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ÁLVARES DE AZEVEDO: A IRONIA NO AMOR OU O AMOR NA IRONIA
POR
SUE HELEN DA SILVA VIEIRA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Letras
Vernáculas (Literatura Brasileira).
Orientador: Alcmeno Bastos
Rio de Janeiro
Março de 2009
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Vieira, Sue Helen da Silva.
Álvares de Azevedo: a ironia no amor ou o amor na ironia. / Sue
Helen da Silva Vieira – Rio de Janeiro. UFRJ: Faculdade de Letras, 2009.
vii, 108 f.
Orientador: Alcmeno Bastos.
Dissertação (mestrado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de
Letras Vernáculas, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 102-108.
1. Álvares de Azevedo. 2. Ultra-romantismo. 3. Amor. 4. Ironia. I.
Alcmeno Bastos. II. UFRJ, FL. III. Título.
2
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Para
Alessandro, Fátima e Antônio,
esposo, mamãe e papai.
Três amores de minha vida.
3
Agradecimentos
A Deus, que é o maior em minha vida.
Ao meu esposo, Alessandro, fiel companheiro.
Aos meus pais, Fátima e Antônio, e, aos meus irmãos, Jussiê e Daiane, amo vocês.
Ao meu orientador, Alcmeno Bastos, por acreditar no meu trabalho, mesmo diante das
dificuldades.
Aos meus amigos verdadeiros, Adriana Guimarães, Andréa Alves, Carolina Carrilho,
Cíntia Gracielle, Elisangela Sousa, Juliana Cláudia Alves, Marcos Pasche e Taís Pedra.
Aos mestres, que me ensinaram e me ajudaram a ser o que sou hoje, Rosa Gens, Dau
Bastos, Antonio Carlos Secchin. Obrigada pelas maravilhosas aulas.
4
“A verdadeira ironia é a ironia do amor”.
Friedrich Schlegel
5
SINOPSE
Estudo sobre a visão do amor ultra-
romântico e a visão irônica do amor na Lira
dos Vinte Anos, de Álvares de Azevedo. As
duas faces distintas do poeta: a ironia e o
amor. Análise dos poemas da obra e das
influências das leituras do autor. Reflexão
sobre a ironia romântica com base nos
poemas da Lira dos Vinte Anos.
6
Álvares de Azevedo: a ironia no amor ou o amor na ironia
Sue Helen da Silva Vieira
Orientador: Professor Doutor Alcmeno Bastos
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas
(Literatura Brasileira).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Professor Dr. Alcmeno Bastos – UFRJ
_________________________________________________
Profª. Dra. Rosa Maria de Carvalho Gens – UFRJ
_________________________________________________
Profª. Dra. Angélica Maria dos Santos Soares – UFRJ
_________________________________________________
Prof°. Dr. Wellington de Almeida Santos – UFRJ, Suplente
________________________________________________
Profº. Dr. Luiz Edmundo Bouças Coutinho – UFRJ, Suplente
Rio de Janeiro
2009
7
RESUMO
VIEIRA, Sue Helen da Silva. Álvares de Azevedo: a ironia no amor ou o amor na
ironia. Orientador: Prof°. Dr. Alcmeno Bastos. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de
Letras, 2009. Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira.
Essa dissertação pretende indicar na obra A lira dos vinte anos as duas faces do
poeta Álvares de Azevedo: a ironia no amor ou o amor na ironia. Para tanto, utilizar-se-
á como base para a pesquisa o estudo dos prefácios na referida obra, juntamente com a
análise dos poemas pertinentes, que aludem ao tema do amor e à ironia. A Lira
apresenta três partes principais, no entanto, referente ao aspecto semântico, vê-se a
proposta para uma divisão fundamentada em apenas duas, constituindo assim uma
“binomia” entre o amor e a ironia. Um dos aspectos que tornam fascinante a obra de
Álvares de Azevedo é justamente a oscilação entre o “mocinho apaixonado” e o jovem
irônico do amor.
A primeira parte da Lira aborda a temática do amor ultra-romântico,
perpassando pelo viés do tédio, pessimismo e o desejo de morte. A seguinte propende à
negação dos parâmetros anteriores, utilizando a ironia como tentativa (inútil) de escape,
o que nos permite afirmar que o poeta inicia pelo viés ultra-romântico e, na segunda
parte, desfragmenta toda essa idealização apregoada anteriormente. A terceira divisão
constitui uma extensão do que havia sido feito na primeira.
Pretende-se analisar também o conceito de ironia romântica e sua
fundamentação na poética azevediana. Portanto, este trabalho visa a um estudo
pormenorizado dos diferentes comportamentos do sujeito lírico ao longo da obra,
pretendendo averiguar a temática do amor nas diferentes partes da Lira.
Palavras-chave: Álvares de Azevedo, ultra-romantismo, ironia romântica, amor,
Romantismo, ultra-romantismo, dualidade.
Rio de Janeiro
2009
8
ABSTRACT
VIEIRA, Sue Helen da Silva. Álvares de Azevedo: a ironia no amor ou o amor na
ironia. Orientador: Prof°. Dr. Alcmeno Bastos. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de
Letras, 2009. Dissertação de Mestrado em Literatura Brasileira.
This dissertation is intended to indicate the work The lira to twenty years the two
sides of the poet Alvares de Azevedo: the irony in love or love the irony. To do so, shall
be used as a basis for the research study of the prefaces in that work, together with the
analysis of pertinent poems, which allude to the theme of love and irony. The Lira has
three main parts, however with regard to the semantic aspect, it is the proposal for a
division based on only two, thus constituting a "binomia" between the love and irony.
One of the fascinating aspects that make the work of Alvares de Azevedo is precisely
the oscillation between the "good guy in love" and the ironic young love.
The first part of Lira addresses the theme of the ultra-romantic love, impregnated
with the bias of boredom, pessimism and the desire for death. The denial follows the
trend of previous parameters, using irony as an attempt (futile) exhaust, which allows us
to say that the poet begins by ultra-romantic bias, and in the second part, defragments
all this idealization heralded earlier. The third division is an extension of what had been
done at first.
It is also examining the concept of irony in romantic and poetic azevediana its
grounds. Therefore, this work aims at a detailed study of the different forms of subject
lyrical over the work, wanted to find out the theme of love in different parts of Lira.
Kew-words: Álvares de Azevedo, ultra-romantic, romantic irony, love, Romanticism,
ultra-romantic, duality.
Rio de Janeiro
2009
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................09
2. A POESIA ROMÂNTICA BRASILEIRA..............................................................15
2.1 Álvares de Azevedo e o romantismo brasileiro.........................................16
2.2 A segunda geração romântica.....................................................................21
3. O AMOR ULTRA-ROMÂNTICO..........................................................................27
3.1 Uma visão subjetivista da Lira dos vinte anos ...........................................38
3.2. Amor e sonho...............................................................................................46
3.3 Do amor à morte..........................................................................................55
4. O AMOR IRÔNICO NA LIRA DOS VINTE ANOS..............................................65
4.1 Saída de Ariel, entrada de Caliban............................................................73
4.2 A binomia em Álvares de Azevedo.............................................................87
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................97
6. BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................101
10
1. Introdução
Ao ler dois belos poemas como “A T...” e “Minha desgraça”, inseridos na obra
Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo, fica-nos uma indagação: o sujeito lírico
presentes nos poemas deixou de amar? Esta dissertação tem como pretensão demonstrar
a tensão que ocorre na obra, destacando o tema do amor em diferentes abordagens. A
primeira consiste em mostrar e avaliar como o tema do amor é apresentado pelo eu-
lírico na primeira e na terceira partes da Lira. E, em seguida, pesquisar o mesmo tema
na segunda parte da obra, no que denominamos de amor irônico, tendo em vista seu
conteúdo.
Para isso, tomaremos como conceito de ironia, que será desenvolvido ao longo
do texto, o mesmo desenvolvido pelos teóricos alemães no início do século XIX, em
que se destaca F. Schlegel, ao qual denominou de ironia romântica. Essa definição aos
poucos será desenvolvida, não somente utilizando as idéias dos teóricos alemães, mas,
sobretudo, analisando, paralelamente a eles, a teoria desenvolvida por outros teóricos
que estudaram o tema em questão, a fim de averiguar como foi ou como é abordado
atualmente.
Sabe-se que a divisão da Lira dos vinte anos foi feita de modo a separar duas
partes aparentemente iguais de uma outra que rompe com o paradigma estabelecido
pelas outras duas. Enquanto vivo, o poeta elaborou dois prefácios distintos e
antagônicos. No prefácio da segunda parte, o poeta afirma “Aqui dissipa-se o mundo
visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha
Barataria de D. Quixote, onde Sancho é rei.” (2000, p.190) Esse mundo novo a que ele
11
se refere é a ruptura com os padrões da poesia ultra-romântica cercada de dúvida, amor
em excesso, sonhos e morte.
O poeta insere um novo código poético, cuja principal característica é a ironia.
No entanto, mesmo diante deste recurso, o poeta não deixa de abordar o amor em seus
poemas, porém, ironiza o amor ultra-romântico, tão exaltado na primeira parte. O
mundo onde Sancho Pança é rei dita a realidade que consegue perceber nitidamente a
feiúra da lavadeira Dulcinéia. A segunda parte, denominada também de ironia
byroniana, faz uma crítica através do rompimento com o estilo antecedente, para exaltar
seu temperamento mórbido em relação à vida.
O intuito é mostrar que o poeta exalta o amor em suas poesias, e que na segunda
parte inverte o caminho por ele mesmo traçado, ao desconstruir a imagem da mulher
idealizada e virgem, para torná-la real e de carne e osso. A mulher inatingível, aos
poucos, vai perdendo a sua aura, para se incorporar na figura de mulheres fáceis e
prostituídas. A Lira dos vinte anos se baseia na “binomia”, em que o poeta apresenta a
obra como medalha de duas faces, e tal pensamento estabelece a essência da poesia de
Álvares de Azevedo, que consiste na coexistência dos contrários
1
.
Álvares de Azevedo tinha plena consciência de que estava elaborando uma
poética dual, visto que o termo “binomia” configura, em sua essência, a teoria do
contraste, cujo espírito antagônico caracteriza o poeta de duas formas distintas, ora
como idealista no amor, ora como cético e irônico na mesma vertente. Baseado nisso,
torna-se necessário o estudo sobre o prefácio de Cromwell, de Victor Hugo, que luta por
uma nova poesia que inclua em seus preceitos a existência do paradoxo, a teoria dos
contrários.
1
Candido, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006, p.13.
12
Segundo Cilaine Alves em O belo e o disforme,
A teoria dos contrastes, além de provocar a divisão da personalidade lírica,
torna-se responsável também pela mistura dos gêneros no interior da obra
alvaresiana. Ao buscar superar o limite dos gêneros através do embate entre
os contrários, o sujeito lírico aspira a uma experiência total que deságua,
normalmente, no ceticismo e na descrença (1998, p.62).
A presença dessa dubiedade causa ao estudioso da obra ou a um simples leitor
uma grande dúvida em relação ao sujeito lírico presente nos diversos poemas de Álvares
de Azevedo. Há dois poetas diferentes, o romântico e o irônico? Ou o poeta assume
múltiplas máscaras? Vê-se claramente que a obra divide-se em duas partes, quanto ao
seu conteúdo, todavia, a divisão canônica da obra a distribui em três partes. A primeira e
a terceira compreendem os elementos que circunscrevem a ideologia apregoada pelo
ultra-romantismo, como o amor exacerbado, o eterno anseio de morte, a busca
incessante pela subjetividade, entre outros fatores.
Já a segunda parte abrange a desestrutura do ideal romântico, permeado de
novas noções que vão de encontro a tudo o que tinha sido apresentado. Ou seja, ocorre
uma inversão de valores em que se pauta como ponto fundamental o riso e o escárnio,
de modo a negar os ideais do amor.
Em ambas as partes, a voz do poeta se propaga nos seus discursos com tons de
exagero, o amor é levado ao extremo, enquanto que, em outro ponto, o mesmo é jogado
por terra, com a mesma força com que tinha sido louvado. São duas partes que se
opõem, mas no mesmo plano seguem um projeto de elevá-las à máxima potência. O
sujeito lírico trata da mesma maneira o sublime e o grotesco, a primeira parte não
predomina sobre a segunda, o poeta acaba deixando-as em um mesmo plano. É nítido
perceber que há uma forte presença da dubiedade, que caracteriza um jovem nas
descobertas do amor, ora ele o deseja, ora o repugna. Tão instável é assim sua mente,
13
como sua obra. As oscilações fizeram parte da adolescência deste poeta, que transcreveu
em suas linhas os diversos caminhos percorridos pelo amor juvenil.
A partir desse sistema dual, que compreende duas partes explícitas da Lira dos
vinte anos, percebe-se que o primeiro ideal corresponde à demonstração daquilo que é
divino; uma busca incessante pelo prazer da plenitude em um mundo não totalmente
real, mas ilusório. O outro ponto se depara com a finitude da vida, em que a realidade
corrói os prazeres e a dor supera todos os limites da existência. O poeta vive os dois
planos com a mesma intensidade, entrega-se por inteiro a recriação do sonho e das
sombras.
Em diversos poemas que abordam a temática do amor ultra-romântico, vê-se um
sujeito lírico voltado para as sensações vividas e intensas, que o arrastam para longas
noites de sonho, em que se representam apenas a imagem da mulher desejada.
Conforme Wellington de Almeida Santos em “Álvares de Azevedo e a ironia
romântica”, “a mulher é destituída de sua condição terrena e assume predicados
transcendentais. Torna-se abstração, atinge plenitude mítica” (1998, p. 337). Assim
como a mulher é pura abstração, o poeta tende a seguir, nesta parte, a busca de uma
perfeição em um mundo transcendental. Todavia, quando a mulher perde tais atributos
míticos para receber atributos carnais, ocorre imediatamente a destruição desse ideal
através da ironia romântica.
Segundo Ronaldes de Melo e Souza
2
, “o eu verdadeiramente irônico é o que ri
de si mesmo, e não simplesmente dos outros eus”. Portanto, Álvares de Azevedo
elabora uma poética única em que continuamente o artista ri de si, isto é, faz uma
reflexão crítica da sua própria poesia. Convém destacar que não será abordado um tipo
2
SOUZA, Ronaldes de Melo. Introdução à poética da ironia. 2000, p.36.
14
qualquer tipo de ironia para a análise da poética de Álvares de Azevedo; nos
pautaremos, portanto, pelo conceito denominado ironia romântica, que surgiu no final
do século XVIII, como forma de reação ao processo de massificação do homem na
sociedade, na qual a técnica usada é a do simulacro ou do próprio fingimento.
Trata-se de uma estrutura reflexiva cheia de entusiasmo e ceticismo. E também a
teoria formulada por Lélia Parreira Duarte, em Ironia e humor na literatura, que
apresenta características da ironia retórica e humoresque, que se enquadram no amor
irônico, complementando o termo.
Segundo F. Schlegel, “a verdadeira ironia é a ironia do amor. Ela nasce da
finitude e da limitação própria, assim como da aparente contradição desse sentimento
em face à idéia do infinito, inclusa em todo o amor verdadeiro”
3
. Diante disso, vemos
que, em alguns poemas da segunda parte, como por exemplo, “Minha desgraça”, o
poeta, além de reconhecer sua condição degradante, reconhece também que se
transformou em um boneco sem vida, sem calor e sem amor.
Ao unir o amor à ironia, o poeta cria a fusão do riso à lágrima, como expressão
dissonante e contrastante de seu estado emocional, em que se vêem dois pontos distintos
que abordam, na realidade, um mesmo tema: o amor. Um mostra-se idealizado, perfeito
e sublimado, o outro se apresenta como tendo nervos, fibras e artérias, que curte o
carnaval e não a quaresma.
O eixo que norteia essa dissertação é a poesia na Lira dos vinte anos guiado pela
vertente dos poemas que abordem o amor, seja ultra-romântico, seja o amor irônico. É
óbvio que, na segunda parte, da referida obra há, entre outros, diversos temas que não
necessariamente tratem do amor, mas este não será o proceder deste trabalho. Pautar-
3
SANTOS, Wellington de Almeida. “Álvares de Azevedo e a ironia romântica” Poesia Sempre 9
(6)Março de 1998. p.345.
15
nos-emos por mostrar que a poesia ultra-romântica azevediana estabeleceu uma nova
poética, à medida que versou sobre fatores determinados do ultra-romantismo, e, em
outro momento, trouxe o riso e o escárnio como inversão de seus valores. Em um
primeiro momento, volta-se para si mesmo, como uma atitude narcisista do amor
subjetivo e depois rompe com a monodia amorosa e torna-se uma alma cética em
relação ao amor. Sai de Ariel e encontra Caliban.
16
2. A poesia romântica brasileira
Neste capítulo, buscaremos verificar a trajetória da poesia romântica brasileira,
mas especificamente delimitando a geração à qual pertenceu Álvares de Azevedo. O
curso a ser adotado é a perspectiva da poesia ultra-romântica no Brasil, traçando uma
linha histórico-temporal, de modo a mostrar as principais características da geração
ultra-romântica.
Para observarmos tais distinções, tornou-se necessária a recorrência a textos que
explicitassem a mudança na poética romântica, não só no Brasil, mas como as teorias
européias influíram na poesia azevediana.
A primeira parte deste capítulo situa a poesia ultra-romântica no cenário
literário do Romantismo brasileiro e como as idéias e revoluções do mundo europeu
contribuíram para criação de um novo estilo poético. Segundo José Veríssimo, em
História da literatura brasileira, “principalmente distingue esta geração da precedente a
sua maior liberdade espiritual, e conseqüentemente mais largo conceito estético, quer no
seu pensamento geral, quer na sua aplicação com a literatura” (1954, p.243).
A segunda parte do capítulo aborda, especificamente, a segunda geração
romântica, também denominada de geração byroniana, pela forte influência que o poeta
inglês deixou nos jovens brasileiros. Com Álvares de Azevedo, a poesia brasileira entra
com um novo motivo, a morte. Tão desejada, que se torna uma obsessão aos poetas
como forma de escape das ilusões da vida, para o encontro com a felicidade em um
espaço além-mundo e além-vida. Por isso, faremos um estudo sobre a perspectiva deste
momento literário na caracterização da poesia de Álvares de Azevedo.
17
2.1 Álvares de Azevedo e o Romantismo brasileiro
O Romantismo apresentou momentos-limites em relação à sociedade, por vezes
estabeleceu uma dimensão mais aberta para o social e, em outras, retrocedeu para o
instinto de pura subjetividade. Tanto no modo mais social, como no voltado para o
indivíduo, o Romantismo brasileiro divulgou belas obras e teve consagrado os nomes de
diversos autores. Dentre os principais, como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e
Castro Alves, surge um jovem poeta da Faculdade de Direito de São Paulo chamado de
Manuel Antônio Álvares de Azevedo. Cada um desses foi responsável pela propagação
e o crescimento da literatura no Brasil, porém até que a poesia desses autores
conquistasse o público, um processo gradual se iniciou na Europa e se propagou pelo
mundo: o Romantismo.
Enquanto estilo de época ou movimento cultural, o Romantismo pode ser
associado à Revolução Francesa, em 1789, e também à ascensão da burguesia e do
liberalismo. Após a Revolução, nota-se o crescimento econômico burguês, que
vagarosamente assume o lugar da antiga classe dominante, a aristocracia, que dominava
a economia e as artes de modo geral. Tudo seguia de acordo com o que fora estipulado
pela nobreza. Portanto, com essa mudança, afirma-se que o Romantismo foi um
movimento tipicamente burguês, já que este, aos poucos, tomou o poder.
Outra revolução que podemos atrelar a este período é a Revolução Industrial,
iniciada na Inglaterra por volta de 1760, por meio da aplicação de maquinaria mecânica
às indústrias. Diante deste quadro de mudanças que abalariam a estrutura político-
cultural da Europa, há um progressivo desenvolvimento do homem europeu embalado
pela crescente burguesia, que teria forte papel nas transformações do antigo sistema. A
18
burguesia iniciou uma nova etapa tornando o comércio de livre acesso, não se
intrometendo no mercado econômico.
O período do Romantismo é fruto de dois grandes acontecimentos na
história da humanidade, ou seja, a Revolução Francesa e suas derivações, e
a Revolução industrial. As duas revoluções provocaram e geraram novos
processos, desencadeando forças que resultaram na formação da sociedade
moderna, moldando em grande parte os seus ideais (sociais).
(GUINSBURG, 2005, p.24)
Se antes o Classicismo era dominado pela força da aristocracia, o Romantismo
seria liderado pela classe burguesa, que apresentava valores distintos da anterior. Com a
vigência de uma nova ordem, o liberalismo ganhou forças, à medida que apontava para
a valorização do indivíduo e a capacidade geradora de cada um. Logo, estaria neste
ponto um dos fundamentos deste período, anunciando que era livre a qualquer pessoa o
poder e a habilidade de criar, tanto na arte quanto na literatura, e que não estava mais
reservados a uma pequena elite a produção intelectual como era feito antes.
Com a ascensão da burguesia, a arte passou a ser vista com novos olhares, o
artista entendeu, a partir desta mudança, que o burguês era o detentor do dinheiro para
financiar suas obras. No entanto, essa mesma classe carecia de cultura e de mais
conhecimento no campo das artes. Foi então preciso que houvesse uma transformação
cultural que acompanhasse esse momento, assim como estava acontecendo no âmbito
político.
O século XIX havia sido marcado pela chegada de princípios liberais da
burguesia, que permitiram a livre concorrência entre os indivíduos, sem que o Estado
interviesse na produção e, também, permitiu oportunidades iguais para as pessoas, sem
que uma classe social prevalecesse em relação à outra. Desta maneira, o Romantismo se
constituiu no movimento que trazia liberdade de expressão para os poetas e grandes
19
pensadores, como também lhes concedia o direito de criação. Assim modificam,
vagarosamente, o padrão clássico introduzindo novas formas guiadas por sua própria
inspiração.
Diante disto, constatamos os motivos que permitiram a concepção de um novo
padrão estético, que revolucionou o século XIX. Esse novo estilo pretendia mostrar à
velha aristocracia que, apesar de não possuir “sangue azul” ou uma linhagem de estirpe,
poderia compensar essas faltas com um novo padrão de beleza, no qual os próprios
burgueses poderiam ser identificados. Segundo J. Guinsburg,
É como se tudo o que foi criado nos últimos duzentos anos, obra de
literatura, pintura, teatro, escultura, arquitetura, houvesse surgido do
confronto e da união com este “espírito” mágico, que, buscando as esferas
mais profundas do homem, reptou o consagrado, o estabelecido, o
modelado aparentemente desde e para todo o sempre, efetuando uma
revolução fundamental na conceituação e na realização de todas as artes,
mesmo daquelas que não sentiram ou expressaram de modo imediato ou
feliz os efeitos da fermentação romântica. (GUINSBURG, 2005, p.13)
Acompanhando as tendências mundiais, o Brasil sofreu grandes mudanças
políticas que marcaram a primeira metade do século XIX. Uma dessas transformações
mais significativas foi a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, que
desembocou na elevação do Brasil à categoria de Reino, em 1816, e determinou,
conseqüentemente, a abertura dos portos às nações amigas. Por meio da transferência da
família real para o Brasil, no período de menos de cinqüenta anos tem-se a
independência do país, em 1822, o primeiro reinado até 1831, o período de regência
entre 1831 a 1840 e o início do segundo reinado, que por fim se estendeu até 1889,
quando foi proclamada a república no Brasil.
Tais transformações favoreceram o país em alguns aspectos, como a criação de
escolas, museus, bibliotecas, juntamente com a circulação regular de jornais e revistas,
20
graças à criação da Imprensa Nacional. A vida cultural do Brasil se alterou
completamente neste aspecto, pois acabou gerando a capital intelectual do país, de onde
se desenvolvia a imprensa e se ampliava o público leitor.
Com a independência da nação, o Romantismo foi ganhando forças e, com isso,
podemos afirmar que o movimento romântico brasileiro coincidiu com o momento
decisivo de formação da nacionalidade. Para Antonio Candido, é graças a dois fatores
importantes, como a independência política e o Romantismo, que alguns países vêm
expressando na arte uma nova visão de realidade, tanto individual, quanto social e
natural.
Manteve-se durante todo o Romantismo este senso de dever patriótico, que
levava os escritores não apenas a cantar a sua terra, mas considerar as suas
próprias obras contribuição ao progresso. Construir uma “literatura
nacional” é afã, quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se
tornar enfadonha. (CANDIDO, 2007, p.10)
Devido às condições específicas do país, o Romantismo no Brasil apresenta,
além de alguns pontos em comum com o europeu, outros elementos próprios, que
resultam da adaptação à realidade brasileira. Esse movimento se adequou ao estilo
cultural do Brasil, por isso apresentou muitas características e gerações distintas uma
das outras. “Já disse alguém que houve tantos romantismos quanto românticos, o que
seria, por outro lado, a máxima concretização do Romantismo no seu caráter
individualista
4
.”
Tais “romantismos” podem ser configurados nas diferentes gerações românticas,
pois há uma grande diferença entre a poesia feita no início do Romantismo brasileiro e a
que surgiu no final do mesmo período. A fim de marcar os limites desta dissertação,
concentrar-nos-emos no eixo central pertencente ao poeta em questão, Álvares de
4
CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007, p.14.
21
Azevedo. Portanto, indicaremos os temas pertinentes que se incluem em sua geração:
ultra-romântica.
22
2.2 A segunda geração romântica
Antonio Candido em sua obra de referência Formação da literatura brasileira
identificou os poetas da segunda geração romântica como os dotados de máscaras, pois
as assumiam mudando ao prazer de suas próprias sugestões. Ora vestiam a máscara de
devassos, ora a máscara da loucura, embriaguez, que por vezes cediam lugar às
máscaras da ingenuidade e sensibilidade ao amar. Tal nomenclatura se harmoniza
perfeitamente aos poetas que se encontravam embevecidos pelo mal do século.
A segunda geração romântica caracteriza-se pelo exagero do subjetivismo e pelo
excesso de emocionalismo, como o tédio, a melancolia, o devaneio, o sonho, e o forte
desejo de morte. Esse clima pessimista e a tendência ao ceticismo literário podem
encontrar-se nos livros do poeta inglês Lord Byron e do francês Alfred Musset, os quais
serviram de modelo ao poeta Álvares de Azevedo, cada qual com sua especificidade,
para a criação de um estilo literário brasileiro em que se constituiu o ultra-romantismo.
Os poetas brasileiros vestiram a máscara de sofredores e amantes insatisfeitos. E, tão
logo não realizados, buscavam, na vida boêmia e na transgressão, a realização de seus
desejos amorosos com mulheres, nas noites de São Paulo.
Os jovens poetas, desde 1850, versejavam sobre sentimentalismo e acreditavam
que estavam fazendo uma forma de literatura diferenciada porque se norteavam pelo
amor exacerbado. Buscavam mostrar ao leitor que eram dotados de pathos, portanto
tinham seu lirismo voltado para o próprio coração. Seguiram uma tendência diferente,
não mais exaltavam o patriotismo, como o que fizeram Gonçalves de Magalhães e
Gonçalves Dias. Os projetores e responsáveis pela introdução do romantismo brasileiro
planejaram uma espécie de renovação no aspecto literário, de forma a produzir uma
23
literatura que fosse tipicamente nacional. Esta deveria assumir de maneira fiel a
realidade da cor local. Os primeiros românticos brasileiros, influenciados pela
independência do país, acreditavam que poderiam libertar a literatura das influências
portuguesas.
Uma vez que o índio não era o tema eleito de seus interesses da segunda
geração romântica, pois acreditavam que somente isso não seria capaz de caracterizar a
nossa literatura como “literatura nacional”. Não propagavam a cor local, mas buscaram
fazer uma poesia de cunho universal, mas que ao mesmo tempo contribuísse para a
grandeza da nação, já que consideram o Romantismo como dever patriótico.
Aos poucos, o Romantismo se constituiu como a expressão máxima de
sentimentalismo, em que a poesia despoja-se dos temas comemorativos para unir-se ao
tema lírico. Segundo Antonio Candido, “lírica no sentido mais restrito, de manifestação
puramente pessoal, de estado d’alma, sob a égide do sentimento mais que da
inteligência ou do engenho” (2007, p.333). A valorização das emoções pessoais
constitui uma das motivações dos poetas, pois o mundo interior é o que conta no
momento da produção dos poemas.
À medida que o poeta volta-se para o eu, para o individualismo, perde-se a
noção do coletivo. A constante valorização do eu produz o egocentrismo, como se todos
os problemas se concentrassem apenas na vida do poeta. Ao se pôr no centro do
universo, era evidente que havia um choque entre a realidade do mundo e a fantasia de
seus sonhos. Logo, a percepção de que sua vida era ilusão, e eles recorriam ao
escapismo como forma de sublimar a realidade tão cruel.
O romântico se sente um ser fragmentado em seu tempo e em seu espaço, no
qual acaba perdendo sua individualidade. Em decorrência disso, há um forte conflito
24
que o conduz para a dor e para a frustração. Esse estado de espírito faz com que o poeta
busque a evasão e a solidão. Rapidamente, toma gosto pelo sofrimento e pela
melancolia, sua busca final será a morte como solução definitiva para o tédio que se
instaurou em sua vida. Essa evasão é denominada “mal do século”, vivenciada
sobretudo por jovens poetas da Faculdade de Direito de São Paulo, na década de 1850,
que morriam antes de terminar a juventude e de concluírem seus estudos. Essa é a
geração que também exaltou o satanismo e o ceticismo, fruto das influências de Byron,
na qual temos Álvares de Azevedo como a “mais sonora e autêntica voz do byronismo
no Brasil”.
Já na Faculdade de Direito, em São Paulo, Álvares de Azevedo convive com
jovens poetas sedentos por literatura, e funda um grupo literário homogêneo, cujos
membros, entre outras coisas, escreviam seus poemas e os divulgavam uns para os
outros. Neste meio tempo, Azevedo dedicou-se profundamente à leitura das obras de
Byron, recebendo deste grande influência para a produção de sua obra poética. A partir
desta reunião, por volta de 1860, o número de revistas e periódicos em que se
publicavam os poemas dos estudantes crescia consideravelmente. As sociedades, das
quais participavam os jovens, também caracterizavam suas tendências e indicavam a
adoção de uma determinada filosofia literária.
Muitos destes poetas, na verdade, tinham como objetivo principal a busca pela
glória literária, com isso, escreviam desesperada e desregradamente, a fim de alcançar o
status literário na sociedade. Por tal motivo, poetas como Azevedo, em tão pouco
tempo, possuíam uma vasta produção poética, tendo em consideração o tempo em que
foram produzidas.
25
Além da produção intensa, muitos jovens deste período buscavam sempre
demonstrar que estavam imbuídos de inspiração incomum, que estavam plenos de
originalidade. No entanto, sabe-se que muito do que foi escrito neste período era pura
influência dos europeus, fruto de uma intensa atividade intelectual. Enquanto pregavam
um sentimento verdadeiro, na verdade, estavam apenas traduzindo ou parodiando os
poetas clássicos.
Ao seguir as tendências de Byron, os poetas nacionais seguiam artificialmente o
aspecto boêmio, cuja experiência de vida constitui fonte de inspiração poética, de
acordo com o fundamento que coloca a vida à disposição da literatura. Para eles,
versejar sobre este tipo de poesia era mais que necessário, era viver de acordo com o
que pregavam. Uma fusão entre vida e literatura. Segundo Cilaine Alves,
Se a poesia romântica deve ser a expressão da sensibilidade do gênio, se
esta prevalecer sobre a razão e se a emoção deve ser a todo momento
excitada a fim de liberar a imaginação, o poeta deve sofrer as experiências
possíveis a fim de encontrar as condições ideais da criação. (1998, p.106)
Impregnado de egocentrismo, pessimismo, dúvida, desilusão e tédio constante
cabia ao poeta ultra-romântico evadir-se da realidade no tempo, ao retornar à tão
saudosa infância; ou no espaço, em busca de um lugar junto da amada. Ao acordar deste
“sonho”, era desencantado e, aos poucos, percebia que a vida era vazia e não tinha
significado. O sentimento de morte bate com tanta insistência, a ponto de senti-la por
perto. Tudo o que sonhara diluía-se em fragmentos de uma ilusão perdida. Os planos
destruídos, os desejos não realizados vagarosamente definham o poeta.
A corrente subjetivista e boêmia disseminou que a atitude romântica é pessoal e
muito íntima. É um mundo que, ao ser exteriorizado, leva consigo todas as vísceras de
um poeta apaixonado. É, antes de tudo, um estado da alma, em que o jovem romântico
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escrevia versos sobre o que realmente sentia. Apesar disso, essa visão foi fortemente
criticada posteriormente, pela forma fingida com que os poetas românticos, mais
precisamente, ultra-românticos, se mostravam. A idéia que eles traziam era a de que
somente com o advento do Romantismo o verdadeiro sentimento fluiria nos corações
dos poetas.
Segundo Afrânio Coutinho,
a partir do conceito de que a poesia se origina no coração, onde reside a
suprema fonte, e de que à arte cabe apenas a operação de fazer versos, o
Romantismo reduz toda poesia ao lirismo, como a forma natural e
primitiva, oriunda da sensibilidade e da imaginação individuais, da paixão e
do amor. (COUTINHO, 1975, p.149)
Álvares de Azevedo foi ultra-romântico porque toda sua obra serve como
exemplo para as tendências desse tempo. Aos seus seguidores, ele serviu como
parâmetro nos versos românticos, inspirou outros jovens a morrer de amor ou morrer
por amor. Ainda assim, transpirou Byron em seus versos, trazendo o satanismo e outras
tantas histórias macabras, de paixões totalmente impossíveis, como desejou a morte
tanto como o amor, e foi considerado pelos críticos como o poeta da morte.
Como movimento de adolescência, o Romantismo apresentou em seus principais
escritores as oscilações de jovens indecisos e divididos em relação à sua personalidade.
Logo, não tinham ao certo decisões tomadas, pois ainda estavam envolvidos de uma
aura infanto-juvenil repleta de desejos e infinitas possibilidades. A realidade ainda não
era segura. Por conseguinte, a personalidade ambígua permitiu que sua própria
produção poética fosse pelo mesmo matiz, não que as condições exteriores fomentassem
essa situação, mas no que diz respeito a sua própria natureza contraditória, isto é, uma
visão interior confusa do jovem poeta.
27
Portanto, a geração de poetas que pertenceram à mesma sociedade de Álvares de
Azevedo primou pelo individualismo dramático envolto a diversidades do espírito, ou
seja, os poetas apresentavam uma lírica de forte paixão, como também se entregavam ao
pessimismo por não alcançarem sucesso nas investidas amorosas. Tomado pela
influência dos poetas estrangeiros como Byron, seus versos traziam amargor irônico,
paixões violentas e anseios de revolta que transbordavam também naqueles poetas que
fizeram o ultra-romantismo circular em suas veias.
28
3. O amor ultra-romântico
“Meu Deus! ninguém me amou!” Álvares de Azevedo
Ao analisar a poética de Álvares de Azevedo, depreendem-se alguns fatores
importantes para serem observados minuciosamente, visto que se trata de uma obra em
que é apresentado um eu-lírico desdobrado em sua concepção ultra-romântica. Essa
visão multiperspectivada atua na obra Lira dos vinte anos de modo a produzir um livro
que se projeta sobre dois planos completamente distintos, mas, que ao mesmo tempo,
operam em certa sintonia contraditória, em que o leitor se encontra diante de uma
grande questão criada pelo próprio poeta: morrer de amor ou fumar um charuto?
A presença da dubiedade provoca ao estudioso da obra ou a um simples leitor
uma grande dúvida em relação ao sujeito da enunciação nos diversos poemas de Álvares
de Azevedo: é possível que haja dois poetas diferentes, o romântico e o irônico? Ou o
poeta ostenta múltiplas máscaras? Vê-se que a obra divide-se em duas partes, quanto ao
seu conteúdo, todavia a divisão formal a distribui em três partes. Sabe-se, que enquanto
vivo, Álvares de Azevedo não havia publicado nenhuma obra, mas a preparou, para cuja
edição escrevera dois prefácios, referentes à primeira e à segunda partes.
Em relação aos textos da poesia de Azevedo, faltam manuscritos. A primeira
edição das Obras foi organizada por seu amigo e primo, Domingos Jaci Monteiro.
Coube a ele a grande responsabilidade de, na primeira edição, entender a própria letra
do poeta, além de acrescentar alguma pontuação, corrigir erros e preparar as partes da
obra.
O problema surge com a publicação da 2ª edição, pois não se sabe, ao certo, se
Álvares de Azevedo desejara publicar algo além da primeira e da segunda parte da Lira,
29
isto é, se desejava acrescentar outros poemas. Segundo informa Jaci Monteiro, em nota
no 1º volume, em 1853,
A essa coleção de poesias, que no começo compreendia somente a primeira
parte, dera o autor o título de – Brasileiras –; chamou depois – Folhas
secas da mocidade de um sonhador –; não se tendo realizado a publicação
projetada com o título – As três liras – de que damos notícia no discurso
biográfico, chamou então essa coleção – Lira dos vinte anos de um
trovador sem nome –, dando simplesmente a denominação de – Lira dos
vinte anos – à 2ª parte que colecionou depois: pelo que conservamos esta
denominação. (2002, p.25)
Logo, como o projeto As três liras, obra em conjunto com seus contemporâneos
da Faculdade de Direito de São Paulo, Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa, não
prosseguiu, Jaci Monteiro adotou para o conjunto destes poemas de Álvares de
Azevedo, o título referente à segunda parte, que assim denominou Lira dos vinte anos.
De acordo com Sacramento Blake, Jaci Monteiro tinha-se prestado a organizar e
publicar a 2ª edição da obra completa de Álvares de Azevedo, acrescentando os
inéditos. Todavia, em 1861, o pai de Álvares de Azevedo vendeu toda sua coleção ao
editor da Garnier e denominou a editora como detentora do direito de propriedade das
Obras, a primeira que o próprio Jaci Monteiro organizara. Com isso, ele não teve como
revisar a parte inédita, salvo alguns discursos e poesias por conta da morte do poeta.
Diante desta confusão editorial, a obra azevediana teve algumas complicações
em diversos pontos. A parte que foi denominada de “Continuação” da Lira veio a lume
sem a devida revisão de Jaci Monteiro e ainda trouxe transtornos à edição. A Garnier,
apenas com propósito mercantil, acrescentou outros poemas inéditos à Lira, sem ao
menos rever o planejamento deixado pelo próprio poeta, e, também, sem a devida
revisão feita por um editor que conhecia os interesses do poeta, enquanto vivo. Será que
era esse o desejo do poeta, juntar diversas outras poesias em apenas um volume? Ou
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Álvares de Azevedo pretendia seguir um novo projeto literário com os poemas inéditos
não organizados na 1ª edição denominada de Lira dos vinte anos? Conforme Péricles
Ramos,
Temos assim que a 1ª parte da Lira são as poesias com as quais Álvares de
Azevedo tencionava participar nas Três Liras, sem acréscimos posteriores
que o poeta parecia querer fazer-lhe; a 2ª parte é a que o poeta colecionou
depois, não mais com o título de Lira dos vinte anos de um trovador sem
nome, que esboçara na 1ª parte, mas simplificando-o para Lira dos vinte
anos. Não sabemos quais os poemas que Álvares de Azevedo tencionava
acrescentar à primeira parte, mas o desejo de publicar mais poesias do que
aquelas que figuram na 1ª e na 2ª parte da Lira legitima a publicação das
Diversas, no 1º volume da príncipe, e da “Continuação” no 3º volume da 2ª
edição. (2002, p. 26).
Da segunda para a terceira edição, organizada pela Garnier, não há grandes
modificações, salvo o formato e a paginação de algumas folhas do terceiro volume. No
entanto, ainda não eram tão confiáveis quanto a 1ª edição organizada por Jaci Monteiro.
Já a quarta edição, apresenta um diferencial, em relação às outras. Esta foi preparada
por Joaquim Norberto de Sousa Silva, que trouxe algumas inovações presentes até os
dias de hoje. No segundo volume de Obras, imprimiu a Lira dos vinte anos divida em
três partes, ou seja, inseriu como terceira parte a que foi denominada na 2ª e na 3ª
edição de “Continuação”, incluída no volume III. Também acrescentou os prefácios da
referida obra.
Sendo assim, atualmente temos a primeira, que compreende os elementos que
circunscrevem a ideologia apregoada pelo ultra-romantismo, como o amor exacerbado,
o eterno anseio de morte, a busca incessante pela subjetividade, entre outros fatores. E a
segunda parte abrange a desestruturação do ideal romântico, permeado de novas noções
que vão de encontro a tudo o que tinha sido apresentado anteriormente. Ou seja, ocorre
31
uma inversão de valores em que se pauta como ponto fundamental o riso e o escárnio,
de modo a negar os ideais do amor.
Em ambas as partes, tanto na primeira quanto na terceira, a voz do eu-lírico se
propaga nos seus discursos com tons de exagero, o amor é levado ao extremo, enquanto
que na segunda parte, o mesmo é jogado por terra. São dois conjuntos que se opõem,
visto que adotam caminhos opostos, o primeiro segue fidedignamente o cânone
anunciado pelos ideais românticos. O segundo renuncia à exigência, para fazer algo
mais criativo: inovar.
O sujeito da enunciação aborda o sublime e o grotesco, mostrando que a
primeira parte não se destaca sobre a segunda, pois o amor é exaltado em ambas as
partes. Percebe-se que há uma forte presença da dubiedade, que caracteriza um jovem
nas descobertas do amor, ora ele o deseja, ora o repugna. Tão instável é assim sua mente
quanto sua obra.
Mesmo apresentando uma espécie de amor juvenil, Álvares de Azevedo é
considerado como a primeira afirmação notável do individualismo romântico. Suas
idéias introspectivas, oriundas de suas leituras avançadas, representam a liberdade de
espírito em que se encontrou, teve a ousadia de inovar a perspectiva literária não
seguindo modelos da tradição portuguesa. Ao contrário, desprendeu-se dela como um
forte anseio de independência, um grito de libertação dos padrões estabelecidos. Sua
alma adolescente quis expressar seus pensamentos, não importava se eles estavam
dentro dos moldes clássicos ou não. Seu êxtase foi tanto, que toda sua produção poética
se concentrou em pouco mais de três anos e meio de vida.
A questão amorosa na Lira dos vinte anos aponta para a produção de um padrão
estético-literário que caracteriza o ultra-romantismo. Álvares de Azevedo foi o seu
32
maior representante, levando a pulsação do amor até as últimas batidas da morte. Tão
proclamado em suas poesias, o amor também foi fonte de motivação para sofrimento e
frustração. Sentimento que ora elevava o desejo de felicidade com a mulher desejada,
ora era a certeza da entrega ao destino fatal. A poesia, para ele, se mostrava sentimental
e altamente subjetiva, como não havia sido feito anteriormente entre nossos poetas, as
íntimas sensações e o forte anseio de amar desenhavam-lhe no coração e em seus belos
versos. Segundo Coutinho, “o amor era produto apenas de uma imaginação voluptuosa e
incontestável...” (1997, p.141).
A partir desse sistema dual, que abrange as duas partes explícitas da Lira dos
vinte anos, percebe-se que o primeiro ideal corresponde à demonstração daquilo que é
divino, cujo foco é o eu, configurando o lírico. E o outro ponto se depara com a finitude
da vida, em que o plano ideológico não se concentra mais na figura do eu, mas sim do
mundo. O sujeito lírico modifica o tom poético, à medida que altera o próprio modo de
conceber a poesia.
Álvares de Azevedo instaurou novos protótipos na poesia brasileira, pois não
acompanhou o modelo determinado pelos padrões do Romantismo, como tinha sido
feito por Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias. A temática seguida por Azevedo
trazia uma nova perspectiva na poesia, cada vez mais subjetiva e individualista. O poeta,
atormentado em seu tempo e em seu lugar, trazia em suas composições todas as
angústias que um jovem sentiu em relação à vida, o ambiente sombrio e tristonho não
passava despercebido nas linhas de seus poemas. O clima do mal do século permeia sua
principal obra literária, ressaltando as atitudes céticas e ultra-românticas.
A segunda geração trouxe à poesia nacional um olhar diferenciado para o amor,
isento de qualquer resquício que delimitasse o espaço e o tempo, já que propunha uma
33
poesia de cunho universalista. Álvares de Azevedo faz uma poesia de caráter
universalista, diferentemente do que havia sido formulado, que ilustrava o índio como
elemento tipicamente nacional e trazia a fauna e a flora para caracterizar esse ambiente
pouco desbravado. Ao contrário das tendências, Álvares de Azevedo segue seu próprio
caminho e liberta a poesia de quaisquer referências à cor local. Concentra suas idéias no
sujeito, ao tocar em seus pontos emotivos, como o amor, o tédio, o sonho, o devaneio, a
melancolia, o erotismo, até atingir o ápice da morte.
Uma teoria sobre o amor
Como falar de amor se há tantas formas de expressá-lo? Como representá-lo na
poesia, quando se acredita que o poeta está imbuído de tal sentimento? São
questionamentos feitos à procura de respostas ocultas ou difíceis de serem encontradas.
Ao pesquisar o amor na literatura, especificamente no período romântico, entra-se em
um campo minado que pode levar o leitor a aceitar a sinceridade pregada pelos poetas
ou a desacreditar toda forma de sentimento dita como verdadeira, porém sabe-se que
todos os outros também falaram de amor, porém de forma diferenciada.
O amor foi cantado no Romantismo brasileiro de diversas maneiras, inclusive na
poesia de um jovem, que escreveu assiduamente até a morte: Álvares de Azevedo.
Segundo Alfredo Bosi, “ele foi o escritor mais bem dotado de sua geração.” (2004,
p.110) Álvares de Azevedo destacou-se em seu tempo por vários motivos; um dos que
chamam a nossa atenção é a maneira como conseguia produzir poemas tão belos e tão
díspares. Ao mesmo tempo em que cantou o amor, cantou a morte, cantou a virgem,
como também cantou a lavadeira. Cantou os versos de Goethe, mas não deixou de
cantar o charuto e o cognac.
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Esse cantar tão variado e similarmente coeso atrai os leitores a desvendar esse
universo de múltiplas cores e formas, caracterizando uma poesia rica em seu sentido
pleno. Ao abordar o tema do amor, torna-se imprescindível estudar a poética de Álvares
de Azevedo, pois nela observa-se o zelo com a criação literária, declarando-se
apaixonadamente. Apresentamos as diferentes formas de amor cantadas pelo poeta na
Lira dos vinte anos.
Como o objetivo é demarcar o campo do amor na poesia de Álvares de Azevedo,
far-se-á então, uma divisão do modo como é apresentado na Lira dos vinte anos, de
maneira a demonstrar um estudo temático desta questão. Para isso, recorreremos à visão
de alguns teóricos para apontar uma diferenciação e uma proposta de compreensão
sobre o amor.
Partindo a investigação do mito, voltemos à Grécia Clássica com o “filósofo do
amor”, Platão, para explicar a origem do amor. Em O Banquete de Platão, tem-se a
narrativa feita por Apolodoro a alguns amigos, do que ouvira sobre o banquete de
Ágaton. Neste banquete, ocorre a reunião de alguns convivas que decidem louvar e
glorificar Eros; acabam, pois, discutindo sobre a origem do amor. Nesta narração,
merece destaque a fala de alguns dos presentes, como a de Aristófanes e a de Sócrates,
cada um explicita, à sua maneira, a origem do amor.
Fedro é o primeiro a discursar e afirma que Eros não teve pai, nem mãe, e teve
seu surgimento depois de Caos. Declara que só o amor é capaz de orientar os homens a
viver uma vida honesta, pois Eros inspira coragem a seus adeptos. Fedro afirma ainda
que Eros é capaz de fazer alguém morrer por amor e menciona alguns exemplos míticos
a fim de confirmar seu discurso.
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Assim que termina sua exposição, logo é contestado por outros presentes à mesa.
O discurso de Aristófanes merece destaque, pois ele apresenta como base para louvar
Eros sua formação comediógrafa e, por isso, acaba criando uma narração curiosa para
os membros do banquete. Segundo ele, havia três sexos humanos: o masculino, o
feminino e o andrógino, que era composto ao mesmo tempo dos dois primeiros. O
andrógino possuía formas arredondadas, com quatro mãos, duas faces semelhantes
sobre um pescoço redondo, quatro orelhas e dois órgãos de geração.
Destes três sexos, cada um seguia um deus e os andróginos eram descendentes
de Selene (Lua). Como estes resolveram atacar os deuses, Zeus decidiu castigá-los,
cortando-os em duas partes. Assim, depois de mutilados, Apolo os restaurou e cada um
se pôs a procurar sua outra metade. Quando se encontravam, abraçavam-se e queriam se
unir para sempre. Outros, no entanto, morriam desanimados. Zeus, compadecendo-se
daquela situação, colocou os órgãos genitais na frente, a fim de procriarem e, assim, ele
estabeleceu a geração envolvendo o homem e a mulher.
O comediógrafo afirma ainda que é daí que se origina o amor que as criaturas
sentem umas pelas outras, pois esse amor tende a recompor a antiga natureza, fazer de
dois apenas um, visto que cada um é a metade de outro. O amor seria então o desejo de
complementação dessa unidade.
Já o discurso de Sócrates traz a lume a fala de uma mulher estrangeira e culta,
chamada Diotima, que detém o conhecimento e é transmitido sob a fala do próprio
Sócrates. Ela desconstrói os discursos até então pronunciados e levanta novos
questionamentos acerca de Eros. Destaca-se diferentemente dos outros ao afirmar que
Eros não é um deus, e sim meio-termo, entre mortal e imortal. Segundo Platão, Diotima
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diz “seu lugar é entre os dois, e por isso preenche o vazio que há entre uns e outros. É o
liame que une Todo a si mesmo” (p.143).
Baseado nesta apresentação de Diotima pode-se dizer que há uma semelhança
entre o discurso pronunciado por Aristófanes e o discurso dela, visto que há uma
necessidade de complementariedade em ambas as partes. A narração feita pelo
comediógrafo ressalta, mesmo que de forma grotesca, a necessidade que as almas têm
de se unirem, o desejo eterno da fusão no outro. Diotima não prega nada de diferente,
apenas diz que Eros é o desejo de preenchimento do vazio que há entre uns e outros, na
verdade é também uma vontade de complementação.
O nascimento do mito em Diotima ressalta uma tensão entre carência e excesso.
Segundo ela, na ocasião do nascimento de Afrodite, resolveram fazer um grande
banquete, e a este compareceram Poros, a riqueza, e Penia, a pobreza, que se uniram
nos jardins de Zeus. Desta união nasceu Eros, que, devido à sua natureza, ama o que é
belo, mas tem seu próprio fado: é pobre, não é belo, nem delicado, rude, sujo, e vive
sem leito e sem conforto. Devido a todos esses fatores, Eros dirige seu olhar para tudo
aquilo que ele não possui: beleza, braveza e audácia.
O teórico Georges Bataille faz menção às lacunas existentes entre as pessoas,
“entre um ser e outros seres, há um abismo, há uma descontinuidade”(1980, p.14).
Somos seres descontínuos, porque não vemos o outro em nós; somos todos diferentes.
E, por isso, há sempre um vazio entre os seres. O erotismo seria a busca da continuidade
na descontinuidade. Parece controverso, mas o filósofo justifica que se pode sentir a
vertigem desse abismo, que separa os seres. E a forma de senti-lo é por meio da morte,
uma vez que a morte tem o sentido de continuidade dos seres; a reprodução leva à
descontinuidade dos seres.
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Segundo o teórico, há na vida uma passagem do contínuo para o descontínuo e
do descontínuo para o contínuo, como uma relação cíclica que gira para ambos os lados.
A ruptura do cordão umbilical já representa, de certo modo, o início da descontinuidade,
pois ali havia uma ligação perfeita, que rompida, sempre tenta se religar. Na
continuidade desaparecem todos os vestígios de diferenças. A reprodução leva à
descontinuidade do ser, mas também ao forte desejo de se continuar no outro.
Ao ilustrarmos esta teoria na poesia azevediana, observamos que a busca pela
continuidade é um forte desejo, quando o sujeito lírico pretende encontrar-se com a
amada mesmo em plano extraterreno. A concretização amorosa é conceituda
transcendentalmente. Como o sentido de morte nos remete à continuidade, vemos um
processo de continuação da vida, já que a morte é relacionada ao nascimento do outro.
O amor ultra-romântico acentua as propriedades do amor. Sua distinção está no
fato de como amar. O amor ultra-romântico convive com a ausência da amada em
quaisquer circunstâncias. Ele não a possui carnalmente, apenas no plano espiritual, e a
partir do momento que o jovem conseguir tocar a mulher amada, não haverá mais este
tipo de amor.
Observemos o fragmento do poema da segunda parte da Lira, “Morena”
É loucura, meu anjo, é loucura
Os amores por anjos... eu sei!
Foram sonhos, foi louca ternura
Esse amor que a teus pés derramei!
(2002, p. 252)
Quando o eu-lírico se dirige à amada pelo epíteto de anjo, notamos dois
aspectos: anjos são seres distantes e possuidores de uma aura espiritual; anjos são
protetores e costumeiramente vivem, segundo as tradições, no céu. Portanto, ao afirmar,
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mais de uma vez, que tudo não passa de loucura, é porque pressente que esse amor não
é possível.
(. . . )
Quando a vida nas dores é morta
Ter amores nos sonhos é crime?
É loucura: eu o sei! Mas que importa?
Ai! morena! és tão bela!... perdi-me!
(. . .)
Morrerei, ó morena, em segredo!
Um perdido na terra sou eu!
Ai! teu sonho não morra tão cedo
Como a vida em meu peito morreu!
(2002, “Morena”, p. 252)
O sujeito da enunciação questiona se é crime sonhar; pode parecer loucura, mas
o amante entende seu sofrimento amoroso. Ele sabe que o amor leva ao delírio e à
perdição. E o poeta quer se perder neste sentimento. O amor, na poesia azevediana, é
um artifício concebido para busca do ideal ultra-romântico, mesmo sabendo que o seu
destino é a morte, vista como uma força de escape para o sofrimento amoroso.
Portanto, podemos inferir que o amor ultra-romântico está presente na Lira dos
vinte anos como uma obsessão de abordar a conquista amorosa. É a busca da
continuidade, presente na figura imagética da mulher. A segunda geração romântica
trouxe à poesia nacional um olhar diferenciado para o amor, pois o exaltou destacando a
subjetividade e a sua busca desenfreada.
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3.1 Uma visão subjetivista da Lira dos vinte anos
A Lira dos vinte anos é a representação máxima do que se projetou como
período ultra-romântico, ocorrido na década de 1850. Esta obra serviu de modelo à
temática do que se projetou sobre este tempo. O devaneio melancólico, mesclado ao
completo delírio desesperado, ofereceu o amargor da frustração amorosa, que contribuiu
para o sujeito lírico encontrar a solução para tais questionamentos apenas na morte.
Álvares de Azevedo canta o amor em seus versos, um amor diferenciado ou mesmo
denominado por muitos como doentio, pois aspirava à morte, que serviu de estímulo e
inspiração para sua produção poética. Até então, nenhum poeta brasileiro havia se
dedicado a cantar a morte com tanta veemência como o jovem Azevedo.
O forte subjetivismo é uma das principais características do ultra-romantismo,
fase da poesia nacional que abrangeu poetas-estudantes nascidos próximo de 1830 e que
na pós-adolescência concentrariam seus ideais no mundo dos sonhos, entregando-se
posteriormente à morte. Esse impulso mórbido pela autodestruição é conseqüência de
sentimentos como a melancolia e o pessimismo, que envolviam os jovens poetas para o
dilaceramento do eu. Cada vez mais os escritores deste período se enclausuravam nas
sombras de um amor impossível, apenas fruto de imagens oníricas. O amor despertava,
na poesia, a imaginação e a possibilidade de realização do desejo, ainda que no plano
pessoal.
Álvares de Azevedo, não conseguindo subtrair os impulsos de um jovem repleto
de desejos e sentimentos confusos, se enredava em seus conflitos existenciais, que por
vezes buscavam a luz do amor, e, em outras, se retraíam entre as trevas da desilusão,
caminhando em direção ao tédio. Segundo Carlos Moraes, em Três fases da poesia,
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no domínio de Eros, Álvares de Azevedo seria um prisioneiro de sua
atmosfera de sonho, onde esvoaçava entre imagens seráficas ou tentadoras.
Se tentasse sair dela num golpe de afoiteza, a realidade lhe infligiria decerto
tremenda decepção. (MORAES, s/d, p. 25)
No meio de um turbilhão de sentimentos, apontamos pelo sonho como um meio
para a fuga da realidade e o ingresso para a realização de seus desejos. O sonhar mescla
a imaginação flutuante a anseios ardentes e aspirações carnais. E compôs, ao lado do
amor e da morte, um dos temas dominantes na poesia de Álvares de Azevedo, pois era
por meio do sonho que o sujeito amoroso se realizava amorosamente. Era visto como
sinônimo de devaneio e fantasia, possibilitava aos poetas ultra-românticos fantasiar a
realização sexual, através do qual podiam satisfazer o desejo carnal e se encantar pela
imagem etérea da mulher.
Ao sonhar, o poeta se torna um espectador de si mesmo, pois nos mostra sua
vida sentimental, expondo seus pensamentos mais ocultos, e se aprisiona na atmosfera
onírica, dependendo dela para sobreviver, porque a partir do momento em que a
realidade surge, ele sabe que não tem nada em suas mãos e que tudo não passa de
ilusão.
Como o poeta era apenas uma projeção de uma alma ferida e atingida
mortalmente pelo mal do século, o culto do sonho impossibilitou-o de sofrer ainda mais,
isso porque sua imaginação o estimulava a seguir pelo vazio de uma experiência
vertiginosa. A realidade exterior não lhe interessava, logo imputou que não havia outra
saída a não ser voltar-se para si mesmo, numa projeção interior através de uma realidade
introspectiva.
Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
41
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! Por que não morri?
Por que do sonho acordei?
(PC, 2002, “O poeta”, p.68)
O sonho foi o meio encontrado pelos poetas desta geração para não encararem a
realidade, a certeza do fado os levava a um mundo de um reino infinito, onde tudo é
permitido e possível no plano das idéias. O corpo é desmaterializado e inacessível, não
há como tocar, não há como estabelecer posse. O poeta não quer acordar do sonho
porque ele sabe que, a partir do momento em que abrir os olhos, seu desejo erótico se
esvairá como uma brisa que passou. É como se o despertar do sonho acarretasse dor e
sofrimento. O sono se compara, em determinados momentos, à morte, pois tal estado
era uma passagem para os impulsos fantasiosos.
Diante disso, apontamos para aquele que é o sentido para o poeta escrever
diretamente para a mulher desejada. O amor, ao mesmo tempo em que se constitui o
forte desejo de louvá-lo, se mostra revestido de sofrimento e inquietude. O amor é o
sentimento dos contrários, pois o poeta suspirava de amor e por este morria. Ele é a
criação e a destruição. O dia e a noite. O riso e o choro. Morrer de amor era a única
forma de viver por ele, este era o seu destino.
Amoroso palor meu rosto inunda,
Mórbida languidez me banha os olhos,
Ardem sem sono as pálpebras doridas,
Convulsivo tremor meu corpo vibra:
Quanto sofro por ti! Nas longas noites
Adoeço de amor e de desejo
E nos meus sonhos desmaiado passa
A imagem voluptuosa da ventura...
Eu sinto-a de paixão encher a brisa,
Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,
E ela mesma suave descorando
Os alvacentos véus soltar no colo,
Cheirosas flores desparzir sorrindo
42
Da mágica cintura.
Sinto na fronte as pétalas de flores,
Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.
Mas flores e perfumes embriagam,
E no fogo da febre, e em meu delírio
Embebem na minh’alma enamorada
Delicioso veneno.
(. . .)
Meu amor , minha vida, eu sofro tanto!
O fogo de teus olhos me fascina,
O langor de teus olhos me enlanguesce,
Cada suspiro que te abala o seio
Vem no meu peito enlouquecer minh’alma!
Ah! vem, pálida virgem, se tens pena
De quem morre por ti, e morre amando,
Dá vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minha alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tua alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
Sentir as virações do paraíso;
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira,
Que eu posso na tua alma ser ditoso,
Beijar-te nos cabelos soluçando
E nos teu seio ser feliz morrendo!
(PC, 2002, “A T...”, p.82)
O eu-lírico destaca seu sofrimento ao amar tanto, ressalta que cada característica
da mulher provoca-lhe novas sensações, “o fogo” o fascina e “cada suspiro” o
enlouquece. A paixão introduz perturbação e desordem na figura do amado. Trata-se do
início do sofrimento, pois aos poucos o sujeito lírico segue para o instinto de morte: “de
quem morre por ti, e morre amando”. Desta forma, a paixão constitui um “halo da
morte” em torno do desejo de continuidade em permanecer no ser amado.
O amor, juntamente com o erotismo, é uma doação do ser que se perde no outro.
No entanto, essa perda não se resume a algo negativo, pois trata-se de uma dádiva, um
43
presente. Quando um se perde no outro, há uma interpenetração das almas que se
mesclam e ganham uma a outra. Segundo Octavio Paz, “o erotismo é antes de tudo sede
de outridade” (PAZ,1994, p.20). Essa sede de ter o outro constitui a eterna perda, a
vontade de ser o outro constitui também uma forma diferente de amar, pois quando se
ama, busca-se a identidade do amado, ou seja, deseja-se parecer com o outro.
O desejo de “outridade” estabelecido por Paz é perfeitamente relacionado ao
poema nos seguintes versos, “Dá vida em teu alento à minha vida, / Une nos lábios
meus minha alma à tua!”. O eu-lírico pretende fundir-se no ser amado, como um desejo
de transbordamento do eu para ultrapassar os limites da razão. Segundo Angélica
Soares, em A paixão emancipatória, “o desejo de culminação da completude na fusão
com o outro, enquanto fusão, implica um desejo de aniquilamento de si próprio, bem
como do outro” (SOARES, 1999, p.23).
O desejo do eu-lírico consiste em penetrar na vida e na alma do outro ser, isso
pode ser constatado nos determinantes referentes à mulher, que são todos antecipados
pela preposição “em”, observe-se: “na tua alma infantil; na tua fronte”, “nos teus
suspiros”, “que eu posso na tua alma ser ditoso/ beijar-te nos teus cabelos soluçando/ e
no teu seio ser feliz morrendo”. Uma forte referência à perda positiva a que aludimos
anteriormente, quando um ser se perde no outro, as almas estão em busca de sua
continuidade.
O poema “A T...” apresenta versos dedicados a uma mulher, que não podia ser
identificada, pelo contexto social daquele período histórico, em que a vassalagem
amorosa era, por vezes, oculta. Os versos relatam também confidências de um jovem
romântico ansioso e convulsivo em sentir a paixão tocar seu corpo. A poesia era um
44
meio pelo qual os poetas expunham suas idéias íntimas, valorizavam seus sentimentos
mais interiores.
De acordo com Merquior, “no Brasil, ultra-românticos foram os poetas-
estudantes, quase todos falecidos na segunda adolescência, membros de rodas boêmias,
dilacerados entre um erotismo lânguido e o sarcasmo obsceno” (MERQUIOR, 1977,
p.73). A vida era curta e intensa, muitos jovens seguiam essa tendência de se entregar às
orgias e à vida airada. Ao seguir o cognac e o charuto, o jovem se rebelava contra a
sociedade burguesa, ao mesmo tempo em que copiava as idéias byronianas. Tais idéias
levaram jovens como Álvares de Azevedo a buscar o amor além-túmulo.
Álvares de Azevedo deixou para o legado da literatura brasileira imagens de uma
espécie de paisagem amorosa velada, que ocultava a melancolia, a amargura e uma
visão de mundo que estivesse longe do ideal. O desânimo também era uma forma de
auto-punição, em que a dor prevalecia no coração e aos poucos se destinava ao
definhamento moral e, conseqüentemente, físico.
No momento que os poetas se entregavam ao auto-aniquilamento seguiam
(conscientemente ou não) a tendência ao devaneio e à fantasia. O mal do século
propiciava a criação de um ambiente paralelo ao real, onde o jovem escritor se
encontrava com seu amor idealizado no mundo ilusório. Segundo Angélica Soares, em
Ressonâncias veladas da Lira, “a busca incessante do sonho, como forma de ‘velar’ a
realidade, deve ser vista antes como encontro que como fuga” (SOARES, 1989, p.47). É
neste encontro que podem atingir o prazer, mesmo que seja no plano onírico. O sonho
era uma possibilidade de eliminar a solidão que tanto atormentava, para se embrenhar
na atração do amor pela mulher desejada.
45
Desta maneira encantatória, o poeta ultra-romântico transforma a dor da solidão
em belos momentos de alegria e contentamento. A desilusão amorosa perde a
negatividade para ganhar a luz da imaginação e do devaneio. Por trás da dor, encontra-
se a mulher doce e formosa, porém a imagem bela e perfeita aparece sempre em um
ambiente ilusório criado pelo sujeito lírico.
A partir da irrealidade, tem-se o choque de duas situações distintas. A primeira é
aquela que aponta para a impossibilidade de concretização do enlace amoroso, e a
segunda corresponde à formação de um ambiente favorável à imaginação do prazer, que
é o sonho. É no sonhar que o poeta realiza tudo o que pode imaginar. Dentro dessas
duas esferas, cria-se a terceira situação, a que denominamos de colisão ou choque. A
descoberta do mundo real, onde os sonhos não são verdadeiros, resulta na melancolia,
pelo qual o amor surge como frustração.
Foi mais uma ilusão! De minha fronte
Rosa que desbotou,
Uma estrela de vida e de futuro
Que riu... e desmaiou!
Meu triste coração, é tempo, dorme,
Dorme no peito meu!
Do último sonho despertei, e n’alma
Tudo! Tudo morreu!
(2002, p. 70)
A rosa da vida perdeu o brilho, a estrela radiante se apagou e o despertar do
sonho mais uma vez se tornou frustração e tristeza. O coração que deveria bater
acordado dorme como se estivesse amortecido pela ilusão. A alma foi entregue ao fim,
onde tudo o que ali se escondia se foi com a morte. O sonhador teve seus desejos
perdidos. A descrença do poeta é conclusiva, pois mata a essência da vida. O coração
dorme e a alma é morta, como viver então?
46
Diante desta terrível constatação, entre a presença do desejo e a impossibilidade
de amar, pois tudo se foi como o vento, o amante se entrega à desilusão, que o leva a
buscar a morte como único modo de o indivíduo libertar-se do peso da vida. Por tal
motivo, Álvares de Azevedo é denominado por muitos como o “poeta da morte” ou o
poeta da solidão, pois foi um legítimo representante da geração do mal do século no
Brasil.
47
3.2 O amor e o sonho
“Sonhou – amou – cantou: em loucos versos
Evaporou a vida absorta em sonhos –”
Álvares de Azevedo
Uma das principais qualidades que caracterizam o espírito romântico é o sonho,
que é responsável pelo anseio de um mundo novo por parte do sonhador. Em vez de
apresentar um mundo conhecido, a terra dos sonhos, em diversos momentos, é
representada em símbolos, mitos, paisagens etéreas e ignotas.
Não deixa de ser também um desejo romântico de fugir da realidade para busca
de um lugar idealizado, formulado à sua imagem, repleta de desejos e emoções. O
impulso da criação poética em Álvares de Azevedo originou uma atividade intensa, que
resultou no seu forte desejo de amar e ser amado.
Seus versos e seus poemas apelam para o amor, mas onde poderia encontrá-lo?
De quais formas poderia conciliá-lo com o ideal romântico? São questionamentos que
nos apontam para a difícil decisão de um adolescente que vivia em pleno
“individualismo dramático”. Segundo Antonio Candido em Formação da literatura
brasileira,
O sonho é nele tão forte quanto a realidade; os mundos imaginários, tão
atuantes quanto o mundo concreto; e a fantasia se torna experiência mais
viva que a experiência, podendo causar tanto sofrimento quanto ela.
(CANDIDO, 2007, p.469)
No plano dos sonhos, na poesia de Azevedo, observam-se alguns pontos
importantes na Lira. Logo no primeiro poema, “No mar”, vê-se que o sonho é o tema
dominante.
Era de noite – dormias,
Do sonho nas melodias,
48
Ao frescor da viração;
Embalada na falua,
Ao frio clarão da lua,
Aos ais do meu coração!
(2002, p.53)
O segundo poema intitulado “Sonhando” deixa claro, também, o tema a ser
abordado. Fica vivo para os leitores de Álvares de Azevedo que o sonho permeia sua
poesia de modo a apresentar a busca de um ideal, que era atingido somente nos sonhos.
Aqui no meu peito vem antes sonhar
Nos longos suspiros do meu coração:
Eu quero em meus lábios teu seio aquentar,
Teu colo, essas faces, e a gélida mão!
Não durmas no mar!
Não durmas assim,
Estátua sem vida,
Tem pena de mim!
(2002, p. 56)
Conforme Cilaine Alves em O belo e o disforme, “o sentimento amoroso de
caráter irrealizável aparece intimamente relacionado com a transferência do ideal a uma
esfera divina onde o sujeito lírico espera encontrar uma donzela que normalmente
simboliza a inocência e a pureza da alma”. (1998, p.84) A estampa da mulher pura é,
constantemente apresentada, dormindo ou em imagens oníricas, ou seja, imaginária.
Isso acontece porque, a partir do instante em que a forma ganha corpo, a figura feminina
torna-se mais distante, visto que se trata de uma imagem retida em sua própria memória.
O sentimento amoroso é conjugado em sonhos, pois era a maneira encontrada
pelo sujeito lírico de vivenciar essa experiência. A imagem da mulher é caracterizada
pela ausência, mas trazida à cena por meio de sua imaginação poética. Em quase todos
os seus poemas, ela aparece em torno dos vocábulos “sonhar”, “enlevo”, “dormir”,
“desmaiar” e até mesmo “morrer”.
Conforme Candido,
49
Se notarmos, a abundância com que se usa o verbo dormir para designar
posse, mas dum modo equívoco, pois o amante ou a amante efetivamente
dormem; ou o recurso do desmaio e desmaiar como expressão da plenitude
amorosa, – veremos que há um substrato remoto a que essas imagens se
reduzem. É por toda a sua obra, uma sensação geral de evanescência, de
passagem do consciente ao inconsciente, do definido ao indefinido, do
concreto ao abstrato, do sólido ao vaporoso (CANDIDO, 2007, p.500).
Álvares de Azevedo foi um dos principais poetas de sua geração na qual o
individualismo apresentou a fisionomia da melancolia, do desespero, do delírio amoroso
e do forte desejo da paixão. Há uma busca de evadir-se em si mesmo, dando mais valor
ao indivíduo do que ao coletivo. Este centramento do eu colabora, de certa forma, para o
medo do outro, daquilo que é desconhecido.
No ensaio “Amor e medo”, Mário de Andrade propõe uma nova leitura dos
poetas românticos brasileiros pela temática do amor e medo. Para ele, o homem
romântico estava propenso à morte e a imagem do rapaz morto não passava de cinismo
dos poetas ultra-românticos, já que todos tendiam ao suicídio. Na realidade, o medo não
estava no amor, mas sim no ato de tocar a mulher.
Todavia, Mário de Andrade apresenta uma obsessão em provar que o jovem
Maneco (apelido carinhoso do poeta Álvares de Azevedo) apresentava “fobia sexual”,
pois segundo ele, o “amor sexual lhe repugnava, e pelas obras que deixou é difícil
reconhecer que tivesse experiência dele” (1978, p.202). Vale ressaltar que o crítico se
respalda na vida pessoal do poeta para justificar o texto literário, utilizando meios a fim
de descaracterizá-lo em sua masculinidade. Busca apresentar algumas evidências
através de cartas e comportamentos do próprio Azevedo, que não atestam sua
veracidade.
Essa posição posteriormente foi muito criticada por diversos autores que
aprofundaram seus estudos na obra de Azevedo, tendo em vista que a visão andradiana
50
se pautou por uma visão psicanalítica, não considerando os fatores históricos e literários
para trabalhar com a visão do feminino na poesia de Álvares de Azevedo. Podemos
afirmar que na obra lírica de Álvares de Azevedo, vêem-se três variações do feminino: a
mulher virgem, vista como imaculada e divinizada; seu oposto, a mulher prostituta e
vulgarizada; e um terceiro tipo, que é retratado como a mulher fria, quase sádica.
Mário de Andrade apresentou apenas os dois primeiros modelos, o da virgem e o
da prostituta, já que se trata de dois modelos inatingíveis, seja pela pureza do primeiro,
ou do desprezo do segundo, que são reais na obra, mas de maneira nenhuma acentuam
que o fato de elas aparecerem sob este “rótulo” apresente sua incapacidade de amar.
É certo que uma das formas mais usadas por Álvares de Azevedo para cantar o
amor em seus poemas foi o sonho, que era usado pelos poetas ultra-românticos para
fugir da realidade em busca de um mundo imaginário ou para idealizar o amor
romântico. Não somente isso, mas outro fator que contribui para a freqüência dos
sonhos na poesia destes jovens românticos é a possibilidade de criarem, nesta atmosfera
mágica, a provável realização de seus desejos.
É uma constante na Lira dos vinte anos a imagem da mulher adormecida,
desmaiada ou até mesmo entregue ao sono profundo. A razão é bem simples, o amor é o
centro dos sentimentos do sujeito lírico e indica o ponto de partida. No entanto, este
sentimento é cercado de sofrimento, insegurança e solidão. E, por isso, o poeta
costumeiramente ama em um universo imaginário, que não existe concretamente, o que
se configura na fantasia dos sonhos ou na própria morte.
A mulher adormecida ou inebriada em seu ambiente onírico assegura-lhe a
aproximação do encontro amoroso, que ocorre sempre à noite, pois enfatiza o clima da
51
investida erótica. O eu-lírico vê na amada dormindo ou sonhando uma segurança para
chegar até ela sem medo do que possa acontecer.
É no momento em que a amada está desacordada que ele ousa tocá-la ou beijá-
la. Por isso, afirmamos que é neste ambiente que há uma grande parte dos poemas que
tratam do amor na Lira. O amor ultra-romântico é um tipo de amor impossibilitado, não
concreto em si mesmo, mas o poeta o faz sentir realizável na atmosfera dos sonhos.
Assim como, para uma criança, o sonhar é a busca de liberdade, para um adolescente de
meados do século XIX era no sonho que o amor podia ser contemplado.
Quando à noite no leito perfumado
Lânguida fronte no sonhar reclinas,
No vapor da ilusão por que te orvalha
Pranto de amor as pálpebras divinas?
E, quando eu te contemplo adormecida
Solto o cabelo no suave leito,
Por que um suspiro tépido ressona
E desmaia suavíssimo em teu peito?
(2002, p.67)
A posse da virgem adormecida aponta para um medo de aproximação, ele
contempla a beleza da jovem dormindo, e em nenhum momento deseja que ela acorde,
pois desta forma poderiam juntos se deleitarem no ninho do amor, mas pelo contrário,
solicita que permaneça dormindo, pois assim continua seu processo de encantamento.
Virgem do meu amor, o beijo a furto
Que pouso em tua face adormecida
Não te lembra no peito os meus amores
E a febre do sonhar de minha vida?
Dorme, ó anjo, de amor! no teu silêncio
O meu peito se afoga de ternura
E sinto que o porvir não vale um beijo
E o céu um teu suspiro de ventura!
(2002, p.67)
52
O fato de o poema apresentar a disposição de uma mulher dormindo e o poeta a
contemplá-la em paz não implica qualquer forma de incapacidade amorosa ou
anormalidade em seu relacionamento. Segundo Antonio Candido,
a sua obra exprime, com a força ampliadora da arte, a condição normal do
adolescente burguês e sensível em nossa civilização, mais acentuada ou
prolongada em uns do que noutros: a dificuldade inicial de conciliar a idéia
de amor com a de posse física. Sob este aspecto ele é o adolescente,
exprimindo um drama inerente à educação cristã e familiar (CANDIDO,
2007, p.499)
O conflito poeta versus mundo produz uma insatisfação com realidade, que
somente se resolve mediante a fuga, e um dos modos mais recorrentes para a evasão se
dá pelo caminho onírico, pois somente através dele compensa a ausência física da
amada e reforça ainda mais o clichê romântico da inacessibilidade da virgem
5
. O
amante ultra-romântico só beijava as donzelas adormecidas, o que caracteriza como
uma manifestação do medo de amar, não como forma de “fobia sexual” apontada por
Mário de Andrade, mas um medo juvenil, presente em qualquer adolescente como
Álvares de Azevedo. A timidez sexual se complicaria pelo receio de desiludir-se com a
realidade. A divinização da mulher faz com que o amante mantenha certa distância,
evitando aproximação.
As relações oníricas do com as virgens ilusórias lhe asseguravam uma noção de
realidade, ainda que momentaneamente, como se estes surtos fantasiosos fossem
intensamente realizados, não contendo a dificuldade do efêmero. Segundo Carlos
Moraes em “Os sonhos de amor”,
O partido do sonho pelo qual optara Álvares de Azevedo, no amor, não
impedia que ele experimentasse a cada passo a tentação da realidade e o
desejo de evadir-se do seu mundo imaginário. No prefácio da segunda parte
da Lira dos vinte anos, declara ele: “Digam e creiam o que quiserem; - todo
5
BASTOS, Alcmeno. Poesia e estilos de época. 2 ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2004, p. 47.
53
o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa
da bela mulher que amamos”. Parece que ele quis prevenir-se, acautelar-se
contra as nossas conjecturas...(MORAES, s/d, p. 39-40)
A fuga da realidade poematizada por Álvares de Azevedo instaura a imaginação
como ponto de partida, tendo o sonho como ideal, mas desejando ver realizado
completamente o amor. A melancolia e a solidão conduzem o sujeito lírico na direção
da fantasia, uma busca do mundo perfeito. Observemos no poema “C...”
(. . .)
Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar!
Hei de embalar-te... do leito
Seja lâmpada o luar!
Sim – coroemos as noites
Da laranjeira coa flor;
Adormeçamos num templo,
Mas seja o templo do amor.
É doce amar como anjos
Da ventura no himineu:
Minha noiva, ou minha’amante
Vem dormir no peito meu!
Dá-me um beijo – abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
És a minha alma no céu!
(2002, “C...”, p. 103-104)
No fragmento, a postura romântica do enunciador sugere o contato físico
juntamente com o carinho recebido. O ato de soltar os cabelos indica uma atitude
sensual por parte do amante, que aos poucos a prepara para si. O desejo de sonhar no
colo da amada aponta para o lugar do aconchego, um lugar seguro, em que a
reciprocidade do carinho parte dele também. O embalar alude a uma postura materna,
como forte desejo de que ela o ilumine em seus caminhos de trevas.
54
Neste poema, há a idéia de que o eu-lírico queria ter um encontro com a dama
dos sonhos. O poeta era noturno, o que é comum na tendência romântica, era sob a luz
da lua que se ambientava o encontro amoroso, tendo em volta a bela natureza, para
servir de testemunha aos amantes. Nota-se o convite à amada para dormir com ele, com
o intuito de se encontrarem no plano dos sonhos.
Parece que o sonhar também é um atributo que o poeta romântico deveria ter,
pois a celebração de mulheres que se encontravam dormindo era uma forte tendência
apresentada por Musset em Rolla, cuja imagem de Marion dormindo estimulou Álvares
de Azevedo a produzir sua própria versão poética.
A sedução em que o poeta envolve a mulher adormecida e a constante aparição
dela em sua obra realçam o encanto das visões femininas e as tornam ainda mais
desejáveis. Esta imagem está associada, por motivos inexplicáveis, à sua sensibilidade
amorosa e estética, pois é diante desta situação que ele ganha o poder de idealizar.
Observemos no fragmento de “O poeta”,
Era uma noite – eu dormia
E nos meus sonhos revia
As ilusões que sonhei!
E no meu lado senti...
Meu Deus! por que não morri?
Por que do sono acordei?
No meu leito – adormecida,
Palpitante e abatida
A amante de meu amor!
Os cabelos recendendo
Nas minhas faces correndo
Como o luar numa flor!
(. . .)
55
Neste poema, o próprio eu-lírico adentra as cadeias do sonho, e nele imagina a
amada adormecida bela como o luar. Seguindo a tendência de Musset, aponta, aos
poucos, para o sonhar estando acordado.
Não era um sonho mentido;
Meu coração iludido
O sentiu e não sonhou:
E sentiu que se perdia
Numa dor que não sabia...
Nem ao menos a beijou!
(. . .)
E se eu tremendo, senhora,
Viesse pálido agora
Lembrar-vos o sonho meu,
Com a fronte descorada
E com a voz sufocada
Dizer-vos baixo – Sou eu!
(. . .)
(2002, “C...”, p. 68-69)
Vagarosamente, ele vai percebendo que tudo não passou de ilusão, perdeu a
amada sem tê-la beijado. Mas o sonho permitia ultrapassar as barreiras da solidão em
que vivia e, sem dúvida, motivou sua produção poética.
Segundo Hildon Rocha, é “através dos sonhos sem dormir, sonhos como
sinônimo de devaneios e fantasias, em primeiro estágio, e dos sonhos dormindo, [que] o
poeta vivia os seus desejos eróticos, que eram povoados de imagens lúbricas e sensuais,
fortemente excitantes” (1982, p.27). Parece controverso, mas em determinados
momentos o poeta sonha acordado, se imaginando em uma situação amorosa. Mas para
aquele que acredita “que amar é sonhar” não há nada de errado. Sonhar jamais será
equivocado, pois é nele que se configura a imaginação, que flui o poeta, que se entrega
“desmedidamente” ao amor, sem medo das conseqüências.
56
3.3 Do amor à morte
“A minha alma só canta a sepultura” Álvares de Azevedo
A literatura em todo mundo, de um modo geral, mostrou no período romântico a
questão do amor atrelado à morte. O amor foi concebido como um ideal a ser alcançado
nas narrativas e versos românticos. Na Europa, porém, nem todos seguiram esta
tendência. Com o surgimento do movimento romântico na Alemanha, houve uma
reação à tirania da realidade, já que ele se apresentava com marcas da subjetividade e da
emoção.
Em 1774, o escritor alemão Goethe publicou o livro O sofrimento do jovem
Werther, o qual atingiu um grande número de leitores interessados em saber o final
romântico destinado a Carlota e Werther. O romance de amor do jovem que se apaixona
pela noiva do amigo conquista os leitores do mundo inteiro. Como romance epistolar, o
sofrimento é, aos poucos, anunciado no diário, até que diante da dificuldade de
conquistar sua amada, ele decide pelo suicídio.
O romance teve grande repercussão em todo mundo. Calcula-se que, naquele
tempo, só na Alemanha, cerca de trinta mil suicídios tenham sofrido o poder sugestivo
de Werther. A literatura romântica iniciava um ciclo no qual o eu estava propenso a
entregar-se por amor diretamente à morte. Segundo Afrânio Coutinho n’A literatura no
Brasil, “a partir do gesto desesperado de Werther, o Romantismo, na vida real ou na
literatura, foi inundado de suicídios e de mortes” (1997, p. 304).
Álvares de Azevedo foi um poeta que viveu na sombra da morte, mas isso não o
impediu de ligar-se à luz do amor. A vinculação do amor à morte é uma constante no
57
Romantismo, já que o amor romântico encontra na própria morte a forma mais pura de
realização.
(. . .)
Quando eu lia com ela – e no romance
Suspirava melhor ardente nota,
E Jocelyn sonhava com Laurence
Ou Werther se morria por Carlota,
(2002, “Saudades” p.115)
Segundo Hildon Rocha, em Álvares de Azevedo: anjo e demônio do
Romantismo, “Azevedo viveu sob o signo de três potências abstratas: a poesia, o amor e
a morte” (1982, p.68). A força de Eros impulsionava os jovens apaixonados a buscar o
ideal. Realmente, ele deslocava tudo para dentro desta esfera. Será que isto era imanente
em si mesmo ou apenas seguiu a tendência autodestruidora dos românticos alemães?
As opiniões divergem quanto ao fato da sinceridade de seus versos. Machado de
Assis acreditou que “a melancolia de Azevedo era sincera
6
. Logo, sua intuição para a
morte era algo que fazia parte da sua personalidade. E Machado continua
(. . .) não há dúvida nenhuma que a expressão desses versos é sincera e real.
O pressentimento da morte, que Azevedo exprimiu em uma poesia
extremamente popularizada, aparecia de quando em quando em todos os
seus cantos, como um eco interior, menos um desejo que uma profecia. Que
poesia e que sentimento nessas melancólicas estrofes! (1962, p.894).
Antonio Carlos Secchin, em Escritos sobre poesia & alguma ficção, afirma que
Azevedo “vestiu poeticamente a máscara de sofredor e amante infeliz em boa parte dos
poemas de seu mais famoso livro, a Lira dos vinte anos.” (2003, p.127). Sendo um
fingidor ou não, o fato é que o poeta escreveu sobre a morte, viveu-a e esperou por ela.
Amor e morte, duas palavras e dois temas fortes na vida, que sua constante lira cantou
em notas profundas e belas, certo de que atingiria o ponto alto da paixão.
6
ASSIS, Machado. “Álvares de Azevedo: Lira dos vinte anos”. In: Obras completas. Vol. III. Rio de
Janeiro: José Aguilar, 1962, pp. 893.
58
Todavia, não podemos separá-los do sonho, pois ele constitui o mistério suicida
do amor. Para o estado da alma, cujas poéticas são inúmeras, é um mero detalhe morrer
de amor, morrer de ciúme, morrer de saudade, morrer de desejo, morrer sonhando,
morrer em segredo, morrer na esteira, morrer de esperar pela amada, morrer no seu
lânguido olhar, morrer feliz em seu seio, em seus lábios morrer...
7
A morte a que se refere Álvares de Azevedo não era um perecimento físico do
corpo como fez Augusto dos Anjos; é vista como um sentimento, intuição, porque não é
sob a ótica de um ponto negativo. Ela significa uma possiblidade de findar com os
sofrimentos do sujeito lírico. A morte é uma espécie de solução ao sofrimento diante da
inacessibilidade do ser amado e colabora com a tese de que o sentimento amoroso
perfeito é aquele que concentra suas forças em uma dimensão extraterrena.
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Neste soneto, a imagem da mulher se mescla a um clima transcendental, pois há
um forte desejo de atingir a plenitude mítica em outra dimensão, fora do ambiente
terreno. A descrição da amada é feita de modo a explanar características espirituais.
Observam-se os vocábulos “pálida”, “sombria”, “embalsamada”, “entre nuvens” e
“anjo”, que estimulam o leitor do poema a imaginar uma figura indefinida, etérea.
Segundo Wellington de Almeida Santos, “a mulher, segundo essa concepção, seria
destituída de sua condição propriamente terrena e dotada, em contrapartida, de
7
MORAES, Carlos Dante de. “Romantismo, Álvares de Azevedo e o Romantismo”, In: Três fases da
poesia. Ministério da educação e cultura. Cadernos de Leitura. s/d, p. 55.
59
predicados transcendentais que a libertariam da tirania histórica e da corrosão imposta
pelo mundo concreto.”( 1998, p.337). E o poema continua
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
(2002, “Soneto”, p. 92)
Na terceira estrofe, o eu-lírico aponta para uma movimentação da amada por
meio dos verbos no gerúndio, dando uma idéia de circulação, mobilidade. Ocorre uma
mudança do plano espiritual para o material, pois esta estrofe ressalta as formas físicas
da bela como “seio”, “olhos”, “pálpebras”, “formas nuas”. Modificando o tema
indefinido da estrofe anterior, ocorre um processo de materialização do corpo pelo seu
próprio movimento.
Tanto na esfera espiritual como na esfera material, a mulher é inacessível, o que
vem a ser confirmado na última estrofe pela sugestão do eu-lírico, que solicita que a
amada não ria dele. Não ria de seus sofrimentos, não ria de sua incapacidade, já que por
ela velou noites chorando ou mesmo morreu sorrindo. A morte transfere a dor e o
sofrimento para um campo de possibilidade de realização amorosa. Conforme Cilaine
Alves, “possibilita ao sujeito lírico equiparar-se ao plano elevado em que a amada se
encontrar. Pois morrendo, ele se desproverá de sua natureza física e material, adquirirá,
como imagem da mulher amada, uma essência espiritual.” (1998, p.82)
Era por meio da morte que se atingia o sublime, a mulher transcendental e a
realização amorosa. Em diferentes momentos, o eu-lírico teve que morrer em seus
versos para ter a donzela em seus braços, pois era uma forma de evasão da realidade que
60
não queria aceitar. O único acontecimento possível que ambicionava era produzido pela
morte.
Álvares de Azevedo sentia em seus versos a morte, tanto que afirmou
Debalde nos meus sonhos de ventura
Tento alentar minha esperança morta
E volto-me ao porvir;
A minha alma só canta a sepultura,
E nem última ilusão beija e conforta
Meu suarento dormir...
(. . .)
Invejo as flores que murchando morrem,
E as aves que demaiam-se cantando
E expiram sem sofrer...
As minhas veias inda ardentes correm,
E na febre da vida agonizando
Eu me sinto morrer!
(2002, “Hinos do profeta”, p. 122)
E para quem avistou apenas o túmulo, era certo que fazia de sua vida um
constante velório
(. . .)
Deixai que eu morra só! enquanto o fogo
Da última febre dentro de mim vacila,
Não venham ilusões chamar-me à vida,
De saudades banhar a hora tranqüila!
Meu Deus! que eu morra em paz! não me
[coroem
De flores infecundas a agonia!
Oh! não doire o sonhar do moribundo
Lisonjeiro pincel da fantasia!
(2002, “Tarde de verão”, p.107)
O poeta convidou a morte para estar ao seu lado, pressentia-a desde a infância e
podemos afirmar que, aos poucos, foi ao seu encontro. Conforme Afrânio Coutinho, “há
um aspecto que merece particular atenção: é a permantente vinculação do amor à idéia
61
da morte. E não somente à idéia ou à consciência da morte, mas, muitas vez, a própria
necessidade da morte.” (1997, p.304)
No entanto, este morrer é paradoxal, pois pelo raciocínio lógico, era a
confirmação do fim, mas para os poetas ultra-românticos, a morte seria o ponto de
encontro dos namorados. Em companhia da donzela, o anseio do amante é morrer em
seu peito, conforme o poema abaixo:
Amor
Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tua alma, nos teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu,
Quero em teus seios morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
O amor romântico é uma forma de sentimento diferenciada. Essa forma eleva o
objeto amado em detrimento do sujeito amante. De um modo geral, o amor é um
sentimento sem realidade objetiva, é um forte desejo de amar, de possuir, de estar ao
lado do ser amado. É viver uma paixão, um amor de poeta. Na Idade Média, os
romances do amor cortês mostravam a submissão masculina frente a diversas provas
que deveriam vencer para obter o amor da mulher almejada. Era a busca de um ideal,
62
encarnado na figura feminina. Esse ideal mostrava a superioridade da mulher em aceitar
o sacrifício ou em rejeitá-lo cruelmente.
De certa forma, o Romantismo herdou esta espécie de amor cortês, já que o
herói romântico deveria vencer duras provas para ouvir o sim da mulher amada. Além
disso, a busca pelo ideal permanece. Neste poema “Amor”, a vontade do eu-lírico é
estar, a qualquer custo, ao lado da amada, mais propriamente dentro de seu coração. E o
poema segue
Vem, anjo, minha donzela,
Minha alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
(2002, “Amor”, p. 215)
A princípio, o tema central deste poema é o amor, mas a forma em que o poeta
quer viver este amor é diferente, se baseia no sofrimento, no desmaio, na languidez. Ao
mesmo tempo em que convida a donzela a viver de amor, almeja também morrer junto
com ela, a fim de viver esse momento mágico. A noite propicia um clima perfeito para o
rito de passagem para o plano ideal, estar junto da amada. É na morte que tudo se
realiza.
Como obsessão ou não, a morte foi cantada de diferentes maneiras, amando,
desejando amar, estar no seio da amada, enfim, a maioria delas revelou um ato
romântico da morte. É uma espécie de apelo dramático à vida, para que cesse com a dor
e imprima no coração a esperança de uma morte otimista.
63
Enquanto esteve em São Paulo, estudando Direito, Álvares de Azevedo foi o
orador da turma, e um dos momentos mais difíceis para ele foi discursar no velório do
grande amigo João Batista da Silva Pereira Jr. Deste acontecimento tão fatídico Álvares
de Azevedo produziu um belo poema intitulado “No túmulo do meu amigo João Batista
da Silva Pereira Júnior”, que se encontra na primeira parte da Lira dos vinte anos.
EPITÁFIO
Perdão, meu Deus, se a túnica da vida
Insano profanei-a nos amores!
Se à coroa dos sonhos perfumados
Eu próprio desfolhei as róseas flores!
No vaso impuro corrompeu-se o néctar,
A argila da existência desbotou-me!
O sol de tua glória abriu-me as pálpebras,
Da nódoa das paixões purificou-me!
Neste poema-epitáfio, na primeira quadra, o sujeito lírico tenta mostrar os erros
do passado, que falhou em alguns momentos, mas sua intenção é de se redimir.
Confessa que foi insano em alguns pontos, profanou em outros. Todavia, inicia o verso
com a palavra “perdão”, como tentativa de se corrigir. Na segunda quadra, o sujeito
enunciador mostra que sofreu a ação sobre ele, “no vaso impuro corrompeu-se”, “a
argila da existência desbotou-me”, os verbos indicam que não foi ele quem atuou, mas
que uma força exterior o impeliu. Da mesma forma que um fator externo o destruiu,
possibilitou seu resgate, “o sol de tua glória abriu-me as pálpebras”.
E quantos sonhos na ilusão da vida!
Quanta esperança no futuro ainda!
Tudo calou-se pela noite eterna...
E eu vago errante e só na treva infinda...
Alma em fogo, sedenta de infinito,
Num mundo de visões o vôo abrindo,
Como o vento do mar no céu noturno
Entre as nuvens de Deus passei dormindo!
64
Diante das dificuldades, um jovem tinha um sonho: viver. Uma flor foi
arrancada pela haste abruptamente. Na terceira quadra, o poema mostra a “esperança no
futuro”, tantos planos, mas tudo foi tomado pelo tempo, pela ilusão. “Tudo calou-se” na
morte, que é simbolizada pelo eufemismo da “noite eterna”.
Na quadra seguinte, o fogo foi apagado, a alma, que antes ardia, agora sente seu
vôo da juventude esgotar-se, as asas da liberdade de um jovem foram cortadas, para
dormir “entre as nuvens de Deus”.
A vida é noite: o sol tem véu de sangue:
Tacteia a sombra a geração descrida...
Acorda-te, mortal! é no sepulcro
Que a larva humana se desperta à vida!
Quando as harpas do peito a morte estala,
Um treno de pavor soluça e voa:
E a nota divinal que rompe as fibras
Nas dulias angélicas ecoa!
(2002, “No túmulo do meu amigo”, p. 105)
Nas últimas quadras, reina o pessimismo, pois a vida que antes era a luz, torna-
se noite, e o sol, que traz a luz da manhã, “tem véu de sangue”. Agora o eu-lírico vê a
realidade cruel a que foi submetido. Entretanto, não sofre, mas alerta: “acorda-te,
mortal! é no sepulcro/ que a larva humana se desperta à vida”. O que antes era negativo
e sombrio passa a outra vertente como uma nova forma de ver a vida. O final trágico
deixou de existir, e quando o fim estiver próximo, na verdade, ele sugere, “nas dulias
angélicas ecoa!” o som divinal da vida passa a ser início total da morte.
O curto período entre o nascer e o morrer constitui o instante da existência.
Depois que se desbota o pó da formação humana, torna-se o indivíduo, ilusão. O poeta
65
define a vida como a noite, um momento de ausência de luz, ou seja, trevas. E acredita
que o jazigo é o lugar onde se “desperta à vida”. É um novo nascimento.
Portanto, podemos afirmar que Álvares de Azevedo foi um versejador do amor,
assim como foi um versejador da morte, que constitui uma espécie de prenúncio do
trágico desfecho da existência humana. O amor está tão presente na Lira quanto o
sentimento de morte, um está intrinsecamente ligado ao outro. A segunda geração
romântica exaltou a despedida, pois acreditava na esperança de uma felicidade após o
fim. A morte para Álvares de Azevedo não precisava ser vista negativamente, pois
acreditava que nela poderia superar a dor. Por tal razão, o amante acreditava que o
encontro com a amada após a morte seria o ápice.
66
4. O amor irônico na Lira dos vinte anos
“O eu verdadeiramente irônico é o que ri de si mesmo”
Ronaldes de Melo e Souza
O vocábulo ironia provém do grego eironeía, que vem significar “dissimulação,
interrogação dissimulada, questionamento”; esta denominação ressalta a natureza
ambígua do termo. Ao dissimular ou fingir revela-nos o próprio ato de esconder,
demonstrando uma aparência dupla, como se usasse uma espécie de máscara imperfeita,
que não mostra a verdadeira face, porém, a todo tempo, aponta para condição de uma
máscara. Já o conceito de ironia é apresentado como uma figura retórica, que
comumente é associada ao dizer o contrário do que se pensa. Implica em uma mentira
implícita no contexto.
A significação usual de ironia conservou a noção de dualidade, isto é,
contradição. Ela não resulta unicamente da soma de frases ou segmentos irônicos, que
expressam o contrário do que realmente se diz. A ironia precisa resguardar um mínimo
de vestígios de sua dubiedade fundamental para não ser percebida desta maneira.
A ironia somente provocará o riso caso seja reconhecida. E para isso, deve-se
equilibrar o que se diz, ou seja, sua decodificação literal para outro significado implícito
no discurso. O primeiro registro de eironéia surge na República de Platão, usada por
Sócrates por um de seus ouvintes e parece ter o significado de “uma forma lisonjeira,
abjeta de tapear as pessoas”. Essa também é conhecida como ironia socrática, que se
apresenta como um processo didático que consistia em conduzir o interlocutor a
enredar-se na aparente singeleza das interrogações que lhe eram feitas, para
67
compreensão do próprio deslize e depois admiti-lo. A ironia socrática não está
vinculada a nenhuma idéia de riso, já que sua função é apontar o erro.
O termo ironia engloba muitos outros fatores e definições que, ao longo do
tempo, foram se expandido e formando novos conceitos. Haja vista o estudo feito por D.
C. Muecke, que enumerou quinze tipos diferentes de ironia e demonstrou certa
dificuldade em demarcá-las isoladamente em seu contexto. Longe da perspectiva de
nomeações, a ironia pode ser relacionada no campo semântico como uma palavra
hiperonímica, visto que revela, sobretudo, sua capacidade crítica de visão do mundo.
Diante disso, ressaltemos que a ironia resulta, portanto, na capacidade de ter uma
atitude crítica. O ironista é aquele que percebe as dualidades ou múltiplas percepções e
as explora no discurso com o propósito de mostrar a inversão da mensagem enviada ou
transmitida. Segundo Lélia Parreira Duarte, em Ironia e humor na literatura,
a ironia, é, portanto, uma estrutura comunicativa que se relaciona com
sagacidade; é mais intelectual e mais próxima da mente que dos sentidos, é
mais reflexiva e consciente que lírica ou envolvida.(2006, p.19)
É precisamente pelos fins do século XVIII, que a ironia ganha um espaço maior
no seio da literatura. O termo recebe autonomia formal no período romântico, que
coincide com a fase em que o autor/ escritor é capaz de se apresentar dentro da obra,
assim como já tinha sido feito por grandes nomes, como Miguel de Cervantes em D.
Quixote, e nas comédias de Shakespeare. O autor toma consciência do seu modo de
fazer literatura e a concebe como criador de um organismo capaz de modificar ou
influenciar a sociedade.
A partir de então, apresentaremos alguns dos principais tipos de ironia, a fim de
mostrá-las na crítica sobre o amor irônico na obra Lira dos vinte anos. Para isso,
recorreremos aos conceitos mostrados por Duarte em Ironia e humor na literatura,
68
passando pelo mencionado D. C. Muecke em Ironia e o irônico, como conceitos-base
para exemplificar e caracterizar o irônico no texto azevediano.
A ironia denominada por alguns críticos como ironia retórica (DUARTE, 2006,
p.20) era geralmente usada com o objetivo retórico da sátira, em que, por meio da
autoridade, o escritor ridiculariza o receptor. Esta definição compreende um sistema
elaborado de formas de pensamento e de linguagem, para servir àquele que discursa um
determinado efeito ou situação. Ela atua de forma intelectual, a qual confrontada com o
habitual, cria o inesperado ou paradoxal.
O ouvinte ou leitor deste tipo de ironia é incitado a fazer o seu próprio
raciocínio, comumente ligando idéias entre o paradoxo percebido por ele e o significado
pretendido daquilo que se proferiu ou se escreveu. Quando percebe o jogo de palavras
no discurso, o resultado é positivo, visto que traz prazer ao ouvinte, ao perceber a
própria inteligência. Consequentemente, ele torna-se conivente com o autor do dito
irônico.
Portanto, a partir disso, podemos afirmar que a ironia não é apenas uma questão
de palavras, não se resume a inversões de sentidos, mas indica atitudes e pensamentos,
que dependem da compreensão do leitor para obter um sentido e pode variar de acordo
com o contexto da situação.
Segundo Duarte (2006), há uma outra espécie de ironia, que é denominada de
ironia humoresque, uma subdivisão do termo. Como o intuito não é demonstrar todas as
formas de ironia, apresentaremos as que serão pertinentes ao estudo do amor irônico na
Lira dos vinte anos, e como acreditamos que Álvares de Azevedo utiliza este recurso
estilístico, demonstraremos como forma de enriquecimento do presente trabalho, e
69
também porque a ironia humoresque é uma das maneiras usadas pelo poeta para
ridicularizar o amor ultra-romântico.
Conforme a autora, a ironia humoresque ou de segundo grau não tem como
intenção dizer o oposto do que se pensa, mas pretende manter a ambigüidade no texto e
mostrar a impossibilidade de obter um sentido mais claro. A ironia humoresque traz um
pouco de melancolia, já que em volta há um ambiente de pluralidade, em que os
sentimentos e idéias devem renunciar à solidão e conviver não mais consigo mesmo,
mas em um tempo e espaço com a multidão.
Este tipo de ironia é pessimista, não se revolta com as injustiças, nem se espanta
com as traições. É vazio e imunizado contra possíveis decepções. Conforme Duarte,
o ironista escolhe ser um outro que não ele mesmo; cita-se por ironia e
prevê a troça do outro. Diz a sua maneira, que a essência do ser é o devir,
que não há outra maneira de ser que dever-ser; explora com virtuosidade a
dissociação entre ser e parecer, o equívoco entre o parecer e o aparecer, o
desacordo do pensamento com a linguagem, do pensamento com ação, do
pensamento consigo mesmo. (2006, p.33-34)
Um texto auto-irônico, em que o próprio autor se lança para o público, a fim de
que o julgue pelos seus méritos, é um texto que pode ser visto como sinônimo de
humor. Isso porque o próprio eu que se anuncia é o mesmo que se faz de objeto.
Quando a meta é o fingimento, o autor estabelece jogos com o leitor para que haja uma
preocupação com o estabelecimento de sentidos. E neste tipo de ironia não há o
conceito de verdade, logo é o leitor que irá preparar um sentido final para seu próprio
entendimento.
Na ironia humoresque, há um eterno movimento do eu, que tenta se equilibrar na
reflexão, desdobra-se em várias direções, a fim de mostrar que pode ser todos ao mesmo
tempo. O desvirtuar-se de si mesmo é uma forma de escamotear a verdadeira
70
identidade, que insiste em se esconder sob uma máscara. Mas o verdadeiro ironista sabe
que por vezes deve revelar uma parte de si, mesmo que seja por meio do humor ou da
ironia.
Sendo retórica ou humoresque, percebemos que a ironia se revela em diferentes
planos e, em todos eles, percebemos que há o intuito de comunicar-se com o receptor,
mesmo sob formas distintas. Do mesmo modo que não há humor sem amor, não há
ironia humoresque sem a vivacidade e alegria. Ela é refinada, indecisa, romântica,
prosaica, engraçada e burguesa. Não é do tipo de exaltar a maldade, mas prefere se
apoiar no erro, para um futuro aprendizado. Esse tipo de ironia não é amargo, mas se
preocupa em mostrar um espírito inocente e um coração aberto, que seja capaz de lidar
com as contradições.
Ela se baseia na intuição para mostrar o contraste, entre o desejo e a realidade,
será uma simbiose entre o autor e o leitor, uma vez que os elementos fundamentais da
comunicação vão ser estabelecidos em conjunto pelos fatores emissor, receptor e
mensagem. A ironia humoresque foi um dos artifícios do romantismo alemão, para
elevar a poesia como uma forma de fazer arte.
Depois de definido o conceito de ironia, apresentando a origem do termo
proveniente dos gregos, exporemos uma sub-divisão, denominada por Duarte como
ironia humoresque. A partir de então, apresentamos um dos conceitos-chaves para
interligar os principais recursos estilísticos do amor irônico por Álvares de Azevedo, o
termo conhecido como ironia romântica.
No final do século XVIII e começo do século XIX, a palavra ironia assumiu
inúmeros significados novos, mas naturalmente os já conhecidos não se perderam.
Dentre esses novos significados, tem-se o que foi formulado por Friedrich Schlegel, que
71
é conhecido como um dos principais ironólogos da Europa, juntamente com seu irmão
August Wilhelm.
Para ele, a condição básica do homem é a compreensão de ser finito diante do
mundo e sua luta para compreender uma realidade infinita à sua volta, portanto,
incompreensível.
A ironia romântica de F. Schlegel tem como um dos seus pilares a filosofia de
Schiller, segundo a qual o estado estético é um estado lúdico, de infinitas possibilidades.
É um ato de constante criação e ao mesmo tempo paradoxal, uma vez que mostra a uma
simetria contraditória. A ironia tem como um dos princípios o desdobramento do eu.
Segundo F. Schlegel, para caracterizar alguém “é preciso ser o mesmo e, apesar disso,
outro...”.
Conforme Muecke,
a ironia romântica ergue a arte a uma força superior, de vez que vê na arte
um modo de produção que é artificial no mais alto sentido, porque
plenamente consciente e arbitrário, e natural no mais alto sentido, porque a
natureza é semelhantemente um processo dinâmico que cria eternamente e
ternamente vai além de suas criações. (MUECKE, 1995 p. 41)
Para ele, a arte é elevada por meio da ironia, o objetivo desta reformulação, no
período romântico, foi a criação de pressupostos que exaltassem a liberdade. É uma
espécie de valorização do indivíduo, capaz de erguer sua voz na literatura, que através
da ironia não vê mais a obra como uma mera imitação, mas a observa como um produto
da realidade.
A partir do Romantismo, a ênfase da literatura projeta-se no poeta capaz de rir
de si mesmo, ou seja, de desdobrar-se em dois e observar-se sem qualquer interesse da
platéia. F. Schlegel no fragmento 668 de sua obra intitulada Anos de aprendizagem
72
filosófica, anuncia a tese de que a ironia é uma parábase permanente. E então, o que
seria a parábase?
A parábase é um termo de origem grega, parekbase, derivado de ekbasis, que é o
movimento do coro que se desvia do curso natural dos eventos representados com o
intuito de refletir sobre o sentido do que se representa. A parábase ocorre quando o coro
se desprende do contexto das ações e, isolado em cena, transmite ao público o apelo do
dramaturgo. Ela nada mais é do que uma crítica das questões relativas à representação
teatral feita pelo autor da peça, usando a voz do coro.
Como exemplo, citemos as peças de Aristófanes, em que o coro, em
determinado momento, avança no palco em direção à platéia e realiza a ação de mostrar,
jocosamente, aos espectadores, os atos desastrosos do homem. Esse ato não somente
representa ações, mas, sobretudo, reflexões para aquele que assiste à comédia.
Com este sentido, podemos afirmar que a ironia, que definimos no início como
questionamento, pode ser também denominada de parábase permanente, já que sujeita o
acontecimento ao processo crítico da reflexão. É uma crítica consciente. Segundo
Ronaldes de Melo Souza em “Introdução à poética da ironia”,
A ironia é, pois, uma nova forma de conhecimento, em que a contradição é
consentida. Na dialética poética da ironia, que nada tem a ver com a
dialética filosófica do conceito especulativo, toda oposição antagônica se
converte em oposição complementar. Uma oposição só existe, porque
coexiste com a outra, que lhe é diametralmente oposta. Não se admite a
separação lógica nem a síntese dialética dos contrários. Na dialética
genuinamente irônica, a tese e a antítese constituem uma unidade
irredutivelmente dual. (SOUZA, 2000, p.32)
No contexto parabático, a ironia romântica entra em cena na literatura para
desmistificar o caráter de verdade única do texto, para fazer um jogo, um brinquedo
com as idéias e com as palavras. Apresenta-se como um outro olhar para si mesmo, que
73
por vezes se observa como um “eu-objeto” e, em outras, um “eu-sujeito”. São formas
distintas de observar o mesmo plano. A ironia romântica permite esta reflexão dinâmica,
já que privilegia um duplo movimento expansivo, um de criação e outro de destruição.
Segundo Duarte,
Através da constante parábase, a ironia romântica desfaz a cada momento a
ilusão de representação da realidade para mostrar o artista em ação,
revelando a autonomia de uma arte que tem a sua realidade própria e por
isso pode misturar o sério e a brincadeira, o sonho e a realidade, o sublime
e o patético, tornando sensível a distância entre o mundo limitado e o
infinito ideal.(DUARTE, 2006, p. 42)
Portanto, o conceito de ironia romântica baseia-se na ironia retórica, com a
finalidade de inverter o sentido do que foi dito, para esconder a opinião do enunciador,
que detém o poder. Utiliza-se também do conceito de ironia humoresque, cuja intenção
é manter o sentido ambíguo do contexto e impossibilitá-lo de estabelecer um sentido
mais objetivo. Logo, a ironia romântica abraça dois diferentes conceitos de ironia, de
modo a complementar o seu sentido principal, que é uma leitura reflexiva de sua própria
poesia.
74
4.1 Saída de Ariel, entrada de Caliban
“O riso não tem maior inimigo que a emoção”.
Henri Bergson
A ironia presente na Lira dos vinte anos apresenta um anti-romantismo. Isso
ocorre quando há o reconhecimento de que não há mais lugar para representar o drama
existencial, torna-se inútil cantar algo não real e um amor ilusório. Essa visão se
concretizou cabalmente na obra por meio da ironia romântica. Conceito surgido no final
do século XVIII, pelos teóricos alemães, tendo em F. Schlegel um dos seus fundadores,
defende a idéia de que a situação irônica básica era o reconhecimento do homem como
ser finito, enquanto luta para compreender uma realidade infinita.
Um dos maiores recursos da literatura é a utilização da ironia, que procura
estabelecer um diálogo com o receptor da mensagem. Ela revela uma visão crítica do
mundo, e é precisamente por este motivo que os poetas utilizam-na como forma de
autonomia para suas opiniões. A literatura torna-se independente, já que é capaz de
mostrar a consciência do fazer literário. E, como resulta de uma atividade crítica, há
uma problematização da existência, de forma a mostrar um ser ambíguo em relação ao
fazer poético.
Segundo F. Schlegel, a ironia romântica será um tipo de comunicação que
valoriza o receptor da mensagem, porém não lhe traz nenhum ensinamento, ou seja,
expõe de modo literário uma reflexão crítica. O Romantismo utilizou este recurso de
linguagem como forma de fazer uma literatura livre da imitação dos padrões para
produzir algo inovador, que fizesse uma reflexão sobre a realidade.
Ao se reconhecer distinto do outro, o sujeito da enunciação recorre à ironia para
se dirigir aos outros eus. Enquanto segue os modelos clássicos, o poeta não está fazendo
75
crítica à sua própria produção, na verdade, apenas faz uma cópia de uma visão artificial
que pretende se distanciar da realidade. Quando Álvares de Azevedo modifica sua
temática na segunda parte da Lira, está fazendo um movimento de deslocamento do
mundo subjetivo e fechado para o mundo social e aberto. Essa mudança dá o
surgimento da ironia romântica, pois não aceita o tom elegíaco cantado na primeira e na
terceira partes.
O eu de Azevedo é ambíguo enquanto poeta, pois se desdobra em sujeito e
objeto de si mesmo. É um eu que assiste passivo a sua própria experiência, e, ao mesmo,
tempo ri de sua condição degradante. A ironia romântica nada mais é que uma
expressão paradoxal
8
. Diante da aspiração do absoluto, o homem se depara com o
abismo da existência; ao tentar compreendê-lo, encontra-se em uma eterna contradição,
pois o absoluto para ele é irrealizável.
A ironia corresponderia, portanto, ao reconhecimento do caráter paradoxal da
vida, que jamais poderia ser descrito em sua plenitude. Segundo Lélia Duarte, em Ironia
e humor na literatura, “Schlegel estava convencido de que oposição, contradição,
antinomia e antíteses são essenciais para a existência do homem” (1994, p.64). Esse
jogo consiste na convergência entre construção e destruição. O poeta estabelece um
padrão, para depois ironizá-lo, fazendo uma autocrítica que tende a formar um duplo
movimento de invenção e de nadificação.
Henri Bergson em O riso destaca que o riso é um processo natural
exclusivamente pertencente ao homem, uma vez que ele é o responsável em provocar o
riso e é capaz de rir de si mesmo. Costumeiramente, o sentimento cômico não provoca
compaixão ou qualquer tipo de emoção, mas é fortemente composto pela indiferença e o
8
SOUZA, Ronaldes de Melo. “Introdução à poética da ironia” Rio de Janeiro, 2000, p.35.
76
descaso. Segundo o autor, a comicidade plena exige do homem algo parecido com uma
anestesia momentânea do coração. Se analisarmos esta afirmação e inserirmos no
contexto azevediano, podemos afirmar que o poeta se anestesiou do amor ultra-
romântico para obter momentos de puro sarcasmo? Se uma das formas de trazer o riso
para o cenário romântico é anular o que tinha sido postulado, Azevedo seguiu esta
tendência.
Bergson afirma que “o riso é sempre o riso de um grupo” (2007, p.5). Isso
ocorre porque o grupo em si está sintonizado para compreender os elementos em que
desponta a comicidade. E, de certa forma, o Romantismo brasileiro apresentou diversos
grupos que em sociedades se reuniam para discutir e pensar sobre a literatura. Os poetas
nascidos em torno de 1830, como Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, José
Bonifácio de Andrada e Silva, Laurindo Rabelo, Luís Gama, Bruno Seabra e Franco de
Sá, foram poetas que se adequaram à segunda geração romântica no Brasil. Entre eles
havia uma cumplicidade na produção poética voltada para a paródia, a chalaça, a ironia
e, às vezes, até a pornografia.
A academia paulistana era o ponto certo de encontro dos poetas para formação
de um espírito novo, aclimatado em terras brasileiras, com influências européias. Em
1845, é criada a Sociedade Epicuréia, que pretendia ser um ambiente com estilo de vida
boêmia e adoção da filosofia byroniana. Todavia, alguns fatos mostraram a tendência
exagerada em idealizar situações boêmias, já que alguns poetas forjaram uma vida
devassa, com a qual nunca tiveram o menor contato. A formação deste tipo de sociedade
era também uma forma de fazer circular entre os companheiros os textos poéticos.
Desta divulgação interna, alguns jovens poetas saltavam para publicar seus
poemas em jornais e revistas no meio estudantil, o que facilitou para que a poesia fosse
77
propagada no meio acadêmico com mais força. As experiências boêmias se espalhavam
com veemência pela sociedade paulistana, e muitos estudantes-escritores forjavam um
sofrimento qualquer para escrever sobre a dor. Outra forte tendência foi a influência do
satanismo entre os mancebos, uma ideologia que se revoltava com os valores morais e
propunha o gosto pelo noite, pela melancolia, o humor negro, a ironia e a morte.
Assim como Bergson afirma que o riso pertence a um grupo, a segunda geração
romântica formulou este grupo para ilustrar suas percepções sobre uma poesia
diferenciada. Álvares de Azevedo foi um desses poetas que mostraram o seu outro lado,
inundado de críticas e repleto de ironias. Ele foi um modelo para outros jovens poetas,
pois trouxe ao cenário a tendência do riso, o rir de si mesmo, louvou o cigarro, o
cognac, como nenhuma outra havia feito antes.
E, mesmo depois de sua morte, permaneceu viva a chama das duas faces da
medalha, tanto que grandes poetas brasileiros seguiram seu caminho. Foi original em
seu tempo e, além disso, rompeu com as barreiras impostas pelo Classicismo com uma
poesia fechada e instaurou uma poesia viva, em que mesclou o amor e a dor, o choro e a
risada.
Na segunda parte da Lira dos vinte anos, encontram-se vinte poemas de temática
irônica, dos quais alguns apresentam os mesmos tópicos referentes às outras partes,
como, por exemplo, o sonho, que nesta parte é uma constante; a morte, que antes vinha
alçada pelo ideal romântico, aqui, aparece com outras nuances, como uma morte
pessimista, em que o poeta morre de fome, em vez de morrer por amor. Diversos
poemas abordam a decepção amorosa, mas vista de outro ângulo, que mostra que nada
vale a pena frente ao amor. Mantém um discurso pessimista e irônico, à medida que
78
ressalta uma reação ao desengano. O riso aponta para o indício de um esforço do poeta
que de repente cai no vazio.
É nesse vazio que tenta encontrar uma solução para eliminação do
sentimentalismo exacerbado, um lirismo descomedido conforme fora feito
anteriormente. Álvares de Azevedo pratica uma forma de auto-ironia, pois ele é o
primeiro a cair no vazio de sua própria crítica. Por vezes encontramos um pouco da
ironia humoresque apregoada por Lélia Parreira Duarte, pois afirma que o ironista
escolhe ser outro que não ele mesmo. Diante disto, podemos afirmar que Álvares de
Azevedo, na segunda parte de sua obra, assume uma outra personalidade, diferente da
que fora apresentada antes. Caracterizada como fingimento ou não, é certo dizer que o
sujeito poético da segunda parte rompe com o cânone e instaura a dessacralização do
amor romântico através do discurso irônico.
O primeiro poema da parte irônica é “Um cadáver de poeta”. Nele observamos,
nas primeiras estrofes, o descaso e a frieza com que é tratado
De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto...
O que resta? uma sombra esvaecida,
Resta um poeta morto!
Morrer! e resvalar na sepultura,
Frias na fronte as ilusões – no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solidão!
(2002, p.141)
Logo pelo título deduz-se que a morte do poeta pode ser vista sob a óptica do
amor ultra-romântico, já que o poeta da fantasia, do amor ideal se foi para dar lugar ao
poeta que está disposto a negar esses valores. A morte do poeta é uma metáfora para a
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morte do pensamento ultra-romântico do amor. A partir desta linha, haveria uma
problematização dos conceitos do amor, que foram apresentados ingenuamente e agora
seriam rechaçados pelo poeta irônico.
Neste poema há uma forte crítica à própria morte do poeta, já que este não
morrera de amor, mas de fome e aparentemente com “um riso esperançoso”, talvez da
glória, mas, na verdade, o eu-lírico anuncia “Ninguém chorou por ele...”. Como um
poeta poderia acreditar em amor? O sujeito da enunciação é pessimista, critica a todos e
até mesmo a forma poética do poema, quando afirma “que o poema não val meia
princesa”. Há uma mudança de perspectiva na persona do trovador. A ausência do ideal
amoroso contribuiu para que o amante deixasse de valorizar o poema como artifício
para escrever seus temas amorosos e resolver adotar o caminho da ironia.
Observe-se o poema “Minha desgraça”
Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...
Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro...
Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
É ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.
(2002, p.209)
O poema “Minha desgraça” que encerra a segunda parte da Lira, apresenta três
estrofes de quatro versos. Neste poema, vê-se questionado o próprio fazer poético, à
medida que o eu lírico afirma: “Minha desgraça, não, não é ser poeta”. Logo, o
princípio de sua infelicidade se revela no ato de criação poética. O sujeito da enunciação
80
se diz crítico à medida que “na terra de amor não [tem] um eco”. O poeta satiriza o fato
de o mundo não valorizar o amor, mas valorizar o dinheiro. A voz do amor não se
propaga da mesma forma que a valorização do dinheiro. O eu-lírico se dirige à amada
como “cândida donzela” e lhe diz que sua desgraça “é ter para escrever todo um poema/
e não ter um vintém para uma vela”, isto é, põe em xeque a própria condição de poeta.
Mostra-se menos subjetivo, ao desmascarar sua posição social, para melhor demonstrar
a realidade.
Segundo Wellington de Almeida Santos,
Consciente de que a transcendência total é limitada ou impossível, Álvares
de Azevedo submete à crítica mais feroz as duas criações mais sublimes da
poética romântica, a mulher e o próprio poeta. Afirma que ambos estão
dependentes de uma visão materialista da existência. Um sociedade
organizada à base de trocas econômicas reflete o poeta, rebaixa a mulher e
humilha a arte. (1998, p. 341)
E o que a realidade anuncia é que não há romantismo que resista à falta de
dinheiro, já que o mundo é regido por tal condição. O poeta sozinho não é capaz de
combater com a ordem natural da sociedade. Sua amada o desconsidera e o trata como
boneco, ser sem vida e facilmente manipulável. A ironia neste caso ressalta a figura de
um poeta realista, onde não há lacunas para ilusão amorosa.
A ironia romântica é uma atitude de autocrítica, já que questiona o próprio fazer
literário, não esconde seus artifícios de representação, sobretudo, exibe-os para que
leitor seja consciente do que lê. A parábase, recurso usado pela ironia romântica, aponta
para uma autocrítica.
Ele denuncia a perda das ilusões românticas ao fazer um tipo de “ironia da
forma”, que compreende o aniquilamento do código poético sentimental, que fora
anunciado no primeiro prefácio. O poeta reconhece que na sociedade em que vive não
81
há lugar para o sonho, não há lugar para si próprio, pois o dinheiro é quem comanda
tudo, da forma de amar até a sua criação poética.
Esta forma de destruição é um processo que permite a reflexão crítica do poeta
em face do que era preconizado naquele período. Ele joga com pontos contraditórios e
dessemelhantes, como o erotismo, a castidade, o ceticismo e a crença, permitindo que
nenhum princípio, na obra, seja mais absoluto que outro. A ironia do poeta permite
demonstrar uma autoparódia e cinismo, que oscila entre um eu “cético” e outro eu
“ingênuo”.
Em outro poema, temos um perfeito diálogo com a obra D. Quixote, de
Cervantes, ao mostrar as ‘atrapalhadas’ de um jovem apaixonado que descreve sua
viagem até a amada, mas por trás de tanta fantasia se apresenta a figura grotesca de um
cavalheiro errante, que sofre para manter o seu ideal amoroso.
Namoro a cavalo
Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça
Que rege minha vida malfadada
Pôs lá no fim da rua do Catete
A minha Dulcinéia namorada.
Alugo (três mil réis) por uma tarde
Um cavalo de trote (que esparrela!)
Só para erguer meus olhos suspirando
A minha namorada na janela...
Neste poema, observamos a introdução de elementos prosaicos, que contribuem
para melhor aceitação da ironia romântica. Na primeira estrofe, temos a apresentação do
sujeito lírico, mediante a frustração por que passa todas as vezes que encontra sua
namorada, ao referir como “desgraça” o fato de a mulher morar distante do amante. O
sujeito lírico apresenta certa comicidade ao retratar seu suspiro amoroso.
82
A imagem do amor neste poema toma definições contrastantes com o que foi
anunciado na primeira e na terceira partes da obra, o poeta impõe uma ação crítica ao
modificar o raciocínio imposto pelo ideal romântico. Este relacionamento jocoso causa
a repulsa do amante, que o define como “desgraça que rege minha vida”, porque a
donzela mora longe dele. Ela mora em Catumbi, região mais afastada do centro onde
residia, Catete. Aluga um cavalo para seguir viagem, no entanto, entende como cilada
encontrar-se com a namorada na janela.
Todo o meu ordenado vai-se em flores
E em lindas folhas de papel bordado
Onde eu escrevo trêmulo, amoroso
Algum verso bonito... mas furtado.
Morro pela menina, junto dela
Nem ouso suspirar de acanhamento...
Se ela quisesse eu acabava a história
Como toda a Comédia – em casamento.
A figura do amante constantemente é regida pelos gastos com a investida
amorosa, como se fosse um desperdício gastar seu ordenado em agrados para sua
namorada. Outra crítica a que o sujeito da enunciação se refere é a falta de romantismo
por parte do amante, que é incapaz de produzir um verso para sua amada. O ideal
romântico destruído ao afirmar que furtara versos para a amada, quando na verdade suas
palavras deveriam sair de seu pensamento, evidencia a artificialidade do amor.
Ontem tinha chovido... que desgraça!
Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
Mas lá vai senão quando uma carroça
Minhas roupas tafuis encheu de lama...
Eu não desanimei. Se Dom Quixote
No Rocinante erguendo a larga espada
Nunca voltou de medo, eu, mais valente
Fui mesmo sujo ver a namorada...
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A introdução de elementos cômicos na cena amorosa deturpa o ideal romântico,
para destacar a frustração por que passa o amante. Inspirado em D. Quixote, foi, mesmo
sujo, encontrar sua amada. Segundo Henri Bergson, “uma situação é sempre cômica
quando pertence ao mesmo tempo a duas séries de acontecimentos absolutamente
independentes e pode ser interpretada ao mesmo tempo em dois sentidos diferentes”.
(2007, p.71) O leitor observa a cena amorosa e ao mesmo tempo a frustração do amante,
ao passar por tantas dificuldades.
Mas eis que no passar pelo sobrado,
Onde habita nas lojas minha bela,
Por ver-me tão lodoso ela irritada
Bateu-me sobre as ventas a janela...
O cavalo ignorante de namoros
Entre dentes tomou a bofetada,
Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo
Com as pernas para o ar, sobre a calçada...
O jovem enamorado demonstrou forte afeto e persistência no trato amoroso,
encontrando coragem para ver a namorada mesmo sujo de lama, todavia a Dulcinéia não
se comoveu com a visita do amado sujo de lama, mesmo trazendo um ramalhete de
flores e vestido a caráter. A ridicularização amorosa é posta em cena, ao criticar que o
jovem fizera de tudo para agradar à namorada e ela, irritada, batera a janela em sua cara.
A queda ao chão ilustra também uma queda amorosa, ao destruir com a atmosfera
romântica.
Dei ao diabo os namoros. Escovado
Meu chapéu que sofrera no pagode
Dei de pernas corrido e cabisbaixo
E berrando de raiva como um bode.
Circunstância agravante. A calça inglesa
Rasgou-se no cair de meio a meio,
O sangue pelas ventas me corria
Em paga do amoroso devaneio!...
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(2002, p.204-205)
O sujeito lírico lamenta sua má sorte e também seu desperdício material o
chapéu “sofrera no pagode” e “a calça inglesa rasgou-se”, mas em nenhum momento ele
chora o amor perdido. Tudo ia bem, até que ele cai do cavalo, literalmente, e, “berrando
de raiva”, lamenta todo este devaneio. O grotesco da situação cria o cômico, ao mesmo
tempo em que destrói o discurso sentimental do poema. Segundo Wellington de
Almeida Santos,
Em “Namoro a cavalo”, a dependência econômica percorre a construção do
poema. Dessa vez, é na figura de um desastrado amante que as marcas do
dinheiro medeiam as relações amorosas. Índices de dispêndio amoroso
financeiro identificam o sujeito lírico que não vacila diante de gastos para
melhor impressionar a sua “Dulcinéia namorada”. (1998, p.343)
Um dos poemas que costumam ser bastante mencionado sobre a poesia irônica
de Álvares de Azevedo é o poema “É ela! É ela! É ela! É ela!”, que reúne o símbolo da
imagem da mulher grotesca e da divinização feminina. Este poema traz uma mulher de
classe servil, isto é, uma lavadeira, idealizada por seu amante. Vejamos o poema:
É ela! É ela – murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou – é ela!
Eu a vi – minha fada aérea e pura –
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas;
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro engomado...
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Como roncava maviosa e pura!...
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso;
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! de certo... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores;
São versos dela... que amanhã de certo
Ela me enviará cheio de flores...
Tremi de febre! venturosa folha!
Quem pousasse contigo nesse seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a tremer de devaneio...
É ela! é ela! – repeti tremendo;
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas se Werther morreu por ver Carlota
Dando pão com manteiga às criancinhas,
Se achou-a assim mais bela, - eu mais te adoro
Sonhando-te ver lavar as camisinhas!
É ela! é ela! meu amor, minh’alma
A Laura, a Beatriz que o céu revela...
É ela! é ela – murmurei tremendo,
E o eco ao longe suspirou – é ela!
(2002, p.191)
Nesta situação se cruzam dois olhares: o real e o ideal. O ideal provém do
amante que vê na lavadeira estendendo vestidos de chita uma “fada aérea e pura”,
quando, na verdade, trata-se da imagem de uma lavadeira que “roncava maviosa e
pura”. O real perpassa pelo poema, para desvelar a imagem não obtida mentalmente
pelo poeta. O leitor tem a sensação de que o eu-lírico apaixonado não consegue
desvendar a realidade frente a seus olhos. Segundo Schlegel, “a verdadeira ironia é a
ironia do amor” (1998, p.345). De certa forma, tanto neste poema como em “Namoro a
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cavalo”, temos duas situações grotescas, em que o amante segue perdido em direção a
Dulcinéia, mulheres amadas por visionários.
O poeta exibe em seu discurso a máscara do ridículo, em que a concepção
amorosa é dessacralizada. A musa do poeta é uma simples lavadeira, uma mulher do
cotidiano, que estava à margem da sociedade. As expressões de amor já cristalizadas no
Romantismo são alvo de paródia neste poema. Os valores românticos são ironizados
pela dramaticidade da cena, pela via cômica do sujeito enunciador.
Alguns elementos são pintados para ilustrar um ambiente cotidiano, uma mulher
com ferro de engomar, vestido de chita, rol de roupa suja, tudo é descrito de modo
caricatural, a fim de ressaltar um ambiente rotineiro passível de ser ironizado. Embora
apresente vestígios de romantismo, presente na terceira estrofe, ainda sim, o ideal
romântico é desmontado para dar lugar ao aspecto cômico.
Podemos dizer que o ápice do poema se encontra no momento em que o amante,
depois de criada tamanha expectativa em relação ao bilhete, vê-se diante de um rol de
roupa suja. Ele imaginou flores, versos e uma alma voltada para o amor, mas seu ideal é
desestruturado, quando, para sua surpresa, a listagem era de roupa suja. A intromissão
deste recurso permite ao eu-lírico refletir como espelho a ironia, já que usa a parábase
para escarnecer de si mesmo.
Mesmo diante desta ruptura do seu ideal, justifica-se em Carlota, Laura e
Beatriz, três mulheres e musas da literatura mundial, que inspiraram poetas a suspirar de
amores. A comparação da lavadeira com estas figuras ilustra uma comparação
desproporcional no nível social, já que as três mulheres cantadas por Goethe, Petrarca e
Dante pertenciam a um nível mais elevado.
87
Diante desta exposição, conclui-se que, na obra, Lira dos vinte anos, do poeta
Álvares de Azevedo, nas poesias referentes à segunda parte, temos outra voz que soa de
diferentes maneiras o cantar do amor, visto do ponto de vista irônico. Observamos uma
outra forma de apregoar o amor diferentemente do que o Romantismo convencionou.
Álvares de Azevedo instaurou uma nova poética, capaz de se auto-avaliar e refletir
sobre o que seria o ideal romântico. Introduziu o prosaísmo e a ironia como forma de
denunciar a perda das ilusões amorosas.
88
4.2 A binomia em Álvares de Azevedo
“O belo tem somente um tipo; o feio tem mil”.
Victor Hugo
Podemos afirmar que o poeta Álvares de Azevedo, na Lira dos vinte anos,
apresenta a poética da binomia. Este termo foi usado no prefácio da segunda parte da
obra como justificativa para apresentar a entrada de um novo pensamento, oposto ao
que tinha sido formulado antes. A preparação deste prefácio anuncia ao leitor a
mudança de perspectiva na leitura romântica feita em seus versos. Mas o que realmente
significa binomia?
O termo se refere à fusão de duas partes completamente distintas, em que o
poeta sugere uma criação poética ambígua, na qual a primeira é composta pelo ideal
ultra-romântico, cujo cerne é o amor; e a segunda rompe com este paradigma, ao
desvincular o ideal romântico do amor, para ridicularizá-lo. São duas posições
diferenciadas que se justificam no prefácio.
A certa altura da Lira dos vinte anos, introduz-se um eu crítico com o intuito de
questionar a validade dessa postura poética. Exausto de perseguir um ideal
inapreensível, ou melhor, desapontado com a banalização do código sentimental
9
, ele
rompe com os padrões do romantismo e instaura o novo sentido poético. Ao iniciar com
uma advertência, Álvares de Azevedo alerta para uma mudança de perspectiva:
Cuidado leitor; ao voltar esta página!
Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo
novo, terra fantástica, verdadeira Ilha Baratária de D. Quixote, onde Sancho
é rei, (2002, p. 139)
9
ALVES, Cilaine. O belo e o disforme. São Paulo; FAPESP, 1998, p. 87.
89
Quando põe fim ao mundo visionário, pretende encerrar com os pensamentos
retidos em idéias extravagantes, sentimentos de puro devaneio, conhecido como amor
platônico, criado pelo amante que não é correspondido em seus sentimentos. O mundo
platônico também termina com o pensamento pautado pela ilusão de um amor ideal,
perfeito. A visão desta parte da obra é de um aspecto inovador, um lugar em que os
valores são totalmente invertidos. E se o visionário D. Quixote foi destituído de seu
trono, logo a visão de um lugar ideal e uma bela mulher para ser amada serão
desvalorizados. Ao inserir Sancho Pança como rei, Álvares de Azevedo aproveita para
impor a razão, como visão crítica do amor. Ocorre uma mudança radical no tratamento
que era dispensado à mulher amada. Há uma penetração da ironia na forma de amar.
Neste prefácio, encontramos a presença de duas figuras míticas que explicam
muito bem a idéia a ser transmitida pelo poeta: “Quase que depois de Ariel esbarramos
em Caliban.” (2002, p.139). A figura mítica de Ariel ilustra o lado angelical e doce da
poesia na primeira parte de sua obra, portanto representa o espírito apaziguado. Já a
figura mítica de Caliban remete à idéia de perturbação, é o anjo rebelado, que transmite
a inquietação da carne, é a metáfora do satanismo. Enfim, de um ponto o lirismo; e, do
outro, o humorismo. Álvares de Azevedo assumiu as duas figuras na Lira, e é por tal
razão, talvez que Antonio Candido o definiu em seu ensaio como “Álvares de Azevedo,
ou Ariel e Caliban”, a face delicada e a face grotesca da poesia ultra-romântica
brasileira ao mesmo tempo.
O forte apelo ao cinismo literário, recorrendo ao humor para desviar seus
sentimentos mais acuados, demonstra que há receio em apresentar novamente a face do
jovem eternamente apaixonado. Suas oscilações mostram que sua poesia circula em
torno dos contrastes, que revelam a fusão de duas almas inquietas.
90
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia.
Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos
de poeta escrevem este livro, verdadeira medalha de duas faces. (2002, p.
139)
Os termos antagônicos coexistem numa mesma obra, a imagem da dualidade se
justifica pelo termo binomia, o poeta, então, se define como “medalha de duas faces”;
mesmo sendo único, apresentam dois lados completamente distintos um do outro. Se
antes, no prefácio da primeira parte, ele afirmara que “são os primeiros Cantos de um
pobre poeta” ou “cantos do coração” (2002, p.49), nesta parte, vemos que o poeta
acorda para a realidade terrena e encontra-se cheio de “um espírito de contradição”.
Segundo Hildon Rocha,
Essa dualidade não obedece a nenhum limite cronológico nas fases de sua
vida, mas à substância diferente que distingue a primeira parte da segunda,
nesses poemas. Cada uma das faces dessa dualidade não teve período
distinto, inteiramente distinto, pois já insistimos demasiado na mutabilidade
dos seus estados espirituais. (. . .) O riso era-lhe um meio, senão de
imunizar a dor, pelo menos de obviá-la, superando-a ou desafiando-a.
(1982, p.88-89)
Quando se aborda a questão cronológica em Álvares de Azevedo, alguns fatores
devem ser relevados. Desde a sua entrada na Faculdade de Direito de São Paulo, em
1848, à sua morte, em 1852, são três anos e meio. Neste intervalo de tempo, não houve
tempo para o poeta apresentar fases diferentes, mas sim faces distintas. Não sabemos, ao
certo, se ao escrever poemas ultra-românticos de amor, poucos dias depois os
ridicularizava em versos irônicos. O tempo foi-lhe muito curto para apresentar fases, e
afirmamos que, por meio de seu espírito juvenil, demonstrou inquietações percebidas
pela mutabilidade de seu espírito.
Mesmo sendo tão jovem, e em um período relativamente curto de vida, sua
produção poética é considerada por muitos críticos como vasta e intensa. Seguindo a
91
tendência de seus versos, podemos reiterar que “Foi poeta – sonhou – e amou na vida”.
Como a idéia de morte lhe seguia no peito, a forte vontade de se afirmar em sua poesia
o impulsionou a escrever mais e mais. Não há nenhum estudo completo e contundente
sobre a variação das faces do jovem poeta, talvez porque alguns consideravam sua vida
apenas como uma brisa que passou pela literatura romântica. No entanto, estamos certos
de que não foi apenas uma brisa, mas um vendaval, que derrubou os paradigmas e
alicerces da literatura romântica. Depois de Álvares de Azevedo, a poesia foi observada
por um outro lado, um lado desconhecido. Foi ele quem instaurou uma poesia com
visões prosaicas, que buscava nas noites paulistanas um copo de cognac e um charuto
para tragar.
Diante da Lira, observamos “uma medalha de duas faces”, a face que mostra a
subjetividade, o amor exacerbado, a fantasia dos sonhos, a evasão no espaço e no tempo
e a morte como realização plena do amor. Essa face é ilustrada por poemas da primeira
parte da Lira como “O poeta”, “Anima mea”, “Virgem morta”,”Lembrança de morrer”
entre outros; na terceira parte, apresenta poemas compatíveis com a primeira como “Por
que mentias?”, “Fantasia”, “Minha musa” , “Trindade” entre tantos outros. Essa face da
medalha mostrou a composição poética como fonte de inesgotáveis sentimentos, dentre
eles o amor. É a face sublime do poeta, é o anjo do Romantismo.
Já a outra face da medalha desvenda o que há por trás da máscara de um jovem
sofredor, o riso entra em cena repleto de críticas e disposto a revelar que nem sempre o
amor é o que parece ser. Esta face mostra alguns poemas como “Um cadáver de poeta”,
“Spleen e charutos”, “Namoro a cavalo” e “Minha desgraça”. A zombaria entra em cena
como forma de ridicularizar esta forma de amar. A penetração do humor azevediano nos
mostra um riso diferenciado, não é um rir dos outros, como forma de satirizar o colega
92
ou apontar o seu erro, mas é um riso que ri de si mesmo, como uma ironia mesclada
com a melancolia e dor. Este riso ignora o mundo externo e volta para si, como tentativa
de delinear o próprio eu. É a face grotesca do poeta, é o demônio do Romantismo.
A essência da poesia de Álvares de Azevedo é dupla, pois apresenta uma
proposta poética que se baseia na fundamentação dos contrastes, a mistura do amor com
o humor. É a verdadeira binomia. Uma face mostra um ideal subjetivo, que se retrai
dentro de si, evitando o contato com o mundo externo, e a outra face rompe com esta
visão, ao escancarar com a moralidade, para apresentar uma consciência poética repleta
de cinismo, em que o poeta descobre que
tem nervos, fibra e artérias – isto é, antes de ser um idealista, é um ente que
tem corpo. E digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o
primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia. (2002, p. 139)
A descoberta de que é também um corpo, o faz pensar que sua poesia deve
apresentar a realidade física. A mulher, que antes, era um ser ausente tanto
espiritualmente como carnalmente, agora possui novos atributos. A virgem etérea não
será mais louvada, agora entra em cena, na poesia de Álvares de Azevedo, a mulher sem
atributos morais ou a mulher à margem da sociedade.
A ironia será o recurso principal para trazer ao texto uma nova realidade, e é por
meio dela que o poeta torna-se crítico de sua própria obra, à medida que pratica uma
espécie de auto-ironia. Conforme visto anteriormente, Álvares de Azevedo recorre à
ironia como reflexão e crítica do que escreveu. E analisando desta forma, entendemos
que o poeta deixou uma teoria sobre sua própria criação poética, tendo como base a
produção de dois prefácios que são totalmente antagônicos. O primeiro prefácio
anuncia:
93
São os primeiros Cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras
vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.
(. . .)
Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que
agitava um sonho, notas que o vento levou, - como isso dou a lume essas
harmonias.(2002, p.49)
A seguir, o poeta solicita que o leitor “receba-a” e “ame-a”, pois é esta musa que
levará até os corações dos leitores os seus primeiros cantos e seus primeiros versos. Os
primeiros cantos de um pássaro ainda não possuem o vigor de um canto maduro, o poeta
se apresenta inexperiente, mas disposto a revelar seus versos. Podemos afirmar que
aparentemente se mostra inseguro, ao apresentar sua “lira sem cordas”. Ao discorrer
sobre “cantos espontâneos”, o poeta é peremptório em afirmar que não vai trazer uma
lira comum, pois nesta apresenta-se um diferencial:
É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de
folhas, mas sem viço. (2002, p.139)
É nítido perceber que Álvares de Azevedo já expõe uma dubiedade na própria
introdução da sua obra, na medida em que expõe um paradoxo na sua definição. Ele se
despe da musa saudosa e dos mistérios do amor, solicita que nós leitores recebamos e
amemos como “consolo de uma alma esperançosa”. Põe-se na posição de humilde
servo, para entregar aos seus ledores uma obra vinda de seu coração.
Mesmo assim, na primeira parte, a temática que prevalece é a valorização do
amor e da mulher amada, sendo uma constante o tema da morte como refúgio para a
dor. Ele expõe o código poético ultra-romântico como um caráter irrealizável,
intimamente ligado à esfera divina. O canto do sabiá não se compara à voz do amor.
Diferente do que apresentará no segundo prefácio, em que inicia com um alerta.
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Diante disto, é possível que Álvares de Azevedo tenha considerado o escrito
feito por Victor Hugo, no longo “Prefácio” de Cromwell, em 1827. Pertencente ao
romantismo francês, este prefácio também adere à teoria dos contrastes, em que Hugo
luta por uma nova poesia, indo de encontro ao Classicismo e suas velhas formas teatrais.
Ele advoga a liberdade da criação artística. Não é difícil estabelecer uma ligação entre a
teoria de Victor Hugo com o que foi postulado por Álvares de Azevedo em seus escritos
poéticos. A partir disso, postulamos que a Lira dos vinte anos é uma extensão da teoria
do sublime e do grotesco formulada inicialmente por Hugo no referido prefácio.
Segundo Victor Hugo, a teoria dos contrastes é uma parte de sua teoria do
drama, gênero que tem raízes na tragédia shakespeariana, que consiste em esquecer as
propostas do Classicismo, com sua rigidez e forte imitação dos antigos, e seguir com a
tendência da tragédia de Shakespeare, que podia mesclar, à vontade, o trágico com o
cômico numa mesma peça, sem exclusão de qualquer tipo de classe alta ou baixa. Este
gênero formulado por Hugo era uma junção da tragédia e da comédia, como um gênero
único que combina o riso à lágrima. E, a partir disto, formula a teoria do sublime e do
grotesco:
Sentirá que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao
lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do
sublime, o mal com o bem, a sombra da luz. (2007, p. 26)
Se, na própria natureza, a existência entre o belo e o feio é pacífica, por que na
literatura isso também não poderia acontecer? Há certa harmonia na coexistência dos
contrários. E continua
Ela [a poesia] se porá a fazer como a natureza, a misturar nas suas criações,
sem entretanto confundi-las, a sombra com a luz, o grotesco com o sublime,
em outros termos, o corpo com a alma, o animal com o espírito, pois o
ponto de partida da religião é sempre o ponto de partida da poesia. Tudo é
profundamente coeso. (2007, p. 27)
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Sua proposta é a união do grotesco, que define como a comédia, com o sublime,
que nasce do gênio moderno. Essa união é a mais rica que a natureza pode proporcionar
à arte, já que o sublime não se destaca sobre o sublime e dificilmente reflete a idéia de
contraste. O belo sempre foi louvado na arte, agora é o momento de o grotesco mostrar
a sua arte como ponto de partida. O contato do disforme proporcionou ao sublime
moderno uma pureza maior do que o belo antigo.
Muitos se perguntaram: por que exaltar o feio, o disforme, o grotesco? A arte
clássica mostrou a forma mais singela e bela que o homem poderia ter. Mas tudo era
muito igual e similar. Para Hugo, o belo tem apenas uma única forma, enquanto que o
feio tem milhares. O belo é uma forma de absoluta simetria e harmônica na sua própria
criação. Em contrapartida, o feio é um conjunto que se harmoniza, com novos
elementos, todavia incompletos.
Ainda segundo Victor Hugo,
O caráter do drama é o real; o real resulta da combinação bem natural de
dois tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam no drama, como se
cruzam na vida e na criação. Porque a verdadeira poesia, a poesia completa,
está na harmonia dos contrários. (2007, p. 46)
A proposta de formular uma arte que se apresente mais perto do real indica que
os elementos naturais que a compõem devem ser unidos, o grotesco não deve ser
tomado isoladamente, assim como o sublime. O grotesco entra em cena na literatura
romântica para representar o desencantamento romântico, a decepção havia sido tão
intensa, que uma nova maneira de encarar o mundo foi mostrada na forma do grotesco.
A palavra “grotesco” tem origem antiga e diversa na pintura e na literatura.
Traduzida também como “arabesco”, correspondia a uma espécie de deformação.
96
Entretanto, F. Schlegel expôs suas idéias estéticas do romantismo ideal em que o
conceito de grotesco vai se modificando. Em Fragmentos de F. Schlegel e no primeiro
tomo de Athenaum, de 1798, a palavra “grotesco” aparece distinta da palavra arabesco,
em que se apresenta como “escritos com abundante fantasia, graça e senso de ironia”.
Por definição seria
o contraste pronunciado entre forma e matéria (assunto), a mistura
centrífuga do heterogêneo, a força explosiva do paradoxal, que são
ridículos e horripilantes ao mesmo tempo. (2003, p.56)
Essa teoria completa o eixo paradigmático da poesia azevediana na Lira dos
vinte anos, a teoria dos contrastes entra em perfeita sintonia com que foi planejado pelo
poeta ao apresentar distintos prefácios e poemas de partes diversas que se opõem.
Mesmo sendo o grotesco uma forma de mostrar a realidade da desilusão romântica, o
sublime não deixou de ser louvado pelo próprio poeta.
Como forma de provar que a teoria hugoana deixou um rastro de influência,
observe-se outro prefácio escrito pelo poeta em O conde Lopo,
O fim da poesia é o belo.
Belo material, belo moral; do belo por assim dizer mimoso, até esse belo
arrebatador que se chama sublime (. . .) Pois o que é o sublime senão o grau
mais ardente do belo?...
O fim da poesia é portanto o belo ou, se melhor se quiser, - a poesia é o
belo. (2000, p. 375)
O autor de Macário exalta o belo como parâmetro para formulação da poesia,
tais prefácios servem de estudo para teoria de sua criação poética. Sabemos que tanto o
grotesco quanto o sublime fizeram parte da essência da poesia azevediana. E é nesta
junção que temos a formulação da teoria da binomia, em que o amor e o riso se
apresentam em uma mesma obra. A mistura estilística dos termos produz um efeito
diferente na obra.
97
Podemos afirmar que o sublime apresenta a fantasia e a ironia tende a corrigir os
excessos do coração amargurado. A fusão do riso à lágrima demonstrou a oscilação de
um jovem poeta, que já apresentava a maturidade nas letras. Ao optar por versejar sobre
o amor, o poeta visualizou a outra face da medalha, já que reconhece que “o poeta é
homem” (2002, p.139). Se ele reconhece sua condição degradante, logo sua poesia
deverá mostrar este outro lado. A fusão do sublime ao grotesco serve para representar o
desencantamento do espírito romântico. Assim, o poeta descrente esquece a musa
virgem e louva a lavadeira de roupa.
98
5. Considerações finais
O amor foi cantado no Romantismo brasileiro de diversas maneiras. Nesta
dissertação, demonstramos como o amor se apresentou na poesia de Azevedo. Ele foi
um marco na literatura nacional, pois introduziu uma nova perspectiva literária ao
romper com os padrões da estética literária clássica, para utilizar a “inspiração”. Cantou
o amor com emoção e, ao mesmo tempo, contrariando sua própria convicção literária,
abriu mão do sentimentalismo, a fim de ironizar a condição de amante.
Segundo Alfredo Bosi, “ele foi o escritor mais bem dotado de sua geração.”
Azevedo destacou-se em seu tempo por vários motivos, e um dos que chamam a nossa
atenção foi a maneira como conseguia produzir poemas tão belos e tão díspares. Ao
mesmo tempo em que cantou o amor, buscou diferentes destinatários para estes cantos.
Assim como exaltou os versos de Goethe, mas também não deixou de louvar o charuto e
o cognac.
Esse cantar tão variado e similarmente coeso atrai os leitores a desvendar esse
universo de múltiplas formas, caracterizando uma poesia rica em seu sentido pleno. Ao
abordar o tema do amor, torna-se imprescindível estudar a poética de Álvares de
Azevedo, pois nela observa-se o zelo com a criação literária, declarando-se
apaixonadamente. Delimitamos este estudo, definindo como vertente as diferentes
formas de amor apresentadas pelo poeta na Lira dos vinte anos, cujo sentimento norteia
a primeira e a terceira partes, ao qual definimos como amor ultra-romântico. E a
segunda parte da Lira que apresenta poemas de cunho irônico, definimos como amor
irônico, uma vez que não abandona este sentimento, mesmo mudando sua perspectiva
ao abordá-lo.
99
Ao inserir elementos prosaicos na poesia e impregná-las de imagens byronianas,
teria Álvares de Azevedo rumado em sentido contrário à tendência geral do
Romantismo? Que poeta é este, que ora exalta o amor exagerado e, em outros
momentos, lança fora este ideal? Teria ele mudado? Aparentemente sim. Mas apenas
aparentemente, pois preferiu mostrar uma poesia inovadora, pela via do sarcasmo e da
ironia, da descrição das coisas ou idéias mais íntimas. O poeta é o mesmo, sua face que
se apresenta diferente. Um poeta tão jovem quanto Álvares de Azevedo não poderia ter
vivido fases em sua vida literária, acreditamos que ele apresentou múltiplas faces. E
numa dessas faces apareceu o riso e o escárnio, o amor e o sonho, a virgem e a morte.
O ouvinte ou leitor da ironia é incitado a fazer o seu próprio raciocínio,
comumente ligando idéias entre o paradoxo percebido por ele e o significado pretendido
daquilo que se proferiu ou se escreveu. Quando percebe o jogo de palavras no discurso,
o resultado é positivo, visto que traz prazer ao ouvinte, ao perceber a própria
inteligência. Consequentemente, ele torna-se conivente com o autor do dito irônico.
Podemos afirmar que a ironia não é apenas uma questão de palavras, não se
resume a inversões de sentidos, mas indica atitudes e pensamentos, que dependem da
compreensão do leitor para obter um sentido e pode variar de acordo com o contexto da
situação.
Para F. Schlegel, a ironia romântica vê a condição básica do homem como a
compreensão de ser finito diante do mundo que luta para compreender uma realidade
infinita à sua volta, portanto, incompreensível. A partir desta realidade, o texto irônico
reconhece a situação degradante do homem em relação ao mundo. Diante desta
constatação, a vida é vista por outro viés.
100
Com este sentido, podemos afirmar que a ironia, que definimos no início como
questionamento, pode ser também denominada de parábase permanente, já que sujeita o
acontecimento ao processo crítico da reflexão. É uma crítica consciente, a parábase é o
movimento do coro que se desvia do curso natural dos eventos representados com o
intuito de refletir sobre o sentido do que se representa. Álvares de Azevedo joga com
esta questão, ao lançar para o leitor de sua obra uma crítica em relação ao sentimento
amoroso, como vimos no poema “Namoro a cavalo”, onde o jovem amante sofre até
chegar a sua amada Dúlcinéia, termina por ironizar o amor.
Na segunda parte da Lira, ele introduz um novo eu, crítico e paradoxal, com o
intuito de questionar a validade da sua postura poética. Essa nova conduta poética tende
à destruição do ideal, por meio da ironia romântica. Diante da aspiração do absoluto, o
homem se depara com o abismo da existência; ao tentar compreendê-lo encontra-se em
uma eterna contradição, pois o absoluto para ele é irrealizável.
Ao inserir um novo código poético, sua principal característica será a ironia. No
entanto, mesmo diante deste recurso, o poeta não abandona o tema do amor em seus
poemas, porém, ironiza-o. O mundo onde Sancho Pança é rei toma conta da realidade
que percebe nitidamente a feiúra da lavadeira Dulcinéia. A segunda parte, denominada
também de ironia byroniana, faz uma crítica através da transgressão, em que o poeta
rompe com o estilo anterior, para exaltar seu temperamento mórbido em relação à vida.
O objetivo desta dissertação foi mostrar que o poeta exalta o amor em suas
poesias, e que, na segunda parte, ele inverte o paradigma por ele mesmo definido, é
como se esta poesia corresse paralela à versão “oficial” do Romantismo, que trouxe
musas virgens e etéreas. A mulher inatingível, aos poucos, vai perdendo a sua aura, para
se incorporar na figura de mulheres fáceis e prostituídas.
101
Conforme já fora afirmado, a Lira dos vinte anos se baseia na “binomia”, em
que o poeta apresenta a obra como medalha de duas faces, e tal pensamento estabelece a
essência da poesia de Álvares de Azevedo, que consiste na coexistência dos contrários.
O poeta tinha plena consciência que estava elaborando uma poética dual, visto
que o próprio termo “binomia”, configura, em sua essência, a teoria do contraste, cujo
espírito antagônico caracteriza o poeta de duas formas distintas, ora como idealista no
amor, ora como cético e irônico na mesma vertente. Por isso, podemos afirmar que a
essência da poesia de Álvares de Azevedo compreende a ironia no amor, mas ao mesmo
tempo, o amor na ironia, pois ele consegue fundir os dois elementos em sua poética. Ao
inserir elementos desencadeadores da destruição do ideal, observamos o uso da ironia
romântica. Ele tematizou sua imagem ao mostrá-la como sonhador e objeto de seu
próprio desejo. Utilizando uma simples comparação, afirmamos que a primeira e a
terceira partes da Lira dos vinte anos representa uma lira afinada e, a segunda parte,
recorrendo a um termo usado por Flora Süssekind, é a lira enrouquecida. A lira afinada
cantou o amor, cantou a donzela, cantou a natureza, cantou a solidão, cantou a morte. A
lira rouca trouxe o barulho do mórbido, das prostitutas, das lavadeiras, do charuto, da
boêmia, enfim, trouxe a voz do satanismo e do sarcamo.
Ao unir o amor à ironia, o poeta cria a fusão do riso à lágrima, como expressão
dissonante e contrastante de seu estado emocional, em que se vêem dois pontos distintos
que abordam na realidade um mesmo tema: o amor. O primeiro mostra-se idealizado, o
outro se apresenta como tendo nervos, fibras e artérias. O poeta cai do céu e se encontra
perdido na terra.
Portanto, infere-se que na Lira dos vinte anos vê-se uma poética dual, em que se
apresentam duas formas representativas para o amor. A primeira forma corresponde à
102
adoção pelo poeta da forma canônica do amor, vista como ultra-romântica. E, na
segunda parte, desmonta-se com o ideal infinito do amor, para ironizar a crença de um
amor romântico. A reflexão sobre a arte poética tem como intuito dissolver o absoluto.
Encerra os cantos de Ariel, com a insígnia do sublime e entra o alarde de Caliban com o
grotesco. A lira outrora afinada e requintada, enfim, desafina, trazendo um som irônico
e descompassado. Mas como um gesto mágico, a terceira parte da obra traz de volta os
“cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna” (2002, p.49). Logo,
na Lira dos vinte anos de Álvares de Azevedo, temos a fusão entre o amor e a ironia, na
construção de uma poética dual.
103
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