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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
P
ROGRAMA DE
P
ÓS
-G
RADUAÇÃO EM
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
M
ESTRADO
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ROFISSIONALIZANTE EM
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
A História da Ciência e a Experimentação
no Ensino de Química Orgânica
Cláudio Luiz Nóbrega Pereira
Brasília – DF
Janeiro
2008
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física
Instituto de Química
P
ROGRAMA DE
P
ÓS
-G
RADUAÇÃO EM
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
M
ESTRADO
P
ROFISSIONALIZANTE EM
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
A História da Ciência e a Experimentação
no Ensino de Química Orgânica
Cláudio Luiz Nóbrega Pereira
Dissertação realizada sob
orientação do Prof. Dr. Roberto
Ribeiro da Silva e apresentada à
banca examinadora como requisito
parcial à obtenção do Título de
Mestre em Ensino de Ciências –
Área de Concentração “Ensino de
Química”, pelo Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências
da Universidade de Brasília.
Brasília – DF
Janeiro
2008
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F
ICHA
C
ATALOGRÁFICA
Pereira, Cláudio Luiz Nóbrega.
A história da ciência e a experimentação no ensino de Química Orgânica / UnB,
Brasília, 2006.
194 P.
Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília. Instituto de Física/Química.
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências.
1. Educação em Ciências. 2. Ciências – Estudo e Ensino. 3. História da Ciência.
4. Ensino de Ciências – Pesquisa – Universidade de Brasília.
F
OLHA DE
A
PROVAÇÃO
CLÁUDIO LUIZ NÓBREGA PEREIRA
A História da Ciência e a Experimentação no Ensino de Química
Orgânica.
Dissertação apresentada à banca examinadora como requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Ensino de Ciências Área de Concentração “Ensino de
Química”, pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da
Universidade de Brasília.
Aprovada em 25 de janeiro de 2008.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Roberto Ribeiro da Silva
(Presidente)
___________________________________________
Prof.ª Dr.ª Jeane Cristina Gomes Rotta
(Membro Interno não Vinculado ao Programa – FUP/UnB)
___________________________________________
Prof. Dr. Márlon Herbert Flora Barbosa Soares
(Membro Externo – IQ/UFG)
___________________________________________
Prof.
a
Dr.ª Joice Batista Aguiar
(Suplente – PPGEC/UnB)
Dedico este trabalho
A minha mãe Maria de Lourdes
A memória de meu pai Luiz Paulino
A minha esposa Rosineide
As minhas filhas Bárbara e Amanda.
Pessoas que me fizeram e me fazem ser feliz.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me concedido a chance de conhecer um mundo tão
bonito e ter me dado a capacidade de admirá-lo.
Agradeço a minha esposa pela paciência além do possível, suportando meus momentos de
irritação, e pelo carinho e apoio nas horas difíceis.
Agradeço as minhas filhas pelas alegrias proporcionadas todos os dias. Sem elas creio que
teria sido bem mais difícil completar este trabalho.
Agradeço a minha mãe pelo carinho eterno, e pelo desejo constante de me ver feliz.
Agradeço também ao restante da família: Cláudia, Francisco, Adriana, Marcos pela boa
vontade em ajudar nos problemas do dia-a-dia.
Não posso esquecer meus cunhados, tio Vando (Cabo Jairo) e tio Jailton, pela ajuda sempre
constante, quando eu tinha que estar em dois (ou três) lugares ao mesmo tempo.
Agradeço ao professor Gauche pela motivação (e pelo puxão de orelha), no momento exato.
Sem ele este trabalho não teria sido concluído.
Por fim um agradecimento mais que especial ao Professor Roberto, pela paciência e boa
vontade em me ajudar a realizar este trabalho, pela generosidade com que buscou transmitir
seus saberes e experiências, e mais do que tudo soube compreender minhas dificuldades
pessoais.
É fundamental experimentar o mistério, pois
este é a raiz de toda a ciência. O homem que
desconhece esse encanto é incapaz de sentir
admiração, estupefação, esse está morto,
tem os olhos extintos.
Albert Einstein.
R
ESUMO
A motivação para este trabalho partiu da percepção de que os alunos não demonstram muito
interesse pelo estudo do conteúdo relativo à Química Orgânica. A literatura tem enfatizado
que este é um caso particular de um problema mais amplo: o ensino de ciências passa por uma
crise. Segundo vários estudos, esta situação se deve a abordagem pela qual o conhecimento
científico é apresentado. Tal abordagem caracteriza-se por ser focada na transmissão de
conteúdos que se distanciam da realidade dos alunos, tendo como objetivo a formação de
futuros profissionais para carreiras ligadas a ciência. Além do mais, esta abordagem apresenta
o conhecimento científico como uma verdade inquestionável, que, em termos
epistemológicos, apóia-se em um modelo empírico indutivista da ciência, cujos fundamentos
têm sido duramente criticados pela moderna Filosofia da Ciência. Com intuito de superar tais
dificuldades, produzimos um módulo de ensino que aborda o tema corantes, segundo uma
perspectiva histórica aliada à experimentação. Este módulo foi avaliado por sete professores
de Química. A avaliação de cada um deles foi coletada por meio de entrevistas semi-
estruturadas. Como resultado os professores destacaram a potencialidade do material em
permitir uma abordagem que rompa com a fragmentação do conhecimento químico, aproxime
o conteúdo da realidade do aluno, e apresente as inter-relações entre ciência tecnologia e
sociedade. Os professores indicaram, ainda, que os experimentos sugeridos podem contribuir
para articular o nível macroscópico com os veis teórico e representacional do conhecimento
químico. Também realizamos uma análise sobre a forma como foram inseridas a História da
Ciência e a Experimentação nos livros didáticos de Química, que irão fazer parte do Programa
Nacional do Livro Didático de 2008. O resultado de tal avaliação mostra que, em geral, estes
livros fazem uso da história da ciência, porém de forma inconsistente, e que a experimentação
ainda é tomada segundo a lógica da confirmação.
Palavras-chave: Química Orgânica, História da Ciência, Experimentação.
A
BSTRACT
This work was motivated by the fact that students do not demonstrate interest in studying the
contents related to Organic Chemistry. Literature has emphasized that this is a particular case
of broader situation, that is, of the current science teaching crisis. The reasons that have lead
to this situation are, according to various studies, the approach in which scientific knowledge
is presented. Such approach is characterized by the focus on transmission of knowledge that is
distant from the student´s reality, and by having as its objective the formation of future
professionals of science relate careers. In addition, such approach presents scientific
knowledge as if it an unquestionable as if it was an unquestionable truth, since, in
epistemological terms, it is based in an indutivist empirical model of science, whose
fundaments have been criticized by modern Philosophy of Science. Aiming at overcoming
these difficulties, we have produced a teaching module that approaches the theme “dyes”,
according to an historical perspective allied to experimentation. Such module has been
evaluated by seven Chemistry teachers. Each one’s evaluation was collected by means of
semi-structured interviews. As a result, the teachers have pointed out the potential of the
material in allowing an approach that break with the fragmentation of chemistry knowledge,
make the content closer to the student’s reality and present the inter-relations between
science, technology and society. The teacher also pointed that the suggested experiments may
contribute to the articulation between the macroscopic level and theoretical and
representational level of chemistry knowledge. We also have carried out an analysis of the
way in which History of Science and experimentation were inserted in Chemistry textbooks
that will be part of the National Didactic Book Program of 2008. The result of such analysis
shows that, in general, these books make use of History of Science, but in an inconsistent
manner, and that experimentation is still taken according to the logic of confirmation.
.
Key-words: Organic Chemistry; History of Science; Experimental Works.
S
UMÁRIO
1
I
NTRODUÇÃO
...........................................................................................................
9
2
P
ROBLEMAS
R
ELATIVOS AO
E
NSINO DE
IÊNCIAS
...............................................
2.1 A crise no ensino de ciências .............................................................................
2.2 Alfabetização Científica ....................................................................................
2.3 As formas de conhecer o mundo .......................................................................
2.4 A aprendizagem dos conceitos científicos .........................................................
15
16
19
22
28
3
H
ISTÓRIA DA
IÊNCIA E O
E
NSINO DE
IÊNCIAS
...................................................
3.1 Importância da História da Ciência, um olhar no passado ................................
3.2 A História da Ciência nos currículos do pós-guerra ..........................................
3.3 As reformas educacionais e a História da Ciência no ensino atual ...................
3.4 Recomendações para o uso da História da Ciência ...........................................
33
34
38
42
46
4
O
PAPEL DA PERIMENTAÇÃO NO
E
NSINO DE
IÊNCIAS
.........................................
4.1 Apoio ao uso da experimentação no ensino ......................................................
4.2 Um olhar crítico sobre o uso da experimentação no ensino ..............................
4.3 Uso didático da experimentação ........................................................................
54
54
58
63
5
M
ETODOLOGIA
........................................................................................................
5.1 A construção do Módulo de Ensino ..................................................................
5.2 A avaliação do Módulo de Ensino ...................................................................
68
68
75
6
R
ESULTADOS E
ISCUSSÃO DA
VALIAÇÃO DO
M
ÓDULO DE
E
NSINO
...............
79
7 A
Q
UÍMICA
O
RGÂNICA NOS
L
IVROS DO
PNLEM/2008:
U
M OLHAR SOBRE A
H
ISTÓRIA DA
C
IÊNCIA E A
E
XPERIMENTAÇÃO
........................................................
7.1 Critérios para análise .........................................................................................
7.2 Resultados e discussão da análise dos livros didáticos do PNLEM/2008 .........
7.2.1 A História da Ciência nos livros didáticos ...............................................
7.2.2 A
experimentação nos livros didáticos .....................................................
98
98
100
100
106
8
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
.........................................................................................
114
R
EFERÊNCIAS
..............................................................................................................
118
A
PÊNDICE
A- Módulo de Ensino ...................................................................................................
124
9
1
I
NTRODUÇÃO
A motivação para este trabalho surgiu de uma insatisfação com o desinteresse e o
baixo desempenho dos alunos em relação ao conteúdo de Química Orgânica. Como professor
em escola pública, ao longo de 12 anos, pude acompanhar diversas turmas durante as três
séries do ensino médio. Desta maneira me foi possível comparar o desempenho e interesse de
cada uma delas pelos diversos assuntos abordados durante as aulas.
Marcadamente, os alunos demonstravam considerar o conteúdo ligado a Química
Orgânica como maçante e sem sentido. Em conversas que tive com vários deles ouvia sempre
relatos em que afirmavam não verem sentido em se ficar decorando um monte de “nomes
esquisitos”, de coisas que eles nunca tinham ouvido falar.
Um caso que considero singular ocorreu quando uma senhora, com mais de 50 anos de
idade, veio me pedir ajuda para realizar um trabalho escolar. Ela era aluna de outro professor,
que lecionava nas turmas do curso supletivo existente na mesma escola em que eu trabalhava.
A atividade que este professor havia proposto para a aluna era uma pesquisa” sobre a
classificação e nomenclatura dos hidrocarbonetos. Conversando com aquela senhora percebi o
quanto era desprovido de importância aquele tipo de conhecimento para as pessoas em geral.
É importante notar que muitos alunos do ensino médio, semelhantemente àquela
senhora, não pretendem continuar seus estudos, e mesmo aqueles que o farão podem seguir
outras carreiras não ligadas às ciências (que é o mais provável). Assim qual sentido teria
abordar conhecimentos cuja utilidade só se aplica aos profissionais de determinada área.
Todavia, verificando os livros didáticos, percebemos que eles tendem a enfatizar
somente a dimensão representacional do conhecimento químico. Em outro trabalho que
realizamos, Pereira e Silva (2006), evidenciamos que nos livros didáticos tradicionais de
10
Química a forma de apresentação dos conteúdos relativos à Química Orgânica enfatiza as
representações e a nomenclatura, em detrimento das propriedades dos materiais e das relações
entre os níveis macroscópico e microscópico. Os conteúdos são tratados de forma
fragmentada, sem que tenham relação entre si. Ou seja, este recurso didático é um espelho de
como a Química Orgânica é apresentada em sala de aula. O que infelizmente é algo natural,
pois em grande medida ele é a base com que se preparam as aulas.
Assim nos perguntamos: Seria este tipo de abordagem, que apresenta a ciência como
algo distante das pessoas comuns, tendo como foco à preparação para carreiras ligadas às
ciências, o motivo da falta interesse dos alunos? Seria a forma como o conhecimento Químico
é abordado, enfatizando o uso de algoritmos, e a memorização de fórmulas que os afasta do
estudo desta disciplina? Seria o fato de que o ensino de Química apresenta esta ciência como
distante das preocupações humanas a causa do desânimo dos alunos?
Imaginamos que seja possível superar tais dificuldades pelo estudo do tema
“Corantes”, por meio de uma abordagem histórica aliada a experimentação, pois assim
estaremos resgatando elementos humanísticos ligados à ciência, a muito esquecidos no ensino
de Química, ao mesmo tempo em que possibilitaremos ao aluno ter contato com fenômenos
que dêem significado as teorias e conceitos estudados no âmbito da Química Orgânica.
Neste sentido, temos como objetivo a produção de um módulo de ensino para ser
aplicado no ensino médio que possibilite ao aluno ter conhecimento sobre a “História e a
Química dos Corantes”.
As substâncias corantes acompanham a humanidade desde sua aurora, fizeram parte da
pauta comercial ao longo de toda idade antiga e medieval. Até meados do século XIX estes
materiais foram a base da economia de muitas regiões, quando um forte indústria química
começou a florescer, baseada na pesquisa e produção de análogos sintéticos dos produtos
11
naturais. Além do que, estas substâncias estão presentes em nosso dia-a-dia fazendo parte dos
mais variados objetos.
É de se notar também que o uso de corantes no processo de tinturaria evoca uma rie
de fenômenos que podem ser explicados por vários conceitos da Química. Estes fenômenos
podem ser explorados em experimentos simples e com grande potencial de despertar a
curiosidade dos alunos, pois se referem a uma propriedade macroscópica de fácil percepção, a
cor. Por isso buscamos associar algumas atividades práticas ao estudo do tema.
Para o desenvolvimento da dissertação a dividimos em oito capítulos. No de número
dois fazemos algumas considerações sobre os problemas relativos ao ensino de ciências. É
notável que nossa problemática esta circunscrita dentro de um contexto muito mais amplo, o
ensino de ciência esta passando por assim dizer por “uma crise” em nível mundial. O
desinteresse dos jovens por carreiras ligadas a ciência têm sido uma constante em vários
países, de maneira que várias reformas curriculares têm sido propostas com intuito de superar
o quadro atual. Os motivos que levaram a situação atual em que se encontra o ensino de
ciência são multifacetados, envolvem tanto uma visão sobre construção do conhecimento
científico e individual, quanto às finalidades deste ensino.
No terceiro capítulo fazemos um estudo dos argumentos que justificam o uso da
História da Ciência no ensino. E de se notar que a defesa desta abordagem não é recente,
datam do final do século XIX as primeiras manifestações a favor de um ensino de ciências
que favoreça aos alunos percebe-la como empreendimento humano, carregado de erros e
vicissitudes. Entende-se assim a ciência como parte da cultura.
Nos últimos anos reformas educacionais ocorridas em muitos países, tais como
Estados Unidos e Inglaterra, passaram a indicar explicitamente a necessidade de se incluir no
ensino tópicos ligados a História e a Filosofia das Ciências. O objetivo desta revalorização de
elementos humanísticos é o de levar os alunos superarem visões distorcidas sobre a prática
12
dos cientistas, e sobre a ciência em si, e de certa maneira eles coadunam com os objetivos das
propostas para uma alfabetização científica.
Assim como a defesa do uso da História da Ciência no ensino, também são antigos os
argumentos favoráveis ao uso da experimentação nas aulas de ciência. São encontradas
referências a sua inserção na prática educativa nos estatutos da Universidade de Coimbra
ainda no século XVIII, e em vários documentos oficiais desde o início de nossa república. A
aceitação, ao menos em palavras, de que práticas experimentais são fundamentais nas aulas de
ciência parece ser um consenso, podemos dizer até que se tornou um aforismo.
Tunes e colaboradores (1999) verificaram que os professores de ciência usam diversos
argumentos para justificar o uso deste recurso. Tais argumentos vão desde aqueles ligados a
questões motivacionais até outros relacionados a compreensão sobre a natureza da ciência.
Porém, da mesma maneira que aqueles autores, entendemos que o uso deste recurso
ainda não ocorre sem problemas, e carece de reflexões. Muitos professores a percebem de
forma ingênua, e seguem um modelo calcado no viés da formação profissional. Assim nos
propomos, no capítulo quatro, trazer a baila elementos que nos ajude a compreender o papel
que a experimentação pode desempenhar hoje na sala de aula, em um contexto em que se
pretende uma formação mais abrangente para o aluno.
No quinto capítulo abordamos o processo de construção do módulo de ensino para o
conteúdo de Química Orgânica. explicitamos as características que procuramos imprimir
naquele material de ensino, e indicamos como foi realizado o seu processo de avaliação.
O módulo consiste em um texto e um conjunto de experimentos que abordam a
história e a química dos corantes. Na primeira parte do texto fazemos um apanhado geral
sobre alguns corantes de importância histórica, como o pau-brasil. Na segunda discutimos
aspectos inerentes à química da tinturaria. E na terceira abordamos a natureza da luz e a
formação da cores.
13
Os experimentos propostos não têm como objetivo comprovar as teorias abordadas no
texto, mas fornecer a vivência de fenômenos que permitam a compreensão do texto, ou iniciar
uma discussão que possibilite o professor e os alunos se aprofundarem no estudo da Química
Orgânica.
Para avaliação do nosso produto solicitamos a sete professores que fizessem a leitura
do módulo de ensino. Em uma data previamente marcada realizamos uma entrevista semi-
estrutura com cada um deles, registrando seus depoimentos por meio de gravação.
Os resultados destas entrevistas encontram-se discutidos no capítulo seis. Por meio
delas pode-se perceber uma boa aceitação do módulo de ensino e que os professores
destacaram as potencialidades do material em poder propiciar uma abordagem que humanize
os conhecimentos de Química à medida que contextualiza os conteúdos estudados, os associa
a fatos históricos conhecidos e apresenta a ciência interligada ao contexto social e econômico.
Também foi apontado pelos professores a possibilidade de um trabalho
interdisciplinar, e do rompimento da visão fragmentada dos conteúdos de Química.
Como conseqüência da inclusão de livros didáticos de Química no PNLEM-2008
1
,
surgiu naturalmente à necessidade de avaliar como a Química Orgânica é tratada nos livros
que farão parte do programa, além de verificar o uso que se faz da História da Ciência e da
experimentação. No sétimo capítulo são apresentados os resultados desta análise.
No oitavo capítulo fazemos nossas considerações finais sobre o resultado deste
trabalho, e apontamos algumas questões que ainda merecem ser mais bem estudadas. Estas
questões surgiram em decorrência da produção do módulo de ensino e de sua avaliação pelos
professores.
Para encerar esta apresentação gostaríamos de indicar que em alguns momentos
fazemos referencia à epistemologia, aqui entendida como Filosofia da Ciência. Como
1
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio. Este programa tem como meta distribuir livros
didáticos aos alunos do ensino médio da rede pública de ensino em nosso país.
14
apontado por Ramos (2000, p. 18), o termo neste sentido implica em “um estudo crítico do
conhecimento científico, de seus princípios e resultados, além de tratar também da história
filosófica das ciências análise crítica das caminhadas, das dificuldades, das revoluções e
rupturas da ciência”.
Reconhecemos que hoje existe uma verdadeira ecologia de Epistemologias da Ciência.
Mas não tivemos o intuito de estudá-las em profundidade. Tecemos alguns comentários mais
extensos sobre o empirismo, por que esta abordagem sobre o conhecimento científico é a que
mais marcadamente está presente no ideário dos professores, como aponta Maldaner (2000, p.
67), apesar de seus fundamentos serem considerados como superados.
15
2 P
ROBLEMAS
R
ELATIVOS AO
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
hoje um amplo debate sobre os problemas relativos ao ensino de ciências. É
notável o baixo desempenho dos alunos nas disciplinas de ciências: Física, Biologia e
Química. Sobre isto Beltran e Ciscato (1991, p.15) afirmam fácil constatar que a maior
parte das pessoas, mesmo após freqüentar a escola de e graus
2
, sabe pouco de Química.
Pouquíssimas delas conseguem se posicionar sobre problemas que exijam algum
conhecimento da matéria"
. Chassot (2003), ao ponderar sobre o nível de conhecimento de alunos
universitários de cursos não ligados a ciências exatas, chega mesmo a considerar como desperdício o
tempo que os alunos investiram em aulas de ciências durante o ensino médio. Assim, o ensino de
ciências pouco tem ajudado os alunos a compreenderem a realidade que os rodeia, e tão pouco tem
contribuído para formação de cidadãos críticos.
Posições como estas ganham peso ao verificamos que o Brasil obteve, em 2003, o
penúltimo lugar entre 41 países pesquisado pelo Programa Internacional de Avaliação de
Alunos – PISA- ficando a frente somente das Filipinas (Santos, 2006).
Outro dado que confirma as dificuldades no ensino de ciências é a baixa demanda,
em nosso país, por cursos de licenciatura relativos à área. Parece ser paradoxal ver de um lado
os altos índices de desemprego no Brasil sendo noticiados pela imprensa, e de outro a falta de
profissionais em uma área tão importante quanto à educação. O que se percebe é que os
cursos ligados a carreiras científicas não atraem a atenção dos nossos jovens.
Assim posto, levanta-se algumas questões: O que há de específico no ensino de
ciências que o torna tão difícil de ser implementado? Que contribuições o ensino de ciências
pode trazer aos indivíduos e a sociedade?
2
A terminologia 1° e 2° graus corresponde ao que hoje denominamos ensino fundamental e médio,
respectivamente.
16
Neste capítulo pretendemos discutir algumas idéias que poderão nos dar uma visão
geral dos problemas relativos ao ensino de ciências, e como estes problemas têm sido
abordados pela pesquisa na área. Trataremos de questões relativas às contribuições das
abordagens voltadas para alfabetização científica, discutiremos algumas questões relativas a
natureza da ciência, e faremos algumas considerações sobre o aporte construtivista ao ensino
de ciências.
2.1 A crise no ensino de ciências
Embora os Estados Unidos e muitos países da Europa apresentem resultados
melhores que o nosso em exames internacionais, é marcante o desinteresse dos jovens por
carreiras ligadas às ciências, de tal forma que se pode considerar que ensino de ciências tem
enfrentado em níveis mundiais uma crise. Parece que ensino focado para formação de
cientistas, de caráter eminentemente conteudista, tem levado, na verdade, a uma fuga desta
profissão. A ciência é tratada de forma tão distante do mundo dos alunos que não os motiva a
se aprofundarem em estudos específicos nesta área.
Fourez (2003) indica que os principais atores envolvidos na crise são os alunos, os
professores, e os empresários. O ensino de ciências parece se distanciar enormemente da
realidade dos alunos, os professores indicam não terem preparo para trabalhar em uma
dimensão que não seja a de formação de cientistas. Os empresários se queixam de pouca
oferta de candidatos para assumirem as vagas existentes no mercado de trabalho, preocupam-
se assim com a queda na produtividade, necessitam que a máquina da ciência continue
funcionando.
17
O quadro descrito por Fourez (2003), para a Bélgica, assemelha-se muito ao caso
brasileiro. Nosso ensino se distancia de fato da realidade dos alunos e a maioria dos nossos
professores não possui capacitação para uma abordagem diferente. Documentos oficiais
fazem constantes apelos para que os professores procurem explorar problemas do cotidiano
durante as aulas.
A exceção do que se observa na Bélgica é que nossos empresários não têm grandes
preocupações com a produção científica, pois os produtos da ciência que utilizam são em
grande medida importados.
Fourez (2003) continua sua análise apresentando algumas controvérsias relativas à
crise, que são encampadas pelos atores acima apresentados. Elas podem ser sintetizadas como
segue:
Quantidade de matéria versus qualidade de formação. Existe de um lado a
tendência de trabalhar uma vasta gama de conteúdos para dar uma visão geral da
ciência, de outro os que postulam a necessidade de estudar uma gama menor de
conteúdo, de forma mais profunda já que é impossível ensinar tudo.
Alfabetização científica versus proezas científicas. Na forma tradicional os
cursos que visam a formação de cientistas, este ensino se ramifica em Química,
Física e Biologia. Os que pretendem a alfabetização científica tratam de temas
como poluição, tecnologia, medicina, etc. Têm caráter mais humanista.
Uma alfabetização científica individual ou coletiva. Classicamente a escola
trabalha com a formação individual, assim é que alguns esperam tornar o aluno
cidadão. Todavia aqueles que consideram imprescindível envolver a
comunidade, pois não somos cidadãos isolados.
Ciência de todos os dias ou ciência de situações e materiais puros. Esta questão
está vinculada à alfabetização científica. De um lado o foco são questões do dia-a-
18
dia do aluno, os conceitos são explorados em função do contexto. Em oposição,
almejando-se a formação de cientistas, o foco serão os problemas ligados aos
laboratórios e aos métodos de pesquisa.
Ensino das ciências e meios sociais. O mundo dos cientistas, apresentado aos
alunos, parecer ser regulado por uma lógica implacável, fria e desumana, não
havendo, pois, lugar para os valores afetivos. Isto se distancia do modo de vida dos
alunos oriundos das classes mais humildes levando-os a se afastarem das ciências.
Para Fourez (2003) a didática das ciências deveria considerar esta questão com
mais atenção do que tem feito. Parecer ser importante levar em consideração as
posições sociais dos alunos e abordagem que se dá ao ensino. Surge daí uma
controvérsia: alguns professores consideram que devem se ater somente ao
conteúdo de ciências; outros consideram importante dialogar com os alunos sobre a
forma como percebem a ciência.
Formação para competências bastante amplas. A alfabetização científica busca a
formação de competências amplas, que possibilite ao aluno atuar em seu meio
como cidadão. A questão que surge é como ensinar estas competências. Alguns
julgam ser possível, outros dizem que não.
Lugar do teórico e da experimentação. A grande maioria dos professores postula
que o papel da experimentação é o de confirmação das teorias. Todavia uma
compreensão mais aprofundada aponta que a ciência trabalha com construção de
modelos que buscam explicar a realidade, e devem ser testados.
Lugar das tecnologias. Os professores, em sua maioria, acreditam que a tecnologia
é resultado direto da aplicação da ciência, assim, imaginam que ensinando ciência o
aluno compreenderá as aplicações tecnológicas. Todavia, esquecem-se de levar em
consideração aspectos sociais e culturais relativos ao desenvolvimento tecnológico,
19
e que há uma forte influência da tecnologia sobre a ciência também. Aliás, devemos
lembrar que esta forma de saber chamada ciência se formalizou somente a três
séculos, enquanto artefatos tecnológicos são conhecidos desde a pré-história.
A estes elementos podemos somar a discussão sobre a interdisciplinaridade. Na escola
os conteúdos são tratados de forma isolada, como pacotes. Aos alunos não são apresentadas as
inter-relações existentes entre os conceitos das diversas disciplinas.
Percebe-se que a discussão relativa aos problemas ligados ao ensino de ciências é
bastante ampla. Superar estas dificuldades vai muito além do mero uso de técnicas de ensino
que se assemelhem a receita de bolo. Faz-se necessário outro olhar sobre o que é ciência,
sobre como seus conceitos são construídos e sobre o seu papel na sociedade. A ciência da
forma como é ensinada não tem ajudado os jovens a compreenderem o mundo em que vivem.
Ela parece não se ligar aos valores culturais mais amplamente aceitos. Ela é vista como algo
alheio à realidade das pessoas. Com isso depreende-se que a prática de ensino voltada para
formação de cientista não atende hoje as necessidades da sociedade. Não tem motivado o
ingresso na carreira de pesquisa, ou de profissões correlatas, e também não contribui para
formação de cidadãos mais capacitados para atuar na sociedade.
2.2 Alfabetização Científica
Frente às limitações das propostas de ensino voltadas para a formação de cientistas, e
diante de graves problemas ambientais, a década de 70 viu surgir modelos que buscavam
integrar reflexões sobre as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade – eram os
chamados currículos CTS. Estes currículos propunham a formação de cidadãos e
consumidores mais consciente, capazes de atuarem de forma crítica na sociedade (Santos
2006).
20
Esta perspectiva mais abrangente para o ensino de ciências parece ser o que propõe os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) ao estabelecerem que os
objetivos da área de ciências não devem se pautar, unicamente, com fins para formação de
especialistas. Advoga-se que esta área deve ter uma perspectiva mais ampla, buscando a
formação para a cidadania, assim seus objetivos, tanto como os das outras áreas, deve:
envolver , de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos,
contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea, e do
desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspondam a
uma cultura geral e a uma visão de mundo (Brasil, 1999, p. 207).
Todavia, a educação em ciências praticada atualmente, na maior parte das salas de aula
em nosso país, limita-se a transmissão de conteúdos de forma asséptica, sem que se
apresentem as relações destes conhecimentos com o mundo em que os alunos vivem (Chassot
2003). Seguindo a lógica do ensino tradicional os professores que assim agem tomam os
conteúdos como um fim em si mesmo, não consideram os objetivos mais amplos da educação.
Não levam em consideração que uma das finalidades da escola é dar condições aos alunos
para que compreendam a sociedade, de forma a serem capazes de nela atuarem de forma
crítica. A educação em ciências na sociedade atual tem tarefa mais abrangente, pretende-se
levar o aluno a torna-se um cidadão de fato.
Por certo o ensino de ciências tem uma contribuição muito importante na formação da
cidadania. Diariamente todos nós temos que lidar com inúmeros fatos que, de uma forma ou
de outra, se ligam aos saberes científicos. Em muitos casos somos solicitados tomar decisões
em que uma compreensão nima se faz necessária. A esse respeito Cachapuz e
colaboradores apontam:
a participação dos cidadãos na tomada de decisão é hoje um fato positivo, uma
garantia de aplicação do principio de precaução , que se apóia numa crescente
sensibilidade social face a implicação do desenvolvimento científico e tecnológico
que pode comportar riscos para as pessoas e meio ambiente. Tal participação,
temos que insistir, reclama um mínimo de formação científica que torne possível a
compreensão dos problemas (Cachapuz e colaboradores, 2005, p. 28).
21
Segundo Santos e Mortimer (2000, p. 138) são objetivos da alfabetização cientifica
desenvolver nos alunos certo nível de compreensão sobre a ciência e a tecnologia, auxiliando-
os a se apropriarem não somente de conhecimentos, mas também habilidades e valores
necessários para tomar decisões responsáveis sobre muitas das questões que afligem a
sociedade contemporânea e atuar na solução de tais questões. Tem-se desta maneira a
intenção de formar o aluno como um cidadão que possa participar de forma efetiva da
sociedade.
Ainda segundo Santos e Mortimer (2000) esta participação torna-se mais eficaz quanto
mais clara seja a compreensão das relações entre ciência, tecnologia e a sociedade. Nessa
abordagem a ciência é compreendida como uma atividade em constante construção.
Afastando-se do modelo positivista, os conhecimentos científicos, longe de serem vistos como
objetivos e neutros, são tomados como constructos sociais. A visão sobre tecnologia leva em
conta outros aspectos que vão além da dimensão puramente técnica, relativa a instrumentos,
materiais, processos e recursos humanos. Pelo contrário chama-se atenção para a dimensão
cultural e organizacional das sociedades.
Por conseguinte a educação tecnológica não se limita a explicar como os equipamentos
funcionam. É importante que o aluno compreenda que o uso da tecnologia gera modificações
no seio da sociedade, que tanto podem ser positivas quanto negativas. Ressalta-se que os
saberes científicos e tecnológicos, exercem influência sobre a sociedade, da mesma maneira
que esta também exerce influencia marcante sobre o desenvolvimento técnico e científico
A alfabetização científica constitui-se como uma necessidade do mundo moderno.
Decisões relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico devem envolver a participação
da sociedade. Para isso é importante que os cidadãos estejam devidamente preparados,
podendo compreender o alcance e as conseqüências de suas decisões. Para isso é fundamental
22
que o ensino de ciências agregue aos conceitos próprios da ciência dimensões outras, externas
ao desenvolvimento da própria ciência.
Todavia devemos ressaltar que a formação para a cidadania não deve ser justificativa
para se deixar em segundo plano a dimensão própria do ensino de cada ciência. Como destaca
Chassot (2003, p. 95), os problemas do ensino de ciência implicam em responder a três
questionamentos: “Por que ensinar ciência? O que ensinar de ciência? E Como ensinar
ciência?”.
Assim, definir a formação para cidadania como finalidade para o ensino de ciências
não implica ignorar os conteúdos específicos de cada disciplina. Da mesma maneira não
implica ignorar os resultados das pesquisas sobre o processo de aprendizagem dos alunos.
Dando pouca atenção aos conteúdos corre-se o risco de transformar as aulas de ciências em
aulas de estudos sociais. Deixando-se de lado o que se sabe hoje sobre aprendizagem, as
dificuldades inerentes a abordagem tradicional dificilmente serão superadas. Considerando o
processo de ensino como transmissão de saberes pode-se incorrer em uma contradição:
apresentar aos alunos a História da Ciência - conteúdo visto como crítico- como se esta fosse
uma verdade incontestável.
Com isso faremos uma breve reflexão sobre a relação entre epistemologia e ensino de
ciências, para a seguir discutir o processo de ensino dos conceitos científicos em si.
2.3 As formas de conhecer o mundo
A abordagem tradicional tão bem caracterizada por Paulo Freire (1996) como ensino
bancário, desenvolve-se de forma verbalista. O professor possuidor das verdades as transmite
aos alunos, a este cabe receber e guardá-las. O processo de ensino aprendizagem, visto
23
desta forma, acaba por levar o aluno a entender a ciência, e seus conhecimentos, como sendo
inquestionáveis.
Outro problema, relacionado especificamente ao ensino de ciências, é o de se
considerar que a ciência trabalha diretamente com a realidade. Os alunos não são levados a
compreender que a ciência lida como objetos idealizados, com modelos que representam o
mundo real. A esse respeito Matthews (1995) observa que “no ensino de ciências, tem-se
ignorado, ou minimizado, com freqüência maior que a desejável, a ruptura epistemológica
existente entre a ciência newtoniana, o senso comum e a realidade que nos envolve”. Em geral
os professores se esquecem de mencionar aos seus alunos que leis e teorias elaboradas pela
ciência se aplicam em condições específicas, e que estas leis são fruto de uma forma peculiar
de representar o mundo, derivando de longos debates entre os membros de cada comunidade
científica.
Assim para se superar muitos dos problemas do ensino de ciências se faz necessário
compreender como a ciência é construída e como ela se diferencia dos saberes de senso
comum.
O conhecimento de senso comum, ou saber cotidiano, caracteriza-se como uma forma
peculiar de compreender o mundo, por meio dele podemos dar sentido a muitos fenômenos
que nos circundam. Segundo Cervo e Bervian
3
pelo conhecimento cotidiano:
o homem simples conhece o fato e sua ordem aparente, tem explicações
concernentes às razões de ser das coisas e dos homens e tudo isso obtido pelas
experiências feitas ao acaso, sem método, e por investigações pessoais feitas ao
sabor das circunstâncias da vida; ou então haurido do saber dos outros e nas
tradições da coletividade (Cervo e Bervian, apud. Morais, 2002, p. 25).
Depreende-se que o senso comum não se contenta com a descrição do fato ou do
fenômeno. Todos nós precisamos e buscamos explicações para as coisas que nos rodeiam. O
senso comum fornece estas explicações e nos propicia um quadro no qual a realidade tem uma
razão de ser.
3
CERVO, A L.; BERVIAN, P. A Metodologia científica. São Paulo: Macgraw-hill do Brasil, 1978.
24
Todavia, esta forma de conceber o mundo leva em conta apenas os dados aparentes, e
como não tem método torna difícil estabelecer relações entre ocorrências a princípio díspares.
O conhecimento científico por sua vez caracteriza-se por não se restringir a primeira
impressão dos fatos, busca ir além. Constitui-se em um corpo de saberes de generalidade mais
ampla, no qual fatos que em um primeiro momento são tomados sem relação alguma podem
ser entendidos como manifestações de um mesmo fenômeno.
Conforme Morais não há ciência de casos particulares, é objetivo das ciências a
generalização, em suas palavras:
Realmente, uma explicação tem sentido e valor científico na medida em que se
possa aplicar a outros casos semelhantes e não apenas àqueles poucos que o
cientista é capaz de estudar. É necessário que se faça sob todos os riscos a
generalização, isto é, a passagem do particular para o geral (universal). A lei,
embora possa referir-se a particulares (...) ela procura, no mais que possa, alhear-se
das situações circunstanciais e dos casos particulares em que acontece um
determinado fenômeno (Morais, 2002, p. 79).
Por certo a generalização é uma característica básica do conhecimento científico.
Contudo, historicamente a compreensão de como se dá o processo de produção desta forma de
saber apresentou vários matizes, que podem ser resumidas em três perspectivas: a) empirista
na qual o experimento é tomado como fonte do conhecimento; b) intuicionista, que destaca o
papel da razão em detrimento dos dados sensíveis c) terceira via, que enfatiza a interação
entre os indivíduos na construção dos saberes (Maldaner, 2000, p. 67).
Pela visão intuicionista, menos comum hoje em dia, considerava-se que as
observações ligadas aos sentidos poderiam levar a conceituações confusas. Esta forma de
compreender a ciência propunha que a razão, partindo de noções a priori, seria o instrumento
essencial na busca do conhecimento. Essas noções a priori seriam inatas a cada sujeito, e
seriam incontestáveis e eternas. As experiências sensíveis teriam apenas o papel de comprovar
as deduções feitas a partir das noções a priori (Andery e colaboradores , 1996).
25
Pela perspectiva empirista o conhecimento deriva da percepção dos fenômenos pelos
sentidos. O acúmulo de observações sobre os fenômenos leva as generalizações, é o que
chamamos de indutivismo. O progresso da ciência é explicado pelo somatório dos
conhecimentos. O saber científico é assim tomado como inquestionável, pois derivam da
observação de experimentos devidamente controlados e imunes a interferências subjetivas
(Chalmers, 1993, p. 23-34).
A posição intuicionista a muito foi superada e não exerce mais um papel importante no
pensamento moderno. O empirismo, por outro lado, ainda está muito presente na imagem que
as pessoas têm sobre a ciência, e influencia a atitude de muitos professores sobre o processo
de ensino. Embora comum, ela consiste em uma percepção irrefletida sobre a atividade
científica (Maldaner, 2000, p. 68).
Em geral, posições empírico-indutivistas sobre o conhecimento são assimiladas pelos
professores, primeiro pela longa vivencia que tiveram enquanto alunos, estando sujeitos a
abordagem tradicional, e pela imitação das práticas de colegas professores. Este
posicionamento pode ser entendido como uma forma de senso comum da educação.
Segundo Saviani (2006, p. 43) o método tradicional consolidou-se na educação após a
revolução industrial, e reflete de fato o modelo indutivista de ciência como proposto por
Bacon. Para Saviani a influencia do modelo indutivista é claramente sentida nos cinco passos
propostos pelo filósofo Herbat para o ensino. Estes passos seriam os seguintes: preparação ou
recordação da lição anterior; apresentação do conteúdo novo; comparação e assimilação;
generalização; e aplicação. O processo proposto por Herbat, vivenciado por todos nós
durante anos a fio nos bancos escolares, é descrito, resumidamente, por Saviani como segue:
O passo da preparação significa basicamente a recordação da lição anterior, logo,
do já conhecido; através do passo da apresentação, é colocado diante do aluno um
novo conhecimento que lhe cabe assimilar; a assimilação, portanto terceiro passo,
ocorre por comparação (...) esses três passos correspondem, no método científico
indutivo, ao momento da observação. Trata-se de identificar o diferente entre os
elementos conhecidos. O passo seguinte, o da generalização, significa que, se o
aluno já assimilou o novo conhecimento, ele é capaz de identificar todos os
fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido. Ora, no método indutivo, o
26
momento da generalização não é outra coisa senão a subsunção, sob uma lei
extraída dos elementos observados, pertencentes a uma classe de fenômenos, de
todos os elementos que integram a mesma classe de fenômeno. O passo da
aplicação, que é o quinto passo do método Herbatiano, coincide de forma geral,
com as “lições para casa” (...) corresponde, pois, ao momento da confirmação, no
método científico, uma vez que se o aluno aplicou corretamente os conhecimentos
adquiridos, se ele acertou os exercícios a assimilação está confirmada. (grifos do
autor, Saviani, 2003, p. 43-44)
Como conseqüência desta abordagem o conhecimento é tido, pelos alunos, como uma
verdade acima de qualquer questionamento. Eles não percebem que os saberes científicos são,
em muitos casos, proposições transitórias, modelos que buscam tão somente explicar a
natureza, e que podem ao longo da história sofrer contestação e serem modificados.
Como afirma Bachelard (1996), uma característica do “espírito científico” é
justamente o questionamento constante. Todo conhecimento que deixa de ser posto a prova
passa a ser um obstáculo para o desenvolvimento da ciência. Segundo este autor o progresso
do conhecimento ocorre na medida em que os saberes mal fundamentados vão sendo
substituídos por outros, novos, baseados em razões mais profundas.
Outros autores também enfatizam o caráter de transitoriedade do conhecimento
científico. Popper considera que nenhuma teoria científica pode ser comprovada via
experimentação. Para ele a ciência na verdade progride por meio de proposições transitórias,
que podem ser falseadas. Neste sentido os experimentos têm uma função diversa daquela na
visão empirista, ao invés de comprovar uma teoria sua função seria tentar contradizer esta
mesma teoria (Peluso, 1995).
Assim podemos depreender que a abordagem empirista sobre conhecimento científico,
e que é a base do método tradicional, não encontra sustentação na moderna epistemologia da
ciência. Adotada de maneira ingênua por muitos professores tem conduzido os alunos a
perceberem a construção do saber de uma forma deturpada.
Uma posição mais condizente com o pensamento moderno, que pode ser um caminho
para superar os dilemas vividos no ensino de ciências, considera que a ciência pode ser
encarada como um constructo social. Entende-se, por esta via, que o saber científico surge da
27
interação dos homens com o intuito de compreender o mundo. Ela fundamenta-se na idéia de
que a percepção que temos da realidade é intermediada pela nossa consciência, e que esta é
construída ao longo da história. Com isso se opõe a um tempo as visões intuicionista e
empirista.
Segundo Pietrocola (2001), por não ser possível a nós apreender diretamente o mundo,
a ciência se constitui numa forma organizada de produzir representações coerentes sobre o
mundo físico, que é parte do mundo natural. A Química, a Física e demais ciências são formas
de representar e significar o mundo e foram construídas ao longo dos anos, através da
interação constante entre os indivíduos que compõem cada comunidade de pesquisadores. O
conhecimento científico é, assim, fruto de longo processo de tentativa de interpretar o mundo,
que faz uso de métodos e técnicas que se diferenciaram ao longo do tempo das práticas
cotidianas. Os cientistas em geral trabalham com modelos. Estes possuem características
inerentes a cada campo de estudo, e não são equivalentes literais de objetos reais.
Assim compreende-se que a ciência longe de ser uma descrição objetiva da realidade,
é uma interpretação parcial e provisória. Como construção humana, ela lida com o mundo real
através de modelos. Estes modelos constituem-se em formas particulares de conceber o
mundo.
Compreender o conhecimento científico significa, portanto, ser socializado nesta
forma de compreender os fenômenos. Significa adquirir ferramentas que permitem olhar o
mundo com outros olhos, ao invés de consumir verdades.
Devemos está atento a tais considerações, pois da forma como o ensino de ciências
tem sido abordado o aluno fica com a impressão de que o mundo do qual se fala na escola é
diferente do seu cotidiano, quando o que ocorre é apenas uma mudança na forma de ver os
mesmo acontecimentos.
28
2.4 A aprendizagem dos conceitos científicos
Ligado à questão anterior, a diferença epistemológica entre o conhecimento científico
e o conhecimento de senso comum, está a compreensão de como o aluno adquire
conhecimento.
Segundo Moraes (2000, p. 117) ainda é muito comum entre nossos educadores
posições que se aproximam ou do apriorismo, ou do empirismo enquanto formas dos
indivíduos ganharem conhecimentos.
Aqueles professores ligados à primeira concepção imaginam que a aquisição do
conhecimento por parte dos alunos se por conta de uma capacidade inata, própria de cada
individuo. Nesta visão o aprendizado não depende da natureza do conteúdo abordado, mas no
fato de haver ou não em cada pessoa a capacidade para aprender algo.
Por outro lado, os professores que assumem posições empiristas acreditam que o
aprendizado se em função das experiências vividas por cada pessoa. Os estímulos captados
pelos sentidos produziriam conceitos através de um processo indutivo. O acúmulo de
experiências propiciaria, portanto, uma compreensão mais acurada da realidade.
Conforme Carvalho e Gil-Perez (2003, p. 26-31) estas concepções de aprendizagem
derivam do que de se pode denominar senso comum da educação. Pela vivencia dos
professores ao longo de sua escolarização inicial, e muitas vezes por conta de uma formação
precária durante a graduação, concepções sobre educação são assimiladas sem reflexão. É
importante notar que a abordagem tradicional, vinculada à transmissão de conhecimentos
prontos, apresenta uma visão de educação com certa coerência interna, e engloba todas as
dimensões do ensino de ciências. Superar esta abordagem de ensino exige que o professor
reflita criticamente sobre os limites e dificuldades que a mesma apresenta. Tal reflexão deve
29
ocorrer a luz de uma fundamentação teórica mais consistente, que vá além daquela obtida
durante o breve período da graduação.
Astofi e Devaley (1991, p. 73) apontam que já um consenso de que a aprendizagem
de conceitos não se por mera transmissão. Considera-se como modelo mais plausível o
entendimento de que o processo de aquisição do conhecimento pelo aluno se por
construção. Conforme Azenha (2000), aceita-se que há uma interação entre as estruturas
cognitivas e os objetos de conhecimento. Nesta interação tanto as estrutura se modificam
como também o conhecimento assimilado. Assim, o professor que assume uma posição
construtivista rompe, a um só tempo, com as visões aprioristas e empiristas.
Embora existam formas variadas de construtivismo, é inegável a contribuição desta
vertente do pensamento para a educação. Como aponta Ogborn
4
(1997):
o construtivismo educacional insistiu corretamente em quatro pontos essenciais,
sendo por esses reconhecido: 1. A importância do envolvimento ativo do aprendiz;
2. O respeito pelo aprendiz e por suas próprias idéias; 3. O entendimento da ciência
enquanto criação humana; 4. Orientação para o ensino no sentido de capitalizar o
que os estudantes sabem e dirigir-se às suas dificuldades em compreender os
conceitos científicos em função de sua visão de mundo (Ogborn, apud: Aguiar Jr,
1998).
Carvalho e Gil-Perez (2003, p. 31) apontam que um dos motivos pelos quais há, ainda,
entre educadores um rechaço a linha construtivista é o fato de que os professores, durante o
período de formação, tomam contato apenas com uma fundamentação construtivista mais
geral. Questões que sejam vinculadas diretamente aos problemas específicos da área de ensino
de ciências não são abordadas, o que os leva a ignorarem este aporte teórico.
Segundo Mortimer (1996) uma abordagem que trouxe frutos importantes para área foi
o denominado Movimento das Concepções Alternativas (MCA). Esta abordagem apesar de
fundamentar-se nos preceitos do construtivismo piagetinano procurou estudar com mais
atenção a rica variedade de idéias que as crianças apresentam sobre o conhecimento
científico, deixando em segundo plano pesquisas sobre estruturas lógicas mais gerais. Esta
4
OGBORN, J. Constructivist Metaphors of Learning Science. In: Science & Education, v. 6, pp. 121-133, 1997.
30
área da pesquisa mostrou que as concepções dos estudantes são particulares, influenciadas
pelo contexto do problema sendo difíceis de serem superadas, sendo observadas mesmo em
universitários.
Driver e Oldham (1986) apontaram que o objetivo central do projeto de
desenvolvimento de um currículo em uma perspectiva construtivista segundo o Movimento
das Concepções Alternativas implicava em: “desenvolver, implementar e avaliar materiais e
estratégias que promovam mudança conceitual”. Esta perspectiva se orientava pelos seguintes
princípios:
Os indivíduos têm propósitos;
O conhecimento é construído através de interação social;
Os conhecimentos e crenças individuais influenciam na construção de
significados;
A construção de significados é um processo ativo;
Entender não é o mesmo que acreditar;
O ensino de ciências envolve trocas conceituais.
Desta maneira o modelo proposto para o desenvolvimento de um currículo na
abordagem construtivista difere do modelo tradicional em alguns aspectos. Ele não consiste
em uma lista de conteúdos, mas sim em um programa de atividades que possibilitam ao aluno
construir o seu conhecimento. Com isso o currículo não é uma prioridade para o ensino e
assume neste caso o papel de problematizador.
Como conseqüência o professor passa a valorizar aquilo que o educando trás para a
escola, e procura problematizar estes conhecimentos de forma que os alunos percebam suas
incongruências. Em seguida procura-se levá-los a analisarem as interpretações da ciência para
os mesmos fenômenos. Espera-se como isso que ocorram modificações das representações
iniciais, obtidas pelo senso comum, para aquelas advindas do mundo das ciências.
31
As idéias advindas do Movimento das Concepções Alternativas, apesar de suas
contribuições significativas e de sua aceitação por parte dos professores, apresentou uma
rápida estagnação. As concepções prévias dos alunos mostraram-se muito difíceis de serem
superadas, pois, mesmo os alunos tomando consciência das dificuldades das interpretações de
senso comum, em muitos casos não conseguem dar o salto qualitativo, não chegando a
assimilar os conceitos científicos (Mortimer, 1996).
De certa maneira estas dificuldades poderiam ser previstas se tivessem sido levados
em conta algumas das objeções de Vigotski a respeito das primeiras idéias de Piaget. Ele já
criticava a posição piagetiana que, no estudo do desenvolvimento cognitivo das crianças,
tratava os conceitos espontâneos (obtidos no dia-a-dia), de forma isolada dos conceitos não
espontâneos (adquiridos na educação formal) . Em suas palavras:
Embora (Piaget) defenda que, ao formar um conceito, a criança marca com as
características da sua própria mentalidade, Piaget tende a aplicar essa tese apenas
aos conceitos espontâneos, e presume que somente estes podem elucidar as
qualidades especiais do pensamento infantil; ele não consegue ver a interação entre
os dois tipos de conceitos e os elos que os unem num sistema total de conceitos
(Vigotski, 2005, p. 106).
Na visão de Vigotski na aprendizagem de conceitos científicos há uma interação
recíproca entre estes e os conceitos espontâneos das crianças. Conforme sua afirmativa:
Ao forçar sua lenta trajetória para cima, um conceito cotidiano abre caminho para
um conceito científico e o seu desenvolvimento descendente. Cria uma série de
estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares
de um conceito, que lhe dão corpo e vitalidade. Os conceitos científicos por sua
vez, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos
espontâneos da criança em relação a consciência e ao uso deliberado (Vigotski,
2005, p. 136).
Esta visão parece ser mais coerente com os resultados das pesquisas sobre
aprendizagem de conceitos científicos, pois como indicado uma relutância pelos alunos
em abandonarem suas concepções prévias.
Diante dos resultados destas pesquisas e levando em conta o aporte sócio-histórico de
Vigotski, Driver e colaboradores (1999) ponderam que a aprendizagem sobre ciências
envolve ser iniciado nas formas científicas de conhecer o mundo. Necessita-se, assim,
32
promover a inserção do aluno na cultura científica através do discurso no contexto de
atividades relevantes. Estas atividades devem promover o diálogo entre os alunos e o
professor. Este, por sua vez, atuará fornecendo um apoio para que os alunos construam para si
novos significados sobre a realidade.
Feitas estas ponderações sobre os problemas inerentes ao ensino de ciências, fica claro
a necessidade de mudança de perspectiva. Não podemos limitar o ensino a mera transmissão
de conteúdos, considerando os alunos como tábulas rasa. Eles trazem consigo representações
do mundo que merecem ser respeitadas, porque fazem sentido no seu cotidiano, além de
serem fundamentais para o desenvolvimento dos conceitos científicos.
Por outro lado, devemos apresentar a ciência como uma construção humana, que tem
nos ajudado ao longo do tempo a superar as dificuldades impostas pela natureza. A
compreensão de que o conhecimento científico é fruto de um processo e que o mesmo se
encontra ainda em plena evolução pode ajudar o aluno a perceber os limites de seu próprio
conhecimento.
Não podemos nos esquecer de que a dimensão social é extrema importância, a ciência
é feita por homens e mulheres circunscritos em determinado contexto social e buscam
responder as demandas de cada época, assim como são influenciados pela percepção de
mundo que se tem na época em que vivem.
Devemos compreender que a educação em ciências faz parte de uma educação mais
geral, cujos fins devem estar ligados à promoção do ser humano. O ensino deve estar assim a
serviço do aluno e da sociedade como um todo.
Entendemos que a superação de muitas destas dificuldades pode ocorrer por meio de
uma abordagem que associe a História da Ciência com a Experimentação. Neste sentido
estaremos abordando nos capítulos que seguem os argumentos que fundamentam estas
abordagens.
33
3 U
SO DA
H
ISTÓRIA DA
C
IÊNCIA NO
E
NSINO DE
C
IÊNCIA
A história da ciência tem sido apontada como uma ferramenta que pode possibilitar a
superação dos problemas relativos ao ensino de ciência. Sua importância, para a educação
contemporânea, pode ser constatada pelo fato de que, no Encontro Nacional de Pesquisa e
Ensino de Ciência (ENPEC), realizado em 2005, na cidade de Bauru - Brasil, foi criado o
Grupo de Estudo História da Ciência e Ensino de Ciências. A motivação para criação de tal
grupo deu-se por conta do grande quantitativo de trabalhos apresentados sobre o tema. O
objetivo deste grupo consistia em buscar orientações metodológicas e discutir os resultados
das pesquisas referentes ao uso da história da ciência no ensino de ciência.
Posicionamentos favoráveis ao uso da história da ciência no ensino são antigos,
remontam ao fim do século XIX e início do século passado. Esta defesa era feita por
eminentes figuras da ciência e da filosofia. Assim, neste capítulo iremos discutir os
argumentos que alguns destes pensadores utilizaram para justificar o uso de uma abordagem
histórica no ensino.
Apesar dos argumentos positivos a esta abordagem, constata-se que por um curto
lapso de tempo, durante o século passado, elementos de caráter humanista foram postos em
segundo plano. Assim, outras abordagens da educação, de caráter mais técnico ganharam
relevância. Tentaremos, portanto, caracterizar estas últimas, indicando suas justificações de
ordem epistemológicas, e que objetivos buscavam atender, além de apontar seus limites e
incongruências.
Em resposta às dificuldades apresentadas pelas abordagens focadas na transmissão
conceitual, como também às mudanças ocorridas no mundo atual, tanto no que tange aos
aspectos políticos e econômicos quanto na organização interna do setor produtivo, pretende-se
34
hoje que a escola trabalhe com maior atenção aspectos humanístas da cultura. Como
conseqüência, o apoio ao uso da História da Ciência no ensino das disciplinas desta área
voltou à pauta de discussão. Por conta disto, iremos apresentar também, neste capítulo, uma
avaliação de como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM)
abordam o tema, e quais as finalidades estipuladas para a educação em ciência.
Por último apresentaremos algumas justificativas para o uso da História da Ciência na
educação, segundo apontamentos de pesquisas e reflexões mais recentes. Em geral estas
pesquisas buscam relacionar o uso da História da Ciência com fins a uma alfabetização
científica, que busque romper com as imagens deformadas de ciência. A idéia central destas
propostas é de que o ensino de ciências leve o aluno a compreender como se a construção
dos conceitos científicos, percebendo as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade.
3.1 Importância da História da Ciência, um olhar no passado
Os problemas relativos ao ensino de ciência encontram eco em publicações do início
deste século. Gordon (1926), um dos primeiros editores do Jornal Chemical Education,
observava que a sensação de que a educação em ciências vivia uma crise era comum entre
diversos educadores.
Em resposta a esta percepção, discursos favoráveis ao uso da história da ciência no
ensino ciência eram feitos. Uma importante referência a este respeito é apontada por Jaffe
(1938), ao citar o eminente químico Wilhelm Ostwald, segundo o qual havia
um defeito na educação científica atual de nossos jovens. Isto é uma ausência de
senso histórico e uma completa falta de conhecimento a respeito das grandes
pesquisas sobre as quais o edifício da ciência se apóia (Ostwald, apud: Jaffe, 1938,
p. 383).
35
Esta posição de Ostwald parece refletir claramente um sentimento latente no fim do
século XIX, e início do século XX, o qual via com certo descrédito o ensino focado
meramente no conteúdo das ciências, mesmo quando objetivando a formação de cientistas. Já
naquele tempo, compreendia-se que o mero estudo dos conceitos científicos não seria capaz
de desenvolver nos alunos uma percepção da importância da ciência, nem tampouco do
método de trabalho usado pelo cientista.
Colocações semelhantes à Ostwald também foram defendidas por outras figuras
eminentes, tais como: Ernst Mach (ainda no século XIX), John Dewey, e James B. Conant,
conforme afirma Freire Junior (2002, p 14).
Portela (2006) aponta que a posição de Enerst Mach
5
(1910), a favor da inserção da
História da Ciência no ensino de ciências era coerente com sua “defesa contundente da
perspectiva cultural da ciência”. O que pode ser percebido no trecho seguinte:
Um grande benefício que os estudantes podem tirar de um curso devidamente
conduzido em obras clássicas será abrindo ricos tratados literários da antiguidade, e
ganhando intimidade com concepções e visões de mundo que tinham duas nações
avançadas. Uma pessoa que tenha lido e entendido autores Gregos e Romanos sentiu
e experimentou mais do que aqueles que se restringiram às impressões do presente.
Ele vê como os homens fizeram em diferentes circunstâncias juízos totalmente
diferentes para as mesmas coisas que nós fazemos hoje (Mach, apud Portela, 2006,
p.13)
Visto desta forma, o conhecimento científico diferencia-se da perspectiva positivista.
A interpretação dos fatos não é imparcial, depende de fatores externos que circundam o
indivíduo que observa. A ciência não é vista como uma construção linear, nem ocorre por
mero acumulo de fatos. Determinadas formas de compreender a realidade podem ser
substituídas por outras julgadas mais convenientes em dado momento. Como observa Portela
(2006, p. 14) o pensamento de Mach é importante por que evita “a adoção de uma perspectiva
distorcida da prática científica pela noção de conhecimento verdadeiro e imune a
transformações”.
5
MACH, E. Popular Scientific Lectures. 4ª edição. New York: Open Court Publishing, 1910.
36
Também nos parece muito significativa a posição favorável de Dewey à inserção de
História da Ciência no ensino. Dewey foi um dos mais proeminentes pedagogos
estadunidenses, tendo tecido críticas contundentes a educação de cunho meramente
conteudista, focada na memorização e no intelectualismo. Conforme Teitelbaum e Apple
(2001), mesmo considerando as críticas as sua perspectiva pedagógica, por não ser
questionadora das relações sociais vigentes, devemos ter em mente que ele foi um forte
defensor dos valores democráticos. Dewey via a escola como instrumento fundamental de
democratização. Para ele, por meio da educação poder-se-ia estender a todos os benefícios do
progresso alcançado pela modernização da sociedade. A educação científica teria um papel
importante no desenvolvimento desta democracia. Como indicam Teitelbaum e Apple, para
Dewey
um público articulado que tenha desenvolvido métodos de inteligência, não
definidos de uma forma redutora mas sim de uma forma mais ampla,
relacionada com a capacidade de uma rigorosa investigação reflexiva (científica),
era a base de uma comunidade democrática. (grifo nosso, Teitelbaum e Apple, 2001,
p. 197-198)
Esta postura de Dewey frente a educação em ciência, como promotora da cidadania
parece coadunar com as proposições relativas a alfabetização científica. Conforme Kansar:
os estudantes precisam desenvolver uma filosofia particular baseada na lógica,
verdade, e no entendimento quiçá em superstições ou desejos cegos. Para isso os
estudantes precisam perceber a relação entre ciência, sociedade assim como da
tecnologia, e de cada individuo dentro da sociedade (Kansar 1987, p. 932).
E ainda de acordo Matthews a inclusão de história da ciência depende de certas
posturas pedagógicas. Para ele:
a educação deve estar preocupada primordialmente em desenvolver a compreensão,
mediante uma iniciação nas tradições importantes do pensamento , e em desenvolver
aptidão para o pensamento claro analítico e crítico (Matthews, 2002, p. 34).
Com o objetivo de entendermos melhor a que tipo de educação Dewey fazia oposição,
e sobre o destino que as reformas educacionais seguiram, nos parece importante citar o relato
Dyson:
37
ao longo do século 19 e no primeiro quartel do século 20, ensinava-se pouca ciência
nas escolas inglesas. Isso começou a mudar nas décadas de 20 e 30. Vários comitês
de homens cultos declaram que a Inglaterra era um país de analfabetos científicos e
que algo precisava ser feito a respeito disso. O que tínhamos de fazer era banir das
escolas o latim e o grego e introduzir ciência. Quando cheguei ao colegial tínhamos
excelentes professores de ciências e a qualidade do ensino científico era de primeira.
Tive sorte, na metade do curso começou a guerra e o sistema começou a se
desintegrar. No último ano do colegial eu passava um total de sete horas semanais na
escola. Foi o melhor momento que eu poderia ter escolhido para estudar. Terminada
a guerra, os professores retornaram e sistema se tornou mais rigoroso, e hoje
ninguém pensa em passar sete horas semanais na escola. Agora os garotos ficam
acorrentados e se despeja neles com ciência pré-digerida, exatamente como se faz
aqui nos Estados Unidos (Dyson, 1992, p. 222).
Em conseqüência desta mudança, Dyson observa que na Inglaterra dos tempos atuais
poucos são os cientistas que podem ser considerados de primeira linha. Segundo seu ponto de
vista, o excesso de ciências nas escolas afastou as mentes mais brilhantes do caminho da
ciência. O intelectualismo antes voltado para o ensino de humanidades, e que fora criticado
por Dewey, tornou-se o intelectualismo voltado para as ciências.
Segundo Santos e colaboradores (2000), o mesmo ocorreu em nosso país durante a
década de 30. O currículo das escolas, que era predominantemente humanístico devido a
herança recebida da educação jesuítica, passou a dar maior ênfase as disciplinas de ciência em
conseqüência do processo de industrialização.
Como visto as críticas a uma educação focada meramente na transmissão de conceitos
não são recentes, além do que entram em acordo com as proposições de uma alfabetização
científica. De modo geral o intuito é o de superar uma perspectiva reduzida do ensino,
objetivando levar o aluno a compreender a ciência de uma forma mais abrangente, e não
como mera técnica pela qual se constrange a natureza em busca de respostas, tal como
proposto pelo método indutivo de Bacon. O que se propõe é descrevê-la como parte do
empreendimento humano. Como destaca Portela (2006). A ciência é tomada como um dos
elementos essenciais da cultura. E pode desenvolver habilidades cognitivas que permitam a
inserção do aluno como cidadão ativo na sociedade.
38
3.2 A história da ciência nos currículos do pós-guerra.
A despeito desta defesa do uso da história da ciência no inicio do século passado,
Freire Jr (2002, p. 15), apoiado em Mathews, aponta que ao longo da história da educação o
uso da História e Filosofia da Ciência não apresentou um desenvolvimento linear. Após a
guerra, por conseqüência de um direcionamento da educação para formação de cientistas
passou-se a dar pouca ênfase ao uso de História e Filosofia da Ciência no ensino. A este
afastamento devemos relacionar também a influência advinda do comportamentalismo sobre a
educação neste período. A educação, fundamentada sobre a idéia de condicionamento, pouco
espaço ofereceu a elementos de caráter mais humanistas. Observemos que este afastamento é
coerente com o relato de Dyson (1992), descrito anteriormente.
Como apontamos a percepção de que o ensino de ciências passava por dificuldades
era latente desde o início do século. Todavia, no período da guerra fria, logo após o
lançamento do satélite artificial Sputnik pelos soviéticos, essa sensação se exacerbou entre os
estadunidenses e seus aliados. Como resposta a esta sensação de inferioridade científica os
currículos escolares na década de 1950 foram alterados, resultando em uma ênfase maior ao
ensino de ciências e de matemática, de forma que este período pode configurar-se como a
“Era Dourada do Ensino de Ciências” (Wang e Marsh, 2002, p. 170). São desta época os
programas School Mathematics Study Group (SMSG), de 1958, o Chemical Estudy Material
(CHEMstudy), de 1959, o Biological Science Curriculum Studies (BSCS) e Physical Science
Study Committee (PSSC). Estes programas tinham como objetivo gerar recursos humanos
que pudessem, rapidamente, alavancar o desenvolvimento científico dos países do bloco
capitalista, equiparando-os ao nível que a ex-União Soviética havia atingido (Nardi, 2005).
Estas propostas em geral fundamentavam-se no método da descoberta. Tal método
respaldava-se no trabalho do psicólogo de linha construtivista Gerome Bruner, para o qual:
39
o ambiente para a aprendizagem por descoberta deve proporcionar alternativas -
resultando no aparecimento e percepção, pelo aprendiz , de relações de similaridades
entre as idéias apresentadas, que não foram inicialmente reconhecidas... a descoberta
de uma relação, ou principio, por uma criança, é essencialmente idêntica - enquanto
processo – à descoberta que um cientista faz em seu laboratório (Bruner, apud
Moreira, 1999, p. 82).
Segundo Mathews (1995, p. 169-172), com exceção do Projeto de Física de Harvad,
desenvolvido sob orientação de James Conant (ex-reitor de Harvad), e do BSCS, que sofreu
forte influencia das idéias do filósofo e biólogo Schwab, todos os grandes projetos do ensino
de ciências da década de 60 deram-se sem a participação de historiadores ou filósofos da
ciência. Conforme Gil-Perez (1993, p. 198), essas propostas buscavam aproximar o ensino de
ciências ao trabalho do cientista, e neste sentido, davam grande ênfase à atividade autônoma
dos estudantes e ao uso da experimentação, sendo esta caracterizada por uma visão extremada
do indutivismo, além da falta de atenção a especificidades de cada conteúdo.
Consideramos relevante lembrar que no trabalho de Jaffe (1938) já era possível
identificar uma crítica a perspectiva do uso das atividades práticas com intuito de formar
cientistas. Para ele os experimentos dos livros didáticos (tal qual os de nossa época) eram
equivalentes a receitas de bolo, além do que, apontava este autor, os experimentos de
laboratórios não conseguiriam trazer a tona o contexto das grandes descobertas científicas. Os
alunos não seriam levados, portanto, a perceber a ciência como uma construção humana,
desafiadora e instigante. A esta forma de conceber o ensino de ciências Jaffe relacionava a
mentalidade pragmática dos americanos daquela época, em suas palavras:
com um país virgem a ser explorado, a mente, as mãos e a energia do nosso povo
estão ocupadas com problemas práticos de subjugar a terra e ganhar domínio sobre
ela. Fatos e métodos são o que nós necessitamos... Assim não há espaço para
elementos puramente intelectuais da química quando todo valor da ciência é
mensurado em termos de serviços e funções (tradução nossa, Jaffe, 1938, p. 383)
.
A primeira vista o método da descoberta pode parecer engajar-se com as proposta de
Dewey, pois valorizava o fazer por parte do aluno. Todavia devemos lembrar que este
pedagogo não entendia a educação como uma preparação para um objetivo futuro. Aprender,
40
para ele, era a vida em si, desta forma o ensino deveria estar associado a realidade próxima do
aluno. Além do que, segundo Souza (2004, p. 82), Dewey foi um crítico do empirismo, e do
próprio pragmatismo. Sua filosofia foi uma tentativa de conectar o pensamento reflexivo com
as experiências da vida cotidiana. O método da descoberta, portanto, foi uma abordagem que
se equivocou inclusive quanto as suas bases pedagógicas.
Com relação a influência da perspectiva comportamentalista na educação, que no
Brasil se convencionou chamar tecnicismo, Mortimer (1988, p. 36) aponta que foi
especialmente danosa. Muitos educadores, durante a década de 1970, apoiados na idéia de que
ensinar consistia em fornecer o estímulo adequado para que se obtivesse dada resposta,
passaram a elaborar materiais didáticos selecionando aqueles conteúdos que poderiam ser
transformados em questões de múltipla escolha. Isto acarretou em uma simplificação
excessiva do conteúdo de Química, já que em nome de uma pretensa objetividade buscou-se
afastar elementos subjetivos.
Verificando a descrição de Mortimer (1988) para os livros do início do século, fica
claro que houve ao longo dos anos um abandono de aspectos que não eram de caráter
estritamente conceitual. Nos primeiros livros didáticos de Química, editados em nosso país,
haviam textos bem elaborados, que introduziam os conceitos inicialmente por meio de
exemplos, deixando as generalizações para uma etapa seguinte, além do que faziam
referências a tópicos ligados à Filosofia da Ciência, tais como: a natureza hipotética da teoria
de Dalton; e ressalvas em relação à teoria dualística de Berzélius. Em oposição, os livros da
década de 1970 passaram a apresentar o conteúdo por meio de textos resumidos e esquemas
gráficos, que levavam o aluno a uma leitura direcionada, induzindo-os a somente
memorizar os conceitos.
Esta ênfase, em elementos ligados unicamente a conceitos químicos, reflete o aspecto
a-histórico dos nossos livros didáticos, e pode ser confirmado quando olhamos o artigo de
Schnetzler (1981). Esta pesquisadora, mesmo não fazendo referência direta a História da
41
Química como parâmetro para análise dos livros didáticos afirma que:
pode-se depreender que um dos principais objetivos da grande maioria dos livros
didáticos analisados é o de veicular o conhecimento químico “pronto e acabado,
enfatizando mais as conclusões do que se preocupando em evidenciar a própria
elaboração e utilização daquele conhecimento (grifo nosso, Schnetzler, 1978, p.12)
Isto reafirma uma completa falta de senso histórico na elaboração dos livros didáticos
da época. O conhecimento científico, longe de ser um mero acúmulo de verdades, avança à
medida que determinadas formas de compreender são questionadas. A ciência tem assim um
caráter eminentemente hipotético, de tentativa.
A busca de objetividade nos materiais didáticos, como referida por Mortimer acima,
corresponde aos pressupostos da pedagogia tecnicista, que se calcavam, segundo Veiga (1992,
p. 34), na perspectiva de “neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade,
eficiência e produtividade”. Ainda, segundo esta autora, trabalho do professor, seguindo estes
princípios, seria assemelhado ao do operário na fábrica. Ao professor caberia executar os
planos elaborados por instâncias superiores, buscando da forma mais eficiente atingir as metas
estabelecidas.
Nesta lógica o material didático produzido não deveria carecer de elementos que
fossem além do essencial ao treinamento dos alunos para que atingissem os objetivos
estipulados pelo sistema.
Herron (1977) aponta que, de fato, uma dificuldade para a inserção da História da
Ciência no ensino de Química é a necessidade de formas de avaliação que se distanciem
daquilo que é uma rotina nas salas de aula de Química, a resolução de problemas de lápis e
papel. Para ele a avaliação de aspectos ligados à história da ciência seria eficiente quando
feita através de redações, nas quais os fatos históricos podem ser sintetizados pelos alunos.
Isto por certo requer do professor de ciências habilidades que ele não estaria acostumado a
utilizar. Se levarmos isto em conta, dentro do ambiente que marcou o contexto tecnicista,
podemos compreender porque pouco espaço havia para tópicos relacionados à História da
Ciência.
42
3.3 As reformas educacionais e a História da Ciência no ensino atual
Diante do exposto somos levados a concordar com Martins (1990), a questão da
inserção da história da ciência no ensino é, sobretudo uma questão de valores. A opção pelo
seu uso esta condicionada as metas que são estabelecidas para educação. Segundo este autor
“estas metas são aceitas ou não como válidas (ou inválidas) dependendo de uma visão de
mundo ampla e em grande parte irracional”.
A escolha dos fins (metas) sempre dependerá da forma como compreendemos o
mundo e, sobretudo, como afirma Castanho (1992, p. 54), do “contexto macro-estrutural
envolvendo os aspectos sócio-políticos e econômicos”. Com isso a opção pela inserção de
elementos culturais, tais como a História da Ciência, no ensino sempre ficará a reboque de
fatores externos a escola.
Assim, porque o mundo mudou em termos geopolíticos em relação ao que era durante
a guerra fria. Porque a democracia tornou-se mais forte em muitos paises, incluindo o nosso.
A escola tem passado por mudanças. E essas mudanças se devem também porque, conforme
afirma Vieira (2006), o modelo fabril, no qual a escola se fundamentava, tem sido substituído,
devido a competitividade e as mudanças tecnológicas, pelo modelo de produção da empresa
moderna, no qual a formação de grupos, a colaboração e o trabalho criativo, são mais
importantes que o desenvolvimento mecânico de tarefas por indivíduos sob rígido controle
hierárquico.
Uma referência direta a esta questão foi feita nos Parâmetros Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio (PCNEM) quando se apontavam os motivos para as mudanças no ensino
médio:
Nas décadas de 60 e 70, considerando o nível de desenvolvimento da
industrialização na América Latina, a política educacional priorizou, como
43
finalidade para o Ensino Médio, a formação de especialistas capazes de dominar a
utilização de maquinarias ou de dirigir processos de produção (...). Na década de 90,
enfrentamos um desafio de outra ordem. O volume de informações, produzido em
decorrência das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos
parâmetros para a formação dos cidadãos (Brasil, 1999, p. 15).
Neste sentido as diretrizes curriculares passam hoje a dar um status diferenciado ao
ensino de ciências que vai além da mera formação propedêutica ou profissional. No texto do
próprio PCNEM encontramos a seguinte afirmação:
O sentido do aprendizado na área, uma proposta para o Ensino Médio que, sem ser
profissionalizante, efetivamente propicie um aprendizado útil à vida e ao trabalho,
no qual as informações, o conhecimento, as competências, as habilidades e os
valores desenvolvidos sejam instrumentos reais de percepção, satisfação,
interpretação, julgamento, atuação, desenvolvimento pessoal ou de aprendizado
permanente, evitando tópicos cujos sentidos possam ser compreendidos em outra
etapa de escolaridade (grifo nosso, Brasil, 1999, p. 203).
Diante desta nova perspectiva para o ensino médio, e a reboque do que ocorreu em
outras reformas educacionais mundo afora, o currículo brasileiro também passou a integrar
recomendações diretas ao uso da História da Ciência no seu ensino. Esta tendência é
reafirmada nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNEM +), quando, por exemplo, aponta que a Química enquanto ciência pode
ser entendida como:
instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia
no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos
meios de interpretar o mundo e intervir na realidade , se for apresentado como
ciência, com seus conceitos, métodos e linguagem próprios, e como construção
histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da
vida em sociedade (Brasil, 2002, p. 87).
Apesar das críticas que possam ser feitas aos PCNEM e aos PCNEM+, devemos
reconhecer que a visão da História da Ciência que se encontra em seu corpo é coerente com a
moderna Epistemologia da Ciência. Isto fica nítido quando analisamos as competências
relacionadas à contextualização sócio-cultural, onde se propõe:
Compreender as ciências como construções humanas, entendendo como elas se
desenvolveram por acumulação, continuidade ou rupturas de paradigmas,
relacionando desenvolvimento científico com a transformação da sociedade (Brasil,
1999, p. 217).
44
Claramente esta é a imagem defendida por Kuhn (2005) para evolução da ciência.
Entende-se que períodos no desenvolvimento científico nos quais o progresso ocorre por
meio da ciência normal. O trabalho do cientista implicaria, nestes momentos, em acumulo de
conhecimento, à medida que guiados por um paradigma os cientistas buscam compreender a
natureza. E que, além disto, a há momentos em que estes paradigmas são postos em causa, por
não oferecerem problemas a serem resolvidos, ou por não serem suficiente para explicar
determinados fenômenos.
Embora Flôr e Souza (2006, p. 5) considerem que nos PCNEM não uma referência
direta as diversas abordagens da história das ciências, entendemos que nas entrelinhas abre-se
espaço para o uso de uma visão externalista do desenvolvimento da ciência, pela qual se
valorizam os fatores do contexto histórico-social que influenciam o trabalho de cientista em
sua época. Conforme indicamos os PCNEM propõem o uso da história da ciência no
ensino, mas em outros trechos, também orientam para que se explicitem as relações entre
ciência, tecnologia e sociedade, como na competência expressa abaixo:
Entender a relação entre desenvolvimento de ciências naturais e o desenvolvimento
tecnológico e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuser e se
propõe solucionar (Brasil, 1999, p. 217).
Daí então se pode depreender que, mesmo não sendo mencionada diretamente, o uso
da abordagem externalista da história da ciência para o ensino encontra respaldo nos PCNEM.
Como Pessoa Jr (1996) indica, no uso de uma história externalista o professor buscaria
explicar como era a sociedade na época do desenvolvimento de uma teoria, ou de um
descoberta científica, quais eram as necessidades tecnológicas, que tipos de problemas
enfrentavam, por que tal país era o centro científico etc. Enfim, todo contexto cultural e social
poderia ser apresentado ao aluno, com o intuito de leva-lo a compreender por que tal cientista
tomou determinada atitude frente aos fatos que lhe foram apresentados.
Na esteira da moderna Historiografia da Ciência, os PCNEM, segundo Flôr e Souza
45
(2006, p. 6) mostram oposição à visão de “história dos vencedores”. Esta que é uma
característica muito comum em nossos livros didáticos, nos quais encontramos somente os
nomes dos “grandes expoentes” da ciência e de suas proezas. É uma visão da história que
busca reconstruir os fatos de maneira a justificar o presente, é o que se chama de História
Whigs
6
. De forma contraria a esta visão distorcia, os PCNEM propõe que se apresente a
ciência como uma construção coletiva.
Estes avanços encontrados no corpo dos PCNEM encontram-se em consonância com
outras reformas, o que indica sua coerência com as mudanças ocorridas no mundo em um
perspectiva mais ampla. Mathews (1995) indica que o Conselho do Currículo Nacional
(NCC)
7
, da Grã-bretanha, e o Projeto 2061, da Associação Americana para o Avanço da
Ciência (AAAS)
8
, em conseqüência da reaproximação dos estudos relativos a História e a
Filosofia da Ciência com o ensino de ciências, apontam para uma articulação entre a História
da Ciência e os conteúdos a serem ministrados, de forma a se despertar nos alunos um
percepção crítica de como se a construção do conhecimento científico. Uma menção a esse
respeito encontra-se explicita no texto do NCC:
os estudantes devem desenvolver seu conhecimento e entendimento sobre como o
pensamento científico mudou através do tempo e como a natureza desse pensamento
e sua utilização são afetados pelos contextos sociais, morais, espirituais e culturais
em cujo seio se desenvolveram (NCC, 1988, p. 113, apud. Matthews, 1995)”
Esta visão parece ser a mesma encontrada nos PCNEM. Na discussão relativa a nova
forma com deve ser encarado o novo ensino de Química afirma-se o seguinte:
a história da química, como parte do conhecimento socialmente produzido, deve
permear todo o ensino de química, possibilitando ao aluno a compreensão do
processo de elaboração desse conhecimento, com seus avanços, erros e retrocessos
(MEC, 1999, p. 240).
6
O termo designa um tipo reconstrução histórica, que busca no passado somente fatos que ajudem a corroborar
uma visão de mundo aceita no presente, deixando de lado outros que possam contrariar esta mesma visão.
Originalmente a palavra se referia aos liberais ingleses, os quais faziam oposição aos conservadores (tories)
considerados escravocratas. No século XIX muitos historiadores produziram relatos considerando a conquista da
liberdade como uma construção cumulativa que se iniciava na Carta Magna de 1215 e se estendia até o século
XVII, no qual os whig são considerados amantes da liberdade. (Lombardi, 1997, p. 345).
7
Sigla para a expressão inglesa “National Council Curriculum”.
8
Sigla para a expressão inglesa “American Association for the Advancement of Science”.
46
Para finalizar esta análise dos PCNEM destacamos que orientações nele contidas, no
que diz respeito ao uso da História da Ciência no ensino, estão de acordo com o apontado por
Wang e Marsh (2002), para os quais existem dois vieses ideológicos nos documentos relativos
às reformas curriculares estadunidenses. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento do
educando enquanto pessoa, na medida em que lhes fornece habilidades para desenvolverem
seus próprios interesses. E ainda por que a história da ciência fornece ao estudante uma
oportunidade de aprimoramento cultural. O segundo viés se refere à ênfase dada ao fato de
que o ensino de ciência além de ser importante para o educando também o é para a sociedade.
Estes vieses estão claramente definidos nos PCNEM (Brasil, 1999, p.208 ) quando eles
estipulam que “o aprendizado deve contribuir não só para o conhecimento técnico, mas
também para uma cultura mais ampla”.
Como se pode perceber a inserção da história da ciência nos currículos de ciência
busca responder a uma demanda da sociedade. As recomendações para que as aulas de
ciências sejam mais históricas são antigas, mas sua inclusão nos currículos ocorreu
recentemente. Motivaram-se pelas transformações ocorridas no mundo nas duas últimas
décadas. Porém devemos acrescentar que as pesquisas sobre o ensino de ciência também têm
um papel importante nesta nova valorização do uso da história da ciência no ensino.
3.4 Recomendações para o uso da História da Ciência
Uma revisão abrangente a respeito da relação entre a História e a Filosofia da Ciência
(HFC) e educação foi feita por Matthews (1995). Neste artigo o referido autor busca analisar
quais seriam as contribuições de uma abordagem que leve em consideração a história e a
filosofia da ciência, além de citar os argumentos contrários ao seu uso. Hoje se encontra na
47
literatura uma série de propostas envolvendo abordagens que utilizam a História da Ciência.
Abaixo apresentamos estas justificativas e as comentaremos a luz de outras pesquisas
a) A história promove uma melhor compreensão dos conceitos e métodos científicos;
De um lado, a História da Ciência pode enriquecer a apresentação do conhecimento
científico. Os elementos ligados a História da Ciência podem fornecer dados que ajudem a
justificar determinados conceitos, leis ou teorias. Por outro, estes mesmo elementos, podem
ajudar a compreender os conceitos com sendo produto de um processo, e não apenas um
produto que surge na forma acabada (Wang e Marsh, 2002, p. 174).
Ensinar um conceito sem lhe dar a devida fundamentação pode ser entendida como
adestramento, ou como doutrinação. Certamente nenhum destes casos é o que se espera de
uma educação voltada para formação de cidadãos críticos, tal como proposto nos PCNEM.
b) A abordagem histórica conecta o desenvolvimento do pensamento individual com o
desenvolvimento das idéias científicas;
Worfmann (1996, p. 68) aponta que os estudos desenvolvidos por Garcia e Piaget são
os mais importantes nesta linha que busca associar a história dos conceitos científicos com o
desenvolvimento intelectual da criança. Aqueles dois autores encontram semelhanças entre o
desenvolvimento da Física e da Psicogenética, de forma que postularam a existência de
paralelos entre os conteúdos das noções e as etapas da psicogênese. Além do que, indicaram
haver paralelismo entre os mecanismos de construção do conhecimento científico em si, e os
mecanismos de construção do conhecimento pela criança.
Apesar das críticas e oposição que se fez a estas proposições, alguns trabalhos
apontam que o uso da História da Ciência pode ajudar os alunos a superarem dificuldades no
aprendizado de conceitos científicos. Como exemplo Mortimer (1995), aponta que as
concepções alternativas dos alunos em relação a teoria atômica se assemelham as visões
substancialistas de muitos filósofos antigos. Levando em conta que a teoria é de natureza
48
abstrata, indo muito além das percepções sensoriais, Mortimer propõe que a História da
Ciência teria um papel fundamental para:
a eliminação, em sala de aula, de algumas dificuldades para a aceitação do
atomismo, que envolve a superação de obstáculos como a descrença no vazio entre
as partículas, não é questão a ser decidida pelas evidências empíricas, mas pela
negociação, baseadas em argumentos racionais e no uso de exemplos da história das
ciências (Mortimer, 1995, p. 25).
A História da Ciência entra assim como um mediador, tornando possível articular a
dimensão simbólica do conhecimento com suas manifestações fenomenológicas. Como
aponta Driver:
uma perspectiva social da aprendizagem em salas de aula reconhece que uma
maneira importante de introduzir os iniciantes em uma comunidade de
conhecimento é através do discurso no contexto de tarefas relevantes (Driver e
colaboradores , 1999, p. 36).
Entendemos que a História da Ciência pode favorecer a produção deste discurso, e
possibilitar o aluno apropriar-se do conhecimento científico.
c) História da Ciência é intrinsecamente motivadora. Importantes episódios da história
da ciência e da cultura são conhecidos dos estudantes;
Como exemplo, podemos citar o uso da armas nucleares durante a Segunda Grande
Guerra. O descobrimento da pólvora pelos chineses. A invenção do papiro pelos egípcios. As
grandes navegações do período quinhentista. Todos são fatos históricos conhecidos dos
estudantes e que envolveram de algum modo conhecimentos com os quais lida a ciência
d) A história é necessária para entender a natureza da ciência;
Como comentamos no capítulo anterior um dos problemas relativos ao ensino de
ciências consiste na dificuldade dos alunos em compreenderem a forma pela qual a ciência
apreende o mundo. Muitos alunos (e professores) imaginam que as leis e teorias derivam da
interpretação objetiva dos fatos. Baseados em uma concepção empirista ingênua, esquecem a
interpretação destes é feita mediantes conhecimentos pré-existentes. Assim, tomam o
conhecimento científico como representação inequívoca do mundo cotidiano, e não atentam
49
que os objetos a que se a ciência se refere são construtos mentais que buscam explicar certas
particularidades da realidade. E conforme Pietrocola (2001, p. 29) “o conhecimento científico
produzido nos estudos sobre o mundo traduz uma forma de conhecer o mundo muito
particular, revelando, assim, uma realidade diferente daquela acessível ao leigo”.
Para Mattews (1995), a abordagem histórica da ciência, ao apresentar períodos de
controvérsias, pode ajudar os alunos a compreenderem que a ciência trabalha com
idealizações do mundo real. Em suas palavras
a história e a filosofia da ciência pode dar as idealizações em ciência uma dimensão
mais humana e compreensível e podem explica-las como artefatos dignos de serem
apreciados por si mesmos (Mattews ,1995, p. 184).
Como exemplo Matthews cita a lei do isocronismo do pêndulo. Del Monte, que era
patrono de Galileu, e descrito como exímio construtor de máquinas, baseado em observações
empíricas, recusava-se em aceitar que pêndulos feitos com materiais diferentes podiam ter um
mesmo período de oscilação. Galileu, que havia deduzido tal lei por meio de relações
matemáticas, apontava que ela seria seguida apenas em condições ideais (desconsiderando a
resistência do ar, perdas de energia na forma de calor etc). Para Del Monte isto não fazia
sentido, a matemática para ele deveria descrever o mundo tal qual ele percebia.
Erduran e Duschl (2004) apontam que a História da Ciência também pode ajudar a
superar o reducionismo relativo à filosofia da Química. Em geral os estudos relativos a
natureza da ciência tem como modelo a Física. Postula-se que as outras ciências poderiam ter
suas leis e teorias justificadas em termos dos princípios daquela ciência. Porém, estes autores
(p. 111) apontam que apesar de haver certas semelhanças entre a Física e a Química, pois
apresentam conceitos de caráter quantitativo e dinâmico, esta última grande ênfase,
também, a classificações e a aspectos qualitativos da natureza, semelhantemente à Biologia.
Neste sentido a História da Química, ao apresentar a evolução histórica de alguns modelos
50
usados por esta ciência pode permitir ao aluno compreender que a mesma valoriza aspectos
que vão além da matematização.
e) A história contradiz o cientificismo e o dogmatismo presentes nos textos escolares;
A sociedade moderna passou a confiar na ciência com meio de solução de todos os
problemas, incluindo miséria e a fome. A ciência é vista como panacéia para todos os males.
Muitos, em nossa sociedade, imaginam que a cura de doenças como o câncer, a AIDS e outras
tantas, é uma mera questão de tempo, bastando, para tanto, aguardar os avanços científicos
que seguramente virão.
O ensino tradicional de ciências reforça esta ideologia. O conhecimento científico é
apresentado como produto pronto e acabado. Seu processo de produção é omitido, e, por
conseguinte, as dificuldades enfrentadas pelos cientistas para solução de determinados
questões não são levadas a conhecimento. Conforme observa Morais (2002, p. 21) “parece-
nos que seria de extrema valia demonstrar sempre ao estudante que, sendo a ciência um
produto humano, vem marcada das riquezas e das precariedades do homem”.
Ainda como observa:
não podemos ver na a ciência apenas a fada benfazeja que nos proporciona o
conforto no vestir e na habitação ... Ela pode ser- ou é- também uma bruxa malvada
que programa grãos e animais que são fontes de alimentares da humanidade para se
tornarem estéreis numa segunda reprodução. Essas duas figuras devem-se fazer
presentes quando ensinamos ciências (Chassot, 1998-b, p. 85)
Um ensino mais crítico deveria levar as pessoas a se questionarem por que o
investimento na produção de soja transgênica é muito superior aquele voltado a pesquisa da
cura para doenças subtropicais, quando sabemos que a produção de alimentos atualmente é
suficiente para saciar a fome da população mundial.
Podemos dizer, então, que conhecimentos sobre a natureza da ciência são importantes
para uma alfabetização científica, com vistas a levar os alunos a tomadas de decisões de
forma consciente e responsável. Para tanto se faz necessário uma imersão numa cultura
51
científica que vá além da aquisição de pontos de vista sobre a natureza da ciência. Torna-se
necessário superar visões estereotipadas da ciência que são assumidas de forma acrítica pelos
professores, devido falta de reflexão. A História da Ciência pode auxiliar nesta superação
fornecendo exemplos que se contrapõem a estas visões arraigadas nos professores e alunos,
levando-os a refletirem sobre elas ( Gil-Perez e Vilches , 2005).
f) A história, pelo exame da vida de cada cientista, em seu período, humaniza os
objetos de estudos da ciência, tornando-os menos abstratos e mais envolventes;
Schwartz (1977) aponta que a abordagem histórica reconhece a imaginação como
recurso da ciência. A imaginação, que é uma característica inegável de artistas brilhantes,
também é indispensável ao trabalho do cientista. Os estudos de Thomas Edson sobre a
eletricidade, e os experimentos de Lavoisier que levaram a derrocada da teoria da água como
elemento químico, são exemplos claros da criatividade dos cientistas, e opõe-se francamente a
idéia distorcida de que o trabalho científico seja mero fruto de deduções lógicas e
matemáticas.
g) A história favorece a interdisciplinaridade.
A fragmentação do conhecimento que é uma marca da pesquisa moderna, e se
expressa no nosso currículo através da divisão das ciências em disciplinas, pode ser superada
pela abordagem histórica. Como ilustração fecunda da interação entre dois campos do saber,
podemos citar o trabalho do casal Curie, que os levou a descoberta do Polônio. Marie Curie
testou a radioatividade de uma série de minerais de tório e de urânio com bases em métodos
vindos da Física, usando uma aparelhagem especialmente construída por seu marido Pierre
Curie. Ao perceber que alguns minerais exibiam uma radioatividade bem maior que a dos
compostos puros daqueles elementos, ela dispo-se a isolar a impureza, que para ela seria um
novo elemento químico. Para tanto usou os métodos analíticos da Química clássica, fazendo
dissoluções, extrações, e sintetizando compostos.
52
Além desta possibilidade de se apresentar a interação entre conhecimentos para
desenvolvimento de pesquisas Brito e colaboradores (2004, p. 289) argumentam que a
História da Ciência e da Matemática apresenta situações pelas quais é possível verificar que a
origem de muitos problemas, que foram motivação para o desenvolvimento de certas áreas de
pesquisa, teve sua origem em campos distintos do saber, ou em situações práticas do dia-a-
dia. Neste sentido estes autores apontam como exemplo que “o estudo sobre o cálculo de
probabilidade nasceu, na Idade Média, juntamente com as empresas de seguro”. Na Química
esta situação pode ser exemplificada pelo estudo das pilhas, que teve origem nos trabalhos de
Galvani a respeito da eletricidade sobre os corpos de animais.
Podemos acrescentar a estas justificativas outra, indicada por Chassot (1998-a). Para
ele, a História da Ciência seria um instrumento eficiente na oposição ao presenteísmo. Os
jovens além de não conhecerem sua genealogia, desconhecem como era a realidade dos seus
avôs. Acreditam que o passado é uma mera continuação do presente, para muitos a realidade
vivida hoje não é muito diferente daquela da época de seus avôs. Em geral não consideram a
que os novos materiais e as novas tecnologias o criações recentes, e que modificam nosso
modo de vida em relação ao de nossos antepassados. Por conseguinte, a História da Ciência
pode ser considerada uma forte contribuição para superar esta percepção distorcida da
realidade, ao mostrar o o contexto social em que viviam os cientistas, mas também as
dificuldades técnicas que enfrentavam.
Por fim indicamos que a história da ciência pode contribuir para a análise da
diversidade cultural.
O ensino de ciências atual, além de ser marcado pelo cientificismo, também carrega a
marca do eurocentrismo. Como conseqüência outras formas de conhecimento, como a religião
e os saberes populares são tomados como errados. E, ainda, conhecimentos como os dos
indígenas, que têm fundamentação sobre outra lógica diferente daquela dos europeus, não são
53
considerados como válidos. Todavia a História da Ciência pode ajudar a superar esta
distorção, ao identificar que por diversas vezes a origem do conhecimento científico esteve
ligada a religião ou a mitologia (Brito e colaboradores, 2004, p. 289).
Do exposto, percebemos que o apoio ao uso da História da Ciência no ensino
encontra-se explicito nos documentos oficiais, e surgem em respostas as mudanças ocorridas
na sociedade com um todo. Esse novo contexto torna necessário um novo tipo de educação,
na qual se passa a valorizar a ciência como elemento da cultura e como um saber necessário à
formação de cidadãos atuantes.
Neste sentido, como aponta Matthews (1995), tão importante quanto aprender ciências
é aprender sobre ciências. Esta compreensão sobre o que é a ciência envolve tanto reconhecer
sua inserção em um contexto social, como também ter uma idéia de como é construído o
conhecimento cientifico e em que ele se diferencia dos saberes cotidiano. O professor de
ciência, que de fato esteja preocupado com a formação de seu aluno como cidadão, deve se
propor a apresentar uma visão não reducionista deste campo do conhecimento humano.
Porém, levando em consideração que a dimensão fenomenológica dos processos
químicos não pode ser deixada de lado, acreditamos que uma abordagem que envolva história
da Química necessite estar associada ao uso da experimentação. Desta maneira no próximo
capítulo trataremos do uso de experimentos no ensino de Química.
54
4
O
P
APEL DA
E
XPERIMENTAÇÃO NO
E
NSINO DE
C
IÊNCIAS
.
Neste capítulo iremos abordar o papel que a experimentação pode desempenhar no
ensino de ciências. Iniciaremos por um olhar histórico, buscando compreender como este
recurso didático tem sido visto ao longo do tempo. Tentaremos indicar a quais objetivos e
finalidades buscavam-se atingir pelo seu uso no ensino. Em seguida iremos apontar alguns
elementos de uma reflexão crítica sobre o papel que pode ter o uso de experimentos nas aulas
de ciências. Finalizaremos indicando alguns caminhos que almejam superar a críticas
indicadas.
4.1 Apoio ao Uso da Experimentação no Ensino
As atividades experimentais no ensino de ciências são muito tempo consideradas
importantes. Os estatutos da Universidade de Coimbra no século XVIII já indicavam a
necessidade do estudo da Química estar associado ao trabalho prático, pois:
Como as Lições Teóricas nesta Ciência [Química] não podem ser bem
compreendidas, sem a prática delas; deverá o Professor (…) [dar] as Lições
competentes de Prática no Laboratório; nas quais não fará dos seus Discípulos meros
espectadores; mas sim os obrigará a trabalhar nas mesmas Experiências, para se
formarem no gosto de observarem a Natureza; e de contribuírem por si mesmos ao
adiamento, e progresso nesta Ciência. A qual não se enriquece com sistemas vãos, e
especulações ociosas, mas com descobrimentos reais, que não se acham doutro
modo senão observando, experimentando e trabalhando. O Lente será por isso
obrigado a dar por si mesmo aos seus discípulos exemplo do trabalho, e consciência,
que se requerem no Observatório da Natureza. (Estatutos da Universidade de
Coimbra, 1772, apud. Dias, 1998, p. 3)
Desta indicação do uso da experimentação fica latente a perspectiva empirista do
conhecimento científico, que notadamente ganhava força naquela época. Daí a compreensão
55
de que o avanço da ciência deveria dar-se por meio da observação e da experimentação e não
por “vãs especulações”. Esta visão, que toma a experiência como base para o conhecimento,
foi por muito tempo orientadora da prática e do discurso de agentes ligados a educação em
ciências e se estendeu ao longo de quase todo século XX. E de certo modo ainda esta latente
no ideário dos professores.
Esta ênfase dada ao trabalho de laboratório no ensino de Química pode ser entendida,
ainda, como uma resposta a uma necessidade do contexto sócio-econômico daquele momento.
Portugal era uma nação possuidora de várias colônias, das quais extraia inúmeros produtos.
Estes produtos eram tanto de origem mineral (ouro, prata, pedras preciosas, etc) como de
origem vegetal (pau-brasil, açúcar), e demandavam um conhecimento técnico para sua
obtenção. A esse respeito Chassot (1996) observou que nas recomendações para o ensino de
Química em terras brasileiras, proferidas pelo Conde da Barca nos idos de 1817, propunha-se
claramente uma abordagem que vinculasse o ensino desta ciência a aspectos utilitários. Os
professores deveriam levar os estudantes a terem conhecimento de aspectos ligados a
exploração de minas, produção de metais, e trabalho com alto-fornos. Além do que se
ponderava pela necessidade de associar estes conhecimentos práticos com a da devida
fundamentação teórica.
Assim, tal como já afirmamos no capítulo anterior, a educação procura, em cada
época, vincular seus objetivos as demandas de um contexto social mais amplo.
Todavia, devido a motivos históricos, no final do século XVIII houve um retrocesso
em Portugal e as orientações para o ensino passaram a ser de cunho meramente livresco e
orientado para uma retórica humanista.
Embora não seja nosso intuito fazer aqui um apanhado histórico detalhado do apoio ao
uso da experimentação no ensino, consideramos importante observar que nas reformas
educacionais propostas pelos governos do início de nossa república já havia referências ao uso
56
de tal recurso. Cabe notar também que estas reformas tiveram como princípio orientador a
visão positivista da ciência, devido a influência da filosofia de Augusto Conte sobre a
intelectualidade brasileira. Segundo Almeida Jr. (1980, p. 55), o Ministro da Instrução
Benjamin Constant, na primeira reforma da educação, promulgada em 1890, propôs para o
ensino médio um currículo que espelhava a ordem lógica proposta por aquele filósofo francês.
Um projeto de lei do Congresso Nacional de 1903 (apud Almeida Jr., 1980, p. 58)
aponta para a necessidade dos Institutos Oficiais se equiparem com laboratórios e material
adequado para aulas práticas de ciências. Esta necessidade de adaptações se fazia obrigatória
para que tais institutos viessem a ser reconhecidos, podendo, desta forma, receber benesses
equivalentes ao Ginásio Nacional (antigo Colégio de Pedro II).
Daí se pode constatar que, ao menos em discurso, os órgãos oficiais reconheciam a
importância das aulas de Química integrarem atividades práticas.
Em uma outra lei de 1920, elaborada no governo de Washington Luiz, no que se
referia a proposta metodológica para o ensino de ciência chega-se a indicar explicitamente
que:
Nas escolas primárias o método natural do ensino é a instrução, a lição das coisas, o
contato da inteligência com as realidades que se ensinam, mediante a observação e a
experimentação, feitas pelos alunos e orientadas pelo professor. São expressamente
banidas das escolas as tarefas de mera decoração, os processos que apelem
exclusivamente para a memória verbal, a substituição das coisas e fatos pelos livros,
que devem ser usados apenas como auxiliares de ensino (Art. 103 Lei 1750 de 8
dezembro de 1920, apud Almeida Jr., 1980, p. 60)
.
Sabemos que estas manifestações a favor do uso da experimentação não foram
inteiramente levadas a cabo, de maneira a se constituírem como realidade no sistema de
ensino. Mas as consideramos como testemunhos do reconhecimento da importância deste
recurso para as aulas de ciência. E lamentamos também que muitos dos problemas a que estas
normas jurídicas buscavam se contrapor ainda se apresentam em nosso sistema de ensino.
Destes primeiros depoimentos podemos depreender, ainda, o reconhecimento de que o
saber do Químico abarca ao menos dois pólos: um primeiro ligado aos fenômenos, a suas
57
manifestações concretas; e um outro ligado às teorias que buscam compreender estes mesmos
fenômenos. Esta percepção é coerente como a visão moderna sobre o trabalho do Químico,
conforme Chagas (1997, p. 18) “a atividade do químico é sempre uma interação entre esses
dois aspectos complementares, interdependentes, dialéticos: o fazer e o pensar, a prática e a
teoria”. Assim aprender Química implica tanto ter domínio de suas teorias, e simbologia,
quanto conhecer os fenômenos a que eles se referem.
Por fim queremos apontar a possibilidade de inferir sobre a importância dada ao uso
da experimentação no ensino, pelo relato de Nardi (2005, p. 4-8) relativo às primeiras
atividades desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC).
Durante a década de 40, este instituto buscou dar apoio para atividades escolares como feiras
de ciências, museus e clubes de ciência. Durante os anos 50 buscou promover o
desenvolvimento de kits para o ensino de Química, e Física. Tais kits tinham como objetivo
permitir aos professores das escolas, do que hoje chamamos ensino básico, desenvolver
atividades experimentais junto a seus alunos. Além disto, na década de 60, sobre as
influencias de eventos internacionais e com apoio de instituições estadunidenses, passou a
produzir materiais didáticos fundamentados na proposta do método da descoberta. Estes
materiais incluíam tanto os livros como a aparelhagem de laboratório necessária para o
desenvolvimento das atividades práticas.
Deste apanhado histórico podemos compreender por que em geral os professores
apontam a inclusão da experimentação como um dos elementos essenciais à superação da
crise que vive o ensino de ciência. De um lado a Química ensinada nos cursos superiores,
voltada para a formação de mão de obra especializada, demanda um conhecimento cuja
vivência em laboratório é essencial. De outro lado o discurso oficial sempre apontou para esta
necessidade. O ideário do professor forma-se então com esta percepção: de que o ensino de
Química carece de mais experimentação.
58
4.2 Um olhar crítico sobre o uso da experimentação no ensino
Apesar desta reconhecida importância do uso da experimentação no ensino de
ciências, algumas pesquisas têm buscado um posicionamento crítico em relação ao uso deste
recurso. Este olhar mais acurado tem sido motivado pelos problemas enfrentados pelo ensino
de ciência, tais como baixo desempenho dos alunos e desinteresse pelas carreiras científicas,
como já apontado no segundo capítulo.
Hodson (1994, p. 300) indica que para um posicionamento crítico com relação ao uso
da experimentação devemos procurar responder as cinco perguntas seguintes: a) o trabalho de
laboratório motiva os alunos? b) o trabalho prático desenvolve nos aluno habilidades técnicas,
e elas são importantes? c) o trabalho de laboratório é eficaz didaticamente? d) Trabalhando
em laboratório qual deve ser a visão sobre ciências que os alunos adquirem? Estas perguntas
são derivadas dos argumentos apontados pelos professores para o uso de atividades de
laboratório. Este autor aponta que o trabalho tradicional, feito em laboratório, desenvolvido de
forma não crítica, responde de forma inadequada a estas questões. Podemos resumir os
argumentos apontados por este autor como segue:
a) Com relação a motivação, os trabalhos práticos estruturados a fim de atingir um
objetivo bem definido, nos quais se pede aos alunos que sigam um roteiro pré-definido, não
são apreciados pelos mesmos.
Este tipo de atividade experimental, que é muito comum nos cursos de graduação, é
aplicado normalmente no ensino médio. Como neste nível de ensino os alunos estão na fase
da adolescência esta metodologia parece ser tediosa, pois segundo Hodson (1994, p. 300) é o
momento em que os mesmos procuram afirmar sua autonomia. Pelo contrário, argumenta o
autor, são as atividades mais simples, que apresentam desafios cognitivos que motivam a
participação dos alunos de todas as idades. Estes desafios devem ser elaborados de forma que
59
não se encontre uma resposta prontamente, mas que também não sejam tão difíceis que não se
possa resolvê-los. Exemplos de atividades deste tipo são os experimentos desenvolvidos nas
séries iniciais, nas quais, em geral, o professor provoca discussões a respeitos dos fenômenos
e permite aos alunos emitirem suas opiniões livremente.
Este autor ainda argumenta que este parece ser um ponto ignorado nos trabalhos
relativos ao uso da experimentação no ensino, que em geral dão destaque a dimensão
epistemológica que fundamenta o desenvolvimento das atividades.
b) A importância do desenvolvimento de habilidades técnicas faz sentido se o
objetivo consistir na formação de profissionais.
De fato as habilidades relativas ao uso de equipamentos são importantes para um bom
desempenho profissional. Reconhecemos também que o desenvolvimento destas habilidades
demanda a prática no uso de materiais, pois como indicado por Hofstein (2004, p. 250), ao
relatar o resultado de um estudo desenvolvido em Israel na década de 70, a respeito de uma
versão do programa Chemical Estudy Material (CHEMstudy), com 233 alunos da 10ª rie, o
conhecimento científico abrange um dimensão estritamente cognitiva, que pode ser
mensurada por questões de lápis e papel, e outra relacionada à habilidades práticas que
implicam em: saber observar; executar rotinas de laboratório; e resolver problemas técnicos.
Hofstein indica ainda que estas habilidades não podem ser desenvolvidas senão pela prática
em laboratório.
Todavia, consideramos que essa ênfase no desenvolvimento de habilidades técnicas só
se justifica quando se refere a formação de profissionais, como no caso dos químicos. Este
tem a necessidade de resolver problemas de ordem prática, sendo o conhecimento técnico tão
importante quanto o saber teórico. Na formação básica, porém, ela não se aplica, pois
geralmente não sabemos que carreiras nossos alunos seguirão.
Assim, segundo Hodson (1994, p. 301), as atividades de laboratório que requeiram
60
habilidades técnicas mais refinadas devem ser desenvolvidas pelo professor. Não a
necessidade de gastar tempo e esforço orientando os alunos quanto a montagem de
equipamentos complicados, ou na manipulação de instrumentos que requerem um manejo
mais cuidadoso. Caso contrário o que se percebe é um desvio de esforço por parte dos alunos
para algo que é secundário e que não vai influenciar na aquisição dos conceitos científicos.
O que Hodson propõe é que se busque ver a experimentação no ensino com outro
olhar, apontando na direção de uma formação mais abrangente, superando-se o paradigma da
profissionalização.
c) A eficácia didática das atividades experimentais não tem se mostrado superior a
outras estratégias de ensino, no que se refere ao desenvolvimento de conceitos científicos.
Esta crítica, a nosso ver, pode ser mais bem dimensionada quando a compreendemos
como uma oposição ao método da descoberta, que tinha a experimentação como elemento
primordial do processo de ensino-aprendizagem. Devemos reconhecer o fato de que uma aula
expositiva bem elaborada, ou um texto adequado ao vel dos alunos e com idéias
devidamente articuladas, ou atividades práticas em que se utilizam computadores, assim como
um vídeo bem explorado pelo professor são recursos valiosos para que este profissional
desenvolva o seu trabalho.
Acreditamos que esta é uma questão que não foi bem colocada, pois quando os
professores apontam a importância do uso da experimentação no ensino, se referem a
necessidade de levar os aluno a vivenciarem os fenômenos. É sabido que as aulas de ciência
em geral resumem-se a uma rotina na qual se enfatizam somente os elementos de natureza
conceitual e representacional, deixando-se de lado a dimensão fenomenológica da realidade,
conforme aponta Machado (1999, p. 159). O que se postula, portanto, não é a necessidade de
uma metodologia que seja melhor que outra. Mas sim, que traga algum elemento cuja
abordagem em uma aula tradicional de quadro e giz não é possível. Esta situação é
61
semelhante ao uso de simulações computacionais, que permitem simular realidades difíceis de
demonstrar com desenhos bidimensionais, como por exemplo, as estruturas de proteínas, ou
ainda sistemas cujas propriedades se relacionam ao movimento das partículas.
d) A visão sobre a natureza do conhecimento científico que tem fundamentado o uso
de experimento nas aulas de ciência é a positivista.
Conforme Tunes e colaboradores (1999, p. 63), esta posição epistemológica, pela qual
“se compreende o conhecimento como pronto, definitivo, que não se transforma nas relações
sociais, que não tem historicidade” explica a ênfase dada pelos professores à idéia de que com
o experimento pode-se comprovar a teoria dada em sala de aula.
Além disto, e ainda como conseqüência da visão de que o conhecimento brota dos
dados extraídos do laboratório, é dada grande ênfase ao conhecimento procedimental,
valorizando-se sobremaneira as habilidades de observar, fazer registros, e elaborar relatórios.
Assim ficam em segundo plano a reflexão e o desenvolvimento de conceitos científicos. O
ensino de ciência teria como finalidade principal ensinar como os cientistas trabalham.
Segundo Millar e Driver (1989) as abordagem de ensino que postulam a possibilidade
de desenvolver nos alunos habilidades ligadas a um método científico, quando fundamentadas
no positivismo, enganam-se por imaginar a existência de um único método geral, e infalível,
aplicável a qualquer campo da ciência. Além disto, estas abordagens não atentam para o fato
de que a maior parte das habilidades listadas como necessárias a aplicação do método, e que
justificariam a ênfase nos estudos dos processos da ciência, são corriqueiras em nosso dia-a-
dia. Uma criança alfabetizada quando vai ao mercado sabe fazer observações, tanto quanto é
capaz de anotá-las, assim o ensino de conteúdos procedimentais não pode ser entendido como
justificativa para o ensino de ciência.
Silva e Zanon (2000, p.127) apontam que a ênfase nos procedimentos da ciência
também pode ser considerada insustentável, porque para o ensino de processos cognitivos
62
como observação, classificação ou elaboração de hipóteses é necessário um contexto que
significado a estas atividades, elas não podem ser aprendidas de forma meramente abstrata.
Em linhas gerais, o que se percebe é que as críticas feitas ao uso da experimentação no
ensino de ciência são da mesma ordem daquelas que fizemos sobre alguns aspectos
relacionados ao ensino tradicional, e em específico ao método da descoberta. Tais
características por certo tempo justificaram o abandono de estratégias que levassem em conta
elementos mais humanos, como a História da Ciência. A visão sobre experimentação
prevalente no ideário dos professores reflete uma visão dogmática de ciência, calcada no
positivismo, em que se atribui aos experimentos a capacidade de comprovar a teoria, elevando
o conhecimento científico ao status de verdade incontestável. Esta visão também pode ser
sentida nos livros didáticos, pois como apontam Niaz e Rodrigues (2000) ao relatarem
resultado de uma pesquisa sobre livros didáticos estadunidenses de Química, editados no
período entre 1970 e 1992, o discurso encontrado neste recurso didático não ignora o
desenvolvimento histórico das ciências como também apresenta as descobertas científicas
como uma “retórica de conclusões”, pois valorizam apenas o produto final. Lembremos que
resultado semelhante foi apontado por Schnetzler (1978) ao analisar livros brasileiros editados
durante a década de 1970.
Em síntese o que se questiona na verdade é toda uma abordagem pedagógica, que
buscou refletir os valores e conceitos de uma época. Sendo a experimentação apenas um
recurso de ensino será orientada por estes valores. Assim se queremos imprimir um novo
olhar a experimentação, devemos analisar cuidadosamente a que fins desejamos atingir com a
educação.
Ressaltamos que este tipo de crítica se estende, na verdade, a todas as outras
disciplinas e a outros recursos de ensino. Por exemplo, Valente (2007), em um trabalho que
discute a inserção dos computadores nas escolas, destaca que o uso da informática como
63
recurso didático tem sido orientado pelo paradigma instrucionista, dando ênfase à transmissão
de conteúdos. As disciplinas em geral, mesmo dispondo de novas condições materiais,
continuam sendo trabalhadas em uma perspectiva reduzida ao treino de técnicas de solução de
problemas descontextualizados. O estudo das notações tem um espaço maior do que os
processos de construção do conhecimento, como conseqüência, mesmo que paradoxamente, a
própria aquisição do conhecimento pelo aluno fica prejudicada. A Matemática, neste sentido,
parece ser um caso exemplar, pois em seu ensino:
A notação se tornou objeto de estudo. Com isso a matemática deixa de exercitar o
raciocínio para valorizar o ensino da notação que o matemático usa para expressar o
raciocínio. Assim, o aluno adquire técnicas de como resolver uma equação do
primeiro ou do segundo graus e nunca o processo de "fazer matemática", ou seja,
pensar sobre um problema, cuja solução pode ser expressa segundo uma equação
matemática e resolvida através da técnica de resolução de equações. Ao aluno é
fornecida a segunda parte do processo (Valente, 2007, p.9).
O mesmo ocorre com o ensino de Química. Nas aulas teóricas perde-se muito tempo
com treinamento no uso de equações, entediam-se os alunos com a exigência de memorização
de símbolos, de nomes de compostos e de formulas químicas completamente distantes de suas
realidades.
Assim para superar as limitações apresentadas no uso da experimentação, é necessário
repensar o ensino de Química com base em parâmetros que se distanciem dos fundamentos da
escola tradicional, e situá-lo em um novo contexto em que se vise uma formação mais
abrangente, e não somente a formação profissional.
4.3 Uso didático da experimentação
As propostas de ensino de ciência, que consideram a experimentação em uma
perspectiva que supera os problemas anteriormente apontados, procuram ressaltar a
importância da interação entre saberes teóricos e práticos. Estas propostas, segundo Silva e
64
Zanon (2000, p. 134) fundamentam-se em uma forma “diferente de conceber, ensinar e
aprender ciência”. Busca-se valorizar o que o aluno sabe ao invés de desprezá-los, ou de
buscar descarta-los. A idéia é a de que se procure levar o aluno a refletir sobre suas
representações de mundo, de maneira que possam ampliá-las quando perceberem as
limitações explicativas das mesmas.
Neste sentido Silva e Zannon (2000, p. 142) ainda destacam a importância do papel do
professor como elemento dinamizador capaz de levar os alunos a elaborarem explicações para
os fenômenos explorados nas atividades de maneira a se aproximarem daquelas propostas
pela ciência. Conforme Galiazzi e Gonçalves (2004, p.329) este processo de intermediação
deve ocorrer de forma dialógica no qual as vozes dos diversos grupos devem ser ouvidas, e
que se busque enriquecer os argumentos oferecidos por meio da inclusão de outros
interlocutores, tanto teóricos como práticos. Como conseqüência tem-se um reforço do caráter
social da ciência, e uma ruptura com imagem do experimento como fonte objetiva do saber.
Pretende-se que as atividades experimentais se integrem ao processo de ensino de uma
forma que valorize a reflexão. Hodson (1994, p. 307) indica que, embora as atividades
práticas em laboratório demandem muito tempo para sua realização, efetivamente pouco se
destina a compreensão do objetivo real para o qual o professor a planejou. É decepcionante
perceber que, por exemplo, os estudantes dão pouca atenção a tarefas de reflexão anteriores a
prática, tendo como conseqüência a perda do valor pedagógico da atividade desenvolvida no
laboratório, já que os alunos acabam por não compreender o que fazem, e nem a que objetivos
atenderão os dados obtidos pelos experimentos. Desta forma, ainda conforme Hodson (1994,
p. 306), é importante que os alunos tenham uma base teórica que permita compreender o que
se vê, levando-os a selecionarem os dados que são de fato necessários a compreensão do
problema que se quer discutir. Lembremos que, de acordo com Bachelard (1996),
conhecimento é resolução de problemas. Se na atividade experimental o há uma questão
65
bem delimitada a esclarecer pouco proveito, certamente, poderemos obter dela. Além disto,
devemos ressaltar que, conforme Saviani (2006, p. 47), um problema pode ser reconhecido
como tal quando temos uma percepção da realidade com a qual se possa confrontar uma
determinada situação discrepante, em suas palavras “o desconhecido se define pelo
confronto pelo conhecido”.
Uma proposta metodológica que visa superar as dificuldades apontadas, e que leva em
consideração a epistemologia de Bachelard, é descrita por Gil-Perez (1993) como tratamento
de situações problemáticas abertas. Esta abordagem opõe-se ao método da descoberta, pois é
notório que o aluno sozinho não vai descobrir os conceitos centrais da ciência, que levaram
anos para serem desenvolvidos. Opõe-se também aos métodos tradicionais, que centrados no
produto final desconsideram o processo pelo qual o conhecimento foi produzido. Pelo
contrário, esta proposta, segundo, Gil-Perez (1993) leva em consideração o valor do trabalho
coletivo desenvolvido pelos alunos, pois isto seria semelhante ao trabalho dos cientistas que
raramente trabalham isolados, e têm sempre o produto de suas pesquisas avaliado pelos seus
pares. Este autor ainda destaca a importância do papel do professor como orientador do
trabalho dos alunos. Neste sentido indica-se que a abordagem por tratamento de situações
problemáticas abertas pode ser entendida por meio da metáfora do investigador novato, que
segundo Gil-Perez pode ser descrita como segue:
A investigação dirigida em domínios perfeitamente conhecidos pelo “diretor de
investigação” (professor) na qual os resultados parciais, embrionários, obtidos pelos
alunos podem ser, matizados ou postos em questão pelos obtidos pelos cientistas que
os precederam. Não se trata, pois, de enganar os alunos de fazê-los crer que os
conhecimentos se constroem com a aparente facilidade com que eles (os alunos) os
adquirem, senão colocar-lhes em uma situação pela qual os cientista habitualmente
passam durante sua formação, e durante a qual poderão familiarizar-se minimamente
com o que é um trabalho científico e seus resultados, replicando para si
investigações realizados por outros, abordando, em definitivo, problemas
conhecidos por quem dirige seu trabalho (Gil-Perez, 1993, p.204).
Assim o papel do professor seria o de levar os alunos a adentrarem na cultura
cientifica, apropriando-se não do produto final, mas também do processo pelo quais os
66
conhecimentos são desenvolvidos. O professor, compreendido como o membro mais
experiente, como um porta-voz de muitos outros grupos de pesquisa, pode ajudar os alunos a
perceberem suas descobertas, ou as incongruências de suas idéias.
Inicialmente esta proposta pode parecer uma retomada sofisticada do método da
descoberta, pois volta a considerar a questão de se levar o aluno a vivenciar o método
científico. Todavia devemos ressaltar que a proposta epistemológica é diferente, tem outro
matiz. O método da descoberta sustentava-se no empirismo e como conseqüência leva os
alunos a desenvolverem uma visão distorcida da ciência, como sendo esta de natureza: a-
teórica, algorítmica; a-histórica; exclusivamente analítica; individualista e elitista. O
tratamento de situações abertas considera que o desenvolvimento da ciência é uma construção
coletiva, sendo imprescindível a interação entre indivíduos e entre grupos.
Silva e Nuñes (2002) destacam a importância do uso da experimentação e a forma
como a mesma deve se apresentar na abordagem por problemas abertos, para estes autores:
Por meio de experimentos, a atividade experimental pode converte-se numa
atividade cognoscitiva criadora e, para isso não se devem utilizar tarefas
reprodutivas, mas investigativas e produtivas nas quais possam ser construídos e
empregados os conhecimentos assimilados. Nesse sentido, a aprendizagem a partir
de problemas pode ser um dos meios importantes para desenvolver as
potencialidades criativas dos alunos, como também pode ser considerada uma
estratégia que mobiliza os conhecimentos e habilidades dos alunos, na relação teoria
e prática, baseada na aplicação de problemas relativos a seus interesses quanto ao
contexto (Silva e Nuñes, 2002, p. 1199)
Desta forma podemos compreender que a abordagem por problemas abertos pode
consistir numa metodologia capaz de trazer a baila elementos descartados pela abordagem do
método da descoberta, e por outras atividades que ocorrem na escola de forma irrefletida.
Pode-se levar o aluno a compreender que na ciência, tanto quanto na arte, a criatividade é uma
habilidade fundamental. O aluno pode perceber também que na ciência os conhecimentos
práticos e teóricos se relacionam de forma mútua, não tendo um precedência sobre o outro.
Esta forma crítica de compreender o papel da experimentação, que supera o
empirismo ingênuo, pode, segundo Silva e Zanon (2000, p. 136), ser vista um caminho para
67
articular, em sala de aula os três níveis do conhecimento químico, a citar: a) fenomenológico;
b) teórico ou de modelos; c) representacional.
Estes três níveis, conforme Machado (1999, p. 155- 175), são formas de classificar o
conhecimento químico a respeito do mundo. Ao nível fenomenológico associam-se as
observações macroscópicas acessíveis aos nossos sentidos, ou ainda aquelas percebidas por
uso de instrumentos. Ao nível teórico associam-se as interpretações que damos aos
fenômenos, que no caso da Química implica em fazer referência a natureza corpuscular da
matéria. As explicações em Química envolvem falar de átomos e moléculas, além de suas
interações. Assim, o nível teórico associa-se a dimensão microscópica da natureza. Os
símbolos, fórmulas e equações químicas associam-se a dimensão representacional. Por meio
deles são descritas as transformações da matéria, indicam-se as substâncias contidas em um
sistema, e os átomos com os quais seus constituintes são formados.
Mortimer e colaboradores (2000) apontam que estes três níveis do conhecimento
químico devem ser tratados em sala de aula igualmente, pois a produção do conhecimento em
ciências é resultado da articulação dinâmica entre eles. Ou seja, o primazia do
experimental sobre o teórico como propõe o empirismo. Ou do representacional sobre os
demais, como poder-se-ia inferir da abordagem tradicional que enfatiza a memorização.
Neste sentido uma abordagem para o ensino de Química que vise superar as
dificuldades apresentadas ao longo deste trabalho deve, naturalmente, incluir uma proposta de
experimentação que leve em consideração a articulação entre estas três dimensões do
conhecimento Químico. Pelo contrário, de acordo com Silva e Zanon (2000, p. 136) pode-se
correr o risco de levar o aluno a ver as representações dos fenômenos como sendo o próprio
fenômeno.
68
5
M
ETODOLOGIA
5.1 A construção do Módulo de Ensino
Tendo em vista a discussão feita anteriormente procuramos produzir um material de
ensino que permitisse tratar dos conceitos ligados a Química Orgânica, mas que superasse os
problemas encontrados nos materiais tradicionais. O material produzido consiste em um
módulo de ensino que aborda o tema: História e Química dos Corantes.
Nossa opção pelo tema corantes teve como motivação o fato de que estes materiais são
utilizados pelos seres humanos desde a pré-história com fins simbólicos. Além do valor
imaterial que carregam os corantes também foram, e continuam sendo, importantes do ponto
de vista comercial, fazendo parte da pauta de exportação de muitos países. Em termos
didáticos também consideramos que a cor, enquanto propriedade macroscópica dos materiais,
seja um elemento motivacional muito importante, e que possibilite a discussão de muitos
conceitos ligados a Química Orgânica.
O módulo consiste em um texto e um conjunto de 8 experimentos. O texto esta
dividido em três capítulos. No primeiro apresentamos alguns corantes que tiveram
importância histórica. Os corantes aos quais demos destaque foram: a garança; o índigo; a
púrpura do tiro, o pau-brasil; e o urucum. Neste primeiro capítulo também discutimos o
processo que envolveu a produção dos primeiros corantes sintéticos e o impacto que esta
descoberta gerou sobre toda a cadeia produtiva.
Nossa principal intenção neste primeiro capítulo foi a de apresentar o tema aos alunos,
levando-os a perceberem como os corantes são importante para a humanidade.
69
No bojo do texto procuramos apresentar as fórmulas de cada corante citado, de
maneira que os alunos venham a se habituar às mesmas. Estas fórmulas podem ser exploradas
pelo professor para tratar com seus alunos conceitos como: tipos de ligações do carbono;
cadeias carbônicas; geometria molecular.
No segundo capítulo apresentamos um estudo sobre o processo de tinturaria. Nele
tratamos da constituição dos tecidos, e dos processos de interação dos corantes com as fibras
têxteis. O professor, partindo do estudo do capítulo, poderá explorar os conceitos de
polímeros, ligações iônicas e covalentes, interações intermoleculares, reações orgânicas de
adição e substituição..
O capítulo três tem como foco a formação das cores. Nosso intuito foi o levar o aluno
a ter um entendimento mais aprofundado de como este fenômeno é produzido. Assim
apresentamos um breve estudo sobre a natureza da luz, abordamos o processo fisiológico de
percepção das cores além de tecer considerações sobre a de interação da luz com a matéria.
Nos capítulos dois e três procuramos fazer um tratamento mais aprofundado dos
conceitos científicos relacionados aos corantes, todavia não deixamos de incluir elementos
históricos nos mesmos. Ao falar sobre os tecidos fizemos alguns comentários a respeito do
uso destes materiais pela humanidade. Ao abordar a natureza da luz, no capítulo três, fizemos
um relato de como este conceito evoluiu desde os antigos gregos até chegar às idéias de
Maxwell.
Na produção do texto objetivamos atender algumas das características apontadas pela
literatura quanto à importância do uso da História da Ciência no ensino. Na tabela 1 (abaixo)
indicamos alguns trechos do módulo que correspondem a certos aspectos inerentes ao uso da
História da Ciência no ensino, tal como apontado por Matthews (1995).
70
Tabela 1. Argumentos para uso da história da ciência com exemplos extraídos do módulo de ensino.
Argumentos para o uso da História da
Ciência segundo Matthews (1995)
Fragmentos do módulo de ensino
A História promove uma melhor
compreensão dos conceitos científicos
O escritor e pintor Ghoethe (1749-1832),
havia observado este efeito de interação entre
as cores no século inicio do século XIX. Ao
apreciar uma paisagem ele percebera que:
“durante o dia, devido aos tons amarelados, as
sombras tendem a ser tornar violetas... ao pôr-
do-sol, quando seus raios difusos são do mais
bonito vermelho, a cor das sombras torna-se
verde”.
A abordagem histórica conecta o
desenvolvimento do pensamento
individual com o desenvolvimento das
idéias científicas
Uma teoria existente na antiguidade defendia a
idéia dos raios da visão. O olho emanaria
determinados raios que em contato com os
objetos trariam sua forma. Esta teoria era
defendida ardorosamente por Pitágoras de
Samos. Embora apresentasse algumas
dificuldades, como, por exemplo, não explicar
por que não enxergamos no escuro, ela trouxe
certo avanço para compreensão da visão.
A História da Ciência é intrinsecamente
motivadora. Importantes episódios da
história da ciência e da cultura são
conhecidos dos estudantes
Com a descoberta da América os europeus
passaram a ter uma nova fonte de matéria
prima. Das terras brasileiras foram levadas
toneladas de madeira de pau-brasil para serem
processadas pelas tinturarias européias
A História é necessária para entender a
natureza da ciência
Esta contenda sobre a natureza da luz, se ela
seria uma onda ou formada por partículas,
perdurou ainda por todo o século XIX e início
do século XX. E, embora pareça estranho a
primeira vista, hoje as duas concepções são
aceitas como corretas. Com os trabalhos de
Thomas Young, Fresnell e de Maxwell a visão
de que a luz é um fenômeno ondulatório
ganhou consistência. Com os trabalhos de
Einstein e Marx Planck a concepção de que a
luz seria formada por pequeníssimos
corpúsculos deixou de ser refutada.
A História, pelo exame da vida de cada
cientista, em seu período, humaniza os
objetos de estudos da ciência, tornando-os
menos abstratos e mais envolventes.
Chevreul foi convidado a resolver um problema
na tradicional Manufatura de Gobelins, onde
os artesãos haviam percebido que a cor dos
corantes após estampagem nos tecidos não era
a esperada.
71
A História contradiz o cientificismo e o
dogmatismo presentes nos textos
escolares.
O químico amador e professor Jean Henri
Fabre foi o primeiro a conseguir extrair o
princípio ativo da garança, a alizarina. Ao
concentrá-lo e purificá-lo, com um processo
barato e prático, o corante passou a ser
utilizado diretamente nos tecidos. Fabre fundou
uma fábrica na Provença para explorar este
processo industrialmente. Assim que a fábrica
entrou em pleno funcionamento, a alizarina foi
obtida artificialmente, transformando
totalmente a agricultura e a indústria nas
regiões de Languedoc e Provença na França,
que tinham como principal atividade a
produção de garança.
A História da Ciência pode contribuir para
a análise da diversidade cultural
O urucuzeiro (Bixa ollerana) é um arbusto da
flora nacional. Dele os índios retiravam um
corante avermelhado com o qual pintavam o
corpo desde antes do descobrimento. Pero Vaz
de Caminha em sua carta ao rei D. Manoel
mencionou como os índios utilizavam este
corante para tingir o corpo.
Outro critério que orientou a produção do módulo foi a tentativa de superar a
fragmentação do conhecimento químico. Ao trabalhar com o tema “corantes” buscamos
retomar conceitos, que muitas vezes por falta de tempo, são trabalhados somente em outros
momentos, que não no ensino de Química Orgânica. Estes conceitos se referem à solubilidade
dos compostos, a formação de ligações químicas, as interações intermoleculares, aos
processos de óxido-redução, ao estudo da atomística e a natureza da luz.
Entendendo que a experimentação é um recurso muito importante no ensino de
ciências, tal como apontado por Silva e Zannon (2000), sugerimos a realização de oito
experimentos. Estes estão associados aos conceitos abordados em cada capítulo. Porém
permitem ir além do que é explorado no texto. Na tabela 2 listamos os experimentos
propostos, indicando os objetivos e possíveis conteúdos a serem trabalhados a partir de cada
um deles.
72
Tabela 2. Objetivos e conteúdos relativos aos experimentos do módulo de ensino.
Experimento Objetivo Conteúdos Envolvidos
1. Tingindo tecidos
(p. 168).
Extrair corantes de fontes
naturais e tingir tecidos.
Solubilidade;
Interações intermoleculares;
2. Corantes x Pigmentos
(p.172).
Discutir a diferença entre
materiais orgânicos e
inorgânicos
Ligações químicas;
Reações de combustão;
3. Desbotando a calça
jeans (p. 175).
Discutir o processo de
alvejamento de tecidos
jeans.
Oxidação de compostos
orgânicos;
Solubilidade.
4. Colorindo com o índigo
(p. 177).
Discutir o processo de
tinturaria de tecidos jeans.
Solubilidade;
Interações intermoleculares;
Reações orgânicas;
Conjugação de ligações
duplas;
5. Descolorindo com a
eletricidade (p.180).
Discutir a produção do
hipoclorito de sódio e sua
ação sobre os corantes.
Reações eletrolíticas;
Reações de oxidação de
duplas ligações;
Efeito do pH sobre os grupos
funcionais.
6. As cores dos objetos
(p. 183).
Discutir o processo de
formação das cores
Espectro da luz visível;
Absorção de luz pela matéria;
Formação das cores.
7. A luz e os corantes
(p. 186).
Discutir a ação dos filtros
de luz e dos corantes.
Espectro da luz visível;
Absorção de luz pela matéria;
Formação das cores
8. Ultravioleta a cor
Invisível (p. 190).
Discutir o processo de
absorção e emissão de
energia luminosa pela
matéria.
Espectro de radiação
eletromagnética;
Interação Luz x Matéria.
73
Os experimentos 1 e 2 (p. 168 e 172) estão relacionados com o primeiro capítulo do
texto. Com a realização do experimento “Tingindo Tecidos” pretendemos que os alunos
vivenciem o processo de tinturaria, de maneira que obtenham um referente ao qual possam
associar muitos dos conceitos abordados durante a leitura do texto. O experimento 2 chama a
atenção para a constituição dos compostos orgânicos. Com ele o professor poderá discutir
reações de combustão, estabilidade dos compostos e tipos de ligações químicas.
Com os experimentos 3 e 4 (p. 175 e 177) o professor podeexplorar os conceitos de
solubilidade, reações de óxido-redução no âmbito da Química Orgânica. Estas duas atividades
buscam se relacionar com o capítulo dois, pois permite a discussão da classificação dos tipos
de corantes, tendo em vista que o índigo é um corante de tina
9
.
Os demais experimentos estão relacionados com o terceiro capítulo. O experimento 5
(p. 180)implica na discussão do papel das conjugações de duplas ligações na formação da cor.
Ele também permite discutir a ação do hipoclorito de sódio sobre as substâncias corantes, e
ainda o processo de eletrólise. Os experimentos 6, 7 (p.183 e 186) visam discutir a relação
entre o processo de absorção de luz e de formação das cores. No experimento 8 (p. 190)
tivemos como intuito resgatar o debate sobre o fenômeno de interação entre energia
eletromagnética e a matéria.
A estrutura dos roteiros segue um padrão. Inicialmente fazemos uma pequena
contextualização, a qual tem como finalidade interligar os experimentos com o texto e com
questões do dia-a-dia do aluno. Segue-se uma lista dos materiais necessários à realização da
referida prática e o passo-a-passo do procedimento. Apresentamos também uma lista de
questões que podem orientar a discussão do professor junto aos alunos. Finalizamos o roteiro
apresentando uma discussão sobre os resultados do experimento. Esta discussão esta dividida
9
A aplicação deste tipo de corante necessita do uso de agentes redutores que levam à formação de um produto
solúvel, o qual posteriormente é regenerado por oxidação à forma não solúvel.
74
em três momentos: a) observações macroscópicas; b) interpretações microscópicas; c)
expressão representacional.
Ao indicar as observações microscópicas separadamente de suas interpretações
teóricas, tivemos a intenção de levar o aluno a perceber que a ciência trabalha com uma
descrição da realidade diferente daquela a que estamos acostumados no nosso cotidiano. Tal
como apontado por Pietrocola (2001) o conhecimento científico trabalha com idealizações da
realidade. Estas idealizações consistem em construtos teóricos que nos possibilitam ir além
dos dados sensíveis, e nos permitem interligar fatos aparentemente desconexos, ao passo que
as explicações de senso-comum limitam-se aquilo que é perceptível pelos sentidos.
Imaginamos que ao separar nas discussões dos resultados os níveis do conhecimento químico
estaremos dando condições aos alunos perceberem que a ciência trabalha fazendo recortes da
realidade, para tornar mais precisas suas explicações.
Os experimentos não têm como objetivo comprovar os conceitos expostos ao longo do
texto. Nossa proposta é a de que os mesmo, além de propiciarem a vivencia dos fenômenos,
sirvam para iniciar discussões que possibilitem buscar novos conhecimentos. Por exemplo,
com o experimento “Descolorindo com a eletricidade” (nº 5) o professor pode levantar a
seguinte questão, para ser pesquisada pelos alunos: Por que a eletricidade não atua
diretamente sobre os corantes, assim como faz com a água ou com o cloreto de sódio?
Observemos que esta não é uma questão tratada no corpo do texto. Todavia respondê-la
implica em conseguir uma compreensão mais clara sobre o fenômeno.
Esta postura, de estar aberto ao questionamento, relaciona-se a uma visão da ciência
que a toma como um processo de busca de resposta a problemas, tal como proposto por
Bachelard (1996), e não como um conjunto de verdades prontas e acabadas.
O professor, conforme destaca Gil-Perez (1993), sendo o membro mais experiente
dentro de seu grupo (que é a turma em que esta atuando) poderá levantar estes
75
questionamentos que vão além do texto, caso os alunos não os percebam. Da mesma forma
ele deve fomentar uma discussão para a busca de respostas, indicando possíveis caminhos
para solucionar as questões que possam surgir. Neste sentido as discussões que apresentamos
ao final de cada roteiro têm com objetivo, não somente ajudar o professor a compreender os
experimentos, mas também dar-lhes condições de ir além do que foi exposto no texto.
Nossa intenção é de que estas atividades experimentais se integrem ao processo de
ensino de uma forma que valorizem a reflexão, tal como apontado por Hodson (1994, p. 307).
Como observamos grande parte dos roteiros de atividades práticas se assemelham com
receitas de bolo, tendo como objetivos apenas apresentar os fenômenos aos alunos. Neste tipo
de atividade poder-se-ia imaginar que pela simples observação o aluno poderá induzir os
conceitos científicos. Nossa intenção por, outro lado, é de que a realização dos experimentos
resgate conceitos trabalhados em outros momentos e proporcione o surgimento de
questionamentos para serem resolvidas em um segundo momento.
Um exemplo de experimento que imaginamos ser capaz de provocar a reflexão é o de
número 6 (As cores dos objetos). A atividade é de simples realização, porém aluno terá que
trabalhar bastante seu raciocínio para explicitar de forma coerente como as cores primárias
(verde, vermelho e azul-violeta) se combinam para formar as demais. Imaginamos que neste
processo a discussão entre os alunos será fundamental.
5.2 Avaliação do Módulo de Ensino
Para análise do material, buscamos selecionar professores graduados em Química,
com uma experiência mínima de três anos em sala de aula e que tivessem lecionado o
conteúdo de Química Orgânica. Para tanto visitamos algumas escolas públicas do Distrito
Federal, três na cidade satélite de Ceilândia e duas no Gama. Além das escolas públicas,
76
visitamos também uma instituição de ensino superior, situada no Gama, que ministrava o
curso de Licenciatura em Química. Tanto nas escolas como na instituição de ensino superior,
conversamos informalmente com cerca de nove professores. Oito comprometeram-se em
realizar a leitura do módulo de ensino, porém apenas sete o fizeram.
A escolha das escolas se deu por conta da proximidade com nosso local de trabalho e
de residência. Nossa visita a instituição de ensino superior se justificou pelo fato de que vários
de seus professores já lecionaram em escola de ensino médio. Além disto, por conta da
formação dos mesmos, acreditamos que eles poderiam fazer uma leitura mais rigorosa do
material por nós produzido.
Depois do primeiro contato, entregamos uma cópia do módulo a cada professor que se
dispôs a analisá-lo. Solicitamos as estes professores que lessem o material, a fim de tecerem
comentários pertinentes aos seguintes pontos: a) viabilidade da aplicação da proposta em sala
de aula; b) tipo de contribuição que o módulo poderá trazer ao ensino de Química; c) em que
aspectos a proposta se diferencia da abordagem tradicional. Além disto, solicitamos a todos
que apontassem as possíveis falhas contidas no material, juntamente com sugestões para sua
melhoria.
Após quinze dias da entrega do módulo, realizamos uma entrevista semi-estruturada
com cada um dos sete professores que o leram. Nossa opção por realizar este tipo de
entrevista, ao invés da aplicação de um questionário, deu-se por conta da diferença de perfil
de cada professor. Imaginamos que a forma como cada um se apropriaria do material poderia
ter alguma diferença relevante, podendo ser omitida nas respostas de um questionário
fechado. Laville e Dionne apontam que a entrevista semi-estruturada apresenta vantagem em
relação ao uso de questionários quanto a sua organização, porque oferece maior amplitude
que este pois:
não estando irremediavelmente presa a um questionário entregue a cada um dos
interrogados, os entrevistados permitem-se, muitas vezes, explicitar alguns questões
no curso da entrevista, reformula-las para atender às necessidades do entrevistado.
77
Muitas vezes, eles mudam a ordem das questões em função das respostas obtidas, a
fim de assegurar mais coerência em sua troca com os interrogados (Laville e
Dionne, 1999, p. 187).
O roteiro que orientou as entrevista consistia nas seguintes perguntas:
1) Para você, de que maneira a abordagem histórica apresentada no módulo de ensino
pode contribuir para o ensino de Química Orgânica?
2) O texto apresentado é acessível aos alunos?
3) O que poderia ser melhorado no texto e nos roteiros de experimentos para facilitar o
entendimento e aplicação do módulo?
4) Vocês consideram os experimentos de fácil implementação, ou vêem alguma
dificuldade para aplica-los?
5) Você considera que os experimentos estão bem relacionados com o texto?
6) Em que sentido os experimentos propostos podem ajudar no ensino de Química
Orgânica?
7) Você considera os conceitos abordados muito complexos para o nível dos alunos do
terceiro ano?
8) Você acredita que o texto e os experimentos possam ajudar o aluno a compreender
as relações entre ciência, tecnologia e sociedade?
9) Para vo qual a principal contribuição que o material apresentado traz para o
ensino de Química Orgânica e em que ele se diferencia da abordagem tradicional?
Os professores convidados a avaliarem o material que elaboramos constituem um
grupo cujos componentes têm um perfil variado. Quatro lecionam no ensino médio a mais de
dez anos, os outros três tem experiência superior a 4 anos. Todos possuem graduação em
Química, sendo que quatro fizeram mestrado. Com exceção dos professores E e F, todos
78
fizeram licenciatura em Química. Neste grupo 4 professores são do sexo masculino e 3 são do
sexo feminino. Abaixo fazemos uma descrição mais detalhada de cada um dos professores.
O Professor A é Mestre em Ensino de Ciências, autora de livro didático e leciona aulas
de Química para turmas do ensino médio. Sua experiência no ensino é de vinte anos.
O Professor B trabalha a três anos em uma escola particular no DF, onde leciona
Química para alunos das três séries do ensino médio. Está concluindo sua graduação no final
deste ano.
O Professor C leciona Química na rede pública de ensino do DF por quinze anos.
Tendo já exercido o papel de coordenador em uma das escolas em que já trabalhou.
O Professor D é Mestre em Educação e licenciado em Química. Trabalha na rede
particular de ensino lecionando Química para o ensino médio e disciplinas pedagógicas
ligadas à licenciatura em Química. Sua experiência como professor é de vinte anos.
O Professor E é Mestre em Química Orgânica, hoje leciona disciplinas específicas
ligadas à licenciatura em Química em uma instituição particular no DF, mas trabalhou no
ensino médio por doze anos.
O Professor F é Mestre em Engenharia Química, já lecionou Química no ensino médio
por cinco anos. Hoje leciona disciplinas pedagógicas ligadas a licenciatura em Química.
O Professor G graduou-se apenas um ano, mas leciona Química a cerca de doze
anos na rede particular de ensino do DF. Este professor, concomitantemente, ministrou
também aulas de ciências no ensino fundamental.
79
6 R
ESULTADO E
D
ISCUSSÃO DA
A
VALIAÇÃO DO
M
ÓDULO DE
E
NSINO
Antes de apresentarmos os resultados das respostas dos professores aos
questionamentos, gostaríamos de adiantar que, pela fala de todos os professores, pôde-se
perceber uma boa a aceitação do módulo de ensino. Todos consideraram relevante o tema
abordado, e mostraram-se contentes por terem tido acesso ao material.
Dentre os sete professores, três mostraram-se muito entusiasmados com o módulo de
ensino. O professor B relatou que boa parte do conteúdo histórico era novidade para ele, e que
fora importante ler o módulo. O professor G informou que o material poderia ajudá-lo a
desenvolver a um trabalho interdisciplinar. Ele informou que os coordenadores em sua escola
estão cobrando dos professores atividades nesta linha. O professor E apontou que o módulo
poderia ajudá-lo a trabalhar numa ótica diferente do que ele tem feito até o momento, que é
enfatizar a nomenclatura. Nas palavras deste professor:
Quando eu comecei a trabalhar isto aqui na faculdade, esta parte da espectroscopia,
bateu a idéia de trabalhar para o ensino médio. Eu gostaria de trabalhar com os
alunos do ensino médio a questão das cores, da absorção. Eles entenderiam melhor a
idéia de átomo, por que tem ai estas teorias todas, transição de elétrons, e onde é que
se isto na prática. O material aqui certinho com isso, aborda tudo, vai pro
aluno compreender (Professor E).
Ele quis dizer que se estivesse no ensino médio usaria o material, por que coincide
com uma necessidade percebida quando começou a lecionar para alunos da graduação. Este
professor acrescentou ainda pela abordagem apresentada no módulo para o conteúdo de
Química Orgânica o aluno poderia ver a ciência de outra forma, e ter mais interesse, e quem
sabe até, buscar prosseguir os estudos nesta área.
Para nós, este é um relato relevante, pois a intenção do material não é o da formação
de futuros profissionais da Química, mas o de dar condições ao aluno de compreender a sua
realidade.
80
Esta afirmação do professor E, de que o material poderia contribuir para atrair futuros
candidatos ao curso de Química, coincide com as críticas que fizemos sobre a abordagem
tradicional, que focada na formação de cientista e nos conteúdos de ensino acabam sendo
desestimulantes, e afastam os alunos das carreiras ligadas às ciências, por mais paradoxal que
isto seja.
Outro relato que confirma o entusiasmo, por parte de alguns professores, foi o do
professor G. De maneira informal, ele aplicou a primeira parte do módulo em duas turmas do
2° ano. Mas à frente faremos um relato das observações deste professor quanto à aplicação do
material. No momento indicamos somente que os alunos, segundo o referido professor,
gostaram da leitura e que ela suscitou um bom debate.
A seguir apresentamos o resultado das respostas dos professores aos questionamentos
feitos durante a entrevista.
Primeiro questionamento
Ao perguntarmos aos professores: para você, de que maneira, a abordagem histórica
apresentada no módulo de ensino pode contribuir para o ensino de Química Orgânica?
Procuramos averiguar quais justificativas os professores poderiam extrair do material para
justificar seu uso, e se estas justificativas se assemelham aquelas apontadas pela literatura.
Com relação à contribuição do uso da história dos corantes houve uma dispersão
quanto aos aspectos pelos quais os professores consideraram o material positivo. Cada
professor identificou uma justificativa para o uso da História da Ciência no ensino.
O professor E destacou a contextualização. Para ele o tema abordado fala da realidade
próxima do aluno. Com isso conteúdo passaria a ser mais interessante e despertaria o interesse
do aluno.
81
Os professores A e F deram destaque ao impacto que o conhecimento científico pode
gerar sobre a sociedade. Falaram como a invenção dos corantes sintéticos influenciou a
economia de vários países.
A possibilidade de desenvolver um trabalho interdisciplinar foi o que mais chamou a
atenção do professor G. Segundo o mesmo, o uso do material implicaria na necessidade do
diálogo entre os professores de várias disciplinas. Para ele a abordagem do conteúdo de
Química apresentada no módulo pode ajudar o professor a resgatar seu respeito, porém agora
não sendo baseada na autoridade imposta, mas na percepção por parte do aluno de que o
professor é alguém que possui um conhecimento importante.
O professor D também considerou que o material pode propiciar uma abordagem
interdisciplinar para o ensino da Química, tendo em vista o fato de que o texto aborda
questões que vão além do conteúdo disciplinar.
O professor C considerou significativa a referência a fatos históricos já conhecidos dos
alunos. Para ela, a citação de certas passagens da história, conhecidas dos alunos, pode
tornar a Química mais familiar.
Ressaltamos que essas características apontadas pelos professores como presentes no
texto são as mesmas que Matthews (1995) aponta como justificativas para o uso da História
da Ciência no ensino. Para este autor a História da Ciência é intrinsecamente motivadora
porque episódios da História são conhecidos dos alunos, a História favorece a
interdisciplinaridade por mostrar a interação entre diversas disciplinas do saber, a História da
Ciência contradiz o cientificismo e o dogmatismo presentes nos textos escolares, pois mostra
as relações entre ciência tecnologia e sociedade, dentre outros, como citado no capítulo dois.
Além destas justificativas para o uso da História o professor B considerou importante
o material fazer referencia ao nosso país, citando produtos naturais como o urucum e o pau-
82
brasil e mencionando o conhecimento de nossos indígenas. Em sua visão, isto poderia fazer
com o aluno se identificasse mais com a ciência e despertasse o seu interesse pelo estudo.
Este relato coincidiu com o proposto por Brito e colaboradores (2004, p.289), para os
quais a História da Ciência pode ajudar a superar o eurocentrismo, e mostrar que o
conhecimento pode derivar de outras fontes que não apenas da ciência. Isto pode, por sua vez
chamar a atenção do aluno, mostrando que o conhecimento que se estuda na escola não é tão
distante de sua vida.
Segundo e terceiro questionamentos
Com as questões: O texto apresentando é acessível aos alunos? O que poderia ser
melhorado no texto e nos roteiros de experimentos para facilitar o entendimento e aplicação
do módulo? Buscamos averiguar se o nível com que o texto foi escrito é adequado aos alunos
do ensino médio. E buscamos, também, recomendações para melhorar a qualidade do
material.
Todos os sete professores apontaram que o primeiro capítulo seria o de mais fácil
leitura pelos alunos, pois consiste em um relato histórico. Porém consideram que os capítulos
dois e três irão demandar um tempo maior para leitura, uma vez que neles são abordados
conceitos científicos em maior profundidade, implicando na necessidade de apoio do
professor. Mas ressaltaram que o texto está de acordo com o nível dos alunos de terceiro ano,
e que o mesmo se assemelha, em nível de complexidade, aos livros paradidáticos existentes
no mercado.
Mesmo com o posicionamento favorável dos professores em relação ao texto, alguns
deles ofereceram comentários no sentido de melhorar a compreensão durante a leitura.
83
O professor A apontou a necessidade de simplificar a linguagem em alguns pontos e
de tornar alguns parágrafos menos extensos. Ela considerou que nas explicações sobre a
natureza da luz tinha muita informação em poucos parágrafos, e recomendou que se fizessem
parágrafos menores.
Para o professor A algumas palavras mais rebuscadas poderiam ser substituídas por
outras mais conhecidas. Este professor apontou a necessidade de se fazer uma pequena
introdução em cada capítulo, indicando com clareza o que é abordado em cada um. Além
disto, indicou que seria interessante colocar algumas caixas de texto chamando atenção dos
alunos para a realização dos experimentos.
O professor G apontou a necessidade de simplificar o texto de dois capítulos (o
segundo e o terceiro). Para ele não seria necessário discutir detalhes conceituais tais como o
de interações intermoleculares, ou aqueles relativos à da natureza da luz. Para ele uma
explicação mais detalhada poderia ficar a cargo do professor.
Com relação a estas sugestões acatamos apenas a do professor A, em referência a
necessidade de se indicar na introdução de cada capítulo o que seria abordado no mesmo.
Contudo não substituímos as palavras indicadas por ele como rebuscadas, porque
consideramos serem as mesmas de uso comum, talvez apenas desconhecidas para alguns
alunos. Porém para nós uma das funções da educação é elevar o nível cultural dos estudantes,
e isto implica em ampliar seu vocabulário. Com relação ás chamadas para realização dos
experimentos, acreditamos que seja melhor o professor indicar aos alunos o momento de
executá-los, pois isto tem uma relação direta com o seu planejamento. O que fizemos foi
incluir algumas orientações para o professor, dando a este uma sugestão de plano de ensino
que poderá ser seguida, ou não.
Com relação aos comentários do professor G, consideramos que fazem sentido apenas
a primeira vista. Porém, observamos que o nível explicativo dado aos conceitos de interação
84
molecular, e sobre a natureza da luz são equivalentes aqueles encontrados em livros didáticos
existentes no mercado. A diferença, no texto apresentado, foi a intenção de contextualizar
estes conceitos, apresentando-os em função de um problema específico: o estudo dos
corantes.
Talvez o posicionamento do professor G possa ser entendido mais claramente se
levarmos em conta o fato de que o mesmo imagina que o melhor momento para aplicar o
material seria ao final do ano, quando todo conteúdo de Química tivesse sido trabalhado. A
nossa proposta, por outro lado, é a de que o material seja usado para ensinar o conteúdo de
Química.
Esta nossa posição é referendada pela fala do professor F, pois segundo este o
material:
Não, seria para leitura complementar. Eu não considero que um material
paradidático seja complementar ao que é dado na escola. Essa é minha visão. Eu
considero que é um material que não tem a estrutura de um livro didático, nele a
organização do conteúdo é diferente. O conteúdo aparece de acordo com o tema
(Professor F).
O professor F apontou a necessidade de inserir parágrafos explicando separadamente
cada tipo de interação molecular. Ele considerou que a junção da explicação das formas de
interação entre as moléculas com a classificação dos corantes em um mesmo parágrafo pode
gerar dificuldade de entendimento.
O professor B apontou a necessidade de se colocar algumas figuras para ilustrar o
texto, tais como: dos cientistas mencionados; de equipamentos antigos usados na tinturaria; e
das fontes dos corantes naturais. Para este professor esta figuras podem ajudar a chamar a
atenção do aluno sobre o tema estudado.
O professor E sugeriu que fosse introduzido um parágrafo explicando os diagramas de
absorção apresentados no texto.
85
O professor C indicou a necessidade de se fazer um roteiro de leitura, apontando aos
alunos quais são as idéias centrais do texto.
Nós concordamos com as sugestões dos professores B, E, e F. Fizemos as
modificações recomendadas. Em resposta ao professor F, introduzimos uma seção explicando
os tipos de interação entre corantes e fibras têxteis, e outra explicando a classificação dos
corantes (páginas 152 a 156). Em resposta ao professor B introduzimos algumas figuras de
caráter histórico (Fig.1, Fig. 2, Fig. 10 e Fig. 23). Em relação à sugestão do professor F
fizemos uma nota de rodapé explicando o diagrama da figura 27 (página 162).
Com relação a sugestão do professor C, indicada acima, nós consideramos que a
proposta de planejamento indicada ao professor pode contribuir com o estudo do texto, não
sendo necessário um roteiro de estudo a parte. Pois não entendemos o módulo com sendo um
material para leitura extraclasse. Seu estudo carece de orientação do professor.
Quarto questionamento
Ao perguntarmos aos professores se eles consideravam os experimentos, de fácil
implementação, ou viam alguma dificuldade para aplicá-los? Tivemos a intenção de
averiguar se os experimentos podem ser desenvolvidos mesmos em instituições de ensino
com poucos recursos, pois caso contrário à aplicação do material poderia perder a
consistência.
Todos os professores consideraram os experimentos exeqüíveis. Para eles o fato de os
materiais indicados serem de fácil acesso torna atraente a realização dos experimentos, e pode
inclusive motivar o professor a utilizar este recurso em sala de aula.
O professor C, por exemplo, ficou entusiasmado. Para ele os experimentos poderiam
ser realizados até mesmo em sala de aula, o que possibilitaria superar uma dificuldade sua no
86
uso deste recurso. Ele considera estafante levar os alunos para o laboratório, pois as suas
turmas são cheias e trabalhosas. Este professor ao se referir sobre os experimentos disse o que
segue:
Estes daqui (apontando para os roteiros) já dá para usar em sala. Os do livro didático
tradicional não dão para trabalhar, a não ser que tenha um professor de laboratório.
Quem tem sete ou oito turmas como eu, não agüenta. E eu ainda tenho que dividir as
turmas, ai tenho que ir dezesseis vezes ao laboratório. Os alunos exigem demais, é
cansativo. Tem que ter muita força de vontade. Ai, fazendo em sala de aula fica mais
simples (Professor C).
Para este professor, os experimentos propostos no módulo podem ser realizados em
sala de aula, pois são simples de serem executados. Para ele este é um ponto positivo, que
diminuiria seu desgaste. Para ele isto seria um motivo a mais para que realizar as atividades
práticas com seus alunos.
Apesar das considerações acima, algumas ponderações foram feitas. Os professores A
e C consideraram que o experimento 4 (Colorindo com o índigo) carece de aparato especial,
além do que não é tão fácil encontrar o corante no comércio.
Não concordamos inteiramente com esta observação, pois o equipamento necessário
para tal prática consiste em um tubo de ensaio, uma lamparina e uma rolha com um furo.
Consideramos que qualquer laboratório didático, por mais simples que seja, deva conter estes
recursos. De qualquer maneira fizemos algumas sugestões no roteiro do experimento para
auxiliar professores que tenham dificuldade em obter os referidos equipamentos – a lamparina
pode ser substituída por uma vela e o tubo de ensaio por um frasco de remédio.
Quanto ao corante índigo, de fato não é comum encontrá-lo no mercado, porém
havíamos indicado um caminho alternativo: mergulhando pedaços de tecidos jeans (não
desbotados) em uma solução de hidrossulfito de sódio é possível preparar uma mistura para
tintura de outros tecidos, que é o objetivo da atividade. O hidrossulfito por sua vez pode ser
encontrado em lojas de revelação de fotografias.
87
Este comentário dos professores A e C, por outro lado, pode ser visto como uma
confirmação das condições precárias de nossas escolas. Como se pode depreender do trabalho
de Almeida Jr. (1980) a falta de condições adequadas para o ensino de ciências é uma
realidade em nossas que tem perdurado por toda a república. A falta de recursos mínimos
acaba por desmotivar os professores a realizarem atividades práticas.
O professor F, por sua vez, considerou o experimento 7 (A luz e os corantes) difícil de
realizar. Ele relatou que teria dificuldades para montar o espectroscópio, não por conta do
roteiro, mas por considerar não ter habilidades para tal montagem.
Consideramos que um caminho para superar este problema seja buscar ajuda com um
outro professor mais habilidoso para montar o equipamento. Possivelmente a interação com
um professor de Física venha a ser interessante, que este equipamento envolve conceitos
daquela disciplina. Como o professor G bem observou, a proposta envolve a
interdisciplinaridade”, neste sentido a montagem do equipamento poderia ser uma atividade
desenvolvida pelos alunos e orientada pelo professor de Física.
Por outro lado, o relato do professor F nos chama a atenção para as considerações de
Hodson (1994). Para este autor a montagem de equipamentos pelos alunos, durantes os
experimentos, acaba muitas vezes tirando a atenção dos mesmos em relação ao objetivo
planejado. Ora, se o próprio professor considerou a montagem como problemática, certamente
muitos alunos também irão sentir o mesmo. Assim, o melhor caminho para realização desta
prática é montar antecipadamente o equipamento, como de fato foi nossa sugestão.
No intuito de auxiliar professores que possam encontrar dificuldade em realizar a
montagem do espectroscópio, semelhantemente ao professor F, inserimos no roteiro um
número maior de figuras mostrando o passo-a-passo da montagem. Acreditamos que isto
possa motivar a montagem deste equipamento mesmo por aqueles que sintam dificuldades em
fazê-lo, visto que entendemos não ser tão complexo o nosso espectroscópio.
88
Quinto e sexto questionamento
Com as questões de número cinco e seis (Você considera que os experimentos
escolhidos estão bem relacionados com o texto? E, em que sentido os experimentos propostos
podem ajudar no ensino de Química Orgânica?), procuramos verificar se os experimentos
propostos podem de fato contribuir na compreensão do tema abordado, e se eles permitiriam
aos alunos perceberem que o conhecimento químico desdobra-se em suas três dimensões
(macroscópica, microscópica, representacional).
Os sete professores concordaram que os experimentos propostos relacionam-se
diretamente com o tema abordado permitindo trabalhar os conceitos expostos no texto de
formas diversas. Quatro professores (A, E, F e G) apontaram que alguns experimentos
permitem explorar outros conceitos que vão além do texto, tais como reações orgânicas,
grupos funcionais e eletrólise.
Também foi consenso que a realização dos experimentos é imprescindível para a
compreensão de muitos conceitos contidos no texto. O professor G, por exemplo, cita:
Olha quando eu peguei os experimentos bateu certinho, cada experimento para
trabalhar o que tem no texto. Vai ficar mais fácil pro aluno entender muita coisa que
ele leu. Por que tem coisa que o aluno não visualiza. (...) Por exemplo, o mordente:
pra que ele serve? Ele nunca ouviu falar, ai vai estranhar quando ler. Se fizer o
experimento vai melhorar o entendimento (Professor G).
Neste caso o professor esser referindo a necessidade de fazer o aluno vivenciar o
fenômeno. Para ele esta vivência pode ajudar o aluno a compreender melhor o texto, pois
quando da leitura do mesmo os termos não lhe seriam estranhos.
Neste sentido o experimento estaria fornecendo um conceito espontâneo para o aluno.
E como discutimos anteriormente, segundo Vigotsky (2005) estes conceitos são fundamentais
para o desenvolvimento dos conceitos científicos. Os conceitos espontâneos carregam a
sensação da realidade vivida, enquanto os conceitos científicos correspondem às abstrações
desta realidade.
89
A fala do professor F confirma estas observações, segundo o mesmo existem dois
tipos de experimentos no material: os que contextualizam o tema; e os que exploram os
conceitos. Em suas palavras:
Aqui tem dois tipos de experimentos, esse primeiro de tingir tecido é pra
contextualizar. O das cores, aquele que o aluno vai entender as cores é pra explicar os
conceitos. Cada um enfoca mais um aspecto. Ai o professor pode explorar de forma
diferente cada um (Professor F).
Quando questionado sobre o significado do termo “contextualizar” o professor F
explicitou dois sentidos diferentes. Para ele no primeiro aborda-se algo próximo da realidade
do aluno. No segundo cria-se um referente com o qual o aluno vai estabelecer ligações com o
que se apresenta no texto. Nas palavras deste professor:
o experimento contextualiza porque fala do tingimento de tecidos. Isto ta no dia-a-
dia do aluno. Ele vai ver como é que faz. Vai saber como é que é tingir o tecido. Ai
ele vai saber quando tiver lendo, não vai estranhar (Professor F).
Entendemos que é no segundo sentido que a fala deste professor se iguala a do
professor G. O experimento pode trazer a dimensão fenomenológica ainda não vivenciada
pelo aluno.
O que os professores F e G quiseram destacar foi a importância de se levar o aluno a
ter contato com as diversas dimensões do conhecimento químico, tal qual apontado por Silva
e Zanon (2000). Como indicamos, estes autores consideram importante levar os alunos a
reconhecerem que a Química busca descrever a realidade em três veis: o macroscópico
(fenomenológico); o microscópico (as teorias); e o representacional (os símbolos e fórmulas).
A importância de distinguir os três níveis do conhecimento químico também foi
referendada pelos outros cinco professores, quando os mesmos fazem referência a discussão
dos experimentos. Para eles debater os resultados separando as observações macroscópicas,
das interpretações microscópicas e de suas representações pode tornar mais clara a
compreensão dos conceitos envolvidos nos experimentos. Um comentário que expressa bem
esta percepção é o do professor B:
90
Quando você parte diretamente de uma visão microscópica, falando logo de átomos
moléculas, ele (o aluno) tem, realmente dificuldade. (...) Isto confunde demais, agora
quando você pega a experimentação, você pega (diz): Olha, este aqui é o nosso
produto formado. Esta é a cor que ele apresentou. Ai você vai e pega aquela parte
do texto que explica sobre as cores, é ai que você vai apresentando a parte
microscópica. Depois você escreve as fórmulas. Ele (o aluno) vai ver que palpável, é
menos confuso (Professor B).
Os professores B e C apontaram que separar, na discussão dos experimentos, as
dimensões do conhecimento químico também foi importante para que eles mesmos
compreendessem os resultados mais claramente, e organizassem o próprio pensamento. Segue
abaixo a fala dos dois professores:
Com relação a alguns livros didáticos que a gente vê com proposta de experimentos,
a gente não entende bem, e mistura as coisas na explicação pro aluno. Ai fica
confuso. Do jeito que ficou, está mais claro, eu entendi melhor (Professor B).
É, isso aqui (apontando para um roteiro de experimento na parte da discussão dos
resultados) não é importante só para o aluno, é para o professor também. Para quem
não tem contato com experimento é excelente. Quando você faz o experimento você
tem determinada percepção, no caso você faz a análise, sai do visível para o que
você não vê, não é? E assim seria a explicação. Ai eu posso explicar de uma forma
melhor, desse jeito ajuda o professor (Professor C).
Como se pode perceber a forma como foram apresentados e discutidos os resultados
dos experimentos pôde ajudar os professores a organizarem seus conceitos, e compreenderem
com mais clareza as atividades propostas. De certa forma, segundo o professor C, isto pode
ajudá-los a preparar suas aulas.
Sétimo questionamento
Com a questão de mero sete (Você considera os conceitos abordados muito
complexos para o nível dos alunos de terceiro ano?) tínhamos a intenção de verificar se o
nível de complexidade dos conceitos abordados no módulo de ensino estaria adequado para os
alunos do ensino médio. Esta questão tem uma natureza diferente da questão de número dois,
91
na qual procuramos verificar se a linguagem usada era acessível. Entendemos que vários
conceitos científicos são difíceis de serem assimilados, mesmo quando expressos em
linguagem clara, pois requerem grande quantidade de conhecimentos prévios, ou requerem
um nível de abstração muito elevado.
Cinco professores consideraram que os conceitos científicos abordados no módulo
estão de acordo com o nível dos alunos do terceiro ano, e que eles constam no programa de
ensino do nível médio. Dois professores indicaram que teriam dificuldade em trabalhar alguns
pontos abordados no material. A seguir indicamos suas ponderações.
O professor G considerou que trabalhar reações orgânicas seria difícil. Ele relatou ter
tentado ensinar a seus alunos alguns esquemas de reações, mas disse não que teve sucesso.
Segundo ele:
No ano passado eu tinha uma turma muito boa. Eu falei pra eles: como vocês
colaboram, eu vou avançar um pouco. E quando eu comecei com reações de adição
eles falaram: não professor, vamos deixar este negócio ai de reação que ta muito
complicado. (...) Pra eles (alunos) a Química orgânica que é de decorar ta no papo.
Agora a parte de reação, o cara não vai pegar uma pronta. E ai tem a parte das
probabilidades, tem que analisar as condições pra ver quanto vai gerar de cada um
(produto) (Professor G).
Podemos constatar que a fala do professor G corresponde às críticas que
reiteradamente fizemos ao ensino tradicional, focado na memorização e distante da realidade
do aluno. O prisma pelo qual o professor G abordou a questão das reações orgânicas foi,
como apontado por Fourez (2003), o da ciência dos laboratórios. Este professor ao trabalhar o
tópico de reações orgânicas se referia aos problemas que os químicos vivem em sua prática
profissional. Sua aula pode ser vista como um treinamento para esta prática. Talvez por isso
sua experiência não tenha tido êxito. Aliás, como Cachapuz e colaboradores (2005) observam:
o ensino de ciência voltado para formação de cientistas não tem tido muito sucesso em atrair
atenção dos jovens para as carreiras ligadas à ciência.
A nossa proposta por outro lado é trabalhar a ciência do dia-a-dia. Não queremos que
os alunos memorizem um algoritmo com o qual enquadrem questões resolvidas.
92
Objetivamos fornecer ferramentas para que os alunos possam compreender os fenômenos que
o cercam. Ao tratar das reações orgânicas estamos nos dirigindo aos problemas ligados a vida
dos alunos, como por exemplo, o desbotamento da calça jeans.
Além deste tópico, reações orgânicas, os professores B e G consideraram que abordar
a natureza ondulatória da luz seria muito complexo para os alunos. Para eles esse é um
conceito muito abstrato e eles não teriam condições de trabalhá-lo com seus alunos.
Indicamos que nosso objetivo não era o de explicar em profundidade as propriedades
da luz. Entendemos que este tópico pode requerer um estudo a parte, a ser desenvolvido pelo
professor de Física de forma mais aprofundada. Talvez o nosso mérito, neste ponto, tenha sido
o de suscitar um trabalho interdisciplinar. O que almejávamos era somente que o aluno
soubesse que cada cor pode ser associada a um comprimento de onda.
Todavia, concordamos com os professores que a maneira como havíamos descrito a
teoria ondulatória tinha ficado muito sucinta, sendo compreensível somente às pessoas que
conhecessem esta teoria. Neste, sentido buscamos ampliar o tópico sobre a natureza
ondulatória da luz, explicamos o que são ondas mecânicas e eletromagnéticas, o conceito de
comprimento de onda e de freqüência. E fizemos uma analogia entre cor e som, por meio da
qual associamos as cores de pequeno comprimento de onda (violeta e azul) com sons agudos e
as cores com grande comprimento de onda (laranja e vermelho) com sons graves.
Ainda sobre a complexidade de certos conceitos, tal como apontado pelos professores
B e G, consideramos importante citar a opinião do professor E. Para ele, determinados tópicos
contidos no módulo podem ser abordados em grau de profundidade diferentes, dependendo da
realidade de cada turma. Ou seja, a complexidade com que cada conceito poderá ser
trabalhado vai depender das discussões que vierem a acontecer na aplicação do material.
Segundo este professor:
Dependendo da turma, da realidade que tiver trabalhando o professor vai ter que
adaptar. Ele pode explorar mais, colocar outros exemplos, ou apenas citar rapidamente
algumas passagens. Vai depender das perguntas dos alunos (Professor E).
93
Oitavo questionamento
Com a pergunta: Você acredita que o texto e os experimentos possam ajudar o aluno a
compreender as relações entre ciência, tecnologia e sociedade? Tínhamos como objetivo
verificar se o módulo de ensino tem a potencialidade de levar o aluno a compreender as inter-
relações mútuas entre sociedade, tecnologia e ciência. A justificativa para esta questão surgiu
do fato de que uma das motivações para o uso da História da Ciência é sua potencialidade
para apresentar a ciência integrada a um dado contexto social e tecnológico.
Os sete professores apontaram que o material apresentado pode ajudar o aluno a
perceber que a ciência, a tecnologia e a sociedade podem exercer influências uma sobre as
outras. Para eles o texto mostra que alguns fatos históricos foram influenciados por
descobertas científicas. Todos indicaram que no primeiro capítulo este enfoque é mais
evidente quando se descreve a competição entre as indústrias inglesas, francesas e alemãs.
Dois professores (A e C) deram destaque também para o impacto da produção de corantes em
laboratórios. Esses professores fizeram os seguintes comentários:
Olha, a produção da garança. Tinha uma cidade, ou região da França que dependia
da produção desta planta. Ai veio a produção do corante na indústria. Fico pensando
como é que ficou aquela gente. Podia explorar mais. Isso ai da para discutir muita
coisa com os alunos sobre o impacto da ciência na sociedade (Professor A)
Esta passagem (no texto) sobre o índigo para explorar com os alunos a
importância de um país dominar a tecnologia e a ciência. Qual foi o impacto da
descoberta do índigo? A Índia perdeu mercado, deve ter gerado muito desemprego
(Professor C).
Como se pode notar, o texto pode fomentar discussões que ultrapassem a mera
transmissão de conteúdos estritamente ligados à da Química, levando os alunos a perceberem
a influência que a ciência exerce sobre a sociedade. Com isso pode-se levar o aluno a
desenvolver sua capacidade crítica. Como destacamos este é um dos objetivos proposto
pelos PCNEM (Brasil, p. 87-89, 2002), que propõem uma abordagem mais abrangente para o
94
ensino de ciências, que se contraponha a mera memorização de conteúdo, e possibilite ao
aluno compreender não como a química explica à natureza, mas também como esta ligada
ao sistema produtivo, social e econômico.
Nono questionamento
Ao solicitarmos que os professores respondessem a questão: Para você qual a
principal contribuição que o material apresentado traz para o ensino de química orgânica e
em que ele se diferencia da abordagem tradicional? Tínhamos como intenção perscrutar em
que sentido nosso módulo de ensino se diferencia dos materiais tradicionais
Os sete professores reiteraram suas opiniões citadas no questionamento 1. Para eles o
material pode ajudar a humanizar a ciência, tornando-a mais próxima do aluno, pelos motivos
citados no início do capítulo.
Além disto, quatro professores declararam que o módulo de ensino aborda conteúdos
que normalmente não são discutidos por falta de tempo. Estes professores declararam que o
conteúdo de Química Orgânica que exploram com os alunos se restringe ao estudo das
estruturas das cadeias carbônicas, nomenclatura e grupos funcionais. Destes quatro, apenas
um informou que aborda também as biomoléculas, descrevendo as suas propriedades. Para
estes professores a possibilidade de discutir algumas reações orgânicas é um avanço, pois
normalmente não conseguem chegar neste tópico.
Outra característica do material, que foi ressaltada por todos os professores relaciona-
se a tendência do mesmo buscar superar a gica da fragmentação do conhecimento. Os
professores A, D, E e F reconheceram abertamente que na abordagem pretendida os conceitos
de Química que são tratados somente nas séries anteriores são resgatados ao longo do texto e
95
dos experimentos. Dois comentários significativos a esse respeito foram dos professores D e
E:
Ao explorar conteúdos de atomística, oxidação / redução e da Química Orgânica em
um mesmo tema (corantes), esse material contribui também para a desfragmentação
da química e, por extensão, do próprio conhecimento (Professor D).
Esse material vai ajudar a superar alguns paradigmas, eu consegui perceber funções,
orgânicas, reações orgânicas, a interação com a Química Inorgânica. O material
mostra que tudo é uma coisa só. Não existe isso de que a Química Orgânica e
Inorgânica, aqui fica claro que tem relação (Professor E).
Os professores B, C e G não fizeram referencia direta a esta característica, mas
apontaram que os experimentos poderiam ser trabalhados em séries anteriores, bastando fazer
algumas adaptações. Isto implica que o módulo de ensino, de uma forma ou de outra, busca
integrar os vários conceitos da Química. Uma fala que mostra isto claramente foi do professor
C que, mostrando o roteiro do experimento 2, fez o seguinte comentário:
O objetivo aqui é trabalhar com o terceiro ano, não é? Aqui tem experimento que
pode adaptar para o segundo. Você a questão da polaridade. Você diz que usa
água e outro solvente, o álcool. Isso aqui agente vê lá no segundo ano (Professor C).
Com relação a possibilidade de integração do conhecimento químico, queremos fazer
um aparte. Observamos que alguns professores ainda percebem a relação entre os conteúdos
de uma forma, digamos, linear. Os professores, B, C e G acreditam que seja necessário fazer
uma revisão antecipada dos conteúdos das séries anteriores ao terceiro ano para que os alunos
compreendam o assunto tratado no texto ou nos experimento. Eles não perceberam que a idéia
é a de que se busque resgatar conhecimentos anteriores à medida que questões específicas
venham a surgir no desenvolvimento das atividades.
Gostaríamos agora de retomar o relato do professor G sobre aplicação do módulo em
sala de aula. Como apontamos no início deste capítulo o mesmo estava bastante entusiasmado
com material e trabalhou o primeiro capítulo com duas turmas de segundo ano. Ele dividiu as
turmas em grupos e a cada um deles distribuiu uma parte do primeiro capítulo. Após a leitura,
que durou 40 minutos, o professor promoveu um debate. Ele mostrou-se surpreso com as falas
96
dos alunos quando da discussão em um grande grupo. Segundo seu relato os alunos estavam
surpresos por terem percebidos que muitos acontecimentos históricos tinham como motivação
questões materiais. Em suas palavras:
Os alunos achavam que todos os fatos históricos eram associados a questões
pessoais. Eles vêem a história como se fossem todas seqüências humanas. É o
homem, desavenças, intrigas politicagem. Eles não conseguiam ver que as vezes
uma industria fechou, um poderio industrial acabou por que alguém desenvolveu um
fato químico, que gerou riqueza e se tornou mais eficiente que outro, e ai acaba
desencadeando um monte de situações humanas. Eles não conseguem abstrair isto.
Eles acham que não tem relação nenhuma (professor G).
É de se notar que os alunos, segundo a fala do professor G, possuíam uma visão
particular sobre o conhecimento científico e sobre a história. Eles percebiam a ciência como
desligada de um contexto social. E viam a história da humanidade apenas como fruto das
paixões humanas, não tendo uma base material que as motivasse. Assim uma metodologia que
permita aos alunos expressarem suas opiniões parece ser essencial para a aprendizagem.
Neste sentido o relato do professor G nos chama atenção para as potencialidades do
material em superar as práticas do ensino tradicional de ciências, que colocam os alunos como
meros receptáculos. O material por permitir a discussão de idéias entre alunos e professores
pode contribuir para que se superem visões distorcidas sobre o mundo.
Uma última ponderação, que nos parece importante considerar, foi feita pelo professor
C. Este professor nos disse que teria dificuldade para usar o módulo, pois não saberia como
proceder com este tipo de material. Ele está acostumado a usar o quadro negro para expor o
conteúdo, mas imagina que o módulo requer uma atitude diferente. Em suas palavras:
Eu fico pensando, qual a forma de fazer eles lerem. O que eu poderia fazer é pedir
um resumo? É pedir uma dissertação? É cobrar uma observação, que eles registrem
os apontamentos? Para mim, ir na frente e falar não funciona, vai ser chato. Eles
vão achar chato. Vai ser um monólogo e tal (Professor C).
Esta dificuldade, relatada por este professor, coincide exatamente com o apontado por
Herron (1977), para o qual uma das dificuldades para inserir a História da Ciência no ensino
97
de ciência é o fato de que se faz necessário uma nova prática. Os professores estão habituados
com resolução de problemas de lápis e papel, e resumem seu trabalho a apresentarem
algoritmos para resolução dos mesmos. Assim, uma abordagem que envolva História da
Ciência vai demandar, além de materiais adequados, que o professor de ciências aperfeiçoe
suas habilidades.
Compreendendo esta dificuldade incluímos na introdução do módulo de ensino um
plano de ensino, que poderá auxiliar o professor a desenvolver as atividades propostas. Nele
inserimos algumas estratégias que envolvem leitura de textos, e pelas quais o professor
poderá, ainda, acompanhar o nível de entendimento dos alunos.
Concluindo, podemos considerar que o módulo de ensino foi bem aceito pelos
professores. O mesmo apresenta potencialidade para superar as práticas tradicionais, pois
pode permitir discussões entre alunos e professores sobre temas ligados ao dia-a-dia dos
alunos. O material, segundo os professores, possibilita abordar conteúdos que não são tratados
no ensino médio por falta de tempo, mas que constam no currículo, pois ao trabalhar com um
tema uma organização diferente ao programa de ensino de Química Orgânica. O material
pode permitir, também, uma abordagem interdisciplinar, a medida que faz referencia a
conceitos de outras áreas do saber. Além disto, pode permitir romper com a fragmentação do
conhecimento que tem caracterizado o ensino de Química, já que retoma conteúdos abordados
em momentos diversos ao longo do ensino médio. E, finalmente, como enfatizado pelos
professores, o módulo pode ajudar a humanizar a ciência, apresentando-a como uma
construção humana.
98
7 A
Q
UÍMICA
O
RGÂNICA NOS
L
IVROS DO
PNLEM/2008:
U
M OLHAR SOBRE A
H
ISTÓRIA DA
C
IÊNCIA E A
E
XPERIMENTAÇÃO
Tendo em vista as discussões feitas nos capítulos anteriores, e o fato de que para o ano
de 2008 o Governo Federal, por meio Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
(PNLEM), irá disponibilizar aos alunos do ensino médio livros didáticos de Química,
consideramos importante averiguar o papel atribuído a História da Ciência e a experimentação
no que se refere ao ensino dos conteúdos inerentes a Química Orgânica.
7.1 Critérios para análise
Para averiguar de que maneira os autores fizeram uso da História da Química na
produção de cada material nos apoiamos no trabalho de Leite (2002). Esta autora desenvolveu
uma lista de critérios que permite estabelecer comparação, entre obras diferentes, no que se
refere ao uso da História da Ciência. Nesta lista os critérios a serem observados estão
divididos em 7 dimensões, e cada uma destas em outras subdimensões. Abaixo descrevemos
aquelas que acreditamos estarem de acordo com nossos propósitos:
1- Tipo de organização do material histórico:
Nesta dimensão verificamos se o material enfoca a vida dos cientistas, ou se, por outro
lado, da atenção ao processo de evolução do conhecimento.
2- Material usado pelo autor para apresentar o conteúdo histórico:
São considerados materiais ligados ao conteúdo histórico textos originais, ou textos do
próprio autor sobre uma ou outra situação histórica; figuras, tais como, de cientistas ou
99
de equipamentos de laboratório; ou ainda roteiros de experimentos históricos.
3- Contexto em que a história da ciência é relatada:
Aqui verificamos se o conteúdo histórico apresentado destaca elementos ligados a
tecnologia, a política, a religião, a sociedade de forma mais geral ou a outras
informações científicas que de alguma maneira se relacionem com o conteúdo de
Química Orgânica.
4- Status da informação histórica:
Questionamos através desta dimensão se a leitura do material histórico apresentado é
ou não fundamental para a compreensão do capítulo, ou e consiste em uma leitura
complementar.
5- Tipo e status da atividade de aprendizagem ligado ao conteúdo histórico:
Acreditando que o conteúdo ligado a História da Ciência seja importante para o
aprendizado de Química, nos parece imprescindível a existencia de atividades de
aprendizagem que estejam ligadas ao material histórico. Assim averiguamos se estas
atividades são propostas pelos autores.
O uso destas dimensões para a análise dos livros não se deu sob um viés quantitativo.
Não procuramos, por exemplo, verificar quantas biografias, ou figuras de equipamentos um
autor apresentou a mais que outro em seu livro. A comparação entre livros não nos pareceu
conveniente, pois analisamos dentro das obras escolhidas apenas os capítulos referentes a
Química Orgânica. Como cada autor destinou um o espaço diferente ao estudo desta
disciplina da Química, a comparação deixa de ter sentido. Assim, entendemos que seja mais
importante averiguar a forma como a História da Ciência é apresentada aos alunos, e quais
tipos de vínculos são estabelecidos com o conteúdo de Química a ser ensinado. Assim as
dimensões supracitadas serviram apenas para orientar nosso olhar quanto ao material histórico
contido nos livros.
100
Relativamente ao uso da experimentação procuramos verificar se os autores incluíram
sugestões de experimentos no corpo, ou mesmo no manual do professor. Em caso positivo
procuramos identificar qual o papel proposto pelo autor para o uso da experimentação como
atividade de ensino. Se ela ainda continua a ser vista como proposto pela visão empírico-
indutivista, sendo elemento de validação do conhecimento, ou se é percebida como elemento
capaz de provocar o questionamento, e o diálogo. Verificamos, ainda, se os autores fornecem
orientações aos professores quanto a realização dos experimentos.
Em nossa análise procuramos descrever também como o conteúdo de Química
Orgânica é apresentado em cada livro, e o espaço relativo ocupado por este tópico da
Química.
7.2 Resultados e discussão da análise dos livros didáticos do PNLEM/2008
Dentre os seis livros selecionados pelo PNLEM/2008 para a disciplina de Química
fizemos nossa análise sobre cinco obras, que eram as disponíveis em nossa escola. Na
descrição dos resultados da nossa análise estaremos nos referindo a estas obras pelos códigos
LD1, LD2, LD3, LD4 e LD5. Entre estas obras três são apresentadas no formato de volume
único, e outras duas constituem-se obras em três volumes. Nestas últimas o conteúdo de
Química Orgânica é apresentado no terceiro volume.
7.2.1 A História da Ciência nos livros didáticos do PNLEM/2008
No livro LD1 o conteúdo de Química Orgânica é abordado em 6 capítulos. Como os
próprios autores apontam no manual do professor (p. 7), o conteúdo químico não é trabalhado
a partir de temas. Na obra, a opção adotada foi a de acrescentar material que aborde o
101
contexto econômico e social mais amplo, porém deles não se derivam problemas para serem
explicados pelo conteúdo químico. O desenvolvimento dos conceitos é feito a partir da
descrição de fenômenos, que não guardam relação direta com o contexto apresentado.
Um aspecto considerado como avanço nesta obra foi a preocupação em se estabelecer
relações entre os conteúdos de Química, tornando os limites entre as áreas menos marcantes.
Temos um primeiro exemplo no estudo das classificações das substâncias, feito no capítulo
12, no qual se apresentam conjuntamente os ácidos e as bases orgânicos e inorgânicos. Outro
exemplo é o estudo dos grupos funcionais dos compostos orgânicos que se aborda pelo prisma
da óxido-redução.
Em relação ao ensino da Química Orgânica, o primeiro uso da História da Ciência é
feito no capítulo que trata das funções químicas. Apresenta-se aos alunos de forma abreviada
como era feita a classificação dos materiais até o inicio do século XVII, e rapidamente se
comenta o impacto acarretado nesta classificação por conta da invenção do microscópio. Este
mesmo texto continua abordando a História ao fazer referencia a teoria da força vital
defendida por Berzélius, e indicando que a superação desta teoria ocorreu devido a produção
da uréia por Wöhler.
Observamos que os autores, neste primeiro uso da História da Ciência, não fizeram
nenhuma referencia ao contexto social vivido na época. Não apresentam o trabalho de Wöhler
com parte de uma obra maior. Não chegam a citar, inclusive, que este cientista foi aluno de
Berzélius. E também não indicam que tipo de problema Wöhler pretendia resolver quando
preparou o primeiro produto sintético derivado de materiais inorgânicos. Em ntese o
trabalho de Wöhler é visto como a obra de um gênio isolado.
Outra situação em que se aproveita a História da ciência para desenvolvimento do
conteúdo de Química Orgânica, no livro LD1, é a explanação sobre a teoria das tensões em
ligações dos compostos cíclicos, que fora proposta por Bayer em 1885. Os autores, ao longo
102
de uma gina, indicaram os dados que Bayer tinha disponível e a conclusão a que chegou.
Neste mesmo texto os autores também mostram que a hipótese assumida inicialmente por
Bayer, de que os compostos cíclicos eram planares, teve de ser revista quando se demonstrou
que o ciclo-hexano era pouco reativo.
Este texto é um bom exemplo de que é possível trabalhar, junto aos alunos, questões
relativas à construção do conhecimento, levando-os a perceberem que a ciência não trabalha
com verdades inquestionáveis, mas sim com proposições transitórias que podem ser superadas
quando dados novos são apresentados.
A última situação em que se faz uso explicito da História da Química, no livro LD1,
consistiu na citação do discurso de Kekulé quando da comemoração dos cinqüenta anos da
estrutura do benzeno. Neste discurso Kekulé nos conta sua versão do processo pelo qual
chegou aos postulados do carbono e sobre como formulou a teoria sobre a estrutura do
benzeno. Apesar de o texto apresentar uma citação feita pelo próprio cientista, que tem valor
em si mesma, pois leva o aluno a tomar contato com um documento histórico, acreditamos
que poderia ser melhor explorado, caso fosse apresentado o contexto científico da época.
Tendo uma noção sobre os conhecimentos existentes na época a respeito dos compostos
orgânicos, os alunos poderiam compreender porque Kekulé deu significado tão preciso aos
seus sonhos, quando poderiam ter sido interpretados de maneira completamente diversa.
A análise destes dois textos nos leva a concordar com Niaz e Rodrigues (2001) para os
quais a História da Química faz parte da própria Química. Para estes autores é fundamental
apresentar o processo pelo qual um determinado conceito se desenvolveu, levando os alunos a
conhecerem as informações que os cientistas dispunham para sua elaboração. Acreditamos
que a História da Ciência também seja importante para levar os alunos a perceberem que o
conhecimento científico deriva não somente da lógica matemática, mas também de outras
fontes, como a criatividade e a imaginação.
103
Os livros didáticos LD2; LD3; LD4 apresentam organização do conteúdo muito
semelhante. Nestes livros a abordagem do conteúdo segue a divisão tradicional. Iniciam pela
classificação das cadeias carbônica, em seguida apresentam os hidrocarbonetos e sua
nomenclatura, e logo após os haletos orgânicos e as funções orgânicas oxigenadas e as
nitrogenadas. Feito isto passam ao estudo da isomeria, das interações intermoleculares, e das
reações dos compostos orgânicos. Os livros finalizam o estudo apresentado as biomoléculas e
os polímeros artificiais. A obra LD4 por consistir em um livro de volume único, apresenta
todo este conteúdo de forma resumida em três capítulos. Nas obras LD3 e LD4 a Química
Orgânica é tratada de forma mais extensa ao longo de todo volume 3, ocupando 17 e 11
capítulos respectivamente.
Nestes dois livros, LD3 e LD4, é apresentada uma grande quantidade conteúdo
estritamente Químico. A extensão é tão marcante que no catálogo do PNLEM/2008 (p. 23)
para a área de Química, na análise da obra LD4 advertem-se os professores para que sejam
cautelosos quanto a escolha dos conteúdos, recomendando que se atenham aos objetivos que
venham a estabelecer para seus cursos. Os autores deste livro também fazem o mesmo aviso
no manual do professor (p. 02), recomendando que cada docente procure adequar o material
apresentado a realidade local de cada escola.
Estas três obras, LD2, LD3 e LD4, semelhantemente ao livro LD1 apresentam na
introdução ao estudo da Química Orgânica um texto que aborda a teoria vitalista, tal como
defendida por Berzélius, porém acrescentam uma cronologia dos fatos que ajudaram a
constituir aquela área de pesquisa. Esta necessidade de apresentar aos alunos o objeto de
estudo da Química Orgânica é o que diferencia aquelas três obras do primeiro livro analisado,
pois neste, como indicamos, buscava-se mostrar ao aluno que uma das preocupações do
químico é a classificação dos materiais. Percebe-se, assim, que um mesmo fato histórico pode
servir a propósitos didáticos diferentes.
104
No livro LD2 outro texto, seguido a esta introdução, no qual se faz uma rápida
referência a influência da revolução industrial sobre o desenvolvimento científico, e aponta-se
a importância da Química Orgânica para a economia citando o caso da produção de corantes.
O autor também elaborou outros textos que se referem a História da Ciência, que se procurou
descrever o contexto social da época, mostrando assim a influencia da ciência sobre a
sociedade. Estes textos abordam os seguintes tópicos: Os explosivos e o prêmio Nobel, O
trabalho de Louis Pasteur, A história da aspirina. Também encontramos neste livro alguns
textos que se referem ao trabalho de cientistas considerados importantes, por meio dos quais
se apresentam conteúdos específicos, como é o caso do uso dos reagentes de Grignard.
Os autores do livro LD3, como menos ênfase, seguem o mesmo caminho do autor
anterior, e ao longo da obra apresentam alguns textos de cunho histórico que apresentam
dados ligados ao contexto social e econômico de cada época. Os temas abordados desta
maneira foram: O petróleo e o antigo Egito; A história do nylon; Explosivos e o Prêmio
Nobel.
Além destes casos explícitos de uso da História da Química os autores lançam mão de
pequenas biografias e imagens de cientistas proeminentes, que são distribuídas ao longo dos
capítulos. Estas biografias, e figuras, constituem-se apenas em um recurso gráfico cuja leitura
não acrescenta muito ao entendimento do conteúdo abordado.
O livro LD4 praticamente negligencia a História da Ciência no ensino de Química
Orgânica, pois, com exceção da introdução, não faz referencias a fatos históricos.
O último livro analisado, LD5, apresenta uma organização do conteúdo bastante
diferente em relação aos demais. O conteúdo de Química Orgânica é tratado a partir de um
tema - A química das drogas e dos medicamentos e as funções orgânicas. Pelo
desenvolvimento deste tema é que surgem os conceitos, conseqüentemente a ordem de
apresentação é distinta daquela feita pelos outros autores. A primeira função apresentada para
105
estudo é a função amina, pois as drogas alucinógenas são em geral alcalóides. Na seqüência
são abordadas as formas de representação das moléculas orgânicas, tendo como objetivo levar
os alunos as compreenderem as fórmulas das aminas. Neste estudo das representações faz-se
menção, também, ao fenômeno do isomerismo, ao mesmo tempo em que são apresentados os
hidrocarbonetos. A menção a este último grupo de compostos leva a retomada do tema,
passando-se a enfocar os componentes do cigarro e seus efeitos sobre a saúde. Após
apresentação destes grupos de substância é discutido rapidamente algumas regras de
nomenclatura, gastando-se não mais que duas páginas. O restante do capítulo se desenvolve
discutindo a ação de algumas drogas sobre o organismo. Nesta discussão são apresentadas as
fórmulas químicas das drogas referidas, destacando-se os grupos funcionais presentes em
cada uma delas. O capítulo encerra abordando a fisiologia do sistema nervoso, procurando
levar aluno a compreender que a ação das drogas sobre o organismo depende de uma
complementaridade estrutural entre fármaco e bio-receptores. Para isto apresentam o modelo
chave-fechadura de Emil Fischer.
Queremos destacar que os autores apesar de apresentarem uma visão geral sobre a
Química Orgânica, o fizeram de maneira objetiva, atendo-se a alguns dos conceitos mais
importantes da área. De certo modo o capítulo pode ser visto como um exemplo de como o
professor pode organizar um programa de ensino. Como fica claro nesta obra não é necessário
abordar todos os conceitos de uma área para levar o aluno a compreender a Química. Ou seja,
a seleção de conteúdos deve, na verdade, atender as necessidades do contexto em que o
professor trabalha.
Com relação a História da Ciência, neste capítulo em que se aborda a Química
Orgânica, os autores do livro LD5, fizeram uso poucas situações, mas com fins diversificados.
No primeiro texto apresentam a história do tabaco e do hábito de fumar. Em outro contam a
história do vinho e da cerveja. Estes dois textos não se referem diretamente a conceitos da
106
Química, mas buscam contextualizar no tempo o tema estudado. Os autores também citaram,
de forma abreviada, o papel de Wöhler na constituição da Química Orgânica como disciplina,
o trabalho de Louis Pasteur sobre o ácido tartárico, e de Albert Niemann, assistente de
Wöhler, sobre a cocaína. Estas passagens faziam parte de textos de leitura compulsória, e
buscavam levar ao entendimento de conceitos da Química Orgânica.
Talvez por ser o último capítulo do livro em que se trate do desenvolvimento de
conceitos da Química, no desenvolvimento do tema o conhecimento científico é apresentado
como produto acabado. Por exemplo, ao apresentar o modelo de chave-fechadura de Emil
Fischer não é indicado aos alunos o processo pelo qual este cientista desenvolveu esta idéia.
Uma visão mais abrangente do livro demonstra que os autores tiveram esta preocupação em
outros capítulos, todavia, pela riqueza da História da Química Orgânica acreditamos que os
autores perderam uma boa oportunidade de levar os alunos a perceberem como o
conhecimento químico é produzido. Isto pode ser entendido como um contra-senso, pois
como os próprios autores indicam no Caderno de Apoio Pedagógico (p. 7), que se encontra
anexo ao livro do professor, uma deficiência do ensino de ciências, de maneira geral, é que se
tem “reforçado a visão de ciência como algo estático, um conjunto de verdades imutáveis”.
7.2.2 A experimentação nos livros didáticos do PNLEM/2008
Em relação a experimentação foi possível perceber que os autores atribuem certa
importância a este recurso de ensino. Todos os livros apresentam sugestões de atividades
experimentais para serem desenvolvidas com os alunos. Porém ainda persistem certas
limitações.
107
Os autores do LD1 sugerem, no manual do professor, a realização de 30 experimentos,
dos quais 2 se referem à Química Orgânica: Produção do acetileno; Obtenção do álcool
etílico. Eles indicam possuírem um posicionamento, em relação à experimentação, que supera
o discurso tradicional. Como apontam no manual do professor (p. 7), para eles é importante
discussão sobre os experimentos e sobre os resultados “para a partir deles fluir a teoria”.
Todavia uma análise das propostas de experimentos leva-nos a perceber que esta visão não se
confirma. Em todos os experimentos sugeridos, as questões propostas aos alunos apontam
para conhecimentos estudados previamente, nenhuma tem como propósito levar o aluno a
questionar o que sabe abrindo espaço para conhecimentos novos. Como conseqüência,
acreditamos que o professor que chegue a usar o laboratório seguindo os roteiros, tal como
elaborados, o fará unicamente no intuito de confirmar as teorias estudadas antecipadamente.
Outra limitação que encontramos nos experimentos do livro LD1 consiste no fato de
necessitarem um laboratório bem equipado com vidraria e reagentes específicos, que não são
encontrados no dia-a-dia das pessoas.
Os autores, ainda, não fazem comentários a respeito do desenvolvimento dos
experimentos e nem sobre os resultados a serem obtidos. Assim o professor não tem uma
idéia das possíveis dificuldades que poderá encontrar na realização das atividades, e nem
como poderá explorá-las com seus alunos.
O livro didático LD2, apesar de consistir em um volume inteiramente dedicado a
Química Orgânica, propõe a realização de apenas quatro experimentos, ao longo de 17
capítulos. A queima da vela; produção da vela; Aquecimento do acetato de cálcio; e produção
de sabão.
Para o autor deste livro a importância da experimentação consiste em ser uma forma
de desenvolver no aluno uma compreensão do método científico. No suplemento do professor
ele afirma claramente que:
108
É importante perceber que a Química é uma ciência experimental, não significando
que todos os tópicos devam ser realizados experimentalmente em sala de aula, como
demonstração, ou em laboratório, mas que alguns o sejam para que o aluno
compreenda o que é ciência e o método científico (LD2, p.3).
Neste sentido ele indica ainda ser imprescindível solicitar aos alunos que elaborem
relatórios sobre cada experimento desenvolvido. Ao analisarmos os roteiros dos relatórios
percebemos que há ainda uma forte tendência para formação do profissional em Química. A
estrutura sugerida para os relatórios é a mesma daqueles solicitados a alunos de graduação,
consistindo em: introdução, objetivo, materiais, reagentes, procedimento, dados
experimentais, análise e discussão de resultados.
Nos roteiros dos experimentos, as questões sugeridas aos alunos referem-se as
observações macroscópicas, não fazendo referencia as interpretações microscópicas que se
possa dar aos fenômenos.
O autor não apresenta também nenhum comentário sobre o resultado dos
experimentos. Isto, a nosso ver, consiste em um fator desestimulante ao professor. Ele terá
que buscar informações extras para poder preparar a aula, e mesmo assim poderá ficar em
dúvida se a sua interpretação é a mais plausível para os resultados observados.
O livro LD3, mesmo apresentado a Química Orgânica em todo volume 3, não propõe
no corpo do texto a realização de experimentos. È apenas no manual do professor que os
autores sugerem a realização de quatro atividades de laboratório: Investigando o paladar;
Tinta invisível (com suco de limão); Produção de pão caseiro; e Sabão versus tensão
superficial. Para estes experimentos são fornecidas, juntamente com os roteiros, as
interpretações microscópicas dos fenômenos envolvidos, buscando associa-las com o
conteúdo específico de cada capítulo. Porém não se indicam as representações dos
fenômenos, como tampouco questões para debate com os alunos.
Uma estratégia usada pelos autores do livro LD3, que se associa a importância dos
experimentos na Química, consistiu na apresentação de esquemas de arranjos experimentais
109
em vários capítulos. Com base nestes esquemas são apresentados os resultados que podem se
obtidos quando da realização dos experimentos. Os resultados aludidos servem como base
para o desenvolvimento de vários conceitos da Química. Isto parece ser uma retomada de uma
característica dos livros didáticos do inicio do século, que segundo Mortimer (1988, p. 26),
embora não apresentassem sugestões de experimentos para serem realizados pelos alunos
“eram ricos em fatos experimentais muito bem descritos”.
No nosso entender, esta parece ser uma boa estratégia quando imaginamos escolas
carentes de laboratório e de material adequado à realização de atividades experimentais. A
inclusão de fatos experimentais no decorrer dos textos, certamente, pode contribui para a
aquisição de conceitos. Mas, por outro lado, não pode ser usada como argumento para
exclusão da experimentação no ensino, sob pena de se levar o aluno a ter uma visão distorcida
do que é a ciência.
O Livro LD4 apresenta, no manual do professor, a proposta de 2 experimentos para
serem desenvolvidos. O primeiro experimento proposto é a reciclagem do papel, o segundo é
a produção do álcool a partir do caldo de cana. Para a realização de cada atividade é sugerido
o uso de materiais alternativos. Propõe ainda que se procure trabalhar estes experimentos no
contexto de projetos interdisciplinares, envolvendo disciplinas como Arte, Biologia e História.
Para tanto, os autores fornecem orientações sobre atividades a serem desenvolvidas nestas
disciplinas e que se vinculem com os experimentos.
Apesar do avanço nas propostas de experimentos sugeridas pelos autores do LD4, pois
incluem a idéia de interdisciplinaridade, podemos indicar algumas limitações. No
experimento que envolve a produção do álcool a representação do processo é feita de forma
muito simplificada, não enfatizando a estrutura dos compostos envolvidos, fazendo, assim,
com que a relação entre a atividade e o conteúdo do capitulo fique enfraquecida. Uma leitura
mais abrangente da obra nos levou a perceber que este tipo de problema se repete em outros
110
capítulos. Por exemplo, ao abordar o tratamento quantitativo das soluções o autor propõe um
experimento sobre extração de corantes, contudo na discussão sobre o experimento não se faz
referencia alguma a respeito das propriedades das soluções, mas, por outro lado, faz
comentários a respeito da estrutura dos componentes dos corantes, que são substâncias
orgânicas.
Outro problema percebido nas sugestões de experimento encontradas no livro LD4 é o
fato de que os autores não propõem questões para serem discutidas com os alunos no início,
ou no termino da atividade. Assim tanto o professor quanto o aluno poderão ser perder quanto
a objetivo do experimento, e como o mesmo pode ser explorado.
O livro LD5 propõe um único experimento, este se refere ás substâncias encontradas
no cigarro. O propósito deste experimento, segundo o que consta no manual do professor, é
iniciar a discussão sobre as drogas, não objetivando uma discussão mais profunda sobre
conceitos da Química. Assim podemos afirmar que em relação ao conteúdo de Química
Orgânica este livro não deu atenção significativa à experimentação. Talvez isto tenha ocorrido
por conta da escolha do tema (Drogas) que implica em abordar substâncias cuja manipulação
requer equipamentos adequados.
Podemos perceber por esta análise que houve alguns avanços na produção dos livros
didáticos. A referência a fatos históricos se mostrou presentes em todas as obras, mesmo que
em gradações diferentes. Assim elementos de natureza mais humanística começam a fazer
parte do livro didático de Química. Mortimer (1988) havia observado que os livros das
décadas de 70 e 80 haviam excluídos estes elementos por conta da influência do tecnicismo
sobre a educação brasileira.
Apesar deste avanço, a História da Ciência aparece apenas como elemento extra, cujo
estudo pelo aluno não é tido como fundamental, ou intrínseco a própria aprendizagem dos
conceitos científicos, mas sim como um artifício motivador, capaz de levar o aluno a se
111
interessar pelo conteúdo que lhe é apresentado.
Uma conseqüência deste caráter acessório é o fato de uso da História da Ciência ser
feito de maneira inconsistente. Como visto, os textos que se referem a fatos históricos não são
de leitura obrigatória, estão dispersos ao longo dos capítulos e não possuem relações entre si.
Como exemplo disto, lembramos a maneira como é apresentado o trabalho de Pasteur, seu
estudo sobre o ácido tartárico parece não ter relação alguma com aqueles desenvolvidos por
Wöhler sobre a uréia, mas como se pode depreender de Bensaude-Vicent e Stenger (1992, p.
205-211) este trabalhos ressaltam o problema do isomerismo, e revelam a importância da
disposição espacial dos átomos, fato este que muito incomodou Berzélius. Uma decorrência
que pode ser esperada deste uso fragmentado da História da Ciência é que o aluno não supere
visões distorcidas sobre a ciência, e continue a percebê-la como trabalho de agentes isolados,
e obra de gênios.
Estes resultados corroboram os de Tavares e Rogado (2006), que indicaram haver
ineficiência do uso de material histórico nos livros didáticos de Química quando abordam o
conceito de substância. Para estes autores o excesso de conteúdo abordado nos livros pode ser
visto como um dos fatores que implicam nesta subutilização da História da Ciência.
Concordamos com estes autores, e acreditamos que uma explicação para este uso da
História da Ciência como acessório, e o excesso de conteúdo presente em algumas obras,
consiste no fato de que livros como o LD2 e LD3 são adaptações de materiais didáticos que a
muito circulam no mercado, e, com o passar do tempo, buscaram agregar algumas
modificações para atender aos novos parâmetros da educação.
A importância de um material didático que não tome como ponto de partida obras cuja
estrutura respalda-se em concepções ultrapassadas sobre o ensino de ciências, para apenas
readapta-lo, pode ser sentida em obras como LD1, e mais marcadamente em LD5. No
primeiro livro a reorganização do conteúdo implicou em uma re-significação de um trecho da
112
História da Ciência dentro do contexto didático. No livro LD5 a proposta de se trabalhar com
um tema redefine os conteúdos a serem abordados, e demonstra que não é necessário trabalhar
uma vasta gama de conceitos, mas que o importante é dar significado a eles.
Gostaríamos de frisar que embora sejam tímidas as tentativas de uso da História da
Ciência, e careçam de uma consistência maior, elas expressam o potencial desta abordagem
para o ensino dos conceitos da Química Orgânica, tanto quanto para compreensão de como o
conhecimento químico é produzido.
Com relação a experimentação indicamos também haver avanços. Os livros didáticos
passaram a incluir sugestões de experimentos para serem desenvolvidos pelos professores e
alunos. Alguns estudos (Schnetzler,1981, e Mortimer, 1988) haviam demonstrado que os
livros didáticos de Química das décadas de 70 e 80 não faziam referencias a este recurso.
Embora este avanço seja louvável, foi possível constatar a existencia de certas deficiências
nas abordagens sugeridas por alguns autores.
Em alguns livros percebemos que os experimentos encontram-se descontextualizados
em relação ao conteúdo abordado. A experimentação entra assim apenas como uma atividade
lúdica, mas que não acrescenta uma compreensão mais apurada dos temas estudados.
Mesmo sendo os experimentos descontextualizados, há uma tendência, na maioria dos
livros, de usá-los segundo a lógica da confirmação. Isto pode ser ratificado pela analise das
questões propostas aos alunos, estas se referiam sempre a conteúdos estudados. Além disto,
nenhum autor apresentou questões para serem discutidas previamente com os alunos, de
maneira a fazê-los apresentarem suas hipóteses iniciais sobre os resultados, ou que de algum
modo motivasse a discussão entre os mesmo. Os experimentos propostos visavam apenas a
aplicação de conceitos estudados em sala previamente.
Por fim indicamos que faltam também experimentos que levem a compreensão dos
conceitos próprios da Química Orgânica. Isto fica claro quando observamos que alguns
113
autores, apesar de fornecerem as interpretações microscópicas para os fenômenos, não
indicam as representações dos mesmos, e quando o fazem não levam em conta a estrutura dos
compostos. Isto acaba sendo uma contradição, pois o que os autores mais enfatizam no estudo
dos compostos orgânicos são as representações. Como conseqüência os experimentos mais
serviriam a outros temas, do que propriamente à Química Orgânica.
114
8
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
A origem da motivação para realização deste trabalho partiu de uma dificuldade vivida
em sala de aula: a falta de interesse e o baixo desempenho dos alunos em relação ao conteúdo
de Química Orgânica. Da revisão da literatura foi possível perceber que os problemas
enfrentados por nós em sala de aula são muitos semelhantes àqueles enfrentados por outros
educadores, mesmo fora de nosso país. O desinteresse pelo estudo das disciplinas da área de
ciência parece ser um problema crônico tem despertado a atenção de diversos pesquisadores.
A superação desta situação envolve romper com um modelo de ensino repleto de
distorções, dentre as quais destacamos o fato ser focado na transmissão de saberes distantes da
vida dos alunos e objetivar somente a formação para carreiras científicas. Como conseqüência
tem-se um ensino pouco estimulante, sem valor prático e que não ajuda os alunos a se
cosntituirem como pessoas capazes de compreender a sociedade e atuar junto a mesma.
Visando superar esta abordagem produzimos um módulo de ensino que buscou
explorar a história e a química dos corantes, associando este estudo com a experimentação.
O material apresenta um diferencial em relação às abordagens tradicionais, pois a
História não foi tratada como mero apêndice, ou alegoria que enfeita o conteúdo, mas sim
com parte essencial e integrante do próprio saber químico. Além disto, a abordagem histórica
dada ao conteúdo de Química, orientada pelo estudo do tema corantes, permitiu superar a
fragmentação do conhecimento químico, apresentar de forma clara a interação entre ciência,
tecnologia e sociedade, aproximar o conteúdo da realidade do aluno e mostrar a ciência como
um empreendimento humano.
Com as sugestões de experimentos a serem realizados, quando do estudo do texto,
acreditamos que cobrimos também uma lacuna existente em outras propostas. Nos livros
didáticos existentes no mercado, como demonstramos no capítulo sete, as atividades práticas
115
propostas, em sua maioria, tem como intuito demonstrar o conteúdo apresentado nos livros,
ou seja, ainda são marcadas pela visão empírico-indutivista da ciência. Por outro lado,
acreditamos que os experimentos propostos no módulo poderão ser utilizados com outros fins:
fornecer a vivência de vários fenômenos e permitir iniciar discussões que possibilitem
aprofundar o conteúdo trabalhado no texto ou resgatar outros (como óxido-redução), de forma
a integrá-los ao contexto da Química Orgânica.
Acreditamos que o módulo de ensino, ao ser aplicado junto aos alunos possa
contribuir para superar as dificuldades apresentadas pela abordagem tradicional, por que as
características que buscamos imprimir ao mesmo foram identificadas pelos professores que o
avaliaram. Sendo que eles consideraram estas características como positivas pois implicam
em um avanço em relação ao trabalho que desenvolvem com seus alunos. Os professores
reconheceram que ao abordar a Química Orgânica limitam-se ao nível representacional do
conhecimento químico. Para eles o material proposto além de permitir contextualizar e
humanizar o ensino de Química traz a possibilidade de trabalhar o nível fenomenológico do
conhecimento químico.
Mesmo considerando os aspectos positivos apresentados no módulo de ensino
acreditamos que alguns pontos podem ser melhorados. No material discutimos a química e
história dos corantes, porém demos pouca atenção ao impacto que a indústria de corantes,
assim como a indústria têxtil, provoca sobre o meio ambiente. Para tratar desta questão, que a
nosso ver seria um tema para outro estudo, necessitaríamos de produzir ao menos mais um
capítulo. Todavia entendemos que este tipo de informação seja de mais cil acesso, de forma
que o professor que se interessar em um aprofundamento sobre a questão pode encontrar
material para estudo.
116
Com a elaboração do referencial teórico, com a produção do módulo de ensino e pela
análise do resultado de sua avaliação, algumas questões novas emergiram, e imaginamos que
mereçam ser exploradas em outro momento.
Um ponto que nos chamou atenção, durante as entrevista com os professores, foi o
fato de que nenhum deles fez referencia a possibilidade de o material propiciar uma melhor
compreensão sobre o processo de construção dos conceitos pela ciência, embora no módulo
de ensino haja um momento em que abordamos claramente esta questão. Lembremos que os
professores, ao argumentarem sobre a importância do uso da História da Ciência para o
ensino, apresentaram motivos diversos para aplicação do módulo de ensino nas aulas de
Química. Assim o “silêncio” dos professores sobre a natureza do conhecimento científico nos
pareceu significativo e abre espaço a questionamentos. Primeiramente indagamos se seriam as
representações dos professores sobre o processo de construção do conhecimento que estariam
afetando a leitura do material, e, consequentemente, a significação dada a passagem em que
descrevemos as diversas formas como a luz foi explicada ao longo da História.
De outra forma, se os professores possuírem representações sobre a natureza da
ciência que supere a percepção empírico-indutivista, podemos entender que estariam apenas
indicando darem mais importância a outros aspectos apresentados pelo material, que se
vinculam mais diretamente aos problemas vividos pelos mesmos. Isto nos levaria a perceber
que na prática dos professores pode haver outros determinantes que as representações sobre
ciência, e nos conduz também a necessidade de averiguar junto aos docentes quais são os
objetivos que eles estabelecem para o ensino de ciências.
Para finalizar este ponto indicamos que, segundo entendimento, os professores fizeram
a leitura de todo o texto com a mesma atenção. Isto pôde ser confirmado pelos comentários
que fizeram com relação às pequenas correções necessárias aos três capítulos. Como isso,
descartamos problemas relativos à forma como se deu a avaliação do módulo.
117
Outras questões estão ligadas à própria aplicação do material em sala de aula. Uma
delas foi evidenciada na fala de um dos professores que avaliou o módulo. Ele indicou que
teria dificuldade para trabalhar com o material, pois o mesmo implica em ter uma postura
diferente em sala de aula. Este professor apontou a necessidade de usar outra metodologia que
não a mera exposição de conteúdo no quadro negro. Isto implica em se fazer estudos sobre
estratégias de ensino que sejam mais adequadas ao uso do material proposto.
De fato devemos concordar com este professor, durante a graduação pouco se discute
sobre uso de textos nas aulas de Química. Assim ao professor resta apenas imitar seus colegas
de outras áreas, mesmo que de forma acrítica. Entendemos que isto deva ser superado, e que
outros trabalhos possam trazer luz sobre a questão.
Do relato dos professores, foi possível observar, ainda, que o texto ajudou alguns a
organizarem as próprias idéias, em relação à forma de discutir os resultados das atividades
experimentais. Assim seria importante averiguar o potencial do material em relação à
formação inicial e continuada de professores. É sabido que um grave problema que ainda
carece de ser superado refere-se à preparação de futuros docentes, e quanto ao
aperfeiçoamento daqueles que já se encontram no exercício da profissão. O uso do módulo de
ensino no processo de formação de professores talvez possa contribuir para superar este
quadro à medida que se diferencia dos materiais tradicionais que em geral são voltados para
formação do profissional em Química, voltado ao trabalho na pesquisa ou na indústria.
Para finalizar gostaríamos de indicar a potencialidade do módulo de ensino em
produzir uma nova dinâmica na sala de aula. O seu uso pode permitir ao professor estabelecer
diálogo com os alunos, de forma que perceba as interpretações que eles fazem sobre o mundo
e sobre a ciência. Ao tomar contato com as idéias dos alunos o professor pode ajudá-los a
refletirem sobre o que pensam.
Assim, talvez, os alunos não fiquem na triste situação apontada por
Matthews (1995): a de ter de decidir entre os seus conhecimentos e aqueles apresentados pela ciência.
118
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