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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA CIENTÍFICA NO
ENSINO MÉDIO:
O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO DE FÍSICA
SANDRA GONÇALVES COIMBRA
ORIENTADOR:
PROF. DR. CÁSSIO COSTA LARANJEIRAS
BRASÍLIA – DF
DEZEMBRO / 2007
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA CIENTÍFICA NO
ENSINO MÉDIO:
O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO DE FÍSICA
SANDRA GONÇALVES COIMBRA
Dissertação realizada sob orientação do
Prof. Dr. Cássio Costa Laranjeiras e
apresentada à banca Examinadora como
requisito parcial à obtenção do Título de
Mestre em Ensino de Ciências – Área de
Concentração “Ensino de Física”, pelo
Programa de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências da Universidade de Brasília.
BRASÍLIA – DF
DEZEMBRO / 2007
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FOLHA DE APROVAÇÃO
SANDRA GONÇALVES COIMBRA
A Formação de uma Cultura Científica no Ensino Médio: O Papel do
Livro Didático de Física.
Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em Ensino de Ciências – Área de Concentração
“Ensino de Física”, pelo programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da
Universidade de Brasília.
Aprovada em de
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Cássio Costa Laranjeiras (Instituto de Física – UnB)
(Presidente)
___________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Pires Leodoro
(Departamento Metodologia Ensino – Universidade Federal de São Carlos)
(Membro Externo)
_________________________________________________
Prof. Dr. Wildson Luiz Pereira dos Santos (Instituto Química – UnB)
(Membro Interno)
_________________________________________________
Prof. Dr. Ivan Ferreira da Costa (FUP – UnB)
(Suplente)
AGRADECIMENTOS
Deus,
“Pois o Senhor é quem nos dá Sabedoria” (Provérbios 2:6)
Elias e Narcísia,
Ensinaram-me a valorizar o estudo.
Abdan,
Amor, compreensão e apoio.
Débora, Daniele, Ana Beatriz
Amor e carinho.
Cássio,
Muitos ensinamentos, paciência e orientação precisa.
Professores do PPGEC,
Conhecimentos que proporcionaram crescimento intelectual e profissional.
Colegas de curso,
Amizade, disposição em compartilhar e ajudar.
Glória,
Apoio e incentivo.
Muitos amigos,
Palavras de carinho, incentivo e amizade.
RESUMO
Este trabalho constitui uma reflexão acerca da formação de uma cultura
científica no Ensino Médio e do papel dos livros didáticos de Física nesse processo.
Tomando as idéias de Paulo Freire como referência pedagógica do processo
educativo e as de Gaston Bachelard como referência epistemogica, buscamos a
construção de um olhar que nos permitisse revisitar os textos didáticos de Física
voltados para o Ensino Médio. Inicialmente é discutida a relação entre a formação de
uma cultura científica e o ensino de ciências, considerando o grande desafio que é
desenvolver um ensino de Física que se aproprie do discurso científico bem como
da crítica desse discurso, que vincule a formação científica a um contexto social,
histórico, a um produto humano. Considerando o livro didático como elemento de
grande influência no ensino de Física e a implantação do Programa Nacional do
Livro Didático do Ensino Médio (PNLEM) que ampliará o acesso a esse recurso, é
relevante identificar como o livro didático de Física tem contribuído para a formação
científico-cultural do aluno do ensino médio. Nesse sentido é proposto, a partir de
uma análise dos livros didáticos de física aprovados pelo PNLEM, um conjunto de
categorias analíticas que, constituindo-se enquanto um novo olhar aos referidos
livros, procuram avaliar o seu potencial formativo de uma cultura científica na escola.
Palavras-chave: Cultura Científica, Ensino de Ciências, Ensino Médio, Livro
Didático.
ABSTRACT
This dissertation is a reflection about the formation of a scientific culture in
High School and the role of didactic books in Physics in it. With Paulo Freire´s ideas
as a pedagogic reference of the educating process and those of Gaston Bachelard
as an epistemological reference, we searched to build a vision that would let us
revisit the didactic books in Physics used in High school. Initially, we discuss the
relations between the formation of a scientific culture and science teaching,
considering that developing the teaching of physics which suits the scientific
discourse is a challenge, as well as doing a reasonable critique of that discourse that
links a scientific formation to a social, historic and social context. Considering the
didactic book as an element of great influence in the teaching of physics and that
with the implementation of the National Didactic Book Program in High School
(PNLEM) the access to it will be widened, it is relevant to identify how the didactic
book in Physics has contributed to the scientific and cultural formation of high school
students. Hence and starting from an analysis of the didactic books in physics
approved in the PNLEM, a set of analytical categories are proposed to evaluate their
formative potential of a scientific culture in high school.
Keywords: Scientific Culture, Science Education, High School, Didatic Books.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
- SAMPAIO e CALÇADA. Física, Volume Único 100
Figura 2
- GASPAR. Física. Volume Único. 102
Figura 3
- GASPAR. Física. Volume Único. 103
Figura 4
- SAMPAIO e CALÇADA. Física, Volume Único 106
Figura 5
- GASPAR. Física. Volume Único. 106
Figura 6
- MÁXIMO e ALVARENGA. Física, vol. 107
Figura 7
- PENTEADO e TORRES, Física, vol 108
Figura 8
- SAMPAIO e CALÇADA. Universo da Física, vol. 109
Figura 9
- SAMPAIO e CALÇADA. Universo da Física, vol. 109
Figura 10
- SAMPAIO e CALÇADA. Universo da Física 111
Figura 11
- MÁXIMO e ALVARENGA. Física. 112
Figura 12
- SAMPAIO e CALÇADA. Universo da Física 113
Figura 13
- GASPAR. Física. Volume Único. 115
Figura 14
- PENTEADO e TORRES, Física. 115
Figura 15
- GONÇALVES FILHO e TOSCANO 117
Figura 16
- GONÇALVES FILHO e TOSCANO 119
Figura 17
- MÁXIMO e ALVARENGA. Física. 120
Figura 18
- PENTEADO e TORRES, Física. 122
Figura 19
- PENTEADO e TORRES, Física. 122
Figura 20
- SAMPAIO e CALÇADA. Física, Volume Único 124
Figura 21
- GONÇALVES FILHO e TOSCANO 125
Figura 22
- MÁXIMO e ALVARENGA. Física. 126
Figura 23
- GASPAR. Física. Volume Único. 127
Figura 24
- GASPAR. Física. Volume Único. 127
Figura 25
- GASPAR. Física. Volume Único. 130
Figura 26
- MÁXIMO e ALVARENGA. Física. 131
Figura 27
- SAMPAIO e CALÇADA. Universo da Física 132
Figura 28
- PENTEADO e TORRES, Física 133
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 1 - FÍSICA, VOLUME ÚNICO, ALBERTO
GASPAR, 1ª EDIÇÃO,ED ÁTICA, SP, 2007. .............................................................71
TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 FÍSICA, VOLUME ÚNICO, SAMPAIO E
CALÇADA, ED. ATUAL, SP, 2005. ..........................................................................74
TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 3 - FÍSICA, VOLUME ÚNICO, GONÇALVES
FILHO E TOSCANO, ED.SCIPIONE. ..........................................................................77
TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 4 - FÍSICA ENSINO MÉDIO, VOLUME 1,
2, 3, MÁXIMO E ALVARENGA, ED. SCIPIONE, SP, 2007............................................80
TABELA 5 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 5 - FÍSICA CIÊNCIA E TECNOLOGIA,
VOLUME 1, 2, 3, TORRES E PENTEADO, ED. MODERNA, SP, 2005............................83
TABELA 6 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 6 - UNIVERSO DA FÍSICA, VOLUME 1, 2,
3, SAMPAIO E CALÇADA, ED. ATUAL, SP, 2005)......................................................86
TABELA 7 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 1 TEMA MECÂNICA .......................151
TABELA 8 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 1 TEMA ONDAS E ÓTICA................152
TABELA 9 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 1 TEMA TERMODINÂMICA...............153
TABELA 10 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 1 TEMA ELETROMAGNETISMO ......154
TABELA 11 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 TEMA MECÂNICA......................155
TABELA 12 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 TEMA TERMOLOGIA .................156
TABELA 13 E 14 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 ..........................................157
TEMA ÓTICA E ONDAS................................................................................................157
TABELA 15 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 TEMA ELETROMAGNETISMO ......158
TABELA 16 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 2 TEMA FÍSICA MODERNA...........159
TABELA17 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 3 TEMA MECÂNICA......................160
TABELA 18 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 3 TEMA FÍSICA TÉRMICA E ÓTICA.161
TABELA 19 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 3 TEMA ELETROMAGNETISMO ......162
TABELA 20 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 4 TEMA VOL 1 ............................163
TABELA 21 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO4 TEMA VOL 2 ............................164
TABELA 22 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 4 TEMA VOL 3 ............................165
TABELA 23 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 5 TEMA VOL 1 ............................166
TABELA 24 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 5 TEMA VOL 2 ............................167
TABELA 25 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 5 TEMA VOL 3 ............................168
TABELA 26 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 6 TEMA VOL 1 ............................169
TABELA 27 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 6 TEMA VOL 2 ............................170
TABELA 28 DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS LIVRO 6 TEMA VOL 3 ............................171
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................10
1 CULTURA CIENTÍFICA E ENSINO DE CIÊNCIAS...............................................12
1.1 CIÊNCIA E CULTURA............................................................................................12
1.2 A CULTURA CIENTÍFICA E A ESCOLA ....................................................................16
2 O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE CIÊNCIAS ................................................35
2.1 INTRODUÇÃO......................................................................................................35
2.2 O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE FÍSICA NO BRASIL ............................................36
2.3 O ATUAL ENSINO MÉDIO NO BRASIL.....................................................................48
2.4 O LIVRO DIDÁTICO: POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES............................................56
3 OS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA EM FOCO...................................................63
3.1 OS LIVROS ANALISADOS ......................................................................................63
3.2 UMA VISÃO PANORÂMICA DOS LIVROS.................................................................66
3.3 CONSTRUINDO NOVAS CATEGORIAS ANALÍTICAS: A BUSCA POR UM NOVO OLHAR ..87
3.4. OS LIVROS DE FÍSICA: UMA PERSPECTIVA ANALÍTICA ...........................................99
3.4.1 Aspectos gerais e organização dos conteúdos .........................................99
3.4.2 Dialogicidade...........................................................................................105
3.4.3 Protagonismo Discente ...........................................................................118
3.4.4 Dimensão empírica .................................................................................124
3.4.5. Dimensão histórica.................................................................................129
3.4.6 Relação Ciência e Tecnologia.................................................................133
4 UMA PROPOSTA DE NOVO OLHAR PARA OS LIVROS DIDÁTICOS.............135
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................142
APÊNDICES ...........................................................................................................149
INTRODUÇÃO
O ensino de ciências na educação básica tem o papel principal de formação
de uma cultura científica de modo que o estudante se aproprie do discurso científico
e do entendimento das potencialidades e limitações da ciência, a fim de tornar-se
um cidadão crítico da sociedade contemporânea.
No contexto educacional os livros didáticos estão inseridos de modo a
influenciar na formação científico-cultural do estudante. Assim, a formação de uma
cultura científica e o papel dos livros didáticos de Física, serão objetos de discussão
deste trabalho. Para iniciar tal discussão, buscamos nas idéias de Freire e Bachelard
o aporte teórico. Em Freire encontramos a sinalização pedagógica do processo de
ensino-aprendizagem, indicando-nos a necessidade de que os indivíduos situem-se
enquanto sujeitos do processo educativo, rompendo a barreira da mera transmissão
do conhecimento e inaugurando a co-operação como compartilhamento da busca
pelo saber. Bachelard nos proporcionou uma reflexão mais especificamente
epistemológica do processo de construção do conhecimento científico, chamando-
nos a atenção para o fato de que “rupturas” precisam ser feitas e “obstáculos
epistemológicosprecisam ser enfrentados se desejamos a emergência do espírito
científico no estudante.
Ao tratar da ciência e do seu ensino, tendo os livros didáticos como recurso
instrumental, consideramos importante fazer resgate histórico da implantação do
ensino no Brasil, tendo como foco o ensino de Física, e de que modo os livros
didáticos de ciência estavam inseridos nesse contexto. Para isso destacamos alguns
acontecimentos no período de 1549 até os dias atuais, a fim de investigar o
tratamento dado às ciências nos livros didáticos.
11
Tendo a fundamentação teórica e acontecimentos históricos como “pano de
fundo”, começamos uma análise dos livros didáticos de Física aprovados no
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), programa do
governo federal que prevê a distribuição gratuita desses livros para estudantes do
ensino médio da escola pública. O primeiro olhar foi panorâmico, observando alguns
elementos importantes no processo de formação de uma cultura científica, tais como
a presença da história da Física, do tratamento dado à experimentação, como os
autores apresentam o livro tanto para professores quanto para estudantes, e outros
mais. Após essa visão panorâmica foram elaborados alguns critérios com o objetivo
de lançar um olhar mais crítico sobre o tratamento dado à Física no livro didático.
A partir da análise dos livros é possível dizer que estes fragilizam o processo
de construção do conhecimento em Física, não estimulando a autonomia do
estudante na busca pelo conhecimento, fragmentando a ciência e, portanto, o
processo de formação de uma cultura científica.
O objetivo do trabalho é identificar a presença (ou não) de elementos
importantes para a formação cienfico-cultural do aluno do ensino médio no livro
didático de Física. Assim a análise dos livros didáticos de Física aprovados no
PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio) foi uma análise
qualitativa, sem aferição de valor.
Com a finalidade de chamar a atenção dos professores de Física, para que
estes também lancem um “novo olhar”, mais crítico e perscrutador, sobre os livros
didáticos, concluímos o trabalho com a sugestão de um conjunto de categorias de
análise, utilizadas no trabalho, a fim de que os professores a usem como ferramenta
de análise dos livros didáticos de Física.
12
CAPÍTULO 1
CULTURA CIENTÍFICA E ENSINO DE CIÊNCIAS
1.1 Ciência e Cultura
Ao longo da sua história, o homem sempre buscou conhecer e explorar a
natureza, o que, de certa forma significava conhecer e explorar os “mistérios” da
vida.
De acordo com Japiassu (2005), no anseio desse conhecimento, os primeiros
filósofos gregos iniciaram a prática da discussão racional, com o objetivo de
encontrar a mais válida explicação possível e a mais adequada teoria. As primeiras
explicações eram impregnadas de conceitos religiosos e de mitos, o que mais tarde
deu lugar à filosofia e, posteriormente à ciência, que se desenvolveu influenciando
uma ampla diversidade de práticas e valores que caracterizam a sociedade humana.
No sentido antropológico do termo, a cultura pode ser compreendida como “a
totalidade dos conhecimentos, das crenças, das artes, dos valores, leis, costumes e
de todas as outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro
da sociedade” (E.B. Tylor, apud JAPIASSU, 2005, p.199).
Nessa perspectiva, o entrelaçamento entre ciência e cultura resultou em
fortes influências mútuas. É no interior da cultura, assim entendida, que podemos
situar a chamada cultura científica”, definida por Japiassu como “o conjunto dos
conhecimentos, idéias e representações dizendo respeito à prática científica e
constituindo para cada um de nós, em graus diversos, o panorama mesmo de nosso
pensamento moderno”. (JAPIASSU, 2005, p. 201).
13
Como designação da cada vez mais ampla e difundida presença da ciência
no mundo contemporâneo, a cultura científicasurge como ingrediente essencial na
formação da cidadania e, portanto, no enfrentamento de um mundo cada vez mais
permeado de objetos tecnocientíficos. Privar-se dessa cultura é, seguindo ainda o
pensamento de Japiassu, encontrar-se vivendo na ignorânica de seu próprio meio.
(JAPIASSU, 2005, p. 202). Apropriar-se dela significa mobilizar certos valores e
referenciais no equacionamento do mundo do qual somos parte. O homem de
cultura, afirma Japiassu, “é alguém que sabe situar-se relativamente ao universo e
aos outros homens” (JAPIASSU, 2005, p. 197).
Também aqui, uma concepção de cultura é esboçada, entendida agora como:
“a posse ou apropriação dos conhecimentos e dos vários saberes práticos
suscetíveis de fundar um mínimo de domínio pessoal sobre nosso meio ambiente e
de controle sobre a atividade daqueles cuja competência se revela indispensável”.
(JAPIASSU, 2005, p. 202)
Se por um lado o desenvolvimento científico ocorre no interior mesmo do que
poderíamos chamar “humanidade”, e nesse sentido ele se situa como um processo
cultural por excelência, por outro, não é difícil perceber a enorme dificuldade do
reconhecimento da ciência enquanto cultura no seio da nossa sociedade.
A famosa conferência “As Duas Culturas”, proferida em Cambridge por C.P.
Snow em 1959, tornou-se um marco na reflexão sobre as diferenças que
supostamente separariam uma cultura voltada para a ciência e àquela outra,
chamada de humanística, mais diretamente voltada para as artes. Essa suposta
dicotomia apontada por Snow e geralmente adotada pela sociedade, tem
conseqüências educacionais e sociais muito grandes.
14
Snow, que era um homem que transitava tanto pelas ciências, quanto pelas
artes, argumentou que essa divisão provocava um empobrecimento entre os
intelectuais, pois,
Os dois grupos, comparáveis em inteligência, idênticos em raça, não muito
distantes em origem social, que recebiam quase os mesmos salários, mas
que haviam cessado quase totalmente de se comunicar entre si e que, na
esfera intelectual, moral e psicológica, tinham tão pouca coisa em comum[....]
(SNOW, 1995, p. 18-19).
A percepção de ciência como cultura, proferida por Snow em sua palestra,
chocou a comunidade de sua época, mas trouxe uma nova perspectiva para a
ciência. Segundo Knight (2004),
Diante da discriminação do que é e do que não é ciência, os historiadores
espectadores começaram a tratar a ciência como uma atividade humana
entre outras tantas, com facetas intelectuais, práticas e sociais, e não mais
como uma cruzada pela verdade contra vários infiéis (p.151).
Durante os últimos anos as relações entre ciência e cultura têm sido alvo de
preocupações internacionais, com o surgimento de movimentos em diversos países:
alfabetização científicanos Estados Unidos, compreensão pública da ciênciana
Inglaterra, cultura científica na França. E ainda tem envolvido cientistas,
professores, autores, radiofusores, curadores de museus e monitores de centros de
ciência, com o objetivo de oferecer ao público geral um melhor acesso à ciência
(DURANT, 2005, p.14).
Em sua tese de doutorado, sob o título “Física Também é Cultura”, João
Zanetic (1989) discute com propriedade a inserção da física como elemento cultural,
como instrumento de mudança cultural. Nesse sentido, para a compreensão do
papel cultural da ciência é importante entender a relação ciência-sociedade, a
relação da ciência com aspectos econômicos, religiosos, sociais, etc.
Carlos Vogt (2003) considera a expressão cultura científica a mais adequada
para explicar o fenômeno da divulgação científica e inserção de temas da ciência e
15
da tecnologia, no cotidiano da sociedade. Termo considerado por ele mais adequado
que alfabetização científica, ou ainda, popularização/vulgarização da ciência, ou
ainda compreensão pública da ciência, pois engloba o significado desses termos e a
idéia de que
O processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural,
quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão
entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do
ponto de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o
estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os
valores culturais, de seu tempo e de sua história. (VOGT, 2003).
Vogt ainda argumenta que a expressão cultura científica possui certa
complexidade semântica, que implica em pelo menos três possibilidades de sentido:
cultura pela ciência, cultura da ciência, cultura para a ciência.
A cultura pela ciência é a cultura por meio da ciência e a favor da ciência. A
cultura para ciência é aquela voltada para a produção da ciência e para a
socialização da ciência. A cultura da ciência seria aquela gerada pela ciência ou
ainda, a cultura própria da ciência.
Para Durant (2005) a cultura científica vai além da ciência como
conhecimento e da ciência como um processo idealizado, é preciso ser levado em
conta a prática social.
Sob o ponto de vista da ciência como conhecimento, a idéia central é de que
os conteúdos científicos são a chave para a compreensão da ciência, assim, as
pessoas devem saber muito sobre ciência. Esta é uma visão dominante do mundo
da educação formal, na qual os currículos estão voltados para os frutos da pesquisa
científica: teorias e leis, modelos e mecanismos.
Sob o ponto de vista da ciência como processo, a idéia é entender os
procedimentos mentais e manuais que produzem o conhecimento científico, que
coletivamente é chamado de método científico.
16
A prática social é mais abrangente que as duas outras abordagens, pois a
ciência é vista como uma atividade humana, e a produção de conhecimento não
está restrita a um indivíduo, mas se estende por uma rede de colegas, concorrentes
e críticos.
No processo de produção do conhecimento científico estão envolvidos, no
mínimo:
Um conjunto de conhecimentos existentes: um cientista treinado
profissionalmente que identificou um “problema” ou uma outra oportunidade
adequada para contribuir para esse corpus; a condução bem-sucedida de um
trabalho novo; a descrição por extenso do trabalho, de acordo com
convenções rigorosas; o julgamento (e possível rejeição ou modificação) do
trabalho; a publicação do trabalho; o exame crítico do trabalho por um
número indefinido de outros colegas profissionais; finalmente (com sorte), a
entrada do trabalho no corpus de conhecimento existente. (DURANT, 2005,
p.22).
Essa relação entre conhecimento e cultura e todo o sistema social de
produção do conhecimento científico precisa ser percebido pelo público como
condição da formação de uma cultura científica.
1.2 A Cultura Científica e a Escola
Mas não podemos esquecer que “adquirimos cultura pela aprendizagem, não
por herança” (JAPIASSU, 2005, p. 197). Considerando a existência de diferentes
espaços para a aprendizagem, a escola surge aqui como o ambiente natural e
privilegiado para a aprendizagem do conhecimento sistematizado.
Como agente de definição e articulação do que aprender e ensinar, nela a
formação de uma cultura científica se constitui enquanto desafio. Nesse sentido, faz-
se necessário ampliar a nossa compreensão acerca dos mecanismos de formação
dessa cultura científica no ambiente escolar, através de uma análise de caráter
epistemológico acerca da construção do conhecimento e seus diferentes aspectos e
17
seus conseqüentes reflexos em nossa prática pedagógica. Em concordância com o
pensamento de Leodoro, reconhecemos que
A educação científica necessita conclamar o pensamento dos educandos
para a admiração do mundo e, desse modo, fazer da educação uma cultura
científica que não é apenas vulgarização do conhecimento científico, mas
também exercício crítico sobre a própria ciência e compreensão dos
processos de articulação e desagregação do pensamento engendrados no
processo histórico de elaboração do saber científico. (LEODORO, 2005,
p.19)
O que nos interessa aqui é um ensino de ciências que adote como
fundamento o aprendizado da ciência numa perspectiva de compreensão das suas
potencialidades e limitações. Trata-se, portanto, da formação de uma cultura
científica que não seja voltada para uma mera adesão inconsciente à ciência, mas
um exercício crítico da mesma como leitura do mundo, o que significa a organização
do trabalho pedagógico como um processo contínuo de problematização.
Essa perspectiva teórica de conceber o processo educativo encontra
referência na concepção dialógica e libertadora da educação de Paulo Freire, ponto
de partida da nossa compreensão deste processo. Aliada à uma perspectiva de
caráter mais propriamente epistemológico, referenciada aqui na epistemologia
histórico-crítica de Gaston Bachelard, pretende-se uma compreensão articulada do
processo de formação de uma cultura científica na escola.
Paulo Freire, educador brasileiro de renome internacional, representa um
marco na pedagogia nacional e internacional. A sua proposta pedagógica, elaborada
a partir da sua experiência na educação de adultos e na luta pela superação das
desigualdades sociais, proporciona-nos elementos para uma compreensão mais
ampla do processo educativo.
18
Em sua obra “Extensão ou Comunicação?”
1
Freire discute o termo extensão
em oposição ao termo comunicação, conduzindo-nos a uma reflexão sobre a
natureza dialógica da educação. O autor trata o problema da comunicação entre o
técnico agrícola e o camponês, enfatizando o papel da educação que é humanizar o
homem e a ação do educador que deve ser a comunicação/dialogicidade como meio
de atingir o homem. Freire também analisa o termo extensão, no contexto da
atividade do agrônomo, relacionando-o ao conceito de invasão cultural, em oposição
ao de extensão.
O termo extensão significa estender algo a alguém. No contexto educacional,
seria estender o conhecimento daquele que achando-se saber mais (no caso, o
professor técnico agrícola) para aquele que pensa saber menos, ou nada saber(o
aluno camponês). Uma atitude que nega a formação e a constituição do
conhecimento. Uma atitude que nega a ação educativa de caráter libertador.
O que assinala o caráter libertador da educação é o diálogo educador-
educando, ou a comunicação. Para que haja comunicação eficiente, os signos
lingüísticos devem pertencer ao universo comum dos interlocutores, ou seja, “a
expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro
significativo comum ao outro sujeito”. (FREIRE, 1971, p.67).
Nesse sentido, é importante o estabelecimento de uma linguagem comum
entre educador e educando. A linguagem do professor, mesmo usando termos
técnicos, precisa ser entendida pelos alunos para haver diálogo, daí a importância
da apropriação, por parte dos alunos, da linguagem científica que será usada em
aulas de física.
1
A obra “Extensão ou Comunicação?”, editora Paz e Terra, 1971, discute a relação entre técnico agrícola e
camponês. Esta obra é resultado da experiência educacional de Freire no Chile, na década de 60 do século XX no
período de reforma agrária.
19
Em sala de aula, podemos observar que um dos problemas do ensino de
ciências é exatamente o estabelecimento de uma linguagem comum entre professor
e aluno. A linguagem técnica usada pelo professor, quando não é entendida pelo
aluno, cria uma grande distância entre a expressão significativa do professor e a
percepção dos alunos em torno do significado dos temas abordados. Daí, Freire
defender que o diálogo seja problematizador, pois este diminui a distância entre
professor e aluno. Tal atitude implica em respeito ao processo de conhecimento.
O ato de ensinar e de aprender, dimensões do processo de conhecimento,
fazem parte da prática educativa (LARANJEIRAS, 1994, p.13). O ato de conhecer
em Freire é fundamentado na relação homem/mundo, relações constitutivas do
conhecimento humano, no qual primeiro age sobre o segundo, transformando-o e é
marcado pelos resultados de sua própria ação. Através dessa relação, desse diálogo
com o mundo, os homens foram, aos poucos, construindo o saber.
Nessa perspectiva dialógica, Freire considera:
O conhecimento exige a presença curiosa do sujeito em face do mundo.
Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca
constante. Implica em invenção e em reinvenção. Reclama a reflexão
crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhecer, pelo qual se
reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim, percebe o ‘como’ de
seu conhecer e os condicionamentos a que es submetido seu ato.
Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente
enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer. (FREIRE, 1971,
p.27).
Essa perspectiva atribui ao homem o papel de agente do conhecimento,
sujeito ativo que através da problematização do conhecimento e da sua relação com
a realidade concreta, procura compreender melhor essa realidade, explicá-la e
transformá-la.
Desconhecer a confrontação com o mundo implica em um modo estático de
entender o conhecimento, implica em uma compreensão ingênua do conhecimento
20
humano. “O conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de
transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações”
(FREIRE, 1971, p. 36).
Dessa forma, o desafio que está colocado a partir da aquisição de uma
cultura científica é o da transformação, da problematização e da análise crítica das
informações adquiridas.
A escola é um local onde as relações homem/mundo devem ser colocadas
em debate, como alvo de discussão e reflexão. Sob esse aspecto, o ensino de
ciências ganha sentido, pois problematiza o mundo: discute questões que aparecem
no dia-a-dia na área da saúde, área de desenvolvimento científico e tecnológico e
outras mais.
Podemos tomar como exemplo um assunto que tem sido divulgado na mídia
nos últimos tempos: o aquecimento global. Que questões esse tema coloca para o
ensino de ciências? Como o ensino de ciências tem sido usado para
problematização dessa temática? Será que o aprendizado em ciências permitiu uma
consciência maior na ação do mundo ou continuamos agindo da mesma forma? O
mundo tem sido transformado?
A relação do conhecimento com a realidade e a sua devida problematização,
capacita o aluno a ser um agente do conhecimento capaz de transformar a realidade
em que vive.
Outro aspecto a ser considerado é o conhecimento como um processo de
transformação. O homem é um ser de relações num mundo de relações, de tal forma
que essas relações podem ser em níveis diferentes, condicionadas pela realidade
concreta e cultural em que ele se encontra. Freire (1971) considerou os seguintes
níveis: “doxa”, “magia” e “logos”. A doxa constitui o domínio da mera opinião, um
21
campo em que os fatos, os fenômenos naturais, a presença das coisas são
captadas pelos homens, mas não desveladas as suas inter-relações. Na magia a
percepção da presença de um fato está incluída na percepção de suas relações com
outros; é uma percepção. O logos é o “verdadeiro” saber, aquele em que o
homem é capaz de distanciar-se dos fatos e procurando desvendá-los nas suas
inter-relações.
Mesmo considerando níveis diferentes de relações homem/mundo, não existe
absolutização do saber nem da ignorância, pois ninguém sabe tudo, assim como
ninguém ignora tudo. “O saber começa com a consciência do saber pouco. É
sabendo que sabe pouco que uma pessoa se prepara para saber mais” (FREIRE,
1971, p.47). Dessa forma existe uma constante procura, onde o saber faz e refaz, ou
ainda, um processo de transformação do conhecimento.
A sala de aula é um ambiente propício para a transformação do
conhecimento. O professor, através do diálogo, problematiza o conhecimento do
aluno, a sua percepção do mundo, a cultura adquirida em seu ambiente social. A
partir da problematização, é possível levar o aluno a um processo dialógico com o
mundo e consigo mesmo, elaborando e transformando o seu pensamento.
O conhecimento científico, na perspectiva de Freire, tem sua origem em uma
problematização: “na verdade, nenhum pensador, como nenhum cientista, elaborou
seu pensamento ou sistematizou seu saber científico sem ter sido problematizado,
desafiado” (FREIRE, 1971, p. 54). E para a apreensão deste conhecimento é
imprescindível a problematização do próprio saber, é nesse sentido que o saber
científico problematiza o saber popular, revelando um novo conteúdo, um novo
significado, uma nova forma de perceber os fatos e de relacioná-los com outros. A
partir da tomada de consciência da realidade na qual o homem está inserido é que
22
acontece uma ação transformadora desta realidade, provocando uma superação do
conhecimento. Mas essa situação acontece através da problematização do homem-
mundo ou do homem em suas relações com o mundo e com os homens.
No sentido educacional Freire defende uma educação libertadora, na qual a
preocupação básica deve ser o “aprofundamento da tomada de consciência que se
opera nos homens enquanto agem, enquanto trabalham” (FREIRE, 1971, p. 76). A
tomada de consciência é resultado de uma defrontação com o mundo, com a
realidade, implicando em uma nova percepção de mundo, em um novo
conhecimento.
“A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é
transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a
significação dos significados” (FREIRE, 1971, p. 69). Este diálogo em torno do
conhecimento proporciona conscientização. Por isso, Freire afirma que a educação
não é neutra assim como o educador também não é neutro, tem suas opções. O que
não pode ocorrer é a imposição das opções do educador, pois desta forma ele
estará manipulando, domesticando o educando.
Uma educação que tem como pressuposto a problematização das relações
homem mundo, mediadas pelo conteúdo, obterá como resultado homens sujeitos
do conhecimento, homens que tomam o conhecimento da forma como estavam
conhecendo, e assim reconhecem a necessidade de conhecer melhor.
Os alunos ao chegarem à escola trazem conceitos próprios para as coisas
que observam e modelos para explicar a sua realidade vivida. Nessas
circunstâncias, é importante o estabelecimento de um diálogo pedagógico, de modo
a confrontar as visões e opiniões dos alunos; esse embate de visões poderá resultar
num processo de transição da visão intuitiva para a visão de caráter científico.
23
Dessa forma, o ensino de ciências, mediado pelo conteúdo, pode ser conduzido de
modo a tornar o aluno protagonista do processo educacional, estimulando a
participação e responsabilidade social desse aluno e discutindo ações em seu meio
vivencial.
O conhecimento na perspectiva de Freire encontra ressonância na
epistemologia de Bachelard, pois compartilham o pressuposto de que a ocorrência
do conhecimento é fruto da interação não neutra entre sujeito-objeto.
Gaston Bachelard, filósofo e epistemólogo de origem francesa, segundo Alice
Lopes (1996), foi um filósofo múltiplo, com pluralidade de idéias filosóficas e com
vivacidade de pensamento que resistem às classificações e aos rótulos. Publicou
trabalhos no campo da ciência e da epistemologia e no campo da poética. Construiu
uma epistemologia histórica, cuja perspectiva é a ciência como “um objeto
construído socialmente, cujos critérios de cientificidade o coletivos e setoriais às
diferentes ciências” (LOPES, 1996, p.251). Também se dedicou a temas
educacionais, talvez um reflexo da sua atuação como professor na área do ensino
de ciências.
Em sua obra “A Formação do Espírito Científico” Bachelard analisa o
processo de construção do conhecimento científico. Para ele a história do
pensamento científico é caracterizada por erros retificados, frutos da resistência em
abandonar velhas idéias e aceitar novas, promovendo lentidões e conflitos que
representam obstáculos à aquisição do conhecimento científico. Esses obstáculos
surgem como causa de “estagnações”, “regressões” e “inércias” ao pensamento,
contra as quais será preciso lutar. Nas palavras de Bachelard:
[...] é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico
deve ser colocado. E não se trata de considerar obstáculos externos, como a
complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de incriminar a fragilidade
dos sentidos e do espírito humano: é no âmago do próprio ato de conhecer
que aparecem, por uma espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos.
24
É que mostraremos causas de estagnação e até de regressão,
detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de obstáculos
epistemológicos (BACHELARD, 1996, p.17).
No próprio ato de conhecer aparecem conflitos e estagnações. Às causas de
estagnação e até de regressão, Bachelard chama de obstáculo epistemológico.
Para Bachelard “o ato de conhecer -se contra um conhecimento anterior,
destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é
obstáculo à espiritualização” (BACHELARD, 1996, 17). Como sempre conhecemos
em oposição a um conhecimento obtido, e estamos corrigindo os erros da
experiência comum e construindo a experiência científica, logo, surge a necessidade
de vencer os obstáculos epistemológicos.
Todos os conhecimentos habituais são impossíveis de serem anulados diante
de um novo conhecimento. Nesse sentido, Bachelard diz “quando o espírito se
apresenta à cultura científica, nunca é jovem. Aliás, é bem velho, porque tem a idade
de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar
uma brusca mutação que contradiz o passado” (BACHELARD, 1996 p. 18).
Bachelard ainda afirma que “não se pode basear nada na opinião: antes de
tudo, é preciso destruí-la” (BACHELARD, 1996 p.18), pois se constitui em um
obstáculo a ser transposto. O espírito científico o admite opiniões, mas sim a
formulação de problemas, pois “todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se
não pergunta, não pode haver conhecimento científico.” (BACHELARD, 1996,
p.18).
Por isso, a opinião está sempre errada, e a ciência não pode legitimá-la, “a
ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se
absolutamente à opinião” (BACHELARD, 1996, p.18).
25
A presença de obstáculos epistemológicos promove questionamentos com
relação a conceitos firmados, uma resistência psicológica em abandonar
concepções.
Segundo Lopes (1996, p.252), uma das contribuições fundamentais da
epistemologia de Bachelard é a primazia conferida ao erro, à retificação, ao invés da
verdade na construção do conhecimento. Dessa forma o conhecimento científico
se constrói através da retificação dos erros, e estes passam a assumir uma função
positiva na gênese do saber. A verdade é entendida numa dimensão de veracidade,
de capacidade de gerar credibilidade e confiança. Assim as verdades são
provisórias. A ciência não reproduz uma verdade, ela organiza critérios de análise da
veracidade de um conhecimento. Não existem verdades absolutas na ciência,
existem verdades transitórias.
A idéia de conhecimento como processo confronta a idéia de conhecimento a
partir de fatos, como defendiam algumas linhas de pensamento filosófico
(empirismo, positivismo, cartesianismo).
Associado à concepção bachelardiana de conhecimento, é introduzida a
noção de ruptura. Esse termo indica uma descontinuidade entre o conhecimento
científico e o conhecimento comum, e também aparece no processo de
desenvolvimento do conhecimento científico para caracterizar a passagem de um
ciclo evolutivo para outro.
Enquanto algumas linhas de pensamento filosófico consideram o
conhecimento científico uma continuidade do conhecimento comum, Bachelard
propõe que o conhecimento científico se opõe ao conhecimento comum:
Eis, portanto, a tese filosófica que vamos sustentar: o espírito científico deve
formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso
e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato
colorido e corriqueiro. (BACHELARD, 1996, p. 29).
26
O conhecimento comum é fundamentado nas primeiras impressões, sendo
contraditório ao conhecimento científico. O conhecimento comum lida com o mundo
repleto de fenômenos; o conhecimento científico lida com um mundo construído por
um processo teórico e instrumental. É nesse sentido que o conhecimento comum
passa a ser um obstáculo epistemológico ao conhecimento científico.
Na epistemologia bachelardiana, portanto, os conceitos de ruptura e
obstáculo epistemológicosão a base para a discussão do processo de construção
do conhecimento científico e também, podemos acrescentar, das dificuldades que
cercam o aprendizado da ciência. Não sobra dizer que se queremos pensar o
processo de formação de uma cultura científica na escola essas categorias
bachelardianas serão fundamentais.
Os obstáculos epistemológicos surgem como elementos do processo de
conhecimento, e podem ser estudados no desenvolvimento do pensamento
científico e na prática da educação. Com relação a ultima, Bachelard observa:
Na educação, a noção de obstáculo pedagógico também é desconhecida.
Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros
se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. [...] Os
professores de ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que
é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que
se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. o
levam em conta que o adolescente entra na aula de física com
conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portando, de adquirir
uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de
derrubar os obstáculos sedimentados pela vida cotidiana (BACHELARD,
1996, p. 23).
Bachelard expõe sua preocupação com a prática educacional, ressaltando a
necessidade dos professores conhecerem as concepções prévias dos alunos
(conhecimentos adquiridos antes do processo de ensino), pois tais conhecimentos
se apresentam como obstáculos a serem superados. O professor que investiga o
conhecimento existente e procura explorar as limitações e contradições deste
27
conhecimento, adquire condições mais propícias para mudar o conhecimento
comum e promover a apreensão do conhecimento científico.
Nesse aspecto, a epistemologia de Bachelard se aproxima da gnosiologia de
Freire, pois na perspectiva freiriana o saber popular precisa ser entendido e levado
em consideração para que haja uma transposição do conhecimento comum para o
conhecimento científico. Na perspectiva bachelardiana o saber popular é um
obstáculo para o saber científico. Para haver uma superação do obstáculo, é
necessário uma ruptura.
No sentido educacional essa ruptura ocorre através do diálogo professor-
aluno, no qual o professor usa questionamentos, problematiza o conhecimento pré-
existente de forma a colocar em evidência as limitações e contradições existentes
neste conhecimento. Tal dinâmica teria como resultado uma ruptura, uma
apropriação do conhecimento cienfico. O processo de ruptura ocorre através do
diálogo, da problematização, através de questionamentos.
As idéias de Freire e Bachelard fundamentaram, portanto, as dimensões
pedagógica e epistemológica da nossa compreensão da formação de uma cultura
científica na escola. No sentido de ampliar nossa compreensão acerca dos
mecanismos de formação dessa cultura científica, ainda continuaremos uma
reflexão acerca dos objetivos do próprio ensino de ciências.
A idéia de ciência como cultura tem sido disseminada, e também incorporada
em propostas educacionais. Zanetic, em palestra proferida no Encontro Nacional de
Ensino de Física, realizado em Natal (Rio Grande do Norte) em Julho de 2001,
afirma: “é minha convicção de que a Física deve participar da formação cultural do
cidadão contemporâneo, independente das eventuais diferenças de interesses
28
individuais e das mais variadas motivações acadêmicas e/ou profissionais”
(ZANETIC, 2006).
Santos (2004b) também destaca a importância da formação de uma cultura
científica tendo como referência a educação sobre ciência e a educação pela
ciência, pois as pessoas precisam saber sobre a ciência para que possam comportar
responsavelmente numa sociedade tecnológica, e exercer a sua cidadania.
Como deveria ser o ensino de ciências? E o ensino da Física no ensino
médio?
O ensino de Física deveria ser apresentado como parte da cultura científica e,
segundo Zanetic (1989, p.21-24), abordar os seguintes aspectos:
Dar aos alunos o domínio de conceitos e das ferramentas matemáticas
necessárias para a resolução de problemas e aplicação na vida cotidiana.
Mostrar que os conceitos aprendidos foram elaborados a partir de experimentos
e também de experiências de pensamento. Não foram somente os experimentos
que deram origem às teorias, mas também as teorias deram origem a
experimentos.
O desenvolvimento da Física faz parte de um contexto histórico-social. Os
cientistas eram (e são) homens, integrados numa sociedade, são influenciados e
influenciam o meio em que vivem. Eles acertam e também cometem erros, enfim,
são marcados pela cultura da época em que vivem.
A Física escolar deve aproximar-se da vida cotidiana, do mundo tecnológico em
que vivemos. Tornando os alunos cidadão críticos, e atuantes na sociedade em
que vivem, saibam se posicionar diante dos discursos de especialistas.
Pietrocola (2005) considera que a Física como conhecimento poderá ser
integrada ao patrimônio intelectual dos indivíduos quando for percebida em ligação
29
com o mundo que o cerca. Cabe à escola mostrar as possibilidades oferecidas pela
Física e pelas ciências em geral como forma de construção de realidades sobre o
mundo que nos cerca.
Ele também faz críticas ao ensino que se limita a preparar os alunos para a
realização de provas, sejam na própria escola ou nos vestibulares, com o objetivo de
“passar de ano” ou ingressar no ensino superior. Também critica livros didáticos que
fazem referências a situações reais somente como objetos motivacionais.
Cachapuz [et al] (2005) discutem o ensino de ciências mostrando que a
análise de diversos estudos sobre esse tema tem indicado uma preocupante
distância entre as expectativas postas na contribuição da educação científica na
formação de cidadãos conscientes das repercussões sociais da ciência [...] e a
realidade de uma ampla recusa da ciência e da sua aprendizagem”. (CACHAPUZ et
al, 2005, p.38).
Nessa análise uma das justificativas para o fracasso e recusa à ciência por
parte de um grande número de estudante é a visão deformada da ciência e da
atividade científica. A partir de análise de bibliografia publicada e de pesquisa com
um grupo de docentes, os autores concluem que o ensino de ciências não tem
apresentado de maneira adequada, a natureza da ciência. Uma imagem
reducionista, distorcida e ingênua da construção dos conhecimentos científicos tem
sido reforçados por ação ou omissão.
De acordo com os mesmos autores, na obra citada, o ensino de ciências tem
apresentado a natureza da ciência com algumas visões deformadas, sendo:
1. Visão descontextualizada ignora-se as dimensões essenciais da
atividade científica e tecnológica como o impacto no meio natural e social,
ou os interesses e influências da sociedade no seu desenvolvimento.
2. Concepção individualista e elitista os conhecimentos científicos
aparecem como obra de gênios isolados, ignorando-se o papel do
trabalho coletivo, dos intercâmbios ente equipes.
3. Concepção empiro-inductivista e ateórica – concepção que defende o
papel da observação e da experimentação “neutra”, esquecendo o papel
30
essencial das hipóteses como focalizadoras da investigação e dos corpos
coerentes de conhecimentos (teorias) disponíveis, que orientam todo o
processo.
4. Visão rígida, algorítmica, infalível refere-se ao “método científico” como
uma seqüência de etapas definidas, em que as “observações” e as
“experiências rigorosas” desempenham um papel destacado contribuindo
à “exatidão e objetividade” dos resultados obtidos.
5. Visão aproblemática e ahistórica ignora quais foram os problemas que
se pretendiam resolver, qual tem sido a evolução de ditos conhecimentos,
as dificuldades encontradas etc., e mais ainda, a não ter em conta as
limitações do conhecimento científico atual ou as perspectivas abertas.
6. Visão exclusivamente analítica está associada a uma incorreta
apreciação do papel da análise no processo científico.
7. Visão acumulativa, de crescimento lineal – consiste em apresentar o
desenvolvimento científico como fruto de um crescimento lineal,
puramente acumulativo, ignorando as crises e as remodelações
profundas, fruto de processos complexos que não se deixam ajustar por
nenhum modelo definido de desenvolvimento científico. (p.39-53).
Essa visão distorcida da ciência precisa ser superada. O ensino de ciências
precisa ser voltado para uma formação de uma cultura que propicie ao aluno uma
melhor compreensão do mundo e uma formação para a cidadania e preparação para
o trabalho. O ensino de física precisa ser voltado para capacitar o aluno a interpretar
fatos, fenômenos e processos naturais, situando o homem como parte da natureza,
compreendendo que ele a influencia e é influenciado por ela. Proporcione uma visão
do desenvolvimento científico as dúvidas, contradições, hesitações, erros e
acertos – uma “ciência humana”.
O que nos interessa é um ensino de física que faça uma apropriação da
ciência para entender suas potencialidades e limitações. Formar uma cultura
científica que não esteja voltada somente à mera adesão à ciência, pois tal atitude
pode conduzir à idéia de que a ciência é um conhecimento melhor que os outros,
mas, também, um exercício crítico sobre a própria ciência, vinculando-a a um
contexto social e histórico, a um produto humano, a uma ação coletiva e social.
31
Consideramos o termo cultura científica mais adequado que alfabetização
científica
2
, pois a idéia de cultura incorpora a apropriação do discurso científico, bem
como a crítica desse discurso. Uma cultura científica também se diz sobre uma
reflexão em torno dos limites desse discurso e vincula a formulação científica a um
contexto social, histórico, a um produto humano.
Buscando uma melhor compreensão do processo de formação de uma cultura
científica na educação básica, optamos pela utilização de um esquema
representativo de alguns elementos e processos que consideramos constitutivos da
cultura científica nesse nível de ensino.
2
Santos (2007) apresenta uma revisão de estudos desenvolvidos no âmbito da educação em ciências, no qual
discute concepções que são dadas ao termo alfabetização científica.
Formação de uma cultura científica
na Educação Básica
Conceitos
Científicos
Natureza da Ciência
Abordagem
Fenomenológica
Abordagem
Conceitual
Abordagem
Formal
Epistemologia
Filosofia da
Ciência
História da
Ciência
Livro
Didático
Esquema representativo dos elementos e processos constitutivos de uma Cultura Científica no âmbito do
Ensino de Ciências na Educação Básica. Embora inacabado, ele é parte do Núcleo de uma Linha de
Pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, coordenada pelo Profº. Dr.
Cássio C. Laranjeiras.
32
Fundamentalmente, a idéia é considerar a formação de uma cultura científica
na educação básica a partir de dois aspectos dinamicamente complementares:
Conceitos Científicos e a Natureza da Ciência. Embora representados de maneira
isolada com o objetivo de explicitar de maneira mais direta os aspectos
considerados, eles devem ser compreendidos como dimensões intrinsecamente
relacionadas, complementares. As setas bidirecionais são uma tentativa de mostrar
essas interações que permeiam as categorias, reforçando a idéia de dinamismo que
o quadro não mostra.
Os conceitos científicos são uma espécie de porta de entrada do processo de
aquisição da linguagem mesma da ciência. Intrinsecamente eles incorporam
rupturas e superação de obstáculos de natureza epistemológica que são
constitutivos da cultura científica. Do ponto de vista pedagógico, numa perspectiva
dialógica e libertadora, identificamos uma espécie de rota epistemológica ao
sinalizarmos no diagrama três importantes abordagens, também dinamicamente
complementares, que podem nos auxiliar no encaminhamento do processo de
ensino-aprendizagem dos conceitos científicos.
Abordagem Fenomenológica
Abordagem Conceitual
Abordagem Formal
33
Do ponto de vista pedagógico, tomar a abordagem fenomenológica
3
como
ponto de partida da “rota epistemológica” no aprendizado da ciência é construir as
bases da formação de uma cultura científica na escola. Neste primeiro momento,
eminentemente dialógico, a perspectiva cognoscitiva definidora é a da opinião, da
“doxa”, para utilizarmos uma categoria gnosiológica utilizada por Freire. Do ponto de
vista de Bachelard seria o momento inaugurador do processo de conhecimento,
caracterizado pelo levantamento de questões. A abordagem conceitual inaugura o
“logos”, em contraposição a “doxa”, permitindo ao sujeito a construção e uso de
categorias de análise que permitirão a ampliação do diálogo em seus diferentes
níveis, a saber, o diálogo com o mundo e com aqueles que também buscam a sua
compreensão. Inaugura-se aqui um processo de mutação cultural, que se aprofunda
na abordagem formal, normalmente falsamente identificada pelo rol de “formulismo”
tão comuns ao ensino de ciências, particularmente o de Física. Completado o ciclo
dessa nova cultura que se busca estabelecer, o que resulta é um novo olhar sobre o
mundo.
No outro ramo do nosso diagrama vamos encontrar dimensões que buscam
explicitar mais diretamente a natureza da ciência. Embora a epistemologia esteja
intimamente relacionada com a filosofia e a história da ciência, ela foi mencionada
em separado com o sentido de indicar uma teoria do conhecimento numa
perspectiva de reflexão crítica à própria ciência. A filosofia da ciência aborda os
fundamentos da construção da ciência, suas proposições, validades, argumentos e
implicações dos métodos científicos. A história da ciência explicita o contexto em
que desenvolve a ciência. Essas categorias estão inter-relacionadas, são dinâmicas.
3
Abordagem fenomenológica traduz aqui, o contato do indivíduo com o mundo dos fenômenos incorporando
evidentemente a leitura que se faz daqueles, buscando a construção de teorias e modelos no campo da
observação empírica.
34
Entendemos que a formação de uma cultura científica no ensino médio não
pode prescindir de uma abordagem explícita desse diferentes e complementares
aspectos. Não se trata, é importante ressaltar, de valorizar esses elementos como
instrumentos de motivação ou de facilitação da aprendizagem, mas de compreendê-
los enquanto dimensões constitutivas da própria ciência e, portanto, imprescindíveis
ao trabalho didático-pedagógico com a mesma.
Nesse sentido, importa considerar e, de alguma forma aferir, o papel do livro
didático neste processo.
35
CAPÍTULO 2
O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE CIÊNCIAS
2.1 Introdução
Aprendemos em diversos ambientes, mas é a escola o ambiente reconhecido
pela sociedade para aprendizagem do conhecimento sistematizado.
A escola é o espaço e agente de definição e articulação do que aprender e
ensinar. E para facilitar o processo de ensino-aprendizagem, o livro didático é usado
como material de apoio.
Para falar da formação de uma cultura científica no ensino médio, buscando
compreender aqui o papel do livro didático, consideramos importante fazer um
resgate histórico da implantação e desenvolvimento do ensino no Brasil, em especial
do ensino de Física, e como os livros didáticos se inseriram nesse contexto.
O ensino de ciências está vinculado ao contexto geral do sistema educacional
brasileiro. Dessa forma, o livro didático não pode ser visto desvinculado deste
contexto, assim como também não pode ser visto desvinculado de um contexto mais
amplo que envolve a sociedade brasileira: o Estado, o mercado e a indústria cultural
(FREITAG et al, 1997, p.127).
Nenhum texto didático, incluindo o livro, é neutro. Ele é influenciado por
fatores externos e reflete de modo explícito, ou implícito, determinadas orientações.
No ensino de ciências, essas orientações espelham diferentes visões da função do
ensino em geral, ou de disciplinas isoladas, como é o caso da Física (MOREIRA e
AXT, 1986. p.34).
36
Dessa forma, o livro didático sofre a interação de muitos agentes, em nosso
estudo nos restringiremos a apresentar a interação entre livro didático e ensino de
ciências.
2.2 O Livro Didático e o Ensino de Física no Brasil
Fazer uma retrospectiva histórica dos acontecimentos e fatores relacionados
ao ensino de Física no Brasil nos possibilita fazer uma análise crítica dos
condicionantes da educação e do livro didático inserido nesse contexto.
Tomando como referência o estudo de Almeida Júnior (1979 e 1980) e o
estudo de Barra e Lorenz (1986), iremos destacar alguns acontecimentos
relacionados ao ensino de ciências e a condição do livro didático, a fim de investigar
os condicionantes da educação e os seus reflexos na nossa sociedade.
A primeira escola brasileira foi fundada na Bahia em 1549, com o objetivo de
alfabetizar e doutrinar alguns seminaristas e os filhos da nobreza do Reino. Por mais
de duzentos anos, a educação ficou sob a responsabilidade exclusiva dos jesuítas,
tendo como foco o ensino de Humanidades, e totalmente fechada ao estudo das
ciências experimentais. Segundo a descrição de Almeida Júnior:
A instrução se caracterizava pelo ensino da gramática, da retórica e da
escolástica, em primeiro plano, e das letras teológicas e jurídicas, no plano
superior, com alguns rudimentos de Medicina e sem nenhuma preocupação
com as ciências naturais. (ALMEIDA JÚNIOR, 1979, p.46).
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, o sistema educacional brasileiro foi
destruído, mesmo com os esforços das carmelitas, beneditinos e franciscanos em
formar novas escolas. Em 1775, três anos após a reforma da Universidade de
Coimbra, fundou-se no Rio de Janeiro a primeira Academia Científica, mas que não
conseguiu exercer nenhuma influência no pensamento científico nem contribuir para
37
a solidificação do ensino da Física. Em 1800, em Pernambuco, fundou-se o
Seminário de Olinda que foi um marco de renovação educacional. Mas foi somente
em 1808, com a vinda da Família Real e a abertura dos portos é que foram
construídas escolas e instituições com o objetivo de aparelhar a colônia para
recepcionar a Corte Portuguesa e criar empregos para seus súditos. O rei D. João VI
fundou as primeiras escolas de ensino superior, que apresentavam noções de
ciências físicas: a Escola de Cirurgia, na Bahia e a Academia Médica Cirúrgica, no
Rio de Janeiro. Mas todas essas reformas o foram suficientes para mudanças
profundas na mentalidade científica do país.
Após a proclamação da independência, e sob a influência dos ideais da
Revolução Francesa, fundou-se, em 1837, o Colégio D. Pedro II, uma instituição de
ensino público secundário. Seu regulamento seguia os moldes franceses,
introduzindo os estudos simultâneos e seriados, e em seu currículo havia disciplinas
científicas. Isto representava um rompimento com a tradição do ensino
exclusivamente humanístico. Todavia, as profundas raízes clássicas, o ingresso no
ensino superior e problemas políticos, foram empecilhos para o pleno
desenvolvimento de um ensino voltado para as ciências.
Em seu trabalho sobre o ensino de Física no Colégio D. Pedro II no período
de 1838 até 1925, Sampaio (2004) relata que o estudo das disciplinas Física e
Química estava contido na cadeira de Ciências Físicas, permanecendo juntas até
1926. Nesse período os livros adotados eram franceses, mas também é mencionado
que por um tempo foi adotado um livro brasileiro, escrito para os alunos do Colégio
Pedro II.
Os livros adotados no período de 1838 a 1856 tratavam o conhecimento físico
com enfoque conceitual e o conteúdo era apresentado em forma de tabela
38
conceitual. Em 1858 é adotado um livro brasileiro, de autoria de Saturnino de
Meireles, que abordava o conhecimento físico como “conjunto de definições
axiomáticas”, sem explicitar o processo de construção desse conhecimento, também
não usa linguagem matemática, faz descrições de instrumentos e experimentos e
relaciona o conhecimento e suas aplicações. Era um livro atualizado com o
conhecimento da época.
Por volta de 1870, o ensino de Física passa por grandes transformações,
sendo mais valorizado. O livro de estudo desse período é de autoria do francês
Adolphe Ganot, que influenciou não o ensino brasileiro, mas também o ensino
norte-americano e europeu. O conhecimento físico é abordado utilizando linguagem
matemática para deduções e apresentações de fórmulas, ocorrem relatos da
História da Física, é feita descrição detalhada de experimentos e seus resultados. O
conhecimento era atualizado, em sintonia com as descobertas da época.
O estudo de Almeida Júnior (1979 e 1980) nos mostra que o ensino
implantado no Brasil, desde a Colônia até os fins do Império, foi predominantemente
humanístico, literário, livresco (tanto o ensino médio quanto o ensino superior). E o
ensino médio tinha a incumbência de preparar para o ingresso nos cursos
superiores. As tentativas de implantação de um estudo mais científico sempre
esbarravam em pessoal docente despreparado, falta de material didático apropriado,
problemas políticos com repercussão educacional, e resistência às mudanças.
Essas características também prevaleceram no início do período republicano.
Todas as reformas do ensino secundário não foram eficientes para a solução dos
problemas da organização educacional e a educação científica era uma ilusão, pois
era predominantemente teórica e desacompanhada da experimentação. O ensino
39
superior manteve um caráter exclusivamente profissional e uma mentalidade voltada
para a corrida para o diploma.
Em seu estudo sobre a formação do professor de ciências no Brasil, Bizzo
(2005), comenta que logo após a Proclamação da República, o cenário educacional
brasileiro era de contraste. De um lado, uma enorme massa ignorante e do outro
uma elite política altamente educada, sendo a maioria com curso superior, formação
na área jurídica (BIZZO, 2005, p.130).
Nesse cenário, o desenvolvimento da ciência no Brasil teve de enfrentar
quatro problemas principais:
Os estudos a respeito da fauna e da flora brasileiros eram parcos, em grande
medida, dependentes de coleções situadas na Europa, particularmente em
Paris. A formação de professores, mesmo obtida no exterior, pouco poderia
ajudar o desenvolvimento do ensino no contexto tropical brasileiro. Além
disso, a atração gravitacional do Direito conferia molduras teóricas à ciência
que a transfiguravam inteiramente, dado que em vez de um ordenamento
questionador do raciocínio, ela era apresentada, tal como um código legal,
como um rol dogmático de afirmações. [...] a tendência de conferir autonomia
cada vez maior às províncias, [...] fazia da educação contexto particularmente
favorável, dado que implicava expensas adicionais às finanças de Pedro II.
(BIZZO, 2005, p.131).
Nesse contexto, os livros didáticos utilizados, desde a instituição do ensino
público no Brasil, com a fundação do Colégio Pedro II, até meados do século XX,
eram em sua maioria franceses e refletiam o que havia de melhor no pensamento
europeu sobre o ensino de ciências (Lorenz, apud Barra e Lorenz, 1986). Esses
livros possuíam, segundo Barra e Lorenz, as seguintes características:
Grande quantidade de informações, carência de atividades e problemas para
os alunos resolverem. Tais livros tinham, portanto, finalidades essencialmente
ilustrativas, contribuindo para um ensino de ciências pouco experimental,
enfatizando a transmissão e aquisição de conteúdos e não o desenvolvimento
de habilidades científicas. Além disso, apresentavam exemplos e focalizavam
assuntos diretamente relacionados aos interesses das escolas européias em
detrimento do que era importante aos alunos brasileiros. (BARRA e LORENZ,
1986, p.1971).
40
Na primeira República existiram diversos movimentos educacionais que
procuraram modernizar a educação, integrando os imigrantes e diminuindo o
analfabetismo, mas foi sobretudo no período getulista (1930 1945) que tais
movimentos modificaram o cenário educacional. Foi também nesse período que foi
criado, por decreto, o Ministério da Educação e Saúde Pública. (BIZZO, 2005,
p.133).
Ainda no período getulista, o Ministério da Educação estabelece o primeiro
programa do livro didático, no qual delibera sobre a liberdade de escolha, por parte
dos diretores das escolas primárias, dos livros a serem utilizados, desde que façam
parte da relação oficial das obras de uso autorizado”. Para examinar e julgar esses
livros, foi criada a Comissão do Livro Didático. (NABIHA,2001, p.01. Grifo do autor).
Para Freitag (1997), a criação dessa Comissão “insere-se em um rol de medidas
visando a reestruturação e o controle ideológico de todo o sistema educacional
brasileiro”. (p.24). Devido a esse contexto histórico social, os livros publicados nesse
período obedecem à uma padronização, com o objetivo de fazerem parte da relação
oficial das obras de uso autorizado pelo Governo vigente.
Um outro marco importante desse período foi a fundação, em 1934, da
Universidade de São Paulo - USP (constituída por diversas faculdades). A
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi destinada a ser lugar de pesquisa
científica e de formação do professor secundário, portanto professor de Física.
O início do século XX foi marcado por grandes mudanças. Um intenso
desenvolvimento industrial influenciou a relação educação/sociedade. Para Menezes
(2005, p.109), as ciências começam a ter um lugar na cultura escolar, lado a lado
com as artes e com a cultura humanística. A cultura cnico-científica passou a ser
41
em parte cultura geral, e em parte servia para capacitação de mão-de-obra industrial
ou agrícola.
A segunda guerra mundial também influenciou a mentalidade educacional do
país. Era necessário preparar pesquisadores e professores capazes de incrementar
o processo de industrialização, dirigido para uma tecnologia capaz de armar e
defender a nação (ALMEIDA JÚNIOR, 1980, p.65).
Nesse sentido começaram a surgir, em meados do século XX, as primeiras
instituições nacionais com o objetivo de desenvolver materiais didáticos na área de
ciências. A primeira dessas instituições foi o Instituto Brasileiro de Educação,
Ciência e Cultura (IBECC), que tinha como meta geral “promover a melhoria da
formação científica dos alunos que ingressariam nas instituições de ensino superior
e, assim contribuir de forma significativa ao desenvolvimento nacional” (BARRA e
LORENZ, 1986, p.1971).
Para alcançar a meta de melhoria do ensino de ciências nas escolas
brasileiras, o IBECC optou pela introdução e adoção do método experimental em
sala de aula. A instituição produziu material didático, tais como: livros-textos,
equipamentos e material de apoio para atividades práticas em laboratório. Este
projeto foi desenvolvido por uma comissão paulista e o sucesso foi tal que “o que
teve início a nível estadual foi expandido para o nacional” (BARRA e LORENZ, 1986,
p.1972).
Acontecimentos internacionais deram novos rumos ao ensino de ciências: a
antiga União Soviética lançou o primeiro satélite artificial, Sputnik, demonstrando
grande desenvolvimento tecnológico e científico; tal fato levou os países ocidentais,
em especial Estados Unidos e Inglaterra, a questionarem o ensino científico
desenvolvido em suas escolas. A partir daí iniciou-se um movimento de renovação
42
do ensino de ciências, com encontros para debates e estudos sobre o ensino de
ciências e a necessidade de elaboração de novos textos.
Desses encontros resultaram grandes projetos curriculares com produção de
materiais didáticos inovadores. Os Estados Unidos desenvolveram, na área da
física, o projeto Physical Science Study Committe (PSSC), e a Inglaterra o projeto
Nuffield. Esses materiais foram elaborados com o conceito de ciência como
processo de investigação, e não como corpo de conhecimentos organizados;
utilizava atividades que possibilitavam os alunos a “praticar” ciências pelo chamado
“método indutivo” (BARRA e LORENZ, 1986, p.1973).
O PSSC foi traduzido para o português pelo IBECC, que contou com
colaboração financeira de instituições americanas e a primeira edição foi publicada
devido a um convênio firmado com a United States Agency for International
Development (USAID).
A tradução e adaptação de projetos americanos (não o PSSC, mas
também o BSCS Biological Science Curriculum Sudy, o CBA Chemical Bond
Approach e outros) estavam apoiadas na tentativa do IBEC de “utilizar o livro
didático como meio de transformar e renovar o ensino de ciências a partir da
modificação do comportamento de professores e alunos em sala de aula” (BARRA e
LORENZ, 1986, p.1973).
Esses projetos influenciaram o sistema educacional brasileiro, pois até início
da década de 60 o sistema vigente dificultava a adoção de projetos curriculares
desenvolvidos no exterior, pois os programas oficiais de ensino eram obrigatórios
para todas as escolas do país. Mas em 1961 o Ministério da Educação e Cultura
(MEC) decretou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que revogou a
43
obrigatoriedade de adoção dos programas oficiais, dando às escolas liberdade de
escolha dos conteúdos a serem desenvolvidos (BARRA e LORENZ, 1986, p.1974).
Apesar desses fatos, o PSSC foi distribuído no Brasil e pareceu ter boa
aceitação nas escolas, pois foram altos os números de tiragem. Segundo Barra e
Lorenz (1986), entre 1964 e 1971 foram publicados mais de 400.000 exemplares
dos quatro volumes do PSSC.
No estudo sobre a produção de materiais didáticos de ciência no Brasil no
período de 1950 a 1980, Barra e Lorenz relatam outro acontecimento importante na
década de 60: o IBECC foi indicado para sediar o projeto piloto cujo objetivo era o
desenvolvimento do ensino de Física na América Latina, intitulado “Novos Métodos e
Técnicas do Ensino de Física”. Com apoio financeiro da UNESCO, o departamento
de física da USP e do Serviço de Recursos Audiovisuais do Centro Regional de
Pesquisas Educacionais de São Paulo, desenvolveram livros-textos, materiais para
experimentos e filmes. O projeto piloto foi o marco inicial do Programa de Ciências
que a UNESCO realizou em diversos países.
Ao final da cada de 60, além dos projetos de tradução e adaptação de
projetos americanos e ingleses, também foram desenvolvidos projetos nacionais.
Todos eles com o objetivo de tornar o ensino experimental, a fim de desenvolver nos
alunos e espírito crítico e o raciocínio, pela vivência do método científico. Em
avaliação feita pela Fundação Ford (uma das mantenedoras do IBECC) os
resultados foram pouco animadores, pois demonstraram a pouca repercussão dos
materiais e o seu fraco impacto na aprendizagem dos alunos em relação às
habilidades pretendidas. Porém os resultados serviram como base para a avaliação
dos Kits produzidos.
44
Barra e Lorenz (1986) também citam os estudos de Carvalho e Krasilchik que
confirmam os resultados obtidos na avaliação feita pela Fundação Ford e também
indicam as dificuldades na utilização dos materiais em sala de aula, devido
principalmente à inexistência, nas escolas, de laboratórios e equipamentos para a
realização das atividades experimentais propostas nos livros-texto, aliado ao
despreparo dos professores.
Meados do século XX foi um período de incentivo ao desenvolvimento de
materiais didáticos na área de ciências, mas também foi um período de mudanças
na legislação que regulam o ensino secundário, e tais mudanças refletiram no livro
didático. Nicioli Júnior e Mattos (2007) analisaram livros didáticos das décadas de 50
e 60 e observaram que a abordagem do conteúdo dos livros didáticos de física do
século XIX e do século XX sofreu alterações. Os autores comentam:
Em nossa análise podemos observar que a pedagogia utilizada nos livros
didáticos desse período é informativa [...] A ciência não é caracterizada como
historicamente construída, pois é posta nos livros como acabada sem uma
postura indagadora. [...] Predomina a memorização, caracterizada por um
monólogo centrado no professor cujo apenas é praticado o ensino bancário
do conteúdo. Sendo assim, a visão da ciência ensinada a um aluno do ensino
secundário da época era apenas de cálculos complicados, onde a principal
finalidade era a preparação para o ensino superior. (NICIOLI JÚNIOR e
MATTOS, 2007).
Podemos observar que o livro didático é influenciado por diversos fatores:
políticas predominantes em cada período, tendências de ensino e propostas
curriculares mundiais, o investimento financeiro, o papel do professor.
Ainda em meados do século XX, mais especificamente em Janeiro de 1970,
pessoas envolvidas com o ensino de Física se reuniram no campus da USP para
trocar experiências. O primeiro Simpósio Nacional de Ensino de Física fez um
diagnóstico nada animador: os problemas do ensino de Física não eram específicos
de uma região, mas sim de todo o país. Dos diversos pontos levantados, todos
45
estavam ligados fundamentalmente ao problema da formação do professor.
(ALMEIDA JÚNIOR, 1980, p.68).
Em 1971 foi decretada uma reforma no ensino. A Lei 5.692, alterava
profundamente todo o sistema educacional. Com tal mudança as metodologias se
tornaram inadequadas para a nova realidade da escola; havia carência de material
didático adequado às exigências legais; faltavam professores capacitados para
ensinar ciências da maneira prevista na nova diretriz (BARRA e LORENZ, 1986).
Para atender tais necessidades o MEC lançou o Projeto Nacional para a
Melhoria do Ensino de Ciências, sob a responsabilidade do Programa de Expansão
e Melhoria do Ensino (PREMEN) que também recebeu apoio financeiro da USAID.
Desta forma, foi criado mais um órgão especializado na produção de materiais
didáticos de ciências. Na área da Física foi desenvolvido o Projeto de Ensino de
Física (PEF), em convênio com a USP.
Com o findar da década de 70, o Projeto Melhoria do Ensino de Ciências
passou a ser considerado não prioritário pelo MEC, assim como o PREMEN teve
seus recursos financeiros reduzidos, dificultando o andamento dos projetos
existentes e o financiamento de novos projetos.
Ainda na década de 70 professores de Física do país se reuniram em três
simpósios na tentativa de enfrentar os problemas do ensino. No I Simpósio Nacional
de Ensino de Física (SNEF) foram diagnosticados alguns problemas relacionados ao
ensino de Física, dentre eles a influencia nefasta dos exames de vestibular, pois os
professores eram pressionados pelos próprios alunos para que estes “ensinassem”
a fazer as provas de vestibular. (ALMEIDA JÚNIOR, 1980, p.68). Com isso, os
materiais didáticos passaram a ser adaptados para essa situação, e em
46
conseqüência houve simplificação do livro didático, e estabelecimento de um
processo de massificação do ensino.
No III Simpósio Nacional de Ensino de Física foram aprovadas moções que
indicavam o descontentamento da implementação de uma reforma do ensino médio
sem a participação dos professores; a implantação da Lei 5.692/71 implicaria numa
superficialidade do ensino de física, devido à diminuição da carga horária.
Nos anos setenta, com a criação dos dois primeiros Programas de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências, na USP e na UFRGS (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul), houve uma intensificação na pesquisa sobre o ensino de Física.
Tais pesquisas buscavam investigar e tratar problemas relativos ao ensino de Física
em seus múltiplos aspectos, com vistas à melhoria da qualidade desse ensino
(MEGID NETO e PACHECO, 2004).
Este breve histórico do ensino no Brasil, o espaço ocupado pelo ensino de
física e os livros didáticos, nos mostram que ao longo dos anos o processo escolar
tem apresentado mais ou menos as mesmas características:
O ensino de ciências/ física não foi valorizado.
Ensino voltado para teoria e experimentação deixada de lado.
Ensino de ciências voltado para vestibular, moldando comportamento de
professor e aluno, currículo, tipo de avaliação, eliminação de aulas de laboratório
e o tipo de livro.
A classe dominante que detém o poder é a que faz as reformas, de acordo com
os seus interesses, para que a mesma continue no poder.
O movimento curricular ocorrido entre 1950 e 1980 foi inicialmente estimulado
por fatores externos, principalmente do interesse dos norte-americanos, mas
47
também foi estímulo para o desenvolvimento de projetos nacionais, adequados à
realidade brasileira.
Professores com número excessivo de aulas, devido aos baixos salários, não se
atualizam, portanto não buscam melhores livros didáticos.
Livros didáticos que apresentam a ciência como pronta e acabada, retirando o
seu aspecto dinâmico de interação homem/conhecimento/contexto histórico.
Livros didáticos com ênfase conceitual, em especial na formalização matemática.
Livros “preocupados” somente em preparar para o ingresso no ensino superior.
Livros que pouco têm contribuído para a formação de uma cultura científica.
Muitas tentativas de transformação e melhoria do ensino têm sido
empreendidas. As atividades desenvolvidas pelo IBECC nos anos 50 e 60, os
projetos curriculares nos anos 60 e 70, os Simpósios Nacionais de Ensino de Física,
os Programas de Pós-graduação, são exemplos de esforços no sentido de buscar
caminhos para melhoria do ensino de ciências e de física.
Esse processo de inovação do ensino de ciências tem se transformado ao
longo dos anos, sendo influenciado por novas teorias de ensino e de aprendizagem,
mudanças nos objetivos do ensino de ciências, transformações políticas, sociais e
econômicas no Brasil e em todo o mundo (KRASILCHICK, 1992, p.3).
Na atualidade, em busca de uma articulação da educação ao panorama
mundial, o Brasil promoveu algumas reformas curriculares na educação básica.
Dispositivos legais como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996,
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCEM) e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN) são alguns documentos indicadores dessa reformas, delineando as
48
tendências modernas de educação. Sobre essa legislação que iremos discutir no
próximo tópico.
2.3 O Atual Ensino Médio no Brasil
Atualmente, a educação básica no Brasil é composta pela Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Tem por objetivo assegurar a todos os
brasileiros a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (artigos 21 e
22 da Lei nº 9.394/96).
Os principais documentos norteadores da Educação Básica são: Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) - Lei nº 9.394/96 e o Plano Nacional
de Educação (PNE) - Lei 10.172/2001, regidos pela Constituição da República
Federativa do Brasil.
Para o nível médio o Ministério da Educação (MEC) elaborou documentos
que procuram oferecer subsídios para a implementação das reformas pretendidas
pela LDB/96: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM),
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), PCN+ Ensino Médio, e mais
recentemente Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
Um dos pontos centrais da nova LDB está na mudança quanto à identidade
do Ensino Médio. Conforme vimos na breve retrospectiva do ensino no Brasil, este
período escolar sempre esteve voltado para a preparação para o ingresso no ensino
superior. A nova identidade dada ao Ensino Médio é considerá-lo como etapa final
da educação básica (artigo 35, LDB/96).
49
Para Kawamura e Hosoume (2003) a proposta defendida pelas diretrizes
anteriores era coerente com uma educação média restrita a apenas uma pequena
parcela da população, mas como os tempos mudaram, e a escolaridade média vem
sendo bastante ampliada, os alunos concluintes do ensino médio possuem outros
espaços de atuação social e não buscam, necessariamente, o ensino superior.
Portanto, o objetivo da escola média deve estar voltado para uma educação para a
cidadania, para a formação de jovens, independente de sua escolaridade futura.
Com o propósito de educação para a cidadania e preparação para o trabalho,
as DCNEM e os outros documentos elaborados pelo MEC orientam uma educação
que promova valores como sensibilidade, igualdade e ética. Para que isso ocorra o
currículo deixa de ser, como afirmam Ricardo e Zylbersztajn:
Centrado unicamente no conhecimento e passa a ser orientado pela
construção de competências e habilidades, articuladas nas áreas de
representação e comunicação, investigação e compreensão, e
contextualização sócio-cultural, tendo como eixos norteadores a
interdisciplinaridade e a própria contextualização. (RICARDO e
ZYLBERSZTAJN, 2002, p.352).
No sentido de estabelecer condições para um trabalho interdisciplinar,
permitindo uma maior articulação das competências e conteúdos de diferentes
disciplinas, o conhecimento foi organizado em três áreas, reunindo em cada área, as
disciplinas afins: Linguagens e Códigos (português, língua estrangeira, artes,
educação física, informática e demais formas de expressão). Ciências da Natureza
e Matemática (biologia, física, química e matemática). Ciências Humanas (história,
geografia e demais áreas das ciências humanas como sociologia, filosofia,
psicologia).
De acordo com o artigo 10 da Resolução 03 da Câmara de Educação
Básica, a área Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias objetivando a
constituição de habilidades e competências que permitam ao educando:
50
Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como
elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de
paradigmas, relacionando o desenvolvimento científico com a transformação
da sociedade;
Entender e aplicar métodos e procedimentos próprios das Ciências Naturais;
Identificar variáveis relevantes e selecionar os procedimentos necessários
para produção, análise e interpretação de resultados de processos ou
experimentos científicos e tecnológicos;
Apropriar-se dos conhecimentos da Física, da Química e da Biologia, e
aplicar esses conhecimentos para explicar o funcionamento do mundo
natural, planejar, executar e avaliar ões de intervenção na realidade
natural;
Compreender o caráter aleatório e não-determinístico dos fenômenos
naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas,
determinação de amostras e cálculo de probabilidades;
Identificar, analisar e aplicar conhecimentos sobre valores de varáveis,
representados em gráficos, diagramas ou expressões algébricas, realizando
previsão de tendências, extrapolações e interpolações e interpretações;
Analisar qualitativamente dados quantitativos, representados gráfica ou
algebricamente, relacionados a contextos socioeconômicos, científicos ou
cotidianos;
Identificar, representar e utilizar o conhecimento geométrico para o
aperfeiçoamento da leitura, da compreensão e da ação sobre a realidade;
Entender a relação entre o desenvolvimento das Ciências Naturais e o
desenvolvimento tecnológico, e associar as diferentes tecnologias aos
problemas que se propuseram e propõem solucionar;
Entender o impacto das tecnologias associadas às Ciências Naturais na sua
vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do
conhecimento e na vida social;
Aplicar as tecnologias associadas às Ciências Naturais na escola, no trabalho
e em outros contextos relevantes para sua vida;
Compreender conceitos, procedimentos e estratégias matemáticas, e aplicá-
las a situações diversas no contexto das ciências, da tecnologia e das
atividades cotidianas.
Podemos observar que essas diretrizes o estabelecem conteúdos
específicos constituídos de informações e procedimentos, mas destacam condutas
que orientam a compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida
contemporânea e formação de uma cultura científica.
A LDB, as DCNEM, os PCN e as ORIENTAÇÕES trazem os conceitos de
competência, habilidade, interdisciplinaridade e contextualização.
A noção de competência é discutida por diversos autores, entre eles Philippe
Perrenoud. Fundamentado nas idéias de Perrenoud, Elio Ricardo (2003) trabalha
com a seguinte noção de competência:
As competências seriam então a mobilização de recursos cognitivos, entre
eles o conhecimento, a fim de responder a uma situação-problema em tempo
51
real. Essa utilização, integração e mobilização se dará em uma transposição
de contextos, com vistas a inferir possíveis soluções ou elaborar hipóteses.
Assim, é possível dizer que não se ensinam diretamente competências, mas
criam-se condições para seu desenvolvimento. As habilidades, que estariam
mais ao alcance da escola, não deveriam ser compreendidas com um simples
sabe-fazer procedimental, mas talvez um saber o que fazer, ou ainda saber e
fazer, articulando assim competência e habilidades, pois essas são
indissociáveis. (RICARDO, 2003, p.10).
As DCNEM discutem que a noção de interdisciplinaridade,
Deve ir além da mera justaposição de disciplina e, ao mesmo tempo, evitar a
diluição delas em generalidades. [...] o conceito de interdisciplinaridade fica
mais claro quando se considera o fato trivial de que todo conhecimento
mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de
questionamento, de confirmação, de complementação, de negação, de
ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos. (BRASIL, 1999,
p.88).
A interdisciplinaridade pressupõe um diálogo com confronto com outros
conhecimentos, com o objetivo de uma melhor compreensão do mundo. Não se trata
de acabar com as disciplinas, mas de “estabelecer objetivos e estratégias de ação
mais convergentes para um conjunto de disciplinas que tenham características
comuns” (KAWAMURA e HOSOUME, 2003, p.23).
As DCNEM também discutem a noção de contextualização, indicando que
essa permite “dar significado a qualquer conteúdo curricular, fazendo a ponte entre o
que se aprende na escola e o que se faz, vive e observa no dia-a-dia” (Brasil, 1999).
Um dos pontos de partida da contextualização é tratar os elementos do domínio
vivencial dos alunos, da escola, da comunidade imediata, a fim de dar significado ao
aprendizado e estabelecer diálogo. A partir dessa situação, transcender da prática
imediata para desenvolver conhecimento mais universal.
A contextualização o se restringe ao cotidiano do aluno, mas o
problematiza de modo que esse aluno tenha necessidade de adquirir conhecimentos
que não tenha, e assim “olhar o mundo” com um novo olhar. Ao fazer a
52
contextualização não se pode perder o caráter sistemático da aprendizagem escolar,
o rigor das disciplinas científicas.
Essas idéias encontram ressonância nas idéias de Paulo Freire, quando ele
afirma que “o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de
transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações.”
(FREIRE, 1971, p. 36).
Estes princípios apresentados pelos documentos oficiais se refletem no
ensino de Física. Um ensino realizado mediante apresentação de conceitos, leis e
fórmulas não condiz com a proposta da LDB, pois este tipo de ensino é distanciado
do mundo dos alunos e professores; privilegia a teoria e a abstração em detrimento
de um desenvolvimento gradual da abstração; enfatiza a utilização de fórmulas
desvinculando a linguagem matemática de seu significado físico; insiste na solução
de exercícios repetitivos pretendendo um aprendizado pela automatização;
apresenta o conhecimento como produto acabado; envolve uma lista de conteúdos
extensa de modo a dificultar um diálogo construtivo (BRASIl, 1999, p.229).
Essa visão de ensino, segundo os PCN, é uma deformação estrutural que foi
gradualmente introjetada no sistema escolar e passou a ser tomada como coisa
natural.
O ensino de Física, sob a perspectiva da reformulação do ensino médio, deve
estar voltado para a formação de uma cidadania, e possibilitar uma melhor
compreensão do mundo, capacitar para um aprendizado permanente, ou seja,
completar a formação geral do estudante. Dessa forma, o ensino de sica assume
novas dimensões. Isso significa promover um conhecimento contextualizado,
considerando o mundo vivencial do aluno, sua realidade, os objetos e fenômenos
com que lidam e os problemas e indagações que movem sua curiosidade. O
53
conhecimento da Física deve ser um meio para compreensão do mundo, e também
promover autonomia para aprender.
Para alcançar esses objetivos, é imprescindível desenvolver competências e
habilidades de investigação e compreensão, representação e comunicação,
contextualização social.
Aprender a maneira de lidar com o mundo envolve competências e
habilidades espeficas relacionadas à compreensão e investigação em Física.
São de caráter específico, internas à própria área, explicitam nculos e aspectos
comuns entre a física, química, biologia e matemática.
Reconhecer a existência de uma linguagem própria para esquemas e
representação, composta de símbolos e códigos específicos envolve competências
e habilidades relacionadas à representação e comunicação, e estão associadas à
área de Linguagem e Códigos.
Perceber a sica como construção histórica, como atividade social humana
que emerge da cultura e leva à compreensão de modelos explicativos que não são
únicos nem finais, refere-se contextualização social, e estão associados à área de
Ciências Humanas.
Ainda que a física seja da área de Ciências da Natureza, o seu ensino deve
contemplar as dimensões da linguagem e conteúdo humano-social. Essa inter-
relação é uma das faces da interdisciplinaridade desejada (KAWAMURA e
HOSOUME, 2003, p.24).
Quanto às habilidades e competências desejadas no ensino de física, os PCN
trazem as seguintes orientações:
Representação e comunicação:
Compreender enunciados que envolvam códigos e símbolos físicos.
Compreender manuais de instalação e utilização de aparelhos.
54
Utilizar e compreender tabelas, gráficos e relações matemáticas gráficas para
a expressão do saber físico. Ser capaz de discriminar e traduzir as
linguagens matemática e discursiva entre si.
Expressar-se corretamente utilizando a linguagem física adequada e
elementos de sua representação simbólica. Apresentar de forma clara e
objetiva o conhecimento apreendido, através de tal linguagem.
Conhecer fontes de informações e formas de obter informações relevantes,
sabendo interpretar notícias científicas.
Elaborar sínteses ou esquemas estruturados dos temas físicos trabalhados.
Investigação e compreensão:
Desenvolver a capacidade de investigação física. Classificar, organizar
sistematizar. Identificar regularidades. Observar, estimar ordens de grandeza,
compreender o conceito de medir, fazer hipóteses, testar.
Conhecer e utilizar conceitos físicos. Relacionar grandezas, quantificar,
identificar parâmetros relevantes. Compreender e utilizar leis e teorias físicas.
Compreender a física presente no mundo vivencial e nos equipamentos e
procedimentos tecnológicos. Descobri o “como funciona” de aparelhos.
Construir e investigar situações-problemas, identificar a situação física,
utilizar modelos físicos, generalizar de uma a outra situação, prever, avaliar,
analisar previsões.
Articular o conhecimento físico com conhecimentos de outras áreas do saber
científico.
Contextualização sócio-cultural:
Reconhecer a física enquanto construção humana, aspectos de sua história e
relações com o contexto cultural, social, político e econômico.
Reconhecer o papel da física no sistema produtivo, compreendendo a
evolução dos meios tecnológicos e sua relação dinâmica com a evolução do
conhecimento científico.
Dimensionar a capacidade crescente do homem propiciada pela tecnologia.
Estabelecer relações entre o conhecimento físico e outras formas de
expressão da cultura humana.
Ser capaz de emitir juízos de valor em relação a situações sociais que
envolvam aspectos físicos e/ou tecnológicos relevantes. (BRASIL, 1999,
p.237)
Com o intuito de ampliar as orientações contidas no PCN, os PCN+ trazem
elementos de utilidade para o professor na definição de conteúdos e na adoção de
opções metodológicas, através da proposição de temas estruturadores e sugestões
de diferentes formas e estratégias.
Para o ensino de física os temas propostos o: movimento: variações e
conservações; calor, ambiente e usos de energia; som, imagem e informação;
equipamentos elétricos e telecomunicações; matéria e radiação; universo, Terra e
55
vida. Cada tema é subdividido em unidades temáticas que procuram estabelecer
relações entre as competências específicas e os conhecimentos físicos.
Esse documento além de dar apoio ao professor em seu trabalho, abre um
diálogo sobre o projeto pedagógico escolar. O documento também salienta que os
temas não são uma lista de conteúdos a ser seguida, mas uma proposta de ensino.
Mais recentemente, foram publicadas as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM), com o objetivo de “contribuir para o diálogo entre professor e
a escola sobre a prática docente” (BRASIL, 2006, p.7).
Esse documento apresenta algumas reflexões sobre os PCN e PCN+, no
sentido de aprofundar a compreensão sobre pontos que mereciam esclarecimentos,
tais como competências, habilidades, interdisciplinaridade, contextualização, projeto
de ensino. Discutem-se também os conteúdos do ensino médio e procedimentos
didático-pedagógicos, contemplando as especificidades de cada disciplina do
currículo e a articulação entre as mesmas disciplinas da área de conhecimento. É
um documento que discute questões relacionadas ao currículo escolar e a cada
disciplina.
Os documentos oficiais trazem novas perspectivas para o ensino da física:
uma física para a cidadania, com elementos vivenciais do aluno, e conteúdo atual.
Uma física muito diferente daquela que é unicamente voltada para a preparação
para o vestibular. Trata-se de um ensino de Física incorporado à cultura e percebido
como instrumento indispensável à formação da cidadania.
Espera-se que o ensino de Física, na escola média, contribua para a
formação de uma cultura científica efetiva, que permita ao indivíduo a
interpretação dos fatos, fenômenos e processos naturais, situando e
dimensionando a interação do ser humano com a natureza como parte da
própria natureza em transformação. (BRASIL, 1999, p.229).
56
Para ajudar na formação dessa cultura científica o professor dispõe de
diversos recursos didáticos, mas tradicionalmente apóia-se no livro didático. Sendo
um recurso de relevância no contexto educacional, iremos discutir algumas
potencialidades e limitações desse recurso.
2.4 O Livro Didático: Potencialidades e Limitações
No contexto do sistema educacional brasileiro, desde a sua organização
(criação do Colégio Pedro II em 1837), o livro didático (LD) sempre esteve presente.
Mas foi nos anos 70 do culo XX, período dos projetos educacionais, que os LD
ampliaram sua importância.
O LD tornou-se uma tradição muito forte na educação brasileira. Tradição
sustentada pelo olhar saudosistas dos pais, pela organização escolar como um todo,
pelo marketing das editoras e pelo próprio imaginário que orienta as decisões
pedagógicas do educador (SILVA, 1996).
Ao longo da história da educação no Brasil, o LD tem se constituído em um
poderoso mecanismo de seleção e de organização dos conteúdos e métodos de
ensino (FERREIRA e SELLES, 2003); é o recurso instrucional mais utilizado no
ambiente escolar (NEVES e VALADARES, 2004; AMORIM, 1998; CARNEIRO,
SANTOS e MÓL, 2005); é utilizado pelo professor como “guia de orientação” para o
planejamento, desenvolvimento e avaliação de sua prática pedagógica (MEGID
NETO e FRACALANZA, 2003; NEVES e VALADARES, 2004; CARNEIRO, SANTOS
e MÓL, 2005); para o aluno, o LD é um elemento determinante de sua relação com a
disciplina (CARNEIRO, SANTOS e MÓL, 2005); para a grande maioria da população
brasileira, o LD é o único contato com a leitura (MARTINS e GUIMARÃES, 2002;
ALVARES, 1991).
57
Pesquisadores acadêmicos têm analisado o LD sob diferentes aspectos:
conceitual, industrial, comercial, adoção, utilização, avaliação (PRETTO, 1985;
MOLINA, 1987; MORTIMER, 1988; FREITAG, MOTTA e COSTA, 1997; MEGID
NETO e FRACALANZA, 2003).
O Governo Federal também reconhece a importância do LD, pois desde a
década de 30 do século XX o Ministério da Educação (MEC) vem desenvolvendo, de
forma contínua, uma política para o livro didático. Ao longo do tempo ocorreram
mudanças na concepção, gestão e na forma de execução dos programas, mas a
política do livro didático permanece.
O primeiro programa ministerial de LD, segundo Nabiha (2001), delibera
sobre a liberdade de escolha por partes dos diretores de escolas primárias dos livros
usados na escola. Uma comissão nacional foi criada para examinar e julgar os LD,
segundo critérios ideológicos relacionados à política vigente (ditadura Vargas).
A partir de 1960 é que a política do LD incorpora a idéia de distribuição
maciça dos livros aos alunos. Mas apenas em 1985 foi criado o PNLD (Programa
Nacional do Livro Didático), que tinha por diretrizes: escolha do livro pela escola,
com participação dos professores do grau mediante análise, seleção e indicação
de títulos, universalização do atendimento a todos os alunos do ensino fundamental,
adoção de livros reutilizáveis. (NABIHA, 2001).
Em 1993 foi criado um Grupo de Trabalho encarregado de analisar a
qualidade dos conteúdos programáticos e os aspectos pedagógicos-metodológicos
de livros de séries iniciais mais solicitados no ano de 1991. A análise de tais livros
identificou diversos problemas que iam desde projetos gráficos inadequados até
equívocos conceituais. (NABIHA, 2001).
58
A partir de 1995 aumenta a participação dos professores no processo de
escolha do LD. Com a criação de um Guia contendo resenhas elaboradas por
especialistas, programa do LD pretende propiciar a reflexão e discussão do
processo educativo, mais especificamente sobre o material didático a ser utilizado.
Atualmente estão em vigor três programas federais voltados para o livro
didático, que é distribuído gratuitamente para os alunos de todas as séries da
educação básica da rede pública e para os alunos matriculados em classes do
programa Brasil Alfabetizado:
1. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD);
2. O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM);
3. O Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e
Adultos (PNLA).
Documentos oficiais atestam a importância do LD como material de apoio à
pratica pedagógica, conforme uma de suas publicações: “Os professores sabem que
o livro didático é ferramenta importante na busca dos caminhos possíveis para a sua
prática pedagógica” (BRASIL, 2006).
Dentre os recursos didáticos, o LD assume um papel de destaque na
produção, circulação e apropriação dos conhecimentos científicos. Para Sandrin,
Puorto e Nardi (2005) tal fato ocorre devido ao potencial que os LD têm em
disseminar informações e a facilidade na utilização diária por alunos e professores,
permitindo, consequentemente, ampla penetração na comunidade escolar de todas
as camadas sociais.
Devido a essa capacidade de atingir um grande número de pessoas e da
ampla aceitação na sociedade, surge a necessidade de constante preocupação e
crítica em relação à qualidade do conteúdo do livro didático. Ao propor uma trajetória
59
de ensino ele acaba mesmo por incorporar e propor uma proposta de currículo. Nas
palavras de Olguim:
O livro didático apresenta uma proposta de currículo ao propor uma trajetória
de ensino para o aluno e para o professor, e o currículo proposto pelo livro
didático pode ter uma importância no processo de ensino/aprendizagem, tão
grande quanto mais o curso for calcado na seqüência e nos conteúdos do
livro. (OLGUIM 2005, p. 13)
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o LD incorpora uma grande
potencialidade como instrumento de formação de uma cultura científica na escola
média, indicando caminhos pedagógicos de grande relevância para o trabalho do
professor, ele também sinaliza algumas limitações que serão tanto maior quanto
maior o nível de dependência do professor em relação a ele.
Isso significa que o livro didático deve estar a serviço de um projeto educativo
mais amplo, que certamente implica na utilização de outras tantas
ferramentas/instrumentos pedagógicos. No que diz respeito à ciência, mais do que
elencar fatos e conceitos, ele deveria estar a serviço da explicitação da dinâmica
mesma de construção do conhecimento científico, problematizando situações,
levantando questionamentos, mediando um processo eminentemente dialógico onde
o estudante seja inserido como protagonista do processo educativo.
Como princípio e critério comum para a avaliação de obras didáticas, o
PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio) baseia-se na
premissa de que:
A obra deve auxiliar os professores na busca por caminhos possíveis para
sua prática pedagógica. Esses caminhos não são únicos, posto que o
universo de referências o pode se esgotar no restrito espaço da sala de
aula ou da obra didática, mas atuam como uma orientação importante para
que os professores busquem, de forma autônoma, outras fontes e
experiências para complementar seu trabalho em sala de aula.
(PROGRAMA..., 2007).
60
Certamente que essa perspectiva implica em certo rompimento com o que
poderíamos chamar de “cultura do facilismo”, baseada na idéia de que, uma vez
escolhido o livro didático basta segui-lo “a risca” para que o processo pedagógico na
sala de aula se efetue. Tal procedimento certamente não encontra ressonância com
a idéia de formação de uma cultura científica na escola.
Outro aspecto de grande relevância, também preconizado pelos princípios e
critérios de avaliação do PNLEM diz respeito aos conteúdos e procedimentos
mobilizados pelo texto didático, que devem apresentar compatibilidade e atualização
com os conhecimentos e saberes de referência em suas respectivas áreas. Nesse
programa utilizam-se alguns critérios eliminatórios e classificatórios para as obras
didáticas da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, citados a seguir:
Critérios eliminatórios:
1. A obra NÃO deve apresentar a Ciência moderna como sendo equivalente a
conhecimento, sem reconhecer a diversidade de formas de conhecimento
humano, e NÃO deve apresentar o conhecimento científico como verdade
absoluta ou retrato da realidade. Deve, dessa forma, enfocar a evolução das
idéias científicas, explicitando o caráter transitório e de não-neutralidade do
conhecimento científico.
2. A obra NÃO deve privilegiar somente a memorização de termos técnicos e
definições, não se pautando, portanto, somente por questões de cópia
mecânica ou memorização. O vocabulário científico deve ser usado como um
recurso que auxilie a aprendizagem das teorias e explicações científicas, e
não como um fim em si mesmo. As analogias, metáforas e ilustrações devem
ser adequadamente utilizadas, garantindo-se a explicitação das semelhanças
e diferenças em relação aos fenômenos estudados.
3. A obra deve pautar-se por um princípio de abangência teórica e pertinência
educacional, priorizando os conceitos centrais, estruturadores do pensamento
em cada disciplina ou na área do conhecimento, em vez de privilegiar
conceitos secundários. Visando a uma aprendizagem significativa de tais
conceitos centrais, a obra deve evitar uma visão compartimentalizada e linear
dos mesmos, buscando abordá-los de maneira recorrente, em diferentes
contextos explicativos e situações concretas, em conexão com diferentes
contextos explicativos e situações concretas, em conexão com diferentes
conceitos, favorecendo, assim, a construção de sistemas conceituais mais
integrados pelos alunos.
4. Os experimentos propostos pela obra devem ser factíveis, com resultados
plausíveis, sem transmitir idéias equivocadas de fenômenos, processos e
modelos explicativos. Devem ainda caracterizar adequadamente, de forma
não-dicotômica, a relação teoria/prática; ter uma perspectiva investigativa
(problematizadora/contextualizadora); abordar a questão do descarte de
resíduos envolvidos de modo a considerar o impacto ambiental dos mesmos,
contribuindo, assim, para uma maior consciência ambiental dos alunos e
professores; explicitar eventuais materiais alternativos e a toxicidade
61
indesejada; e priorizar aspectos econômicos de custeio, por meio de
quantidades adequadas de substâncias a serem utilizadas. (BRASIL, 2005 b)
Critérios de Qualificação
1. Será valorizada a obra que propicie condições para a construção de uma
compreensão integradora intradisciplinar, no caso de uma obra disciplinar, ou
interdisciplinar, para obras que abordam várias disciplinas. Espera-se que
uma obra destacada na área de ciências naturais propicie uma articulação de
uma visão de mundo natural e social. Não se deve perder de vista que uma
compreensão integrada o implica a dissolução das disciplinas e áreas do
conhecimento estabelecidas nas ciências.
2. Será valorizada a obra que propiciar condições para a aprendizagem da
Ciência como processo de produção do conhecimento e construção cultural,
valorizando a história das ciências. Contudo, a obra deve evitar a
apresentação do conhecimento científico como uma simples forma alternativa
de ver o mundo, tão válida quanto qualquer sistema de crenças. A
problematização do senso comum deve caracterizar a abordagem dos
conceitos, que devem ser tratados de modo contextualizado, problematizando
questões geradoras da produção do conhecimento.
3. será valorizada a obra que envolver o aluno em atividades que permitam a
formação de um espírito científico, como, por exemplo, atividades em que os
alunos levantem hipóteses sobre fenômenos naturais e desenvolvam
maneiras de testá-las, ou em que eles utilizem evidências para julgar a
plausibilidade de modelos e explicações.
4. Será valorizada a obra que apresentar o conhecimento científico de forma
contextualizada, fazendo uso dos conhecimentos prévios e das experiências
culturais dos alunos.
5. Será valorizada a obra que ressaltar o papel das ciências naturais como
instrumento para a compreensão dos problemas contemporâneos, para a
tomada de decisões, fundamentada em argumentações consistentemente
construídas, e a inserção dos alunos em sua realidade social.
6. Será valorizada a obra que estimular o aluno para que desenvolva
habilidades de comunicação científica, propiciando leitura e produção de
textos diversificados, como artigos científicos, textos jornalísticos, gráficos,
tabelas, mapas, cartazes etc. Outra característica valorizada será o estímulo
ao alunos para que desenvolva habilidades de comunicação oral.
7. Será valorizada a obra que garanta a possibilidade de adaptação da prática
pedagógica às condições locais e regionais, sem detrimento da abrangência
nacional da obra.
8. Será valorizada a obra que apresentar uma variedade de atividades,
destinadas à avaliação de diferentes aspectos do processo cognitivo,
incluindo atividades práticas, de síntese, de investigação etc. a metodologia
deve estimular o raciocínio, a interação entre alunos e professores e o
trabalho cooperativo.
9. Será valorizada a obra que propuser discussões sobre as relações entre
Ciência, Tecnologia e Sociedade, promovendo a formação de um cidadão
capaz de apreciar criticamente e posicionar-se diante das contribuições e dos
impactos da ciência e da tecnologia sobre a vida social e individual. (BRASIL,
2005 b).
Segundo o MEC (2005 b) o contexto educacional contemporâneo exige, cada
vez mais, um professor capaz de suscitar nos alunos experiências pedagógicas
significativas, diversificadas e alinhadas com a sociedade em que estão inseridos.
62
Nessa perspectiva, os materiais de ensino, e em particular o livro didático, têm papel
relevante.
Embora reunindo elementos que buscam uma articulação mais ampla no
trabalho pedagógico com a ciência, reconhecemos a necessidade de identificar em
que medida eles vem cumprindo o papel aqui desenhado de constituição de uma
cultura científica na escola. Este é o objetivo do capítulo seguinte.
Santos (2006) apresenta um instrumento para auxiliar o professor a analisar e
avaliar o livro didático de Química para o Ensino Médio, e para isso, estabeleceu um
conjunto de critérios relacionados aos seguintes aspectos: imagens, aspectos
gráficos-editoriais e textuais, linguagem, livro do professor, atividades experimentais,
aspectos históricos relacionados à construção do conhecimento, abordagem de
aspectos sociais, contextualização dos conceitos e conteúdos da Química e
abordagem metodológica do conteúdo químico.
Os critérios estabelecidos no trabalho da autora acima citada buscam dar
apoio ao professor no processo de escolha do livro didático. No próximo capítulo
também serão apresentados alguns critérios de análise de livros didáticos, mas
nossa intenção é buscar um olhar mais interno, mais constitutivo da formação em
ciência. Nossas categorias tentam traduzir esse objetivo e não instrumento prático
de escolha do livro didático.
63
CAPÍTULO 3
OS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA EM FOCO
3.1 Os livros analisados
No primeiro capítulo deste trabalho buscamos o estabelecimento de bases
teóricas que nos permitissem um olhar analítico por sobre os livros didáticos de
Física que vem sendo utilizados no ensino dio, sempre na perspectiva de
identificação da sua capacidade de formação de uma cultura científica neste nível de
ensino. Em auxílio a essa tarefa, nos apoiamos também no diagrama onde são
apresentadas algumas dimensões relevantes de serem contempladas na
compreensão do processo de formação de uma cultura científica na educação
básica. Tais aspectos deverão nos subsidiar na análise dos livros didáticos
escolhidos.
Considerando a abrangência e importância do Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM), que prevê a universalização do livro didático
para os alunos do ensino médio público de todo o país, julgamos conveniente
restringir nossa análise aos livros pré-selecionados no âmbito do referido programa.
Em 01 de Fevereiro de 2006 foi publicada a Portaria 366, de 31/01/2006,
que divulgou os resultados da avaliação dos Livros Didáticos dos Componentes
Curriculares de Física e Química. No componente Física os livros selecionados
foram listados no quadro seguinte:
64
Obras Selecionadas no PNLEM 2009 - Física
Livro
Volume
Título
Autor(es)
Editora
01
Único
Física
Alberto Gaspar
Ática, SP
02
Único
Física
José Luiz Sampaio
Caio Sérgio Calçada
Atual, SP
03
Único
Física para o Ensino Médio
Aurélio Gonçalves Filho
Carlos Toscano
Scipione, SP
04
Coleção Seriada
(03 Volumes)
Física Ensino Médio
Antônio Máximo Ribeiro Luz
Beatriz Alvarenga
Scipione, SP
05
Coleção Seriada
(03 Volumes)
Física – Ciência e Tecnologia
Carlos Magno Torres
Paulo César Penteado
Moderna, SP
06
Coleção Seriada
(03 Volumes)
Universo da Física
José Luiz Sampaio
Caio Sérgio Calçada
Saraiva,SP
65
Dos livros selecionados podemos observar que os livros 1, 2 e 3 são “volume
único” e os livros 4, 5 e 6 são “coleções seriadas”. Livros didáticos volume único,
segundo o Ministério da Educação (Brasil, 2005) são “livros que apresentam
conteúdo e atividades, num único volume, com o propósito de atender as três séries
que compõem o ensino médio”; e livros didáticos coleção seriada correspondem ao
“conjunto de três volumes destinados ao ensino de a séries do ensino médio,
organizados em torno de uma proposta pedagógica única e de uma seqüência
articulada à séries dessa etapa de escolarização”.
Os conteúdos abordados, seja em coleção seriada seja em volume único,
procuram cobrir os diferentes temas de Física tradicionalmente presentes nos
currículos desse nível de ensino: Mecânica, Termologia, Ótica, Ondas, Eletricidade e
Magnetismo e Física Moderna, sendo este último tópico mais recentemente presente
nos livros. Quando em volume único os temas são, geralmente, apresentados de
maneira mais condensada, o que não significa mais densidade na apresentação dos
conteúdos.
Na perspectiva de identificação do potencial formativo de uma cultura
científica do livro didático de Física, buscou-se num primeiro momento um olhar
panorâmico, uma visão geral dos livros selecionados. Para isso, foram identificados
os temas abordados em cada volume, o número de páginas destinadas a cada tema
e a porcentagem em relação ao total de páginas. Aspectos como atividades
experimentais, tópicos de história da ciência, tópicos que tratam da relação ciência e
tecnologia foram observados nos livros, identificando o número de vezes que tais
aspectos foram abordados; local em que apareciam, sendo considerado box (caixa
de texto), final do capítulo, ao longo do texto ou como texto complementar, e ainda,
de que forma tais aspectos surgem (roteiro, experimento aberto, biografia, fatos
66
marcantes, linha do tempo, aplicação tecnológica, funcionamento de aparatos). A
quantidade e tipo de exercícios também foram levantados. Estas informações foram
agrupadas em tabelas, que se encontram nos apêndices.
Consideramos essa primeira visão importante, pois apresenta como os temas
da Física foram abordados e a valorização de cada tema.
Além do panorama geral dos livros de Física, buscou-se estabelecer critérios
para um olhar mais crítico sobre os mesmos, adotando um conjunto de categorias
analíticas.
3.2 Uma Visão Panorâmica dos Livros
Um olhar panorâmico por sobre os livros selecionados, buscando a descrição
de aspectos gerais, apresentação, organização dos conteúdos, presença de
elementos relacionados à história da ciência, à relação ciência-tecnologia,
atividades experimentais e também à presença de exercícios, nos permitirão o
reconhecimento geral da obra, o que se constitui no objetivo mesmo desse item.
Nessa direção, cada livro foi descrito em separado, estando informações
relevantes apresentadas em uma tabela-síntese. Tabelas reunindo dados mais
detalhados acerca das referidas obras foram remetidas para apêndices ao final do
trabalho.
Em seu edital, o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
estabeleceu um conjunto de normas e padrões gráficos editoriais a serem seguidos
pelas editoras. Segundo esses padrões, o livro didático deve estar claramente
identificado, contendo, no mínimo, as seguintes informações: tulo da coleção ou do
volume único, nome do autor (es), componente curricular e nome da editora.
também especificações técnicas com relação ao formato, capa e miolo do livro.
67
O edital também destaca que o manual dirigido ao professor deve ser
compreendido como parte integrante da obra e deve explicitar fundamentação,
objetivos e pressupostos teórico-metodológicos que nortearam a elaboração do livro.
Segundo Alain Chopin (2004), estudioso dos livros didáticos e de sua história,
um dos elementos do livro didático que revela as intenções ideológicas ou
pedagógicas dos autores são os prefácios. Portanto, ao examiná-los poderemos ter
uma visão do livro, sob o ponto de vista do autor.
Ao elaborar um livro didático, o autor delimita o conteúdo a ser abordado.
Para Gérard e Rogiers (1998), a delimitação do conteúdo é feita a partir da idéia que
o autor faz dos conteúdos-matéria, fundamentado em sua experiência,
conhecimento global do programa e de suas prioridades.
Essa delimitação diz respeito ao conteúdo do livro didático e não aos
conteúdos da aprendizagem conforme representados no currículo. Observando os
sumários podemos identificar a organização do conteúdo do livro, seleção,
distribuição e disposição dos assuntos abordados, subdivisões ao longo do sumário
e mero de páginas destinadas aos mesmos. Os conteúdos-matéria escolhidos
para o livro didático de física indicam uma perspectiva de conhecimento, uma
concepção de ciência, mais especificamente da Física.
Verificar a existência de atividades experimentais ao longo do texto e a forma
como aprecem no mesmo é outro aspecto relevante como elemento de aferição das
potencialidades de educação científica de uma obra didática. O mesmo pode ser dito
com relação a elementos de história da ciência. A relação ciência e tecnologia
também será alvo da nossa atenção, juntamente com os exercícios propostos nos
referidos livros.
68
Tabelas reúnem informações sobre como esses elementos foram tratados em
cada tema abordado no livro. Assim, para os temas da Física tradicionalmente
presentes nos livros do Ensino Médio (Mecânica, Ótica, Ondas, Termologia,
Eletricidade, Magnetismo e Física Moderna) estão agrupadas informações sobre o
número de páginas destinadas a cada tema e a porcentagem em relação ao total de
páginas da obra, quantidade e localização de textos que tratam de atividades
experimentais, história da ciência, relação ciência e tecnologia, exercícios.
Conforme indicado no quadro de livros selecionados no PNLEM, os livros
serão identificados por um número e nome do autor.
LIVRO 1 ( Gaspar)
Trata-se de um volume único de autoria de Alberto Gaspar. Sua edição foi
publicada em 2005 pela editora Ática (SP).
O Livro para o Estudante possui 552 páginas e é editado em cores. O Manual
do Professor possui 208 páginas em preto e branco. Esta obra, assim como todas as
outras selecionadas pelo PNLEM, segue as especificações técnicas do edital, dentre
elas o formato, que deve ser 205 mm x 275 mm.
Além de uma “Apresentação” geral, seguida de um pequeno histórico e
apresentação (extraída de documentos oficiais) dos “Parâmetros Curriculares
Nacionais”, o Manual do Professor reúne um conjunto de “Sugestões para o
Aprimoramento do Professor”, seguida de “Atividades Interdisciplinares e de
Contextualização”, finalizando com “Orientações para o Desenvolvimento de Cada
Capítulo e Resolução dos Exercícios”. Em seguida, cada capítulo do Livro do
69
Estudante é apresentado com comentários e sugestões, descrição de competências
e habilidades contempladas e resolução, passo a passo, dos exercícios propostos.
No Livro para o Estudante, a apresentação é destinada ao aluno e, além de
referir-se a Física como “uma ciência fascinante”, o autor destaca a importância da
mesma para o avanço tecnológico do mundo contemporâneo, afirmando que a
Física é “a ciência que mais tem contribuído para o contínuo avanço tecnológico do
mundo em que vivemos” (Gaspar, 2005, p.3).
O autor sinaliza ainda que a Física é uma ciência que busca o conhecimento
do Universo, mas também se ocupa de todos os ramos da atividade humana,
ressaltando que o conhecimento acumulado ao longo dos séculos foi devido a
inúmeras pessoas que “têm refletido, formulado, e testado as mais variadas idéias,
hipóteses e teorias para descrever e explicar o comportamento da natureza”
(Gaspar, 2005, p.3).
Sobre a obra, o autor ressalta que o texto foi escrito seguindo três
orientações:
1. Apresentação das idéias sica da Física e suas relações com o contexto
do aluno.
2. Conteúdo apresentado de forma lógica, rigorosa, fluente e respeitando
estrutura cognitiva e compreensão do aluno;
3. Conceitos com rigor científico e com aplicações “práticas e teóricas”.
Destaca ainda o papel das atividades experimentais, sempre apresentadas ao
final de cada capítulo, e a dimensão de aprendizado contida no processo de
resolução de exercícios.
70
No que diz respeito à organização dos conteúdos, o livro “Física” está dividido
em 4 unidades, e conforme os dados apresentados nas tabelas 7, 8, 9 e 10, a
porcentagem em relação ao total de páginas destinada a cada unidade:
Unidade 1 – Mecânica, 35,3%;
Unidade 2 – Ondas e ótica, 20,7%;
Unidade 3 – Termodinâmica, 12,7%;
Unidade 4 – Eletromagnetismo, 23,6%.
As unidades estão divididas em 46 capítulos e mais um capítulo introdutório
intitulado “O que é Física” e um capítulo final, “Física Moderna”, que procura
apresentar um panorama da Física do século XX.
Segundo o autor, “a seleção e a seqüência dos conteúdos tiveram como
critério básico adequar o nível de complexidade exigido para a abordagem dos
conteúdos ao nível de desenvolvimento cognitivo do aluno e à sua provável base
matemática”
4
(Gaspar, 2005, p.03).
Aspectos históricos da ciência de uma maneira geral e particularmente da
Física, foram apresentados ao longo do texto e também em caixas de texto em
destaque, caracterizadas aqui como “box”. Nesse caso específico chama atenção,
conforme mostra a tabela 1, a existência de um único box destinado à história da
ciência nos capítulos destinado à ótica e ondas, assim como nos capítulos
destinados ao eletromagnetismo.
Os textos que relacionam ciência e tecnologia aparecem em box, sempre com
o título “Tecnologia”. Podemos observar, conforme a tabela 1, que ao tratar o tema
Mecânica, o nenhuma referência à essa relação; e ao tratar os temas ótica,
ondas e eletromagnetismo há somente duas referências para cada tema.
4
GASPAR, Alberto. Física volume único – Manual do professor, 1ª edição. São Paulo: Ática, 2007. p. 03.
71
Os exercícios (resolvidos e propostos) são apresentados sob o título Para
você pensar e Para você resolver”. Em alguns dos exercícios resolvidos
comentários sobre as respostas obtidas. Ao final do capítulo há uma seção de
exercícios de vestibular, sob o título “Para você concluir e analisar”. É nítido o
contraste, em termos de quantidade, comparativamente aos outros aspectos
estudados. Afinal de contas, o que se pretende exercitar tendo em vista a ausência
dos aspectos considerados?
A tabela abaixo busca apresentar de maneira sintética a distribuição dos
conteúdos do livro com destaque para alguns elementos acima comentados.
Maiores detalhes podem ser encontrados nas tabelas reunidas no apêndice.
TEMAS MECÂNICA
ONDAS E
ÓTICA
TERMO
DINÂMICA
ELETRO
MAGNETISMO
NÚMERO DE PÁGINAS
195 114 70 130
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE PÁGINAS
35,3 20,7 12,7 23,6
QUANTIDADE 24 15 7 14
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
LOCALIZAÇÃO
Final do
capítulo
Final do
capítulo
Final do
capítulo
Final do
capítulo
QUANTIDADE 3 1 2 1
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
LOCALIZAÇÃO
Ao longo do
texto
Box
Box Box
Ao longo do
texto
Box
QUANTIDADE 0 2 1 2
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
LOCALIZAÇÃO
Box Box Box
QUANTIDADE 490 244 156 256
EXERCÍCIOS
TIPO
Resolvido,
Para você
resolver, Para
você pensar,
Para você
analisar e
concluir
Resolvido,
Para você
resolver, Para
você pensar,
Para você
analisar e
concluir
Resolvido,
Para você
resolver, Para
você pensar,
Para você
analisar e
concluir
Resolvido,
Para você
resolver, Para
você pensar,
Para você
analisar e
concluir
Tabela 1 Distribuição dos Conteúdos Livro 1 - Física, Volume Único, Alberto Gaspar, Edição,
Ed. Ática, SP, 2005.
72
LIVRO 2 (Sampaio e Calçada)
A editora Atual publicou a segunda edição do livro “Física” de autoria de José
Luiz Sampaio e Caio Sérgio Calçada em 2005. Organizado como Volume Único o
livro para o estudante tem 472 ginas, editado em cores, e o manual do professor
tem 128 páginas, em preto e branco.
Além de uma apresentação geral, onde os autores situam a obra como “um
importante material de apoio que auxilie no processo de ensino-aprendizagem”
(Sampaio e Calçada, 2005), o Manual do Professor transcreve trechos de
documentos oficiais norteadores do Ensino Médio no Brasil. Apresenta ainda a
“Estrutura da Obra”, enfocando suas características gerais e objetivos. Sugestões
de conteúdos para cada série com indicações de número de aulas adequado para a
sua abordagem são apresentadas, seguidas de comentários e sugestões gerais,
além de uma tabela indicando pontos de contextualização e conexão entre
diferentes tópicos de Física. Logo após são recomendadas algumas leituras visando
o aprofundamento em Física pelo professor e também alguns sites na internet
relacionados à temática da Física. Ao final, é apresentada a resolução dos
exercícios propostos em cada unidade do livro para o estudante.
Na apresentação do livro para o estudante os autores destacam a
recomendação dos educadores quanto à necessidade de uma formação básica
geral envolvendo as principais áreas do conhecimento (ciências naturais,
matemática, línguas e ciências humanas) com o objetivo de ingressar no mercado
de trabalho e exercer cidadania. Para atingir tais objetivos o livro apresenta os
principais tópicos da Física, visando formação geral, e fornece subsídios para o
exame de vestibular. Comentam que a linguagem utilizada é simples e no texto
73
aparecem vários experimentos e leituras de aplicação e ligação com o cotidiano, e
ainda, em vários capítulos aparecem leituras envolvendo história da física. Reforçam
a quantidade de exercícios de aplicação, questões de vestibulares e do Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio).
No que diz respeito à organização dos conteúdos a obra está dividida em 06
unidades, e a porcentagem em relação ao total de páginas, conforme tabela 2,
destinadas a cada tema são:
Unidade 1 – Mecânica; 33,7%
Unidade 2 – Termologia; 8,3%
Unidade 3 – Óptica; 8,3%
Unidade 4 – Ondas; 4,2%
Unidade 5 – Eletricidade; 26,3%
Unidade 6 – Física Moderna; 6,8%.
No total são 74 capítulos em que esses temas são apresentados.
As atividades experimentais aparecem em alguns capítulos na forma de box e
sempre é recomendado a utilização de materiais simples. Conforme tabela 2, em
toda a obra são sugeridas 13 atividades experimentais.
Aspectos históricos são apresentados em quadros de leitura (box) em sua
grande maioria, sendo que em alguns capítulos ao longo do texto o feitas
menções à acontecimentos relacionados à história da Física. Chama atenção,
conforme mostra tabela 2, esse aspecto não ser abordados nos temas Ótica, Ondas
e Física Moderna.
Textos que relacionam a ciência à tecnologia aparecem em alguns capítulos,
na forma de box, com o título “Cotidiano e Aplicações”. Em toda a obra aparecem
apenas 4 boxes que tratam da relação ciência tecnologia, conforme mostra tabela 2.
74
Ao longo do texto são apresentados exercícios resolvidos e exercícios
propostos. Ao final do livro um capítulo com questões do Enem (Exame nacional
do ensino médio) e questões de vestibulares.
O quadro abaixo apresenta a distribuição de conteúdos da referida obra.
Maiores detalhes podem ser encontrados nas tabelas reunidas no apêndice:
TEMAS MECÂNICA
TERMO
LOGIA
ÓTICA ONDAS
ELETRICI
DADE
FÍSICA
MODERNA
NÚMERO DE PÁGINAS
159 39 39 20 124 32
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE
PÁGINAS
33,7 8,3 8,3 4,2 26,3 6,8
QUANTI
DADE
5 1 3 1 3 0
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
LOCALIZA
ÇÃO
Box Box Box Box Box
QUANTI
DADE
2 2 0 0 1 0
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
LOCALIZA
ÇÃO
Box
Box
Ao longo
do texto
Box
QUANTI
DADE
2 2 0 0 0 0
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
LOCALIZA
ÇÃO
Box Box
QUANTI
DADE
258 67 48 28 246 22
EXERCÍCIOS
TIPO
Resolvido,
propostos
Resolvido,
Propostos
Resolvido,
Proposto
Resolvido,
Proposto
Resolvido,
Proposto
Resolvido,
Proposto
Tabela 2 - Distribuição dos Conteúdos Livro 2 Física, Volume Único, Sampaio e Calçada, Ed.
Atual, SP, 2005.
75
LIVRO 3 (Gonçalves Filho e Toscano)
Também com o título “Física”, o volume único elaborado por Aurélio
Gonçalves Filho e Carlos Toscano, teve a sua edição (2ª impressão) publicada
em 2002 pela editora Scipione. O livro para o estudante possui 472 páginas, é
colorido e o Manual do professor possui 112 páginas, em preto e branco.
As orientações destinadas ao professor receberam o sugestivo nome
Assessoria Pedagógica”, e contém, além de orientações teórico-metodológicas, a
sua estrutura geral, indicações de atualização, detalhamento do curso, projetos,
resolução de exercícios, textos suplementares sugestões de filmes e séries,
bibliografia e também algumas questões acerca da avaliação, incluindo sugestões
de diferentes instrumentos para tal fim. Os autores ressaltam o fato de que a obra foi
fundamentada em pesquisas e discussões sobre as tendências do ensino de sica
no Brasil e no mundo e sobre a experiência docente acumulada por eles enquanto
professores. Indicam como trabalhar com o livro e fazem sugestão de planejamento
para curso com carga horária de 2 horas-aulas semanais e 3 horas-aulas semanais.
Fazem proposta de 03 projetos a serem desenvolvidos com os alunos, sendo cada
projeto destinado a uma série do ensino médio.
Na apresentação do livro destinado ao estudante os autores chamam a
atenção para a convivência dos mesmos com grande número de fenômenos e
utilização de produtos cuja construção e princípios de funcionamento baseiam-se no
conhecimento tecnológico elaborado pela Física. Devido a estas circunstâncias, a
proposta do livro é estabelecer uma ligação entre o conjunto de informações que os
alunos têm acesso e o conhecimento sistematizado pela Física.
76
O livro é dividido em 4 partes: Mecânica, Física rmica e óptica, Eletricidade
e Magnetismo e Capítulos complementares, compondo, no total, 21 temas.
Conforme a tabela 3, o número de páginas destinadas a cada tema é praticamente o
mesmo.
Sobre essa estrutura, os autores comentam que este formato tem o objetivo
de “privilegiar um contato maior com as teorias mais importantes da Física,
permitindo que sejam percebidas, também, como parte de um corpo de
conhecimento”
5
(Gonçalves Filho e Toscano, 2007).
As atividades experimentais fazem parte do texto básico, sendo que em
alguns capítulos são sugeridas mais de uma atividade experimental e em outros
capítulos não sugestões. Em toda a obra são sugeridas 33 atividades
experimentais, de acordo com tabela 3.
Aspectos históricos também fazem parte do texto básico. Em alguns capítulos
na seção “Texto e Interpretação” elementos históricos adicionais são acrescentados
com maior aprofundamento.
A relação ciência-tecnologia é discutida ao longo do texto e também em texto
complementar, sendo que neste último caso os autores o fazem com maior
freqüência.
Ao longo do texto o propostos exercícios, valendo ressaltar que a obra não
apresenta exercícios resolvidos. Ao final do livro um capítulo com listas de exercícios
para cada capítulo é introduzido, mesclando exercícios de vestibular, questões e
exercícios numéricos.
5
GONÇALVES FILHO, Aurélio e TOSCANO, Carlos. Física – assessoria pedagógica. São Paulo: Scipione,
2002. p.7.
77
É a seguinte a distribuição dos conteúdos nesta obra, considerando que
maiores detalhes podem ser encontrados nas tabelas reunidas no apêndice:
TEMAS MECÂNICA
FÍSICA
TÉRMICA
E ÓTICA
ELETROMAGNETISMO
NÚMERO DE PÁGINAS
110 129 110
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE PÁGINAS
23,3 27,3 23,2
QUANTIDADE 6 15 12
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
LOCALLIZAÇÃO
Ao longo do texto
Ao longo do
texto,
Texto
complementar
Ao longo do texto
QUANTIDADE 1 10 2
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
LOCALLIZAÇÃO
Ao longo do texto
Ao longo do
texto,
Texto
complementar
Ao longo do texto
QUANTIDADE 3 5 6
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
LOCALLIZAÇÃO
Texto
Complementar
Ao longo do
texto,
Texto
complementar
Ao longo do texto,
Texto complementar
QUANTIDADE 194 220 185
EXERCÍCIOS
TIPO
Exercícios,
Questões
Exercícios,
Questões
Exercícios,
Questões
Tabela 3 - distribuição dos conteúdos Livro 3 - Física, Volume Único, Gonçalves Filho e Toscano,
Ed.Scipione, 2005.
78
LIVRO 4 (Máximo e Alvarenga)
A coleção “Física Ensino Médio” de Antônio Máximo Ribeiro da Luz e Beatriz
Alvarenga é uma coleção seriada em três volumes. Sua edição foi publicada em
2007 pela editora Scipione. O livro para o estudante, volume 1, possui 376 páginas;
o volume 2 possui 400 páginas e o volume 3 possui 416 páginas. O suplemento para
o professor, a exemplo do Livro 3 (Gonçalves Filho e Toscano) também é intitulado
Assessoria Pedagógica, possuindo 152 páginas.
O suplemento para o professor inicia com algumas considerações dos autores
sobre a proposta da obra, ressaltando que nas edições mais recentes foram
incorporados elementos dos trabalhos de pesquisa em Ensino de Física. o feitas,
ainda, considerações sobre a seqüência de tópicos abordados, aspectos gerais e
características da obra. Um outro texto é destinado a comentários sobre os
documentos oficiais do Ensino Médio e o Ensino de Física. uma extensa
bibliografia e páginas da internet recomendadas aos professores para informações e
pesquisas. sugestão para o planejamento do curso considerando carga horária
de 2 horas-aulas/semana e curso com carga horária de 3 horas-aulas/semana. Logo
após é feita uma abordagem de cada capítulo do livro para o estudante. A
abordagem dos capítulos inicia-se com pequeno texto com sugestões e
recomendações e depois a resolução dos exercícios propostos no livro para o
estudante.
Na apresentação do livro para o estudante os autores relatam a preocupação
em tornar o curso de Física interessante e agradável. Destacam a importância desta
ciência tanto para os alunos que pretendem continuar estudos em carreira ligada às
ciências quanto para àqueles que seguirão outras carreiras, pois os conhecimentos
79
de Física são ‘complemento indispensável’ à formação cultural do homem moderno,
em virtude do desenvolvimento científico e tecnológico do mundo atual. Destacam
que as leis da Física são modelos que procuram traduzir a harmonia e organização
presentes na natureza, e ainda que o conhecimento físico foi construído através de
“árduos esforços” de cientistas.
Logo após são dadas orientações de uso do livro, tais como a importância da
leitura do texto, resolução dos exercícios e realização das experiências.
A obra “Física Ensino Médio” apresenta uma estruturação de temas que está
organizada da seguinte forma: O volume 01 trata os conteúdos de mecânica,
distribuídos em 04 unidades: Introdução, Cinemática, Leis de Newton e Leis de
conservação. O volume 02 aborda os conteúdos de termologia, ótica e ondas,
distribuídos em 04 unidades: Leis de conservação, temperatura –dilatação gases,
Calor, Ótica e ondas. O volume 03 trata os conteúdos de eletromagnetismo,
distribuídos em 03 unidades: Campo e potencial elétrico, Circuitos elétricos de
corrente contínua e Eletromagnetismo.
Sobre essa seqüência de tópicos abordados, os autores fazem o seguinte
esclarecimento: “optamos por seguir a linha tradicional, mais comum aos cursos de
Física, que não criam uma guinada muito forte para professores e também para os
alunos que estão enfrentando um curso de Física pela primeira vez”
6
. (Máximo e
Alvarenga, Ed. Scipione, SP, 2007).
As sugestões de atividades experimentais são apresentadas ao final de cada
capítulo, numa seção denominada “algumas experiências simples”. Nessa coleção
ênfase nas atividades experimentais, pois, conforme tabela 4, em toda a coleção
foram sugeridas 125 atividades.
6
MÁXIMO, Antônio e ALVARENGA, Beatriz. Física – Assessoria Pedagógica. São Paulo: Scipione, 2007,
p.05.
80
Aspectos históricos foram apresentados em praticamente todos os capítulos,
sendo a grande maioria, em quadros de leitura (box). Alguns capítulos apresentaram
tais aspectos ao longo do texto e como texto complementar. De acordo com tabela
4, foram apresentados ao todo 48 textos.
As relações entre ciência e tecnologia são apresentadas em caixas de textos
ou em texto complementar, numa seção chamada “tópico especial”.
Chama atenção a quantidade de exercícios apresentada em toda a coleção;
conforme tabela 4, somente no volume 3 são sugeridos 1024 exercícios!
A distribuição dos conteúdos em relação aos elementos observados é
apresentada na tabela abaixo. Maiores detalhes podem ser encontrados nas tabelas
reunidas no apêndice.
TEMAS
VOLUME 1
MECÂNICA
VOLUME 2
TERMOLOGIA,
ONDAS, ÓTICA
VOLUME 3
ELETROMAGNETISMO
NÚMERO DE PÁGINAS
376 400 416
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE
PÁGINAS DA COLEÇÃO
31,5 33,6 34,9
QUANTIDADE
37 51 37
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
FORMA Final do capítulo Final do capítulo Final do capítulo
QUANTIDADE
13 19 16
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
FORMA
Box e Texto
complementar
Box, texto
complementar e
ao longo do texto
Box,
texto complementar
QUANTIDADE
5 6 7
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
FORMA
Box e Texto
complementar
Box, texto
complementar e
ao longo do texto
Box,
texto complementar
QUANTIDADE
830 1008 1024
EXERCÍCIOS
TIPO
Exemplos, fixação,
revisão, problemas,
testes, problemas
suplementares
Exemplos,
fixação, revisão,
problemas,
testes, problemas
suplementares
Exemplos, fixação,
revisão, problemas,
testes, problemas
suplementares
Tabela 4 Distribuição dos Conteúdos Livro 4 - Física Ensino Médio, volume 1, 2, 3, Máximo e
Alvarenga, Ed. Scipione, SP, 2007.
81
LIVRO 05 (Torres e Penteado)
A coleção seriada Física, ciência e tecnologiade autoria de Paulo César M.
Penteado e Carlos Magno A. Torres teve a sua 1ª edição foi publicada em 2005 pela
editora Moderna. O volume 1 do livro para o estudante possui 230 páginas; o volume
02 possui 214 páginas e o volume 03 tem 262 páginas. O suplemento para o
professor possui 32 páginas.
O suplemento para o professor inicia com apresentação das intenções dos
autores ao escrever a coleção. A seguir é apresentado um trecho dos Parâmetros
Curriculares Nacionais que trata das habilidades e competências a serem
desenvolvidas no ensino de Física. Os autores apresentam as características da
coleção, sugestões para utilização e discutem o processo de avaliação de
desempenho dos alunos. A seguir são indicados alguns locais para informações
sobre educação, sites da internet e referências bibliográficas. Após explanação dos
aspectos gerais são feitos comentários do livro para o aluno, iniciando com os
objetivos e conceitos principais de cada capítulo, sugestão de algumas estratégias
didáticas e apresentada a resolução dos exercícios.
No livro para o estudante os autores apresentam a obra indicando que se
trata de um trabalho que procura mostrar a presença da Física no dia-a-dia, na mídia
e nas aplicações tecnológicas.
Destacam que conhecimentos relacionados à Física podem contribuir para a
formação da cidadania, uma vez que, é importante que o estudante tenha um
posicionamento sobre as conseqüências que as tecnologias podem trazer à
sociedade.
82
Os assuntos tratados ao longo da coleção estão distribuídos da seguinte
forma:
Volume 01: cinemática, dinâmica, estática, hidrostática e gravitação;
Volume 02: termologia, termodinâmica, ondas e óptica geométrica;
Volume 03: estática, eletrodinâmica, eletromagnetismo e física moderna.
A obra apresenta um “box” denominado Proposta Experimental”, que traz
sugestões de experimentos a serem realizados pelos alunos, com a utilização de
materiais simples. De acordo com tabela 5, em toda coleção foram sugeridas 27
atividades experimentais.
Aspectos históricos da Física e da ciência são apresentados ao longo do
texto, como citações de fatos históricos ou biografias.
A relação ciência e tecnologia é discutida ao longo do texto numa seção
denominada “Aplicação Tecnológica” e em textos complementares.
83
A tabela abaixo sintetiza a distribuição dos conteúdos. Maiores detalhes
podem ser encontrados em tabelas reunidas no apêndice.
TEMAS
VOLUME 1
MECÂNICA
VOLUME 2
TERMOLOGIA,
ONDAS, ÓTICA
VOLUME 3
ELETROMAGNETISMO
NÚMERO DE PÁGINAS
230 214 262
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE
PÁGINAS DA COLEÇÃO
32,6 30,3 37,1
QUANTIDADE
14 7 6
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
FORMA Box Box box
QUANTIDADE
5 7 12
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
FORMA
Ao longo do
texto
Ao longo do
texto,
texto
complementar.
Ao longo do texto
QUANTIDADE
12 10 14
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
FORMA
Box,
longo do texto
box
Box,
ao longo do texto
QUANTIDADE
511 495 303
EXERCÍCIOS
TIPO
Resolvido,
resolva no
caderno
Resolvido,
resolva no
caderno
Resolvido,
resolva no caderno
Tabela 5 distribuição dos conteúdos Livro 5 - Física ciência e tecnologia, volume 1, 2, 3, Torres e
Penteado, Ed. Moderna, SP, 2005.
84
LIVRO 06 ( Sampaio e Calçada – Volume Seriado)
A coleção “Universo da Física” é de autoria de Jo Luiz Sampaio e Caio
Sérgio Calçada, os mesmos autores do Livro 1 (obra que tem a sua organização em
volume único). A edição utilizada foi a 2ª, publicada em 2005 pela editora Atual.
O livro para o estudante, volume 01 possui 456 páginas; o volume 02 tem
520, e volume 03 possui 500 páginas. O manual do professor possui 32 páginas.
O “Suplemento para o Professor” traz o perfil dos autores, indicando a
formação acadêmica dos mesmos e suas atividades docentes. Apresenta as
intenções dos autores ao escrever a coleção. A seguir o apresentadas
transcrições de trechos dos documentos oficiais que norteiam o ensino médio no
Brasil. Logo após são apresentados os objetivos gerais da obra e sua estrutura. São
recomendados alguns livros ao professor e indicados alguns sites de sica. Outro
texto traz comentários específicos da obra, com apresentação detalhada da
estrutura e delimitação dos objetivos específicos. Em seguida os autores fazem
sugestões sobre a abordagem de alguns capítulos e atividades diferenciadas. É
apresentada uma tabela com indicação da página do livro em que aparece
contextualização e conexão entre tópicos de Física. Cada capítulo do livro para o
estudante é comentado, inicialmente com algumas orientações e após é
apresentado resolução de alguns exercícios propostos.
Na apresentação do livro para o estudante os autores destacam a importância
da aquisição de uma cultura geral para o exercício pleno da cidadania, e situam os
conhecimentos em Física fazem como parte dessa cultura. Enfatizam que a coleção
trata de uma obra não de Física, mas também sobre a sica”. Em seguida
apresentam a estrutura geral da obra, organizada da seguinte forma: O volume 01
85
trata os conceitos de mecânica, distribuídos em 03 unidades: introdução à física,
cinemática e dinâmica. O volume 02 trata os conteúdos de hidrostática, termologia e
óptica, distribuídos em 04 unidades: tópicos especiais de mecânica, fluidomecânica,
termologia e óptica geométrica. O volume 03 trata os conteúdos de ondulatória,
eletromagnetismo e física moderna, distribuídos em 04 unidades: circuitos elétricos,
eletrostática, magnetismo e ondulatória, física moderna.
Sobre a seqüência de tópicos abordados, os autores dizem que “a distribuição
desses conteúdos segue a linha já consagrada pelo mercado”
7
(Sampaio e Calçada,
Coleção Seriada, Ed. Atual, SP, 2005).
As sugestões de atividades experimentais são apresentadas em caixas de
texto, denominadas “Você pode fazer”.
Os aspectos históricos da física e da ciência, de modo geral, foram
apresentados em caixas de texto e ao longo do texto. As caixas de texto que
tratavam o assunto foram intituladas “Física no seu devido tempo”.
As relações entre ciência e tecnologia são apresentadas ao longo do texto
didático e também em caixas de texto. Nesse caso específico, chama atenção que
no tópico mecânica não há nenhuma referencia a essa relação, conforme tabela 6.
7
SAMPAIO, José Luiz e CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da Física: Manual do professor. São Paulo: Atual,
2005, p.10.
86
Distribuição dos conteúdos em relação aos elementos observados. Maiores
detalhes podem ser encontrados nas tabelas reunidas no apêndice.
TEMAS
VOL 1
MECÂNICA
VOL 2
HIDROSTÁTICA,
TERMOLOGIA
E ÓPTICA
VOL 3
ONDULATÓRIA,
ELETROMAGNETISMO
NÚMERO DE PÁGINAS
456 520 500
% EM RELAÇÃO AO TOTAL DE
PÁGINAS DA COLEÇÃO
30,9 35,2 33,9
QUANTIDADE
6 16 17
ATIVIDADES
EXPERIMENTAIS
FORMA box box
box
ao longo do texto
QUANTIDADE
3 18 5
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
FORMA
ao longo do texto
box
ao longo do texto
box
ao longo do texto
box
QUANTIDADE
0 6 5
RELAÇÃO CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
FORMA
ao longo do texto
box
ao longo do texto
box
QUANTIDADE
925 1508 1317
EXERCÍCIOS
TIPO
exemplo,
aplicação,
reforço, desafios
e aprofundamento
exemplo,
aplicação,
reforço, desafios
e aprofundamento
exemplo, aplicação, reforço,
desafios e aprofundamento
Tabela 6 distribuição dos conteúdos Livro 6 - Universo da Física, volume 1, 2, 3, Sampaio e
Calçada, Ed. Atual, SP, 2005.
87
3.3 Construindo Novas Categorias Analíticas: A Busca por um Novo Olhar
A seção anterior mostrou uma visão panorâmica dos livros didáticos de Física
aprovados pelo PNLEM, o que nos permitiu um conhecimento geral acerca das
referidas obras. No entanto, faz-se necessário a busca por um novo olhar que nos
permita aferir a capacidade formativa de uma cultura científica na escola média a
partir da contribuição dos livros didáticos.
Buscando estabelecer critérios que nos permitissem, além do panorama geral
dos livros de Física, um olhar crítico sobre os mesmos na sua maneira de entender e
tratar a ciência, adotamos um conjunto de categorias analíticas a partir das quais
pudéssemos nos posicionar acerca das suas potencialidades e limitações no
processo de formação de uma cultura científica.
Quando no capítulo 1 fizemos uso de um diagrama que buscava explicitar
aspectos considerados relevantes na construção de uma cultura científica na
educação básica, discutimos importantes dimensões constitutivas da ciência
considerando as relações de complementaridade existentes entre aquilo que
caracterizamos como Conceitos Científicos e Natureza da Ciência. No que diz
respeito à natureza da ciência, aspectos epistemológicos, filosóficos e históricos
indicam um processo de compreensão crítica da ciência a partir da explicitação dos
seus fundamentos constitutivos, da validade dos seus argumentos e o contexto da
sua produção. Assim, ao estabelecer categorias para análise do livro didático,
procuramos observar se estes apresentam elementos que indicam uma concepção
adequada da ciência, suas potencialidades e limitações, e do processo de
construção do conhecimento científico.
Sem estabelecer dicotomias, e ainda sob a perspectiva da
complementariedade, foi possível identificar duas vertentes de categorias que
88
poderiam nos auxiliar na composição daquilo que denominamos um novo olhar por
sobre os livros didáticos de Física: uma vertente pedagógica e uma vertente
epistemológica.
Assim é que, abrigando aspectos mais propriamente pedagógicos do
processo educativo surgiram as categorias Dialogicidade e Protagonismo
Discente. Sob uma perspectiva epistemológica as categorias utilizadas foram a
Dimensão Histórica e Dimensão Empírica da Ciência e Relação Ciência-
Tecnologia.
3.3.1 Dialogicidade
A Dialogicidade enquanto categoria analítica surge aqui referenciada na
perspectiva pedagógica de Paulo Freire e pressupõe o entendimento do processo
educativo como essencialmente comunicativo, uma comunicação que se estabelece
entre educador e educando e entre ambos e a realidade que os cerca. Para Freire “a
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (FREIRE, 1971, p. 69). Nesta compreensão do processo educativo, o
livro didático deve desempenhar importante papel propondo mediações significativas
dos atores do processo com essa mesma realidade.
Como elemento básico do processo de formação cultural na educação básica,
o livro didático deve ser concebido numa perspectiva dialógica, o que significa eleger
a comunicação como seu elemento fundante. Acerca do diálogo, Freire faz a
seguinte observação:
O que se pretende com o diálogo, em qualquer hipótese, é a problematização
do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade
concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la,
explicá-la, transformá-la. (FREIRE, 1971, p. 52).
89
Para que este processo se efetive, faz-se necessário uma atenção cuidadosa
ao nível de discurso e aos signos lingüísticos, utilizados no processo de
comunicação que a obra pretende estabelecer. É também de Freire o alerta de que
“a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro
significativo comum ao outro sujeito.” (FREIRE, 1971, p. 67).
Podemos compreender a dinâmica do processo dialógico em busca do
conhecimento como fundada em dos momentos básicos: o primeiro como sendo
aquele em que o homem simplesmente capta a presença das coisas, sem desvelá-
las em suas relações autênticas, o que para Freire ainda não constitui
conhecimento verdadeiro”, caracterizando o domínio da mera opinião ou doxa”. A
doxa”, no dizer de Eduardo Nicol, “ainda que chegue a ser coerente, não traduz a
coerência objetiva das coisas. o aspira sequer a ser verificada, ou seja,
compreendida por motivos racionais e não emocionais.” (NICOL apud
LARANJEIRAS, 1994, p.17). O segundo nível seria aquele em que o homem busca
“desvelar” a sua realidade imediata em suas razões primeiras. Aqui poderíamos
localizar o ápice do processo de aprendizagem, momento no qual o indivíduo
transpõe os limites das suas percepções iniciais em torno do objeto de
conhecimento, num processo de progressiva determinação e aperfeiçoamento de
relações. Este momento inaugura a “episteme”, para a qual, que segundo Heller
Conhecer um fenômeno o significa simplesmente poder reagir ante ele (ou
saber produzi-lo), mas conhecer as conexões que o ligam a outros
fenômenos, captar o lugar que ocupa no sistema de outros fenômenos.
(HELLER apud LARANJEIRAS, 1994. p.18).
Esse modo de compreender o processo de conhecimento encontra
ressonância no pensamento de Bachelard, que reforça esta necessidade apontada
por Freire de superação da doxacomo forma desarmada de conhecimento frente
ao mundo, em favor da episteme”. Em sua obra “A Formação do Espírito
90
Científico”, Bachelard defende a idéia de que todo conhecimento é resposta a uma
pergunta e se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico.
Partindo dessa perspectiva, um texto didático deve estimular a capacidade
investigativa do aluno, desenvolver uma postura de busca do conhecimento, de
modo que ele assuma a condição de agente na construção do seu conhecimento
(VASCONCELOS e SOUTO, 2003, p.93).
Um texto didático com postura dialógica, precisa apresentar questões
capazes de desencadear um processo investigativo, Não se trata aqui de questões
visando aferir o dito no texto, mas questões que proponha ao aluno a
problematização do mundo, da sua realidade.
O diálogo conduz a outras atividades, propõe ao estudante a busca de
conhecimento. Estimula o desenvolvimento da autonomia intelectual. Diálogo não é
conversa com o professor e/ou com outros estudantes, mas é diálogo interno
dentro da própria construção do conhecimento. Para Bachelard se não houver esse
diálogo, não há superação de obstáculos e, portanto, não haverá ruptura.
Elementos históricos e empíricos propiciam a dialogicidade. Por exemplo,
aspectos da história da ciência reforçam a dimensão dialógica do texto; atividades
experimentais têm o papel de explicitar a dimensão empírica da ciência ao
estabelecerem diálogo com a própria realidade, e isso ocorre na medida em que o
estudante coleta dados, organiza informações, controla variáveis, analisa resultados.
3.3.2 Protagonismo discente
Se, como propõe Freire, adotamos uma perspectiva em que “conhecer é
tarefa de sujeitos, não de objetos” (FREIRE, 1971, p.27), o protagonismo do
estudante deve ser considerado prioritário. A atitude consciente do indivíduo frente
91
ao ato de conhecer é a única capaz de instrumentalizá-lo em sua ação
transformadora da realidade. Estamos diante de uma concepção onde o
conhecimento é percebido em sua natureza “construtiva”, como resultado de uma
elaboração do pensamento, fruto da ação do sujeito, protagonista mesmo do
processo educativo.
Essa confrontação com o mundo, com a realidade, faz do homem um agente,
um protagonista. No contexto educacional, o estudante inserido no processo de
busca de conhecimento, e da relação deste com a realidade, com o seu mundo
vivencial. Esse é o sentido para protagonismo discente.
No processo educativo Freire destaca que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p.47). Nesse sentido, o texto didático deve estar
comprometido com o estímulo à capacidade investigativa do estudante, apresentar
situações em que o aluno problematize o conhecimento adquirido, estimular a
reflexão crítica sobe o ato de conhecer.
Um texto didático pode incentivar o protagonismo discente ao contextualizar
adequadamente o conteúdo e problematizar, de modo inteligente, os conceitos. Isso
significa não trazer conceitos prontos e acabados, mas abrir espaço para
questionamento, para confronto com suas “experiências primeiras”, conforme
preconiza Bachelard. Assim sendo, os estudantes poderão sentir-se desafiados e
também descobrir que os conteúdos curriculares podem ter significados em suas
vidas.
92
3.3.3 Dimensão empírica
A realização de experimentos como estratégia de ensino é defendida por
muitos autores, e o seu uso tem sido apontado como uma das maneiras de
minimizar as dificuldades de ensinar e aprender Física (ARAÚJO e ABIB, 2003).
Entretanto, mesmo sendo consensual o potencial desse instrumento, essa atividade
é pouco explorada no ambiente escolar, e os motivos são diversos, desde
problemas de inexistência de aulas preparadas para uso do professor até a
formação docente (BORGES, 2002), passando por livros didáticos que abordam o
tema somente com orientações tipo “livro de receitas” (ARAÚJO e ABIB, 2003).
Entendemos que a experimentação é um elemento importante no ensino de
ciências, tendo em vista que através dela se pode explicitar a dimensão empírica da
ciência. Portanto o ensino experimental “deve ser usado não como um instrumento a
mais de motivação para o aluno, mas sim como um instrumento que propicie a
construção e aprendizagem de conceitos e modelos científicos.” (BARBOSA et al,
1999, p.106).
Embora a experimentação seja uma prática, ainda que não generalizada no
ensino de ciências, em muitas situações o papel da experimentação tem sido
criticado. Hodson (apud CACHAPUZ et al, 2005, p.99) considera que a atividade
experimental tal como é conduzida em muitas escolas é de concepção pobre,
confuso e não produtivo. Borges (2002) argumenta que as principais críticas em
relação à experimentação são: atividades não relacionadas aos conceitos físicos;
muitas o são relevantes, pois o problema e o procedimento são previamente
determinados; a montagem dos equipamentos requer muito tempo; não são feitas
análises e interpretações dos resultados e do próprio significado da atividade.
93
Tais críticas mostram ênfase nos processos em detrimento dos resultados, o
que resulta em não provocar mudança nas concepções e modelos prévios
8
dos
estudantes. Um outro aspecto a ser considerado é o reforço da visão empírico-
indutivista da ciência, pois muitos associam as atividades experimentais à
capacidade de verificar/comprovar leis e teorias científicas, ensinar o método
científico. Essa concepção leva a entender que atividades experimentais didáticas
tenham mesma natureza das práticas experimentais dos cientistas (BORGES,
2002).
Mesmo concordando com as críticas feitas, não podemos descartar a
importância da experimentação no ensino de Física. Tal atitude significa ignorar a
dimensão empírica da ciência, é anular um de seus elementos constitutivos. Por
isso, as atividades experimentais necessitam ser redefinidas, e considerar os novos
objetivos do ensino de ciências. Nesse sentido, Hodson (apud CACHAPUZ et al,
2005, p.101) considerou que as atividades experimentais teriam como objetivos
centrais:
1. Aprendizagem das ciências: como a aquisição e o desenvolvimento de
conhecimentos teóricos (conteúdos das ciências).
2. Aprendizagem sobre a natureza das ciências: o desenvolvimento da
natureza e dos métodos da ciência, tomando consciência das interações
complexas entre ciência e sociedade.
3. A prática da ciência: desenvolvimento dos conhecimentos técnicos, éticos,
entre outros, sobre a investigação científica e a resolução de problemas.
(HODSON, apud CACHAPUZ et al, 2005, p. 101).
As atividades experimentais podem proporcionar o desenvolvimento de
habilidades tais como fazer observações, classificar, prever, formular hipóteses,
medir grandezas físicas, fazer montagens e usar de equipamentos específicos.
Podem, ainda, desenvolver técnicas de investigação, tais como repetição de
8
Modelos prévios estão sendo compreendidos como concepções apresentadas pelos estudantes, que diferem das
concepções aceitas pela comunidade científica. (GRAVINA e BUCHWEITZ, 1994).
94
procedimentos para aumentar confiabilidade dos resultados obtidos, aprender a
colocar informações em diferentes formas de representação gráficos, diagramas,
esquemas, tabelas (BORGES, 2002, p.297).
Tamir (apud CACHAPUZ et al, 2005) distingue dois tipos de
experimentação: verificação e investigação. No primeiro caso, o problema, as
demonstrações e instruções diretas, são feitos pelo professor; é algo tipo “receita”.
No segundo tipo de experimentação esta deve ser um meio para explorar as idéias
dos alunos; desenvolver a compreensão conceitual; ser sustentada por base teórica
com o objetivo de orientar a análise de resultados; ser delineada pelos alunos a fim
de possibilitar o controle da aprendizagem.
Araújo e Abib (2003) classificam a experimentação em demonstração,
verificação e investigação. O primeiro tipo de experimentação é subdividido em
demonstração aberta e demonstração fechada, sendo esta última uma simples
ilustração de determinado fenômeno físico, uma atividade centrada no professor; já
a demonstração aberta é identificada como um tipo de investigação. A
experimentação por investigação não faz uso de roteiros, possibilita aos alunos o
teste de hipóteses, propicia capacidade de observação e descrição de fenômenos.
A experimentação por verificação trabalha com atividades conduzidas de modo a
buscar a verificação da validade de alguma lei física.
Os autores acima citados, ao analisarem artigos relacionados à utilização da
experimentação como estratégia de ensino, no período de 1992 a 2001, tendo como
referência trabalhos publicados em revistas nacionais da área, concluíram que os
resultados “reafirmam posições estabelecidas para o importante papel da
experimentação no ensino de Física” (ARAÚJO e ABIB, 2003, p.191)
95
Um texto didático necessita incorporar essa dimensão empírica da ciência.
Trabalhar com o aluno a percepção de que a ciência não nasce de uma forma
indutiva, a teoria não é construída a partir da experiência, mas a experiência tem um
papel relevante na construção da ciência. As atividades experimentais propostas
nos livros didáticos precisam traduzir esse papel relevante da experimentação,
indicar atividades com metodologias diferenciadas, explicitando os objetivos a serem
alcançados. Atividades que levem estudantes a uma reformulação de suas
explicações causais para fenômenos investigados; favorecer entendimento do uso
de instrumentos de medida, tratamento gráfico, tratamento estatístico de dados;
elaborar situações que possibilitem análises, reflexões e generalizações.
3.3.4 Dimensão histórica
A formação da cultura científica abrange dois aspectos: a natureza dos
conceitos científicos e a natureza da ciência. Conforme explicitado no capítulo 1 e
sintetizado no esquema apresentado no referido capítulo, a dimensão histórica
incide sobre a natureza da ciência.
O texto didático precisa apresentar uma visão de ciência que aborde tanto a
dimensão da natureza dos conceitos científicos quanto da natureza da ciência. É
nesse sentido que informações sobre a vida dos cientistas, aspectos histórico-
culturais de sua época, concepções e teorias aceitas nesse período, as
controvérsias e dificuldades para aceitar novas idéias, podem contribuir para uma
nova visão da ciência e do cientista e a compreensão das relações entre ciência,
tecnologia e sociedade.
Martins (2006) argumenta que o estudo adequado de alguns episódios
históricos permite perceber o processo social e gradativo da construção do
96
conhecimento; compreender que a ciência não é o resultado da aplicação de um
“método científico” que permita chegar à verdade; contribui de forma insubstituível
na formação de uma concepção adequada sobre a natureza das ciências suas
limitações e relações com outros domínios; pode auxiliar no próprio aprendizado dos
conteúdos científicos.
Um texto didático que apresenta tais aspectos históricos contribui para a
formação de uma cultura científica, diferente de um texto que apresenta a história da
ciência somente com o uso de nomes e datas, transmitindo a concepção de ciência
constituída por grandes cientistas e fatos marcantes.
3.3.5 Relação Ciência-Tecnologia
O mundo contemporâneo é constituído por objetos tecnológicos, de modo que
o homem é fortemente marcado pela presença da tecnologia em sua vida diária. Do
mesmo modo a ciência tem grande impacto nesse mundo. Assim a nossa cultura é
marcada tanto pela tecnologia como pela ciência, caracterizando uma cultura
científica.
As relações entre ciência e tecnologia são complexas. Se nos voltarmos para
o mundo grego, veremos que a techné constituía um saber prático, em oposição ao
saber teórico. Com a revolução científica no século XVII, a ciência deixa de ser
teórica para tornar-se ativa, com isso a cnica passa a ser considerada
conseqüência prática do conhecimento teórico. Contemporaneamente a técnica não
é mais considerada aplicação do saber teórico, passa a ser considerada como uma
tecnologia, como uma prática tendo sua lógica própria suscetível de determinar a
sociedade onde se insere, através dos modelos e dos fins que ela impõe
(JAPIASSU, 2005, p.212).
97
Ricardo et al, em artigo que trata sobre a tecnologia como objeto de ensino no
ensino médio, faz a seguinte consideração:
Um ponto de vista razoável pressupõe compreender ciência e tecnologia
como atividades próprias dos seres humanos, específicas e distintas, embora
indissociáveis, pois assim como ciência e tecnologia evoluíram, também suas
imbricações foram gradativamente se complexificando, obscurecendo a
demarcação entre seus elementos. No passado era possível diferenciar
nitidamente o prático e o cientista, algo fora do alcance hoje. (RICARDO et al,
2007, p.139).
Podemos observar essa complexa relação entre ciência e tecnologia no
mundo contemporâneo, de modo que a ciência utiliza-se dos aparatos tecnológicos
assim como a pesquisa em tecnologia apóia-se em conceitos científicos. No que se
refere ao processo educacional, as inter-relações entre ciência e tecnologia são
discutidas nos documentos orientadores do ensino médio brasileiro e em
movimentos educacionais.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino dio (DCNEM) propõem
um currículo em que as áreas do conhecimento estejam vinculadas à tecnologia e os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ressaltam a importância da tecnologia,
pois esta seria uma tentativa de aproximar a escola do mundo moderno. Já o
movimento Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS) defende a visão crítica sobre a
natureza da ciência e seu papel na sociedade contemporânea, tratando de questões
sociais de relevância e interesse científico.
O texto didático ao tratar da natureza das ciências e dos conceitos científicos
precisa apresentar as inter-relações com a tecnologia. Uma possível abordagem
seria a explicação de aparatos tecnológicos, seu funcionamento, informações
técnicas e conhecimentos científicos envolvidos, de modo a contribuir para o
desenvolvimento da autonomia crítica do estudante e trazer reflexões acerca da
produção e uso de tais tecnologias.
98
O quadro a seguir pretende uma apresentação sintética das categorias
utilizadas no processo de análise.
Categoria de análise
Aspectos analisados
Dialogicidade
Nível e estilo de discurso utilizado ao longo do
texto no trabalho didático-pedagógico com os
diferentes temas
Protagonismo Discente
Grau de inserção dos estudantes, adotado pelos
autores ao longo do texto, no processo de
investigação dos temas abordados.
Dimensão Empírica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
empírica da ciência.
Dimensão Histórica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
histórica da ciência.
Relação Ciência e Tecnologia
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à relação entre
ciência e tecnologia.
99
3.4. Os Livros de Física: Uma Perspectiva Analítica
Com base nas categorias analíticas propostas anteriormente, buscamos
analisar os livros pré-selecionados no PNLEM.
3.4.1 Aspectos gerais e organização dos conteúdos
Dos livros analisados observamos que na seção dirigida ao professor todos
os autores apresentam os objetivos e pressupostos teórico-metodológicos que
fundamentaram a elaboração da obra, descrevem a estrutura geral, fazem
sugestões de atividades complementares, fornecem respostas dos exercícios
propostos aos alunos, conforme dispõe o edital de inscrição dos livros didáticos para
o PNLEM. Assim sendo, observa-se uma padronização. Os livros didáticos são
organizados conforme padrões pré-estabelecidos.
Para atingir o padrão proposto é nítida a preocupação em apresentar a obra
em sintonia com os documentos oficiais orientadores do ensino dio brasileiro.
Isso pode ser observado nos textos que integram o manual do professor, pois
abordam temas sobre contextualização, atividades experimentais, atividades
interdisciplinares, habilidades e competências. Esses temas correspondem a alguns
princípios presentes nos documentos oficiais. Provavelmente essa preocupação dá-
se por conta do processo de análise que estes livros foram submetidos, pois a
aprovação no PNLEM, implica em provável aquisição de milhares de exemplares
para o programa de distribuição gratuita do livro didático do Governo Federal.
Assim, os livros didáticos expressam, no manual do professor, a opção pelos
princípios norteadores dos documentos oficiais. Em artigo elaborado por Abreu et al
(2005) as autoras discutem como os livros didáticos recontextualizam as políticas
100
públicas do currículo, e observam que há ressignificação das propostas oficiais
associadas aos interesses editoriais e às visões dos próprios autores.
Em nossa análise dos livros didáticos foi possível observar a divergência
entre as informações e orientações apresentadas no manual do professor e a
organização do conteúdo no livro do estudante. Como exemplo podemos citar o
Livro 2 (Sampaio e Calçada), que menciona a preocupação dos autores com a
contextualização:
Contextualização é um dos princípios difundidos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e tem importância para a formação de uma cultura
científica, tendo em vista que através da contextualização o estudante pode ser
incentivado a problematizar o seu cotidiano e o espaço à sua volta e dessa forma
estimular a necessidade de conhecer mais, de estabelecer diálogo com o
conhecimento.
Figura 1- SAMPAIO, José Luis e CALÇADA, Caio Sérgio. Física volume único, manual do professor –
estrutura da obra, características gerais. 2.ed. São Paulo: Atual. 2005. p. 9.
101
Embora valorizando o processo de contextualização na apresentação aos
professores, isso não ocorre na construção do texto no livro para o aluno. Ao
observar a tabela 2 (distribuição dos conteúdos em relação aos elementos
observados do livro Física, volume único, Sampaio e Calçada) vemos que elementos
importantes para a contextualização tais como aspectos da história da ciência e
relação entre ciência e tecnologia aparecem, em sua maioria, na forma de ‘boxe
em todo o livro há apenas 5 citações de aspectos relacionados à história da ciência
e 4 citações de texto que abordam a relação ciência-tecnologia.
Considerando a dimensão histórica como dimensão constitutiva da ciência,
que permite perceber a construção do conhecimento em seu contexto, e ainda a
relação ciência-tecnologia como aspecto presente na vida cotidiana dos estudantes,
e ainda mais, que o livro trata de todo o conteúdo propostos para o ensino médio, a
contextualização pretendida pelos autores não se faz presente no livro para o aluno.
Outro aspecto observado nos livros refere-se à organização dos conteúdos.
Dos livros analisados observamos que os conteúdos são divididos de modo
tradicional: mecânica, termologia, ótica, ondas, eletromagnetismo e física moderna.
Todos eles adotam as mesmas categorias e nomenclatura. A porcentagem de
páginas dedicadas a um determinado tema muda muito pouco de um livro para
outro, conforme mostram as tabelas de distribuição de conteúdos.
Os livros didáticos de física se mostram bastante padronizados. Todos estão
organizados em áreas da física que preservam diferentes campos dos fenômenos
físicos. Com relação a esse aspecto Fracalanza (2006) faz as seguintes
considerações:
Os livros escolares, por sua vez, também exprimem a reelaboração dos
conteúdos das diversas áreas de conhecimento a que se referem. Porém, o
fazem de forma acentuadamente padronizada. De fato, se tomarmos uma
específica série de escolaridade, esses recursos para o ensino de Ciências,
quase sem exceção, apresentam idênticos conteúdos, organizados em
102
seqüência bastante semelhante, utilizam exemplos parecidos, bem como
sugerem a realização de exercícios e atividades similares. (FRACALANZA,
2006, p.178). Grifo do autor.
Mesmo admitindo a padronização, o que nos chama a atenção é que os
fenômenos físicos são apresentados de forma fragmentada. Como exemplo o
sumário do livro 1 (Gaspar):
Figura 2 - Gaspar, Alberto. Física, volume único. 1.ed. São Paulo: 2007. p. 6.
103
Neste livro o tema movimento foi tratado em diversos capítulos. A divisão
pode ser uma estratégia, mas a física apresentada não pode ser definida por essa
estratégia. Se o livro de mecânica trabalha os movimentos, mas o tema gravitação
não articula os conhecimentos, teremos uma visão fragmentada da física.
O livro que se distingue nesse aspecto é o Livro 3 (Gonçalves Filho e
Toscano) que tem organização dos conteúdos com outra concepção que é a idéia
de leis de conservação, conforme exemplo:
Figura 3 - GASPAR, Alberto. Física, volume único. 1.ed. São Paulo: 2007.
104
A atual estrutura dos livros didáticos demonstra que não uma percepção
dos elementos estruturadores do conhecimento em Física. Os tópicos são dispersos,
não encontram unidade. Se buscassem unidade, o número de tópicos poderia ser
reduzido aumentando-se a densidade da obra em termos de conhecimento Físico..
Por exemplo, gravitação seria um tema agregador de muitos tópicos; a interação
Luz-Matéria, como uma temática fundamental para o entendimento de vários
fenômenos no campo da ótica poderia encontrar espaço.
A opção dos livros didáticos em tratar temas de física de forma tão
segmentada pode consolidar uma visão de ciência fragmentada e compartimentada.
Visão esta tão questionada por diversas pesquisas na área de ensino. Por isso
torna-se essencial uma releitura dessas áreas, de modo a privilegiar as
características mais essenciais que dão consistência ao conhecimento da Física,
que permita desenvolver um olhar investigativo sobre o mundo real, que forme uma
cultura científica.
Um contraponto a essa fragmentação seria incorporar a proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, que sugerem temas estruturadores, que são
exemplos de releitura e organização dos conteúdos da Física.
Destacamos a importância da inovação nas categorias usadas, nos índices
dos textos; essa idéia é melhor incorporada nos livros paradidáticos, mas poderiam
ser também adotadas nos livros didáticos.
Muitos autores não montaram LD nessa perspectiva, pois não dominam essas
áreas, mas outros que concordam e não fazem, pois os LD não seriam aceitos
pelo mercado editorial.
105
3.4.2 Dialogicidade
Em termos de dialogicidade iremos observar, nos livros didáticos, a estrutura
apresentada. Embora o termo dialogicidade não tenha sido usado pelos autores,
estamos partindo do pressuposto que o objetivo é estabelecer uma comunicação
com os estudantes, o que estamos interpretando como dialogicidade.
Utilizar a imagem como recurso ao iniciar determinado capítulo, para
estabelecer uma comunicação, um diálogo com o aluno, foi estratégia adotada por
cinco, entre os seis livros analisados. A função das imagens é promover a interação
dos estudantes com o texto apresentado, e assim, estimular o diálogo. Uma imagem
adequada deve possuir legenda e ter relação com o texto.
O que observamos nos livros didáticos de Física foi uma utilização frágil
desse recurso. Em um livro as imagens não têm legenda; em outros livros as
imagens são legendadas, mas o texto não faz referência às imagens; somente um
livro apresenta a imagem junto à uma pergunta e no decorrer do texto retoma o
questionamento.
Apresentaremos alguns exemplos que foram retirados dos livros analisados.
Cabe ressaltar que a escolha de tais exemplos não obedeceu a um critério
específico.
O Livro 2 (Sampaio e Calçada) não traz legenda ou comentários sobre as
imagens colocadas no início do capítulo, e também não faz referência ao longo do
texto do capítulo sobre tais imagens. Como exemplo:
106
Figura 4 - SAMPAIO, José Luis e CALÇADA, Caio Sérgio. Física volume único, 2.ed. São Paulo: Atual.
2005. p. 12.
Os Livros 1 (Gaspar), 4 (Máximo e Alvarenga), 5 (Penteado e Torres)
fazem pequenos comentários sobre as imagens, mas ao longo do texto não fazem
referencia às imagens ou ao texto proposto no início do capítulo. Como exemplos:
Figura 5 - GASPAR, Alberto. Física, volume único. 1.ed. São Paulo: 2007. p.78.
107
Figura 6 - MÁXIMO, Antonio e ALVARENGA, Beatriz. Física, vol 3. São Paulo: Scipione, 2000.
p.108.
108
o Livro 6 (Sampaio e Calçada) apresenta a imagem, uma situação e um
questionamento. Ao longo do texto a pergunta é retomada e respondida. Como
exemplo:
Figura 7 - PENTEADO, Paulo Cesar e TORRES, Carlos M. Física, vol 1. São Paulo:
Moderna, 2005. p. 122.
109
Figura 9 - SAMPAIO, José Luiz e CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da Física, vol 2, 2.ed. São Paulo:
Atual, 2005. p. 248.
Figura 8 - SAMPAIO, José Luiz e CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da Física, vol 2, 2.ed. São
Paulo: Atual, 2005. p. 241.
110
Embora a imagem possa ser um recurso utilizado para estabelecer um
diálogo em torno de determinado tema, os livros didáticos analisados não
exploraram adequadamente esse recurso, tendo em vista que as imagens
apresentadas no início dos capítulos não são discutidas ao longo do texto, e um
possível diálogo não é estabelecido.
Uma outra característica comum entre os livros didáticos é estrutura que eles
apresentam: um texto em que os conhecimentos de física são apresentados em
seções ao longo do capítulo e após essas seções são propostos exercícios. O texto
é complementado por boxes ou textos complementares que tratam de temas do
cotidiano, aplicações tecnológicas, história da ciência, atividades experimentais,
reportagens veiculadas em jornais e revistas.
Podemos observar nos exemplos a seguir, uma grande semelhança na
estrutura dos livros.
O Livro 2 (Sampaio e Calçada) ao apresentar o conteúdo expansão térmica
de sólidos e líquidos”, apresenta os conceitos físicos e uma expressão matemática;
resolve um exercício em que aplicação direta da equação matemática
apresentada; sugere exercícios semelhantes ao exercício resolvido. No decorrer do
texto foi inserido um “box” que apresenta situações em que se pode observar o tema
apresentado.
111
.
Figura 10 - SAMPAIO, José Luis e CALÇADA, Caio Sérgio. Física volume único, 2.ed. São Paulo: Atual.
2005. p. 168 -170
112
O Livro 4 (Máximo e Alvarenga) ao apresentar o conteúdo “linhas de força”
descreve o tema, apresenta um “box” com biografia de Michael Faraday, resolve um
exercício e propõe outros exercícios.
Figura 11 - MÁXIMO, Antonio e ALVARENGA, Beatriz.
Física, vol 3. São Paulo: Scipione, 2000. p.54-57.
113
O Livro 6 (Sampaio e Calçada) ao apresentar o conteúdo “estática dos
corpos rígidos” descreve os conceitos físicos, apresenta uma equação matemática,
resolve um exercício e propõe outros exercícios.
Figura 12 - SAMPAIO, José Luiz e
CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da
Física, vol 2, 2.ed. São Paulo: Atual, 2005.
p. 32, 33 e 36
114
A estrutura apresentada nos exemplos se repete em todos os capítulos e
praticamente em todos os livros. Um formato que “diz” a Física, ou seja, apresenta
os conceitos e não estabelece nenhum diálogo com aluno. Tal estrutura não
estimula a busca de novos conhecimentos nem permite a emissão de opiniões e
comentários dos estudantes. O conteúdo é apresentado sem questionamentos, não
é estabelecido diálogo. Os estudantes lêem o texto, fazem interpretação e
reproduzem o conhecimento em exercícios. Não diálogo em torno do
conhecimento.
Embora todos os livros apresentem praticamente a mesma estrutura, alguns
aspectos diferenciados são encontrados nos Livros 1 (Gaspar) e 5 (Penteado e
Torres). O primeiro faz comentários sobre a resposta obtida em alguns exercícios, o
que pode proporcionar o debate entre estudantes e professor. o segundo, traz
box em que uma situação-problema é colocada e sugere aos alunos que formem
grupos para discutir tal situação; os temas são diversos, geralmente relacionando
tecnologia e cidadania, e incentivando um posicionamento perante questões sociais.
São atividades que estimulam o diálogo entre os alunos e entre alunos e professor.
Como exemplos:
115
A figura 13 traz exemplo do Livro 1 (Gaspar) no qual observamos o
comentário da resolução do exercício. Essa atividade pode proporcionar o diálogo
silencioso, em que o aluno reflete sobre o conhecimento apresentado, assim como
também pode proporcionar o debate ente estudantes e estudantes e professor.
Na atividade proposta no Livro 5 (Penteado e Torres) incentivo da busca
do conhecimento e discussão do tema, de modo a estimular o diálogo.
Figura 14 - PENTEADO, Paulo Cesar
e TORRES, Carlos M. Física, vol 2.
São Paulo: Moderna, 2005. p. 141.
Figura 13 - Gaspar, Alberto. Física, volume
único
.
1.ed. São Paulo: 2007. p.38
116
Numa perspectiva diferenciada encontra-se o Livro 3 (Gonçalves Filho e
Toscano). Os capítulos são iniciados com uma pergunta direcionada ao aluno,
estimulando a curiosidade e estabelecendo o diálogo em torno de um tema que será
tratado ao longo do capítulo. O diálogo ainda é estimulado com outras perguntas ao
longo do texto. Em alguns momentos os autores ao invés de dizer a física”, fazem
questionamentos e remetem os alunos para outras atividades, como exemplo, uma
atividade experimental. Essa estratégia possibilita o aluno refletir sobre determinado
tema e emitir opinião, que podem/devem, ser debatidas em sala de aula. Alguns
capítulos apresentam, ao final, uma seção chamada “Texto e interpretação”, que
apresenta textos diversificados e questões para discussão. No livro não
exercícios resolvidos e aspectos da história da ciência e da relação ciência e
tecnologia são apresentados ao longo do texto básico, indicando diálogo dos
conhecimentos da física com outros conhecimentos.
No exemplo a seguir observa-se que ao tratar o tema temperatura, os autores
não trazem de imediato a definição, mas apresentam uma situação do cotidiano do
estudante, sugere atividade experimental. Nas páginas seguintes, abordagem de
aspectos históricos ao longo do texto. É uma proposta que envolve o aluno na busca
de conhecimentos, um texto com postura dialógica.
117
No que diz respeito à dialogicidade, embora alguns livros tragam aspectos
diferenciados, é nítido a predominância de um modelo em que os elementos
conceituais da disciplina são “ditos”, em que prevalece a descrição dos
conhecimentos da área. Os livros didáticos são organizados em “pequenos blocos”
que abordam conceitos da física, mas sem associá-los ao mundo vivencial do aluno.
Figura 15 - GONÇALVES FILHO, Aurélio e TOSCANO, Carlos. Física, volume
único. São Paulo: Scipione, 2005. p.135.
118
Referências ao cotidiano, à história da ciência, à relação ciência e tecnologia,
elementos importantes para a construção da dialogicidade da obra, geralmente são
feitas em caixas de texto ou em textos complementares, traduzindo uma visão
fragmentada; dificultando uma reflexão crítica sobre o conhecimento e sobre as
relações homem-mundo.
3.4.3 Protagonismo Discente
Na apresentação do livro para os estudantes os autores apresentam o livro e
indicam todo de aprendizagem, como o estudante pode usar o livro para busca
do conhecimento na área da Física. Essa apresentação indicando forma de
aplicação do livro didático, sugerindo que o aluno esteja participando no processo
ensino-aprendizagem é uma sugestão de protagonismo.
A fim de justificar essa busca do saber na área das ciências, em todos os
livros analisados os autores destacam a importância que a Física tem no avanço
tecnológico do mundo contemporâneo e como elemento indispensável para a
formação cultural do homem moderno, de modo que conhecimentos da área são
relevantes para o exercício pleno da cidadania e para ingresso no mundo do
trabalho.
Na página de apresentação do livro didático, os autores dos livros analisados,
com exceção dos Livros 2 (Sampaio e Calçada) e Livro 5 (Penteado e Torres),
trazem sugestões de como utilizar o livro, dando destaque para a resolução de
exercícios e execução das atividades experimentais, indicando que tais atividades
promovem a participação do estudante na construção do saber.
Como exemplo, o Livro 3 (Gonçalves Filho e Toscano), que em sua página
de apresentação argumenta que a proposta do livro é estabelecer uma ligação entre
119
o conjunto de informações que os alunos têm acesso e o conhecimento
sistematizado pela física e recomenda que todas as questões e exercícios do livro
sejam feitas no caderno.
Figura 16 - GONÇALVES FILHO, Aurélio e TOSCANO, Carlos. Física, volume único. São Paulo:
Scipione, 2005. p. 3.
120
Ao observar a estrutura do Livro 3, vemos que a obra é organizada de modo
que algumas atividades são propostas no decorrer do texto, motivando o aluno a
relacionar o seu estudo com situações de sua própria vida. Esse tipo de atividade
proporciona confronto com realidade e estimula o protagonismo. Em contrapartida,
os exercícios que o propostos não têm este mesmo formato. Os exercícios
possuem respostas absolutas, não estimulam a reflexão crítica.
O Livro 4 (Máximo e Alvarenga) indica na apresentação do livro para o
aluno, uma forma de uso do livro, incentiva a leitura do texto, resolução de
exercícios e realização dos experimentos. Se houver dúvidas, o aluno deve procurar
o professor. Há uma sugestão de protagonismo.
Figura 17 - MÁXIMO, Antonio e ALVARENGA, Beatriz. Física, vol 3. São Paulo: Scipione, 2000. p 4 e 5.
121
Apesar da sugestão de protagonismo no texto de apresentação da obra,
observamos que no desenvolvimento dos capítulos esse protagonismo não
acontece. O livro não permite que o estudante e o professor façam comentários,
teçam opiniões. Os exercícios propostos, que são em grande número, têm respostas
absolutas, que não permitem a introdução de elementos do cotidiano do estudante
para a aplicação dos conhecimentos de sica. A princípio os exercícios estão
voltados para verificar se o aluno aprendeu o conceito. Também são propostos
exercícios com diferentes graus de dificuldade e os exercícios de vestibular,
presentes em todos os livros da coleção, exigem apenas aplicação de conceitos e
fórmulas da Física, são exercícios distantes da realidade do aluno e que não
proporcionam reflexão crítica do conhecimento. No que diz respeito às atividades
experimentais, estas surgem como reafirmação da teoria aprendida, pois são
propostas atividades que orientam o aluno somente a observar os fenômenos
físicos.
O Livro 5 (Penteado e Torres) apresenta alguns boxes denominado
“Atividade em grupo” com temas sobre desenvolvimento tecnológico e o impacto que
tal desenvolvimento tem causado na sociedade. Tais atividades estimulam a
reflexão crítica de aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais de nossa
sociedade. incentivo para o diálogo e debate sobre questões sociais. Como
exemplos os boxes “Atividade em grupo” e “Aplicação Tecnológica” extraídos do
capítulo 2, volume 1:
122
Figura 18 - PENTEADO, Paulo Cesar e TORRES, Carlos M. Física, vol 1. São Paulo: Moderna, 2005.
p. 22.
Figura 19 - PENTEADO, Paulo Cesar e TORRES, Carlos M. Física, vol 1. São Paulo: Moderna, 2005.
p. 25.
123
Na atividade proposta para ser realizada em grupo há incentivo ao diálogo e
relação como o cotidiano dos estudantes, caracterizando aspectos de protagonismo
discente. No texto proposto como aplicação tecnológica há contextualização do tema
explanado no capítulo. Essas características indicam certo envolvimento do
estudante na busca do conhecimento.
No que diz respeito ao protagonismo discente, ao longo do texto dos livros
didáticos analisados são poucas as oportunidades de protagonizar efetivamente o
processo de aprendizagem. pouca discussão em torno dos elementos que
constituem a cultura do aluno. As atividades propostas pelos livros didáticos
poderiam, a partir dos elementos e situações cotidianas, desencadear um diálogo
mediado pelo conhecimento físico, e desta forma o protagonismo se faria presente.
Olguim (2005) em dissertação de mestrado, analisou livros didáticos de Física
e investigou o papel do protagonismo discente tendo observado que há divergências
entre o que é proposto pelos autores na forma de aplicação do livro com o corpo do
texto. Concluindo que um condicionamento e “esse condicionamento onde o
aluno é passivo e tem que seguir uma série de exercícios para verificar se está
aprendendo faz com que o estudante não tenha atitude participativa e
questionadora” (Olguim, 2005, p.120). Nicioli Jr. e Mattos ao analisarem livros
didáticos de física das décadas de 50 e 60 do século XX, concluíram que “sobre os
prefácios pudemos constatar que muitos não condizem com o que é apresentado no
conteúdo do livro” (NICIOLI JÚNIOR e MATTOS, 2006, p.10).
Com isso podemos observar que a intenção manifestada por autores, ao
apresentar o livro didático, de que os estudantes participem do processo de ensino
não é concretizada. Isto é observado não nos dias atuais, mas também em outra
época. Alguns livros, ainda que timidamente, tem feito algumas mudanças. Falta
124
maior efetividade em inserir os estudantes no processo de investigação de temas
abordados pelos livros. Os livros didáticos ainda adotam o padrão de aluno como
receptor do conhecimento, ainda traduzem uma visão bancária de educação, padrão
questionado por Freire.
3.4.4 Dimensão empírica
Em todos os livros analisados os autores falam da importância que a
experimentação tem na área das ciências da natureza, e sugerem atividades
experimentais. A ênfase em tais atividades é bastante diferenciada: enquanto o
Livro 4 (Máximo e Alvarenga) apresenta em sua coleção 125 atividades
experimentais como sugestão, o Livro 2 (Sampaio e Calçada) apresenta sugestão
de 13 atividades experimentais, conforme os dados apresentados nas tabelas de
conteúdo.
As atividades propostas nos livros didáticos aparecem na forma de roteiros,
guias de montagem do experimento; e desenvolvem predominantemente habilidades
de observação dos fenômenos ocorridos e medição de grandezas físicas. Exemplo:
Figura 20 - SAMPAIO, JoLuis e CALÇADA, Caio Sérgio. Física volume único, 2.ed. São Paulo: Atual.
2005. p. 138
125
A atividade proposta no Livro 2 (Sampaio e Calçada) é exemplo de roteiro
que sugere ao estudante a observação de um fenômeno e também medida de uma
grandeza física, mas não chama a atenção para a importância de serem feitas
diversas medidas a fim de extrair um valor médio. Coleta de dados e o tratamento
das informações são elementos importantes da dimensão empírica da ciência que
precisam ser evidenciados numa atividade experimental.
Um outro exemplo:
A atividade proposta no Livro 3 (Gonçalves Filho e Toscano) não é clara
quanto às orientação de execução do experimento, o estudante ao pegar uma
caneta pode colocá-la numa mesa, ou simplesmente segurá-la em sua mão. Tal
atitude faz diferença para a observação do fenômeno desejado, assim o estudante
pode manipular objetos e não observar “nada”.
Mais exemplos:
Figura 21 - GONÇALVES FILHO, Aurélio e TOSCANO, Carlos. Física, volume único. São Paulo:
Scipione, 2005. p. 86
126
A atividade proposta no Livro 4 (Máximo e Alvarenga) orienta os estudantes
a realizarem o experimento, fazerem observações e os autores chamam a atenção
para a coleta de dados, indicando certa preocupação com o tratamento das
informações. Mas a experiência sugerida, é de certa forma, de difícil realização,
tendo em vista que nos dias atuais são poucos os lares que possuem toca-disco.
O livro que se diferencia dos demais é o Livro 1 (Gaspar), que em alguns
experimentos propõem a coleta de dados e a representação dessas informações
através de gráficos. Como exemplo:
Figura 22 - MÁXIMO, Antonio e ALVARENGA, Beatriz. Física, vol 1. São Paulo: Scipione, 2000.
p. 96.
127
Figura 23 - Gaspar, Alberto. Física, volume único. 1.ed. São Paulo: 2007. p.114.
Figura 24 - Gaspar, Alberto. Física, volume único. 1.ed. São Paulo: 2007. p.115.
128
A atividade sugerida pelo Livro 1 (Gaspar) propõe ao estudante a
observação, coleta de dados e demonstração desses dados em tabela e gráfico.
Esses elementos o importantes, pois podem mostrar o papel que o empírico tem
na construção dos conhecimentos científicos, que é o valor das medidas e a relação
que estas guardam com as construções teóricas.
Embora todos os livros sugiram, de alguma forma, atividades de natureza
experimental, com variações de ênfase, a dimensão empírica da ciência é quase
inexplorada. Entende-se por dimensão empírica a “qualidade” da experimentação, a
forma como o realizadas as atividades experimentais e os objetivos que se
pretendem alcançar. Tais objetivos seriam a aquisição e o desenvolvimento de
conhecimentos teóricos, desenvolvimento da natureza e métodos da ciência,
desenvolvimento dos conhecimentos técnicos sobre investigação científica e
resolução de problemas.
A grande maioria das atividades experimentais propostas pelos livros
didáticos analisados se restringem ao “fazer e observar”, o que pode levar o
estudante a acreditar que a experimentação comprova a teoria. Não ênfase para
o controle das variáveis, o valor das medidas, a relação que tais medidas guardam
com as construções teóricas e que estes o elementos importantes para a
construção de modelo.
O estudante do ensino médio está iniciando o estudo das ciências, assim,
aprender a fazer controle das variáveis, organização e representação gráfica de
dados são habilidades importantes para o aprendizado da física. Nesse sentido, os
Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam, para a área das ciências, no
contexto de representação e comunicação, a competência de ler, articular e
interpretar símbolos e códigos em diferentes linguagens e representações:
129
sentenças, equações, esquemas, diagramas, tabelas, gráficos
9
; ou no campo da
investigação e compreensão, selecionar e utilizar instrumentos de medição e de
cálculo, representar dados e utilizar escala, fazer estimativas, elaborar hipótese e
interpretar resultados
10
.
3.4.5. Dimensão histórica
O tratamento dado à dimensão histórica da ciência também é bastante
diferenciado nos livros analisados. Aspectos históricos aparecem na forma de
pequenas biografias, citações de fatos marcantes e ainda como “linha do tempo”,
onde há descrição de fatos ocorridos em determinados períodos.
Comparando as tabelas de organização dos conteúdos, observa-se que os
Livros 3 (Gonçalves Filho e Toscano) e Livro 5 (Penteado e Torres) tratam
aspectos históricos principalmente ao longo do texto principal, fazendo citações de
fatos marcantes e pequenas biografias de cientistas relacionadas ao conteúdo do
capítulo. Como exemplo:
9
Ver referência PCN +, p.28.
10
Ver referência PCN +, p. 30.
130
O Livro 4 (Máximo e Alvarenga) trata da história da ciência em textos
complementares ao final do capítulo, que descrevem numa linha do tempo, o
desenvolvimento da ciência e fatos que contribuíram para esse desenvolvimento,
Figura 25 - GONÇALVES FILHO, Aurélio e TOSCANO, Carlos. Física, volume único. São
Paulo: Scipione, 2005. p.54
131
associando as idéias a algumas pessoas. No desenvolvimento dos capítulos
também há “box” com pequenas biografias. Como exemplo:
Figura 26 - MÁXIMO, Antonio e ALVARENGA, Beatriz. Física, vol 3. São Paulo: Scipione, 2000.
p.262.
132
Os Livros 1 (Gaspar), 2 (Sampaio e Calçada), 6 (Sampaio e Calçada)
tratam, predominantemente, de aspectos históricos em caixas de texto que surgem
ao longo do texto, abordando biografias e fatos marcantes da história da ciência.
No que diz respeito à dimensão histórica da Física é predominante a visão de
uma história linear, que enfatiza as descobertas sem apresentar o contexto em que
surgiram. Não é apresentado o conflito de idéias entre os cientistas, suas dúvidas e
questionamentos. Também não são mostrados fatores sociais, culturais,
econômicos que influenciaram a evolução do conhecimento. Pequenas biografias
sem mostrar o contexto social em que viviam os cientistas podem impedir os
estudantes de perceberem o processo social e gradativo da construção do
conhecimento. Apresentar conhecimentos como grandes descobertas podem
produzir visão distorcida da natureza da ciência.
Figura 27 - SAMPAIO, José Luis e CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da Física, vol. 2, 2.ed. São
Paulo:Atual, 2005. p. 213.
133
3.4.6 Relação Ciência e Tecnologia
No que se refere à relação ciência e tecnologia a ênfase dada é bastante
diferenciada. O Livro 5 (Penteado e Torres), conforme dados das tabelas do
apêndice, é o que mais aborda esse tema, há um box denominado “aplicação
tecnológica” que trata o assunto. Em todas as obras o contexto em que surge o tema
é predominantemente o da aplicação tecnológica da ciência. Como exemplo:
A relação entre ciência e tecnologia também aparece nos livros analisados
como explicação do funcionamento de aparatos tecnológicos, embora em menor
quantidade.
Figura 28 - PENTEADO, Paulo Cesar e TORRES, Carlos M. Física, vol 1. São
Paulo: Moderna, 2005. p. 165.
134
No que diz respeito à relação ciência e tecnologia, o modelo que tem sido
adotado pelos livros didáticos é a visão restritiva da tecnologia como ciência
aplicada, talvez isso ocorra devido à potencialidade que o tema tem de dar
aplicabilidade aos conhecimentos físicos. A abordagem de temas sobre ciência e
tecnologia é importante para o estudante, a fim de que ele saiba encara o uso de
tecnologias com senso crítico e responsabilidade.
135
CAPÍTULO 4
UMA PROPOSTA DE NOVO OLHAR PARA OS LIVROS DIDÁTICOS
Nos capítulos anteriores foi discutida a importância da cultura científica no
Ensino Médio como parte fundamental da formação cultural do estudante da
Educação Básica, e como o Livro Didático de Física vem atuando neste processo.
Neste capítulo buscamos apresentar uma proposta de ampliação de perspectiva de
análise sobre os referidos livros.
Sabemos que o livro didático é uma obra dirigida a um público definido,
alunos e professores, e que o seu uso dependerá do contexto escolar. Nesse
ambiente, tendo o professor como foco, vemos que este desempenha múltiplas
atividades: regência de diversas turmas e diferentes séries, correção de inúmeras
provas, faz registros em diários de classe, e tantas outras ações próprias da
organização do nosso sistema escolar. Como parte do seu trabalho profissional está,
muitas vezes, a responsabilidade pela escolha do livro didático.
Ao fazer opção por determinado livro, o professor vale-se de diversos
critérios, parâmetros que o adquiridos ao longo da experiência profissional e de
sua formação. Assim, queremos chamar a atenção do professor de Física e sugerir
um olhar diferenciado, mais perscrutador do processo de constituição da ciência e
da sua inserção nos textos didáticos de Física.
Para auxiliar na formação deste “novo olhar”, estamos sugerindo um conjunto
de categorias analíticas como ferramenta de análise ao professor, auxiliando-o na
identificação de alguns elementos importantes para a formação de uma cultura
científica: dialogicidade, protagonismo discente, dimensão empírica da ciência,
dimensão histórica da ciência, relação entre ciência e tecnologia.
136
O objetivo maior é o estabelecimento de uma relação com o livro didático sob
uma perspectiva científico-cultural, a fim de identificar qual tem sido o seu papel na
construção de uma cultura científica no ensino médio.
A aquisição de uma cultura científica na escola média é parte fundamental de
todo um processo de formação cultural do estudante na Educação Básica,
permitindo-lhe a apropriação do discurso científico e do entendimento das
potencialidades e limitações da ciência.
Adotamos ao longo deste trabalho a expressão Cultura Científica, em
contraposição ao termo Alfabetização Científica, visto que a idéia de cultura
incorpora de maneira mais ampla e dinâmica o processo de apropriação do discurso
científico bem como de uma visão crítica do mesmo. Uma cultura científica também
se diz sobre uma reflexão em torno dos limites desse discurso e vincula a
formulação científica a um contexto social, histórico, a um produto humano.
Defende-se aqui a idéia de que a constituição de uma cultura científica na
educação sica reivindica uma ação didático-pedagógica que seja capaz de
promover uma apreensão integrada de aspectos dinamicamente complementares da
compreensão da ciência: aspectos conceituais e aqueles referentes à natureza da
ciência. O primeiro refere-se aos conceitos, princípios, leis, teorias, formalismos
matemáticos e modelos que são usados na ciência para descrever e interpretar a
natureza. O segundo diz respeito a aspectos epistemológicos, filosóficos e históricos
do processo de desenvolvimento da ciência, abordando de maneira mais direta a
dinâmica da construção do conhecimento científico, como o cientista desenvolveu e
justificou esse conhecimento, as mudanças de paradigmas, as influências
econômicas, políticas, religiosas, enfim, uma dimensão interpretativa.
137
Esse processo de formação de uma cultura científica na educação básica
pode ser apresentado em um esquema representativo dos elementos e processos
que consideramos constitutivos da cultura científica neste nível de ensino, esquema
que foi apresentado e discutido no capítulo 1 deste trabalho.
Buscando estabelecer critérios que nos permitissem um olhar crítico sobre os
livros didáticos na sua maneira de entender e tratar a ciência, elaboramos um
conjunto de categorias analíticas que procuram explicitar aspectos considerados
relevantes no processo de constituição de uma cultura científica na educação
básica. Assim foi que surgiram as categorias analíticas referidas anteriormente. A
Dialogicidade e Protagonismo Discente estão vinculadas a uma dimensão mais
propriamente pedagógica, o que nos remete a concepção dialógica e libertadora de
educação proposta por Paulo Freire, que tem como alicerces o diálogo (elemento
norteador do processo educativo), os objetos de conhecimento (mediadores do
diálogo) e inserção do educando como sujeito nas ações educativas.
As dimensões Empírica e Histórica da Ciência e também a Relação Ciência-
Tecnologia estão vinculadas a uma dimensão de caráter epistemológico, que nos
remete a epistemologia histórico-crítica de Gaston Bachelard, que tem como alicerce
os conceitos de “ruptura” e “obstáculo epistemológico”.
Nesta direção, sugerimos ao professor a utilização de um olhar diferenciado,
mais perscrutador do processo de constituição da ciência e da sua inserção nos
textos didáticos de Física. A tabela a seguir pretende uma apresentação sintética
das categorias utilizadas ao longo deste trabalho e que são aqui sugeridas como
ferramentas de análise ao professor.
138
AVALIANDO OS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA
CATEGORIAS ANALÍTICAS SUGERIDAS
Categoria de análise
Aspectos analisados
Parâmetros
Dialogicidade
Nível e estilo de discurso utilizado ao longo do
texto no trabalho didático-pedagógico com os
diferentes temas.
Observação da estrutura dos capítulos, do ritmo de apresentação dos
temas e do grau de levantamento de questões visando a inserção do
estudante em um processo dialógico com o texto e mediados pelo texto.
Protagonismo
Discente
Grau de inserção dos estudantes, adotado
pelos autores ao longo do texto, no processo
de investigação dos temas abordados.
Presença de atividades e/ou ações que remetam o estudante a uma
participação ativa no processo de ensino-aprendizagem.
Dimensão
Empírica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
empírica da ciência.
Presença de atividades experimentais que estimulem o controle de
variáveis, tomada de dados e a relação destas com os conhecimentos
teóricos trabalhados ao longo do texto.
Dimensão
Histórica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
histórica da ciência.
Presença de aspectos sócio-econômicos e culturais como influenciando
o processo de construção do conhecimento; Dinâmica de construção de
teorias, apresentadas através do conflito de diferentes pontos de vista; a
participação de diferentes cientistas na elaboração de conceitos e
teorias.
Relação
Ciência-Tecnologia
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à relação
ciência-tecnologia.
Presença da discussão de fatores tecnológicos como potencializadores
do desenvolvimento científico; reflexões acerca da aplicabilidade da
ciência e sua presença no desenvolvimento da tecnologia e seus
produtos.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou discutir, com base nos referenciais teóricos
estabelecidos em Paulo Freire e Gaston Bachelard, a necessidade que a educação
básica tem na formação de uma cultura cienfica e como o livro didático,
instrumento de trabalho pedagógico do professor, tem papel relevante a
desempenhar neste processo.
Reconhece-se aqui, que a formação de uma cultura científica no ensino
médio não pode prescindir de uma abordagem explícita de diferentes e
complementares aspectos da ciência. o se trata, é importante ressaltar, de
valorizar esses elementos como instrumentos de motivação ou de facilitação da
aprendizagem, mas de compreendê-los enquanto dimensões constitutivas da própria
ciência e, portanto, imprescindíveis ao trabalho didático-pedagógico com a mesma.
Na análise que fizemos dos livros didáticos de Física foi possível observar
inadequações para a proposta de formação de uma cultura científica no ensino
médio. A visão fragmentada da sica é predominante, basicamente devido à falta
de identificação de elementos estruturadores do conhecimento físico. As atividades
experimentais propostas, em sua quase que generalidade, o explicitam a
dimensão empírica da ciência. A ciência não é compreendida em seu processo de
construção, mas apresentada na forma de pequenos “flashes”, que visam mais
ilustrar que explicitar a dinâmica da construção da ciência. A relação entre ciência e
tecnologia é pouquíssimo explorada, reduzindo-se na grande maioria dos casos à
identificação de aplicações tecnológicas como fruto natural do processo de
desenvolvimento da ciência. Os exercícios propostos tentam construir um processo
de treinamento, seja para os exames de ingresso em cursos superiores ou qualquer
140
outro exame. O estudante não é participante do processo de construção do
conhecimento.
Tais fatores se contrapõem frontalmente a proposta aqui defendida de
formação de uma cultura científica, vinculada a uma apropriação da linguagem
científica numa perspectiva crítica.
Mas a inadequação dos livros didáticos não é novidade. Diversos trabalhos
acadêmicos apontaram tal inadequação. Em artigo que trata dos problemas do
livro didático de ciências, Fracalanza (2006) fez levantamentos de algumas
pesquisas realizadas até os anos 1990, que tratam sob diversos aspectos do livro
didático de ciências, e observou que a quase unanimidade dos trabalhos apontaram
inadequações dos livros didáticos.
Diante do quadro exposto, a proposta deste trabalho foi, além de uma
reflexão em torno da temática, encontrar algumas diretrizes de orientação que nos
possibilite contribuir no processo de transformação dos livros didáticos de ciências,
mais especificamente de Física. Nesse sentido, foram propostas algumas categorias
de análise dos referidos textos didáticos, como proposta de um novo olhar sobre os
mesmo, a saber: dialogicidade, protagonismo discente, dimensão empírica da
ciência, dimensão histórica da ciência, relação entre ciência e tecnologia.
De fato, se queremos que o livro didático seja inserido de maneira efetiva no
processo de construção de uma cultura científica na escola média, faz-se necessário
transformá-lo. Isso implica em concebê-lo de forma a possibilitar a inserção
consciente e dialógica do estudante no processo de aquisição do conhecimento
científico, compreendendo-o sob diferentes perspectivas, valorizando a ciência
enquanto um processo de construção social.
141
Mesmo reconhecendo a necessidade de mudança do livro didático, deve-se
admitir que tais mudanças demandam algum tipo de ruptura com a atual estrutura de
organização do sistema educacional, por demais centrado na transmissão passiva
do conhecimento. O livro didático encontra-se numa “roda viva” que envolve
currículo, organização escolar, formação do professor, políticas públicas. Temos
uma organização escolar seriada em que as disciplinas são organizadas conforme
as séries, prevendo uma seqüência de conteúdos, caracterizando um currículo que
foi elaborado a partir das políticas blicas, e os professores são formados segundo
essa concepção. Os livros didáticos traduzem essa visão. Não a traduzem, como
incentivam.
Romper com esse esquema é difícil, mas para que isso aconteça é
necessário identificar alguns “nós” e desatá-los. Um desses “nós” é a estrutura do
livro didático de Física. Este deveria estar voltado para uma visão geral das Leis
Físicas e para a formação crítica do estudante.
Nesse sentido, o texto de apoio proposto aqui para os professores de Física
do ensino médio pretende-se como uma contribuição na formação de um novo olhar
para os livros didáticos de Física, incorporando aspectos (situados aqui como
categorias de análise) normalmente ausentes nas abordagens usuais. Assim é que
categorias como dialogicidade, protagonismo discente, dimensão empírica da
ciência, dimensão histórica da ciência, relação entre ciência tecnologia foram aqui
sugeridas.
142
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148
Livros didáticos
GASPAR, Alberto. Física, volume único. São Paulo: Ática, 2005.
GONÇALVES FILHO, Aurélio; TOSCANO, Carlos. Física, volume único. São Paulo:
Scipione, 2005.
LUZ, Antônio Máximo Riveiro; ÁLVARES, Beatriz Alvarenga. Física: volumes 1, 2 e
3. São Paulo: Scipione, 2000.
SAMPAIO, José Luiz; CALÇADA, Caio Sérgio. Física, volume único. 2.ed. São
Paulo: Atual, 2005.
SAMPAIO, José Luiz; CALÇADA, Caio Sérgio. Universo da Física, volumes 1, 2 e
3. 2.ed. São Paulo: Atual, 2005.
TORRES, Carlos Magno; PENTEADO, Paulo César. Física – Ciência e Tecnologia.
Volumes 1, 2 e 3. São Paulo: Moderna, 2005.
149
APÊNDICE
Nas tabelas apresentadas a seguir considere as seguintes informações:
Local refere-se à posição do texto em que aparece o tema, sendo identificado
como box, final do capítulo, ao longo do texto e texto complementar. Legenda:
B – box
FC - final do capítulo
LTX – ao longo do texto
TC – texto complementar
Forma de que modo aparecem os temas, sendo que para experimentos eles
podem ser identificados como roteiros ou experimento aberto e ainda desenvolver
habilidades de fazer observações, classificar, prever, formular hipóteses, medir
grandezas físicas, fazer montagens, representar informações através de gráficos,
tabelas, esquemas, diagramas.
No caso de História da Ciência, a forma como surgem os temas pode ser biografia,
fatos marcantes e linha do tempo.
No caso de Ciência e Tecnologia a forma do tema pode aparecer como aplicação
tecnológica ou funcionamento de aparatos.
Legenda:
R – roteiro
A – experimento aberto
1 – fazer observações
2 - classificar
3 – prever / formular hipóteses
150
4 – medir grandezas físicas
5 – fazer montagens
6 – representar informações através de gráficos, tabelas, esquemas, diagramas.
BIO – biografia
F – fatos marcantes
L – linha do tempo
AT – aplicação tecnológica
FUN – funcionamento de aparatos
151
APÊNDICE A
Tabela 7 – Distribuição dos conteúdos Livro 1 – Tema Mecânica
152
APÊNDICE B
Tabela 8 – Distribuição dos conteúdos Livro 1 – Tema Ondas e Ótica
153
APÊNDICE C
Tabela 9 – Distribuição dos conteúdos Livro 1 – Tema Termodinâmica
154
APÊNDICE D
Tabela 10 – Distribuição dos conteúdos Livro 1 – Tema Eletromagnetismo
155
APÊNDICE E
Tabela 11 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 – Tema Mecânica
156
APÊNDICE F
Tabela 12 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 – Tema Termologia
157
APÊNDICE G
Tabela 13 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 - Tema Ótica
Tabela 14 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 - Tema Ondas
158
APÊNDICE H
Tabela 15 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 – Tema Eletromagnetismo
159
APÊNDICE I
Tabela 16 – Distribuição dos conteúdos Livro 2 – Tema Física Moderna
160
APÊNDICE J
Tabela17 – Distribuição dos conteúdos Livro 3 – Tema Mecânica
161
APÊNDICE K
Tabela 18 – Distribuição dos conteúdos Livro 3 – Tema Física Térmica e Ótica
162
APÊNDICE L
Tabela 19 – Distribuição dos conteúdos Livro 3 – Tema Eletromagnetismo
163
APÊNDICE M
Tabela 20 – Distribuição dos conteúdos Livro 4 – Tema Vol 1
164
APÊNDICE N
Tabela 21 – Distribuição dos conteúdos Livro4 – Tema Vol 2
165
APÊNDICE O
Tabela 22 – Distribuição dos conteúdos Livro 4 – Tema Vol 3
166
APÊNDICE P
Tabela 23 – Distribuição dos conteúdos Livro 5 – Tema Vol 1
167
APÊNDICE Q
Tabela 24 – Distribuição dos conteúdos Livro 5 – Tema Vol 2
168
APÊNDICE R
Tabela 25 – Distribuição dos conteúdos Livro 5 – Tema Vol 3
169
APÊNDICE S
Tabela 26 – Distribuição dos conteúdos Livro 6 – Tema Vol 1
170
APÊNDICE T
Tabela 27 – Distribuição dos conteúdos Livro 6 – Tema Vol 2
171
APÊNDICE U
Tabela 28 – Distribuição dos conteúdos Livro 6 – Tema Vol 3
172
APÊNDICE V
TEXTO DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA:
UM OLHAR SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS
SOB O PONTO DE VISTA DE CATEGORIAS PEDAGÓGICO-EPISTEMOLÓGICAS
173
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS
MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM ENSINO DE CIÊNCIAS
A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA CIENTÍFICA NO ENSINO MÉDIO:
O PAPEL DO LIVRO DIDÁTICO DE FÍSICA
TEXTO DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA
UM OLHAR SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS
SOB O PONTO DE VISTA DE CATEGORIAS PEDAGÓGICO-
EPISTEMOLÓGIAS
Material elaborado por Sandra Gonçalves
Coimbra como parte do trabalho
desenvolvido no Mestrado Profissionalizante
em Ensino de Ciências Área de
concentração Ensino de Física sob
orientação do Profº Dr. Cássio Costa
Laranjeiras.
BRASÍLIA – DF
DEZEMBRO / 2007
174
APRESENTAÇÃO
Esse texto de apoio foi elaborado no contexto do Mestrado Profissionalizante
do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília.
No presente trabalho foi discutido a relevância da formação de uma cultura científica
no ensino médio e a importância que o livro didático tem nesse processo. Nesse
contexto, foram analisados os livros didáticos de Física que foram aprovados no
PNLEM (Plano Nacional Livro Didático do Ensino Médio).
O objetivo desse texto de apoio é reunir elementos que contribuam na
construção de um “novo olhar” sobre os livros didáticos, identificando alguns
elementos importantes para a formação de uma cultura científica: dialogicidade,
protagonismo discente, dimensão empírica da ciência, dimensão histórica da
ciência, relação entre ciência e tecnologia.
O texto está proposto com vistas a uma análise qualitativa, por isso não
escalas de aferição das categorias propostas. O objetivo maior é observar o livro
didático sob uma perspectiva científico-cultural, a fim de identificar qual tem sido o
seu papel na construção de uma cultura científica no ensino médio.
A aquisição de uma cultura científica na escola média é parte fundamental de
todo um processo de formação cultural do estudante na Educação Básica,
permitindo-lhe a apropriação do discurso científico e do entendimento das
potencialidades e limitações da ciência.
Na sociedade contemporânea é possível identificar o grande impacto que a
ciência vem exercendo sobre a cultura. Qualquer sociedade atual faz uso da
eletricidade, dos transportes automotivos, da vacinação, das telecomunicações, e
tantas outras técnicas que são manifestações da cultura cienfica e tecnológica
175
(Menezes, 2005). Vivemos em um mundo superpovoado por objetos
tecnocientíficos, e este fato é tão avassalador que não podemos mais prescindir da
cultura científica, a ponto de quem estiver privado dessa cultura encontra-se vivendo
na ignorância de seu próprio meio (Japiassu, 2005).
A aquisição de uma cultura científica e tecnológica pode ser feita em diversos
ambientes, mas a escola é considerada o espaço e agente de definição e articulação
do que aprender e ensinar, cabendo-lhe, portanto, um papel significativo na tarefa de
formação de uma cultura científica.
Como parte integrante das estratégias didático-pedagógicas do processo de
formação no ambiente escolar, encontra-se o livro didático, recurso que se tornou
uma tradição muito forte na educação brasileira. Tradição sustentada pelo olhar
saudosista dos pais, pela organização escolar como um todo, pelo marketing das
editoras e pelo próprio imaginário que orienta as decisões pedagógicas do educador
(Silva, 1996).
É no contexto dessas idéias que reconhecemos a necessidade de refletirmos
acerca do papel que vem desempenhando os Livros Didáticos de sica no processo
de construção da formação cultural-científica na escola média. A identificação das
suas potencialidades e limitações pode nos ajudar numa compreensão mais
dinâmica desse importante recurso didático.
176
1. CULTURA CIENTÍFICA
Em contraposição ao termo Alfabetização Científica
11
, adotamos ao longo
deste trabalho a expressão Cultura Científica, visto que a idéia de cultura incorpora
de maneira mais ampla e dinâmica o processo de apropriação do discurso científico
bem como de uma visão crítica do mesmo. Uma cultura científica também se diz
sobre uma reflexão em torno dos limites desse discurso e vincula a formulação
científica a um contexto social, histórico, a um produto humano.
Defende-se aqui a idéia de que a constituição de uma cultura científica na
educação sica reivindica uma ação didático-pedagógica que seja capaz de
promover uma apreensão integrada de aspectos dinamicamente complementares da
compreensão da ciência: aspectos conceituais e aqueles referentes à natureza da
ciência. O primeiro refere-se aos conceitos, princípios, leis, teorias, formalismos
matemáticos e modelos que são usados na ciência para descrever e interpretar a
natureza. O segundo diz respeito a aspectos epistemológicos, filosóficos e históricos
do processo de desenvolvimento da ciência, abordando de maneira mais direta a
dinâmica da construção do conhecimento científico, como o cientista desenvolveu e
justificou esse conhecimento, as mudanças de paradigmas, as influências
econômicas, políticas, religiosas, enfim, uma dimensão interpretativa.
O diagrama a seguir busca, em primeira aproximação, representar nossa
percepção sobre a formação de uma cultura científica na educação básica,
explicitando aspectos relacionados à natureza da ciência e à natureza dos conceitos
científicos. Tais aspectos, embora apresentados em separado com o propósito de
dar maior clareza aos seus elementos constitutivos, devem ser percebidos como
11
Santos (2007) apresenta uma revisão de estudos desenvolvidos no âmbito da educação em ciências, no qual
discute concepções que são dadas ao termo alfabetização científica.
177
dinamicamente complementares. As setas bidirecionais indicando fluxos contínuos
de relação são uma tentativa de explicitar essas interações que permeiam as
categorias, reforçando a idéia de dinamismo que o quadro busca incorporar.
Forma
ção de uma cultura científica
na Educação Básica
Conceitos
Científicos
Natureza da Ciência
Abordagem
Fenomenológica
Abordagem
Conceitual
Abordagem
Formal
Epistemologia
Filosofia da
Ciência
História da
Ciência
Livro
Didático
Esquema representativo dos elementos e processos constitutivos de uma Cultura Científica no âmbito do
Ensino de Ciências na Educação Básica. Embora inacabado, ele é parte do Núcleo de uma Linha de
Pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, coordenada pelo Profº. Dr.
Cássio C. Laranjeiras
, do Instituto de Física da Universidade de Brasília.
178
2. OS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA E A FORMAÇÃO DE UMA CULTURA
CIENTÍFICA
Buscando estabelecer critérios que nos permitissem um olhar crítico
sobre os livros didáticos na sua maneira de entender e tratar a ciência, elaboramos
um conjunto de categorias analíticas que procuram explicitar aspectos considerados
relevantes no processo de constituição de uma cultura científica na educação
básica. Assim foi que surgiram as categorias analíticas referidas na apresentação. A
Dialogicidade e Protagonismo Discente estão vinculadas a uma dimensão mais
propriamente pedagógica, o que nos remete a concepção dialógica e libertadora de
educação proposta por Paulo Freire, que tem como alicerces o diálogo (elemento
norteador do processo educativo), os objetos de conhecimento (mediadores do
diálogo) e inserção do educando como sujeito nas ações educativas.
A Dialogicidade enquanto categoria analítica surge aqui referenciada na
perspectiva pedagógica de Paulo Freire e pressupõe o entendimento do processo
educativo como essencialmente comunicativo, uma comunicação que se estabelece
entre educador e educando e entre ambos e a realidade que os cerca. Para Freire “a
educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de
saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos
significados” (FREIRE, 1971, p. 69). Nesta compreensão do processo educativo, o
livro didático deve desempenhar importante papel propondo mediações significativas
dos atores do processo com essa mesma realidade.
Podemos compreender a dinâmica do processo dialógico em busca do
conhecimento como fundada em dos momentos básicos: o primeiro como sendo
aquele em que o homem simplesmente capta a presença das coisas, sem desvelá-
las em suas relações autênticas, o que para Freire ainda não constitui
179
conhecimento verdadeiro”, caracterizando o domínio da mera opinião ou doxa”. A
doxa”, no dizer de Eduardo Nicol, “ainda que chegue a ser coerente, não traduz a
coerência objetiva das coisas. o aspira sequer a ser verificada, ou seja,
compreendida por motivos racionais e não emocionais.” (NICOL apud
LARANJEIRAS, 1994, p.17). O segundo nível seria aquele em que o homem busca
“desvelar” a sua realidade imediata em suas razões primeiras. Aqui poderíamos
localizar o ápice do processo de aprendizagem, momento no qual o indivíduo
transpõe os limites das suas percepções iniciais em torno do objeto de
conhecimento, num processo de progressiva determinação e aperfeiçoamento de
relações. Este momento inaugura a “episteme”, para a qual, que segundo Heller
Conhecer um fenômeno o significa simplesmente poder reagir ante ele (ou
saber produzi-lo), mas conhecer as conexões que o ligam a outros
fenômenos, captar o lugar que ocupa no sistema de outros fenômenos.
(HELLER apud LARANJEIRAS, 1994. p.18).
Esse modo de compreender o processo de conhecimento encontra
ressonância no pensamento de Bachelard, que reforça esta necessidade apontada
por Freire de superação da doxacomo forma desarmada de conhecimento frente
ao mundo, em favor da episteme”. Em sua obra “A Formação do Espírito
Científico”, Bachelard defende a idéia de que todo conhecimento é resposta a uma
pergunta e se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico.
Partindo dessa perspectiva, um texto didático deve estimular a capacidade
investigativa do aluno, desenvolver uma postura de busca do conhecimento, de
modo que ele assuma a condição de agente na construção do seu conhecimento
(VASCONCELOS e SOUTO, 2003, p.93).
Um texto didático com postura dialógica, precisa apresentar questões
capazes de desencadear um processo investigativo, Não se trata aqui de questões
180
visando aferir o dito no texto, mas questões que proponham ao aluno a
problematização do mundo, da sua realidade.
O diálogo conduz a outras atividades, sugere ao estudante a busca de
conhecimento. Estimula o desenvolvimento da autonomia intelectual. Diálogo não é
conversa com o professor e/ou com outros estudantes, mas é diálogo interno
dentro da própria construção do conhecimento. Para Bachelard se não houver esse
diálogo, não há superação de obstáculos e, portanto, não haverá ruptura.
Elementos históricos e empíricos propiciam a dialogicidade. Por exemplo,
aspectos da história da ciência reforçam a dimensão dialógica do texto; atividades
experimentais têm o papel de explicitar a dimensão empírica da ciência ao
estabelecerem diálogo com a própria realidade, e isso ocorre na medida em que o
estudante coleta dados, organiza informações, controla variáveis, analisa resultados.
Se, como propõe Freire, adotamos uma perspectiva em que “conhecer é
tarefa de sujeitos, não de objetos” (FREIRE, 1971, p.27), o protagonismo do
estudante deve ser considerado prioritário. A atitude consciente do indivíduo frente
ao ato de conhecer é a única capaz de instrumentalizá-lo em sua ação
transformadora da realidade. Estamos diante de uma concepção onde o
conhecimento é percebido em sua natureza “construtiva”, como resultado de uma
elaboração do pensamento, fruto da ação do sujeito, protagonista mesmo do
processo educativo.
Essa confrontação com o mundo, com a realidade, faz do homem um agente,
um protagonista. No contexto educacional, o estudante inserido no processo de
busca de conhecimento, e da relação deste com a realidade, com o seu mundo
vivencial. Esse é o sentido para protagonismo discente.
181
No processo educativo Freire destaca que “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p.47). Nesse sentido, o texto didático deve estar
comprometido com o estímulo à capacidade investigativa do estudante, apresentar
situações em que o aluno problematize o conhecimento adquirido, estimular a
reflexão crítica sobe o ato de conhecer.
Um texto didático pode incentivar o protagonismo discente ao contextualizar
adequadamente o conteúdo e problematizar, de modo inteligente, os conceitos. Isso
significa não trazer conceitos prontos e acabados, mas abrir espaço para
questionamento, para confronto com suas “experiências primeiras”, conforme
preconiza Bachelard. Assim sendo, os estudantes poderão sentir-se desafiados e
também descobrir que os conteúdos curriculares podem ter significados em suas
vidas.
As Dimensões Empírica e Histórica da Ciência e também a Relação entre
Ciência e Tecnologia estão vinculadas a uma dimensão de caráter epistemológico,
que nos remete a epistemologia histórico-crítica de Gaston Bachelard, que tem
como alicerce os conceitos de “ruptura” e “obstáculo epistemológico”.
A realização de experimentos como estratégia de ensino é defendida por
muitos autores, e o seu uso tem sido apontado como uma das maneiras de
minimizar as dificuldades de ensinar e aprender Física (ARAÚJO e ABIB, 2003).
Entretanto, mesmo sendo consensual o potencial desse instrumento, essa atividade
é pouco explorada no ambiente escolar, e os motivos são diversos, desde
problemas de inexistência de aulas preparadas para uso do professor até a
formação docente (BORGES, 2002), passando por livros didáticos que abordam o
tema somente com orientações tipo “livro de receitas” (ARAÚJO e ABIB, 2003).
182
Entendemos que a experimentação é um elemento importante no ensino de
ciências, tendo em vista que através dela se pode explicitar a dimensão empírica da
ciência. Portanto o ensino experimental “deve ser usado não como um instrumento a
mais de motivação para o aluno, mas sim como um instrumento que propicie a
construção e aprendizagem de conceitos e modelos científicos.” (BARBOSA et al,
2003, p.106).
As atividades experimentais podem proporcionar o desenvolvimento de
habilidades tais como fazer observações, classificar, prever, formular hipóteses,
medir grandezas físicas, fazer montagens e usar de equipamentos específicos.
Podem, ainda, desenvolver técnicas de investigação, tais como repetição de
procedimentos para aumentar confiabilidade dos resultados obtidos, aprender a
colocar informações em diferentes formas de representação gráficos, diagramas,
esquemas, tabelas (BORGES, 2002, p.297).
Tamir (apud CACHAPUZ et al, 2005) distingue dois tipos de
experimentação: verificação e investigação. No primeiro caso, o problema, as
demonstrações e instruções diretas, são feitos pelo professor; é algo tipo “receita”.
No segundo tipo de experimentação esta deve ser um meio para explorar as idéias
dos alunos; desenvolver a compreensão conceitual; ser sustentada por base teórica
com o objetivo de orientar a análise de resultados; ser delineada pelos alunos a fim
de possibilitar o controle da aprendizagem.
Um texto didático necessita incorporar essa dimensão empírica da ciência.
Trabalhar com o aluno a percepção de que a ciência não nasce de uma forma
indutiva, a teoria não é construída a partir da experiência, mas a experiência tem um
papel relevante na construção da ciência. As atividades experimentais propostas
nos livros didáticos precisam traduzir esse papel relevante da experimentação,
183
indicar atividades com metodologias diferenciadas, explicitando os objetivos a serem
alcançados. Atividades que levem estudantes a uma reformulação de suas
explicações causais para fenômenos investigados; favorecer entendimento do uso
de instrumentos de medida, tratamento gráfico, tratamento estatístico de dados;
elaborar situações que possibilitem análises, reflexões e generalizações.
A formação da cultura científica abrange dois aspectos: a natureza dos
conceitos científicos e a natureza da ciência. Conforme sintetizado no esquema
apresentado anteriormente, a dimensão histórica incide sobre a natureza da
ciência.
O texto didático precisa apresentar uma visão de ciência que aborde tanto a
dimensão da natureza dos conceitos científicos quanto da natureza da ciência. É
nesse sentido que informações sobre a vida dos cientistas, aspectos histórico-
culturais de sua época, concepções e teorias aceitas nesse período, as
controvérsias e dificuldades para aceitar novas idéias, podem contribuir para uma
nova visão da ciência e do cientista e a compreensão das relações entre ciência,
tecnologia e sociedade.
Martins (2006) argumenta que o estudo adequado de alguns episódios
históricos permite perceber o processo social e gradativo da construção do
conhecimento; compreender que a ciência não é o resultado da aplicação de um
“método científico” que permita chegar à verdade; contribui de forma insubstituível
na formação de uma concepção adequada sobre a natureza das ciências suas
limitações e relações com outros domínios; pode auxiliar no próprio aprendizado dos
conteúdos científicos.
Um texto didático que apresenta tais aspectos históricos contribui para a
formação de uma cultura científica, diferente de um texto que apresenta a história da
184
ciência somente com o uso de nomes e datas, transmitindo a concepção de ciência
constituída por grandes cientistas e fatos marcantes.
O mundo contemporâneo é constituído por objetos tecnológicos, de modo que
o homem é fortemente marcado pela presença da tecnologia em sua vida diária. Do
mesmo modo a ciência tem grande impacto nesse mundo. Assim a nossa cultura é
marcada tanto pela tecnologia como pela ciência, caracterizando uma cultura
científica.
As relações entre ciência e tecnologia são complexas. Se nos voltarmos
para o mundo grego, veremos que a techné constituía um saber prático, em
oposição ao saber teórico. Com a revolução científica no século XVII, a ciência deixa
de ser teórica para tornar-se ativa, com isso a cnica passa a ser considerada
conseqüência prática do conhecimento teórico. Contemporaneamente a técnica não
é mais considerada aplicação do saber teórico, passa a ser considerada como uma
tecnologia, como uma prática tendo sua lógica própria suscetível de determinar a
sociedade onde se insere, através dos modelos e dos fins que ela impõe
(JAPIASSU, 2005, p.212).
O texto didático ao tratar da natureza das ciências e dos conceitos científicos
precisa apresentar as inter-relações com a tecnologia. Uma possível abordagem
seria a explicação de aparatos tecnológicos, seu funcionamento, informações
técnicas e conhecimentos científicos envolvidos, de modo a contribuir para o
desenvolvimento da autonomia crítica do estudante e trazer reflexões acerca da
produção e uso de tais tecnologias.
Nesta direção, sugerimos ao professor a utilização de um olhar diferenciado,
mais perscrutador do processo de constituição da ciência e da sua inserção nos
185
textos didáticos de Física. A tabela a seguir pretende uma apresentação sintética
das categorias utilizadas ao longo deste trabalho e que são aqui sugeridas como
ferramentas de análise ao professor.
186
AVALIANDO OS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA
CATEGORIAS ANALÍTICAS SUGERIDAS
Categoria de análise
Aspectos analisados
Parâmetros
Dialogicidade
Nível e estilo de discurso utilizado ao longo do
texto no trabalho didático-pedagógico com os
diferentes temas.
Observação da estrutura dos capítulos, do ritmo de apresentação dos
temas e do grau de levantamento de questões visando a inserção do
estudante em um processo dialógico com o texto e mediados pelo texto.
Protagonismo
Discente
Grau de inserção dos estudantes, adotado
pelos autores ao longo do texto, no processo
de investigação dos temas abordados.
Presença de atividades e/ou ações que remetam o estudante a uma
participação ativa no processo de ensino-aprendizagem.
Dimensão
Empírica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
empírica da ciência.
Presença de atividades experimentais que estimulem o controle de
variáveis, tomada de dados e a relação destas com os conhecimentos
teóricos trabalhados ao longo do texto.
Dimensão
Histórica
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à dimensão
histórica da ciência.
Presença de aspectos sócio-econômicos e culturais como influenciando
o processo de construção do conhecimento; Dinâmica de construção de
teorias, apresentadas através do conflito de diferentes pontos de vista; a
participação de diferentes cientistas na elaboração de conceitos e
teorias.
Relação
Ciência-Tecnologia
Identificação e caracterização da forma e
tratamento dado ao longo do texto à relação
ciência-tecnologia.
Presença da discussão de fatores tecnológicos como potencializadores
do desenvolvimento científico; reflexões acerca da aplicabilidade da
ciência e sua presença no desenvolvimento da tecnologia e seus
produtos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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