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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
VINÍCIUS RICARDO SALLIN
AS FACÇÕES E O GRUPO DA SEGURANÇA NO PRESÍDIO CENTRAL DE
PORTO ALEGRE: RELAÇÕES EM UM SISTEMA SOCIAL COMPLEXO
Porto Alegre
2008
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1
VINÍCIUS RICARDO SALLIN
AS FACÇÕES E O GRUPO DA SEGURANÇA NO PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO
ALEGRE: RELAÇÕES EM UM SISTEMA SOCIAL COMPLEXO
Dissertação apresentada para obtenção de
grau de Mestre, pelo programa de pós-
graduação da faculdade de psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Nedio Seminotti
Porto Alegre
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA
VINÍCIUS RICARDO SALLIN
AS FACÇÕES E O GRUPO DA SEGURANÇA NO PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO
ALEGRE: RELAÇÕES EM UM SISTEMA SOCIAL COMPLEXO
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Nedio Seminotti
Presidente
_______________________________________
Prof. Dr. Giovani Agostini Saavedra
Programa de Pós-Graduação em Direito - PUCRS
_______________________________________
Profa. Dra. Helena Beatriz Kochenborger Scarparo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PUCRS
_______________________________________
Prof. Dr. Juremir Machado da Silva
Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PUCRS
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por ter me dado a condição de ter iniciado e chegado ao final
desta jornada.
À Letícia, pelo incentivo, correções, conselhos e, principalmente, pelo seu amor.
À Clarisse e ao Everton, por estarem sempre ao meu lado e nos meus pensamentos.
Aos meus pais, irmãos, cunhados e sobrinhos, pelo apoio em todos os momentos.
Ao Prof. Dr. Nedio Seminotti, por sua orientação, lealdade e amizade.
Ao prof. Dr. Roque Moraes, pela disponibilidade em ensinar e auxiliar.
À bolsista de IC – FAPERGS - Júlia Corrêa, pelo apoio e dedicação.
Aos colegas do grupo de pesquisa Processos e Organizações dos Pequenos Grupos
e, principalmente, à professora Dra Maria Lúcia Moraes, pelo incentivo, cooperação
e amizade.
À direção do Presídio Central de Porto Alegre e ao Comando da Força Tarefa da
Brigada Militar, por abrir as portas da instituição e corajosamente autorizar um
estudo desse tipo.
Aos presos representantes de galeria do PCPA, pela sinceridade e disposição em
colaborar.
Aos técnicos do PCPA, pelo acolhimento e espírito de cooperação.
À Sra. diretora Rozana Fagundes Cavalheiro, ao vice-diretor Sr Luis Antônio
Dilélio e a assistente social Cíntia Leal Estigarríbia da Fundação Patronato Lima
Drummond, por terem me dado a condição de dedicar-me a esse trabalho.
Às secretárias Claudia e Inês pela apoio e solidariedade.
4
O complexo
-Mestre! quantos lados tem um caranguejo?
- Nove,
o da frente e o de trás,
o da esquerda e o da direita,
o de cima e o de baixo,
o de dentro e o de fora.
- Mas Mestre, eu contei apenas oito, qual é o nove?
- O nove é um lado Superior, que consegue ver todos esses lados ao mesmo tempo.
(Mestre Gabriel e um de seus discípulos)
5
RESUMO DA DISSERTAÇÃO
O tema do presente estudo são as facções, postas em discussão a partir das implicações
individuais, grupais e institucionais, focada nas relações que se estabelecem entre presos e
funcionários da segurança do Presídio Central de Porto Alegre, mais especificamente entre
as facções e a administração do presídio. A dissertação é composta por duas seções: a seção
I, instituição prisão, grupos, facções e indivíduo: relações cooperativas na lógica da
autopreservação, é um aprofundamento teórico que inicia por um contexto atual das
facções, abrindo para uma reflexão sobre indivíduos, grupos e instituição, os quais serviram
de base para tratamento das relações entre os dois grupos por operadores teóricos da
complexidade. Essa primeira parte, de caráter teórico, favoreceu a delimitação dos pontos a
serem investigados no trabalho empírico. O relatório de pesquisa deste trabalho, na seção II
da dissertação, A relação entre as facções e o grupo da administração: co-operando pelos
princípios auto-organizativo e autopoiético, é resultado de uma pesquisa que teve como
objetivo principal compreender como se organizam as relações entre as facções e o grupo
da segurança, sendo essas relações consideradas estratégias que objetivam administrar e
reduzir os conflitos no presídio. Para isso utilizou-se uma abordagem qualitativa e
pressupostos teórico-metodológicos sistêmicos complexos, a partir das idéias de Edgar
Morin e Humberto Maturana. Ao final da dissertação, evidenciou-se que os grupos, o
indivíduo e a instituição prisão operam como sistemas interligados. As relações entre as
facções e agentes de segurança sofreram rearranjos de caráter cooperativo e são
considerados, do ponto de vista da autopreservação dos sistemas, estratégias. São processos
auto-organizativos e autopoiéticos que visam minimizar os conflitos violentos.
Palavras-chave: facções; sistema penitenciário; processos grupais; sistemas complexos;
Presídio Central de Porto Alegre.
6
DISSERTATION ABSTRACT
The present study subject is prison gangs, discussed considering individual, group and
institutional implications, focusing on the relations stablished between prisoners and
security staff at Presidio Central de Porto Alegre, and more specifically between prison
gangs and prison administration. This dissertation contains two sections: Section 1, Prison,
groups and individuals: cooperative relations through the logic of self preservation, which
is a theorical study starting with the current context of prison gangs, going to a refletion on
individuals, groups, and institution. Those were the basis where the relations between the
two groups were studied using the theorical references of complexity. This first part,
mainly theoric, helped defining the aspects to be investigated on the empirical paper.
Section 2 is the research report of this dissertation: Relations between prison gangs and
prison administration, operating through self organization and autopietic principles. The
main objective was to understand how relations between prison gangs and security staff
happen, considering that these relations are strategic to administrate and reduce violent
conflicts inside prison. A qualitative methodology was used with the ideas of Edgar Morin
and Humberto Maturana. By the end of the research there was evidence that groups,
individuals and the institution operate as interconnected systems. The relations between
prison gangs and security staff were reorganized in a cooperative way and are considered,
from system self preservation point of view, strategies. They are self organizating and
autopoietic processes aimed to reduce violent conflicts.
Key words: prison gangs, group processes, complex systems, Presídio Central de Porto
Alegre
7
LISTAS DE SIGLAS
ATD - Análise Textual Discursiva
PCPAPresídio Central de Porto Alegre
SUSEPESuperintendência dos Serviços Penitenciários
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO DA DISSERTAÇÃO..........................................................................
10
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
12
SEÇÃO I - INSTITUIÇÃO PRISÃO, GRUPOS, FACÇÕES E INDIVÍDUO:
RELAÇÕES COOPERATIVAS NA LÓGICA DA AUTO-
PRESERVAÇÃO............................................................................................................
13
RESUMO.........................................................................................................................
13
ABSTRACT..................................................................................................................... 14
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 15
2 OS GRUPOS NO PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEGRE.........................
16
3 INSTITUIÇÃO, GRUPOS, FACÇÕES E INDIVÍDUO.......................................... 21
4 UM SISTEMA COMPLEXO, AUTOPOIÉTICO E AUTO-ORGANIZATIVO.. 27
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 35
REFERÊNCIAS ............................................................................................................
38
SEÇÃO II A RELAÇÃO ENTRE AS FACÇÕES E O GRUPO DA
ADMINISTRAÇÃO: CO-OPERANDO PELOS PRINCÍPIOS AUTO-
ORGANIZATIVO E AUTOPOIÉTICO......................................................................
43
RESUMO......................................................................................................................... 43
ABSTRACT..................................................................................................................... 44
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 45
2 MÉTODO......................................................................................................................
49
2.1 DELINEAMENTO.....................................................................................................
49
2.2 PARTICIPANTES......................................................................................................
50
2.3 INSTRUMENTOS/ESTRATÉGIAS..........................................................................
50
2.4 PROCEDIMENTO PARA COLETA DE DADOS/INFORMAÇÕES......................
51
2.5 PROCEDIMENTO PARA A ANÁLISE DE DADOS/INFORMAÇÕES.................
52
2.5.1 Categorias iniciais.................................................................................................. 53
2.5.2 Categorias finais..................................................................................................... 59
3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS............................................................................
60
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 72
9
CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO..................................................... 75
APÊNDICE A - ENTREVISTAS INVIDIDUAIS SEMI-ESTRUTURADAS...........
78
APÊNDICE B – GRUPO FOCAL................................................................................. 80
APÊNDICE C -TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –
entrevista individual semi-estruturada.........................................................................
81
APÊNDICE D -TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –
grupo focal.......................................................................................................................
82
ANEXO A – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA PARA A REALIZAÇÃO
DA PESQUISA................................................................................................................
83
10
INTRODUÇÃO DA DISSERTAÇÃO
As facções são hoje um fenômeno preocupante, característica do sistema
penitenciário brasileiro, apesar dos estudos concluírem que os presos se organizam em
grupos por todo o mundo e por diferentes questões, como por exemplo: nos Estados
Unidos, por etnias (DANITZ, 1998) na Argentina, por tipo de delitos (NEUMAN;
IRURZUN, 1968), na África, em torno de rituais a figuras semi-mitológicas (STEINBERG,
2004) e no Brasil, entre várias questões, pela lealdade a um líder.
Para este pesquisador, o interesse pelo tema iniciou a partir da conclusão de uma
pesquisa que se propôs a investigar os motivos das fugas no regime semi-aberto
1
e que
apontou a perseguição, por grupos rivais, como o segundo maior motivo das fugas dos
presos de estabelecimentos penais da grande Porto Alegre. Desde então, foi constante o
aprofundamento no tema, sempre por um viés social na busca das peculiaridades das
facções e as implicações institucionais para a existência e manutenção desses grupos.
Nesse sentido, a elaboração do artigo “Facções na prisão sob o olhar da
complexidade” (SALLIN 2005), como mais uma experiência do pesquisador no tema
desses grupos de presos, delimitou o Presídio Central de Porto Alegre como local, contexto
do estudo, por entender que ali se originou os grupos organizados no Rio Grande do Sul.
Na questão teórica, foi dado a esse texto um tratamento sistêmico complexo a partir das
idéias do sociólogo Edgar Morin. Foram, também, levantadas questões relacionadas aos
jogos de poder que operavam nas relações dos presos com a instituição, agentes e,
inclusive, a implicação do Estado, enquanto poder público na visibilidade e reconhecimento
das facções, levando-as ao status de fenômeno mais importante do sistema prisional na
atualidade.
Nesse momento da reflexão, que tinha por base também a experiência profissional
do pesquisador, germinaram algumas idéias relacionadas ao quanto, dentro dos grupos de
presos, observava-se a solidariedade e o companheirismo, sem esquecer que existia
também, a violência e a imposição. A solidariedade foi se traduzindo pelo que se chamou
1
SALLIN, Vinícius. Motivos preponderantes do alto Índice de Fugas do Regime Semi-aberto. Porto
Alegre: UFRGS, 2004. Monografia (Especialização em Ciências Penais). Faculdade de Direito, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2004.
11
de relações de cooperação. Nesse instante, compreendeu-se, aportados em teóricos da
complexidade, que essa forma do sistema facções de se organizar, na lógica da cooperação,
era uma realidade não somente no interior das facções, mas em toda a composição
sistêmica da prisão. O que chamou atenção, inicialmente, foi as peculiaridades das relações
entre as facções e o grupo da segurança, que demonstravam interações entre os grupos de
modo cooperativo e depois, a história do sistema penitenciário e do Presídio Central de
Porto Alegre, que nos anos oitenta e noventa, conforme Dornelles (2008), ocorreram os
grandes motins e fugas. Esses distúrbios, nos anos seguintes e até agora, pelo menos
naquelas proporções, não foram mais registrados. Tudo isso fez com que se relacionasse
esse modo de conviver atual entre dois grupos, antes rivais e agora parceiros, com a
diminuição dos motins, tão recorrentes em tempos anteriores. Nesse sentido, levanta-se a
hipótese de que há, entre presos e agentes de segurança, relações de cooperação como
estratégia para a diminuição dos motins.
Entretanto, para discutir essa questão norteadora seria necessário um aporte teórico
que explicasse qual a lógica desses movimentos sociais de aproximação entre grupos e que,
principalmente, fizesse sentido a um estudo de cunho social que se propunha romper com a
linearidade do senso comum e alguns estudos da criminalidade que se referem às facções
pela lógica, por exemplo: da personalidade criminosa ou da impunidade. Estudos esses, que
desprivilegiam a compreensão complexa do fenômeno facção, responsabilizando o preso ou
o código penal pela condição do indivíduo de marginalidade e de exclusão.
Por outro lado, na lógica de uma demanda de inclusão do homem preso, neste
estudo, as idéias e os princípios do pensamento sistêmico complexo demonstraram ser um
aporte teórico-metodológico consistente para organizar uma reflexão sobre as relações entre
facções e grupo da segurança no PCPA. A autopoiese, em Maturana, e a auto-organização,
em Morin, que compuseram a dissertação nas duas seções, foram pressupostos que
simplificaram e possibilitaram algumas compreensões de um tema de extrema
complexidade. As seções referidas a primeira, de cunho teórico, e a segunda, empírica –,
com o mesmo foco, procuraram lançar um novo olhar sobre o sistema penitenciário e que,
de forma preliminar, se pode dizer que se trata de um sistema social complexo e que na
busca de sua manutenção e sobrevivência apresenta, no seu interior, relações entre grupos
que operam na lógica da cooperação pelos princípios auto-organizativos e autopoiéticos.
12
REFERÊNCIAS
DANITZ, Tiffany. The gangs behind bars (prison gangs). Insight on the News. v. 14, n.
36, sept. 28, 1998.
DORNELLES, Renato Nunes. Falange Gaúcha: O Presídio Central e a História do Crime
Organizado no RS. Porto Alegre: RBS Publicações, 2008.
NEUMAN, E; IRURZUN, V. J. La Sociedad Carcelaria: Aspectos Penológicos y
Sociológicos. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1968.
SALLIN, Vinícius; SEMINOTTI, Nedio. Facções na Prisão sob o Olhar da Complexidade.
Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, Pelotas/RS, v. 4, n. 1, p. 89-103,
jan.-dez., 2005.
STEINBERG, Jonny. The Number. Cape Town: Jonathan Ball Publishers. Disponível em:
<www.nyamnjoh.com/2006/04/book_review_the.html> . 2004. Acesso em: 25 de junho de
2007.
13
SEÇÃO I - INSTITUIÇÃO PRISÃO, GRUPOS, FACÇÕES E INDIVÍDUO:
RELAÇÕES COOPERATIVAS NA LÓGICA DA AUTOPRESERVAÇÃO
RESUMO
A presente seção colocou em discussão os grupos organizados de presos do Presídio
Central de Porto Alegre, tendo como foco o modo de conviver dessas facções com o grupo
da segurança. Depois de introduzido o tema, foram descritas as condições do momento
atual do PCPA, com o objetivo de contextualizar, dentro desse estabelecimento, as facções,
seu modo de operar e se organizar na relação com a equipe da administração. Em seguida
iniciou-se uma discussão teórica que abriu para a reflexão e compreensão da instituição
prisão, os grupos e o indivíduo a partir de autores de diferentes perspectivas teóricas. Essa
construção teórica foi suporte para aprofundar a proposição central deste artigo, que é
discutir as relações entre os grupos de agentes e presos organizados a partir do pensamento
sistêmico complexo, aplicando, nessas relações, os princípios auto-organizativo e
autopoiético, concebidos por Edgar Morin e Humberto Maturana. Concluímos o artigo
considerando que a instituição prisão, os grupos e o indivíduo como sistemas no sistema
PCPA operam na lógica da autopreservação, por um processo auto-organizativo e
autopoiético, expressos nas relações de cooperação para evitar conflitos violentos.
Palavras–chave: sistema penitenciário; facções; instituição prisão; processos e
organizações grupais; sistemas complexos.
14
ABSTRACT
This section discussed prison gangs, here named as prisoneres organized groups, at Presídio
Central de Porto Alegre, focusing on how prison gangs and security staff relate to one
another. After the introdution, the current conditions of Presídio Central de Porto Alegre
were described aiming to contextualize the institution, the prison gangs in there, the way
they work and organize themselves, and how they relate to prison adminitration. The
subsection theoric discussion opened to a reflection and understanding of prison as an
institution, groups and individuals from different theoric perspectives. The theoric
construction was the basis to study the main objective of this section deeply which is to
discuss the relations between security staff and prisoners organized groups from complex
systems thinking, using as well, the principles of selforganization and autopoiesis of Edgar
Morin and Humberto Maturana. The conclussion of this article states that the instituition,
groups and induviduals as systems inside Presídio Central de Porto Alegre operate through
the logic of self presevation in a selforganizative and autopoietic principle shown off at
cooperative relations stablished to avoid violent conflicts.
Key words: prison system, prison gangs, prison institution, group processes, group
organization, complex systems.
15
1 INTRODUÇÃO
Os grupos humanos e seus processos no sistema penitenciário são pouco explorados
pelos trabalhos científicos. Especificamente, no que diz respeito aos grupos dos presos
organizados, encontram-se, na maioria das vezes, temáticas relacionadas à violência entre
facções, suas ligações com o crime externo, as formas de organização dos presos com
códigos rígidos e a ênfase nas lideranças. Segundo (2003), a academia não demonstra
compromisso com a questão penitenciária, preocupando-se somente em fazer o diagnóstico
do cárcere e dos que nele vivem. Para esse autor, a academia deveria ter a humildade de
buscar a compreensão das pessoas e da situação dentro da prisão, em uma relação de
simetria e de ajuda e, se utilizar do diagnóstico para levantar as demandas no sentido da
inclusão social desses indivíduos. É nessa mesma linha de pensamento que este artigo
discute as relações entre as facções, as quais são compostas pelos presos organizados, e o
grupo da segurança, formado por policiais militares no Presídio Central de Porto Alegre.
Dessa forma, põe-se em discussão um modo de conviver entre os dois grupos, o qual, do
ponto de vista da sociedade, se caracteriza pela hostilidade. Visto de outro lugar, esses
grupos desenvolvem acordos tácitos e explícitos, demonstrando uma relação de cooperação
para reduzir a violência e a rivalidade a níveis toleráveis de convivência, assim diminuindo
a tensão produzida nos indivíduos pela sensação de perigo pelo risco eminente de morte.
Apoiado em princípios sistêmicos complexos, a partir do biólogo Humberto
Maturana e do sociólogo Edgar Morin, este artigo propõe a compreensão das relações que
se estabelecem entre os referidos grupos no PCPA como um processo autopoiético e auto-
organizativo. Para se chegar a esse entendimento, inicialmente se utiliza referenciais
teóricos diversificados, que contribuem para que se compreenda melhor os processos
institucionais, grupais e individuais na prisão.
O artigo contém três subdivisões entre essa introdução e as suas considerações
finais. A primeira contextualiza o fenômeno, a qual especifica a situação atual dos grupos
de presos no PCPA denominada Os grupos no Presídio Central de Porto Alegre e duas
de caráter teórico instituição, grupos, facções e indivíduo e um sistema complexo,
autopoiético e auto-organizativo.
16
A contextualização serve para apresentar e dar visibilidade a um fenômeno pouco
discutido nos estudos acadêmicos. Nesse mesmo sentido, a discussão teórica abre para uma
compreensão embasada em autores que se dispuseram a investigar as instituições, os grupos
e a prisão, mesmo que esses autores pertençam a epistemologias diferentes do pensamento
sistêmico complexo. Para isso, procurou-se a todo instante recorrer ao “princípio dialógico”
(MORIN, 1996a, p. 189) como forma de contemplar gicas do paradigma tradicional e do
emergente num diálogo que supõe complementaridades e paradoxos e não redução a uma
ou a outra lógica.
Vasconcelos (2002) refere que uma fundamentação teórica em um estudo na
perspectiva da complexidade deve assumir a multidimensionalidade do fenômeno social,
trazendo para o debate interno um leque de perspectivas teóricas, disciplinares e
paradigmáticas em um campo de alianças e contribuições interdisciplinares. Segundo
Vasconcellos (2003), o pensamento sistêmico, como um emergente paradigma da ciência,
integra os conhecimentos desenvolvidos pela ciência tradicional. Ele possibilita a reflexão
sobre as implicações epistemológicas e ontológicas dos fenômenos, buscando ultrapassá-las
sem negá-las.
A construção teórica: instituição, grupos, facções e indivíduo, será suporte para
aprofundar a proposição central deste artigo na próxima subseção, que é discutir as relações
entre os grupos de agentes e presos organizados a partir do pensamento sistêmico
complexo, e aplicando, nessas relações, o princípio auto-organizativo e autopoiético. O
argumento do artigo é de que esse sistema social se processa autopoieticamente, ou seja, se
autoproduz em relações que primam pela transformação e conservação dos sistemas
individuais e coletivos.
2 OS GRUPOS NO PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEGRE
Fundado em 1959 com o nome de Casa de Prisão Provisória, o Presídio Central de
Porto Alegre é hoje o maior estabelecimento penal do Rio Grande do Sul. É considerado a
porta de entrada do sistema penitenciário do Estado, pois seu objetivo é receber homens
17
presos em flagrante e capturados pela justiça, mantendo-os em regime fechado
2
em situação
provisória, isto é, indivíduos que não foram julgados definitivamente. Entretanto, na atual
população carcerária do PCPA, se misturam presos provisórios, condenados definitivos e,
inclusive, presos que deveriam estar em unidades de regime semi-aberto
3
por terem
recebido o benefício, mas que ficam aguardando vagas nesses estabelecimentos.
Quatro mil e duzentos presos em cinco pavilhões e dezoito galerias se organizam
em grupos no interior da prisão. Os grupos são: os “Crentes”, unidos pela prática religiosa
evangélica ou católica, os “Duque”, presos que praticaram crimes sexuais e criaram seu
próprio espaço por não serem aceitos em nenhum outro grupo, e o grupo situado na galeria
B2, que abriga indivíduos com nível de escolaridade superior, policiais civis, militares e
funcionários penitenciários. Os outros grupos organizados são chamados de facções e se
diferem dos demais por serem formados por presos com laços de pertencimento, fidelidade
ou submissão aos líderes e se caracterizam pela rivalidade entre eles, alguns baseando suas
ações no tráfico de drogas e até mesmo no crime externo aos muros da prisão (ROLIM,
1999). No Presídio Central, os grupos/facções são denominados “Os Manos”, “Os Unidos
pela Paz” e “Os Aberto”. Esses estão organizados em galerias, onde há, em média,
trezentos presos e, entre esses, aproximadamente trinta estariam ligados diretamente ao
comando das facções, sendo esse subgrupo composto pelo líder e seus auxiliares. O líder é
chamado de “plantão”, “prefeito” ou “representante da galeria”, e é escolhido pelo grupo de
presos que estão comprometidos com a facção, levando em consideração sua capacidade de
liderança, negociação e autoridade. O representante de galeria
4
é responsável pelo controle
dos conflitos entre os presos das galerias e pela imposição das regras aos comandados, e
representa os presos nas reivindicações dirigidas ao comando da segurança.
Os três grupos/facções que se originaram no PCPA hoje cresceram
significativamente em número de integrantes, tomando dimensões que possibilitaram sua
expansão pelas unidades de regime semi-aberto. O que antes era uma característica somente
do presídio, no que diz respeito à facção no controle das galerias, atualmente é uma
2
É o regime que se caracteriza pelo maior controle e vigilância dos presos, sendo considerado um regime de
contenção rigorosa onde o indivíduo cumpre a prisão provisória, preventiva ou a condenação no interior da
prisão, sem os benefícios de saídas temporárias ou trabalho externo ao âmbito do presídio.
3
É o regime de transição do regime fechado para o regime aberto, no qual há um menor controle e vigilância,
podendo o preso se beneficiar do trabalho externo e saídas temporárias.
4
Nomenclatura mais difundida no sistema penitenciário para designar o líder dos presos na galeria.
18
realidade também nas unidades de regime semi-aberto. Cada estabelecimento penal de
regime semi-aberto tem uma facção no comando dos presos, impondo a eles seus códigos
de conduta e regras de permanência. Para exemplificar, uma dessas facções domina os
presos do Instituto Penal de Mariante e sua liderança permite que permaneçam nesse
estabelecimento somente os indivíduos que pertenceram a esse grupo quando iniciaram o
cumprimento da pena no PCPA ou aqueles presos que nunca integraram outro grupo rival a
essa facção. Essa realidade, relacionada às perseguições de indivíduos por grupos rivais,
está associada a grande parte dos motivos de fugas de presos no regime semi-aberto
(SALLIN, 2003).
As facções constituem identidade por crenças, valores, formas de organização e
participação nos jogos de poder da instituição, além das regras de conduta. Assim, as
rivalidades entre esses grupos, se explicam por questões relativas a esses pontos.
Entretanto, em síntese, a questão principal das desavenças no PCPA reside na incapacidade
de uma facção aceitar a forma como outra facção se relaciona com o comando da Brigada
Militar.
De maneira simplificada, pode-se dizer que, enquanto uma das facções colabora
com a administração da Brigada, a outra tem como princípio não aceitar o controle,
considerando-se inimiga do grupo da segurança ou de qualquer outro grupo organizado de
presos. Existe ainda uma facção que não se posiciona nem contra nem a favor da
administração do presídio e não considera os presos de outras facções como rivais.
Quanto ao grupo da segurança, a responsabilidade pela guarnição do Presídio
Central desde o ano de 1995 é de competência da Brigada Militar. A troca de controle
passou da Superintendência dos Serviços Penitenciários para a Brigada pelas recorrentes
conturbações no presídio, as quais, na época, foram consideradas resultantes da falta de
comando e das más estratégias de gerenciamento. O acontecimento principal que levou a
essas mudanças está relacionado à repercussão do motim de 1994 no PCPA, onde um grupo
de presos de uma facção fez funcionários reféns e, em fuga pela cidade, promoveu uma
madrugada de tensão em vários bairros de Porto Alegre (ELMIR, 2005, COIRO;
CASAGRANDE, 1997).
O grupo de oficiais e soldados designados para a missão de administrar o PCPA foi
chamado de Força Tarefa. Entretanto, essa, que era considerada uma missão temporária da
19
Brigada, tem onze anos de atividade e tem sido automaticamente renovada a cada ano.
Atualmente, esse grupo da Brigada é composto de duzentos e vinte homens e mulheres. As
mulheres desenvolvem suas funções nas salas de revistas, trabalhando diretamente na
revista dos familiares que visitam os presos.
Nos anos oitenta e noventa foram recorrentes os motins e tentativas de fuga no
PCPA (DORNELLES, 2008) e, com o objetivo de inibir essas ações que eram resultado das
reivindicações não atendidas dos presos, a administração do presídio instaurou uma “linha
estratégica de negociação”, que se sustenta no reconhecimento institucional das facções
(GUINDANI, 2002, p. 107). Essa estratégia, iniciada em 1997, e que continua até hoje,
aceita a participação dos presos nas decisões administrativas a partir de reuniões compostas
pelos Representantes de Galeria e o comando da Brigada Militar. Sallin e Seminotti (2005),
diante dessas estratégias, sustentam que entre as facções e a equipe da segurança uma
relação de cooperação.
Nesse sentido, em entrevista ao jornal Zero Hora, 2004, o Promotor da Vara de
Execuções Criminais de Porto Alegre ao referir-se aos códigos das facções, afirma: “O
importante para as autoridades é admitir a existência dessas normas não-escritas e tentar
reduzir os atritos que possam levar às perturbações na rotina das casas prisionais”
(ESPERANÇA, 2004, p. 42). Parece, com isso, demonstrar o reconhecimento e a
importância das facções para a instituição prisional, inclusive nas instâncias superiores do
poder judiciário.
As relações entre as facções, por seu representante de galeria, e o grupo de
segurança, por policiais militares, se efetivam no chamado Setor de Supervisão. Esse setor
tem como chefe um tenente e como adjuntos, três sargentos. A supervisão tem como
objetivo receber, por parte dos presos representantes de galeria, reivindicações de caráter
individual, como: providenciar atendimento técnico, incluindo médico, psicológico, social e
jurídico, autorizar a entrada de materiais para artesanato ou equipamentos eletrônicos e
informar o nome da pessoa que o preso quer que seja seu visitante ou, se necessário, fazer a
troca desses nomes, além dos pedidos de transferência para outras unidades prisionais.
As demandas de caráter coletivo podem ser desde a instalação de lâmpada elétrica,
de chuveiro ou tomada de luz na galeria para uso comum, até o pedido de providências para
falta de água ou de energia elétrica. Existem também solicitações que visam alterar rotinas
20
operacionais e administrativas da Brigada Militar. Algumas dessas geram certa tensão, por
se tratarem de reclamações de abuso de agentes, tratamento desumano aos visitantes,
demora nas transferências dos presos que alcançaram o benefício do regime semi-aberto,
superlotação, alimentação precária e falta de atendimento médico, psicológico e jurídico.
Outras questionam decisões que competem ao poder judiciário, como, por exemplo, a
reimplantação de revista íntima nos presídios, demora nas determinações judiciais de
exames para troca de regime para presos que já atingiram o lapso temporal no regime
fechado, questões burocráticas que dificultam a entrada dos visitantes e transferências dos
líderes de facções para outras unidades.
Os impasses criados entre a expectativa dos presos em ter suas questões resolvidas e
a impossibilidade momentânea da administração em atender a essas reivindicações,
promovem desequilíbrios nas relações entre os dois grupos, que pode iniciar por uma
“bateção”
5
ou greve de fome, podendo até chegar a um motim e, em conseqüência disso, a
um possível confronto violento entre a equipe da segurança e os presos. Essas conturbações
podem também gerar atritos entre grupos rivais de presos, se for uma questão que envolva
luta de facções por maior espaço ou poder na prisão. Entretanto, o que atualmente vem
ocorrendo é um processo de conciliação entre as partes, o qual prioriza a negociação e,
conseqüentemente, a solução dos conflitos antes que esses se instalem.
Para ter uma melhor compreensão da dinâmica do presídio enquanto sistema mais
amplo que envolve grupos na qualidade de sistemas menores é necessário fazer referência a
um terceiro grupo: a equipe técnica, que é composta por assistentes sociais, psicólogos,
médicos, enfermeiros e advogados. Todos esses profissionais desempenham atividades em
setores isolados entre si. No entanto, os psicólogos e assistentes sociais têm funções
associadas nas ações chamadas de tratamento penal, que é o acompanhamento psicológico
e social e avaliações para progressão de regime dos internos do PCPA. Mesmo que o grupo
de técnicos não esteja diretamente ligado com as relações propostas neste ensaio, essa
equipe se envolve em processos que dizem respeito a tais relações e é campo de fluxo de
informações e comunicações entre presos e agentes.
5
Os presos de uma galeria ou de todo presídio batem nas grades com instrumentos metálicos, com objetivo de
criar tensão entre os funcionários e de anunciar que estão preparados para um confronto.
21
3 INSTITUIÇÃO, GRUPOS, FACÇÕES E INDIVÍDUO
Segundo Foucault (2000), a prisão e a justiça penal funcionam como um espetáculo,
fazendo crer que atendem a uma demanda social de necessidade de controle. A prisão
sugere que os delinqüentes estão bem disciplinados, inativos e isolados e que o aparelho
policial continua vencendo a luta do bem contra o mal. Existe uma falsa idéia de ascetismo
em um sistema punitivo que, no entanto, produz violência e delinqüência. Ocorre, assim,
um processo circular no sistema: polícia, prisão e delinqüência. Nesse processo, a polícia
prende e dessa forma fornece à prisão o infrator. A prisão, por sua vez, transforma o
infrator em delinqüente, que quando alcança liberdade, novamente é alvo do controle
policial e, na maioria das vezes, é mandado de volta à prisão. Assim se forma a clientela do
sistema penitenciário. São indivíduos que recorrentemente serão presos ou perseguidos. São
pessoas que passaram de infratores, alguns a ocasionais, para infratores-delinqüentes,
empurrados pelo sistema penal a um regime de exclusão. “A prisão não pode deixar de
fabricar delinqüentes” (Foucault, 2000, p. 222).
Nesse sentido, Barata (2002) se refere à “teoria das carreiras desviantes e do
recrutamento dos criminosos” (p. 180), ou seja, o sistema penal produz um indivíduo que
fica aprisionado em uma lógica de exclusão e delinqüência e, de certa forma é o que explica
o elevado número de reincidentes que compõe a atual população carcerária. A partir dessa
concepção, que atribui à prisão a criação de sua própria clientela, pode-se avaliar a
dimensão significativa e, de certa forma, preocupante que tem os grupos organizados no
contexto atual do sistema penitenciário. Mesmo que suas relações sejam também de mútua
cooperação, os homens presos são diariamente introduzidos em galerias e grupos, em um
regime que deixa poucas escolhas que promovam seu afastamento de uma cultura de
criminalidade, uso de drogas e exclusão, sendo jogados a toda sorte na dependência de
presos institucionalizados. Apesar da forma mencionada, que indica uma realidade nessas
organizações, que levam os presos ao subjugamento e à insegurança, as facções são, hoje,
reconhecidas pelo grupo da administração, tendo legitimidade e poder para discutir e
decidir procedimentos padrões e as relações na prisão.
22
Por esse motivo, é necessário discutir a participação das facções nas decisões
administrativas e operacionais de qualquer estabelecimento prisional, nesse caso, do PCPA.
Como indicamos, as facções são grupos estruturados a partir de um cleo verticalizado de
liderança, o qual impõe códigos de conduta e julgamentos aos internos de sua galeria.
Dessa forma, o reconhecimento das facções, por parte da direção, fortalece esse tipo de
liderança, reafirmando sua notoriedade no sistema penitenciário e o poder sobre o restante
dos presos.
Esse poder se expressa desde o ingresso do indivíduo na galeria, onde se depara
com uma organização social diferente da que vivia até então. Para ele, o grupo de presos,
naquele local, pode ser um sinal de um mínimo de tranqüilidade, por significar estar
dividindo um espaço com pessoas, à primeira vista, com necessidades similares às suas.
Entretanto, logo ele descobre que sua permanência e segurança nesse local dependem da
sua disposição em seguir os códigos de conduta impostos pelo grupo que comanda a
galeria.
Isso mostra que, na maioria dos casos, os sujeitos integram-se ao grupo não por se
identificarem com a facção, e sim por uma questão de falta de opção: primeiro, por
proteção a sua integridade física e, em segundo lugar, pela necessidade da socialização e
adaptação ao meio social em que foram inseridos, processo esse que Bitencourt (1993)
chama de prisionização.
Aqui, colocam-se em destaque essas duas justificativas de adesão do preso ao grupo
organizado como uma estratégia de simplificação de um fenômeno que se reveste de
complexidade, ou seja, que a motivação para um sujeito participar de qualquer sistema
social, está além disso e, assim devendo ser tratada como um fenômeno complexo, a partir
de um conhecimento multidimensional que leva a questões interconectadas e multifatoriais.
Nesse sentido, Morin (1996a) explica que o pensamento complexo busca respeitar a
todas as dimensões, reconhecer a existência de muitos fatores e, mesmo assim, fornecer
algumas informações e simplificações como modos de enfrentar a complexidade.
No que diz respeito à primeira causa, a autopreservação do indivíduo, Danitz
(1998), referindo-se às prisões americanas, afirma que as gangues nas prisões ou facções se
originam de uma necessidade de defesa dos presos contra as extorsões, o racismo e ao que
23
ele chamou de internos predadores, sendo esses indivíduos os que se fazem valer da força
física e das armas para ter controle sobre os outros internos.
Segundo parece, Oldoni (2002) se coloca na mesma linha de pensamento ao afirmar
que no Brasil, o Comando Vermelho, a mais antiga facção do sistema penitenciário
brasileiro, se originou nos anos setenta no Presídio da Ilha Grande no Rio de Janeiro, a
partir da necessidade de defender os presos desprotegidos e aqueles sem qualquer
assistência familiar.
Nessa perspectiva, Lourau (1995) se refere ao “bando” como um tipo de grupo que
se caracteriza por uma estratégia que consiste em esmagar ou rechaçar o bando vizinho,
fazendo desse um adversário, indicando assim a fragilidade na segurança sentida no interior
da prisão. O preso sabe que simplesmente por pertencer a uma galeria, onde um grupo está
na liderança, faz dele um alvo de outro grupo rival. Então o que se espera é que o preso se
aproxime das lideranças de sua galeria para sua segurança, ou seja, a coesão ao grupo é
vista como prevenção à violência que paira no ambiente. Como forma de explicar a
violência proposta pela facção ou bando, Lourau (1995) se refere a um “individualismo
grupal”, querendo dizer, com isso, que esse tipo de grupo é uma unidade que tende a não
reconhecer os demais grupos e a autoridade instituída como legítimas. Esse pensamento
sugere que esse autor acompanha o pensamento comum entre os teóricos de pequenos
grupos formalmente instituídos, os quais indicam que um conjunto de indivíduos é uma
unidade que tende a ter uma mente comum ou uma representação coletiva (PICHON
RIVIERE, 1982; ZIMERMAN; OSORIO, 1997) e uma única ideologia (BAULEO, 1975).
Nesse caso, a facção se caracterizaria por uma unidade-entidade que se opõe a qualquer
outro grupo e a instituição em que está inserida. Lapassade (1989), nessa mesma linha de
pensamento, refere que esse tipo de grupo, dito “natural” tem dois fatores de coesão
principais: a necessidade humana de relações interpessoais e de segurança de cada
indivíduo. A segurança é uma das finalidades explícitas do sujeito ao integrar um grupo na
prisão, pois aquele que adere às normas desse grupo tem sua integridade sica preservada.
aquele que não, como afirma Lapassade (1989), “o desviante” (p. 71), é rejeitado por
colocar um problema de insubordinação para o grupo e, no caso específico da prisão, será
banido ou sofrerá violência física.
24
Esses problemas, resultantes da imposição dos códigos de conduta, demonstram que
as facções não fogem à regra do que se escreve sobre psicologia dos grupos, inclusive no
que diz respeito à origem e à definição de grupo de qualquer tipo e em qualquer contexto.
Pichon-Rivière (1982) define-os como indivíduos em uma situação de inter-relação, com
objetivos em comum, baseados na cooperação, em códigos e em normas específicas. A
facção, é claro, possui a ressalva de ser composta por indivíduos vivendo em uma situação
de não-liberdade e, de certa forma, coagidos a se agrupar.
O “processo de prisionização” ou a necessidade de socialização como segundo
motivo para o sujeito integrar o grupo, segundo Bitencourt (1993), acontece com a entrada
do indivíduo na prisão. Ele adapta-se ao modo de vida no cárcere e aceita os costumes e os
códigos impostos pelo grupo dos presos que estavam. “Adota, por exemplo, uma nova
forma de linguagem, desenvolve hábitos novos no comer, vestir, aceita o papel de líder, ou
de papel secundário nos grupos de internos, faz novas amizades, etc.” (BITENCOURT,
1993, p. 171). É como se o processo de socialização, sendo semelhante ao que ocorre
com as crianças, quando estão apreendendo os modelos de comportamento social, como
afirma Bitencourt (1993), ou seja, não há como viver num grupo sem submeter-se, mesmo
que em parte, a sua cultura. Relativo a estes modelos de comportamento, Berguer e
Luckmann (1995) explicam: “Toda atividade humana está sujeita ao hábito. Qualquer ação
repetida torna-se moldada em um padrão, que pode em seguida ser reproduzido com
economia de esforço e que, ipso facto, é apreendida pelo executante como tal padrão” (p.
77).
O preso, nesse processo de consolidação de rotinas e de novos hábitos, busca tornar
o ambiente menos hostil. Com limitadas opções de escolhas de comportamento, engaja-se
em modelos e fornece uma direção objetiva ao pensamento e às ações. Seus atos assim
ficam em acordo com o meio, adaptado às circunstâncias do espaço onde vive, propiciando
a ele o conhecimento de seus limites e uma relativa tranqüilidade para transitar e se
relacionar com segurança em um ambiente menos inóspito. Maturana (2002) explica que
um indivíduo humano se preserva e realiza como ser vivo e social quando sua conduta se
adapta e participa da rede de interações que ocorre naquele sistema social. Na base da
conservação da vida do ser humano está seu operar em acordo com o sistema social a que
pertence. Prova disso é que se o elemento indivíduo não tem condutas apropriadas é
25
eliminado pelo sistema, para a sobrevivência ou conservação do próprio sistema. Assim,
Maturana (1997) refere que existe uma pressão seletiva para a constituição de inter-relações
entre as unidades integrantes de um sistema, nas quais acoplam e produzem relações
constitutivas para a conservação do sistema. “Os sistemas sociais são constitutivamente
conservadores” (MATURANA, 2002, p. 201).
Einat (2007), estudando as prisões de Israel, concluiu que os presos aderem
rapidamente aos códigos existentes na prisão, pelo sentimento de assistência mútua e
altruísmo comum entre os internos. Engajar-se no processo social, mesmo em uma prisão,
eleva a auto-estima, indo na contramão do sentimento de auto-anulação e desonra que
ocorre logo que o indivíduo é aprisionado. Assim, pode-se afirmar que esse processo está
caracterizado pela resistência à massificação e dependência propostas pela instituição.
Trata-se de uma estratégia de resistência do preso ao sistema penitenciário, conforme
conceituam Guimarães, Meneghel e Oliveira (2006); é uma oposição no sentido positivo,
permitindo a construção de um novo espaço, um novo modelo que desautorize os
mecanismos de controle estabelecidos pela prisão.
Steinberg (2004), referindo-se às prison gangs”, ou facções, na África do Sul,
propõe que a identidade de grupo nasce de uma profunda necessidade humana de afirmar
sua existência diante dos efeitos da prisão. Esse autor refere que a origem das facções está
na busca da preservação da identidade e da autonomia dos integrantes dos grupos contra as
normas rígidas institucionais. Nas palavras de Deleuze (1998, p. 111): “haverá sempre uma
relação consigo que resiste aos códigos e aos poderes; a relação consigo é, inclusive, a
origem dos pontos de resistência”. Assim entendidas, as facções conferem ao grupo de
presos um poder de resistência e reivindicação importantes, pois as ações são planejadas e
comandadas pela liderança, e seus liderados, submetidos a um código de lealdade ao grupo.
São ações organizadas por presos organizados, motivadas também contra a imposição e
violência institucional e contra administradores penais que não reconhecem os direitos
humanos, no que diz respeito às condições mínimas de vida dos internos.
Wacquant (2001) compara as prisões brasileiras a jaulas, dada a superlotação, a falta
de luz, a péssima alimentação e a negação da assistência jurídica e dos cuidados
elementares à saúde. Para Rolim (1999), essas condições de vida, especificamente nas
prisões gaúchas, nas quais os presos vivem em galerias e se encontram, no mesmo local,
26
todos os tipos crimes, favorecem os laços de pertencimento, fidelidade ou submissão aos
“grupos organizados no mundo do crime” (p. 44). O autor questiona a forma como o
sistema penal administra as prisões no Rio Grande do Sul, no que se refere, primeiro, às
condições de vida e, depois, à falta de separação dos presos, estando esses submetidos a
uma política de amontoamento e indiferenciação, sendo essas características observáveis
também no Presídio Central de Porto Alegre. Os presos primários, ou principiantes, ficam à
mercê dos antigos, identificados com o cárcere. O que se percebe nesses casos é que as
administrações prisionais, sem políticas de tratamento penal, estão exclusivamente
centradas na disciplina e no controle físico da “massa carcerária”. Conforme Thompson
(2001), esses modelos de administração explicam as conturbações decorrentes das
reivindicações. São modelos verticais no estilo braço forte, ou seja, que têm dificuldade de
reconhecer os direitos constitucionais e humanos dos presos e, por isso, tendem a enfrentar
problemas com os levantes reivindicatórios. Carvalho (2001) refere que a rebelião e o
motim são os últimos recursos do preso para defender seus direitos diante de uma
instituição desumana. Goffman (2001) salienta que o bem estar do preso não é o propósito
do sistema penitenciário, considerando a prisão uma instituição por natureza opressora e
totalitária. Em seu clássico livro Manicômios, prisões e conventos, qualifica-a como uma
instituição total, sendo essa “um local de residência e trabalho, onde um grande número de
indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla, por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e fortemente administrada” (p. 212) e que
dentro da proposta da prisão está o processo de despersonalização do indivíduo.
Continuando a analisar a instituição prisão pelo foco da dominação ao preso,
Goffman (2001) utiliza-se das peculiaridades existentes nas relações entre o grupo diretivo,
responsável pela segurança, e o grupo dos presos para apresentar as implicações da
imposição da disciplina da guarda aos presos. Assim, ele refere que essas relações
assimétricas têm conseqüências no preso, as quais enumerou, entre outras, como
institucionalização, mortificação e mutilação do eu.
Por outro lado, indicações de que a instituição, diante da emergência dos grupos
organizados, cria mecanismos para aproximar-se dos presos, imprimindo simetria às
relações entre presos e agentes de segurança. A administração e segurança instituem outro
27
modo de operar com o objetivo de não perder poder, mantendo o controle institucional ao
preso.
Nesse sentido, Lourau, em 1973, se referia ao processo institucional, no qual
forças sociais marginais e minoritárias começam a ser reconhecidas pelas forças instituídas.
Essas forças, que antes eram de oposição, são integradas com o objetivo de diminuir a
resistência aos códigos institucionais (apud COIMBRA, 1995). A instituição-presídio, a
partir de mecanismos de vigilância e controle, incorpora em sua jurisdição as facções,
dando a elas notoriedade, legitimidade e poder de co-gerenciar o interior da prisão.
Segundo essa compreensão, se poderia pensar que se trata de uma estratégia prisional para
fazer cessar as ações violentas e a conseqüente repercussão negativa na mídia.
Qualquer violência na prisão, tanto dos presos, com motins e fugas, quanto dos
agentes de segurança, por agressão a presos, produzem um clima de insegurança na
população e, em decorrência disso, críticas à administração pública. Portanto, do ponto de
vista dessa, a estratégia a partir de parcerias com os grupos organizados no PCPA seria
desejável.
4 UM SISTEMA COMPLEXO, AUTOPOIÉTICO E AUTO-ORGANIZATIVO
Partindo da afirmação de Morin, de que “todos os objetos que conhecemos são
sistemas, ou seja, estão dotados de algum tipo de organização” (1996b, p. 278), pensa-se
que o sistema é uma unidade múltipla complexa, organizada e capaz de se auto-organizar
(MORIN, 2002a). É um conjunto de unidades-indivíduos diferentes, encaixados e
articulados, com uma organização que regula, sentido com qualidades e propriedades,
que não possui essas unidades-indivíduos quando separadas (MORIN, 1996b). No que
tange à complexidade desses sistemas, Morin refere que esses se caracterizam por uma
extrema quantidade de interações e interferências entre um grande número de unidades,
somadas às incertezas, acasos e ordens e desordens (MORIN, 2006a).
Pensar sobre esses sistemas é penetrar em um novo paradigma da ciência, onde o
fenômeno que emerge do conjunto é contextualizado em sua multidimensionalidade,
28
levando em consideração as circunstâncias em que ele acontece. O observador, na descrição
de um fenômeno sistêmico complexo, amplia o foco, vendo relações entre os elementos do
sistema e entre os sistemas como uma teia de relações recursivas interligadas
(VASCONCELOS, 2003). A visão complexa é integradora, afasta a disjunção e a
simplificação, propondo a instabilidade e a relatividade como caráter dinâmico, em
contraposição à idéia de estabilidade e realidade. Esses conceitos se propõem a ultrapassar
os pressupostos exclusivamente objetivos, assinalando que o conhecimento científico é
resultado, também, da intersubjetividade, ou seja, de uma construção social, e a “realidade”
é uma construção do observador em constante transformação e imprevisibilidade pelas
recorrentes emergências.
No caso do sistema social, Morin (2003a) explica que a organização encadeia
relações entre indivíduos, ligando-os inter-relacionalmente e tornando-os participantes de
um todo auto-organizável. Significa o surgimento de novas organizações ou estados a partir
de processos sociais auto-organizadores, fazendo com que a ordem se restabeleça em
sistemas caóticos, assim trazendo renovação pela própria desordem (MORIN, 2003a). A
desordem é motivo e ocasião para outros arranjos entre as unidades de um conjunto, que
buscarão uma nova organização que faça sentido às circunstâncias. Um sistema em
desequilíbrio torna-se ativo explorando sem parar novas possibilidades, permitindo que o
mesmo passe espontaneamente de um estado não-organizado para um estado organizado
(PRIGOGINE, 2004).
A organização característica desses sistemas sociais complexos, que Capra (2002a)
chamou de redes sociais, é um padrão não-linear de organização que utiliza a comunicação
como modo de reprodução e de sua auto-organização. São múltiplos elos de realimentação,
onde os valores, as crenças e as condutas dos seus participantes são continuamente
comunicadas, modificadas e preservadas. Esse processo, por sua vez, aparece como
qualidade de um sistema social, no co-operar entre seus elementos, entre os sistemas e entre
o sistema e o entorno para se autoproduzirem e equilibrarem-se, ou seja, se auto-
organizarem. Do ponto de vista de Morin (1996a, p. 122) “Uma sociedade se auto-organiza
permanentemente por meio de desordens e conflitos, que por um lado comprometem sua
organização e, por outro, recuperam sua vitalidade”.
29
Com essas noções, podemos pensar que as facções constituem o que Morin (1998)
refere como “desvio inovador, uma brecha, uma ruptura” (p. 39); é a emergência no sentido
de uma crise que cria condições para a transformação institucional. Assim, diante de uma
nova organização do sistema social, proposta pelas facções, o sistema PCPA, na lógica da
re-organização, procura uma resposta e, nesse caso, institui uma parceria na gestão da
prisão.
No mesmo sentido das idéias de Morin, Maturana (1997, p. 102) traz o conceito de
“perturbação inovadora”, como sinônimo de ruído, sendo um processo em emergência,
dinâmico e contínuo que fomenta propriedades sustentáveis ao sistema a partir de relações
de acoplamento, ou seja, a partir de interações entre seus elementos/sistemas e
sistemas/meio na produção do próprio sistema.
Para esses autores, o inesperado e o emergente propõem a reorganização no sistema,
revolucionando todo o campo de crenças, emergindo assim, uma nova organização. As
facções, enquanto um desvio em relação à norma, ao estabelecido, colocam abaixo a
verdade reinante, no caso do presídio, de que somente a instituição tem o poder sobre a vida
dos presos, ou seja, a emergência dessa nova organização pressiona para uma mudança
institucional, reorganizando processos e rompendo com normas instituídas. Com isso,
mostra-se um outro modelo de administrar o sistema penitenciário, sendo as facções
reconhecidas pela instituição como parceiras ou colaboradoras na tomada de decisões.
Assim, as facções, enquanto brechas emergentes, incitam a transformação da organização,
propondo uma relação de cooperação entre o sistema constituído pelo grupo de presos e da
segurança.
Esses grupos se inter-relacionam e cooperam num processo de manutenção do
equilíbrio de um sistema que, a todo instante, pela peculiaridade de suas lógicas, no seu
sentido amplo, tendem ao paradoxo, ao confronto, e à rivalidade. A parceria daria o tom de
afrouxamento e consenso em relação aos códigos, às normas e à cultura de cada grupo para
favorecer a convivência pacífica. Parte-se aqui do pressuposto de que esses sistemas
sociais, grupo-sistema e sistema-meio se comunicam, ora desequilibrando, ora equilibrando
o sistema prisional, em processos alternados e concomitantes.
A cooperação entre os indivíduos dos grupos da segurança e dos presos organizados
objetiva trazer equilíbrio intra e intersistêmico, de forma a diminuir os conflitos no sistema
30
penitenciário e, mais especificamente, no PCPA, ou seja, buscando sua estabilidade interna,
entre seus elementos, e externa, com outros sistemas-grupos.
Para compreendermos esse processo interno e externo grupal, conta-se com as idéias
de Ayestarán (1996), o qual refere que os grupos, como sistemas, se caracterizam pela sua
permeabilidade, atuando de forma aberta e fechada. Quando aberto, o sistema mantém
trocas com o meio, inclusive com outros sistemas. Quando fechados, se organizam de
forma a fazer sentido para si mesmos, construindo assim sua própria complexidade. No
caso do presídio, as relações entre os grupos em questão demonstram essa qualidade de
abertura e clausura sistêmica, possibilitando a comunicação entre os grupos para definir as
características do sistema maior, que é o próprio presídio, em uma perspectiva de equilíbrio
desse sistema-meio. O fim dos motins e a autopreservação do sistema-grupo significa a
preservação do sistema-instituição. Nesse caso, a auto-organização se caracteriza pela
aproximação de dois sistemas-grupos em recorrentes interações com o objetivo de
autopreservação.
Maturana (2002) dá o nome de autopoiese a essa qualidade de um sistema ou
organismo, e explica que é a capacidade autônoma do organismo de se produzir,
conduzindo sua própria preservação. Ao estender tal conceito aos sistemas humanos, esse
autor afirma que o sistema social autopoiético, mesmo que nele seja possível reconhecer
conflitos, ocorre na recorrência de interações cooperativas, na qual os seres vivos se
realizam como seres vivos. Os grupos sociais, nesse processo, se relacionam em
cooperação, buscando a conservação e estabilidade do sistema no qual estão inseridos. No
centro do processo autopoiético social estão a abertura, a flexibilidade e o diálogo, no qual
acontece o que Maturana (2001, p. 178) chamou de linguajar”, ou seja, a expressão dos
indivíduos no fluxo de informações que geram a construção das redes que constituem o
fundamento social. As relações e seus significados garantem o caráter autopoiético e auto-
regenerador dos sistemas sociais. Morin (2002b) refere que a autopoiese aplicada em um
sistema social se caracteriza pela reorganização incessante desse sistema por meio de
desordens, antagonismos, conflitos, os quais comprometem a organização e ao mesmo
tempo é o que possibilita a sobrevivência ao sistema.
Na relação entre os humanos em um sistema social fica clara a proposta do
pensamento sistêmico complexo em ultrapassar as dicotomias criadas pelo cartesianismo
31
entre o todo e as partes (MATURANA, 2002). Segundo Alves e Seminotti (2006), um olhar
complexo não pode ver o indivíduo e o grupo ou as partes e o todo isoladamente. Trata-se
de uma relação de interdependência que os considera em uma mesma ordem de
importância. Nesse sentido, Morin estabeleceu como princípio da complexidade o
hologramático que sustenta que a parte está no todo, mas que o todo se inscreve, também,
na parte.
Aplicando esses princípios para a questão da prisão, condições de compreendê-la
enquanto um sistema-instituição-prisão e de dar a devida importância aos sistemas-grupos
que compõem esse sistema maior e, em conseqüência, aos sujeitos que integram esses
grupos, qualificando-os como unidades e também como sistemas. Para Morin (1996a,
2002a), o princípio hologramático, unido ao recursivo, sintetizam esse modo de
compreender um fenômeno que envolve o sistema todo e as partes, reconhecendo que cada
uma dessas instâncias é produtora e causa da outra, que por sua vez é produtora de si
mesma. O terceiro princípio, proposto por Morin (1996a, 2003b) e que é fundamental no
pensamento complexo, é o princípio dialógico, o qual propõe se unir e complementar os
dois primeiros, por permitir “um pensamento capaz de unir conceitos que tradicionalmente
se opõem, considerados racionalmente antagônicos, e que até então se encontravam em
compartimentos fechados” (p. 114), ou seja, promovendo o diálogo entre os paradoxos
indivíduo e grupo, grupo e instituição ou parte e todo.
Sintetizando tal questão, Alves e Seminotti (2006, p. 128) afirmam: “o grupo que
produz sujeitos, que, por sua vez, produzem o grupo”. Enfim, “isso significa que se
abandone um tipo de explicação linear por um termo de explicação em movimento circular,
no qual vamos das partes para o todo, do todo para as partes” (MORIN, 1996a, p. 182).
São esses princípios do pensamento complexo, que chamam a atenção para a
necessidade de ligar, unir o conhecimento das partes-elementos ao conhecimento dos
conjuntos ou sistemas compostos por essas partes (MORIN, 1996a). As partes, enquanto
sujeitos-indivíduos, são as impulsionadoras das inter-relações. As diversidades e
singularidades geram o grupo e a própria organização, sendo ele produto e produtor do
sistema (ALVES; SEMINOTTI, 2006).
Na dimensão de um enfoque individual do sujeito-indivíduo-sistema como produtor
e produto do sistema, esse é concebido com autonomia e dependência. Autonomia,
32
enquanto agente que trabalha para construir e reconstruir seu modo de vida e operar com
informações obtidas na relação com outros sistemas e se autopreservar. E dependência, na
medida em que depende da energia e da informação de outros sistemas e meio (MORIN,
2006a). Essas duas instâncias são constitutivas da subjetividade do indivíduo pelo caráter
de possibilitar integrar a um tempo o individual e o coletivo. Isto é, incluir um nós em
meu eu e meu eu em um nós e, assim, introduzir em minha subjetividade os que pertencem
ao meu círculo de relações (MORIN, 2006b).
Assim, busca-se considerar a importância dos processos subjetivos que Alves e
Seminotti (2006), por um olhar sistêmico complexo, concebem o pequeno grupo como algo
produzido em rede e na inter-relação dos indivíduos dentro de grupos sociais, culturais e de
espécies biológicas.
A noção de subjetividade, enquanto idéias, afetos e significados individuais que se
constrói a partir das vivências sociais e da constituição biológica (BOCK, A. M. B.;
FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L), no pensamento sistêmico complexo é expandida pelo
termo intersubjetividade. Esse termo re-significa o individual, elevando a coletividade e
suas relações ao status de determinante do indivíduo e, da mesma forma, dialogicamente,
reconhece a singularidade de cada ator envolvido no processo grupal com sua história e
como protagonista da “realidade” em que está inserido, reafirmando à referida qualidade
de produto e produtor do social.
No que tange os aspectos de intersubjetividade, Morin (2002) refere que o ser
humano se produz na convivência, sendo essa uma necessidade genuína humana; quer
dizer, o social é constitutivo do sujeito, mesmo que dentro dele exista a dicotomia entre o
medo de se relacionar e a necessidade e o prazer de se comunicar com o outro. Se as
pessoas que vivem e trabalham no presídio, em sua organização, forem entendidas como
um sistema social, serão reconhecidas nas relações e na linguagem que elas estabelecem,
como o que Maturana (2001, p. 178) chamou de “coordenações consensuais”, as quais são
comportamentos comunicativos através de símbolos, gestos, palavras, sons, que fazem
sentido aos indivíduos envolvidos nessas comunicações e que produzem e dão identidade
ao sistema ao qual esses indivíduos pertencem.
33
A partir desses conceitos, se objetiva dar ênfase ao preso e ao agente de segurança
como indivíduos e, além disso, reconhecer a importância dos movimentos individuais de
aproximação, comunicação e objetivos comuns na administração de conflitos no presídio.
São essas aproximações, ações solidárias, cooperativas, ou mesmo de rivalidade e
poder, de caráter individual, que se revelam os objetivos grupais. Maturana (1997) refere
que as relações de acoplamento de terceira ordem, aqui entendidas como as interações entre
humanos, são comunicações, trocas de informação, que vão, ao longo do processo, gerando
o sistema social, o qual, por sua vez, gera os indivíduos. Nas palavras de Morin (2006b),
isso seria o já referido “processo recursivo da complexidade” (p. 74).
Alinhado a esse pensamento, Capra (2002b) aponta que os atos comunicativos, que
ocorrem entre humanos, dão origem a mais atos comunicativos e formam a rede social
autopoiética, e é nessa ação que eles se autoproduzem.
Mameluque (2006), referindo-se ao sistema penitenciário, declara que cada
indivíduo tem significativas capacidades de transformar seu ambiente pela linguagem e
pelo trabalho e por agir por si mesmo, decidir. Nessa linha de raciocínio se encontra
Castoriadis (1998, p. 109), para o qual “a natureza e a essência do homem é precisamente
essa capacidade, essa possibilidade em um sentido ativo, positivo não pré-determinado de
ter formas distintas de existência social e individual”.
A capacidade do indivíduo de transformar, interagir, se relacionar e se autoproduzir
enquanto ser humano, como viemos apontando, se processa com a motivação de
preservação. São observáveis as relações que ocorrem em nível cooperativo, mesmo entre
os sujeitos que apresentam diferenças no âmbito das competências e de poder outorgados
pela instituição, como seguranças e presos em uma prisão. Nesse sentido, Maturana (2002)
afirma que num sistema social as interações são baseadas na solidariedade.
Relacionados a esse assunto, autores que estudaram a prisão, como Goffman (2001)
e Bitencourt (1993), afirmam que, nas formas de convivência em uma instituição desse
tipo, pode haver relações de afeto entre os membros da equipe diretiva e os presos e que,
nesse segundo grupo, não existe somente a apologia a valores desviados, visto que são
comuns sentimentos de lealdade, generosidade e confiança mútua. São sentimentos de
simpatia que se estabelecem na prisão, mesmo entre grupos dos quais se espera apenas
34
rivalidade. Portanto, são relações complexas que, em grande parte, reproduzem o que se
observa em qualquer outra sociedade, ou seja, gratidão, generosidade e cooperação.
Ao dar ênfase à colaboração e à cooperação, Maturana (1998, 2002) afirma que um
sistema social é resultado de uma rede de interações cooperativas. Para esse autor, o social
está fundado no reconhecimento do outro (MATURANA, 1997). Em outras palavras, o
social se realiza no acoplamento entre seus membros. A cooperação é que
sustentabilidade a uma rede, e é o que delimita e caracteriza um sistema, buscando
constantemente sua vitalidade, baseando-se em trocas comunicativas, auxílio mútuo e a
aceitação do outro.
Pode-se entender esses aspectos como estratégias de autopreservação do indivíduo
contra doença mental e alívio da angústia perante uma instituição que oferece pressões e
sofrimento psíquico. Nesse caso, a prisão propõe, ao indivíduo que nela habita ou trabalha,
a formação de relações amistosas e de parceria, como gratificação em contrapartida ao
ambiente insalubre, ao risco à integridade física, à disciplina rígida, à hierarquia acentuada
e à desvalorização social.
De outra forma, se a prisão fosse um ambiente de relações exclusivamente de
competição e rivalidade, estar-se-ia diante de uma organização apenas em desequilíbrio,
sem a estabilidade das relações que permite, na recursão, alternar os processos e se re-
organizar.
35
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões aqui realizadas evidenciam que as relações no Presídio Central de
Porto Alegre e, de forma mais abrangente, no sistema penitenciário são complexas e não
podem ser tratadas apenas pela simplificação, mas também pela complexidade. As linhas de
pensamento nessa discussão vêm de inúmeras direções, e, em alguns casos, até se chocam.
Contudo, elas não se excluem, procurando respeitar a multidimensionalidade dos
fenômenos complexos.
Diferentes perspectivas teóricas e conceitos podem trazer contribuições importantes
na articulação de um tema, sem que ocorra uma dispersão teórica ou perda do foco. Nesse
caso, as articulações de diferentes teorias indicaram que o homem preso, integrado a um
grupo organizado na prisão, é um agente que exerce uma força contra pressões vindas do
sistema penal, o qual tem como representantes diretos a instituição e seus agentes de
segurança. E, assim, diretamente no que implica a participação do preso nas facções,
chegamos às simplificações necessárias de que é um processo humano individual, biológico
e social de se relacionar e, ao mesmo tempo, se defender.
Todos esses construtos serviram de base para aprofundar a discussão em torno das
relações que se estabelecem entre os grupos organizados de presos e os agentes de
segurança no PCPA, na perspectiva de que indivíduo, grupo e instituição sejam sistemas
em comunicação, cada um na busca de sua autopreservação, mas também, com interesse na
preservação do sistema mais amplo do qual fazem parte. As relações amistosas e
cooperativas entre os grupos em questão são propostas auto-organizadoras, as quais buscam
o equilíbrio sistêmico como autopreservação do grupo e, por conseguinte, do indivíduo.
No sistema penitenciário, os seus subsistemas-grupos e elementos-indivíduos
interagem em rede, ora desorganizando-se pelas circunstâncias de um sistema em constante
tensão e crise, ora se organizando pela cooperação de seus indivíduos por estados de
preservação.
As relações que se estabelecem nesse ambiente, entre os grupos, possibilitam um
avanço qualitativo no entendimento da questão penitenciária: primeiro, por descortinar
parcerias entre grupos que, por questões de todo o tipo, tendem à rivalidade e, segundo, por
36
mostrar uma estratégia institucional que manutenção aos grupos organizados no interior
da prisão com o objetivo de minimizar os conflitos.
Desde essa perspectiva se propõe pensar o sistema penitenciário a partir da
aproximação de concepções antagônicas. O presídio, que é palco de violência, poder
perverso e preconceito, também demonstra nas relações entre seus internos presos e os
trabalhadores, agentes de segurança, relações de cooperação e solidariedade. O que se
compreende é que esse é um processo natural biológico, humano e complexo de se auto-
organizar e se transformar para melhores condições que vislumbrem a preservação do
indivíduo e do sistema.
Essas considerações, relativas aos fenômenos dos grupos-facções e suas relações
com os grupos de agentes de segurança, sob o enfoque da complexidade, remetem a uma
fidelidade ao pensamento complexo e impõem que se diga que o pesquisador se inclui
como participante, reconhecendo que o fenômeno estudado tem uma dimensão maior do
que o olhar proposto (MORIN, 2002). Nesse caso, o observador, enquanto tal, permanece
necessariamente sempre em um domínio descritivo, vale dizer, em um domínio
cognoscitivo relativo, ou seja, não é possível a descrição de uma realidade absoluta
(MATURANA, 1997). Além disso, nesse momento, no interior do PCPA e sistema
penitenciário, podem estar emergindo fenômenos que provoquem transformações
significativas e, assim, comecem a configurar relações de forma diferente das que se
afirmou aqui. No entanto, para a complexidade, a verdade é sempre relativa, ou seja, “na
ciência lidamos com descrições limitadas e aproximadas da realidade” (CAPRA apud
VASCONCELLOS, 2003, p. 50).
O objetivo principal deste artigo foi dar visibilidade e discutir relações entre grupos,
focando de maneira mais contundente as facções. O autor se colocou na posição de tradutor
das peculiaridades dessas relações de cooperação, sem o intuito de julgá-las do ponto de
vista ético ou de vê-las numa perspectiva de um jogo de poder. Espera-se que uma
compreensão proposta pelo pensamento complexo reconheça os fenômenos de forma
relativa, multidimensional e tecidos em rede e, mais, que seja um modo de desacelerar a
visão parcial que promove o preconceito contra o homem preso.
Enquanto se pensa que os grupos organizados são apenas mais uma expressão da
criminalidade contemporânea, neles estão implicadas as dimensões históricas, econômicas,
37
biológicas, afetivas, institucionais e de interdependência direta com a sociedade, mais
especificamente com o homem livre e comum. Nesse sentido, as facções, demonstram ser
uma emergência e a expressão de um desequilíbrio em um fluxo natural do sistema
prisional e, necessários para sua re-organização.
38
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43
SEÇÃO II A RELAÇÃO ENTRE AS FACÇÕES E O GRUPO DA
ADMINISTRAÇÃO: CO-OPERANDO PELOS PRINCÍPIOS AUTO-
ORGANIZATIVO E AUTOPOIÉTICO
RESUMO
Nesta parte da dissertação, apresenta-se um relatório de pesquisa que aborda os grupos no
sistema penitenciário, especificamente as relações que se estabelecem entre as facções,
composta por indivíduos presos organizados e o grupo de agentes de segurança, constituído
pelos policiais militares que trabalham na segurança do Presídio Central de Porto Alegre.
Justificou o trabalho a carência de estudos sobre as relações entre grupos no interior da
prisão e a necessidade de traduzir as peculiaridades desse fenômeno atual para a academia,
visando promover na universidade um senso de responsabilidade social para com as
demandas do sistema penitenciário. E, para o pesquisador, o estudo possibilitaria um
melhor conhecimento institucional e teórico metodológico das relações grupais. O trabalho
tem como objetivo principal compreender como se organizam as relações entre as facções e
o grupo da segurança, intra e intersistemicamente, sendo essas relações consideradas
estratégias que objetivam administrar e reduzir os conflitos no presídio. Esta pesquisa foi
realizada a partir de uma abordagem qualitativa e pressupostos teórico-metodológicos
sistêmicos complexos, com base nas idéias de Edgar Morin e Humberto Maturana. Os
participantes foram: membro da promotoria de justiça, presos representantes de galeria,
agentes adjuntos da chefia de segurança e integrante da chefia operacional, membro da
direção e técnicos do PCPA. Os instrumentos/estratégias de coleta foram: observação
participante, grupo focal, entrevista semi-estruturada, diário de campo e seminário de
pesquisa. Os resultados indicaram que as relações entre presos e agentes no presídio vêm
sofrendo rearranjos como alternativas para minimizar os conflitos violentos, significando
que o Presídio Central de Porto Alegre é um sistema social complexo autopoiético, que
opera pela lógica da auto-organização em um sentido de preservação dos sistemas-
indivíduos e sistema-instituição.
Palavras-chave: sistema penitenciário; processos grupais; sistemas complexos; Presídio
Central de Porto Alegre;
44
ABSTRACT
This part of the dissertation presents the research report that treats the subject of groups in
prisonal system and specifically relations stablished between prison gangs and security staff
at Presídio Central de Porto Alegre. This research is justified by the lack of studies in this
area and the need to understand the peculiarities of this current fact to the academy, aiming
to promote inside universities a sense of social responsability towards prisonal system. This
study meant to the researcher a possibility to a greater institutional, theorical and
methodological knowledge on group relations. This study has as main objective to
understand how relations between prison gangs and security staff are organized among and
inside the systems considering those relations as strategies that aim to administrate and
reduce conflicts inside prison. This research used a qualitative approach and
methodological theoric aspects of complex systems, derived from the ideas of Edgar Morin
and Humberto Maturana. Research participants were: a prosecutor, prisoners who
represented their gangs, members of the security staff, members of prison board of
directors. The strategies used to collect the data were: participant observation, focus groups,
semi-structure interview, field diary and research seminar. The results indicate that the
relations among prisoners and security staff members are constantly being reorganized as
alternatives to minimize violent conflicts, meaning Presídio Central de Porto Alegre is a
complex autopoietic social system that operates in a selforganization logic leading to the
preservation individuals-systems and instituition-system.
Key words: prison system, group processes, complex systems, Presídio Central de Porto
Alegre.
45
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema o sistema penitenciário e, especificamente, as
relações que se estabelecem entre os grupos/facções, dos quais fazem parte indivíduos
presos organizados e o grupo constituído pelos policiais militares que trabalham na
segurança do Presídio Central de Porto Alegre. No centro da discussão está a idéia de que
no PCPA formam-se relações entre esses dois grupos com o objetivo de administrar, em
parte, a prisão e os conflitos. A questão é reduzir as ações violentas, para que essas não
ganhem proporções de motim e risco de morte, tanto para os agentes, quanto para os presos,
bem como a divulgação na mídia e, conseqüentemente, a repercussão negativa na
sociedade, que tenderia a interpretar esse fato como um descontrole institucional.
As facções atualmente no Presídio Central são três, e essas dividem a tarefa de
controle dos presos, juntamente com os agentes de segurança, no interior da prisão. Elas
produzem normas de conduta e ideologias específicas, o que garante certa animosidade
entre esses grupos. No que se refere à relação das facções com o grupo da segurança, os
anos oitenta e noventa foram o auge das conturbações no PCPA: esses grupos de presos
desencadearam confrontos com grupos rivais, motins, mortes, fugas e greves de fome
(DORNELLES, 2008), todos em represália à forma como eram administradas as questões
na prisão. No centro dos impasses estava a rivalidade entre facções e, também, entre as
facções e agentes de segurança, sendo essa última decorrente das más condições da prisão.
Nesse caso, a tensão promovida pelos presos era uma forma de reivindicar melhorias no
atendimento das necessidades e direitos dos apenados. O marco desse período de distúrbios
violentos foi o motim de 1994 (ELMIR, 2005; COIRO; CASAGRANDE, 1997). Sua
repercussão provocou alterações significativas no sistema penitenciário, tendo como
principal delas a entrega do Presídio Central ao comando da Brigada Militar. Esse motim
ficou registrado, até esse momento, como o último grande conflito violento no PCPA com
repercussões na mídia.
O grupo da segurança no PCPA é composto por soldados da Brigada Militar, que
têm a função de custodiar indivíduos presos pela justiça penal. Nesse sentido, o estudo
focou-se no setor de supervisão, pela característica de ser o local criado especificamente
para tratar das reivindicações dos presos nesse estabelecimento penal, sendo o ponto de
46
ligação, comunicação e negociação entre agentes com cargos responsáveis pela segurança e
líderes dos grupos de presos, chamados representantes de galeria.
Para construir o projeto de pesquisa, contou-se, inicialmente, com a experiência do
pesquisador, como integrante da equipe técnica do sistema penitenciário, a observação
participante simples e sistemática desenvolvida no início do estudo para definir e delimitar
o foco e objetivos e instrumentos da pesquisa e, por fim, a construção teórica desenvolvida
sobre o tema. Nesse trabalho de aprofundamento, as informações inicialmente colhidas,
deram suporte para concluir que o PCPA apresenta, atualmente, novas configurações nas
relações entre os grupos. As facções, pelos seus líderes, e os agentes de segurança, na
figura dos representantes da administração, demonstram aproximações, relações de
cooperação e, concomitante a isso, a diminuição das conturbações e rivalidades que
ocorriam em tempos passados.
As justificativas para esta pesquisa estão na carência de estudos sobre os grupos no
interior da prisão e, especificamente, nas peculiaridades das relações que se estabelecem
entre presos e agentes de segurança, do ponto de vista de sistemas complexos: auto-
organizativo, em Edgar Morin, e autopoiético, em Humberto Maturana. No que cabe à
universidade e sua responsabilidade social, entende-se que estudos neste tema podem dar
visibilidade à comunidade científica e sendo assim, formar parcerias com o sistema
penitenciário para subsidiar programas cnicos e políticas públicas de atenção às questões
da prisão. Para o pesquisador, o estudo se justifica por ser esse tema o seu campo
profissional e pela perspectiva de um melhor entendimento institucional e teórico-
metodológico das relações grupais.
A partir desses dados, o objetivo principal desse estudo foi compreender como se
organizam as relações entre os grupos das facções e da segurança, intra e
intersistemicamente, sendo essas relações estratégias que objetivam administrar e reduzir os
conflitos violentos no Presídio Central. Como objetivos específicos, a pesquisa propôs-se:
conhecer e descrever as ações formais e informais utilizadas pelos grupos facções e
segurança como forma de administração e redução de conflitos; compreender as relações
que se estabelecem no sistema penitenciário entre os dois grupos, objetivando o convívio
amistoso; compreender aspectos subjetivos que motivam os indivíduos e grupos a
estabelecerem relações amistosas; conhecer e descrever rotinas administrativas acordadas e
47
praticadas entre os dois grupos, visando à administração e redução de conflitos violentos e
dar visibilidade acadêmica às relações que se estabelecem entre o grupo de segurança e das
facções no Presídio Central de Porto Alegre.
As relações entre grupos humanos, aqui apresentadas, sob o prisma do pensamento
sistêmico complexo, partem do princípio do conceito de sistema, sendo assim, um conjunto
de indivíduos diferentes, organizados, interagindo em rede e, por Capra (2002b)
conceituado como um padrão de organização não-linear.
Essas interações se caracterizam pelo circuito recursivo, ou seja, os indivíduos
interagem entre si e com o meio, sendo, ao mesmo tempo, produto e produtores do meio, e
é esse processo que dá ao sistema a capacidade de se auto-organizar, operando a produção-
de-si e conservando sua organização e adaptação (Morin, 1996; Maturana, 2002). Nessas
concepções está a qualidade de abertura e clausura do sistema. A abertura, significando a
dependência de energia e informação externa, e a clausura, processo de auto-referência do
próprio sistema no seu processo de autoprodução. Na base desses princípios está a
permeabilidade do sistema com seu entorno, mesmo que sejam os sistemas vivos, a um
tempo, abertos e fechados (MATURANA, 1997; MORIN, 2002a).
Segundo Morin (2002a, p. 274) o “Sistema é uma palavra-raiz para a
complexidade”, enquanto, a palavra complexidade se origina de complexus e significa “o
que está ligado, o que foi tecido junto” (MORIN, 2003b, p. 38). Aplicado ao social, é uma
rede complexa que favorece o crescimento das comunicações e o desenvolvimento dos
indivíduos pela linguagem simbólica, a cultura e o poder (MORIN, 2008). Nesse sentido,
pode-se conceber o presídio, a partir de suas relações, como um sistema social humano
complexo e resultado de uma rede de interações entre seus membros, na qual suas condutas
possibilitam que se realizem como seres humanos na busca de adaptação e preservação.
Para isso, é necessário que suas comunicações sejam coordenadas e consensuais
(MATURANA, 1998), ou seja, que essas comunicações façam sentido para os indivíduos
envolvidos e que sejam produzidas e validadas dentro de um contexto específico. Esse
processo de consenso nas comunicações é que vida ao sistema social. A relação e a
troca, entre dois ou mais sujeitos, em um sistema social humano, é o que vai dar a
identidade estrutural do sistema (MATURANA, 1998). Assim, essas relações, condutas,
interações, quando modificadas, são transformadoras do sistema social.
48
Esse processo é o que Maturana (1997) chamou de acoplamento estrutural de
terceira ordem, como sendo um processo de interação entre humanos, neste caso, entre
grupos humanos, no qual ocorre a troca de informações e comunicações, as quais vão
gerando o sistema social.
A partir disso, concebe-se a capacidade do indivíduo de transformar o sistema, que,
por sua vez, é o indivíduo também passível de ser transformado pelo sistema social
(MATURANA, 1998). Essa capacidade é possível, como se viu, entre indivíduos e sistema
e entre indivíduos e indivíduos, pelo princípio recursivo da complexidade em um sistema
social.
A complexidade sistêmica se expressa, também, na condição de que o todo possui
qualidades e propriedades que não são encontradas nas partes quando consideradas de
forma isolada. De maneira inversa, as partes possuem qualidades que desaparecem no
sistema todo (MORIN, 2002a). Antagônica e complementarmente, isso ocorre mesmo que,
pelo princípio Hologramático da complexidade, a parte esteja no todo e o todo esteja na
parte. Num sentido social, é o mesmo que dizer que o indivíduo e o grupo não podem ser
vistos isoladamente, isto é, são interdependentes e autoproduzidos nessa interação entre
parte e todo (ALVES; SEMINOTTI, 2006).
Para um pensamento complexo, ainda é necessário conceber o princípio dialógico,
permitindo assim assumir a associação de noções contraditórias dentro de um mesmo
fenômeno (MORIN, 2003a). Esse princípio é considerado fundamental dentro do
pensamento complexo, pela sua capacidade de dar suporte para os outros princípios, como
o auto-organizativo e o autopoiético, por aceitar e possibilitar que no mesmo fenômeno
estejam a ordem e a desordem, o equilíbrio e o desequilíbrio, a ruptura e a criatividade e,
também, presente nos princípios hologramático e recursivo no que se refere à
complementaridade e ao antagonismo entre o todo e as partes.
No que interessa a esta pesquisa, os grupos e suas relações no presídio operam
recursiva, dialógica e hologramicamente. Suas relações com suas peculiaridades produzem
o meio-sistema penitenciário e, ao mesmo tempo, o sistema realimenta, reproduzindo estas
relações. As informações produzidas nessas interconexões de indivíduos propõem a
característica organizacional do sistema-meio, que dialogicamente torna imperceptível e
49
inseparável as relações do próprio meio no qual elas se inserem, ou seja, à parte, grupos e
suas relações estão no todo do sistema penitenciário e vice-versa.
Considerando o exposto, a questão que norteou o estudo foi compreender como se
organizam as relações entre grupos, as facções e o grupo de segurança, com diferentes
lógicas e ideologias para construir estratégias visando dirimir conflitos violentos.
2 MÉTODO
2.1 DELINEAMENTO
Esta pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa e pressupostos
teórico-metodológicos sistêmicos complexos, a partir das idéias de Edgar Morin e
Humberto Maturana. Segundo Morin (2003c), pesquisar sob o enfoque da complexidade é
conceber a metodologia de pesquisa como uma estratégia de ação, na qual o conhecimento
e o caminho são construídos ao mesmo tempo. A estratégia conta com as certezas e também
com as incertezas, indicando que o cenário pode ser transformado de acordo com
informações colhidas e, principalmente, pelas emergências que surgem ao longo do
caminho (MORIN, 2003b). A estratégia “é a arte de utilizar informações que aparecem na
ação” (MORIN, 2002a, p. 192) e essas informações constituem certezas para enfrentar as
incertezas da complexidade. Em outras palavras, esse método propõe a simplificação como
modo de assegurar os passos necessários no processo de reflexão e conhecimento. Nesse
sentido, a estratégia, em alguns momentos, privilegia a prudência e estabelece
compromissos; entretanto, conta com a audácia e o risco.
A perspectiva sistêmica complexa implica assumir princípios importantes, tais
como: intersubjetividade, incerteza, interatividade, auto-organização, emergência e
contradição (MORIN, 2003c). Outra questão fundamental é que nesse contexto
epistemológico o observador/pesquisador se insere no processo do conhecimento pela sua
“intervenção perturbadora” no objeto, ou seja, não se pode separar o objeto conhecido da
50
estrutura de conhecimento do sujeito observador (MORIN 1996, p. 280). O conhecimento
ocorre pela interação entre observador, processo de observação e objeto observável,
constituindo, esses todos, o que é o fundamental: o sistema observante.
Maturana refere que o observador, enquanto tal, permanece necessariamente sempre
em um domínio descritivo, vale dizer, em um domínio cognoscitivo relativo
(MATURANA, 1997). Não é possível a descrição de uma realidade absoluta, ou seja, a
realidade é construída sempre pelo princípio da intersubjetividade, impregnada do
observador, caracterizada pelo objeto e relativa ao sistema observante. Nessa linha de
raciocínio, Morin (2002a, p. 192) refere que a complexidade “pede para pensarmos os
conceitos sem nunca -los por concluídos”. Sugere que se consegue isso ampliando o
foco, observando o fenômeno através de relações complexas interligadas em constante
transformação, evolução e auto-organização.
2.2 PARTICIPANTES
1 Integrante da promotoria da vara de execuções criminais.
Internos ou funcionários do Presídio Central de Porto Alegre:
- 1 integrante da Direção;
- 1 integrante da Chefia Operacional;
- 3 agentes adjuntos da chefia de segurança;
- 5 presos representantes de galeria, líder formal das facções, pelo menos um de cada uma
das três facções;
- 6 técnicos, 2 assistentes sociais e 4 psicólogos.
2.3 INSTRUMENTOS/ESTRATÉGIAS
Observação participante, simples e sistemática (notas descritivas e analíticas);
51
Grupo focal;
Entrevista individual semi-estruturada;
Diário de campo;
Seminário de pesquisa.
2.4 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS/INFORMAÇÕES
A coleta foi realizada no Presídio Central de Porto Alegre. Inicialmente, foi
marcado um encontro com Diretor do presídio, no qual foram expostos os objetivos e a
proposta da pesquisa. Depois de aceito pela direção, o projeto foi encaminhado à
Superintendência de Serviços Penitenciários. Obtida a autorização da SUSEPE, realizou-se
a observação simples e participante (GIL, 1999) das rotinas do Presídio, tendo como foco
principal as atividades de segurança e as relações entre grupos de presos, representantes de
galeria e agentes de segurança. Essas observações foram pontuadas em notas descritivas e
analíticas e registradas no diário de campo.
Durante a observação, iniciou-se o processo de definição dos participantes das
entrevistas, por um critério de conveniência. As entrevistas em caráter experimental (piloto)
foram feitas com um indivíduo adjunto da chefia de segurança e um preso representante de
galeria e lider da facção. Depois de elaboração as questões das entrevistas semi-
estruturadas definitivas, essas foram aplicadas nos dois grupos que correspondem a 5
(cinco) agentes de segurança, incluindo o integrante da direção do presídio, o integrante da
chefia operacional e os adjuntos da chefia de segurança e 5 (cinco) presos representantes
de galeria. Ainda foi elaborada e aplicada uma entrevista, específica, ao integrante da
promotoria da vara de execuções criminais de Porto Alegre.
Logo após, foi organizado um grupo com os técnicos, psicólogos e assistentes
sociais do Presídio Central. Utilizou-se a entrevista com o grupo focal, ocorrendo um
encontro com uma hora de duração. Segundo Romero (2000), o grupo focal possibilita uma
discussão genuína entre todos os membros. O objetivo principal desse grupo foi produzir
uma reflexão entre os técnicos e o pesquisador que gerassem informações para análise.
52
As entrevistas e o grupo focal foram gravados e posteriormente transcritos,
compondo o corpus da pesquisa.
Todos os procedimentos de coleta de dados foram precedidos do devido Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, no qual o participante aceita participar da pesquisa.
Durante o processo de coleta de dados, contou-se com reflexões produzidas nos
seminários do grupo de pesquisa, os quais geraram informações para o estudo.
2.5 PROCEDIMENTOS PARA A ANÁLISE DE DADOS/INFORMAÇÕES
Adotou-se como estratégia inicial a Análise Textual Discursiva (MORAES, 2007) e,
a seguir, avançou-se no sentido do emprego do método em Morin. A ATD tem a
característica do que Morin (2006) chama de estratégia, como se referiu, de estabelecer
compromissos, passos, objetivos e ainda, privilegiar a prudência para enfrentar a
instabilidade e as incertezas. A estratégia é o meio fundamental para lidar com a
complexidade, desenvolvendo uma ação sobre um ambiente incerto, reunindo e colhendo
informações e acasos encontrados durante o percurso. Nesse sentido, a ATD e o método
sistêmico complexo, no processo de análise das informações, progridem de forma linear e,
ao mesmo tempo, exigem do pesquisador movimentos em espiral, pois a cada avanço é
necessário o retorno auto-organizativo reflexivo (MORAES, 2007).
O processo em si iniciou com a desconstrução dos textos-discursos dos
participantes. A esses fragmentos desmontados por sentidos, foram dados, pelo
pesquisador, um significado, tendo como base os objetivos da pesquisa, as interlocuções
com o tema e os sentidos emergentes. Às unidades e seus sentidos deu-se o nome unidades
de sentido e o processo completo, unitarização (MORAES, 2007). Aqui, a individualidade
dos participantes se fragmenta, ocorrendo a despersonalização do discurso, ou seja, a
autoria da verbalização perde a identidade de um autor específico, se aproximando do que
poderíamos chamar de: um discurso grupal. Além disso, o pesquisador vai assumindo a co-
autoria do texto, por ser ele quem interpreta e dá um novo sentido às unidades.
53
Esse momento inicial, sob a ótica de Morin (2003b), são passos no sentido de uma
simplificação, para lidar com a extrema complexidade.
O processo seguinte foi a categorização das unidades de sentido, fazendo a
reconstrução do corpus pelo agrupamento das unidades de sentido pelo critério de
semelhança e, também de diálogo entre essas unidades. Assim, fez-se o processo de auto-
organização dos sentidos gerais do corpus da pesquisa, os quais geraram vinte e sete
categorias. Surge assim um outro texto, emergente, como resultado do diálogo entre
múltiplas lógicas, unido pelo processo reflexivo do pesquisador, a partir das unidades de
sentido e dos fragmentos do corpus. Esse instante é extremamente propício ao insight e
aberto às idéias emergentes do pesquisador, crescendo sua participação na autoria do texto.
Depois, mais uma vez, pelo mesmo critério, as categorias foram agrupadas, dando
origem a sete categorias, as quais se denominou categorias intermediárias. E, finalmente,
resultaram as três categorias finais, que serviram de base para a construção do metatexto.
Todo o processo descrito está voltado à produção desse texto, que significa o produto final
da análise-compreensão, sendo esse a própria discussão dos resultados.
No texto final, metatexto ou discussão dos resultados, convergiram os elementos
produzidos pelo próprio pesquisador na sua experiência com o tema, as idéias, as
informações obtidas pelos sujeitos da pesquisa, as construções feitas a partir dos operadores
teóricos, a impregnação com todo o material produzido na pesquisa e, finalmente, como
espinha dorsal na construção deste texto, estão as três categorias finais.
Como forma de melhor clarificar o processo da ATD e a construção do metatexto/
discussão dos resultados, apresenta-se as subseções a seguir, contendo as categorias iniciais
e as finais.
2.5.1 Categorias iniciais
- Omissão do Estado: O Estado renuncia, em parte, à ação de gerenciador do sistema
penitenciário, delegando poder aos presos. O administrador, na resolução dos problemas da
prisão, não pode contar com a participação do Estado. Diante disso, algumas das soluções
encontradas ocorrem com a participação dos presos representantes de galeria na
54
administração da prisão. O Estado indiretamente transfere poder ao grupo para manter a
ordem e o equilíbrio no presídio.
- Técnicos excluídos da relação: Os técnicos, que aqui entendemos como terceiro grupo,
os quais compõem o PCPA, são excluídos das relações entre representantes de galeria e
agentes de segurança. Os técnicos demonstram uma visão crítica e apurada dessas relações
que se estabelecem entre presos, facções e segurança, apontando comprometimentos éticos
nessas relações. As informações a respeito das peculiaridades dessas relações são filtradas
antes de chegarem aos técnicos. Isso se entende como uma estratégia da segurança. Excluir
um grupo interno é excluir as partes do sistema que não negociam.
- Cultura punitiva: Existe uma cultura punitiva na sociedade, que respaldo ao Estado
para se omitir em fazer modificações no sistema penitenciário. Na maioria das vezes o
cidadão comum não se interessa em saber como são as condições de vida na prisão, porque,
de certa forma, ele entende que a prisão, assim como ela se apresenta, opressora, violenta e
desumana, serve de castigo ao indivíduo que transgrediu a norma e, assim, nesse tipo de
prisão, ele tem o que merece e, mais, é exemplo para que outro não transgrida também.
- A criminalidade externa: Os índices de criminalidade têm ligação com as organizações
na prisão. O crescimento e o poder das facções favorecem que essas recrutem cada vez
mais indivíduos para participarem de suas ações. Esse fator contribui para que o indivíduo
continue vivendo numa lógica de exclusão e de rotulação de criminoso por parte da
sociedade. O pertencimento e a dependência à facção coíbem suas iniciativas de caráter
individual, podendo ele ser empurrado ao crime, se o grupo ao qual pertence se organiza
nesse sentido.
- Civilidade como solução: A civilidade representa a atenção aos direitos individuais do
preso e a possibilidade de cumprir a pena em um ambiente salubre, afastando o indivíduo
da dependência de outros presos ou grupos organizados. A civilidade é o inverso do que
ocorre hoje na prisão pela superlotação que leva ao processo de massificação. A
superlotação provoca rearranjos nas formas de conviver na prisão, pela impossibilidade de
todos terem acesso aos direitos fundamentais humanos, incluindo, especialmente, a
segurança física. O ambiente da prisão se torna propício para disputas, submissões e jogos
de poder.
55
- O representante de galeria como mediador: Aquele que fica entre as perguntas dos
presos e a resposta da administração, entre a reivindicação dos grupos organizados e os
encaminhamentos da segurança. O representante faz a negociação com agentes e presos,
figurando fundamentalmente como elo de comunicação entre os grupos. É escolhido como
representante pelos presos com o aval do grupo diretivo da segurança. Assim, é agente e
parceiro na administração da casa e, também, líder dos presos na galeria.
- O representante como agente: O representante é utilizado como propagador da norma
administrativa. Uma das expectativas do grupo da segurança é que o representante de
galeria seja um agente das regras impostas pelo administrador. A cada reivindicação do
grupo de presos que o representante negocia com a segurança, a contrapartida representa
que esses mesmos presos devem seguir as regras de conduta que a instituição os impõe a
fim de continuarem sendo atendidos em suas demandas. Essas normas chegam até a galeria
por intermédio do representante.
- A ameaça como mensagem: Os representantes de galeria anunciam à direção o poder da
sua liderança para incitar distúrbios e, também, sua incapacidade de conter a insatisfação da
“massa carcerária”, como ameaça, quando suas reivindicações não são atendidas. O
objetivo disso decorre do fato de que o indício de descontentamento de um número
significativo de presos início a reuniões motivadas pela direção entre os representantes
de galeria e a administração, sendo firmados acordos para minimizar a motivação dos
presos em provocar distúrbios.
- O líder no interior da galeria: Responsável pela aplicação dos códigos de conduta dos
presos. O representante cobra lealdade, cooperação e apoio nas proposições internas e
externas da facção. Organiza o sistema interno do grupo de acordo com as necessidades do
mesmo. Aproxima o grupo da segurança por meio da parceria ou afasta-o pela ameaça,
propositadamente, como forma de mostrar poder e ter as suas reivindicações atendidas.
- Liberdade como recompensa: O Representante de galeria recebe da direção liberdade de
ação, de decisão e a possibilidade de comando dos presos da galeria, como pagamento dos
serviços prestados à instituição. A autonomia e a liderança do grupo são condições dadas ao
representante pelo reconhecimento de sua importância no funcionamento da casa prisional.
Os acordos que se estabelecem entre o representante e a segurança são considerados de
significativa importância, porque mantêm o presídio menos vulnerável aos distúrbios.
56
- Setor de supervisão - fórum institucionalizado: Lugar onde ocorre o
acoplamento/relação dos grupos facções e segurança. Setor que estrutura e organiza o
PCPA. Nesse espaço, as facções cooperam entre si, em torno das reivindicações. O fórum
tem a característica de aproximar as facções, também, pela possibilidade do encontro físico
de seus líderes.
- Fórum como aglutinador: As reuniões e o setor de supervisão são espaços de troca de
informações e discussão sobre diferentes interesses e modos de ser, que buscam
aproximações, negociações diante das reivindicações. A partir da interação por trocas e
acomodações, os acordos são firmados e os grupos e indivíduos, aproximados.
- Formalidade e informalidade das relações: Formalidade pautada pelas normas, rotinas
e burocracias, envolvendo o setor de supervisão. Existem horários e dias definidos, bem
como documentos/requisições que devem ser preenchidos com as reivindicações dos
presos. A informalidade se caracteriza pelas regalias e concessões e reuniões esporádicas
entre o grupo da segurança e presos para resolução de algum problema emergente. Algumas
vezes, as reivindicações são atendidas quando o cumprimento de normas por parte dos
internos e não somente pelo caráter de direito ou importância da demanda.
- Organização dependente da relação: A organização dos indivíduos e dos grupos está
baseada no bom relacionamento e nas trocas entre os representantes, presos e facções com a
administração/agentes e direção. O relacionamento construído a partir de acordos, trocas e
parcerias estrutura o sistema de forma a superar desavenças maiores e a diminuir as
rivalidades e violências, amenizando os conflitos e equilibrando as relações. Todos
cooperam no sentido de se preservarem num ambiente de risco e tensão.
- Rearranjo das relações: Meio pelo qual os grupos buscam se autopreservar pela
diminuição da rivalidade e, assim, pela minimização da violência. Trata-se da preservação
da ordem e, em decorrência disso, existe manutenção da integridade física dos indivíduos e
sobrevivência dos grupos e do sistema como um todo. Existe um comprometimento entre
os grupos de se relacionarem cooperativamente em acordos, sendo parceiros na
administração da casa.
- Qualidade das relações: São observáveis, também, relações que se caracterizam pela
verdade, a franqueza e a lealdade. Os grupos de presos, na figura de seus representantes, e
os agentes gestores do setor de supervisão se apóiam em relações de confiança como forma
57
de terem segurança e, de certa maneira, poderem prever as ações de um ou de outro grupo.
Entre os indivíduos se inicia um processo de empatia, que condição para minimizar as
disputas de um sistema que historicamente é reconhecido pela rivalidade entre o grupo da
segurança e os presos.
- Uma nova alternativa na administração do PCPA: Ocorreram mudanças na forma de
administrar o PCPA. Existe uma política informal de administração voltada à cooperação
entre os agentes de segurança e presos, na qual a direção reconheceu as facções como
parceiras na condução das decisões no PCPA.
- Origem dos grupos: Os presos se organizam para suprir as suas necessidades. A
afinidade por semelhança das necessidades entre os internos e a criação de uma ideologia
própria, a partir da lógica de homens condenados pela justiça, são fatores importantes para
formação dos grupos em uma prisão. A omissão, parcial, do Estado leva o sistema
penitenciário a uma cultura de massificação, desse modo propondo ao preso o agrupamento
como modo de autopreservação física e psicológica.
- Facção como fenômeno: O sistema penitenciário, a prisão e os grupos de agentes e
técnicos são instituições históricas e burocráticas com objetivos definidos em um espaço
estatal. Os grupos de presos/facções na instituição prisão são um fenômeno emergente que
começou a ter força e reconhecimento institucional nos anos oitenta, sendo que sua
estrutura foge de exigências formais da instituição na qual está inserido e do controle das
leis do Estado.
- Institucionalização da facção: Existe uma iniciativa da administração do PCPA de
institucionalizar as facções e seus líderes. Como forma de delimitar o espaço de cada grupo
em suas galerias específicas e registrar devidamente seus líderes, a direção conta com
documentos em suas rotinas que informam efetivamente a nomenclatura da facção e seu
respectivo líder.
- Cooperação: São movimentos de aproximação pela cooperação, nos quais os grupos de
presos e agentes se reconhecem e unem-se com o objetivo de, juntos, administrarem o
sistema no qual estão inseridos. Os acordos são formados para que, em parceria, sejam
contempladas as necessidades de subsistência e identidade de cada grupo.
- Cooperação como estratégia de controle: O grupo da segurança coopera com os demais
grupos de presos como forma de manter sob seu controle a prisão. Essa estratégia parte do
58
princípio de que, na situação caótica que se encontra o PCPA, a melhor forma de
administrar é dando notoriedade e força às facções. Dessa forma, o Estado delega poder ao
plantão de galeria e ao grupo que representa para que, em parceria, mantenham o sistema
equilibrado. As lideranças recebem o apoio da direção em suas demandas de poder e
autonomia e, assim, não deflagram levantes violentos contra a segurança.
- Caráter involuntário da cooperação: Existe o processo involuntário ou inconsciente da
cooperação, que está relacionado ao caráter de autopreservação e auto-organização dos
indivíduos em um sentido autônomo e biológico dos sistema/indivíduos e dos grupos para a
sobrevivência. A cooperação aparece como um contrato involuntário de sobrevivência.
Nesse sentido, cada grupo busca o poder sobre o outro. Entretanto, acabam dividindo o
poder ora avessos ora complementares em seus ditames ideológicos.
- Cooperação em meio à rivalidade: Os grupos de presos ideologicamente disputam
espaço; entretanto, nas reivindicações de interesse comum a todos, cooperam. Os fóruns de
reivindicação, tais como o setor de supervisão e as reuniões com a direção, são espaços de
aproximação e integração dos líderes das facções. Pela necessidade de diálogo, para
encaminhamento de suas reivindicações, ocorrem processos de empatia entre plantões,
abrindo a possibilidade de reconhecimento do espaço e aceitação da cultura do outro grupo.
- Cooperação no interior da facção: O representante promove ações de apoio aos presos,
principalmente àqueles mais necessitados. Esse líder se encarrega, também, da cobrança de
lealdade aos códigos de conduta internos do grupo, reforçando o convívio pacífico e o
respeito entre os internos. A cooperação e os códigos entre os sujeitos do grupo/facção têm
o objetivo de preservar a ordem e a organização do grupo e a sobrevivência do indivíduo
em um ambiente de risco constante.
- Autopreservação: A cooperação se encontra na lógica da autopreservação, meio pelo
qual os indivíduos na prisão reagem aos riscos ali existentes. Mas, por outro lado, cooperar
em um sistema caótico mostra um sintoma de desistência de um posicionamento crítico.
Existe uma comodidade em funcionar de acordo com os ditames de um sistema em plena
decadência. O indivíduo, diante de sua incapacidade de transformar o ambiente, prefere
cooperar e retirar das relações o mínimo para sua subsistência e segurança.
- Tensão como ponto de equilíbrio: O clima de tensão entre as facções impulsiona o
sistema para um equilíbrio. Nas ideologias dos grupos organizados existem pontos
59
antagônicos que resultam em rivalidade entre eles. A rivalidade entre as facções é o que
impede que essas cooperem e mobilizem-se, reivindicando em parceria contra a
administração. Os descontentamentos e as pressões regionalizadas enfraquecem os
movimentos e facilitam a resolução dos problemas por parte da direção do PCPA.
2.5.2 Categorias finais
- O Sistema externo: Aqui se incorpora as categorias de sentido que estão relacionadas
com as informações e reflexões externas à relação: grupos facções e agentes. Nesse
contexto, estão o grupo de técnicos, o membro da promotoria da vara de execuções e
reflexões, que incluirá a sociedade, e o Estado, na questão da administração do sistema
penitenciário e, especificamente, da característica das relações que se estabelecem entre
agentes de segurança e grupos organizados de presos. Esses dados serão trabalhados sob o
ponto de vista do princípio da complexidade, do grupo como sistema e do sistema aberto.
- As facções, o representante e o fórum de negociações: Essa categoria uniu as categorias
iniciais, que se relacionavam com as facções, o representante de galeria, sua liderança e seu
papel nas relações entre presos e agentes de segurança. No que diz respeito às facções, os
dados se referem à organização, processo de reconhecimento, institucionalização,
participação na administração do presídio e como parte integrante da burocracia
institucional, representada pelas negociações em um setor/fórum específico. Essa categoria
será trabalhada, no metatexto, do ponto de vista do acoplamento estrutural, da recursividade
e da dialógica.
- As relações e a cooperação: No cerne dessa questão estão as peculiaridades das relações
entre os indivíduos e entre os grupos no presídio, ressaltando a cooperação, a parceria, a
tensão e a rivalidade. Aglutinou-se questões ligadas à organização dos grupos na relação
com instituição, motivo das aproximações, como meio, estratégia, e assim um rearranjo da
configuração das relações para a autopreservação dos grupos e do sistema. No metatexto se
prevê que esses dados sejam tratados pelos princípios autopoiético e auto-organizativo.
60
3 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
As informações obtidas através dos instrumentos foram analisadas e compreendidas
segundo os pressupostos do projeto, mas, também, a partir da experiência do pesquisador
no PCPA, como observador que se inclui no conhecimento, ancorado no método sistêmico
complexo.
Para a discussão e reflexão com os operadores teóricos do sistema complexo, é
importante compreender que o fenômeno das facções e suas relações com o grupo da
segurança passam por um processo que permeia um padrão de rede (CAPRA, 2002b). Isso
significa a interconexão e as interferências entre os elementos constituintes de um sistema
na formação do sistema em rede. Nesse sentido, Morin (2005, 2002b) traz a idéia de que
ocorrem emergências e fenômenos a partir da complexidade do todo, da relatividade das
partes, e que essas partes separadas não apresentam as qualidades e as propriedades do
todo. Na complexidade, os fenômenos só fazem sentido quando ligamos as diferentes partes
ou unidades do sistema e sua interconexão com o contexto (MORIN, 2003b).
A partir de Alves e Seminotti (2006), os quais consideram o grupo como um sistema
vivo e complexo, as facções e o grupo de agentes são sistemas integrantes de um sistema
maior, que é a instituição prisão, a qual compõe um todo, interconectada com outros
sistemas mais amplos que, segundo a distinção feita pelo observador, pode ser considerada
contextos. A característica aberta desse sistema, isto é, quando opera na abertura, indica
que sua existência e manutenção é inseparável das suas inter-relações com outros sistemas
e com o ambiente (MORIN, 2002a).
As informações, consoantes com uma compreensão na complexidade, nos fazem
entender que as facções são interdependentes de sistemas externos. O Estado, enquanto
organização e estrutura externa, se mostra agente do crescimento dos grupos organizados
na prisão, pela sua omissão parcial em promover ações que possibilitem uma cultura de
civilidade dentro do sistema penitenciário. Sem a presença do Estado na prisão, para
resolução dos problemas básicos de saúde e, de forma geral, de dar condições de vida digna
ao preso, os agentes de segurança, em meio aos conflitos resultantes disso e a necessidade
de solução, criam meios de administrar a prisão. Isso é exemplificado por esta fala do
61
integrante da promotoria: “[...] como o Estado não está resolvendo os problemas ali
adequadamente, o que acontece é que a pessoa que está ali dirigindo o estabelecimento,
funcionários e etc. Eles precisam resolver esses problemas que são cotidianos, que vão se
repetindo [...]”
6
.
A precariedade e a omissão do Estado, no que diz respeito às condições de vida na
prisão, incrementam a organização dos presos em grupos que constituem facções. O
objetivo dessas é suportar a massificação ao preso, propostas pela instituição, e de
fortalecer as reivindicações, no intuito de serem atendidas. Diante disso, os agentes de
segurança, sem possibilidade de resistência ao poder das facções, dividem com as facções
as decisões administrativas. A instituição, diante das circunstâncias, aceita a participação
dos presos como estratégia para resolver problemas administrativos e como meio de
sobrevivência diante do risco eminente de conflitos violentos.
Segundo as informações coletadas, um dos motivos pelos quais o Estado responde
dessa forma está relacionado à cultura da sociedade. O cidadão comum parte do princípio
de que a prisão deve ter, entre as suas características, uma principal: o poder de punir
severamente o infrator para ser exemplo, para que outros não venham a cometer novos
delitos contra a sociedade, ou seja, o Estado e a sociedade operam em uma lógica centrada,
exclusivamente, na punibilidade.
Assim, existe uma simetria nas posições dos órgãos estatais responsáveis pela
administração PCPA com o que a população em geral compreende como um sistema penal,
e mais, se a demanda da sociedade não passa por soluções na área penitenciária, o Estado,
por questões políticas, tende, também, a não reconhecer isso como uma demanda. Como
refere o funcionário da promotoria de execuções criminais: “[...] as pessoas não cobram e
por não cobrarem o Estado não faz”.
Assim, é possível entender que o Estado e a sociedade constituem o contexto do
qual fazem parte as facções e suas relações no presídio e, também, conceber o sistema
prisional e o PCPA como um sistema complexo, quando se percebe as interações e as
ligações entre elementos em rede para produzir o fenômeno como uma emergência, no
caso, o fenômeno das facções.
6
Fragmentos das verbalizações dos participantes da pesquisa.
62
Essas são resultantes de entrelaçamentos de fatos, comunicações e informações,
sendo sua existência elo da rede e suporte para continuidade dessas mesmas comunicações
por um processo recursivo, no qual os produtos e os efeitos são produtores e causadores do
que os produz (MORIN, 2003a). As facções, com suas ações e peculiaridades nas relações
com a segurança, configuram-se nas políticas de administração das casas prisionais e, por
sua vez, formam a política do Estado para o sistema penal. Entretanto, desse modo o Estado
depende dessa dinâmica dos grupos no sistema para existência do sistema penitenciário.
A forma com se organiza o PCPA, propicia que o Estado ainda tenha certo controle
sobre essa prisão, mesmo que seja a partir de estratégias de divisão de poder com as
facções. Percebe-se que a política prisional do Estado, enquanto elemento fundamental para
a criação das facções, é ao mesmo momento criada e mantida, enquanto política
penitenciária, por essas mesmas facções. Essa questão está relacionada à referida
capacidade dos elementos de serem produtores de fenômenos e, esses próprios fenômenos
produzirem os elementos que os produziram (MORIN, 2003a).
Nesse mesmo sentido de interdependência das facções de sistemas externos, se faz a
reflexão da relação estreita entre as facções, suas ações internas com o aumento da
criminalidade externa. As facções, em seu recrutamento de indivíduos presos, os
impossibilitam de terem autonomia própria, fazendo com que reajam ao encarceramento
pela gica do grupo que pertencem e se identifiquem com a prisão e com a exclusão
propiciada por ela. Nessa direção, ocorreu este questionamento de um técnico do PCPA:
“[...] essa relação de poder [o poder das facções no PCPA], como ela está, né, no que ela
colabora para o aumento de toda essa violência que se fala, que se e o aumento da
própria população carcerária?” e este discurso por parte do membro da promotoria, se
referindo ao sujeito em liberdade “[...] tem gente que opera com o crime em longa escala
fora (presídio), que começou a investir ali dentro”. Assim a organização de presos fornece
ao exterior da prisão um novo indivíduo, que será alvo da justiça penal, pela suposta
continuidade de seu processo de exclusão, aumentando, assim, as taxas de reincidência
criminal. Por outro lado, é importante ressaltar que, a facção que propõe a exclusão social,
dentro da prisão, forma uma rede de apoio com a qual esses mesmos presos contam para
sua sobrevivência.
63
Tendo como base a complexidade e as diversas inter-relações com outros sistemas,
também inclui-se o grupo de técnicos do PCPA nessa discussão, mostrando que esse é
constantemente excluído das relações entre os presos e os agentes. Como esses integrantes
da equipe técnica referiram: “A intimidade das relações (entre presos e agentes) que se dão
lá, nós não participamos dessa intimidade, então o que chega pra nós chega filtrado [...]”
e “[...] é uma relação que é fechada a ferro, né, que a gente percebe, não tem como entrar
nessa discussão”. O caráter oculto dessas comunicações indica que esses dois grupos
buscam formas de se comunicar que importam somente para eles; os ganhos com essa
forma de se relacionar dizem respeito somente aos presos organizados e aos agentes de
segurança, motivo pelo qual excluem interferências de terceiros. Neste caso, operam na
clausura, entretanto, são abertos pra alguns sistemas e pra outros, fechados.
Nesse sentido, Maturana (1997) explica que os sistemas, em um processo de
clausura, se organizam construindo sua própria complexidade e a comunicação nesse
fechamento sistêmico faz sentido somente para o sistema envolvido e seus indivíduos.
Chama-se de auto-referência e se compreende como o caráter autônomo do sistema.
Entretanto, parte-se do princípio de que um sistema social, mesmo com seus fechamentos
localizados, é criado dentro de uma rede, e que necessita da colaboração de cada sistema
para a reprodução da comunicação do sistema maior, demonstrando uma abertura sistêmica
(MORIN, 2002a). Por isso, este estudo se utiliza das informações obtidas com a equipe
técnica, como sistema externo ao objeto de pesquisa, para nortear as discussões no que diz
respeito às peculiaridades das relações entre as facções e agentes no PCPA, que, em linhas
básicas, aparecem neste discurso de um integrante da equipe técnica: “[...] com a população
carcerária do tamanho que tá, ela tem que ter uma relação, os dois (presos e agentes) têm
que trabalhar na mesma linha, de parceria na verdade, porque do jeito que tá.”
Nesse sentido, das peculiaridades que envolvem essas relações entre os dois grupos
em questão, as informações da pesquisa mostraram que, para um primeiro aprofundamento,
é necessário focar no papel desempenhado pelo preso representante de galeria.
O representante tem como função primária expressar, em nome dos presos de uma
galeria específica, as suas necessidades, dando encaminhamento às reivindicações junto à
administração da instituição. No entanto, os dados descortinaram desvios nas atribuições do
64
representante de galeria e expectativas em relação a seu papel por parte dos integrantes da
chefia de segurança.
O representante como agente, enquanto uma categoria inicial desta pesquisa, indica
que é uma figura emblemática criada pelo sistema e respaldada pela direção do PCPA. A
expectativa do grupo da segurança é que esse indivíduo seja um agente propagador das
regras administrativas. No cerne deste processo estão os acordos firmados entre os agentes
de segurança e o representante no atendimento das reivindicações dos presos; ou seja,
essas, quando são atendidas, fortalecem o caminho comunicativo das normas do presídio
através do representante até os presos internos da galeria. Nesse sentido, um adjunto da
chefia de segurança relata: “[...] os representantes de galeria, com essa informação da
supervisão, vão manter a galeria e chamam os presos que empregam aquela galeria e dizem
pra eles, informam a eles que, a partir daquele momento, o procedimento e as condutas
desses presos no interior do presídio, no interior daquela galeria são estabelecidos daquela
forma que a supervisão (setor da segurança) determinou”.
O representante, por outro lado, também faz o caminho inverso, trazendo até a
segurança o discurso do grupo de presos, não somente pelas reivindicações produzidas
diante das necessidades do interior da prisão, mas também pelas discordâncias ideológicas
em relação à forma como a direção e o Estado administram o presídio. Essas mensagens
chegam à segurança muitas vezes com a conotação de ameaça, e indicam que são criadas
no sentido de contrapartida das normas impostas pela segurança. Para exemplificar,
representantes de galeria relataram: “[...] eu disse, todo mundo vendo a situação, a
superlotação, e a hora que encrespar, ninguém vai segurar; uma andorinha não faz verão;
vai da boa vontade de cada um, a Brigada tem visto a situação” e “[...] se eles não conseguir
nada, eu também não vou conseguir segurar o povão [tranqüilizar os internos da galeria]
em cima”.
Apesar de parecer que o representante apenas informa a segurança das
inconformidades dos presos da galeria, sabe-se que, entre os presos, ele é considerado um
líder, assim podendo ser, ele próprio, o articulador desses movimentos reivindicatórios. As
verbalizações a seguir, do representantes de galeria, indicam esse poder e autonomia que o
representante tem entre os presos: “Só aceitei ficar de representante se fosse pra ser da
minha forma, do jeito que eu pensava. Daí, pra começar, foi feita uma reunião e todo
65
mundo [presos integrantes daquela galeria] concordou” e “[...] se eu não tiver pulso dentro
da galeria fica chato”.
Essas duas atividades do representante na qualidade de agente das normas
administrativas e, ao mesmo tempo, porta voz do grupo de presos se complementam,
convergindo para uma terceira atividade verificada: a de mediador, assim exemplificada
nesta fala de um representante de galeria: “Vamos dizer que o representante é uma função,
como se diz, uma função meio complicada; ficar entre os presos e entre a Brigada. Ao
mesmo tempo tem que dialogar com os presos e dialogar com a própria Brigada, com a
direção da casa pra poder ter um consenso dos dois lados [...]”.
Entende-se, então, que o representante, por sua posição estratégica, é o elo entre os
dois grupos/sistemas, presos e seguranças. É ele agente da permeabilidade entre os grupos,
dando condição para que ocorra uma comunicação entre dois sistemas sociais.
Em certo sentido, o preso representante de galeria opera como figura central e
determinante do acoplamento entre os sistemas-grupos. O acoplamento, enquanto interação
entre os grupos envolvidos é fundamental para a conservação do sistema, indicando, assim,
a importância e função do representante nesse processo. Apoiando-se nas idéias de
Maturana (1997) pode-se dizer que o representante propõe o fluxo de comunicação entre
dois grupos-sistemas e, assim, operam-se mudanças estruturais do sistema por relações de
cooperação. Nesse mesmo sentido, Morin (2002d) diria que o processo que envolve o
representante de galeria encadeia relações entre indivíduos e grupos, ligando-os inter-
relacionalmente e tornando-os participantes de um todo auto-organizável em processos
recursivos, de produção de si e preservação dos grupos e do sistema.
A partir dessas considerações teóricas, entende-se que as interações que ocorrem
entre o grupo de presos e os agentes, especificamente pela ação do representante, têm o
objetivo de, constantemente, promover mudanças estruturais nos sistemas grupos e facções
e no sistema prisional, com repercussões no sistema de leis e ordem. A ação das
informações, que converge no representante, possibilita a adaptação/acoplamento dos
grupos às circunstâncias geradas no interior da organização, de um lado pelas
reivindicações dos presos e, do outro, pelas normas institucionais e, da mesma forma, é
auto-organizador do sistema/instituição. Isso significa que o sistema-presídio opera nos
66
princípios auto-organizativo e autopoiético, pela qualidade de formar relações que sejam
arranjos, propostas de autoprodução e sobrevivência.
Os aspectos associados ao papel do representante implicaram em se fazer
associações e considerações aos dados-informações que se relacionam às facções no PCPA.
A notoriedade recebida pelo representante significa o reconhecimento institucional das
facções. Os dados demonstraram que esses grupos são considerados nas suas diferenças
ideológicas e respeitados nas suas normas internas, recebendo autonomia para
administrarem a galeria conforme os ditames específicos das lideranças.
A administração do Presídio Central, em seus registros burocráticos, subdivide a
população carcerária por galerias com o nome do representante e da facção que integra a
respectiva galeria. Além disso, os representantes são recebidos em reuniões periódicas com
a direção, indicando assim que esses estão incluídos nas formalidades administrativas da
instituição, conforme esta fala de um integrante da direção: “São feitas reuniões, até
semanais, com os plantões que são os representantes de todas as galerias com a
administração da casa [...]”.
Por sua vez, as facções demonstram também uma política de aproximação com a
segurança, diferentemente do que acontecia, segundo dados históricos, nos anos oitenta e
noventa, quando o PCPA era palco de motins e fugas decorrentes da rivalidade entre presos
e administração, como exemplificam estes representantes de galeria: “Tá na maior paz do
mundo. Logo quando eu cheguei tinha uma guerra (conflitos violentos), logo depois que eu
entrei, eu e o outro assumimos, não queremos guerra [...]” e “[...] Sendo o maior presídio da
América Latina (PCPA) e dizer que tem paz? É, não é fácil, mas tem, tem paz aqui”.
As aproximações recíprocas entre o grupo da segurança e as facções o expressas
nos acordos: os presos, para que suas reivindicações sejam atendidas, e o grupo de agentes,
como forma de assegurar que não ocorrerão conflitos violentos que coloquem os grupos em
risco. Essas duas posições aparecem nestas citações de um agente de segurança: “A relação
é realmente bem amistosa, no sentido de que sempre se preza pelo respeito [...], eles
respeitando a guarda, com certeza a guarda vai encaminhar os pedidos deles” e “[...] a gente
faz esse balanço aqui de negociação com eles, pra eles manterem a casa tranqüila”. Por
outro lado, os presos dizem: “Não adianta nós bater de frente com eles, discutir com eles,
67
tem que ser no diálogo mesmo, no diálogo, pra poder dar continuidade, pra poder
reivindicar [...]”.
As informações obtidas e o contexto referido dão a idéia de estratégias bem
definidas e as intencionalidades de cada grupo, no que diz respeito a satisfazer suas
necessidades nesse contexto prisional. Entretanto, essas falas do membro da promotoria
trazem outra questão: “[...] isso não é que seja vontade de alguém, tudo é conseqüência;
produziram isso da maneira como está [...]” e “não é consciente, mas é o que vai se fazendo
ao longo do tempo”. Essas informações, vistas pelo princípio dialógico, permitem que se
pense no caráter involuntário dessa ação/relação. Segundo Morin (2003a), o dialógico une,
torna complementares duas noções, à primeira vista antagônicas, numa mesma realidade.
Assim, a cooperação observada nas informações de pesquisa é a recorrência de interações
que resultam em um sistema social e no qual os seus integrantes se modificam para uma
adaptação com vistas à preservação dos sistemas, ou seja, adaptam-se e preservam-se,
assim operando pela intencionalidade humana/biológica de autopreservação associada à
intencionalidade social (MATURANA, 1998, 2002). Esses achados sugerem que a
cooperação é uma finalidade do sistema social e que ocorre como atividade espontânea de
coexistência entre humanos (MATURANA, 2002).
No interior dos grupos organizados de presos, as informações indicam que um
significativo processo de formação de relações cooperativas, fenômeno esse comentado
por Sallin e Seminotti (2005). As facções, a partir de sua liderança, formam redes de apoio
ao preso e a seu familiar, como também, de forma menos contundente, relações de
cooperação entre líderes de facções diferentes. No que diz respeito aos presos comuns
(aqueles que não compõem as líderanças), esses formam as comunidades no interior da
prisão com base também nas relações cooperativas. Estas falas dos representantes de
galeria demonstram essas afirmações: “lá a gente vai ajudando um ao outro, de vez em
quando um pacote de fumo, uma cebola, até mesmo passagem pra visita [...]” e “[...] entra
um dinheiro, a gente tem esse dinheiro pra ajudar, pra ajudar os outros, é um dinheiro
que a gente ajuda os outros lá, é um dinheiro nosso” e entre representantes, “Até tendo
um diálogo com as outras galerias e os outros representantes pra um ajudar o outro [...]”.
No que se refere especificamente a esse último depoimento, que demonstra uma
maior aproximação entre os representantes das galerias e líderes das facções, essas relações,
68
entretanto, continuam mantendo uma tensão pela rivalidade oriunda das diferenças
ideológicas. A tensão, a rivalidade e o afastamento impedem que os presos unam suas
facções e cooperem nas reivindicações. Por outro lado, a administração do PCPA conta
com essa rivalidade e desunião dos grupos para que não ocorram levantes reivindicatórios
de proporções que desestabilizem a instituição, colocando em risco o grupo da segurança e,
assim, passando para a sociedade uma idéia de fragilidade do sistema.
No caso do grupo dos agentes de segurança, a cooperação nas relações com o preso
parte da necessidade de tornar o ambiente do presídio menos áspero, pois as condições que
se apresentam nesse ambiente, tanto física, quanto psicológica dos seus internos, anunciam
um local propício a conflitos de toda a ordem. Em outras palavras, com relações amistosas,
o agente de segurança se defende da doença mental e alivia a angústia perante uma
instituição que oferece pressões e riscos, e assim sofrimento psíquico. Aqui se reproduz um
discurso que refere a pressão psicológica sofrida pelo trabalhador do PCPA. “[...] parte
dessa coisa básica do medo, porque não como dentro e não ter medo, nós aqui em
cima, quando bate a campainha (sinal de alerta que precede a retirada dos funcionários do
presídio, por risco de motim) todos nós temos medo, e o que a gente quer é sair correndo
daqui [...]”.
No centro da discussão dos dados de pesquisa, até aqui, estiveram as peculiaridades
das relações entre o grupo das facções e seu líder com o grupo da segurança e direção do
PCPA. A partir dessas relações, que demonstraram um processo cooperativo em um
sistema reconhecido pelas rivalidades dos grupos em questão, sugerem uma análise e
compreensão a partir dos conceitos de autopoiese, de Maturana, e de auto-organização, de
Morin.
Segundo Maturana (2002), o sistema social se origina na conduta de seres vivos
numa rede de interações, na qual eles se configuram na sua adaptação e organização, assim
se realizando como seres vivos, no caso de um sistema social humano, se realizando como
seres vivos humanos. Nesse sentido, parte-se do entendimento de que as relações,
interações e comunicações entre grupos e pessoas no presídio se configuram num sistema
social, no qual seu limite ou membrana é a instituição.
Os dados mostraram que as relações nesse sistema social vêm sofrendo rearranjos,
como alternativa para minimizar os conflitos violentos causados pelas rivalidades entre
69
agentes e presos. Esse atual momento responde à necessidade de autopreservação dos
grupos envolvidos e do sistema/instituição de maneira geral.
Morin (2002c) refere que os sistemas sociais estão em constante processo de
reorganização e autopoiese. Esses sistemas se organizam a partir de interações entre
pessoas e grupos, nos encontros, trocas, cooperações, solidariedade, rivalidade,
concorrência e conflitos. A autopoiese, como diz o próprio termo, significa: criar-se,
produzir-se; é a condição de um sistema de se autopreservar através da conservação de si
mesmo (MATURANA, 1998).
Dessa forma, entendemos que o sistema penitenciário, nos tempos de grande
desordem, era presságio de tempos de acomodações e ordem e sinal de novas desordens. Os
sistemas, inclusive os sistemas sociais, contam com um elo substancial entre
desorganização e organização, ou seja, é um caráter paradoxal, a desordem nasce da ordem,
a qual gera a desordem. O universo se recria constantemente de um antagonismo e
complementariedade entre ordem e desordem (MORIN, 2005). Mas devem-se conceber
essas desordens, também, a partir de seu potencial criativo, como desvios que dão
condições ao sistema de promover transformações, isto é, grandes avanços no
conhecimento e mudanças sociais importantes se deram por “rupturas, e brechas” na forma
de idéias que contestavam as normas estabelecidas (MORIN, 1998, p. 39). Isso significa
que é necessário o “ruído” para manter a ordem viva (MORIN, 2002a).
Os tempos de crise, instalada nos motins e fugas no PCPA, criaram
espontaneamente meios, estratégias e condições para que novas formas de se relacionar
acontecessem, para recuperar e reequilibrar a instituição. As facções que foram grandes
responsáveis pelas atribulações no PCPA nos anos noventa, com a sua institucionalização
hoje, são responsáveis pela “estabilidade” da instituição. No entanto, essas organizações de
presos cresceram de forma a estarem presentes em quase todas as casas prisionais. As
facções conquistaram autonomia e reconhecimento para, juntamente com as equipes de
segurança, administrarem as casas e assim assumirem o controle de uma parcela do sistema
penitenciário, provavelmente a parcela que o Estado renegou.
Um dos fatores relacionados ao momento atual do PCPA, que merece reflexão e
questionamento, é a impossibilidade de uma grande parte dos seus presos de serem
transferidos para outros estabelecimentos, principalmente para casas de regime semi-aberto
70
controlados por uma facção que não a mesma que esses presos tenham participado ou pelo
menos convivido na mesma galeria do PCPA. Esse fator está presente no depoimento de
um técnico: “[...] então quando eu chegar fora, mesmo que eu não tenha participado de
nada (participado da liderança da facção), mesmo que eu tenha ficado no fundo da
galeria, eu saio daqui com uma marca, eu sou da facção tal, então eu posso até não poder
estar em algum lugar (ser perseguido no regime semi-aberto)”.
A característica, relativa a perseguições a presos de facções rivais no sistema
penitenciário e PCPA, indica ser responsável por grande parte das fugas no regime semi-
aberto (SALLIN, 2003). Essa realidade está alertando as autoridades para uma retomada,
por parte do Estado, da parcela que cabe ao Estado na administração do sistema
penitenciário. Pode-se compreender que essa perspectiva vislumbra um novo conflito, pois
implicará em transformações relacionadas à destituição de poder delegado aos grupos
organizados e seus líderes. Esse seria mais um processo emergente, entretanto, que
significaria, como Morin (2002d) explicou, um fluxo do sistema que alimenta o próprio
sistema, sendo o desequilíbrio, o desvio, a ruptura e a brecha más, que é remanescente do
equilíbrio (MORIN, 1998).
71
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final da pesquisa, evidencia-se que as relações entre as facções e o grupo dos
agentes de segurança no PCPA são relações complexas e respondem ao processo auto-
organizativo dos sistemas sociais. No centro dessas relações estão, dialogicamente, a
rivalidade ideológica e a cooperação. Os grupos buscam a parceria na administração do
presídio para, voluntária e involuntariamente, se autopreservarem, pois um sistema social,
que opere somente pela lógica da competição ou da rivalidade, aponta para degeneração
desse sistema.
No PCPA, os conflitos advindos das reivindicações dos presos incitaram processos
de aproximação do grupo da segurança com as facções, e essas aproximações resultaram
em parcerias para fazer a gestão do presídio. Assim originou-se a autonomia das facções e
de seus líderes, os quais atualmente controlam uma parcela muito grande do sistema
penitenciário. Nesse momento, germinam questionamentos na opinião pública e nas
autoridades da justiça penal a respeito dessa institucionalização de grupos organizados na
prisão, podendo ser considerado um desequilíbrio institucional e indicar a necessidade do
retorno de um maior controle do Estado nesse setor. Com isso, mostram-se os movimentos
em recursão do sistema, de equilíbrio, de ordem, e de desequilíbrio e de desordem, e
lembra-se que a referida desordem, como explica Morin (2002c, p.193), “não significa
apenas agressão, delinqüência, mas também liberdade, iniciativa, ou mesmo criatividade”.
Para finalizar, é importante que se considere o limite de um estudo no qual o
fenômeno é complexo e que, a todo o instante, novas configurações estão surgindo,
acentuando a necessidade de maiores estudos no tema. Deve-se levar em conta, também,
aqueles dados que, até este momento, não se integraram à discussão, por não fazerem parte,
ainda, das estruturas do conhecimento do pesquisador. O que se quer dizer é que o
pesquisador/observador procurou ser um tradutor das relações entre grupos no PCPA,
entretanto, sua tradução ficou restrita e relativa ao seu processo de conhecimento.
72
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75
CONSIDERAÇÕES FINAIS DA DISSERTAÇÃO
Considerando o estudo como um todo, tanto em sua seção teórica, quanto empírica,
o pesquisador procurou formular reflexões: primeiro que fossem coerentes com as idéias
obtidas em seus oito anos de experiência de trabalho no sistema penitenciário e, depois, que
promovessem avanços no entendimento dos processos sociais em um campo pleno de
controvérsias, no qual, atualmente, o senso comum, a dia e as ciências jurídicas são
quem tomam a frente das discussões e, em geral, são as que prevalecem sobre as demais.
O construto teórico correspondente à primeira seção, apresentou pontos que
serviram de suporte para se pensar o que seria importante em um trabalho empírico. Pontos
como o homem preso, o grupo e a instituição foram tecendo um campo e, ao mesmo tempo,
aproximando compreensões e reflexões propostas por uma observação feita pelo
pesquisador às questões teórico-metodológicas de um estudo científico.
O trabalho teórico no tema das facções abriu a possibilidade para entendimentos,
principalmente no que diz respeito à instituição e suas implicações no fenômeno, para que
se fizesse um afastamento das compreensões que qualificam os grupos organizados de
presos como apenas uma expressão da criminalidade contemporânea, e tratados, quase que
exclusivamente, dessa forma. A responsabilidade atribuída ao poder público pela omissão e
a ação institucional estratégica na manutenção das facções abre precedentes para que se
penetre em questões que envolvem o Estado, o presídio e o grupo de agentes .
O Estado aparece como aquele que se omite, em parte, diante de várias demandas
sociais, inclusive as do sistema penitenciário. De certa maneira, o Estado responde à lógica
de uma sociedade que considera exclusivamente a punição como a forma de resolver o
problema da criminalidade. Nesse contexto, as questões que recaíam somente sobre o
preso, no que diz respeito a sua motivação para continuar a prática criminal e o desinteresse
em se incluir na vida social, tomam outras formas e se diluem em um campo complexo,
macro e em rede.
O mesmo se mostra quando se propõe incluir nessa discussão a instituição e, por
conseguinte, o grupo de agentes de segurança. A instituição, sem a possibilidade de se
omitir, por ser constituída, em parte, pelas facções, propõe uma resposta ao fenômeno e se
põe aberta a aceitar relações que contribuam para a “ordem” do sistema prisão. Nessa
76
lógica, a ética, em alguns momentos, dá lugar à necessidade de autopreservação, e promove
aproximações e parcerias entre sistemas-grupos como forma de sanar a omissão do poder
público.
Mesmo que tenhamos nos aprofundado necessária e demasiadamente nas questões
relativas às relações entre os grupos, e mesmo nas questões institucionais, está, de forma
subjacente, no centro deste estudo, as motivações individuais tanto de um homem preso,
inscrito em um contexto de exclusão, internado em regime fechado, como, de outro lado,
outro homem, agente de segurança, pertencente a uma história burocrática institucional.
Segundo se conclui, esses dois indivíduos com os mesmos temores respondem na lógica da
autopreservação, ou seja, cooperam em suas relações para dirimir conflitos que levem risco
a suas próprias vidas.
Com isso, levanta-se a questão de que a dicotomia entre certos e errados ou
mocinhos e bandidos somente afasta a confrontação que chama a sociedade civil, e mesmo
a acadêmica, para a reflexão das conseqüências da exclusão social. A exclusão se apresenta
tanto no preso, pela sua possibilidade de acessar uma subjetividade no fluxo da sociedade
como um todo, significando estar sempre à margem da cultura da economia e da liberdade
de expressão, como também no agente de segurança, por ser esquecido no interior da
instituição e, assim, por sua conta, ter que criar mecanismos de adaptação e defesa contra
um ambiente propício à violência.
Entretanto, não se quer ser ingênuo e pensar que nesse contexto não existem, tanto
de um lado quanto de outro, responsabilidades por parte do próprio indivíduo, pela forma
como opera e responde ao sistema e, de certa forma, se exclui dos processos e relações
construtivas. Mas sim, propor um entendimento que abertura para que se aceite também
outras lógicas, as quais se relacionam ao operar de um sistema-instituição que necessita de
civilidade e humanização.
Isso está diretamente ligado à forma que a pena privativa de liberdade e a prisão
estão hoje organizadas no seu modelo e em seus objetivos. Certamente uma instituição na
qual, em seus preceitos, está a inclusão social paulatina de alguém que praticou um delito,
mas que na verdade, propõe cada vez mais exclusão, responderá a essa contradição e, como
se vê, muitas vezes, de forma traumática, pela violência e pelo desequilíbrio institucional.
77
Nesse sentido, a complexidade enquanto pensamento faz perceber que tudo se
relaciona com tudo, e o fenômeno das facções, a instituição prisão e os grupos estão sendo
gerados em uma teia de inter-relações recursivas entre a sociedade, o poder público, a
mídia, a cultura, a economia e, inclusive, o indivíduo comum. Pensar complexamente é
deixar que diferentes lógicas de diferentes direções convirjam em um fenômeno sem que
isso leve a uma dispersão, e sim favoreça uma compreensão mais madura e, além disso,
proponha uma capacidade de considerar a importância e o fluxo das comunicações
sistêmicas com suas emergências e desvios.
Entretanto, além dessa complexidade, que procura entender os fenômenos pelas
suas conexões multidimensionais, acoplamentos, rede, e pelos princípios básicos do
pensamento sistêmico, na qualidade de um referencial teórico-metodológico, existe um
pensar sistêmico complexo, o qual é validado na disposição do observador em aceitar
genuinamente a complexidade de seu olhar sobre o objeto. O pesquisador, na produção-
reflexão, vai se autoproduzindo e humildemente revendo constantemente seus conceitos,
ora fortalecendo-os ora desconsiderando-os.
Esse movimento se faz caminhando com desapego às idéias e aberto ao
contraditório no sentido de um olhar dialógico. Esse princípio complexo, mais do que um
fundamento, é uma postura diante do diferente, do que não é nosso, propondo uma visão
daquilo que não é habitual, cotidiano e familiar, ou seja, do que não é evidente e, assim,
entender que idéias e conceitos individuais são possíveis apenas, entre tantas outras idéias.
Tudo isso se resume em necessárias mudanças paradigmáticas, proposta principal
deste estudo e, que na sua essência, é uma traduções de processos internos de um sistema
pouco explorado. Assim, espera-se que a visibilidade acadêmica possa operar como
formadora de parcerias entre os campos da ciência e a instituição prisão, dando condição de
reflexão e ação para questões dos indivíduos presos e do trabalhador do sistema
penitenciário.
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APÊNDICE A– ENTREVISTAS INDIVIDUAIS SEMI-ESTRUTURADAS
Os três modelos de entrevistas neste apêndice se subdividem em: a) Entrevista
destinada ao integrante da direção, integrante da chefia operacional e agentes adjuntos da
chefia de segurança; b) Entrevista destinada aos presos representantes de galeria; c)
Entrevista destinada ao integrante da promotoria de execuções criminais e essas pretendem
colher informações que estejam relacionadas com objetivo principal desse estudo, o qual
consiste em compreender como se organizam as relações entre os grupos das facções e da
segurança, intra e intersistemicamente, sendo essas relações estratégias que objetivam
administrar e reduzir os conflitos violentos no Presídio Central.
a) Entrevista destinada ao membro da direção; membro da chefia operacional;
agentes adjuntos da chefia de segurança.
1 Que tipo de trabalho é desenvolvido no setor de supervisão, partindo do princípio que é
neste local onde a equipe de segurança se comunica com os representantes de galeria?
2 Qual a importância deste trabalho no setor de supervisão para o Presídio Central ?
3 Qual a linha de procedimento adotada pela equipe de segurança em relação ao tratamento
e a relação com os plantões representantes de galeria?
4 Como você procura se relacionar com os presos representantes de galeria?
5 Existe alguma relação entre o trabalho que é desenvolvido no setor de supervisão e a
diminuição dos conflitos violentos?
b) Entrevista destinada aos presos representantes de galeria.
1 Você como representante de uma galeria, como se relaciona com os agentes de segurança
do setor de Supervisão?
2 Como você acha que deve ser o relacionamento de um preso com o pessoal da segurança
e por que?
79
3 Diante das reivindicações, existem dificuldades para chegarem em um entendimento,
acordo?
4 Qual o procedimento adotado por você, quando não ocorre um entendimento no primeiro
momento, acordo?
5 Qual a melhor forma dentro da prisão para se chegar em um acordo?
6 Ceder faz parte de uma maneira de se relacionar na prisão?
7 Que tipo de relação entre o grupo de presos e o grupo de agentes é necessário para manter
o clima tranqüilo, sem violência e sem brigas?
8 Existe diálogo/relacionamento entre os presos de diferentes grupo?
9 Existe diálogo/relacionamento entre os representantes de galeria, se existe como são essas
relações?
10 Quanto à rivalidade entre os grupos, como ela está hoje no PCPA?
11 Todos os dias o representante de galeria leva reivindicações para a segurança e que tipos
de reivindicações são feitas?
12 Como é o relacionamento de vocês do mesmo grupo dentro da galeria e como são
administrada as coisas lá dentro?
c) Entrevista destinada ao membro da promotoria da vara de execuções criminais
1 No que se refere as facções no Presídio Central de Porto Alegre, qual a sua posição e
entendimento em relação ao seu crescimento atual e as implicações destas facções para o
sistema penitenciário e para os presos?
2 Como você interpreta as relações que se estabelecem entre a administração e grupo de
segurança com as facções.
4 Qual a melhor forma de administrar o sistema penitenciário e o PCPA. Da forma como
eles estão organizados hoje, dividido em grupos, superlotação e etc.?
5 Porque que as conturbações, motins e conflitos violentos, mesmo diante de uma crescente
população carcerária, eles diminuíram?
80
APÊNDICE B – GRUPO FOCAL
O objetivo do grupo foi produzir uma reflexão e discussão entre os técnicos
psicólogos e assistentes sociais do PCPA, mediada pelo pesquisador e com o foco nas
relações entre os grupos das facções e da segurança, intra e intersistemicamente, sendo
essas relações estratégias que objetivam administrar e reduzir os conflitos violentos no
Presídio Central.
A técnica do grupo focal propõe que cada integrante reflita e fale o que quiser sobre
o tema proposto, sem interrupções ou críticas. O pesquisador tem a função de construir
algumas questões consensuais entre os integrantes do grupo e propor que a discussão se
desenvolva focada no tema.
81
APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(entrevista individual semi-estruturada)
Prezado(a) participante:
Sou mestrando em Psicologia Social da Faculdade de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Estou realizando uma pesquisa sob
supervisão do professor Dr Nédio Seminotti- CRP 07/0529, cujo objetivo é: Discutir e
compreender como se organizam os grupos das facções e o grupo da segurança na
construção de estratégias para administração e redução de conflitos no Presídio Central.
Sua contribuição será participar de uma entrevista que será gravada se assim você
permitir, e que tem a duração aproximada de quarenta e cinco minutos.
A participação nesse estudo é voluntária e se vodecidir não participar ou quiser
desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta liberdade de fazê-lo.
Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais
rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam identificá-lo(a).
Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você estará
contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para a produção de
conhecimento científico.
Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas pelos
pesquisadores: Vinícius Sallin 91169175, pelo professor orientador Nédio Seminotti fone
33203500, Ramal 7747 ou pela entidade responsável Comitê de Ética em Pesquisas da
PUCRS, fone 3320 3345.
Atenciosamente,
Professor Orientador
___________________________
Nedio Seminotti – CRP 07/0529
____________________________
Local e data
Pesquisador
___________________________
Vinícius Sallin – CRP 07/08547
Matrícula: 07190838
____________________________
Local e data
Consinto em participar deste estudo e declaro ter recebido uma cópia deste termo de
consentimento.
_____________________________
_____________________________
Nome e assinatura do participante
______________________________
Local e data
82
APÊNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
(grupo focal)
Prezado participante:
Sou mestrando em Psicologia Social da Faculdade de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Estou realizando uma pesquisa sob
supervisão do professor Dr Nédio Seminotti- CRP 07/0529, cujo objetivo é: Discutir e
compreender como se organizam os grupos das facções e o grupo da segurança na
construção de estratégias para administração e redução de conflitos no Presídio Central.
Sua contribuição será participar de um grupo focal, que será gravada se assim você
permitir, e que tem a duração aproximada de uma hora.
A participação nesse estudo é voluntária e se vodecidir não participar ou quiser
desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta liberdade de fazê-lo.
Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será mantida no mais
rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam identificá-lo.
Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você estará
contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para a produção de
conhecimento científico.
Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas pelos
pesquisadores: Vinícius Sallin 91169175, pelo professor orientador Nédio Seminotti fone
33203500, Ramal 7747 ou pela entidade responsável Comitê de Ética em Pesquisas da
PUCRS, fone 3320 3345.
Atenciosamente,
Professor Orientador
___________________________
Nedio Seminotti – CRP 07/0529
____________________________
Local e data
Pesquisador
___________________________
Vinícius Sallin – CRP 07/08547
Matrícula: 07190838
____________________________
Local e data
Consinto em participar deste estudo e declaro ter recebido uma cópia deste termo de
consentimento.
_____________________________
_____________________________
Nome e assinatura do participante
_____________________________
Local e data
83
84
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S168f Sallin, Vinícius Ricardo
As facções e o grupo da segurança no Presídio Central de Porto Alegre
: relações em um sistema social complexo / Vinícius Ricardo Sallin.
Porto Alegre, 2008.
83 f.
Diss. (Mestrado em Psicologia) – Fac. de Psicologia, PUCRS.
Orientador: Prof. Dr. Nedio Seminotti.
1. Psicologia. 2. Relações Interpessoais. 3. Grupos
(Psicologia). 4. Presídio Central de Porto Alegre. 5. Sistema
Penitenciário. 6. Sistemas Complexos. I. Seminotti, Nedio.
Bibliotecária Responsável: Dênira Remedi – CRB 10/1779
Livros Grátis
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