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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA
CELSO SUCKOW DA FONSECA – CEFET/RJ
DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
COORDENADORIA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
DISSERTAÇÃO
A EVOLUÇÃO DO KITESURF E O PAPEL DO USUÁRIO NA INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA DOS EQUIPAMENTOS
Wander Vilson Lioy Alcantelado
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM TECNOLOGIA.
Cristina Gomes de Souza, D.Sc.
Orientadora
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
MARÇO / 2009
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ii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CATULO I - A INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PRODUTO
6
I.1 – Inovação e conceitos relacionados
6
I.2 – Tipos de inovação
9
I.3 – Processo de desenvolvimento de produtos
15
I.4 – Patentes no processo de inovação
22
I.5 – O usuário no processo de inovação e desenvolvimento de produtos esportivos
26
CAPÍTULO II - ESPORTES RADICAIS
33
II.1 – Considerações sobre os esportes radicais
33
II.2 – O esporte radical como metáfora do risco
34
II.3 – Segurança ontológica e as questões existenciais
37
II.4 – A cultura do heterogêneoa individuação – o self 40
II.5 – O processo civilizador
43
II.6 – Risco, aventura e a busca de significado
45
II.7 – Turismo de aventura ou esporte radical – estreitando o foco
48
II.8 – O crescimento dos esportes radicais
51
CAPÍTULO III – METODOLOGIA 54
III.1 – Definição do objetivo e das questões de estudo
54
III.2 – Considerações metodológicas
54
III.3 – Detalhamento da pesquisa em base de patentes
56
III.3.1 – A definição da estratégia de busca
56
III.3.2 – Levantamento de dados
60
CAPÍTULO IV – ESTUDO DE CASO: O KITESURF 63
IV.1 – Classificação do kitesurf como modalidade esportiva 63
IV.2 – O que é kitesurf 66
IV.3 – A evolução do kitesurf 73
IV.3.1 – A origem das pipas
73
IV.3.2 – O desenvolvimento da pipa de tração
79
IV.3.3 – A evolução do “kitesailing” 83
Pág
.
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iii
IV.3.4 - Surgimento e difusão do “kitebuggying como precursor do kitesurf 86
IV.3.5 – A invenção do kite de estrutura inflável
87
IV.3.6 – A invenção do “kiteski” 90
IV.3.7 – A disputa por uma plataforma tecnológica das pipas de tração para o kitesurf 92
IV.3.8 – A consolidação do esporte pelo mundo
96
IV.4 – Segurança no esporte
103
IV.5 – Resultados da pesquisa patentária
105
IV.6 – Análise síntese dos resultados
115
CONCLUO 122
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 125
iv
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ
A347 Alcantelado, Wander Vilson Lioy
A evolução do kitesurf e o papel do usuário na inovação tecnológica
dos equipamentos / Wander Vilson Lioy Alcantelado. – 2009.
xv, 131f. : il.,grafs., tabs. , mapas ; enc.
Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca, 2009.
Bibliografia : f. 125-131
1.Esportes radicais-Inovações tecnológicas 2.Kitesurf 3.Produtos
novos-Administração 4.Patentes I.Título
CDD 658.575
v
Aos meus pais, a minha esposa Adriana e filhos Kawan e Gabriel.
vi
Agradecimentos
À Professora Cristina Gomes de Souza (D.Sc.) pela dedicação e paciência no trabalho de
orientação que em muito contribuíram para a realização da pesquisa.
A meu chefe Carlos Augusto Bittencourt pelo pleno apoio oferecido durante a elaboração
deste trabalho.
Às minhas amigas de INPI e CEFET/RJ, Camila e Rita pelo incentivo e apoio nas horas de
angústia e dificuldade desta jornada.
Ao Antônio (Capitãocio) e Carlos Eduardo do INPI pela colaboração e presteza.
A todos meus amigos do Kitepoint/RJ, alguns mesmo sem saber, que ajudaram nas
descontraídas conversas depois de um bom dia de velejo, ou ainda, naqueles angustiosos
dias de espera do vento, em que prosear é a única forma de aliviar o tédio.
vii
"Os fatos são o ar da ciência. Sem eles nunca poderemos voar."
(Ivan Pavlov)
viii
Resumo da dissertação submetida ao PPTEC/CEFET-RJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de mestre em tecnologia (M.T.).
A EVOLUÇÃO DO KITESURF E O PAPEL DO USUÁRIO NA INOVAÇÃO
TECNOLÓGICA DOS EQUIPAMENTOS
Wander Vilson Lioy Alcantelado
Março de 2009
Orientador: Cristina Gomes de Souza, D.Sc.
Programa: PPTEC
O kitesurf é o mais recente esporte da família dos chamados esportes radicais. Sua
difusão mundial ocorrida no final da década de 1990 deve-se ao desenvolvimento tecnológico
das pipas de tração para objetivos náuticos. Os esportes radicais surgem na modernidade
tardia como uma forma de expressão em resposta à desqualificação diária da vida cotidiana e
o do sentimento de homogeneização característico da globalização. A questão existencial da
auto-identidade está relacionada com a capacidade do indivíduo de manter em andamento
narrativa particular de sua biografia, que vão desde respostas às questões existenciais,
passando pelo sentimento de individuação, isto é, o “self”. Trata-se de um estudo exploratório
sobre o surgimento de uma nova modalidade esportiva radical náutica. O objetivo geral do
trabalho consistiu em discutir o papel dos usuários “lead users” no desenvolvimento de
novos esportes limitando-se ao caso do kitesurf, conhecido como o mais recente da categoria
dos esportes radicais. Para o contorno do objetivo geral foi necessário: 1) Apresentar o
entendimento do que significa o termo “esporte radical” e justificar a intensificação de sua
prática na modernidade tardia; 2) Apresentar o que é o kitesurf e como enquadrá-lo como
modalidade esportiva 3) Discorrer sobre a evolução das pipas, passando pelas pipas de tração
até o surgimento do kitesurf como uma nova modalidade náutica da categoria dos esportes
radicais; 4) Identificar o papel dos usuários líderes – “lead users” - no desenvolvimento da pipa
de tração para utilização no kitesurf a partir de levantamento dos depósitos de patentes
realizado no Escritório Europeu de Patentes EPO. O presente trabalho caracteriza-se como
uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, centrada em estudo de caso. A metodologia
baseou-se em duas fases distintas e complementares: Na primeira fase utilizou-se de pesquisa
bibliográfica e documental, entre eles, artigos acadêmicos, revistas de kitesurf, sites
especializados, entrevistas publicadas de personalidades do esporte e de fóruns de praticantes
de kitesurf. a segunda fase, fundamentou-se na base de documentos patentários
classificados nos digos ECLA - Europian Clasification, B63b35/79W4B e B63b35/79W4B1,
do Escritório Europeu de Patentes - EPO. Os resultados da pesquisa confirmaram estudos
anteriores em que novos esportes não o desenvolvidos por companhias de equipamentos
existentes. O kitesurf deve seu primeiro tipo de equipamento a uma inovação de um usuário.
A pesquisa mostrou que existe uma forte influência de inovação de usuários no
desenvolvimento de soluções para a prática do kitesurf no período estudado.
Palavras-Chaves: Inovação tecnológica; Desenvolvimento de produto; Patentes; Esportes
radicais; Kitesurf.
ix
Abstract of dissertation submitted to PPTEC/CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements
for the degree of Master in Technology (M.T.).
KITESURFING EVOLUTION AND THE USER ROLE IN THE TECHNOLOGICAL
INOVATION OF EQUIPAMENTS
Wander Vilson Lioy Alcantelado
March / 2009
Supervisor: Cristina Gomes de Souza, D.Sc.
Program: PPTEC
Out of the so-called extreme sports kitesurfing has been one of the most recent ones. It
became worldwide known in the end of the 90s due to the development of traction kites with
nautical goals. The extreme sports came up late in the modern life as a response to the quality
decrease in daily life standards and to the homogeneousness feeling put out by the
globalization. The existencial matter of self-identification relates to the individual capability of
keeping track by means of a particular log of one's own biography: it leads to answers to
questions such as existencial ones through the individual innermost feelings as the very "self".
The following notes deal with an exploratory study into kitesurfing as the most recent of the
nautical extreme sports. Its general ideal consists of discussing the role of users – “lead users”
in the development of new sports but keeping its boundaries around kitesurfing taken as the
most recent among the extreme sports. To a better definition of the contour profile it was
necessary to 1) Present the understanding of what is the term "extreme sport" all about and
justify its surge and intensive practice in the late modern life; 2) Present what is kitesurfing all
about and how to suit it into a sport category; 3) Describe the volution of kites through the
traction kites up to the rise of kitesurfing as one of the nautical sports modality in the category of
extreme sports; 4) To spot the role of the leading users “lead users” - in the development of
the traction kites and its application in kitesurfing by means of the patents data of the EPO (the
European Patent Office). The present paper is one exploratory research, of qualitative nature,
and focused on a case study. The methodology was based on two clear distinctive and
complementary phases: The first one utilized the bibliographical and documentary research
such as academic papers, kitesurf magazines, kitsurf experts sites, media interviews with the
kitesurf field users as well as sports personalities. The second phase dealt with classified patent
documents filed under the ECLA - European Classification, B63b35/79W4B and
B63b35/79W4B1 - codes of the EPO (the European Patent Office). The research conclusions
have confirmed precedent studies, which came up with the concept in which the evolution of
sports does not arise from the existing sports apparatuses manufacturers. The first kitesurfing
equipment is due to the innovation accomplished by a user. The research has proved a strong
influence of innovations developed by users in troubleshooting the kitesurfing hinders along the
studied period.
Keyword: Technological Inovation
,
Product Development, Patents, Extreme Sports, Kitesurfing.
x
Lista de Figuras
Figura I.1 -
Trajetórias de inovações incrementais e radicais em processos
11
Figura I.2 -
Modelo de inovação disruptiva
12
Figura I.3 -
Dinâmica temporal das inovações de processo produto ou
serviço
14
Figura I.4 -
Funil de decisões, mostrando o processo convergente da
tomada de decisões, com a redução progressiva dos riscos
17
Figura I.5 -
Atividades do desenvolvimento do produto 18
Figura I.6 -
Vendas e lucros durante a vida de um produto, da concepção
ao abandono
21
Figura I.7
Etapas do processo de inovação 25
Figura I.8 -
Percentuais de inovação pelo lado do consumidor
29
Figura I.9 -
Evidência da inovação do usuário
30
Figura I.10 -
Fases do processo da inovação do usuário 31
Figura II.1 -
Modelo de consumo de lazer de alto risco 52
Figura III.1 -
Tela do espacenet das classificações escolhidas para pesquisa
59
Figura III.2 -
Tela do espacenet explicando a pesquisa para o ano de 1960 60
Figura IV.1 -
Fotos de praticantes
67
Figura IV.2 -
Tipos de kite
70
Figura IV.3 -
Tipos de prancha
70
Figura IV.4 -
Alças e botas 71
Figura IV.5 -
Trapézios 71
Figura IV.6 -
Linhas e facas 72
Figura IV.7 -
Barra de controle de um kite inflável tipo bow 72
Figura IV.8 -
Aerodinâmica de uma pipa
74
Figura IV.9 -
Nativo das Ilhas Salomão
75
Figura IV.10 -
Samuel F. Cody sendo levantado por uma fila de pipas
77
Figura IV.11 -
Os Wrights amarrando um planador em Kitty Hawk
78
Figura IV.12 -
Desenho da patente n.º GB5420
80
Figura IV.13 -
George Pocock viajou pela Inglaterra em seu “Charvolant”
81
Figura IV.14 -
Desenho da patente n.º NL7603691, depositada em 1976 - A
primeira patente a vislumbrar a prática dokitesurf
82
Figura IV.15 -
Pipas flexifoil super 10 enfileiradas no ar
83
Figura IV.16 -
Área de vôo de uma pipa de acrobacia (stunt kite)
84
Figura IV.17 -
David Culp usando uma fileira de 5 pipas. Foto de capa da
revista “Kiting – Kitesailing international” de julho 1988, vol.10,
n.4.
85
Figura IV.18
-
Kitebuggying na prática
86
xi
Figura IV.19 -
Desenho da patente Norte AmericanaUSPTO n.º 4.708.078.
Mostra a utilização da pipa em um contexto náutico
88
Figura IV.20 -
Dominique pronto para um teste com o protótipo. Ao lado, os
primeiros skis utilizados, setembro, 1985
88
Figura IV.21 -
Buno Legaignoux em uma demonstração em La Torche em
1987, durante o Funboard World Cup, com a maior
pipa/kite/asa produzida por ele: uma 17m2
90
Figura IV.22 -
Desenho da patente n.º 5.366.182 do “KiteSki”.
92
Figura IV.23 -
Certificado de autenticidade do kite bow
98
Figura IV.24 -
Origem dos usuários entrevistados
99
Figura IV.25 -
As marcas mais mencionadas pelos usuários
101
Figura IV.26 -
Os países mais mencionados para a prática do kitesurf
102
Figura IV.27 -
Tráfego de acesso ao site www.kitesurfingschool.org
103
Figura IV.28 -
Gráfico da distribuição dos depósitos de patentes por ano
106
Figura IV.29 -
Gráfico da distribuição dos depósitos de patentes por ano de
acordo com o código de classificação
107
Figura IV.30 -
Gráfico Percentual de depositantes entre pessoa física e
jurídica
108
Figura IV.31 -
Gráfico da comparação dos depósitos de patentes depositados
por pessoa física
108
Figura IV.32 -
Gráfico da quantidade de depósitos de patentes por país
114
Figura IV.33 -
Alex Carzergues conquista o recorde mundial de velocidade
119
xii
Lista de Quadros
Quadro I.1 -
Descoberta, Invenção, Inovação
7
Quadro I.2
-
Taxonomia das mudanças tecnológicas
10
Quadro I.3 -
Perfil dos compradores e comportamento do comprador
21
Quadro II.1
-
Essência fenomenológica dos esportes radicais
50
Quadro III.1 -
Os códigos B63B35/79W4B e B63B35/79W4B1
58
Quadro IV.1 -
Classificações dos jogos segundo Roger Caillois
64
Quadro IV.2 -
Taxonomia das atividades no mar segundo Turpin e Llorca
65
Quadro IV.3 -
Empresas Licenciadas
99
xiii
Lista de Tabelas
Tabela IV.1 -
Distribuição dos depósitos de patentes por ano
106
Tabela IV.2
-
Ranking dos principais inventores 109
Tabela IV.3 -
Empresas depositantes com quantitativos
110
Tabela IV.4
-
Identificação de praticantes nas empresas depositantes
112
Tabela IV.5 -
Quantidade de depósitos de patentes por país
113
xiv
Abreviaturas e Siglas
APKITE -
Associação Portuguesa de Kitesurf
AR -
Razão de Aspecto (Aspect Ratio)
BOW -
Banana Ocean Wing (Arco)
CIP -
Classificação Internacional de Patentes
COB -
Comitê Olímpico Brasileiro
ECLA -
Classificação Européia (European Classification)
EPO -
Escritório Europeu de Patentes (Europian Patent Office)
EUA -
Estados Unidos da América
LEI -
Bordo de Ataque Inflável (Leader Edge Inflatable)
NSGA -
National Sports Good Association
P&D -
Pesquisa e Desenvolvimento
PDP -
Processo de Desenvolvimento de Produtos
SLE -
Bordo de Ataque Estruturado (Strutured Leader Edge)
INTRODUÇÃO
CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA
Na atual conjuntura econômica em que a globalização, a intensificação da concorrência
e o aumento da sofisticação e nível de exigência dos consumidores se fazem cada vez mais
presentes, as empresas m buscado ganhar competitividade através de inovações e
lançamentos constantes de produtos novos ou melhorados no mercado.
Essa realidade tem feito com que se intensificasse, nos últimos anos, o interesse pelas
temáticas da inovação e desenvolvimento do produto. Muitos estudos têm sido elaborados de
modo a melhor compreender as origens, características, processos e condições que levam à
dinâmica da inovação. Grande parte desses trabalhos, entretanto, voltam-se para produtos e
segmentos em que o processo de inovação parte da empresa até chegar ao usuário, ou seja,
apesar de levarem em consideração requisitos, expectativas e demandas dos consumidores, a
ativação desse processo encontra-se no agente de produção que assumirá riscos e investirá
no desenvolvimento ou melhoria de um produto se vislumbrar retorno econômico justificável.
Algumas pesquisas, entretanto, têm mostrado uma perspectiva diferente em que a
origem e o desenvolvimento do processo de inovação se origina e, por vezes, é concretizado
por parte dos usuários que acabam abrindo novos negócios de modo a atenderem suas
necessidades e as de nichos específicos de mercado. Estudos empíricos parecem indicar que
essa situação se verifica no segmento de equipamentos voltados para novas práticas
esportivas em que os “lead users” desempenham papel fundamental no surgimento e
consolidação de novos esportes.
“Lead Users” é um termo cunhado por Von Hippel (1986) para designar usuários que
possuem ambas as características: sentem forte necessidade por resolver uma demanda
particular que pode levar a uma inovação; e ainda, experimentam antecipadamente estas
necessidades à frente da maior parte do mercado.
Conforme Guiddens (2002), a sociedade atual vive a chamada modernidade tardia que
caracteriza-se pela fase atual de desenvolvimento das instituições modernas marcada pela
radicalização e globalização dos traços básicos da modernidade. No período pré-moderno essa
ênfase na individualidade estava ausente e a tradição imprimia uma espécie de banda larga de
“prática autenticada” no futuro, assumindo um papel-chave na articulação dos referenciais
ontológicos e de ação. Na modernidade tardia a cultura do risco passou a desempenhar um
aspecto fundamental da modernidade, em que a consciência do risco constitui um meio de
2
colonizar o futuro. A assunção individual do cortejamento ao risco assumiu novo sentido nas
complexas situações reflexivas da alta modernidade.
Nesse contexto da modernidade tardia, o crescimento da prática de esportes radicais
aparece como uma resposta à desqualificação diária da vida. O cultivo do risco representa um
experimento com a confiança básicaconfiança que conseqüentemente tem implicações para
a auto-identidade do indivíduo. Dominar tais perigos é um ato de justificação e uma
demonstração, para si próprio e para os outros, de que se pode sair de circunstâncias difíceis.
O medo produz emoção, mas é o medo que é redirecionado em forma de donio. A sensação
de domínio que vem com o enfrentamento deliberado do perigo, sem dúvida deriva em parte de
seu contraste com a rotina. Mas também recebe reforço psicológico do contraste com
satisfações adiadas e mais incertas que surgem de outros encontros com os riscos da vida
cotidiana.
O kitesurf é um esporte recente que consiste na utilização de uma prancha combinada
com a força de grandes e controláveis pipas para sua propulsão sobre a água. Devido ao forte
poder de tração da pipa é possível o deslocamento a uma grande velocidade e a realização de
saltos espetaculares, tanto em altura quanto em distância, que os praticantes avançados fazem
exigindo manobras de alto nível de dificuldade e risco. Trata-se, portanto, de um esporte radical
devido aos riscos inerentes de sua atividade compostos por elementos característicos da
imponderabilidade da natureza. Os níveis de periculosidade de sua prática dependem das
condições de vento e da condição da superfície escolhida para deslizar com a prancha, seja
ela, mar, lagoa ou rio, além da perícia do praticante no manejo do equipamento que vem se
sofisticando com o passar dos anos.
Segundo Michael Raper (apud CHASSANY, 2008), gerente de operações da marca de
kites Cabrinha do grupo Pryde e uma das três maiores marcas de kitesurf, o mercado do
kitesurf tem crescido 15% anualmente com a chegada de tecnologias mais seguras para o
equipamento. Recente estudo apontou que o Brasil é citado em 55% das vezes como o país
destino para a prática do kitesurf (STICKDORN, 2007). Isso Representa o somente
oportunidades de emprego e renda para os envolvidos direta ou indiretamente com o esporte,
mas também para outros segmentos como o de turismo. Atualmente, o segmento de turismo
orientado ao esporte constitui 50% do “market share” do mercado de turismo global (THOMAS,
2004 apud STICKDORN, 2007).
A criação e consolidação de um novo esporte trazem uma
série de outras inovações organizacionais além daquelas relacionadas ao produto. Tem-se
assim o surgimento de novas profissões, de associações de usuários, de novas empresas e
3
transições típicas do surgimento de um novo mercado constituindo um rico e ainda inexplorado
manancial de pesquisa.
Esse trabalho se propõe investigar o processo de desenvolvimento do equipamento que
permitiu a prática do kitesurf. Apesar de existirem registros antigos sobre a utilização de pipas
para a navegação, somente recentemente elas foram capazes de proporcionar as soluções
necessárias para a sua viabilidade no âmbito náutico, quer seja, a redecolagem d’água e a
navegação a barlavento, realizadas pelas velas tradicionais. Nesta linha, passando pela
interpretação das novas formas de expressão da alta modernidade, ou modernidade tardia,
representadas pelos chamados esportes radicais, pretende-se realizar um estudo sobre as
origens da invenção do kitesurf e a importância dos praticantes “leader users” nesse processo.
Uma outra parte da pesquisa utilizou-se da base de patentes do Escritório Europeu de
Patentes – EPO, para corroborar com os achados da pesquisa bibliográfica.
Como se trata de um esporte recente e pouco explorado pelo meio acadêmico, a
abordagem inicial orientou-se a partir da experiência do autor deste trabalho na prática pioneira
de kitesurf no Brasil. O autor iniciou a pratica do kitesurf no ano de 1999, na época adquirindo a
primeira pipa desenvolvida pela Wipika, modelo Classic de 8 m
2
. Nesta empreitada,
caracterizada pela pouca informação disponível, entre frustrações, escoriações e momentos
gratificantes, aprendeu sozinho a velejar com uma pipa, coisa que ao menos para o autor,
parecia aparentemente impossível até então. Nesta lenta curva de aprendizado, o autor
acumulou a experiência de trabalhar como instrutor de kitesurf nos anos de 2000 a 2003,
nunca deixando de participar ativamente da modalidade nos anos seguintes. Durante o ano de
2008 exerceu o cargo de Diretor de Provas do Circuito Brasileiro de Kitesurf e, no final de 2008
assumiu a Presidência da ABK Associação Brasileira de Kitesurf com mandato para gestão
do biênio 2009-2010. A ABK é a entidade máxima representativa do kitesurf no Brasil,
reconhecida pela CBVM - Confederação Brasileira de Vela e Motor, por sua vez, vinculada ao
COB – Comitê Olímpico Brasileiro.
OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa consiste em discutir a evolução do kitesurf, considerado
um esporte radical, e mostrar o papel dos usuários – “lead users” – no desenvolvimento desse
novo esporte.
Como objetivos específicos têm-se:
1. Apresentar o entendimento do que significa o termo ‘esporte radical” e justificar a
intensificação de sua prática na modernidade tardia;
4
2. Definir o que é o kitesurf e como enquadrá-lo como modalidade esportiva;
3. Discorrer sobre a evolução das pipas, passando pelas pipas de tração até o
surgimento do kitesurf como uma nova modalidade utica da categoria dos
esportes radicais; e
4. Identificar o papel dos usuários líderes “lead users” - no desenvolvimento da pipa
de tração para utilização no kitesurf a partir de levantamento dos depósitos de
patentes realizado no Escritório Europeu de Patentes – EPO.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório de natureza qualitativa. Em decorrência da pouca
bibliografia acadêmica relacionada ao objeto de estudo, a experiência do autor como usuário e
praticante de kitesurf muito contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa.
Além da revisão bibliográfica que, devido a especificidade do tema, fez uso de
informações obtidas junto a revistas comerciais e sites na internet para complementar fontes
acadêmicas tradicionais de pesquisa como livros e artigos em periódicos científicos, foi feita
também uma pesquisa documental na base de patentes do Escritório Europeu de Patentes
(EPO – European Patent Office) a fim de recuperar documentos depositados e patentes
concedidas que estivessem relacionadas ao kitesurf de modo a auxiliar no entendimento da
das invenções que impactaram e permitiram a evolução do equipamento de kitesurf bem como
extrair outras informações que corroborassem a teoria da importância dos “leaders users” no
desenvolvimento desse esporte.
Pode-se dizer, portanto, que a pesquisa foi desenvolvida em duas fases distintas porém
complementares: a primeira fase em que foi feita a pesquisa bibliográfica tomando por base
artigos acadêmicos, revistas de kitesurf, sites especializados, entrevistas publicadas de
personalidades do esporte e de fóruns de praticantes de kitesurf; e a segunda fase
fundamentada na pesquisa de documentos patentários classificados com os códigos ECLA
B63B35/79W4B e B63B35/79W4B1, recuperados a partir da base de patentes da EPO, após
os devidos descartes.
5
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Esse trabalho encontra-se estruturado em 4 capítulos.
O primeiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica de conceitos básicos
relacionados à temática da inovação e de desenvolvimento de produto. Abrange ainda, os
diversos tipos de inovação, o processo de desenvolvimento de produtos e estratégias de
inovação e desenvolvimento de produtos. Na última parte apresenta-se uma revisão da
literatura focando a inovação e o desenvolvimento de produtos esportivos onde a inovação a
partir do usuário se faz presente e acontece de forma mais intensa que em outros segmentos
industriais.
O segundo capítulo aborda o surgimento do “esporte radical” como uma forma de
expressão na época atual, abrangendo a busca de respostas às questões existenciais,
passando pelo sentimento de individuação, isto é, o “self”. A partir de uma revisão bibliográfica
sobre o tema baseada em autores como SPINK, BECK, GUIDDENS e LE BRETTON, procura-
se entender o crescimento acelerado dos esportes radicais e as teorias sociais que formam o
arcabouço sobre o tema.
O terceiro capítulo detalha a metodologia empregada no presente trabalho que
caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, centrada no estudo de
caso do kitesurf. Ênfase especial é dada à estratégia de busca utilizada para a recuperação
dos documentos de desitos de patentes sobre kitesurf na base da EPO.
O quarto capítulo destina-se à apresentação do estudo de caso do kitesurf explicando o
que é o kitesurf, como é classificado e se enquadra como esporte radical, a evolução do
esporte desde sua origem nas pipas até os dias de hoje, e os resultados da pesquisa
patentária. O capítulo é finalizado com uma análise síntese em que o autor apresenta uma
breve reflxão sobre os resultados encontrados.
Seguem-se as conclusões, referências bibliográficas utilizadas e apêndices.
6
CAPÍTULO I: INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PRODUTO
Esse capítulo apresenta conceitos sicos relacionados às temáticas inovação e
desenvolvimento do produto importantes para a fundamentação teórica da presente
dissertação. Primeiramente são discutidos conceitos como descoberta, invenção, inovação,
inovação tecnológica e difusão. Segue-se uma dissertativa sobre os diversos tipos de
inovação. Na seência procura-se abordar o tradicional Processo de Desenvolvimento de
Produtos (PDP) em que a concepção, identificação de oportunidades e tomadas de decisão
partem das empresas que procuram estruturar e sistematizar seus processos de modo a
minimizar riscos e obter retorno financeiro. É essa abordagem que predomina na literatura
tratando-se de um processo que parte da empresa até chegar ao usuário.
Como na elaboração do trabalho foi feita uma pesquisa documental utilizando
documentos de depósitos de patentes como fonte de informação, optou-se pela inclusão de
uma seção em que se aborda as patentes e sua inserção no processo de inovação e
desenvolvimento do produto de modo a proporcionar uma melhor compreensão da importância
e significado do método de pesquisa utilizado. Finalizando o capítulo, é apresentada uma
revisão da literatura com foco mais direcionado ao objeto de estudo da dissertação, tratando
mais especificamente da inovação e do desenvolvimento de produtos esportivos, em que a
inovação a partir do usuário “leaders users” se faz presente e acontece de forma mais
intensa que em outros segmentos industriais.
I.1. INOVAÇÃO E CONCEITOS RELACIONADOS
Antes de se definir o conceito de inovação, faz-se necessário distinguí-lo de dois outros
importantes conceitos: descoberta e invenção. Neto (2003) diz que “descoberta é a revelação
de coisas ou fenômenos existentes na natureza”. a “invenção é algo inédito produzido pelo
Homem, independente de sua apropriação econômica ou utilidade prática”. Em outras
palavras, pode-se dizer que enquanto a descoberta restringe-se à percepção de algo ou de
alguma relação existente, mas da qual não se tinha conhecimento, a invenção envolve uma
atividade inventiva resultante da criatividade humana.
O conceito de invenção está relacionado, portanto, à criação de um processo, técnica
ou produto inédito. Para TIGRE (2006) a invenção pode ser divulgada na forma de artigos
técnicos ou científicos, registrada como uma patente, testada por meio de protótipos e plantas
piloto e, mesmo assim, não chegar ao mercado, com uma aplicação comercial efetiva. Sem a
efetiva aplicação prática, uma invenção não se transforma em inovação, ou seja, a principal
diferença entre invenção e a inovação reside pontualmente na sua relação com o uso.
7
‘A invenção pela sua origem caracteriza-se como uma criação intelectual, como o
resultado da atividade inventiva do espírito humano, pelo modo de sua realização
classifica-se como uma criação de ordem cnica e pelos seus fins constitui um
meio de satisfazer às exigências e necessidades práticas do homem’
(CERQUEIRA apud ABRANTES, 2005, p. 26).
FREIRE (2002), por sua vez, diz que inovação é o processo de criação e introdução de
algo novo na própria organização ou no mercado. SCHUMPETER (1942), renomado
economista que tratou da questão da inovação, sugeria que as inovações poderiam se verificar
de diversas formas: i) lançamento de novo produto ou melhoria em produtos existentes; ii)
novas formas de produção (inovação de processo) que normalmente têm impacto significativo
nos custos de produção; iii) abertura de novo mercado; iv) novas fontes de suprimento de
matéria prima; v) mudanças organizacionais. A inovação na indústria, portanto, abrange o
desenho, a produção e as ações de venda que fazem parte do marketing de um produto novo
ou melhorado de modo que envolva utilização de novos conhecimentos para oferecer os
produtos ou serviços novos que são desejados pelos consumidores(MONTAÑA, 2001, p. 45,
tradução livre). CLEMENTE (2007), baseando-se em CANTAMESSA (2004) e BURGELMAN,
CHRISTENSEN e WHEELWRIGHT (2004), destaca algumas diferenças conceituais entre as
três terminologias conforme ilustrado no Quadro I.1.
- Resultado de uma atividade científica;
- Tem por objetivo empurrar a fronteira do conhecimento,
principalmente relacionado às ciências humanas;
Descoberta
- A motivação é principalmente intelectual
- Resultado de uma atividade tecnológica;
- Tem por objetivo a resolução de um problema prático;
Invenção
- A motivação é principalmente técnica;
- Tem por objetivo a exploração comercial de uma invenção;
Inovação
- A motivação é ecomica
Fonte: Baseado em CANTAMESSA, 2004 & BURGELMAN, CHRISTENSEN e WHEELWRIGHT,
2004 apud CLEMENTE, 2007.
Quadro I.1 - Descoberta, Invenção, Inovação
Numa visão abrangente, a inovação deve ser observada como um dos protagonistas das
mudanças do sistema econômico. Na incessante tarefa de atingir maior lucratividade, as
empresas vêm sendo impulsionadas a uma intensa busca por novos produtos e serviços.
“O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista
decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou
transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a
empresa capitalista cria” (SCHUMPETER, 1942, p.83).
8
O conceito schumpeteriano de inovação é útil para tratar da gestão tecnológica e
organizacional, pois está mais diretamente focado na melhoria da competitividade de uma
empresa no mercado (TIGRE, 2006). CLEMENTE (2005) diz que a visão schumpeteriana cria
uma ruptura ao apresentar a noção de capitalismo como um processo dinâmico em detrimento
a uma visão estática que pressupunha equilíbrio, visão essa defendida pelas escolas clássicas
e neoclássicas. Outros pontos de ruptura, segundo o autor, são o caráter endógeno da
mudança causado pela busca por diferenciação como meio de atingir vantagens competitivas e
o papel da inovação, percebida de forma ampla, como principal fator gerador de diversidade e,
portanto, força motriz elementar dessa dinâmica.
Drucker é outro autor que atribui grande importância à inovação conforme palavras a
seguir: ‘Inovação é um termo ecomico social. O critério não é ciência e tecnologia, mas uma
mudança no ambiente social e econômico. É uma mudança no comportamento das pessoas,
como consumidores e produtores’ (DRUCKER, 1974 apud MEIRA, 2005).
PORTER (1989), por sua vez, também considera a inovação em uma perspectiva
ampla. Neste sentido deve-se assumir a inovação em uma empresa o apenas sobre as
inovações com base tecnológica, mas também as de qualquer outro tipo, como inovações em
marketing, distribuição, em processos administrativos e organizacionais que permitam à
empresa garantir suas vantagens competitivas. A inovação é toda forma nova de fazer coisas
na empresa com orientação à comercialização. O essencial no processo de inovação dentro de
uma empresa é que ele não pode ser dissociado do seu contexto estratégico e competitivo.
Reforçando a afirmativa de orientação à comercialização, verifica-se que a inovação
encontra-se fortemente presente nos princípios de marketing, conforme colocado por KOTLER
e ARMSTRONG (1998):
“O princípio da inovação. O sistema de marketing estimula a inovação autêntica
para reduzir os custos de produção e distribuição e para desenvolver novos
produtos que atendam às necessidades dos consumidores, em constante
mudança. Muitas inovações são, na realidade, imitações de outras marcas, com
uma ligeira diferença para promover suas vendas. O consumidor pode deparar-se
com dez marcas semelhantes em uma classe de produto. Mas o sistema de
marketing efetivo estimula a inovação verdadeira e a diferenciação dos produtos
para atender aos desejos dos diferentes segmentos do mercado (KOTLER &
ARMSTRONG, 1998, p.486).
Restringindo o conceito de inovação às chamadas inovações tecnológicas, tem-se que,
de acordo com o Manual de Oslo (OCDE, 1997), essas o definidas como o lançamento de
novos produtos ou processos ou a introdução de mudanças significativas em produtos ou
9
processos existentes. Inovações tecnológicas envolvem, por sua vez, o complexo conceito de
Tecnologia.
Para BURGELMAN, CHRISTENSEN e WHEELWRIGHT (2004 apud CLEMENTE, 2007,
p.6) Tecnologia refere-se ao conhecimento teórico e prático, habilidades e artefatos que
podem ser usados para desenvolver produtos e serviços, assim como seus sistemas
produtivos. Pode estar embarcada nas pessoas, equipamentos e ferramentas”. FREIRE (2002,
p.24) define tecnologia como “um conjunto de conhecimentos utilizados na criação de algo”.
Ao abordar conceitos de mudança tecnológica, TIGRE (2007) diz que a primeira
distinção conceitual costumeiramente realizada trata de diferenciar tecnologia de técnicas: “A
tecnologia pode ser definida como o conhecimento sobre técnicas, enquanto as técnicas
envolvem aplicações desse conhecimento em produtos, processos e métodos organizacionais”
(TIGRE, 2006, p.72). Para SANTOS (2003 apud TIGRE, 2007, p.72), “não há inovação sem
invenção, assim como nãocnicas sem tecnologia”.
ainda outro termo relacionado à inovação que merece ser destacado: o conceito de
difusão. Entende-se como difusão o processo de “disseminação das inovações através da sua
adoção pelos usuários e da extensão do seu uso inovador”. Ou seja, se o conceito de inovação
envolve o resultado econômico, é através da difusão que esse resultado é alcançado
(VEDOVELLO, 2000).
I.2. TIPOS DE INOVAÇÃO
As mudanças tecnológicas são frequentemente diferenciadas por seu grau de inovação
e pela dimensão da mudança em relação ao status quo anterior. Segundo a sua categoria
evolutiva, as inovações podem ser caracterizadas em: i) Inovação incremental; ii) Inovação
distintiva e, iii) Inovação revolucionária. A inovação incremental é percebida como pequenas
melhoria dos processos, produtos ou serviços da empresa. A inovação distintiva é identificada
como uma melhoria significativa dos processos, produtos ou serviços da empresa, porém
mantendo-se a mesma atual base tecnológica. E, por último, a inovação revolucionária
representa uma melhoria significativa ou desenvolvimento de novos processos, produtos ou
serviços na empresa, com a utilização de bases tecnológicas diferentes. Uma inovação
revolucionária leva usualmente a muitas inovações distintivas e incrementais (FREIRE, 2002).
“Por exemplo, a partir da criação original da luz incandescente (inovação
revolucionária), foram desenvolvidos, entre outros, filamentos de metal e lâmpadas
10
com gás (inovação distintivas), e, com o tempo, registraram-se rios
aperfeiçoamentos no fabrico das lâmpadas, por forma a torná-las cada vez mais
duráveis e econômicas (inovações incrementais)” (FREIRE, 2002, p.26).
Ainda seguindo essa classificação relacionada ao grau de inovação, vale mencionar
que a inovação distintiva ainda pode ser subdividida em inovação distintiva modular da
inovação distintiva arquitetural. Enquanto a inovação modular altera os componentes e
mantém a arquitetura vigente, a inovação arquitetural apresenta uma nova combinação dos
mesmos componentes (FREIRE, 2002).
FREEMAN (1997 apud TIGRE, 2006) apresenta outra taxonomia das mudanças
tecnológicas classificando as inovações em: inovações incrementais, inovações radicais,
mudanças no sistema tecnológico e mudanças no paradigma técnico-econômico (Quadro I.2).
Tipo de Mudança Características
Incremental
Melhoramentos e mudanças cotidianas.
Radical
Saltos descontínuos na tecnologia de produtos e
processos.
Novo sistema tecnológico
Mudanças abrangentes que afetam mais de um setor e
dão origem a novas atividades econômicas.
Novo paradigma tecno-econômico
Mudanças que afetam toda a economia envolvendo
mudanças técnicas e organizacionais, alterando produtos
e processos, criando novas indústrias e estabelecendo
trajetórias de inovações por várias décadas.
Fonte: TIGRE, 2006, p. 74.
Quadro I.2 – Taxonomia das mudanças tecnológicas
A faixa mais progressiva e sica das mudanças tecnológicas situa-se nas inovações
incrementais. Estas inovações alcançam melhorias feitas no design ou na qualidade dos
produtos, aperfeiçoamento em layout e processos, novas configurações logísticas e
organizacionais e novas práticas de suprimento e vendas. As inovações incrementais ocorrem
de forma contínua em qualquer indústria e não são oriundas exclusivamente de resultados em
Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) sendo oriundas, mais costumeiramente, do processo do
aprendizado interno e da capacitação acumulada (TIGRE, 2006). Conceitualmente, a inovação
incremental colocada por Freeman aproxima-se muito da inovação incremental apresentada
por FREIRE (2002).
Em outro patamar encontra-se a chamada inovação radical que representa uma
mudança tecnológica radical levando à ruptura das trajetórias tecnológicas existentes e
iniciando uma nova direção tecnológica. A inovação radical assemelha-se, portanto, à
denominada inovação revolucionária anteriormente definida. Uma inovação radical geralmente
é resultado de atividades em P&D e possui uma caractestica de descontinuidade no tempo e
11
no espaço. A inovação radical interrompe os perímetros da inovação incremental e traz em seu
bojo um salto de produtividade estabelecendo uma nova trajetória tecnológica incremental
(TIGRE, 2006). A Figura I.1 ilustra as trajetórias dessas chamadas inovações incrementais e
radicais.
Fonte: TIGRE, 2006, p.75
Figura I.1 – Trajetórias de inovações incrementais e radicais em processos
Pode-se dizer que o próximo estágio da evolução que ocorre a partir das inovações, é o
das mudanças no sistema tecnológico. Neste estágio, um setor ou um grupo de setores é
modificado pelo surgimento de um novo campo tecnológico. Estas inovações alteram o formato
organizacional não somente no interior da empresa como no mercado inteiro. A internet é
considerada uma mudança no sistema tecnológico pois sua difusão vem alterando as formas
de comunicação e originando novos domínios de atividade econômica (TIGRE, 2006).
Já as mudanças no paradigma técnico-econômico abrangem não somente os aspectos
tecnológicos, mas também as mudanças no tecido social e econômico. Uma mudança de
paradigma atua na raiz de diversos campos tecnológicos, afetando a quase todos os ramos da
economia. A máquina a vapor, a eletricidade e a microeletrônica o exemplos deste tipo de
mudança. Para ser considerado efetivamente o embrião de um novo paradigma, uma nova
tecnologia deve ser constituída das seguintes características: i) custos baixos com tenncias
declinantes: apenas reduções de custos podem promover mudanças no comportamento das
pessoas; ii) Oferta aparentemente ilimitada: um novo paradigma tecnológico deve mostrar
capacidade de sustentabilidade ao longo de grandes períodos, ou melhor, indefinidamente; iii)
Potencial de difusão em muitos setores e processos: um novo fator-chave deve ser
Produtividade
Tempo
Inovação
radical
Inovação
incremental
12
potencialmente aplicável em termos globais. A microeletrônica assumiu bem esta função nos
dias de hoje, pois permitiu sua aplicação em inovações em praticamente todos os setores de
atividade econômicas e sociais (TIGRE, 2006).
Na literatura sobre inovação encontra-se também a chamada inovação disruptiva
apresentada por CHRISTENSEN (1995 apud CLEMENTE, 2006). A Figura I.2 apresenta de
forma esquemática o modelo de inovação disruptiva.
Fonte: CHRISTENSEN, 1995 apud CLEMENTE, 2006.
Figura I.2 – Modelo de Inovação Disruptiva
O modelo de inovação disruptiva apresenta três elementos críticos para sua
compreensão, quais sejam (CLEMENTE, 2006):
Existe uma espécie de banda em todo mercado que representa uma taxa de
melhorias que os clientes podem absorver. O espaço entre as duas linhas da banda
inclui as demandas dos clientes mais e menos exigentes.
Uma outra rota distinta é realizada pelas empresas inovadoras ao introduzir novos e
melhorados produtos. Nesta nova trajetória de desempenho estas empresas
normalmente ultrapassam a capacidade de absorção dos clientes.
O terceiro elemento é a distinção entre inovação sustentadora e disruptiva.
Uma inovação sustentadora tem como foco os clientes mais exigentes, retornando mais
performance do que a já existente. A inovação sustentadora favorece as empresas líderes, que
geralmente são vitoriosas nesta trajetória. a inovação disruptiva interrompe a trajetória da
inovação sustentadora pela inserção de produtos que não são tão bons quantos os existentes,
13
mas que mostram outras vantagens como simplicidade, conveniência e custos menores, que
são pontos bem avaliados por clientes novos ou menos exigentes.
De acordo com a teoria, as inovações disruptivas podem ser consideradas de dois tipos:
de baixo mercado e de novo mercado. A de baixo mercado se quando os produtos o
“muito bons” mas com preço superestimado em relação ao poder aquisitivo do consumidor. A
de novo mercado se verifica quando as características dos produtos existentes limitam o
número de consumidores potenciais ou em situações onde o consumo ocorre de forma
inconveniente e centralizada (CHRISTENSEN, ANTHONY E ROTH, 2007).
Aspecto interessante a ser destacado neste processo de disrupção é a mudança que
pode provocar no mercado. Na introdução da inovação disruptiva uma empresa entrante pode
ganhar forças e desenvolver seu produto ou serviço comparável em performance com outras
empresas líderes do setor. Ao equiparar-se em performance, e ainda com preços melhores
que os concorrentes, estas empresas acabam por atrair os clientes para este novo produto,
surpreendendo as empresas titulares e deixando-as alienadas do mercado. Neste momento
delicado, a reação das empresas titulares torna-se muito complicada, pois toda a trajetória por
ela percorrida e sua estrutura de custos, valores e outros, o conferem a organização uma
ágil mudança de rumo para a nova trajetória vigente (CLEMENTE, 2006).
Outra forma de se classificar a inovação diz respeito à inovação de produto e de
processo. Uma inovação de produto é uma nova tecnologia ou a combinação de tecnologias
introduzidas comercialmente para encontrar um blico consumidor ou uma necessidade de
mercado. ABERNATHY e UTTERBACK (1975) explicam que a idéia subjacente no modelo de
inovação de produto é que os produtos irão desenvolver-se ao longo do tempo de uma forma
previsível inicialmente com maior ênfase na performance, em um segundo estágio com ênfase
na variedade de produto e, por último, com enfoque em padronização e custo.
Por sua vez, processo de produção é o sistema de equipamentos, o-de-obra,
especificação de tarefas, insumos, trabalho, fluxo de informação, etc. que estão empregados
para produzir um produto ou serviço. Ainda segundo ABERNATHY e UTTERBACK (1975),
como no caso da inovação de produto, a idéia subjacente à proposta de modelo de
desenvolvimento do processo é que a inovação de processo desenvolve-se ao longo do tempo
em direção a uma melhoria dos níveis de produtividade, alterando significativamente o nível de
qualidade do produto ou dos custos de produção e entrega.
14
A dinâmica temporal das inovações de processo e de produto ou serviço tendem,
portanto, a serem distintas. O padrão dos estágios de desenvolvimento e inovação deve ser
concebido conforme mostrado na Figura I.3. As mudanças no grau da inovação são verificadas
no eixo vertical e relacionadas com o estágio do desenvolvimento do produto e processo no
eixo horizontal.
Fonte: ABERNATHY e UTTERBACK , 1975.
Figura I.3 - Dinâmica Temporal das inovações de Processo e de Produto ou Serviço
Na intenção de explorar uma nova oportunidade de mercado, é criado primeiro um novo
produto ou serviço baseado em processos disponíveis. No estágio inicial o movimento
prossegue em aprimoramentos no produto com altas taxas de inovação de produto. Enquanto
isso, a inovação de processo é aperfeiçoada pela introdução de novas tecnologias de produção
com taxas de inovação ascendentes. no estágio final, o enfoque é direcionado para a
redução nos custos, seja no produto ou no serviço.
Tem-se assim que a busca constante pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento de
novos produtos levam as empresas a investirem em seus processos de desenvolvimento de
produtos buscando minimizar riscos e aumentar a qualidade e competitividade de seus
negócios. Afinal, conforme CLARK E FUJIMOTO (1991 apud AVELAR E SOUZA, 2005), a
atual competição industrial, que tem um de seus focos no processo de desenvolvimento de
produtos, leva em consideração três forças que surgiram nas empresas nas duas ultimas
décadas: a acirrada competição internacional decorrente do processo de globalização; a
existência de consumidores mais sofisticados e exigentes oriunda da fragmentação dos
mercados; e constantes e rápidas mudanças na tecnologia. Foram essas três forças
combinadas que levaram o processo de desenvolvimento de produtos ao centro do jogo de
competição entre as empresas.
15
I.3. PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS
O Processo de Desenvolvimento de Produtos (PDP) apresenta diversas definições na
literatura tais como as que se seguem e que foram extraídas do site do Núcleo de Manufatura
AvançadaNUMA (2008) da USP:
"é o processo a partir do qual informações sobre o mercado são transformadas nas
informações e bens necessários para a produção de um produto com fins
comerciais" CLARK & FUJIMOTO (1991).
“a atividade sistemática necessária desde a identificação do
mercado/necessidades dos usuários até a venda de produtos capazes de
satisfazer estas necessidades uma atividade que engloba produto, processos,
pessoas e organização”. Total Design de PUGH (1990, p.5).
"processo de negócio compreendendo desde a idéia inicial e levantamento de
informações do mercado até a homologação final do produto e processo e
transmissão das informações sobre o projeto e o produto para todas as áreas
funcionais da empresa" GRUPO DE ENGENHARIA INTEGRADA.
Conforme dito anteriormente, em razão de um maior nível de exigência por parte dos
consumidores, das rápidas mudanças tecnológicas e do aumento da concorrência, as
empresas se em impelidas a desenvolver um fluxo contínuo de novos produtos ou serviços.
Novos produtos podem ser alcançados de duas formas: ou por intermédio de uma aquisição,
comprando uma empresa inteira, uma patente, ou uma licença para fabricar o produto de
alguém; ou através de desenvolvimento de um novo produto no interior do departamento de
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da própria empresa. Como os custos de introdução e
desenvolvimento de novos produtos envolvem riscos e custos elevados, empresas têm optado
por comprar marcas existentes em vez de criarem novas marcas. Outras, para economizar
recursos, recorrem à pia de marcas dos concorrentes ou reativam marcas antigas (KOTLER
e ARMSTRONG, 1998).
Mas o que vem a ser um produto? E um produto novo? Produto é qualquer coisa que
possa ser oferecida ao mercado para atenção, aquisição, uso ou consumo, e que possa
atender um desejo ou uma necessidade. Os produtos vão além de bens tangíveis. Num sentido
abrangente produtos dizem respeito a objetos físicos, serviços, pessoas, locais, organizações,
idéias ou combinações destes elementos. Já novos produtos o produtos inéditos, produtos
aprimorados, produtos modificados e novas marcas que a empresa desenvolve através de seu
próprio trabalho de pesquisa e desenvolvimento (KOTLER e ARMSTRONG, 1998). Outra
definição de produto novo é dada a seguir:
16
“Produto tecnologicamente novo (ou substancialmente aprimorado) É um produto
(bem ou serviços) cujas características fundamentais, como suas especificações
técnicas, usos pretendidos, software ou outro componente imaterial incorporado,
diferem significativamente de todos os produtos previamente produzidos pela
empresa(IPEA, 2005, p. 63).
O desenvolvimento de novos produtos envolve riscos decorrentes da incerteza de sua
aceitação pelo mercado. Nesse sentido, BAXTER (1998, p.2) diz que o segredo de uma
inovação bem sucedida é a gerência do risco. Conforme relata o autor em seu livro, “de uma
forma geral, de cada 10 idéias sobre novos produtos, três serão desenvolvidas; 1,3 serão
lançadas no mercado; e apenas uma será lucrativa”.
Essa afirmativa é reforçada por KOTLER e ARMSTRONG (1998) que mencionam
estudos que apresentam estimativas de que novos bens de consumo carregam uma margem
de fracasso de 80%. Os autores fazem menção ainda à outra pesquisa que mostra que 33%
dos novos produtos industriais fracassam no lançamento. BAXTER (1998) ressalta, entretanto,
que estes números podem variar conforme os diferentes entendimentos sobre a definição do
que seja um novo produto e do que se constitui um sucesso.
Pode-se dizer que o processo de desenvolvimento de um novo produto é na essência
um processo de tomada de decisões. BAXTER (1998) propõe a utilização de um modelo
esquemático para a redução de incertezas ao longo desse processo. O autor apresenta um
diagrama chamado de funil de decisões como forma de visualização das seis etapas do
desenvolvimento do novo produto. No funil de decisões as formas coloridas representam as
alternativas possíveis, e as formas vazadas e arredondadas representam as decisões, durante
a seleção de alternativas, conforme ilustrado na Figura I.4.
17
Fonte: BAXTER, 1998, p. 9.
Figura I.4 - Funil de decisões, mostrando o processo convergente da tomada de decisões, com
a redução progressiva dos riscos.
De modo genérico e sucinto, as atividades para o desenvolvimento de um produto
relativamente simples podem ser divididas em quatro etapas (BAXTER, 1998):
1. Exploração de algumas idéias para um primeiro teste de mercado, sendo o produto
apresentado na forma de um simples desenho de apresentação, para ser mostrado a
um pequenomero de potenciais consumidores ou vendedores
2. Etapa onde se inclui a especificação da oportunidade (compromisso comercial) e a
especificação do projeto, para então voltar-se para o projeto conceitual a fim de
selecionar o melhor conceito;
3. Fase em que o conceito selecionado é submetido a um segundo teste de mercado, a
partir do qual deverão ser iniciadas as atividades de configuração do produto. Nessa
é comum descobrir alternativas de projeto que não foram consideradas
anteriormente, ou promover alguma mudança técnica, envolvendo materiais e
processos de fabricação; e
4. É quando são feitos os desenhos detalhados do produto e seus componentes,
desenhos para fabricação e construção do protótipo o qual, sendo aprovado, encerra-
se o processo de desenvolvimento do produto estando este para ser fabricado e
lançado no mercado.
TODAS AS OPORTUNIDADES DE INOVAÇÃO POSSÍVEIS
INOVAR: SIM OU O?
TODOS OS PRODUTOS POSSÍVEIS
TODOS OS CONCEITOS POSSÍVEIS
TODAS AS CONFIGURAÇÕES POSSÍVEIS
ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS
MELHOR OPORTUNIDADE DE NEGÓCIOS
MELHOR OPORTUNIDADE DO PRODUTO
MELHOR CONCEITO
MELHOR CONFIGURAÇÃO
TODOS OS DETALHES POSSÍVEIS
PROTÓTIPO
NOVO PRODUTO
BAIXO RISCO, MÍNIMA INCERTEZA
ALTO RISCO, GRANDE INCERTEZA
18
A Figura I.5 apresenta as atividades de projeto nas diferentes etapas do
desenvolvimento do produto:
Fonte: BAXTER, 2000. p.16
Figura I.5. Atividades do desenvolvimento de produto
KOTLER e ARMSTRONG (1998), por sua vez, ao esquematizarem o processo de
desenvolvimento de produtos estabelecem oito grandes etapas, a saber: i) geração de idéias;
ii) seleção de idéias; iii) desenvolvimento e teste do conceito; iv) estratégia de marketing; v)
análise comercial; vi) desenvolvimento do produto; vii) teste de marketing; e viii)
comercialização.
FREIRE (2002) apresenta um projeto de inovação composto por um ciclo de seis
fases que incluem: i) detecção de oportunidades; ii) a geração de idéias; iii) o desenvolvimento
das idéias selecionadas; iv) o teste de protótipos; v) a introdução do novo produto, serviço ou
processo e, por último; vi) a difusão no mercado.
19
Conforme BAXTER (1998), alguns autores que apresentam esquemas semelhantes
preferem desdobrá-los em mais etapas, enquanto outros os preferem mais simplificados. Para
o autor, o importante o é definição precisa de cada etapa, o que ela contém, onde ela
termina, onde ela começa. O mais importante é compreender que no processo de tomada de
decisão hierarquizada os riscos de fracasso do novo produto o minimizados
progressivamente.
Muitas críticas, entretanto, o feitas à divisão do projeto em etapas. A argumentação
freqüente é que o processo na prática não segue uma seqüência linear. FREIRE (2002)
inclusive dispõe alguns modelos de dinâmica das fases, os quais a empresa pode gerir seu
ciclo de inovações. A idéia central desses modelos é a necessidade da empresa adaptar o
modelo de gestão de inovação à dimensão da empresa. O autor propõe quatro modelos, a
saber: seqüencial, sobreposto e caótico da gestão do ciclo de inovação.
Modelo seqüencial: a fase subseqüente somente inicia quando a fase anterior
termina. Se por um lado impõe disciplina e método, por outro este modelo introduz
certa rigidez e alonga excessivamente o processo.
Modelo sobreposto: há sobreposição da parte final de cada fase com a parte inicial
da fase seguinte visando facilitar a concentração de esforços e acelerar a transição
entre as diferentes fases do ciclo de inovação.
Modelo integrado: coloca a responsabilidade global pela gestão do ciclo de inovação
a uma única equipe. Este modelo visa a integração de esforços no cerne do projeto,
reunindo membros de diversos departamentos e promovendo uma maior
responsabilidade e aprendizagem organizacional.
Modelo caótico – Quando não existe visão estruturada da gestão da inovação. Neste
modelo as iniciativas o seguem um ordenamento seqüencial, apresentando uma
configuração variável de projeto para projeto. O sucesso da inovação depende de
fatores externos a organização, como receptividade do mercado e ou a reação da
concorrência, que por sua vez limita o processo de acumulação de experiência em
projetos futuros.
BAXTER (1998) argumenta que as idéias surgem aleatoriamente, não sendo possível
delimitá-las em etapas pré-definidas. Um diagrama representando essa atividade deveria ser
cheia de espirais, representando as realimentações. Entretanto, ele defende o diagrama como
20
forma de ordenar o processo: o funil de decisões o procura representar esta complexidade
do processo criativo, mas apenas alertar para as principais alternativas e decisões a serem
tomadas ao longo do processo” (BAXTER, 1998, p.14).
MONTAÑA (2001) também é de opinião de que o processo o se produz de forma
linear e é, na realidade, bastante complexo, mas que o primeiro passo é sempre uma idéia
baseada em uma procura real ou potencial de mercado ou em uma possibilidade técnica. Se
estes conhecimentos não forem suficientes e disponíveis investe-se, então, em um processo de
avaliação mais estruturado. Essa fase geralmente leva à construção de protótipos ou de uma
planta piloto que, caso dêem os resultados esperados, permitirá à empresa aprofundar mais os
aspectos de concepção, produção e comercialização até introduzir o produto no mercado. Este
processo deve ser conduzido com a aproximação entre a área técnica e os profissionais de
marketing.
Depois do lançamento de um produto espera-se obter um retorno que possa cobrir os
esforços e riscos investidos no seu desenvolvimento bem como gerar lucros antes do rmino
do ciclo de vida do produto. O ciclo de vida de um produto, conforme mostrado na Figura I.6,
divide-se em cinco estágios: desenvolvimento, introdução, crescimento, maturidade e declínio
(KOTLER e ARMSTRONG,1998):
1. Desenvolvimento do produto - inicia quando a empresa encontra e desenvolve a
idéia de um produto novo. Neste período o vendas e os custos dos
investimentos são crescentes;
2. Introdução período de lento crescimento das vendas a medida que o produto é
introduzido no mercado. Neste período os lucros são inexistentes devido aos altos
custos de introdução do produto no mercado.
3. Crescimento período de rápida aceitação do produto no mercado e de lucros
crescentes.
4. Maturidade uma diminuição do crescimento das vendas, pois o produto
encontrou grande parte de seus compradores em potencial. Neste período o nível
do lucro se estabiliza ou declina devido aos intensos gastos com marketing para
defender o produto dos concorrentes.
5. Declínio – período em que as vendas e os lucros caem.
2
1
Fonte: KOTLER e ARMSTRONG, 1998, p. 224.
Figura I.6 - Vendas e lucros durante a vida de um produto, da concepção ao abandono.
Porter (1986) diz que as fases do ciclo de vida de um produto correspondem a
determinado perfil de comportamento do comprador conforme ilustrado no Quadro I.3.
Fonte: PORTER (1986)
Quadro I.3. Perfil dos compradores e do comportamento do comprador.
Pode-se fazer um paralelo entre o ciclo de vida de um produto com as fases do
processo de inovação descritas por LOLIER (1999): fase fluida, fase de transição e fase
sistêmica. Resumidamente estas fases o assim caracterizadas: i) a fase fluida refere-se ao
nascimento da indústria. As necessidades dos consumidores o ainda mal atendidas. Ocorre
Tempo
Despesas
Investimentos ($)
0
Estágio de
desenvol-
vimento do
produto
Introdução Crescimento Maturidade Declínio
Vendas e
lucros ($)
Vendas
Lucros
22
uma procura de melhores soluções a serem direcionadas para este mercado, as empresas
multiplicam as inovações de produto, sem entanto preocupar-se prioritariamente em melhorar
os processos industriais; ii) na fase de transição, posterior a fase fluida, as firmas se orientam
para a escolha de cnicas comuns e caminham para uma configuração padrão de produto
hegemônico: “Nessa fase costumam ocorrer guerras de padrões aque umas poucas rotas
tecnológicas consolidem na indústria” (TIGRE, 2006, p. 78). As inovações concernentes ao
processo de produção irão se multiplicar, visto que os esforços ocasionam um aumento dos
volumes fabricados e consequentemente custos de produção mais baixos. uma
especialização crescente das ferramentas de produção; e iii) na última etapa, chamada de fase
sistêmica, a rentabilidade e amortização dos investimentos industriais realizados tornam-se as
prioridades. Com a definição de uma trajetória tecnológica os custos de mudança de processo
de fabricação tornam-se proibitivos e as empresas tendem a se enrijecer e cessar sua
capacidade de inovação.
MONTANA (2001) diz que o três as dimensões que determinam a estratégia de
inovação das empresas. Em primeiro lugar estão as buscas por novas tecnologias detectadas
na fase do mapeamento das oportunidades. A permanente pesquisa do ambiente em busca de
novas tecnologias como a identificação de novos segmentos ou necessidades de mercado
orientaas direções estratégias das inovações na empresa com a fixação de prioridades. A
segunda dimensão diz respeito à base tecnológica atual da empresa. O conhecimento gira em
torno de sua experiência prática, do que ela sabe fazer bem e que lhe confere diferencial por
sua competência na área. As empresas devem explorar ao máximo estes conhecimentos
atuais e aproveitar todo rendimento possível, porém sem deixar de gerar novos conhecimentos.
A última dimensão, da estratégia geral do negócio, é responsável por pontuar a orientação das
estratégias de inovação. Unir o desenvolvimento das capacidades tecnológicas com as
oportunidades tanto tecnológicas como de mercado e ainda com as de desenvolvimento geral
da empresa é o aspecto chave da estratégia da inovação.
I.4. PATENTES NO PROCESSO DE INOVAÇÃO
Verifica-se que, na literatura referente ao desenvolvimento de produto, a questão da
propriedade intelectual, ou seja, a proteção legal não é abordada quando se tenta definir, por
exemplo, etapas do processo de desenvolvimento de um produto. Amesmo na literatura de
inovação pouco se fala sobre a importância e o papel da propriedade intelectual nesse
processo.
23
Primeiramente é preciso entender o que significa propriedade intelectual. A Propriedade
Intelectual pode ser entendida como um onjunto de direitos direitos de propriedade que
incidem sobre as obras da criação humana sejam invenções, obras literárias, obras artísticas,
nomes e imagens utilizadas no comério etc.
A propriedade intelectual abrange a chamada propriedade industrial, direitos de autor e
conexos, registro de softwares e as chamadas proteções sui generis que contemplam
topografia de circuitos integrados, proteção de cultivares e os conhecimentos tradicionais. A
propriedade industrial, por sua vez, abrange patentes, desenho industrial, marcas e indicações
geográficas.
Uma patente configura-se como um título de propriedade temporário conferido pelo
Estado ao inventor ou pessoa legitimada que confere a seu titular o direito de excluir terceiros
de atos (produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar) relativos à matéria protegida seja
em relação a produto objeto de patente seja em relação a produto ou processo obtido
diretamente por meio de processo patente do (BRASIL, 1996).
Como contrapartida ao direito conferido, faz-se necessário a revelação do conteúdo
técnico da matéria protegida pela patente como forma de alavancar o conhecimento e o
desenvolvimento tecnológico.
Para que haja a concessão de uma patente de invenção ou de modelo de utilidade é
necessário que essa atenda a três requisitos: i) aplicabilidade industrial, o que significa dizer
que a invenção ou modelo de utilidade é capaz de ser produzido ou utilizado em qualquer tipo
de indústria, isto é, ele precisa ter aplicação industrial; ii) novidade, a invenção ou modelo de
utilidade precisa ser inédita, para isto não pode estar compreendida no estado da técnica antes
da data do desito do pedido de patente. Em outras palavras,o tenham sido acessíveis ao
público por descrição escrita ou oral, por uso, nem qualquer outro meio, no Brasil e no exterior;
e iii) atividade inventiva, no caso de invenção, ou ato inventivo, no caso de modelo de utilidade.
Para ser considerada uma atividade inventiva a patente o deve decorrer de uma forma
evidente ou óbvia do estado da técnica. para o modelo de utilidade é aceito ato inventivo
quando não for decorrente de maneira comum ou vulgar do estado da técnica. (JANUZZI,
AMORIM, SOUZA, 2007; BRASIL, 1996).
As patentes podem ser usadas para que uma empresa crie um portfolio com os
seguintes objetivos estratégicos: proteção contra a concorrência; liberdade de design;
estabelecimento de alianças e joint ventures; e ainda, para evitar litígio judicial (SULIVAN e
24
DANIELLE, 1996 apud JANUZZI, AMORIM, SOUZA, 2007). Assim, conforme a estratégia da
empresa ela pode:
Patentear descobertas com uma aplicação imediata em produtos e processos;
Patentear tudo que tenha sucesso comercial e possa ser licenciado a outros;
Desenvolver grupos de patentes que tragam uma posição proprietária no futuro;
Patentear com vista à formação de um portfólio que possa ser negociado com outras
empresas;
Patentear apenas descobertas ocasionais e excepcionais a nível técnico e comercial;
Não patentear; e
Publicar a maior parte do que não é patenteado para garantir a liberdade de design.
O documento de patente é constituído dos seguintes elementos: folha de rosto;
relatórios descritivos; desenhos (se houver); reivindicações; e resumo. Na folha de rosto de um
documento de patente podemos obter informações bibliográficas tais como: título da patente e
a natureza do documento; nome do inventor e do titular da patente; país de prioridade; países
de depósitos; e países designados; códigos da Classificação Internacional de Patentes; e o
resumo, que descreve o conteúdo informacional cnico da patente. No relatório descritivo é
feita a descrição do objeto da invenção, que deve ser de forma a possibilitar que qualquer
técnico no assunto possa ser capaz de reproduzi-la. A abrangência das reivindicações
situadas no relatório descritivo é que concedem as extensões da propriedade garantida pela
patente (BATAGLIA, 1999; JANUZZI et al., 2005 apud JANUZZI, AMORIM, SOUZA, 2007).
Assim sendo, considerando-se o teor do conteúdo de um documento de patente, tem-se
que o sistema patentário não representa apenas uma forma de proteção, mas também um
vasto acervo de informação tecnológica. A alise da documentação patentária em um
determinado ramo de interesse permite ao usuário conhecer os rumos que determinado ramo
tecnológico está seguindo, e se assim desejar antecipar-se aos seus concorrentes no que
tange às decisões de suas inovações. Além disso, viabiliza o monitoramento da progressão
técnico-científica e mercadológica dos concorrentes, bem como a identificação de nichos de
mercado que possam ser explorados sem violar os direitos de propriedade industrial de
terceiros. Permite ainda, que a empresa saiba o que está em domínio público ou o período
que resta para o término de uma determinada patente, evitando gastos em investimentos
desnecessários em P&D (JANUZZI, AMORIM, SOUZA, 2007).
As patentes assim como marcas, desenhos industriais, direitos autorais etc.
compõem o ativo intangível de uma organização fazendo parte do chamado ativos de
25
propriedade intelectual que constituem uma das quatro categorias de capital intelectual
juntamente com ativos de mercado, ativos humanos e ativos de infra-estrutura (BROOKING,
1996 apud ANTUNES & MARTINS, 2002).
BUAINAIN & CARVALHO (2000, p.146) reforçam a importância do capital intelectual ao
escreverem que a “intensidade do desenvolvimento científico e tecnológico, a redução
dramática do tempo requerido para o desenvolvimento tecnológico e incorporação dos
resultados ao processo produtivo; a redução do ciclo de vida dos produtos no mercado; a
elevação dos custos de pesquisa e desenvolvimento e dos riscos implícitos na opção
tecnológica, tudo isto criou uma instabilidade que aumenta a importância da proteção à
propriedade intelectual como mecanismo de garantia dos direitos e de estímulo aos
investimentos”.
Observa-se, portanto, que propriedade intelectual é temática diretamente relacionada à
inovação e que a preocupação com a proteção dos direitos de propriedade deve estar presente
dentro desse processo. A Figura I.7 mostra um esquema das etapas envolvidas em um
processo de inovação com a fase de proteção aparecendo como um dos elos da cadeia
inovativa.
Fonte: Souza, 2006
Figura I.7 – Etapas do Processo de Inovação
GERAÇÃO
PROTEÇÃO
NEGOCIAÇÃO
COMERCIALIZAÇÃO
DIFUSÃO
ETAPAS DO PROCESSO DE INOVAÇÃO
26
I.5. O USUÁRIO NA INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS ESPORTIVOS
Na literatura observa-se grande interesse por parte de pesquisadores em tentar
compreender e identificar as origens dos processos que levam às inovações. Existem
evidências empíricas de que essas podem surgir a partir daqueles que detêm algum tipo de
relacionamento funcional com o objeto da inovação como fabricantes, usuários e fornecedores
de materiais uma vez que significativa porcentagem das inovações de uma indústria é
originada em requisitos e necessidades concretas desses atores.
Porém, diferentemente da tradicional perspectiva da inovação ocorrendo a partir da
empresa até alcançar o usuário numa direção descendente, mesmo que observados seus
requisitos e necessidades, observa-se muitas vezes a ocorrência de um processo inverso.
Nesse contexto alguns estudos recentes indicam existir intensa atividade de inovação pelo lado
do usuário, ou seja, é a partir do usuário (e não das empresas) que surgem a idéias e os
conceitos que irão gerar as inovações (LUTHJE, 2004). Como exemplos têm-se usuários que
tornaram-se inventores de protótipos confiáveis que chegaram ao sucesso em diferentes
mercados como de instrumentos científicos (HIPPEL, 1988), semicondutores (HIPPEL, 1976
apud TIETZ et al., 2004), software e padarias (HIPPEL, 1977 apud TIETZ et al. 2004) e
construção civil (HERSTATT e HIPPEL, 1992).
Essa inovação pelo lado do usuário encontra-se bastante presente na categoria de bens
de consumo para novos esportes onde as inovações são desenvolvidas por pequenos grupos
de praticantes ativos desses novos esportes (lead users) que constroem equipamentos
inovadores para si e seus amigos e que freqüentemente iniciam um negócio baseado no
produto com objetivo de se apropriar de benefícios da sua inovação e estabilizar um estilo de
vida através do esporte (SHAH, 2000).
HIPPEL (1986) cunhou o termo “lead users” ou usuários líderes como: (1) empresas ou
indivíduos que enfrentam fortes necessidades no presente, sendo que essas necessidades,
após meses ou anos, se transformarão efetivamente em uma demanda de mercado; e (2) que
esperam altos benefícios a partir da obtenção das soluções para suas necessidades. Ou seja,
usuários deres estão familiarizados com condições que no futuro serão encontrados por
muitas outras pessoas e, por possuírem no presente uma experiência ainda desconhecida do
grande público, serão capazes de contribuir consistentemente para a obtenção de uma solução
para estas necessidades. A partir da compreensão que usuários líderes experimentaram
situações que serão encontradas por outros no futuro, eles servem como um laboratório para
predições de pesquisas de marketing. Por sua característica pioneira, usuários líderes
27
posicionam-se de uma forma significativa para a concepção de novos produtos, tal como, para
informações de design.
Pesquisas anteriores em inovações por usuários líderes indicam que as expectativas de
grandes benefícios são freqüentemente relatadas com a experiência de novas necessidades
queo são atendidas pelas ofertas de mercados existentes. O comportamento inovador pode
ser esperado por usuários que se antecipam em promover seus interesses pessoais e
melhoram sua situação de consumo, de outra forma, para preencher suas novas necessidades
eles utilizam a via de um novo produto particular (STENKAMP et. al, 1999 apud LUTHJE,
2004). De fato, é freqüentemente provado que a busca de usuários com novas e não atendidas
necessidades é uma promissora estratégia para identificar usuários inovadores (HERSTATT e
HIPPEL, 1992).
SHAH (2000) também explorou as origens das inovações em equipamentos que são
usados em esportes recentemente praticados snowboarding, skateboarding e windsurfing.
Seu estudo mostrou que 100% das primeiras inovações, em cada um dos três esportes, foram
desenvolvidas por usuários do equipamento esportivo. Sua pesquisa também demonstrou que,
no segmento esportivo, grande parte das inovações de usuários foram desenvolvidas pelos
então chamados “user-manufacturers” (fabricantes usuários). O autor verificou que, analisados
os três esportes juntos, 58% dos aperfeiçoamentos importantes para estes equipamentos
foram realizados por “lead users” e “user-manufacturers”.
“User-manufacturers” são indivíduos ou um grupo de “lead users” que se beneficiam do
uso das inovações e ainda da participação de uma pequena empresa baseada em um
determinado “life style”. Estas pequenas empresas de “estilo de vida” produzem e vendem
equipamentos inovadores relacionados a um esporte específico para outros praticantes (SHAH,
2000).
Importa dizer, que skateborarding, snowboarding e o windsurf pesquisados por SHAH
(2000), deve seu primeiro tipo a um desenvolvimento de um usuário, e ainda, seus maiores
desenvolvimentos foram originados entre seus usuários, ou em empresas fundadas por estes
usuários. O autor diz ainda que estes desenvolvimentos originais o geralmente realizados
por jovens da adolescência a casa dos vinte anos:
“Os usuários inovadores nestes esportes geralmente são muito jovens - na sua
adolescência ou no início de seus vinte anos – sem uma sofisticação técnica. Eles
desenvolvem suas inovações fazendo e aprendendo (learning-by-doing) no seu
novo e rápido campo de evolução. Eles iniciam construindo um protótipo utilizando
ferramentas e materiais simples, para logo experimentá-lo em reais condições de
28
campo, descobrir problemas, fazer revisões em poucas horas e, em seguida, tentar
novamente. As pequenas empresas criadas por alguns destes inovadores
começam como empresas de estilo-de-vida (lifestyle firms), em que usuários
experientes sustentam sua principal atividade de praticar e refinar seu esporte, na
fabricação e venda de cópias dos equipamentos esportivos que haviam
desenvolvido a partir de sua base, ou quartos sobressalentes, ou na garagem. Ao
longo do tempo, algumas dessas empresas são fechadas quando o interesse dos
seus fundadores mudam, mas outras sobrevivem e fundem-se com outros grandes
produtores de equipamentos para o esporte”. (tradução livre de SHAH, 2000, p.3)
Fundamentado em sua pesquisa, SHAH (2000) rejeita enfaticamente a afirmativa que
fabricantes tradicionais de equipamentos esportivos de qualquer tipo serão os desenvolvedores
dominantes (responsáveis por 90% ou mais) de inovações em novos esportes.
LUTHJE (2004), por sua vez, pesquisou os quatro esportes outdoors mais citados nos
jornais da Alemanha: alpinismo/montanhismo, caminhadas em trilhas, esqui cross-country e
mountain-biking. O campo empírico de pesquisa foi definido na assunção que muitos usuários
destas modalidades o altamente motivados e qualificados para inovação
*
. Produtos
orientados aos esportes outdoors encontram todas as pré-condições de alto envolvimento,
assim como o parecidos no alto nível de motivação dos benefícios esperados. Considera-se
então que praticantes destas modalidades devem ter uma sólida experiência na atividade.
Finalmente, grande parte destes produtos tem uma tecnologia complexa, a qual, entretanto,
pode ser naturalmente compreendida pelos usuários. Este entendimento reforça a
probabilidade que uma parte dos praticantes dos esportes outdoors assimila conhecimento
suficiente relacionado ao produto que contribui para a inventividade de novos produtos, ou
ainda, melhoramentos nos existentes.
Como resultado da referida pesquisa, LUTHJE (2004) encontrou que mais de um terço
(37,3%) dos 153 questionários respondidos em sua pesquisa, mostraram que os consumidores
geraram ao menos uma idéia de novos produtos ou melhoramentos nos produtos existentes.
Destes, 70,2% referiam-se a melhoramentos de produtos existentes e os 29,8% restantes
representam os consumidores tinham idéias de novos produtos. O estudo mostrou ainda que
9% desses usuários construíram um protótipo ou um produto comercializável (Figura I.8). Os
resultados de LUTHJE (2004) sugerem que os usuários desempenham importante papel na
geração de invenções, não somente nos mercados industriais tradicionais, mas também no
mercado de bens consumo esportivos.
*
As três condições eram: (1) importância percebida do produto; (2) o valor hedónico da classe de produto; (3) significância do valor
percebido pela classe de produto (LUTHJE, 2004)
29
Invenção de
novos produtos
(29,8%)
Melhoramentos
de produtos
existentes
(70,2%)
Consumidores
sem idéia para
inovação
(62,7%)
Consumidores
com idéia
para inovação
(37,3%)
Fonte: LUTHJE, 2004, p.688
Figura I.8 – Percentuais de inovação pelo lado do consumidor n= 153.
Outro estudo empírico foi realizado por TIETZ et al. (2004) no segmento esportivo, mais
precisamente, na recente modalidade dos esportes de aventura o kitesurf procurando
entender os processos subjacentes das inovações de usuários nesse esporte. TIETZ et al.
(2004) dividiu os usuários em três grupos: inventores, geradores de idéia, e o-inventores.
Como inventores foram considerados aqueles que efetivamente desenvolveram um protótipo
de um produto e usaram. Como geradores de idéia foram considerados aqueles que geraram
uma idéia, mas não procederam ao desenvolvimento de um produto real ou de um protótipo.
Como o-inventores foram considerados os que afirmaram que não tinham qualquer idéia de
como melhorar os seus equipamentos. Os autores trabalharam no intuito de obter um processo
e analisar quais as diferentes fases e que barreiras potenciais inovadores enfrentam e falham.
Neste sentido, para a delimitação da origem da inovação, a divisão entre os três grupos
distintos fez-se necessária.
O trabalho de TIETZ et al. (2004) analisou 157 (39,1%) das respostas de 402
questionários enviados a membros da Associação Australiana de kitesurf (Australian Kite Surf
Association AKSA) que representa cerca de 25% dos kitesurfistas australianos. Os
resultaram apontaram que 45% (71) dos usuários podem ser vistos como ativos, ou seja,
desenvolveram uma idéia ou construíram um protótipo. Destes 71 usuários, 63% (41)
desenvolveram um protótipo; 28% (24) desenvolveram uma idéia; e os restantes 9% (6) não
declararam o que realizaram nesse processo de desenvolvimento, como ilustrado na Figura I.9.
30
Fonte: TIETZ, 2004, p. 12
Figura I.9 - Evidência da inovação do usuário
Estas conclusões corroboram os resultados de estudos anteriores: FRANKE e SHAH
(2003) concluiram que 32% dos consumidores analisados na comunidade esportiva tinham
inovado; LUTHJE (2004) obteve resultados semelhantes em seu estudo sobre equipamentos
de esportes ao ar livre constatando que 37% dos usuários tinham desenvolvido idéias para
novos produtos.
O trabalho de TIETZ et al. (2004) identificou ainda uma seqüência implícita para o
desenvolvimento das invenções dos usuários. A seqüência consiste de duas fases: geração da
idéia e realização. Estas duas fases podem ser novamente segmentadas em outras etapas
conforme Figura I.10. Na fase da geração da idéia existe a pré-condição do conhecimento e
experiência do campo abordado uma vez que, a princípio, usuários que se deparam com um
problema precisam de algum tipo de estímulo, quer seja de fonte interna ou externa. Em
seguida, um esboço do conceito é desenvolvido. A fase de realização exige a disponibilização
de ferramentas e materiais, a ausência de limitações de tempo, algum tipo de incentivo e da
importância relativa do componente (parte) do produto para tornar o desenvolvimento mais
provável. Inicialmente é necessário algum tipo de tomada de informações que normalmente
consiste na troca de idéias com outros membros da comunidade. Depois inicia-se um ensaio de
tentativa e erro. O produto desenvolvido é testado, modificado e testado novamente. Este
processo pode constituir um looping simples ou múltiplo.
Resposta
39,1%
Ativo
45%
Sem Informação
9%
Desenvolvimento
de idéia
28%
Construção de
produto
63%
402 Questionários
31
Fonte: TIETZ et al., 2004
Figura I.10 – Fases do processo da inovação do usuário.
Em contradição com evidências empíricas relaciondas a mercados industriais, a
liderança pela inovação para aferir lucratividade o tem grande impacto nas decisões sobre
as inovações de usuários. Expectativas de recompensas financeiras não podem ser
distinguidas entre usuários inovadores e o-inovadores em se tratando desse perfil específico
de usuário de esportes. Não é o benefício financeiro que importa, mas a possibilidade de
praticar seu esporte com mais eficiência que motiva os praticantes de atividades de aventura.
Conforme LUTHJE (2004) diz em suas pesquisas: “Estas motivações resultam principalmente
da existência de necessidades específicas que não são oferecidas pelo mercado” (tradução
livre) (LUTHJE, 2004, p. 693).
Dando continuidade às diversas fases do processo da inovação pelo usuário ilustradas
na Figura I.10, tem-se que quando todas as condições prévias forem satisfeitas, impulsos
adicionais precisam motivar os inventores para que eles possam de fato construir um produto.
Entre os impulsos que parecem ter motivado os desenvolvedores estão a abertura de espírito
ou a vontade de compartilhar informações e fazer uso do conhecimento dos outros e a
disponibilidade para investir tempo e esforço em algum processo de tentativa e erro (TIETZ et
al. 2004). Em muitos mercados de consumo o existe uma restrita rede mundial de usuários
para trocar informações sobre desenvolvimentos das inovações de usuários. Entretanto, a
internet é necessariamente uma importante plataforma de informação entre consumidores pelo
mundo. (LUTHJE, 2004).
TIETZ et al. (2004) identificaram que, apesar dos usuários levarem individualmente e
não em grupo o desenvolvimento de uma inovação, a disponibilidade para aceitar e fazer uso
Re
alização
Geração da idéia
Detecção do
problema
Esboço
do
conceito
(estímulo)
Desenvol-
vimento
conceitual
Tomada
de
informações
Desenvolvimento
Teste
Precondições:
Ferramentas, material
Tempo livre
Incentivo
Precondições:
Conhecimento
Experiência
32
do conhecimento dos outros aparece como um elemento fundamental no aumento da
probabilidade do desenvolvimento de um produto. Os autores mencionam ainda que a
atividade de construção do produto físico é sempre uma atividade isolada e que a contribuição
resume-se apenas na troca de informações entre os usuários num momento anterior ao
desenvolvimento físico do produto. FRANK e SHAH (2003), por sua vez, dizem que uma idéia
pode ser desenvolvida individualmente, mas a continuação do desenvolvimento para um
protótipo funcional muitas vezes requer a contribuição de outras pessoas. Este pensamento é
corroborado por SHAH (2000) que verificou que empresas baseadas em “lifestyle” foram
constituídas por um grupo de pessoas eo fruto de uma atividade isolada.
Outro aspecto levantado na pesquisa de TIEZ et al. (2004) é que, contrariando as
expectativas das qualificações e know-how exigidos que aparentemente sugerem ser
preponderantes para o desenvolvimento de novos produtos, a maior parte dos
desenvolvedores o entendem completamente os princípios tecnológicos subjacentes aos
produtos. Uma explicação para esse caso é dada por HIPPEL e TYRE (1995 apud TIETZ et al.,
2004) que o justificam pelo fato dos usuários possuírem uma visão melhor sobre os problemas
relacionados com a utilização de produtos. Os autores afirmam que, em função dos usuários
utilizarem os produtos, apresentam-se qualificados para identificação de problemas
relacionados ao objeto de uso. LUTHJE (2004) complementa que os usuários inovadores que
possuem maior freqüência na atividade, e assim maior utilização do produto, apresentam
maiores índices de inovação. Em suma, os usuários substituem a falta de know-how com a
persistência necessária para descobrir uma solução.
33
CAPÍTULO II: ESPORTES RADICAIS
Ao focar a pesquisa no kitesurf e no seu desenvolvimento tecnológico, as primeiras
perguntas que surgem são: Que tipo de esporte se está estudando? É o kitesurf um esporte
radical? Devido sua notável semelhança com o windsurf e outras modalidades náuticas é
correto dizer que também consiste em um esporte utico de vela? É comum a utilização na
dia do termo ‘esportes radicais’ ou seu equivalente no inglês extreme sports’ geralmente
associados às atividades na natureza e aos jovens.
Como o kitesurf que é o objeto de estudo da presente dissertação configura-se como
um esporte radical, faz-se necessário uma abordagem do que seja um esporte radical e das
características e perfil de seus praticantes.
II.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESPORTES RADICAIS
CANTORANI e PILATTI (2005) creditam ao surf a primeira modalidade a receber a
terminologia de esporte radical. O capitão James Cook, ao descobrir o Havaí em 1778 e se
deparar com nativos descendo ondas, traz o primeiro relato da nova atividade. Partindo então
do surf, outros esportes foram sendo incorporados a esta terminologia, uns criados a partir do
próprio surf a exemplo do skysurf, snowboard, windsurf, wakeboard e o próprio skate, e outros
não derivados do surf, como bungee jump, rafting, rapel, escalada e muitos outros. O kitesurf é
o mais recente esporte da categoria e é também freqüentemente relatado como um ‘Outdoor
sport’ devido a sua prática em espaços abertos (EXADAKTYLOS et al. 2005).
O American Heritage Dictionary of English Language associa o termo “Extreme sports” a
perigo ou dificuldade, vinculando a palavra a parâmetros de alta complexidade, e ao
espetáculo. Neste sentido remete à prática destes esportes a um público peculiar, capacitado,
treinado e predisposto a assumir os riscos que a atividade carrega.
“Extreme sports (também adventure sports, ou action sport) é o termo utilizado no
idioma inglês para os esportes radicais. “É um termo de mídia para certas
atividades percebidas como tendo um alto nível de perigo ou dificuldade,
freqüentemente envolvem velocidade, altura, um elevado nível de exaustão física,
equipamentos de alta complexidade ou manobras espetaculares” (EXTREME
SPORT, 2004).
Em geral as atividades abrangidas pelos esportes radicais o entendidas como
aventuras que recuperam a dimensão positiva do risco, contrapondo-se à perspectiva
34
racionalizadora da análise dos riscos na civilização contemporânea. Ao fazer um contraste
entre esportes radicais e o turismo de aventura, SPINK (et al. 2005) apresentam uma outra
definição do que seja um esporte radical:
“Em contraste, nos esportes radicais, o risco é exarcebado; ou seja, são altas as
probabilidades de ocorrência de eventos indesejáveis, tais como acidentes ou até
mesmo a morte do praticante. Intensifica-se, assim, a emoção/adrenalina; isto é,
ao praticar uma atividade marcada pela imponderabilidade e pela imprevisibilidade
dos riscos, obtém-se emoção/adrenalina diretamente proporcional. Também nessa
modalidade de atividade os riscos constituem elementos importantes, mas, ao
invés do esportista evitá-los, ele vai a busca e usa-os para o desenvolvimento de
manobras complexas e arriscadas. A natureza é, no caso, o pano de fundo, se
bem que estar nela inserido é fator importante da escolha dessa modalidade de
esporte” (SPINK et al. 2005, p.35).
II.2. O ESPORTE RADICAL COMO METÁFORA DO RISCO
A palavra risco surge na pré-modernidade, no período entre a sociedade feudal e o
aparecimento dos Estados-nação. É evidente que a humanidade sempre esteve em contato
com eventos danosos, riscos involuntários decorrentes de catástrosfes naturais como
terrremotos, furacões e erupções vulcânicas, ou também os vinculados a guerras e as
condições da vida cotidiana, ou ainda os riscos voluntários, conseqüência do que hoje é
chamado “estilo de vida”. Mas de toda maneira estes eventos não eram denominados riscos.
Eram referidos como perigos, fatalidades, hazards ou dificuldades, até mesmo pelo motivo da
palavra risco não constar nos léxicos das línguas indo-européias (SPINK, 2001).
BECK (1993 apud SPINK, 2001) introduz pela primeira vez o conceito de sociedade de
risco. Para o autor, o projeto da modernidade tardia enreda a convivência e o manuseio dos
riscos. Na visão dele esta mudança é dada pela inclusão de três características: a
globalização, a individualização e a reflexividade. GUIDDENS (1998 apud SPINK, 2001) fala da
sociedade de risco para enfatizar a complexidade dos riscos modernos, complexidade referida
à origem dos riscos. GUIDDENS (2002) sublinha a existência crescente dos riscos
manufaturados, produtos da ciência e da tecnologia e à crescente desterritorialização e
globalização desses riscos. SPINK (2001) menciona ainda uma dimensão positiva no
enfrentamento dos riscos baseada numa velha conexão entre risco e formação de caráter,
expressa no valor educativo da aventura.
SPINK (2001) a respeito dos novos repertórios interpretativos de risco argumenta mais
especificadamente que o risco, a partir da orientação da aventura, cumpre atualmente funções
múltiplas. Ao utilizar o termo composto risco-aventura a autora enfatiza o deslocamento dos
35
sentidos modernos do risco na transição da sociedade disciplinar, formação típica da
modernidade clássica, para a sociedade de risco, formação emergente na modernidade tardia
*
.
Em sociedades tradicionais a identidade era relativamente fixa e estável (baseadas em gama
de identidades como profissão, gênero, etnia, religião, e idade); na modernidade tardia a
identidade assume um papel com maior mobilidade, ltipla, pessoal e auto-reflexiva e
propensa a mudanças e a inovação (WHEATON, 2000). Teorias sobre a desestabilização de
categorias sociais e o aumento da fluidez dos relacionamentos sociais vem despertando o
interesse na concepção de “identidades fragmentadas” (BRADLEY, 1996 apud WHEATON,
2000).
Nesta compreensão a busca da emoção exacerbada surge na esteira de uma
sociedade de risco como forma de expressão contemporânea na modernidade tardia, seja na
forma corrompida das drogas lícitas e ilícitas, ou na vertente dos esportes radicais. Visto na
perspectiva da aventura, assume um papel de resgate da identidade em contraponto aos
processos de destradicionalização típicos da atualidade, com uma linguagem figurada para a
necessidade de reposicionamento dos indivíduos frente a um mundo, que ao menos na sua
racionalização, se orienta na redução dos riscos. Ao enfrentar a imponderabilidade e a
volatilidade dos riscos envolvidos na prática esportiva, os praticantes buscam um sentido para
a vida, paradoxalmente experimentado no enfrentamento da morte (SPINK; ARAGAKI; ALVES,
2005; SPINK, 2001; GUIDDENS 2002; LE BRETON, 2000).
diferenças entre os riscos que são buscados voluntariamente e aqueles que a
própria dinâmica da vida cotidiana sem comprometimento intencional do indivíduo. Em esferas
institucionalizadas de riscos ocorrem situações nas quais os atores podem optar por arriscar
recursos escassos, inclusive suas vidas - como no caso dos esportes perigosos ou em
atividades similares. Embora exista certa confusão na distinção entre os riscos que são
assumidos voluntariamente e riscos que se correm de uma maneira não intencional, os
componentes de risco que flutuam em uma economia moderna atingem a quase todos,
independente de se o indivíduo é ativo dentro da ordem econômica. Comprometer-se
constantemente com certos tipos de risco em ambientes institucionalizadores de risco é parte
importante do clima de risco. Alguns aspectos ou tipos de risco podem ser valorizados em si
mesmos “A euforia que pode provir de dirigir em alta velocidade ou de maneira perigosa
lembra a emoção oferecida por certos empreendimentos institucionalizadores de risco”
(GUIDDENS, 2002, p. 118).
*
Alta modernidade ou modernidade tardia; a presente fase de desenvolvimento das instituições modernas, marcada pela
radicalização e globalização dos traços básicos da modernidade.
36
Constantemente chamadas a destacar-se numa sociedade onde os inúmeros pontos de
referências são ambíguos e contraditórios e onde os valores estão em crise, as pessoas
buscam através de um concurso radical testar sua força de caráter, a sua coragem e os seus
recursos pessoais. Indo adiante, até o fim da tarefa imposta a si mesmo, estes movimentos
concedem uma legitimidade à vida e fornecem uma plataforma simbólica em que os indivíduos
podem confiar. A sobrevivência neste jogo simbólico legitimada, com dor, sofrimento, morte e
lesão corporal, trazem à iluminação de uma verdade extrema para o praticante, como uma
fatídica figura para dizer em última instância uma assertiva, ou uma negativa. Esta intensa
relação com o corpo está sendo vista hoje como uma procura pela verdade, onde a superação
de limites individuais leva a um sentimento de jubilação, algumas vezes de êxtase, e uma
perfeita harmonia com o mundo; mas há ainda uma necessidade de ser dignificado, ser
recompensado através de sacrifício e sofrimento (LE BRETON, 2000).
Para BALINT (1959 apud GUIDDENS, 2002) a emoção das atividades de risco
abrangem diversas ações distinguíveis exposição voluntária ao perigo, consciência da
exposição ao perigo escolhido, e uma expectativa mais ou menos confiante de superá-lo. Os
parques de diversões reproduzem grande parte das situações que são atingidas em outras
atividades, mas restringe dois elementos fundamentais para a absorção da experiência: o
domínio ativo do indivíduo, e a incerteza que advém daquele domínio e permite sua
demonstração. GUIDDENS (2002) diz que o cultivo do risco representa um “experimento com
a confiança que tem como resultado implicações com a auto-identidade do indivíduo. Ao
dominar tais perigos o indivíduo exerce um ato de autojustificação e uma afirmação para o eu e
para os outros, de que é capaz de enfrentar e sair de situações difíceis. O medo resulta em
emoção, mas é o medo que é alterado em forma de domínio.
O confronto com a natureza vem como uma reação ao pronunciamento do oráculo
sobre a significância e valor da vida do indivíduo. Um veredicto é prestado e confirma o valor
pessoal do indivíduo. O confronto entre o corpo e natureza é percebido como uma derradeira
verdade do individualismo ocidental; ele é visto como o único parceiro de algum valor, o único
orador a se conferir respeito. Nesta simbólica forma de atividade esportiva encontra-se
atualmente uma nova consciência de vida. A morte está frequentemente em espera quando a
capacidade pessoal para alcançar os objetivos estiver sido superestimada e a crua realidade
for faceada (LE BRETON, 2000).
Na sua grande maioria, os acidentes provocados nas viagens de aventura e nos
esportes radicais são atribuídos ao erro humano, e não ao revés da tecnologia. A atribuição ao
erro humano autoriza que os vivos continuem a praticar o seu esporte, o obstante os
acidentes fatais dos colegas. Eles estão confiantes de que a tecnologia o falhará quando
37
precisarem dela, e assinalam de que são muito experientes, muito atentos para cometer erros
trágicos e fúteis (NAISBITT, 2000).
O Mutelle Nationale des Sports (MNS), uma companhia de seguros que cobre
atividades esportivas na França com 3,2 milhões de apólices, registrou 101 mortes entre seus
segurados em 1995 comparado com 79 casos em 1994, 64 em 1990 e 45 em 1986. Em menos
de um período de 10 anos o número de casos fatais tinham dobrado enquanto no mesmo
período de tempo o número de apólices da MNS tinham reduzido em 1 milhão (LE MONDE, 20-
1 October 1996 apud LE BRETON, 2000).
Através do esporte, é possível, de uma maneira elegante colocar por um instante que
seja, a vida em confronto com a morte no intuito de arrancar-lhe um pouco de seu poder. Na
troca da própria exposição ao risco em prejuízo da vida, o praticante almeja avançar sobre o
território da morte e de lá trazer na volta um troféu, que não será um objeto, mas um momento;
impregnado com a intensidade do self
*
, que ficará guardado insistentemente na memória,
através da coragem ou da iniciativa, em que ele ou ela sucedeu por um momento um extrato
da morte ou da exaustão física, a garantia de uma vida exercida na plenitude (LE BRETON,
2000).
II.3. SEGURANÇA ONTOLÓGICA E AS QUESTÕES EXISTENCIAIS
Recentemente uma série de comerciais de uma prestigiada companhia telefônica tinha
como mote pessoas idosas praticantes de esportes considerados radicais, com elevados
componentes de risco. As modalidades de alpinismo e kitesurf foram as modalidades
escolhidas com seus respectivos praticantes. Um depoimento marcou a memória de todos, por
seu teor irreverente e inusitado. Um alpinista de 70 anos de idade, lucidamente justificando o
motivo que o levava, ainda naquela idade, a realizar atividade tão perigosa: Eu tinha um amigo
que morreu sem ar, engasgado com o caroço de uma azeitona - e é por isso que eu continuo
dizendo às pessoas ao me perguntarem se fazer alpinismo é perigoso Perigoso alpinismo,
não...!!! Eu digo: Perigoso é comer azeitona!!!
O risco inerente às atividades de aventura estimula instintos sicos e questões
fundamentais, realçando o sentido do que significa ser humano. A intensidade da atividade de
aventura e dos esportes radicais opõe-se a uma vida cercada de conforto, segurança e
entretenimento que a tecnologia do consumidor proporciona. A Nike é uma das empresas que
recorrem a propagandas explorando esta polaridade: “Você poderia ser maltratado por um urso
*
Introduzido na literatura psicanalítica por Carl Gustav Jung, psicólogo suíço. Ao estruturar o self em uma ordem psíquica
harmoniosa o indivíduo consegue uma distinção dos outros.
38
e morrer. Vo poderia cair de um penhasco e morrer. Você poderia levar um tiro de um
caçador e morrer. Ou poderia ficar em casa, deitado na cama, comer batatas fritas e morrer.”
(NAISBITT, 2000, p.81).
A segurança ontológica
*
para GUIDDENS (2002) deriva da capacidade de resposta para
as questões existenciais fundamentais que toda vida humana de certa maneira coloca.
KIERKEGAARD (apud GUIDDENS, 2002) analisa a ansiedade como autonomia de liberdade
de escolhas – ou horror elementar como “a luta do ser contra o não-ser”, e direciona
exatamente para esta questão. A “luta do ser contra o não-ser” é a tarefa perpétua do
individuo, não apenas em “aceitar” a realidade, mas criar pontos ontológicos de referência
como parte integrante do “seguir em frente” nos contextos da vida cotidiana.
BECK (2004) menciona que o outro lado da globalização é destradicionalização. Em
contraponto à globalização, a tradição ocupa um elemento principal nas articulações dos
referenciais ontológicos em contextos pré-modernos. Nos contextos tradicionais o passado
insere uma espécie de banda larga de “prática autenticada” no futuro, onde o tempo não está
vazio, e um modo de ser consistente relaciona o passado e o futuro, eliminando a possibilidade
de futuros contrafactuais. A tradição cria uma sensação de firmeza das coisas que
normalmente mistura elementos cognitivos e morais. A globalização enreda um processo de
desqualificação da vida diária; as qualificações locais são expropriadas para formar sistemas
abstratos e são reorganizados à luz do conhecimento técnico. A desqualificação é
acompanhada geralmente por processos complementares de reorganização (GUIDDENS,
2002). Sem tradição a vida passa a ser uma vida experimental onde os estereótipos de papéis
tradicionais deixam de funcionar. Desta perspectiva é preciso encontrar uma harmonização
contra a inquietude. Cultura era tradição, hoje cultura é liberdade que protege cada pessoa e
tem o poder de produzir e defender sua própria individualização. A cultura passa ser o campo
onde afirmamos que podemos viver juntos, iguais mais diferentes (BECK, 2004).
Uma segunda questão existencial diz respeito à finitude da vida humana.
KIERKEGAARD (1944 apud GUDDENS, 2002) observa que, em contraste com a morte
biológica, a morte subjetiva é uma incerteza absoluta, é algo que não podemos ter uma
compreensão intrínseca. O problema existencial é de qual maneira abordar a morte subjetiva:
‘É que o indivíduo vivo está absolutamente excluído da possibilidade de abordar a
morte em qualquer sentido, pois não pode aproximar-se o suficiente
experimentalmente sem sacrificar-se comicamente no altar de seu próprio
*
Sentido de continuidade e ordem nos eventos, inclusive daqueles queo estão dentro do ambiente perceptual imediato do
indivíduo.
39
experimento, e como não pode experimentalmente dominar o experimento, o
aprende nada com ele’ (KIERKEGAARD apud GUIDDENS, 2002, p. 51).
GUIDDENS (2002, p. 56) apresenta quatro dimensões básicas da existência da vida
humana:
“Questões existenciais dizem respeito a parâmetros básicos da vida humana, e
são “respondidas” por quem quer que “siga em frente” nos contextos da atividade
social. Elas supõe os seguintes elementos ontológicos e epistemológicos:
Existência e ser: a natureza da existência, a identidade dos objetos e dos
eventos.
Finitude e vida humana: a contradição existencial por meio da qual os seres
humanos o parte da natureza, mas postos à parte como criaturas que sentem
e refletem.
A experiência dos outros: como os indivíduos interpretam os traços e ações de
outros indivíduos.
A continuidade da auto-identidade: a persistência de sentimentos de pessoidade
num eu e num corpo contínuos.” (GUIDDENS, 2002, p.56).
BECK (2004) denuncia um padrão esquemático de individualismo na globalização,
“Viver a própria vida”, “lutar pela própria vida”. E um padrão de individualidade na vertente
dos esportes radicais. “”Novos Esportes” são a parte visível da aparente expansão do
individualismo na participação esportiva e consumo” (tradução livre) (ALLISON, 1986; HENLEY
CENTRE, 1993; JACQUES, 1997; WHANNEL, 1992; apud WHEATON, 2000). Segundo BECK
(2004) há uma compulsão de se levar a sua própria vida quando a sociedade é altamente
diferenciada e dividida em esferas funcionais separadas, não intercambiáveis nem enxertáveis
uma nas outras. Este isolamento simbólico leva as pessoas a tomarem em suas próprias mãos
o que corre perigo de ser feito em pedaços: sua própria vida. Sem integração, existe apenas
envolvimento parcial. Para GUIDDENS (2002) o argumento é que a segurança ontológica que
a modernidade atingiu, no nível das rotinas do dia-dia, acarreta numa exclusão institucional em
relação à vida social de questões existenciais elementares que representam dilemas morais
centrais para os homens. A segregação da experiência separa a vida cotidiana do contato com
experiências que colocam questões existências potencialmente perturbadoras, particularmente
as que têm a ver com doença, loucura, criminalidade, sexualidade e morte.
‘Quando o sentido da vida escapa, quando tudo é indiferente, o ordálio é uma
solução. È a única estrutura antropológica que pode dar uma segunda chance. Ela
metaforiza a morte por meio de uma troca simlica em que o ator aceita que, para
poder tudo ganhar, arrisca tudo a perder’ (LE BRETON, 1996, p. 58 apud SPINK,
2001, p.1286).
Na circunstância da modernidade tardia, vivemos “no mundo” num sentido diferente de
épocas anteriores da história. Todo mundo continua viver uma vida local, e as limitações do
corpo asseguram que todos os indivíduos, a todo momento, estão contextualmente situados no
40
tempo e no espaço. Entretanto, a intromissão da distância nas atividades do cotidiano local e
as transformações do lugar, alinhados com a concentração da experiência transmitida pela
dia, alteram radicalmente o que “o mundo” é na realidade. Isso se dá tanto no mundo interno
do indivíduo, no seu “mundo fenomênico”, quanto no ambiente geral de atividade social
coletivo, no qual a vida social transcorre. Embora a vida transcorra em uma “realidade local”, o
“mundo fenomênico” da maior parte da população é genuinamente global (GUIDDENS, 2002).
Nesta dicotomia apresenta-se uma dramática perspectiva: o homem no desenrolar de
sua história foi se afastando do sagrado. Ao romper com o sagrado criou uma ruptura de si
mesmo, pois inviabiliza a concepção do humano sem sua contraparte transcendente, origem
de sua Imitatio Dei. Ao desagregar essa natureza humana de seu cotidiano, o homem
caminhou para um sistema esvaziado de espiritualidade e sucumbe em seu próprio caos,
desencadeado pelo rompimento de impulsos inconscientes em uma sociedade adoecida. A
sociedade de consumo aflora como centro motivador e pressupõe o consumo como ideal de
um homem bem-sucedido. ”Ter é preciso, Ser não é preciso: desvirtuamento do verso dos
marinheiros antigos, preservado o duplo sentido que na sentença aporta, modo de escapar ao
foco único e abrirem-se a perspectiva do olhar, inverter: Ser é preciso, Ser é Ter-se” (SILVA,
2004)
II.4. A CULTURA DO HETEROGÊNEO – A INDIVIDUAÇÃO – O SELF
A identidade cultural deriva da multiplicidade dos relacionamentos sociais que os
indivíduos estão envolvidos e resultam em papéis sociais que eles representam (WHEATON,
2000). A cultura influencia a identidade, existindo uma complementaridade entre as duas
(HATCH, 1993; HATCH e SCHULTZ, 1997 apud MACHADO, 2005), na proporção em que a
cultura carrega um repertório de símbolos e de valores com os quais os integrantes constroem
as representações a respeito dos fatos experimentados (MACHADO, 2005).
O termo self é introduzido na literatura psicanatica por Carl Gustav Jung, psicólogo
suíço. A proposta da individuação consiste em ampliar, integrar, organizar e estruturar o próprio
self, a personalidade. O eu como centro da consciência pessoal é um elemento essencial que
faz parte do self. Mas o self é mais abrangente do que o eu. O eu (ego) deve ligar-se ao self,
para entender os processos inconscientes que o influenciam ou determinam. No processo de
individuação, o indivíduo organiza e modifica as características diferentes que possui na sua
variedade e no seu cunho particular próprio. Ao estruturar o self em uma ordem psíquica
harmoniosa o indivíduo consegue uma distinção dos outros. O self representa o objetivo do
homem inteiro, a saber, a realização de sua integralidade e de sua individualidade, com sua
41
intenção ou contra sua vontade. O instinto é o responsável pela dinâmica desse processo, que
controla para que tudo o que pertence a uma vida individual esteja ali, exatamente, com ou
sem a aprovação do indivíduo, quer tenha consciência do que acontece, quer não (JUNG,
1989, LUNDIN, 1977).
WHEATON (2000) ao realizar pesquisa sobre aspectos do windsurf e a identidade
subcultural de tais atividades preocupou-se em definir diferenças entre “outsiders” e “insiders”.
Para a autora a identidade de um windsurfista é marcada por uma gama de representações
simbólicas estendidas sobre as roupas e equipamentos utilizados, e acarros dirigidos. Estes
símbolos são distinguíveis e identificáveis pelos participantes autênticos (insiders) na
diferenciação de outras culturas esportivas.
“Quando um grupo sociologicamente circunscrito o tem outra pretensão na vida
além de viver num mundo de ondas e neve, quando uma vida inteira é devotada
para um momento de êxtase, é dado o momento de considerar mais intimamente
as formas pelas quais os seres humanos constroem seus próprios marcos culturais
e fazem serem significativos” (tradução livre de MIDOL,1993, p.27).
DONELLY (2006), entretanto defende que apesar de considerar a importância dos
participantes autênticos (core participants), ressalta que não-participantes “wannabes, posers
and nonparticipants” (DONELLY, 2006, p.219) representam uma face significativa da periferia
da subcultura dos esportes radicais. Desde que as subculturas, e suas relações com o mundo
dos esportes radicais foram definidas, a população a margem do esporte radical foi definida
quase que exclusivamente em termos de contextos comerciais, isto é, a maneira como os
esportes radicais e as atividades, mais precisamente, o consumidas. Isto não é sugerir, no
entanto, que a participação dos membros do cleo subcultural (core participants) o seja
determinante para o consumo, pois certamente é. Especificamente, é o consumo de produtos
autênticos (bens e mídia) que contribuem, em grande parte, para o desenvolvimento das
identidades dos participantes através da acumulação de capital subcultural (DONNELLY, 2006;
WHEATON; BEAL, 2003).
“Podemos considerar a atual popularidade dos vídeos games sobre esportes
radicais. É evidente que não somente skatistas, snowboarders, pilotos de
Motocross, e mais outros que compram e jogam estes jogos. E quem são estes
consumidores de esportes radicais?” (tradução livre de DONNELLY, 2006, p.224).
Aqui reside um problema persistentemente contestado no desenvolvimento dos estudos
de subculturas: o modo de entender, teoricamente; de fazer sentido metodologicamente; o
papel criativo que os consumidores desempenham na construção de significado,
independentemente de se integrarem nos meios de cultura, ou no contexto das mais
42
diferenciadas subculturas, novas tribos (neotribes) ou comunidades interpretativas em torno da
dia consumo (RADWAY, 1988 apud WHEATON; BEAL, 2003). DONNELLY (2006) propõe
que para um maior entendimento sobre a subcultura nos esportes radicais no momento atual,
as pesquisas deveriam permitir abordagens que considerassem os diferentes tipos de
participações e suas variadas influências na construção destas culturas.
MIDOL (1993) trata do movimento contra cultural californiano surgido nos anos
sessenta, precursor então do que a autora chama de “fun movement” com o conceito chave de
“whiz” (gênios ou ases), que é traduzido em, velocidade, fluidez, entretenimento, liberdade,
associado para uma noção imaginária de “kick”, o qual estabelece uma nova sensação, um
senso de harmonia, de risco, um paladar pelo extremo. Os estudos sócio-demográficos
mostram que estas pessoas estão à margem da linha, com um gosto para inovação e um
prazer narcisista. Isto deve também ser pensado em termos de uma geração, que vindo após a
liberação sexual poderia ter no sexo uma solução para os seus problemas mais íntimos, e
lança-se para o centro do maior dos mistério, tal como vida e morte em uma questão
derradeira, justificando práticas perigosas resultante do conceito de morte o-mórbida “We are
fun, only fun, and we like it”.
Para MIDOL (1993) os “funs” são herdeiros dos valores “hippies” e “beatiniks” dos quais
eles combinam consciência de mídia e visão de empreendimentos “yuppies”, e assim,
transformam-se em algum tipo de “BABOUS”, pacifistas bélicos, ambientalistas radicais num
mundo com afeição pela tecnologia. Ao investigar sobre a origem do movimento nos Estados
Unidos, ALAIN LORET (apud MIDOL, 1993) sugere que existe uma aparência entre o “whiz e
o “road, o movimento contra-cultural americano resultado da “beat generation”.
Os “whiz” sempre misturam no discurso risco com êxtase na perspectiva. A performance
em si revela que o ator está sobre o caminho do auto-conhecimento. Esta é uma forma oriental
de pensamento. “O corpo nele mesmo vem como um sinal do “self”. O envolvimento com o
exterior é apropriado no serviço do interior, e a imagem corporal o vem como somente um
símbolo da saúde física, mas também como uma mente saudável” (tradução livre de RAIL apud
MIDOL, 1993, p.23).
Todavia, segundo MIDOL (1993) o “fun moviment” o almeja alcançar o auto-
conhecimento do misticismo religioso; ele é tendenciosamente direcionado através do esporte
para o espetáculo, procurando por comercialização em mídias e patrocinadores. Ele é vendido
como um produto de dia para uma sociedade de consumo ávida para o entretenimento
visual, e é bem-recepcionado nas grandes redes comerciais.
43
Este é o contexto subjacente no processo de incorporação dos esportes radicais.
Comentaristas realçam cada vez mais a evidente influência e controle das corporações
multinacionais e dos meios de comunicação como a ESPN no desenvolvimento dos esportes
alternativos, na prática esportiva e suas identidades (RINEHART, 1998 apud WHEATON,
2003).
“In the world of extreme sport sponsorship, pierced and tatooed skaters and
skysurfers mix quite amicably with buttoned-down corporations such as AT&T and
Toyota […] For all of the counter-culture cachet associate with ESPN’s X Games
and NBC’s Gravity Games, the truth is that the events were co-opted from the
start’. (Ostrowski, 2000 apud WHEATON, 2003, pp.156).
Neste ponto, WHEATON (2003) aborda a importância das revistas especializadas na
construção da identidade nos esportes radicais (niche magazines). Importante dizer que cada
nicho ou modalidade esportiva possui sua própria revista bem definida, apesar de flertar com
outras modalidades alternativas sem prejuízo de sua autenticidade. As revistas especializadas
servem a uma variedade de propósitos, mas em geral elas informam aos leitores (local e
global) sobre os esportes de subcultura e o importantes documentos para os integrantes da
extensa comunidade. As principais formas subculturais (insider knowledge), isto é, os
conhecimentos específicos, são transmitidos
pelo conteúdo das revistas
.
Na subcultura do windsurf, por exemplo, estes conhecimentos transitam entre o sistema
de valores, equipamentos, condições meteorológicas, viagens e tutorial técnico para realização
de manobras. O principal foco, no entanto, é o teste de equipamentos, viagens e artigos
técnicos. Na subcultura do skate a abordagem é similar, exceto pela questão das condições
ambientais. O que é explicado pelo fato de que windsurfistas estão mais interessados em viajar
para lugares exóticos com boas condições para velejar, enquanto que skatistas estão
preocupados em descobrir locais desafiadores para andar de skate.
II.5. O PROCESSO CIVILIZADOR
A necessidade de experimentar em público a explosão de fortes emoções – um tipo de
excitação que não coloca em perigo a relativa ordem social - se fazia presente em tempos
remotos. Numerosos tipos de atividades religiosas possuíam funções alogas às atividades
de lazer do nosso tempo. As funções específicas do desporto, teatro, corridas e desporto em
geral associados ao termo “lazer”, em especial às atividades miméticas, eram utilizadas no
controle das excitações (CANTORANI e PILATTI, 2005). Na Grécia Antiga há relatos de um
torneio fúnebre-desportivo por volta do século X a.C., que possivelmente foram as raízes dos
44
jogos olímpicos. Nestas reuniões haviam disputas e combates entre representantes de várias
cidades. Por volta do século VIII a.C. os jogos públicos já eram periódicos, com caráter
religioso, data fixa e local determinado (GODOY, 2001).
O sistema educacional grego privilegiava as atividades desportivas. A partir dos doze
anos dimensionava-se a atenção e o cuidado com o corpo. Aos dezesseis, o estado intervinha
no programa educacional e iniciava um importante estágio de sua formação físico-intelectual. A
partir dos 25 anos o indivíduo estava habilitado ao maior grau de formação integral, mas
somente podia fazê-lo quem demonstrasse coragem. Os aprendizes eram submetidos a
profunda meditação, para aprenderem a ouvir a voz interior. O vigor físico era incentivado. O
homem precisava ter força e saúde para defender sua cidade em guerras e estádios. Nas
guerras, a participação era precedida de tristeza, inquietação e medo. Mas o confronto nos
estádios gerava disciplina, método, respeito e alegre expectativa (GODOY, 2001).
CANTORANI e PILATTI (2005) ressaltam que de fato ao longo da evolução humana
sempre ocorreram práticas que envolvessem desafios e aventuras em que fortes emoções
estivessem se complementando. Entretanto, para os autores estas práticas o deveriam ser
consideradas nos mesmos termos atuais da acepção dos “esportes de aventura”, em razão de
não serem dotadas da função que o esporte hoje assumiu em nossa sociedade. De outra
forma, muito dos esportes modernos foram modelados a partir das atividades ancestrais e
estão sendo institucionalizados com regras específicas e organizações gestoras. Neste
movimento evolutivo, desvendou-se um nicho de “aventura”, isto é, um novo segmento do
mercado esportivo com possibilidades de novas oportunidades de negócio.
Nas últimas duas décadas os esportes de aventura vêm ganhando cada vez mais
destaque, marcados por intenso desenvolvimento e repercussão. O surgimento de novas
modalidades e o crescimento do número de praticantes é um fato constatado. Os autores
levam a discussão sobre o momento difícil que passa a Educação Física, em função dos
procedimentos antiquados e frente ao aparecimento constante de novas práticas esportivas
(PARLEBAS, 1999 apud CANTORANI e PILATTI, 2005).
Para CANTORANI e PILATTI (2005) o esporte em geral é uma lvula de escape da
dinâmica de controle das sociedades-Estado. Os autores referem-se aos esportes de aventura
como forma de escape aos mecanismos institucionalizadores do esporte convencional. Na
medida em que os esportes de aventura o sendo institucionalizados, com regras,
competições e profissionalização e consequentemente um cerceamento de sua expressão livre
e criativa, novos ramos, mais radicais vão sendo criados.
45
Um dos exemplos que merecem serem citados nesta dinâmica evolutiva retorna ao que
aconteceu com o surf e o seu predecessor “tow-in” - modalidade de surf rebocado por jet ski
em ondas gigantes. Na busca por novas ondas os surfistas olharam para ondas oceânicas, que
devido ao volume de água que deslocam e a velocidade que atingem tornavam o tradicional
surf de remada uma missão impossível. O “tow-in” foi a resposta para estas possibilidades e
desponta como uma prática de surf extremo, onde ondas oceânicas são desbravadas por
surfistas de “tow-in”, que ao alcançarem velocidade desejada e posicionamento adequado na
onda descartam a corda do reboque e derivam na energia da enorme massa de água, incluindo
nesta todos os riscos que a ação remete.
No surgimento de uma nova modalidade surge então uma nova estrada desconhecida a
ser percorrida e mapeada; tudo é novidade, até que técnicas, equipamentos e regras vão
domando novamente o terreno selvagem e desconhecido. É preciso ousar pela ação
inovadora; ser diferente é necessário; explorar o desconhecido é fazer o que ainda não foi
realizado. Diferenciar-se dos “normais” e ser igual aos “diferentes”. O enfrentamento do risco
pela ação voluntária confere ao indivíduo ingresso ao grupo, e nele estar inserido à segurança
ontológica.
GOFFMAN (1972 apud SPINK et al. 2005) utiliza o termo fateful activities com a
possibilidade de expressão de caráter em eventos conseqüentes, com desfechos para além do
evento propriamente dito, e problemáticos, isto é, com um grau de incerteza em seus
resultados. Fateful activities o ocasiões em que prudência é descartada e possibilitam a
demonstração de habilidades primárias, tais como equilíbrio, persistência, força, etc. O caráter
na compreensão do autor abrange aspectos variados como coragem, galanteria, integridade e
compostura. Estes atributos podem se manifestar em momentos seguros da vida cotidiana,
mas outros entretanto, somente quando a cautela é posta em segundo plano. Algumas
pessoas prudentes usualmente abrem mão de sua segurança rotineira para mostrar atributos
de caráter somente demonstrados nestes momentos fatídicos fateful moments.
II.6. RISCO, AVENTURA E A BUSCA DE SIGNIFICADO
É conhecida a antiga associação que se faz entre risco e aventura, valorizada pela
ousadia de transformar a experiência em novas descobertas. A psicologia vem estudando o
risco desejado como uma característica de personalidade que traduz a busca individual de
sensações e experiência novas, variadas e complexas, e a disposição de correr riscos físicos e
sociais para a realização dessas experiências (SPINK, 2001).
46
Mas o que há de tão irresistivelmente atraente na viagem de aventura nos dias de hoje?
‘Os estilos de vida estão mudando’ diz de Chicago, BUD DAVIS (apud NAISBITT, 2000), que
organizou a primeira Adventure Travel and out Door Show (Viagem de Aventura e Show ao Ar
Livre).
‘Muitas pessoas não estão mais satisfeitas em ser um pimentão de praia torrando
ao sol. Elas querem fazer alguma coisa. Acrescente a isso uma preocupação
genuína a respeito do nosso definhante lado selvagem e do anseio de sair em
direção ao nosso magnífico ar livre antes que ele desapareça, e vo te o
impulso que está por trás do [crescimento] das viagens de aventura’ (DAVIS, B.
apud NAISBITT, 2000, p. 74)
Para NAISBITT (2000), os viajantes de aventura são instigados pela intensificação de
experiências sensoriais e estímulo dos instintos básicos. Pessoas estão escapando para a
natureza, escalando montanhas, escalando o gelo, descendo de caiaque corredeiras
espumantes, percorrendo tundras puxadas por cães e viajando longas distâncias em bicicletas.
A viagem de aventura é um boom. “Um levantamento feito em 1998 pelos agentes de viagem
constatou que em cinco anos 98 milhões de norte-americanos tiraram rias para fazer uma
viagem de aventura” (NAISBITT, 2000, p. 74). A viagem de aventura envolve um dilatado
espectro: do suave a o difícil, do simulado até o real, do conforto até a miséria, da
queimadura de sol até a malária, de segurança até a morte, de recordações até histórias de
sobrevivência.
Algo na aventura exacerba o sentimento de humanidade, que faz o indivíduo sentir-se
mais humano. i) Em primeiro lugar, ter uma meta bem definida, algo a ser atingido confere
urgência e significado à vida da pessoa. Enquanto alguém estiver ocupado perseguindo esta
meta, corpo e mente concentram-se para ela e tudo o mais passa a ser insignificante. A
ambivalência e a ambigüidade desanuviam como também as preocupações da vida cotidiana.
Este forte sentimento de determinação é compartilhado por saltadores de B.A.S.E.
*
, por
alpinistas de rochas, por alpinistas de montanhas e por snowboarders que descem por pistas
improvisadas. ii) O perigo faz com que o indivíduo se sinta mais vivo (NAISBITT, 2000). É o
que relata o alpinista Thomas Bubendorfer - ‘O que aguça os seus sentidos é o perigo – ele faz
com que você realmente ouça com cuidado. Se voprocura se arriscar voluntariamente, se
ocorre de sua paixão ser perigosa, há uma coisa sutil e intrincada no corpo e na alma
humanos, e que não podemos dominar, como o instinto que é afiado durante cadas’ (apud
NAISBITT, 2000, p. 82). iii) Por último, a adrenalina e uma sensação alterada do tempo são
*
B.A.S.E. quer dizer Building, Antenna, Span, e Earth. Ou, prédio, antena, ponte, e montanha. Estes são os quatro objetos fixos
dos quais os base jumper salta.
47
parte da atração que atraem certas pessoas para a viagem de aventura e para os esportes
radicais.
O esporte de aventura se apresenta como forma de materialização da agressividade na
sociedade moderna. A civilização como conhecemos hoje apresenta um nível de ordenamento,
regulação, coordenação, de funcionalização e civilidade, que para se satisfazer em
determinados aspectos tornou-se necessário a criação de atividades miméticas (CANTORANI
e PILATTI, 2005). “O Homo Sapiens não pode conviver facilmente com a plenitude do ganho, e
sua natureza esconde a disputa entre os componentes da biofilia e da necrofilia” (GOLDBERG,
2004, p.104).
BRETON (2000) ao exemplificar comportamentos típicos dos esportes radicais
menciona sobre Giorgio Passino, um guia alpino na época com 30 anos de idade e um
entusiasta do esqui de extrema velocidade de descida em cachoeiras congeladas. Uma
jornalista descreveu brevemente sobre a saúde do alpinista.
‘Em sua carreira, Passino teve dezenas de acidentes. Ele tem vários ossos
quebrados: sua cabeça, seus ombros, suas pernas, seus dedos, as mãos, os seus
dentes. Seu acidente mais grave foi em 1987 quando ele foi hospitalizado com sua
perna direita paralisada - sete fraturas. ‘Acidentes nunca me pararam’, diz ele.
‘Uma vez curado, eu sempre voltarei às minhas montanhas’ (tradução livre do
autor) (NO LIMITS WORLD, 1992 apud BRETON, 2000).
CSIKSZENTMIHALYI (1975 apud SPINK et al. 2005) associa a busca por sensação
com a criatividade e com a procura de sentido para vida. O autor introduz o conceito de flow,
ao qual ele se refere como um estado de concentração em que os indivíduos estão conscientes
de suas ações, mas o da consciência que têm delas. Ação e consciência se fundem na
experimentação do flow, não se pensa no passado, nem temor do futuro, as pessoas
concentram-se no momento presente. A plenitude e o prazer derivam desta fusão. Entretanto,
o sentimento do flow é esvaziado com a presença da racionalização. Segundo MITCHEL (1983
apud SPINK et al. 2005) a racionalização é definida como a infusão do método científico, da
sofisticação tecnológica e do gerenciamento racional”. Para esse autor, quando os
significativos aspectos da ação passam a ser controlados por monitores profissionais ou há um
excesso de sofisticação tecnológica, ocorre um esmaecimento do flow, ou melhor, quanto mais
regrada a ação, mais ela vai se tornando lúdica (ludus) e mais distante da sensação de flow.
48
II.7. TURISMO DE AVENTURA OU ESPORTE RADICAL
Para BRYMER (2005) o termo ‘extreme sport’ tem sido desenvolvido dentro de uma
grande abrangência para definir atividades que produzem adrenalina (adrenalin junkies). Skate
(Skateboarding), esportes de neve (snow sports), esportes de montanha (mountain sports),
motocross e surfe são freqüentemente apresentados como parte desta especial categoria.
Muitos escritores utilizam a mesma descrição para diferentes atividades e ainda diferentes
níveis da mesma atividade. Essencialmente o argumento utilizado para muitos dos chamados
‘extreme sports’ é que estas atividades envolvem um risco potencial de lesão.
“Para mim esta definição me parece um tanto ampla e não engloba a experiência
que eu estava interessado em explorar. Afinal uma pessoa pode surfar ou esquiar
sem ser radical. Da mesma forma, podem realizar muitas das atividades que
ampliaram no escopo, onde os praticantes levaram anos para aperfeiçoar as
habilidades e as competências. Para ser mais preciso eu estava interessado nas
experiências de quem salta de grandes precipícios munido com apenas um para-
quedas, de quem surfa ondas tão grandes (ou maiores) que uma casa, que esquia
falésias cortadas, que de boa vontade desce cachoeiras com caiaques pela
experiência em si. Neste sentido, esportes radicais devem ser compreendidos
como esportes que extrapolam limites. O entendimento para unir todas estas
atividades em um grupo e abrir a porta para o ingresso de outras atividades, era
que um acidente ou um erro de perícia ocasionaria provavelmente em uma morte.
Neste ponto, eu encontrei respaldo para o meu entendimento em Hunt (1995
a;
1996) que considerou a fatalidade ser a única preocupação” (tradução livre de
BRYMER, 2005, p.70).
BRYMER (2005) não concorda com esta ampla utilização do termo e afunila o escopo
na definição de um esporte radical ou ‘extreme sports’. Ele defende que o termo extreme
sports tem sido usado de maneira muito generalizada e que deveria ser definido
apropriadamente pelas atividades onde um erro de perícia resultaria provavelmente em morte,
em contraposição a uma lesão ou ferimento. ainda no seu discurso uma tendência à
valorização ao risco extremo, onde ele acentua, a diferenciação entre o B.A.S.E. jumping, o
qual os participantes pulam de penhascos com somente um ra-quedas e não existe
mecanismo auxiliar para acionar a corda de lançamento, e o skydiving, onde dois pára-quedas
e mecanismos auxiliares o utilizados com suficiente espaço ao redor. NAISBITT (2000)
comenta que em 1998, três homens morreram na tentativa de serem os pioneiros a descer de
pára-quedas no Pólo Sul. Este praticantes não estavam usando tecnologia padrão salva-vidas.
A altitude desconhecidamente superior, o cenário inebriante e a acelerada velocidade da queda
em razão do ar polar rarefeito, devem ter desorientado a equipe quando tentaram a formação
em quatro vias. Michael Kearns, o quarto homem da equipe, usava um dispositivo de ativação
automática que desdobrou o velame do pára-quedas, salvado-lhe a vida. “Para esses atletas, a
tecnologia parece diluir o triunfo, como se ela diluísse sua própria humanidade (NAISBITT,
2000, p. 80).
49
Em um ponto do discurso uma convergência entre BRYMER (2005) e SPINK (et al.
2005), a centralidade na dimensão treinamento/experiência. SPINK (et al. 2005) ao delimitar o
espectro dos esportes radicais enfatiza a responsabilidade individual do praticante com pouca
dependência de agentes externos. Neste caso, um turista que é guiado por um instrutor para o
cume de uma montanha não estaria em um sentido restrito praticando um esporte radical, e
sim turismo de aventura. A dimensão treinamento/experiência se apresenta de maneira bem
acentuada para os praticantes de tais atividades e por este motivo há uma tendência para o
menosprezo dos praticantes de modalidades radicais ao turismo de aventura. O binômio
treinamento/experiência traça a linha divisória dos esportes radicais. A assunção das decisões
da ação são intrínsecas ao indivíduo, não nesta esfera decisão delegada, o praticante
assume a partir da perícia adquirida em anos de treinamento a capacidade de correr riscos
determinados e calculados, que por assim dizer, compromete a esse personagem bem
qualificado um risco probabilístico consideravelmente menor que o praticante sem perícia.
Recentemente no Brasil houve um caso de acidente fatal que exemplifica a relevância
do binômio treinamento/experiência na prática dos esportes radicais. O caso do padre que
realizava vôos em balões gigantes de gás hélio chamou muita atenção da opiniãoblica e foi
objeto de destaque na grande mídia. A reportagem apresentada no programa Fantástico da
Rede Globo, em 27 de abril de 2008, demonstra com relatos do instrutor de ra-pente e do
piloto de helicóptero Cláudio Dietter,
que o padre Adelir de Carli não tinha o treinamento, nem a
experiência necessária para a realização da aventura
.
“Dois ou três meses que ele participou do curso comigo, ele teve uma freqüência
muito baixa no curso, e com essa freqüência as coisas começam a se tornar um
pouco complicadas, as coisas começam a se tornar um pouco perigosas. Então,
aconselhei que ele se desligasse do curso, que ele procurasse um outro tipo de
esporte. (instrutor de o Márcio André Lichtnow PROGRAMA FANTÁSTICO,
2008).”
O piloto de helicóptero Cláudio Dietter, com oito anos de experiência, ainda tentou fazer
o padre desistir da aventura, pois a leitura do meio ambiente não era favorável, somando ainda
com a falta de dirigibilidade do equipamento utilizado para o vôo.
“Uma hora antes do vôo, nós estávamos no local, como o tempo estava muito
fechado, eu falei: ‘Padre, vamos esperar para ver se o tempo melhora. Eu acho
que o vai melhorar’. Aconselhei ele a mudar o dia, ele achou que não. (piloto de
helicóptero Cláudio Dietter – PROGRAMA FANTÁSTICO, 2008).”
BRYMER vai ainda mais longe e desdobra-se em captar a essência fenomenológica
dos esportes radicais, onde morte e medo deveriam ser vistos como um canal transcendental,
50
o qual valeria a pena morrer pelo prazer da experiência. Para ele a essência da experiência
pode ser dividida em cinco fases; i) preparação (preparation), ii) aproximação (aproach),
atividade (activity), pós-atividade imediata (immediate post-activity), e pós-atividade
(post-activity) conforme Quadro II.1.
Fase Descrição
Característica
1- Preparação
(preparation)
Este estágio abrange os anos de
preparo essencial para obtenção da
técnica, desenvolvimentos de
habilidades mentais
e ambientais
requeridas para minimizar o
potencial negativo do resultado
esperado.
2-Aproximação
(approach)
Este estágio descreve a
experiência de preparação imediata
para o alcance da ação; por
exemplo, andar para local de salto
na B.A.S.E. jumping
, ou remar para
a descer uma queda d’água. Esta
fase é caracterizada por:
i)
emoção intensa, mais usualmente definido como
medo; ii) leitura do ambiente; iii)
questionamento
interno e dúvida constante.
3- Atividade
(activity)
Devem existir dois elemen
tos para
esta fase, uma inicial, que é o
compromisso com a ação, e depois,
a ação propriamente em fluxo. O
primeiro elemento é bem descrito
por aqueles momentos
imediatamente após a decisão de
saltar ou descer uma determinada
onda foi feita, isso é, quando
o
participante está movendo-
se para
a beira do precipício no ante-
salto
que fará, ou remando, pronto para
pegar a onda. Este primeiro
elemento termina quando o pára-
quedista está no início do salto, já
no ar, ou o surfista pega a onda. O
segundo elemento
está então em
fluxo
1º Elemento - i) medo indo embora; ii)
a conversa
mental indo embora; iii)
necessidade de controle
ou rende-
se a experiência; iii) Um foco interno ou
escutando e acreditando na voz interna.
Elemento i) momento primordial, sentimen
to de
fazer parte do ambiente ao redor; ii)
desprendimento do mundo material; iv)
3.
Sentimento que a natureza é uma entidade e que
ela tem muita coisa para ensinar; iv) integração
completa na experimentação; v)
lampejo do
inefável (experimentação completa
para além da
descrição); vi) atração sensual intensa; vii)
descontração e sentimento de flutuação, voando
ou sem peso; viii)
o tempo corre em câmera lenta,
como os participantes descrevem no momento ou
presente na totalidade; ix)
alterada percepção de
es
paço como se entrando em um mundo diferente
ou universo; x)
prazer, paz, calma, silenciamento,
silêncio; xi)
unidade, harmonia ou especial
intimidade com a natureza e conexão para uma
experiência considerada como a força da vida (‘life-
force’)
4- Pós-atividade
Imediata (immediate
post-activity)
Nesta fase o esquiador já alcançou
a base ou o alpinista já passou pela
zona de perigo e o corpo é
enxaguado de sensações. Esta
fase pode durar as últimas horas ou
dias.
i) Intensa emoção positiva tanto como eleva
ção
espiritual ou êxtase; ii)
sentimento de ampliação da
energia pessoal
5- Pós-atividade
(post-activity)
A fase final pode não vir por algum
tempo após o evento, mas é
diretamente atribuído como parte
da experiência completa do esporte
radical.
i) tran
sformação da maneira de ver a vida e alto
conhecimentocombinado com humildade;
ii)
Acurado bem-estar; iii) Ampliação da eco-
centricidade
Fonte: Tradução livre de BRYMER, 2005, pp. 312-314.
Quadro II.1 - Essência fenomenológica dos esportes radicais
51
II.8. O CRESCIMENTO DOS ESPORTES RADICAIS
O acelerado crescimento dos esportes na natureza o um dos fenômenos mais
surpreendentes da época atual (SPINK et al. 2005). A United States Parachute Association
USPA registrou mais de 2,5 milhões de saltos de pára-quedas em 1989, com o crescimento do
número de participantes em 20 por cento desde 1985. A asa-delta (hang gliding) e similares
tem despontado desde 1973. Bungee jumping e mountain biking não eram comentados
cerca de trinta anos atrás, enquanto mergulho (scuba diving), ballooning, surf, rafting em
corredeiras e canoagem não param de crescer.
Não somente o mero de praticantes tem aumentado; o padrão demográfico tem
também percebido ampliações para inclusão de outras faixas etárias e o crescimento da
participação das mulheres entre os praticantes. (BRANNING e MACDOUALL, 1983; BLAU,
1980 apud CELSI, ROSE, LEIGH, 1993). Consequentemente as indústrias que servem a estas
modalidades tem crescido na mesma velocidade. CELSI, ROSE e LEIGH (1993) tomam como
exemplo os pára-quedistas (skidivers) que no início da década de 70 confiavam somente no
exército para adquirir seus equipamentos. Os autores dizem ainda, que durante o decorrer da
década gradualmente foram surgindo pára-quedas fabricados pelos próprios ra-quedistas
em uma incipiente fabricação familiar.
Uma das preocupações de CELSI, ROSE e LEIGH (1993) eram com os motivos,
comportamentos e experiências que faziam as pessoas procurarem atividades de lazer
buscando voluntariamente praticas de alto risco. Nestas atividades, como já se disse antes,
um empenho na busca do risco ativo, como no mercado de ões, entretanto, além do risco
psicológico há ainda a possibilidade de danos físicos. Os autores remetem às origens deste
comportamento à uma proposição cultural sica na fundação do imaginário ocidental, onde a
representação do teatro grego é consolidada na presença dos elementos da dramartugia. Os
indivíduos buscam por sua auto-indentidade engajados em calvários ou em comportamentos
autênticos. Em sua forma estrutural, o teatro grego confronta protagonistas versus antagonistas
em um contexto que evolui através dos períodos de tensão divididos em: i) Conflito/competição
(agon); ii) desfecho (denouement) e iii) catarse (catharsis). No primeiro estágio as forças em
conflito são introduzidas (deus vs. demônio; vida vs. morte; homem vs. natureza) e um trágico
ou cômico contexto é definido. A partir dé construído uma atmosfera de tensão em que
protagonistas e antagonistas são internalizados pelos atores e lançam a platéia até o desfecho
e a catarse. O desfecho é a solução que resolve o conflito, enquanto a catarse, uma liberação
emotiva derivada do desfecho, refere-se a uma purificação uma “lavagem de emoções”.
52
Em referência ao modelo dramático os autores acreditam na interação entre três
variáveis ambientais que tem proporcionado um efeito condutor para os esportes radicais como
forma de lazer no século vinte. Que são: i) mídia de massa – resultando um aumento
exponencial da troca de informação e uma identidade mais homogênea no ocidente; ii)
especialização social gerando trabalhos e cargos que desassociam o resultado final do
indivíduo, um senso de esvaziamento do orgulho do indivíduo no vínculo da função exercida
com o produto final; e, iiii) tecnologia evolução dos materiais que permitiram avanços nos
equipamentos com baixos custos e segurança que vislumbraram novas possibilidades
alternativas.
“<...> Por exemplo, equipamentos para pára-quedistas 25 anos atrás eram
arcaicos, pesavam aproximadamente 23 kilogramas, e proporcionavam pouco
controle com pousos bruscos. Hoje, o pára-quedas é leve (9 kilogramas), atrativo,
e o confiável que podem ser utilizados em 1.000 saltos sem uma mal
função.<…>.” (CELSI, ROSE e LEIGH,1993, pp. 4).
A Figura II.1 apresenta o modelo de consumo de lazer de alto risco com os elementos
ambientais característicos da civilização ocidental:
Fonte: CELSI, ROSE e LEIGH,1993, pp. 3.
FIGURA II.1 – Modelo de lazer de alto risco
A sociedade pós-moderna é retratada como fragmentada, superficial, baseada em
imagens, ausente de experiências autênticas e desmobilizadora da identidade coletiva e
VISÃO DRAMÁTICA DO
MUNDO:
-CONFLITO/COMPETIÇÂO
-DESFECHO
-
CATARSE
INFLUÊNCIA MACROAMBIENTAL
MÍDIA DE MASSA ESPECIALIZAÇÃO SOCIAL TECNOLOGIA
CONSUMO DE LAZER DE ALTO
RISCO
NORMATIVOS AUTO-EFICÁCIA HEDÔNICOS
MOTIVOS INTERPESSOAIS E INTRAPESSOAIS
53
espacial. Isto é justificado devido a rapidez das mudanças sociais e da intensificação da
complexidade cultural (KELLNER, 1995 apud WHEATON, 2000). O desejo por uma unidade e
um coerente senso de “self” foi progressivamente sendo minado. Para WHEATON (2000) as
possibilidades de identificação de diferentes origens tem se expandindo, em especial com
aumento significativo de consumo de praticas esportivas, ou de lazer vinculados a estilos de
vida. Estas novas possibilidades acabam por influir na comunicação e na manutenção da auto-
identidade para crescentes segmentos da população.
A importância do consumo como origem e expressão de identidade não é uma nova
concepção. VEBLEN (1970 apud WHEATON 2000) propunha no século 19 que
consumidores usavam mercadorias como forma de posicionamento social e estilo cultural.
Entretanto, no Ocidente contemporâneo a cultura de consumo ganhou nova dimensão na
significância dos objetos materiais para criação de identidade, ou seja, quantitativamente e
qualitativamente. Nesta perspectiva consumo, estilos de vida e auto-identidade estão
profundamente vinculados.
54
CAPÍTULO III: METODOLOGIA
III.1. DEFINIÇÃO DO OBJETIVO E DAS QUESTÕES DE ESTUDO
Conforme apresentado na Introdução da presente dissertação, o objetivo geral da
pesquisa consiste em discutir a evolução do kitesurf que é um esporte radical e mostrar o papel
dos usuários – “lead users” – no desenvolvimento desse novo esporte.
A partir da compreensão do que significa um esporte radical e das motivações que
levam determinadas pessoas a praticá-lo, busca-se especificamente respostas às seguintes
questões:
1. O que significa o termo ‘esporte radical’ e o que leva à intensificação de sua prática
na modernidade tardia?
2. O que é o kitesurf e como enquadrá-lo como modalidade esportiva?
3. Como se deu a evolução do kitesurf desde sua origem nas pipas?
4. Qual o papel dos usuários líderes “lead users” - no desenvolvimento da pipa de
tração para utilização no kitesurf?
III.2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
O presente trabalho caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, de natureza
qualitativa, centrada em estudo de caso.
Primeiramente foi feita uma pesquisa bibliográfica a fim de se construir o referencial
teórico no qual a pesquisa foi fundamentada. Inicialmente foram levantadas referências sobre
conceitos relacionados à inovação e desenvolvimento de produto. Esses conceitos,
importantes para a discussão da evolução do kitesurf a partir do desenvolvimento tecnológico
do produto, constituíram o Capítulo 1 da dissertação.
Ainda no contexto da pesquisa bibliográfica voltada para construção do referencial
teórico, foi feita uma revisão da literatura sobre esporte radicais a qual foi usada para a
elaboração do Capítulo 2 da dissertação. Nesse desenvolvimento do referencial teórico
buscou-se a construção de um texto que explicitasse as características da sociedade pós-
moderna baseada no trabalho de autores com a prática de esportes radicais, fazendo uso de
autores como GUIDDENS (2002), BRETTON (2000) e SPINK (2001 e 2005).
55
Uma vez elaborado o referencial teórico apresentado nos capítulos precedentes, o autor
da presente dissertação procurou seguir os seguintes passos metodológicos para o alcance
dos objetivos propostos. No que tange às questões de estudo colocadas no item III.1, dada à
quase inexistente bibliografia acadêmica relacionada ao kitesurf, houve a necessidade
obtenção de informações a partir de diversas fontes tais como: revistas comerciais voltadas
para praticantes de kitesurf; entrevistas não-estruturadas a partir de fontes secundárias, com
atuais e antigos praticantes do esporte; e pesquisas em sites de (associações) relacionadas ao
kitesurf.
As informações coletadas nessa fase foram complementadas com informações
provenientes de pesquisa documental usando como fonte de dados documentos de patentes
relacionadas ao kitesurf disponíveis em base de dados internacionais acessíveis via Internet. O
levantamento de patentes se justifica pelas seguintes razões:
1) para haver a concessão de uma patente, é necessário que essa atenda a três
requisitos: originalidade; atividade inventiva; e aplicação industrial. A concessão de uma
patente consiste, portanto, em um indicador de quem inventou efetivamente algo novo
retratando o estado da arte de uma determinada tecnologia;
2) por tornar possível extração de informações importantes como: qual o teor da invenção
para a qual está sendo reinvindicada a proteção? de quem é a titularidade? quem o
os inventores?; e
3) o fácil acesso aos documentos de patentes que encontram-se gratuitamente disponíveis
em bancos de patentes que podem ser consultados via internet. Nesses bancos de
dados, os documentos de patentes encontram-se indexados de forma sistematizada e
organizada permitindo rápida e eficaz recuperação da informação.
56
III.3. DETALHAMENTO DA PESQUISA EM BASES DE PATENTES
III.3.1. A definição da estratégia de busca
A pesquisa realizada em bases de patentes foi feita a partir de levantamento realizado
no Escritório Europeu de Patentes EPO (European Patents Office) disponível pela internet
utlizando, como parâmetro de busca para recuperação da informação, o sistema de
classificação europeu (ECLA).
que se esclarecer que os princípios sicos da classificação das invenções nos
escritórios de patentes seguem tradicionalmente dois enfoques principais distintos. No primeiro
enfoque, as invenções são classificadas de acordo com os ramos da indústria, da "técnica" ou
da atividade humana em relação às quais são caracteristicamente relevantes. Esse enfoque é
geralmente designado de "orientação industrial", "orientação técnica", "orientação segundo o
pedido de privilégio". o segundo enfoque preconiza a funcionalidade da invenção, que são
classificadas de acordo com as funções para as quais são caracteristicamente pertinentes.
Esse enfoque é comumente chamado de "orientação segundo a função". (INPI, 2008).
Existem diversas classificações de patentes sendo uma das mais conhecidas a
Classificação Internacional de Patentes (CIP) que foi instituída em 1971 pelo Acordo de
Estrasburgo. Trata-se de uma classificação especial utilizada internacionalmente para
indexação de documentos de patentes de invenção e modelo de utilidade e que sofre revisões
periódicas. Embora a Classificação Internacional de Patentes seja, em princípio, orientada para
a sua funcionalidade, na realidade ela combina ambos os enfoques.
O sistema de classificação Europeu (ECLA - European Classification), por sua vez, é
uma extensão da Classificação Internacional de Patentes, contendo aproximadamente 134 mil
subdivisões, 64 mil a mais que o sistema internacional. As classificações do ECLA são
atribuídas aos originais da patente por examinadores do Escritório Europeu (EPO - European
Patents Office) a fim facilitar buscas do estado da arte. A classificação européia também é
revisada continuamente e a documentação correspondente é reclassificada (EPO, 2008). A
classificação é então subdividida em seções, classes, grupos e sub-grupos, conforme
observada no quadro III.1
Embora a documentação da CIP constitua a maior coleção disponível classificada de
originais da patente, estima-se que 90% das patentes publicadas são classificadas com o
código ECLA dentro de oito meses após a sua publicação. Segundo a EPO (2008), em maio
2006, aproximadamente 28 milhões de documentos poderiam ser encontrados utilizando os
57
códigos da ECLA, datando às vezes do ano de 1836 dependendo do país de origem
(EPO,2008).
Primeiramente foi feita uma tentativa de se realizarr o levantamento pela CIP, através
de uma busca pelo código B63B35/79 (pranchas para prática de surf, por ex., pranchas à vela)
que, por apresenta-se de forma genérica, implicou na recuperação de um conjunto grande de
documentos não relacionados ao kitesurf, não atendendo às necessidades da pesquisa.
Mesmo a tentativa de filtrar o objeto de estudo usando a palavra-chave “kitesurf” no campo de
busca se mostrou ineficiente devido aos inúmeros termos utilizados para denominar a nova
atividade ou o novo produto, até sua consolidação como prática esportiva.
Assim sendo, apesar da classsificação CIP estar presente em maior quantidade de
documentos de patentes, optou-se pelo levantamento baseado na classificação do escritório
europeu ECLA. Tal opção deveu-se ao fato dessa classificação conter maior detalhamento
(subdivisões) e apresentar orientação à funcionalidade da invenção permitindo uma busca mais
específica direcionada ao objeto da pesquisa – no caso. o kitesurf.
Por se entender que a grande inovação responsável pelo surgimento do kitesurf
concentrou-se na evolução tecnológica das pipas de tração em substituição às velas
tradicionais, o presente trabalho traçou um corte epistemológico em duas classificações
patentárias da ECLA, a saber, B63B35/79W4B e a B63B35/79W4B1, cuja descrição encontra-
se no quadro III.1. Importa dizer que o equipamento de kitesurf apresenta duas partes distintas:
a primeira metade que trata da pipa e de seus controles, a qual é devidamente tratada pela
pesquisa em comento, e uma segunda metade, que vem a ser o dispositivo utilizado pelo
praticante para deslizar, a exemplo das pranchas desenvolvidas para o kitesurf, que o são
contempladas pelas duas classificações pesquisadas. O objetivo do corte no objeto de estudo
foi em razão da compreensão que o aspecto inovador que garantiu a consolidação do novo
esporte foi caracterizado pela evolução das pipas. Nesta perspectiva, a prancha representa
uma parte menos significativa na atividade inventiva inicial, atuando apenas como um
importante coadjuvante do novo produto.
O Quadro III.1 mostra a derivação das duas classificações mencionadas: a CIP e a
ECLA. Observa-se que a CIP interrompe sua ramificação no digo B63B35/79, enquanto a
ECLA subdivide-se ao objeto da pesquisa.
58
EUROPEAN CLASSIFICATION SYSTEM (ECLA)
Seção
B
OPERAÇÕES DE PROCESSAMENTO;
TRANSPORTE
Classe
B63
NAVIOS OU OUTRAS EMBARCAÇÕES;
EQUIPAMENTO CORRELATO
Subclasse
B63B
NAVIOS OU OUTRAS EMBARCAÇÕES;
EQUIPAMENTO PARA A NAVEGAÇÃO
(Veículos com colchão de ar B60V [N: veículos
anfíbios B60F3/00;] disposições para
ventilação, aquecimento, resfriamento ou
condicionamento de ar em embarcações
B63J2/00) [C0407]
Grupo
B63B35
Embarcações ou estruturas flutuantes
similares adaptadas para fins especiais
(embarcações caracterizadas pelas
disposições para acomodação de carga
B63B25/00; barcos extintores de incêndio
A62C29/00; submarinos, navios lança-minas
ou caça-minas B63G; recipientes para
utilização dentro ou sob a água B65D88/78;
[N:Publicidade visual móvel em navios ou
outros meios flutuantes] G09F21/18]) [C0003]
Subgrupo
B63B35/73
Outras embarcações ou estruturas flutuantes
para prazer ou esporte
Subgrupo
B63B35/79
Pranchas para prática de surf, por ex.,
pranchas à vela
B63B35/79W
[N: Pranchas dirigidas pelo vento]
B63B35/79W4
[N: Arranjos de velejo]
B63B35/79W4B
[N: Velas pivotadas em uma ponta de mastro
"mast-tip", velas-pipa "kite-sails" (pipas por si
B64C31/06) [C0310]]
B63B35/79W4B1
[N: Meios de controle para velas-pipas "kite-
sails"; Trapézios "harnesses"
para conexão em
velas-pipas "kite-sails" em um usuário, por ex.
tipo de desengate rápido "quick release type"]
[N0310]
Fonte: EPO, 2008 (tradução livre).
Quadro III.1 – Os códigos B63B35/79W4B e B63B35/79W4B1.
Ainda com relação aos códigos ECLA selecionados para o levantamento de dados, vale
esclarecer que houve preocupação preocupação do autor em selecionar códigos que
efetivamente permitissem a recuperação completa de documentação patentária referente ao
objeto de estudo. Nesse sentido, foi encaminhado um e-mail aos técnicos da EPO contendo os
seguintes questionamentos: (1) Quando as classificações tinham sido incluídas na ECLA; (2)
Se houve alguma modificação no texto das classificações, e (3) Quando o termo “kite-sails” foi
incluído nas duas classificações.
59
A resposta recebida trouxe os seguintes esclarecimentos: a modificação ocorrida na
classificação B63b35/79W4B foi feita em outubro de 2003 [C0310] (Changed), enquanto a
classificação B63b35/79W4B1 era criada na mesma época [N0310] (New). Entretanto, não foi
possível obter maiores explicações sobre qual termo exatamente foi modificado, e aque
ponto, ou ano, a classificação B63b35/79W4B1 estava completa. Em todo caso seria plausível
compreender uma possível inclusão do termo kite-sailsno código B63b35/79W4B modificado.
Já na questão de exatamente identificar em qual ponto os analistas da EPO tinham completado
a classificação B63b35/79W4B1, a resposta reside no próprio levantamento dos dados. Em
que pese à afirmativa do Escritório Europeu de que sua classificação B63b35/79W4B1 não
estava completa, o levantamento dos dados da pesquisa indicava a publicação da patente n
GB1568314 do ano de 1976 com a classificação B63b35/79W4B1, isto é, bem antes de ter sido
criada. Este fato leva a crer que, caso não completa a classificação, ao menos a certeza de um
adiantado trabalho, confirmado pela identificação de patentes de anos anteriores devidamente
classificadas, conforme ilustrado na Figura III.1.
Fonte: extraído da imagem de tela do site da EPO
Figura III.1 – Tela do espacenet das classificações escolhidas para a pesquisa
As publicações de patentes foram levantadas a partir do banco de dados do
espacenet”. Este sistema do EPO oferece uma gama de opções combinadas de entradas para
o retorno de uma busca específica dos depósitos de patentes pretendidas pelo pesquisador.
Em seguida selecionou-se a base de dados Worldwide”, com intuito de ampliar a busca e o
respectivo retorno da maior quantidade de publicações de patentes em todo o mundo
obedecendo ao critério estabelecido.
As buscas foram realizadas por ano de publicação (publication date), e conforme
mencionado anteriormente, nos códigos B63b35/79W4B e B63b35/79W4B1
.
Em atenção ao
objetivo de retornar publicações de patentes classificadas tanto em B63B35/79W4B, quanto em
B63B35/79W4B1 (isto é, classificada em apenas um dos dois códigos, ou nos dois digos),
para o respectivo ano foi utilizado o caractere booleano or”.
60
Na Figura III.2 é apresentado um exemplo de busca realizada para o ano de 1960
combinada com os critérios das classificações ECLA especificadas.
Figura III.2 – Tela do espacenet exemplificando a pesquisa para o ano de 1960.
III.3.2. O levantamento de dados
No total foram pesquisados os dados bibliográficos de 413 publicações patentárias
distribuídas entre os anos de 1960 a 2007, representando todas as publicações classificadas
pela EPO nas duas classificações de referência. A busca foi realizada por ano de modo ao
se recuperar grande quantidade de documentos de uma vez o que, segundo o autor da
pesquisa, poderia dificultar o manuseio dos dados.
Em seguida as publicações foram consultadas uma a uma, sendo que os dados
bibliográficos delas extraídos foram inseridos em uma planilha em excel para posterior
61
tratamento e análise. O levantamento dos dados bibliográficos das publicações das patentes
consistiu em: (a) Título; (b) número de publicação; (c) data da publicação; (d) inventor; (e) país
do inventor; (f) depositante (aplicant); (g) país do depositante; (h) código ECLA; (i) número do
depósito (aplication number); (j) país de depósito; (m) mero de prioridade (priority number);
(n) país de prioridade; e (o) data de prioridade.
Com base na verificação do conteúdo desses documentos abstract e desenhos
verificou-se qualitativamente que alguns documentos de patentes não relacionavam-se
diretamente ao objeto de estudo. Isso se deve ao fato dos códigos de classificação utilizados
para busca apresentarem escopo mais amplo o se restringindo especificamente ao kitesurf.
Assim sendo, tais documentos foram excluídos e o universo da pesquisa foi reduzido para 254
documentos de patentes.
Pelo ordenamento dos números de prioridade foi possível identificar a quantidade de
prioridades por ano concedidas para as duas classificações. O número de prioridade é o
número do depósito em respeito a qual prioridade é reivindicada, isto é, o mesmo que o
número de depósito de um documento de prioridade (EPO, 2008). A partir desse ordenamento,
obteve-se como resultado 181 números diferentes de prioridades.
A Prioridade Unionista foi estabelecida pela Convenção da União de Paris CUP, em
seu art. 4º, possibilita queao dar entrada no pedido de patente em seu próprio país – o titular
reivindique prioridade em outros países membros da CUP. Esse princípio estabelecido pela
CUP dispõe que o primeiro pedido de patente ou desenho industrial depositado em um dos
países membros serve de base para desitos subsequentes relacionados à mesma matéria,
efetuados pelo mesmo depositante ou seus sucessores legais (INPI, 2008).
Com a classificação dos dados pelas prioridades é possível identificar a falia de uma
patente. Um depósito de patente pode possuir várias publicações, que são chamadas de
família de uma determinada patente. Ao se utilizar a prioridade para a classificação, exclui-se a
possibilidade de redundância na contabilização das publicações de uma mesma invenção.
Observou-se, entretanto, que desses 181 números de prioridade, alguns deles
encontravam-se vinculados a um mesmo documento, ou seja, existiam documentos com mais
de um número de prioridade. Foram contabilizados 54 documentos nessa situação
apresentando variações de 2 a 5 números diferentes de prioridades.
62
Dentre esses documentos com mais de um número de prioridade, considerou-se aquele
de data mais antiga. Com isso obteve-se um total de 127 números de prioridades distintas o
que, nesse caso, seria equivalente a 127 documentos de depósitos de patentes originais. Esse
corte foi realizado mediante a consideração que os demais números de prioridade
representariam documentos que não envolveriam uma atividade inventiva significativa em
relação ao documento depositado com data anterior. A verificação em amostra dos
documentos excluídos confirmaram tal premissa.
Após esta fase de armazenamento de dados, o próximo passo foi de harmonização de
nomes dos inventores e depositantes e seus respectivos países de origem. Para esta fase de
harmonização, a ordenação pelo mero de prioridade também oferecia a certificação para
utilização dos dados. Em alguns casos esporádicos foram consultados os originais dos
depósitos de patentes para confrontação das informações bibliográficas obtidas no espacenet.
A partir dos nomes dos inventores e depositantes harmonizados, os dados foram trabalhados
no intuito de se extrair dos dados armazenados, inferências que possibilitassem uma
compreensão do desenvolvimento do kitesurf e o papel dos usuários leaders users que
configuram-se como inventores e quem seus nomes atrelados a marcas e empresas
renomadas ligadas ao kitesurf.
Com os dados da planilha organizados, foi possível então fazer inferênias utilizando as
funções do excel para tabulação dos resultados apresentados no Capítulo IV.
63
CAPÍTULO IV: ESTUDO DE CASO - O KITESURF
O presente capítulo apresenta o estudo de caso sobre o kitesurf. Primeiramente é
mostrada a classificação do kitesurf como modalidade esportiva. Segue-se definição e
explicação do que é o kitesurf com o detalhamento dos componentes do equipamento utilizado
para a prática esportiva. Na seqüência é apresentada a evolução do kitesurf e um estudo das
publicações patentárias relacionadas ao produto. O estudo de caso é finalizado com uma
reflexão sobre os resultados encontrados.
IV.1 CLASSIFICAÇÃO DO KITESURF COMO MODALIDADE ESPORTIVA
Por tratar-se de esporte práticado na água, pode-se dizer a priori que o kitesurf é um
esporte náutico. Entretanto, dentre os esportes náuticos, o kitesurf ainda não apresenta uma
classificação oficial definida, diferentemente do que acontece com o windsurf, canoagem, surf,
vela etc. Buscou-se, portanto, referências que pudessem mostrar a tendência de
enquadramento do kitesurf como uma modalidade esportiva. Foi usado, a princípio, a
referência de CALLOIS (1958 apud SPINK; ARAGAKI; ALVES, 2005) que apresenta uma
classificação de jogos os esportes de modo geral podem ser entendidos como jogos. Em
seguida buscou-se na literatura outras formas de classificação que contemplassem o kitesurf
até mostrar a tendência que está se configurando de seu enquadramento como esporte náutico
de vela.
CALLOIS (1958 apud SPINK; ARAGAKI; ALVES, 2005) desenvolveu um modelo para
compreensão dos jogos baseado em duas dimensões: as diferentes modalidades e o grau de
disciplinarização. Em seu modelo as modalidades podem assumir quatro classificações
básicas: competição (agôn); chance (alea); simulacro (mimicry); e vertigem (ilinx). O grau de
disciplinarização, por sua vez, pode se apresentar de duas formas: de uma forma mais livre
(espontânea e primitiva) – a padia; ou de forma mais disciplinada – o ludus, conforme ilustrado
no Quadro IV.1.
Considerando o modelo proposto por Callois, pode-se enquadrar o kitesurf na
modalidade ilinx (vertigem) pelas características envolvidas no alcance de altos vôos durante
um salto, no controle da força de uma pipa de tração ou na descida de uma onda. Por outro
lado, o grau de disciplinarização remete à categoria ludus devido a utilização de regras,
técnicas e equipamentos. Enquadra-se no referido modelo, portanto, ao lado de esportes como
esqui, alpinismo e bungeejump.
64
Agôn (competição)
Alea (chance)
Mimicry (simulacro)
Ilinx (vertigem)
Paidia (algazarra,
alarido, tumulto,
agitação, riso solto)
Corridas
Lutas
Tesoura,
pedra, papel
Cara ou coroa
Jogos de ilusão
Máscaras
Fantasias
Carrossel
Dança
Ludus
(esportes com
regras, técnicas e
equipamentos)
Boxe
Esgrima
Futebol
Bilhar
Damas
Xadrez
Apostas
Roleta
Loterias
Teatro
Circo
Esqui
Alpinismo
Bungeejump
Fonte: ROGER CAILLOIS, 1958 apud SPINK, 2001.
Quadro IV.1 – Classificação dos jogos segundo Roger Caillois
Outra forma de classificação que pode ser relacionada ao kitesurf, refere-se ao seu
enquadramento como atividade física no mar. Nesse sentido, PÉREZ et al. (2006) explica que
as atividades físicas no mar o parte da história da humanidade, ou seja, estão presentes
desde que o ser humano enveredou-se na intenção de conquistar o planeta. Acrescenta que o
meio aquático surge como elemento transcendental em todo ser humano e menciona ainda
que vários autores têm tentado estabelecer uma taxonomia das atividades marítimas, mas que
a falta de informação e a precauçãom sido motivos suficientes para a desistência da idéia.
Enquanto para o Comitê Olímpico Internacional, o remo, a canoagem e a vela fazem
parte da catalogação olímpica como esportes relacionados ao mar, CARROGGIO (2003 apud
PÉREZ et al., 2006), por sua vez, propõe uma classificação mais ampla abrangendo as
seguintes atividades no mar: escafandrismo; natação; natação com nadadeiras; pesca
submarina; esqui náutico; surf; remo; canoagem; vela; e motonáutica.
PÉREZ et al. (2006), entretanto, ressaltam que em sua classificação, CARROGGIO
(2003 apud PÉREZ et al., 2006) realizou uma simbiose das atividades praticadas no mar sem
preocupação em fazer a separação ecológica das diversas atividades, a qual entendem como
necessária. PÉREZ et al. (2006) então, no artigo intitulado “Los Deportes Del Mar: Taxonomía
De Las Actividades Físicas En El Mar Y Su Relación Con La Enseñanza Obligatoria”,
apresentam uma taxonomia fundamentada num enfoque ecológico em que consideram os
seguintes aspectos: a) o atual desconhecimento das pessoas atualmente do meio marítimo
(falta de cultura de aventuras no mar); b) a importante relação com o entorno natural; c) as
vivências no mar do grupo ou classe; d) o atraente mundo dos esportes de aventura no mar; e)
e a importância de uma mentalidade ecológica atual. No caso, os autores vislumbram essa
consideração ecológica no sentido de se realizar um processo de educação através da prática
65
desses esportes, onde os alunos teriam a oportunidade de aprender vivenciando uma
determinada experiência.
Considerando esse enfoque ecológico, é feita uma subdivisão dos esportes em
atividades físicas de impacto direto com o mar e atividades físicas de impacto indireto com o
mar. O Quadro IV.2 mostra essa taxonomia das atividades marítimas proposta por PÉREZ e
SUÁREZ (2005, apud PÉREZ et al. 2006). No primeiro grupo foram destacadas as atividades
com impacto direto com o mar, ou seja, atividades que apresentam uma relação direta com o
aspecto corporal do indivíduo. As atividades desse primeiro grupo têm uma relação direta com
os aspectos motrizes essenciais, como respiração, equilíbrio e coordenação. O segundo grupo,
de atividades de impacto indireto com o mar, tem como característica os aspectos motrizes do
grupo anterior acrescido de maior complexidade com o manejo do material e das habilidades
especificas de cada modalidade. Observa-se, na classificação apresentada no Quadro IV.2,
que o kitesurf figura classificado como um esporte vinculado a atividades físicas de impacto
indireto com o mar.
- Natação no Mar
- Mergulho a pulmão livre
(snorkeling)
1) Atividades físicas de impacto direto com o mar
- Surf e Body surf
- Remo
- Vela
- Canoagem
2) Atividades físicas de impacto indireto com o
mar
- Windsurf e Kitesurf
Fonte: PÉREZ et al., 2006, pp.26
.
Quadro IV.2 – Taxonomia das atividades no mar.
VIEIRA e FREITAS (2006), por sua vez, apresentam uma abordagem restrita aos
esportes de vela. A vela, como esporte náutico, é assim definida pelos autores:
“A vela é um esporte náutico em que um atleta velejador oferece o máximo de
suas habilidades para conduzir uma embarcação que se movimenta graças ao
impulso do vento sobre a vela (ou velas). É quase sempre praticada no mar, em
águas oceânicas, em circuitos especialmente desenhados para competição. As
disputas, que na linguagem técnica do esporte são denominadas regatas, também
ocorrerem em grandes lagos e nos rios, nas chamadas águas interiores” (VIEIRA e
FREITAS, 2006, pp.12).
Os autores dizem ainda que as classes de competição se confundem com os próprios
barcos; ou seja, ao dizer o nome do barco diz-se a classe do mesmo, sendo que o contrário
também é verdade. O conceito de classe também está vinculado ao conjunto de pessoas que
usam determinado barco. Para o entendimento do esporte de vela é imprescindível ter
66
informações sobre a classe ou qual barco ela pertence. Na própria história dos esportes de
vela as classes são fundamentais quando o assunto é medalha, vitória ou campeonato.
Também ao se mencionar a vocação ou o talento de um determinado atleta, remete-se o
assunto à classe na qual ele compete com freqüência ou na qual é um especialista. Conforme
VIEIRA e FREITAS (2006, p. 11) “Da história à cnica, da teoria à prática, tudo fica mais fácil
quando passa pela classe”.
Considerando-se que o kitesurf utiliza a natureza como cerio para o desenrolar de
suas atividades e que, além de usar a natureza como locus da ação, possui ainda a
capacidade de tirar a energia dos elementos da natureza para a sua propulsão, ou como na
linguagem dos praticantes, o “combustível” para a ação, tem-se que o kitesurf é inegavelmente
uma classe, em que a prancha representa o barco, existindo a necessidade do impulso do
vento em sua área vélica. Nesse sentido, encaixa-se na definição de VIEIRA e FREITAS (2006)
como uma classe dos esportes náuticos de vela.
Um fato que vem reforçar esse entendimento é que, em dezembro de 2008, a ISAF -
International Sailing Federation – autoridade internacional de esporte de vela - sancionou a IKA
- International Kiteboarding Association como autoridade máxima do kitesurf no mundo. Este
acontecimento sinaliza um reconhecimento da ISAF em respeito ao kitesurf como uma classe
da vela.
Apesar do kitesurf se encontrar ainda hoje como uma categoria vinculada ao windsurf
na página da ISAF, compreende-se que futuramente o esporte será considerado uma classe
desvinculada, com suas próprias categorias, a saber: Freestyle; Wave; Course Race;
Downwind e Speed (ISAF, 2008 e IKA, 2008).
Para os Jogos Olímpicos de Pequim 2008 foram definidos com status de equipamento
oficial no windsurf a prancha a vela Neil Pryde RS: X, na categoria masculino e feminino em
substituição aos modelos de pranchas a vela da classe mistral. No futuro não seria
surpreendente se o “kitesurf de regata” figurasse também como uma classe olímpica no
segmento da vela.
IV.2 O QUE É KITESURF
O kitesurf em português deveria ser apenas surf de pipa, mas rotineiramente entre os
adeptos do esporte no Brasil, é chamado na sua forma original em inglês como kitesurf
*
. O
*
Experiência pessoal do autor praticante de kitesurf desde 1999.
67
Kitesurf surge na cada de 90 com muita intensidade como uma nova disciplina de esportes
radicais também chamado de kiteboarding, kiteboard ou flysurf dependendo da localidade onde
é praticado. O novo esporte é uma mistura de windsurf, wake boarding e paraglinding. Em sua
prática, os kitesurfistas controlam uma asa (pipa) fabricada com um fino e leve tecido, sendo
levados pela força do vento exercido na pipa que os puxam, deslizando pela superfície da
d’água ou sobre ela com o auxílio de uma prancha (EXADAKTYLOS et. al., 2005). As Figuras
IV.1A, 1B, 1C e 1D ilustram a prática do kitesurf.
Figura IV.1 (A) Velejador não identificado Lagoa de Araruama Foto: Wander Alcantelado;
(B) Wander Alcantelado – Barra da Tijuca - Foto: Adriana Alcantelado; (C) Wander Alcantelado
Barra da Tijuca Foto: Gustavo Monteiro (D) Competição na modalidade Regata do
Campeonato Brasileiro de 2008 – Barra da Tijuca – Foto: Mauricio Val.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Para a APKITE - Associação Portuguesa de Kitesurf, o kitesurf é um desporto aquático
de tração. Trata-se de uma asa de grandes dimensões movimentada pela força do vento no
céu com um kitesurfista utilizando-se de uma prancha para deslizar sobre a água. Por utilizar
pipas como velas, o kitesurf possui a vantagem de combinar manobras de vários esportes, pois
o esportista pode apenas velejar de uma forma comedida, similar a uma embarcação a vela, ou
nas mãos de um kitesurfista mais experiente, o equipamento pode ser utilizado para executar
grandes e demorados saltos, pousando suavemente como em um pára-quedas. Devido à
(A)
(B)
(C)
(D)
68
percepção visual de combinar vários esportes em apenas um, o kitesurf acabou por receber um
interesse especial de entusiastas de outras modalidades dos esportes radicais como o
windsurfe, vôo-livre, skate, surf, snowboard e wakeboard (APKITE, 2005).
NICKEL (et al, 2004) diz que o kitesurf é um esporte aqtico com crescente
popularidade. Os atletas utilizam uma pequena prancha e transferem a energia do vento em
velocidade por meio de uma enorme e manobrável pipa. O empuxo vertical da pipa possibilita o
atleta realizar altos saltos mesmo em ventos fracos. O atleta controla a pipa com o manuseio
de uma barra, a qual está conectada à pipa via quatro linhas bem finas com medidas entre 20 e
30 metros de comprimento. O trapézio (harness) do kitesurfista é conectado a uma das quatro
linhas por um kite leash”. Este “kite leash previne que o kite voe para longe no caso do atleta
perder o controle da barra. O tamanho dos kites variam entre 5 e 20 metros quadrados, mas
geralmente kites entre 9 e 16 metros quadrados são utilizados. O tamanho das pranchas
variam entre 120 e 200 cm, o que significa dizer que o atleta irá afundar sem a elevação que o
kite proporciona. Em uma situação de emergência, entretanto, a prancha pode ser usada como
um suporte para nadar. Geralmente dois tipos de prancha são utilizados: “direcionais” e
“bidirecionais”. Direcionais são basicamente uma versão menor das pranchas de windsurfe
com bico e rabeta. Bidirecionais são menores que as direcionais e possuem quilhas em ambos
os lados.
O kitesurf moderno voa opondo-se a força do vento. No kite o conectadas linhas
extremamente fortes por intermédio de um cabresto, ou conectadas diretamente no próprio kite,
o qual, em uma outra ponta é ligado a uma barra controlada por um operador que utiliza uma
prancha (geralmente feita com um tipo de polímero) para ficar em pé nesta prancha e deslizar
(surfar). Estes grandes kites são desenhados para gerar suficiente tração e são vistos
geralmente em duas formas: foils (células infladas pelo próprio vento) ou de estrutura inflável
(bexigas infladas por bombas). Popularmente o modelo utilizado é o de estrutura inflável, que é
considerado mais amigável para a redecolagem do kite d’água - isto ocorre quando, por
inexperiência ou algum outro motivo, o kite é derrubado na água (EXADAKTYLOS et. al.,
2005).
Existem diferentes tipos de sistema de controles para estes kites, os quais podem ter de
duas a cinco linhas conectadas em uma barra. Na posição neutra, isto é, exatamente sobre a
cabeça do operador, o kite o gera tração exceto contra o peso do velejador. O velejador
então deita no raso e coloca as alças de sua prancha em seus s. Então, em um movimento
rápido e coordenado, direciona o kite para próximo d’água na linha visual em que a prancha
aponta. Se a prancha não estiver devidamente cravada n’água, o kite pode levantar o velejador
acima da superfície como em um planador. Os saltos utilizando a sustentação do kite são muito
69
utilizados por kitesurfistas experientes e adicionam uma maior emoção na prática do esporte
(EXADAKTYLOS et. al., 2005).
Para a prática do kitesurf é necessária a utilização combinada de um complexo
equipamento. Kite, linhas, trapézio e prancha são fundamentais à viabilidade do esporte. Além
desses, outros equipamentos orientados à segurança passaram a existir na medida em que as
necessidades foram surgindo (capacetes, luvas, facas em “U”, coletes de impacto e outros).
Embora esses equipamentos possam ser colocados em um segundo plano para a prática do
esporte, eles ganham importância no momento em que muitos iniciantes e até kitesurfistas
experientes os utilizam em seu aprendizado. Segundo APKITE (2005) e FORMAN (2007) são
utilizados os seguintes equipamentos para a prática:
1. Kite É a razão para o esporte ser chamado kiteboarding. É a pipa que puxa o kitesurfista
adiante. Existem dois grupos bem definidos de kites: No primeiros grupo estão os kites de
estrutura inflável (Figura IV.2A), os infláveis, que podem ser de acordo com seu desenho:
BOW, híbrido, SLE e “C” kite. No segundo grupo ficam os kites ram air(Figura IV.2B), ou
também foil kite”, mais utilizados na neve. Os kites Infláveis possuem uma estrutura em perfil
tubular (bexiga) que é cheia com auxílio de uma bomba de ar manual ou compressores. Já os
kites foils utilizam o sistema similar aos dos parapentes e, por o fazerem uso de talas
infláveis, não precisam ser inflados por bombas de ar. No caso dos kites ram air as células são
preenchidas com o ar do próprio vento de modo que sua estrutura o apresenta a mesma
rigidez dos infláveis. Existe uma rixa entre os entusiastas dos kites foils e dos kites infláveis. De
um lado, o grupo dos foils ridiculariza o grupo dos usuários de kites infláveis por associá-los de
crianças além da demora na montagem de todo o equipamento, ridicularizando ainda, a
dependência das bombas de ar para inflar sua estrutura do kite e as implicações decorrentes
de um eventual furo na mesma. Em resposta, os adeptos dos kites infveis ironizam os foils
por sua inferioridade aerodinâmica, já que, para eles, os ‘animais vertebrados’ (infláveis) voam
com maior superioridade técnica e redecolam d´agua mais facilmente que os invertebrados
(foils). Hoje continuam as discussões entre um grupo e outro, mas a prevalência dos infláveis
seguiu na preferência dos usuários (KITEFORUM, 2008). Recentemente a discussão mudou o
foco com o surgimento em 2006 dos kites Bows (ou SLE - Strutered Leader Edge, ou flat kites)
de estrutura inflável que permitem maior depower” em relação aos kites tradicionais tipo ‘C’
anteriores.
70
Fonte: www.kitesurfmania.com.br e www.kitesurfschool.org.
Figura IV.2 – Tipos de kite (A) Kite de estrutura Inflável (B) Kite foil ram air
2. Pranchas É a outra metade do esporte (Figura IV.3). Enquanto a pipa gera energia por
meio de sua aerodinâmica combinada com a força do vento, a prancha é o equipamento
imprescindível para dar a condição de navegabilidade, oferecendo certa flutuação e
direcionamento, permitindo inclusive a navegação a barlavento. Os tipos incluem direcionais e
bidirecionais, nestes grupos diversos desenhos, a exemplo: freestyle, wakestyle, surf style,
skim, twin-tip and light-wind.
Fonte: www.kitesurfmania.com.br.
Figura IV.3 – Tipos de prancha.
(A)
(B)
71
3. Alças – Esta prende os s do kitesurfista à prancha. Podem variar dependendo do estilo de
velejo (Figura IV.4).
Fonte: www.kitesurfmania.com.br
.
Figura IV.4 – Alças e botas
.
4. Trapézio - Equipamento tipo cinta pós parto, para colocação na zona da cintura (Figura IV.5).
Possui um gancho que prende na barra, mais precisamente no chiken loop. O trapézio
permite usar o peso do corpo para ajudar a agüentar a tremenda força exercida pelo kite, sem
ele seria impossível agüentar mais que 10 minutos.
Fonte: www.hiwindsbrasil.com.br
Figura IV.5 – Trapézios.
5. Linhas - Prendem o kite à barra e tem geralmente 27m, contudo o tamanho pode oscilar
entre os 20m e 40m. linhas de o) o as linhas usadas para ligar o kite à barra. Podem ser
de Spectra (mais comum) ou Kevlar. Normalmente agüentam mais de 300 kgs de tração cada.
Existem kites que usam 2, 3 e 4 linhas, hoje em dia o mais comum é a utilização do kite de 4
linhas (Figura IV.6A). Como existe sempre a possibilidade do kitesurfista se enrolar nas linhas,
a faca em “U” é um equipamento de segurança importante para o caso desta imprevisibilidade
(Figura IV.6B).
72
Fontes: (A) www.windzen.com; (B) http://shop.speedsails.co.uk.
Figura IV.6 – (A) Linhas para os kites.. (B) Faca em “U”
6. Barra - É a barra que prende as linhas, que por sua vez se prendem no kite (Figura IV.7). É a
barra que direciona o kite. No desenvolvimento do esporte muitas inovações ocorreram na
barra, principalmente relacionados à segurança. O desengate rápido - chiken loop
*
, inserido no
ano 2001 é um exemplo desta evolução. Muitos acidentes fatais ocorreram devido à
impossibilidade do atleta o conseguir se desvencilhar do equipamento em função de perda
do controle antes de se chocar com algum obstáculo.
Fonte: http://www.kitesurfingschool.org/equipments.htm
Figura IV.7 – Barra de controle de um kite inflável tipo Bow.
*
Chicken loop. Tamm chamado de Depower ou Trim Loop é um sistema que permite que o kitesurfista ajuste a potência do
kite. A tradução ao da letra é Laço da Galinha (Chicken na gíria inglesa significa covarde), nessa o kitesurfista é ironizado
quandoo aguenta segurar a rajada e alivia a pressão do kite
.
(A)
(B)
73
IV.3 A EVOLUÇÃO DO KITESURF
IV.3.1. A Origem nas pipas
As pipas existem há milhares de anos, mas, ainda hoje, pouco se conhece a respeito
(CHEENATH, 2002). Acredita-se que as pipas foram usadas como força de tração desde os
Faraós Egípcios (ROESELER, 1993), para levantar cargas pesadas quando da construção de
suas estruturas (CARLSON, 2000 apud CHEENATH, 2002). Em épocas remotas as pipas
ajudaram os homens em busca do conhecimento e no esforço para a sobrevivência. Apesar de
serem, no senso comum, geralmente associadas a brinquedo de criança, muito do que se sabe
hoje em diversas áreas do conhecimento é resultado das possibilidades de se alcançar as
altitudes que as pipas proporcionavam. As pipas estiveram presentes em importantes
descobertas científicas e a imagem associada apenas a um brinquedo de criança não
comporta a contribuição para o desenvolvimento de diversas áreas da ciência, incluindo nesta,
o almejado sonho de voar.
Embora associadas à forma popular de diamante, as pipas possuem variedade de
formas e de tamanhos dependendo de sua finalidade. Todas as pipas compartilham dos
princípios aerodinâmicos a respeito das superfícies de sustentação de objetos que podem
variar irregularmente a pressão de ar em torno deles mudando a orientação e o sentido. As
pipas são objetos mais pesados que o ar e superam a gravidade “pegando” os ventos que as
forçam para cima. Quando o ar passa por uma pipa, viaja mais rapidamente acima da pipa e
mais lento abaixo dela. Esta diferença de pressão faz com que a pipa voe para cima sendo
elevada para uma área de pressão mais baixa. O matemático suíço Daniel Bernoulli descobriu
que a pressão diminui quando a velocidade de um fluido (ou do ar) aumenta. Esse chamado
efeito Bernoulli ajuda explicar o comportamento das asas do avião, lemes e kites.
As forças da gravidade (gravity), arrasto (drag), empuxo (thrust), e de sustentação (lift)
afetam também o vôo de uma pipa. A gravidade é a força da terra que puxa a pipa para baixo,
enquanto a sustentação é a força ascendente devido a uma pressão de ar maior abaixo de
uma pipa. A força exercida pela pressão de ar por debaixo de uma pipa devido à resistência do
vento é chamada empuxo, e o arrasto é a tração descendente resultando de uma combinação
do peso, da forma, e do ângulo da pipa à terra. A sustentação deve superar o arrasto para que
uma pipa voe, e a relação sustentação/arrasto (lift/drag) é determinada pelo ângulo da pipa
com a terra isto é, maior a relação, mais alto e mais fácil a pipa sobe (BENSON, 2002).
Entretanto, O arrasto (drag), pode ser usado ganhar uma maior estabilidade e controle sobre
uma pipa. A maneira em que uma pipa voa depende consideravelmente das escolhas do
74
projeto (designer) feitas pelo fabricante; isto porque o uso da pipa recuperou a popularidade na
década passada, em decorrência um grande número de sofisticados projetos de pipas tem sido
introduzido e revivido (CHEENATH, 2002). A Figura IV.8 ilustra esquematicamente a
aerodinâmica de uma pipa.
Fonte: BENSON, 2002
Figura IV.8 – Aerodinâmica de uma pipa
As pipas fazem parte do conhecimento tradicional e foram populares na China e nos
países asiáticos por séculos. Acredita-se que a pipa foi inventada no arquipélago Malaio
(Malay) e dessa área vem a conhecida pipa Malay com o desenho similar ao de um diamante
que proporciona prescindir do uso da cauda para manutenção do equilíbrio. Outro registro
antigo de uso de pipas refere-se ao povo Maoris, da Nova Zelândia, sendo que o uso de pipas
ainda hoje se faz presente no acompanhamento de cânticos em determinados cerimoniais
(CORNISH, 1957).
em torno de Bougainville existem registros de uso de pipa triangular para a pesca.
Essa pipa, feita geralmente com cinco folhas da palma de sago, tinha sua parte inferior
conectada a uma linha com uma isca oscilando n’água. A originalidade da isca é caracterizada
por não empregar nenhum gancho para captura do peixe, tratando-se apenas de um punhado
pegajoso de teia de aranha obtido das selvas. Se um peixe abocanha a isca seus dentes ficam
presos na teia e o nativo pode recolher sua pipa com seu alimento podendo utilizá-la repetidas
vezes (CORNISH, 1957).
75
ROESELER e CULP (1989) dizem que a utilização de pipas de tração para movimentar
embarcações não é algo novo. Os autores afirmam que a combinação de pipas de pesca
polinésia e oriental com canoas e caiaques modernos sugerem que a concepção desta baixa
tecnologia de navegação poderia concebivelmente datar de milhares de anos. Dizem ainda que
Marco Polo fez menção aos insulares samoanos usando pipas para puxar suas canoas. A
Figura IV.9 mostra a foto de um nativo com seu equipamento de pesca.
Fonte: Pitt-Rivers Museum (apud CONISH, 1957).
Figura IV.9 - Nativo das Ilhas Salomão com sua pipa de pesca. Teia de aranha é usada no
lugar do anzol.
Por sua vez, LYNN (s/d) diz que os kites para pesca eram utilizados precisamente na
ilha de Celebes na Indonésia e que nesta ilha existe uma boa quantidade de folhas que voam
bem com um simples ponto de fixação e que apenas o trabalho de retirar a folha da árvore
seria necessário para a sua utilização. A combinação destas folhas com linhas de pesca e
canoas podem estar na origem da concepção da utilização de pipas para o transporte marítimo
embora a utilização de pipa nessas condições eram limitadas em sua navegabilidade uma vez
que nenhuma direção que desviasse do sotavento era permitido, a relação com a tração da
pipa era passiva e a única direção obtida era o movimento a favor do vento.
Outra utilização atribuída às pipas remetem-se a registros sobre pipas encontrados na
história chinesa. Dizem as lendas que as pipas eram usados com propósitos militares, mais
especificamente, em sinalizações. Quando as mensagens tinham que ser emitidas sobre o
domínio inimigo, pipas brilhantes e coloridas eram usadas em grandes alturas para serem
vistas pelas tropas. Na Coréia algumas histórias também remontam a utilização das pipas em
batalhas. Em uma batalha particularmente crítica um general coreano empinou uma pipa a
noite com uma lanterna na cauda. Os soldados, ao acharem ser aquela luz um sinal divino,
encheram-se de força e coragem. Um outro general coreano, quando barrado por um rio
76
através de sua rota, voou uma corda com auxílio de uma pipa para outras pessoas na outra
margem e com isso conseguiu dar início à construção de uma ponte (CORNISH, 1957).
Também recentemente registros de uso de pipas pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro
quando essas eram usadas nos morros cariocas como sinalização da chegada da
polícia.alertando os narcotraficantes
As pipas também tiveram utilização científica. Em 1749, Dr. Alexander Wilson e Thomas
Melville da Universidade de Glasgow na Escócia, foram os primeiros a registrar a temperatura
acima da terra. Eles levantaram termômetros com ajuda de seis pipas com fusíveis unidos a
cada pipa de forma que os instrumentos ficassem em alturas diferentes. Em 1752, Dr. Bejamin
Franklin com a ajuda de uma pequena pipa em uma tempestade conseguiu provar que o
relâmpago é uma forma de eletricidade. A pipa caixa foi inventada em 1893 por Lawrence
Hargrave, um australiano, e foi usada efetivamente em estudos metereológicos e
aerodinâmicos. A pipa tetrahedral foi utilizada por Alexandre Grahm Bell para fazer
experiências sobre problemas na construção de aviões (CORNISH, 1957; HART, 1967).
Existem ainda vários outros exemplos de utilização das pipas. A idéia de usar uma pipa
para transportar uma linha a um ponto inacessível também foi posta em uso prático nos
Estados Unidos em 1849 quando um grupo de engenheiros pensou em todos alternatios
para viabilizar medições no Rio Niagara com vistas à construção de uma ponte. Um deles, T.G.
Hulet, ofereceu um prêmio de dez lares ao primeiro menino que conseguisse voar um kite
com uma corda robusta através do rio rochoso de blocos de gelo. Depois de diversas tentativas
mal sucedidas, um jovem chamado Homan Walsh ganhou o dinheiro. Esta corda deu forma ao
início de uma ponte que uniu os Estados Unidos ao Canadá (CORNISH, 1957). Segundo ainda
o autor, muitos aviadores americanos devem sua vida a uma pipa. Em muitos aviões, como
parte do equipamento padrão de sobrevivência, uma pipa pequena tipo caixa permitiu ao
sobrevivente montar sua antena de rádio a uma altura suficiente para chamar ajuda.
As pipas também desempenharam um papel importante durante a I e II Guerra Mundial.
Os franceses as usaram para detectar rapidamente os movimentos de inimigos. A marinha dos
Estados Unidos as implementou para a prática do tiro ao alvo. Um general chinês da Dinastia
de Han usou uma pipa para medir a distância da fortificação de um inimigo e construir um túnel
que lhe conduzisse a uma vitória rápida na batalha. (CARLSON, 2000 apud CHEENATH,
2002). “Apesar de tudo isto, o uso do kite foi limitado em seu escopo e pouca pesquisa
científica foi realizada sobre ele” (CHEENATH, 2002, p.3).
77
No final do século XIX, o interesse pelas pipas era intenso e as façanhas com os kites
começaram a envolver a sustentação de pessoas (Figura IV.10). Lawrence Hargreave da
Austrália foi o primeiro a trabalhar com seriedade e, em 1893, utilizando três pipas grandes
unidas conseguiu se elevar a uma altura de 5 metros acima da terra. Na Inglaterra experiências
também aconteceram. Em 1895 o Capitão Baden Powel com a ajuda de cinco pipas foi
levantado a uma altura de 30 metros. As pipas experimentais do Capitão Baden-Powel foram
na prática utilizadas no envio de correspondência do navio Daring para um outro navio. Na
guerra de Boer na África do sul soldados ingleses usaram as pipas do Coronel Samuel Franklin
Cody para espionar inimigos – suas pipas chegaram a alcançar a inédita altitude de 488 metros
sustentando uma pessoa (CORNISH, 1957, MACKENNA, 2001). O mesmo Samuel Franklin
Cody, em 1901, navegou pelo Canal da Mancha utilizando uma pipa de tração (LYNN, s/d).
Nesta época a intensa aplicação de pipas envolvia diversas finalidades indo desde fotografia
aérea, passando por atividades circenses, até os pioneiros da aviação.
Fonte: CONISH, 1957
Figura IV.10 – Samuel F. Cody sendo levantado por uma fila de pipas.
Se não fossem as pipas, os irmãos Wilber e Oliver talvez nunca tivessem chegado ao
sucesso com seu avião. Eles inicialmente exploraram rias idéias de uma máquina de vôo
testando muitos projetos de pipa. Seu projeto final do avião foi baseado na pipa em formato
caixa (box kite). A pipa caixa foi Inventada pelo cientista australiano Lawrence Hargrave em
1885. Hargrave não patenteou sua invenção e expôs seu trabalho no Museu de Tecnologia da
Alemanha somente porque gostava da idéia de gerar publicidade ao seu trabalho. Na França,
os pioneiros da aviação assumiram o australiano como o precursor das idéias aeronáuticas,
Gabriel Voisin sempre chamava seu avião comercial de Hargraves. os irmãos Wright,
78
temerosos com o indeferimento da patente, recusaram a contribuição de Hargrave para o
sucesso de seu trabalho (CHEENATH, 2002; MACKENNA, 2001). Assim como Hargraves que
fazia questão divulgar seus trabalhos, Santos Dumont também demonstrava suas máquinas
em público, ao contrário dos irmãos Wright que negavam informações e ocultaram o aeroplano
para a obtenção da patente (GIUCCI, 2001).
No período inicial da aviação chamado de período heróico da aviação, a falta de
praticidade do aparelho chamava atenção. Inicialmente o avião era percebido apenas como um
aparelho estético (WOHL, 1994, apud GIUCCI, 2001). Ao comparar dois mitos da cultura
moderna Santos Dumont e Wilbur Wright - GIUCCI (2001) diz que a aproximação dos dois
com a aviação é claramente distinta. Wilbur vem de uma família de classe média, sem
educação superior em ciência e tecnologia. Seu conhecimento é prático, derivado de seu
trabalho com bicicletas e automóveis. Ele percebe a amplitude da pesquisa aérea, a ponto de
sua invenção ser oferecida a diferentes governos para propósitos militares. Wright posiciona-se
como inventor, na mesma linha dos inventores americanos do século XIX. O objetivo de Wright
com sua quina voadora é de controle, tenta de maneira consistente reduzir o risco ao
nimo. Por sua vez, Santos Dumont é rico, excêntrico, tenaz, brilhante em suas intuições,
disposto a morrer pelo progresso e pela fama. Seus propósitos não o financeiros. O prêmio
recebido em Paris em 1903 é repartido entre os pobres da cidade e suas invenções são
custeadas com seus próprios recursos. Assim como Hargraves, Santos Dumont apresentava
sua invenções em público, ao contrário dos irmãos Wright que trabalhavam em sigilo, negavam
informações e ocultaram o aeroplano até o depósito da invenção.
Foto: Brown Brothers (CONISH, 1957).
Figura IV.11 - Os Wrights amarrando um planador em Kitty Hawk, em outubro de 1900. Por
falta de vento amigável, o planador era dirigido sem piloto. O controlade era realizado a partir
do solo por cordas.
A perspectiva apresentada por GIUCCI (2001) sobre a personalidade dos grandes
pioneiros da aviação traça uma característica interessante de propósitos entre inventores de
atividades incipientes. Enquanto um determinado grupo a invenção com propósitos
financeiros e comerciais mantendo sigilosamente as informações aa conquista da patente;
79
um outro grupo compartilha de seus avanços com a comunidade e seu principal objetivo
acompanha o aumento da sua reputação entre seus pares.
Após o sucesso advindo com a invenção do avião, as experiências envolvendo pipas
passaram por um peodo de estagnação. Pode-se dizer que ainda hoje pouco se compreende
sobre o funcionamento das pipas. Enquanto a aerodinâmica de uma pipa é conhecida na
teoria, na prática a deformação faz seu comportamento altamente imprevisível. O fato é que o
controle preciso das pipas raramente foi tratado com interesse científico desde que seu vôo foi
relegado a mera prática de lazer (CHEENATH, 2002).
Se de um lado o interesse científico pelas pipas reduziu-se a partir da invenção do
avião, por outro, praticante de esportes radicais mantiveram-se atentos às novas
possibilidades esportivas no terreno da aventura. Este interesse peculiar intensificou-se nas
últimas décadas principalmente no que se refere ao desenvolvimento das modernas pipas de
tração. Esta recente história marca um novo episódio na milenar cultura das pipas viabilizando
a geração de novas modalidades esportivas radicais a partir do redesenho da modalidade
original com o uso de pipas de tração. Como exemplo, tem-se o surf, o skate e o snowboarding
que hoje apresentam variações com o uso de kites.
Neste sentido, o kitesurf é geralmente percebido no contexto do subgrupo pertencente
ao kitesailing. A pipa de tração tem a finalidade de obter a energia proporcionada pela força do
vento com resultado de gerar movimento em veículos terrestres ou náuticos. Nesta categoria, o
kitesailing preocupa-se com a utilização das pipas com objetivo de gerar propulsão das
embarcações na busca de soluções inovadoras às tradicionais velas, enquanto o kitesurf,
compreende uma classe do kitesailing, e na sua dinâmica apresenta características peculiares
típicas dos esportes radicais.
IV.3.2. O Desenvolvimento da pipa de tração
Obviamente os conhecimentos adquiridos nos avanços das pipas recreativas
contribuíram em grande parte para a construção do atual estado da arte no que se refere às
pipas de tração. No entanto, foi o desenvolvimento específico dessas pipas de tração que
permitiu a criação de um cenário de novas modalidades esportivas de aventura. Existe uma
trajetória marcada por rias experiências que levaram à evolução das pipas de tração até o
surgimento do kitesurf, passando pela carruagem de Pocock, a criação da pipa Ram Air e a
patente de Panhuise.
80
A experiência pioneira de Pocock
Em 1826 um professor inglês chamado George Pocock tornou possível a primeira
carruagem sem cavalos do mundo. A inspiração significativa veio com o objetivo inicial de criar
uma alternativa para os altos impostos da época, cobrados de acordo com o número de
cavalos que a carruagem utilizava. Assim sendo, Pocock patenteou (PATENTE n.º GB5420)
uma incomum invenção que conseguia puxar uma carruagem em até 32 km/h com a utilização
de pipas. Com sua invenção, Pocock o pagava nenhum tributo por seu veículo. que se
destacar que a invenção de Pocock precedeu os fios de telégrafo e eletricidade, o que
possibilitou a sua utilização. (CHEENATH, 2002; LYNN, 1993; CORNISH, 1957; UOL, 2006).
As pipas de Pocock eram similares às pipas Malay, mas tinham o topo circular e
possibilitavam o controle do ângulo de ataque da pipa. Sua invenção nunca chegou a ter um
uso disseminado, talvez por causa da imprevisibilidade da velocidade dos ventos e de sua
direção. A Figura IV.12 mostra um desenho da patente de Popock ilustrando a invenção da
carruagem puxada por pipa.
Fonte: POCOCK, 1826, p.26.
Figura IV.12 - Desenho da patente n.º GB5420.
A carruagem-pipa ouCharvolant” fez muitas viagens entre Bristol e Marlborough.
Popock, uma vez, chegou a ultrapassar a carruagem do correio de Londres. Em outras de suas
viagens, um grupo de três carruagens, cada uma carregando passageiros, realizou um
transporte de 181 km de distância. Antes de inventar o Charvolant”, Pocock projetou pipas
capazes de levantar pessoas e utilizou para conquistar o topo de um penhasco íngreme de 61
81
metros de altura. Pocock propôs também que as pipas fossem usadas para rebocar
embarcações e carregar linhas de socorro aos navios destruídos (CORNISH, 1957; LYNN,
1993).
Figura IV.13 George Pocock viajou
pela Inglaterra em seu Charvolant”.
Imagem: A. Stanford (apud CONISH,
1957).
Após a invenção de Pocock a pipa de tração evoluiu muito pouco durante os anos
posteriores, excetuando a aventura de Samuel Franklin Cody que, em 1903, demonstrou a
estabilidade e o controle de seus patenteados “winged box kites” (pipas caixas aladas)
atravessando, com a ajuda deles, o Canal da Mancha. Esse feito somente foi repetido pelo
Inglês Keith Stewart em 1977, usando modernas “stunt kites” (pipas acrobáticas) (LYNN, s/d;
ROESELER e CULP, 1989).
CHEENATH (2002) corrobora com o entendimento de LYNN (s/d) sobre os anos de
estagnação no que se refere à evolução das pipas de tração e acrescenta que, na década
de 1990, houve o retorno do interesse por esse tipo de pipa motivado, entre outros fatores, pelo
surgimento de novos esportes.
“A década passada viu um revival no interesse das pipas devido aos novos
esportes baseados em pipas, às novas aplicações comerciais, e aos usos
científicos das pipas. Como uma plataforma para atividades diferentes, as pipas
são atrativas devido a seus baixos custos, portabilidade, e fácil manutenção. Esta
renovada demanda está empurrando os fabricantes de pipa para a produção em
massa e assim desenvolvendo a ciência e os projetos de produção da pipa em um
novo nível de sofisticação. O papel do projeto em fazer uma pipa conduziu a
diversas inovações e descobertas na ciência da aviação e mostrou que há muito a
ser alcançado e muitos “inroads” a serem feitos neste campo.(tradução livre)
(CHEENATH, 2002, p.1).
82
A Invenção da Pipa Ram Air
Em 1964, Domina Cleophase Jalbert, dos Estados Unidos, obteve a patente da primeira
pipa “ram air” (pré-enchida de ar) com duas camadas, que passou a ser referência para os
entusiastas das pipas a partir de então (JALBERT, 1964; LYNN, s/d). As pipas criadas por
Domina Jalbert, conhecidas também como parafoils, são as únicas que não têm nenhuma
armação e são feitas completamente de tecido. Uma parafoil consiste em células múltiplas
enchidas com o ar pelo vento. As células de ar pré-enchidas o à pipa sua estrutura e têm
bastante sustentação para levantar pesadas cargas. Os pára-quedas modernos são, de fato,
grandes parafoils.
Panhuise – O Visionário
Na cada de 1970, alguns americanos começaram a usar parafoils para puxá-los
sobre esquis aquáticos (UOL, 2006). O holandês Gijsbertus Panhuise, em 1977, conseguiu a
obtenção da patente de um equipamento em que uma pessoa é puxada por um pára-quedas
em uma prancha (PANHUISE, 1976). Apesar de não possuir nenhum grande valor tecnológico
significante à construção das pipas de tração, o invento de PANHUISE (1976) representa
visionariamente o primeiro modelo rústico de um equipamento de kitesurf.
Na Figura IV.14 o desenho da patente original de PANHUISE (1976) mostra um
operador vestindo um colete náutico conectado a um pára-quedas sendo por ele rebocado em
uma prancha de windsurf.
Fonte: PANHUISE (1976).
Figura IV.14 - Desenho da patente n.º NL7603691, depositada em 1976 - A primeira patente a
vislumbrar a prática do “kitesurf”.
83
IV.3.3. A Evolução do “Kitesailing”
A evolução das pipas de tração permitiram o desenvolvimento do chamado kitesailing,
que baseia-se na utilização de pipas como vela na navegação. LYNN (1993) define a
praticidade da utilização de pipas como vela na navegação (kitesailing) pela capacidade de
lidar com segurança em todos os cursos que as velas normais são capazes de realizar
(barlavento e sotavento), em uma razoável faixa de vento.
Para LYNN (1993) o Kitesailing deu um enorme passo em frente com o feito do
americano Yan Day que, em 1978, conseguiu ultrapassar a velocidade de 40 km/h utilizando
um catamarã Tornado da classe olímpica de 20 pés usando uma gigante fileira de 15 pipas
Flexfoil Super 10 (300 pés quadrados) conhecida como escada de Jacobs (Jacobs Ladder),
alcançando o recorde mundial na classe-C entre 1982-88 (ROESELER e CULP, 1989). A
Figura IV.15 ilustra pipas flexifoil super 10 enfileiradas no ar.
Fonte: ROESELER E CULP, 1989, p.3.
Figura IV.15 - Pipas Flexifoil Super 10 enfileiradas no ar.
Foi o desenvolvimento da tecnologia do kevlar e depois das linhas de vôo de spectra e
de pipas controláveis razoavelmente eficientes (com a relação sustentação (lift) / arrasto (drag)
> 3.0), no final dos anos 70, que permitiram a viabilidade da utilização da pipa de tração (LYNN
(s/d); UOL, 2006).
Ainda no âmbito do desenvolvimento do kitesailing, durante os anos 80, Andréas Kuhn
foi visto na TV européia com um wakeboard e um parapente de 25 metros quadrados. Andréas
Kuhn foi o primeiro a saltar a grandes alturas com ventos fracos. Ao longo das décadas de 70 e
80, foram feitas várias tentativas esporádicas - bem ou mal sucedidas - de combinar pipas com
84
canoas, patins, patins de gelos, esquis, esquis aquáticos, entre outros. As pipas eram
aplicadas com qualquer coisa que deslizasse ou rolasse na face da terra ou do mar (UOL,
2006).
No final dos anos 80 a tecnologia existente no mundo sobre pipas estava atrás de sua
capacidade teórica. As pipas Flexifoils (patenteadas em 1976) eram a escolha mais freqüente
com a finalidade de gerar tração. Estas pipas possuíam uma razão de sustentação/arrasto
(lift/drag) 4 ou 5, e tinham rudimentares pontos de controle. ROESELER e CULP (1989)
costumavam trabalhar com estas pipas em experimentos, usando simplesmente uma pipa ou
variando de 2 a 12 pipas enfileiradas. As Flexifoils eram rápidas e alcançavam velocidades de
100 s, mas eram difíceis de controlar e menos estáveis que outras pipas de tração. Eram
bastante reativas ao comando, mas com uma dificuldade característica de se manterem
estaticamente (parada sem comando). Ao contrário das tradicionais pipas delta, a estrutura
desta pipa permanecia totalmente em tensão e sua estrutura tornava-se mais gida sobre altas
velocidades. Apesar das Flexifoils o permitirem nenhum controle ativo sobre o ângulo de
ataque, o operador ainda conseguia controlar sua potência. Isso era conseguido em ventos
moderados posicionando-se a pipa em um ângulo de 70º - 8da superfície (exatamente em
cima da cabeça do operador). Como exemplificado na Figura IV.16, nesta posição o ângulo de
ataque da pipa é baixo, gerando uma força de elevação apenas suficiente para superar a
gravidade (ROESELER e CULP, 1989; JONES e MERRY, 1976).
Fonte: ROESELER e CULP, 1989, p.4
Figura IV.16 – Área de vôo de uma pipa de acrobacia (stunt kite)
Conforme ilustrado na Figura IV.16, a pipa permanece semi-estável sendo possível
manobrar para os lados e para baixo, até se aproximar da superfície e voar no mesmo ângulo
de 75º, aproximando-se até 15º da linha perpendicular ao vento no ponto do operador. A
trajetória da pipa segue um semicírculo desenhado sobre a superfície, na qual o raio é igual a
linha do comprimento que desenha os limites de uma cúpula, o que inclui a superfície total da
área de posições possíveis da pipa (ROESELER e CULP, 1989).
8
5
Por suas caractesticas técnicas, essas pipas mostravam uma peculiar alternativa em
relação a outras velas tradicionais, no entanto, também tinham algumas limitações. Como
vantagem tem-se que essa pipa de tração poderia ser concentrada em um único ponto de uma
embarcação, eliminando grande parte da resistência e rigidez da construção convencional
necessária em estruturas de embarcações a vela. Os pontos negativos residiam principalmente
na eficiência de vôo das pipas quando molhadas e na incapacidade de alguns tipos de
redecolarem as um curto período de tempo em contato com a água (ROESELER e CULP,
1989).
Na Figura IV.17 tem-se uma demonstração do uso de catamacombinado com pipas
em fila. A foto mostra David Culp durante a corrida de velocidade “Johnnie Walker/RYA Speed
Trials” em Weymouth na Inglaterra em 1987, em que utilizava uma fileira de 5 pipas Flexifoil 12
com 150’ de linhas de vôo. Era uma fila de 12de largura por 32de altura, com 14 metros
quadrados de área, com um barco pesando apenas 140 libras.
Fonte: ROESELER E CULP, 1989, p,1.
Figura IV.17 – David Culp usando uma fileira de 5 pipas. Foto de capa da revista “Kiting
Kitesailing international” de julho 1988, vol.10, n.4 (CULP, 1988).
ROESELER (2006) cita nomes como Dave Culp, Theo Schidmit e Troy Navarro como
pessoas que contribuíram para a tentativa de usar pipas para velejar kitesailing”. Tais
tentativas entretanto se resumiam na grande maioria em velejar a sotavento (downwind) e não
tornavam o esporte prático. Conforme colocado pelo autor: “A maioria pensava em velejar a
86
sotavento (a favor do vento), as pipas molhavam e tudo estava acabado. Nenhumas dessas
pessoas realmente estacionaram neste ponto e focaram em desenvolver equipamentos para
tornar o esporte viável” (tradução livre de ROESELER, 2006, p. 31).
LYNN (1993) também menciona que um dos maiores problemas a serem resolvidos,
além da solução existente teoricamente de se velejar a barlavento, era a impossibilidade de
continuar a prática esportiva na ocorrência do velejador deixar a pipa encostar n’água (kite
relaunch). Bastava apenas o praticante deixar a pipa cair n’água (geralmente por instabilidade)
para terminar o velejo e este problema inviabilizava a praticidade do esporte. Para o autor esse
freqüente colapso das pipas (wind luffing kite collapses) era apontado como um problema
intratável no que concerne à utilização das pipas em embarcações a vela. O autor considerava
aceitável porém seu uso no desenvolvimento do kitebuggie como prática esportiva.
IV.3.4. Surgimento e difusão do “kitebuggying” como precursor do kitesurf
Segundo LYNN (s/d), o primeiro sucesso significativo dos kites de tração veio com o
desenvolvimento prático do kitebuggyingem 1990, em Argyle Park em Ashburton na Nova
Zelândia. A concepção precursora da moderna tecnologia de pipa parafoil” O modelo Peel” -
em conjunto com o “buggy” de três rodas, deu nascimento a esse outro esporte mundial que,
até 1999, contava com mais de 14.000 unidades de “buggies” vendidas da marca Peter Lynn
(LYNN, s/d). Peter Lynn é um conhecido fabricante de kites da Nova Zelândia e proprietário da
empresa Peter Lynn Kites Ltd. (STEVENSON et al., 2005). A Figura IV.18 ilustra a prática do
kitebuggying.
Figura IV.18 – kitebuggying na prática (INDEPENDENCE WORLD, 2009).
87
As pipas evoluíram rapidamente após os anos 90 em resposta ao surgimento do
significativo e altamente competitivo mercado dos “kitebuggying”. Entretanto, o
desenvolvimento do “kitebuggying” – que era para ser um caminho natural de desenvolvimento
para o sucesso do kitesurf modernoo se configurou dessa forma. Como colocado por Lynn
(s.d.), o kitesurf moderno surgiu com uma independência quase total do “buggying”, apesar dos
conhecimentos adquiridos no “kitebuggying terem sido de grande ajuda para o
desenvolvimento do “kitesurf”.
Segundo LYNN (s/d) foi o trabalho de duas famílias, uma americana e uma francesa,
também na década de 80, que iniciou a cronologia para que o kitesurf chegasse à forma que se
tem atualmente. Os Legaignouxs na França, com a invenção do kite de estrutura inflável, e os
Roeselers nos EUA’s, com a invenção do kitesky”, se tornaram nos irmãos Wright da recente
historia do “kitesurf”.
IV.3.5. A Invenção do Kite de Estrutura Inflável
Dominique e Bruno Legaignoux, dois irmãos franceses obcecados por esportes náuticos
depositaram em 1984 uma patente na França sob o título de “curve wing inflatable sctruture”
que acabou proporcionando um inédito impulso para o crescimento do kitesurf. A invenção
consistia de uma asa (pipa) controlada por duas linhas com armação inflável (bexigas de ar
comprimido) (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 1984). Apesar da invenção dos Legaignoux
serem constantemente referenciadas como uma importante origem no surgimento do kitesurf, a
descrição da patente não menciona o nome do novo esporte como ficou posteriormente
conhecido. Entretanto, a descrição da patente ressalta a capacidade de decolagem da asa a
partir da água sem assistência de uma outra pessoa. Entre as possibilidades de uso da
invenção tem-se, conforme texto extraído da patente depositada: Esta asa pode ser utilizada
para tração ou suporte de uma pessoa, uma carga, um dispositivo ou máquina sobre a água,
no solo (neve, gelo, grama, areia, etc.) ou no ar. Entre suas inúmeras aplicações possíveis, o
foco mais evidente é em esportes deslizantes, iatismo e vela aérea” (tradução livre de
LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 1984, p.8).
O kite com talas infláveis solucionava o problema da redecolagem dos kites. Os kites
até esta época ainda possuíam muitas restrições para o seu uso, principalmente o utico,
uma vez que as pipas ainda eram instáveis e constantemente caiam na água. Segundo
LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX (1984, p.8): “Usando esta asa insubmegível asa e seu sistema
88
de controle, a decolagem da água é extremamente fácil e não necessita de assistência
externa” (tradução livre). Entretanto, dois elementos do que se configura hoje como o produto
final do equipamento de kitesurf estão ausentes nos desenhos da patente dos irmãos
Legaignoux: 1) A prancha, que no desenho é substituída por skis e; 2) A barra de controle,
conforme ilustrado na Figura IV.19 que mostra o desenho da patente citada. A Figura IV.19
mostra fotos da utilização do equipamento.
Fonte: LEGAIGNOUX, 1984.
Figura IV.19 – Desenho da patente Norte Americana – USPTO n.º 4.708.078.
Mostra a utilização da pipa em um contexto náutico.
1-bordo de ataque inflável 8-linhas 11-gancho 12-trapézio 13 –skis
Fonte: LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006.
Figura IV.20 - Dominique pronto para um teste com o protótipo. Ao lado, os
primeiros skis utilizados, setembro, 1985.
Segundo os inventores, nesta época muitos equipamentos foram utilizados para
aproveitar a tração dos kites e eles inicialmente testaram em pranchas e skis aquáticos. Existia
uma suposição que o desenvolvimento das pipas com capacidade para velejar poderiam servir
de alternativa ao windsurf no terreno dos esportes radicais de vela. Porém, em meados dos
89
anos 80 o windsurf estava no auge e nenhuma empresa quis apostar na idéia dos irmãos
Legaignoux (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
Ao participar de sua primeira Speed Week, em Brest (Brittany France), em abril de
1985, os irmãos Legaignoux acabaram ganhando o prêmio de genialidade. Participaram
também de duas outras Speed Weeks (Semana da Velocidade) em 1986. O propósito era
convencer algum produtor de pranchas a lançar o novo esporte. Infelizmente, isto não ocorreu
logo. O windsurf era um esporte onde o mercado estava alcançando seu auge e todos
consideravam-no o esporte do momento. Para resolver este problema os irmãos Legaignoux
gastariam muito tempo ainda, desenhando pranchas para funcionar com os kites e aperfeiçoar
outros equipamentos (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006). O windsurf, que iniciou em 1964
com a inovação do usuário Newman Daroy, em 1998 já contava com 1,214 milhões de
praticantes nos EUA com uma taxa de crescimento de 6,9% ao ano (SHAH, 2000).
Apesar de atrair participantes de diversas modalidades, freqüentemente ocorrem relatos
dos pioneiros do kitesurf da inerente proximidade do novo esporte com o windsurf e os motivos
que os conduziram a abraçar a incipiente modalidade e abandonar o windsurf (TAUBER et al.,
2007). É importante ressaltar que o windsurf, um esporte mais antigo e já consolidado, contava
com diversas inovações incrementais e no limite de seu desempenho tecnológico. Já o kitesurf
representava uma inovação radical na forma recreativa de velejar quando comparado
diretamente com o windsurf e vislumbrava uma nova janela de oportunidades, tanto no
aperfeiçoamento do novo produto, quanto na possibilidade do surgimento de novas manobras.
Além disso, o equipamento de kitesurf mostrava-se menor e menos pesado, apenas uma
mochila era necessária para guardar a pipa combinada com pequenas pranchas, melhorando
indubitavelmente a portabilidade do equipamento. o equipamento de windsurf ocupava
muito espaço e obrigava principalmente aos usuários assíduos à utilização de guarderias nas
proximidades do local de velejo.
90
Figura IV.21 - Buno Legaignoux em uma demonstração em La Torche em 1987,
durante o Funboard World Cup, com a maior pipa/kite/asa produzida por ele: uma
17m2. (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
IV.3.6. A Invenção do “KiteSki”
Por sua vez, em 1987, William Roeseler e seu filho Cory iniciavam suas primeiras
tentativas de criar um novo esporte nos EUA (TAUBER et al., 2007). William era projetista da
Boeing e Cory um esquiador de nível mundial. Ambos ocuparam-se por muitos anos em
experimentos visando usar pipas de tração em “buggies” e barcos. Willian defendia a tese que
os ventos a 10-30 metros de altitude obtinham uma velocidade 25-30% maior que próximo ao
espelho d’água. Inicialmente a idéia era obter uma alternativa mais veloz às velas tradicionais
(ROESELER, 1989).
Em 1989, Cory Roeseler participou do “Blowout Raceno Rio Hood, Oregon EUA,
com mais 190 windsurfistas e, mesmo saindo atrás dos outros participantes, ultrapassou a
todos. Entretanto, aquela vitória não foi suficiente para despertar nas muitas pessoas ali
presentes, o interesse pelo kitesurf. “Eu larguei meio atrasado, mas passei todos eles. Mesmo
quebrando o meu kite no meio da regata, continuei com uma conexão do kite batendo pelas
últimas 10 milhas. Ainda assim não foi suficiente para inspirar um grande número de pessoas
no Rio George a praticar kitesurf” (tradução livre de TAUBER et al., 2007, p.65).
Os Roeselers chegaram finalmente a um produto final com a patente sob o título
“KiteSki” em 1992 (LYNN, s/d; ROESELER & ROESELER, 1993). Na época, a prática esportiva
de lanchas que rebocavam pessoas em pipas atingindo o alto contava com alguma
popularidade. A preocupação dos Roeselers era deixar claro na descrição da invenção que
existia uma total independência da utilização de barcos para a prática do novo esporte. Eles
chegam a mencionar o invento dos irmãos Legaignoux como exemplo de inventos com esta
característica, entretanto deixam entender que o sistema proposto pela patente anterior o
91
provinha total confiança na redecolagem no momento em que o kite caía com o bordo de
ataque em contato com a água. Os inventores ressaltavam que a necessidade de um ajudante
em um barco para qualquer eventualidade era uma limitação para a prática esportiva naqueles
moldes por razões óbvias. Os inventores do “KiteSki” ainda defendiam a novidade do seu
invento considerando que o invento dos Legaignoux focavam no design do kite inflável, e não
abordavam as peculiaridades do “kite skiing”. De outra forma, os Roeselers posicionavam-se
como os reais inventores do que eles chamavam de “kite sking.
“O Kite skiing com independência de uma lancha para reboque foi conseguido com
sucesso conforme evidenciado pela divulgação da Patente Norte-Americana
4.708.078, emitida em 24 de Novembro de 1987, com o título PROPULSIVE WING
WITH INFLATABLE ARMATURE (ASA DE TRAÇÃO COM ARMAÇÃO INFLÁVEL),
que ilustra uma pipa rebocando um esquiador. O foco dessa patente é sobre o
desenho de uma pipa de estrutura inflável e não entra em pormenores sobre o
kitesking. A forma esférica da armação inflável é a essência da invenção. Este
sistema de pipa não requer um barco para gerar tração, mas dependem de um
barco, no caso da pipa entrar em colapso, seja para resgatar o esquiador ou para
ajudá-lo em um re-lançamento” (tradução livre de ROESELER & ROESELER,
1993, p.4).
A invenção intitulada “KiteSki” referia-se a um esqui aquático movido por um “kite” com
formato delta de duas linhas controlado por uma barra que possuía uma manivela com
dispositivo de trava (Figura IV.22). A estrutura da asa (kite) podia ser de alumínio leve capeado
nas extremidades, tubo de fibra de vidro, tubos plásticos ou outro material que oferecesse forca
e rigidez com o mínimo peso. O “KiteSki” apresentava genuína capacidade de redecolagem
d’água. Isto era conseguido recolhendo-se as linhas aque a ponta dokite” fosse alcançada.
Desta forma o “kite” era manualmente posicionado no ar com as linhas bem curtas. A partir daí,
o praticante ia soltando a trava e o “kite” ganhando altura até adquirir tração suficiente
novamente. O “KiteSki” gerava uma força suave em ventos fortes e tinha uma excelente
performance a barlavento, especialmente em condições de vento inconstante ou rajado. A
inovação dos Roeselers chegou a ser aplicada comercialmente em 1995 (LYNN, S/D;
ROESELER e CULP 2006; ROESELER & ROESELER, 1993), entretanto o “kiteSki”, no
prosseguimento da nova modalidade esportiva perdeu espaço para outras plataformas
tecnológicas existentes.
92
Figura IV.22 – Desenho da patente n.º 5.366.182 do “KiteSki”.
IV.3.7. A Disputa por uma Plataforma Tecnológica: das Pipas de Tração para o “Kitesurf”
As duas invenções anteriormente descritas trouxeram a solução técnica de dois grandes
problemas para a prática do desenvolvimento do kitesurf como modalidade esportiva até
aquele momento: 1) a redecolagem do kite d’água e; 2) a navegação a barlavento. Entre as
principais diferenças dos dois modelos apresentados, destaca-se o tipo de estrutura (armação)
utilizada. Enquanto os Legaignouxs usavam a estrutura inflável para dar forma ao kite, os
Roeselers utilizavam uma estrutura rígida. Nos mecanismos de controle, a barra, que era
inexistente na patente dos Legaignoux, na dos Roeselers possuía uma manivela e aferia maior
confiança e controle ao equipamento.
Apesar da data de prioridade da patente dos Legaignouxs (1984) ser anterior a patente
dos Roeselers (1992), o kite com estrutura inflável dos irmãos Legaignoux e o kiteski” da
família Roeseler iniciaram as vendas entre 1993 e 1995 respectivamente. Entre as plataformas
tecnológicas existentes a o momento da fase inicial do kitesurf, três tipos de pipas
disputavam a hegemonia do mercado: 1) as pipas de “estrutura inflável” dos Legaignouxs,
conhecidas como “LEI” (Leader Edge Inflatable); 2) o “Kiteski” dos Roeselers e; 3) as pipas
“Ram air” da Flexifoil (Patenteada em 1976), nesta altura já bem próxima de expirar a patente.
LYNN (s/d) diz que em 1995 esteve com Cory Roeseler no Lago Clearwate na Nova
Zelândia. Cory impressionou Lynn com a velocidade, balanço e o ângulo a barlavento que ele
conseguia com seu “kiteSki” um feito o igualado por ningm na Nova Zelândia a1998.
No final dos anos 90, a invenção de Cory, tinha evoluído para uma prancha única, o que era
93
mais próximo de uma prancha de surf. Segundo LYNN (s/d), os Roeselers certamente
merecem o sucesso e a gratidão da comunidade kitesurfística pelos anos de pioneirismo
técnico e promoção do esporte (LYNN, s/d).
Logo após o depósito da patente do kite de talas infveis, os irmãos Legaignoux
iniciaram um longo período de P&D para melhorar o conceito do produto. Eles tinham em
mente as seguintes prioridades: ir a barlavento; ir mais pido; e aperfeiçoar a capacidade de
redecolar o kite da água com o máximo de confiança.
Durante este período os irmãos Legaignouxs manufaturaram muitos protótipos de kites
de 5m
2
a 17m
2
, com diferentes proporções de sustentação/arrasto (lift/drag) (Apect Ratio)
(LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006). O Aspect Ratio (AR) é a razão da envergadura ao
quadrado pela área do kite e muito importante na construção dos kites, na aviação e no
iatismo. O AR afeta resultados de performance e sofre limitações de acordo com seu design e
estrutura. No caso das superfícies de sustentação (asas, kites, quilhas, velas), quanto maior o
AR (quanto mais alongada é a asa), maior a eficiência aerodinâmica, resultado em mais
sustentação e menos arrasto para um mesmo fluxo (MAZZOCATO, 2006).
No caso da patente dos irmãos Legaignoux a solução tecnológica se deu principalmente
pela utilização da estrutura do kite com bexigas infláveis, garantindo leveza para melhor
performance no vôo e melhor portabilidade para o equipamento. Ao contrário das outras pipas
de armadura rígida, os infveis poderiam ser esvaziados e guardados em mochilas, sem
mencionar a superioridade aerodinâmica da estrutura em relação aos Flexifoils. Os kites de
estrutura de inflável (LEI) mantinham-se rígidos com a utilização das bexigas, mas
suficientemente flexíveis para atender as demandas de esforço da estrutura.
“Esta estrutura da armação (bexiga) é um invólucro (5) feito de um
material flexível, de leve tecido feito de um material sintético ou de uma
lâmina de plástico, a qual não perde sua forma facilmente nem absorve
água e é resistente o tanto quanto possível para o uso sem rasgar. Este
invólucro cerca totalmente a armação (bexiga) ocultando-a
completamente. O invólucro e a armação são fixados juntos nos pontos
de contato. Uma camada de tecido cobre o lado de cima da armação e
forma os estrados (S) enquanto outra camada cobre o lado de dentro,
formando os intrados(I). Eles encontram-se as costas e são fixados
juntos
*
.” (tradução livre) (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 1984, p.3).
Durante os anos posteriores ao depósito da patente, os irmãos Legaignouxs (Dominique
e Bruno) ainda testaram muitas outras possibilidades para o seu invento, tentando achar novos
mercados receptíveis à novidade. Em 1985 e 1986 construíram o mais eficiente protótipo sobre
*
Nos kites comercializados a camada que cobre o lado de dentro não foi utilizada. Experiência pessoal do autor.
94
o princípio da utilização de envergaduras mais largas e com dupla camada. Entretanto, os kites
ainda continuavam pesados especialmente quando molhados, instáveis, e ainda requerendo
permanente controle da barra visivelmente impossível após a queda do kite na água.
Dominique e Bruno perceberam que o esporte poderia crescer muito rápido se o kite fosse
mais estável e confvel na redecolagem. Após longo peodo de pesquisa e quase uma
centena de protótipos, os irmãos franceses conseguiram em 1989 construir uma pipa realmente
estável, leve, com somente uma camada, fácil de controlar e redecolar (LEGAIGNOX &
LEGAIGNOUX, 2006).
O kite estava pronto para produção em massa, mas a capacidade das pranchas irem a
barlavento (upwind) ainda não atendia as necessidades para o lançamento do novo esporte.
Eles fizeram uma dúzia de engenhosidades náuticas (pranchas, etc.) com capacidade para ir a
barlavento, mas ainda achavam o equipamento muito grande, pesado e muito caro. A meta era
construir algo menor que 2 metros e 10 kg de peso (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
Utilizar uma pipa para velejar que solucionasse o problema da redecolagem e da
navegação a barlavento não era um melhoramento das tecnologias já existentes, tratava-se de
uma inovação revolucionária e implicava na revisão de produtos e processos. TIGRE (2006) diz
queuma mudança tecnológica é considerada radical quando rompe com trajetórias existentes,
inaugurando uma nova rota tecnológica. Uma inovação radical promove uma nova onda de
inovações incrementais, exatamente o que ocorreu no surgimento dos kites de estrutura
inflável.
Finalmente em 1993, não conseguindo encontrar nenhum interessado em fazer um
contrato de licença, os irmãos Legaignoux resolveram criar sua própria companhia: A Wipika.
Ostensivamente a empresa promovia e divulgava a invenção e demonstrava para fabricantes
que o mercado existia para todo tipo de aplicaçãoutica. Fabricar na França tornou-se muito
caro e o sucesso comercial não estava ainda completamente segurado. Além disso, frutíferos
contatos além-mar eram realizados e, a partir de 1996, a produção foi organizada na Ásia,
sobre a marca Wipika que veio a ser a primeira empresa a fabricar e ter a licença oficial da
patente dos irmãos Legaignouxs (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
O primeiro modelo kite lançado pela Wipika era composto de um sistema de duas linhas
conectadas por intermédio de um cabestro com roldanas. Este modelo, chamado Wipika
Classiciniciou a cronologia das inovações dos kites de estrutura inflável e é considerado o
primeiro modelo responsável pela explosão do kitesurf no mundo. Este projeto pioneiro tem um
sistema simples de cabestro, principalmente nas conexões (wingtips) que reduzem a
95
possibilidade de emaranhar o cabrestro (bridle tangles) e ainda sustentam a extremidade do
extenso arco. A virtuosidade desta forma é a enorme facilidade da redecolagem da água,
quase sempre possível sem permitir que a pipa enrole por dentro, desde que o vento esteja
acima de um nível mínimo. Os kites de Wipika dominaram a maior parte kitesurfing nos
primeiros três anos, especialmente em Maui, iniciando uma nova onda de inovações
tecnológicas.(LYNN, s/d).
TIGRE (2006) menciona que muitas empresas de propósito específico são criadas para
testar uma nova tecnologia ou modelo de negócios original e, em caso de êxito, são vendidas a
investidores de maior porte. O êxito na geração da idéia não significa o sucesso da empresa
em longo prazo. No caso da Wipika, as liderar o mercado nos primeiros anos do início do
esporte a companhia foi perdendo espaço para firmas com maior capacidade competitiva e
principalmente oriundas de mercados tradicionais de vela como o windsurf.
Inicialmente a prática do kitesurf foi marcada pela falta de controle das grandes pipas e
na insegurança que proporcionavam a banhistas e praticantes. Eram comuns os relatos de
acidentes, muitos deles fatais, o que gerava um certo receio do futuro do novo esporte
(NICKEL et al., 2004; SPANJERSBERG e SHIPPER 2007; DAVENPORT e DAVENPORT,
2005). Nos primeiros anos do kitesurf, muitas empresas de trajetória no windsurf optaram por
aguardar a consolidação do novo esporte ou criaram marcas específicas para atuar no novo
mercado. A Northsails, uma das maiores empresas do ramo da vela, é um exemplo das
companhias que somente entraram no mercado do kitesurf após seus primeiros anos. Em 2002
a Northkites lançou o Rhino, seu primeiro modelo de kite com estrutura inflável
(KITEBOARDING, 2001).
CRISTENSEN (apud CLEMENTE, 2006) ressalta o momento delicado em que passam
as companhias tradicionais no momento em que uma inovação disruptiva alcança em
performance a trajetória tecnológica existente, pois toda sua estrutura de custo, valores e
outros, não conferem a esta empresa uma ágil mudança de rumo para a nova trajetória
vigente. Importa no caso estudado que não significa dizer que o surgimento do kitesurf
representasse uma condição tecnológica excludente para o windsurf, porém ressalta-se,
corroborando com as observações deste subscritor, e ainda, de relatos em entrevistas de
praticantes eminentes, um constante sentimento de uma migração acentuada de windsurfistas
para o kitesurf. Neste entendimento caminham na mesma direção os dados obtidos pelo
relatório anual da NSGA - National Sporting Good Associations (2004), que em 2003
contabilizou 314 mil windsurfistas nos EUA, número inferior aos 1,214 miles de windsurfistas
nos EUA em 1998 informados por SHAH (2000). Guardando-se as devidas precauções
96
metodológicas dos dois dados apresentados, merece menção à possibilidade desta redução
dever-se ao aprimoramento do equipamento e consolidação da prática do kitesurf durante este
período.
IV.3.8. A Consolidação do Esporte pelo Mundo
Em 1994 Cory Roeseler levou o Kiteski à ilha de Maui, no Havaí, para mostrá-lo aos
windsurfistas na Praia de Hookipa. Inicialmente foi visto como motivo de piada até todos
perceberem que ele atingia velocidades maiores do que os windsurfistas. Em 1995, os surfistas
americanos Laird Hamilton e Mike Waltze deixaram o Kiteski em evidência ao testar as pipas
gidas com suas pranchas de surfe presas aos pés. Nesta mesma época o windsurfista
francês Manu Bertin, radicado em Maui, chegou da Europa com as pipas infláveis dos irmãos
Legaignouxs e causou tamanha revolução que é aconsiderado o inventor do kiteboard. As
primeiras pranchas específicas para o esporte também começaram a serem desenvolvidas
nesta época. (EDAKTYLOS et al. 2005, KITENEWS, 2001)
Em abril de 1997 os irmãos Legaignouxs depositam sua segunda patente na França
sob o título “Systeme de controle d’une aile ellipsoidale generalement en forme de fuseau
sprerique et retenue par des lignes”. Esta patente descreve o sistema de controle de quatro
linhas, permitindo o controle da angulação de incidência do kite (ângulo de ataque) em relação
ao vento e direcionamento da asa. A patente descrevia o cabresto da asa e ainda a barra de
controle (LEGAIGNOX, 1997). A patente foi mantida em segredo tanto quanto possível e
aplicada logo após as vendas dos kites Wipika em 1997 (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX,
2006). No início os kites de quatro linhas o foram muito bem vistos pelos kitesurfistas de
Maui, que percebiam no sistema que permitia a possibilidade de aliviar as rajadas mais fortes,
um elemento de covardia e redução da radicalidade, logo apelidado de “chiken loop”. Não que
o chiken loop” representasse todo o sistema, mas representava a argola, em que estando o
kitesurfista conectado pelo trapézio permitia a variação de angulação do kite e na
conseência aliviava a tração que o mesmo exercia.
Inicialmente os praticantes mais experientes recusaram a alternativa de inclusão de
mais duas linhas no comando dos kites. A inclusão de mais duas linhas no equipamento
tornava, na opinião destes usuários, uma configuração fácil de embolar, além de considerarem
o kite de duas linhas uma opção mais radical e de acordo com suas aspirações. Entretanto, a
capacidade de controle, estabilidade e de “depower” dos kites de quatro linhas foram capazes
de conferir um sucesso inquestionável à nova configuração.
97
Ao ser indagado sobre o momento pivô que alinhavou a cultura do kitesurf moderno,
ROESELER (2006) menciona o campeonato no ano de 1998 em Leucate na França. Nesta
época os franceses estavam liderando o esporte e traziam os melhores kitesurfistas do mundo
juntos. Seis atletas fizeram a final e, excetuando Flash e Lou, todos usavam equipamentos
completamente diferentes um dos outros. Segundo ROESELER (2006) neste evento a forma
de velejar e pontuar ainda não estavam bem definidos e cada um fazia da sua maneira e
ninguém sabia exatamente quem venceu o campeonato. Para o competidor, neste ponto o
kitesurf poderia caminhar para qualquer direção.
“<...> Os kitesurfistas franceses reclamavam do kite de estrutura inflável
dizendo que ele era muito lento. No próximo ano, eu acho que em 2000,
foi quando os franceses se calaram e aceitaram os kites de estrutura
inflável. Eu também me calei e comprei duas Wipikas, os tamanhos
11,8 e 8,4m² modelo Airblast eram ótimos kites. Então em 2000, o ciclo
do produto foi alterado e eles estavam com uma nítida vantagem”
(tradução livre) (ROESELER, 2006, p. 30).
Mesmo com todo o movimento inicial na França, ROESELER (2006) aponta a dinâmica
em Maui no Hawaii como o principal cenário que promoveu o despertar do kitesurf para o resto
do mundo. Existiam apenas cinco ou dez pessoas velejando de kite nas ondas no Hawaii.
“when you ride waves on anything, you´re cool” (ROESELER, 2006, p. 33). Quando as pessoas
começaram a ver as possibilidades do novo esporte começaram a dizer: “Vou vender meu
equipamento de windsurf e irei comprar um kite” (ROESELER, 2006, p.33).
Em 1998, o novo produto começou a atrair a atenção da comunidade de entusiastas
dos esportes radicais, mais precisamente no restrito círculo de pioneiros no windsurf. Maui no
Hawaii começou a se tornar uma das mais efervescentes localidades para a prática do kitesurf,
principalmente em razão de interesse de windsurfistas famosos, como Robby Naish e Pete
Cabrinha que se interessam pelo novo esporte e que futuramente fundariam suas companhias
de equipamento para o kitesurf, respectivamente as marcas Naish e Cabrinha. Nas Ilhas
Havaianas havia uma grande excitação, um promissor equipamento estava aparecendo. A
Naish Sails Company do lendário campeão Robby Naish deu uma atenção especial ao novo
produto e entrou em contato com Bruno Legaignoux para licenciar a sua patente.
(LEGAIGNOUX, 2006).
Longas discussões iniciaram-se tendo um contrato sido fechado com a Naish Sails
Company. A Naish veio a ser a segunda licença dos irmãos Legaignoux. Em setembro de
1999, a Naish lançou e comercializou sua primeira linha de kites (LEGAIGNOUX, 2006).
98
Após a Naish muitas empresas queriam ter as duas licenças, mas uma rigorosa política
foi instituída para garantir um mercado sadio e lucrativo para as companhias detentoras das
licenças. As primeiras empresas a adquirir a licença da primeira patente dos Legaignoux foram
a Naish, Cabrinha, Slingshot, North, Flexfoil, Airush, Gaastra, Takoon. A patente curve wing
inflatable sctruture expirou em 8 de novembro de 2005, mas outras patentes foram
depositadas pelos irmãos, inclusive, a patente de comando para 4 linhas em 1997 e sua mais
recente de grande impacto no mercado, a patente com o título ‘Wing having negative dihedron
for towing a load’ mais conhecida como o kite BOW, que representou no ano de 2006
aproximadamente 68% dos kites vendidos no mundo. Atualmente o preço da licença por kite
manufaturado está em US$ 15 em um produto que chega ao consumidor final por volta de US$
1.200 a 1.500 (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOX, 2006, SBC KITEBOARD, 2006). A Figura IV.23
mostra um exemplo do símbolo de licença utilizado nos kites BOW.
Figura IV.23 – Certificado de autenticidade do Kite BOW (LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
Segundo os inventores dos kites BOW, em abril de 2008 as seguintes marcas tinham
licenciado a patente referente aos kites BOW (Quadro IV.3):
99
EMPRESA SITE
TAKOON www.takoon.com
CABRINHA www.cabrinhakites.com
AIRUSH www.airush.com
STAR Kites www.starkites.com
EH Kiteboarding www.cabareteairforce.com
KITE BILLBOARD www.kitebillboard.com
FALCOM Kiteboarding www.groupfalcom.com
KITE LOOSE www.loose.it
OFFDALIP www.offdalip.com
WIND X www.wind-x.com
FREAKDOG Kites www.freakdogkites.com
CATAPULT www.catapultkiteboarding.com
FLUID Kiteboarding www.fluidkiteboarding.com
LUSKI www.luskikiteboarding.com
MORMAII www.kitesmormaii.com
SLINGSHOT www.slingshotkiteboarding.com
BEST www.bestkiteboarding.com
Fonte: LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006.
Quadro IV.3 – Empresas licenciadas.
Algumas pesquisas recentes mostram dados elucidativos em relação ao novo esporte.
Por sua vez, STICKDORN (2007) realizou uma pesquisa qualitativa baseada na tabulação de
813 questionários a praticantes de kitesurf distribuídos pelos seguintes países conforme
mostrado na Figura IV.24.
Figura IV.24- Origem dos usuários entrevistados
(STICKDORN, 2007, p.4)
.
100
De acordo com essa pesquisa, numa questão em que o respondente poderia citar a
seis marcas de kitesurf e seis lugares mais conhecidos para a prática (pergunta aberta),
obteve-se como resultado o nome das marcas e locais mais conhecidos pelos usuários
respondentes. Resultados com menos de 1% foram consideradas como ‘outras/outros’. Os
resultados das múltiplas respostas mostram a freqüência de menção de uma marca ou local
por pessoa. Por exemplo: 67% significam que duas de três pessoas mencionaram aquela
marca ou local dentre as seis possibilidades.
As cinco marcas mais mencionadas por esses praticantes na questão múltipla (total N
de 3741) foram a NAISH com 67,42%, (mencionadas 536 vezes), NORTH com 66,79% (531),
CABRINHA com 54,09% (430), SLINGSHOT 39,75% (316) e BEST 36,6% (291). Outras
marcas obtiveram juntas 40,18%, entretanto nenhuma delas isoladamente com mais do que
0,18%. A figura IV.25 mostra as 30 marcas mais mencionadas
101
Figura IV.25 - As Marcas mais mencionadas pelos usuários
(STICKDORN, 2007, p.7).
Esse resultado reforça a importância das marcas relacionadas a usuários e inventores
como as marcas Naish, Cabrinha, Best, entre outras, relacionadas a personalidades de
destaque nos esportes náuticos de ação.
em relação aos locais para a prática do kitesurf mencionados na múltipla questão
(total de N de 3373) é possível verificar os países mais citados. Com 55% (citado 430 vezes) o
Brasil é o país mais conhecido para a prática do kitesurf, seguido pela Espanha com 42,6%
(333), Egito com 39,9% (312) e EUA com 39,3% (307) (STICKDORN, 2007). A Figura IV.26
apresenta um mapa com a indicação dos locais mais citados.
102
Figura IV.26 – Os países mais mencionados para a prática do kitesurf (
STICKDORN, 2007, p.8).
O site www.Kitesurfingschool.org, por sua vez, considera que uma estimativa muito
aproximada do mero kitesurfistas gira em torno de 30% a 40% domero total de visitantes
de sua página. Assim, considerando as visitas à sua página, existem atualmente cerca de
150.000 a 200.000 kitesurfistas no mundo. A Figura IV.27 mostra a distribuição da população
de kitesurfistas no mundo com base no tráfego do site ‘www.KitesurfingSchool.org’. A
contabilização foi realizada da semana de 6 de janeiro de 2007 a 12 de janeiro de 2007
(cortesia do Google Analytics). Registrou-se 1.707 localidades em todo o mundo acessando o
site durante esse período. Os círculos mais amplos indicam a presença de uma população
maior de kitesurfistas acessando a gina nesses locais. As regiões com maior concentração
são Europa e América do Norte na Costa Leste.
103
Figura IV.27 – Tráfego de acesso ao site www.Kitesurfingschool.org (2006).
Apesar das restrições da metodologia do www. Kitesurfingschool.org (apenas verifica o
tráfego na internet), as localidades de maior acesso ao “site” conforme mostrado na Figura
IV.27, correspondem aos resultados apresentados por STICKDORN (2007).
Também em 2006, uma pesquisa realizada pela revista SBC Kiteboard assinalava que
existiam 200.000 kitesurfistas no mundo. A pesquisa diz ainda que foram vendidos 114.465
kites, sendo a proporção entre o “BOW/SLE” (Flat LEI profile) e os “C” tradicionais (Classic LEI
profile) da ordem de dois terços, isto é, para cada kite tipo “C” vendido, dois BOW/SLE eram
vendidos.
IV.4 SEGURANÇA NO ESPORTE
Para finalizar essa seção referente à evolução do kitesurf, é importante abordar um
tema que sempre está presente na pauta das discussões envolvendo a nova modalidade
esportiva: a segurança, seja dos kitesurfistas, dos banhistas ou dos espectadores. Nos fóruns
de discussão verificam-se segmentos de picos exclusivos à atenção ao quesito segurança.
Nestes segmentos são relatadas vivências com situações de perigo, em que os praticantes
descrevem o ocorrido e daí partem para discussão do caso e precauções pra evitá-los.
Importante ressaltar que a preocupação com o tema o reside apenas na preservação da
104
integridade física dos praticantes, mas na principal motivação de permitir que as praias fiquem
livres da proibição à prática do kitesurf. (FKSA, 2004; IOSSI, 2004).
A Cabrinha Kites foi uma das primeiras companhias do segmento a se preocupar com a
questão da segurança no esporte. Em 2005, a Cabrinha introduziu o modelo Crossbow,
primeiro kite BOW (também chamados SLE, ou Flat kites), que permitia um maior controle e
“depower” das fortes rajadas de vento. “Foi um grande risco para nós. Em um período que todo
o mercado estava preocupado em melhorar a performance, saltar mais alto e flutuar cada vez
mais distante(PETE CABRINHA apud MORRISSEY, 2007, p. 43). Com a morte do distribuidor
da Cabrinha, Alex Caviglia e do representante Pete Nordby ainda na memória, Cabrinha estava
determinado a fazer melhoramentos na segurança do esporte, o qual parecia mais atraente
para o mercado, que trazer cada vez mais adrenalina. Com um pouco mais de um ano desde a
introdução do Crossbow, o tradicional kite formato “C” estava praticamente extinto.
As experiências de acidentes e preocupações com a segurança dos praticantes, e
ainda, de possíveis proibições do kitesurf em determinados locais ou países, levaram ao
desenvolvimento de regras de segurança (Safe Kiteboarding Guidelines) visando uma redução
destas fatalidades. IOSSI (2004) aparece como um personagem central no kitesurf seguro
desenvolvendo estas linhas de segurança e sendo considerado pela comunidade, o guru do
kitesurf seguro (IOSSI, 2004; IOSSI, 2007).
Conforme IOSSI (2006) casos relatados, do ano 2000 a junho de 2006
contabilizavam-se 54 casos de acidentes fatais relacionados com a prática do kitesurf no
mundo. Comparando com dados de outras incidências nos EUA, apesar de contrário ao senso
comum, o kitesurf aparece numa posição de menor risco que utilizar um automóvel naquele
país.
54 mortes de kitesurfistas de todo o mundo foram relatadas, até hoje (7 set.
2006) desde 2000.
Como comparar taxas de mortandade em acidentes no kitesurf com a de
outras atividades no E.U.A.?
Automóvel 15 por 100.000 *
Kitesurf 6 a 12 por 100.000 ** 1
Mergulho 5 por 100.000 ***
Pedestres 2 por 100.000 *
Então, o kitesurf deveria ser interpretado como mais seguro do que dirigir no
E.U.A. através desta indicação estatística limitada. Um índice mais acurado
seria oferecido pelas perdas por horas de velejadas, tal como no caso de
perdas por horas de condução. Atualmente não são disponibilizadas
estimativas reconhecidas relativo a horas de kitesurf por habilidade / anos de
experiência por freqüência ano, etc.
* WISQARS http://www.cdc.gov/ncipc/wisqars (2003)
** Http://fksa.org/ (pendente, 2006)
*** Http://www.diversalertnetwork.org/medic ... / index.asp (2003)
105
1. Três kiteboarders foram perdidos no E.U.A. em 2005. Usando população
estimada nos E.U.A. (25 a 50 mil de proprietários de equipamentos de
kitesurf) isto equivale a cerca de 6 a 12 mortes por 100.000 velejadores para
2005. Desculpem apenas estatísticas dos E.U.A., estatísticas da perda
global são difíceis de obter.
NOTA: todas estas estatísticas são estimativas em diversos graus e são
provenientes de diferentes pressupostos. Além disso, na verdade taxas de
mortalidade por país variam substancialmente de ano para ano. As
estatísticas foram calculados a partir de taxas fatalidades geralmente
reportadas, porém não confirmadas, recebidas de todo o mundo. Se novas
informaçãos fidedignas são recebidas sobre os acidentes, como acontece de
vez em quando, os históricos destas estatísticas podem mudar.”
(IOSSI,
2006
).
Aparentemente, as novas tecnologias trazidas pelos kites BOWS (SLE ou Flat kites), a
partir de 2005, devem reduzir os índices de acidentes para os próximos anos. Acredita-se com
o aumento do controle desses novos modelos, aliados com a capacidade destes kites de
permitir ao praticante maior domínio quando os ventos aumentam, sugerem a uma diminuição
dos casos de acidentes fatais.
IV.5 RESULTADOS DA PESQUISA PATENTÁRIA
A evolução do kitesurf, abordada na seção anterior, traz uma boa percepção da
importância do usuário no desenvolvimento do equipamento que levou ao surgimento,
disseminação e consolidação do kitesurf como uma nova modalidade de esporte. No entanto,
buscou-se fazer uma pesquisa documental em base patentária na tentativa de corroborar o
papel do usuário nesse processo agregando maiores detalhes para a análise.
Conforme detalhado no capítulo de metodologia, o levantamento realizado na base de
patentes da EPO resultou em um total de 413 documentos distribuídos entre os anos de 1960 a
2007, representando todas as publicações classificadas pela EPO nas duas classificações de
referência. Após a exclusão anteriormente explicada de repetições de documentos
relacionados às mesmas famílias, bem como de documentos não relacionados efetivamente ao
objeto de estudo, restaram 127 documentos compondo o universo da pesquisa. A Tabela IV.1
apresenta a distribuição desses 127 documentos de depósitos de patentes ao longo do período
1960-2007 enquanto a Figura IV.29 mostra essa distribuição em forma gráfica.
106
Tabela IV.1 – Distribuição dos desitos de patentes por ano
Ano Documentos
Ano Documentos
Ano Documentos
1976
2
1987
-
1999
6
1977
-
1988
-
2000
11
1978
-
1989
-
2001
16
1979
1
1990
1
2002
27
1980
-
1991
-
2003
23
1981
-
1992
3
2004
20
1982
-
1993
1
2005
9
1983
-
1994
-
2006
4
1984
1
1995
-
2007
1
1985
1
1997
-
1986
-
1998
-
Total 127
Depósitos de Patentes/Ano
0
5
10
15
20
25
30
1976
1978
1980
1
9
8
2
1
9
8
4
1
9
8
6
1988
1990
1
9
9
2
1
9
9
4
1
9
9
6
1998
2000
2002
2
0
0
4
2
0
0
6
Ano
Qde de Depósitos de
Patentes
Figura IV.28 – Distribuição dos depósitos de patentes por ano
A Figura IV.29 apresenta a distribuição dos desitos de patentes de acordo com o
código de classificação, alguns depósitos de patentes são classificadas nos dois códigos e
contabilizam tanto em B quanto em B1.
107
Depósitos de patentes classificados em B63B35/79W4B em comparação
com os depósitos de patentes classificados em B63B35/79W4B1
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
Ano
N.º de prioridades
b
b1
Figura IV.29 – Distribuição das patentes por ano de acordo com o código de classificação.
Verifica-se que os depósitos se intensificaram a partir do ano de 1999. Dos 127
documentos, 117 (92%) foram depositados a partir de 1999. Vale ressaltar que os documentos
de patentes, ao serem depositados, permanecem por um período de 18 meses em sigilo, onde
não a publicação e acesso a esses documentos. Assim sendo, como o levantamento de
dados ocorreu em outubro/2008, a totalização da quantidade de documentos de 2007 ficou
prejudicada uma vez que documentos depositados nesse ano ainda não se encontram
disponíveis nas bases patentárias. Na Figura IV.29 é possível perceber, entretanto, que os
depósitos de patentes classificadas em B63B35/79W4B1
começam a ser depositadas em
maior quantidade a partir do ano 2000. A classificação B63B35/79W4B1, criada em 2003,
refere-se aos meios de controle dos kites, a exemplo dos tipos de desengate rápido.
Dos 127 documentos, verificou-se que 24 (19%) apresentaram, no campo depositante,
nomes de pessoas jurídicas enquanto os demais 103 (81%) documentos constavam como
depositantes pessoas físicas. Observa-se, portanto, a forte preponderância de pessoas físicas
como depositantes de patentes relacionadas ao kitesurf. Vale esclarecer que do total de 127
documentos, em 7 (0,6%) deles não constava o nome do depositante. Assumiu-se, nesses
casos, que o depositante seria o próprio inventor sendo contabilizados dentro dos 103
documentos mencionados anteriormente.
Aprofundando a verificação de resultados, comparou-se o nome do inventor com o
nome do depositante. que mencionar que, do total de 103 documentos depositados por
108
pessoas físicas, 89 (86% dos 103) foram depositados pelo próprio inventor. É preciso
esclarecer que em 9 (0,9%) documentos o constavam o nome do inventor. Se for assumir
que o nome do inventor seja o mesmo do nome depositante pessoa física, esse mero sobe
para 98 documentos o que representa 95% dos documentos depositados por pessoas físicas.
Em apenas 5 documentos não houve coincidência entre o nome do depositante pessoa física e
o nome do inventor. A figura IV.30 mostra a relação entre depositantes pessoas físicas e
jurídicas.
Figura IV.30 – Percentual de depositantes entre pessoa física e pessoa jurídica
A Figura IV.31, logo abaixo, apresenta os resultados da comparação dos nomes dos inventores
com os nomes dos depositantes.
COMPARAÇÃO DAS PATENTES DEPOSITADAS POR PESSOA FÍSICA
(N=103 DOCUMENTOS)
INVENTOR
IGUAL
DEPOSITANTE
86%
INVENTOR
DIFERENTE DO
DEPOSITANTE
5%
SEM NOME DO
INVENTOR
9%
Figura IV.31 – Comparação dos documentos depositados por pessoa física.
PATENTES DEPOSITADAS (N=127 documentos)
PESSOAS
FÍSICAS
81%
PESSOAS
JURÍDICAS
19%
109
Considerando-se os inventores dos 127 documentos tem-se que Arnaud Ballu e Bruno
Legaignoux, ambos franceses, constam como os principais inventores constando,
respectivamente, em 10 e 6 documentos, conforme Tabela IV.2. Para efeito de esclarecimento
metodológico convém explicar que um documento de patente pode conter o nome de mais de
um inventor, sendo então contabilizados o total de vezes que um inventor aparece no conjunto
dos documentos.
Dos 113 documentos que constavam com os nomes dos inventores, 19 documentos
possuíam ao menos dois inventores, destas 19 patentes, seis patentes com ao menos três
inventores, e somente um documento com quatro inventores. Das 127 patentes, 94 patentes
possuíam apenas um inventor.
Tabela IV.2 Ranking dos principais inventores
INVENTOR PAÍS
QUANTIDADE
DEPÓSITOS
PATENTES
BALLU, ARNAUD FRANÇA 10
LEGAIGNOUX, BRUNO FRANÇA 6
BORN, STEFFEN ALEMANHA
4
FUEHRMANN, SIEGFRIED ALEMANHA
4
LEGAIGNOUX, DOMINIQUE FRANÇA 4
SCHIFFMANN, DIRK ALEMANHA
4
BOUSQUET, MICHEL FRANÇA 3
LOGOSZ, TONY EUA 3
POUCHKAREV, ALEXANDER EUA 3
A quantidade de patentes, entretanto, não significa necessariamente a importância
desses inventores em termos de inovação. Afinal, nem todo documento de patente depositado
é concedido e nem toda invenção transforma-se em inovação. Outro exemplo que mostra a
necesidade de uma inferência qualitativa na análise, é o caso da patente cujos inventores são
Cory e William ROESELER que constam como inventores em um único documento de patente
mas que trata-se da invenção do kiteskI que, conforme relatado na seção que trata da evolução
do kitesurf, foi o equipamento que primeiro permitiu a navegação à barlavento com eficiência
permitindo também sua redecolagem d´água e que, depois, acabou sendo suplantada pela
invenção dos irmãos Legaignoux que inventaram a pipa com estrutura inflável.
Outro aspecto observado, ateve-se a identificação dos nomes das pessoas jurídicas
(empresas) que constavam como depositantes com respectivos quantitativos. Observa-se que
as empresas Boards & More AG Clarens, Diamond White Serviços de Consultoria Ltda.,
110
Skywalk GMBH & Co Kg, são as que possuem maior quantidade de documentos de patentes
depositados conforme Tabela IV.3.
Tabela IV.3 – Empresas depositantes com quantitativos.
NOME DA EMPRESA
QUANTIDADE
DEPÓSITOS
PATENTES
BOARDS & MORE AG CLARENS
4
DIAMOND WHITE SERVICOS DE CONSULTORIA LTDA
4
SKYWALK GMBH & CO KG
4
LIQUID SKY KITEBOARDING INC
2
NEIL PRYDE LIMITED
2
BOOST SPORTS LTD
1
FLY MARKET FLUG SPORT ZUBEHOER
1
FLYSURFER GMBH
1
INTERFIELD SPORTS B V
1
NALU KAI INC HAIKU
1
OCEAN RODEO SPORTS INC
1
PJDO
1
SALOMON, AS
1
Das empresas relacionadas na Tabela IV.3, foi possível identificar aspectos
relacionados à história das seguintes empresas através de busca na internet:
BOARDS & MORE AG CLARENS
Iniciada em 2000, foi fruto da fusão de três empresas
dos esportes de ação: Mistral, F2 e Fanatic. Com esta fusão se tornou a der no mercado no
mercado mundial do windsurf e no mercado europeu de snowboarding. Também tem se
estabelecido como uma das principais empresas no mercado do kitesurf com a North Kites. Em
agosto de 2003, o Suíço KJ Jacobs AG vendeu sua empresa de windsurf, kitesurf e snowboard
para um grupo de investidores. Sob seus novos propietários a Boards & More AG se tornou
uma empresa internacional, com suas principais subsidiárias em Molln na Áustria e
Oberhaching na Alemanha.
DIAMOND WHITE SERVICOS DE CONSULTORIA LTDA
- De propriedade dos irmãos
Legaignouxs, que detém os direitos de comercialização de suas patentes. Os irmãos, que
foram os inventores dos kites de estrutura inflável, chegaram a inicialmente desenvolver suas
invenções com a empresa Wipika e mais tarde com a Takoon. Após 24 anos de envolvimento
com o kitesurf, os irmãos Legaignouxs anunciaram recentemente o desejo de vender a
participação da Diamond White. Segundo os inventores, eles ainda estão interessados em
P&D, mas não na manutenção de negócios. As atividades da Diamond White consistem em
receber os royalties das companhias licenciadas e se preocupar com litígios de contrafação.
(LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
111
SKYWALK GMBH & CO KG e FLYSURFER GMBH Skywalk e a Flysurfer pertencem
ao mesmo grupo. A Skywalk é uma empresa do ramo parapentes, enquanto a Flysurfer cuida
do segmento do kitesurf. A Flysurfer é uma empresa orientada para os kites de tração “ram air”
(foils), que aproveita os conhecimentos da área dos parapentes da Skywalk, como eles mesmo
dizem: “nadando contra a maré dos kites de estrutura inflável”. A Flysurfer é uma der no
segmento dos kites ram air, muito bem aceitos para o kite na neve (kitesnow). (SKYWALK,
2009; FLYSURFER, 2009).
LIQUID SKY KITEBOARDING INC –
Empresa desenvolvedora do produto “turbolauncher”,
que auxilia a decolagem dos kites em locais com pouco, ou nenhum espaço para estender as
linhas. Em consulta ao site do produto (ver http://www.kitelauncher.com/contactus.php)verifica-
se que o inventor do produto Mark Brian Godley mantém-se
(http://www.kitelauncher.com/contactus.php) na condução dos negócios. O Turbolauncher foi
considerado a invenção do ano pela SBC Kiteboarder em 2005. Apesar da patente ter sido
depositada nos EUA, a empresa fica no Canadá. (KITELAUNCHER, 2005).
NEIL PRYDE LIMITED -
A New Pryde foi fundada em 1970 como fabricante de velas
principalmente para construtores de iates na Europa. Com o surgimento dos barcos de fibra de
vidro, o negócio de construção de barcos atravessou um período recorde de crescimento.
Como conseqüência a New pryde se tornou a maior fornecedora de velas para o mercado
náutico. Em meados dos anos 1970 aumentou a procura pelo surgimento de um novo tipo de
embarcação a vela – o windsurf. Tendo já conquistado um ganho em escala nos processos de
fabricação, a New Pryde se posicionou como líder na produção de velas para windsurf para
marcas como a Mistral e Windglider. Em 1981, a crescente procura por velas de windsurf das
marcas européias levou a New Pryde a abrir uma nova unidade na Irlanda e em 1983 a
empresa já estava produzindo 380.000 velas por ano (PRYDE GROUP, 2008).
O Prydegroup é propietário da marca de kites Cabrinha. Lançada em 2001, os kites
Cabrinha cresceram rapidamente em vendas. Muito do seu sucesso deve-se a preocupação da
marca em oferecer um equipamento mais seguro. Baseado na imagem de Pete Cabrinha, a
Cabrinha foi a primeira empresa a disponibilizar um sistema que permitia ao praticante a retirar
o poder de tração do kite rapidamente (PRYDE GROUP, 2008).
FLY MARKET FLUGSPORT ZUBEHOER
Empresa alemã do ramo de parapentes.
Produzem os kites ram air Independence com bordo de ataque de entrada aberta, mais
utilizados para terra e neve, por exemplo, no kitebuggie (INDEPENDENCE WORLD, 2009).
112
INTERFIELD SPORTS B V Pertence ao grupo da Blue Performance que produz
diversos produtos para barcos. Não foi possível identificar sua relação com o kitesurf.
NALU KAI INC HAIKU
Grupo que a Naish kites pertence. Baseada na imagem do
Campeão de windsurf Robby Naish, a Naish é uma das empresas mais conhecidas pelos
praticantes, atuando em outras atividades dos esportes de ação com pranchas. A Naish foi
uma das primeiras empresas a licenciar a invenção dos kites de estrutura inflável do inventor
Bruno Legaignoux. (NAISH KITES, 2009; LEGAIGNOUX & LEGAIGNOUX, 2006).
OCEAN RODEO SPORTS INC
- Empresa do Canadá originada em meados dos anos 70,
com foco no segmento de esportes náuticos (water sports). Seus fundadores, Richard
Myerscough e Ross Harrington foram atletas de destaque no windsurf. A Ocean Rodeo inicia
oficialmente suas atividades em 2001, atualmente produzem os kites Ocean Rodeo (OCEAN
RODEO, 2006).
Não foi possível conseguir informações sobre as empresas
BOOST SPORTS LTD, PJDO
e SALOMON.
A identificação da participação de usuários nessas empresas pode ser observada na
Tabela IV.4.
Tabela IV.4 – Identificação de praticantes nas empresas depositantes.
NOME DA EMPRESA
PARTICIPAÇÃO NO
NEGÓCIO
PRATICANTES DE
KITESURF
BOARDS & MORE AG CLARENS
North Kites Não identificado
BOOST SPORTS LTD
Não identificado Não identificado
DIAMOND WHITE SERVICOS DE
CONSULTORIA LTDA
Irmãos Legaignoux Sim
FLY MARKET FLUG SPORT ZUBEHOER
Independence kites Não identificado
FLYSURFER GMBH
Skywalk parapentes Não identificado
INTERFIELD SPORTS B V
Blue Performance Não identificado
LIQUID SKY KITEBOARDING INC
Mark Brian Godley Sim
NALU KAI INC HAIKU
Robby Naish Sim
NEIL PRYDE LIMITED
Pete Cabrinha Sim
OCEAN RODEO SPORTS INC
Richard Myerscough e
Ross Harrington
Sim
PJDO
Não identificado Não identificado
SALOMON, AS
Não identificado Não identificado
SKYWALK GMBH & CO KG
Flysurfer Não identificado
Ao se comparar as empresas relacionadas na Tabela IV.4 com o resultado da pesquisa
feita por STICKDORN (2007) em que são relacionadas as marcas de kitesurf mais
113
reconhecidas por usuários ver figura IV.25 observa-se que as empresas North, Naish,
Cabrinha, Flysurf e Ocean Rodeo configuram-se como marcas reconhecidas pelos praticantes
de kitesurf. Vale ressaltar que acontece muitas vezes das empresas construírem marcas
diferentes de sua razão social, ou seja, muitas empresas são conhecidas pelo que se chama
de nome fantasia. Isso pode ter acontecido com o nome das empresas que constam como
titulares das patentes e que não foram encontradas comercialmente.
Outro aspecto interessante a ser observado quanto à evolução dessas empresas, é que
várias delas – Ocean Rodeo, Nalu Kai, New Pride, Boards & More AG Clarens, se originaram
a partir do surgimento da prática do windsurf que se estabeleceu como um mercado sólido a
partir da década de 1970 (SHAH, 2000). No entanto, acabaram por criar novas marcas
relacionadas ao kitesurf, a saber: North, Naish, Cabrinha, Flysurf e Ocean Rodeo. Um outro
segmento dos esportes de ação, que também criou empresas para explorar o novo mercado do
kite, pertence ao ramo das empresas de parapente, principalmente no desenvolvimento dos
kites ram air, como exemplo temos: Fly Market com os kites Independence e a Skywalk com
os kites Flysurfer.
Pelo número de prioridade da patente foi possível identificar o país de origem de
depósito das patentes analisadas. De modo geral, assume-se que o país de depósito de uma
patente é um indicativo de onde a tecnologia foi desenvolvida. A tabela IV.5 mostra o mero
de depósitos de patentes por país e a figura IV.32 a sua representação gráfica.
Tabela IV.5 – Quantidade de patentes por país
PAÍS
QUANTIDADE DE
DEPÓSITOS DE
PATENTES
Alemanha (DE) 45
França (FR) 44
EUA (US) 31
Holanda (NL) 2
Nova Zendia (NZ) 2
Reino Unido (GB) 2
Suíça (CH) 1
114
QUANTIDADE DE DEPÓSITOS DE PATENTES POR PAÍS
Alemanha (DE)
35%
França (FR)
35%
EUA (US)
24%
Outros
6%
Figura IV.32 – Quantidade de depósitos patentes por país.
115
IV.6 ALISE SÍNTESE DOS RESULTADOS
Para um kitesurfista o vento é um dos principais fatores da natureza para a prática do
esporte. É a velocidade do vento, sua direção e intensidade que, em última instância, remetem
ao praticante um risco maior ou menor de decolar sua pipa em condições extremas. Além do
vento, principalmente no caso do kitesurf nas ondas, o oceano apresenta um elemento do ilinx,
pois a prática em um mar revolto e de grandes ondas significa emoção e adrenalina
redobradas. Nesta categoria particular é possível vincular o kitesurf, com uma integração de
fatores que agregam elementos característicos do ilinx, por seu alto componente de risco e
aventura. na parte organizativa do esporte (campeonatos e regras competitivas), assim
como, na utilização de complexo equipamento, o kitesurf retoma sua parte no ludus, conforme
proposta de CALLOIS (1958). Por outro lado, o kitesurf por sua característica de embarcação
impulsionada pelo vento aproxima-se da categoria dos esportes de vela, inclusive utilizando-se
de termos náuticos idênticos.
O número de praticantes de kitesurf tem aumentado, estimando-se hoje cerca de
200.000 praticantes em todo o mundo. O aumento do interesse pela prática desse esporte de
risco vem ao encontro do colocado por Guiddens (2002) quando diz que é justamente o
cortejamento ao risco ou seja, a busca de uma emoção exarcebada decorrente do
enfrentamento da imponderabilidade e volatilidade dos riscos uma das características da
modernidade tardia, consideração essa também feita por SPINK (2001) e por LE BRETON
(2000).
Conforme mencionado por CANTORANI e PILATTI (2005), na medida em que os
esportes de aventura o sendo institucionalizados através de regras, competições e
profissionalização levando ao cerceamento de sua expressão livre e criativa, novos ramos,
mais radicais vão sendo criados. Essa colocação é evidenciada no processo de migração de
windsurfistas para o kitesurf. A atuação de windsurfistas famosos como Naish e Pete Cabrinha,
por exemplo, pode ser explicada dentro de uma perspectiva de vontade de se lançar em uma
prática em que novas técnicas, equipamentos e manobras teriam que ser enfrentados trazendo
um novo e complexo desafio ainda não experimentado e dominado. Particularmente, no que se
refere aos dois windsurfistas, empresários consolidados do ramo do windsurf, o risco também
passa pela esfera dos negócios envolvendo o desafio diante do lançamento de novas marcas,
que podem ser consideradas “spins off”, envolvendo o novo esporte.
Nesse sentido, o surgimento do kitesurf, quando comparado ao windsurf, apresenta
características típicas de uma inovação disruptiva. No início da trajetória de performance, o
kitesurf caracterizava-se como um produto ainda carente de inovações incrementais, porém
116
atrativo para consumidores menos exigentes de performance, e receptivos ao contexto de
radicalidade, que o incipiente produto retornava. Este contexto de radicalidade abrange
assuntos discutidos no capítulo 2 do presente trabalho, que o desde à respostas às questões
existenciais, passando pelo sentimento de individuação, isto é, o “self”.
Outro ponto que merece destaque é que a evolução do kitesurf encontra-se associada
diretamente ao desenvolvimento tecnológico do equipamento. Desde sua concepção baseada
no uso de pipas até a efetiva prática do esporte, houve um longo percurso marcado por um
conjunto de invenções que, entretanto, não trouxeram a solução técnica para dois problemas
básicos – a redecolagem do kite d’água e a navegação a barlavento – que inviabilizavam o uso
eficaz do equipamento para a prática esportiva. Somente com as invenções dos Legainouxs e
dos Roeselers que se abriu caminho para a consolidação do kitesurf como uma nova
modalidade esportiva.
Interessante observar que a evolução das pipas de tração até se chegar aos modelos
atuais de kitesurf foi marcada por iniciativas próprias de inventores e praticantes que buscavam
soluções para problemas e necessidades específicas. Essa trajetória vem ao encontro da
teoria da inovação pelo usuário lead users descrita no Capítulo I. Pode-se ir além e dizer
que a pesquisa histórica referente à evolução do kitesurf mostrou que os lead users” no caso
do kitesurf muitas vezes também se configuram como “user-manufacturers” (fabricantes
usuários), corroborando os resultados de pesquisas anteriormente citadas na revisão
bibliográfica que fazem menção à importância dos usuários como alavancadores do surgimento
de novas modalidades esportivas.
Por sua vez, a pesquisa patentária também contribuiu para reforçar a importância do
papel do usuário no processo de desenvolvimento do kitesurf. Apesar das primeiras patentes
que realmente transformaram-se em inovação gerando produto aplicável às necessidades
náuticas terem sido depositadas respectivamente nos anos de 1984 pelos irmãos Legaugnoux,
e 1992 pelos Roeselers, tem-se que, dos 127 documentos da patentes analisados, 117 foram
depositados a partir de 1999. Observa-se que a intensificação dos depósitos de patentes a
partir do ano de 1999 é um indicador da tentativa de contribuição de vários inventores/usuários
no aperfeiçoamento dos kites para a prática do kitesurf. Nos momentos iniciais do kitesurf, as
pipas eram instáveis e os sistemas de segurança ainda bastante rudimentares. Nota-se que a
classificação
B63B35/79W4B1
foi criada em 2003 para atender este desenvolvimento. O
crescimento do mero de patentes a partir do ano 1999 encontra paralelo com os dados
bibliográficos, ratificando a intensificação da nova modalidade esportiva no final da década de
1990, atravessando toda a primeira metade da década dos anos de 2000.
117
O gráfico das patentes por ano sinaliza indícios de uma semelhança com a dinâmica
temporal das inovações de produto de ABERNATHY e UTTERBACK (1975). Após um peodo
de aumento de taxas de invenções de 1999 a 2002, atingindo o ponto máximo de 27 patentes
em 2002, a taxa de invenções começa a diminuir. Neste caso, o escopo do trabalho não
permite analisar a evolução das invenções de processo, entretanto, verifica-se uma tendência
na redução das atividades de invenção em produto ocorrida a partir de 2002, que
conseentemente poderiam corresponder a um aumento das invenções de processo
relacionadas à produção do equipamento de kitesurf.
Pela análise das características das invenções relacionadas ao tema estudado,
observou-se que 81% (103) das patentes foram depositadas por pessoas físicas, e que 74%
(94) delas continham apenas um inventor. Neste caso, entende-se que as invenções neste
segmento tratam em grande parte de uma atividade inventiva isolada. Os resultados do
presente estudo corroboram a colocação feita por TIETZ et al. (et al., 2004) em que os autores
dizem que os usuários levam individualmente e não em grupo o desenvolvimento de uma
inovação embora ao longo desse processo possa haver uma rica e fundamental troca de
informações e conhecimentos advindos de outros praticantes.
Verificou-se também, confirmando estudos anteriores (SHAH, 2000), que novos
esportes, ao contrário do pensamento convencional, não são desenvolvidos por companhias de
equipamentos esportivos existentes. Constatou-se que algumas empresas do segmento do
windsurf acabaram explorando o novo mercado do kitesurf, porém estas empresas somente
entraram no mercado após a consolidação do produto.
No levantamento feito a partir das patentes pode ser obsevado que 81% dos 127
documentos analisados, os inventores também eram os depositantes das patentes. Neste
caso, corroborando com os achados de SHAH (2000), usuários líderes de novos esportes (lead
users) são quem constroem seus equipamentos para eles próprios e seus amigos.
Freqüentemente esses usuários constroem negócios com foco na produção de tal equipamento
na tentativa de se beneficiar desta inovação e estabilizar um estilo de vida em torno do esporte.
Conforme colocado no estudo de SHAH (2000) sobre os esportes skateborarding,
snowboarding e o windsurf, em que os usuários inovadores apresentam perfil etário bastante
jovem, pode ser constatado que esse perfil também se enquadra no caso do kitesurf tomando
por base o principal inventor do kitesurf, Bruno Legaignoux, que tinha apenas 24 anos na
época da sua primeira patente em 1984 (CHASSANY, 2008).
118
Outro aspecto a ser mencionado é que, dentre as empresas depositantes de patentes,
destaca-se a Diamond White Serviços de Consultoria Ltda. de propriedade do inventor Bruno
Legaignoux, tendo a empresa sido iniciada com o propósito de explorar comercialmente suas
invenções. Apesar dos Legaignouxs terem realizado tentativas de produzir seus inventos com a
Wipika e, mais tarde com a Takoon, seu maior sucesso continuou sendo com a Diamond que é
a empresa que detém os direitos de invenção de suas patentes. SHAH (2000) diz que: mais
tarde muitas destas empresas fecham quando o interesse dos seus fundadores mudam, mas
outras sobrevivem e são incorporadas por maiores produtores de equipamentos para o
esporte(tradução Livre de SHAH, 2000, p.3). Esse processo parece estar hoje exatamente
acontecendo com Bruno Legaignoux que recentemente noticiou que pretende vender sua
participação na empresa Diamond White.
É importante considerar, que devido às similaridades entre o kitesurf e o windsurf, o
mercado do kitesurf se firmou na esteira do mercado de seu sucedâneo, e que por isso, muitas
empresas consolidadas no esporte anterior aproveitaram as oportunidades originadas no novo
ciclo de produto proporcionado pelo kitesurf. É inegável que apesar da possibilidade de se
enumerar diversos momentos representativos para o surgimento do kitesurf no formato o qual
se conhece hoje, o acontecimento precursor da divulgação mundial do esporte deve-se
principalmente às primeiras exposições realizada pela comunidade de windsurfistas de Maui no
Havaí, entre eles, os windsurfistas Laird Haminton
1
, Mike Waltze e Manu Bertin.
Passados um pouco mais de uma cada dessa recente história do kitesurf é razoável
admitir que a nova modalidade possui uma estreita ligação no contexto náutico da vela e no
âmbito dos esportes radicais com o windsurf. O kitesurf apresenta as mudanças próprias de
uma inovação radical ou revolucionária, isto é, que rompe com as trajetórias existentes e inicia
um novo paradigma tecnológico, caracterizando uma descontinuidade no tempo e no espaço.
Estas percepções temporais são compartilhadas entre os pioneiros da nova prática, os quais
freqüentemente relatam as experiências similares da fase inicial do kitesurf com outras
modalidades esportivas radicais. Este sentimento faz-nos perceber o início do ciclo de uma
nova prática esportiva radical e do retorno temporal das novas possibilidades que o kitesurf
proporcionou aos seus pioneiros em seus primeiros estágios. Sentimentos de individuação, de
realização de algo novo, de respostas às questões existenciais idênticos aos percebidos no
surgimento de outros esportes radicais já consolidados.
Na perspectiva tecnológica, analisando-se apenas pelo quesito da velocidade, observa-
se que os contínuos ganhos de performance da nova modalidade trazem paralelo ao modelo
1
Laird Haminton, am de windsurfista, é um renomado surfista de ondas gigantes precursor do tow-in surf (surf em ondas
gigantes rebocado por jet ski).
119
de inovação disruptiva de Cristensen. Nos seus momentos iniciais, o kitesurf era muito criticado
pela sua baixa performance, principalmente em relação ao seu sucedâneo mais próximo, o
windsurf. No entanto, após uma década de intensa atividade de pesquisa e desenvolvimento, o
kitesurf mostra uma trajetória de performance superior. Um exemplo que merece destaque
foi o feito realizado no final de 2008, quando o velejador francês Alex Caizergues utilizando um
kitesurf alcançou a marca dos 50,56 s de velocidade, atingindo oficialmente o mais novo
recorde mundial de velocidade em veículos náuticos movidos a vento.
Figura IV.33– Alex Carzergues conquista o recorde mundial de velocidade.
Fonte: KITEBOARDING MAGAZINE, v. 10, n.1, p. 25, 2009
As vantagens dos kites para os recordes de velocidade são óbvias. As pranchas de kite
precisam de apenas 2,5 centímetros de profundidade na água, em comparação com os 30 ou
mais centímetros para as pranchas de windsurf, kites podem fazer suas tentativas em águas
bem mais lisas, dando-os uma posição vantajosa em controle em altas velocidades.
Adicionalmente, o arrasto produzido pelos kites é significantemente menor sobre uma prancha
de kitesurf do que sobre uma larga prancha de windsurf, que precisa consideravelmente de
mais volume para planar. A terceira vantagem é que os kites o mais eficientes, rápidos em
atingir altas velocidades em ventos fracos que seus concorrentes. Além disso, constantes
aprimoramentos vêm ocorrendo nos equipamentos, incluindo a inovação mais recente em 2006
dos kites bows, ou SLE (Strutered Leaders Edge) nos modelos de estrutura infvel. Este
aprimoramento proporcionou uma maior amplitude nas faixas de ventos (depower) e com isso
um inegável aumento da segurança na prática do desporto em relação aos kites tipo ‘C’
anteriores. Outra vantagem, que perpassa pela questão do desempenho, advém da
portabilidade do equipamento de kitesurf. O equipamento de kitesurf (a pipa) cabe em uma
mochila, permitindo que o praticante explore locais remotos sem a necessidade de uma
guarderia para deixar seu equipamento, ao contrário do que acontece com outras modalidades
náuticas.
120
Um dos aspectos que mais preocuparam o mercado de kitesurf, com o aumento da
população de kitesurfistas ao redor do mundo, estavam relacionados à necessidade de prover
maior segurança e controle aos equipamentos existentes. Esta preocupação não residia
isoladamente no praticante, mas sim nos banhistas que eventualmente poderiam ser atingidos
pelas linhas cortantes dos kites. Muitas praias, principalmente na Europa, foram restringidas à
prática do kitesurf ameaçando o desenvolvimento do esporte. Um caso emblemático refere-se
ao acidente fatal sofrido por uma competidora Alemã em 2002. O caso fatal ocorreu durante
uma competição, quando um competidor durante um salto extremo perdeu seu kite, o qual veio
a embolar nas linhas da competidora fatalmente lesionada. Esta atleta não conseguiu
desengatar do seu equipamento e foi arrastada pelos dois kites de encontro a um mole de
pedras (NICKEL, et al., 2002). Esta atenção também está explicitada pelos documentos
patentários, senão pelo conteúdo patentário, também pelo surgimento de uma nova
classificação B63B35/79W4B1, criada em outubro de 2003, visando compreender além dos
meios de controles para os kites, diversos tipos de desengates rápidos (quick release type). Por
sua vez, os fóruns de discussão na internet, responsáveis por agregar os kitesurfistas em torno
do mundo, sempre possuem alguma área de destaque que mencionam sobre o assunto da
segurança, inclusive atuando na divulgação regras a serem seguidas por todos praticantes.
Daí o assunto diverge para um interessante dilema no desenvolvimento dos esportes
radicais, que aborda o processo civilizador destas novas modalidades com acentuado paladar
para o risco e a extremidade. De um lado, a corrente impulsionada pelos benefícios em se ter
um esporte com níveis de segurança e ordenamento competitivo propícios de uma modalidade
esportiva tradicional, com devidas aspirações em atingir o status de modalidade olímpica, ou
um nível de profissionalização. Do outro, uma corrente existencialista, preocupada em manter a
essência da atividade em seu estado primitivo e desafiador como proposto no seu nascedouro.
Neste grupo, uma intensa busca por respostas à homogeneidade típica da modernidade
tardia, onde a perícia, a experiência e a coragem fazem parte dos atributos requisitados destes
seletos participantes. Para estes, o dilema é conflitante, precisam da profissionalização, dos
patrocínios, da viabilidade econômica para a continuidade de suas aventuras, mas sentem-se
absorvidos pela dinâmica da modernidade e da pacificação do lado selvagem da atividade
esportiva.
A tecnologia entra como uma interessante variável na equação do contexto das práticas
esportivas radicais. Atualmente, um praticante ao iniciar no kitesurf realizará uma curva de
aprendizado muito menor e consequentemente um risco inferior que o mesmo aprendiz dez
anos atrás. Os avanços tecnológicos dos equipamentos de kitesurf, o aumento do controle das
novas pipas, as metodologias de ensino, e ainda, o aprimoramento dos equipamentos de
121
segurança, aumentam a demanda de novos praticantes ano após ano. Ressalta-se que o
desenvolvimento tecnológico empregado nos esportes radicais age em duas perspectivas
diferentes para os atletas da corrente existencialista, merecendo uma atenção especial no seu
emprego. De uma forma entendida como positiva para a comunidade, este avanço tecnológico
pode ser utilizado no alcance de realizações inéditas, isto é, no aumento das possibilidades
nos terrenos da aventura, das novas formas de tangenciar a fatalidade e sua busca de
significado. De outra forma, no seu sentido negativo, esta mesma tecnologia atua na perda de
emoção e personalidade na prática da atividade outrora considerada radical, no aumento
desenfreado do numero de praticantes e consequentemente resultando à perda do sentimento
de diferenciação. Como diz NAISBITT (2000, p.80): “Para esses atletas, a tecnologia parece
diluir o triunfo, como se ela diluísse a própria humanidade”.
122
CONCLUO
A tradição e a continuidade das relações ocupavam um papel articulação principal nos
contextos pré-modernos, em contrapartida, na modernidade tardia vive-se sob o conceito da
sociedade de risco caracterizada pela inclusão de três elementos: globalização,
individualização e reflexidade. Uma das características da modernidade tardia é intensificação
da procura do lazer de alto risco, representados pelo chamados esportes radicais. No período
anterior, as situações consideradas danosas eram nomeadas de perigos, hazards ou
dificuldades e a principal preocupação da sociedade era evitá-los. Neste novo contexto, a
exposição voluntária ao perigo assume um sentido positivo na época atual com implicações na
auto-identidade do indivíduo.
Os novos esportes são a parte visível do individualismo, a busca do risco representa um
experimento com a confiança que se reflete na biografia do indivíduo. A absorção da
experiência prescinde de dois elementos: domínio ativo do indivíduo, e a incerteza que advém
daquele domínio e permite a sua demonstração. Enfrentar a imponderabilidades dos riscos
assumidos confere ao indivíduo uma resposta às desqualificações diárias da vida cotidiana e
ao sentimento de homogeneização característicos da globalização. Ao dominar com elegância
as situações de perigo, o indivíduo ativa o seu selfe consegue dar andamento as suas
reflexidades biográficas e tangenciar suas principais questões existenciais.
O kitesurf enquadra-se como um esporte náutico de vela sendo considerado dentro do
universo dos chamados esportes radicais, em que o risco compõe um dos principais atrativos
buscados pelos participantes que tentam superar desafios e lidar com a imprevisibilidade como
forma de mostrar domínio e superação diante de situações adversas. A possibilidade de
realizar vôos em altitudes elevadas, a realização de manobras aéreas complexas impregnadas
de intensidade, seja ao lidar com os desafios de grandes ondas, ou com a imprevisibilidade do
vento são situações que exemplificam a presença do risco na prática desse esporte. Estes
aspectos vêm atraindo cada vez mais adeptos em consonância com os trabalhos de
GUIDDENS (2002), SPINK (2005) e LE BRETON (2000) ao se referirem ao cortejamento ativo
do risco como caractestica típica da modernidade tardia.
É notável que ocorreram significativas evoluções tecnológicas nos equipamentos de
kitesurf, principalmente na parte da pipa e de seus controles. Hoje é possível permanecer com
uma pipa no alto e confiar plenamente que ela não entrará em colapso e que o have
nenhum solavanco ao atleta. Se por um lado esta evolução diminuiu o desafio proposto
inicialmente pelos pioneiros, por outro, permite a busca de novos desafios, atingíveis
exatamente pelo aumento da confiança no equipamento. Os esportes radicais possuem esta
123
característica de espiral em fuga, enquanto a tecnologia, regras e competições atuam no
processo civilizador da nova modalidade, novas formas de tangenciar o sentimento e a
diferenciação primitiva são criadas.
Por sua vez, a pesquisa realizada nos dados bibliográficos das publicações patentárias
da base do Escritório Europeu de Patentes EPO, traz a confirmação da relevância do objeto
de pesquisa de forma tangível, formalizada pelos documentos de patentes e passível de
mensuração. Uma segunda fase de pesquisa teve como objeto as patentes publicadas pelo
Escritório Europeu de Patente EPO, que retorna em ultima análise a confirmação da
emergência da nova modalidadeutica esportiva contida nos documentos patentários.
O principal momento do surgimento do kitesurf como modalidade esportiva foi a
invenção do kite de estrutura inflável dos inventores Bruno e Dominique Legaignoux. Apesar da
contribuição de outras plataformas tecnológicas no início da modalidade, a plataforma dos kites
de estrutura inflável foi a que assumiu a liderança na preferência dos praticantes e a que
melhor atendeu às necessidades da prática no meioutico.
O período compreendido da invenção dos Legaignouxs (1984) e a intensificação da
produção patentária (1999) e, consequente difusão do esporte pelo mundo refletem as
dificuldades de mudança de paradigma que enfrentaram as empresas atuantes no mercado de
windsurf em atentar para a nova modalidade. O equipamento de kitesurf apresenta-se como
um caso de uma inovação disruptiva de novo mercado, principalmente evidenciada quando
comparado diretamente com o windsurf, isto é, simplicidade, conveniência e custos menores.
De novo mercado, pois a baixa performance dos primeiros equipamentos limitaram inicialmente
o número de consumidores potenciais. A curva dos depósitos de patentes assemelha-se com a
dinâmica temporal de inovação de produto de ABERNATHY e UTTERBACK (1975), indicando
que o kitesurf encontra-se hoje na fase sistêmica, após passar pela fase fluida e pela fase de
transição.
A criação e consolidação de um novo esporte trazem uma série de outras inovações
organizacionais além daquelas relacionadas ao produto. Tem-se assim o surgimento de novas
profissões, de associações de usuários, de novas empresas e transições típicas do surgimento
de um novo mercado constituindo um rico e ainda inexplorado manancial de pesquisa.
Essa concepção de inovação e desenvolvimento de produtos a partir dos lead users”
(termo cunhado por HIPPEL, 1986) que por vezes se transformam em usuários fabricantes é
temática que merece ainda maior estudo. Conforme verificado na revisão do Capítulo I, a
literatura referente à inovação e desenvolvimento de produto é basicamente toda ela voltada
124
para um processo que nasce e é organizado dentro da lógica empresarial. A tradicional
abordagem do Processo de Desenvolvimento de Produto a concepção, identificação de
oportunidades e tomadas de decisão são geralmente realizadas pelas empresas. Neste
processo a dinâmica da inovação produz um sentido descendente, indo da organização para o
consumidor, ou seja, assume-se na empresa o papel de criação de novos produtos para serem
adquiridos pelos consumidores. no caso da pesquisa realizada, a dinâmica da inovação
toma sentido contrário, partindo do usuário numa direção ascendente em relação às
organizações, e ainda, colateral em relação seus pares.
A pesquisa reafirma os achados de SHAH (2000), que diz que ao contrário do
pensamento convencional, usuários líderes de novos esportes (lead users) são quem
constroem seus equipamentos para eles próprios e seus amigos. Freqüentemente esses
usuários constroem negócios com foco na produção de tal equipamento na tentativa de se
beneficiar desta inovação e estabilizar um estilo de vida em torno do esporte. A pesquisa
patentária verificou que existe uma grande maioria de depositantes pessoas físicas no objeto
estudado, corroborando com a afirmação de que usuários líderes foram responsáveis pelo
desenvolvimento do kitesurf.
125
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