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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
IOHANA BRITO DE FREITAS
CORES E OLHARES NO BRASIL OITOCENTISTA:
os tipos negros de Rugendas e Debret
NITERÓI
2009
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IOHANA BRITO DE FREITAS
CORES E OLHARES NO BRASIL OITOCENTISTA:
os tipos negros de Rugendas e Debret
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em História Social da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História Contemporânea I
Orientador: Prof. Dr. RONALD JOSÉ RAMINELLI
NITERÓI
2009
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoa
F866 Freitas, Iohana Brito de.
Cores e olhares no Brasil oitocentista: os tipos negros de
Rugendas e Debret / Iohana Brito de Freitas. – 2009.
143 f. ; il.
Orientador: Ronald José Raminelli.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de
História, 2009.
Bibliografia: f. 136-143.
1. Arte Brasil Século XIX. 2. Debret, Jean Baptiste, 1768-
1848. 3. Rugendas, Johan Moritz, 1802-
1858. 4. Negro na arte. I.
Raminelli, Ronald José. II. Universidade Federal Fluminense.
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia III. Título.
CDD 709.81
IOHANA BRITO DE FREITAS
CORES E OLHARES NO BRASIL OITOCENTISTA:
os tipos negros de Rugendas e Debret
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em História Social da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial
para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História Contemporânea I
Aprovada em de de 2009.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. RONALD JOSÉ RAMINELLI – Orientador
UFF
Prof.ª Dra. ANA MARIA MAUAD
UFF
Prof.ª Dra. MARIA INEZ TURAZZI
MUSEU IMPERIAL DE PETRÓPOLIS
Prof.ª Dra. ANA MARIA TAVARES CAVALCANTI
EBA -UFRJ
Niterói
2009
AGRADECIMENTO
Sempre soube que gratidão é difícil de expressar em palavras, mas se assim tem de ser,
assim será. Agradeço então à minha querida mãe pelo amor, compreensão, incentivo e
exemplo de força e determinação. Ao meu pai, por ser simplesmente o melhor pai do mundo.
À minha tia Fátima e meu tio Francisco, meus segundos pais, por me receberem com tanto
carinho e dedicação durante todos os anos da faculdade, contornando pacientemente as crises
e me proporcionando muitas alegrias. Enfim, agradeço a toda família pelo incentivo, pela
acolhida (principalmente os lanchinhos da vovó no final da tarde) e pela torcida.
Ao Jorge, meu esposo, amigo e companheiro, agradeço o colo, a calma, o carinho e
tudo mais que tem me proporcionado em nossa viagem pela vida, principalmente por acreditar
sempre e nunca perguntar “está acabando?”. Aos felinos-filhotes Rugendas (por que será?) e
Smurfete, por dividirem horas e mais horas na frente do computador, sempre a meu lado.
Aos amigos queridos – àqueles de longa data, aos que conheci no percurso da “hisria e
aos mais recentes (ou nem tão recentes assim...) – que me “obrigaram” a respirar fora da
dissertação, me apoiaram e animaram nas horas em que quase não acreditava mais. Especialmente
à Fernanda, pelas trocentas leituras (por falar nisso, o fique com bronca do Debret ou do
Rugendas, eles não tiveram culpa), verificações de coeo, coencia, ponto, vírgula e muitas
interrogações... Amiga de todas as horas, meu anjo da guarda.
Agradeço à querida professora e amiga Martha Abreu e à professora Ana Mauad, o
apoio, as críticas e sugestões por ocasião da qualificação. Em memória, à professora Fátima,
que sabiamente afirmou: “a vida é feita de escolhas”. E se tenho que me orgulhar de alguma
escolha, que seja a do orientador e mestre Ronald Raminelli. Devo a este professor parte
importante da minha formação acadêmica: foi ele que me despertou para o mundo das
imagens, me fez redescobrir o ofício e persistir; desde a graduação, orientou minha pesquisa
com toda competência e brilhantismo. Com paciência e amizade, tratou as inseguranças de
uma jovem historiadora e os (milhares) de atrasos. A você, Ronald, devo apenas os bons (os
melhores) resultados.
Agradeço ainda à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior), que, com seu apoio financeiro, viabilizou as idas e vindas e toda a pesquisa. Sou
grata também ao Arquivo Central do IPHAN e à Biblioteca Nacional pela prontidão na
consulta e reprodução das imagens. Às funcionárias da Biblioteca do CCBB, sempre solícitas,
meu muito obrigada.
“Primeiro me comova, me surpreenda, parta meu coração,
faça-me tremer, chorar, arregalar os olhos, enfurecer-me...
só então deleite minha visão”.
Denis Diderot
DIDEROT apud FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix.
São Paulo: Cosac Naify edições, 2001. p.19
RESUMO
Este trabalho tem por objeto de estudo o registro de tipos negros nas Viagens Pitorescas de
Jean Baptiste Debret e de Johann Moritz Rugendas. Através do diálogo texto-imagem,
procuro compreender a visualidade que constroem e projetam do Brasil, especialmente dos
africanos e de seus descendentes, e o papel destinado a estes na marcha civilizatória que
reservam à jovem nação. Nesta jornada, desvendam-se múltiplas cores e feições, e uma
linguagem pictórica que dialoga com a produção visual oitocentista, seja de pinturas, gravuras
e até fotografias. Assim, procuro entender os olhares destes artistas, atenta a relação entre a
construção de diferenças e similitudes e a produção de alteridade, como mediação entre a
observação de um universo social e a produção dos registros visuais.
Palavras-chave: Debret, Jean Baptiste. Rugendas, Johann Moritz. Artistas-viajantes. Registros
Visuais do Negro. Brasil – Século XIX.
ABSTRACT
This dissertation aims to study the register of black types during the “Picturesque Voyage” of
Jean Baptiste Debret and Johann Moritz Rugendas. Linking text and image, I try to
understand the representation they build up about Brazil, particularly regarding African
people and their descendants, as well as their role in the Civilization March. During this
journey, we find multiple colors and faces, and a pictorial language that match with the
eighteenth century visual production, including paintings, engravings and pictures. I analyze
the painters’ points of view, paying attention to the relation between the construction of
disparities and similarities, and the production of identities; a result of mediation between
social observation and the production of visual signs.
Key-words: Debret, Jean Baptiste. Rugendas, Johann Moritz. Traveler Artists. Black people
visual register. Brazil – 19
th
century.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 Construindo Tipos: a pena e o pincel nas
Viagens Pitorescas de Rugendas e Debret
1.1 Trajetórias rumo ao Novo Mundo
1.1.1 Jean Baptiste Debret
1.1.2 Johann Moritz Rugendas
1.2 Construindo tipos: diferentes marcas, múltiplas
cores, distintas designações
1.2.1 A população Africana e seus descendentes:
nações e etnicidade
1.2.2 Nomeando o outro: raça, cor e ancestralidade
1.2.3 A taxonomia de Debret: ciência, arte e imagem
1.2.4 A pena e o pincel de Johann Moritz Rugendas
CAPÍTULO 2 A pintura de cenas: novas tipologias ou
resignificações?
2.1 A iconografia do trabalho e o sistema escravista
2.1.1 Trabalho e mobilidade social
2.1.2 Trabalho e conformação de cenas
2.2 A moral, os costumes e a mestiçagem
CAPÍTULO 3 A migração de imagens no imaginário
oitocentista
3.1 O Registro de Costumes, a Ciência e o Pitoresco
3.2 A circulação de imagens e os álbuns ilustrados
3.2.1 Dialogando Imagens
3.3 O advento da fotografia: velhos conceitos, novas imagens
CONSIDERAÇÕES FINAIS
FONTES E BIBLIOGRAFIA
.........................
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107
122
132
136
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig.01
Esclaves nègres de differentes nations - Jean Baptiste Debret ..........................
p.44
Fig.02
Differentes nations nègres - Jean Baptiste Debret .............................................
p.44
Fig.03
Benguela/ Congo - Johann Moritz Rugendas .........................................................
p.57
Fig.04
Benguela/ Angola/ Congo/ Monjolo - Johann Moritz Rugendas ..........................
p.57
Fig.05
Cabinda/ Quiloa/ Rebolla/ Mina - Johann Moritz Rugendas .................................
p.57
Fig.06
Mozambique - Johann Moritz Rugendas..................................................................
p.57
Fig.07
Créoles - Johann Moritz Rugendas .......................................................................................
p.61
Fig.08
Nègres, vendeurs de charbon. Vendeuses de pled de Turquie - Jean Baptiste Debret .....
p.73
Fig.09
Vendeurs de lait et de capim - Jean Baptiste Debret .............................................
p.73
Fig.10
Convoi de Café. Marchandes de café baulé - Jean Baptiste Debret ...................
p.73
Fig.11
Negresses marchandes, de sonhos, manoé, aloá - Jean Baptiste Debret ...............
p.74
Fig.12
Paveurs. Marchande d’ataçaça - Jean Baptiste Debret .............................................
p.74
Fig.13
Menuisier allant sisntaller. Transport de feuilles d’als - Jean Baptiste Debret .......
p.74
Fig.14
Nègres Cangueiros - Jean Baptiste Debret ..............................................................
p.78
Fig.15
Transport d’une voiture demontée - Jean Baptiste Debret ........................................
p.78
Fig.16
Negros de carro - Jean Baptiste Debret ...................................................................
p.78
Fig.17
Blanchisseuses à Rio Janeiro - Johann Moritz Rugendas ..................................
p.79
Fig.18
Porteurs d'eau - Johann Moritz Rugendas ..........................................................
p.79
Fig.19
Rue droite à Rio Janeiro - Johann Moritz Rugendas ..........................................
p.81
Fig.20
Vue prise devant l'église de San-Bendo à Rio Janeiro - Johann Moritz Rugendas ......
p.81
Fig.21
Porto do Estrella - Johann Moritz Rugendas ......................................................
p.82
Fig.22
Recolte du café - Johann Moritz Rugendas ........................................................
p.82
Fig.23
Marché aux Nègres - Johann Moritz Rugendas .................................................
p.87
Fig.24
Negrèsses de Rio-Janeiro - Johann Moritz Rugendas ........................................
p.87
Fig.25
Un employé du gouvern sortant de chez lui avec sa famille - Jean Baptiste Debret .....
p.90
Fig.26
Une mulatresse allant passer les fetes de Noel, a la campagne - Jean Baptiste Debret ....
p.90
Fig.27
Négresses allant a l’église pour étre baptiséem - Jean Baptiste Debret .............
p.92
Fig.28
Mariage de nègres d’une maison riche - Jean Baptiste Debret ..........................
p.92
Fig.29
Une dame brèsilienne dans son intérieur - Jean Baptiste Debret .......................
p.95
Fig.30
Famille de Planteurs - Johann Moritz Rugendas ................................................
p.95
Fig.31
Sem título - Joaquim Cândido Guillobel ............................................................
p.109
Fig.32
Preta Vendendo água - Lopes de Barros Cabral / Lith. Briggs ..........................
p.109
Fig.33
Punishments - Lith. Ludiwg and Briggs ............................................................
p.110
Fig.34
Le coller de fer - Jean Baptiste Debret ................................................................
p.110
Fig.35
Sem título - Joaquim Cândido Guillobel ............................................................
p.112
Fig.36
Pretos Cangueiros - Lopes de Barros Cabral / Lith. Briggs …………………...
p.112
Fig.37
Sem título - Joaquim Cândido Guillobel ............................................................
p.114
Fig.38
Selling Fruits - Lith. Ludiwg and Briggs ...........................................................
p.114
Fig.39
A free black-girl - Lith. Ludiwg and Briggs ......................................................
p.114
Fig.40
Sem título - Joaquim Cândido Guillobel ...........................................................
p.116
Fig.41
Negros Novos - Johann Moritz Rugendas .........................................................
p.117
Fig.42
Sem título - Joaquim Cândido Guillobel ............................................................
p.119
Fig.43
Ancio Christiano Jr. Almanack Laemmert, seção de Notabilidades, 1866 ..........
p.126
Fig.44
Cartes-de-visite – Christiano Júnior ...................................................................
p.128
Fig.45
Cartes-de-visite – Christiano Júnior ...................................................................
p.129
9
INTRODUÇÃO
O que de mais real para mim são as ilusões que crio
com a minha pintura. O resto são areias movediças.
Eugène Delacroix
Quem faz a história? Os seus personagens/sujeitos ou aquele que propõe a narrativa?
O que define as dimensões de passado, presente e futuro? Quais são os diversos universos
mentais que os indivíduos dispõem para pensar, suas diferentes linguagens? Afinal, qual o
sentido da história?
Refletir sobre o pensamento histórico enquanto processo cognitivo nos faz imergir em
muitos questionamentos e proposições. Pensar o ofício do historiador, o fazer”
historiográfico e seus instrumentos de trabalho, não é tarefa simples, mas necessária.
As ciências do espírito trabalham a diversidade, balizam o conhecimento enraizado
nas condições do tempo e da sociedade que o geraram, como construção intelectual, datada,
do mundo social e de indivíduos. Observar os “produtoshistóricos como criação imaginária
e manifestação ideológica inserida em determinado contexto social, e não fruto exclusivo de
existências individuais, não implica crer que tudo o que os seres humanos são e fazem ocorre
dentro da sociedade e por isso seja por ela determinado. Por outro lado, uma vez que os
sujeitos ajam uns sobre os outros, o que é produzido em cada um não pode ser somente
explicado a partir de si mesmo. Como afirma Georg Simmel (2006, p.11), “em nenhum
indivíduo se encontram postos, lado a lado, o elemento que o iguala e o que o separa dos
demais; ambos os elementos constroem a unidade indivisível da vida pessoal”.
As existências individuais não implicam, pois, na não existência de formas coletivas.
O que se tem é uma relação de reciprocidade, um complexo de fenômenos que se em um
primeiro momento aparenta unidade, na verdade possui um grande e variado número de
10
objetos que podem ser interpretados em diferentes distâncias. Não se pode afirmar, entretanto,
que tudo é válido, mas saber os limites de cada proposição.
É necessário pensar as construções históricas, suas diferentes simbologias e
significações e as representações a que dão forma. É a interpretação que transforma meros
fatos em fatos históricos, vinculando-os correspondentemente à idéia da história como uma
ligação temporal entre passado, presente e futuro. Cabe assim ao historiador a missão de
vislumbrar, a cada passo do passado, os futuros possíveis daquele momento, construindo
historicamente a partir de suas próprias escolhas uma representação do passado.
Representação esta fruto de outras representações, de indivíduos e coletividades que por sua
vez interpretam e reinterpretam os acontecimentos, em suas múltiplas linguagens e cognições.
Foi em meio a estas reflexões, idéias e linguagens que encontrei, ainda na graduação, a
história na arte e a arte na história, descortinando novas possibilidades a partir dos registros
visuais produzidos por indivíduos ao perscrutar o mundo e suas aparências. A bolsa de
iniciação científica da FAPERJ no Projeto Urbs e Civitas, sob tutela do Professor Ronald
Raminelli, me aproximou das narrativas dos artistas-viajantes que aqui estiveram em fins do
século XVIII e início do XIX. Entre textos e imagens, surgiam múltiplas representações, às
vezes complementares, às vezes contraditórias, mas sempre instigantes.
Neste percurso, (re)encontrei as obras de Jean Baptiste Debret e Johann Moritz
Rugendas, com gravuras já visitadas em minha infância, em livros didáticos diversos. Aquelas
imagens um tanto quanto familiares, transbordavam agora novos significados, diferentes
questionamentos e leituras. A cada gina da bibliografia publicada sobre os artistas, novas
questões e uma certeza: as reflexões não estavam esgotadas, nem se esgotariam.
A temática da escravidão, recorrente nas obras de Debret e de Rugendas
1
, e a atenção
dada à representação do negro, em especial à diversidade da multidão africana, foram
determinantes na escolha do meu tema de pesquisa. Na monografia de conclusão de curso,
intitulada “Negros, Mulatos e Curibocas: as diferentes faces do discurso visual oitocentista”,
discorri sobre os dois artistas e procurei relacionar suas obras. No tempo que dispus, limitei a
análise a considerações sobre a bagagem que traziam para o Novo Mundo e os fundamentos
de suas escolhas, partindo da idéia de que estas obras seguiam um projeto elaborado pelos
1
As obras de Debret e Rugendas Voyage pittoresque et historique au Brésil e Malerische Reise in Brasilien,
respectivamente – estão publicadas em português pela Editora Itatiaia: DEBRET, Jean Baptiste. Viagem
Pitoresca e Histórica ao Brasil. Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada; São Paulo: Ed.
Universidade de São Paulo, 1989. (Reconquista do Brasil 3 série especial; vols.10, 11 e 12); RUGENDAS,
Johann Moritz. Viagem Pitoresca Através do Brasil. Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São
Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979. (Coleção Reconquista do Brasil; Nova Série, v.2).
11
autores para o Brasil atento à população africana e seus descendentes – cujo entendimento é
essencial para a compreensão e utilização de suas pinturas, isto é: compreender seus discursos
e registros pictóricos como parte de uma mesma obra.
Concluída esta etapa, eu ainda não estava satisfeita. Sabia que podia ir além: aquelas
pinturas diziam mais. Optei por seguir adiante no projeto que apresentaria à seleção do
mestrado. Entretanto, neste trajeto me deparei com “O negro na fotografia do século XIX”,
livro organizado por George Ermakoff. Aquele emaranhado de fotos de diferentes artistas era
no mínimo estonteante. A cada pose no novo suporte, eu redescobria a visualidade de outrora,
das pinturas de Rugendas e Debret. Foi então que decidi ousar e estender meu recorte
temporal, que se restringia às três primeiras décadas dos oitocentos, até os anos de 1860
período em que o fotógrafo José Christiano de Freitas Henriques Júnior atua no Rio de Janeiro,
produzindo a sua famosa coleção de carte de visite de tipos negros
2
.
Em um primeiro momento, a idéia era trabalhar com os três artistas, que tinham em
comum o registro de tipos negros e o diferencial do suporte utilizado o desenho/pintura
(multiplicados pela litografia) e a fotografia. As temporalidades distintas Debret (1816-
1831), Rugendas (1822-1825) e Christiano Jr. (1860-1870) possibilitam um diálogo intenso
entre os olhares que guiam estas obras e as idéias vigentes no período em que foram
produzidas, permitindo ainda entender a (re)apropriação de clichês típicos da pintura
oitocentista pela fotografia, que, para além de trazer a tona continuidades e resignificações,
evidencia interesses e mesmo identidades que estão sendo construídas em meio a disputas
simbólicas entre senhores, escravos, artistas e público alvo.
Contudo, no desenrolar da pesquisa percebi que era necessário direcionar o olhar e
centrar o foco. Algumas fontes eram limitadas e outras bastante complexas. Unir os três
artistas neste momento poderia comprometer o resultado ou mesmo não permitir aprofundar
questões originais e até hoje pouco exploradas na vasta bibliografia sobre os artistas-viajantes,
meu ponto de partida. Se muitos foram os que discutiram a qualidade estética de suas obras ou
a veracidade de seus registros, poucos deram atenção às construções históricas em Rugendas e
Debret, a exemplo do belo trabalho de Valéria Lima (2003)
3
. E este é o desafio: entender as
2
A referida coleção de fotografias de Christiano Jr. está no Arquivo Central do IPHAN RJ e está publicada
em: AZEVEDO, Paulo sar de & LISSOVSKY, Maurício (orgs.). Escravos brasileiros do século XIX na
fotografia de Christiano Jr. São Paulo: Ex. Libris, 1988.
3
Dentre os autores que escreveram sobre Rugendas e Debret, temos ALMEIDA PRADO (O Artista Debret e o
Brasil); JULIO BANDEIRA ("Debret e a Corte no Brasil". In: O Brasil Redescoberto); GEAN MARIA
BITTENCOURT (A Missão Artística Francesa de 1816); MARIA DE FÁTIMA COSTA & PABLO DIENER
(A América de Rugendas: obras e documentos); VALÉRIA LIMA (A Viagem Pitoresca e Histórica de
12
tipologias criadas pelos artistas envolvendo os africanos e seus descendentes, sem perder de
vista a dialética de seus registros e experiências visuais frente às mudanças de paradigmas,
transformações técnicas e sociais do século XIX. Proponho, pois, pensar – a partir das
tipologias cunhadas nas obras de Rugendas e Debret o oitocentos como espaço de ruptura e
continuidade de uma tradição imagética, a de registro de tipos, compreendendo a imagem como
um conjunto articulado de categorias e esquemas de percepção.
O conceito de raça aparece como fio condutor da problemática que envolve estes
artistas, demonstrando que para além das concepções do sublime e do vocabulário do
pitoresco, seus olhares se faziam sob o prisma das ciências biológicas, do progresso científico
e das novas teorias raciais, contínuas questionadoras do múltiplo. Daí as diferentes formas e
estratégias de representação, as quais são entendidas buscando relacionar a história enquanto
expressão de um movimento de mudanças e permanências ao longo do tempo.
A viagem do olhar: artistas-viajantes no Brasil oitocentista
No século XIX, os olhares lançados sobre o desconhecido materializar-se-iam segundo
diferentes técnicas pictóricas. O registro visual teve papel fundamental enquanto veículo de
difusão da imagem do outro, se debruçando essencialmente sobre aspectos que lhe eram
exóticos e pitorescos. E no Brasil, não foi diferente.
Resguardado com cautela dos olhares estrangeiros durante séculos, com a abertura dos
portos às nações amigas, o Brasil viu seu território explorado por ávidos cientistas, curiosos
provenientes de diversas partes do mundo. Com a transferência da corte portuguesa para o Rio
de Janeiro, em 1808, muitos foram os viajantes que aqui vieram em missões científicas
européias, encarregados de irradiar cultura e civilização na nova sede da monarquia
portuguesa, com uma produção bastante heterogênea e tendo o Brasil como seu laboratório de
pesquisa
4
.
As expedições eram conduzidas por naturalistas, médicos, botânicos, que se faziam
acompanhar por pintores e desenhistas, para documentar suas observações e conferir-lhes
Debret: por uma nova leitura. Tese de Doutorado) e RODRIGO NAVES (A Forma Difícil: Ensaios sobre arte
brasileira).
4
Entre os viajantes que estiveram no Brasil no século XIX destacam-se: Spix e Martius (1817-20), Rugendas
(1822-1825 e 1845), Debret (1816-31), Adrian Taunay (1824), Florence (1825-29), Luccock (1808),
d’Orbigny (1826), Seidler (1835), Thomas Ender (1817), Maximilian de Wied-Neuwied (1820), entre outros.
13
legitimidade, embasando-se no “realismo criativo”
5
e também guiados pela razão crítica
oitocentista. Usos, costumes, tradições e falares eram minuciosamente registrados. Desenhos
retratavam paisagens, construções, exemplares botânicos e zoológicos, enfim, tudo aquilo que
não pudesse ser transportado, constituindo valiosa fonte de informações para os cientistas.
Pena e pincel registravam experiências, divulgavam resultados e mesmo confrontavam estes
ao conhecimento existente. Como destaca Valéria Picolli (1999, p.42),
Na elaboração do inventário da natureza a que se propunha, era necessário analisar,
julgar, apontar semelhanças e diferenças, traçar parentescos, estabelecer
ascendências e, acima de tudo, determinar qual lugar seria ocupado por cada ente
natural dentro da ordem que se construía para o universo. Se coube ao cientista das
luzes classificar espécimes de plantas e animais, avaliando-lhes o sistema
reprodutivo e a aparência, não foi diferente no que se refere aos homens, agora
também eles objeto da ciência.
E é buscando realizar este inventário, frente a uma terra de natureza exuberante e,
principalmente, cuja natureza era habitada por homens tão diversos, que os livros de viagens
científicas ao Brasil se enchem de índios, negros e mestiços
6
, em um grande quadro
comparativo de diferenças.
Vale lembrar que o período pós-abertura dos portos foi de notável crescimento e
expansão da economia urbana e do tráfico de escravos. Segundo Mary Karasch (2000, p.32),
cerca de um milhão de africanos passaram pelo Rio de Janeiro entre 1800 e 1850. Após a
extinção do tráfico na década de 1850, houve um substancial incremento no comércio
interprovincial de escravos. Estima-se que cerca de 200 mil cativos foram transplantados das
províncias do norte para a região sudeste até a década de 1880
7
. O negro, portanto, é quem
ocupa as ruas da cidade oitocentista. Suas atividades se desenvolvem no meio urbano e
mediações, o seu papel é majoritariamente o de mão de obra. É o responsável pelo transporte
de água, mercadorias e excrementos e mesmo pelo transporte humano. Muitas vezes, possui
barracas de ganho onde vende tudo quanto é tipo de mercadoria, além de ser responsável por
5
O conceito de “realismo criativo” foi desenvolvido por Alexander von Humboldt no estudo do espaço
geográfico e humano em suas viagens à América do Sul por volta de 1810, o qual concebia “a representação
científica da natureza numa imagem artisticamente conformada”. Ver Loschner, 1978. Apud. Maria S.Porto
Alegre. Imagem e representação do Índio no século XIX. In: Grupioni, L. Índios no Brasil. MEC: Brasília,
1994.
6
Note que estas categorias não são homogêneas e, ainda que muitas vezes apareçam como tal nos relatos de
viajantes, nos remetendo a grupos gerais que se distinguem do europeu por oposição direta, podemos encontrá-
las também subdivididas sob as mais diversas etnias e nomenclaturas, como veremos no decorrer deste
trabalho.
7
Sobre a questão ver: Juliana Farias; Carlos Soares e Flávio Gomes. No Labirinto das Nações: Africanos e
identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005 / Manolo Florentino (org.). Trafico,
Cativeiro e Liberdade. Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
14
todas as atividades, desde pavimentação de ruas, passando pelo barbeiro à lavadeira de roupa.
É natural que a escravidão presente no cotidiano das relações sociais não passe despercebida
aos olhos dos artistas.
Observar, colecionar e classificar eram mais que um objetivo científico. Em um
contexto permeado pelas teorias racialistas, as representações vão se forjando na construção
de identidades floreadas de elementos que as aproximem do imaginário europeu, ao mesmo
tempo em que tornam mais palpável a idéia de um império colonial em um momento de
instabilidade político-administrativa
8
.
O naturalismo científico e a difusão das ciências naturais caracterizaram-se tanto como
um estilo de pensamento quanto como uma ideologia explicitamente estruturada, articulada à
expansão das sociedades que se industrializavam e necessitavam de recursos naturais como
matérias-primas e fontes energéticas. Segundo Figueirôa (In: SILVA (org.), 1997, vol.1,
p.XXXVIII),
Devidamente contextualizadas no momento de ascensão dos modernos Impérios, de
nascimento de jovens nações independentes na América Latina e de implantação do
sistema capitalista, as viagens e coletas feitas por naturalistas no Novo Mundo
adquirem um significado que engloba e ultrapassa o interesse exclusivamente
científico, sendo a Ciência ferramenta necessária ao desenrolar do jogo político-
econômico.
Deste modo, a produção de inventários e a circulação de informações permitiam tornar
mais concreta a idéia de um império colonial articulado. Para além de demonstrar a
diversidade e grandiosidade do ultramar português, como afirma Ronald Raminelli (2008,
p.214),
A produção desses inventários era condição necessária para manter as fronteiras,
fomentar minas e lavouras e, enfim, incentivar trocas comerciais. Os tipos étnicos
tornaram-se tema de obras que atuavam como verdadeiro inventário visual das
diversas comunidades do ultramar lusitano.
Estas obras não apenas sintetizavam os resultados da pesquisa como também
formulavam em linguagem artística as idéias dos naturalistas. Como destacam Diener e Costa
(1999, p.21), “o quadro oferece informações precisas da paisagem, vale dizer, está pensado
como fonte auxiliar para o estudo científico e, ao mesmo tempo, é portador de uma idéia
8
Refiro-me aqui à frágil soberania portuguesa no continente europeu e às decorrências da transferência da corte
portuguesa para o Rio de Janeiro, processo que culminará na independência do Brasil em 1822.
15
artística; na linguagem acadêmica, é uma esquisse peinte”. Ao mesmo tempo em que
satisfazem as exigências da Academia, é neles que o naturalista sintetiza a sua bagagem de
artista-viajante. Ensina a ver, a definir maneiras de descrever a paisagem: “as pranchas do
pintor-viajante não figuram um Brasil, como ensinam a figurá-lo, a descrevê-lo”
(SUSSEKIND,1990, p.39).
Escrita e desenho se complementam e mesmo se confundem na constituição do
discurso científico oitocentista. Se em alguns momentos as imagens eram utilizadas para
confirmar as informações contidas nas descrições, em outros disponibilizavam dados
específicos que complementavam ou mesmo contradiziam o suporte textual. É neste momento
que as representações do homem revelam a diversidade das culturas observadas, num
movimento inicial de ruptura da representação dominante de categorias homogêneas
contrapostas ao branco, introduzindo-se particularidades físicas e características distintas
capazes de individualizar as espécies. Este movimento dará ímpeto a um novo tipo de
observação social, adaptando o ideal, do ponto de vista das convenções pictóricas, a trabalhos
baseados em uma maior observação da natureza. Entretanto, esta transformação é lenta,
complexa e nunca linear. Recorrendo às palavras de Karen Lisboa (1997, p.46-47),
devemos lembrar que a percepção do 'desconhecido', da 'alteridade', do 'estrangeiro',
do 'outro', pressupõe a existência do 'conhecido', do 'próprio', do 'pátrio', do 'eu'
como ponto de referência. (...) Portanto, ao mesmo tempo em que o viajante fala do
lugar visitado, reelabora o seu próprio lugar de origem, permanecendo em constante
diálogo com as suas referências, que podem ser revistas, negadas ou reiteradas. A
narrativa sobre o 'outro' também é, afinal, a narrativa sobre 'si mesmo'.
Assim, a compreensão das qualidades do sublime e do belo continuava a recorrer aos
antigos modos de representação e valorização renascentistas. Como destaca Dawn Ades
(1999), estes artistas-repórteres viajantes que estiveram no Brasil estavam longe de ser
unificados no que diz respeito ao gosto, formação e interesses. Diante de uma natureza
infinitamente diferente do que qualquer uma com a qual estivessem familiarizados, valiam-se
de diversas vertentes para suplementar e construir suas observações, incluindo idéias do
sublime e o vocabulário do pitoresco. As composições obedeciam, pois, na maioria das vezes,
a um esquema pré-definido de representação pictórica, pautado na concepção de modelos
rigorosos de representação, as esquematas conjuntos visuais que faziam parte dos
conhecimentos partilhados por desenhistas, pintores, arquitetos e engenheiros desta época,
16
que nos remetem a imagens recorrentes nas obras de diferentes autores, à construção de
estereótipos para representação da terra brasilis.
9
Ressalto ainda a intensa rede de intertextualidade que se estabelece entre os diferentes
artistas e viajantes da época, os quais muitas vezes comungavam do mesmo gênero pictórico,
alçando suas semelhanças para além do texto, a saber, no registro iconográfico. Muitos
trocavam correspondências ou mesmo freqüentavam as mesmas academias e sociedades
científicas. Eneida Sela (2001, p.106) afirma que
assim como havia instruções de viagem para os naturalistas que integravam
expedições científicas, é bem provável que existisse também um elenco de temas e
situações recomendados aos olhos, conhecido pelos viajantes que se propusessem a
observar um universo social estranho nas cidades e vilas visitadas.
Como ressalta Silvia Lara, estas representações não devem ser encaradas como um
registro de uma repetição empiricamente observável, mas sim como diretamente relacionada
às características da linguagem iconográfica que constitui estas imagens, a qual “ao mesmo
tempo em que registrava diferenças e diversidades, efetuava uma interessante operação
homogenizadora” construindo “tipos genéricos” (LARA, 2002, p.10-11).
A arte, as técnicas de reprodução pictórica e o circuito social da imagem
Pensar os registros visuais produzidos por estes artistas-viajantes em suas múltiplas
relações com a sociedade oitocentista, pressupõe refletir sobre a reprodução e o consumo de
suas obras e seu diálogo com os cânones pictóricos que dão forma e cor a visualidade de
então.
A reprodução da imagem, através de variadas formas técnicas, permitiu sua aplicação
a universos tão diferentes quanto seus usos, alcançando os mais diversos círculos culturais.
Processos que ao expandirem as propriedades reprodutivas da representação visual,
encontraram meios diversos promovendo a inclusão da imagem nas práticas das formas
9
Destaco que muitas destas imagens recorrentes acabam por se transformar em clichês nas representações do
Brasil oitocentista, como no caso da natureza da escravidão brasileira, em que muitos historiadores basearam
suas generalizações em viajantes que estiveram apenas no Rio de Janeiro (onde predominava uma escravidão
urbana e não agrária) ou então que deram maior ênfase em seus trabalhos a esta cidade, tirando conclusões
discordantes da real situação e formas de emprego escravo em todo o Brasil. Para além destas generalizações,
destaco ainda a utilização de tipos escravos estereotipados, sem distinções que nos remeta a etnias ou tipos
específicos (a negra do tabuleiro, o carregador de capim, o capoeira, etc) como "decalques" recorrentes em
diferentes paisagens do Rio de Janeiro.
17
utilitárias, nas formas gráficas, nas formas artísticas e científicas, e passando, por isso mesmo,
à constituição permanente de muitas atividades sociais.
Como destaca Annateresa Fabris (1998, p.11), temos três momentos da história das
imagens de consumo antes do advento da fotografia: as técnicas de xilogravura (em uso
corrente desde o século XIII), de água forte (no século XV) e a litografia (difundida no século
XIX). Se a xilogravura permitiu a circularidade de uma nova fonte de informação no universo
visual – a imagem impressa no papel – o manuseio da prancha de madeira e a interferência do
suporte no produto final foi sempre um desafio, com uma produção associada de ofícios, que
envolvia editor, ilustrador, tipógrafo e xilogravador. A gravura em metal surge então em
busca da autonomia da expressão visual e de sua linguagem gráfica. Como afirma Rogéria de
Ipanema (2007, p.23),
O desenvolvimento da gravura ocorre na justa adequação da cnica, produto e
consumo. Nas técnicas de metal, a gravura dinamizou a imagem, numa capacidade
plural de opções, expandidas em campos, áreas e setores, que, ou não a possuíam,
tornando-se permanentes, ou multiplicando a experiência tátil-visual, em realidades
para indivíduos, grupos e meios, que conviveram com muitas informações
(originais) simultaneamente. A redução do espaço e tempo de deslocamento para o
estímulo de uma referência visual, a partir de uma imagem impressa, foi
estabelecida, e pode ser entendida como fundamento do processo de constituição da
comunicação massiva. A mesma ação multiplicadora e divisora que ocorria no
interior das oficinas de estampas e tipografias, era reconstruída do lado de fora, na
publicação e comercialização destes produtos, ou seja, mais imagens, mais pessoas,
mais imagens para as pessoas a mais.
Assim, cada vez mais no meio de reprodução faziam-se necessários novos métodos e
materiais que mais se assemelhassem aos originais que representavam. É em resposta a esta
demanda que, em fins do século XVIII, surge a litografia
10
, inaugurando uma nova prática
pictórica eleita nas atividades gráficas pelos artistas dos oitocentos. Ilustrador, desenhista e
gravador não necessitam mais diretamente da produção conjunta de outrora, nem é mais
preciso retocar o desenho impresso, o que atribui à imagem reproduzida um caráter de “maior
espontaneidade e originalidade”, sem falar que o longo processo do entalhe não era mais
necessário, isto é, o percurso da emissão da imagem foi reduzido, os níveis de produção
ampliados e a imagem potencializada em sua circulação.” (IPANEMA, 2007, p.25)
10
A litografia tem como matriz a pedra litográfica, na qual o desenho é feito, processado e impresso
posteriormente sobre papel ou outro suporte. É um tipo de impressão planográfica, sem incisão, cortes ou
relevos sobre a matriz, cujo princípio básico é a repelência entre a água e a gordura. Tal procedimento acaba
por obter resultados mais fiéis às imagens originais do que as outras técnicas de gravura até então utilizadas
(em madeira e metal), permitindo ainda a sua reprodutibilidade.
18
O princípio da impressão a partir da pedra litográfica abriu novos caminhos para a
produção artística, significando também um enorme passo na evolução da impressão de
caráter comercial, visto que permitia uma impressão econômica e menos morosa que os
procedimentos gráficos da época. Seu uso se difundiu rapidamente no século XIX como
técnica de reprodução, contribuindo decisivamente na divulgação e popularização de imagens,
seja na impressão de estampas, rótulos, anúncios, jornais e revistas, seja na reprodução de
obras de arte.
11
Uma diversidade de usos e de sentidos se fez possível nesse momento em que os
procedimentos técnicos não somente reproduzem as imagens, mas lhes imprimem uma
potência antes desconhecida, tanto no que se refere à sua circulação quanto à proliferação dos
sentidos, das atividades e dos valores que passam a gerar.
O consumo da ciência e das artes sob a forma de publicações acessíveis e fartamente
ilustradas se transformou em sucesso empresarial, responsável pelo surgimento de novos usos
para as imagens produzidas por artistas ou cientistas. Ao dar a suas aquarelas a forma
litográfica os artistas tinham consciência do seu poder de divulgação. Deste modo, o que
poderia ser entendido como uma experiência particular e privada um diário pessoal e livro
de viagem – deixa imediatamente de sê-lo ao ingressar no mercado simbólico de "bens
culturais". Essa relação entre o autor e o leitor reafirma o caráter público da cultura, que longe
de nos oferecer a verdade da representação, oferece as idéias que eram compartilhadas por
determinado grupo acerca da natureza, do homem e da civilização do novo mundo.
Como afirma Celeste Zenha (2002, p.135),
O necio de reprodução e venda de imagem em larga escala ganhou, ao longo do
século XIX, uma dimensão até então impossível de ser vislumbrada. A
‘democratização’ da cultura e da civilização se fazia desejável e também exeqüível,
pois um conjunto excepcional de avanços e invenções no terreno da reprodução de
imagens diminuía os custos e melhorava a qualidade destes artefatos, produzidos em
quantidades cada vez maiores.
Contudo, por mais que a matriz litográfica fosse única, seu original era o desenho e
este traria sempre o peso das mãos humanas, ainda que naturalistas e artistas se esforçassem
em divulgar a legitimidade de suas obras enquanto registro do real. Como afirma Ana Mauad
(2004, p.2), “para o viajante, a impressão causada pelo olhar é a que fica, fornecendo o
11
Ainda que os avanços técnicos permitidos pela litografia fossem muitos, ainda não era possível integrar a
litografia ao corpo do texto tipográfico, de maneira que este tipo de imagem podia acompanhar o texto na
forma de uma folha avulsa, onde eram registrados normalmente os nomes do desenhista a partir do qual a
pedra havia sido litografada, o litógrafo, a oficina na qual tinha sido impressa e uma breve legenda.
19
estatuto de verdade ao relato. O fato de ter estado presente, ter sido a testemunha ocular de um
evento ou de um hábito cotidiano qualquer, garante à sua narrativa o teor de incontestável”.
Empenhados em captar a realidade com o máximo de propriedade, muitos foram os
esforços destes artistas, destacando-se o uso da silhueta, do fisionotraço e mesmo da câmara
escura, técnicas estas que projetavam a imagem a ser copiada, mas não a registravam
diretamente sobre o suporte. Como destaca Fabris (1998, p.11-13),
Se a litografia representa um ponto culminante na definição de um novo estatuto da
imagem (...) não se pode esquecer que também as pesquisas químicas tentam
fornecer soluções capazes de satisfazer o novo consumo icônico. Desde fins do
século XVIII são feitas várias experiências (...) para obter superfícies sensíveis a luz
e para fixar as imagens, graças ao emprego de sais de prata. Esses processos,
associados à câmara escura, lançam as bases do princípio da fotografia.
É em resposta a crescente demanda social de imagens que, na década de 1830, os
experimentos de Daguerre e Niepce culminarão no advento do daguerreótipo
12
. O
procedimento permite a decomposição e a racionalização da produção das imagens numa
série de operações técnicas ordenadas, sucessivas, obrigatórias e simples. Recorrendo a
Rouillé a autora acrescenta: "O fotógrafo não é o autor de um trabalho minucioso, e sim o
espectador da aparição autônoma e mágica de uma imagem química" (Rouillé
13
Apud
FABRIS, 1998, p.13-14). Ao proporcionar uma representação precisa da realidade,
fornecendo à imagem um estatuto técnico pautado em gestos mecânicos e químicos
parcelados, retira dela qualquer indício de subjetividade. A fotografia ao público a
infinidade de provas que a época reclama imperiosamente e que os naturalistas tanto se
esforçavam em divulgar com o máximo de isenção possível e pretensão de exatidão em seus
desenhos e pinturas feitos d'apres nature e sua "escrita em trânsito": daí seu sucesso.
Poucos meses transcorreram após o comunicado de Daguerre, e o invento chegava ao
Brasil, através do abade Louis Compte que aportara na costa brasileira a bordo do navio
escola L'Orientale em 1839.
14
Em pouco tempo daguerreotipistas de diferentes nacionalidades
12
Daguerreótipo: Imagem positiva direta em chapa de cobre, coberta de uma fina camada de prata,
cuidadosamente polida e sensibilizada com vapores de iodo. A imagem é revelada com vapores de mercúrio e
apresentada em caixilho hermeticamente fechado.
13
Rouillé, A. L’empire de la photographie, Paris, 1982, pp.38-39.
14
Na realidade, como lembra Kossoy, "o Brasil ocupa uma posição de destaque na história da fotografia, pelo
menos no tocante à sua invenção, pois neste país, assim como na Inglaterra e na França, ocorreram descobertas
independentes e contemporâneas, ainda que, seus inventores não tenham tido, na época, a posição gloriosa
destinada a Daguerre.", referindo-se a Hercules Florence, francês residente no Brasil 15 anos que ainda
em 1833 chegou a razoáveis resultados com experiências fotográficas. Boris Kossoy. Origens e Expansão da
fotografia no Brasil - Século XIX. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1980. p.18. Sobre a descoberta isolada da
20
instalaram seus ateliês no Rio de Janeiro e em outras capitais da costa, anunciando seus
serviços pela imprensa local e suas aptidões artísticas. Se em um primeiro momento a
clientela dos fotógrafos se restringia a um pequeno número de indivíduos abastados que
podiam pagar seus altos preços, com o progresso econômico do país verificado na segunda
metade do XIX, com as ligações ferroviárias, a urbanização e o surgimento gradativo de uma
classe média urbana, coincidentemente a introdução de novos processos fotográficos, a
clientela aumentaria consideravelmente – o daguerreótipo perde espaço e entra em decadência
com a introdução do papel albuminado e o negativo à base de colódio úmido, que permitem a
reprodução de cópias em papel, barateando os custos e ampliando sensivelmente o consumo
de fotografias.
Com a invenção da fotografia a reprodução do visível entrava no domínio público,
quando até então tinha sido o apanágio do pintor. Neste sentido, a leitura da primeira notícia
sobre a invenção de Daguerre no Brasil, publicada em maio de 1839 no Jornal do Commercio
é esclarecedora. Sob o título "Revolução nas artes do Desenho" o autor exalta a nova
invenção:
É inegável (...) que este invento, um dos mais admiráveis de nossos tempos, terá
largas conseqüências em todas as artes do desenho, e contribuirá não só para o
progresso do luxo útil e aformoseador da sociedade, mas também para o maior
aproveitamento das viagens, quer sejam científicas ou artísticas ou morais, quer de
simples divertimento e recreação. (Jornal do Commercio - Rio de Janeiro, 01 de
maio de 1839)
É interessante observar, no entanto, que o crescimento dos ateliês fotográficos se deu
de forma mais ou menos semelhante ao de outros ramos de atividades, como a litografia e a
pintura, que possivelmente concorriam entre si
15
. Assim sendo, é possível dizer que a
afirmação de um determinado processo de produção e reprodução de imagens não acarretou o
colapso de outro numa sucessão, provocando substituições imediatas e exclusões definitivas
de determinados processos técnicos e gostos estéticos. O que torna este momento histórico
interessante é justamente a correlação entre diferentes modos de elaboração, gêneros e temas
específicos de imagens inseridas num mercado comercial que envolvia artistas, artesãos,
comerciantes e consumidores de diversas partes do planeta.
Pensar estes registros visuais não implica, portanto, refletir apenas sobre determinados
fotografia no Brasil ver ainda Rosana Monteiro. "Arte e ciência no século XIX: um estudo em torno da
descoberta da fotografia no Brasil". In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, nº34, 2004.
15
Ver: Celeste Zenha. O Negócio das vistas do Rio de Janeiro: imagens da cidade imperial e da escravidão.
Estudos Históricos. Rio de Janeiro, nº34, 2004.
21
tipos de imagem, com diferentes suportes, ou ainda sobre sistemas de trocas simbólicas.
Como afirma Annateresa Fabris (1998, p.9), tal reflexão requer bem mais, pois estes registros
demonstraram “ser agentes de conformação da realidade num processo de montagem e de
seleção, no qual o mundo se revela semelhante’ e ‘diferente’ ao mesmo tempo”. Carvão,
tinta, pincel, chapas de cobre, prata, iodo, papel instrumentos a serviço da imagem, das
imagens, portadoras de múltiplos significados, que se prestam por sua própria natureza a
enfoques diferenciados.
O desafio do visível: uma imagem, múltiplas representações
Pensar a obra de arte (entendendo por esta o registro visual em seus múltiplos
suportes) enquanto documento histórico, em sua dimensão temporal, é, como afirma René
Huyghe (1994), dialogar com o visível, com suas réplicas e linguagens sempre renovadas que
ora exprime a conversação com o universo, ora a conversação conosco próprios.
A obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de
significados que convivem num significante. O simbólico dialoga com o cotidiano e com a
apropriação que a arte faz do significado do signo, redefinindo-o. O artista conduz o jogo
entre a natureza e a obra, fruto da fusão de diversos níveis de experiências anteriores (idéias,
emoções, percepções), sendo ponto de chegada de uma produção e ponto de partida de uma
consumação que volta a dar vida à forma inicial, através de perspectivas diversas. Interage-se
com a obra, resignificando-a.
16
O registro visual não consiste em uma mensagem acabada e definida, em uma forma
univocamente organizada, mas sim em uma possibilidade de rias organizações confiadas à
iniciativa e diálogo com o intérprete e sua bagagem social. Caso a arte não servisse a
sociabilidade, não dialogasse com quaisquer referenciais de seu tempo, cortando todos os
laços que a unem com a realidade, ela deixaria de ser um jogo e passaria a ser puro
entretenimento. E esta, com certeza, não é a intenção destes artistas. Como assinala René
Huyghe (1994, p.220),
Linhas e cores parecem, ao primeiro relance, não ter outra justificação que não seja a
transmutação que as converterá na imagem de qualquer coisa, de outra coisa. Nada,
16
Ver: Hans-Georg Gadamer. A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa. Rio de Janeiro: Ed.
Tempo Brasileiro, 1985. Diagrama n°14.
22
porém, pode impedir que elas existam por si mesmas; que uma linha continue a ser
uma linha e uma cor uma cor.
Sob esta ótica, tema, linhas, cores, movimento, luz tudo se combina para conduzir a
um resultado único que nos atinge através de um choque sensível: a imagem, a qual pode ser
entendida como uma forma de suporte às representações, uma construção discursiva. Como
afirma Annateresa Fabris (2004, p.88), não existe uma suposta polaridade entre real e
imaginário e a imagem não tem necessidade de ter valor probatório, ainda que o olhar do
artista tenha a capacidade de instituir conhecimentos. Por sua magia imitativa o registro visual
nos oferece o espetáculo de um espetáculo. A arte vem, portanto, "duplicar uma realidade", a
representação da representação. Afinal,
vision itself is a product of experience and acculturation including the experience
of making pictures then what we are matching against pictorial representations is
not any sort of naked reality but a world already clothed in our sistems of
representation (MITCHELL, 1987, p.38).
Ao idealizar seus personagens à moda do dia, o artista faz sentir a verossimilhança de
uma realidade desejada. Se o resultado não era a imitação de um espetáculo real, era pelo
menos uma imagem atraente, uma promessa que parecia poder ser mantida: o espectador
julgava ser facilmente transportado para ela.
Como afirma Rudolf Arnheim (1997, p.89-91):
Todas as vezes que percebemos a configuração, consciente ou inconscientemente,
nós a tomamos pra representar algo, e desse modo ser a forma de um conteúdo./ De
um modo mais prático, a configuração serve, antes de tudo, para nos informar sobre
a natureza das coisas através de sua aparência externa. / (...) / A identidade de um
objeto visual depende não tanto de sua configuração como tal, mas do esqueleto
estrutural criado por ela.
Assim, para além da intenção do artista e influências do período em que a obra foi
produzida, a obra de arte propriamente dita (qual seja o seu suporte) traz informações que
extrapolam forma e reflexões. O registro visual deve ser interpretado como resultado de um
trabalho social de produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados
culturalmente.
Abordar a obra de arte dentro de uma perspectiva puramente estética, em que as
qualidades formais da obra, a inventividade e a liberdade do artista, são vistas como
desenvolvimentos autônomos de seu meio social, foi durante longo tempo uma postura
23
tradicionalmente aceita no campo da história da arte, como lembra Vânia de Carvalho (In:
FABRIS, 1998). Por outro lado, muitos foram os intelectuais que procuraram interpretar a
produção artística como determinação de fatores sócio-econômicos, negando a autonomia da
obra de arte para reduzi-la a simples reflexo dos fenômenos históricos produzidos a sua
revelia.
Não basta olhar as obras de arte de um ou de outro modo, supervalorizando a fruição
ou determinantes sociais, ou ainda pondo-se a par dos últimos instrumentos metodológicos.
Como afirma Giulio Carlo Argan (1994, p.37-38; 102), a via mais frutuosa parece ser a que
consiga fundir estes contributos tendo em vista uma abordagem histórica. Afinal, se o método
formalista estuda a formação da obra de arte na consciência do artista, o método sociológico a
sua gênese e a sua existência na realidade social, o método iconológico parte da premissa de
que a atividade artística tem impulsos mais profundos, ao nível do inconsciente individual e
coletivo, convergem na condição de reintegrar a obra ao seu momento histórico.
Ulpiano Menezes (2003, p.11) aponta as vantagens para o conhecimento histórico caso
“a atenção dos historiadores se deslocasse do campo das fontes visuais para o da visualidade
como objeto detentor, ele também, de historicidade e como plataforma estratégica de elevado
interesse cognitivo”. O autor ressalta que
A aceitação da imagem como fonte e da natureza social do fenômeno artístico ainda
não eliminou, mesmo nos dias de hoje, a busca equivocada e estéril de correlações
entre uma esfera artística e outra, social (reflexo, causalidade linear ou multilinear,
homologias, co-variação, etc.) o que induz sempre, em escala variada, a excluir
a arte do social e, portanto, do histórico. (MENEZES, 2003, p.14)
Neste sentido, é hora de elucidar a própria historicidade da imagem artística. Não
basta observar o visível e dele inferir o não-visível. É necessário passar para o visual, atento à
interação observador e observado na produção, circulação e consumo das imagens.
As imagens não m sentido em si, imanentes. (...) É a interação social que produz
sentidos, mobilizando diferencialmente (no tempo, nos espaços, nos lugares e
circunstâncias sociais, nos agentes que intervêm) determinados atributos para dar
existência social (sensorial) a sentidos e valores e faze-los atuar. Daí não se poder
limitar a tarefa à procura do sentido essencial de uma imagem ou de seus sentidos
originais, subordinados às motivações subjetivas do autor, e assim por diante. É
necessário tomar a imagem como um enunciado, que se aprende na fala, em
situação. Daí também a importância de retraçar a biografia, a carreira, a trajetória
das imagens. (MENEZES, 2003, p.28)
24
Aposto, pois, nas obras de arte como representações visíveis de imagens mentais, de
conceitos, de associações de conteúdos culturais dotados de significação simbólica, logo
históricos. À medida que a obra de arte se realiza, afirma-se, é certo, como uma organização
plástica, mas ao mesmo tempo como uma manifestação do ser, do social. É neste sentido que
Argan (1994, p.17-18) afirma que o historiador não deve tentar entender como a problemática
geral da época se desdobra na obra do artista e nela constitui o tema ou o conteúdo, mas como
aquela problemática envolve o problema específico da arte e se apresenta ao artista como
problema artístico. Isto é, estudar a arte não como um reflexo, mas como agente da história.
No trabalho que segue, procuro então focar a imagem como sujeito de um
“enunciado”, como registro produzido/construído pelo artista, como parte da sociedade
observada, atentando às condições técnicas e sociais de sua produção, circulação e consumo.
Lanço mão da tríade proposta por Ulpiano de Menezes a visão, o visual e o visível
17
para
investigar a visualidade nas obras de Rugendas e Debret a partir das tipologias apontadas
pelos artistas.
Até que ponto teriam o intuito, com suas classificações e distinções de chamar a
atenção para a origem africana do contingente negro da população ou de buscar mostrar seu
grau de assimilação a esta sociedade? Estariam eles apontando para "novas" estratificações
sociais ou apenas divulgando o exótico? Até que ponto estas representações atendem às
normas da Academia ou vem acrescentar uma nova gramática visual e social ao trabalho
produzido? Quais as variáveis consideradas nas construções de seus tipos negros? O porquê
das escolhas? Este é o desafio.
Assim, no capítulo 1 atento à construção da imagem do africano e de seus descendentes
nas obras de Jean Baptiste Debret e Johann Moritz Rugendas, centrando a análise nos bustos de
tipos negros pintados pelos artistas. Procuro identificar as diferentes etnias africanas apontadas e
entender a tipologia criada para sua representação nas narrativas/imagens produzidas, assim
como suas diferentes denominações e os parâmetros (sinais/símbolos de distinção) que regem
esta classificação. Quais concepções gerenciam os olhares destes artistas, o porquê das escolhas
e sua relação com o pensamento cientificista dos oitocentos.
17
Para Ulpiano, “o visual engloba a iconosfera e os sistemas de comunicação visual, os ambientes visuais, a
produção/ circulação/ consumo/ ação dos recursos e produtos visuais, as instituições visuais, etc.; o visível diz
respeito à esfera do poder, aos sistemas de controle, à ditadura do olho, ao ver/ ser visto e ao dar-se/ não-se-dar
a ver, aos objetos de observação e às prescrições sociais e culturais de ostentação e invisibilidade, etc.; a visão,
os instrumentos e técnicas de observação, os papéis do observador, os modelos e modalidades do olhar.”
MENEZES, Ulpiano T. Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório,
propostas cautelares”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.23, nº45, 2003. p.30-31
25
No capítulo 2, partindo da tipologia das diferenças apontada no capítulo anterior,
reflito sobre a representação dos africanos e de seus descendentes nas cenas pintadas pelos
dois artistas-viajantes. Atento à mudança de postura no registro visual, onde a construção de
tipos específicos, com intuito de marcar diferenças, cede espaço à construção de tipos genéricos.
Neste sentido, procuro compreender o porquê das diferentes abordagens e da “novarelação
estabelecida com a população negra e mestiça, cujo foco central passa a ser a ação, a noção de
progresso.
No capítulo 3, retomo a tradição do registro de tipos como uma forma de pensar o
mundo cuja expressão visual se processa segundo determinados cânones de representação
visual que migram entre a pintura, a gravura e, em meados dos oitocentos, a fotografia.
Dialogo, então, o trabalho de Rugendas e Debret com parte da produção pictórica oitocentista
a saber, com as obras de Guilherme Briggs, Guillobel e Christiano Jr a fim de entender
continuidades, (re)apropriações e rupturas em meio a diferentes suportes pintura, gravura e
fotografia e mudanças sociais, como a extinção do tráfico negreiro e o incremento das
disputas em torno da liberdade e de seus significados. Não possuo por objetivo analisar
densamente a produção destes artistas, mas refletir sobre a constituição de um discurso visual
específico em torno dos habitantes e do próprio Brasil na primeira metade do século XIX, que
(re)cria estereótipos para a representação da terra brasilis com base em uma tradição pictórica
da qual Rugendas e Debret faziam parte.
Neste sentido, a utilização de tipos específicos como recurso de representação visual se
apresenta como elemento fundamental para o entendimento da constituição de uma determinada
visualidade e possíveis identidades, apontando para a possibilidade de conhecimento e
reconhecimento das diferenças e da produção de alteridade.
26
CAPÍTULO 1
Construindo Tipos: A pena e o pincel nas Viagens Pitorescas de Rugendas e Debret
Tudo que não invento é falso.
Manoel de Barros – Livro sobre Nada
Poucos anos haviam se passado desde que o príncipe regente D. João e sua corte
desembarcaram no Rio de Janeiro e muita coisa mudara nestas terras do Novo Mundo.
Diversas medidas foram tomadas para adequar a cidade à condição de sede da monarquia.
Foram recriadas as principais instituições régias – como as Mesas do Desembargo do Paço e da
Consciência e Ordens, a Casa da Suplicação e a Intendência Geral da Polícia e procurou-se
fomentar a indústria e a circulação de idéias, com a revogação do Alvará de 1785 – que proibia
a produção de manufaturas no Brasil – e a criação da Impressão Régia, “destinada a publicar os
papéis oficiais do governo e ‘todas e quaisquer outras obras’” (SANTOS, 2008, p.18).
A paisagem urbana era alterada e com ela as expectativas para aquelas terras: “O
Brasil, que permanecia desconhecido para seus colonizadores e que oscilava entre os papéis
de promessa de paraíso e ameaça de inferno, seria agora o cenário e o enredo de um manifesto
ato civilizatório”. Viajantes estrangeiros de todas as procedências assumiram função de
destaque, fossem como comerciantes, embaixadores ou estudiosos dispostos a datar, nomear e
classificar “um mundo que se organizava de maneira visualmente distinta e sob leis que
pareciam desconhecer as convenções estéticas européias” (SIQUEIRA, 1999, p.87; 91).
Com a corte instalada no Brasil, fazia-se necessário irradiar "civilização" neste
ambiente, divulgar o gosto pelas Belas-Artes e introduzir o ensino de alguns ofícios essenciais
ao seu desenvolvimento. É neste contexto que Jean Baptiste Debret desembarca no Brasil em
1816, como membro da Missão Artística Francesa. Seis anos mais tarde, será a vez de Johann
Moritz Rugendas, que aporta nestas terras integrando a Expedição Langsdorff. Dois viajantes,
27
dois olhares e um intuito: registrar com grafite, nanquim ou pincel aquilo que a visão não
pode perdurar. Suas obras nos deixam o legado do visível, de suas diferentes e possíveis
leituras, e o exercício de decodificação dos signos ostentados em suas representações e
taxonomias cunhadas no Novo Mundo.
Antes de direcionarmos o olhar a estas tipologias, faz-se necessário analisar suas
trajetórias e experiências tendo como alvo a intencionalidade dos artistas, as opiniões que
almejavam projetar das terras de além mar, o ambiente em que crescem e formam a bagagem
que trazem em suas viagens. Não tenho a intenção de traçar a biografia dos viajantes em
questão, mas sim levantar aspectos que considero relevantes à compreensão de suas obras,
elucidando o contexto em que estavam inseridas e mesmo as constituintes de suas idéias e
proposições, assim como a relação dialética em que o artista é ao mesmo tempo produtor e
produto de cultura.
1.1 Trajetórias rumo ao Novo Mundo
1.1.1 Jean Baptiste Debret
Jean Baptiste Debret nasceu no ano de 1768, em Paris. Sempre frequentou ateliês de
pintura na França, podendo ser considerado um artista bem inserido em sua época: por algum
tempo esteve na Itália, até então concebida como berço da arte européia, ingressou na
Academia Francesa, frequentou salões e recebeu prêmios por suas pinturas históricas. Seu pai,
funcionário público, como o próprio filho afirma na Nota Biográfica do terceiro volume de
sua Voyage Pittoresque, era “um amante ilustrado das ciências e das artes”, possuía
verdadeiro interesse em história natural, colocando Debret em contato com debates em torno
desta disciplina que seriam fundamentais em sua experiência de artista-viajante.
18
Sua formação cultural se desenvolveu em meio ao conturbado cenário político da
França revolucionária. Estudou na Academia de Belas Artes de Paris, iniciando sua vida
profissional, sob grande influência artística de Jacques-Louis David, virtuoso pintor portador
de um profundo rigor clássico
19
. De acordo com Julio Bandeira (2008, p.21), Debret, tal como
18
Sobre o contato de Debret com a história natural ver Almeida Prado. O Artista Debret e o Brasil. São Paulo,
Ed. Nacional, 1990. Brasiliana volume 386.
19
Jacques-Louis David (1748-1825) foi um entusiasta defensor do neoclassicismo, influenciado pela
contemplação dos monumentos antigos e pelas doutrinas dos alemães Änton Raphael Mengs e Johann Joachim
Winckelmann. Sua pintura neoclássica dominou o panorama artístico francês durante quase meio século,
28
David, “teve uma educação humanista primorosa e de forte influência enciclopedista no
Lycée Louis-le-Grand, considerado o estabelecimento de ensino mais moderno de seu
tempo”. Em 1783, Debret torna-se aluno de David e, anos depois, casa-se com Marie-Sophie,
prima-irmã de seu mestre. Aprendeu com o artista que, na modernidade iluminista, o ideal
artístico estava na tríade arte, política e história, com ênfase na arte-testemunhal da estética
neoclássica: o artista tinha que presenciar sempre que possível o que retratava. Como afirma
Valeria Lima (2003, p.47-48),
Ele aprendeu com David que a arte precisa atender às necessidades do momento e
que o artista é, neste sentido, responsável pela adequação entre arte e história. / (...)/
o vínculo com o real é apenas um dos aspectos da composição, cujo resultado
incorpora um longo trabalho de reflexão e uma bem traçada rede de intenções.
Assim, no ateliê de David, Debret aprendeu a pintura histórica, a importância do
desenho no processo criativo e a necessidade do estudo do corpo humano na busca do belo;
compartilhou de um ambiente de profundas discussões artísticas e políticas, onde o
patriotismo e o sacrifício do indivíduo diante do estado torna-se símbolo maior de amor à
pátria – princípios que aplicaria mais tarde na Academia no Rio de Janeiro.
Frente à imposição do contexto político, em fins do século XVIII, Debret é admitido
na École des Ponts et Chaussées, destinada a formar engenheiros civis (a demanda de braços
para a luta revolucionária fez com que se convocassem os alunos da Academia às armas, daí a
saída de Debret para os estudos de engenharia civil, que o eximiam da dita convocação).
nos primeiros anos do XIX, Debret segue sua trajetória artística colaborando com arquitetos
em trabalhos decorativos para edifícios públicos e residências particulares. O ano de 1806
marca sua entrada no círculo das representações voltadas para a glória de Napoleão.
Segundo Bandeira (2008, p.26), “Debret vive o melhor dos mundos possíveis até a
abdicação de Napoleão em 14 de abril de 1814”, quando cai em uma quase-clandestinidade e
é banido para o exílio em Bruxelas em janeiro de 1815. No final deste mesmo ano, após ser
recusado para trabalho em São Petesburgo pelo Imperador da Rússia, é convidado a integrar a
Missão Artística organizada por Lebreton com destino ao Brasil.
Vale lembrar que desde fins do século XVII e inicio do XVIII a França revelou
grandes talentos do mundo da arte e sensível avanço dos ensinos acadêmicos. Somado a isto,
fazendo com que ele, acima das contingências políticas, fosse o pintor oficial da revolução francesa e, depois,
do regime de Napoleão Bonaparte.
29
em 1815, com a queda de Napoleão, a diplomacia França-Portugal voltou a apresentar
cordialidade. Lebreton, através de Alexandre von Humboldt, seu colega no Instituto de
França, fora indicado ao Marquês de Marialva embaixador de Portugal em Paris para
organizar um grupo de artistas que quisessem emigrar à América Portugesa. Como afirma
Bandeira (2008, p.27), Marialva, seguindo instruções do “Conde da Barca, Ministro da
Marinha e do Ultramar, partidário do trono português na América (...) buscava imigrantes
qualificados para a capital americana do recém criado Reino Unido de Portugal e Brasil”.
20
Assim, no dia 20 de março de 1816 aporta no Brasil a Missão Artística Francesa,
tendo a bordo Jean Baptiste Debret. Fora contratado como "pintor de história"
21
. Daria forma
e substância à construção de uma nova monarquia, participando ativamente − em um primeiro
momento da gênese do Império Luso-Brasileiro e, com a independência, da gênese do
próprio Brasil. Investindo nos cerimoniais e nas representações simbólicas do poder
monárquico, criaria insígnias e símbolos para o nascente Império, sendo ainda membro
fundador e professor de pintura histórica da Academia Imperial de Belas-Artes (que só viria a
funcionar efetivamente em 1826).
Durante os anos que antecederam à inauguração oficial da Academia, Debret alternou
suas atividades de professor em seu ateliê com viagens para várias cidades do país, quando
retrata tipos humanos, costumes e paisagens locais, não esquecendo de destacar a forte
presença dos escravos, seus trajes, instrumentos e costumes, com explicações detalhadas de
cada imagem. Queria oferecer aos estrangeiros um panorama que extrapolasse a visão de um
país exótico e interessante apenas do ponto de vista da história natural. Acreditava que o Brasil
20
A historiografia não é unânime quanto ao convite para organizar a expedição ter partido de D.João VI, através
de seu ministro, o marquês de Marialva. Elaine Dias (2006), considera que, a partir das correspondências
trocadas entre Le Breton e os representantes da corte portuguesa em Paris, é possível afirmar que a idéia da
missão partiu dos franceses. Em trechos das cartas, Le Breton sugerira a criação de um projeto que
promovesse a indústria e as artes no Brasil, formado por artistas franceses emigrados, obtendo a seguinte
resposta do ministro português: “Não entro por nada na expedição projetada por Mr. Lebreton, bem que esteja
certo de suas boas intenções e escolha acertada. Fico esperando as Reais Ordens para me saber regular acerca
de semelhantes pretensões”. Para a autora, o marquês de Aguiar e o cavaleiro de Brito deixam bem claro que
esperam as ordens reais para tomar qualquer iniciativa quanto ao andamento do projeto de Le Breton, o que
corrobora a idéia de, apesar da monarquia portuguesa ser favorável ao projeto, este não é de sua autoria.
Valéria Lima (2003) destaca ainda que muitos dos artistas que aqui chegaram na Missão Francesa eram
movidos por uma situação política não muito favorável e a partida da Europa não era propriamente uma livre
escolha. O retorno da monarquia bourbônica ao poder riscava de cena toda e qualquer lembrança napoleônica.
Assim, se por um lado a viagem ao Brasil era uma saída aos artistas da época, não significava necessariamente
uma solução a situação política em que se encontravam.
21
Para um conceito de "pintura de história" e sua relação com a idéia de nação e nacionalismo ver: VEJO,
Tomás P. "La pintura de historia y la invención de las naciones". In: Locus Revista de História - nº8. Juiz de
Fora: Ed. UFJF, 1999. Segundo o autor, a pintura de história, como produto de uma visão educada para
celebrar as convenções de poder e divulgar sua glória, privilegia mais o conteúdo do que a forma e, por isso
mesmo, pode ser vista como representação do saber e do poder oriundos da razão de Estado.
30
merecia estar em futuro breve entre as nações civilizadas da época e que a elaboração de uma obra
histórica a seu respeito seria uma contribuão valiosa para que esta justiça se cumprisse.
Como observa Valéria Lima (2003), assim como outros viajantes que visitaram o país
naquela época, Debret também chega ao Brasil com uma missão: não de conhecer, de
explorar, mas de instruir, de dar a conhecer e introduzir na nova sede do império português o
que havia de mais elevado no campo das artes. Foi iniciativa sua a realização da primeira
exposição de arte no país, em 1829 a Exposição da Classe de Pintura Histórica da Imperial
Academia das Belas Artes. O sucesso do acontecimento valeu-lhe ser nomeado cavaleiro da
Ordem de Cristo. Em 1830, foi escolhido membro correspondente da Academia das Belas
Artes do Instituto de França e no ano seguinte solicitou licença ao Conselho da Regência,
retornando à Europa.
Durante toda sua estadia no Brasil, Debret cultivou a prática de coletar imagens que
mais tarde serviriam de base para suas publicações. Esta coleção, como ele mesmo informa,
começou com a possibilidade de retracer une longue suite de faits historiques nationaux, o
que lhe permitira ter à sua disposition tous les documents relatifs aux moeurs et coutumes du
nouveau pays que j'habitais.(Correspondência de Debret à Araújo Porto-Alegre. Apud LIMA,
2003, p.99) Como afirma Júlio Bandeira (2008, p.57),
Debret tinha plena consciência da importância e do ineditismo deste material, que
descreve como “a mais completa coleção de documentos sobre a situação física e
moral do Brasil”, e sabe que o melhor meio de divulgá-lo entre a elite culta de seu
país e da Europa é a publicação de uma obra gravada.
Assim, de volta a Paris, Debret dedica-se à organização do material que trouxera do
Brasil. Trava contato com Firmin Didot, prestigioso impressor editor e tipógrafo da época,
com quem planeja, organiza e executa as pranchas que comporiam suas obras, incluindo texto
e mais de 220 imagens em litografias feitas a partir de suas aquarelas. Em 1834, 1835 e 1839,
respectivamente, publica a numerosa série de gravuras produzidas com base em seus estudos
e observações no Brasil na obra em três volumes intitulada Voyage pitoresque et historique au
Brésil, ou Séjour d'un artiste français au Brésil (Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, ou
Estadia d’um artista francês no Brasil).
31
1.1.2 Johann Moritz Rugendas
Rugendas nasceu em Augsburgo, em março de 1802. Pertencia a sétima e última
geração de uma família de artistas de origem francesa radicada em Augsburgo desde o século
XVII, cuja pintura inclinava-se, sobretudo, ao registro de batalhas. O pintor bávaro foi
educado nessa tradição e, por isso mesmo, nos seus primeiros exercícios artísticos nos
deparamos com numerosas referências às obras de seus antepassados.
Começou sua carreira ainda jovem, com menos de 20 anos. Em 1817 ingressou na
Academia de Belas Artes de Munique, onde fez amizade com Augusto Riedel, dedicando-se,
como ele, à pintura histórica e de costumes. Através de relações familiares entrou em contato
com o naturalista e diplomata russo-alemão Georg Heinrich von Langsdorff, que o incorporou
na grande expedição ao interior do Brasil, que realizaria sob o auspício dos czares. Segundo
Celeste Zenha (2002, p.136),
O contrato, assinado ainda na Europa, estabelecia a soma de mil francos (cerca de
160 mil-réis) como rendimentos anuais para Rugendas, que se comprometia a ceder
ao seu contratante, com exclusividade, toda a produção realizada no decorrer da
expedição. Para esta finalidade o artista foi abastecido com todo o material
necessário (com exceção da roupa) e recebeu quantia referente a seis meses de
trabalho.
Rugendas acabara de concluir sua formação artística na Academia de Munique, o
tendo experiência no trabalho de ilustrador e com conhecimentos muito escassos sobre o país
de destino. Abria-se, no entanto, um leque de novas possibilidades que acabaram por
distanciá-lo definitivamente da pintura de batalhas e o levaram ao círculo dos pintores-
viajantes.
O jovem bávaro aporta então no Rio de Janeiro em março de 1822, acompanhando,
como desenhista, a Expedição Científica chefiada pelo barão Langsdorff. Fora para
documentar fauna, flora, paisagens e costumes do povo brasileiro. Segundo o contrato
firmado, o artista deveria exercer o ofício de "serviçal de sua arte em todas as circunstâncias
que lhe aparecer e, sobretudo, para ilustrar aqueles objetos que o chefe da expedição lhe
indicar como importantes e entregar todos os esboços, desenhos e pinturas que realizar
durante a viagem" (SILVA, 1997, v.1).
Embora tenha chegado no início de 1822, Rugendas apenas passa a viajar pelo Brasil
em 1824, pois até então permaneceu no Rio de Janeiro. Seus primeiros trabalhos como
32
ilustrador foram feitos na Fazenda Mandioca localizada ao fundo da baía da Guanabara
(hoje município de Magé/RJ) − de propriedade de Langsdorff e do zoólogo francês Menetriès.
Este período serve para que Rugendas trave contato e estabeleça laços de amizade com os
artistas franceses que desde 1816 encontravam-se no Brasil, particularmente com Jean
Baptiste Debret e com a família Taunay. Nesse sentido, pode-se dizer que Rugendas
encontrou nos artistas da Missão Artística Francesa e na expedição de Langsdorff “a primeira
escola na qual se iniciou como artista-viajante” (DIENER, 1996).
A influência desse grupo, unida à experiência de presenciar a efervescência política do
processo da independência, ampliou seus horizontes para uma recepção mais completa do país,
que iria além do mero interesse pelos temas científico-naturais. Em novembro de 1824, após
constantes desentendimentos com Langsdorff, abandona seus companheiros e põe-se a viajar
por conta própria.
22
Sua rota após deixar a expedição não é conhecida ao certo. Sabe-se apenas
que passa por Mato Grosso, Espírito Santo e Bahia, retornando à Europa no ano seguinte.
Resulta desta sua estadia no Brasil a obra publicada anos mais tarde: Voyage
Pittoresque dans le Brésil (Viagem Pitoresca através do Brasil), que reúne cerca de 100
litografias das imagens produzidas em sua expedição, agrupadas em vinte fascículos.
23
A
edição teve início em 1827 e foi concluída em 1835, publicada pela editora parisiense de
Engelmann & Cia em francês e alemão, em Paris e Mulhouse, respectivamente, graças ao
apoio entusiasta que Alexander von Humboldt manifestou pela obra do jovem artista.
22
Langsdorff registrou em seu diário o desapontamento com Rugendas, que frequentemente recusava-se a
mostrar-lhe seus desenhos. Alimentava suspeitas de que o jovem artista acalentava a esperança de vir a
publicá-los sem a sua autorização, o que de fato aconteceu. Ao deixar a expedição, Rugendas não entrega toda
a sua produção a Langsdorff e serão justamente estes desenhos e esboços que constituiriam a obra lançada
logo após seu retorno a Europa. Langsdorff posteriormente viria a processá-lo visto que no contrato travado
esta era uma cláusula clara. Os diários de Langsdorff estão organizados em três volumes, traduzidos e
publicados pela Fiocruz: SILVA, Danuzio Gil Bernardino da (org.). Os Diários de Langsdorff. Campinas:
Associação Internacional de Estudos Langsdorff; Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. Sobre os conflitos entre
Rugendas e Langsdorff e a publicação de Viagem Pitoresca ver também: Maria de tima Costa & Pablo
Diener. A América de Rugendas: obras e documentos. São Paulo: Estação Liberdade: Kosmos, 1999.
23
A bibliografia sobre Rugendas levanta dúvidas sobre quem de fato escreveu o texto da Viagem Pitoresca.
Durante parte de sua estadia em Paris, Rugendas compartilhava moradia com um amigo de Augsburgo, o
jornalista e escritor Victor Aimé Huber, a quem alguns pesquisadores, como Gertrud Richert e Rudolf Elvers,
atribuem a autoria do relato de viagem. Entretanto, não importa aqui comprovar a autoria do texto, pois, como
aponta Robert Slenes, mesmo que Huber fosse o autor, Rugendas acompanhou de perto a confecção do texto,
uma espécie de trabalho conjunto, visto que na obra Viagem Pitoresca texto e imagem estão intimamente
relacionados, pena e pincel invariavelmente dialogam e se complementam. Slenes observa ainda que um
mesmo projeto intelectual guia texto e gravuras: ambos inspiram-se ou mesmo referendam o trabalhado de
Henry Koster, Travels in Brazil (1817), o qual chega a ser citado no livro como "melhor relato existente sobre
a sociedade e costumes do Brasil". Ver: Robert Slenes. Bávaros e Bakongo na "Habitação de Negros": Johann
Moritz Rugendas e a invenção do povo brasileiro. Departamento de História IFCH/UNICAMP - SP. No prelo.
Versão de abril de 1995. p.15-22 e p.27.
33
Como afirma Celeste Zenha, Engelmann possuía um estabelecimento muito bem-
sucedido e respeitado, onde produzia litografias distribuídas por toda a França, Alemanha,
Suíça e outras partes da Europa. Em suas oficinas foram desenvolvidos muitos procedimentos
pioneiramente empregados na produção das imagens impressas.
Conhecedor e aperfeiçoador dos procedimentos técnicos, Engelmann cercara-se de
artífices habilidosos formados em suas oficinas. Além disso, contava com a
produção de artistas de alta reputação na arte de desenhar na pedra. Nos cadernos da
Viagem pitoresca ao Brasil trabalharam 22 litógrafos. Adam, especializado em
figuras, participou da elaboração de 31 das 100 pranchas; Deroi, de 18; Villeneuve,
de 11; Maurin, de 9; Sabatier, de 8; Bichebois, de 6; Joly e Wathier, de 5; Jules
David, de 4; Rugendas, Vigneron e Zwinger, de 4; o famoso Bonnington, Lecamus e
Viard, de 3; Monthelier, Tirpene, Arnoul, Bayo e Jacottet, de 2; Dupressoir e
Leborne de apenas uma imagem. (ZENHA, 2002, p.137-138)
E é justamente por contar com variados litógrafos que Engelmann exigira o
acompanhamento de Rugendas no processo de elaboração das pranchas, a fim de obter
resultados os mais verossímeis e precisos, atendendo a demanda de um público consumidor
ávido por uma reprodução mais autêntica possível do que o artista vira e vivera no Brasil.
Entretanto, outras experiências afastaram Rugendas da oficina onde as pranchas eram
confeccionadas e ele próprio executou apenas quatro pranchas litográficas.
Vale lembrar que quando Rugendas retorna à Europa, ingressa em uma etapa essencial
a sua aprendizagem e carreira artística. Graças a sua amizade com Humboldt, adquiriu uma
grande bagagem de informação sobre o continente americano. Em sua estadia em Paris e
Roma teve contato com as vanguardas artísticas da época e, em última instância, aprendeu a
pintar. Até então, tinha sido um fiel discípulo da escola alemã, na qual predominava a
preferência pelo desenho como cristalização da idéia artística, e para a qual a cor estava
sujeita a desempenhar um papel secundário. É neste período que conhece a obra de Jean
Baptiste Camille Corot, de William Turner e do aquarelista inglês Richard P. Bonington.
Esses foram anos de gestação de seu projeto de realizar uma grande viagem americana com a
intenção de reunir material para publicar uma obra de caráter enciclopédico-artístico,
seguindo o exemplo dos trabalhos de seu protetor von Humboldt.
24
24
A grande viagem americana de Rugendas teve início no mês de julho de 1831 no México, onde morou até
1833. Em seguida se muda para o Chile onde permanece por 12 anos, período em que viaja para Argentina,
Peru e Bolívia, registrando cenas da vida campesina e indígena. Em 1845, retorna ao Brasil, partindo no ano
seguinte definitivamente para a Europa. Diener (1996) destaca que a produção de Rugendas deste período é a
mais rica quanto à variedade temática. No entanto, no Brasil, a sua segunda estância se reduziu ao Rio de
Janeiro – mais que uma continuação de sua obra precedente, aproveitou as oportunidades que lhe foram
oferecidas para expor na academia carioca e para pintar uma série de retratos do imperador e sua família.
34
Neste sentido, pode-se afirmar que Langsdorff e Humboldt influenciaram
decisivamente o enriquecimento intelectual de Rugendas, remontando a eles a
instrumentalização que este faz do artístico em benefício de um trabalho que aspira a ser um
material de caráter documental para o estudo e pesquisa.
1.2 Construindo tipos: diferentes marcas, múltiplas cores, distintas designações.
As Viagens Pitorescas de Debret e Rugendas são frutos de construções simbólicas,
inscrevendo-se no interior de um processo mais amplo, do qual se alimentava o imaginário
europeu com relação ao Novo Mundo. Produzidas no contexto da Ilustração e dos legados
políticos da Revolução Francesa, as narrativas dos dois artistas trazem em si o ideal
civilizatório apregoado pelo europeu de fins do século XVIII, estabelecido sob bases
filosóficas que levavam a pensar a humanidade enquanto totalidade.
A alegoria, enquanto forma de representação, marca então seu duplo movimento,
estabelecer as diferenças e, ao mesmo tempo, inseri-las em um quadro de referência a valores
universais. E é justamente a dicotomia estabelecida entre esta totalidade "humana" e suas
diferentes "raças", especificamente o negro e suas diferentes “faces”, que despertará o olhar
atento destes artistas.
1.2.1 A população africana e seus descendentes: nações e etnicidade
Ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX, nas colônias Ibéricas, a imensidão
negra não compunha um todo homogêneo. A heterogeneidade étnica era um traço fundador da
escravidão brasileira.
Segundo Karasch (2000), existiam pelo menos sete nações principais no Rio
oitocentista, bem como várias outras menores. As mais importantes eram mina, cabinda,
congo, angola (ou loanda), caçanje (ou angola), benguela e moçambique. As menos
numerosas, muitas incorporadas às nações principais, eram gabão, anjico, monjola, moange,
rebola (libolo), cajenge, cabundá (bundo), quilimane, inhambane, mucena e mombaça. Estes
termos imprecisos, que a princípio denotam portos de exportação ou vastas regiões
geográficas, dirigem a atenção para a África Oriental e principalmente para o Centro-Oeste
Africano como terra natal provável da maioria dos africanos do Rio.
35
Tabela 01 – “A porcentagem de escravos de cada região da África, 1795-1852”
Mary Karasch. A vida dos escravos no Rio de Janeiro.o Paulo: Cia das Letras, 2000. Tabela 1.6p.52
Observando a tabela usada por Karasch (Tabela 01), temos o Centro-Oeste Africano
como fornecedor da maioria dos escravos importados na primeira metade do século XIX. A
segunda principal área é a África Oriental (centro-leste). Essa fonte de escravos cresceu a
partir de 1815, tendo em vista as melhorias nas embarcações, que ficaram mais velozes, e na
medida em que aumentou a pressão inglesa para o fim do tráfico negreiro na África Ocidental.
Moçambique desponta então como um dos principais portos de tráfico de escravos e, em
1830, a nação moçambique tornou-se uma das maiores no Rio de Janeiro. (KARASCH, 2000,
p.58-59) a África Ocidental fica responsável por menos de 7% dos escravos africanos. Os
mais conhecidos neste grupo são os minas, nomenclatura que então dava conta das
populações de diferentes locais, a saber da Costa do Ouro, Costa de Daomé/Benin, Gana e
Nigéria.
Estes escravos de origem africana somam aproximadamente três quartos da população
escrava do Rio de Janeiro nas primeiras décadas dos oitocentos. Neste período os escravos são
divididos de acordo com o lugar de nascimento: África ou Brasil. Os brasileiros são então
classificados por cor (pardo, crioulo, mulato, cabra, etc) enquanto os africanos − todos
considerados negros − distinguem-se por local de origem (Angola, Moçambique, Mina, etc).
É importante lembrar que estamos tratando de indivíduos e segmentos de grupos
36
africanos que encontram na reorganização étnica uma das alternativas para enfrentar o
cativeiro. Como afirma Mariza Soares (2005, p.134-135), o tráfico e os rearranjos que dele
decorrem reconfiguram a composição dos grupos étnicos africanos traficados, apontando para
questões como o uso recorrente das chamadas “nações” (mina, angola, moçambique, etc, que
remetiam ao porto de origem dos navios negreiros) como mecanismo de identificação e
organização dos africanos na América. Redefinem-se as fronteiras entre os grupos étnicos
através da formação de unidades mais inclusivas que fazem emergir esferas de solidariedade
entre diferentes grupos. Em um Rio atlântico, escravos, africanos, crioulos, libertos e fugitivos
de origens diversas repartiram (e partiram) espaços e lugares, cunhando suas “marcas” e
reinventando identidades
25
.
Assim, as “nações”, inicialmente uma identidade atribuída, acabam incorporadas e
servindo como ponto de referência para o reforço de antigas fronteiras étnicas ou para o
estabelecimento de novas organizações identitárias. Por isso, mais do que etnias (no sentido
de grupos originais ou de traços culturais primordiais), devemos ter em mente que estamos
tratando de um conjunto de configurações étnicas em permanente processo de
transformação.
26
1.2.2 Nomeando o outro: raça, cor e ancestralidade
A variedade de termos usada para designar indivíduos africanos e seus descendentes
nunca possuiu significado fixo, único. Mulato, negro, preto, pardo e mestiço foram usados em
diferentes momentos com distintas conotações. Caso nos debrucemos sobre documentos da
colônia, nos depararemos com a imprecisão e subjetividade dos termos raciais. Como afirma
Jack Forbes (1993, p.03; 102):
25
Ver: FARIAS, Juliana B.; SOARES, Carlos Eugênio L.; GOMES, Flávio dos Santos. No Labirinto das
Nações: Africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. p.25-29.
26
Mariza Soares afirma, por exemplo, que o grupo de procedência denominado Mina não tem necessariamente a
mesma configuração étnica no RJ, em Pernambuco, na Bahia ou no Maranhão. Também o que é designado
Mina no Rio de Janeiro no século XVIII, difere do que na mesma cidade é mina no século XIX. Tais
diferenças decorrem das populações traficadas e dos rearranjos no interior de cada nação, em cada cidade,
época e situação, resultando em grupos em constante processo de transformação. Ainda sob esta lógica, a
autora demonstra como estes grupos africanos conseguem criar esferas de atuação nesta sociedade,
organizando-se a partir das identidades previamente estabelecidas para criar novas identidades em espaços de
agregação social. É o caso das irmandades de pretos que regulamentavam a entrada de seus membros segundo
a cor (pretos e pardos) e segundo as "nações" (angola, mina e outras), criando em seu interior "identidades
contrastivas", ou seja, que se definem em contraposição a outra previamente estabelecida, que levam a um
processo de segmentação/reagrupamento, com base em uma nova rede de alianças estabelecida. Mariza
Soares. "Histórias Cruzadas". In: Florentino, Manolo (org). Tráfico Cativeiro e Liberdade. p.134/135.
37
the meaning of a word is never a timeless, eternal constant but rather is a constantly
evolving changing pointer. / (…) / No association of color with servitude existed,
since most slaves were European or North African. On the other hand, a
predominance of a certain type of slave may have resulted in their ethnic or class
name becoming almost synonymous with ‘slave’, for instance, sarraceni, mouro,
sclavi/ slavi, depending on the period.
E acrescenta:
Humans beings were still understood to be all descendent from Adam and Eve. Thus
all human beings, in the biblical tradition, were of the same race or stock. (…) the
variations of color were not of fundamental significance, except as an aid in the
identification of a fugitive or as one of several ways to describe an individual.
(FORBES, 1993, p.99-100)
Assim, até inícios do período moderno o termo negro ou seu equivalente não era usado
para identificar uma raça específica, não remetendo à ancestralidade ou etnicidade, mas sim
para simples descrição da cor ou aparência percebida.
A partir do culo XVI, novos termos passaram a designar pessoas negras e mestiças.
A grande gradação de cores, resultante da longa experiência do tráfico, e a flutuação das
categorias utilizadas para diferenciá-las faz com que a cor passe a ser simbólica e não
específica, e o termo negro cada vez mais é usado em um sentido alargado.
Color terms (termos que designavam cor) se multiplicaram e passaram a organizar,
definir e classificar tanto os próprios termos como as pessoas a que se referiam. A ênfase
estava na “aparência” (incluindo a percepção de status enquanto seu atributo) em oposição à
“ancestralidade”. Note, entretanto, que os termos não eram usados de forma estática. Se por
um lado estavam diretamente relacionados à cor, não se resumiam a ela. A aparência física
dificilmente pode ser separada dos outros fatores que configuram as identidades, logo,
identificações baseadas na aparência não eram invariáveis.
A transformação dos termos reflete, pois, o tipo de ordem social que se desenvolveu
nas colônias ibéricas, onde passam a servir para identificar e limitar, para controlar e excluir.
Neste sentido, devemos estar atentos ao fato de que
racial terms as used by Iberians and as acquired by the English were going to refer
to part-African people who might not only have the features of the Gulf of Guinea
(variable as they are) but also every conceivable combination of central Africa,
Ibero-African, Afro-Arabic and American-African mixtures. (FORBES, 1993, p.04)
38
Para Forbes (1993), uma das conseqüências da longa experiência do tráfico,
proveniente de diferentes portos, será o grande número de escravos de diferentes tonalidades
de cores, o que resultou na tendência de se registrar tal aspecto para identificação individual
(isto é, a aparência, incluindo a percepção do status como seu atributo) e não a ancestralidade.
Neste sentido o mesmo termo é usado para diversos tipos de escravos e reside a
problemática de se definir identidades com base na cor da pele: a grande gradação de cores. A
cor passa a ser simbólica e não-específica.
De acordo com Silvia Lara (2002, p.2), um censo feito em 1789 computou 168.709
habitantes para toda a capitania do Rio de Janeiro, dos quais 82.448 (48,9%) eram escravos.
Na ocasião, a cidade do Rio somava 38.707 habitantes, dos quais 43,4% eram escravos. Neste
período os censos não possuem distinções de cor. Diferenciam apenas livres e escravos e,
dentre estes últimos, homens e mulheres ou faixas etárias. Cabe então questionarmos se todo o
contingente contado como escravo era realmente escravo ou apenas por se tratar de negros e
gradações da cor negra, era considerado como tanto.
Já em 1799, segundo Manolo Florentino (2002, p.12), no Mapa de população relativo às
freguesias urbanas do Rio de Janeiro, os “brancos” somariam vinte mil pessoas, com quinze mil
“escravos” e nove mil “pardos e pretos libertos”. Para o historiador, tendo em vista os relatos de
viajantes que apontavam uma minoria branca na população de então, neste censo, na categoria
“brancos estariam inclusos os brancos europeus e os homens e mulheres livres de cor,
considerados agora culturalmente brancos, o que não excluiria a possibilidade de negros e
mestiços nascidos fora do cativeiro, por sua cor, também fossem encarados como “pardos e
pretos libertos”.
Assim, ainda que se verifique, durante todo o período colonial, grande variedade de
termos para designar pessoas não brancas e não índias (como pardos, mulatos, crioulos, cafuzos,
cabras, bodes, pretos, africanos, curibocas, forros, libertos), em fins do culo XVIII era
bastante forte a associação entre a cor negra da pele e a escravidão. Insuficientes para demarcar
a efetiva distinção social, o registro da cor da pele precisava ser reforçado por elementos da
linguagem visual das hierarquias sociais nas representações. Elementos estes que muitas vezes
serviam também para apontar os diferentes tipos negros, seus usos e costumes, atribuindo-se às
tatuagens, pinturas, adornos e fisionomias valores simbólicos distintos.
Se por um lado diferenciavam-se e classificavam-se tipos humanos, por outro se
homogeneizavam diferenças. Preto e negro foram empregados cada vez mais de modo
genérico, abarcando escravos e libertos (ou mesmo livres), provenientes de diferentes etnias e
39
variadas misturas. Como destaca Silvia Lara (2004, p.147), “a identificação entre cor da pele
e condição social não caminhava de modo direto, mas transversal, passando por zonas em que
os dois aspectos pareciam estar confusos, em que critérios díspares de identificação social
estavam superpostos”.
Neste sentido, pode-se analisar a evolução do significado dos termos raciais, mas
somente o estudo dos nomes não conta dos seus empregos e significações. No século XIX,
a noção de raça e de desigualdade entre elas cada vez mais toma forma no pensamento
científico. Até então se naturalizava como construções divinas as desigualdades sociais e
assim a montagem da sociedade. As diferenças de cor e características físicas reforçavam as
marcas hierárquicas nas sociedades escravocratas, mas não eram necessárias para justificar a
escravidão, fundada então no estatuto da pureza de sangue
27
.
Mesmo a pureza de sangue não serviu, no entanto, a definição de raça de forma
homogênea por todos os séculos de colonização. Segundo trabalho desenvolvido por Cope
sobre o México colonial,
casta libros de bautismos did not specify the infant’s race until the early eighteenth
century. Indeed, among plebeians, racial labels do not seem to have been regularly
applied to nonadults. (…) Apparently, a typical casta did not receive an ‘official’
racial classification until he first came into contact with the governmental or
religious bureaucracies, that is, when he first entered the labor force or married.
(COPE, 1994, p.55).
Isto não quer dizer que se demandava pouca atenção à ancestralidade na definição da
raça, mas que o conflito entre vários critérios na identificação racial acabava por não dar as
linhagens espaço central nas definições pessoais. As divisões raciais só poderiam ser bem
demarcadas frente a uma cuidadosa distribuição de direitos, privilégios e obrigações e “colonial
legislation was far too inconsistent for this purpose. Some laws distinguished between different
casta groups, but others lumped all mixed-bloods together.” (COPE, 1994, p.161).
Com a publicação de Lineu – System of nature – no século XVIII, escritores e
estudiosos se aventuraram a organizar a humanidade em um sistema classificatório lógico,
27
Instituídos a partir de 1570, os estatutos de pureza de sangue, que vetavam o acesso de descendentes de
judeus, mouros e gentios nas ordens militares, vigoraram até 1773. A restrição a cargos, tenças e hábitos fazia-
se também aos que apresentasse defeito mecânico, isto é, que exerciam trabalho manual ou cujos antepassados
o fizeram. Sobre a questão ver: Maria Elena Martinez. “Religion, Purity, and ‘Race’: The Spanish Concept of
Limpieza de Sangre in Seventeenth Century Mexico and the Broader Atlantic World”. In: International
Seminar on the History of the Atlantic World, 1500-1800. Havard University: Cambridge, MA, 2000.
40
incluindo os tipos resultantes de miscigenações. Entretanto, o embate entre aparência e
genealogia racial continuava a ditar os limites destas classificações:
This process of classification, which became, in fact, genealogical or racial, seems
to have resulted from a rationalistic, ‘scientific’ desire to bring a sense of order and
logic into what appears to this author to have been an ad hoc disorderly world of
subjective descriptions of color and other phenotypical characteristics. (FORBES,
1993, p.103)
O final do século XVIII representa, desta forma, o prolongamento de um debate ainda
não resolvido. Até inícios dos oitocentos, o uso indiscriminado de diferentes categorias raciais
para identificar indivíduos de ancestralidade variada estabelece um status legal para estes
setores da população e distinções que estavam na base da hierarquia social. Como afirma
Robert Jackson (1994, p.4),
Race categories assigned to castes were based on the assumption that priests or
colonial officials could classify the ancestry, or more accurately the bloodlines, of
an individual on the basis of skin color. However, other criteria also figured in the
creation of racial identity such as stereotypical assumptions about culture, behavior,
and, in the case of rural populations, the place of residence and the form of land
tenure or usage. Racial terms linked the assigned identity of an individual to a legal
status, but at the same time were imprecise at best.
Assim, se a categoria raça existe em inícios do século XIX enquanto construção
social, a racialização dela resultante é fruto de meados do mesmo século. O que estava em
pauta era a perfectibilidade das “novas” populações com quem se relacionavam entendida
como a capacidade do homem, guiado pela razão, de domesticar-se e alçar-se acima de sua
própria natureza, sendo marco distintivo entre os homens e os demais seres. O homem
tenderia naturalmente ao progresso.
Sob esta perspectiva reconhece-se a humanidade do negro, mas de forma a defini-la
como degradada, degenerada, tendo de ser recuperada através do processo civilizador
europeu, que o integraria à sociedade de forma que este contribuísse com o que tem de
melhor. Diante de uma população heterogênea, composta por uma multiplicidade de tipos e
cores, não bastava estabelecer uma escala de “raças”. Era necessário definir gradações que
comprovassem a marcha progressiva destes indivíduos rumo à civilização.
41
1.2.3 A taxonomia de Debret: ciência, arte e imagem
Com a confessa intenção de “compor uma verdadeira obra histórica brasileira”, Debret
se compromete na sua Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil em seguir “um plano ditado
pela lógica: o de acompanhar a marcha progressiva da civilização no Brasil” (DEBRET, 1989,
tomo I, p.24). Visando fornecer ao leitor europeu informações relativas à história do país que
fossem além do âmbito da história natural ou do puro exotismo, divide sua obra em três
volumes. No primeiro, dedica-se à vida dos indígenas; no segundo, à vida nas cidades com
destaque para a “atividade do povo civilizado no Brasil, sujeito ao jugo português”
(DEBRET, 1989, tomo II, p.13), encontrando-se a maior parte das pranchas dedicadas à
representação do negro; já no terceiro, volta-se para a “história política e religiosa brasileira”,
enfatizando instituições educacionais e a história da monarquia no Brasil (DEBRET, 1989,
tomo III, p.13).
Estes volumes, segundo Debret, encontram-se ordenados cronologicamente.
Entretanto, o emprego do termo pelo autor deve ser compreendido diante do projeto que
define para sua obra, fundado nos grandes acontecimentos políticos associados à emancipação
do país e aos 'avanços da civilização' e que, de certa forma, confundem-se com a experiência
do artista no Brasil:
Essa coleção, ordenada cronologicamente, encontra novo interesse na história de sua
formação. Com efeito, começada exatamente na época da regeneração política do
Brasil, operada pela presença da Corte de Portugal, que se fixou na capital da
Colônia Brasileira elevando-a à categoria de Reino, inicialmente, e, pouco depois, à
de Império independente, essa coleção termina com a revolução de 1831. (DEBRET,
1989, tomo I, p.24)
Neste sentido, o autor demonstra preocupações que se inscrevem na ordem do tempo
como as idéias de progresso social e político, de desenvolvimento econômico e avanço da
civilização. Segundo Valeria Lima (2003, p.XX), “tratar-se-ia, talvez, de uma cronologia
liberada da simples exposição linear dos fatos, mas necessária estruturalmente para a
compreensão dos temas tratados e das teorias que Debret apresenta a respeito do Brasil”.
Logo nas ginas iniciais de sua obra, o artista assinala a importância de “propagar o
conhecimento das belas artes entre um povo ainda na infância” e aponta o objetivo de
“imprimir nesse mundo novo as marcas profundas e úteis” da presença francesa. Para tanto,
Debret afirma que acrescentou “diante de cada prancha litografada uma folha de texto
42
explicativo, a fim de que pena e pincel suprissem reciprocamente sua insuficiência mútua”.
No texto introdutório a sua obra reitera sua preocupação em traçar uma longa série de fatos
históricos nacionais”, dando “informações fidedignas” recolhidas no “centro de uma capital
civilizada” e mesmo uma descrição fiel do cater e dos hábitos dos brasileiros em geral”, a
seguir umaordem lógica. (DEBRET, 1989, tomo I, p.23-26)
nas observações finais do segundo tomo da Viagem Pitoresca e Histórica, após
apresentar os avanços verificados no país depois de 1831, o artista conclui: “em resumo, tudo
progride neste país” (DEBRET, 1989, tomo II, p.199). Mais uma vez Debret coloca o tempo a
favor da “marcha progressiva da civilização no Brasil”, movimento este que embasa sua obra
histórica. A seleção que faz das imagens bem como a organização dos volumes traduzem a
intenção de elevar o Brasil a categoria de nação civilizada, fazendo-se necessário, para tanto,
a constituição de sua história. Neste percurso, a emancipação política aparece associada ao
progresso, e os usos e costumes europeus, à regeneração do Brasil, no sentido de recuperação
moral, de um segundo nascimento e mesmo de um fortalecimento da noção pátria.
Os indígenas aparecem então com duplo papel: são expressão do estágio de não-
civilização, mas representam também o lugar de origem de uma população civilizada. É a
partir do selvagem de “caráter simples” e “faculdades limitadas” que o pensamento iluminista
do francês vai interpretar o avanço da civilização no Brasil. Ocupam, pois, o primeiro tomo de
sua obra.
os negros são descritos por Debret como “grandes crianças” indolentes, sem outra
ambição que não a preguiça, e incapacitados para desenvolver uma “reflexão que leva a
comparar as coisas e tirar conclusões” (DEBRET, 1989, tomo II, p.256). O próprio sistema
escravista é visto com certa tolerância pelo francês, na medida em que afirma que em
nenhuma outra parte do mundo o escravo é tratado com tanta humanidade como no Brasil,
além de lhe ser oferecida, aqui, a oportunidade de tornar-se cristão. Ele teria, portanto, o valor
de reforma moral pelo fato de levar aos africanos a luz do cristianismo. Note que o artista não
nega os maus-tratos a que submetem os negros e mesmo a exploração do seu trabalho,
entretanto, ao considerá-los inferiores aos brancos e carentes de sua tutela civilizatória, acaba
por tornar aceitável sua condição escrava.
Ao branco europeu está reservado o papel de gestão do processo civilizatório ao qual a
jovem nação deveria se submeter. Partindo desta concepção, Debret compõe uma
“classificação geral da população brasileira” pautada em uma escala de valores pelo grau
inquirido de civilização:
43
1. Português da Europa, português legítimo ou filho do reino;
2. Português nascido no Brasil, de ascendência mais ou menos longínqua,
brasileiro;
3. Mulato, mestiço de branco com negra;
4. Mameluco, mestiço das raças branca e índia;
5. Índio puro, habitante primitivo; mulher, china;
6. Índio civilizado, caboclo, índio manso;
7. Índio selvagem, no estado primitivo, gentil tapuia ou bugre;
8. Negro de África, negro de nação; moleque, negrinho;
9. Negro nascido no Brasil, crioulo;
10. Bode, mestiço de negro com mulato; cabra, a mulher;
11. Curiboca, mestiço de raça negra com índio.
(DEBRET, 1989, tomo II, p.15)
Na elaboração desta classificação, Debret cita como fonte Ferdinand Denis. Segundo
Valéria Piccoli, Denis era brasilianista e conservador da Bibliothèque Sainte-Geneviève em
Paris, publicando em 1837 o livro Brésil, onde classifica os portugueses como “uma raça
invasora, mas civilizadora” e afirma que os brasileiros, “havendo tomado de cada variedade
da espécie humana algumas de suas qualidades e defeitos”, marcham para o “triunfo de uma
civilização independente” (PICCOLI, 1999, p.41).
Ora, ao dialogar com Denis, Debret explicita ainda mais sua insistência nas noções de
civilização, aperfeiçoamento e progresso preocupação esta que não lhe era exclusiva. Os
bávaros Spix e Martius, em seu relato de viagem ao Brasil (Reise in Brasilien - 1823-1831),
como eles próprios afirmam, tinham por intenção investigar não somente a história natural,
mas também o estado de “civilização” dos habitantes do Brasil. No entender dos naturalistas
os diferentes tipos humanos são compreendidos como “representantes de todas as épocas”, de
“toda a história da evolução humana”, de forma que sua ngua, seus costumes, seu folclore,
seus mitos e tradições históricas seriam manifestações de seu “estado de civilização e
história”. (MARTIUS e SPIX, tomo II, p.152 e tomo I, p.27) Suas questões sobre o Brasil
giram constantemente em torno da idéia de progresso e do possível aperfeiçoamento da
humanidade.
Tais noções nos remetem diretamente ao “Século das Luzes”, à idéia de civilização
como ponto máximo de perfeição a que a humanidade se destina desde que guiada pela razão
crítica. A história passa a estar comprometida com a narrativa dos avanços, com a escala que
conduz o homem da barbárie à civilização. A multiplicidade de tipos humanos decorrentes da
miscigenação fazia do Brasil um dos maiores laboratórios existentes para o estudo do homem
e de seus passos rumo às luzes. É neste intuito que Debret dedica duas pranchas do segundo
tomo de sua obra (prancha 22 e prancha 36) à representação visual das diferentes etnias negras.
44
Fig. 01 – Esclaves nègres de differentes nations
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo II, prancha 22.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 02 – Differentes nations nègres
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo II, prancha 36.
[Biblioteca Nacional Digital]
45
A prancha intitulada “Escravos negros de diferentes nações” (Fig.01) é composta por
16 bustos femininos, de forma a evidenciar rostos, penteados, adornos e a parte superior de
suas vestes. O texto que a acompanha é dividido pelo autor em duas partes: “uma introdução à
prancha”, que, segundo Debret, objetiva dar “alguns pormenores acerca da importância de
escravos no Brasil” e uma “Explicação da prancha 22”, onde descreve para cada uma das
“negras de raças e condições variadas” características específicas.
Afirma ainda que “a Costa do Ouro fornece os melhores escravos e o maior número”,
sendo os negros mais comuns no Rio de Janeiro das seguintes nações: benguela, mina,
ganguela, banguela, mina nago, mina nahijo, rebolo, cassange, mina calava, cabina de água
doce, cabina mossuda, congo, moçambique “Estas últimas compreendem um certo número
de nações vendidas num mesmo ponto da costa, como a astre, etc. (DEBRET, tomo II,
p.101-103). Como foi dito anteriormente, ainda que estas denominações não assegurem que
estes escravos provenham realmente dos portos de origem correspondentes, a lista é
importante porque revela a forma como os escravos africanos e seus descendentes eram
definidos e agrupados (ou se definiam e se agrupavam) como nações no Rio de Janeiro.
Diferenças não seriam necessariamente apagadas, mas semelhanças podiam ser construídas e
redefinidas.
Assim, em uma prancha Debret pinta tipos negros que, para fins analíticos irei
separar em dois grandes grupos, de acordo com a classificação proposta por Mary Karash
(2000): as “nações de origem”, que remete aos escravos vindos da África, seus portos de
origem e suas diferentes denominações (benguela, mina, rebolo, cassange, congo,
moçambique, etc), e as “nações de cor”, escravos provavelmente nascidos no Brasil,
pertencentes aos grupos dos pardos, crioulos e cabras.
Dentre os tipos africanos destaca-se então a negra Cabinda (nº.4), tanto pelo seu
posicionamento (na parte central da prancha, no primeiro plano) quanto pelos seus ornatos: a
“criada de quarto, vestida para levar uma criança à pia batismal” traz o cabelo preso com um
arranjo de flores e uma tiara dourada, que compõe com grandes brincos, colar da mesma cor,
cordão de miçangas e vestido com detalhes de renda e mangas fofas.
Três outros bustos de origem aparecem identificados como “criada de quarto”: o nº.1,
o nº.6 e o nº.7. O primeiro, da nação Rebolo, possui tez semelhante a da Cabinda e usa um
discreto vestido branco, com xale jogado sobre os ombros. Segundo Debret, está “imitando
com sua carapinha o penteado de sua senhora”. os outros dois estão diretamente
relacionados a famílias abastadas: a Cabina (nº.6) é criada de “uma jovem senhora rica” e a
46
Benguela (nº.7), pertence à “uma casa opulenta”. Ambas trajam vestidos discretos, usam xale,
cabelos presos, cordão dourado e brincos.
Os adornos dourados novamente aparecem na mulher nº.11, que Debret define como
“Monjola, antiga ama e pajem de casa rica”. Seu rosto evidencia escarificações – uma série de
linhas paralelas na vertical ainda que o artista não faça referência a estas marcas no texto
que acompanha a prancha. Em suas anotações resume-se a destacar: “As negras monjolas são
mais particularmente revoltadas, mas compartilham da alegria, da faceirice e principalmente
da sensualidade que caracterizam os congos, os rebolos e os benguelas”. (DEBRET, tomo II,
p.103-104)
A última a trazer cordão dourado é a nº.15, “Cassange, primeira escrava de um artífice
branco”, representada de perfil, com feições pouco detalhadas, usando um simples vestido
branco e algumas presilhas no cabelo. O busto nº.10, com escarificações no seio da face e na
testa, possui tonalidade de pele semelhante à Cassange. Suas vestes, no entanto, são mais
alinhadas. É classificado por Debret como uma Mina pertencente a um negociante europeu,
“primeira escrava”, o que, segundo o artista, implica ser “favorita, sujeita a chicotadas”.
Referindo-se ao busto nº.13, o artista afirma tratar de uma escrava Moçambique
pertencente a “casa de gente abastada”. A mulher traz uma tatuagem na testa e outra vez a
marca não é citada em sua “explicação”. Por outro lado, o francês insiste em destacar o seu
“pertencimento”, tal como faz nos outros tipos retratados tal atitude chama atenção para
hierarquias socioeconômicas que envolvem tanto escravizados como senhores, como veremos
adiante.
A tatuagem aparece também na negra Calava (nº.8). Desta vez, Debret apenas
menciona a marca para dizer que é feita de “terra amarela”. Prefere destacar em sua anotação
que a “jovem escrava vendedora de legumes”, está penteada com “uma tira de crina bordada,
com contas e pingentes do mesmo tipo nos cabelos”. A escrava vendedora aparece mais uma
vez na prancha, desta vez vende frutas – uma negra Benguela (nº.14), com vidrilhos coloridos
na cabeça e um vestido maltrapilho que deixa os seios praticamente à mostra.
Ainda dentre as nações de origem, três bustos referem-se a mulheres livres: o nº.2, o
nº.9 e o nº.16. A primeira (nº.2) é “Congo”, “mulher de trabalhador negro”, e usa “traje de
visita”. A segunda (nº.9) é “Moçambique, negra livre recém-casada”. Usa vestido rendado e
cordão semelhante ao da mulata (nº.12). Um tecido colorido e algumas flores ornam sua
cabeça e seu perfil evidencia as escarificações puntiformes nos seios da face e proximidades
do olho. Já a nº.16 é “Angola, negra livre quitandeira”. É o menor desenho e menos detalhado
47
da prancha. Usa um lenço na cabeça e em seu rosto nota-se algumas escarificações, mas de
forma difusa, sem que se possa identificar ao certo seus contornos.
Na classificação criada pelo artista para as nações de origem existe uma preocupação
evidente com o posicionamento destas negras na sociedade, com destaque para a função que
exercem. A nomenclatura aparece então diretamente relacionada a este “posicionamento
social” em detrimento às características físicas específicas, apesar destas aparecerem na
imagem.
As escravas pertencentes a famílias mais abastadas se distinguem então pela
“profissão”, pelas vestes e acessórios. As diferentes nações, por sua vez, implicitamente
também se hierarquizam frente a esta “inserção social”. Aquelas que alçam o posto de criadas
de quarto são as mais “capazes” de se civilizar segundo os padrões europeus, já sendo
familiares aos usos e costumes “civilizados” - o que pode ser observado no fato de uma delas
estar vestida para ir à igreja (pia batismal) enquanto a outra usa penteado igual a de sua
senhora. Não se pode esquecer que a posição do escravo estava diretamente relacionada à de
seu senhor a propriedade de escravos e a renda alta eram critérios de posição social; ser
escravo de família abastada era sinal de prestígio, assim como uma criança nascida de uma
escrava com seu senhor tinha maior possibilidade de mobilidade social. Como destaca
Karasch (2000, p.114), “ancestralidade e família eram tudo, ainda mais importantes do que
cor e status civil”. Assim, todas as criadas de quarto estão representadas na parte superior da
prancha, onde as figuras aparecem maiores. as mulheres livres retratadas por Debret, ou
trabalham ou são casadas, remetendo mais uma vez à idéia de moral e ordem.
Os tipos que remetem às nações de cor ficam por conta dos bustos nº.3 “Cabra,
crioula, filha de mulato e negra”; nº.5 “Crioula”; e nº.12 “Mulata, filha de branco com
negra”. A Cabra, segundo o artista francês de “cor mais escura do que o mulato”, apresenta
tez bem mais clara do que a dos tipos classificados com base na origem africana. Usa um
discreto vestido com renda branca e traz um xale sobre os ombros, o que Debret classifica
como “traje de visita”, ainda que não aponte sua condição (livre, liberta ou escrava). Traz um
cordão de miçangas com pingente dourado e usa cabelos curtos, com cachos bem definidos,
que destacam os delicados traços de seu rosto. Já a Crioula, como afirma o artista, usa “baeta
na cabeça” e é “escrava de casa rica”. A Mulata, “concubina 'teúda e manteúda'“, em contraste
com as duas anteriores, está de costas. Dentre as mulheres pintadas é a que possui a pele mais
clara, trazendo colar ao redor do pescoço e um diadema dourado adornando os cabelos.
48
Os termos, designativos de cor, utilizados por Debret em sua prancha, coincidem com
a divisão sugerida por Mary Karasch, sintetizando os tipos mestiços em três grandes
categorias que abarcariam os negros, escravos ou não, de origem brasileira: cabra, crioulo e
mulato (pardo). Segundo a autora, a categoria cabra incluía pessoas de origem mista e “no
contexto do uso oficial, ‘cabra’ parece ter definido os escravos brasileiros menos considerados
da cidade, os de ancestralidade e mistura racial indeterminada”. Já o termo crioulo se aplicava
ao negro nascido no Brasil (e ocasionalmente a africanos nascidos em colônias portuguesas na
África). Os pardos definiam uma pessoa de pais africanos e europeus, também conhecidos
como mulatos, apesar desta terminologia ser considerada menos polida e usada
frequentemente como insulto. A autora destaca ainda que muitas vezes estas nomenclaturas
eram utilizadas pelos próprios atores sociais para se distinguir de outros grupos “racialmente
mistos” da cidade, constituindo grupos identitários específicos na hierarquia social.
(KARASCH, 2000, p.37-40)
Ao retratar estes tipos na mesma prancha em que pinta bustos africanos, Debret aponta
continuidades como tonalidades da pele e mesmo a condição escrava no caso do busto nº5,
mas essencialmente destaca diferenças fisionômicas e a possibilidade de aproximação de uma
sociedade civilizada.
Se em um primeiro momento Debret caracteriza os tipos principalmente com base em
suas ocupações e “adereços” culturais como vestidos, xales, cordões, brincos e penteados –,
dando pouca (ou nenhuma) atenção às tatuagens, escarificações e matizes de cores que, no
entanto, aparecem em seu registro visual, na prancha 36 estas marcas serão o objeto central
tanto de seu pincel como de sua narrativa.
A prancha intitulada “Cabeças de negros de diferentes nações” (Fig.02), em oposição à
prancha 22, é composta apenas por bustos masculinos, onde destaca penteados, escarificações
e tatuagens, em detrimento de caracteres que explicitem seu posicionamento social,
característica essencial à prancha anteriormente analisada.
É interessante observar que o fato de Debret restringir a representação de bustos
femininos à prancha em que sua preocupação central é o posicionamento destes tipos negros
na sociedade, destinando aos bustos masculinos a prancha em que se atenta primordialmente
aos aspectos físicos, não é pura coincidência. Com este ato o artista sugere que as mulheres
africanas e suas descendentes, por trabalharem muitas vezes em serviços domésticos e mais
próximas aos senhores, possuem maiores chances de ascensão e integração social. Neste
sentido, apenas cinco dos nove homens representados usam blusa um modelo simples, de
49
algodão, aberta no pescoço, sem maiores detalhes do que se pode inferir que a veste não
aparece aqui designando categorias sociais, mas apenas como símbolo distintivo de sua
assimilação no processo de humanização e civilização.
A estas informações acrescenta “os penteados mais elegantes dos escravos de
cangalhas, obras-primas dos barbeiros ambulantes” e alguns adereços: o nº1 usa uma argola
dourada na orelha e usa o cabelo dividido em gomos; o nº5 é um “belo negro banguela, cujo
penteado de detalhes requintados apresenta três matizes: o mais claro correspondendo às
partes raspadas a navalha, o seguinte às partes cortadas rente com tesoura e o mais escuro à
parte de cabelos cortados a uma polegada do couro cabeludo”; o nº.6 usa o “mesmo sistema
de penteado, porém de dois matizes unicamente”; no nº7 “o penteado, embora simples,
apresenta um modelo de grande luxo que consiste na fila de cabelos em cachos contornados à
testa”, trazendo consigo uma argola na orelha e um cordão, aparentemente um escapulário; já
o busto nº9, com uma argola na orelha, mostra “um modelo do penteado mais simples no
gênero e mais generalizado entre os elegantes carregadores de fardos, negros de cangalhas ou
de carro”. (DEBRET, tomo II, p.146-147)
O busto nº8, um moçambique, traz “outro modelo de cabelos em diadema, separados
por mechas longas, de cinco polegadas pelo menos”, que, segundo o artista, os negros se
ocupam de enrolar continuamente durante o descanso. Para Debret, os penteados
habitualmente usados por estes negros “torna suas cabeças semelhantes ao invólucro
espinhoso de um figo-da-índia”. Associa então a “mutilação” da cabeça do moçambique a do
botocudo, afirmando, no entanto, que “este [o moçambique] enfeita pelo menos suas orelhas
com flores, folhas ou anéis, e aproveita muitas vezes as incisões para guardar seus cigarros”.
Debret prioriza então traços fisionômicos (naturais ou culturais) que venham trazer ao
leitor diferenças e similitudes básicas inerentes aos grupos representados. De tal modo, no
texto que acompanha a prancha, ressalta as incisões verticais na face do busto nº.1, as quais o
identificam como “um negro monjolo”. O nº.2 é um “negro mina de tez bronzeada, bastante
clara”, com uma espécie de máscara de “pequenos pontos formados pelo inchaço das
cicatrizes” ao entorno dos olhos. Suas tatuagens, segundo o artista, “destacam-se da pele pelo
seu colorido violáceo”. Já o nº.3 é um “belo moçambique do sertão (...) reconhecível não
somente por causa do lábio superior e das orelhas furadas, mas ainda pela espécie de meia-lua
na testa, marca feita com ferro quente nos negros vendidos na costa de Moçambique”.
Segundo o artista, este é um “negro de elite, empregado nos Armazéns da Alfândega”. Talvez
por isso mereceu destaque é o maior busto da prancha. Possui parte da cabeça raspada, traz
50
três incisões paralelas nos seios da face e um terço pendurado no pescoço. O crucifixo,
posicionado justamente no centro da imagem (o que pode ser verificado caso tracemos duas
retas unindo as extremidades da prancha de forma a delinear um X), deixa transparecer a
importância da religião neste “processo civilizatório”, sendo distintivo da humanidade do
negro que o traz no pescoço.
As tatuagens e as escarificações, “peculiares às diferentes nações africanas”,
sintetizam então marcas culturais distintivas de tipos étnicos, que aliadas a características
físicas naturais – tais como cor da pele, espessura do lábio, nariz mais ou menos afilado, testa
protuberante ou não, etc –, e adereços como o brinco –, caracterizam e hierarquizam estes
grupos. Hierarquias estas que perpassam diferentes etnias e mesmo indivíduos de um
grupo.
Assim, ao retratar outro moçambique (nº4), ao invés de destacar similitudes em suas
anotações – como os grandes lóbulos da orelha que pinta perfurados Debret se preocupa em
enfatizar que este possui “menor estatura e tez mais clara, sobre a qual se destacam em preto-
azulado as cicatrizes da tatuagem”; sua cor de pele “indica que ele é do litoral”. Dentre os
negros vendidos na costa de Moçambique, distingue ainda um calava (nº7) com “cor de cobre
avermelhado” e cicatrizes de um preto azulado, e afirma: “não tem o lábio superior furado,
porém mostra um lábio inferior alongado, operação a que se procede na infância,
comprimindo-se o lábio entre dois pedacinhos de tábua fortemente apertados”. (DEBRET,
tomo II, p.146-147)
Ao pintar na mesma prancha mais de um indivíduo da mesma “etnia”, expressa seu
intuito em demarcar diferenças dentro do próprio grupo ou mesmo de indicar que estes
apresentavam semelhanças não pelo grupo étnico, mas por pertencerem às mesmas categorias
de serviço, no caso os carregadores. Havia assim combinações identitárias reiventadas e
ritualizadas em torno de tatuagens e penteados
28
.
A preocupação com as “deformidades” destes bustos associa-se então à atenção dada à
fisionomia das cabeças: apesar de não estar preocupado em traçar medidas cranianas ou algo
do tipo, Debret as posiciona de forma a possibilitar sempre a apreensão de seu perfil e de suas
dimensões (estão levemente inclinadas, para a esquerda ou para a direita, ainda quando vistas
de costas). De tal modo, o corte de cabeças nos leva a apreender o negro em um quadro de
reflexões que se baseava nas idéias correntes da craniologia e frenologia para dar suporte ao
28
Sobre os cortes de cabelo e as identidades inventadas, ver: Juliana Farias; Carlos Soares; Flávio Gomes. No
Labirinto das Nações: Africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.
p.33-34
51
estabelecimento de diferenças entre os diferentes tipos raciais. Vale lembrar que desde a
publicação de Linneu, muitos foram os estudiosos que somaram esforços para classificar e
ordenar a natureza com que se deparavam. Como afirma Mary Louise Pratt (1999, p.65-66)
Diferentemente do mapeamento de navegação, a história natural concebeu o mundo
como um caos a partir do qual o cientista produzia uma ordem. Não é portanto uma
simples questão de representar o mundo tal como ele era./ (...)/ A história natural
exigia a intervenção humana (principalmente intelectual) para que se compusesse a
ordem. Os sistemas classificatórios do século XVIII suscitaram a tarefa de localizar
todas as espécies do planeta, extraindo-as de seu nicho arbitrário e colocando-as no
interior do sistema.
No século XIX, a antropologia comparada traz à tona a idéia de que a observação
empírica devia iniciar-se no particular, nas diferenças determinadas por condições exteriores,
materiais, até atingir o geral, ou seja, o comum a todos os povos e culturas. Johann Friedrich
Blumenbach (1752-1840), professor de fisiologia e história natural na Universidade de
Gottingen, desenvolveu trabalhos pioneiros em Antropologia Física e anatomia comparada,
publicando vários ensaios em que propunha uma sistemática natural em oposição à
desenvolvida por Linneu.
Linneu baseava-se na idéia de que a natureza era imutável, constante e contínua, tendo
por princípio a reprodução da vida semelhante e a universalidade das espécies e gêneros. A
natureza para ele conformava-se a partir de princípios de estabilidade e imutabilidade
inseridos num quadro de ordem natural. Daí ser considerado portador de uma visão estática,
onde a natureza apresentava-se, sobretudo, em termos de harmonia e equilíbrio de seus
elementos. Suas idéias sofreram críticas em especial de Diderot e do Conde de Buffon, que,
apesar de divergências, considerarão como Blumenbach e Humboldt o princípio de
transformação existente na natureza.
29
Blumenbach estudava as raças humanas e, através da análise de uma grande coleção
de crânios, postulava a existência de 3 raças principais a "caucasiana", "mongol" e "etíope"
e de 2 raças intermediárias a "americana" e a "malaia". Insistia, contudo, que estas raças
eram apenas variantes de uma mesma espécie e que, inclusive, não se podia traçar uma linha
divisória nítida entre elas; os diversos crânios, nas suas medidas, não caíam em grupos
claramente distintos, mas descreviam uma curva de variação paulatina (SLENES, 1995).
Enfim, "raça" para Blumenbach era um termo descritivo útil para traçar a história das
29
Ver: Ana Luisa Sallas. Ciência do Homem e Sentimento da Natureza: viajantes alemães no Brasil do século
XIX. Tese de Doutorado - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1997. p.30; p.67.
52
populações, mas não para marcar diferenças biológicas fundamentais. Assim, o
desmembramento da humanidade em diferentes raças era resultante de um processo histórico
que se encontrava em andamento, onde cada característica racial encerrava algo de transitório
e mutável, podendo ser objeto de transformações. Neste sentido mantinha uma posição crítica
em relação às idéias deterministas de Montesquieu e racistas de Buffon
30
. Suas proposições
repercutirão com força nos cientistas de fins do século XVIII e inicio do XIX.
É neste contexto de discussões e pesquisas científicas que Debret frisa marcas, cores e
faces de cada um dos tipos negros, de forma a levar aos seus leitores a descrição mais
completa e real possível, sob o peso da pena e do pincel daquele que de fato viu e viveu.
Como destaca Mary Louise Pratt (1999, p.63)
A autoridade da ciência estava envolvida mais diretamente nos textos descritivos
especializados, como os incontáveis tratados botânicos organizados em torno das
várias nomenclaturas e taxonomias. Os relatos jornalísticos e as narrativas de
viagem, contudo, eram mediadores essenciais entre a rede científica e o público
europeu mais amplo, pois eram agentes centrais na legitimação da autoridade
científica e de seu projeto global, ao lado de outras formas européias de ver o mundo
e habitá-lo.
Contudo, se esta preocupação científica perpassa seu trabalho, o artista-viajante vai
além: dedica seu pincel a conjugar marcas físicas, psíquicas e culturais que tragam ao leitor
informações precisas do objeto retratado, elucidando sua condição social e seu papel na
história destas terras. Preocupação esta que não lhe era exclusiva.
1.2.4 A pena e o pincel de Johann Moritz Rugendas
Ainda que sua viagem seja apenas Pitoresca, Rugendas segue uma gica semelhante
a do artista francês para organizar seu trabalho, deixando entrever em seus escritos e desenhos
um projeto civilizatório para a jovem nação que a levaria de uma infância selvagem aos
moldes europeus. Seus fascículos correspondem a blocos temáticos, ordenados da seguinte
forma: os seis primeiros dedicam-se a “Paisagens”; os quatro que seguem intitulam-se “Tipos
e Costumes”; outros quatro referem-se aos “Usos e Costumes dos Índios”; o fascículo
30
Seguindo os preceitos de sua época e fundamentado na idéia de unidade do gênero humano, Buffon procurou
ordenar, comparar, classificar e sistematizar todos os seres vivos em uma hierarquia, usando critérios de
racionalidade e de sociabilidade para ele comuns a toda a humanidade. Para ele a espécie humana "aperfeiçoa-se"
ou se "degrada" segundo sua capacidade de dominar a natureza, sendo as diferentes "raças" humanas resultantes
de mutações no interior da espécie humana. Sobre o tema ver Ana Luisa Sallas. Op.Cit., pp.33-40 e p.51
53
seguinte é “A vida dos Europeus”; dedica ainda um fascículo aos “Europeus na Bahia e em
Pernambuco” e os quatro últimos aos “Usos e Costumes dos Negros”.
Tais blocos vêm acompanhados de 100 pranchas, cinco por fascículo, mas sem que o
texto se remeta diretamente a elas, estabelecendo apenas uma correspondência geral.
Contrariamente à obra de Debret, onde o texto vem, pelo menos a princípio, complementar a
representação iconográfica, em Rugendas encontramos duas obras independentes (uma textual
e outra imagética) guiadas pelo mesmo projeto
31
.
Se Debret estava preocupado em elevar o Brasil à categoria de nação civilizada através
da constituição de sua história, Rugendas tinha por meta esta mesma civilização, tanto na
seleção que faz das imagens bem como na organização dos seus volumes, centrando-se,
entretanto, mais nos elementos necessários a ela do que em sua história: ou seja, esta não era
um meio para atingir a civilização e sim consequência desta.
Para o artista bávaro, “as diversas raças de homens que se encontram nos países do
Novo Mundo, e a imensa variedade que as caracteriza, apresentam ao observador, ao
estadista, ao cidadão, o panorama mais interessante que as sociedades humanas podem
oferecer”. E acrescenta: “a civilização tenta igualar e mesmo ultrapassar as riquezas que a
natureza faz brilhar no reino animal e no reino vegetal” (RUGENDAS, 1979, p.97). Dedica
então grande parte de sua obra a diversidade humana com que se depara nestas terras.
Assim, afirma que nos cadernos que seguem tentará “mostrar as diferentes partes da
população, tanto em relação aos seus aspectos exteriores, como no que concerne a seus
costumes, seus usos e suas ocupações”. Traça, pois, uma primeira divisão entre as “diversas
raças no Brasil” brancos, homens de cor, negros e índios ressaltando que não levou em
conta a separação de homens livres e escravos e, sob a denominação de homens de cor, inclui
os que não são nem brancos, nem pretos, nem índios.
Começa suas observações realizando um resumo geral da história do “habitante
primitivo” do Brasil, então “rechaçado para as camadas inferiores da sociedade”, e suas
transformações em contato com o europeu, atentando-se às línguas, organização física,
31
Para Robert Slenes, uma lógica na escolha dos temas e na sua organização seqüencial nos fascículos
publicados por Rugendas. Assim, o primeiro grupo de quadros retrata o percurso do africano desde o navio
negreiro até a senzala; o segundo caderno da série mostra o trabalho dos cativos nas zonas rurais e uma das
formas de discipliná-los; estes mesmos temas continuam no próximo caderno, mas o cenário muda para a
cidade. A série termina com cinco gravuras sobre a cultura escrava, mostrando cenas em áreas rurais ou semi-
urbanas. Deste modo Slenes estabelece uma parábola entre a morte africana - no tráfico- e a cristã,
evidenciando, em Rugendas, o reconhecimento da capacidade do negro de se cristianizar e se integrar na
sociedade. Robert Slenes. Bávaros e Bakongo na "Habitação de Negros": Johann Moritz Rugendas e a invenção
do povo brasileiro. Departamento de História IFCH/UNICAMP - SP. No prelo. Abril de 1995. p.12-13
54
tradições e “fatos históricos”. no segundo e terceiro fascículo, dedica-se aos negros
africanos e ao comércio de escravos, traçando algumas considerações sobre o próprio sistema
escravocrata e a abolição gradual da escravidão. Destina então o quarto fascículo de “Tipos e
Costumes” aos “habitantes livres do Brasil”. Estes fascículos, junto com os quatro segmentos
destinados aos “Usos e Costumes dos Negros”, formam um significativo montante de sua
obra, sobre o qual me debruçarei nas páginas que seguem.
Para Rugendas (1979, p.111),
A raça africana constitui uma parte tão grande da população dos países da América,
e, principalmente no Brasil, um elemento o essencial da vida civil e das relações
sociais, que não teremos sem dúvida necessidade de desculpar-nos se, embora
conservando as necessárias proporções consagrarmos grande parte dessa obra aos
negros, a seus usos e a seus costumes. (...). Em primeiro lugar, a cor dos negros
apresenta-se, de início, como um traço característico digno de destaque na imagem
do país; em segundo lugar, os hábitos e o caráter particular dos negros oferecem
também, a despeito da cor e da fisionomia, lados realmente dignos de serem
observados e descritos.
Segundo o artista-viajante, os negros e seus descendentes correspondem a
aproximadamente 65% da população total no Brasil. Insiste, pois, na grande variedade dos
povos africanos aqui encontrados. Para o bávaro
aqui se encontra a raça africana com todas as suas degenerações; é ela notável, tanto
pelo colorido marcado como pelo número de indivíduos, o amor às cores variegadas,
os cantos por meio dos quais os negros se encorajam no trabalho e finalmente as
barulhentas expressões de sua alegria./ (...)/ [É] o único lugar da terra em que é
possível fazer semelhante escolha de fisionomias características, entre as diferentes
tribos de negros. (RUGENDAS, 1979, p.206)
O artista lamenta, entretanto, que a maior parte das obras desse gênero seja executada
“com muito pouca consciência e absoluta negligência dos traços característicos às formas
humanas”, trabalho a que se propõe o autor. (RUGENDAS, 1979, p.111).
Vale ressaltar a preocupação do artista em destacar a veracidade de sua obra, a
fidelidade com que representa o real em todas as imagens escreve Des. d'apress nature
afirmando ele mesmo que em vão procuraria o artista um posto de observação em que as leis
de sua arte permitam exprimir com inteira fidelidade as variedades inumeráveis de formas e
de cores com que ele se envolvido, sendo igualmente impossível suprir a essa falha por
meio de uma descrição e muito erraria quem imaginasse consegui-lo através de uma
nomenclatura completa ou de uma repetição freqüente de epítetos ininteligíveis ou
55
demasiado vagos”. Para Rugendas (1979, p.30), o escritor “vê-se manietado pelas regras da sã
razão, e pela teoria do belo, dentro de limites tão estreitos quanto os do próprio pintor e a que
é dado somente ao naturalista transpor.” Buscando, portanto, transpor os “limites do belo” e
as “regras da razão”, se debruça sobre a população africana no Brasil e seus descendentes,
descortinando gradações de cores, diferentes etnias e misturas.
A começar pelos Negros palavra usada em sua obra na maior parte das vezes como
sinônimo de cativo ou africano Rugendas afirma que estes se dividem em duas grandes
classes: maometanos e idólatras. "Os primeiros distinguem-se por uma civilização mais
aperfeiçoada e se estendem por uma grande parte da África Central, ao passo que os idólatras
ocupam, para o sul, a costa ocidental, assim como a parte meridional da do Oriente”. E
acrescenta: “As raças a que pertence a maioria dos negros importados no Brasil denominam-se
Angola, Congo, Rebolo, Angico, Mina, da costa ocidental da África, e Moçambique, da costa
oriental". Estas se distinguem "tanto pelas tatuagens especiais do rosto como pelas diferenças
muito marcadas da fisionomia. Alguns negros há, mesmo, que pouco revelam disso que se
considera geralmente como sinais característicos da raça africana". Distinguem-se também
"pelas variedades de seus temperamentos e caracteres, variedades que, na opinião pública,
estabeleceram para tal ou qual raça a reputação de melhor ou pior" (RUGENDAS, p.116).
Assim é, por exemplo, que
os Minas e os Angolas são considerados excelentes escravos: são ceis, fáceis de
instruir e suscetíveis de dedicação, quando mais ou menos bem tratados; são
também os que, pela sua atividade, sua economia, conseguem adquirir sua alforria
mais comumente. Por mais de um aspecto, os Congos se assemelham aos Angolas;
são entretanto mais pesados e empregam-se de preferência no duro labor do campo.
Os Rebolos pouco diferem dessas duas raças e as línguas das três apresentam muita
analogia; entretanto, os Rebolos são mais turrões, e mais predispostos ao desespero e
ao desânimo do que os das duas outras raças. Os Angicos são mais altos e mais bem
feitos; m no rosto menor número de traços africanos; são mais corajosos, mais
astutos e apreciam mais a liberdade. É preciso tratá-los particularmente bem, se não
se deseja vê-los fugir ou se revoltarem. Os Minas distinguem-se por três incisões em
semi-círculo que, do canto da boca, vão até a orelha. Os Gabanis são mais selvagens
e mais difíceis de instruir que os precedentes; entre eles a mortalidade é mais
elevada, porque se acostumam mais dificilmente ao trabalho e à escravidão. São
grandes, entretanto, e bem feitos; sua pele é de um negro luzidio e os traços de sua
fisionomia m pouco caráter africano. Os Monjolos são os menos estimados; são
em geral pequenos, fracos, muito feios, preguiçosos e desanimados; sua cor tende
para o marrom e são os que se compra mais barato. (RUGENDAS, p.142-144)
Rugendas conjuga, assim, caracteres físicos, marcas físicas de cunho cultural como as
escarificações e marcas psíquicas na composição dos seus tipos negros, as quais, juntas, são
56
determinantes a sua capacidade produtiva, logo ao seu aproveitamento e valor enquanto
escravo, sua função social.
A escravidão, que a princípio o autor critica, se justifica então de acordo com o grau de
desenvolvimento técnico/cultural de cada um dos grupos e, consequentemente, sua
possibilidade de alforria, incremento econômico e inclusão no “mundo civilizado”. Ciência e
cultura caminham lado a lado.
Se em um primeiro momento, em seu texto, o artista es preocupado em estabelecer
uma escala de valor para cada um destes tipos, hierarquizando-os, nas imagens que
acompanham estes fascículos dedicadas à representação de bustos negros, sua preocupação
central o elementos físicos que diferenciem ou apontem similitudes entre estes tipos,
independente de seu posicionamento social. Assim, em sua Viagem Pitoresca, dedica cinco
pranchas ao desenho de tipos negros. Em quatro delas, representa bustos que atribui a nações
africanas. A outra prancha dedica aos bustos de créoles, negros nascidos no Brasil. As imagens
o trazem texto explicativo e suas legendas limitam-se a nomenclatura dos tipos representados.
Temos então quatro bustos por prancha, dispostos no mesmo plano, quadrangularmente,
de forma que todas as representações possuem proporções semelhantes (com exceção da prancha
dedicada aos Moçambiques em que aparece uma quinta figura, central, que ganha destaque em
relação às outras). Diferentemente de Debret, onde o enfoque principal está nas vestes e
acessórios dos representados, Rugendas não grande atenção à indumentária, debruçando-se
essencialmente sobre fisionomias, tatuagens e escarificações o próprio fato de representar
apenas quatro pessoas por vez é significativo no que pauta a intencionalidade do autor.
Colares, brincos, panos e blusas complementam suas representações e, ainda que atribuam
maior ou menor distinção aos indivíduos representados, em um primeiro momento, aparecem
apenas como marco distintivo de civilização, tal como na segunda prancha analisada do artista
francês (Fig.02).
Temos então, na Fig.03, dois casais, um Benguela e um congo. A negra Congo é a
única cujas vestes mal cobrem o corpo está com os seios desnudos –, contrastando com o
“companheiro étnico” que apresenta vestes alinhadas ao estilo europeu da época, ainda que as
escarificações puntiformes nos seus seios da face sejam distintivas de sua africanidade.
Marcas estas que não aparecem nos bustos benguelas representados, que por sua vez, possuem
traços fisionômicos parecidos, ainda que se distingam do negro Benguela representado na
prancha seguinte (Fig.04).
57
Fig. 03 Benguela/ Congo
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le
Brésil. 2ª divisão, prancha 9
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 04 Benguela/ Angola/ Congo/ Monjolo
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le
Brésil. 2ª divisão, prancha 14
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 05 Cabinda/ Quiloa/ Rebolla/ Mina
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le
Brésil. 2ª divisão, prancha 10
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 06 Mozambique
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le
Brésil. 2ª divisão, prancha 13
[Biblioteca Nacional Digital]
58
Deste modo, na Fig.04, o Benguela aparece de perfil, com blusa mais simples e cabelo
maior do que os da primeira prancha. Está acompanhado de uma negra Monjolo, cuja blusa
deixa amostra o colo tatuado, de um negro Congo e de um Angola. Desta vez o Congo não
possui tatuagens ou escarificações, nem apresenta traje alinhado, ainda que esteja vestido. Já o
angola, sem blusa, é retratado de perfil, mas de forma a evidenciar o contorno de todo o rosto.
Quatro diferentes nações compõem a prancha seguinte (Fig.05) Cabinda, Quiloa,
Rebolla e Mina. Esta última se destaca pelas tatuagens em todo o corpo. O negro Cabinda,
cuja representação se restringe à cabeça, também traz marcas no rosto. a negra Rebolla é a
que aparenta ter mais idade.
Rugendas destina ainda uma prancha inteira aos Moçambiques (Fig.06). Todos os
bustos são masculinos e possuem tatuagens no rosto, cada um com um tipo de desenho. A
impressão que se tem é que o artista intencionava montar uma escala de gerações: os tipos
possuem diferentes idades, do mais novo, no canto inferior esquerdo, ao mais velho, no canto
inferior direito da prancha.
O destaque dado a este grupo também é notório na obra de Debret (que reserva para
eles duas representações na prancha 22 e três na prancha 36) e pode ser interpretado pela
recorrência deste grupo no cotidiano dos artistas na segunda década dos oitocentos, os
Moçambiques aparecem como uma das maiores nações da cidade. Entretanto, para além do
quantitativo, se os artistas intencionavam traçar semelhanças e diferenças entre diferentes
grupos étnicos, isto também incluía comparações dentro de um mesmo grupo.
Embora Rugendas atribua marcas específicas para cada nação, estas tatuagens e
escarificações não são determinantes a classificação do grupo, como no caso dos congos que
aparecem com e sem tatuagens (Fig. 03 e Fig.04), e sim mais um elemento na composição de
sua taxonomia. Assim, posiciona as cabeças de perfil ou frontalmente, deixando entrever
feições mais afiladas, testa ou nariz protuberantes, lábios finos ou encorpados e outros
caracteres físicos distintivos de cada busto.
Pode-se afirmar que a preocupação relativa à diversidade racial esteve no início do
século XIX marcada por preocupações de ordem eminentemente físicas, relacionadas à moral,
aos costumes. O olhar científico delimitou um fragmento do corpo, a cabeça, e sobre ele
lançou-se com ferocidade na tentativa de estabelecer analogias, similaridades e diferenças. A
imagem deixa de ser exclusivamente fisionômica
32
para o sentido de identificação daquele
32
A fisiognomia tinha por objetivo perceber o caráter coerente em uma multiplicidade de traços isolados, os
quais se ligavam uns aos outros, formando um todo orgânico. Cabia, pois, ao fisionomista reconhecer o todo
59
outro, explicitando também sua inserção a humanidade, o seu estado de cultura e de
civilização.
Assim, o naturalista não está preocupado em traçar o desenho preciso das cabeças,
ainda que se dedique a caracterizá-las fisicamente; compreende as diferenças enquanto
expressão da cultura e não exclusivamente da natureza. Através da fisionomia e de caracteres
culturais diferencia tipos e aponta indicadores do estado de civilização dos grupos
representados e ali personificados em um só indivíduo.
Pode-se afirmar, portanto, que se as representações apontam para a questão da
diferença, também remetem aos princípios da similitude. Na realidade, estas devem ser
compreendidas como as faces de um mesmo processo, à medida que estiveram inscritas no
interior de algumas práticas que eram levadas a efeito por estes viajantes na sua busca de
coleta e captura do mundo. Se por um lado a representação das diferenças tinha por base as
características mais visíveis e distintivas dos corpos, como a nudez, a cor da pele e sua
conformação, escarificações e "deformações", por outro a homogeneização das representações
residia no princípio de humanização destes povos. De modo recorrente as diferenças passaram
a ser interpretadas de acordo com idéias formuladas a respeito do estado de civilização destes
povos.
Retoma-se assim o caráter totalizador vinculado à representação: o fundamento de
toda tipificação é o de apresentar a identidade de cada figura representada enquanto expressão
de toda uma coletividade, ainda que atente a pequenas diferenças dentro desta. O critério de
escolha dos indivíduos a serem representados remete à existência de alguma característica ou
atributo significativo do grupo em questão. Ao retratar de forma totalizante tais aspectos,
torna possível a identificação do grupo ao qual o indivíduo pertence em sua classificação.
Ao transformar pela arte aquilo que era estranho a sua cultura, elabora estereótipos e
tipologias para o reconhecimento das diferenças, tendo por base, em primeiro lugar, as
diferenças físicas: a estatura dos homens, sua compleição, seus olhos, cor dos cabelos; e em
segundo, suas "disposições" − sua pacificidade ou belicosidade, bondade ou maldade.
A partir da realidade da experiência seria possível chegar à "unidade dentro da
diversidade", categoria esta fundamental como elemento explicativo e como condição de
representação na construção do pensamento Humboldtiano sobre a visão da natureza e dos
povos da América, que influenciará diretamente estes artistas-viajantes.
em cada fragmento e interpretar os fragmentos significativos em relação à totalidade.
60
Produto da relação entre o pensamento científico próprio do Iluminismo e o
pensamento romântico característico em solos germânicos esta relação pode ser
simplificada por uma visão que procura conhecer cada elemento em sua particularidade,
classificá-lo e ordená-lo segundo uma hierarquia de suas propriedades interiores e exteriores,
diferentemente daquela que busca, a partir do conhecimento do particular, inseri-lo em um
quadro harmônico, numa visão de totalidade.
33
A comparação via semelhanças entre povos e práticas culturais (como por exemplo, a
tatuagem dos corpos) aproximava-os e, na ausência de qualquer legenda explicativa, criava
outro sentido para a representação, desconsiderando-se as particularidades e misturando-se
referências culturais distintas como se tratassem das mesmas coisas. Dentro desta operação de
homogeneização ocorre, entretanto, outra intervenção no sentido de estabelecer distinções.
Isto é, se por um lado os negros africanos de diferentes etnias são classificados e têm suas
marcas distintivas em foco, por outro são todos "negros", ao mesmo tempo em que se
diferenciam de seus descendentes, visto que os filhos de pais africanos nascidos no Brasil
passam a integrar a categoria dos crioulos. Estes por sua vez, distinguem-se dos mestiços por
ascendência.
Sob esta lógica, Rugendas destina uma quinta e última prancha à representação de
bustos, restringindo-se à pintura de crioulos (Fig.07). Se nas outras pranchas sua
preocupação girava em torno das etnias e de elementos que as distinguissem, aqui o artista
não intenciona reforçar distinções entre os indivíduos que a compõe. Certamente, o registro
visual dos crioulos em prancha separada evidencia e reforça a idéia de distinção em relação
aos outros grupos, já apontada por Rugendas em seu texto os crioulos teriam maior
facilidade em se inserir na sociedade civilizada, visto que possuíam domínio da língua,
vivenciavam a religiosidade desde pequenos (um dos bustos traz, inclusive, um terço no
pescoço) e não tinham vivido a dolorosa experiência do tráfico.
33
Segundo Ana Luisa Sallas, ao partir para a América em 1799, Humboldt afirmava em seu diário seu desejo de
descobrir a interação das forças, a influência da natureza inanimada no mundo animado das plantas e dos
animais, tendo sua atenção voltada para a harmonia das coisas. Sua idéia de natureza apresentou-se sempre
como unidade, variedade e totalidade, que surgem como categorias de conhecimento determinantes ao
entendimento de sua obra. Em vez de buscar estabelecer uma classificação entre as nações, Humboldt afirma a
importância de estudá-las através de suas características específicas. Suas idéias apontam para a percepção das
desigualdades e desenvolvimento das sociedades humanas, das especificidades étnicas e nacionais e da noção
de que os homens não estão submetidos necessariamente às leis do meio-ambiente. Encontra assim a unidade
dentro da diversidade. Ver: Ana Luisa Sallas. Op.cit.,p.54 e p.63.
61
Fig.07 Créoles
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 2ª divisão,
prancha 15
[Biblioteca Nacional Digital]
62
É notório observar que o artista não dedica prancha alguma ao corte de cabeças dos
"homens de cor". Tratando destes, afirma não se preocupar “com os matizes e as subdivisões,
de nenhum interesse prático, e a que, de resto, o se presta grande atenção”. Limita-se a
assinalar com sua pena três classes principais:
em primeiro lugar a dos mulatos, nascidos de uniões entre brancos e negros (pouco
importa qual seja o ascendente da raça branca); em segundo lugar a dos mestiços,
mamelucos, que são descendentes de uniões entre brancos e índios; e, finalmente, a
dos cabras ou caboclos, mestiços de negros e índios. (RUGENDAS, p.145). [grifos
meus]
34
Dentre estes, destaca o grande número de mulatos, sendo "difícil, principalmente na
massa do povo, encontrar muitos indivíduos cujo aspecto autorize concluir com segurança que
não herdaram sangue africano dos seus antepassados". (RUGENDAS, p.145). Ora, ao afirmar
que as distinções entre os “homens de cor”, os tipos mestiços, não lhe eram importantes,
justifica a ausência de sua representação visual. A importância dos mulatos em sua obra será
evidenciada nas imagens em que integra os africanos e seus descendentes na paisagem
cotidiana, aspecto a ser tratado no próximo capítulo. As cabeças retratadas por Rugendas
ficariam então restritas aos tipos negros, de origem africana ou não.
Como destaca Maria Sylvia Porto Alegre (1994, p.67),
Discípulo das teorias raciais de Blumembach, da estética de Humboldt, da
frenologia de Gall, da fisiognomonia de Lavater, o pintor-etnográfico do século XIX
é um observador que classifica indivíduos a partir da morfologia do crânio, desenha
corpos, sistematiza traços, investiga e constrói a representação da identidade através
da aparência do corpo humano, buscando na sua superfície o sentido da interioridade
invisível.
Mais uma vez retomamos a influência de Humboldt e Langsdorff na obra do artista
viajante. Humboldt era abolicionista convicto. Baseava-se na idéia de unidade da espécie
humana, compartilhando com Henry Koster suas proposições a respeito do caráter moral do
africano a inconstância entre os escravos é atribuída à natureza humana, aos efeitos da
miséria e da falta de educação. Não decorre da índole da raça. Ao contrário, em circunstâncias
propícias os negros vão se comportar tão bem quanto qualquer outro homem. (SLENES,
1995, p.27)
34
Rugendas, Op.cit., p.145 Note que a nomenclatura empregada por Rugendas diferencia-se da de Debret:
enquanto este denomina a mistura de índios e negros como "curibocas", Rugendas usa o termo "cabra" para
tanto. Já em Debret cabra é o fruto da mistura de negros e mulatos.
63
Rugendas faz referência direta a Koster em seu livro, chegando a transcrever um
fragmento da obra Travels in Brazil na Viagem Pitoresca. Slenes acrescenta ainda que alguns
trechos do texto de Rugendas são muito parecidos a trechos da obra de Humboldt publicada
um ano antes, do que infere sua provável leitura pelo artista. Estes livros teriam atraído sua
atenção não apenas por sua amizade com Humboldt e a relevância do tema; Rugendas
certamente sabia que um dos leitores mais interessados em sua Viagem Pitoresca seria o
próprio von Humboldtque de fato leu o fascículo imediatamente após sua publicação em
1827 e, em seguida, escreveu ao artista elogiando o texto. Em suma, Rugendas tinha razões
independentemente de suas convicções ideológicas, pra cuidar que seu livro agradasse ao
patrono. (SLENES, 1995, p.29)
35
o diplomata russo-alemão Langsdorff tinha idéias bem definidas sobre os temas que
deveriam ser retratados e certamente as comunicou aos artistas que chefiava na expedição ao
Brasil. Um dos seus objetivos era colher dados para futuros estudos sobre a antropologia
física, sob forte influência de Blumenbach, seu professor na Universidade de Gottingen o
antropólogo esforçava-se em conseguir mais crânios para melhorar seu sistema de
classificação e, na ausência destes, retratos fidedignos, especialmente de pessoas das “raças
estrangeiras”. Como afirma Robert Slenes (1995, p.98),
Seu [Langsdorff] interesse pela História Natural, onde havia muito a 'arte' estava
integrada à observação científica, certamente reforçou sua percepção da importância
prática do desenho. Do contato com Blumenbach, senão antes, ele percebeu o
quanto o artista poderia contribuir para a 'antropologia física', considerada na época,
aliás, um ramo da História Natural.
A obra produzida por Langsdorff sobre sua expedição ao Pacífico, anterior à viagem
ao Brasil, é bastante representativa desta preocupação em retratar pessoas, mostrando
especialmente tatuagens, penteados, utensílios e roupas. Na nova expedição, Langsdorff
desenhava pouco, deixando essa tarefa aos artistas que o acompanhavam. Contudo, deixa
claro o valor que ele atribuía ao desenho e o quanto ele supervisionava de perto seus artistas.
Para além de se pautar nos métodos sistemáticos de observação e classificação típicos
da história natural, acrescido dos ensinamentos de Humboldt, o pensamento destes viajantes é
também marcado pelo romantismo alemão. De acordo com Karen Lisboa, é a
35
Não estou questionando aqui os sentimentos anti-escravistas de Rugendas. Apenas friso que a proximidade
com Humboldt e a influente leitura da obra de Koster certamente o colocaram em contato com vários dos
ativistas mais destacados do abolicionismo francês, o que está diretamente relacionado, como veremos adiante,
ao seu projeto artístico-ideológico.
64
Naturphilosophie de Schelling e Hegel e as idéias que se contrapõem à interpretação
mecanicista da natureza que os influenciam, baseando-se em uma concepção holística da
natureza segundo a qual as manifestações naturais encaixar-se-iam num desenvolvimento
adequado e harmonioso.
Na concepção do filósofo [Schelling] o objetivo fundamental das ciências é a
interpretação da natureza como um todo unificado, vendo no conceito de força o
fator que poderia conduzir a unificação. Os fenômenos naturais seriam
manifestações de uma mesma força, definida como atividade pura. (...) Seu ponto de
partida é a organicidade do mundo natural, impulsionada por uma evolução
dinâmica, por um 'sentido progressivo', gradual, do mais inferior ao superior.
(LISBOA, 1997, p.72)
Esta concepção de formação e transformação da natureza orgânica transpõe-se ao
aperfeiçoamento da humanidade e à idéia de progresso, constituindo assim o corpo crítico
destes viajantes. Acrescente ainda que estes observadores encontravam-se em meio à
polêmica envolvendo o pensamento europeu e americano sobre o novo mundo. De um lado
estava Buffon, Cornellius de Pauw e Raynal, compartilhando das idéias de Hegel, com uma
imagem de inferioridade e debilidade da terra e do homem americano pautadas em
observações climáticas e geográficas. De outro estava Herder, Rousseau e, especialmente, o
entusiasmo de Alexander von Humboldt pelo Novo Mundo, apostando na idealização da
inocência do homem natural do continente americano, que passa a ser considerado a "infância
do homem civilizado".
Como afirma Ronald Raminelli (2008, p.214-215), “as palavras e as imagens são
símbolos, atuam como convenção e para tanto devem obedecer a uma gramática, a uma regra
de representação. Os viajantes preservavam, enfim, as normas científicas para verem
reconhecidas suas descobertas.” Daí juntarem aos seus relatórios regras de taxonomia e
desenhos técnicos, ainda que, neste caso, não recorram fielmente às normas acadêmicas
36
.
Se por um lado a representação de cabeças estava inscrita em um sistema de figuração
que procura reter apenas os traços fisionômicos e os atributos distintivos de cada grupo, nas
imagens produzidas por Rugendas e Debret levou-se em consideração caracteres culturais que
fazem de suas representações uma fusão da tipologia das figuras por suas fisionomias e
36
Ver: NAVES, Rodrigo. "Debret, o neoclassicismo e a escravidão". In: A Forma Difícil: Ensaios sobre arte
brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1997.
65
marcas culturais. Ao registrar a presença do negro no Brasil reafirmavam as diferenças
visíveis que caracterizavam esta população de origem africana, constituindo uma tipologia por
categorias de identificação que embasa a interpretação da diversidade cultural. O
reconhecimento da heterogeneidade em si implica no reconhecimento de diferentes
capacidades de aperfeiçoamento dos seus habitantes.
Os critérios de identificação do negro perpassam então diferenças físicas, culturais e sociais.
A gramática visual destes artistas marca o contraste entre os diferentes tipos negros, seus
grupos sociais, abarcando características anatômicas, cor da pele, tatuagens, pertencimentos,
estilos de cabelo, adereços, deformações físicas e traços psicológicos (caráter e
temperamento), conformando modelos de representação social e constituindo uma verdadeira
linguagem iconográfica que tinha por finalidade acentuar traços identitários e exaltar a
enorme diversidade de povos africanos.
66
CAPÍTULO 2
A pintura de cenas: novas tipologias ou resignificações?
O único valor absoluto é a possibilidade humana de dar
sobre si uma prioridade ao outro.
Emannuel Levinas
Se Rugendas e Debret dedicam parte de sua obra à pintura de bustos negros,
compondo uma taxonomia que perpassa aspectos físicos e culturais específicos de cada grupo,
esta não é, entretanto, maioria em seus registros visuais. Os tipos negros voltam a aparecer,
agora de corpo inteiro, em cenas, compondo a dinâmica social das terras de além mar.
Os retratos fisionômicos analisados no capítulo anterior, com suas descrições visuais
particularmente estáticas, dedicadas, sobretudo, a pormenorizar os negros por seus aspectos
imediatos, servem então de ponto de partida para uma nova visualidade.
A preocupação em demarcar etnias e caracteres que lhe eram peculiares, apontando
diferenças e similaridades entre as variadas nações, deixa de ser central e constroem-se tipos
genéricos destinados a compor suas cenas, dando vida e movimento à cidade e seus arredores.
O olhar volta-se então para “identidades coletivas associadas não mais aos traços raciais, mas
às ocupações, vestimentas, hábitos e linguagens que emergem das ruas das cidades”
(TURAZZI, 2002, p.32). A marcha progressiva da civilização brasileira, pautada nas noções
de evolução e progresso, baliza então as “novas” representações.
Ainda que estejamos tratando de artistas de diferentes origens, enviados em diferentes
missões, seus trabalhos permitem observar olhares que partilham influências de uma mesma
época sobre um objeto em comum: o negro, sua contribuição à formação do Brasil e sua
civilidade.
67
2.1 A iconografia do trabalho e o sistema escravista
Quando da emancipação política do Brasil em 1822, se define pela primeira vez uma
“cidadania brasileira” e os direitos a ela vinculados. Neste período, o jovem país comportava
uma das maiores populações escrava das Américas, assim como a maior população livre do
continente. Com a independência, rompia-se com o colonizador e, portanto, com a identidade
lusa e, ao mesmo tempo, se tinha uma sociedade definida pela heterogeneidade étnica e civil
dos habitantes. Era necessário definir uma identidade para a jovem nação, mas não se podia
identificar o ex-colono com os colonizados (índios e negros), uma vez que estes deveriam ser
mantidos em condição de submissão.
A presença massiva de homens negros, mulatos e mestiços − livres e libertos
apresentava um potencial destrutivo que era eminentemente político. Fazia saltar aos olhos os
desarranjos e desregramentos sociais operados no interior das próprias relações senhoriais.
Mostrava, diante de todos, haver uma população negra que escapava do domínio escravista e
era difícil de ser domada. Este enorme contingente populacional precisava ser integrado não
apenas à rede das hierarquias sociais, mas ao próprio Império. Daí a necessidade de promover
casamentos, a preocupação em disciplinar o trabalho e negociar espaços de autonomia.
37
A opção por uma Monarquia Constitucional de base liberal considerava todos os
homens cidadãos livres e iguais, mas a instituição da escravidão permaneceu inalterada,
garantida pelo direito de propriedade reconhecido na nova Constituição. Assim, se a
Constituição de 1824 revoga o dispositivo da mancha de sangue, reconhecendo os direitos
civis de todos os cidadãos brasileiros, os diferencia do ponto de vista dos direitos políticos em
função de suas posses e do nascimento escravo
38
.
A igualdade que se reivindicava para os “cidadãos livres” não implicava qualquer
proposição efetiva a favor da abolição imediata da escravidão. Os brasileiros não-brancos
continuavam diretamente dependentes do reconhecimento costumeiro de sua condição de
liberdade sob pena de suspeição de ser “escravo fujão”.
37
Preocupados em reverter as perspectivas tradicionais de estudo e integrar os grupos escravos em seus
comportamentos históricos como agentes efetivamente transformadores da instituição, estudiosos têm sugerido
que os grupos escravos, na busca de forjar espaços de autonomia econômica, social e cultural, interagiram com
o regime de trabalho a que estavam submetidos, respondendo às diferentes conjunturas com acomodação e
resistência, moldando, em última análise, o sistema escravista que procurava reduzi-los a meros instrumentos
de produção de riqueza. Sobre a questão ver, por exemplo: Robert Slenes. Na senzala uma flor. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999; Sidney Chalhoub. Visões da Liberdade. São Paulo, Cia das Letras, 1992; João Reis e
Eduardo Silva. Negociação e conflito. São Paulo, Cia das Letras, 2005; Mariza Soares. Devotos da Cor. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
38
Sobre a questão ver: MATTOS, Hebe Maria. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000.
68
A presença estruturadora da escravidão e aquela desestruturante dos africanos e
descendentes libertos oferecem a chave para compreendermos a dinâmica destas relações. Os
negros não são apenas os sustentadores da economia do país, mas trazem em si a
possibilidade do progresso. São quitandeiras, lavadeiras, barbeiros, carregadores de água, leite
e capim. Transportam seus donos em cadeirinhas, serram, limpam e pavimentam. Como o
próprio Debret (1989, tomo II, p.13) afirma, "tudo assenta pois, neste país, no escravo negro".
Apesar dos escritos de Rugendas e Debret afirmarem os horrores da escravidão (vide a
influência do movimento abolicionista e o diálogo direto com alguns de seus ativistas), em
nenhum momento condenam abertamente o sistema escravista e, algumas vezes, chegam a
entrever sua necessidade enquanto instrumento civilizatório. Abalizam então um longo e
gradual processo de abolição.
Como observa Ana Rosa Silva (1999, p.217), as influências filosóficas do século
XVIII apontam para o ideal de um equilíbrio social que estava na crença na lenta evolução
das instituições: "Os filósofos do Iluminismo concordavam em que benevolência e
sensibilidade moral eram muito boas, mas não podiam permitir a ocorrência de mudanças
repentinas, 'que pudessem quebrar o delicado ajustamento das forças naturais e históricas'".
Era necessária a conversão gradual de vis escravos em homens livres e ativos e, para tanto,
estes tinham de ser dignos da liberdade, isto é, cidadãos ativos e integrados
socialmente/economicamente.
Assim, para além do negro constituir força motriz nestas terras, o fardo do trabalho
delimita com precisão o lugar que lhe compete na sociedade que está se formando – o
trabalho “civiliza” e demarca o lugar que lhe foi reservado pelo europeu na marcha incessante
do progresso que conduzirá todos à civilização.
2.1.1 Trabalho e mobilidade social
Na sociedade portuguesa moderna, de traços estamentais, signos de deferência, acesso
a cargos, costumes, direitos, privilégios, honrarias, isenções fiscais, expressam, ao mesmo
tempo em que definem, a posição de grupos sociais. O trabalho, sobretudo o manual, era
atributo dos não nobres; encarado de forma pejorativa, inviabilizava o acesso a formas de
distinção social. Nas terras de além mar, no entanto, os estratos sociais tornaram-se menos
rígidos, viabilizando a ascensão de indivíduos que no reino jamais alcançariam altos
patamares. Portugueses conviviam com índios, negros e mestiços, escravos ou forros. As
69
noções de defeito de sangue e defeito mecânico tornaram-se cada vez mais fluidas e no seio
das elites, o trabalho e o comércio foram percebidos no tempo de diferentes maneiras.
Assim, pensar a valoração positiva do trabalho, socialmente compartilhada, no
discurso destes artistas-viajantes, requer entender o modo como o trabalho diferenciava
agentes sociais no Brasil do século XIX.
Se a elite econômica, formada por negociantes de grosso trato, afirmava certa distância
do trabalho, antes o era por sua passagem por ele, que o acúmulo de capital provinha em
grande parte do comércio, inclusive de escravos. Ao mesmo tempo, por meio de alforrias e
casamentos mistos, descendentes africanos tornavam-se súditos do império, integrando-se a
uma sociedade que reiterava continuamente a heterogeneidade da colônia de outrora.
No contexto de uma sociedade escravista, como sugere Roberto Guedes, a ascensão
social se associa à transposição jurídica da condição de escravo à de forro, de forro à de livre.
O que exclui ou inclui não é o que se faz ou se deixa de fazer, mas a cor/condição social, isto
é, “o ideal exclusivista, baseado no princípio da desigualdade, e com uma rígida
hierarquização social, tão característico de sociedade estamentais, permanece, mas calcado em
outras bases.” (GUEDES, 2006, p.399)
A cor, presente nos critérios de classificação, não era, no entanto, uma barreira
intransponível à mobilidade social
39
. A percepção valorativa do trabalho mecânico, ao menos
para grupos subalternos, era positiva e aparecerá diretamente relacionada à ascensão social. O
trabalho estava associado à autonomia e ao bom comportamento, embranquecia, contribuía
para a ausência de cor ou ao menos para ultrapassar suas linhas; diferenciava forros e
descendentes de escravos, e ambos entre si. (GUEDES, 2006, p.404-407)
Os registros visuais de Rugendas e Debret são, como veremos, tributários desta
percepção. Africanos e descendentes aparecem envolvidos em seus múltiplos afazeres,
abarcando livres, libertos e escravos, muitas vezes indistintamente. Tinham por intuito
representar uma ocorrência freqüente na realidade, mais do que uma pessoa em particular. A
figura mostra características que são coletivas, referindo-se a um segmento social, às vezes
explícito na legenda.
39
Para o autor, a mobilidade social é a mudança jurídica, afastamento do antepasssado escravo, e não se resume
à esfera econômica. Neste sentido, para além da relação cor/ condição social, a mobilidade social é geracional,
ocorre no âmbito familiar. Isto significa dizer que, embora os significados das expressões de qualidade cor
possam variar, estas variam também em uma família. Assim, se livres, libertos e escravos distinguem-se entre
si, a necessidade de distinguir forros e descendentes em termos de distanciamento da escravidão.
(GUEDES, 2006, p.399-401)
70
A paisagem que ambienta a cena não é o foco central da narrativa, muito menos o
indivíduo, mas sim as tarefas desenvolvidas e seu papel na dinâmica social de então. Os tipos
negros não mais se referem às “nações de origem” ou “nações de cor”, ainda que estas últimas
apareçam como veremos como mais prováveis de integração social e adoção dos hábitos
civilizados, compondo pranchas dedicadas à representação dos costumes.
É assim que Debret retrata os vendedores de capim, de leite, de carvão, de milho, de
aves, quitutes, angu, entre outros, resignificando os tipos de outrora em uma nova
classificação, que perpassa sua ocupação, com destaque aos variados tipos de negro de ganho.
Se Rugendas não faz o mesmo – visto que encontramos em sua obra poucas pranchas
dedicadas exclusivamente a estes tipos negros –, estes marcam presença em suas cenas,
retratados em grande mero e escala de tamanho menor, compondo e dando vida a multidão
de trabalhadores urbanos.
Ao transpor as categorias apresentadas no corte das cabeças para estas imagens
dinâmicas, compreende-se como diferenciar e a homogeneizar atuam lado a lado na
construção de identidades que viabilizem erguer a nação no entendimento destes viajantes.
Neste sentido, características físicas específicas ao indivíduo ou mesmo a um determinado
“grupo étnico”
40
são dispensáveis aos tipos ora representados, cujo intuito é dar conta dos
costumes e funções de uma população negra escrava, livre ou liberta. Assim sendo, não
focalizam apenas africanos e descendentes, mas as relações sociais em que estão envolvidos,
incluindo aí, as (inter)raciais.
Se o intuito era produzir imagens de uma nação em progresso, fazia-se necessário
delimitar com cuidado o espaço reservado a cada grupo, em especial aos africanos e seus
descendentes, parcela significativa da população.
De acordo com Manolo Florentino (2002), no Rio de Janeiro, nas freguesias urbanas
da Corte, o número de cativos passou de 1/3 do total dos moradores contados em 1799, para
quase metade dos muitos habitantes em 1821. No entanto, na década de 1830, com a
clandestinidade imposta ao tráfico, os desembarques de africanos arrefeceram, enquanto a
contínua expansão econômica consolidava o Rio de Janeiro como lo de atração de
imigrantes portugueses empobrecidos. Ainda que nos anos 1840 a entrada de escravos tenha
retomado seu ritmo, incrementada pelo tráfico interprovincial, o autor afirma que a tendência
predominante até 1830 inverteu-se para sempre, com o número de livres aumentando mais
40
Entendo aqui “grupo étnico” como nação, uma identidade que perpassa um conjunto de configurações étnicas
em permanente processo de transformação, conceito já discutido no capítulo 1.
71
rápido do que o de cativos entendo por livres, tanto a população nascida livre como os
libertos. (FLORENTINO, 2002, p.11).
Tabela 02 Evolução Demográfica da cidade do Rio de Janeiro de acordo ao
estatuto jurídico dos habitantes (1799-182)
Manolo Florentino. “Alforrias e etnicidade no Rio de Janeiro Oitocentista: notas de
pesquisa”. In: Topoi - Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-
Graduação em História Social da UFRJ/ 7 Letras, n.5, set.2002. Tabela 1 – p.10-11
Se o mero de escravos cresceu consideravelmente nas primeiras décadas dos
oitocentos, a população negra livre e alforriada também o era significativa. E estes dados
certamente não passaram despercebidos ao olhar dos artistas-viajantes.
72
2.1.2 O trabalho e a conformação de cenas
Ao observar as figuras de nº8 ao nº13, de Debret, percebem-se em todas elas dois
núcleos de representação, isto é, os tipos negros estão divididos em dois “grupos”, que juntos
compõem a dinâmica da imagem, como por exemplo, os negros vendedores de carvão e os de
milho, os vendedores de capim e os de leite, e assim por diante. Entretanto, caso separados, não
deixam de ser compreendidos tampe as vendedoras de ataçaça e podemos observar, sem
prejuízo, os negros calceteiros (Fig.12). Os grupos retratados não interagem, portanto,
diretamente entre si, aparentando simples justaposição, como se decalcados por acaso na mesma
cena, trazendo, inclusive, explicações separadas no texto que acompanha a prancha.
Tal perspectiva fica clara se focarmos a série de aquarelas acabadas de costumes do
Rio de Janeiro pertencentes hoje à coleção de Raymundo Castro Maya que serviu de base
para as gravuras da Viagem Pitoresca e Histórica. As composições emolduradas, ricas em
detalhes e elementos registrados exaustivamente em seus esboços, compõem pranchas
distintas e autônomas. Se em um primeiro momento indicam o intuito do artista de utilizá-las
como modelo exato para suas gravuras, ao passar pela oficina litográfica configuram nova
imagem, unindo em uma só prancha, duas “aquarelas”.
41
Partindo dos elementos capturados por seu pincel no Brasil, Debret redimensiona e
recria nas litografias situações verossímeis, ainda que não intencionasse mentir ou iludir o
observador. Esta prática é antes um método recorrente no universo dos viajantes, que,
influenciados pela geografia física de Humboldt, aderiram à idéia de síntese: a partir de um
conhecimento científico, o artista pode e deve completar sua obra com tudo aquilo que
poderia existir em uma paisagem ou cena, isto é, registrar o maior número de objetos
possíveis plausíveis de representação em uma situação que era cotidiana à cidade
42
.
Ao optar por reunir imagens para compor seus três volumes, sintetizando suas muitas
aquarelas em um número menor de litografias, Debret não apenas torna viável sua publicação,
como evidencia seu intuito no que diz respeito ao registro visual dos tipos negros em sua
iconografia do trabalho.
41
Estas aquarelas estão publicadas no catálogo organizado recentemente por Júlio Bandeira e Pedro Corrêa Lago
Debret e o Brasil. Obra completa. Rio de Janeiro, Capivara Ed., 2008.
42
Sobre Humboldt e sua geografia física ver Pablo Diener, 2007, p.294
73
Fig. 08 Nègres,
vendeurs de charbon.
Vendeuses de pled de
Turquie
Jean Baptiste Debret.
Voyage pittoresque et
historique au Brésil.
Tomo II, prancha 20.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 09 Vendeurs de lait
et de capim
Jean Baptiste Debret.
Voyage pittoresque et
historique au Brésil.
Tomo II, prancha 21.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 10 Convoi de Café. Marchandes de café baulé
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo II, prancha 37.
[Biblioteca Nacional Digital]
74
Fig. 11 Negresses marchandes, de sonhos, manoé, aloá
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Bsil. Tomo II, prancha 32.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 12 Paveurs. Marchande d’ataçaça
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Bsil. Tomo II, prancha 33.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 13 Menuisier allant sisntaller. Transport de feuilles d’aloés
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Bsil. Tomo II, prancha 34.
[Biblioteca Nacional Digital]
75
Se por um lado está preocupado em destacar cada ocupação, marcando elementos
como instrumentos de trabalho e indumentária, por outro não entende como necessário
dedicar uma prancha exclusiva a tipos em que traços físicos específicos são indiferentes. Isto
é, ainda que nestas gravuras o espaço seja compartilhado por mais de um tipo negro, estes são
o foco de sua atenção, dando a ver o que o artista considera representativo daquele tipo e que
servirá de referencial para identificação dos mesmos nas cenas em que recorrentemente
aparecem, em segundo plano, com proporções menores, compondo o burburinho urbano.
No entanto, ao interagir figuras negras, não representava a diversidade de
tipos/funções sociais, sintetizando o maior número possível de informações. Explicitava
também que africanos e seus descendentes podiam se integrar socialmente, através do
trabalho.
É assim que em Negros vendedores de carvão e vendedoras de milho (Fig.08), Debret
representa, do lado direito da imagem, uma vendedora de milho verde (sentada) e outra de
milho seco (em pé). Na explicação que acompanha a prancha, o artista se preocupa em
destacar que a primeira é negra livre, “já tem seu lugar no mercado”, enquanto a segunda, é
escrava, como “mostra pelo seu roupão (camisola de sem elegância)”. Tal como a
indumentária, que distingue simbolicamente os tipos, os outros “detalhes” da cena ganham
espaço em seu texto: discorre sobre as qualidades e usos do alimento e sobre os instrumentos
de trabalho da vendedora.
Na prancha seguinte, Vendedores de capim e leite (Fig.09), a desenvoltura da negra
que apóia a lata de leite na cabeça e o enorme feixe de capim carregado pelo negro mais ao
fundo chamam a atenção. Novamente o artista destaque aos tipos, posicionados no
primeiro plano da cena, e centra sua explicação nos usos e importância dos produtos.
Preocupação esta que também perpassa a prancha Vendedoras de aluá, manuê e de
sonhos (Fig.11), onde o artista ressalta os instrumentos de trabalho e as qualidades dos
produtos ofertados pelas negras vendedoras, os quais aparecem, inclusive emoldurando a
imagem – de um lado, o pote de barro que traz o aluá, do outro, os pedaços de cana, as limas e
os limões. Representa então seis mulheres negras, todas dedicadas ao comércio. Segundo o
artista, são escravas de pequenos capitalistas ou negras livres, que trabalham não apenas para
seus senhores, mas em favor próprio, rendendo-lhe algum dinheiro que poderá contar para
futura alforria ou, no caso das livres, aquisição de moleques que educam no trabalho e
comércio para com seus salários garantir o recurso da velhice.
76
Temos então três eixos centrais na conformação das cenas: a simultaneidade de tipos e
ações; os instrumentos de trabalho e a importância do trabalho desenvolvido na dinâmica
social, este último explicito no texto que acompanha a prancha.
É assim que em Negros calceteiros - Vendedoras de ataçaça (Fig.12), o artista centra
sua pena nas vantagens do calçamento e crescimento urbano, citando os negros apenas como
mão de obra. Já seu pincel ocupa-se em povoar a rua com um punhado de homens negros que
arduamente trabalham em sua pavimentação, enquanto, no outro canto da cena, duas mulheres
conversam, acertando a venda do quitute. O artista comenta a indumentária das “baianas” e a
pequena moeda que uma delas retira do seio, “benefício ilícito auferido nas compras da
manhã”.
Em Marceneiro dirigindo-se para uma construção. Transporte de pau-pita (Fig.13),
outra vez o artista dirige sua atenção para “a vaidade do escravo operário de um homem rico,
mandando carregar por negros de ganho, seu banco de carpinteiro ao se encaminhar para o
trabalho”, marcando as vantagens de sua função. em relação ao negro que se aproxima, no
lado direito da cena, carregando nas costas um feixe de folhas de pau-pita, afirma a
importância da planta, vendidas pelas quitandeiras, usada como corda ou barbante, ou ainda
para manter o fogo aceso.
Assim sendo, a cena, que em um primeiro momento intencionava ser uma imagem
dinâmica, intercambia com o princípio da composição estática herdeira da tradição do registro
de costumes, dedicada a representar o corpo inteiro, atento às vestimentas e aos utensílios
usados por cada um dos tipos
43
. O movimento que caracteriza a cena fica por conta das ações
desempenhadas pelos tipos, simultaneamente, na paisagem cotidiana, fornecendo elementos
para reflexão sobre seu papel social.
Não é, portanto, por acaso que reúne na mesma gravura os carregadores e as
vendedoras de café (Fig.10). Para que os armazéns fossem abastecidos e o produto chegasse
às xícaras das casas de famílias, era preciso o penoso trabalho dos negros carregadores e a
desenvoltura das negras que, para benefício de seus senhores, diariamente iam às ruas para
venda do pó torrado.
Escravos de ganho de diferentes etnias poderiam trabalhar como quitandeiras ou
carregadores, assim como negras e mulatas eram utilizadas como criadas de quarto. O que
importava neste momento era sua função social, o trabalho, e os benefícios provindos dele.
43
No capítulo 3, aprofundo melhor a discussão em torno do registro de costumes.
77
Sob esta ótica, era dispensável ao artista frisar elementos que distinguissem os integrantes de
um mesmo ofício, por exemplo, as baianas, as quitandeiras, os vendedores de água, etc.
A Fig.14, Negros carregadores de cangalhas, é representativa deste intuito, compondo
com Negros de Diferentes nações (Fig.02) uma só prancha em sua publicação. Se esta última,
como vimos, é destinada ao corte das cabeças o retrato fisionômico –, especialmente dos
escravos de cangalha, explicitando diferenças e traços físicos peculiares a cada nação, a
primeira homogeneíza estes tipos sob a nomenclatura cangueiros, atentando a variada
indumentária que mandam ornamentar, a sua ocupação e ao peso do fardo que carregam.
Fardo este que, segundo Debret, assegura a remuneração diária dos escravos
empregados nos serviços de rua, como no caso dos que carregam a carruagem desmontada
(Fig.15) ou dos que puxam o carro na Alfândega (Fig.16), os quais se opõem à introdução de
qualquer outro meio de transporte a fim de garantir o seu trabalho. Novamente o artista atenta
aos detalhes do serviço desempenhado, aos utensílios utilizados, como a esteira que embrulha
a mudança da carruagem citada, e a sua fabricação. Neste sentido, o avanço do progresso se
fazia não apenas pelo trabalho, mas pela indústria, e a população negra e mestiça era quem
compunha esta dinâmica.
Para o francês, a instituição escravista se justificaria no fato de oportunizar a estes
indivíduos a cristianização e conseqüente civilização, não sendo eterna ou permanente. A
liberdade era garantida aos escravos trabalhadores e esforçados o suficiente para adquirirem o
valor ou merecimento de sua alforria, o que poderia ser observado no grande montante de
negros livres e libertos existentes no Brasil. Por conseguinte, a noção de cidadania aparece
atrelada à subordinação do indivíduo ao trabalho. Como muito bem sintetiza Ana Rosa C. da
Silva (1999, p.216-217), "era uma maneira de compatibilizar a liberdade com a utilidade".
Intento este que também transparece na obra de Rugendas, ainda que o artista não
destine a mesma atenção ao registro visual dos tipos negros trabalhadores. Diferentemente de
Debret, as pranchas em que o bávaro retrata estes tipos, caracterizam-se pela interação direta
entre todos os seus “personagens”, apresentados em grande número, e o ambiente que compõe a
cena.
É assim que em Lavadeiras no Rio de Janeiro (Fig.17), Rugendas representa dois homens
e seis mulheres, todos negros com excão da mulher de tez bastante clara, a única vestida de
modo a cobrir quase que o corpo todo a beira do rio. As mulheres posicionadas a direita do
observador, com os seios desnudos, esfregam as peças de roupa sobre as pedras. Do outro lado, de
, a única negra completamente vestida, observa as trabalhadoras, empunhando um cachimbo e
78
Fig.14 Nègres Cangueiros
Jean Baptiste Debret. Voyage
pittoresque et historique au
Brésil.
Tomo II, prancha 36.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig.15 Transport d’une voiture
demontée
Jean Baptiste Debret. Voyage
pittoresque et historique au Brésil
.
Tomo II, prancha 37.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig.16 Negros de carro
Jean Baptiste Debret. Voyage
pittoresque et historique au Brésil
.
Tomo II, prancha 38.
[Biblioteca Nacional Digital]
79
Fig. 17 Blanchisseuses à Rio Janeiro
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 4ª divisão, prancha 11
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 18 Porteurs d'eau
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 4ª divisão, prancha 14
[Biblioteca Nacional Digital]
80
equilibrando na cabeça a trouxa de roupa. Do seu lado, sentado no chão um dos negros
estende a mão como se a conversar com o grupo. Não se distinguem traços físicos específicos
ou qualquer outro sinal que caracterize os indivíduos retratados. O interesse estava nos seus
usos e costumes.
As Lavadeiras, junto com Carregadores de água (Fig.18), são as únicas pranchas,
dentre as 100 que compõem a sua obra, dedicadas especialmente ao trabalhador. Nesta última,
cerca de vinte negros homens e mulheres aglomeram-se em torno do chafariz público com
seus barris e jarros. Enquanto uns conversam, outros ajudam a equilibrar o pote d’água no alto
da cabeça, outros aguardam na fila improvisada, ainda que acorrentados, e até mesmo se
desentendem, sob a intervenção da polícia. O olhar do observador não consegue focar em um só
indivíduo que por qualquer motivo “roube a cena”, percorrendo incessantemente a
movimentada situação representada. Certamente o artista não estava preocupado em estabelecer
semelhanças ou diferenças entre os tipos, mas destacar uma função exercida por uma categoria
de trabalhadores que englobava escravos africanos e seus descendentes, negros livres e libertos.
Se nas outras pranchas deixam de ser o foco central da cena, estes negros envoltos em
suas múltiplas atividades não deixam de ser recorrentes. É assim que na Rua Direita no Rio de
Janeiro (Fig.19), Rugendas perspectiva sua cena de forma frontal e próxima, deixando ver
carregadores negros com os mais diversos fardos, vendedores de quitutes, e outros tipos que
ora conversam entre si, ora observam os senhores, os comerciantes e a guarda real. Nem os
negros, nem qualquer outro personagem ocupa lugar de destaque na composição, destinada a
representar na totalidade a cena cotidiana, com seus prédios e habitantes.
A mesma gica se observa em Vista tomada na frente da Igreja de o Bento, Porto
Estrela e Colheita de Ca. Na primeira (Fig.20), a tomada da vista da cidade em um ângulo de
180º, contempla a reprodução tanto do perfil topográfico quanto de alguns prédios e elementos
arquitenicos importantes, destacando também, no tio da Igreja, a população diversa e suas
relões cotidianas os tipos negros ficam por conta das vendedoras diversas e criadas de quarto,
atendendo aos caprichos da população branca. no porto (Fig.21), negros destinam-se ao
carregamento dos barcos e cuidados com as mulas e cavalos, e, na área rural (Fig.22), mulheres e
homens colhem, aram e carregam o ca, sob os olhares atentos dos capatazes. A composão do
primeiro plano, para am da referência estica da pintura de paisagens
44
, possibilitava ao
espectador a aproximação do olhar, situando-o a “alguns metros” do grupo de pessoas, recebendo
informações sobre seus habitantes e seu cotidiano.
44
Sobre a pintura de paisagens, ver Celeste Zenha, 2004, p.9
81
Fig. 19 Rue droite à Rio Janeiro
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 3ª divisão, prancha 13
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 20 Vue prise devant l'église de San-Bendo à Rio Janeiro
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 3ª divisão, prancha 12
[Biblioteca Nacional Digital]
82
Fig. 21 Porto do Estrella
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 1ª divisão, prancha 13
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 22 Recolte du café
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 4ª divisão, prancha 8
[Biblioteca Nacional Digital]
83
Ao pintor não importava identificar os indivíduos, mas marcar sua condição de
trabalhadores. Assim, afirma:
Confie-se no desejo, inato em todo homem, de melhorar sua condição e a dos seus;
ele levará o negro como os outros, a ganhar sua existência pelo trabalho. Nada mais
insensato que acreditar que a emancipação progressiva dos escravos possa ser
perigosa para os brancos e para o Estado. (...). O negro liberto toma sozinho o seu
lugar nas classes inferiores da sociedade, o lugar que lhe é assinado pela sua
capacidade e fortuna; sua maior ambição reside na esperança de que seus
descendentes possam um dia, através de uniões com raças menos escuras, integrar-
se na população dos homens de cor e ter assim a possibilidade de obter empregos e
dignidades. (RUGENDAS, 1979, p.140)
O trabalho perpassa então a idéia de cultura e civilização dos povos africanos e seus
descendentes e suas formas de inclusão no processo histórico sob a ótica destes artistas.
2.2 A moral, os costumes e a mestiçagem
O trabalho não era, porém, o único responsável pelo avanço técnico e da civilização
entre os negros. A cristianização demonstrava igualmente a possibilidade de conduzi-los a
estágios de evolução humana mais avançados, promovendo alterações importantes em seus
costumes. Neste sentido, destaca-se ainda a proximidade dos hábitos do homem branco e de
sua cor sob a lógica da mestiçagem – como via para civilização e fortalecimento da jovem e
recém-independente nação.
As teorias gestadas em torno da “mistura das raças”, no entanto, não eram unívocas e,
ao longo do XIX, as diferenças se acentuariam. A título de exemplo, Louis Agassiz,
pesquisador suíço que esteve no Brasil na segunda metade do oitocentos, levava do país em
sua bagagem de anotações sobre esse território idéia marcadamente distinta da mestiçagem:
...que qualquer um que duvide dos males da mistura de raças, e inclua por mal-
entendida filantropia, a botar abaixo todas as barreiras que as separam, venha ao
Brasil. Não poderá negar a deterioração decorrente da amálgama das raças mais
geral aqui do que em qualquer outro país do mundo, e que vai apagando
rapidamente as melhores qualidades do branco, do negro e do índio deixando um
tipo indefinido, híbrido, deficiente em energia física e mental. (AGASSIZ. Apud.
SCHWARCZ, 2005, p.13)
O universo de proposições que acompanha estes viajantes nos remete aos pensadores
do século XVIII. De um lado se tinha a visão humanista herdeira da Revolução Francesa, que
84
naturalizava a igualdade humana partir da noção de perfectibilidade de Russeau
45
; de outro,
uma reflexão ainda tímida sobre as diferenças básicas existentes entre os homens, tendo como
expoentes Buffon que rompe com a mística do paraíso e passa a personificá-lo sob o signo
da carência, corroborando com a tese de debilidade e imaturidade destas terras e De Pauw,
com a teoria da “degeneração americana”. Apesar da unidade do gênero humano permanecer
como postulado, um agudo senso de hierarquia aparecia como novidade (SCHWARCZ,
2005).
Se a visão monogenista, influenciada por estes pensadores, será dominante até meados
do XIX, uma visão poligenista, encorajada, sobretudo, pelo nascimento simultâneo da
frenologia e da antropometria, ganha força a partir de então, privilegiando uma interpretação
biológica do comportamento humano, acreditando na diversidade de espécies humanas
classificadas em raças através da comparação de particularidades morfológicas indicativas de
diferentes potenciais entre os indivíduos. O embate entre as duas correntes, segundo Schwarcz
(2005, p.54), só se abrandaria quando da publicação de A Origem das Espécies, de Charles
Darwin, em 1859. Pautando-se nos teóricos evolucionistas, ambas as correntes viriam
justificar a "missão civilizatória do homem branco".
Será este universo de proposições, com a noção de raça variando entre a ciência, a
moral e os costumes, que balizará as obras dos artistas-viajantes em questão.
Assim, para Rugendas, o branqueamento seria conseqüência natural, visto que
poucas gerões se fazem necesrias para destruir a cor preta, na população livre, em
rao dos casamentos entre negros e homens de cor e, em conseqüência das ligações
freqüentes entre as negras livres e os brancos. Muitas vezes a cor preta desaparece
com os filhos ou netos, de modo que os descendentes dos negros livres, em vez de
aumentar a população negra perdem-se, insensivelmente, na massa dos homens de cor.
(RUGENDAS, 1979, p.274)
Para o artista, o estágio de civilização dos africanos, inclusive no que dizia respeito ao
desenvolvimento técnico e comercial, era apreciável antes que o tráfico transatlântico de
escravos desestabilizasse suas sociedades. A guerra, o despotismo e a extensa escravidão
dentro da África provinham do contato com o europeu; não refletiam uma selvageria milenar
45
Como afirma Schwarcz, se a perfectibilidade reconhecia a capacidade do homem de “sempre se superar”, era,
no entanto, via de mão dupla: não supunha o acesso obrigatório ao “estado de civilização” e à virtude, e era
também a fonte de todo os males do homem, fazendo com que “através de séculos desabrochem suas luzes e
erros, seus vícios e virtudes”. Era, portanto, “marca de uma humanidade uma, mas diversa em seus caminhos,
a perfectibilidade humana anunciava para Rousseau os vícios da civilização, a origem da desigualdade entre os
homens.” (Schwarcz, 2005, p.44)
85
interna e possivelmente inata ao negro. O fim do tráfico e a promoção do "comércio legítimo"
com a Europa rapidamente levariam a África de volta à senda progressiva da civilização.
Assim, afirma:
Mesmo as tribos mais grosseiras vivem na África dentro da estrutura e dos costumes
que constituem as sociedades civilizadas; encontram-se, entre eles, chefes cuja
autoridade é reconhecida, leis, diferenças de casta, homens livres e escravos, grandes
e pequenos, sacerdotes e leigos, tudo o que representa as conseqüências necessárias
dessas formas da vida social. Deparamos, à frente da civilização africana, com
impérios poderosos, cidades populosas onde existem todas as necessidades e todos
os prazeres decorrentes do esplendor do chefe, de seu séquito e de seu exército, e
que somente o comércio pode satisfazer. Esse grau de civilização parece ser, na
África, a um tempo bastante antigo e estagiário[sic: leia-se "estacionário"].
(RUGENDAS, 1979, p.114)
Como destaca Robert Slenes (1995, p.30-31), ao incluir os povos da África entre as
sociedades civilizadas, Rugendas visava reduzir a distância entre africanos e europeus aos
olhos dos leitores.
Para o varo, o cativeiro no Brasil apenas contribui para a civilização
porque contrasta favoravelmente com o estado atual da África, criado pelo tráfico. Assim,
suas observações sobre a África preparam o caminho para a afirmação da capacidade do
negro de se civilizar no Brasil.
O catolicismo aparece então como a maior contribuição para
tornar a escravidão suportável, "tanto quanto possa sê-lo uma condição tão contrária à
natureza". Se a melhoria das condições do escravo elevava seu nível de civilização, o
processo assimilativo tinha começado com a transferência do africano de seu continente
arruinado para o Brasil e sua conseqüente conversão religiosa.
Tal perspectiva pode ser observada na prancha Mercado de Escravos (Fig.23).
Encontramos cerca de trinta escravos novos, distribuídos em três grupos, a espera de serem
vendidos em um armazém. O primeiro grupo, localizado no primeiro plano da imagem,
dispõe-se circularmente em torno de uma fogueira usada para aquecer um provável alimento.
É composto por mulheres e um recém-nascido. Na lateral esquerda da imagem, temos um
grupo de escravos homens a se recuperar da viagem e "passar o tempo" desenhando nas
paredes, enquanto são observados por um senhor vestido distintamente, possível comprador
de escravos. na lateral oposta, outro grupo de escravos é exposto a um comprador,
enquanto o comerciante exibe a "qualidade" dos dentes de sua "mercadoria".
Rugendas afirma que os mercados são "verdadeiras cocheiras" onde se exibem as
mercadorias humanas em um "espetáculo chocante e quase insuportável":
86
Durante o dia inteiro esses miseráveis, homens, mulheres, crianças, se mantém
sentados ou deitados perto das paredes desses imensos edifícios e misturados uns
aos outros; e, fazendo bom tempo, saem à rua. Seu aspecto tem algo horrível,
principalmente quando ainda não se refizeram da travessia. O cheiro que se exala
dessa multidão de negros é tão forte, tão desagradável, que se faz difícil permanecer
na vizinhança quando ainda não se está acostumado. Os homens e as mulheres
andam nus, com apenas um pequeno pedaço de pano grosseiro em volta das ancas.
(RUGENDAS, 1979, p.256)
No entanto, no registro visual, ainda que todos os escravos encontrem-se
precariamente acomodados, não aparentam sofrimento (o primeiro grupo parece inclusive
conversar animadamente). O artista priorizou o “renascimento” destes indivíduos no seio do
cristianismo, como bem marca a imagem de Nossa Senhora com Jesus nos braços pendurada
no alto do armazém, em detrimento do sofrimento de outrora. O africano vindo da África
degradada, agora cristianizado, sai do mercado de escravos para a civilização com a benção
de Deus. A torre da Igreja que se pode avistar através das portas do armazém, ao fundo da
imagem, reforça esta idéia. A negra vendedora sentada à porta do mercado é representante do
que os aguarda: vestida, encobre suas "vergonhas" e integra-se na sociedade no espaço que
lhe é reservado: o do trabalho. Assim, a heterogênea massa de escravos provinda da África
homogeneíza-se aos olhos do artista sob a égide da religião.
O artista bávaro não visava reabilitar a escravidão. Sua Viagem Pitoresca, contudo,
não tinha como prioridade denunciar um sistema de trabalho, mas mostrar a possibilidade de
formação de um novo 'povo' negro e mulato, incorporado à civilização. O que estava
defendendo não era a idéia de igualdade das raças, mas sim a capacidade dos negros de se
civilizarem, sua perfectibilidade. Acredita assim que o Brasil estava a caminho de seu
aperfeiçoamento, tal como sua heterogênea população estava a caminho de se aprimorar,
homogeneizando-se. Os mulatos aparecem então como representantes deste processo. Como
afirma Rugendas,
cabe menos à vista e à fisiologia do que à legislação e à administração resolver sobre
a cor de tal ou qual indivíduo. Os que não são de um negro muito pronunciado, e
não revelam de uma maneira incontestável os caracteres da raça africana, não são,
necessariamente, homens de cor; podem, de acordo com as circunstâncias [riquezas,
relações de família, ou talentos pessoais], ser considerados brancos./ (...) Deste
ponto de vista, nada caracteriza melhor o estado das idéias dominantes do que essa
resposta de um mulato, ao qual se perguntava se determinado capitão-mor era
também mulato. ‘Era, respondeu ele, porém, já não é.’ E como o estrangeiro
desejasse uma explicação para tão singular metamorfose, o mulato acrescentou:
‘Pois, Senhor, capitão-mor pode ser mulato!’. (RUGENDAS, 1979, p.145-146)
87
Fig. 23 Marché aux Nègres
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 4ª divisão, prancha 3
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 24 Negrèsses de Rio-Janeiro
Johann Moritz Rugendas. Voyage
Pittoresque dans le Brésil. divisão,
prancha 7
[Biblioteca Nacional Digital]
88
Através da imagem, o artista também construía seu argumento. Em Negras do Rio de
Janeiro (Fig.24), apesar de unir as duas mulheres retratadas sob a mesma denominação
(negras), indicando que fazem parte de um mesmo grupo, usa elementos da hierarquia visual
para apontar suas diferenças: a mulher de tez mais clara está sentada, apresenta vestes
alinhadas, usa brincos e sapatos e está apoiada em um baú, trazendo junto a si um pente e um
livro − insígnia da civilização; já a outra mulher, de roupas simples e descalça, apesar do filho
pequeno que carrega nas costas, não deixa de trabalhar, trazendo a cabeça uma cesta de frutas,
que oferece para a primeira. A paisagem tropical, com bananeiras, coqueiros e o mar ao
fundo, apenas compõe a cena, cujo foco central são as mulheres negras.
Certamente o intuito do artista não foi o do (re)encontro de duas pessoas da mesma
etnia ou cor, mas demonstrar que o negro era capaz de se integrar na sociedade dita
"civilizada", estabelecendo novas relações sociais e "raciais" nas terras de além-mar, levando
em consideração a gradação de cores na construção de suas hierarquias.
Ainda que Debret não possua o mesmo raciocínio de Rugendas, aponta para a lógica
de miscigenação sugerida pelo naturalista bávaro, reconhecendo no mulato "o homem cuja
constituição pode ser considerada mais robusta", tendo a energia do negro e a inteligência do
branco, que lhe servem "para orientar mais racionalmente as vantagens físicas e morais que o
colocam acima do negro" (DEBRET, 1989, p.33-34). Acrescenta ainda que somente a
civilização "pela mistura mais freqüente dos dois sangues e, moralmente, pelo progresso da
educação" garantirá a ordem no jovem Império, apontando em prol do "esquecimento dessa
linha de demarcação [entre brancos e mestiços] que o amor-próprio traçou, mas que a razão
deverá apagar um dia" (DEBRET, 1989, p.91-92).
Ao elaborar uma obra histórica, Debret volta-se com freqüência aos usos e costumes
da população mestiça, como que a sublinhar a sua representatividade diante de um país que
ainda construía sua imagem.
Via na educação e na miscigenação com os europeus, o meio de acesso
da população negra a níveis de civilização inatingíveis caso permanecesse em seu isolamento. Para
ele, a miscigenação já estava acontecendo, era preciso reconhecê-la e ter consciência de que dela
dependia, também, o progresso que se desejava para o país.
Neste sentido, afirma: "a classe dos
mulatos, muito acima da dos negros pelas suas possibilidades naturais", encontra "maiores
oportunidades para libertar-se da escravidão". A população negra livre e ou mestiça desponta
então como "uma das classes mais importantes da colônia", pois não obstante as tristes
circunstâncias de sua transladação para o Novo Mundo, "melhorou grandemente tanto do
ponto de vista físico como moral". (DEBRET, 1989, p.x).
89
A prancha 5 do segundo tomo de sua obra, Um funcionário a passeio com sua família
(Fig.25), é representativa deste intuito: o francês ordena em fila diferentes gradações de cores,
do negro africano ao branco europeu, de forma a criar uma hierarquia social que segue a
"marcha progressiva da civilização no Brasil". Segundo o artista, a cena representa a partida
para um passeio de uma família de fortuna média, cujo chefe é funcionário real. Seguindo "o
antigo hábito observado nesta classe" o chefe de família abre a marcha seguido de seus filhos,
por ordem de idade. A seguir vem a esposa, "grávida", e sua criada de quarto "escrava
mulata muito mais apreciada no serviço do que as negras". Na ordem, seguem a ama negra,
sua escrava, o criado negro do senhor, um jovem escravo em fase de aprendizado e um negro
novo, recém comprado "escravo de todos os outros e cuja inteligência natural mais ou
menos viva vai desenvolver-se a chicotadas". (DEBRET, 1989, tomo II, p.13)
A começar pela indumentária é interessante observar que, com exceção do escravo
novo vestido em algodão cru −, todos trajam roupas alinhadas. A criada mulata encontra-se
calçada e vestida a rigor, tal como seus senhores, encabeçando a fila dos africanos e de seus
descendentes. É seguida por uma negra, mas não uma negra qualquer: esta possui escravos.
Depois vem o criado, o aprendiz e por último o negro recém comprado, a iniciar sua jornada
no caminho para a civilização.
A mesma gica se repete na prancha 7 do terceiro tomo, mas agora sem a auto-
representação do europeu enquanto expoente ximo da civilização. Em Mulata a caminho
do sítio para as festas de natal (Fig.26) encontramos seis mulheres e duas crianças, todas de
ascendência africana, em fila indiana, ocupando todo o espaço da composição. Encabando a
fila, uma menina conduz pela o um “negrinho, bode expiario a seu serviço particular”.
Diferentemente da prancha anterior, o menino escravo provavelmente nasceu no Brasil e guarda
certa proximidade da sua senhora, visto estar caado, vestido e confiado aos caprichos da menina.
A seguir, vem sua mãe, “mulata opulenta”, "da classe dos artífices abastados". É
acompanhada pela criada de quarto, que o artista faz questão de destacar que é preta, "afim de
não comprometer a própria cor" de sua senhora. As três mulheres subseqüentes, todas
descalças, são negras de serviço. A última da fila, negra nova, “acompanha humildemente o
cortejo”. (DEBRET, 1989, tomo III, p.147)
Percebemos aqui duas questões centrais: a idéia de que o negro é capaz de se civilizar,
podendo se integrar na sociedade, galgar postos nas classes mais abastadas e ele mesmo
possuir escravos; e que a gradação da cor de sua pele influi diretamente neste processo.
90
Fig. 25 Un employé du gouvern sortant de chez lui avec sa famille
Jean Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Tomo II, prancha 5.
[Coleção Reconquista do Brasil, 1989. Série especial; vol.11]
Fig. 26 Une mulatresse allant passer les fetes de Noel, a la campagne
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo III, prancha 7.
[Biblioteca Nacional Digital]
91
Neste momento não interessa ao artista identificar etnias ou destacar características
específicas de cada um dos indivíduos retratados, mas sim marcar elementos no conjunto que
estabeleçam entre os "atores" de sua cena uma hierarquia social, a começar pelo
posicionamento espacial de cada uma das mulheres na estrutura da imagem. Centra-se, assim,
nas tonalidades da pele, em elementos como calçados, roupas e acessórios, e mesmo na
dinâmica da imagem para alcançar seu intento. A interação entre os indivíduos e a prática dos
costumes europeus são então essenciais à “constituição moral” dos africanos e seus
descendentes.
A religiosidade desponta como elemento fundamental neste processo. Em Negras
novas a caminho da Igreja para batismo (Fig.27), duas negras, com seus bebês no colo,
dirigem-se à porta da Igreja, onde o capelão, também de ascendência africana, aguarda para
batismo das crianças. Acompanham-nas os padrinhos: uma reservada senhora negra, vestida
distintamente, e um negro, “vestido cerimoniosamente”, com “calça de seda herdada de seu
senhor, chapéu e bengala”, que cumprimenta respeitosamente o capelão. Todos, com exceção
da senhora e do padre, estão descalços. No caso da madrinha, o sapato não necessariamente
significa que é livre, podendo remeter também a sua condição de criada de quarto de casa
rica. Como afirma Debret, “é em geral o escravo mais antigo que serve de padrinho, e nas
casas ricas concede-se essa honra ao mais virtuoso”.
Ao unir na mesma imagem negros com diferentes trajes a caminho da Igreja, Debret
não afirma sua capacidade de se civilizar como demonstra que, mesmo dentre os livres ou
não-livres há uma hierarquia social, explicitada nas vestes e costumes de cada um dos
indivíduos representados e não em distinções étnicas específicas. O batismo não acolhe o
negro novo apenas no seio da Igreja, mas também na sociedade, constituindo o primeiro passo
rumo à civilização.
A Igreja para além de cristianizar, dita regras de moral e impõe ordem às práticas e
costumes, oportunizando ao negro melhores condições de vida. É assim que, para evitar o
desvio do serviço e outras conseqüências funestas, é “de bom tom nas casas ricas do Brasil
fazer casarem-se as negras”, com o cocheiro do amo ou outros criados de confiança, ficando
esses casais “especialmente protegidos” e com chances de juntar algum dinheiro graças aos
benefícios consideráveis concedidos. (DEBRET, 1989, Tomo III, p.).
Na gravura Casamento de negros de uma casa rica (Fig.28), três casais negros
recebem conjuntamente a benção do padre em uma Igreja, sob o olhar atento do padrinho.
Segundo Debret, todos pertencem à casa rica, vestem-se distintamente e as mulheres imitam suas
92
Fig. 27 Négresses allant a l’église pour étre baptiséem
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo III, prancha 8.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 28 Mariage de nègres d’une maison riche
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo III, prancha 15.
[Biblioteca Nacional Digital]
93
senhoras segurando um leque embrulhado em lenço branco. A formação de núcleos familiares
dentro do sistema escravista integra então as noções de moral e religiosidade como balizas da
civilidade
46
. O próprio fato de posicionar esta prancha, assim como as duas anteriores, no
terceiro tomo de sua obra dedicado à historia política e religiosa brasileira, em especial, a
influência civilizatória européia – é representante de seu intuito.
Assim, se em um primeiro momento, Debret explicita que dentre os grupos africanos
encontrados no Brasil existem diferenças que fazem com que uns tendam mais à civilização
do que outros, na escala geral da população negra, ser africano passa a significar pertencer a
um grupo que, em relação aos crioulos e mulatos, está em um estágio anterior rumo à
civilização, não importando a etnia”. Homogeneízam-se, assim, diferenças ao mesmo tempo
em que se estabelecem distinções mais gerais e se reconhece a perfectibilidade de cada um
destes tipos sob a égide da religião: através da convivência (trabalho, educação e adoção de
costumes) e da miscigenação com o europeu, os africanos e seus descendentes tenderiam
naturalmente à civilização.
O interesse na miscigenação estava na formação de um tipo biológico capaz de
sobreviver ao clima considerado insuportável para o branco e que fosse intelectualmente
capaz de acompanhar a civilização européia
47
. Entretanto, se tanto Debret quanto Rugendas
afirmam a importância dos “homens de cor” na constituição da sociedade, isto não quer dizer
que enalteçam ou coloquem as outras “raças” em pé de igualdade com os brancos, que
continuavam a ser intrínseca e organicamente superiores.
A verdadeira superioridade dos brancos sobre os negros não é unicamente exterior
(...) Essa superioridade talvez se explique por uma maior intensidade de sistema
nervoso, por uma maior atividade de suas funções, uma harmonia mais perfeita em
todas as circunstâncias da vida (...) Todos os dias ocorrem coisas que, abstração feita
da vantagem da civilização, provam uma superioridade real e física do branco sobre
o negro, que este é o primeiro a reconhecer. (RUGENDAS, 1979, p.134)
46
Adriana Campos e Patricia Merlo publicaram interessante artigo na Revista Topoi sobre o casamento de
escravos na legislação brasileira do XIX e sua importância social na formação de núcleos familiares. Ver:
“Sob as bênçãos da Igreja: o casamento de escravos na legislação brasileira”. In: Topoi, v.6, n.11. Rio de
Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ/ 7 Letras, 2005.
47
Destaco aqui a influência do pensamento de Buffon, ainda que estes artistas dialogassem mais diretamente
com as proposições de Humboldt, como vimos no capítulo anterior. Como afirma Ronald Raminelli (2008,
p.249), “A antropologia de Buffon era a ciência dedicada a pensar ao mesmo tempo a unidade da espécie
humana e suas variações. O homem submetia-se a transformações provocadas pela geografia e pela história e,
assim, a influência do clima e a mistura de ‘sangues’ esculpiam os corpos, modelavam as fisionomias. Sob a
aparente diversidade, perpetuavam-se ‘caracteres essenciais’ de uma raça. Buffon, então, entendia as raças
como variações de uma espécie, que se tornavam hereditárias, pela ação contínua de causas. Apontou ainda
três motivos para o surgimento da diversidade de povos: a primeira era influência climática, a segunda era
provocada pelos alimentos e a terceira, a mais importante, resultava dos costumes”.
94
Descarta-se, portanto, a idéia de que a diferença entre as raças possa ser eliminada. Tal
postura, como bem afirma Robert Slenes (1995), não é incoerente. Muitos defensores da
monogênese apontavam para um processo de "degeneração" das espécies que poderia ser
reversível
48
, ainda que cada qual resguardasse peculiaridades próprias. Se por um lado
aproxima as raças em suas características essenciais, por outro reconhece diferenças entre elas
que sustentam a ordem social vigente.
Os artistas desenvolvem, pois, estratégias de auto-representação como recurso para
aproximação cultural. Contudo, ao apresentar signos visíveis das distinções culturais,
reforçam suas distâncias, deixando claro sua crença na superioridade européia e mesmo no
papel de gestores a que estes foram designados no processo civilizatório e constitutivo da
nação. Assim, nada mais lógico que ao representar Uma senhora brasileira em seu lar
(Fig.29), Debret cristalizasse uma imagem da relação senhorial que mantinha os escravos
próximos dos brancos, comungando uma intimidade pouco compreensível aos olhos
europeus, mas que definia muito claramente as posições de cada um.
A senhora, "mãe de família de pequenas posses", está sentada em sua "marquesa" a
costurar. Ao lado, sua filha treina a leitura. Aos seus pés, a criada de quarto trabalha com a
agulha. É negra e usa um penteado que o artista define como característico de escravo de uma
casa pouco opulenta (o próprio fato de se ter uma criada de quarto negra e não mulata é
significativo da condição econômica da família). Dois bebês negros brincam próximo à
criada, gozando do privilégio de estar no "quarto da dona da casa". À direita, temos outra
escrava, também a costurar. Segundo o autor, seus "cabelos cortados muito rente revelam o
nível inferior". Um moleque traz água para saciar a sede de sua senhora, que mantém a seu
alcance, no cesto de roupas, o chicote usado na coerção cotidiana dos escravos. No alto da
parede, a figura de "Nossa Senhora" completa a cena, compondo o ambiente cristão.
Rugendas registra cena semelhante, em uma casa de fazenda (Fig.30). Enquanto a
senhora deitada na rede se entrete com o tocador de viola, é interrompida por um escravo que
anuncia a visita que aguarda na porta. Uma ama de leite sentada na esteira alimenta o recém-
nascido de sua senhora, enquanto observa o mais velho, também pequenino, brincar com as
crianças negras da casa. Este, por sua vez, observa a mulher que, a seu lado, de pé, enche
uma cuia dágua, sua possível mãe. A casa não pertence a uma família abastada, tanto
pela simplicidade com que é decorada, como pelos feixes de palha largados ao chão. A
48
Segundo esta hipótese explicativa da diversidade humana, a humanidade fora criada num único ato e num
único tempo. A humanidade seria então homogênea física, étnica e socialmente e a diversidade existente seria
fruto de acontecimentos posteriores. Ver: SALLAS, 1997, p.212-214.
95
Fig. 29 Une dame brèsilienne dans son intérieur
Jean Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tomo II, prancha 5.
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 30 Famille de Planteurs
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 3ª divisão, prancha 16
[Biblioteca Nacional Digital]
96
religiosidade, entretanto, marca presença: na parede pende a imagem de Nossa Senhora e do
Cristo crucificado, emoldurando o jovem padre que conversa com a família.
As duas imagens não possuem elementos antiescravistas, nem mesmo promovem a
detração dos negros. Os artistas o pretendiam representar somente a escravidão, mas a tradição
negra cristianizada. Para além de retratar a prestação de serviços por parte do negro (mais uma
vez homogeneizado sob esta categoria) apresentam a sua proximidade à vida do branco.
Como afirma Slenes (1995, p.23), esta “reconstrução” da identidade dos africanos e de
seus descendentes “responde à necessidade que Rugendas sentia de convencer seu público da
‘capacidade moral’ do africano e de seus descendentes, sem a qual sua assimilação à
‘civilização’ seria impossível”. O mesmo se aplica a Debret. Os dois artistas afirmavam então
em suas imagens a perfectibilidade do negro e o colocavam a caminho da civilização. Para isso,
o era necesrio esmiuçar detalhes físicos ou distinguir os indivíduos dentro de um mesmo
grupo, afinal, a assertiva valia para todos, desde que dedicados ao trabalho, a família e à religo.
Assim sendo, as estratégias de representação do negro africano e de seus descendentes,
sob suas diferentes modalidades, nestas cenas, inscreviam-se enquanto um modo de
assimilação das diferenças e ao mesmo tempo de produção de alteridade. Ainda que, como
propõe Mitchell (1987), as imagens pictóricas sejam inevitavelmente convencionais e
contaminadas pela linguagem verbal, é possível pensar, como afirma Ana Luisa Sallas, em
uma natureza inerente à linguagem pictórica, uma vez que enquanto a linguagem verbal
possui ampla possibilidade de combinações e sentidos, a linguagem pictórica distingue-se de
imediato pelo seu caráter afirmativo: “Ela sempre representa algo, desconhecendo a negação
da representação. Uma imagem pictórica sempre é alguma coisa, pois a negação retórica é
impossível de ser representada pictoricamente” (SALLAS, 1997, p.16).
Daí a imprecisão e subjetividade das denominações e categorias criadas pelos autores para
descrever a estrutura social. Ao mesmo tempo em que estas categorias são construídas
artificialmente como artefatos para diferenciar e manter distância entre colonizador e
colonizado, criando uma hierarquia social definida legalmente com base na cor da pele e
ancestralidade, com o propósito de estabelecer obrigações sociais e de trabalho, se reconhece
a possibilidade de mobilidade social diretamente relacionada à negociação da definição do
status racial do indivíduo. O que faz pensar as formas como ao longo do tempo as mudanças,
sociais, econômicas e culturais modificaram a identidade racial e o status a ela relacionado,
assim como os estereótipos criados e escolhidos para determinar o lugar de cada indivíduo
dentro desta ou daquela categoria racial.
97
CAPÍTULO 3
A migração de imagens no imaginário oitocentista
El primer mérito de un cuadro es ser una fiesta para la vista
Eugène Delacroix
Debret e Rugendas nos deixam em seus registros visuais um belo legado histórico-
documental, que não é, entretanto, exclusivo ou inédito. A mesma linguagem pictórica
acompanhou diversos relatos de viajantes no final do século XVIII e início do XIX, incluindo
os pintores dedicados à pintura histórica, naturalistas, engenheiros militares e outros tantos
que se propunham a registrar o Brasil. Como destaca Rogéria de Ipanema (2007, p.18-19),
com a associação da gravura à tipografia e a suas inovações técnicas, “a historiografia dos
saberes foi potencializada pela ação da imagem na apreensão do conhecimento. (...) As
ciências de modo geral, associaram-se às imagens”.
Naturalistas e pintores que se aventuravam ao Novo Mundo lançavam mão das normas
científicas de representação, obedecendo a regras de taxonomia e descrição, juntando às suas
memórias desenhos técnicos que fossem levar à Academia o reconhecimento de seus
trabalhos. Com sua pena e pincel construíam tipos, classificavam e procuravam apontar
diferenças e similitudes, ora preocupados com traços físicos “fundamentais”, ora atentos aos
hábitos e costumes.
Como afirma Eneida Sela (2001, p.30)
... entre o final do século XVIII e início do XIX, é possível perceber ao menos duas
grandes tradições iconográficas que se cruzam. De um lado, o registro de costumes
e, de outro, o olhar naturalista que procura identificar, classificar e descrever a
diversidade da natureza humana. O ponto de contato entre elas é, sem dúvida, a
intenção do registro do tipo – a identificação (por meio do texto ou das imagens) das
98
características básicas capazes de diferenciar uma espécie de outra, um ser
pertencente a um grupo de outro.
Neste sentido, o exercício comparativo entre as aquarelas/ gravuras de Rugendas e
Debret alarga-se com o diálogo com a produção visual de outros artistas da época, pensando
suas obras em um conjunto mais amplo de representações visuais, que ora comungam de um
gênero iconográfico específico, ora traduzem experiências e concepções pictóricas distintas.
Não proponho aqui comparar as habilidades dos artistas ou sua capacidade de
observação e transcrição de detalhes, muito menos refletir sobre uma possível autenticidade
da obra, o que não é pertinente nem enriquece uma apreciação histórica. Apenas localizar suas
obras na rede de tradições, escolas e técnicas pictóricas, não conta dos múltiplos
significados destas fontes nem da visualidade por elas produzida. Tão pouco intento
enquadrar seus registros visuais em um processo de longa duração, como uma prática linear e
imutável de um gênero de representação através dos séculos.
Ao contrário, a idéia é refletir sobre determinados cânones de representação que
migram no imaginário oitocentista e estão presentes nas obras de Rugendas e Debret e de
artistas contemporâneos (ou quase contemporâneos) a eles, podendo falar em diferentes
suportes e técnicas pictóricas, e, ao mesmo tempo, em continuidades, rupturas e
resignificações. A rede de relações entre artistas que viveram ou estiveram no Rio de Janeiro
das primeiras décadas do século XIX e as experiências de circulação e intertextualidade de
seus registros visuais, oferecem ricas reflexões sob formas de “representar o mundo”, ainda
que, muitas vezes, não possamos precisar os usos e circulação destas imagens.
3.1 O Registro de Costumes, a Ciência e o Pitoresco
A “Viagem Pitoresca” constitui uma fórmula freqüente nos títulos dados aos álbuns de
ilustrações e diários de viagem feitos no e sobre o continente americano no século XIX. Como
sugere Pablo Diener (2007, p.285-286), o pitoresco não é apenas o denominador comum de
um determinado tipo de publicação; é uma categoria estética, a que podemos dar o valor de
um instrumento que serve especificamente ao propósito de apreender as experiências vividas
em um cenário diferente ao do mundo cotidiano do viajante.
A literatura sobre a estética do pitoresco é imensa e não cabe aqui entrarmos em
minúcias. Em linhas gerais, em fins do século XVIII, havia duas correntes principais que se
99
vinculavam á idéia do pitoresco. A primeira, difundida pelo sacerdote anglicano Willian
Gilpin, era orientada, sobretudo, à experiência do artista amador, que viajava a procura de
cenas supostamente selvagens e abruptas da natureza, que suscitassem os mais
impressionantes efeitos da imaginação e pudessem ser compostas pelo artista. A outra
corrente, disseminada por Uvedale Price e Richard Payne Knight, orientava-se para o
aprazível, entendendo por este o que se distingue do “belo” pela aparente “rugosidade” da
cena. Esquematicamente, a discussão entre Knight e Price tinha como cerne a obra de
Edmund Burke Philosophical Enquiry into the Origins of our Ideas of the Sublime and
Beautiful (Investigação da origem de nossas idéias sobre o sublime e o belo - 1757).
49
Burke dava uma nova leitura ao velho conceito de sublime em estética. Para o autor,
... de todas as nossas emoções a mais forte é o medo (derivado do instinto de
autopreservação) e que, por conseguinte, qualquer coisa com poder para dominar-
nos e provocar sensações de temor e terror fará brotar em nós os sentimentos mais
fortes que somos capazes de experimentar, os quais poderão ser descritos como
sublimes. (BURKE Apud. ADES, 1997, p.74)
Entretanto, como observa Dawn Ades (1997, p.74-75), as qualidades que Burke diz
contribuir para o sublime imensidão, trevas, obscuridade não são em si, de forma
imediata, apropriadas à expressão visual e é, nesse ponto, que as idéias de Gilpin intervêm,
exercendo enorme influência sobre os artistas, visto que se achava envolvido especificamente
com questões relacionadas à pintura.
Em 1792, Gilpin publica seus Three Essays: On Picturesque Beauty; On Picturesque
Travel; and on Sketching Landscape (Três ensaios sobre o belo pitoresco, sobre a viagem
pitoresca e sobre o desenho paisagístico) “uma série de regras que guiasse os artistas na
maneira de abordar o paisagismo e ajudasse a selecionar aspectos que pudessem ter interesse
pictórico mais marcante.” (ADES, 1997, p.75) O pitoresco adquire então um valor normativo,
frente a uma natureza mutável, irregular e imprevisível. É assim que o autor afirma:
We seek it among all the ingredients of landscape trees, rocks, broken-grounds,
woods, rivers, lakes, plains, allies, mountains and distances. These objects in
themselves produce infinite variety. No two rocks or trees are exactly the same. They
are varied, a second time, by combination; and almost as much, a third time, by
different lights and shades, and other aerial effects. Sometimes we find among them
the exhibition of a whole; but oftener we find only beautiful parts. (Gilpin, 1792, p.42)
49
Sobre a questão ver: MARTINS, Luciana de Lima. O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico, 1800-
1850. São Paulo: Jorge Zahar Editor Ltda, 2001. p.55-59
100
Para Gilpin, é justamente na construção da harmonia do conjunto que atua as mãos do
artista e, os cânones que definem quais são os modelos de perfeição pitoresca por excelência,
diferem de um autor a outro, distinguindo-se das proposições de Uvedale Price. Como
afirma Pablo Diener (2007, p.288), esta oposição evidencia precisamente o movimento
pendular do pitoresco em fins do XVIII, entre as noções do belo e do sublime. De seu sentido
original que fazia referência à similitude com a pintura, foi transformando-se, para evocar
aquilo que entretém a vista, que estimula os sentidos do espectador. Por pitoresco se passou
geralmente a entender aquilo que representa variedade, diversidade e irregularidade.
De la misma manera, la aprehensión del paisaje y, en general, del mundo americano
por parte de los artistas viajeros europeos se fue modelando poco a poco, teniendo
como un importante punto de referencia y apoyo el concepto de lo pintoresco. Y fue
la propia difusión y aceptación generalizada de este principio estético lo que
permitió que su obra fuese reconocida también en ambientes sofisticados./ (…)/ El
artista viajero había asumido la tarea de domesticar lo diferente. Y para esto, su
aventura artística le impuso dos tareas fundamentales: por una parte, descubrir un
arquetipo para la representación del paisaje americano, por otra, construir un hilo
conductor, vale decir, una ruta en territorios que solo de forma incipiente habían
sido aprehendidos y explorados con el instrumental científico y artístico europeo.
(DIENER, 2007, p.290-291)
O pitoresco é então associado ao que é “típico”, não exatamente belo, ao olhar
europeu, mas que permite ao viajante a descrição dos lugares distantes. Nas palavras de
Diener (2007, p.285), “de un significado inicial que aludía a una forma de ver y aprehender la
naturaleza siguiendo los cánones de composición de artistas clásicos, pasó a ser utilizado con
un sentido considerablemente más amplio, como una forma de percepción y registro de la
realidad en todos los ámbitos”.
Assim, muitas vezes, pitoresco é utilizado para designar determinados tipos de objeto,
de motivos, diferentes daqueles que pertencem ao âmbito do científico. Tanto se refere a uma
área temática, quanto faz alusão a uma forma de apreender a realidade e, neste caso, prioriza a
informação de fácil compreensão em detrimento do rigor sistemático da ciência.
Vale lembrar que, ainda que estes artistas-viajantes apontassem suas obras como
necessariamente objetivas e, portanto, longe de tudo que indicasse subjetividade, buscando na
Academia o reconhecimento que tanto almejavam, suas Viagens Pitorescas destinavam-se
também a um público ávido pelo desconhecido. Tinham por fim transportar inúmeras pessoas
que não atravessariam o oceano para conhecer pessoalmente aqueles lugares. Procuravam
então alcançar um resultado que combinasse o apuro técnico e estético ao caráter realista do
objeto representado. A promessa de fidelidade das informações e as imagens d’après nature
101
(desenhadas a partir da natureza, ao vivo) asseguravam aos leitores a veracidade do conteúdo,
valorizando suas obras como meio de conhecimento e de diversão. Não falavam apenas a
linguagem da Academia, mas também a de seus leitores, a quem o pitoresco rapidamente
comunicava enquanto categoria artística. Como afirma Diener (2007, p.287), “el tenor del
título de la obra a ser publicada dejaba claro que se trataría de un libro de interés para el gran
público: los viajes pintorescos eran misceláneas amenas, repletas de asociaciones cultas, que
facilitaban al lector enlazar lo desconocido con lo familiar”.
O panfleto de divulgação da obra de Rugendas posto em circulação por seu editor,
Godofrey Engelmann, em 1826, e citado por Pablo Diener em seu artigo, é significativo para se
entender a viagem pitoresca enquanto gênero editorial. Evocando a esperança de novos vínculos
que deveriam surgir entre Europa e os jovens estados americanos, Engelmann afirma a utilidade
da obra frente o caráter promissor destas terras.
todo individuo culto debe sentir de forma creciente la necesidad, diríamos incluso, la
obligación de conocer con mayor precisión el mundo en el que diariamente se
asocian nuevos intereses, tanto de los Estados como de particulares. Un mundo al
cual día a día se dirigen nuevas esperanzas, que ocupa un espacio cada vez mayor en
nuestras ideas, en nuestros sentimientos, en nuestra existencia toda; un mundo que
día a día se hace más importante para el hombre de Estado, para el estudioso, para el
comerciante, en fin, para el hombre en general, en todas las circunstancias.
(Engelmann. Apud. DINER, 2007, p.286-287),
O olhar não volta ao desconhecido apenas para documentá-lo, mas para extrair dele
novas perspectivas. Estabelecem, assim, um laço entre a história natural, a etnografia e os
costumes.
Motivos até então vistos como simples curiosidade de valor etnográfico ou
pertencentes a um passado distante, são então incorporados a arte. É o lado costumbrista do
“pitoresco”, o interesse pelos hábitos e costumes, que congregou rapidamente as tradições
pictóricas existentes e os interesses então dominantes, passando a nutrir-se desses. E, neste
sentido, as obras costumbristas de artistas europeus, em muitos aspectos vieram, além de
fornecer modelos para ser copiados, dar ímpeto a um novo tipo de observação social e
também uma pronta resposta ao mundo que os rodeava.
Não é por acaso que ao compor a iconografia do trabalho analisada no capítulo
anterior, Rugendas e Debret lançam mão de representações que remetem à prática
costumbrista para construir seus tipos negros, ainda que por vezes resignifiquem esta técnica.
A propensão a reproduzir sempre uma mesma gama de poses, cujo modelo retratado é
102
anônimo, significando mais um tipo do que uma pessoa em especial, seus comportamentos e
valores, indumentárias, acessórios e hábitos comuns a uma profissão, não era recente.
Em 1590, Damian Zenaro imprimia em Veneza o livro de costumes de Cesare
Vacellio, Degli Habiti antichi et moderni di Diversi Parti del Mondo, obra composta por 420
xilogravuras (figuras isoladas, com legendas que descreviam sobretudo seus trajes), uma das
mais conhecidas do gênero no século XVII. Longe de querer remeter a origem de uma prática,
tal fato é notório do espaço que determinada técnica pictórica ganha entre os artistas e seu
público consumidor.
Com as grandes viagens para o além-mar, a atenção despertada pelos “novos” tipos
humanos e costumes “exóticos” aos poucos é incorporada à linguagem visual destes viajantes,
como expressão de seus lugares sociais e marcos distintivos de civilização. A ciência articula-
se à história natural para determinar diferenças entre raças e etnias, o costumbrismo vem
homogeneizar tipos, demarcar práticas e lugares, e o pitoresco, torná-los digno de registro,
tudo sob a égide civilizatória do homem branco.
Mesmo frente ao intuito realista de documentação destes artistas, suas cenas
permanecem como moldura para os tipos costumbristas, os quais ora ganham destaque,
posicionados centralmente e em grandes proporções, ora compõe a dinâmica da cena, mesmo
que muitas vezes não se integrem plenamente ao cenário que dispõe. A preocupação de
outrora destes viajantes em marcar e apontar distinções, neste momento, deixa de ser
determinante.
Note, entretanto, que as obras dos dois artistas definitivamente não eram apenas livros
pitorescos sobre tipos de indumentária, profissões e religião; muito menos tinham por
finalidade a simples decoração pitoresca da paisagem e das cenas de costumes urbanos ao
contrário, convertem muita das vezes os tipos em protagonistas e a paisagem em cenário.
Rugendas e Debret lançam mão do pitoresco e fazem uma releitura dos tipos costumbristas a
fim de classificar e demarcar o lugar destinado ao outro na marcha civilizatória que reservam
à jovem nação. Neste percurso, dialogam com artistas anteriores, contemporâneos, e
(re)afirmam cânones de representação que irão perdurar ao longo de todo o oitocentos.
3.2 A circulação de imagens e os álbuns ilustrados
A reprodução e venda de imagens ganhou, ao longo do século XIX, com as inovações
técnicas, proporções cada vez maiores. Como afirma Celeste Zenha (2002, p.135), a
103
“reprodutibilidade técnica” do registro visual aplicada em grande escala numa economia de
mercado alterou de forma substantiva as relações entre o autor, o artefato iconográfico, o
público e o seu comerciante. O aumento no consumo de imagens foi acompanhado de
alterações qualitativas muito significativas na sua produção, nos seus usos e nos papéis sociais
daqueles que atuavam neste ramo de produção e comércio.
No Brasil, como aponta Rogéria Ipanema (2007), se inicialmente a gravura fixou-se
através da promoção do Estado – destacando-se 1808, quando recebemos oficialmente a
gravura e a tipografia, e 1825, quando o Arquivo militar introduziu a litografia –, é na esfera
privada que se expande, respondendo às demandas sociais. A partir de inícios do XIX,
instalam-se diversas oficinas litográficas particulares, figurando entre as mais antigas, como
aponta Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha (1970), as de Steinmann, Rivière, Larée,
Pallière, Furcy, Chenot e outros. Ao longo dos oitocentos, o setor de produção de imagens
afirmou-se experimentando uma pequena ampliação se comparada a outros ramos de
atividades, como o comércio de alimentos, tecidos, armarinhos – mas significativa frente a um
público limitado de viajantes estrangeiros e elite local em meio a grande população escrava,
com pequeno ou nenhum poder de compra, salvo exceções.
Neste contexto, o controle sobre o destino das obras iconográficas diversificava-se e
“tornava-se difícil perseguir as suas trajetórias, até mesmo para seus autores originais. Na
verdade a questão da autoria mostrava-se complexa, e eventualmente ela passou a ser
partilhada entre vários profissionais: o desenhista, o gravador, o colorista, o editor e a casa
impressora”. (ZENHA, 2002, p.135)
A imagem produzida pelo pintor era apenas o começo. Nas oficinas litográficas os
preparadores da pedra e impressores colocavam em prática toda a sua experiência e técnica,
mostrando as habilidades de um artífice bem treinado não apenas copiavam as anotações do
desenhista, mas, em alguns casos, complementavam com detalhes a composição da cena,
tornando-as mais agradáveis esteticamente, reunindo informações dispersas em diferentes
registros, ou mesmo imprimindo sentidos próprios à sua criação. Neste processo, entretanto,
atribuíam-se diferentes papéis e remunerações. A autoria do artista prevalecia, compondo
apenas com o nome da casa editorial/ oficina litográfica, a fim de resguardar a condição de
registro de um testemunho.
Aos donos dos empreendimentos litográficos, no entanto, era indispensável o domínio
do conhecimento de todo o processo técnico. Fica então evidente o porquê de muitas
litografias serem produzidas por artistas que, antes de se tornarem litógrafos, haviam se
104
dedicado ao desenho e à pintura, como aponta Celeste Zenha (2004). Assim, se o novo
processo de produção de imagens guardava muito da formação de origem de seus artistas, por
outro lado, “novas experiências e soluções desenvolvidas para um público mais amplo e
menos elitizado conferiram a esses produtos particularidades que, de alguma maneira,
alteraram os padrões de representação visual então vigentes”. (ZENHA, 2004, p.6)
Padrões estes que remetiam também à prática de “cópias” entre diferentes artistas,
incrementada com a maior circulação e alcance destes registros visuais. Se muitos foram os
autores que a analisaram enquanto plágio, esta prática antes remete a uma complexa rede de
citações e reiterações com múltiplos sentidos.
Dentre os artistas que precederam Debret e Rugendas no registro de tipos humanos,
podemos citar Carlos Julião, Henry Chamberlain, entre outros, mas destaco aqui o desenhista
e engenheiro militar português Joaquim Cândido Guillobel (1787-1859), chegado ao Brasil
em 1808. A escolha em parte se deve ao fato de ter realizado um dos mais expressivos
conjuntos iconográficos de figuras populares, representativas da prática de registrar, em
posições estáticas, figuras isoladas que dão a ver trajes, adornos, entre outros signos materiais
dos estatutos sociais e culturais dos retratados. Realizadas em série e comercializadas a preços
módicos, estas imagens serviriam de inspiração e fonte de pesquisa, nos anos seguintes, para
os mais diversos artistas e viajantes.
Segundo Eneida Sela (2001), que dedica sua dissertação de mestrado a obra do artista,
no Brasil, Guillobel seguiu carreira militar e galgou vários postos aser reformado como
Coronel de Primeira Linha do Imperial Corpo de Engenheiros, em 1852. Suas primeiras
figurinhas são datadas de 1812, logo após sentar praça como Segundo Tenente do Imperial
Corpo de Engenheiros, para exercer a função de desenhista do recém-fundado Arquivo
Militar. Após estadia de aproximadamente seis anos no Maranhão, retorna em 1825 ao Rio de
Janeiro e, dois anos depois, matricula-se no curso de arquitetura civil, ministrado por
Grandjean de Montigny (1776-1850) na Academia Imperial de Belas Artes. Neste mesmo
ano, assume novamente o posto de desenhista do Arquivo Militar, tornando-se anos mais
tarde professor do curso de desenho descritivo e arquitetura militar da Academia Militar.
Dentre seus projetos destacam-se chafarizes e prédios, os trabalhos para a Santa Casa
de Misericórdia e as obras de construção do Palácio de Petrópolis, o que lhe rendeu, em 1856,
uma gratificação em dinheiro da Mordomia da Casa Imperial por sua atuação. Sabe-se ainda
que foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo e nomeado membro do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
105
Como afirma a autora, levando em conta sua trajetória, seguramente pode-se afirmar
que o artista não produzia suas figurinhas por puro passatempo e está longe de ser um anti-
academicista “A representação de figuras isoladas, do registro de costumes é, antes, uma
dimensão de sua experiência como um desenhista que certamente travou contato com uma
série de procedimentos e modelos estéticos, os quais nortearam suas escolhas” (SELA, 2001,
p.39-40).
Ana Maria de Moraes Belluzo, na coleção O Brasil dos Viajantes (1994), construiu
breves comparações entre Guillobel, Debret e Chamberlain, situando-os em relação a suas
respectivas vertentes de representação pictóricas nacionais. No mesmo sentido, Rodrigo
Naves (1997), em seu ensaio sobre as pinturas de Debret no Brasil, sugere a influência dos
traços do desenhista português na obra do francês. Entretanto, como afirma Eneida Sela
(2001, p.9), a idéia de “tradições nacionais”, isto é, vertentes nacionais de representação
pictórica, como o “lirismo português”, o “humor inglês”, entre outros, é bastante insuficiente
para tratar da intertextualidade entre artistas como eles.
Mais complicado ainda é o posicionamento de Francisco Marques dos Santos:
Guillobel possue observação penetrante e aguçada; é rigoroso no que desenha. Suas
figuras são típicas e definitivas. Não é um acadêmico. Supre a falta do
academicismo com uma riqueza de detalhes minuciosamente executados, não
superados por nenhum outro desenhista da época, o que o torna, em nossa opinião,
na apreciação dos costumes, mais palpitante do que Debret, mais original do que
Rugendas. Cada uma de suas figuras tem caráter, integra-se em determinada situação
social, profissional ou doméstica. É notável a maneira com que caracteriza o tecido,
as dobras do planejamento. Suas aquarelas são extraordinariamente decorativas. É
um miniaturista. (...) empresta às figuras africanas e crioulas um ar grotesco, devido
à preocupação de fazer realçar os olhos. (SANTOS, 1941, p.226)
Não se trata aqui de originalidade ou vivacidade, mas de representações socialmente
concebidas e daí sua intertextualidade. Ainda que, como destaca Silvia Lara (2002, p.11), o
gênero do registro de costumes opere quase sempre no sentido de registrar conhecimentos
prévios, traduzindo iconograficamente uma representação genérica de "tipos" humanos
conhecidos de antemão, destinando-se mais a reiterar conhecimentos (a reconhecer) do que
efetivamente instruir ou registrar descobertas e novidades direta e empiricamente observadas,
vale ressaltar que, para além de forma e volumes, estas imagens trazem diferentes usos e
intuitos. É assim que encontramos os mesmos motivos anos mais tarde na oficina litográfica
de Frederico Guilherme Briggs, atendendo a uma crescente demanda comercial.
Nascido no Brasil, em 1813, Frederico Briggs, filho do comerciante inglês William
106
Briggs, radicado no Rio de Janeiro a partir de1812, após freqüentar colégios particulares,
como o do professor Augusto Candido da Silveira, onde provavelmente aprendeu desenho
com o pintor Rivière, ingressou como voluntário na Academia de Belas-Artes, onde foi aluno
de Taunay e de Grandjean de Montigny.
50
A partir de 1834 deixa de freqüentar as aulas na Academia e, junto com Joaquim
Lopes de Barros Cabral, seu colega de infância, pintor e cenógrafo, trabalhará na oficina
litográfica da Rua do Ouvidor nº218, aberta em sociedade com Rivière. Data deste período
algumas aquarelas de tipos populares do Rio de Janeiro desenhadas pelo artista que serviriam
à reprodução litográfica. Em 1836 parte para a Europa a fim de adquirir e aperfeiçoar seus
conhecimentos técnicos da litografia, estagiando então em uma das mais importantes oficinas
litográficas da Inglaterra, a Day & Haghe. Após um ano e dez meses, retorna ao Brasil,
estabelecendo-se, em 1839, na Rua do Ouvidor nº151.
Vale destacar que em 1831 o Código Criminal do Império disciplinou a instalação de
estabelecimentos de impressão litográfica no Brasil. De acordo coma Postura da Câmara
Municipal, todos os estabelecimentos de gravura e litografia, sob pena de multa, deveriam se
registrar no órgão competente, comunicando ao mesmo toda vez que porventura mudassem de
endereço e até mesmo se fechassem seu negócio. Assim, no códice Relação dos
Estabelecimentos de Impressão (de 1831 a 1891), encontram-se lavrados os nomes de apenas
alguns gravadores e litógrafos. Dentre eles, o de Frederico Briggs. Nos anos que seguem,
muda de endereço variadas vezes.
Em 1840, Briggs tinha montado uma tipografia para não depender de outras casas para a
impressão de legendas e textos de suas publicões. Meses depois o Jornal do Comércio
anunciava a série de imagens que sairia as terças e sábados, todas de autoria de seu amigo Lopes:
Costumes do Brasil. Não tendo até aqui sido publicada huma colleção de costumes
do paiz, Frederico Briggs, com Litografia na Rua do Ouvidor, n.130, se propõe a
litographar huma colleção de 50 números, sahindo cada semana dous números,
terças e sábados; cada número será litographado em bom papel e colorido; formato
em quarto de papel de Holanda e bem desenhado Subscreve-se na litographia de
Briggs, rua do Ouvidor, n.130. Preço da assinatura pelos 50 números e 6 rs. Avulso
160 rs. (Jornal do Comércio, 15 de fevereiro de 1840. Apud. CUNHA,1970, p.17).
50
As informações sobre a formação artística e trajetória de Briggs foram retiradas das obras: CUNHA, Lygia da
Fonseca Fernandes da. “Frederico Guilherme Briggs e sua Oficina Litográfica”. In: Lembranças do Brasil.
Ludwig and Briggs. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. [Edição organizada pela Biblioteca Nacional
do álbum Brazilian Souvenirs a selection of the most peculiar costumes of the Brazils publicado por Ludiwg
and Briggs em 1846]; FERREIRA, Orlando da Costa. Imagem e Letra. Introdução a Bibliologia Brasileira.
São Paulo: Melhoramentos, 1977. p.208-213.
107
Seu tino comercial não parou por aí. Fez reportagens “litográficas” e comercializou
estampas o suficiente para levar a arte ao público de seu tempo vendia folhetos, revistinhas,
cadernos e tudo o que pudesse ser litogravado em sua oficina, parte de sua própria autoria,
parte de outros desenhistas.
Em fins de 1843, fecha sociedade com Pedro Ludwig. A “Lithographia Ludwig &
Briggs” logo começa a figurar entre os principais estabelecimentos litográficos da cidade.
Será a responsável, em 1849, pelo álbum com trinta estampas reunindo trajes e costumes,
atribuídas ao alemão Eduard Hildebrandt, com o título de The Brasilian souvenir, a selection
of the most peculiar costumes of the Brazils.
Como afirma Maria Inez Turazzi (2002, p.33),
Se a documentação de tipos de rua pela Litografia Briggs não tem o mérito do
pioneirismo, ela tem entre nós a particularidade de representar uma iniciativa
precursora na exploração comercial e editorial desse gênero de iconografia,
sistematicamente ‘reinventada’ por artistas, fotógrafos e cronistas do país nas
décadas seguintes.
Tendo em vista estas figuras copiadas, repetidas, reinventadas ou (re)criadas, nas
linhas que seguem atento ao diálogo entre algumas das imagens produzidas por estes dois
artistas, Guillobel e Briggs, e os registros visuais dos dois artistas-viajantes, Rugendas e
Debret. Se seus interlocutores são referências na produção de uma determinada visualidade,
partilhando valores e procedimentos de registro do universo social observado, não podemos
falar em simples operação de cópia e reprodução de modelos aprendidos em exaustivas lições
de desenho nas Academias Européias ou apenas do registro de uma repetição empiricamente
observável. A rede de citações entre eles indica a reiteração e cristalização de alguns temas e
certas formas de registro ao mesmo tempo em que estes são resignificados de acordo com as
intenções de cada autor.
3.2.1 Dialogando Imagens
Ao olharmos para os registros visuais produzidos por estes artistas ao longo da
primeira metade dos oitocentos, certamente suas imagens parecerão familiares. Os
carregadores d’água, as quitandeiras e negros de ganho os mais diversos, entre outros tipos
retratados por Guillobel, são recorrentes nas Viagens Pitorescas de Debret e Rugendas, e
produzidos a exaustão nas oficinas litográficas de Guilherme Briggs, já na década de 1830.
108
Observe que estas imagens dialogam, o que não significa que sejam idênticas ou que
uma delas sirva de modelo para as outras, em uma lógica temporal linear de reprodução.
Diferentemente de artistas como Chamberlaim e Thomas Ender, interlocutores diretos de
Guillobel
51
, nas obra de Rugendas e Debret temos os mesmos tipos sociais – ainda que
diferentes em seu registro pictórico empregando movimento próprio e compondo a
dinâmica das cenas.
É assim que encontramos os negros carregadores d’água nos registros dos quatro
artistas. A figurinha de Guillobel (Fig.31), representada isoladamente, sem cenário e sem
legenda, remete o olhar diretamente à imagem desenhada por Lopes e litogravada por Briggs
(Fig.32), cerca de 25 anos depois, mas no mesmo estilo. São figuras estáticas onde se repetem
gestos e posturas. Ambos trazem o seio desnudo, o grilhão de ferro no pescoço e o barril a
cabeça, que apóiam com a mão esquerda. As imagens descrevem não pessoas específicas, mas
um tipo social cuja condição aparece nos trajes e acessórios utilizados.
A visualidade das imagens de Rugendas (Fig.18) e Debret (Fig.34) é marcadamente
distinta. O tipo “carregador d’água” não está mais isolado, ainda que não deixe de ser o
protagonista. A rua da cidade para além de servir de cenário, compõe a imagem. O negro,
contextualizado, interage agora com outros personagens que dinamizam a cena. O grilhão e o
barril permanecem, distintivos de sua função social, mas o número de figuras humanas
aumenta consideravelmente, em especial na representação de Rugendas (já analisada no
capítulo 2). Afastando-se do gênero pictórico do registro de costumes, o corpo dos escravos
aparece tratado de modo diverso, apresentando maior volume e posições menos estáticas.
Certamente os artistas viajantes estavam a registrar determinado tipo negro, mas iam
além de sua função social. Seus registros visuais trazem a narrativa do cotidiano, o burburinho
da cidade, os usos e hábitos de determinada parcela da população. Não apontavam apenas sua
existência, mas a necessidade de sua integração frente a uma ordem social que se fazia
imperativa em uma nação recém-independente e com uma grande população escrava. Talvez
por isso a legenda que acompanha a prancha de Debret remeta a “coleira de ferro” usada para
punir escravos e não a função exercida pelos mesmos. Neste sentido, aproxima-se da gravura
Punishments, pertencente ao álbum Brasilians Souvenirs, publicado 10 anos mais tarde, pela
litografia Ludwig and Briggs (Fig.33).
51
Para análise das cópias e reiterações feitas por Chamberlain e Ender da obra de Guillobel, ver Eneida Maria
Mercadante Sela. Desvendando Figurinhas: um olhar histórico para as aquarelas de Guillobel. Campinas, SP:
[s.n.], 2001. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas.
109
Fig. 31 Sem título
Joaquim C. Guillobel – 1812-1816
Coleção Cândido Guinle de Paula Machado
prancha 29
Fig. 32 Preta Vendendo água
Lopes de Barros Cabral – Lith. Briggs
Acervo Geyer, Museu Imperial de Petrópolis
110
Fig. 33 Punishments
Brazilian Souvenirs – Lith. Ludiwg and Briggs, 1846
Fig. 34 Le coller de fer
Jean Baptiste Debret. Voyage
pittoresque et historique au
Brésil.Tomo II, prancha 42
[Biblioteca Nacional Digital]
Fig. 18 Porteurs d'eau
Johann Moritz Rugendas
Ver página 79
111
Nesta prancha os personagens aparecem menos estáticos, interagindo entre si e
entrosados ao ambiente, ainda que pouco detalhado. No entanto, a imagem de Briggs tinha
por foco a representação de costumes, atendia primeiramente a uma demanda comercial,
distinguindo-se aí das Viagens Pitorescas, que para além de sua aceitação no mercado tinham
objetivos acadêmicos bem definidos.
Influenciados por Humboldt e sua geografia física, Rugendas e Debret entendiam que
uma composição deveria ter como propósito central a coerência na representação fisionômica
da natureza, entendida como resultado da interação de todos os elementos/ variáveis que
compõe a cena. Por isso não bastava pintar o carregador d’água ou o negro com o grilhão no
pescoço, mas incorporá-lo à dinâmica social, acrescentando na cena o maior número de
objetos possíveis plausíveis de representação em uma situação que era cotidiana a cidade.
Neste sentido, o conhecimento científico torna-se necessário à verossimilhança de um bom
registro visual.
Como afirma Pablo Diener, “Su [Humboldt] intención nunca fue la de que los artistas
viajeros ejecutasen vistas estrictamente naturalistas, sino que sugería que los pintores
construyesen composiciones en las cuales se incluyese todo aquello que podría aparecer en un
determinado ambiente”. Assim, a observação atenta e a elaboração intelectual realizada com
base nos conhecimentos da ciência conduziriam o artista por um caminho de criação seguro
na medida em que identificava os arquétipos do mundo ao redor. A idéia de modelo ganha
então novas conotações: “No es imitando las composiciones de otros pintores que el artista viajero
pod aprehender adecuadamente sus experiencias. El auxilio para la comprensión y organizacn
de realidades diferentes le es proporcionado por las ciencias”. (DIENER, 2007, p.294)
Esta preocupação com a ciência não perpassa a obra de Guillobel nem a de Briggs,
ainda que afirmem a autenticidade do tipo ou da cena retratada e algumas de suas imagens
venham com d’apress nature. Como sugere Eneida Sela, este conceito “pode não implicar que
uma cena ou figura humana específica foi flagrada diretamente da realidade, mas sim que sua
ocorrência no real é freqüente e, portanto, plausível” (SELA, 2001, p.72). Evidencia assim, a
preocupação com a legitimidade de suas imagens enquanto registro fiel do universo social ao
qual se portavam; legitimidade esta que também perpassa a aceitação das imagens produzidas
no mercado.
São muitas as imagens destes artistas que obedecem a mesma gica. A título de
exemplo citemos as que retratam negros carregadores de cangalha (Fig.14, Fig.35, Fig.36).
112
Fig. 14 Négres Cangueiros
Jean Baptiste Debret.
Ver página 78
Fig. 35 Semtulo
J. C. Guillobel –
1812-1816
Coleção Cândido
Guinle de Paula
Machado
prancha 27
Fig.36 Pretos Cangueiros
Lopes de Barros Cabral
Lith. Briggs
Acervo Geyer, Museu
Imperial de Petrópolis
113
Ainda que a imagem de Debret (Fig.14) se assemelhe bastante a de Guillobel (Fig.35),
seus carregadores de cangalha destacam-se pela riqueza de detalhes e pela ambientação da
cena. Como visto no capítulo2, para Debret, estes signos eram distintivos da função que
desempenhavam e os diferenciava de escravos que exerciam outras ocupações. Certamente
Guillobel não tinha este intuito classificatório. A representação pictórica dos tipos negros que
carregam o fardo da cangalha assemelha-se a outros já representados, modificando apenas sua
pose, veste e instrumento de trabalho.
Lopes, ao registrar os “cangueiros” na década de 1840, “simplifica” a cena (Fig.36) e
representa apenas dois carregadores. Se, como sugere Eneida Sela, Guillobel possuía um
mostruário de figurinhas que costumava copiar, até mesmo sob encomenda, a imagem de
Lopes atenderá semelhante demanda. Como vimos, Briggs anuncia a coleção litogravada em
sua oficina no jornal. Decididamente seu intuito era o souvenir e suas imagens não perpassam
um projeto civilizatório como a dos artistas viajantes.
Tal perspectiva fica mais clara ao direcionarmos o olhar para a representação das
negras vendedoras. Aquarelada por Guillobel (Fig.37) com o cesto de hortaliças na cabeça e o
filho amarrado nas costas, com algumas variáveis, esta será uma figura recorrente na
composição de cenas de diversos artistas. Nas obras de Debret e Rugendas, ora localizamos a
vendedora pintada pequenina, no segundo plano, ora em destaque, no primeiro plano, em
muitas de suas cenas. No entanto, estes artistas dão novos sentidos à imagem. O tipo sempre
interage com o ambiente que o cerca. Para além de retomarem os motivos presentes nas
aquarelas de Guillobel, agregam informações, usos, funções.
É assim que em Negras do Rio de Janeiro (Fig.24), imagem analisada no capítulo
anterior, Rugendas une dois tipos em uma imagem a negra vendedora e a negra livre.
Para além de atentar a vestes e acessórios, sua composição afirma a possibilidade de
civilização, a perfectibilidade do negro e sua integração na sociedade dita civilizada. Se
separadas, perderiam o sentido da representação.
É o que ocorre quando Briggs retoma estes dois tipos em seu Brasilians Souvenirs
(Fig.38 e Fig.39). Ao retratar a escrava negra em uma prancha e dedicar outra a negra livre,
ainda que sugira a existência dos dois tipos, não estabelece um vínculo entre eles. Como
Guillobel, a preocupação fica por conta do colorido das vestes e dos acessórios, ainda que a
questão não fosse simplesmente estética e perpassasse os diferentes significados identitários
do uso de cada símbolo (cordão, manto, turbante, cachimbo) em cada tipo, como indica Sela
em sua dissertação.
114
Fig.37 Sem título
Joaquim C. Guillobel – 1812-1816
Colão Cândido G. de Paula Machado
prancha 21
Fig.24 Negrèsses de Rio-Janeiro
Johhan Moritz Rugendas
Ver página 8
7
Fig. 38 Selling Fruits
Brazilian Souvenirs – Lith. Ludiwg and Briggs, 1846
Fig. 39 A free black-girl
Brazilian Souvenirs – Lith. Ludiwg and Briggs, 1846
115
Como afirma Maria Inez Turazzi, em sua apresentação das imagens de Briggs hoje
lotadas na Coleção Geyer
A caracterização do tipo de rua configura-se, assim, como uma estratégia de
representação da unidade a partir de um conjunto variado de possibilidades e, ao
mesmo tempo, como uma das formas de expressão da identidade de determinado
grupo, caracterização moldada entre nós no gosto pelo pitoresco e no viés
etnocêntrico da crônica de costumes. (TURAZZI, 2002, p.32)
Neste sentido, pode-se dizer que os quatro artistas em questão (Guillobel, Briggs,
Rugendas e Debret) tencionavam demarcar tipos em seus registros visuais, ainda que com
diferentes intuitos. Assim, ainda que determinados temas e poses se repitam, carregam
diferentes significados e contribuem, cada uma a seu modo, para a caracterização de
determinado grupo.
Retomemos mais uma vez as figurinhas de Guillobel. O comércio de escravos
retratado pelo português (Fig.40), ainda que com roupagem de cena reunindo mais de um
indivíduo e com dinâmica interna a imagem – aproxima-se mais da figuração de tipos,
posicionando os “personagens” apenas sobre um chão, sem ambientação ou cenário. A
imagem é composta por dois núcleos: o esquerdo, dos comerciantes que avaliam a escrava a
venda e o direito, composto aparentemente por quatro escravos e um recém-nascido,
amarrado nas costas da negra, como era comum entre as africanas.
Estes núcleos “reaparecem” em Rugendas, desmembrados em duas pranchas
“Mercado de escravos” e “Escravos Novos”. Na primeira (Fig.23), já analisada anteriormente,
o vendedor exibe sua peça, repetindo o gesto da figurinha de Guillobel. (Ver detalhe Fig.23)
Não ocupa local de destaque, compondo apenas a dinâmica da imagem junto aos outros
escravos. Na verdade a cena não possui um protagonista. Já na segunda prancha (Fig.41),
enquanto a escrava com seios desnudos fita o observador, o escravo de a seu lado traz os
braços cruzados sob o peito tal como na aquarela do português. No canto direito, outro
escravo novo, sentado, olha o chão com a cabeça apoiada entre os braços, diferenciando-se
do retratado por Guillobel, que direciona o olhar para cima.
Repare que, ao contrário das figurinhas de Guillobel, os escravos registrados por
Rugendas são corpulentos e não aparentam maus tratos, ainda que a figura do capataz os
observe da porta atentamente. Ao ambientar estes escravos em um aparente galpão, o artista
bávaro não cria apenas um cenário, mas forma à dinâmica e hierarquias sociais de uma
sociedade escravista.
116
Fig. 40 Sem título
Joaquim C. Guillobel – 1812-1816
Coleção Cândido Guinle de Paula Machado – prancha 18
117
Fig. 41 Negros Novos
Johann Moritz Rugendas. Voyage Pittoresque dans le Brésil. 2ª divisão, prancha12
[Biblioteca Nacional Digital]
Detalhe Fig.23
Fig.23 Marché aux Nègres
Johann Moritz Rugendas
Ver página 87
118
Assim, ainda que não copie os “modelos” de Guillobel, Rugendas reitera tipos e
situações provavelmente vivenciadas por ambos os artistas e que considerava importante na
compreensão da dinâmica da sociedade de então.
Debret também não se furtou ao diálogo com o português. Ao pintar o interior de uma
casa senhorial (Fig.29), com a senhora ao lado do chicote, rodeada por escravos domésticos,
sua representação seguramente nos remete a cena de Guillobel (Fig.42), uma das únicas que o
artista ambienta. A intertextualidade das imagens indica uma visualidade existente,
conhecida pelo francês, que longe do intuito de cópia, a toma por representativa das relações
sociais de então e enquadra novamente a cena, acrescendo elementos, retirando objetos e
posicionando personagens, isto é, recria uma situação com cores próprias, atendendo ao
intuito de sua obra.
Longe do simples registro de costumes ou “decalque” de figurinhas conhecidas no
universo pictórico oitocentista para compor suas cenas, os registros visuais produzidos pelos
artistas-viajantes deixam entrever o intuito de síntese, de reunir os mais variados elementos
possíveis em uma cena
52
. Em parte, tal intento nos remete ao olhar classificatório, ao
esforço de ordenação do desconhecido em categorias que permitissem mostrar ao mundo a
diversidade natural e fundamentassem a construção de identidades. Envoltos em um universo
mental cientificista, estes artistas buscam ordenar suas obras desde a seqüência de temas, a
narrativa e disposição de seus registros visuais
53
.
Se as imagens produzidas por Guillobel e Briggs reconhecem mais do que
efetivamente instruem ou registram descobertas e novidades direta e empiricamente
observadas, Rugendas e Debret, para além de lançarem mão de tipos costumbristas para
compor suas cenas – preocupados em retratar o exótico e dar conta de hábitos e costumes com
base em uma linguagem pitoresca que dialoga com imagens já existentes na visualidade
produzida em inícios dos oitocentos – trazem também uma preocupação científica, que
perpassa a perfectibilidade dos tipos africanos e de seus descendentes.
Neste sentido, pode-se afirmar que tanto Debret como Rugendas não “copiaram” nem
fizeram referência direta às imagens de Guillobel. Ao contrário, valiam-se de linguagens e
intenções muito diversas das aquarelas do português. Suas imagens, ainda que se inspirassem
52
Tal operação se fazia de diferentes formas: na representação de diferentes etapas de transformação de uma
matéria prima, nos pequenos desenhos anexos à prancha principal, na simultaneidade de personagens e ações,
assim como na organização de coleções.
53
Sobre o ato de ordenar e classificar, ver: Ana Maria de Moraes Beluzzo. “A ordem do universo”. In: O Brasil
dos viajantes. São Paulo: Metalivros; Salvador: Fundação Emílio Odebrecht, 1994; Mary Loise Pratt. “O
sistema da natureza”. In: Os Olhos do Império. SP, EDUSC, 1999.
119
Fig.42 Sem título
Joaquim Candido Guillobel, 1814
Acervo Geyer, Museu Imperial de Petrópolis – prancha 54
Fig.29 Une dame brèsilienne dans son intérieur
Jean Baptiste Debret
Ver página 95
120
nos tipos costumbristas, comportavam movimento e dinâmica própria. Na verdade o que se
percebe é o diálogo com determinados temas, com imagens pré-existentes e suas próprias
schematas. Partilhavam com estes artistas um certo olhar sobre os tipos retratados e
reproduzidos, o qual irá perdurar na cultura ocidental, sendo (re)criado inúmeras vezes.
O universo retratado lhes era comum. Possivelmente caminharam pelas mesmas ruas e
lugares, suas visões captaram cenas e observaram escravos e negros de ganho os mais
diversos, recorrentes no cotidiano da cidade. A questão, no entanto, não é o real, mas como
este é percebido e transposto para a imagem. O que está em jogo é o porquê da escolha de
determinadas partes do visível para compor a obra ou da inclusão de certos elementos nela.
Como destaca Gombrich (2002), a representação é apenas uma parte do real, que, passando
pelo filtro do artista – sua schemata
54
e sua visão dos elementos naturais – torna-se o
resultado de suas escolhas, as quais estão relacionadas não com o artista, mas também com
a técnica usada para executá-la e ainda com aqueles que entrarão em contato com a obra.
Os olhares, de certa forma, também eram direcionados para uma determinada gama de
situações e sujeitos, ainda que não estejamos tratando apenas de artistas-viajantes enviados em
missões específicas, mas também de artistas residentes. Como sugere Dawn Ades (1997, p.63),
Há, sem dúvida, uma diferença entre o instável viajante, que pinta para ele o
novo e o estranho, e o artista residente, para quem as coisas se apresentam sob uma
forma que sempre lhe foi familiar. Mas, ao mesmo tempo, esse mundo familiar pode
revelar seu potencial à investigação artística em resposta à visão de um estranho e,
nessa área, a adaptação dos modos europeus de representação à sensibilidade e às
tradições locais ainda está por explorar.
Em adição, é muito provável que nossos “atores” se conhecessem, ou ao menos se
esbarraram pelos corredores da Academia de Belas Artes, compartilhando alguns
ensinamentos e determinados cânones pictóricos. Partilhavam, assim, mais a intencionalidade
do registro e os paradigmas envolvidos do que propriamente a realidade observada. Ainda
que as obras em questão datem de diferentes anos, a distância temporal que separa estes
artistas não o é suficiente para torná-los simples desconhecidos, embora corresponda a amplas
transformações no circuito de produção e circulação de imagens.
54
Gombrich, quando explica o significado da schemata, diz que não é por ser um modelo pré-definido um
formulário em branco – que deva ser rígida e, por isso, não adaptável. O esquema, com certo grau de
flexibilidade é, antes, uma ajuda e não um obstáculo, pois sem um ponto inicial, uma referência, não se podem
registrar impressões; num sistema completamente fluido, seria impossível registrar os fatos, pois faltariam
referenciais. O modelo ideal está entre a rigidez imutável e a completa fluidez. Ver: GOMBRICH, E.H. Art
and Illusion. London: Phaidon press, 2002. p.55-78
121
Recorrendo novamente a Ades, pode-se afirmar que
Embora produzidos para consumo europeu, tanto os álbuns como as pinturas e
gravuras dos artistas-viajantes tornaram-se muito depressa conhecidos na América.
A época em que apareceram foi de mudanças radicais na consciência política e
social das novas nações uma época de autodescobrimento e de reformas, quando
se passou a enxergar a terra e suas oportunidades com novos olhos. Entre a ‘arte
maior’, de feição européia e praticada nas academias, e as tradições até certo ponto
ocultas da arte popular (...) surgiu uma onda de criação de imagens condizentes com
a nova, ou recentemente percebida, realidade. A relação entre esta onda e a riqueza
tanto de informações como de um visual fora do comum (...) será explorada através
de uma série de confrontos visuais. (Ades, 1997, p.63)
Afinal, por meio da sucessão das gerações, cujas heranças e tradições se misturam
indissociavelmente com as características próprias dos indivíduos, “o ser humano social não é
somente descendente, mas, sobretudo herdeiro” (SIMMEL, 2006, p.21). Os interesses de cada
indivíduo dependem de seus esquemas culturais. Seus valores e aquilo que valoram e,
correspondentemente, suas motivações e ações – derivam, como afirma Sahlins (2006, p.117),
da ordem cultural e não da natural. Sob esta perspectiva, não se pode conceber a sociedade
como uma coleção de indivíduos autônomos: como se não houvesse nada a considerar na
produção histórica além da interação entre indivíduos sui generis e a totalidade indiferenciada
que se chama sociedade. Deve-se pensar até que ponto as coletividades exercem poder e
influência, até que ponto os indivíduos ganham o crédito histórico ou as pessoas agem como
corpos coletivos.
Para Ulpiano Bezerra de Menezes (2003, p.149),
A maior parte dos estudos com/de imagens explora suas implicações ideológicas,
tanto quanto busca caracterizar o imaginário, as mentalidades, etc. Por outro lado
trata-se de tarefa indispensável, mas que não deve arvorar-se em ponto terminal.
Considerando-se a ideologia como uma prática, que se estuda na interação social
efetiva, abrem-se perspectivas novas e muito enriquecedoras.
Neste sentido, segundo o autor, a visualidade deve ser concebida como “um conjunto
de discursos e práticas que constituem distintas formas de experiência visual em
circunstâncias historicamente específicas”. (DAVID
55
apud: MENEZES, 2003, p.151)
Neste percurso, sujeitos individuais se confundem e intercambiam com sujeitos
coletivos. A bagagem do artista, seu posicionamento político-social, se confunde com as
55
David, Chaney. “Contemporary socioscapes. Books on visual culture”, Theory, Culture and Society, v.6,
n°17, 2000, p.118.
122
experiências vividas. Note que não objetivo reduzir estas obras a seu significado social, mas
procuro entender como o seu conteúdo objetivo (de tipo sensorial e técnico) é ao mesmo
tempo responsável e fruto da interação entre indivíduos cujo comportamento se fosse apenas
fruto de normas comprometeria sua existência individual. Certamente estes artistas faziam
parte de redes sociais constituídas por laços que servem ao exercício de poder nesta
sociedade. Os indivíduos criam símbolos e vivem em função destes símbolos. O que se tem
são diferentes distanciamentos, diversos propósitos de conhecimento, onde o social não está
vinculado apenas às interações duradouras. A história aparece, pois, como comportamento e
produto de indivíduos, cuja cognição não pode apreender a realidade em sua total
imediaticidade nem está livre de determinações do grupo em que vivem.
3.3 O advento da fotografia: velhos conceitos, novas imagens
Com a chegada da fotografia em terras brasileiras a visualidade oitocentista começa a
ganhar nova roupagem, ainda que os cânones pictóricos de outrora continuassem a orientar a
objetiva. Em pouco tempo artistas-fotógrafos instalam seus ateliês no Rio de Janeiro,
anunciando seus serviços pela imprensa local. Se em um primeiro momento a clientela se
reduzia aos mais abastados, em fins da década de 1850 se terá a popularização e a ampliação
do consumo de fotografias. Como afirma Kossoy (1980, p.30), em função da demanda cada
vez maior, "a industrialização se incumbiria de aperfeiçoar os equipamentos e os materiais
sensíveis, disso resultando um menor tempo de pose, preços mais acessíveis e um mercado
cada vez mais auspicioso para novos fotógrafos."
56
A descoberta em 1854 do cartão de visita fotográfico (carte-de-visite photographique)
pelo francês André Adolphe Eugenè Disdéri coloca a fotografia ao alcance de muitos e
"confere a ela uma verdadeira dimensão industrial, quer pelo barateamento do produto, quer
pela vulgarização dos ícones fotográficos em vários sentidos" (FABRIS, 1998, p.17). A carte-
de-visite nada mais era do que uma foto com dimensões reduzida 6 x 9,5 cm,
aproximadamente − colocada sobre um cartão suporte de 6,5 x 10,5 cm e cuja finalidade era a
de oferecer a amigos e parentes como lembrança e para compor álbuns a serem exibidos a
56
Tal movimento é observado por Kossoy nos exemplares do Almanaque editado pelos irmãos Laemmert o
tradicional Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro onde se pode ter noção da
quantidade de fotógrafos operando no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. De três fotógrafos
para a década de 1840, o número de anúncios se multiplica nos anos seguintes. em 1854 aparece no
Almanaque rubrica de oficinas fotográficas e em 1863 trinta estúdios anunciavam seu serviço na cidade. Ver:
Kossoy, B. Origem e expansão da fotografia no Brasil. Rio de Janeiro, Funarte, 1980. p.25-26; 30;41.
123
todos. Com um único negativo, subdividido ao ser exposto em uma câmara com quatro
objetivas, era possível obter quatro imagens distintas, processadas mais tarde de uma vez.
O retrato apresentado desta forma permitia a tomada simultânea de 8 a 12 clichês numa
mesma chapa, barateando os custos e tornando-se a moda mais popular que a fotografia
assistiu em todo o oitocentos
57
.
Como afirma Kossoy (1980, p.38), o carte-de-visite foi o exemplo típico da
padronização do produto fotográfico como um todo, o que atingiu não a forma externa
como também seu conteúdo, através dos estereotipados cenários e poses dos retratados. Seu
sucesso se deve justamente a capacidade de adaptar o cliente a moldes pré-estabelecidos e de
possível escolha através de um catálogo de objetos e situações, eleitos para caracterizar
diferentes papéis sociais que se quer fabricar. A mise-en-scenedo estúdio variou durante o
século XIX e o próprio cliente se converteu, ele mesmo, num acessório de estúdio: suas poses
obedeciam a padrões estabelecidos e já institucionalizados de acordo com a sua posição social
(MAUAD, 2000,85-86).
Como afirma Maria Inez Turazzi (1995, p.14),
Posar, que vem do francês poser, deixa de ser tão-somente o ato de colocar-se em
situação de ser retratado, através do pincel, pela sensibilidade de algum pintor. A
sociedade francesa da segunda metade do século XIX lhe atribuiu um novo
significado que rapidamente transcende as fronteiras do país, associando-se à
própria universalização da fotografia após o seu descobrimento. A pose, então, passa
a ser sinônimo de “postura estudada”, “artificial” e o que é sugestivo confunde-
se em sentido figurado, com a idéia de “afetar uma atitude pretensiosa”. No jogo
social que caracteriza o retrato fotográfico produzido no século XIX, posar passa
então a representar a fabricação de um corpo em outro corpo que opera “a
metamorfose da imagem por antecipação”. De modo que o tempo de exposição
numa fotografia (...) é também o tempo social necessário para que o indivíduo
represente o seu papel num determinado cenário, onde a composição desse espaço e
a captação desse momento são atributos especiais do fotógrafo.
O circuito social da fotografia na Corte do Rio de Janeiro não se limitava, no entanto,
aos setores mais ricos da sociedade. Ao mesmo tempo em que representa este grupo social, a
fotografia começa a expandir seu público e a interessar-se por outras realidades. Imagens que
cobriam os mais diferentes temas foram multiplicadas em série e comercializadas pelos
próprios fotógrafos ou em outros pontos de venda, como livrarias. Além de representarem um
complemento na receita dos profissionais, atendiam ao espírito de colecionismo de imagens
que havia sido despertado em meio ao público da época; afinavam com o gosto pelo
57
Segundo Annateresa Fabris (1998, p.20), uma dúzia de cartões de visita custava em média 20 francos,
enquanto um retrato convencional não saía por menos de 50 ou 100 francos.
124
exotismo. Em uma sociedade ávida de imagens, a fotografia oferece um meio para participar
da “história”; a posse simbólica dos mais variados aspectos do universo; uma “lembrança”,
enfim, das curiosidades dos diferentes países, hábito que se proliferaria através das imagens
estereoscópicas e, mais tarde, pelos cartões-postais.
Segundo Annateresa Fabris (1998, p.29),
[a fotografia volta-se, em um primeiro momento] para a captação daquela paisagem
que povoava tantos quadros sem nunca ter sido vista de perto. / (...) Os fotógrafos
não buscam em suas expedições lugares inéditos ou desconhecidos. Procuram, ao
contrário, reconhecer os “lugares existentes, como visões imaginárias, nas
fantasias inconscientes das massas”, criando arquétipos-estereótipos que
confirmariam uma visão já existente e conformariam a visão das gerações futuras.
Assim, a arte de documentar fotograficamente elaborou seus temas a partir dos
estereótipos existentes. Muitas carte-de-visite tinham suas ilustrações inspiradas em tipos,
poses e roupagens popularizadas pelos viajantes. Como afirma Ana Mauad, as classes
populares continuarão a figurar na condição de “typos humanos”, objetos de atenção das casas
fotográficas para produzir o lado pitoresco da sociedade imperial: “a estes estava interditada a
construção de sua auto-imagem, possibilidade concedida somente à ‘boa sociedade’, os donos do
olhar imperial, verdadeiros agentes da construção da imagem do Império” (MAUAD, 2004, p.15).
Temos uma arte apoiada nos sentidos combinados com a razão, imperiosamente
levada a definir tudo pela forma referenciável. O conhecimento julgou, a princípio, poder
fundar-se exclusivamente nas realidades espaciais, no sólido: mediu os corpos, estudou a sua
estrutura, as suas relações mútuas e as suas ações recíprocas. Se no desenho/pintura os
parâmetros de juízo de valor eram o belo, a fidelidade na imitação da natureza, a conformidade
com certos cânones icônicos ou formais, o significado religioso e o interesse da narração
figurada, na fotografia reitera-se estes temas mas de forma a atribuir-lhes novos significados.
As fotografias de tipos negros emergem então em um mercado de imagem pré-
existente, em que os padrões estéticos eram informados pelo desenho e pintura, através da
litografia. A democratização da imagem pelo retrato envolvia também a produção de
alteridades, e é neste sentido que pode ser entendida a fotografia de escravos e libertos.
58
Como afirma Ana Mauad (1997), produzido em massa, o retrato fotográfico do tipo carte-de-
58
Para um inventario minucioso das imagens de escravos e ex-escravos ver: KOSSOY, Boris & CARNEIRO,
Maria Luisa Tucci. O olhar europeu. São Paulo: EDUSP, 1994; e ERMAKOFF, George (org.). O Negro na
fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: Casa Editorial Ermakoff, 2004.
125
visite teve sua importância indiscutível, como uma possibilidade sem precedentes na história
de conservar a fisionomia dos mais diferentes tipos humanos e sociais em todas as partes.
Os retratos constituiriam no Brasil o gênero mais comercializado da fotografia no
século XIX. Em 1863, oito fotógrafos anunciam na edição do Almanaque Administrativo,
Mercantil e Industrial da Corte e da Província do Rio de Janeiro (Almanaque Laemmert).
Entre eles está José Christiano de Freitas Henriques Júnior, com estúdio montado à Rua da
Ajuda nº. 57 B.
Nascido na Ilha das Flores, arquipélago de ores, Portugal, em 1832, Christiano
Júnior imigra para o Brasil em 1855, acompanhado de sua esposa e dois filhos. Ao que se
sabe, inicia-se na atividade fotográfica por volta de 1860 em Maceió, Alagoas, onde mantém
um estúdio até 1862. Transfere-se logo depois para o Rio de Janeiro e em 1863, atua
profissionalmente na oficina Photographia do Comércio, na qual é sócio de Fernando
Antonio de Miranda. Em 1865, desta vez sozinho, monta sua Galeria Fotográfica e de
Pintura na Rua da Quitanda 45. Dedicou-se principalmente ao retrato de estúdio, produzindo,
em 1866, uma rica coleção de tipos negros no formato carte-de-visite, que oferece a seus
clientes na seção de Notabilidades do Almanaque Laemmert, junto a uma variedade de
serviços que constitui um interessante panorama das técnicas fotográficas então disponíveis:
cartões de visita, o aparelho solar e os retratos em tamanho natural, retoques e fotopintura,
retratos de personalidades e retratos em cenotipo. (Fig.43)
Outros profissionais como Victor Frond, Auguste Stahl, João Goston e Revert Klumb
também fotografaram negros neste período. Porém é de Christiano Júnior a maior coleção de
fotografias de escravos anteriores a 1870 até agora conhecida.
59
Mas por que falar do fotógrafo em uma dissertação dedicada aos artistas-viajantes? Se
olharmos atentamente sua “variada collecção de costumes e typos pretos, cousa muito própria
para quem se retira para a Europa”, percebe-se que este partilha de um mesmo regime de
visualidade que os artistas da primeira metade do oitocentos. Ao registrar tipos negros, divide
suas imagens em dois eixos: “corpo inteiroe “bustos” (ver Fig.44 e Fig.45)
60
. Enquanto
nestes o fotógrafo foca nos detalhes fisionômicos, anotando inclusive em algumas imagens a
“suposta” nação do negro retratado, nos retratos de corpo inteiro temos negros executando os
mais variados serviços
59
Segundo levantamento de Maurício Lissovsky e Paulo Azevedo (1988), cerca de 77 fotografias de tipos
negros tiradas por Christiano Júnior encontram-se arquivadas.
60
As duas pranchas reproduzidas pertencem ao acervo do Museu Histórico Nacional. Também encontramos
estes tipos negros na coleção Christiano Jr, do Arquivo Central do IPHAN, seção Rio de Janeiro, que reúne 47
imagens do fotógrafo.
126
Fig. 43 Anúncio Almanack Laemmert, seção de Notabilidades, 1866
AZEVEDO, Paulo César de & LISSOVSKY, Maurício (orgs.). Escravos brasileiros
do século XIX na fotografia de Christiano Jr. São Paulo: Ex. Libris, 1988.
127
A mesma divisão aparece, como foi visto, nas obras de Rugendas e Debret. Deste
modo, tem-se uma migração da representação pictórica para a fotográfica, mas sem grandes
alterações em determinada visualidade que tem por questão central a construção da noção de
alteridade e a definição do lugar do negro na sociedade oitocentista. Os temas se repetem, mas
o novo destino dado às imagens fotográficas socializa também a imagem das próprias
contradições do país.
Como afirma Annateresa Fabris (1998, p.35),
Instrumento de democratização do conhecimento numa sociedade liberal, que
acredita no poder positivo da instrução, o cartão postal leva às últimas
conseqüências a “missão civilizadora”, conferida à fotografia por sua capacidade de
popularizar o que até então fora apanágio de poucos. A viagem imaginária e a posse
simbólica são as conquistas mais evidentes de uma nova concepção do espaço e do
tempo, que abole as fronteiras geográficas, acentua similitudes e dessimilitudes entre
os homens, pulveriza a linearidade temporal burguesa numa constelação de tempos
particulares e sobrepostos.
Descendente direta dos cânones da pintura, como aponta Vânia Carvalho, a fotografia
não apenas desenvolve uma linguagem própria, “mas será responsável pela transformação em
senso comum de uma visualidade, que germinava no círculo restrito dos produtores da obra de
arte”. A imagem fotográfica apresenta-se então como àquela que descrevia com base no que
tinha visto (apoiando-se nos motivos da pintura) e, ao mesmo tempo, educava o olhar a
novos modos de ver. (CARVALHO. In: FABRIS, 1998, p.228)
Se o pincel dos artistas-viajantes estava atento ao trabalho desempenhado pela
população negra e mestiça escrava, alforriada e livre ambientando sempre a cena nas ruas
e arrabaldes da cidade, o olhar do fotógrafo dará a ela novo enquadramento. Leva o indivíduo
retratado para dentro do estúdio, o posiciona diante de um fundo artificial e transforma a mão
de obra de outrora em modelo fotográfico, reforçando, como afirma Boris Kossoy e Maria
Carneiro (1994), ainda mais as curiosidades do país tropical. Ao registrar seus personagens,
deixa de fora do estúdio o burburinho do comércio, a movimentação das ruas, a dinâmica dos
arredores, e compõe uma galeria de tipos, um mostruário que atende a fins comerciais. Seus
retratos seriam levados para a Europa como "lembrança do Brasil", souvenir dos trópicos,
satisfazendo a curiosidade do cliente do Velho Mundo acerca da imagem do outro.
128
Fig. 44 Cartes-de-visite – década de1860
Christiano Junior. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
129
Fig. 45 Cartes-de-visite – década de 1860
Christiano Junior. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
130
Estas imagens congregam, além da visão comercial e técnica do fotógrafo, sua própria
vivência social e a do público a quem destina seu produto. Se por um lado o fotógrafo tinha
interesses práticos, ligados ao consumo e venda de imagens, procurando garantir sua
permanência no mercado através de personagens tão comuns ao seu dia-a-dia, por outro
certamente conhecia os trabalhos dos desenhistas e pintores do início do século, reforçando
com suas fotografias uma visualidade do outro muito difundida, e, neste sentido, dialoga
de perto com os trabalhos destes artistas. Ambos descreviam e davam a ver um personagem
pitoresco e genérico, e não um indivíduo em especial.
Ainda que Debret e Rugendas o fizessem não apenas pelo exótico e pelo pitoresco,
mas pautados pelo universo cientificista que buscava classificar, traçar semelhanças e
diferenças, a fim de estabelecer o lugar de cada tipo na marcha civilizatória reservada à jovem
nação, reforçavam determinada visualidade do outro e definiam paradigmas que seriam
retomados pela fotografia na segunda metade do XIX.
Não podemos perder de vista, como afirma Ana Mauad (1996, p.75-76), que
a fotografia - para além da sua gênese automática, ultrapassando a idéia de analogon
da realidade - é uma elaboração do vivido, o resultado de um ato de investimento de
sentido, ou ainda uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de
regras que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem
técnica./ (...)/ Por fim, que se considerar a fotografia como uma determinada
escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis, guardando esta atitude uma
relação estreita entre a visão de mundo daquele que aperta o botão e faz ‘clic’.
Tal como no registro pictórico, passando por escolhas, dramatizando ou valorizando
cenários, deformando a aparência de seus retratados, alterando o realismo físico da natureza e
das coisas, omitindo ou introduzindo detalhes, o fotógrafo sempre manipulou seus temas.
Aspecto este que por muito tempo foi atribuído apenas aos desenhistas/pintores cuja mão
guiava a imagem criada sobre o suporte.
Para Sandra Koutsoukos (2002), no estúdio a escravidão mostrava uma assepsia e
ordem não constantes do dia-a-dia de trabalho real dos escravos, ainda que a condição de
escravo não fosse mascarada. O fotógrafo tentava seguir o ideal de uma Corte que se
pretendia modernizada, civilizada. Retratava os negros com suas roupas, seus instrumentos de
trabalho, suas marcas tribais, mas tratava de colocar ordem nas ambientações, escolhendo
com cuidado o que iria registrar; as mulheres sempre vestidas, com turbantes, mantos, colares
e pulseiras reforçavam a partir do olhar europeizante sua identidade africana; os homens,
ora apareciam vestindo paletó e calças, ostentando seus instrumentos de trabalho, ora de
131
bustos desnudos, deixando a mostra a vitalidade de uma população que era força motriz nestas
terras.
Em Christiano Júnior, o olhar para a escravidão se fazia, sem dúvida, pelo exótico.
Para além de retratar diferentes tipos, marcava a diversidade dos africanos e de seus
descendentes, assim como reforçava a dominação em um período em que, apesar da proibição
do tráfico de escravos, a escravidão ainda se constituía no regime de trabalho predominante e
na fonte principal de geração de riqueza nacional, somando significativo montante da
população.
Como afirma Celeste Zenha (2004, p.13-14)
Se a relação entre pintura, fotografia e litografia é evidente, a prática fotográfica
começava a trazer alterações importantes não somente no tempo dedicado à
produção das imagens tornando desnecessário o momento de captação da
paisagem in loco pelo desenhista –, mas também na sua própria concepção. Para
além do papel de simples garantia de autenticidade e objetividade, a imagem
fotográfica passava a sugerir o recorte enquadramento e a distância daquilo que
era representado.
No caso dos africanos e de seus descendentes, se antes tinham seus rostos e corpos
esquadrinhados pela ciência e pelos costumes, sob a ótica das relações (inter)raciais, agora
eram enquadrados sob o olhar enclausurante do fotógrafo. Ao mesmo tempo em que a
fotografia fixava seus olhares, e suas emoções, expondo suas “diferentes” funções no
mundo do trabalho, “silenciava sobre a violência presente no cotidiano das relações sociais”,
era signo da desigualdade e reafirmava seu papel, como afirma Ana Mauad (2004, p.13-14).
A afirmação de determinados gostos não implicou, portanto, a eliminação de outros, até então
bem aceitos.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quero ter cuidado com as palavras. Não o cuidado do
medo, mas o cuidado de quem cuida.
Leonardo Lusitano
Diante das intenções que moveram este trabalho, chegar a um "final" é, para mim,
tarefa quase impossível. A quantidade de imagens e o emaranhado de questões decorrentes da
análise das obras de cada um dos artistas indicam um longo trabalho que, certamente não se
esgotou.
Frente à rica variedade de temas abordados nas obras de Rugendas e de Debret,
artistas cujas imagens foram integradas aos lugares de memória da identidade brasileira
através de recorrentes utilizações em livros didáticos e acadêmicos, interessava-me uma
questão em especial: a representação dos africanos e de seus descendentes e a relação entre a
construção dos tipos negros e a imagem que se queria projetar da jovem nação.
Por meio de seus registros visuais, busquei pensar o papel destinado a esta população,
assim como as categorias e esquemas de percepção pictórica partilhados por estes artistas
como parte de um regime de visualidade característico dos oitocentos. Se, como aponta
Beluzzo (1994), a iconografia dos viajantes oferece uma história de pontos de vista, de
distância entre observações, de triangulações do olhar, o desafio é então definir o que confere
particularidade aos olhares de Rugendas e de Debret.
Enquanto a maioria dos viajantes estrangeiros se preocupava apenas em classificar os
elementos da natureza e das personagens que compunham seus “quadros”, Debret e
Rugendas, cada um a seu modo, tinham o propósito deliberado de criar uma história a partir
da sistematização das informações a que tiveram acesso (diretamente ou não). Não estavam
133
preocupados apenas em apontar tipos negros, recensear atividades econômicas e estratos
sociais que compunham a população, mas em afirmar a perfectibilidade dos africanos e de
seus descendentes, marcando a possibilidade de integração destes na marcha civilizatória
que reservavam para estas terras. Naturalizar diferenças significou, nesse momento, o
estabelecimento de correlações rígidas (ou nem tão rígidas assim) entre características físicas
e atributos morais/culturais.
A visão destes artistas não se satisfazia apenas com o exótico. Não era somente um
olhar curioso frente à grandiosidade do mundo descoberto. Sua preocupação voltava-se
também para o progresso científico, com a coleta de dados e a divulgação de conhecimentos.
O que de fato importava era registrar diferenças, marcar identidades e, dessa forma, se auto-
afirmar enquanto expoente da civilização.
Se, por um lado, a tradição de registro de costumes não lhes era estranha, por outro
não era suficiente para a compreensão da visualidade projetada. Seus tipos davam vida e
movimento às cenas registradas; “capturados” em ação, empunhando seus instrumentos de
trabalho ou em situações cotidianas, estes não apenas compunham o imaginário das terras de
além-mar, mas tinham seus usos e funções explicitados e suas relações sociais delineadas.
Ao mesmo tempo em que a ausência de distinções e caracteres específicos
transformava a múltipla população negra e mestiça, escrava, livre e liberta, em um todo
homogêneo, as relações sociais e seus signos tratavam de marcar diferenças e gradações. Em
adição, o corte das cabeças e a especificação de aspectos anatômicos ou culturais, reforçavam
“novas” identidades coletivas.
Tais estratégias de representação do negro africano e de seus descendentes, sob suas
diferentes modalidades, inscreviam-se enquanto um modo de assimilação das diferenças e ao
mesmo tempo de produção de alteridade. As marcas, índices deste processo encontram-se nas
imagens em que se tipificam estes homens e se criam, através delas, as bases para a integração
dos tipos negros na história, civilizada, do Brasil. Afinal, o significado prático do ser humano
é determinado por meio da diferença e da semelhança. O que garante vantagem ou
desvantagem perante os demais indivíduos não são os aspectos que coincidem com ele. É
como se cada individualidade sentisse seu significado tão-somente em contraposição com os
outros.
Contratados para registrar com seu pincel as terras brasileiras, seus olhares têm a
capacidade de instituir conhecimentos. Suas imagens são, em múltiplos sentidos, expressões
visuais. São uma forma de suporte às representações, uma construção discursiva e, neste
134
sentido, não têm necessidade de ter valor probatório. Fruto do olhar de um desenhista, estes
registros visuais foram vistos e (re)apropriados pelo olhar de outros artistas e de um público
ávido por novidades e imagens. Registram complexas dimensões de uma sociedade na qual
diferentes sujeitos vivenciam conflitos sociais e culturais traduzidos, muitas vezes, em signos
“dados a ver” pelos artistas.
Ao unir nesta dissertação os dois viajantes, Rugendas e Debret, não acredito que
possuam o mesmo intuito e muito menos produzam registros iguais. Ao contrário, cada um
carrega consigo sua especificidade, sua própria pincelada, sua cor própria. Entretanto,
partilham determinada visualidade, certos cânones artísticos e um universo cientificista que
molda suas proposições. Neste sentido, aproximam-se entre si e distanciam-se daqueles que
registravam tipos e costumes, pautados apenas pelo exótico ou por estereótipos sociais
estabelecidos. Ainda que a Viagem Pitoresca de Rugendas não seja Histórica como a de
Debret, obedece a uma lógica semelhante para afirmação da possibilidade (e necessidade) de
integração do negro na sociedade dita civilizada, repartindo, para além da crença na
perfectibilidade do africano e de seus descendentes, a “aposta” na miscigenação, pensando
o branqueamento dos tipos negros, como via para a civilização. Neste percurso, aparecem
outras questões: a idéia de "ordem" social, da transformação pelo trabalho, da moral e dos
costumes.
Daí propor chaves interpretativas para o conjunto de imagens de Rugendas e Debret: o
corte das cabeças e sua relação com o universo cientificista de então; a pintura de tipos e de
cenas que remetem e resignificam o registro de costumes; e o diálogo com artistas de seu
tempo, enquanto parte integrante de uma visualidade que será re(criada) em novo suporte,
na segunda metade do século XIX.
Vale lembrar que estas obras circularam pela Europa, atenderam à Academia e
chegaram ao conhecimento de um vasto público. Os artistas eram responsáveis pela mediação
entre a observação de um universo social e a produção dos registros visuais. Ofereciam ao
público a posse simbólica dos muitos aspectos da terra de além mar, ao mesmo tempo em que
construíam um grande retrato da sociedade brasileira pautados em normas de representação
que irão perdurar, por vezes reinventadas, no universo visual oitocentista.
Rugendas e Debret não foram, portanto, os únicos a registrar tipos negros no Brasil do
século XIX, mas possuem o mérito de terem suas aquarelas amplamente difundidas em nosso
135
imaginário. E é atravessando o “espelho distorcido”
61
da produção pictórica destes artistas que
desvendam-se novas leituras. Se a imagem tem o poder de comunicar mais rapidamente, uma
leitura cautelosa de seus símbolos não é tão breve assim. Talvez a história ainda tenha o que
decifrar. Fica o desafio.
61
Expressão cunhada por Patrícia Lavelle em sua obra: O espelho distorcido: imagens do indivíduo no Brasil
Oitocentista. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003
136
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