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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILISOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
CLÁUDIO HENRIQUE SALES ANDRADE
Aspectos e Impasses
da Poesia de Patativa do Assaré
Tese apresentada junto ao Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Doutor em Literatura Brasileira.
Orientador: Prof. Dr. Valentim Aparecido Facioli
São Paulo
2008
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Agradecimentos
Quero expressar minha gratidão a algumas pessoas que contribuíram de diferentes
maneiras para a realização deste trabalho.
Ao Professor Dr. Valentim Facioli, meu orientador, guia seguro e também
companheiro de viagem pelas trilhas deste grande sertão, que mesmo estando em toda parte é
difícil de ver e decifrar e do qual a poesia de Patativa do Assaré pode se tornar revelação.
Embora de outras latitudes, o Professor é homem do sertão, denuncia essa origem na
cordialidade e bonomia patativanas com que sabe acolher, sempre caloroso, amigos e
orientandos. Foi sempre para mim uma grande satisfação escrever para submeter meus textos
à sua leitura e receber de volta tanto a crítica quanto o incentivo.
À Professora Viviana Bosi e ao Professor Vagner Camilo pela leitura atenta e
cuidadosa que fizeram deste trabalho na fase de qualificação, intervindo de forma decisiva
com sugestões e críticas que muito me ajudaram.
À Jussara, fogo da manhã em que meu coração ardeu.
Ao Filipe, filho, sempre disponível, paciente e prestativo, guia seguro pelas veredas da
informática, foi ele a verdadeira salvação de um texto que esteve sempre a perigo de ser
abduzido pelos universos paralelos e os buracos negros da tecnologia.
À Cecília, ao Filipe, ao João Paulo, à Diana e à Patrícia pelo apoio e hospitalidade
numa hora de difícil travessia.
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À Simone, amiga prestativa, pela amizade calorosa e interlocução sempre inteligente e
instigante.
À Neide, pelo interesse que se traduziu em fecunda indicação bibliográfica, feito
presente.
Ao Vladimir, que mandou do Ceará livros e dicas importantes que foram incorporados
a este trabalho.
Ao Edmilson, pela tradução.
À Gabriela, pelos cuidados, tão difíceis de traduzir como de agradecer com palavras.
4
E eram distintos silêncios
que se entranhavam no seu
Era meu avô já surdo
querendo escutar as aves
pintadas no céu da igreja
Drummond
À memória de meu pai,
para minha mãe e para o Vinícius
5
Sumário
Resumo 6
Introdução 8
O corpus do trabalho 37
1. Um inventário de formas e temas 43
Estrofação e esquemas rímicos 44
Nível 1: Estrofes mistas, irregulares, septilhas e oitavas. 45
Nível 2: Sonetos, sextilhas, quadras e quartetos. 84
Nível 3: Décimas 110
2. Patativa do Assaré, três sonetos. 124
Minha serra 126
O Pau d’Arco 133
Minha cinza 138
3. Lira sertaneja 145
Eu e o sertão 147
É coisa do meu sertão 170
Vida sertaneja 180
Coisas do meu sertão 193
4. Cicatriz estelar – ouvindo uma canção de Patativa do Assaré 199
5. Representações do mundo do trabalho 218
Ingém de ferro 219
O puxado de roda 225
Tradicionalismo, modernização, trabalho alienado 248
Bangüê 251
Minha Vingança 269
6. Considerações finais 273
7. Anexos 276
8. Bibliografia 300
6
Resumo
Palavras-chave: Poesia popular, poesia culta, cordel,
tradição, novidade, modernização.
Neste trabalho, estudo a poesia de Patativa do Assaré, procurando
descrever características e impasses que a singularizam no âmbito de literatura
brasileira.
De um cotejo com as poéticas do cordel e da cantoria, passando
por seu diálogo com a poesia culta, vai se revelando uma produção que,
dialeticamente, adere e se diferencia da tradição de onde surgiu, por força de um
forte componente autoral.
Este trabalho contém uma introdução, cinco capítulos e anexos.
O primeiro capítulo faz um mapeamento formal da obra. O
segundo consiste na análise e interpretação de três sonetos. No terceiro, estudo
variações líricas em torno do tema do sertão, por meio da análise de quatro
poemas. O quarto capítulo apresenta uma leitura interpretativa do poema-canção
Vaca Estrela, Boi Fubá. E o quinto estuda aspectos e impasses do conflito entre
tradicionalismo e modernização em representações do mundo do trabalho na
obra do poeta.
7
Abstract
Keywords: Popular poetry, cordel, tradition, novelty, modernization
The aim of this thesis is to study Patativa do Assaré's Poetry by
trying to describe characteristics and impasses that make it unique in the
Brazilian literature scope.
As a comparison with the poetic of the cordel as well as the chant,
passing by its dialog with the erudite poetry, it is revealed as a production which
adheres dialectically and differentiates from the traditional environment where it
has been raised based on a strong authorial component.
This research contains an introduction, five chapters and
attachments.
The first chapter leads the reader to a formal plotting of the work.
The second one consists of an analysis and interpretation of three sonnets. In the
third one, a study on lyrical variations using the sertão as a theme, by analyzing
of four poems. The fourth chapter presents an interpretative reading of the
poem-song Vaca Estrela, Boi Fubá. Finally, the fifth chapter studies aspects and
impasses involving the conflict between traditionalism and modernization in
work world representations in this poet's work.
8
Introdução
Este trabalho ao eleger a poesia de Patativa do Assaré como objeto de estudo,
organiza-se em torno de três aspirações: 1) identificar e descrever as características capazes de
circunscrever sua produção; 2) fazer um mapeamento formal de sua obra; 3) debruçar-se mais
detidamente no comentário, análise e interpretação de alguns poemas, no intuito de
compreender e delinear a visão de mundo do poeta e a natureza de sua contribuição para a
nossa literatura.
Venho estudando a obra de Patativa do Assaré desde o mestrado, quando defendi
dissertação intitulada Patativa do Assaré: as razões da emoção Capítulos de uma poética
sertaneja. Considero aquele trabalho uma introdução ao universo rico e complexo do autor,
onde segui algumas intuições e pistas que puderam desvelar parte do segredo e da beleza de
sua produção. No entanto, ficou em mim o sentimento de que ainda muito a ser feito. Não
tenho ilusões de que o presente trabalho conta deste desafio, que creio ser por natureza
infinito; contento-me de ter oferecido alguma contribuição ao estudo e compreensão do poeta.
Cada leitor e estudioso pode dar a sua contribuição e aproveitar deste encontro com a emoção,
a alegria e a beleza que nos advém do contato com a verdadeira poesia. Desde que conheci
Patativa na cidade de Assaré, em 1983 onde permaneci por dois anos, não cessou de crescer
meu afeto e minha admiração pelo querido amigo, e tudo isto sei o quanto deve à sua
condição de poeta, à largueza de seu espírito, à sua generosidade, ao seu humor, às suas
contradições, ao espírito eternamente jovem não importa o quanto avançasse em idade, à
permanente disponibilidade para comunicação com seu semelhante, e àquele calor humano
que nos prendia a seu lado e dava vontade de voltar e renovar constantemente nosso convívio
que se estendeu até o ano de sua morte em julho de 2002.
O contato com sua poesia marcou-me desde o início com o sentimento da diferença. À
medida que motivado por sua própria obra fui me interessando pela de outros poetas do
9
sertão, cordelistas, cantadores, eu ia discernindo em meio aos pontos em comum, o sinal de
uma diferença que eu não sabia bem definir. O conhecimento de sua história, de sua formação
intelectual, com os episódios biográficos tão conhecidos, divulgados por meio das
entrevistas que concedia e do trabalho de estudiosos e biógrafos que escreveram sobre ele,
aponta para a vinculação de sua poesia aos códigos da poesia oral, da literatura de cordel (que
é em larga margem transposição para a escrita de poesia oral) e da poesia dos cantadores
repentistas.
No entanto, ao lado desta filiação ou dívida para com estas poéticas sempre me senti
intrigado pela diferença da obra de Patativa em relação a todos esses cânones. Neste trabalho
procuro avançar na direção do conhecimento dessa diferença, pois será ela, quando bem
apreendida que revelará em toda sua inteireza a marca da contribuição pessoal de Patativa do
Assaré às nossas Letras.
em Patativa do Assa uma curiosa convivência entre duas orientações poéticas
antagônicas. Uma que impulsiona o poeta a trilhar os caminhos da tradição, outra que o
desafia a imprimir uma marca pessoal em sua obra. Estas duas tendências podem afastar-se ou
aproximar-se. Podem se constituir em pólos quase excludentes, ou podem reduzir esta mútua
excludência e se combinarem em graus variados. Isto é o que ocorre no seu caso.
Patativa é um poeta da tradição, mas não sabemos bem de qual tradição. Do cordel?
Da cantoria? Da poesia oral? Da poesia literária? De nenhuma delas exclusivamente e um
pouco de cada uma.
De um modo direto sua poesia revela-se tradicional. Ela se exprime por meio de um
repertório mais ou menos delimitado de formas e não aspira a um experimentalismo, ou a
inovações constantes, num movimento ou inquietação típica das poéticas da modernidade.
Mas esta tradição de que ela faz parte não se restringe nem ao repertório do cordel, nem do
repente ou da cantoria, nem da poesia literária, embora extraia elementos de todas estas
10
fontes. Sua situação, quando comparada com a de poetas que se enquadram nessas diversas
linhagens, sobretudo do cordel e da cantoria, singulariza-se por um alargamento de fronteiras,
por uma expansão dos limites de territórios previamente traçados.
Tomemos o caso da sua relação com o cordel.
O poeta foi criado num ambiente onde esta literatura é amplamente difundida, tendo
sido o veículo, ao lado dos versos dos cantadores de viola, que lhe franqueou os primeiros
contatos com as artes poéticas. Através da audição de cordéis lidos por pessoas alfabetizadas,
quando ele ainda não o era, pôde experimentar a beleza e o fascínio pela poesia que o
acompanhariam pelo resto da vida. Esta experiência foi a porta de entrada para uma incursão
formativa pelo universo da poesia oral. Foi de ouvido que aprendeu ritmo e metrificação,
recursos que seriam usados na poesia de bancada, a poesia não improvisada que constitui a
maior parte de sua obra, ao lado da poesia dos repentes que também cultivou nas cantorias.
No entanto, apesar desta dívida para com o cordel, Patativa escreveu poucos folhetos.
Primeiramente, ficou muitos anos isolado na Serra de Santana, no Ceará, num período
fecundo quando compôs grande parte de sua obra, mas não chegou então a publicar nenhum
cordel, apesar do número significativo de poemas que acumulara. Sua estréia literária
acontecerá com a publicação do seu primeiro livro Inspiração nordestina, em 1957.
Depois desta estréia, publicou alguns trabalhos em folhetos. Estes foram
posteriormente reeditados totalizando treze cordéis. Segundo esta iniciativa editorial da
Universidade Federal do Ceará, seria este o número de cordéis de sua autoria. No entanto,
vale ressaltar, que seja do ponto de vista formal, seja em perspectiva estrutural, este conjunto
de textos não corresponde a um conceito rigoroso de cordel. Muitos deles, na falta de certas
características, seriam cordel unicamente enquanto gênero editorial. São produções que
apenas fazem uso do formato dos folhetos, mas, ou estão distantes do espírito dos textos que
11
constituem a literatura de cordel, ou fogem-lhe aos padrões formais de estrofes, esquemas
rímicos e número de páginas.
Estamos diante de duas alternativas. Se considerarmos o cordel como um gênero
editorial, então Patativa raramente se valeu dele; desde a estréia sua obra conheceu a
divulgação em livro, enquanto isso alguns poucos poemas como A triste partida, Emigração
ou Saudação ao Juazeiro do orte, que tinham sido publicados em livro, foram também
divulgados em folhetos. Se considerarmos o cordel como um gênero poético, será preciso
reunir-lhe um conjunto mínimo de características que o definam, e então, ver-se-á que o poeta
escreveu textos com tais características, mas poucos. Neste caso podemos mencionar os
folhetos A lâmpada de Aladim, Abílio e seu cachorro Jupi, O doutor Raiz, Brosogó, Militão
e o Diabo, O Padre Henrique e o Dragão da Maldade, ABC do ordeste Flagelado e Glosas
sobre o Comunismo.
Quais seriam os elementos mínimos cuja presença nos permite reconhecer um texto da
literatura de cordel? Não é uma resposta simples. Vou aqui passar em revista a resposta ao
problema que vem sendo dada segundo diferentes diretrizes de estudos, e ao final ver se é
possível combinar algumas destas características, mesmo quando oriundas de perspectivas
distintas para assim melhor circunscrever o objeto.
Falando em termos mais tendenciais que exclusivos, podemos dizer que um dos traços
do caráter popular do cordel, está em ser ele uma poesia narrativa. Outras modalidades de
texto que não o narrativo aparecem em folhetos, mas neste caso seria melhor falar em fórmula
editorial antes que em cordel. Esta narratividade se configura segundo alguns parâmetros,
como “seleção vocabular de fácil compreensão e unidade de tema”
1
, e ainda espontaneidade,
enredos bem articulados numa relação de continuidade de causa e efeito, favorecendo uma
recepção acessível e sem embaraços mesmo pelos ouvintes menos acostumados. Estes traços
1
Abreu, Márcia. Histórias de cordéis e folhetosALR Unicamp, 1999.
12
configuram uma mimese cujos narradores operam com um nível de redundância que
franqueia de forma transparente a intelegibilidade do discurso para um público formado e
vivendo num contexto em que têm proeminência os códigos da cultura predominantemente
oral. Esses elementos que devem se fazer presentes num texto de cordel, são os de uma poesia
popular latu senso.Vale dizer, ocorrem num conjunto de produções mais extenso que o
universo particular do cordel, exemplo disto é a própria obra de Patativa do Assaré que segue
esses pressupostos em sua totalidade, mesmo naquela sua porção em que o poeta move-se
num universo distinto da literatura de cordel.
Ainda nessa perspectiva convém ressaltar que os elementos responsáveis pela boa
narratividade devem ser expressos em formas estróficas e esquemas de rimas consagrados
pela tradição. O conhecimento prévio das formas em que se expressa o poeta é fator
concorrente para a criação de laços de empatia, assim como a rima é um apoio mnemônico
que facilita a memorização e a própria compreensão do texto nos meios onde um
predomínio da difusão performática. Neste sentido, a literatura de cordel nordestina muito
consagrou no plano das estrofes a tríade composta por sextilha, septilhas e décimas, cada uma
com um esquema de rimas peculiar, assunto de que me ocuparei mais detalhadamente num
capítulo dedicado às formas poéticas. Por hora vale ressaltar que os cordelistas nordestinos
fixaram-se nestas estrofes e a freqüência de sua utilização da mais empregada para a menos
segue a ordem em que foram nomeadas; a maioria absoluta dos folhetos é escrita em sextilhas
com esquema de rimas x a x a x a, e em quantidade decrescente aparecem a septilha e a
décima. Neste particular, como veremos adiante, reafirma-se a diferença de Patativa do
Assaré com relação a essas práticas. Na sua obra a estatística de utilização das estrofes é
rigorosamente inversa a essa da literatura de cordel e, além disso, ele recorre com grande
freqüência a formas típicas de outras poéticas.
13
Classificações temáticas da literatura de cordel
Literatura de cordel é uma expressão cujo emprego foi se expandindo, e vem sofrendo
redefinições, pequenos ajustes de acordo com o contexto cultural em que a expressão passa a
ser empregada. É o que podemos verificar na transposição do fenômeno de Portugal para o
Brasil.
Muitos estudiosos tentaram circunscrever o fenômeno por meio de um enfoque
conteudístico, procurando descrever e enumerar o conjunto de temas tratados nesse tipo de
literatura. As tentativas nesse sentido apresentam inúmeros problemas, e se em algum sentido
podem ajudar o leitor a aproximar-se do universo do cordel, o fato é que essas classificações
não conseguiram se estruturar em torno de categorias consistentes e inclusivas o bastante para
darem conta da complexidade do objeto que revela a toda hora os limites e a precariedade da
abordagem temática.
Apresento a seguir, a título de exemplo, duas classificações. As de Manuel Diegues
Junior e Ariano Suassuna. Nos anexos deste trabalho, apresento outras oito classificações
temáticas da literatura de cordel.
Manuel Diegues propõe o seguinte:
Temas tradicionais: a) Romances e novelas; b) contos maravilhosos; c) estórias de animais;
d) anti-heróis; e) tradição religiosa.
Fatos circunstanciados ou acontecidos: a) de natureza física; b) de repercussão social; c)
cidade e vida urbana; d) crítica e sátira; e) elemento humano.
Cantorias e Pelejas
Ariano Suassuna, o que segue:
Ciclos:
1) heróico ou épico;
14
2) do maravilhoso;
3) religioso e de moralidades;
4) cômico, satírico e picaresco;
5) de circunstâncias;
6) de amor e fidelidade;
7) político;
8) de problemas sociais;
9) as pelejas e os desafios.
As tentativas de classificação por temas da literatura de cordel têm demonstrado, na
proliferação de sistemas classificatórios, a dificuldade deste caminho, assim como têm
evidenciado a larga margem de subjetividade implicada na construção de tais sistemas.
Apesar de terem sido propostos cerca de dez tipos de classificação por tema, não se chegou
a nenhum consenso. Nessa dezena de sistemas muita repetição, imprecisão nos limites
entre as categorias, complementaridade, e apesar da freqüente superposição ou redundância de
critérios é comum a impossibilidade de classificar um folheto em apenas uma categoria uma
vez que muitas narrativas apresentam mais de um tema. Assim, parece que pela via temática é
impossível criar um sistema definitivo e suficientemente inclusivo que dispense os outros.
O problema mostra-se mais difícil de ser enfrentado na literatura de cordel portuguesa
do que na que se desenvolveu no Brasil. O cordel em Portugal se espraiou por um arco
temático muito mais vasto, o que se fazia acompanhar de igual diversificação de formas
literárias a que podiam lançar mão os autores. Em Portugal escreveram-se as chamadas
histórias tradicionais, inspiradas nas aventuras de cavalaria, as mesmas que depois seriam
recriadas e reproduzidas no Brasil. Havia também folhetos com poemas e baladas, e ao lado
destes, uma variedade desnorteante de textos desde vidas de santos, orações, peças de teatro,
almanaques, horóscopos até receitas culinárias. Observe-se que é difícil encontrar um
denominador comum a este conjunto de textos, que diferentes no conteúdo, ainda misturavam
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além de gêneros literários, poesia e teatro, por exemplo, e modalidades de texto como a prosa
e o verso.
Acrescente-se a isso que era difícil até defini-lo como literatura popular uma vez que
os livretos em Portugal dirigiam-se a todas as classes sociais, tanto às populares quanto às
elites. E não apenas porque estas tivessem gostos iguais àquelas, mas a própria literatura culta,
em versões originais, chegou a ser divulgada por meio destes livretos, além de Gil Vicente,
autores como Goethe, Camões e Zola tiveram obras editadas e vendidas em formato de
cordel
2
. Diante desta profusão de temas e formas literárias, em que é impossível encontrar um
elemento unificador, houve quem propusesse tomar a literatura de cordel em Portugal antes
como uma fórmula editorial do que como um gênero literário.
No Brasil a situação é um pouco diferente. Do confronto das duas literaturas, verifica-
se uma especialização no cordel nordestino que implica simultaneamente redução num
sentido e expansão em outro. redução na medida em que nossa literatura de folhetos
desconhece por completo o cordel em prosa. O nosso é unicamente em verso e, além disso, é
uma literatura predominantemente narrativa. A combinação destes fatores reduz bastante o
espectro temático e formal abrangido. Ficam de fora as vidas de santo, os horóscopos, as
receitas culinárias, o teatro, mas por outro lado, no nosso cordel houve uma multiplicação dos
ciclos temáticos, com uma proliferação de personagens que compõem uma nova galeria de
heróis muito mais numerosos do que vamos encontrar na literatura de cordel de toda a
península ibérica.
Refletindo sobre essa questão, Ariano Suassuna esclarece:
“Creio, porém, ainda hoje, que, no todo, Gustavo Barroso tinha razão, e estava em caminho
mais correto do que aqueles que distribuem os folhetos nordestinos em torno não de assuntos,
e sim de personagens, com o “ciclo Antonio Silvino”, o “ciclo de Lampião”, “o ciclo de
Padre Cícero”, etc. Os eruditos ibéricos agiram assim em relação ao seu Romanceiro, com o
“ciclo do Cid”, o “ciclo dos Infantes de Lara”, etc. Mas é que o Romanceiro ibérico conta
2
Abreu, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos.ALR Unicamp, 1999.
16
quase que com o ciclo que, entre nós, seria o heróico. Por isso, é explicável que assim
fizessem. Mas o nosso Romanceiro é muito mais rico e variado, principalmente porque é vivo
e atuante, cheio de força e vitalidade nos dias de hoje, e não somente uma sobrevivência
arcaica, como lá.
3
Estes dois esquemas classificatórios por tema, acima apresentados, servem, no caso do
estudo da obra de Patativa do Assaré, mais para enfatizar o que não aparece em sua obra do
que para descrever fidedignamente o que ela apresenta de original. Tomando a classificação
de Manuel Diegues Júnior, sobre o primeiro tópico, Temas tradicionais podemos
desconsiderar os itens a) Romances e novelas e b) Contos maravilhosos. O descarte destes
itens decorre da escolha de Patativa pela criação de uma obra o mais original possível, em que
os enredos e mitos de suas narrativas sejam de sua própria autoria. Não se sentia motivado em
versejar criações alheias, creio que isto explica sua abstenção deste tipo de produção. Vale
citar a exceção que fica por conta do seu cordel A lâmpada de Aladim.
Do esquema de Ariano Suassuna podemos descartar de saída aquele que é comum ao
esquema anterior, o ciclo maravilhoso, outros, porém devem ser entendidos num sentido bem
particular quando empregados em relação à obra de Patativa, são os casos do ciclo heróico, de
cuja singularidade trato, mais adiante, ao confrontar as narrativas do poeta com as histórias de
luta do nordeste. O mesmo vale para ciclos como o de moralidades, ou de circunstâncias,
muito pouco aplicáveis à obra do poeta.
Uma última observação sobre a serventia das classificações por temas. Os temas
tomados em abstrato dizem muito pouco da obra que se procura conhecer. Só têm serventia
para esta finalidade quando contextualizados e analisados rigorosamente dentro do sistema
poético do autor. Isto decorre em parte do fato de que os temas da literatura são em geral
universais, são os grandes problemas e assuntos da vida humana, sempre os mesmos, sujeitos
3
A compadecida e o romanceiro nordestino in Literatura popular em versos – Estudos/ Manuel Diegues Jr. (et
al.) Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP; R.J. Casa rui Barbosa, 1986.
17
às vezes a variações de enfoque e a sutis e significativas mudanças de tons decorrentes da
ambiência social ou do contexto histórico em que trabalham os autores.
Métodos de abordagem estrutural da narrativa.
Os métodos de abordagem estrutural da narrativa chamam a atenção para o
compromisso dos autores de cordel com a transmissão de uma moral, as narrativas estariam
sempre procurando reafirmar os valores éticos da comunidade através da encenação de uma
luta entre princípios opostos do bem e do mal, o que se configura por meio de um tipo de
desenvolvimento narrativo que segue a grosso modo os esquemas desvendados por Vladimir
Proopp ao estudar os contos maravilhosos. Trata-se da trajetória percorrida por um herói a
quem cabe o trabalho de reparar um dano sofrido, mas ele terá êxito nessa missão se for
capaz de dar respostas certas nas provas a que será submetido; sua luta tem por objetivo
defender e resgatar valores fundamentais do grupo que se acham sob a ameaça de forças
adversas. A situação parte de um equilíbrio inicial que é rompido, prossegue através do
desequilíbrio e volta ao equilíbrio, segundo o esquema
4
abaixo:
1 2 3 4 5 6
Pacto prova resposta contra-resposta julgamento pacto reafirmado
Este esquema dos seis passos é trabalhado por Candice Slater em A vida no barbante.
A autora apresenta um quadro em que estes seis passos podem sofrer variações segundo os
participantes do pacto sejam ambos humanos ou um divino e outro humano. Reproduzo a
4
... o folheto inicia pintando um quadro de harmonia (1), que reflete o cumprimento de obrigações morais e
materiais implícitas na combinação. Inevitavelmente esta harmonia inicial é ameaçada quando um participante
do acordo se defronta com (2) uma prova, que representa não apenas um julgamento de caráter dele mas do
poder e legitimidade do pacto. Sua (3) reação, seja certa ou errada, gera uma (4) contra-resposta pelo outro
participante, e o corpo do texto ... revela uma série destas ações de vai-e-vem, que chegam ao auge no momento
do (5) julgamento quando o certo é recompensado e o errado punido. A estória fecha com uma reafirmação do
pacto inicial. Slater, Candece. A vida no barbante: a literatura de cordel no Brasil: Civilização Brasileira,
1984.
18
seguir as duas primeiras categorias do quadro, aquelas cujos participantes do pacto são ambos
humanos, pois são, segundo me parece, as que poderiam ter alguma relação com as narrativas
de Patativa do Assaré.
As duas primeiras categorias estão abreviadas com as letras H C (significa dois
participantes humanos, e ambos dão respostas certas) e H E (os dois participantes humanos,
um deles dá resposta errada).
Os folhetos que seguem o esquema exposto na primeira categoria H C correspondem
de modo geral às Pelejas poéticas. Neste caso as regras do concurso poético seriam o pacto, a
competição é um acordo reconhecido entre as duas partes para representar de uma certa
maneira diante de uma platéia real ou pressuposta. Os contendedores estão subordinados a
regras e o público é o juiz. “Se ambos os contendedores portam-se de acordo com suas
reputações (e as expectativas da platéia), o ‘assalto’ terminará em um empate.”
A segunda categoria do quadro abaixo nos interessa mais particularmente, pois creio
que ela pode nos dar a medida do afastamento ou da diferença de Patativa do Assaré em
relação a este esquema, que é afinal mais um modelo de caracterização do cordel.
Trata-se agora da categoria em que dois participantes humanos e um deles a
resposta errada. “Esta categoria HE abrange a maior parte das estórias que tradicionalmente
têm sido rotuladas como ‘sátira social’”. São estórias que enfocam aspectos da ordem social,
dando destaque aos abusos do poder com um olho voltado para a punição e reforma. “Nessas
narrativas, diz Candice Slater, o membro socialmente inferior de um pacto implícito põe à
prova o superior” e ainda: “significativamente, nos encontros poéticos que recaem nesta
categoria, o vencedor é normalmente o que está por baixo”.
19
HC HE
1 Pacto A e B são iguais - harmonia A é socialmente inferior a
inicial (A e B são protagonis-
B – harmonia implícita (A e
tas e principais membros do B são protagonistas e princi-
pacto) pais membros do pacto).
2 Prova A testa B A testa B, após B provocar
A.
3 Resposta B responde corretamente, B mostra falta de julgamento,
Portanto testando A comportamento inadequado
Em resposta à prova.
4 Contra-resposta A responde corretamente, A "pune" B, geralmente pelo
Portanto testando B ridículo.
5 Julgamento O resultado é um empate,
Tentativa de B para retrucar,
subtendendo satisfação acarreta perda material e/ou
mútua. humilhação.
6 Reafirmação do pacto A e B seguem seus respec- B tem a posição reduzida, a
tivos caminhos como iguais, harmonia é restaurada.
deixando a comunidade
Contente -- harmonia.
A primeira das categorias acima pode corresponder a um esquema próximo ao das
pelejas poéticas fictícias utilizado por Patativa do Assaré, na composição de alguns poemas,
cito como exemplo o terreiro da choupana, Conversa de matuto, Bertolino e ZéTingó e
Encontro de Patativa do Assaré com a alma de limeira. Destes quatro textos, somente os
dois últimos são propriamente pelejas poéticas fictícias. A forma de alternância entre as falas
dos interlocutores é a típica do desafio, a fala de um sucede a do outro, estrofe a estrofe. O
debate termina empatado, pois nenhum dos dois contendedores mostra-se superior ao outro,
20
nenhum lança uma pergunta ou argumento que deixe o outro sem saída. nos dois primeiros
textos, embora haja o emprego da alternância de falas entre dois interlocutores, cada
interlocutor não toma a palavra logo após uma unidade de fala do outro, como nos desafios.
Em Conversa de matuto encena-se um diálogo entre personagens que expressam pontos de
vistas diferentes, mas a fala do primeiro é exposta ao longo de dez estrofes sem que o outro
interfira, depois vem a resposta em treze estrofes, sem mais qualquer manifestação do
primeiro interlocutor. As falas de cada participante são desenvolvidas e apresentadas em
blocos inteiriços sem alternância estrofe a estrofe.
O poema o terreiro da choupana fica numa situação intermediária quanto ao aspecto
da exposição da fala de cada personagem. Os dois amigos estão conversando sobre vários
assuntos no terreiro da casa de um deles. O conjunto dos assuntos tratados parece ter uma
interessante gica subjacente. O primeiro tema é a conquista da lua pelo homem;
Granjeiro acha que tal notícia é pura mentira, Parafuso explica-lhe em metáforas e linguagem
matuta, como este feito científico foi possível. Depois, os dois amigos, sentem vontade de
tomar um cafezinho, mas o acabou, surge, então, na conversa o tema da carestia e penúria
em que vive o povo, sem dinheiro para comer. Na esteira desta queixa emerge o problema que
toca de perto aos dois personagens o da falta de terra para os trabalhadores do campo
explorados pelos grandes fazendeiros. O próximo assunto versará sobre as guerras que andam
assolando o mundo, mencionam-se duas, a do Vietnã e a do Oriente Médio. E o poema
conclui como um suspiro de desalento por esta situação calamitosa em que vive a humanidade
mergulhada. Este conjunto de assuntos variados torna-se repertório conhecido dos
interlocutores, conforme diz o poema, graças à audição de programas de rádios, onde os dois
amigos tomam conhecimento destas atualidades. O percurso temático, a seleção e a seqüência
em que são apresentados os tópicos, são interessantes na medida em que partindo de um feito
admirável e quase inacreditável, no contexto, a chegada do homem à lua, os dois matutos,
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muito ligados à vida concreta e cotidiana, não se deixam hipnotizar ou anestesiar por
conquista tão vistosa e incrível e voltam os olhos de forma crítica para todos os malefícios e
carências que proliferam em sua volta, numa montagem de fragmentos eloqüente que parece,
ao pôr o dedo na ferida, lançar uma grande interrogação sobre a validade de voltar o homem
os olhos e seus artefatos em direção ao céu se aqui embaixo anda tudo no maior desmantelo, e
os governantes não conseguem garantir os direitos mínimos para todos, até aquele mais
fundamental, o da própria vida?
No caso deste poema que acabo de comentar, pergunto-me se o esquema proposto se
aplicaria. dois homens conversando, um parece mais instruído ou informado que o outro,
mas nada de semelhante a uma disputa entre os dois, e creio que a visão crítica que afinal
se afirma não seria apropriado descrevê-la como um esquema pergunta-resposta certa a uma
prova.
Uma vez que a categoria HC, descrita acima, pressupõe um empate, que os dois
contendedores dão respostas certas às questões ou às provas, somente os dois últimos poemas
preenchem este requisito. Em Bertolino e Tingó dois amigos conversam sobre o papel
desempenhado pela mulher na vida do homem; um defende o ponto de vista de que a mulher
representa um perigo para o homem, e enumera situações típicas vividas ou vistas em que o
amor entre homem e mulher é fonte de sofrimento e desorientação; o outro defende a mulher
e o amor que ela pode dar, e igualmente o personagem declina um conjunto de argumentos e
situações que corroboram seu ponto de vista. O fato é que nenhum vence o outro, até porque
fica claro que os dois pontos de vista são rigorosa e contraditoriamente verdadeiros e
expressam experiências diferentes.
Em Encontro de Patativa do Assaré com a alma de Limeira, os dois poetas se
batem num duelo poético que não é vencido por nenhum deles. Este empate é enfatizado nos
versos finais em que Patativa, autor desta peleja fictícia, mostra que não foi vencido, mas
22
louva a perícia do grande colega com quem se orgulha de ter se batido numa peleja entre
iguais. Nestes dois textos, os dois contendedores acabam empatados, o que significa que
ambos deram as respostas certas, ou, melhor dizendo, como se trata de desafio ambos
seguiram as regras da cantoria e nenhum encurralou o outro com uma pergunta sem resposta.
Coisa diferente se passa com a segunda categoria. A autora chama a atenção de que
neste segundo modelo em geral vence aquele que está por baixo e que é inicialmente
humilhado pelo elemento cobiçoso e orgulhoso. A categoria é exemplificada com o folheto
Proezas de João Grilo, em que o Grilo, chamado de velhaco, figura como aquele que está por
baixo e que reverte a situação, humilhando, por exemplo, o padre que lhe pede água e a quem
o “pícaro” dá-lhe o líquido misturado com urina; além desta, é referida a outra cena em que
Grilo, por baixo do confessionário, atira um lagarto que sobe pela perna do padre. Acho
problemático ver na figura deste padre ou do vaqueiro a quem João Grilo também engana e
ridiculariza, pelo menos da forma como a narrativa representa estes agentes, personagens que
possamos associar à cobiça, à desatenção ou ao orgulho. Feita esta ressalva, o esquema que
descreve uma narrativa em que o que está por baixo consegue reverter a situação, lembra dois
poemas de Patativa: As façanhas de João Mole e As proezas de Sabina. Aqui, num certo
sentido, podemos dizer que a sátira se configura na reversão das expectativas. Isso fica mais
patente no caso de João Mole, que como o próprio nome indica, era um homem frouxo que
levava diariamente surras violentas da mulher e da sogra que muito se divertiam com isso.
Até que um dia, o João decide mudar e reagir, e então a situação inverte-se, ele uma
tremenda surra nas duas mulheres, assume o governo da casa e conquista o respeito e até o
amor da Zizi, sua mulher, e, para coroar a completa reviravolta, muda de nome e entra no
bando de Lampião. Sabina é pessoa valente desde o início, sempre de cara fechada para os
pretendentes, aceita a proposta de casamento que lhe faz João Pompeu. Apesar do seu jeitão
sempre carrancudo, ela e o marido vivem durante muito tempo em paz e harmonia, até que
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um dia Sabina resolve implicar com as cachaçadas do companheiro e marca hora para ele
chegar em casa. Indignado João Pompeu afronta a mulher e, certa ocasião, depois de chegar
tarde da noite e bêbado às quedas leva uma sova tão violenta da mulher que passa dias
acamado, só saindo do quarto porque a mulher o obriga. Muda então seu regime de vida e faz
tudo o que a mulher determina, fica tão covarde que se põe a varrer a casa e cuidar das
crianças, e, segundo o narrador, ficou faltando apenas dar de mamar para virar mulher de vez.
Como se pode notar, as duas estórias apresentam uma simetria no que se refere aos gêneros
masculino e feminino. Num caso a mulher assume o definitivo mando da casa, no outro, é o
homem que o faz, destronando a mulher e a sogra que o oprimiam.
No entanto, parece-me limitado o alcance descritivo desta categoria, na medida em
que através dela a autora busca abranger as narrativas em que um oprimido se defronta com
um poderoso e o primeiro acaba triunfando sobre este último. Nas duas estórias de Patativa, a
oposição entre os personagens é praticamente doméstica, e o esquema, então, se aplica em
grande parte. É fato, porém que, na obra de Patativa, nem toda narrativa de sátira terá este
esquema de virada da situação ou esta volta por cima por parte de quem está por baixo, e
menos ainda isto ocorre quando está em jogo uma oposição que implica diferença social e
opressão econômica. Quando isto ocorre este esquema não conta ou não descreve o modo
como Patativa conduz as narrativas deste tipo.
Tratando deste caso da segunda categoria, aquele em que um matuto é oprimido e o
assunto é tratado com humor, mas, diferentemente do proposto neste esquema, não triunfo
do inferior, sirvam de exemplos, poemas como A maió decepção e Maria Tetê, ou mesmo A
escrava do dinheiro. Em todas estas narrativas o espertalhão, pessoa da mesma ou de outra
classe social do matuto passa-lhe a perna e ganha a parada, infligindo perdas importantes à
sua vítima através de calotes ou pura traição afetiva, e a vítima derrotada é sempre o matuto
ingênuo, puro, confiante e desarmado.
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Mas no esquema estudado por Candice Slater, estes caipiras ou matutos deveriam
ganhar sempre, e assim aconteceu por muito tempo, diz a pesquisadora, ocorre, no entanto,
acrescenta ela, que ultimamente têm aparecido muitas narrativas em que o matuto perde, é
passado para trás. Ora este é exatamente o caso com que nos deparamos na obra de Patativa
do Assaré. Mais do que reconhecer que isso se deva a mudanças das condições sócio-
econômicas, parece-me importante assinalar uma mudança de perspectiva importante na
atitude crítica e visão de mundo do poeta que abandona aquele esquema compensatório que
enaltece o oprimido compensado-o por meio de um enredo generoso, por outro mais duro de
engolir, porém mais realista, o qual parte do conhecimento de que nas condições de
dominação vigentes, o lado fraco, ainda mais quando pouco ou nada politizado, leva sempre a
pior. E no trabalho dos poetas que puderam dar esta virada, e Patativa do Assaré certamente
está entre eles, não vejo como possamos reconhecer o funcionamento de um esquema binário
ou maniqueísta do tipo o bem contra o mal, sempre terminando com a segurança
tranqüilizadora de que o bem triunfará sobre o mal. Muda muita coisa quando um poeta
popular abstém-se de propagar este esquema consolador e parte para uma denúncia crua e
realista, onde não há lugar para esperanças fáceis. Parece ser justamente o contrário o que os
poemas de Patativa procuram denunciar, alertar e propagar com perplexidade, o fato de que o
mal, a mentira, a exploração e a opressão há muito vêm levando a melhor neste mundo.
Se em A vida no barbante põe-se em destaque este esquema operando sobre a sátira,
pois a vitória do oprimido se daria com o vexame e a exposição ao ridículo do espertalhão, no
livro Cordel do encantamento às histórias de luta, que também trabalha numa perspectiva
dos estudos estruturais da narrativa, Maria José Londres analisa textos de cordel em que
homens pobres oprimidos, mas corajosos, enfrentam seus opressores mais poderosos e ricos
de cabeça erguida, e graças a qualidades excepcionais de força e coragem acabam triunfando
sobre estes adversários e até conquistando-lhes o reconhecimento, o que em alguns casos
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significa o direito de casar com a filha do fazendeiro. Se no primeiro caso era a sátira, neste
agora, são as histórias de luta, mas nos dois casos estamos frente a narrativas em que a vitória
do mais fraco, dá-se por meio de viradas espetaculares, uma vez que a desproporção de
recursos das duas partes é grande. Tais intrigas têm um caráter romanesco ou fantasioso, e sua
função ideológica parece ser a de um paliativo compensatório, e mesmo enganoso. Mas não é
o momento de julgar, mas tão somente de apontar a distância ou a diferença entre a poética de
Patativa do Assaré e estas características de certa vertente do cordel enfatizada pelos estudos
de estrutura da narrativa.
As narrativas estudadas por Maria José Londres mostram-se como o desenvolvimento
e realização de um confronto entre ”o homem pobre, forte e corajoso” e o “fazendeiro rico,
dono de terras e de gado” sempre rodeado por seus capangas. Em tais narrativas o pobre
valente e corajoso jamais se submete ao poderoso proprietário. Após uma seqüência de lutas,
muitas escaramuças e reveses, o pobre corajoso derrota os capangas, e com isso
demonstração cabal e inequívoca de seus altos méritos, conseguindo dobrar a antipatia do
adversário rico que em reconhecimento da coragem do herói acaba concedendo-lhe a mão de
sua filha em casamento. Tomando como traço comum a este conjunto de narrativas, o
enfrentamento do pobre contra o rico, aquele corajoso e valente, este poderoso e cruel, e
evoluindo o conflito no sentido da vitória do pobre corajoso, que assim afirma seu valor
diante do adversário, o que parece mover tais enredos é a necessidade de afirmação de certos
valores por meio de um pensamento desejante que engendra percursos narrativos de
fundamentos antes míticos do que realistas.
Esta estrutura de enredo não a encontraremos em Patativa. As narrativas de folhetos
denominadas pela autora Histórias de Lutas do ordeste enquadram-se no Ciclo heróico ou
épico. Tomando o sentido de épico na sua acepção mais tradicional, entendo que não se
aplicaria às produções do nosso autor.
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Em que consistiria a diferença das Histórias de Luta e as narrativas de conflito entre
ricos e pobres como foram desenvolvidas por Patativa?
Tomemos como exemplo de histórias de conflitos entre ricos e pobres, na obra de
Patativa do Assaré, quatro poemas: O caçadô, Uma triste verdade, Vingança do matuto e
História de uma cruz. Os quatro desenvolvem histórias de conflitos pela posse ou pelo direito
a trabalhar na terra e terminam todos com a derrota do agricultor pobre, que é escorraçado,
oprimido ou morto pelo patrão, rico e proprietário. Em Uma triste verdade, o narrador nos
conta como após arrendar uma parte da terra do fazendeiro J. Veloso, e nela fazer inúmeras
benfeitorias, deixando aqueles sítios bonitos e produtivos, a transformação operada pelo seu
trabalho despertou a inveja e ambição do proprietário. Este, numa luta desigual, move contra
o pobre uma implacável perseguição a que não faltam ameaças de morte e cujo desfecho é a
expulsão do agricultor, obrigado a abandonar o Ceará, e mudar-se para o Maranhão, lugar
distante da terra natal, de onde nos narra a sua infeliz história.
Em Vingança de matuto o narrador conta ao amigo Chico como um certo Benedito,
ambicioso e com dinheiro suficiente para contratar o trabalho de advogado experto e
desonesto, conseguiu tomar o tio do seu pai, o qual, após ser expulso da terra onde
trabalhava, vagueou em desamparo pelo mundo e acabou morrendo de desgosto. O poema
indica que ambas as partes, tanto o rico como o pobre, recorrem à justiça, cada lado chega a
contratar um advogado. Fica evidente, no entanto, a inferioridade dos recursos de que
dispunha o lado do narrador:
Duas vaquinha de nós comê leite
E o burro Azeite, corredô e bonito
Meu pai gastou, pra defendê seu lado
E o resurtado foi perdê seu sito
Vale registrar que resultado adverso ocorre mesmo possuindo a parte derrotada
documento de propriedade que deveria lhe garantir os direitos, mas seu documento é
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desqualificado e anulado por fraude do advogado defensor do lado mais forte. Ao pobre
derrotado resta então a esperança de que após a morte o experto Benedito pague o pecado
da sua trapaça queimando nas caldeiras do inferno.
Em História de uma cruz, impressionada pela visão de uma cruz à beira da estrada e
pelo ajuntamento de pessoas e orações que em volta dela costumam acontecer, uma criança
pede ao pai que lhe conte o caso que motivou a colocação daquele marco. O pai narra então
ao filho a morte de um rapaz solteiro, Morão, agricultor pobre que morava na terra do
patrão em companhia da mãe, e cuja presença a certa altura incomoda o dono das terras que
recorrendo a diversos expedientes para desalojar o outro, diante de sua resistência termina por
assassiná-lo com um tiro de rifle numa emboscada.
No poema O caçadô, um agricultor teve um pedaço de seu pequeno sítio incorporado às
terras de vizinho, latifundiário poderoso, que não mata o pobre roceiro porque este se
resigna e recolhe-se ao magro quinhão de terra que lhe sobrou após a usurpação praticada pelo
proprietário rico. O personagem pobre é agora obrigado a sobreviver por meio da caça que
a nesga de terra que lhe restou é insuficiente para que nela plante uma roça capaz de prover as
necessidades da sua família
Como vimos, sempre que o confronto do camponês pobre com o fazendeiro rico
este último vence. Comparando os dois tipos de narrativas, as chamadas Histórias de luta do
ordeste, estudadas por Maria José Londres, e os enredos de conflito entre agricultores
pobres e proprietários ricos tal como se apresentam na obra de Patativa a diferença é
completa. Cabe-nos analisar estas diferenças sobre um pano de fundo histórico e sociológico
tanto no âmbito da sociedade em si mesma como no âmbito do desenvolvimento interno e
paralelo das formas poéticas.
A autora analisa o texto de cordel O sertanejo Antônio Cobra Choca, tomado-o como
exemplo de história de luta com componente econômico e erótico. O componente econômico
28
resulta da presença de uma relação expressa entre pobre-rico, empregado-empregador, como
se no folheto. Já o componente erótico ocorre quando há uma união amorosa, um
casamento, vinculado à narrativa; isto implica dizer que um rapaz casa-se com uma moça que
ele conhece no decorrer de suas ações durante a narrativa, não é a circunstância de um
casamento citado apenas no epílogo, numa relação posterior e externa ao entrecho.
Resumo do folheto O sertanejo Antônio Cobra Choca:
Havia no sertão das Alagoas um coronel de nome Vicentino, malfeitor, grande
proprietário, beneficiário de grupos armados a serviço de ricos fazendeiros. O coronel era
dono de um Engenho onde praticava toda sorte de violência e arbitrariedade. Deflorava moças
e depois assassinava seus pais, desrespeitava as mulheres casadas, explorava e humilhava seus
trabalhadores, e para poder praticar sem resistências estas crueldades todas, rodeava-se de um
grupo de capangas que garantiam sua defesa e segurança. Do alto sertão parte, fugindo da
calamidade da seca, o valente sertanejo Antonio Cobra Choca. Após despedir-se de parentes e
conterrâneos segue viagem sem rumo até ir dar no engenho do coronel Vicentino. Aí,
desentende-se com um capanga da fazenda a quem vence com facilidade, e por isto é
chamado à presença do poderoso Vicentino que quer conhecer o autor da façanha. O coronel
reconhecendo o valor do sertanejo o contrata como empregado. Mas logo Cobra Choca
envolve-se em novas encrencas. Elogia as pernas de Isabel, filha do patrão. Convocado à sua
presença para explicar-se, o valente Cobra Choca não se intimida e confirma tudo o que
dissera. Diante desta coragem o coronel o elogia e perdoa. Mas o sertanejo tramou uma
fuga com a filha do patrão, os dois querem casar-se e sabendo que o pai da moça não
consentiria, vêem nesta estratégia a única oportunidade de realizarem seu sonho. Depois da
fuga dos jovens, o coronel sai a persegui-los à frente de uma tropa de capangas fortemente
armados com o intuito de matar os dois fugitivos que ousaram afrontar o poder do cruel
proprietário. Antônio Cobra Choca vence e mata todos os capangas, deixando vivo apenas o
coronel Vicentino, que não tendo outra alternativa e reconhecendo o grande valor do
empregado e adversário consente no seu casamento com sua filha Isabel. O sertanejo corajoso
tem seu valor reconhecido e termina aliado do poderoso sogro.
A valentia dos pobres nas Histórias de Lutas tem um quê de heroísmo romântico,
heroísmo épico e mítico, o que nos leva a postular que estamos diante de princípios estéticos
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alinhados com a fantasia que confina muitas vezes com o romanesco. Já as histórias de
conflito sem heroísmo parecem-se com histórias baseadas em princípios de um realismo
contemporâneo onde é feita a representação de um mundo prosaico, cenário em que se
desenrola o drama sem heroísmo ou com o heroísmo possível, resistência, calculada e sem
alarde, praticada pelas classes subalternas, no drama da luta de classes. As narrativas de
Patativa não desempenham a função do mito que enleva e fecunda estirpes imaginárias de
heróis, mas situa-se no plano da literatura de denúncia e crítica social, que além destas
funções de denúncia e crítica volta sua pesquisa para o estudo das camadas morais e
psicológicas dos personagens.
Além disso, podemos enxergar no percurso narrativo de Antônio Cobra Choca uma
trajetória que parece mais demonstrar a semelhança que a diferença entre os dois adversários,
a lógica narrativa do folheto é a da celebração da valentia pela valentia, pouco diferença faz se
esta valentia está do lado mais fraco, uma vez que ela se converte em instrumento para
guindar o sujeito inferior a um patamar onde ele se iguala e torna-se aliado de seu adversário.
É complicado enxergar numa tal trajetória a expressão de uma contra-ideologia da dominação
e da opressão de classes, o que em meu entender é possível, no entanto, discernir no caso das
narrativas de Patativa do Assaré.
No percurso empreendido até aqui, passei em revista pressupostos das classificações
temáticas, da abordagem estrutural, examinei o cordel do ponto de vista dos fatores externos,
formato, dimensões, número de páginas, o que significa tomá-lo como fórmula editorial e
também do ponto de vista das formas poéticas, aí compreendidos tipos de estrofes e esquemas
rímicos. Por toda esta trajetória constata-se um misto de pertencimento e outro de
diferenciação da obra de Patativa do Assaré com relação à literatura de cordel. Creio que esta
diferença, detalhadamente levantada em relação ao cordel, aplica-se de forma idêntica em
30
relação à poesia oral como um todo, incluindo o intercâmbio do poeta com a poesia dos
repentes e das cantorias.
Encruzilhada: entre a poesia oral e a poesia autoral
Como violeiro repentista que um dia foi e, sobretudo, como poeta de bancada que, no
entanto, não recorreu a papel e lápis para compor seus versos, Patativa participa do universo
da poesia oral, e prova disto encontramos nas inúmeras marcas de oralidade que proliferam
em seus poemas. No entanto, no seu caso, tais marcas servem tanto à postulação de um
círculo imaginário de ouvintes, mostrando-nos que o poeta empreende a recriação literária de
circunstâncias de comunicação típicas do cordel, quanto mostram o quanto ele continuou a
compor para a divulgação performática de sua obra, o que fez até o fim da vida.
A festa da maricota
Maria Tetê
Apelo de um agricultor
Seu moço que vai passando
Dotô, meu sinhô dotô,
Sou dotô, não lhe aborreço,
Com seu maço de papé,
Eu nunca gostei de inredo
Venho é fazê um pedido
Descurpe eu tá lhe falando,
Mas vou lhe dizê quem sou
E como sei qui mereço,
Mas me escute se pudé.
Mesmo sem pedi segredo.
Espero sê atendido,
Apois, quando eu fui oiando
Sou um caboco sem sorte,
Pois ante de lhe dizê
Que lhe vi, fiquei pensando
Naci nas terra do Norte
O meu desejo sagrado,
E sou capaz de jurá,
E se de lá vim me imbora
Vou minha histora contá
Logo da premêra vista,
E tô no sú do país,
E o senho vai iscu
Que o senhor é jornalista
É somente porque fiz
Todo meu palavriado.
E eu tenho o que lhe contá.
Um casamento caipora.
Seu dotô me conhece?
A escrava do dinheiro
Vaca Estrela, Boi Fubá
Seu dotô, só me parece
Boa noite, home e menino
Seu dotô, me dê licença
Que o sinhô não me conhece,
E muié deste lugá!
Pra minha histora eu contá.
Nunca sôbe quem sou eu,
Quero que me dê licença
Se hoje eu tou na terra estranha
Nunca viu minha paioça,
Para uma histora contá.
E é bem triste o meu pená,
Minha muié, minha roça,
Como matuto atrasado
Mas já fui muito feliz
E os fio que Deus me deu.
Eu dêxo as língua de lado
Vivendo no meu lugá.
Pra quem as língua aprendeu,
Eu tinha cavalo bom,
Se não sabe, escute agora,
E quero a licença agora
Gostava de campeá
Que eu vou contá minha histora
Mode eu contá minha histora
E todo dia aboiava
Tenha a bondade de uvi:
Com a língua que Deus me deu.
Na portera do currá.
Eu sou da crasse matuta,
Ê ê ê ê Vaca Estrela,
Da crasse que não desfruta
Ô ô ô ô Boi Fubá
Das riqueza do Brasi.
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A maioria dos seus poemas narrativos traz a invocação de um ouvinte ou interlocutor
logo na abertura, como mostram os exemplos acima. Observa-se que na maioria das vezes o
outro a quem se dirige o “eu rico” é um doutor, mas há exceções, como nos casos da Festa
da Maricota ou de A escrava do dinheiro. Estas marcas de oralidade indicam que o poeta
apesar de ter toda a obra publicada em livro, jamais abandonou a fatura oral, e sempre
compunha tendo em vista a futura divulgação pela performance feita por ele mesmo.
Paul Zumthor, pesquisador suíço da poesia oral enumera cinco operações
distintas que são as fases da existência de um poema no âmbito da oralidade:
1. produção
2. transmissão
3. recepção
4. conservação
5. repetição
Define a performance
como: “a ação complexa pela qual uma mensagem poética é
simultaneamente, aqui e agora, transmitida e recebida. Locutor, destinatário e circunstâncias
se encontram concretamente confrontados” abrange as fases 2 (transmissão) e 3 (recepção),
mas se houver improvisação, como ocorre no caso do repente, a performance passa a
consistir das três primeiras etapas (operações 1,2 e 3), incluindo-se, portanto, a produção do
poema. Estas cinco operações permitem-nos esquematizar quatro espécies ideais de
oralidade:
1) “Uma oralidade primária e imediata, ou pura, sem contato com a ‘‘escrita”.
2) Uma oralidade coexistente com a escrita e que, segundo esta coexistência, pode
funcionar de dois modos:
a) oralidade mista: quando a influência da escrita continua externa parcial ou
retardada (existência de uma cultura escrita)
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b) oralidade segunda: que se (re)compõe a partir da escrita e no interior de um
meio em que esta predomina sobre os valores da voz na prática e no
imaginário (existência de uma cultura letrada)
3) Uma oralidade mecanicamente mediatizada, logo diferenciada no tempo e no
espaço.
Em toda sociedade dotada de escrita “cada uma destas operações se realiza seja pela
via sensorial oral-auditiva, seja por intermédio de uma inscrição exposta à percepção visual”.
A combinação destes fatores fornece teoricamente dez possibilidades de comunicação. O
regime da oralidade perfeita dá-se quando as operações 1, 2, 3 e 5 são orais auditivas. No pólo
oposto dá-se o processo perfeito de escritura quando estas mesmas operações comportem
inscrição.
Consideraremos como faz o autor a certa altura de sua exposição como oral toda
prática poética em que pelo menos transmissão e recepção passam pela voz e pelo ouvido,
nesta circunstância estamos diante de tipos de comunicação em que prevalece a transmissão
oral. Se ocorrer também que a produção do poema (operação 1) se faça de forma memorial,
teremos uma outra situação em que além de mera transmissão estaremos diante de uma
circunstância que se caracteriza pela existência de uma tradição oral.
A aplicação destas noções ao caso de Patativa do Assaré leva-nos a situá-lo em dois
destes tipos de oralidade, que penso que não são excludentes, mas admitem gradação e se
complementam: na categoria da oralidade coexistente com a escrita, e nos dois subgrupos
em que ela se desdobra, como também na categoria da oralidade mecanicamente mediatizada.
O enquadramento neste último nível não traz maiores problemas. Justifica-se pela
existência de sua obra em livro, como também por sua participação em programas de rádio
assim como pela gravação em LPs e depois em CDs de poemas e canções com sua própria
voz.
33
A dificuldade situa-se na faixa anterior, a da oralidade coexistente com a escrita. Uma
coisa é a situação analisada do ponto de vista do seu público original, aquele para o qual
produziu antes da publicação de seu primeiro livro e da consolidação de um prestígio que
tornou sua obra conhecida em larga escala também pelo público letrado. Outra é a situação
tomando-se como eixo a figura do próprio poeta, se considerarmos a sua singular relação com
a cultura letrada, que sempre correu de forma paralela e articulada com a sua prática de poeta
do povo. Produziu essencialmente para um público iletrado, as suas performances feitas de
recitativos diante de assembléias de ouvintes, foram o meio preferido de divulgação de sua
poesia. Consideradas estas circunstâncias o justo é situá-lo no plano da oralidade mista, já que
a participação da língua escrita na divulgação e recepção da obra pelo público iletrado era
externa e retardada. Mas diante das peculiaridades do próprio autor esse nível não se lhe
ajusta com precisão. O poeta era um conhecedor da obra de muitos cordelistas, poetas do
sertão e da cidade, assim como de inúmeros autores letrados. Sua relação com a língua escrita
era de grande familiaridade mesmo nos tempos anteriores à estréia literária em livro. Já em
seu primeiro livro aparece produzindo sonetos em métrica decassílaba e na norma culta, o que
atesta leituras e influências de autores da cultura letrada. Face a esta encruzilhada de fatores
qual o elemento que afinal deve prevalecer para determinar se ele situar-se-ia melhor como
poeta cuja prática corresponde à oralidade coexistente com a escrita mista ou segunda? Fica aí
registrada esta dificuldade que procuro contornar considerando-o como participante das duas
espécies de oralidade.
Uma última questão ainda referente às cinco operações da existência do poema. Como
poderíamos descrever a prática de Patativa no que se refere à etapa da produção do poema? O
seu caso, neste particular, parece-me bastante incomum. Embora dominasse com desembaraço
a língua escrita, e com igual mestria nas modalidades cabocla (popular-sertaneja) e culta, o
poeta compunha versos de memória (e isto por mais longo que fosse o poema, alguns
34
contam com algo em torno de quinhentos versos) vindo a registrá-los somente em
circunstância posterior quando já os memorizara por inteiro. Devemos considerar tal poética
escritural ou memorial? Salvo melhor juízo, o esquema de Paul Zumthor buscando detectar o
grau de oralidade, o que quer saber sobre a etapa de produção é se ela corresponderia a uma
oralidade primária, sem contato com a escrita, e este caso se configura quando estamos diante
do repente, do improviso, quando a produção dos versos é simultânea ao ato de enunciação, o
poema vai se construindo na presença do ouvinte. No caso do Assaré o verso em repente não
é o mais significativo de sua obra, esta prática não o empolgava de fato, pois acreditava que
não era compatível com as exigências de uma obra feita para durar no tempo. Tratando de
produzir o que considerava a verdadeira poesia, minimizava a importância do repente, mas
continuava produzindo de forma memorial, sem auxílio de qualquer inscrição, em solidão e
recolhimento. Estas circunstâncias em que realizava a operação 1 são decerto muito diferentes
do autêntico improviso, mas, quero crer que em nenhuma hipótese, possa deixar de ser
considerado um ato fundamentalmente memorial.
A sua singularidade neste ponto revela-se na diferença de perfil. Ele com a consciência
cindida entre o sentimento comunitário e o da própria individualidade distancia-se dos poetas
da autêntica poesia oral, que vivem imersos num mundo arcaico e primitivo, onde sentem-se
porta-vozes da comunidade e desconhecem o sentimento de propriedade sobre a obra que
criam. Mas além deste intervalo a separá-lo deste mundo arcaico comunitário onde ainda não
se consolidou o valor e a importância da individualidade, e conseqüentemente da autoria,
existe outra diferenciação que é interna à sua poesia. Algo relativo a temas, formas e função
social da obra que difere em mais de um ponto da tradição do cordel e da poesia dos violeiros.
A classicidade da literatura tradicional, como já dissemos, manifesta-se no princípio da
imitação que deve prevalecer sobre o princípio da invenção. Eis o ponto xis da divergência.
Patativa sempre fez questão de enfatizar a distância que entendia existir entre o simples
35
versejador e o verdadeiro poeta. Chamava de versejador todo aquele cujo trabalho limita-se à
transposição para o verso de obras escritas por outros autores, mera adaptação de enredos
existentes.
Essa é uma prática como sabemos comuníssima no cordel. Desde seus primórdios no
Brasil a reprodução de histórias de origem estrangeira constituiu um veio fecundo desta
literatura. Luís da Câmara Cascudo em sua obra Cinco Livros do Povo estuda um conjunto de
histórias que foram recriados por muitos cordelistas brasileiros. Nos estudos sobre literatura
de cordel estas obras são chamadas de romances tradicionais. Têm origem em tradições
européias e no Brasil foram transpostos para a forma do verso por nossos poetas do sertão e
conquistaram o amor do povo, prova são as contínuas reedições que conheceram através de
muitas décadas. Leandro Gomes de Barros, que também era autor de enredos originais, versou
dois destes romances: Roberto do Diabo e A Imperatriz Porcina. Além destes romances
tradicionais, outras obras da literatura culta de diversos autores nacionais receberam versões
para o cordel. A Escrava Isaura, e a História do índio Ubirajara e o índio Pojucan são
folhetos baseados respectivamente nos livros de Bernardo Guimarães e o outro, em Ubirajara
de José de Alencar.
Patativa, voltando a atenção e o interesse para a matéria que lhe fornece a vida
presente, absteve-se de alguns temas de produção mais copiosa da literatura de cordel, como
os romances tradicionais e o cordel sobre acontecimentos, cordel reportagem. Essas são
precisamente duas modalidades em que é diminuto o papel da fantasia criadora, não restando
espaço para uma produção de cunho autoral.
Deitando raízes na tradição, mas com a atenção voltada para os temas da vida
cotidiana, a obra de Patativa do Assaré se alimenta e se enriquece com as contradições que a
constituem. A identificação do poeta com os valores tradicionais de um modo de vida arcaico,
impregnado de ideais comunitários, está na base de um conjunto de poemas que ultrapassam a
36
rejeição conservadora ao progresso, perseguindo a utopia de um desenvolvimento
humanizador. E fazem isto, muitas vezes, recorrendo ao culto das coisas passadas, fazendo da
memória arma de resistência.
Mas o artista que tão bem soube representar tantos quadros da vida comunitária é
decididamente um poeta autoral, percebia-se como um indivíduo apartado do grupo, como
uma personalidade singular que se sobressai e se destaca. Isso explica os diversos episódios
em que o poeta saiu a campo para reafirmar seus direitos e lutar pela propriedade intelectual
de sua obra. Esse sentimento do próprio valor deu-lhe a força, o fôlego, a inspiração e a
coragem para renovar a própria tradição que o formou. E com isso logrou atualizar os códigos
da literatura popular, criando uma linguagem adequada a novas necessidades de expressão de
segmentos pouco escolarizados, socialmente excluídos, mas nem por isso menos mergulhados
nas contradições da vida contemporânea.
Com Patativa do Assaré, poeta-criador, a literatura do povo revela maturidade seja na
desenvoltura e naturalidade com que se articulam em sua obra variantes lingüísticas, temas,
imagens e estilo, seja na fecundidade e autonomia dos recursos ficcionais de um autor
habilitado a prover de forma autoral as necessidades de fantasia e emoção do seu público.
37
O corpus do trabalho: explicações necessárias.
O material que forma o corpus deste trabalho é extraído dos seguintes livros:
a) Inspiração nordestina – Cantos de Patativa
b) Cante lá que eu canto cá.
c) Ispinho e Fulô.
d) Aqui tem coisa.
e) ovos poemas comentados.
f) Ao pé da mesa: motes e glosas.
g) Balceiro.
h) Melhores Poemas (Antologia)
A mais recente antologia de Patativa do Assaré, Melhores poemas, lançada em 2006,
pela Editora Global, seleção a cargo de Cláudio Portela, relaciona 21 títulos de obras, algumas
de autoria exclusiva do poeta, enquanto outras são coletâneas onde seus poemas figuram ao
lado dos de outros autores. A lista que transcrevo chega aos 22 tulos com o acréscimo da
própria antologia citada.
1)
Inspiração nordestina. Rio de Janeiro: Borsoi Editor, 1956. (Também editado pela
Hedra em 2003)
2)
Inspiração nordestina -- Cantos de Patativa. Rio de Janeiro: Borsoi Editor, 1967.
3)
Patativa do Assaré – Novos poemas comentados por J. de Figueiredo Filho. Fortaleza:
Imprensa Universitária, 1970.
4)
Cante lá que eu canto cá. Petrópolis: Vozes, 1978.
5)
Ispinho e fulo. Fortaleza: Ioce, 1988 (Também editado pela Hedra em 2005).
6)
Balceiro – Patativa e outros poetas de Assaré. Organizado por Patativa do Assaré e
Geraldo Gonçalves de Alencar. Fortaleza: Secult/Ioce, 1991.
7)
O que é folclore? Patativa do Assaré e vários. Fortaleza: Fundação Cultural de
Fortaleza, julho/agosto, 1993.
8)
Cordéis do patativa. Caixa com 13 folhetos. Juazeiro do Norte: Lira Nordestina.
9)
Aqui tem coisa. Fortaleza: Secult/Ioce, 1994 (Também editado pela Hedra em 2004).
10)
Nordestinos. Coletânea poética do Nordeste brasileiro. Organizada por Pedro Américo
de Farias. Lisboa, Portugal: Editorial Fragmentos, 1994.
11)
Letras ao sol. Antologia da literatura cearense. Organizada por Oswald Barroso e
38
Alexandre Barbalho. Fortaleza: fundação Demócrito Rocha, 1998.
12)
Cordéis. Fortaleza: Edições UFC, 1999.
13)
Balceiro 2 -- Patativa e outros poetas de Assaré. Geraldo Gonçalves de Alencar (org.)
Fortaleza: Secult/São Paulo: Terceira Margem, 2001.
14)
Os cem melhores poetas brasileiros do século XX. José Nêumanne Pinto (org.) São
Paulo: Geração Editorial, 2001.
15)
100 anos de poesia -- Um panorama da poesia brasileira no século XX. Claufe
Rodrigues e Alexandra Maia (orgs.). Rio de Janeiro: O Verso Edições, 2001.
16)
Ao pé da mesa: motes e glosas. Patativa do Assaré e Geraldo Gonçalves de Alencar.
Fortaleza: Secult/São Paulo: Terceira Margem, 2001.
17)
Patativa do Assaré: Antologia poética. Gilmar de Carvalho (organização e prefácio).
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
18)
Balceiro 3 -- Patativa e outros poetas de Assaré. Geraldo Gonçalves de Alencar e
Jurandy Temóteo (orgs.). Crato: A Província Edições, 2003.
19)
A sariema de Totelina. Infantil. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2003.
20)
Lagartixas verdinhas pelo chão. Infantil. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2003.
21)
Um mundo desconhecido. Infantil. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2003.
22)
Melhores poemas - Patativa do Assaré. (org.) Cláudio Portela. São Paulo: Global 2006
A obra de Patativa do Assaré publicada em livro possui algumas particularidades que é
preciso esclarecer. Se considerarmos apenas os livros de sua exclusiva autoria, e não
incluirmos nesta contagem as muitas antologias, ficamos com um número que pode variar de
4 a 6 títulos. Explica-se.
Sua estréia em 1956 com Inspiração nordestina seguiu-se 11 anos depois de uma nova
edição a que foi acrescentada uma segunda parte com poemas inéditos, que ganharam a
denominação de Cantos de Patativa. Eis que a reedição do primeiro livro é ao mesmo tempo
uma segunda edição que traz consigo um livro novo junto ao primeiro. E assim surge a
questão. É um livro ou são dois? Como a edição inclui os poemas da e lhe acrescenta
outros inéditos, convém considerarmos esta edição mais abrangente como o livro definitivo,
39
composto de duas partes. Assim os títulos que aparecem em 1 e 2 são um livro apenas, o
listado no item dois.
O terceiro livro da relação é composto de poemas até então inéditos, mas eles vêm
inseridos em meio a um longo texto de apresentação e comentários sobre o poeta e os poemas
escrito por J. de Figueiredo Filho, o que faz deste um livro de dois autores. É uma prosa que
nos toma pela mão para levar-nos num passeio pelas circunstâncias que estimularam o poeta a
fabular, improvisar e divulgar suas criações, tudo extraído de conversas com o próprio
Patativa ou do conhecimento nascido da convivência dos dois amigos. O formato é sui
generis. Como um substancial número de poemas inéditos é acertado considerar este um
novo livro de poesias de Patativa do Assaré, mas estas não têm autonomia, pois vêm inseridas
no texto do comentador, algumas não têm título, e não um índice que permita ao leitor
localizar um poema qualquer de forma imediata como ocorreria num livro típico só de poesia.
É assim uma obra de apresentação e comentário, que diferentemente de um estudo acadêmico
não se debruça sobre textos previamente conhecidos, mas comenta um material inédito que o
próprio livro encarrega-se de divulgar. poemas importantes que até a última antologia
haviam saído neste livro, ao lado de fragmentos, improvisos e gracejos circunstanciais cuja
eficácia depende diretamente de um comentário que os contextualize. Este é o segundo livro
que consideramos para fins do nosso estudo.
A seguir vêm três títulos cuja inserção nesta pesquisa não requer maiores explicações
são eles: 4) Cante que eu canto ; 5) Ispinho e fu e 9) Aqui tem coisa. Os três saíram
num período de dezesseis anos, o primeiro em 1978 e o último em 1994, e representam uma
fase muito fecunda do poeta que foi capaz de em idade avançada trazer a lume produções
admiráveis, dotadas da mesma espontaneidade, da mesma graça e do mesmo nível de
excelência dos anos de juventude. Assim, diante do exposto, os livros de autoria exclusiva de
Patativa do Assaré não são 4 nem 6, mas cinco.
40
A estes, acrescentei mais três livros e dois cordéis para completar o corpus deste
trabalho: 6) Balceiro -- Patativa e outros poetas de Assa; 16) Ao da mesa: motes e
glosas e 22) Melhores poemas, além dos cordéis A lâmpada de Aladim e Abílio e seu
cachorro Jupi. O Balceiro é uma interessante coletânea que reúne trabalhos de outros poetas
do Assaré, influenciados e inspirados pela obra e pela atuação de Patativa. Assim como no
caso de Poemas comentados, este livro traz um número considerável de poemas inéditos do
autor que agora foram recolhidos na antologia Melhores poemas.
Ao da mesa: motes e glosas, publicado em 2001, é um livro em parceria com o
poeta Geraldo Gonçalves de Alencar, sobrinho de Patativa, composto numa tarde de
improvisos, com os dois poetas glosando 123 motes propostos alternadamente por cada um
deles, com glosas de ambos os improvisadores para cada mote. Publicado um ano antes de sua
morte, este livro reúne as últimas produções do poeta.
A antologia Melhores poemas, fez um valioso trabalho divulgando, numa edição de
qualidade, de forma mais ampla, poemas que haviam saído em publicações de menor
tiragem, e de circulação praticamente restrita ao estado do Ceará. A par disto, merece, no
entanto, um reparo. A infidelidade, tanto na disposição gráfica das estrofes, quanto, o que é
mais grave, com as próprias palavras que compõem os versos de A triste partida. As
sextilhas-compostas do poema, tipo de estrofe estudada neste trabalho, e que foi sempre
respeitada em todas as edições anteriores do poema, foram convertidas em oitavas. A mesma
liberdade de reformulação das estrofes, foi tomada também com as palavras, o que em poesia
é inadmissível. Ficou uma verdadeira “traição” ao mais conhecido poema musicado de
Patativa. Virou uma paráfrase completa, a língua matuta que tanta autenticidade ao poema
foi “corrigida” para a norma culta, em várias passagens, a métrica foi violentada pela troca de
41
palavras por outras sinônimas, desmanchando aliterações e assonâncias, tirando inteiramente
o sabor e desfigurando o sentido e a sonoridade original do poema
5
.
No início desta seção o critério para a ordenação dos livros foi colocar em primeiro
lugar os de autoria exclusiva do poeta, e depois, os três últimos que o pertencem a esta
mesma categoria conforme expliquei acima. A seguir disponho os livros na ordem em que
aparecem na listagem transcrita, e que corresponde à ordem cronológica de aparecimento das
obras, acrescentei ao fim os dois cordéis que não se acham incluídos em nenhum dos seus
livros. A numeração da primeira coluna é da que consta da lista mais extensa, a segunda é a
conversão para fins deste corpus:
Item 2) 1) Inspiração nordestina – Cantos de Patativa
Item 3) 2) Patativa do Assaré – ovos poemas comentados
Item 4) 3) Cante lá que eu canto cá
5
A desfiuguração do poema de Patativa é completa. Ocorre em todas as dezenove estrofes. Patativa escreveu: O
carro corre no topo da serra, (em um verso decassílabo) a Antologia, desfazendo a aliteração, registra: O
carro embalado/ no topo da serra (em dois versos em redondilha menor). Patativa escreveu: ôto pergunta: --
Mãezinha, e meu gato? A Antologia registra: E outro responde:/ Mamãe o meu gato. Abaixo transcrevo mais
alguns exemplos da desfiguração.
"A triste partida" de Patativa do Assaré
A triste "Triste partida" da Antologia
I
I
Setembro passou com oitubro e novembro
Passou-se setembro,
Já tamo em dezembro,
outubro e novembro,
Meu Deus, que é de nós?
estamos em dezembro,
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
meu Deus que é de nós?
Com medo da peste,
Assim diz o pobre
Da fome feroz.
do seco Nordeste
com medo da peste
e da fome feroz.
VI
VI
Agora pensando segui ôtra tria,
Assim diz o velho
chamando a famia
sigo noutra trilha
Começa a dizê:
convida a família
Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo
e começa a dizer:
Nós vamo a São Palo
Eu vendo o burro,
Vivê ou morre
o jumento e o cavalo
nós vamos a São Paulo
viver ou morrer.
42
Item 5) 4) Ispinho e fulô
Item 6) 5) Balceiro
Item 9) 6) Aqui tem coisa
Item 16) 7) Ao pé da mesa
Item 22) 8) Melhores poemas
9) Dois cordéis
Os demais livros que figuram na lista são antologias do autor ou coletivas. As três
publicações infantis no final da lista, são livros pequenos, que constam de um poema apenas,
e que estão incluídos nesta mais recente antologia.
O levantamento que fiz dos poemas que constituem a obra de Patativa do Assaré está
disponível em anexo no fim deste trabalho. Estão dispostos em ordem alfabética todos os 525
poemas que identifiquei, acompanhados de duas informações que podem ajudar a leitores e
estudiosos: o livro no qual se encontra o poema e o tipo de estrofe em que ele foi composto.
Com o intuito de facilitar a pesquisa, outras listagens que trazem estes mesmos poemas,
sempre em ordem alfabética, agrupados em função do tipo de estrofes em que foi escrito. Para
esta classificação foi necessário estabelecer oito categorias para abranger toda a variedade da
obra, são elas quadrinhas, quartetos, sextilhas, estrofes de sete versos, oitavas, décimas,
sonetos, estrofes mistas e estrofes irregulares.
Este levantamento pode ter uma serventia para além da mera constatação estatística.
Permite um conhecimento das preferências estróficas do autor, e este pode ser um dado
auxiliar na investigação das influências, das fontes ou tradições que contribuíram para sua
formação ou com as quais sua obra dialoga. Embora não seja trabalho simples nem fácil,
formas estróficas, esquemas rímicos e temas podem guardar entre si relações de afinidade que
uma vez estabelecidas ou identificadas podem ajudar a desenhar a trajetória de uma poética
em seu desenvolvimento.
43
Capítulo 1
UM INVENTÁRIO DE FORMAS E TEMAS
44
Um inventário de formas e temas
O corpus formado pelo conjunto dos oito livros, quatro letras de música e os dois
cordéis compreende um total de 525 composições. Para chegar a este número desconsiderei as
reedições de poemas que ocorrem invariavelmente em cada um dos livros. Todos os títulos do
autor apresentam esta característica, trazem alguns poemas publicados anteriormente ao
lado de uma maioria de composições inéditas, mas nesse levantamento, cada poema,
obviamente, foi contado uma única vez.
Chega-se assim a este total de 525 composições, assim distribuídas segundo tipos de
estrofes e esquemas de rimas, estes últimos vistos em detalhe ao longo do capítulo:
Estrofação e esquemas rímicos
Forma Fixa
Soneto
Forma
Fixa
Quadrinha
Estrofe:
Mistas
Estrofe:
Irregulares
Estrofe:
Quarteto
Estrofe:
Sextilhas
Estrofe:
Septilhas
Estrofe:
Oitavas
Estrofe:
Décimas
Total de
Poemas
48 71 10 7 56 41 5 16 271 525
Como podemos observar a distribuição dos tipos de estrofes pelo conjunto da obra, se para efeito
de melhor visualização considerarmos a forma fixa soneto no mesmo estatuto das outras oito ca-
tegorias, indica que a preferência do poeta pelas formas estróficas determina a existência de três
níveis de freqüência de sua utilização, são eles do menor para o maior:
Nivel
1
Mistas Septilhas
Irregulares
Oitavas
10 5 7 16
Nível
2
Sextilhas
Soneto Quartetos
Quadrinha
41 48 56 71
Nível 3
Décimas
271
45
Nível 1: Mistas – Irregulares – Septilhas - Oitavas
O nível 1 reúne as quatro categorias de organização do poema menos utilizadas pelo
poeta.
Note-se que apenas duas destas categorias, as septilhas e as oitavas, são propriamente
tipos de estrofes. As demais caracterizam-se, ora pela variação, é o caso das mistas que não
seguem um tipo de estrofe apenas, décimas se alternam com quadras ou com sextilhas, por
exemplo; ora por uma profusão confusa, caso das irregulares, quando o número de linhas das
estrofes varia de forma absolutamente assistemática, e além disso, não raras vezes, nos
deparamos com estâncias com número de versos superior a dez.
Estrofes mistas.
Estrofes Mistas
01 A mãe e a filha
02 A tristeza mais triste
03 As façanhas de João Mole
04 Ilustríssimo senhô Elóia Teles
05 Lamentos de um nordestino
06 O Doutor Raiz
07 Seca D'Água
08 Sou nordestino
09 Tenha pena de quem tem pena
10 Um sabiá vaidoso
Denominei de estrofação mista, na obra de Patativa do Assaré, a ocorrência num
poema de estrofes com número de versos diferentes, que se alternam com regularidade ao
longo de todo o texto. Uma sucessão reiterada de uma décima e uma sextilha, por exemplo. É
indiferente que o número de sílabas métricas de cada uma delas seja igual, ou varie. Pode a
décima e a sextilha serem ambas em redondilha maior, ou uma nesta medida e a outra com
quatro sílabas métricas.
Já quando uma mesma estrofe, de novo a sextilha, por exemplo, possuir versos de duas
medidas, o primeiro e o quarto de onze sílabas, o segundo, o terceiro, o quinto e o sexto em
46
redondilha menor, e o poema todo seja composto apenas com este tipo de estrofe, como A
triste partida, não é o caso de estrofação mista e sim de estrofe composta.
Pode acontecer, no entanto, que a mudança no padrão da estrofe fique confinada a um
determinado espaço dentro do texto, sem que se verifique uma alternância regular e cíclica. É
o caso da inserção de alguma cantiga como ocorre em Mãe preta e n’O Puxadô de roda. Nos
dois poemas a estrofe predominante é a décima. No primeiro, são apenas quatro quadras,
contra dezesseis da estrofe predominante. As quadras reproduzem a canção com que Mãe
Preta ninava o menino, que é hoje o narrador do poema. Para este trecho, o poeta fez,
inclusive, melodia, que entoava na recitação de viva voz e chegou a ser registrada em CD. Já
no poema Puxadô de roda, entre 28 décimas, num determinado ponto, aparecem quatro
sextilhas reproduzindo o canto com o qual o forneiro Raimundo divertia os companheiros
durante as jornadas de trabalho na casa de farinha. Para citar um último exemplo, em Eu e o
sertão, poema que conta com quinze cimas, uma única quadra com a oração entoada
pelas mulheres numa cerimônia religiosa. Casos como estes também o foram incluídos
nesta categoria, preferi considerá-los como compostos em décimas que a desproporção
entre os dois tipos de estâncias era grande, e não havia propriamente alternância com ciclos
periódicos de repetição. Considerei que apenas a alternância, ciclicamente repetida de tipos de
estrofe diferentes configuraria os poemas de estrofação mista.
Seguindo estes critérios, vamos encontrar apenas dez poemas, aqueles mencionados
no início desta seção. Faço uso de A mãe e a filha e As Façanhas de João Mole para ilustrar:
47
A Mãe e a Filha
Ô mamãe, o povo pobre
x
A nossa situação
X
Da rua e também do mato
a
é triste, bastante triste
A
agora pode arranjar
x
com corage e fé em Deus
X
uns trocinhos mais barato,
a
é que a gente inda resiste
A
quando a gente liga o raido
x
mas os mandão do pude
X
Só se fala em candidato
a
nem sabe se a gente ixiste
A
Anda animado
a
Muito desanima
A
Dotô Gordão
b
pensá na grandeza
B
que na inleição
b
na grande riqueza
B
Foi derrotado,
a
do Brasi de Cima,
A
deste tratado
a
todos lá no crima
A
ele é devoto,
c
do mió relaxo,
C
reparo e noto
c
nos seus cambalacho
C
aquele sapo
d
sirrindo contente
D
batendo papo
d
sem oiá pra gente
D
pedindo voto
c
do Brasi de Baxo
C
O poema é uma conversa entre uma filha e sua mãe sobre a temporada eleitoral que se
aproxima. A filha tendo refletido sobre as experiências passadas, entendeu que os candidatos,
antes do pleito fazem muitas promessas com as quais conquistam votos, elegem-se e depois
esquecem o prometido e não prestam serviços aos eleitores. Refletindo sobre o caso, ela
argumenta com a mãe que é tempo de mudarem de atitude, de aprendê a mexê com eleição. E
conta como planeja ganhar roupa e sapato do candidato, a mãe resolve também partir para a
ofensiva ao lado da filha. Além de tentar obter ganhos concretos, a mudança para que
apontam é a de serem vigilantes e cobrarem dos candidatos os compromissos assumidos. A
mãe encerra a conversa com a sugestão de que vão logo dormir, de modo que na manhã
seguinte, muito cedo, possam sair no encalço do candidato.
O poema contém 21 estrofes, sendo onze sextilhas em redondilha maior e dez décimas
em versos de quatro sílabas. Os dois tipos de estrofes alternam-se uma a uma ao longo de todo
o poema. O esquema rímico da sextilha (x a x a x a) é o mais freqüente na literatura de cordel,
enquanto o da décima, das três variações rímicas em que esta se apresenta na obra de Patativa,
48
o poema segue o Tipo B: a b b a a c c d d c. Dos 271 poemas compostos em estrofes de dez
versos, 151 composições foram escritas no mesmo esquema de rimas empregado em A mãe e
a filha. No entanto, como este poema foi classificado como de estrofação mista, não está
incluído nestes.
AS FAÇANHAS DE JOÃO MOLE
I
V
1 Neste pequenino drama
X
33 Na Paraíba do Norte
x
2 O caro leitô verá
A
34 Junto à Ribeira do Poço,
a
3 Que dentro de cada homem
X
35 Morava um tal de João Mole,
x
4 Um pouco de ação está,
A
36 Sadio, robusto e moço.
a
5 E um só homem sem coragem
X
37 Mas de apanhar da mulher,
x
6 No nosso mundo não há.
A
38 Já estava de couro grosso.
a
39 O seu apelido
A
II
40 Quadrava direito,
B
41 Ele era um sujeito
B
7 Alguém não combina,
A
8 Mas juro por Cristo,
B
VI
9 Pois já tenho visto
B
10 Pessoa mofina,
A
42 Muito esmorecido,
B
11 Que quando destina
A
43 Por qualquer sentido,
B
12 Matar ou morrer,
C
44 Se o pobre teimava,
C
13 Pra se defender
C
45 A mulher puxava
C
14 Luta que se dana,
D
46 Ele para um canto
D
15 Nem a caninana
D
47 E açoitava tanto
D
16 Lhe bota a correr.
C
48 Que o João soluçava.
C
III
VII
17 Por mais ruim que seja o homem
X
49 Isabel era a mulher,
x
18 Tem um pouco de critério,
A
50 Conhecida por Zizi;
a
19 E por mais fraco que seja
X
51 A sogra, Josefa Clara,
x
20 Luta um dia com império,
A
52 Morava com ele ali,
a
21 Mandando sem passaporte
X
53 Tinha o veneno da cobra
x
22 Seu rival ao cemitério.
A
54 E a fúria do Javali.
a
IV
VIII
23 Ninguém me desmente,
A
55 Se ela amanhecia
a
24 Já tem sucedido
B
56 Com o gênio mau,
b
25 De um esmorecido
B
57 Pegava em um pau
b
26 Tornar-se um valente;
A
58 E ao genro investia.
a
27 A prova evidente
A
59 O pobre dizia,
a
28 A todos vou dar,
C
60 Muito submisso:
c
29 Quero aqui contar
C
61 __ Zefinha, que é isso?
c
30 Um caso a miúdo,
D
62 E ela o derrubava,
d
31 Para o linguarudo
D
63 Pois só lhe açoitava
d
32 Não me reprovar.
C
64 De pé no toitiço.
c
49
João Mole fazia jus ao apelido. Homem frouxo que ao casar caiu nas garras de uma
pantera e uma serpente, ou seja, sua mulher Zizi e sua sogra Zefa Clara. O maior divertimento
das duas era açoitar o tímido e fraco João que, por muito tempo, resignou-se com estas surras
cotidianas. Um dia, porém, o rapaz decide não mais se submeter a esta tirania, e ao chegar em
casa uma grande surra, primeiro na esposa, depois na sogra que estava fora e chega toda
feliz pensando que o barulho que ouvia ao aproximar-se de casa era outra sova que a sua filha
estava dando no marido. Mas Zefa tem uma grande surpresa, provando no couro da força
desconhecida do genro. As duas mulheres apanham muito e João, daí para frente, passa a
merecer o respeito delas e a receber o amor que aentão nunca despertara na mulher. Toma
tanto gosto pela valentia que acaba mudando de nome e entrando para o bando de Lampião.
Longo poema narrativo, publicado em Inspiração nordestina
6
, saboroso pelo humor e
a ironia. Em 2003 este livro foi relançado pela Editora Hedra. Um erro de composição
tipográfica cometido naquela primeira edição não foi percebido, e, obviamente, também não
foi corrigido nesta edição mais recente, que, diga-se de passagem, fez o desserviço de semear
erros novos. O erro que vem se perpetuando consiste na forma de apresentação das estrofes V
e VI, transcritas no quadro acima tal como aparecem, e não deveriam fazê-lo, nas duas
publicações, respectivamente com nove e sete versos. Ora, As façanhas de João Mole foi
composto em estrofação mista totalizando 55 estrofes assim distribuídas: 28 sextilhas e 26
décimas e a última estrofe de sete versos com o acróstico de ANTONIO, assinatura do autor
antes da adoção do pseudônimo. A estrofe V na realidade é uma sextilha, ela vai do verso 33
ao 38. Basta observar a métrica em redondilha maior como a de todas as demais sextilhas do
poema. Enquanto isso os versos 39, 40 e 41 pertencem à estrofe seguinte, a VI que não é uma
septilha, como aí aparece, mas sim uma décima. Compare-se a métrica destes três versos com
a dos sete abaixo, todos têm cinco sílabas (redondilha menor) e por isso fazem parte de uma
6
Edição de 1967, Editor Borsoi, Rio de Janeiro.
50
mesma estrofe. Separei com um tracejado os versos da sextilha dos versos da décima,
reagrupados como deveriam, reaparecerão neste ponto os dois tipos de estrofes que se
alternam de forma regular e ininterrupta ao longo de todo o poema. Por fim, os esquemas
rímicos
x a x a x a
(da sextilha do verso 33 ao 38 ) e
a b b a a c c d d c
(da décima
do verso 39 ao 48) apenas reiteram de forma eloqüente aquilo que a observação da métrica
nos asseverava. Só há décimas e sextilhas neste poema, sendo o acróstico final a única
exceção.
Estrofes irregulares.
entre os 525 poemas considerados, seis que o apresentam nenhuma regularidade
estrófica. Fica patente nestes poemas a fuga aos padrões costumeiros que servem para fixar o
tamanho das estâncias. O número de versos varia assistematicamente de uma para outra, e
embora possa acontecer de algumas serem iguais entre si, este isomorfismo, é certamente
aleatório, quadrando ser antes coincidência que propriamente igualdade; além disso, as
estrofes que eventualmente se assemelham, diferem das muitas outras do mesmo poema. A
questão das rimas parece estar relacionada de alguma forma com esta irregularidade estrófica.
Mas, neste aspecto, cada poema deve ser examinado de modo particular, pois a relação que,
em alguns casos, e em alguns, pode se verificar entre estrofação e esquema rímico é
sempre muito particular.
Estrofes Irregulares
01 A verdade e a mentira
02 Bicho da careca
03 Coisas do meu sertão
04 Curioso e miudinho
05 O bicho mais feroz
06 O maió ladrão
07 Tereza Potó
51
Intrigou-me deveras a existência destas composições num poeta cuja obra, em sua
maior extensão, caracteriza-se pelo emprego de formas estróficas e esquemas rímicos em que
fica ostensivamente demonstrado o gosto pela medida e pela regularidade. De onde teriam
saído, portanto, a que tradição se filiavam aquelas produções que fugiam às medidas
costumeiras, em poemas cuja única regra em relação aos elementos em foco era a falta de
regras? Onde teria ido colher o poeta a sugestão para versos como aqueles? O fato de
constituírem estes poemas uma porcentagem tão pequena de sua obra tornava para mim o
caso ainda mais curioso.
Localizei, então, na obra Cantadores de Leonardo Mota, o registro de cantigas e
desafios em que se verifica uma estrofação mais ou menos livre de medidas como a dos
poemas de Patativa. uma longa transcrição de trinta e oito estrofes, que chegaram ao
conhecimento do autor através do Cego Sinfrônio, mas que são versos em que Jerônimo do
Junqueira rememora um desafio entre ele e a cantadora Zefinha do Chabocão, muito temida e
conceituada, conforme indicam os versos do próprio Jerônimo. Para que possamos fazer uma
aproximação entre estes e os versos de Patativa, sob o aspecto de que ora nos ocupamos, vai a
seguir o registro da seqüência das estrofes e respectivos número de versos:
Estrofe
Nº. de
versos Estrofe
Nº. de
versos Estrofe
Nº. de
versos
14 14ª 6 27ª 24
6 15ª 6 28ª 6
6 16ª 4 29ª 6
4 17ª 6 30ª 4
8 18ª 12 31ª 8
6 19ª 6 32ª 8
14 20ª 8 33ª 8
8 21ª 6 34ª 4
4 22ª 6 35ª 4
10ª 6 23ª 8 36ª 8
11ª 4 24ª 6 37ª 4
12ª 4 25ª 10 38ª 6
13ª 14 26ª 4
52
Quanto ao número de linhas as estrofes variam de quatro até vinte e quatro versos,
predominando, no entanto, as de seis e oito. Curiosamente o esquema de rimas é sempre nos
versos pares, não importa qual a medida da estrofe. Tudo se passa como se predominasse o
esquema rímico da sextilha, isto porque ela é a estrofe predominante, e este é seu esquema
característico. O fato é que, quando os poetas mudam da sextilha para a oitava, para a décima
ou para aquelas estrofes maiores como as de doze, quatorze ou vinte quatro versos, o esquema
de rimas não se altera. Não surgem as configurações costumeiras da oitava ou da décima, por
exemplo. Tudo se passa como se a sextilha desse a regra e as demais estrofes fossem
expansões dela. Inclusive podemos logo antecipar que a décima com rima nos versos pares
será utilizada por Patativa do Assaré num único caso, o poema musicado Vaca Estrela, Boi
Fubá.
Situação semelhante a esta vamos encontrar na transcrição do desafio entre Francisco
Romano e Inácio da Catingueira. No caso, são quarenta estrofes cujos números de versos
oscilam entre seis, oito, dez, doze e dezesseis. Também aí, verifica-se o mesmo esquema de
rimas unicamente nos versos pares.
Finalmente, ainda no âmbito das poéticas da cantoria, é ainda do livro Cantadores que
colhemos uma interessante seqüência de louvações do poeta Anselmo Vieira “que somente
nos anos calamitosos -- é Leonardo Mota quem informa de mau ou nenhum inverno, ganha
a vida, lançando mão de seus dotes de repentista”. Eis duas de suas Louvações:
53
Como se vê a cantoria poderá ter fornecido ao poeta um contato com esta liberdade de
estrofação. No entanto, vale notar que todos os casos acima mencionados trazem unicamente
rimas em versos pares, e a experiência de Patativa com este processo aleatório de organização
dos versos no poema recorre também a outros esquemas rímicos, além deste. É o caso, como
se verá adiante, de poemas como Curioso e Miudinho, o Bicho mais feroz e O maió ladrão.
É possível identificar entre os poetas mencionados por Patativa do Assaré como
fazendo parte do universo de suas leituras, dois autores em cujas obras encontramos poemas
semelhantes a estes no que diz respeito à estrofação. São eles o cearense Juvenal Galeno e o
paraibano da Luz. Este mais próximo temática e lingüisticamente da obra de Patativa do
que aquele. da Luz, que considerava Catulo da Paixão Cearense seu mestre, utilizava em
seus poemas a língua matuta que Patativa tanto empregou, e, ainda como Patativa, sua obra
Vou louva sua esposa Eu lóvo e torno a lóva:
Da cabeça ao calcanhá: Agora progunte a ela
Lóvo mão e lóvo dedo, Se 'tá direito ou não 'tá!
Lóvo braço e lóvo pá; Só lóvo a quem quero bem,
Ao despois lóvo a cabeça, Não lóvo a quem quero mal:
Cabelo de penteá; Lóvo a casa de morada,
Ao despois a sobrancêia, Porta, batente e portal,
Lindos ólho de enxergá; Copiá, tijolo, alpendre,
Ao despois mimosa boca Terreiro, sala e quaintal,
E os dente de mastigá; Camarinha, telha e ripa,
Ao despois o pescocinho Cozinha, caibro e beiral...
Que é quem confeita o colá; Meu patrão é muito rico,
E lóvo até o joêio Tem posto de General,
Que é dela se ajoêiá Tem capão no seu chiqueiro
Quando chega nas igreja Tem vaca no seu curral...
Fazendo o pelo siná, Quando meu patrão morrê,
Passando o dedo na testa, Em três parte dá sinal:
Mode o cão não atentá; No Ipu, no Campo Grande,
Lóvo a botina do pé, Na Matriz de São Gonçal'.
Lóvo as meia de calça,
O jeito da criatura
Quando sai pra caminhá,
Tão bonita e tão faceira
Pra seu marido espiá...
Lóvo isso e lóvo aquilo,
54
freqüentemente recorre a vocativos e interpelações do tipo Seu moço, ou similares, na abertura
de alguns poemas. Estas fórmulas interpelativas podem apontar para duas circunstâncias. Por
um lado podem constituir marcas indicativas de um dos objetivos mais caros destas poéticas
populares, uma necessidade imperiosa de comunicação, uma concepção que entende ser esta a
função por excelência que a poesia deve desempenhar. Por outro, quando os interlocutores
introduzidos pertencem a um universo de classes antagônicas, estas marcas lingüísticas
assinalam estes poetas como porta-vozes de um Brasil Caboclo (nome do livro de da Luz)
ou Brasi de Baxo em renitente e reiterada petição de diálogo com o Brasi de Cima. A fórmula
evocativa às vezes é como um sintoma ou a cicatriz da divisão de classes que cinde a
sociedade brasileira, fato de que estes bardos sertanejos demonstram possuir uma aguda
consciência ao colocarem-no nos pressupostos e fundamentos de suas poéticas. É, pois, este
traço lingüístico, constituído pelo linguajar matuto e a presença da invocação de um
interlocutor, o que faz a poesia de Zé da Luz mais próxima da de Patativa do Assaré do que a
de Juvenal Galeno.
A maior afinidade entre o poeta sertanejo paraibano e o cearense, sedimenta-se na
experiência de vida de ambos, radicada no meio rural o que implica aqui uma similitude das
condições sociais de existência. No entanto, pelas circunstâncias em que lhes coube viver,
Patativa esteve mais próximo fisicamente de Juvenal a quem chegou a conhecer muito
velho, e em cuja Casa, participou de saraus literários, comandados pela Sra.Henriqueta
Galeno
7
.
7
Antônio Gonçalves da Silva aos 20 anos fez uma viagem ao Pará de onde retornou crismado com o nome
artístico de Patativa e com uma carta do intelectual JoCarvalho de Brito apresentando-o à Sra. Henriqueta
Galeno. No poema Carta à doutora Henriqueta Galeno após rememorar estes fatos, Patativa pede à filha do
poeta Juvenal Galeno um exemplar de um dos livros de seu pai cuja edição estava esgotada. Transcrevo as três
primeiras sextilhas: Incelentíssima dotoura,/ Peço perdão à senhora/ Desta carta lhe envia;/ Mas leia os verso
rastêro/ De um caboco violêro/ Do sertão do Ceará # Sou o cantadô Patativa,/ Que trôxe aquela missiva,/
Aquele papé escrito/ E cantou no seu salão,/ Com a recomendação/ De Carvaio de Brito.# Tou lembrado e
não me engano,/ Faz hoje vinte e dois ano/ Que do Paeu vortei,/ E aí, nesse salão,/ Com grande satisfação/
a viola provisei.
55
Deste poeta, sirva-nos como material de pesquisa o livro Folhetins do Silvanus,
lançado em 1891, e reeditado em 1969, pela Editora Henriqueta Galeno, em celebração do
cinqüentenário de fundação da Casa Juvenal Galeno. Neste volume encontramos vários
poemas com estrofes irregulares como O Luxo, O Baile, Passeio, Banquete, entre outros.
Tomemos como exemplo o poema À Fortaleza. É uma longa composição dividida em três
partes e contando com 218 versos distribuídos em estrofes com os seguintes números de
linhas: 16; 15; 8; 12; 9; 8; 20; 10; 25; 13; 13; 8; 29; 21; e 11. Um pequeno trecho, a primeira
estrofe, serve para mostrar que não o tamanho das estâncias, mas também o esquema de
rimas é aleatório, o que alguns gramáticos ou tratadistas denominaram de rimas misturadas.
Nesta primeira estrofe, assim como nas demais, a métrica de sete sílabas e a rima são
cuidadosamente trabalhadas. Mas no que se refere à rima não é possível traduzir suas
ocorrências em qualquer esquema com um mínimo de regularidade, o máximo que
conseguimos distinguir são rimas emparelhadas, ao lado de outras intercaladas, mas sem que
se configure um padrão determinado para sua distribuição. Se isto vale para esta estrofe
À FORTALEZA
I
1
Vem hoje o bardo Silvanus,
X
2
Neste dia festival,
A
3
Dar -- vivas! -- a Fortaleza,
X
4
Sua cidade natal,
A
5
Entre os vates soberanos,
B
6
Cantores de altos arcanos,
B
7
Peço lugar para mim:
C
8
Se não trago as lindas flôres,
D
9
Que, nos Andes, os condores
D
10
Colheram para o festim...
C
11
Nos meus lábios vem mil bravos
E
12
Para quem, remindo escravos,
E
13
Cumpriu a lei de Jesus!
F
14
Para a pátria de Iracema,
G
15
Que transformou-se em poema
G
16
Chamado – Terra da luz! --
F
56
tomada separadamente, mais verdadeiro será para o poema inteiro uma vez que as estrofes
sendo diferentes entre si não poderiam em seu conjunto resultar numa padronização rímica
aplicável a todo o poema.
Um dado formal que merece a atenção é o tamanho desmesurado das estrofes. Note-se
que o poema conta com 15 delas, cujo número de versos registrei dois parágrafos acima,
sendo que 2/3 deste total, ou seja, dez estrofes têm um número de versos superior à décima.
São aquelas estrofes que não têm denominação própria, devido, quem sabe à sua relativa
raridade. Veremos que entre os poemas de Patativa do Assaré, inclusos na categoria dos
compostos em estrofes irregulares, temos um e apenas um poema, que tem as mesmas
características que acabamos de comentar: o tamanho desmesurado das estrofes e as rimas
misturadas. Já no livro de Juvenal Galeno de onde colhemos este exemplo existem vários
poemas formalmente semelhantes a este.
Da obra de Zé da Luz, tomemos o seu Brasil caboclo. O livro contém dezoito poemas,
alguns dos quais apresentam estrofação irregular, misturados a outros com estâncias
uniformes. O título da obra vem grafado como escrevi acima. Já o primeiro poema do volume,
homônimo do livro, vem escrito em língua matuta: Brasí Cabôco. Esta composição conta com
86 versos distribuídos por quatorze estrofes e um verso isolado, e apresenta a seguinte
segmentação: 1 verso isolado; quintilha; oitava, estrofe de onze versos; 3 quadras;
quintilha; 3 quadras; estrofe de nove versos; oitava; quadra; terceto. Abaixo transcrevo, deste
poema os quatro primeiros segmentos elencadas e que destaquei em negrito.
57
Também neste caso, no que se refere às rimas a situação é semelhante a que acabamos
de ver em Juvenal Galeno. Rimas misturadas, que não se organizam segundo nenhum padrão.
Embora este como o outro seja um poema em estrofes irregulares, uma diferença notável
entre os dois autores no que diz respeito ao tamanho destas. No caso de da Luz, o poema
possui quatorze estrofes, treze das quais têm número de versos inferior a dez, e apenas uma
conta com onze versos, numa situação praticamente inversa ao que ocorria com Juvenal
Galeno.
BRASÍ CABÔCO
1
O que é Brasí Cabôco?
X
I
2
É um Brasí deferente
X
3
Do Brasí das capitã.
A
4
É um Brasí brasilêro,
B
5
Sem mistura de istrangêro,
B
6
Um Brasí nacioná!
A
II
7
É o Brasí qui não veste
A
8
Liforme de gazimira,
X
9
Camisa de peito duro,
B
10
Cum butuadura de ouro...
B
11
Brasí Cabôco só veste,
A
12
Camisa grossa de lista,
C
13
Carça de brim da "Polista"
C
14
Gibão e chapéu de couro!
B
III
15
Brasí Cabôco não come
A
16
Assentado nos banquete,
X
17
Misturando com os hôme
A
18
De casaca a anelão...
B
19
Brasí Cabôco só come
A
20
O bode seco, o fejão,
B
21
E as vez uma panelada,
C
22
Um pirão de carne verde,
X
23
Nos dia das inleição,
B
24
Quando vai servi de iscada
C
25
Prôs hôme de pusição!
B
58
É interessante notar que esta dissimilitude entre os dois poetas no âmbito das estrofes
irregulares se estende a todo o conjunto dos poemas, inclusos na categoria de que nos
ocupamos agora, nos dois livros que considerei de cada autor. Não só os cinco poemas citados
acima, mas todos os poemas de estrofes irregulares de Juvenal Galeno foram escritos em
estâncias demasiadamente grandes, excedentes em muito ao tamanho da décima, enquanto o
contrário pode se afirmar de da Luz. Entre os dezoito poemas de Brasil Caboclo, nada
menos do que quinze são em estrofes irregulares, porém em todo o livro duas estrofes
com número de versos superior a dez, uma é a que acabamos de ver e a outra é uma estrofe de
treze versos que aparece no poema Fulô de Mussambê em meio a outras 115 estrofes bem
menores do que ela.
um outro poeta que também faz parte das leituras de Patativa do Assaré, Casimiro
de Abreu, em cuja obra vamos encontrar alguns poemas com estrofes irregulares e
demasiadamente extensas num perfil formalmente parecido com as de Juvenal Galeno. Outros
poetas românticos como Fagundes Varela e Álvares de Azevedo são fecundos criadores de
longas estrofes. Mas esses dois poetas, ao que me conste não estão entre os mais lidos, ou
sequer lidos por Patativa do Assaré. Além disto, diferentemente de Casemiro de Abreu,
utilizaram-se deste tipo de forma estrófica em poesias com versos brancos, o que não tem
lugar na poética do nosso poeta sertanejo. Da obra de Casemiro de Abreu, sirva-nos de
exemplo o seguinte poema de 42 versos, distribuídos em duas estrofes uma de 25 e a outra de
17 linhas:
59
POIS NÃO É ?
1
Ver cair o cedro anoso
A
1
Mas ver o pobre mancebo
X
2
Que campeava na serra,
b 2
Em quem a seiva reluz,
A
3
Ver frio baixar à terra
b
3
No sonho cândido e puro,
B
4
O pobre velho bondoso
A
4
Nas glórias do seu futuro
B
5
Que procurando repouso
A
5
Dourando a vida de luz;
A
6
Tropeçou na sepultura;
C
6
Mas vê-lo quando a sua alma
X
7
É triste, sim, é verdade,
d
7
Ao som de ignota harmonia
C
8
Mas não tão grande a saudade
d
8
Se derramava em poesia;
C
9
Nem a dor tão funda e dura,
C
9
Quando junto da donzela
D
10
Pois que ao velho e ao cedro altivo
E
10
Cativo dos olhos dela
D
11
Partido à voz da procela,
F
11
Na voz que balbuciava
E
12
No mundo -- jardim lascivo --
E
12
De amores falava a medo;
F
13
A vida foi longa e bela.
F
13
Quando o peito transbordava
E
14
Mas ver a rosa do prado
G
14
De crenças, de amor, de fé,
G
15
Que à aurora deu cor e vida,
h
15
Vê-lo finar-se tão cedo,
F
16
De manhã -- flor do valado,
G
16
Como as vozes dum segredo...
F
17
De tarde -- rosa pendida!...
h
17
É dor demais __ pois não é?
G
18
Mas ver a pobre mangueira
I
19
Na primavera primeira
I
20
Crescendo toda enfeitada
J
21
De folhas, perfume e flor,
L
22
Ouvindo o canto de amor
L
23
No sopro da viração;
m
24
Mas vê-la depois lascada
J
25
Em duas cair no chão!...
m
Encontramos nesta composição as mesmas características formais das estrofes
irregulares dos dois autores já vistos até aqui, sendo que Casemiro de Abreu mostra-se quanto
ao aspecto do tamanho das estrofes mais próximo de Juvenal Galeno, conforme foi dito.
Poderíamos mencionar mais um poeta, desta feita, Catulo da Paixão Cearense. Mas o que
vimos é o suficiente para sugerir como algumas de suas prováveis leituras, podem ter dado a
Patativa do Assaré o estímulo e os elementos necessários para empreender uma
experimentação de recursos formais para ele até então inéditos. E o poeta acabou criando
estes seis poemas, em que alcança resultados muito felizes, empregando em alguns deles
recursos a que só recorreu uma única vez em sua obra.
60
Vejamos a seguir alguns aspectos de cada um destes seis poemas compostos em
estrofes irregulares.
1) A verdade e a mentira
Poema de crítica que denuncia a eterna luta na vida entre a verdade e a mentira. As
duas noções se alternam e cada uma apresenta atributos diferentes: uma, a facilidade e o
favoritismo, recebendo todo tipo de apoio comprometedor, é a mentira; a outra, combatida,
boicotada, mas sempre firme e consistente, é a verdade. Mas apesar da força e resistência da
verdade o poema termina de modo surpreendente, deixando no ar a suspeita de que a mentira
com sua legião de aliados sempre leva a melhor, pois ninguém menos que a democracia,
pasmem, é uma das filhas da mentira com o dinheiro.
O poema possui 50 versos distribuídos em duas estrofes. Uma com 34, outra com 16
versos. A métrica é a redondilha maior e há, em todo o poema, uma única rima em IA que
ocorre sempre nos versos pares. Logo há 25 versos que rimam, alternados com outros vinte e
cinco soltos.
A verdade e a mentira
1
Foi a verdade e a mentira
x
2
Nascida no mesmo dia,
a
3
A verdade, no chão duro
x
4
Porque nada possuía
a
5
E a mentira por ser rica
x
6
Nasceu na cama macia
a
7
E por causa disto mesmo
x
8
Criou logo antipatia,
a
9
Não gostava da verdade,
x
10
Temendo a sua energia,
a
11
Pois onde a mentira fosse
x
12
A verdade também ia
a
13
O que a mentira apoiava
x
14
A verdade não queria
a
15
O que a mentira formava
x
16
A verdade desfazia,
a
(...)
61
Estes dezesseis versos acima fazem parte da primeira estrofe que conta com trinta e
quatro, conforme foi dito. A rima sempre nos versos pares e a mesma em todo o poema cria
uma espécie de pulsação binária captada pelo ouvido, um tempo sim, um tempo não, que soa
como uma reiteração sonora do jogo binário e opositivo entre verdade e mentira. Duas noções
que sendo antagônicas mantêm uma com a outra uma relação contrastiva do tipo sim versus
não. Nesse sentido a escolha da forma ajusta-se com grande eficácia ao conteúdo.
3) Coisas do meu sertão
Coisas do meu sertão possui 142 versos distribuídos em 9 estrofes irregulares, daquela
mesma linhagem das estâncias de tamanho desmesurado que notamos em Juvenal Galeno e
COISAS DO MEU SERTÃO
1
Seu dotô, que é da cidade
x
1
Seu doto aprendeu tudo,
x
2
Tem diproma e posição
a
2
Mas não quis esta lição,
a
3
E estudou derne minino
x
3
Mode não sofrê na vida
x
4
Sem perdê uma lição,
a
4
Sacrifiço e percisão,
a
5
Conhece o nome dos rio,
x
5
Pois aqui veve o matuto,
x
6
Que corre inriba do chão,
a
6
De ferramenta na mão.
a
7
Sabe o nome das estrela
x
7
A sua comida é sempre
x
8
Que forma constelação,
a
8
Mio, farinha e fejão
a
9
Conhece todas as coisa
x
9
E, se às vez, mata um porquinho,
x
10
Da histora da criação
a
10
Come iguamente um barão.
a
11
E agora qué i na Lua
x
12
Causando admiração,
a
1
Mas como não tem costume,
x
13
Vou fazê uma pergunta,
x
2
Dá logo uma indigestão,
a
14
Me preste bem atenção:
a
3
Ele geme, chora e grita,
x
15
Pruque não quis aprende
x
4
Não é caçuada, não,
a
16
As coisa do meu sertão?
a
5
Mas, como não tem dinhêro,
x
6
Mode compra injeção,
a
1
Por favô, não negue não
x
7
O jeito é bebê das pranta,
x
2
Quero que o sinhô me diga
b
8
Que nasce inriba do chão:
a
3
Pruquê não quis o roçado
x
9
Macela com quina-quina,
x
4
Onde se sofre fadiga,
b
10
Chá de fôia de mamão
a
5
Pisando inriba do toco,
x
11
E mais ôtras beberage
x
6
Lacraia, cobra e formiga,
b
12
Que eu não vou dá relação,
a
7
Cocerento de friêra,
x
13
Pois se eu fosse dize tudo,
x
8
Incalombado de urtiga,
b
14
Dava um bonito livrão.
a
9
Muntas vez inté duente,
x
15
Mas , porém, eu não lhe digo,
x
10
Sofrendo dô de barriga,
b
16
Pois faz cortá coração,
a
11
Mas o jeito é trabaiá
x
17
Apenas dou um começo
x
12
Que a necessidade obriga.
b
18
Das coisa do meu sertão.
a
62
Casemiro de Abreu. A menor das estrofes é uma décima. Eis o número de linhas de cada uma
delas na seqüência em que aparecem: 16; 12; 10; 18; 24; 24; 12; 12; 14. O esquema de rimas é
muito peculiar, não tinha aparecido até agora em nenhum dos poetas vistos nesta seção. Por
um lado, o seu esquema parece com o do poema anterior do próprio Patativa, A verdade e a
mentira. Também aqui rimam invariavelmente os versos pares e somente eles, mas, por outro
lado, não existe agora uma única rima para todo o poema, pelo contrário a rima pode variar de
uma estrofe para a outra ou até numa mesma estrofe. E é uma variação muito curiosa.
Vejamos.
1ª estrofe: rima em ÃO em todos os versos pares.
2ª estrofe: rima em IGA em todos os pares.
3ª estrofe: rima em ÃO em todos os versos pares.
4ª estrofe: rima em ÃO em todos os versos pares.
5ª estrofe: há duas rimas nesta estrofe.
rima em ABO nos versos pares até o de número dez.
rima em Ó nos versos pares do 12º ao vigésimo quarto.
6ª estrofe: rima em ADO em todos os versos pares
7ª estrofe: rima em Á em todos os versos pares.
8ª estrofe: rima em ÊRA em todos os versos pares.
9ª estrofe: rima em ÃO em todos os versos pares.
O quadro acima nos mostra a rima em ÃO em quatro das nove estrofes. As outras
cinco estrofes rimam com os finais (IGA) (ABO + Ó) (ADO) (Á) (ÊRA).
A peculiaridade do esquema rímico deste poema é a existência de três estrofes que, em
certo sentido, parecem se organizar rimicamente por padrões contraditórios, são elas as
estâncias 3 e 4 quando confrontadas com a de número cinco. Poderíamos supor que a cada
nova estrofe a rima mudasse, como se o esgotamento de uma seqüência de finais homófonos
63
constituísse o critério determinante para finalizar uma estrofe e começar uma nova. No
entanto a contigüidade de 3 e 4 invalida esta proposição, pois ambas, embora vizinhas, têm a
mesma rima; se a manutenção da rima, pois, determinasse o limite da estrofe, estas duas
deveriam ser uma só. Temos na estrofe 5 uma situação exatamente oposta a esta. Agora uma
só estância abriga em seus limites duas rimas diferentes.
4) Curioso e Miudinho
O poema é um curto diálogo entre os dois personagens cujos nomes formam o título. O
tema é o princípio da contradição que rege a vida com ênfase para a política desonesta, as
mentiras e vilezas de que se valem os candidatos para vencer as eleições. Tudo muito curto,
muito sintético, conciso, acaba com uma jura de voto em branco.
Poema em métrica decassílaba em que os versos rimam dois a dois
emparelhados. O Poema tem 20 versos representando um diálogo entre dois personagens na
forma de um ping-pong de pergunta e resposta. O primeiro personagem, Curioso, sempre
Curioso e Miudinho
1
C. Quem é você, que alegre se apresenta
A
2
Com a altura de dois metros e oitenta?
A
3
M. Onde eu ando me chamam Miudinho,
B
4
Tudo vejo e decifro em meu caminho.
B
5
C. Miudinho e com tanta dimensão,
C
6
No volume do corpo e na noção?
C
7
M. Se o mundo sempre foi contradição,
C
8
O que assim me tratar possui razão.
C
9
C. Miudinho, com seu saber profundo,
D
10
Conhece alguma coisa do outro mundo?
D
11
M. Não há mesmo quem possa saber nada
E
12
Do que vive por trás de uma murada.
E
13
C. Miudinho, me diga o que é política?
F
14
M. É um dilema de onde nasce a crítica.
F
15
C. E este argumento para onde se lança?
G
16
M. Para os dois pratos de uma só balança.
G
17
C. E na campanha quem vitória alcança?
G
18
M. Quem mais mentira sobre o prato lança.
G
19
C. Miudinho, obrigado por ser franco,
H
20
Nas eleições eu vou votar em branco.
H
64
pergunta e Miudinho responde. Até o 12º verso a fala de cada interlocutor estende-se por dois
versos, daí em diante, do 13 até o 18, cada turno do diálogo compreende apenas uma linha; na
altura do verso 19, a última fala de Curioso volta a ter a extensão de duas linhas. E é a única
fala deste interlocutor que não é uma pergunta e sim uma afirmação. Depois de beber a
sabedoria de Miudinho, influenciado pelos esclarecimentos do companheiro, Curioso conclui
comunicando uma decisão tomada.
A mudança que se verifica pouco depois da metade do poema, em que a extensão de
um turno de fala passa de dois para um verso, desautoriza uma disposição gráfica dos
versos à maneira de dísticos. Es certo, pois, o poeta ao escolher a forma de uma única
estrofe. Caso fosse adotada a disposição gráfica em dísticos, o efeito seria estranho, pois na
extensão de apenas vinte versos haveria três trechos distintos. Cada dístico a princípio
corresponderia à fala de um interlocutor, depois passaria a representar a fala dos dois, para
nos duas últimas linhas voltar novamente a corresponder a um único falante.
Embora estruturalmente as rimas sejam emparelhadas, duas a duas, dois trechos em
que a mesma rima estende-se por quatro versos, e cada uma destas ocorrências é diferente, e,
além disso, em ambas não se quebra o princípio do emparelhamento. No primeiro caso, as
quatro ocorrências, são de fato dois pares e não um quarteto, pois cada par corresponde ao
discurso de um falante. No segundo caso, no trecho em que a um interlocutor corresponde
apenas uma linha, cada par de rimas ao invés de garantir a sua unidade pelo fato de remeter a
um só personagem, agora o faz por remeter a uma unidade de diálogo, a uma espécie de célula
mínima da conversação, composta por uma pergunta e uma resposta.
5) O Bicho mais feroz
Poema humorístico, que toma como ponto de partida um incidente real, uma mordida de
raposa que um parente do poeta levou na roça. A partir daí o poeta desenvolve um enredo,
65
transfigura o caráter dos parentes-personagens, fazendo-os o inverso do que são, acrescenta
falas e episódios.
O poema possui 94 versos em 12 estrofes irregulares assim distribuídas: 8; 6; 4; 10;
10; 14; 6; 4; 8; 6; 8; 10. As rimas são emparelhadas, como no caso anterior, e variam a cada
dois versos.
O bicho mais feroz é um poema divertidíssimo que pode ilustrar muito bem os
recursos inventivos e a astúcia do poeta para trabalhar sobre acontecimentos banais dotando-
os de grande interesse e vivacidade, qualidades alcançadas à custa do domínio dos meios de
expressão e representação que conseguem transfigurar e converter o banal num evento
memorável, graças à forma saborosa da narrativa.
O BICHO MAIS FEROZ
1
O dia amanheceu, era verão,
a
2
A tomar seu café lá no fogão
a
3
O seu Tonho dizia para Solidade,
b
4
O sonho muitas vezes é realidade,
b
5
E esta noite eu sonhei quando dormia
c
6
Que um cachorro na roça me mordia,
c
7
Por aqui hoje o dia vou passar
d
8
E não vou para a roça trabalhar
d
9
__ Respondeu Solidade, isto é besteira
e
10
O sonho não é coisa verdadeira
e
11
E se o bicho morder você se atrasa
f
12
Tanto faz lá na roça como em casa,
f
13
O melhor é você não pensar nisso
g
14
E ir pra roça cuidar do seu serviço.
g
15
O seu Tonho saiu dando cavacos
h
16
Com o seu cavador cavar buracos,
h
17
Felizmente o coitado não foi só
i
18
Pois o filho o seguiu no mocotó
i
66
6) O maió ladrão
O poeta medita sobre a passagem do tempo com sua dolorosa e inescapável seqüência
de perdas e desilusões com que temos que nos haver na vida, tudo num crescendo de
sofrimento e tristeza que termina implacavelmente com a morte.
Este é o poema de que falamos atrás, o único da obra de Patativa do Assaré que reúne
aquelas duas características: estrofes muito grandes e rimas misturadas. Sua condição de
único poema a empregar estes traços formais chama a atenção sobre ele, e despertou-me a
curiosidade de saber em que fontes o poeta teria conhecido procedimentos composicionais
que divergem de todos os outros empregados no restante de sua obra.
O maió ladrão é composto por 253 versos distribuídos em 20 estrofes, dispostas
quanto ao número de linhas na seguinte seqüência: 16; 14; 19; 14; 9 ; 8; 17; 10; 8; 7; 19; 10;
9; 12; 15; 13; 12; 14; 10; 17. Este é o último poema do livro Cante que eu canto , seu
lugar estratégico pode representar o ponto final de um percurso, seja poético, seja existencial;
O MAIÓ LADRÃO
I
II
1
Tenho a certeza que o
isprito
A
1
Dêrne quando eu fui gerado
X
2
De Capistrano de Abreu
b
2
Naquela santa barriga,
A
3
Com o de Faria Brito,
a
3
Onde passei nove mês
X
4
Qui tanta coisa aprendeu,
b
4
Causando tanta fadiga
A
5
Não vai condena meu dito
a
5
A minha mãe adorada,
B
6
E nem teimá contra eu.
b
6
Tão boa e tão istimada,
B
7
Pois falo de cunciença
x
7
O tempo, este infuluído,
C
8
E sou capaz de bota
x
8
Este veiaco fingido,
C
9
As duas mão incruzada
c
9
Já tava a me repará,
D
10
Nas fôia santa e sagrada
c
10
Sempre se manifestando,
E
11
E jura nos Evangéio
d
11
Me ajeitando e me adulando,
E
12
Cumo dos ladrão do mundo
e
12
Pra me dá e depois robá.
D
13
O tempo, este vagabundo,
e
13
Eu vou prová desta vez
F
14
É o mais maió e o mais véio.
d
14
Tudo o qui o tempo me fez
F
15
Todos me preste atenção,
f
16
Se eu tenho razão ou não
f
III
67
como este ladrão do título é o tempo, traiçoeiro condutor que nos toma pela mão levando-nos
bem sabemos para onde, o poeta compôs com sabedoria um último paralelismo ao pôr no fim
do seu livro o fim inexorável de todos nós.
7) Tereza Potó
Poema humorístico que conta as desventuras de um casal formado por duas criaturas
infelizes, azaradas e muito feias, Tereza Potó e Seridó. Os dois após muito sofrerem com a
solidão, conhecem-se e começam a namorar, mas imediatamente depois, na primeira viagem
que fazem juntos, para a cidade de Icó, onde pretendiam casar-se, morrem num desastre de
automóvel.
Tereza Potó
I
1
Quem já nasceu azarado
X
2
Veve de mal a pió
A
3
O seu mamoêro é macho,
X
4
Não cai preá no quixó,
A
...
II
13
Num dia de sexta fera
X
14
Eu vi Tereza Potó
A
15
Com seu vestido de Chita
X
16
Infeitado de filó,
A
17
Os beiço bem tinturado
X
18
E o rosto branco de pó,
A
19
Doidinha por namorado
X
20
Chorando de faze dó
A
...
23
Às cinco e meia da tarde
X
24
Se encontrou com Siridó,
A
25
Siridó era tão feio,
X
26
Tão feio como ele só
A
27
O cabelo era assanhado
X
28
Parecia um sanharó
A
29
Um braço, todo injambrado
X
30
Todo cheio de nopró
A
31
Os óio da cô de brasa
X
32
E um lubim no gogó,
A
33
Mas Tereza se agradou
x
34
E começou o chodó
a
68
Estrofes irregulares. Poema de uma rima só, sempre nos versos pares. Rima aguda que
alterna com versos que não rimam, estes em geral, terminados em paroxítonas. Evidencia-se a
busca do efeito humorístico por meio da rima aguda e monótona em Ó.
Estrofes de sete versos.
As estrofes de sete versos estão entre as mais raras na obra de poetas literários. Os
autores que a crítica e a historiografia literária brasileira denominam de poetas cultos,
praticamente o a cultivaram. entre os poetas populares, muitos que a utilizam. Na
literatura de cordel ele perde apenas para a sextilha e rivaliza com a décima na preferência dos
autores.
No Tratado de Versificação de Olavo Bilac e Guimarães Passos, obra conhecida por
Patativa do Assaré, não há qualquer menção às septilhas, os autores discorrem sobre as
estâncias desde a de três versos até a de dez, mas não fazem qualquer referência às duas que
estão entre as mais raras, no âmbito da literatura erudita, as de sete e de nove versos.
Em Versificação portuguesa, Manuel Said Ali, dedica poucas linhas às estrofes de
sete versos, apenas para dizer que elas não se empregam com freqüência e são
incaracterísticas quanto ao esquema rímico. Em seguida informa que Casimiro de Abreu fez
uso desta estrofe em dois poemas A Vida e Ontem à noite.
Manoel Bandeira, no texto Versificação em língua portuguesa que escreveu para a
Enciclopédia Delta Larousse, após informar que foi essa uma estrofe muito usada na lírica
trovadoresca, cita exemplos de seu aparecimento na literatura brasileira em Álvares de
SEPTILHAS
01 A derrota de Pedro Topa Tudo
02 A voz do milho abandonado
03 Biografia de Sansão
04 Crítica construtiva
05 O desgosto do Medêro
69
Azevedo, no poema Pedro Ivo, e ainda em Pequenino morto de Vicente de Carvalho, assim
como na Última canção do beco, de sua própria autoria. A métrica dos três poemas é
diferente, o primeiro decassílabo e rima a a b c b b c, o segundo tem versos hendecassílabos
exceção do último, pentassílabo) que rimam a b a c b a c, enquanto o terceiro foi escrito
em redondilhas e rimam apenas o segundo e o sétimo versos.
Vale lembrar, ainda que a septilha é a estrofe do vilancete: tipo especial da glosa, que
consiste no desdobramento de um mote em tantas estrofes quantos são os versos do mote.
Confirma-se facilmente a afirmação de Manuel Bandeira, de que a estrofe de sete
versos foi largamente empregada na lírica trovadoresca. Encontramos um número
significativo de cantigas de amor, cantigas de escárnio e mal dizer e, em menor quantidade,
cantigas de amigo, compostas nesta modalidade estrófica. Transcrevo a tulo de exemplo, a
primeira estrofe dos vários tipos de cantiga, e quatro estâncias de uma Tenção de Mal Dizer,
correspondente do nosso desafio de cantadores.
CANTIGA DE AMOR
JOAN D'ABOIN
8
(meados do século XIII)
Nostro Senhor, que mi-a min faz amar
9
A
a melhor dona de quantas el fez B
e mais fremosa e de melhor prez B
e a que fez mais fremoso falar, A
el me dê d'ela bem, se lhe prouguer, C
Ou mia morte, se m'aquesto non der, C
me dê, por me de gran coita quitar
10
A
Cantiga de amor
8
Fidalgo protegido de D. Afonso III, foi um dos homens mais ricos do seu tempo. Deixou-nos 2 cantigas de
amor, 12 cantigas de amigo, 3 tenções de mal-dizer. Informação extraída da Antologia da Poesia Trovadoresca
Galego-portuguesa .
9
Primeira estrofe em três de uma cantiga de amor. Fonte: A lírica trovadoresca de Sigismundo Spina.
10
Amor incorrespondido. Se Deus foi o responsável pela deflagração do amor no coração do poeta, só a Ele
compete agora realizar uma alteração no destino do infeliz apaixonado: ministrar-lhe a morte, ou pelo menos
eliminar a coita do seu coração.Comentário de Sigismundo Spina.
70
JUIÃO BOLSEIRO
11
Em grave dia me fez Deus nacer
a
Aquel dia e(n) que eu naci,
b
e(n) grave dia me fezo ver
a
a mia senhor u a primeiro vi
b
E(n) grave dia vi os olhos seus
c
Em grave dia mi fez enton Deus
c
ver quam bem parece parecer
12
a
CANTIGAS DE ESCÁRNIO
PÊRO DE AMBROA
13
Pedi eu o cono a ua molher,
a
e pediu-m'ela cen soldos enton
b
e dixe-lh' eu logo: --- Mui sem razon
b
me demandades; mais, se vos prouguer,
a
Fazed'ora --- e faredes melhor ---
c
Ua soldada pólo meu amor
c
a de parte, ca non ei mais mester.
14
a
D. AFONSO X
15
Fui eu poer a mão noutro di-
a
a a ua soldadeira no covon
16
,
b
e disse-m'ela: --- Tol-te
17
arloton
18
,
b
Ca non é est'a (ora)
19
d'alguen mi
a
fornigar, u prendeu) Nostro Senhor
c
Paixon, mais é-xe de min, pecador,
c
por muito mal que me lh'eu mereci.
20
a
11
Jogral do tempo de Afonso X que parece ter estado ao serviço do trovador galego Men Rodrigues Tenório.
Fonte desta informação e da estrofe transcrita: Antologia da Poesia Trovadoresca.
12
Vem desde longa data as queixas do Poeta pelo dia em que nasceu! esta cantiga esse “dia” foi”grave”,
como também foi “grave” o dia em que conheceu a mulher por quem se apaixonou. Comentário de Alexandre
Pinheiro Torres na antologia supra citada.
13
Parece ter sido jogral nas cortes de Fernando III e Afonso X, mas o fato deve-se não à circunstância de não
ser nobre, “mas por algum desdouro no brasão dos pais e por certo gênio truanesco”, gênio que cremos
suficientemente documentado nas duas licenciosas cantigas aqui incluídas. Adaptado da Antologia da Poesia
Trovadoresca.
14
Temos aqui o caso de uma mulher que pede muito dinheiro para dar o corpo (cen soldos). O poeta protesta,
sugerindo-lhe que não quer o corpo todo mas uma pequena parte. Fonte: idem.
15
asceu em Toledo, a 23/11/1221. Com a morte do pai, o Rei Fernando III, ocupa o trono de Castela.
16
Covon: o órgão sexual feminino, ou a região onde se encontra.
17
Tol-te (do verbo toller-se): afasta-te, desaparece!
18
Arloton: maroto.
19
Ora: hora.
20
Perpassa por toda esta composição um tom herético. Alguém declara que se atreveu a r a mão nos órgãos
sexuais de uma soldadeira, a qual, imediatamente, lhe diz que aquela hora não é hora para fornicação, que é
a mesma da Paixão de Cristo, paixão que osso Senhor também sofreu por ela (é-xe de min), precisamente
porque muito pecou e tem pecado. Entendemos, porém, pela estrofe seguinte, que, a despeito dos seus protestos,
o ato sexual já começou.
71
21
Trata-se do mesmo poeta Juan D’Aboin da primeira Cantiga de amor transcrita nesta seção.
22
Guarecer: sustentar, manter.
23
Citolon: citara de qualidade inferior.
24
Trameter: intrometer.
25
Entençar: Fazer tenção (discussão), discutir, altercar
26
Vençudos: Vencidos
27
Aquesto: isto
28
Cho: to.
29
Atal: a tal pessoa, a tal senhora.
30
Fac’: faz.
31
Des i ar: Além disso.
TENÇÃO DE MAL-DIZER ENTRE D. JOÃO PERES DE ABOIM
21
E O JOGRAL LOURENÇO
" Lourenço, soías tu guarecer
22
A
como podias, per teu citalon,
23
B
Ou bem ou mal, non ti digu'eu de non,
B
e vejo-te de trobar trameter;
24
A
e quero-te'eu desto desenganar:
C
bem quanto sabes tu que é trobar
C
bem quanto sab'o asno de leer."
A
"Joan d'Avoin, já me cometer
A
veeron muitos por esta razon
B
Que me diziam, se Deus mi perdon,
B
Que non sabia 'n trobar entender;
A
e veeran poren comigu'entençar,
25
C
e figi-os eu vençudos
26
ficar;
C
e cuido-vos deste preito vencer."
A
"Lourenço, serias mui sabedor,
A
Se me vencesses de trobar nen d'al,
B
Ca bem sei eu quen troba bem ou mal,
B
Que non sabe mais nen um trobador;
A
e por aquesto
27
te desenganei;
C
e vês, Lourenço, onde cho
28
direi:
C
quita-te sempre do que teu non for."
A
"Joan d'Avoín, por Nostro Senhor,
A
Por que leixarei eu trobar atal
29
B
Que mui bem faç'
30
e que muito mi val?
B
Des i ar
31
agradece-mi-o mia senhor,
A
Por que o faç'; e, pois eu tod'est'ei,
C
o trobar nunca (o) eu leixarei,
C
Poi-lo bem faç' e ei(i) gran sabro.
A
72
Nos primeiros anos da colonização, vamos encontrar em O Pelote domingueiro,
poema preparado por Anchieta para uma das festas da Companhia de Jesus, a estrofe de sete
versos.
O PELOTE DOMINGUEIRO
Já furtaram ao moleiro
O pelote domingueiro.
Se lho furtaram ou não, a
bem nos pesa a nós com isso! b
Perdeu-se, com muito viço, b
O pobre moleiro Adão. a
Lúcifer, um mau ladrão, a
lhe roubou todo o dinheiro, c
co’o pelote domingueiro! C
Finalmente, mais próximo de nós, a septilha aparece em algumas liras de Tomás
Antônio Gonzaga, como as liras XIX e XXV
35
. A primeira destas apresenta versos de dez e de
seis sílabas:
Enquanto pasta alegre o manso gado,
Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado.
Um pouco meditemos
Na regular beleza,
Que em tudo quanto vive nos descobre
A sábia natureza.
32
Rei de Portugal. Restam-nos dele 138 cantigas, repartidas do seguinte modo: 76 cantigas de amor, 52 de
amigo, e 10 de mal-dizer.Foi de D. Dinis a iniciativa de fundar a primeira Universidade Portuguesa de Lisboa
(1290), a qual transferiu para Coimbra em 1308. Adaptado da Antologia da Poesia Trovadoresca.
33
Seed: estai
34
O vosso pesar não se pôde igualar ao meu
35
A Poesia dos Inconfidentes. Editora Aguilar, Rio, 1996.
CANTIGA DE AMIGO
D. DINIS
(1261-1325)
32
Ben entendi, meu amigo,
A
que mui gran pesar ouvestes,
B
quando falar non podestes
B
vós noutro dia comigo;
A
mais certo seed',
33
amigo,
A
que non fui o vosso pesar
C
que s'ao meu podess'iguar.
34
C
73
Como demonstra o material pesquisado, estrofes de sete versos outrora freqüentes
foram caindo em desuso. No Tratado de Bilac e Passos a falta de referência ao tipo pode
indicar seu quase desaparecimento àquela altura do século XIX, na poesia culta, é bom frisar.
Talvez não de forma absoluta como sugere M. Said Ali ao mencionar sua ocorrência nos dois
poemas de Casimiro de Abreu.
na Literatura de Cordel, a estrofe de sete versos parece ter feito sua aparição junto
com as citadas sextilhas e décimas, por serem todas elas formas da cantoria que foram
absorvidas pela literatura de folhetos. Menos freqüente que a sextilha, de longe o tipo de
estrofe mais utilizado pelos autores de cordel, no âmbito desta literatura, a septilha rivaliza ou
mesmo chega a ser mais empregada que a décima.
Em Histórias de Cordéis e Folhetos, a autora Márcia Abreu passa a palavra ao poeta
Rodolfo Coelho Cavalcante, que discorre sobre as características formais da Literatura de
Cordel no Brasil, diferenciando-a da de Portugal, e sua lição ele nos ministra em septilhas:
o Brasil é diferente
x
O Cordel-Literatura
a
Tem que ser todo rimado
x
Com sua própria estrutura
a
Versificado em sextilhas
b
Ou senão em septilhas
b
Com a métrica mais pura
a
este estilo o vate escreve
x
Em forma de narração
a
Fatos, Romances, Histórias
x
De realismo, ficção;
a
ão vale Cordel em prosa,
b
E em décima na glosa
b
Se verseja no sertão.
a
Considerando a versificação como o primeiro elemento característico da literatura de
folhetos, Rodolfo Coelho delimita as possibilidades desta versificação, no cordel, às sextilhas,
setilhas e décimas. E a autora conclui citando o poeta: “Uma narrativa ‘tem que ser em
74
sextilhas’, as setilhas são usadas, predominantemente nos folhetos que narram fatos
circunstanciais, ‘jornalísticos’, enquanto as décimas são fundamentalmente empregadas em
glosas a partir de motes, como ocorre nas cantorias”.
A Antologia – Literatura popular em Verso, publicada pela Fundação Casa Rui
Barbosa em co-edição, reúne um total de 42 composições da literatura de cordel. Os poemas
foram selecionados a partir de um conjunto bem maior catalogado por aquela instituição
levando em conta sua representatividade do gênero. histórias tradicionais, aquelas
importadas da novelística européia e transpostas em versos pelos cordelistas, outras de
invenção dos próprios autores, e ainda aquelas que se referem a fatos ou acontecimentos que
deixaram suas marcas na História local, nacional ou mundial.
No que toca à estatística das formas estróficas estes quarenta e dois poemas estão
assim distribuídos:
26 (vinte e seis) em sextilhas
11 (onze) em estrofes de sete versos (septilhas)
2 (dois) em décimas
2 (dois) poemas que misturam sextilhas e décimas
1 (um) poema que mistura sextilhas e septilhas
Este quadro reafirma o que foi dito acima. Sextilhas em primeiro lugar, seguidas de
septilhas e por último décimas, são as formas usadas na literatura de cordel. Outra
“Antologia” que consultamos segue na mesma direção. Trata-se da coletânea denominada A
literatura de folhetos nos Fundos Villa-Lobos, organizada por Ruth Brito Lêmos Terra.
Nesta publicação, entre 16 (dezesseis) poemas narrativos, vamos encontrar:
11 (onze) sextilhas
5 (cinco) septilhas
75
Observando o tema dos textos em septilhas, verifica-se que aquela generalização feita
pelo poeta Rodolfo Cavalcante, de que as septilhas tratam de assuntos de teor jornalístico, só é
aceitável pontuada pelo advérbio predominantemente, pois como regra geral e absoluta, a
afirmação não se sustenta. De fato entre os textos considerados os que trazem temas de
feitio “jornalístico”, mas estes estão longe de ser exclusividade da septilha, podem ser
encontrados também em sextilhas, assim como existem poemas em estrofes de sete versos que
são puramente ficcionais. Vejamos alguns exemplos de cada uma destas ocorrências.
Na Antologia organizada por Cavalcanti Proença, duas ocorrências de poemas em
septilhas que podemos incluir na categoria de temas “jornalísticos”, são eles: Sacco e Vanzetti
aos olhos do mundo e A guerra do Joazeiro 1914. Mas vamos encontrar outros assuntos
igualmente jornalísticos que foram versados em sextilhas, e não em septilhas como, por
exemplo, o Pavoroso desastre de trem no dia 31 de outubro de 1949 ou o Tiroteio em
Maceió—Zé povo e os Maltinos. Por outro lado, verificamos a existência de histórias de
ficção versadas em septilhas como: A moça que virou cobra, A mulher que pediu um filho
ao diabo e o curioso caso do conhecidíssimo folheto As proezas de João Grilo que
conciliatoriamente é composto em sextilhas e septilhas, sendo estas mais numerosas que
aquelas. Há outra curiosidade, esta referente à História da Imperatriz Porcina. Duas
narrativas assim intituladas constam das duas coletâneas, porém são diferentes, a da
Antologia da Casa Rui Barbosa, escrita em septilhas, com seus 1.722 versos (246 estrofes) é
consideravelmente maior que a dos Fundos Villa-Lobos com 498 versos dispostos em
sextilhas (83 estrofes). Apesar de tamanhas diferenças há um detalhe nos comentários ao texto
na Antologia que, contestando a autoria consignada na capa do folheto em nome de João
Martins de Ataíde, acaba atribuindo-a ao mesmo autor que assina a versão menor divulgada
pela outra coletânea, assim os dois poemas seriam do poeta Francisco Chagas Batista.
76
Enquanto não temos meios de saber com quem está a razão, vejamos as duas primeiras
estrofes da versão divulgada na Antologia:
Nesse romance se ver x
Quanto é vil a falsidade, a
Nunca triunfou na vida x
Quem usasse da maldade a
De acordo com sua ofensa b
Terá ele a recompensa, b
Da sua perversidade. a
No tempo do rei Ledônio x
O bondoso imperador a
O grande império romano x
Regia com tanto amor a
Junto à esposa contente b
Vivia ele somente, b
No meio de grande esplendor. a
Na coletânea A literatura de folhetos nos Fundos Villa-Lobos, dos cinco poemas em
septilha, três referem-se a lutas e acontecimentos históricos do início do século XX no Ceará,
são eles A Bernarda no Ceará, A Queda do Babaquara e Os Aciolis. Eis a estrofe inicial do
primeiro deles:
Acorda, povo Cearense, x
Que a ocasião é chegada, a
Ou sais vencedor na luta x
Ou arrebenta a Bernarda, a
Pois agora em Pernambuco b
Houve uma luta de suco b
Mas a vitória foi cantada! a
Por fim vejamos duas estrofes, a primeira e a terceira, de A vida dos seringueiros, um
exemplo poesia de crítica social em estrofes de sete versos, extraído da mesma fonte:
Neste livrinho descrevo x
A vida dos seringueiros a
Na luta do amazonas x
Entre patrões carniceiros a
Aonde impera a ilusão b
E não se vê compaixão b
Nem nos próprios companheiros a
(...)
77
Só conhece o Amazonas x
É quem lá já trabalhou a
Porém quem conta façanha x
É porque lá não lutou a
E se lutou teve sorte b
Não conversou com a morte b
E nem da sezão provou a
Uma tão significativa utilização da estrofe de sete versos na lírica trovadoresca, nos
vários tipos de cantigas e nas tensões de mal dizer dá-nos o que pensar sobre os caminhos que
estas formas teriam percorrido para chegar até o Brasil. O fato de tanto como aqui estarem
ligadas a formas orais de transmissão sugere que deva existir uma ligação entre os dois
universos. A discussão promete ir longe, recentemente o livro Histórias de cordéis e folhetos,
de Márcia Abreu, já citado, defende uma tese que contraria a teoria muito difundida da
filiação da nossa literatura de cordel a de Portugal. A autora argumenta em favor da origem
autóctone e da autonomia das formas poéticas e da temática da nossa literatura de cordel. Pelo
que entendi sua hipótese dirige-se, sobretudo, ao universo da poesia impressa. No entanto,
estudos vinculando as formas do nosso cordel com as formas da poesia dos cantadores. E de
onde teria vindo a semente desta manifestação da poesia oral, que depois invadiria o território
da poesia impressa, senão do contato com o colonizador português? A discussão põe
inúmeros desafios aos estudiosos, mas foge aos objetivos e limites deste trabalho.
A trajetória que acabamos de percorrer permite-nos a par das dúvidas duas notações. A
septilha teve acolhida entre os poetas que transitam pelas formas orais de poesia, e, no Brasil,
foi deixada de parte pelos que se movem no universo letrado. O esquema rímico usado na
época trovadoresca e no século XVI, caso de Anchieta, não tinha versos soltos, todos
rimavam. O esquema mico contemporâneo, na poesia nordestina, ficou com cinco versos
rimando e dois soltos. Os quatro poemas de Patativa do Assaré que empregam esta estrofe
seguem este último esquema rímico, o único utilizado e difundido pelos cordelistas e
cantadores. Confirmemos com algumas estrofes de dois poemas de Patativa do Assaré:
78
O DESGOSTO DO MEDÊRO
Ô Juana este mundo tem x
Sugeito com tanta faia a
Que quanto mais qué sê bom x
Mais no erro se escangaia, a
Istuda mas não prospera b
E pra sê burro de vera b
Só farta leva cangaia. a
Ô Juana, tu já deu fé, x
Tu já prestou atenção, a
Que tanta gente que tinha x
Com nós boa relação a
Anda agora deferente b
Sem querê sabê da gente b
Pru causa das inleição? a
BIOGRAFIA DE SANSÃO
Sansão nasceu no Japão x
Por meio de uma fratura, a
Sua Mãe era Maria x
Filostomina Ventura, a
Seu Pai, João Pitolomeu b
E o seu Avô Galileu b
ETC rapadura a
Com trinta ano de idade x
Batizou-se na Suissa, a
A premêra comunhão x
Fez no quartê da poliça, a
Com istudo incognoto b
Foi ele o maior devoto b
Pregador da má notíça a
....
Foi nas terra do Egito x
Campeão de futibó a
E além de pescar no Nilo x
Piau, traira e corró, a
Pra fazer chave e ferroio b
Catava purga e pioio b
Na barba de Faraó. a
De gripe farsificada x
Seu nariz vivia cheio, a
Mas não ia ao consurtoro x
E nem tomava conseio, a
Mode curar o seu gôgo b
Tomava banho de fogo b
Nas águas do mar vermeio a
(...)
Com base nas estatísticas levantadas na obra de Patativa do Assaré e comparando-a
com as amostragens colhidas nas duas antologias consultadas, podemos afirmar que no que se
79
refere à estrofação a obra deste poeta desloca-se para o pólo oposto dos autores de cordel.
Como vimos acima, as três modalidades estróficas mais utilizadas na literatura de folhetos são
em ordem decrescente: a sextilha, a septilha e a décima, na obra de Patativa uma troca
radical. A estrofe de dez versos sobe da última para a primeira posição, e agora passamos a ter
por ordem decrescente a seguinte seqüência: décima, sextilha e septilha. Neste particular, em
relação à estrofe de sete versos, o nosso poeta da roça mostrou uma afinidade para com a
tendência que se consolidou no universo da poesia erudita.
Oitavas.
A estrofe de oito versos é o último tipo que nos falta comentar das que estão incluídas
no nível 1. Entre os dezesseis poemas em oitavas, acima relacionados, doze adotam a oitava
lírica
36
com a seguinte disposição de rimas:
a a a b c c c b
. Said Ali, em Versificção
36
M. Said Ali classifica as oitavas em dois tipos: 1) a épica, que, em muitos manuais e tratados, é denominada
oitava rima ou camoniana, e 2) a lírica, denominação genérica para todas as demais que se diferenciam do
primeiro tipo.
OITAVAS
01 A Festa da Natureza
02 A fogueira de São João
03 Assaré querido
04 Ao locutor da Rádio Araripe
05 Carta a Papai Noel
06 Dia Nacional da Poesia
07 Gratidão
08 Luiz de Camões
09 Meu Castigo
10 Meu premero amo
11 Minha Viola
12 O Inferno, o Purgatório e o Paraíso
13 O Paraíso das Aves
14 O vaquêro
15 Pergunta de um analfabeto
16 Ser Feliz
80
portuguesa,
37
registra outros dois esquemas rímicos para esta mesma oitava, mas Patativa não
os utiliza.
também a oitava épica ou camoniana, caracterizada pelo esquema de rimas
empregado por Camões em Os Lusíadas:
a b a b a b c c
. Patativa conheceu-a na leitura do
épico camoniano e utilizou-a em dois poemas: O Inferno, o Purgatório e o Paraíso e Luis de
Camões, com métrica decassílaba no primeiro e redondilha maior no segundo.
O poema Assaré querido é uma letra de música em quatro estrofes de oito versos, e
seu esquema de rimas difere dos dois outros apresentados acima. Três oitavas fazem o
esquema
x a a b x c c b
e a outra faz diferente apenas no quinto verso que passa a rimar
com o sexto e o sétimo:
x a a b c c c b
. Os dois esquemas da canção diferem dos
apresentados por Said Ali.
Por último, encontramos registro na antologia Melhores Poemas de duas oitavas que o
poeta improvisou numa entrevista concedida à Radio Bandeirante com o nome de Dia
nacional da poesia. Consiste num improviso em homenagem aos cento e cinqüenta e três
anos do nascimento de Castro Alves. As duas estrofes são oitavas incaracterísticas,
certamente por sua natureza de improviso, fogem a qualquer dos esquemas de rimas
conhecidos para este tipo de estância e, além disso, uma e outra estrofe também diferem entre
si neste particular.
37
“A disposição das rimas na oitava lírica é variável. De ordinário, procura-se rimar o verso do meio com o
último. Tipos: n a a b n a c b; n a n a b b b a; a a a b c c c b.” Fonte: Ali, Manoel Said, Versificação portuguesa.
81
Neste poema um vaqueiro satisfeito com seu trabalho, fala da disposição e da coragem
com que enfrenta os perigos próprios de sua profissão, descreve a carreira desembalada pelo
meio do mato, a cavalo, entre os garranchos da caatinga, na busca do touro bravio. Está nesta
luta desde criança, aprendeu o ofício com o pai, que além de vaqueiro era violeiro também.
Desta experiência de vida afirma-se a sua identidade, que na lógica do poema se constitui em
contraponto às profissões e ao luxo da gente da cidade, representados na figura do Dotô. A
energia requerida por esta vida difícil e desafiadora forja o homem rijo e cheio de vitalidade,
cioso dos atributos que reconhece em si, e tomando-os por um verdadeiro tesouro existencial.
A sua condição de vida mergulhada em carência material contrapõe-se à riqueza como
apanágio das classes dominantes cujo locus é a cidade. Este disposto sertanejo não herdou os
dotes artísticos do pai, mas não lamenta, pois aquilo que herdou, a sina de vaqueiro, lhe
enche de orgulho, e, além disso, o seu aboio é tão sentido é que faz chorar qualquer pessoa
que traga o coração carregado de amor.
O poema todo consta de 14 oitavas, rimam o quarto com o oitavo verso sempre em
rimas agudas, contrastando com os outros seis que o fazem, invariavelmente, em rimas
graves.
O VAQUÊRO
I
X
Eu venho dêrne menino, a
Eu não invejo riqueza a
Dêrne munto pequenino, a
Nem posição, nem grandeza, a
Cumprindo o belo destino a
Nem a vida de fineza a
Que me deu Nosso Senhô. b
Do povo da capitã. b
Eu nasci pra sê vaquêro, c
Pra minha vida sê bela c
Sou o mais feliz brasilêro, C
Só basta não farta nela c
Eu não invejo dinhêro, C
Bom cavalo, boa sela c
Nem diproma de dotô. b
E gado pr'eu campeá. b
82
O cantador num momento infeliz resolve abandonar sua viola e depois arrepende-se,
pois vê os seus males e as suas dores aumentarem desmesuradamente e ele, então, percebendo
o quanto a viola aplacava seus sofrimentos, volta para ela e pede-lhe desculpas. Voltam a
conviver o artista e seu instrumento, mas uma nova angústia assalta o poeta, a de pensar que
depois da morte, a sua viola querida passará às mãos de outro cantador.
Poema composto em dez oitavas, para oito das quais aplica-se o que falei no
comentário anterior sobre a rima do quarto e oitavo versos. Porém há duas estrofes que trazem
palavras paroxítonas também nestes versos, ficando assim toda a estância com rimas graves.
Uma é a estrofe IV que transcrevi acima e a outra a de número VII que transcrevo aqui: Sei
que, com tua harmonia, / ão componho a fantasia/ Da profunda poesia/ Do poeta literato, /
Porém o verso na mente/ Me brota constantemente, / Como as água da nascente/ Do da
serra do Crato.
MINHA VIOLA
I
IV
Minha viola querida, a
Se, às vezes, fico tristonho, A
Certa vez, na minha vida, a
Vendo desfeito o meu sonho, A
De alma triste e dolorida a
Contigo ao peito, componho A
Resolvi te abandonar. b
A minha poesia rude. B
Porém, sem as notas belas c
Tocando corda por corda, C
De tuas cordas singelas, c
O meu coração acorda C
Vi meu fardo de mazelas c
E apaixonado recorda C
Cada vez mais aumentar b
Os dias da juventude. B
II
VIII
Vaguei sem achar encosto, a
Viola, minha viola, A
Correu-me o pranto no rosto, a
Minha verdadeira escola, A
O pesadelo, o desgosto, a
Que me ensina e me consola, A
E outros martírios sem fim b
Neste mundo de meu Deus. B
Me faziam, com surpresa, c
Se és a estrela do meu norte, C
Ingratidão, aspereza, c
E o prazer da minha sorte, C
E o fantasma da tristeza c
Na hora da minha morte, C
Chorava junto de mim. b
Como será nosso adeus? B
83
Este poema nasceu de uma solicitação do amigo do poeta, o Dr. José Arraes de
Alencar que propôs o título e remeteu-o a Patativa, dizendo-se curioso em conhecer o que ele
seria capaz de criar a partir desse estímulo. O poeta conta que levou algum tempo imaginando
até que lhe ocorreu a imagem das três classes sociais. Depois disso, é ainda o poeta quem
depõe, tudo saiu fácil, pois ele agora tinha na mente o quadro de onde partir e foi ir
descrevendo uma a uma a situação de cada classe.
Esta composição é única na obra no que se refere às estrofes, Patativa usou a oitava
camoniana com métrica decassílaba. Conforme foi dito antes, o poema Luís de Camões
também usa esta mesma estrofe, mas com versos em redondilha maior, o que é inusitado no
caso da oitava épica.
O INFERNO, O PURGATÓRIO E O PARAÍSO
I
Pela estrada da vida nós seguimos, A
Cada qual procurando melhorar, B
Tudo aquilo, que vemos e que ouvimos, A
Desejamos, na mente, interpretar, B
Pois nós todos na terra possuímos A
O sagrado direito de pensar, B
Neste mundo de Deus, olho e diviso C
O Purgatório, o Inferno e o Paraíso. C
II
Este Inferno, que temos bem visível A
E repleto de cenas de tortura B
Onde nota-se o drama triste e horrível A
De lamentos e gritos de loucura B
E onde muitos estão no mesmo nível A
De indigência, desgraça e desventura, B
É onde vive sofrendo a classe pobre C
Sem conforto, sem pão, sem lar, sem cobre.
C
84
Nível 2 : Sonetos – Sextilhas – Quadras e Quartetos
Sonetos
“O poeta da roça” no seu trânsito entre a língua e a poesia culta e a língua e a poesia
matuta, demonstra a amplitude de seus recursos poéticos ao vivenciar este biculturalismo
formal e lingüístico. Move-se no âmbito específico da poética popular caudatária do cordel e
do repente, como também no âmbito da poesia de tradição erudita. É na prática do soneto
onde mais claramente se concretiza a expansão do poeta camponês, de pouca escolaridade
formal, do universo da cultura popular para o universo letrado. Nos seus sonetos a língua é
sempre a da norma culta e a métrica decassílaba. O soneto é uma forma poética estranha ao
repertório tanto dos repentistas, e, portanto, inexistente na tradição da poesia oral, quanto dos
cordelistas, o que a faz inexistir também na literatura de folhetos nordestina.
Registramos um total de 48 sonetos na obra de Patativa, a quase totalidade destes,
quarenta e um, segue o esquema de rimas
abba abba ccd eed
. Outros seis sonetos foram
compostos segundo o esquema
abab abab ccd eed
, e, curiosamente um único que
embaralha o modo de rimar os quartetos fazendo uma oitava atípica:
abba abab ccd eed
.
Em outro ponto deste trabalho estudo detidamente alguns sonetos do autor.
Relação dos Sonetos
1) A menina mendiga 17) É preciso saber compor soneto 33) O Burro
2) À Meretriz 18) Ela 34) O Castigo do Vaidoso
3) A minha cinza 19) Ele 35) O Grande Prêmio
4) A Morte 20) Engano 36) O Pau D'Arco
5) A Morte - Estrambote 21) Esta terra parece um paraíso 37) O Peixe
6) À Professora Neuma 22) Flores Murchas 38) O Prazer da Pipa
7) A sorte de Joli 23) Fuga de Vênus 39) O que mais dói
8) Acróstico Espalhafatoso 24) Gratidão 40) Percorrendo o Nordeste em..
9) Amanhã 25) Herança 41) Prezado Amigo
10) Ao Padre Miracapilo 26) Ingratidão 42) Reforma Agrária
11) Baladeira 27) Mal de Amor 43) Treze de agosto
12) Chico Forte 28) Minha Castanhola 44) Um Grande Poeta
13) Ciúme 29) Minha Serra 45) Vive doidinha a procurar ...
14) Cousa Estranha 30) Musa Boliçosa 46) Vou casar sem saber...
15) Desilusão 31) Nana 47) Voz Estranha
16) Dia das Mães 32) No Cemitério 48) Zé Jacó
85
Três sonetos: Um Grande Poeta - Engano - Percorrendo o Nordeste em Pregação
Cada um exemplifica um dos três esquemas rímicos encontrados na obra de Patativa do Assaré.
As diferenças ocorrem apenas nos quartetos, uns com rimas cruzadas e outros com rimas opostas e
uma única exceção na qual o poeta rima cada quarteto conforme um e outro esquema.
Um Grande Poeta: a b b a a b b a c c d e e d - Engano: a b a b a b a b c c d e e d
Um Grande Poeta Engano
Carregou da miséria o grande fardo, Alguém julga-me sempre venturoso,
Foi a pobreza a sua companhia, Qual passarinho alegre a gorgear,
Esta andrajosa mãe da poesia Cheio de vida, de prazer e gozo,
Nunca negou-lhe da tortura o dardo. Entre as delícias de um amor sem par.
E assim de olhar pedinte e passo tardo Alguém pensa que eu sempre ao dedilhar
Fora do mundo a lamentar vivia. O predileto pinho sonoroso,
Hoje repousa sob a terra fria, Sinto no peito o livre palpitar
Já ninguém fala do indigente bardo. De um coração feliz, calmo e ditoso.
Eu, que na vida não gozei de nada, Mas nada disso em meu viver existe,
Vou palmilhando aquela mesma estrada Vou pelo mundo, pensativo e triste,
Tendo por ele um sentimento nobre. Vergado ao peso da cruel saudade,
Foi meu colega, foi meu grande amigo, Sempre arrastando o meu martírio infindo,
Autor do livro, Cantos de um mendigo,
Chorando o tempo que passei sorrindo
Foi tão poeta que morreu de pobre. Nos belos sonhos da primeira idade.
Caso singular: a b b a a b a b c c d e e d Acróstico Espalhafatoso é um exemplo de acróstico
em forma de soneto, o nome é o de Vicente
Alencar,
poeta e primo de Patativa do Assaré.
Temos aqui um caso de poesia anfigúrica
Percorrendo o Nordeste em Pregação Acróstico Espalhafatoso
Sempre seguiu contente o seu caminho
Visão do bosque sedutora e crente
Porque foi por Jesus um enviado
Incauto drama perpassando a vinda
Pó adulto e criança foi beijado
Cortando a selva transviada e linda
Ninguém via na praça ele sozinho,
Ecos doridos de um cantar dolente
Seu roteiro foi sempre bem talhado
No frio sopro do pampeiro quente
Mesmo sendo pisado sobre espinho
Tirita o nauta de expressões infindas
Nesta terra foi muito venerado
Entre as riquezas que o ladrão nos brinda
Nosso santo e querido capuchinho.
Agrilhoando o coração da gente.
Bem distante da Terra, no Brasil,
Lamenta e chora o jubiloso triste
Sob a sombra do nosso céu de anil,
E a patavina que no mundo existe
Foi bastante feliz Frei Damião,
No firme posto do legal papel,
Quer no campo e também pela cidade
Cortando a barba do velhinho infante
Prometendo uma santa eternidade
Acena e brada a repetir constante:
Percorrendo o Nordeste em pregação.
Roxo, rajado, confusão, babel.
86
Sextilhas
Como foi dito a sextilha é a estrofe predominante na literatura de cordel. Ela é
maciçamente utilizada, numa proporção que lhe um primeiro lugar folgado em relação à
septilha e à décima. A sextilha está para a literatura de cordel assim como a décima está para a
obra de Patativa do Assaré, ocupando o primeiríssimo lugar.
O nível 2, que representa a faixa intermediária do número de ocorrências das formas
estróficas na obra do poeta, possui quatro categorias e entre estas quatro a sextilha é
minoritária. Podemos representar este fato graficamente numa seqüência do maior para o
menor assim:
Quadrinhas
>
Quarteto
>
Soneto
>
Sextilha
71 55 48 41
outros aspectos a considerar que nos dão mais elementos ainda para aquilatar o
contraste de sua poética com a dos autores de cordel. As sextilhas empregadas por Patativa do
Assaré são de três tipos diferentes. A estrofe de seis versos mais tradicional, usada nas
cantigas populares antigas, é a mesma utilizada nos folhetos de cordel. Caracteriza-se por
possuir rima única nos versos pares, o 2º, o 4º e o 6º e que varia de estrofe em estrofe. Este é o
esquema de rimas que requer o menor esforço para estrofes com este número de linhas:
x a x
a x a
. Na obra do poeta contamos com apenas cinco poemas nesta modalidade estrofe/rima
dentre as 41 composições em sextilha. Dos 36 poemas restantes, 29 adotam a “sextilha
moderna formada de rimas diferentes que se dispõem de várias maneiras”, sendo a mais
comum esta:
a a b c c b
. E, finalmente, um terceiro tipo de sextilhas que é a composta,
87
assim chamada porque apresenta versos de duas medidas diferentes. As deste tipo são sete
ocorrências. Fato este, que podemos também representar graficamente da forma seguinte:
Sextilha Moderna > Sextilha Composta > Sextilha Antiga (cordel)
29 7 5
Podemos resumir o argumento acima, dizendo que na obra de Patativa inverte-se
completamente quanto aos tipos de estrofes o panorama que caracteriza a literatura de cordel.
Vimos que a inversão é mais radical do que parece à primeira vista. No começo da análise do
levantamento feito, traçando um paralelo comparativo apenas com as três estrofes típicas do
cordel: sextilha, septilha e décima, parecia que na obra do poeta a décima ascendia do último
para o primeiro lugar enquanto a sextilha descia apenas um degrau, passando para o segundo
lugar. Depois olhando melhor, e considerando que a sextilha do cordel é unicamente aquela
com rima exclusiva nos versos pares, então nossa conclusão passa a ser outra. Esta sextilha
em particular, que é a que interessa ao nosso argumento, cai em verdade para terceiro lugar,
ficando atrás da própria septilha. Isto porque, como vimos, a maioria das estrofes de seis
versos utilizada por Patativa do Assaré são de dois tipos jamais empregados no cordel, a
sextilha moderna e a composta.
Veremos a seguir cada um destes três tipos. Começando pela sextilha antiga, que aqui
denomino sextilha-cordel. Mas lembrando que se ela é a única empregada na literatura de
cordel, não está, no entanto, o seu uso restrito a este gênero de literatura. Sirva-nos aqui como
exemplo as Sextilhas de Frei Antão de Gonçalves Dias, de onde transcrevemos as três
primeiras estrofes de três das partes em que se subdivide este longo poema.
Dos cinco poemas de Patativa do Assaré compostos neste tipo de sextilha, quatro
foram publicados sob a forma de folhetos, são eles: A Lâmpada de Aladim, A História de
88
Abílio e seu cachorro Jupi, Brosogó, Militão e o Diabo e O Padre Henrique e o Dragão da
Maldade. Destes que acabo de mencionar, transcrevo abaixo as primeiras estrofes dos três
primeiros. O quinto poema chama-se A vaca Lavandeira, que e encontra-se publicado no livro
Cante lá que eu canto cá.
Em outra parte do trabalho chamo atenção para o fato de que Patativa do Assaré
considerava como traço distintivo do verdadeiro poeta a criatividade, entendida como o dom
da fabulação, o qual se manifestaria na criação de suas próprias histórias sem necessidade de
copiar enredos inventados por outros autores. Chamava àqueles que unicamente versam
histórias alheias de versejadores e não poetas. No entanto, ele deve ter sentido a necessidade
de demonstrar que se quisesse também podia se apropriar de um enredo tradicional e recriá-lo
à sua maneira. Daí este único trabalho que conheço em sua obra em que ele verseja uma
narrativa tradicional, um enredo que não é de sua autoria, trata-se do seu folheto A Lâmpada
de Aladim.
SEXTILHAS ANTIGAS: "Sextilhas de Frei Antão" X A X A X A
Gonçalves Dias
Loa da Princesa Santa
Gulnare e Mustafá
Gonçalo Hermingues
Mercê de Deus! Minha vida
Deus Senhor foi quem nos
céus Não há mais daquele tempo,
É vida de muita dura!
Pendurou milhões de estrelas Em que era tudo lhaneza!
Vivo esquecido dos vivos
Foi quem matizou a terra
Ações e vida e costumes
Na terra da desventura;
De froles várias e belas,
Desta gente portuguesa
Vivo escrevendo e penando Quem ao mar por ser pujante Por tal jeito se trocaram,
Num canto de cela escura
Areias deu por cancelas.
Que é hoje tudo impureza.
89
Esta sextilha é a predominante na obra de Leandro Gomes de Barros, considerado o
primeiro grande poeta da nossa literatura de cordel, autor de uma fecundidade extraordinária.
Não tenho dados similares a este mesmo levantamento na obra do poeta paraibano, mas as
narrativas em folhetos e coletâneas de sua obra que tive oportunidade de ler, todos eram em
estrofes de seis versos. Foi autor de inventiva própria no que se refere aos enredos como
também versejou histórias da novelística européia. Ao primeiro caso pertence “O cachorro
dos mortos”, e ao segundo, os cordéis “A Donzela Teodora” e “A verdadeira história de João
de Calais” de onde tirei os exemplos abaixo.
SEXTILHAS Típicas do Cordel: X A X A X A
Patativa do Assaré
Brosógo, Militão e o Diabo
A Lâmpada de Aladim
Abílio e seu cachorro Jupi
O melhor da nossa vida
Na cidade de Bag
Vizinho de uma cidade
X
É paz, amor e união
Quando ela antigamente
residia um cidadão
A
E em cada semelhante
era a cidade mais rica
de alma fervorosa e justa
X
A gente vê um irmão
Das terras do Oriente
E um sincero coração
A
E apresentar para todos
Deu-se um caso fabuloso
tendo 3 filhos consigo
X
o papel da gratidão
Que apavorou muita gente
Abílio, Grigório e João
A
Quem faz um grande favor
Nessa cidade morava
Esse senhor de quem falo
X
mesmo desinteressado
uma viúva de bem
chamava-se Benvenuto
A
por onde quer que ele ande
Paciente e muito pobre
votava ódio a quem fosse
X
leva um tesouro guardado
Não possuía um vintém
ladrão, traiçoeiro e bruto
A
e um dia sem esperar
dentro da sua choupana
conservava no seu peito
X
será bem recompensado
Sem falar mal de ninguém
um coração impoluto
A
Em um dos nossos estados
Vivia bem satisfeita
Porém este velhho mundo
X
do Nordeste brasileiro
Nessa pobreza sem fim
É uma variedade
A
nasceu Chico Brosogó
Tendo só um filho único
às vezes um senhor justo
X
era ele um missangueiro
Com o nome de Aladim
de tanta moralidade
A
que é o mesmo camelô
Que apesar de ser travesso
cria filhos desordeiros
X
lá no Rio de Janeiro
Ninguém lhe achava ruim
tipos de perversidade
A
O Brosogó era ingênuo
Aquele belo garoto
Foi assim que Benvenuto
X
não tinha filosofia
Tinha um leal coração
bom e digno de atenção
A
mas tinha de honestidade
Mas fugia do trabalho
via com grande pesar
X
a maior sabedoria
buscando a vadeação
dois filhos, Grigório e João
A
Sempre vendendo ambulante
era a mãe que trabalhava
Praticando os negros dramas
X
a sua mercadoria
para fornecer-lhe o pão.
da vala da perdição
A
90
SEXTILHAS Típicas do Cordel
Leandro Gomes de Barros
O cachorro dos mortos A Donzela Teodora
Romance de João de Calais
Os nossos antepassados Eis a real descrição Vinde musas que habitam
Eram muito prevenidos, Da história da donzela Nas regiões divinais
Diziam: "Mato tem olhos, dos sábios que ela venceu Banhar-me nas santas águas
E paredes tem ouvidos, E aposta ganha por ela Das fontes celestiais
Os crimes são descobertos Tirado tudo direito Que vou contar o romance
Por mais que sejam escondidos Da história grande dela Do herói João de Calais
Sextilhas modernas
Esta é a modalidade de sextilha mais utilizada por Patativa do Assaré. Todos os seis
versos rimam aos pares, assim distribuídos: a a b c c b. No levantamento feito vimos que este
tipo é empregado em cerca de 70% dos poemas compostos em estrofes de seis versos. Temos
nos números desta preferência concernente às sextilhas, outro indício da variedade presente
em sua obra. A menor utilização da sextilha/cordel que vimos no item anterior, em
contraponto com o maciço emprego desta, largamente praticada por poetas da lírica mais
moderna, revela um Patativa mais afinado com a forma estrófica culta que com a popular.
Este tipo de sextilha vamos encontrar com uma expressiva freqüência na obra dos nossos
poetas românticos. Cito como exemplos A duas flores, A canção do africano e Bandido egro
(sextilhas intercaladas com quartetos) em Castro Alves; Rosa murcha, Juramento e O que é
simpatia em Casemiro de Abreu, dois poetas que figuravam na relação de suas leituras.
91
Patativa do Assaré
SEU DOTÔ
ME CONHECE ?
AO POETA DO SERTÃO
MARIA GULORA
Seu
doto
, só me parece
Fui em lágrimas desfeito,
Vem cá, Maria Gulora,
A
Que o sinhô não me conhece,
De viola sobre o peito,
Escuta, que eu vou, agora
A
Nunca sôbe quem sou eu,
Sentar
-
me à beira do mar
.
Uma coisa te contá.
B
Nunca viu minha paioça,
Queria, cantando as águas,
É uma rescordação
C
Minha muié, minha roça,
Amenizar minhas mágoas,
Dos dia das ilusão
C
E os fio que Deus me deu.
Dar alívio ao meu penar.
Que faz a gente chorá.
B
Se não
sabe, escute agora,
Mas ao dedilhar o pinho,
Eu antonte andei na Vage,
A
Que eu vou contá minha históra,
Ouvi um riso escarninho
Não morri, mas porém quage
A
Tenha bondade de uvi:
Do mar, sisudo a dizer:
Enlouqueço de repente,
B
Eu sou da crasse matuta,
"Não cantes aqui, não cantes!
Quando meus óio avistou
C
Da crasse que não desfruta
Os teus versos dissonantes
A casa que tu morou,
C
Das riqueza do Brasi.
Não me dão nenhum prazer.
Quando nóis era inocente.
B
Com este tipo de estrofe e seu esquema de rimas Patativa do Assaré compôs tanto
poemas na ngua matuta como na ngua culta como mostram os exemplos transcritos. Ao
Poeta do sertão, é uma bela e comovida homenagem de Patativa a Juvenal Galeno. Este
poema foi lido, por um conterrâneo do poeta de Assaré, incumbido de representá-lo, num
sarau na “Casa Juvenal Galeno” em sessão comemorativa do aniversário póstumo do patrono
da instituição.
Sextilhas compostas
A sextilha do mesmo tipo que a anterior: a a b c c b pode também apresentar
versos de diferentes medidas. Vamos encontrá-la composta em versos de dez ( a a e c c ) e
de seis sílabas ( b e b).
92
É mudo aquele a quem irmão chamamos,
E a mão que tantas vezes apertamos
Agora é fria já!
Não mais nos “bancos” esse rosto amigo
Hoje escondido no fatal jazigo
Conosco sorrirá!
(À morte de Afonso de A. Coutinho Messeder – Casemiro de Abreu)
Anota o autor de Versificação portuguesa
38
que “os versos longos são geralmente
graves; os menores são de preferência agudos”. O exemplo, agora, é tomado de Castro Alves
no seu Sub Tegmine Fagi:
Amigo! O campo é o ninho do poeta...
Deus fala, quando a turba está quieta,
Às campinas em flor.
- Noivo – Ele espera que os convivas saiam...
E n’alcova onde as lâmpadas desmaiam
Então murmura – amor -
e em Vozes D’África:
Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Ocorre de a mesma estrofe apresentar-se em redondilha maior (a a e c c),
combinada com versos de três sílabas ( b b) como em Cena Íntima, de Casemiro de Abreu:
Como estás hoje zangada
E como olhas despeitada
Só p’ra mim!
-- Ora diz-me: esses queixumes,
Esses injustos ciúmes
Não têm fim?
Em verdade são inúmeras as variações em que a sextilha foi empregada por diversos
poetas. sextilhas compostas em versos brancos, e outras, ainda, em que rimam apenas o
38
Ali, Manoel Said, Versificação Portuguesa. São Paulo: Edusp, 1999.
93
terceiro e o sexto verso. Podemos ilustrar o primeiro caso com Desalento, de Gonçalves Dias,
onde, além da falta de rimas, a estrofe é composta unicamente por versos graves:
Nascer, lutar, sofrer!– eis toda a vida:
D’esperança e de amor um raio breve
Se mistura e confunde
Às cruas dores dum viver cansado,
Como raio fugaz que luz nas trevas
Para as tornar mais feias!
E para o segundo caso, sirva-nos de exemplo estas Dores, de Casemiro de Abreu:
Há dores fundas, agonias lentas,
Dramas pungentes que ninguém consola,
Ou suspeita sequer!
Mágoas maiores do que a dor dum dia,
Do que a morte bebida em taça morna
De lábios de mulher!
Mas as sextilhas em que escasseiam ou inexistem rimas não contam na poética de
Patativa do Assaré. Deixo, pois, a digressão de lado e volto ao âmbito das sextilhas compostas
e rimadas para registrar mais dois casos curiosos. Como já vimos as medidas dos versos
costumam ocorrer em duas combinações: versos de dez com versos de seis, e redondilha
maior com versos de três labas. Foi visto também que nestas duas combinações vigora o
esquema de rimas a a b c c b, embora existam outras variações rímicas ao lado desta.
um outro fator cuja mudança aumenta o número de variantes desta estrofe. Refiro-me ao
deslocamento de posição nos versos de menor medida. Até aqui todos os casos que vimos
apresentam o seguinte aspecto tipográfico quanto à distribuição da seqüência dos versos
maiores e menores:
94
No entanto, pode ocorrer que os versos menores em vez de serem o terceiro e o sexto,
sejam o segundo e o quinto. Neste novo arranjo, acontecem duas possibilidades, altera-se o
esquema de rimas, como em A criança, de Castro Alves:
É triste ver uma alvorada em sombras
a
Uma ave sem cantar
b
O veado estendido nas alfombras
a
Mocidade, és a aurora da existência,
c
Quero ver-te brilhar
b
Canta, criança, és a ave da inocência
c
ou ele se mantém o mesmo que vimos estudando nesta sessão, como em A leviana, de
Gonçalves Dias:
És engraçada e formosa
a
Como a rosa
a
Como a rosa em mês d’Abril
b
És como a nuvem dourada
c
Deslizada
c
Deslizada em céus de anil
b
Tu és vária e melindrosa
a
Qual formosa
a
Borboleta num jardim,
b
Que as flores todas afaga.
c
E divaga
c
Em devaneio sem fim
b
ou Uma História, de Casemiro de Abreu:
95
A brisa dizia à rosa
a
-- Dá, formosa,
a
Dá-me, linda, o teu amor;
b
Deixa eu dormir no teu seio
c
Sem receio,
c
Sem receio, minha flor!
B
Neste caso temos o seguinte diagrama tipográfico da estrofe:
No caso dos dois diagramas muda o aspecto tipográfico da estrofe, mas mantém-se o
esquema das rimas a a b c c b.
A sextilha composta empregada por Patativa do Assaré tem o mesmo esquema de
rimas, a a b c c b, mas difere de todas que foram vistas até aqui num ponto muito especial.
Sejam quais forem as combinações métricas que examinamos, a sextilha apresenta sempre
quatro versos na medida maior e dois versos na medida menor. O que é facilmente
visualizado nos diagramas acima. Em Patativa esta conta se inverte, são apenas dois versos na
medida maior e quatro na medida menor, veja-se a primeira estrofe de A triste partida:
Setembro passou, com oitubro e novembro
a
Já tamo em dezembro,
a
Meu Deus, que é de nós?
b
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
c
Com medo da peste,
c
Da fome feroz.
b
96
É a mesma forma que encontramos em História de uma Cruz assim como nos outros cinco
poemas que empregam a sextilha composta:
Papai, conte a histora daquela cruizinha
a
tão triste sozinha,
a
no pé da ladêra,
b
com seus braço aberto, chorosa, coitada!
c
na bêra da istrada,
c
qui vai pra rebêra.
B
Me conte o motivo daquilo que vejo,
a
me faça o desejo,
a
me faça a vontade.
b
Pois lá tenho visto muié saluçando
c
e a cruz infeitando
c
de reza e sodade.
b
Recorrendo à visualização por meio do diagrama temos o que segue:
Colocando os três diagramas lado a lado temos o seguinte:
Dores A criança A triste partida
Casimiro de Abreu Castro Alves Patativa do Assaré
97
Não consegui localizar na obra dos três poetas
românticos acima mencionados nenhum poema com a mesma
sextilha composta, utilizada por Patativa do Assaré, com apenas dois versos na medida maior
e quatro na menor. Igualmente não a encontrei na parte das obras a que tive acesso de Juvenal
Galeno, da Luz e Catulo da Paixão Cearense, autores que de uma forma ou de outra
poderiam ter fornecido o modelo a Patativa. Assim fica uma questão para ser pesquisada de
modo mais amplo, qual a origem desta sextilha com a disposição gráfica dos versos tal como
Patativa do Assaré a empregou? Seria por ventura criação do próprio poeta?
Esta sextilha tem uma diferença fundamental dos outros dois tipos de sextilhas
compostas. Diferença que faz dela quando muito uma prima, mas nunca uma irmã das outras
duas. Das três acima dispostas em diagrama, ela é a única que pode ser transformada numa
quadra. Esta possibilidade me foi mostrada por Patativa em uma das entrevistas que fiz com
ele. Ele explicou-me que esta sextilha, em que foram escritos entre outros A triste partida e
Uma triste verdade guarda uma similaridade com os quartetos de outros poemas seus como
Caboclo roceiro e Poeta da roça. Conforme pode ser confirmado pela simples observação
dos diagramas, o terceiro e o sexto versos podem ser deslocados para cima, indo compor o
segundo hemistíquio do segundo e do quinto versos respectivamente. O que transforma a
sextilha numa quadra e com a redução dos versos dois e três a um único, o quinto, acrescido
do sexto, passa naturalmente a posição de quarto verso.
98
REVERSIBILIDADE Sextilha/Quadra => Quadra/Sextilha
A Estrofe Original
A Estrofe transposta para o outro tipo
A triste partida A triste partida
Setembro passou, com oitubro e novembro
Já tamo em dezembro
Setembro passou, com oitubro e novembro
Meu Deus, que é de nós?
Já tamo em dezembro, meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Com medo da peste, da fome feroz.
Da fome feroz.
Caboclo roceiro Caboclo roceiro
Caboclo roceiro das plagas do norte,
Caboclo roceiro das plagas do norte,
Que vives sem sorte,
Que vives sem sorte, sem terra e sem lar,
Sem terra e sem lar,
A tua desdita é tristonho que canto,
A tua desdita é tristonho que canto,
Se escuto o teu pranto, me ponho a chorar
Se escuto o teu pranto,
Me ponho a chorar.
Só ocorre esta reversibilidade entre a sextilha composta e a quadra quando esta
apresenta um esquema rímico em que o primeiro e o terceiro versos rimam com a última
palavra do primeiro hemistíquio dos versos seguintes, o segundo e o quarto. Uma quadra,
portanto, que possui seis rimas, duas delas internas, em vez de apenas quatro como acontece
comumente com os quartetos. Os quais, quando têm esta característica particular, ao serem
transpostos para a disposição gráfica da sextilha passam a apresentar as seis rimas em posição
final de verso. É a circunstância ilustrada acima com o poema Caboclo roceiro.
A métrica dos versos utilizados por Patativa neste tipo de quadra é o hendecassílabo.
Na sextilha composta, é o hendecassílabo combinado com versos de cinco sílabas. Cada par
destes versos menores, ao se juntar, passa a formar um hendecassílabo, pois colocados na
mesma linha, a silaba átona, a sexta do último vocábulo paroxítono do verso, que passa agora
99
a constituir o primeiro hemestíquio do novo hendecassílabo, sílaba que não era contada por
ser átona, passa agora a sê-lo, pois deixou de ocupar posição final e tornou-se interna quando,
como sabemos, todas as sílabas, átonas ou tônicas, são contadas até a última acentuada do
verso. E assim, de dois versos de cinco sílabas forma-se um novo de onze.
Intrigado com esta variação perguntei a Patativa o que o levava a decidir-se ora pela
sextilha ora pela quadra, ele então mostrou-me que A triste partida tem o terceiro e o sexto
versos de todas as estrofes terminados em palavras oxítonas, ou em rima aguda, como preferia
dizer, enquanto um poema como Caboclo roceiro, ao lado de versos agudos, apresenta algum
verso grave nesta posição. De fato unanimidade de palavras oxítonas na referida posição
em A triste partida ao passo que O caboclo roceiro uma estrofe, a segunda, em que o
segundo hemistíquio do segundo e do quarto verso terminam por palavras paroxítonas:
liberdade e cidade. Por conta desta única ocorrência, Caboclo roceiro não deveria ser escrito
em forma de sextilha mista. O Poeta da roça, outro poema em quartetos com esta mesma
característica, seis rimas, sendo duas internas, de suas nove estrofes, quatro apresentam rimas
graves, pois as posições finais dos segundo e quarto verso são ocupadas por palavras
paroxítonas. E conforme o critério exposto, com maior razão que Caboclo roceiro não deve
ser escrito em sextilhas.Verifiquei que o poema Uma triste verdade também composto em
sextilhas compostas da mesma forma que A triste partida, tinha o terceiro e o sexto verso, em
todas as estrofes, terminados por palavras oxítonas.
Em seguida fui verificar todos os sete poemas em sextilhas compostas e pude então
constatar aquilo que o poeta me afirmara com uma única exceção, no entanto. Dos sete, seis
poemas: A triste partida, Uma triste verdade, Amor materno, Desilusão, Injustiça e Menino
de rua apresentam, invariavelmente, os terceiros e sextos versos em rima aguda. No entanto
temos uma exceção em História de uma cruz. Este poema como os acima mencionados
também foi escrito em sextilhas compostas, porém, nada menos que onze das suas vinte e três
100
estrofes terminam com palavras paroxítonas nos terceiros e sextos versos, consistindo, pois
numa exceção que infringe a regra geral formulada por Patativa.
Se dos sete poemas em sextilha composta, seis seguem o princípio exposto pelo poeta,
creio que podemos considerar História de uma cruz uma exceção que confirma a regra.
Reforçando este ponto de vista verificamos que os poemas escritos em quartetos com seis
rimas, invariavelmente, apresentam rimas graves nas posições estratégicas referidas. Nenhum
destes, agora sem exceção, apresenta aquela absoluta uniformidade de ter todas as terceiras e
sextas rimas agudas como os seis poemas acima relacionados.
Tenho uma hipótese sobre o elemento unificador que caracteriza todos os poemas
escritos em sextilhas compostas. Eles, sem exceção, são poemas de denúncia social, falam de
situações sofridas e dolorosas enfrentadas pelos personagens. Esta forma jamais foi veículo de
temas “felizes” se assim posso me expressar. Coisa diferente verifica-se com os poemas
escritos em quadras com seis rimas. Um texto como O poeta da roça, antes enuncia e celebra
a identidade ideológica e poética do autor do que se ocupa exclusiva ou precipuamente de
questões e problemas sociais. Embora estes possam figurar o fazem de modo discreto e
secundário, havendo um halo misto de leveza, celebração e consciência crítica, combinação
peculiar que os diferencia dos poemas em sextilha composta.
Quadrinhas
O leitor encontrará 71 quadrinhas espalhadas por quase todos os livros de Patativa, a
exceção fica por conta de Aqui tem coisa, o único que não tem este tipo de poema. As
quadrinhas são invariavelmente em redondilha maior e todas têm duas rimas diferentes,
sempre alternadas
a b a b
.
Ao amor nasci propenso,
a
Cada qual na sua lida
a
Só nele tenho pensado
b
Trabalha constantemente
b
E tanto pensei que penso
a
Anda a gente atrás da vida
a
Que dele fui dispensado
b
E anda a morte atrás da gente
b
101
Para distinguir esta forma poética peculiar, composta de uma estrofe, uso a
denominação quadrinha, e utilizo o nome quarteto para estrofes de quatro versos que entram
na composição de poemas maiores ou adotam métrica diferente da redondilha maior. As
quadrinhas podem possuir apenas duas rimas, e quando é este o caso rimam sempre os versos
pares. Mas Patativa não apreciava a quadrinha com apenas duas rimas, pelo menos não as
escreveu, como também não quis variar o esquema das rimas que pode ser também de rimas
abraçadas
a b b a
. Na tradição de língua portuguesa encontramos, pois, estas três variações.
Sirva-nos como exemplo de quadras com apenas duas rimas, estes dois improvisos de
Antônio Inácio
39
, um repentista português:
Homem! Quando tu morreres,
x
Porco pequeno e magro
x
Desgraças uma nação;
a
Não dá nenhuma fartura
a
É preciso um pinheiral
x
Chega-se a meio do ano
x
P’ra te fazer o caixão
a
E acabou-se a gordura
a
De outro trovador português, José de Sousa Brasil
40
(o Charrua), são estas quadras
transcritas a seguir, semelhantes às de Patativa quanto ao esquema de rimas. A primeira é
dirigida a um cantador apelidado de Bravo, com quem Charrua cantava ao desafio, a segunda
é homenagem à cantadeira Maria Angelina
41
:
Dizem que tu és o bravo
a
És como a estrela do norte,
a
Mostra-me a tua bravura
b
Ó Maria Angelina;
b
Tu não passas de um escravo,
a
A que tem brilho mais forte
a
Duma pobre creatura
b
E à terra mais ilumina.
b
Mais raras do que os dois tipos acima é a quadrinha que adota o esquema de rimas
seguinte:
a b b a
. O Tratado de versificação de Bilac e Passos traz o exemplo abaixo:
39
LIMA, Gervásio. Poetas e cantadores, Livraria Editora Andrade – Angra do Heroísmo, 1931.
40
Idem.
41
Idem, Ibdem.
102
Tu me falas, e eu te falo,
a
O que me dizes não sei,
b
em a mim próprio direi
b
O que penso, porém, calo
a
Fica o registro das três variantes, embora Patativa haja composto, conforme o
primeiro tipo. Para terminar aí vão mais duas quadrinhas do poeta:
Na vida, o que eu não espero
Gosta de me aparecer
Vejo sempre o que não quero
Em vez do que eu quero ver
...
O poeta é um vagabundo
Que vive vagando além
Procurando neste mundo
O que este mundo não tem
Quartetos
Chegamos ao último tipo de estrofe incluído no nível dois, o que agrupa as formas
estróficas que têm ocorrência mediana na obra do poeta. Já explicamos o motivo da distinção
e separação da quadra para o quarteto. Muito do que teríamos a falar sobre este tipo de estrofe
na obra de Patativa, o fizemos na parte referente à sextilha composta, pelas razões
apresentadas naquela seção, algumas páginas acima.
Os poemas compostos em quartetos podem apresentar quatro esquemas de rimas. O
esquema predominante é o quarteto com rimas alternadas
a b a b
. A estrofe de quatro versos
em combinação com este esquema rímico pode apresentar-se tanto em redondilha maior,
como é o caso do poema abaixo do qual transcrevi um trecho:
103
Como em decassílabos:
outro esquema, que fica limitado a uma rima apenas, a qual recairá nos versos
pares
x a x a
, e um outro que apresenta duas rimas intercaladas
a b b a
. Este último vem em
segundo lugar no número de ocorrências, enquanto aquele, de uma única rima, é o mais raro.
A Mulher
A mulher é sofredora
a
Em sua constante lida
b
E é a maió protetora
a
Que o homem tem nesta vida.
b
...
Ela esteja onde estiver
a
Merece o nosso respeito
b
Esta vida sem mulher
A
É como o sonho desfeito.
b
...
Vejo o seu valor profundo,
a
Lhe censure quem quiser,
b
Só quero viver no mundo
a
Enquanto existir mulher.
b
Desapego
Partirei breve deste mundo ingrato,
Como quem foge da prisão escura,
Depois de um ano de cruel maltrato,
Entre os martírios de uma sorte dura.
Sinto no peito o coração enfermo,
Não sei na terra onde o prazer existe,
Neste universo solitário e ermo
Em toda parte a natureza é triste
Vou à procura de um melhor abrigo,
Causa-me tédio a prolongada idade,
Daqui não hei-de conduzir comigo
Uma lembrança da eternidade.
Quando meu corpo, no seu sono brando,
Baixar à cova no negror da treva,
Minha alma, rindo, subirá cantando,
Não deixa falta, nem saudade leva.
104
No seu caso é curioso que com apenas sete ocorrências num total de cinqüenta e seis, o
quarteto com um único par de rimas em geral está escrito em versos hendecassílabos, isto
ocorre em cinco dos sete, e esta métrica só é utilizada nos quartetos com este esquema rímico.
Os outros dois poemas um é em redondilha e o outra em decassílabo.
O poema Acrósticos em que o poeta repete três vezes o nome EUNA é o único
exemplo deste tipo de quarteto com métrica de sete sílabas:
Como foi dito, cinco dos casos de quartetos com o primeiro e terceiros versos brancos
são hendecassílabos, eis um deles:
Sou Cabra da Peste
Eu sou de uma terra que o povo padece
X
Mas nunca esmorece, procura vencê,
A
Da terra adorada, que a bela caboca
X
De riso na boca zomba do sofrê.
A
Não nego meu sangue, não nego meu nome,
X
Olho para fome e pergunto: o que há?
A
Eu sou brasilêro, fio do Nordeste,
X
Sou cabra da peste, sou do Ceará.
A
O quarteto em rimas intercaladas,
a b b a
, é o segundo mais usado. Foi com esta
estrofe e respectivas rimas que Patativa do Assaré parodiou o poema As Flô de Puxina, do
paraibano da Luz, que por sua vez era paródia de As Flô de Gerematáia, de Napoleão
de Menezes. Eis o poema de Zé da Luz e em seguida o de Patativa.
Acrósticos
É raro ver entre os olhos
X
Uns olhos como estes teus,
A
Neles vejo o quanto pode
X
A mão criadora de Deus.
A
...
Eu peço perdão dos versos
X
Um poeta entre os abrolhos
A
Nunca poderá cantar
X
A beleza dos teus olhos
A
105
106
A sigunda, a Guiléimina,
Tinha uns ói qui ô! Mardição!
Matava quarqué cristão
Os oiá dessa minina!
A tercêra, era a Maroca.
Cum um côipo munto má feito.
Mas porém, tinha, nos peito
Dois cuscús de mandióca!
As Flô de Puxinanã
Zé da Luz
Três muié, ou três irmã,
a
Três cachorra da mulesta,
b
Eu vi, num dia de festa,
b
No lugá Puxinanã
a
A mais véia, a mais ribusta,
Era mêrmo uma tentação!
Mimosa flô dos sertão,
Qui o povo chamava Ogusta.
Os ói dela, paricia
Duas istrela tremendo,
Se apagando e se acendendo
Im noite de ventania!
Dois cuscús, qui, pru capricho,
Quando ela passou prú eu,
Minhas venta se acendeu
Cum o chêro vindo dos bicho!
Eu inté, mi atrapaiáva,
Sem sabê das três irmã
Qui eu ví im Puxinanã,
Quá era a qui mi agradava...
Iscuiendo a minha cruz
Pra saí desse imbaraço,
Desejei, morre nos braço,
Da dona dos dois cuscús!!!
107
Três Moça
Patativa do Assaré
VI
Três moça, três atração,
A tercêra, a Conceição,
Três anjo andando na terra,
Era a mais nova das três
Eu ví la no pé da serra
Parecia Santa Inês
Numa noite de São João.
Quando sai na procissão.
II
VII
A primêra era a Benvinda
Nunca houve sobre a terra
E eu juro pro Jesus Cristo
E não pode haver ainda
Como eu nunca tinha visto
Quem diga qual a mais linda
Uma coisinha tão linda
Das moça do pé da Serra.
III
VIII
Benvinda, o premêro anjo
Se arguém mandasse eu jurgá
Tinha a voz harmoniosa
E a mais bonita iscuiê
Como as corda sonorosa
Eu ficava sem sabê,
Do bandolim dos arcanjo.
Pois todas três era iguá.
IV
IX
A segunda Filisbela,
Quando oiei pras três menina
Era um mundo de beleza,
Oiei tornei a oiá,
Não sei como a Natureza
Eu fiquei a maginá
Acertou pra fazê ela.
Nas coisa santa e divina.
V
X
Os óio era dois primo
E o que ninguém desejou
Com tanta quilaridade
Desejei naquela hora
Como quem sente a sodade
o grande Rei da Gulora
De um bem que nunca vortou.
O Divino Criadô.
“Pé Quebrado” é como se chama o quarteto em que o último verso tem medida menor
que os três primeiros. Vejamos este Quebrado aos índios do Brasil. O último verso de
XI
Mode agarrá as três donzelas,
Invorvê num santo véu
E levá viva pro céu
Pra ninguém mexê com elas.
108
todas as estrofes é uma frase tirada da oração Pelo sinal da Santa Cruz. Ocorre uma única
rima entre o segundo e o terceiro versos:
x a a x
. É o quarto esquema de rimas.
Estudamos atrás a reversibilidade existente entre certo tipo de quarteto e a sextilha
composta. Vimos que ambas estas estrofes podem ser convertidas uma na outra desde que a
quadra possua duas rimas internas, além das quatro no final de cada verso. As últimas
palavras dos primeiros hemistíquios do segundo e quarto versos rimam com as terminações
do primeiro e do quinto versos.
um poema curioso e único na obra de Patativa que nos mostra o cuidado, o
capricho, a astúcia e o grau de consciência técnica com que o poeta elaborava seus poemas, e
ainda demonstra como a sua vontade de expressão levava-a ao patamar da originalidade.
Pé Quebrado
- Aos índios do Brasil
Neste país invejado
x
Se não respeitam seus troços
De tanto já ter sofrido
a
E as reservas onde estão
O nosso índio é conhecido
a
Estão provando que são
Pelo sinal.
x
Inimigos
Foi Pedro Álvares Cabral
Por causa destes castigos,
O causador desta guerra
O medonho padecer
Quando descobriu a terra
Recorremos ao poder
Da Santa Cruz.
Em nome do padre.
Como cruéis canguçus
Daí Senhora Santa Madre,
Contra os índios se bateram
Ao indígena mantimento,
Sofrer o que eles sofreram
Está faltando mantimento
Livre-nos Deus!
Do Filho
Para que o índio e os seus
Para que cesse o empecilho,
Tenham terra e domicílio,
Perseguição e trapaça
Pedimos o vosso auxílio
Pedimos a santa graça
Nosso Senhor.
Do Espírito Santo.
Os índios com o seu valor
Os que maltratam tanto
Eram donos deste chão
Os nossos índios queridos
Merecem a gratidão
Mais tarde serão punidos
Dos nossos.
Amém.
109
Refiro-me ao poema Dois quadros, composto de onze quadras em versos hendecassílabos e
que, como indica o título, descreve a natureza do sertão em dois momentos distintos e
opostos, durante a seca e durante o inverno.
Dois quadros
Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terras do Sul.
De nuvem no espaço, não há um farrapo,
Se acaba a esperança da gente roceira,
Na mesma lagoa da festa do sapo,
Agita-se o vento levando a poeira.
A grama no campo não nasce, não cresce:
Outrora este campo tão verde e tão rico,
Agora é tão quente que até nos parece
Um forno queimando madeira de angico.
Na copa redonda de algum juazeiro
A aguda cigarra seu canto desata
E a linda araponga que chamam Ferreiro,
Martela o seu ferro por dentro da mata.
O dia desponta mostrando-se ingrato,
Um manto de cinza por cima da serra
E o sol no Nordeste nos mostra o retrato
De um bolo de sangue nascendo da terra.
Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.
Alegre esvoaça e gargalha o jacu,
Apita o nambu e geme a juriti
E a brisa farfalha por entre as verduras,
Beijando os primores do meu Cariri.
110
O poema, composto de onze quadras, divide-se em duas partes. A primeira, que
compreende cinco estrofes, descreve o sertão durante a seca; a segunda, nas seis estrofes
restantes, descreve o sertão no período do inverno.
No aspecto formal registre-se além das rimas alternadas, a métrica um tanto rara dos
versos de onze sílabas. Mas as duas partes sendo diferentes quanto ao conteúdo, conforme já
foi dito, também o são quanto à forma, apesar de toda a aparência em contrário. A diferença é
sutil, mas significativa e mais significativa porque sutil. A partir da sexta estância, quando
começa a pintura da quadra invernosa, cada estrofe ganha duas rimas a mais que as estrofes da
primeira parte. Com isso as quadras que descrevem a ventura dos tempos de chuva, são mais
alegres, possuem uma expressão mais cantante e musical, têm um colorido sonoro mais vivo
do que as quadras que falam do tempo da seca.
Na copa da mata os ramos embalam
E as flores exalam suaves perfumes.
Se o dia desponta, que doce harmonia!
A gente aprecia o mais belo compasso.
Além do balido das mansas ovelhas,
Enxames de abelhas zumbindo no espaço.
E o forte caboclo da sua palhoça,
No rumo da roça de marcha apressada
Vai cheio de vida sorrindo, contente,
Lançar a semente na terra molhada.
Das mãos deste bravo caboclo roceiro
Fiel, prazenteiro, modesto e feliz,
É que o ouro branco sai para o processo
Fazer o progresso do nosso país.
111
Quadra da primeira parte – quatro rimas
Na seca inclemente do nosso Nordeste,
O sol é mais quente e o céu mais azul
E o povo se achando sem pão e sem veste,
Viaja à procura das terras do Sul.
Quadra da segunda parte – seis rimas
Porém, quando chove, tudo é riso e festa,
O campo e a floresta prometem fartura,
Escutam-se as notas agudas e graves
Do canto das aves louvando a natura.
Na primeira parte do poema, cada estrofe possui quatro rimas, enquanto, na segunda, o
número destas eleva-se para seis. Diferença expressiva que se funda na sensação de que a
rima sendo de certo modo uma espécie de “luzir sensível da idéia” transmite um colorido e
um ar mais festivo ao texto, e a sua ausência, ou no caso o seu rareamento, é signo de
opacidade afinada com a expressão de uma realidade de tons cinzentos como a da seca.
Estamos aqui diante de um virtuosismo formal que revela consciência construtiva e domínio
de seus recursos técnicos por parte do poeta.
A seca, assunto da primeira parte, figura em posição inicial no poema, em relação ao
inverno, talvez por ser a expressão de um estado de carência característico do Nordeste.
Circunstância climática com implicações sociais, convertida em espécie de imagem ícone que,
no imaginário coletivo remete imediatamente a uma dada realidade sócio-geográfica. Vemos
que corrobora esta hipótese o fato de que o nome Nordeste, aparece duas vezes na primeira
parte, e apenas nela. E estrategicamente na primeira e na última estrofe deste primeiro trecho.
O nome da região aparece quando o assunto é a seca e não figura uma única vez na
segunda parte que trata do sertão no tempo de inverno.
Em meio a uma sucessão de quadros naturais aparece num e noutro ponto a figura
humana. Mas ela também tem tratamento diferenciado em cada uma das partes do poema. Na
112
primeira, o homem aparece em forma coletiva como povo faminto à procura de salvação nas
terras do sul. Na segunda o homem aparece individualizado, e não mais dissolvido no
coletivo. Surge na figura do caboclo que feliz com a chegada da chuva vai lançar a semente
sobre a terra. E de cujas mãos em seguida vai sair o algodão para fazer a riqueza do país. A
tragédia e a penúria provocados pela miséria impedem que o indivíduo ascenda à categoria de
pessoa e o dissolvem no coletivo indiferenciado, a perspectiva de uma vida digna
individualiza o homem, abrindo espaço para a emergência nele da dimensão da singularidade.
O sofrimento aniquila e dissolve; superada a circunstância da miséria, o sujeito assume
individualmente a sua cota de trabalho. Por isso o poema começa com um povo errando em
busca de abrigo e alimento e termina com o caboclo roceiro marchando esperançoso para
lançar a semente sobre a terra.
Nível 3. Décimas
Dos 525 poemas considerados, 271 foram escritos em forma de décimas, o que faz
desta a estrofe mais freqüente na obra do poeta. Mas as décimas por ele empregadas não o
todas iguais entre si no que se refere ao sistema de rimas. Estão distribuídas em quatro
esquemas rímicos diferentes, sendo que um destes esquemas corresponde a um único poema,
Vaca Estrela, Boi Fubá. Sua singularidade decorre de ser um poema canção, com uma única
rima sempre nos versos pares. As outras 270 composições seguem um dos outros três
esquemas.
113
Décimas
Esquema de rimas Tipo A: a b a b c c d e e d
110 Poemas
Esquema de rimas Tipo B: a b b a a c c d d c
151 Poemas
Esquema de rimas Tipo C: x a x a b b c d d c
9 Poemas
Esquema de rimas Tipo D: x a x a x a x a x a
1 Poema
Do primeiro, dos quatro tipos acima, e que tem primazia absoluta na obra de Patativa
do Assaré, apenas encontrei estrofe semelhante num único poema de Castro Alves: O avio
egreiro, e mais em nenhuma outra obra de qualquer poeta compulsado para este trabalho. A
décima, com esquema de rima tipo A, não foi encontrada nem nos poetas do cordel, nem em
da Luz, ou Catulo da Paixão Cearense, nem nos demais poetas literários aqui
mencionados, à exceção desta ocorrência isolada na obra do poeta dos escravos.
Nesse caso, totalizam 13 estrofes, sendo quatro na e nove na parte do poema. Os
leitores do poeta de certo lembrarão de certa passagem especilamente bela:
1
São os filhos do deserto
a
2 Onde a terra esposa a luz.
b
3 Onde voa em campo aberto
a
4 A tribo dos homens nus...
b
5 São os guerreiros ousados,
c
6 Que com os tigres mosqueados
c
7 Combatem na solidão...
d
8 Homens simples, fortes, bravos...
e
9 Hoje míseros escravos
e
10
Sem ar, sem luz, sem razão...
d
[O avio egreiro – Castro Alves]
outro modelo de estância muito parecido com este, que pode ser encontrado na
Lira I de Tomás Antônio Gonzaga. A estrofe de Gonzaga pode ser lida como uma oitava
seguida de um dístico como refrão. Os três blocos em que se subdivide a décima mantêm o
114
mesmo esquema rímico empregado por Patativa, apenas noutra ordem: a parelha de versos
que no caso do poeta sertanejo vem no meio da estrofe, entre duas quadras, no caso do poeta
inconfidente, é deslocada para o refrão, que difere metricamnete dos outros versos:
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
a
Que viva de guardar alheio gado,
b
De tosco trato, de expressões grosseiro,
a
Dos frios gelos e dos sóis queimado.
b
Tenho próprio casal e nele assisto;
c
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
d
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
d
E mais as finas lãs de que me visto.
c
Graças, Marília bela
e
Graças à minha Estrela!
e
Faço o registro porque parece-me curiosa a raridade deste tipo de décima no conjunto
das obras consultadas, em franco contraste com a sua ampla utilização em Patativa do Assaré.
Então, no ponto atual desta pesquisa, podemos dizer que o tipo estrófico majoritário na obra
do poeta sertanejo, e que tendo lhe caído no gosto, multiplicou-se em sua obra, é uma raridade
na poesia brasileira. E seria exceção absoluta não fossem essas 13 décimas em O avio
egreiro de Castro Alves.
Apesar das cifras mostradas acima, existem na obra do poeta muito mais estrofes
escritas no esquema rímico do Tipo A, com suas 110 poemas, do que no Tipo B com suas
151. Ocorre que no caso dos poemas que seguem o primeiro esquema, são poemas longos
com muitas estrofes, os do Tipo B, são quase todos relativos à glosa de motes, cerca de
130 deste total consistem em uma estrofe. Por isso se a décima é a estrofe majoritária,
dentre as três variações apresentadas é a primeira e não a segunda a predominante.
Décima – Tipo B: a b b a a c c d d e
Conforme foi dito, a décima é um dos três tipos de estrofes empregados nos folhetos
de cordel, e a décima do cordel corresponde ao esquema de rimas do tipo B. Este,
diferentemente do anterior, existe em enorme quantidade na tradição de nossas Letras. É o
115
esquema de rimas que vamos encontrar em todos os folhetos, sempre que a décima for a
estrofe adotada. Folhetos de Pelejas entre repentistas, ou estrofes onde se glosam motes, são
sempre vazados nesta estrofe e nesse esquema rímico particular. Não só os cordelistas e
repentistas da atualidade e do Brasil utilizam-na, encontramos esta forma estrófica em
cantadores portugueses, e na obra de Gregório de Mattos, por exemplo, o que atesta sua
presença de longa data na tradição da poesia de língua portuguesa.
Vem-nos de Antônio Brum
42
, dos Açores, a glosa abaixo para o seguinte mote: Luz e
sempre liuzirá.
Luz e sempre luzirá:
Luz o sol e tem eclipse, a
A lua da mesma sorte; b
Luz a estrela do Norte b
De noite e então sumiu-se. a
Se o diamante não visse a
A luz que outrem lha dá, c
Não luzia, pois não c
Luz que luza contínuo; d
Só Deus, que é sol divino, d
Luz e sempre luzirá c
Em Cinco Livros do Povo, Câmara Cascudo transcreve uma passagem de uma longa
poesia versada em décimas em que ao glosar o mote: tudo são honras da casa, o poeta
popular Nicandro Nunes lembra as três espécies de livros existentes nas residências do sertão
no Brasil colônia. Trata-se de outra confirmação da ancestralidade da décima com as rimas a
b b a a c c d d c.
Grelha, espeto, frigideira,
Tesoura, agulha, dedal,
Mesa muro, horta, quintal,
Bule, prato, chocolateira,
42
LIMA, Gervásio. Poetas e cantadores. Livraria Editora Andrade. Angra do Herísmo, 1931.
116
Caldeirão, tacho, sopeira;
Meu estro em rima se apraza,
Não deixo nenhuma vasa
Para entrares na espadilha;
Novela, Bíblia, Cartilha
Tudo são honras da casa!
Do século XVII, podemos colher muitos exemplos na obra de Gregório de Matos. Na
antologia do poeta baiano, organizada pelo Prof. Segismundo Spina, encontramos entre
sonetos e poemas em quadras, uma expressiva quantidade de poemas compostos com décimas
segundo este esquema de rimas. poemas relativamente longos como: Observações críticas
sobre várias matérias , por ocasião do cometa aparecido em 1680, com dezesseis estrofes,
ou ainda Milagres do Brasil São..., dez estrofes, ao lado de outros em que o poeta glosa
motes. Fiquemos com dois exemplos, o primeiro, apenas a primeira estrofe de uma resposta
dada pelo poeta A Uma Dama que pediu ao autor certa quantia de dinheiro, que ele com
efeito não lhe deu:
Senhora: é o vosso pedir a
Um impedir de vontades b
Que pretendem humildades b
De quem deseja servir: a
Faz-me vontade de rir a
Um pedir tão despedido; c
Que nele tenho entendido, c
Que o pedir, despedir é; d
Pois podeis viver na fé d
Que esse pedir, é perdido. c
O outro é a glosa ao mote de um verso apenas em que o poeta joga com a
ambigüidade de sentido decorrente da colocação ou subtração da vírgula. A peça é
apresentada abaixo do longo título: A Glosa Seguinte Deu Ocasião a que os ignorantes, por
mal entendida, dissessem que o poeta havia satirizado o Santo Antônio.
Mote: Bêbado, está Santo Antônio
Glosa: Entrou um bêbado um dia a
Pelo templo sacrossanto b
117
Do nosso português Santo, b
E para o Santo investia. a
A gente, que ali assistia, a
Cuidando tinha o Demônio, c
Lhe acudiu a tempo idôneo, c
Gritando-lhe todos: “Vá, d
Tem mão, olha, que acolá, d
Bêbado, está Santo Antônio c
Anastácio e Limeira
43
estão numa peleja poética, vem do público o seguinte mote:
Vou fazer serenata na calçada/ Da menina que amei na minha vida
Anastácio improvisou:
Venho amando do tempo da infância a
Uma linda menina que ainda prezo, b
Inda quase maluco eu não desprezo b
Sua imagem e sua rutilância. a
Despreza-la seria ignorância, a
Minha deusa bonita e preferida c
Que por Deus para mim foi escolhida, c
Minha estrela brilhante e consagrada... d
Vou fazer serenata na calçada d
Da menina que amei na minha vida c
Limeira:
Pra fazê serenata eu sou bambão, a
Toco em frente, de banda, quina e lado. b
Na viola eu até toco um bocado, b
Sou ribombo e zuada de truvão. a
Muitas vez eu descanto uma canção a
Lá no açude de Santa Margarida. c
Eu me lasco mais faço uma ferida c
No toitiço da velha madrugada... d
Vou fazer serenata na calçada d
Da menina que amei na minha vida. c
Aqui mudou apenas a métrica, agora decassílaba, o esquema de rimas é o mesmo. Em
cordéis de peleja, a décima vem muitas vezes misturada com a sextilha, ou até mesmo com
43
MOTA, Leonardo. Cantadores. Editora Itatiaia Ltda. Belo Horizonte.
118
quadras, pois é comum os dois contendores irem variando as formas ao longo do desafio.
Neste que veremos agora, de autoria de Firmino Amaral, enfrentam-se Cego Aderaldo com Zé
Pretinho
44
. A métrica é a redondilha menor.
Pretinho:
Dou-te uma surra a
De cipó de urtiga, b
Te furo a barriga, b
Mais tarde tu urra. a
Hoje o cego esturra, a
Pedindo socorro. c
Sai dizendo: “Eu morro, c
Meu Deus que fadiga, d
Por uma intriga, d
Eu de medo corro!” c
Cego:
Se eu der um tapa a
Num negro de fama, b
Ele come lama, b
Dizendo que é papa! a
Eu rompo-lhe o mapa, a
Lhe rasgo de espora; c
O negro hoje chora c
Com febre e com íngua ! d
Eu deixo-lhe a língua d
Com um palmo de fora! c
E para terminar vejamos uma glosa de Luís Dantas, registrada por Leonardo Mota, de
que transcrevo apenas a primeira e última estrofes. Mote: Nem todo pau dá esteio.
44
Idem.
119
Das 151 composições de Patativa do Assaré que adotam a décima segundo este
esquema de rimas, 123 encontram-se em Ao da mesa: motes e glosas, livro do poeta em
parceria com seu sobrinho, o poeta Geraldo Gonçalves. Todos estes são glosas de uma estrofe.
Dos outros 28 poemas, espalhados pelos outros livros, onze também são glosas e os outros
dezessete são poemas mais longos, com várias estrofes. Todas as 151 composições aqui
mencionadas foram registradas em ordem alfabética, no levantamento publicado em anexo,
com a relação de todos os poemas de Patativa. Abaixo destaquei apenas os vinte e oito tulos
em estrofes do tipo B, que constam dos outros livros de autoria exclusiva do poeta. A relação
vem acompanhada de alguns versos exemplificativos.
Nem todo pássaro voa,
a
Nem todo lente é sabido,
a
Nem todo inseto é besouro,
b
Nem tudo que é branco é
leite,
b
Bem todo judeu é mouro,
b
Nem todo óleo é azeite,
b
Nem todo pau da canoa;
a
Nem todo rogo é ouvido;
a
Nem toda notícia é boa,
a
Nem todo pleito é vencido,
a
Nem tudo que vejo eu creio,
c
Nem todos vão ao sorteio,
c
Nem todos zelam o alheio,
c
Nem todo sítio é recreio,
c
Nem toda medida é reta,
d
Nem toda massa é de trigo,
d
Nem todo homem é poeta,
d
Nem todo amigo é amigo,
d
Nem todo pau dá esteio.
c
Nem todo pau dá esteio.
c
120
Estrofes: Décimas - Esquema rímico - Tipo B : a b b a a c c d d c
Número de ocorrências: 28
01 A Política
Exemplos
02 ABC do Nordeste flagelado
03 As proezas do padre Nonato
Eu sei que dizendo assim,
a
04 Conversa de matuto
Eu não tou falando à toa,
b
05 É coisa do meu Sertão
Meu sertão tem coisa boa
b
06 Encontro com a alma de Zé Limeira
E também tem coisa ruim;
a
07 Fonte Patativana
Umas fede a cupim
a
08 Lagartixas verdinhas pelo chão
Ôtras que chera a melão.
c
09 Meu Palito
De tudo eu sei a feição
c
10 Meu recado a São Pedro
Pois conheço uma por uma
d
11 Mote: A mulher do cachaceiro
Vou aqui dizer arguma
d
12 Mote: Com o grito do dinheiro
Das coisa do meu sertão
c
13 Mote: Coronel tenha cuidado...
(É coisa do meu Sertão)
14 Mote: No terror da tempestade
15 Mote: O café de dona Santa
16 Mote: O título sem retrato
Um calango nas árvores trepou
a
17 Mote: Quem persevera no bem
E ficou a vagar de copa em copa
b
18 Mote: Quem quiser ser meu amigo
Qual vaidoso rapaz que tudo topa,
b
19 Mote: Refúgio dos pecadores
Lagartixa do mesmo se agradou
a
20 Mote: Só desgraça traz a guerra
E com ele a seu lado passeou
a
21 Mote: Uma mulher ciumenta
Pelos matos frondosos do sertão,
c
22 O banco do Chico Rosado
Surgiu logo uma nova produção
c
23 O bode do Serafim
Porque Deus dessa forma permitiu
d
24 O Padre e o Matuto
E mais tarde na terra a gente viu
d
25 O rapaz do pé frio
Lagartixas verdinhas pelo chão.
c
26 Prefeitura sem prefeito
(Lagartixas verdinhas pelo chão)
27 Rogando pragas
28 Um mundo desconhecido
Mote
Nesta vida atroz e dura
a
Tudo pode acontecer,
b
Uma mulher ciumenta
Muito breve há de se ver
b
Prefeito sem prefeitura;
a
Glosas
Vejo que alguém me censura
a
..........
E não fica satisfeito,
c
Porém, eu ando sem jeito,
c
Eu antes quero agüentar
a
Sem esperança e sem fé,
d
O choque da hidrofobia,
b
Por ver no meu Assaré
d
Bexiga e paralisia,
b
Prefeitura sem prefeito.
c
E as lepras do lupanar,
a
.....
Atirar-me sobre o mar
a
Não vou teimar com quem diz
a
Contra a fúria da tormenta,
c
Que viu ferro dar azeite,
b
Numa noite turbulenta,
c
Uma avestruz dando leite
b
Triste, tenebrosa e fria,
d
E pedra criar raiz,
a
Do que ter em companhia
d
Ema apanhar de perdiz
a
Uma mulher ciumenta.
c
E um rio fora do leito,
c
Um aleijão sem defeito
c
E um morto declarar guerra,
d
Porque vejo em minha terra
d
Prefeitura sem prefeito.
c
(Prefeitura
121
sem prefeito)
A
Décima tipo C: x a x a b b c d d c
foi empregada por Patativa do Assaré na
composição de nove poemas. Eis o quadro:
Décimas - Métrica: Redondilha Maior
Esquema rímico – Tipo C: x a x a b b c d d c - Número de ocorrências: 9
Exemplos:
1
A Escrava do Dinheiro
2
A menina e a cajazeira
Quando ela tinha seis ano
x
3
A vida aqui é assim
Eu seis ano também tinha.
a
4
Bertulino e Zé Tingó
A minha casa era a dela,
x
5
Chiquita e Mãe Veia
E a casa dela era a minha.
a
6
Filosofia de um trovador sertanejo
Quando eu não ia pra lá
b
7
No meu sertão
Chiquita vinha pra cá:
b
8
Um candidato político na casa do caçadô
Era assim que nós vivia,
c
9
Vou vortá
Como dois pombo inocente,
d
Ela se rindo e eu contente,
d
Querendo o que ela queria.
c
(Chiquita e Mãe Véia)
Seu dotô pede que eu cante Boa noite, home e menino
x
Coisa da filosofia; E muié deste lugá!
a
Escute que eu vou agora Quero que me dê licença
x
Cantá tudo em carretia; Para uma histora contá.
a
O senhô pode escuta, Como matuto atrasado
b
Que se as corda não quebra, Eu dêxo as língua de lado
b
Nem fartá minha cachola, Pra quem as língua aprendeu,
c
Eu lhe atendo num instante: E quero a licença agora
d
Nada existe que eu num cante Mode eu contá minha histora
d
Nas corda desta viola. Com a língua que Deus me deu
c
...
(A escrava do dinheiro)
...
Não vou dizê que os poeta Aqui pra nós sempre tá
x
Não tão comparando bem. Chegando de quando em vez
a
Mas como o assunto me cabe, Gente com cara de saibo,
x
Eu quero falá tombem. Embruiando os camponês.
a
O mundo é uma cadeia Causa raiva e dá desgosto
b
Que de preso véve cheia, A gente pagá imposto
b
Ninguém me diga que não; Cobrado cronta a razão,
c
A morte é seu sentinela, E além de certos direito,
d
E é quem arranca as tramela Ainda vivê sujeito
d
Das porta dessa prisão. Ao tá fiscá do argodão.
c
(Filosofia de um trovador sertanejo)
(A vida aqui é assim)
122
Este esquema de rimas x a x a b b c d d c, aparece nos folhetos de cordel numa
freqüência muito pequena, expressivamente menor do que o tipo anterior. registro do seu
emprego no livro de Leonardo Mota. No caso, são versos do cantador Manuel Martins de
Oliveira, conhecido por Neco Martins, em que o poeta, em folhetos manuscritos intitulados
“Marcos”, e-se a falar das frutas, dos peixes e dos outros animais existentes no sertão.
Todos os versos destes “Marcos” seguem esta estrofe e seu respectivo esquema de rimas:
Comparando os três primeiros esquemas de rimas, vistos no início dessa seção, pois do
quarto uma única ocorrência, percebe-se que uma maior semelhança entre os tipos A e C,
na medida em que ambos têm os versos quinto e sextos rimando entre si. Com isso estes dois
esquemas parecem fazer dos versos centrais uma parelha que divide a décima ao meio, e esta
pode, então, ser visualizada, nos dois casos, como duas quadras separadas entre si por um
dístico. Sendo assim apenas difere o tipo A do C por causa dos dois versos brancos, o
primeiro e o terceiro. Feita essa modificação as duas décimas ficam iguais. o esquema de
rimas do tipo B é bem diferente. Nele os versos quinto e sextos estão separados e cada um
forma o limite de uma quintilha. Assim enquanto os dois tipos vistos atrás semelham duas
quadras separadas por um dístico, este agora pode ser descrito como duas quintilhas
justapostas.
Frutas do sertão
Peixes
Feras
Tem laranja, manga e jaca,
x
Os peixes que eu conheço
X
Tem onça suçuarana,
x
Abacate, sapoti,
a
Os nomes vou declarar:
A
A tigre e a canguçu
a
Graviola, jenipapo,
x
Piaba, bagre, traíra,
X
Maçaroca verdadeira,
x
Ananás, abacaxi,
a
Eiú, moré e cará,
A
Pintada, maracajá-açu,
a
Uvas e maracujá,
b
Tamboatá, acari,
B
Atraente puraqué,
b
Goiaba, bacumixá,
b
Carapeba, cangati,
B
Perigoso jacaré,
b
Condessa e araticum,
c
Saúna, carimã,
C
Bravo lobo comedor,
c
Catolé, coco, melão,
d
Pescada, tamatarana,
D
Tem lobo! é como lhe digo
d
Iaracatiá e mamão,
d
Garopa e chancarona,
D
Porém é pra castigo
d
Melancia e jerimum.
c
Piau e curimatã
C
De prosa de cantador...
c
123
Em todo caso o que vale notar é a expressiva predominância do tipo A na obra de
Patativa do Assaré e a sua ausência em folhetos de cordel, em registros de cantorias, o que
levanta uma questão sobre a origem desta forma particular, conforme foi dito. A esta altura
da pesquisa talvez seja precipitação supô-la invenção de Patativa, no entanto, muito admira
não encontrarmos com maior facilidade o mesmo tipo de estrofe e correspondentes rimas na
obra de outros poetas.
O que o caminho percorrido até aqui nos mostra é um anseio de expressão como fator
desencadeante de um movimento expansivo que leva Patativa do Assaré a cruzar fronteiras e
extrapolar limites, permanecendo, no entanto, fiel a uma concepção de poesia que não admite
desvinculá-la de uma função social agregadora. Para isto este anseio de expressão procura
validar suas expansões na medida em que não distanciam esta poética do seu compromisso
com a comunicação.
Por expansão entenda-se a própria mescla de tradições que o caminho que
percorremos nos revelou como uma das características peculiares ao poeta. Foi nesta
perspectiva que vimo-lo nascer do cordel e da cantoria, mas trabalhar com formas poéticas de
outras origens, caso do soneto, por exemplo, assim como quando se mantém muito próximo
das formas ligadas àquelas poéticas populares e ao universo da oralidade, também construir
um caminho próprio. É o caso da sua afinidade com as estrofes típicas do cordel, a sextilha e a
décima, sobretudo, mas numa relação estatística de utilização das variantes existentes
completamente avessa, ou oposta, àquela predominante entre os cordelistas.
Sendo em vários aspectos caudatário da poética do cordel e da cantoria, Patativa do
Assaré é muito pouco ou quase nada cordelista e cedo abandonou as cantorias, embora a
oralidade continue a ser parte indissociável de sua poética. Apesar dos territórios contíguos
em que se situa em relação a certas diretrizes tradicionais, é um poeta significativamente
autoral.
124
Vimos que uma marca desta sua particularidade pode ser descrita como o anseio de se
expressar através de formas poéticas mais exigentes, por exemplo, no que se refere à rima.
Sempre que determinada estrofe possui variantes com maior ou menor mero de versos
rimados, sua preferência é sempre por aquele esquema mais difícil, mais exigente, em que a
perícia ou a virtuose do poeta é posta à prova. Sua quadra é a de duas rimas; em sua sextilha
majoritária rimam todos os versos e não apenas os pares como na sextilha do tipo antigo, que
também pratica, mas em porcentagem significativamente menor. O mesmo vale para as
demais estrofes que vimos. Recorde-se o caso do quarteto com seis rimas, duas das quais
internas, em que compôs poemas importantes, e aprendemos, em lição ministrada pelo próprio
poeta, como esta estrofe mantém reversibilidade com a sextilha composta. E finalmente
vimos o caso da décima cuja variante rímica preferida é a mais incomum e a mais variada em
termos de arranjo das rimas se comparada com as outras duas opções. Creio que esta é a
conclusão que podemos colher deste percurso empreendido. Patativa não se desliga de
pressupostos importantes da tradição em que se formou, mas sua expressão poética não se
acomoda inteira nos limites desses cânones e sua produção possui características que a fazem
adentrar no âmbito da poesia literária.
125
Capítulo 2
PATATIVA DO ASSARÉ: TRÊS SONETOS
126
Patativa sonetista.
O Poeta Lírico
Em Patativa do Assaré predomina o lirismo. Tanto nos poemas mais abstratos onde o
poeta medita sobre alguma questão social, quanto naqueles propriamente narrativos, sempre
surge, associada à reflexão ou à narratividade, uma expressão lírica.
Acompanhar e compreender o seu lirismo significa conviver com uma aguda e
inquietante oscilação entre os pólos do otimismo e do desencanto. Essa polarização é
característica essencial desta vertente de sua produção. De um lado, poemas repletos de luz e
alegria de viver, cheios de otimismo, nutridos numa confiança e numa esperança viris, de
outro, uma olhar sensível e dolorido para o que na vida é o aprendizado da dor, das decepções
e do desengano. Este lado sombrio e triste pode resultar tanto de um olhar para fora, para as
forças hostis e destrutivas do mundo, quanto reflete também o sentimento interior, expressão
de uma dor que parece emergir de dentro para fora. É o sentimento da ruína trazida pelo
tempo, considerado em sua dimensão existencial. Emerge com freqüência, de alguns de seus
poemas, um desencanto e um sofrimento lastreados, sobretudo, nas misérias da nossa própria
condição humana. Para dar conta dos contornos de seu lirismo é preciso assinalar esta
polaridade entre esperança e decepção e compreender como estes dois pólos se
complementam e se articulam.
Para melhor conhecimento deste lirismo, passo à análise de alguns sonetos que podem
ilustrar em parte algumas destas características a que me refiro acima.
127
Patativa do Assaré: estudo de alguns sonetos
Minha serra
Quando o sol ao nascente se levanta,
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra,
Em cada galho um passarinho canta
Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia, a cabra berra,
Tudo saudando a natureza santa.
Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem
Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.
Na primeira quadra, surge o sol, abrindo o poema. Em cada um dos quatro versos da
estrofe, o poeta vai guiando nosso olhar do mais amplo e distante para o mais próximo e
restrito, no primeiro verso, o sol, no segundo, a terra, no terceiro a mata que recobre a serra e,
finalmente, no último, pousado num galho, um passarinho a cantar. Sintaticamente a quadra
inicia por orações subordinadas que antecedem a principal que se a conhecer no último
verso, como uma espécie de coroamento da cena que é uma pintura do alvorecer. E tal pintura
conclui-se com a oração principal que define o sentido e dá unidade ao período que se
constitui de todo o primeiro quarteto. Com isso a quadra está construída de forma a retardar
até o verso final o miolo do sentido guardado na oração principal.
Nos dois primeiros versos, descemos do sol à terra, levados por uma corrente de sons
sibilantes que insinuam o deslizamento, transmissão, passagem. No terceiro verso, em
128
plena serra e no meio da mata, estamos agora rodeados de passarinhos louvando com seu
canto o esplendor da natureza. E são o canto, metonímia do poema, e o passarinho, metáfora
do poeta, os dois elementos, que, situados na oração principal, vêm fechar o primeiro
quarteto.
Duas frases exclamativas e nominais formam o primeiro verso da segunda quadra.
Contando cada frase com o mesmo número de palavras, dividem o verso ao meio também
quanto ao número de sílabas. Coincidente com esta metade numérica, dá-se a natural pausa
expiratória indicada pelo sinal de exclamação. Olhando para os constituintes de cada uma das
duas metades do verso chama a atenção a estrutura sintática simétrica das duas frases. Ambas
iniciam pelo pronome relativo Que e terminam pelo ponto de exclamação. Entre o que e a
exclamação, um sintagma composto de determinante e determinado. Na primeira frase a
ordem é determinante-determinado, na segunda, determinado-determinante. No primeiro caso:
que bela festa! precedendo o substantivo, desloca-se para o adjetivo o peso semântico da
expressão. No segundo caso: que alegria tanta! Firma-se no substantivo mesmo, que neste
caso ocupa a posição central na expressão, o peso semântico do sintagma. Nos dois casos a
centralidade semântica coincide com a centralidade no sintagma, fazendo com que num caso
ela recai sobre o adjetivo e no outro sobre o substantivo.
Este primeiro verso, com ser completamente nominal, é dotado de força icônica que
ecoa e redobra a iconicidade do verso de abertura do soneto que acionava a força e o brilho
latentes na palavra sol. De certa forma repete-se no segundo quarteto a estrutura do primeiro.
Imagem icônica na abertura ora pela força imagética evocada, ora pelo tom exclamativo
reforçado pelo insulamento das estruturas nominais.
O sentimento da beleza e da alegria é despertado por estas duas frases, que vindo
expressas por termos genéricos carecem de concretização que já se iniciara no quarteto
anterior e prossegue neste. O sexto e o sétimo versos vão constituir uma enumeração de
129
elementos que ilustram e concretizam as idéias de beleza e alegria. Podemos dizer assim que
o quinto verso funciona de um lado como recolha, síntese ou tradução sentimental da primeira
quadra, e de outro como anúncio da enumeração dos versos seguintes.
O sexto verso: e que poesia o verde campo encerra opera uma transição entre a
estrutura do verso anterior e a do que lhe segue. Do anterior conserva o iniciar-se pelo que
logo seguido da palavra poesia, termo aqui, também genérico. Depois vem a diferença, este
termo abstrato vem imediatamente seguido da sua ilustração numa figura que o concretiza, a
poesia está contida no verde campo. Com isso o sexto verso torna-se parcialmente semelhante
ao sétimo que consiste em duas figuras ilustrativas da alegria e da beleza antes mencionadas.
Vale a pena observar atentamente como o poeta construiu este verso: E que poesia o
verde campo encerra! no caso uma figura sintática curiosa, o adjetivo é deslocado para
antes do substantivo, este tipo de inversão não sendo corriqueiro na língua coloquial, o é na
linguagem poética. O interessante aqui é o fato de que por conta do deslocamento de posição
o adjetivo aparece precedido pelo artigo, estando, por isso, substantivado. O resultado é um
sintagma formado de dois termos com valor de substantivo, como se um substantivo fosse
adjetivado por outro. O evidente efeito estilístico deste deslocamento é a revitalização
semântica decorrente da anteposição do artigo e do relativo desvio implicado nesta
construção. A carga semântica de verde ganha vigor e intensidade. O poeta, como veremos,
aciona em sua obra com maior freqüência os sentidos da visão e da audição. São da esfera da
audição as figuras que nesta mesma estrofe completam o quadro descritivo da paisagem
sertaneja.
Após esta referência abrangente à poesia contida no campo, o poeta evoca o novilho e
a cabra que comparecem com suas diferentes vozes para somando-se a outras mencionadas
juntarem-se num concerto em louvor à natureza. O oitavo verso conclui a oitava formada por
130
estes dois quartetos. Tudo saudando a natureza santa! É um verso também de fechamento, de
síntese, de recolha, que conclui a pintura numa expressão comovida.
Se o foco da descrição até o momento consistiu na paisagem, agora, nos tercetos,
deslocar-se-á para o sujeito e sua comoção diante da natureza. Com isso vemos bem marcada
a transição da oitava para a sextilha do soneto. O primeiro bloco contém a descrição, a pintura
do alvorecer na serra, o segundo traz a repercussão deste evento no sujeito que observa, sente
e enuncia em forma de discurso a sua experiência.
Veremos que os tercetos constituem uma unidade, como as quadras também o são. O
modo de desenvolver o poema nos tercetos consiste numa sucessão de orações subordinadas
seguidas pela principal. Vimos que procedimento idêntico foi usado nos quartetos. Aqui do
nono ao décimo segundo verso apresenta-se uma sucessão de orações subordinadas,
Ante o concerto desta orquestra infinda,
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda
Acompanhada da suave aragem
Beijando a choça do feliz caipira
o décimo terceiro verso contém a principal,
Sinto brotar da minha rude lira
e o soneto termina com um verso metalingüístico
O tosco verso do cantor selvagem
que é uma remissão ao próprio poema. Sintaticamente o décimo quarto verso é objeto direto
da locução verbal sinto brotar que aparece no verso anterior. O soneto termina, portanto com
uma menção ao próprio poema como produto nascido da rude lira, figura que é uma
objetivação da subjetividade do eu lírico.
131
A sextilha composta pelos dois tercetos tem uma estrutura sintática que podemos
melhor apreender mediante uma espacialização do seu esquema. Esta espacialização, por
sinal, pode ser estendida a todo o soneto. Os dois quartetos seriam o lugar onde se desenha a
paisagem que se descortina aos olhos do expectador. Os tercetos são o lugar onde está situado
o expectador que contempla a cena.
O advérbio Ante, que inicia a sextilha, abre um arco de expectativa semântica, pois
encabeça uma sucessão de palavras cujo sentido fica em suspenso; esta suspensão se repõe no
verso seguinte, e no seguinte e no outro ainda, se desfazendo no cimo terceiro verso
onde encontramos a oração principal com seu sujeito curiosamente elíptico, o eu lírico, sujeito
oculto, expresso pela desinência verbal. Temos assim quatro versos que mantêm o sentido em
suspenso num crescendo que deságua no verso onde reponta o sujeito da oração que coincide
com o eu lírico. Este faz uma aparição discreta, pois o sujeito elíptico apresenta-se por meio
de uma aparição que é em parte ausência, ao tempo em que se projeta no adjunto adnominal
de origem na expressão minha rude lira.
A sextilha do nono ao décimo segundo verso, também, como foi dito, consiste
numa seqüência de orações subordinadas que o retardando o aparecimento do sujeito do
período e da oração principal que é o verso de número treze. Uma espacialização possível
desta estrutura consiste em ver estes cinco últimos versos como uma sucessão de camadas ou
como as fileiras de um anfiteatro onde se acha sentado o poeta, na quinta fileira, admirando a
beleza que tem diante e dentro de si.
A natureza das palavras
Há um predomínio maciço de substantivos sobre as demais classes de palavras lexicais
como o verbo, o adjetivo e o advérbio. Contamos nada menos que 25 substantivos entre
concretos e abstratos, distribuídos pelos quatorze versos. São onze os versos onde figuram
132
dois substantivos, e apenas três possuem um único substantivo. Mas ressalte-se, não um
único verso onde não figure uma palavra deste tipo. E quanto a sua distribuição entre
concretos e abstratos, os primeiros são quase quatro vezes mais numerosos que os segundos.
Verso 1: sol / nascente concreto/ concreto
Verso 2; raios / terra concreto / concreto
Verso 3: mata/ serra concreto / concreto
Verso 4: galho/passarinho concreto /concreto
Verso 5: festa/ alegria abstrato /abstrato
Verso 6: poesia / campo abstrato / concreto
Verso 7: novilho / cabra concreto / concreto
Verso 8: natureza abstrato
Verso 9: concerto / orquestra abstrato / concreto
Verso 10: pobre / serrano concreto / concreto
Verso 11: aragem concreto
Verso 12: choça / caipira concreto / concreto
Verso 13: lira concreto
Verso 14: verso / cantor concreto/ concreto
Este esquema revela-nos uma linguagem na qual o predomínio de palavras concretas
figurativiza e presentifica os seres conferindo à expressão uma grande plasticidade. O poema
abrindo-se com o “sol” é um primor de luz e sonoridade. Um simples levantamento dos
nomes e dos verbos pode confirmar esta impressão. Os substantivos evocam seres variados
cuja vitalidade exprime-se por meios de vozes. O canto reponta por toda parte, nos quatro
cantos do poema, vibrando como loas à natureza e à alegria de viver. O canto dos seres faz-se
presente desde a primeira até a última estrofe. Começando pelos passarinhos, vêm depois o
novilho e a cabra, um gaiteia e o outro berra, para em seguida reunirem-se todos e formarem
uma orquestra em concerto tudo saudando a natureza santa”. Coroando esses sucessivos e
simultâneos cantos, brota na última estrofe o tosco verso, metonímia do poema, e presença
discreta do próprio poeta.
Ocorre-nos observar o trabalho de composição em que se correspondem sol e poesia,
aquele abrindo o poema como quem abre o dia, surgindo no primeiro verso; esta emergindo
133
metonimicamente na última linha , quando brota da lira do poeta, como mais um filho do sol,
o tosco verso do cantor selvagem. As posições dentro do soneto das palavras sol e verso estão
em simetria especular. O astro e o espetáculo que ele protagoniza, repercutem no eu lírico e
engendram a construção do poema, os versos reconstituem o movimento do alvorecer e a
emoção diante da sua beleza. O sol que contemplamos nesta pintura de palavras porque
existe o poema, e este, igualmente, existe porque a nossa estrela desentranhou das trevas a
beleza que comove o poeta. E assim sol e poesia podem fundir-se em símbolo de vitalidade e
iluminação. Ele, astro rei, luzindo sobre a natureza exterior, e depois introjetando-se na
subjetividade lírica onde vai, refulgente, transfigurar-se em estro numinoso.
O rico é o gênero do eterno presente. A obra será tanto mais rica quanto mais
apresentar-se como a notação de um instante cuja fruição efetua-se no eterno hoje, a
expressão lírica captura e objetiva o encontro entre o eu e o mundo no frescor do instante. O
lirismo mais puro tende ao zero narrativo. É exatamente assim que se nos apresenta este
soneto.
134
O Pau D’ Arco
Aquela árvore, pobre e ressecada,
Pelos feios carunchos corroída,
Foi outrora, na luz da sua vida,
Qual rainha do campo coroada.
É um velho pau d’arco, e quem da estrada
O contempla, sente a alma dolorida.
A sua haste parece, assim erguida,
A estátua da glória já passada.
Aqui dentro do peito eu também tenho
Infeliz coração – fiel desenho
Do pau d’arco daquela soledade.
Com o peso dos anos abatido,
Sem prazer, sem amor e carcomido
Dos carunchos cruéis de uma saudade.
O poema inicia pela contemplação da imagem de uma grande árvore. A descrição dela
no presente, decrépita e decadente, é contrastada com outra imagem da mesma árvore no
passado, quando tamanho fora seu esplendor, que ela era tida por verdadeira rainha do campo.
Esse contraste entre o hoje, pobre, feio e o ontem belo e glorioso está construído nos dois
quartetos.
Em seguida, nos tercetos, o pau d’arco converte-se numa imagem da subjetividade do
poeta. Com isso ele se transforma num símbolo ou numa espécie de duplo do eu rico. O que
há de comum entre o vegetal e o homem é o movimento de passagem do esplendor e da glória
para a ruína, o desencanto e o abandono.
Mais uma vez o soneto segmenta-se em dois blocos distintos. No primeiro, a oitava,
vemos a imagem da grande árvore, evocada no seu fausto, e praticamente no mesmo gesto,
mostrada na sua decadência. Apresentada em dois ângulos, em dois momentos de sua
existência, seus dois retratos, no entanto, perfazem uma unidade. A unidade nos é dada pela
135
passagem do tempo. Não são duas imagens de dois seres, mas dois momentos de um mesmo
ser. Trata-se, portanto de um retrato mais completo. Aquilo que parece dois, é na realidade o
efeito da passagem do tempo sobre a vida, desencadeando no ser uma mudança, um
movimento que o faz passar de um a outro estado.
No outro bloco, a sextilha, surge o eu lírico como um equivalente, um eco, ou um
duplo daquela tristonha trajetória que resumiu o processo de mudança do portentoso vegetal.
No primeiro terceto, opera-se a passagem da árvore para o homem, o pau d’arco converte-se
numa imagem especular do eu lírico. A passagem da árvore para o poeta é tão mais poética
quanto o que aproxima ambos é um tipo de equivalência imperfeita, assimétrica.
Dizer que o pau d’arco converte-se em imagem do eu lírico talvez não seja a melhor
forma de exprimir a relação que neste poema se constrói entre o mundo objetivo e a
subjetividade. Entre estas duas ordens não parece ocorrer aqui uma fusão em que uma se
dissolva na outra. uma distância entre as duas esferas, de forma que o enlace lírico entre
sujeito e mundo é de forma a preservar esta distância.
Nos dois sonetos analisados estamos face a um lirismo que se desenvolve ancorando-
se num assunto objetivo. São sempre desenhos e paisagens reais aquilo com o que interage o
poeta, ele jamais mergulha no poço sem fundo do eu, o olhar lírico se constitui passando pelo
mundo, e não apenas mergulhando narcisicamente na subjetividade. No primeiro poema, fora
a paisagem do alvorecer na serra, agora é a imagem de uma majestosa e comovente ruína. Nos
dois casos o poeta está frente ao mundo, e para falar de si precisa do mundo. O pau d’arco é
descrito tão nitidamente, de forma a marcar a sua existência objetiva e não como um vulto ou
um fantasma projetado de dentro para fora. Depois de concluída esta descrição, acompanhada
dos comentários valorativos, o poeta toma a pintura recém-composta e a utiliza como
ferramenta para ler a si próprio. A figura do pau d’arco fornece ao poeta um signo com o qual
pode sondar e exprimir a sua própria experiência. O conhecimento de si passa pela observação
136
do mundo. As duas ordens se assemelham, mas não perdem a sua identidade. Isso podemos
confirmar num exame mais atento daquele primeiro terceto:
Aqui dentro do peito eu também tenho
Infeliz coração – fiel desenho
Do pau d’arco daquela soledade
Inicialmente observemos o advérbio com que se abrem os tercetos, um deitico que
marca novo espaço em contraposição ao desenvolvido nas quadras. Lá, estava o espaço da
paisagem que também fora aberto por um deitico, o pronome demonstrativo Aquela. Agora, o
advérbio Aqui indica o espaço do sujeito. Os dois termos Aquela /Aqui situados em pontos
simétricos, demarcam no poema dois campos opostos, espaços distintos que representam o
mundo e o eu um diante do outro e um dentro do outro. E então nos deparamos com a
assimetria da figura, porque o que se insinua é que aquela árvore entra/mora/está aqui dentro.
Mas não, o que está aqui dentro é um Infeliz coração, coisa que não se possa dizer que aquela
árvore tenha. No entanto, apesar destes contrastes entre as duas realidades do objeto e do
sujeito, o poeta embaralha esta relação acrescentando um também. O que é também? Aqui
dentro do peito eu também tenho. A rigor o também não caberia se se tratasse de uma relação
de correspondência perfeita, uma vez que a árvore não tem coração, o que torna o também um
problema. Por que vem o poeta dizer que ele também tem um coração se o pau d’ arco cuja
imagem deflagra nele o discurso não tem coração? Então a correspondência entre o objeto e o
sujeito é imperfeita, mas metaforicamente correta. O pau d’arco e o que a sua imagem sugere
valem por um coração infeliz, por isso o poeta pode dizer que também tem dentro de si um
coração apesar de que na paisagem do poema ninguém mais tenha tal coisa a não ser ele
próprio. Com isso o também fica sobrando, mas fica também vibrando na sua estranheza de
137
imagem que se derrama além do razoável e por isso mesmo nos faz sentir a sua beleza ao nos
falar de algo improvável mas verossímil.
O pau d’arco não tem, mas é como se tivesse um coração. A sua derrota, a rasteira que
o tempo lhe dá, gera uma dor que um coração sabe traduzir, e por isso sendo um duplo do
poeta, tudo se passa como se ele tivesse um coração, pois assim sua sina pode ser igualada
à do poeta.
O verso de número dez é belo sintática, sonora e graficamente. Composto de quatro
palavras separadas duas a duas em dois sintagmas com a mesma composição, adjetivo-
substantivo, cada par deste está separado do outro por umfen. O verso todo é nominal, dois
sintagmas um diante do outro, separados por um hífen,
Infeliz coração – fiel desenho
esta construção graficamente sugere o ícone de uma relação especular, os dois pares de termos
estão um diante do outro, mirando-se, simétricos e opostos como um objeto diante de sua
imagem. Mas tal configuração pode representar também uma relação de equivalência, na
evocação da imagem de dois pratos de uma balança. A reforçar estas sugestões, deparamo-nos
com a semelhança sonora e gráfica dos fonemas e das letras dos termos Infeliz e fiel, adjetivos
distribuídos em posição inicial nos seus respectivos sintagmas. Observe-se que todas as letras
de fiel estão em infeliz, e esta última tem as vogais i e e primeiro na mesma seqüência e
depois do f na seqüência invertida em que aparecem em fiel, inversão de vogais que remete ao
efeito visual de uma imagem especular. Com isso podemos dizer que estas palavras ecoam
uma à outra porque têm os mesmos fonemas, e mais ainda, se for razoável evocar a imagem
da balança para descrever a relação entre estes dois grupos de palavras, então a palavra fiel
pode ganhar mais um sentido subliminar, que nos seria evocado pela lembrança do seu
significado como substantivo. Assim o verso tem enorme plasticidade e força expressiva
138
porque agrupa e condensa diversos planos semióticos convergindo todos para a intensidade da
expressão nutrida nas dimensões sonora e visual que vêm concretizar a abstração do
conteúdo. No décimo verso, o traçado das letras e o som dos fonemas se harmonizam e
ajudam a construir uma imagem dos conceitos. A vogal i com seu som agudo atravessa quase
todo o verso, está primeiro fora, em posição externa, em Infeliz e depois em posição interna
em fiel, marcando que entre o poeta e seu duplo, o pau d’arco, há uma fidelidade por
identificação na infelicidade. Este fio fino trazido pelo som agudo do i semelha o traço
retilíneo, o risco de um desenho.
Este soneto diferentemente do outro não apresenta uma disposição mais ou menos
simétrica das frases nos versos. Pelo contrário, o que nele chama a atenção é a assimetria.
Seria isso, primeiro, reflexo da impossibilidade de uma correspondência perfeita entre
comparante e comparado, segundo, sinal do mal-estar implícito ao tema. Enquanto o primeiro
soneto se resolvia numa celebração, num ato de louvor diante de uma natureza santa e bela,
aqui o que se tem é a dor provocada pelo aguilhão do tempo. Este é o soneto da derrota,
daquela derrota que é intrínseca à experiência da condição humana. Os dois sonetos Minha
serra e O Pau d’arco representam cada qual um daqueles dois pólos em que se desdobra o
sentimento lírico em Patativa do Assaré.
139
A minha cinza
Arde o cigarro em direção da boca,
Pelo espaço a fumaça vai subindo
E a cinza em seu curso é muito pouca
Pois em migalhas vai no chão caindo
Fica o fumante de garganta rouca,
Mas iludido com um sonho lindo
E enquanto sonha esta esperança louca
Cinza e cigarro vão diminuindo.
Do cigarro eu terei a mesma sorte,
Serei fumado um dia pela morte,
Pois da vida conheço este mistério.
A morte há de chegar, ela me pita,
E alguém choroso um dia deposita
A minha cinza lá no cemitério.
O tema do soneto “A minha cinza” pode ser a finitude da vida evocada por meio da
cena de um fumante que se entrega ao hábito para desfrutar de um prazer capcioso, e
ambíguo. O cigarro, que seus lábios a cada toque consomem, presta-se a imagem
contrapontística do beijo traiçoeiro e paulatino com que a morte, do outro lado do espelho,
vai resgatando cada migalha do gozo concedido.
O mesmo vício que o enleva, envolvendo o homem em nuvens de fantasias vai
sorrateiramente roubando-lhe o sopro de vida de que paradoxalmente se alimentam as vãs
baforadas de seu devaneio.
Este soneto traz em si uma mistura de sentimentos de diferentes matizes: uns, menos
sombrios, são frágeis e fugazes, aludem a vagos e imprecisos sonhos, a tênues e difusas
esperanças que logo se dissolvem no ar como fumaça; outros, mais cinzentos ainda, trazem
um sabor de desencanto, desolação e queda que nos sobe aos lábios como o gosto da borra
que se precipitou no fundo da xícara, como o travo amargo de angústia que nos espreita ao
fim de cada experiência ilusória.
140
Escrito de forma eficaz, tudo no poema funciona à maneira de um cigarro que se
consome: o movimento desenhado é o de um passo que se efetiva à custa de um recuo da
mesma extensão, ou ainda à custa de uma traição. O desejo, que se transmuta em devaneio e
sonho, desejo que é a própria expressão do impulso de vida, vai sorrateiramente convertendo-
se na contra face da morte.
O poeta, meditando sobre as circunstâncias em que nos é dado viver na medida em
que entregamos à morte um quinhão de nosso ser, exprime o sentimento de aflição,
impotência e derrota que toca o homem em contato com a sua finitude e a precariedade de
nossa condição.
Esse conjunto de elementos antagônicos aparecem articulados numa unidade
contraditória em que se embaralham e se retro-alimentam as forças da vida e da morte; o
movimento narrativo, o percurso semântico do sentido que vai sendo construído cria relações
em que alguns elementos ou valores crescem à custa da subtração de outros, chegando ao
paradoxo de ao esgotar um elemento aquele outro que provocou o esgotamento deste
extingue-se junto com ele: cinza e cigarro vão diminuindo. E, chama nossa atenção, todo esse
caminho ser perpassado por um sentimento de logro ou derrota, pois a rigor não se verifica
nenhum ganho em qualquer momento do processo apenas o aceno ilusório de um devaneio
fugaz que se evola como fumaça ou fere nocivamente o homem ávido de sedativos.
Escutemos atentamente o primeiro verso e vejamos como ele se constitui numa
promessa ameaçadora: Arde o cigarro na direção da boca. Aviso sombrio na tinta forte da
ironia.
O soneto inicia por um verbo expressivo e imagético. O verbo arder flexionado na
terceira pessoa do presente do indicativo abre o poema insinuando diante do leitor um
movimento, movimento que além de vir embutido no próprio sentido do vocábulo arder, que
por seu significado implica um devir, um processo, está presente também no percurso
141
indicado no plano semântico. Arder, no caso, significa o avanço ou o movimento do fogo
sobre a matéria que o alimenta.
Além deste movimento, ressaltemos a força plástica do verbo que desperta no leitor a
imagem luminosa da brasa de um cigarro.
[Esta imagem que nos chega pelo conceito é reforçada ainda pela prosódia da primeira
sílaba que pronunciamos fazendo jorrar uma corrente de ar com a qual se faz soar a vogal
mais aberta do alfabeto, que, no caso, atrita-se e vibra em seu encontro com a consoante R. A
prosódia dessa primeira sílaba consiste assim numa experiência corporal que podemos sentir
como muito próxima de uma representação sensível do próprio conceito contido na palavra.]
O que arde? Observe-se que o sujeito está posposto ao verbo: arde o cigarro na
direção da boca. O sujeito posposto precedência ao verbo que assim aparece em posição
de destaque.
O verso Arde o cigarro na direção da bocacontém ainda três dos quatro núcleos
semânticos importantes do texto. São eles, além deste verbo a que nos referimos, os
substantivos cigarro e boca. A disposição em que os três termos seguem-se na frase aponta
em uma direção, iniciando pela brasa (tradução substantiva do termo arde) vem depois o
cigarro e no outro extremo a boca do fumante. Visto nesta perspectiva o desenho da frase tem
o sentido e a direção daquela “promessa” a que nos referimos. Afirma-se uma ão em curso
numa frase carregada de sutil tensão. Lido o poema inteiro, e relida depois esta frase, ela
pode imediatamente ser vista como um anúncio do processo ameaçador, irônico e
incontornável da devoração a que a tima se entrega com prazer. O inexorável caminhar do
fogo (morte) em direção ao homem. Nos dois extremos estão a brasa que arde e a boca do
fumante. Ao arder na direção da boca o cigarro vai sendo consumido, vai sumindo, sendo
eliminado pouco a pouco e a brasa vai então se aproximando lentamente dos lábios. O hábito
de fumar, tão prazeroso para o fumante, como tudo o que se desdobra no tempo, exaure-se e
142
transforma-se qualitativamente em outra coisa. Consumido o cigarro até o fim, a brasa e a
boca podem encontrar-se e passaríamos rapidamente do prazer à dor. Aquela promessa de
felicidade contida na volúpia do cigarro revelou-se o caminho para a morte. Esse movimento
desenhado e sugerido no verso condensa o espírito do próprio poema. A oscilação entre
ameaça e promessa apenas aponta para duas dimensões distintas e contraditórias inerentes ao
hábito de fumar. A estimulação prazerosa e a consumição onerosa, resultando do mesmo ato,
convergem dialeticamente.
Os dois quartetos mostram-nos um fumante em ação. Os tercetos convertem esta
imagem em metáfora irônica de nossa condição, em símbolo da nossa triste miséria.
O primeiro quarteto desenvolve-se em torno de um duplo movimento de elevação e
queda descrito através dos verbos subir e cair. Note-se a oposição semântica e
expressivamente simétrica entre os dois. No primeiro par de versos temos o movimento
ascensional, nossos olhos acompanham a imagem da fumaça elevando-se pelo espaço. O
poeta emprega o gerúndio do verbo subir: pelo espaço a fumaça vai subindo. Uma marcação
tripartida e espaçada dos acentos tônicos que recaem sobre a terceira, sexta e cima sílabas,
ajuda a ritmar este movimento e imprimindo-lhe a cadência vagarosa e solene do movimento
ascensional da fumaça. Cadência esta que sugere a atitude da meditação a que se entrega o
fumante. Assim os dois versos iniciais do primeiro quarteto indicam elevação e levam o olhar
do leitor em direção ao alto.
Nos dois versos seguintes, o movimento se inverte e toma a direção contrária, para
baixo. O poeta agora, fala da cinza, empregando o verbo cair, também no gerúndio: E a cinza
em seu curso é muito pouca/ pois em migalhas vai no chão caindo.
Os dois quartetos mostram-nos um fumante em ação. Os tercetos fazem a
transposição desta cena em metáfora, quando então ao prazer mistura-se insidiosamente a
morte. E a delícia que ele proporciona somente parece servir para encobrir a consciência da
143
destruição. Desenha-se em detalhe a consumação do cigarro, sua transformação em cinza, e
estas mostradas como migalhas que vão caindo no chão, tudo compondo uma alegoria do
nosso caminho para a morte num processo de devoração em que somos consumidos à
maneira de um cigarro.
Nessa primeira quadra aparecem reunidos numa unidade as forças contraditórias que
governam a vida, de um lado, o anseio de elevação, a necessidade de fantasia e
transcendência e, de outro, o fracasso decorrente de nossa própria condição. Esta armação
vem tramada entre os dois pares de versos em que se divide o quarteto: fumaça e elevação,
logo convertidos em cinza e migalhas pelo chão.
Uma estrutura semelhante iremos encontrar no segundo quarteto também composto
como uma unidade construída sobre a aproximação e convívio de forças contraditórias. Se no
primeiro quarteto, como vimos, a oposição se estabelecia entre o primeiro e o segundo par de
versos, agora os versos opõem-se um a um, o verso cinco conflita com o seis e o sétimo com
o oitavo, seguidamente. Começando pelo aspecto negativo, pela perda, está dito que o
fumante fica de garganta rouca, isso precisa ser logo seguido de uma compensação ou
consolação trazida no verso que inicia por uma adversativa mas iludido com um sonho lindo.
Note-se como o processo de afirmação e negação vai se adensando, pois o próprio verso que
traz o elemento positivo que vem compensar a rouquidão, nele pulsa a força do adjetivo
iludido. O fumante tem um ganho que é imediatamente desqualificado: vem-lhe um lindo
sonho que, no entanto, ocupa em sua alma o lugar de uma ilusão. A negatividade é interior ao
próprio verso que anuncia o elemento positivo: fica o fumante de garganta rouca/ mas
iludido com um sonho lindo.
144
Processo semelhante encontramos entre os versos sete e oito: e enquanto sonha esta
esperança louca/Cinza e cigarro vão diminuindo. Aqui o primeiro verso marca o momento
de positividade e o seguinte marca a ruína que fatalmente sobrevém. O fumante de garganta
rouca e iludido e-se a sonhar uma esperança louca. E enquanto confunde-se como um
joguete entre realidade e ilusão, enquanto distrai-se ou debate-se perdido entre os frutos de
um colheita enganosa, à sua revelia e à custa dos seus erros e escolhas: Cinza e cigarro vão
diminuindo. Ora, sonho e esperança são os termos carregados de positividade, no entanto,
como ocorria pouco acima com o termo iludido, aqui também em meio à afirmação surge
uma palavra ambígua como a entravar a real possibilidade de o homem alcançar efetivamente
o que procura, pois a esperança com que sonha é imediatamente desqualificada como louca,
palavra que aqui comparece, provavelmente, com o sentido de vã, impossível. Agora como
acima, a negação vem embutida dentro do próprio verso que afirma o momento positivo. E
após esse movimento de enlevo e devaneio, outra vez a queda, no fim da experiência, findo o
devaneio, resta apenas a amarga constatação de que enquanto nos distraímos com as ilusões
cinza e cigarro vão diminuindo. Ficamos assim com um esquema semelhante nos dois
primeiros quartetos: ambos formam unidades sobre forças contraditórias e agasalham ou
arranjam estas contradições cindindo cada quadra em pares de versos um voltado para a
positividade outro para a negatividade. No primeiro quarteto opõem-se o primeiro contra o
segundo par de versos, no segundo dois versos de cada sinal, mas alternam-se um a um,
contiguamente, com seu contraditório.
Na estrutura do soneto os quartetos fixam a imagem tema do fumante em busca de
desafogo e enlevo, mas pagando um preço por isso, entrando em contato com a efemeridade
da ilusão e o desencanto dela decorrente. Estabelecem os quartetos a imagem tema e o
conjunto de forças em conflito, determinam o âmbito onde se move agônico este fumante.
Os verbos e os substantivos escolhidos combinam-se para fixar com eficácia esta imagem do
145
desconcerto humano. Na primeira estrofe os verbos subir e cair e um circuito de substantivos
muito encadeados entre si completam o quadro: cigarro, boca, fumaça, cinza, migalhas e chão
. Juntos projetam a imagem do homem, sua ação, sua volúpia falaz e sua queda. No segundo
quarteto, os adjetivos prevalecem , são eles a estabelecer um circuito que rodizia e elenca os
elementos conflituosos: garganta rouca/ iludido/sonho lindo/ esperança louca e um gerúndio
expressivo “vão diminuindo”.
Concluída a composição deste quadro: o fumante, suas circunstâncias e sua miséria, o
soneto prossegue nos tercetos convertendo esta pintura ou este quadro numa metáfora da
condição humana no que diz respeito à consumição da vida pelo tempo e à luta do homem
com a morte. E este é afinal o tema abstrato e profundo do qual a primeira parte, a oitava, foi
uma ilustração, uma metáfora.
Os dois tercetos desatam o nó da imagem criada acima, e o poeta se compara a um
cigarro que será fumado pela morte. Desde o título, a cinza referida é a de um morto que
desce ao cemitério, o tema do soneto é, pois este aspecto da condição humana antes que uma
reflexão sobre o hábito de fumar. No entanto, a escolha do fumante é rica porque traz a esta
meditação sobre a condição humana um caráter de atraiçoamento e auto-destrutividade que só
emerge graças à seleção da figura do fumante para ilustrar aspectos doloridos de nossa
relação com as energias da vida e da morte. Colocar no quadro um fumante e suas
circunstâncias como faz o poeta é a opção de representar o homem com sua fragilidade, este é
um homem que se submete a escolhas falazes e nocivas que aumentam a melancolia de
nosso inescapável caminho para a morte. Mas bem pesadas as coisas, toda esta temática com
sua tragicidade seria a mesma se nosso personagem não fosse um fumante. O fato de sê-lo
apenas realça melhor esta ironia trágica. Fumantes ou não, todos nós perecemos um dia.
146
Capítulo 3
LIRA SERTANEJA
147
Lira sertaneja
Neste capítulo analiso um conjunto de poemas que falam do sertão. Este tema reúne
duas realidades muito caras ao poeta lírico, e particularmente a Patativa do Assaré. O sertão
significa para o Poeta a fusão numa entidade da Natureza e da terra natal ou, nos seus
termos prediletos, a atura e o Torrão natá.
Além de entender justificada a escolha do tema pela sua relevância e centralidade na
obra do autor, procuro nas análises que se seguem compreender melhor um movimento de
passagem de um estado de fusão lírica irrestrita, no primeiro poema, para uma paulatina e
crescente incorporação de uma perpectiva crítica nos demais textos que formam o conjunto
estudado. Interesso-me em averiguar as possíveis correlações e arranjos entre tons e
graduações líricas e certas atitudes e objetivos, que pressupõem graus maiores ou menores de
distanciamento do objeto, como a denúncia e o louvor, a reivindicação e o canto.
Noto, na seqüência dos poemas selecionados neste capítulo, a passagem de um
momento de fusão e enlace lírico plenos, em que unicamente celebração e adesão ao
objeto, para outro em que se abre um espaço para a enumeração e o comentário de aspectos
negativos ligados à realidade sertaneja. A questão que se coloca então é a de saber como esta
mescla de lirismo e questionamento ou protesto social determina novos arranjos entre
elementos como o “eu lírico”, o ponto de vista da enunciação ou o foco narrativo, o equilíbrio
e a organização interna, para fins do bom desenvolvimento do poema, destas perspectivas
conflitantes.
Foram selecionados para estudo do núcleo temático sobre o Sertão quatro poemas,
todos eles versados em linguagem matuta: Eu e o sertão, É coisa do meu sertão, Vida
sertaneja e Coisas do meu sertão.
148
EU E O SERTÃO
I
V
1
Sertão, arguém te cantô
41
Sertão do Bumba Meu Boi
2
Eu sempre tenho cantado
42
E da armonca de oito baxo,
3
E ainda cantando tô,
43
O teu fio sempre foi
4
Pruquê, meu torrão amado,
44
Corajoso, Cabra Macho;
5
Munto te prezo, te quero
45
O tempo nunca destrói
6
E vejo qui os teus mistero
46
A fama do teu herói
7
Ninguém sabe decifrá.
47
De pernera e de gibão,
8
A tua beleza é tanta,
48
Caboco que não resinga
9
Qui o poeta canta, canta,
49
Corrê dentro da caatinga,
10
E inda fica o qui cantá
50
Na pega do barbatão.
II
VI
11
No rompê de tua orora,
51
Tu é belo e é importante,
12
Meu sertão do Ciará,
52
Tudo teu é natura
13
Quando escuto as voz sonora
53
Ingualmente o diamante,
14
Do sodoso sabiá,
54
Ante de arguém lapidá.
15
Do canaro e do campina,
55
Deste jeito é que te quero,
16
Sinto das graça divina
56
Munto te estimo e venero,
17
O seu imenso pudê,
57
Vivendo assim afastado
18
E com munta razão vejo,
58
Da vaidade, do orguio,
19
Que a gente sê sertanejo
59
Guerra, questão e baruio
20
É um dos maió prazê.
60
Do mundo civilizado.
III
VII
21
Sertão, minha terra amada,
61
Tu veve munto esquecido
22
De bom e sadio crima,
62
Dos meio da inducação,
23
Que me deu de mão bejada
63
Sempre, sempre tem vivido,
24
Um mundo cheio de rima.
64
Sem escola e sem lição.
25
O teu só é tão ardente,
65
Teu mundo é bem pequenino,
26
Que treme a vista da gente
66
Por isso do teu destino,
27
Nas parede de reboco,
67
Da tua simplicidade
28
Mas tem milagre e virtude,
68
Nasce a fé e a esperança;
29
Que dá corage, saúde
69
tua santa inguinorança
30
E alegria aos teu caboco.
70
Incerra munta verdade.
IV
VIII
31
Acho mesmo que ninguém
71
Rescordo com grande a
32
Sabe direito cantá
72
O meu tempo de rapaz,
33
Tanta beleza que tem
73
Tempo qui os ano levou
34
Tuas noite de luá
74
E os desengano não traz,
35
Quando a lua sertaneja,
75
Quando toda noite eu ia
36
Toda amorosa despeja
76
Cheio de doce alegria,
37
Um grande banho de prata
77
Sem infado do trabaio,
38
Pro riba da terra intera
78
Uvi, de peito contrito,
39
E a brisa assopra manêra,
79
As oração e os bendito
40
Fazendo cosca na mata.
80
Das festa do mês de maio.
149
IX
XII
81
Uma singela bandêra
115
Como o ricaço usuraro
82
Bem no terreiro se via,
116
Guarda uma moeda de ôro
83
Homenage verdadêra
117
Fiz do meu peito sacraro
84
Do santo mês de Maria,
118
E guardei estes tesôro.
85
Na sala, inriba da mesa,
119
E aqui dentro do meu peito,
86
Umas quatro vela acesa
120
Inda tá tudo perfeito,
87
E de juêio no chão,
121
Não mudaro de feição
88
Uma muié paciente
122
As duas fotografia,
89
Lendo vagarosamente
123
Do santo mês de Maria
90
Com a cartia na mão.
124
E das festa de São João.
X
XIV
91
Inquanto lendo seguia
125
Como é bom a vida intêra
92
Aquela boa sinhora,
126
Passá contente e feliz
93
De quando em vez repetia
127
Sem sabê das bagacêra
94
Bonita jaculatória;
128
De país contra país!
95
Todo o povo acompanhava
129
Caro sertão inocente,
96
E quando a mesma rezava
130
Não fugiu de minha mente
97
Padre Nosso e Ave Maria,
131
E nem vai fugi tão cedo
98
De contrição todas cheia,
132
As diversão de advinha,
99
Com suas voz de Sereia,
133
Manero pau, Cirandinha
100
As caboca respondia.
134
E muntos ôtro brinquedo.
XI
XV
101
__Neste mês de alegria,
135
Hoje sou véio e to vendo
102
Tão lindro mês de frô
136
Que já tô perto da morte,
103
Queremo de Maria
137
Mas porém, morro dizendo
104
Celebrá o seu louvô. __
138
Que fui caboco de sorte,
139
Não dou cavaco in morrê,
XII
140
somente por conhecê
141
Qui há tempo tá reservado
105
Sertão amigo, eu tô vendo
142
In tu, querido sertão,
106
Que os teu novo camponês,
143
O meu quadrinho de chão
107
Hoje ainda tão fazendo
144
Pra nele eu sê sipurtado.
108
Aquilo que os véio fez.
109
Que doce felicidade
XVI
110
Eu gozei na mocidade,
111
Nesta santa ingorfação!
145
E mesmo depois de morto,
112
Quando se acabava Maio,
146
Mesmo depois de morrê,
113
Já começava os insaio
147
Ainda gozo conforto,
114
Do santo mês de S. João.
148
Ainda gozo prazê,
149
Pois, se é verdade que as arma,
150
Mesmo as que vivero carma
151
E arcançaro a sarvação,
152
Fica vagando no espaço,
153
Os meus caracó eu faço
154
Pro riba do meu sertão.
150
“Eu e o sertão”: análise
Dos vários poemas que falam do sertão, esse tem uma característica peculiar
anunciada no título. O pronome pessoal ligado ao substantivo pela conjunção resulta numa
fórmula que é em si uma formulação rica, ostentando em seus elementos e no arranjo que os
relaciona a pureza paradigmática do gênero. O tema é o fusionamento de sujeito e objeto,
duas instâncias que existem uma na outra e uma através da outra. Espécie de amálgama, ou
síntese resultante da interpenetração destas duas entidades. O discurso poético no gênero
lírico é expressão da subjetividade que se revela através de um movimento em direção ao
mundo. O que o poeta almeja na poesia lírica é tomar consciência de si mesmo por meio dos
efeitos em sua subjetividade do contato com o mundo exterior, essa a sua meta, e não a
expressão objetiva deste mundo exterior. Ou nas palavras precisas de Hegel: “O conteúdo da
poesia lírica é, pois, a maneira como a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e
admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo” e
continua “A verdadeira poesia lírica, como toda verdadeira poesia, tem por missão o conteúdo
autêntico da alma humana. Porém, enquanto líricos, até os conteúdos mais positivos, mais
concretos e mais substanciais devem ser o reflexo de sentimentos, intuições, idéias ou
reflexões subjetivas”.
Se o sertão fosse o sol, o que aqui contemplamos é sua luz refletida na lua. E a lua é o
poema, e o poema é o poeta que se projetou fora de si num corpo de palavras. Corpo por
natureza ambíguo, compósito, misto de sujeito e objeto. O sertão possível de ser conhecido é
somente este que se entrega através da experiência de um sujeito e do discurso em que se
cristaliza esta experiência. O sertão, como o sol, é um mito, e o mito é mais da ordem do
discurso que da realidade exterior à língua. A isto acrescente-se a especificidade do discurso
lírico. Retomando a imagem solar, temos que não veríamos a luz se não existisse um corpo
para refleti-la, e por outro lado, ainda no âmbito da visão, nenhum corpo emerge para a
151
existência se a luz não incide sobre ele. Assim como luz e corpo necessitam um do outro para
cruzarem o limiar da consciência, assim também o eu do poeta e o sertão revelam-se um no
outro e não existe um sem o outro.
Mais do que uma mera poesia descritiva do espaço, o que Eu e o sertão realiza é um
amálgama consistente do homem com o seu mundo. E a única maneira de dizer este mundo
que é o sertão, berço do poeta, é mostrando-o como um conjunto de vivências pelas quais o
sujeito vai se constituindo como homem, poeta e cidadão. A figura humana que resulta desta
pintura é composta a partir de cores e retalhos deste mundo exterior acessível à nossa
consciência apenas porque formou uma unidade com o sujeito. E, assim, talvez possamos
formular melhor o nosso comentário sobre a atenuação da descritividade do discurso, dizendo
que este poema alcança ser descritivo do objeto na medida em que se faz “biográfico” do
sujeito.
Uma seqüência de tópicos na sucessão das estrofes vai nos levando ao conhecimento
cada vez mais profundo e dentro deste sertão que o poeta, envaidecido, nos apresenta como
imagem refletida no seu próprio ser.
O “eu líricoassume o feitio de entidade correlata ao Poeta Patativa do Assaré, cuja
expressão mais plena é o canto. É por que o poema inicia. O poeta tem nome de pássaro, e
nos leva nas asas de seu canto em sobrevôo sobre a paisagem do sertão, cenas e cenário que
constituem a sua história, e, em parte, a de tantos outros sertanejos. O canto decola na
primeira estrofe e nos alçamos junto com ele para contemplar as estações, neste caso,
pontilhadas de alegria, entusiasmo e admiração.
1ª ) o canto dos poetas louva a beleza do sertão.
2ª ) o canto dos pássaros rebenta com a aurora.
3ª ) o sol faz milagres e distribui saúde.
4ª ) a lua despeja um banho de prata sobre a terra inteira.
152
5ª ) pé no chão para dançar o Boi Bumbá, para caçar o boi fujão.
6ª ) pedraria preciosa em estado bruto, o sertão reluz longe da civilização.
7ª ) no homem esquecido dos poderosos a fé nasce da simplicidade.
8ª ) juventude, alegria, trabalho e oração.
9ª ) bandeira no terreiro, vela acesa, festa na igreja
10ª) Padre Nosso, Ave Maria, as caboclas têm vozes de sereia.
11ª) vivamos a tradição.
12ª) a vida sertaneja é tesouro e relíquia da memória.
13ª) sertão é paz ; civilização é país contra país.
14ª) a morte não assusta, o sertão será novo berço.
15ª) depois da morte, o pássaro-poeta, com seu corpo de palavras, sonha voar
eternamente sobre o sertão.
O canto flui como um sobrevôo que nos leva em visita pelos estados de alma e pelas
etapas de formação do sujeito que se foi fazendo poeta e sertanejo. São de pássaros
propriamente a 1ª, a e a 15ª estrofes. A primeira com o canto dos poetas e em particular do
poeta Patativa. A segunda com o canto dos pássaros que co-habitam o mesmo habitat do
poeta. A cima-quinta é promessa de um vôo para depois da morte que com asas de
palavra pode-se cumprir.
O poema se desenvolve segundo o seguinte plano ou seqüência de motivos: uma
estrofe de abertura, seguida de três que falam da natureza, e podem ser assinaladas cada uma
por três signos: a aurora, o sol e a lua. Em seguida, numa estrofe, fala-se de expressão
artística e lazer (Bumba Meu Boi e a harmônica de oito baixos) e de um dos ícones do sertão:
o vaqueiro. Estão, motivadamente, reunidos na mesma estância o Boi da festa popular e o
trabalhador que cuida do gado. A estrofe sexta assemelha-se à primeira, ambas são espécies
de amplexo sentimental entre o poeta e seu tema, nelas o poeta suspira ou respira lirismo,
como se tomasse fôlego para prosseguir suas enumerações emocionadas. Depois disso surge
153
um assunto, diríamos, de natureza social e política, o sertão como lugar onde falta escola,
distante dos recursos da Educação. Depois deste motivo, o foco do poema desloca-se para o
plano das recordações do sujeito. São quatro estrofes em que vários aspectos da vida sertaneja
são mostrados pela óptica das vivências do poeta em sua juventude. O homem traz de volta a
lembrança dos seus tempos de rapaz quando após o dia de trabalho, sentia-se disposto e
eufórico para participar das festas religiosas nos meses de Maio e Junho. Terminado este
roteiro que abrange diversos aspectos: natureza, vida social, costumes, trabalho, lazer,
religiosidade, etc, o poeta faz apologia e o elogio dos novos camponeses que continuam a se
guiar pelos valores da mesma tradição. Já caminhando para o fim, convergem velhice e
gratidão, pois outro não pode ser o sentimento de quem viveu a beleza e os valores da vida
sertaneja. Finalmente, na última estrofe, o poeta sonha com uma possibilidade de
transcendência que lhe permita perpetuar-se por toda a eternidade no território mítico do
sertão.
A forma do verso
A métrica é a redondilha maior. O poema possui quinze estrofes de dez versos e uma
quadra entre as décimas de número dez e onze, único trecho em discurso direto, representando
uma prece entoada pelas mulheres no mês de Maria. O esquema rímico das décimas, que pode
assumir três variantes na obra de Patativa do Assaré, aqui, é o que identificamos pelo Tipo A:
a b a b c c d e e d
. Observamos que do ponto de vista sintático, as décimas, de acordo
com a pontuação, podem apresentar-se em uma das duas situações: ou como uma unidade
inteiriça, marcada pelo ponto final no último verso, ou subdividir-se em partes menores, seja
com um ponto interno, seja com uma pausa interna maior assinalada por ponto e vírgula antes
do ponto final. Das quinze décimas de Eu e o sertão, nove subdividem-se em partes ou
períodos menores, enquanto as outras seis contam com um período. Para melhor
visualização:
154
NOVE ESTROFES SUBDIVIDIDAS: 1ª, 3ª, 5ª, 6ª, 7ª, 10ª 11ª, 12ª e 13ª.
SEIS ESTROFES INTEIRIÇAS: 2ª, 4ª, 8ª, 9ª 14ª e 15ª.
Das nove que se subdividem internamente, sete apresentam o corte no quarto verso, a maioria
por meio de um ponto, outras por ponto e vírgula ou ainda ponto de exclamação. Podemos
considerá-las como décimas compostas da adição de uma quadra e uma sextilha: 4 + 6
a
b a b + c c d e e d
. Apenas uma desta categoria, a primeira, não segue este esquema,
segmentando-se no sétimo verso .
Exemplos de décimas com subdivisão interna:
A) Combinando uma quadra e um sextilha: 4 + 6:
1) A terceira estrofe traz um ponto, no 4º verso: Um mundo cheio de rima.
2) A quinta, um ponto e vírgula, também no 4º verso: Corajoso, Cabra Macho;
3) A 13ª um ponto de exclamação no 4º verso: De país contra país!
Este mesmo esquema se reproduz em mais quatro décimas.
B) Outro esquema de segmentação:
4) A primeira estrofe traz um ponto no 7º verso: inguém sabe decifrá.
As décimas inteiriças, apesar de só apresentarem ponto final no último verso, em
algumas podemos identificar uma sutil flexão na altura do quarto verso, mesmo que tal seja
assinalado apenas por uma vírgula. É o que vemos ocorrer nas estrofes oitava e nona, mas não
podemos dizer o mesmo sobre a segunda estrofe, onde apesar da vírgula no fim do verso:
Do sadoso sabiá, sentimos que o primeiro membro do pensamento se completa no verso
seguinte: “Do canaro e do campina,”.
Aspectos sintáticos
Podemos, pela feição geral dos períodos, coincidentes com a estrofe inteira, ou com
parte dela, conforme vimos acima, confirmar o caráter peculiar deste poema quando
155
comparado aos demais que tematizam o sertão. Dissemos linhas atrás que o título indicava ser
o gênero destes versos o enlace lírico de sujeito e objeto, do “eu” e do “sertão”.
Pela forma como se apresentam nestes versos os dois pólos, o “eu” e o “tu”, somos
induzidos a associar o primeiro destes ao próprio poeta. Já o sertão é o “tu” a quem se dirige a
voz lírica; se na maioria das vezes o sujeito remete-se ao objeto do seu canto, nomeando-o
pelo pronome de segunda pessoa, em quatro estrofes, no entanto, ele o faz utilizando a palavra
sertão.
Nas quatro estrofes em que o substantivo sertão é empregado, o termo desempenha
a função de vocativo. Isso ocorre na primeira, na terceira, na quinta e na décima primeira
estâncias.
Sertão, arguém te cantô,”
Sertão, minha terra amada,”
Sertão do Bumba Meu Boi/ E da armonca de oito baxo,
11ª Sertão amigo, eu tô vendo
Após o vocativo, o “eu lírico” passa ao primeiro plano e rememorando paisagens,
tipos humanos e vivências, apresenta-nos imagens que são o reflexo de um mundo entrevisto
por meio da história, dos sentimentos e das ações que constituem o corpo vivo no corpo-
memória do poeta.
Na estrofe, imediatamente após o vocativo, conta a voz lírica como o sertão tem
desafiado através do tempo o talento dos poetas, cujos cantos sempre parciais não recobrem
nem fazem jus à plenitude de uma beleza inexaurível. Esta reflexão, que não deixa de ser um
juízo sobre o objeto desenvolve-se com o pronome “eu” na função de sujeito. Percebe-se que
apesar de ter por meta dizer o sertão, o poeta o faz recorrendo, sobretudo, à função emotiva e
não à função referencial. O que ocupa o centro desta estrofe são os sentimentos de amor e
admiração que este “eu” nutre pelo seu “torrão natal”
156
Sertão, arguém te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistero
inguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá
Esta estrofe de abertura condensa e exemplifica de maneira eloqüente um conjunto de
recursos mobilizados com grande maestria e primorosamente afinados com o tom lírico da
composição. De sua análise podem emergir valores estéticos disseminados por todo o poema.
Começo insistindo nas marcas de intenso lirismo aqui presentes. Sertão, a primeira
palavra do poema, é puro vocativo. Um chamado do poeta, que traz para dentro do canto o
seu objeto. Presença que irradia um halo difuso a recobrir todo o discurso, mudo, apenas
inspira o poeta e, talvez escute o canto laudatório que ele lhe dedica e oferta.
A voz lírica coloca no centro do discurso mais que a entidade de que fala, os
sentimentos e as ações do sujeito motivados pelo seu encontro com esta entidade. Observe-se
a seqüência dos verbos flexionados na primeira pessoa. Quando abandona este tipo de fala, o
sujeito passa a outro que consiste em declarar juízos de valor sobre o objeto do seu canto. No
primeiro caso, o das flexões verbais, o poeta atua, cantando ou sentindo: “te prezo, te quero”.
No outro caso, a contemplação faz aflorar na fala do sujeito uma série de juízos tais como
teus mistero/ ninguém sabe decifrá”, ou A tua beleza é tanta”, etc. É o tipo do discurso que
revela o sujeito através da sua interpenetração com o objeto, pois mais do que uma imagem
precisa do sertão, o que salta destes versos é a natureza de cantor do poeta, tomado de
entusiasmo pelo sertão e do desejo de cantá-lo, é, ainda, o retrato do homem que não
economiza sentimentos como apreço, bem querer e amor quando diante de algo que lhe toca o
coração, e, finalmente, que tem em alta conta a importância e o valor do mistério. Este é o
157
verdadeiro conhecimento que nos é transmitido por meio desta primeira estrofe, e podemos
adiantá-lo, é o caso do poema inteiro, o que nos levou a enfatizar o alto teor lírico da
composição.
O verbo cantar domina de maneira quase absoluta a primeira estância. seis
ocorrências distribuídas em cinco versos, nos três primeiros e nos dois últimos;
estrategicamente posicionado o verbo, que revela a presença substantiva do canto, rege a
abertura e o fechamento da estrofe:
1. te cantô, 9. canta, canta
2. tenho cantado 10. cantá
3. cantando tô
...
Outros estudos da forma: acentos métricos
Redondilha maior: acentuação e ritmo
Transcrevo a seguir trecho da lição do mestre M. Said Ali sobre a métrica e o ritmo
dos versos em redondilha maior. Ele os considera de oito sílabas, porque “volta ao uso antigo
de tomar o verso grave como critério para a especificação e denominação dos versos” como
observa Manuel Bandeira no prefácio da obra. Aqui resolvi adotar o critério inaugurado na
língua portuguesa por Castilho e seguido pela maioria dos nossos estudiosos do assunto, a
contagem até a última sílaba tônica. No trecho transcrito apenas substituí a expressão do
original “oito sílabas” por “sete sílabas”.
“De todos os versos o mais usado e o mais popular em português como em
espanhol é o de sete sílabas”, muito antigo nos dois idiomas e conhecido como verso
de redondilha maior. Desmente o princípio ilusório de acentuação obrigatória em
determinadas sílabas, tratando-se de versos cuja estrutura se baseia na alternância
combinativa. Um poema em versos de sete sílabas não é cômodo para o autor, mas
agradável ao leitor que os haja de todas as contexturas.
158
Essas contexturas diferentes, de que todos os poetas se utilizam, abrangem todas
as localizações possíveis das sílabas acentuadas, desde que as separe uma ou duas
inacentuadas.”
Em seguida o autor ilustra as cinco séries rítmicas em que os versos de sete sílabas
podem apresentar-se
I: ~´ ~ ~´ ~ ~´ ~ ~´
Ama um canto o pescador
II: ~ ~ ~´ ~ ~´ ~ ~´
Quando o vento rumoreja
Um acento a menos que no esquema anterior. A primeira sílaba não é
necessariamente inacentuada, mas soa como tal. Sua pronúncia é atenuada reforçando a
terceira.
III: ~ ~´ ~ ~ ~´ ~ ~´
Gostavam do sol brilhante
As Aves que aqui gorjeiam
A primeira laba é inacentuada muitas vezes numa palavra polissílaba. São três
acentos, ao primeiro sucedem-se duas sílabas átonas. A primeira sílaba do verso, a
inacentuada, pode vir num monossílabo.
IV. ~ ~´ ~ ~´ ~ ~ ~´
Brincar na fresca verdura
Dalgum copado arvoredo
Vale o que foi dito sobre o verso anterior. Aqui se intercalam duas átonas após
o segundo acento.
V. ~´ ~ ~ ~´ ~ ~ ~´
Tantos murmuram na praça
de cair sobre as ondas
159
Quanto à combinação de labas fortes e fracas, deve-se ter em mente que numa
palavra dotada de uma sílaba forte as demais denominadas fracas apresentam gradações de
intensidade entre si. Isso determina que além da combinação forte/fraca faz-se presente um
terceiro elemento a semiforte: quàlidáde, mònuménto, propòrcional.
Existem mais duas outras situações em que pode o poeta contornar a rigidez das
normas: 1) É possível enfraquecer-se a “tônica de certos vocábulos quando precedem outro
que requeira maior realce e a que estejam ligados pelo sentido. 2) “Nas combinações, sem
pausa, de substantivo e adjetivo ou adjetivo e substantivo, o movimento rítmico não suporta a
colisão de duas labas fortes proferidas com intensidade rigorosamente igual. Ou ênfase
no segundo vocábulo, ..., ou recuo, por liberdade poética, da acentuação final da primeira
palavra para uma ou duas sílabas atrás, conforme as exigências do ritmo”. É o caso que ocorre
neste poema com o vocábulo torrão no quarto verso.
160
Quadro analítico da métrica e da acentuação
EU E O SERTÃO
1 2 3 4 5 6 7
1
Ser
tão, ar
Guém te can
____ ____) ____ ____) ____ ____ ____)
2
Eu
sem
pre te
nho can
ta do
___ ____) ____ ____) ____ ____ ____) ____
3
E a
In da can
tan do
____ ____) ____ ____ ____) ____ ____)
4
Pru
Quê meu to
rrão a
ma do
____ ____) ____ ____) ____ ____ ____) ____
5
Mun
To te pre
zo, te que
ro
____) ____ ____ ____) ____ ____ ____) ____
6
E ve
jo qui os teus mis
te ro
____ ____) ____ ____ ____) ____ ____) ____
7
Nin
Guém sa
Be de
ci frá.
____ ____ ____) ____ ____) ____ ____)
8
A
Tua be
za é tan
ta
____ ____) ____ ____) ____ ____ ____) ____
9
Qui o po
e Ta can
ta, can
ta,
____ ____ ____) ____ ____) ____ ____) ____
10
E in Da fi
ca o qui can
Ta
____ ____ ____) ____ ____) ____ ____)
Com base nos princípios expostos por Said Ali tracei o quadro acima da divisão das
sílabas poéticas e da acentuação métrica da primeira estrofe de EU E O SERTÃO. Há, no
entanto, algumas escolhas feitas no caso de versos que apresentavam certas dificuldades, que
é necessário justificar.
161
O primeiro verso não apresenta qualquer dificuldade, as sílabas tônicas dos vocábulos
coincidem com os acentos métricos. No segundo verso, o monossílabo tônico EU soa
atenuado, recaindo na primeira sílaba da palavra seguinte o primeiro acento do verso que
assim fica igual ao anterior.
No quarto verso, o acento do vocábulo oxítono torrão recua para a pré-tônica, onde a
pronúncia deve demorar-se mais, fazendo TOrrão, pois caso se mantenha a acentuação
natural, haveria o encontro de uma tônica com uma vogal forte “A” que inicia a palavra
seguinte.
E finalmente o polissílabo ninguém embora palavra acentuada soa atenuado para
realçar a tonicidade da terceira sílaba, sem o que haveria colisão de duas fortes, infringindo-se
a norma que determina que deve haver no mínimo uma fraca entre duas tônicas. E ainda neste
verso, a última palavra “decifrá” além do acento tônico da última sílaba, aciona também o seu
acento secundário da primeira, dècifrá, garantindo assim os três acentos do sétimo verso.
162
Quadro analítico: Aliterações e assonância
EU E O SERTÃO
EU E O SERTÃO
SerTÃO, arguém te can Sertão, arguém te CAN
Eu sempre TEnho canTAdo Eu sempre tenho CANtado
E ainda canTANdo TÔ, E ainda CANtando tô
Pruquê , meu Torrão amado PruQUÊ, meu torrão amado
Munto te prezo, te quero Munto te prezo, te QUEro
E vejo qui os TEUS misTEro E vejo QUI os teus mistero
Ninguém sabe decifra. Ninguém sabe decifrá
A TUA beleza é TANta, A tua beleza é tanta
Qui o poeta canta, canta, QUI o poeta CANta, CANta,
E inda fica o qui can E inda fiCA o QUI CAN
Esta décima, como outras do poema, mas ela de maneira particular, tem uma riqueza
rítmica que resulta do jogo de aliterações, assonâncias e acentos dos versos. O efeito da
combinação destes recursos é um ritmo, fortemente marcado. A isto associa-se o uso
expressivo da língua matuta, que potencializa estes efeitos com correspondência no plano
semântico.
As aliterações em T, numerosíssimas, são 19 ocorrências, praticamente o dobro do
número de versos da estrofe. Apenas um verso, o sétimo, não possui a consoante, enquanto
isso, um mesmo verso, como o primeiro ou o nono, chega a contar com nada menos que três
ocorrências deste fonema. Essas aliterações do T ocorrem em labas tanto em posição tônica
quanto átona. Há, quanto à acentuação, inúmeras variações possíveis combinando umas e
163
outras. Duas fortes e uma fraca, encontramos em dois versos, o primeiro e o oitavo. Naquele,
a inacentuada está entre as duas tônicas; neste, após as duas fortes. Cinco versos dos dez
possuem duas ocorrências do T na posição de sílaba forte, e dois versos há, o 5º e o 9º, que
possuem três dessas aliterações, sendo todas três em sílabas não acentuadas.
Combinando-se com estas, há aliteração do som consonantal [K] que tanto ocorre com
a letra C, diante das vogais a e o”, quanto com o grafo QU”. São doze ocorrências
neste caso.
ainda um terceiro som em aliteração, o D”, esse em menor quantidade, apenas
cinco, mas três das quais nos versos 2 e 3, um dos trechos onde ocorre uma concentração
maciça de sílabas iniciadas pelos três sons “T” “K” e “D”. Nos três primeiros versos, este trio
consonantal aparece nada menos que treze vezes entre o total das vinte e uma sílabas do
“terceto”. Já a estrofe inteira conta com 36 aliterações.
Essas sílabas aliterantes, combinando-se com, ou sendo algumas delas os próprios
acentos métricos do verso, marcam fortemente o ritmo. Duas das consoantes, o D e o T são
explosivas. Quando ocorre de se juntarem as três aliterações com certas vogais nasalizadas,
em situação de assonância, então o resultado é uma leitura cantante, um ritmo martelado,
quase hipnótico. Tão concentradas se acham, às vezes, aliterações e assonâncias em poucos
versos que estes adquirem uma convicção sonora tal, que podemos nos dar ao luxo de
esquecer do sentido para ouvirmos apenas o som, e, ao fazê-lo, percebemos que a leitura em
voz alta é a própria realização fônica do significado que, por exercício de estudo, deliberamos
olvidar, e isto ocorre porque a sonoridade exuberante e cadenciada, são a melodia e o ritmo do
próprio canto a se manifestar, são o canto dobrando-se e duplicando-se sobre si mesmo,
graças à perícia estética e à eleição dos significantes incritos nos signos.
164
O início e o fim da estrofe, os três primeiros e os três últimos versos, são os trechos
onde melhor estão concentrados esses recursos com seus efeitos em toda sua eficácia e beleza.
O primeiro verso possui três acentos métricos serTÃO, arGUÉM te canTÔ, e a tríplice
aliteração: TÃO, te, . Depois do segundo acento, seguem as duas últimas palavras do verso
dispostas em três sílabas de acentuação crescente das átonas para a tônica final: te canTÔ. A
primeira sílaba deste conjunto, inacentuada, repercute aliterativamente na última que é laba
forte. Igualdade consonantal e diferença de tonicidade. A última palavra do verso “CA” é
o verbo cantar flexionado na pessoa do singular do pretérito perfeito, em grafia da língua
matuta, por isso teve o U, da desinência verbal na norma culta, substituído pelo acento
circunflexo. Observe-se que cantô (verbo) e cantô (substantivo) na ngua matuta, são
homógrafos e homófonos, o que permite descortinar o vulto do cantor por trás do seu canto,
sugerindo que se escreve uma coisa, mas se dizem duas. O segundo verso, Eu sempre tenho
cantado, introduz a figura do poeta, o cantor, motivando assim a ambigüidade cantô (verbo),
cantô (substantivo).
No terceiro verso dá-se um salto cumulativo como se as palavras finais dos versos
anteriores cantô e cantado se somassem gerando um novo sentido que amplia os anteriores e
os sintetiza. O primeiro verso termina por palavra aguda, cantô; o segundo por grave,
cantado; o terceiro fará parelha com o primeiro terminando por um monossílabo acentuado,
, palavra aguda.
O terceiro verso, nas duas palavras finais, parece construído a partir do material dos
vocábulos finais dos versos anteriores. A palavra cantado, última do segundo verso, com a
pequena alteração de uma letra, recua para a posição de penúltima do terceiro verso. A
alteração na palavra dá-se na segunda sílaba que se nasaliza, fazendo passar o verbo do
particípio para o gerúndio, poderíamos pensar que a nasalização da primeira sílaba do
165
vocábulo c a n t a d o se expandiu para a sílaba seguinte: c a n t a n d o. E como numa soma
de parcelas, nosso ouvido parece apurar algo como :
Cantô
+
Cantado
__________
Cantando tô
Can (tando) tô
Essa somatória ocorre graficamente com o vocábulo cantô cindindo-se ao meio can
(tando) para acolher em seu interior a desinência de gerúndio (atada à última consoante do
radical) que na evolução destes versos é desdobramento do particípio cantado do verso
anterior. E vendo assim é como se a palavra cantor se abrisse como lábios que se descolam
para desfechar o canto, consistindo a última formulação com que termina o verso numa
espécie de síntese que mostra um cantor no momento da sua arte, tudo dito e visualizado
graficamente pela expressão cantando = can (tando) . O terceiro verso terminando por
uma espécie de somatória dos anteriores, contém no rastro deste salto cumulativo, uma
seqüência silábica em que estão presentes as três aliterações e a assonância em [Ã],
permitindo nas cinco últimas sílabas uma leitura escandida que ressalta o ritmo marcado por
cuteladas incisivas e contundentes das explosivas dentais e da gutural:
E a i n D a C a n T a n D o T ô
nos três últimos versos da estrofe, são as palavras tanta, canta e cantá os
elementos, entre outros, explorados em novo jogo sonoro e semântico.
A tua beleza é tanta
Qui o poeta canta, canta
E inda fica o qui cantá
A beleza é tanta que o advérbio para fazer jus ao seu conceito atua como uma espécie
de fator de multiplicação dobrando o verbo da linha de baixo, fazendo: o poeta canta, canta
166
naturalmente para que ele possa dar conta de tanta beleza. Em seguida, na palavra final do
último verso opera-se um deslocamento do acento da penúltima para a última laba, neste
caso a alteração se dá entre palavras graficamente iguais, alinhadas verticalmente, a que acaba
o verso acima, canta, (paroxítona) verbo flexionado na do singular, e cantá, (oxítona)
grafia da forma infinitiva na língua matuta, com que termina o último verso.
Constatamos que estes três versos finais têm aliterações e assonância semelhantes às
que estudamos nos três iniciais. Vale a pena seguir o balanceio no número de ocorrências das
aliterações que vão mudando a cada verso alternando a predominância ora de um ora de outro
som consonantal. No primeiro verso verificamos três vezes a consoante T, e apenas ela em
aliteração. No verso seguinte um equilíbrio perfeito com três ocorrências para cada um dos
dois sons aliterados: são três T e três [K]. E no último verso registra-se uma aparição apenas
do T contra três ocorrências do som [K], expresso pela letra C e pelo dígrafo QU.
Esses três versos finais da estrofe guardam ainda o segredo de uma beleza
discretamente incrustada em sua forma. Mais uma leitura:
A tua beleza é tanta
Qui o poeta canta, canta
E inda fica o qui cantá
O primeiro verso funciona como a premissa: A tua beleza é tanta... que ... isso tem
uma conseqüência, a de Qui o poeta canta, canta... Façamos uma pausa aqui. Este verso
possui alguns dos timbre das cinco vogais, inclusive do “u” que não vem grafado desta forma.
A cantA [ã] [a]
E poEta [ô] [e] [a]
I quI [i]
O pOeta [ô]
U O poeta [u]
167
A primeira vogal por ordem de aparecimento no verso é o I’ no vocábulo QUI, como
a leitura avança para o lado direito da página, esta vogal ficou para trás, no último lugar,
considerando o ponto de chegada dos olhos que lêem o verso. E a vogal que ficou para trás,
identifica-se com aquilo que os poetas, segundo dizem esses versos, também deixam para trás
por não poderem abarcar ou apreender com sua poesia: a beleza e o mistério do sertão. Esta
vogal Iiconiciza a coisa que fica para trás intocada e que irá se repor reiteradamente no
verso seguinte. No de número dez, o I”, que ocorrera uma única vez no verso anterior,
reaparece agora quatro vezes: E Inda fIca o quI cantá”. A reiteração desta vogal figurativiza
com seu agudo perfil acústico um fio ou rastílho a indicar a permansividade e o conseqüente
retorno do inexprimível que se mantém como resíduo, matéria-mistério que desafia e provoca
com sua existência a necessária continuidade do canto. Observe-se que as três vogais “Iaté a
terceira sílaba são como prenúncios do retorno do vocábulo QUI deixado para trás, na
abertura do verso anterior, retornando agora como quem pede passagem. No entanto, lá, ele
aparecia como monossílabo átono, enquanto agora reaparece como um dos acentos métricos
do verso. Essa composição nos diz que alguma coisa oculta, entrevada, exercendo contínua e
forte pressão sobre o sentimento do Poeta, como um sonâmbulo patético e desajeitado que às
cegas busca povoar sua utopia, põe-se em movimento em direção a uma abertura por onde
jorra a voz.
Reiteração: sujeito e objeto revelam-se reciprocamente
Na estrofe, o funcionamento é o mesmo. Após evocar o sertão, imediatamente
estamos diante da figura do poeta testemunhando como o clima sertanejo deu-lhe de presente
um mundo de rimas. Mais uma vez, o que aqui toca ao sertão empírico é o clima, enquanto
cabe ao sertão interiorizado, subjetivado é o mundo das rimas que são metáfora das
correspondências entre o mundo real e o sentimento poético. Há, pois esta troca entre o
externo e objetivo e o interno e subjetivo. Depois de atravessar este vale de rimas aludido, o
168
poeta fala do sol ardente, da luminosidade na parede dos rebocos e da saúde e coragem que
este clima áspero traz aos homens. Note-se que há, portanto, dos dois mundos, o objetivo e o
subjetivo, porém sempre entrelaçados.
É significativo que o recurso para dar visibilidade a alguns aspectos da vida sertaneja
sejam recordações que levam o leitor ao passado, à infância e à juventude do poeta, de onde
vemos emergir um sertão completamente projetado nas vivências do sujeito. É esta a moldura
das estrofes oitava, nona e décima que em seqüência desenvolvem imagens de trabalho, de
alegria, de costumes e festividades religiosas, iniciando por esta abertura: Recordo com
grande amô/ O meu tempo de rapaz... .... Vemos o mundo pelo seu reflexo na experiência do
sujeito.
Veremos como o método de representação do mesmo tema, o sertão, sevariado e
diverso nas outras composições selecionadas. É o caso, por exemplo, de É coisa do meu
sertão, Vida sertaneja e Coisas do meu sertão em que o sujeito e o mundo sobre o qual se
pronuncia guardam uma distância facilmente perceptível. Apesar da empatia que em todos os
casos está presente, nota-se, porém, que a atitude do eu lírico perante o objeto pressupõe um
distanciamento que permite a visão crítica. E em vez desta espécie de fusionamento que temos
visto a nova postura, nos poemas que serão analisados adiante, lembra uma câmera diante do
objeto, de uma paisagem, ou de um drama social.
Um balanço do que vimos mostra-nos sentimentos de amor e gratidão motivando este
canto celebrativo. A natureza como fonte de mistério, de beleza e de inspiração para o poeta.
Com seu ritmo de vida baseado em hábitos tradicionais, ainda não transformados pelo
progresso, o sertão pode, conforme a perspectiva, ser visto como o lugar da tradição ou da
resistência, do atraso ou da saudade. O poeta valoriza a tradição e tem um ponto de vista
peculiar capaz de reverter expectativas em relação a aspectos que costumamos relacionar com
o atraso.
169
O tom do poema é lírico, e nele o sertão está imantado por uma atmosfera de saudade.
O tempo de onde o poeta contempla o panorama é o da velhice, isto já bastaria para justificar
o tom saudoso, mas creio que a este elemento biográfico combina-se outro cultural, o
sentimento de que o sertão recua onde o progresso avança, e o progresso aqui não desfruta de
automático reconhecimento como coisa positiva. Experiência sertaneja e os valores cultuados
pela tradição submetem a idéia de progresso a um crivo crítico e rejeitam muito do que se
apresenta sob esse rótulo. O que não significa que a visão do poeta seja reacionária ou pura e
simplesmente anti-progressista sem mais nuances.
Tradição e saudade se fazem presentes nas extensas enumerações das festividades,
religiosas ou profanas, nos artefatos culturais, nas vestimentas, na euforia coletiva do trabalho
em grupo, e na presença de um sabiá saudoso, espécie de pássaro emblemático da saudade na
poesia brasileira.
O poema é um canto de louvor à paisagem e aos costumes sertanejos, faz de tudo isso
uma apologia entusiasta; entre o “eu” e o sertão não nada que se interponha, nenhuma jaça
capaz de macular esta relação amorosa de completude e integração. Daí a ausência do
discurso crítico, tal como se não houvesse lugar para ele no diapasão em que o poeta afina o
lirismo deste canto. Qualquer agulhada ou reivindicação mais estridente quebraria o tom de
adesão amorosa que vincula sujeito e objeto. Outras composições com abertura para
diferentes atitudes líricas poderão vir a acolher a dimensão da denúncia, da reivindicação e da
crítica.
A relação do homem com a natureza carrega os signos da aspereza e do rigor, veja-se
como o poeta se refere ao sol e ao clima, mas, ao contrário de inúmeros outros poemas, do
próprio autor inclusive, o que se ressalta aqui não é a ofensividade ou destrutividade de um
clima que culmina ciclicamente em longas e penosas estiagens. É curioso que num poema
sobre o sertão nordestino esteja ausente esta queixa contra o clima, aspecto quase
170
transformado em clichê. No caso de Patativa esta isenção para com o lado tirano do clima ocorre de
maneira peculiar apenas neste poema, veremos que em outros que também tematizam o sero, as secas
e o lado ofensivo das condições climáticas será mencionado sempre.
Há outro tópico, carregado de virtual negatividade, mas que também é tratado com inesperada
benevolência pelo autor é a falta de assistência educacional do homem sertanejo pelo Estado, o que
segrega essa gente a um estado de ignorância e analfabetismo.
O caso do clima aparece na 3ª estrofe, e o caso do analfabetismo encontra-se na sétima. Esses
dois assuntos serão, conforme foi dito, problematizados e postos numa perspectiva crítica em diversos
outros poemas. A penúria e precariedade das condições de vida do sertanejo, o sofrimento do pequeno
produtor rural, dos agricultores sem terra, em crises potencializadas pelas estiagens é um dos temas caros
a esta poesia; e ainda, a auncia do Estado que não provê escolas nem formação profissional ao povo do
interior, estigmatizando o sertão como lugar do atraso e do analfabetismo são aspectos que ao longo da
sua obra convertem-se em motivo de queixa e são objeto de um tratamento crítico, porém, neste poema,
são tratados de modo diferente.
O poeta aqui parece mostrar-se sensível ou disposto a reaar somente a positividade de tudo o
que constitui o sertão. O sol quente, o clima áspero temperam de fortaleza e resistência o caráter dos
homens, convertem-se em milagre e virtude, disposição e saúde. O sol que seca, mata e calcina foi
esquecido, posto à parte, parece não haver espaço para ele neste canto. O analfabetismo, a falta de
instrução formal, acarretam ignorância, isso o poeta afirma, mas, logo em seguida relativiza, pois conclui
a estrofe dizendo: Da tua simplicidade /asce a fé e a esperança; / Tua santa inguinoraa /Incerra
munta verdade.
O que parece determinar esta benevolência para com assuntos potencialmente problemáticos é a
atitude lírica própria do canto laudatório que celebra a identidade entre o eu e o sertão como fonte
exclusiva de honra e orgulho. O tratamento crítico, aqui deixado à sombra, será feito em outras
modalidades do discurso poético como veremos a seguir.
171
É COISA DO MEU SERTÃO
I
V
1
Eu sei que dizendo assim,
41
Em junho, o festivo mês,
2
Eu não tou falando à toa,
42
Vê uma dança animada
3
Meu sertão tem coisa boa
43
Debaxo de uma latada
4
E também tem coisa ruim;
44
Pelo dia 23
5
Umas que fede a cupim
45
E a turma de camponês
6
Ôtras que chera a melão.
46
Na foguêra de São João,
7
De tudo eu sei a feição
47
Um ao ôtro dando a mão
8
Pois conheço uma por uma.
48
Numa fulia pacata
9
Vou aqui dizê arguma
49
Assando mio e batata,
10
Das coisa do meu sertão.
50
É coisa do meu sertão.
II
VI
11
Querendo fazê fartura,
51
Que seja inverno ou istio,
12
Cheio de esperança e prano,
52
Se tratando de adjunto,
13
Já quage no fim do ano,
53
Um dos animado assunto,
14
Se um caboco faz figura
54
Se as caboca em desafio
15
Cavando na terra dura
55
Pilando o arroz e o mio
16
Com grande desposição
56
Na mais doce animação,
17
Prantando mio e fejão
57
Joga tum-tum no pilão
18
Mode espera prazentêro
58
De madêra jatobá;
19
As chuvada de janêro,
59
Tum tum tum, tum tum tum pá,
20
É coisa do meu sertão.
60
É coisa do meu sertão.
III
VII
21
Um corajoso vaquêro,
61
O pobrezinho agregado
22
De côro todo trajado
62
No seu vivê de rocêro,
23
Correndo intusiasmado
63
Sem tê no borso dinhêro
24
Nas mata do tabolêro
64
Nem onde comprá fiado,
25
Atrás do boi mandinguêro
65
Se achando desarrumado,
26
Que não respeita oração,
66
Desprevinido sem pão,
27
Derrubá o bicho no chão
67
Vendê na fôia argudão
28
Dentro da jurema preta,
68
Por bem pequena quantia
29
Amarrá e bota careta,
69
Pra comê mais a famia,
30
É coisa do meu sertão.
70
É coisa do meu sertão.
IV
VIII
31
Quando uma seca inclemente
71
A camponesa, coitada,
32
Assola o nosso Nordeste
72
Sofrendo pra tê criança,
33
Dexando a mata e o agreste
73
Se acaba sem esperança,
34
Tudo triste e deferente,
74
Sem tê ricuço de nada,
35
Que viaja a pobre gente
75
Saí toda amortaiada
36
Pra São Paulo e Maranhão,
76
Numa rede ou num caxão
37
Dexando o caro torrão
77
Pra dromi no frio chão
38
Onde contente vivia
78
Proque fartou um dotô,
39
Trabaiando todo dia,
79
Esta passage de horrô
40
É coisa do meu sertão.
80
É coisa do meu sertão.
172
IX
X
81
Vê os caboco grita
91
Dá prova de cabra macho
82
Tudo alegre e sacodido,
92
Com o coração magoado
83
Na fofoca dos partido
93
Andando desesperado
84
Da capanha inleitorá
94
Por rio, grota e riacho
85
E quando o dia chega
95
Serra arriba e serra abaxo,
86
Entrá na repartição,
96
De bacamarte na mão
87
E de caneta na mão
97
Mode atirá no ladrão
88
Argum garrancho faze
98
Que desmantelou a vida
89
E votá sem sabe lê,
99
De sua fia querida,
90
É coisa do meu sertão.
100
É coisa do meu sertão.
“É coisa do meu sertão”: análise
Este poema como o anterior, está composto em estrofes de dez versos, no entanto,
difere quanto ao esquema de rimas que agora é:
a b b a a c c d d c
. A perspectiva do sujeito
frente ao objeto é outra, o poeta agora afirma que o sertão tem coisa boa/e também tem coisa
ruim. Vê-se logo que vão aflorar aspectos negativos, com denúncias e reivindicações que não
existiam no poema anterior, o que mostra a presença de outra atitude lírica. Este poema a
despeito de fundamentado no amor e na simpatia pelo sertão, como os demais, abre-se para a
experiência da negatividade. Nossa hipótese era de que a ligação viceralmente lírica entre o
“eu” e o “sertão” e o intuito laudatório no poema anterior implicavam um enlace tão estreito
entre o sujeito e objeto, que não deixava espaço para o distanciamento crítico.
Agora permanecemos ainda na esfera do lírico, mas é outra a atitude adotada pelo
poeta. Podemos de início atentar para o título do poema como fizemos no caso anterior. Se
observamos um vínculo peculiar entre o eu e o sertão, entre o sujeito e o objeto, a relação
bipolar própria da rica, tematizada desde o título, aqui outros elementos que denotam
nuances diferentes. De saída onde antes estava o “eu” agora aparece uma “coisa”, esta troca é
muito significativa. O dêitico, o pronome pessoal “eu”, forma lingüística emblemática do
lirismo, ícone da subjetividade, cede lugar a outro vocábulo, o substantivo “coisa”, que
opositivamente tende para o pólo do objeto, o que nos leva a esperar uma lírica menos
173
subjetiva, em que o sujeito adote maior distanciamento face ao objeto do seu canto. Aquilo
que no título anterior referia-se ao pólo da subjetividade foi atenuado, passando do pronome
pessoal da pessoa para um mero pronome possessivo em meu sertão. Podemos descrever a
hierarquia destes elementos no título em pauta como estando a ocupar o primeiro plano da
cena, a fórmula “É coisa do sertão”, e este último substantivo carregando como um adendo,
um apêndice o pronome adjetivo “meu”. O pronome agora acena discretamente para o tom
lírico. E quando comparamos a perspectiva adotada nos dois poemas, verificamos que
enquanto no primeiro prevalecia a adesão, o fusionamento, neste, o “eu lírico” assume atitude
semelhante a de um retratista que se posiciona frente ao seu tema para melhor objetiva-lo e
circunscrevê-lo dentro dos limites de um certo espaço. Essa analogia com a pintura parece
adequada por duas características: cada quadro ou tópico em que se subdivide o tema é
desenvolvido no espaço das dez linhas da estrofe. Esta fronteira demarcada pela frase mote
que encerra todas as estâncias e que é o título do poema, determina a extensão do tratamento
dado aos diversos assuntos, que jamais extrapolam este limite.
Conforme foi dito, É coisa do meu sertãoresulta de outra fatura. Agora a atitude do
sujeito leva-o à critica e à denúncia de quanta carência e exploração nas condições em que
vive a gente sertaneja. na primeira estrofe, o poeta anuncia que o sertão tem coisa boa e
coisa ruim e que ele, conhecendo os dois lados, vai nos dar exemplos de ambos. Desenvolvido
em dez estrofes, um certo equilíbrio de aspectos positivos e negativos. A primeira cima
anuncia o tema, sobram nove, destas, quatro apresentam aspectos positivos, as de números 2,
3, 5 e 6, enquanto as cinco restantes, 4, 7, 8, 9 e 10 apresentam aspectos negativos. Esta nítida
polarização entre valores e desvalores mostra que atua com firmeza a visão crítica e não
apenas o intuito celebrativo e laudatório do primeiro poema.
As estrofes dois, três, cinco e seis falam respectivamente da disposição e esperança do
agricultor que planta a semente mesmo quando inexistem sinais de chuva; do vaqueiro
174
destemido que com arrojo captura o boi; das festas de São João no mês de junho com suas
danças e fogueiras características, e, finalmente, da alegria do trabalho coletivo embalado pelo
canto das mulheres.
As demais estrofes, sendo mais numerosas em uma unidade que as anteriores, fazem
mais extensa a enumeração dos obstáculos e das dificuldades na vida do sertanejo. Os
assuntos agora são: a seca fazendo o retirante abandonar a terra natal; o agregado sofrendo nas
garras de comerciantes inescrupulosos, que se aproveitando de sua necessidade urgente de
dinheiro para alimentar a família, fazem-no vender barato a sua safra futura; a mulher
camponesa morrendo de parto por falta de assistência médica; a campanha eleitoral
perpetuando privilégios à custa da miséria e do voto inconsciente e, por último, o pai de
família levado a matar o homem que desonrou sua filha.
As palavras em situação de rima
O esquema de rimas utilizado neste poema divide a décima em duas quintilhas, na
medida em que as rimas podem ser agrupadas em dois blocos, o primeiro
a b b a a,
e o
segundo
c c d d c.
Para uma análise semântica das rimas de cada estrofe e um estudo do seu
efeito sobre o poema, podemos fazer um quadro registrando as homofonias nos finais de
versos e dispondo-as na seqüência: 1ª estrofe: 3 + 2 ; 3 + 2. O que significa alinhar o primeiro
com o quarto e o quinto versos (representados no esquema por a ...a a), depois o segundo com
o terceiro ( b b). fazendo o mesmo com os outros cinco versos da mesma estrofe: o sexto, o
sétimo e do décimo, numa linha, e, depois, o oitavo com o nono. E assim sucessivamente.
175
1ª estrofe
6ª estrofe
1º terno Assim = ruim = capim
istio = desafio = mio
1ª parelha
Toa = boa
adjunto = assunto
2º terno
melão = feição =
sertão
Positividade
animação = pilão =
sertão
Positividade
2ª parelha
uma = arguma
jatobá = tum tum tum
2ª estrofe
7ª estrofe
1º terno Fartura = figura = dura
agregado = fiado = desanimado
1ª parelha
prano = ano
rocêro = dinhêro
2º terno
desposição = fejão =
sertão
Positividade
pão = argudão =
sertão
Negatividade
2ª parelha
prazentêro = janêro
quantia = famia
3ª estrofe
8ª estrofe
1º terno vaquêro = tabulêro = mandinguêro
coitada = nada = amortaiada
1ª parelha
Trajado = entusiasmado
criança = esperança
2º terno
oração =
chão
=
sertão
Positividade
caxão =
chão
= sertão
Negatividade
2ª parelha
Preta = careta
horrõ = doto
4ª estrofe
9ª estrofe
1º terno Inclemente = deferente = gente
gritá = eleitorá = chega
1ª parelha
Nordeste = agreste
sacudido = partido
2º terno
Maranhão = torrão =
sertão
Negatividade
repartição =
mão
=
sertão
Negatividade
2ª parelha
vivia = dia
fazê = lê
5ª estrofe
10ª estrofe
1º terno mês = 23 = camponês
macho = riacho = abaxo
1ª parelha
animada = latada
magoado = desesperado
2º terno
São João =
mão
=
sertão
Positividade
mão
= ladrão =
sertão
Negatividade
2ª parelha
pacata = batata
vida = querida
Vimos pela leitura do poema que ele se constitui como um discurso sobre o sertão que
nos aponta os aspectos positivos e negativos deste universo. Está construído de forma a
revelar que a palavra sertão pode significar coisas opostas, pode referir-se a realidades
antagônicas. Seguimos este percurso ao parafrasearmos as estrofes que desenvolvem os dois
aspectos. Agora podemos nos voltar para um estudo das rimas para ver como elas atuam na
formação do sentido, e constataremos que elas por vezes podem estabelecer relações
contraditórias com o enunciado em que se inserem se tomarmos apenas a palavra final de cada
verso, e se assim o fazendo não contextualizarmos o termo isolado.
176
No quadro acima destaquei as dez rimas de cada décima, distribuindo-as não
exatamente na seqüência em que aparecem, mas noutra ligeiramente diferente porque agrupei
as rimas semelhantes numa mesma linha, mesmo quando uma delas estava separada das
outras por dois versos. As três rimas assim reunidas são o que chamei de terno, cada estrofe
foi dividida em dois ternos e duas parelhas, no pressuposto de que cada uma destas décimas
para fins de observação das rimas pode ser estudada como se fosse composta de duas
quintilhas. O efeito desta distribuição aparece quando vemos que aquela que é a última
palavra de todas as estrofes, no quadro aparece na penúltima linha e não na última porque faz
parte do terno. Coloquei a palavra sertão em negrito, pois é a palavra chave cujo sentido vai
comutando ao longo do poema. Em negrito estão também duas outras palavras, uma que
aparece três vezes e outra, duas e em cada caso aparecem com sentidos alterados pelo
contexto, são os vocábulos mão e chão.
Finalmente escrevi ao lado do segundo terno, aquele que contém a palavra sertão, a
notação de positividade ou negatividade conforme o caso. Esta marcação é apenas a
transposição da que foi feita atrás quando comentei e parafraseei as estrofes. Agora,
quero fazer o caminho inverso, partindo das rimas, inferir a dimensão semântica de cada
conjunto. Para isto é preciso esquecer a leitura feita, e pela observação do sentido das
palavras em situação de rima, ver se, e quando, esse sentido isolado das palavras permite-nos
deduzir o teor negativo ou positivo de cada estrofe.
A primeira estrofe embora assinalada com positividade, conforme já vimos contém os
dois aspectos. Apenas tomei o segundo terno como parâmetro porque é onde figura a palavra
sertão. E esta estrofe anuncia a negatividade nos primeiros cinco versos e depois muda na
altura do segundo terno. No entanto, ela é mista ou neutra porque acolhe os dois aspectos.
Vejamos as outras nove.
177
O conjunto das rimas da segunda estrofe parece não deixar sombra de dúvida, com a
possível ressalva do vocábulo duro, todos os demais esbanjam positividade. De sua simples
observação, inferimos o teor positivo deste trecho. Algumas palavras porque solidamente
firmadas neste âmbito da positividade como fartura, desposição, fejão, prazentêro, etc. As
outras um pouco mais “neutras” porém por sua aproximação com estas pendem na mesma
direção. É o caso de prano, ano e figura.
A terceira estrofe segue a mesma tendência da segunda, apenas os termos preta e
careta poderiam acarretar alguma dúvida, mas os outros, arrastados pela força do par
trajado= entusiasmado pesam mais. Nesta estância dá-se um fato curioso. A palavra oração
em princípio desperta sentimento de positividade, no entanto, ao lermos a estrofe vemos que
tal palavra está posta no seguinte verso: que não respeita oração. Se acabo de dizer que
oração desperta sentimento positivo, não respeitá-la é obviamente negá-la, e, portanto, o
oposto do que acabei de afirmar e por isso representaria um momento de negatividade. No
entanto, não é este o caso, porque sendo o elemento humano no texto o que o eixo e a
direção aos valores, quem não respeita oração neste caso não é nenhum homem, mas o boi
bravo que o vaqueiro corajosamente domina e submete, numa ação louvável que representa a
força do trabalho, o triunfo do racional sobre o animal. Assim também a palavra chão, indica
o ponto aonde o boi vai parar derrubado pela força do homem. Assim as duas palavras
reintegram-se no poema como positivas depois que um percurso sintático-semântico
purificou-as do viés de negatividade que elas simultaneamente apresentam e negam no texto.
A quarta estrofe é complexa, pois cada quintilha poderia pender para um pólo
diferente no jogo dos valores. O primeiro terno e a primeira parelha vão diretamente ao plano
da negatividade, que é mesmo o de toda a estrofe, porém seria muito razoável ver nas rimas
dos cinco últimos versos uma aceno de positividade, sobretudo na seqüência Maranhão,
torrão, sertão. Somente a leitura permite dirimir a dúvida, pois se ouvíssemos um
178
maranhense discorrendo amorosamente sobre seu torrão natal, seria um caso de uma estrofe
cindida em valor e desvalor. No entanto, neste caso, Maranhão não é terra natal, é ponto de
chegada do retirante que foge da seca, vale notar assim como as palavras combinam-se
formando outros contextos, o torrão natal aqui não é objeto de louvor, mas razão para
lemento, melancolia e tristeza.
Vamos a algumas ocorrências peculiares. A sétima estrofe fala de negatividade, porém
nela três palavras que tomadas isoladamente, fora de contexto evocam antes valores, são
elas dinhêro (como recurso de vida e não fonte de desigualdade), pão e argudão. Todas três
estão antecedidas de termos negativos que diziam de sua falta ou de sua perda: por falta de
dinheiro para comprar pão para a família o agricultor vende o algodão que plantou ainda na
folha, e assim perdendo muito dinheiro.
A mesma necessidade de ser contextualizada ou antecedida de uma expressão negativa
temos na oitava estrofe, respectivamente com as palavras criança e esperança. Aparece pela
segunda vez a palavra chão, aqui muito mais negativamente que da primeira vez, significando
lugar onde será enterrada num caixão a mulher, mão de família, que morreu de parto.
Por fim a palavra mão aparece nas estrofes cinco, nove e dez. Na quinta, significa
toque afetivo entre as pessoas durante uma dança, na nona, é a mão que inconsciente, às cegas
assinala o nome de um candidato que vai trair seu eleitor, e na última a mão, que por
contigüidade poderia ser a de um ladrão, é a do perseguidor do ladrão, aquele que por
lubricidade desvirgina meninas indefesas e a mão é a do pai desesperado segurando um
bacamarte para matar o homem que roubou a honra de sua filha.
Mas não devemos achar que este estudo deva se esgotar neste ajuste ou correções entre
o sentido sugerido a partir das rimas e o sentido dado pela leitura do texto. O que vale notar é
como alguns destes sentidos sugeridos introduzem no poema ressonâncias que o enriquecem.
179
Vamos procurar acionar alguns destes sentidos transversais dados por este jogo de
significados.
Na estrofe oito, por exemplo, a rima horrô/dotô é muito expressiva e eloqüente,
Poderia ser vista como uma aproximação de dois termos que remetem a duas classes sociais,
aos pobres desassistidos cabe o horror, do outro lado da fronteira de classe está o mundo para
o qual os desvalidos quando dirigem a palavra, como acontece na poesia de Patativa, apelam
sempre para o vocativo “dotô” que, de acordo com a situação, pode ser irônico, sarcástico,
respeitoso, signo de humildade, etc. mas aqui será antes o eco de um grito de horror cósmico,
à la Müchen. Ao invés de grito de choro da criança que nasce, grito de dor pela mãe que
morre, em cuja tragédia se embaralharam luz e treva.
Na nona estrofe, estão a gritar os matutos numa alegria ingênua e injustificada,
seduzidos pelos atrativos da campanha eleitoral. A inconseqüência destes gritos eufóricos
pode ter uma ressonância crítica quando se choca com as palavras sacodido, partido e
repartição. No poema é outro o arranjo, mas na leitura sugestiva e transversal poderíamos ver
esses gritos (essa frágil esperança) sendo sacudidos, signo do desprezo e do desleixo. E todo
este circuito social que reúne desvalidos e privilegiados, eleitores inconscientes e candidatos,
não passa de uma falsa unidade, de um falso conjunto e por isto é algo partido, e os frutos e
benefícios tem sua repartição definida por aqueles que com mão segura dirigem o
processo, os que sabem ler, aos demais cabe apenas o fazer, sinônimo de trabalho. Esta leitura
brota de um rearranjo deste circuito de rimas, tudo o que está dito aqui, embora conservando o
sentido global do poema, está invertido em relação ao texto no que se refere à associação de
cada palavra com as demais. Cada termo desta leitura transversalmente sugerida aparece
invertido em relação a sua situação original. Sacudido, no caso, é uma espécie de trepidação
motora que agita o corpo da pessoa sob efeito de uma forte euforia: os cabôco gritá/ tudo
alegre e sacodido. Partido era partido político e converteu-se em coisa cindida, rasgada,
180
quebrada. Repartição é o recinto onde o eleitor adentra para votar, e transformou-se, em
divisão, repartição, partilha que a cia faz do butim do estelionato. A mão que toma da
caneta no poema é a do eleitor inconsciente, na outra dimensão esta é apenas a contraparte da
mão do doutor cuja ferramenta de trabalho é a caneta.
Esta incursão por uma leitura à margem a partir da sugestão das rimas, mostra o
quanto a substância semântica das palavras sendo formada por camadas de significados
podem, ao entrar em sintonia com outras palavras em situação de contigüidade, acionar novos
sentidos no interior do texto, que mesmo diferindo dos enunciados estão em consonância com
o sentido global do poema.
181
VIDA SERTANEJA
I
V
1
Sou matuto sertanejo,
41
Eu canto o sertão querido,
2
Daquele matuto pobre
42
A fonte dos meus poema,
3
Que não tem gado nem quêjo,
43
Onde se iscuta o tinido
4
Nem ôro, prata, nem cobre.
44
Do grito da sariema
5
Sou sertanejo rocêro,
45
E onde o sertanejo véio
6
Eu trabaio o dia intêro,
46
Observa os Evangéio
7
Que seja inverno ou verão.
47
E nas noite de lua,
8
Minhas mão é calejada,
48
Sirrindo, alegre e ditoso
9
Minha péia é bronzeada
49
Conta istora de Trancoso
10
Da quintura do sertão.
50
Para o seu neto iscutá.
II
VI
11
Por força da natureza,
51
Sou sertanejo e me gabo
12
Sou poeta nordestino,
52
De já te visto o vaquêro,
13
Porém só canto a pobreza
53
Atrás do novio brabo
14
Do meu mundo pequenino.
54
Atravessá o tabulêro.
15
Eu não sei cantá as gulora,
55
Amo a vida camponesa,
16
Também não canto as vitora
56
Nunca invejei a beleza
17
Dos herói com seus brasão,
57
E a fantasia da praça.
18
Nem o má com suas água...
58
Eu sou irmão do cabôco,
19
Só sei cantá minhas mágua
59
Que ri, que zomba e faz pôco
20
E as mágua de meus irmão.
60
Da sua própia desgraça.
III
VII
21
Canto a vida desta gente
61
Cabôco que não cúbica
22
Que trabaia inté morre
62
Riqueza nem posição
23
Sirrindo, alegre e contente,
63
E nem aceita a maliça
24
Sem dá fé do padece,
64
Mora no seu coração.
25
Desta gente sem leitura,
65
Cabôco que, nesta vida,
26
Que, mesmo na desventura,
66
Além da sua comida,
27
Se sente alegre e feliz,
67
O que mais istima e qué,
28
Sem nada sabe na terra,
68
É a paz, a honra e o brio,
29
Sem sabe se existe guerra
69
O carinho de seus fio
30
De país cronta país.
70
E a bondade da muié.
IV
VIII
31
Eu canto o forte cabôco,
71
O que mais preza e percura
32
De gibão e chapéu de côro,
72
O matuto camponês
33
Que, com corage de lôco,
73
É não quebrá a jura,
34
Infrenta a raiva do tôro
74
Que, no casamento, fez.
35
Com um agudo ferrão.
75
Sem enfado e sem preguiça,
36
E das noite de São João
76
Quando vai uvi a missa,
37
Eu canto as bela foguêra
77
De paz, amô e alegria,
38
Com seu fogo milagroso,
78
Leva o seu coração cheio,
39
Segredo misterioso
79
Prumode uvi os consêio
40
Das moça casamentêra.
80
Do padre da freguesia.
182
IX
XII
81
E assim, na sua peleja,
111
Pensando assim desta forma,
82
Com a famia que tem,
112
Resignado, padece;
83
Não inveja nem deseja
113
Paciente, se conforma
84
O gozo de seu ninguém.
114
Com as coisa que acontece.
85
Mas, por infelicidade,
115
Coitado! Ignora tudo,
86
Cronta seu gosto e vontade,
116
Pois ele não tem estudo,
87
Munta vez, o pobre vê
117
Também não tem assistença.
88
A muié morrê de parto,
118
E por nada conhece
89
Gemendo dentro de um quarto,
119
Em tudo o camponês vê
90
Sem ninguém lhe socorre.
120
O dedo da Providença.
X
XIII
91
Morre aquela criatura,
121
Só a coisa que o matuto
92
Depois, a pobre coitada,
122
Conhece, repara e vê
93
No rumo da sepultura,
123
É tê que pagá tributo
94
Vai numa rêde imbruiada.
124
Sem ninguém lhe socorrê,
95
Um adjunto de gente,
125
É derramá seu suo,
96
Uns atrás, ôtros na frente,
126
Com paciença de Jó,
97
Num apressado rojão,
127
Mode botá seu roçado,
98
Quando um sorta, o ôtro pega:
128
Esperto, forte e disposto
99
É assim que se carrega
129
E tê que pagá imposto
100
Morto pobre, no sertão.
130
Sem ninguém te lhe ajudado.
XI
XIV
101
Fica, o viúvo, coitado!
131
Às vez, alegre e contente,
102
De arma triste e dilurida,
132
Quando é tempo de fartura,
103
Para sempre separado
133
Ele diz pra sua gente:
104
Do mió de sua vida,
134
Nossa safra tá segura!
105
Mas, porém, não percebeu
135
Mas, de repente, intristece,
106
Que a sua muié morreu,
136
Pruquê magina e conhece
107
Só por fartá um dotô.
137
Que os home de posição
108
E, como nada conhece,
138
Só óia para o seu rosto
109
Diz, rezando a sua prece:
139
Pra ele pagá imposto
110
Foi Deus que ditriminou!
140
Ou vota nas inleição.
XV
141 Quando aparece um sujeito,
142 De gravata e palitó,
143 Todo alegre e sastifeito,
144 Como quem caça xodó,
145 O matuto experiente
146 Repara pra sua gente
147 E, sem tê medo de errá,
148 Diz, com um certo desgosto:
149 "Ele vem cobra imposto
150 Ou pedi pra nóis votá".
183
Vida Sertaneja: análise
O “eu lírico” se faz mais participante do que no poema anterior. Em É coisa do meu
sertãoa “voz lírica” atuava numa postura de enunciador distanciado, descrevendo cenas e
quadros como o fotógrafo ou o repórter que registram. Agora, sendo o tema a vida sertaneja,
e Patativa do Assaré um vivente do sertão, o autor insufla no sujeito da enunciação
sentimentos e conhecimentos nutridos em sua experiência de vida e assume presença
marcante dentro do discurso. Assim, novamente, convergem ou se sobrepõem a persona de
Patativa e o “eu lírico”. na primeira estrofe, o sujeito apresenta-se como um matuto, e logo
em seguida fala da sua condição de poeta nordestino. Daí por diante, por quatro estrofes
enuncia os temas de sua poesia todos concernentes à vida sertaneja. O trabalho poético vai
colher seus temas nas fontes desta vida, nas relações sociais e nas suas circunstâncias, e por
isso, neste trecho do poema, falar de uma coisa é automaticamente falar da outra, enumerar os
temas é apontar para tipos e problemas humanos próprios do mundo sertanejo. Mas note-se
que no caso, deste poema, o autor não comparece como o exclusivo foco refletor do sertão.
Nisto mais uma vez o título do poema pode ajudar-nos: nem “Eu” nem “Coisa”, mas sim
“Vida sertaneja”. Este é o foco do tema, e com isso é natural que o “eu lírico”, correlato do
autor, faça-se presente, mas não monopolize, comparece agora numa dupla condição, parte
como poeta, parte como um dos viventes deste sertão, vivente privilegiado em relação ao
texto é verdade, mas apenas um entre muitos, e não como o sujeito único das experiências,
entronizado no próprio título como ocorrera antes em Eu e o sertão.. Agora o autor é um dos
personagens desta Vida... mas outros há e o poema depois de voltar-se para o poeta naquelas
quatro estrofes, prossegue lançando o foco de luz sobre outros aspectos e deslocando o “eu
lírico” da centralidade do discurso. O que nos permite dizer que quanto ao grau de presença
184
do “eu”, estamos num meio termo entre os dois poemas anteriores, nem efusão celebrativa,
nem distanciamento retratista.
Vida Sertaneja possui quinze décimas e o esquema de rimas Tipo A, o mesmo adotado
no poema “Eu e o Sertão”. Estudemos o plano de desenvolvimento do tema e algumas
características da composição, em especial a relação entre as estrofes e os assuntos tratados.
O poema pode ser segmentado em três partes. Uma consta das cinco estrofes
primeiras, outra, das quatro seguintes, e a última parte é formada pelas seis restantes. A
primeira segmentação agrupa os versos em que o sujeito se apresenta como matuto sertanejo e
poeta nordestino e enumera os assuntos de que se ocupa a sua lira. Estas determinações,
trabalhador da roça e poeta, vêm em seqüência na primeira e na segunda estrofes,
respectivamente. Estes dois atributos enunciados contiguamente e relativos à mesma pessoa
demonstram a inserção de Patativa numa sociedade de mediana divisão do trabalho e dizem
ainda que as duas atividades a que ele se dedica não entram em contradição, fazendo dele um
lírico social, mais que um poeta do coração de tipo romântico.
Nas quatro estrofes do segundo segmento o “eu lírico” abandona a centralidade do
foco para cedê-la aos seres de que fala. Para relacionarmos com o que foi visto, a primeira
parte aproxima-se da orientação adotada em “Eu e o Sertão”, enquanto a segunda tem maior
afinidade com a atitude lírica de “É coisa do meu sertão”. Outra característica da segunda
parte é que nela o poeta põe em foco uma série de aspectos positivos, aquilo que o sertão
possui e que pode ser motivo de orgulho para a gente que nele vive.
As seis estrofes finais trazem à cena apenas os aspectos negativos da vida sertaneja. O
estado de abandono, a falta de benefícios sociais, a carência de recursos para cuidar da saúde
do povo são ilustrados pela referência à morte de mulheres por ocasião do parto, enquanto
isso, a dor que atinge os que ficam não gera qualquer reação combativa porque a ideologia
disseminada trata de iludir e ocultar a verdadeira causa do problema e os verdadeiros
185
culpados, e, então, o luto dos familiares se faz acompanhar de resignação sob a justificativa de
que tudo de ruim que lhes acontece foi porque Deus determinou. E o poema finaliza com o
aceno das classes que dominam e espoliam, representadas nos citadinos com aspecto de
doutores, de olho gordo sobre a fartura e a miséria sertaneja, regalando-se com os frutos que
em qualquer caso são capazes de auferir, seja por meio de impostos, seja pela colheita dos
votos nas eleições.
Feita esta leitura constatamos que como no poema anterior aqui se expressa de forma
explícita e firme a visão crítica dos problemas do sertão, o trecho final é exemplar neste
sentido. Mas na terceira estrofe da primeira parte, onde o poeta enumera os temas de sua
poesia, também se faz presente um discurso capaz de não cair nas armadilhas do puro
ufanismo e surge a denúncia de uma negatividade, associada ao que acabara de ser objeto de
louvor.
Canto a vida desta gente
Que trabaia inté morrê
Sirrindo, alegre e contente,
Sem dá fé do padecê,
Desta gente sem leitura,
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Sem nada sabê na terra,
Sem sabê se existe guerra
De país cronta país
Vemos entrelaçarem-se e apresentarem-se indissociadas a resistência, a capacidade
de seguir em frente conservando a alegria apesar das dificuldades contra as quais se luta. Aqui
o poema articula força moral a sofrimento e desventura. E são estes elementos negativos que
pondo à prova o caráter do povo fazem aflorar e manifestarem-se os valores que o poeta
divulga.
186
Vejamos cada uma destas partes de per si. As primeiras cinco estrofes estão
organizadas em torno do “eu lírico”, identificado como um matuto, sertanejo e poeta
nordestino. Após este auto-retrato, os versos passam a enumerar os temas que inspiram este
poeta, compostos pelos materiais de que se faz a vida sertaneja, fechando-se assim um círculo
na medida em que este percurso nos remete de volta ao título do poema.
Ao enumerar os assuntos de sua poesia, o poeta demarca o território da sua vida e do
sertão como o de um mundo pequenino, pobre e humilde e acrescenta que sua lira não foi
feita pra cantar os heróis grandiosos com sua glória e suas vitórias. Esta diferenciação dos
dominadores feita por contraste, em relação àqueles que fazem parte da “comunidade” do
poeta, delimita os territórios de ricos e pobres. O sertão é visto como mundo esquecido, que,
por um lado, faz girar e, por outro, contraditoriamente, move-se na órbita dos centros
econômicos e políticos, que se localizam nas cidades onde vivem as elites. A elas é que se
refere o poeta quando fala de heróis com seus brasões e suas glórias, que a sua lira não quer,
não sabe, nem pode cantar. Pois a inspiração que alimenta sua poesia vem daquele mundo
restrito e familiar que é o da sua gente e sua “comunidade”. Outra delimitação de território
vem logo após esta, agora tomando território no sentido mais literal da palavra, é quando o
poeta afirma que também não lhe cabe cantar o mar com suas águas. Com esta dupla
delimitação, uma social, outra geográfica, Patativa traça as fronteiras de seu mundo poético,
demarcada de um lado pelos limites da vida popular, de outro, circunscrito ao âmbito da vida
difícil nas terras secas do interior, afastadas e distantes do litoral, onde a capital do estado,
maior cidade do Ceará, refestela-se vaidosa ao frescor da brisa marinha.
As qualificações que o poema junta ao mundo e à vida sertaneja, em oposição à glória
e heroísmo do seu Outro, aparecem neste desejo de cantar a pobreza do meu mundo
pequenino e as máguas dos meus irmãos.
187
Esta minoridade do espaço e da vida sertaneja é, em parte, retórica, pois não significa
renegar a grandeza nem do sertão nem dos valores morais da sua gente, mas visa antes
apontar de que lado estão os fatores que amplificam e fazem repercutir os fatos. Isto é uma
prerrogativa dos meios mais adiantados e que por isso monopolizam o direcionamento das
energias econômicas e sociais. No sentido contrastivo a esta potência urbana é que se fala do
sertão como mundo pequenino e modesto. Num certo sentido este recorte coincide com uma
imagem da vida popular como o lugar onde tem precedência o concreto, que se expressa nas
franjas da intimidade da vida cotidiana.
E o importante a assinalar é que, se, neste sentido, o sertão é um mundo pequeno e
humilde, não é, contudo, de forma alguma o mundo dos fracos. Prova disto é que sua gente
tem uma altivez no sofrimento que a torna capaz de sorrir e alegrar-se na adversidade,
ignorando o padecer. Esta força e tenacidade no sofrimento, anunciada na estrofe três, é
reafirmada na estrofe sexta:
VI
Esse caboclo que também na quarta estrofe aparece vestido de gibão e chapéu de
couro na luta contra o touro valente e raivoso. Portanto, força, coragem e valor moral são
atributos postos em destaque e que realçam mais ainda por virem ao lado da falta de instrução
e da desventura que afligem esses cidadãos.
O poema prossegue neste passo, segundo parâmetros que talvez pudéssemos assim
descrever: É denunciada a precária condição da vida no sertão, mas o sertanejo enfrenta
III
Canto a vida desta gente
Que trabaia inté morre
Sirrindo, alegre e contente,
Sem dá fé do padecê,
Desta gente sem leitura,
Que, mesmo na desventura,
Se sente alegre e feliz,
Eu sou irmão do cabôco,
Que ri, que zomba e faz
poço
Da sua própia desgraça.
188
tenazmente esta precariedade e carências sem entregar-se ao desânimo e sem abdicar da
alegria de viver. Como resultante de uma experiência depurada em séculos de convívio com
estas condições, o homem aprendeu a sobreviver a custa de disciplina que se expressa em
conter a ambição e os sonhos nos limites das possibilidades, o que poderá parecer
conformismo, mas é senso de realidade. Essa sabedoria, lição de classe, de classe social,
entenda-se, faz este homem resistente, e o permite viver por muito tempo num certo equilíbrio
que, no entanto, pode ser rompido por vários meios.
É o que vai ocorrer na nona estrofe. Até mantinha-se este equilíbrio entre
precariedade e ambições, entre desventura e altivez, sofrimento e resistência, mas eis que esta
felicidade nutrida na conformação, no senso de realidade vai sofrer uma prova limite, quando
então seerradicada por um acontecimento violento, brutal e injusto, fruto do desleixo dos
manipuladores do poder e da riqueza: o pobre camponês vê, impotente, junto com seus filhos
pequenos, sua mulher morrer de parto por falta de assistência.
A partir deste ponto não mais como o poema manter-se nesta linha de suspensão
contida, daí para frente, proliferam os aspectos negativos, ligados à desassistência social, às
viseiras religiosas e ideológicas que monitoram e minoram o desespero com respostas
enganadoras sobre as causas da tragédia. Em seguida vem o reencontro com a dominação e a
exploração de classe, através dos políticos e cobradores de impostos, cuja presença no fim do
poema parece marcar o retorno à humilhante normalidade. A seqüência dos fatos indica que
cumprido o luto, esquecida a morte, aplacada a dor, tudo volta à rotina e a rotina renova-se a
cada safra e a cada ano de eleição com a chegada dos homens de posição, de palitó e gravata,
como urubus, arregalando o olho gordo sobre as carnes magras dos viventes do sertão.
Assim, apresentam-se as três partes do poema. A primeira com seu eixo no sujeito da
enunciação, no “EU SOU”: sou matuto, sou sertanejo, sou poeta, sou nordestino. Trecho que
se estende até a nomeação dos temas desta poesia.
189
A segunda focada nos outros viventes do sertão, nos costumes desta gente, no seu
heroísmo sem alarde. Neste trecho sobressai a firmeza e a resistência na adversidade, a altivez
moral, a alegria de viver, mesmo em meio às limitações.
A terceira parte traz o rol das negatividades que afligem e oprimem o povo
fragilizando e apequenando a vida sertaneja.
Estudo comparativo dos dois poemas no seu aspecto sintático
É coisa do meu sertão e Vida sertaneja, apresentam algumas diferenças no modo de
organização dos tópicos por meio dos quais desenvolvem o tema. O primeiro deles, com já foi
dito, trata de um assunto em cada estrofe e somente nela, nunca expandindo-se além do limite
dos dez versos. O segundo desobedece este esquema tanto no sentido da redução, quanto da
expansão. Em Vida sertaneja uma maior liberdade de organização dos assuntos. Este
diferença entre os dois métodos guarda afinidades com as demais diferenças que vimos
estudando até aqui.
Os dois primeiros poemas vistos neste capítulo correspondem cada um a uma atitude
oposta no que se refere à participação do “eu lírico”. Eu e o sertãorepresenta a fusão entre
sujeito e objeto, e É coisa do meu sertão”, o distanciamento. Vimos que a meio caminho das
duas atitudes ficava o Vida sertaneja”. Nossa hipótese, que até certo ponto pode ser
corroborada pelo exame dos tulos e suas implicações, é a de que no primeiro poema nos é
anunciada a plenitude lírica na presença do dêitico de primeira pessoa, marca por
excelência deste próprio gênero poético. No segundo, a palavra coisa marca o deslocamento
para o pólo oposto, anunciando uma atitude lírica mais objetiva, e no terceiro uma mescla,
um meio termo, condição que também pode ser inferida do título. A palavra Vida traz a marca
da riqueza, da profusão, da mistura, enfim da complexidade do existir humano, e, além disso,
sugere um alargamento ou passagem da centralidade ou monopoliação do ponto de vista pela
190
voz solitária do “eu lírico” para as vozes plurais de um “nós” lírico, pois, o poema vai falar da
“Vida sertaneja” englobando aí uma comunidade de viventes entre os quais está o poeta e seus
companheiros de destino. Creio que este alargamento e esta inclusão de outras “vozes” no
discurso lírico redunda no novo arranjo desigual, no à-vontade com que o poeta foi lançando e
organizando os tópicos nas estrofes.
Os diagramas abaixo buscam facilitar a visualização das diferenças entre os dois
poemas no que se refere ao aspecto em questão. Ilustram as duas maneiras como o poema
Vida sertaneja opera tanto uma redução quanto uma expansão no modo de acomodar e
desenvolver os assuntos nas estrofes, inovando em relação ao outro poema.
É coisa do meu sertão
Vida sertaneja
II
V
Querendo fazê fartura,
]
Eu canto o sertão querido,
]
Cheio de esperança e prano,
]
A fonte dos meus poemas
Já quage no fim do ano,
]
Onde se escuta o tinido
Se um caboco faz figura,
]
Do grito da Sariema
Cavando na terra dura
]
E onde o sertanejo veio
}
Com grande disposição
]
Observa os Evangéio
Prantando mio e fejão
]
E nas noites de lua
§
Mode esperá prazentêro
]
Sirrindo, alegre e ditozo
As chuvas de janêro,
]
Conta istora de Trancoso
É coisa do meu sertão
]
Para os seus neto escuta
III
IV
Um corajoso vaquêro
]
Eu canto o forte caboco
]
De coro todo trajado
]
De gibão e chapéu de coro
Correndo intusiasmado
]
Que, com corage de loco,
Nas mata do tabulêro
]
Infrenta a raiva do tôro
Atrás do boi mandinguêro
]
Com um agudo ferrão.
Que não respeita oração
]
E das noite de São João
}
Deribá o bicho no chão
]
Eu canto as bela foguêra
Dentro da jurema preta
]
Com seu fogo milagroso
Amarrá e botá careta
]
Segredo misterioso
É coisa do meu sertão
]
Das moça casamenteira
191
No primeiro poema, cada décima desenvolve apenas um tópico, e que será diferente a
cada uma das estrofes do poema. Tal método nos permitiria até dar um título a cada estrofe
que sintetizasse o assunto nela tratado. As duas aqui transcritas poderiam, a primeira, chamar-
se O Caboclo semeador e, a segunda, O Vaqueiro destemido, por exemplo. Observe-se como
cada uma destas estrofes é inteiriça, com um único ponto final no décimo verso.
O quadro acima mostra ainda como o segundo poema, em certos casos, opera uma
redução que consiste em acomodar mais de um assunto no limite dos dez versos. Nos
exemplos acima a estrofe cinco traz três assuntos e a estrofe quatro, dois. Aqui dificilmente
conseguiríamos intitular cada uma destas estrofes de forma tão enxuta e precisa como no caso
do outro poema.
Observe-se ainda que agora aparecem pontos finais que segmentam cada décima,
respectivamente em três e em dois períodos. E a distribuição interna dos tópicos acompanha
esta segmentação. A estrofe cinco de Vida sertaneja segmentou-se em duas quadras
entremeadas por um dístico, ficando seu esquema rímico com a seguinte distribuição: a b a
b + c c + d e e d. A primeira quadra fala do sertão do ponto de vista auditivo: o canto
do poeta e o grito da Siriema; o dístico fala da religiosidade do sertanejo e a outra quadra fala
da tradição oral das histórias de trancoso. Tudo reunido numa só estrofe.
a outra décima segmenta-se em duas quintilhas. A primeira fala do vaqueiro em sua
luta, e a segunda dos festejos de São João. É este processo que chamo de redução, porque
uma condensação de vários assuntos nos mesmos limites dos dez versos que o outro poema
reservava inteiramente para um único tópico.
192
IX
....
Munta vez, o pobre vê
VIII
A muié morrê de parto,
Gemendo dentro de um
quarto,
A camponesa, coitada,
Sem ninguém lhe socorre
Sofrendo pra tê criança,
X
Morre aquela criatura,
Se acabá sem esperança,
Depois, a pobre coitada,
No rumo da sepultura,
Sem tê ricuço de nada,
Vai numa rede imbruiada
...
Saí toda amortaiada
XI
Fica, o viúvo, coitado!
Numa rede ou num caxão
De arma triste e dilurida,
Para sempre separado
Pra drumi no frio chão
Do mió de sua vida,
Mas, porém, não percebeu
Proque fartou um dotô
Que a sua muié morreu,
Só por fartá um dotô.
Esta passage de horrô
...
XII
É coisa do meu sertão
Pensando assim desta forma,
Resignado, padece;
Paciente, se conforma
Com as coisa que acontece.
O processo contrário também ocorre. Na coluna da esquerda está a oitava estrofe
de É coisa do meu sertão, na coluna da direita estão quatro estrofes, da nona à décima
segunda, de Vida sertaneja. O que se observa aqui é o aparecimento, nos dois poemas, de um
mesmo tópico, sempre reiterado pelo poeta, a desassistência à maternidade, provocando a
morte de inúmeras mulheres por ocasião do parto.
O assunto que ocupou apenas dez versos num caso, no outro, começando do sexto
verso da nona estrofe prolonga-se até o fim da décima segunda. Por questão de espaço não
transcrevi na íntegra as quatro estrofes do segundo poema. Mas totalizam nada menos que 34
versos para o desenvolvimento deste tópico, tratando-o assim com maior minúcia e precisão.
193
Vai-se da notícia do fato, passando pela dor do marido, o enterro, com o corpo da mulher
sendo levado numa rede, até o consolo ou empulhação ideológico-religiosa que leva à
resignação.
Os dois processos mostrados nos diagramas são opostos, no primeiro, o poeta
condensa até três tópicos numa mesma estrofe, no outro, ele expande um tópico ao longo de
quatro décimas. Os dois casos ocorrem em Vida sertaneja que assim contrasta de forma cabal
com a delimitação rigorosa na relação tópico/estrofe empregada no primeiro poema É coisa
do meu sertão.
Estas variações são marca de originalidade e nos seus contornos, que aqui procurei
descrever, vislumbro elevado grau de consciência artística. Mas é uma originalidade nos
limites de uma poesia tradicional.
194
"COISAS DO MEU SERTÃO"
1 "Seu doto, que é da cidade
5
Mas como não tem dinhêro,
2 Tem diproma e posição
6
Mode compra injeção,
3 E estudou derne minino
7
O jeito é bebê das pranta,
4 Sem perdê uma lição,
8
Que nasce inriba do chão:
5 Conhece o nome dos rio,
9
Macela com quina-quina,
6 Que corre irriba do chão,
10
Chá de fôia de mamão
7 Sabe o nome das estrela
11
E mais ôtras beberage
8 Que forma constelação,
12
Que eu não vou dá relação,
9 Conhece todas as coisa
13
Pois, se eu fosse dizê tudo,
10
Da histora da criação
14
Dava um bonito livrão.
11
E agora qué i na Lua
15
mas porém eu não lhe digo,
12
Causando admiração,
16
Pois faz corta coração,
13
Vou fazê uma pergunta,
17
Apenas dou um começo
14
Me preste bem atenção:
18
Das coisa do meu sertão.
15
Pruque não quis aprende
16
As coisa do meu sertão?
V
II
1
Se quisé sabe o que foi
2
Que o Diabo amassô com rabo,
1 Por favô, não negue não
3
Seu doto, venha ao sertão,
2 Quero que o sinhô me diga
4
Venha muntá burro brabo,
3 Pruquê não quis o roçado
5
Comê fejão com farinha,
4 Onde se dofre fadiga,
6
Sem tomate e sem quiabo
5 Pisando inriba do toco
7
E maneja uma inxada
6 Lacraia, cobra e formiga,
8
Segurada pelo cabo,
7 Cocerento de frieira
9
Limpando a sumana intêra,
8 Incalombado de urtiga,
10
De segunda até no sabo.
9 Muntas vez inté duente,
11
Venha cá vê os caboco,
10
Sofrendo dô de barriga,
12
Da paciênça de Jó,
11
Mas o jeito é trabaiá
13
Agarrá demanhãzinha
12
Que a necessidade obriga.
14
Até chega o pô do Só.
15
Vim da roça do patrão
III
16
Onde derramô suo
17
E entrá na sua casinha
1 Seu dotô aprendeu tudo,
18
Tão pobre de fazê dó,
2 Mas não quis esta lição,
19
Sem tê mais fejão na lata,
3 Mode não sofrê na vida
20
Sem tê mio no paio
4 Sacrifiço e percisão,
21
E a muié desarrumada,
5 Pois aqui veve o matuto,
22
Que a rôpa é remendo só
6 De ferramenta na mão.
23
Magra triste e pensativa,
7 A sua comida é sempre
24
Com oito fio em redó.
8 Mio, farinha e fejão
9 E, se às vez, mata um porquinho, VI
10
Como iguamente a um barão.
1
O sinhô nunca sofreu.
IV
2
Na vida só tem gozado,
3
Pois nunca comeu do pão
1 Mas, como não tem custume,
4
Que o Diabo tem amassado.
2 Dá logo uma indigestão,
5
Vê chega janêro seco,
3 Ele geme, chora e grita,
6
Fevereiro esturricado
4 Não é caçuada, não,
7
E os seus menino com fome
195
8 Chorando pra todo lado
VIII
9 E o sinhô pegá um saco
10
E saí bem apressado
11
Pra porta da casa grande, 1 Sei que o sinhô não conhece
12
Medroso e desconfiado 2 Sofrimento nem cansêra,
13
E o patrão vim lá de dentro 3 Pois não viu a sua esposa,
14
Falando muito zangado, 4 Sua boa companhêra
15
Dizendo: "dagora em diante, 5 Sofrendo pra descansá,
16
Não lhe vendo mais fiado, 6 De vela na cabicêra.
17
Que, além de não tá chuvendo, 7 E o sinhô, à meia-noite,
18
Você tá individado!" 8 Saí doido, na carrêra,
19
E o sinhô, de vista baxa, 9 Sem se importá com ladêra,
20
Uvindo tudo calado, 10
Em noite de tempestade,
21
Vortá de saco vazio 11
Percurando uma partêra.
22
Pra casa, desconsolado,
23
Desconjurando o patrão,
IX
24
Que lhe dexou desprezado
.
VII 1 Pelo jeito que eu tou vendo,
2 Seu dotô é sabidão,
1 O sinhô nunca passou 3 Vem passando a sua vida,
2 Sofrimento nem azá, 4 Só de caneta na mão,
3 Tendo somente uma rôpa 5 Vivendo sempre na sombra,
4 Pra trabaiá e passeá 6 Nas bancada do salão.
5 E aquela dita ropinha 7 Aprendeu fazê discuço,
6 Começando a segrudá 8 Aprendeu ganhá questão
7 E a muié vim lhe dizê: 9 E mais aquelas coisinha
8 "Tire a rôpa pra lavá" 10
Do preito das inleição,
9 E o sinhô incabulado, 11
Porém, não quis aprende
10
Sem tê ôtra pra muda, 12
As coisa do meu sertão:
11
Se esconde dentro de um
quarto 13
Macaco véio não mete
12
Até a rôpa inxugá. 14
A mão na cumbuca, não!"
Parte da singularidade deste poema foi apontada no Capítulo Inventário de formas e
temas, na seção que trata das Estrofes irregulares. Retomo sinteticamente os elementos ali
registrados. Os cento e quarenta e dois versos do poema estão distribuídos em nove estrofes
bastante irregulares, haja vista a seqüência a seguir onde anoto o número de versos de cada
uma delas: 16; 12; 10; 18; 24; 24; 12; 12; e 14. No caso da transcrição acima do poema, optei
por recomeçar a numeração a partir de cada estrofe, diferentemente do método que vinha
adotando, para melhor chamar a atenção sobre esta “desordem” que diferencia este poema da
196
maioria do restante da obra. Alguma semelhança ele guarda com os outros seis que com ele
constituem a categoria dos poemas com estrofes irregulares, mas a semelhança está apenas
em fazer parte da mesma categoria, pois os sete são diferentes entre si como foi visto. O
esquema de rimas de Coisas do meu sertão carecteriza-se também por uma espécie de
desordem, se por um lado tem a constante das rimas nos versos pares, por outro, elas vão
variando segundo um critério aleatório ou inapreensível, pois tanto mudança como
manutenção de rimas de uma estrofe para outra, além da ocorrência de uma estrofe com mais
de um tipo delas
45
.
Lido este poema na perspectiva de que vimos nos ocupando, a do surgimento e
gradativa ampliação de um espaço para a queixa, e conseqüentemente, para a denúnica e o
protesto contra circunstâncias sociais e econômicas desfavoráveis da vida sertaneja,
verificamos que Coisas do meu sertão situa-se no pólo oposto representado por Eu e o sertão.
Enquanto no primeiro poema estudado, a atitude lírica encaminhava-se em direção a uma
plenitude celebrativa, cujo equilíbrio e vibração poderiam se desfazer ante a queixa e o
protesto, agora, estamos frente a um poema que contém apenas os aspectos negativos da
condição sertaneja. Aqui, está ausente o que de laudatório sobejava em Eu e o sertão.
Vistos os poemas em seqüência, constata-se a passagem de uma atitude de exclusiva
louvação para estágios em que se mesclavam a celebração e a denúncia, até chegarmos a este
extremo, onde tudo é motivo para a queixa e o protesto e em que não referência a nenhum
aspecto positivo.
Comparando os quatro poemas quanto à composição, evidencia-se que neste último
surge o vulto de um interlocutor a quem o “eu lírico” se dirige. Esta segunda pessoa, interna
ao poema, faz-se presença, logo no primeiro verso, por meio do vocativo Seu dotô”,
imediatemente seguido da frase que é da cidade. Já nos outros três poemas o “eu lírico” não
45
Ver página 59
197
se dirige particularmente a ninguém, menos ainda a alguém que lhe seja antagônico social e
espacialmente como fica claro, neste caso, pela forma como o poeta caracteriza esta instância
de segunda pessoa. Em Coisas do meu sertão entre as nove estrofes que compõem o poema
apenas uma, a quarta, não vem encabeçada por um par ou mais versos dirigidos a este
interlocutor.
São assim duas características diferenciadoras a serem levadas em consideração. A
primeira está no fato de que nos três primeiros poemas analisados não há interlocução
explícita, o “sujeito” está a sós consigo mesmo, recolhido à própria intimidade. Sua atitude
lembra a de um devoto que ora, sendo, de fato, a de um lírico que comunga. No entanto, o
recolhimento do “eu” a este círculo da subjetividade que se estende no máximo até o objeto
do canto, se desfaz no último poema, abrindo-se para uma espécie de espaço público, como se
o poeta saísse à praça para divulgar seu discurso como um testemunho e um protesto, numa
intervenção que tem endereço certo: o “outro”, invocado como interlocutor, que é também o
I
VI
Seu dotô, que é da cidade
Tem diproma e posição
O sinhô nunca sofreu.
Na vida só tem gozado,
II
Por favô, não negue não
VII
Quero que o sinhô me diga
O sinhô nunca passou
III
Sofrimento nem azá,
Seu dotô aprendeu tudo,
Mas não quis esta lição
VIII
IV
Sei que o sinhô não conhece
........
Sofrimento nem cansêra,
.......
V
IX
Se quisé sabê o que foi
Que o Diabo amassô com rabo,
Pelo jeito que eu tô vendo,
Seu dotô, venha ao sertão,
Seu dotô é sabidão,
198
“Outro” com maiúscula, porque não é uma segunda pessoa qualquer, mas um antagônico de
classe. E esta alteridade do interlocutor no plano social consiste na segunda e importante
característica diferenciadora entre Coisas do meu sertão e os três poemas que o antecederam.
Empurrado para a luta, pela pressão das circunstâncias históricas, o sujeito em vez de
entoar “preces” e loas, expõe as chagas suas e de seus iguais, enquanto aponta com o dedo
acusador para aquele “Outro” lado. E percebendo que os privilégios nos pratos da balança são
o contrapeso das carências e das misérias a que o condenaram, irônico e lúcido, agora, acusa e
excomunga.
Estes elementos de composição a que chamei de características diferenciadoras
acabam por determinar a dicção do texto. A invocação do seu “Outro” é responsável por este
aspecto de duelo; estruturado em função deste eixo antagônico, o assunto se configura
segundo antagonismos e contrariedades, do completo desaparecimento de toda positividade
e o tom crispado do poema.
dois sujeitos representativos de duas condições sociais antagônicas que o poeta
procura descrever. E ele o faz por meio do contraste e da oposição. Note-se que dos dois
tipos, o doutor, que é da cidade, só é objeto de discrição direta na primeira estrofe. Ela trata da
história de vida, e dos conhecimentos deste homem privilegiado. A partir daí todas as outras
estrofes, mesmo encabeçadas por aqueles vocativos assinalados, trazem, a cada invocação,
este “Outro” para dentro do texto apenas para defini-lo por contraste com o sertanejo. Com
execeção daquela primeira, todas as demais estrofes ocupam-se de descrever de forma direta
unicamente o matuto, enquanto o doutor vai sendo pintado pela negativa. Caracterizando-o
pela diferença contrastiva e simétrica que mantém com o matuto, o poeta consegue denunciar
a relação de complementariedade e implicação nefasta entre privilégio e privação como
condição fomentadora do desequilíbrio e da desigualdade.
199
A ruptura com a medida e a relativa desordem representadas pela irregularidade das
estrofes e pelo esquema inusitado de rimas, quando confrontados com o desequilíbrio e a
desigualdade desenhados pelos versos, parecem consistir num razoável e expressivo
correspondente formal da dimensão semântica do discurso. Dentre os sete poemas com
estrofes irregulares apenas dois parecem exacerbar na desmesura e na aparente desordem
Coisas do meu sertão e O maió ladrão, apresentando este último uma distribuição de rimas
ainda mais caótica e aleatória que aquele. Os outros cinco da mesma categoria, comparados
com estes dois são mais equilibrados, na medida em que apresentam esquemas de rimas
bastante regulares a despeito da irregularidade estrófica. Ora, talvez não seja imotivado o grau
de “desordem” mais agudo nestes dois poemas. Um, visto neste capítulo, e o outro que não
cheguei a analisar neste trabalho. Enquanto o primeiro, como vimos, fala de desequilíbrio e
desigualdade social, o outro traz como tema a derrota do homem diante do tempo, esse ladrão,
o maior dentre os que existem na face da terra, segundo o poeta, que nos ilude, nos maltrata,
convertendo promessas e esperanças em decepções e desenganos. Os dois poemas são
marcados por situações que representam experiências contundentes e profundas de desordem
e assim podemos dizer que o desarranjo de suas estrofes quadra bem com o desconcerto dos
assuntos.
Nesta travessia pelo conjunto dos quatro poemas estudados, cujo tema é o sertão,
pudemos ver como o Poeta lírico vai se transfundindo em Poeta social. São pólos que balizam
a poesia de Patativa do Assaré, sendo talvez a reunião dos dois termos a expressão que melhor
o caracteriza, um Poeta lírico-social.
200
Capítulo 4
CICATRIZ ESTELAR
201
CICATRIZ ESTELAR
Ouvindo uma canção de Patativa do Assaré
Vaca Estrela, Boi Fubá
I
III
1
Seu dotô, me dê licença
1
Aquela seca medonha
2
Pra minha histora eu conta
2
Fez tudo se trapaiá;
3
Se hoje eu tou na terra estranha
3
Não nasceu capim o campo
4
E é bem triste o meu pená,
4
Para o gado sustenta
5
Mas já fui muito feliz
5
O sertão esturricou,
6
Vivendo no meu lugá
6
Fez os açude secá,
7
Eu tinha cavalo bom,
7
Morreu minha Vaca Estrela,
8
Gostava de campeã
8
Se acabou meu Boi Fubá,
9
E todo dia aboiava
9
Perdi tudo quanto tinha
10
Na portera do curráa
10
Nunca mais pude abóia
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá
Ô ô ô ô Boi Fubá
II
IV
1
Eu sou fio do Nordeste,
1
E hoje, nas terra do Sú
2
Não nego o meu natura
2
Longe do torrão Nata,
3
Mas uma seca medonha
3
Quando vejo em minha frente
4
Me tangeu de lá pra cá
4
Uma boiada passá,
5
Lá eu tinha meu gadinho
5
As água corre dos óio,
6
Não é bom nem maginá,
6
Começo logo a chora
7
Minha bela Vaca Estrela
7
Me lembro da Vaca Estrela
8
E o meu lindo Boi Fubá
8
Me lembro do Boi Fubá
9
Quando era de tardezinha
9
Com sodade do Nordeste
10
Eu começava a abóia
10
Da vontade de abóia
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ê ê ê ê Vaca Estrela
Ô ô ô ô Boi Fubá
Ô ô ô ô Boi Fubá
202
O poema faz alusão a um estado de completude desde o título. Os nomes dos animais,
a Vaca Estrela e o Boi Fubá, constroem a partir do dual o uno, configurado pela síntese dos
dois na entidade unitária do casal. É o casal que nomeia esta curta narrativa, que consiste no
resumo da vida de um vaqueiro.
Vaca Estrela, Boi Fubá é um canto de lamento e recordação em que um vaqueiro
conta a um homem de outra classe social e de outra terra como tendo sido muito feliz no
passado, acha-se hoje despojado de todos os elementos que um dia constituíram a sua
felicidade.
O poema é poesia cantada, os versos nasceram junto com uma melodia. Por esta
característica de canção suas quatro estrofes têm um esquema rímico mais simples do que o
das outras décimas criadas pelo autor onde todos os versos rimam, chegando a estrofe a contar
com um total de cinco pares de finais homófonos. A rima aqui é uma para todo o poema, e
ocorre unicamente nos versos pares. Após cada estrofe um refrão em dois versos, entoado
como canto de aboio onde são evocados os nomes dos dois animais cuja morte o vaqueiro nos
conta.
Comentário sobre o título
Trata-se de uma narrativa em quatro estrofes, que correspondem grosso modo a dois
tempos. Estes dados numéricos são significativos como elementos da composição. Quatro é
resultado do desdobramento de dois, número que corresponde à quantidade de seres
mencionados no título. Este dois da abertura se uniforma casal, onde estão reunidos masculino
e feminino, os diferentes que se complementam formando a unidade. Mas este mesmo título
que compõe o uno, tendo sido antes binário, é também quaternário, pois cada ser é nomeado
por um par de vocábulos que ao final de contas totalizam quatro.
203
Cada par é constituído por dois substantivos que se combinam numa relação
determinado/determinante por meio da aproximação de um substantivo comum e um
substantivo próprio, já que este último é o nome singular do animal.
Assim o desdobramento quaternário do poema harmoniza-se ou está motivado pelos
números inscritos no próprio título, nesta sua particular formação numérica: o dois que
também é um, mas para cuja composição concorreram quatro vocábulos.
ainda, no âmbito do título, outros elementos que corroboram a realização do signo
da completude. Além do masculino e feminino, apresenta-se também o alto e o baixo. A Vaca
tem um nome que a situa no céu, e o Boi na terra. Os dois substantivos “Estrela” e “Fubá” são
usados para denominar o gado vacum quando dotado de certas características. Estrela é como
costumam chamar no sertão a vaca que traz no pêlo da testa, acima dos olhos, entre os chifres,
o sinal de uma estrela. Fubá diz-se o animal que tem o pêlo branco tirante a azul. Mas embora
sendo este o motivo básico para a atribuição de tal nome a um boi, passa-nos logo pela mente
o sentido primeiro e mais comum da palavra: farinha de milho ou de arroz. Alimento
resultante da transformação de produtos oriundos do cultivo da terra.
A estrela é astro da noite, as cores do Boi são as de um céu diurno, assim nasce do
título mais um par: a noite e o dia.
Um quarto elemento a considerar é a presença das cinco vogais nos quatro vocábulos,
são duas em Vaca Estrela e outras três em Boi Fubá, acrescidas do a” que se repete mais
uma vez.
Nota-se ainda que se os dois sintagmas se assemelham pelas circunstâncias acima,
diferenciam-se também, sobretudo, no que se refere à métrica e à matéria fônica. Tomados
separadamente como se cada um constituísse um verso, contamos cinco as sílabas gramaticais
no primeiro par, mas apenas três sílabas poéticas, este é o número tanto das poéticas quanto
das gramaticais do segundo par.
204
Vaca Estrela é um sintagma formado por duas palavras graves, e Boi Fubá por duas
agudas. No aspecto fonético
|v a k e s t r ê
la
|
possui um som prolongado na segunda sílaba, curiosamente onde se dá a elisão de uma vogal,
mas ocorre que a vogal que absorveu a outra tem como posterior a sibilante “s” o que
determina uma maior prolação da sílaba na medida em que a vogal e a sibilante estando
unidas na pronúncia, o segundo fonema prolonga com sua corrente expiratória a sílaba toda.
A fricção da corrente de ar da consoante |v| ecoa na expiração do |s|. Esses sons fricativo e
sibilante dispostos muito próximos imprimem uma linha ascendente aos sons vocálicos que
culmina no “Ê” tônico, ponto alto do conjunto que em seguida declina com a última vogal
átona. O efeito é de um movimento rápido e ascendente, figurado tanto pela fricção e
expiração quanto pela leveza das vogais em pauta, as mais abertas do ponto de vista
articulatório.
Coisa diferente se dá com o sintagma
|b o i f u b á|
que inicia e termina pela mesma consoante, a oclusiva labial |b|, possui duas vogais
acentuadas, a primeira e a última, e duas átonas, as centrais, estando também no centro, a
única consoante fricativa. Além disso, o conjunto apresenta um timbre grave e descendente
inversamente ao que ocorre no primeiro caso.
O sintagma Vaca Estrela apresenta grau de abertura 1, por conta da fricativa
46
inicial,
enquanto que em Boi Fubá, temos o grau zero de abertura em virtude da consoante oclusiva
inicial. Isso faz com que a palavra inicial do primeiro conjunto pareça a continuação de um
46
Abertura 1: fricativas, caracterizadas por um fechamento incompleto da cavidade bucal que permite a
passagem do ar. Saussure, Ferdinand. Curso de lingüística geral. Cultrix, São Paulo.
205
som que vem de antes dela (a corrente expiratória da fricativa). Contrariamente “Boi Fubá”
iniciando por uma labial oclusiva tem seu ponto zero na própria palavra.
São estes os elementos que combinados fazem do título um signo da completude: o um
nascendo do dois, e se desdobrando em quatro; a fêmea e o macho; o céu e a terra; a noite e o
dia; o alto e o baixo; o agudo e o grave; as cinco vogais; a linha melódica ascendente, a linha
melódica descendente; a leveza e o peso; a abertura e o fechamento, tudo junto construindo a
unidade na diversidade, e os dois animais se convertendo em signo emblemático de um tempo
marcado pelo vigor de uma serena plenitude.
AÁLISE
Agora podemos começar a leitura do poema.
Para fins de análise, quando me refiro a qualquer das quatro estrofes, incluo aí também
o refrão.
Podemos dividir as quatro estrofes em dois grupos. Nas duas primeiras, apesar de
anunciada a ocorrência de uma perda, o discurso, ao recordar os bens perdidos, faz vibrar as
notas de uma extinta felicidade, discretamente revisitada pela recordação. Já, as duas últimas
estrofes estão completamente tomadas pela dor e pela tristeza, a terceira ocupa-se em narrar a
catástrofe, e a quarta retrata o desalento e a insipidez da vida posterior ao dano sofrido.
A primeira estrofe, iniciando com a fala do vaqueiro pedindo a um homem que ele
chama de doutor que lhe licença para contar-lhe sua história, insere este poema no grande
ciclo de poemas em que Patativa coloca frente a frente o sertanejo, matuto, nordestino, e
pobre, diante do seu Outro, o citadino, o doutor, cidadão bem situado, morador das grandes
cidades, a maior parte das vezes cidades da região sudeste, destino preferencial dos migrantes
206
do sertão cearense. Todos os elementos acima elencados, caracterizadores destes dois
segmentos nacionais contrastivos podem vir, nos poemas, combinada ou separadamente, mas
sempre em pares antitéticos. Esta abertura do poema, as duas primeiras linhas, alude a uma
circunstância da sociedade nacional que consiste na combinação das desigualdades de classe
com as desigualdades regionais. Por isso, temos aqui, o vaqueiro dirigindo-se ao doutor; o
Nordeste, berço do primeiro, e o Sul (Sudeste) terra do seu interlocutor e destino de chegada
do migrante. A existência deste ciclo de poemas caracterizados pela invocação de um
interlocutor deste tipo, se consideramos o poeta como porta-voz de sua gente, de seu povo,
revela um anseio profundo de comunicação entre estes dois segmentos, entre o Brasil de baixo
e o Brasil de cima. As vozes da lírica social deste poeta parecem estar em perpétua petição de
diálogo.
Nos dois outros versos vem a exposição concisa daquilo que no presente constitui o
motivo da infelicidade do vaqueiro: o viver em terra estranha. Na seqüência, os elementos em
que se ancorava a felicidade perdida: a posse de um cavalo bom, gostar do trabalho e do canto
do trabalho, o aboio, diariamente entoado com suas longas e comovidas vocalizações que
antecedem o chamamento dos dois animais. E a estrofe termina com o aboio que traz pela
primeira vez no corpo do poema os nomes da Vaca Estrela e do Boi Fubá.
A leitura do poema inteiro nos mostrará que nas demais estrofes o nome dos animais
aparecerá sempre duas vezes e não apenas uma como agora. Uma vez, no interior da décima,
e outra no refrão, enquanto que na primeira estrofe aparece apenas no refrão. Fazer a primeira
referência ao nome dos animais ocorrer no aboio, equivale a introduzi-los em cena de forma
atuante, viva, pois o primeiro aboio entoado procura ressuscitar no presente uma ação de
trabalho cotidiana do passado.
A primeira estrofe indica-nos, aproximadamente, as coordenadas geográficas de onde,
hoje, vive o vaqueiro, confinado ao desterro, diminuído, rebaixado, melancólico e triste. Mas
207
a figuração do seu sofrimento realiza-se por meio da evocação dos elementos constituintes do
antigo estado de felicidade, por isto a estrofe é uma mistura de dor e alegria, alegria fugaz,
apenas o instante em que a voz com seu sopro refaz a trajetória do paraíso ao exílio, com a
breve passagem pelas estações do primeiro.
A segunda estrofe tem uma estrutura semelhante à primeira. Alterna a descrição da
catástrofe com a rememoração da felicidade roubada. O “eu líricocomeça por indicar sua
origem regional, o Nordeste, e esclarece que se hoje está tão longe dele não é por havê-lo
renegado, ou seja, não migrou por espontânea vontade, foi a seca quem determinou. Foi ela
que o tangeu de lá pra cá. O emprego do verbo tanger, no caso, contém uma ironia objetiva, a
de ser um verbo também utilizado para descrever o trabalho do vaqueiro com o gado. Ao
aboiar o vaqueiro tange o gado, levando-o de um lugar a outro, nisto consiste sua lida. A
ironia está em que a seca rouba do vaqueiro o seu gado, matando-o, e rouba junto com o gado
o seu trabalho, a sua ação tangerina, e, além disso, como se não bastasse, decreta que o
vaqueiro agora é quem vai ser tangido. O verbo tanger não foi utilizado na primeira estrofe,
em que o vaqueiro atua, fica apenas subtendido, e vai aparecer depois, com um sabor de
escárnio, impondo ao homem um destino de gado, condenado a errar e a lidar com escolhos
ao invés de escolhas, espetado pelo aguilhão da necessidade mais chã. Isto vem na primeira
metade da estrofe, a segunda retorna ao passado, e então surge um trecho com muito
sentimento, denotado pelo uso de diminutivos e de possessivos impregnados de afeto pelo
gado e pela vida de vaqueiro: “tinha”, “meu gadinho”, “minha bela”, “meu lindo”, e
“tardezinha”. A sucessão de sons nasais, (o “i” três vezes seguido pelo dígrafo “nh”), faz com
que um verbo no imperfeito (tinha) invista-se da aura de um diminutivo afetivo (gadinho), ou
de um possessivo do mesmo teor (minha) ou até de um advérbio também no diminutivo (de
tardezinha). Por fim, dois adjetivos, bela e lindo, contribuem para coroar esta passagem
fortemente marcada pela função emotiva. Neste circuito de interações cerradas entre as
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palavras, o efeito mais notável parece ser este, o de recair sobre o verbo conjugado no
imperfeito (“tinha”) uma espécie de novo aspecto verbal, o de um verbo no diminutivo, ou
seja, como se o emprego da forma verbal no passado, dado o contexto exposto, implicasse na
incorporação de um grau de afetividade: Lá eu tinha o meu gadinho/ ão é bom nem maginá,/
Minha bela Vaca Estrela,/ E o meu lindo Boi Fubá/Quando era de tardezinha/ Eu começava
a aboiar....
Se nas duas primeiras estrofes predominou o tempo verbal do imperfeito, na terceira
vai predominar o pretérito perfeito, indicativo do caráter pontual dos fatos agora narrados, e
que constituem o cerne da catástrofe. O emprego deste outro pretérito denota a chegada ao
ponto de inflexão da narrativa, onde são divulgados os eventos que determinaram a mudança
de estado na vida do personagem. A terceira estrofe contrasta com as duas anteriores pelo seu
aspecto verbal, funções diferentes requerem tempos verbais diferentes, e contrasta, além
disso, por carrear apenas emoções doloridas e atuação de forças destrutivas. A última palavra
do primeiro verso desta estrofe presta-se para bem definir o seu conteúdo, de fato, tudo nela é
medonho.
A seca medonha chega para destruir e matar: ão nasceu capim no campo, /Para o
gado sustentá e em conseqüência adveio a catástrofe maior: Morreu minha Vaca Estrela,/ Se
acabou meu Boi Fubá/ Perdi tudo quanto tinha/ unca mais pude aboiar.
Diante de versos tão simples e diretos, a emoção brota límpida e translúcida. E a
máquina da paráfrase recua, cala. Que resta ao comentador? Talvez, olhando para a sucessão
destas quatro linhas, e contemplando a disposição vertical das palavras iniciais de cada verso,
anotar: Morreu... Se acabou... Perdi... unca mais... Sucessão de três verbos e uma locução
adverbial. Cada verbo pontua e avança um espaço a mais na devastação, que não obstante ser
externa vai penetrando o sujeito como um espinho e os seus efeitos passam do mundo exterior
para o interior. Os dois primeiros verbos dizem da morte de um e outro animal. O par, o casal
209
extinguiu-se e com ele os pilares que sustinham a felicidade e o sentido da vida do vaqueiro.
O terceiro verso dos quatro traz um verbo que se refere unicamente ao sujeito (Perdi), traduz
a repercussão, a somatória dos anteriores no âmago da subjetividade. E sua expressão é
nulificante, parece, ao chegar às raízes do Ser, tocar as raias do Nada. Sem alarde nem
grandiloqüência, a expressão é hiperbólica na maneira direta com que expressa uma
devastação de tamanha magnitude em termos tão simples: Perdi tudo quanto tinha.
Simplicidade, concisão, um máximo de sentido em apenas quatro palavras, nas quais, outra
vez, estão agrupadas as cinco vogais, retornando este índice da totalidade no momento mesmo
em que a poesia vem afirmar a sua negação, a sua perda.
Conforme a divisão que propus no início da análise, as duas últimas estrofes se opõem
às duas primeiras. Estas, ainda que alternando lamento e recordação, estão afinadas com um
movimento de “ressurreição” do tempo passado. as duas últimas trazem sucessivamente o
momento da ruptura, ou seja, a exposição dos eventos que encerram um ciclo da vida, fatos
destrutivos, e o momento presente, posterior à perda, ao dano sofrido, um tempo sob a
vigência de circunstâncias, novas, mas tidas como amargas pelo sujeito.
O desenvolvimento do poema situa nesta terceira estrofe o clímax da narrativa, aqui
está a passagem mais dramática, o trecho que fala da seca e da morte do gado, fatos que
determinam o desenraizamento do sujeito, confinante com a perda de sua identidade. Situa-se,
pois, justamente nestes quatro versos o ápice da curva melódica ascendente da canção, em
especial no verso que destacamos: Perdi tudo quanto tinha. A melodia realça esta posição
enfática ao fazer coincidir o seu tom mais alto, mais agudo com o vocábulo tinha pra declinar
logo em seguida no verso: unca mais pude aboiar. E para reforçar mais esta posição de
destaque as três palavras anteriores são cantadas com a voz escandindo as sílabas, com uma
segmentação rítmico-melódica, cujo corte é operado pelas consoantes em aliteração, casando
a melodia com a escansão silábica. O desenvolvimento prossegue, segundo este padrão até a
210
sexta sílaba, quando então ocorre uma mudança. A sílaba tônica da palavra tinha, a sétima e
última do redondilho é pronunciada de forma intensa e aguda, demorando-se a voz nela muito
mais tempo do que em todas as anteriores.
O verbo “ter” conjugado no pretérito imperfeito, forma verbal para a qual converge a
intensidade semântico-sonora do poema nesta terceira estância, é a reaparição de vocábulo
que já aparecera no sétimo verso da primeira estrofe e no quinto da segunda, caso, este último,
de que nos ocupamos atrás. , por força da impregnação com uma série de palavras vizinhas,
a forma verbal resultava imantada de uma afetividade que fazia o verbo assumir uma aura de
diminutivo. Tal forma reaparece agora, no verso nove da terceira estrofe, mas submetida a um
processo contrário, sendo despojada, esvaziada de toda aquela magia. Esta reaparição ecoa o
trecho anterior como contraponto negativo dele, a plenitude, aqui a falta, a subtração, a
destruição daquela antiga completude, substituída pelo vazio, pelo sentimento da perda e pela
solidão. Esta solidão inclusive vai sendo construída verso a verso, seguindo aquela sucessão
que anotamos atrás, morreu..., se acabou... são expressões que vão pontuando o
despovoamento do mundo do vaqueiro, num processo em que a vida em volta vai
desaparecendo e ele ficando cada vez mais sozinho, até culminar na solidão do exílio,
circunstância mencionada na primeira e na última estrofes do poema. Se o segundo tinha,
mergulhado no passado, acrescia-se, saía enriquecido do contato com as formas lingüísticas
do entorno, este agora, no olho do redemoinho, no cerne da catástrofe, apresenta-se com uma
feição de esvaziamento, de insulamento. Entre as duas aparições da forma verbal um
deslocamento do interior para o extremo final do verso, e, ao atingir esta posição, o vocábulo
recebe da voz que canta uma inflexão aguda, com uma entoação prolongada da vogal tônica,
processo de passionalização, em que a elevação de tom e o prolongamento do tempo de
duração da vogal, configuram um grito de dor e lamento, descarnado até os ossos, grito de
perda em forma de canto, para em seguida cair a voz na vala comum do verso seguinte onde
211
nos deparamos com dois advérbios que compõem a expressão mais completa daquilo que não
tem mais volta, que foi perdido para sempre: nunca mais. Mas será mesmo assim? Após o
Perdi tudo quanto tinha, diz o personagem: unca mais pude aboiar, como quem registra a
última das perdas a do próprio canto. para imediatamente depois desmentir-se entoando
mais uma vez o canto de aboio.
Sabe-se que a análise leva-nos a entrar em contato com várias camadas de significado
sedimentadas no corpo do poema. É o caso desta contradição. O personagem que afirma que
nunca mais pôde aboiar, mas logo a seguir abóia, o faz, naturalmente, em outro sentido. Uma
leitura que não aderisse ao pacto proposto pelo autor tenderia a ler as quatro ocorrências do
aboio todas elas igualmente postiças, igualmente fingidas, e em certo sentido o são, pois
consistem na estetização de um canto de trabalho, mas o mais rico é perceber as nuances de
significado que matizam algumas destas ocorrências no texto. Como o never more de Edgar
Alan Poe no poema O corvo, este refrão de Vaca Estrela, Boi Fubá, em cada ocorrência tinge-
se de um colorido particular, interagindo, respondendo de forma viva ao contexto da estrofe
que o precedeu.
Na primeira estrofe, o refrão é exemplificativo, ao reproduzi-lo o personagem procura
dar a conhecer a forma particular do seu antigo aboio, em cujos versos figuravam os nomes de
seus animais queridos. O aboio neste ponto retorna como imitação da sua forma original, mais
ou menos valendo por ela, no sentido de atualizar a própria função que ela desempenhava no
passado. Imaginariamente o personagem por meio da recordação volta a se ver no passado e a
revivê-lo no presente, como quem o ressuscitasse por alguns segundos.
A segunda ocorrência do aboio é muito semelhante à primeira, não tem mais o intuito
de apresentação daquela, mas tem o forte caráter de uma revivescência de um canto de
trabalho. Canto a um tempo dirigido ao gado e ao próprio sujeito que o entoa. Aqui como
num processo onírico, o personagem vê-se outra vez tangendo os animais, mas o canto volta-
212
se para ele próprio também na medida em que sua função primeira, agora, parece ser a de
transportar o vaqueiro sentimentalmente para o plano da felicidade perdida, fazendo-o
experimentar outra vez as emoções passadas.
A terceira ocorrência é bem distinta das duas anteriores. Aqui, o discurso acabara de
relatar a morte dos dois animais e, na medida em que o leitor sabe apenas o que o narrador
conta, somente neste ponto ficamos sabendo dessas mortes, e então o aboio deixa de
corresponder, por absoluta impossibilidade, a um canto de trabalho, uma vez que não mais
existem aqueles a quem ele se dirige. A partir de então ele assume novas funções dentro do
texto. Parece neste ponto converter-se num refrão elegíaco, que evoca não mais o distante,
mas o para sempre extinto, canto de tristeza que pranteia os animais mortos e um modo de
vida que se acabou junto com eles. Mas também, curiosamente, significa uma reconquista da
própria potência do sujeito, um índice de seu renascimento, pois ele sentia-se morto
juntamente com o mundo perdido, mas eis que subitamente descobre-se vivo ao se
contradizer, cantando, aboiando, imediatamente depois de haver afirmado que nunca mais
pudera fazê-lo. O terceiro aboio é, portanto, pranto, evocação nostálgica do ausente, mas é
também renascimento e reconquista de um poder que parecia perdido.
A última estrofe retoma elementos que foram semeados na primeira: o personagem no
tempo desencantado do presente, vivendo numa terra que não é a sua. Neste lugar estrangeiro,
sem mais os bens depositários do seu afeto, sem seu trabalho e sem as coordenadas de espaço
que poderiam devolver-lhe sua imagem, o vaqueiro erra pela escuridão. No desterro, em que
agora vive, alguma vez passa-lhe pela frente uma boiada e então as águas correm dos olhos. A
imagem que se coloca diante de si é fonte de dor e nostalgia e faz dele um vidente e um cego;
vidente porque a vida pôs outra vez à sua frente a imagem do gado, cego porque uma
diferença entre a imagem atual e a que ele mira com a visão da memória. Esta segunda, que
lhe é tão cara, ele não pode mais ver com os olhos do corpo. E, então, entre as duas visões
213
opera-se uma fratura, instala-se um intervalo, abre-se uma fenda por onde jorram lágrimas,
fruto da dor sentida pela distância intransponível entre o percebido e o perdido. A percepção
faz ressuscitar no sujeito afetos adormecidos, a memória aflige-o com a consciência do que o
tempo levou para nunca mais. A imagem presente, que tem diante dos olhos, é rebaixada em
seu valor, porque é a imagem do um tempo vazio, onde o sujeito também acha-se rebaixado
pelo perda e pelo desenraizamento. a imagem conservada na memória, é das duas a mais
valiosa, evocação do ausente, e para sempre extinto, visão desafrontada da marcha do tempo
e, portanto, suspensa acima do seu fluxo, pôde converter-se num símbolo da felicidade, em
ícone de uma utopia a que o sujeito aspira infinitamente.
Uma anáfora nos versos 7 e 8, duplica o verbo lembrar antecedido do expletivo me:
Me lembro da Vaca Estrela/ Me lembro do Boi fubá. E é a memória, ela mesma, uma
duplicação dos seres e das experiências. É uma faculdade do espírito que põe a nossa
disposição um duplo do vivido com o qual nos momentos ruptivos, nos momentos de perda,
passamos a nos relacionar, pois parecem ficar em estado de latência e hibernação os genes
ou o código de acesso à felicidade perdida. E então, em meio ao abandono e à desolação, num
gesto de resistência, o homem luta e labuta para que a memória se converta em profecia.
Quem sente que tudo perdeu, acha-se despojado dos seus bens e atributos, e avança
pelo deserto. Travessia marcada pela desnorteio e pela falta de pontos de referência,
semelhante, por isso, a um caminhar na escuridão. E sentindo-se assim, o vaqueiro pela quarta
vez abóia. Constituído por uma série de vocalizações, o aboio é em parte apenas voz, palavra
sem palavras, vertigem em vez de linguagem, expressão suscitada pelas emoções intensas,
avizinha-se do grito e do pranto, e é de fato uma síntese dos dois em forma de canto.
O vaqueiro, em seu trabalho, quando abóia, tece por meio de longas e demoradas
vocalizações um fio sonoro, que serve para o gado como fio de Ariadne. Aboio, canto quase
tátil que toca os seres no escuro dando-lhes a direção da marcha, indicando-lhes a posição
214
referencial do guia, constituindo-se em elemento coesivo, que com seu poder sedutor desarma
os impulsos de fuga e fortalece o instinto gregário. O canto do vaqueiro estabelece as
fronteiras fônicas de um território móvel, que é no limite o próprio corpo coletivo do rebanho
em seus deslocamentos pelo campo.
Mas este quarto aboio, como o anterior, tem função diversa do canto de trabalho, de
vez que já se operou a perda fundante de um novo tempo na vida do sujeito, que agora acha-se
desenraizado, despojado dos seus bens e destituído de seu antigo status. Nestas circunstâncias
seguramente é outra a sua função. Toda a carência de orientação que faz do aboio canto de
trabalho e do vaqueiro guia do rebanho, é agora vivida pelo próprio sujeito, cuja viragem no
destino, fez dele homem gado tangido de pra cá. E se de alguma forma estes aboios s-
dano sofrido significam uma retomada gradual de força pelo sujeito, e não unicamente pranto,
é porque nesta altura o vaqueiro abóia para si mesmo. Tendo se desdobrado em dois, ele
agora, ao recobrar o poder do canto, luta para retomar o controle de própria vida,
transformando-se em vaqueiro de si mesmo, o homem guia do homem gado.
Seguindo de perto o último elemento mencionado, no verso anterior, deflagrado pela
saudade do Nordeste, o aboio evoca a totalidade e a completude perdidas, primeiramente
emergindo como resposta à lembrança da terra natal, aqui representada pela região, e também,
evocando os dois animais queridos, casal emblemático, ícone da unidade na diversidade,
símbolo da completude. Neste preciso ponto do poema, este canto assume um caráter de
recolha com o qual o vaqueiro convoca-os para deles reapropriar-se simbolicamente, os
elementos basilares de sua vida.
Se nos permitirmos digressões mais audazes, no pressuposto de que o símbolo alberga
muitas camadas de significado, bastando o cuidado de evitar o puro exercício da
arbitrariedade, podemos por caminhos concorrentes alargar o sentido da figuração no poema
dos ícones da Vaca Estrela e do Boi Fubá e extrair destas imagens outros desdobramentos.
215
O poeta é sabidamente signatário e usuário de imagens hauridas na mitologia cristã.
São muitos os poemas em que as teses por ele esposadas tiram seu fundamento da sua e
desta mitologia. Veja-se, por exemplo, Filosofia de um trovador sertanejo em que a sua
visão peculiar da tragédia da vida humana enxerta-se na cena bíblica do Gênese, no episódio
da expulsão de Adão e Eva do paraíso.
Pergunto-me se nesta redução ao essencial operada no poema em que o gado de toda
uma vida vaqueira e sertaneja é reduzido a um único par de elementos representativos do
masculino e feminino, princípios opostos e complementares de cuja união tem origem a vida,
se não haveria, nesta configuração, uma imagética sugerida por uma leitura da cena nuclear da
história sagrada em que o hálito de mansos bois acalentava o recém-nascido humildemente
acomodado numa manjedoura.
Os elementos da história sagrada apontam ostensivamente para a valorização da vida
simples e humilde dos homens rústicos em cujo meio e ambiente o filho de Deus escolheu vir
ao mundo. A sua humildade assume uma expressão extrema na circunstância de haverem seus
pais tomado para ele como berço uma manjedoura, um simples tabuleiro onde se e comida
para os animais nas estrebarias.
Essa postura de humildade radical o é tanto em relação aos homens de vida simples,
das classes mais modestas, quanto também em relação aos animais. na cena bíblica uma
tríplice aproximação entre o divino, o humano e o animal, semelhante à comunhão que vimos
no poema entre o vaqueiro e o gado, comunhão que tem na vivência partilhada da emoção
trazida pelo aboio, seu elemento principal. O aboio com ser um canto situado na fronteira
entre a pura voz, som em registro pré-semântico, e a palavra, constitui-se em uma espécie de
produção fônico-lingüística situada em território fronteiriço, podendo assim tanto falar ao
homem quanto aos animais.
216
Com isto, tem o vaqueiro, nesta forma de expressão, algo daquela aproximação
beatífica entre o humano, o animal e o divino que vamos encontrar na História Sagrada.
Vale citar, aqui, outro exemplo literário eloqüente dessa possibilidade de partilha ou
comunicação entre homens e animais. Encontramo-lo em O burrinho pedrês, de Guimarães
Rosa, na passagem em que o canto triste do menino pretinho, de tão triste põe os vaqueiros a
chorar e depois inundando os bois de nostalgia, acende neles a querência dos seus pastos de
origem, provocando por fim o estouro da boiada.
Podemos ainda imaginar que se o vaqueiro é guia dos animais, por outro lado precisa
deles para constituir e preservar sua identidade como vaqueiro, e assim a relação entre os dois
lados passa a ser de o dupla. Homem e animais necessitam-se reciprocamente. Em certo
sentido o casal de gado cria o vaqueiro, e por isto, depois que a Vaca e o Boi morrem, o
sentimento de desolação que se apodera do homem é semelhante ao desamparo que resulta da
orfandade. Tudo porque o vaqueiro, ao pranteá-los, põe-se na posição de quem recebia o
amparo e o acalanto dos bois, semelhante ao que ocorria com o menino recém-nascido na
História Sagrada.
Depois que morre, o casal do nosso poema viaja junto para o céu, e vai instalar-se bem
no alto, cintilando como astro emblemático na constelação da memória. Situados fora do
alcance do fluxo do tempo, transformados em estrela-guia do vaqueiro, não sabemos se eficaz
ou ineficaz em sua função, agora, de talismã e caminho. o tempo, que continua a correr
aqui na terra, poderá nos dizer em que medida conseguirá o sujeito reconstituir sua
integridade e inteireza semeando, quem sabe, no território do desterro sua nova Pátria.
Mas entre tantas dúvidas, de todo o visto e ouvido, uma alegria nos fica, a da emoção
destes versos comoventes, canção triste e dolorida, que figurando a trajetória da terra ao céu
da Vaca Estrela e do Boi Fubá, desenha no horizonte das nossas Letras a cicatriz cósmica da
migração nordestina.
217
Capítulo 5.
REPRESENTAÇÕES DO MUNDO DO TRABALHO:
O PUXADÔ DE RODA E OUTROS POEMAS
218
Ingém de Ferro
I
V
1 Ingém de Ferro, você 41
Esse tempo que passo
2 Com seu amigo moto, 42
Tão bom e tão divertido,
3 Sabe bem desenvorvê, 43
Foi você quem acabo,
4 É munto trabaiadô. 44
Esguerado, esgalamido!
5 Argm já me disse até 45
Come, come interesro!
6 E afirmou que você é 46
Lá dos confins do estrangêro,
7 Progressista em alto grau; 47
Com seu baruio indecente,
8 Tem força e tem energia, 48
Você vem todo prevesso,
9 Mas não tem a poesia 49
Com históra de progresso,
10
Que tem um ingém de pau. 50
Mode dá desgosto a gente
II VI
11
O ingém de pau quando canta, 51
Ingém de ferro, eu não quero
12
Tudo lhe presta atenção, 52
Abatê sua grandeza,
13
Parece que as coisa santa 53
Mas eu o lhe considero
14
Chega em nosso corão. 54
Como coisa de beleza,
15
Mas você, inm de ferro 55
Eu nunca lhe achei bonito,
16
Com este seu horroso berro, 56
Sempre lhe achei esquisito,
17
É como quem qué brigá, 57
Orguioso e munto mau.
18
Com a sua grande afronta 58
A mesmo a rapadura
19
Você tá tomando conta 59
Não tem aquela doçura
20
De todos canaviá. 60
Do tempo do ingém de pau.
III
VII
21
Do bom tempo que se foi 61
Ingém de pau! Coitadinho!
22
Faz mangofa, zomba, escarra. 62
Ficou no triste abandono
23
Foi quem espursou os boi 63
E você, você sozinho
24
Que puxava na manjarra. 64
Hoje é quem tá sendo dono
25
Todo soberbo e sisudo, 65
Das cana do meu país.
26
Q gover e mandá tudo, 66
Derne o momento infeliz
27
É só quem q sê ingém. 67
Que o ingém de pau levou fim,
28
Você pode tê grandeza 68
Eu sinto sem piedade
29
E pode fazê riqueza, 69
Três moenda de sodade
30
Mas eu o lhe quero bem. 70
Ringindo dentro de mim.
IV
VIII
31
Mode esta soberba sua 71
Nunca mais tive prazê
32
Ninguém vê mais nas muage, 72
Com muage neste mundo
33
Nas bela noite de lua, 73
E o causadô de eu vivê
34
Aquela camaradage 74
Como um pobre vagabundo,
35
De todos trabaiadô. 75
Pezaroso, triste e perro,
36
Um falando em seu a 76
Foi você, inm de ferro,
37
Outro dizendo uma rima, 77
Seu safado, seu ladrão!
38
Na mais doce brincadêra, 78
Você me dexô à toa,
39
Deitado na bagacêra, 79
Robou as coisinha boa
40
Tudo de papo pra cima. 80
Que eu tinha em meu coração!
219
Ingém de Ferro
Nestas oito estrofes de dez versos, aparece outra vez o esquema de rimas a b a b c c d
e e d, rico de variação, e favorito do poeta uma vez que a décima, assim configurada, é a
campeã absoluta em número de ocorrências na sua obra. A riqueza a que me refiro, pode ser
melhor visualizada, segmentando a estrofe em três partes. Os quatro primeiros versos trazem
rimas intercaladas a b a b, segue uma parelha, e os quatro últimos versos têm rimas
interpoladas d e e d. Como se tivéssemos duas quadras com dois esquemas diferentes
separados por um dístico. No entanto, esta não é a segmentação que traduz melhor a
pontuação que com maior freqüência acomoda as orações e períodos na décima. Olhando
deste ponto de vista, a estrofe se segmenta numa quadra seguida de uma sextilha. É o caso,
por exemplo, das estrofes um, dois, três e cinco. As demais assumem outras três pontuações
distintas. Todas elas pertinentes, na medida em que a estrofe é de fato décima e não outra
coisa qualquer, e, portanto, pode acolher esta multiplicidade de arranjos sintáticos dentro dos
seus limites. Fique, porém, o registro do tipo mais freqüente de pontuação:
O ingém de pau quando canta,
Tudo lhe presta atenção,
Parece que as coisa santa
Chega em nosso coração.
/
Mas você, ingém de ferro
Com esse seu hororroso berro,
É como quem qué brigá,
Com sua grande afronta
Você tá tomando conta
De todos canaviá./
Esta estrutura rimicamente variada tem um capricho artesanal que lembra a
sofisticação das rendas e labirintos das bordadeiras cearenses. É de uma perspectiva arcaica
semelhante que Patativa vai bordando o desenho dos seus versos. Elabora seu canto numa
forma estrófica das mais exigentes. Ingém de ferro tem uma misto de suavidade e susto, é
como os galhos desfolhados da caatinga recobertos pela das palavras, quando louva, e,
220
quando, dialeticamente, urra de dor, deixa à mostra os espinhos agrestes, das rosas arrancadas;
é elogio de práticas sociais gregárias e é, no mesmo tempo, imprecação contra a civilidade
corrosiva e mal assimilada trazida na forma malquista de um progresso perverso.
O poema consiste numa crítica às mudanças nas relações de trabalho decorrentes da
introdução do motor elétrico nos engenhos de rapadura. O progresso, representado pelo
motor, é visto como força inimiga, invasora e destrutiva dos laços de cordialidade e
fraternidade, assim como nocivo à própria qualidade de vida e ao ambiente de trabalho. O
progresso extermina a poesia e a camaradagem vigentes nos antigos engenhos de pau,
puxados pela força dos bois, agora substituídos pela eletricidade. Estabelece-se uma oposição
entre progresso e poesia, entre a energia do motor e a força dos bois, entre o berro horroroso
da máquina e o canto melodioso do velho engenho de pau.
Após o ataque à mal-amada tecnologia, o poeta conta como era divertido e prazeroso o
ambiente do engenho durante a jornada produtiva, havia lugar para conversa, recitação de
trovas, flerte entre rapazes e moças, num trabalho que parece transcorrer sem esforço,
humanizado em sua adequação e ajustamento ao ritmo do homem; humanizador, na medida
em que sendo meio de sobrevivência, ensejo também a trocas afetivas e à formação de
laços entre as pessoas. Este clima fraternal e benfazejo aproxima a tal ponto labor,
convivência, alegria e diversão que, usando uma fórmula do próprio poema, o trabalho
converte-se numa doce brincadeira. E o adjetivo doce quadra bem, empregado a propósito de
uma unidade produtiva onde se produz mel de cana e rapadura, num outro tipo de afinidade,
agora entre o produto do trabalho e o sentimento de satisfação e agrado que toma conta dos
trabalhadores em decorrência do modo como produzem.
A imprecação contra a engenhoca abominável vem junto, e em contraste, com a
recordação doce e amorosa do sonoro engenho de pau. Enquanto este canta trazendo ao
221
coração do homem as coisas santas, aquele, invasivo e tirânico, com seu horroroso berro, é
encontro marcado com a briga e a afronta.
A personificação do ingém de ferro e seu amigo motô chega por meio de repetidas
adjetivações e predicações consignadas por termos costumeiramente associados à volição e à
intencionalidade próprias de um sujeito humano: o engenho de ferro é progressista, mas não
tem poesia; quer brigar e faz afronta; tomando conta de todos os canaviais; faz mangofa,
zomba e escarra; é soberbo e sisudo; quer governá e mandá em tudo. Todas estas são
expressões que carreiam um vetor de responsabilidade. É importante assinalar este processo
intenso de personificação das forças adversárias, porque tudo passa a ter uma ressonância
afetiva e pessoal, inclusive os próprios meios de declarar sua oposição ao estado indesejável
como também as estratégias para combatê-lo. Sirva-nos de exemplo esta expressiva
passagem:
(Você... Ingém de ferro)
Qué governá e mandá em tudo
É só quem qué ser ingém.
A maneira como o poeta fala ao engenho, acusando-o de querer governar e mandar em
tudo, reveste-se de uma fórmula que usamos para nos dirigir a uma pessoa, sobretudo, com
complemento deste tipo: é quem quer ser engenho. Neste caso a personificação se faz por
meio do uso do pronome “quem” utilizado para pessoas ou coisas personificadas. E este
“quem” faz-se seguir do verbo querer, expressão própria da vontade. Esta frase é quem
quer sercostuma ser dita quando queremos acusar alguém de soberba, de excessivo orgulho
que o leve a pretender ser o único, a monopolizar o direito ou a posse sobre alguma coisa.
Sabemos que é exatamante disso que o eu lírico acusa o engenho de ferro, da sua soberba ao
roubar a vida aos velhos engenhos de pau. E a expressão não deixa também de possuir uma
graça particular ao dizer a um engenho que a sua falta, o seu pecado é o de querer ele ser,
222
justamente, engenho, que de uma forma excludente. Tamanha pessoalização na relação
com a força adversária tem como conseqüência um ataque em bases afetivas, o sujeito vinga-
se desta soberba toda, desta invasividade, declarando ao engenho o seu desamor por ele:
Você pode tê grandeza
E pode fazê riqueza,
Mas eu não lhe quero bem
Se o engenho de ferro é personificado, o engenho de pau, mais que isso, é
humanizado, ele chega a possuir o dom do canto; atributo que também é próprio do poeta.
Este processo de projeção de valores humanos nos meios pelos quais o homem se vale para
produzir sua existência, no caso do engenho de pau cria um interessante deslocamento. o
rico é o circuito de bem-estar que gira em volta dele e em conseqüência do seu
funcionamento, que quase podemos dizer que o engenho de pau tem na produção de valores
de uso um subproduto, enquanto, falando utopicamente, sua função precípua seria a
constituição de uma atividade propiciadora de relações fraternais e momentos de convivência
humanizadora.
É curioso que na imprecação contra o motor, ao lado das práticas sociais e modos de
convivência que ele destrói, o aspecto mais lamentado pelo poeta seja o seu barulho. O ruído
da máquina inviabiliza a comunicação, impossibilita a conversa entre os trabalhadores, e fere
assim uma dimensão especialmente cara à poesia, a da sonoridade, o lugar do canto, usurpado
pelo berro do diabo da invenção.
Se, como acabamos de ver, o engenho de pau adquire o dom do canto, se sonoriza,
quase humanizando-se, verifica-se um tão profundo intercâmbio entre o eu lírico e o engenho,
de tal forma a subjetividade do poeta identificou-se com o engenho de pau que a certa altura
ele nos conta como termina por converter-se num destes engenhos: Derne o momento infeliz/
Que o ingém de pau levou fim/ eu sinto sem piedade/ três moenda de saudade / ringindo
dentro de mim.
223
Aqui outra vez, temos na comunhão amorosa do poeta com o objeto de sua afeição, na
transformação do seu ser, simultaneamente, em engenho e matéria prima da moagem, a
metáfora de um corpo que ao se entregar em sacrifício, se matamorfoseia, num ato de
resistência, no prórpio alimento de que o privam.
Ingém de ferro tem na obra de Patativa do Assaré, poderíamos dizer um duplo. Trata-
se do poema Puxadô de roda. Os dois poemas se completam de forma admirável, sua
temática é praticamente a mesma, como se verá. O segundo poema que veremos a seguir é
mais extenso, e pode assim desenvolver de forma mais minuciosa outros aspectos contidos no
tema e no dilema envolvendo tradicionalismo e modernização.
224
O Puxadô de Roda
I
V
1
Seu moço, eu peço perdão,
41
Pois bem, um aviamento,
2
Não tenha raiva de mim,
42
Quando pega a trabaiá,
3
Mas a civilização
43
É o mió divertimento
4
Faz coisa que eu acho ruim;
44
Que se pode maginá,
5
Os engenhêro mecano,
45
É a mió distração,
6
Francês, inglês, mericano,
46
Tudo ali é união,
7
Se larga de seus coidado
47
Prazê, alegria e paz,
8
E faz certos objetos
48
Só se conveça em amô,
9
Pra buli com quem tá queto
49
Pois todos trabaiadô
10
No seu canto, sossegado.
50
É sempre moça e rapaz.
II
VI
11
Eu sei que seu moço dêxa
51
Sinto o meu corpo gelá,
12
Eu contá minhas razão,
52
Meu coração triste chora
13
Pois eu tenho munta quêxa
53
Quando eu pego a me lembrá
14
Da tá civilização.
54
Das farinhadas de otrora,
15
Escute, que eu vou di
55
Quando a roda eu sacudia,
16
Promode o senhô sabê,
56
Que ela zinia, zinia,
17
E tê bem conhecimento
57
Zinia como um pião,
18
Do bicho que me incomoda:
58
E tão depressa rodava,
19
Eu sou puxadô de roda,
59
Que a gente não divurgava
20
De roda de aviamento.
60
Se ela tinha vêio, ou não.
III
VII
21
Sim, senhô, sou puxadô.
61
Gritando e dizendo graça,
22
Naquele tempo passado,
62
Cantando e a jogá potoca,
23
Por todos agricurtô
63
Eu fazia virá massa
24
Da serra eu fui percurado.
64
Um putici de mandioca;
25
Vivia sem aperreio
65
Não tinha quem me agüentasse,
26
Sempre pegando no vêio,
66
Desmancha que eu trabaiasse
27
Mais o Chico da Ventura
67
Corria com bom despacho;
28
Nós era vê dois Sansão,
68
Digo sem acanhamento,
29
De camisa de argudão
69
Pra roda de aviamento,
30
Amarrada na cintura
70
Seu moço, eu sou cabra macho!
IV
VIII
31
Sei que o senhô não conhece
71
Hoje tá tudo mudado,
32
E também não adivinha
72
Tudo que é bom leva fim,
33
O ilugio que merece
73
Porém naquele passado
34
Uma casa de farinha;
74
Eu me orguiava de mim!
35
Pois seu dotô tem vevido
75
De todos trabaiadô
36
Na capitá, invorvido
76
Da desmancha, o puxadô,
37
Na política danada,
77
Com sua força aprovada,
38
Discuçando na Sembréia,
78
É sempre o mais preferido,
39
Não pode tê boa idéia
79
E tombém o mais querido
40
Do que é uma farinhada
80
Do povo da farinhada.
225
IX
XIII
81
O puxadô não tem móca
121
Maroca era munto nova,
82 É tratado com amô, 122
Mas ah serrana interada!
83 Rapadêra de mandioca 123
Ela dava boa prova
84 É doida por puxadô! 124
De muié ajuizada.
85 As vez inté eu pensava 125
Além de simpate e bela,
86 Que o meu coração virava 126
Parece que Deus fez ela
87 Mandioca e macachêra, 127
Mode sabê trabaiá;
88 E as raiz era cevada 128
Tinha jeito e tinha dote,
89 Por as tarisca amolada 129
Sozinha dava capote
90 Dos óio das rapadêra 130
Pra duas muié rapá.
X
XIV
91
Seu moço, aquelas serrana,
131
Além de trabaiadêra,
92
Com os seus quicé na mão,
132
Tinha o caboge tombém
93
Quando elas bate as pestana,
133
Dessas moça feiticêra
94
Ninguém esmorece não!
134
Que todo mundo qué bem;
95
Fica tudo corajoso,
135
Era uma dessas serrana
96
Inté mêrmo o preguiçoso
136
Que a fidarga praciana
97
Pode crê como trabaia
137
Nos traço não arremeda,
98
Munto mais de que o moinho,
138
Aquele anjinho composto,
99
Com o oiá e o carinho
139
Se era bem feito de rosto,
100
Daqueles anjos de saia.
140
De corpo dizia -- Arreda !
XI
XV
101
Quem nunca passou na serra
141
Quem tivesse reparando
102
Um tempo de farinhada,
142
Nessa franga de muié,
103
Perdeu a vida na terra,
143
O corpo se balançando
104
Do mundo não gozou nada;
144
No compasso do quicé,
105
Pois ali, as cuzinhêra,
145
Via no lugá dos peito
106
Rapadêra e lavadêra,
146
Dois catombinho bem feito,
107
É cada quá mais contente,
147
Ficando assim parecido
108
Dando risada gostosa,
148
Com dois pombinho fromoso,
109
Alegre e dizendo prosa,
149
Com seus biquinho teimoso
110
Jogando casca na gente.
150
Querendo furá o vestido.
XII
XVI
111
Nunca mais se desarrancha
151
Parecia essa serrana
112
De minha arma dolorida
152
Uma santinha da igreja,
113
A derradêra desmancha
153
Não havia praciana,
114
Que eu trabaiei nesta vida;
154
Praiana nem sertaneja
115
Véve no meu pensamento
155
Pra tê a beleza dela;
116
Nem gozo nem sofrimento,
156
Era a mais linda donzela
117
Do meu peito não desterra
157
Desta nossa redondeza,
118
A lembrança de maroca,
158
Pois das casa de farinha
119
Rapadêra de mandioca,
159
A Maroca era a rainha,
120
A fulô da nossa serra.
160
No trabaio e na beleza.
226
XVII
XXII
161
Seu moço, fique ciente
195
Esta e mais ôtas cantiga
162
Que as farinhada dagora
196
Cantava o alegre fornêro,
163
Tudo é triste e deferente
197
Enquanto a serrana amiga,
164
Das farinhada de otrora.
198
Namorada do prensêro,
165
Me lembro, nome por nome,
199
Se rindo e dizendo graça,
166
Das muié, tombém dos home;
200
Ia penerando a massa
167
Zé Reimundo era o fornêro,
201
Arva, cherosa e macia,
168
E alegrava o povo todo
202
Assim, ao noivo ajudando,
169
Pegado no pau do rodo
203
Um segredo lhe contando
170
Cantando o Macambirêro.
204
Que só os dois entendia
XVIII
XXIII
171
"--- Eu vou contá minha histora,
205
Eu trago tudo guardado
172
Ninguém diga que é mentira,
206
Na minha maginação,
173
Inda ontem eu vi um véio
207
Inté um véio engraçado,
174
Lavradô de macambira.
208
O Guilherme Botijão;
175
Macambira é bom, é bom,
209
Este não era empregado,
176
Lavradô de macambira".
210
Pois já tava fraquejado,
211
Era véio munto idoso,
212
Pra trabaiá não servia,
XIX
213
Mas porém ele sabia
214
Munta histora de trancoso.
177
"--- O véio Macambirêro
178
Vivia quage na tira,
XXIV
179
Porém hoje quebra arpaca,
180
Palitó e gasimira,
215
Era alegre sem lundu,
181
Chapéu dino aguaribado,
216
Valia a pena se vê,
182
Sapato de sola e vira".
217
Sempre comendo beiju,
218
Tapioca e manuê,
219
Dizia, nas suas fala,
XX
220
Que era da Serra das Bala,
221
Que fica nos Inhamuns;
183
"A muié do Macambira
222
Este véio prazentêro
184
Morava em casa de paia,
223
Tinha oitenta e dois janêro
185
Só não se botou a tudo
224
Escanchado no tum-tum.
186
Pruque não tinha uma saia,
187
Porém hoje anda trajando
XXV
188
Seu vestido de cambraia".
225
Mas eita véio sabido!
226
Ele sabia de có
XXI
227
Munto caso sucedido
228
No Crato e tombém no Icó.
189
"A muié do Macambira
229
Naquele tempo passado
190
Não tinha nem cabeção,
230
Sentou praça e foi sordado.
191
Porém hoje anda enfeitada
231
Sempre vivia a contá
192
De vestido de balão,
232
Que tinha sido valente,
193
Sapato de ringidêra,
233
Matou inté munta gente
194
Luva de seda na mão".
234
Na guerra do Paraguá.
227
XXVI
XXX
235
Meu peito ainda parpita
275
Com aquela berradêra,
236
Cheio de recordação
276
Foi tudo perdendo a fé,
237
Dessas histora bonita
277
Arguma das rapadêra
238
Que contava o Botijão.
278
Abandonaro os quicé.
239
Mas hoje, nas farinhada,
279
Dêrne o premêro momento
240
Nem histora, nem toada,
280
Que entrou nos aviamento
241
Nem mêrmo adivinhação,
281
O danado do motô,
242
Tudo é tristeza e deslêxo,
282
A encantadora Maroca
243
E eu, seu moço, só me quêxo
283
Nunca mais rapou mandioca,
244
Do diabo da invenção.
284
Com pena dos puxadô.
XXVII
XXXI
245
Seu moço, uma farinhada
285
Motô, tu é um castigo!
246
Foi durante a minha vida
286
Bicho feio, sem futuro,
247
A coisa mais animada,
287
Sou sempre o teu inimigo,
248
Mais boa e mais divertida
288
Te dou figa e desconjuro
249
Que eu já encontrei na terra;
289
Do mestre que te inventou,
250
Mas quando chegou na serra
290
Mode este teu pôpôpô,
251
O danado do motô,
291
Que aborrece e que incomoda.
252
Este estrangêro enxerido,
292
Ninguém vê mais os caboco
253
Fazendo grande alarido,
293
Que gritava dando soco,
254
O meu prazê se acabou.
294
Puxando os vêio da roda.
XXVIII
XXXII
255
Hoje a serra tá mudada,
295
Tu é o pió instrumento
256
Uma desmancha não presta;
296
Que já fizero na terra,
257
De premêro, a farinhada
297
Acabou o divertimento
258
Pra mim era a mió festa,
298
De riba de nossa serra;
259
Mas perdi todo o prazê
299
Eu morro e não te perdôo,
260
Quando vi aparecê
300
Safado, eu te amaldiçôo
261
Esta horrive novidade
301
Com toda a tua zoada,
262
Fazendo um doido baruio,
302
Em nome das rapadêra,
263
Cheio de impero e de orgúio,
303
Lavadêra e cuzinhêra
264
Fedendo à civilidade.
304
Das alegre farinhada.
XXIX
265
Era boa a vida minha,
266
E o tempo, não era mau,
267
Quando as casa de farinha
268
Só tinha roda de pau.
269
Quando os galo miudava,
270
Os trabaiadô já tava
271
Cantando suas toada,
272
Mas o diabo da ingresia
273
Tirou toda poesia
274
Que havia nas farinhada.
228
O Puxadô de roda
O Puxadô de roda é um poema irmão de Ingém de ferro, ambos têm o mesmo tema.
Condenam a modernização e o progresso representado pelo motor, lamentam um passado em
extinção e rememoram uma temporalidade arcaica, pré-moderna, com a qual a voz lírica se
identifica. No Ingém de Ferro, o cenário é um engenho de rapadura, em O Puxadô de roda, é
uma casa de farinha. Nos dois ambientes a introdução do motor determina o fim de condições
de trabalho costumeiras, arcaicas e pré-capitalistas, consideradas mais humanas e agradáveis,
e fomentadoras de laços de afetividades entre os trabalhadores.
Além da diferença de tamanho, O Puxadô de roda com seus 304 versos é quase quatro
vezes mais extenso que Ingém de Ferro, os dois poemas diferem também na estratégia de
elocução. No Ingém de Ferro o eu lírico pode representar a voz do próprio poeta, evocando e
descrevendo as coisas que passaram e amaldiçoando a mudança, e tudo isso é feito por meio
de uma fala que ssimultaneamente ataca a tecnologia e a toma como a instância da
interlocução. O discurso é uma investida contra o motor dirigida a ele próprio. A máquina é o
outro, o tu, o interlocutor, mudo para as queixas do poeta, mas exacerbadamente ativo em sua
atuação feroz, alienante, barulhenta e nociva.
N’O Puxadô de roda quem nos fala é um antigo trabalhador das casas de farinha. O
poema tem um plano geral muito parecido com o outro, dividindo-se em queixa e lamentação,
descrição e apologia do tempo passado, condenação e denúncia da infelicidade do presente.
Porém, enquanto Ingém de Ferro prioriza a queixa e o enfrentamento do sujeito contra a
modernização, o Puxadô de roda espraia-se mais longamente na rememoração do passado, do
modus vivendi extinto, descreve minuciosamente as relações fraternas e cordiais entre os
trabalhadores e faz desta ressurreição do passado, uma forma de resistência por meio da
memória. O poeta desenha personagens e rememora eventos em que repontam algumas
229
criaturas identificadas por nomes próprios: Chico Ventura, Raimundo, Guilherme Butijão
e Maroca.
Os dois poemas são crítica, imprecação e protesto contra formas de progresso que
acirram e consolidam a alienação do trabalhador. Esta queixa vem geminada à apologia de um
tempo pré-industrial em que o modo de organização do trabalho dá espaço a uma viva
interação que comporta camaradagem e afetividade mesmo durante o tempo dispendido na
realização das tarefas. Para compor o canto onde se defrontam essas duas temporalidades, o
arcaico e o moderno, o poeta lança mão da redondilha maior e da estrofe de dez versos,
respectivamente a métrica e o modelo estrófico predominantes em sua obra. Dos 271 poemas
que compôs em décimas, e que variou segundo três tipos de esquemas micos, nada menos
que 110 seguem o esquema de rimas do tipo A, que é o aqui utilizado: a b a b c c d e e d. Os
dez versos formam cinco pares diferentes rimando entre si e tais pares combinam-se ao longo
da estrofe de três modos distintos, a primeira quadra são rimas alternadas, em seguida uma
parelha, e depois outra quadra com rimas interpoladas, tudo articulado unitariamente,
realizando um encaixe exato entre o que tem para ser dito e a dicção. A leitura flui célere,
sem tropeço, não solução de continuidade, o entrelaçamento das rimas exigido pela forma
fixa das estrofes em nenhum momento constitui entrave, muito pelo contrário harmoniza-se
saborosamente com os volteios sintáticos do fraseado, com as orações se encandeando num
movimento dançante e lesto, figurativizando o tirocínio, a agilidade e o desembaraço do
trabalho coletivo.
Segmentação do texto
O poema, movendo-se entre generalização e concretização, tem uma estrutura dividida
em três partes. Da 1ª até a 11ª estrofe, o poeta traça uma ilustração mais ou menos panorâmica
do que eram as farinhadas de outrora e a tristeza em que se converteram as atuais; isso é
mostrado de um ponto de vista genérico, mais ou menos distanciado, como uma exposição em
230
tese, sem menção a uma ocorrência singular. Da décima segunda em diante, o método de
desenvolvimento passa a ser mais concreto, recorre-se à evocação de eventos singulares,
encena-se a ocorrência de uma farinhada acontecida, muito bem demarcada pela presença da
cabocla Maroca. Daí por quatro estrofes o poeta ocupa-se deste assunto, as estrofes seguintes
desta mesma parte (da 1até a 26ª) podem estar ligadas ainda ao mesmo acontecimento ou a
ocorrências semelhantes, sempre no âmbito do concreto, trazem as figuras do forneiro
Raimundo e seu hábito de cantar durante o trabalho, e Guilherme Botijão, contador de
histórias. depois da evocação desses personagens, o narrador, nas sete últimas estâncias
passa novamente a falar de uma maneira genérica sobre o tema. São estas, portanto, as
divisões: da até a 11ª, tratamento genérico; da 12ª até a 26ª, tratamento concreto (evocação
de acontecimentos passados); da 27ª até a 32ª, de novo o tratamento genérico para concluir.
1 º SEGMENTO – da 1ª até a 11ª estrofe.
Com relação à primeira parte, dois aspectos a destacar. Ela se subdivide em dois
blocos. O primeiro constituído pelas quatro primeiras estrofes tem seu eixo na função fática. É
aí que o narrador abre o diálogo, pedindo licença, apresentando-se, advertindo seu interlocutor
sobre o estranhamento que seu ponto de vista possivelmente causará, tudo isto acha-se
concentrado nestas quatro primeiras estrofes, que armam, assim, o cenário para uma dialogia
entre dois territórios; ficam assinaladas a existência de dois pontos de vista, o do trabalhador e
o do doutor, ocupantes de dois espaços, o campo e a cidade. Por trás destes marcos acena a
verdadeira polarização entre o arcaico e o moderno, entre o tradicionalismo e a modernização.
Na quarta estrofe, por fim, o narrador, considerando a condição de citadino do seu ouvinte e
por sabê-lo ignorante das coisas do sertão, resolve explicar-lhe como funciona e em que
consiste uma farinhada. Explicação necessária porque traz em seu bojo as coordenadas que
vão contextualizar para o outro as razões de sua queixa contra a inovação tecnológica.
231
Neste novo trecho, agora da até a estrofe, o narrador descreve a farinhada,
sempre no foco genérico mencionado, mas adotando um movimento de alternância. Numa
estrofe ele volta ao passado, coloca-se dentro dele como se o passado estivesse acontecendo
agora, simultâneo ao momento da fala. Na estrofe seguinte, ele desloca-se para o hoje
verdadeiro, o presente infeliz, e então, a partir daí, evoca o passado extinto. Esse segundo
método expõe a ferida, realça a crise vivida pelo sujeito, expõe o conflito entre os dois
tempos, o passado como monumento e a sua ruína no presente. Talvez pudéssemos chamar o
primeiro caso de presentificação e o segundo de lembrança, o uso destes dois termos pode ser
útil para indicar uma maior viveza e intensidade no primeiro caso (presentificação) e um
atenuamento ou perda de nitidez no segundo (lembrança), por conta do afastamento do
enfoque adotado. Podemos ilustrar cada tipo com essas duas passagens:
5ª estrofe (presentificação):
Pois bem, um aviamento,
Quando pega a trabaiá,
É o mió divertimento
Que se pode imaginá,
É a mió distração,
Tudo ali é união,
Prazê, alegria e paz,
Só se conveça em amô,
Pois todos trabaiadô
É sempre moça e rapaz.
Iniciando por um gesto verbal de engate no presente quando pega a trabaiá”,
estão também no presente os demais verbos: ser e conversar.
6ª estrofe (lembrança):
Sinto o meu corpo gelá,
Meu coração triste chora
Quando eu pego a me lembrá
Das farinhadas de otrora,
Quando a roda eu sacodia,
Que ela zinia, zinia,
Zinia como um pião,
232
E tão depressa rodava,
Que a gente não divurgava
Se ela tinha vêio, ou não.
Neste trecho, estão no presente apenas o mal-estar e a tristeza, enquanto no imperfeito
vêm narrados todos os demais fatos, já convertidos em coisa vivida. Significativo: enquanto lá
em cima o engate é quando pega a trabalhar”, no segundo caso, o engate é feito com o
mesmo verbo, mas o complemento agora é a memória e não a ação: quando eu pego a me
lembrar”. E nesta alternância de presentificação e lembrança, prossegue o poema da quinta
até a nona estrofe. Quinta, sétima e nona mostram o passado vivido como presente, processo
de presentificação; sexta e oitava olham o passado a partir do presente, é a lembrança, ou
rememoração, carregada de nostalgia e angústia.
A décima e décima primeira estâncias têm um ar de fecho desta primeira parte, a
última inclusive possui um tom judicativo, sentencioso, como um juízo que se apura sobre o
que foi exposto:
Quem nunca passou na serra
Um tempo de farinhada,
Perdeu a vida na terra
Do mundo não gozou nada;
2º SEGMENTO – da 12ª até a 26ª.
A segunda parte do poema começa na 12ª estrofe. Tem início a recordação de
eventos coletivos de que o narrador tomou parte, esta rememoração tem por destaque três
personagens, evocados por nomes próprios: Maroca, Forneiro e Guilherme Botijão. Até a
26ª estrofe estamos no âmbito da representação de acontecimentos “empíricos” e particulares,
conforme foi dito.
233
Em todo este trecho realiza-se o trabalho mais concreto de ressurreição do passado.
Além do capricho e da minudência da evocação, um cuidadoso inventário dos valores
positivos que justificam a preferência do personagem pelo modo arcaico de vida e produção.
Há, entre outros, três elementos desenvolvidos que reafirmam a positividade de certos
valores em processo de desaparecimento. Nas quatorze estrofes desta segunda parte, o poeta
estrutura seu canto em torno de três eixos: a mulher, o canto e a narrativa, cada um destes
motivos está associado a um daqueles três personagens identificados pelos nomes próprios.
Assim desenvolve-se o trabalho de composição em torno de cada um dos três eixos que
remetem a valores que lhe estão subjacentes: 1) Maroca: a presença e a importância da
mulher partilhando com os homens o trabalho; o elogio da sua graça e da sua beleza, e o
efeito revigorante dos afetos e da companhia feminina para os homens, insuflando-lhes
disposição, alegria, bom-humor; 2) Forneiro: o canto que entretém e atenua a fadiga do
trabalho; neste caso como no anterior temos a fruição de uma vivência lúdica e estética, agora
proporcionada pelo canto do trabalhador encarregado de cuidar do forno; 3) Guilherme
Botijão: as curiosas narrativas do velho homem, histórias de trancoso e casos acontecidos,
um amplo repertório que o ancião compartilha com os trabalhadores, ele que já não trabalha
mais por causa da idade, continua, no entanto, desempenhando uma valiosa função, de levar
divertimento aos companheiros, e enquanto o faz vai comendo beiju, tapioca e manuê que os
outros produzem. Isto é, em linhas gerais, um resumo da segunda parte.
3º SEGMENTO – da 27ª até a 32ª estrofe.
A terceira parte arremata com a última referência às histórias do velho Botujão e
lamenta a tristeza em que se converteu o trabalho, enumerando os divertimentos, os agrados e
a satisfação que desapareceram do ambiente. Por fim, ao modo de uma conclusão ou recolha o
poeta reafirma seu desgosto, as razões para tanto, sua ojeriza ao motor, denunciando a origem
234
estrangeira da máquina, o que contribui para conotar seu caráter invasor e coercitivo. Se o
trecho anterior gravitava em torno da beleza, antagonicamente agora o que se destaca é o
barulho e a feiúra da invenção tecnológica da qual o sujeito declara-se irredutível inimigo.
ANÁLISE DO TEXTO
Primeira parte
A modernização é vista como resultado de ingerência estrangeira na sociedade
nacional e local, o narrador quando maldiz a invenção tecnológica menciona três
nacionalidades como possíveis origens daquele invento inoportuno:
Seu moço, eu peço perdão
Não tenha raiva de mim,
Mas a civilização
Faz coisa que eu acho ruim;
Os engenhêro mecano,
Francês, inglês, mericano,
Se larga de seus coidado
E faz certos objetos
Pra buli com quem tá queto
No seu canto, sossegado.
Os versos até a quarta estrofe expõem o problema e instituem como interlocutor, certo
moço, também tratado por senhor, homem da cidade; circunstância que nos permite apreender
uma teia de relações onde articulam-se três espacialidades e duas temporalidades. No âmbito
do espaçoo plano local, situado no sertão, em plena serra, habitat dos trabalhadores rurais,
a fala do narrador se dirige a alguém do meio urbano, homem instruído, que freqüenta a
capital, mas conhece pouco do sertão porque vive mergulhado na política, ou com as palavras
do narrador “tem vivido discursando na Sembréia”, e, finalmente, o espaço internacional,
os tentáculos do capital estrangeiro, representado pela tecnologia que penetra e modifica as
relações de trabalho, conturbando com violência o meio social porque a sofisticação da
235
técnica está muito à frente do grau de desenvolvimento autóctone da sociedade local. Três
espaços, o sertão (o local), o urbano (a capital) e o estrangeiro (a tecnologia), cruzam-se com
duas temporalidades, uma arcaico-tradicional, e outra invasiva e modernizadora. O tempo
arcaico e pré-moderno situa-se no sertão, a modernização vem de fora para dentro, chocando-
se contra o mais recôndito espaço interior e destruindo um modo de vida tradicional, enquanto
nas capitais e no estrangeiro o lugar desta modernização já está consolidado. As quatro
primeiras estrofes estabelecem este conjunto de elementos: 1) o tema; 2) o ponto de vista
crítico pelo qual este será enfocado que é o da queixa e da rejeição; 3) as espacialidades, e 4)
as temporalidades que se cruzam no conflito gerado por um desenvolvimento que embaralha
muitas fronteiras.
Ainda na primeira estrofe quando vai se dirigir ao doutor da cidade para manifestar
sua crítica, o narrador, numa espécie de preâmbulo, pede a seu interlocutor perdão ou licença
para externar suas opiniões. Um tal preâmbulo, é indicativo da consciência que possui o
narrador da existência de um discurso antagônico ao dele, divergente do seu ponto de vista e
que corresponde ao ponto de vista hegemônico sobre o progresso nos meios urbanos
adiantados, e que é certamente o do seu interlocutor, homem citadino. O pedido de licença
tem como pressuposto esse outro discurso, antagônico, e que está implicitamente referido no
bojo do discurso crítico que o trabalhador faz contra a máquina. Estamos aqui, num ponto de
cruzamento de dois discursos divergentes sobre o mesmo fenômeno. O enunciador tem
consciência de que navega na contracorrente do discurso hegemônico, o qual veria
vantagens no progresso e na civilização e assim razões para defendê-los. É por existir tal
discurso favorável à modernização que surge no sujeito essa necessidade de se justificar,
como quem ao seu interlocutor um aviso do tipo “prepare o seu coração pras coisas que eu
vou dizer” por não compartilhar com o outro a mesma valorização do progresso, nem a
serventia da civilização.
236
A estratégia argumentativa do trabalhador se faz pela condenação da tecnologia,
motivada pelas perdas e danos causados aos trabalhadores pelo importuno motor que acaba de
ser adotado nos engenhos de moagem e nas casas de farinha. De um lado, denunciam-se os
efeitos opressivos e mutiladores desta modernização e, de outro, defendem-se os processos
tradicionais de trabalho, métodos pré-modernos que ensejam ambiente relativamente distenso,
onde vigem relações de afeto e camaradagem nas quais trabalho e diversão parecem
confundir-se ou amalgamar-se. Para tanto o narrador recria o clima de solidariedade,
brincadeiras e namoros tal como costumava acontecer sob o antigo método de produção, e o
faz descrevendo ações e relações típicas e características daquelas jornadas de trabalho que
aconteciam quando as casas de farinha funcionavam à custa da força e energia humana e
animal unicamente.
O argumento da condenação à tecnologia remete ao desaparecimento das pequenas
alegrias, gozos e prazeres, antes auferidos durante a realização do trabalho, e, agora, tornados
inviáveis por incompatibilidade com os novos arranjos e ritmo de produção, implementados
por esta forma de modernização. O barulho infernal provocado pelo motor impossibilita a
comunicação, acabando com a alegria nascida dos cantos, das narrativas, das conversas, dos
flertes concomitantes ao trabalho. Outro fator de descontentamento consiste na dominação do
homem pela máquina, o que acaba por convertê-lo em máquina também, rebaixando-o à
categoria de coisa, ao impossibilitar que o seu corpo governe a cadência do trabalho, mas ao
contrário obrigando-o a adaptar-se a uma que lhe é imposta sem consideração por quaisquer
particularidades. Todos estes efeitos são mutiladores, e inviabilizam o desenvolvimento das
melhores faculdades humanas. Causas de empobrecimento da qualidade de vida, de mutilação
das próprias capacidades e impeditivos de um valioso desenvolvimento das potencialidades
dos trabalhadores. E onde se situa o cerne do malefício assim causado? Na repetitividade das
ações, na redução drástica do campo das iniciativas, na calcinação do ambiente de trabalho
237
por meio do ruído enervante, na inviabilização de quanta troca humana e poesia era possível
sentir como emanação daquele circuito, agora arruinado, e antes fonte de sólida afirmação das
identidades. E por fim deve-se mencionar os muitos postos de trabalho que a máquina
elimina, como o do próprio puxador de roda, a cargo de quem está a narração do poema,
assim como também torna anacrônico o emprego da energia animal, alijando do sistema
produtivo os bois que até então dividiam com os homens a força de trabalho. Fatores que
indicam uma ruptura com formas arcaicas de vida, onde homem e natureza estão ligados e sua
substituição por outro regime em que crescentemente passa a predominar um ambiente
artificial, realização dos interesses de uma classe possuidora e rica, que cria relações em que o
trabalhador não pode se identificar com as novas condições, não a sua imagem refletida
naquele novo contexto. Enfim aliena-se do próprio trabalho.
O poema para fazer a defesa da temporalidade tradicional e pré-moderna e a crítica à
modernização expõe a destruição daquele tempo memorável, primeiro reconstruindo as
circunstâncias onde vigiam os seus valores antigos que o progresso vem exterminando, para
depois contrastar com a situação atual, onde o mundo arcaico converteu-se numa ruína.Qual a
base destes valores positivos cujo desaparecimento constitui a razão da queixa? Ora, sua
positividade, seu caráter de práticas valiosas, desejáveis, humanizadoras advém do
antagonismo quase simétrico que guardam com os elementos que elencamos no parágrafo
anterior como responsáveis pelos malefícios que o sertanejo descobre na modernização. Estes
fazeres valorizados, estas práticas positivas em defesa das quais enuncia-se o discurso são a
maior liberdade de movimentos, a relativa autonomia no desenvolvimento das tarefas, um
maior desafogo no ritmo do trabalho que permita disponibilidade de atenção para o que ocorre
em volta, possibilidade de variação dos afazeres que redunde no aproveitamento e
mobilização de um leque mais amplo das capacidades humanas. Enfim, uma circunstância em
que não haja contradição entre trabalho e realização.
238
um traço estilístico que surge nesta primeira parte e reaparece em outros pontos
que me parece a apreensão e formulação no plano verbo-sintático do princípio diretor que
fundamenta a apologia dos valores dos métodos pré-modernos, essa riqueza de um trabalho
que permita o exercício plural de um conjunto de faculdades humanas. versos que se
apresentam dotados de uma espécie de paralelismo formal com o espírito de concomitância
em que se combinam trabalho e brincadeira, como, por exemplo, os quatro primeiros da
estrofe abaixo:
Gritando e dizendo graça,
Cantando e a jogar potoca,
Eu fazia virar massa
Um putici de mandioca;
Não tinha quem me agüentasse,
Desmancha que eu trabaiasse
Corria com bom despacho;
Digo sem acanhamento
Pra roda de aviamento,
Seu moço, eu sou cabra macho!
Os dois primeiros versos são iniciados por gerúndios, seguidos de conjunção que
introduz os segundos membros do verso. Cada um descreve duas ações praticadas quase ou
mesmo simultaneamente pelo sujeito; o gerúndio indica que a ação dura e se faz concomitante
à outra. Esses versos revelam a felicidade do sujeito ao trabalhar com desafogo, ao
embaralhar saborosamente variadas ações onde parecem se misturar à massa que as mãos
maceram para produzir o alimento, as graças, o gosto, os risos e a alegria. Num tal regime de
trabalho, ganhar o sustento da vida, não se faz ao preço da própria vida, e não é o trabalhador
que ao fim acaba macerado, mas a massa que suas mãos manusearam e converteram em valor
de uso. Eis a utopia de um trabalho não alienado.
Esta fórmula onde se acumulam diferentes ações, sempre embaralhando trabalho e
divertimento, aparece na sétima estrofe, e uma vez mais, na de número 12, já na segunda parte
239
do poema: é cada quá mais contente,/ dando risada gostosa,/ alegre e dizendo prosa/
jogando casca na gente.
Num estágio societário caracterizado pelo emprego de técnicas rudimentares que têm
seu correlato numa certa divisão do trabalho, pouco especializada, é possível vivenciar os
meios de prover a subsistência como experiência enriquecedora, na medida em que a pouca
especialização e o ritmo das atividades acolhem os sujeitos com maior inteireza dando ensejo
a um grau maior de satisfação no trabalho, parece ser esse o ensinamento que podemos colher
no poema.
Nestas circunstâncias nenhuma atividade repetitiva monopoliza e tiraniza o
trabalhador, oprimindo-o com sua enervante monotonia. Esta prática de trabalho não se faz
por meio da especialização mutiladora em que ações mecanizadas requerem o exclusivo da
atenção hipertrofiando uma faculdade em detrimento de todas as demais. É esta
simultaneidade dos sentidos mobilizados, essa aplicação variada, distensa e lúdica de um
conjunto de capacidades, desenvolvendo e aproveitando múltiplas faculdades espirituais do
homem o que estes versos celebram e contra cujo desaparecimento protestam.
Mas decerto entre os elementos que levam à satisfação e ao bem-estar estão também a
auto-estima elevada, o reconhecimento do grupo :
Hoje tá tudo mudado,
Tudo o que é bom leva fim
Porém naquele tempo passado
Eu me orguiava de mim!
De todos trabaiadô
Da desmancha, o puxadô
Com sua força aprovada,
É sempre o mais preferido,
E tombém o mais querido
Do povo da farinhada.
O puxador, admirado por sua força física, tem orgulho deste seu atributo, pois sabe
que, graças a ele, sai na frente de outros homens na admiração das mulheres. O desejo que
nasce entre homem e mulher é, aqui, uma força que atrai e atrita, um anseio feroz de ter o
240
corpo metamorfoseado na matéria vegetal que as mãos femininas maceram, desejo de
entregar-se por inteiro aos doces martírios a que os olhos meigos e fatais convidam:
O puxadô não tem móca
É tratado com amô,
Rapadeira de mandioca
É doida por puxadô!
As vez inté eu pensava
Que o meu coração virava
Mandioca e macachêra,
E as raiz era cevada
Por as tarisca amolada
Dos óio das rapadêra
Frente às mulheres trabalhando, sob o alcance de olhares que flertam e seduzem, o
desejo masculino de conquistar-lhes a admiração põe em cada homem força, ânimo e
disposição especiais para sobressaírem-se. O homem diante do seu Outro”, a mulher, aplica-
se com todo o afinco procurando coincidir com um ideal de perfeição que ele julga poder
realizar, mas para o qual nem sempre encontra na vida suficiente motivação para movê-lo da
inércia em direção aos esforços e sacrifícios necessários à realização de tal meta.
Seu moço, aquelas serrana,
Com seus quicé na mão,
Quando elas bate as pestana,
Ninguém esmorece não!
Fica tudo corajoso,
Inté mêrmo o preguiçoso
Pode crê como trabaia
Munto mais de que o moinho,
Com o oiá e o carinho
Daqueles anjos de saia.
Segunda parte
Como foi dito, nesta segunda parte o poeta um tratamento mais concreto ao seu
tema através da evocação de acontecimentos particulares, ilustra a sua argumentação com a
recriação de quadros que embora fictícios representariam eventos concretos e não mais
considerações genéricas como na primeira parte. Também é nesta segunda parte que se
concentra e melhor se desenvolve o elogio dos valores que gravitam em torno daqueles três
241
eixos que identificamos, a mulher, o canto e as narrativas. Finalmente iremos encontrar talvez
os momentos mais bem realizados de louvor à beleza e à importância da mulher, e as
referências aos laços de amor e amizade entre todos.
A recordação central do poema que dá corpo ao que chamamos de tratamento concreto
inicia na estrofe de número 12, o narrador conta-nos o último aviamento de que participou na
vida, e de que ficou-lhe uma lembrança indelével timbrada pela presença de uma formosa
mulher:
Nunca mais se desarrancha
De minha arma dolorida
A derradeira desmancha
Que eu trabaiei nesta vida;
Veve no meu pensamento
Nem gozo, nem sofrimento,
Do meu peito não desterra
A lembrança da Maroca,
Rapadera de Mandioca
A fulô da nossa terra.
Nesta estrofe, um interessante efeito de sentido alcançado, entre outros recursos,
com a aliteração da consoante d”. O poeta constrói uma rica e expressiva imagem por meio
dessa figura sonora, associada a um jogo semântico curioso. Nomeando o aviamento ou a
última farinhada de que participou pela palavra desmancha, o eu rico instaura uma
ambigüidade irônica a partir dos dados de base do poema. O efeito obtido é belo, e rico de
nuances. na estrofe cinco palavras iniciadas pela consoante d”: desarrancha, dolorida,
derradeira, desmancha, desterra. No caso dos três des o prefixo tem o sentido de negação,
de subtração, e nos outros dois termos começados pela mesma consoante, a negatividade
também se faz presente em decorrência da sintonia de cada uma das palavras com o sentido
geral do poema. Observe-se que a afirmação do narrador de que não esquece jamais as
imagens e as cenas vividas na última farinhada, vem dito por meio da utilização destes
prefixos e palavras de teor negativos. Para dizer que o último aviamento é lembrança
242
indelével, o narrador se vale de fórmulas negativas tais como “nunca mais se desarrancha/ de
minha arma dolorida/a derradeira desmancha/que eu trabaiei nesta vida”, e adiante “do meu
peito não desterra”, criando um efeito de irônica beleza. O termo desmancha é
especialíssimo neste caso, e o conjunto todo que estamos analisando funciona como um litote.
Algo é afirmado pela negação. Ao invés de dizer que a sua última experiência com aviamento
arranchou-se em seu coração e nele conquistou um lugar cativo, a escolha do autor é dizer a
mesma coisa pela negativa, afirmando que nunca mais se desarrancha a derradeira
desmancha, e o prefixo negativo desvai ecoar ou reaparecer nas duas palavras que rimam
duplamente porque rimam no início e no fim dos vocábulos. Trata-se, pois, como se pode
constatar de um jogo verbal bem realizado e extremamente ambíguo, pois desmancha”,
sinônimo de farinhada, de aviamento, é, no caso, termo sabiamente escolhido e em sua
fecunda expressividade tem um matiz de ironia. Diz duplamente sobre o evento de que fala,
diz ao nomeá-lo, na acepção referida, e diz, se lido num outro sentido, ao comentá-lo, ao
apontar para o seu destino histórico. O poeta realiza uma síntese verbal expressiva,
condensando duas camadas semânticas contíguas mas distintas. A desmancha, que o
dicionário traz como sinônimo de aviamento, consiste num conjunto de procedimentos
adotados para produzir a farinha a partir da mandioca, por isso fala-se de desmanchar, reduzir
a mandioca a farinha. Neste caso, o termo refere-se à própria jornada de trabalho que está
sendo evocada no poema, mas esse mesmo contexto aciona a polissemia latente no duplo
emprego como substantivo e como verbo que a palavra admite, e ela em ressonância poética
assume o outro sentido que o dicionário registra: tornar nulo, eliminar, fazer desaparecer,
agora a própria prática tradicional destes procedimentos produtivos obsoletos. O poeta aciona
ambos os sentidos, e assim evoca e fusiona os dois significados que aqui mantêm um nível de
tensão entre si, de um lado, a desmancha da mandioca, prática que o narrador procura afirmar
em sua modalidade arcaica, e, de outro, o movimento do progresso desmanchando,
243
eliminando, fazendo desaparecer esta prática em sua forma tradicional. É a “desmancha” da
desmancha. Desmancha, trabalho coletivo de decompor e extrair da mandioca seus derivados;
desmancha, apagamento, desaparecimento de uma prática: os dois sentidos se fundem no
mesmo vocábulo.
Ao fim desta estrofe aliterante, dialética e tão interessante semanticamente, que tanta
coisa afirma pela negativa, emerge imponente a imagem de Maroca. Em torno dela, bonita
mulher, o narrador vai tecendo uma recordação precisa e concreta, e não apenas um
comentário genérico como vinha ocorrendo até este ponto do poema.
Em versos cantantes, melopéia e fenopéia combinam-se e num ritmado balanceio,
delicadas imagens eróticas ganham vida. Mãos, braços e tronco em movimento na atividade
do trabalho convertem-se numa imagem sensual e graciosa da moça, atraindo o olhar e o
desejo do personagem:
Quem tivesse reparando
Nessa franga de muié,
O corpo balançando
No compasso do quicé
Via no lugar dos peito
Dois catumbinho bem feito
Ficando assim parecido
Com dois pombinhos fromoso
Com seus biquinho teimoso
Querendo furá o vestido.
Essa estrofe tem um encanto particular pela sonoridade combinada à delicadeza da
imagem que faz dos seios pombinhos formosos com seus biquinhos teimosos querendo furar
o vestido.
Os quatro primeiros versos têm um ritmo cantante, cuja leitura na acentuação
apropriada figurativiza o próprio balanceio do corpo em movimento. Como se o canto
marcado por dois acentos fortes na terceira e sétima sílabas, ou na quarta e na sétima (caso do
terceiro verso) se separasse por este ritmo peculiar da sextilha restante que lhes completa a
244
décima. Nos outros seis versos o ritmo muda para uma pausa mais no início e, outra, na
sétima sílaba, assim cada verso da sextilha é lido mais inteiriçamente sem a pausa do meio.
Décima subdividida em um quarteto e uma sextilha, por causa do ritmo e também da imagem
nuclear de cada parte.
A figura que empresta substância para incorporar este ritmo dos versos, no plano da
fenopéia, surge na forma do corpo de uma franga de muié. A graça da expressão está no uso
desabusado e divertido do substantivo franga como qualificativo que indica a juventude da
mulher, trata-se, portanto, de uma moça. Mas entre tantas opções para assinalar a condição da
jovem, escolhe o poeta um substantivo que denotativamente refere-se a uma ave. Note-se que
este substantivo na expressão está com valor de adjetivo e curiosamente qualifica o termo
muié que estando regido por preposição devia ser ele a fazer as vezes de adjetivo. Mas
fixemo-nos nas ressonâncias que esta escolha lexical traz para o poema. Uma delas é sugerir a
idéia de uma prenda ou uma presa comestível e apetitosa, assumindo imediatamente uma
conotação erótica. Ainda mais se observarmos que a jovem segura em uma das mãos o quicé.
Pode ainda a expressão franga de muié ressoar também na metáfora da segunda parte
da estrofe onde aparecem os tais pombinhos formosos, eles também aves, com que o poeta
compara os seios firmes, e levemente excitados da jovem. Pulsa e lateja por baixo do vestido
a inquietação da seiva virginal que busca extravasar. Primeiro como dois catombinhos bem
feitos, a idéia de inchaço, corpo expandindo-se de dentro para fora, crescendo em volume,
como seios nascentes. Depois como dois pombinhos com seus biquinhos teimosos querendo
furar o vestido. A nudez da mulher, sonho do narrador que seu discurso desvela, é desejada de
fora para dentro, por ele, mas parece ser também o anseio de uma força interior, que nasce na
própria moça, vontade de entrega que atua por meio dos dois pombinhos afoitos que ela
carrega nos seios.
245
A recordação dos companheiros de trabalho, que se abriu com a imagem da moça mais
bonita do lugar, prossegue agora seguindo o roteiro antes anunciado, gravitando em torno do
canto de Raimundo e das narrativas do velho Guilherme Botijão. Como demonstração do
apreço pelo passado e pelos companheiros de jornada, da fidelidade de sentimento e da
importância das relações pessoais, o narrador declara com orgulho:
...
Me lembro nome por nome
Das muié, também dos home:
Zé Raimundo era o fornêro
E alegrava o povo todo
Pegando no pau do rodo
Cantando o Macambirêro
E seguem quatro sextilhas com o canto mencionado. Depois o narrador recorda um
ancião contador de história, que de tão velho não trabalha mais no pesado, mas passa o dia
entre os trabalhadores entretendo-os com seu vasto repertório de narrativas.
Terceira parte
A terceira parte do poema é composta pelas sete últimas estrofes, da 26ª até a 32ª. Um
dos elementos que unidade a este trecho é o distanciamento do foco, o que significa a
passagem do tratamento concreto para outro mais genérico ou distanciado que conforme
vimos caracterizou também a primeira parte.
Esta última parte mostra ainda sua unidade na estrutura das estrofes que se
caracterizam por dois aspectos. Todas elas têm um ou mais versos referindo-se de forma
depreciativa ao motor ou à tecnologia, fica evidente que uma coisa vale pela outra, pois o
motor é uma metonímia da tecnologia. Além disto, cada estrofe está composta a partir de uma
oposição interna. sempre uma retomada dos elementos positivos ligados ao modo pré-
capitalista de produção, comentados ao longo do poema. Os divertimentos e as vivências
prazerosas, que deixaram de existir, são de pronto seguidos pelo retrato de sua falência, pela
246
sua negação representada pelos estorvos e pela experiência do vazio trazidos pela mudança
nas relações de sociais. Essa bipartição está muito bem demarcada nas estrofes 26 a 29 pela
presença da conjunção adversativa mas no meio da estrofe, na altura do quinto verso, isso
ocorre nas 26ª, 27ª e 28ª, e na vigésima nona a mesma conjunção aparece no oitavo verso.
Meu peito ainda parpita
Cheio de recordação
Dessas histora bonita,
Que contava o Botijão.
Mas hoje, nas farinhada,
Nem histora, nem toada,
Nem mêrmo adivinhação,
Tudo é tristeza e deslêxo
E eu, seu moço, só me quêxo
Do diabo da invenção
Em todos os casos a conjunção mas marca a virada, o fim dos bons tempos e a
chegada do inimigo de muitos nomes: “o diabo da invenção”, “o danado do motô”, “esta
horrive novidade”, o diabo da ingresia”, de novo “o danado do moto”, “motô, tu é um
castigo/ bicho feio, sem futuro” e “tu é o pió instrumento/ que já fizero na terra”.
E como esta invenção marca sua presença e que frutos ela traz? Cada estrofe diz um
pouco: “Tudo é tristeza e deslêxo”, “Este estrangeiro enxerido/fazendo grande alarido”, “esta
horrive novidade/ fazendo um doido baruio”, “tirou toda a poesia/ que havia nas farinhada”,
“Com aquela berradêra/foi tudo perdendo a ”, “mode este teu pôpôpô/que aborrece e que
incomoda”.
247
Tradicionalismo, modernização e trabalho alienado
temos material bastante para elencar um conjunto de elementos que configuram o
estado de felicidade e bem-estar que proporcionava este modo arcaico de produção, e que
explica a sua defesa e ao mesmo tempo o ataque à modernização introduzida pelo emprego da
energia elétrica e do motor nos engenhos e nas casa de farinha. Estamos diante da nostalgia
por um modo de produção arcaico, que favorece maior interação e liberdade de movimento
entre os trabalhadores, e a tirânica introdução da máquina que além de barulhenta subordina o
homem ao seu ritmo, transformando-o em certo sentido em máquina. Além disso, a nova
tecnologia substitui muitos trabalhadores eliminando postos de trabalho.
Dupla desumanização, o ruído rouba dos homens os espaços da fala e da audição, a
prática da comunicação, impede-os de se divirtirem enquanto trabalham em interação
desafogada e alegre, com a cadência e o embalo dos cantos que atenuam a fadiga, unificando
e canalizando as energias de todos no esforço da produção. Deixam de existir o canto do
Fornero e as estórias do velho Botijão, assim como os cochichos, sussuros, risadas, gritos e
trocas de segredos.
O fim da convivência amistosa e do espírito lúdico durante o tempo de trabalho
transforma esses homens e mulheres de seres ativos que falam, cantam e se movimentam em
corpos que emudecem, e apenas trabalham, ruminando seu silêncio e sua solidão.
Através desse processo o indivíduo tem cada vez mais restringida sua liberdade, sua
autonomia de movimentos, e sua atenção tende a se concentrar numa tarefa repetitiva
desenvolvida num grau de velocidade exigente, implicando uma adaptação física e
psicológica penosa. Este processo se produz do ponto de vista psicológico, mediante a
exaltação de uma função psíquica. A hipertrofia de uma determinada função, imposta pelo
processo de especialização implica o adormecimento ou abandono de outras, resultando num
empobrecimento psicológico.
248
Em tais condições o trabalho que às vezes tinha o sabor de uma doce brincadeira
converte-se em martírio e brutalização do trabalhador. Passa-se de uma situação muito
peculiar em que trabalho, divertimento e trocas afetivas entrelaçam-se sem contradição para
outra em que o homem perde a si mesmo durante o trabalho.
Seu moço, uma farinhada
Foi durante a minha vida
A coisa mais animada,
Mais boa e mais divertida
Que eu já encontrei na terra;
Mas quando chegou na serra
O danado do motô,
Este estragêro enxerido,
Fazendo grande alarido,
O meu prazê se acabou
Nas novas condições introduzidas com a modernização, encontramo-nos diante de
uma das faces do trabalho alienado. A alienação do trabalho, segundo Marx
47
se em dois
aspectos:
1) Em relação ao produto do trabalho. O trabalhador não é dono do que produz e se
relaciona ao produto do seu trabalho como a um objeto estranho. O trabalhador põe a
sua vida no objeto, porém agora ela já não lhe pertence a ele, mas ao objeto.
2) A alienação se revela também no processo de produção, no interior da própria
atividade produtiva. O trabalho é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence à
sua natureza, portanto ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se
sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas
esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por conseguinte, o trabalhador durante o
tempo do trabalho, acha-se fora de si e só se acha consigo quando está fora do
trabalho.
Com aquela berradêra,
Foi tudo perdendo a fé,
47
MARX, Karl. O trabalho alienado in Manuscritos econômico-filosóficos, Edições 70, Lisboa, 1993.
249
Arguma das rapadêra
Abandonaro os quicé.
Dêrne o premêro momento
Que entrou nos aviamento
O danado do motô
A encantadora Maroca
Nunca mais rapou mandioca
Com pena dos puxadô
Motô, tu é um castigo!
Bicho feio, sem futuro,
Sou sempre o teu inimigo,
Te dou figa e desconjuro
Do mestre que te inventou,
Mode este teu pôpôpô,
Que aborrece e incomoda.
Ninguém vê mais os caboco
Que gritava dando soco,
Puxando os vêio da roda.
Tu é o pio instrumento
Que já fizero na terra,
Acabou o divertimento
De riba da nossa serra;
Eu morro e não te perdôo,
Safado, eu te amaldiçôo
Com toda a tua zuada,
Em nome das rapadêra,
Lavadêra e cuzinhêra
Das alegre farinhada.
Quanto a estas duas faces da alienação é fora de dúvida que o poema refere-se,
sobretudo, à segunda, a que se relaciona às ações praticadas durante a jornada de trabalho. É
evidente e ostensivamente este o assunto do poema. Quanto à outra forma de alienação, a
perda do produto e das energias do trabalho em virtude de sua apropriação por outrem,
devemos deixá-la em suspenso, pois o poema cala sobre o assunto não fornecendo elementos
para afirmar que esta forma de alienação estava no horizonte do narrador.
250
BANGÜÊ de Jorge de Lima
O Professor Vagner Camilo chamou-me a atenção para a semelhança temática entre
estes dois poemas de Patativa do Assaré que acabo de analisar e o poema Bangüê de Jorge de
Lima, sobre o qual o Professor escreveu um ensaio
48
, onde fui colher alguns elementos a fim
de tentar uma aproximação entre os poemas e seus autores.
Creio que um estudo, confrontando os dois poetas e seus pontos de vista sobre o tema,
pode revelar-nos, além das semelhanças, algumas diferenças interessantes.
Bangüê
Jorge de Lima
Cadê você meu país do Nordeste
que eu não vi nessa Usina Central Leão de minha terra?
Ah! Usina, você engoliu os bangüezinhos do país das Alagoas!
Você é grande, Usina Leão!
As suas turbinas têm o diabo no corpo!
Você uiva!
Você geme!
Você grita!
Você está dizendo que U.S.A. é grande!
Você está dizendo que U.S.A. é forte!
Você está dizendo que U.S.A. é única!
Mas eu estou dizendo que V. é triste
como uma igreja sem sino,
que você é mesmo como um templo evangélico!
Onde é que está a alegria das bagaceiras?
O cheiro bom do mel borbulhando nas tachas?
A tropa dos pães de açúcar atraindo arapuás?
Onde é que mugem os meus bois trabalhadores?
Onde é que cantam meus caboclos lambaceiros?
Onde é que dormem de papos pro ar os bebedores de restos de alambique?
E os senhores de espora?
E as sinhás-donas de cocó?
E os cambiteiros, purgadores, negros queimados na fornalha?
48
CAMILO, Vagner. Poemas negros – Um diálogo poético de Jorge de Lima e Gilberto Freyre in Revista USP.
251
O seu cozinhador, Usina Leão, é esse tal Mister Cox que tira da cana o que a cana não
pode dar
e que não deixa nem bagaço
com um tiquinho de caldo
para as abelhas chupar!
O bangüezinho era tão diferente,
vestidinho de branco, o chapeuzinho do telhado sobre os olhos,
Fumando o cigarro do boieiro pra namorar a mata virgem.
Nos domingos tinha missa na capela
e depois da missa uma feira danada:
a zabumba tirando esmola para as almas;
e os cabras de faca de ponta na cintura,
a camisa por fora das calças:
"Mão de milho a pataca!"
"Carretel marca Alexandre a doistões!"
Cadê você meu país de bangüês
com as cantigas da boca da moenda:
"Tomba cana João que eu já tombei!"
E o eixo da maçaranduba chorando
talvez os estragos que a cachaça ia fazer!
E a casa dos cobres com o seu mestre de açúcar potoqueiro,
com seu banqueiro avinhado
e as tachas de mel escumando,
escumando como cachorro danado.
E o bangüê que só sabia trabalhar cantando,
Cantava em cima das tachas:
"Tempera o caldo mulher que a escuma assobe..."
Cadê a sua casa-grande, bangüê,
com as suas Dondons,
com as suas Tetês,
com as suas Benbens,
com as suas Donanas alcoviteiras?
Com seus Totôs e seus Pipius corredores de cavalhada?
E as suas molecas catadoras de piolho,
e as suas negras Calus, que sabiam fazer munguzás,
Manuês,
cuscuz,
e suas sinhás dengosas amantes dos banhos de rio
e de redes de franja larga!
Cadê os nomes de você, bangüês?
Maravalha,
Corredor,
Cipó branco,
Fazendinha,
Burrego-dágua
252
Menino Deus!
Ah! Usina Leão, você engoliu
os bangüezinhos do país das Alagoas!
Cadê seus quilombos com seus índios armados de flecha,
com seus negros mucufas que sempre acabavam vendidos,
Tirando esmola para enterrar o rei do Congo?
"Folga negro
Branco não vem cá!
Si vinhé,
Pau há de leva!"
Você vai morrer, bangüê!
Ainda ontem sêo Major Totonho do Sanharó
Esticou a canela.
De noite se tomou uma caninha
pra se ter força de chorar.
E se fez sentinela.
E você, bangüezinho que faz tudo cantando
Foi cantar nos ouvidos do defunto:
"Totonho! Totonho!
Ouve a voz de quem te chama
vem buscar aquela alma
que há treis dias te reclama!"
Bangüê! E eu pensei que estavam
Cantando nos ouvidos de você:
"Bangüê! Bangüê!
Ouve a voz de quem te chama!"
Comentário
O texto de Jorge de Lima faz parte dos Poemas negros, onde o poeta alagoano, numa
linguagem que incorpora os códigos da poesia moderna, revive os mitos e a história dos
negros que serviram às elites brancas e proprietárias dos antigos engenhos de cana, os
bangüês, que pouco a pouco foram sendo engolidos pelas usinas. O poema de Jorge como o
de Patativa é um canto de lamento pelo fim das relações cordiais de trabalho vigentes nos
velhos engenhos e contra a modernização representada pela hegemonia das Usinas.
Como primeiro passo, anotemos a diferença na condição social dos dois poetas. Jorge
de Lima tinha uma metade aristocrática, homem culto, estudou e praticou medicina na capital
do país, além de ter sido professor de literatura. Consciente de sua circunstância social que o
253
distanciava do mundo da senzala, por simpatia e solidariedade com a situação dos negros traz
em seus versos uma óptica que por força desta empatia está mais próxima da óptica da
senzala, como observa Vagner Camilo, completando “isso é claro sem se confundir com ela
o que mais do que ingênuo seria ideologicamente comprometedor.”
Patativa do Assaré, poeta e camponês, autodidata, viveu a vida toda no pequeno tio,
que herdou de seus pais, na Serra de Santana sobrevivendo da roça que plantava. A sua serra
trata-se de uma região onde predomina a pequena propriedade e onde, diferentemente das
Alagoas de Jorge, a presença do negro na composição populacional é significativamente
menor do que aquela da região dos engenhos do nordeste canavieiro.
Temos três diferenças importantes a serem levadas em consideração. A condição
social dos autores, o universo diferente em termos de dimensões e classe dos proprietários,
quando se compara as casas de farinha e pequenos engenhos de rapadura no Ceará com as
grandes fazendas da zona da mata alagoana, e, finalmente, a diversa composição étnica das
populações das respectivas micro-regiões. Cada um destes elementos traz implicações na
constituição do ponto de vista nos poemas.
Diferentemente do que ocorre em Bangüê, nos dois poemas de Patativa, mais
nitidamente em Puxadô de roda, a voz rica é a de um trabalhador, e, em ambos, verifica-se
unicamente a presença de trabalhadores, assim como nenhum relevo é dado à presença de
homens negros. Esta diferença deve ter seu fundamento nas diferenças étnicas e geo-
econômicas das duas sub-regiões a que remetem os poemas. No caso do poeta cearense as
casas de farinha e os engenhos de rapadura pertencem a pequenos sitiantes que trabalham eles
próprios no eito, ao lado de eventuais trabalhadores contratados especialmente para estas
ocasiões. No caso de Bangüê tem-se uma aristocracia de grandes proprietários junto aos
cabras em sua maioria negros.
254
O traço de união entre os três poemas é a condenação aos novos padrões de
organização do trabalho que acaba com a cordialidade das relações sociais, com o prazer e a
alegria das bagaceiras, e impõe aquela disciplina férrea que abole por completo os momentos
de ócio festivo e distensão que se intercalavam com as tarefas produtivas. Há ainda em
comum um sentimento de oposição e crítica ao poderio econômico dos países imperialistas,
pois estrangeira é a origem da tecnologia modernizadora. Patativa menciona os engenheiros
franceses, ingleses e americanos, Jorge de Lima enfatiza em três versos seguidos a soberba e
arrogância da poderosa nação do norte: U.S.A. Essencialmente os poemas se posicionam
contra a modernização e em defesa de modos de produção e organização arcaico-tradicionais,
vistos como mais desejáveis porque compatíveis com relações cordiais e paternalistas (no
caso de Bangüê) e relações de camaradagem ( Ingém de ferro e Puxado de roda) em que o
trabalho não é visto como apenas um sacrifício penoso, uma mutilação, mas antes um
momento de convívio, confraternização e divertimento.
Estudo de Bangüê de Jorge de Lima
Abre-se o poema sob o signo da procura pelo desaparecido: Cadê? O poeta pergunta,
pois fugiu-lhe do horizonte o “meu país do Nordeste”. Não o encontra, não o reconhece na
toda poderosa Usina Leão que engoliu os bangüesinhos do seu “país das Alagoas”. São dois
países, que são um só, ou três, pois mais adiante pergunta o poeta pelo “meu país de
bangüês”. Os três, o Nordeste, as Alagoas e os bangüês formam um país, onde se sobrepõem
três instâncias. Três nomes que na sua mitologia particular se correspondem e formam a pátria
afetiva do poeta. Observe-se que o país maior, que engloba estes três não é mencionado, no
entanto, talvez haja referência muito vaga a ele, quando no segundo verso é utilizada a
expressão “minha terra”. Mas nada garante que não seja outra vez a terra Nordeste, ou a terra
Alagoas, ou seria uma pontinha onde se vislumbra ao fundo o país Brasil?
255
Mas em todo o poema o nome do país continente que abrange estas realidades
menores não aparece. A Pátria é representada pela via regional, é com a região que o poeta
se identifica, na linha da valorização do regionalismo, atitude inspirada nas teses do
Congresso Regionalista do Recife de 1926, que teve em Gilberto Freyre uma figura de
destaque.
O poema em versos livres e brancos tem um ritmo em parte fundado em anáforas, com
algumas seqüências longas onde repetem-se certas palavras no princípios de vários versos.
oito iniciados pela palavra você, outros tantos pelo advérbio onde, e outros ainda pelo e,
conjunção aditiva, e com, preposição.
um tom coloquial, uma evocação de lembranças queridas, daí a atmosfera de
intimidade e aproximação do que está distante. O você aqui tanto serve para marcar a
interlocução com a Usina, o adversário, no caso, contra o qual se dirige a queixa, como
também servirá adiante para marcar a interlocução com o bangüê cuja morte o poeta lamenta.
A mesma palavra serve para referir-se aos dois pólos antagônicos. um você adversário e
outro familiar e amistoso. Vimos que no Ingém de ferro, Patativa também recorre ao você
para com ele fazer do próprio motor o interlocutor a quem se dirige no poema. Jorge de Lima
adota a mesma palavra para referir-se à Usina, mas utiliza o mesmo pronome de tratamento
para convocar o objeto ameaçado para o qual pende sua afetividade. No mais inúmeros
elementos que estão presentes nos dois poemas de Patativa do Assaré, ao lado de outros que
neles inexistem, conforme já foi dito.
Falemos das semelhanças. Bangüê e Ingém de ferro iniciam apontando os tentáculos
da dominação estrangeira como força invasora responsável pela modernização destrutiva.
Enquanto Patativa fala em engenheiros francês, inglês e americano, Jorge de Lima insiste
unicamente na origem norte americana da Usina. Numa das seqüências de anáforas com o
pronome você, três versos assemelhados numa estrutura paralelística em que varia a
256
última palavra sendo as seis primeiras exatamente iguais, considerando a sigla U.S.A. como
uma palavra. Causa impressão este nome de país abreviado em forma de sigla, algo que
sugere mais que uma sigla um código cifrado, nome de país dominador que prefere se
esconder por detrás de uma incógnita, três palavras impronunciadas e ocultas por conta de três
pontos que seguem cada letra inicial. A sigla é o nome descartado, esvaziado e substituído por
um simulacro desprovido de alma. também que considerar a semelhança gráfica da sigla
U.S.A. com a palavra USinA. Observe-se que no verso logo abaixo destes três, o verso de
número treze, aparece um Você abreviado, posicionado logo abaixo da sigla dos Estados
Unidos. Curioso que até esta altura o pronome você houvesse aparecido oito vezes, e todas
elas escrito por extenso, somente quando inverte sua posição do início para a parte final do
verso e vai se posicionar logo abaixo da sigla daquele país fique o “você” também abreviado,
frio, impessoalizado, ocultando sua inteireza por um ponto, como o nome cifrado do país
ícone do Capital.
Ainda como nos versos de Assaré, desfilam pelo poema de Lima um conjunto de
elementos caracterizadores do à vontade que faz do trabalho também divertimento e
distensão: “as cantigas da boca da moenda” (lembra o canto do alegre forneiro), “um mestre
de açúcar potoqueiro” (lembra a tagarelice do velho Guilherme Botijão); “você engoliu os
bangüesinhos do país das Alagoas” (Esguerado, esgalamido!/come, come, interessêro); “o
bangüê que sabia trabalhar cantando” (O ingém de pau quando canta,/ tudo lhe presta
atenção/parece que as coisa santa/ chega em nosso coração); “Onde é que mugem meus bois
trabalhadores?” (Foi quem expulsou os boi/que puxava na manjarra); “Onde é que dormem e
papos para o ar os bebedores de resto de alambique? (a mais doce brincadêra,/Deitado na
bagacêra/Tudo de papo pra cima)
Diferenças encontramos nos senhores de espora e nas sinhás-donas de cocó; na casa-
grande e nos trabalhadores negros, todos estes elementos presentes apenas no poema de Jorge
257
de Lima. Afora isso vale comentar outra diferença expressiva a das próprias formas poéticas
utilizadas pelos dois autores. A poesia tradicional em Patativa é coetânea das próprias
tradições e costumes que o poeta canta, a poesia moderna de Jorge de Lima, nostálgica e
anacrônica em relação aos costumes e homens de que fala, está para o seu tema, numa
situação de intervalo ou ruptura que lembra a situação dos filhos das elites rurais que uma vez
tendo feito seus estudos nas capitais de voltam transformados e incapazes de adaptar-se
novamente à vida no campo e por isso não conseguem dedicar-se à administração dos
engenhos da família.
A usina reúne a imagem do diabo e da igreja fria, sem sino, triste. Sua voracidade para
o lucro parece uma vocação nefasta para exaurir as fontes de vida, é assim que seu cozinhador
tira da cana o que a cana não pode dar, não deixado bagaço com nem um tiquinho de caldo
para as abelhas chupar. Nociva para a vitalidade espiritual do trabalhador, mortífera como
uma fera mecânica que exaure o alimento de seres que antes gravitavam e extraíam vida das
margens da produção do engenho. A usina como uma fera anti-ecológica quebra impiedosa a
cadeia alimentar e condena à morte o bangüê, os costumes comunitários e as energias
criadoras.
Algumas Questões
Os poemas de Patativa do Assaré e de Jorge de Lima refutam as novas relações sociais
trazidas pelo progresso. Os dois autores colocam-se em oposição às relações burguesas em
substituição às relações paternalistas. Jorge de Lima como poeta de origem semi-aristocrata,
ao demonstrar frustração e desconforto com o fim do mundo patriarcal, parece falar tanto em
nome de uma classe dominante que vê o mundo por ela governado ruir, quanto parece ecoar o
descontentamento dos trabalhadores negros subordinados segundo códigos de mando e
convivência pré-capitalistas.
258
o poema de Patativa do Assaré parece exprimir unicamente o protesto dos
trabalhadores contra a violência e mutilação que sobre eles se abate quando o ritmo do
trabalho passa a ser determinado pela máquina, instrumento burguês para o aumento da
produtividade e desvalorização do trabalhador. Estão ausentes do Puxadô de roda e de Ingém
de ferro quaisquer personagens porta-vozes dos proprietários ou ainda qualquer alusão a
desencanto, frustração ou ponto de vista desta classe. Em toda a fala do narrador não há
menção à presença de nenhum senhor ou senhora que tenha ascendência sobre os
trabalhadores como encontramos no poema Bangüê de Jorge de Lima.
Uma hipótese em direção contrária a esta seria pressupor que o poema de Patativa
tenha como modelo a economia cearense em que não existem grandes engenhos como os dos
estados nordestinos da zona da mata. E sim pequenos engenhos de rapadura e casas de farinha
igualmente em escala modesta onde se entrelaçam a subsistência familiar e o pequeno
comércio. Mas para adotarmos esta leitura deparamo-nos com o desafio de explicar quem
responderia pela iniciativa de uma modernização, tão mal amada, se os donos estariam
praticamente no nível dos trabalhadores e assim todos atacariam o motor com a mesma
veemência. Ou porque o poeta se absteria de mencionar pelo menos alguma voz que
respondesse por aquela escolha nociva e desagradável. O poema de Patativa parece expressar
o ponto de vista de uma única classe social, a dos trabalhadores. Mas se estes são inimigos da
tecnologia e da modernização, e esta mesmo assim se impõe e desarranja-lhes os costumes
tradicionais é porque em algum ponto existe alguém que trouxe e impôs esta modernização,
que a este o poeta não voz, ou não o traz para dentro do poema salvo se pudermos ver
na menção às nacionalidades estrangeiras uma alusão ao imperialismo. Ainda assim fica
faltando a mão responsável pela importação da engenhoca estrangeira. O protesto do poeta
agricultor foca apenas na própria classe trabalhadora, e a classe dominante está pressuposta no
poema por meio da presença de elementos da modernização. Não qualquer vulto humano
259
que assinale a presença dos proprietários, que estão representados exclusivamente pela
própria tecnologia, instrumento de interesses antagônicos aos dos trabalhadores, como a
análise do poema nos pode revelar.
Se vimos que se assemelham as queixas e o protesto contra o progresso nos poemas de
Jorge de Lima e Patativa do Assaré, o primeiro autor de raízes na classe dos donos de
engenho, de alguma forma aproximando-se do ponto de vista dos trabalhadores negros, o
outro um poeta agricultor, cabe a questão de saber em que se fundamenta a semelhança
convergente destes dois discurso se a origem social dos autores é tão diversa, e quais as
diferenças que podemos identificar como resultante destes lugares sociais distintos.
Alguns historiadores acusam o caráter reacionário do movimento de defesa da
tradição
49
, nascido do trabalho de intelectuais ligados às elites regionais num movimento de
institucionalização de certa concepção de Nordeste através de um discurso historicamente
construído e por trás do qual pode-se identificar o jogo de interesses de proprietários e elites
políticas a estes ligadas, todos empenhados em garantir um poder e uma dominação que
começava a escapar-lhes das mãos. Um movimento para dar visibilidade e criar uma
dizibilidade para o Nordeste que, tendo se iniciado no âmbito das reivindicações políticas,
ganhou reforço no plano cultural com a atuação de intelectuais dentre os quais se destaca pela
liderança que desempenhou nesse processo o nome de Gilberto Freyre. O congresso
regionalista de 1926 é o marco inaugural deste movimento, tenta-se legitimar o recorte
regional não mais com argumentos naturalistas (as condições geográficas as secas
periódicas), mas com argumentos históricos e culturais. Procura-se estabelecer uma linha de
continuidade histórica, que recuando até o século XVI, costure uma unidade para a região.
Porém elementos para afirmar que a idéia de Nordeste é recente, surgindo nos
primeiros anos do século XX. É então que rias práticas discursivas e estratégias políticas
49
As teses que esponho neste e nos dois parágrafos seguintes são defendidas por Durval Muniz de Albuquerque
no seu livro A invenção do ordeste e outras artes, citado na bibliografia.
260
vão elaborando o conceito de Nordeste, vão lhe conferindo uma imagem como de uma região
empobrecida, vítima das secas, fruto do declínio econômico, o que leva intelectuais e políticos
das várias províncias a se solidarizarem e se unirem em atitudes reivindicatórias movidos pelo
sentimento de marginalização no âmbito nacional. O Nordeste é inventado como um outro em
relação a São Paulo.
Emerge e se institucionaliza uma idéia de Nordeste, inclusive entre as camadas
populares “que serve de trincheira para reivindicações, conquistas de benesses econômicas e
cargos no aparelho de Estado”. Com a industrialização do Sul aprofunda-se a distância entre
os dois pólos geográficos e o Estado cria políticas compensatórias através de instituições que
distribuem recursos que vão para os bolsos dos grandes proprietários de terra e empresários
“funcionando como incentivos a uma obsolescência tecnológica e uma crescente falta de
investimentos produtivos. Isto torna o Nordeste a região que praticamente vive de esmolas
institucionalizadas através de subsídios, empréstimos que não são pagos, recursos para o
combate à seca que são desviados e isenções fiscais”.
Postos estes elementos, a questão que agora nos interessa é avaliar se o
tradicionalismo que visa restaurar o mundo sob o domínio de uma classe de proprietários é o
mesmo tradicionalismo manifesto pelas classes populares. O tom nostálgico e apologético de
evocação do mundo que o progresso destruiu, o ataque à implantação de relações capitalistas
com o fim dos códigos paternalistas é o que está na base dos protestos tanto do poeta e das
camadas populares quanto do poeta culto e das classes possuidoras? Haveria absorção da
ideologia de uma classe por outra, ou será possível identificar fissuras nestes discursos e
através delas vislumbrar o ponto de vista peculiar aos anseios populares?
Povo e grandes proprietários (latifundiários e senhores de engenho) posicionam-se
contra a impessoalidade das relações sociais e a violência da exploração capitalista, mas
261
perguntamo-nos em que então se antagonizam povo e elite, trabalhadores e proprietários com
fumaças de aristocracia?
Primeiramente, observamos que no poema de Jorge de Lima comparecem os senhores
e sinhás e os trabalhadores negros, todos envolvidos por um halo de simpatia mútua que é
efeito da dominação de feitio paternalista, parece haver condescendência pelo lado dos
proprietários e, pelo lado dos trabalhadores, uma espécie de reconhecimento por concessões
tidas como benefícios, uma harmonia com o à vontade com que se deixa o trabalho
transcorrer.
A ausência dos proprietários no poema de Patativa não nos autoriza a formular este
mesmo esquema. Aqui, com certeza, o que vemos é uma condenação ao progresso,
identificado com o brutalismo da máquina, (visão que também encontramos em Bangüê)
avivada por contraste pela evocação e apologia de um à vontade no trabalho, de um modus
vivendi em que se interpenetram trabalho e divertimento. A ausência da representação da
figura ou da voz dos proprietários leva-nos a pensar que sendo Patativa um poeta-agricultor
olhou apenas para os seus iguais, traduziu-lhes o ponto de vista, ignorando os donos que se
beneficiam com aquelas mudanças indesejadas e contrárias aos costumes consagrados.
Nesta hipótese, no poema de Jorge de Lima fala a voz de um neto de proprietários, de
origem semi-aristocrata e que demonstra aversão às relações burguesas representadas pela
Usina, diferentes das relações paternalistas dos velhos bangüês de que a família do poeta
chegou a ser proprietária. É então do enlace ambíguo entre proprietários e trabalhadores sob o
regime patriarcal que se sedimenta um arranjo ou uma acomodação entre as classes que vai
gerar o sentimento de interesses comuns contrariados de onde se origina a queixa a que o
poema dá voz.
262
Da ausência dos proprietários e da voz exclusiva dos trabalhadores, nos poemas de
Patativa, que desdobramentos podemos tirar para a configuração do fundamento ideológico da
visão de mundo do poeta?
A denúncia ou a queixa que estes poemas expressam é sobretudo referente à alienação
no processo de trabalho. O motor é agressivo e destrutivo do modus vivendi tradicional,
introduz uma nova organização do trabalho que elimina por completo as razões para a alegria
das farinhadas ou a poesia que parece emanar do cantar cadenciado do velho engenho de pau
movido pela força das juntas de boi. Nas novas condições implantadas não pode haver
identificação do homem com uma atividade a que é constrangido para garantir a
sobrevivência, mas que o brutaliza, hipertrofiando a solicitação de uma capacidade à custa da
atrofia de muitas de suas faculdades que devem ser podadas, refreadas, ou até eliminadas pelo
desuso ou falta de cultivo, subordinação e empobrecimento do espírito que deve abdicar de
sua largueza para caber no espartilho estreito das tarefas mecânicas, repetitivas e restritivas
mas condizentes com o aumento da produtividade nos níveis estratosféricos dos mercados em
expansão.
Neste ponto nos achamos frente a um dilema. A evolução tecnológica aumenta a
produtividade do trabalho e, por conseguinte, é o caminho para uma maior geração de
riqueza. Impossível às sociedades humanas estagnarem. É de sua natureza o ininterrupto
desenvolvimento das forças produtivas que implica num aumento da divisão do trabalho e
aparecimento da sociedade de classes. Se por um lado o protesto contra a mutilação efetuada
pela mecanização com seu funcionamento nocivo e predador ao bem estar dos trabalhadores é
procedente e busca resguardar valores humanos mais elevados que a ambição de lucro, por
outro como responder à necessidade de crescimento da riqueza dentro da sociedade?
Partamos da seguinte constatação: “O desenvolvimento de uma civilização consiste
em uma contínua ampliação da divisão do trabalho, que não se opõe, mas pelo contrário, é a
263
causa de uma contínua integração da estrutura da economia social.” E ainda a pergunta e
resposta que se seguem: “Como faremos para julgar se uma sociedade se acha mais
desenvolvida que outra? ... “o fator determinante reside no aumento do mero de membros
da espécie”
50
. No homem esse aumento dependerá do nível de produção econômica: quanto
mais avançado seja este, maior será o domínio que o homem poderá lograr sobre o meio.
Sendo o progresso e a ampliação da divisão do trabalho o destino das sociedades
humanas, como harmonizar a tendência para este fim histórico com o justo protesto contra o
aviltamento do trabalhador como conseqüência ou acidente a meio do caminho do percurso
traçado pelo desenvolvimento das forças produtivas?
As considerações que faremos e vimos fazendo no esforço de interpretar a ideologia
de culto ao tradicionalismo com a sua crítica e oposição ao advento de relações sociais
próprias de uma modernização burguesa devem levar em conta estes questionamentos e
perplexidades.
Precisamos esclarecer que tipo de correlação existe entre diferenciação e
individualização. A diferenciação é resultante de um processo econômico, é conseqüência da
divisão do trabalho e se expressa como especialização que num certo sentido pode ser vista
como antítese da individualização. esta num sentido de diferenças individuais tem um
fundamento genético, representa a conseqüência de um conjunto determinado de gens, são
variações.
Nosso primeiro pressuposto é o de que a especialização, trazida pela divisão do
trabalho restringe e limita o livre desenvolvimento das potencialidades humanas ao converter
o homem num tipo profissional. Quanto mais profunda for a diferenciação, mais especializada
será a função que o sujeito deve desempenhar e mais penosa a adaptação, pois esta se produz
mediante a exaltação de uma função psíquica. “A hipertrofia desta função e sua adequação
50
CAUDWELL, Christopher. Ilusion y Realidad – Uma poética marxista. Editorial Paidós, Buenos Aires.
264
aos requerimentos do tipo profissional escolhido provocarão a anulação parcial das outras
funções psíquicas”.
Mas podemos imaginar que a diferenciação poderia de fato favorecer a
individualização ao abrir um campo mais amplo ao desenvolvimento da individualidade
genética. Seria de esperar que “a diferenciação econômica, ao fazer possível a especialização,
permitisse um desenvolvimento mais rico das particularidades ou variações que constituem a
‘diferença’ de um indivíduo biológico”
51
. E por que não é isso o que se dá? Primeiro porque,
numa sociedade de classes, o indivíduo não é livre para escolher dentro de uma variada gama
de funções aquela que lhe faculte um desenvolvimento mais rico de suas potencialidades. Em
tese, a diferenciação deveria favorecer e não obstaculizar o desenvolvimento das
potencialidades do indivíduo, mas isto não ocorre porque o indivíduo é forçado a amoldar-se a
uma função vinculada a um tipo cujos serviços possuem valor de troca.
Neste ponto configura-se uma situação contraditória. Num certo sentido o que
podemos concluir do que vimos até aqui é que o choque de valores entre a tradição cultuada
pelo poeta e as condições trazidas pela introdução de um invento tecnológico encomendam
uma condenação do progresso. O que vale ser pesquisado é se esta condenação é irrestrita e
em bloco.
Percorrendo a obra do autor nos deparamos com diversas passagens em que o atraso é
condenado, pois o poeta entende que dele advém a miséria, a pobreza e desamparo em que
vive o povo, especialmente os sertanejos. Vemos em seus versos a denúncia e a queixa contra
a falta de proteção à saúde, no caso, por exemplo, das tantas mulheres que morrem de parto.
Este assunto aparece, conforme foi visto em quatro poemas cujo tema é a vida sertaneja. Todo
um poema dedicado à sua terra natal, o município do Assaré, lamenta a falta de inúmeros
benefícios do progresso. Numa outra passagem, num sinal de compreensão da relação
51
Idem.
265
complexa do bem estar social com o progresso, o poeta aponta como do campo sai a matéria-
prima geradora de riqueza, no caso, o algodão, que ironicamente vai alimentar a desigualdade
campo /cidade, levando o progresso a esta última e deixando o sertão esquecido. O
analfabetismo é denunciado como um crime, apesar da curiosa passagem em que o poeta
insinua que desta mesma falta instrucional advém também uma inocência que se identifica
com a santa verdade. Não se trata de procurar ou exigir coerência do poeta, mas pelo
contrário, de realçar estas contradições, pois elas são indícios da consciência possível frente a
uma realidade complexa que o poeta enfrenta justamente por meio da contradição, pois seria
esta a única estratégia capaz de não trair a complexidade do real.
De um lado muitas de suas posturas são a de alguém que cultua valores de uma
tradição e sabe que sua poesia tem compromisso com estes valores e desempenha um papel
importante no sentido de sua preservação. Parece ter sido este em grande parte uma das
principais motivações do poeta ao compor os versos de Puxadô de roda.
52
Sua intenção seria,
antes de mais nada, transmitir às gerações que não conheceram os costumes ali descritos a
memória de um tempo feliz ainda que não seja mais possível voltar a ele. Sabe-se que a
memória é uma das armas da resistência dos grupos cujas identidades estão sob ameaça de
desfiguração. Ainda que o ato de relembrar reponha apenas a memória do que foi é por si
só uma atitude de resistência, pois investe contra a suprema desvalorização impingida a tantos
agentes sociais pelo puro esquecimento de seu papel, de sua história. Chega com isso o poeta
a um limite. Ao reviver todo este modus vivendi através de seus versos não seria justo
interpretar esta criação como um sinal de um desejo passadista, de um anseio pela volta ao
passado, este tipo de “magia” está completamente ausente da perspectiva do poeta que sabe
que a marcha do progresso é irreversível. Tanto sabe que noutros poemas, como assinalei,
52
Ao pesquisador Luiz Tadeu Feitosa, falando sobre este poema, Patativa afirma seu desejo de, por meio dele,
mostrar às novas gerações como era a vida no sertão nos tempos que já passaram, atribui ao seu poema uma
função formativa e informativa. Ver Patativa do Assaré – A trajetória de um canto, de Luiz Tadeu Feitosa citado
na bibliografia.
266
põe-se ele a invocar o progresso para si e para sua gente. Como então interpretar esta
ambigüidade?
O sentido cultural desta intervenção poética é o de reavivar valores que a marcha do
progresso tende a atropelar, a empurrar para debaixo do tapete, e ao recordá-los
desautomatizar, questionar, pôr sob suspeita a aceitação a-crítica de tudo o que vai sendo
empurrado goela abaixo pelas forças de um progresso cego, ou que enxerga somente
determinados interesses. Eu diria que um misto de resignação e resistência nesta atitude
cultural. Sem pretender a volta ao passado procura reencontar no futuro certos valores que são
inalienáveis mesmo que para isso o futuro deva ser objeto de escolhas mais democráticas.
Uma investida pura e simples contra a técnica é desautorizada pelo próprio
reconhecimento popular da serventia do progresso. Não são raros os depoimentos da gente do
campo, que tendo conhecido o regime antigo e o novo de trabalho, reconheçam os ganhos
advindos da introdução da tecnologia. Repõe-se a contradição. Como o segmento social cuja
vida foi agredida e mutilada por um tipo de intervenção tecnológica pode num certo momento
reconhecer valor a esta mesma tecnologia?
Esta contradição torna-se compreensível nos quadros de uma contradição dialética que
poderíamos assim caracterizar:
1) a tecnologia promove um aumento da produtividade e da riqueza social, mas esta
expansão econômica tem dois lados: beneficia proprietários e oprime
trabalhadores. Isso já havíamos dito atrás.
2) Num primeiro estágio do processo de modernização os avanços tecnológicos
impõem sacrifícios, em vez de libertarem ou aliviarem todos os homens fazem isso
em relação a alguns às custas da subordinação e de fazer recair uma sobrecarga
excessiva sobre outros.
267
É este o estágio tecnológico que corresponde ao estado de coisas referido nos poemas
analisados. Podemos imaginar que numa etapa posterior, mais evoluída estes malefícios com
que a tecnologia agrava a jornada do trabalhador, tornando as tarefas mais opressivas,
desumanizando as condições e o ambiente do trabalho podem vir a ser minimizadas ou a
desaparecer. Tudo faz crer que esta fase tende a ser ultrapassada pelo próprio avanço da
tecnologia. Em estágios mais avançados do desenvolvimento da técnica as desvantagens e
inconvenientes advindos do seu emprego parecem ser de outra ordem, por exemplo, a ameaça
do desemprego.
O aumento da produtividade na economia e da riqueza social deveriam se converter
em melhor distribuição de renda e redução da jornada de trabalho, mas estes indicadores
sociais jamais se traduzem em benefícios que alcançam os trabalhadores na medida mesma
em que, por outro lado os afeta negativamente. sempre um enorme descompasso entre as
duas coisas.
É, no entanto, a percepção de que o progresso tecnológico acena com esta perspectiva
o que faz com que ninguém sinta-se confortável em pura e simplesmente investir contra a
tecnologia. Quando se o faz, como os poetas nos textos estudados, no fundo, esta investida,
este ataque é contra o uso que se faz de tal tecnologia.
A consciência deste desequilíbrio entre as promessas com que acena o progresso, as
possibilidades que decorrem do desenvolvimento e os resultados adversos e contrários a estas
expectativas é o que cria vozes adversárias à técnica e a um determinado tipo de progresso.
Mas há um sentimento de que as coisas poderiam ser diferentes.
Por tudo isso, podemos afirmar que a perspectiva do poeta não é anti-progressista se
entendermos esta como uma orientação reacionária. Ele não pode sonhar com a volta pura e
simples ao passado, na medida em que neste quando não era oprimido pela máquina, o era
pelo fazendeiro ou pelo latifundiário, ou pelo comerciante que compra barato sua safra. Sua
268
visão não é reacionária ainda, na medida em que em sua obra momentos de louvação ao
progresso e de apologia de uma visão de mundo esclarecida. Veja-se a este respeito, por
exemplo, num poema como A festa da Maricota a expressão do anseio de um sertão livre do
banditismo, e sem vestígio de cangaceirismo.
Talvez pudéssemos denominar o ponto de vista do poeta como o de alguém cujo ideal
seria o de progresso conservador, mas não reacionário, conservador na medida em que sonha
com a possibilidade de escolher dentre as inúmeras possibilidades que o progresso faculta
aquela que seria mais adequada a uma vida pautada por certos valores já vivenciados e
internalizados. O que sabemos, choca-se frontalmente com a lógica de um mundo regido pelo
mercado, da impressão de impasse sem solução e de ser utópica a perspectiva do poeta e
das classes populares.
Minha Vingança
I
IV
1
O povo não ignora
31
Eu nunca falei atôa,
2
que da justiça sou fã,
32
sempre conciênte fui,
3
quem me faz um mal agora
33
uma das coisa mais boa
4
paga dobrado amanhã,
34
que aquela terra pissui
5
fala um ditado no mundo
35
É a usina de açúcar,
6
com um sentido profundo:
36
tem uma força maluca,
7
quem espera sempre alcança,
37
ninguém tira o seu valor
8
com esta filosofia
38
E a toda aquela ingrenage
9
esperei até que um dia
39
eu faço a minha homenage
10
chegou a minha vingança
40
pruque lhe devo um favor
II
V
11
Barbaia, moça bacana
41
Logo no premero dia
12
que de beleza parpita
42
que pegou a trabaiá,
13
com sua rôpa bonita
43
eu com bastante alegria
14
feita de paia de cana,
44
comecei a me vingar
15
É a terra de Santo Antonho,
45
do ingém de ferro tão mal
16
O seu belo patrimonho
46
que matou o ingém de pau
17
eu conheço munto bem
47
do folclore bela prenda,
18
E vou falá neste instante
48
hoje ainda em meus ouvido
19
de uma das coisa importante
49
escuto o lindro ringido
20
que a lindra Barbaia tem
50
da cantiga das moenda
269
III
VI
21
A usina açucarêra
51
Esta usina o monstro horrendo
22
que em Barbaia apareceu,
52
que o céu de fumaça cobre,
23
foi a coisa arviçarêra
53
mesmo que teja fazendo
24
que munto prazê me deu,
54
atrazo para argum pobre,
25
taliquá a fera tirana
55
eu tou bastante obrigado,
26
Rosnando, engolindo cana
56
do ingém de ferro marvado
27
trinta dia em cada mês,
57
que ao ingém de pau deu fim
28
faz o maió arruído
58
A fama já se acabou,
29
E eu tô munto agradecido
59
se desgraçou e se lascou
30
de um favor que ela me fez
60
pagando o que fez a mim
VII
IX
61
Usina eu tou munto grato
81
Você mandou e gunvernou
62
com você no Cariri,
82
as cana que aí nascia,
63
eu gostei do espalhafato
83
mas quando a usina chegou
64
que você fez por aí,
84
com toda sua ingrisia
65
já oiei seu movimento
85
E o seu movimento brabo,
66
E cá no meu jurgamento
86
raivosa meteu-lhe o diabo
67
eu vou lhe dá doze grau,
87
E você ficou parado,
68
você com sua sustança
88
veja bem, monstro assarcino,
69
já fez por mim a vingança
89
como é triste o seu destino,
70
do finado ingém de pau
90
tá pagando o seu pecado
VIII
X
71
Oia lá, ingém de ferro,
91
Ingém de ferro, cunheça,
72
chegou também o seu dia,
92
quem corre também esparra,
73
onde é que tá o seu berro?
93
tenha injura e não se esqueça
74
cadê a sua inergia?
94
que das prossante manjarra
75
onde é que tá o seu motô,
95
você ispurçou os boi,
76
com aquele pôpôpô
96
O ingém de pau já se foi
77
cheio de orguio e brasão?
97
porém você também vai,
78
ingém de pau já morreu
98
E ninguém tem compaixão,
79
porém você recebeu
99
bem diz um véio rifrão
80
A lei da compensação
100
lá um dia a casa cai
O poema Minha vingança quando confrontado com os outros dois de Patativa que
analisei neste capítulo surpreende-nos pela contradição. Vemos agora o poeta vingar-se do
Imgém de Ferro louvando o aparecimento da Usina porque esta veio para substituí-los e assim
acabar com a era dos engenhos de ferro. Ocorre que a Usina parece representar uma gica
270
muito mais próxima e afinada com a dos engenhos eletrificados e motorizados do que com o
universo dos saudosos e rústicos engenhos de pau celebrados pelo poeta.
Este tipo de vingança pode ter muitos significados. Não sabemos ao certo, mas podemos levantar
algumas hipóteses. Primeiramente, o poeta parece desforrar-se do velho desafeto de uma forma emocional, a
favor desta interpretação chamei a atenção atrás para o caráter acentuadamente personificado de sua invectiva
contra o motor e o Ingém de ferro. Da mesma forma que antes a maneira de encarar o inimigo era vê-lo como
uma entidade dotada de sentimentos e vontade, e o meio de atacá-lo era declarando desamor e antipatia por
ele, e ainda apontar-lhe sua feiúra, estratégias que mostram o conflito sendo conduzido para o terreno da
afetividade, agora o sujeito enxerga na Usina o instrumento por meio do qual virá a sua desforra. Não é
possível identificar nenhuma racionalidade ou lógica política, uma vez que a Usina é uma espécie de engenho
de ferro em grande escala. E o próprio eu lírico que de certa forma o diz em versos assim:
Esta usina o monstro horrendo
Que o céu de fumaça cobre,
Mesmo que esteja fazendo
Atrazo para argum pobre
Eu tou bastante obrigado
Do ingém de ferro marvado
Que ao ingém de pau deu fim
A fama já se acabou,
Se desgraçou e se lascou
Pagando o que fez a mim
Uma outra hipótese seria ver nestes versos uma intuição que pressente que o reencontro com os valores
agora eclipsados só poderá se dar bem mais adiante, e para tanto a história deve prosseguir sua marcha, pois se
tudo muda e tudo um dia cai, derrubado por algo novo que surge, deste movimento incessante pode emergir
aquilo que tanto aspiramos.
Pode ser também que se não forem apenas inconseqüência, estes versos sirvam como índice da
diferença entre as visões tradiconalistas da elite e do povo. As elites ligadas às formas paternalistas de
dominação, têm na Usina o adversário inconciliável, enquanto o povo não encontra seu lugar nem no atraso
nem no progresso que no momento tem à sua frente, só restando-lhe reconciliar-se com a mudança, já que o
tempo não anda para trás.
271
Consiferações finais
A estratégia de pesquisar as características da poesia de Patativa do Assaré por meio
de um confronto formal-temático com as poéticas do cordel e da cantoria confirmou o
distanciamento entre o poeta e estas tradições. Ele não as renega, mas transgride os seus
limites, e produz uma obra cuja descrição não é possível ser feita a partir unicamente desses
cânones.
A demonstração de uma significativa diferença estatística na utilização das estrofes e
esquemas rímicos é índice eloqüente deste distanciamento na medida em que o
tradicionalismo do cordel vincula temas e assuntos a formas estróficas, rimas e métrica.
Se a estatística demonstrou uma tendência divergente, fui procurar a confirmação
desse primeiro indício na averiguação dos “conteúdos” ou do tratamento dado aos temas, e foi
então que a diferença se revelou outra vez, confirmando os primeiros sinais. O descarte do
culto à valentia, onde vejo a recusa do romanesco, ou da resolução pela via simbólica das
tensões sociais implica uma descida de tom ou deslocamento de foco, processos ligados à
ultrapassagem do heroísmo épico e sua substituição por valores como resistência e
tenacidade.
Esse duo de qualidades junto com outras que lhes são afins como firmeza, fidelidade e
honra apontam para uma axiologia próxima daquela onde se encaixava também o heroísmo
que ora vemos alijado da vida prosaica dos personagens às voltas com uma opressão que em
larga medida já se apóia na burocracia.
A fidelidade é aquela que vimos ligar-se ao culto da tradição, são os camponeses
seguindo os mesmos passos dos seus ancestrais, adotando os mesmos comportamentos. A
firmeza e a determinação fazem-se presentes na disposição para enfrentar o trabalho duro
debaixo do sol quente, ou a capacidade de rir da própria desgraça, é quando o caboclo faz
272
pouco do seu sofrer. Não se fala aqui, pois, de uma gente fraca ou desfibrada, mas de outra,
forte e resistente.
A defesa da honra se manifesta na transformação do pacato roceiro num pertinaz
vingador que sai no encalço do bandido que desonrou sua filha com a determinação de matá-
lo. Esta recorrência a uma luta de morte revela-nos que a agressividade ligada a uma atitude
épica fica preservada quando o assunto é a honra pessoal, mas curiosamente apaga-se ou
transfigura-se quando passa-se à esfera da luta de classes. Dois pesos e duas medidas para
contextos distintos da vida social, denotam que é no âmbito do conflito político, sobretudo,
onde situa-se a diferença da poesia de Patativa para com o heroísmo tradicional. A aguda
visão crítica do poeta sobre os fundamentos políticos da desigualdade, somada à construção
de um conhecimento do mundo pela observação atenta dos fatos, desativa nele o arroubo e a
impetuosidade romanescos, substituindo-os pela ironia e pela sátira, armas a que recorre para
fazer sua crítica social.
Com o fim do cangaço encerra-se, por assim dizer, o ciclo heróico das lutas no campo
e instaura-se, ao lado da soberania do Estado, a dominação burocrática. É esta que vem
representada naquele conjunto de poemas que atrás contrastei com as histórias de lutas. É
quando ao lado do braço armado, o proprietário dispõe também do respaldo legal da justiça
por meio de tantos tipos de “contrato” oficialmente referendados que garantem ao grande
fazendeiro boa margem de arbítrio no trato com agregados, rendeiros e pequenos
proprietários: a expulsão da terra sem indenização pelas benfeitorias, ou o império da
grilagem, são exemplos desta violência acobertada pela “neutralidade” ou “impessoalidade”
burocrática.
É neste mundo prosaico que as personagens de Patativa do Assaré se movimentam. E
sua arma passa a ser, então, a palavra, como instrumento para compreender e decifrar o
mundo e não mais o bacamarte, e o violeiro cantador vai substituir o cangaceiro ou o
273
valentão. O poeta e o cantador são os principais heróis que desfilam diante do leitor ou do
ouvinte na obra de Patativa do Assaré. Uma estatística que não fiz neste trabalho, mas que o
conhecimento da obra permite-me afirmar, mostraria a altíssima percentagem de poemas em
que o narrador é um artista da palavra. Na medida em que arrefece a pulsão épica, avulta e
expande-se o lirismo.
A par deste movimento para fora do âmbito da tradição, também, como foi visto,
uma afirmarão do tradicionalismo, seja na consideração de fidelidade aos costumes e à
religião como um valor, como ocorre em passagens dos poemas estudados sobre o sertão, seja
na rejeição a aspectos do progresso e no elogio e defesa dos modos pré-capitalistas de
organização do trabalho e da vida social, como no núcleo temático representado pelo poema
O puxadô de roda.
Classes populares e elite culta ligada à aristocracia do açúcar parecem convergir no
apego e nostalgia a formas de convivências pré-capitalistas. As elites porque vêem seu
domínio declinar substituído pela hegemonia de outra classe, e as classes populares porque
sentem toda a violência do embrutecimento implicado nas mudanças introduzidas pela
modernização na rotina do trabalho. Cada classe reage a um efeito diferente oriundo da
mesma causa, a consolidação da empresa capitalista com sua lógica cega, impessoal e
competitiva.
As elites nordestinas tradicionais sofrem o ataque das novas forças econômicas tanto
dentro do seu território, na substituição dos bangüês pelas usinas, como em âmbito nacional
ao experienciarem o declínio econômico e político frente à hegemonia da região sudeste.
Então cria-se e consolida-se por iniciativa destas elites uma imagem e uma mística regionais
do Nordeste, identificando-o por alguns traços negativos, como o fanatismo religioso, o atraso
cultural, o cangaceirismo, a seca, que definem a região em contraposição ao Sudeste, em
especial a São Paulo.
274
Esta polarização entre o Nordeste arcaico, pobre, carente e atrasado, e o Sul, industrializado,
desenvolvido e rico, argumento para um esquema de ajuda e favorecimento do Estado a estas
elites, agenciado também em nome do povo. Esta imagem criada do Nordeste vira clic e se
folcloriza e pode passar a ser internalizada por todos os segmentos e classes sociais.
Não nos foi possível distinguir com maior clareza uma diferenciação mpida e inequívoca
entre o tradicionalismo das elites e o tradicionalismo das classes populares. Se a imagem do
Nordeste, cristalizada em tantos discursos sobre a região, foi iniciativa de intelectuais ou membros
da classe dominante, eno podem o povo e o poeta popular ao absorver esta ideologia colocarem-se
a serviço dos interesses das elites que os oprime acreditando estarem lutando em defesa própria.
Foi-nos possível vislumbrar alguma diferença na contradão surgida da situação ambígua
manifestada pelo poeta popular ao simultaneamente invocar e maldizer o progresso. Com a mesma
língua que o denuncia, ele lamenta a sua auncia na crítica à falta de escola, de caamento, de
assistência dica e da reforma agria.
Seguindo a trilha desta problematização, caberia perguntar a quando, ou até onde a poesia
de queixa ou dencia social teria uma fuão emancipadora, ou ao contrário, converte-se em
ideologia, pois cola o sujeito a uma visão folclorizada e, por isso, imutável?
A evocação de valores em desaparecimento é passadismo ou alimento para resistir e
libertar-se? Constitui-se numa energia propulsora que e em movimento ou é como um mantra
hipnótico que paralisa?
Talvez as coisas o sejam necessariamente indissociadas, e seja impossível escapar à
ambigüidade. O realismo crítico que aflora cido nos versos de ordestinos sim, nordestinados,
não, é ganho de consciência potica que se nutre, e torna-se possível, gras à existência desta
imagem cristalizada da região na qual o poeta intervém recusando a vitimização nela pressuposta.
275
ANEXOS
276
Título do poema Livro Estrofes
1 A Cobra falou Balceiro Quartetos
2 A Derrota de Pedro Topa Tudo Melhores Poemas Septilhas
3 A Derrota de Zé Côco Ispinho e Fulo Décimas - Tipo A
4 A Enfermeira do Pobre Ispinho e Fulo Sextilha Moderna
5 A Escrava do Dinheiro Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
6 A Estrada da minha Vida Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
7 A Festa da Maricota Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
8 A Festa da Natureza Cante lá que eu canto cá Oitavas
9 A Filosofia de Um Trovador Sertanejo
Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
10 A Fogueira de São João Inspiração nordestina Oitavas
11 A Fonte Milagrêra Ispinho e Fulo Sextilha Moderna
12 A Lâmpada de Aladim Cordel Sextilha Cordel
13 A Garça e o Urubu Ispinho e Fulo Quartetos
14 A Ligeira do Ao Melhores Poemas Quartetos
15 A Mãe e a Filha Aqui tem coisa Mistas: Sex. e Déc.
16 A menina e a Cajazeira Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
17 A Menina Mendiga Inspiração nordestina Soneto
18 À Meretriz Balceiro Soneto
19 A Minha Cinza Balceiro Soneto
20 A Morte Inspiração nordestina Soneto
21 A Morte – Estrambote Melhores Poemas Soneto + Sextilha
22 A Morte de Nana Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
23 A Muié qui mais amei Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
24 A Mulher Balceiro Quartetos
25 A Negra Mariana Aqui tem coisa Quartetos
26 A Política Inspiração nordestina Décimas - Tipo B
27 À Professora Neuma Balceiro Soneto
28 A Realidade da Vida Ispinho e Fulo Décimas - Tipo A
29 A Revolta do Passamento Aqui tem coisa Quartetos
30 A Seca Aqui tem coisa Quartetos
31 A Sorte de Joli Cante lá que eu canto cá Soneto
32 A Terra é natura Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
33 A Terra é Nossa Ispinho e Fulo Quartetos
34 A Triste Partida Inspiração nordestina Sextilhas compostas
35 A tristeza mais triste Inspiração nordestina Mistas: Sex. e quadra
36 A Verdade e a Mentira Ispinho e Fulo Irregulares
37 A Vida aqui é assim Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
38 A voz do milho abandonado Balceiro Septilhas
39 ABC do Nordeste fragelado Inspiração nordestina Décimas - Tipo B
40 Acare Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
41 Acróstico Espalhafatoso Balceiro Soneto
42 Acrósticos Inspiração nordestina Quartetos
43 Adeus à Viola Inspiração nordestina Quartetos
44 Amanhã Cante lá que eu canto cá Soneto
45 Amor Materno Aqui tem coisa Sextilha Composta
46 Antônio Conselheiro Ispinho e Fulo Décimas - Tipo A
47 Ao Artista Rolando Boldrim Aqui tem coisa Sextilha Moderna
48 Ao Artista Zenon Barreto Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
49 Ao dotô do avião Cante lá que eu canto cá Sextilha Moderna
50 Ao leito Inspiração nordestina Quartetos
51 Ao locutor da Rádio Araripe Cante lá que eu canto cá Oitavas
52 Ao meu afilhado Cainã Aqui tem coisa Sextilha Moderna
53 Ao Padre Miracapilo Ispinho e Fulo Soneto
54 Ao poeta B.C. Neto Ispinho e Fulo Décimas - Tipo A
55 Ao Poeta do Sertão Ispinho e Fulo Sextilha Moderna
277
Título do Poema Livro Estrofes
56 Ao poeta João Batista de Cerqueira Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
57 Ao supervisor Jorge Édem Cante lá que eu canto cá Sextilha Moderna
58 Aos Filhos e Netos do Dr. Arraes de Alencar Novos poemas comentados Décimas - Tipo A
59 Aos Irmãos Aniceto Ispinho e Fulo Décimas - Tipo A
60 Aos Poetas Clássicos Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
61 Aos Reis do Baião Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
62 Apelo de um Agricultor Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
63 Aposentadoria do Mané do Riachão Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
64
Abertura de Novos Poemas
Novos poemas comentados Décimas - Tipo A
65 Aqui tem coisa Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
66 As Façanhas de João Mole Inspiração nordestina Mistas - sext.e déc.
67 As narrativas de Zé Tataíra Novos poemas comentados Décimas - Tipo A
68 As Proezas do Padre Nonato Inspiração nordestina Décimas - Tipo B
69 Assaré de 1957 Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
70 Assaré e Mossoró Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
71 Autobiografia Balceiro Décimas - Tipo A
72 Ave Noturna Cante lá que eu canto cá Quartetos
73 Baladeira Novos poemas comentados Soneto
74 Barriga Branca Ispinho e Fulô Quartetos
75 Bertolino e Zé Tingó Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
76 Bicho da Careca Balceiro Irreguares
77 Biografia de Sansão Aqui tem coisa Septilhas
78 Boa noite, Fortaleza Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
79 Bom dia 93 Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
80 Brasi de cima, Brasi de baxo Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
81 Brosogó, Militão e o Diabo Ispinho e Fulô Sextilha cordel
82 Cabôca de Minha Terra Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
83 Caboclo Roceiro Cante lá que eu canto cá Quartetos
84 Cada um no seu lugar Aqui tem coisa Quartetos
85 Cante lá que eu canto cá Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
86 Carta à Doutora Hebriqueta Galeno Inspiração nordestina Sextilha Moderna
87 Carta a Papai Noel Aqui tem coisa Oitavas
88 Carta ao Padre Antônio Vieira Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
89 Carta ao Senhor Valmir Farias Novos poemas comentados Sextilha Moderna
90 Carta do Pe. Antônio Vieira ao Patativa Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
91 Carta ou Bilhete Balceiro Quartetos
92 Castigo do Mucuim Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
93 Chico Forte Ispinho e Fulô Soneto
94 Chiquita e Mãe Veia Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
95 Ciúme Melhores Poemas Soneto
96 Coisas do meu Sertão Cante lá que eu canto cá Irregulares
97 Coisas do Rio de Janeiro Inspiração nordestina Sextilha Moderna
98 Comi Piqui e Sonhei Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
99 Como deixei de fumar Aqui tem coisa Quartetos
100
Conversa de Matuto Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo B
101
Coração Doente Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
102
Cousa Estranha Novos poemas comentados Soneto
103
Crime Imperdoável Inspiração nordestina Quartetos
104
Crítica Construtiva Melhores Poemas Septilhas
105
Curioso e Miudinho Ispinho e Fulô Irregular
106
Desapego Inspiração nordestina Quartetos
107
Desilusão Inspiração nordestina Sextilha Composta
108
Desilusão Ispinho e Fulô Soneto
109
Dia das Mães Cante lá que eu canto cá Soneto
110
Dia Nacional da Poesia Melhores Poemas Oitavas
278
Título do Poema Livro Estrofes
111
Dois Anjo Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
112
Dois Quadros Cante lá que eu canto cá Quartetos
113
Doutor Honoris Causa Melhores Poemas Sextilha Moderna
114
É coisa do meu sertão Cante lá que eu canto Décimas - Tipo B
115
É preciso saber fazer soneto Melhores Poemas Soneto
116
Egoísmo Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
117
Ele Novos poemas comentados Soneto
118
Ela Novos poemas comentados Soneto
119
Emigrante Nordestino no Sul do País Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
120
Encontro de com a alma de Zé Limeira Aqui tem coisa Décimas - Tipo B
121
Engano Inspiração nordestina Soneto
122
Esta terra parece um paraíso Melhores Poemas Soneto
123
Eu e a Pitombêra Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
124
Eu e meu Campina Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
125
Eu e o Padre Nonato Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
126
Eu e o Sertão Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
127
Eu quero Cante lá que eu canto cá Sextilha Moderna
128
Eu sou do campo Balceiro Quartetos
129
Felicidade Aqui tem coisa Quartetos
130
Filho de Gato é Gatinho Ispinho e Fulô Quartetos
131
Flores murchas Novos poemas comentados Soneto
132
Fonte Patativana Melhores Poemas Décimas - Tipo B
133
Franga da Bêia Novos poemas comentados Décimas - Tipo B
134
Fuga de Vênus Balceiro Soneto
135
Garoto Inteligente Balceiro Quartetos
136
Gratidão Inspiração nordestina Oitavas
137
Gratidão Ispinho e Fulô Soneto
138
Herança Balceiro Soneto
139
História de Abilio e o seu cachorro Jupi Cordel Sextilha Cordel
140
História de uma cruz Novos poemas comentados Sextilha Composta
141
Homenagem ao Padre Vieira Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
142
Ilustríssimo Senhô Douto Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
143
Ilustríssimo Sr. Elóia Teles Aqui tem coisa Mistas
144
Ingém de ferro Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
145
Ingratidão Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
146
Ingratidão Aqui tem coisa Soneto
147
Injustiça Ispinho e Fulô Sextilha Composta
148
Inleição Direta Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
149
Invocação a Leonardo Mota Inspiração nordestina Quartetos
150
Ispinho e Fulo Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
151
Juazeiro e Petrolina Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
152
Justiça de Zé Caçado Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
153
Ladrão da Roça Aqui tem coisa Quartetos
154
Lagartixas verdinhas pelo chão Melhores Poemas Décimas - Tipo B
155
Lamentos de um nordestino Inspiração nordestina Mistas:sext. Terceto
156
Lero Lero Aqui tem coisa Quartetos
157
Lição do Pinto Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
158
Lições de um cego Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
159
Língua Ferina Ispinho e Fulô Quartetos
160
Linguage dos Óio Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
161
Luis de Camões Cante lá que eu canto cá Oitavas
162
Mãe de Verdade Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
163
Mãe Preta Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
164
Maió Decepção Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
165
Mal de Amor Cante lá que eu canto cá Soneto
279
Título do Poema Livro Estrofes
166 Mané Besta Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
167 Maria de Todo Jeito Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
168 Maria Gulora Inspiração nordestina Sextilha Moderna
169 Maria Tetê Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
170 Mello e Meladeira Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
171 Menino de rua Aqui tem coisa Sextilha Composta
172 Meu avô tinha razão e a justiça tá errada Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
173 Meu caro jumento Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
174 Meu castigo Cante lá que eu canto cá Oitavas
175 Meu Palito Inspiração nordestina Décimas - Tipo B
176 Meu Passarinho Ispinho e Fulô Quartetos
177 Meu Premero Amo Inspiração nordestina Oitavas
178 Meu Protesto Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
179 Meu recado a São Pedro Balceiro Décimas - Tipo B
180 Minha Castanhola Balceiro Soneto
181 Minha Idade e Minha Poesia Melhores Poemas Décimas - Tipo A
182 Minha Impressão sobre o Trem de Ferro Aqui tem coisa Quartetos
183 Minha Reza Novos poemas comentados
Décimas - Tipo A
184 Minha Serra Inspiração nordestina Soneto
185 Minha Sodade Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
186 Minha Vingança Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
187 Minha Viola Cante lá que eu canto cá Oitavas
188 Minhas Filhas Balceiro Quartetos
189 Mini-saia Novos poemas comentados
Quartetos
190 Morrer sem morrer deveras Melhores Poemas Décima - Tipo A
191 Mote: O título sem retrato ... Inspiração nordestina Décima - Tipo B
192 Mote: Quem quiser ser meu amigo Inspiração nordestina Décima - Tipo B
193 Mote: Uma mulher ciumenta Inspiração nordestina Décima - Tipo B
194 Mote: Com o grito do dinheiro Inspiração nordestina Décima - Tipo B
195 Mote: No terror da tempestade Inspiração nordestina Décima - Tipo B
196 Mote: O café de Dona Santa Inspiração nordestina Décima - Tipo B
197 Mote: A mulher do cachaceiro Inspiração nordestina Décima - Tipo B
198 Mote: Coronel, tenha cuidado Inspiração nordestina Décima - Tipo B
199 Mote: Só desgraça traz a guerra Inspiração nordestina Décima - Tipo B
200 Mote: Quem persevera no bem Inspiração nordestina Décima - Tipo B
201 Mote: Refúgio dos pecadores Inspiração nordestina Décima - Tipo B
202 Mote: Viva o povo brasileiro Aqui tem coisa Décima - Tipo A
203 Mote: Caía de gota em gota Melhores Poemas Décima - Tipo A
204 Mote: Borboletas azuis pela campina Balceiro 2 Décima - Tipo B
205 Mote: Sei que o branco egoísta se afobou Balceiro 2 Décima - Tipo B
206 Mote: Vai dançar no forró da chapadinha Balceiro 2 Décima - Tipo B
207 Mote: Para a gente gozar prazer na vida Balceiro 2 Décima - Tipo B
208 Mote: Vi a morte correndo atrás de mim Balceiro 2 Décima - Tipo B
209 Mote: Cada qual faz sua glosa Balceiro 2 Décima - Tipo B
210 Mote: Dentro do meu coração Balceiro 2 Décima - Tipo B
211 Mote: Posso me esquecer de tudo Balceiro 2 Décima - Tipo B
212 Mote: Os olhos desta mulata ... Balceiro 2 Décima - Tipo B
213 Mote: Muito triste chorando sem dinheiro Ao pé da mesa Décima - Tipo B
214 Mote: Com o peso da cruz de muitos anos Ao pé da mesa Décima - Tipo B
215 Mote: Reze um terço na minha sepultura Ao pé da mesa Décima - Tipo B
216 Mote: Nas lanternas de um lindo vagalume Ao pé da mesa Décima - Tipo B
217 Mote: Para fazer glosa bonita Ao pé da mesa Décima - Tipo B
218 Mote: Para mim não adianta Ao pé da mesa Décima - Tipo B
219 Mote: O sol brilha no infinito Ao pé da mesa Décima - Tipo B
220 Mote: Canta, canta, passarinho Ao pé da mesa Décima - Tipo B
280
Título do Poema Livro Estrofe
221 Mote: Não me venha para cá com puxincói Ao pé da mesa Décima - Tipo B
222 Mote: Procurando gastar o que não tinha Ao pé da mesa Décima - Tipo B
223 Mote: Carregando um menino na corcunda Ao pé da mesa Décima - Tipo B
224 Mote: Pela estrada da vida eu vou seguindo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
225 Mote: Relógio roda o ponteiro Ao pé da mesa Décima - Tipo B
226 Mote: Só ficou um macaquinho Ao pé da mesa Décima - Tipo B
227 Mote: O sabiá traz saudade Ao pé da mesa Décima - Tipo B
228 Mote: Hoje é 22 do mês Ao pé da mesa Décima - Tipo B
229 Mote: Vi depois que arranquei minha botija Ao pé da mesa Décima - Tipo B
230 Mote: O sertão, a viola e a morena Ao pé da mesa Décima - Tipo B
231 Mote: Ninguém sabe na vida o que padece Ao pé da mesa Décima - Tipo B
232 Mote: Parabéns, Mariana, pelo prêmio Ao pé da mesa Décima - Tipo B
233 Mote: A floresta é o castelo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
234 Mote: A felicidade existe Ao pé da mesa Décima - Tipo B
235 Mote: Pelo caminho da vida Ao pé da mesa Décima - Tipo B
236 Mote: As emoções tomam conta Ao pé da mesa Décima - Tipo B
237 Mote: Faça uma glosa para mim Ao pé da mesa Décima - Tipo B
238 Mote: O jeito é viver latindo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
239 Mote: A careta do macaco Ao pé da mesa Décima - Tipo B
240 Mote: A onça saiu da cova Ao pé da mesa Décima - Tipo B
241 Mote: No cavalo Pantera vou pegar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
242 Mote: Cacareja a galinha no terreiro Ao pé da mesa Décima - Tipo B
243 Mote: No meu céu passa a nuvem da saudade Ao pé da mesa Décima - Tipo B
244 Mote: A cabeça da gente vale ouro Ao pé da mesa Décima - Tipo B
245 Mote: Só aquele que já calçou sapato Ao pé da mesa Décima - Tipo B
246 Mote: Pirilampos brilhando pela mata Ao pé da mesa Décima - Tipo B
247 Mote: Nas manhãs luminosas do sertão Ao pé da mesa Décima - Tipo B
248 Mote: Acertou na cabeça de um preá Ao pé da mesa Décima - Tipo B
249 Mote: Aqui dentro deste mundo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
250 Mote: Um passarinho cantava Ao pé da mesa Décima - Tipo B
251 Mote: Quem nunca sente saudade Ao pé da mesa Décima - Tipo B
252 Mote: Você paga meu dinheiro Ao pé da mesa Décima - Tipo B
253 Mote: Com a maca nas costas pelo mundo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
254 Mote: Ninguém pode viver sem amizade Ao pé da mesa Décima - Tipo B
255 Mote: O sorriso da gente é uma chama Ao pé da mesa Décima - Tipo B
256 Mote: Seu poder vemos no romper da aurora Ao pé da mesa Décima - Tipo B
257 Mote: O cigarro na velhice Ao pé da mesa Décima - Tipo B
258 Mote: Dentro das grades gemia Ao pé da mesa Décima - Tipo B
259 Mote: Danou-lhe o chifre no bucho Ao pé da mesa Décima - Tipo B
260 Mote: A saudade de Vicente Ao pé da mesa Décima - Tipo B
261 Mote: Se benzeu, rezou o credo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
262 Mote: Quem fuma apressa a viagem Ao pé da mesa Décima - Tipo B
263 Mote: Parecia um passarinho Ao pé da mesa Décima - Tipo B
264 Mote: Caíram dez parafusos Ao pé da mesa Décima - Tipo B
265 Mote: Sem haver chuva na terra Ao pé da mesa Décima - Tipo B
266 Mote: O meu mote é um cabresto Ao pé da mesa Décima - Tipo B
267 Mote: Poeta tenha cuidado Ao pé da mesa Décima - Tipo B
268 Mote: A seca no meu sertão Ao pé da mesa Décima - Tipo B
269 Mote: Ficou tremendo amarelo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
270 Mote: Três vezes caiu no chão Ao pé da mesa Décima - Tipo B
271 Mote: Sofreu igualmente um pinto Ao pé da mesa Décima - Tipo B
272 Mote: A briga desta canalha Ao pé da mesa Décima - Tipo B
273 Mote: Precisamos encontrar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
274 Mote: É prazer da natureza Ao pé da mesa Décima - Tipo B
275 Mote: Pra quem tem bom pensamento Ao pé da mesa Décima - Tipo B
281
Título do Poema Livro Estrofe
276
Mote: O Luiz Dantas Quezado Ao pé da mesa Décima - Tipo B
277
Mote: Pensando ser borboleta Ao pé da mesa Décima - Tipo B
278
Mote: Toda criatura humana Ao pé da mesa Décima - Tipo B
279
Mote: Nos meus oitenta e sete anos Ao pé da mesa Décima - Tipo B
280
Mote: Sai um bonito gorgeio Ao pé da mesa Décima - Tipo B
281
Mote: Formiga que cria asa Ao pé da mesa Décima - Tipo B
282
Mote: Pedindo dentro do Rio Ao pé da mesa Décima - Tipo B
283
Mote: Não sei se deixo saudade Ao pé da mesa Décima - Tipo B
284
Mote: O professor enche o saco Ao pé da mesa Décima - Tipo B
285
Mote: É grande quebra-cabeça Ao pé da mesa Décima - Tipo B
286
Mote: Gostei de Mercê de Sousa Ao pé da mesa Décima - Tipo B
287
Mote: Será que o chifre do Diabo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
288
Mote: Sua glosa está bem feita Ao pé da mesa Décima - Tipo B
289
Mote: Escutei a voz do vento Ao pé da mesa Décima - Tipo B
290
Mote: Eu só quero quem me quer Ao pé da mesa Décima - Tipo B
291
Mote: Vi na luz do teu olhar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
292
Mote: O ateu acreditou Ao pé da mesa Décima - Tipo B
293
Mote: Assim que o graúna canta Ao pé da mesa Décima - Tipo B
294
Mote: Quero quebrar a castanha Ao pé da mesa Décima - Tipo B
295
Mote: Tem gente que diz que sabe Ao pé da mesa Décima - Tipo B
296
Mote: Gostei do seu improviso Ao pé da mesa Décima - Tipo B
297
Mote: A chuva não quer chegar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
298
Mote: No museu do Patativa Ao pé da mesa Décima - Tipo B
299
Mote: Pior poderia ser Ao pé da mesa Décima - Tipo B
300
Mote: Estraçalhou a cabeça Ao pé da mesa Décima - Tipo B
301
Mote: Recordando meu passado Ao pé da mesa Décima - Tipo B
302
Mote: Brincando de poesia Ao pé da mesa Décima - Tipo B
303
Mote: A minha lira é um suco Ao pé da mesa Décima - Tipo B
304
Mote: Não é como satanáz Ao pé da mesa Décima - Tipo B
305
Mote: A vitória do prefeito Ao pé da mesa Décima - Tipo B
306
Mote: A fruta da cajazeira Ao pé da mesa Décima - Tipo B
307
Mote: Ela plantada não nasce Ao pé da mesa Décima - Tipo B
308
Mote: Voa, borboleta, voa Ao pé da mesa Décima - Tipo B
309
Mote: A natureza fez tudo Ao pé da mesa Décima - Tipo B
310
Mote: Esta vida é pequenina Ao pé da mesa Décima - Tipo B
311
Mote: Na cantiga da peitica Ao pé da mesa Décima - Tipo B
312
Mote: A poesia é dom Ao pé da mesa Décima - Tipo B
313
Mote: Nunca mais comi galinha Ao pé da mesa Décima - Tipo B
314
Mote: A cobra saiu do oco Ao pé da mesa Décima - Tipo B
315
Mote: Jurema, vá se aquietar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
316
Mote: A desgraça do agregado Ao pé da mesa Décima - Tipo B
317
Mote: Transpus o canal da Mancha Ao pé da mesa Décima - Tipo B
318
Mote: Jesus não pôde comer Ao pé da mesa Décima - Tipo B
319
Mote: E nem tinha uma caa pra morar Ao pé da mesa Décima - Tipo B
320
Mote: Que a mesada era carne de urubu Ao pé da mesa Décima - Tipo B
321
Mote: Só tem um cabelo branco Ao pé da mesa Décima - Tipo B
322
Mote: O que você está pensando Ao pé da mesa Décima - Tipo B
323
Mote: O diabo em forma de gente Ao pé da mesa Décima - Tipo B
324
Mote: Mote vai, mote vem Ao pé da mesa Décima - Tipo B
325
Mote: Divertindo com a rima Ao pé da mesa Décima - Tipo B
326
Mote: Na fita do gravador Ao pé da mesa Décima - Tipo B
327
Mulher Valente Aqui tem coisa Quartetos
328
Musa buliçosa Balceiro Soneto
329
Nana Balceiro Soneto
330
No Cemitério Ispinho e Fulô Soneto
282
Título do Poema Livro Estrofe
331
No meu Sertão Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
332
No Terreiro da Choupana Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
333
Nordestino Sim, Nordestinado, Não Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
334
O Agregado Inspiração nordestina Quartetos
335
O Agregado e o Operário Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
336
O Alco e a Gazolina Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
337
O banco do Chico Rosado Melhores Poemas Décimas - Tipo B
338
O Beato Zé Lourenço Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
339
O Bicho mais Feroz Ispinho e Fulô Irregulares
340
O Bode de Miguel e o efeito da maconha Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
341
O Bode do Serafim Melhores Poemas Décimas - Tipo B
342
O Boi Zebu e as Formigas Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
343
O Burro Inspiração nordestina Soneto
344
O Caçado Inspiração nordestina Sextilha Moderna
345
O Casebre Inspiração nordestina Quartetos
346
O Castigo do Vaidoso Cante lá que eu canto Soneto
347
O Controlista Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
348
O Desgosto do Medêro Ispinho e Fulô Septilhas
349
O Doutor Raiz Inspiração nordestina Mistas - Irregulares
350
O Fragão da Meirislene Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
351
O Fruito Milagroso Novos poemas comentados
Décimas - Tipo A
352
O Galo Egoísta e o Frango Infeliz Ispinho e Fulô Quartetos
353
O grande prêmio Inspiração nordestina Soneto
354
O Inferno, o Purgatório e o Paraíso Cante lá que eu canto cá Oitavas
355
O Maió Ladrão Cante lá que eu canto cá Irregulares
356
O Meu Livro Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
357
O Nadador Ispinho e Fulô Quartetos
358
O Nordestino em São Paulo Aqui tem coisa Quartetos
359
O Padre e o Matuto Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
360
O Parafuso Balceiro Quartetos
361
O Paraíso das Aves Inspiração nordestina Oitavas
362
O Paraíso do Crato Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
363
O Pau D'Arco Inspiração nordestina Soneto
364
O Pe. Henrique e o Dragão da Maldade Ispinho e Fulô Sextilha Cordel
365
O Peixe Inspiração nordestina Soneto
366
O Pica-Pau Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
367
O poeta da roça Inspiração nordestina Quartetos
368
O Poeta Patativa e a Siriema de Totelina Melhores Poemas Sextilha Moderna
369
O Prazer da Pipa Balceiro Soneto
370
O Puxadô de Roda Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
371
O que é Folclore Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
372
O Rádio ABC Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
373
O que mais dói Inspiração nordestina Soneto
374
O Rapaz do Pé Frio Inspiração nordestina Décimas - Tipo B
375
O Retrato do Sertão Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
376
O rico orguioso Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
377
O Rouxinol e o Ancião Inspiração nordestina Sextilha Moderna
378
O Sabiá e o Gavião Novos poemas comentados
Décimas - Tipo A
379
O Sonho de Mané Feliciano Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
380
O Vaqueiro Inspiração nordestina Oitavas
381
O Vim-vim Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
382
Óios Redondo Ispinho e Fulô Sextilha Moderna
383
Pai Luiz e o Preguiçoso Melhores Poemas Décimas - Tipo A
384
Patativa descontente Novos poemas comentados
Quartetos
385
Patativa e o Hospital São Francisco Balceiro Quartetos
283
Título do Poema Livro Estrofe
386
Pé quebrado aos ìndios do Brasil Ispinho e Fulô Quartetos
387
Percorrendo o Nordeste em Peregrinação Melhores Poemas Soneto
388
Perfume de Gambá Aqui tem coisa Sextilha Moderna
389
Pergunta de um analfabeto Aqui tem coisa Oitavas
390
Pesão Cante lá que eu canto cá Sextilha Moderna
391
Pitu na segunda vida dos cachorros Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
392
Pobre Santo Antônio Melhores Poemas Quartetos
393
Prefeito com Prefeitura Melhores Poemas Décimas - Tipo A
394
Prefeitura sem Prefeito Novos poemas comentados
Décimas - Tipo B
395
Presente Dizagradave Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
396
Prezado Amigo Ispinho e Fulô Soneto
397
Professor J. de Figueiredo Filho Cante lá que eu canto Quartetos
398
Proque deixei Zabé Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
399
Quadrinha: A descoberta sem par
Novos poemas comentados
Quadra
400
Quadrinha: A fogueira da vaidade
Novos poemas comentados
Quadra
401
Quadrinha: A língua é tal qual a faca
Ispinho e Fulô Quadra
402
Quadrinha: A lua foi a ilusão
Ispinho e Fulô Quadra
403
Quadrinha: A mentira sem escala
Inspiração nordestina Quadra
404
Quadrinha: A mim não faltará nada
Inspiração nordestina Quadra
405
Quadrinha: A moléstia mais horrível
Inspiração nordestina Quadra
406
Quadrinha: A mulher também tem isca
Novos poemas comentados
Quadra
407
Quadrinha: A natureza por capricho
Novos poemas comentados
Quadra
408
Quadrinha: A rosa do meu ciúme
Ispinho e Fulô Quadra
409
Quadrinha: Acho melhor ser amado
Inspiração nordestina Quadra
410
Quadrinha: Ao amor nasci propenso
Novos poemas comentados
Quadra
411
Quadrinha: Cada qual na sua lida
Ispinho e Fulô Quadra
412
Quadrinha: Cada um alegre vai
Inspiração nordestina Quadra
413
Quadrinha: Cada um no mundo vai
Inspiração nordestina Quadra
414
Quadrinha: Casamento é um engenho
Inspiração nordestina Quadra
415
Quadrinha: Casamento é um problema
Novos poemas comentados
Quadra
416
Quadrinha: Com a luz do teu olhar
Inspiração nordestina Quadra
417
Quadrinha: Com três meninas meu fado
Novos poemas comentados
Quadra
418
Quadrinha: Como é que amor verdadeiro
Ispinho e Fulô Quadra
419
Quadrinha: Como é que nos diz um lente
Inspiração nordestina Quadra
420
Quadrinha: Corrente de grossas águas
Ispinho e Fulô Quadra
421
Quadrinha: Daria as estrelas belas
Inspiração nordestina Quadra
422
Quadrinha: Desde o dia de tristeza
Novos poemas comentados
Quadra
423
Quadrinha: Desde o dia em que partiste
Inspiração nordestina Quadra
424
Quadrinha: Dois ferrões de marimbondo
Cante lá que eu canto cá Quadra
425
Quadrinha: Em um jardim eu entrei
Inspiração nordestina Quadra
426
Quadrinha: Em paga da ofensa infinda
Inspiração nordestina Quadra
427
Quadrinha: Enquanto a escada dos bons
Inspiração nordestina Quadra
428
Quadrinha: Entre as mulheres cacei
Novos poemas comentados
Quadra
429
Quadrinha: Esta ciência sem par
Novos poemas comentados
Quadra
430
Quadrinha: entre mim e a mulher
Inspiração nordestina Quadra
431
Quadrinha: Há coisa que a gente arrisca
Inspiração nordestina Quadra
432
Quadrinha: Me negaste o teu carinho
Novos poemas comentados
Quadra
433
Quadrinha: Mesmo a mãe dando gemido
Ispinho e Fulô Quadra
434
Quadrinha: Mesmo com censura grave
Cante lá que eu canto cá Quadra
435
Quadrinha: Meu benzinho interesseiro
Novos poemas comentados
Quadra
436
Quadrinha: Minha viola de estima
Inspiração nordestina Quadra
437
Quadrinha: Morena você me deixe
Ispinho e Fulô Quadra
438
Quadrinha: Moreninha, o meu desejo
Inspiração nordestina Quadra
439
Quadrinha: Muito faz aborrecer
Novos poemas comentados
Quadra
440
Quadrinha: Mulher, saúde e dinheiro
Inspiração nordestina Quadra
284
Título do Poema Livro Estrofe
441
Quadrinha: Na mulher sempre diviso
Inspiração nordestina Quadra
442
Quadrinha: Na vida o que não quero
Inspiração nordestina Quadra
443
Quadrinha: o farei o teu desejo
Novos poemas comentados Quadra
444
Quadrinha: Naquele belo ambiente
Ispinho e Fulô Quadra
445
Quadrinha: Nas minhas dores sem fim
Inspiração nordestina Quadra
446
Quadrinha: Neste meu pinho adorado
Inspiração nordestina Quadra
447
Quadrinha: No nosso peito a ilusão
Inspiração nordestina Quadra
448
Quadrinha: O mundo está sempre cheio
Inspiração nordestina Quadra
449
Quadrinha: O poeta é um vagabundo
Inspiração nordestina Quadra
450
Quadrinha: O que o olhar não avista
Cante lá que eu canto cá Quadra
451
Quadrinha: O quê, palavra mesquinha
Novos poemas comentados Quadra
452
Quadrinha: Por uma causalidade
Novos poemas comentados Quadra
453
Quadrinha: Pra gente saber que é besta
Ispinho e Fulô Quadra
454
Quadrinha: Quando a mentira surgiu
Inspiração nordestina Quadra
455
Quadrinha: Quando eu te vejo, Maria,
Ispinho e Fulô Quadra
456
Quadrinha: Quando o amor não é fiel
Ispinho e Fulô Quadra
457
Quadrinha: Quando raivosa ter exaltas
Novos poemas comentados Quadra
458
Quadrinha: Que alguém morre por alguém
Novos poemas comentados Quadra
459
Quadrinha: Quem mais bate é o coração
Novos poemas comentados Quadra
460
Quadrinha: Se aquieta, não seja louca
Novos poemas comentados Quadra
461
Quadrinha: Se o orgulho e a hipocrisia
Inspiração nordestina Quadra
462
Quadrinha: Segue o tempo o seu caminho
Novos poemas comentados Quadra
463
Quadrinha: Sempre satisfeito estou
Ispinho e Fulô Quadra
464
Quadrinha: Ser poeta é ter paixão
Novos poemas comentados Quadra
465
Quadrinha: Ser trovador é ser louco
Inspiração nordestina Quadra
466
Quadrinha: Seria bem triste a sorte
Inspiração nordestina Quadra
467
Quadrinha: Somente o rico na terra
Inspiração nordestina Quadra
468
Quadrinha: Toda a natureza cheia
Ispinho e Fulô Quadra
469
Quadrinha: Você que passa grã-fina
Novos poemas comentados Quadra
470 Quem é esta mulher? Aqui tem coisa Quartetos
471 Raimundo Jacó Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
472 Referência sobre o imortal Leonardo Mota Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
473 Reforma Agrara é Assim Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
474 Reforma Agrária Ispinho e Fulô Soneto
475 Resposta ao amigo José Helder França Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
476 Resposta de Patrão Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
477 Resposta do Patativa ao Padre Vieira Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
478 Rogaciano Leite Cante lá que eu canto Décimas - Tipo A
479 Rogando Praga Ispinho e Fulô Décimas - Tipo B
480 Rosa e Rosinha Ispinho e Fulô Quartetos
481 Saudação ao ano 2000 Melhores Poemas Sextilha Moderna
482 Saudação ao Juazeiro do Norte Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
483 Saudade Ispinho e Fulô Quartetos
484 Se existe inferno Inspiração nordestina Quartetos
485 Seca D'Água Ispinho e Fulô Mistas: sext.e quadra
486 Ser Feliz Inspiração nordestina Oitavas
487 Serra de Santana Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
488 Seu Doutô me Conhece Inspiração nordestina Sextilha Moderna
489 Sodade é assim Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
490 Sou cabra da peste Cante lá que eu canto cá Quartetos
491 Sou nordestino Aqui tem coisa Mistas: Sex. e oitava
492 Suzana Bela Aqui tem coisa Quartetos
493 Teia de Aranha Balceiro Sextilha Moderna
494 Tereza Potó Ispinho e Fulô Irregulares
495 Três Beijos Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
285
Título do Poema Livro Estrofe
496
Três Moça Ispinho e Fulô Quartetos
497
Treze de Agosto Cante lá que eu canto Soneto
498
Tudinha Cante lá que eu canto cá Sextilha Moderna
499
Um Candidato na Casa de um Caçador Ispinho e Fulô Décimas - Tipo C
500
Um cearense desterrado Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
501
Um Grande Poeta Balceiro Soneto
502
Um grande poeta embriagado Novos poemas comentados Décimas - Tipo A
503
Um mundo desconhecido Melhores Poemas Décimas - Tipo B
504
Um Sabiá Vaidoso Aqui tem coisa Mistas: quadra e sex
505
Um Sonho Desfeito Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
506
Uma do diabo Inspiração nordestina Décimas - Tipo A
507
Uma Triste Verdade Inspiração nordestina Sextilha Composta
508
Vaca Estrela e Boi Fubá Cante lá que eu canto cá Décima e refrão
509
Vaca Lavandeira Cante lá que eu canto cá Sextilha Cordel
510
Versos do Patativa Melhores Poemas Décimas - Tipo A
511
Versos Espalhafatosos Aqui tem coisa Décimas - Tipo A
512
Vicença e Sofia ou o castigo de mamãe Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
513
Vida Sertaneja Cante lá que eu canto cá Décimas - Tipo A
514
Vingança de Matuto Novos poemas comentados Quartetos
515
Vive Doidinha a procurar marido Melhores Poemas Soneto
516
Você se lembra? Cante lá que eu canto cá Quartetos
517
Vou casar sem saber quem é Melhores Poemas Soneto
518
Vou Vortá Inspiração nordestina Décimas - Tipo C
519
Voz Estranha Melhores Poemas Soneto
520
Zé Jacó Aqui tem coisa Soneto
521
Zé Limeira em carne e osso Ispinho e Fulô Décimas - Tipo A
522
Assaré Querido Canção em CD Oitavas
523
Defendendo a Ecologia Canção em CD Quartetos
524
Morena e Mastruz com Leite Canção em CD Sextilha Moderna
525
Tenha Pena de Quem Pena Canção em CD Mistas: sext. e refrão
286
Estrofes
Irregulares
01 A verdade e a mentira
02 Coisas do meu sertão
03 Curioso e miudinho
04 O bicho mais feroz
05 O maió ladrão
06 Tereza Potó
Estrofes Mistas
01 A mãe e a filha
02 As façanhas de João Mole
03 O Doutor Raiz
04 Um sabiá vaidoso
05 Ilustríssimo Senhô Elóia Teles
SEPTILHAS
01 A derrota de Pedro Topa Tudo
02 Biografia de Sansão
03 Crítica construtiva
04 O desgosto do Medêro
OITAVAS
01 A Festa da Natureza
02 A fogueira de São João
03 Ao locutor da Rádio Araripe
04 Carta a Papai Noel
05 Dia Nacional da Poesia
06 Gratidão
07 Luiz de Camões
08 Meu Castigo
09 Meu premero amô
10 Minha Viola
11 O Inferno, o Purgatório e o Paraíso
12 O Paraíso das Aves
13 O vaquêro
14 Pergunta de um analfabeto
15 Ser Feliz
287
Relação dos poemas em sextilhas
Sextilhas
Quem faz um grande favor
X
01 A enfermeira do pobre
mesmo desinteressado
A
02 A fonte milagreira
por onde quer que ele ande
X
03 A lâmpada de Aladim
leva um tesouro guardado
A
04 A triste partida
e um dia sem esperar
X
05 A tristeza mais triste
será bem recompensado
A
06 A voz do milho abandonado
(Brosogó, Militão e o Diabo)
07 Amor materno
08 Ao artista Rolando Boldrim
Fui em lágrimas desfeito,
A
09 Ao dotô do avião
De viola sobre o peito,
A
10 Ao meu afilhado Cainã
Sentar
-
me à beira do mar.
B
11 Ao Poeta do Sertão
Queria ca
ntando as águas
C
12 Ao supervisor José Édem
Amenizar minhas máguas,
C
13 Brosogó, Militão e o Diabo
Dar alívio ao meu penar.
B
14 Carta à Doutora Henriqueta Galeno
(Ao Poeta do Sertão)
15 Carta ao senhor Valmir Farias
16 Coisas do Rio de Janeiro
Vem cá, Maria Gulora,
A
17 Desilusão
Escuta, que eu vou agora
A
18 Doutor Honoris Causa
Uma coisa te contá.
B
19 Eu e o Padre Nonato
É uma rescordação
C
20 Eu quero
Dos dia das ilusão
C
21 História de Abílio e seu cachorro Jupi
Que faz a gente chorá.
B
22 História de uma cruz
...
23 Injustiça
Entrei na véia chupana,
A
24 Lamento de um nordestino
Com a sodade tirana
A
25 Lição do pinto
E o coração a batê;
B
26 Maria Gulora
Senti tão grande
afrição,
C
27 Menino de rua
Que me abracei com o pilão,
C
28 Meu avô tinha razão e a justiça tá errada
Pensando que era você.
b
29 Nordestino sim, Nordestinado, não
(Maria Gulora)
30 O Beato Zé Lourenço
31 O caçado
Nunca diga nordestino
A
32 O Padre Henrique e o dragão da maldade
Que Deus lhe deu um destino
a
33 O poeta Patativa e a Siriema da Totelina
Causador do padecer,
b
34 O Rouxinol e o Ancião
Nunca diga que é o pecado
C
35 Óios redondos
Que lhe deixa fracassado
C
36 Perfume de gam
Sem condição de viver.
B
37 Pesão
...
38 Saudação ao ano 2000
Uma vez que o conformismo
A
39 Seca d'Água
Faz cescer o egoísmo
A
40 Seu Dotô me conhece?
E a injustiça aumentar,
B
41 Sou nordestino
Em favor do bem comum
C
42 Teia de Aranha
É dever de cada um
C
43 Tudinha
Pelos direitos lutar.
B
44 Uma triste verdade
...
45 Vaca Lavandeira
Somente o amor é
capaz
A
E dentro de um país faz
A
Setembro passou, com oitubro e novembro,
a
Um só povo bem unido,
B
Já tamo em dezembro,
a
Um povo que gozará
C
Meu Deus, que é de nós?
b
Porque assim, já hão há
C
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
C
Opressor nem
oprimido
B
Com medo da peste,
C
Da fome feroz.
B
(Nordestino Sim, Nordestinado, Não)
( A triste partida)
288
Relação dos Sonetos
1 A menina mendiga Dois sonetos
2 À Meretriz
3 A Minha Cinza
Engano
4 A Morte
5 A Morte – Estrambote
Alguém julga-me sempre venturoso,
A
6 À Professora Neuma
Qual passarinho alegre a gorjear,
B
7 A Sorte de Joli
Cheio de vida, de prazer e gozo,
A
8 Acróstico Espalhafatoso
Entre as delícias de um amor sem par.
B
9 Amanhã
10 Ao Padre Miracapilo
Alguém pensa que eu sempre ao dedilhar
A
11 Baladeira
O predileto pinho sonoroso,
B
12 Chico Forte
Sinto no peito o livre palpitar
A
13 Ciúme
De um coração feliz, calmo e ditoso.
B
14 Cousa Estranha
15 Desilusão
Mas nada disso em meu viver existe,
C
16 Dia das Mães
Vou pelo mundo, pensativo e triste,
C
17 É preciso saber compor soneto
Vergado ao peso da cruel saudade,
D
18 Ela
19 Ele
Sempre arrastando o meu martírio infindo,
E
20 Engano
Chorando o tempo que passei sorrindo
E
21 Esta terra parece um paraíso
Nos belos sonhos da primeira idade.
D
22 Flores Murchas
23 Fuga de Vênus
À Meretriz
24 Gratidão
25 Herança
Se alguém te chama de perdida e louca
A
26 Ingratidão
Não acredites pois não é verdade,
B
27 Mal de Amor
Há quem procure cheio de ansiedade
B
28 Minha Castanhola
A graça e o riso que tu tens na boca.
A
29 Minha Serra
30 Musa buliçosa
Foste menina, já usaste touca,
A
31 Nana
Foste donzela, tinhas virgindade,
B
32 No Cemitério
Tudo é fugaz e tudo é brevidade
B
33 O Burro
De qualquer forma a nossa vida é pouca.
A
34 O Castigo do Vaidoso
35 O grande prêmio
Nunca lamentes teu viver de puta,
C
36 O Pau D'Arco
Entre os pomares tu também és fruta,
C
37 O Peixe
Alguém te estima e com fervor te quer.
D
38 O Prazer da Pipa
39 O que mais dói
No chão, na cama ou dentro de uma rede
E
40 Percorrendo o Nordeste em pregação
Tu és a fonte de matar a sede
E
41 Prezado Amigo
Do desgraçado que não tem mulher.
D
42 Reforma Agrária
43 Treze de Agosto
44 Um Grande Poeta
45 Vive Doidinha a procurar marido
46 Vou casar sem saber você quem é
47 Voz Estranha
48 Zé Jacó
289
Três sonetos: Um Grande Poeta - Engano - Percorrendo o Nordeste em Pregação
Cada um exemplifica um dos três esquemas rímicos encontrados na obra de Patativa do Assaré.
As diferenças ocorrem apenas nos quartetos, uns com rimas cruzadas e outros com rimas opostas e
uma única exceção na qual o poeta rima cada quarteto conforme um e outro esquema.
Um Grande Poeta: a b b a a b b a c c d e e d - Engano: a b a b a b a b c c d e e d
Um Grande Poeta
Engano
Carregou da miséria o grande fardo, Alguém julga-me sempre venturoso,
Foi a pobreza a sua companhia, Qual passarinho alegre a gorgear,
Esta andrajosa mãe da poesia Cheio de vida, de prazer e gozo,
Nunca negou-lhe da tortura o dardo. Entre as delícias de um amor sem par.
E assim de olhar pedinte e passo tardo Alguém pensa que eu sempre ao dedilhar
Fora do mundo a lamentar vivia. O predileto pinho sonoroso,
Hoje repousa sob a terra fria, Sinto no peito o livre palpitar
Já ninguém fala do indigente bardo. De um coração feliz, calmo e ditoso.
Eu, que na vida não gozei de nada, Mas nada disso em meu viver existe,
Vou palmilhando aquela mesma estrada Vou pelo mundo, pensativo e triste,
Tendo por ele um sentimento nobre. Vergado ao peso da cruel saudade,
Foi meu colega, foi meu grande amigo, Sempre arrastando o meu martírio infindo,
Autor do livro, Cantos de um mendigo,
Chorando o tempo que passei sorrindo
Foi tão poeta que morreu de pobre. Nos belos sonhos da primeira idade.
Caso singular: a b b a a b a b c c d e e d Acróstico Espalhafatoso é um exemplo de acróstico
em forma de soneto, o nome é o de Vicente Alencar,
poeta e primo de Patativa do Assaré.
Temos aqui um caso de poesia anfigúrica
Percorrendo o Nordeste em Pregação
Acróstico Espalhafatoso
Sempre seguiu contente o seu caminho
V
isão do bosque sedutora e crente
Porque foi por Jesus um enviado
I
ncauto drama perpassando a vinda
Po adulto e criança foi beijado
C
ortando a selva transviada e linda
Ninguém via na praça ele sozinho,
E
cos doridos de um cantar dolente
Seu roteiro foi sempre bem talhado
N
o frio sopro do pampeiro quente
Mesmo sendo pisado sobre espinho
T
irita o nauta de expressões infindas
Nesta terra foi muito venerado
E
ntre as riquezas que o ladrão nos brinda
Nosso santo e querido capuchinho.
A
grilhoando o coração da gente.
Bem distante da Terra, no Brasil,
L
amenta e chora o jubiloso triste
Sob a sombra do nosso céu de anil,
E
a patavina que no mundo existe
Foi bastante feliz Frei Damião,
N
o firme posto do legal papel,
Quer no campo e também pela cidade
C
ortando a barba do velhinho infante
Prometendo uma santa eternidade
A
cena e brada a repetir constante:
Percorrendo o Nordeste em pregação.
R
oxo, rajado, confusão, babel.
290
Estrofes: Décimas
-
Métrica: Redondilha Maior
Lista dos poemas em estrodes de dez versos
Esquema rímico - Tipo A:
a b a b c c d e e d
Número de ocorrências: 110
1 A derrota de Zé Côco
Poeta, cantô da rua,
A
2 A Estrada da minha Vida
Que na cidade nasceu,
B
3 A festa da Maricota
Cante a cidade que é sua
A
4 A morte de Nana
Que eu canto o sertão que é meu
B
5 A muié que mais amei
Se aí você teve estudo,
C
6 A realidade da vida
Aqui, Deus me ensinou tudo
C
7 A Terra é Natura
Sem de livro precisá
D
8
Abertura de Novos poemas comentados
Por favô, não mexa aqui,
E
9 Acare
Que eu também não mexo aí,
E
10 Antônio Conselheiro
Cante lá que eu canto cá
D
11 Ao Artista Zenon Barreto
(Cante lá que eu canto cá)
12 Ao Poeta B.C. Neto
13 Ao Poeta Canção
14 Ao Reis do Baião
Meu compadre Zé Fulô,
A
15 Aos filhos e netos do Dr. Arraes Alencar
Meu amigo e companheiro,
B
16 Aos irmãos Aniceto
Faz quage um ano que eu tou
A
17 Aos Poetas Clássicos
este Rio de Janêro;
B
18 Apelo de um agricultor
Eu saí do Cariri
C
19 Aposentadoria de Mané do Riachão
Maginando que isto aqui
C
20 Aqui tem coisa
Era uma terra de sorte,
D
21 As narraativas de Zé Tataíra
Mas fique sabendo tu
E
22 Assaré de 1957
Que a miséra do Su
E
23 Assaré e Mossoró
É esta mesma do orte
D
24 Autobiografia
(Brasi de cima, Brasi de baxo)
25 Boa noite, Fortaleza
26 Bom Dia 93
27 Brasi de cima, Brasi de baxo
Quem tivesse reparando
A
28 Caboca da minha terra
essa franga de muié
B
29 Cante lá que eu canto cá
O corpo se balançando
A
30 Carta ao Padre Vieira
o compasso do quicé,
B
31 Carta do Padre Vieira ao Patativa
Via no lugá dos peito
C
32 Castigo do Mucuim
Dois catombinho bem feito,
C
33 Comi piqui e sonhei
Ficando assim parecido
D
34 Coração doente
Com dois pombinho fromoso
E
35 Dois Anjo
Com seus biquinho teimoso
E
36 Egoísmo
Querendo furá o vestido
D
37 Emigrante nordestino no Sul do país
(O Puxadô de Roda)
38 Eu e a Pitombeira
39 Eu e meu campina
291
40 Eu e o Sertão
Ingém de ferro, vo
A
41 Homenagem ao Pe. Vieira nos 70 anos
Com seu amigo motô,
B
42 Ilustríssimo Senhô Douto
Sabe bem desenvorvê,
A
43 Ingém de ferro
É munto trabaiadô.
B
44 Ingratidão
Arguém já me disse até
C
45 Inleição direta
E afirmou que você é
C
46 Ispinho e Fulo
Progressista em alto grau;
D
47 Juazeiro e Petrolina
Tem força e tem energia,
E
48 Justiça de Zé Caçado
Mas não tem a poesia
E
49 Lições de um cego
Que tem um ingém de pau
D
50 Linguage dos òio
(Ingém de ferro)
51 Mãe de verdade
52 Mãe Preta
53 Maió Decepção
É nascê, vivê e morre
A
54 Mané Besta
ossa herança natura
B
55 Maria de todo Jeito
Todos tem que obedecê
A
56 Maria Tête
Sem tê a quem se quexá,
B
57 Mello e Meladeira
Foi o autô da atureza
C
58 Meu caro jumento
Com seu pudê e grandeza
C
59 Meu protesto
Quem traçou nosso caminho,
D
60 Minha idade e minha poesia
Cada quá na sua estrada
E
61 Minha Reza
Tem nesta vida penada
E
62 Minha Sodade
ca fulô e munto ispinho
D
63 Minha vingança
(Ispinho e fulô)
64 Morrer sem morrer deveras
65 Mote/Glosa: Caía de gota em gota
66 Mote: Viva o povo brasileiro
Um boi zebu certa vez
A
67 No terreiro da choupana
Moiadinho de suó,
B
68 O Agregado e o Operário
Queram sabê o que ele fez?
A
69 O Alcool e a gasolina
Temendo o calô do
B
70 O bode de Miguel e o efeito da maconha
Entendeu de demo
C
71 O Boi Zebu e as Formigas
E uns minutos cuchilá
C
72 O Controlista
a sombra de um juazêro
D
73 O frangão da Meirislene
Que havia dentro da mata
E
74 O fruito milagroso
E firmou as quatro pata
E
75 O meu Livro
Em riba de um formigueiro
D
76 O Paraíso do Crato
(O Boi zebu e as formigas)
77 O Pica-Pau
78 O Puxadô de Roda
Hoje sou homem do meio,
A
79 O que é folclore
Tenho nome no jornal,
B
80 O Rádio ABC
Tenho carro de passeio
A
81 O retrato do Sertão
E freqüento a capital,
B
82 O Rico orgulhoso
Se um homem so outro explora,
C
83 O Sabiá e o Gavião
Isto ninguém iguinora,
C
84 O Sonho de Mané Feliciano
É fraquesa da matéria
D
85 O Vim-vim
E você, pobre agregado,
E
86 Pai Luis e o preguiçoso
Tem que me escutar calado
E
87 Pitu na segunda vida dos cachorros
E se acabar na miséria
D
88 Prefeito com Prefeitura
(Resposta de patrão)
89 Presente Dizagradave
90 Proque deixei Zabé
91 Raimundo Jacó
292
92 Referência sobre Leonardo Mota
a minha infança adorada
A
93 Reforma Agrara é assim
Meu avô sempre contava
B
94 Resposta de Patrão
Muntas histora engraçada
A
95 Resposta do Patativa
E de todas eu gostava,
B
96 Resposta ao amigo José Helder França
Mas uma delas havia
C
97 Rogaciano Leite
Com maió filosofia
C
98 Saudação ao Juazeiro do Norte
E eu como poeta sou
D
99 Serra de Santana
E só rimando converço,
E
100 Sodade é assim
Vou aqui contá em verso
E
101 Três beijos
O que ele em prosa me contou.
D
102 Um cearense desterrado
(A Realidade da Vida)
103 Um grande poeta embriagado
104 Um sonho desfeito
105 Uma do diabo
106 Versos do Patativa
107 Versos espalhafatosos
108 Vicença e Sofia ou o castigo de mamãe
109 Vida Sertaneja
110 Zé Limeira de carne e osso
293
Estrofes: Décimas
-
Métrica: Redondilha Maior
Lista dos poemas em estrofes de dez versos
Esquema rímico - Tipo B:
x a x a b b c d d c
Número de ocorrências: 9
Exemplos:
1 A Escrava do Dinheiro
2 A menina e a cajazeira
Quando ela tinha seis ano
x
3 A vida aqui é assim
Eu seis ano também tinha.
a
4 Bertulino e Zé Tingó
A minha casa era a dela,
x
5 Chiquita e Mãe Veia
E a casa dela era a minha.
a
6 Filosofia de um trovador sertanejo
Quando eu não ia pra lá
b
7 No meu sertão
Chiquita vinha pra cá:
b
8 Um candidato político na casa do caçadô
Era assim que nós vivia,
c
9 Vou vortá
Como dois pombo inocente,
d
Ela se rindo e eu contente,
d
Querendo o que ela queria.
c
(Chiquita e Mãe Véia)
Seu dotô pede que eu cante Boa noite, home e menino
x
Coisa da filosofia; E muié deste lugá!
a
Escute que eu vou agora Quero que me dê licença
x
Cantá tudo em carretia; Para uma histora contá.
a
O senhô pode escuta, Como matuto atrasado
b
Que se as corda não quebra, Eu dêxo as língua de lado
b
em fartá minha cachola, Pra quem as língua aprendeu,
c
Eu lhe atendo num instante: E quero a licença agora
d
ada existe que eu num cante Mode eu contá minha histora
d
as corda desta viola. Com a língua que Deus me deu
c
...
...
(A escrava di dinheiro)
...
ão vou dizê que os poeta Aqui pra nós sempre tá
x
ão tão comparando bem. Chegando de quando em vez
a
Mas como o assunto me cabe, Gente com cara de saibo,
x
Eu quero falá tombem. Embruiando os camponês.
a
O mundo é uma cadeia Causa raiva e dá desgosto
b
Que de preso veve cheia, A gente pagá imposto
b
inguém me diga que não; Cobrado cronta a razão,
c
A morte é seu sentinela, E além de certos direito,
d
E é quem arranca as tramela Ainda vivê sujeito
d
Das porta dessa prisão. Ao tá fiscá do argodão.
c
(Filosofia de um trovador sertanejo)
(A vida aqui é assim)
294
Estrofes: Décimas - Esquema rímico - Tipo C : a b b a a c c d d c
Número de ocorrências: 28
Métrica: Redondilha Maior
01 A Política
Exemplos :
02 ABC do Nordeste fragelado
03 As proezas do padre Nonato
Eu sei que dizendo assim, A
04 Conversa de matuto
Eu não tou falando à toa, B
05 É coisa do meu Sertão
Meu sertão tem coisa boa B
06 Encontro com a alma de Zé Limeira
E também tem coisa ruim; A
07 Fonte Patativana
Umas fede a cupim A
08 Lagartixas verdinhas pelo chão
Ôtras que chera a melão. C
09 Meu Palito
De tudo eu sei a feição C
10 Meu recado a São Pedro
Pois conheço uma por uma D
11 Mote: A mulher do cachaceiro
Vou aqui dizer arguma D
12 Mote: Com o grito do dinheiro
Das coisa do meu sertão C
13 Mote: Coronel tenha cuidado...
(É coisa do meu Sertão)
14 Mote: No terror da tempestade
15 Mote: O café de dona Santa
16 Mote: O título sem retrato
Um calango nas árvores trepou A
17 Mote: Quem persevera no bem
E ficou a vagar de copa em copa B
18 Mote: Quem quiser ser meu amigo
Qual vaidoso rapaz que tudo topa, B
19 Mote: Refúgio dos pecadores
Lagartixa do mesmo se agradou A
20 Mote: Só desgraça traz a guerra
E com ele a seu lado passeou A
21 Mote: Uma mulher ciumenta
Pelos matos frondosos do sertão, C
22 O banco do Chico Rosado
Surgiu logo uma nova produção C
23 O bode do Serafim
Porque Deus dessa forma permitiu D
24 O Padre e o Matuto
E mais tarde na terra a gente viu D
25 O rapaz do pé frio
Lagartixas verdinhas pelo chão. C
26 Prefeitura sem prefeito
(Lagartixas verdinhas pelo chão)
27 Rogando pragas
28 Um mundo desconhecido
Mote
Nesta vida atroz e dura
A
Tudo pode acontecer,
B
Uma mulher ciumenta
Muito breve há de se ver
B
Prefeito sem prefeitura;
A
Glosas
Vejo que alguém me censura
A ..........
E não fica satisfeito,
C
Porém, eu ando sem jeito,
C Eu antes quero agüentar A
Sem esperança e sem fé,
D O choque da hidrofobia, B
Por ver no meu Assaré
D Bexiga e paralisia, B
Prefeitura sem prefeito.
C E as lepras do lupanar, A
.....
Atirar-me sobre o mar A
Não vou teimar com quem diz A Contra a fúria da tormenta, C
Que viu ferro dar azeite, B Numa noite turbulenta, C
Uma avestruz dando leite B Triste, tenebrosa e fria, D
E pedra criar raiz, A Do que ter em companhia D
Ema apanhar de perdiz A Uma mulher ciumenta. C
E um rio fora do leito, C
Um aleijão sem defeito C
E um morto declarar guerra, D
Porque vejo em minha terra D
Prefeitura sem prefeito. C
(Prefeitura
sem prefeito)
295
Classificações temáticas da Literatura de Cordel
ALCEU MAYNARD
1. Desafios
2. Histórias Religiosas
3. Banditismo
4. Fatos Sociais
5. Pornografia
6. Temas de Literatura e História Universal
CARLOS ALBERTO AZEVEDO
1. Utopia
2. Marido Logrado
3. Demônio Logrado
4. Bichos que Falam
5. Erótico ou de Obscenidade
6. Exemplos e Maldições
7. Heróico e Fantástico
8. Histórico e Circunstancial
9. Amor e Bravura
10. mico e Satírico
DIÉGUES JÚNIOR
1. Temas Tradicionais
a) romances e novelas
b) contos maravilhosos
c) estórias de animais
d) anti-heróis: peripécias e diabruras
e) tradição religiosa
2. Fatos Circunstanciais ou Acontecidos
a) de natureza física (enchentes, cheias, secas, terremotos)
b) de repercussão social (festas, desportos, novelas, astro¬nautas)
c) cidade e vida urbana
d) crítica e sátira
e) elemento humano: figuras atuais ou atualizadas (Getúlio, ciclo do fanatismo e misticismo, cangaço),
tipos étnicos e tipos regionais, etc.
3. Cantorias e Pelejas
296
CAVALCANTI PROENÇA
1. Herói Humano: a) Herói singular; b) Herói casal; c) Reportagem
(crimes, desastres, etc.); d) Política
2. Herói Animal
3. Herói Sobrenatural
4. Herói Metamorfoseado
5. Natureza: a) Regiões; b) Fenómenos
6. Religião
7. Ética: a) Sátira Social-Humanismo; b) Sátira Económica; c) Exaltação; d) Moralizante
8. Pelejas
9. Ciclos: a) Carlos Magno; b) António Silvino; c) Pé. Cícero; d) Getúlio; e) Lampião; f) Valentes; g) Anti-
Heróis; h) Boi e Cavalo 10. Miscelânea: a) Lírica; b) Guerra; c) Crônica-descrição.
ROBERTO CÂMARA BENJAMIM
1. Folhetos Informativos (Fatos de época e acontecidos)
2. Romances (Narrativas tradicionais)
3. Opinião (Crítica Social)
4. Casos e Exemplos
ORÍGENES LESSA
I — TEMAS PERMANENTES
1. Desafio real ou imaginário
2. Histórias tradicionais
3. Cangaço
4. António Silvino, Lampião, Maria Bonita
5. Seca e Retirantes
6. Vaqueiros e Vaquejadas
7. Mística
8. Histórias Bíblicas
9. Profecias
10. Milagres
11. Festas Religiosas
297
12. Beatas e Santos do Sertão
13. Pé. Cícero
14. Sobrenatural
15. Diabo
16. Romances de Amor, Aventuras, Trágicos
II — TIPOS PASSAGEIROS "
1. Casos da época
2. Crimes, desastres, acontecimentos policiais
3. Revoluções
4. Campanhas eleitorais
5. Fatos políticos
6. Luta ideológica (Guerra da Coreia, Hitler)
7. Miséria do povo
8. Eleições
9. Getúlio e sua morte
10. Crítica de costumes
11. Sátira política e social (crises, preços, etc.)
RAYMOND CANTEL
1. Heróico: a) santos; b) cangaceiros; c) valentes; d) animais
2. Satírico e Cómico (Homens e animais anti-heróis)
3. Religioso: a) Santíssima Trindade; b) Virgem Maria; c) Santos; d) Soldados de Deus (Pé. Cícero, Frei
Damião, Frei Bernardo, João XXIII)
4. Informação (atualidade dramática, mortes, crimes, acidentes, calamidades naturais, informação pura,
esportes, etc.)
298
CLASSIFICAÇÃO POPULAR LIÊDO MARANHÃO
l — FOLHETOS
1. de conselhos
2. de eras
3. de santidade
4. de corrupção
5. de cachorrada ou descaração
6. de profecias
7. de gracejo
8. de acontecidos
9. de carestia
10. de exemplos
11. de fenômenos
12. de discussão
13. de pelejas
14. de bravuras ou valentia
15. de ABC
16. de Pe. Cícero
17. de Frei Damião
18. de Lampião
19. de António Silvino
20. de Getúlio
21. de política
22. de safadeza ou putaria
23. de propaganda
II — ROMANCES
1. de Amor
2. de Sofrimento
3. de Luta
4. de Príncipes, Fadas e Reinos Encantados
.
299
Bibliografia
ASSARÉ, Patativa do (António Gonçalves da Silva). Inspiração nordestina: Cantos de
Patativa. 2. edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1967.
ASSARÉ, Patativa do. Cante que eu canto . Petrópolis: Editora Vozes em co-edição
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ASSARÉ, Patativa do. Ispinho e fulô. Fortaleza: Secretaria de Cultura, Turismo e Des-
porto/Imprensa Oficial do Ceará, 1988.
ASSARÉ, Patativa do. Aqui tem coisa. 2. edição. Fortaleza: UECE/RCV. Editoração e Artes
Gráficas Ltda., 1985.
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outros poetas do Assaré. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Des¬porto. 1991.
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ALBUQUERQUE, Durval Muniz de. A invenção do ordeste e outras artes. Edição
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ANDRADE, Cláudio Henrique Sales. Patativa do Assaré: as razões da emoção – Capítulos
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____________. Dialética da colonização. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
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Pochat e Maria Inês de Almeida. São Paulo: Editora Hucitec. 1997.
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