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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
ESTUDO DE REVISÃO E FIDEDIGNIDADE DO INVENTÁRIO DE
PSICOPATIA DE HARE: VERSÃO JOVENS (PCL: YV)
Ramiro Ronchetti
Orientador Prof. Dr. Gabriel José Chittó Gauer
Porto Alegre, Janeiro de 2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
ESTUDO DE REVISÃO E FIDEDIGNIDADE DO INVENTÁRIO DE
PSICOPATIA DE HARE: VERSÃO JOVENS (PCL: YV)
Ramiro Ronchetti
Prof. Dr. Gabriel José Chittó Gauer
Orientador
Dissertação apresentada no Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade
de Psicologia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para obtenção de Grau de
Mestre em Psicologia Clínica.
Porto Alegre, Janeiro de 2009
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Rosária Maria Lúcia Prenna Geremia
Bibliotecária CRB 10/196
R769t Ronchetti, Ramiro
Traços psicopáticos em adolescentes: estudo de revisão,
fidedignidade e consistência interna do Inventário de Psicopatia de
Hare: Versão Jovens (PCL: YV) / Ramiro Ronchetti. Porto Alegre:
PUCRS, 2009.
74 f.: tab.
Orientação: Prof. Dr. Gabriel José Chittó Gauer.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul. Faculdade de Psicologia. Mestrado em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia Clínica.
1.
DETERMINAÇÃO DA PERSONALIDADE
.
2.
TRANSTORNO DA CONDUTA
.
3.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ANTI
-
SOCIAL
.
4.
TRANSTORNOS DO
COMPORTAMENTO SOCIAL
.
5
.
VIOLÊNCIA
/
prevenção e controle
.
6
.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
ESTUDO DE REVISÃO E FIDEDIGNIDADE DO INVENTÁRIO DE
PSICOPATIA DE HARE: VERSÃO JOVENS (PCL: YV)
Comissão Examinadora
Prof. Dr. Gabriel José Chittó Gauer
Presidente
Prof Dr. Prof. Fabrício Dreyer de Ávila Pozzebon
PUCRS
Prof. Dra. Blanca Guevara Werlang
PUCRS
Porto Alegre, Janeiro de 2009
Para Alessandra, que me completa.
AGRADECIMENTOS
Diversas pessoas e instituições foram fundamentais para a realização deste
trabalho. Embora nem todas tenham seus nomes aqui citados, uma pesquisa científica
envolve dezenas, por vezes centenas, de voluntários, funcionários, professores, técnicos
e pesquisadores que, em determinado momento, abriram mão de algo em prol do avanço
científico. Desde o simples aceite para participar de uma pesquisa, até longas horas de
orientação, revestem-se de valor semelhante no término de um estudo. Nenhuma etapa é
menos importante que outra, e nenhum envolvido é dispensável.
De qualquer forma, sem o trabalho árduo de vários envolvidos este trabalho
sequer teria saído do papel. Inicialmente, gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Gabriel
Gauer que serviu como modelo de pesquisador e foi de crucial importância para minha
pretensão acadêmica, bem como para o entendimento do constructo “psicopatia”. Seu
trabalho, incansável para elevar o vel da pesquisa nacional, mediante aulas
intercaladas com pesquisas e permeadas por correções de artigos ou contato com grupos
internacionais, deve ser enaltecido. Da mesma forma, agradeço profundamente ao Dr.
Sílvio José de Lemos Vasconcellos que, por vezes, tomou esta pesquisa como se fosse
seu próprio trabalho de conclusão, tamanha a dedicação e disponibilidade que sempre
demonstrou.
O grupo de pesquisa “Avaliação e Intervenção em Saúde Mental e Bioética
Clínica” do Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUCRS também merece ser
lembrado. Em especial, os colegas Guinter Lühring e Aline Rubim que participaram
ativamente no processo de coleta e de viagens em horários insalubres para a unidade da
FASE de Novo Hamburgo. Demais colegas, mestrandos, bolsistas de iniciação
científica e colaboradores que não terão seus nomes citados na íntegra, levem este
agradecimento na figura da Doutoranda Prisla Calvetti, que tem demonstrado
parcimônia e presença constante no grupo, revelando-se uma figura central e
representativa de todos.
Ao Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUCRS, por ter sido um local
fértil e aberto para o pensamento de toda ordem, onde fui muito bem acolhido e
recebido de forma carinhosa e elegante por colegas e professores. Quando se propicia
um espaço para discussão de idéias, independentemente quais sejam, é que se faz
ciência. Quando se contempla as diferenças de cada um e todos recebem o mesmo
tratamento, se faz ciência de uma forma humanizada; e estas são as características que
pautam o Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUCRS. Da mesma forma, fica
o agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento em Pesquisa, CNPq, por
ter viabilizado esta pesquisa e ter, mais uma vez, demonstrado estar em sintonia com as
necessidades e carências do País. Seu apoio à pesquisa é fundamental para o
crescimento da Nação e para as futuras gerações. Diretamente, este trabalho contou o
financiamento do CNPq através da bolsa de produtividade do Prof. Gabriel José Chittó
Gauer (301885/2007-9), da bolsa do autor deste trabalho, da bolsa Apoio ao
Pesquisador Visitante (452959/2007-1) e de bolsa de iniciação científica (113966/2007-
5) da aluna de graduação Gabriela Killian.
Esta pesquisa não teria sido feita se não tivéssemos encontrado uma instituição
disposta a abrir as portas para a pesquisa como a FASE do Rio Grande do Sul. Seu
apoio materializou-se através do empenho de funcionários como Lucila Correa da Rosa,
Liana Lemos Gonçalves e Cláudio Augusto Rosa Tomasini, diretor da Unidade de Novo
Hamburgo. Inúmeros monitores, funcionários e internos participaram direta ou
indiretamente desta pesquisa, entretanto nem todos podem ter seus nomes citados.
Saliento, apenas que estamos profundamente agradecidos e honrados pela forma
respeitosa e amiga com que sempre fomos recebidos. Da mesma forma fomos recebidos
e atendidos pela Prof. Jandira Facchel, que prestou toda a assessoria estatística.
Finalmente, agradeço aos meus familiares, na figura de meus pais, pela
paciência, compreensão e apoio irrestrito, e à Alessandra, a estrela derradeira, minha
amiga e companheira, a quem dedico este trabalho.
RESUMO
A violência crescente no Brasil, e no mundo, é o principal incentivador deste
trabalho. A observação do ciclo de violência entre agressores suscitou indagações no
pesquisador. Existe um crescente interesse teórico e aplicado no constructo de
psicopatia. Este interesse em parte é devido às pesquisas com adultos que têm
demonstrado uma forte relação entre psicopatia e crimes repetitivos e graves. O
comportamento violento representa pobre prognóstico de tratamento e a falta de
evidências de intervenções eficazes na carreira criminosa de psicopatas adultos
evidencia a importância da identificação precoce no desenvolvimento de tais traços.
Pesquisas com jovens podem conduzir para o desenvolvimento de estratégias de
intervenções precoces concebidas para modificar a trajetória grave e persistente do
comportamento anti-social que é associado com a psicopatia. Ao propor a avaliação
diagnóstica de adolescentes em situação de conflito com a lei através de um instrumento
internacionalmente reconhecido e utilizado, propomos a revisão de conceitos
relacionados à visão histórica e atual do constructo “psicopatia”. A utilização de um
instrumento confiável e validado para o contexto nacional representa um avanço na
detecção precoce e intervenção condizente com a realidade do adolescente. Além de
uma ampla revisão bibliográfica, será apresentada uma etapa de adaptação para o
Português (Brasil) do Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens (PCL: YV), mais
especificamente a etapa de Fidedignidade e Consistência Interna.
Palavras Chave
Determinação da Personalidade; Transtorno de Conduta; Transtorno de Personalidade
Anti-Social; Reprodutibilidade dos Testes; Violência; Adolescente.
Área conforme classificação CNPq
7.07.00.00-1 (Psicologia)
7.07.10.00-8 (Fundamentos e Medidas da Psicologia)
ABSTRACT
The high incidence of violence in Brazil, and worldwide, is the main reason why
this work was performed. The observation of a violent cycle articulated by law
offenders brought a lot of instigative questions to the researcher. There is a growing
theoretical and applied interest in the construct of psychopathy. This interest is partly
explained by the strong association between psychopathy and serious or repeated crimes
in the adult population. The violent behavior has a poor prognosis and the lack of
evidences of an effective intervention among the criminal career of adult psychopaths
shows the importance of an early identification of those traits. Researches with youths
could help planning early interventions which could be capable of changing the serious
and persistent way of the antisocial behavior linked to psychopathy. By proposing the
diagnostic assessment of adolescent offenders, using a worldwide recognized method,
we intend to review some historical and recent concepts of psychopathy. The utilization
of a reliable and valid instrument for the Brazilian context represents an advance in the
early detection and treatment of such adolescents. We, therefore, present a review of
this subject as well as a study of the validity process of the Psychopathy Checklist
Youth Version (PCL: YV) for Portuguese (Brazil), specifically the reliability and
internal consistence.
Keywords
Personality Assessment; Conduct Disorder; Antisocial Personality Disorder; Reliability
and Validity; Violence; Adolescent.
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS .................................................................................................................... 14
LISTA DE TABELAS................................................................................................................ 16
LISTA DE QUADROS............................................................................................................... 17
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 18
a) Temática................................................................................................................... 18
b) Justificativa............................................................................................................... 19
c) Conceitos.................................................................................................................. 20
d) Objetivos .................................................................................................................. 22
e) Questões da Pesquisa ................................................................................................. 22
f) Campo de Pesquisa .................................................................................................... 23
g) Metodologia de Pesquisa............................................................................................ 23
h) Apresentação............................................................................................................. 24
Referências ................................................................................................................... 24
SEÇÃO I - AVALIAÇÃO DE TRAÇOS PSICOPÁTICOS NA ADOLESCÊNCIA: UMA
REVISÃO ................................................................................................................................... 26
SEÇÃO II - ESTUDO DE FIDEDIGNIDADE E CONSISTÊNCIA INTERNA DO
INVENTÁRIO DE PSICOPATIA DE HARE: VERSÃO JOVENS (PCL: YV) PARA O
PORTUGUÊS (BRASIL) ........................................................................................................... 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................... 73
ANEXOS..................................................................................................................................... 76
LISTA DE SIGLAS
16PF 16 Personality Factor Test
CCI Coeficiente de Correlação Intra-classe
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico
DP Desvio Padrão
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais
ECA Epidemiological Catchment Area
EPQ – Junior Eysenck Personality Questionaire – Junior
EUA Estados Unido da América
FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FASE Fundação de Atendimento Sócio Educativo
HCR-20 Historical, Clinical, and Risk Management
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
ICD/CID Classificação Internacional de Doenças
IL Illinois
IORNS Inventory of Offender Risk, Needs and Strengths
MHS Multi Health Systems
MMPI Minnesota Multiphasic Personality Inventory
PCL – R Inventário de Psicopatia de Hare
PCL: YV Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens
PCL-SV Inventário de Psicopatia de Hare: Versão de
Rastreamento
PET Tomografia por Emissão de Posítrons
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul
RC4 Restructured Clinical Scale 4
TC Transtorno de Conduta
TPAS Transtorno de Personalidade Anti-Social
LISTA DE TABELAS
Seção II
Tabela 1 Coeficiente de Fidedignidade de Kendall
Tabela 2 Correlação da Pontuação Total no PCL: YV com a
reincidência em atos infracionais
LISTA DE QUADROS
Seção I
Quadro 1 Traços definidores de psicopatia
Quadro 2 Critérios Simplificados do DSM-IV para
Transtorno de Personalidade Anti-Social
Seção II
Quadro 1 Critérios Simplificados do DSM-IV para
Transtorno de Personalidade Anti-Social
INTRODUÇÃO
a) Temática
A violência crescente no Brasil, e no mundo, é o principal incentivador deste
trabalho. Vítimas sem nome, agressores contumazes, estatísticas que assustam o cidadão
comum e a perspectiva de alguma modificação para o futuro, fazem da violência uma
temática presente, pertinente e passível de questionamento. Tal questionamento tem
alguma validade quando sistematizado e pensado no âmbito científico, e é através deste
conhecimento que se pode buscar algumas respostas para questões que dizem respeito a
todos nós: quem é o agressor contumaz? Como se propaga o ciclo de violência? Como
(se possível) intervir neste ciclo?
Ao contrário de vários trabalhos que versam sobre a temática “violência”,
centrados nas vítimas, esta pesquisa voltou seu olhar para os agressores. Mais
especificamente, para os agressores adolescentes, saindo da infância e adentrando na
vida adulta com uma vida já pautada por um comportamento violento e infrator (Human
Rights Watch, 2006). Partiu-se da questão se uma vida com histórico de violência e
trannsgressão, é possível de ser modificada através do tratamento ou de qualquer tipo de
intervenção. O adolescente infrator, pela própria etapa da vida que se encontra é mais
propício à intervenção do que o adulto. Entretanto, quem são tais adolescentes?
Ao retomar o conceito de psicopatia extensamente abordado por autores em
períodos distintos da história da psicopatologia (Black & Larson 1999), buscou-se
repensar o diagnóstico, o comportamento e o papel social de um grupo de adolescentes.
Não se trata de uma questão de estigmatização e segregação dos diferentes. Trata-se,
sim, de uma forma de propor intervenções adequadas para aqueles que podem obter
benefício para um Transtorno que atinge além do portador, familiares, vítimas e toda a
sociedade (Hare & Neumann, 2008). Trata-se de propor uma mudança no ciclo de
violência.
b) Justificativa
A Psicopatia, por se tratar de um transtorno muito presente em situações
violentas, pode gerar discussões sobre se pertencente ao âmbito da justiça ou da saúde.
Por se tratar de uma entidade complexa, cada vez mais a compreensão deve ser
interdisciplinar. De qualquer forma, algumas situações apontam para uma questão
vinculada à saúde pública. Por exemplo: 1) alta prevalência; 2) alta comorbidade com
outros transtornos psiquiátricos; 3) alta ocupação de leitos psiquiátricos e ambulatoriais,
por simulação de doenças orgânicas para ganho de benefícios ou isenção de atividades;
4) taxa elevada de abandono de lar e dos filhos que, conseqüentemente poderão
apresentar carências em diversos âmbitos, inclusive na procura por serviços de saúde; 5)
vítimas encaminhadas para serviços de saúde (homicídios, roubos, agressões); 6) a
existência de comportamento irresponsável leva a problemas de conduta comumente
combatidos na sociedade brasileira, como promiscuidade e sexo inseguro, disseminador
de doenças sexualmente transmissíveis (HIV, sífilis, hepatite C e outras), gravidez não
planejada, uso e abuso de drogas (Gauer & Vasconcellos, 2003) .
Dentre os principais transtornos psiquiátricos, a depressão ocorre com maior
freqüência. No estudo do “Epidemiological Catchment Area” (ECA) (Kessler,
McGonagle, Zhao, Nelson, Hughes, Eshleman, Wittchen & Kendler, 1994)
aproximadamente 2,5% das pessoas entrevistadas - 4% de homens e 1% por cento de
mulheres - foram diagnosticados como anti-sociais (entidade distinta da psicopatia,
contudo que serve para ilustrar questões de prevalência).
Os indivíduos com Traços Psicopáticos estão mais propensos do que as outras
pessoas na população geral a morrer prematuramente por meios violentos (por ex.,
suicídio, acidentes e homicídios). Pela alta prevalência de comorbidades como
problemas com drogas de abuso, Transtorno de Personalidade de Borderline,
Histriônica e Narcisista e pelas Tentativas de Suicídio mais prevalentes do que na
população geral (5%), freqüentemente ocupam vagas em leitos hospitalares
originalmente estabelecidos para a população psiquiátrica.
Em muitos casos, trata-se de pessoas com orientação parasitária, simulando
doenças para obter tanto benefícios pessoais quanto previdenciários como, por exemplo,
aposentadoria precoce. Abuso ou negligência dos filhos, história de violência física e
sexual, cuidados parentais instáveis ou erráticos ou disciplina parental inconsistente
podem aumentar a probabilidade de que o Transtorno da Conduta evolua para um
Transtorno da Personalidade Anti-Social, ou para a psicopatia. Desta forma, o
diagnóstico e a intervenção precoce são a melhor forma de abordar o problema.
c) Conceitos
No campo da Psicologia e da Psiquiatria, o diagnóstico é feito de forma clínica,
ou seja mediante árdua anamnese ou entrevista clínica, avaliação de familiares e
observação longitudinal. Apesar de revestir-se de grande importância, exames de
imagem (Ressonância Magnética, PET e outros) não são decisivos (Dalgalarrondo,
2000). Assim, trata-se de área eminentemente clínica onde a busca por um correto
diagnóstico pode tomar como base teste diagnósticos.
A padronização de testes é uma área importante da pesquisa em saúde mental,
bem como sua aplicação em contextos distintos do originalmente proposto. Desta
forma, a tradução, por si só, não basta para que um teste seja aplicado em outra cultura;
estudos de suas propriedades psicométricas são etapas fundamentais na adaptação de
um instrumento.
Em se tratando de uma pesquisa que versa sobre avaliação de Traços
Psicopáticos em adolescentes, buscou-se um instrumento de uso corrente no mundo
para uma melhor avaliação de tais características. O instrumento escolhido foi o
Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens ou PCL: YV (Psychopathy Checklist
Youth Version; Forth, Kosson, & Hare, 2003).
O Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens é uma escala com 20 itens
para a avaliação de traços de psicopatia em adolescentes. O PCL:YV foi adaptado do
Inventário de Psicopatia de Hare (PCL R) (Hare, 2003), uma das medidas de
psicopatia para adultos mais amplamente utilizada. Evidências extensivas da
confiabilidade e validade do PCL-R podem ser encontradas na segunda edição do
Manual Técnico do PCL-R (2003). O PCL:YV, da mesma forma, utiliza uma entrevista
semi-estruturada e informações colaterais para medir características interpessoais,
afetivos e comportamentais relacionados a concepção de psicopatia tradicional e
amplamente compreendida. Tais informações são de grande valor para: a) avaliar a
credibilidade dos dados obtidos na entrevista e para b) obter relatos a respeito do jovem
em diferentes momentos e situações e em relação a pessoas diferentes. Fontes colaterais
são utilizadas para proporcionar informações adicionais correlacionadas no que se refere
à história de vida do adolescente.
A utilização de um instrumento confiável e adaptado para o contexto nacional,
representa um avanço na detecção precoce e intervenção condizente com a realidade do
adolescente. O PCL:YV é um instrumento que vem demonstrando tais características
nos diverso países e culturas que o utilizam e conduzem estudos de validação.
d) Objetivos
O Objetivo geral deste trabalho é apresentar o início do processo de adaptação
do Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens (Psychopathy Checklist Youth
Version; Forth, Kosson, & Hare, 2003). Para tanto estipulou-se como objetivos
específicos a verificação das propriedades psicométricas do instrumento PCL: YV
principalmente no que diz respeito à fidedignidade e consistência interna; além disso,
uma revisão sistemática na literatura foi realizada buscando salientar a importância do
instrumento citado e da relevância do constructo “psicopatia”.
e) Questões da Pesquisa
A validação de um instrumento é um processo dinâmico. A adaptação de uma
avaliação ou abordagem diagnóstica para outra cultura, em geral inicia-se com uma
tradução e retrotradução do instrumento para depois ser levado à campo. Diversas
etapas são desenvolvidas no intuito de tornar o instrumento mais adequado à
determinada realidade.
Além de buscar tornar o PCL: YV facilmente manuseável e compreensível para
avaliadores brasileiros, buscou-se avaliar a presença do constructo psicopatia em
adolescentes brasileiros. Determinou-se, desta forma, como hipótese de pesquisa, que o
mesmo constructo identificado nas pesquisas norte-americanas seria identificado no
contexto brasileiro. A psicopatia, portanto, não sofreria modificações em outra cultura
ou situação sócio-econômica: permaneceria o mesmo constructo identificado e descrito
historicamente. Além disso, um dos problemas da pesquisa foi comprovar a constância
do PCL:YV, medindo os mesmos traços e características nos diferentes contextos em
que fosse aplicado.
f) Campo de Pesquisa
Por se tratar de instrumento desenvolvido para aplicação em adolescentes em
situação de conflito com a lei e, por sabidamente constructos como a psicopatia ser mais
encontrada nesta mesma população, este trabalho foi conduzido buscando contemplar
tal amostra. Realizou-se, portanto, coleta de dados na Fundação de Atendimento Sócio
Educativo (FASE), no estado do Rio Grande do Sul na cidade de Novo Hamburgo.
Nesta instituição encontram-se adolescentes em regime de privação de liberdade por
estarem em situação de conflito com a lei pelos mais variados motivos.
g) Metodologia de Pesquisa
Inicialmente foi realizada uma revisão sistematizada da literatura, on line,
utilizando a base de dados MEDLINE e cruzando os descritores “Adolescent”,
“Antisocial Personality Disorder” e “Personality Assesment”. A busca levou em conta o
período desde a introdução do termo na base de dados até agosto de 2008.
Com relação ao processo de validação, traçou-se um estudo transversal
descritivo de abordagem quantitativa. Estabeleceu-se como amostra 103 (cento e três)
adolescentes internos na FASE de Novo Hamburgo, selecionados de forma aleatória,
conforme descrito posteriormente na “Seção II”, e que aceitaram participar do estudo.
Para avaliação da fidedignidade se utilizou o coeficiente de fidedignidade de Kendall e
para análise da consistência interna o Alfa de Cronbach. Também foi feita uma análise
de regressão linear como um dado adicional do estudo, na tentativa de traçar uma
correlação entre escores elevados no PCL:YV e internações recorrentes na FASE-RS.
Todas etapas da pesquisa foram previamente aprovadas pelo comide ética em
pesquisa da PUCRS, bem como de conhecimento e aprovação da direção da FASE-RS.
h) Apresentação
A apresentação deste trabalho está estruturada em duas partes, a primeira
correspondendo a uma ampla revisão da literatura, realizada de forma sistematizada. A
segunda parte versa sobre a adaptação do instrumento PCL: YV, para o português
(Brasil), mais especificamente a etapa de fidedignidade.
Referências
Black, D. W., Larson C. L. (1999). Bad Boys, Bad Men – Confronting Antisocial
Personality Disorder. Oxford University Press.
Dalgalarrondo, P (2000). Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul.
Forth, A. E., Kosson, D. S. & Hare, R. D. (2003). Hare Psychopathy Checklist: Youth
Version Manual. Toronto, Ontario, Canada: Multi-Health Systems.
Gauer, G. J. C. & Vasconcellos, S. J. L. (2003). O Transtorno de Personalidade Anti-
Social: Uma Revisão das Características Clínicas, Epidemiologia e Tratamento. Revista
de Estudos Criminais, 12, 144-155.
Hare, R. D. (2003). The Hare Psychopathy Checklist - Revised (2nd ed.). Toronto,
Ontario, Canada: Multi Health Systems.
Hare R. D. & Neumann C. S.(2008) Psychopathy as a Clinical and Empirical
Construct. Annual Review of Clinical Psichology, 4, 217 – 246.
Human Rights Watch. (2006). Child Soldiers. Staff. Campaign Page.
Kessler R.C., McGonagle K.A., Zhao S., Nelson C.B., Hughes M., Eshleman S.,
Wittchen H.U.,& Kendler K.S. Lifetime and 12 - month prevalence of DSM-III-R
psychiatric disorders in the United States. Results from the National Comorbidity
Survey. Arch. Gen. Psychiatric, v. 51, p. 8-18, Jan 1994.
SEÇÃO I - AVALIAÇÃO DE TRAÇOS PSICOPÁTICOS NA ADOLESCÊNCIA:
UMA REVISÃO
Caráter específico da mania sem delírio
“Ela é contínua ou marcada por acessos periódicos. Nenhuma alteração sensível nas
funções do entendimento, da percepção, do julgamento, da imaginação, da memória,
etc.; mas perversão nas funções afetivas, impulsão cega para atos de violência, ou
mesmo de uma fúria sanguinária, sem que se possa assinalar idéia alguma dominante,
e nenhuma ilusão da imaginação que seja a causa determinante destas funestas
tendências.”
Philippe Pinel
Tratado Médico-Filosófico sobre a alienação mental ou a mania, 1809
Introdução
O tema da violência vem ocupando espaço, de forma crescente, no cotidiano,
nos pensamentos e na vida do homem moderno. Apesar de tal preocupação não ser uma
exclusividade deste início de século XXI, trata-se de uma angústia que une os mais
diferentes povos e etnias, em um mundo cada vez mais próximo, globalizado, e ao
mesmo tempo distante, segregado. Como inúmeros temas que preocupam tanto as
ciências biológicas como as humanas, a violência pode ser compreendida de forma
integrada, contemplando a esfera biológica, social e psicológica do ser humano.
Pela própria dimensão que tomou a violência atualmente, em que todos são
atingidos, crianças e adolescentes também tem seu papel como vítimas e/ou
perpetuadores de atos violentos. Da mesma forma que ocorreu em outros grandes
conflitos e guerras da humanidade, como nas guerras napoleônicas, na II Guerra
mundial, ou em movimentos como o Khmer Vermelho, crianças e adolescentes são
convocados a participar do combate. Atualmente, estima-se que, apenas na África, cerca
de 100.000 crianças estejam envolvidas em combates em mais de sete diferentes países
(Human Rights Watch, 2006). Na Colômbia, por exemplo, estima-se em 11.000 a
14.000, o número de menores envolvidos em conflitos bélicos (entre a FARC e outras
organizações paramilitares). O Human Rights Watch, contudo, não cita o Brasil, talvez
por não ter uma guerra ou conflito declarado, quando, de fato, a realidade é outra.
Independentemente da etiologia específica da violência, observa-se de forma
crescente a participação de adolescentes como perpetuadores de tais atos violentos. Uma
avaliação integrada pode ser de grande auxílio na compreensão do fenômeno: a
presença de um transtorno de personalidade, por exemplo, não exclui a presença de
complicadores sociais e econômicos, pelo contrário, pode ser de grande auxílio na
elaboração de um diagnóstico da situação e orientar a melhor conduta a ser tomada em
cada caso.
O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão crítica sobre a avaliação de traços
psicopáticos na adolescência, dando ênfase na diferenciação da psicopatia, como
constructo clínico, do transtorno de conduta e transtorno de personalidade anti-social.
A Evolução Histórica do Conceito
Em 1800, oito anos após a Revolução Francesa, Pinel (1809/2007) escreve uma
das obras fundamentais da psiquiatria contemporânea: Tratado Médico-Filosófico sobre
a alienação mental ou a mania. Nesta obra, Pinel observa indivíduos propensos à
violência descontrolada e explosiva e que, apesar deste tipo de comportamento,
possuíam plena compreensão das suas ações, sem as alucinações esperadas, associadas
com a loucura. Pinel usou o termo manie sans delirie (mania sem delírio) para descrever
tais casos onde acessos de violência pareciam não ter conexão direta com algum
transtorno psiquiátrico de base.
Posterior às observações de Pinel, Benjamin Rush, um dos signatários da
Declaração de Independência Americana, esboça uma compreensão de tais indivíduos
ao descrever o comportamento deliberadamente agressivo e pontuar uma causa. Rush
teorizou que tais casos partiriam de uma “organização deficiente das partes do corpo
responsáveis por mediar as questões morais da mente”. Através da observação do
comportamento, Rush sugere, embora vagamente, que tais condutas partem de um
transtorno mental, ou de uma disfunção cerebral (Black, & Larson 1999).
O termo “psicopata”, entretanto, tornou-se popular em virtude de dois autores:
David Henderson e Hervey Cleckley. David Henderson publicou seu livro
“Psychopathic States” em 1939, definindo três tipos de psicopatas: o
“predominantemente inadequado” (categoria que contempla pessoas que viveriam à
margem da sociedade, como andarilhos), os predominantemente agressivo”
(indivíduos perigosos por sua violência) e os “criativos” (indivíduos destinados a
passar por qualquer obstáculo que ficasse no seu caminho) (Black, & Larson 1999).
Contudo, nenhuma conceituação ou estudo foi mais importante do que o de
Hervey Cleckley, desenvolvendo a primeira descrição compreensiva e contextualizada
da psicopatia no livro A máscara da sanidade (Cleckley, 1976). Revisada quatro vezes
desde a sua publicação em 1941, o livro permanece atual e sendo uma ferramenta
imprescindível para a compreensão fenomenológica do transtorno. O autor definiu o
transtorno em termos semelhantes à visão contemporânea da psicopatia, como uma
entidade distinta de outros transtornos psiquiátricos e alterações comportamentais.
Através de uma série de vinhetas clínicas, ele demonstra como o transtorno transcende
classe social. O conceito atual de psicopatia, e mesmo de Transtorno de Personalidade
Anti-Social, suas repercussões e a própria imagem que se tem hoje de um “Psicopata”,
está baseada e é influenciada pela obra de Cleckley. De acordo com Cleckley, 16 traços
definiriam a psicopatia (Quadro 1).
Quadro 1
Traços definidores de psicopatia (Cleckley, 1976)
1. sedução superficial e “inteligência astuta”
2. ausência de alucinações e outros sinais de pensamento irracional
3. ausência de ansiedade ou outros sinais de transtornos psiconeuróticos
4. incapacidade de manter vínculo de confiança
5. falta de sinceridade, desconfiança
6. ausência de arrependimento ou vergonha
7. comportamento anti-social
8. julgamento empobrecido e dificuldade em aprender com a experiência
9. egocentricidade e incapacidade para amar
10. relacionamentos superficiais
11. pobreza de insight
12. pobre relacionamento interpessoal
13. comportamento alterado e convidativo à bebida
14. raramente com conduta/atitude suicida
15. vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada
16. dificuldade em seguir/estabelecer um plano de vida.
A Psicopatia e os manuais diagnósticos
Somos influenciados diretamente pelo arcabouço teórico de Cleckley,
fundamentalmente porque suas idéias tiveram participação direta no DSM-I, em 1952,
sob o nome Personalidade psicopática”. Sendo que o transtorno, à época, abrangia um
espectro muito maior de entidades do que hoje, incluindo emocionalidade patológica
(posteriormente personalidade histérica/histriônica).
Dentro da personalidade psicopática”, outros subtipos eram classificados, entre
eles a reação anti-social, aplicada à indivíduos “sempre em problemas com a lei, não
aprendendo com a experiência, e incapazes de manter lealdade à pessoas códigos ou
grupos. Demonstram hedonismo, imaturidade emocional, com falta de senso de
responsabilidade e habilidade para racionalizar seu comportamento, de modo a parecer
razoável e justificável”. Outros subtipos de psicopatia, incluíam dependência química,
alcoolismo e desvios sexuais (American Psychiatric Association, 1952).
O termo Transtorno de Personalidade Anti-Social, foi introduzido em 1968, na
segunda edição do DSM, que diferenciou o transtorno de outras situações como
dependência química, alcoolismo e comportamento sexual desviante. Conforme foi
sendo aceito pela comunidade científica, consolidou-se com a edição do DSM
(
American Psychiatric Association, 1980), através de uma lista de critérios específicos
que justificassem o diagnóstico psiquiátrico. Com a terceira edição do DSM veio o
reconhecimento – de estudos prévios – da ligação entre o agora difundido Transtorno de
Personalidade Anti-Social e alterações/desvios do comportamento infantil.
Finalmente, o estabelecimento do DSM IV (American Psychiatric Association,
1990), acompanha uma tendência de manter o diagnóstico de Transtorno de
Personalidade Anti-Social, conforme a edição anterior. Apesar da tentativa do grupo de
trabalho em “simplificar critérios para o transtorno e incluir itens mais tradicionais,
típicos da psicopatia”, com o intuito de aumentar a “congruência e a compatibilidade”
entre o DSM-IV e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (ICD/CID 10; World Health Organization, 1990) o que se
observa é uma manutenção de um constructo, que difere muito da psicopatia.
Este distanciamento passou a ser alvo de inúmeras críticas, principalmente de
Robert D. Hare, que destaca alguns pontos acerca do Transtorno de Personalidade Anti-
Social (Hare, Hart, & Harpur, 1991): em primeiro lugar o excesso de critérios, sendo
boa parte deles retrospectivos (história prévia do paciente, desde os 15 anos), obrigando
os clínicos que fazem uso do manual a se utilizar das informações dadas pelo próprio
entrevistado. Tal situação é especialmente problemática quando diz respeito à mentira e
à negação que é comum e faz parte de tais casos.
Ainda, com relação ao transtorno de personalidade anti-social, se observa uma
maior presença de sintomas comportamentais, do que interpessoais e/ou afetivos: dos
sete critérios presentes no critério “A” do transtorno, apenas o critério sete (Quadro 2)
diz respeito a questões afetivas e não apenas comportamentais. Segundo Hare, “ao se
priorizar tal sintomatologia, se presume que traços de personalidade são difíceis de
serem aferidos, sendo mais fácil mensurar comportamentos que tipificam um transtorno
do que basear-se nos motivos pelos quais ele ocorre” (Hare, Hart, & Harpur, 1991).
Desta forma, embora se aumente os índices de fidedignidade do instrumento ou do
constructo, se observa que priorizar questões comportamentais promovem um
distanciamento do conceito clínico de psicopatia, onde as observações sobre processos
afetivos e interpessoais sempre tiveram um papel importante.
Quadro 2
Critérios Simplificados do DSM- IV para Transtorno de Personalidade Anti-
Social (301.7) (American Psychiatric Association, 1990)
A. Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros,
que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:
(1) fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos
legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção
(2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes
falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer
(3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro
(4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou
agressões físicas
(5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia
(6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter
um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras
(7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter
ferido, maltratado ou roubado outra pessoa
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos
de idade.
D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante
o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.
Esta é uma segunda crítica aos critérios de Transtorno de Personalidade Anti-
Social: eles representam uma quebra radical com a tradição e com a prática clínica
(Cleckley, 1976), com as versões anteriores do DSM (American Psychiatric
Association, 1952) e com a nomenclatura diagnóstica internacional (ICD/CID 10;
Wortld Health Organization, 1990). Especificamente, o DSM-IV exclui, ou pelo menos
não inclui de forma explícita, características como egoísmo, egocentrismo,
manipulação, falta de empatia, dentre outros comumente e historicamente associados à
psicopatia.
Conforme Robert Hare: Aqueles que preenchem os critérios para Transtorno
de Personalidade Anti-Social podem ser anti-sociais, porém diferem muito nas suas
motivações e nas características interpessoais, afetivas e psicopatológicas (...)
Paradoxalmente, os critérios para Transtorno de Personalidade Anti-Social parecem
definir uma categoria diagnóstica ao mesmo tempo ampla, abrangendo criminosos e
anti-sociais psicologicamente diferentes, e restrita, excluindo aqueles que possuem a
estrutura da personalidade compatível com a psicopatia, porém que não demonstraram
comportamentos específicos associados ao Transtorno de Personalidade Anti-Social
(ver Quadro2); (Hare, Hart & Harpur, 1991).
Com relação à nomenclatura internacional, os critérios diagnósticos para
Transtorno de Personalidade Dissocial, parecem ser os que mais se aproximam,
histórica e clinicamente, à psicopatia, embora não contemplem todas as facetas do
constructo.
Enquanto seguem-se as discussões sobre a compatibilidade da Psicopatia com os
manuais diagnósticos, atualmente se observa um considerável aumento de pesquisas
com o constructo, independente deste figurar ou não dentro dos manuais. Existe um
crescente interesse teórico e clínico nas manifestações da psicopatia, bem como na sua
aferição conforme descrita por Cleckley. O presente trabalho busca elucidar algumas
destas formas de avaliação, principalmente no que diz respeito ao uso de instrumentos,
mais especificamente os derivados do Inventário de Psicopatia de Hare (Psychopathy
Checklist Revised - PCL-R; Hare, 2003)
Metodologia
Realizou-se uma revisão sistemática da literatura on line, utilizando a base de
dados MEDLINE e cruzando os descritores “Adolescent”, “Antisocial Personality
Disorder” e “Personality Assesment”. Foram obtidos 32 artigos, que se reduziu para 26
após definir limites da pesquisa: artigos originais que envolvessem pesquisas com seres
humanos, do sexo masculino, com até 44 anos de idade, e artigos escritos em Francês,
Inglês, Espanhol e Português. A busca levou em conta o período desde a introdução do
termo na base de dados até agosto de 2008. O descritor “Antisocial Personality
Disorder” foi introduzido em 1968.
A definição da idade se deveu ao fato de buscar compreender a manifestação da
psicopatia nos anos iniciais da infância, adolescência e início da idade adulta. No
MEDLINE a categoria “idade adulta” envolve sujeitos dos 19 aos 44 anos, por isso
tamanha amplitude. Com relação aos idiomas, tal escolha foi devida à conveniência, por
se tratar dos idiomas em que os autores possuem fluência.
O unitermo “Psychopathy” não faz parte do rol de opções de rias bases de
dados (entre elas o MEDLINE); apesar de ser o termo que buscaríamos
preferencialmente, não foi possível. Assim, a opção por “Antisocial Personality
Disorder” foi a escolha mais adequada, uma vez que a própria base de dados sugere tal
unitermo como descritor de psicopatia.
Resultados e Discussão
Com relação aos vinte e seis trabalhos encontrados é possível fazer,
inicialmente, uma observação sobre o próprio estabelecimento do diagnóstico
“psicopatia”. Enquanto em alguns trabalhos datados do início da década de noventa,
ainda se observa o uso de diferentes termos para descrever diagnósticos que consideram
a manifestação do comportamento violento como um traço de personalidade, nos
trabalhos mais recentes (após o ano 2000), o termo “psicopatia” parece estar mais bem
estabelecido para descrever tais quadros. Pode-se, em parte, atribuir esta mudança ao
impacto que o Inventário de Psicopatia de Hare (PCL-R) teve na comunidade científica,
estabelecendo-se, ao longo dos anos, como um instrumento confiável e que se propõe a
discutir o constructo “psicopatia” como primeiramente sugerido por Cleckley (Cleckley,
1976).
Assim, enquanto alguns artigos mais antigos utilizavam o termo psicopatia,
tendo como base as edições iniciais do DSM (Hawk & Peterson, 1974), artigos
posteriores sobre a avaliação da violência na adolescência utilizam termos como
“comportamento anti-social” (Bukowski, Ferber-Goff & Newcomb, 1990) ou “traços
anti-sociais” (Patterson, 1993), agora sob uma influência direta do DSM III e IV. Com o
passar dos anos, e, sobretudo em virtude das pesquisas feitas com o PCL-R,o termo
“psicopatia” voltou a ser corrente na literatura, sendo facilmente encontrado nos estudos
atuais.
O estudo de Hawk, & Peterson (1974), se utiliza do Minnesota Multiphasic
Personality Inventory” (MMPI) para avaliar se comportamento transgressor associado à
psicopatia na escala não se relaciona apenas com o comportamento transgressor em si
(sem necessariamente estar vinculado à psicopatia). Tal preocupação demonstra a
diferenciação já descrita do comportamento violento de forma isolada daquele associado
às alterações afetivas e interpessoais próprias da psicopatia. A MMPI, por sua vez, tem
sido uma escala utilizada em outras situações com propósitos semelhantes.
Em trabalho recente (Sellbom, Ben-Porath & Stafford, 2007), a MMPI-2 foi o
instrumento escolhido para avaliar comportamento transgressor associado à psicopatia
em um contexto forense. Suas escalas clínicas reestruturadas foram avaliadas
separadamente para verificar qual apresentaria maior correspondência com a psicopatia
conforme apresentada no Inventário de Psicopatia, versão de rastreamento (PCL-SV)
(Hart, Cox & Hare, 1995). Segundo os autores, a “Escala Clínica 4 Reestruturada”
(Restructered Clinical Scale 4 - RC4), seria a escala clínica que apresentaria maior
validade convergente com o PCL-SV e com os critérios comportamentais associados ao
constructo da psicopatia. A Escala Clínica 4 (Clinical Scale 4), que originou a RC4, não
parece estar associada diretamente à psicopatia, por medir apenas o comportamento
transgressor em geral. Sintomas nucleares da psicopatia, como afeto superficial, falta de
empatia ou arrependimento e ausência de medo, estariam minimamente associados com
tal escala, por isso a pouca proximidade clínica.
Da mesma forma que o uso de escalas gerais para avaliação da personalidade são
utilizadas na tentativa de diferenciar adolescentes com traços psicopáticos, daqueles
sem a mesma característica, observa-se o uso crescente de instrumentos específicos para
a psicopatia. Nos trabalhos pesquisados, além da MMPI, encontrou-se referência à 16PF
(16 Personality Factor Test) em um estudo que avaliou a capacidade para enganar ou
ludibriar o entrevistador em uma amostra de presos do sexo masculino (Seibel,
Wallbrown, Reuter & Barnett, 1990). Tal característica, a manipulação das impressões
(ou uma tendência a ludibriar e a mentir) presente na psicopatia é um dos grandes vieses
na elaboração dos instrumentos, sendo necessário prever tal situação de forma
sistematizada. Este é um dos motivos pelos quais instrumentos de auto-relato não são
indicados quando se avalia uma população com indivíduos com traços psicopáticos
(Hare, 2003).
Cabe destacar o uso da EPQ – Junior (Eysenck Personality Questionaire
Junior), em um trabalho Português (Fonseca & Yule, 1995) que demonstrou não haver
diferença na extroversão, neuroticismo e psicoticismo em transgressores adolescentes
quando comparados com não transgressores (supostamente os transgressores deveriam
pontuar mais alto em tais características). Alguns estudos não especificam o tipo de
instrumento utilizado, se valendo de um padrão, ou tipo, de comportamento e
observando como ele se mantém estável ou se modifica com o passar do tempo
(Patterson, 1993; Graybil & Blackwood, 1996). A comparação entre a forma de avaliar
características de violência, novamente é discutida (Graybill & Blackwood, 1996) e
comparada através de pontuações pelo comportamento, instrumentos de auto relato e
teste projetivos. Neste estudo em particular, os testes projetivos mostraram-se mais
capazes de predizer comportamento violento, com até 5 anos de antecedência.
Finalmente, um estudo (Miller & Lynam, 2003) avaliou a psicopatia através do
modelo de cinco fatores de personalidade (Five Factor Model of personality). Os
indivíduos que mais se aproximaram do constructo de psicopatia, conforme o modelo de
cinco fatores, demonstraram maior agressividade em tarefas de laboratório,
especialmente aquelas que envolviam gratificação imediata.
Entretanto, nenhum instrumento de avaliação de personalidade vem sendo mais
utilizado e estudado na atualidade do que o PCL-R e seus derivados. Após o
estabelecimento da escala e da aceitação da comunidade científica de retomar o
constructo originalmente proposto por Cleckley, o PCL-R passou a ser o instrumento
mais utilizado para fins de compreensão fenomenológica do transtorno, bem como
comparativo de novas escalas que pretendem mensurar a psicopatia (Kosson,
Steuerwald, Forth, & Kirkhart, 1997). Tal influência é tão notória que poucos estudos,
após o ano 2000, sobre a temática não envolvem instrumentos da família PCL.
Uma possível explicação para tamanha influência é o fato do PCL-R buscar
elaborar itens que contemplem as manifestação clínicas e historicamente associadas à
psicopatia. Os itens que compõem o PCL-R buscam sistematizar e auxiliar na pesquisa
pela busca da sintomatologia originalmente descrita por Cleckley (1976) (quadro 1).
Além disso, o PCL-R considera as questões afetivas que são pouco exploradas nos
manuais diagnósticos. Dividido inicialmente em dois fatores (Hare, Hart & Harpur,
1991), as características que compõem o fator 2 são predominantemente
comportamentais e semelhantes ao Transtorno de Personalidade Anti-Social na sua
concepção atual. os itens do fator 1, referem-se às questões afetivas e interpessoais
que deixaram de constar nos manuais e nas próprias referências teórico-clínicas sob tal
influência. Ao aproximar novamente a clínica e a pesquisa do constructo, o PCL-R
passou a ser o instrumento mais relevante da atualidade para avaliação de indivíduos
com traços psicopáticos.
Uma das variações do PCL-R é o PCL - SV (Hart, Cox & Hare, 1995) que
corresponde a uma versão reduzida objetivando aplicações mais pidas do instrumento
em uma situação de triagem, por exemplo. Um estudo (Rogers, Salekin, Hill, Sewell,
Murdock & Neumann, 2000) utilizou tal instrumento em três contextos forenses
distintos (presos do sexo masculino, adolescentes em regime de privação de liberdade e
mulheres encarceradas), encontrando fortes evidências na validade do contructo, bem
como na capacidade de predizer subtipos de agressões em populações específicas. No
que diz respeito à avaliação de adolescentes, o PCL – R sofreu algumas adaptações para
originar o PCL YV (Psychopathy Checklist Youth Version; Forth, Kosson & Hare,
2003).
Recentemente adaptado para o Português (Brasil) por Gauer, Vasconcellos &
Werlang, o instrumento conta com itens que levam em conta as vicissitudes da
adolescência. Por exemplo, a delinqüência juvenil é investigada como o envolvimento
em comportamentos criminais de maior gravidade. As relações conjugais não são
investigadas na versão para adolescentes, mas sim uma instabilidade em termos de
relações interpessoais. A ausência de objetivos busca considerar a dificuldade de
planejamento de situações a longo prazo, próprias da adolescência. Ainda, a entrevista
semi-estruturada que acompanha a utilização do instrumento contempla áreas como
histórico de ajustamento no ambiente escolar e profissional, metas profissionais, uso de
drogas, atitude diante de si mesmo e dos outros, relações interpessoais, e
comportamentos anti-sociais na infância e na adolescência.
Por se tratar de um instrumento relativamente novo, os estudos utilizando o PCL
YV na avaliação de personalidade de adolescentes com traços psicopáticos também
são recentes. Cabe aqui destacar o uso de “traços psicopáticos” na definição de
adolescentes ao invés de psicopatia propriamente dita. Ao contrário do uso em adulto,
os estudos, bem como o manual, não vem demonstrando interesse em estabelecer um
ponto de corte (Forth, Kosson & Hare, 2003), em virtude do trabalho ser realizado com
adolescentes, que ainda estariam em uma etapa de formação da personalidade.
Por outro lado, estudos envolvendo a utilização do PCL-YV tem revelado
escores mais elevados para adolescentes em regime de privação de liberdade e
adolescentes que manifestam uma freqüência mais alta de comportamentos anti-sociais,
bem como adolescentes abusadores de álcool e drogas (Kosson, Cyterski, Neumann,
Steuerwald & Walker-Mathews, 2002). Alguns estudos vêm tentando correlacionar o
uso/abuso de substâncias na adolescência com a pontuação no PCL R (McDermott,
Alterman, Cacciola, Rutherford, Newman & Mulholland, 2000), mesmo em amostras de
adolescentes sem histórico de problemas legais. Até o momento os resultados
apresentados são discutíveis, porém pode apresentar maior capacidade de predição
conforme se avalia separadamente a interação entre os fatores 1 e 2.
No manual que descreve a elaboração do PCL - YV, são descritos 19 estudos
em três diferente países compondo uma amostra total de 2438 adolescentes. Segundo os
autores, o conjunto dessas mesmas pesquisas tem revelado uma boa capacidade
diagnóstica do instrumento (Forth, Kosson & Hare, 2003). Os estudos de confiabilidade
do PCL-YV têm contemplado amostras de adolescentes institucionalizados, amostras
clínicas e da comunidade em geral. Nas 19 amostras referenciadas no manual,
prevalecem, entretanto, estudos com adolescentes institucionalizados, totalizando 11
desses estudos (Forth, Kosson & Hare, 2003).
Contudo, uma busca sistematizada na literatura atual demonstra uma grande
demanda por instrumentos e métodos capazes de predizer o comportamento violento.
Na questão da adolescência, tal demanda é ainda maior, por se tratar de um período em
que medidas interventivas podem representar um sucesso maior na alteração de um
desfecho clínico (no caso, adolescente propagador ou não de violência). Observa-se,
portanto, que a ampla maioria dos trabalhos mais recentes versa sobre a capacidade
preditiva dos instrumentos ou demais exames. Em artigo sobre a influência de
marcadores biológicos (Osterlaan, Geurts, Knol, Sergeant, 2005), encontrou-se uma
baixa concentração de cortisol salivar em crianças (de 6 a 12 anos), com histórico de
relato de sintomas compatíveis com transtornos de conduta, feito pelos seus professores.
Além das alterações na atividade autonômica, freqüentemente associada ao
comportamento violento, outras formas de predizer a violência por meio de medidas
laboratoriais vem sendo discutidas, contudo a avaliação das características da
personalidade ainda parece ser um dos principais instrumentos para predizer tal
comportamento.
O desenvolvimento de um instrumento capaz de predizer violência, atos
transgressores repetidos ou problemas recorrentes com o sistema judicial não é um dos
principais objetivos do PCL YV. Entretanto, por medir traços psicopáticos, é um dos
instrumentos mais pesquisados nesse sentido, em virtude da psicopatia estar associada à
repetidos atos violentos e persistência de comportamento anti-social. Tal fato se reflete
nos estudos sobre traços afetivos, como superficialidade do afeto, e recorrência criminal
(Essaau, Sasagawa & Frick, 2006), bem como desenvolvimento de escalas paralelas e
específicas para mensurar risco de um novo evento em agressores contumazes, como a
“Inventory of Offender Risk, Needs and Strengths” (IORNS). Tal escala foi utilizada
em trabalho recente (Miller, 2006) para, além de avaliar confiabilidade e validação
inicial, verificar qual seria o melhor destino de um agressor com vistas à liberdade
condicional (permanecer preso, prisão albergue, liberdade assistida, etc.).
Algumas críticas são feitas com relação ao poder preditivo do PCL –R, PCL
YV e demais derivados. Primeiramente, nem todos os trabalhos tem encontrado uma
forte capacidade de predizer novo evento. Em pelo menos um artigo longitudinal, com
seguimento de 10 anos e contando com 75 adolescentes do sexo masculino com média
de idade de 16 anos (Edens & Cahill, 2007), o PCL – YV não foi capaz de se
correlacionar com nova condenação por atos infracionais violentos ou não. Uma das
críticas a esse tipo de estudo é que o desfecho “nova condenação” pode representar um
potencial viés para o trabalho, pelo fato de que psicopatas freqüentemente aprendem ou
conseguem evitar novos contatos com a justiça, mesmo permanecendo como
transgressor.
Outro aspecto discutido sobre a capacidade de predizer recorrência através do
PCL-R, diz respeito a uma maior associação de novos atos violentos quando se leva em
conta apenas o fator 2 (comportamental), o que torna o constructo novamente muito
semelhante ao Transtorno de Personalidade Anti-Social. Uma meta-análise, por
exemplo, encontrou que a relação com a violência é muito maior levando-se em conta o
fator 2 do que o fator 1 (Walters, 2003). Tais achados sugerem que o fator 1 não seja tão
importante para a predição de novos atos violentos. O PCL-YV, atualmente com uma
divisão em quatro fatores, também vem sendo alvo de estudos cerca da capacidade
preditiva dos fatores de forma isolada (Vitacco, Neumann, Caldwell, Leistico & Van
Rybroek, 2006).
A dicotomia entre fatores acaba prejudicando a compreensão e aplicabilidade do
constructo que é muito mais dimensional do que categórico. Quando se avalia,
portanto, a interação entre os fatores e não cada um separadamente, chega-se à novas
conclusões. Partindo-se de tal interação, alguns dados apontam na direção de que o fator
2 é um preditor mais fraco de violência do que se supunha, quando o fator 1 é baixo
(Walsh & Kosson, 2008). Pode-se inferir que a capacidade para empatia ou resposta
afetiva podem ser preditores em indivíduos com elevados níveis de impulsividade anti-
social. O fator 2 isoladamente pode ajudar a discriminar indivíduos que se envolvem em
violência daqueles que não o fazem; a interação entre os fatores por sua vez, pode
diferenciar aqueles que cometem atos violentos com maior ou menor freqüência, bem
como a característica de tais atos.
O constructo da psicopatia sempre esteve associado às características próprias da
personalidade de cada indivíduo, desta forma transcenderia classe econômica ou social,
raça, credo ou cor. Alguns trabalhos vêm tentando tornar as amostras mais
heterogêneas, entretanto, como na maioria das vezes a população alvo da pesquisa
encontra-se em regime de privação de liberdade, este é um viés. Ou seja, as
características próprias dos sistemas carcerários nos diferentes países gera uma
população específica, por vezes distante da população geral. Em geral o poder de
avaliação dos instrumentos permanece semelhante, contudo algumas características
culturais, e por vezes étnicas se sobressaem (Sullivan, Abramowitz, Lopez & Kosson,
2006).
Cabe destacar, por último, algumas situações especiais: em trabalho realizado
em hospital de alta segurança (Morrissey, Mooney, Hogue, Lindsay & Taylor, 2007),
indivíduos condenados por diferentes crimes e com atraso intelectual tiveram seus
escores no PCL–R comparados com a HCR-20, uma escala que busca avaliar risco de
violência. Ambas as escalas demonstraram boa capacidade de avaliar a evolução
favorável (ou não) do tratamento e uma posterior mudança no regime de observação
(para segurança moderada). Tais resultados demonstram que tais instrumentos também
podem ser de grande relevância no que diz respeito ao tipo de intervenção, curso e
prognóstico de um tratamento mesmo em populações não comumente associadas a
psicopatia, mas com comportamento violento.
Com relação a tipos específico de crime, são poucas as pesquisas que buscam
elucidar ou correlacionar um padrão a um tipo de personalidade ou manifestação
características psicopáticas. Alguns estudos com agressores sexuais, contudo,
demonstram algumas associações com a pontuação no PCL-R. Em um trabalho com
universitários (Kosson, Kelly & White, 1997), utilizando o PCL R, os itens do fator 1
relacionaram-se com o uso da força em agressão sexual, enquanto aqueles associados ao
fator 2 relacionaram-se com o uso da conversa ou da argumentação a fim de se envolver
em atividades sexuais.
Pelo menos em um artigo, pontuações mais altas em agressores sexuais
correlacionaram-se positivamente com estupro de mulheres em idade fértil e
negativamente com abusadores de crianças ou pedófilos (Harris, Rice, Hilton,
Lalumiére & Quinsey, 2007). Este mesmo estudo propõe uma visão darwiniana ao
associar a conduta psicopática com sexo precoce, coercivo e freqüente visando a
reprodução. Pedófilos, portanto, não seriam necessariamente psicopatas. Conclui que a
psicopatia foi uma característica viável e não patológica dos seres humanos em
determinado momento da evolução.
Considerações Finais
Da mesma forma que se observa um crescimento na violência, seja através de
atos, mensagens ou comportamentos, também é possível perceber uma maior
participação de adolescentes como vítimas e perpetuadores. Não é possível atribuir uma
única causa à violência, entretanto no que diz respeito aos transtornos de personalidade
uma compreensão parcial do fenômeno pode auxiliar em um melhor planejamento e
posterior intervenção. Neste contexto, o diagnóstico de psicopatia (ou traços
psicopáticos no caso de adolescentes) se destaca.
Por algum período restrito a uma visão histórica da psiquiatria e da psicologia,
atualmente a psicopatia volta a figurar no rol de transtornos relevantes para a clínica e a
pesquisa da violência. A tentativa de sistematizar, através de entrevistas estruturadas ou
instrumentos de avaliação, com base nas descrições prévias do constructo, vem se
mostrando uma tarefa árdua, contudo pertinente e aceita, de maneira crescente, dentro
da comunidade científica.
Como todo diagnóstico revisitado ou reconstruído, a psicopatia ainda carece de
pesquisas que possam concordar de forma unânime na melhor forma de mensurar o
fenômeno. Porém, dentre as várias formas de avaliação, destaca-se o Inventário de
Psicopatia de Hare (PCL-R), e seu derivados, em especial a versão para jovens
(PCL:YV). Por mais novo que seja tal instrumento, tem se revelado de grande auxílio
na realização de pesquisas e na construção do conhecimento sobre as manifestações
iniciais da psicopatia em adolescentes.
De qualquer forma, algumas críticas sobre o uso do instrumento cabem ser
assinaladas. Como em qualquer derivado do PCL-R, não deve ser usado isoladamente,
sempre fazendo parte de um contexto clínico e de avaliação longitudinal do indivíduo.
Apesar de ter sofrido algumas adaptações, trata-se de instrumento derivado de uma
versão para adultos, ou seja, não foi originalmente desenhado para ser aplicado em uma
população mais jovem. A inexistência de um ponto de corte, por outro lado, parece ser
uma decisão correta, por não permitir definir categoricamente quem possui ou não
traços psicopáticos, em uma população que ainda se encontra em formação da
personalidade.
Finalmente, tanto o instrumento como as pesquisas recentes ainda carecem de
uma visão mais particularizada sobre determinados tipos de criminosos ou delitos.
Agressores sexuais, por exemplo, trata-se de uma categoria à parte que merece ser
observada por suas peculiaridades e não apenas adaptada a um instrumento vigente.
Ainda, a busca incansável pela relação do instrumento com a capacidade de predizer
novos atos violentos parece estar monopolizando as pesquisas atuais o que, apesar de
pertinente, acaba deixando de lado outras pesquisas relevantes no que diz respeito à
compreensão fenomenológica do constructo.
A própria compreensão da psicopatia e suas manifestações torna-se relevante
não apenas para um correto diagnóstico, mas, fundamentalmente para planejar e aplicar
uma intervenção precoce capaz de modificar a história natural do transtorno, que
atualmente segue um rumo inexorável. Assim, instrumentos e intervenções que visem à
adolescência revestem-se de especial importância por se tratar de uma etapa da vida
capaz de sofrer modificações positivas a alterar o rumo de uma história supostamente já
contada.
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SEÇÃO II - ESTUDO DE FIDEDIGNIDADE E CONSISTÊNCIA INTERNA DO
INVENTÁRIO DE PSICOPATIA DE HARE: VERSÃO JOVENS (PCL: YV)
PARA O PORTUGUÊS (BRASIL)
A Mania pode existir sem lesão do entendimento?
“(...) não fiquei pouco surpreso ao ver vários alienados que não ofereciam, em época
alguma, qualquer lesão do entendimento e que eram dominados por uma espécie de
instinto de furor, como se somente as faculdades afetivas tivessem sido lesadas”
Philippe Pinel
Tratado Médico-Filosófico sobre a alienação mental ou a mania, 1809
Introdução
Mais de um século separa os conceitos iniciais de psicopatia como originalmente
descritos por Pinel (1809/2007), na sua obra “Tratado Médico-Filosófico sobre a
alienação mental ou a mania”, daqueles estabelecidos e descritos por Hervey Cleckley
em “A Máscara da Sanidade” (Cleckley, 1976). Bem estabelecida como constructo até
meados do século XX, a psicopatia passou a sofrer uma série de releituras com o uso
sistemático e crescente de manuais diagnósticos, em especial o DSM-IV (American
Psychiatric Association, 1990). Algumas alterações propostas nas versões anteriores do
DSM, como a segunda e a terceira, acabaram gerando um constructo diferente, o
Transtorno de Personalidade Anti-Social (Hare, & Neumann, 2008) .
O transtorno de personalidade anti-social, entretanto, difere da psicopatia em
vários pontos, principalmente por aferir essencialmente questões comportamentais
enquanto manifestações afetivas acabaram sendo colocadas em segundo plano: dos sete
critérios presentes no critério “A” do transtorno, apenas o critério sete (Quadro 1) diz
respeito a questões afetivas e não apenas comportamentais.
Quadro 1
Critérios Simplificados do DSM- IV para Transtorno de Personalidade Anti-
Social (301.7) (American Psychiatric Association, 1990)
A. Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros,
que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios:
(1) fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos
legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção
(2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes
falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer
(3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro
(4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou
agressões físicas
(5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia
(6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter
um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras
(7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter
ferido, maltratado ou roubado outra pessoa
B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.
C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos
de idade.
D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante
o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco.
Um dos críticos do conceito de Transtorno de Personalidade Anti-Social, Robert
D. Hare, aponta sobre tal distanciamento: “Aqueles que preenchem os critérios para
Transtorno de Personalidade Anti-Social podem ser anti-sociais, porém diferem muito
nas suas motivações e nas características interpessoais, afetivas e psicopatológicas,
como a capacidade de sentir arrependimento, culpa ou ansiedade. Paradoxalmente, os
critérios para Transtorno de Personalidade Anti-Social parecem definir uma categoria
diagnóstica ao mesmo tempo ampla, abrangendo criminosos e anti-sociais
psicologicamente diferentes, e restrita, excluindo aqueles que possuem a estrutura da
personalidade compatível com a psicopatia, porém que não demonstraram
comportamentos específicos associados ao Transtorno de Personalidade Anti-Social”
(Hare, Hart, & Harpur, 1991).
A importância dos trabalhos de Robert D. Hare reside na retomada do conceito
original de “Psicopatia”, conforme proposto por Cleckley. Ao propor uma
sistematização do constructo, se utilizando de critérios historicamente ligados ao
conceito, bem como uma correlação com a prática clínica, Hare propõe um instrumento
específico para mensurar a psicopatia, o Inventário de Psicopatia de Hare (Hare
Psychopathy Checklist Revised - PCL-R; Hare, 2003).
Após o estabelecimento da escala e da aceitação da comunidade científica de
retomar o constructo originalmente proposto por Cleckley, o PCL-R passou a ser o
instrumento mais utilizado para fins de compreensão fenomenológica do transtorno,
bem como comparativo de novas escalas que pretendem mensurar a psicopatia (Kosson,
Steuerwald, Forth, & Kirkhart, 1997). Tal influência é tão notória que pouquíssimos
estudos, após o ano 2000, sobre a temática não envolvem instrumentos da família PCL.
Dentre os instrumento da família PCL, citamos o PCL-SV (Hare Psychopathy
Checklist Screening Version; Hart, Cox, & Hare, 1995) que corresponde a uma versão
reduzida objetivando aplicações mais rápidas do instrumento em uma situação de
triagem, por exemplo. No que diz respeito à avaliação de adolescentes, o PCL R
sofreu algumas adaptações para originar o PCL YV (Hare Psychopathy Checklist:
Youth Version; Forth, Kosson, & Hare, 2003), levando em conta as vicissitudes da
adolescência.
A avaliação dos traços psicopáticos na adolescência reveste-se de especial
importância nos mais diferentes contextos. Pode auxiliar no entendimento da psicopatia
no adulto, bem como propor medidas de intervenção precoce com algum potencial para
alterar o rumo de um transtorno que geralmente possui um curso inexorável trazendo
sofrimento para propagadores da violência, seus familiares e suas vítimas.
Objetivos
O objetivo do presente estudo é apresentar os trabalhos iniciais de adaptação
para o português (Brasil) do Inventário de Psicopatia de Hare: Versão Jovens (PCL:
YV). Para tanto, realizou-se um estudo de fidedignidade do instrumento para avaliar a
aplicabilidade e a correspondência entre diferentes avaliadores em uma mesma situação
de pesquisa. Posteriormente, apresentamos a consistência interna do instrumento e a
permanência de conceitos-chave da psicopatia em uma amostra de adolescentes
infratores.
Trata-se de um primeiro trabalho utilizando os conceitos propostos por Hare
aplicados a adolescentes brasileiros. Buscamos contextualizar o instrumento à realidade
nacional e observar a capacidade de mensuração do instrumento e sua correlação com o
constructo.
Metodologia
Tradução e Retrotradução
O instrumento original foi traduzido para o português (Brasil) por um psiquiatra
e dois psicólogos bilíngües de maneira independente. Dúvidas iniciais e questões
semânticas foram resolvidas em reuniões específicas para melhor adequação dos
termos. Posteriormente a versão em português sofreu uma retrotradução, por tradutores
bilíngües da área da saúde (uma Psiquiatra e uma Pediatra), independentes, para o
Inglês e submetida à avaliação dos autores e da equipe de tradutores da Multi Health
Systems (MHS), detentora dos direitos autorais. Após uma série de sugestões, uma nova
versão em português foi desenvolvida e finalmente aprovada para uso em pesquisa no
Brasil.
Concomitante ao processo de tradução do instrumento, foi realizada a tradução
do manual de aplicação, em que constam informações sobre os estudos realizados,
diferentes formas de abordagem e entrevista, dados específicos sobre o manuseio do
instrumento dentre outros. Esta etapa foi conduzida por um psiquiatra bilíngüe,
especialista na área de comportamento violento, e uma equipe de profissionais da área
de saúde mental, todos com fluência em inglês. A versão em português também foi
retrotraduzida e devidamente aprovada para uso pela MHS.
Amostragem
O instrumento foi aplicado em 103 (cento e três) adolescentes cumprindo
medida sócio educativa na Fundação de Assistência Sócio Educativa (FASE) do Rio
Grande do Sul. Por questões técnicas (disponibilidade, espaço físico, localização, etc) a
unidade escolhida foi a de Novo Hamburgo (município de aproximadamente 250.000
habitantes no Vale do Sinos).
A aplicação durou cerca de quatro meses (abril a julho de 2008), e a escolha dos
adolescentes deu-se de modo aleatório. O processo de amostragem foi feito da seguinte
forma: foram incluídos na amostras os adolescentes encaminhados aleatória e
consecutivamente pelos próprios funcionários da instituição, que tinham como critério a
disponibilidade do adolescente em participar da pesquisa (não estar recebendo visita,
não estar realizando nenhuma atividade na instituição, concordar em participar da
pesquisa naquele exato momento, etc.), e ser avaliado pelos quatro entrevistadores,
sendo que todos adolescentes deveriam ter entre 13 e 19 anos; apenas um tinha 21 anos
de idade.
Aplicação do Instrumento
Em outubro de 2007, o grupo de pesquisa “Avaliação e Intervenção em Saúde
Mental e Bioética Clínica”, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Tecnológico (CNPq, bolsa de apoio ao pesquisador visitante, processo no 452959/2007-
1) trouxe o Prof. David Kosson, um dos autores do instrumento e Prof. Adjunto da
Rosalind Franklin University (Chicago, IL), para treinamento dos participantes do
estudo.
Durante cerca de uma semana, todos os futuros entrevistadores receberam
treinamento exaustivo, discutiram questões pertinentes à aplicabilidade do instrumento
no contexto brasileiro, bem como resolveram algumas questões de ordem técnica. Tal
etapa foi fundamental para o andamento do projeto, uma vez que se pôde adquirir o
conhecimento posteriormente aplicado não apenas com o manual, mas também com o
autor.
Nos meses de Abril e Maio de 2008, realizou-se a etapa de fidedignidade do
instrumento. Nesta etapa, um adolescente era entrevistado nas dependências da FASE
de Novo Hamburgo por um entrevistador responsável pela condução da entrevista e pela
pontuação do seu inventário. Simultaneamente, outros três participantes observavam a
entrevista e pontuavam seus respectivos inventários de forma independente entre cada
um e em relação ao entrevistador principal. A avaliação conduzida foi baseada no
roteiro de entrevista sugerido pelo Dr. David Kosson; embora o grupo tenha estudado
também o roteiro sugerido pela Dra. Adelle Forth, optou-se por aquela por ter
demonstrado maior facilidade e capacidade de empatia com os adolescentes, além de
uma melhor adequação à forma de entrevista tipicamente conduzida pelos profissionais
envolvidos neste trabalho.
Posteriormente, o resultado total e item por item de cada participante em relação
aos adolescentes entrevistados foram submetidos à análise de fidedignidade utilizando o
Coeficiente de Kendall. Esta escolha foi motivada pelo uso do SPSS 11.5 (Chicago,
EUA) e pela utilização de mais de dois “juízes” (quatro, no total). Esta etapa contou
com a participação de 21 (vinte e um adolescentes), e os entrevistadores foram dois
psiquiatras (um deles com pós doutorado e outro em nível de mestrado) e dois
psicólogos (um doutor e outro em nível de mestrado).
Entre meados de Maio e fins de Julho de 2008, a aplicação seguiu de forma
independente entre os avaliadores; esta etapa contou com um psiquiatra e dois
psicólogos (todos graduados e vinculados a cursos de pós graduação), entrevistando 81
(oitenta e um) adolescentes. Ao término desta etapa, para realização da análise da
consistência interna, somou-se os vinte adolescentes da primeira parte do estudo
utilizando o inventário pontuado pelo entrevistador principal. Desta forma, totalizou-se
102 (cento e dois adolescentes). Cabe destacar que em Julho de 2008 a população
aproximada de adolescentes cumprindo medida sócio educativa na FASE de Novo
Hamburgo, era de aproximadamente 120 adolescentes, consideramos, portanto cem
sujeitos de pesquisa um número muito representativo da amostra total. Além disso,
todos participantes de todas as etapas receberam treinamento diretamente do Prof.
David S. Kosson.
Por se tratar de um instrumento que leva em conta várias fontes de informação, e
não apenas o entrevistado, além deste, consultou-se o monitor responsável ou mais
próximo do adolescente para fins de comparação de resposta a alguns itens, e
averiguação do comportamento. Ainda, sempre que necessário e possível, uma análise
detalhada e abrangente do prontuário do interno foi conduzida. Tal procedimento visa
diminuir os vieses previstos quando se pesquisa um constructo como a psicopatia, em
que a mentira e a desejabilidade social estão comumente presentes (Hare, 1991).
Critérios de Exclusão
Buscando minimizar algum viés de aferição, excluímos adolescentes com algum
Transtorno Psiquiátrico maior, evidente ou relatado durante a entrevista. Caso algum
avaliador percebesse alterações dignas de nota, o mesmo adolescente seria submetido à
outra avaliação independente. No caso dos dois avaliadores terem obtido a mesma
impressão diagnóstica, tal sujeito era excluído da amostra. Esse cuidado foi observado,
pois pretendíamos avaliar a psicopatia de forma isolada.
Procedimentos Éticos
Por lidar com uma população de alta vulnerabilidade (adolescentes em regime de
privação de liberdade), vários cuidados com relação aos procedimentos éticos foram
observados, além dos habituais. Em primeiro lugar, a MHS, detentora dos direitos
autorais do PCL: YV, nos autorizou o seu uso para fins de pesquisa e posterior
validação do instrumento para o Português [Brasil]. Em segundo lugar, o projeto de
pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (CEP/PUCRS nº. 0934/07 e nº. 527/08 )
após ampla discussão e reformulações no projeto. Questões como a entrevista com os
adolescentes, a comparação de informações com os monitores e a consulta aos
prontuários foram as questões mais cuidadosamente exploradas.
Em terceiro lugar, obtivemos autorização da FASE para entrevista dos
adolescentes, bem como para o uso das suas dependências, sempre em horários pré
agendados e de forma que não interferisse na rotina habitual dos internos e dos
funcionários. Finalmente, destacamos que a própria apresentação do trabalho, leitura
conjunta do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assim como a entrevista com
os internos foi pautada da forma mais respeitosa e transparente possível. A participação
foi livre e o uso dos dados feito de forma sigilosa.
Resultados
A amostra pesquisada totalizou 103 (cento e três adolescentes), entre os quais
dois foram excluídos da amostra final, e os achados submetidos à análise estatística. Um
dos adolescentes foi excluído na etapa de fidedignidade (por apresentar sintomas
floridos de psicose, como alucinações auditivas), e outro no decorrer do estudo por
apresentar um suposto retardo mental, constatado por dois avaliadores de forma
independente. Destacamos que ambos estavam em acompanhamento psiquiátrico e
psicológico na própria FASE.
Dos 101 (cento e um) adolescentes restantes, algumas observações merecem ser
feitas; trata-se de população majoritariamente da cor branca (62,3%) com média de
idade de 16,82 anos (desvio padrão de 1,32), sendo que a maior parte possuía entre 16 e
18 anos de idade (correspondendo à 78,2% da amostra). Em sua ampla maioria estavam
cursando o primeiro grau (91,1%) e a média de anos repetidos na escola foi de 2,15 anos
(DP = 1,29). A renda familiar média era aproximadamente de dois a cinco salários
mínimos (43% das famílias, dentro do percentil válido, uma vez que uma parcela dos
adolescentes não soube responder exatamente qual era o ganho familiar).
Apesar da maioria dos adolescentes estar em uma primeira passagem pela
instituição, pelo menos 30% da amostra havia apresentado anteriormente problemas
com a lei, sendo esta a segunda ou terceira passagem pela FASE. O principal ato
infracional da população total foi assalto à mão armada (51,5%), enquanto outros como
furto e homicídio ficaram em torno de 15,5% e 13,4% respectivamente. Crimes como
latrocínio totalizaram 6,9% da amostra. Dos adolescentes entrevistados, 56,5% (do
percentil válido, uma vez que parte dos entrevistados não quis responder esta questão)
afirmou ter um familiar em situação de conflito com a lei, em geral um irmão (34,1 %).
A maioria dos adolescentes procedia do Vale do Sinos e região (56,6%) e
afirmava ter feito e vinha em uso sistemático de drogas ilícitas (69,1%) antes do
início da medida sócio educativa.
Fidedignidade
No estudo de fidedignidade submetemos os resultados item a item e pontuação
total ao coeficiente de Kendall, por termos trabalhado com quatro juízesdiferentes. O
resultado total foi de 0,92 (p<0,01) representando um alto índice de confiabilidade inter-
avaliador. Embora alguns itens tenham apresentando uma correlação mais baixa, em
outros esta foi elevada (ver tabela 1).
Tabela 1
Coeficiente de Fidedignidade de Kendall (p<0,01)
Item PCL: YV Kendall
1
0,631
2
0,770
3
0,643
4
0,643
5
0,751
6
0,725
7
0,649
8
0,759
9
0,607
10
0,733
11
0,657
12
0,672
13
0,738
14
0,634
15
0,617
16
0,670
17
0,623
18
1,0
19
1,0
20
1,0
Total
0,926
Consistência Interna
Para análise da consistência interna do instrumento, calculamos o alfa de
cronbach tendo como base a pontuação total e item por item dos 101 adolescentes.
Encontramos um resultado de 0,83 nos total de 89 sujeitos incluídos.
Correlação da Pontuação no PCL:YV com Reincidência
Adicionalmente, este estudo propôs comparar os adolescentes cumprindo uma
medida sócia educativa pela segunda ou terceira vez, com aqueles passando pela
primeira vez pela instituição. Através de uma análise de regressão linear considerando o
escore total como variável independente e o número de vezes que cumpriu medida sócio
educativa como a variável dependente, buscamos correlacionar a pontuação total no
PCL:YV com a reincidência em atos infracionais. (Tabela 2) (r = 0,24 P< 0,05).
Coeficientes Não
Estandard
Coeficiente
Estandard
Model
B Std. Error Beta
Reincidência Sig.
Escore
Total
0,846 0,263
3,217 0,002
1
0,026 ,011 ,249 2,466 ,016
Observação: os adolescentes com escore mais alto (0,846) apresentaram uma maior taxa de reincidência
(3,217) (p=0,002).
Discussão
Embora outros estudos já tenham proposto avaliação de adolescentes infratores e
buscado correlacionar com psicopatia no contexto brasileiro (Schmitt, Pinto, Gomes,
Quevedo & Stein, 2006), o presente trabalho é uma das etapas do processo de adaptação
para o português de um inventário desenvolvido diretamente para uso em adolescentes
(mesmo que tenha sido desenvolvido a partir de um instrumento voltado para adultos).
Nossa amostra é representativa de adolescentes infratores cumprindo medida
sócio educativa em uma unidade da FASE no Rio Grande do Sul. Na amostra, a cor
branca em predomínio coincide com as etnias prevalentes no estado, colonizado por
europeus. Tratam-se de adolescente oriundos de camadas da população de baixo nível
sócio-econômico, em sua maioria passando pela primeira vez por uma instituição
fechada, com baixo grau de escolaridade e histórico de uso sistemático de drogas
ilícitas.
No trabalho citado anteriormente (Schmitt, Pinto, Gomes, Quevedo & Stein,
2006), realizado em uma unidade da FASE de Santa Catarina (também região sul do
país), os dados demográficos encontrados foram muito semelhantes, principalmente no
que diz respeito à idade, escolaridade, tipo de delito e reincidência). Desta forma,
acreditamos que a amostra por nós estudada é compatível com uma parcela significativa
e representativa de adolescentes infratores.
A pontuação média do PCL:YV encontrada na amostra estudada foi de 24,04
com desvio padrão (DP) de 6,98, muito próxima da média descrita em outros estudos
com população semelhante (Forth, Kosson, & Hare, 2003). No manual do PCL:YV, é
feita uma média ponderada de 11 estudos envolvendo adolescentes infratores, sendo que
o resultado total foi de 24,15 (DP = 7,36). Novamente, um valor que se aproxima do
nosso achado, corroborando com a hipótese que a amostra é de fato representativa de
adolescentes infratores, semelhante à de outros países.
Em estudos de fidedignidade do PCL:YV, a presença de dois avaliadores é o
mais comum (Kosson, Cyterski, Neumann, Steuerwald, & Walker-Matthews, 2002;
Sullivan, Abramowitz, Lopez, & Kosson, 2006) e em geral o coeficiente utilizado para
mensurar a fidedignidade é o coeficiente de correlação intraclasse. Entretanto, para
mensurar a fidedignidade do PCL:YV no contexto acima descrito, optamos pela
avaliação independente de 4 (quatro) pontuadores (um entrevistador e três
observadores). Tal escolha apresentou algumas vantagens e desvantagens.
Primeiramente precisávamos definir o quão “calibrados” estavam os avaliadores
que receberam treinamento diretamente de um dos autores do instrumento.
Aumentamos as possibilidades de divergências e de discrepância inter-avaliadores.
Mesmo assim, o resultado foi positivo no que diz respeito aos escores totais. Ao nos
determos item a item é possível notar uma maior discordância em alguns: como
“Manipulação das Impressões” e “Irresponsabilidade”, por exemplo (itens 1 e 15,
respectivamente). Atribuímos tal coeficiente menor ao fato de se tratarem de itens mais
subjetivos que os demais, em que nem sempre é possível uma padronização. Assim, um
item como Irresponsabilidade” muitas vezes é avaliador-dependente por maiores que
sejam os esforços em tentar tornar unânime a pontuação. Também fizemos a aplicação
em uma fase inicial em que todos participante ainda estavam se habituando com a
terminologia e uso do material; em uma futura replicação do estudo, provavelmente
encontraremos dados de maior concordância entre os avaliadores, independente do item.
Outros itens, em contrapartida, apresentaram um bom nível de correlação inter-
avaliadores, como “Senso de auto-estima grandioso” e “Sem piedade/Falta de empatia”
(itens 2 e 8 respectivamente). Esse melhor nível de correlação pode ser atribuído ao fato
de que se tratam de itens mais facilmente mensuráveis, evidentes durante a entrevista e
mais relatados ou percebidos por terceiros como os monitores da FASE.
Finalmente, os três últimos itens (“Comportamento Criminal Grave, “Graves
Violações da Liberdade Condicional” e “Versatilidade Criminal”) apresentaram uma
concordância de 100%. Isso ocorreu pelo fato de tais itens serem pontuados de forma
mais objetiva que os demais, conforme o próprio manual do PCL:YV. A única alteração
feita pelo grupo, foi em relação ao item “Graves Violações da Liberdade Condicional”
(Item 19). Pelo sistema de liberdade condicional (ou assistida), ser diferente no Brasil
do que nos EUA, definimos uma forma própria de pontuar, buscando contemplar tal
diferença sem, ao mesmo tempo, fugir muito do recomendado no manual.
Assim, definimos com “violação da liberdade condicional” se um adolescente
estivesse em medida sócio educativa por uma segunda vez ou, se no período de
liberdade assistida não tivesse cumprido suas obrigações e ingressasse ou retornasse
para dentro da FASE ou ainda se deliberadamente não se apresentasse mediante as
autoridades quando solicitado.
Por se ser um inventário com três respostas possíveis para cada item (o sintoma
pode estar ausente, presente ou o entrevistador em dúvida com relação à sua presença n
o avaliado), se optou pela análise da fidedignidade através do coeficiente de Kendall.
Não contemplamos a análise pelo coeficiente Kappa, por este ser mais adequado em
situações de diagnóstico distinto e não presença de sintomas (por exemplo, uma
discordância inter-avaliadores da presença de um diagnóstico de Transtorno do Humor,
ou uma dúvida diagnóstica de se tratar de uma esquizofrenia ou um transtorno do humor
bipolar, é mais adequado que se utiliza Kappa). Além disto, por contarmos com mais de
dois avaliadores e trabalharmos com o SPSS 11.5, não foi possível calcular o
coeficiente de correlação intra-classe, possível quando a fidedignidade é feita com 2
avaliadores.
Esta foi uma das desvantagens, uma vez que trabalhos sobre fidedignidade com
o PCL:YV, utilizam em sua maioria, o coeficiente de correlação intra-classe (CCI) Em
estudo realizado por Kosson, Cyterski, Neumann, Steuerwald, & Walker-Matthews,
2002, o CCI encontrado foi de 0,80; neste mesmo estudo o cálculo do coeficiente
Kappa encontrado foi de 0,61, representando número muito abaixo pela própria
característica de tal coeficiente. No manual do PCL:YV (Forth, Kosson, & Hare, 2003),
em que é feita a média de todos estudos realizados, no que diz respeito à população
“Transgressora” (que mais coincide com a do presente trabalho) o CCI total foi de 0,93.
Apesar de não ser possível uma comparação direta nossos achados sugerem uma boa
margem de fidedignidade, se levarmos em conta o prórpio intervalo de confiança do
coeficiente de Kendall.
Com relação à consistência interna do instrumento no estudo realizado, algumas
observações são necessárias. Primeiramente, alguns itens foram omitidos em certos
entrevistados, ou seja, o avaliador não conseguiu definir se a característica estava, ou
não, manifesta. A omissão de um ou outro item é uma possibilidade prevista no manual
de pontuação, contanto que não se omita mais de 4 (quatro) itens. Nos casos em que o
item foi omitido, tal sujeito foi retirado na amostra final para fins de avaliação da
consistência interna. Dessa forma, nossa amostra contou com oitenta nove (89) sujeitos.
A consistência interna de uma escala avalia a extensão na qual os itens da escala
aferem o mesmo constructo. A consistência interna de uma escala particular é uma
função tanto da qualidade dos itens da escala como da habilidade e conhecimento dos
avaliadores. Utilizando o alfa de Cronbach, encontramos um valor de 0,83. Além disso,
não houve um aumento notável nos coeficientes alfa quando qualquer item individual
foi excluído. Este alfa e comparável ao encontrado nos escores totais do PCL: YV em
11 estudos envolvendo adolescentes institucionalizados (alfa = 0,85; Forth, Kosson, &
Hare, 2003), bem como ao encontrado ao usar o PCL-R com transgressores adultos do
sexo masculino (alfa = 0,84) e do sexo feminino (alfa = 0,82; Hare, 2003).
Tais achados sugerem que, na amostra estudada, a versão em Português do
PCL:YV apresentou resultados semelhantes ao instrumento original em inglês, com
relação às suas propriedades psicométricas de consistência interna e fidedignidade inter-
avaliadores. Ou seja, o PCL: YV, aplicado em duas amostras semelhantes, porém em
contextos distintos, é capaz de aferir da mesma forma o constructo “psicopatia”.
Um achado particular do estudo diz respeito à correlação da pontuação alta no
PCL: YV, com a reincidência em atos infracionais que culminam com uma nova
medida sócio-educativa. Existe um interesse crescente em instrumentos capazes de
predizer atos violentos e promover uma suposta prevenção Tal situação poderia ser
aplicada em triagens para definir qual o tratamento, ou medida, mais adequada (Rogers,
Salekin, Hill, Sewell, Murdock, & Neumann, 2000), bem como se discute o uso de
marcadores biológico capazes de auxiliar no diagnóstico (Osterlaan, Geurts, Knol,
Sergeant, 2005). Embora se observe alguns dados discordantes (em pelo menos um
artigo longitudinal [Edens, & Cahill, 2007] o PCL: YV não foi capaz de se
correlacionar com nova condenação por atos infracionais violentos ou não), no nosso
estudo foi possível encontrar uma associação entre escores elevados no PCL:YV, com
reingresso na FASE.
Observamos, entretanto que se trata de um estudo inicial de validação do
instrumento e não propriamente de avaliação da sua capacidade preditiva. Por tal
motivo esses resultados devem ser tratados com cautela. Destacamos ainda, algumas
limitações do nosso estudo, como o tamanho da amostra. Por se tratar de uma amostra
ainda parcial dos adolescentes em conflito com a lei de um estudo inicial, contamos
com uma amostra razoável e adequada para realizar alguns testes de adequação do
instrumento (como coeficiente de Kendall e alfa de cronbach). Entretanto, trata-se de
uma amostra ainda limitada, sendo necessário que o tamanho amostral seja suficiente
para um tratamento estatístico dos dados mais aprofundado.
Da mesma forma, são necessários estudos envolvendo populações não-clínicas
ou adolescentes infratores não institucionalizados para avaliação da validade
discriminativa. Cabe ainda, a aplicação de outros instrumentos capazes de aferir a
psicopatia de forma independente, para análise da validade convergente. Encontrar tais
instrumentos, entretanto, é de grande dificuldade no contexto brasileiro, uma vez que
são poucos (ou inexistentes) aqueles que propõe avaliar a psicopatia como constructo:
em geral os instrumentos de utilização ampla no contexto clínico se propõe a avaliar
Transtorno de Conduta ou de Personalidade Anti-Social, entidades distintas da
Psicopatia.
Conclusão
Inicialmente destacamos que se trata de um estudo pioneiro no Brasil por propor
a aplicação do constructo psicopatia em adolescentes cumprindo medida sócio
educativa. A adaptação de um instrumento é um trabalho que requer esforços
combinados e constantes ao longo do tempo (Picon, Gauer, Hirakata, Haggsträm,
Beidel, Turner, & Manfro, 2005). Trata-se de um processo árduo e dinâmico, em
constante mudança sob a crítica daqueles que o conduzem. Embora se trate de uma das
etapas de validação do PCL:YV, em que algumas observações são necessárias, e outras
etapas ainda devem ser conduzidas, os resultados do presente estudo sugerem que a
versão em português do PCL:YV é confiável e válida para aferir traços de psicopatia na
amostra estudada.
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mental disorders (DSM-IV). 4
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ed. Washington, DC: Author.
Cleckley, H. (1976). The mask of Sanity. (5
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Picon P., Gauer G. J.C., Hirakata V. H., Haggsträm L. M., Beidel D. C., Turner S. M.,
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Pinel, P. (2007). Tratado Médico Filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Porto
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Rogers R. Salekin R. T., Hill C., Sewell K. W., Murdock M. E., & Neumann C. S.
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American, and African American Male Inmates. Psychological Assessment, 18, 382
436.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância de um bom diagnóstico reside no fato de ser possível diferenciar
alguns indivíduos com maior, ou menor, chance de obter benefício deste ou daquele
tratamento. Por exemplo, em alguns casos o tratamento pode ser melhor adequado à
realidade ou aos recursos psíquicos do indivíduo, e não este encaminhado para um
tratamento padrão. Discutir o diagnóstico de psicopatia, portanto, também é discutir o
tipo de intervenção.
Em um país em desenvolvimento e com elevados índices de criminalidade,
reconhecer que uma parcela da população necessita de acompanhamento ou de um
tratamento diferenciado representa um avanço por propor pensar novos tipos de
intervenção. Na adolescência, principalmente, a intervenção precoce pode se revelar
uma grande ferramenta na compreensão e reabilitação de jovens marcados por histórias
de violência.
A despeito de se tratar de um termo tido como estigmatizante, a psicopatia
representa uma série de achados clínicos que viabilizam a comunicação entre
pesquisadores e o entendimento das necessidades daqueles que potencialmente podem
desenvolver tal transtorno. Por trabalharmos com adolescentes, em uma fase em que a
formação da personalidade ainda está em desenvolvimento, nos referimos àqueles que
possuem altos escores no PCL:YV, como apresentando traços psicopáticos. Tais traços,
portanto são passíveis de mudança.
Cabe salientar ainda, que além das características comportamentais que são mais
comumente associadas à psicopatia (como agressividade, manipulação, etc) uma série
de alterações afetivas também são esperadas nestes casos (superficialidade das emoções
ou impessoalidade nos relacionamentos). Menos evidentes e preocupantes para a
sociedade, tais situações podem gerar desconforto e sofrimento no portador do
transtorno, bem como dúvidas sobre o seu próprio padrão de relacionamento inter-
pessoal. Além da possibilidade de tratamento para prevenir possíveis timas da
psicoptia, uma revisão do tipo de intervenção pode representar uma melhor abordagem
de cada caso e diminuir o sofrimento de transgressores e familiares envolvidos em um
ciclo vicioso de sofrimento.
Visualizar, mensurar e relatar um fenômeno é parte da ciência. Aplicar a ciência
para avaliar um constructo como a psicopatia é uma forma de compreender a violência.
Quer seja manifestação de uma sociedade conturbada e marcada por desigualdades, seja
a apresentação de um Transtorno Psiquiátrico. Propor intervenções nas mais variadas
frentes, com embasamento científico é viabilizar uma futuro diferente.
ANEXOS
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Prezado interno:
Estamos realizando um trabalho de avaliação psicológica vinculado ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, intitulado: “Validação para o português (Brasil) do Inventário de
Psicopatia de Hare: versão jovens (PCL: YV) uma correlação com aspectos clínicos e
psicossociais e uso de software para avaliação de traços afetivos”.
Esse trabalho implica em uma testagem realizada a partir de um instrumento
desenvolvido e amplamente utilizado em outros países para avaliar a personalidade de
adolescentes. Ao aceitar, sua participação se dará através de uma entrevista realizada
por um psiquiatra ou psicólogo, seu prontuário será examinado pela mesma pessoa para
verificar o tipo de delito que resultou na medida sócio educativa, além do seu
comportamento dentro da FASE. Ainda, algum monitor da instituição pode ser chamado
para responder dúvidas com relação ao seu comportamento.
Em um número pequeno de adolescentes, do qual você pode fazer parte, também
será mostrado um conjunto de fotos com determinados tipos de expressões faciais. O
principal objetivo deste estudo é investigar se determinadas características da
personalidade mostram-se relacionadas com o modo de interpretar determinadas
emoções.
Salientamos que não haverá nenhum tipo de identificação dos participantes,
sendo que os dados obtidos serão utilizados tão somente para fins de pesquisa. Desta
forma, nada do que for dito para o pesquisador ou avaliado no prontuário será
divulgado. Em outras palavras, os dados serão submetidos a uma ampla análise
estatística e os resultados serão mencionados em trabalhos científicos, sem que ocorra
qualquer tipo de referência que possa comprometer a identidade dos participantes.
De um modo geral, é possível destacar que este tipo de trabalhos envolvendo
adolescentes revela-se pertinente para fundamentar intervenções terapêuticas precoces
mais qualificadas. A avaliação e mensuração de aspectos emocionais na adolescência e
na idade adulta contribuem, dessa forma, para o próprio aprimoramento dos diferentes
trabalhos que podem ser realizados pela Psiquiatria, Psicologia e Pedagogia.
Finalmente, os participantes não sofrerão nenhum desconforto. Em qualquer
momento da pesquisa vopoderá entrar em contato conosco para esclarecer eventuais
dúvidas, bem como desistir da pesquisa, se desejar. Nos encontramos á sua disposição
através dos seguintes telefones e e-mails: Prof Gabriel Gauer. Dr. Ramiro Ronchetti.
Fone 3320 3500 Ramal 7735. Silvio José Lemos Vasconcellos: 0 _ _ 51 81473436, e-
mail: [email protected]. Também deixamos à sua disposição, o telefone do Comitê de
Ética em Pesquisa da PUCRS: 0_ _ 51 3320 3345.
Agradecemos a sua atenção e colaboração e colocamo-nos à disposição para
maiores esclarecimentos.
Nesses termos, eu _______________________________________________________ afirmo que li o
texto contido nesse termo e estando a par dos objetivos e procedimentos que envolvem a referida
pesquisa, tenho a informar que aceito participar da mesma.
__________________________________ __________________
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