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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO –
PUC – SP
José Normando Gonçalves Meira
CIÊNCIA E PRÁTICA:
Ensino Agrícola na Educação Presbiteriana
em Minas Gerais (1908-1938)
DOUTORADO EHPS - HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO –
PUC – SP
José Normando Gonçalves Meira
CIÊNCIA E PRÁTICA:
Ensino Agrícola na Educação Presbiteriana
em Minas Gerais (1908-1938)
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Educação: História,
Política, Sociedade - Área de concentração:
História da Educação sob a orientação do
Prof. Doutor Bruno Bontempi Júnior
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
Prof. Dr. Bruno Bontempi Jr. Orientador
Profa. Dra. Maria Rita de Almeida Toledo
Profa. Dra. Carlota Boto
Prof. Dr. Odair Sass
Prof. Dr. Wenceslau Gonçalves Neto
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, o doador e o preservador da vida que, por Sua
providência soberana, conduziu-me até aqui;
À Minha família: Cássia, minha esposa, Samuel, Filipe e Quézia, meus filhos, pela
compreensão e apoio e por terem participado ativamente comigo das alegrias e
dos temores que marcaram diversos momentos desta caminhada;
Ao Professor Dr. Bruno Bontempi Jr., meu orientador exigente, mas acessível,
sempre presente e disposto a apontar caminhos. A sua competência e
participação efetiva foram fundamentais para a realização deste trabalho;
A Betinha que, no programa EHPS, além de cumprir as inúmeras tarefas
pertinentes ao seu trabalho, sempre nos atendeu com alegria, procurando servir
com eficiência e boa vontade;
Ao sr. Ângelo Alberto de Moura Delphim, coordenador do Museu Bi-Moreira em
Lavras-MG que além de abrir as portas do museu para a busca das fontes,
ajudou-me diretamente nesta busca;
Aos amigos Wendell Lessa e sua esposa Fernanda que me incentivaram com
palavras e com o exemplo de perseverança em momentos de pressão, de
incertezas e outras dificuldades;
Aos Professores Rev. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa e Dra. Sarah Jane
Alves Durães, meus professores nos cursos de graduação, que continuam sendo
referência na minha carreira acadêmica;
Aos meus pais, pelo apoio de sempre e pela compreensão dos longos períodos
de ausência devido às diversas atividades relacionadas à pesquisa.
José Normando Gonçalves Meira
CIÊNCIA E PRÁTICA: ENSINO AGRÍCOLA NA EDUCAÇÃO PRESBITERIANA
EM MINAS GERAIS (1908-1936)
RESUMO
Esta pesquisa, de cunho historiográfico, discute a educação presbiteriana em
Minas Gerais, privilegiando a experiência de Lavras, no oeste do Estado, onde foi
fundado em 1893, o Instituto Evangélico (que posteriormente passou a ser
chamado Instituto Presbiteriano Gammon). No estudo dessa iniciativa protestante,
de tradição calvinista, reformada, destaca-se na pesquisa a Escola Agrícola de
Lavras, fundada em 1908, que ao lado do Ginásio, com curso preparatório anexo,
e o colégio feminino Carlota Kemper, a Escola Comercial e outros cursos avulsos,
compunham o Instituto Evangélico. Os objetivos deste estudo são: ampliar a
discussão sobre a educação protestante no Brasil, principalmente no que se
refere a Minas Gerais; compreender as relações entre convicções religiosas e a
"ação social", especificamente no que se refere à prática educacional e as suas
implicações na construção da sociedade; avaliar a relação entre o projeto
educacional presbiteriano em Minas Gerais e o "americanismo" instalado no
imaginário social brasileiro a partir de meados do século XIX; discutir a ideologia
protestante trazida pelos missionários norte-americanos e a eficácia dos seus
símbolos, especialmente daqueles relacionados à educação escolar, para os seus
objetivos de reformar a sociedade brasileira; analisar os princípios educacionais
que nortearam o Instituto Evangélico de Lavras e, especialmente, a sua Escola
Agrícola; discutir as estratégias adotadas pelos implantadores do Instituto
Evangélico de Lavras e, particularmente, da Escola Agrícola, em busca de
eficácia para as suas práticas pedagógicas; levantar as qualidades éticas e
morais entendidas como necessárias à formação dos alunos. Esta pesquisa
permitiu compreender a relação entre os objetivos das missões protestantes e o
discurso de modernização da agricultura no Brasil e, especificamente em Minas
Gerais, por meio do saber científico. Possibilitou a análise de como o projeto
civilizador presbiteriano inseriu-se no contexto das discussões pertinentes às
primeiras décadas da República brasileira quanto à modernização do país e o
papel da educação para que esses ideais fossem alcançados. Para a realização
da pesquisa, foram utilizadas fontes encontradas, principalmente, no Arquivo
Público Mineiro, no Museu Bi-Moreira da Universidade Federal de Lavras e no
Pró-memória Gammon, do Instituto Presbiteriano Gammon, em Lavras-MG.
Palavras-chave: Educação Presbiteriana; Ensino Agrícola; Ciência; Progresso;
Minas Gerais
ABSTRACT
This research, of historical character, discusses the presbyterian education in
Minas Gerais, favoring the Lavra´s experience, on west of the state, where it was
founded in 1893 the Evangelical Institute (which late came to be called Gammon
Presbyterian Institute). In the study of this Protestant enterprise of Calvinist
tradition, reformed, it points out on the search the Agricultural College of Lavras,
founded in 1908, that beside the gymnasium, with preparatory school attached,
and the female school Carlota Kemper, the Commercial School and other single
courses formed the Evangelical Institute. The purposes of this study are: to amplify
the discussion about the protestant education in Brazil, principally in what refers to
Minas Gerais; to comprehend the relationships between religious convictions and
the “social action”, specifically in what refers to educational practice and to its
implications for the society construction; to evaluate the relationships between the
Presbyterian educational project in Minas Gerais and the “americanism” settled
down on the social brazilian imaginary from the middle of 19
th
century; to discuss
the protestant ideology brought by the north american missionaries and the
efficacy of its symbols, specifically those related to scholar education to its
purposes of reforming the brazilian society; to analyze the educational principles
that guided the Evangelical Institute of Lavras and, specifically, its Agricultural
College, in search of efficacy to its pedagogic practices; to raise the ethics and
morals qualities understood as needed for the formation of the students. This
research allowed comprehending the relationship between the missions’ purposes
and the discourse of agricultural modernization in Brazil and, specifically, in Minas
Gerais, by the means of scientific knowledge. It allowed the analysis of how the
Presbyterian civilizating project was introduced in the context of the discussions
concerning the earliest decades of the brazilian Republic as to the modernization
of the country and the role of the education so that these ideals were achieved.
For the research accomplishment, were used sources found at the Arquivo Público
Mineiro, Museu Bi-Moreira from Universidade Federal de Lavras and Pró-memória
Gammon from Instituto Presbiteriano Gammon in Lavras, Minas Gerais State.
Key-words: Presbyterian education; agricultural teaching; progress; Minas
Gerais.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO…………………………………………………..…………..….… 10
1.1 Presbiterianismo e Educação no Brasil................................................ 13
1.2 A Educação Protestante na Historiografia da Educação Brasileira.... 21
1.3 História da Instituição e suas Fontes..................................................... 32
2 O INSTITUTO EVANGÉLICO DE LAVRAS................................................. 43
2.1 A Fase de Campinas................................................................................. 48
2.2 A Transferência para Lavras- MG........................................................... 55
2.3 Filosofia da Educação Presbiteriana de origem norte-americana no
Instituto Evangélico de Lavras-MG............................................................... 57
2.4 A Inserção do Instituto na Sociedade Oeste-Mineira............................ 70
2.5 Escolas que compunham o Instituto Evangélico................................. 75
2.5.1 A Escola Feminina................................................................................ 76
2.5.2 O Ginásio de Lavras............................................................................. 82
2.5.3 O Curso Comercial............................................................................... 84
2.5.4 Outros Cursos....................................................................................... 86
3 O ENSINO AGRÍCOLA E MISSÃO PROTESTANTE................................... 90
3.1 A Fundação da Escola Agrícola de Lavras........................................... 90
3.2 A EAL e o Discurso da Modernização da Agricultura Brasileira......... 95
3.3 A Agricultura em Minas Gerais no início do Século XX....................... 105
3.4 O Relacionamento da EAL com o Poder Público................................. 109
4 ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA AGRÍCOLA DE LAVRAS
115
4.1 Pressupostos Teológicos e Práticas Pedagógicas.............................. 116
4.2 Arquitetura do Espaço Escolar..................................................................... 125
4.3 O Currículo......................................................................................................
135
4.4 Os Professores............................................................................................... 146
4.5 Os Alunos....................................................................................................... 150
4.6 A Prática Pedagógica..................................................................................... 152
5 PARA ALÉM DOS MUROS ESCOLARES: A EXTENSÃO NA ESCOLA
AGRÍCOLA DE LAVRAS E A CONSTRUÇÃO DE UM IMAGINÁRIO............ 159
5.1 Primeiras Atividades de Extensão na EAL........................................... 162
5.2 Eventos..................................................................................................... 171
5.3 Publicações.............................................................................................. 176
5.4 O “Mito” do Pioneirismo da Escola Agrícola de Lavras...................... 191
5.5 A Escola Agrícola de Lavras na Percepção da Sociedade Local....... 194
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 202
FONTES............................................................................................................ 208
REFERÊNCIAS................................................................................................. 215
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Vista da EAL na década de 1930................................................... 21
FIGURA2: Samuel R. Gammon, o fundador do Instituto Evangélico de
Lavras............................................................................................................... 47
FIGURA 3: Time de Futebol - Década de 20.................................................... 67
FIGURA 4: Time de Basquete – 1927.............................................................. 67
FIGURA 5: Jogadores de Tênis - Década de 30.............................................. 68
FIGURA 6: Salto com vara............................................................................... 68
FIGURA 7: Demonstração de ginástica feminina, dança moderna Década de
30 (Pró-memória Gammon).............................................................................. 69
FIGURA 8: Carlota Kemper (Pró-memória Gammon)...................................... 77
FIGURA 9: Aula de Culinária – Década de 20 (Pró-memória Gammon).......... 79
FIGURA 10: Aula de Culinária - Década de 20................................................ 81
FIGURA 11: O Prédio, como era chamado o prédio principal do Instituto
Evangélico, na década de 20 (Acervo do Pró-memória Gammon).................. 87
FIGURA 12: Benjamin Hunnicutt, o instalador da EAL.................................... 94
FIGURA 13: Brasão da instituição norte-americana........................................ 104
FIGURA 14: Desfile para comemorar o reconhecimento da EAL pelo
Governo de Minas (1917)................................................................................. 112
FIGURA 15: Abertura de jogos na década de 30 nos amplos espaços
reservados às práticas esportivas (Pró-memória Gammon)............................ 129
FIGURA 16: Lançamento da pedra fundamental do edifício Álvaro Botelho em
1920......................................................................................................................... 131
FIGURA 17: Dormitório Carlos Prates.................................................................... 132
FIGURA 18: Vista parcial da EAL........................................................................... 132
FIGURA 19: Edifício Álvaro Botelho, o primeiro da EAL, inaugurado em 1921 133
FIGURA 20: Congregação da EAL em 1927................................................... 148
FIGURA 21: Mr. John Wheelock....................................................................... 149
FIGURA 22: Edifício da indústria de laticínios da EAL na década de 1920.......... 156
FIGURA 23: Aula prática na EAL em 1910....................................................... 157
FIGURA 24: Aula prática de aragem com tração animal em 1910................... 165
FIGURA 25: Engenhos de beneficiamento de arroz, algodão, cana. Década
de 1920............................................................................................................. 167
FIGURA 26: Propaganda publicada em O Agricultor em fevereiro de 1924... 168
FIGURA 27: Exposição do Milho...................................................................... 169
FIGURA 28: Primeira Exposição Agropecuária e Industrial de Lavras em
1921.................................................................................................................. 172
FIGURA 29: Primeiro número de O Agricultor.................................................. 179
FIGURA 30: Criação de gado bovino............................................................... 185
FIGURA 31: Aula prática na EAL...................................................................... 186
FIGURA 32: Laboratório da EAL...................................................................... 188
FIGURA 33:1º Trator de Lavras (1923)............................................................ 193
FIGURA 34: 1ª Demonstração do Trator Fordson em frente ao edifício
Álvaro Botelho em 1923.................................................................................... 193
FIGURA 35: Este foi o primeiro silo aéreo construído na América do Sul........ 193
FIGURA 36: Atividades de silo......................................................................... 193
FIGURA 37: Suinocultura na EAL..................................................................... 194
10
1 INTRODUÇÃO
Discutirei nesta pesquisa um aspecto da educação presbiteriana em
Minas Gerais, a educação agrícola, privilegiando a experiência de Lavras, no
oeste do Estado, onde foi fundado o Instituto Evangélico (que posteriormente
passou a ser chamado Instituto Presbiteriano Gammon), em 1893. No estudo
dessa iniciativa protestante, de tradição calvinista, reformada,
1
destacarei a
Escola Agrícola de Lavras, fundada em 1908, que, ao lado do Ginásio, com curso
preparatório anexo, e o Colégio Carlota Kemper (feminino), compunha o Instituto
Evangélico
2
. Deu Origem à Escola Superior de Agricultura de Lavras- ESAL
(1936) e foi federalizada em 1963 (atual Universidade Federal de Lavras – UFLA).
Pretendo pesquisar o período de 1908, ano da criação da escola, até 1938
quando esta se tornou instituição de ensino superior, marcando assim a
consolidação do projeto.
Como toda pesquisa resulta de uma inquietação pessoal (Cf. Gil,... VIANA
& FURTADO, 2002), este trabalho resultou do meu interesse, como pastor da
Igreja Presbiteriana do Brasil, em investigar os projetos educacionais desse
segmento do protestantismo. Desde as aulas de História da Igreja no curso de
bacharel em teologia, no seminário, quando se fazia referência à ênfase especial
dada à escolarização pelo protestantismo e, particularmente, pela Igreja
Presbiteriana quando foi implantada no Brasil, surgiu o meu interesse por realizar
1
“Historicamente, o termo ‘reformado’ foi usado a princípio indistintamente para todos os
protestantes, calvinistas, luteranos e zwinglianos. Com a controvérsia entre eles sobre a Ceia,
‘reformados’ passou a designar zwinglianos e calvinistas somente, em contraponto aos luteranos.
E com o arrefecimento da importância de Zwinglio no cenário protestante, ‘reformados’ passou a
designar os calvinistas. Portanto, é historicamente correto afirmar que um entendimento reformado
tem a ver primariamente com a teologia calvinista” (LOPES, 2001, p. 1).
2
Mais tarde um quarto educandário foi adicionado: a Escola Comercial.
11
uma investigação crítica do tema, a fim de possibilitar uma discussão mais ampla
dentro e fora das fronteiras do presbiterianismo.
Durante a minha pesquisa sobre a implantação do presbiterianismo no
Norte de Minas, quando escrevi a minha dissertação de mestrado (Meira, 2002)
essa inquietação se reforçou ao verificar a relação entre conversão ao
protestantismo e alfabetização. Pude verificar a trajetória de jovens que tendo se
associado ao presbiterianismo na juventude, entre 18 e 24 anos, ainda
analfabetos, não só foram alfabetizados, como era a intenção inicial para que
pudessem responder às necessidades básicas da fé protestante que pressupõe
uma relação fundamental com o texto sagrado, a Bíblia, mas também foram
preparados e incentivados a continuarem os estudos, tornando-se parte de uma
elite intelectual. Essa “elite intelectual” tanto se destinava a compor os quadros
eclesiásticos, suprindo a igreja nascente de ministros, pregadores, pastores
nacionais, adquirindo autonomia em relação à “igreja-mãe”, norte-americana,
como para formar profissionais qualificados, intelectuais que pudessem interferir
na realidade brasileira, reformando-a nos moldes da ética protestante. Verifiquei
que mesmo aqueles que não prosseguiam nos seus estudos adquiriam uma
relação especial com a leitura. Além da importância dada à leitura do texto bíblico,
cultivavam outras leituras relacionadas à doutrina protestante, à história da Igreja
cristã e à música, dentre outras. Alguns, mesmo os da zona rural, chegaram a ter
pequenas bibliotecas em casa com o objetivo de aprimorar os conhecimentos que
deveriam ser utilizados na evangelização e na doutrinação dos novos convertidos.
Essas tarefas eram consideradas dever de todos e não somente dos pastores e
missionários.
12
Além das escolas paroquiais, criadas ao lado das igrejas para alfabetizar
os conversos e seus filhos, escolas elementares para treinamento de professores
para a Escola Dominical
3
e pregadores que pudessem auxiliar os pastores e
missionários no seu campo de trabalho e na ausência destes, despertaram-me
para pesquisar a educação como parte das atividades missionárias do
presbiterianismo brasileiro. Considerando que devido aos meus objetivos na
pesquisa do mestrado, não me aprofundei nesse tema, dedicando apenas um
tópico do trabalho para discutir projetos educacionais que serviram como
estratégia para a ação missionária na região (MEIRA, 2002) resolvi privilegiar o
tema na pesquisa do doutorado em educação.
Ao realizar as leituras preliminares com vistas à construção do objeto da
pesquisa, optei por pesquisar a Escola Agrícola de Lavras por se tratar de uma
ação pioneira dentro do projeto missionário presbiteriano, servindo de modelo
para outras iniciativas em diferentes regiões do país. Essa iniciativa revestiu-se de
peculiar importância, considerando o contexto nacional, particularmente em Minas
Gerais, no que concerne à ênfase na instrução agrícola, na preparação dos
produtores rurais para a utilização de métodos modernos como um dos
instrumentos para o desenvolvimento do país. A referida instituição serve,
portanto, de referência para a análise da cosmovisão
4
reformada e o seu impacto
na sociedade brasileira naquele momento. Esse foi o principal motivo por que
optei por essa modalidade de ensino, destacando a EAL dentre os demais
segmentos do Instituto Evangélico.
3
‘(...) como o nome já diz, funcionava aos domingos, geralmente pela manhã, antes ou depois do
sermão pastoral (...) os alunos matriculados, que podiam ou não ser membros das igrejas, eram
classificados pela idade, sob a direção de um professor ou professora,estudavam a Bíblia e as
doutrinas presbiterianas” (VILLAS-BOAS, 2000, p.94)
4
Kuyper (2003) e Nash (2006) realizam estudo detalhado no que se refere à cosmovisão
reformada...
13
Para a realização deste estudo levantei as seguintes questões: Que
princípios educacionais nortearam as atividades da Escola Agrícola de Lavras?
Como a sua fundação e atividade se articulam com o processo mais amplo de
penetração do presbiterianismo no Brasil, especialmente com relação ao Instituto
Evangélico do qual a instituição fazia parte ? Quais as práticas pedagógicas
adotadas? Em quais modelos praticados internacionalmente tais princípios e
práticas se inspiraram? Como foi a forma peculiar de adaptação desse modelo às
condições regionais? Quais eram os seus objetivos, não só os declarados, mas
os implícitos? Que qualidades éticas e morais deveriam ser inculcadas para
produzir novas atitudes mentais, hábitos e modos de vida em seus alunos e na
sociedade local? Qual foi o impacto desse projeto na região onde se instalou?
Futuras pesquisas poderão explorar o fértil terreno do Instituto
Evangélico, que passou a chamar-se Instituto Gammon, homenageando o seu
fundador Samuel Gammon, após sua morte em 1928. Atualmente, o referido
Instituto continua sendo uma das mais importantes instituições de ensino da
região oeste de Minas Gerais, tanto de educação básica como de ensino superior.
No presente trabalho, tratarei do Instituto Evangélico, mas apenas para situar a
Escola Agrícola como parte daquela iniciativa educacional. Não foi meu objetivo
aprofundar-me na sua análise, ficando esse empreendimento para pesquisas
futuras.
1.1 Presbiterianismo e Educação no Brasil
A Igreja Presbiteriana do Brasil foi uma das primeiras denominações
protestantes a se instalarem no país
5
e que mais se empenharam no que
5
Quanto à inserção do Protestantismo no Brasil, vd LÉONARD (1981); MENDONÇA (1984) e
RIBEIRO (1981)
14
concerne à implantação de projetos educacionais (cf. MENDONÇA, 1984, p. 95;
RIBEIRO, 1981, p. 183). A Inserção dessa vertente religiosa no Brasil deu-se a
partir da expansão missionária norte-americana da segunda metade do Século
XIX. Essa expansão ocorreu como resultado de avivamentos ocorridos nos
Estados Unidos como reação ao esfriamento pelo qual passaram as igrejas no
Século XVIII e início do Século XIX, quando foram grandemente influenciadas
pelo racionalismo (MENDONÇA, 1984, p. 55,57). Por que esses homens e
mulheres saem do conforto do seu país, do seio das suas famílias para se
empenharem nesse trabalho em regiões desconhecidas e inóspitas? O mesmo
pressuposto da Devotio Moderna levou Inácio de Loyola, líder da Companhia de
Jesus, a proclamar: “Minha vontade é conquistar toda terra de infiéis”. A
convicção da urgência do anúncio da salvação para livrar os “pagãos”, os
“gentios” da condenação eterna é o principal motivo apresentado para a expansão
missionária protestante. Ashbel Green Simonton, pioneiro do presbiterianismo no
Brasil, registra em seu diário (19 de Outubro de 1857) um escrito de sua mãe a
propósito de sua decisão de ser missionário no Brasil que evidencia a
mentalidade do crente:
É difícil separar-se daqueles que talvez não vejamos mais na
terra. Mas quando penso no valor das almas imortais que se estão
perdendo pela falta do Evangelho puro -- o conhecimento do
Salvador Bendito -- considero ter alguém que queira sacrificar
tanto e devotar-se todo ao serviço do Mestre. Recomendo você
com orações e lágrimas ao Senhor, que tudo faz para o bem
6
.
Para reforçar a identificação do grupo religioso com a educação escolar é
proclamado em seus discursos que “a Igreja Presbiteriana do Brasil nasceu numa
sala de aula”. Essa afirmação refere-se à estratégia adotada pelo primeiro
missionário, Ashbel Green Simonton para dar início aos seus trabalhos no Rio de
6
A Morte da mãe de Simonton em 1862
15
Janeiro em agosto de 1859, com uma pequena classe de Escola Dominical.
7
Além
da Escola Dominical, com fins declaradamente religiosos, Simonton ocupou-se
também com aulas de inglês como estratégia de aproximação, embora tal
iniciativa (ensino de inglês e das línguas mortas) tenha sido de alcance
inexpressivo devido à falta de interesse dos “nativos” (cf. RIBEIRO, 1981, p. 21,
22).
A ênfase da vertente calvinista na educação escolar expande-se com o
crescimento da Igreja Presbiteriana no Brasil. O próprio Simonton, em 1867,
publica na Imprensa Evangélica
8
artigo que expressa bem a auto-imagem
protestante e norte-americana: “Em outros países é reconhecida a superioridade
intelectual e moral da população que procura as igrejas evangélicas” (apud
RIBEIRO, 1981, p. 183). A escola é concebida como instrumento para
promover/reforçar a referida “superioridade”. Essa percepção leva o projeto
missionário
9
a adicionar aos seus ideais a meta de se ter “uma escola junto a
cada igreja”. Essa proposta tem como objetivo atender aos princípios
fundamentais da sua prática religiosa que exige leitura e interpretação de textos.
Como afirma Ribeiro (1981 p. 183-184):
Ao batizar uma criança, o pastor presbiteriano devia, desde tempos
remotíssimos, receber dos pais o compromisso de “ensinar a criança a ler a
Palavra de Deus”. Ao publicar-se no Brasil o Diretório para o Culto Divino, assim
se determinava: “Os filhos dos membros da Igreja visível, e dedicados a Deus
7
Sobre a Escola Dominical, Villas-Boas afirma: “[...] como o nome já diz, funcionava aos
domingos, geralmente pela manhã, antes ou depois do sermão pastoral [...] Os alunos
matriculados, que podiam ou não ser membros das igrejas, eram classificados pela idade, sob a
direção de um professor, ou professora, estudavam A Bíblia e as doutrinas presbiterianas”
(VILLAS-BOAS, 2000, p. 94)
8
O primeiro jornal protestante publicado no Brasil. Fundado por Ashbel Green Simonton em 1864,
na cidade do Rio de Janeiro.
9
O termo “trabalho missionário” no protestantismo refere-se especialmente à implantação de
igrejas em lugares onde ainda não foi evangelizado ou pelo menos ainda não há a presença da
Igreja.
16
pelo Batismo, estão sob a inspeção e governo da Igreja, e dever-se-lhes-á ensinar
a ler”. Ao apresentar a criança ao batismo, os pais deveriam prometer perante a
Congregação “ensinar-lhe ou mandar ensinar-lhe a ler, para que venha a ler por si
mesmo a Santa Escritura”. Entre os valores a realizar na nova sociedade, talvez
nenhum obtivesse maior ênfase que o da instrução, pois a leitura da Bíblia é
indispensável à fé reformada.
Além dessa necessidade de alfabetização para a leitura e interpretação
do texto sagrado, faz referência à necessidade de oferecer à população
protestante um sistema educacional “alternativo”, uma vez que prevaleciam os
ideais e metodologias católicos romanos nas escolas brasileiras. Acontece, neste
caso, combate ao alto índice de analfabetismo e possibilita ao converso as
atividades básicas para o exercício da sua espiritualidade evangélica, como a
leitura da Bíblia e do livro de hinos. Villas-Boas aponta interesses mais
ambiciosos por parte dos implantadores:
Os missionários presbiterianos demonstraram que era preciso oferecer às
suas comunidades o ensino primário nas escolas “paroquiais” e organizar os
grandes colégios nas principais cidades brasileiras, para formarem os pastores
para as igrejas e professores para suas escolas, como também educarem os
filhos da classe dominante que, mesmo sem se converterem ao protestantismo,
provavelmente seriam tolerantes em relação à nova religião (2000, p. 82).
Ao abordar a experiência educacional da vertente metodista no Brasil,
Mesquida (1994, p. 22) afirma:
Para explicar e explicitar a dialética que une a educação
confessional de origem missionária norte-americana à sociedade
brasileira, propomos, como hipótese fundamental, que a presença
do protestantismo no Brasil [...] deve ser interpretada em relação:
a) ao desejo das elites progressistas da região Sudeste do Brasil
de fins do século XIX e início do século XX de se aproximarem
17
dos EUA e de imitarem o seu modelo político, econômico e
cultural, identificando-se com a concepção de mundo e com os
ideais republicanos e liberais norte-americanos; b) ao interesse
norte-americano de exercer hegemonia cultural, política e
econômica no Brasil; c) ao fato de que a maçonaria, na qualidade
de força social e de centro de difusão dos ideais republicanos e
liberais, contribuiu para a implantação do protestantismo no Brasil
[...] d) à desestruturação da sociedade brasileira durante os
últimos trinta anos do século XIX, fato que oferecia a atores
sociais internos e a agentes sociais externos a oportunidade de
agirem para minar a ordem política, econômica e cultural em vigor
e se tornar possível a presença da Igreja Metodista Episcopal do
Sul dos Estados Unidos, através da educação, e de contribuir para
o expansionismo norte-americano.
No período a partir de 1889, com a proclamação da República, o
ambiente estava propício para as ações protestantes com vistas à sua almejada
reforma da sociedade brasileira. O protestantismo se instalou no Brasil em
meados do século XIX, portanto, ainda no período imperial. Como nesse sistema
o catolicismo era a religião oficial, havia restrições legais referentes às práticas
religiosas estranhas á religião do Estado
10
, mas o protestantismo superou tais
restrições e se instalou definitivamente no país. Com a proclamação da República
e a conseqüente separação da Igreja do Estado e estabelecida a liberdade
religiosa no país, alargaram-se os seus horizontes ainda que tenha permanecido
a perseguição popular, inflamada pela reação Católica Romana (cf. RIBEIRO,
1990; HACK, 2000, p. 68).
Tanto a consolidação da obra missionária como as idéias liberais que
foram ganhando terreno no país no final do século XIX, mesmo antes da
República, para a qual apontavam, possibilitaram aos presbiterianos a expansão
da sua obra educacional. Além do Mackenzie, em São Paulo, muitos outros foram
criados. Segundo Hack (2003), vários colégios foram fundados e muitos deles se
tornaram referência para as demandas liberais. O Ginásio Evangélico Agnes
10
A Constituição de 1824 reafirmando o tratado de 1810
18
Erskine, na cidade de Recife, fundado em 1904, inicialmente referência na
educação feminina do Nordeste, expandiu-se, tornando-se referência também nos
cursos pré-primário, ginásio e normal. O Instituto Ponte Nova, na Bahia, fundado
em 1906, fundamental para a própria criação daquela cidade, dedicou-se
especialmente à educação de jovens daquela região, “oferecendo muitas bolsas
aos alunos pobres” (HACK, 2003, p. 71). Essa escola oferecia, desde a sua
fundação, os cursos primário, ginásio, normal, rural e bíblico, além da sua
parceria com o Hospital Evangélico, também fundado pela missão presbiteriana,
oferecendo o curso de enfermagem. O colégio Quinze de Novembro foi fundado
em 1907 na cidade de Garanhuns – PE e foi uma das primeiras instituições a
oferecer o pré-primário no nordeste brasileiro (cf. HACK, 2003, p. 71). No sistema
pedagógico adotado, houve sempre espaço especial para a música, esporte e
aulas bíblicas oferecidas a todos os alunos. O Instituto Cristão de Castro - PR foi
fundado em 1915, oferecendo o primário e o ginásio, além de outros cursos não
oficializados. Em 1909, o reverendo Aníbal Nora, para atender as necessidades
da sua região, criou em Alto Jequitibá – MG, o Colégio Evangélico do Alto
Jequitibá que, além do primário e do ginásio, oferecia outros cursos tais como
preparação de professores, comércio e, mais tarde, datilografia. O Colégio
Evangélico de Buriti – MT foi fundado em 1924, oferecendo o curso primário e
ginasial e recebendo alunos da sua própria região, de outras do mesmo Estado e
ainda de Goiás e até da Bolívia. Em 1928, em Salvador, foi fundado o Colégio
Dois de Julho, com bibliotecas e laboratórios privilegiados, tendo reconhecida
aceitação na capital baiana e regiões próximas (cf. HACK, 2003, p. 74). Este foi,
portanto, um período de intensificação das ações presbiterianas no que concerne
à educação escolar. Os objetivos religiosos se traduzem em ação social.
19
A idéia de que a educação deveria ser o ponto de referência pelo qual se
deveria “pensar o Brasil” podem ser entendidos como “comunidade de sentido”
11
(Cf. BAZKW, 1985) para as ações protestantes de origem missionária e,
especificamente, dos presbiterianos. Os ideais de progresso, oriundos da
convicção doutrinária de que o homem deve viver para a glória de Deus,
desenvolvendo o máximo o seu potencial para o exercício pleno da sua vocação
que Weber (1996) chama de “ascetismo intramundano” são incompatíveis com a
ignorância e, sobretudo, com o analfabetismo. Esse ambiente favoreceu, portanto,
a justificativa para a criação das escolas protestantes para seus objetivos de
evangelização indireta e reforma da sociedade brasileira.
O entendimento de que a escola é um poderoso meio de redenção da
sociedade e, especificamente aplicado ao caso brasileiro, é encontrado no
discurso protestante desde a sua instalação no país. Em 1913, um relatório de
Horace H. Lane, superintendente no Brasil do trabalho educacional da Igreja
Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos, “refletia a imagem que aquele grupo
religioso procurava construir de si e sobre o Brasil” (NASCIMENTO, 2005, p. 52),
tendo a hipertrofia do valor da educação compatível ao discurso do momento.
Entendia que os norte-americanos possuíam a sabedoria e a competência técnica
para guiar o Brasil a um futuro brilhante. Considerando o seu grande potencial,
deveriam ser associados o Estado republicano e democrático ao progresso
econômico por meio da industrialização. Esses pressupostos movimentaram os
projetos missionários, especialmente no que se refere à fundação de escolas,
desde as paroquiais com vistas à alfabetização até aquelas que tinham objetivos
11
Utilizamos o termo “comunidade de sentido” aqui, no sentido em que Bronislaw Bazkw (1985) o
utiliza: símbolos cujos significados são comuns em determinado contexto, possibilitando a sua
eficácia política, pois comunicam idéias e valores.
20
especificamente voltados para a formação da “competência técnica”. A partir
dessas iniciativas, a reforma da sociedade brasileira seria possível. Por meio
dessas escolas “as classes agrícolas e comerciais encontrariam oportunidades de
aprender a substituir a rotina, a força numérica, e a agiotagem, pelo arado, pela
economia e a honradez” (HILSDORF, 1986, p. 191, 192).
Além de bordar, de forma geral, a educação presbiteriana em Minas Gerais,
esta pesquisa pretendeu analisar a educação presbiteriana em Minas Gerais,
especificamente no que se refere ao ensino agrícola. Para a realização deste
estudo, procurei respostas para questões relacionadas aos princípios educacionais
que nortearam as atividades da Escola Agrícola de Lavras e como a sua fundação e
atividade se articulam com o processo mais amplo de penetração do
presbiterianismo no Brasil. Foi preciso relacionar essa iniciativa com o Instituto
Evangélico, do qual a instituição fazia parte. Foi necessário avaliar as práticas
pedagógicas adotadas pelo Instituto Evangélico em termos gerais e,
particularmente, pela Escola Agrícola. Mesmo que de forma sucinta, foi necessário
apontar também modelos praticados internacionalmente e a sua influência no
discurso dos educadores presbiterianos e nas práticas dele decorrentes. Houve
esforço também para entender, a partir dos documentos, a adaptação desses
modelos às condições regionais. Foram objeto de análise também os objetivos
declarados e implícitos que motivaram os missionários presbiterianos à elaboração e
execução dos seus projetos educacionais. Que qualidades éticas e morais
deveriam ser inculcadas para produzirem novas atitudes mentais, novos hábitos e
um novo modo de vida em seus alunos e na sociedade local? É preciso, finalmente,
dentro das limitações impostas à produção do conhecimento histórico, realizar uma
interpretação do impacto desse projeto na região onde se instalou.
21
FIGURA 1: Vista da EAL na década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
1.2 A Educação Protestante na Historiografia da Educação Brasileira
Desde a década de 1970, quando a pós-graduação em educação se
institucionalizou no país, já se produziam trabalhos acadêmicos na área de
educação sobre as idéias e as práticas da educação protestante, tais como os de
Teixeira (1975), Barbanti (1977) Ramalho (1976). O trabalho de Barbanti, que tem
sido tomado como referência para produções mais recentes, investiga a forma
pela qual as escolas confessionais protestantes surgiram em São Paulo e os
fatores que possibilitaram o seu êxito. Essa pesquisa, além de abordar as
peculiaridades do modelo pedagógico protestante, fornece pistas para o
entendimento das características do protestantismo missionário de origem norte-
americana, além de questões que extrapolam o tema da educação escolar, como,
por exemplo, a relação entre religião e maçonaria e, especificamente, o papel dos
ideais maçônicos para favorecer a implantação do protestantismo no Brasil.
22
Na década de 1980, há os trabalhos de Hack (1985), Hilsdorf (1986) e
Sellaro (1987), e, a partir dos anos 1990, há diversos estudos,como, por
exemplo, os de Mesquida (1994), Machado (1994,1999), Azevedo (1996), Batista
(1996), Bencosta (1996), Laguna (1999), Prado (1999), Matos (1999),Villas-Bôas
(2000), Gomes (2000), Novaes (2001), Rega (2001), Figueiredo (2001), Hack
(2002) Abreu (2003), Nascimento (2005).
Quanto aos trabalhos referentes à educação presbiteriana, objeto desta
pesquisa, observa-se que, assim como ocorre com grande parte das obras
existentes sobre a educação protestante no Brasil, foram produzidos por
estudiosos ligados à própria igreja, o que introduz um viés que não deve ser
desprezado. Reis (1999, p. 11), apoiando-se em Koselleck, afirma que Para se
conhecer uma interpretação histórica, é sempre preciso saber quem a formulou:
um nativo ou um estrangeiro, um amigo ou inimigo, um erudito ou um cortesão,
um burguês ou um camponês, um rebelde ou um súdito dócil. As narrativas
podem se contradizer e, paradoxalmente, ser verdadeiras. Pode-se olhar sobre o
mesmo tempo e representa-lo diferentemente, mas coerente e corretamente.
Não se trata de relativismo e ou subjetivismo, mas de interpretação e
compreensão de uma determinada realidade. Diferenciando-se do mentiroso e do
falsário, o historiador “deve buscar oferecer uma interpretação controlável
racionalmente e, para isso, deve apoiar-se em problemas, conceitos e
documentos” (REIS, 1999, p.12). Esse fator exige uma avaliação especialmente
cuidadosa quanto às fontes utilizadas, a forma como esses autores dialogam com
elas e, conseqüentemente, quanto as suas interpretações. É o que deve ser
analisado nessas obras, considerando sempre a verdade histórica como uma
reconstrução temporal, parcial e não definitiva.
23
Alguns problemas são perceptíveis nas obras mencionadas. Por exemplo,
é bastante comum entre esses autores a análise das ações educacionais do
presbiterianismo brasileiro com base em pressupostos teológicos,
desconsiderando as diversas manifestações históricas da fé reformada. É como
se protestantismo reformado e catolicismo romano tivessem permanecido
inalterados desde o cisma religioso da Europa do século XVI. A educação
protestante é, em conseqüência, apontada como representante da civilização e do
progresso, em contraste com o irremediável obscurantismo da educação católica
romana, de modo que os autores acabam por assumir o discurso do religioso, em
detrimento do discurso do cientista social. Gomes (2000, p. 45), por exemplo, ao
comentar a educação empreendida pelo catolicismo no Brasil desde os jesuítas
até meados do século XIX, afirma: “Esse método obnubilava toda forma de
questionamento, todo juízo crítico, toda consciência reflexiva”. Em outro
momento, ao fazer um balanço do sistema educacional presbiteriano, a partir de
1870, em São Paulo, conclui em contraste: “a ausência de castigos físicos, com
a utilização de reforços positivos, funcionava como um facilitador da
aprendizagem transformando-a numa atividade lúdica” (GOMES, 2000, p. 124).
As fontes normalmente privilegiadas por esses autores (cf. HACK, 1985,
2000; MATOS, 1994) são as oficiais, emanadas da Igreja -- manuais; cartas e
ofícios trocados entre as autoridades eclesiásticas --; do Estado -- legislação;
discursos e imagens da educação norte-americana reproduzidos em jornais da
época. Os trabalhos desses autores tratam a educação protestante de forma
bastante generalizada, pouco se detendo nas especificidades das experiências
em várias partes do Brasil e nas condições concretas de realização dos princípios
e projetos declarados de instrução.
24
É inegável, entretanto, a importância desses trabalhos como referência
para o crescente interesse da historiografia pela ação desses grupos religiosos no
campo da educação. Embora seja indisfarçável um certo ufanismo em relação ao
protestantismo e sua “ação social”, alguns aspectos pouco considerados pela
historiografia da contribuição protestante para a educação brasileira são neles
apontados.
Hack (2000), por exemplo, discutiu a “presença protestante, mormente a
presbiteriana, na evolução do ensino brasileiro”, apontando para o impacto do
sistema pedagógico praticado nos colégios de confissão protestante nesse
sistema educacional, atendendo aos reclames dos educadores que havia algum
tempo proclamavam a necessidade de reformas profundas. Destaca a escola
Americana em São Paulo, por ter sido a pioneira na aplicação do sistema
pedagógico norte-americano no Brasil. Extrapolando os seus próprios limites, a
escola teria se tornado referência para a reforma do ensino paulista e, a partir daí,
para outras regiões. A “educação integral” do ponto de vista evangélico,
enfatizando o preparo do aluno nos aspectos intelectual, cívico e moral, teria sido
o modelo adotado.
O impacto do referido sistema teria ocorrido a partir de “quando Antônio
Caetano de Campos, diretor da escola Normal de São Paulo, resolveu promover
uma reforma no ensino paulista, criando a Escola Modelo, buscou orientação
pedagógica na Escola Americana” (HACK, 2000, p.106). Atendendo a proposta
do então diretor da Escola Americana, Dr. Horace Lane, Miss Márcia Browne,
educadora experiente que viera dos Estados Unidos para atuar no
empreendimento educacional presbiteriano, depois de ser diretora da Escola
Normal de Massachusetts, contribuiu para a implantação do novo sistema
25
pedagógico ao participar da organização e direção de três escolas-modelo em
São Paulo, sendo eles a escola Modelo Caetano de Campos, anexa à Escola
Normal e as Escolas-Modelo do Carmo e da Luz. Hack aponta ainda a “irradiação
do sistema Pedagógico”, a partir de São Paulo, onde Horace Lane e Miss Browne
tiveram direta influência, para os Estados de Santa Catarina, Paraná, Goiás,
Pernambuco, Piauí, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Acre, Alagoas,
Mato Grosso, Pará, dentre outros. Professores formados nas Escolas-Modelo de
São Paulo realizaram reformas semelhantes nas regiões onde foram atuar. Matos
(1999), por sua vez, discute as controvérsias quanto ao lugar da educação nos
projetos missionários presbiterianos, com base em questões levantadas no
Colégio Protestante de São Paulo. A questão era: “deve a Igreja envolver-se com
outras atividades que beneficiam os indivíduos e a coletividade, mas podem
produzir poucos resultados em termos de conversões?” (MATOS, 1999, p. 59).
Além de reforçar a discussão referente à inserção do protestantismo no Brasil,
percorrendo caminho já desbravado por outros autores (cf. LÉONARD, 1981;
RIBEIRO, 1973, 1981, 1987; MENDONÇA,1984; DUKAN, 1984), permite, a partir
dos conflitos internos, uma avaliação das motivações declaradas pelo
protestantismo para os seus empreendimentos educacionais. A controvérsia que
é objeto dessa investigação refere-se à criação dos colégios para formar elites,
visando à reforma social, o que causou divisão entre os próprios missionários
norte-americanos, de acordo com as entidades missionárias por eles
representadas, e os líderes protestantes brasileiros. A partir das fontes
examinadas, Matos aponta as divergências existentes à época quanto aos limites
e abrangência da obra missionária da Igreja e os desdobramentos que tal
26
discussão proporcionou, tanto na ação evangelizadora propriamente dita, como
nas atividades educacionais.
Quanto a isso, na literatura aponta-se a existência de duas vertentes no
protestantismo em sua fase de implantação no Brasil: o que Gomes (2000) chama
de “protestantismo de doutrina”, preocupado em fazer prosélitos por meio da sua
pregação, a evangelização direta; e o “protestantismo de influência”, cuja
pretensão era produzir uma transformação cultural por meio dos seus princípios.
Para essa última vertente a fundação de colégios para a formação de elites era
imprescindível.
Alguns enfoques são comuns nas obras que discutem a ação educacional
protestante, e, particularmente, presbiteriana, no Brasil, tanto por parte dos
autores considerados “de dentro da Igreja” como daqueles considerados
independentes:
1. Reporta-se à abordagem da longa tradição protestante no que se refere
à educação escolar (MATOS, 1999; HACK, 2000, 2003; GOMES, 2000) nos
diversos contextos históricos, apontando as chamadas escolas paroquiais,
instaladas ao lado das igrejas organizadas no Brasil, visando a alfabetização dos
conversos e seus filhos, como parte dessa herança (VILLAS-BÔAS, 2000;
ABREU, 2003; NASCIMENTO, 2005);
2. Aborda-se a necessidade de alfabetização para a evangelização,
considerando uma das características da fé protestante, a de ser baseada
diretamente “no livro”, exigindo assim a leitura e interpretação do texto bíblico
para a assunção de um posicionamento pessoal perante ele.
3. As carências da educação escolar brasileira são entendidas como
“comunidade de sentido” para a proliferação das escolas protestantes
27
(BARBANTI, 1977; HACK,1985; GOMES, 2000; VILLAS-BÔAS, 2000;
NASCIMENTO, 2005).
4. Além das escolas paroquiais que funcionavam como suporte para a
evangelização direta, normalmente os estudos se referem ao projeto mais
ambicioso (e controverso) de criação de colégios para a formação de elites.
5. Outro enfoque comum, refere-se às características do sistema
pedagógico aplicado nas escolas protestantes. A ênfase dada à educação física,
ao trabalho e às ciências (VILLAS-BÔAS, 2000; GOMES, 2000; NASCIMENTO,
2005).
Nos últimos anos, alguns estudos têm procurado aprofundar a análise das
fontes, investindo, inclusive, na diversificação documental e procedendo a novas
leituras de fontes já conhecidas, sob perspectivas de análise mais afinadas com a
historiografia contemporânea. Além de fontes “oficiais” que apresentam os ideais
presbiterianos no que concerne à educação, utilizam-se também as que permitem
uma avaliação da realização concreta desses ideais, tais como cadernos de
professores, cadernos de alunos, fontes orais e iconográficas. São documentos
que ampliam a visão acerca do problema das situações cotidianas decorrentes da
criação e funcionamento das escolas protestantes, permitindo uma avaliação,
inclusive, do nível de eficácia dos seus fundadores em efetivar os seus ideais
pedagógicos. Pode-se estabelecer, por meio desses documentos, uma relação
entre o discurso e a prática.
A pesquisa de Villas-Bôas (2000), por exemplo, sobre as “origens da
educação protestante em Sergipe”, privilegia a pioneira ação presbiteriana
naquela região, que se inicia com a primeira igreja em Laranjeiras, em 1884, e,
em 1886, com a primeira escola. Nesse trabalho a autora trata de uma região até
28
então inexplorada pelos historiadores da educação protestante no Brasil, mais
concentrados no estudo das iniciativas do Sul e Sudeste do país, e amplia o
escopo das fontes regularmente utilizadas. Além dos documentos oficiais da
Igreja e do Estado, utilizam-se nesse trabalho fontes iconográficas e orais.
Abreu (2003) analisa o modelo escolar norte-americano implantado no
Brasil por missionários presbiterianos. Além de diversas fontes oficiais externas,
utiliza como base principal o arquivo privado do ex-proprietário da escola. A
riqueza das fontes mencionadas dá margem a múltiplos questionamentos, abrindo
possibilidades de pesquisas referentes à cidade de Curitiba e a educação
protestante no Brasil. Aponta a autora as dificuldades de inserção do
protestantismo em Curitiba, os conflitos com o catolicismo romano, bem como a
imagem de competência e seriedade dos educadores presbiterianos, que os
credenciou perante à população. Discute ainda a relação entre protestantismo e
movimentos proclamadores da liberdade religiosa, a maçonaria, por exemplo, que
favoreceram a sua ação naquele contexto. A precariedade da educação pública,
desde a formação dos professores até o mobiliário das escolas, é contrastada
com a presença dessas escolas protestantes, o que justifica a aceitação dos
empreendimentos educacionais por parte desse grupo religioso.
A referida pesquisa também suscita questões referentes à presença
feminina no magistério nas escolas presbiterianas, bem como a filosofia
norteadora dos investimentos na formação dos docentes que deveriam dar
continuidade e expandir os projetos iniciados pela Escola Americana de Curitiba.
A análise do programa das disciplinas, bem como da divisão do trabalho escolar,
metodologia de ensino e arquitetura do espaço escolar, possibilitam
considerações sobre a concepção de educação e objetivos para o alunado e sua
29
futura interferência transformadora na sociedade. A Escola Americana de Curitiba,
segundo o referido estudo, deixa implícita a concepção educacional norte-
americana que foi marcante a partir de meados do século XIX: educação para o
trabalho produtivo.
Nascimento (2005) analisa o projeto civilizador norte-americano realizado
em Ponte Nova, atual Wagner, no interior da Bahia. A efetivação desse projeto se
dá por meio de três eixos: religião, educação e saúde. O Instituto Ponte Nova é a
instituição responsável pela formação dos agentes dessa nova proposta
civilizatória. O referido trabalho também não se restringe às fontes oficiais. Ao
contrário, privilegia aspectos do cotidiano que possibilitam a recuperação de
temas outrora relegados ao esquecimento. É explorada, por exemplo, a memória
da mulher, provocando discussões referentes ao processo de profissionalização e
feminização do magistério. Diversos olhares sobre a instituição se manifestam por
meio de “rastros deixados por homens e mulheres muitas vezes apagados da
memória”. São apontadas as diferenças de objetivos e métodos pedagógicos
dessas escolas em relação aos colégios mantidos nos grandes centros. Além dos
documentos oficiais do Estado da Bahia, do próprio Instituto Ponte Nova e das
juntas missionárias, fontes orais, cadernos de alunos, fotografias, folhetos, dentre
outras produzidas por “pessoas comuns”, são utilizados nesse exercício de
interpretação desse projeto, cujo objetivo era moldar as almas.
Como é possível perceber a partir das obras citadas, as abordagens
referentes à educação protestante no Brasil limitam-se quase sempre ao processo
de escolarização formal, deixando de lado processos educativos mais amplos,
que implicavam o estabelecimento de relações nas quais alguma forma de saber
circulava e era apropriado. A Escola Dominical por exemplo, não recebeu atenção
30
por parte dos estudiosos do tema. Trabalhos que discutem a inserção do
protestantismo no Brasil mencionam a Escola Dominical como parte das
atividades da Igreja nascente, a sua relevância para a doutrinação dos fiéis, mas
sem aprofundar a discussão. Embora a pregação por parte dos pastores,
presbíteros ou outros líderes por eles autorizados nos cultos, seja uma atividade
considerada essencial pelos protestantes
12
para a instrução dos fiéis e poderosa
para transformar o seu comportamento, este também não tem sido um tema
abordado nas pesquisas sobre a educação protestante no Brasil. Dos autores
aqui mencionados, apenas Villas-Bôas (2000, p. 94, 95) dedica espaço para
explicar o seu significado e importância para os presbiterianos. Afirma: “essa
instituição de ensino informal e permanente foi um dos mais eficazes instrumentos
de difusão das doutrinas e dos valores presbiterianos no Brasil.”
Uma outra prática educativa protestante que não tem sido explorada
pelos pesquisadores da História da Educação no Brasil é a desenvolvida no
âmbito familiar: o culto doméstico
13
. Esse tipo de culto, a exemplo do individual, é
explorado por Chartier (1991), que aponta a sua relevância para a formação da
cultura nas sociedades protestantes: “Nos países calvinistas, e portanto
alfabetizados, a leitura da Bíblia deve ser uma prática doméstica, popular,
cotidiana”. São, portanto, aspectos ainda inexplorados de forma específica e
profunda, embora mencionados pelos historiadores que discutem o
protestantismo em geral.
12
O Valor da pregação no culto protestante é discutida por Anglada (2005, p. 1): “De fato, na
concepção reformada, a pregação é o meio mais excelente pelo qual a graça de Deus é conferida
aos homens, suplantando inclusive os sacramentos. Os sacramentos não são indispensáveis; a
pregação é. Os sacramentos não têm sentido sem a pregação da Palavra; sendo-lhe subordinado.
Os sacramentos servem apenas para edificar a igreja; a pregação, além disso, é o meio por
excelência pelo qual a fé é suscitada; é o poder de Deus para a salvação.”
13
Para o protestantismo, especialmente os de linhagem reformada, a pregação é elemento
primordial do culto. Afinal, “sem fé é impossível agradar a Deus” (HEBREUS, 11.6) e “ assim, a fé
vem pela pregação, e a pregação, pela Palavra de Cristo” (ROMANOS, 10.17).
31
Mesmo a educação teológica dedicada à formação de pastores,
mencionada nos trabalhos que se referem ao modus operandi do grupo religioso
na sua fase de consolidação no país, não tem recebido um tratamento que
corresponda à importância dada a esse tipo de educação no período. Ribeiro
(1981, p. 258) afirma: “A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos dava grande
importância à instrução de seus pastores e essa importância filtrou-se para a
Igreja Presbiteriana no Brasil”. Essa ênfase é constatada em diversos
documentos produzidos pelos missionários que chegaram ao Brasil na segunda
metade do Século XIX e pelos que foram por eles discipulados.
14
Apesar da
referida ênfase, apenas Moura (1995) ocupa-se desse tema. Avalia a formação de
pastores nas primeiras décadas do presbiterianismo no Brasil por meio de escolas
criadas para esse fim no Rio de Janeiro, São Paulo e, posteriormente, em
Campinas - SP. Procura identificar os egressos dessas escolas e a influência que
exerceram na sociedade como escritores, jornalistas, professores, dentre outras
ações próprias de uma “elite intelectual”. Além de fontes oficiais da Igreja, tais
como atas de concílios, documentos das missões americanas, relatórios diversos,
utiliza também correspondências entre pastores e destes para as juntas
14
Os dois primeiros pastores protestantes ordenados no Brasil foram da Igreja Presbiteriana e não
se formaram em seminário da denominação. O primeiro deles, em 1865, ex-padre, o português
José Manoel da Conceição, foi considerado caso excepcional “porque além de ser um homem de
cultura invulgar, já no seu tempo de sacerdócio católico possuía e pregava idéias evangélicas.
Orientado pelos missionários foi-lhe fácil inteirar-se de nossas doutrinas” (Kerr apud Moura,
1995:22). O segundo, em 1866, o norte-americano George Whitehill Chamberlain, o fundador do
Mackenzie, recusou-se assumir o pastorado sem o preparo formal e foi imediatamente para os
Estados Unidos, onde permaneceu por dois anos estudando teologia no Seminário de Princenton.
Simonton, em 1867, justificando, perante o concílio, a criação de um seminário, afirma: “Aqueles
que se mostrarem alguma vontade e aptidão para serem ministros da palavra de Deus, deverão
ser provados e desenvolvidos por estudos próprios para este fim. Neste século importa que os
ministros de Cristo sejam instruídos não só nas doutrinas da salvação, mas também nas ciências
a fim de que sejam capazes de dar uma razão de sua fé em resposta aos que contradizem a
verdade.Todo o conhecimento é útil para o pregador do Evangelho, o quanto é possível, devemos
esforçarmo-nos para não ficar aquém dos que nos rodeiam. São Paulo foi instruído em todos os
conhecimentos de sua época(...). Em todos os séculos os servos mais influentes e mais úteis
tinham além de dotes superiores da inteligência estudos profundos longos” (atas do Presbitério do
Rio de Janeiro, 1867, p.66,67).
32
missionárias, cartas de alunos para os seus familiares, comentando o conteúdo e
procedimentos das aulas no seminário, e as suas impressões sobre os
professores da instituição. O currículo detalhado do curso teológico com o
ementário das disciplinas e seus objetivos permite análises diversas sobre a
educação teológica no período, objetivando a formação daqueles que, como
intelectuais, deveriam “agir sobre as consciências, de esclarecer os espíritos,
indicar pistas, encontrar soluções” (MOURA, 1995, p.15).
Este breve balanço das análises do protestantismo na historiografia da
educação brasileira revela, portanto, avanços no que se refere ao crescente
interesse pelo tema e as diversas possibilidades de sua abordagem, bem como
as diversas lacunas ainda existentes. Essas lacunas são normalmente justificadas
pela paradoxal ausência de fontes
15
ou pelas dificuldades de acesso a elas . É
preciso lembrar, portanto, o que afirma Fonseca (2003, p. 12): “a nós,
historiadores, cabe utilizar as ferramentas adequadas para localizar as fontes e
saber fazer-lhes perguntas”.
1.3 História da Instituição e suas Fontes
Para a realização deste trabalho levou-se em consideração que "a escola
é uma instituição
social produtora de práticas e características que amplia, adapta
e recria a cultura inclusiva" (ABREU, 2003, p. 2). Dessa forma, o estudo da
instrução agrícola na educação presbiteriana de Minas Gerais considerará tanto a
ação educativa dos sujeitos envolvidos, os programas, conteúdos, práticas
pedagógicas, como as estratégias adotadas para a difusão dos ideais da Escola
15
Villas-Bôas (2000) e Nascimento (2005) [trata-se da mesma autora, com nome de casada,
então, escreva de outro modo] ressaltam a falta de preservação da memória das ações
protestantes por meio de fontes escritas nos locais pesquisados como um paradoxo, considerando
a ênfase protestante no que concerne à leitura e escrita.
33
Agrícola de Lavras e a sua representação no imaginário social da cidade e de
outras regiões que almejavam alcançar. Para esta segunda abordagem,
procurarei interpretar as imagens e textos reproduzidos em jornais, revistas, fotos,
prospectos, cartazes, documentos que expressariam os objetivos dos promotores
e dirigentes da referida instituição, de causar "o consentimento popular, buscando
apoio e legitimidade" da população, seduzindo-as com as mensagens de
modernização e progresso. Como afirma Capelato (1998, p. 47), referindo-se,
porém, a outro contexto, "um poder que não fala pelo décor, pela misen-scéne,
pelas medalhas etc. perderia a adesão do grupo".
Consideramos, na execução do trabalho, a relevância da pesquisa em
história das instituições escolares, onde, como afirma Buffa (2002, p.28): “ao
mesmo tempo fragmentos de várias filosofias, encontram-se na motivação para a
criação da escola, na organização do próprio espaço físico, na convivência, nem
sempre harmoniosa, de mestres e alunos, nas variadas formulações curriculares”.
Assim, procuraremos compreender a relação entre as crenças dos missionários
fundadores da instituição em estudo, as práticas cotidianas de ensino e
aprendizagem, as disciplinas e métodos, bem como os valores que se procurava
produzir e os que foram produzidos, de fato.
As fontes reunidas para a pesquisa empreendida são de vários tipos,
buscadas praticamente em três lugares: Museu Bi-Moreira, da Universidade
Federal de Lavras, onde contei com valorosa ajuda do então diretor do Museu,
Ângelo Alberto de Moura Delphim que dedicou grande parte da sua vida
recuperando, reunindo, catalogando material referente à memória da instituição e
de Marco Aurélio... que está trabalhando no processo de informatização do
referido museu e que também ofereceu preciosa ajuda para a reunião das minhas
34
fontes. No Museu Bi-Moreira
16
tive acesso aos prospectos do Instituto Evangélico,
documentos que revelam objetivos da instituição, bem como o seu discurso
pedagógico, as normas de conduta para os alunos dos seus diversos
educandários e o público que pretendia atingir. Não tive a pretensão de
reconstituir, por meio deles, o cotidiano da escola, considerando a distância
sempre existente entre os que se propõe e o que é possível praticar. Outros
documentos, como registros de depoimentos de ex-alunos e de visitantes,
serviram para aprofundar a interpretação do nível de concretização dos ideais
propostos.
Ainda no museu Bi-Moreira tive acesso a diversos jornais da época,
possibilitando uma visão de como a educação e, especialmente a presença do
Instituto Evangélico e sua Escola Agrícola eram recebidos pela sociedade
lavrense ou, pelo menos, por esses formadores de opinião. Nesses jornais foram
verificados anúncios pagos, publicidade, da responsabilidade da instituição,
revelando as formas pelas quais se apresentaram à sociedade e, especialmente,
ao público que pretendia atingir, bem como argumentos para conquistar a sua
clientela. São elementos utilizados para a construção de um imaginário. Foram
observadas também nesses órgãos notícias relacionadas com a instituição, seus
fundadores e organizadores, permitindo o acesso a uma determinada visão
dessa iniciativa e a imagem dos que as empreenderam.
Parti do pressuposto de que os jornais e periódicos são relevantes fontes
de pesquisa. Luca (2006) chama a atenção para o uso relativamente recente das
fontes impressas como jornais e periódicos como fontes históricas confiáveis.
Embora Gilberto Freyre seja considerado como o pioneiro na utilização dos
16
O museu Bi-Moreira, fundado em 1949 pela Sociedade dos Amigos de Lavras que realizou, pela
primeira vez exposição de peças e fotografias coletadas pelo jornalista Sílvio do Amaral Moreira
(O Bi-Moreira), funciona desde 1980 no prédio Álvaro Botelho, o primeiro onde funcionou a EAL.
35
jornais como fonte de pesquisa histórica
17
, até à década de 1970, esse tipo de
fonte ainda era visto sob a influência da epistemologia positivista, como passível
de suspeita
Os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do
passado, uma vez que essas ‘enciclopédias do cotidiano’
continham registros fragmentários do presente, realizado sob o
fluxo de interesses, compromissos e paixões. Em vez permitirem
captar o ocorrido, dele forneciam imagens parciais, distorcidas e
subjetivas (LUCA, 2006, p. 112).
Nas décadas finais do século XX, prosseguindo a influência da escola dos
Annales, agora da sua terceira geração, que propunha “novos objetos, problemas
e abordagens”, o conceito de fontes e documentos “confiáveis” é profundamente
alterado. Por um lado todo tipo de fonte é reconhecido como parcial por ser uma
produção humana não só na origem das “marcas” deixadas no passado, mas
também, como diz Michel de Certeau (1994), no ato do historiador em separar,
reunir e transformar objetos em “documentos”. Essa compreensão aplica-se às
fontes impressas, orais, imagéticas que, dando continuidade às transformações
motivadas pela Escola dos Annales, adquirem novo “status” a partir do referido
período. Os jornais passam a ser utilizados como importantes fontes históricas a
partir dos anos 80. Comentando sobre a importância desse tipo de fonte, Maximo,
Costa e Gonçalves Neto (2002, p. 4) afirmam:
A imprensa, assim, se constitui num instrumento valioso para
enriquecer as análises no campo da História da Educação, por
veicular uma grande quantidade de informação, pelo fato da
prática jornalística compartilhar da cotidianidade da sociedade,
fazendo emergir “vozes” que têm dificuldades em se fazerem ouvir
noutros espaços sociais.
17
Referência de Freyre...
36
A importância das fontes jornalísticas, os artigos assinados, notícias,
anúncios, editoriais, são considerados relevantes para a construção do
conhecimento histórico tanto pelo seu poder de transmissão de informações como
também pelo seu caráter de formadores de opinião. Servem, portanto, como
referência para a análise de uma determinada realidade social. Quanto aos
anúncios, Kreutz e Ferrari (2008) afirmam:
A análise de anúncios muito contribui para a reconstrução da
história de uma comunidade, seus costumes, estilo de vida, o
desenvolvimento econômico, social e cultural, as questões
técnicas que interferiam diretamente no que era produzido e, não
menos, no próprio pensamento da época.
Entretanto, como deve ocorrer com todas as demais fontes,
reconhecendo as suas peculiaridades e os perigos que elas encerram, como
alerta Luca (2006, p. 116), é preciso superar a abordagem instrumental e ingênua
que toma “os periódicos como meros receptáculos de informações a serem
selecionadas, extraídas e utilizadas ao bel prazer do pesquisador”. Portanto, ao
analisar esse tipo de fonte, procurei tomar os cuidados necessários, considerando
sempre o seu caráter parcial, ideológico, como diz Gazziolin (2006), das matérias
jornalísticas, sejam artigos de opinião ou notícias, que sempre julgam o objeto e
deixam a marca de quem as escreveu. É preciso verificar de quem é a
publicação, o lugar ocupado pelos proprietários do órgão e o público que
pretendiam atingir, o seu contexto, o público que tinha acesso ao jornal, dentre
outras práticas hermenêuticas. Dentre os diversos periódicos que fazem parte do
conjunto de fontes, utilizarei, por exemplo, várias edições do periódico O
Agricultor, publicado pela Escola Agrícola a partir de 1922, buscando uma
compreensão das iniciativas da instituição para alcançar a comunidade além das
37
suas atividades internas. A leitura desse documento levou em consideração o seu
caráter interno e os objetivos da sua produção.
Outro grupo de fontes que fornecem várias possibilidades de análise da
instituição é o abundante acervo fotográfico. Consideraremos aqui a pertinência
desses documentos, conscientes de que elas não são um reflexo ou uma
reprodução exata da realidade. Como foi dito acima em relação às fontes
históricas em geral como produção humana e, portanto, sujeitas à subjetividade,
pode-se afirmar também em relação ao uso da fotografia como fonte histórica e,
no nosso caso, particularmente fonte para a “reconstituição” da história de uma
instituição escolar. Como afirma De Paula (1998, p. 21), sem cair no “ardil de
reflexo do real, mas também livre da angústia da refração ilusionista”. É preciso
estar atento, ao que afirma Kossoy de que o registro por meio da fotografia será
sempre um fragmento da realidade. O fotógrafo e outros sujeitos envolvidos
influenciaram naquela produção. O objeto, o ângulo escolhido. Burke (1992)
também alerta para o fato de que “não apenas a seleção feita por fotógrafos
segundo seus interesses, crenças, valores, preconceitos, etc., mas também seu
débito, consciente ou inconsciente, às questões pictóricas”. Conscientes desses
cuidados, temos na imagem fotográfica, importante suporte para uma
interpretação da vida escolar que nos propusemos investigar.
Fotografias dos formandos de vários anos, contendo o nome e a região
de origem de cada um, bem como lemas que pretenderam nortear as atividades
pedagógicas, acadêmicas, científicas durante a permanência daqueles alunos na
instituição. Esses lemas das turmas em particular, estão sempre vinculados ao
lema geral da Escola Agrícola: “Ciência e Prática” e do Instituto Evangélico, cujo
lema era
: "Formar a mocidade para o viver pleno". As mensagens contidas nas
38
fotografias oficiais das formaturas revelam também diversos elementos da ética
presente no discurso protestante. Atividades práticas na fazenda modelo,
desfiles, práticas esportivas, eventos comemorativos, demonstrações de
pioneirismo em relação a equipamentos, máquinas e raças de animais, também
foram objeto do registro fotográfico que nos propusemos a analisar.
Nesta análise serão observadas também aspectos relacionados ao
espaço utilizado pela escola para realizar as suas atividades. Essa arquitetura
deve ser observada de forma crítica, considerando que ela traz as marcas de uma
época, de uma sociedade. Werle (2004, p. 20, 21) enfatiza a importância da
leitura desses monumentos para a compreensão das relações de poder
envolvidas nas práticas em estudo. História dos prédios escolares, história dos
usos do prédio, forçados/inspirados pelas inovações pedagógicas, por propostas
de segurança, pelo crescimento de demanda”. A própria imagem de inovação e
progresso percebidos em relatos sobre o Instituto Evangélico e sua escola
agrícola poderão ser avaliados à luz dos prédios, laboratórios, internatos, dentre
outras dependências utilizadas como espaço de produção científica.
No Pró-memória Gammon, um pequeno museu mantido pelo Instituto
Gammon, examinei objetos pertencentes aos missionários, sendo alguns
pertinentes ao exercício das suas funções no Instituto Evangélico, além de
fotografias e recortes de jornais. No Arquivo Público Mineiro examinei os
relatórios anuais do então Diretor de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização,
Engenheiro Carlos Prates, do período de 1907 a 1922 , material que possibilita
uma visão do contexto da instrução agrícola em Minas Gerais nesse período, bem
como a relação do poder público com instituições privadas, especificamente a
Escola Agrícola de Lavras. Contei ainda com a colaboração do editor do jornal
39
Lavras News, memorialista da cidade, que disponibilizou seu material sobre a
instituição e a importância que lhe é atribuída para a formação da cultura local.
Como em qualquer objeto da pesquisa histórica, estou consciente de que
foi possível apenas captar versões daquela realidade. Considerando a
impossibilidade de “objetividade total”, como afirma Schaff (1995, p. 282),
exercitei-me para superar a “má subjetividade”:
A objetividade dita pura é uma ficção; o fator subjetivo é
introduzido no conhecimento histórico pelo próprio fato da
existência do sujeito que conhece. Em contrapartida, há duas
subjetividades: a “boa”, ou seja aquela que provém da essência
do conhecimento como relação subjetivo-objetiva e do papel ativo
do sujeito no processo cognitivo; a “má”, ou seja a subjetividade
que deforma o conhecimento por causa de fatores tais como o
interesse, a parcialidade, etc.
A minha análise, portanto, terá como base os sinais do passado sobre o
qual ela se dedica. Esses dados foram analisados de forma crítica, consciente,
entendendo que o historiador é um operador de conhecimentos a partir dessas
evidências. Schaff (1995, p. 307) ressalta:
No seu trabalho, o historiador não parte dos fatos, mas dos
materiais históricos, das fontes, no sentido mais extenso deste
termo, com os quais constrói o que chamamos os fatos históricos.
Constrói-os na medida em que seleciona os materiais disponíveis
em função de um certo critério de valor, como na medida em os
articula, conferindo-lhes a forma de acontecimentos históricos.
Assim, a despeito das aparências e das convicções correntes, os
fatos históricos não são um ponto de partida, mas um fim, um
resultado. Por conseguinte, não há nada de espantoso em que os
mesmos materiais. Semelhantes nisto a uma matéria-prima, a
uma substância bruta, sirvam para construções diferentes. E é aí
que intervém toda a gama das manifestações do fator subjetivo:
desde o saber efetivo do sujeito sobre a sociedade até às
determinações sociais mais diversas.
Assim, o que diferencia o historiador do “mentiroso e do falsário”? A sua
base documental. Ainda que a neutralidade, a objetividade plena, seja impossível
40
e que a sua interpretação não seja única e nem definitiva, o seu trabalho
sustenta-se por suas fontes sempre passíveis de releituras.
O primeiro capítulo do presente trabalho apresenta o Instituto Evangélico
desde à sua primeira fase em Campinas. Narra o processo de criação do referido
colégio, da sua transferência para Lavras, instalação e receptividade por parte da
sociedade oeste mineira. Além disso, procura aprofundar a discussão referente à
filosofia da educação presbiteriana de origem norte-americana que norteava as
práticas da referida instituição. É feita ainda no primeiro capítulo, uma breve
apresentação dos educandários que faziam parte do Instituto Evangélico,
discutindo também de forma sucinta as suas práticas pedagógicas. O objetivo é
contextualizar a fundação da Escola Agrícola de Lavras que dele fazia parte. O
segundo capítulo apresenta o processo de criação da escola agrícola de Lavras,
discutindo as motivações expostas nos discursos dos seus organizadores e os
procedimentos adotados para a sua implantação. Analisa as propostas de
modernização da agricultura brasileira, entendida como elemento fundamental
para tirar o país do atraso e inseri-lo na modernidade. Tais propostas são
intensificadas com a proclamação da República e nas primeiras décadas do
século XX, período do qual esse trabalho se ocupa. Essas ações decorrentes do
discurso de progresso da agricultura é especialmente analisado a partir dos
projetos do governo do Estado de Minas Gerais e como a Escola agrícola de
Lavras se inseriu nesse contexto e as estratégias de diálogo com o poder público
em busca de apoio. O terceiro capítulo discute a organização pedagógica, os
princípios educacionais que nortearam tal prática. É feita a relação entre as
convicções religiosas e a ação social, especificamente as ações pedagógicas da
instituição em estudo, tendo a teoria de Max Weber como chave analítica. A
41
arquitetura do espaço escolar é também objeto de análise, procurando
compreender a sua relação com valores, crenças, objetivos daquele projeto
educacional. O currículo, as disciplinas e os conteúdos nelas propostos são
estudados com o objetivo de entender os saberes considerados necessários à
formação do agrônomo naquele contexto e o que era entendido necessário para
a formação do indivíduo para o viver completo, como se propunha o Instituto
Evangélico em todos os cursos oferecidos e escolas a ele subordinadas. No
quarto capítulo são discutidas as práticas de extensão da escola agrícola de
Lavras e os objetivos apresentados de ir para além dos muros escolares,
atingindo a população que não tinha acesso à educação formal. Eventos são
realizados, livros, opúsculos, boletins, periódicos são publicados. A propaganda
realizada pela escola, por meio das suas publicações, também é objeto de
análise, destacando o “mito do pioneirismo” que construído em busca do
reconhecimento do caráter extraordinário da instituição e da sua importância para
projetar a região na qual estava instalada. Além de estender o acesso aos
saberes considerados necessários à expansão da agricultura científica, moderna,
com vistas ao progresso, serviram para a construção de um imaginário em torno
da escola. Neste mesmo capítulo são discutidas as evidências de eficácia das
estratégias adotadas pela Escola Agrícola de Lavras para se inserir na sociedade
lavrense e oeste mineira, bem como os obstáculos para que esse imaginário
fosse construído.
Com essa abordagem, portanto, a presente pesquisa pretende contribuir
para a ampliar a discussão sobre a educação protestante no Brasil,
principalmente no que se refere a Minas Gerais. Discutir as relações entre
convicções religiosas e a "ação social", especificamente no que se refere à prática
42
educacional e as suas implicações na construção da sociedade. Avaliar a relação
entre o projeto educacional presbiteriano em Minas Gerais e a "americanofilia"
instalada no imaginário social brasileiro a partir de meados do século XIX.
Consciente da impossibilidade de, como qualquer estudo, esgotar o assunto
abordado, espero que a presente pesquisa contribua para aprofundar o exame
da relação existente entre a instrução agrícola efetivada em Lavras e os objetivos
protestantes, particularmente, presbiterianos, de reformar a sociedade brasileira.
43
2 O INSTITUTO EVANGÉLICO DE LAVRAS
O Instituto Evangélico foi fundado em 1869, por iniciativa dos missionários
George Morton
18
e Edward Lane
19
, em Campinas, São Paulo, tendo sido a
primeira escola de confissão protestante a se instalar no Brasil
20
. Quando foi
fundado, o seu nome era Instituto de Campinas, e logo depois passou a se
chamar Colégio Internacional. Morton solicitara à sua igreja de origem a
instalação de um posto da Missão em Campinas, tendo como argumento o
grande número de norte-americanos confederados que haviam se instalado na
região
21
, motivados, provavelmente, pelo fato de as terras ali ainda terem baixo
custo de aquisição, e pela chegada da estrada de ferro de construção norte-
americana, que contribuiria para o rápido progresso daquela região (cf. HACK,
2000, p.81). Barbanti comenta essa opção por Campinas por parte da Igreja
Presbiteriana do sul dos Estados Unidos:
Sendo inadequada a abertura de uma frente missionária na capital
da Província, já ocupada pelos pastores nortistas, a cidade de
Campinas apareceu como local ideal para o início dos trabalhos
da Igreja Presbiteriana do Sul. Além de estar situada nas
proximidades da colônia sulista de Santa Bárbara, Campinas era
já, nessa época, um grande centro, rival de São Paulo. Zaluar e
Tschudi, que a visitaram no início da década de 60, concordam
em descrevê-la como uma cidade progressista, sustentada pelo
18
Tenente do Exército Confederado que depois da guerra formou-se no Union Telogical Seminary,
de Richmond, Virgínia, e foi enviado ao Brasil pela Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos.
19
Edward Lane, imigrante irlandês, órfão, criado nas ruas de Nova Iorque, foi recolhido por uma
família presbiteriana, proprietária de uma das muitas olarias que auxiliavam o levantamento de
prédios na futura metrópole. Lane chegou ao Brasil no ano de 1869, vindo dos EUA como
missionário presbiteriano. Juntamente com outro missionário, George Morton, organizaram, em 10
de julho de 1870, a Igreja Presbiteriana de Campinas, que deu origem à 1ª Igreja Presbiteriana
Independente, em 1903.
20
O Colégio Internacional foi a primeira escola de ensino secundário, pois as escolas paroquiais,
de primeiras letras, cuja finalidade era a alfabetização para ampliar as possibilidades de leitura e
interpretação do texto bíblico, já existiam ao lado das igrejas desde a sua fundação.
21
Guss (1997) realiza investigação antropológica sobre a presença dos norte-americanos
confederados no Brasil, privilegiando a adaptação/conservação dos costumes do referido grupo.
44
comércio do café que aí encontrara terrenos propícios para o seu
desenvolvimento e a que estaria assegurado um futuro promissor
com a próxima instalação da estrada de ferro, ligando-a ao porto
de Santos. A presença de protestantes nesse núcleo, devida não
apenas aos ingleses que trabalhavam na implantação dos trilhos
da ferrovia, como à sua condição de centro de zona de intensa
colonização alemã, era tão significativa que, para atendê-los,
Campinas tinha o seu cemitério protestante. Interessa-nos, porém,
a situação de Campinas como centro político e social de antigos
liberais e republicanos.
Morton dirigiu a escola até 1879, quando foi afastado por questões
administrativas. Em seu lugar, assumiram John Dabney e Edward Lane. Em 1892,
devido ao alarmante surto de febre amarela havido naquela região
22
, que causou
a morte de diversos missionários presbiterianos, incluindo Dr. Lane, a escola, com
a autorização de Gammon, que havia seguido para os Estados Unidos, encerrou
as atividades em Campinas no mês de novembro daquele ano. Foi então
transferida para Lavras, iniciando lá suas atividades em 1893, já como Instituto
Evangélico. A escolha de Lavras deu-se após visitas dos missionários a diversas
cidades, devido ao entendimento de que a localidade dispunha de condições
climáticas favoráveis.
Lavras do Funil havia sido fundada por bandeirantes paulistas na primeira
metade do século XVII, chamando-se posteriormente Terras de Sant’Ana de
Lavras do Funil. Os primeiros habitantes estavam empenhados na exploração do
ouro. Como o metal logo se tornou escasso na região, a agricultura e pecuária
passaram a ser as atividades básicas. Com a construção da capela de Santa Ana
em 1751, o povoado cresceu, passando à condição de Vila em 1831. Em 1868,
houve a emancipação política, recebendo a cidade o nome de Lavras. Além do
clima, referido nos prospectos do Instituto Evangélico dos primeiros anos do
22
Santos Filho e Novaes (1996), tendo como enfoque a história da epidemia de febre amarela em
Campinas em 1889 e o significado desse mal para a cidade, apresentam em detalhes os vários
surtos de febre amarela que assolaram Campinas, paralisaram o desenvolvimento e deixaram a
cidade em estado de estagnação.
45
século XX, como “uma das mais aprazíveis cidades da salubérrima zona do Sul
de Minas”, e do seu potencial econômico, outro elemento que contribuiu para a
formação da cidade é a sua localização, considerada estratégica. Inicialmente
favorecendo o acesso dos bandeirantes que se deslocavam para o interior das
Minas Gerais em busca de ouro e, posteriormente, pela proximidade com
estradas que a ligam a regiões consideradas importantes. Clara Gammon relata
as características da cidade, quando lá chegou a Missão Presbiteriana em 1892:
As ruas eram poeirentas ou lamacentas, conforme a estação, e
ainda rasgadas pelas rodas dos pesados carros de boi. As casas,
em geral, eram de construção simples, mas sempre pintadas de
cores variegadas. Na praça central, grande e deserta, onde se
erguia a Igreja matriz, havia um certo número de sobrados, onde
vivia a elite. Essas casas, de estilo colonial, eram bem mobiliadas
e adornadas com pinturas e revestimento caprichoso, refletindo o
luxo e a riqueza de dias prósperos. Nos arredores da cidade,
porém, se amontoavam os casebres cobertos de capim, atestando
a maior pobreza [...] Essa foi a cidade que o Dr. Gammon
escolheu para a sua morada e centro de seu grande
empreendimento.
Samuel R. Gammon, além da direção da escola, cuidava da Igreja
Presbiteriana nascente em Lavras e da expansão missionária por toda região
oeste de Minas. Matos (2004, p. 240) afirma:
Tão logo chegou a Lavras, no dia 8 de julho de 1893, Gammon
dedicou-se ao trabalho evangelístico, tanto na cidade (seu
primeiro sermão foi sobre 1 Coríntios 2.2), como nas localidades
de Cana Verde e São João Nepomuceno [...] Gammon fazia suas
viagens montado em “Souza”, o fiel cavalo que o transportou por
cerca de 20 anos [...] Além de Cana Verde e Nepomuceno,
visitava outros locais tais como Congonhal, Carrancas, Três
Pontas, Perdôes,Campo Belo, Candeias, Formiga, Arcos Porto
real, Pains, Pimenta, Pinhuí e Bambuí, chegando até Serra da
Canastra e Mata da Corda [...] Na época das chuvas, também
dedicava a escrever. Produziu um Catecismo para Conversos,
que chegou a oito edições, bem como comentários sobre várias
epístolas do Novo testamento (Pedro, Judas e Tiago) e artigos e
sermões para o Púlpito Evangélico.
46
Para que fosse possível a realização de tantas atividades, contava com a
colaboração dos outros missionários, destacando-se Carlota Kemper, que cuidava
da escola de meninas (que, posteriormente, levou o nome dessa missionária),
Willie Gammon, sua primeira esposa
23
, conhecida pelos brasileiros como D.
Guilhermina, que fundou o “Covenanters”, agremiação em que os candidatos ao
ministério se preparavam para prosseguir no seu preparo, Sallie Chambers, Eliza
Moore Reed, o casal Armstrong. Posteriormente, chegaram dos Estados Unidos o
Dr. Benjamin Hunnicutt e sua segunda esposa, Clara Gammon, para implantar a
escola agrícola. Além desses, alguns brasileiros aparecem nos registros dos
colaboradores do missionário: José Ozias Gonçalves, que mais tarde seria pastor,
Francisco Augusto Deslandes, único protestante professo encontrado em Lavras,
Guilherme, ex-escravo convertido ao protestantismo e que acompanhava o
reverendo em suas viagens. O Coronel José Custódio da Veiga, que depois seria
presbítero da igreja, também é destacado como colaborador em viagens, e, com o
seu prestígio político, contribuiu para a criação e oficialização do Ginásio de
Lavras.
A escola foi instalada numa chácara alugada por Samuel Gammon, no
extremo da cidade
24
, e o início das aulas deu-se no dia primeiro de fevereiro de
1893. O pequeno número de alunos do início desse novo empreendimento gerou
o seguinte comentário por parte do fundador, conforme registrou em seu diário:
Hoje comecei o trabalho ao qual dediquei minha vida. Nossa
escola abriu-se hoje e, segundo penso, vejo nela muitos anos de
vida. Nosso começo foi pequeno: somente sete rapazes esta
manhã, mas, muitas empresas de grande vulto são o resultado de
23
Willie Gammon faleceu no dia 17 de junho de 1908. Samuel Gammon casou-se novamente no
dia 28 de fevereiro de 1911 com Clara Gennet Moore Gammon.
24
Essa mesma chácara seria adquirida pela Missão Presbiteriana em 1903, possibilitando a
instalação definitiva do Colégio.
47
pequenos começos. Que Deus nos abençoe e nos faça grandes;
“para ELE olho e NELE confio”
25
FIGURA 2: Samuel R. Gammon, o fundador do Instituto Evangélico de Lavras
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
No registro da memória do fundador, Clara Gammon relata o crescimento
da escola, que, uma semana depois do início das aulas, já contava com 14
alunos. Como o crescimento continuou, foi logo necessário transferi-la para salas
maiores. Gammon enfoca a escola de meninas, destacando a sua proeminência
nesse primeiro momento da instituição. Ao comentar a destinação social das
primeiras turmas ali formadas, reforça as impressões sobre os ideais daquele
projeto educacional:
O Instituto estava crescendo. A Igreja e a cidade também
progrediam. Depois da primeira turma, houve mais dezesseis
25
O fundamento das esperanças do reverendo Samuel Gammon, conforme o registro supracitado,
bem como o lema do colégio: “Dedicado à Glória de Deus e ao Progresso Humano”, aponta para
um dos aspectos que pretendo analisar no trabalho: a influência da convicção religiosa na ação
social.
48
diplomados no Ginásio, quatro na Escola Agrícola e duas no
Colégio Kemper. Eram moços de que a escola podia orgulhar-se e
que, no correr dos tempos, têm honrado a “alma mater”. Três se
formaram em Medicina, cinco ou mais foram professores, três
vieram a ser presbíteros e oficiais nas igrejas evangélicas e outro
secretário de Estado. Diversos alcançaram posição de destaque
no serviço público (GAMON, 2003, p. 129).
A idéia era formar agentes de mudança, capazes de contribuir para o
progresso da nação brasileira, fazendo “brilhar a luz do Evangelho” nesta terra: a
reforma da sociedade. Em uma conferência realizada no Rio de Janeiro, em 1912,
que Samuel Gammon foi incumbido de falar sobre o tema: “A Contribuição das
Escolas Evangélicas para o Progresso do Brasil”, esses ideais são apresentados.
Discuto neste capítulo a fundamentação filosófica desse projeto
educacional e, com base nas fontes levantadas, a forma como tal pensamento foi
efetivamente implantado na instituição. Tendo apresentado a instituição em traços
gerais, passo a analisar a seguir sua presença e o seu impacto na sociedade,
abordando inicialmente a fase de Campinas, uma vez que o Instituto de
Campinas, o Colégio Internacional, mesmo com as diferenças impostas pelo
diferente contexto, o Instituto Evangélico de Lavras veio a ser, afinal, uma
continuação do Colégio Internacional.
2.1 A Fase de Campinas
Uma pergunta que surge ao se considerar a fundação dessa primeira
instituição de confissão protestante no Brasil no século XIX é: como isso foi
possível, considerando as restrições impostas aos protestantes e a outros
segmentos religiosos acatólicos pela legislação do Império? Além da legislação, a
própria formação da sociedade em que essas escolas seriam criadas, fundadas
no catolicismo, não representariam resistências fatais aos projetos protestantes?
49
Na Constituinte de 1823, o artigo referente à religião oficial e outros
credos que coexistiam no Império fora motivo de muitos debates. Dentre as
posições favoráveis à liberdade religiosa, Costa (1999) cita as dos deputados
Nicolau de Campos Vergueiro, de São Paulo, Francisco Gê Acayaba de
Montezuma, futuro Visconde de Jequitinhonha, Francisco Carneiro de Campos,
da Bahia, Felisberto Caldeira Brant Pontes, e seus respectivos discursos em
defesa da liberdade religiosa. Ribeiro (1973, p. 30), afirma:
Entre os constituintes evidencia-se a presença de idéias relativas
à liberdade de culto como direito inerente ao ser humano; ao
estado cabe proteger esse direito. Essas idéias partilhadas por
membros do clero e por leigos, indicam a influência e a
penetração do iluminismo, na formação dos próceres políticos e
religiosos brasileiros. Embora ‘essencialmente cristão e católico’,
contudo o iluminismo português foi também regalista, antijesuítico,
e resultou, no Brasil, em tolerância com outros cultos.
A Constituição de 1824 trazia o catolicismo como religião oficial,
estabelecendo limites à ação dos protestantes. Esses limites, com alguns
avanços em termos de abertura, foram reproduzidos do “Tratado de Amizade e de
Aliança”, de 1810, segundo o qual os protestantes só poderiam realizar os cultos
na língua do seu país de origem, seus templos não poderiam ter sinos e nem
aparência de templos religiosos, mas de residências comuns, com entrada pelos
fundos. A prática do proselitismo era também proibida aos protestantes, sob pena
de ser o transgressor deportado imediatamente ao seu país de origem. De acordo
com a Constituição de 1824,
A religião Católica apostólica Romana continuará a ser a religião
do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu
culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem
forma alguma exterior de templo (Apud COSTA, 1994, p. 103 ).
50
Para
Barbanti (1977), condições adversas para a implantação e
desenvolvimento dessas instituições na Província de São Paulo foram, além do
regime monárquico, com o catolicismo como religião oficial, a própria mentalidade
pedagógica conservadora vigente, herança dos tempos coloniais. Entretanto,
segundo Barbanti,
Quando se investigam mais profundamente os diversos aspectos
dessa configuração de época, contudo, constata-se a existência
de fissuras em sua aparente solidez conservadora e germes de
renovação, que facilitariam a atuação pedagógica protestante em
São Paulo. Além de haver entrado num período de grande
desenvolvimento econômico propiciado pela cultura do café, -- e,
momentaneamente, do algodão --, a província de São Paulo tinha-
se tornado o novo centro cultural do país, palco de agitadas
manifestações de ideais liberais e democráticos que, no campo da
educação, reivindicavam o modelo americano da escola para
todos, científica e prática (1977, p. 2).
Leonard (1981) destaca, por sua vez, o relativo “liberalismo brasileiro” que
se revela na tolerância religiosa, até mesmo por parte do clero. Na prática, apesar
dessas restrições legais, os protestantes desfrutaram de certa liberdade para
divulgar suas idéias. A resistência da Igreja católica romana dava-se mais
diretamente no discurso, na advertência dos padres com relação ao perigo das
heresias protestantes. O embate se deu, em muitas regiões, por meio da
polêmica religiosa por meio de jornais, panfletos de publicações internas das
dioceses católicas e das igrejas protestantes. Nessa resistência direta há registro
de conflitos isolados que geraram violência física, normalmente pela massa
inflamada pelos discursos dos religiosos
26
.
Barbanti (1977, p. 147) destaca também a importância da maçonaria no
processo de implantação dos projetos educacionais do protestantismo norte-
americano no Brasil, especificamente na Província de São Paulo. Discute a
26
No que se refere às “reações católicas” e conflitos entre católicos e protestantes, ver Léonard
(1981) e Ribeiro (1990)
51
tradição maçônica dos norte-americanos sulistas e as iniciativas para a
implantação de lojas na região onde haviam se instalado. Leonard também
destaca a aliança do protestantismo com a maçonaria como elemento
fundamental para a concretização dos seus ideais.
Além da penetração das idéias iluministas, do liberalismo em particular,
um outro aspecto considerado decisivo para a referida tolerância era a questão da
utilidade dos estrangeiros. Havia a necessidade de povoação do Brasil, e do
suprimento de mão de obra habilitada. Esse aspecto é discutido por Costa (1999,
p.106), tendo como fundamento os discursos do deputado constituinte Felisberto
Caldeira Brant Pontes. Se essa questão da liberdade religiosa, sustentada por
tendências liberais, foi amplamente debatida em 1823 e 1824, a partir da segunda
metade do século XIX, quando o protestantismo de missão
27
instalou-se
definitivamente no Brasil, e do final do Império, quando algumas instituições
escolares foram criadas, a começar do Colégio Internacional, em Campinas, a
referida tolerância advogada por diversos intelectuais e políticos já havia se
solidificado, ampliando assim a ação dos protestantes. Em Campinas-SP, quando
o Colégio Internacional foi criado, a elite intelectual de idéias liberais posicionou-
se favoravelmente ao empreendimento, oferecendo o seu apoio.
Uma outra explicação para a possibilidade de criar um colégio protestante
no período em que a Igreja Católica Romana era oficial é a situação dos ensinos
elementar e secundário no período. Devido à descentralização desses estudos,
determinada pelo Ato Adicional de 1834, ficou favorecida a criação de escolas
particulares, dentre elas as confessionais, inclusive protestantes, considerando a
27
O protestantismo de missão que se instalou no Brasil a partir de meados do século XIX é
contratado com o protestantismo de imigração, que não tinha o objetivo específico de fundar
igrejas e fazer prosélitos entre os brasileiros.
52
tendência para a tolerância religiosa por parte do poder público e da elite
intelectual. De acordo com Haidar (1972, p.16),
A precariedade das escolas públicas e a pujança da contribuição
privada, em termos quantitativos enormemente superior à do
ensino público na área dos estudos secundários, acabaram por
gerar a crença de que a completa liberação da iniciativa particular
deveria, não apenas propiciar sua maior expansão, como
favorecer-lhe o aprimoramento, criando condições mais favoráveis
a inovações e experimentações. A total liberdade de abrir escolas,
vigente de direito ou de fato, na Corte e nas províncias, a partir
dos anos finais da década de 60, se promoveu o crescimento
numérico dos estabelecimentos particulares de ensino [...]
Além dessas condições que favoreciam a tolerância, o Colégio
Internacional beneficiou-se da legislação da Província de São Paulo. A lei número
54, de 15 de abril de 1868, e o respectivo regulamento, de 18 de abril de 1869,
desobrigaram as instituições particulares da supervisão oficial (BARBANTI, 1977,
p. 35). Anteriormente, além dos atestados comuns a todos os requerimentos de
licença para a fundação de escolas particulares, para os estrangeiros de
confissão protestante deveria constar o compromisso de ensinar somente aos
filhos dos seus patrícios.
É possível afirmar, portanto, que as escolas protestantes de ensino
secundário que foram fundadas no Brasil Imperial aproveitaram-se da flexibilidade
da legislação referente à criação de escolas desse nível de ensino. O
desmantelamento do ensino público e o discurso liberal quanto ao caráter
imprescindível da educação para a construção do país favoreceram a criação e
expansão das referidas instituições.
Mesmo sendo de curta duração, a permanência da escola em Campinas
parece ter influenciado, enquanto ali esteve, uma parte da elite local, instalando-
se em seu imaginário social como uma agência do progresso nos moldes norte-
53
americanos. Não se pode afirmar, em princípio, que o Colégio Internacional tenha
cumprido em Campinas os seus objetivos de formar elites dirigentes, embora haja
evidências de que alunos egressos dessa instituição tenham ocupado cargos
públicos e outras funções de destaque na sociedade. Não é objetivo aprofundar
essa questão, mas ater-se apenas na acolhida dos referidos ideais por parte da
elite já constituída.
A Gazeta de Campinas, de 14 de dezembro de 1871, noticia uma das
reuniões na casa de Morton, em que importantes cidadãos reuniram-se a fim de
propor medidas para a organização dessa escola, que deveria formar “mestres e
legisladores”. Entre os presentes estavam o próprio redator do jornal, Francisco
Quirino dos Santos, Dr. Manuel Ferraz de Campos Salles, futuro Presidente do
Brasil, e Francisco Rangel Pestana, jornalista e político. Este último, importante
personagem envolvido com as questões educacionais, liderou reformas
importantes no ensino paulista, e logo veio a integrar o corpo docente do Colégio
Internacional (HACK, 1981)
28
. Todos esses homens da elite intelectual local
estabeleceram relações muito próximas com Morton, o fundador da instituição,
que a dirigiu por 10 anos. De acordo com Barbanti,
George Nash Morton, a quem foram confiados os trabalhos de
fundação do “Colégio Internacional”, era uma figura bastante
interessante, não apenas pelo seu pensamento pedagógico, mas
também pela sua personalidade. Oriundo de antiga e aristocrática
família da Virgínia, idealista, ousado nos seus empreendimentos,
Nash Morton aliava aos traços românticos e aventureiros de seu
caráter, um espírito culto e refinado, próprio das tradições
cavalheirescas. De formação liberal, republicano, possivelmente
maçom, Morton estabeleceu, logo após sua chegada a Campinas,
um largo currículo de relações. Este abrangia, além de seus
compatriotas imigrados e pastores das outras igrejas reformadas –
Morton foi padrinho, por exemplo, do segundo casamento do
pastor Newman, metodista de Santa Bárbara – políticos como os
do grupo de Campinas e os irmãos Morais Barros, de Piracicaba,
28
A relação entre as idéias de Rangel Pestana, as reformas por ele empreendidas e os projetos
educacionais presbiterianos são discutidos por Hack, 1981, e Reis Filho, 1995.
54
e os redatores de “A Província de São Paulo”, órgão que lhe
divulgou as idéias, enfim, gente como ele, liberal, republicana,
maçom e anticlerical. Foram eles que proporcionaram a Morton
grande parte da clientela do seu estabelecimento, demonstrando
sua adesão aos princípios religiosos, políticos e pedagógicos do
colégio (1977, p. 58).
No discurso de republicanos e positivistas, que reivindicavam maior
liberdade no pensar, o Colégio encontrou terreno fértil. Sem entrar no mérito das
questões religiosas, esses intelectuais entendiam ser de grande importância a
instalação dessas escolas para o progresso do país. Almejavam a construção de
um “espírito democrático”. Barbanti (1977, p.148) ressalta que, paradoxalmente,
havia embate de idéias entre protestantes e positivistas quando a doutrina
religiosa e as idéias positivistas eram confrontados, citando a polêmica travada
nas páginas de A Província de São Paulo, em 1880, por George Nash Morton, e
Luis Pereira Barreto. Apesar das divergências em diversos pontos, os positivistas,
pelos motivos mencionados, não se recusaram a apoiar os projetos educacionais
protestantes, especificamente, no Colégio Internacional de Campinas. Esses
apoios contribuíram para a inserção da instituição no imaginário social, recebida
como símbolo de desenvolvimento e progresso. Clara Gammon, esposa do
reverendo Samuel, ressalta:
o colégio não só floresceu como adquiriu larga fama, com uma
matrícula de cento e cinqüenta alunos, o máximo que ele
comportava. Entre o seu corpo discente havia alguns rapazes que
mais tarde desempenhariam as mais altas funções na política e
nas letras do Brasil (2003, p. 36).
Em artigo publicado em 1916 na revista do Centro de Ciências, Letras e
Artes de Campinas, o ex-aluno Erasmo Braga, educador, destaca o alcance do
Colégio Internacional e cita um outro ex-aluno ilustre, o Senador José Pereira de
Queiroz, que, ao visitar a escola, ressaltara as suas impressões:
55
Que emoção me causa essa visita. Quanta saudade ela evoca, de
mais de 40 anos! Aqui comecei a cultura do meu espírito. Daqui
levei os alicerces do meu caráter. Para tudo tanto concorreu G. N.
Morton- protótipo do educador (Apud. HACK, 2000, p. 84).
Essas afirmações, mesmo sendo ato de cortesia de um visitante, político,
e do entusiasmo do autor do texto citado, indicam que parte dos objetivos iniciais
da escola – formar uma elite influente e dirigente -- desenvolveram-se bem no
curto período em que esta funcionou em Campinas.
Por se tratar de uma instituição educacional ligada à Igreja, com objetivos
de alcançar a alma dos brasileiros, “salvando-as das trevas impostos pela idolatria
papista”, vários missionários vieram colaborar com o projeto, somando a outras
atividades voltadas para o empreendimento de consolidação do protestantismo no
Brasil. Em 1889, chegou a Campinas o Reverendo Samuel Rhea Gammon, que
viria ser o diretor do colégio em 1891, auxiliado por D. Carlota Kemper e D.
Katharina Bias. Barbanti (1977) ressalta os objetivos dessas escolas de fazer
prosélitos para a fé reformada, motivação para os investimentos de recursos e
pessoal qualificado que garantiram o seu êxito.
2.2 A Transferência para Lavras- MG
Se, em Campinas, a escola havia atingido positivamente o imaginário
social de uma parte da “boa sociedade” como símbolo de modernidade e
eficiência pedagógica, chegando a ter cento e cinqüenta alunos, em Lavras, os
seus fundadores ainda teriam muito trabalho para conquistar a clientela,
especialmente porque as condições sociais de Lavras provavelmente não
inspiravam tanto progressivismo e reformismo social como na economicamente
pujante cidade de Campinas do século XIX. Seria de se esperar certa
56
desconfiança da sociedade local, ao menos, menor entusiasmo pelo
empreendimento educativo dos presbiterianos da Missão.
O ambiente cultural de Lavras, ainda que tenha proporcionado certa
tolerância para com os missionários e suas atividades, oferecia maior resistência
do que a encontrada em Campinas-SP. Em termos oficiais não houve imposição
de obstáculos, e ao que parece a resistência enfrentada pelos missionários
presbiterianos seguia as mesmas características de outras regiões do país
naquele período. Em setembro de 1895 uma missão de frades católicos visitou a
cidade, lá permanecendo por um mês, para fortalecer as convicções dos seus
fiéis e prepará-los para resistir às investidas dos hereges protestantes. Essa ação
missionária levou a multidão enfurecida a ameaçar a invasão e destruição das
escolas do Instituto, e impedir o povo de freqüentar os cultos. Segundo
depoimento dos próprios missionários, a polícia agiu com firmeza para proteger
as instituições protestantes e parte da população também se posicionou em sua
defesa. Conforme registro no livro de memórias de Clara Gammon, o capitão
Evaristo Alves teria tranqüilizado os missionários, dizendo: “É somente a ralé que
está ameaçando os senhores, o melhor povo está do seu lado, mas é a ralé que
atira pedras” (2003, p. 73).
Em um dos seus relatos, Samuel Gammon, afirma que a partir dessa
ocasião, a resistência católica assumiu uma outra forma, considerada por ele
mais prejudicial. Os padres vigiavam a população, cercando-a nas ruas,
procurando dissuadir freqüentadores dos cultos e alunos das escolas a se
afastarem dos protestantes. O preconceito quanto à confissão religiosa revelava-
se também de forma sutil e, nos relatos dos perseguidos, às vezes, cômica.
Nessa batalha simbólica cada grupo utiliza-se das armas que possui: os católicos
57
gerando o medo, o preconceito, produzindo uma imagem de protestantes como
exóticos, estranhos. Os protestantes, por sua vez, em seus relatos, ridicularizam
as estratégias adversárias, reforçando a idéia de obscurantismo e atraso, bem
como de desespero para deter os seus fiéis. Clara Gammon, relata:
Havia muita curiosidade em Lavras a respeito dessa penetração
protestante. O povo simples, instruído pelo vigário, fazia os mais
extravagantes juízos acerca dos missionários, inclusive das suas
condições físicas: se teriam mesmo “pé de cabra” ou “pé de pato”,
como se dizia. A parte culta da população, porém, os recebeu com
demonstrações de respeito e apreciação, estabelecendo desde
logo com eles amizade duradoura, embora não se interessassem
pelo lado espiritual da missão (2003, p. 58).
A experiência de Lavras, portanto, revela que esses conflitos não se
relacionaram, necessariamente, com a condição do catolicismo como religião
oficial do Império. Ao contrário, tais conflitos até se intensificaram nas primeiras
décadas da República, uma vez que, por um lado os protestantes, amparados
pela liberdade religiosa, intensificaram o ataque “aos desvios de Roma” em suas
prédicas e, por outro lado, a Igreja Católica empenhava-se por recuperar o poder
perdido com a separação da Igreja do Estado.
29
2.3 Filosofia da Educação Presbiteriana de origem norte-americana no
Instituto Evangélico de Lavras-MG
A idéia de “progresso” presente no discurso dos missionários norte-
americanos manifesta-se nos cursos oferecidos pela escola, que, segundo a
propaganda, visava a formar para “o viver completo”. É preciso lembrar que essa
concepção dos objetivos da educação escolar não é exclusiva do protestantismo
reformado, mas encontra apoio em diversas das suas doutrinas, favorecendo a
29
Sobre as estratégias católicas para manter-se como a religião dos brasileiros, apesar da sua
nova condição sob a República, ver Marques (1995)
58
sua adoção e o desenvolvimento de particularidades. O entendimento de que “a
educação consiste em obter preparação completa do homem para a vida inteira”
(GADOTTI, 1996, p. 111), alimenta no século XIX um amplo debate, em que a
“educação intelectual, física e moral”, de Spencer, pode ser citada como exemplo.
Como afirma Souza (2000, p.3-4),
no decorrer do Século XIX, conteúdo e método de ensino fizeram
parte de intenso debate sobre a questão da educação popular e
os meios de efetiva-la [...] Em toda parte difundiu-se a crença no
poder da escola como fator de progresso, modernização e
mudança social. A idéia de uma escola nova para a formação do
homem novo articulava-se com as exigências do desenvolvimento
industrial e o processo de urbanização.
Essa filosofia educacional, que tem sua base em Pestalozzi e Froebel,
favorece o método intuitivo, também conhecido como “lições das coisas” (SOUZA,
2000). O conhecimento é adquirido, nessa concepção, pela experiência e pela
observação, articulando-se com a produção da vida social. É proclamado que o
corpo e o espírito humano são inseparáveis e, por isso mesmo, a educação
deveria ocupar-se com o homem todo, promovendo o seu desenvolvimento
completo. Essas idéias, que alimentavam o debate educacional em diversos
países do mundo, a partir de 1870 passaram a ocupar lugar de destaque entre os
intelectuais brasileiros. Souza (2000), ao objetivar a reconstituição do processo de
renovação dos programas da escola primária no Brasil a partir de 1870, situando
a modernização educacional do país em relação ao contexto internacional,
aponta, a partir do parecer de Rui Barbosa acerca do ensino primário e várias
instituições complementares da instrução pública, a presença do pragmatismo, da
educação que une a aprendizagem teórica às realizações práticas no discurso
dos intelectuais que pensavam a educação brasileira naquele momento: “No
Brasil não foi diferente. No final do Século XIX, a escola popular foi elevada à
59
condição de redentora da nação e de instrumento de modernização por
excelência” (SOUZA, 2000, p. 4).
“Educar para o Viver Completo” não era, portanto, naquele momento, um
conceito e ou ideal exclusivo dos missionários presbiterianos. Pode-se afirmar,
entretanto, que há estreita relação entre a referida filosofia educacional e os
motivos religiosos e convicções doutrinárias que levaram esses missionários ao
investimento na educação como um das estratégias para a reforma da sociedade
brasileira. Ao discutir algumas práticas do Instituto Evangélico de Lavras, procuro
identificar os seus princípios pedagógicos, oriundos do debate educacional mais
amplo e sua relação com as convicções religiosas peculiares. É preciso lembrar,
ainda, que os protestantes aproveitaram dos princípios da teoria educacional
citada em pontos convergentes, mesmo que em muitos outros pontos, como será
visto seguir, não haja afinidade.
Quais as ações do Instituto Evangélico para cumprir o seu objetivo de
educar para o “viver completo”? Além das disciplinas propriamente escolares,
eram oferecidos cursos paralelos para a habilitação do indivíduo para solucionar
problemas do cotidiano e para o possível exercício profissional. Havia oficinas de
sapateiro, seleiro, de marcenaria, carpintaria, topografia e encadernação. Na
escola feminina havia, desde a fundação, sala especial para aulas de costura e,
posteriormente, bordado, nutrição, culinária e decoração. O jornal Cidade de
Lavras, do dia 19 de janeiro de 1896, ao anunciar as matrículas do Instituto,
refere-se aos cursos de música, cultura física e desenho industrial. O Incentivo,
do dia 27 de março de 1904, comunica o início das aulas para os cursos de
trabalhos manuais, incluindo desenho industrial, arquitetura e noções para o ofício
de pedreiro, contendo “matérias mathematicas necessárias” e outros estudos e
60
conteúdos necessários ao exercício do ofício. O prospecto do Instituto Evangélico
de 1909 dedica um capítulo para divulgar e defender esse tipo de ensino. Afirma:
O ideal em todos os estabelecimentos do Instituto Evangélico é
unir ao ensino theorico o estudo pratico. Estamos convencidos de
que o ensino industrial tem grande valor. Sua utilidade é dupla,
sendo educativo e ao mesmo tempo pratico. Consegue a par do
desenvolvimento das faculdades intelectuaes, o dos
sentidos.Proporciona aos alumnos um exercício saudável, habilita-
os a julgar das formas e dimensões, e dá destreza às mãos no
manejo de instrumentos. O systema de unir ao ensino theórico o
estudo pratico tem o apoio dos homens que mais se empenham
pela educação da mocidade. É adoptado nas melhores escolas
publicas e em muitas das mais notáveis escolas particulares nos
paizes que mais pugnam pela instrução popular (p.16, 17)
Esses cursos, com seus objetivos específicos, são coerentes com o
método intuitivo, cuja tendência se manifesta mais tarde no lema da ESAL: Ciência
e Prática. Além da identificação com a pedagogia intuitiva, há também um vínculo
com a ética protestante do trabalho. Para os reformados, o trabalho é uma das
bênçãos de Deus. A maneira como trabalho é realizado reflete a condição espiritual
do indivíduo. A guarda do “sábado” (descanso), é precedida por seis dias de
trabalho: “Seis dias trabalharás...” (Ex 20.9). O descanso é para quem trabalha.
Costa (2007, p. 2) discute as raízes dessa convicção protestante:
Na ética do trabalho, Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564)
estavam acordes quanto à responsabilidade do homem de cumprir
a sua vocação através do trabalho. Não há lugar para ociosidade.
Com isto, não se quer dizer que o homem deva ser um ativista,
mas sim, que o trabalho é uma "bênção de Deus". Nessa
perspectiva, o homem é um ser que trabalha. A sua mão é uma
arma "politécnica", instrumento exclusivo, incomparável de
construção, reconstrução e transformação. Faz parte da essência
do homem trabalhar. O homem é um artífice que constrói,
transforma, modifica; a sua vida é um eterno devir, que se realiza
no fazer como expressão do seu ser... O ser como não pode se
limitar ao simples fazer, está sempre à procura de novas criações,
que envolvem trabalho. Acontece, que se o homem é o que é, o
seu trabalho revela parte da sua essência. A "originalidade" do
seu trabalho será uma decorrência natural da sua autenticidade. O
homem autentica-se no seu ato construtivo. O trabalho deve ser
visto primariamente como um privilégio, um compartilhar de Deus
com o homem na preservação da Criação [...]. Deixar de trabalhar,
61
significa deixar de utilizar parte da sua potência, equivale a deixar
parcialmente de ser homem; em outras palavras, seria uma
desumanidade.
Se o brasão da ESAL, com o lema “Ciência e Prática”, remete ao método
intuitivo das idéias pedagógicas emergentes, vincula-se também às convicções
religiosas dos dirigentes do Instituto, que, desde o início, explicita os seus
objetivos no lema: “Para a Glória de Deus e o progresso do homem”. Uma das
formas pelas quais o homem glorifica a Deus é pelo trabalho realizado. A
existência de cursos que visavam a habilitar os jovens para a prática cotidiana
vincula-se a essa premissa doutrinária calvinista.
A instrução musical também fazia parte da ênfase do Instituto, seguindo a
tradição protestante. “A música a piano é ensinada aos alumnos dos dois
collégios, tanto aos externos como aos internos”.
30
A música é elemento
importante na estratégia protestante para comunicação das suas idéias. Os hinos
cantados nos cultos são “confissões de fé”. Embora o ensino da música nas
escolas presbiterianas não se limitasse àquelas entoadas nos cultos da Igreja, o
acesso à teoria musical, leitura de partituras, facilitariam o acesso dos alunos e
despertavam o gosto pela “boa música”, podendo se tornar um canal para a
evangelização e para formação de bons princípios para a vida cotidiana.
Durant (1994) entende que a música para o protestantismo faz parte
daquelas compensações existentes nas religiões teistas resistentes aos símbolos
visíveis. Durant inclui o protestantismo entre as religiões que realizam “o culto das
escrituras e da música” e aponta um “investimento religioso na música do culto e
mesmo na música denominada profana” (1994, p. 23), por parte dos protestantes,
citando Johan Sebastian Bach como exemplo dessa tradição. Alves (1982, p.12)
30
Prospectos do Instituto Evangélico de 1908 e 1909
62
afirma que “o espírito protestante é um espírito cantante”, enfocando a longa
tradição protestante em relação à música. Refere-se ao papel dos hinos na ação
dos evangelistas itinerantes que visitavam as fazendas no interior do Brasil. O
Instituto Evangélico de Lavras, seguindo a referida tradição, mantém o enfoque
privilegiado do ensino da música em suas escolas.
31
Além do enfoque aos cursos paralelos relacionados às habilidades
técnicas, manuais e domésticas, enfatizava-se também o uso de métodos
modernos para o ensino dos conteúdos regulares. A idéia de modernidade, de
civilização, estava presente também nesse aspecto em todas as escolas do
Instituto: “As aulas estarão sob a direção de professores e professoras habilitados
e experimentados; e o ensino será ministrado segundo os methodos da sciencia
da pedagogia moderna”
32
. Além dos aspectos diretamente relacionados com o
ensino, evidenciava-se também a preocupação com os aspectos morais,
espirituais e o seu inevitável reflexo na vida familiar do indivíduo. O jornal O
Municipal, dos dias 19 e 26 de janeiro e 2 de fevereiro de 1902, publica anúncio
de matrículas abertas no instituto, no internato e externato, afirmando: “Direção
criteriosa, instituição sólida e symetrica nas matérias dos cursos primário,
secundário e superior, ministrados por professores hábeis e segundo métodos
modernos”. Já em 1922, o jornal A Renascença publica anúncio do Instituto, que
foi distribuído na cidade também sob forma de panfleto, sintetizando os objetivos
da escola:
31
Na minha dissertação de mestrado (MEIRA, 2002) discuto a música como estratégia de
implantação do presbiterianismo no norte de Minas Gerais
32
Prospecto do Instituto Evangélico, 1908.
63
O NOSSO FIM:
Preparar a mocidade para “O Viver Completo” dando educação
intellectual, physica, social e moral. O curso completo de
Educação Physica, recentemente introduzido, julgamos ser de
grande valor no desenvolvimento dos alumnos. Os internatos têm
passado por reformas importantes e estão sob o cuidado de
pessoas idôneas. Clima optimo. Meio social e moral excelente.
Contribuições módicas. Para mais informações os interessados se
devem dirigir ao Reitor. (Samuel R. GAMMON).
Os princípios pedagógicos da instituição em estudo são profundamente
marcados pelo seu caráter confessional. Enfatizava-se a liberdade religiosa e as
ministrações doutrinárias eram discretas, embora sempre presentes com leituras
bíblicas e cânticos, e não caracterizavam proselitismo aberto. A evangelização
por meio da educação escolar era considerada indireta, pelo testemunho dos
benefícios do Evangelho no desenvolvimento humano em todos os aspectos da
vida. Esse procedimento pode ser interpretado como estratégico, pois uma ação
evangelística direta na escola poderia gerar desconfiança por parte dos pais
católicos e, conseqüentemente, o afastamento de alunos. A cosmovisão
protestante, da vertente reformada, calvinista, porém, explicita-se em diversas
propostas da escola. Nas disposições gerais dos prospectos de 1908 e 1909, há a
seguinte informação:
Entendemos que a educação ideal procura, não somente o
desenvolvimento physico e intellectual do homem, mas também o
desenvolvimento de suas faculdades moraes e de suas
capacidades espirituaes e religiosas. Esta educação moral e
espiritual procuramos basear nas verdades, princípios e exemplos
encontrados nas Sagradas Lettras.
A referência às “Sagradas Letras” aponta para o apreço que o
protestantismo tem pela Bíblia, declarada como sua única regra de fé e de prática.
Como a finalidade principal da existência humana é “glorificar a Deus e gozá-lo
64
para sempre”
33
, o saber considerado necessário é aquele mencionado pelo
apóstolo Paulo a Timóteo:
E que desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem
tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus [...] pois o
exercício físico para pouco é proveitoso, mas a piedade para tudo
é proveitosa, porque tem a promessa da vida que agora é e da
que há de ser (2 TIMÓTEO 3.15 e 1 TIMÓTEO, 4.8).
O esforço para manter uma imagem de zelo pela conduta dos alunos é
também evidente nos documentos do Instituto. Há uma grande preocupação do
protestante com o seu “testemunho”, afinal, reconhece como dever cristão
anunciar o Evangelho com palavras, mas esse anúncio verbal deve ser
autenticado por uma conduta irrepreensível. Assim, os candidatos a uma vaga no
instituto eram avisados:
Os internos teem o direito de passearem na cidade, por algumas
horas, no sabbado. Exige-se, porém, que estejam no collégio
antes de anoitecer. É proibido passearem na cidade de noite,
freqüentarem os theatros, e outros que possam offender a
moral.
34
O princípio protestante do santo repouso semanal é também enfatizado
no programa do colégio: “O Domingo é sanctificado em todo o estabelecimento, e
todos os internos devem passar o dia nos collegios”.
35
Considerando que Deus
criou todas as coisas no espaço de seis dias, o sétimo dia, após seis trabalhados,
é santificado. É este o quarto mandamento da lei divina:
Lembra-te do dia de sábado para o santificar. Seis dias
trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado
do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o
teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o
teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque,
33
Resposta à pergunta número 1 do Breve Catecismo de Westminster. Esse documento,
juntamente com a Confissão de Fé e Catecismo Maior de Westminster, representam a declaração
doutrinária da igreja presbiteriana do Brasil.
34
Prospecto do Instituto evangélico, 1908, p.13
35
Prospecto do Instituto Evangélico de 1908, p.14
65
em seis dias, fez o s]Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que
neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor
abençoou o dia sétimo e o santificou (ÊXODO, 20.8-11).
Weber (1996, p. 116-125), ao discutir a ética protestante do trabalho, que
aponta toda ociosidade ou perda de tempo como pecaminosa por constituir
negligência para com a vocação divina, aponta a doutrina da “guarda do dia do
Senhor” como parte integrante dessa ética. Ao mesmo tempo em que o trabalho é
ordenado, o descanso também é abundantemente ensinado na Bíblia. O corpo
criado e sustentado por Deus deve ser objeto de cuidado e o descanso
moderado, neste caso, também glorifica a Deus. Além disso, esse dia de
descanso é adequado para a contemplação, simbolizando o descanso eterno.
Todas as atividades ordinárias devem ser cessadas e exercícios públicos e
particulares de devoção a Deus devem ser praticados. A partir dessa concepção,
a direção do Instituto evangélico determina: “Pede-se também aos paes evitarem
trazer os filhos para o Collegio no domingo”.
Embora sem castigos físicos, os princípios pedagógicos praticados no
Instituto Evangélico sustentavam-se, portanto, na base de intensa disciplina. Ao
matricularem os seus filhos na escola, os pais se comprometiam a aceitarem as
firmes regras de condutas ali estabelecidas. Além da tendência para a disciplina
pedagógica como elemento de correção de desvios (Cf CARVALHO 2006, p. 291-
309) que prevaleceu no final do século XIX até à segunda década do século XX, a
própria teologia reformada da condição humana favorecia o cuidado especial para
a correção do caráter por meio de educação cristã. A doutrina calvinista, apoiada
no pensamento de Agostinho, ensina que a natureza humana está prejudicada
pelo pecado original. O homem continua sendo a imagem e semelhança do seu
Criador, mas, após a entrada do pecado no mundo, essa imagem está
66
desfigurada. O homem é corrupto por natureza e precisa ser regenerado. Daí a
necessidade de evangelização.
Embora o propósito da escola não fosse, diretamente, a evangelização,
está implícito nos objetivos da escola exercer uma certa influência nos alunos
para que estes tivessem contato com a Bíblia e, por meio dela, alcançassem a
referida regeneração. Além disso, não havendo otimismo quanto à natureza dos
alunos, é natural o esforço para evitar que os desvios morais ocorressem ,
estando sob a responsabilidade da escola. As normas e as conseqüências da
desobediência eram claras:
A disciplina é da família branda, mas firme- [...] No anno próximo,
a gymnastica militar e certas partes da disciplina militar serão
introduzidas no Gymnásio e na Escola Agrícola [...] Chama-se
attenção especial para o seguinte: é terminantemente prohibido
fazerem dividas na cidade. Os paes, portanto, devem arranjar
correspondentes na cidade, ou deixar com o director quantia
sufficiente para socorrer despezas eventuaes. O alumno que
contahir dividas na cidade sem ordem do pae ou consentimento
do reitor será expulso do estabelecimento
36
A abundante prática de diversas modalidades esportivas por parte dos
alunos, revela o vínculo do Instituto com as idéias pedagógicas consideradas
modernas e com a convicção teológica dos dirigentes da instituição. Em ambos
pontos de vista, não se deve ter uma visão compartimentada do ser humano,
todos os aspectos da sua existência devem ser objeto de cuidado e todas as suas
potencialidades devem ser desenvolvidas. Corpo e espírito não podem ser
dissociados. Assim, as atividades físicas, visando ao desenvolvimento do corpo
que, segundo a referida teologia, foi criado por Deus e que, no caso dos
regenerados, é templo do Espírito Santo, são tão necessárias como aquelas que
promovem o desenvolvimento especificamente intelectual. No acervo fotográfico
36
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909
67
do Instituto estão documentadas a prática do futebol, do basquete, salto com
vara, salto em extensão -- este último, na categoria feminina.
FIGURA 3: Time de Futebol - Década de 20
FIGURA 4: Time de Basquete – 1927
68
FIGURA 5: Jogadores de Tênis - Década de 30
Fonte: Oliveira e Mendes, 2003.
FIGURA 6: Salto com vara
Fonte: Oliveira e Mendes (2003)
69
FIGURA 7: Demonstração de ginástica feminina, dança moderna Década de 30
(Pró-memória Gammon)
Fonte: Oliveira e Mendes (2003)
Embora a filosofia educacional e práticas pedagógicas do Instituto
estejam marcadas pela teologia reformada, o ensino religioso era administrado de
forma discreta. Boanerges Ribeiro
37
, pastor presbiteriano de destaque na política
da denominação, ex-aluno do Instituto, relata sua experiência quanto à presença
da Bíblia no cotidiano da escola:
Era outro mundo. Era como viver em país de maioria católica
romana, mas de governo protestante. Não havia aula de religião
em classe, mas havia na 5ª e 6ª série História do Antigo
Testamento em lições preparadas pelo Dr. Gammon; havia cultos
obrigatórios no Salão Nobre, onde todos, protestantes ou não,
cantávamos com entusiasmo hinos ativistas do “Salmos e Hinos”.
Procurando separar o momento de culto daqueles dedicados à
construção do conhecimento escolar, científico, os organizadores do Instituto
37
Sobre a atuação de Boanerges Ribeiro na política eclesiástica presbiteriana, ver Lessa (2007)
70
realizavam a sua missão evangelística por meio de estratégias específicas. O
relacionamento com o conhecimento bíblico e com a adoração estava presente. O
objetivo era interferir na cultura, formar novos hábitos. Aqueles que ali conviviam
deveriam ter formação privilegiada no que se refere aos conteúdos escolares,
mas, além dela deveriam ter acesso ao conhecimento bíblico que poderia
conduzir os alunos à prática da verdadeira religião, segundo o entendimento
protestante. Sendo coerente com o lema: “Para a glória de Deus e progresso
humano” e da necessária formação do homem completo, as instruções
necessárias à salvação da alma eram imprescindíveis. As ações específicas da
educação escolar e científica deveriam ser praticadas em momentos e espaços
próprios e mesmo que sob a influência dos pressupostos religiosos, cada
momento e cada espaço deveriam ser respeitados de forma relativamente
independente.
2.4 A Inserção do Instituto na Sociedade Oeste-Mineira
O Instituto, pelo que foi discutido acima, apresentava-se à sociedade
lavrense e da região como uma escola inovadora, nos moldes dos países
desenvolvidos e, particularmente, dos Estados Unidos da América, país de origem
dos fundadores e mantenedores da instituição. Essa imagem de competência,
civilização e progresso pode ser considerada fator determinante para que o
Instituto logo alcançasse o respeito das elites locais, tendo a sua fama se
estendido por outras regiões. No anuário de Minas Gerais, de 1909, Lavras é
apontada como “verdadeiro centro de instrução”, sendo citado o Instituto
Evangélico e suas práticas inovadoras como um dos principais responsáveis por
essa condição da cidade. É bom lembrar que nesse momento os Estados Unidos
71
da América já se haviam tornado referência para os projetos de modernidade no
Brasil, o que vinha ocorrendo desde a segunda metade do século XIX, com o
processo de substituição da cultura européia, particularmente francesa, para a
norte-americana como “espelho” para o Brasil (cf. WARDE, 2000).
Esse imaginário favoreceu, inclusive, certa tolerância para com os
protestantes em uma sociedade predominantemente católica romana. Mesmo
ainda no período imperial, quando a Constituição de 1824 reproduzia e
confirmava as restrições impostas aos protestantes pelo Tratado de 1810, os
protestantes chegaram ao Brasil em 1855 (os congregacionais) e em 1859 (os
presbiterianos), e o Instituto Evangélico foi fundado em Campinas, em 1869,
sendo transferido para Lavras em 1892.
Em 1900, foi fundada em Lavras uma escola católica para moças. Inicia-
se aí uma nova estratégia para neutralizar a influência protestante que se dava
por meio da ação educativa. O Republicano, do dia 6 de novembro de 1899,
mencionara “ os esforços do Reverendíssimo sr. Vigário Malaquias para criar o
Instituto de educação e ensino de meninas”. Segundo Clara Gammon,
desenvolveu-se nessa época forte campanha, de casa em casa, para que a
escola protestante fosse trocada pela recém-fundada escola católica. Apesar do
sucesso do empreendimento católico, este não chegou a afetar a estabilidade da
escola presbiteriana, uma vez que há registros, nos anos seguintes, da
necessidade de recusa de matrículas por falta de espaço.
Entre a elite local há evidências de aceitação por parte dos missionários,
sendo ressaltados na imprensa, por exemplo, os projetos educacionais por eles
executados. Esses projetos, entretanto, eram sempre associados ao grupo
religioso por eles representado, cumprindo assim o objetivo de “evangelização
72
indireta” proposto por essa vertente da missão presbiteriana. O jornal O
Republicano, do dia 7 de setembro de 1898, menciona o retorno de Samuel
Gammon à cidade nos seguintes termos: “De volta da excursão que faz
freqüentemente na pregação do Evangelho conforme o rito presbiteriano, está na
cidade o Rev. Sr. Samuel Gammon. Distintíssimo cavalheiro, diretor do Instituto
evangélico, nossas boas vindas.”
O próprio nome do jornal, O Republicano, serve de pista para a
interpretação do tratamento dado ao missionário e a menção à sua atividade
religiosa, evidenciando naturalidade ao considerar a diferença de “ritos”. Em
outros órgãos da imprensa local ao longo do período percebe-se o
reconhecimento pelo trabalho dos educadores protestantes. O Incentivo, do dia
28 de fevereiro de 1904, publica relatório de visita do jornal ao Instituto
Evangélico:
Visitando este importante estabelecimento de instrução que, sob a
hábil direção do Rev. Dr. Samuel R. Gammon, funciona num dos
mais belos pontos desta cidade -- a Chácara -- verificamos ser
nesta zona um dos melhores do gênero, pois, quer no seu ponto
de vista higiênico, quer no local e instructivo, satisfaz a todas as
exigências. O edifício onde funciona o estabelecimento de
meninos, na chácara, radicalmente restaurado, é ellegante e
dispõe de excellentes accomodações para alumnos internos. As
aulas funcionam em espaçosos salões e são presididas por
professores habilitados. Mostrou-nos também o Dr. Gammon, o
novo edifício em construção, destinado as officinas do collégio e
as ferramentas para as mesmas.
A análise feita pelo visitante evidencia como a escola era recebida por
parte da população e como essa imagem em construção era reforçada pelos
formadores de opinião da época. Boanerges Ribeiro comenta: “O Gammon havia
formado uma subcultura protestante, auto-suficiente, que vivia e prosperava no
seio da sociedade lavrense; ali os protestantes estavam como no Rio Paranaíba
até 1927: éramos a minoria dominante”.
73
A presença de Samuel Gammon é mencionada também como
responsável pelo “Club Literário Musical” da cidade. O Republicano, do dia 12 de
março de 1899, noticia:
A segunda partida deste club teve logar, como noticiamos a 23 do
mez passado, em casa do Dr. Caetano Scarza. Os trechos de
música ouvidos foram de artística e ntelligente escolha, e tiveram
excellente execução por parte das gentis senhoritas que delles se
encarregaram. Parabéns ao reverendíssimo sr. Samuel Gammon
que tem sabido dirigir a útil sociedade.
A propaganda realizada pelo Instituto parece ter sido eficaz na construção
da imagem desejada do colégio que, embora não sem resistências e oposição,
conseguiu se estabelecer em Lavras, conquistando parte da elite local. Essa
aceitação por parte da sociedade evidencia-se também pela forma como a cidade
recebeu a notícia da equiparação do “Gymnásio de Lavras ao Gymnásio
Nacional”, no dia 9 de junho de 1906. Além da festa ocorrida na cidade,
envolvendo grande parte da população, relatada por Clara Gammon; a
memorialista menciona o empenho do Dr. Álvaro Botelho e do Dr. Lamounier,
deputados amigos da escola, para a sua equiparação e a participação deles nas
comemorações da conquista.
O Instituto Evangélico de Lavras, como parte dos seus projetos
educacionais criou a Escola Agrícola. Iniciou as suas atividades em Lavras, em
1893 com sete alunos, chegando no mesmo ano aos dezenove. Em 1908,
contava com cento e noventa e cinco alunos
38
e, em 1935, com quinhentos
estudantes matriculados. Quanto à inserção do Instituto na sociedade local, o que
possibilitou a consolidação do projeto dos missionários, Firmino Costa, editor da
revista “Vida Escolar”, destaca:
38
Revista Vida Escolar: Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, 01 de Junho de 1908
74
O Instituto, quando se abriu, não possuía casa própria; atualmente
o Colégio Carlota Kemper ocupa seu excelente prédio da Praça
Municipal e o Ginásio com a Escola Agrícola acham-se
estabelecidos em uma chácara bem colocada, possuidora de
grande terreno e contendo vários edifícios, entre os quais
sobreleva a nova construção do Ginásio de Lavras, --- o prédio
mais vistoso desta cidade.Do Instituto Evangélico podemos dizer
que, não só por si mesmo, como também indiretamente, pela sua
ação animadora e pelas rivalidades que despertou, foi o principal
fator do desenvolvimento deste lugar, hoje um centro invejável de
meios de educação. Os novos métodos de ensino ali adotados,
uma compreensão melhor da vida ali observada, uma direção
consentânea com os modernos princípios de pedagogia, têm
tornado o Instituto um estabelecimento recomendável a todos os
chefes de família. É de justiça assinalar que o Instituto marcou
uma nova fase para a instrução em Lavras. As tentativas
anteriormente feitas para a criação de colégios nesta cidade
evidenciam sem dúvida o amor e o interesse de nossos
conterrâneos à causa da instrução, porém elas nunca chegaram a
resultados seguros e duradouros.
Quanto de competência, de
esforço e de perseverança tem custado a seu digno diretor essa
carreira brilhante do Instituto, não será fácil avaliar! Hoje, volvidos
quinze anos, a nossa sociedade culta já reconhece o enorme
benefício, que nos trouxe de sua pátria esse norte-americano,
cavalheiro distintíssimo e emérito educador, o sr. dr. Samuel
Gammon, a quem deve Lavras essa importante casa de
educação, que é o Instituto Evangélico, por ele dirigido desde o
princípio. Ao nome do Dr. Gammon cumpre, porém, associar os
de dois de seus principais colaboradores nesse trabalho heróico --
- dª. Carlota Kemper e dª. Guilhermina Gammon, essa, pelo seu
muito trabalhar em prol do ensino, viu fraquear-lhe a saúde e teve
agora de partir, gravemente doente, para a sua terra natal. Que
ela readquira o vigor perdido e volte com seu dedicado esposo, o
Dr. Gammon, a cooperar para o engrandecimento da cidade de
Lavras, eis os nossos votos, expressos nesta hora em que
cumprimos o dever de prestar homenagem à tão esforçados
servidores da instrução em nossa terra.
39
O Instituto Evangélico conseguiu, portanto, inserir-se na sociedade
lavrense, sendo recebido como propagador do desenvolvimento e do progresso,
abrindo espaço para a inserção também da Igreja, objetivo principal dos
missionários fundadores. Os missionários utilizaram-se de intensa propaganda
para que os seus objetivos fossem alcançados. A recepção da propaganda era
favorecida pela expectativa favorável em relação à cultura norte americana.
39
Revista Vida escolar: Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, do dia 01 de Junho de
1908
75
2.5 Escolas que compunham o Instituto Evangélico
Depois de discutir aspectos gerais do Instituto Evangélico, enfoco,
separadamente, as escolas que o compunham, com suas peculiaridades, para
que a Escola Agrícola seja objeto de abordagem específica em capítulo posterior.
Essas escolas são o “Gymnásio de Lavras” e a Escola Feminina. Este é, portanto,
Instituto Evangélico de Lavras, que, como parte dos seus projetos educacionais
criou a Escola Agrícola. Iniciou as suas atividades em Lavras com número
reduzido de alunos (sete alunos) e que em 1908, quando criou a Escola Agrícola,
já contava com 195 alunos
40
, chegando em 1935 com quinhentos estudantes
matriculados. Diversos cursos eram oferecidos, dentro da sua perspectiva
missionária e reformadora, visando a boa formação religiosa, profissional e moral
dos indivíduos. Não é meu objetivo, entretanto, aprofundar a discussão referente
a esses educandários e os diversos cursos oferecidos. Eles serão mencionados
apenas para favorecer a compreensão do empreendimento educacional dos
organizadores da Escola Agrícola. Dentre os cursos oferecidos pelo Ginásio de
Lavras, destacarei o Curso Comercial devido aos seus objetivos e à ênfase a ele
dada pela própria instituição.
40
Revista Vida escolar: Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, do dia 01 de Junho de
1908
76
2.5.1 A Escola Feminina
A Escola feminina, que posteriormente passou a se chamar Escola Calota
Kemper
41
, sua fundadora e diretora por várias décadas, foi uma das principais
unidades do Instituto. Em Lavras, foi essa escola que deu início às atividades do
Colégio, logo após sua transferência de Campinas. O Boletim Quinzenal do Grupo
Escolar de Lavras, editado pelo educador Firmino Costa, no dia primeiro de junho
de 1908, menciona o breve histórico desta instituição:
Foi em 15 de janeiro de 1.893 que se estabeleceu aqui um colégio
de meninas com o nome Instituto Evangélico. Funcionou ele,
durante os três primeiros meses, na chácara Dr. Jorge, assim
então denominada. Logo, pois, no mês de abril, transferiu-se o
mesmo internato para o chalé da excelentíssima dª. Bemvinda de
Pádua, instalando-se as aulas na Casa de Instrução, em que está
hoje o Grupo Escolar. Um ano depois de sua fundação, em janeiro
de 1894, passou o referido colégio a funcionar em casa própria,
situada na Praça Municipal desta cidade, onde até o presente ele
se mantém. O cargo de diretora do colégio de meninas,
pertencente ao Instituto Evangélico, tem sido sucessivamente
desempenhado pelas excelentíssimas senhoras dª. Sara
Chambers, dª. Elisa Reed, dª. Carlota Kemper, dª. Branca Dunlop,
dª. Guilhermina Gammon, dª. Margarida Youell, dª. Rute See e dª.
Genoveva Marchant.
41
Sobre Carlota Kemper, Matos (2006), afirma: “Charlotte Kemper (1837-1927). Era neta de um
coronel do exército prussiano emigrado para a Virgínia, onde Charlotte nasceu em 21 de agosto
de 1837. Lotty, como era conhecida, recebeu sólida educação em seu estado natal, sendo o seu
pai diretor da Universidade da Virgínia. De temperamento um tanto introvertido, era dotada de uma
inteligência excepcional. Em 1882, aos quarenta e cinco anos de idade, enquanto lecionava no
Mary Baldwin College, viu realizar-se o sonho de ser missionária educadora. Em resposta a um
apelo do Rev. Edward Lane, decidiu vir ao Brasil com ele e sua família para substituir Nannie
Henderson, que se achava doente. Dirigiu a escola de moças e foi a superintendente de compras,
além de lecionar o que fosse preciso. Diz-se que D. Pedro II, em visita a Campinas, manifestou
grande admiração por seu raro talento. Além de ser a tesoureira da Missão Sul e dirigir a nova
escola, Charlotte gastava muito tempo em visitação e no trabalho evangelístico. Passou a ser
conhecida do pessoal da missão como "Aunt Lotty" (tia Carlota), tamanha a sua bondade e
solicitude – a "velhinha que andava depressa" sempre tinha palavras de carinho e incentivo para
cada um. Sua bondade para com os candidatos ao ministério era proverbial e foram muitos os
futuros líderes da igreja que passaram por suas mãos. Colaborou decisivamente com a escola,
cada vez mais conceituada, e com a igreja, muitas vezes em meio a perseguições.Também era
conhecida por sua versatilidade e grande cultura. Conhecia a fundo o latim, bem como o grego e o
hebraico. Como passatempo, gostava de ler os clássicos latinos, resolver problemas de
trigonometria e fazer cálculos. A história antiga e moderna era outra de suas especialidades. Foi
considerada por muitos a mulher mais culta do Brasil. Quando a falta da vista começou a impedir-
lhe de ensinar, passou a gastar grande parte do tempo em visitas. Charlotte faleceu aos 90 anos,
em 15 de maio de 1927. Sua maior contribuição foi a influência benéfica que exerceu sobre várias
gerações de jovens brasileiros.”
77
FIGURA 8: Carlota Kemper (Pró-memória Gammon)
Fonte: Oliveira e Mendes (2003)
Embora seguindo a mentalidade do seu tempo quanto aos objetivos da
formação da mulher para o lar ou para o magistério, o Colégio Carlota Kemper,
segundo a propaganda da escola, pretendia avançar no que concerne aos
saberes considerados necessários a essa formação. O prospecto de 1922
enfatiza a formação da mulher para as tarefas domésticas, entendendo que
habilidade prática e preparo intelectual são essenciais ao exercício desta função.
Ao apresentar os programas do curso, principalmente o do curso normal,
entretanto, fica implícito o preparo necessário para o exercício do magistério:
Convencidos de que a educação conveniente da mulher é um dos
elementos que mais poderosamente contribuem para a felicidade
da Nação, temos organizado o Collegio Carlota Kemper de modo
a preparar as alumnas para a sua nobilíssima missão do lar
domestico, dando-lhe edcucação intellectual, moral e doméstica
necessária para a mãe de família. Domina a organisação da
escola a idéia de tornar a educação das alumnas altamente
pratica, sem com isto prejudicar os interesses de seu preparo
intellectual.
78
O prospecto de 1909 enfatiza a formação de professoras habilitadas e
capazes de aplicar os métodos modernos de educação:
Há muito tempo desejamos organizar um curso normal sob a
direção de professores habilitados que sigham os methodos
adoptados nas escolas dos Estados Unidos da América do Norte.
Chegou afinal o dia, e agora offerecemos às alumnas do Colégio
Carlota Kemper um curso que as prepare para o professorado
.
O curso oferecido era de sete anos, dividido em primário, intermediário e
secundário ou curso normal. O curso primário, “seguindo os methodos mais
aperfeiçoados para a instrucção de crianças de tenra idade”
42
, abrangia primeiras
letras, leitura caligrafia, noções de geografia, de historia pátria e da língua
nacional, francês, inglês, matemática, desenhos, contos bíblicos, musica,
ginástica e trabalhos manuais. O curso intermediário, de três anos, compunha-se
das seguintes disciplinas: aritmética, geografia, história pátria, português, inglês,
desenho industrial, noções de ciências físicas e naturais, história sagrada,
trabalhos manuais, ginástica e música. O curso secundário ou normal, com
duração de dois anos, constava de álgebra, geometria plana, retórica, português,
inglês, francês, latim, história, desenho, elementos de ciências físicas e naturais,
história sagrada, pedagogia, trabalhos manuais, ginástica e música. Em 1922, o
curso normal já havia sofrido mudanças, passando a ser oferecido em quatro
anos e, segundo o prospecto do Instituto, esse curso baseava-se
no curso gymnasial, sendo mais ou menos idêntico a este até o
fim do quarto ano. Nos dois últimos anos algumas disciplinas do
curso gymanasial são substituídas pelas thecnias do curso
normal, como sejam pedagogia, methodologia, disciplina da
escola,etc
.
42
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909.
79
O currículo do curso normal era bastante abrangente. A pedagogia
contemplava as diversas disciplinas diretamente relacionadas com a formação da
professora. O curso de Música abrangia vocal e instrumental, havendo exames
facultativos ao final do curso com professores habilitados pelo Trinity College, de
Londres, para conferir os certificados. Além destes, eram exigidos das normalistas
ouros cursos tais como artes domésticas e rurais, arte de costureira, economia
doméstica, arte culinária, agricultura e horticultura, dentre outros
43
. O boletim
editado por Firmino Costa, afirma: “O Colégio Carlota Kemper, destinado a
meninas, abrange vários cursos, desde o jardim da infância até o ensino
secundário. Ali também aprendem as alunas trabalhos de costura e adquirem
conhecimentos da arte culinária”.
44
FIGURA 9: Aula de Culinária – Década de 20 (Pró-memória Gammon)
Fonte: Oliveira e Mendes (2003)
O Instituto Evangélico procurava destacar-se mais pela eficiência na
oferta dos seus cursos e disciplinas do que pela inovação, uma vez que muitas
43
Prospecto do Instituto Evangélico de 1922
44
Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, Vida Escolar, de 01 de Junho de 1908
80
das disciplinas, aparentemente extraordinárias, do seu currículo já faziam parte do
currículo das escolas regulares de Minas Gerais. A música, por exemplo, recebe
ênfase especial, mas não era novidade nas escolas. Segundo Oliveira (2008),
desde 1906 a música já estava presente nos currículos das escolas mineiras,
intensificando-se a partir da década de 1920. Outro exemplo é o destaque à
educação física. Essa disciplina, segundo Vago (1999) está presente de forma
marcante nas escolas de Minas Gerais desde a reforma educacional de 1906. O
instituto procurava, portanto, demonstrar que a educação por ele oferecida era
compatível com o que era considerado de melhor qualidade naquele contexto. A
metodologia, a organização, com a competência norte americana deveria fazer a
diferença, cumprindo assim os objetivos propostos relacionados à contribuição
para a reforma da sociedade brasileira.
O discurso da educação voltada para a prática, para a preparação do
indivíduo para o “viver completo” tão enfatizado para o Instituto Evangélico em
termos gerais, pode ser percebido com clareza no caso específico do Colégio
Carlota Kemper. Ao exaltar as reformas pensadas para o desenvolvimento da
escola em 1909, a direção publica no seu prospecto a seguinte informação:
O curso normal será equivalente ao curso official das escolas do
estado; procuraremos, porém dar-lhe caracter altamente practico.
Todas que fizerem este curso serão obrigadas a ensinar certas
horas durante o dia nas aulas primarias do collegio, sob a
direcção das professoras do curso pedagógico. Haverá uma
cosinha especialmente pra as alumnas , onde deverão apprender
a sciencia e a arte culinária. Há annos que a aula de costura tem
sido uma das repartições mais úteis e mais apreciadas do
collegio, e a partir do principio deste anno, queremos que a aula
de cosinha seja igualmente procurada e apreciada.
81
FIGURA 10: Aula de Culinária - Década de 20
Fonte:Oliveira e Mendes (2003)
A organização dos espaços escolares era objeto de cuidado especial por
parte dos organizadores da escola, considerando os seus objetivos e os princípios
morais. A comodidade das instalações, a localização dos banheiros, revelam
preocupação com a privacidade e o conforto das estudantes. O prospecto do
Instituto Evangélico, de 1909, anuncia:
Este conhecido estabelecimento, que há dezessete annos se
empenha na educação da mocidade brasileira, está passando por
importantes reformas. Grande parte do prédio foi demolida e
reconstruída, augmentando-se extraordinariamente os commodos
para dormitórios, aulas, e refeitório. A reforma, começará neste
período de férias, será concluída no do próximo anno, ficando
assim este collegio de meninas um dos mais bem organizados
estabelecimentos no estado de Minas.
O prospecto de 1921 também reconhece e menciona a organização do
espaço como intencional e relevante para o cumprimento dos os objetivos da
escola:
[...] está situado no centro da cidade, na Praça Dr. Augusto Silva.
Os prédios são grandes e arejados; há um espaçoso quintal
bellamente arborizado e ajardinado. Está situado no centro da
82
cidade, na Praça Dr. Augusto Silva. Os banheiros estão no
mesmo edifício com dormitórios e refeitório. As aulas, que são
comuns para internas e externas, se acham no mesmo edifício,
facilitando assim a organização.
A idéia era garantir a salubridade, proporcionar a permanência prazerosa
nos locais que, principalmente, deveriam ser adequados para o aprendizado e ter
princípios morais e religiosos favorecidos. Essas condições deveriam ser
amplamente divulgadas, atraindo a clientela almejada e demonstrando a
contribuição dada à população local.
2.5.2 O Ginásio de Lavras
Para abordar o Ginásio, fundado em 2 de fevereiro de 1904, sendo
equiparado em 1906 ao Ginásio Nacional, deve-se discutir aqui o contexto
educacional brasileiro referente a esse nível de ensino. Devem ser consideradas
as transformações ocorridas na virada do século XIX para o Século XX, o efeito
das reformas educacionais dos primeiros anos da República nesse educandário e
o processo de equiparação ao Ginásio Nacional, ocorrido em 1906. Como diz
Antunha (1980), embora a partir de 1890, com a reforma Benjamin Constant,
mudanças profundas tenham sido propostas para o ensino secundário no Brasil,
permaneceu como um dos legados do Império a tendência liberalizante e
descentralizadora, favorecendo as iniciativas particulares e a autonomia dos
Estados no campo da educação. É preciso reconhecer, entretanto, as mudanças
ocorridas, sendo a principal delas a organização do modelo ginasial, tendo o
Colégio de Pedro II como referência, mas não mais como único capaz de
reconhecer a formação e conceder diplomas de bacharéis em ciências e letras e
garantir o acesso ao ensino superior. A partir dessas reformas pelo menos “mais
uns poucos estabelecimentos que procuravam obedecer aos mesmos padrões de
83
qualidade” (PERES, 1972, p. 6-10), eram equiparados ao Ginásio Nacional
(Antigo Colégio Pedro II). A idéia era o rompimento completo com o modelo
tradicional, a dos cursos preparatórios e dos exames parcelados. Esse modelo
vigorou no Brasil, paralelamente ao modelo ginasial até o início dos anos 30
(PERES, 1972, p.10).
Ser equiparado ao Ginásio Nacional, era sem dúvida, naquele momento,
com apenas dois anos de fundação, um elemento a ser explorado pela direção da
escola como atestado de eficiência e qualidade. Os próprios moradores da cidade
de Lavras, principalmente a elite intelectual, passaram a exaltar o Instituto como
um empreendimento sério, fruto da competência dos seus organizadores,
oriundos de um contexto “civilizado” e próspero, adquirindo assim o espaço
necessário ao seu crescimento. Firmino Costa, diretor do Grupo Escolar de
Lavras, relata:
Em 2 de fevereiro de 1.904 foi fundado, como parte integrante do
Instituto, um colégio de meninos, que se instalou na chácara Dr.
Jorge, hoje chácara do Ginásio, adquirida para esse fim. Dois
anos depois, perante o poder competente provou o colégio estar
em condições de ser equiparado ao Ginásio Nacional, regalia que
definitivamente deverá obter neste ano.
45
O prospecto do Instituto Evangélico de Lavras, de 1909 exibe na primeira
página a fotografia do suntuoso prédio do “Gymnasio de Lavras”. Construção
ampla, de três pavimentos, com janelas grandes, bem próprias do imaginário
republicano referente à importância da escola e do lugar que ela deveria ocupar
na cidade. Não falta a ênfase à equiparação ao Ginásio Nacional e à qualidade do
ensino que essa condição atesta e exige:
Equiparado ao Gymnasio Nacional, o Gymnasio de Lavras tem
por fim dar aos seus alunos instrucção sólida e conhecimento
45
Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras do dia 01 de Junho de 1908
84
completo de todas as matérias estudadas no curso daquelle
estabelecimento do Governo Federal, assim proporcionando-lhes
a cultura intellectual necessária para a matricula nos cursos de
ensino superior e a para obtenção do grão de bacharel em
sciencias e letras.
Em 1922, o Ginásio de Lavras já mantinha um curso de 11 anos, sendo
cinco anos de instrução primária, dois anos de curso complementar e quatro para
o curso de madureza. O objetivo, segundo o Instituto, era “cooperar efficazmente
no desenvolvimento desta parte do vasto programa de educação nacional”
46
.
Embora tenha sido criado, em 1904, especialmente para meninos, uma
vez que a Escola Feminina, dirigida por Carlota Kemper, cumpria o papel da
escolarização das meninas, em 1935, as moças já tinham acesso ao ginásio. Era
reconhecido pelo Instituto o valor desse tipo de instrução para as moças,
requerendo, todavia, cuidados especiais para garantir a sua segurança e o
conforto.
O Gymnasio acceita no internato, como noexternato alumnos de
ambos os sexos. O numero de moças que fazem os cursos
officializados, Gymnasial e Commercial, cresce dia a dia. As
vantagens destes cursos fundamentaes para moças hoje em dia
são reaes. No Gymnasio, os mesmos são perfeitamente
acessíveis às moças. As alumnas internas são alojadas no
Colégio Carlota Kemper, inteiramente so o regimen interno
daquelle estabelecimento. Ellas vêm ás aulas do Gymnasio
acompanhadas por uma senhora especialmente escolhida para
este mister, havendo no prédio escolar uma sala de repouso
exclusivamente para as alumnas.
2.5.3 O Curso Comercial
O curso comercial do Instituto Evangélico de Lavras aparece nos
documentos da escola desde o início do século XX. O objetivo era preparar para
as atividades comerciais aqueles alunos que não tinham interesse em dar
46
Prospecto do Instituto Evangélico de 1922
85
continuidade aos seus estudos, dedicando-se a outras áreas da formação
profissional. Tratava-se inicialmente de um curso elementar. Mesmo assim, os
alunos deveriam dedicar-se ao estudo do português, de geografia, matemática e
história, além “das mais importantes linguas modernas commerciaes...”
47
Nesse
período inicial o curso contemplava áreas tais como escrituração mercantil,
normas dos documentos comerciais mais necessários e noções elementares de
direito comercial. Em 1921, o Curso Comercial foi reestruturado, ganhando
caráter mais formal, sendo equiparado ao curso ginasial, com quatro anos de
duração. Os dois primeiros anos eram básicos, e a formação técnica era oferecida
no terceiro e no quarto ano. Em 1921, funcionou apenas os dois primeiros anos
do curso, em 1922, implantou-se o terceiro, e a partir de 1923 já funcionavam
todos os quatro anos do curso. O prospecto de 1921 registra a observação: “é
equvalente ao gymnasial, tanto no tempo de trabalho como no desenvolvimento
que se exige do alumno.”
Os dois últimos anos do curso tinham ênfase técnica. O terceiro ano era
composto das disciplinas Português, Inglês, Aritmética, Datilografia, Taquigrafia,
com três horas/aula semanais, História Sagrada, com duas horas/aulas semanais
e Ginástica e Escritura Mercantil, com cinco horas/aulas semanais. Observa-se a
intensa identidade confessional pela presença da disciplina História Sagrada e o
princípio pedagógico de “educa para o viver completo”, com a presença da
ginástica com número de aulas idêntico ao de escritura Mercantil, uma das
principais para a formação técnica do profissional do comércio. No quarto ano são
mantidas as aulas de Português, Inglês com três horas/aula semanais.
Acrescentam-se as disciplinas Direito Comercial e Economia, também com três
47
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909
86
horas/aula semanais. Aritmética passa a ter apenas uma aula por semana, e
Datilografia, duas. As duas aulas de História Sagrada e cinco de ginástica são
mantidas.
2.5.4 Outros Cursos
Além dos cursos de preparatórios ao ginásio e do de madureza,
preparatório aos cursos superiores, vários outros cursos práticos eram oferecidos
pelo Instituto Evangélico. Essas iniciativas também estavam vinculadas às
convicções religiosas. Com o objetivo de reformar a sociedade nos moldes
presbiterianos, segundo as Escrituras, os missionários entendiam que todas as
ações deveriam ser influenciadas pela pregação do evangelho. Como a
ociosidade é incompatível com a fé bíblica, desse ponto de vista, deveriam ser
criadas oportunidades para que todos, mesmo aqueles que estivessem
impossibilitados de se ingressarem nos cursos regulares do Instituto, recebessem
algum tipo de preparo para que a sua atuação no mundo fosse melhorada e que
fossem abertas diversas portas de oportunidades nas diversas áreas. O fundador
e reitor do Instituto Evangélico, Samuel Rhea Gammon costumava chamar o
prédio principal da escola de “A Porta da Oportunidade”, como forma de incentivar
os habitantes da cidade e da região a se inscreverem nos diversos cursos ali
oferecidos (Oliveira e Mendes, 2003, p. 20).
87
FIGURA 11: O Prédio, como era chamado o prédio principal do Instituto Evangélico, na década de
20 (Acervo do Pró-memória Gammon)
Fonte: Oliveira e Mendes (2003)
A Revista escolar, do dia 01 de Junho de 1908, afirma:
Entre as seções do Instituto contam-se igualmente as oficinas de
sapataria e selaria, de carpintaria e marcenaria, de tipografia e
encadernação, em alguma das quais é obrigado a trabalhar uma
hora por dia o aluno interno maior de dez anos
48
Esses cursos obrigatórios aos alunos internos eram facultativos aos externos
e aos interessados que não fossem alunos dos cursos regulares do Instituto. Os
diversos cursos oferecidos pela Escola Feminina, posteriormente denominada
Colégio Carlota Kemper, visando à boa formação da mulher, também seguiam esses
critérios referentes às alunas internas, externas e à comunidade.
49
48
Revista Escolar: Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, do dia 01 de Junho de 1908,
editado pelo professor Firmino Costa
49
Prospecto do Instituto Evangélico de 1908
88
Como o Instituto Evangélico fazia parte da Federação Universitária
Evangélica, depois da organização da sua Escola Agrícola eram oferecidos
cursos preparatórios para o ingresso em escolas superiores de diversas áreas do
conhecimento que faziam parte dessa federação. Essas escolas superiores
aceitavam os exames do Instituto para a admissão em seus cursos. O Instituto
Grambery de Juiz de Fora, por exemplo, aceitava os exames de admissão para
os seus cursos superiores em Farmácia e Odontologia. O Mackenzie College de
São Paulo, para os seus cursos de Engenharia Civil, Eletricidade, Mecânica,
Arquitetura e Química Industrial. O Instituto, para atender a essa demanda,
oferecia cursos preparatórios para esses exames de admissão com ênfase
específica na área pretendida pelos alunos.
50
Dentre esses cursos preparatórios, havia também a preocupação com a
formação dos pastores e líderes para as igrejas. A primeira esposa do reverendo
Samuel Gammon, Willie Gammon
51
, criou uma agremiação especificamente para
50
Prospecto do Instituto Evangélico de 1921
51
A revista Vida Escolar: Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras, editada pelo professor
Firmino Costa, do dia 01 de Agosto de 1908, ao informar sobre a morte de D. Guilhermina
Gammon, assim se expressa: “Recebemos carta do Sr. Dr. Samuel Gammon, diretor do Ginásio
de Lavras, comunicando-nos haver falecido nos Estados Unidos em 21 de junho findo, às onze
horas da manhã, sua digna esposa, a excelentíssima Dª. Guilhermina Gammon, que há bem
pouco tempo seguira desta cidade para a sua terra natal, aonde fora tratar-se da grave
enfermidade, que a levou ao túmulo. Lendo a carta do Sr. Dr. Samuel Gammon, não pudemos
conter as lágrimas, tanto nos acostumamos a venerar a ilustre morta, que durante longos anos foi
uma das melhores auxiliares de seu esposo no grande trabalho do desenvolvimento da instrução
nesta cidade. Amiga dedicada do Brasil e do trabalho a que aí consagrou tantos anos de sua vida
preciosa, são palavras da referida carta, Dª. Guilhermina mostrou até o fim vivo interesse em tudo
quanto dizia respeito a esse trabalho. Nos últimos dias de vida poucas cousas lhe despertavam
animação, mas sempre que se falava em alguma cousa que se prendia ao colégio, ou aos altos
interesses de seu trabalho nessa cidade, ela se mostrava desde logo vivamente interessada.
Amava o colégio e os alunos, amava os amigos e o povo de Lavras. Assim nos escreve o Dr.
Gammon.
E como não havia Dª. Guilhermina Gammon de conquistar o apreço e afeição de quantos aqui a
conheceram de perto, se ela passou em Lavras quase quatorze anos de sua existência no esforço
constante e inteligente de instruir e educar, com a palavra e com o exemplo, tantos e tantos
conterrâneos nossos, que hoje guardam as mais gratas recordações da notável professora, para
quem a arte de ensinar não tinha segredos! Sem esquecer sua grande pátria, Dª. Guilhermina
Gammon ficou pertencendo a Lavras, para cujo progresso trabalhou de modo eficaz e
desinteressado, cooperando em muito com seu ilustre esposo pelo desenvolvimento extraordinário
do Instituto Evangélico, aqui estabelecido. Prestando nossa homenagem à Dª. Guilhermina
Gammon, estamos habilitado a dizer que a instrução em Lavras perdeu muitíssimo e que
89
o preparo pré-teológico dos candidatos ao “Sagrado Ministério”. Além de servir
para o preparo dos líderes que atuariam na igreja local, tinha com objetivo
principal preparar os jovens que desejavam prosseguir nos estudos, ingressando-
se nos seminários para a formação de pastores.
Os missionários presbiterianos, ao criarem o Instituto Evangélico de
Lavras, seguiam os mesmos objetivos que os levaram a iniciar o Colégio
Internacional, em Campinas, projeto que foi bruscamente interrompido pela
epidemia de febre amarela que abateu-se sobre aquela cidade. Embora em
contexto bastante diferente, a idéia era a formação de elites. No ponto de vista
dos missionários e das organizações por eles representadas, o acesso à
educação escolar seria ampliado e com ela os princípios morais oriundos das
convicções religiosas. Os benefícios da fé reformada seriam experimentados pela
sociedade local, abrindo-lhe portas para a civilização e o progresso por meio do
desenvolvimento das potencialidades humanas. Além disso, de forma indireta,
portas seriam abertas para que o objetivo principal da ação missionária fosse
cumprido: a pregação do Evangelho e a redenção dos que viessem a crer. Estes
seriam congregados, a igreja organizada e, por meio dela, a fé evangélica, nos
moldes presbiterianos seria fortalecida.
dificilmente se poderá preencher bem, no Ginásio desta cidade e no Instituto Evangélico, a falta de
tão exímia professora. Dona Guilhermina Gammon nasceu nos Estados Unidos da América do
Norte, no estado de Virgínia, em 23 de março de 1865. Era filha de um ministro evangélico, que
também foi diretor de uma escola, onde ela se educou. Diplomou-se numa das mais célebres
escolas normais do estado de Virgínia e ocupou por algum tempo o cargo de professora pública.
Aos 27 de junho de 1894 casou-se Dª. Guilhermina com o Sr. Dr. Samuel R. Gammon e em
outubro do mesmo ano chegaram os dois a esta cidade. De seu matrimônio ficou apenas uma
menina nascida em Lavras, a senhorita Maria Isabel. Dª. Guilhermina foi aqui diretora do Instituto
Evangélico e ultimamente, além de lecionar outras matérias, era professora de geografia no
Ginásio de Lavras.Em sinal de pesar pelo falecimento de Dª. Guilhermina Gammon fizemos
hastear no Grupo a bandeira nacional a meio pau no dia 23 do passado. Como homenagem à
distinta educadora instituímos para este ano um prêmio escolar com o seu nome, destinando-se o
mesmo ao aluno que residir mais longe do Grupo e obtiver freqüência anual.
90
3 O ENSINO AGRÍCOLA E MISSÃO PROTESTANTE
Neste capítulo será apresentado o processo de criação da Escola
Agrícola de Lavras. Serão interpretadas as suas motivações, de conformidade
com o discurso dos seus idealizadores e as providências tomadas para que
ocorresse a sua efetiva instalação. È necessário observar aqui a experiência dos
idealizadores no que se refere às ciências agrárias e como essa experiência foi
adquirida no seu país de origem. É preciso entender também quais os aspectos
da sociedade brasileira e, especificamente do oeste de Minas Gerais, levaram
esses missionários a entender que uma instituição desta natureza seria viável e
até imprescindível naquele contexto. Além disso, é preciso discutir as teorias e
políticas existentes no Brasil neste período no que se refere a esta área do
conhecimento. Isso será necessário para que haja uma compreensão adequada
do ambiente no qual a escola se instalou, verificados os aspectos que foram
favoráveis à aceitação da sua proposta e aqueles que a dificultaram.
3.1 A Fundação da Escola Agrícola de Lavras
A Escola Agrícola de Lavras foi idealizada por Samuel Rhea Gammon,
tendo como objetivo influenciar toda a região Oeste de Minas Gerais com os seus
ideais de modernidade e progresso. Tais ideais, segundo a tradição religiosa de
origem puritana, calvinista, estavam vinculados ao dever cristão do exercício da
sua vocação no mundo e desenvolvimento das potencialidades humanas para a
glória de Deus.
52
Nas suas viagens a cavalo pelas fazendas e localidades da
52
Segundo o entendimento reformado, todas as coisas foram criadas por Deus, para a Sua
própria glória e devem ser objeto de todo empenho humano no exercício pleno das suas
habilidades. Daí o lema do Instituto Evangélico: “Para a Glória de Deus e progresso humano”
91
região, com a finalidade de visitar as famílias por ele evangelizadas, percebia
“problemas” tanto no cultivo da terra como na criação do gado. Os métodos
adotados eram arcaicos e tradicionais. Tal situação o levou a entender a
importância de que, pelo menos as gerações mais novas, deveriam ter acesso às
técnicas científicas e modernas para esse trabalho, garantindo o aproveitamento
do potencial desta terra que, na sua percepção, era fértil e de clima privilegiado.
Como não havia nenhuma escola especializada no Estado de Minas Gerais, o
referido pastor absorve como parte dos seus ideais reformadores a criação de um
estabelecimento que oferecesse instruções nessa área, ainda que elementares.
Considerando que em Lavras já havia se instalado, com a chegada da Missão,
vinda de Campinas em 1893
53
, sob a sua direção, o Instituto Evangélico, que
posteriormente passou a chamar-se Instituto Gammon, onde eram desenvolvidos
outros tipos deensino, a criação da Escola Agrícola seria apenas mais um desafio
dentre os já assumidos.
Samuel R. Gammon assim se expressou em 1908
54
:
Desde que fundamos o nosso estabelecimento de Ensino
Secundário, em 1904, nutrimos o desejo de proporcionar aos
alunos que se destinam à vida de agricultores um curso especial
de estudos que os prepare para convenientemente aproveitar as
riquezas naturais da terra. Incontestavelmente a mão da natureza
prodigalizou os seus benefícios quando passou por esta terra: O
solo é ubérrimo, o clima é salubre e favorável; Não menos certos,
porém que o povo não tem sabido desfrutar estas ricas dádivas da
generosa providência. Nenhuma ciência ou arte, neste último meio
século, tem feito progresso como a arte e a ciência da agricultura
em certos países da Europa e América. Na Inglaterra, no Canadá,
e nos Estados Unidos do Norte, os governos federais e estaduais,
bem como sociedades patrióticas e indivíduos altruístas, têm
gasto fabulosas somas em dinheiro para fundarem
estabelecimentos de instrução onde a mocidade, que, pressurosa,
afluía às aulas, pudesse aprender os conhecimentos sempre
crescentes desta moderna e mais importante- ao mesmo tempo
53
Antes da criação da escola Agrícola de Lavras, o Instituto Evangélico mantinha as seguintes
escolas:
54
Prospecto do Instituto Evangélico de 1908
92
mais antiga e mais honrada- ciência e arte. O Brasil é
essencialmente um país agrícola, e Minas, sobretudo, tem sua
principal fonte de riqueza no seu solo fertilíssimo. Os interesses
de numerosíssima classe de lavradores exige que seja feito aqui o
que vai se fazendo em outros países adiantados. Está chegando o
tempo em que desejamos, por meio de nossa Escola Agrícola,
concorrer modestamente para o desenvolvimento e o progresso
desta arte de Agricultura.
A idéia era formar agentes de mudança capazes de contribuir para o
progresso da nação brasileira, fazendo “brilhar a luz do Evangelho” nesta terra: a
reforma da sociedade, segundo os princípios teológicos protestantes da vertente
calvinista. Em uma conferência realizada no Rio de Janeiro, em 1912, Samuel
Gammon foi incumbido de falar sobre o tema: “A Contribuição das Escolas
Evangélicas para o Progresso do Brasil”. A sua idéia de “progresso” manifesta-se
nos cursos oferecidos pela escola, sobretudo, a Escola Agrícola, com sua fazenda
modelo, que adquiriu prestígio junto ao governo, que, além de manter alguns
alunos, ofereceu bolsas a alguns deles para estudarem nos Estados Unidos, sob
recomendação do Instituto.
Além dos interesses diretamente relacionados com o desenvolvimento do
“ramo industrial” do seu trabalho, Samuel Gammon via também na Escola
Agrícola um meio de ampliar o acesso ao Ginásio. Aqui fica explícito, mais uma
vez, a expectativa relacionada com a educação escolar como elemento
imprescindível para o desenvolvimento do país:
[...] nos tem dominado o desejo de colocarmos ao alcance do
maior número possível de moços, as vantagens de educação.
Quantos vultos eminentes, quantas capacidades raras não se
perdem para a Pátria por faltarem aos moços meios de se
educarem!
55
55
Conforme justificativa que Samuel R. Gammon apresentou para a criação da Escola Agrícola
93
Segundo o seu planejamento, um maior número de rapazes poderia
custear os seus estudos, dedicando horas de trabalho na agricultura e produzindo
o necessário para a manutenção dos internatos:
Vinte ou trinta rapazes, trabalhando poucas horas por dia, sob a
direção de um professor competente, produziam grande parte dos
gêneros alimentícios de que o estabelecimento precisa; isto
diminuiria consideravelmente nossa despesa, e nos habilitaria a
receber maior número de alunos por preço mínimo, ou sem outra
anuidade além das horas de serviços por eles prestados. Desta
maneira, no decorrer dos anos, avultado número de homens se
poderiam preparar para melhor servir à Pátria, que, de outra sorte
teriam de passar os seus dias, seguindo a rotina de uma vida
acanhada e sem perspectiva. É esta consideração que nos impele
a lutar pelo desenvolvimento dos trabalhos industriais e
especialmente dos trabalhos agrícolas
56
Para executar o empreendimento, a Missão Oeste do Brasil, mediante
solicitação, o reverendo Samuel Gammon providenciou a vinda dos Estados
Unidos, do agrônomo recém-formado Benjamin Hunnicutt, que na ocasião tinha
apenas vinte anos de idade. Além dos conhecimentos científicos adquiridos no
Mississipi State College, era atribuída ao jovem bastante experiência nas
questões relacionadas ao cultivo da terra, devido à sua tradição familiar
57
.
Hunnicutt é lembrado nas publicações da Universidade Federal de Lavras, não
apenas como o fundador da escola, mas como responsável por iniciativas
pioneiras consideradas relevantes para a região e em âmbito nacional. São
citadas ações relacionadas à importação de animais de raça e, principalmente,
como incentivador da cultura do milho, sobre o que publicou um livro em 1823.
Em 1922, organizou a primeira exposição agropecuária do Estado de Minas
Gerais, a I Exposição Agropecuária e Industrial de Lavras. Nesse mesmo ano foi
56
Conforme justificativa que Samuel R. Gammon apresentou à Missão ao solicitar autorização
para a criação da EAL
57
Segundo os registros do Museu Bi-Moreira, da Universidade Federal de Lavras, “Toda a sua
família tinha grande conhecimento com a agricultura e registra uma curiosidade: “A sua bisavó fora
proprietária da fazenda ‘Tara’, imortalizada na obra ‘...E o Vento Levou’”
94
criado o periódico O Agricultor, que até 1935 era o único nessa especialidade de
Minas Gerais, com objetivo de levar informações referentes à almejada
modernização da agricultura para além do âmbito da instituição. “Por sua grande
contribuição dada ao Brasil -- que ele adotou como sua segunda pátria -- o Dr.
Benjamin Hunnicutt recebeu do Governo, a maior condecoração dada a um
estrangeiro, a comenda da ordem do Cruzeiro do Sul”.
58
FIGURA 12: Benjamin Hunnicutt, o instalador da EAL
Fonte: Acervo do Musei Bi-Moreira
58
Lavras-Cultura, ano II, nº 8, Setembro de 1996 (Edições UFLA/FAEPE).
95
Em 1910, com a regulamentação do ensino agrícola pelo Governo
Federal, a escola ampliou seus cursos, com duração de três anos, passando a
ser “modelado sobre o das Escolas Theorico-Praticas, estabelecido pelo Governo
Federal no Regulamento Geral de Ensino Agronômico”
59
. Em 1917, a Escola
Agrícola de Lavras foi reconhecida pelo governo de Minas Gerais e o curso por
ela oferecido passou, em 1919, a ter quatro anos de duração. Em 1930, dois anos
após a morte do fundador da escola, Samuel Gammon, foi oficializado o curso de
Engenheiro Agrônomo. Em 1936, a Escola Agrícola foi oficializada pelo Governo
Federal, passando a ser chamada, em 1938, Escola Superior de Agronomia de
Lavras- ESAL, na mesma época em que são oficializadas a Escola Nacional da
Agronomia, do Rio de Janeiro, a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de
Viçosa e a Escola Agrícola de Luís de Queirós, de Piracicaba, por preencherem
“as condições estabelecidas pela nova organização que se imprimiu ao ensino
agronômico”.
60
A escola, criada com objetivos modestos, para oferecer instruções
elementares ao homem do campo, adquiria o status de ensino superior. Em 1963,
a escola foi federalizada, dando origem à atual Universidade Federal de Lavras-
UFLA.
3.2 A EAL e o Discurso da Modernização da Agricultura Brasileira
Ao privilegiar o presbiterianismo como objeto do presente trabalho,
procuro entender o papel dessa escola no projeto de “ajustar o Brasil à
modernidade capitalista”, naquele momento que coincidiu com transformações de
“variados matizes, impulsionadores do progresso” (cf. VILLAS-BOAS, 2000, p.
84). Essa iniciativa do protestantismo missionário de origem norte-americana
59
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912;
60
Jornal “A Gazeta”, Lavras 6 de Agosto de 1936
96
insere-se, portanto, no objetivo de racionalizar a produção agrícola, a
modernização das lavouras, tornando-as mais produtivas, encontrando como
“comunidade de sentido” idéia de ‘boa” e de “má” agricultura, “agricultura
moderna” e “agricultura arcaica”, desde a segunda metade do século XIX,
intensificando-se nas primeiras décadas da República. Esse clamor, segundo
Mendonça (1997), reflete os efeitos da expansão capitalista sobre as sociedades
tradicionais. “O mundo seria envolvido por uma aura de modernidade, que incluía
a fé no caráter ‘missionário’ do progresso”. No Brasil, a reconhecida e proclamada
“vocação agrícola do país” esbarrava-se na crise e no atraso, obstáculos para os
quais diversas soluções são apresentadas no discurso de parte da elite
intelectual. Como a escola, em seus diversos níveis e modalidades, é uma
(re)invenção da modernidade capitalista para promover a necessária
racionalização, a implantação do ensino agrícola em seus diferentes níveis, com
objetivos específicos, é vista como elemento imprescindível para a efetivação
desse “processo civilizador”
61
. Por meio da escola, o trabalhador do campo seria
incorporado ao processo produtivo, sob orientação especializada.
Nesse projeto educacional, revelando conexão com a referida expansão
do capitalismo, está prevista a hierarquização dos saberes necessários ao
desenvolvimento da agricultura moderna. No topo estava o agrônomo,
considerado “líder natural”, apto a gerir a superação do atraso agrícola brasileiro.
A ele cabia a ciência. Ao chefe das culturas cabiam as artes e, ao trabalhador
rural, o ofício (cf. MENDONÇA, 1997). Segundo esse raciocínio, entretanto,
mesmo o trabalhador rural deveria ser preparado para superar os métodos
61
Quanto à relação entre a escola, enquanto instituição histórica, e sua relação com a
modernidade capitalista, ver Canário, 2005; Vincent, 2001; Varella,1992.
97
tradicionais e adaptar-se às orientações especializadas, reproduzindo o saber
científico. Nascimento (2004, p. 38, 39) comenta:
O processo de difusão das ciências aplicadas à agricultura que
ocorre no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX e das
primeiras décadas do século XX fez com que se expandisse não
apenas a quantidade de escolas superiores de agronomia, mas
também redes de estações experimentais e patronatos e de
aprendizados agrícolas. A rede de patronatos e aprendizados
aprofundou o conhecimento técnico a respeito dos saberes com
os quais operavam à medida em que (sic) os engenheiros
agrônomos se empenhavam na constituição de um discurso que,
exacerbando o caráter científico e autônomo de sua atividade,
lhes garantisse reconhecimento e legitimidade intelectual.
Transformando-se sucessivamente em escolas e colégios
agrícolas e depois em escolas agrotécnicas, os aprendizados e
patronatos terminaram por oferecer aos engenheiros agrônomos o
corpo auxiliar de técnicos que o projeto de cientifização da sua
atividade requeria.
Oliver e Figueirôa afirmam:
A emergência das ciências agrícolas no Brasil esteve, desde início
do século XIX, marcada pela necessidade de racionalizar a
produção agrícola, de descobrir novas riquezas naturais e de
manter as elites agrárias no poder. Essas necessidades também
propunham o estabelecimento de novos vínculos com a metrópole
ou com o mercado internacional, principalmente depois da
independência política do país em 1822. Por essa raiz inicial e
aliada à permanência de uma finalidade pragmática das atividades
científicas, as escolas agrícolas criadas na primeira metade do
século XX podem ser agrupadas com as iniciativas de início do
século XIX, mesmo que estas não tenham vingado. Assim,
consideramos que os projetos e realizações concretas do século
XX representam uma etapa final do processo de emergência das
ciências agrícolas no país.
Dentre as dificuldades apontadas pelo debate, estava a desorganização
da economia rural, causada pela Abolição. Segundo o discurso dos intelectuais
que se propuseram a pensar o Brasil, ainda nos anos 1920, os libertos,
despreparados para o exercício da sua nova condição, povoavam as cidades.
Além de criar problemas relacionados à perpetuação da escravidão social,
reforçavam as condições determinantes do “braço operário barato” (CARVALHO,
98
1989). O médico carioca Fernando Magalhães, engajado na campanha da
regeneração nacional, propunha a solução dessas dificuldades por meio de uma
proposta agrarista. Era necessária uma educação que fixasse o homem no
campo. Mesmo Vicente Licínio Cardoso, formado pela Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, pertencendo, portanto, a uma corrente industrialista, entendia ser
necessário enfrentar “a complexidade do problema econômico agrícola
(campônios sem instrução e sem máquinas)”. A modernização agrícola era a
ênfase da seção “A Terra e o Homem” da revista “A Bandeira”, publicada entre
1927 a 1929 pelo Club dos Bandeirantes do Brasil, ao qual pertencia Licínio
Cardoso.
Capdeville (1991), na mesma direção, ao se referir ao contexto favorável
ao surgimento das escolas para a instrução agrícola, lembra que “desde cedo na
história do Brasil, as práticas agrícolas mereceram a preocupação dos primeiros
educadores” (p.14). Há registros de estudos da agricultura desde o século XVIII.
Com a chegada da Família Real, em 1908, foram criados os hortos reais, mais
tarde chamados de “Jardins Botânicos”. É, porém, na segunda metade do século
XIX que tais projetos se tornam mais efetivos, embora com muitos percalços, o
que explica a concretização de tais projetos apenas nos primeiros anos da
República (Oliver e Figueirôa, 2006).
Nascimento(2004) ressalta que para se compreender o ensino agrícola
como elemento para uma discussão das condições sociais do processo produtivo
no campo, é necessário entender também o processo de separação entre o
ensino profissional e a assistência à infância pobre e desamparada no período.
Mendonça (1997), ao se referir aos Aprendizados Agrícolas e aos Patronatos
Agrícolas criados para “construir e fixar” o trabalhador rural”, afirma que “em
certas circunstâncias a criação de instituições de ‘ensino agrícola’ funcionaria
como instrumento de intervenção junto a categorias sociais pouco vinculadas à
agricultura, servindo como paliativo à questão social urbana”. Os aprendizados
99
atendiam jovens entre 14 e 18 anos, dando-lhes instruções técnicas específicas
para uma utilização racional do solo e o manuseio de máquinas e implementos
agrícolas. Esse curso, de duração de dois anos, elementar, incluía também
noções de higiene e uma escola de primeiras letras. O regime era de internato e
esses AAs, estruturados como propriedades agrícolas, equipados de forma a
oferecer o “ensino eminentemente pragmático”. Esses aprendizados
concentraram-se mais nas regiões Norte e Nordeste. Fazendeiros vizinhos aos
estabelecimentos recrutavam os internos para trabalhos práticos em suas
propriedades, reforçando a sua condição de “instrumentos do poder, material e
simbólico dos grupos dominantes agrários sobre o trabalhador rural”. Os
Patronatos Agrícolas, por sua vez, criados em 1918, tendo como objetivo atender
à demanda dos centros urbanos, incomodados com a presença dos meninos
desamparados, que representariam um problema para o restante da população.
Abrigá-los em centros de instrução agrícola cumpriria dupla finalidade: seriam
treinados para a produção, e isso livraria os centros urbanos da sua indesejável
presença. Eram atendidos assim, interesses de segmentos urbano-industriais,
construindo a imagem “profilática e moderna” da capital do país. Mendonça
(2000) cita comentário publicado na Imprensa Nacional de 1919:
Em todos os centros populosos cresce, dia a dia, o sombrio
exército de meninos abandonados, criminosos e malfeitores de
amanhã, pejando os tribunais, enchendo as cadeias, em vez de
constituírem elementos computáveis da economia. Dar a mão a
essas crianças impelidas à ociosidade e ao vício, assegurar-lhes
uma atmosfera oxigenada de bons sentimentos, prendê-las à
fecundidade da terra ou habilitá-las à tenda da oficina ou de uma
profissão é transformar cada uma delas em fator de
engrandecimento coletivo.
Oliver e Figueirôa (2006) apontam essas escolas que tinham objetivos
voltados para a “profilaxia social” como elemento gerador da necessidade de
100
escolas que oferecessem um ensino agrícola “mais ampliado”. Essas instituições
se encarregariam de formar os professores para as escolas de formação
elementar. Além de cumprir esse objetivo, tais escolas, com um caráter mais
científico, serviriam também às elites agrárias para a dinamização da sua
produção. Associam-se aos diversos institutos de agricultura que foram criados
nas diversas províncias, “reunindo a nata das sociedades locais”
(CAPDEVILLE,1991, p. 43). A racionalização da produção agrícola passou a fazer
parte do discurso predominante da elite intelectual, que propunha medidas para
atender às demandas da “vocação natural do país”, que deveria acompanhar o
progresso já atingido em outros países.
As primeiras instituições de ensino agrícola de nível superior, embora
ainda sem uma legislação específica, surgem no final do século XIX. A
regulamentação só viria a acontecer em 1910
62
. Nesse período anterior à
regulamentação foram criadas quatro escolas: a Imperial Escola agrícola da Bahia
(1877); a Imperial Escola de Medicina Veterinária e de Agricultura Prática, em
Pelotas-RS (1883), que teve funcionamento efetivo após passar a ser o Lyceo
Rio-Grandense de Agronomia, Artes e Ofício (1888), a Escola Agrícola Prática de
Piracicaba (1900) e a Escola Agrícola de Lavras (1908). É preciso lembrar que em
1896, quando foram aprovados os estatutos da Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, dentre os cursos oferecidos incluía-se o de Engenharia Agronômica
(CAPDEVILLE, 1991, p.52). A partir de 1910, com a regulamentação, diversas
outras instituições de ensino superior agrícola foram fundadas. Os diferentes tipos
de instrução agrícola serviam aos objetivos da hierarquização do saber a que já
fiz referência.
62
No período que nos propusemos estudar alguns marcos têm sido considerados os primórdios do
ensino agrícola no país, antes da sua regulamentação, sua regulamentação oficial, em 1910, e
este período, que se estende à LDB de 1961 (CAPDEVILLE, 1991).
101
As escolas que ofereciam “ensino mais ampliado”, objetivando a formação
de gestores da produção agrícola e professores para as escolas de nível primário,
funcionaram com dificuldades. A da Bahia, primeira a ser criada, só teve o seu
projeto concretizado após 17 anos de discussão e após a sua efetivação. A
escola é praticamente desativada a partir de 1890, quando “registram-se muitos
problemas na Escola, problemas financeiros, disciplinares, de relacionamento
entre os professores, muitas cadeiras vagas e outros” (CAPDEVILLE,1991, p. 44).
A escola não formou nenhum aluno de 1904 a 1911. O Lyceo Rio-Grandense de
Agronomia, Artes e Ofícios, além dos percalços enfrentado em suas origens,
ainda como Escola de Medicina Veterinária e Agricultura Prática, após sua
efetivação em 1888, só foi formar a sua primeira turma, com dois alunos, em
1895, tendo outra formatura, também de dois alunos, apenas em 1900. O Liceu,
da sua criação até 1911, quando já havia passado a chamar-se Escola de
Agronomia e Veterinária, formou vinte agrônomos (CAPDEVILLE,1991, p. 50). A
Escola Agrícola Prática de Piracicaba não foge à regra quanto às dificuldades
enfrentadas quando da sua fundação. Embora a sua criação tenha sido
autorizada pelo Estado em 1882, sua inauguração só se deu em 1901, passando
a funcionar precariamente com 11 alunos (CAPDEVILLE, 1991, p. 56). Segundo
Capdeville (1991), uma das razões de tais dificuldades era a falta de apoio do
governo e de respaldo por parte da população. Os fazendeiros da época,
contrapondo ao discurso predominante entre os intelectuais, ainda não entendiam
como necessária a prática do engenheiro agrônomo nas suas terras. Enquanto o
discurso da vocação agrícola do país propunha a obtenção “de uma ‘elite seleta’
de produtores rurais ‘modernos’ que, alienada de seu saber acerca da agricultura,
condicionava-se à presença de um ‘efetivo’ representante da ciência, este sim,
102
transmissor de uma nova brasilidade” (MENDONÇA, 1997, p.178). Os
proprietários rurais, entretanto, em sua maioria, consideravam-se neste aspecto
auto-suficientes para a gestão dos seus negócios e para a coordenação das
atividades produtivas das suas propriedades. Essa indiferença dos futuros
empregadores desestimulava também a procura pelos cursos de agronomia. Esse
problema parece não ter se limitado ao período anterior à República ou à
regulamentação do ensino superior agrícola. Ainda em 1946, Caio Prado Júnior
(1963) denunciava a pouca atenção dada pelos proprietários aos ensinamentos
agronômicos, ao apontar a freqüência mínima da “notável” escola agrícola
fundada no estado de São Paulo desde 1901 como evidência do desinteresse
pelos estudos de agronomia, o que, por sua vez, é reflexo da falta de disposição,
no meio produtivo rural, de se pagar os serviços de um técnico.
Quanto ao pequeno número de alunos e, conseqüentemente, de
formandos, a Escola Agrícola de Lavras, igualava-se às demais. A média de
formandos nos seus primeiros 24 anos foi de quatro por ano. Por outro lado,
devido à criação da imagem de excelência do ensino ali oferecido, a escola
exerceu marcante influência na agricultura da região. As maiores dificuldades
quanto à manutenção da escola surgiriam no final da década de 1940, período
cuja análise extrapola os objetivos deste trabalho.
Embora a Escola Agrícola de Lavras tenha se instalado no fértil solo das
discussões empreendidas em torno das necessidades de formação adequada para
uma produção agrícola moderna, diferenciava-se das demais, criadas no mesmo
período, por se tratar de uma iniciativa particular de missionários de uma missão
religiosa com motivações próprias. O interesse dos missionários presbiterianos de
origem norte- americana na instrução agrícola explica-se pelo fato de terem vindo
103
de um país onde era dada grande ênfase na formação nas “artes agrícolas”. A
própria relação da sociedade norte-americana, em meados do Século XIX, com a
terra e com o trabalho, conforme interpreta Costa (1999, p. 186), “está enraizada na
ética puritana e na sociedade colonial agrária da Nova Inglaterra”. Embora
mantendo os pressupostos básicos, ela ganha novo significado nessa sociedade
competitiva emergente. A lei Morril, de 1862, o Hamestead Act, promulgado pelo
presidente Lincoln, “tratava de doações de terras para apoio e manutenção de
escolas estaduais destinadas a uma educação vocacional” (NASCIMENTO, 2005,
p. 56), favoreceu grandemente o surgimento de escolas agrícolas que ampliaram
as suas ações no que se refere à pesquisa aplicada, a difusão do ensino e do
conhecimento. Embora a referida lei tenha sido promulgada em um contexto
específico, em condições bastante diferentes das encontradas pelos missionários
presbiterianos no Brasil, esse modelo educacional influenciou diretamente as
propostas desses missionários, oriundos daquela tradição, que viam nas terras
brasileiras grande potencial e, ao mesmo tempo, grande carência do exercício das
“artes agrícolas cientificamente fundamentadas”.
Silva (2008) destaca que até o século XIX a agricultura empírica era
considerada atividade pouco nobre, relacionada ao trabalho escravo. A partir de
então, inicia-se um processo de transformação no qual, em meio a percalços e
intenso debate, ela adquire o status de ciência. Reporta-se ao empreendimento
norte-americano no que diz respeito à agricultura científica e cita ações do
governo daquele país, que, a partir de 1839, apresenta de forma embrionária o
seu apoio a esta área do conhecimento, votando-lhe verba para pesquisa. Pouco
mais de dez anos depois, o Senador Morril propõe ao Congresso a lei que criaria
os Land Grant Colleges em terras doadas pelo governo, com o objetivo de
104
aumentar a produtividade como resultado da aplicação de métodos modernos e
científicos. “O ensino estaria, portanto, ligando a teoria à prática através da
pesquisa e da extensão rural, sendo que esta serviria de retro-alimentação para
novas pesquisas” (2008, p. 5). Embora a aprovação dessa lei tenha demorado
bastante, o debate em torno das idéias que levaram à proposta serviram para
cristalizar no imaginário social o conceito de ciência agrícola, dentro desse
contexto de desenvolvimento do capitalismo. As representações de
desenvolvimento agrícola trazidas pelos missionários certamente influenciariam
as suas ações no contexto específico da sociedade brasileira. O próprio lema da
ESAL: “Ciência e Prática”, que permanece do brasão da UFLA, comunicando uma
política pedagógica, foi importado e adaptado do College of Agrculture, de Iowa.
O brasão da instituição norte-americana é circundado por dois ramos de trigo; a
brasileira os substituiu por dois ramos de café.
FIGURA 13: Brasão da instituição norte-americana
No Brasil, a discussão em torno da necessidade de modernização das
atividades agrícolas, tendo como referência o desenvolvimento econômico,
105
também é intensificada em meados do século XIX. A lei de terras no Brasil, de
1850, reflete esse conflito entre as concepções tradicionais e modernas no que se
refere ao uso da terra e do trabalho nela praticado. Esse debate, porém, segue
princípios opostos ao que é empreendido nos Estados Unidos. Naquele país
prevalece, embora não sem contestações, o “mito da pequena propriedade”,
tendo o governo favorecido a aquisição de terras, inclusive por parte de ex-
escravos, procurando inserir esses grupos na economia produtiva. No Brasil, ao
contrário, a política era dificultar esse acesso às terras como uma forma de
impedir que imigrantes estrangeiros adquirissem as suas próprias propriedades,
tornando a mão de obra nas grandes fazendas ainda mais escassa, tendo em
vista a decadência do sistema escravista.
63
3.3 A Agricultura em Minas Gerais no início do Século XX
Para a compreensão da escola que me propus a pesquisar é importante
observar como no Estado de Minas Gerais a questão agrícola era entendida,
discutida e tratada pelo poder público. Os relatórios do engenheiro Carlos Prates,
responsável pela Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização,
durante o governo de João Pinheiro, em Minas Gerais, permitem entender como
esse Estado se inseriu nas discussões referentes à modernização da agricultura,
especificamente nos primeiros anos da República, período em que a EAL foi
fundada. A leitura desses documentos deve levar em conta os interesses
relacionados ao discurso político, o que, mesmo merecendo cuidados próprios,
não os invalida como uma referência para o estudo daquela realidade. Os
referidos relatórios ressaltam as mudanças ocorridas no tratamento das questões
63
Para uma discussão mais detalhada dessas questões referentes à política de terras e da mão
de obra no Brasil, ver Costa (1999) e Martins (2004).
106
agrícolas a partir de 1906, com a política do governador João Pinheiro.
Contrastam tais ações com aquelas empreendidas anteriormente, também
motivadas pela necessidade de modernização, mas, na interpretação do diretor,
de caráter extremamente teórico, o que as tornou “de existência efêmera”. Refere-
se ao ensino agrícola em 1896, sob o governo Bias Fortes. A própria
reorganização dos serviços do órgão por ele representado é considerada no
relatório uma demonstração de maior investimento no progresso das atividades
agrícolas. Anteriormente, os trabalhos eram vinculados à extinta (em 1906)
Inspetoria de Indústria, Minas e Colonização. A partir de então, a criação dessa
diretoria permitira uma maior atenção à modernização da agricultura. A ênfase
agora, segundo ele, era de caráter prático. Medidas eram tomadas para a
orientação dos lavradores para que fossem habilitados para o “aproveitamento
racional e profícuo das suas terras”. Cita a distribuição de máquinas agrícolas aos
lavradores
64
, a criação das fazendas-modelo
65
, dos campos de experiência e
demonstração e a subvenção aos estabelecimentos particulares para a instrução
elementar dos lavradores quanto aos métodos modernos de utilização do solo e
demais atividades relacionadas à produção agrícola.
66
Afirma:
64
Conforme fossem solicitadas, a diretoria distribuia máquinas aos agricultores. No relatório
referente o ano de 1907 consta que “ foram cedidas 799 máchinas e instrumentos aos
agricultores. 346 arados; 37 semeadores; 13 caroideiras; 5 arranca-tocos; 103 chibancas; 19
cultivadores, 231 pontas de arado, 1 quebrador de torrões, uma pá automática, 1 ciscador, 17
discos, 11 debulhadores, 3 máchinas gubba”
65
Foram criadas, na ocasião, cinco fazendas-modelo:, a fazenda-modelo Gameleira, no município
de Belo Horizonte;Fábrica, no município de Serro; Retiro do Recreio, em Santa Bárbara, Barra,
em Itapecerica e Ayoruoca, em Ayoruoca. Dessas a única que passou a funcionar imediatamente
foi a Gameleira, em Belo Horizonte. As demais, ainda levou um tempo para a efetiva implantação.
Esses estabelecimentos se destinavam ao ensino prático da agricultura.
66
Reconhecendo ser reduzido o número de fazendas-modelo do Estado e que era necessário
apressar e facilitar a difusão pelo vasto território mineiro do ensino prático de agricultura, o
governo mineiro, por meio da lei nº 454 de 06 de Setembro de 1907, no seu artigo 9º alínea 3ª,
autoriza o estado “a subvencionar, com 300$00 mensaes, a particulares que, em
estabelecimentos agrícolas próprios, instruírem e mantiverem processos de cultura mecânica e se
prestarem a admitir gratuitammente aos mesmos, cinco aprendizes, pelo prazo de 30 dias”. As
condições exigidas pelo estado eram: “1- Possuir, pelo menos, dois arados, duas grades, um
destorroador, duas semeadoras e duas capinadoras; 2- Praticar a cultura dos cereaes, ainda que
107
Quem, com isenção de ânimo, observar o que se passa em nosso
Estado, sente que a lavoura mineira, tem reanimado, havendo, por
toda parte, máchinas agrícolas em trabalho e métodos mais
racionais (...) Ninguém hoje ignora que para o fomento da
agricultura racional em nosso paíz, de quase nada tem valido as
dissertações theóricas quer oraes, quer escriptas (...) o nosso
povo, de espírito essencialmente conservado e prático, não se
deixa levar somente por palavras, elle quer ver o exemplo e
observar o resultado
67
O discurso da modernização, da superação dos antigos meios de
produção rural, está sempre presente no discurso do diretor. Ressalta a sua visão
do pioneirismo mineiro quanto à superação dos métodos tradicionais de cultivo da
terra. Afirma:
Com a mudança, porém, das condições do paiz e com a
transformação do regimen do trabalho pela supressão da
escravidão, não podiam continuar os antigos methodos
agriculturaes, que constituem atualmente o verdadeiro
anachronismo. Era necessária uma enérgica reação contra esse
estado de cousas e coube a Minas dar o exemplo de uma
propaganda eficaz nesse sentido, estabelecendo fazendas-
modelo, campos de experiência e de demonstração e
subvencionando estabelecimentos particulares, de modo a pôr ao
alcance de todos a aprendizagem do manejo das machinas
agrícolas e o conhecimento dos processos modernos de
agricultura, que naquelles estabelecimentos se praticam. É assim
que se pode habilitar o lavrador para o aproveitamento racional e
profícuo das suas terras
68
Os ideais da missão religiosa, de confissão presbiteriana, encontrou,
assim, um ambiente favorável para o cumprimento dos seus objetivos. O Instituto
Evangélico, no seio do qual surgiu a Escola Agrícola, veio de Campinas a Lavras
a fazenda se destine especialmente à exploração de outra ou outras culturas; 3- Empregar,
mesmo a título de experiência, além dos adubos orgânicos, adubos chimicos e irrigação;4- Admitir
e manter permanentemente 5 aprendizes aos quaes manifestará, gratuitamente, durante o prazo
máximo de 30 dias, o ensino prático de agricultura e manejo das máchinas agrícolas, bem como,
acommodações e sustento;” Não poderia ser subvencionada mais de uma fazenda no mesmo
município, sendo a admissão por meio de guia pelo presidente da Câmara. O dono da fazenda
deveria encaminhar lista com os nomes dos aprendizes e o pagamento da subvenção se daria por
meio de relação visada pelo presidente da Câmara municipal.
67
Relatório da Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de 1908,
apresentado pelo engenheiro Carlos Prates ao Secretário de Finanças, Dr. Juscelino Barbosa
68
Relatório da Diretoria de Agricultura, Comercio, Terras e Colonização, referente ao ano de 1908,
publicado em 1909.
108
em 1893, tendo como justificativa para escolha da cidade do Oeste de Minas
Gerais as condições climáticas favoráveis. Posteriormente, outros fatores
contribuíram para o sucesso de todo o empreendimento educacional, mais
especificamente, o da Escola Agrícola. O prestígio político do Coronel José
Custódio da Veiga, por exemplo, que se converteu ao protestantismo por meio da
pregação de Samuel Gammon, tornou-se presbítero da Igreja e que, inclusive,
emprestou o dinheiro “em boas condições” ao missionário para a aquisição do
terreno onde se instalaria o educandário.
Essa visão apresentada pelo governo de Minas combina com os ideais
dos fundadores da Escola Agrícola de Lavras. Ao iniciar suas atividades, a
instituição publica, no prospecto do Instituo Evangélico, um texto que expressa a
concordância de princípios com relação à proposta do Estado:
A prosperidade do Brasil depende absolutamente de uma
agricultura produtiva e progressiva. Em primeiro lugar há as
necessidades internas de consumo de uma população de mais de
30.000.000, e a necessidade de termos de sobra para
exportarmos em pagamento das muitas coisas importadas. Sem
pesquiza, estudo e uma propaganda intensa das cousas
agrícolas, não podemos ter um lavrador e um criador intelligentes
e progressistas. Pela rotina hodierna de serviço quase
inteiramente manual, não podemos progredir, nem tão pouco
mantermos produção permanente. Urge portanto que os
fazendeiros enviem os seus filhos às Escolas Agrícolas, e por
outro lado que as Escolas Agrícolas levem os seus ensinos ao
próprio fazendeiro. Os problemas a serem vencidos, de produção
mais remunerativa, combate às moléstias, e venda mais
vantajosa, são magnos, e só seremos bem sucedidos num esforço
em conjuncto, onde cooperem as forças publicas, individuaes,
associadas, enfim todas. No momento actual assistimos ao
desabrochar de uma nova era na agricultura nacional. Os próprios
lavradores estão descontentes com os processos antigos e
rotineiros, mas hesitam em adoptar novidades, sem que estas
sejam de comprovada utilidade e êxito garantido. Precisamos de
“leadership”, de quem nos guie e nos leve a aproveitar os
conhecimentoa accumulados, e de constante aquisição pelas
pesquizas. O homem prático não pode desprezar o homem de
estudos e pesquizas, e os estudos e pesquizas tem o seu melhor
valor na applicação prática. Portanto mãos à obra: unam as suas
forças todos os interessados e há de se surgir um novo sopro de
vida na aqgricultura brasileira. Serão conquistados novos
109
mercados, com productos mais variados e de melhor qualidade, e
aqui no próprio paiz haverá maior fartura para o deleite de todos
que habitem esta terra feliz.
Além de afinar-se com o discurso referente à agricultura moderna, à
necessidade de superação dos métodos tradicionais, há a ênfase, não apenas em
formar os seus alunos, mas de aproximar-se dos produtores rurais, influenciando-
os na sua maneira de cultivar a terra. A idéia era demonstrar de forma prática os
resultados dos métodos e dos instrumentos modernos de produção. Assim, logo
após a sua fundação, a Escola Agrícola de Lavras passa a se relacionar com a
Diretoria de Agricultura, órgão do governo estadual, sendo arrolada entre os
estabelecimentos úteis ao seu programa de racionalização da agricultura. Além
dos recursos públicos aos quais a escola teria acesso, ampliaria também os seus
contatos com os produtores da região, tanto no treinamento de aprendizes, como
na prestação de serviços ao posto zootécnico, às máquinas agrícolas, que
posteriormente são implantados em parceria com o Governo Estadual.
3.4 O Relacionamento da EAL com o Poder Público
“A Escola Agrícola de Lavras é subvencionada pelos governos Federal,
Estadoal e Municipal”
69
. Grande parte do pioneirismo atribuído à escola Agrícola
de Lavras deve-se à sua parceria com o Estado, cuja política combinava com os
ideais pragmáticos de progressos trazidos pelos missionários norte-americanos. A
política agrícola no Estado de Minas Gerais no início no século XX, seguia a
tendência nacional, pretendendo “sair na frente”, “servir de exemplo”
70
no que se
refere aos esforços para a modernização. Para isso, o governo, além dos
69
Prospecto do Instituto Evangélico de 1922
70
Expressões utilizadas pelo engenheiro Carlos Prates, diretor de Agricultura, Comércio, Terras e
Colonização, no seu relatório de 1908
110
estabelecimentos do Estado, por ele criados, dispunha-se a apoiar iniciativas
privadas voltadas para a instrução agrícola. A Escola Agrícola de Lavras cujos
trabalhos eram realizados em sua fazenda-modelo Ceres, a partir do ano seguinte
à fundação buscou recursos junto ao Governo do Estado para a ampliação dos
seus projetos. Inicialmente, a fazenda Ceres participou do programa de
subvenção para a formação de aprendizes. Posteriormente, foi incluída em outros
projetos, como importações de animais de raça
71
, bolsas de estudos para alunos
do curso de agronomia
72
, apoio no envio de formandos para aperfeiçoamento dos
estudos nos Estados Unidos e, um dos principais, a criação de um posto
zootécnico
73
nos moldes de outros criados pelo Estado em outras regiões.
No relatório apresentado por Carlos Prates em 1910 ao Secretário da
Agricultura Dr. José Carlos de Souza, são dez fazendas particulares
subvencionadas pelo governo do Estado, entre elas, a fazenda Ceres da Escola
Agrícola de Lavras. Logo no primeiro ano dessa parceria com o Estado, a
produtividade agradou o diretor Carlos Prates, que destaca:
Dentre os estabelecimentos subvencionados, convem destacar a
fazenda Ceres onde está installada a escola Agrícola de Lavras, e
as Escolas Dom Bosco, em Cachoeira do Campo. A Escola
Agrícola de Lavras, creada e dirigida pelo sr. Dr. Samuel
Gammon, foi esta escola subvencionada, de acordo com a
instrução em vigor, em data de 1º de junho do anno passado.
71
A Escola Agrícola de Lavras
72
Os critérios para a manutenção das bolsas de estudo estão relacionados ao aproveitamento do
aluno. Há registros, nos relatórios, de alunos que perderam a bolsa por apresentarem
aproveitamento aquém do exigido. Em 1920, por exemplo, das 10 bolsas disponíveis, apenas 8
foram preenchidas, “ficando abertas duas por falta de candidatos merecedores desse favor”
(Relatório de Álvaro da Silveira, referente ao ano de 1920)
73
O posto zootécnico serviria para a instrução dos alunos e aprendizes e para servir à
comunidade, aos criadores da região que poderiam melhorar a raça dos seus rebanhos, utilizando
os reprodutores do posto. As normas para essa utilização, bem como tabelas de preços foram
estabelecidos pelo Estado e deveriam ser rigorosamente cumpridas pela direção da escola,
responsável pela administração do Posto Zootécnico de Lavras. A partir de dezembro de 1913, a
Secretaria da Agricultura designa uma verba mensal no valor de 200$000 para a manutenção do
Posto Zootécnico, atendendo a solicitação da Escola Agrícola de Lavras. Em contra-partida, exige
que não mais fossem cobradas as taxas de coberturas dos reprodutores, devendo ficar todas as
despesas por conta da Escola.
111
Contem 58 hectares de terras dos quaes 17 se acham lavrados
(...) Possue 18 machinas agrárias e 2 de beneficiamento, sendo:
10 arados, 2 destorroadores, 2 grades, 2 semeadores, 2
capinadores, 1 debulhador de milho e 1 máchina de cortar capim.
Receberam o ensino prático de agricultura nesta escola 29
aprendizes. Os pagamentos efectuados pelo estado, até esta
data, importam em 1:650$000. A produção foi avaliada em 200
alqueires de milho, 50 de arroz e 150 arrobas de batatas, estando
a venda calculada em 400$000 para o primeiro produto, 250$000
para o segundo e 300$000 para o terceiro.
74
A parceria entre a instituição e o governo do Estado intensifica-se com o
passar dos anos. Sob o argumento da seriedade da administração da escola e
dos benefícios que ela proporcionava à região, atendendo aos anseios do
governo, investimentos eram feitos para a sua ampliação. O Diretor Álvaro
Silveira, em relatório de 1917, atesta:
Durante o ano foram melhorados os laboratórios e adquiridos
modernos aparelhos para o curso de agrimensura. Serve de
campo de demonstrações para os alunos a fazenda-modelo
‘Ceres’ de propriedade da Escola e cujas instalações tem sido
sempre melhoradas. Com a aquisição de porcos de raça,
directamente importados dos Estados Unidos, tornaram-se
necessários alguns melhoramentos nas pocilgas, melhoramentos
esses que foram feitos também nos estábulos. Todo o gado foi
tratado contra o carrapato, com o emprego de uma bomba simples
e barata.
75
Foi neste mesmo ano de 1917 criada a lei 690, no dia 10 de Setembro,
pelo Congresso Estadual, autorizando o registro na Secretaria de Agricultura, dos
diplomas de agrônomos conferidos pela Escola Agrícola de Lavras.
74
Relatório da Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de
1910, apresentado ao secretário da Agricultura, Dr. José Gonçalves de Souza
75
Coleção 252.9 do Arquivo Público Mineiro
112
FIGURA 14: Desfile para comemorar o reconhecimento da EAL pelo Governo de Minas (1917)
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Nos relatórios da diretoria de agricultura a partir desse período e,
principalmente, na correspondência trocada entre o diretor da escola, Benjamin
Hunicutt e os responsáveis pelo órgão do governo, aparecem referências a verbas
concedidas à fazenda modelo de Ceres para diversos fins
76
. É possível observar,
entretanto, nessas correspondências, o embate entre a instituição em busca de
recursos e o Estado. Se por um lado o diretor da escola recorre continuamente ao
poder público, requerendo verbas para diversos empreendimentos, inclusive para
76
Em ofício do dia 24.10.1913 , autoriza-se a aquisição de balança de pesar gado, deixando claro
de que o equipamento pertence ao Estado. No dia 28.10, outro ofício é expedido, autorizando
verba de 200$000 para construção de abrigo para a balança. Esse abrigo é construído e as
despesas ficaram em 222$000 e, conforme correspondência do dia 19.05.1914, a Secretaria de
Agricultura recusa-se a pagar o excedente, liberando apenas a verba previamente votada. No dia
28.10 de 1913 é expedido ofício comunicando ao diretor da escola o indeferimento de verba
solicitada para a construção de uma estrumeira. No dia 30.10.1913 é comunicada a
impossibilidade de atender ao requerimento de passagens gratuitas para dois alunos da escola.
Nessa mesma data é respondida uma solicitação de verba para publicação de monografias
confeccionadas para estudo na escola. É solicitado o envio das monografias para análise do
órgão. No dia seguinte, 31.10.1913, é respondida a solicitação de verba no valor de 750$000 para
a construção de um banheiro carrapaticida, informando à direção da escola que para estudo da
possibilidade de liberação da verba seria necessário o envio da planta, do orçamento e do
atestado do presidente da Câmara de ter sido o único a ser construído no município.
113
aquisição de simples equipamentos e pequenas construções, a diretoria, por sua
vez, impõe restrições, indefere pedidos
77
. Apesar da relativa tensão, pela leitura dos
documentos percebe-se um relacionamento amistoso entre a instituição privada e o
poder público. A parceria perdurou, ampliando-se a ponto de alcançar as diversas
atividades realizadas pela escola.
Desde 1910, a Secretaria de Agricultura do Estado de Minas Gerais já
oferecia prêmios aos alunos que se destacavam na escola. No prospecto de
1912, é anunciado:
A Secretaria de Agricultura de Minas Geraes, autorisada pela lei n.
530, de 20 de Setembro de 1910, offerece annualmente ao
alumno que for indicado pelo corpo docente, como prêmio, uma
viagem aos Estados Unidos do Norte ou a algum outro paiz, para
alli continuar seus estudos agrícolas.
O ex-aluno da escola, formando da primeira turma, Manoel Deslandes, ao
avaliar o seu desenvolvimento, após dez anos de existência, escreve:
Com a subvenção de vinte contos que o Governo federal
concedeu este ano à Escola, vai este estabelecimento aumentar
os seus laboratórios de modo a torna-los mais aproveitáveis. Além
dos dez alunos que o governo do Estado mantêm na Escola,
resolveu este mesmo governo dar um auxílio ainda maior,
reconhecendo-a de modo a seus agrônomos terem diplomas
garantidos e mais valorizados. O Governo federal aceitou o
oferecimento que os docentes e discentes lhe fizeram para que o
Instituto concorra de algum modo, nesta fase melindrosa que o
país atravessa, para aumentar a produção no país, e assim, o
diretor, vai trabalhar mais diretamente, prestigiado pelo governo,
dirigindo a 4ª Exposição do Milho, criando clubes agrícolas, etc.
Esse relacionamento da escola com o poder público verifica-se também
pelas homenagens prestadas àqueles que ocupavam cargos na área em nível
estadual e federal. Em 1922, por exemplo, foi inaugurado o prédio “Carlos
Prates”, onde funciona atualmente a Editora da Universidade Federal de Lavras,
77
Coleção 252.9 do Arquivo Público Mineiro
114
em homenagem ao então diretor de agricultura do estado de Minas Gerais.
Posteriormente construído, outro edifício homenageia um ocupante da pasta de
agricultura em nível federal: o Edifício Odilon Braga.
A Escola Agrícola de Lavras surge, portanto, como um segmento dos
projetos educacionais dos missionários presbiterianos que chegaram a Lavras na
última década do século XIX, intimamente conectada às questões agrícolas no
Brasil e, em Minas Gerais, em particular, cuja compreensão se faz imprescindível.
A educação presbiteriana em Minas Gerais, especificamente no que se refere ao
ensino agrícola, tem os mesmo objetivos dos que são implementados em outras
regiões do país. Resta saber, com maior aprofundamento, que princípios
educacionais nortearam as atividades da Escola Agrícola de Lavras? Quais as
práticas pedagógicas adotadas? Em quais modelos praticados internacionalmente
tais princípios e práticas se inspiraram? De que maneira deu-se a adaptação
desses modelos às condições regionais? Que qualidades éticas e morais
entendia-se que deveriam ser inculcadas para produzir novas atitudes mentais,
hábitos e modo de vida em seus alunos e na sociedade local? Quais as
estratégias adotadas para atingir a população regional? Qual foi o impacto desse
projeto na região onde se instalou? A escola atingiu os seus objetivos propostos
no que se refere à modernização da agricultura regional?
115
4 ORGANIZAÇÃO PEDAGÓGICA DA ESCOLA AGRÍCOLA DE
LAVRAS
Neste capítulo discuto as questões relacionadas aos princípios
educacionais que nortearam as atividades da Escola Agrícola de Lavras. Tomo
como referência o seu caráter confessional e os seus objetivos voltados para a
“evangelização indireta”, com a intenção de transformar a sociedade local nos
moldes da cosmovisão protestante devertente calvinista. São analisadas a
relação entre tais objetivos e as disciplinas que compunham o currículo da
instituição, a forma de ministrá-las, bem como a ênfase dada na formação dos
professores e no perfil desejado para os alunos que pretendiam formar. Avalio o
discurso da instituição e as formas de concretização dos ideais proclamados.
A prática pedagógica é sempre intencional. Relaciona-se com as
concepções de educação, dos saberes necessários para a formação do indivíduo
para que este se insira em determinado lugar na sociedade. Toda a organização
da escola moderna revela essa compreensão e os objetivos a serem alcançados.
As disciplinas que compõem o currículo, os métodos propostos para o ensino, o
tempo dedicado aos estudos e a outras práticas de socialização, a formação dos
professores e a relação destes com os alunos, os espaços dedicados às diversas
atividades pertinentes ao projeto educacional, são todos elementos reveladores
da realidade e, portanto, devem ser objeto de análise. Assim, procuro com base
nos documentos construir uma interpretação dos ideais proclamados e
efetivamente implantados na Escola Agrícola de Lavras desde a sua a fundação
em 1908, até se tornar na ESAL, em 1936.
116
4.1 Pressupostos Teológicos e Práticas Pedagógicas
Rossi e Inácio (2005) afirmam:
Os idealizadores da Escola Agrícola de Lavras tentaram relacionar
a realidade educativa diante das necessidades educacionais e
econômicas do País. Progresso também era investir em uma
educação completa, útil para o indivíduo, consequentemente, para
a sociedade. As palavras-chaves do Instituto Gammon foram:
SCIÊNCIA – ARTES – CULTURA – UTILIDADE, conforme
apresentava seu programa educacional para 1931.
A prática pedagógica da Escola Agrícola de Lavras segue os princípios
norteadores do Instituto Evangélico do qual fazia parte. O conceito de “progresso”,
o ideal de educar para “o viver completo” também se apresentam como seus
fundamentos. O cotidiano escolar é organizado em torno do lema “Para a glória
de Deus e para o progresso humano”, gerando conceitos e procedimentos
considerados necessários ao cumprimento desse objetivo. Para entender a
organização pedagógica da escola é preciso considerar os fundamentos das
doutrinas religiosas de tradição calvinista,
78
que fundamentavam a visão de
mundo dos administradores da instituição, e como essas convicções foram
reproduzidas no seu fazer pedagógico. Ao empreender essa discussão é
necessário lembrar que, a despeito da fundamental influência das doutrinas
religiosas, as práticas pedagógicas são históricas e se fundamentam em teorias
pertinentes ao seu tempo, como foi exposto ao se discutir a filosofia educacional
do Instituto Evangélico de Lavras. A vida para a glória de Deus é estruturada de
acordo com a compreensão e as exigências de cada tempo. Mesmo no caso
desse segmento do protestantismo que entende que a Bíblia é a infalível e
imutável Palavra de Deus, os preceitos divinos são aplicados segundo a realidade
vivida e, certamente, influenciada por saberes produzidos historicamente.
78
Sobre as peculiaridades do sistema calvinista, ver KUYPER (2002)
117
Para o protestantismo reformado, as potencialidades do indivíduo devem
ser colocadas a serviço da restauração da obra criada por Deus. O calvinista,
seguindo a interpretação agostiniana, remetendo-se ao texto bíblico, parte do
pressuposto de que Deus criou todas as coisas de forma perfeita. Com a entrada do
pecado no mundo, toda criação se desestabilizou. Os eleitos de Deus, objetos da
redenção operada por Cristo, têm a missão de colaborar com o Criador na
restauração de todas as coisas. Mesmo conscientes de que a perfeição não será
atingida na realidade terrena, consideram-se responsáveis pela reforma, pela
santificação das relações humanas em termos gerais e com a natureza, tendo
sempre a Bíblia como parâmetro para tal restauração
79
.
Utilizar os meios modernos para o desenvolvimento da agricultura,
segundo o entendimento daquele período, para um melhor aproveitamento da
natureza e, conseqüentemente, o aumento da produção de alimentos, eram
considerados como meios viáveis para o cumprimento de uma missão.
Contribuiriam assim para a realização do propósito da existência humana: A
glorificação do nome de Deus.
A nossa abordagem, conforme a exposição anterior, leva-nos a buscar
suporte na análise realizada por Weber (1996) quanto aos efeitos das doutrinas
religiosas na “ação social” dos indivíduos e instituições. Mesmo que a análise de
Weber refira-se ao puritanismo do século XVII com as suas características
próprias, é possível utilizar a sua obra como referência, considerando as
convicções doutrinárias que permanecem na vertente religiosa que organizou a
instituição que é objeto da pesquisa. Weber (1996, p.27) afirma que a Reforma
Protestante do Século XVI realizou uma verdadeira revolução social, embora não
79
Kuyper (2003) e Wolters (2006) possibilitam aprofundar a discussão referente ao referido
segmento teológico.
118
fosse esse o seu propósito primordial. Para ele, os objetivos religiosos causaram
tal impacto. Weber destaca diversas doutrinas protestantes que teriam contribuído
para a formação do “espírito do capitalismo” (Weber, 1996, p. 113). Segue-se
aqui o raciocínio de Weber, utilizando algumas das doutrinas enfatizadas por ele
e outras defendidas pelo grupo de missionários, como elemento de análise da
influência da teologia protestante, calvinista, na organização pedagógica da
Escola Agrícola de Lavras.
A sociologia de Weber destaca a importância das “religiões de salvação”,
considerando o impacto dos seus princípios reguladores da conduta no mundo
(cf. FREUND, 2000: 131). O ascetismo, a oposição ao mundo, característica
básica deste tipo de religião, ao contrário daquelas puramente rituais, de
contemplação, que procuram adaptar-se ao mundo, tem uma participação efetiva,
fundamental na construção da sociedade (cf. WEGNER, 2000: 184, 193). Freund
(2000: 133), interpretando a abordagem em questão, afirma que “uma religião de
salvação toma quase sempre o aspecto de uma revolução social, já que aspira a
uma nova comunidade com base em um princípio ou em uma nova norma”.
Dentre as religiões de salvação, cujos ensinamentos se revelam
determinantes das diversas formas de vida social, são abordadas ainda, nesta
concepção, as diferentes relações com o mundo. Embora sejam, como já foi dito,
essencialmente ascetas, este ascetismo é praticado, às vezes, de forma oposta.
É o caso do protestantismo calvinista, puritano e do catolicismo romano. Este
adota o princípio do “afastamento ou descolamento” do mundo (cf. SOUZA, 1999:
260) como meio para se exercitar a fé em busca da salvação. O Calvinismo, por
sua vez, realiza a sua oposição ao mundo, não fugindo dele, mas envolvendo-se
nele e buscando a sua superação, transformando-o, segundo os princípios
119
extraídos da Bíblia (cf. WEGNER, 2000: 184-186, 195). Freund (2000: 146)
explica:
A ascese que se pratica no seio do mundo (Innerweltliche), a
exemplo do puritano, ela considera igualmente a criatura como
instrumento de Deus, mas para glorificá-lo pela atividade profissional
, pela vida em família exemplar, pelo rigor de conduta em todos os
domínios da vida, cumprindo todas as tarefas como deveres
queridos por Deus (...) para o asceta (visto essencialmente sob os
traços do puritano), a contemplação mística surge como gozo
pessoal, indolente e estéril do ponto de vista religioso e, por
conseguinte, condenável, porque ele vê nela a voluptuosidade de
uma criatura idólatra: em vez de trabalhar para a glória de Deus e
cumprir sua vontade, ele se preocupa apenas com seus êxtases (...)
De fato, nem o asceta nem o místico aceitam na verdade o mundo;
para o primeiro, ele não passa de um lugar de êxito cuja glória não
lhe pertence; e para o outro, o êxito no mundo não tem qualquer
significação para a salvação e pode mesmo se tornar uma tentação
que nos afasta dela.
Na concepção reformada
80
, calvinista, portanto, é a ação no mundo de
acordo com a vontade de Deus, revelada na Bíblia, que vai caracterizar a vida do
eleito para a salvação. Baseiam-se nas declarações de Cristo registradas nas
narrativas do Evangelho: “Vós sois o sal da terra” (MATEUS 5.13), “Vós sois a luz
do mundo” (MATEUS 5.14), “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres
do mal (...) assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao
mundo” (JOÃO 17.15,18). Assim, o verdadeiro cristão tem um compromisso
perante o mundo, embora não absorvendo a sua filosofia. É o “estar no mundo
sem ser do mundo” (cf. WEGNER, 2000:195). “Não ameis o mundo, nem o que
no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque
tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e
a soberba da vida, não é do pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua
80
“Historicamente, o termo ‘reformado’ foi usado a princípio indistintamente para todos os protestantes,
calvinistas, luteranos e zwinglianos. Com a controvérsia entre eles sobre a Ceia, ‘reformados’ passou a
designar zwinglianos e calvinistas somente, em contraponto aos luteranos. E com o arrefecimento da
importância de Zwinglio no cenário protestante, ‘reformados’ passou a designar os calvinistas.
Portanto, é historicamente correto afirmar que um entendimento reformado tem a ver primariamente
com a teologia calvinista” (LOPES, 2001:1).
120
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”
(1 JOÃO 2.15-17). Este princípio norteador da conduta é chamado, na perspectiva
weberiana, de ascetismo intramundano (cf. SOUZA, 1999; WEGNER, 2000;
COHN, 2000). Desaparece, nesta concepção, o dualismo entre vida religiosa e
vida secular. Toda ação humana é, de certa forma, religiosa por se tratar de uma
resposta (positiva ou negativa) à Palavra de Deus. O mundo é desencantado,
visto por uma religião que, despojando-se da magia, aponta para os valores
racionalmente éticos, segundo o mandamento divino, como critério de validade
(cf. COHN, 2000:151-2).
A salvação para os Calvinistas, a exemplo do conceito luterano, é pela
graça de Deus mediante a fé, não pela prática de boas obras como afirma o
catolicismo romano. A fé salvadora, bem como o arrependimento para a vida são
dádivas de Deus àqueles que ele mesmo predestinou para a vida eterna. O
propósito de glorificar a Deus por meio de uma conduta exemplar, segundo os
padrões bíblicos, é o sinal da predestinação (cf. COHN, 2000: 155). Os crentes
devem buscar uma vida piedosa e fiel, não para conquistar a salvação, mas para
comprovarem que foram alcançados pela graça salvadora. Fundamentam-se no
que o apóstolo Paulo escreve às igrejas das quais cuidava:
(...) recordando-nos, diante do nosso Deus e Pai, da operosidade
da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa
esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, reconhecendo irmãos,
amados de Deus, a vossa eleição, porque o nosso evangelho não
chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo em
poder, no Espírito Santo e em plena convicção (...) de sorte que
vos tornastes modelo para todos os crentes na Macedônia e Acaia
(1 Tessalonicenses 1.3-5,7)
Ademais, o apóstolo Paulo dizia “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus,
santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de
121
mansidão, de longanimidade...” (COLOSSENSES 3.12). Acerca disso, Souza
(1999: 27-8) comenta:
Em lugar de uma percepção da salvação segundo a acumulação
de boas ações isoladas, há agora a perspectiva de que a vida tem
de ser guiada a partir de um princípio único e superior a todos os
outros: o de que a vida terrena deve ser concebida apenas como
um meio (e, o homem como um mero instrumento de Deus) para o
aumento da glória divina na terra. Todos os sentimentos e
inclinações naturais devem subordinar-se a esse princípio, o que
faz com que o protestantismo ascético represente, desse modo,
uma gigantesca tentativa de racionalizar toda a condução da vida
sob um único valor.
Vários elementos decorrentes da doutrina da predestinação que, por sua
vez, resulta da soberania de Deus, doutrina central do Calvinismo, são apontados
por Weber (1996), ressaltando os seus efeitos práticos na vida do indivíduo em
busca de evidências da sua eleição e, conseqüentemente, na sociedade da qual
faz parte. O êxito normalmente alcançado pelos protestantes na vida profissional
e econômica que chama a sua atenção de forma especial (cf. 1996: 19) não é
buscado como um fim em si mesmo, mas alcançado devido à conduta orientada
por um princípio maior, relacionado com a comunhão com Deus e o interesse pela
salvação da alma. A convicção religiosa regula também a forma de desfrutar dos
resultados do êxito alcançado. Tudo deve ser feito com moderação de forma que
o nome de Deus seja glorificado (cf. WEGNER, 2000: 84,85).
O homem, neste caso, é entendido apenas como um instrumento, um
mordomo, administrador dos bens alcançados. O proprietário é Deus, o criador e
sustentador de todas as coisas, a quem todos os homens prestarão contas dos seus
atos (cf. WEBER, 1996: 122). Neste caso, é dever do homem o “uso de suas
possibilidades para coisas necessárias e práticas” (cf. WEGNER, 2000: 196).
Conforme afirma Souza (1999: 28,29), a Reforma realizou uma verdadeira revolução
122
social, mas não era este o seu objetivo primordial. Isto ocorreu, entretanto, como
resultado dos seus objetivos religiosos (cf. WEBER, 1996: 27). Como “(...) tudo é
educação” e “(...) a educação está em toda parte” (VEIGA, 2003: 15), é possível
entender que, para a realização dos propósitos reformados nas diversas sociedades
onde esse segmento do cristianismo se instalou, os projetos educacionais tiveram
importância fundamental e, especificamente, aqueles direcionados à escolarização,
aspecto que privilegiamos na nossa investigação.
A influência desses princípios doutrinários, naquele contexto onde os ideais
científicos, de modernidade e progresso, motivam a produção do conhecimento na
Escola Agrícola de Lavras. Proclamam a necessidade de unir os conhecimentos
teóricos à aplicação prática, daí o lema que posteriormente foi adotado pela escola:
“Ciência e Prática”. Negam a agricultura empírica, assistemática, praticada pelos
lavradores, afirmando a necessidade de que a natureza, segundo os recursos
disponíveis seja conhecida por meio da ciência e que a ação prática seja
fundamentada no desenvolvimento desses saberes. Há sempre o esforço por parte
dos divulgadores da escola em convencer por meio da propaganda e da
demonstração dos recursos disponíveis para os seus fins educacionais que “Na
Escola Agrícola o curso é essencialmente prático”
81
.
O argumento religioso, entretanto, aparece pouco nos documentos de
propaganda da escola, podendo ser encontrado mais nos documentos internos da
missão. Nos relatórios e informações dos missionários, enfatiza-se a importância do
projeto para que uma reforma social seja promovida. Nos prospectos do Instituto, o
argumento para a união entre os estudos “theóricos e práticos” é que essa é a
tendência educacional nos “paízes que mais pugnam pela instrucção popular”
82
.
81
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912
82
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912
123
Tanto na apresentação dos seus objetivos, na propaganda e informativos,
como nos documentos que evidenciam a prática cotidiana da escola, são declarados
de forma sucinta, mas direta, os princípios oriundos das raízes teológicas e culturais
que o referido grupo representava e a intenção de transmiti-los aos alunos.
Estando o estabelecimento sob a direcção de pessoas que
consideram que sua missão essencial é a de annunciar o evangelho
de Jesus Christo, os princípios christãos, considerados do ponto de
vista evangélico, são a base de toda a instrução. No próprio currículo
há aulas para o estudo da Bíblia e dos princípios do christianismo e
os alumnos assistem nos dias úteis ao culto de abertura das aulas.
No domingo há escola dominical e cultos públicos no templo
presbyteriano local aos quaes todos assistem. Sem obrigar ninguem
a seguir o nosso systema religioso consideramos que o
conhecimento dos fundamentos da fé christã são indispensáveis a
todo homem culto. Existem no estabelecimento duas organizações
sob a direção dos alumnos que visam o bem espiritual dos sócios --
a Sociedade de Convenanters para os moços e a Associação
Christã Feminina para as moças. Ambas são as mais antigas de seu
gênero no Brazil
83
Desta forma, os organizadores da escola explicitam a sua missão religiosa,
mas o fazem de forma cuidadosa para não constranger a potencial clientela e, ao
mesmo tempo, para evitar reclamações futuras, devido à inserção de atividades
religiosas nas práticas pedagógicas da escola. Ao declarar que “os princípios cristãos
são a base de toda instrução”, evidenciam os pressupostos norteadores da sua
pedagogia. Por isso mesmo consideravam a organização de escolas como uma
forma de cumprir a sua missão no mundo. Reformar a sociedade deformada pelo
pecado é uma das maneiras de glorificar a Deus e uma pedagogia cristã é
considerada instrumento essencial para isso.
Como exemplo dessa presença religiosa na organização pedagógica da
escola , estão as duas horas/aula de História Sagrada em todos os anos do curso
83
Prospecto do Instituto Evangélico de 1921
124
agrícola
84
. A exigência da participação dos exercícios de abertura das atividades: “A
freqüência aos exercícios de abertura, às aulas e aos trabalhos práticos é
obrigatória”
85
com leituras bíblicas e outras atividades divulgadoras dos princípios
cristãos, segundo a interpretação protestante de confissão presbiteriana. A própria
informação, em todos os prospectos, de que o Dia do Senhor, o Domingo, era
santificado na Escola, não sendo permitida atividades, trabalhos, que não fossem
essenciais, demonstra também que, embora não diretamente, os princípios
teológicos, religiosos, estavam presentes na organização pedagógica da instituição.
Essa informação seria óbvia, pois as outras escolas também não funcionavam aos
domingos, mas a preocupação dos diretores do Instituto era com os alunos internos
que poderiam aproveitar o domingo para atividades recreativas e outras relacionadas
a atividades escolares ordinárias. Os pais são avisados para não trazerem os seus
filhos aos domingos, quando tiverem passado o fim de semana em casa. Deveriam ir
direto para as aulas na segunda-feira, ou levados no sábado. Além disso, os
pressupostos relacionados aos objetivos da educação, embora não sendo
exclusividade da teologia cristã, tendo também a influência da teoria da educação
integral de Spencer, são explicitados:
Entendemos que a educação ideal procura, não sómente o
desenvolvimento physico e intellectual do homem, mas também o
desenvolvimento de suas faculdades moraes e de duas capacidades
espirituaes e religiosas. Esta educação moral e espiritual
procuramos basear nas verdades, princípios e exemplos
encontrados nas Sagradas Escrituras
86
As convicções teológicas dos organizadores e diretores da Escola Agrícola
de Lavras foram fundamentais para a sua organização pedagógica. O projeto
educacional e, especificamente a instrução agrícola, serviram como estratégia para a
84
Prospecto do Instituto evangélico de 1912
85
Prospecto do Instituto Gammon de 1929
86
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909
125
tentativa de concretizar o ideal de reproduzir naquela região uma visão de mundo
reformada, bíblica, direcionada “para a glória de Deus e para o progresso humano”
na perspectiva do protestantismo de convicção presbiteriana oriundo dos Estados
Unidos da América do Norte.
4.2 Arquitetura do Espaço Escolar
Partindo do pressuposto de que “o espaço arquitetônico da escola expressa
uma determinada concepção educativa” (Dayrell, 2006, p.147), verificam-se também
alguns documentos que, por meio desse aspecto, possibilitam uma compreensão da
instituição em estudo. Os prédios construídos e os demais espaços dedicados à
ação educativa na Escola Agrícola de Lavras, evidenciam a sua conexão com a
cultura que a produziu, expressando particularmente uma determinada cultura
escolar.
87
A arquitetura não é, portanto, neutra. Revela mentalidades e concepções
que, por sua vez, justificam determinadas práticas. Sobre a arquitetura como artefato
social que possibilita uma análise crítica de um determinado contexto histórico,
Geertz ( 1989) afirma:
Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é
uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral
particular, construída num tempo particular por certos membros de
uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa,
para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais
do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais
do que é comum a todas as catedrais. Você precisa compreender
também -- e em minha opinião, da forma mais crítica -- os conceitos
específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que
ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua
criação.
87
Utilizamos o termo “cultura escolar”, no sentido usado por Correia (2005, p. 221): “ (...) como
um conjunto dos aspectos institucionalizados que a caracterizam a escola como organização. São
representações que têm um valor simbólico e permitem atrair a atenção, ao mesmo tempo que
condensam e difundem a educação, que inclui os símbolos (escudos, logotipos), a forma de vestir,
o desenho do mobiliário e a configuração do espaço”
126
Ao discutir a dimensão simbólica da arquitetura, Ribeiro (2003, p. 41,45),
argumenta:
(...) a arquitetura está vinculada a redes de significações tecidas e
apreendidas por determinada cultura (...) a arquitetura ao se
expressar, também materializa concepções e idéias, revelando
valores e configurando-se como um símbolo concreto. Ao
representar fisicamente uma visão de mundo, ela estabelece
vínculos entre o homem, o mundo que o cerca e a dimensão física e
metafísica de determinada cultura e tempo.
Essa reflexão referente à arquitetura em geral, aplica-se ao caso específico
da escola. É possível compreender o lugar que a escola e as atividades praticadas
em seu cotidiano ocupam em determinada cultura a partir da distribuição e das
formas estabelecidas para o seu espaço. O lugar da sala dos professores e os
móveis ali disponibilizados, bem como o local da biblioteca e dos corredores, o
tamanho do pátio, locais de atividades práticas, evidenciam a concepção de
educação escolar daquela sociedade no contexto analisado.Sobre esse tema,
Dayrell (2006, p.145) afirma:
A arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras. Desde
a forma da construção até à localização dos espaços, tudo é
delimitado formalmente, segundo princípios racionais, que
expressam uma expectativa de comportamento dos seus usuários.
Nesse sentido, a arquitetura escolar interfere na forma da circulação
das pessoas, na definição das funções para cada local...
Dayrell (2006) observa ainda que embora a arquitetura seja planejada de
uma forma intencional, reveladora de uma concepção pedagógica, não se deve
esquecer de que esses espaços são re-significados pelos que o ocupam. São formas
de resistências ao rigor do sistema, das imposições restritivas. Os alunos, por
exemplo, re-significam o pátio, lugar de movimento observado, controlado, para o
127
lugar de encontro, de relacionamentos, do namoro. Ao analisar a arquitetura escolar,
portanto, deve-se fazê-lo de forma crítica.
Nesta análise, concordando com Souza (2005, p. 7) que “é possível ler e
interpretar a história da educação brasileira pela arquitetura dos edifícios escolares”,
procuro decifrar as representações simbólicas produzidas e reproduzidas pela forma
de utilização do espaço na instituição em estudo. “As várias dimensões implícitas no
espaço escolar permitem compreende-lo como uma linguagem a ser decifrada”
(Souza, 2005, p.8). Correia (2005, p.221), nessa mesma linha de argumentação,
afirma:
Entender a arquitetura escolar como símbolo de uma época histórica
e reveladora de programas de um período político é de suma
importância para o estudo da História da Educação e da Arquitetura,
assim como é indispensável a análise dos espaços educacionais
diferenciados, que vão desde os seminários eclesiásticos até às
arquiteturas mais modernas, traduzindo os valores e a percepção da
cultura nos diversos momentos da História
O imaginário da escola moderna, solução para os anseios da República
nascente, cuja eficácia estava sendo revista. A concepção norte-americana de
modernidade e progresso, nutrida pelos fundadores da escola, e a cosmovisão
protestante, calvinista, são fatores determinantes da organização dos espaços e
podem ser discutidos por meio dela. A Escola Agrícola de Lavras, sendo particular,
vinculada a um segmento religioso, cristão, com objetivos específicos, dialoga com a
concepção educacional daquele momento, marcada pela esperança na escola como
meio eficaz para redenção da sociedade brasileira até então, segundo o discurso
republicano, positivista, mergulhada no atraso . Os espaços escolares ganham
importância especial. Antes, no império, as escolas públicas funcionavam em
espaços improvisados, extensão das casas dos professores ou em salões de igrejas.
Agora, com a imagem de modernização e progresso que o novo sistema procurava
128
construir, grande atenção foi dedicada aos prédios escolares. Sobre esse período
Correia (2005, p.230) afirma: “o espaço escolar torna-se uma importante identificação
arquitetônica, passando a exercer uma ação educativa dentro e fora do seu entorno. Com o
processo de urbanização e industrialização tem-se a necessidade da formação de uma
escola mais racionalizada e padronizada”.
Um dos principais enfoques dados pelos documentos produzidos pelos
organizadores do Instituto Evangélico e da escola Agrícola de Lavras refere-se às
condições favoráveis de higiene proporcionadas pela instituição. Respondia assim,
ao discurso republicano do final do século XIX e início do século XX, que construía
um imaginário do atraso e improdutividade como decorrência da doença do povo e
que a escola poderia contribuir para a erradicação desse mal (cf. Carvalho .2006, p.
305)
88
. A começar da região escolhida, “numa das mais aprazíveis cidades da
salubérrima zona do Sul de Minas”, ressalta-se o cuidado com os prédios e
alojamentos para colocar em segurança a saúde dos alunos. Como para garantir a
salubridade, incluía-se também a disciplina, os espaços, além de arejados, deveriam
ser adequados aos exercícios físicos obrigatórios e à recreação.
(...) funcionando em edificios proprios e mui idôneos para internatos
e aulas, o Instituto Evangélico offerece garantias de saúde de seus
alunos. A experiência de dez annos sem um único caso de doença
fatal entre os seus alumnos dá provas cabaes da salubridade do
clima e da boa hygiene do estabelecimento.
89
Os alunos da Escola Agrícola, nos primeiros anos, eram alguns dentre os que
estudavam no ginásio. Os internatos, portanto, eram os mesmos. No prospecto de
1908, ano da organização da escola, há a seguinte observação sobre esse espaço:
88
Esse discurso da salubridade e os espaços escolares é atribuído efetivamente às primeiras
décadas da República, embora a sua construção anteceda a esse período. Gondra (2004), por
exemplo, o identifica-o a partir de meados do século XIX
89
Prospecto do Instituto Evangélico de 1908
129
O Gymnasio, com todas as suas repartições, funcciona numa
aprazível e bem conhecida chácara nos arrebaldes de Lavras. Há
dois edifícios espaçosos e arejados onde se acham os dormitórios,
refeitórios, banheiros e outras commodidades necessárias para a
boa hygiene escolar e o bom andamento da vida collegial. Na
chácara, os internos tem vastos recreios, e haverá especial cuidado
no seu desenvolvimento physico por meio de execicios gymnasticos
obrigatórios e jogos escolares. O Internato estará sob o cuidado e
inspeção pessoal do reitor e sua família, que não pouparão esforços
pelo bem physico, intellectual e moral dos alumnos
No prospecto de 1921 permanece a ênfase nas condições de saúde
garantidas pela organização dos espaços. Afirma: “O Instituto Evangélico offerece
garantias solidas de saúde para os seus alumnos. A experiência de vinte annos dá
provas cabaes da salubridade do clima e da boa hygiene do estabelecimento”. A
educação física parte integrante desse projeto de educação integral. Esta educação
física, por sua vez exige corpos sãos. A prática esportiva é, assim, grandemente
enfatizada na escola, tendo para isso espaços próprios para a ginástica e outros
esportes.
FIGURA 15: Abertura de jogos na década de 30 nos amplos espaços reservados às práticas
esportivas (Pró-memória Gammon)
Além da ênfase à salubridade do ambiente, devido às condições de higiene,
há intensa propaganda referente às instalações do Instituto, por se tratar de prédios
próprios, construídos para o funcionamento da escola. Também neste aspecto o
130
discurso dos organizadores da escola se identifica com as mudanças ocorridas nos
primeiros anos da República no Brasil, quando a educação é entendida como
importante mola propulsora do progresso. Nesse período as escolas públicas que
antes funcionavam como extensão das casas dos professores ou em outros espaços
improvisados, começam a receber prédios próprios, normalmente bem construídos,
espaçosos e arejados, comunicando a idéia de importância dessas instituições. O
Instituto Evangélico e, especificamente a Escola Agrícola, embora sendo instituição
particular, insere-se nesse contexto e proclama a sua utilização do espaço como
demonstração de eficiência no que se propõe:
As diversas escolas estão estabelecidas em prédios próprios, já em
número de dez, e construídos em sua maioria expressamente para o
uso do estabelecimento. O Gymnasio de Lavras dispõe de três
dormitórios para internos com capacidade total para 120 estudantes
alem dos professores e regentes; um edifício de três pavimentos com
salão nobre, escriptorio e sete salas para aulas; um edifício de um
pavimento com três salas de aula, sala de espera e secretaria;
residências do Reitor e Vice-reitor. Estes prédios estão collocados
numa chácara de cinco hectares de terreno, com campos athleticos
e recreios amplos. O Collegio Carlota Kemper possue no centro da
cidade um terreno de 4000 metros quadrados com um edifício de
dois pavimentos para dormitórios e aulas e dois chalets para aulas e
refeitório.
131
FIGURA 16: Lançamento da pedra fundamental do edifício Álvaro Botelho em 1920.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira.
Na disposição dos espaços é perceptível também a imagem de instituição
empenhada com a educação “para o viver completo”. O ambiente é familiar, o
acompanhamento dos dirigentes no que se refere à educação moral está garantido.
O fato de as residências do reitor e do vice-reitor dividirem o espaço com os
internatos dos alunos demonstram esse acompanhamento. No dormitório da Escola
Agrícola em 1921 é anunciado que um “regente” residiria no local. No prospecto de
1935, quando a instituição já estava bem desenvolvida e com maior número de
alunos, são anunciados os esforços para que os princípios norteadores do ambiente
fossem preservados e que os espaços fossem planejados de forma a ser
favorecidos.
Grande número de alumnos do Instituto Gammon é de internos, facto
este que torna necessário organizarem-se com cuidado os internatos
do estabelecimento (...)Elles estão sob a direcção immediata de
professores e professoras dos estabelecimentos, que não poupam
esforços em prol do desenvolvimento social e moral dos alumnos
internos. Até onde possível, procuramos manter nos internatos o
espírito e a atmosfera do lar, evitando, quanto possível, as condições
132
desagradáveis de grandes estabelecimentos em que o espírito e as
relações são puramente officiaes (...) temos diversos predios
destinados aos misteres de dormitórios. Outra grande vantagem é
que os quartos nos dormitórios são pequenos, servindo para três ou
quatro alumnos menores e para dois ou três maiores. Nesses
prédios destinados a dormitórios, há banheiros e instalações
hygienicas em cada pavimento.
FIGURA 17: Dormitório Carlos Prates
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
A chácara ampla e os espaços dedicados às práticas esportivas e recreação
também apontam para o discurso da educação integral, plena para rapazes, no caso
do Ginásio, e das moças, no Colégio Carlota Kemper.
Em diversos lugares no prospecto
da instituição é enfatizada a proximidade dos locais de estudos dos alojamentos e da estação
da estrada de ferro e do centro da cidade, bem como a iluminação por luz elétrica.
FIGURA 18: Vista parcial da EAL
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
133
Ao apresentar os prédios e espaços pensados para a escola Agrícola, é
possível apreender elementos das propostas educacionais especificamente
relacionadas com essa instituição, que era ligada ao Instituto Evangélico:
A Escola Agrícola de Lavras tem em construção dois prédios, de dois
pavimentos de 20x16m. e 20x11m, destinados, o primeiro a aulas, e
o segundo a dormitórios. Estes edifícios devem estar prontos até
meados de 1921. O primeiro possue sete salas grandes para as
aulas e laboratórios e cinco menores que servem de escriptorio,
salas particulares dos professores, salas para balanças analyticas e
depósitos. O segundo tem acommodações hygienicas e agradáveis
para 30 estudantes internos. Possue a Escola egualmente uma
fazenda de 200 hectares, com plantações diversas, pastos e
capoeira, com as necessárias machinas agrárias e industriaes para
assucar, arroz e algodão; gado bovino das raças hollandeza,
Schwytz e Shorthorn, lanígero da raça Hampshire e suíno da raça
Duroc Jersey.
FIGURA 19: Edifício Álvaro Botelho, o primeiro da EAL, inaugurado em 1921
Fonte: Foto extraída do site http://www.land.ufrj.br/~allyson/lavras/bimoreira.htm
Além dos aspectos gerais considerados, a pedagogia da EAL, voltada para
as idéias de civilização e progresso, valorizando as formulações teóricas, mas
aplicadas na prática cotidiana, também é transmitida pela descrição dos espaços
utilizados para o seu funcionamento. Os prédios são amplos e favoráveis à
134
conservação da saúde dos alunos, além de serem propícios para o ensino científico,
em seus amplos laboratórios adequadamente equipados. A extensão da fazenda e
os recursos por ela oferecidos à aplicação dos conhecimentos dos estudantes
pensados e utilizados como elementos apelativos à procura dos estudantes da
região.
90
Os edifícios mencionados estão mobiliados com os necessários
apetrechos e mobília para o bom funccionamento dos trabalhos. Já
existe uma pequena biblioteca á qual accrescenta-se annualmente
um numero consideravelmente de livros, revistas e jornais, estando
já em condições de prestar serviços relevantes aos alumnos e
professores.
O registro por meio de fotografias
91
de várias dependências da escola revela
a importância dada aos diversos espaços, considerando os fins para os quais foram
destinados. Na década de 1920 é lançado um catálogo apresentando a “Fazenda
Modelo da Escola Agrícola de Lavras” e as suas instalações destinadas ao ensino e
experimentação, bem como os animais e culturas ali trabalhados.
92
Construções
consideradas adequadas ao funcionamento das indústrias da fazenda:
beneficiamento do arroz, laticínios e o engenho de cana. As pocilgas espaçosas
apontam para a imagem do bom produtor moderno, observando: “Bons produtores
significam criação sadia e lucrativa”. Vários espaços para a criação de coelhos,
galinhas de diversas raças, ovelhas, bovinos, são apresentados com informações
sobre as vantagens e desafios do manejo de cada raça, destacando assim a ênfase
em uma prática fundamentada no saber científico, sendo que esse saber está
relacionado à organização dos espaços para garantir a produtividade desejada. É
preciso lembrar aqui que as referidas fotografias eram feitas por encomenda e,
90
Prospecto do Instituto Evangélico de 1921
91
Ao analisar a fotografia como documento levei em consideração as possibilidades e limitações
desse tipo de fonte e as condições em que foram produzidas, em uma época em que as
fotografias eram planejadas influenciando assim nas imagens por elas perpetuadas.
92
Acervo fotográfico disponibilizado pelo museu Bi-Moreira da Universidade Federal de Lavras
135
portanto, retratavam aspectos que interessavam à propaganda da instituição.
Naturalmente, excluíam os problemas vividos no seu cotidiano.
4.3 O Currículo
A análise do currículo da Escola Agrícola de Lavras no período proposto
pela pesquisa pressupõe a superação da visão do currículo escolar como uma
área meramente técnica, voltada para procedimentos neutros. Adota-se a
abordagem pela qual o currículo é produzido historicamente, servindo a
interesses específicos, sendo um artefato social em um determinado contexto.
Moreira e Silva (1999), Moreira (1993 e 2003), APPLE, 1989 e 1999),
reconhecem-no como central para uma compreensão adequada da ação
educacional, tendo em vista o lugar que nela ocupam a seleção e organização de
conhecimentos.
Ao observar o currículo da instituição em estudo, considero a proposta da
teoria crítica em educação e, em particular, a vertente que se ocupa com as
questões curriculares, que entende que o “senso comum pedagógico” deve ser
superado e que sejam observadas a razão de ser das propostas educacionais.
Por mais atraentes que nos pareçam, devem ser nelas identificadas a ideologia e
as relações de poder. No caso específico da Escola Agrícola de Lavras, a
organização dos saberes se relacionam, ao longo do período que nos
propusemos a estudar, diretamente com os interesses do Estado e as propostas
para a Instrução Agrícola que se tornam oficiais por meio da legislação e com os
interesses da vertente religiosa que a mantém, motivada por suas doutrinas e
crenças.
136
Em 1912, quando a escola já contava com quatro anos de funcionamento,
motivados pela regulamentação do ensino agrícola no Brasil em outubro de 1910
93
,
os dirigentes da EAL resolveram ampliar o curso, aumentando a carga horária dos
estudos teóricos e das atividades práticas
94
. O curso continuava com as mesmas
disciplinas de quando era de três anos de duração, sendo ampliada a carga horária
semanal.
95
93
Decreto 8319 do dia 20 de outubro de 1910
94
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912
95
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912
137
138
Destaca-se nessa estrutura, devido ao caráter estritamente técnico do curso,
a ênfase dada às atividades práticas na fazenda, na oficina e nos laboratórios de
botânica, zoologia, agrimensura, agronomia, patologia vegetal, laticínios, física e
química. Desde o primeiro ano são 20 horas por semana em sala de aula e 20 de
aulas práticas. Além dessas, há 40 horas de atividades. É o esforço dos
organizadores para cumprir o objetivo declarado: “Será nosso empenho dar a este
curso o caráter mais prático possível. Procuraremos proporcionar aos alumnos um
preparo que os habilite tanto para trabalhos technicos como para a vida prática de
agricultor”
96
Para garantir esse “caráter prático”, a escola dispunha da fazenda “Ceres”,
de 200 hectares de terra nas imediações da cidade de Lavras. O discurso da
modernidade e do progresso está presente na apresentação da fazenda no
prospecto do Instituto Evangélico de 1912:
Empregam-se nesta fazenda methodos modernos; os terrenos são
preparados com arados e outros machinismos e aperfeiçoados; parte
dos terrenos são irrigados, e empregam-se adubos chímicos.
Actualmente criam-se duas raças de gado bovino e duas das mais
afamadas raças de suínos, todos importados dos estados Unidos do
Norte.
Além da fazenda, para garantir as aulas práticas dos seus alunos, a escola,
logo no início das suas atividades, já contava com laboratórios de física, química e
história natural. Oficinas de selaria, ferraria e carpintaria. Estabelecimento de
laticínios. Engenho de cana, moinhos movidos à força hidráulica, maquinas agrícolas
diversas, campo experimental, posto zootécnico
97
e estação meteorológica.
98
Destacam-se ainda, no programa do curso, as teses mensais para os alunos
do primeiro ano, bimestrais para os do segundo ano e trimestrais para os do terceiro.
96
Prospecto do Instituto Evangélico de 1912
97
Mantido pelo governo Estadual e administrado pela EAL
98
Mantida pelo Governo Federal e administrada pela direção da EAL
139
Um assunto técnico deveria ser exposto e discutido pelo aluno. O objetivo dessas
teses era a avaliação do professor de português e do professor “ da cadeira a que
pertencer o assunto discutido”.
99
Evidencia-se, nessa exigência, a idéia de formação
para o “viver completo”, uma vez que os alunos deveriam ter o domínio de saberes
que não estavam diretamente ligados à sua formação profissional, mas que eram
considerados importantes para a vida.. Embora com ênfase na prática, o domínio de
conteúdos, considerados de cultura geral, como o estudo da língua inglesa e o
domínio do português, segundo a norma padrão, avaliado na apresentação das
teses, são considerados importantes para o futuro agrônomo. Avaliava-se ainda a
capacidade do aluno discutir de forma analítica os saberes adquiridos nas aulas
práticas, relacionando-os com a teoria na qual se fundamenta. Quanto ao estudo da
língua inglesa, justifica-se também pela própria origem da escola, o fato de vários
professores serem norte-americanos e, principalmente por adotarem diversos livros
em inglês. Podem ser citadas como exemplo quatro livros na área de agrologia, um
em agronomia
100
, cinco de química
101
, dois de economia rural
102
, um de
horticultura
103
, dois de matemática
104
, dois de zootecnia
105
.
Sustentando-se na idéia de “educar para o viver completo”, proclamada
pelos organizadores e dirigentes da escola, disciplinas que não estavam diretamente
ligadas à formação do agrônomo estão presentes no currículo. Ginástica militar,
incluída no Ginásio e na Escola Agrícola, a partir de 1910. Outra disciplina presente
em todos os cursos do Instituto Evangélico, inclusive na escola agrícola era a
99
Prospecto do Instituto Evangélico, de 1912
100
“Forage Plants na Their Culture”- Piper
101
“Qualitative Chemical Analysis- Noyes; “Elementary Quantitative Analysis-“- Lincoln and
Watson; “Practical Agricultural Chemistry”- Aul e Kerr; “Quantitative Analyses”- Mahin; “Analyses
Agricoles”- A. Guillin
102
“Farm Management”- Warren; “Agricultural Economics” - Taylor
103
“Manual of Tropical and Sub-Tropical Fruits”- Popenoe
104
“Álgebra”- Hawkes, Luby e Touton; “Trigonometria” - Wells
105
“The Feeding of Animals”- Jordan; “Zootechnie Generale”- Decambre
140
música: “A música a piano é ensinada aos alumnos de todos os cursos, tanto aos
externos como aos internos”
106
Durante todo o período do curso havia duas aulas semanais de História
Sagrada. A inclusão dessa disciplina aponta para o objetivo da evangelização
indireta, defendido pelos representantes da Igreja Presbiteriana do Sul dos estados
Unidos, que deu grande ênfase à educação escolar. Por meio desses estudos, seria
dada a oportunidade aos alunos de terem contato com os princípios religiosos que a
instituição escolar pretendia divulgar sem ter o caráter de proselitismo. Tais princípios
seriam divulgados por meio de informações e conhecimentos no espaço da produção
científica. Ainda que tais conhecimentos não levassem o aluno à adesão ao grupo
religioso, à conversão ao protestantismo, a expectativa é que tais princípios
influenciassem o seu comportamento como cidadão. Esse relacionamento
contribuiria naturalmente para criar também um ambiente de simpatia para com os
protestantes, o que facilitaria a evangelização.
Além dessas disciplinas de outras áreas do saber, mas consideradas
importantes pelos organizadores da instituição para a formação integral dos seus
alunos, as disciplinas diretamente relacionadas à formação do agrônomo recebem
grande ênfase nos prospectos do Instituto. Agrologia, agronomia, Biologia, química,
economia rural, engenharia agrícola geologia, laticínios, geometria, trigonometria,
física, silvicultura, zootecnia e veterinária. As ementas dessas disciplinas revelam
que o proclamado enfoque empírico, prático do curso, está relacionado à ciência
moderna como modelo de civilização e progresso. O conteúdo previsto para essas
disciplinas é apresentado com ênfase na sua vasta abrangência.
107
Biologia, por
exemplo, era estudada nos três primeiros anos. Nos primeiros semestres do primeiro
106
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909
107
Cf. Prospecto do Instituto evangélico de 1922
141
e do segundo ano, a ênfase era em Botânica. Nos segundos semestres, estudava-se
Zoologia. No primeiro semestre do terceiro ano a ementa previa o estudo de
Microbiologia e no segundo semestre Genética. Química também estava presente
nos três primeiros anos do curso, sendo no primeiro ano ( 1º e 2º semestres)
estudado química geral. No primeiro semestre do segundo ano, a química analítica,
no segundo química orgânica. No primeiro semestre do terceiro ano, estudava-se,
segundo a ementa, os conteúdos relacionados à química agrícola. A disciplina
Horticultura, com três aulas por semana e seis períodos de prática por semana
revela o esforço para se vincular as informações teóricas adquiridas em sala de
aulas, pelas leituras dos livros que compunham a bibliografia de cada disciplina, com
a ação prática, no campo de trabalho e experimentação. A relação teoria e prática é
organizada de forma geral em todo o curso podendo ser percebida dos primeiros aos
últimos anos do curso. O objetivo da racionalização da produção agrícola explicita-se
nas disciplinas que compunham o currículo. As áreas de Economia Rural, que
compreendia as disciplinas: Contabilidade Agrícola, Administração, Economia Rural
e Legislação Rural, e a de Engenharia Agrícola, que compreendia as disciplinas:
Maquinas e Motores Agrícolas, Construções Rurais, Desenho, e Agrimensura,
servem de exemplo.
108
No período estudado, embora tendo que passar por algumas reformas
estruturais para adaptar-se às mudanças ocorridas na legislação referente ao ensino
agrícola, tanto em nível nacional desde 1910 quando ocorreu a primeira
regulamentação do ensino agrícola no Brasil até 1933, quando essa modalidade de
ensino foi reorientada, manteve sempre os fundamentos e objetivos que motivaram
a sua organização. Além do curso de técnico agrícola, que ganhou depois o status
108
Prospecto do Instituto Evangélico de 1922
142
de engenheiro agrônomo, outros cursos eram oferecidos para atender a demanda de
fazendeiros e agricultores da região, que não tinham a escolaridade exigida para o
curso em nível superior ou que não tinham essa pretensão. Desde o início de
atividades, em parceria com o governo estadual, mantinha cursos elementares para
instrução dos agricultores. Na década de 1920 funcionava um curso médio. O
prospecto do Instituto Gammon de 1929 anuncia:
Afim de attender a innumeros pedidos de alunos que precisam
estudar Agricultura, mas não querem tirar diploma, resolveu-se crear
um curso médio de agricultura, com duração de três annos,
destinados principalmente aos filhos de fazendeiros ou agricultores
que não tenham feito o curso Gymnasial. Visa este curso médio
formar bons technicos agrícolas e administradores ruraes (...) Para
admissão a este curso é necessário que o candidato tenha pelo
menos 16 anos de idade e que tenha completado o curso primário.
Além do curso médio, havia a possibilidade de fazer cursos livres: “Será
permitida a matricula de alumnos livres que desejarem estudar varias matérias do
curso da escola, sem o intuito de receber o diploma de agrônomo”
109
. Esses cursos
livres, de certa forma, foram oferecidos pela escola desde a sua fundação, pois se
adequavam aos critérios do governo estadual para subvencionar as fazendas que
ofereciam instrução elementar de técnicas modernas de agricultura .
109
Prospecto do Instituto Gammon de 1929
143
No final da década de 1920, com o funcionamento do curso médio de três
anos, o curso superior de agronomia já funcionava em quatro anos. Permanece a
ênfase nas aulas práticas, principalmente no segundo e terceiro ano do curso,
quando o número de aulas práticas semanais é o dobro em relação às aulas
teóricas. No primeiro e no quarto ano, embora o número de aulas práticas seja
menor, ainda quase iguala-se aos das aulas teóricas.
110
110
Prospecto do Instituto Evangélico de 1929
144
145
O enfoque do currículo não se ateve à formação técnica para o manejo das
culturas agrícolas e pecuárias. Os alunos da escola deveriam se tornar também
detentores de um saber especial que o tornasse capaz de gerir, administrar os
negócios da fazenda sob a sua direção:
Entendendo que o fazendeiro moderno necessita ser um optimo
administrador, esforçamo-nos para preparar os nossos alumnos,
fazendo-os conhecedores dos melhores typos de lavoura, que mais
favoravelmente se adaptem às condições econômicas do paiz e da
comunidade, com a economia do trabalho. Neste estudo, incluímos
também as principais noções de contabvilidade agrícola,
lançamentos nos livros, etc., com a pratica das contas atuaes
111
Até o lazer, as atividades prazerosas eram sistematicamente programadas
com o objetivo determinado de melhorar o rendimento dos alunos nas suas
atividades escolares, e demais atividades do “trabalho sério” que deveria “avançar”.
Fazia parte da organização da escola também o lazer programado, com atividades
esportivas bem relacionadas, à época, com a cultura norte americana. O voleibol e o
basquetebol são destacados entre as práticas esportivas dos alunos:
O esforço intellectual, tanto quanto o trabalho physico, necessita de
ser suavisado com alguns instantes de prazer authentico, capaz de
avançar o trabalho sério , sem a monotonia das vidas taciturnas.
Para o moço estudante, uma hora de são divertimento, representa
um estímulo imprescindível, concedendo-lhe novas forças para a
melhor continuação da sua tarefa começada. Com este alcance, a
Escola Agrícola mantem, em perfeitas condições de funcionamento,
excellentes campos de volley-baal e basket-baal, onde seus
alumnos, esquecendo, por momento, as fadigas resultantes dos
misteres escolares, podem divertir-=se na mais itima cordialidade.
Aquerimos ultimamente, interessantes jogos de salão, que offerecem
agradáveis motivos de prazer, alem de assegurarmos a existência de
duas optimas bibliothecas,contando com avultado numero de obras
úteis pelo seu valor historico, literário e scientifico.
A Escola Agrícola de Lavras está também entre os pioneiros do jornalismo
agrícola no Brasil. Além de publicar a revista O Agricultor, o primeiro periódico do
111
Informativo da EAL da década de 20
146
gênero em junho de 1922, oferece o curso de especialização nessa área. Por meio
dessa iniciativa revela o interesse na divulgação dos seus projetos e princípios
educacionais, fora dos muros da escola, o que serviria para ampliar as suas ações
relacionadas aos seus objetivos de “reformar” a sociedade por meio da educação
escolar. Além desse objetivo específico, revela o interesse de que o conhecimento
produzido fosse divulgado e que a modernização do campo acontecessetambém de
forma indireta, por meio das informações técnicas que chegariam até mesmo aos
produtores que não tiveram acesso à formação técnica.
4.4 Os Professores
Mantendo a tradição do Colégio Internacional, em Campinas-SP, a imagem
de instituição comprometida com o ensino moderno e eficiente é construída também
ao informar ao público o nível do seu corpo docente. Logo no primeiro ano de
existência, a escola apresenta grupo de professores com formação privilegiada,
inclusive em escolas internacionais. Também a exemplo da fase do colégio em
Campinas-SP, alguns deles eram protestantes, engajados nos ideais missionários,
outros não eram adeptos, mas parte da elite intelectual local simpatizante do discurso
civilizador daquele segmento do cristianismo. Em 1909 o professor Benjamin H.
Hunnicutt, “Bacharel em Sciências Agrícolas pela Escola Agrícola de Mississipi,
USA”, além de ocupar a direção, lecionava Agronomia e Zootecnia. O professor de
Veterinária era o Dr. Caetano Scorza, formado em “Sciencia Veterinária pela real
Escola Superior, Napolies”. O professor de física e química agrícola era o Dr.
Augusto F. Shaw, formado na Universidade de Yale. Zoologia, Botânica, lecionava o
Dr. Horacio S, Allyn, doutor em Medicina pela Faculdade do Rio. O professor Firmino
147
Costa
112
lecionava português. No prospecto desse mesmo ano é anunciado que em
breve chegaria dos Estados Unidos o professor Isac Newton Richer para assumir a
cadeira de Laticínios. Sobre todas as escolas vinculadas ao Instituto Evangélico, era
feita a propaganda: “As aulas estarão sob a direção de professores e professoras
habilitados e experimentados; o ensino será ministrado segundo os methodos
approvados pela sciencia da pedagogia moderna.”
113
Essa filosofia educacional,
que favorece o método intuitivo, também conhecido como “lições das coisas”, já
foi objeto de discussão ao ser aqui analisada a pedagogia do Instituto Evangélico.
O discurso de modernidade e progresso, tão presente no meio intelectual nesse
período era usado pela escola, conquistando assim o seu espaço. Esse corpo
docente composto de professores bem formados, muitos deles de origem norte
americana, alimentou o imaginário de progresso e reforma da sociedade,
construído em torno da escola nascente. A propaganda em torno dos professores
norte americanos fundamenta-se nos conhecimentos inovadores que, conforme
se supunha, eles deveriam deter. Afinal os Estados Unidos eram encarados
como modelo da modernização da agricultura tão almejada pelos intelectuais
brasileiros. Segundo Ferraro, Magro e Silva (2007), o que mais impressionava os
proponentes do progresso modernizador da agricultura brasileira, era a utilização
de maquinário por parte dos norte americanos naquele período, o que deveria
112
O Prof. Firmino Costa e a sua ação em Lavras- MG são objetos de ampla discussão no
trabalho de Hamdan (2008) que sobre o referido educador afirma: “(...) fez parte de um conjunto
de intelectuais mineiros, que formados sobre os influxos republicanos, imbuiu-se da idéia de que
a criação de uma nação dependeria da atuação de homens cultos e esclarecidos, destinados a
conduzir o grande contingente de brasileiros ignorantes e desfavorecidos pela nascença. Depois
de uma infância e juventude interioranas marcadas pela presença constante das leituras de obras
de autores clássicos, brasileiros e estrangeiros, foi para São Paulo fazer os estudos preparatórios
em tempos praticamente rentes à proclamação da República. Embora nunca tenha cursado a
faculdade, a sua grande dedicação aos estudos autônomos, sobretudo nos campos da educação
e da língua portuguesa, conferiu-lhe o reconhecimento de um intelectual autodidata, primeiro pela
comunidade de Lavras, e, posteriormente, entre os educadores e intelectuais mineiros e
brasileiros.”
113
Prospecto do Instituto Evangélico de 1909
148
servir de exemplo para os que se empenhavam no projeto modernizador no
Brasil.
FIGURA 20: Congregação da EAL em 1927.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Dentre os educadores que atuaram na escola, recebem destaque nos
jornais de Lavras durante o período estudado, Samuel Gammon, o fundador, e
Benjamin Harris Hunnicut (1886-1962), que veio dos Estados Unidos
especialmente para instalar a escola, tendo também lecionado diversas
disciplinas e desenvolvido diversas atividades de extensão agrícola, inclusive
publicações, destacando-se a obra “O Milho”, ações que serão objeto de análise
mais adiante neste trabalho. Hunnicutt, depois da sua atuação em Lavras,
149
transferiu-se para São Paulo, onde presidiu o Mackenzie College de 1934 a 1952,
sendo um dos fundadores da Universidade Mackenzie. Outro educador que
recebe destaque nos documentos consultados é John Henry Wheelock, natural
de Colfax- Iowa USA, que chegou a Lavras em 1922, ocupando o cargo de diretor
de 1926 a 1935, no primeiro semestre de 1945 e depois, de 1952 a 1958.
Destaca-se o seu currículo: formou-se pelo Iowa State College em 1920 no curso
de Agronomia e pelo Agricultural and Mechanical College of Texas em 1921.
Especializou-se nos cursos de fruticultura sub-tropical em 1930 na Universidade
da Califórnia; e em Ecologia, Fitopatologia e Agrologia no Iowa State College.
FIGURA 21: Mr. John Wheelock
O corpo docente, portanto, na propaganda da escola, é recomendação da
sua eficiência para os objetivos propostos. É divulgado nos documentos oficiais
da escola e reproduzido em jornais e escritos de memorialistas da cidade de
Lavras, que a Escola “(...) periodicamente enviava professores brasileiros aos
150
Estados Unidos para cursos de aperfeiçoamento.” A imagem da eficiência técnica
dos educadores norte-americanos, a sua filosofia educacional e a modernização
lá experimentada, são promessas da almejada reforma que fazia parte do
discurso republicano, cuja ênfase estava relacionada com a vocação agrícola do
país. Embora a produção de uma imagem positiva de si mesmos não fosse o
objetivo principal dos educadores e missionários, esta imagem seria de
fundamental importância para que pudessem obter o respeito e,
conseqüentemente, a atenção da população local para as suas atividades
religiosas.
4.5 Os Alunos
Embora na percepção dos missionários fundadores do Instituto Evangélico, a
criação de uma escola para a instrução agrícola fosse imprescindível, considerando
a vocação do Brasil e as condições de produção existentes no período, a exemplo de
outras regiões onde outras escolas desse tipo foram criadas, parece ter sido, de
início, pequeno o interesse dos fazendeiros da região em buscar uma formação
científica para o cultivo adequado das suas terras. Com a intensa propaganda
realizada, a escola cresceu com relativa rapidez, instalando-se no imaginário coletivo
como expressão e oportunidade de desenvolvimento da agricultura nacional. A
primeira turma que se formou na EAL, em 1911, era composta de apenas três
alunos: Aurino Ferreira, Emmanuel Deslandes e Osvaldo Emrich. Este último, ao
término do curso, ganhou bolsa de aperfeiçoamento nos Estados Unidos da América,
com o apoio do governo do estado de Minas Gerais. A intensificação da parceria
com o poder público, como já foi visto neste trabalho, contribuiu para a sua
ampliação.
151
O objetivo dos organizadores da escola era criar uma mentalidade nova
naquela região e, por meio dela, em outras regiões do Brasil. Os egressos da
instituição deveriam ser os divulgadores dos ideais de uma produção agrícola voltada
para os métodos científicos e, portanto, mais eficientes. O meio para essa divulgação
seria a apresentação de resultados práticos da agricultura científica. A demonstração
da importância dos conhecimentos obtidos na escola no cotidiano do produtor rural
com o objetivo de convencê-lo a adotar os referidos métodos. Assim, na medida em
que o seu preparo fosse aprimorado e a sua influência exercida em diversos setores,
esses objetivos seriam cumpridos. Procurou-se manter o contato da escola com os
ex-alunos não apenas por questões afetivas, mas para que a relação deles com a
área do conhecimento e com os princípios ali aprendidos fosse mantida, reforçada e
renovada. A criação do Grêmio Agrícola, em 1921, sendo o primeiro presidente o
aluno Jaime Ferreira de Brito, serviu para a ampliação de diversos projetos da
escola, principalmente aqueles voltados para a comunidade em geral.. Esse grêmio
seria o responsável por grande parte das atividades de extensão agrícola que seriam
levadas a efeito a partir de 1922, quando foi criado o periódico O Agricultor.
114
. O
Prospecto do Instituto Gammons, de 1935, ressaltando as atividades empreendidas
pelos próprios alunos, informa:
Conta o Instituto Gammon com várias sociedades literárias,
scientíficas e religiosas, fornecendo, portanto,aos alumnos, uma
opportunidade para se exercitarem, não só na arte da palavra, como
também para se desenvolverem do ponto de vista social, pela parte
recreativa dessas sociedades.
Além das diversas sociedades existentes nas outras escolas que
compunham o Instituto é mencionada a Sociedade Literária e Scientífica da Escola
Agrícola, coordenada pelos estudantes, tendo como objetivo a socialização do
114
As atividades de extensão serão objeto de análise na última parte deste trabalho.
152
conhecimento: “É uma sociedade que tem em vista a cultura da língua pátria e, ao
mesmo tempo, dar opportunidade aos consócios para defenderem théses e
desenvolverem trabalhos technicos sobre agronomia”.
115
Dentre os formados pela escola vários aparecem posteriormente como seus
professores, sendo, alguns deles, com complemento dos estudos realizados nos
Estados Unidos. Em 1935, dos 32 professores da instituição, seis eram formados na
Escola Agrícola de Lavras. Eram eles Bernardo Bartels, engenheiro agrônomo,
professor de matemática e horticultura; Ezechias Heringer, engenheiro topógrafo,
professor de ciências, Fernando Camargo, engenheiro topógrafo, professor de
engenharia agrícola, José Mendes, agrônomo, professor de Zoothecnia, Walter W.
Saur, agrônomo, professor de Agronomia e Genética. Sinval Silva, professor de
Matemática. Além dos seis formados pela Escola Agrícola, outros 12 eram formados
pelas outras escolas que compunham o Instituto Evangélico.
A partir da experiência de Lavras, por meio de ex-alunos da escola, em
período posterior ao que se está analisando, instituições foram criadas em outras
regiões, seguindo o modelo lavrense. A Escola Superior de Agronomia de Mossoró
no Rio Grande do Norte e a atual Escola Agrotécnica Federal de Salinas servem de
exemplo. A primeira foi criada pelo ex-aluno da ESAL, Jerônimo Vingt-Un Rosado
Maia; a segunda, por Abdênago Lisboa, também formado na ESAL. Em ambas, há
traços dos princípios pedagógicos aqui discutidos.
4.6 A Prática Pedagógica
Embora já se tenha discutido a prática pedagógica do Instituto Evangélico
em termos gerais, é importante considerar as ações da Escola Agrícola de Lavras,
115
Prospecto do Instituto Gammon, de 1935
153
objeto específico deste estudo. Em todos os prospectos do Instituto Evangélico,
produzidos com a finalidade de divulgar a instituição com todos os educandários que
a compunham, há considerável espaço reservado para a escola agrícola. Há visível
preocupação em demonstrar o enfoque científico/prático da escola. Laboratórios,
salas de aula e trabalhos de campo são ilustrados. Além das disciplinas arroladas,
da exaltação da competência dos professores, bem formados e engajados, da
qualidade das acomodações, dos princípios morais e do ambiente familiar, procura-
se descrever laboratórios, campos de experimentação, atividades práticas. Nesse
aspecto, destaca-se a utilização das imagens fotográficas em um momento em que
esse recurso não era tão acessível. Esforça-se para convencer, por meio da
propaganda, tratar-se de uma escola que extrapola as fronteiras da aquisição de
conhecimentos teóricos, preparando os seus alunos para a produção. “Ciência e
prática”.
Logo no ano da organização o reconhecido educador de Lavras, o professor
Firmino Costa, diretor do Grupo escolar de Lavras, afirma: “A Escola Agrícola, que
está sendo organizada, virá servir de muito à lavoura, que só por esse meio
poderá ser impelida a por em prática os novos processos de cultura, sem os quais
não se conseguirá a melhoria de nossa situação econômica”
116
.
No prospecto do Instituto Evangélico de 1909 é exibida fotografia do
manejo das novas raças de bovinos pertencentes à escola. Na década de 1920, é
lançado o “Catálogo da Fazenda Modelo de Lavras”. Embora tendo o objetivo de
promover a “Extensão Agrícola”, atendendo às necessidades dos fazendeiros,
com suas cessões concernentes “à lavoura e à criação” aos fazendeiros
interessados, o catálogo também promove a Escola. Observa-se logo na
116
Boletim Quinzenal do Grupo Escolar de Lavras do dia 01 de Junho de 1908
154
introdução: “Sendo a nossa cultura e criação feitas para fins de ensino e
experimentação., todas as plantas e sementes de nossa cultura e o gado de
nossos rebanhos são rigorosamente selecionados e provados”. Nesse catálogo
há abundante divulgação das atividades realizadas no cotidiano da escola por
meio de fotografias. Embora a maior ênfase seja dada à qualidade dos produtos
ali existentes, fica sempre implícita a habilidade dos professores e o rigor no
treinamento dos estudantes que deveriam lidar adequadamente com animais e
plantas, visando ao aumento da produtividade, manutenção e melhoramento da
qualidade.
Considerando a Agronomia como a base do ensino agrícola, a escola
divulga a ênfase dada a esse departamento. Fotografias da classe no laboratório,
dos alunos aprendendo “os processos modernos de fenação e o preparo da terra
para plantio, demonstram a dupla ênfase da escola: “Ciência e Prática”:
Um largo conhecimento do assumpto é obtido com as explicações
na aula, dos estudos práticos no laboratório e com o trabalho feito
com as machinas nos campos da fazenda modelo. Faz-se, não
somente um estudo geral da selecção das sementes, preparo e
cultivação do terreno, colheitas em geral, como também da
aplicação destes princípios ás culturas e em condições especiaes.
Os alumnos aprendem como a producção de milho augmentada
na fazenda modelo pela seleção, com o uso das machinas
agrícolas e com a adubação. Trabalham no enchimento do silo,
aprendendo assim a approveitar toda a planta do milho e adquerir
uma forragem succulenta na época da secca. Estudam igualmente
as culturas do café, arroz, mandioca, Canna de assucar, algodão,
forragens diversas, etc.
117
A instrução zootécnica recebe igual ênfase, sendo vasto a acervo
fotográfico registrando os trabalhos práticos que os alunos realizam. Ressaltam a
existência de raças de animais, normalmente importados e a relevância da
existência delas para a boa formação dos alunos.
117
Panfleto especifico da escola Agrícola, denominado “Instrução Agrícola”, publicado na década
de 1920
155
Supplementa-se o trabalho na aula com o estudo do gado vivo,
para que o alumno venha a conhecer perfeitamente os defeitos e
as perfeições de cada espécie. A Escola possue uma criação de
porcos da raça Duroc Jersey bem conhecida em todo o paiz. Cria
também carneiros da raça Rampshire, gados Suissom e
Hollandez, gallinhas Plymouth Rock e Orpington, coelhos,etc. A
importância econômica das raças puro sangue é demonstrada
praticamente. Ensinam-se os cuidados necessários para a criação
e desenvolvimento do gado. Demonstra-se a necessidade de
melhorar os methodos de alimentação do gado leitiero com o uso
da ensilagem, forragens, etc. para se obter maior produção e
evitar que esta se diminua durante o inverno.
118
As aulas práticas de Veterinária eram garantidas pela existência de
diversas raças de animais:
Possuindo a Escola criação das principaes espécies de gado, há
constantemente ocasião para os alumnos praticarem, junto com o
professor, nestes tratamentos. No laboratório apprendem a fazer
os exames microscópicos necessários (...) Os poderosos
microscópios de que despoem os nossos laboratórios, facilitam o
exame meticuloso dos seres infinitamente pequeninos, mas que
tanta importância exercem nos cyclos da vida e suas
transformações, como sobre as differentes moléstias.
A indústria de laticínios da fazenda modelo é também objeto do registro nas
fotografias pertencentes à instituição. Esse é mais um dos departamentos que
servem de argumento para a criação da imagem de escola moderna, capaz de
promover o progresso regional. Por entender que a indústria de laticínios é uma das
maiores fontes de riqueza que uma fazenda pode manter, considerando a certeza e
a constância dos rendimentos, deve ser parte integrante na formação do agrônomo.
Amparando-se nas fotografias da referida indústria, afirma:
Todas as particularidades do assumpto são aqui devidamente
estudadas, com o fim de tornar o alumno capacitado a assumir a
direcção de qualquer trabalho que vise a producção de leite,
demonstram-se as exigências do fabrico de manteiga, queijo, etc.
Merecem a mais rigorosa attenção o estado de sanidade e
conservação do leite e o seuexame, bem como o estudo das
desnatadeiras, batedeiras, etc. Os alumnos trabalham na preparação
da manteiga, auxiliando no fabrico do queijo, sob os seus diversos
118
Panfleto “Instrucção Agrícola”, publicado na década de 1920
156
aspectos, constituindo, talvez, isto a parte mais interessante deste
curso.
FIGURA 22: Edifício da indústria de laticínios da EAL na década de 1920.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Considerando a grande ênfase na introdução das máquinas na produção
agrícola, sendo estas a maior expressão da tão almejada modernização do
campo, possibilitando assim o aumento da produção, a Engenharia Agrícola tem
também presença marcante na propaganda da escola.:
(...) damos logar importantíssimo ao estudo das machinas, tanto
no laboratório onde se aprende a construção e concerto, como no
campo onde priva-se comparar o trabalho de typos differentes de
arados, grades, cultivadores, ceifadeiras, etc. Ao mesmo tempo
que os terrenos algum tanto accidentados difficultam a cultivação
mechanica, apresentam uma grande vantagem com suas
numerosas quedas de água. O fazendeiro precisa de saber
calcular a força hydraulica que possue, bem como os meios mais
fáceis de captar a água e aproveita-la para fins úteis. Os
elementos de hydraulica e hydrodinamica fornecem estes
esclarecimentos(...) A escola possue para o estudo, e para o uso
na fazenda, uma installação hydraulica com roda Pelton, uma
pequena Machina a vapor, um motor a gasolina de 11 cavallos e
um tractor ‘Walterloo Boy’ com motor de 25 cavallos. Uma
organização efficiente exige que o fazendeiro saiba com certa
precisão não só os limites de sua fazenda, como também a área
das diversas partes. Ao mesmo tempo uma planta ou um mappa
de sua propriedade facilita a administração. No curso de
Agrimensura aprende-se a fazer nivelamentos, executar no campo
157
os trabalhos de medição com a trena, com bússola, e com o
transito e depois no gabinete a fazer os cálculos necessários e
executar as plantas ou mappas, no qual são considerados
problemas como materiaes de construcção, plantas,
orçamentos,installações para casas de morada, para estábulos,
engenhos, etc; cercas e estradas de rodagem.
119
As aulas práticas de Horticultura e Pomicultura também recebem enfoque
especial, considerando a necessidade de que os modernos meios de cultivo de
frutas e hortaliças e combates às pragas sejam praticados. Isto visando a grande
produção para o abastecimento das cidades, bem como a assistências aos
pequenos produtores que, em vez de saírem da sua propriedade rural para
comprar frutas e verduras na cidade, passem a produzi-las adequadamente para
o consumo da sua família.
120
As aulas práticas de “biologia, entomologia,
phytopathologia e silvicultura” também são objetos da divulgação do cotidiano da
escola que busca a coerência com o seu lema “Ciência e prática”.
FIGURA 23: Aula prática na EAL em 1910.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
119
Panfleto “Instrucção Agrícola”, publicado na década de 1920
120
Panfleto “Instrucção Agrícola”, publicado na década de 1920
158
A Escola Agrícola de Lavras, portanto, organizou-se com objetivos
voltados para a busca da coerência com as doutrinas reformadas, calvinistas. A
idéia de reforma da sociedade fundamentada nesses princípios teológicos. Tais
princípios apropriaram-se do discurso de modernização próprio do período, tendo
como referência a cultura norte-americana representada pelos seus fundadores. A
idéia de desenvolvimento, de competência, de eficácia para tirar o Brasil do atraso
presentes na propaganda da escola procurava construir um imaginário coletivo, o
que, de certa forma foi conseguido, tendo a escola se consolidado e adquirido
elevado conceito na região onde se instalou e em outras, tendo a confiança,
inclusive do poder público que nela investia recursos em busca do progresso
prometido.
159
5 PARA ALÉM DOS MUROS ESCOLARES: A EXTENSÃO NA
ESCOLA AGRÍCOLA DE LAVRAS E A CONSTRUÇÃO DE UM
IMAGINÁRIO
A Escola Agrícola de Lavras, para se estabelecer e cumprir os seus
objetivos, construiu uma imagem de eficiência como agente do processo
civilizador da região onde estava instalada. Alcançou outras regiões por meio das
suas publicações e alunos egressos dos cursos por ela oferecidos. Verificam-se
nos jornais locais, depoimentos de visitantes, correspondências, publicações
oficiais do governo estadual, periódicos de outras instituições locais, referências
quanto à importância da escola para a produção de conhecimento fundamentado
nos métodos da ciência moderna. A educação e, por meio dela, o progresso
regional, não eram um fim em si mesmo para os missionários. Para eles, educar,
promover o desenvolvimento e o progresso eram importantes por servirem de
demonstrações concretas da fé professada e proclamada. “A glória de Deus e o
progresso humano” não deveriam ser considerados separadamente. A Escola e a
Igreja precisavam ser inseridas na comunidade. Por meio delas a almejada
reforma ocorreria de forma abrangente e Deus seria glorificado. Quais os
símbolos e as estratégias utilizados para que tal inserção ocorresse?
Neste capítulo, procuro analisar as ações empreendidas pela Escola
Agrícola para atingir a sociedade inclusiva. As atividades de extensão agrícola,
tais como exposições agropecuárias, festividades, publicações, como, por
exemplo, o periódico O Agricultor e a obra O Milho, de Benjamin Harris Hunnicutt,
engenheiro Agrônomo norte-americano, convidado pelo reitor do Instituto
160
especialmente para implantar e dirigir a Escola Agrícola. Discuto ainda o seu
programa de propaganda agrícola, responsável pela divulgação de informações e
técnicas nessa área, fora do espaço escolar. Esses empreendimentos e a forma
da sua divulgação são relacionados com os objetivos da Instituição mantida pela
missão presbiteriana, cujo objetivo final era promover a reforma da sociedade
brasileira. Analiso também empreendimentos da escola que foram além do
ensino e que, de alguma forma serviram para projetá-la como instituição
importante para o desenvolvimento da região. Dentre esses empreendimentos
estão as indústrias por ela organizadas, onde os alunos desenvolviam aulas
práticas e a instituição demonstrava o seu compromisso com o proclamado
progresso.
A presente análise parte do pressuposto de que todo movimento político
ou religioso, como “tudo o que se nos apresenta no mundo social histórico”
(Castoriadis, 1982, p. 142), só pode existir a partir do simbólico.
121
É por meio da
“batalha dos símbolos” que os ideais são comunicados e, conseqüentemente, o
imaginário é construído, atingindo assim “não só a cabeça, mas de modo
especial, o coração, isto é, as paixões, os medos e as esperanças de um povo”
(Carvalho, 1995, p. 10). A Escola Agrícola de Lavras, para conseguir os seus
objetivos de ser “ouvida” e respeitada, para adquirir a imagem de representante
da civilização, da modernidade e do progresso, e, assim, promover a almejada
reforma da sociedade, precisava convencer os seus interlocutores da pertinência
121
O tema do imaginário e do simbólico, embora não seja novo, tem sido grandemente enfatizado
pelas ciências humanas, principalmente a partir do século XX. Baczko o apresenta como um
estudo que “está na moda”(1985, p.296). Pesavento diz que ele está “na ordem do dia’(1995, p. 9)
e Dutra afirma que “os estudos sobre o imaginário e o simbólico conquistaram o seu lugar na
produção historiográfica contemporânea (2000, p.1). O imaginário, nessa perspectiva, não se opõe
à realidade. Baczko conclui: “As ciências humanas tendem cada vez mais a considerar que o
sistema de imaginários sociais só são ‘irreais’ quando, precisamente, colocados entre aspas”
(1985, p.298).
161
dos seus ideais. Para isso utilizou-se de símbolos. A eficácia do símbolo, porém,
não é produzida por acaso. Depende de uma idéia anterior com a qual ele será
relacionado, o que Baczko chama de comunidade de imaginação ou comunidade
de sentido. Carvalho (1995, p.10,89), ao discutir o papel do simbólico na criação
do imaginário republicano no Brasil, apresenta alguns símbolos que foram
copiados mecanicamente da Revolução Francesa e que, destituídos de sentido
para a população brasileira, não atingiram o seu objetivo, perderam-se no vazio. A
escola Agrícola de Lavras valeu-se de contexto favorável, a sua “comunidade de
sentido”, o discurso das elites brasileiras durante os anos iniciais da República e
a imagem que os Estados Unidos da América do Norte projetavam sobre o Brasil
desde o final do século XIX. O dinamismo, a organização, as ações voltadas para
a prática, mas bem firmadas no conhecimento científico significavam poder para
uma interferência transformadora da realidade onde predominava a imagem do
atraso, da acomodação e da enfermidade. As ações empreendidas pela escola,
uma vez que os seus organizadores eram bem formados, competentes, norte-
americanos, serviam para que ela se estabelecesse como verdadeiro elemento
de redenção social. Essa aceitação era útil para os objetivos missionários de
confissão protestante dos idealizadores. A comunidade religiosa por eles
representada, sendo útil por ser portadora do progresso, teria espaço também
para a divulgação das suas doutrinas.
As diversas atividades da referida instituição foram estratégias para a
sua penetração na sociedade, pretendendo a sua aceitação como propulsora do
progresso. Analiso também documentos que evidenciam o tipo de recepção da
escola por parte do público que com ela dialogava, principalmente da elite
intelectual, reprodutora do discurso que lhe servia como “comunidade de sentido”.
162
5.1 Primeiras Atividades de Extensão na EAL
Para evitar anacronismo, é preciso esclarecer que o termo “extensão
rural” será aqui utilizado para se referir às ações da escola Agrícola de Lavras
que visavam a alcançar a comunidade mais extensa, extrapolando os seus
objetivos específicos para a formação dos seus alunos, reconhecendo que em
grande parte do período estudado o termo ainda não era empregado nesse
sentido. De acordo com os documentos da Escola Agrícola, esta seria a
responsável pela inauguração da extensão rural no Brasil, quando, em 08 de
Outubro é criado o Grêmio Agrícola cujo presidente era o aluno Jaime Ferreira de
Brito. A partir desse momento, ações sistemáticas começaram a ser realizadas
para tanto, mas antes disso, tanto a Escola Agrícola de Lavras como outras
instituições já procuravam ampliar a sua esfera de ação com o objetivo de levar a
modernização aos produtores agrícolas em geral.
A extensão agrícola propriamente dita no Brasil é considerada a partir da
década de 1940 (LISITA, 2005), em período marcado pela intensificação do
debate sobre a s questões relacionadas ao desenvolvimento nacional, tendo em
vista as profundas mudanças no contexto sócio-político ocorridas a partir de 1930.
A agricultura passa ter nova função qualitativa, buscando definir as necessidades
de produção para o mercado externo e, ao mesmo tempo, para atender às
demandas de consumo interno das massas urbanas (CORPORAL, 1991). Alguns
autores, apontam os indícios de seu surgimento ou sistematização a partir da
década de 1930: “Entre os anos 30 e os anos 50, as novas práticas de ‘ensino’
suplantariam, pouco a pouco, sua dimensão escolar, transmutando-se em
‘assistência técnica’, mediante a proliferação de clubes agrícolas e assistência
163
comunitária” ( MENDONÇA, 1999, p.20). Reconhecem, entretanto, que práticas
embrionárias de extensão rural já podem ser observadas anteriormente:
A partir de 1908, observa-se a criação de estações experimentais,
institutos de pesquisa e a diversificação dos periódicos (boletins
técnicos, revistas para agricultores,jornais agrícolas, revistas
especializadas em tópicos de agronomia e zootecnia e cadernos
de agricultura em jornais diários), de iniciativa tanto pública côo
particular (...) A lógica inerente a esse novo sistema agrícola seria
a razão. Ela ergueria a nossa agronomia à altura de ciência
(Oliver e
Figueirôa, 2006, p. 110,112).
Ainda que a instalação da Extensão Rural no Brasil, de forma mais
sistemática e efetiva tenha se dado a partir dos anos 1930, a necessidade de
modernização e progresso percebida desde o final do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, conforme discussão já empreendida no capítulo 2 deste
trabalho, justificaram diversas ações por parte das instituições nascentes para
alcançar os produtores em geral e não somente a nova geração que poderia ser
formada em seus bancos.
A extensão era um empreendimento que visava a persuadir os
produtores, apontando-lhes a necessidade da utilização das novas tecnologias.
Seus conhecimentos empíricos deveriam ser superados, passando a dialogar
com os conhecimentos científicos. Para isso era necessário intenso trabalho de
propaganda para convencer o produtor rural dessa necessidade, mediante o
discurso da superação do atraso, tendo como referência os países desenvolvidos,
especialmente os Estados Unidos. O aumento da produtividade e o
desenvolvimento do potencial do Brasil, um país vocacionado para a produção
agrícola, era problema que exigia solução urgente. A justificativa para as
atividades de extensão, portanto, era o de estimular a população rural para que
aderissem às mudanças consideradas necessárias em sua maneira de cultivar a
164
terra, de criar o seu gado, de administrar o seu negócio, aumentando a
produtividade e melhorando a qualidade de vida das famílias, inclusive no que diz
respeito à saúde, promovendo assim, o progresso da sociedade. Lisita (2005, p.
2) afirma que, em termos gerais,
A extensão rural no Brasil nasceu sob o comando do capital, com
forte influência norte-americana e visava superar o atraso na
agricultura. Para tanto, havia a necessidade de “educar” o povo
rural, para que ele passasse a adquirir equipamentos e insumos
industrializados necessários à modernização de sua atividade
agropecuária, com isso ele passaria do atraso para a
“modernidade”. O modelo serviria para que o homem rural
entrasse na dinâmica da sociedade de mercado, produzindo mais,
com melhor qualidade e maior rendimento
. Um modelo
“tecnicista”, isto é, com estratégias de desenvolvimento e
intervenção que levam em conta apenas os aspectos técnicos da
produção, sem observar as questões culturais, sociais ou
ambientais. Com raízes “difusionistas”, pois visa apenas divulgar,
impor ou estender um conceito, sem levar em conta as
experiências e os objetivos das pessoas atendidas.
A Extensão Rural insere-se “num conjunto de debates sobre a
modernização nacional” (Bombassaro, 2006, p. ). A Escola Agrícola de Lavras é
portadora desses ideais, como fica evidente tanto pelo discurso direto como
também por suas ações e planejamentos durante todo o período que o presente
estudo abrange. Desde o início das suas atividades, em 1908, a Escola Agrícola
de Lavras, aderindo às propostas de modernização da agricultura brasileira,
procurava desenvolver atividades que suplantassem a mera formação técnica dos
seus alunos. O objetivo era alcançar também aqueles produtores rurais que não
tinham acesso a essa formação. Seria uma forma de resolver problemas
imediatos sem ter que esperar o surgimento de uma nova geração escolarizada
para gerir os empreendimentos agrícolas. Levando o conhecimento científico
imediatamente às fazendas, mesmo que de forma rudimentar, os seus benefícios
já poderiam ser obtidos.
165
Já em 1910, em parceria com o Governo de Minas Gerais, instrução
prática e elementar era dada a lavradores da região com o objetivo de habilitá-
los para utilização de máquinas e obtenção de conhecimentos elementares da
produção agrícola: “Receberam o ensino prático de agricultura nesta escola 29
aprendizes. Possue 18 machinas agrárias e 2 de beneficiamento, sendo: 10
arados, 2 destorroadores, 2 grades, 2 semeadores, 2 capinadores, 1
debulhador de milho e 1 machina de cortar capim.”
122
FIGURA 24: Aula prática de aragem com tração animal em 1910.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira.
Mantido pelo governo estadual, havia também um posto zootécnico que,
além de servir para o treinamento dos estudantes, atendia à comunidade. Com a
chegada de animais de raça importados, havia também a oportunidade para os
produtores da região melhorar a qualidade dos seus animais. Os reprodutores da
“fazenda modelo” eram alugados para isso. As normas para a utilização desses
122
Relatório da Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização, referente ao ano de
1910, apresentado ao secretário da Agricultura, Dr. José Gonçalves de Souza
166
serviços eram estabelecidas pela escola em acordo com a Secretaria de
Agricultura do Estado.
Sem pesquiza, estudo e uma propaganda intensa das cousas
agrícolas, não podemos ter um lavrador e um criador intelligentes
e progressistas. Pela rotina hodierna de serviço quase
inteiramente manual, não podemos progredir, nem tão pouco
mantermos produção permanente. Urge portanto que os
fazendeiros enviem os seus filhos às Escolas Agrícolas, e por
outro lado que as Escolas Agrícolas levem os seus ensinos ao
próprio fazendeiro. Os problemas a serem vencidos, de produção
mais remunerativa, combate às moléstias, e venda mais
vantajosa, são magnos, e só seremos bem sucedidos num esforço
em conjuncto, onde cooperem as forças publicas, individuaes,
associadas, enfim todas. No momento actual assistimos ao
desabrochar de uma nova era na agricultura nacional.
123
Com o objetivo de levantar recursos para ajudar na manutenção da
escola, de oferecer ambiente para aulas práticas, espaço de trabalho para alunos
que não podiam arcar com as mensalidades do curso e para divulgar as ações
modernizadoras da instituição, alguns empreendimentos industriais foram
iniciados pelos organizadores da Escola. No caso de grãos, quando ainda não se
conhecia na região o processo de ensilagem, foi construído um silo aéreo. Essa
construção aparece nos documentos da UFLA, reportando-se ao pioneirismo da
universidade, sendo este o primeiro silo aéreo de alvenaria construído na
América do Sul. O referido silo aéreo foi construído em 1915: “Suas paredes são
suficientemente fortes para suportar o peso da coluna de ensilagem e por dentro,
perfeitamente lisa, do alicerce ao cume. Foi orçado em mais ou menos três contos
de réis”
123
Prospecto do Instituto Evangélico de 1922
167
FIGURA 25: Engenhos de beneficiamento de arroz, algodão, cana. Década de 1920
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Além da agropecuária desenvolveu-se também na ESAL uma indústria
de laticínios. Criada em 1909, tendo os seus produtos se tornado conhecidos
em diversas outras regiões, a referida indústria servia de símbolo da
modernidade que a escola pretendia representar. É objeto de intensa
propaganda apresentada como recurso para a manutenção da escola e ao
mesmo tempo demonstração de ações modernas e oportunidade de atividades
industriais práticas para os alunos no seu preparo para intervenção na
sociedade, sendo tecnicamente preparados para as diversas áreas da vida.
168
FIGURA 26: Propaganda publicada em O Agricultor em fevereiro de 1924
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Ênfase semelhante era dada às indústrias de beneficiamento de arroz,
algodão, café e ao engenho de cana.
Como o diretor da escola, Benjamin Hunnicutt era estudioso da cultura do
milho e entendia ser o Brasil, devido ao clima e condições do solo, o lugar ideal
para o desenvolvimento da sua produção, organizaram-se, a partir de 1915, na
Escola Agrícola de Lavras, exposições nacionais do produto. O objetivo era
divulgar as técnicas que poderiam aprimorar o cultivo do cereal e melhorar as
variedades dele existentes no Brasil. Várias outras iniciativas relacionadas com o
milho foram tomadas pelo professor desde que assumiu o projeto de instalar a
escola idealizada por Samuel R. Gammon. Essa exposição, em 1915, foi a
primeira iniciativa de alcance nacional por ele empreendida. Produtores de todo o
país enviavam amostras da sua produção para concurso, valendo prêmios em
dinheiro para os vencedores.
169
FIGURA 27: Exposição do Milho.
Fonte: Extraído do site: < http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/
modules/tgdocs/photo.php?lid=69
A Universidade Federal de Lavras reivindica para si o pioneirismo nas
atividades de extensão agrícola no Brasil. Essas atividades, na verdade, já
vinham sendo desenvolvidas a partir de 1908 pela Escola Agrícola de Lavras e
outras instituições. A década de 1920, entretanto, é considerada como marco
para esses empreendimentos, porque começam a assumir caráter mais
sistemático. Os documentos da Universidade Federal de Lavras contrapõem o
enfoque dado pela Universidade Federal de Viçosa que afirma ser a pioneira de
170
tais atividades, inaugurando-as em 1929 com a realização da “Primeira Semana
do Fazendeiro”. Em trabalho publicado pela Coordenadoria de Extensão da UFLA
por ocasião das comemorações dos seus 80 anos, afirma-se:
A Extensão Agrícola, como instrumento de informação, difusão de
conhecimentos técnicos desenvolvidas em centros de ensino e
pesquisa agropecuária surgiu em época anterior a 1929, como
citam inúmeros documentos e/ou publicações oficiais,
identificando o surgimento da Extensão Agrícola no Brasil, mais
precisamente no ano de 1921, junto à Escola Agrícola de Lavras.
A criação do Grêmio Agrícola de Lavras em outubro de 1921, tendo como
primeiro presidente o aluno Jaime Ferreira Brito, é considerado fundamental para
o início das atividades sistemáticas relacionadas à extensão agrícola. É criado na
escola, em 1924, o programa de “propaganda Agrícola” que se utilizou de
algumas iniciativas já existentes para intensificar os objetivos de extensão. O
objetivo era ampliar os esforços pela modernização da Agricultura. Aproveitando-
se da estrutura adquirida pela escola Agrícola de Lavras, o serviço de propaganda
agrícola poderia acelerar o referido processo. A revista O Agricultor, de fevereiro
de 1924, assim apresenta o referido programa:
Um dos maiores factores do progresso moderno da agricultura
tem sido o desenvolvimento do trabalho agrícola pelo ensino
ambulante. Podemos chamar esse serviço, fomento agrícola,
propaganda agrícola, ou serviço de divulgação, mas o fim é
sempre o mesmo: levar directamente ao fazendeiro e á sua família
a instrucção agrícola. O progresso da agricultura depende de três
aspectos de esforços: 1º Pesquizas e investigações; 2º Ensino
agrícola nas escolas primarias, secundarias e superiores; 3º
propaganda agrícola para a instrucção do fazendeiro em meio de
suas atividades. Há no paiz mais de 650.000 fazendas onde
trabalham alguns milhões de pessoas, enquanto que nas escolas
agricolas do paiz estão estudando apenas algumas centenas de
moços. É facil verificar então a importancia de um Serviço de
Propaganda directo, pessoal ao fazendeiro. A Escola Agrícola de
Lavras (Fundada em 1908) acaba de organizar um Serviço de
Propaganda Agrícola. Esse serviço oferece ao lavrador e ao
criador a cooperação da Escola e de muitas firmas comerciaes e
tambem em occasiões espciaes , a cooperação dos governos, e a
171
soluço dos seus problemas. O motivo deste trabalho é dar
occasião a que a Escola Agrícola de Lavras e diversas
companhias comerciaes façam uma contribuição directa para a
porsperidade do paiz, demonstrando assim a sua sympatia pela
classe agrícola. Nessa propaganda não se visa resultados
financeiros directos mas, acontece que promovendo a
prosperidade geral, todos os que fazem parte do serviço
participarão deste estado geral de cousas (...) O programa inclue:
Publicações agrícolas, correspondencias e consultas, graphicos,
photographias, cartazes, films agrícolas, visitas as fazendas e
varias zonas agrícolas, campanhas sobre problemas especiaes da
lavoura, pecuaria (...) Offerecer os seus auxilios a todo individuo
que o peça, dentro dos limites razoáveis de tempo, distancia e
exigências.
Ao
ressaltar a participação norte-americana no patrocínio desse programa
de extensão agrícola, apresentado como essencial ao progresso da agricultura
brasileira, promove-se a simpatia necessária à penetração dos missionários com os
seus objetivos reformadores
. No mesmo texto da revista, observa-se: “Este serviço é
offerecido aos agricultores brazileiros pelo commercio norte americano em testemunho
de sua shympahia e sincera amizade”. Mesmo antes da criação do Serviço de
Propaganda Agrícola, algumas das ações por ele posteriormente absorvidas já eram
realizadas pela escola com o objetivo de promover o progresso da agricultura.
5.2 Eventos
No mesmo ano de 1921, quando foi criado o Grêmio Agrícola de Lavras, é
realizada a Primeira Exposição Agropecuária do Estado de Minas Gerais, com a
participação de produtores de várias regiões do Estado. Paralelamente a esta
exposição, continuava a ser promovida anualmente a Exposição Nacional do
Milho, iniciada em 1915. O Agricultor, de agosto de 1929 ressalta que a
Exposição Agropecuária de Lavras já se tornava tradição. Anuncia a sétima vez
que o evento era realizado, apontando-o como de singular importância para a
172
ampliação do conhecimento das técnicas modernas da administração da
propriedade rural com as diversas atividades a ela pertinentes. Esta exposição foi
organizada pela Sociedade Agrícola de Lavras, com o apoio do governo do
Estado, mas sob a influência da Escola Agrícola.
FIGURA 28: Primeira Exposição Agropecuária e Industrial de Lavras em 1921.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Além dessas exposições, a partir de 1933, seguindo o exemplo da Escola
Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, passa-se a realizar em Lavras a
Semana do Fazendeiro. O Agricultor, de julho de 1933, assim anuncia o evento:
Promovida, pela primeira vez, na região sul e oeste do Estado de
Minas, por iniciativa da Escola Agrícola de Lavras, realizar-se-á
nos dias 31 do corrente a 4 de Agosto, um valioso certame já
amplamente conhecido, pelo nome de “SEMANA DO
FAZENDEIRO”. O êxito cada vez mais crescente que
experimenta, anno após anno, a mesma realização na cidade de
Viçosa, onde é patrocinada pela Escola Superior de Agricultura e
Veterinária do Estado, , levou os seus idealizadores à tarefa de
proporcionar aos fazendeiros do sul e do oeste mineiros as
mesmas oportunidades, de que gozam, há tempo já, os da zona
do Centro, da Mata, e mesmo o visinho Estado do Espírito Santo.
A Semana do Fazendeiro, cuja origem se acha nos Estados
173
Unidos da América do Norte, onde primeiramente se realizaram
iniciativas neste sentido, e onde ellas alcançaram um êxito
impossível de ser avaliado, constitue sem duvida uma medida
merecedora das mais francas sympatias por quantos anseiam por
um alevantamento de nossos systemas rotineiros, tanto n
Agricultura, como na Pecuária, por quantos desejam ver este ‘
Brasil, essencialmente agricola’, produzir mais, melhor e mais
economicamente...
É anunciado que durante o evento mini-cursos relacionados às diversas
práticas agrícolas seriam ministrados gratuitamente aos lavradores e aos
produtores rurais. O objetivo era levá-los a superar as velhas e ultrapassadas
práticas divorciadas do saber científico. Por outro lado, tal experiência não é
desprezada pelos organizadores do evento, pelo menos como base para os
avanços necessários oportunizados pela orientação técnica.
Crea-se assim aos fazendeiros de uma vasta região do Estado
(...) um oportunidade de gozar, com relativa facilidade, as
vantagens, quasi desnecessarias a mencionar, que a realização
da semana do Fazendeiro proporciona a cada um, quer pelo lado
de adquirir novos conhecimentos, quer pelo lado de intercambio
social e intellectual oferecido. Este ultimo assumpto constitue aliás
idéa preponderante, reunindo durante a semana, por algum tempo
diariamente, os srs. Fazendeiros, para que em uma reunião íntima
haver franca e proveitosa troca de opiniões e experiências , as
quaes cada um adquiriu no decurso da sua vida pratica, mercê
das circunstancias impostas pela vida rural quotidiana
124
A partir de 1935, um outro evento, “coadjuvado pela Nona Exposição
Agropecuária de Lavras, pela Segunda Semana do Fazendeiro e pelo Terceiro
Concurso de Vacas Leiteiras”, foi inaugurado na Escola Agrícola de Lavras: A
Semana do Ruralista. Seguindo o propósito dos outros eventos, a Semana do
Ruralista tinha o objetivo de renovar, por meio do ensino, a agricultura nacional,
ajustando-a às técnicas modernas. Os cursos e palestras oferecidos, além de
divulgar a Escola e aproximar a sociedade regional da pregação protestante,
124
Revista O Agricultor, de 1933
174
serviriam como elemento multiplicador dos propósitos da agricultura moderna,
ancorada na pesquisa científica. O Agricultor de 1935, assim relata os objetivos e
os resultados obtidos na inauguração do evento, a Primeira Semana Ruralista de
Lavras:
Este acontecimento, cujo nome veio prestigiar a serie de
certamens realizados em princípio do mez de julho foi, sem
duvida, o de maior alcance educacional.(...) A Escola Agrícola de
Lavras, compreendendo bem o valor patriótico das realizações
desta natureza, abriu as suas portas e os seus salões,, pequenos
para abrigar o numero elevadísssimo de alumnos, assistentes das
aulas ministradas no seu prédio principal. Alli se ministraram mais
de cincoenta cursos, todos de interesse a aplicação imediatos.
Uma centena de professores, além de outras tantas pessoas
interessadas, de todas as ´partes de Minas, freqüentavam ávidas
de conhecimentos, essas aulas. Nos três grupos escolares, houve
diariamente, varias aulas theoricas e praticas, uma verdadeira ‘
Escola Activa’. Nos collegios da cidade repercutiu
interessantemente o echo da semana ruralista, todos se
interessavam por seu trabalho e por seus inestimáveis
ensinamentos. Os alumnos que lucraram com as proveitosas
lições, forma muito além de mil. Mas a semente lançada nessa
mutidão de professores e alumnos, hoje ainda em centenas, já
amanhã ultrapassará os milhares pelo Brasil afora, pregando e
executando um trabalho útil e patriótico de uma pátria Nova. Se
as aulas foram frequentadíssimas à noite, a assistência às
reuniões foi sempre crescendo, ultrapassando por muito a lotação
do Theatro Municipal, que é de mil pessoas.
A Semana do Ruralista era promovida pela Escola Agrícola de Lavras em
parceria com a Sociedade Rural local, a Prefeitura Municipal e o comércio local,
com o auxílio dos governos Federal e Estadual. A Sociedade Brasileira dos
Amigos de Alberto Torres, criada em 10 de novembro de 1932, patrocinou este
evento. Essa organização ocupava-se da perpetuação dos ideais do seu patrono,
intelectual republicano, que, decepcionado com a República proclamada por meio
de um golpe militar, defendia a renovação nacional por meio do desenvolvimento
cientifico, do ponto de vista positivista. A referida organização procurava cumprir
os seus objetivos com a publicação de livros e periódicos, além de realizar e
175
patrocinar eventos de cunho “ruralista” no país. A Semana Ruralista de Lavras,
embora não sendo um evento exclusivamente vinculado aos ideais da referida
organização, associa-se com ela no que se refere à construção da nova
identidade profissional considerada essencial para que o Brasil se modernizasse,
tomasse forma, tornando-se assim uma nação. Esse movimento estava
diretamente ligado à educação como um dos elementos principais para a
construção da almejada identidade Nacional. Bombassaro (2006) afirma:
.
O escolanovismo e a nacionalização do ensino foram os pilares de
construção das Semanas e, por vezes, ambas as problemáticas
apareceram intrinsecamente ligadas. A exaltação ao nacionalismo
e a modernização dos métodos de ensino ligavam-se às
problemáticas em pauta no cenário nacional. A edificação de uma
unidade lingüística precedia a homogeneidade cultural e tornara-
se o elemento chave da efetivação dos planos políticos traçados.
As Semanas Educacionais surgiram como uma estratégia deveras
eficaz de aperfeiçoamento para os professores do Estado e,
provocar sua adesão ao evento significava aproximá-los do ideal
nacional em construção.As Semanas haviam sido organizadas
pelo Departamento de Educação do Estado de Santa Catarina
como uma tentativa de forjar um ambiente de socialização de
conhecimentos necessários à nova conjuntura política.
Esses eventos com objetivos voltados para a extensão agrícola,
promovidos pela Escola Agrícola de Lavras, embora fossem da iniciativa da
instituição, estão evidentemente vinculados aos ideais proclamados em um
determinado contexto político, buscando solução para problemas constatados. A
ruptura com a política monopolizada pelas oligarquias agrárias, o avanço no
processo de modernização do país, a industrialização, o êxodo rural, dentre
outros, formaram um conjunto de elementos que motivaram e favoreceram as
realização desses eventos que poderiam alterar a cultura dos produtores rurais,
ajustando-os aos ideais modernizadores.
176
5.3 Publicações
A publicação de boletins, periódicos e livros foi uma das principais formas
utilizadas pela Escola Agrícola de Lavras para promover a agricultura científica
fortemente marcada pela cultura norte-americana. Esse recurso também foi
utilizado pelas outras instituições, desde o final do século XIX, intensificando-se
na terceira década do século XX. A Escola Agrícola de Lavras, além de seguir a
metodologia adotada pelas instituições similares da época, já encontrou entre os
seus organizadores uma tipografia organizada e com a prática de publicar livros,
folhetos e jornais para a divulgação das suas idéias religiosas. No Museu Bi-
Moreira, da Universidade federal de Lavras, e no Pró-Memória Gammon, há
vários livros, principalmente de Samuel Gammon, publicados com fins religiosos.
Comentários bíblicos, história eclesiástica, sermões, dente outros. Faz parte da
tradição protestante a exploração da imprensa para o cumprimento dos seus
objetivos missionários. No Brasil os primeiros missionários, assim que chegaram
em 1859, logo trataram de publicar o seu material de doutrinação e propaganda.
O primeiro jornal protestante, Imprensa Evangélica foi criada no Rio de Janeiro
em 1864. Matos (2008) arrola diversas publicações com essa finalidade e
comenta:
A Reforma Protestante ocorreu na esteira da invenção da
imprensa e da enorme produção editorial suscitada por esse
avanço tecnológico. Os reformadores souberam se utilizar desse
meio eficaz para divulgar as suas idéias junto aos seus
correligionários e ao público mais amplo. Seu exemplo criou uma
tradição de valorização da literatura que se transmitiu aos seus
sucessores. Os presbiterianos brasileiros, influenciados por essa
mentalidade, investiram desde o início na publicação de literatura
como meio de divulgação do seu movimento de fixação das suas
propostas.
177
No campo educacional, o Instituto Evangélico de Lavras já se utilizava
desse recurso para anunciar os seus projetos, inserindo-os na cultura local. Com
a criação da Escola Agrícola, desde o seu início a tipografia foi colocada a esse
serviço, levando informações não só aos alunos e professores, mas também
publicações direcionadas à comunidade em geral com objetivos relacionados à
extensão rural. As suas publicações ganharam mais importância na década de
1920 após a criação do Grêmio Agrícola. No histórico da Editora da Universidade
Federal de Lavras consta:
A história e a experiência da UFLA na produção de obras
acadêmicas, técnicas e científicas, especialmente na área de
Ciências Agrárias, nos remetem ao início do século XX, quando,
em 1908, o diretor do Instituto Evangélico, Dr. Samuel Rhea
Gammon, hoje, Instituto Gammon, delegou ao engenheiro
agrônomo, Dr. Benjamin Harris Hunnicut, a responsabilidade de
implantar e dirigir a Escola Agrícola de Lavras. Ressalta-se que
neste mesmo início de século foram adquiridas as primeiras
máquinas e tipos para a ‘Tipografia Evangélica’.
125
A "Tipografia
Evangélica", que mais tarde recebeu o nome de "Imprensa
Gammon", funcionou nos porões do atual "Museu Bi Moreira" e foi
responsável pela impressão de vários jornais literários e
acadêmicos, sendo responsável também, ainda no sistema de
composição manual, pela publicação do mensário "O Agricultor",
que se destacou no meio agrícola da época.
Uma das principais publicações da instituição foi a revista mensal, de
circulação nacional, “O Agricultor”. O primeiro número foi lançado em 1922, sob a
responsabilidade do Grêmio Agrícola da escola
Contendo artigos, reportagens, notas, cartas-respostas e outras
matérias sobre agropecuária, pretendendo instruir e educar os
agropecuaristas brasileiros, bem como promover o
desenvolvimento rural do país. Até 1935 era a única revista
agropecuária do Estado de Minas
126
125
Disponível em: <http://www.editora.ufla.br/historico.htm >. Acesso em: 08 dez. 2008
126
Publicação da Coordenadoria de Extensão da Universidade Federal de Lavras em 1988,
comemorando os 80 anos da Universidade
178
A revista O Agricultor, procurando cumprir os objetivos relacionados à
propaganda agrícola, publicava artigos dos professores, recebia contribuições
técnicas oriundas de outros órgãos. Havia na revista uma seção de consultas,
com o objetivo de interagir com o produtor rural. O periódico circulou até 1943,
quando, por problemas financeiros, deixou de existir. O conteúdo da revista,
especificamente durante o período que é objeto desta pesquisa, refere-se à
divulgação dos atos da escola agrícola de Lavras. Resultados de experiências
realizadas pela escola, trabalhos realizados pelos alunos, registros das
atividades, bem como outros aspectos da divulgação do “modus operandi” da
instituição são os principais componentes do seu conteúdo. Noticia
abundantemente eventos tais como as exposições agropecuárias, semanas do
agricultor e do ruralista e os resultados nelas obtidos e as possíveis implicações
para o produtor rural. A revista apresenta ainda a resenhas de livros publicados
na área das ciências agrícolas, especialmente aqueles publicados pela própria
escola. A revista de fevereiro de 1924 anuncia diversos procedimentos a serem
adotados em campanha para incentivar a criação de porcos e a utilização de
máquinas agrícolas. Incentiva ainda a utilização sistemática do próprio periódico
como meio de informação necessário ao aumento da produtividade nos diversos
setores da produção agrícola.
179
FIGURA 29: Primeiro número de O Agricultor.
Na seção de consultas da revista aparecem correspondências de diversas
regiões de Minas Gerais e até de outros estados. Em uma delas, um fabricante de
queijos, Eugênio Leal, de Soledade de Itajubá apresenta dúvidas quanto à
fabricação do queijo prata. Informa que as orientações recebidas anteriormente
não tinham sido suficientes. O ex-aluno e professor da Escola Oswaldo Emrich,
encarrega-se de responder, oferecendo minuciosa orientação técnica. No mesmo
número da revista, um produtor do Estado do Paraná faz consulta sobre
avicultura.
Os boletins gratuitamente distribuídos aos agricultores, contendo
informações diversas sobre a cultura do milho (boletins I a V), criação lucrativa de
180
suínos (boletins VI e VII), eram anunciados pela revista. Cartazes eram
distribuídos anunciando a existência dos referidos boletins e de filmes
cinematográficos que poderiam ser exibidos em centros agrícolas. Esses cartazes
remetem os seus leitores às páginas da revista O Agricultor, onde se
encontravam as descrições completas dos seus conteúdos. No número de julho
de 1928, consta a apresentação dos seguintes filmes agrícolas:
O Serviço de Propaganda Agrícola da Escola Agrícola de Lavras
offerece para exibição em centros agrícolas uma serie de films
instructivos adquiridos do Ministério da Agricultura dos Estados
Unidos. Estes films já foram exibidos com grande sucesso no
Congresso dos Criadores Mineiros, em Bello Horizonte, na Sexta
Exposição Agropecuaria de Lavras e em São Paulo, pela
Sociedade Rural Brasileira. Os assumptos tratados são: Avicultura
Moderna, Combate ao Carrapato, O Berne, A Varejeira, Vermes
nos Porcos, Movimentos do Cavallo, Reproductores de Raças
Leiteiras, Cultura de Laranja na Florida, o Feijão Soja, As
Cooperativas Agrícolas.
Além das orientações relacionadas à produção rural, encontravam-se nas
páginas de O Agricultor vários outros saberes, veiculando crenças e valores da
instituição que o mantinha. O cuidado da saúde é tema que merece especial
cuidado.
Esse cuidado remete-se à imagem do Brasil reiterada naquele momento:
um país doente e que só poderia alcançar o progresso se resolvesse esse
problema básico. O “processo civilizador” do Brasil, segundo o debate
empreendido pelo movimento sanitarista, dependia diretamente da reversão do
quadro no que dizia respeito às condições de vida da população, especialmente
às populações rurais. O caboclo brasileiro, embora forte por natureza e habitante
de terras produtivas e férteis, tornava-se vítima indefesa de diversas doenças.
Vencer o descaso para com a saúde pública e tornar esse brasileiro saudável
181
deveria ser providência urgente do Estado para que o Brasil pudesse desenvolver
todo o seu potencial, tornando-se uma nação forte. Kropf e Lima (2008), afirmam:
O movimento pelo saneamento do Brasil, desencadeado durante
a Primeira República (1899-1930), colocou em evidência as
precárias condições de saúde das populações rurais como
principal obstáculo a que o país se civilizasse e se tornasse
efetivamente uma nação.
127
Para grande parte da intelectualidade brasileira deste período, a
promoção do conhecimento científico e a sua interferência na realidade brasileira
representava a grande esperança de sanear o país, proporcionando-lhe as
condições necessárias ao almejado progresso. A revista O Agricultor demonstra,
em diversos de seus artigos, que adere ao discurso sanitarista. A almejada
reforma da sociedade passaria também pelos cuidados necessários com a saúde.
No primeiro número da revista, aparece artigo “Protecção à Creança”, do
Dr. Paulo Menicucci, denunciando os problemas relacionados às precárias
condições de saúde percebidas no interior do estado:
Quem quizer tomar o trabalho de percorrer logares recônditos do
estado de Minas, certo ao par do grande surto de progresso,
observado no desenvolvimento considerável da cultura do café,
da canna de assucar, do cereaes e do grande adeantamento da
pecuária com todas as suas industrias correlatas, não deixará de
notar o quanto de trabalho ainda se faz mister para collocarmos o
homem lavrador a coberto de tantas e tão variadas endemias,
eternos obstáculos, barreiras consideráveis levantadas na estrada
do progresso do nosso grande Paiz. Causa pena principalmente o
modo porque são tratadas a creanças. Na phase da vida em que a
espécie humana tem necessidade dos maiores cuidados por parte
dos paes e mentores, a infância é completamente abandonada.
Não se cuida do homem no desabrochar da sua existência; não se
lhe ministram os necessários desvelos de que muito carecem, e,
não há negar, a existência torna-se-ha um fardo pesadíssimo para
o infeliz predestinado,cujo trabalho jamais conseguirá eleva-lo á
altura de ente útil á sociedade. É o que se observa no meio
rural...
128
127
http://www.fiocruz.br/chagas/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=57 Visita em 16.12.2008
128
Revista “O Agricultor”, 1921
182
A revista O Agricultor criou a partir de 1925, uma seção com o título “ O
Companheiro do Lar”. Nela, é também demonstrada a mesma preocupação com
o saneamento do Brasil nos moldes do movimento sanitarista, embora não haja
evidências de ligação direta com o referido movimento, mas apenas a reprodução
de um discurso bastante comum no meio intelectual brasileiro naquele período. A
professora de Artes Domésticas da escola Karlota Kemper, Bella Kolb, era a
responsável pelo trabalho. A seção era composta de artigos e de resposta às
consultas feitas por donas de casas sobre assuntos diversos relacionados à
administração da casa. Desde informações referentes à etiqueta, formas
adequadas de se por a mesa, receitas e outras, até orientações referentes ao
cuidado da saúde da família. Na revista de outubro de 1925, há um artigo de Bella
Kolb sobre a relação entre os cuidados com a alimentação da família e a
promoção da saúde. Aparece a foto de uma criança forte, bem vestida, alegre,
com os dizeres: “Uma Creança bem alimentada é a alegria do Lar”. Na sua
dissertação, a professora expõe as dificuldades que as famílias enfrentam devido
à desinformação. Não cuidam adequadamente desse aspecto tão importante da
administração do lar, permitindo que as condições de saúde se tornem precárias.
A informação, do ponto de vista científico, também nesse sentido se torna
imprescindível, razão pela qual a revista se apresenta na tentativa de preencher
mais essa lacuna. Busca o desenvolvimento do país, tendo como fundamento,
naturalmente, as suas convicções teológicas em relação à vida e à necessidade
de civilização como meio de valorizá-la, possibilitando não somente o seu
prolongamento saudável, mas também o exercício da sua vocação no mundo.
Uma existência útil à sociedade. Bella Kolb afirma:
Uma das causas de morte prematura está no modo irracional de
nos alimentarmos. Em geral, comemos muito e o que é pior, não
183
sabemos escolher bem os alimentos. A alimentação tem por fim
fornecer ao organismo as substancias necessarias à sua
conservação, á sua reparação e ao seu desenvolvimento.
Comemos para viver. Assim como as peças de uma machina se
gastam com o uso, também as células do nosso corpo soffrem e
continua usura.
Passa, a autora, a fazer um arrazoado quanto ao valor de diversos tipos
de alimentos e o papel que desempenham na produção das substâncias
necessárias ao funcionamento adequado do corpo humano. Procura desfazer
mitos populares quanto a comportamentos considerados prejudiciais à saúde que,
na verdade, do ponto de vista “racional”, “científico”, são benéficos. O ar puro e
fresco da manhã e da noite, por exemplo, são citados como elementos
importantes a serem desfrutados pelas crianças e não evitados, como de
costume. Cita o exemplo de uma numerosa família, sob os cuidados de uma
bondosa mãe, a “senhora Soares”, mas sem orientação adequados, nutria hábitos
incorretos e prejudiciais. A solução foi encontrada a partir do momento que essa
senhora recebeu as informações necessárias por um médico e, então, passou a
praticá-los no que concerne aos hábitos alimentares. O parecer científico, técnico,
foi de importância fundamental para que aquele lar se corrigisse, passando a
usufruir corretamente dos recursos naturais de que dispunham.
Dentre as publicações da Escola Agrícola de Lavras que faziam parte do
Serviço de Extensão Agrícola, surge, partir de 1924, o folder que apresenta
especificamente a Fazenda Modelo “Ceres”, produzido pela “Tipografia do
Instituto Evangélico”. A missão de equipar o produtor rural com conhecimentos
científicos e de colocar à sua disposição os resultados obtidos nas pesquisas e
experimentos realizados na escola é claramente exposta no referido documento.
O próprio sistema de “fazendas modelo” e campos de experimentação é peculiar
às primeiras décadas do século XX, fundamentado na proposta republicana para
184
a educação. Contrasta com a predominância do enfoque bacharelesco próprio do
período imperial.
Esse novo modelo é bastante enfatizado em Minas Gerais pelo programa
progressista do governo João Pinheiro. Nesse governo surgem diversos campos
de experimentação e as fazendas modelo, várias delas sob a responsabilidade
direta do Estado e outras, como no caso desta, ligada à Escola Agrícola de
Lavras, de iniciativa particular, mas com o apoio do poder público. Esses
estabelecimentos serviam para reforçar a construção da imagem de uma nova
agricultura. A produção da mudança de procedimentos era urgente. Era preciso
investir na informação, na propaganda, na educação. Esta não deveria ater-se
aos bancos escolares, uma vez que o acesso a estes espaços privilegiados de
produção do conhecimento científico ainda era bastante limitado. Na
apresentação do referido documento são declarados os seus objetivos:
Com a presente edição do catálogo da Fazenda Modelo da escola
Agrícola de Lavras, temos o ensejo de apresentar a V. S. e aos
nossos distinctos clientes um guia correto e simples do que temos,
no momento, concernente à lavoura e à criação, para ceder ao
interessados. Naturalmente, os catálogos, mesmo os volumosos,
nunca podem ser tão detalhados como deveriam ser, razão por
que desejamos fazer a todos scientes de que estamos sempre
promptos para quaesquer informações adicionaes, respodendo
com prazer e solicitude as perguntas que nos forem
enviadas.Sendo a nossa cultura e criação feitas para fins de
ensino e experimentação, todas as plantas e sementes de nossa
cultura e o gado de nossos rebanhossão rigorosamente
seleccionados e provados. Estendemos, pois, o nosso convite a
todos aquelles que, de momento ou de futuro, nos queiram honrar
com os seus pedidos, certos de que estamos em condições de
bem servir a quem quer que seja que deseje melorar a sua
cultura e criação ou augmenta-la com as raças e variedades de
que dispomos
129
No catálogo há abundante utilização da imagem fotográfica. As pocilgas,
instalações amplas, bem cuidadas e os porcos da raça Duroc-Jersey apontam
129
Introdução do catálogo da fazenda modelo publicado em 1924
185
para o rigor técnico e o pioneirismo da escola, enfatizando sempre a importação
de animais de raça e, especificamente a introdução no Brasil da referida raça de
porcos consideradas economicamente viáveis pelo tamanho e produtividade,
além de se adaptarem bem no Brasil. Ressalta-se a criação de aves de raças,
coelhos, gado bovino, ovinos, caprinos dentre outros, sendo demonstradas
também em fotografias.
FIGURA 30: Criação de gado bovino.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Os mesmos recursos são utilizados para a divulgação de culturas, tais
como grapefruits, feijão e soja. Há grande ênfase na qualidade dos produtos e na
forma como são cultivados, incentivando aos produtores não somente a
adquirirem as sementes desejadas, mas também a adotarem as orientações
contidas no catálogo, garantindo assim, a manutenção da qualidade do produto
original.
186
FIGURA 31: Aula prática na EAL.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Catálogos semelhantes ao acima mencionado são também produzidos
em inglês, para a divulgação dos atos das missões no seu país de origem.
Benjamin Hunnicutt publicou o opúsculo Agriculture in the Program of Modern
Mission, contendo informações relacionadas aos métodos missionários adotados
em outros países e a experiência brasileira, em particular. Explica ser o objetivo
principal das missões mundiais a redenção do homem pelo Evangelho de Cristo.
Contudo, promover a desenvolvimento humano, melhorando as suas condições
de vida, é também aspecto que não deve ser desconsiderado como testemunho
cristão. Benjamin Hunnicutt é o autor do referido catálogo onde fala do lugar que
os projetos de modernização da agricultura ocupam nas missões modernas.
Conta a sua própria experiência pessoal quando em 1905, tornou-se um
voluntário para integrar-se nesse programa. Atendeu ao apelo do “Movimento
Voluntário Estudantil”.
187
No catálogo de 1920 apresenta o “Lavras Agricultural College”, com
diversas fotografias, enfocando a dupla ênfase da escola: os conhecimentos
teóricos e pesquisas de campo e em laboratórios associados ao fazer cotidiano, à
prática. Acompanham o referido exemplar, cartas de órgãos norte-americanos,
acusando o seu recebimento nos Estados Unidos.
188
FIGURA 32: Laboratório da EAL
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
Vários livros também fazem parte das publicações da Tipografia
Evangélica destinada à divulgação das escolas que compunham o Instituto
Evangélico e, especialmente, do serviço de extensão rural da Escola Agrícola de
Lavras. Um dos principais livros publicados por professores da instituição foi a
obra “O Milho: Sua Cultura e Aproveitamento no Brasil”, do fundador da escola
Benjamin Hunnicutt. Esta publicação foi realizada por meio da editora
Livraria
Leite Ribeiro do Rio de Janeiro. Segundo o próprio autor, a obra foi escrita para o
lavrador. Assim, procurou ser de fácil compreensão e de valor essencialmente
prático. Visava a aprimorar a cultura do milho, mantendo-o como um dos mais
importantes cereais produzidos no Brasil. Na apresentação da sua obra, Benjamin
Hunnicutt esclarece:
Esperamos poder com este presente volume, aliás ainda um tanto
incompleto, offerecer ao lavrador brazileiro uma monographia útil
189
e de fácil comprehensão, para servir de guia no desenvolvimento
da lavoura do milho, que sempre há de ser o “Rei dos Cereaes do
Brasil”. Espero que esta obra venha preencher uma verdadeira
lacuna na nossa literatura agrícola e que seja muito útil ao
lavrador, para o qual foi escripta.
Benjamin Hunnicutt já havia publicado, em 1916, um pequeno livro,
intitulado O Livro do Milho, tendo aquela edição se esgotado rapidamente.
Percebido o interesse e a necessidade de maiores informações referentes a essa
cultura, ampliou o seu conteúdo, dando origem à obra publicada em 1924, que
teve grande aceitação em todo o país. O livro, publicado em 1924, tinha 12
capítulos e 304 páginas. O conteúdo era bastante abrangente. A maior parte dos
capítulos do livro aborda aspectos bastante técnicos, tais como um levantamento
da produção do milho nos diversos estados do Brasil, o progresso obtido a partir
de 1916, passando o Brasil de importador para exportador do produto. A
produção em outros países tais como Estados Unidos, Argentina e México.
Origem, classificação, descrição botânica e reprodução. O clima em relação ao
milho, solo, afolhamento e adubação. Melhoramentos do milho, colheita e
conservação, as pragas importantes. Os últimos capítulos são destinados a
orientações referentes à comercialização do cereal, usos para os animais e para o
enriquecimento da alimentação humana, a importância e procedimentos dos
métodos de ensilagens. A referida obra foi referência nessa área do
conhecimento. Abrantes (2008) afirma:
A história do melhoramento do milho no Brasil demonstra um caso
de similaridade com aquilo que de melhor se praticava no início
dos programas de genética de milho nas universidades
americanas. Assim, as equipes que aqui se formavam puderam
praticar e transmitir conhecimentos que construíram o suporte de
metodologias e recursos humanos dos programas de
melhoramento até hoje em andamento no Brasil.
A Escola Agrícola de Lavras - MG, atual Universidade Federal de
Lavras, teve grande participação no melhoramento de milho no
Brasil na década de 20, o que culminou com a publicação de dois
190
livros, sendo o primeiro sobre a cultura e melhoramento do milho
no Brasil e o segundo sobre genética e melhoramento de plantas,
publicados por Hunnicutt (1924) e Paiva (1925).
Além da obra supracitada, Benjamin Hunnicutt publicou boletins, livros,
artigos e opúsculos sobre diversos temas relacionados à produção agrícola com
objetivos semelhantes aos da sua principal obra.
5.4 O “Mito” do Pioneirismo da Escola Agrícola de Lavras
191
Nos documentos que possibilitam a construção deste trabalho,
encontram-se várias referências ao pioneirismo da Escola Agrícola de Lavras nas
áreas de atuação referentes às práticas agrícolas. Esses dados servem para
reforçar no imaginário social a importância da escola no cenário educacional
mineiro e nacional.
Apresenta-se como a primeira instituição de ensino superior agrícola em
Minas Gerais. Esta reivindicação choca-se com a Escola Superior de Agricultura e
Veterinária de Viçosa, que deu origem à Universidade Federal de Viçosa. Esta
universidade foi criada em criada em 1922 com o nome de Escola Superior de
Agricultura e Veterinaria (ESAV), mas com início de funcionamento apenas em
1927. Oito anos antes do reconhecimento de que a Escola Agrícola de Lavras
fosse reconhecida pelo govenro federal. O argumento favorável à Escola de
Lavras é que, embora o reconhecimento federal só tenha ocorrido em 1936,
desde 1908 a escola já formava agrônomos nos moldes exigidos na época, sendo
reconhecida, inclusive, em 1917 pelo Governo do Estado de Minas Gerais.
Considera-se, portanto, a pioneira no ensino superior agrícola no Estado.
A fundação das atividades de extensão rural também é reinvindicada pela
escola. Afirma que, de forma embrionária, atividades de extensão foram
promovidas pela instituição desde 1908, quando foi fundada, mas estabelece
1921, quando foi criado o grêmio agícola, o surgimento da extensão propriamente
dita. Em 1922 é lançada a revista O Agricultor também pioneira, permanecendo
como única de Minas nesta área do conhecimento até 1935. A Primeira
Exposição Agropecuária e Industrial de Lavras, realizada em setembro de 1922, é
também motivo de controvérsias. Para a Escola Agrícola e atualmente a UFLA
divulga ter sido a primeira exposição relizada no Estado de Minas Gerais. Em
192
1906 e 1911 foram realizadas exposições de gado em Uberaba, no triângulo
mineiro. Em documento da Escola, há a explicação:
Uberaba foi a pioneira em Exposições apenas de
gado(principalmente o Zebu) e deve-se lembrar que elas eram de
carater particular ou municipal(...)As mostras realizadas
emUberaba têm um valor singular no contexto nacional, não
apenas por terem sido pioneiras mas, por expressarem uma
tendência tipicamente regional, com uma originalidade que em
Lavras não se detecta comtanta careza. A presença de uma
Escola Norte Americana nos conduz á ponderação de que
obviamente tem recebido alguma influência estrangeira, que
conduziu suas exibições de uma forma mais completa como a
que, atualmente, assumiram as Exposições mpdernas, integrando
exibição do gado, produtos da Indústria e Economia Rural,
espetáculos- shows de rock, de música sertaneja que substituiram
o cinema ao ar livre.Do ponto de vista da exposição de gado,
concluiu-se que a Exposição de Uberaba é a mais antiga. No que
se refere à estrutura organizacional nos padrões oficiais
modernos, Lavras foi sem dúvida a primeira cidade mineira a
realizar uma Exposição Agro-pecuária de tal porte.
Os proclamadores da agricultura moderna e científica desse período,
insistiam na divulgação das idéias relacionadas ao caráter imprescindível das
máquinas agrícolas. Só com o uso desses recursos modernos ocorreria o
aumento da produção e o esperado progresso seria consolidado. O próprio
governo do Estado investia significativos recursos para incentivar o uso dessas
máquinas. A Escola Agrícola de Lavras, nos seus catálogos, por meio de textos e
fotos, divulga a sua aparelhagem privilegiada e reivindica pioneirismo em muitos
deles. È feita referência, em diversos deles, ao trator que seria o primeiro de
Lavras e o quarto de Minas Gerais.
193
FIGURA 33:1º Trator de Lavras (1923)
FIGURA 34: 1ª Demonstração do Trator Fordson
em frente ao edifício Álvaro Botelho em 1923.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
O cuidado dos animais, mantendo-os saudáveis, depende principalmente
da alimentação adequada nem sempre disponível ao produtor, o que é
preocupação manifesta no discurso dos administradores da escola. Isto justifica a
importância de um processo eficiente de ensilagem. Foi também esta escola que,
segundo os seus documentos oficiais, introduziram esse sistema eficaz,
construindo um silo aéreo em alvenaria, o primeiro da América do Sul.
FIGURA 35: Este foi o primeiro silo
aéreo construído na América do Sul
FIGURA 36: Atividades de silo.
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
194
A escola apresenta-se também como responsável pela introdução no
Brasil de animais de raça, contribuindo para a melhoria da produção local. Porcos
da raça Duroc-Jersey aparecem em diversos documentos da escola, contendo
vasta justificativa da sua importância econômica.
FIGURA 37: Suinocultura na EAL
Fonte: Acervo do Museu Bi-Moreira
A Escola Agrícola de Lavras, portanto, utiliza-se do pioneirismo para
conquistar as almas da elite intelectual local, dos produtores e do povo.
Apresentam-se como mensageiros do progresso. É possível verificar em
documentos externos a reprodução do discurso produzido pela escola, revelando
assim certa eficácia no cumprimento dos objetivos propostos pelos seus
dirigentes.
5.5 A Escola Agrícola de Lavras na Percepção da Sociedade Local
Os documentos que possibilitaram a realização do presente trabalho
permitem avaliar o lugar que a Escola Agrícola assumiu no imaginário social de
Lavras e região e em outros lugares onde suas práticas eram divulgadas. O fato
de colocar em evidência uma pequena cidade do Oeste de Minas Gerais,
195
utilizando-se dos eventos e publicações da escola, a propaganda do seu
pioneirismo em diversos aspectos da produção do conhecimento técnico nas
diversas áreas da agricultura, serviu para que a instituição ganhasse a admiração
dos moradores da cidade, principalmente aqueles que eram portadores dos ideais
de civilização e progresso nos moldes ali empreendidos.
O jornal A Gazeta, de Lavras, órgão sem ligações diretas com o Instituto
Evangélico ou a sua entidade mantenedora, em agosto de 1936 reivindica o
reconhecimento da Escola Agrícola por parte do governo federal. Critica a demora
desse ato, argumentando que a qualidade do trabalho realizado pela escola no
decorrer dos anos deveria ser elemento motivador para que tal reconhecimento
se agilizasse. É possível perceber um certo exagero no texto, próprio do estilo
poético adotado pelo autor. Em tom de discurso político ressalta de forma
calorosa as qualidades da escola:
O reconhecimento da nossa Escola Agrícola por parte do governo
federal é uma medida que se impõe, que se faz urgente, não
como um favor, como um benefício à nossa cidade, mas porque o
governo está no dever de fazer justiça, ainda que tardia, a um
educandário que se vem destacando no Brasil pela sua efficiencia
e pelo patriotismo com que vem preparando a mocidade para a
grande luta da agricultura. É de causar a mais dolorosa
estranheza, não resta a menor duvida achar-se a nossa Escola
Agrícola ainda dependendo daquelle ato governamental, quando o
seu nome, esplendidamente firmado em todos os quadrante4s do
país, é um motivo de orgulho para Minas e quiçá para todo o
Brasil. De facto, quem olhar para os departamentos de onde se
irradiam os ensinamentos da cultura racional há de encontrar,
sempre em destaque, um nome que se relaciona com a nossa
Escola, um nome que aqui se iniciou, que aqui se fez, que daqui
se projetou. Lutando victoriosamente em todos os setores da
nossa actividade agrícola, os alumnos da nossa Escola vão-se
distinguindo em toda parte, assim no sul como no centro, como no
norte do país. Já é grande, muito grande, a phalange dos nossos
dos nossos scientistas, dos nossos thecnicos, dos nossos
agricultores racionaes, a firmarem em toda parte a potencialidade
da nossa Escola Agrícola. Nos campos como nos laboratórios
elles se destacam sempre, apesar da relativa pobreza material do
centro em que se formaram. E se destacam porque a Escola
Agrícola de Lavras, apesar de pobre, apesar de afastada dos
carihos officiaes, está intellectualmente apparelhada para prestar
196
ao país ainda mais serviços do que as congêneres do Estado,
aquellas que bem cedo souberam abeirar-se dos detentores da
cornucópia das graças... E de estranhar-se, pois, o alheamento do
governo federal, que se tem feito surdo á razoável solicitação dos
directores da nossa Escola, que merecem, incontestavemente,
mais attenção e mais carinho. Se de todo o país, mesmo do
extremo norte, affluem para esta cidade tantos moços desejosos
de aqui se instruírem e se formarem, ao menos este facto deveria
impressionar o governo e move-lo a uma attitude de justiça, que
seria o reconhecimento, sem mais demora, de um
estabelecimento cujo nome vem sendo firmado pelos technicos e
verdadeiros scientistas que sahem dos seus bancos para o
grande scenario onde se vem fazendo o Brasil. Que o ministro
Odilon Braga considere estas palavras, não como um grito de
natural revolta, mas como um pedido de justiça.
O texto reproduz e reforça claramente a imagem de superação, vitória,
racionalidade científica, referência regional e nacional, intelectualidade. O mesmo
jornal noticia com ufanismo o reconhecimento da escola por parte do governo
federal. Nessa outra matéria, ressalta-se a competência do então diretor da
escola e a repercussão que o ato do governo federal teve perante a população
local. É enfatizado pela reportagem o interesse geral sobre a matéria, apontando
para a importância dada àquela instituição escolar. Com o reconhecimento da
Escola Agrícola de Lavras, quatro eram os estabelecimentos que preenchiam as
exigências da organização do ensino agronômico por parte do governo federal.
Além dela, a Escola Nacional de Agronomia do Rio de Janeiro, a Escola de
Agronomia e Veterinária de Viçosa e a Escola Agrícola Luís de Queirós, de
Piracicaba. Essa condição privilegiada da escola é reconhecida, segundo o jornal,
como de grande interesse para toda a sociedade local e regional. O texto assim
se posiciona quanto ao reconhecimento da Escola Agrícola por parte do governo
federal:
O illustre geneticista, dr. Benedicto Paiva, a cuja notável
capacidade se confiou a direcção da nossa tradicional e
justamente reputada Escola Agrícola, telegraphou terça feira
ultima, do Rio, ao dr. Frank F. Baker, conceituado reitor do
197
Instituto Gammon, congratulando-se com o distincto educador
pelo reconhecimento daquelle estabelecimento de ensino
agronômico. Os termos daquelle communicado, que se referem a
um acto de lídima justiça praticado pelo eminente ministro da
Agricultura, dr. Odilon Braga, não podiam ficar, como não ficaram,
circunscriptos ao conhecimento dos dois respeitáveis
correspondentes, porquanto a noticia que nelles se continha era e
é do mais vivo interesse, não só para o glorioso educandário
como, também, para a cidade a quem elle honra, quiçá para toda
esta vasta região do país. Effectivamente, tanto que se vulgarizou
o conteúdo do telegrama, a população lavrense vibrou de
contentamento, porque o reconhecimento da Escola Agrícola por
parte do governo federal corresponde á coroação de um esforço
perseverante e abnegado, desenvolvidos sem preocupações
immediatas, por um grupo de idealistas, em prol da
racionalização, entre nós, dos processos da agricultura e da
pecuaria.
Sobre a qualidade da educação produzida pela Escola Agrícola, tanto no
que diz respeito ao ensino sistemáticos dos seus alunos em cursos regulares,
como na instrução geral oferecida aos produtores rurais por meio das suas
atividades de extensão, A Gazeta, continua:
A Escola Agrícola de Lavras -- não somos nós quem o diz, mas,
como Raul de Paula, muitos hospedes illustres que nos teem
confortado com o seu estimulo – a Escola Agrícola de Lavras
pode não impor-se á admiração do Brasil pelo aspecto material
das suas installações. Ella impressiona, entretanto, pelo espírito
que preside a todas as suas actividades theoricas e praticas, pela
aptidão e desprendimento de seus dirigentes e professores, pela
aplicação dos seus alumnos e, o que é mais notável, porque é a
prova tangível da sua efficiencia, pelos thecnicos, de irrecusável
autoridade, que tem proporcionado ao país e cujas luzes se
refletem lisongeiramente, dos mais altos postos de direcção, na
política econômica da nossa pátria.
A Escola Agrícola, desde o seu reconhecimento pelo governo estadual,
em 1917, quando realizou-se uma grande passeata pelas ruas de Lavras, procura
estender ao povo as suas conquistas. Assim, como toda instituição que deseja
implantar-se no imaginário coletivo como mais do que uma propriedade particular,
como um patrimônio da comunidade com nobres propósitos coletivos, por meio
198
desses ritos, inclui a participação popular. A participação do povo serve de
argumento para demonstrar a sua aceitação e, ao mesmo tempo, para reforçar a
imagem de propriedade do povo, motivo do orgulho coletivo. Como afirma
Carvalho (1998, p.10): “o imaginário social é constituído e se expressa por
ideologias e utopias, sem dúvida, mas também(...) por símbolos, alegorias, rituais,
mitos”. Na edição do dia 20 de agosto de 1936, A Gazeta noticia a realização das
festividades em comemoração ao reconhecimento da Escola Agrícola por parte
do governo federal. A união entre “professores, alumnos e o povo”
130
foi assim
noticiada
:
Decorreu animadíssima a festividade offerecida pelos alumnos da
nossa Escola Agrícola á sociedade lavrense, em regozijo da sua
officialização pelo governo federal. Foi uma optima reunião, que
conseguiu impressionar agradavelmente a todos quantos se
integraram no movimento (...) Verdadeiro congraçamento
motivado pela conquista de uma victoria que vem collocar a
Escola Agrícola em uma posição de justificado destaque no
scenario educacional do paiz, a festa do dia 14 do corrente foi
como que uma explosão de alegria. Professores, alumnos e
convidados, irmanados pelos mesmos sentimentos e
enthusiasmados pela victoria commum, imprimiram á festa dos
alumnos um alto cunho de sympathia, podendo dizer-se que a
Escola viveu naquella noite horas mais intensa vibração espiritual.
O estabeleccimento, sob a actual direcção do dr. Benedicto de O.
Paiva, verdadeira summidade em assumptos de ensino thecnico
agrícola, recebeu naquella noite a visita de antigos professores e
elementos de destaque da sociedade lavrense, solidários com a
alegria dos futuros agrônomos e corpo docente da escola.
É construída a imagem de fraternidade, irmandade, unidade em torno dos
interesses comuns da sociedade, tendo a escola como mediadora. A Escola
Agrícola de Lavras no imaginário local deixa de ser uma mera instituição
particular pertencente a um grupo religioso e torna-se propriedade de Lavras. O
próprio jornal refere-se a ela como “nossa Escola Agrícola”.
130
Jornal A Gazeta do dia 20 de Agosto de 1936
199
A leitura do livro Impressão de visitantes de 1909 a 1924, permite
conhecer a escola na percepção de pessoas de diversas regiões e áreas de
atuação que lá estiveram no período. Esse tipo de registro deve ser analisado
levando em consideração a cortesia do visitante. Por outro lado, ainda que pontos
negativos fossem evitados e os positivos exagerados, a escolha do que ressaltar
oferece indícios da realidade da escola em estudo. Em 1909, primeiro ano de
existência da Escola Agrícola, os seus visitantes apontam as evidências da
escola como promessa de veículo de progresso para o país:
Visitando a Escola Agrícola de Lavras, sob a competente direção
técnica do Dr. Benjamin Hunnicutt, só tenho a dar parabéns à
minha pátria. Aí, nesse campo de estudo da ciencia e da pratica
agricolas, observei o quanto poderá , em futuro próximo ser
Lavras o centro da moderna veia da reforma da nossa Agricultura.
Ali, ante a força produtiva da terra brasileira, vi o espírito
metódico, inteligente, disciplinado do americano, que do dr.
Benjamin Hunnicutt, trabalhando pelo nosso progresso, tratando a
face querida de nossa terra, como se fora a sua própria pátria.
Daqui lhe registro os meus agradecimentos, por essa nova seiva
da vida que vai infiltrando no organismo dos nossos agricultores,
como grande ensinamento que a escola e o campo que dirige são
a mais robusta prova. Que Deus abençoe a obra americana
trabalhando a alma da pátria brasileira, sua irmã.
131
O relato do visitante Abelardo Lopes, seguindo a mentalidade do período
no que diz respeito aos Estados Unidos como símbolo de desenvolvimento e
progresso, ressalta a metodologia norte-americana como a grande responsável
pelo bom andamento do projeto e que o faz tão promissor. Francisco Salles, outro
visitante da escola também no seu primeiro ano de existência, anuncia:
A seção de agricultura do ginásio de Lavras do ginásio de Lavras,
que acabo de visitar, está iniciada sobre os melhores auspícios
com a direção competente do sr. Dr. Benjamin Hunnicutt e a
vontade firme e constante do benemérito Dr. Gammon, vai ser um
centro de irradiação do ensino agrícola da maior importância e
destinada a exercer eficaz influência na transformação do
trabalho, na agricultura desta região. Parabéns aos iniciadores
131
Abelardo Lopes, Lavras 11 de março de 1909
200
destes melhoramentos nesta cidade, que estremeço por ser meu
berço.
132
A maior parte dos depoimentos atribuem o sucesso do empreendimento à
competência administrativa e perseverança de Samuel R. Gammon, o idealizador
e fundador do estabelecimento e aos amplos conhecimentos técnicos e científicos
de Benjamin Hunnicutt, o coordenador do projeto e detentor de grandes
habilidades como pesquisador e educador no campo das ciências da agricultura.
Em muitos deles as competências dos administradores da escola são diretamente
relacionadas com a nacionalidade norte-americana, expressando a
“americanofilia” própria do período.
Há também registros das impressões de estrangeiros que visitaram a
Escola. Estes destacam normalmente os aspectos geográficos que a tornam
privilegiada. Destacam ainda que esses recursos naturais, administrados com
competência e dedicação, explicam o sucesso do empreendimento. A. G. Nelson,
da Filadélfia, afirma:
Durante a minha extensa viagem à América do Sul, nunca tinha
visto um colégio tão bem equipado e tão bem localizado, saudável
e pitoresco do ponto de vista, como aqui. As oportunidades para o
estudo de Agricultura são excelentes, do ponto de vista prática e
privilegiados pelos extensos e belos campos do colégio -- um
ponto vital muitas vezes observados nas repúblicas da América do
Sul.
133
Foi possível verificar pela análise dos documentos que
a Escola Agrícola de
Lavras firmou-se como uma instituição de significativa relevância social,
extrapolando o contexto local, influenciando diversas outras regiões do Estado de
Minas e fora dele, onde circulavam as suas produções (ROSSI; INÁCIO FILHO,
2005). A estratégia dos missionários protestantes de civilizar e, ao mesmo tempo,
132
Registro de visita realizada no dia 26 de Maio de 1909
133
Registro de visita do dia 14 de março de 1918
201
levar a mensagem evangélica de redenção foram de reconhecida eficácia. A
Escola consolidou-se e a Igreja também. O desenvolvimento proposto pela
escola, os melhoramentos por ela implantados geraram credibilidade para que
esses missionários fossem ouvidos, recebidos como portadores de boas notícias,
mas também de ações significativas para o cotidiano do povo. O apoio das elites
intelectuais detentoras o discurso desenvolvimentista abririam caminhos para
despertar a simpatia da população em geral por aqueles que vieram não apenas
para conquistar adeptos para o seu grupo religioso, mas oferecer as suas
competências para promover o desenvolvimento. Esse é o propósito declarado
pelo fundador do Instituto Evangélico e da Escola Agrícola, Samuel Gammon,
fazer a luz do Evangelho brilhar por meio de obras a ele correspondentes,
levando às últimas consequências o lema “Dedicado à glória de Deus e ao
progresso humano”. Esta era a proposta de evangelização indireta da Missão
Leste que foi implantada em Lavras por meio do Instituto Evangélico e, em
particular, da Escola Agrícola de Lavras.
202
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da Escola Agrícola de Lavras foi realizado na perspectiva da
história das instituições escolares, considerando as possibilidades e desafios
pertinentes a esta temática. Sem a pretensão de obter respostas definitivas para
as questões levantadas, procurou-se aprofundar o debate sobre a contribuição
protestante para a educação escolar brasileira. Foi privilegiada a ação dos
presbiterianos no Estado de Minas Gerais no final do século XIX e nas décadas
iniciais do século XX. Este foi o período estudado, a partir da fundação da Escola
Agrícola de Lavras, em 1908 até 1938, quando passou a ser chamada Escola
Superior de Agricultura de Lavras-ESAL. Períodos anteriores foram mencionados
com a finalidade de contextualização. É possível, por meio do diálogo com as
fontes, observar as contribuições de diferentes origens culturais em que a referida
instituição foi produzida. Por um lado os missionários, com os seus valores e
crenças, também formados em um contexto social específico, tendo portanto, na
sua concepção, um modelo ideal de sociedade que seria objeto dos seus esforços
por meio da ação educativa. Por outro, a sociedade brasileira em um momento de
intenso debate relacionado ao papel da escola como uma das instituições mais
importantes para a formação da nação brasileira. Uma verdadeira promotora do
desenvolvimento e do progresso. Os Estados Unidos da América do Norte, país
de origem dos missionários fundadores da instituição estudada, era tido, naquele
momento, como modelo da almejada modernização. A escola explicita, portanto,
a sua condição de instituição social, histórica, produto de uma determinada
cultura e ao mesmo tempo produtora de uma nova cultura. A intenção dos
missionários era criar por meio da educação escolar, uma nova maneira de viver,
203
de relacionar-se com a natureza, compreendendo-a como criação divina e de um
potencial que deveria ser explorado “para a glória de Deus e para o progresso
humano”. Mesmo considerando a distância entre os objetivos estabelecidos e a
realidade produzida, o alcance dos seus projetos educacionais na região onde
atuaram, possibilita a afirmação de que novos comportamentos e novas maneiras
de ver o mundo foram conseguidas por meio das suas ações.
Ao interpretar as atividades da Escola Agrícola de Lavras, foi possível
uma compreensão da relação entre as convicções religiosas e as propostas e
práticas pedagógicas, seguindo a linha de interpretação de Max Weber (1996).
Os missionários presbiterianos responsáveis pelo projeto educacional aqui
analisado eram oriundos da Igreja Presbiteriana do sul dos Estados Unidos.
Eram defensores da “evangelização indireta”, tema que gerou intenso debate
interno, principalmente entre esses presbiterianos do sul e os seus companheiros,
pioneiros do presbiterianismo no Brasil, oriundos da Junta de Missões de Nova
York, pertencente à Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos. Ambas
entendiam ser a educação escolar de grande importância, bem como outros
projetos que promovem a dignidade humana. O enfoque sobre tais projetos é que
tornou-se objeto de intensa discussão. A “evangelização indireta” era entendida
pelos missionários do sul como aquela realizada por meio de projetos que
pudessem contribuir para o desenvolvimento da sociedade que os recebia e, a
partir desses projetos, realizavam o seu trabalho de “conquistar as almas”. O
objetivo era a reforma da sociedade. Partiam do pressuposto, bem fundamentado
na tradição reformada, puritana, de que toda a realidade pertence a Deus e está
desfigurada pela degradação imposta pelo pecado e que é responsabilidade dos
redimidos a busca da restauração de todas as coisas à sua condição original,
204
agradável a Deus. O testemunho do Evangelho, o fundamento das Escrituras,
segundo a fé reformada, podem promover a restauração dessa realidade decaída,
mesmo que apenas parcialmente durante a militância terrena. Há, porém, a
responsabilidade do homem, criado por Deus como um ser social, que deve
interagir com o seu ambiente, exercitando todas as suas potencialidades para o
bem. Esses pressupostos teológicos aparecem de forma mais clara em alguns
dos documentos analisados do que em outros, mas, em termos gerais, os seus
produtores deixam marcas das suas concepções doutrinárias no seu diálogo com
a sociedade do seu tempo. Conhecer essa concepção de reforma, sua
necessidade e métodos para a sua realização, permite um entendimento das
motivações para a criação da escola em estudo. A idéia dos missionários não era
apenas mudar as práticas religiosas dos receptores da sua mensagem, mas por
meio da mensagem que deveria ser vivenciada pelos próprios pregadores,
transformar a maneira de viver dos seus ouvintes. Entendiam ser o progresso, o
desenvolvimento, a prosperidade, a saúde, o saber, que desejavam promover,
evidências de um relacionamento saudável com Deus, com o próximo e com a
natureza. A ociosidade, a ignorância, o atraso, promotores da doença e da
miséria são, por outro lado, nessa perspectiva, a “desumanidade”, a negação da
humanidade criada à imagem e semelhança de Deus. Ressaltam em seus
discursos a potencialidade natural do Brasil que deveria ser responsavelmente
explorada por meio de uma produção amparada pela formação técnica, científica.
“Ciência e Prática”, lema da Escola Agrícola de Lavras, tem como
“comunidade de sentido” o discurso dos intelectuais da primeira República que se
concretiza em práticas políticas diversas. A própria regulamentação do ensino
agrícola em 1910, serve de exemplo. Este estudo possibilitou verificar, por
205
exemplo, o diálogo entre o Governo de Minas Gerais e a Escola, devido à
afinidade de discursos e propósitos. Os educadores presbiterianos atribuíam a
ênfase dada ao valor da ciência e da sua aplicação prática às razões teológicas.
Entendiam que ciência e prática são inseparáveis, devendo ser objeto da busca
dos que almejam “a glória de Deus e o progresso humano”.
A presente análise permitiu ainda discutir as estratégias de divulgação da
Escola Agrícola de Lavras com o objetivo de construir uma imagem de
competência, desenvolvimento, pioneirismo e elemento de redenção. Essa
percepção da escola, abriria espaço para a ação evangelizadora dos seus
fundadores e mantenedores. A sua contribuição para o desenvolvimento da
região seria credencial para que fossem ouvidos e respeitados. Segundo o
imaginário criado, resistir aos missionários presbiterianos era símbolo de
obscurantismo e inimizade ao progresso. A estrutura da escola, os cursos
oferecidos, os eventos organizados, a literatura produzida, os equipamentos,
atendem aos reclames modernizadores e reforçam a imagem de instrumento de
redenção social em torno da referida instituição.
Esta pesquisa, ateve-se ao estudo das questões supra-mencionadas.
Contribui, porém, por deixar em aberto outras indagações relacionadas ao
Instituto Evangélico de Lavras e à própria Escola Agrícola que podem ser objeto
de outras investigações. O grande número de fontes existentes, aqui
mencionadas, reunidas e preservadas nos órgãos mencionados neste trabalho
oferecem suporte para que o projeto educacional presbiteriano no Oeste de Minas
Gerais seja amplamente estudado. A abundância de fontes serve de estímulo
para pesquisas que aprofundem a discussão sobre as disciplinas que
compunham os currículos dos cursos relacionados à formação agrícola nos seus
206
diversos níveis. A metodologia de ensino e de manejo das diversas culturas
existentes na escola, dentre outros aspectos que não foram aprofundados neste
trabalho por fugirem aos objetivos estabelecidos.
Além das possibilidades de se aprofundar a discussão referente a outros
aspectos da Escola Agrícola de Lavras, a pesquisa abre também possibilidades
de estudo das escolas e cursos que compunham o Instituto Evangélico. Aqui
essas escolas e cursos são apresentadas apenas para situar a Escola Agrícola
como parte do Instituto. Diversas questões poderão ser levantadas a partir das
referidas apresentações. A educação feminina em geral,bem como a formação de
professoras especificamente, empreendidas pelo Colégio Carlota Kemper . Os
cursos de preparação de indivíduos que seriam encaminhados aos seminários
para compor os quadros da Igreja. Os cursos avulsos que eram oferecidos com o
objetivo de criar possibilidades de formação técnica para jovens que, em geral,
não tinham acesso à escolarização regular. Nestes cursos de marceneiro,
pedreiro, dentre outros, criava-se a possibilidade de alfabetização. Todos essas
formas de interferência na sociedade local podem ser objetos de pesquisas
específicas.
Além de inserir-se no debate referente à educação protestante e
particularmente de confissão presbiteriana, o presente estudo amplia a discussão
em torno do ensino agrícola brasileiro. Consciente de que a relevância de uma
pesquisa não está relacionada, necessariamente, ao número de estudos sobre
um determinado tema, o presente trabalho pretende contribuir para a
compreensão das iniciativas relacionadas à instrução agrícola naquele período.
Considerando o caráter dinâmico do conhecimento científico e a
impossibilidade de esgotar temas e realidades estudadas, outros trabalhos sobre
207
o tema estudado poderão ampliar a discussão aqui empreendida. Outros olhares,
outras interpretações sobre o objeto de análise, tendo como referência as
mesmas fontes, mas com outra forma de estabelecer o diálogo com elas, ou com
outras fontes, poderão prosseguir com o debate aqui aberto.
208
FONTES
1- A Imagem do Instituto Evangélico em Jornais da época
134
A Cidade de Lavras, 1896
Nos dias 19 e 26 de janeiro destaca as atividades do Instituto
Evangélico: "Música, cultura física e desenho industrial"
O Republicano, 7. 09. 1898
Boas vindas ao Rev. Sr. Samuel Gammon que voltava de
viagem: "distintíssimo cavalheiro, diretor do Instituto Evangélico, nossas
boas vindas".
O Republicano, 12.03.1899
Ao noticiar eventos do Club Literário Musical de Lavras,
parabeniza o Revdmo. sr. Samuel Gammon que tem sabido dirigir essa útil
sociedade.
O Municipal, - 1902
Anúncios nos dias 19 e 26 de janeiro e 02 de fevereiro:
Internato e Externato: Direção criteriosa, instituição sólida, e
symétrica nas matérias dos cursos primário, secundário e superior,
ministrados por professores hábeis e seguindo métodos modernos. Preços
módicos. Início do ano letivo 30 de janeiro de 1902.
O Incentivo, 28.02.1904
Relato de visita do jornal ao Instituto Evangélico, destaca a
hábil direção da instituição, a sua localização privilegiada, as,condições de
134
Dentre esses jornais, pelo que verificamos até o momento, apenas “ O Instituto” é produção interna da
própria instituição em estudo
209
higiene e do ponto de vista instrutivo, as oficinas e ferramentas, o espaço
das salas e acomodações em geral e a habilidade dos professores.
"O Incentivo"27.03.1904
Comunica o início das aulas do Instituto Evangélico para o
curso de trabalhos manuais (4.4.1904)
O incentivo, 03.04.1904
Anúncio do curso de trabalhos manuais, destacando ser parte
integrante do educandário, as opções para o sexo masculino e feminino,
bem como preço para alunos e outros.
O Instituto, 1915 (?)
Órgão oficial do Instituto apresenta texto sobre cultivo de
milho selecionado por iniciativa da Escola Agrícola de Lavras e o que essa
iniciativa representaria para a agricultura brasileira;
A Renascença, 1922
Várias referências ao Instituto, aniversário de professores e as
diversas atividades nas três escolas: Gymnásio, Collégio Carlota Kemper e
Escola Agrícola;
O Instituto, 1930
Órgão oficial do instituto noticia a lei 1196 que autoriza o
registro dos diplomas dos agrônomos formados na escola;
A Gazeta, 20 de agosto de 1936
Notícia da festividade dos alunos da escola Agrícola,
comemorando o reconhecimento da instituição por parte do governo
federal;
A Gazeta, 30 de agosto de 1936
210
Notícia do reconhecimento da Escola Agrícola por parte do
governo federal
2- O Instituto em Fotos
Formandos de 1919;1923;1929;1937- Nessas fotografias
(existem de outras turmas de formandos que não tenho cópias ainda)
aparece a região de origem do formando e os lemas de cada turma que
apontam para a "filosofia" da escola. P. ex. a de 1923: "Crer, Trabalhar,
Crear" e a de 1937: "A Sciência é um Tesouro, a prática sua chave"
Demonstração experimental do trator Fergunson na
fazenda modelo 1923- (1º trator a entrar em Lavras e um dos primeiros de
MG)
Desfile comemorativo pelo reconhecimento da Escola
Agrícola por parte do governo de MG - 1917
1º Silo aéreo em alvenaria do Brasil
Lançamento da Pedra Fundamental do edifício "Álvaro
Botelho" - 4.07.1920
Inauguração do prédio de "sciências" - Escola Agrícola
de Lavras-
Vista geral da escola Agrícola
Uma classe de agronomia no laboratório
Aulas práticas: preparação de terreno para plantio de
alfafa e "o alumno apprende os processos modernos de fenação"
Carneiros da raça Hamphire criados na Escola
Posto Zootécnico e Pocilgas
Aula prática de Agrimensura
211
"Alumnos armando machinas de lavoura da fazenda"
Horta da Escola
Laboratório de Agrologia
Processo de adubação do solo. Experimento com cal
Laboratório de química: baçlanças de "máxima precisão"
Aula no laboratório de Física: "As leis de physiuca se
aplicam a todos as divisões da sciência contemporânea, e são essenciaes
no estudo da Agricultura moderna"
Plantações de Eucaliptos
Aulas práticas de veterinária
Laboratório de Biologia: "Os microscópios poderosos
habilitam os alumnos a fazer muitos estudos minuciosos"
Escritório do serviço ambulante: "serviço de propaganda
Agrícola, atendendo a necessidade absoluta, que a escola vá até a
fazenda ensinar o fazendeiro, já no meio de suas múltiplas ocupações (...)
para que o fazendeiro tenha oportunidade de ver os resuolotados da
lavoura moderna"
Criação de porcos da raça Duroc-Jerssey- 1924
Criação de aves de raça Plymouth Rock brancas- 1924
Criação de coelhos de raça Gigante de Lorena (Pesando 7
quilos e meio) 1924
Engenho de cana- Indústria da fazenda - 1924
Touro Puro Sangue- raça holandesa, importado- 1926
Touro Suisso- 1924
"A Cultura do feijão soja na fazenda modelo"- 1924
212
Cultura de algodão na fazenda modelo-1924
3- Brasão do Instituto Evangélico e da escola agrícola, apontando
para os objetivos da escola: "Formar a mocidade para o viver pleno".
4- Destaque do pioneirismo da escola em seus documentos, folders,
propectos, etc:
1ª Exposição Agropecuária e Industrial de Minas Gerais-
Realizada na fazenda modelo em 1922
1º Trator de Lavras, um dos primeiros de MG (1923)
1º Silo aéreo em Alvenaria do Brasil (1916)
1ª Expansão Nacional do Milho (1915)
1ª Semana do fazendeiro de Lavras (1933)
1ª Revista especializada em agricultura do Brasil: "O
Agricultor" (criada em 1922 e única no país até 1935)
1ª Semana do Ruralista de Lavras (1934)
5- Prospectos do Instituto Evangélico
1908; 1909; 1912; 1921 e 1928- Contendo: A apresentação
das escolas: Gymnásio com curso primário anexo, Collégio Carlota Kemper
e escola Agricola ( Criada posteriormente a escla de Comércio).
Informações detalhadas quanto à finalidade do Instituto,currículo dos
cursos, corpo docente, normas para internatos, dentre outras informações.
esses propectos eram publicados pela "Typographia do Gymnásio de
Lavras".
6- Propectos do Instituto Evangélico em Língua Inglesa
Lavras Agricultural College- Lavras, Minas, Brazil- Founded
1908- Fotografias, gráficos, informações da região
213
School Work at Lavras - Industrial School, Lavras, Brazil- By
B. H. Hunnicutt
Agriculture in the Program of Modern Mission- By B. H.
Hinnicutt
7- Caderno contendo as impressões de visitantes da Escola de 1909
a 1924
8- Impressões de Ex-alunos
Artigo "A Escola Agrícola de Lavras" de "José Nortista" ,
pseudônimo de Garibaldi Dantas - Destaca a formação do agrônomo que
tem de ser "mestre e operário";
Artigo "A Escola Agrícola".- E. Deslandes (1918)- Destaca a
ação dos americanos "campeões em prol do saber" e instrumentos para o
progresso da região;
9- Discursos de Paraninfos
Dr. Noraldino Lima- 29 de Novembro de 1922
Prof. Dr. Alberto Deodato- 1948
10- Cartas recebidas pelo Mr B. H. Hunnicutt, diretor da escola
Agrícola
26 de fevereiro de 1920- Secretário de Cooperação na
América Latina ( falta identificar assinatura)
26 de maio de 1920- "Impressão de um leitor Leigo sobre o
trabalho agrícola missionário em Lavras"( falta identificar assinatura)
11- Textos que apresentam a memória da Escola agrícola e que
auxiliam, fornecendo pistas para a busca de fontes:
214
Revista - Lavras-Cultura - "A Inffluência Americana na História
e Cultura de Lavras"- (2003)
Acrópole- Órgão Oficial do Museu de Lavras
Texto; "O Esporte na ESAL e em Lavras" - Admilson Bosco
Chitarra- (1988)
Fragamento de uma Jornada de Lutas- Américo Iório Ciociolla
(1994) - Texto lido quando da Instalação da Universidade Federal de
Lavras, estando presente o então ministro da educação Murilo Hinguel
Lavras Cultura- Ano II, nº 8, (1996)
Resumo Histórico da Universidade Federal de Lavras- Por
Angelo Alberto Moura Delphim- Chefe do Museu Bi-Moreira da UFLA.
Texto: "História da extensão na ESAL (1998) do Prof. Luiz
Carlos Gonçalves Costa
Os 80 Anos da escola Superior de Agricultura de Lavras-
Benjamin Harris Hunnicutt Jr. (1992)
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formatura do seminário Presbiteriano Reverendo José Manoel da
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