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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Departamento de Geografia
Karina Rousseng Dal Pont
De “bota-fora” à Estação Ecológica da UFMG
(pequenas conquistas e a construção de significados ambientais urbanos)
Minas Gerais – Brasil
Julho de 2008
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2
Karina Rousseng Dal Pont
De “bota-fora” à Estação Ecológica da UFMG (pequenas conquistas e a
construção de significados ambientais urbanos)
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós Graduação do
Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Geografia
Área de concentração: Análise Ambiental
Orientador: Bernardo Machado Gontijo
Belo Horizonte
Departamento de Geografia
2008
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3
Aos meus pais, Marlene e Onivaldo Dal Pont,
pelo ensinamento mais precioso da minha vida:
o amor.
4
AGRADECIMENTOS
Durante a caminhada são muitos os encontros e muitos os caminhos que se
cruzam pelo caminhar. É impossível chegar até aqui e não agradecer aqueles que foram
essenciais nas descobertas, e aqueles que foram grandes descobertas, de amizade,
companheirismo e escutas. Agradeço ao meu orientador, professor Bernardo Machado
Gontijo, pela sua sensibilidade, compreensão, confiança e carinho durante todo o
processo desde 2005, quando trocamos os primeiros mails, até este momento. Obrigada
por me permitir falar de um pedaço de você: a Estação Ecológica da UFMG.
A todos do Programa de Pós Graduação de Geografia da UFMG, a secretária
Maria Paula Borges Berlando pela atenção, e aos professores deste Colegiado. Em
especial professora Heloisa de Moura Costa, obrigada pelos ensinamentos e trocas. Aos
colegas e “irmãozinhos” de Mestrado: Lúcio Botelho, Bruno Bedim, Gisele Barbosa,
Luciana Alt e Cristiane Vilela (irmã, valeu!), obrigada por dividirem angústias e alegrias!
Ao Diretor da Estação Ecológica da UFMG, Celso Baeta Neves, pela atenção e
disponibilização de informações, por estar sempre solícito durante todo o processo da
pesquisa.
Aqueles que contribuíram com seus depoimentos: Eduardo Osório Cisalpino, Júlio
Emilio Diniz, Flávio Carsalade, Carlos Magno Ribeiro, Ângelo Machado Barbosa, Célio
Murilo Valle, Tomaz Aroldo dos Santos, Edison Ribeiro, José Luiz Borges Horta, Arnaldo
Garrocho e Luiz Felipe Calvo. Ao pessoal do Arquivo do Departamento de Planejamento
Físico e Obras (DPFO).
Igor Ferreira por ter confeccionado os mapas desta dissertação.
Aos amigos de Belo Horizonte por todo carinho e amizade, em especial Naroca
Torres Vargas por dividir sua casa, seu coração e sua paciência durante o processo de
escrita. Aos amigos de Florianópolis, em especial a minha irmã Karine Cantoviski, por
aturar o mau humor nos momentos finais da escrita. A Raphaela Desidério, amiga e
colega de tantas geografias. A minha família, em especial meu avô, Valdir Rousseng,
pelo exemplo de vida. Vocês fazem parte de mais esta conquista na minha vida.
Ana Maria Hoepers Preve, professora e grande amiga da Universidade do Estado
de Santa Catarina, por estar comigo durante todo o caminho, pelas escutas e leituras e
principalmente pela inspiração e parceria desde 2003, valeu Bã!
A meu querido Evandro Rogers, pelo amor e carinho, e por me ensinar a gostar
de flores, botecos e cachorros.
A todos que acreditam neste trabalho, obrigada pela confiança e alegrias
compartilhadas.
5
“E não esquecer, ao começar o trabalho, de me preparar
para errar. Não esquecer que o erro muitas vezes se havia
tornado meu caminho. Todas as vezes que não dava certo
o que eu pensava ou sentia – é o que se fazia enfim uma
brecha, e, se antes eu tivesse tido coragem, já teria
entrado por ela. Mas eu sempre tivera medo de delírio e
erro. Meu erro, no entanto, devia ser o caminho de uma
verdade: pois só quando erro é que saio do que conheço e
do que entendo. Se a verdade fosse aquilo que posso
entender – terminaria sendo apenas uma verdade
pequena, do meu tamanho”.
Clarice Lispector - “A paixão segundo G.H.”
6
SUMÁRIO
CONVITE Á LEITURA.....................................................................................................................11
CAPÍTULO 1. A CIDADE E A NATUREZA: QUESTÃO AMBIENTAL-URBANA E A
MOBILIDADE DO MOVIMENTO AMBIENTALISTA......................................................................23
1.1 Sobre a cidade e a natureza: limites, aproximações e o alargamento das fronteiras.............23
1.2 Apontamentos sobre a gênese do movimento ambientalista e a conservação da natureza..26
1.2.1 A questão ambiental como questão social: a evolução dos paradigmas, e algumas
teorizações sobre o ambientalismo.................................................................................................30
1.2.2 O Brasil frente á evolução dos paradigmas ambientais: legislação ambiental e conjuntura
social................................................................................................................................................33
1.3 Notas sobre o Planejamento urbano no Brasil: do plano discurso ao planejamento
estratégico.......................................................................................................................................36
1.3.1 Conservação ambiental urbana ou uso dos espaços públicos: parques, jardins, áreas verdes
na cidade.........................................................................................................................................41
1.3.2. Belo Horizonte: breves considerações sobre o planejamento da cidade e as áreas verdes44
1.3.3 Sobre as funcionalidades das unidades de conservação ambiental urbana.........................46
CAPÍTULO 2. APRESENTANDO A ÁREA DE ESTUDO: USOS E (DES) USOS DA ESTAÇÃO
ECOLÓGICA DA UFMG.................................................................................................................49
2.1 Características gerais do sitio da UFMG... ...............................................................................49
2.2. As origens da UFMG: do deslocamento para o campus Pampulha ao campus 2000............53
2.3.”Programa Ecológico Campus Pampulha”: os primeiros passos da Estação Ecológica da
UFMG nos anos 70..........................................................................................................................55
2.4. Da Portaria nº320 aos (des) usos da Estação Ecológica da UFMG durante os anos 80:
entulhos, queimadas e bota-fora.....................................................................................................61
2.5 Uma nova tentativa de utilização da área: Comissão Executiva de 1988.................................62
CAPÍTULO 03. O PODER ALÉM DOS MAPAS: O CASO DE 1992.............................................70
3.1. A área da capineira da Estação Ecológica da UFMG: a expansão das Escolas de Odontologia
e Farmácia e o início do processo...................................................................................................70
3.2. Da decisão do Conselho Universitário ao Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de
Belo Horizonte: o ultrapassar dos muros da UFMG........................................................................77
3.3. A alternativa diante dos olhos: a decisão de construir as unidades de Farmácia e Odontologia
do outro lado da rua.........................................................................................................................86
3.4. A Estação Ecológica a partir de 1992: lutas cotidianas pela manutenção de seu lugar..........87
3.5. A cidade e a permanência de áreas de preservação: significados ambientais e urbanos.......92
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMINHADA................................................................................95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................99
ANEXOS........................................................................................................................................106
7
LISTA DE FIGURAS
1. Mapa de localização da Estação Ecológica da UFMG.............................................16
2. Mapa de vegetação de Belo Horizonte.....................................................................52
3. Vista aérea do antigo Lar Don Orione, na década de 40..........................................58
4. Construção do lago em 1977....................................................................................59
5. Lago construído ........................................................................................................60
6. Construção da sede da “Estação Experimental” em 1977........................................60
7. Microzoneamento proposto pelo Plano Diretor da UFMG em 1969.........................71
8. Detalhe da folha de tombamento pela Lei Orgânica de 21/03/90.............................72
9. Faixa de apoio a Estação Ecológica (anos 90).........................................................78
10. Mapa do tombamento da área de 1992..................................................................83
11. Salas destinadas as oficinas de educação ambiental.............................................90
12. Detalhe de uma das salas destinada a oficinas de educação ambiental................90
13. Área de recreação da Estação Ecológica................................................................91
14. Sede da Estação Ecológica.....................................................................................91
8
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDPC - Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural
CEDECOM – Centro de Comunicação
DPFO – Departamento de Planejamento Físico e Obras
EECO – Estação Ecológica
IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
ICB – Instituto de Ciências Biológicas
IGC – Instituto de Geociências
MIT – Massachussets Institute of Technology
PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte
PNUMA – Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente
Serfhau - Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
9
RESUMO
A análise ambiental, inserida as discussões urbanas pode possibilitar uma série de
aproximações entre os temas urbanos e ambientais, principalmente ao se analisar as
percepções e sentidos relacionados às áreas de conservação ambiental urbana. A
Estação Ecológica da UFMG é uma área de conservação ambiental urbana localizada no
campus da Universidade Federal de Minas Gerais. Durante o processo de implementação
a área passou por diversos usos, desde bota-fora da própria universidade até atingir o
atual status de uma das maiores áreas de conservação ambiental da cidade de Belo
Horizonte/MG. A questão que se coloca é até que ponto a inserção de uma unidade de
conservação urbana, dentro de uma instituição de ensino superior, garante sua
preservação? Constitui-se como objetivo desta pesquisa realizar através da sua história
ambiental, uma análise a respeito das funcionalidades da área e suas relações
institucionais no decorrer do processo de implementação (1979-2008). Esta pesquisa se
baseia em dois níveis de investigação: entrevistas semi-estruturadas com grupos de
atores que acompanharam o processo de tombamento da área em momentos distintos, e
pesquisas junto aos arquivos da universidade e da prefeitura de Belo Horizonte. Com este
estudo buscou-se levantar indicativos que contribuam para a construção de
entendimentos sobre os sentidos dados aos usos e formas de apropriação de espaços
naturais dentro das aglomerações urbanas. E também contribuir no processo de
institucionalização da área.
Palavras-chaves: Estação Ecológica; conservação ambiental urbana; questão ambiental-
urbana.
10
ABSTRACT
An environmental analysis, inserted to the urban discussions may convey a series of links
between urban and environmental subjects, mainly analyzing the perceptions and senses
related to the urban environmental conservation areas. The UFMG Ecological Station is an
urban environmental conservation area located in the campus of the Universidade Federal
de Minas Gerais. During the implementation process the area went through diverse uses,
since ‘bota-fora’ (throw it away) from the University itself until reach the present status of
one of the biggest areas of environmental conservation of Belo Horizonte/MG. The only
question is, up to what point the insertion of an urban conservation area inside an
undergraduate institution might assure its preservation? The aim of this research is to
carry out through environmental history an analysis in the functionality of the area and its
institutional relations in the implementation process (1979-2008). Two levels of
investigation are approached in here: semi-structured interviews with actor groups
following the tipping process of the area in distinct moments, and, research in the files of
the university and Belo Horizonte city hall. This study looked at information that contributes
to the understanding on the senses given to the use and forms of appropriation of natural
spaces within the urban set, and also aimed to contribute to the institutionalization of the
area.
Key-words: Ecological Station; urban environmental conservation; urban-environmental
matter.
11
CONVITE À LEITURA
Caminhar não é tanto ir de um lugar a outro, mas levar passear o
olhar.
Jorge Larrosa (1998, p.60)
Muitos são os caminhos, as viagens, as idéias e ideais que nos levam a escolha
de um tema. Na escrita, assim como na pesquisa trata-se de escolhas definidas em
função dos lugares percorridos cruzados por seqüências de outros caminhos, e de todos
os encontros com pessoas e coisas que fazemos nesses percursos.
Os caminhos para a pesquisa científica não são tão diferentes assim. São
constituídos também pela soma de experiências e vivências decorrentes da jornada nos
bancos da academia e pelas ultrapassagens que fazemos do “sagrado” local do
desenvolvimento do conhecimento científico
1
. A universidade se baseia num tripé -
ensino, pesquisa e extensão - a partir deste tripé podemos, de acordo com nossas
experiências formativas, buscar um sentido inverso ao que nos é dado enquanto
pesquisadores: trazer para a pesquisa o que está à margem da ciência, aquilo que ainda
não foi fissurado e classificado como “científico”. Ao criar aberturas nos permitimos
ultrapassar e repensar o institucional quando impregnamos a escrita e a pesquisa por
coisas e pessoas que cercam a universidade, dotando as “palavras sábias” da academia
de outros significados (Larrosa,1998). Nesse ultrapassar voltamos nosso olhar para o que
acontece dentro dos muros institucionais, e desta perspectiva (re) pensamos a própria
universidade, a sua organização, bem como as formas de realizar uma pesquisa.
Ligada a um percurso anterior essa pesquisa é uma soma de conversas, leituras,
e, sobretudo escutas. Percurso iniciado ainda nos bancos da universidade durante a
graduação, quando diante do processo de construção de saberes junto a crianças de
escolas públicas, foi compreendido que ouvir o outro implica na construção de outros
modos de encarar as pesquisas: na forma como passamos a compreender o processo de
formação universitário que separa o acadêmico das práticas sociais, e também quando o
saber que obtivemos estando fora da universidade nos faz repensar o saber disciplinar.
Muitas vezes o pensamento do pesquisador coloca-se a frente da sociedade capaz de
1
Esse particularmente foi meu caminho, considero aqui todo o envolvimento acadêmico e experiências
desenvolvidas junto ao curso de Geografia e fora dele, através da participação durante o período de 2003 a
2005 do Projeto de Extensão “Educação ambiental e ensino de geografia: limites e possibilidades na formação
do educador em geografia”, orientado pela professora do Departamento de Geografia da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), Ana Maria Hoepers Preve, vinculado ao Núcleo de Estudos Ambientais
(NEA). Para obter mais informações verificar: DAL PONT, Karina Rousseng; PREVE, Ana Maria Hoepers. “A
cidade não pára, a cidade só cresce”. In: Anais do IV CONGRESSO DE ECOLOGIA DO BRASIL, Fortaleza,
Universidade Federal do Ceará. 2003 (pag. 533-536), e DAL PONT, Karina Rousseng; PREVE, Ana Maria
Hoepers. “Aprendendo muito mais do que ensinado: possibilidades de um trabalho em extensão em educação e
meio ambiente”. Anais do 2. CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO. Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2004.
12
apresentar soluções prontas para as problemáticas apresentadas. Sendo que raramente
é questionado o papel cristalizado do pesquisador tornado transmissor daquilo que os
outros devem fazer para solucionar os seus problemas (DAL PONT; PREVE, 2004).
Compartilho neste início de escrita a epígrafe de Jorge Larrosa (1998) para
salientar que por trás deste percurso acadêmico está o olhar do pesquisador impregnado
de curiosidades, perguntas e vontades. O olhar volta a integrar o tema desta pesquisa,
vinculado aos sentidos atribuídos a uma unidade de conservação ambiental urbana. A
investigação parte daquele que realiza a pesquisa e se estende a pessoas (professores,
diretores, funcionários, e ex- alunos da UFMG) que de acordo com suas experiências ao
longo dos anos dentro da Universidade Federal de Minas Gerais contribuem para a
construção da investigação e as considerações posteriores ao final da mesma. Essas
experiências envolvem a dimensão do tempo e pode proporcionar respostas importantes
quanto a explicações sobre as atitudes e valores (ambientais, sociais e econômicos)
relacionados a uma unidade de conservação urbana. Segundo Lynch (1988, p.11), “a
cada instante existe mais do que a vista alcança, mais do que o ouvido pode ouvir, uma
composição, ou um cenário, à espera de ser analisado”.
A análise neste caso parte de questionamentos acerca dos sentidos de uma área
de conservação ambiental urbana: a Estação Ecológica da UFMG
2
. Sentidos que podem
ser atrelados aos valores cênicos, paisagísticos, e funcionais que uma área verde pode
proporcionar no ambiente urbano.
Consideramos que desde as primeiras tentativas de implementação da área
haveria uma possível “invisibilidade” desta que é uma das maiores áreas verdes
contínuas preservadas na cidade de Belo Horizonte/MG
3
. Constatou-se que ao longo de
quase 40 anos de existência a área legalmente não faz parte da UFMG, contando apenas
com um tombamento realizado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo
Horizonte, diante de um polêmico processo decorrente no ano de 1992
4
.
Esta área poderia estar assumindo uma configuração de ilha (um espaço verde
circundado de construções por todos os lados) contrariando a conceituação trazida desde
1992, pelo Congresso Mundial sobre Parques e Unidades de Conservação de que
nenhuma unidade de preservação é uma ilha esteja a mesma localizada na cidade ou
distante dela (DRUMMOND, 1999). Esta analogia contribui para uma reflexão inicial
acerca dos isolamentos e/ou distribuição desigual das áreas verdes nas cidades e sua
2
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Estação Ecológica é uma unidade
de proteção integral, de menor tamanho, se comparada a outras categorias de proteção destinada à pesquisa e
atividades de educação ambiental.
3
Cabe neste momento da escrita diferenciar implementação de institucionalização: implementar é dar uso ao
espaço,dotando-o de equipamentos, funcionários e infra estrutura básica para sua utilização. Já institucionalizar é
dar um regimento legal ao espaço, garantindo perante leis sua destinação e funcionalidade, bem como
incorporando ao organograma financeiro da instituição vinculada.
4
Sobre este caso ler Capítulo 3. “O poder além dos mapas: a Estação Ecológica e o caso de 1992”.
13
menor eficiência ecológica e social
5
. É cabível questionar, o que fica dentro e que fica
fora de uma unidade de preservação urbana?Como podemos medir sua funcionalidade
ambiental e social? O que se preserva, para quem e como se preserva?
Nas cidades, alguns pontos se mostram e outros se tornam invisíveis, muitas
vezes marginalizados pelo olhar estático e fixo daquele que passa. A velocidade dos
movimentos cada vez mais efêmeros e passageiros dos grandes centros urbanos, de
acordo com Carlos (2001), cria um processo de estranhamento dos indivíduos em relação
às cidades, um sentimento de não pertencimento, ou não identificação com o lugar.
Para além desse possível estranhamento, trazemos outra questão norteadora
para a pesquisa: a não institucionalização da Estação Ecológica da UFMG se daria em
virtude de seus baixos valores ecológicos devido a sua localização numa malha urbana,
ou haveria outros interesses em relação à área? A sobreposição de valores pode ser um
eixo de discussão a nortear a busca por respostas a esta questão, assim como a
construção e análise pelo viés da sua história ambiental.
Segundo Worster (2003) a análise pela história ambiental, busca aprofundar a
compreensão de como os humanos são afetados pelo seu ambiente natural através do
tempo, e como a ação humana afetou a natureza. Esta análise pode ser dividida em três
níveis: 1) o primeiro envolve a descoberta da estrutura e distribuição dos ambientes
naturais do passado, e para isso torna-se necessário buscar auxílio em outras ciências
para obter registros e empreender tal reconstrução; 2) o segundo mais voltado ao
historiador e outros estudiosos da sociedade se concentra na tecnologia produtiva, na
transformação dos “modos de produção” e na medida em que estes modos interagem
com a natureza (como no caso de pescadores artesanais, camponeses, etc.); 3) e o
terceiro partiria de um encontro intangível relacionado ao nível mental.
Utilizando os pressupostos de Worster, nesta investigação busca-se compreender
as percepções por parte de um grupo de indivíduos e sua relação com a área de
pesquisa (Estação Ecológica da UFMG). Pois segundo Worster (2003) as pessoas
constroem mapas cognitivos ao seu redor, definindo o que é um recurso, determinando
que tipos de comportamentos possam ser ambientalmente degradantes, e que deveriam
5
Para complementar essa discussão ler, Alessandra Peixoto (2006), que constatou ao pesquisar sobre o
Parque Estadual Rola Moça, localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte sua hipótese de que este,
não é reconhecido como um parque pelos atores que interagem com o mesmo. Outro caso seria da APA Sul,
localizada ao sul de Belo Horizonte, estudado por Eliano de Souza Martins Freitas (2006),e outros autores,
verificando a aglutinação de interesses por trás do discurso da conservação ambiental. Ou pelas próprias
dificuldades que a Secretaria de Meio Ambiente, e a Fundação Municipal de Parques (fundada em 2005)
enfrentam ao buscar implementar e administrar, no nível municipal, as áreas verdes da cidade de Belo
Horizonte. Seja pelas barreiras legais, ou pelo próprio não reconhecimento e apropriação dos usuários desses
espaços. Para aprofundar esse tema ver também DAL PONT, Karina Rousseng; DINIZ, Ângela. In: “Unidades
de Conservação Urbana: limites e possibilidades de preservação da natureza no ambiente urbano - o caso de
Belo Horizonte/MG”, publicado nos Anais do XII Seminário de Geografia Física, Natal, 2007.
14
ser proibidos, e geralmente escolhendo os fins que se impõe a natureza. Nesse sentido
que a análise das percepções dos atores eleitos se torna fundamental para a
investigação.
No momento em que nos propomos a investigar o possível isolamento que separa
a área do resto do campus, e da cidade, a questão de proteção a uma área verde é
colocada como uma questão política. Ou seja, até que ponto a inserção de uma unidade
de conservação urbana dentro de uma instituição de ensino superior garante sua
preservação e integração com as pessoas e os objetos que transitam e circundam seus
arredores? Podemos diferenciar preservação de isolamento?
Essa pesquisa apóia-se na possibilidade de construir e identificar pela história
ambiental da área as transformações e os diferentes destinos dados a mesma. E
compreender se para além das cercas e telas se existiria outras relações mais sutis ainda
dificultadoras de sua efetiva institucionalização junto a UFMG.
Parte-se do entendimento que uma unidade de preservação possa se relacionar
com o que está fora dela, principalmente se estiver localizada num perímetro urbano. Se
não contemplar cada categoria os fins a que se propõem essas áreas não servem para
muita coisa. Ao se tornar uma paisagem intocada pode permanecer apenas como uma
pintura ou uma fotografia: estática e distante.
Apresentando a Estação Ecológica da UFMG
A Estação Ecológica da UFMG é uma unidade de conservação ambiental urbana,
localizada no campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (ver figura 01).
A área está tombada como patrimônio da cidade de Belo Horizonte pelo Conselho
Deliberativo do Patrimônio Cultural da mesma cidade em 1992. Inserida num contexto de
transformações e pressões espaciais, como todos os espaços verdes que ainda restam
nas cidades, ainda “contribui para a preservação de uma importante área verde da região
metropolitana de Belo Horizonte” (GONTIJO; NEVES, 2004). Segundo Neves (2002) a
abrangência da área é de 114 hectares, com 13 biótopos mapeados, nove ordens de
mamíferos, 220 espécies de aves, além de répteis, anfíbios e invertebrados, contando
com uma grande diversidade de espécies nativas e exóticas de flora. Este mesmo autor
ao realizar o Zoneamento Ambiental da área, constatou que a unidade é um dos
remanescentes de vegetação mais importantes para o município de Belo Horizonte, e
15
funciona como centro de integração das “ilhas verdes” exercendo vital função ecológica
para o campus da UFMG e para própria Região da Pampulha
6
.
A definição de Estação Ecológica e seus atributos, de acordo como Sistema
Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei Federal nº 9.985, de 2000), são:
Art. 9o A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza
e a realização de pesquisas científicas.
§ 1o A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as
áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de
acordo com o que dispõe a lei.
§ 2o É proibida a visitação pública, exceto quando com objetivo
educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da unidade
ou regulamento específico.
§ 3o A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão
responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e
restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em
regulamento.
§ 4o Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações dos
ecossistemas no caso de:
I - medidas que visem a restauração de ecossistemas modificados;
II - manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica;
III - coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas;
IV - pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que
aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de
componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no
máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um
mil e quinhentos hectares.
6
O campus da UFMG encontra-se inserido na Região da Pampulha, esta regional possui mais três
fragmentos florestais: a Fundação de Zôo-Botânica, com 114 hectares, o Parque Municipal Lagoa do Nado,
com 30 hectares, e o Parque Municipal Ursulina de Andrade Melo, com 24,2 hectares (Neves, 2002, p. 114) e
desde 2003, conta com o Parque Ecológico da Pampulha.
16
17
As estações ecológicas são unidades de proteção integral, menores se comparadas
a outras categorias, fechadas ao público, exceto para educação ambiental com ênfase do
seu papel prospectivo como estações de pesquisa (RYLANDS & BRANON, 2005, p.31).
Neste caso, a Estação Ecológica da UFMG está de acordo com as prerrogativas do
SNUC, desempenhando uma dupla função: de mantedora de variados ecossistemas
(possui em sua extensão, transição entre ecossistemas de Mata Atlântica e Cerrado)
dentro de um grande centro urbano, e, também como local dinamizador de pesquisa,
ensino e extensão
7
.
Historicamente trata-se de um espaço que ao longo dos anos obteve diversas
formas de uso até atingir o status atual de unidade de conservação (ainda legalmente
não institucionalizada): do cultivo e lugar de pastoril na época da antiga Fazenda Dalva,
foi doada por Juscelino Kubitschek na década de quarenta ao Lar dos Meninos Don
Orione, utilizada também para a fabricação de tijolos, entre outras atividades
8
. Em 1976
foi apresentada a primeira proposta para a criação de uma área de preservação
ambiental no Campus Universitário
9
. Durante alguns anos, devido a divergências
administrativas a área ficou abandonada e serviu até de depósito de entulhos da própria
universidade. Há nove anos a EECO da UFMG desenvolve atividades de ensino,
pesquisa e extensão em educação ambiental através do Programa Estação Ecológica
(PROECO)
10
junto a escolas de Ensino Infantil, Fundamental e Médio. É também uma
das áreas mais utilizadas para o desenvolvimento de pesquisas da graduação e pós-
graduação
11
(NEVES, 2002, p. 33).
Apesar de estar inserida junto a uma instituição federal a área que possui apenas
como ferramenta de proteção o tombamento realizado durante um conflituoso processo
pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural da prefeitura de Belo Horizonte em
1992 (na época através deste tombamento foram embargadas as obras que haviam se
iniciado para a construção das Escolas de Odontologia e Farmácia próxima aos limites da
Estação Ecológica). De forma geral o histórico de formação institucional da área pode ser
descrito da seguinte forma:
7
Atualmente a Estação Ecológica possui 3 tipos de programas de educação ambiental, votados para
atividades com escolas, além do programa “Olhos de Coruja”, e “Enduro a pé”. É também um centro de
pesquisa para graduação e pós-graduação, utilizada por cursos, como biologia e geografia, entre outros.
8
Segundo Gontijo e Neves (2004), o local ainda guarda resquícios de tempos passados com olaria e ruínas
de instalações rurais.
9
“Programa Ecológico para o Campus da Pampulha”
10
Os principais objetivos do PRECO são: desenvolver atividades de extensão junto a escolas, entidades e
associação de visitantes; favorecer a articulação interinstitucional e interdepartamental; interagir com a
comunidade visando a melhoria na qualidade ambiental do município; implantar Projeto de Educação
Ambiental junto a comunidade; oferecer condições de atendimento a portadores de necessidades especiais;
promover a qualificação ambiental de professores e alunos (GONTIJO e NEVES, 2004).
11
Neves (2002) em sua dissertação de mestrado constatou a compilação de 256 referências (mapas,
relatórios, trabalhos publicados e não publicados) sobre a unidade.
18
1. Em 1976, é apresentada uma proposta para criar uma área de preservação
no campus Pampulha;
2. Em 1979 é aprovado o “Programa Ecológico do campus Pampulha”;
3. Em 1988 ocorre a instituição de uma Comissão Executiva para elaborar a
proposta de implementação da Estação Ecológica da UFMG;
4. Em 1992, a área é tombada pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural de Belo Horizonte, toda área correspondente ao quarteirão 14 e
parte do quarteirão 15.
Apesar de ser tombada como patrimônio municipal, e ser considerada de acordo
com a Lei de Uso e Ocupação do Solo, uma Zona de Proteção Ambiental (ZPAM), a área
vem ao longo dos anos sofrendo impactos como a supressão de sua área, causados
tanto pelo crescimento do entorno, como pela própria expansão de áreas construídas pela
universidade. Mediante uma urgência, tanto de delimitação definitiva da área, como
efetiva institucionalização junto a UFMG, é cabível a busca por entendimentos
auxiliadores de estratégias futuras visando à conservação permanente da área, como por
exemplo, o pertencimento ao quadro de financiamentos, fomentadores de pesquisa da
UFMG e para construção do Plano de Manejo como visa o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC)
12
.
Objetivo
Constitui-se como objetivo desta pesquisa realizar uma análise a respeito das
funcionalidades de uma área de preservação ambiental urbana e as relações
institucionais no decorrer de sua implementação. Nesse sentido realizamos um estudo
sobre a Estação Ecológica da UFMG de modo a reconhecer, analisar e determinar as
diferentes percepções e relações da área ao longo dos anos através de sua história
ambiental. Com este estudo será possível levantar indicativos que contribuirão para a
construção de entendimentos sobre os sentidos dados aos usos e formas de apropriação
de espaços naturais dentro das aglomerações urbanas. Bem como, contribuir com o
processo de institucionalização da mesma que decorre desde os anos 80 e até hoje não
foi realizado.
12
Entende-se plano de manejo como um conjunto de ações e atividades necessárias ao alcance dos
objetivos de conservação de áreas protegidas, considerado também uma técnica ou instrumento de
organização de processos futuros.
www.ambientebrasil.com.br (consultado em junho de 2006).
19
As áreas verdes nas cidades além de atenuar alguns efeitos da poluição urbana e
dos impactos da urbanização contribuem para uma diversidade paisagística e possuem
uma função social: a de proporcionar o convívio com a natureza contribuindo para a
melhoria da qualidade de vida da população citadina, sobretudo daqueles que estão mais
perto geograficamente da mesma, e também daqueles usuários do campus Pampulha
que diariamente a atravessam (como alunos, professores e funcionários da UFMG).
Os objetivos específicos são:
1. Contribuir com a administração da Estação Ecológica da UFMG, ao trazer
novos elementos sobre a história ambiental da área;
2. Refletir a respeito dos processos de conservação de áreas verdes nas
cidades, buscando uma aproximação entre os temas ambientais e
urbanos;
3. Identificar junto a Estação Ecológica da UFMG limitações e potenciais que
favoreçam a institucionalização definitiva da área;
4. Desvendar através de possíveis pontos de conflito os significados e a
importância que a área possui para a cidade de Belo Horizonte e para o
próprio campus;
5. Investigar os sentidos funcionais e sociais da área, no decorrer dos anos e
das mudanças dos usos deste espaço.
Metodologia
Esta pesquisa se baseia em dois níveis de investigação: entrevistas semi-
estruturadas com grupos de atores (professores, ex-alunos e ex-reitores da UFMG, que
acompanharam o processo de tombamento da área em momentos distintos) e análise de
materiais impressos, desde o ano de 1976 sobre a Estação Ecológica da UFMG (mapas,
pesquisas, relatórios sobre a área e sobre o campus, folhetins ilustrativos, e planejamento
do campus), bem como pesquisar junto aos arquivos do Conselho Deliberativo do
Patrimônio de Belo Horizonte; e na UFMG junto a Secretaria do Instituto de Ciências
Biológicas, no Diretório Acadêmico da Biologia e na secção de arquivos do Departamento
de Planejamento Físico e Obras da UFMG (DPFO).
As entrevistas nas pesquisas são úteis na medida em que registram o que ainda
não está cristalizado em documentos escritos, imprimindo uma ação ao trabalho escrito
(PEREIRA, 1991). Este método, além de incorporar uma dupla subjetividade – do
pesquisador e do pesquisado é um processo de comunicação e relação social. Esta fonte
oral de acordo com Thompson (apud PEREIRA, 1991) ao ir fundo na memória, pode
20
buscar conceitos escondidos, e investigar como padrões e estruturas são
experimentados, vividos e lembrados
13
. Através de entrevistas semi-estruturadas visamos
identificar e analisar ao longo dos anos os processos de ocupação e transformação da
área relacionada aos usos dados a Estação Ecológica da UFMG.
Realizamos durante o período de setembro a dezembro de 2007 onze entrevistas
com ex-reitores da UFMG, professores e ex-aluno que estiveram presentes durante os
processos mais significativos de implementação e tombamento da Estação Ecológica da
UFMG. As entrevistas giravam em torno das seguintes questões: o que as pessoas
consideram importante em relação aos principais acontecimentos e em diferentes
momentos; quais efeitos reconhecem em situações específicas e como se sentem em
relação a essas situações, e se projetam acontecimentos futuros para área.
Desenvolveu-se um roteiro, as entrevistas foram gravadas e transcritas, e realizou-se
uma análise das respostas aos temas de interesse do entrevistador (entrevista
focalizadora).
Os atores foram separados em dois grupos de acordo com o interesse em
recolher diferentes percepções em diferentes momentos de representatividade, e
relações institucionais da Estação Ecológica com o corpo administrativo da UFMG.
Utilizou-se como marco de tempo a data de 1976, quando pela primeira vez foi
apresentado um interesse ecológico durante o reitorado do professor Eduardo Osório
Cisalpino (1974-1978), e por um grupo de professores do Instituto de Ciências Biológicas
(ICB) visando à construção do “Programa Ecológico do Campus Pampulha”:
1º Grupo: Célio Murilo Valle (ICB, Instituto Estadual de Florestas), Ângelo Barbosa
Monteiro Machado (ICB) e Flávio Carsalade (Escola de Arquitetura) e professor
Carlos Magno Ribeiro (Instituto de Geociências);
2º Grupo - 1992: professor Tomaz Aroldo da Mota Santos (ex-Reitor e ex-diretor do
ICB), José Emílio Diniz (ex-presidente do Diretório Acadêmico da Biologia) e
professor Eduardo Cisalpino (ICB) e professor Edisom José Correa (Faculdade de
Medicina) Luis Felipe Calvo (funcionário do Campus 2000-DPFO) e professor Arnaldo
Garrocho (ex-diretor da Faculdade de Odontologia – 1992), e José Luiz Borges Horta
(Faculdade de Direito -UFMG)
Os olhares e sentidos dados em momentos diferenciados poderão contribuir com a
noção do que significa para a universidade possuir uma área verde tombada dentro de
seus limites. Assim como no caso dos “vazios urbanos” buscamos compreender se esta
13
THOMPSON, Paul. The voice of the past: oral history. Oxford: Oxford University Press, 1978.
21
área ainda possui alguma ameaça interna como um possível “destombamento” para
expansão do campus, ou se o seu reconhecimento ecológico e funcional mantém as
premissas para sua preservação permanente.
Buscamos além das entrevistas, em documentos, mapas e dados divulgados pela
imprensa e outros materiais informativos, realizar leituras sobre os significados da
Estação Ecológica da UFMG. Utilizando junto ao Centro de Comunicação da UFMG
(Cedecom) e outros materiais impressos, formais e informais (mapas do campus, por
exemplo), visualizar como a área é representada. Além de associar a notícias publicadas
sobre a Estação Ecológica da UFMG e quais os temas que se relacionaram a mesma ao
longo dos anos.
A utilização de técnicas e instrumentos complementares e diferenciados possibilita
segundo Alcântara (2002), na análise dos resultados obtidos, confrontar e cruzar os
dados a fim de aferir maior credibilidade e coerência possível ao resultado final. De forma
“a reunir um conhecimento fragmentado, a fim de obter uma visão do todo” (PEREIRA,
1991, p.116).
Estrutura da dissertação
No primeiro capítulo apresentamos a base teórica da pesquisa elaborada a partir
de uma tentativa de aproximação entre as discussões de cunho ambiental e as categorias
espaciais urbanas. Para nortear as discussões propostas construímos um quadro teórico
sobre a cidade e a natureza, suas aproximações e contradições, utilizando a questão
ambiental–urbana como referência para a reflexão. Realizamos alguns apontamentos
acerca das mudanças dos paradigmas ambientais ao longo dos séculos XIX e XX,
apontando “novas” tendências de discussões que atravessam este início de século XXI.
Além disso, buscamos construir alguns entendimentos sobre os usos das áreas verdes
nas cidades, desde lazer e contemplação, relacionados aos ideais do urbanismo moderno
em fins do século XIX, às concepções e entendimentos sustentáveis ou funcionais para
as cidades, sem deixar de mencionar as atuais relações de apropriação e mercantilização
desses espaços no tecido urbano. Apresentamos um breve histórico sobre o
planejamento de Belo Horizonte. Buscamos realizar uma possível aproximação entre o
tema ambiental a questão urbana, pois ao longo das leituras verificamos algumas lacunas
entre essas áreas que são próximas, porém ainda desconectados.
No segundo capítulo “Apresentando a área de estudo: usos e (des) usos da
estação ecológica da UFMG” apresentamos a área com seus aspectos históricos de
22
implementação e os sentidos dados a um “Programa Ecológico” para o campus
Pampulha.
Já no terceiro capítulo “O poder além dos mapas: a Estação Ecológica e o caso
de 1992” apresentamos o processo do caso, ou crise de 1992, quando o Conselho
Universitário aprovou a construção das Escolas de Odontologia e Farmácia em limítrofe
da Estação Ecológica, bem como analisaremos as conseqüências deste ato, como o
ultrapassar da questão que acabou com a decisão pelo Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural da cidade de Belo horizonte pelo tombamento de todo quarteirão 14.
Contamos também com a confecção de mapas e figuras que farão parte do texto,
além de um corpo de matérias que fazem parte dos documentos que foram analisados
mediante pesquisa nos arquivos do Departamento de Física e Obras (DPFO) e junto ao
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, e junto ao Centro de
Comunicação da UFMG.
23
CAPÍTULO 1.
A CIDADE E A NATUREZA: QUESTÃO AMBIENTAL URBANA E A
MOBILIDADE DO MOVIMENTO AMBIENTALISTA
1.1 Sobre a cidade e a natureza: limites, aproximações e o alargamento das
fronteiras
Os sentidos e as relações entre homem e natureza foram comandados ao longo
da história da humanidade por modos de vida, culturas, regimes de poder e,
principalmente, pelo desenvolvimento econômico das sociedades. Seria impossível
pensar na sobrevivência dos homens na Terra sem a utilização e evolução da técnica e
da tecnologia, ferramentas fundamentais para a apropriação, dominação e
transformação da natureza. Na era neolítica, por exemplo, quando o homem deixa de ser
nômade e cria raízes nos lugares através da agricultura, impõe à natureza seu tempo,
suas vontades e necessidades. Saraiva (1999) afirma que as relações homem-natureza
se constituem em processos complexos e diferenciados: em algumas culturas essas
relações foram harmoniosas e cooperantes, noutros contextos a natureza foi vista como
uma realidade hostil, a ser dominada ou combatida
14
.
Gonçalves (2006) afirma que não haveria um domínio da natureza sem o domínio
de outros homens, nesse sentido o autor remete-se ao Renascimento, “quando a
natureza é dessacralizada e se transforma em objeto de transformação antropocêntrica”
(op. cit. 378). Naquele momento a formação dos Estados-Nação e dos sistemas
capitalistas pautados pela matriz judaico-cristã
15
permitiu o advento da exploração não só
da natureza, mas também dos homens: a natureza é tornada mercadoria, enquanto uns
homens recebem salários pela venda de sua força de trabalho, e outros recebem os
lucros.
14
Podemos identificar ainda segundo Saraiva (1999) numa perspectiva cronológica algumas fases que
permeiam a complexidade da relação homem-natureza: fase do temor (os ciclos e acontecimentos naturais
assumem um caráter sagrado; fase de harmonia, o homem procura adaptar-se e integrar-se nos processos
naturais; fase do controle, que procura obter os domínios sobre os recursos e seus ciclos; fase da
degradação, quando essa exploração é conduzida de uma forma dilapidadora excedendo a capacidade de
regeneração dos ecossistemas e seu equilíbrio dinâmico).
15
Pela visão aristotélico-platônica, o ser humano estava integrado ao cosmos, e aos elementos naturais.
“Assim como na antiguidade antiga grega, o ser humano na Idade Média se relacionava com a natureza de
forma integrada. Entretanto, se na antiguidade a ação dos elementos naturais era determinada por um
sentido imanente, no período medieval a essência dos elementos naturais decorria de um fator externo: o
Deus Judaico-cristão” (BARACHO JÚNIOR, 1998, p.244). Ao falar da perfeição de Deus, em oposição ao
mundo natural, a igreja dicotomiza a relação homem-natureza, declarando o homem como aquele que deverá
exercer um domínio sobre o meio natural. Porém, será com Descartes e o cartesianismo que esta separação
homem-natureza, espírito-matéria, sujeito-objeto será consumada completamente.
24
O próprio espaço passa a ser representado a partir do Renascimento, por
um enquadramento de coordenadas – latitude e longitude – abstrata
cartografia essa elaborada mediante Projeção de Mercator, sendo o nome
aqui suficiente para indicar ligações com os mercadores, preocupados em
coordenar o espaço pelo tempo (GONÇALVES, 2006, p.383).
Pelo aprimoramento da ciência e da técnica, e conseqüente mercantilização da
natureza (ou pela transformação da mesma em uma segunda natureza, segundo Marx),
podemos compreender uma série de resquícios permanentes e influenciadores nas
formas como lidamos com o meio ambiente e, conseqüentemente, com outros homens.
Com a expansão e formação dos grandes aglomerados urbanos, a existência de
uma dicotomia entre ambiente construído/transformado e ambiente natural se torna ainda
mais evidente. Esse antagonismo se estende e permanece relacionado agora a uma
“oposição presente sob as mais variadas formas na mídia, nas formulações teóricas
sobre a sociedade e natureza, na regulação ambiental, nas políticas públicas, nas
práticas urbanas e nos movimentos sociais (COSTA, 2000, p.56)”. Nas discussões atuais
podemos apreender que o ambiental é associado somente ao natural (utópico,
relacionado aos processos ecológicos) e separado de um meio ambiente transformado
pela sociedade (espaços utilizados para agricultura, extração, construção, etc). Spósito
(2005, p.297) ao discutir o embate entre as questões ambientais e sociais no urbano,
afirma que “uma das expressões materiais mais contundentes da capacidade social de
se apropriar da natureza e transformá-la, é ser considerada por excelência, a não
natureza”.
O caráter social dos processos urbanos de apropriação da natureza é na maioria
das discussões abandonada, pois há o predomínio de uma visão que dilui a questão
ambiental, que separa sociedade e natureza e a natureza da cultura. Dessa forma
reafirmam um paradigma que de acordo com Gonçalves (2006) precisa ser superado.
Partimos de um princípio que a cidade é ao mesmo tempo processo e resultado maior da
capacidade social de transformar o espaço natural, não deixando de fazer parte deste
espaço, nem de estar submetida às dinâmicas e processos naturais
16
.
O urbano e o social configurados como negação da natureza, possivelmente
originam-se de um desencontro epistemológico, uma vez que as discussões ambientais
surgem de outras ciências onde o urbano não é objeto de estudo - apesar das
preocupações urbanas nascerem um século antes da ambiental junto a críticas do
modelo moderno de organização e produção do espaço, e das relações com o meio.
Segundo Costa (2000) além de um “conflito teórico” outro ponto merece ser considerado
ainda aberto, ou não conciliado: entre as formulações teóricas e as propostas de
16
Podemos nos remeter ao caso dos modelos em “xadrez” de planejamento das cidades, que procuravam
impor uma forma ao meio natural (como, por exemplo, parte da cidade de Belo Horizonte/MG, que baseou
seu planejamento, já em meados do século XIX, neste tipo de modelo)
25
intervenção urbana. Todavia não podemos deixar de lembrar que assim como as teorias,
as formas de se pensar e intervir nas cidades acontece de forma dinâmica e processual.
Indutoras de quebras, tanto de metodologias como de objetos de estudo,
encontramos ao longo das últimas décadas do século XX, momentos de desgastes e/ou
abandonos de alguns temas urbanos motivados muitas vezes por mudanças políticas
e/ou socioeconômicas
17
. Por exemplo, no Brasil nos anos 60 o objeto de estudo urbano
era remetido à questão da habitação; nos anos 70 ao aumento das migrações para as
grandes metrópoles e fracasso daquelas políticas relacionadas à habitação (como o caso
da Serfhau); nos anos 80 estudos urbanos envolviam o planejamento participativo,
movimentos sociais urbanos, desaceleração do crescimento urbano e a idéia de pólos. Já
nos anos 90 as discussões saem da esfera econômica pura e adquirem outras
dimensões: a política e a ambiental.
Viola (1992b) ao analisar o movimento ambientalista no Brasil, afirma que a
“desprovincialização” dos temas ambientais a partir da segunda metade da década de 80
corrobora com a “progressiva disseminação da preocupação pública com a deteorização
ambiental” (op. cit., p. 68). A preocupação ambiental,
surge e ganha corpo no bojo de um amplo conjunto de reações de caráter
massificante, predatório e opressor, entre outros atributos igualmente
negativos, do desenvolvimento dos modos de produção capitalista e
estatista, para usar distinção utilizada por Castells (1996)
18
, que passaram
a caracterizar a implementação do projeto de modernidade. Ao nascer de
um questionamento geral ao projeto, a análise ambiental em suas diversas
vertentes questiona também, necessariamente, o modelo de organização
territorial associado àquele projeto, expresso nas diferentes formas
assumidas pela urbanização contemporânea. (COSTA, 2000, p. 58)
Derivada da própria emergência ecológica que ao adquirir, a partir dos anos 90
uma escala mundial, o tema ambiental ultrapassa algumas fronteiras e passa e ser
incorporado junto a discussões acadêmicas, ainda que descolada de uma formulação
teórica. De forma incipiente se insere as tentativas de práticas urbanas e organização do
espaço urbano. Concorda-se com Martine (1993) ao afirmar que as questões ambientais
“afetam mais diretamente o quotidiano da maioria da população brasileira, e deverão ser
resolvidas no âmbito de espaços urbanos construídos ou em construção e, não em
espaços naturais ou basicamente intocados” (op. cit, p. 35).
17
Nesta parte do texto não é de nosso interesse aprofundar numa análise sobre as teorias de estudos urbanos,
mas se faz necessário pelo menos apontar alguns autores que realizaram analises sócio-espaciais urbanas,
pois acreditamos que pela tentativa de superação desses entendimentos é que as discussões de cunho
ambiental se inserem aos estudos urbanos. Como por exemplo, os trabalhos de FAINSTEIN (1997), LOJKINE
(1981) e TOPALOV (1988) este último apresenta ao estudar o caso francês de pesquisa urbana, os caminhos
da pesquisa francesa de estudos urbanos naquele momento. Não podemos deixar de lembrar que estes autores
influenciaram, e influenciam as pesquisas e estudos urbanos no Brasil.
18
CASTELLS, M. The rise of the network society. Blackwell Publishers, 1996
26
Considera-se necessário neste momento trazer ao texto alguns pontos relevantes
sobre o planejamento urbano e a própria evolução do movimento ambientalista no mundo
e no Brasil. Busca-se uma possibilidade de aproximação e reflexão entre os temas
ambientais e urbanos.
1.2. Apontamentos sobre a gênese do movimento ambientalista e a conservação da
natureza
Desde a Revolução Industrial ocorrida em meados do século XIX vivencia-se o
tempo da utilização e transformação acelerada da natureza, em virtude de algumas
necessidades humanas: de crescimento e expansão de um capital financeiro e formação
do sistema econômico, pelo aumento considerável da população mundial, o
desenvolvimento da própria ciência moderna, concentração de um contingente
populacional e formação das grandes metrópoles mundiais.
Quanto mais se amplia a capacidade científica e tecnológica da
sociedade, capacidade essa a serviço de uma acumulação capitalista,
mais se ‘acelera’ o tempo social, visto que a produção depende
diretamente de recursos que são resultado de processos e dinâmicas
naturais. Assim a aceleração do processo social de extração e
transformação dos recursos advindos da natureza, de consumo dos
produtos que resultam dessa transformação e, ao mesmo tempo, da
produção de dejetos decorrentes dessa produção e desse consumo gera
um enorme descompasso entre esses dois tempos - o da natureza e o da
sociedade (SPÓSITO, 2005 p.296)
Por outro lado, na contramão da dilaceração e transformação da natureza,
podemos citar o surgimento do próprio conceito de ecologia, utilizado pela primeira vez
pelo biólogo alemão Ernest Haeckel em 1869, quando as chaminés das fábricas e
indústrias européias começam a dar sinais de poluição do ar, das águas, e de supressão
de áreas rurais.
Alguns escritores e poetas, que apesar de não serem cientistas, mostravam em
suas obras tendências biocidas da civilização - como Henry Thoreau (Walden, publicado
em 1865), e Eça de Queiroz (A cidade e as serras, publicado em 1901).
Institucionalmente as primeiras organizações ambientais também surgem no mesmo
período, entre elas: a Sociedade Zoológica Londrina (1830) e Sociedade de Proteção das
Aves (1889); inspirados em Darwin chega-se ao Comitê para Vegetação Britânica (1914)
e à tradicional Sociedade de Ecologia Inglesa (1913) e ao Sierra Clube, nos Estados
Unidos. Sempre presididas por nobres aristocratas, essas sociedades conseguiram
assumir uma campanha educativa através de foros filantrópicos, dando início a um
movimento, especialmente nos Estados Unidos de proteção de parques, através da
27
criação de Yosemite (1865) e Yelowstone (1872) (BINZTOK, 2006, p. 317). Ao passo que
restringiam e concentravam em apenas uma classe, o controle das discussões e das
tomadas de decisões em relação aos espaços que deveriam ser ou não preservados.
Segundo Diegues (1994) o Parque Nacional de Yelowstone é criado como
resultado dessas idéias elitistas e preservacionistas, que no início daquele século
estabeleceram fundamentos de um modelo de demarcação e proteção: amplas áreas
naturais com grandes belezas cênicas e aspectos naturais relevantes, longe dos centros
urbanos. Naquele momento as áreas preservadas serviam como espaços de descanso,
de inspiração e descontração aos cidadãos urbanos e à manutenção representativa da
riqueza natural e cênica dos países (CAMARGOS, 2001, p. 17). Nestes moldes de
preservação o homem era considerado apenas um visitante, ou forasteiro, e suas
influências eram entendidas como exteriores ao meio que se buscava preservar. As
características pictóricas se sobrepunham à própria importância científica de pesquisas e
estudos como de espécies de fauna e flora, sítios geomorfólogicos, mananciais hídricos,
entre outros
19
.
Em escala internacional o conservadorismo atingiu status mundial na década de
40, com a criação da União Internacional para a Conservação da Natureza e seus
Recursos (UICN), com sede em Gland, Suíça. Em 1949 foi realizada a Primeira Reunião
Cientifica Mundial promovida pelas Nações Unidas em Lake Sucess, nos Estados Unidos
sobre conservação e utilização dos recursos naturais, onde se deu o primeiro alarme
mostrando que a sobrevivência do homem sobre a Terra é um problema diante dos quais
todos os outros se diluem.
O mundo pós II Guerra Mundial, colocou em cheque a euforia desenvolvimentista
da técnica e da ciência. Estudos de caso, como o de Donana, Pensilvânia/Estados
Unidos, em 1948 (o primeiro a relacionar poluição ambiental e saúde); o caso de Londres
e a “névoa matadora” (1952), causada por uma inversão térmica que matou 1000
pessoas, entre idosos e crianças; a contaminação da Baía de Minamata (1956), no
Japão, que matou milhares de pessoas devido a contaminação de mercúrio por uma
indústria, anuncia que o otimismo no desenvolvimento da técnica e da ciência, não
inspiraram mais confiança
20
(HOGAN, 1989; GONÇALVES, 1995). Sendo o desastre
19
Mas ao longo da evolução da própria ciência, e das políticas ambientais passou-se a somar, além das
prerrogativas acima expostas, valores culturais e sociais como condicionantes da conservação ambiental.
Segundo Milano (apud NEVES, 2002, p.06) “a preocupação com a proteção de áreas naturais tão somente de
círculos científicos, se transforma em preocupação social e política, o que leva a ampliação dos conceitos
sobre unidades de conservação”. Ou seja, a natureza preservada vai deixando de ser apenas objeto de
contemplação, enquanto o homem passa a ser considerado co-participante do meio em que se deseja
preservar.
20
Hoje temos Giddens e Beck que falam de uma “sociedade de risco”, riscos que seriam derivados
exatamente do progresso científico e técnico que havia prometidos nos libertar dos riscos da natureza ao
dominá-la. E o que diferencia os “desastres” ecológicos dos anos 50 e 60, para os dias de hoje é que pelo
advento da globalização econômica, foram globalizados também os problemas e deficiências ambientais para
28
ecológico de Minamata “que detonou a solicitação de que a ONU votasse uma resolução
a favor da realização de uma conferência internacional sobre meio ambiente”
(HERCULANO, 1992, p.09).
Segundo Lago & Pádua (1989), a contemporaneidade se colocou diante de uma
escassez ecológica que afetava a coletividade e o espaço público, e essa escassez seria
uma mola propulsora para tais reflexões ambientais intensificadas a partir dos anos 60.
Pela ampliação desses desastres ambientais as discussões ambientais atingem outras
classes sociais e deixam de se concentrar apenas naquela classe aristocrata, branca,
rica e educada que “orientou” as discussões ambientais em fins do século XIX. O que fica
também evidenciado é que agora, no século XX, o espaço industrial e o meio ambiente
são colocados em lados opostos de uma balança que exigia algumas medidas, mesmo
que paliativas, da regulamentação dos meios da expansão capitalista. Corroborado por
pesquisas que apontavam o caráter finito dos recursos naturais utilizados nos processos
econômicos, considerados até então ilimitados (SARAIVA, 1999).
Mas, ainda assim essa ”desconcentração” das discussões ambientais ocorre
apenas no mundo industrializado (o Brasil, e outros países subdesenvolvidos ainda
encontrava-se em um processo incipiente de industrialização) contribuindo para
ampliação do leque de reivindicações sociais em várias instâncias. As discussões sobre
a problemática ambiental somente foram possibilitadas naqueles países industrializados,
seja porque a organização de interesses se tornou mais viável, ou porque os problemas
ambientais se tornaram mais graves e acentuados com a industrialização. Gonçalves
(2006, p. 391) afirma que,
embora tenha surgido no Primeiro Mundo, o novo ambientalismo que se
abre nos anos 60 pode ser distinguido do antigo por entender que a
depredação da natureza mantém uma íntima relação com o modelo de
desenvolvimento prevalecente.
Esse tipo de pensamento, que aliou a reflexão de que a civilização capitalista é
insustentável a médio e longo prazo faz parte do que Viola (1992b, p. 51) chamou de
“emergência de valores pós-materialistas”, situado em parte junto de uma alta classe que
começou a demandar qualidade de vida. Novamente a concentração do tema ambiental
se dá de uma forma restrita a países desenvolvidos, pois como veremos a seguir os
países subdesenvolvidos seriam considerados, pelo seu grau incipiente de organização
industrial e social, os agravadores de situações de desequilibro ambiental a médio e
longo prazo.
além das fronteiras dos países. “O efeito estufa transcende as fronteiras, assim como a camada de ozônio”
(GONÇALVES, 2006, p.405).
29
Nos anos 70, ocorre os marcos definitivos para internacionalização e
institucionalização das discussões relativas às questões ambientais. Atendendo as
reivindicações pós-desastre de Minamatta no Japão, a Conferência de Estocolmo – 1972
teve como resultado várias frentes de reflexão e ações institucionais práticas, como a
criação do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) com sede em
Nairobi, Quênia. No âmbito das contribuições aos debates das causas e soluções para a
deteorização ambiental, o polêmico Clube de Roma (relatório, realizado pelo
Massachussets Institute of Technology-MIT, em 1971 para subsidiar o encontro de 72),
de inspiração neomalthusina, acabou concluindo que a expansão da indústria mundial e
principalmente a industrialização dos países em desenvolvimento levariam á exaustão os
recursos naturais, aliados a expansão demográfica do Terceiro Mundo (BINZTOK, 2006,
p. 318). Esse alerta não foi muito bem aceito, pois de acordo com Martine (1993, p.27) o
“principal problema ambiental global advém do modelo de desenvolvimento, e não do
volume ou do ritmo de crescimento demográfico”, como foi alardeado pelo relatório.
Hogan (1989, p. 46) afirma que a resposta dada por este grupo, limitou a atenção
da disciplina e não deu atenção, ou se restringiu ao aspecto da pressão do número sobre
os recursos sendo o controle da natalidade uma cortina de fumaça, para não encarar
outros problemas advindos de um desenvolvimento econômico, social e cultural desigual
no mundo. Neste mesmo ano, outra contribuição pós-conferência foi dada em direção à
redução do consumo e da reciclagem, “no qual o consumismo extremado de interesses
do industrialismo capitalista, era responsável pela degradação ambiental” (HERCULANO,
1992, p. 15). Durante os anos 70, o movimento ambientalista e suas organizações
giravam em torno ou da realização de ações denuncistas contra agressões ambientais,
ou da preservação restrita de ecossistemas naturais e pelo uso racional dos recursos
naturais.
Nos anos 80, o movimento ambientalista abarca outras formas de atuação através
do empresariamento das questões ecológicas (FREITAS, 2006). Para Viola (1992b, p.49)
o ambientalismo, surgido como um movimento reduzido de pessoas, grupos e
associações preocupados com o meio ambiente, ou com a restrição do crescimento de
algumas potências econômicas, transforma-se num movimento multissetorial: pelo
processo de institucionalização dos grupos ambientalistas e pelos esforços em articular a
problemática da proteção ambiental com desenvolvimento econômico.
Alguma mudança no enfoque ambiental surge em 1987, quando a Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCDE) presidida pela primeira
ministra Noruega, Gro Harlem Brundtland – que através do documento intitulado “Nosso
Futuro Comum”, enfoca de maneira minuciosa e contundente além da questão
demográfica, a justiça social entra em pauta. Vinculando aos temas ambientais à pobreza
30
no Terceiro Mundo, o protecionismo e as iniqüidades do comércio internacional, os
problemas derivados da dívida externa e outros aspectos econômicos. Essa constatação
ampliou a visão para um novo tipo de desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável
(RIBEIRO, 2005). Durante muito tempo os ecologistas, haviam separado a economia do
meio ambiente, possivelmente resultado de uma deficiência teórica que o termo
“ecodesenvolvimento”, utilizado nos anos 70, não conseguiu suprir. Mas após a reunião
de 1987, e a “favorável acolhida do Relatório Brundtland dá ao conceito de
desenvolvimento sustentável um reconhecimento que o conceito de ecodesenvolvimento
nunca teve, mas outorgou-lhe um caráter polissêmico” (VIOLA, 1992a, p.77).
Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Eco 92) sediada na cidade do Rio de Janeiro apontou as questões
ambientais para dois grupos: questões ecológicas propriamente ditas, e o segundo
referem-se a uma série de objetivos voltados para esfera financeira e econômica. Essas
discussões relativas a mudanças de tecnologia, que possibilitassem um desenvolvimento
“limpo”, como a redução sobre a emissão de CO2 implica em gastos que países
liderados pelos EUA não estariam dispostos a pagar (MARTINE, 1993, p.26). Todavia
esta conferência serviu como forte estimulador do processo de diálogo e formação de
uma rede internacional colocada num novo patamar desde 1990 (VIOLA, 1992a).
1.2.1 A questão ambiental como questão social: a evolução dos paradigmas, e
algumas teorizações sobre o ambientalismo
As evoluções nos paradigmas, assim como no próprio conhecimento cientifico,
são conjuntas às mudanças coletivas da percepção do mundo e do ambiente ao nosso
redor. Corroboram as formas de se questionar a organização da sociedade e suas
limitações um novo olhar junto a formas pós-modernas, ou a uma cultura pós-industrial
de compreender os processos e a própria evolução das sociedades. Saraiva (1999,
p.30) afirma que esta evolução se relaciona as “linhas de convergências comuns”, como
a necessidade de abordagens interdisciplinares na compreensão dos problemas e o
estabelecimento de relações interdependentes. Segundo Swyngedow (2001, p. 86)
somente nos últimos anos uma aproximação começou a se afirmar entre
pensamento ecológico, economia política, estudos urbanos e teoria crítica
social e cultural. Isso deve fornecer o fermento do qual uma nova e mais
rica ecologia urbana ou ecologia urbana política pode germinar.
31
Os entendimentos em torno da questão ambiental são transversais, perpassam
diferentes grupos e aspectos da vida social. De acordo com Pádua (1989) uma política
de meio ambiente ideal seria aquela voltada para o conjunto da sociedade, em defesa da
sobrevivência e qualidade de vida. Face não só as problemáticas ambientais de índole
abrangente, assim como a temas de caráter mais específico que se prendem com
questões relacionadas ao dia-a-dia dos cidadãos e com atuação das instituições mais
próximas da esfera local (SARAIVA, 1999).
Lago & Pádua (1989) situam a ecologia em quatro vertentes, voltadas para um
entendimento que contemple além de estudos e criação de conceitos teóricos, propostas
de intervenção e projetos de mudança individual e coletiva, como: ecologia natural -
estuda os ecossistemas, procurando entender as leis que regem os sistemas naturais;
ecologia social – campo de reflexão mais próximo das ciências sociais e humanas que
procura estudar as múltiplas relações entre os homens e o meio ambiente, pela forma
que a ação humana costuma incidir destrutivamente sobre a natureza; conservacionismo
constata que o homem é o agente de deteorização do meio e utiliza um conjunto de
procedimentos técnicos e legais destinados à conservação da natureza e a preservação
os recursos naturais; ecologismo – constitui um projeto político de transformação social,
calcados em princípios comunitários e ecológicos.
Num breve espaço de tempo, o século XX torna-se porta de entrada para
discussões ambientais derivadas das conjunturas culturais econômicas e sociais
apontadas anteriormente.
No entanto, sabemos, os potenciais críticos do ambientalismo e da
contracultura serão capturados por uma razão instrumental e técnica
poluição, gestão ambiental, zoneamento econômico – ecológico manejo
sustentado, desenvolvimento sustentável, enfim, toda uma rede discursiva
tenta capturar para o campo técnico o primado da superação dos graves
problemas sócio-ambientais com que nos defrontamos. Aqui se trava uma
tensa luta política entre os experts para afirmar-se e será na América
Latina, na Ásia e na África, onde o desenvolvimento tenta se afirmar, que
o ambientalismo encontrará novas energias históricas ancoradas em
outras e tradicionais matrizes de racionalidade. Aqui a questão social e
ambiental surge como uma só, mas uma só questão que se vê com os
dois lados ao mesmo tempo (GONÇALVES, 2006, p.392).
Dessa forma podemos visualizar dentro dessa “razão instrumental” apontada por
Gonçalves, aproximações entre a instrumentalização ambiental e ao aprofundamento
teórico em dois sentidos: a) na prática: gestão e planejamento urbano, saneamento
ambiental, zoneamentos ecológico-econômicos, criação de sistemas nacionais de
proteção (SNUC); b) na teoria: atrelados a movimentos sociais, ocorre um alargamento
dos estudos sócio-ambientais, estudos de caso, de conflitos: como por exemplo,
atingidos por barragens, Movimento dos Sem Terra, entre outros. De acordo com Saraiva
32
(1999, p. 29) podemos situar alguns conceitos que integram preocupações de ordem
ambiental em três momentos distintos:
Salvaguardas ambientais (década de 60/70) – impõem-se limites ao
crescimento econômico, através de estruturas normativas. Surge
fundamentalmente como resposta aos problemas levantados pela
gravidade dos fenômenos de poluição, através da imposição de limiares
as emissões poluentes;
Gestão de recursos (década de 70/80) – promove a atribuição de valor
econômico aos recursos e assume preocupações com sua capacidade de
renovação, propondo a integração e estratégias que contemplem essas
questões no planejamento de recursos naturais;
Desenvolvimento sustentável (década de 80/90) – defende a relevância
transgeracional dos problemas ambientais e a interação dos princípios
ecológicos e econômicos no estabelecimento das políticas de
desenvolvimento
Existiria paralelo ao caráter social exclusivo, vertentes de movimentos que
buscam ainda no desenvolvimento ajustar suas condutas promovendo a continuidade
dos processos industriais: a) ultra desenvolvimentista: acredita que todas as fontes
energéticas mal utilizadas são descartadas e dissipam a energia em forma de poluição,
leis do marketing industrial, utilizam manuais técnicos como ISSO 14000 buscando a
regulação da poluição; b) desenvolvimento controlado: utiliza controle pelo Estado
21
.
Porém, muitas destas políticas reguladoras são frutos de forças exógenas ao
governo como as restrições do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que ao
colocar índices de poluição e impactos da obras, restringiu, ou inaugurou uma era de
procedimentos pertinentes ao desenvolvimento sustentado (DIEGUES, 1994). Apesar
dos avanços da força da ecologia, esta ainda se expressa mais em seu discurso
ideológico, crítico, e cultural do que na transformação da ordem econômica e das
relações de poder do mundo atual (LEFF, 1994, p. 369).
Apesar de existirem lacunas, como essas apontadas por Leff a questão ambiental
enfrenta um alargamento de suas funções e se configura ao longo de mais de meio
século numa questão social (LEFF, 1994; GONÇALVES, 1995). Pois, não se trata
apenas de uma questão ambiental, no sentido estrito ou ecológico do termo, mas de
“uma questão social” que contempla sentidos econômicos, político, cultural e ideológico
(SPÓSITO, 2005, p.296). O ambiental ao contemplar também o social, aproxima da
maior parte da população o caráter finito dos recursos naturais e traz em seu bojo a
necessidade de mudanças graduais de comportamento individual e coletivo. Podendo
subsidiar a compreensão de que as melhorias na qualidade de vida, e o direito a um
21
No Brasil, tanto a criação do IBAMA em 1989, como do Sistema Nacional de Unidades de Conservação -
SNUC em 2000, seguiram os conhecidos rituais do processo de modernização conservadora, feito de cima
para baixo, sem consulta as comunidades, são contradições do modelo típico de desenvolvimento capitalista.
33
ambiente saudável e prazeroso de se viver passam além da conservação de áreas
cercadas e restritas a pesquisadores. Sem desmerecer as pesquisas cientificas e os
esforços de conservação e preservação, mas devemos manter os questionamentos
sobre os sentidos ambientais presentes.
Não estaríamos nos alimentando do mito do eterno retorno, acreditando
que a saída virá por dentro? A ação de proteger a natureza em áreas
geográficas, de transformá-la em área de preservação permanente,
reserva biológica ou qualquer outro tipo de unidade de conservação indica
isso. Ao mesmo tempo em que cercamos a natureza acabamos com ela,
pois nosso olhar cultural busca conhecê-la para utilizá-la em médio prazo.
Buscamos saídas em refúgios naturais longínquos, seja na informação
genética contida em seres vivos, seja em grupos sociais que vivem de
modo diferente ao nosso, seja simplesmente na contemplação de um
ambiente natural.
(RIBEIRO, 2005, p. 332)
Estas questões se fazem mais evidentes ou necessárias na cidade onde o
ambiente não se restringe ao conjunto de dinâmicas e processos naturais, mas das
relações entre estes e as dinâmicas e processos sociais (SPÓSITO, 2005).
1.2.2 O Brasil frente á evolução dos paradigmas ambientais: legislação ambiental
e conjuntura social
Enquanto os países de economia avançada debruçavam-se sobre a resolução
dos problemas ambientais, o Brasil pelo seu modelo tardio de industrialização ocupou
grande parte de seus interesses em torno da preocupação com o desenvolvimento,
devida também a um grande contingente de excluídos do processo de modernização da
sociedade brasileira, como apontamos anteriormente. O problema da relação com o meio
ambiente ganha fôlego no país apenas no final da década de 60. Já em agosto de 1958 é
fundada no Rio de Janeiro a primeira instituição para proteção e conservação da
natureza: a Fundação Brasileira para Conservação da Natureza
22
.
Anterior a esse momento é considerado como marco da conservação ambiental
no país o ano de 1937 pela criação do Parque Nacional de Itatiaia e pelo Código Florestal
(Decreto 23. 793, de 23 de janeiro de 1934) como marco normativo. Este documento,
assim como as políticas voltadas para a proteção dos ecossistemas naquela época
dispunham apenas de diplomas normativos que cuidavam da proteção isolada de
recursos naturais, assim como o Código das Águas (Decreto 24. 643, de 1934) entre
outros (BARACHO JÚNIOR, 1998).
Institucionalmente no Brasil as normas de proteção e melhorias ambientais
passam também a refletir uma mudança de concepção do que seja meio ambiente em
22
www.fbcn.org.br. Acessado em agosto de 2008.
34
consonância com a mudança paradigmática ocorrida no mundo todo, através da criação,
em 1973 da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema)
23
. Porém, muitos dos
interesses que denotaram esta questão se deram junto à elite industrial que se
preocupavam com a construção de um ‘meio ambiente’ único capaz de atender grandes
projetos de investimento público, tais como:
Administração de conflitos pela apropriação de recursos naturais na
fronteira de expansão das atividades capitalistas (processo de
integração mais abertura de vias somada a grandes empreendimentos
e colonização)
Estruturação das ‘condições gerais de produção capitalistas’
(fornecimento de água para uso industrial, zoneamento industrial e
‘poluição legitima’)
Oferta de bens de consumo coletivo (mediação entre população
urbana e meio rural)
Além de culminar com interesses industriais a Sema ficou desarticulada em
relação à sociedade, pois ao contrário do que havia acontecido na Europa (o movimento
ambientalista aliado ao movimento social trabalhista), no Brasil, devido ao momento
político ditatorial e a um modelo desenvolvimentista, ocorria o alijamento do movimento
trabalhista, sendo que qualquer preocupação ambiental era considerada uma postura
contrária ao “progresso” (GONÇALVES, 1995, p.320-321). Esse momento acaba
implicando na própria desarticulação das primeiras organizações ambientais que durava
pouco tempo (média de um ano), e tinham como características certa ingenuidade
organizacional, o denuncismo, ser concentrados na região sudeste, e não possuir
articulações com órgãos financiadores, nem corpo técnico capacitado
24
(VIOLA, 1992b).
Agora, se considerarmos a partir da segunda metade dos anos 80, o movimento
ambientalista no Brasil caracteriza-se pela profissionalização e articulação política
(surgimento do Partido Verde), conseqüências da anistia e abertura política, soma-se a
esses fatores a ampliação do público atingido pelas problematizações e discussões
ambientais, podemos falar de um sócio-ambientalismo. A parceria com universidades e a
criação de grupo de pesquisa também contribuem para uma divulgação e capacitação da
23
Paralelo a Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, apesar de o evento ter um impacto mínimo na
opinião pública brasileira, pois além de um cenário ditatorial, a política econômica nacional estimulava a
transferência de indústrias poluidoras para o país.
24
Ícones deste período além da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza, a Associação Gaúcha
de Proteção Ambiental Natural (AGAPAM) de Porto Alegre (1971) e a Fundação Biodiversitas, em Belo
Horizonte (1978).
35
mão-de-obra, tanto em ONG’s como em órgãos institucionais. A parceria com entidades
financiadoras internacionais facilita a manutenção das entidades como contribui para o
melhoramento da capacitação e “profissionalização” dos movimentos ambientalistas
(VIOLA, 1992b). Essa noção de um “processo de produção sócio-natural transcende as
distinções binárias entre sociedade/natureza, material/ideológico, real/discursivo.”
(SWYNGEDOUW, 2001 p. 95)
Essa abertura, tanto das questões políticas, quanto da própria questão ambiental
acarretou numa inter-influência entre movimentos ambientais e as políticas estatais
(federal e estadual). Nos anos 80 esgotou-se um modelo de desenvolvimento econômico
até então em execução, e após a criação da Sema, a Lei 6938/1981 definiu os marcos e
instrumentos das políticas ambientais nacionais através da criação do Sistema Nacional
de Meio Ambiente (Sisnama). Institucionalmente em 1984, a criação do Conselho
Nacional de Meio Ambiente (Conama) articulou política ambiental explícita com políticas
de meio ambiente implícitas.
Nos anos 90 a circulação acelerada dos capitais de curto prazo, o desemprego, e
crise social acentuam a degradação da base de recursos. Paralelo a este cenário em
1989 é criado o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e 1992, influenciados pela
Eco 92, é fundado o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Acselrad (2001b) analisou que
em relação à organização do território nacional esta secretaria influenciou três níveis:
1. Regiões dotadas de ‘vocações naturais’ – natureza ordinária;
2. Áreas ricas em recursos genéticos – Ilhas de preservação;
3. Áreas residuais deprimidas que ficaram desprovidas de
qualquer projeto nacional/governamental.
Infelizmente o peso das estratégias monetárias deixou claro que o país não
conseguiria implantar uma política ambiental integrada, pela perda ou falta de uma
autonomia estatal, uma vez que a sustentabilidade do meio ambiente dependia dos
bancos e da despolitização de práticas do governo. Acselrad (2001, p.90) contempla que
“a questão ambiental ainda não é uma questão de Estado no Brasil”, visto um exame dos
eixos nacionais de integração e desenvolvimento (como o projeto, Avança Brasil de
2000-2003), o autor analisa recentemente, a atuação do governo que categoricamente
colocam e consideram o meio ambiente exibido ainda como oportunidade de negócios.
Outro ponto que merece atenção, em relação à questão ambiental em nosso país,
é que a mesma se acha profundamente imbricada com a questão social e democrática. A
incorporação, tanto de políticas como de práticas ambientais, ainda não garantem a
manutenção integral de grandes ecossistemas, nem a participação intensiva das
36
comunidades aos processos de implementação de áreas a serem preservadas, por
exemplo.
Para além da proteção de grandes ecossistemas a questão ambiental urbana
tornar-se um ponto de reflexão e inserção às políticas públicas tanto de urbanização
quanto de preservação ambiental. Por isso os apontamentos a seguir nos dão uma noção
de que forma a questão ambiental deixa de ser apenas uma questão de preservação
ambiental de grandes ecossistemas exclusivos e vem se inserindo ao urbano em dois
sentidos: um teórico, relacionado ao alargamento dos estudos urbanos, e o outro
relacionado a tentativas ainda incipientes de práticas relacionadas ao planejamento
urbano-ambiental.
1.3 Notas sobre o planejamento urbano no Brasil: do plano discurso ao
planejamento estratégico
Buscamos ao longo das reflexões compreender que a preocupação com as
questões ambientais nasce junto a problemas urbanos e que poderiam ser consideradas
essencialmente uma questão social. Entender os mecanismos e as discussões de pano
de fundo dessa questão é fundamental, no sentido de buscar uma equidade tanto ao
acesso dos recursos, como repensar políticas públicas atuais de gestão, produção e
ordenação do espaço urbano.
Neste caso, por estar inserido junto a contextos e interesses tão divergentes,
como o imobiliário aliado ao desenvolvimento e expansão do tecido urbano, constata-se
maiores dificuldades para a manutenção dos ecossistemas urbanos, como no caso de
áreas de mananciais de abastecimento hídrico, ou unidades de conservação urbanas.
De acordo com Hough (2004, p.05)
Si considerarmos el paisaje urbano en su contexto, encontramos algunas
contradiciones y parojas en la percepcíon de la ciudad y el médio
ambiente en geral. Em um mundo cada vez más preocupado por los
problemas del deterioro medioambiental, crisis de la energia,
contaminacíon, desaparecíon de vegetacíon [...] todavia se conserva uma
marcada tendência a evitar el ambiente vital de la maioria de las personas:
la própria ciudad.
A questão urbana no Brasil se transforma no principal problema sócio-ambiental
do país, uma vez que reflete, mais do que qualquer outra, as conseqüências perversas
do atual modelo de desenvolvimento (GONÇALVES, 1995, p.323). A conciliação dos
usos cotidianos dos espaços e dos recursos naturais tornou-se uma exigência dos
37
núcleos urbanos, uma vez que 80% da população vivem em áreas urbanas. A
necessidade de discutir a questão ambiental inserida aos debates urbanos corrobora com
o alargamento que o campo dos estudos ambientais vem experimentando nas últimas
décadas apesar da dimensão espacial/urbana das análises permanecerem subestimadas
(COSTA, 2000). A regulação e implementação de áreas de conservação urbana, neste
âmbito de análise, poderá contribuir tanto em relação às bases conceituais de um
“ambientalismo urbano”, como trazer alternativas a serem incorporadas por parcelas
maiores da população, pois ao que parecem apesar de todos os avanços, as discussões
sobre a questão ambiental urbana ainda permanecem distantes de grande parte da
população. Ao considerarmos, por exemplo, a natureza, e os espaços verdes nas
cidades, como formas de segregação sócio-espacial
25
.
Ao buscarmos referências históricas da constituição dos primeiros planos, ou as
primeiras formas de se pensar as cidades nos remetem aos ideais da classe burguesa
emergente européia, onde vigorava preocupações como o embelezamento e a
monumentalidade das obras
26
. No caso do Brasil, pela interpretação de Francisco de
Oliveira (1997) o capital mercantil comandava as relações comercias e exploratórias da
natureza e dos homens havendo de forma contraditória um domínio da cidade sobre o
campo, “enquanto o lócus de produção era rural, o lócus de controle era urbano”
(OLIVEIRA, 1997, p.68). Segundo Maricato (1997) em fins do século XIX as elites tinham
condições de agir sobre o Estado e discutir abertamente questões de melhorias e
embelezamento para as cidades. Porém na passagem do século XIX para o século XX,
ocorreu o domínio do campo sobre a cidade: a economia do café aumentou a divisão
social do trabalho com uma “nacionalização” do capital, formando uma quase burguesia
agrária. Um reflexo direto desta política é o regresso da formação urbana, pois tudo o
que sobrava era destinado ao campo com apoio do Estado, e a oligarquia reacionária
não conseguiu imprimir sua marca nas cidades, acarretando num crescimento
problemático.
Após 1930 tem “início um período de inconseqüência e inutilidade da maioria dos
planos elaborados no Brasil” (MARICATO, 2000, p. 119). A autora refere-se aos planos-
discursos sob as mãos fortes de um Estado centralizador baseado no wellfarestate dos
países capitalistas avançados pós - II Guerra Mundial. O Brasil adere à tendência e
consagra o planejamento técnico-setorial como a ideologia preponderante de planejar as
cidades. Tornou-se ideologia na medida em que as questões sociais eram incorporados e
25
Tomamos como exemplo, o caso dos condomínios fechados, nas grandes cidades, e os parques privados,
como formas de “enclaves fortificados”, segundo Teresa Caldeira (1997). Em Belo Horizonte podemos nos
remeter aos condomínios fechados em direção ao Eixo Sul de expansão da cidade. Ver COSTA (2006).
26
Belo Horizonte, como uma das primeiras cidades planejada (fins do século XIX) insere-se nesse momento.
38
os planos não eram mais cumpridos
27
. Com a industrialização, incentivada pelo governo
de Getúlio Vargas, o urbano torna-se negação do campo, pelas mãos de uma mudança
radical da economia cafeeira, e instauração de “um modo de produção de mercadorias”
(OLIVEIRA, 1997, p. 69). O aumento da acumulação do capital industrial ocorreu via um
processo de emigração do campo para as cidades, aprofundando uma divisão de
classes, e por um exército industrial de reserva. Nesse sentido, o autor afirma que todo
problema hoje no Brasil é um problema urbano: modernização do campo pela
proletarização equaliza o valor da força de trabalho entre cidade e campo.
Com a ditadura militar, a partir dos anos 60 e durante os anos 70, os planos-
discursos são substituídos pelos planos tecnocráticos, providos de um “saber de
gabinete”, consolidado pela ampliação das escolas de arquitetura no país. Eram
instituídos órgãos e secretarias destinados a estruturar os Planos de Desenvolvimento
Local Integrado, sendo o Serfhau o órgão centralizador. Segundo Bolaffi (1979) os
Planos de Desenvolvimento se sucederam, mas os problemas se somavam e se
agravaram, como reflexo de um desacreditar nas políticas públicas culminando na
criação de falsos problemas
28
. A matriz de planejamento funcionalista, aliado a um
modelo importado de países de capitalismo avançado, culminou num desenvolvimento
acelerado e excludente do país.
Segundo Bernardes (1986) entre as décadas de 60 e 70 ocorre a explosão da
urbanização nos grandes centros no país através da oferta de empregos (via indústria) e
da própria oferta de habitação e de infra-estruturas urbanas após a modernização da
economia. Ainda segundo a autora, esta política de desenvolvimento esteve
desvinculada de preocupações espaciais, salvo os casos para a instalação de indústrias,
gerando desigualdades inter e intra regional. Além dessas disparidades econômicas e
sociais, este processo, ocorrido de forma ampla em países periféricos, desencadeou a
aceleração da poluição e degradação ambiental nos meios urbanos. A cidade se
expandia e com ela as disparidades sócio-econômicas se acentuavam. De acordo com
Maricato (2000, p. 128) a “produção moderna fordista implicou num aumento da
circulação de capitais, construção de moradias, mas sem atingir o direito à cidade”.
O caráter autoritário dos planos refletia o momento político-econômico do Brasil,
que tinha como expoente o “milagre econômico”. Era um momento com combinação de
altas taxas de crescimento econômico, acumulação de capital somado a superexploração
da força de trabalho, em descompasso com as necessidades da população (BONDUKIN;
ROLNIK, 1979). Esse processo desencadeou o crescimento “fora da lei” das grandes
27
Na cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache realizado na década de 20 do século passado, são exemplos
desse tipo de planejamento setorial.
28
A habitação foi, naquele momento, eleita como problema fundamental pelo governo Federal que buscava
incentivar a indústria da construção civil como saída ao problema social e habitacional (BOLAFFI, 1979).
39
cidades, a expansão do tecido urbano, o crescimento das periferias sem um
acompanhamento das infra-estruturas básicas, o desemprego, subsidiando um processo
de espoliação urbana
29
. A população de baixa renda foi expulsa para as periferias das
periferias das cidades sem a expansão dos equipamentos urbanos (como vias de
acesso, coleta de lixo, abastecimento de água e esgoto, sistemas públicos de saúde,
etc.). Ou como muitos casos, acabam construindo suas “casas” em lugares de risco
ambiental, como encostas de morros, vales de rios, ou a margem de córregos.
Acelerando a supressão de vegetação, elevando a poluição dos rios, os riscos de
inundação, fenômenos como as ilhas de calor, inversões térmicas, acarretando grande
parte das problemáticas sócio-ambientais contemporâneas. Nesse sentido os problemas
ambientais, podem ter seu cerne em consonância com os problemas urbanos
desenhando nos mapas das cidades formas de segregação sócio-espacial
30
.
A partir da década de 80 com o retorno da democracia e a Constituição de 1988,
são obrigatórios em todas as cidades com mais de 20 000 habitantes os Planos
Diretores. Soma-se ao processo de mundialização do capital (após crise do petróleo de
1973) a tendência de globalização econômica e as políticas neoliberais, em que o Estado
mais deliberativo descentraliza as decisões, delegando aos municípios parte do
enfrentamento dos novos desafios impostos por uma lógica capitalista inserida num
sistema mais fluido de capital, porém mais perverso. Possibilita a disseminação de
posturas municipalistas circunscritas ao espaço local denominado como neolocalismo
(MELLO apud ROLNIK, 2003). Denomina-se um novo paradigma de planejamento
urbano: o planejamento estratégico das cidades
i
, ou “uma gestão empresarial para o
setor público” (OLIVEIRA, 2000, p.178).
Ao longo da década de 90, as administrações públicas diante de um processo de
reestruturação produtiva mediante um cenário de desemprego e crise fiscal, são
obrigadas a tomar uma postura competitiva. Vainer (2000, p.76) afirma que esta
competitividade estaria agora como eixo central das discussões substituindo outros
temas como, crescimento desordenado, redução da força de trabalho, equipamentos de
29
Segundo Kowarick (1979), espoliação urbana é a extorsão total que resulta da ausência ou da
precariedade dos meios de consumo coletivo que são socialmente necessários, em termos de subsistência.
30
Belo Horizonte, nosso foco de estudo, se insere nesse contexto de desigualdades e segregação sócio-
espacial ao ampliar seu parque industrial em direção ao vetor oeste e norte do tecido urbano da cidade (a
partir dos anos 50), ao mesmo tempo “expulsando” para as periferias, ou proximidades desses locais, grande
parte dos trabalhadores, mão-de-obra das indústrias. Uma vez iniciado o processo de expansão da periferia,
os loteamentos para a classe trabalhadora também se expandem, obedecendo a uma outra lógica de
crescimento urbano para além dos “muros” da cidade legal. Outro movimento observado durante os anos 60,
foi a “fuga” de parcelas da população de alta renda da cidade em direção a chácaras e sítios de finais de
semana para fora do perímetro urbano, em direção a cidade de Nova Lima (eixo sul da Regia Metropolitana
de Belo Horizonte - RMBH). Essa prática seria o cerne de um fenômeno maior que se consolida nos anos 90
quando esses “refúgios verdes” deixam de ser áreas de descanso esporádico para se tornar moradia fixa de
parcelas da classe média. Trata-se da produção de novas formas de apropriação do espaço e da natureza:
os “condomínios fechados”.
40
consumo coletivo, movimentos sociais urbanos. Caracterizando, segundo Harvey (1992)
um palimpsesto urbano de formas passadas sobrepostas com certo fetichismo, servindo
para ocultar distinções econômicas num mundo de capital móvel, fortalecido pela
redução de barreiras espaciais, ampliando o “clima de negócios” como estratégias de
crescimento.
A competição, nesses moldes, ultrapassa os sentidos individuais e assume para
além dos planos urbanos, sua gestão e práxis. Amplia e incorpora pressupostos como a
cultura, por exemplo, engendrando a produção e construção de uma imagem de cidade
para consumo como forma de subsidiar investimentos de capital externo, criando novas
identidades urbanas. Segundo Zukin (1996, p. 218), ao analisar o caso da Disneylândia,
Paris e outras cidades de países desenvolvidos “nestas imagens consumimos o que
imaginamos, e nós imaginamos o que consumimos”. Ao que parece os “planos” e
planejamentos se sucedem, mas o desencanto em relação a questões como o direito à
cidade persiste no nível das sutilezas dos domínios de poder, via construção de
discursos políticos que nos dizem pouco, e pela criação de falsas imagens e slogans da
cidade a serem vendidos.
1.3.1 Conservação ambiental urbana ou uso dos espaços públicos: parques,
jardins, áreas verdes nas cidades
Desde fins do século XIX a preservação de áreas verdes nos centros urbanos
tornou-se uma tendência mundial decorrentes do alto grau de exploração dos recursos
naturais pela ascensão do modo industrial e capitalista de mercado. Uma das
conseqüências deste movimento é o crescimento das indústrias e das cidades, gerando a
necessidade de organização das ruas, das construções e da cidade.
A concentração de
mão-de-obra, aliada às precárias condições sanitárias e ambientais dentro dos grandes
centros urbanos industriais, originou o urbanismo moderno. Esta área nasce atrelada à
higienização das cidades, à necessidade de organizar os espaços para o escoamento
dos produtos industrializados e promover melhorias na qualidade de vida dos citadinos
(BENEVOLO, 1981).
Como forma de concretizar essas operações, cria-se “modelos” urbanos de
ocupação do tecido urbano. As cidades antigas modernizavam-se, novas cidades foram
criados à luz de formas modernas de se pensar o urbano e as relações sociais,
econômicas e espaciais intrínsecas a esse processo. A poluição e devastação dos meios
naturais inseridos na malha urbana, e as desigualdades sócio-econômicas dos grandes
41
centros urbanos balizaram formas alternativas de planejamento das cidades
modernas/industriais.
O modelo “cidade-jardim”, por exemplo, baseava-se na busca de proporcionar um
contato e integração da natureza dentro das cidades, uma vez que esta relação havia se
perdido ou estava fragilizada pelo advento capitalista, com suas chaminés e fumaças
cinzentas que encobriam os horizontes. Segundo Howard
31
(apud CAPEL, 2002), o
homem deveria desfrutar ao mesmo tempo a sociedade e as belezas da natureza. Este
modelo de organização urbana não constituía apenas uma proposta “romântica” de
planejamento. O mercado imobiliário já se fazia presente, apropriando-se dos espaços
verdes (parques, praças ou “vazios” urbanos) como meios especulativos para geração de
lucro. Dentro deste contexto a expansão e parcelamento dos solos, corroboram com
possibilidades de contatos com meio natural, é que os parques urbanos irão integrar o
planejamento das cidades.
O urbanismo ‘Beaux-Arts’ é uma das correntes que irão procurar entender
a cidade como jardim ou parque, criando espaços monumentais, praças,
eixos viários, principais, secundários, com bosques e no centro desta
cidade haveria um grande espaço equivalente ao palácio no jardim
clássico. (HENRIQUE, 2004, p.135)
Algumas cidades apresentam-se como modelos deste tipo de forma urbana como
La Plata, na Argentina, fundada em 1882. Em Londres, já no início do século XIX
observa-se um processo de especulação imobiliária relacionada a áreas verdes pela
criação do Regent´s Park através de financiamentos de empresas imobiliárias. Na
Alemanha originam-se os “volksparken” (parques populares); em Paris o Barão de
Haussman (1809-1891) com a reforma de 1853-1870 remodela e implementa diversos
parques na capital francesa(HENRIQUE, 2004, p. 136). Como o Bois de Boulogne
(Bosque de Bolonha), considerado hoje o “pulmão” de Paris com 846 hectares. Nos
Estados Unidos o New York City Central Park foi projetado pelo arquiteto-paisagista
Frederick Law Olmsted (1822-1903) e construído entre 1857 a 1870. No Brasil, durante o
Segundo Reinado de D. Pedro II, o reflorestamento a partir de 1861 da Floresta da Tijuca
foi um marco relacionado à preservação de áreas verdes em perímetros urbanos.
Assim os parques verdes urbanos nascidos nas cidades durante a Revolução
Industrial decorrem de uma nova maneira de olhar a natureza na cidade. Segundo
Costa,
pela primeira vez na história das cidades, elementos da natureza, em suas
diversas formas passaram a ser o principal material de projetos de áreas
livres públicas. Árvores, arbustos, gramados, assim como a água, pedras
31
Idealizador do modelo cidade-jardim de planejamento urbano
42
e materiais minerais, tornaram-se cada vez mais visíveis nas cidades,
condensados em parques urbanos (s.d., p.275)
Com espaços públicos para práticas de atividades físicas e relaxamento, essas
áreas se inserem no cotidiano das populações citadinas. Na medida em que as cidades
cresciam os habitantes buscavam nesses espaços momentos de contemplação,
embalados por um sentimento de proximidade com o meio natural deixado no campo. No
mesmo sentido se tinha a convicção de que os parques melhorariam o aspecto das
cidades (HOUGH, 2004). Esse é um dos sentidos atribuídos às origens dos parques e
áreas verdes nas cidades: espaços amenizadores as estruturas urbanas, compensando
as massas edificadas das cidades (KLIASS, 1993). Observa-se que nas últimas décadas
a “preservação dos patrimônios culturais e paisagísticos contribui para revigorar as
propostas de valorização das áreas verdes nos centros urbanos e de conservação dos
seus espaços naturais” (op. cit, p. 24). Ou seja, ainda que de forma incipiente, nos
últimos 100 anos algumas cidades ainda conseguem manter resquícios de uma natureza,
já modificada, mas ainda permanente diante das construções de prédios, do asfalto e da
poluição.
1.3.2 Belo Horizonte: breves considerações sobre o planejamento da cidade e as
áreas verdes
Belo Horizonte, uma das primeiras cidades planejadas do Brasil concebida em
meio a questões higienistas e do urbanismo Beaux-Art`s, previa no seu plano inicial em
fins do século XIX, um grande parque público verde na área central da cidade (Parque
Municipal Américo Renné Giannetti). Identifica-se uma relação entre as políticas públicas
dentro da área “planejada” e questões de cunho ambiental inerentes à própria gênese da
cidade. Certamente os sentidos dados ao meio natural em 1897 diferenciam-se das
discussões contemporâneas que englobam concepções de planejamento estratégico, o
marketing urbano e a própria sustentabilidade das cidades. Naquele momento a
natureza na cidade era um meio de contemplação, materializada por criações de espaços
monumentais, praças, eixos viários, que visavam o embelezamento em seu planejamento
urbano. Mesclando, ou sobrepondo a concretude dos espaços erguidos ao meio natural,
descaracterizado em decorrência do desenvolvimento de um sistema capitalista
econômico emergente.
Durante os anos que se seguiram à inauguração da cidade, as áreas verdes e os
mecanismos de implementação e administração dos mesmos permaneceram estanques.
Segundo Neves (2002, p.16), somente na década de setenta é que se inicia a
43
implementação de áreas verdes na cidade, surgindo junto aos primeiros grupos
conservacionistas. Paralelo ao movimento ambientalista em vanguarda no mundo todo é
criado na cidade de Belo Horizonte em 1975 o Programa Metropolitano de Parques
Urbanos (pela extinta Plambel). Dando início a institucionalização e proteção das áreas
verdes na cidade
32
. Somente “nas décadas de oitenta e noventa é que será implantada a
maioria dos parques existentes no município. A proteção das áreas verdes começa a ser
reivindicada como um fator de proteção aos ecossistemas, e não somente como forma
de resguardar a beleza cênica” (NEVES, 2002, p.16). Nos anos 90 é criada a Secretaria
Municipal de Meio Ambiente (SMMA) que implementava e administrava os parques,
jardins e espaços verdes. Hoje a política da prefeitura municipal em relação às áreas
verdes, se estrutura da seguinte forma: desde 2005, conta com a Fundação de Parques
Municipais, para fiscalizar e administrar, ainda de forma incipiente, as áreas de
conservação, e a implementação ainda é mantida pela Secretaria Municipal de Meio
Ambiente. A Fundação de Parques Municipais visa a parceria de outras secretarias
municipais: SMMA - Secretaria Municipal de Meio Ambiente e a SMRU – Secretaria
Municipal de Regulação Urbana. Outras fontes de criação e parcerias são os projetos
e/ou programas como o Drenurbs, as Leis de Compensação Ambiental, e, mais
recentemente o Orçamento Participativo (OP) e o Orçamento Participativo Digital (OP
Digital). Apesar da atuação da Fundação de Parques Municipais nos processos de
administração e preservação das áreas verdes de Belo Horizonte, este órgão não possui
ainda um sistema de classificação das áreas verdes cadastradas, não fugindo à regra do
restante do país
33
.
Belo Horizonte planejada para acolher uma modesta população de 200.000 mil
habitantes a cidade apresenta apenas 25% das áreas verdes originalmente propostas
mesmo com 42 parques disponíveis ao uso público enfrenta o desafio de suportar uma
população com mais de 2 milhões de habitantes. Devido à expansão urbana fora da área
planejada, crescimento populacional e conseqüente verticalização e expansão de
loteamentos (principalmente nos eixos norte - Pampulha e Venda Nova; e oeste – Cidade
Industrial e Avenida Amazonas) a cidade convive assim como a maioria das capitais de
países periféricos, com as contradições da necessidade de expansão do tecido urbano e
industrial, e a preservação ou manutenção dos recursos naturais.
Outra face em ascensão nas últimas décadas (principalmente a partir dos anos
90) diz respeito à venda da natureza, ou seja, a natureza tornada imagem a ser
consumida, tanto pelo capital imobiliário, no caso de “condomínios fechados”
32
Nesta época foram criados o Parque Municipal das Mangabeiras, Fazenda Lagoa do Nado e Ursulina de
Andrade Mello.
33
Entretanto, segundo informação da própria Fundação, há um projeto em estruturação à luz do SNUC para
facilitar a classificação e administração das áreas de proteção municipal.
44
direcionados a classes de alto poder aquisitivo
34
, ou como ferramenta de city marketing
35
para a construção de uma imagem de cidade “ecologicamente correta” comprovada via
índices duvidosos de áreas verdes per capta, ou pela criação de slogans como “Temos
vocação para o verde”
36
.
Estas discussões possuem como pano de fundo questões de cunho social, pois a
qualidade ambiental deveria atingir todas as classes e todos os espaços da cidade. Mas,
constatamos em Belo Horizonte déficits de áreas verdes em várias regiões, ao que
parece juntamente a outras desigualdades e deficiências históricas como moradia, saúde
e educação, o acesso a melhorias ambientais somaria mais uma forma de segregação
sócio-espacial.
Como se articula então a questão urbana com o desenvolvimento? E tratando-se
de desenvolvimento, não é lícito questionar sobre a especificidade dessa questão e,
conseqüentemente, da política urbana dentro da metrópole, com interesses tão diversos
e ao mesmo tempo convergentes? Até que ponto realmente existiria uma preocupação
de cunho administrativo municipal com vistas à melhoria da qualidade ambiental de uma
das seis maiores metrópoles brasileiras. Trata-se de uma imagem “ecologicamente
correta” de cidade a ser vendida a investidores? Todos esses questionamentos são
formulados há vários anos e até hoje não possuem respostas, ou “soluções” satisfatórias.
O processo de ocupação de Belo Horizonte é caracterizado por um perfil
urbanístico e social diferenciado por centros e regiões, onde o acesso aos bens e
serviços denuncia as condições próprias do urbano capitalista: a espoliação e a
segregação. O padrão de ocupação foi bastante diferenciado de uma área para outra e
está relacionada a preços da terra e da renda familiar da população. O crescimento
populacional ocorreu nas áreas de mais baixa renda (eixos Norte e Oeste de Belo
Horizonte). Acompanhando o processo de “explosão” da urbanização brasileira - entre as
décadas de 60 e 70, essas áreas são aquelas mais privadas de equipamentos urbanos
que possuem o menor número de áreas verdes da cidade. Belo Horizonte refletiu
naquele momento o caráter autoritário dos planos tecnocráticos, sinônimos do momento
político-econômico do Brasil, de “milagre econômico”
37
.
34
Para aprofundar sobre este tema, consultar COSTA (org), 2006.
35
A questão de city marketing, ou o empresariamento das cidades pode ser exemplificado com o caso de
Curitiba, nos anos 90, sendo as cidades européias como Barcelona, as primeiras a incorporarem estes
mecanismos de planejamento e reforma urbana.
36
Essa frase foi utilizada pelo atual prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, em entrevista concedida
ao Caderno JB Ecológico, ano 4, n° 56, set. 2006, , quando a cidade sediava a Conferência Latino-Americana
sobre Meio Ambiente e Responsabilidade Social – Ecolatina 2006.
37
Iniciado em meados dos anos 60 era um momento com combinação de altas taxas de crescimento
econômico, acumulação de capital somado a superexploração da força de trabalho, em descompasso com as
necessidades da população (BONDUKIN & ROLNIK, 1979)
45
Esse processo desencadeou o crescimento “fora da lei” das grandes cidades, a
expansão do tecido urbano, o crescimento das periferias sem um acompanhamento das
infra-estruturas básicas, o desemprego, subsidiando um processo de espoliação
urbana
38
(KOWARICK, 1979).
A concentração de parques na regional Centro-Sul reforça a valorização do
espaço destinado nos planos iniciais aos funcionários públicos. Historicamente a regional
foi destinada à criação de chácaras para lazer e descanso da recém-criada população
belo-horizontina. Desta forma, a região centro-sul sempre foi almejada por pessoas de
maior poder aquisitivo no decorrer dos anos, passou de local estritamente de lazer para
área residencial. Por estes e outros motivos, nos quais não nos ateremos, esta região é o
local melhor servido por equipamentos urbanos incluindo mais áreas verdes. A segunda
regional em maior concentração de parques é a Nordeste. Tal fato pode apontar para
duas características diferentes: a primeira reflete uma ocupação tardia em relação a
outras, além disso, a regional possui um perfil de ocupação mais simples. Trata-se de
residências unifamiliares, casas com quintal, menores taxas de impermeabilização do
solo. Existem ainda algumas áreas “vazias” sendo estas muitas vezes cobertas por
remanescentes de mata, ou outro tipo de cobertura vegetal. Mesmo com o quadro acima
exposto a prefeitura de Belo Horizonte estaria longe de promover realmente uma
eqüidade social, pelo menos no que concerne ao meio ambiente, uma vez constatada
grande desproporção na distribuição de áreas verdes legalmente instituídas no município.
As regionais como, Venda Nova, Norte e Barreiro possuem apenas uma área verde cada.
O mapa baixo demonstra a distribuição das áreas verdes da cidade (FERREIRA, 2005)
A necessidade de homogeneidade de áreas verdes na cidade além de
proporcionar benefícios visuais, espaços de lazer para a população, ecologicamente têm
sua função atrelada a constituição de corredores ecológicos dentro da malha urbana.
A presença de áreas verdes no universo urbano é um fator essencial no
resgate dos aspectos positivos da relação das formas urbanas com a
natureza. A distribuição das áreas verdes urbanas e a distância entre elas
influi diretamente sobre as suas funções econômica, estética, social e
ecológica. Desse modo, torna-se imprescindível que a gestão das áreas
verdes urbanas incorpore aos seus aspectos sociais e ambientais
conceitos relacionados à qualidade, quantidade e distribuição destes
espaços, fazendo associações quanto às diferentes categorias de áreas
verdes e sua distribuição espacial na cidade (JESUS, 2005, p.208)
38
A população de baixa renda é expulsa para as periferias das periferias das cidades, sem a expansão dos
equipamentos urbanos (como vias de acesso, coleta de lixo, abastecimento de água e esgoto, sistemas
públicos de saúde, etc.). Ou como em muitos casos, acabam construindo suas “casas” em lugares de risco
ambiental, como encostas de morros, vales de rios, ou a margem de córregos. Acelerando a supressão de
vegetação, elevando a poluição dos rios, os riscos de inundação, fenômenos como as ilhas de calor,
inverções térmicas, acarretando grande parte das problemáticas sócio-ambientais contemporâneas. Nesse
sentido os problemas ambientais, podem ter seu cerne em consonância com os problemas urbanos.
46
Dessa forma é essencial que um sistema de categorização seja legalmente
aprovado e instaurado junto as políticas públicas urbanas da cidade para que a funções
tanto social e ecológica das áreas verdes sejam respeitadas e incorporadas as práticas
ambientais de uma das seis maiores metrópoles do país, promovendo melhorias na
qualidade de vida de seus moradores, otimizando a conservação e manutenção dos
sistemas ambientais urbanos a longo prazo.
1.3.3 Sobre as funcionalidades das unidades de conservação ambiental urbana
A urbanização consumiu grandes quantidades de áreas verdes nas cidades pela
impermeabilização do solo, construções, obras de saneamento e abastecimento de água,
infra-estruturas urbanas, expansão das vias, ruas e avenidas, etc. Com isso, solos férteis,
biótopos, ecossistemas raros e valiosos foram perdidos. Os processos ecológicos são
aqueles essenciais ao funcionamento dos ecossistemas, e uma vez alterados tornam-se
muitas vezes irreversíveis, comprometendo os usos atuais e futuros dos espaços verdes
ou vazios urbanos ainda sobreviventes nas aglomerações urbanas. Essa lógica aplica-se
também a áreas protegidas implementadas dentro da malha urbana, que possuem
muitos objetivos e funções, dentre os quais a conservação de alguns processos
ecológicos, salvaguardar atributos ou aspectos cênicos interessantes e proporcionar
áreas de convívio com a natureza para a população urbana (GUAPYASÚ; HARDT, 1998,
p.56). Entre outras funções desempenhadas,
as áreas verdes públicas tratadas de forma planejada constituem um
benefício social, podendo: melhorar e equilibrar o micro clima urbano;
minimizar a poluição atmosférica causada por gases e partículas; purificar
o ar através da fixação de poeiras e materiais residuais, depuração
bacteriana e de outros microorganismos; reciclar os gases através dos
mecanismos fotossintéticos; fixar gases tóxicos; minimizar a poluição
sonora e visual; harmonizar a paisagem urbana; contribuir na organização
dos espaços urbanos e no auxílio da captação das águas pluviais; diminuir
a amplitude térmica; umidificar o ar; oferecer proteção aos habitantes
contra os raios solares; abrigar a fauna; contribuir na melhoria das
condições psíquicas das pessoas e, sob o ponto de vista econômico, no
aumento do valor das propriedades localizadas próximas dessas áreas
(COSTA, 2006, p.02).
Apesar de a questão ambiental urbana estar em evidência nas ultima décadas
(principalmente pós Eco 92) as experiências de conservação ambiental nas cidades
brasileiras e as ferramentas normativas de regulamentação e proteção, como já
apontamos remetem a meados do século XIX, com a implementação e o reflorestamento
da Floresta da Tijuca, na cidade de Rio de Janeiro a partir de 1861(HEYNEMANN, apud
NEVES, 2002). Atualmente, as políticas de implantação de parques e áreas verdes
47
urbanas permanecem em algumas cidades brasileiras: Parque do Tingui em Curitiba
(GUAPYASÚ; HARDT, 1998), Parque da Lagoa do Abaeté, em Salvador; Parque
Fazenda da Restinga, no Rio de Janeiro, Estação Ecológica de Carijós em Florianópolis,
entre outros. Porém, ao nos referirmos as unidades de conservação urbanas, ainda
estamos diante de um desafio, tanto para a manutenção e implementação, como para as
pesquisas urbanas. As dificuldades relacionam-se ao caráter subjetivo/perceptivo da
população em relação às áreas públicas preservadas (como a invisibilidade dessas
áreas, por exemplo) como pelas deficiências metodológicas de análise, quantificação e
cadastro. Estes fatores somados a inaplicabilidades das leis urbanísticas dificultam as
ações de fiscalização, manejo e gestão. Outro ponto agravante seria a própria indefinição
de categorias, de uma tipologia de áreas de conservação urbana, derivada da
precariedade de metodologias de classificação e de cálculos. De acordo com Jesus
(2005, p. 211),
a dificuldade de comparar os índices de áreas verdes reflete a falta de
clareza nas terminologias, bem como as diferentes classificações de
termos e métodos empregados. Freqüentemente, as estimativas são feitas
sem considerar a acessibilidade da população às áreas verdes, sendo, em
alguns casos, consideradas unidades de conservação situadas fora da
área urbana, usualmente de acesso público controlado ou vedado, e outro
valor deveria ser calculado a partir destas considerações.Dado que o
tamanho populacional varia temporalmente, estes valores deveriam ser
calculados constantemente.
As dificuldades de desenvolvimento de metodologias próprias para os ambientes
urbanos resultam de poucas pesquisas em ecossistemas urbanos realizados em
proporção menor do que pesquisas em grandes sistemas naturais fora do ambiente
urbano. Conforme Sukopp & Kunick (apud CAVALHEIRO, 1995, p. 117):
a discussão sobre o ambiente do ser humano e seus riscos de
sobrevivência concentram-se, principalmente, em considerações
tecnológicas. A natureza e a paisagem como sistemas complexos
raramente são incluídas nessas reflexões. Isso vale, principalmente, para
as grandes cidades, o tipo de paisagem mais severamente ameaçado por
poluição do ar, das águas e por resíduos sólidos. Embora elas sejam o
ambiente mais importante do homem hodierno, são esparsas tentativas de
estudá-las, considerá-las e reconhecê-las como unidades funcionais
(ecossistemas).
Supõe-se tal aversão à crença que os pesquisadores das ciências naturais, de
uma maneira geral, possuem em relação às cidades, como se estas fossem menos
convenientes para se estudar a natureza e às repetitivas afirmações de que o meio
ambiente urbano é nocivo à vida. Nesse sentido, não se leva em consideração que a
paisagem urbana nada mais é do que uma paisagem alterada ou, como muitos desejam
48
derivada da natural. Outro ponto a ser considerado diz respeito à utilização desses
espaços como possibilidades de desenvolvimento de experiências dotadas de
sentimentos e percepções dos moradores urbanos com a natureza. Os sentidos
ambientais vêm transformando-se nas últimas décadas, a relação cotidiana com espaços
preservados em escala local poderá acarretar em possibilidades de mudanças de
comportamento e respeito pelo lugar. Segundo Machado (1999, p. 98) “na experiência
[...] o que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o
conhecemos melhor e o dotamos de valor”.
A seguir destacaremos um estudo de caso sobre uma das últimas áreas de
significância ecológica para a cidade de Belo Horizonte inserida no campus da
Universidade Federal de Minas Gerais: a Estação Ecológica da UFMG. Palco de conflitos
entre as diferenças de valores e necessidades de expansão do campus, este caso serve de
exemplo para que possamos desvendar ou aproximar uma compreensão do que se
colocam em jogo quando existem valores antagônicos como de conservar ou expandir
construções no ambiente urbano. Uma vez que a cidade é considerada a capacidade ou o
resultado maior de transformação do espaço natural, nos questionamos qual o limite destas
transformações? Existiria uma fronteira delimitada entre a cidade e o natural, ou elas se
mesclam e tornam-se inteligíveis?
49
CAPÍTULO 2.
APRESENTANDO A ÁREA DE ESTUDO: USOS e (DES) USOS DA ESTAÇÃO
ECOLÓGICA DA UFMG
Como meio de iniciar a inserção na área de estudo – Estação Ecológica da UFMG,
consideramos necessário neste momento trazer ao leitor alguns apontamentos sobre as
características físicas gerais do campus da UFMG, bem como relatar o histórico de usos
da área até a implementação da Estação Ecológica da UFMG. Buscamos localizar no
próprio campus Pampulha alguns entendimentos sobre a área, como a mesma vem se
mantendo e qual status ocupa, no sentido social e político, junto ao organograma
administrativo da Universidade Federal de Minas Gerais.
2.1. Características gerais do sítio da Universidade Federal de Minas Gerais
O sítio da cidade de Belo Horizonte está localizado na unidade geomorfológica
Depressão Periférica de Belo Horizonte, classificado por Barbosa & Rodrigues (1965) e
representa uma área deprimida instalada entre o compartimento morfológico acidentado
do Quadrilátero Ferrífero ao sul e a sudeste, e pelo relevo suave da bacia sedimentar do
Grupo Bambuí a norte e noroeste. Este relevo é resultado de uma dinâmica de oscilações
paleoclimáticas e de modificações dos níveis de base regional, imprimindo tanto
características de sistemas morfogenéticos semi-áridos (erosão areolar), como formas de
dissecação fluvial (cristas nas áreas mais levadas e colinas policonvexas nas partes mais
baixas). Sobre as colinas predominam solos coluviais e colúvio-aluviais, originados da
alteração das rochas do embasamento pré-cambriano. Entre as colinas, nos fundos de
vale, encontram-se alvéolos e faixas alongadas de solos aluvionais e hidromórficos
(BARABOSA & RODRIGUES, 1965)
O campus da Universidade Federal de Minas Gerais está especificamente
localizado na parte noroeste do centro da cidade, na Região da Pampulha e segue o
mesmo tipo de características geomorfológicas. Segundo Cencic (1996, p.68) o relevo do
campus “desenvolve-se no sentido SW/NW, ao redor de duas microbacias hidrográficas
onde se formam os vales planos de pequenas extensões, delimitados por vertentes de
inclinação suaves, formando uma imagem diversificada na sua totalidade”.
A paisagem universitária, ou o sítio na qual se encontra, pode ser divido em dois:
a porção ocidental, que compreende o córrego Mergulhão, e, a oriental que compreende
o córrego Engenho Nogueira, ambos pertencentes à bacia da Pampulha. Grande parte
50
desses córregos encontra-se canalizados, porém em algumas partes mais baixas os
lençóis freáticos afloram. Ainda, segundo Cencic (op.cit) a parte oriental exibe uma
topografia mais plana, em que as altitudes variam de 25 a 850m, sendo nessa parte o
adensamento maior das edificações e por esse motivo a topografia está mais alterada,
assim como sua vegetação. A parte ocidental compreende a bacia do córrego do
Mergulhão
39
(que possui duas nascentes na Estação Ecológica da UFMG e atravessa a
área em alguns trechos). Neste setor as altitudes variam em 79 m, atingindo o máximo
de 889m na parte sul e a mínima de 810m ao norte. Neste setor, ao contrário de setor
oriental encontra-se a maior amostra representativa de uma grande variedade de biomas,
com 79,3 hectares: a Estação Ecológica da UFMG.
Sobre o clima
Koppem classifica o clima da região como Cwa – tropical de altitude com Inverno
seco e verão chuvoso. Durante o ano, a região é invadida por sistemas extratropicais,
que provocam chuvas no período da primavera, verão e outono. Nas estações de
primavera/verão, o período de maior pluviosidade é de novembro a janeiro, com
temperaturas médias de 28,2°C. Enquanto no período seco de inverno de julho/agosto as
temperaturas podem atingir valores inferiores a 16ºC. A média da unidade relativa do ar
aproxima-se de 70%.
De acordo com Cencic (1996, p.74) o campus da UFMG, assim como a região da
Pampulha apresenta um topoclima diferenciado do restante da cidade de Belo Horizonte.
Segundo a autora, em decorrência do sitio da área ser de cotas menores, esperava-se
que as temperaturas nessa região fossem mais altas, mas isso não ocorre, “pelos índices
de ocupação ser relativamente baixos e em razão da presença da Lagoa da Pampulha,
da mata da UFMG e das áreas verdes dos bairros próximos, as temperaturas são um
pouco mais baixas e a umidade relativa do ar mais alta” (grifo meu, op. cit).
Vegetação
A cidade de Belo Horizonte, primeira cidade planejada do país, estabeleceu desde
sua criação uma relação direta com a manutenção de áreas verdes no centro urbano.
Mas como a maioria dos grandes aglomerados urbanos, apresenta um atual quadro de
retração de suas áreas verdes. Pela classificação da vegetação brasileira (IBGE) o sítio
da cidade ocupa uma área denominada de transição (tensão ecológica) “caracterizada
pela interpenetração de duas ou mais regiões ecológicas ou tipos de vegetação, desde
campos de altitude, até cerrado e vestígios de Mata Atlântica” (FERREIRA, 2005, p.461).
39
Para saber mais sobre a dinâmica deste córrego ler DAL PONT, K.R.; BOTELHO, L.A. Análise da bacia do
córrego do Mergulhão: recursos hídricos e a urbanização. In: XII Simpósio de Geografia Física Aplicada,
2007, Natal. Anais... Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007 (CD ROM, p.845-863).
51
As matas são classificadas como Floresta Estacional Semidecidual (Floresta
Tropical Subcadifoleada). O cerrado ocorre, predominantemente, no norte da RMBH. Já
os campos, são formados por gramíneas e outras espécies herbáceos, apresentando
pequenos arbustos muitos afastados um dos outros e ausência completa de árvores.
Ocorrem ainda nas encostas da Serra do Curral, os chamados “campos rupestres sobre
canga” (op.cit). Ferreira (2005) constatou também que todos esses biomas encontram-se
muito descaracterizados, e hoje sobrevivem, apenas enquanto resquícios em
propriedades particulares, ou em parques, que se fragmentam em função da pressão da
expansão urbana, como mostra a Figura 01.
Na área ocupada pelo campus da UFMG existem alguns capões de florestas
secundárias remanescentes da antiga cobertura vegetal (Floresta Subcadifoleada), que
hoje estão em estágio de regeneração. As árvores atingem altura de 20m, com um
diâmetro aproximado de 30 cm. As essências florais e frutíferas servem principalmente
para alimentação à fauna local. Cencic (1996, p.75) constatou que a “localização dessa
mata restringe-se a algumas áreas dos quarteirões 13 e 14 do campus”, sendo que neste
último quarteirão encontra-se a EECO. Ainda no campus encontramos superfícies
cobertas por capoeiras (vegetação originada de florestas queimadas ou cortadas),
esporadicamente encontram-se exemplares com mais de 15 m de altura, com
abundância o capim aberto se propaga, e existem também áreas de junco e bambu em
menores concentrações.
Alenca Cencic (1996) ao realizar um estudo de paisagem cultural da UFMG afirma
que “as matas fechadas de porte alto, capoeiras, capins, bambus, junco e os bosques
gramados garantem, graças à diversidade das texturas, cor e forma, proporções
harmônicas na sua distribuição pelo território”. Além dessas proporções, podemos atribuir
às áreas verdes outros sentidos que possa ser compartilhado pelos usuários e
freqüentadores do campus Pampulha: como as sensações positivas, relacionadas à
contemplação e descanso. Ao mesmo tempo em que contribui para a qualidade
ambiental do entorno do campus e da região da Pampulha, funcionando como verdadeiro
“corredor ecológico” entre as áreas verdes dessa região, uma vez que se trata de uma
das áreas mais arborizadas, ou dos últimos resquícios verdes da cidade de Belo
Horizonte.
52
Figura 02: Mapa da Vegetação de Belo Horizonte com a localização da Estação Ecológica
da UFMG. Elaborado por Igor Ferreira, em 2007.
53
2.2 As origens da Universidade Federal de Minas Gerais: do deslocamento para o
campus Pampulha ao Campus 2000
As idéias liberais de um Brasil República influenciaram a criação da Universidade
de Minas Gerais (UMG), pelo então presidente Antônio Carlos em 1926. Naquele
momento, a criação de uma universidade pautava-se na necessidade ampla de formar
cidadãos e preparar a “elite mineira”. Em 07 de setembro de 1927, pela Lei 956 é fundada
esta instituição de ensino superior em estabelecimentos isolados existentes na cidade de
Belo Horizonte: Faculdade de Direito, Escola de Odontologia e Farmácia, Escola de
Engenharia. Foram elaborados posteriormente os regulamentos, incluindo os objetivos e a
organização da universidade. Desde sua fundação insistia-se que a UMG deveria
ultrapassar o estágio de simples agregação de escolas, e para isso esperava-se a criação
da cidade universitária, o ideal de integração
40
.
As discussões em torno da centralização e ampliação das unidades universitárias
arrastou-se durante anos, até que em 1942 a Fazenda Dalva localizada na região da
Pampulha é desapropriada pelo Governador Benedito Valadares para receber a sonhada
“cidade universitária”. Em agosto de 1956 é assinada uma Portaria que estabelece normas
para o planejamento e execução das obras naquela área. Verificada a ausência de um
“plano da cidade universitária” algumas comissões foram criadas visando desenvolver tal
plano, culminando na elaboração de um plano diretor em 1957.
A influência do plano-piloto de Brasília pode ser sentida na organização
dos setores residenciais em “superquadras”, na setorização de atividades
de apoio e na ausência de cruzamentos diretos das vias principais. Logo
se iniciaram vários projetos: Estádio, três institutos ligados à Escola de
Engenharia e a Residência Estudantil. As obras da Reitoria estavam em
execução, e a sua inauguração ocorreu no final de 1962. (CENCIC, 1996,
p.80)
O projeto inicial apresentado pelo arquiteto Eduardo Perdeneiras em 1929,
segundo Lúcio Costa “de orientação pseudo-clássica-modernizada”, foi alterado e, em
1962 a Universidade Federal de Minas Gerais se transferia simbolicamente para o
campus através da inauguração do prédio da Reitoria. Desde então as obras seguiram
em ritmo irregular e em 1969, foi aprovado o Plano Diretor que traduzia em termos físicos
as características gerais da nova estrutura da UFMG
41
. Este Plano já trazia em seu bojo
alguns pontos relacionados à manutenção de algumas áreas classificadas como “non
40
Revista Diversa, 11 de maio de 2007, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
41
PAUL, Gustavo. Campus surgiu onde antes havia mato. Boletim Informativo da Universidade. Belo
Horizonte, ano 14, n. 173, p.07, 1987.
54
aedidificandi” como as matas naturais, capoeiras e brejos existentes na região, o que
segundo Celso Baeta Neves (2002, p.31) já indicava uma “consciência ambiental” por
parte dos planejadores da universidade. A influência de tal plano se faz presente hoje,
seja por direcionar a projeção e ampliação do campus, ou por ser este ainda o único
Plano Diretor aprovado pelo Conselho Universitário
42
.
Após o início da implementação do Plano Diretor de 69, houve algumas tentativas
de aprimorar o mesmo, como o Planejamento Participativo aprovado em 1986 que visava
permitir enfim a definição de um plano de obras para implantação do campus na
Pampulha. Este planejamento não chegou a se consolidar como instrumento normativo,
e somente em 1998 o reitor Francisco César de Sá Barreto instituiu pela Portaria 2024 de
19 de janeiro de 1998 a formação de uma Comissão que seria então responsável pela
elaboração do Plano Diretor da UFMG
43
. Dentre os princípios norteadores de uma
política de uso e ocupação do território identificamos a “preservação de áreas de
interesse ecológico e o equilíbrio na distribuição de áreas verdes, áreas de lazer e das
áreas de convivência”. Este plano ficou conhecido como Campus 2000, e como Plano
Diretor ainda não foi aprovado pelo Conselho Universitário apesar de estar praticamente
pronto há uma década e encontrar-se em plena execução, contemplando a antiga
vontade de trazer para o campus Pampulha todos, ou quase todos os departamentos e
escolas da universidade ainda espalhados pela Região Centro-Sul da cidade de Belo
Horizonte.
Em relação ao status deste Plano trazemos um ponto relevante no que tange os
usos propostos ao quarteirão 15 (área vizinha da EECO UFMG). O conhecido “Triângulo
das Bermudas”, compreendido entre a Avenida Carlos Luz, a Rua Professor José
Mendonça Vieira e o Anel Rodoviário: uma área de aproximadamente 30 quarteirões
garantia ao terreno um lugar de destaque no conjunto do patrimônio da UFMG. A área
deveria ser pensada como reserva estratégica de valor, ficando a cargo da universidade
promover uma parceria com o setor público e o privado. E assim desde 2005 a área vem
sendo negociada, e hoje sedia as obras das futuras instalações do Parque Tecnológico
de Belo Horizonte – BH TEC
44
. A construção de um pólo de desenvolvimento tecnológico
segue a tendência mundial de aliar tecnologias desenvolvidas nas universidades ao
capital público e/ou privado, como no caso do MIT (Massachusetts Institute of Tecnology)
42
Esta informação nos foi dada pelo engenheiro Luiz Felipe Calvo, funcionário da UFMG há 25 anos, ex-
prefeito do Campus Pampulha, em entrevista realizada em 21/11/2007.
43
Plano Diretor da UFMG: documento preliminar para discussão com a comunidade universitária. Centro de
Informações Técnicas, fevereiro de 1999. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
44
O Parque Tecnológico de Belo Horizonte é uma iniciativa conjunta da Universidade Federal de Minas
Gerais e da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e possui como parceiros estratégicos o governo do
Estado de Minas Gerais, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MG). O projeto conta com recursos da
Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia – Finep/MCT e da Fundação de
Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – Fapemig.
55
localizado em Cambridge, ou a Universidade de Berkeley na Califórnia. Se por um lado a
universidade busca aprimorar, ou estreitar laços com outras esferas buscando beneficiar
o desenvolvimento científico, ou financeiro, a utilização de tal espaço para a construção
do Parque acabou privando um vetor de expansão do campus, uma vez que o mesmo
encontra-se adensado na área que ocupa. Pois a idéia do Campus 2000 consiste
basicamente em uma transferência gradativa das unidades ainda localizadas no centro
de Belo Horizonte para Pampulha, com a utilização dessa área não haveria espaços
vagos no campus para a construção de tais unidades, principalmente no caso do campus
saúde, que estava projetado no Plano Diretor de 69 a ser construído nesta área
45
.
As obras no campus da Pampulha, iniciadas em 1945, ainda permanecem em
estágio de continuidade até os dias de hoje. A não-conclusão do campus segundo Cencic
(1996, p.121) interferiu em vários aspectos da vida cotidiana dos usuários, e apresentou-
se presente em “alguns conflitos espaciais”, como será abordado nos próximos capítulos.
Esses “conflitos” abrangem ao longo da ocupação e expansão do campus Pampulha
relações de poder e território, sempre implícitos em qualquer âmbito de posses, mesmo
quando relacionada ao sítio de uma instituição pública de desenvolvimento científico,
como no caso da Universidade Federal de Minas.
2.3 “Programa Ecológico Campus Pampulha”: os primeiros passos da Estação
Ecológica da UFMG nos anos 70
A primeira idéia de implantar um Programa Ecológico na UFMG foi apresentada
no reitorado do professor Eduardo Osório Cisalpino (1974-1978). Se considerarmos o
momento mundial da questão ambiental é possível encontrar uma relação entre as
discussões iniciadas nas universidades e os eventos mundiais promovidos pela ONU
como o ocorrido em Estocolmo no ano de 1972. A constituição de um ambientalismo
brasileiro, segundo Viola (1992, p.81) situa-se também nos anos 70 com o início de
“propostas provenientes tanto do Estado como da sociedade civil”. Na cidade de Belo
Horizonte surge alguns grupos conservacionistas, como o Centro para Conservação da
Natureza, em 1973 e a Associação Mineira de Defesa do Ambiente, em 1978 (NEVES,
2004, p. 16).
Em entrevista o professor Cisalpino declara que a idéia de se construir um
“Programa Ecológico” para o campus Pampulha estava baseado em todo seu
envolvimento anterior ao reitorado, quando o mesmo foi diretor do Instituto de Ciências
Biológicas (ICB). Esse contato com biólogos e ecólogos contribuiu para que houvesse
45
Estas informações foram dadas em entrevista pelo Engenheiro Luiz Felipe Calvo (Data 21/11/2007).
56
uma vontade, já como reitor, de realizar algum programa na universidade voltado às
questões ecológicas. Como o próprio professor afirma:
Meu envolvimento com a política ambiental e ecologia foi muito influenciado pelo
professor Amílcar Viana Martins. Trabalhamos juntos anos e anos, e tenho uma
admiração profunda por ele, sendo o mesmo responsável pelo próprio ICB e pelo
Museu de História Natural. Com isso acabei me tornando diretor do ICB e fui
convidado pelo reitor também para ser diretor do Museu de História Natural [...]
era para tomar conta da área e ver o que podia ser feito. E com isso me aproximei
do Museu da onde também observava o problema de política e de meio ambiente,
e esse envolvimento me deu uma boa base. (Entrevista realizada em 05/12/2007)
.
Até o início dos anos 70 a Prefeitura da Universidade havia se preocupado em
dotar a área do campus com as infra-estruturas “físicas” como a localização de prédios,
sistema viário, de água, luz, esgotos, telefones, passeios, etc. Inclusive durante o
processo de construção a vegetação nativa foi devastada para abrir caminhos ao novo
campus. A preocupação com a “ecologia”, publicada no Boletim Informativo da
Universidade, em 1976, limitava-se a uma visão restrita de ambiente, traduzida à
proteção de flora nativa restante e à criação de um horto e plantio de mudas no campus
Pampulha
46
. No período de 1971 a 1976 a Prefeitura da UFMG coletou dados sobre flora
e fauna do campus, que seriam trabalhados posteriormente. De acordo com o Boletim
Informativo nº130, foram identificados:
96,80 ha de mata secundária, com 20 anos de existência; 48,40 ha de
cerrado; 96,80 ha de campo e 24 ha de brejo. Foram localizadas algumas
espécies vegetais em diferentes pontos como: andiroba, angico, bálsamo,
braúna, cavipuna, cambará, candeia, canela, cangirama, cedro, ipê,
jacarandá, jatobá, jequitibá, além de vários animais, como macaco,
coelho, lagarto, inhambu, codorna, pombarola, tico-tico, entre outros.
Os “assuntos ecológicos” seriam oficialmente inseridos no reitorado do professor
Cisalpino com a criação, pela portaria 698 de 13 de setembro de 1976, de uma comissão
encarregada da execução do “Programa Ecológico do Campus da Pampulha”
47
. O
principal objetivo do programa era “transformar a cidade universitária da UFMG numa
grande área ecológica de Belo Horizonte”, assim como “integrar o homem com a
natureza no planejamento, no desenvolvimento e na manutenção da infra-estrutura física
do campus”
48
. O Programa previa a construção de um criadouro de animais silvestres,
46
O Programa também previa o plantio de 200 mudas de “pau-brasil”, com um horto construído no próprio
campus administrado por técnicos da Prefeitura de Belo Horizonte. Houve inclusive no dia 21 de setembro
de 1976 uma solenidade na universidade para inaugurar com o plantio das mudas, o “Programa Ecológico
do Campus Pampulha”.
47
Constituíam a comissão, representantes da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (Silas
Raposo), a Prefeitura da UFMG (Camilo de Assis Fonseca), Instituto de Ciências Biológicas (Ângelo
Machado, José Rabelo de Freitas, Ney Carnevaly), Instituto de Geociências (Carlos Magno Ribeiro), Museu
de Historia Natural (Ronaldo Teixeira), Escola de Arquitetura (Múcio Guimarães) e Escola de Veterinária
(Vânia Pena). Boletim da UFMG, nº. 140, 17/09/1976.
48
Sala de Imprensa. UFMG começa a implantar ”campus” ecológico nesta terça feira, dia 21. Universidade
Federal de Minas Gerais, 17/09/1976.
57
um horto e uma estação climatológica, destinando assim áreas verdes dentro do campus
a atividades de pesquisa e ensino.
O campus universitário da UFMG tornou-se ao longo de sua implantação exemplo
de planejamento, inclusive prestava assessoria a outras universidades federais devido a
sua excelência. Essa excelência juntamente com as iniciativas dos movimentos
ambientalistas na cidade de Belo Horizonte contribuiu na formação de um cenário
favorável para a constituição de um Programa Ecológico para Pampulha. Como afirmado
anteriormente, os primeiros precedentes de um ambientalismo no país, foram de caráter
preservacionista de modo a pautar as discussões acadêmicas sobre a importância do
manejo e preservação restrita de áreas verdes. Em entrevista, o professor Célio Valle
49
afirma que devido ao momento do movimento ecológico, um dos princípios do Programa
era antes voltado as pesquisas internas da universidade do que da formação da
“consciência ecológica”, ou de uma preocupação de integração com a comunidade
externa.
Nesse sentido podemos identificar os significados voltados para a universidade
que balizaram a construção do Programa Ecológico: o pedagógico (pesquisa e ensino) e
o ecológico/preservacionista. Almejava-se estabelecer condições apropriadas para
realizar projetos relacionados com o manejo da fauna, e criação de cursos relativos à
conservação da natureza, ao mesmo tempo em que se buscava estabelecer uma relação
onde o natural e o humano pudessem estar em harmonia através de uma paisagem
construída dentro do campus da UFMG
50
.
Naquele momento foi apresentado pelo Departamento de Zoologia/ICB/UFMG
uma proposta para a criação de uma “Estação Experimental”, de manejo e estudo de
fauna no campus da Pampulha, além de servir como campo de treinamento para os
alunos pelo planejamento e manejo da fauna em áreas de proteção permanente. A idéia
era que este Programa viabilizasse um contato ainda “inédito” no Brasil entre estudantes
e a fauna e flora, até então estudos somente por fotografias, desenhos e pela observação
de animais presos em zoológicos. Para a instalação de tal “Estação Experimental”, foi
sugerida a região do antigo “Lar Don Orione”
51
localizado dentro do campus Pampulha.
A escolha se justificava por dois motivos: pela localização, pois a área estava
relativamente afastada do setor dos prédios escolares, e também segundo o professor
Célio Valle, pelo grau de deteorização da área. Podendo a mesma servir como um
49
Biólogo, se auto-intitula “naturalista” e ex-professor da UFMG (Instituto de Ciências Biológicas). Entrevista
realizada em 11/09/2007.
50
Boletim Informativo da UFMG, nº130, 23/07/1976.
51
Esta área foi desapropriada em 1944, pelo então Prefeito Juscelino Kubistchek de Oliveira e doada ao Lar
dos Meninos Don Orione. Nesse período foram construídos galpões onde funcionavam alojamentos,
diversas oficinas, um posto de saúde e uma olaria, que abrigavam menores recebidos pela instituição. Em
1954, a área seria novamente desapropriada pela União para se tornar mais tarde a cidade universitária
(NEVES, 2004, p29)
58
laboratório para os alunos, uma vez que não haveria necessidade de realizar grandes
saídas a campo para acompanhar um processo de regeneração ou de sucessão
ecológica de áreas degradadas, por exemplo.
Figura 03. Vista da área do antigo Lar Don Orione, na década de 40. Fonte: Arquivo DPFO.
Os anos 70 foram muito efervescentes para o movimento ambientalista na cidade
de Belo Horizonte, e isso culminou na criação de uma movimentação dentro do
Departamento de Ciências Biológicas em prol da área que o antigo “Lar Don Orione”
ocupava. Nesse sentido o professor Cisalpino comenta sobre as primeiras intenções em
relação à área que hoje a Estação Ecológica da UFMG ocupa, e dos motivos que
levaram a criação da Portaria nº698, de 1976,
Comecei a perceber que não era mais possível ficar só plantando árvores
no campus, e tinha a área [quarteirão 14] dos nossos ecologistas que
falavam que precisava ser preservada, porque estava sendo destruída.
Então com auxilio da Prefeitura, do [engenheiro] Ives Chalfun, e dos
advogados da universidade, o professor Alfredo Baracho que era o
procurador da universidade, retiramos aos poucos alguns “invasores”, e
negociamos com o Don Orione a remoção. Isso tudo de acordo com a
portaria de 1976 [...] Mais ainda essa tema meio ambiente estava
engatinhando, eu estava mais interessado em preservar a mata. Fui
diretor do Conselho de Pesquisa da universidade, membro e diretor do
Conselho, e depois da própria Fapemig, como um dos fundadores. Então
quer dizer pelo meu perfil, essa portaria não caiu do céu. Foi a visão e a
própria história do campus. Quando eu vi que tinha sido “terra arrasada”,
até Mata Atlântica achei que era da mais alta importância preservar
aquela área para finalidade de pesquisa e de meio ambiente. (Entrevista,
05/12/2007)
Mesmo ao ter sua origem em meio a um fragmentado e até certo ponto
fragilizado movimento ambientalista, foi-se criando um cenário favorável que culminou na
59
desapropriação pela Prefeitura de Belo Horizonte da área sugerida para sediar a
“Estação Experimental”. Apesar de todos os pontos a favor de sua institucionalização
através da desapropriação da área, envolvimento de alguns atores e com a comissão
instituída o “Programa Ecológico do Campus da Pampulha” só seria aprovado no próximo
reitorado. Somente o professor Celso Vasconcelos Pinheiro (1979-1982) pela Portaria
nº320, de 31 de janeiro de 1979 criaria a normativa do programa. A única obra realizada
na área entre as duas portarias foi a construção de um lago com 15 000 m² de área
aproximada, para a criação de duas espécies de peixes: a Tilápia e Tucunaré
52
. As
Figuras 04, 05 e 06 ilustram essas obras:
Figura 04: Construção da lagoa em 1977. Fonte: Arquivo DPFO.
52
Boletim Informativo da UFMG, nº172, de 22/09/77.
60
Figura 05: Lago construído, 1977. Fonte: Arquivo DPFO.
Figura 06: Construção da sede da “Estação Experimental” em 1977 que até hoje abriga a sede da
Estação Ecológica. Fonte: Arquivo DPFO.
A não execução do Programa, de acordo com os entrevistados, se deu
possivelmente em decorrência de um número excessivo de integrantes da Comissão ao
envolver desejos e vontades divergentes em relação aos usos que seriam destinados a
área. Pode-se levantar a hipótese do próprio amadorismo ou não amadurecimento das
questões ecológicas na época. Uma prerrogativa nesse sentido é observada ao se
constatar que essas discussões “ecológicas” não se faziam presentes no cotidiano da
comunidade universitária. Sendo este último ponto bastante lembrado pelos
61
entrevistados quando os mesmos se referem ao caráter prematuro da questão ecológica.
Pois havia uma lentidão da inserção e do reconhecimento por parte dos planejadores do
campus da temática ambiental, ou da necessidade de se pensar no planejamento sob
essa perspectiva ambiental. Lembrando que além do Conselho Universitário ou dos
planejadores se fazia necessário ampliar esses debates e introduzi-los de forma mais
ampla as várias áreas e setores acadêmicos. Desde o Conselho até os corredores e
salas de aula. Buscar trazer a base universitária para participação e uma apropriação
daquele espaço. Segundo o professor Cisalpino, um equívoco do Programa foi talvez de
querer atender a necessidade de um ou outro grupo, em vez de demonstrar sua
importância maior para toda comunidade universitária.
Acontece que em condição única e exclusiva de cuidar da EECO, achei
que era um papel do Instituto de Ciências Biológicas e/ou do Instituto de
Geociências, ou talvez até da Pró Reitoria de Extensão, mas isso
infelizmente não aconteceu(Entrevista de 05/12/2007).
Essa não apropriação, ou um não reconhecimento da área pelos professores,
alunos ou por outras instâncias da universidade acarretaria numa série de conseqüências
drásticas relacionadas aos usos que então seriam dados a área, que a princípio sediaria
um exemplar “Programa Ecológico” universitário.
2.4. Da Portaria nº320 aos (des) usos da Estação Ecológica da UFMG durante os
anos 80: entulhos, queimadas e bota-fora
Em 1979, já no reitorado do professor Celso de Vasconcelos Pinheiro, pela
Portaria 320, é aprovado o “Programa Ecológico do Campus Pampulha”, que foi
constituído por um grupo de Assessoria de Planejamento Ecológico e teria como
encargos organizar as ações a curto e médio prazo para a área durante um período de
dois anos. Para coordenação do Programa foi mantido o engenheiro Íris Chalfum entre
outros membros da comissão anterior, totalizando um grupo de 10 pessoas
53
. A
assessoria deveria administrar os serviços de horto, o criadouro e manejo de fauna, e
elaborar estudos para instalação de uma futura Estação Climatológica. Uma das
primeiras medidas tomadas para demonstrar o interesse à conservação foi o cercamento
para proteção da área.
53
De acordo com a Portaria 320, de 31 de janeiro de 1979, fariam parte desta comissão alguns nomes da
antiga comissão e foram acrescidos outros nomes: o engenheiro Íris Chalfun, Sebastião de Oliveira Lopes e
Ronaldo Teixeira; o professor Ângelo Barbosa Machado, Ney Eny Carnevali, José Freitas e Miriam Costa
Andradas, todos do ICB; Camilo de Assis Fonseca Filho, da Prefeitura; o professor Múcio Bonaparte
Guimarães da Escola de Arquitetura e o professor Carlos Magno Ribeiro, do IGC.
62
A partir deste momento, com a aprovação do programa pela Portaria 320
concretizou-se visivelmente um desejo do reitorado anterior, bem como do grupo de
professores que estavam nos bastidores ao dotar a área de infra-estruturas básicas como
as cercas, uma sede e pelo início das pesquisas in loco. Mas ainda não havia se
realizado mediante aprovações do Conselho Universitário uma delimitação da área a ser
utilizada nem um regimento interno, ou um plano de utilização a médio e longo prazo.
A partir desta Portaria algumas pesquisas foram então realizadas no “Parque
Ecológico” da universidade
54
. Incluindo uma pesquisa sobre a “Dinâmica da população de
roedores” de autoria do professor Célio Murilo Valle. A professora Cristina Augustin, do
Instituto de Geociências, em 1984
55
realizou um relatório sobre os elementos biofísicos e
indicadores de poluição da micro-bacia do córrego do Mergulhão que atravessa a área
até desaguar na Lagoa da Pampulha (AUGUSTIN; SAADI, 1985). Porém nos períodos
seguintes, até o ano de 1987, foi criado um cenário de abandono e descaso com a área,
que
passou a ser utilizada como depósito de lixo e entulhos, com freqüentes
cortes de árvores para lenha, invasões de sem casa e queimadas anuais.
Além disso, as escassas pesquisas, coletas de material e aulas práticas
de professores, principalmente do ICB, eram constantemente destruídas e
perturbadas por pessoas estranhas. A região também servia de atalho
para o Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, quando
transeuntes provocavam atos de vandalismo contra fauna, a flora, as
pesquisas e resquícios de construções. (NEVES, 2004, p.32)
Contrariando as idéias que motivaram a constituição da “Assessoria de
Planejamento Ecológico” e as duas Portarias anteriores (1976 e 1979) a área da
“Estação Experimental” foi abandonada. Todo o discurso, os ideais ecológicos e as
vontades que motivaram a manutenção e construção de um “Programa Ecológico para o
campus Pampulha” acabaram tornado em entulhos e espaço de bota-fora da própria
universidade. O professor Carlo Magno Ribeiro, que fez parte das duas comissões (76 e
79), relata o cenário da área em meados dos anos 80.
A área atual da Estação Ecológica estava abandonada. Havia se tornado
um imenso quintal do campus da Pampulha, bota-fora da própria
universidade tanto de material de construção como de podas das árvores
e de jardins. A grama seca virou muitas vezes focos de incêndio. E
também virou caminhos das pessoas que moravam ali por perto, inclusive
realizavam podas da vegetação secundária que estava ali. Faziam
manifestações religiosas com velas acesas, nas encruzilhadas, também
54
Boletim Informativo da Prefeitura da UFMG, 06/10/80. As outras pesquisas realizadas foram
“Levantamento de aves”, coordenada pelo professor Ney Carnevalli; “Habitat e dinâmica de caramujos”, José
Rebelo de Freitas, Mary Barbosa e Teresinha Abreu Gontijo.
55
AUGUSTIN, Cristina Helena Rocha. Relatório de Visita ao campus UFMG, micro-bacia córrego do
Mergulhão. Instituto de Geociências, UFMG, Belo Horizonte. 08/10/1984.
63
comprometendo e provocando incêndios. Essa situação então começou a
incomodar e foi discutido no Conselho Universitário, e na época três
diretores resolveram fazer uma comissão pra discutir a proteção da área e
até mesmo em relação aos usos pra aquela área. (Entrevista realizada em
24/11/2007)
Esta situação de abandono e não delimitação clara os limites da área de
preservação foi observada não somente por professores e alunos que eventualmente
utilizavam o espaço, mas também por olhares externos à UFMG. Referimo-nos ao caso
do pedido de retrocessão de uma parte que a área da “Estação Experimental” ocupava
na época, realizado em junho de 1983 pela Fayal S/A
56
. A empresa entrou na justiça com
um processo para reaver parte de uma área expropriada para a construção da cidade
universitária, campus Pampulha. A Fayal queria ver reincorporado ao seu patrimônio,
mediante devolução da indenização que lhe foi paga pela UFMG nos anos 60 uma área
que correspondia a 302.360 m²
57
alegando que a “Universidade Federal de Minas Gerais
não lhe deu qualquer destinação, visto que decorridos quase vinte anos, a área
permanecia inaproveitada“.
A UFMG alegou que a área estava destinada a construção e expansão de
prédios, de acordo com o Plano Diretor de 1969, e vinha sendo “utilizada” para pesquisa,
ensino e extensão desde 1976. O então Juiz Federal da Quinta Vara de Minas Gerais
julgou não ser procedente a ação, uma vez comprovada a “utilização” da área para os
fins propostos. Este precedente tornou-se um alerta a universidade que mediante a
construção de um parecer sobre as atividades que vinham se desenvolvendo na área,
manteve a mesma sob sua tutela. Ao mesmo tempo ficaram evidentes alguns motivos
falhos dados neste processo a favor da UFMG, a saber: a área na época possuía poucas
pesquisas, seu uso estava se tornando obsoleto, e a Comissão de 79 não havia
progredido na construção do Programa.
Todo esse processo demonstrara a fragilidade institucional da área inclusive pela
falta de uma definição espacial da área de preservação, pois não havia ainda nos anos
80 essa delimitação além das cercas colocadas no fim dos anos 70. Dentro das
prerrogativas de qualquer processo que categorizam as áreas a ser preservada sua
delimitação deve ser tomada como princípio básico. Como preservar algo que não está
delimitado, ainda mais se tratando de um sítio urbano sujeito, a exemplo de 1983 a
desejos e olhares especulativos? Outro ponto que merecia mais atenção era a questão
da apropriação intelectual do espaço através de programas de ensino e extensão, que
56
MINAS GERAIS. Belo Horizonte, 30 de junho de 1983. Ação Ordinária de retrocessão--nº 717/81-E.
Arquivo do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (páginas 503-517). Arquivado em
30 de junho de 1992. Consultado em setembro de 2007.
57
Esta área corresponde a parte do quarteirão 15, identificado como “Triângulo das Bermudas”, localizado
entre o Anel Rodoviário, Rua José Vieira Mendonça e Avenida Carlos Luz.
64
são os pilares das universidades. Como poderia a área ser apropriada por
pesquisadores, alunos e professores se não havia o mínimo de estrutura, ideal para os
processos de ensino e pesquisa. Segundo o professor Carlos Magno Ribeiro “aquela
área ficou muito tempo território de ninguém, os alunos não iam lá sozinho
eventualmente alunos da geografia e da biologia faziam pesquisas lá”.
Este cenário de inutilização, ou (des) uso em meados dos anos 80 nada lembrava
os ideais que motivaram os pedidos dos professores, bem como da criação das
Comissões anteriores. Constatou-se ainda através de pesquisas realizadas no Centro de
Comunicação da UFMG (Cedecom) que durante o período de 1983 a 1989, pouco se
falou ou se divulgou em relação a um “Programa Ecológico da UFMG” ou qualquer outra
notícia de pesquisa ou utilização da área. [VER ANEXO I]
2.5 Uma nova tentativa de utilização da área: Comissão Executiva de 1988
Após as tentativas de utilização e dotação da área de um sentido científico-
preservacionista, o professor Lair Rennó, então Diretor do Instituto de Ciências Biológicas
em 1988 encaminha um ofício ao Reitor Cid Veloso, solicitando a recuperação das
instalações do prédio localizado na “Estação Experimental” justificando a recuperação
para utilização do espaço para os cursos de Pós Graduação de Ecologia, Conservação e
Manejo da Vida Sivestre. O professor também sugeriu a criação de uma comissão
menor, visto as experiências das comissões anteriores. Esta comissão com caráter
“executivo” deveria chamar a atenção para a necessidade de implementação de outras
medidas inadiáveis para o uso da área, até então subutilizada pela universidade.
Segundo o professor da Escola de Arquitetura, Flávio Carsalade, que integrou a
Comissão Executiva de 1988,
existiu um movimento daqueles professores (ICB) que foi criado para
estudar a possibilidade de implantação da primeira comissão em 1976. No
momento em que o reitor Cid Veloso institui oficialmente a Estação
Ecológica foi criada uma comissão no sentido de coordenar e administrar
essa área. Então o objetivo desta era um pouco diferente da primeira
comissão. A primeira comissão tinha mais pessoas ligadas às áreas
ambientais, especialmente do ICB, e a segunda comissão procurava uma
visão universitária maior, no sentido e abranger outras unidades da
universidade. O que era uma estratégia, inclusive de dar uma legitimação
maior para a EECO. E aí por isso o envolvimento do ICB, com o professor
Célio Valle que inclusive participara da primeira comissão. Da geografia do
IGC, o professor Carlos Magno Ribeiro, e da Arquitetura eu. Então o
objetivo dessa comissão era implantar a EECO, enquanto da primeira era
mais estudar a possibilidade de criação dela. (Entrevista realizada em
13/11/2007)
Em 29 de junho de 1988, pela Portaria nº0866, é instituída a Comissão Executiva
pelos professores Célio Murilo Valle, do Instituto de Ciências Biológicas, Carlos Magno
65
Ribeiro, do Instituto de Geociências e Flávio Lemos Carsalade, Escola de Arquitetura. As
atribuições da Comissão Executiva seriam de administrar o “Campus Ecológico”, elaborar
um Plano Diretor e proposta orçamentária, estabelecer diretrizes de funcionamento e
propor a definição de outras contribuições necessárias à implementação para sua efetiva
utilização.
Até 1988 a área havia sido designada como “Estação Experimental”, “Parque
Ecológico” ou “Grupo Ecológico”. Este seria um dos últimos documentos que trataria a
área com a denominação “Campus Ecológico”. Com esta comissão surge a “Estação
Ecológica da UFMG” embasada segundo o professor Célio Murilo Valle em suas
propriedades físicas (tamanho da área e biomas presentes) e características científicas.
Como a realização de pesquisas e atividades de ensino e não havia naquela época outra
classificação para designar a área pelas suas características de preservação em meio
urbano
58
. Inclusive em 11 de novembro de 1988 foi divulgada no Boletim Informativo da
Universidade de nº 779 a logomarca da Estação Ecológica da UFMG adotada após um
concurso realizado na universidade no mesmo ano.
Percebe-se na fala dos atores envolvidos com o processo de implementação na
época que as idéias eram muito mais no âmbito prático, administrativo, e institucional.
Pois a “primeira idéia era a ocupação física daquele espaço, ter pessoas lá dentro
fazendo alguma coisa lá, no sentindo de mostrar para a comunidade interna e externa
que aquele era um espaço que estava sendo ocupado” (professor Carlos Magno Ribeiro.
Entrevista 24/11/2007).
O intuito era dotar a área de um espaço junto ao organograma administrativo e
ampliar as relações com outros institutos, não só aqueles que poderiam estar
diretamente relacionados com a questão ecológica. Enalteceu-se a idéia de estabelecer
uma ligação interna no próprio campus como também com a comunidade externa. A idéia
seria estimular o lazer contemplativo, e, sobretudo educação ambiental.
Podemos novamente relacionar o caráter desta nova Comissão ao momento do
ambientalismo mundial e brasileiro. Na esfera nacional, como apontado no primeiro
capítulo, com a redemocratização do país era criado o Instituto Brasileiro de Meio
Ambiente (Ibama), e observado na esfera civil o que Viola (1992) considerou como uma
“profissionalização” do movimento ambientalista brasileiro, transformado num movimento
multissetorial e completo. Acompanhando a evolução dos paradigmas ambientais esta
Comissão possuía condições que a diferenciava das anteriores.
58
De acordo com a Lei Federal nº6902, de 27/04/81, estações ecológicas são áreas representativas de
ecossistemas brasileiros destinados a realização de pesquisas básicas e aplicadas de Ecologia, à proteção
do ambiente natural e ao desenvolvimento de educação conservacionista.
66
A idéia era de dar a precisão a uma “personalidade” institucional daquela
área. Então esse era um dos objetivos da Comissão Executiva além de
ter uma definição mais clara do que seria essa área, depois ver suas
funções para a universidade, suas funções urbanas. Depositar essa
“função institucional” e cuidar do seu dia-a-dia, como a conservação e a
manutenção. (Professor Flávio Carsalade. Entrevista 13/11/2007)
As primeiras preocupações e esforços foram dirigidos a limpeza e recuperação
dos prédios e das demais construções da área. Essas iniciativas visavam não apenas a
possibilidade de seu uso imediato, assim como garantir a destinação do conjunto para
fins e objetivos propostos (conservação, uso racional e harmonioso da área). Foi
observado a partir de agosto de 1988 um grande esforço por parte desta Comissão de
efetivar as propostas ao mesmo tempo em que buscavam através de inúmeras reuniões
com diretores e chefes dos órgãos administrativos da UFMG garantir a execução dos
objetivos gerais mediante a obtenção de recursos, humanos e financeiros. Ou seja,
buscavam dar uma maior visibilidade para área mediante a adoção de um orçamento fixo
e pela construção de uma imagem positiva e atrativa para outros departamentos e grupos
da universidade.
Todavia os passos seguintes foram tratados como um grande desafio, pois a
Comissão ainda permaneceria “durante dois anos (88/89) sem recursos e sem uma
posição dentro do organograma da UFMG. Tentamos pelo menos institucionalizar a área
[...] e para isso seria preciso um trabalho muito grande nosso porque na verdade nós não
éramos nada, institucionalmente falando, e não tínhamos recursos” (professor Carlos
Magno Ribeiro, Entrevista 24/11/2007).
Durante o período de 88/89 foram obtidas 04 bolsas junto a Pró Reitoria de
Extensão com intenção de iniciar atividades que englobassem ensino e pesquisa.
Realizaram-se convênios com o IBAMA para criação de um centro de triagem de
reintrodução de psitacídeos, e com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo
Horizonte. Foi realizada também em 1989 a “1ª Semana de Meio Ambiente da Estação
Ecológica”, contando com a participação de escolas da região da Pampulha. Este
convênio possibilitou a participação do biólogo Celso D’ Amato Baeta Neves
59
que
desenvolveria atribuições didáticas e administrativas. Pois, as atribuições necessárias a
uma efetiva utilização demandavam tempo, e atuação diária. Havia uma necessidade de
manter um corpo fixo de funcionários para dar corpo às atividades cotidianas, e tanto o
professor Carlos Magno Ribeiro, como Flávio Carsalade consideram de fundamental
importância do convênio com a prefeitura de Belo Horizonte.
59
Celso D’ Amato Baeta Neves permaneceu no cargo designado e hoje é o atual Diretor da Estação
Ecológica da UFMG, considerado pela maioria dos entrevistados como a figura chave pós anos 80 na
implementação das atividades educativas e administrativas da área. Inclusive sua pesquisa de Mestrado
sobre o zoneamento ambiental da Estação Ecológica, é considerada um dos principais trabalhos em relação
à área. ( Ver referências bibliográficas)
.
67
Então começamos, eu e o Celso principalmente, a abrir as portas da
Estação para receber alunos para esse trabalho de Educação Ambiental
usando o que tinha lá na época: trilhas somente porque era tudo muito
difícil. Até 1995 a situação era de receber as escolas e planejar e
executar a Semana de Meio Ambiente. Posteriormente conseguimos
estagiários de cada Instituto, pagos pelo Conselho Universitário para dar
uma assistência para o Celso receber os alunos. Ao mesmo tempo em
que continuava as coletas e as pesquisas. Conseguimos “limpar” a área e
nesse sentido foi muito importante a criação do curso de Mestrado de
Conservação e Manejo da Vida Silvestre, usando as salas também como
maneira de sensibilizar as autoridades superiores, isso era para garantir
uma presença física lá. (Professor Carlos Magno Ribeiro. Entrevista
24/11/2007)
De início observamos que precisaria de alguém que ficasse permanente
na área. De alguém que fosse a pessoa que cuidaria das funções diárias.
Porque EECO era mais uma tarefa nossa junto com várias outras que
tínhamos nas nossas unidades, continuávamos a dar aula, fazer
pesquisas, etc. Tínhamos a função diretora, coordenadora, mas essa
função de estar lá no dia-a-dia era muito complexa. Então nós entramos
em contato na época com a Secretaria de Meio Ambiente, e com isso
conseguimos que o Celso fosse para lá. Criamos um convênio com a
PBH, em 1989. [...] O Celso está desde então lá, e é realmente a alma da
EECO, porque ele conhece tudo acompanha dia-a-dia, todos os
problemas, ele acompanha essas coisas todas e ele é realmente a alma
e o corpo, e executa as cosas lá. Então a participação da PBH, na
viabilização da EECO foi fundamental, na presença do Celso. (Professor
Flávio Carsalade. Entrevista 13/11/2007)
Apesar de todas as dificuldades encontradas, os professores que faziam a linha
de frente conseguiram realizar pequenas conquistas. As maiores realizações durante os
primeiros anos foram além da apropriação efetiva do espaço, a realização de atividades
de pesquisa e preservação ecológica, revitalização da área principalmente pela reforma
do espaço físico, implantação do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo da Vida
Silvestre, convênio com IBAMA e prefeitura de Belo Horizonte, implantação da estação
meteorológica, criação de uma gerência administrativa, controle do “bota-fora” que era
feito na área, e divulgação da Estação Ecológica
60
. Inclusive, segundo relato do ex-aluno
e ex-presidente do Diretório Acadêmico da Biologia, Júlio Emílio Diniz, a recepção a
calouros do curso de Biologia já naquela época era realizada na Estação Ecológica:
Fazia parte da programação esta visita a EECO. Um momento inclusive
realizamos um mutirão de limpeza. Na verdade como a EECO não estava
institucionalizada era apenas uma cerca com pouquíssimas infra-
estruturas, nem havia visitas monitoradas e tudo isso que existe hoje. Não
havia praticamente nada. Então nós fazíamos como parte dessa semana
de recepção dos calouros essa visita a EECO. E entre essas atividades o
mutirão de limpeza. Levamos sacos de lixo e tiramos muito lixo lá de
60
Relatório de Atividades. Comissão Executiva da Estação Ecológica. Universidade Federal de Minas
Gerais, UFMG. Janeiro de 1990.
68
dentro da EECO. Este fato mostra o quanto a EECO não representava
muita coisa para a universidade. Era uma área que estava ali, eu acho
que por parte da universidade, já com essa intenção de construir novas
unidades de expansão da universidade.
No Boletim de nº800, de 21/04/1989 alunos do D.A. da Biologia realizaram um
protesto utilizando o lixo que haviam recolhido na área da EECO e construíram um
boneco “inorgânico“ em frente ao prédio da Biblioteca Central. A manifestação na época
já demonstrava ao mesmo tempo a necessidade de retirada do lixo da área e também
que os alunos estavam atentos ao que acontecia ali. Esse sentido de cuidado e
participação dos alunos da Biologia em relação aos usos da Estação Ecológica seria de
extrema relevância naquele momento e em outras ocasiões posteriores a essa.
Além da limpeza, outros desafios persistiam para a completa implementação da
área e apropriação efetiva do espaço. Entre as dificuldades apontadas estava a falta de
recursos humanos e financeiros; um período longo de greve da UFMG dificultou ainda
mais as relações com a reitoria e os outros institutos; a alta rotatividade de funcionários;
necessidade de pesquisas e estudos mais aprofundados; invasões e descontinuidade da
área adjacente – Triângulo das Bermudas; inexistência de um cercamento adequado e
falta de um funcionário do quadro da universidade à disposição da Estação Ecológica.
Outra grande briga era o lugar institucional que ficaríamos. Não
poderíamos ficar no Instituto de Ciências Biológicas porque tinham as
duas outras instituições, e outra questão foi convencer os outros Institutos
a participar porque a Estação não era nem da Geografia, nem da Biologia
e nem da Arquitetura. Foi um grande trabalho de divulgação para
convencer os diretores que aquela área era parte da universidade. Porque
mesmo nos anos 80 nós sabíamos que mais dia menos dia viriam outras
unidades para o campus da Pampulha e que alguma unidade poderia ficar
de olho ali. Servia até para a própria universidade perceber que aquele
espaço enorme estava sendo ocupado para depósito de lixo! Sempre os
três Institutos fazendo a frente da Estação e foram diversas reuniões no
Conselho, alguns diretores achavam que aquela situação deveria ficar
como estava, outros nos apoiavam, e assim íamos seguindo sem recursos
nenhum. As compras dos materiais eram feitas pelos próprios institutos,
inclusive o Instituto de Geociências sustentou o gás da cozinha durante
anos, para fazer o cafezinho! (Entrevista do professor Carlos Magno
Ribeiro, realizada em 24/11/2007)
O Relatório de Atividades de 88/89 realizado pela Comissão Executiva
demonstrava as principais falhas, ou lacunas ainda impossibilitando o pleno cumprimento
das funções preestabelecidas para a Estação Ecológica. Entre as condições estava a
necessidade da institucionalização da Estação Ecológica pela UFMG como unidade ou
órgão suplementar, com estatuto próprio. Pois a área não possuía um status claro,
tratava-se de uma porção do território do Campus Pampulha historicamente destinado a
ser uma reserva ecológica e qualquer ação de benfeitorias era extremamente dificultada.
69
No mesmo sentido a questão orçamentária era imprescindível, pois mesmo não sendo
um órgão oficialmente instituído a área atuava como tal: possuía uma sede, abrigava
curso de mestrado e estabeleceu convênios com Ibama e prefeitura de Belo Horizonte.
Necessitava de verbas para as pequenas despesas e material de consumo diário como
relatou o professor Carlos Magno Ribeiro.
A mesma comissão visualizava baseado no acontecido de 1983, que a área ainda
corria riscos devido a uma fragilidade institucional na medida em que as atividades
educativas se iniciavam e a definitiva institucionalização não tramitava tranqüilamente
junto às discussões do Conselho Universitário.
Nesse sentido se faz necessário neste momento diferenciar essas duas
categorias: institucionalização e implentação. De acordo com o professor da Faculdade
de Direito José Luiz Borges Horta
61
, institucionalizar significa dar forma jurídica, criar uma
resolução expedida pelo órgão máximo da universidade, no caso o Conselho
Universitário, que dê suporte a existência e a todas as atividades da EECO. E
implementar trata-se de dar uso a área, através de programas de extensão, pesquisa e
ensino. A implementação até início dos anos 90 acontecia de forma gradual mediante os
convênios e criação de um programa de Educação Ambiental, na figura de Celso
D’Amato Baeta Neves. Mesmo com todas as deficiências descritas pelo professor Carlos
Magno Ribeiro, a EECO estava conquistando pequenos espaços e realizando
conquistas.
Mas o mesmo professor já visualizava naquele momento que uma não
institucionalização perante o Conselho Universitário poderia acarretar algumas
conseqüências relacionadas à integridade da área, “nós sabíamos que mais dia menos
dia viriam outras unidades para o campus da Pampulha e que alguma unidade poderia
ficar de olho ali”. Além de dificultar o recebimento de recursos financeiros para as obras
de melhorias e manutenção ao longo dos anos, fragilizando assim as vontades e
tornando cansativa a luta por um lugar na universidade, mesmo que fisicamente já
possuísse um espaço, legalmente e socialmente ainda permanecia quase invisível.
Configurar-se-ia nesse cenário de indefinições a grande questão ou grande
“batalha” que a Estação Ecológica da UFMG iria enfrentar com a entrada dos anos 90: o
caso da transferência das Escolas de Farmácia e Odontologia para o campus Pampulha.
Grande, no sentido de mobilizar alunos, professores, entidades de defesa do meio
ambiente de todo o Brasil, e órgãos municipais como o Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural e Secretaria de Meio Ambiente. E por estabelecer por fim, o
significado de uma área de preservação ambiental urbana para além do campus
Pampulha.
61
Entrevista realizada em 07/12/2007.
70
CAPÍTULO 03.
O PODER ALÉM DOS MAPAS: A ESTAÇÃO ECOLÓGICA E O CASO DE 1992
Neste momento do texto conduziremos a escrita de modo a relatar como foram
exacerbados sentidos sobre interesses conflitantes dentro da Universidade Federal de
Minas Gerais, com início em 1990, quando “sugerida” a construção das Escolas de
Farmácia e Odontologia próxima ao limite da área de preservação que a Estação
Ecológica ocupava. Este caso é merecedor de relevância investigativa, pois mobilizou
não só alunos, membros e diretores de departamentos da universidade, mas extrapolou
as cercas institucionais da universidade e foi ser objeto de discussão em outras
instâncias, como a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte, e
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural da mesma cidade. Foi a primeira e única
vez que instâncias externas intervieram num caso interno da UFMG.
Esse caso emblemático dividiu opiniões dentro da universidade. Para um grupo
essa foi a maior conquista da área, pois a legitimou-a como área de pesquisa, ensino,
extensão e preservação. Já para outros se tratou de um movimento ecologicamente
“apaixonado” e um caso que poderia ser esquecido. Buscamos trazer as diferentes
visões do processo, tanto daqueles que desejavam manter a área intacta com seus
principais argumentos e os atores envolvidos; e daqueles que argumentavam ser
possível a construção das escolas sem grandes perdas ambientais para área.
3.1. A área da capineira da Estação Ecológica da UFMG: a expansão das Escolas
de Odontologia e Farmácia e o início do processo
Enquanto a Comissão Executiva conseguia realizar pequenas conquistas para
afirmação da área como um espaço para o desenvolvimento de ensino, pesquisa e
extensão ocorriam paralelamente a esse processo outras discussões que projetavam o
futuro destino da Estação Ecológica. Desde agosto de 1988 a Comissão de Obras do
Conselho Universitário havia definido como prioridade a transferência das Escolas de
Odontologia e Farmácia para o campus Pampulha. A transferência se fazia mediante a
obediência ao Plano Diretor concebido em 1969, que já previa naquela época a
construção do campus saúde junto aos quarteirões 14 e 15.
71
Figura 07: Micro Zoneamento proposto no Plano Diretor de 1969 pode se observar que as ciências
biomédicas estavam naquela época projetadas para serem construídas em parte dos quarteirões 14 e 15.
Fonte: Fotografado do Arquivo do Conselho Deliberativo do Patrimônio de Belo Horizonte. Outubro de 2007.
72
Apesar de ser considerado obsoleto, esse era até então o único Plano Diretor
aprovado para a universidade. Corroborou com este planejamento de transferência a
precariedade com que alunos e professores da Faculdade de Odontologia enfrentavam
devido às instalações inadequadas do prédio onde estavam, tornando o assunto mais
freqüente junto ao Conselho Universitário, intensificado a partir de 21 de agosto de
1991
62
. Segundo o professor Arnaldo Garrocho, Diretor da Faculdade de Odontologia do
período de 1989 a 1993, foi durante sua gestão que se iniciou a elaboração de um
projeto para a construção da Faculdade de Odontologia, “porque segundo critérios da
própria Universidade, esta Faculdade é que se encontrava em piores condições”
(Entrevista realizada em 27/11/07).
A área que deveria receber o campus saúde, ou área diretamente afetada,
considerada “aedificandi” de acordo com o Plano Diretor de 1969, possuía tamanho
aproximado de 5,52 ha e situava-se no quarteirão 14, entre as edificações da Estação
Ecológica e a Rua Professor Moacir Gomes de Freitas, ou Rua 14.
Figura 08: Detalhe da Folha de tombamento pela Lei Orgânica de 21/03/90 e pela Lei 5657/90, das áreas
correspondentes ao quarteirão 15 e 14. Fonte: Fotografado do arquivo do Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, outubro de 2007.
62
Boletim Informativo da UFMG nº 921. Estudo Revela que o impacto ambiental será desprezível.
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 19/06/1992. (pag. 06)
73
Entretanto desde 1990 partes das áreas da UFMG já contavam com tombamento
por duas leis municipais: nº 5657, de 25 de janeiro de 1990, que alterou a Lei de Uso do
Solo, e a Lei Orgânica do Município de 21 de março de 1990, transformando parte do
campus, no “Parque Pampulha”.
A primeira transformou em Setor Especial 1, a área de mata natural delimitada
pelo Anel Rodoviário, Avenida Presidente Carlos Luz e rua Professor José Vieira de
Mendonça (quarteirão 15, com área aproximada de 350.500 m²) e a segunda foi
delimitada pelo Anel Rodoviário, Avenida Carlos Luz e Zona Comercial 3, e Setor
Especial 1 (dentro do quarteirão 14, com área aproximada de 140.750 m²). A Lei
Orgânica do município de Belo Horizonte em seu artigo 224, relaciona entre os bens
tombados “a mata do campus da Universidade Federal de Minas Gerais”, ficando a cargo
da instituição a delimitação especifica da área a ser tombada. Essa delimitação, segundo
Relatório sobre o Processo de Tombamento da Estação Ecológica da UFMG, realizado
em abril de 1992, nunca foi efetivada pela Universidade Federal de Minas Gerais
63
. Sem
uma delimitação clara de seu perímetro a ser tombado, a Estação Ecológica da UFMG
ficaria sem uma “identidade”, visto que naquela época o que a definia era apenas as
cercas e uma guarita com a placa na entrada indicando que se tratava de uma área de
preservação.
O que aconteceu segundo o professor Flávio Carsalade, que era membro da
Comissão Executiva da Estação Ecológica e representante da universidade perante o
Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPC-BH) foi que:
com a mudança dos prédios para o campus, e a não definição da área,
principalmente a capineira em frente a Odontologia na entrada da EECO,
a universidade fez os projetos da Odontologia e da Farmácia justamente
para esta área da entrada do campus. Isso causou uma reação muito
grande principalmente do ICB e dos ambientalistas da universidade que já
tinham internalizado as funções EECO. Isso era uma prova do sucesso da
Estação Ecológica. O limite na cabeça de todo mundo era onde estava
localizado o portão, e o portão estava exatamente na rua. Então da rua
para dentro era onde estava a EECO. E a construção da Odontologia e da
Farmácia, ainda mais nos moldes como ela estava proposta de projeto
arquitetônico, realmente colocava a EECO atrás desses prédios, nos
fundos. E além disse não era previsto uma entrada nobre ou uma entrada
digna da Estação Ecológica. (Entrevista realizada em 13/11/2007)
Toda essa movimentação fora observada pela Comissão Executiva da Estação
Ecológica, bem como por alunos e professores, principalmente do Instituto de Ciências
Biológicas, que já utilizavam a área desde 1988 com o curso de Mestrado de Manejo e
Conservação da Vida Silvestre. Inclusive como relatado no segundo capítulo os alunos
63
Relatório sobre o processo de tombamento da Estação Ecológica da UFMG. Belo Horizonte, 21 de maio
de 1992. Ricardo Samuel de Lana, arquiteto urbanista (parecerista). Arquivos do CDPC – BH.
74
do curso de Biologia já estavam participando de forma mais ativa de atividades de
pesquisa, ensino e na recepção de calouros, e também por outro lado promoviam
debates sobre a necessidade de institucionalizar a área
64
. Devido a solicitações tanto de
alunos, como de professores do ICB ligados ao curso de mestrado e a entidades de
proteção da natureza, a Congregação do ICB, coordenado pelo professor Tomaz Aroldo
da Mota Santos, solicitou à reitoria em 05 de novembro de 1990 a realização de um
Estudo de Impacto Ambiental antes da construção iniciar.
Em 1990 eu era diretor do ICB (1990-1994), e a “crise” da EECO
aconteceu durante meu mandato aqui no ICB. Tudo começou com uma
passeata dos estudantes de Ciências Biológicas aqui do ICB coordenada
pelo Diretório Acadêmico da Biologia denunciando que a Reitoria iria
construir uma unidade acadêmica, precisamente o prédio da Odontologia
dentro da EECO. Isso se tornou visível quando começaram a ser feitas as
medidas de levantamento topográfico para o início da construção do
prédio da Odontologia. A reitoria anunciava a intenção de também dentro
dos limites da EECO construir o prédio da Farmácia. Como diretor acolhi
a preocupação dos estudantes da Biologia entendendo que a questão
interessava ao Instituto de Ciências Biológicas, que era ou é uma das
instituições que tem preocupação com a questão ambiental. Então sobre
isso cabia à Congregação do ICB se manifestar. De fato o que a
Congregação fez foi uma manifestação formal junto à reitoria da
universidade manifestando preocupação com o impacto que a construção
das duas unidades poderia acarretar sobre a EECO. (Entrevista realizada
com o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos, em 14/11/2007)
Aceitando o pedido da Congregação do Departamento de Ciências Biológicas, no
início de 1991 a Universidade contrata a Ecodinâmica Consultores Associados LTDA,
para elaborar um estudo referente à implantação dos prédios na área
65
. De acordo com o
Estudo Ambiental (1991, p.21) ficou demonstrado que inexistiam condições mitigadoras
para os impactos da construção do prédio da Farmácia, “visto incidirem diretamente
sobre um trecho de mata secundária em sucessão inicial que faz parte de uma zona de
transição entre a capineira/mata secundária regenerada”. Enquanto que os prédios da
Odontologia que se localizariam na área de “capineira”
66
deviam ser considerados
irrisórios, visto se tratar de uma área de cobertura antrópica rasteira e podiam ser
minimizados com medidas paliativas, como o isolamento da sede da Estação Ecológica
pela construção de uma cerca viva, por exemplo.
64
De qualquer maneira eu acho que essas nossas atividades que nós participamos na EECO, desde
simples visitas até um mutirão de limpeza já foi criando uma relação amistosa e boa de nós estudantes com
a EECO” (Júlio Emílio Diniz, entrevista realiza em 03/12/07).
65
UFMG. Departamento de Planejamento Físico e Obras. Estudo Ambiental: subsidio a construção das
unidades e Odontologia e Farmácia no campus Pampulha. Ecodinâmica Consultores Associados LTDA. Belo
Horizonte, 1991.
66
A área projetada para receber os empreendimentos possuía uma vegetação de “capineira”, uma cobertura
vegetal composta por gramíneas invasoras utilizada com fonte de alimentos para animais criados na unidade
do curso de Veterinária, uma vez que a mesma escola encontra-se instalada no lado oposto da Rua 14.
75
Mas diante de possível construção próxima, ou vizinha a uma unidade de
preservação, era colocada em xeque a permissividade que poderia abrir precedentes
para outros possíveis destinos da área. Essa desconfiança se baseava nas formas como
a universidade havia utilizado a área anos antes.
Foi a partir do momento que obtivemos a informação de que a
universidade desejava construir as unidades da Odontologia e da
Farmácia resolvemos transformar aquela questão como nossa bandeira
de luta. Nós então começamos a levantar informações, a conversar com
as pessoas, a ter mais clareza da situação que a universidade tinha. Uma
vez confirmada essa pretensão pensamos estratégias para manter a área
intacta como realmente uma EECO deveria ser. Na época nós tínhamos a
opinião de que a entrada da Odontologia e da Farmácia representaria o
fim da EECO. Seria perderia o conceito de preservação daquela área, ao
permitir as construções. Trazendo certo impacto para área e isso poderia
ser um precedente para novas construções. Enfim, significaria o fim
daquele espaço como área de preservação ambiental. (Professor Júlio
Emilio Diniz. Entrevista realizada em 12/07)
A construção das unidades nos limites da área da EECO, que até aquele
momento não estava legalmente definida, iria contra aos anseios de preservação e
manutenção de uma das últimas reservas contínuas de área verde na cidade de Belo
Horizonte. Mais do que os impactos físicos causados pelas construções, a ameaça maior
se apresentava de outra forma, porém não menos impactante. Como o próprio Estudo
Ambiental da Ecodinâmica considerou (1991, p.34):
Outro impacto a ser considerado refere-se à localização do
empreendimento. Uma vez que a Estação Ecológica foi eleita para se
tornar uma área de preservação permanente, com objetivos de
proporcionar uma melhor formação aos alunos de graduação e pós-
graduação dos Institutos de Ciências Biológicas e Geociências, a
construção das unidades de Odontologia e Farmácia no local escolhido é
conflitante com os objetivos da Estação. Muitas das pesquisas e coletas
realizadas e em realização utilizam a área de transição existente na
entrada da Estação. Caso seja utilizada toda a área demarcada para a
construção das unidades de Odontologia e Farmácia, os usuários da
Estação Ecológica ficarão prejudicados tanto em termos de acesso à
área, como em termos de área disponível para pesquisa de futuros
projetos. [...] Outro aspecto relevante a ser considerado é que, uma vez
estabelecido o limite entre as futuras escolas e a Estação Ecológica, os
novos prédios ficarão confinados á área demarcada e novas expansões
ficarão dificultadas.
O estudo também demonstrou a extrema necessidade de delimitação da área da
Estação Ecológica, fato que já havia se tornado motivo de preocupação pela Comissão
Executiva em 1989, em suas solicitações constadas em relatórios de atividades durante
o período. Posteriormente após divulgação de tal estudo, que não foi totalmente
conclusivo quanta as extensões dos impactos, uma vez que não existia “informações
76
precisas sobre o projeto arquitetônico, inclusive planta de situação exata”(Estudo
Ambiental,1991,p. 03) foram realizadas, de acordo com o professor Tomaz Aroldo da
Mota Santos várias reuniões entre as unidades que compunham o Conselho
Diretor/Executivo da Estação Ecológica(Instituto de Ciências Biológicas, Geociências e
Escola de Arquitetura) com a Faculdade de Farmácia e de Odontologia. O motivador
dessas reuniões era que fosse encontrada uma solução alternativa para atender aos
legítimos anseios das duas unidades, e ao mesmo tempo preservar a Estação Ecológica.
E algumas alternativas foram propostas, porém havia alguns dificultadores no processo
como o próprio ex-diretor da Escola de Odontologia lembrou.
Procurei negociar outra alternativa e foi oferecida a área onde é hoje a
Faculdade de Farmácia nova. Nós recusamos prontamente porque a
Faculdade de Odontologia tem uma população muito grande de pacientes
que atende, e naquela época não havia circulação de transporte urbano
na Av. Abraão Caran. Nós pedimos então que fosse mais próximo a
Avenida Catalão, e que não podia ser muito central no campus porque a
maioria dos pacientes carentes, não tem locomoção. Existia outro
problema de circulação interna no campus, para podermos atender
crianças e idosos deveria ser uma área próxima a Catalão ou próximo a
Av. Antonio Carlos. E na Antonio Carlos os engenheiros falaram que era
impossível, porque a área era toda reservada as Artes e Ciências
Humanas. Então se criou uma grande polêmica. (Entrevista com o
professor Arnaldo Garrocho, realizada em 27/11/07)
Segundo alguns depoentes, as necessidades urgentes de transferir as escolas
para o Campus Pampulha somaram-se a questões de ordem política e de planejamento
interno da própria universidade. Naquele momento houve propostas de construir as
escolas ao lado oposto da Rua 14, entre a Faculdade de Educação Física e a Escola de
Veterinária, porém “o DPFO era muito mais forte na época, e defendia muito claramente
a construção na área da Estação, alegando que o espaço entre a Veterinária e a
Educação Física era pequena, porque havia a política de não adensar as construções.”
(Professor Carlos Magno Ribeiro. Entrevista 24/11/2007). Outra argumentação era de
que na realidade o campus inteiro deveria ser uma zona de preservação ambiental,
nesse sentido as construções deveriam ser realizadas em lugares que estivessem mais
propícios, ou seja, áreas planas, destituídos de vegetação, e havia de acordo com o
Departamento de Obras poucos espaços como estas características no campus. “Não
era interessante para a universidade verticalizar os prédios com mais de quatro andares.
Isso certamente tem impactos de manutenção, usos constantes de elevador; tem
também impactos ambientais porque a construção vertical é mais impactante” (Flávio
Carsalade. Entrevista de 13/11/2007). Mesmo que as intenções fossem pautadas por um
não adensamento de construções, parecia haver questões no âmbito político que
contribuíram para um não acordo no primeiro momento. Ao final de todas as reuniões
não houve um consenso entre as unidades envolvidas, nem com a Reitoria. A discussão
77
se tornou pauta de reuniões junto ao órgão máximo da universidade, o Conselho
Universitário que seria encarregado de decidir mediante os argumentos qual lugar se
destinaria a construção dos prédios.
3.2. Da decisão do Conselho Universitário ao Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural de Belo Horizonte: o ultrapassar dos muros da UFMG
O cenário de embates encontrava-se no início dos anos 90, envolto de uma
atmosfera ambientalista bastante “aflorada” mediante a organização e dos debates
relacionados a realização da Eco 92 no país. Apesar da temática ambiental na época
interessar ainda a pequenas parcelas de ecólogos e ambientalistas não podemos deixar
de relacionar toda a movimentação ideológica que estava constituindo o pano de fundo
das discussões na universidade. Segundo o professor Júlio Diniz (Entrevista realizada
em 03/12/2007)
havia a especificidade de ser 1992. Era o ano da Rio 92 e o Brasil
sediava uma conferência mundial sobre o meio ambiente e a
UFMG na contramão da história do contexto aprovando a
construção das unidades acadêmicas dentro da EECO, o que
para nós significaria o fim da EECO. Claro que o contexto externo
foi muito favorável para a nossa luta. Porque além de ser o ano
da Rio 92 a universidade sediou um seminário sobre Universidade
e meio ambiente
67
. Para nós foi um prato cheio porque daí a essa
altura o campus já estava todo com faixas espalhadas pelo
campus dizendo “Estação Ecológica a farsa da UFMG”.
[...] Saiu na capa da Veja local, em jornais escritos, imprensa
falada, televisiva, isso foi muito noticiado porque o contexto era
muito favorável e a estratégia era deixar a mídia fazendo o tempo
todo à cobertura desta questão. Nós fizemos vigília na EECO,
passamos noite na EECO, isso para chamar a atenção da
imprensa o objetivo era esse: não deixar a coisa esquecida,
porque se fosse esquecida a universidade aprovaria as
construções, e já estavam as máquinas na área. Pensávamos em
estratégias cada vez mais radicais. Se fosse necessário faríamos
uma corrente humana e fecharíamos aquela área, por exemplo.
Nós não poderíamos permitir em hipótese alguma que a obra
fosse iniciada. Acreditávamos que poderíamos rever a questão do
Conselho Universitário porque perdemos no Conselho
Universitário ao decidir pela manutenção do Plano Diretor
conforme estava.
Como podemos observar na fotografia abaixo com a faixa colocada em frente a
entrada da Estação Ecológica, na Rua 14.
67
V Seminário Nacional Sobre Universidade e Meio Ambiente, realizado na UFMG entre 05 e 10 de abril de
1992.
78
Figura 09. Fonte: Arquivo do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo
Horizonte. Consultado em: outubro de 2007
Nesse sentido é que a questão da construção na “capineira” era considerada por
alguns como “apaixonada” e que até certo ponto poderia ser um exagero por parte dos
ambientalistas e estudantes. Segundo ex-Diretor da Faculdade de Odontologia Arnaldo
Garrocho “foi no período de 91- 92, com a preparação se não me engano da Eco 92, e
criou-se um clima a meu ver muito emocional, mais emocional do que técnico”. Ao
mesmo tempo os ecologistas e ambientalistas acreditavam que o precedente não era
suficiente para o desenvolvimento de um “cuidado ambiental” em relação à área, ou que
não havia um amadurecimento necessário aos profissionais de outras áreas, como
engenheiros e arquitetos ainda pautados em noções tecnicistas. Como coloca o
professor e arquiteto Flavio Carsalade “parecia ter uma lógica muito mais, vamos dizer,
ciências exatas do que de ciências sociais, ciências ambientais. É porque eles não viam
ali uma ameaça ecológica, porque o terreno aonde eles iriam construir do ponto de vista
ecológico-ambiental mais significativo, ou assim mais frágil, ali onde eles iriam construir”.
O período que seguiu foi muito tenso, envolvendo diversos atores com diferentes
desejos, pois naquela altura os alunos da Escola de Odontologia acreditavam que se não
fosse construído o prédio na área proposta não teria como ocorrer a transferência
68
; os
68
Inclusive o DA da Odonto escreveu um manifesto com o título “Chega de meias verdades” em que
questionava se por trás das questões ecológicas não havia outros interesses, e que havia um grupo que
“não queria a ida da Odonto para o campus”. Mas segundo Júlio Diniz “a Odonto que tinha a unidade lá no
centro, nós tínhamos muito pouco contato com os estudantes de Odontologia, mas para eles foi dito que se
não construíssem no local da EECO, eles não teriam outro lugar para construir e que eles continuariam
79
alunos e professores do ICB e ambientalistas associados acreditando que a construção
seria o fim da Estação Ecológica, e a reitoria e o setor de obras (DPFO) sob a tutela da
Reitora professora Vanessa Guimarães Pinto (1999-1994) irredutíveis em relação a
construção na área, afirmando que haveria um grande adensamento do campus, caso
não se construísse na área da capineira da Estação Ecológica. Enfim, a discussão e os
pareceres realizados durante o período foram levados a inúmeras reuniões e a votação
junto ao Conselho Universitário. No dia 07 de fevereiro de 1992, dos 61 membros do
Conselho, 47 estavam presentes na sessão e 41 votaram a favor da construção das
duas faculdades e 6 votaram contra. Foram apresentados ao Conselho quatro estudos
que demonstravam que a área a ser ocupada pelas construções não provocaria grandes
impactos em relação à Estação Ecológica já tombada, mas não delimitada pela Lei
Orgânica do município em 1990
69
, a seguir as principais argumentações dos estudos:
“Estudo de Impacto Ambiental”: contratado pela empresa Ecodinâmica, o
primeiro estudo realizado que ainda de forma não muito clara afirmava
haver medidas mitigadores para os impactos nas áreas diretamente
afetadas;
Estudo de “Delimitação das Áreas de Matada UFMG”, de autoria dos
professores Edézio Teixeira de Carvalho e Allaoua Saadi em que
concluem que a área em questão era de “constituída de macegas, brejos
antrópicos e áreas muito degradadas, observando ser “claro que o
conjunto não pode servir como justificativa para preservação enquanto
reserva ecológica”. [VER ANEXO II]
Outro documento analisado foi redigido pelos professores da Escola de
Arquitetura, Dalmy Mottas Duarte, Gastón Prudêncio e Mario Bertti, que
concluíram que “as unidades podem e devem ser implantadas no local
previsto, recomendando assim como no estudo da Ecodinâmica, a
delimitação definitiva da Estação Ecológica.
naquelas condições precárias da Faculdade de Odontologia e que eles teriam que se mobilizar pela
construção da Odonto no campus. Então na verdade criou-se uma falsa tensão, uma falsa dicotomia entre os
estudantes de que era ou a construção da Odonto e da Farmácia ou a EECO. E nós os estudantes da
biologia, tínhamos percebido que era uma estratégia de divisão do próprio movimento estudantil, e nós
tentávamos com varias reuniões feita com os colegas da Odonto, para tentar convencê-los do contrário de
que nós também éramos a favor da construção da Farmácia, nós reconhecíamos as condições precárias
daqueles prédios na região central de Belo Horizonte, mas que nós acreditávamos que havia outros espaços
alternativos no campus para essas escolas serem construídas”(Entrevista realiza em 03/12/2007).
69
Boletim Informativo nº 924, 10/02/1992. (p.03)
80
E o parecer do professor da USP, Carlos Augusto Figueiredo Monteiro,
“Considerações a propósito de aparente conflito entre edificação e
preservação no campus da UFMG”, em que o autor conclui que as
construções podem “não oferecer incompatibilidade e muito menos
inviabiliza a vizinha existência de uma estação ecológica urbana”. [VER
ANEXO II]
Segundo o professor Eduardo Cisalpino, essa votação foi “altamente
constrangedora” para universidade, pois mesmo que tecnicamente estivesse correta a
decisão, a decisão foi considerada equivocada sob o ponto de vista ecológico e,
principalmente social. Ao analisarmos o histórico de formação da área desde sua
desapropriação, percebemos que o sentido e o destino da área sempre foi o de
preservação, recuperação e pesquisa, além da localização geográfica ao contribuir para
toda uma dinâmica ecológica da região da Pampulha. A Congregação do Instituto de
Ciências Biológicas escreveu uma “Carta Aberta à Comunidade Acadêmica” logo após a
decisão tomada pelo Conselho Universitário em que reafirmava a importância da área
por ser “possivelmente a única área urbana da cidade de Belo Horizonte a possuir uma
biodiversidade significativa”, realizar os trabalhos de pesquisa, as atividades de ensino e
extensão. Ainda relacionava aquele momento importante “para a conscientização e
preservação do meio-ambiente” – tanto pela realização da Eco-92, como do V Seminário
Universidade e Meio Ambiente - ao conclamar a universidade a dar o exemplo
“contundente de seu descortino e da profunda preocupação com o futuro do meio
ambiente”. Depois de esgotadas todas as possibilidades de uma negociação interna, um
grupo liderado pelos professores do ICB e alunos do curso de Biologia entrou em contato
com a prefeitura municipal de Belo Horizonte, na figura do vereador João Bosco Senra e
posteriormente com o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural solicitando o
tombamento de toda área que o quarteirão 14 ocupava, buscando em última instancia
legal manter as prerrogativas de preservação da área. Houve claramente uma grande
movimentação pelos bastidores do processo todo, mobilizando além de figuras
importantes da universidade como políticos e ativistas de ONGS. Nesse sentido
consideramos que se até o momento tratava-se de uma questão mais amadora sob o
ponto de vista dos atores envolvidos dentro da universidade, a partir do instante que
extrapolou os muros institucionais, a questão passou a ser de ordem política e digamos
“profissional”. Segundo o presidente do DA na época Júlio Emilio Diniz,
Claro que o ambiente político estava ali delineado. Para nós era
importante que o movimento ficasse caracterizado não só como
movimento de estudantes, mas que ganhasse adeptos de professores,
de pessoas influentes na universidade e que fosse crescendo, deixando
81
de ser um movimento dos estudantes de biologia, para ser da
comunidade universitária como um todo. [...] Sabíamos de antemão que
não conseguiríamos ganhar essa luta se não trouxéssemos outros
protagonistas para essa batalha, e olha que estou usando terminologia
de guerra, porque na verdade era uma batalha, um posicionamento que
não havia mais como ser conciliado. (Entrevista realizada em
03/12/2007)
O tombamento era o instrumento mais ágil para aquela situação, como até hoje.
Segundo Flávio Carsalade, o tombamento é um instrumento legal que remonta ao ano
de 1937, e permanece até hoje como um instrumento de poder muito grande, pois após
o tombamento pode-se fazer até alguma alteração na área, mas sempre terá que
obedecer as prerrogativas da área sob a tutela de quem tombou.
No caso de uma área
de preservação como a Estação Ecológica, de acordo com os esclarecimentos do
professor da Faculdade de Direito da UFMG, José Luiz Borges Horta (Entrevista
realizada em 07/12/2007), o tombamento seria “algo para além da simples propriedade
privada, ultrapassa o domínio da propriedade privada que é no caso, a preservação da
área para gerações futuras”.
Os pedidos foram encaminhados a Secretaria de Meio Ambiente e o processo
tramitou até chegar ao Conselho Deliberativo do Patrimônio. Novamente este ponto foi
tratado com grandes divergências pelos atores que estiveram diretamente envolvidos
com a causa na época. Por parte dos que desejavam construir os prédios na área de
capineira, acreditaram que pelo fato de um órgão exterior a universidade ter que
interceder numa decisão já tomada pelo órgão máximo da instituição significaria um
desacato a autonomia universitária. Por outro lado o grupo liderado pelos professores do
ICB buscava em outras instancias alguma forma de comprovar que havia equívocos para
além de afirmações técnicas, de que não era viável o que estava sendo designado para
a área da Estação Ecológica, e que havia alternativas de construir os prédios,
transferindo assim as unidades para o campus Pampulha. O processo tramitou entre o
Conselho Estadual de Meio Ambiente (Copam), Secretaria Municipal de Meio Ambiente,
Secretaria de Cultura até ser solicitado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural
um parecer sobre ocaso pra que a fosse então decidido pelo mesmo conselho qual seria
a atitude que melhor cabia ao caso. Nesse processo foi destacada pelos depoentes a
figura do vereador João Bosco Senra.
O vereador se posicionou pela luta da criação do Parque Lagoa do Nado,
e foi dali que ele se identificou cada vez mais com as causas ambientais e
se dedicou a EECO de uma maneira enfática. Era na Secretaria de
Cultura que nós sabíamos que tínhamos espaço de modo a vencer lá, e
como realmente aconteceu. Foram várias reuniões na Secretaria de
Cultura e nós íamos fazer lobby. Eram reuniões muito tensas[...] E a partir
do momento que a Secretaria Municipal de Cultura tombou aquela área
como Patrimônio Municipal de Belo Horizonte, a universidade não podia
fazer mais nada. (Júlio Emílio Diniz. Entrevista de 03/12/2007)
82
Na reunião do Conselho Deliberativo de Patrimônio Cultural, no dia 21 de maio de
1992, ficou decido a favor do uma nova área de tombamento, sugerida pela Secretaria
de Meio Ambiente, que abrangeria todo o quarteirão 14, impossibilitando as construções
dos prédios uma vez que a área manteria seu status de preservação ambiental e
realização de pesquisa, as prerrogativas de uma estação ecológica. A seguir trechos da
deliberação:
O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município reunido em
sessão ordinária, às 15 horas do dia 21 de maio de 1992, atende a
determinação no artigo 26 das Disposições Transitórias da Lei Orgânica
Municipal, aprovou como perímetro da área tombada no inciso XI do
Artigo 224 da mesma Lei, a delimitação da área caracterizada como Setor
Especial 1 do quarteirão 15 conforme Lei Municipal nº 5657 de 25 de
janeiro de 1990 e o quarteirão 14 (onde se localiza a Estação Ecológica
do campus Pampulha da UFMG) observando-se as seguintes diretrizes
de uso, cujos princípios são previstos no Programa Ecológico do Campus
Pampulha da Portaria nº 320, de 31 de janeiro de 1979, que aprovou:
1. Conservação e Manejo de fauna e flora;
2. Desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e
educação ambiental;
3. Favorecimento de infra-estrutura adequada ao
estabelecimento de modelos de zoneamento de parques e
manejo de áreas de conservação.
Essa decisão gerou um grande desconforto e indignação, agora por parte da
reitoria e daqueles que haviam apoiado a construção dos prédios na área. Inclusive o
professor Edézio Teixeira de Carvalho, do IGC que havia realizado um parecer favorável
a construção escreveu um artigo publicado no Boletim nº921, de 19/06/92, que “a
decisão do egrégio Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município
caracterizava-se por: predomínio do argumento político, habilmente manipulado sobre o
técnico; intervenção no negócios internos determinado-lhe o que fazer em seu território”.
Para outros o resultado concreto era que a o campus havia sido subtraído de áreas de
expansão e que a área do campus Pampulha sofreria um adensamento de construção.
Enfim, uma série de argumentos e contraposições foi dada, pois afinal era uma
intervenção externa à universidade, decidindo sobre a mesma que fora solicitada por um
“pequeno” grupo de professores, estudantes e ambientalistas do ICB
70
.
70
Pois bem como lembrou o professor Eduardo Cisalpino: “era um pequeno grupo defendendo, na época. Eu
acho o seguinte, nós não tínhamos munição e o grupo ecológico não tinha munição suficiente para encarar
um Conselho Universitário, pensei que nós fossemos fazer greve, era um pequeno grupo de gatos pingados,
o que nós tínhamos era o poder de uma Congregação e o que é uma congregação? Nem nossos irmãos do
Geociências nos ajudaram, nem o pessoal do ICEX, éramos só nós, a burocracia toda queria construir lá
dentro, então nós não tínhamos era munição. E confesso que fiquei muito preocupado com a questão do
recurso, com medo da própria Comam falar assim “deixa esses cara pra lá, eles são doidos”, a sorte é que
teve Paulo Neves de Carvalho, de secretário um homem lúcido, o que nós contamos foi com a sensibilidade
dele.[...] agora cada vez mais eu acreditei no ICB, é a instituição de amanhã que teve coragem, mas era um
rolo compressor, de construir ali, era um furor de construção pela construção. Não adiantou mostrar dados
acadêmicos, foi uma insensibilidade.” (Entrevista realiza em 05/12/2007)
83
Figura 10: Mapa do tombamento da área referente ao quarteirão 14 e parte do quarteirão 15,
realizado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, em 1992.
84
Após esta decisão, a UFMG impetrou recurso ao Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural (CDPC) contra a decisão tomada de ampliar de 140 750m² para mais
de 600 000m² os limites da área tombada pelo quarteirão 14, no campus
71
, baseando-se
em quatro frentes de desacordo, atribuindo que:
1. O CDPC efetuou outro tombamento sobre uma área adjacente a que já estava
tombada, sendo que a reunião era destinada a delimitar esta área já tombada
pelo inciso XI do artigo 224 da Lei Orgânica Municipal e pela Lei 5657/90;
2. O CDPC deixou de utilizar critérios técnicos, para acatar os estudos do relator
realizado em uma única visita;
3. A decisão recorrida transformou em Parque Pampulha uma área equivalente a
40% dos terrenos desapropriados para implantação do campus da UFMG
corroborando para um adensamento do campus;
4. A decisão para delimitar a área tombada não continha a descrição perimétrica da
Lei Orgânica, mas apenas a indicação de limites não oficiais utilizados pela
universidade para seus efeitos internos.
O próprio CDPC refutou algumas das teses expostas no recurso interposto pela
UFMG, enfatizando as de interface entre os problemas legais e ecológicos, como essas
quatro apontadas acima. Em relação a primeira tese, o Conselho afirma que havia duas
linhas de raciocínio para tal acontecimento: uma jurídica e outra ecológica. A jurídica se
pautava em dois textos de lei que tramitaram pelo legislativo municipal em perfeita
compatibilidade, uma que a lei não pode ser inócua tombando o que já estava tombado,
concluíram que no inciso XI do artigo 224 da Lei Orgânica, o legislador pretendeu tombar
áreas de matas no campus diferentes daquelas tombadas, descritas na Lei 5657/90. E
as definições de mata são diferentes, pois enquanto a última fala em “mata natural” a
outra se refere a “mata” muito mais abrangente que a anterior, pois abarcam áreas “não
naturais” como eucaliptos e matas mistas, e espécies exóticas. Eram matas deste tipo
que ocorriam na área onde se projetava a construção da Faculdade de Farmácia,
portanto tombadas pela Lei Orgânica.
A segunda tese é contestada, pois a Secretaria de Meio Ambiente, responsável
pelo parecer colocou a disposição do CDPC, tanto este como aqueles elementos
técnicos da UFMG. Inclusive o CDPC acatou a proposta da UFMG para tombamento de
parte do quarteirão 15, discordando da proposta para o quarteirão 14, optando pela
proposta da Secretaria de Meio Ambiente cuja justificativa técnica estava contida nos
documentos “Descrição do perímetro de tombamento da mata da UFMG” que prevaleceu
71
Universidade recorre contra ampliação do tombamento de áreas em seu campus. Boletim Informativo
nº921, 19/06/1992. UFMG, Belo Horizonte, 1992.
85
sobre a proposta “Delimitação das áreas de mata da UFMG”, realizada pelos professores
do IGC. A prevalência decorre de uma falha de tal estudo ao delimitar no mapa uma área
próxima a sede da EECO, como a possível área a ser utilizada para construção, ou seja,
excluindo-a de forma ilegal por ferir a Lei Orgânica. Alem de criar uma nova classificação
para “áreas de matas realmente dignas de preservação”, sendo que diante do inciso XI
do artigo 224 da Lei Orgânica ficaram tombadas todas e quaisquer formações ali
existentes no quarteirão 14.
O terceiro ponto pode ser relacionado a questão da justificativa dada,no brilhante
ganho de causa da UFMG no caso da ação de preempção que a Fayal S/A mobilizou no
ano de 1983 contra esta universidade. Como já descrevemos o caso no segundo
capitulo, na época a universidade utilizou um parecer afirmando que a utilização da área
em questão era dada mediante a aplicação de um “Programa Ecológico” que existia
desde 1979 e que a universidade precisava contar com “áreas de preservação natural”
para realização do ensino, pesquisa e extensão. Justificando a desapropriação e os usos
do terreno (parte do quarteirão 15). Utilizando então argumentos da própria universidade
ficava esclarecida a relevância de se manterem as “áreas de preservação natural” no
campus. E o adensamento ocorreria inevitavelmente quando todas as unidades de
deslocassem para o campus Pampulha, mas no caso da construção de dois prédios com
área de apenas 12 500 m² (Ecodinâmica, p. 44) o adensamento seria de apenas 0,52%
dos 40% previstos.
Ao determinar a delimitação do perímetro da área a ser tombada a Lei Orgânica
não determina a maneira como isso deva ser feito, desde que resulte de uma delimitação
clara e inequívoca. Essa era a situação da área do quarteirão 14 na época, pois a
mesma apresentava cercas e estava isolada do resto do campus, porque ali se
localizava a Estação Ecológica. E sua delimitação consta há vários anos em mapas e
documentos da UFMG não deixando dúvida do que havia se tombado era a área do
quarteirão 14.
Diante de tais argumentos a universidade aceitou o tombamento de todo o
quarteirão 14, para fins de preservação e teve que procurar então alternativas para a
construção das Escolas de Odontologia e Farmácia no campus Pampulha. Ou seja,
retomaria as negociações iniciada em 1991 pelo ICB antes do caso ser levado ao
Conselho Universitário, pois a questão não era um impedimento da transferência das
unidades para o campus, mas sim de encontrar alternativas para as construções.
86
3.3. A alternativa diante dos olhos: a decisão de construir as unidades de Farmácia
e Odontologia do outro lado da rua
Para o pequeno grupo de estudantes, professores e ambientalistas envolvidos a
“batalha” significou uma grande vitória, não somente para o grupo de atitudes
“apaixonadas”, mas um ganho para o campus e para região da Pampulha. O processo
todo de certa forma acabou dividindo setores e departamentos da universidade, gerando
um clima de conflito e desafetos, pois se um grupo ficou satisfeito com a decisão do
CDPC, outro havia ficado sem instalações novas. Durante o reitorado da professora
Vanessa Guimarães Pinto não houve nenhum avanço em relação a construção e
transferências das unidades de Farmácia e Odontologia para o campus. Supõe-se que o
desgaste foi tamanho com a causa da Estação Ecológica que não houve mais tempo,
orçamentos e vontades para se tocar no assunto.
Então em 1994, vence a eleições e assume como Reitor o professor do ICB,
Tomaz Aroldo da Mota Santos, permanecendo no cargo até 1998. Neste reitorado então
é resolvido o “problema” da transferência das escolas. Segundo o professor Tomaz, era
necessário resgatar a convivência na comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que
se tornava necessário construir, mas sem prejuízos ambientais
E isso foi feito. Simplesmente convidamos a direção da Faculdade de
Odontologia, o professor Renato e uma equipe de professores da
Odontologia, junto com uma equipe do DPFO para encontrar alternativas
no campus da Pampulha de localização do prédio. E de fato eles
encontraram: foi simplesmente construir o prédio aonde ele existe, aonde
nós todos sabemos, do outro do lado da rua do quarteirão 14! Foi por
assim dizer, só atravessar a rua e achar uma solução. A decisão foi boa,
pois a escola atendeu ao seu desejo de estar próxima de ter um acesso
fácil para população que a procuraria para atendimento odontológico.
Manteve-se a idéia prevista para a localização do campus saúde e a
EECO está preservada, como era o desejo de quem se opunha a
construção dos prédios dentro da EECO. (Entrevista realizada em
14/11/2007)
Com a decisão tomada iniciou-se a construção da Escola de Odontologia entre os
prédios da Faculdade de Educação Física e da Veterinária, tal qual estava sugerido no
inicio das discussões no ano de 1990, e na época não foi aceita porque o Departamento
de Obras afirmava que haveria um adensamento da área, e a Farmácia de localizou
próxima ao ICB. Contemplando assim a idéia inicial do planejamento do campus
Pampulha de 1969 que era de manter próximas as áreas afins. Inclusive o ex-diretor da
Odontologia Arnaldo Garrocho concorda com o local na qual a escola foi construída e
afirma que “a questão foi resolvida, eu acho que não foi difícil, não houve prejuízo para a
87
Faculdade de Odontologia, mantendo a mesma área, o mesmo tamanho. Este local é até
melhor, porque permite expansão. A capineira lá não permitiria porque se daqui a 30 ou
40 precisasse expandir não poderíamos porque a Estação é área de preservação”.
Fica constatado diante de uma decisão “conciliadora” após dois anos de conflito e
divergências dentro da universidade, que as reivindicações ecológicas alargaram as
fronteiras e se tornaram numa causa político-ecológica. Uma vez observado os caminhos
percorridos e as ferramentas legais utilizadas dentro do processo de defesa e
manutenção da área até se chegar a decisão final do tombamento da mesma por uma
instância externa a universidade. Certamente pode-se dizer que este alargamento se
tornou possível concomitante a evolução dos paradigmas ambiental brasileiro e mundial.
Este caso de tombamento não pode ser considerado apenas como “apaixonado”. Ao
longo do processo é demonstrado que havia por trás de todas as questões e sentimentos
envolvidos, para além de decisões tomadas em salas fechadas, a legitimação tanto das
finalidades e funcionalidades da EECO, como do arranjo dos personagens e dos
movimentos pelos bastidores e pela linha de frente da “batalha” (como foi citado pelo
professor Júlio Emílio Diniz).
3.4. A Estação Ecológica a partir de 1992: lutas cotidianas pela manutenção de seu
lugar
Passados os momentos decisivos e conflituosos o papel da EECO havia então
adquirido respeitabilidade e legitimidade dentro do campus Pampulha. Pois toda a
movimentação em torno da causa acabou chamando a atenção da comunidade
acadêmica para a existência de uma área verde dentro da universidade. Mesmo que a
concentração de atividades permanecesse junto ao ICB a continuidade dos programas
de extensão voltados a Educação Ambiental e pesquisas acadêmicas demonstravam
que os motivos oriundos da criação da área nos 70 começavam a fazer sentido, quase
vinte anos após seu início. Os anos que se seguiram foram definitivos para manutenção
da área por alguns fatores de ordem prática e de gestão. Porém pode ser identificado
também um sentido mais “teórico” enunciado pela evolução dos paradigmas ambientais
que a partir dos anos 90 se aproxima aos temas urbanos, contribuindo a reflexões dentro
das salas da universidade sobre o papel das áreas verdes na cidade, por exemplo.
Mas se por um lado havia um bom encaminhamento para a implementação da
EECO por outro logo após todos os acontecimentos a área e seus coordenadores
voltaram às lutas diárias, pequenas e cotidianas. Como mesmo declarou o professor
Carlos Magno Ribeiro que ficaria na Comissão até 1995.
88
Cheguei a ficar cansado, pois era muito difícil. Uma dificuldade foi a
construção da Odontologia e outra era a questão das reuniões e reuniões
com o pessoal do DPFO, das Pró-Reitorias. Ficamos de pés quebrados,
porque tínhamos uma potencialidade imensa, mas sem recursos, sem
pessoal, éramos apenas três pessoas. O Celso ligava e dizia “ó o gás
acabou” [...] nesse sentido as dificuldades ainda permaneciam. Cada
coisinha para conseguir era transformada em outras lutas. (Entrevista
realizada em 24/11/2007)
Se a implementação havia se tornado uma batalha diária, a institucionalização
então havia ficado ainda mais distante. Parecia que todo o desgaste do processo de
tombamento deixou as relações com o Conselho Universitário fragilizadas mediante o
acirramento de posições dentro da própria universidade. Talvez o momento ideal para a
construção de um Plano de Manejo e o conjunto de regras que institucionaria a EECO
havia passado. Mesmo com a posse do reitor Tomaz Aroldo da Mota Santos, que se
posicionou a favor da preservação da área, não houve um momento favorável para
realização de tal pedido, o que acarretou em prejuízos para a área que permanecia sem
um lugar no organograma administrativo. “A preservação e integridade da EECO,
terminaram por gerar circunstancialmente um pouco difícil, ou pelo menos não propício,
uma discussão dessa institucionalização” (Entrevista professor Tomaz Aroldo da Mota
Santos. Realizada em 14/11/07).
Nos anos que se seguiram “foram realizados convênios (Ibama, a PBH, e
PMMG), simpósios e vários projetos técnicos, administrativos e pedagógicos (Centro de
Educação Ambiental, Usina de Compostagem, viveiro para produção de mudas, etc). Um
ponto muito positivo foi em meados de 1998 quando a Pró Reitoria buscou incentivar a
criação de um Programa de Extensão para a área, que viria sob a coordenação do
professor do Instituto de Geociências, Bernardo Machado Gontijo manter-se como o
“carro-chefe” da EECO.
Esse projeto na realidade era um programa de extensão da EECO com
vários projetos. A outra questão era uma definição do que era ser EECO
dentro de um campus universitário. Então eu acho que o fato de estar na
universidade tem que ser para ensino, pesquisa e extensão. Uma EECO
pode ser uma APA
72
, mas não tem o compromisso com a geração de
conhecimento, já um espaço dentro da universidade tem. O espaço tem
que ser educativo para a própria universidade e para a sociedade externa.
[...] Então o que fortalece a idéia de um espaço que deva ser preservado,
valorizado surgiu a partir de 1998, quando eu assumi a Pré Reitoria de
Extensão. O trabalho foi ao longo do tempo uma aproximação entre dois
72
APA: Área de Proteção Ambiental é uma categoria de Unidade de Conservação, voltada para a proteção
de riquezas naturais que estejam inseridas dentro de um contexto de ocupação humana. O principal objetivo
é a conservação de sítios de beleza cênica e a utilização racional dos recursos naturais, colocando em
segundo plano, a manutenção da diversidade biológica e a preservação dos ecossistemas em seu estado
original.
89
movimentos: um externo, em estabelecer contatos com outros espaços
semelhantes a EECO fora da universidade; e outro interno dentro da
universidade. Porque essas atividades são muito isoladas e tendem a se
departamentalizar. E muitas vezes não há uma divulgação e não se sabe
dentro da própria universidade o que se faz na EECO. (Entrevista com o
professor Edison José Corrêa. Realizada em 21/11/07)
Nos dias de hoje a EECO mantém seu Programa de Extensão recebendo visitas
diárias de escolas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A área possui desde 2006
uma nova entrada que demorou mais de um ano para ficar pronta e contribui para uma
maior visibilidade daqueles que passam diariamente em frente à EECO. Realizam-se
pesquisas de graduação e pós-graduação sobre a área. Segundo o Relatório de
Atividades de 2007, ficou demonstrado que dentro da EECO:
foram iniciadas 53 novas pesquisas na área,com participação de 155
professores e alunos;
foram realizadas 72 aulas de campo para um público de
aproximadamente 2160 graduandos;
o Programa de Extensão atingiu um público de 20 275 visitantes;
foram capacitados 35 monitores em educação ambiental;
além da realização desta pesquisa de pós-graduação.
Segundo o professor Edison, “para área ser de ensino e de investigação tem que
ser aberta, organizada e ter limites. Acho que é muito processual isso tudo, é uma
história que vai construindo e ficando irreversível”
(Entrevista realizada em 21/11/07).
Quando questionados sobre o futuro da área, e seus significados para a cidade
de Belo Horizonte, os entrevistados foram contundentes ao declarar que agora mesmo
depois de possíveis ameaças (como a expansão de seu entorno, e da própria
universidade, das indústrias que se localizam próximas a área) a área consegue manter
seu papel e seu espaço na universidade. Pois possui um status tanto pedagógico, como
ecológico e assim se mantém mesmo sem a institucionalização pelo Conselho
Universitário. Nos depoimentos fica clara a percepção em relação à ampliação de uma
“consciência ecológica”. Este cenário global favorece a manutenção de uma área verde
na cidade. Segundo o professor Tomaz Aroldo da Mota Santos esse favorecimento seria
mais forte quando uma instituição de ensino superior valoriza a questão ambiental,
não há nada mais forte na educação do que o exemplo. A força educativa
é muito forte em relação ao conjunto do planeta, embora a EECO nessa
dimensão seja muito pequena. Todavia para a cidade de Belo Horizonte
no campo simbólico há um significado muito maior.
90
Figura 11: Salas destinadas as oficinas de educação ambiental. Foto: Karina Dal
Pont. Data: maio de 2008
Figura 12: Detalhe de uma das salas destinada a oficinas de educação ambiental.
Ao fundo viveiro de algumas espécies de animais encontrados na área da EECO.
Foto: Karina Dal Pont. Data: maio de 2008.
91
Figura 13: Área de recreação. Foto: Karina Dal Pont. Data: maio de 2008
Figura 14: Sede da Estação Ecológica. Foto: Karina Dal Pont. Data: maio de 2008
92
Para o professor Flavio Carsalade a função urbana para a cidade é muito
importante, “graças ao trabalho do Celso Baeta e das comissões”, que acabaram
sucedendo a que ele havia participado em fins dos anos 80. Segundo o professor Carlos
Magno Ribeiro foi “uma luta muito pequeninha, muito cotidiana, mas tem a recompensa
sem maiores repercussões, mas que garantiu um espaço”. O professor Edison Correa
coloca que “quem coordena a área têm um grau de respeitabilidade maior, pelo menos
conquistaram, e que não outorgado. Acredito que foi conquistado pelos alunos-bolsistas,
pelos trabalhos, pelas pesquisas, enfim por uma postura de abertura”. E o mesmo
professor ainda desafia: “mas é bom falar da EECO. Pois se fala de nome e sobrenome.
Tem que explorar além de ser uma estação ecológica urbana, o que é ser uma Estação
Ecológica Universitária? O que ela diferencia?”
3.5. A cidade e a permanência de áreas de preservação: significados ambientais e
urbanos
A análise ambiental, inserida as discussões urbanas pode possibilitar uma série
de aproximações entre os temas urbanos e ambientais, principalmente ao se analisar as
percepções e sentidos relacionados às áreas de preservação ambiental urbana. Um
mosaico muitas vezes conflitante é apresentado quando se trata da necessidade de
expansão da cidade e a áreas que ainda restam para essa expansão. Esse conflito se
torna evidente quando tomamos a cidade como a capacidade maior da sociedade de
transformar o espaço natural (SPÓSITO, 2005). E podemos ainda ir além desta
capacidade ao buscar aproximar a evolução dos paradigmas ambientais às questões
urbanas. Percebemos que ao longo do século XX essa aproximação ficou evidenciada
pelas rupturas dos temas dos estudos urbanos, e como hoje a questão ambiental vem se
tornando uma questão social. Porém, de acordo com Hough (2004) parece que ainda
evitamos, de modo contraditório, falar sobre um ambiente vital para a maioria das
pessoas: a cidade e suas relações ambientais.
Segundo Martine (1993) deveria se buscar e resolver as questões ambientais nos
espaços urbanos e não em espaços praticamente intocados. Porque na cidade o “meio
ambiente” não se restringe apenas ao conjunto de dinâmicas e processos naturais, mas
das relações entre este e os processos sociais (SPÓSITO, 2005). Nesse sentido é que
as áreas verdes nas cidades contribuem para uma aproximação entre o tema urbano e o
ambiental, partindo de uma investigação ambiental na cidade. Uma vez constatado que
na cidade pela concretude da forma, e pelos seus elementos urbanos as questões
ambientais ainda permanecem distantes das pessoas cidadãos comuns freqüentadores
ou moradores deste espaço.
93
Para além de uma constatação de cunho teórico, existem fatores de ordem
prática que envolve as esferas econômicas e política, que interferem diretamente nas
permanências das áreas verdes no meio urbano. Ainda mais quando se trata de cidades
em países subdesenvolvidos que tiverem um crescimento rápido dos grandes centros
em pouco tempo. Cabe questionar até que ponto, ou quais ferramentas legais deveriam
pautar a preservação de áreas verdes nas cidades mediante um processo rápido de
expansão urbana?
No Brasil, possuímos o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
desde 2000, que não consta em nenhum de seus artigos a categoria de preservação
ambiental urbana. Ora se 80% da população brasileira habita cidades, e estamos diante
de um eminente colapso ambiental, principalmente pela supressão dos últimos
resquícios de áreas verdes nas cidades, como um regulamento federal não dá conta de
tratar da questão ambiental-urbana?
O modelo intensivo e extensivo de urbanização das metrópoles brasileiras nas
últimas três décadas produziu um espaço urbano fragmentado, com significativos
problemas de funcionamento e de adequação ambiental, bem como de articulação em
termos de uma identidade cultural da população com a ocupação urbana resultante. Em
Belo Horizonte, por exemplo, tal realidade não foi diferente uma vez que a conciliação
entre crescimento econômico e o desenvolvimento ecologicamente “sustentável” ainda
parece presa a teorias que nos dizem pouco. Tecer novos caminhos ao se ampliar as
questões ambientais nas cidades contemporâneas principalmente pautadas pela
formulação e integração de políticas públicas visando a criação de ambientes favoráveis
à sustentabilidade dentro de uma perspectiva em médio e longo prazo de gestão
territorial extrapola as discussões normativas. Ou seja, além de leis restritivas as
políticas públicas deveriam direcionar as ações do Estado aos diversos setores de
atuação com vistas à construção de um ambiente urbano saudável e com
homogeneidade na qualidade ambiental.
Segundo Pádua (1989, p.04) não se deve concluir “que a vontade pública é algo
uniforme, se bem que a questão ambiental dá margem às coalisões mais amplas que se
pode imaginar”. Entenda-se, a cidade apesar de manter políticas ambientais favoráveis e
intersetoriais ainda precisa equilibrar a distribuição de áreas verdes pela malha urbana,
incentivando um processo democrático de acesso à qualidade ambiental. Nesse sentido
pode-se considerar a questão ambiental como uma questão social. Sem esquecer o
caráter econômico dos processos de apropriação e venda das áreas ainda “vazias” nas
cidades. E são exatamente essas áreas que coincidem muitas vezes com o que ainda
resta de áreas verdes públicas. Nesse sentido precisamos pensar nas dificuldades de
manutenção pela inaplicabilidade de muitas leis urbanísticas, das pressões do mercado
94
imobiliário, além do caráter perceptivo da população em relação às áreas verdes na
cidade.
As formas não-monetárias de valor associadas à vida urbana, herança da
construção histórica da cidade e do território permanecem como possibilidades para a
criação de políticas que vise um “desenvolvimento urbano sustentável” da cidade. Um
aspecto fundamental desta valoração deste comprometimento com o lugar diz respeito
ao direito à informação, ao conhecimento desses espaços: ninguém se apropria daquilo
que desconhece.
Comprometimento com o lugar ainda pode ser entendido como a questão do
local como promotor de qualidade de vida. Por isso acredita-se na manutenção das
áreas verdes urbanas, ou de um “ecossistema urbano” como promotor de um
funcionamento saudável para as cidades, ou amenizador de problemas causados pela
poluição, contemplando a sociedade e a subjetividade humana através da percepção e
da interação do homem com o local que vive. Porém o significado de uma área verde na
cidade não se limita as questões ecológicas. Existem ainda implícitas, ou explicitas
como no caso da EECO da UFMG muitos interesses tecidos como pano de fundo de
discussões ecológico-urbanas. A questão do valor desses espaços ainda restantes nas
cidades deverá ser observada para além da subjetividade criadas em torno das áreas
verdes. Não podemos esquecer-nos do atual momento das discussões urbanas
relacionados às “cidades sustentáveis”, propagandas e marketing ecológicos que se
apropriam desta vestimenta verde para “vender” espaços, ou a própria cidade. Observa-
se que os significados especulativos entorno das áreas verdes muitas vezes se
sobrepões aos significados ecológicos e sociais. Ou seja, na cidade todos os espaços,
verdes, vazios ou desvalorizados podem tornar-se objetos de interesse econômico-
especulativo, mediante as metamorfoses sofridas ao longo da construção da própria
história urbana.
95
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAMINHADA: ESTAÇÃO ECOLÓGICA SOB O
DOMÍNIO DE QUEM?
Ao iniciar esta pesquisa nos propomos investigar os sentidos e as relações que
uma área de preservação ambiental urbana possuía com a comunidade de seu entorno.
Foi necessária uma inserção num ambiente desconhecido pela pesquisadora, baseada
em suas experiências anteriores como educadora ambiental para que lhe instigasse a
responder uma pergunta central: como seria a relação da Estação Ecológica da UFMG
com as comunidades que a cercam? Porém com o amadurecer da pesquisa, após
muitas conversas leituras e escutas percebemos que a inserção poderia ser mais
próxima do que imaginávamos, e que um desafio maior seria de investigar essas
relações dentro da própria instituição onde a área de estudo se localizava, a partir de
suas relações institucionais ao longo de sua implementação.
Compreendemos que seria necessário criar brechas e aberturas na própria
UFMG e entrar por elas através da construção da história ambiental da Estação
Ecológica. Utilizamos então como recorte de tempo o ano de 1976 quando no reitorado
do professor Eduardo Cisalpino se iniciou os estudos para a implementação do
“Programa Ecológico do campus Pampulha”. E desta data até o momento atual
constatamos que mesmo localizada no campus de uma instituição de ensino superior
após anos de um longo processo de implementação a área permanece não
institucionalizada perante o Conselho Universitário da UFMG. E por que isso acontece?
Para auxiliar nesta resposta partimos da hipótese de que a área não seria ainda
institucionalizada devido à criação de uma possível “invisibilidade” perante o órgão
máximo desta instituição. Invisibilidade esta que se reflete na não autonomia da
administração da área para suas benfeitorias, assim como para a própria gestão.
Buscamos com o processo investigativo delinear o que a torna invisível, e ao investigar
essa possibilidade descobrimos os muitos outros fatores que a tornam visível. A questão
colocada aqui não se limita a identificar e separar de forma quantitativa o que é melhor
ou não para área, mas de um modo mais amplo e complexo decorrente de uma pesquisa
qualitativa desejamos trazer elementos que possam contribuir na construção de leis e
decretos que a torne legalmente um Instituto dotando-a de um lugar no organograma
administrativo da universidade, e de uma proteção definitiva para afastar qualquer
possibilidade de ameaça ou riscos a sua integridade física.
Compreendemos que mesmo sem um status legal a área conseguiu manter seu
papel social e ecológico, sendo legitimada dentro da comunidade universitária
demonstrando um valor simbólico que ultrapassa as cercas da universidade, e este é seu
96
maior instrumento de defesa. De área de bota-fora da universidade durante vários anos,
de área esquecida e destinada a construção do campus saúde como foi projetado no
Plano de Diretor de 1969, hoje a Estação Ecológica da UFMG é considerada uma das
manchas verdes mais significativas para a cidade de Belo Horizonte. Esta pode ser
identificada como a grande conquista. E o que a torna visível, portanto é seu valor
adquirindo ao longo dos anos através de pequenas lutas, cotidianas e cansativas em
busca de convênios e financiamentos para a promoção de melhoramentos na área e
manutenção da mesma.
A questão mais emblemática, ou que definiria este status de área de pesquisa,
ensino e extensão seria decorrente do caso de 1992, quando a questão de preservação
da área ultrapassou os muros institucionais e foi parar em instancias externas a
universidade. Este palco de conflitos e interesses tão opostos dentro da universidade
acabou fortalecendo e reforçando ainda mais o destino da área proposto por um grupo
de ecologistas nos anos 70.
A luta de 1992, apesar de ser favorecida pelo momento especial para o
ambientalismo brasileiro ás vésperas da realização da Eco 92 significou também uma
grande derrota do Conselho Universitário. A partir deste caso a questão das disputas
pela área deixou de ser meramente ecológica, ou pedagógica e se tornou uma questão
político-ecológica. Diante da comprovação de que mesmo estando localizada num
campus universitário não houve como ainda não há garantias legais de proteção e
manejo para a área. Naquela época a universidade se tornou um símbolo do
descompasso entre os tempos da preservação e da necessidade de expansão. Pois
baseada num Plano Diretor obsoleto manteve a decisão de construir os prédios das
Escolas de Farmácia e Odontologia em área próxima a Estação Ecológica.
Este fator político corrobora com um fator de ordem ideológica, pois por estar
localiza numa universidade a EECO possui um tipo de isolamento decorrente dos
próprios pilares da ciência cartesiana, que separa em departamentos, corredores e
laboratórios de pesquisas a produção de conhecimentos e não permite ainda uma maior
integração entre as diferentes áreas que compõe a universidade. Este fato se faz
presente hoje quando verificado que ainda é o Instituto de Ciências Biológicas o que
mais realiza pesquisas na área. Onde estarão os outros departamentos? Acreditamos
que todo o reconhecimento da área ainda está restrito, o que segundo Leff (1994) pode
corroborar com a própria ecologia ainda se expressar mais em seu discurso ideológico e
crítico do que em transformações econômicas e de poder, por exemplo. Pois uma
estação ecológica é uma área destinada a pesquisas, ensino e educação ambiental.
Esse tripé sustenta as atividades e a própria funcionalidade da área, mas, ainda é
preciso mais abertura, mais contato com o que está fora para além das áreas ecológicas
97
ou ambientais restritas. E por essas razões que a institucionalização poderá contribuir
num processo de divulgação científica maior para a área bem como na criação de mais
convênios e acarretando numa maior visibilidade interna na própria UFMG, tanto pelos
alunos, como pelos professores e corpo administrativo.
Dessa forma é que constatamos que a maior luta da EECO não foi aquela de
1992. Esta se mantém diariamente, pois mesmo sem recursos, sem um espaço no
organograma administrativo, inserida num mosaico urbano de transformações e
interesses diversos a área ainda permanece fragilizada ao manter apenas como
ferramenta de proteção um tombamento realizado em 1992. Mesmo que socialmente e
diante do atual contexto que as questões ambientais vêm ocupando seja quase
impossível ocorrer uma subtração de sua área ou destinação a outros usos senão
aqueles previstos as estações ecológicas.
O instrumento de defesa e garantia da EECO da UFMG seria uma resolução do
Conselho Universitário que crie a EECO, institucionalizando-a e dotando-a de um
regulamento para sua existência. A UFMG exclusivamente compete garantir a gestão do
espaço e dando a mesma um conjunto de regras específicas para sua existência. A
institucionalização é absolutamente necessária ao dar mais estabilidade ao
funcionamento e planejamento das ações a curto e médio prazo, ganhando assim
condições totais de autonomia para definições orçamentárias, por exemplo.
Podemos de acordo com a opinião dos entrevistados apontar outras formas
legais que a EECO poderia assumir dentro da UFMG. Como ser um órgão suplementar,
juntamente ao Museu de História Natural e o Jardim Botânico, dotado de um diretor geral
e dois vices para cada área. Ou ainda se tornar um órgão complementar, mas neste
caso seria restrito, pois dependeria de um Instituto e daí decorreria um problema: a qual
instituto seria mais cabível vincular a área? Já como órgão suplementar a EECO seria
uma proposta mais ampla, uma vez que estaria vinculada a Reitoria. E a terceira
proposta seria de ser um Instituto ou se tornar um grande Programa.
Outro ponto extremante necessário para a garantia da integridade da área se
relaciona a delimitação oficial de seu perímetro, que também seria contemplado com a
institucionalização. Assim como da criação de um Plano de Manejo que já vem sendo
construído, mas ainda não foi implementado, dotando a área de funções oficialmente
amparadas em leis e decretos. Pois como afirmou o professor e ex – reitor Eduardo
Cisalpino “eu tenho muito medo porque a lei é muito perigosa. Da mesma forma que foi
tombada, pode ser destombada [...] E a institucionalização tem que ser rápida, tem que
ter documentos, não podemos ficar dependendo de votos, senão nosso destino pode ser
trágico” (Entrevista realizada em 05/12/2007). Essas considerações se tornam prudentes
mediante os fatos de maiores ameaças ocorridos em 1983 e em 1992.
98
Ao longo da construção da história ambiental da EECO fica claro que o grau de
respeitabilidade tanto pela destinação da área quanto pela parte administrativa é muito
maior do que há 20 anos. As lutas e conquistas foram realizadas por alunos, bolsistas,
funcionários e professores através de seus trabalhos, suas pesquisas e por uma postura
de abertura. Partindo dessa perspectiva, identifica-se um dos pontos mais positivos que
reflete sobre os significados ambientais e sociais das áreas verdes: quando a vontade e
anseios conservacionistas partem de baixo para cima, ou seja, não por uma imposição
de um órgão superior, como observamos em parte de políticas voltadas às áreas de
conservação no Brasil, mas por parte de pesquisadores, ecologistas e usuários das
áreas.
Demonstra-se ao longo dessa pesquisa que apesar de sua legitimação social o
“paraíso na UFMG”, ou “a maior área verde dentro de uma universidade brasileira”
necessita mais do que a realização de atividades educativas, ou de uma efetiva
afirmação social e científica para não correr “novos velhos” riscos de ter sua área
subtraída ou descaracterizada.
73
Afinal, a EECO é fruto de conquistas e de um empenho
coletivo, que cresceu e se regenerou, assim como a vegetação que ocupa o terreno
destinado à construção de um “campus ecológico” nos anos 70.
73
Sob o domínio de verde: o paraíso na UFMG. Boletim UFMG. Belo Horizonte. nº 1572, ano 33, 09/04/07.
99
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106
ANEXOS
107
Anexo I
Buscamos baseado em Peixoto (2004) nos arquivos impressos e em meio digital
do Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedecom) num
período que vai desde sua primeira circulação em 1974, até o ano de 2006 (data que
ainda havia arquivos impressos no Cedecom, após essa data verificamos em meio
digital), notícias relacionadas a um Programa Ecológico, ou a área da Estação Ecológica
da UFMG, e a programas e/ou atividades relacionada a mesma. Buscamos então,
identificar: número da edição, mês que foi publicado, idéia central e algumas informações
de destaque.
A seguir as datas e o número das publicações:
Ano de 1976: Boletim nº 140/ set. e 1977 (nº 172/abril),
Ano de 1979: Boletim nº282, março.
Ano de 1983: “a Ecologia na UFMG” é o tema do calendário de 1983
Ano de 80 a 87: 0
Ano de 88: nº 770/ setembro e nº 779/novembro
Ano de 89: Boletim nº 800/abril
Ano de 91: Boletim nº 891/outubro
Ano de 92: Boletim nº 911/ março; edição especial nº 916/maio, nº 921 junho,
nº924/julho; nº 928/agosto;
Ano de 94: Boletim nº 1016/junho
Ano de 95: nº 1088/dezembro; setembro (sem numeração)
Ano de 96: nº1101/abril
Ano de 97: Boletim nº1175/ novembro
Ano de 98: Boletim nº 1197/setembro
Ano de 99: Boletim nº 1234/junho
Ano de 00: Boletim nº 1301/ novembro
Ano de 01: Boletim nº 1317/maio
Ano de 03: Boletim nº 1386/fevereiro
Ano de 04: Boletim nº1463/novembro
Ano de 05: Boletim nº1483/maio
Ano de 2006: Boletim nº1520/março; nº1523/março, nº1545/agosto, nº1540/ julho.
108
ANEXO II
A seguir a reprodução de dois estudos utilizados pela reitoria na construção de um
parecer favorável a construção das unidades das escolas de Farmácia e Odontologia em
área limite a EECO, durante o processo que durou até 1992.
TEXTO 01.
“Considerações a Propósito do Aparente Conflito entre Edificação (Unidade de Farmácia
e Odontologia) e Preservação (Estação Ecológica) no Campus da UFMG”
Carlos Augusto Figueiredo Monteiro
Introdução
Atendendo prazerosamente à solicitação que me foi feita pela Reitoria da UFMG
para opinar sobre o tema em foco pude basear-me:
a. na leitura de conjunto de documentos, realizada durante a noite de domingo, 14 de
junho;
b. na visita, ‘in loco”, à Estação Ecológica em seu sítio: quarteirão 14 e 15 e encontro
urbano na manhã de segunda-feira, dia 15.
Acrescente-se que o campus da UFMG não me é desconhecido posto que já
prestei colaboração na Pós – Graduação em Geografia no Instituto de Geociências no
ano letivo de 1990.
Pela breviedade da abordagem do problema seria inadmissível que eu me
arrogasse a lavrar um parecer. Nesta circunstancias referidas cabe-me apenas, a título
de “adiantamento” ao que já se produziu sobre a questão apresentar algumas
considerações que evitam deliberadamente o pormenor técnico e circunscrevem-se
àquilo que me parece fundamental ao problema.
1. CONFLITO DE PODERES E CRITÉRIOS DE DELIMITAÇÃO
Em se tratando de uma questão espacial de localização diferenciada em natureza e
propósitos, parece-me que cumpre atinar para a geração de um conflito de delimitações.
De um lado há um traçado de limites precisos emanado pelo Plano Diretor do Campus
da UFMG, sequencialmente revisto ao longo da dinâmica temporal de implantação do
mesmo, configurando-se pelas normas do Plano de 1969, que estabelece
“quarteirões”geometricamente delimitados( Q. 14 e 15, no caso).
109
A estes limites precisos, ocorre uma superposição imprecisa e vaga elaborada por
órgão Municipal de Belo Horizonte, pelo “tombamento” areolar desprovido de precisão
perimetral, de duas manchas de matas inseridas no território do campus da UFMG.
Embora, na realidade, matas secundárias e vestígios em diferentes graus de
derivação antropogênico constituam as ”matas”, apesar disso, especialmente pela
generalizada antropização nos ambientes urbanos, elas merecem conservação (para
assegurar-lhes o potencial regenerativo). O princípio é certo e, nesse ponto,
teoricamente coincidente com os próprios objetivos da UFMG.
Embora fora do meu alcance e competência, atrevo-me a supor uma certa
fragilidade institucional e jurídica no processo de tombamento, eivado de conflito entre
esferas de poder.
Aos limites precisos dos quarteirões do campus e aqueles carentes de efetividade
no tombamento municipal junta-se um outro elemento, não externo, mas de próprio
âmbito da Universidade, ao qual tudo indica solidário e aliado ao municipal, que é aquele
da tentativa de imposição de limites para definição especial da Estação Ecológica.
O pressuposto de que o Quarteirão 14 é uma “unidade ecológica” é algo passível
de muita discussão.Ao que parece o fato funademental repousa no fato de ela se
encontra “cercada”e isenta de edificações. A própria norma “preservacionista moderada”
da implantação do campus condicionou nascimento e continuidade da “Estação” que
graças ao “acaso” do aproveitamento de edificação anterior ao campus foi ali
desenvolvendo-se e implantando-se enquanto não se viu “atingida” pela necessidade de
implantação de outras edificações necessárias à evolução do Campus.
2. INCONSISTÊNCIA CONCEITUAL OU AMBIGUIDADE DE CONCEPÇÃO DE
“ESTAÇÃO ECOLÓGICA”.
Uma área de preservação e pesquisa tida como “estação ecológica” no interior de
um campus universitário é, antes de tudo, uma estação ecológica urbana.
A concepção dos biólogos de que estação ecológica não visa apenas “mata”,mas
necessita das formações derivadas periféricas a ela, capoeiras, capineiras e até
acumulações palustres a ela associadas por obra da erosão acelerada circundante,
condicionadora do assoreamento, e aos córregos poluídos pelo entorno urbano, exterior
ao campus, é absolutamente correta. , seja do ponto de vista floristico, mas sobretudo
pela repercussão na fauna. É de que esteja incompleta , pois que a edificação,como em
geral o usos do solo no campus, não é considerada. Aliás considerada apenas do ângulo
de inconveniente a ser evitado.
110
Uma estação ecológica implantada num campus universitário, em meio a uma
grande cidade ampliada num contexto de área metropolitana é algo de especial, bem
distante de outra implantada em algum biócoro onde a ação antrópica é incipiente
(dificilmente o será totalmente ausente).
A presença de vestígios dos ecossistemas primitivos em meio a u mosaico de
padrões diferenciados em graus de derivação induz, necessariamente, a pesquisa de
uma situação real e concreta do nosso “agora”, de crise ambienta. Dentro de uma gama
variada de situações ecológicas analisar esta é exatamente a fundamental, que nos
conduz à percepção e compreensão correta da realidade em que vivemos. O
comprometimento antrópico é de tal monta que não se pode fazer abstração dele.
Nesse particular é mais do que necessário estabelecer-se o que se entende pela
pretendida “estação ecológica” do campus, tanto mais quanto ele se destine à pesquisa
e direcionamento de aplicação prática aos cursos de graduação e pós-graduação. A meu
ver seria preciso atinar sobre qual dos vieses está sendo vista a estação.
Podemos encará-la:
a. Sob uma perspectiva fechada, que a isola nos limites da”cerca”perseguindo a
análise de vegetais e animais no âmbito imediato do sítio sobre o qual se
implanta a “estação”. O simples fato da mobilidade da fauna, sobretudo aquela de
circulação aérea, invalidaria este propósito que seria, antes de tudo, isolado na
irrealidade.
b. Por outro lado, uma perspectiva aberta á realidade do elevado grau de
comprometimento antrópico a colocará não apenas inserida na trama de
interações com a evolução “planejada” do campus mas também com aquela mais
complexa ainda do entorno mais ou menos espontâneo, quando não caótico, do
entorno urbano.
A visão geográfica interfacial das relações e interações “geossistêmicas” estaria
fortemente dirigida a alternativa b, sem incorrer na injustiça de sugerir ou querer admitir
que a visão biológica seja fatalmente, a alternativa a.
O campus acadêmico por sua própria natureza de sediador do ensino e pesquisa,
harmonizador dos saberes, é em si heteróclito. Suas edificações podem abrigar unidades
de ensino e pesquisa variadas, inclusive dirigidas a componentes comprometedores da
qualidade ambiental, com os centros de pesquisa química, de radioatividade de energia
nuclear, etc.
No caso específico da UFMG, em que ainda faltam convergir para o seu campus
muitas unidades atualmente no centro e em outras áreas da cidade, a heterogeinidade e
111
complexidade do mosaico de usos do seu entorno, especialmente no setor Norte, onde
se encontram os quarteirões 14 e 15, antes de constituir um óbice a descartar, seria uma
excelente composição a enriquecer o propósitos de estudo do comportamento dos seres
vivos associados aos remanescentes de matas e suas derivações peculiares.
Neste sentido ousaria dizer que a delimitação rígida da área definida como “estação”
seria algo de um caráter mais institucional do que de delimitação “de pesquisa”. Ela seria
apenas uma espécie de “core” ou “pólo” em torno do qual abrindo-se ao leque de
interpretações possíveis gravitariam as preocupações acadêmicas de pesquisa.
A existência de favela elevada em topografia sob o impacto de erosão acelerada,
indutora de assoreamento e poluição dos córregos, de atividades de mineração, de vias
expressas de considerável densidade de tráfego e produtora de ruídos e poluição, de
estádio desportivo de grande porte, de garage de ônibus e postos de lavagem e
lubrificação, postos de gasolina,etc cria um espectro variado de fatores a influenciar,
comprometer, poluir e degradar os padrões bióticos.
Eu permitir-me-ia lembrar que os estudos atualmente elaborados na Alemanha sobre
ecologia urbana e avaliação da qualidade ambiental de suas principais cidades, para
conduzir com segurança e planejamento e monitoramento das mesmas, não tem
escrúpulos em cartografar biótopos urbanos, segundo os variados padrões de uso
funcional do solo das cidades, a consideração dos cemitérios como biotopos urbanos
vem causando entre nós, mesmo entre alguns geógrafos mais ortodoxos,um grande
espanto e (tentativas de) contestação.
3. MAIS CONVERGÊNCIA DO QUE ANTAGONISMO NOS PRPOSITOS DE
IMPLANTAÇÃO DO CAMPUS
Dentro de uma perspectiva mais realista aberta á complexidade dos nossos dias e á
possível falta de sistematização das experiências imagino que não haja razão plausível,
pelo menos em termos de interação disciplinar para a produção de um conhecimento
mais holístico, para um conflito como o que parece vir evoluindo no caso da implantação
das duas unidades (Farmácia e Odontologia) ao longo do eixo viário, na proximidade de
um dos acessos ao campus, a Estação Ecológica.
Uma possível faixa de 150 a 200 metros, ao longo da capinzeira á beira da estrada
não invalidaria a condição de “Estação Ecológica” que, mesmo que restrita ao quarteirão
14 se não quiser desperdiçar o 15, teria ainda uma amplo espaço não só para estudar tal
como se encontra, mas inclusive para experimentar os efeitos das derivações
deliberadas(pequenas represas aos açudes, áreas palustres provocadas, recolonização
112
de vertentes em solos desnudados) enriquecendo o espectro de condições ambientais
destinadas a um estudo programado evolutivamente.
Coerentemente a esta postura”aberta” que vigora no Geociências eu acompanho, de
bom grado, o parecer elaborado pelos colegas profs. Dr. Allaoua Saadi e Edézio Teixeira
de Carvalho, rotulado “Delimitação das áreas de mata da UFMG”, datado de maio do
corrente ano, no qual não se prevê incompatibilidade na instalação das duas unidades
previstas para a periferia do quarteirão 14, ao longo da via de acesso ao setor Norte do
Campus.
Tudo parece indicar, pelo menos numa analise desapaixonada que não vise objetivos
de afirmação política ou efetivamente de poder, que a proposta da UFMG em aproximar
estas duas unidades ás demais congêneres do sistema da área de saúde não oferece
incompatibilidade e muito menos invalida a vizinha existência de uma estação ecológica
urbana.
Espero que argumentação mais aprofundada dos pareceres dos colegas do Instituto
de Geociências, inclusive pela esclarecedora argumentação e organização de drenagem
pluvio-fluvial, as considerações aqui esboçadas venham a ser de alguma utilidade a um
debate que antes tragicamente oponente, venha a atingir um resultado harmonizado a
democratização do mesmo e dar mais segurança á tomada de decisão.
Aproveito o ensejo para agradecer a Reitoria da UFMG a deferência lisonjeira que tal
convite representou para mim, esperando ter,nas estreitas circunstâncias de limitação
temporal de minha apreciação, fornecido algo em proveito. Ao mesmo tempo me declaro,
quanto possível, a disposição desta Universidade.
Belo Horizonte, 15 de junho de 1992.
TEXTO 2
“DELIMITAÇÃO DAS ÁREAS DE MATA DA UFMG”
Professor Dr. Alaoua Saadi
Professor Dr. Edezio Teixeira de Carvalho
IGC-UFMG
Introdução
A Universidade Federal de Minas Gerais detém duas grandes áreas verdes no
município de Belo Horizonte, a primeira delas onde está instalado o complexo do Museu
de Historia Natural e o Jardim Botânico no bairro do Horto Florestal. A segunda é
representada pelo campus da Pampulha.
113
Com as diferenciações próprias do contexto de cada uma, a postura preservacionista
,e voltada para a reabilitação , que tem caracterizado as gestões da UFMG, é facilmente
dectível na comparação de aerofotos antigas com as mais recentes (anos de 1977 e
a1989 respectivamente)
No caso particular do campus Pampulha, a UFMG vem promovendo o
embelezamento da região através da reabilitação de áreas onde não estejam previstas
em seu Plano Diretor novas construções, como o conjunto de gramados á volta da
Reitoria e de outras edificações, e o tem feito mesmo em áreas previstas para
edificações, como o conjunto de gramados junto ao prédio do Departamento de Física,
que agora cede lugar a novas construções, Nos fundos das Faculdades de Letras e de
Filosofia e em uma pequena área adjacente ao estacionamento do ICB, a UFMG
promoveu recentemente obras de reabilitação de áreas então em franco processo de
erosão com resultado excepcional.
Em outras áreas, previstas para construções futuras em seu Plano diretor,a UFMG
não inibiu a regeneração natural da vegetação arbórea: isto custaria caro, não traria
qualquer benefício ambiental e não estavam , naturalmente prevista as dificuldades
conjunturais que persistem, atrasando sobremaneira a implantação do campus.
Do fato entretanto, resulta claro que a regeneração sobrevém nas áreas em que tal
seja estimulado por ações concretas de reabilitação ou em que a ação cotidiana de
predadores não a iniba.
Ainda a comparação das aerofotos revela, se feita para o conjunto do território
municipal, que poucas áreas terão sido objeto de zelo maior de seus detentores que as
citadas, sob o controle da UFMG.
Não parece,portanto, bem avisado adotar o principio de que o que hoje está verde
deva necessariamente ser posto sob o constrangimento de um estatuto que impeça o
uso não abusivo, previsto de longa data: este procedimento pode estimular ações
preventivas contrárias ao impulso natural de preservar, hoje felizmente muito difundido.
A área em que a UFMG não prevê construções coincide em linhas gerais com aquela
definida como Área de Preservação pela Prefeitura de Belo Horizonte (Lei Municipal
5657/90) e incorpora porções que deverão ser objeto de desafiante trabalho de
reabilitação.
Ora, pois, o campus da Pampulha tem prvistas numerosas edificações em seu Plano
Diretor e, á vsita das significativas amputações que sofreu, terá ao ser concluído, um
grau de adensamneto de áreas ocupadas por construções e estacionamntos que por
certo especial quando se atenta para suas funções que pressupõem em ambiente
repousante, favorável ao exercício da reflexão.
114
Merecerá o campus, o título de ”Campus Ecológico” se conseguir, e lhe for
permitido,a UFMG distribuir suas eduficações de forma harmoniosa pelo território
disponível, entremenado as aéreas ocupadas por espaços verdes tão amplos quanto
seja possível.
Desta forma, as áreas ocupadas deverão ser aquelas dotadas de características
geológico-geotécnicas mais apropriadas, respeitando por certo, as manchas de
vegetação arbórea mais expressivas, concentradas nas partes mais altas e menos
receptivas à construação, situadas próximo ao trevo da BR-286 com a Avenida Carlos
Luz de um e do outro lado desta.
Esta disposição está ajustada a uma esclarecida filosofia de planejemanento, que
destina ao verde as áreas menos receptivas à construção e que dissemina pelos
espaços livrespor onde transitam aspessoas para que seja cotidianamente desfrutável,
tangível, desejado e protegido.
DELIMITAÇÃO
Uma análise das características fisiograficas da cobertura vegetal da parte ocidental
do Campus da UFMG foi feita com base em levantamento de dados recentes e
comparação desses resultados de um minuciosa trabalho realizado em 1985 por A.
Marcos, aluno da graduação do IGC/UFMG, através do levantamento de campo e da
interpretação da cobertura aerofotogramétrica de 1977 com escala 1:8 000. Os
parâmetros hidrográficos e topográficos foram completados pela análise das folhas
topográficas em escala 1:2 000 do cadastro municipal com eqüidistância de curvas de
nível igual a 1 m. O resultado expresso sob forma de dois mapas da cobertura vegetal
dessa parte do campus para os anos de 1977 e 1992.
PROBLEMA DE DEFINIÇÃO
Sendo o problema em apreço relacionado com a delimitação de espaços florestados,
faz-se necessário de inicio resgatar a definição de “floresta” para não incorrer em ações
destituídas de fundamentos técnico-cientificos. Trazemos aqui, portanto duas definições
oriundas de dois biogeógrafos que fazer parte das maiores autoridades mundiais.
[...]
Depreende-se dessas definições que mata ou floreresta representa um formação
vegetal constituída de espécies arbóreas (geralmente estrato com altura superior a 7 -10
m) organizadas com estratos múltiplos. A segunda característica importante é o controle
exercido sobre o microclima local,portanto sobre os biótipos e biocenoses, graças à
115
completa cobertura do solo oferecido pela alta densidade de árvores e pela contigüidade
das copas.
Resultado disso que a mata não é qualquer agrupamento mais ou menos ocasional
ou residual de árvores e arbustos. Erro geralmente cometido por leigos observando um
bosque a partir do nível do chão. O que através desse observação parece representar
uma formação fechada,não passa de uma cortina, uma vez observado de uma posição
localizada acima da mesma.
ANALISE E PROPSOTAS.
Uma vez resolvido o problema de definição passaremos a destacar alguns elementos
importantes para solução do problema em apreço.
A analise de mapa de 1977 mostra que as áreas ocupadas por maciços florestais
corresponde relativamente bem às áreas definidas como de Preservação Especial pela
Lei Municipal 5657/90. Observa-se também que nos maciços florestais dos dois
quarteirões parte dessas matas são compostas por espécies exóticas (eucalipto). Além
disso, ocorria também um bosque de aproximadamente 2 há,logo ao sul da edificação-
sede da atual Estação Ecológica.
Do resto, ocorrerá áreas descontinuas de macega, matagal, brejo e zonas muito
degradadas. Os dados coligidos para o período atual mostram que as áreas ocupadas
por matas não sofreram nenhum acréscimo que seja mapeavel, mesmo nesta escala de
detalhe. Observam-se sim estreitas auréolas onde se desenvolve lentamente um
processo de regeneração, e servindo de zonas de transição entre matas e macegas. A
maior parte das macegas, antes muito claras, mostram-se me processo de densificação
(recuperação).
Outra observação interessante diz respeito a uma sensível expansão das áreas de
brejo, sendo difícil detectar o traçado preciso da rede de drenagem.
Em conclusão, deve-se dizer que as áreas ocupadas pro maciços florestais são
aquelas mesmas definidas como de Preservação Especial pela Lei Municipal 5657/90
não tendo sofrido nenhuma expansão que justificasse uma nova delimitação. Os
processos de regeneração e recuperação da vegetação como um todo demonstram que
o Órgão Ordenador externo à UFMG pode sempre esperar dela uma gestão esclarecida
dos recursos ambientais sob seu controle.
Como se vê,a maior parte da área mapeada é constituída de macegas, brejos
antrópicos e áreas muito degradadas onde a recuperação da vegetação levará décadas
em condições naturais. É portanto claro que o conjunto não pode servir como
justificativas para preservação enquanto reserva ecológica.
116
No objetivo de contribuir com um equacionamento adequado do problema,
incorporamos ao mapa de 1992 a delimitação dos divisões de drenagem da área em
foco, o que nos permite tecer as seguintes considerações:
1- A parte do quarteirão 14 prevista para construção das unidades de Farmácia e
Odontologia constitui uma micro-bacia independente voltada para fora da que
abriga os maciços florestais.
2- Os divisores de drenagem que abrigam as matas tombadas conseguem isolar
totalmente as bacias, deixando as suas partes baixas (jusante) à mercê de
influencias externas, tais como entrada de fluxos poluídos por esgotos
industriais ou efluentes de ruas das áreas circundantes.
3- As partes altas das bacias (montante) são bem isoladas como relação a
influencias externas e merecem atenção especial quanto a projetos de
proteção-preservação.
Com base nesse elementos fica possível delimitar como áreas de matas realmente
dignas de preservação aquelas localizadas nas partes altas das duas grandes sub-
bacias hidrográficas e que margeam a BR 262 e a Avenida Presidente Carlos Luz. O
mesmo mapa comporta uma proposta de delimitação das áreas de preservação
permanente, que leva em conta critérios técnicos precisos, tais como:
- afastamento das áreas ocupadas por (ou prevista para) equipamentos servindo a
atividades relacionadas com funcionamento normal do campus
- encravamento em zonas de difícil acesso, o que permite a sustentação dos
processos de regeneração
- proteção com relação ao despejo de efluentes
- importância areal dos maciços florestais
- existência de zonas tampão amenizadoras de impactos negativos
- articulação em torno de núcleos florestais já tombados
Esses elementos não devem ser considerados como únicas justificativas de
delimitação, visto que a eles podem ser agregados outros que dizem respeito à
viabilidade de uma expansão racional da área construída do campus.
Belo Horizonte, maio de 1992.
117
118
119
ANEXO III
Lista dos entrevistados na pesquisa.
1. Professor Dr. Eduardo Osório Cisalpino (ex- Reitor e ex-Diretor do ICB/UFMG).
Entrevista realizada em 05/11/2007.
2. Professor Dr. Celso Murilo Valle (ex-professor do ICB/UFMG, atualmente trabalha
no Instituto Estadual de Florestas/IEF/MG). Entrevista realizada em 21/10/2007.
3. Professor Dr. Carlos Magno Ribeiro (ex-professor do IGC/UFMG e ex-diretor da
EECO). Entrevista realizada em 21/10/2007.
4. Professor Dr. Flávio Carsalade (professor da Escola de Arquitetura/UFMG).
Entrevistado em 13/11/2007.
5. Professor Dr. Tomaz Aroldo da Mota Santos (professor do ICB e ex-Reitor e ex-
Diretor do ICB/UFMG). Entrevista realizada em 14/11/2007.
6. Professor Dr. Júlio Emílio Diniz Pereira (ex-aluno e ex-Diretor do Diretório
Acadêmico da Biologia/UFMG. Atualmente é professor da Faculdade de
Educação/UFMG). Entrevista realiza em 03/12/2007.
7. Professor Emérito da Faculdade de Odontologia/UFMG Arnaldo Garrocho (ex-
Diretor da Faculdade de Odontologia/UFMG). Entrevista realiza em 27/11/2007.
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