusula adverbial. O gráfico a seguir
possibilita visualizar a análise acústica do referido dado.
64
De acordo com a definição de Dubois et alii (1978:525), “este termo designa os traços de modulação e
modificação fonética que afetam a inicial e/ou o final de certas palavras, morfemas ou sintagmas. A forma
pronunciada em posição isolada é a forma absoluta; as formas que aparecem em posição inclusa são as formas do
sândi.”
Figura 10: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência (a) primeira vez que existiu um
departamento de educação e cultura eu fui a; notação fonológica da entoação referente aos trechos primeira vez e
cultura eu.
f) Relativa não-restritiva posposta sem pausa
Exemplo 70:
L: então essa é a a razão pela qual a gente escolheu seu programa
que tá sempre atento a essas questões
pra que a gente possa eh:: denunciar isso a falta de democracia nesse processo eleitoral...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
po

ɘ
mɘ

k

ta
se

p

Valores de F0(Hz) 172 195 235 95 173 219 192
Tabela 26: Valores da F0 da seqüência programa que tá sempre
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA H% -
ACENTO DE TOM L + H* -
Tabela 27: Notação fonológica do vocábulo programa
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - -
Não-preenchida - -
Tabela 28: Localização e tipo de pausa
O exemplo 70 apresenta uma relativa não-restritiva posposta à matriz sem pausa na
fronteira entre as duas cláusulas; em contrapartida, há um tom de juntura marcando o limite entre
os dois constituintes em termos sintáticos e prosódicos. Esse dado corrobora nossa hipótese de
que a pausa funciona, em geral, como um índice redundante na distinção entre as relativas, e não
como um traço categórico. O SN antecedente (seu programa) apresenta grau alto de definitude
devido ao emprego do possessivo e foi considerado Velho no texto e Velho para o ouvinte.
Figura 11: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência a gente escolheu o seu programa
que tá sempre atento a essas questões; notação fonológica da entoação referente ao vocábulo programa.
g) Relativa não-restritiva posposta não-prototípica
Exemplo 71:
L: e os/nós já chamamos a comissão eleitoral pra ver um carrinho... que sistematicamente sai cheio de
jornal da sala da presidência do sindicato já mostramos esse carrinho pra comissão eleitoral que não quer
ver que vira o rosto que diz que não pode fazer nada que a chapa dois tem que fazer um uso político das
coisas que acontecem mas que ela não pode interferir... numa briga entre a chapa um e a chapa dois e fica
tudo por isso mesmo...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Segmentos
 kɘ 
i

k
Valores de F0(Hz) 232 270 273 194 246
Tabela 29: Valores da F0 da seqüência um carrinho
FRONTEIRA
SINTÁTICA 1
FRONTEIRA
SINTÁTICA 2
TOM DE FRONTEIRA L% -
ACENTO DE TOM L + H* -
Tabela 30: Notação fonológica do vocábulo carrinho
Tipo de pausa Fronteira 1 Fronteira 2
Preenchida - -
Não-preenchida 0,33
65
-
Tabela 31: Localização e tipo de pausa
O exemplo 71, retomado nesta seção, demonstra de forma especial a relevância dos
aspectos prosódicos para a interpretação das cláusulas relativas. Apesar de o SN um carrinho
codificar uma informação Nova no texto e Nova para o ouvinte e de ter um grau de definitude
baixo, devido à sua constituição (Art Ind + N), a relativa que o caracteriza foi classificada como
não-restritiva (não-prototípica). Há uma pausa não-preenchida com uma duração significativa
(0,33 segundos) na fronteira sintática entre as cláusulas. Contudo o tom de fronteira empregado é
o descendente, e não o ascendente, que acreditamos ser típico dessa construção. Nesse caso o
65
Apesar de ter ocorrido nesse dado um ruído não humano simultaneamente à pausa registrada, isso não prejudicou a
análise empreendida.
emprego da pausa parecer ter sido decisivo para a interpretação da relativa como não-restritiva.
Mas é preciso lembrar que nesse dado contamos com a interferência de outra variável: o SN
antecedente (um carrinho) foi produzido enfaticamente, constituindo foco. O gráfico a seguir
materializa a análise acústica desse exemplo.
Figura 12: Oscilograma, curva melódica e transcrição grafemática da seqüência um carrinho que sistematicamente
sai cheio de jornal; notação fonológica da entoação referente ao vocábulo carrinho.
Das sessenta e seis cláusulas relativas do corpus oral, trinta e três (33) são não-restritivas,
sendo vinte e duas (22) prototípicas, e onze (11), não-prototípicas. Pensando-se que esses dados
representam cinqüenta por cento (50%) do corpus, tal constatação contraria a literatura sobre o
assunto, que costuma afirmar que as restritivas são mais freqüentes que as não-restritivas. De
fato, isso ocorreu com os dados da modalidade escrita, mas, na realidade, não devemos fazer esse
tipo de generalização sem levar em conta os gêneros textuais e o contexto de situação, incluindo a
modalidade, para não falar do estilo de cada usuário da língua.
Das trinta e três (33) construções com relativas não-restritivas, vinte e duas (22)
apresentam tom ascendente (H%) na fronteira dessas cláusulas com a matriz, o que representa um
índice em torno de sessenta e seis por cento (66%) dos dados desse tipo. Por isso continuamos a
postular que há um tom de juntura típico da construção com relativa não-restritiva posposta
marcando o limite entre ela e sua respectiva matriz, que seria o tom ascendente, podendo ou não
haver pausa nessa fronteira.
Já as restritivas pospostas teriam como marca prosódica a ausência de um tom de juntura
e de pausa entre elas e suas respectivas matrizes. Quanto às construções com relativas
“intercaladas”, seria necessário ampliar o número de dados para podermos confirmar a existência
de índice(s) prosódico(s) característico(s). De qualquer forma, aventamos a hipótese de que tanto
as restritivas quanto as não-restritivas “intercaladas” apresentariam uma segmentação na fronteira
sintática 2, mas deixamos para investigações futuras conjecturar a forma dessa segmentação.
No que diz respeito à pausa, das trinta e três (33) construções com relativas não-
restritivas, apenas doze (12) foram realizadas com pausa na fronteira 1, representando
aproximadamente trinta e seis por cento (36%) desses dados. Em contrapartida, os quatro (04)
exemplos com não-restritivas “intercaladas” à matriz apresentaram pausa na fronteira 2, o que
representa cem por cento (100%), apesar de os dados serem poucos. Já no caso das restritivas, das
trinta e três (33) construções, só uma apresentou pausa, mas esta ocorreu na fronteira 2 sendo,
portanto, esperada. No que tange ao alongamento, só em dois dados de não-restritivas
verificamos sua ocorrência, um deles corresponde ao exemplo 68. Acreditamos que esta variável
tenha um papel menos relevante do que a pausa na distinção das relativas já que, além de muito
pouco empregada, não foi a única responsável pela diferenciação dessas cláusulas em nenhum
dado do corpus.
6 TIPOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES RELATIVAS
Alguns autores, como Henry (1975) e Grésillon (1975), defendem a hipótese de que não
há diferença entre as relativas restritivas e não-restritivas em termos gramaticais e que elas se
distinguem pelo funcionamento no discurso. A análise aqui empreendida, no entanto, leva-nos a
postular que em alguns casos a gramática determina o tipo de relativa a ser empregado, em
outros, fatores discursivos é que vão determinar tal uso. Para isso, é fundamental o papel que a
informatividade e a definitude do SN antecedente desempenham nesse processo em relação à
modalidade escrita, e, em relação à falada, temos ainda a interferência de fatores prosódicos.
A partir da investigação realizada aqui, baseada na análise da língua em uso dentro da
perspectiva teórica do Funcionalismo, mais especificamente com base nos pressupostos da
Gramática Sistêmico-Funcional, apresentamos a seguir uma proposta tipológica para as cláusulas
relativas finitas do português brasileiro contemporâneo.
6.1 Não-restritivas prototípicas
Rotuladas de “explicativas” pela tradição gramatical e de “apositivas” por outras
abordagens, as construções do corpus que classificamos como não-restritivas prototípicas são
aquelas em que a cláusula relativa não contribui para a delimitação do SN antecedente, pois este
apresenta grau máximo de definitude. Mas elas podem, a depender das condições de produção do
texto, auxiliar o ouvinte/leitor a identificar o referente codificado por esse SN.
SN’s antecedentes com grau máximo de definitude (nomes próprios, pronomes pessoais
ou nomes acompanhados de sintagmas preposicionados com nomes próprios), quando usados em
construções com cláusulas relativas, pedem não-restritivas, independentemente de codificarem
informação Velha ou Nova no texto. Se codificarem informação Nova para o ouvinte/leitor
(exemplo 72), a relativa, mesmo sendo não-restritiva, certamente auxiliará na identificação do
referente, ainda que não contribua para sua delimitação. Isso vai depender, por exemplo, do
conhecimento que o interlocutor possua a respeito desse referente.
Exemplo 72:
O prefeito de Xapuri, Júlio Barbosa foi premiado pelo incentivo à instalação do Pólo de Indústrias
Florestais de Xapuri,
que investe na fabricação de móveis utilizando madeira explorada por manejo
florestal, com o objetivo de gerar emprego e renda para os povos da floresta.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil, 2 de junho, 2003.)
Exemplo 73:
Outras pesquisas de Sinclair, que é co-fundador da Sirtris, mostraram que o resveratrol poderia evitar os
efeitos nocivos de uma dieta rica em gordura em camundongos, além de aumentar a expectativa de vida
dos animais.
(O GLOBO. Pílula de vinho para aumentar a longevidade. 27de abril, 2008.)
Exemplo 74:
AQ e essas manifestações correspondem a anseios de classe média e classe média sempre foi uma classe...
pela sua diversidade sua falta de consciência política uma classe alienada né e e manipulada pelos meios
de comunicação... repara que essas manifestações ocorreram principalmente aonde? França...
onde a
população votou no Sarkosy...
que é um reacionário de marca maior... na Espanha... onde a repressão a
movimentos separatistas é extremamente violento né no Peru
onde ganhou... o Alan Garcia também um
governo de centro direita...
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Dados como esses foram considerados como relativas não-restritivas prototípicas e são
determinados pela definitude do SN antecedente, que constitui um aspecto formal, gramatical.
6.2 Restritivas prototípicas
As relativas restritivas prototípicas são aquelas cujos SN’s antecedentes, que podem ser
nominais ou pronominais, apresentam grau mínimo de definitude e necessitam, por isso, de
especificação. Inserimos nessa categoria as construções com pronomes indefinidos, pronomes
demonstrativos e com nomes genéricos (ou proformas).
Exemplo 75:
AP: eh: também o governo brasileiro não aceita a caracterização simplesmente enquanto uma uma força
beligerante... mas o fato é que aparentemente Uribe... contrariou a política dos Estados Unidos de aceitar
essa idéia do pacto militar sul-americano sem a presença dos Estados Unidos que é algo
que o governo de
Washington combate... qual é a sua avaliação dessa última jogada aí no do da diplomacia sul-americana?
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Exemplo 76:
Quem é o prefeito empreendedor? Aquele que respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal e entende ser
necessário deixar a sociedade desenvolver os seus próprios negócios. O
que cria o ambiente adequado
para os pequenos negócios florescerem e (
que) fortalece as micro e pequenas empresas já existentes.
Aquele
que desburocratiza e facilita a abertura de empresas, reduzindo especialmente impostos que
dificultam a produção. O
que estimula o empreendedorismo nas escolas públicas e privadas, no corpo
docente e discente. E ainda aquele
que institucionaliza o microcrédito, com taxas de juros abaixo da
média do mercado, e proporciona fácil acesso ao novo empreendedor.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil. 02 de junho, 2003.)
Exemplo 77:
Até agora a única coisa que se conhece são vazamentos (pela imprensa), disse Serra.
(O GLOBO. Serra: PT quer transformar apuração do caso Alstom em ‘eleitoralismo’, 03 de junho de
2008.)
Também incluímos nessa categoria os casos em que a cabeça do SN antecedente está
lexicalmente vazia, ou seja, em que o pronome relativo preenche essa lacuna em termos
semânticos, além de estabelecer a conexão entre a relativa e a matriz. No nosso corpus, são
aquelas cláusulas introduzidas pelos pronomes quem ou onde sem antecedente explícito, como os
exemplos a seguir.
Exemplo 78:
Acho normal, bicho. O ouvinte identifica quem canta. Nem todo mundo é politicamente correto de dizer
Jesus Cristo, de Roberto e Erasmo. Não é por mal. Essa parte aí eu desculpo.
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Exemplo 79:
AQ a mesma coisa o argumento que ele inventou pra:: que a o a a o governo do Iraque tinha arma de
poder de destruição apenas pra controlar o petróleo... ou combater... a a subversão como eles dizem no
Afeganistão quando a subversão é dentro do próprio Estados Unidos... e já existe inclusive acusações de
que aquele aquela destruição do World Trade Center foi manipulada pelo próprio Estados Unidos eu acho
meio fantástica essa acusação mas de qualquer jeito
onde há fogo há fumaça aliás onde há fumaça há fogo
((risos))
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Essas relativas são prototípicas no que tange ao seu papel de restrição para com o
antecedente, mesmo que lexicalmente vazio, mas não o são em termos da relação sintática
contraída com a matriz, pois toda a cláusula relativa é encaixada à matriz desempenhando nesta
uma função sintática, no âmbito do sistema de modo, e um papel semântico, no âmbito do
sistema de transitividade. Em outras palavras, elas são constituintes da cláusula matriz; foram,
portanto, consideradas construções híbridas, com traços de relativas e de completivas
simultaneamente.
Há ainda algumas relativas restritivas que têm como antecedente a forma pronominal o, e
que seriam, por isso, prototípicas do ponto de vista da restritividade. Contudo, elas ocorrem em
co-textos que propiciam ambigüidade e, conseqüentemente, duas possibilidades de análise:
podem ser entendidas como relativas propriamente ditas ou como completivas. No primeiro caso,
teríamos o pronome demonstrativo o seguido do relativo que encabeçando a cláusula relativa
restritiva; no segundo, teríamos o que como uma unidade morfêmica encabeçando uma cláusula
completiva.
Exemplo 80:
LUIZÃO: Quem fala isso não sabe
o que está acontecendo e, pelo visto, não me conhece. Sempre
fui um jogador lutador, que dá tudo em campo. O Flamengo tem um dos melhores departamentos
médicos do Brasil, tem o médico da seleção brasileira. Será que eu ia conseguir ficar enganando
essa gente tanto tempo?
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Exemplo 81:
L: a gente teve aí alguns sindicatos que se acomodaram... ao neoliberalismo que passaram a deixar de lutar
eh:: e aí a gente começa a entrar a gente ter um sindicato que não luta... que faz assembléia salarial eh::
uma assembléia... pra dizer qual é o índice a outra assembléia pra estabelecer o
que que ficou combinado e
não há luta não há negociação
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Há também uma espécie de relativa restritiva que apresenta traços de outra categoria de
cláusula: das adverbiais. Devido à utilização recorrente de determinados nomes de caráter
genérico seguidos de cláusulas relativas, algumas dessas construções são altamente previsíveis e
acabam por cristalizar-se. Se as olharmos exclusivamente do ponto de vista formal, elas estão
encaixadas no SN antecedente e não deixa de haver entre este e a relativa uma relação de
predicação do tipo restritivo. Porém, alguns desses nomes expressam conteúdos circunstanciais, o
que torna tais construções semelhantes às cláusulas adverbiais. Por isso preferimos considerá-las
como cláusulas híbridas por apresentarem traços das relativas e das adverbiais.
Exemplo 82:
L: eu já fui diretora do sindicato eh (a) primeira vez que existiu um departamento de educação e
cultura eu fui a primeira diretora desse departamento... que tinha como preocupação... chamar
mais o professor pra dentro do sindicato através de cursos seminários investimento na sua
formação continuada
(RÁDIO BANDEIRANTES. Programa Faixa Livre. 21 de julho, 2008.)
Exemplo 83:
O desafio é tarefa ainda mais delicada, no momento em que a inflação, velha inimiga de todo e qualquer
planejamento, começa novamente a mostrar suas garras. Só mesmo com muito entendimento.
(JORNAL DO BRASIL. Boa vontade. 01 de novembro, 2002.)
Exemplo 84:
Você fez muitas músicas com temas políticos em uma época em que havia preconceito contra o pessoal
da Jovem Guarda. Ainda há?
(JORNAL DO BRASIL. Entrevista com Erasmo Carlos. 06 de maio, 2007.)
Exemplo 85:
Encaixava com a minha família até o ponto
que encaixava melhor com as babás.
(DAHL, Maria Lúcia. O quebra-cabeças. Jornal do Brasil, 01 de novembro, 2002.)
Algumas dessas relativas com traços de adverbiais têm como núcleo do SN antecedente
um advérbio propriamente dito, como o exemplo a seguir.
Exemplo 86:
LUIZÃO: Sempre que me machuco acham que o problema é no joelho. Não tenho mais nada nos joelhos.
Agora, é lógico que não posso ficar correndo que nem um louco, pulando, dividindo todas. Um jogador na
minha situação precisa de muito carinho.
(O GLOBO. Entrevista com Luizão. 10 de setembro, 2006.)
Já o exemplo seguinte apresenta duas possibilidades de análise: uma com o que relativo,
retomando o SN antecedente outro destino e com o verbo relacional elíptico; outra na qual a
seqüência que não equivaleria à preposição senão e, por conseguinte, não teríamos uma cláusula
relativa. Parece estarmos diante de uma construção cristalizada ou que está em processo de
cristalização. Mais uma vez temos um dado ambíguo e, na perspectiva de uma construção
relativa, teríamos uma cláusula restritiva prototípica quanto ao aspecto semântico da predicação
que estabelece com o SN antecedente, mas não prototípica do ponto de vista sintático, pois o
processo de cristalização da seqüência que não estaria fazendo com que essa construção deixasse
de ser uma cláusula.
Exemplo 87:
Lembrou, ainda, que a norma da Lei de Biossegurança permite pesquisas com células-tronco embrionárias
produzidas in vitro, “consideradas inviáveis para a reprodução humana e, portanto, descartáveis, às quais
não está reservado outro destino
que não (seja) o lixo”.
(JORNAL DO BRASIL. Decisão foi de 6 a 5, mas 9 deram voto contra a ação. 30 de maio, 2008.)
Assim, dentro da categoria das relativas restritivas prototípicas do ponto de vista da
restritividade, haveria algumas construções que estão tomando outros rumos: umas estão indo na
direção das cláusulas completivas; outras na direção das cláusulas adverbiais; e outras ainda
estariam perdendo seu status de cláusulas, ou seja, dessentencializando-se.
6.3 Não-restritivas não-prototípicas
Consideramos não-restritivas não-prototípicas as cláusulas cujas características formais e
informacionais conduziriam ao emprego de uma relativa restritiva, mas outras variáveis
provenientes do contexto de situação e/ou de cultura levam o falante/escritor a empregar uma
relativa não-restritiva.
Exemplo 88:
Finalmente na Avenida Brasil, seguimos até a entrada da Ilha do Governador e, no caminho do
aeroporto, ainda passamos por um ônibus, que parecia ser do Exército, pois era verde-escuro,
com dois guardas sentados com a porta traseira aberta, cada um com duas armas nas mãos. Uma
cena "normal" diante do que havíamos visto até então.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002.)
No exemplo anterior, o antecedente um ônibus é formalmente indefinido pela anteposição
do artigo um e codifica uma informação Nova no texto e Nova para o leitor; apresenta, portanto,
traços que favoreceriam o emprego de uma relativa restritiva. A informação codificada pela
cláusula relativa (ser do exército) se prestaria a identificar o referente codificado pelo SN um
ônibus; entretanto, ela é modalizada pelo auxiliar parecer, demonstrando que o autor não tem
certeza da veracidade dessa informação. Tudo indica que esta foi a motivação para ele ter usado a
relativa entre vírgulas, dando-lhe status parentético, tendo, assim, um valor não-restritivo.
Contudo ela seria uma relativa não-restritiva não-prototípica: o grau de definitude e a
informatividade do antecedente solicitam restrição (delimitação), mas um fator de natureza
pragmática conduz o autor a um uso não-restritivo. Os exemplos a seguir, discutidos
anteriormente e retomados nesta seção, são semelhantes a este e também foram incluídos nessa
categoria de relativas.
Exemplo 89:
Acode-me de imediato a lembrança das lutas de gato e rato nos anos 80 para tentar liberar letras de
músicas interditadas, filmes cortados, peças teatrais proibidas, além do mais sistemático
que eram os
cortes nas novelas e em toda dramaturgia televisiva das grandes redes de televisão.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
Exemplo 90:
Do ponto de vista do gestor público local, exige-se uma responsabilidade maior com o território, que
pode ser entendido como um estado, uma região, um município, um distrito, um bairro ou uma
comunidade. Para simplificar uma longa discussão sobre o tema, seria possível dizer que o novo caminho
implica “pensar global e agir localmente”.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil, 2 de junho, 2003.)
6.4 Restritivas não-prototípicas
As relativas restritivas não-prototípicas são aquelas que, embora sintaticamente
encaixadas em sua respectiva matriz, apresentam um certo esvaziamento do seu conteúdo
semântico, tornando mais débil a relação atributiva entre ela e o SN antecedente, devido a fatores
provenientes do co-texto e/ou do contexto, como mostram os exemplos a seguir, discutidos
anteriormente e retomados nesta seção.
Exemplo 91:
Esse modelo passa a enfocar a qualidade de vida das populações, das condições de sobrevivência das
gerações futuras e do próprio planeta em
que vivemos.
(PEIXOTO, Celina Amaral. O empreendedorismo e as prefeituras. Jornal do Brasil, 2 de junho, 2003.)
Exemplo 92:
Fizemos, enfim, o discurso que nós, cariocas, temos na ponta da língua para tentar suavizar (se isso é
possível) o quadro violento
que vivemos todos os dias.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002.)
Exemplo 93:
Já n
o cativeiro
para onde foram levados, eles perceberam pelo menos 20 milicianos - alguns com fardas da PM,
chamados de coronel e comandante - que acompanharam as sessões de tortura.
(JORNAL DO BRASIL. Milícia tortura equipe de jornal. 01 de junho, 2008.)
No exemplo a seguir, o SN antecedente constitui informação Nova no texto, mas Velha
para o leitor em função do contexto de cultura. O próprio significado dos dois nomes que fazem
parte do sintagma preposicionado contribuem para a identificação do referente. O SN antecedente
possui um grau de definitude médio em função da sua configuração formal (Art Def + N +
SPrep). A cláusula relativa, embora encaixada, desempenha um papel muito mais de reforço do
que de delimitação do referente; por conseguinte, a consideramos uma restritiva não-prototípica.
Exemplo 94:
Com a participação cada vez mais constante da mulher na sociedade, a indústria do tabaco começou a enxergá-las
como um consumidor em potencial. Os comerciais com mulheres "livres" e donas do próprio nariz começaram a ficar
freqüentes nas propagandas de cigarro e o número de consumo do fumo entre mulheres aumentou, mesmo com
os
riscos de
aborto
e
câncer uterino
que o cigarro proporciona.
(P.V.)
(
JORNAL DO BRASIL
. A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil. 01 de junho de 2008)
Podemos observar um certo esvaziamento semântico da relativa restritiva em outros
casos, nos quais a seqüência N + QUE é geralmente bastante empregada pelos usuários e acaba
cristalizando-se, como no exemplo a seguir.
Exemplo 95:
Numa palavra, enquanto nós lutávamos contra a censura às diversões públicas, nos anos 80!, todos
considerávamos a liberdade de imprensa assegurada. Intocável e preservada, como santa de altar. Sob
qualquer argumento
que fosse.
(ALBIN, Ricardo Cravo. A censura e as trevas. O Globo, 28 de outubro, 2002.)
No exemplo anterior, embora o núcleo do SN antecedente não seja um advérbio
propriamente dito, ele está inserido em um sintagma que pode desempenhar o papel semântico de
circunstância, no âmbito do sistema de transitividade, e a função sintática de adjunto adverbial,
no sistema de modo. Entretanto, esse dado apresenta a peculiaridade de o SN antecedente não
estar inserido em uma cláusula matriz, emprego que enfatiza toda a construção relativa e es
ligado ao caráter argumentativo não só da seqüência tipológica como do próprio gênero textual
(artigo). Também há um certo esvaziamento semântico do valor atributivo da relativa no que diz
respeito ao seu antecedente, processo que viabiliza a cristalização da construção QUALQUER +
N + QUE. Caso semelhante é o do exemplo a seguir, com a diferença de que não há o pronome
indefinido qualquer.
Exemplo 96:
Minha sogra ficou um pouco intrigada com a cena e, mais uma vez, iniciamos o tal discurso, de que são
fatos isolados etc. Tentamos até inverter a situação e dizer que a manobra policial acontecia em prol da
nossa tranqüilidade e segurança de ir e vir. A impressão
que tive é que não foi suficiente.
(VIEIRA, Paulo Gouvêa. O fim (de semana). O Globo, 25 de outubro, 2002)
Dados como esses nos levaram a postular a existência de outra categoria intermediária de
relativa, a da restritiva não-prototípica, que, apesar de encaixada, traço sintático que lhe autoriza
o rótulo de restritiva, seu conteúdo semântico, de fato, não delimita com exatidão o referente
codificado pelo SN antecedente.
6.5 Proposta tipológica
A análise empreendida nos leva a crer que, por um lado, o grau de definitude do SN
antecedente tem um papel decisivo na interpretação das relativas. Quando esse SN apresenta o
grau máximo de definitude, a cláusula relativa terá valor não-restritivo; quando esse SN apresenta
o grau mínimo de definitude, a cláusula relativa terá valor restritivo. Assim, no gradiente da
definitude do SN antecedente, os casos situados nos dois extremos determinam gramaticalmente
o tipo de relativa.
Já no que se refere aos graus intermediários (alto, médio e baixo), o emprego dessas
cláusulas será conduzido por uma intrincada relação entre antecedente, relativa, locutor,
interlocutor, texto e contexto. Em outras palavras, com um grau intermediário de definitude do
SN antecedente, a escolha do tipo de relativa não é determinada gramaticalmente, e sim por
fatores textual-discursivos. Nesse caso, a informatividade tem um papel relevante, e o falante tem
liberdade para usar as construções relativas em função de outros aspectos, não formais, como, por
exemplo, intencionalidade, conhecimento partilhado de mundo, relações do discurso. O quadro a
seguir nos ajuda a visualizar a correlação entre o grau de definitude do SN antecedente e a
tipologia proposta para as cláusulas relativas quanto à restritividade com base nos dados do nosso
corpus.
GRAU DE DEFINITUDE E
CONSTITUIÇÃO DO SN
ANTECEDENTE
TIPO DE CLÁUSULA RELATIVA
Máximo
N [próprio]
N [comum] + SPrep [com N próprio]
Pro [pessoal]
Não-restritiva prototípica
Alto
Poss + N
Dem + N + (SAdj)
Dem + N + (SAdj) + SPrep
Não-restritiva prototípica
Não-restritiva não-prototípica
Restritiva prototípica
Médio
(Art Def) + N + SAdj
(Art Def) + N + SPrep
(Art Inf) + N + SAdj
(Art Inf) + N + SPrep
Não-restritiva prototípica
Restritiva prototípica
Restritiva não-prototípica
Baixo
N
Ind + N
Art Def + N
Art Ind + N
Quant + (Art) + N
Não-restritiva prototípica
Não-restritiva não-prototípica
Restritiva prototípica
Restritiva não-prototípica
Mínimo
Ind
Dem
N [genérico]
Restritiva prototípica
Quadro 7: Correlação entre grau de definitude e constituição do SN antecedente e tipos de relativas
Na perspectiva da tipologia das cláusulas tendo em vista as relações de combinação entre
elas, as relativas ocupam a região central do contínuo, situadas entre as adverbiais, mais à
esquerda, e as completivas, mais à direita. Esse fato explica a existência de algumas relativas
híbridas, com traços das adverbiais, de um lado, e das completivas, de outro. As figuras 13 e 14
permitem visualizar essa distribuição.
Figura 13: Processos de combinação de cláusulas
Figura 14: Posição das cláusulas relativas no contínuo oracional em relação às adverbiais e completivas
CLÁUSULAS
SUBORDINADAS
ADVERBIAS RELATIVAS COMPLETIVAS
RELATIVAS/
ADVERBIAIS
RELATIVAS RELATIVAS/
COMPLETIVAS
COMBINAÇÃO ENTRE
CLÁUSULAS
PARATAXE SUBORDINAÇÃO
HIPOTAXE ENCAIXAMENTO
Assim, do ponto de vista sintático, no âmbito dos processos de subordinação, teríamos
cláusulas: adverbiais, adverbiais/relativas, relativas, relativas/completivas e completivas. As
relativas podem apresentar-se mais integradas (encaixadas), ou menos integradas (hipotáticas).
As relativas com traços de completivas seriam encaixadas. Quanto às relativas com traços de
adverbiais, o quadro é um pouco mais complexo. Elas seriam encaixadas ao SN antecedente no
nível da cláusula, mas hipotáticas no nível do texto, pois a construção como um todo se ligaria
por hipotaxe a outro constituinte.
Da perspectiva semântico-sintática, tendo em vista a relação de predicação estabelecida
entre o SN antecedente e a relativa e os diferentes graus de subordinação, podemos ter quatro
tipos de cláusula relativa: não-restritiva não-prototípica, não-restritiva prototípica, restritiva
prototípica e restritiva não-prototípica. As duas categorias de prototípicas seriam determinadas
pela gramática, com base no grau de definitude do SN antecedente, e as demais seriam
determinadas no âmbito da interação e dependeriam da correlação entre fatores gramaticais e
discursivo-textuais.
Figura 15: Tipologia das cláusulas relativas
TIPOLOGIA DAS CLÁUSULAS
RELATIVAS
Não-restritivas prototípicas
Não-restritivas não-
prototípicas
Restritivas prototípicas
Restritivas não-prototípicas
As não-restritivas, hipotáticas, funcionariam como adjuntos em relação aos seus
respectivos SN’s antecedentes; já as restritivas, encaixadas, funcionariam como argumentos do
SN antecedente, seguindo a proposta de Decat (1999). Ambas seriam subordinadas, de acordo
com Lehmann (1988), mas em graus diferenciados, e o impasse apontado por Liberato (2001),
sobre o fato de os adjuntos serem considerados acessórios e as relativas restritivas, mesmo
funcionando como adjuntos, serem consideradas essenciais, estaria resolvido. Oliveira (2001),
que também postula quatro tipos de relativas, afirma que ocorre um processo de polarização
dessas cláusulas. Nossa hipótese de haver mais de dois tipos de cláusulas relativas está, pois,
comprovada, e a proposta tipológica apresentada aqui também demonstra uma polarização: de um
lado, as não-restritivas (prototípicas e não-prototípicas) e, de outro, as restritivas (prototípicas e
não-prototípicas). A tabela a seguir apresenta a distribuição dos tipos de relativas em função das
modalidades lingüísticas.
MODALI-
DADE
RESTRITIVAS
PROTOTÍPICAS
RESTRITIVAS
NÃO-
PROTOTÍPICAS
NÃO-
RESTRITIVAS
PROTOTÍPICAS
NÃO-
RESTRITIVAS
NÃO-
PROTOTÍPICAS
TOTAL
Escrita
76 09 40 05 130
Oral
30 03 22 11 66
Subtotal
106 12 62 16 -
RESTRITIVAS NÃO-RESTRITIVAS
Total
118 78 196
Tabela 32: Distribuição dos tipos de cláusulas relativas por modalidade
A observação da tabela 32 deve ser realizada com cautela, pois não é objetivo deste
trabalho cotejar as duas modalidades, mesmo porque isso não seria metodologicamente adequado
tendo em vista que não há equilíbrio na distribuição dos textos da amostra e, conseqüentemente,
na distribuição dos dados por gêneros e por modalidade. O que pretendemos com essa tabela é
tão somente apresentar uma visão geral da tipologia proposta para as cláusulas relativas
correlacionando-a com os dados da fala e da escrita que constituem o nosso corpus.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concebemos a cláusula relativa finita como uma construção na qual há uma conexão entre
um SN antecedente e uma cláusula subordinada encabeçada por um relativo que estabelece com
esse sintagma uma relação de predicação. Esse sintagma nominal pode ser constituído por um
nome, um pronome ou uma categoria lexicalmente vazia. A relação de predicação é de natureza
semântica e confere uma atribuição ao SN antecedente. A subordinação, de acordo com Lehmann
(1988), é entendida como um processo sintático gradativo que se situa à direita do contínuo
oracional e que ocorre em dois níveis: no da hipotaxe e no do encaixamento.
As cláusulas relativas localizam-se na região central do contínuo oracional no âmbito da
subordinação e apresentam, além das construções canônicas, formas híbridas, que tanto pendem
para a esquerda, quanto para a direita do contínuo. Aquelas que pendem para a direita também
possuem traços das completivas; as que pendem para a esquerda apresentam traços das
adverbiais. No entanto, há duas perspectivas para enfocarmos as relativas com traços de
adverbiais: do ponto de vista sintático-semântico, elas são relativas restritivas, portanto,
encaixadas; mas, do ponto de vista textual-discursivo, funcionam como adjuntos, sendo, portanto,
hipotáticas.
Esse movimento das cláusulas nas duas direções do contínuo demonstra não só o
gradiente dentro da própria categoria das relativas, como também entre as diferentes categorias
de cláusulas e entre os distintos modos de combinação entre elas no âmbito da subordinação.
A conceituação de cláusula relativa aqui adotada tem, pelo menos, dois desdobramentos
principais: contemplar os usos em que o SN antecedente não se encontra inserido em uma
cláusula matriz e considerar as chamadas “apositivas de frase” (Mateus et alii, 1994/2003)
construções paratáticas, tendo em vista que, sob o enfoque da Gramática Sistêmico-Funcional,
não podemos lhes atribuir papel semântico no sistema de transitividade nem função sintática no
sistema de modo.
As cláusulas relativas finitas do português brasileiro contemporâneo são encabeçadas
pelos chamados pronomes relativos, cujo inventário na tradição gramatical, e mesmo em algumas
outras abordagens apontadas ao longo deste estudo, não contempla todos os vocábulos que
podem desempenhar esse papel. Em nome da economia e da coerência na descrição lingüística,
propomos conceber tais vocábulos como conectivos que, a depender do co-texto no qual se
inserem, conforme Lavandera (1984), podem funcionar como relativos. Seriam eles: que, o qual
(e flexões), quem, cujo (e flexões), onde, quanto (e flexões) precedido de tudo ou todo(a)(s),
quando e como. Essa proposta corrobora a análise de algumas relativas que apresentam traços de
cláusulas adverbais, de um lado, e traços de completivas, de outro, denominadas aqui como
construções híbridas.
Outro aspecto importante a ressaltar é que este estudo deixa patente que a classificação
das relativas ultrapassa o nível da cláusula e encontra respaldo no nível do texto e dos contextos
de situação e de cultura. De fato, a classificação binária das relativas não recobre todos os usos
dessas cláusulas, embora eles se concentrem em torno da restrição e da não-restrição. Em suas
formas prototípicas, tanto as restritivas quanto as não-restritivas são determinadas
gramaticalmente pelo grau de definitude do SN antecedente. Quando este possuir grau máximo, a
relativa será não-restritiva; quando possuir grau mínimo, ela será restritiva. Por outro lado, se o
SN antecedente possuir grau intermediário de definitude, o tipo de relativa será determinado, na
modalidade escrita, por uma correlação entre grau de definitude e informatividade do SN
antecedente; e na modalidade oral, além desses dois fatores, aspectos prosódicos também
desempenham um papel relevante.
A análise acústica, de base instrumental, do corpus da modalidade falada nos leva a
postular que as relativas restritivas pospostas são caracterizadas pela ausência de marcas
prosódicas, enquanto as não-restritivas caracterizam-se pela sua presença. No entanto, o traço
típico destas últimas não seria a pausa, como afirma a literatura em geral, que pode ou não
ocorrer, e sim um tom de fronteira ascendente assinalando uma segmentação entre a relativa não-
restritiva posposta e sua respectiva matriz. A pausa desempenharia um papel secundário, ou de
reforço, a não ser em casos nos quais o tom de fronteira característico não seja empregado devido
à interferência de outras variáveis, o que configura o uso não-prototípico de cláusulas relativas na
fala. Dessa forma, no que concerne aos tipos de relativas, a prosódia é congruente com a sintaxe e
indica um grau maior de subordinação pela ausência de ruptura, e um grau menor de integração
pela sua presença, que não ocorre necessariamente por meio da pausa.
Resgatando a preocupação com o ensino da língua, apontada na introdução, embora este
estudo não tenha se debruçado sobre esse aspecto, as principais contribuições que podem ser
oferecidas nesse sentido são as seguintes: a) nem toda cláusula relativa não-restritiva apresenta
pausa na modalidade oral e vírgula na escrita; b) as relativas não-restritivas também são
fundamentais para a construção do sentido do texto, mesmo apresentando um grau menor de
vinculação sintática ao SN antecedente; c) nem toda cláusula relativa pode ser considerada com
valor de adjunto, pois as restritivas, encaixadas, funcionam como argumentos do SN antecedente,
e as não-restritivas, hipotáticas, é que funcionam como adjuntos; d) uma análise circunscrita ao
nível da cláusula não oferece subsídios suficientes para classificar as relativas nem para entender
seu funcionamento na interação verbal; e, por fim, e) a língua deve ser analisada não como um
objeto autônomo e estático, mas como um bem social e cultural, como preconiza o
Funcionalismo.
Iniciamos este estudo afirmando que, embora as cláusulas relativas já tivessem sido tema
de várias pesquisas, elas não constituíam um assunto esgotado. Ratificamos que continuam a não
ser um tema esgotado, nem tampouco foi nossa pretensão fazê-lo. Nesse sentido, este estudo abre
ainda outras perspectivas para dar continuidade ao exame do tema abordando aspectos que não
foram aqui contemplados ou não o foram a contento. Acreditamos ter cumprido nosso principal
objetivo comprovando que há quatro tipos de cláusulas relativas, e não dois, como enumeramos a
seguir: não-restritivas prototípicas, não-restritivas não-prototípicas, restritivas prototípicas e
restritivas não-prototípicas.
8 BIBLIOGRAFIA
AMORIM, Mônica Benttenmüller. (2006) Orações adjetivas: uma abordagem funcionalista.
Niterói: UFF, Instituto de Letras. Dissertação de Mestrado em Estudos da Linguagem. 90 f.
AMPARO, Sônia Maria do. (1997) Enunciados modais um processo de ficcionalidade em
Clarice Lispector. Rio de Janeiro: PUC. Tese de Doutorado. 231 f.
ANDRADE, Nadja. (1988) Onde observado na modalidade escrita de um dialeto brasileiro. In:
______ et alii. Diversidade do português do Brasil - estudos de dialectologia rural e outros.
Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA. p. 185-192.
AREAS, Eduardo Kenedy. (2003) O modelo raising de descrição de cláusulas relativas:
evidências do português. Revista da ABRALIN, vol. II, nº 2, p. 9-22.
AZEREDO, José Carlos de. (1990) Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
AZEVEDO, João Luiz Ferreira de. (2000) A expressão da finalidade no português. Rio de
Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ. Tese de Doutorado em Lingüística. 235 f.
BAGNO, Marcos. (2004) Cores que eu não sei o nome...: As estratégias de relativização. In:
______ Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola. p. 81-97.
BARBOSA, Jeronymo Soares. (1875) Gramática philosophica da língua portugueza. 6 ed.
Lisboa: Academia Real das Sciencias.
BARRETO, Therezinha Maria Mello. (1996) Estruturas relativas. In: MATTOS E SILVA, Rosa
V. (org.) A carta de Caminha: testemunho lingüístico de 1500. Salvador: Editora da UFBA. p.
151-165
______. (1999) Gramaticalização das conjunções na história do português. Salvador: UFBA.
Tese de Doutorado. 2 v.
BARRY, William. (1981) Prosodic functions revisited again. In: Phonetica. 38: 320-340.
BECHARA, Evanildo. (1975) Moderna gramática portuguesa. 31 ed. São Paulo: Nacional.
______. (1982) Lições de português pela análise sintática. 12 ed. Rio de janeiro: Padrão.
______. (2002) Moderna gramática portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro: Lucerna. Ed. Revista e
Ampliada.
BISOL, Leda (1999). Os constituintes prosódicos. In: Introdução a estudos de fonologia do
português brasileiro. Porto Alegra: Edipucrs, 2 ed, pp. 229-241.
BRAGA, Maria Luiza & SILVA, Giselle M. de Oliveira e. (1984) Novas considerações a
respeito de um velho tópico: a taxionomia novo / velho. In: GUIMARÃES, E. R. J. (org.)
Lingüística: questões e controvérsias. Uberaba: FIUBE, (10):27-40.
______ & KATO, Mary A.; MIOTO, Carlos. As construções-Q no português brasileiro falado:
relativas, clivadas e interrogativas. In: Kato, M. A. & Milton do Nascimento (orgs.) Gramática
do português culto falado no Brasil: a construção da sentença. Vol. III. Campinas: Ed. da
Unicamp. No prelo.
BRITO, Ana Maria Barros de. (1991) A sintaxe da sorações relativas em português. Porto:
Instituto Nacional de Investigação científica / Centro de Lingüística da Universidade do Porto.
Série Lingüística, n. 17.
BYBEE, Joan. (2003) Mechanisms of change in grammaticalization: the role of frequency. In:
JOSEPH, Brian & JANDA, Richards (eds.). A handbook of historical linguistics. Blackweel. p.
602-623
______ & HOPPER. P. J. (2001) Frequency and the emergence of linguistic structure. John
Benjamins: Amsterdam / Philadelphia.
CAGLIARI, L. (1992) Da importância da prosódia na descrição de fatos gramaticais. In: ILARI,
Rodolfo (org.) Gramática do português falado. Campinas: Ed. UNICAMP. Vol 2. p. 39-64.
CALLOU, Dinah M. I.; MORAES, João A. de; LEITE, Yonne de F.; KATO, Mary; OLIVEIRA,
Célia T. de; COSTA, Elenice S. de A.; ORSINI, Mônica T. & RODRIGUES, Violeta V. (1993)
Topicalização e deslocamento à esquerda: sintaxe e prosódia. In: CASTILHO, Ataliba T. de
(org.) Gramática do português falado. As abordagens. São Paulo: FAPESP / Editora da
UNICAMP, 3 v. p. 315-360.
______.; ROCHA, Maura A. F.; OLIVEIRA, Dercir; OLIVEIRA, Célia T.; COSTA, Elenice S.
de A.; ORSINI, Mônica T. & RODRIGUES, Violeta V. (1996) Preenchimento em fronteiras de
constituintes: orações subordinadas. In: CASTILHO, Ataliba & BASÍLIO, Margarida (orgs.)
Gramática do português falado – estudos descritivos. Campinas/São Paulo, Editora da
UNICAMP/FAPESP, 4v. p. 169-192.
CÂMARA JR., J. Mattoso. (1975) Erros escolares como sintomas de tendências lingüísticas no
português do Brasil. In: UCHÔA, C. E. F. (org.) Dispersos. Rio de Janeiro: FGV. p. 35-46.
______. (1985a) Dicionário de lingüística e gramática. 12 ed. Petrópolis: Vozes.
______. (1985b) História e estrutura da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Padrão.
______. (1985c) Estrutura da língua portuguesa. 15 ed. Petrópolis: Vozes.
CHARAUDEAU, Patrick. (2007) Discurso das mídias. São Paulo: Contexto. Trad. Ângela S. M.
Corrêa.
______ & MAINGUENEAU, Dominique. (2004) Dicionário de análise do discurso. São Paulo,
Contexto.
CICLOS DE ESTUDOS. (2004) Formação continuada para professores de escolas na busca do
horário integral. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro / Secretaria de Estado de Educação.
COUPER-KUHLEN, Elizabeth. (1985) Functions of intonation. In: ______ An introdcution to
English prosody. Tübingen: Niermeyer. p. 110-120.
______. (1985) Intonation and information. In: ______ An introdcution to English prosody.
Tübingen: Niermeyer. p. 121-138.
CRYSTAL, David. (2000) Dicionário de lingüística e fonética. 2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Trad. Maria Carmelita Pádua Dias.
CUNHA, Celso Ferreira da. (1982) Gramática da língua portuguesa. Rio de Janeiro: FENAME.
______ & CINTRA, L. Felipe Lindley. (1985) Nova gramática do português contemporâneo.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
CUNHA, M. Angélica Furtado da, OLIVEIRA, Mariângela Rios & MARTELOTTA, Mário
(orgs.). (2003) Lingüística funcional teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A / FAPERJ.
______ & SOUZA, Maria Medianeira de. (2007) Transitividade e seus contextos de uso. Rio de
Janeiro: Lucerna.
DECAT, M. Beatriz Nascimento. (1999) Por uma abordagem da (in)dependência de cláusulas à
luz da noção de “unidade informacional”. Scripta (Lingüística e Filologia), v. 2 n. 4, Belo
Horizonte: PUC Minas, 2.º sem, p. 23-38.
______. (2001a) Orações adjetivas explicativas no português brasileiro e no português europeu:
aposição rumo ao 'desgarramento'. In: ____ et alii. (org.) Scripta - Revista do Programa de Pós-
graduação em Letras e do CESPUC. Belo Horizonte: Editora PUC Minas. V. 5, n.º 9.
______. (2001b) A articulação hipotática adverbial no português em uso. In: ____ et alii (orgs.)
Aspectos da gramática do português: uma abordagem funcionalista. Campinas: Mercado das
Letras.
______. (2004) Orações relativas apositivas: SN’s ‘soltos’ como estratégia de focalização e
argumentação. In: Veredas (conexão de orações), v. 8, n. 1 e 2, jan./dez. Juiz de Fora, MG:
Editora UFJF (Impresso em 2005), p. 79-101.
DUBOIS, Jean et alii. (1973) Dicionário de lingüística. São Paulo: Cultrix.
FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O.; AQUINO, Zilda G. O. (2003)
Oralidade e escrita – perspectivas para o ensino de língua materna. 4 ed., São Paulo: Cortez.
FERREIRA, Lúcia Maria Alves et alii. (2000) Uma abordagem pancrônica da sintaxe
portuguesa. In: Gragoatá. Niterói: EDUFF. n.º 9, 2 sem. p.135-153.
FÓNAGY, Ivan. (1993) As funções modais da entoação. In: Cadernos de estudos lingüísticos.
25:25-65.
FOX, Anthony (2000). Prosodics features and prosodic structure: the phonology of
suprasegmentals. Oxford: Oxford University Press.
FREITAS, Myrian Azevedo de (1995). Prosódia e sintaxe: delimitação e contrastes de
estruturas. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 228 f.
FROTA, Sónia. (1994) Aspectos da prosódia do foco no português europeu. In: Letras de hoje.
29 (4):77-99.
GARCIA, Luiz. (2005) Manual de redação estilo de O Globo. 29 ed. São Paulo: Globo.
GERHARDT, Ana Flávia L. Magela. Falando de orações adjetivas. In: BERNARDO, Sandra P.
& MENEZES, Vanda Cardozo (orgs.). (1998) Estudos da linguagem: renovação e síntese. Rio de
Janeiro: ASSEL-RIO / UFRJ-FL/FAPERJ. Anais do XVIII Congresso da ASSEL-Rio. p. 730-
736.
GIVÓN, Talmy. (1995) Funcionalism and Grammar. John Benjamins: Amsterdam.
GOUVÊA, Lúcia Helena Martins. Construções relativas na escrita padrão. In: BERNARDO,
Sandra Pereira & MENEZES, Vanda Cardozo (orgs.). (1998) Estudos da linguagem: renovação e
síntese. Rio de Janeiro: ASSEL-RIO / UFRJ-FL/FAPERJ. Anais do XVIII Congresso da Asssel-
Rio. p. 737-745.
GRESILLON, A. (1975) Les relatives dans l’analyse linguistique de la surface textuelle: um cas
de régio-frontière. In: Langages. Paris: Didier-Larousse. (37):99-125.
HALLIDAY, M. A. K. (1977) Text as semantic choice in social contexts. In: DIJK, Teun van;
PETÖFI, János S. (eds.) Grammars and descriptions (studies in text theory and text analysis).
Berlin/New York: Walter de Gruyter. p. 176-225.
______. (1985) Spoken language: prosodic features. In: HALLIDAY, M. A. K. Spoken and
written language. Geelong, Vic.: Deakin University Press. p. 46-60.
______. (1994) An introduction to functional grammar. 2 ed. London: Edward Arnold.
______ & MATTHIESSEN, Christian M. I. M. (2004) An introduction to functional grammar. 3
ed. London: Hodder Arnold.
HARTUIQUE, Deise Luci Luiz. (2003) Crônica jornalística: um gênero ambíguo de texto. In:
PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino & GAVAZZI, Sigrid. (2003) Texto e discurso mídia,
literatura e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. p. 144-150.
HEINE, Bernd. (2003) Grammaticalization. In: JOSEPH, Brian & JANDA, Richards (eds.). A
handbook of historical linguistics. Blackweel.
HENRY, P. (1975) Constructions relatives et articulations discursives. In: In: Langages. Paris:
Didier-Larousse. (37):81-98.
HIRSCHBERG, Julia (2002). Communication and prosody: functional aspects of prosody. In:
Speech communication. 36:31-43.
HOPPER, Paul & TRAUGOTT, Elizabeth Closs. (1993) Grammaticalization. Cambridge:
Cambridge University Press.
HOPPER, P. J. (1991) On some principles of grammaticization. In: TRAUGOTT, E. C. &
HEINE, B. (eds.) Approaches to grammaticalization. John Benjamins Company: Philadelphia. 1
v.
ILARI, Rodolfo. (1996) Temas em funcionalismo da organização temática ao processamento
cognitivo. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística. p. 39-49.
KATO, Mary A. (1993) Recontando a história das relativas em uma perspectiva paramétrica. In:
KATO, M A. & ROBERTS, Ian. Português brasileiro uma viagem diacrônica. São Paulo:
UNICAMP. p. 223-261.
KOCH, Ingedore V. (1990) A coesão textual 2 ed. São Paulo: Contexto. Coleção Repensando a
Língua Portuguesa.
______ & TRAVAGLIA, L. Carlos. (1990) A coerência textual. São Paulo: Contexto. Coleção
Repensando a Língua Portuguesa.
______ & FÁVERO, Leonor Lopes. (2002) Lingüística textual: introdução. São Paulo: Cortez.
______ & ______. (1987) Contribuição a uma tipologia textual. In: Letras & letras. Uberlândia:
Departamento de Letras / UFU, junho. Vol. 3(1).
LACHERET-DUJOUR, Anne & BEAUGRANDRE, Frédéric. (2002) Intonation et grammaire.
In: La prosodie du Français. Paris: CNRS. p. 19-32.
LAVANDERA, Beatriz. (1984) La forma que Del espanñol y su contribución al mensaje. In:
______ Variación y significado. Buenos Aires: Hachette.
LE GOFFIC, Pierre. (1979) Propositions relatives, identificacion et ambigüité ou: pour en finir
avec deux types de relatives. In: Melange de syntaxique et sémantique. DR LAV, (21): 135-145.
LEHMANN, C. (1986) On the typology of relative clauses. In: Linguistics: an interdisciplinary
journal of the language sciences. Volume 24-4 [284] p. 663-680.
______. (1988) Towards a typology of clause linkage. In: HAIMAN, John; THOMPSON, Sandra
A. (ed.) Clause combining in grammar and discourse. Amsterdam, John Benjamins Publishing
Company. p. 181-225.
______. (2003) Relative clauses. In: International Encyclopedia of Linguistics. 2 ed. FRAWLEY,
W. J. (ed.) Oxford: Oxford University Press. 3 vol. p. 460-462.
LEITE, Yonne de F.; CALLOU, Dinah M. I.; MORAES, João A. de; KATO, Mary; ORSINI,
Mônica T.; RODRIGUES, Violeta V. & COSTA, Elenice S. de A. (1996) Tópicos e adjuntos. In:
CASTILHO, Ataliba & BASÍLIO, Margarida (orgs.) Gramática do português falado – estudos
descritivos. Campinas/São Paulo, Editora da UNICAMP/FAPESP, 4v. p. 321-339.
LIBERATO, Yara Goulart. (2001) A estrutura interna do SN em português. In: DECAT, M.
Beatriz do N. et alii. Aspectos da gramática do português – uma abordagem funcionalista.
Campinas: Mercado das Letras. p. 41-102.
LLORACH, E. Alarcos (1984) Español “que”. In: ____. Estudios de gramática funcional del
español. Madrid: Gredos. p. 260-274.
LUFT, Celso Pedro (1985) Moderna gramática brasileira. Porto Alegre / Rio de Janeiro: Globo.
______. Dicionário prático de regência verbal. [s/d] São Paulo: Ática.
______. Dicionário prático de regência nominal. [s/d] São Paulo: Ática.
LLISTERRI, Joaquim & HIRST, Daniel J. (1994) Prosody enconding survey. MULTEXT – LRE
Project, Universitat Autónoma de Barcelona / Laboratoire Parole et Langage, CNRS. p. 1-40.
MACHADO, Ana Carolina Morito. (2004) Uso(s) de onde no português brasileiro escrito.
Monografia apresentada à Prof. Dra. Violeta V. Rodrigues no Curso de Mestrado em Língua
Portuguesa, UFRJ.
MANFILI, Keylla Cristiani. (2007) Uma análise funcionalista do uso das construções com onde
no português do Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ. Dissertação de Mestrado em Lingüística. 121 f.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. (2001) Da fala para a escrita - atividades de retextualização. 2 ed.
São Paulo: Cortez.
______. (2002) Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva;
MACHADO, Anna Rachel & BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & ensino.
2 ed. Rio de Janeiro: Lucerna. p. 19-36.
______. (2003) Análise da conversação. São Paulo: Ática. Série Princípios.
MARTIN, Philippe. (1998) Systèmes prosodiques et énonciation. In: Gragoatá. Niterói: EDUFF,
n.º 5, 2.º sem., p. 21-40.
MATEUS, M.ª Helena Mira et alii. (1989) Gramática da língua portuguesa. 4 ed. Coimbra:
Caminho. Coleção Universitária. Série Lingüística.
______ et alii. (2003) Gramática da língua portuguesa. 4 ed. Coimbra: Caminho. Coleção
Universitária. Série Lingüística.
MATTOS E SILVA, Rosa V. (1989) Estruturas trecentistas: elementos para uma gramática do
português arcaico. Lisboa: IN / CM.
______. (1996) O português arcaico: fonologia. 3 ed. São Paulo: Contexto. Coleção Repensando
a Língua Portuguesa.
______. (2001) Português arcaico: morfologia e sintaxe. 2 ed. São Paulo: Contexto. Coleção
Repensando a Língua Portuguesa.
MELO, José Marques de. (2003a) Jornalismo opinativo gêneros opinativos no jornalismo
brasileiro. 3 ed. Campos do Jordão: Mantiqueira.
______. Jornalismo brasileiro. (2003b) Porto Alegre: Sulina.
MOTTA-ROTH, D. & HERBELE, Viviane M. (2005) O conceito de ‘estrutura potencial do
gênero’ de Ruqayia Hasan. In: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desirée
(orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial. p.12-28.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO (1998): Parâmetros Curriculares
Nacionais. Língua Portuguesa. Ensino Médio.
MOLLICA, M. Cecília. (1977) Estudo da cópia nas construções relativas em português. Rio de
Janeiro, PUC, Departamento de Letras. Dissertação de Mestrado em Lingüística. 86 f.
______. (2003) Relativas em tempo real no português brasileiro contemporâneo. In: PAIVA, M.ª
da Conceição & DUARTE, M.ª Eugênia Lamoglia (orgs.) Mudança lingüística em tempo real.
Rio de Janeiro: Contra Capa / FAPERJ. p.129-138.
MORAES, João Antônio de & LEITE, Yonne. (1992) Ritmo e velocidade da fala na estratégia do
discurso. In: ILARI, Rodolfo (org.) Gramática do português falado. Campinas: Ed. UNICAMP.
Vol 2. p. 65-77.
______. (2000) Os fenômenos supra-segmentais no português do Brasil. Ms.
______. (2007) Intonational Phonology of Brazilian Portuguese, resumo expandido publicado
eletronicamente nos Resumos do Workshop on Intonational Phonology: understudied or
fieldwork languages, ICPhS (International Congress of Phonetic Sciences) Satellite Meeting,
Saarbrucken, Alemanha, 5/08/2007, disponível no site
http://www.linguistics.ucla.edu/people/jun/Workshop2007ICPhS/Moraes-BR.pdf.
______. (2008) Pitch accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis. Speech Prosody 4,
Campinas.
______. Os fenômenos supra-segmentais no português do Brasil. Texto inédito a.
______. Do contínuo ao discreto: onde, na curva melódica, medir os valores de F0? Texto inédito
b.
______. As funções da entoação. Texto inédito c.
______. Correspondências entre os distintos níveis fonéticos: produção, acústico, perceptivo e
lingüístico. Texto inédito d.
NARO, Anthony J. & VOTRE, Sebastião J. (1999) Discourse motivations for linguistic
regularities: verb/subject order in spoken Brazilian Portuguese. In: Probus 11 (75-100).
______ & BRAGA, Maria Luiza. (2000) A interface sociolingüística / gramaticalização. In:
Gragoatá. Niterói: EDUFF. n.º 9, 2 sem. p.125-134.
NESPOR, Marina & VOGEL, Irene. (s/d) Constituyentes prosódicos y desambiguación. In: La
prosodia. Madrid: Visor. Lingüística e Conocimiento – 20. p. 287-311.
NEVES, Maria Helena de Moura. (1996) A grmática de uso é uma gramática funcional. Boletim
da Associação Brasileira de Lingüística. Boletim da Associação Brasileira de Lingüística. p. 27-
38.
______. (2000) Gramática de usos do português. São Paulo: Editora da UNESP.
______. (2002) A gramática - história, teoria e análise, ensino. São Paulo: Editora da UNESP.
______. (2004) A gramática funcional. São Paulo: Martins Fontes. Coleção Texto e Linguagem.
______. (2006) Texto e gramática. São Paulo: Contexto.
OLIVEIRA, Dercir. (1993) O reconhecimento da descrição e da determinação pelo plano
discursivo. In: MAGALHÃES, J. O. (org.) Letras e letras. Uberlândia: UFU / Departamento de
Letras e de Línguas Estrangeiras Modernas. 7(1/2):27-38. jul./dez.
OLIVEIRA, Júlio César Souza de. (2007) Fragmentação do período composto na escrita
contemporânea do português brasileiro. Rio de Janeiro: UFRJ. Tese de Doutorado em
Lingüística. 156 f.
OLIVEIRA, Leonor de Araújo Bezerra. (2000) A trajetória de gramaticalização do onde. In:
CUNHA, M. Angélica Furtado da (org.). Procedimentos discursivos na fala de Natal uma
abordagem funcionalista. Natal: EDUFRN. p. 171-253.
OLIVEIRA, Mariângela Rios. (2001) Orações adjetivas em língua portuguesa - uma abordagem
pancrônica. In: DECAT, Beatriz et alii. (org.) Scripta - Revista do Programa de Pós-graduação
em Letras e do CESPUC. Belo Horizonte: Editora PUC Minas. v. 5, n.º 9. p. 92-103.
____; CEZARIO, Maria Maura. (s/d) Funcionalismo e PCN abordagens e interfaces.
ORSINI, Mônica Tavares. (2003) As construções de tópico no português do Brasil: uma análise
sintático-discursiva e prosódica. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ. Tese de
Doutorado em Língua Portuguesa. 211 f.
PAREDES DA SILVA, Vera Lúcia. (1999) Os gêneros de discurso na sociolingüística laboviana.
In: Boletim da Associação Brasileira de Lingüística. Florianópolis, ABRALIN. (23): 81-93.
______. (1991) Por trás das freqüências. In: Revista do Instituto de Letras da UFRS. Rio Grande
do Sul: UFRS. 5(8): 23-26.
PEIXOTO FILHO, Fernando Vieira. (1998) A interface sintaxe-prosódia-discurso nas
construções relativas em português. In: BERNARDO, Sandra Pereira & MENEZES, Vanda
Cardozo. Estudos da linguagem: renovação e síntese. Rio de Janeiro: ASSEL-RIO / UFRJ-
FL/FAPERJ. Anais do XVIII Congresso da Asssel-Rio. p. 753-760.
PERES, João Andrade & MÓIA, Telmo. (1995) Orações relativas. In: PERES, J. A. & MÓIA, T.
Áreas críticas da língua portuguesa. Lisboa: Caminho. Série Lingüística. p. 269-369.
PRETI, Dino. (2004) Estudos de língua oral e escrita. Rio de Janeiro: Lucerna. Série Dispersos.
PRIETO, Pilar (coord.) (2003). Teorías de la entonación. Barcelona: Ariel.
PRINCE, E. (1981) Toward a taxonomy of given / new information. Cole, P. Ed. Radical
Pragmatics, New York: Academic Press.
______. (1981) On the given and new distinction. In: Linguistic Society, 15. Chicago: [s. e.]
(mimeo).
______. (1992) The ZPG letter: subjects, definitess, and information-status. In: MANN, William
C.; THOMPSON, Sandra A. Discourse description. Amsterdam / Philadelphia: John Benjamins
Publishing. p. 295-325.
ROSSI, Mario et alii (1980). Introduction. In: L’intonation. de l’acoustique à la sémantique.
Paris: Klincksiek, p. 1-15.
ROCHA LIMA, C. H. da. (1982) Gramática normativa da língua portuguesa. 22 ed. Rio de
Janeiro: José Olympio.
SANKOFF, Gillian & BROWN, Penelope. (1980) The origins of syntax in discourse: a case
study of Tok Pisin relatives. In: Language: 52: 632-636. The Social Life of Language.
Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. p. 211-255 (capítulo 11).
SILVA, Myriam. (1988) Relativas: desempenho de estudantes na modalidade escrita do
português. In: ____ et alii. Diversidade do português do Brasil - estudos de dialectologia rural e
outros. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA. p. 179-184.
SILVA, Bianca Graziela S. Gomes. (2005) O caminhão que eu trabalhava com ele subia
qualquer ladeira: um estudo sobre a gramaticalização do que. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade
de Letras. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. 121 f.
______; LOPES, Célia Regina dos Santos. (s/d) O papel da freqüência na gramaticalização do
que: análise das estratégias de relativização no português do Brasil. Veredas on line – Revista de
Estudos Lingüísticos.
SOUZA, Elenice S. de Assis Costa de. (1996) Estruturas de relativização no português falado.
Rio de Janeiro: UFRJ. Dissertação de Mestrado. 131 f.
______. (2005) Os valores do morfema onde: uma viagem ao passado. Comunicação apresentada
no XIII Congresso da Associação de Estudos da Linguagem do Rio de Janeiro, UFF.
______. (2006a) Estratégias de relativização na escrita padrão do português brasileiro e europeu.
Comunicação apresentada no X Congresso Nacional de Lingüística e Filologia do Círculo
Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos, UERJ.
______. (2006b) Usos não canônicos do morfema relativo onde: uma inovação? Comunicação
apresentada na XXI Jornada Nacional de Estudos Lingüísticos do GELNE, UFPa.
______ & RODRIGUES, Violeta Virginia. (2006c) Morfemas relativos no PE e no PB: usos não
canônicos. Comunicação apresentada no I Simpósio Internacional de Letras e Lingüística, UFU.
______. (2007a) A interpretação das cláusulas relativas no português do Brasil: um estudo
funcional. Comunicação apresentada no V Congresso Internacional da ABRALIN, UFMG.
______. (2007b) O papel da prosódia na interpretação de cláusulas relativas. In: BISOL, Leda &
BRUSCACINI, Cláudia Regina (orgs.) Letras de Hoje. III Seminário Internacional de Fonologia,
Porto Alegre, Revista da Pós-Graduação em Letras, PUC-RS, v. 42, n. 3, p.43-55.
TARALLO, L. Fernando. (1983) Relativization strategies in Brazilian Portuguese. Pennsylvania:
University of Pennsylvania. Tese de Doutorado, 272. f.
______. (1986) A pesquisa sociolingüística. 2 ed. São Paulo: Ática. Série Princípios.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. (1991) Um estudo textual-discursivo do verbo no português do
Brasil. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Tese de Doutorado. 2 v.
______. (1992) A superestrutura dos textos injuntivos. In: Estudos lingüísticos / XXI anais de
seminário do grupo de estudos lingüísticos do estado de São Paulo. Jaú: Fundação Educacional
Dr. Raul Bauab / GEL-SP. (2):1290-1297.
______. (1993) Tipologia textual e a coesão/coerência no texto oral: transições tipológicas.
Letras & letras. EDUFU: Uberlândia. Vol. 8 n. 1, p. 37-56.
______. (1997) Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1.º e 2.º
graus. São Paulo: Cortez.
______. (2002a) Tipos, gêneros e subtipos textuais e o ensino de língua materna. In: BASTOS,
Neusa M. Oliveira Barbosa (org.). Língua portuguesa: uma visão em mosaico. São Paulo: EDUC
/ PUC-SP. p. 201-214.
______. (2002b) Composição tipológica de textos como atividade de formulação textual. Texto
divulgado no minicurso Tipologia Textual, ministrado no XVI Instituto da ABRALIN, UFRJ.
______. (2003) Tipelementos e a construção de uma teoria tipológica geral de textos. Texto
divulgado no minicurso Tipologia Textual, ministrado no XVI Instituto da ABRALIN, UFRJ.
VAN JR., Orlando & LIMA-LOPES, Rodrigo E. de (2005) A perspectiva teleológica de Martin
para a análise dos gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH,
Desirée (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola Editorial. p. 29-45.
VILELA, Mário & KOCH, Ingedore V. (2001) Gramática da língua portuguesa – gramática da
palavra, gramática da frase e gramática do texto / discurso. Coimbra: Almedina.
VOTRE, Sebastião J., CEZARIO, M. Maura & MATELOTTA, Mário. (2004) Gramaticalização.
Rio de Janeiro: Faculdade de Letras – UFRJ.
______; CUNHA, Maria Angélica Furtado da & OLIVEIRA, Mariângela Rios de. (1999) A
interação sincronia / diacronia no estudo da sintaxe. In: D.E.L.T.A. v. 15, n.º 1. p. 85-111.
______ et alii. (1998) Marcação e iconicidade na gramaticalização de construções complexas. In:
Gragoatá. Niterói: EDUFF. n.º 5, 2 sem. p. 41-58.
______ & NARO, Anthony J. (1996) Mecanismos funcionais do uso da língua. In: MACEDO,
Alzira et alii. Variação e discurso. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. p. 51-62.
WEEDWOOD, Bárbara. (2002) História concisa da lingüística. São Paulo: Parábola.
Sítios Consultados:
www.praat.org
www.programafaixalivre.org.br
APÊNDICES
APÊNDICE A – Protocolo experimental 1
Interpretação de Cláusulas no Português do Brasil
Este teste não visa a nenhum tipo de avaliação de quem se dispõe a fazê-lo. A identidade e os
dados dos colaboradores serão mantidos em absoluto sigilo. Aqueles que desejarem saber dos
resultados da pesquisa podem informar seu endereço eletrônico para um futuro contato. Muito
obrigada, você está colaborando com a pesquisa lingüística no Brasil.
Este teste será realizado em duas fases. Em ambas, você ouvirá a mesma frase duas vezes
seguidas. Assinale com um X a interpretação correspondente a cada frase ouvida.
Frase 01: ( ) Maria saiu da Penha e foi morar em Copacabana.
( ) Copacabana é o novo endereço de Maria da Penha.
Frase 02: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 03: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 04: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 05: ( ) A prateleira da qual a xícara caiu estava quebrada.
( ) Ao cair da prateleira a xícara já estava quebrada.
Frase 06: ( ) Marta tanto lê quanto viaja muito nas férias.
( ) Marta lê muito diariamente e viaja quando sai de férias.
Frase 07: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 08: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 09: ( ) Maria saiu da Penha e foi morar em Copacabana.
( ) Copacabana é o novo endereço de Maria da Penha.
Frase 10: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 11: ( ) A prateleira da qual a xícara caiu estava quebrada.
( ) Ao cair da prateleira a xícara já estava quebrada.
Frase 12: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 13: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 14: ( ) Marta tanto lê quanto viaja muito nas férias.
( ) Marta lê muito diariamente e viaja quando sai de férias.
Frase 15: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 16: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 17: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 18: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 19: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 20: ( ) Pedro estava infeliz quando partiu.
( ) A mãe de Pedro estava infeliz quando ele partiu.
Frase 21: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 22: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 23: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 24: ( ) Pedro estava infeliz quando partiu.
( ) A mãe de Pedro estava infeliz quando ele partiu.
Questionário
Perfil do Informante
Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
Curso de Graduação: ...................................................
Atividade profissional (caso exerça): ..............................................
Idade: ..................
Natural de: ...............................................................
Moradia:
Bairro: .....................................................................
Município: ..............................................................
Naturalidade dos pais:
Mãe .........................................................................
Pai ...........................................................................
Profissão dos pais:
Mãe: .......................................................................
Pai: .........................................................................
Segunda fase do teste de interpretação
Frase 01: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 02: ( ) A prateleira da qual a xícara caiu estava quebrada.
( ) Ao cair da prateleira a xícara já estava quebrada.
Frase 03: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 04: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 05: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 06: ( ) A prateleira da qual a xícara caiu estava quebrada.
( ) Ao cair da prateleira a xícara já estava quebrada.
Frase 07: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 08: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 09: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 10: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 11: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 12: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 13: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 14: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 15: ( ) Maria saiu da Penha e foi morar em Copacabana.
( ) Copacabana é o novo endereço de Maria da Penha.
Frase 16: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 17: ( ) Todos os jogadores da seleção foram criticados.
( ) Só foram criticados os jogadores da seleção que jogaram mal.
Frase 18: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 19: ( ) Marta tanto lê quanto viaja muito nas férias.
( ) Marta lê muito diariamente e viaja quando sai de férias.
Frase 20: ( ) Só alguns hotéis construíram garagem.
( ) Nenhum dos hotéis construiu garagem.
Frase 21: ( ) Maria saiu da Penha e foi morar em Copacabana.
( ) Copacabana é o novo endereço de Maria da Penha.
Frase 22: ( ) Pedro estava infeliz quando partiu.
( ) A mãe de Pedro estava infeliz quando ele partiu.
Frase 23: ( ) Marta tanto lê quanto viaja muito nas férias.
( ) Marta lê muito diariamente e viaja quando sai de férias.
Frase 24: ( ) Pedro estava infeliz quando partiu.
( ) A mãe de Pedro estava infeliz quando ele partiu.
APÊNDICE B – Protocolo experimental 2
Todos sabem que algumas frases da língua podem suscitar mais de uma interpretação. Por
exemplo: Os jovens, que não gostam de ler, adoram ver televisão. / Os jovens que não gostam de
ler adoram ver televisão. A primeira generaliza (nenhum jovem gosta de ler), já a segunda
especifica (só alguns jovens não gostam de ler).
Você ouvirá, 24 vezes, com pequenas alterações, o trecho sublinhado da seguinte frase:
Veja-se o belíssimo calçadão desenhado por Burle Marx ocupado diante dos hotéis que não
construíram garagens e que estão estragando o calçadão.
Com base na audição de cada um dos 24 trechos, escolha uma das interpretações
assinalando um X na coluna correspondente.
TRECHO Nenhum dos hotéis
construiu garagem.
Alguns hotéis
construíram garagens.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
APÊNDICE C – Transcrição grafemática de entrevistas radiofônicas
Apresentação: Paulo Passarinho
Produção e jornalista responsável: Celeste Cintra
Assistente de produção: Sandra Priori
Operador de áudio: Francisco de Assis Ildefonso
Entrevista com a professora Lúcia Naegeli - Tema: eleição para o sindicato dos professores
Entrevista com o professor Rubim Aquino - Tema: eleição na Colômbia
Tempo de gravação: 20 minutos
AP: e agora eu quero dar o meu bom dia aqui a Lúcia Naegeli... ela justamente ela é candidata... pela
chapa de oposição ao sindicato dos professores aqui do Rio é o Movimento Educação e a chapa é a de
número dois bom dia Lúcia
L: bom dia Paulo
AP: é um prazer tê-la aqui no nosso programa... e eu queria que você falasse um pouco dessas eleições
que vão ocorrer nos próximos dias doze treze catorze e quinze de agosto né e particularmente do programa
da chapa que você encabeça o Movimento Educação por que ser candidata Lúcia?
L: bom dia então primeiro antes de de dizer porque que eu sou candidata o seu programa é o ideal... pra
gente fazer uma denúncia... que é a o desequilíbrio que está havendo nesse processo eleitoral porque a
chapa um da situação... enviou a todos os os sindicalizados portanto... os vinte mil pessoas receberam em
casa o jornal da chapa um... e o jornal da chapa dois... nós temos que em quinze dias agora visitar duas mil
escolas para que sejamos conhecidos sendo que há... trinta por cento dos de aposentados que só vão saber
que nós existimos se forem se receberem em casa o jornal... então essa é a a razão pela qual a gente
escolheu seu programa que tá sempre atento a essas questões pra que a gente possa eh:: denunciar isso a
falta de democracia nesse processo eleitoral... bom agora por que nós somos candidatos? porque o seu
programa tem mostrado muito bem os seus ouvintes e os convidados do seu programa têm mostrado ao
longo desse tempo todo o esTRAGO que o neoliberalismo vem fazendo né no nosso país e o movimento
sindical não ficou distante disso né a gente teve aí alguns sindicatos que se acomodaram... ao
neoliberalismo que passaram a deixar de lutar eh:: e aí a gente começa a entrar a gente ter um sindicato
que não LUta... que faz assembléia salarial eh:: uma assembléia... pra dizer qual é o índice a outra
assembléia pra estabelecer o que que ficou combinado e não há luta não há negociação então essa falta de
luta... essa falta de consciência política... esse esvaziamento ideológico a a a falta de discussão do nosso
papel do nosso ofício de professor tá levando assim um grupo de professores a uma indignação tão grande
que nós resolvemos nos candidatar... além disso não há transparência... não há transparência
administrativa... não há transparência financeira... gasta-se muito e não se presta contas a aos professores...
então tudo isso preocupa muito a gente qual é o o rumo que esse sindicato vai ter... se não houver uma
renovação uma mudança
AP: agora com relação a essa denúncia que você faz há: eu imagino essas eleições devem ter uma
comissão eleitoral... ela não pode garantir um tratamento eh: isonômico aí na: na difusão das propagandas
das chapas por exemplo se a diretoria fez esse envio dos jornais pra casa dos associados não pode garantir
o mesmo procedimento para o jornal da chapa... Movimento Educação?
L: Paulo a gente entende que uma comissão eleitoral é feita pra garantir a lisura de um processo eleitoral...
agora eh:: a comissão eleitoral foi escolhida pela diretoria do sindicato os três membros da comissão
eleitoral foram escolhidos pela própria diretoria do sindicato e os nós já chamamos a comissão eleitoral
pra ver um carrinho que sistematicamente sai cheio de jornal da sala da presidência do sindicato já
mostramos esse carrinho pra comissão eleitoral que não quer ver que vira o rosto que diz que não pode
fazer nada que a chapa dois tem que fazer um uso político das coisas que acontecem mas que ela não pode
interferir... numa briga entre a chapa um e a chapa dois e fica tudo por isso mesmo... e a eleição nem
começou isso aí tá no processo você imagina nos dias nas urnas né nos quatro dias aí de eleição como é
que vai ser que se a gente não pode denunciar nada...
AP: eh:: eu eu acho lamentável que isso ocorra até porque nós precisamos aí de disputas no no movimento
sindical que sejam cada vez mais claras para os/que os próprios trabalhadores tenham melhores condições
de escolher as alternativas que se colocam... e:: eu queria que você falasse agora eh Lúcia principalmente
um pouco da sua própria militância você além de professora do Santo Inácio se não me engano é também
do Pedro Segundo né
[
ahn ahn
mas o SINPRO é fundamentalmente da área privada?
L: eh são duas mil escolas a maioria da rede privada embora a gente tenha o Pedro Segundo que aliás é o
nosso maior colégio eleitoral... tem setecentos e cinqüenta filiados... e segundo lugar a UERJ e d/os
demais são eh da rede particular
AP: ah então o a representação sindical do Pedro Segundo da UERJ também se dá via o SINPRO?
L: também o Pedro Segundo tem um sindicato também uma associação de docentes da qual eu faço parte
mas também tem um grande número de filiados ao SINPRO... eu já fui diretora do sindicato eh a primeira
vez que existiu um departamento de educação e cultura eu fui a primeira diretora desse departamento...
que tinha como preocupação... chamar mais o professor pra dentro do sindicato através de cursos
seminários investimento na sua formação continuada e aí eu fui diretora desse departamento em mil
novecentos e noventa noventa e três a partir daí... mesmo não concordando com a a o rumo que o
sindicato tá tendo né com a política feita por essa diretoria... nunca deixei de participar da vida do meu
sindicato porque eu acredito que o sindicato... a importância dele na vida do trabalhador... né então eu
nunca deixei de participar mas saí da direção do sindicato em noventa e três
AP: eh e eu vejo tem um monte de gente aqui conhecida na na chapa né nós temos aqui o Marcelo de Sá
Correia professor foi pelo menos eu acho que ainda é professor lá do CEAT
[
ainda é
mas eu trabalhei com ele tem o Ivan Proença o eh foi meu eu fui aluno do Ivan Proença
[
hum hum
temos também o apoio do: do ex-presidente do do sindicato Robespierre que apóia a chapa não é isso você
acha que esses apoios podem fundamentalmente eh:: fazer... com que vocês superem essas dificuldades
que são criadas aí... pela pela própria forma de se organizar e da diretoria atual atuar?
L: eu acho que a diretoria tá bastante assustada com a nossa chapa que a gente tem uma chapa forte de
professores que estão há bastante tempo na categoria temos o apoio de pessoas importantes você vai ver
no próximo jornal a nossa lista de apoios é bastante grande bastante ampla e isso tá assustando a diretoria
porque sabe que são professores... muito experientes politicamente academicamente né e que são pessoas
que têm um reconhecimento na categoria e isso assusta... e aí isso faz contribui pra que eles tenham essa
prática né tão tão desigual tão tão desonesta né...
AP: agora eu vejo aqui que tem a presença também do professor Rubim Aquino nosso... colaborador
constante aqui no Faixa Livre e que está presente aqui na na no estúdio da da Bandeirantes bom dia
Aquino
AQ: bom dia Paulo bom dia ouvintes... é sempre uma satisfação tá aqui... vou estar aqui de novo na sexta-
feira com o Fred
[
isso ((risos))
AP: e hoje eu também vou te explorar como historiador hein Rubim ( ) ((risos)) mas eu quero quero
essa/sa sa sua opinião aí sobre essa essa sua... nova empreitada essa/ela luta aí pra viabilizar... a chapa...
Movimento Educação
AQ: não a nova empreitada é brincadeira sua né porque em termos históricos realmente é nova porque eu
tô no sindicato lutando desde mil novecentos e setenta e oito agora essa diretoria ta lá encastelada há um
tempão né as figuras... chaves... são aquelas que tão lá fazendo do sindicato quase que uma profissão né e
a gente quer que o sindicato s/mais uma vez se abra pra categoria... quer dizer houve assembléias lá do
sindicato que tava presente a Lúcia eu e o Fernando Vieira o resto era tudo da diretoria né as assembléias
antigamente eram feitas no clube Maxwell eram feitas na UERJ... no auditório... no salão né agora são
feitas lá no sindicato em que a maioria dos presentes é da diretoria né e essa queremos também se a gente
ganhando eu vou ficar com o departamento de cultura né que a formação continuada dos professores
também leve em conta a necessidade de conscientização política e não curso pra beber vinho curso pra
impostação de voz
[
pois é
AP: isso é o que tá predominando lá em termos de
[
há muito tempo... há muito tempo né
[
de formação
continuada?
AQ: é agora chamam a capacitação política agora eles chamam formação continuada né
AP: bem não sei até que ponto conhecer melhor os os vinhos nos ajudam aí a educar as crianças mas
AQ: deve ser pra dar aula bêbado ((risos))
AP: agora eu eu falei que eu quero lhe explorar como historiador... e eu quero principalmente a sua
apreciação a respeito dessa:: onda que cresce de forma forte esse final de semana houve manifestações
tanto na Colômbia como também eh:: na França... a favor da libertação de todos os reféns d/das FARC’s
e:: houve inclusive aquela fala tanto do Fidel Castro como do Hugo Chávez a propósito dessa... forma de
luta de seqüestrar eh pessoas não ser a mais conveniente eh:... o que que o senhor acha que está em curso
justamente em função de posições me parece muito claras tanto de Rafael Correa como também do do
Hugo Chávez para uma solução negociada para o o problema entre as FARC’s e o governo Uribe?
AQ: eu acho muito difícil ah essa formação negociada inclusive eu participei de um debate lá na ABI quer
dizer eu como índio ((risos)) havia representantes do Partido Comunista da Venezuela e da Colômbia...
defendendo essa linha... você não pode negociar com um governo que é agente dos Estados Unidos
através do plano Colômbia... um governo que chegou a afirmar que... se utilizou do símbolo da Cruz
Vermelha pra... ter sucesso nessa operação de resgate... um governo que segundo algumas fontes... teria
corrompido o tal comandante César com vinte mil dólares outros falam cem mil né um governo que não
respeita as leis internacionais que invadiu o Equador né um governo que em que o próprio Uribe é
acusado tem ligações com o Cartel de Medelin né e essas manifestações correspondem a anseios de classe
média e classe média sempre foi uma classe... pela sua diversidade sua falta de consciência política uma
classe alienada né e e manipulada pelos meios de comunicação... repara que essas manifestações
ocorreram principalmente aonde? França... onde a população votou no Sarkosy... que é um reacionário de
marca maior... na Espanha... onde a repressão a movimentos separatistas é extremamente violento né no
Peru onde ganhou... o Alan Garcia também um governo de centro direita... sem contar o quê? que... não há
um protesto contra o que os Estados Unidos fazem em Guantánamo quando eles mantêm presos políticos
sem julgamento... como é o caso dos cinco cubanos submetidos a torturas e não há protesto nenhum... não
se fala nisso né impressionante classe média é uma classe manipulada pelos meios de comunicação... que
infelizmente tão a serviço do capital internacional
AP: mas não é essa a posição por exemplo não dá pra afirmar que Fidel Castro Hugo Chávez ou Rafael
Correa ou mesmo um dos representantes do Partido Comunista da Venezuela e da Colômbia... que aqui
estiveram na quinta-feira... conversando conosco a respeito dessa... palestra lá na ABI eh sejam...
simplesmente... eh: portadores de uma ideo/ideologia conciliatória e que na verdade: acabam eh tendo
uma uma posição ingênua em relação ao processo político me parece que a grande preocupação é:... aquilo
ali ago/a situação da Colômbia hoje é um uma ponta de lança dos interesses dos Estados Unidos pra:...
conflagrar militarmente o nosso continente não seria essa a grande preocupação ((ruído ou tosse)) pelo
menos desses setores de esquerda que se manifestam me parece têm um ânimo diferente dessas
manifestações eh:: que você chamou de classe média na França ou na/mesmo na Colômbia
[
eh não
AQ: a classe média é manipulada pelos meios de comunicação a serviço do capital internacional... agora o
representante da Colômbia que é o que falou na ABI que é ligado ao Partido da Colômbia ele disse que a
questão da guerrilha
[
Carlos Lousada né
é o Lousada a questão da guerrilha lá é uma questão de causa socioeconômica né e uma questão política...
e que sem a solução desses dois problemas cruciais o/eco o socioeconômico e o político o problema não
seria resolvido... agora como negociar com um governo que representa justamente a manutenção dessas
estruturas de iniqüidade socieconômica com um governo político do Jaez do Uribe né que não que é um
cara que já foi acusado de pertencer ao Cartel de Medelin né agora... essa postura do do Chávez... é
surpreendente talvez seja uma tentativa de de não não aceitar a luta armada como o Partido Comunista da
antiga União Soviética rejeitou desde cinqüenta e seis... seria talvez um resquício da contaminação dessa
linha do velho Partido Comunista da União Soviética né
[
entendo
AP: agora eu queria um comentário num final de semana houve uma jogada aí no tabuleiro da diplomacia
sul-americana que eu acho que merece atenção... o presidente Lula... conseguiu aparentemente a adesão de
Uribe... que até então estava contrário à formação daquele pacto militar sul-americano sem a participação
dos Estados Unidos... em contrapartida o o o: Lula eh: estaria articulando justamente uma uma posição...
mais firme... no sentido de contestar métodos das FARC’s porém sem... levar em conta a posição de Uribe
que gostaria que houvesse uma caracterização das FARC’s enquanto uma organização terrorista... eh:
também o governo brasileiro não aceita a caracterização simplesmente enquanto uma uma força
beligerante... mas o fato é que aparentemente Uribe... contrariou a política dos Estados Unidos de aceitar
essa idéia do pacto militar sul-americano sem a presença dos Estados Unidos que é algo que o governo de
Washington combate... qual é a sua avaliação dessa última jogada aí no do da diplomacia sul-americana?
AQ: é uma jogada puramente política demagógica porque como é que ele pode rejeitar a presença de
forças norte-americanas... se dentro da própria Colômbia existe força militar norte-americana
[
e como existe
e como existe e como existe em todos os níveis... bases... aeronavais né e o a dependência os Estados
Unidos despejou na Colômbia mais de quatro milhões de dólares... e esse papo de que é pra combater o
narcotráfico é papo furado pra imprensa... né porque na realidade se ele quer combater o narcotráfico tem
que combater nos Estados Unidos... e não noutro país... a mesma coisa do argumento que ele inventou
pra:: que a o a a o governo do Iraque tinha arma de poder de destruição apenas pra controlar o petróleo...
ou combater... a a subversão como eles dizem no Afeganistão quando a subversão é dentro do próprio
Estados Unidos... e já existe inclusive acusações de que aquele aquela destruição do World Trade Center
foi manipulada pelo próprio Estados Unidos eu acho meio fantástica essa acusação mas de qualquer jeito
onde há fogo há fumaça aliás onde há fumaça há fogo ((risos))
AP: aliás ali em torno daquele daqueles atentados há de tudo desde aqueles que afirmam claramente que
foram forças dos Estados Unidos até aqueles que dizem que os os serviços de segurança tinham TOTAL
conhecimento mas de alguma maneira... deixaram acontecer porque a capitalização política seria benéfica
ao governo Bush né
[
é
AQ: isso já aconteceu inclusive na segunda guerra tem filmes que mostram que os norte-americanos
tinham conhecimento dos planos japoneses... que houve denúncia da aproximação da força aeronaval e o
negócio aconteceu
[
foi Pearl Harbor
[
em Pearl Harbor em Pearl Harbor
[
exatamente
( )
AP: é o Roosevelt ali é que capitalizou né
AQ: é os Estados Unidos tão jogando inclusive com aquela força destrói pra depois construir com
empresas norte-americanas... e também hoje brasileiras e de outros países
AP: isso aí professor muito obrigado pela sua participação e eu agradeço muito também a presença da
Lúcia Lúcia eh:: uma última palavra aqui pros nossos ouvintes do Faixa Livre professores e sindicalizados
lá do SINPRO ((música ao fundo))
L: é eu quero que os professores olhem com muito muito cuidado muito rigor as nossas propostas levando
em consideração o fato de/dessa eleição ser tão pouco democrática né e quero também pedir a você que a
gente pod/possa voltar aqui porque estamos entrando na justiça... eh pedindo o direito de postagem que já
nos não nos foi concedido perdemos isso e nós estamos pedindo outras questões aí também agora já que a
comissão eleitoral eh se:: se omite de resolver os conflitos nós estamos entrando na justiça e queríamos
dar notícias aqui aos professores através do seu programa
[
certamente iremos
AP: não só querer conversar mas vamos lhe cobrar essas notícias e eu acho que a gente deve conversar
também com essa turma da chapa um vamos questioná-lo porque não garantir as mesmas questioná-los a
respeito de porque não garantir as mesmas condições para ambas as chapas eu agradeço muito a sua
presença também aqui Lúcia
[
obrigada ( )
e:: sucesso aí nas eleições olha só acabando aqui os recados a Deise do Jardim Guanabara diz que “o som
da rádio está MUITO RUIM” vou também ju/colocar esse recado aqui pro diretor da da Band Francisco de
Olaria diz que “as autoridades não estão erradas porque a lei foi feita para ser cumprida” diz que “José
Lilerte do PDT depois que participou do debate e disse que a saúde era falida estava a zero e a violência
era cinqüenta mil porque estaria sempre aí depois disso o deputado nunca mais se elegeu a nada só por
dizer a verdade” o Cláudio de Niterói pergunta se “esqueceram Nagi Narras e Celso Pitta nesse debate”
não não esquecemos não Cláudio eles sempre serão infelizmente lembrados e o Carlos Alberto de Rocha
Miranda diz que “a direita além de mentir tem medo da verdade por isso esse essa prejuízo do som aí na
hora do Faixa Livre” tá legal Carlos Alberto um abraço a você um abraço a todos os ouvintes obrigado
pela audiência amanhã às oito horas da manhã estaremos de volta aqui na rádio Bandeirantes AM 1360 à
frente de mais uma edição do nosso programa Faixa Livre tenham um BOM DIA e até amanhã
ANEXOS – Textos coletados da imprensa escrita
O fim (de semana)
Paulo Gouvêa Vieira
Neste fim de semana, minha sogra,
que mora em Porto Alegre, veio ao Rio de Janeiro para visitar
a filha. Com o noticiário sobre a violência no estado, ela desembarcou no Galeão muito apreensiva.
Tentamos de todas as formas convencê-la de que o noticiário era sobre fatos isolados, QUE embora a
situação inspire cuidados, não é a toda hora que acontecem atos violentos. Fizemos, enfim, o discurso
que
nós, cariocas, temos na ponta da língua para tentar suavizar (se isso é possível) o quadro violento
que
vivemos todos os dias.
Entretanto, nossas palavras de cunho otimista começaram a ser desmascaradas no sábado à noite,
quando passamos por uma patrulha no Leblon que estava parando um veículo "suspeito". A cena
consistia em dois guardas de pé, ao lado de um carro escuro, com vidro fumê e faróis apagados - com
exceção das lanternas laranjas - com escopetas apontadas para o interior. Obviamente, não ficamos para
ver o fim da história. Minha sogra ficou um pouco intrigada com a cena e, mais uma vez, iniciamos o tal
discurso, de que são fatos isolados etc. Tentamos até inverter a situação e dizer que a manobra policial
acontecia em prol da nossa tranqüilidade e segurança de ir e vir. A impressão
que tive é que não foi
suficiente.
No domingo, um belíssimo dia de sol, combinamos visitar meu irmão
que mora no Flamengo e,
em seguida, deixaríamos nossa visitante no Galeão. Saímos de casa às 17h50m. A Avenida Atlântica,
ainda parcialmente fechada para área de lazer, estava parada na altura da Praça do Lido. Quando a pista da
praia abriu, fizemos a volta, assim como a maioria dos carros da nossa pista, e retornamos até a Figueiredo
de Magalhães para tentar um caminho alternativo, via Botafogo -
que também estava completamente
engarrafado, principalmente próximo à praia. Muito, mas muito devagar, os automóveis se movimentavam
(o relógio marcava 19h26m).
O motivo do caos era o final de um show musical, mais precisamente de pagode,
que, em
realidade, parecia a saída do Maracanã. Uma multidão ia e vinha ao mesmo tempo, gente cansada, irritada,
gente querendo subir em ônibus já lotados, gente estorricada na calçada, na rua, nos carros superlotados,
nas vans impropriamente cheias, brigas, discussões, nervosismo, tudo acontecendo na nossa frente, no
nosso lado, atrás do carro.
O "filme" tinha como roteiro a falta de organização (nunca deveria ser feito um evento sem a
garantia de um seguro e apropriado escoamento das pessoas, carros e ônibus – é bom lembrar que as vias
do Aterro também estavam interditadas) adicionada à péssima educação do povo (também é bom lembrar
que não é preciso ter dinheiro para ser educado). Todos sabem (ou deveriam saber) que ônibus não é
tambor, que não é possível entrarem 100 pessoas num transporte
em que só cabem 50, que fila é para ser
respeitada, que as ruas são para carros e as calçadas para pedestres, que lixo não deve ser jogado na rua,
que árvores, placas, bancos e sinais não têm culpa se irresponsáveis montaram um show para uma
quantidade de pessoas
que nunca seria viável naquela enseada de Botafogo. Segurança na rua, nem
pensar; guardas organizando trânsito e transeuntes, muito menos. Em suma, o caos armado.
Finalmente, às 19h50m, conseguimos passar pela multidão e, por uma questão de horário,
desistimos de ir à casa do meu irmão; fomos direto ao aeroporto. Mais uma vez, agora na Linha Vermelha,
próximo (depois fiquei sabendo) do Morro/Favela do Timbau, o tráfego parou em ambos os sentidos.
Alguns motoristas saíram de seus carros para ver o que estava acontecendo. Depois de uns três minutos,
voltaram correndo, gritando para que todos dessem marcha a ré e retomassem, pois estava acontecendo
um "arrastão".
A situação,
que já estava tensa, piorou muito. Todos (carros, camionetes e ônibus) tentavam ao
mesmo tempo dar a volta e retomar, um verdadeiro salve-se quem puder. Quando rapidamente fazíamos o
retorno, ouvimos tiros. Seguimos, então, pela contramão, até o viaduto de retorno para a Avenida Brasil.
Na entrada da avenida, uma viatura estava de prontidão, seus guardas com metralhadoras em punho
seguindo em direção à Linha Vermelha. Mais uma vez, a cena parecia de filme.
Finalmente na Avenida Brasil, seguimos até a entrada da Ilha do Governador e, no caminho do
aeroporto, ainda passamos por um ônibus,
que parecia ser do Exército, pois era verde-escuro, com dois
guardas sentados com a porta traseira aberta, cada um com duas armas nas mãos. Uma cena "normal"
diante do
que havíamos visto até então.
Enfim, nossa Visita chegou ao aeroporto Galeão sã e salva, porém emocionalmente abalada, com
a promessa de tirar sua filha da cidade, e a mim por conseqüência, e de nunca mais voltar ao Rio. A
paisagem do Rio de Janeiro deixa de ser maravilhosa, e torna-se vergonhosa, agressiva e tensa. Tenho
certeza de que cada um de nós, cariocas, só estamos esperando que algo aconteça conosco para ter
coragem de sair do estado e morar bem longe deste clima
que fere todo e qualquer princípio de civilidade
e de liberdade.
O Globo, 25/10/02
A censura e as trevas
Ricardo Cravo Albin
Quando as coisas não vão bem no Brasil, ou quando frêmitos de autoritarismo começam a soprar
dentro de algum dos poderes constituídos (Executivo, Judiciário ou Legislativo), ou ainda quando
interesses espúrios de gente muito ou muitíssimo graúda começam a ser desvendados, uma certa fumaça
negra e malcheirosa pode surgir no horizonte da pátria amada, idolatrada, fazendo comprometer a
plantinha inda tenra
a que chamamos democracia.
O episódio da censura imposta por um desembargador do Tribunal Regional de Brasília ao
"Correio Braziliense" absorve de uma só vez todas as três possibilidades presumidas acima.
Não importa que depois da violência consumada as desculpas se multipliquem e os autores da
afronta tentem vestir pele de cordeiro, para esconder sua truculência, ou até mesmo sua incompetência.
O fato é que o mal foi feito, e abriu as chagas de tempos
que ainda estão na memória recente do
país. E não é uma chagazinha qualquer, porque a tesoura censória foi assestada contra um dos
principais veículos de comunicação do país, primeiro jornal fundado na capital federal,
o que torna o
ato ainda mais simbólico.
Tenho lutado dez anos seguidos contra a censura às diversões públicas no extinto Conselho de
Censura (de 1979 a 1985), logo transformado pelo presidente José Sarney, ao raiar da Nova República, no
Conselho de Defesa de Liberdade e Expressão (1985 a 1989), pude agora sentir o sintomático friozinho na
barriga ou o gosto amargo na boca, ao deparar com a notícia vinda de Brasília. É certo que esses esbirros
vêm-se manifestando aqui e acolá, mas não sistematicamente. Aliás - verdade seja dita - sem
interferências aparentes do Executivo, o único titular da censura até sua proibição explícita pela
Constituição de 1988. Os miasmas vêm procedendo do Poder Judiciário,
o que torna mais grave, e
muito mais aflitivo, todo o desenho
que desencadeia o processo.
A invasão do jornal por um oficial de justiça pretendia embargar fato suspeitíssimo: a publicação
do conteúdo de fitas gravadas
que colocariam eticamente em nu frontal o atual governador de Brasília,
candidato à reeleição. Gravações, tanto quanto sabe, realizadas por órgãos competentes, devidamente
autorizadas pela Justiça.
Utilizando-se o TRE - DF de argumentos capciosos para empastelar o jornal, como "o que está
proibido é divulgar, não publicar", voltamos,
o que é pior, aos tempos dos sofismas torturantes,
valhacouto do exercício da censura em seus áureos tempos. Acode-me de imediato a lembrança das
lutas de gato e rato nos anos 80 para tentar liberar letras de músicas interditadas, filmes cortados, peças
teatrais proibidas, além do mais sistemático
que eram os cortes nas novelas e em toda dramaturgia
televisiva das grandes redes de televisão.
Exemplos grotescos me voltam agora à cabeça, como a simples proibição de letras de músicas
pelo uso de palavras isoladas. Rita Lee e Mu foram censurados pelo título de uma música, "Moleque
sacana". A palavra sacana foi considerada imoral pelos censores da famigerada Divisão de Censura de
Diversões Públicas. Da mesma maneira, a censura interditou em 1980 a primeira (e única) tentativa de
Francisco Julião (o das Ligas Camponesas) de escrever um longo poema musical em forma de cordel,
apenas porque usava a estrela como símbolo e um (antecipatório) partido dos trabalhadores para esgrimir
sobre a liberdade, a sede de justiça social e democracia para a maioria. Tive que me reportar às fontes do
começo da nação portuguesa e do cordel do Nordeste do Brasil para salvar a peça do Julião dos
arreganhos proibitórios. Isso para não citar outro rumoroso caso,
que foi a simples interdição da sinopse
da novela "Roque Santeiro", de Dias Gomes. Ou seja, proibia-se uma idéia de ser desenvolvida, mal
interessando ao arbítrio as sutilezas de tratamento
que todas as histórias comportam.
Faço questão de reportar-me a esses absurdos porque o caso do insulto ao “Correio Braziliense" é
muito mais dramático e inquietante.
Primeiro, porque é um grave desserviço
que o Poder Judiciário presta ao país, especialmente
porque dele se espera imparcialidade e isenção viscerais, além de exemplos
que possam ajudar a construir
o país, e não desconstruí-lo ou torná-lo ainda mais anacrônico. E, segundo, porque tal procedimento - o do
empastelamento de jornais - já era coisa do passado desde 1975,
quando se começou a enxergar uma luz
no túnel da escuridão total inaugurada pelo AI-5 de 1968.
Numa palavra, enquanto nós lutávamos contra a censura às diversões públicas, nos anos 80!, todos
considerávamos a liberdade de imprensa assegurada. Intocável e preservada, como santa de altar. Sob
qualquer argumento
que fosse.
O Globo, 28/10/02
Rápida e eficiente
Não há dúvida de que o sistema brasileiro de votação pode ser aperfeiçoado. A informatização
geral poderá permitir, por exemplo, o voto em trânsito sem maiores dificuldades, à semelhança do uso de
um caixa eletrônico de banco,
que hoje pode ser feito em praticamente qualquer ponto do país, não
importa
onde esteja a agência, onde foi aberta a conta. Há ainda diversas sugestões para que os eleitores
que se confundem com o uso do computador - e não são poucos - possam depois conferir o seu voto.
Mas é inegável que o sistema atual já está funcionando a contento, e mais do que isso: para a
revista "Time", por exemplo, a maneira
como foram conduzidas as eleições na Flórida parece, em
comparação com o processo brasileiro, "vergonhosamente antiquada". Exagero ou não, o fato é que, com
todos os problemas e a lentidão
com que a votação transcorreu num bom número de seções eleitorais, das
mais de 335 mil urnas apenas cinco mil, ou 1,6%, apresentaram defeito. É um índice baixíssimo, por
maior que seja a justificada indignação dos eleitores
que foram prejudicados pelas filas e a demora.
O número de reclamações pode impressionar, mas é preciso levar em conta que os
que votaram
com rapidez e sem problemas não se manifestaram; e que filas e confusão não são necessariamente
resultado do uso de um sistema eletrônico, mas sim de outros problemas, entre eles a falta de
esclarecimento dos eleitores. Basta lembrar-se da velha contagem manual, com a exasperante lentidão da
apuração e a sistemática suspeita de fraudes, para concluir que o sistema atual já apresenta admirável
eficiência.
O GLOBO, 19/10/03
Entrevista com Luizão
O GLOBO: Afinal, por que você tem passado mais tempo no departamento médico do que dentro de
campo?
LUIZÃO: Tenho uma lesão no osso do pé direito, difícil de recuperar. Aconteceu no jogo contra o
Botafogo (7 de maio) e, desde então, tenho convivido com muitas dores. Às vezes, forço a barra e jogo.
Para disputar a final da Copa do Brasil levei até infiltração e não me arrependo. Fiz um gol e fomos
campeões. Mas a dor continua. Fico magoado quando vejo insinuações de que estou fazendo corpo mole.
Ser rotulado de “chinelinho” te tirou do sério?
LUIZÃO:
Quem fala isso não sabe o que está acontecendo e, pelo visto, não me conhece. Sempre fui um
jogador lutador,
que dá tudo em campo. O Flamengo tem um dos melhores departamentos médicos do
Brasil, tem o médico da seleção brasileira. Será que eu ia conseguir ficar enganando essa gente tanto
tempo?
Muita gente afirma que você está em fim de carreira, que não tem mais mobilidade para jogar de
centroavante.
LUIZÃO: Tenho 31 anos e os mesmos 78 quilos
que tinha quando fui campeão da Libertadores pelo
Vasco em 1998. Mesmo assim, basta eu ficar dois jogos sem marcar para falarem que estou gordo. Eu
ainda tenho saúde para jogar um bom tempo. Só não sei é se tenho mais saco.
O Flamengo tem o ataque mais ineficiente do Brasileiro. Fez apenas 19 gols em 22 jogos. Qual a razão
para um rendimento tão pobre?
LUIZÃO: Comecei bem, fazendo gols, até que me machuquei. Depois,
quando voltei, o esquema tinha
mudado. Não sou um jogador de driblar três, quatro e fazer o gol. Sou um finalizador. Preciso que a bola
chegue ao ataque, na área, para eu concluir. Não faço gol desde a final da Copa do Brasil, mas, se a bola
não chega, como vou marcar? Quando perco gols, aceito as críticas. Mas isolado na frente, sem tocar na
bola, vou fazer gol como?
Você já operou os joelhos quatro vezes. Ainda dá para suportar o ritmo dos jogos?
LUIZÃO: Sempre
que me machuco acham que o problema é no joelho. Não tenho mais nada nos joelhos.
Agora, é lógico que não posso ficar correndo que nem um louco, pulando, dividindo todas. Um jogador na
minha situação precisa de muito carinho.
Você já jogou no Vasco, no Botafogo e agora está no Flamengo. O Rio lhe agrada?
LUIZÃO: Gosto do Rio. O único problema aqui é receber. Tenho US$ 600 mil para receber do Vasco,
que já dei como perdidos. O Botafogo também me deve, mas já acertamos a forma de pagamento. Mas,
quando encerrar a carreira, vou morar em São Paulo.
Corinthians, Vasco, Palmeiras, Flamengo, Grêmio. Você já defendeu todos esses times e, portanto, está
acostumado à pressão. O que difere o Flamengo desses clubes?
LUIZÃO: São todos times de massa. Mas a torcida do Flamengo tem uma peculiaridade. Quando o time
está ganhando no Maracanã, é a melhor do mundo. Mas, quando está perdendo, parte logo para a vaia. É
mais impaciente do que a do Corinthians.
Os problemas
que você teve no Botafogo já estão todos superados?
LUIZÃO: Tive um problema no joelho e Carlos Veiga, médico do Botafogo, me operou erradamente. Pedi
autorização para consultar um médico da minha confiança e ele disse que eu tinha que operar de novo. Os
médicos do Botafogo não aceitaram o diagnóstico e indicaram um profissional da confiança deles, em
Campinas,
que também recomendou uma nova cirurgia. Mesmo assim, eles disseram que não havia
necessidade de operar de novo. Quem estava errado? Eu?
Você sabe que, se o time for mal contra o Botafogo, as maiores críticas recairão sobre o ataque.
LUIZÃO: Já estou acostumado. Vão vaiar quem? O mais famoso, o que tem mais história, mais títulos. É
natural.
Apesar dos problemas, o Flamengo lhe agrada?
LUIZÃO: Lógico. Estava no Japão, ganhando em dólar e vim para o Flamengo. Agora mesmo, recebi uma
proposta de um time de ponta no Brasil. Ainda não joguei sete partidas no Brasileiro e poderia me
transferi. Mas preferi ficar.
O Globo, 10/09/06
Pílula de vinho para aumentar a longevidade
Laboratório vai comprar empresa para lançar produto
Andrew Pollack
Do New York Times
• NOVA YORK. Como muitas companhias farmacêuticas, a GlaxoSmithKline tem procurado
rejuvenescer. E pensa em fazer isso descobrindo, literalmente, um elixir da juventude. O laboratório
britânico anunciou na semana passada a intenção de comprar uma empresa de biotecnologia
que
investiga a capacidade de um composto do vinho tinto em retardar o envelhecimento e aumentar a
longevidade.
A Glaxo pagará US$ 720 molhões pela Sirtis Pharmaceuticals. Localizada em Cambridge,
Massachusetts, a empresa foi fundada em 2004 depois que David Sinclair, da Escola de Medicina da
Universidade de Harvard, descobriu que o resveratrol (a substância presente no vinho tinto) fez leveduras
viverem mais. Outras pesquisas de Sinclair,
que é co-fundador da Sirtris, mostraram que o resveratrol
poderia evitar os efeitos nocivos de uma dieta rica em gordura em camundongos, além de aumentar a
expectativa de vida dos animais.
Chistoph Westphal, o diretor executivo da Sirtris, disse que drogas
que conseguissem reproduzir
os efeitos do resveratrol poderiam “evitar de maneira segura e natural muitas das doenças
que afetam a
sociedade ocidental”. As drogas atuariam sobre enzimas chamadas sirtuinas.
Como a Administração de Remédios e Alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês),
não considera o envelhecimento uma doença, a Sirtris testa seus compostos contra doenças associadas à
velhice. Dois testes clínicos (com pacientes) em fase preliminar forneceram indícios de que a formulação
da Sirtris com resveratrol poderia baixar o nível de açúcar no sangue de pessoas com diabetes.
A Sirtris espera em breve começar as experiências com um composto sintético
que é muito mais
potente do que o próprio resveratrol.
O GLOBO, Ciência e Saúde, 27/04/08, p. 41, 2 ed.
Cinco reféns em aldeia no Maranhão
Funcionários da Funai e do Incra são mantidos em poder de cricatis
• PALMAS (TO)
e
PASSO FUNDO
(RS). Cinco servidores federais são mantidos como reféns desde a
última quinta-feira pelos índios cricatis da aldeia São José, no município de Montes Altos (MA). São três
funcionários da Funai de Araguaína (TO)
,
Gurupi (TO)
e Brasília (DF) e dois do Incra - um de Imperatriz
(MA) e o outro de São Luís. O grupo estava fazendo levantamentos fundiários nas terras indígenas.
A situação é tensa na região, às margens da BR-226. Cerca de mil índios da aldeia não concordam com
a presença de fazendeiros na região. O administrador da Funai de Araguaína, Cleso Fernandes de Morais,
viajou para Brasília e deve se reunir com a direção da Funai e a Polícia Federal para tentar resolver o
problema. Os índios exigem do governo federal a indenização e a retirada dos fazendeiros de seu ter-
ritório, além da demarcação das terras e sua consolidação como reserva indígena.
Os cricatis querem também a recuperação de uma estrada vicinal
que liga os municípios de Sítios
Novos a Montes Altos. Não havia ontem informações sobre as condições e o tratamento dos funcionários
da Funai e do Incra,
cujos nomes não foram revelados.
A aldeia dos cricatis fica a cerca de 60 quilômetros de Imperatriz. A Funai já prometeu a revisão dos
valores das benfeitorias cadastradas, além do levantamento fundiário.
Desocupado prédio da Funai em Passo Fundo
No Rio Grande do Sul, índios caingangues desocuparam ontem o prédio da Funai em Passo Fundo. Eles
deixaram o local depois de fazer um acordo com o órgão. Outro grupo,
que também bloqueva o trânsito
na RS-343, deixou a estrada após o acordo. Na próxima semana, uma comissão de índios deve ir a Brasília
para participar de uma audiência com o presidente da Funai e com representantes do Ministério da Justiça.
Os índios reivindicam a desapropriação de terras ocupadas por agricultores em Sananduva (RS). Segundo
o escritório da Funai em Passo Fundo, existem outras 40 reivindicações de comunidades indígenas no
estado.
*
Especial para
O
GLOBO, com
G 1
O Globo, 03/06/08, seção O País, p. 4
Serra: PT quer transformar apuração do caso Alstom em “eleitoralismo”
Governador ironiza tentativa de petistas de abrir CPI no Congresso
Adauri Antunes Barbosa
SÃO PAULO.
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ontem que a proposta de criação de
uma CPI no Congresso para investigar denúncias de irregularidades nos contratos firmados entre o go-
verno paulista e a multinacional francesa Alstom faz parte do "kit PT" em época eleitoral. O Ministério
Público de São Paulo recebeu documentos da Suíça sobre uma investigação de pagamento de propinas
envolvendo a Alstom no Brasil entre 1998 e 2001. Os petistas querem investigar o caso.
– Isso é eleitoralismo, é o kit PT - afirmou Serra, comentando proposta do deputado João Bacelar (PR-
BA), da base do governo,
que pretende reunir as 171 assinaturas necessárias para criar a CPI entre os 513
parlamentares.
Petista contesta governador e pede investigação
Na Assembléia Legislativa de São Paulo, os petistas cobram o governador apoio à apuração do caso.
– É
uma saída fácil, pouco inteligente do governador, falar em interesse eleitoral
disse o líder da
bancada do PT, deputado Roberto Felício.
Para Serra, a primeira ação a ser feita pelo governo estadual é tomar conhecimento dos documentos
enviados pelo Ministério Público da Suíça ao governo brasileiro.
Até agora a única coisa que se conhece são vazamentos (pela imprensa), disse Serra.
O Globo, 03/06/08, seção O País, p. 9.
O quebra-cabeças
Maria Lúcia Dahl
Raramente me senti pertencer a alguma coisa. Pertencer mesmo, inteiramente, no sentido mais
amplo da palavra. Ali no duro, na batata. Sempre fui em busca de mim mesma e eram tantos eus que fui
buscá-los em várias trips, várias turmas, vários países, sempre pertencendo e despertencendo a todos eles.
O pertencer nunca me veio ao encontro assim facilmente, de bandeja. Nunca encontrei a alma gêmea, mas
parecida, nem a outra metade, mas muitos pedaços dela espalhados em aparentes contrastes. Eu, sim, que
sempre fui buscá-los. Era uma porção de retalho querendo virar colcha. Um quebra-cabeças à procura dos
encaixes.
Encaixava com a minha família até o ponto
que encaixava melhor com as babás. Comparecia às
suas festas nos seus quartos (naquele tempo as dependências de empregados das casas equivaliam a um
amplo quarto-e-sala moderno),
onde iam as outras empregadas da casa e também as da vizinhança e seus
noivos eternos. Lá elas me mostravam os seus enxovais guardados em malas, tenho a impressão que para
sempre.
Dividida entre a sala de visitas e o quarto de empregadas eu ouvia louvores a Carlos Lacerda
numa e, na outra, declarações de amor a Vargas.
Foi também essa divisão que formou minha cultura musical: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e
Dalva de Oliveira no rádio Telefunken do quarto de fora, Edith Piaf, Yves Montand e Frank Sinatra lá
dentro. Também me deliciava com mamãe tocando Chopin no piano à tarde, e papai, à noite, tirando
Bonequita linda, de ouvido.
Me enturmava com algumas colegas de colégio mas com pouquíssimas freiras e absolutamente
nada com a repressiva instituição. Acho que foi aí que comecei a dizer não ao não.
O racha de ideologias no Country começou quando meus amigos odiaram a Cantora careca
que
eu vira duas vezes, estrelada por Luis de Lima e Camila Amado. Ionesco foi o divisor de águas da minha
adolescência. Passei muito tempo depois da descoberta dele sem me identificar muito com ninguém. Só
quando conheci o Cinema Novo me senti novamente compreendida. Apaixonada pela Nouvelle Vague, me
dividia entre o bar do Country e o Cinema Paissandu.
Foi em 1968 que saí definitivamente do Club,
quando me apaixonei por um líder estudantil. Os
sócios radicalizaram com o meu namorado e ele com os sócios. Outro racha. Pendi para as passeatas e
para o Movimento Estudantil. No exílio, de carona, me dividia entre os exilados políticos e a casa do
embaixador Paulo Carneiro,
onde conheci Di Cavalcanti,Murilo Mendes, Almeida Sanes e a nata dos
intelectuais em Paris. Não pertencia à França, mas muito menos ao sistema de ditadura no Brasil.
Com a perda dos meus pais e dos privilégios, fiquei reduzida a alguns pedaços meus e, com a
nostalgia dos outros, fui fazer análise de grupo,
onde parecia finalmente pertencer a alguma coisa. Tinha
encontrado uma família. Amava os meus colegas e o analista e esperava ansiosamente pelos dias de
terapia como as festas da minha infância no quarto de babá.
Hoje percebo que o
que me fazia dar a impressão de pertencer era a materialização da busca de
mim mesma
que se refletia no grupo, além do afeto.
Pertenci também a alguns (muito poucos) homens toda vez
que me apaixonei. A paixão nos inclui
automaticamente no Todo numa sintonia direta com Deus. Mas, formando-se do nada, também se desfaz
como veio, estraçalhando-nos novamente em porções doloridas atiradas no vácuo. "Vai procurar sua
turma!", consolavam os amigos. Mas aonde?
Achava que, como sempre, ela continuava salpicada pelo mundo afora, até que percebi que ele, o
mundo, tinha mudado. Estávamos vivendo, eu, e os meus pedaços espalhados por ele, um momento
histórico de reunião. O fim da fantasia. O início da vitória. O começo de uma nova realidade
que une a
sala da minha infância ao quarto de babá. Tive essa clara impressão participando do encontro do Lula com
os artistas. Vi a Benedita governadora, os jovens atores do Nós do Morro fazendo sucesso junto com os da
Globo. O Hino Nacional em ritmo de Olodum cantado pelo coral infantil de Xerém, e entendi que, embora
nossos ídolos (ou ideologias) ainda fossem os mesmos (graças a Deus), já não vivíamos mais como nossos
pais.
Então me senti pertencer ali naquele encontro, vendo meus pedaços reunidos em forma de amigos. Os
mesmos das passeatas, das Diretas, do impeachment e de tantos Lulas lá, desta vez vencedores. E tive a
incrível sensação de que o quebra-cabeças da minha vida tinha se convertido finalmente num colorido e
harmonioso mosaico.
Jornal do Brasil, 01/11/02
O empreendedorismo e as prefeituras
Celina Amaral Peixoto
Durante a República Velha, governar significava abrir estradas. Depois da Revolução de 1930, o
Estado, capitalizado, transformou-se em empresário. Além de abrir estradas, criou empresas para a
produção de aço e de energia elétrica e para a exploração de petróleo e de minérios de ferro - infra-
estrutura necessária para o crescimento e o desenvolvimento do país.
Em tempos mais recentes, porém, a globalização passou a exigir novas e diversificadas formas de
atuação para atenuar os eventuais efeitos perversos
que esse movimento possa causar aos pequenos
negócios. Ao fenômeno da globalização pode-se contrapor o desenvolvimento local, como uma
modalidade
que permite a articulação e a agregação produtiva de fatores econômicos, sociais, ambientais
e culturais. Esse modelo passa a enfocar a qualidade de vida das populações, das condições de
sobrevivência das gerações futuras e do próprio planeta em que vivemos. Do ponto de vista do gestor
público local, exige-se uma responsabilidade maior com o território,
que pode ser entendido como um
estado, uma região, um município, um distrito, um bairro ou uma comunidade. Para simplificar uma longa
discussão sobre o tema, seria possível dizer que o novo caminho implica “pensar global e agir
localmente”.
Preocupado com o efeito dessas mudanças na sociedade, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas) voltou-se para as políticas públicas capazes de auxiliar as prefeituras em sua
missão de promover o desenvolvimento local e sustentado. Ficou clara a necessidade de os municípios
criarem um ambiente favorável para os pequenos negócios nascerem e se desenvolverem dentro da
formalidade.
Anunciado em 2000, no Congresso Brasileiro de Municípios, o Prêmio Governador Mário Covas para
o Prefeito Empreendedor foi criado pelo Sebrae com a finalidade de unir esforços para desbravar os novos
caminhos para o desenvolvimento.
Em 2002, o processo seletivo da premiação considerou questões como inovação e criatividade, além
de aspectos relacionados à boa governança. Os vencedores foram premiados em 2003, em cada uma das
cinco regiões do Brasil: Xapuri, no Acre; Maracás, na Bahia; Campos Verdes, em Goiás; Santa Helena, no
Paraná, e Osvaldo Cruz, em São Paulo.
O prefeito de Xapuri, Júlio Barbosa foi premiado pelo incentivo à instalação do Pólo de Indústrias
Florestais de Xapuri,
que investe na fabricação de móveis utilizando madeira explorada por manejo
florestal, com o objetivo de gerar emprego e renda para os povos da floresta.
No interior da Bahia, em 1997, o prefeito de Maracás, Fernando Carvalho, lançou o Programa
Desenvolvimento da Floricultura, para resgatar as tradições locais e criar uma alternativa econômica para
a região. Iniciou seu mandato com a prefeitura deficitária. Hoje, além das contas saneadas, o município
desenvolve um projeto de floricultura
que garante a cada família um lote de 300m2 para plantio de
flores, gerando-lhe uma renda média de um salário mínimo por mês.
Já em Campos Verdes, cidade goiana
que abriga a maior reserva de esmeraldas do mundo, o
prefeito Haroldo Naves transformou uma cidade fantasma em uma comunidade ativa, capaz de
desenvolver vários projetos integrados, ligados à extração da pedra preciosa. Investiu no
empreendedorismo e apostou na vocação natural do município - a exploração sustentável da esmeralda.
Na região Sul, em Santa Helena, no Paraná, o prefeito Lilon Schmidt investiu na criação e
fortalecimento de pequenos negócios para reativar a economia e criar novos empregos. Com apoio do
Banco do Brasil e do governo estadual e com a mobilização da comunidade, o prefeito criou um banco de
microcrédito. Os empréstimos, entre R$ 100 e R$5 mil, possibilitaram a criação de 700 empregos na
localidade.
Em Oswaldo Cruz, região de Nova Alta Paulista, o prefeito Valter Luiz Martins fez, em sete anos, a
arrecadação municipal aumentar 207% em termos reais. A cidade,
que foi grande produtora de café e
mantinha os velhos galpões abandonados, agora abriga três indústrias
que proporcionam trabalho e renda
a mais de 150 pessoas. Ele aplicou recursos em saúde, saneamento e educação. O resultado foi rápido: o
orçamento do município passou de R$ 7 milhões, em 1996, para R$ 21 milhões, em 2002.
Quem é o prefeito empreendedor? Aquele
que respeita a Lei de Responsabilidade Fiscal e [que]
entende ser necessário deixar a sociedade desenvolver os seus próprios negócios. O
que cria o ambiente
adequado para os pequenos negócios florescerem e [
que] fortalece as micro e pequenas empresas já
existentes. Aquele
que desburocratiza e (que) facilita a abertura de empresas, reduzindo especialmente
impostos
que dificultam a produção. O que estimula o empreendedorismo nas escolas públicas e privadas,
no corpo docente e discente. E ainda aquele
que institucionaliza o microcrédito, com taxas de juros abaixo
da média do mercado, e [
que] proporciona fácil acesso ao novo empreendedor.
Essas são ações básicas para qualificar prefeitos como empreendedores. No Estado do Rio de
Janeiro, apenas o titular de Petrópolis, Rubens Bomtempo, ficou entre os 25 finalistas do total de 456
municípios
que concorreram ao Prêmio Mário Covas em 2002.
Neste ano, seria importante contar com uma participação mais expressiva para a escolha de novos
Prefeitos Empreendedores - aqueles
que cuidam dos recursos públicos com ética, [que] promovem uma
gestão voltada para os interesses da população, [
que] estimulam a saúde e a educação, [que] preocupam-se
com a preservação do meio ambiente e com o futuro das novas gerações e, ainda, [
que] facilitam e [que]
promovem os pequenos negócios, fortalecendo as micro e pequenas empresas, geradoras de trabalho e
renda em nosso país.
Jornal do Brasil, 02/06/03
Entrevista com Erasmo Carlos
Foi difícil convencer as gravadoras sobre a viabilidade do primeiro ‘Erasmo Carlos Convida’, em
1980. Com o segundo CD também foi assim?
Os dois foram considerados inviáveis. No primeiro, acharam impossível reunir tanta gente importante num
disco só. No de agora foi pelo sistema atual, QUE não permite você demorar para fazer um disco de forma
artesanal. Hoje todo mundo tem pressa, quer soluções simples, quer gravar CD e DVD em dois dias e
pronto. Várias gravadoras rejeitaram o projeto. Só a Indie acreditou. Para cada gravação foi feita uma
produção especial – feita devagarzinho, com calma e tranqüilidade.
Houve algum imprevisto?
O tom foi o único inimigo. Posso dizer que 20 % dos convidados possuem o mesmo tom que o meu. Mas
tem gente com tom de voz muito diferente, como a Adriana Calcanhoto. Simplesmente não dá certo. Já
gravei com ela (Do fundo do meu coração), mas teve modulação. Agora não. Tive que me virar e ficou
alto para mim.
Convidou artistas QUE não puderam participar?
Gostaria que o João Gilberto e o Cauby Peixoto tivessem participado. Mas ficou difícil ter os dois.
Por que não há nenhum dos seus maiores sucessos?
A gente evitou coisas do tipo Amigo, Pega na mentira... Para cantar Pega na mentira comigo tem que ser
bem-humorado musicalmente. Igual a mim, sabe? E não tem muitos, não. Há também o fato de que
algumas músicas ficam datadas e acabam não se encaixando no projeto, assim como as de temas religioso,
ecológico... Uma vez, um executivo de gravadora disse: “Você e o Roberto ficam fazendo essas porra
ecológica aí, de baleia e não sei mais o quê! Baleia não compra disco!” (sic)
Você fez muitas músicas com temas políticos em uma época EM QUE havia preconceito contra o
pessoal da Jovem Guarda. Ainda há?
Ainda hoje a Jovem Guarda é vista com preconceito, sim. Mas não tanto politicamente. Isso acontece
principalmente pela simplicidade das músicas e das letras, pela ingenuidade de todo mundo. Algumas
pessoas acham brega e a crítica ainda é preconceituosa. É direito das pessoas acharem O QUE quiserem.
Mas claro que magoa um pouco.
Apesar de as composições serem suas e do Roberto, é comum ouvir as pessoas se referindo “àquela
canção do Roberto”. Como se sente?
Acho normal, bicho. O ouvinte identifica QUEM canta. Nem todo mundo é politicamente correto de dizer
Jesus Cristo, de Roberto e Erasmo. Não é por mal. Essa parte aí eu desculpo. Quando as pessoas
mencionam Asa branca, citam Luiz Gonzaga e esquecem Humberto Teixeira. Em Desafinado todo mundo
lembra Tom Jobim e esquece Newton Mendonça.
Você chegou a fazer sucesso internacional. ‘Cachaça mecânica’ ficou em primeiro lugar na
Holanda...
(Interrompendo) As pessoas podem pensar que não administrei minha vida corretamente, como elas
acham que deve ser a vida de um superstar. E se eu não quiser ser um superstar? E se os meus valores de
vida forem diferentes? Eu não sou superstar. Sou um compositor QUE faz músicas com carinho,
dignidade e honestidade. Não tenho nenhum outra pretensão. (sic)
Você tem composições cultuadas por músicos, mas que não fizeram sucesso. Isso o aborrece?
Não, bicho. Em primeiro lugar porque não me comparo ao Roberto. Ele é o maior cantor QUE já vi. Tem
carisma pra caramba. Não é o meu caso. Sou um compositor QUE canta. Não conto com a divulgação
QUE o Roberto ganha da gravadora – justamente por esse carisma. O tino comercial dele é diferente do
meu. Quero estar na praia, com meus netos em casa... Não quero compromisso com isso ou aquilo. Então,
não disputo com o Roberto em nada. Além disso, ando envolvido com outras coisas. Tenho minha editora,
estou escrevendo um livro...
Como vai ser o livro?
É um livro de contos, de crônicas, de histórias QUE aconteceram comigo. Histórias interessantes e bem-
humoradas. Não tem tristeza, morte, miséria. É otimista, sem maldade, é coisa do bem. Minha vida sempre
foi assim. Sou otimista pra caramba. Conto casos de todo mundo da MPB.
Você ganhou um prêmio como ator pelo filme ‘Os machões’, EM QUE interpretava um sujeito QUE
fingia ser gay. Gostou de ser ator?
Gostei, bicho. Fiz outros filmes também, como Cavalinho azul. Mas aí começaram a me chamar para
fazer filme erótico.
Filme erótico?
Pornochanchada. Me chamaram, mas não fui. Teve uma época aí braba de pornochanchada. O negócio é
que não sou ator. Ator tem que fazer tudo QUANTO é papel. (sic)
Mas você ganhou prêmio fazendo um gay!
Sim, mas não beijei na boca! Se tivesse que beijar na boca tinha pulado fora. Se fosse ator mesmo, teria
tido que encarar.
Você está com 65 anos. A idade incomoda?
A idade incomoda todo ser humano. É terrível. Mas você tem que conviver com ela, não tem jeito. A pior
coisa QUE acontece é a velhice. A velhice é um erro de Deus.
Mas não há vantagens, compensações?
Como é que se diz quando as pessoas querem se enganar?
Ilusão?
É, isso. Ficam dizendo: “Ah, mas você adquire sabedoria!” (risos). O negócio é que, se a gente não ficasse
velho, também adquiriria sabedoria. As pessoas dizem: “Você tem 65 anos, mas é novo de espírito!”. De
espírito todo mundo é. A cabeça da gente continua legal pra caramba. Só que velhice para mim não é
cabeça. A cabeça não envelhece nunca. O corpo é que envelhece. A sacanagem é essa! Pega uma menina
de 20 anos para você ver O QUE acontece: “Seu velho, não se enxerga, não? Descarado!” É essa a
sacanagem, entende? O espírito da gente continua garotão, mas o físico não é o mesmo.
Que conselho daria para você mesmo aos 20 anos?
Ah, bicho... Viver intensamente. E ser do bem, O QUE já é uma obrigação. Saber encarar as adversidades
da vida. Não achar que aconteceu só porque era contigo. Acontece com todo mundo. Parece até que já
estou preparando o meu livro de auto-ajuda para vir depois deste (risos).
Como viu o processo que Roberto Carlos moveu contra o autor da biografia dele?
Não li o livro. Se ele proibiu, deve ter tido algum motivo forte. O QUE se passa dentro dele eu não sei, só
ele sabe. Acho que ele tem todo o direito de proibir. Se fosse comigo e eu achasse algo erradamente
interpretado sobre um sentimento meu ou uma reação minha, proibiria também. E eu sou mais grosso que
o Roberto. Eu partiria para a ignorância. Não estou dizendo que o autor do livro seja desonesto. Mas, e se
alguém EM QUEM ele confiou para entrevistar mentiu? Todos falam que o trabalho do cara é
maravilhoso, da boa intenção dele. Acredito em tudo isso. Mas, por exemplo: o livro cita meu nome, como
se eu tivesse sido entrevistado. E eu não dei entrevista para ele. Ele me entrevistou há 15 anos. Veio aqui
com uma turma da faculdade, me perguntou coisas da Jovem Guarda, como conheci o Roberto, como a
gente compunha... Aí as pessoas pensam que dei entrevista para o livro. Mas não dei.
Jornal do Brasil, Caderno B, 6 de maio de 2007.
Decisão foi de 6 a 5, mas 9 deram voto contra a ação
Luiz Orlando Carneiro
Brasília
A permissão do uso de células-tronco embrionárias consideradas cientificamente inviáveis, para
fins de pesquisa e terapia, com a redação constante do artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05),
foi aprovada ontem, por 6 votos a 5, como antecipou o JB, depois de colhidos os votos dos ministros
Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes. Nove dos integrantes da Corte, no entanto, se
pronunciaram, de um modo ou de outro, contra os principais pressupostos da ação de
inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República.
Os ministros Ayres Britto (relator) e Ellen Gracie já tinham rejeitado a ação de
inconstitucionalidade em 5 de março, no início do julgamento, QUE foi interrompido por um pedido de
vista de Menezes Direito. Na sessão de quarta-feira (ontem concluída), Direito e Ricardo Lewandowsky
foram votos vencidos, ao julgarem a ação da PGR “parcialmente procedente”.
Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso também rejeitaram a ação de
inconstitucionalidade, mas os dois últimos fizeram ressalvas quanto à necessidade de serem recomendadas
“medidas aditivas”, sobretudo a destinada a limitar a autorização das pesquisas, QUE dependem, apenas,
dos comitês de ética das próprias instituições interessadas.
A proposta – acolhida no voto final de Gilmar Mendes – causou debate aceso entre Cezar Peluso e
Celso de Mello, já que o último achava que a maioria absoluta, estabelecida nos seis votos QUE
referendavam integralmente a norma legal, sem qualquer interpretação aditiva, afastava a necessidade de
uma declaração do tribunal para que fosse dada ênfase a uma atuação mais ativa do Ministério da Saúde.
Assim, na proclamação final, o presidente Gilmar Mendes considerou que a ação de
inconstitucionalidade foi “indeferida pela maioria, parcialmente vencidos, em diferentes extensões, ele
próprio, mais os ministros Direito, Lewandowsky, Cezar Peluso e Grau.
Na sessão final de ontem à tarde, Marco Aurélio sustentou – na linha da maioria QUE já se
formara – que “o início da vida não pressupõe só a fecundação, mas a viabilidade da gravidez” e que, se a
fecundação ocorreu in vitro e não no útero materno, “a personalidade jurídica (do embrião) depende do
nascimento com vida”. Lembrou, ainda, que a norma da Lei de Biossegurança permite pesquisas com
células-tronco embrionárias produzidas in vitro, “consideradas inviáveis para a reprodução humana e,
portanto, descartáveis, ÀS QUAIS não está reservado outro destino que não o lixo”.
O ministro Celso de Mello, ao acompanhar o entendimento da maioria, afirmou que o julgamento
era “o mais importante já realizado pelo STF”. Frisou que o início da vida “ocorre, sim, com a
fecundação, mas o blastocisto está muito longe de ser um ser humano”.
Jornal do Brasil, Sessão País, p. A3, 30 de maio de 2008.
A cada ano, número de mortes no país chega a 200 mil
Por ano, cerca de 200 mil pessoas morrem por causa de alguma doença gerada pelo consumo do tabaco, no Brasil.
Para diminuir os gastos com saúde e diminuir a mortalidade entre brasileiros, o govemo lançou uma série de medidas
para conter o avanço do tabagismo. Muitas medidas tiveram êxito: o consumo
per capita
de fumo tem diminuído. Mas
não é momento para comemorar. O consumo e a experimentação de jovens e crianças continuam estáveis e em
algumas cidades têm aumentado.
A coordenadora do Inca Tânia Cavalcanti conta que alguns elementos contribuem para que a juventude tenha esse
contato precoce com o cigarro, que começa, em média, com 15 anos de idade.
- O cérebro do adolescente é muito mais vulnerável quanto ao vício do que o do adulto. Ainda existem marcas que
fàzem propaganda com jovens, como se fumar fizessem deles pessoas de atitude e de mente aberta - explica a
coordenadora do Inca.
Personalidade
Entre 12 e 18 anos ocorre a formação da personalidade e da consciência crítica. Junto com as duas vem o
desenvolvimento da auto-estima. E nessa época que o jovem está mais suscetível as seduções do cigarro e é nesse
momento que a necessidade de se afinar começa. Isso aliado ao marketing que o cigarro está associado a uma idéia de
liberdade é um atrativo para o jovem.
- O jovem acha que fumando vai ser mais independente - teoriza. - Vai mostrar para os outros que não é careta nem
"filhinho da mamãe", o que é uma idéia errada porque depois, quando quer largar o cigarro e se tomar independente
dele, não consegue.
O desrespeito
à
lei que proíbe a venda de cigarros para menores de 18 anos constitui em outro fator determinante
para o aumento do consumo do fumo na juventude. Cerca de 90%
dos fumantes começaram antes do 19 anos. De
acordo com o Inca, uma das estratégias adotada pelas companhias de tabaco
é
usar o jovem para substituir as pessoas
que morrem ou [que] deixam de fumar. É uma garantia de que terão consumidores durante mais alguns anos.
Além de seduzir jovens, a indústria do fumo descobriu outro mercado em potencial. Em busca de conquistar o seu
espaço, as mulheres estão começando a adquirir os hábitos viciantes que antes eram maioria entre os homens. Esses
têm diminuído o consumo de cigarro, ao contrário da mulher.
Com a participação cada vez mais constante da mulher na sociedade, a indústria do tabaco começou a enxergá-las
como um consumidor em potencial. Os comerciais com mulheres "livres" e donas do próprio nariz começaram a ficar
freqüentes nas propagandas de cigarro e o número de consumo do fumo entre mulheres aumentou, mesmo com os
riscos de aborto e câncer uterino que o cigarro proporciona.
(P.V.)
Jornal do Brasil, 01 de junho de 2008
VIOLÊNCIA
Milícia tortura equipe de jornal
Repórter, fotógrafo e motorista de ‘O Dia’ faziam reportagem na favela do Batan
Felipe Sáles
Uma equipe de reportagem do jornal O
Dia
foi seqüestrada e torturada por um grupo de milicianos enquanto
fazia uma reportagem sobre a atuação deles na Favela do Batan, em Realengo (Zona Oeste). Uma repórter, um
fotógrafo e um motorista, cujos nomes são mantidos em sigilo, viviam havia 14 dias numa casa alugada na
comunidade. Eles foram descobertos e torturados por sete horas e meia com choques elétricos, espancamentos,
sufocamentos com saco plástico e roleta-russa. O crime aconteceu em 14 de maio, e, há uma semana, a Secretaria
Estadual de Segurança Pública abriu inquérito para identificar os torturadores, na maioria policiais militares.
A emboscada aconteceu por volta das 21h, quando moradores convidaram o motorista e o fotógrafo para tomar
cerveja no Largo do Chuveirão, no interior da comunidade. Os dois foram algemados enquanto os milicianos
incitaram a população a linchá-Ios. Os moradores, no entanto, se recusaram. No mesmo instante, um grupo de 10
homens armados usando toucas ninjas rendia a repórter na casa.
Roleta-russa
A jornalista recebeu chutes, socos e ameaças. Em seguida, um dos bandidos rodou o tambor da arma, apontada
contra a cabeça da repórter, e acionou o gatilho duas vezes.
Enquanto faziam a reportagem, os jornalistas identificaram viaturas oficiais do Batalhão de Policiamento em
Vias Especiais (BPVE) - que possuem sistema de GPS - circulando na favela, enquanto homens fardados
conversavam com policiais
à
paisana. Já no cativeiro para onde foram levados, eles perceberam pelo menos 20
milicianos - alguns com fardas da PM, chamados de coronel e comandante - que acompanharam as sessões de
tortura. A equipe teve celulares e dinheiro roubados.
As vítimas sofreram choques elétricos, sufocamento com sacos plásticos e ameaças de morte, em meio a
discursos de que os repórteres atrapalhariam o 'projeto social" dos milicianos. Depois de sete horas e meia, os
criminosos decidiram libertar o grupo na Avenida Brasil sob a condição de que a reportagem não fosse publicada.
O jornal decidiu publicar a notícia somente duas semanas depois para preservar a segurança das vítimas e não
prejudicar as investigações.
O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame informou que o caso será apurado com rigor, pois a
liberdade de imprensa não pode ser ameaçada.
- Policiais que cometem esses atos são duplamente criminosos. Vamos dar uma resposta
à
sociedade - garantiu.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio, Aziz Filho, disse que vai cobrar punição a todos enrnvolvidos.
- É
um crime bárbaro e com a agravante de que foi um atentado à liberdade de informação, logo, à democracia -
afirmou.
A investigação está a cargo do delegado Cláudio Ferraz, da Delegacia de Repressão às Ações do Crime
Organizado. Alguns milicianos já foram identificados.
Colaborou o JB Online
Jornal do Brasil, 01 de junho de 2008
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo