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mutação que interessa à literatura, pelos desenhos formados do encontro de extremos
contraditórios, e à escrita de Lispector, como foi visto ao longo da elaboração desta tese.
O jogo que se estabelece entre a expansão e retração das marcas da tradição para uma
subjetividade em trânsito, e do abandono de si para a mescla com a diferença, cria zonas
de interseção
e entre-lugares. Em um primeiro movimento, atingir essa mescla é atingir
o domínio do desconhecido, do enigma, e, nesse ponto, o poeta torna-se um tradutor,
como aponta Paz. Na sua dupla posição de receptor e condutor, atua na própria esfera da
analogia, sem suprimir a distância entre a cifra e a chave, a “cadeira” e as “duas maçãs”,
mas estabelecendo uma relação, puro tanger de cordas.
Em texto sobre o ato de traduzir, Lispector afirma que, nesta tarefa, o tradutor
“pode correr o risco de não parar nunca” (LISPECTOR, 2005: 115). Este é o risco que a
própria autora vive enquanto escritora, uma vez que o questionamento lançado por sua
obra, do início ao fim, é um e o mesmo, ainda que sob aparências distintas.
Lispector, tradutora de uma cultura tão antiga quanto a própria existência, instala
este novo vir-a-ser no universo da Modernidade. O que poderia ser lido como silêncio
inalcançável, inscrição da ausência, culmina no segundo movimento, o do disparo,
flecha que estilhaça o alvo em mil pedaços, abandono do fixo – o ego, a
emocionalização, a humanização encharcada - e se estabelece na zona do deslocamento,
da dissonância, do movimento dos sentidos. O fracasso e a falência, o desamparo e a
falha, deslocam o foco para a própria busca, o
próprio marchar, e não para a plenitude –
impossível em sua totalidade. Mas é também nesse ponto em que a experiência com a
linguagem possível acontece. A obra não escrita de Agambem. O que se pode escrever
daquilo que é impossível escrever. Molde, experimento da voz. Nesse sentido, o retorno
à origem, nomeadamente a infância, nos termos de Agambem, apresenta-se como
movimento que se dirige não ao inefável da linguagem, uma vez que ele já é seu
Comentário: Nessa transição
ocorre a tensão do antes e depois e
do entre, ai a dramaticidade,
encena não a resolução do drama
mas o drama em acao
Comentário: A obra não tem
nada a ver com teologia do
inefável mas com a ontologia do
inexaurível, que jamais se dix mas
permite o todo dizer, forma do
neutro. Neutro é o silencio que
antece ou sucede ou intervalo mas
como condição de possibilidade
da fala