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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
NÓS E A GENTE EM CAIMBONGO: ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS E
SOCIOLINGÜÍSTICOS DE UMA COMUNIDADE AFRO-BRASILEIRA
por
SANDRA CARNEIRO DE OLIVEIRA
Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes
SALVADOR
2008
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
NÓS E A GENTE EM CAIMBONGO: ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS E
SOCIOLINGÜÍSTICOS DE UMA COMUNIDADE AFRO-BRASILEIRA
por
SANDRA CARNEIRO DE OLIVEIRA
Orientadora: Profa. Dra. Norma da Silva Lopes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Estudo de Linguagens da
Universidade do Estado da Bahia, como parte
dos requisitos para obtenção do grau de Mestre
em Estudo de Linguagens.
SALVADOR
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaboração: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Helena Andrade Pitangueiras – CRB: 5/536
Oliveira, Sandra Carneiro de.
Nós e a gente em Caimbongo: aspectos cio-históricos e sociolingüísticos de uma comuni-
dade afro-brasileira. / Sandra Carneiro de Oliveira. – Salvador, 2008.
123f.: il
Orientadora: Profª Drª Norma da Silva Lopes.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia Departamento de Ciências Hu-
manas. Campus I. 2008.
Contém referências e anexos.
1. Sociolingüística. 2. Antropologia lingüística. I. Lopes, Norma da Silva. II. Universidade
do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. Campus I.
CDD: 410
EXAME DE DISSERTAÇÃO
CARNEIRO, SANDRA. Nós e a gente em caimbongo: aspectos sócio-históricos e
sociolingüísticos de uma comunidade afro-brasileira. Dissertação de Mestrado. Salvador:
UNEB, 2008.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Norma da Silva Lopes – Orientadora
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Cristina dos Santos CarvalhoUNEB
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Jacyra Andrade Mota – UFBA
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Ligia Pellon de Lima Bulhões – UNEB
Suplente
___________________________________________________________________________
Professora Doutora Emília Helena P. M. de Souza – UFBA
Suplente
Para Sílvio, Amor!
E para a minha família, amores!
AGRADECIMENTOS
À minha querida professora, Norma, pela orientação segura e pela atenção desmedida.
Sempre! Por me transmitir confiança, seguraa e pela oportunidade de conviver com a
professora, que se dedica ao trabalho com zelo e compromisso, a pesquisadora atuante, a
pessoa vencedora, alegre, bem-humorada, uma amiga... Qualquer coisa que eu disser será
insuficiente para expressar o meu agradecimento, a minha gratidão, a minha admiração. Muito
obrigada!
Às professoras Jacyra Mota e Cristina Carvalho por fazerem parte da banca
examinadora, pela atenção dispensada à correção do meu trabalho e por tudo que tenho
aprendido na relação professor-aluno. Cristina, minha professora na graduação em Conceição
do Coité, com quem tive aulas cativantes e aprendi sobre lingüística, comprometimento,
compromisso, boa vontade... Uma pessoa admivel e uma excelente professora! A professora
Jacyra, minha professora pela segunda vez em disciplinas que cursei na condição de aluno
especial na UFBa. Muitas discussões sobre variação e mudança, tanto social quanto espacial,
completaram a minha certeza pela escolha pela área de estudos. Especial tem sido poder
aprender a cada dia através do seu trabalho. Obrigada!
Agradeço a Sílvio por estar sempre comigo e por ser para mim amor, alegria, cuidado,
apoio, segurança, carinho e tantas coisas mais que não vou conseguir dizer neste momento.
Por estar presente em minha vida não importa se em momentos de trabalho, de diversão,
difíceis, de vidas ou de esperança. Enfim... Obrigada! Votambém é responsável por essa
conquista.
Ao Sr. Ovio, Eduarda, Reinaldo, Robson e Vanessa, que me acompanharam às
viagens a Caimbongo. A lembrança da nossa primeira viagem Saubara-Caimbongo com os
pés na lama é inesquecível! Obrigada a todos.
À minha mãe, que sempre compreendeu e incentivou o meu desejo de estudar, apesar
de todas as nossas dificuldades; Ao meu pai e às minhas irmãs, obrigada! À Ester e família,
também minha família.
À Paula e Roberta, as mais novas amigas dos últimos tempos, com quem divido
muitos momentos bons. À Ane e Robe, pela amizade. À Bárbara e família por ter nos
proporcionado uma “casa de estudantes” que se tornou tão diversificada: enfermagem,
química, geografia, música, turismo e o meu estudo de linguagens. A todos, obrigada pelas
experiências compartilhadas.
À Raquel Adelzina, pela notícia da seleção e pelo incentivo.
À minha primeira professora, Dona Lela, por ter feito da minha primeira escola uma
escola para a vida toda. É impossível não lembrar de você em cada etapa importante!
À professora Lúcia Parcero na condição de primeira professora de lingüística no curso
de letras me permitiu, como aluna voluntária do projeto de iniciação científica, dar os
primeiros passos na pesquisa sociolingüística.
Aos professores e funcionários do PPGEL, pelo trabalho dedicado: Ilana, nossa
primeira secretária, sempre tão amiga e atenciosa; A Camila e Danilo pelo cuidado e atenção.
Aos colegas de mestrado, pela troca de conhecimentos e pela minha escolha como
representante estudantil, pela experiência adquirida.
Aos meus ex-alunos do curso de Letras c/ Espanhol, parte importante do mestrado.
Às pessoas de Caimbongo, por quem tenho grande admiração e carinho.
À Simone, Rafael e Suzane, que me ajudaram muito no trabalho de transcrição.
Agradeço a Sílvio e a Rafael, que realizaram excelentes entrevistas.
A CAPES, pelo apoio financeiro.
Agradeço a Deus, por me permitir a realização deste trabalho.
RESUMO
Esta dissertação trata da sócio-história do português do Brasil. Baseada nos pressupostos
teóricos e metodológicos da Sociolingüística Variacionista (LABOV, 1983; 2001;
SANKOFF, 1988; LEMOS MONTEIRO, 2002), descreve e analisa a variação dos pronomes
sujeitos nós e a gente no português falado em Caimbongo, uma comunidade rural afro-
brasileira, localizada no município de Cachoeira BA, que se manteve relativamente isolada
durante muito tempo. Este tema vem sendo objeto de estudo nas variedades do português
popular, principalmente urbano, e no português considerado culto, indicando continuado
aumento no uso de a gente no lugar de nós (OMENA, 1998; MENON, LAMBACH e
LANDARIN, 2003; LOPES, 2003, 2007; MACHADO, 1995; VIANNA, 2006 e outros). O
fato de não haver ainda estudos concluídos dando conta do estágio dessa variação no
português rural afro-brasileiro motivou a pesquisa. Para este estudo, foi constitdo um corpus
com 12 informantes, divididos em três faixas etárias e, depois de submeter os dados à análise
estatística, chegou-se aos seguintes resultados: A gente apresenta altos índices na faixa mais
jovem, enquanto nós ainda é a forma preferida pelos falantes de meia-idade e mais velhos;
fatores sociais como saídas da comunidade, viagens e exposição à mídia favorecem a escolha
da forma inovadora. Por sua vez, considera-se que esses fatores são conseqüências das
transformações sociais que vêm ocorrendo nos últimos anos na comunidade, por isso,
continuam usando mais nós os homens, os não escolarizados, os que saem pouco da
comunidade e os menos expostos à linguagem da mídia. Além disso, considerando as análises
lingüísticas, embora o nós pareça prestes a desaparecer da fala dos mais jovens, sua
permanência é assegurada, pelo menos, em alguns contextos, como os de referência
determinada.
Palavras-chave: cio-história; Sociolingüística Variacionista; Português rural; Nós e a
gente; Variação.
SUMÁRIO
LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................................................................10
LISTA DE QUADROS..................................................................................................................................11
LISTA DE TABELAS...................................................................................................................................12
ABREVIATURAS E CONVENÇÕES..........................................................................................................13
1
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................14
2
O PORTUGUÊS BRASILEIRO..........................................................................................................17
2.1
ASPECTOS
DA
HISTÓRIA
LINGÜÍSTICA
DO
BRASIL ............................................................17
2.2
PORTUGUÊS
BRASILEIRO:
DERIVA
OU
TRANSMISSÃO
LINGÜÍSTICA
IRREGULAR?...........24
3
A SOCIOLINGÜÍSTICA VARIACIONISTA.....................................................................................32
4
ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE..................................................................................................37
4.1
O
PERCURSO
DE
A
GENTE ........................................................................................................37
4.2
ESTUDOS
VARIACIONISTAS
SOBRE
NÓS
E
A
GENTE............................................................43
5
BREVE CARACTERIZAÇÃO DE CAIMBONGO............................................................................62
5.1
O
TOPÔNIMO..............................................................................................................................62
5.2
LOCALIZAÇÃO ..........................................................................................................................64
5.3
POPULAÇÃO ..............................................................................................................................65
5.4
ASPECTOS
SÓCIO-HISTÓRICOS...............................................................................................65
5.5
ASPECTOS
SÓCIO-ECONÔMICOS
E
CULTURAIS...................................................................69
6
METODOLOGIA ................................................................................................................................74
6.1
TÉCNICA
DE
OBSERVAÇÃO.....................................................................................................74
6.2
DELIMITAÇÃO
DO
CORPUS .....................................................................................................75
6.3
DESCRIÇÃO
DAS
VARIÁVEIS
E
HIPÓTESES ..........................................................................77
6.3.1
Explicitação do sujeito..............................................................................................................80
6.3.2
Paralelismo ou forma antecedente ............................................................................................81
6.3.3
Mudança de referente...............................................................................................................81
6.3.4
Inclusão do eu ..........................................................................................................................82
6.3.5
(In)determinação do sujeito ......................................................................................................84
6.3.6
Gênero/sexo .............................................................................................................................87
6.3.7
Faixa etária..............................................................................................................................88
6.3.8
Escolaridade ............................................................................................................................89
6.3.9
Saídas da comunidade ..............................................................................................................90
6.3.10
Exposição à mídia................................................................................................................91
7
ANÁLISE DOS DADOS ......................................................................................................................93
7.1
FATORES
LINGÜÍSTICOS .........................................................................................................94
7.2
FATORES
SOCIAIS.....................................................................................................................99
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................111
REFERÊNCIAS..........................................................................................................................................114
ANEXO A – PORTARIA DE RECONHECIMENTO DE CAIMBONGO COMO COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO.........................................................................................................120
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Atuação do paralelismo sobre o uso de a gente..................................................94
Gráfico 2 – Atuação da (in)determinação sobre o uso de a gente..........................................95
Gráfico 3 – Usos de a gente quanto à explicitação do sujeito................................................97
Gráfico 4 – Atuação da escolaridade sobre o uso de a gente................................................. 99
Gráfico 5 – Atuação da escolarização sobre o uso de a gente na F2.................................... 101
Gráfico 6 – Atuação da exposição à mídia sobre o uso de a gente....................................... 102
Gráfico 7 – Atuação do gênero e da exposição à dia sobre o uso de a gente.................... 103
Gráfico 8 – Atuação da faixa etária sobre o uso de a gente................................................. 104
Gráfico 9 – Atuação do gênero/sexo sobre o uso de a gente ............................................... 106
Gráfico 10 – Atuação das saídas da comunidade sobre o uso de a gente............................. 107
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Itens gramaticais diluídos no processo de transmissão lingüística irregular ........ 26
Quadro 2 – Representação da concordância verbal em diferentes amostras do português
brasileiro...................................................................................................................... 29
Quadro 3 – Diferenças morfossintáticas entre as formas gente e a gente...............................42
Quadro 4 – Divisão da amostra ............................................................................................75
Quadro 5 – Divisão detalhada da amostra............................................................................. 76
Quadro 6 – Grupos de fatores controlados............................................................................ 79
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição das variantes nós/ a gente em peso relativo, por década...................55
Tabela 2 – Influência da variável horário da novela no uso de a gente – 2007......................58
Tabela 3 – Influência da variável contexto no uso de a gente – 2007....................................59
Tabela 4 – Influência da variável inclusão do eu no uso de a gente – 2007...........................59
Tabela 5 – Influência da variável status no uso de a gente – 2007........................................ 60
Tabela 6 – Atuação do paralelismo sobre o uso de a gente ...................................................94
Tabela 7 – Atuação da (in)determinação sobre o uso de a gente........................................... 95
Tabela 8 – Usos de a gente quanto à explicitão do sujeito................................................. 96
Tabela 9 – Freqüências de a gente de acordo com a inclusão do eu ...................................... 98
Tabela 10 – Freqüências de a gente quanto à mudança de referente......................................99
Tabela 11 – Atuação da escolaridade sobre o uso de a gente ................................................ 99
Tabela 12 – Atuação da escolarização sobre o uso de a gente – F2..................................... 100
Tabela 13 – Atuação da exposição à dia sobre o uso de a gente...................................... 102
Tabela 14 – Atuação do gênero e da exposição à mídia sobre o uso de a gente................... 103
Tabela 15 – Atuação da faixa etária sobre o uso de a gente ................................................ 104
Tabela 16 – Atuação do gênero/sexo sobre o uso de a gente............................................... 106
Tabela 17 – Atuação das saídas da comunidade sobre o uso de a gente .............................. 107
ABREVIATURAS E CONVENÇÕES
DID Diálogo entre informante e documentador
DOC Documentador
F1 Faixa etária de 20 a 35 anos
F2 Faixa etária de 40 a 55 anos
F3 Faixa etária de mais de 55 anos
Fem. Feminino
Freq. Freqüência
INF Informante
Masc. Masculino
OP O Profeta
PJ Pé na Jaca
PV Páginas da Vida
14
1 INTRODUÇÃO
A escolha por Caimbongo surgiu do interesse em estudar aspectos cio-históricos do
português do Brasil e, conseqüentemente, da oportunidade de conhecer uma comunidade rural
afro-brasileira ainda não pesquisada.
Com a tarefa de constituir um corpus de fala teria possibilidades de analisar diferentes
fenômenos lingüísticos e poderia, inclusive, optar pelo estudo de aspectos resultantes do
contato com línguas africanas, uma vez que se trata de uma comunidade negra.
Antes da escolha do tema, foi realizado um estudo piloto para verificar as reais
possibilidades. Esse estudo piloto objetivou não identificar aspectos lingüísticos e traços
variáveis na língua falada na comunidade, mas também documentar os hábitos, tradições,
religião, valores e comportamentos dos habitantes. Assim, as percepções se deram de forma a
se obterem o somente informações sobre aspectos lingüísticos, como também
características sociais, econômicas e culturais.
Durante o estudo piloto, nas primeiras entrevistas, já foram encontrados dados
significativos para o estudo da alternância de nós e a gente e, assim, foi iniciado um trabalho
de disciplina, posteriormente ampliado para monografia de curso de especialização, que
resultou em comunicação apresentada no IV Encontro da ABECS (Encontro da Associação
Brasileira de Estudos Crioulos e Similares) em outubro de 2006. Todos esses acontecimentos,
especialmente o último, serviram de impulso para prosseguir com a pesquisa, pois foram
mostrando que ainda havia muitas perguntas a serem respondidas sobre o comportamento da
variável s e a gente na fala da comunidade. Somando-se aos motivos citados, ainda não se
tinha conhecimento de estudos concluídos sobre essa temática no português rural afro-
brasileiro, o que se tornou mais um motivo para dar seguimento à pesquisa iniciada. Hoje,
estão em andamento, pelo menos, duas pesquisas de mestrado, ambas sendo desenvolvidas na
Universidade Federal da Bahia, envolvendo a temática nós e a gente no português de outras
comunidades afro-brasileiras.
O interesse em estudar o português falado em Caimbongo vem somar-se aos objetivos
que têm movido outros lingüistas: procurar elementos que possam explicar a formação e o
desenvolvimento do português popular do Brasil. Como os primeiros habitantes de
Caimbongo tiveram sua história ligada à escravidão (LOURENÇO, 2005), supõe-se que seus
antecessores tenham adquirido o português como segunda língua e a partir de dados precários.
Somado a este aspecto, Caimbongo conserva-se como uma comunidade negra que pouco se
miscigenou e se manteve relativamente isolada por muito tempo.
15
A constituição de um corpus da língua falada em Caimbongo, portanto, visa a
contribuir com dados para pesquisas sobre a formação do português brasileiro e soma-se ao
material que já se dispõe sobre o português de comunidades rurais afro-brasileiras.
Quanto ao tema desta pesquisa, a principal importância de se estudar a variação de nós
e a gente na fala em uma comunidade quilombola afastada das cidades, como é o caso de
Caimbongo, está em tentar responder algumas questões sobre este tema:
Tanto no português popular quanto no português considerado culto, tem-se
atestado, na fala, continuado aumento no uso da forma a gente no lugar de nós
(OMENA, 1998; MENON, LAMBACH e LANDARIN, 2003; LOPES, 2003,
2007; SANTANA, 2006; VIANNA, 2006 e outros). Em que fase se encontra a
variação em Caimbongo?
Quais fatores têm contribuído para a implementação da forma inovadora nesta
comunidade?
Por Caimbongo ser uma comunidade afastada dos centros urbanos e ter se mantido
relativamente isolada por muito tempo, os falantes teriam preservado a forma nós?
O objetivo geral deste trabalho é, portanto, descrever e analisar as variáveis – sociais e
lingüísticas que influenciam a utilização dos pronomes nós/a gente no português falado em
Caimbongo, uma comunidade rural afro-brasileira. Os objetivos específicos são os seguintes:
1. Verificar as tendências gerais das variantes nós/a gente na comunidade, levando-
se em conta os seguintes fatores sociais: gênero/sexo, faixa etária, escolaridade,
saídas da comunidade e exposão à mídia.
2. Identificar e caracterizar os fatores lingüísticos que influenciam nas escolhas de
nós/ a gente na comunidade: explicitação do sujeito
1
, paralelismo ou forma
antecedente, mudança de referente, inclusão do eu e (in)determinação do sujeito.
3. Comparar o resultado dos falantes mais expostos à mídia (TV) com os usos de nós
e a gente na dia (novelas atuais).
4. Verificar se há indícios de substituição de nós por a gente, como verificaram
alguns dos estudos citados.
5. Comparar, sempre que possível, os resultados obtidos nesta pesquisa com aqueles
apresentados no referencial trico.
1
O grupo de fatores Explicitação do sujeito será utilizado com o objetivo de verificar se na fala da comunidade
prevalece a tenncia ao sujeito preenchido, uma vez que a forma a gente tende a ser explicitada por causa da
ausência de morfologia do verbo que a acompanha.
16
Esta dissertação constitui-se desta introdução, além de outros oito capítulos e as
Referências. O estudo inicia com o capítulo “O português brasileiro”, que se encontra
dividido em duas partes: Na primeira, apresentam-se informações acerca da formação do
português do Brasil, resultante do encontro de povos e culturas que serviram de fatores
definidores das características da nossa língua, informações recolhidas de importantes
pesquisadores do assunto, como Chaves de Melo (1981), Mussa (1991), Pessoa de Castro
(2001), Rodrigues (2005; 2007; 2008), Mattos e Silva (2007), dentre outros. Na segunda
parte, são mostradas duas diferentes posições acerca da influência de línguas africanas na
formação do português brasileiro e alguns resultados de pesquisas em comunidades rurais
negras.
Em seguida, no capítulo “A sociolingüística variacionista”, de forma resumida, um
histórico da Sociolingüística, rememorando o seu início e desenvolvimento e aspectos
teóricos e metodológicos.
O capítulo seguinte, Estudos sobre nós e a gente”, também está subdividido. No
primeiro momento, trata-se do processo de gramaticalização da palavra portuguesa gente. O
substantivo feminino latino gens, gentis, que deu origem à palavra gente, que se transformou
no pronome a gente, ocupando, dentre outras funções, a de primeira pessoa do plural em
alternância com a forma tradicional s. No segundo momento, são apresentados resultados
de pesquisas sociolingüísticas que, além de descreverem a forma a gente, explicam contextos
de uso e fatores lingüísticos e sociais que favorecem as escolhas de nós e a gente como
formas variantes, trabalhos de sociolingüistas.
O capítulo seguinte, “Breve caracterização de Caimbongo”, refere-se à comunidade
em estudo: pesquisa sobre o topônimo, informações sobre a localização, população, região
geográfica, aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais.
O capítulo “Metodologia” contém informações sobre o método de estudo, a
composição da amostra, a descrição dos grupos de fatores a serem pesquisados e as hipóteses
de trabalho.
No penúltimo capítulo está exposta a análise dos dados com discussão dos resultados
e, no último, as considerações finais desta pesquisa.
17
2 O PORTUGUÊS BRASILEIRO
2.1 ASPECTOS DA HISTÓRIA LINGÜÍSTICA DO BRASIL
...Sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e
baixam... [...] São antiqüíssimas e recenssimas. Vivem no féretro escondido e na
flor apenas desabrochada... Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos
conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras,
pelas Américas encrespadas, buscando batatas, butifarras, feijõezinhos, tabaco
negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu no
mundo... Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos, idolatrias iguais às que traziam
em suas bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... Mas caíam das botas
dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras, as
palavras luminosas que permaneceram aqui resplandecentes... o idioma. Saímos
perdendo... saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram
tudo e nos deixaram tudo... Deixaram-nos as palavras (NERUDA, 1974, p. 51-52).
Fato sabido de todos, os portugueses desembarcaram no Brasil no dia 22 de abril de
1500, tomando posse desse território já habitado por índios, em nome do rei D. Manuel. Com
esse acontecimento, a ngua portuguesa chegou ao Brasil. Nas palavras de Neruda (1974), “o
ouro” que os conquistadores nos deixaram.
Da versão da língua portuguesa trazida de Portugal até a formação das variedades
atuais que constituem o chamado português brasileiro de se considerar um conjunto de
variáveis relacionadas a fatos históricos e questões poticas no decorrer da história, como a
convivência entre povos e línguas distintas, a formão demográfica brasileira e a
escolarização tardia.
Segundo Rodrigues (2007), em 1500, o número de nguas indígenas faladas aqui no
Brasil era em torno de 1.200. Do continuado externio, infelizmente, existem hoje pouco
mais de 180 nguas faladas e cerca de 220 povos indígenas, sendo que mais de vinte desses
povos falam o português. A população indígena restante no Brasil é formada por cerca de
190.000 pessoas, no entanto, 160.000 falam as 180 línguas. A distribuição quanto ao
número de falantes por ngua é muito desigual, havendo nguas faladas por cerca de 20.000
pessoas e outras com menos de 20 (RODRIGUES, 2007). Houve, assim, perda na quantidade
e na diversidade. Muitos índios foram integrados, muitos ainda morreram de doenças.
Rodrigues (2005) explica que, para fazer a estimativa do número de línguas faladas em
1500, baseou-se na relação feita pelo padre Fernão Cardim, em um manuscrito de 1584, com
a relação de 76 povos indígenas habitantes de uma faixa paralela à costa leste, numa extensão
que ia do norte do rio São Francisco até o sul do Rio de Janeiro. Na lista, este autor teria se
18
referido às diferentes línguas faladas por esses povos, explicitando o número 65 nguas, tanto
diferentes entre si quanto em relação à língua dos índios da costa (os tupinambás, que incluem
os tupiniquins, caetés, potiguaras, tamoios etc., índios com os quais os portugueses
mantinham contato).
A colonização no território brasileiro teve início oficialmente em 1532, com a
fundação de São Vicente, em São Paulo, por Martim Afonso de Souza e a divisão do território
nacional em 15 capitanias hereditárias. (TEYSSIER, 2004
2
; RODRIGUES, 2008). Com base
em Teyssier (2004, p. 94), a colonização se inicia no litoral e após a fundação de São Paulo
abre-se uma porta de entrada para o interior”.
Em 1549, os missionários da Companhia de Jesus chegaram ao Brasil com a missão de
catequizar os índios, empenhados em expandir a fé católica, a fim de garantir não mais
espaço para a igreja, mas também uma unidade religiosa que fortaleceria Portugal (BATISTA,
2005).
Para a conversão dos indígenas, os jesuítas tiveram que aprender a falar a ngua dos
nativos, uma estratégia para conseguirem convertê-los e dominá-los. Conseentemente, os
missionários foram importantes na história lingüística do Brasil, inclusive, na produção de
gramáticas. Rodrigues (2005) destaca que, mesmo com a grande diversidade de povos
nativos, os colonizadores deram maior atenção à língua dos tupinambás, criando a primeira
gramática da ngua mais falada na costa do Brasil, como afirma o título da gramática de
Anchieta: A arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil. A comunicação com
outros povos era intermediada por interpretes indígenas, tanto que nos três séculos de
colonização só foram produzidas gramáticas de três línguas.
Batista (2005) cita duas línguas que foram colocadas em regras” e Rodrigues (2005)
informa ainda sobre uma terceira língua, a língua dos maramonins. Juntando as informações
dos dois autores, os jesuítas produziram gramáticas de três línguas faladas nos séculos XVI e
XVII: do tupi antigo (ou tupinambá)
3
, que foram produzidas duas A arte de gramática da
língua mais usada na costa do Brasil, de Jo de Anchieta, em 1595 e A arte da língua
brasílica, de Luís Figueira, em 1621; da língua quiriri A arte de gramática da língua
brasílica da Nação Kiriri, de Luís Vincencio Mamiani, em 1699 e da ngua dos maramonins
2
A primeira edição é de 1997.
3
Conforme explica Rodrigues (2005), a língua dos tupinambás é também chamada de tupi antigo e, durante o
século XVII, foi denominada língua brasílica.
19
ou guarulhos – elaborados pelo Padre Manuel Viegas, com auxílio do Padre Anchieta,
perdidos todos os manuscritos (gramática, vocabulário e catecismo).
As línguas indígenas foram usadas como língua de intercurso no relacionamento entre
portugueses e tupis. O termo língua geral, no singular, foi e continua sendo usado para
designar essas línguas. Segundo Rodrigues (2008), língua geral é um
termo específico para determinada categoria de línguas, que surgiram na América do
Sul nos séculos XVI e XVII em condições especiais de contacto entre europeus e
povos indígenas. A expressão língua geral tomou um sentido bem definido no Brasil
nos séculos XVII e XVIII, quando, tanto em São Paulo como no Maranhão e Pará,
passou a designar as línguas de origem indígena faladas, nas respectivas províncias,
por toda a população originada no cruzamento de europeus e índios tupi-guaranis
(especificamente os tupis em São Paulo e os tupinambás no Maranhão e Pará), à
qual foi-se agregando um contingente de origem africana e contingentes de vários
outros povos ingenas, incorporados ao regime colonial, em geral na qualidade de
escravos ou de índios de missão (RODRIGUES, 2008).
Este autor cita a língua geral paulista, nascida do relacionamento entre homens
portugueses e mulheres indígenas, falada pela população paulista de meados do século XVII a
meados do século XVIII; o guarani criollo, ngua falado entre os rios Paraná e Paraguai,
desenvolvida em uma situação de contato entre colonos espanhóis, predominantemente
homens, e índias guaranis, nas primeiras décadas do século XVII, bastante semelhante à que
se produziu em São Paulo, com o surgimento de uma crescente população mestiça cuja língua
materna era o guarani e não o espanhol. A colonização portuguesa no Maranhão, no Pará e na
Amazônia teve início na primeira metade do século XVII. Essa região era de donio dos
índios tupinambás, que se estendiam até a boca do rio Tocantins. A chamada língua geral
amazônica surgiu da relação entre colonos e soldados portugueses com tupinambás, levando
ao surgimento de mestiços que falavam a língua das mães, o tupinambá. Esta ngua continua
viva na versão que, a partir da segunda metade do século XIX, passou a ser chamada de
nheengatu.
Além da influência indígena, contribuiu para a formação do português brasileiro o
negro. As a instalão do primeiro governo geral, em 1549, foi estabelecido o tráfico
negreiro regular e estimulada a importação de escravos africanos para o Brasil. Com o
estabelecimento do regime escravista, africanos adultos de regiões distintas, falantes de
diferentes nguas eram trazidos nos navios negreiros e separados estrategicamente nos portos
para evitar rebeliões nas propriedades de seus senhores. Acredita-se que esta situação de
convivência entre falantes adultos de línguas diferenciadas pode ter trazido implicações
lingüísticas, embora não se possa avaliar claramente.
Com o passar do tempo, com a continuação do tráfico, a população de africanos foi se
tornando maioria. Embora os dados sobre a demografia sejam sempre aproximativos, segundo
20
Couto (1997)
4
apud Mattos e Silva (2007, p. 4), nos finais de quinhentos, a presença africana
(42%) já se estendia por todas as capitanias, ultrapassando os demais grupos portugueses
(30%) e índios (28%) apresentando um expressivo crescimento, sobretudo em Pernambuco
e na Bahia, nesta última o número de habitantes negros teria sextuplicado. Conforme
informações de Mussa (1991), em 1600, a população negra estava concentrada na costa, com
maior densidade demográfica em Pernambuco e na Bahia. Sobre estes povos, este autor
afirma:
O escravo negro ocupava sociolingüisticamente uma população profundamente
diferenciada. Dentre os 20.000 estimados entre o fim do século XVI, a grande
maioria era de negros novos, fundamentalmente destinados ao eito, com um
percentual menor de ladinos, empregados nas capatazias dos engenhos e nos
afazeres dos incipientes núcleos urbanos. Os escravos africanos superavam de muito
o número de crioulos; e entre os africanos é possível afirmar que havia um
significativo maior percentual de escravos sobre o de libertos (MUSSA, 1991 p.
150).
Para Mussa, não seria seguro opinar sobre a existência de línguas gerais africanas no
século XVI, mas está certo de que grande parte dos escravos aprendeu o português, havendo
graus diferenciados de aprendizagem a depender da posição social que ocupava. Assim, os
negros ladinos e os escravos domésticos e urbanos tenderiam a abandonar definitivamente a
língua materna em função do português, enquanto os negros novos e escravos rurais
maioria, vale lembrar teriam o português apenas como uma língua de intercurso com a
sociedade branca, conservando as línguas maternas nas senzalas e nos pequenos grupos. Este
fato é muito importante, pois explica, por exemplo, como o português de algumas
comunidades negras remanescentes de quilombos conservou certos traços característicos de
situação de crioulização, semi-crioulização ou de contato lingüístico (Helvécia BA;
Cafundó – SP, dentre outras), fato não consensual entre pesquisadores.
A língua geral da costa teria começado o seu decnio no século XVII
(HASENBALG, 1979
5
apud MUSSA, 1991), havendo um decréscimo de 40% devido ao
externio da população ao mesmo tempo em que ocorria aumento de brancos (233%) e
negros (750%), o que representava em números uma população de 300.000 pessoas, sendo
aproximadamente 100.000 brancos, 170.000 negros e 30.000 índios no ano de 1700. A
grande concentração indígena estaria, nesse momento, no Maranhão, enquanto Bahia e
Pernambuco mantinham-se como os centros econômicos mais importantes e por isso, com
maior densidade demográfica (MUSSA, 1991).
4
COUTO, Jorge. A construção do Brasil: ameríndios, portugueses e africanos do início do povoamento a finais
de quinhentos. 2ª. ed. Lisboa: Cosmos,1997.
5
HASENBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Trad. P. Burglin. Rio de Janeiro: Graal,
1979.
21
No século XVIII, a descoberta do ouro e do diamante em Minas Gerais causa um
movimento migratório de portugueses e negros, que são levados em massa para trabalhar nas
minas. Nesse período, o comércio negreiro na Costa da Mina e no noroeste africano passa a
depender do fumo da Bahia, que intensifica a importação (MUSSA, 1991).
Ainda no século XVIII, a língua geral paulista entra em decnio como conseqüência
da decadência da atividade bandeirante e da influência da imigração portuguesa. Em seguida,
ocorre, em 1758, o decreto do Marquês de Pombal, que proibia o uso da língua geral e tornava
obrigatório o uso do português como ngua oficial da colônia. (MUSSA, 1991; TEYSSIER,
2004; LOBO e OLIVEIRA, 2005). Teyssier (2004, p. 95) conclui: “A expulsão dos jesuítas,
em 1759, afastava da colônia os principais protetores da ngua geral. Cinqüenta anos mais
tarde o português eliminaria definitivamente esta última como ngua comum, restando dela
apenas um certo número de palavras integradas no vocabulário português local e muitos
topônimos”.
O desenvolvimento da lavoura cafeeira no século XIX provoca um novo deslocamento
do eixo econômico para o vale do rio Paraíba e conseqüente deslocamento populacional, fato
que se soma à Independência e à extinção do trabalho escravo. Nesse mesmo século, é
iniciada a imigração européia não portuguesa, que é mais uma etapa importante na
constituição do português do Brasil.
Quanto à escolarização no Brasil colonial e s-colonial, conforme Mattos e Silva
(2007), até a primeira metade do século XIX, a etnia branca, constituída por portugueses ou
luso-descendentes representa 30% da populão. Nos 70% restantes estariam, sobretudo os
africanos e afro-descendentes, pois, a essa altura, os indígenas já teriam morrido por
externio ou epidemias. A autora afirma: “Esses 70% adquiriram a língua da colonização, a
língua alvo, numa situação chamada pelos especialistas de transmissão irregular ou de
aquisição imperfeita, já que tinham história familiar de língua não portuguesa”.
Em todo o período de colônia, como tamm afirma Teyssier (2004), o Brasil
permaneceu um país essencialmente rural. As duas capitais, Salvador e Rio de Janeiro (a
partir de 1763) e mais algumas vilas de importância mediana apenas se ocupavam de funções
administrativas, poticas e religiosas. Os jovens brasileiros iam se formar em Coimbra, pois
no país não havia nenhuma universidade. De acordo com Ribeiro (1999)
6
apud Mattos e Silva
(2007), o analfabetismo no Brasil chegava a 85% em 1890 e, na segunda década do século
6
RIBEIRO, Ilza. A origem do português culto. A escolarização. Comunicação em Encontro da UNIFACS.
Salvador. 1999. (mimeo).
22
XX, os potenciais usuários do português brasileiro culto eram apenas 25%, enquanto 75%
falavam o português brasileiro popular, variedade predominante ainda hoje.
muito tempo, estudiosos se interessam pela temática da formação do português do
Brasil. Dentre os primeiros a se interessar pelo assunto, cita-se Francisco Adolfo Coelho
(1847-1919). Conforme Leal (2007), além de sua atuação em diferentes áreas do
conhecimento, Coelho foi introdutor dos estudos lingüísticos e da pedagogia em Portugal.
Lopes (2002) destaca opinião dele quanto à supressão de marcas de plural presente no
português do Brasil:
Desde Coelho ([1880]1967, 43), em fins do século XIX, colocou-se a variedade do
português do Brasil em meio a diversos falares crioulos do português. A variação da
concordância nominal foi, inclusive, referida por ele para justificar a aproximação
que fez:
“Diversas particularidades características dos dialectos crioulos repetem-se no
Brasil; tal é a tendência para a supressão das formas de plural, manifestada aqui,
que, quando se seguem artigo e substantivo, adjetivo e substantivo, etc., que deviam
concordar, só um toma o sinal de plural” (COELHO, ([1880]1967, p. 43 apud
LOPES, 2002, p. 42).
Naro e Scherre (1993) citam os relatos de viajantes, missionários e autoridades
governamentais a partir do século XVI, jornais e peças que representam a fala de alguns
grupos populacionais, principalmente do século XIX. Com relão a este período, referem-se
ao trabalho de Serafim da Silva Neto, Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa no Brasil,
de 1950 como o mais completo levantamentoda ngua da época. Mattos e Silva (2006)
também enfatiza a importância de Serafim da Silva Neto, a quem atribui a iniciativa de tentar
reconstruir o passado da “língua portuguesa no Brasil”. Conforme Mattos e Silva (2006), o
autor foi defensor, desde a década de quarenta, de duas teses a da unidade e a do
conservadorismo do português brasileiro –, defendidas também por Gladstone Chaves de
Melo e Sílvio Elia.
Chaves de Melo (1981)
7
busca apresentar obras que reforcem a sua tese de unidade
lingüística e diversidade de uso, defendendo uma cultura comum luso-brasileira. Para o autor,
as divergências entre o português do Brasil e o europeu no que se refere à fonética, à
morfologia e à sintaxe, na maioria absoluta dos casos, seriam arcaísmos conservados,
dialetismos lusos ou desenvolvimento de tendências latentes na língua. Admite que houve
alguma influência das nguas indígenas e africanas no português do Brasil, pelo menos no
léxico. No entanto, fica clara a visão preconceituosa do autor, pois defende a superioridade da
língua e da cultura portuguesa com relação a essas outras. A citação seguinte exemplifica bem
tal postura:
7
A primeira edição é de 1940.
23
Descoberto o Brasil, para trouxeram os portugueses sua língua românica. Esta a
princípio encontrou uma forte rival no tupi, que até o século XVIII, chegou em
certas regiões a ser mais falado do que o português. Depois, este reagiu e recuperou
terreno à língua local. Mas então se deu um fenômeno de capital importância na
história das nguas: os indivíduos que tinham o tupi como língua materna
abandonaram-no e adotaram o novo idioma. Naturalmente não puderam dominar
todo o mecanismo e todas as sutilezas deste; antes, aprenderam-no mal,
desfigurando-o com uma série de defeitos provenientes dos antigos bitos
lingüísticos. [...] O mesmo se deve dizer de outro elemento perturbador e
praticamente concomitante: o negro africano. Também ele entrou a falar mal o
português, desfigurando-o com a marca dos seus anteriores hábitos lingüísticos
(CHAVES DE MELO, 1981, p. 17-18).
Fica implícito, nas palavras de Chaves de Melo, que os falantes adultos índios e
negros, naturalmente, foram modificadores da ngua portuguesa, dadas as condições em que
aprenderam o idioma como segunda língua.
Pessoa de Castro (2001) estudou o que chamou de aportes africanos no falar baiano,
as línguas africanas que vieram para o Brasil, o que se incorporou ao português brasileiro e o
que se manteve principalmente na linguagem utilizada nas cerimônias religiosas. Sua
conclusão é a de que o português do Brasil “é uma unidade formada pelo complexo dos seus
falares regionais” (PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 124). Para a autora, tanto ocorreu a
africanização do português” quanto o “aportuguesamento dos africanismos”.
Em estudo sobre a concordância nominal na fala popular de Salvador, Lopes (2004, p.
45) constata tendências de aquisição e perda no português brasileiro: o grupo de falantes com
ancestralidade negra está em processo de aquisição da concordância [...] os mais novos
fazem mais concordância que os mais velhos, o que é indicador de que, em fases mais
remotas, a concordância ocorreu em índices mais remotos”, enquanto o grupo de
ancestralidade não negra apresenta indicadores de perda “com indícios de que fez mais
concordância (em mais proximidade do português europeu), e hoje tende a uma mudança no
sentido de não aquisição, mas, sim, de perda”.
Embora a autora não negue que a variação da concordância fosse prevista na deriva
da ngua, como afirmam Naro e Scherre, considera que o femeno tem alguma relação com
o contexto de implantação do português do Brasil (escravização e contato entre culturas). Para
Lopes (2004, p. 33), dados históricos relativos à população fortalecem a hipótese de que a
maioria dos descendentes de escravos de Salvador pode ter tido como dados primários para a
sua aquisição não o português europeu, mas um outro aprendido com falantes de português
L2, já com interferência”. Alguns fatos mencionados pela autora são os seguintes: a
preferência por parceiros da mesma origem, metade dos escravos em 1860 serem africanos, o
fato de escravos e seus filhos terem acesso negado à escola, crianças aprendendo português
com falantes de outras línguas, dentre outros.
24
Defensora do mesmo ponto de vista, Mattos e Silva (2007) diz que o português do
Brasil tomou a sua forma na complexa interação entre a ngua do colonizador, as numerosas
línguas indígenas brasileiras, as também numerosas línguas africanas chegadas pelo tráfico
negreiro (oficial entre 1549 e 1830
8
e não oficial antes e depois desse período) e as línguas
dos emigrantes europeus e asiáticos, a partir dos meados do século XIX. Foi, então, a partir
dessa composição que, ao longo de quinhentos anos, a língua portuguesa foi tomando o
formato brasileiro. Esta autora concorda com a tese defendida por Baxter e Lucchesi (1997)
de que o Português Brasileiro foi constituído no contexto da transmissão irregular na
oralidade, livre das regras normativizadoras da escolarização, resultando numa variante
divergente da européia em muitos aspectos. A autora admite que pode ter ocorrido no passado
uma leve crioulização prévia pelo fato de o português brasileiro apresentar variantes
socioletais com configurações modificadas, semelhantes aos crioulos de base portuguesa. E
quanto às variantes que se aproximam do português europeu, não desconsidera a deriva
natural, “apressada pela história social do Brasil”. Esta questão será discutida no capítulo
seguinte.
Para Lucchesi (2002), o português brasileiro é não heterogêneo e variável, mas
também plural e polarizado, pois, de um lado, tem-se a norma culta ou o português brasileiro
culto e, do outro, a norma vernacular ou o português brasileiro popular. A realidade
lingüística brasileira, repito o que já foi observado por rios estudiosos como os que foram
aqui citados, é resultante de um conjunto de variáveis, relacionadas à colonização, à grande
extensão territorial, às diversas línguas em convívio, escolarização no Brasil tardia, dentre
outras.
2.2 PORTUGUÊS BRASILEIRO: DERIVA OU TRANSMISSÃO LINGÜÍSTICA
IRREGULAR?
Há uma grande discussão a respeito das origens do português popular do Brasil.
Questiona-se a respeito dos motivos pelos quais o português popular se distanciou do
português de Portugal, até mesmo do português popular europeu. Atualmente, duas
posições que governam esta discussão. São as teorias de Naro e Scherre (1993) e Baxter e
Lucchesi (1997).
8
Mussa (1991, p. 138-140) data precisamente 1538 como o ano em que o Brasil começou a receber escravos
africanos de forma sistemática e 1850 como o ano em que o tráfico foi extinto.
25
Para Naro e Scherre (1993), o português popular do Brasil teria sido produzido pela
evolução natural da língua, associada ao que eles denominam “confluência de motivos”, que
seria o resultado da associação da grande mistura de nguas originadas da Europa, da
América e da África com a falta de escolarização. Acreditando no papel que essas várias
línguas juntas teriam na produção do português popular do Brasil, negam a possibilidade de se
poder atribuir a causa exclusiva ao suposto pidgin
9
ou crioulo
10
de base lexical portuguesa,
uma vez que não se poderia deixar de considerar também o papel dos índios, das demais
etnias presentes no Brasil, da contribuição pidginizante dos primeiros colonos portugueses e
de outras forças em interação com a deriva secular trazida da Europa.
Baxter e Lucchesi (1997), no entanto, defendem a influência do processo de
transmissão lingüística irregular nas situações de contato (entre nguas). Nesse processo, os
aprendizes geralmente são falantes de línguas diferenciadas e mutuamente ininteligíveis,
obrigados a adquirir uma segunda língua emergencialmente em função de relações sociais ou
de sujeição. Conseqüentemente, a variedade da língua alvo que se forma dessa situação
apresentaria forte redução e simplificação em sua estrutura gramatical, sendo mantidos apenas
os elementos essenciais necessários ao preenchimento das funções comunicativas. Essa
segunda língua, a língua do dominador, adquirida em condições “irregulares” e emergenciais,
é chamada de pidgin. Tempos depois, quando as crianças nascidas nessa situação adquirem
esse pidgin como língua materna, nasce o crioulo, um pidgin reconstruído através dos
mecanismos de aquisição da linguagem (LUCCHESI, 2003).
A crioulização se formaria numa situação em que o acesso a língua alvo foi
extremamente reduzido, desencadeando um processo de reestruturação lingüística
independente, cujo resultado seria a formação de uma nova língua qualitativamente distinta
da(s) língua(s) que forneceu(ram) os modelos primários para a aquisição.
Defendem os autores que, no Brasil, mais precisamente no século XVI, com a
prosperidade dos engenhos de cana-de-açúcar e a importação de escravos da África em
número cada vez maior, falantes de diferentes línguas africanas teriam adquirido a língua
portuguesa como segunda língua, resultando numa transmissão lingüística irregular. Para
Baxter e Lucchesi (1997), o português popular do Brasil foi influenciado pela situação de
contato com as línguas africanas, acreditando-se que houve, no passado, um crioulo de base
portuguesa.
9
Língua de intercurso usada por grupos falantes de línguas diferentes.
10
Língua nativizada, que toma como modelo um pidgin.
26
Além das duas teorias que regem a polêmica deste importante tema, que é a formão
do português popular do Brasil, uma outra opinião, a de Holm (1992). Para ele, muitas
evidências de que o português popular do Brasil tenha sido derivado do contato entre um não-
crioulo (o português coloquial e regional trazido da Europa para o Brasil do século XVI até o
presente) e um crioulo (o português baseado na variedade trazida de São Tomé para o Brasil
durante os séculos XVI e XVII, e, posteriormente, variedades como o crioulo português de
Helvécia). Por isso Holm nomeia o português popular do Brasil de semi-crioulo.
De acordo com Bickerton (1988)
11
apud Baxter e Lucchesi (1997), ao se observar a
estrutura de uma ngua crioula, verifica-se que o que se mantém da língua dominante é o
léxico. Os morfemas gramaticais (preposições, artigos, desinências verbais, de gênero,
número e caso), por serem os mais difíceis de serem adquiridos, não sobrevivem ao processo
de transmissão lingüística irregular. O quadro 1 mostra dois conjuntos de itens gramaticais
que são diluídos:
Quadro 1 – Itens gramaticais diluídos no processo de transmissão lingüística irregular
Conjunto A Conjunto B
Artigos
de gênero (não se mantém)
Indicadores
de tempo, modo e aspecto
de número (não se mantém)
Palavras
interrogativas
Morfologia
verbal flexional (quase não se mantém)
O
indicador de plural
Morfolo
gia
derivacional (quase não se mantém)
Pronomes
que indicam pessoa e número
Caso
e gênero pronominais (quase o se mantêm)
Indicadores
de caso oblíquo
A
maioria das preposições
Preposições
locativas
Partículas
de relativização
Reflexivos
e recíproc
os
Fonte: Baxter e Lucchesi (1997, p. 72, adaptado de BICKERTON, 1988).
Conforme afirmam Baxter e Lucchesi (1997), todas as áreas da gramática são afetadas
no processo de transmissão irregular, porém, de maneira diferente. Os itens do grupo B seriam
raramente mantidos, enquanto que os itens do grupo A seriam reconstituídos de maneira
original. As línguas e dialetos que mais expressam processos prévios de pidginização e
crioulização seriam hoje falados em regiões restritas e, normalmente, em situações de alto
isolamento.
No Brasil, devido à formação sócio-histórica relacionada ao processo de escravidão,
muitos pesquisadores vêm realizando estudos em comunidades com relativo isolamento,
encontrando tros em comum quanto à redução e à simplificação de aspectos gramaticais.
11
BICKERTON, Derek. Creole languages and bioprogram. In: F. J. Newmeyer (ed.). Linguistics: the
Cambridge Survey. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.
27
No artigo Remanescentes de um falar crioulo brasileiro (Helvécia Bahia), Ferreira
(1994) conta-nos como dois inquiridores do Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB)
chegaram à vila de Helvécia, no município de Mucuri, no litoral sul da Bahia, em 26 de
janeiro de 1961. Os inquiridores deveriam coletar dados no ponto 50, Ibiranhém, próximo de
Helvécia e, como ouviram falar que havia, naquela localidade, vestígios de um falar crioulo,
planejaram chegar até lá para averiguarem as informações.
Como relata a autora, não foi fácil chegar à comunidade naquela época, dificuldade
que considera, em parte, como responsável pelo conservadorismo da rego. Os inquiridores
foram de Salvador a Nanuque, no Estado de Minas Gerais, por via aérea e, até chegarem ao
destino final, passando por Ibiranhém, alugaram um jipe e viajaram por mais de 7 horas numa
estrada definida como “quase carroçável”.
Neste primeiro e rápido contato, conversaram com dois informantes idosos uma
mulher de 75 anos e um homem de 80, registrando fatos lingüísticos peculiares de Helvécia,
o encontrados em nenhuma outra localidade ou então registrados ocasionalmente. Como
exemplo, são citados aqui somente os principais fatos no nível da morfossintaxe que, segundo
a autora, forneceram maiores indícios de um possível crioulismo. Os exemplos são repetições
do original (p. 28-32), com a transcrição de 1961, observam as autoras, pois preferiram não
alterar as anotações de campo, apesar dos defeitos encontrados:
a) Casos de ausência de artigo (io ´sabi ´dia du ‘ãnu / kwãdu a’bri ža’nela).
b) Quando ocorre artigo, é comum o uso da forma de masculino no lugar da de
feminino e vice-versa, estando o artigo isolado (´io ´pódi rũ´ma u´kaza) ou em
contração (ségu ´dũma óiu).
c) Existência do artigo indefinido [ũna], variando com [ũma] e [ũa].
d) Falta de concordância no sintagma (cabelo ´grosa).
e) Simplificação nas formas verbais. No presente do indicativo, baixo número de
ocorrências de primeira pessoa (´io vo), grande número de ocorrências de 3ª pessoa
do singular com forma de primeira do singular (io ´sabi). No pretérito perfeito,
ocorreu a forma de uso geral (a´bri), mas a forma mais utilizada é a pessoa pela
primeira (io ´teve), ocorrendo ainda a utilização da 3ª pessoa do presente do
indicativo pela 1ª do pretérito perfeito (´io ´pódi rũ´ma u´kaza referência a
uma época passada em que não era possível montar a sua casa).
f) O pronome sujeito sempre representado por [io] para a 1ª pessoa do singular;
g) As duas ocorrências do pronome de primeira pessoa do plural foram realizadas
como [nó].
28
h) Uso do possessivo [me] para a 1ª pessoa do masculino (i´tõ me i´mãũ é manu´é
lori´ãnu) ou do feminino singular, (me vo é lava´deru), [´mĩã] (ĩ di´mĩã ´mãi)
e [´mia] (fa´mia di´bãda da mia´mãĩ é ´žeži).
i) A conjunção [mas] como [ma] na frase exclamativa.
A Colônia Leopoldina, como era chamada antigamente Helvécia, foi formada por
alemães e suíços que, desde o século XVIII, espalharam-se pelo Sul do Estado, interessados
na cultura do café. Para isso, compravam escravos no próprio Estado, em número cada vez
maior. Quando a cultura do café entrou em decadência, os europeus foram deixando o lugar,
enquanto os negros permaneceram.
Em 1961, Ferreira observou antropônimos que refletiam a formação do grupo
populacional que se desenvolveu em Helvécia: dois tipos de mestiços alemão + africano,
holandês + africano – e um grupo de negros puros.
Além dos fatos peculiares a Helvécia, outros são normais em outras áreas do Brasil,
como ieísmo, alternância /b/ - /v/, suarabácti, aférese, síncope, apócope, metátese, dentre
outros foram levantados na pesquisa, sem a intenção de detalhar.
Desde então, vários outros pesquisadores se ocuparam de estudar o dialeto falado em
Helvécia e, posteriormente, em outras comunidades afro-brasileiras em situações de semi-
isolamento. Dentre esses estudos, estão os de Baxter e Lucchesi (1997), Lucchesi (2004a) e
Careno (1999).
No artigo intitulado A relevância dos processos de pidginização e crioulização na
formação da língua portuguesa no Brasil, Baxter e Lucchesi (1997) discutem a possível
crioulização prévia do português do Brasil, os conceitos de crioulo, pidgin, semi-crioulo,
transmissão lingüística irregular, aspectos da formação sócio-histórica da língua portuguesa
no Brasil. Os autores apresentam estudam alguns dos fatos observados no dialeto de Helvécia
como variação na concordância de gênero, uso reduzido do artigo, da mesma forma que
também atou Ferreira (1994) dupla negação, supressão da preposição, dentre outros. O
estudo conclui que a variedade lingüística falada nesta comunidade pode refletir as variedades
vernáculas do português do Brasil de até, pelo menos, o início do século XX, principalmente
da área rural.
Lucchesi (2004a), no artigo Contato entre línguas e variação paramétrica: o sujeito
nulo no português afro-brasileiro, estuda a fala de comunidades rurais afro-brasileiras
isoladas em três diferentes microrregiões do interior do Estado da Bahia: Helvécia, no
município de Mucuri, no litoral sul da Bahia, ligada inicialmente à cultura agroexportadora de
café; Cinzento, na região do semi-árido, zona de pecuária; e Barra e Bananal, comunidades do
29
município de Rio de Contas, na Chapada Diamantina, antiga região de mineração. O autor
mostra que a ocorrência de sujeito nulo nessas comunidades (29%) é apenas um pouco menor
do que na variedade urbana culta (27%). Porém, afirma que, enquanto na norma culta a
diminuição no nível de sujeito pronominal nulo teria sido derivada de uma organização
estrutural em fuão das substituições dos pronomes tu e nós por você e a gente,
respectivamente, na norma vernacular, esta diminuição estaria ligada à queda de morfemas
flexionais de pessoa e número do verbo. Este resultado seria um reflexo direto do processo de
transmissão lingüística irregular que teria atuado mais intensamente na formação das
variedades populares do português do Brasil.
O autor apresenta dados percentuais de variação na concordância verbal em diferentes
comunidades o marcadas etnicamente e compara com as comunidades afro-brasileiras
isoladas. Neste tipo de comunidade, os índices de variação mais altos se explicariam pelo fato
de o contato entre línguas ter predominado no interior e, no caso das comunidades afro-
brasileiras, devido ao contato direto do português com línguas africanas. Para Lucchesi
(2004a), a flexão nas concordâncias verbal e nominal teria sido afetada pelo contato entre
línguas, especialmente no dialeto popular. Conforme o quadro seguinte, Lucchesi (2004a)
mostra a existência de um continuum com relação à concordância:
Quadro 2 – Representação da concordância verbal em diferentes amostras do português
brasileiro
(i) Nas comunidades rurais afro-brasileiras do interior do Estado da Bahia, o vel de variação é da ordem
de 84% (SILVA, 2003);
12
(ii) em comunidade de pescadores analfabetos ou pouco escolarizados, no norte do Estado do Rio de
Janeiro, ovel de variação cai para 62% (VIEIRA, 1995);
13
(iii) na fala de analfabetos da cidade do Rio de Janeiro, o nível de variação já é de 52% (NARO, 1981);
14
(iv) e na fala de falantes escolarizados das cidades do Rio de Janeiro e de Florianópolis, na região sul do
Brasil, o nível de variação é de apenas 27% e 21%, respectivamente (SCHERRE; NARO, 1997
15
; e
MONGUILHOTT; COELHO, 2002
16
, respectivamente).
Fonte: Lucchesi (2004a, p. 65)
12
SILVA, Jorge Augusto Alves da. A concordância verbal no português afro-brasileiro: um estudo
sociolingüístico de três comunidades rurais do Estado da Bahia. Dissertação de mestrado. Salvador: UFBA,
2003.
13
VIEIRA, Silvia. Concordância verbal: variação em dialetos populares do norte fluminense. Dissertação de
mestrado. Rio de Janeiro, 1995.
14
NARO, Anthony. The social and structural dimensions of a syntactic change. In: Language 57 (1). LSA,
1981. p. 63-98.
15
SCHERRE, Marta; NARO, Anthony. A concordância de número no português do Brasil: um caso típico de
variação inerente. In: Dermeval da Hora (Org.). Diversidade lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia, 1997,
p. 93-114.
16
MONGUILHOTT, Isabel; COELHO, Izete. Um estudo da concordância verbal de terceira pessoa em
Florianópolis. In: VANDRESEN, Paulino (Org.). Variação e mudança no português falado na região Sul.
Pelotas: EDUCAT, 2002, p. 189-216.
30
De acordo com as informações do Quadro 2, enquanto estudos sobre a concordância
verbal mostram índices de variação entre 21% e 62% em comunidades urbanas, em
comunidades rurais afro-brasileiras do interior da Bahia, estes índices chegam a 84%.
Segundo o autor, o maior grau de variação nas comunidades rurais se explica pelo fato de o
contato entre línguas ter predominado no interior do país, comofoi dito anteriormente.
Por outro lado, são diferentes os processos de variação e mudança observados nas
comunidades urbanas e rurais: enquanto, nas comunidades urbanas, os resultados apontam
estabilidade, nas comunidades rurais, a regra de concordância está sendo re-introduzida por
influência dos modelos lingüísticos urbanos, através do deslocamento populacional, da
influência dos meios de comunicação e da massificação do ensino público. Para Lucchesi
(2004a), estes resultados negam a hipótese de uma deriva secular
17
, defendida por Naro e
Scherre (1993), que determina perda contínua e progressiva da morfologia flexional do verbo.
No artigo Traços sintáticos do português popular brasileiro usado em comunidades
negras rurais, Careno (1999) descreve e analisa a ngua falada em três comunidades negras
localizadas no Vale da Ribeira, na região sudoeste do Estado de São Paulo. A região isolada
teria permitido por muitos anos que se conservasse uma variedade da língua não padrão.
Dentre as características dessa variedade, são destacadas a redução das flexões verbais e
nominais (aspecto também observado nas comunidades afro-brasileiras baianas), a excessiva
repetição dos pronomes oblíquos e o uso freqüente do diminutivo. Tal variedade, segundo
Careno (1999), estaria muito próxima das encontradas em sociedades americanas que têm
uma historia social de escravidão e uma história lingüística de pidginização e crioulização.
Porém, a autora conclui que as semelhanças apontadas em resumo, a simplificação drástica
das flexões seriam incapazes de responder quanto à inflncia de uma possível língua de
substrato, uma vez que as mudanças na ngua portuguesa do Brasil poderiam ser resultado do
desenvolvimento natural da ngua.
Os trabalhos citados são alguns exemplos que aquecem a discussão acerca da língua
falada em comunidades isoladas e marcadas etnicamente sem, contudo, encerrarem a
polêmica posta inicialmente. traços em comum nessas variedades lingüísticas aprendidas
por populações negras que viveram situação de isolamento em São Paulo e na Bahia. Os fatos
são semelhantes. São diversas, no entanto, a conclusão de Careno (1999) da dos demais
pesquisadores, que defendem a crioulização.
17
Conforme Lucchesi (2004, p. 65), o conceito de deriva (tendência à mudança prevista na estrutura interna da
língua) foi proposto por Sapir.
31
Muitos pesquisadores, principalmente sociolinistas, como os aqui citados
(BAXTER e LUCCHESI, 1997; CARENO, 1999; LUCCHESI, 2004a, dentre outros) ainda
buscam muito estudar comunidades afro-brasileiras mais isoladas, pois acredita-se que a
formação de variedades populares foi marcada pela influência do contato entre nguas e
principalmente pela transmissão de um modelo de língua portuguesa imperfeito ou irregular.
O tema desta dissertação, o estudo da sócio-história e da variação dos pronomes
sujeitos nós e a gente, insere-se na temática maior que é o português popular brasileiro,
formado pela comunhão de muitos povos e muitos falares. Ademais, as variedades
lingüísticas encontradas atualmente em comunidades afro-brasileiras têm se modificado
devido a fatores como mídia, escolarização, mobilidade populacional e maior contato com
outras como comunidades, fatores discutidos e testados neste trabalho.
No capítulo seguinte são expostas algumas considerações sobre a Sociolingüística
Variacionista, teoria que sustenta a teoria e o método desta pesquisa.
32
3 A SOCIOLINGÜÍSTICA VARIACIONISTA
No final da cada de 1960, o surgimento dos estudos sociolingüísticos vem superar a
hegemonia do sistema vigente em lingüística, o estruturalismo, como uma forma de recusa em
aceitar o estudo da língua pela ngua.
A publicação do Curso de Lingüística Geral, de Saussure, em 1916, é um marco nos
estudos da lingüística moderna. Para Saussure, a ngua era vista como uma estrutura
dicomica, a exemplo de ngua/fala, social/individual e sincronia/diacronia. Nessa
concepção, a ngua era vista como social, enquanto a fala era individual. A abordagem
estrutural prendia-se apenas ao estudo sincrônico, deixando a abordagem diacrônica ou
histórica como secundária. Foi a aplicação dessa concepção de língua como estrutura que,
passando por um refinamento metodológico, resultou, mais tarde, no que se definiu como
estruturalismo (LUCCHESI, 2004b). Até então, a ngua era vista como um sistema
homogêneo:
Em seu projeto de organizar a lingüística em torno da apreensão sistematizada da
dimensão estrutural do fenômeno lingüístico ou seja, para realizar (i) –, Saussure
responde a questão (ii) definindo a ngua como um fato social. Isso gerou uma
contradição insolúvel dentro dos marcos do estruturalismo, que, para representar
analiticamente a dimensão estrutural do fenômeno lingüístico, a língua era
formalizada como um sistema homogêneo, unitário e invariante, o que nega
totalmente o existir concreto dangua como fato social, que, assim concebida,
constitui a expressão da dimensão sócio-histórica do fenômeno lingüístico, terreno,
por excelência da variação e da mudança (LUCCHESI, 2004b, p. 218).
Como afirma Carvalho (2007), o pensamento de Saussure continua válido com o
passar do tempo. Embora sua obra tenha sido muito criticada, não se pode negar a sua
contribuição para a lingüística.
Desde o início, a lingüística vem se construindo como uma grande área que se
subdivide em diferentes correntes de pensamento e de teorias que vão se construindo ao longo
do tempo, não sendo de interesse relatar esse percurso. Da mesma forma é amplo o tema
estruturalismo, aqui colocado para contextualizar o início da sociolingüística e para explicar a
contribuição desta.
Dentro da lingüística, Labov não foi o primeiro a tratar da temática língua e sociedade,
mas foi com os seus estudos pioneiros sobre a mudança em progresso no inglês da ilha de
Martha’s Vineyard e sobre a estratificação social do (r) em Nova York
18
(LABOV, 1983)
19
que surgiu este novo campo de estudos lingüísticos.
18
Os estudos citados são de 1963 e 1966, respectivamente.
19
A primeira publicação é de 1972.
33
Em 1968, o artigo “Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança lingüística”,
de Weinreich, Labov e Herzog (2006), vem completar a base empírica da teoria
sociolingüística. Suas reflexões também trouxeram significativas contribuições para a
lingüística histórica, uma vez que esclareceram o problema da heterogeneidade possível de ser
sistematizada nas línguas.
A sociolingüística colocou a variação no centro dos seus estudos, procurando explicar
suas causas e motivações através da observação de variáveis lingüísticas e sociais, ao invés de
uma análise guiada somente por fatores internos. Desse modo, a língua passou a ser vista
como um sistema em constante transformação, variável e sujeita a mudanças, tanto na fala de
grupos sociais como na fala individual. Mollica (2003) a define da seguinte maneira:
A Sociolingüística é uma das subáreas da Lingüística e estuda a língua em uso no
seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que
correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço
interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os
empregos lingüísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo.
(MOLLICA, 2003, p. 9)
De acordo com Silva-Corvalán (2001), a sociolingüística pode ser definida como o
estudo de fenômenos lingüísticos que têm relação com fatores do tipo social.
Estos factores sociales incluyen: (a) los diferentes sistemas de organización política,
económica, social y geográfica de una sociedad; (b) factores individuales que tienen
repercusiones sobre la organización social en general, como la edad, la raza, el sexo
y el nivel de instrucción; (c) aspectos históricos y étnico-culturales; (d) la situación
inmediata que rodea la interacción; en una palabra, lo que se ha llamado el contexto
externo en que ocurren los hechos lingüísticos.
20
(SILVA-CORVALÁN, 2001, p. 1)
Embora estas definições abarquem preocupações de outras áreas do conhecimento
como da sociologia da linguagem e a dialetologia (não cabendo neste momento detalhar tais
diferenças e o campo de atuação de cada uma), descreve bem os interesses e as preocupações
da sociolingüística com relação aos estudos da linguagem e o entendimento das múltiplas
interferências sociais.
É preceito da sociolingüística que por trás da heterogeneidade, a língua é formada por
um sistema organizado de regras, o que faz com que cada usuário domine e faça uso desse
sistema, fazendo as combinações fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas
necessárias para se expressar. O falante tem além do donio uma espécie de permissão do
grupo ao qual pertence, da situação social em que esteja inserido e do momento da fala, por
20
Estes fatores sociais incluem: (a) os diferentes sistemas de organização política, econômica, social e
geográfica de uma comunidade; (b) fatores individuais que têm repercussões em geral na organização social,
como a idade, a raça, o sexo e o nível de instrução; (c) aspectos históricos e étnico-culturais; (d) a situação
imediata que cerca a interação; em uma palavra, o que se tem chamado de contexto externo a que ocorrem os
fatos lingüísticos (Tradução do autor).
34
exemplo. Tais usos também são motivados pela situação social em que o falante esteja
inserido no momento da fala.
Uma outra assertiva diz que toda ngua varia e que a mudança pressupõe variação,
embora nem toda varião indique mudança. Para entender a variação e a mudança, a
sociolingüística procura respostas na comunidade de fala.
A comunidade de fala é um parâmetro para entender a ngua de determinado grupo.
Segundo Guy (2000, p. 18), uma comunidade lingüística apresenta:
- Características lingüísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou construções
gramaticais que são usadas na comunidade, mas o o são fora dela.
- Densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas
normalmente falam com mais freqüência com outras que estão dentro do grupo
do que com aquelas que estão fora dele.
- Normas compartilhadas; isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua,
normas em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em
comum sobre variáveis lingüísticas.
Como afirma esse autor, a primeira dessas características organiza as semelhanças e
diferenças lingüísticas no uso da ngua. Por esse motivo, usar tros característicos de certa
comunidade como determinada pronúncia mostra ser membro, enquanto um comportamento
lingüístico diverso identifica o falante como um estranho à comunidade. Além disso, os
falantes também sentem estranheza com usos que não fazem parte da sua comunidade.
Como afirma Silva-Corvalan (2001, p. 6-7), em uma situação social, observando
pessoas com características diferentes, pode-se observar a relação entre os participantes:
1. Quanto à idade, sexo, familiaridade, hierarquia, dentre outros;
2. Quanto ao número de participantes;
3. Quanto ao grau de formalidade da situação;
4. Quanto à espontaneidade ou regularidade da situação, etc.
São considerados também diferentes donios de conduta sociolingüística os vários
níveis de formalidade nas situações lingüísticas: formal, informal e íntima, que podem ser
identificados dentro de cada domínio do tipo social-institucional.
Outros fatores podem desempenhar um papel na eleição e no uso de um código
lingüístico, como as relações interpessoais entre os falantes e os donios de uso do lugar, o
que faz com que os membros de uma comunidade de fala compartilhem de regras que
regulam a conduta lingüística em diferentes situações.
As variedades acontecem ainda em função de regiões geográficas, de classes sociais,
de diferentes níveis de escolaridade e da função que cada falante exerce no meio social. Deste
modo, as línguas refletem os hábitos, os costumes, as tradições e as características dos
falantes. Num nível mais amplo, pode-se citar o exemplo da ngua portuguesa. O português é
35
uma ngua falada em vários países como em Portugal, Angola, Cabo Verde e no Brasil.
Embora se trate da mesma língua, existem certos traços referentes a cada país e diversos
modos de falar em diferentes sub-regiões.
Em um nível mais restrito, pode-se observar que, dentro de uma mesma comunidade
de fala, pessoas de origem geográfica, de idade e de sexo diferentes falam distintamente.
Essas particularidades, por sua vez, não acontecem por acaso. Pelo contrário, os falantes
adquirem certas variedades lingüísticas próprias da região em que está inserido (varião
geográfica) e do contexto social (variação social). Na variação geográfica, percebem-se ainda
diferenças no modo de falar da zona rural e da zona urbana.
Neste modelo teórico-metodológico, as formas variantes devem ser modos de dizer a
mesma coisa com o mesmo valor de verdade, embora alguns autores questionem essa
possibilidade com relão a fatos morfossintáticos. Tagliamonte (2006) contesta o conceito,
pois considera que apenas nos casos de variação fonológica, uma equivalência semântica
que se ajusta à definição, desde que sejam variantes alternativas dentro da mesma palavra,
mas alerta que é preciso ter algum modo de lidar com a relação problemática entre forma
lingüística e função lingüística.
As constatação da existência de variantes e a decisão de estudar a variação em uma
determinada amostra da fala, utiliza-se a teoria sociolingüística e submete-se os dados à
análise quantitativa (SANKOFF, 1988). Os resultados da análise estatística são demonstrados
através da seleção de grupos de fatores pertinentes e não pertinentes à variação ou à indicação
de mudança através de percentuais e pesos relativos para cada subfator.
A sociolingüística adota uma análise pancnica (do grego pan todo” e khronos
tempo”), ao incluir o tempo (histórico, real ou aparente) como uma dimensão anatica
essencial. Para verificar o tempo aparente, o método consiste em fazer “um recorte transversal
da amostra sincnica em função da faixa etária dos informantes”. (TARALLO, 2004, p. 65).
O mais comum é incluir três grupos etários como fator externo: jovens, meia-idade e velhos.
Deve-se correlacionar as variantes ao fator idade, e assim, a relação de estabilidade das
variantes sobressai se não houver ligação entre a regra variável e a faixa etária. Mas, se ao
contrário, o uso da variante inovadora for mais freqüente entre os jovens, decrescendo com
relação à idade dos dois outros grupos mais velhos, esta será uma situação de mudança em
progresso.
Através do tempo aparente, pode-se concluir sobre variação estável (ocorrência de
formas alternativas no sistema lingüístico) ou mudança em progresso (indicação de
36
permanência de apenas uma forma), o que torna o fator faixa etária essencial nesse tipo de
estudo (LABOV, 2001).
no estudo em tempo real, precisa-se de fontes históricas e uma forma de se
recuperar o vernáculo falado 500 anos atrás, por exemplo, é através do estudo de textos
escritos, nem sempre facilmente encontráveis. Uma das dificuldades é a especificidade do
texto escrito, devendo-se considerar a possibilidade de correções e a própria diferença da
língua falada. Deste período, temos a Carta de Caminha relatando sobre o “descobrimento” do
Brasil. Este documento tem servido para o conhecimento da ngua portuguesa no período de
1500 e para a percepção de mudanças em tempo real ao comparar, por exemplo, a grafia de
certa palavra desta sincronia com dados dos séculos XVII, XVIII e XX de outras fontes
escritas, portanto, de um corpus diacrônico. No capítulo seguinte, apresenta-se a descrição da
mudança de a gente (substantivo) para a gente (pronome).
Quanto ao desenvolvimento e as suas contribuições, a sociolingüística tem sido uma
área de ampla investigação nos últimos anos. No Brasil, os resultados de trabalhos empíricos
refletem descrições de diversas variedades e línguas e tem levado ao conhecimento da
diversidade lingüística brasileira. A grande meta da área é a definição do português brasileiro.
Portanto, o modelo teórico-metodológico da Sociolingüística Variacionista é adequado
ao estudo proposto, que busca justamente entender o desenvolvimento de um aspecto
lingüístico específico em uma variedade do português rural afro-brasileiro, da mesma forma
que realizaram estudos de outras variedades da ngua portuguesa. O estudo se ocupa de
descrever e explicar aspectos da variação em uma sincronia (período atual) e, ao mesmo
tempo, contribui para o entendimento mais amplo, diacnico, pois os resultados devem se
somar à literatura existente sobre o tema.
37
4 ESTUDOS SOBRE NÓS E A GENTE
4.1 O PERCURSO DE A GENTE
A palavra gente foi originada do substantivo feminino latino gens, gentis, que serve
para nomear, de forma coletiva e indeterminadora, um agrupamento de seres humanos que se
relaciona de alguma forma. A gente, de acordo com Houaiss e Villar (2001), denomina: 1. A
pessoa que fala; eu. 2. A pessoa que fala em nome de si própria e de outro(s); nós.
Para relatar o percurso da forma a gente, este item se baseia nos estudos realizados por
Omena e Braga (1996), Lopes (2003; 2007) e Gonçalves e Carvalho (2007).
Lopes (2003; 2007
21
) descreve o percurso histórico de gente (substantivo) para a gente
(pronome) através do estudo de textos escritos do século XIII ao século XX. Segundo Lopes
(2003, p. 1), a partir do século XVI, possivelmente, o item lexical a gente começa a ser usado
para preencher o vazio deixado pelo vocábulo homem. As nguas românicas herdaram do
baixo latim o uso indeterminado de homem, encontrado de forma variável no português
(homem/ome), espanhol (hombre/ome), italiano (uomo), valaquio (omul), provençal (om/hom),
e no francês (on). Em português, no entanto, a partir do século XVI, o uso de homem com
valor de pronome indefinido desaparece, dando lugar ao a gente.
Para marcar cronologicamente a perda da possibilidade de uso do substantivo tanto no
singular quanto no plural, a autora estabeleceu o controle da presença do traço de número: as
gentes/ a gente. Com esta análise, constata, já no século XVI, um percentual de 74% de
ausência do tro de plural e conclui que o substantivo gente estava gradativamente perdendo
algumas de suas propriedades nominais, em outras palavras, estava se gramaticalizando. Os
exemplos extraídos das Cantigas de Santa Maria (século XIII) estão em Lopes (2003, p. 4):
(1) No que o moço cantava | o judeu meteu mentes,
e levó-o a ssa casa,| poi se foram as gentes
(2) mas o monge lla cuidou
fillar, mas disse-ll’ a gente
A mudança foi lenta e gradual, tendo sido encontrados exemplos de a gente como
pronome no século XVIII. Antes foram encontrados usos que apresentam ambiidade, não
sendo possível saber se a gente significava “pessoas” ou se era variante de nós. Os exemplos
deste tipo são 1 do século XIII, 2 do século XVI, 2 do XVII, 9 do XVIII e 36 do século XIX.
38
Abaixo, seguem exemplos de Lopes (2003, p. 5):
Séc. XVI:
(3) Quanto mais se chega a fim do mundo, atodo andar, tanto a gente é mais ruim!
(Todalas obras de Gil Vicente)
Séc. XVII:
(4) (...) E os tigres, em tanta cantidade (por não haver descampados), que, em se metendo
| a rês no mato, não sae, e o mesmo risco corre a gente, se o anda acompanhada, e
pelos rios e lagos dos jaguarés... (Manuscrito Noticiário Maranhense)
Os exemplos citados são interpretados pela autora como exemplos de uma mudança
semântica envolvendo o substantivo gente, uma vez que o traço semântico de pessoa deixa de
ser [
Ø
EU] a não-pessoa de Benveniste (1989) ou a 3ª pessoa do discurso e passa a [
+
EU].
Nos exemplos, a interpretação de incluir o eu se torna mais tida e o referente pode ser “todo
mundo/todas as pessoas”, inclusive o eu.
Tais ocorrências, escassas no português arcaico, começariam a se tornar freqüentes a
partir do século XVI. O crescimento de uso ambíguo a partir do século XVII, para a autora,
reflete o período de transição entre o uso com função de substantivo e o início do emprego
como pronome, que se fixa a partir do século XIX.
Desse modo, o período de transitoriedade teria ocorrido entre os séculos XVII e XIX,
pois o coincidentes, segundo a análise de Lopes (2007, p. 2-3), a curva descendente do
emprego de gente (substantivo) e a curva ascendente dos casos ambíguos de a gente. Somente
a partir do século XIX, com a intensa utilização de a gente como forma pronominal (mesmo
significado de nós), os casos considerados de natureza ambígua deixaram de ocorrer.
Segundo Lopes (2007), embora as “taxas de uso” (freqüência) de a gente com sentido
de pronome sejam relativamente baixas antes do século XX, as “taxas de mudança” (pesos
relativos) indicariam o tímido início da gramaticalização ou pronominalização do substantivo
gente nos séculos XVII-XVIII.
Lopes (2007) analisa a caracterização de gênero, número e pessoa a fim de verificar a
evolução de a gente. O traço formal de mero se perdeu com o tempo, tendo encontrado no
século XVI, um significativo percentual de ausência do traço. Ainda no mesmo século, como
foi mencionado, coincidem outros fatos relevantes: o desaparecimento de homem como
indefinido, o aumento de uso ambíguo de a gente e o aceleramento da perda do traço de
número (as gentes a gente) que vai atingir 100% no século XX.
Um outro fato ocorre no século XVIII: a forma pronominal vós, empregado para um
único interlocutor cai em desuso, deixando lugar para “outras formas substantivas que levam
21
Texto publicado anteriormente em:
ALKMIM, Tânia Maria (Org.). Para a História do Português
BrasileiroNovos Estudos. São Paulo, Humanitas /FLP/USP, 2002, p. 25-46.
39
o verbo para a pessoa” (CINTRA, 1972
22
, p, 38 apud LOPES, 2007). Este fato teria
favorecido a pronominalização de a gente.
Além da mudança a perda do traço de número –, houve também uma alteração nos
traços formais e semânticos de nero com a gramaticalização de a gente. Segundo Lopes
(2007, p. 4), “A matriz lexical minimamente especificada do substantivo o apresentava
correlação entre forma e sentido, pois o substantivo gente não ime restrições quanto ao sexo
dos referentes, uma vez que se refere a um grupamento de pessoas [+genérico]”.
no processo de gramaticalização, apesar de a forma a gente não ter gênero formal
como os demais pronomes pessoais, passa a apresentar subespecificação semântica. Entre os
séculos XIII e XV, a autora encontrou variadas formas de concordância: feminino-singular,
masculino-plural e feminino-plural, de modo que se resume em 73% [+feminino] e 65%
[+plural]. A concordância vai diminuindo com o tempo até que, entre os séculos XIX e XX, o
feminino singular torna-se categórico.
As a gramaticalização de a gente, a especificão positiva de nero formal [+fem]
do substantivo desaparece, tornando-se neutra. Como a gente passa a variante de s, a noção
de pluralidade estaria intrínseca à forma, permitindo “várias possibilidades interpretativas ao
se estabelecer a concordância com adjetivo em estruturas predicativas”. (LOPES, 2007, p. 4).
A autora mostra exemplos do século XIX em que a gente concorda com adjetivo-
feminino, mesmo tendo seu referente masculino, como no exemplo seguinte:
(5) Século XIX:
Mas, Deus é grande! Pensava Bom-Crioulo. Deus sabe o que faz: a gente não tinha
remédio senão obedecer calada, porque marinheiro e negro cativo, afinal de contas,
m a ser a mesma cousa. (BOM-CRIOULO, p. 42)
23
Esse comportamento da forma seria uma fase de transição da mudança, visto que a
mudança lingüística não é uniforme e instantânea.
No que diz respeito aos traços de pessoa, a autora não exemplifica, mas afirma que
foram verificados índices relativamente significativos de concordância do substantivo com
verbo na terceira pessoa do plural (P6) até o século XIX. Nos culos XIII, XIV e XV, a
freqüência de uso de a gente com P6 supera o uso com terceira pessoa do singular (P3).
Porém, a partir do século XVI, o comportamento se inverte e a combinação com P3 aparece
com índices de freqüência cada vez maiores, fato que ocorre paralelo aos altos índices de
presença do traço [+pl].
22
CINTRA, L. F. L. Sobre “Formas de Tratamento” na Língua Portuguesa. Lisboa: Livros
Horizonte/Colão Horizonte 18, 1972.
23
CAMINHA, Adolfo. Bom-Crioulo. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint S.A, 1895.
40
Comparando as ocorrências de a gente substantivo com a gente pronominal, a autora
observa que entre os séculos XVIII e XIX, o uso como substantivo é mais significativo. Os
dados da pesquisa mostram que somente no século XX o uso de a gente se consolida como
pronome, de acordo com a análise quantitativa.
Portanto, a gente, que significava somente o povo, as pessoas, teve sua forma semântica
alterada, passando a ser utilizada em alternância com os pronomes eu e s, mais intensamente
com s. A alteração semântica consistiu em tornar a referência determinada, ao incluir a
pessoa que fala. Com este novo uso, ocorreu também mudança gramatical, com a gente
passando a integrar o quadro dos pronomes pessoais.
A Gramaticalização é definida por Omena e Braga (1996, p. 75) como um processo
em que um item, se lexical, passa a ser gramatical; se gramatical, torna-se mais gramatical
ainda”. O interesse por esse tipo de estudo, segundo as autoras, teria ficado demarcado por
volta dos séculos XVIII e XIX. Teria sido Meillet o fundador dos estudos modernos da
gramaticalização, campo inicialmente ocupado com a explicação de fatos diacrônicos, passa a
ser visto tamm como um parâmetro explicativo para a compreensão da gramática sincrônica,
após a década de 1970.
Durante o processo de gramaticalização, a forma em processo de mudança passa por
etapas de adequação (LOPES, 2007). Talvez por considerarem esta característica, Omena e
Braga lembram a dificuldade dos gramáticos em classificar a gente.
Hopper (1991),
24
apud Omena e Braga (1996) e Goalves e Carvalho (2007),
estabelece cinco princípios segundo os quais seria possível detectar os primeiros estágios do
processo de gramaticalização: layering ou estratificação, divergência, especialização,
persistência e decategorização. Tais princípios são apresentados a seguir, aplicados à forma a
gente por Omena e Braga (1996).
O primeiro princípio, layering ou estratificação, refere-se à coexistência de diversas
camadas, ou seja, alternantes dentro de um domínio funcional amplo. Isto ocorre porque o
surgimento de novas camadas/variantes não implica eliminação das antigas, podendo até
mesmo não haver substituição, mas, a manutenção de formas novas e antigas dentro de uma
mesma área funcional. Tais camadas, que codificam funções similares ou inticas, mantêm
relações com itens lexicais particulares e com registros sociolingüísticos. Como a diferença
entre os itens envolvidos é sutil, seus usos estão associados a diferentes estilos.
24
HOPPER, P. J. On some principles of grammaticalization. In: TRAUGOTT, E. C.; HEINE, B. (Eds.).
Approaches to grammaticalization. V. I Philadelphia, John Benjamins Company, 1991.
41
Portanto, gente deu origem a a gente, que passou a competir com eu e s em
contextos em que as alternantes exercem a mesma função. A escolha por uma das formas,
como será mostrado no próximo tópico deste capítulo, pode ser condicionada pelo estilo de
fala. A forma a gente tem seu uso mais ligado à fala, principalmente a contextos mais
informais, enquanto nós é mais utilizado na escrita e na fala formal. Nos exemplos que
seguem, os dois pronomes competem:
(6) F: Porque a única coisa que não vai bem é o seguinte: que s temos aqui uma
dificuldade grande de colocar a documentação do bar em dia.
(7) F: Então, a gente tem condições de fazer uma documentação certa para que eles não
tenham o direito de interferir no nosso movimento, entendeu?
(OMENA E BRAGA, 1996, p. 78-79; grifos nossos)
O segundo princípio, o da divergência, remete à preservação da forma lexical que deu
origem a um processo de gramaticalização, a forma-fonte. Nesse processo, o item
gramaticalizado pode permanecer autônomo e, enquanto tal, sofrer ou não as mudanças que
atingem os itens da sua classe. Este princípio se refere aos diferentes graus de
gramaticalização por que passa um mesmo item lexical, podendo ocorrer também que um
mesmo item se gramaticalize apenas em um determinado contexto. No caso de gente,
continuam existindo formas etimologicamente iguais, mas com fuões diferentes. O
substantivo gente continua sendo usado significando pessoas (essa gente, muita gente, etc.),
concomitante com a forma gramaticalizada (a gente), forma indeterminadora que se identifica
funcionalmente com os pronomes.
Os exemplos seguintes, que ilustram a manutenção da forma fonte de a gente são do
corpus Caimbongo:
(8) Uns diz que vai melhorá, otos diz que vai ficá na merma. Muita gente diz que vai
melhorá. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(9) Tem gente que pergunta: Mais quem inventou esse nome? bo o nome de
Caimbongo? (INF 04, MULHER, 76 ANOS)
Este princípio de gramaticalização mostra que, coexistem, no mesmo sistema, a forma-
fonte (substantivo) e a forma gramaticalizada (a gente com sentido de pronome).
O terceiro princípio, o da especialização, diz respeito ao estreitamento de escolhas
sofridas pelas construções gramaticais. Ocorre que, uma das opções, a mais gramaticalizada,
começa a ser mais usada. Assim, por conta desse princípio, alguns contextos favorecem mais
a gente, enquanto outros, mais s. Em Omena e Braga (1996), uma tabela mostra que, nessa
alternância, as ocorrências da forma nova predominam sobre a antiga em diferentes funções
sintáticas: sujeito (73%), complemento (72%), adjunto adverbial (84%) e adjunto adnominal
(14%). Apenas na função de adjunto adnominal, o percentual de uso de nós é maior (86%).
42
O quarto princípio, o da persistência, está relacionado à manutenção de alguns traços
semânticos da forma-fonte na forma que sofreu gramaticalização. Com a forma a gente, é
maior a probabilidade de uso quando a referência é um grupo grande e indeterminado de
pessoas (.72) e menor quando se trata de grupo pequeno e determinado (.50). De acordo com
este princípio, a manutenção de alguns traços semânticos da forma-fonte na forma
gramaticalizada pode ocasionar restrições à forma nova. A persistência do traço
indeterminador de a gente provoca certas restrições em seu uso, não admitindo ser modificado
por quantificadores, numerais e especificadores, (todo, cada um, nenhum), como acontece
com nós.
(10) Fal: Porque todos nós procuramos ter é uma velhice tranqüila junto dos seus...
Fal: Então, s três juntos, estamos até hoje, quatorze anos, certo?
(OMENA e BRAGA, 1986, p. 81; grifos nossos)
O quinto e último é o princípio da decategorização ou descategorização. Segundo este
princípio, a forma em processo de gramaticalização, ao passar de uma categoria para outra
deixa de ser modificada pelos processos morfossintáticos da classe original. A forma
gramaticalizada tende a perder ou neutralizar as marcas morfológicas e os privilégios
sintáticos, características das formas plenas como nomes e verbos, podendo assumir os
atributos característicos das categorias secundárias, como advérbios, pronomes, preposições,
clíticos, afixos, podendo chegar a zero, em alguns casos.
Com relação ao fenômeno em pauta, a forma-fonte gente guarda a mobilidade de
colocação dos substantivos, admite flexão de número, derivação de grau, pode ser modificada
por quantificadores, determinantes, possessivos, locuções prepositivas, etc., o que não ocorre
com a forma gramaticalizada a gente (Exemplo 11 e Quadro 3).
(11) E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente. (Camões 12)
E tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam, ... (Camões, p. 110)
(OMENA e BRAGA, 1996, p. 81)
Quadro 3 – Diferenças morfossintáticas entre as formas gente e a gente
Processos morfossintáticos Substantivo gente Pronome a gente
Flexão de número + (gentes) -
Grau + (gentinha) -
Derivação + (gentalha, gentarada) -
Quantificador + (toda gente) -
Determinante + (a gente) -
Possessivo + (nossa gente) -
Adjetivação + (gente boa / boa gente) -
43
O Quadro 3, reproduzida de Gonçalves e Carvalho (2007, p. 84) mostra os processos
morfossintáticos que afetam o substantivo gente, sem afetar a forma gramaticalizada a gente.
Apesar dessas diferenças, existe um traço morfossintático que une forma-fonte e forma
gramaticalizada: a flexão verbal do verbo que as acompanha, ou seja, ambas normalmente
levam o verbo para a 3a pessoa do singular. No entanto, a gente apresenta uma variação
sintática: a concordância com a 1ª pessoa do plural (exemplo seguinte).
(12) Fal: A gente começamos a bater papo, e a gente comamos a se conhecer.
(OMENA e BRAGA, 1996, p. 81)
Apesar de ser menos freqüente, esta concordância típica da fala de crianças e de
pessoas menos escolarizadas, demonstra maior integração de a gente ao sistema pronominal,
por concordar com a primeira pessoa do plural.
Constata-se, portanto, que os princípios de Hopper (1991) se aplicam ao caso de
gramaticalização de a gente, forma que vem alterando o sistema pronominal do português
brasileiro e se espalhando, completando a mudança em algumas funções e se desenvolvendo
em outras. No curso da mudança, que é lento e gradual, a forma gramaticalizada não perdeu
todas as características da forma-fonte, assim como não adquiriu todos os traços de pronome.
4.2 ESTUDOS VARIACIONISTAS SOBRE NÓS E A GENTE
A alternância das formas nós e a gente no português do Brasil vem sendo objeto de
estudo de várias pesquisas, principalmente a partir de amostras da língua oral. As pesquisas
têm sido realizadas principalmente sobre nós e a gente na função de sujeito, por representar os
maiores percentuais de uso. Tratam-se de estudos na área da sociolingüística (como este) que
se ocupam em compreender os fatores linísticos e sociais favorecedores das formas. Sem a
pretensão de esgotar a bibliografia existente, aqui o expostos alguns desses estudos
realizados em diferentes regiões brasileiras, retratando normas de uso tanto da fala culta
quanto da popular.
Na abordagem tradicional, a dos gramáticos, a gente dificilmente é considerado como
parte do paradigma dos pronomes pessoais, embora faça parte desse quadro de acordo com o
uso muito tempo consagrado na fala. Esta tem sido uma das críticas feitas por lingüistas
que entendem que a gratica tradicional não acompanha a evolão da ngua com a mesma
velocidade que esta muda. Quando a forma a gente é mencionada nas gramáticas, é tratada de
forma resumida e não um consenso entre os autores, sendo classificada como pronome
pessoal, indefinido ou de tratamento. Além dessa caracterização, foram feitas menções ao
44
caráter vago e indeterminado ou indefinido da expressão, ao uso familiar e ao uso como
pronome fora da linguagem cerimoniosa.
Neste capítulo, são apresentados resultados de pesquisas de Omena (1998a e 1998b)
25
,
Lopes (1993; 1996), Machado (1995), Menon, Lambach e Landarin (2003), Vianna (2006),
Oliveira (2006) e Carneiro (2007).
A pesquisa de Omena está entre os pioneiros, os mais importantes e mais citados
estudos sobre a variação entre nós e a gente na língua falada. A amostra estudada é
constituída por 64 falantes dos sexos masculino e feminino, divididos em três faixas etárias
(15-25 anos, 26-49 anos e 50 anos ou mais) e três níveis de instrução (1ª a série; a
série e 2º grau, atual ensino médio) (OLIVEIRA E SILVA, 1998a, p. 58).
Omena (1998a) apresenta a descrição lingüística das variáveis nós e a gente,
caracterizando a forma inovadora e os contextos favorecedores de seus usos. As
considerações acerca da forma a gente se referem à origem da forma, à característica
indeterminada, à manutenção da relação sintática de terceira pessoa gramatical, ao
posicionamento das gramáticas normativas e ao seu uso ambíguo para se referir à primeira
pessoa do discurso no plural e, por vezes, no singular. São aspectos referidos no capítulo
sobre a gramaticalização de a gente, por Omena e Braga (1996).
Quanto ao surgimento da forma, Omena (1998a, p. 190) sugere que “a necessidade de,
na 1ª pessoa do discurso no plural, contrapor uma referência precisa a uma imprecisa foi
talvez o que deu origem ao uso de a gente, substituindo nós”. Como encontrou ambientes
procios ao seu uso, a nova forma se estabeleceu, “dando início a uma variação que está em
vias de se completar em determinados contextos, em que a gente está perdendo o traço de
indefinição; alterna-se com s, em outros, com maior ou menor probabilidade; mas ainda
o atingiu certos pontos da estrutura”.
Existem outras hiteses a respeito dos motivos que podem ter levado à
gramaticalização do substantivo gente, mas parece não ser possível chegar a uma única
explicação (é possível que tenha ocorrido mais de uma causa). De acordo com Omena, ao que
tudo indica, a mudança lingüística encontra-se em processo de desenvolvimento. O uso da
forma a gente pelas crianças (80%) é muito maior do que pelos adultos (65%).
A autora analisa as formas pronominais com sujeitos explícitos e não explícitos e nas
funções sintáticas de objeto direto, indireto, adjunto adverbial, adjunto adnominal,
complemento nominal e predicativo do sujeito. Nessas funções, como foi mencionado no
25
A primeira publicação é de 1986, disponível em: NARO, Anthony Julius et al. Projeto Subsídios
Sociolingüísticos do Projeto Censo. Relatório apresentado à FINEP. Rio de Janeiro, 2 volumes, 1986.
45
item 4.1 O percurso de a gente, os maiores percentuais de uso de a gente comparado ao uso
de nós são na função de adjunto adverbial (84%), sujeito (73%) e complemento (72%) e nota-
se um pequeno uso na função de adjunto adnominal, da gente, mas a presença do nosso ainda
predomina.
Quanto ao número total de dados, é como pronomes pessoais que as formas são mais
utilizadas. De 3.299 dados, 2.701 estão na posição de sujeito, o que seria mais uma
característica dos pronomes pessoais.
O estudo procurou testar fatores lingüísticos e pragmáticos aliados às características
sociais dos falantes para verificar as influências nas escolhas de s e a gente. A disposição
das formas na seqüência discursiva associada à manutenção ou mudança de referente revela
que o uso de a gente é maior quando a forma antecedente é a gente e a referência é a mesma
(adultos .81 e crianças .78). Havendo mudança do referente, a forma muda (adultos .65 e
crianças .65). A mesma regra valeria para o nós. A primeira referência não é influenciada pela
seqüência (adultos .49 e crianças .54), portanto, as escolhas seriam influenciadas por outros
fatores. Segundo Omena (1998a), uma vez escolhida uma forma, essa escolha atua sobre as
demais subseqüentes, até que outro fator se sobreponha, provocando o surgimento da outra
variante.
De acordo com o estudo, o grau de diferença entre as formas verbais de 3ª pessoa do
singular e 1ª do plural (saliência fônica) atua condicionando (ou não) a forma a gente. A
autora criou uma lista em ordem crescente de diferença fônica. Por exemplo, o primeiro item
da lista o apresenta diferença (cantando), o segundo item engloba verbos em que ocorre a
conservação da sílaba tônica e acréscimo da desinência mos (falava/falávamos) e termina no
grau máximo de diferença, com diferenças fonológicas acentuadas (veio/viemos; é/somos).
Quando a diferença entre as formas é maior favorecimento para nós e a menor diferença
favorece a escolha de a gente. Em formas verbais no gerúndio, em que não há flexão verbal, o
uso de a gente foi categórico tanto entre adultos quanto entre criaas.
Assim, com relação ao infinitivo, afirma a autora: “as formas de terceira pessoa do
singular e primeira pessoa do plural pouco se diferenciam (para exemplificar, insiro o
exemplo dado: falar/falarmos), o que favorece a substituição da forma mais antiga, nós, pela
mais nova a gente. Somado a esse fator, ainda teria a tendência no português do Brasil a se
evitar na língua o uso do infinitivo flexionado.
Ainda com relação à saliência fônica, Omena (1998a, p. 201) afirma haver evidências
de que “a desinência do verbo seleciona a forma do sujeito”. No entanto, em seguida se
questiona: “Ou será que o falante aprende a construção como um todo?”
46
Quanto à atuação dos tempos verbais, mostraram-se favoráveis à escolha de a gente os
tempos não marcados
26
(gerúndio e infinitivo) (.83) e o presente (.55), ao passo em que
passado (.64) e futuro (.75) favorecem o nós.
O estudo verificou a correlação entre escolha da forma e tamanho do grupo, sendo este
determinado ou indeterminado. Quando o falante refere-se a grupo grande e indeterminado,
favorecimento ao uso de a gente, mas se o grupo é grande e determinado, a escolha é maior
pelo nós, o que indicaria a importância da indeterminação para tal escolha. No resultado dos
grupos pequenos e intermediários, determinados e indeterminados amalgamados, ocorreu um
processo de neutralização, uma possível evidência de que a forma a gente estaria perdendo a
marca de indeterminação.
Com relação ao discurso, foram analisados os tipos: narrativo, descritivo e diálogo.
Em narrativas, que são caracterizadas por tempos verbais no passado, aspecto perfectivo e
referência determinada, a forma preferida é nós. Segundo Omena (1998a, p. 205), em
descrições, situações em que o falante refere-se a “atividades, festas, viagens; discorre sobre
comportamento, costumes, formas de lazer; expressa opiniões, argumenta, fala de si mesmo e
de outros” e que, às vezes, o faz de maneira indeterminadora ou generalizante, para referir-se
a ações ou estados habituais ou repetitivos, a forma a gente é mais utilizada. Em diálogos, foi
observado que as escolhas podem ser condicionadas pela fala do interlocutor, que foram
encontradas repetições de expressões do documentador.
Terminada a análise com todas as funções sintáticas, a autora optou por fazer uma
segunda análise, retirando os dados de sujeito. Embora com um número reduzido de dados em
comparação ao total (cerca de 600 dados) nas demais funções sintáticas, nesta análise, a gente
é mais usado como complemento nominal (.82) e adjunto adverbial (.77). Na função de
complemento verbal, tanto se usa nós quanto a gente (objeto direto .48 e objeto indireto .53).
Separando os usos por faixa etária, os números indicam que, na fala das crianças, a
forma a gente substituiu s, apresentando uso categórico nas funções de objeto direto,
complemento nominal, adjunto adverbial e predicativo do sujeito, havendo variação apenas na
função de sujeito (82% o peso relativo o foi mostrado), objeto direto (.97) e adjunto
adnominal (.03), situação em que estaria comando a substituição do possessivo nosso(s),
nossa(s). Segundo Omena (1998a, p. 207), a obliterada” forma conosco, seria um ponto
favorável à outra inovação.
26
A autora o define o conceito de “não marcado”, mas depreende-se do contexto que esteja se referindo às
formas que não apresentam distinção morfológica entre singular e plural, como é o caso do gerúndio e, no in-
finitivo, por conta de haver, na fala, a tenncia ao uso do infinitivo plural não flexionado.
47
Em seguida, considerando que a metodologia utilizada permite analisar elementos
que apresentam variação, foi preciso retirar os dados das crianças e, por opção, foi retirado
também o adjunto adnominal (da gente), que poderia prejudicar a análise. Foi observado
ainda que o uso de nós pelas crianças ocorria em situações ou circunstâncias parecidas, os
dois exemplos mostrados são contando história e falando de religião.
Conforme os resultados referentes aos dados dos adultos na função de não-sujeito, a
seqüência do discurso se mostrou como o fator mais atuante na escolha das formas. Favorece
a gente a forma antecedente a gente e, para que ocorra nós (nós, conosco, de s, para s),
deve existir um uso anterior de nós. A referência isolada mostrou-se favorável ao uso de a
gente.
Além destas, são feitas outras constatações resultantes da análise das funções de o-
sujeito: i) A gente está perdendo a característica de indeterminação; ii) Mesmo quando a
forma é ambígua, não importa se o referente é eu (1ª p. sing.) ou nós (1ª p. pl.), o falante tende
a usar a gente; iii) Quando o referente inclui uma, duas ou três pessoas é maior a tendência a
usar nós; iv) Conforme a idade, os mais jovens utilizam mais a gente do que os adultos e estes
mais do que os velhos; v) Contextos em que hesitação favorecem o nós. De acordo com
Omena (1998a, p. 209), “a probabilidade de .71 para se utilizar nós nos contextos em que
hesitação parece indicar que em alguns casos existe insegurança por parte do falante no
emprego dessa forma, principalmente quando se trata das variantes átonas”.
Quanto ao comentário a respeito do último item, embora se trate de dados do Rio de
Janeiro, uma cidade que, segundo Omena (1998a), tem se adiantado nesse processo de
mudança, seria oportuno lembrar que a gente tem seu uso mais ligado à linguagem informal,
podendo ter sido evitado em algum momento da entrevista, que geralmente se considera uma
situação semi-formal. Assim, se há hesitação e maior prefencia pela forma s, talvez o
falante estivesse evitando a gente nessas situações. Como afirma Oliveira e Silva (1998a, p.
61), “as entrevistas nunca registram a fala totalmente informal do entrevistado”.
Em Omena (1998b), são apresentadas as variáveis sociais estratificadas (idade, sexo e
escolarização) e as não-estratificadas (renda, mídia, mercado ocupacional e sensibilidade
lingüística) como as que influenciam as escolhas de s e a gente somente na função de
sujeito.
De acordo com a autora, devido ao femeno da concordância verbal, a varião
estudada teria provocado outras variações do tipo a gente comemos/nós comeu, fortemente
discriminada e formada provavelmente do cruzamento das formas a gente comeu/nós
comemos.
48
Quanto ao resultado das variáveis extralingüísticas, como foi adiantado na primeira
parte do trabalho, a idade revela que quanto mais jovem é o falante, maior é o uso de a gente.
Embora tenha havido aumento continuado no uso da forma, esse aumento não ocorreu
regularmente, havendo dois momentos de crescimento abrupto: um primeiro, na faixa de 15 a
25 anos, e um segundo, na de 26 a 49 anos de ambos os sexos, o que indicaria que falantes
nascidos a partir de 1960 usam bem mais a forma a gente. Teria havido dois outros momentos
de crescimento acelerado no grupo dos homens de 26 a 49 anos e de 50 a 71 anos, o que
indicaria haver uma causa, antes de 1930, para a substituição de nós por a gente.
Quanto à variável sexo, entre as mulheres, as mais jovens utilizam mais a gente e as
mais velhas utilizam mais s.
A escolarização revelou um resultado atípico, segundo Omena (1998b, p. 317): O
ginásio influencia o comportamento do falante, fazendo-o utilizar mais nós tanto no grupo das
crianças (.52) quanto no dos adultos (.78). No entanto, no grau, os adultos voltam ao uso
precedente, ou seja, ao invés de um aumento no uso de nós que era esperado, encontra uma
queda (todos os adultos .61), taxa análoga à do primário (adultos .66). Quando a autora
reanalisou, separando os dados por faixa etária, o comportamento se repetiu na maior parte
dos dados. Segundo o estudo, “o fato de que o programa escolar inicia o estudo da conjugação
verbal no fim do primário e a enfatiza justamente no ginásio poderia estar correlacionado a
este fenômeno”.
Para buscar entender o resultado encontrado, foi realizada outra análise separando os
dados dos falantes que estavam na escola, dos dados daqueles que não estavam mais. Esta
separação mostrou comportamentos distintos entre os dois grupos: entre os alunos que não
estão mais na escola, os que cursaram o primário usaram pouco o nós (.38), enquanto os
que cursaram o ginásio (.58) e os que foram até o grau (.54) tiveram aumento na taxa da
variante. Entre os falantes ainda em contato com a escola, os alunos do primário (.81) e do
ginásio (.73) usam mais a forma nós, contrários aos alunos do grau (.08), que usam mais o
a gente.
Conforme Omena (1998b, p. 319), as explicações para os alunos do grau ainda em
contato com a escola utilizarem muito mais a forma a gente e os do primário e ginásio
utilizarem mais nós, seriam as seguintes: 1) A distribuição da amostra de adultos com todos
os informantes concentrados no primário, “justamente no ano, série em que se inicia o
estudo sistemático da conjugação verbal (sempre com nós na 1ª pessoa do plural)”; 2) No
ginásio, continua a fixação da conjugação verbal; 3) A possibilidade de a forma a gente ser
percebida “quase como gíria” pelos adolescentes, por considerar que adolescentes e
49
universitários usam mais gírias. Conforme Oliveira e Silva (1974)
27
apud Omena (1998b, p.
319), esses grupos são os que mais utilizam formas de tratamento informais do tipo você, tu,
teu.
Ressalte-se que a terceira explicação é uma hipótese que, segundo a autora, para obter
uma prova contundente, seria preciso acompanhar os falantes adolescentes para observar se à
medida que se tornam adultos, ocorre queda na taxa de uso de a gente.
Os últimos resultados apresentados se referem às variáveis não estratificadas (renda,
atuação da mídia, mercado ocupacional e sensibilidade lingüística). De acordo com Omena
(1998, p. 320-323):
a) Quanto maior a renda (alta .54; média .54 e baixa .44) maior é a posse da variante
padrão.
b) Os falantes que mais vêem TV e/ou em jornais usam mais nós (exposição alta
.57; média .51 e baixa .44).
c) O mercado ocupacional e a sensibilidade lingüística não se mostraram atuantes na
variação de nós e a gente, apresentando pesos próximos do ponto neutro.
Um outro estudo, o de Lopes (1993), analisou as formas nós / a gente na função de
sujeito em amostra de três das cinco capitais estudadas pelo Projeto NURC (Projeto de Estudo
da Norma Lingüística Urbana Culta), década de 1970. As cidades escolhidas representam três
regiões do país: Salvador (Nordeste), Rio de Janeiro (Sudeste) e Porto Alegre (Sul).
O Projeto NURC engloba falantes de ambos os sexos, com formação universitária,
distribuídos em três faixas etárias (25 a 35 anos, 36 a 55 e mais de 55 anos). As análises de
Lopes (1993) utilizam 18 informantes, sendo 06 (seis) de cada cidade, um homem e uma
mulher para cada uma das três faixas etárias. Assim, são analisados inquéritos do tipo DID
(Diálogo entre informante e documentador), considerando o estilo de fala semi-espontânea.
Além de verificar o comportamento das formas, a autora analisa o tratamento dado ao a gente
pelos gramáticos e compara esses resultados com um corpus de Omena (1986)
28
, formado por
falantes com pouca escolaridade.
Segundo Lopes (1993), os fatores lingüísticos que condicionam o uso de nós e a gente
são os mesmos, tanto para falantes com pouca escolaridade, quanto para os de formação
universitária completa. No entanto, o processo de mudança estaria ocorrendo de forma
diferenciada, encontrando-se mais avançado no grupo com pouca escolaridade. Os falantes
27
OLIVEIRA E SILVA, Giselle Machline de. Aspectos sociolingüísticos dos pronomes de tratamento em
português e francês. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 1974.
28
Equivale a OMENA (1998a e 1998b).
50
universitários, mais especificamente na faixa intermediária (de 36 a 55 anos), estariam
retardando a mudança, possivelmente por conta de pressões sofridas no mercado de trabalho.
Em síntese, as principais tendências quanto ao uso de nós e a gente no português
falado culto do Brasil são: paralelismo, mudaa de referente, tamanho do grupo, tempos
verbais, idade e localidade.
No paralelismo, aumenta a probabilidade de ocorrência de a gente quando a forma
antecedente é a gente ou quando o verbo se encontra na pessoa do singular sem sujeito
explícito. De maneira intica, a forma nós ocorre quando precedida de outra forma nós.
Quando há mudança de referente, a forma também se altera. A regra revelaria uma
preocupação do falante em identificar o referente para o ouvinte.
preferência pelo nós quando o falante refere-se a ele mesmo e mais o interlocutor
(eu +você/vocês) ou (eu +ele/eles), referente [+perceptível] e [+determinado]; em outras
palavras, para se referir a grupos pequenos e intermediários.
29
No momento em que o falante
amplia a referência, ou seja, refere-se a grupo grande de pessoas, com referência [-
determinada], há maior favorecimento para o a gente.
Quanto aos tempos verbais, favorecem o uso de nós o futuro e o pretérito perfeito e os
tempos que apresentam maior número de marcas, ou seja, formas [+salientes]. Favorecem o
uso de a gente o presente do indicativo e tempos verbais não-marcados (infinitivo e
gerúndio): formas [-salientes].
Há favorecimento ao uso de nós quando o falante expressa sua opinião pessoal,
utilizando a expressão eu acho que. Já quando o falante utiliza auxiliares modais poder, dever,
querer, etc., é maior a preferência por a gente.
No que se refere à relação tempo verbal/pronome, a autora afirma que as escolhas
ocorrem em fuão de outros fatores como a saliência fônica, o gênero discursivo e a
determinação dos referentes. Assim, ao narrar, o falante trata de acontecimentos do passado e
determina as pessoas envolvidas. Neste caso, haveria maior tendência à escolha de nós e a
situação seria caracterizada por referente [+determinado], [+tempo] e [+saliência]. nos
casos em que o falante descreve ações habituais ou freqüentes, o discurso não precisaria ser
temporalmente marcado e nem os agentes envolvidos explicitados, caracterizando a escolha
de a gente com referente [-determinado], [-tempo] e [-saliência].
29
O tamanho do grupo é um conjunto de fatores que Lopes (1993, p. 85) utiliza tomando por base as
especificações criadas por Omena (1986): grupo pequeno (de a04 pessoas), intermediário (médios e
determinados turma, grupo escolar) e grupo grande (categorias generalizadas mulheres, jovens, o povo,
os homens, etc.).
51
O uso de a gente mostrou-se favorecido pelo presente, infinitivo e gerúndio “formas
verbais características das enumerações de atos habituais, freqüentes ou até atemporais,
associados aos discursos descritivos, argumentativos e expositivos” (LOPES, 1993, p. 131). A
opção por a gente daria respaldo para o falante se descomprometer com o seu discurso,
comentando assuntos gerais e não particulares. Assim, na narração, onde o comprometimento
do falante é maior, a preferência seria por nós. Para reforçar o argumento, a autora
correlaciona ainda o fato de grupos pequenos e intermediários, com referente identifivel e o
tempo verbal pretérito, característicos da narração de fatos reais serem todos condicionadores
da forma nós.
Quanto à idade, os falantes adultos com formação universitária completa utilizam
tanto nós quanto a gente, os mais velhos usam mais s e os jovens usam mais a gente.
Quanto às regiões (cidades), o Rio de Janeiro é a cidade com maior uso de a gente, enquanto
Porto Alegre e Salvador utilizavam mais o nós. No entanto, o estudo conclui que na fala culta
o processo o estaria em fase de mudança, mas trata-se de um processo de varião estável.
Lopes (1996) resume os resultados de Lopes (1993) posição dos gramáticos com
relação à classificação da forma a gente, análise dos fatores que condicionam as escolhas de
nós e de a gente na função de sujeito na norma oral culta e confronto de falantes de três
regiões do Brasil – e centra-se na questão do ensino de língua materna (L1).
Um dos objetivos explicitados no texto é oferecer contribuições ao ensino de ngua
materna. Neste sentido, a autora argumenta que, embora as duas formas alternantes sejam de
uso comum entre os falantes do português do Brasil, a classificação dos pronomes pela
gramática normativa é problemática.
A gramática normativa, entretanto, por raramente explicar fenômenos
consagrados na língua falada, apresenta, ainda, incoerências quanto à classificação e
inserção da forma “a gente” no sistema de pronomes pessoais e considera o pronome
“nós” como forma plural de “eu”, deixando de lado o seu uso mais abrangente e
genérico de um “eu-ampliado
30
” (LOPES, 1996, p. 115).
A argumentação prossegue, mostrando que, em geral, os pronomes pessoais são
considerados indicadores gerais de três pessoas do discurso: quem fala (eu/nós), com quem se
fala (tu/vós) e de quem/que se fala (ele/eles). Neste caso, Lopes (1996) afirma: “O leque de
pronomes, além de não incluir formas amplamente utilizadas na linguagem coloquial, como é
o caso de ‘você/vocês/a gente’, concebe, equivocadamente, ‘nós’ e vós’ como formas plurais
de ‘eu’ e ‘tu”.
30
O termo foi criado por Benveniste (1995) para designar formas pronominais que abarcam, além do falante e o
ouvinte, outras pessoas.
52
Quanto à forma a gente, o estudo mostra que não uma classificação coerente e
única, sendo classificada por algumas gramáticas como pronome pessoal, como forma de
tratamento ou ainda como pronome indefinido, sendo referida em observações ou em notas de
rodapé.
Segundo Lopes (1996), a classificação de pessoa gramatical e de número gramatical
também é controvertida:
Stricto sensu, a noção de pessoa restringe-se as duas primeiras (eu e tu/você) que se
opõe na enunciação, assumindo seus papéis legítimos: pessoa que fala e com quem
se fala. A forma “ele” é a “não-pessoa”, por excelência, pois se situa fora da
interlocução.
Lato sensu”, a não de pessoa se expande para as formas “eu, tu, nós e s” ou às
suas variantes atuais “eu, você, a gente e vocês”, consideradas, então, 4 pessoas
gramaticais diferentes que podem ser empregadas fora da alocução (eu/tu),
assumindo o caráter amplificado e indeterminado do elemento alia [A não-pessoa,
ou seja, que não é falante e nem ouvinte. Nota do autor] (LOPES, 1996, p. 115).
Segundo esta visão, o “eu” e o “tu/você” podem assumir tanto a posição de falante
quanto a de ouvinte, podendo alternar esses papéis, mas o “ele” jamais assume tais posições.
Por outro lado, questiona o modelo com pessoas do plural. Conforme Mira Mateus (1983)
apud Lopes (1993; 1996), nós não é plural de eu, bem como vós não é de tu/você/ vocês. s
e vocês se referem a um mesmo conjunto que inclui locutor e alocutário e, diferente do que
ocorre com o plural, não têm como referente um grupo de unidades da mesma natureza.
Lopes (1996) conclui que é possível que esteja ocorrendo a simplificação do quadro
dos pronomes pessoais e que a gramática não deveria deixar de lado tais questões. Ao invés
disso, os gramáticos continuam a incorrer no erro de levar adiante um ensino de ngua que
o corresponde à realidade falada pelos usuários.
Machado (1995) analisa um corpus formado por 72 entrevistas dos tipos QUE
(questionário etnolingüístico aplicado a informantes) e DID, tendo em vista o entendimento
das formas variáveis nós e a gente na fala informal de pescadores de 12 localidades do Norte
do Rio de Janeiro. Os falantes são distribuídos por três faixas etárias: A (de 18 a 35), B (de 36
a 55) e C (de 56 a 70 anos).
A autora testou doze variáveis lingüísticas e duas extralingüísticas em duas análises
principais. Um primeiro processamento com dados de sujeito explícito e implícito nós e a
gente e um segundo somente com sujeito explícito. Nos dois resultados da análise estatística,
os mesmos grupos de fatores se mostraram significativos, havendo apenas troca na ordem dos
dois primeiros, o que fez a autora optar por comentar os dados completos (com sujeito
pronominal explícito e implícito). Tais grupos são listados por ordem de importância:
53
1. Paralelismo formal no nível discursivo (Tendência à manutenção do mesmo
pronome sujeito numa seqüência discursiva; Quando ocorre mudança do referente,
maior probabilidade de ocorrer mudança do pronome; quanto maior a
proximidade entre as estruturas, maior a probabilidade de repetição da forma e
quanto maior a distância, maior a tendência de escolha de outra forma);
2. Grau de determinação do referente (Quanto mais genérica ou indeterminada a
referência, maior a tendência ao uso de a gente; Quanto mais determinado ou
explícito o referente, maior tendência ao uso de nós);
3. Tipo semântico-funcional do verbo (Favorecem o uso de nós verbos que
expressam posse, denominação da realidade do falante, identificação e localização
do referente, verbos de situação em que o locutor fala sobre elementos próprios da
localidade onde vive ou sobre ele ou pessoas de seu convívio; Favorecem o
emprego de a gente os verbos relacionados a contextos em que o falante se
submete a críticas, censuras, represálias e verbos que indicam ão, movimento e
mudança de estado/lugar);
4. Faixa etária (Maior uso de a gente pelos jovens e de nós pelos mais velhos);
5. Localidade (A substituição de nós por a gente tem ocorrido em todas as
localidades pesquisadas, mas de forma diferente. O trabalho mostra uma diferença
pequena entre pescadores de localidades interioranas (de rios e lagos) e de regiões
litorâneas; O uso de a gente é maior no litoral. O resultado não conclui
efetivamente sobre as razões das escolhas das formas por localidade, apenas cogita
influências de ordem ecomica, social, cultural, etc.);
6. Saliência fônica (Os níveis mais altos de saliência entre as formas singular e plural
favorecem o uso de nós, enquanto os demais níveis favorecem o a gente);
7. Tempo verbal (Apresentam-se tabelas que mostram que o infinitivo pessoal é a
forma que mais favorece a gente enquanto o pretérito perfeito simples é a que mais
favorece o uso de nós. O resultado do tempo verbal é explicado através da
interação com a saliência fônica e, dessa forma, a gente tenderia a ser mais
utilizado com formas verbais morfologicamente menos marcadas infinitivo
pessoal e presente do indicativo, enquanto o nós tenderia a ocorrer com formas
mais marcadas – pretéritos e futuros do indicativo e formas do subjuntivo).
Assim como na fala culta (LOPES, 1993), uma maior tendência de uso da forma a
gente na fala popular do Rio de Janeiro (MACHADO, 1995). Os resultados se assemelham
54
com aqueles encontrados por Lopes (1993), até porque ambas as pesquisas se basearam nas
variáveis escolhidas por Omena (1986).
Menon, Lambach e Landarin (2003) analisaram 156 exemplares da revista O Pato
Donald, editadas entre 1950 e 1999, com dois objetivos principais: 1) testar se a análise
diacrônica confirmaria os mesmos resultados encontrados em análises de tempo aparente
aumento no emprego de a gente e diminuição de nós e 2) verificar a ocorrência do pronome
sujeito nós junto ao verbo.
Para o segundo objetivo, consideram o fato de terem dados da segunda metade do
século XX, período em que ocorre o aceleramento do processo de implementação do emprego
do pronome sujeito. A perda do pametro pro-drop refere-se à perda de capacidade de a
morfologia verbal marcar o sujeito do verbo, passando a exigir a presença do pronome. Por
esse motivo, o estudo procurou medir presença vs ausência do pronome nós junto ao verbo a
fim de testar a questão de o português brasileiro estar perdendo a característica de sujeito nulo
e requerendo a presença do pronome junto ao verbo.
A quantificação da amostra resultou em 2059 dados, dos quais 89% (1840) eram do
pronome nós e 11% (219) de a gente. Quanto ao resultado das ocorrências com o pronome
nós junto ao verbo (1840 dados), 86% (1590) eram de não-preenchimento e 14% (250) de
preenchimento.
Para entender os usos dos pronomes na linguagem dos quadrinhos, a análise
considerou grupos de fatores lingüísticos (alterncia das formas, determinação do referente,
concordância verbal, uso do possessivo e presença do pronome junto ao verbo) e sociais
(faixa etária, sexo, classe social, raciocínio lógico e data de publicação).
Quanto aos fatores lingüísticos, o grupo alternância das formas, que pretendia verificar
uma possível regularidade na seqüência das formas no discurso foi descartado, pois havia
poucas ocorrências na amostra. O objetivo era procurar explicações para as seqüências com
repetição do pronome (nós... nós; a gente... a gente) ou alternâncias (nós... a gente; a gente...
nós). A determinação do referente também não de ser analisada por conta da insuficiência
dos dados. A análise deste grupo pretendia medir a substituição de nós por a gente como
recurso de indeterminação e verificar a “intrusão da forma inovadora no paradigma dos
pronomes pessoais. O mesmo ocorreu com a concordância verbal, que pretendia mostrar a
concordância não-canônica, encontrando apenas uma ocorrência não padrão. o possessivo
nosso foi encontrado 83 vezes, concorrendo com 07 casos de da gente, o que mostra que a
forma tradicional ainda predomina.
55
Quanto aos grupos de fatores sociais, o raciocínio lógico (que pretendia testar se havia
relação entre a inteligência da personagem no enfrentamento de situações problemáticas e a
escolha do pronome) foi descartado; o grupo sexo, com quase o dobro de personagens
masculinas, embora submetido à análise não foi considerado pertinente. Assim, os grupos
restantes data de publicação (permitindo a análise em tempo real), classe social e faixa
etária (tempo aparente) foram considerados (nesta ordem) como os mais importantes na
análise dos dados.
A análise em tempo real constatou mudança em curso. O pronome a gente vem
substituindo nós ao longo do período analisado, ocorrendo uma inversão no emprego dos dois
pronomes entre 1950 (a gente .10 / nós .90) e 1989 (a gente .90 / nós 10.), conforme tabela a
seguir.
Tabela 1 – Distribuição das variantes nós/ a gente em peso relativo, por década
Pronome 1950 1959 1969 1979 1989 1999
A gente
.10
.48 .34 .83
.90
.82
Nós
.90
.52 .66 .17
.10
.18
Fonte: Menon, Lambach e Landarin (2003, p. 102).
O resultado do tempo aparente – considerado menos representativo mostra uma leve
tendência a maior uso de a gente pelas crianças (.58), enquanto os adultos usam mais nós
(.44).
Com relação ao segundo grupo selecionado, a classe social mais baixa tende a usar
mais a gente (.64), que é muito pouco usado pela classe mais alta (.18). a classe média
apresenta uso equilibrado das duas formas (.49).
As autoras concluem que a inversão no emprego dos dois pronomes teria se dado pelo
aumento de uso da forma a gente pela classe social mais baixa, inclusive com uma pequena
utilização na classe social mais alta. Quanto ao fato de a classe média apresentar um impasse
entre o emprego dos dois pronomes, seria um indicador de que a forma a gente não estaria
mais sendo estigmatizada nesta classe social.
Quanto à variação no emprego do pronome nós junto ao verbo, os resultados mostram
certa flutuação, ora de maior preenchimento ora em direção ao ponto neutro (1969 =.49; 1989
=.57), mas as autoras concluem que, no geral, há tendência ao preenchimento. Observam que,
após o primeiro período analisado (1950/52 =.40), a curva aponta para cima (1959 =.62; 1969
=.49; 1979 =.69 e 1989 =.57), apesar do resultado de .44 em 1999.
56
Para a interpretação deste resultado, embora Menon, Lambach e Landarin (2003, p.
97; 103) afirmem que o corpus utilizado é considerado “tradicionalmente como representação
do oral”, ponderam que a linguagem dos quadrinhos não é “exatamente a reprodução do oral”,
pelo fato de nela entrar a censura do ato de escrever e de revisar. Além disso, utilizam o
argumento de que a forma nós sempre apresenta marca da morfologia verbal, o que, em
princípio”, poderia atuar como fator inibidor da presença do pronome.
A variável nós junto ao verbo não foi questão de escolha, mas deveu-se ao fato de
haver na amostra apenas uma ocorrência da forma a gente sem a presença do pronome, ou
seja, oculta em uma seqüência. O exemplo é reproduzido de Menon, Lambach e Landarin
(2003, p. 100).
(13) A gente pode fazer aos outros competidores o que Ø tiver vontade, para poder ganhar
a corrida.
A forma inovadora já tem uma tendência ao preenchimento, se considerarmos que,
como afirmam as autoras em nota, a gente está sempre presente por causa da ausência de
marca verbal. Sem a presença do pronome, o verbo seria idêntico ao da segunda e terceira
pessoas do singular (ex. tu canta / ele canta / a gente canta) e, em alguns tempos, como o
imperfeito do indicativo, também ao da primeira do singular (ex. eu cantava / tu cantava / ele
cantava / a gente cantava) (MENON, LAMBACH e LANDARIN, 2003, p. 105).
Quando à ausência de dados, consideram ainda, na questão, o tamanho dos diálogos
presentes nos balões e se questionam se a alternância a gente... a gente não seria
estigmatizada pelos redatores / tradutores / revisores.
Viana (2006) compara os usos de nós e a gente em estruturas predicativas na língua
oral (com amostras de entrevistas do Projeto Censo/Peul-RJ, das décadas de 80 e 2000) e na
escrita (com amostras de testes de avaliação subjetiva entre estudantes de 1º e graus do Rio
de Janeiro, realizados em 2005).
Na ngua oral, entre falantes não-cultos, (Projeto Censo/Peul Omena, 2003), as
freqüências são de 79% para a gente e 21% para nós. Entre falantes cultos (Projeto Nurc/RJ
Lopes, 1993), os percentuais são 59% para a gente e 41% para nós. Como se observa, o uso
da forma padrão entre falantes cultos é praticamente o dobro da freqüência por parte dos
falantes não-cultos, de modo que, considerando a possibilidade de mudança, o processo
parece estar mais adiantado na fala popular.
Na escrita, o resultado encontrado foi de 34% para a gente e 66% para nós. A
comparação entre linguagem oral e escrita, indica, de modo geral, maior produtividade da
forma padrão, nós, na escrita e da inovadora, a gente, na oralidade.
57
Oliveira (2006) estudou a variação entre as formas nós e a gente e o ctico se +
infinitivo, como estratégias de indeterminação na ngua falada no português brasileiro (PB) e
no português europeu (PE). O corpus da língua falada no PB é formado por 45 informantes de
Uberlândia MG e o corpus do PE é formado por entrevistas realizadas pelo projeto
Português Fundamental, com informantes de várias localidades de Portugal, publicadas pelo
Instituto Camões e disponíveis no site http://www.clul.ul.pt/sectores/projecto crpc.html.
O estudo constata que a preferência por a gente no PB ocorre em todos os contextos
analisados, até mesmo com sujeito de sentenças infinitivas e seguido de preposição. Nós, a
gente e se + infinitivo são estratégias de indeterminão usadas tanto no PB quanto no PE. No
PE, essas estratégias são empregadas de forma diferenciada: além de encontrar diferenças
com relação à freqüência, tanto se usa nós, quanto a gente.
Foi constatada a estabilidade de s no PB, embora esta forma possua reduzidos e
definidos contextos de ocorrência. De um modo mais geral, é maior o uso de a gente no PB e
de nós no PE.
Os resultados mais significativos, conforme Oliveira (2006) seriam:
No PB, a gente foi favorecido no paralelismo, enquanto no PE, além de a gente,
nós também apareceu em segundo lugar;
Quanto à modalização, no PB sua ocorrência está mais associada a estratégias
pronominais, no PE, a sua ocorrência ocorre igualmente em outras estratégias;
Quanto ao número de argumentos, constatou-se que, no PB, a gente é significativo
em qualquer contexto. no PE, as sentenças com mais de um argumento
favoreceram o uso de nós e a gente. Sentenças com um único argumento
favoreceram a gente;
No grupo classe social, fator observado somente no PB, todas as classes usam mais
a gente para indeterminar o sujeito, estando as maiores ocorrências desta forma nas
classes média e alta. As estratégias s e se+infinitivo ocorrem mais na classe
dia;
A idade é um fator definidor das escolhas. Nas faixas mais jovens (20 a 30 anos e
31 a 45 anos), o uso de a gente é maior. na faixa com mais de 45 anos, o
pronome s foi o segundo mais favorecido, dando a entender que quanto mais
velho o informante mais elevado o emprego de nós.
Carneiro (2007) analisa os pronomes sujeitos nós e a gente na função de sujeitos em
três novelas exibidas pela Rede Globo de televisão entre 05/12/2006 e 29/01/2007, em
58
horários diferenciados. Foram analisadas ocorrências de nós e a gente em três capítulos de
cada novela: O profeta (novela das seis, retrata a década de 1950), na Jaca (novela das
sete, retrata o tempo presente, é caracterizada pelo humor e ocorre em 2006/2007) e Páginas
da Vida (novela das oito, apresenta temas atuais e polêmicos e, como a anterior, tamm
retrata os anos 2006/2007).
Como resultado, o horário das novelas (período), o contexto, a inclusão do eu e o
status das personagens foram considerados importantes para o entendimento da variação na
mídia. As tabelas a seguir detalham os resultados, com alguns comentários explicativos (p. 5-
7).
Através da comparação entre a linguagem dos dois períodos, 1950 e 2005-2006, é
possível constatar a importância do tempo na escolha do pronome. Nos anos de 1950,
predominava o emprego de nós, sendo a forma a gente ainda pouco utilizada (.08 a gente =
.92 nós). Em 2006/2007, a forma inovadora chega a .92 na novela das sete e .71 na novela das
oito, do mesmo período.
Tabela 2 – Influência da variável horário da novela no uso de a gente – 2007
Nº/Total Freq. Peso Relativo
Novela das seis / 1950 5/93 5% .08
Novela das sete / 2006-2007 51/58 88% .92
Novela das oito / 2006-2007 56/92 61% .71
Total 112/243 46%
Fonte: Carneiro (2007).
Comparando o resultado das novelas com o resultado encontrado por Menon;
Lambach e Landarin (2003) (peso relativo .90 em 1989 em quadrinhos para a gente), os dados
sugerem que a provável mudança esteja sendo retardada de alguma forma. Nas novelas de
2006/2007, os pesos relativos são .71 e .92, tendo passado, no máximo, de .90 para .92 em um
período de 17 anos, enquanto na novela das oito, o máximo de uso de a gente é de .71. Este
resultado parece indicar a existência de outros fatores envolvidos, assegurando a manutenção
do nós.
É importante lembrar que a linguagem das novelas o é exatamente a reprodução da
oralidade. Os autores das novelas tentam representar a linguagem da época em que se passam
as novelas. Além disso, ambos os trabalhos se referem à linguagem oral, com textos que
passam por revisão prévia.
59
Com relação ao contexto
31
, a análise indica que é na linguagem informal (Tabela 3) o
maior uso de a gente (.78). Na linguagem semi-formal, a preferência é maior pelo nós (.07
para a gente = .93 s). Em situações formais, é categórico o uso de nós (04 ocorrências).
Embora o número de dados da linguagem informal na amostra seja muito pequeno, não houve
nenhum uso de a gente.
Tabela 3 – Influência da variável contexto no uso de a gente – 2007
Nº/Total Freq. Peso Relativo
Informal 109/161 68% .78
Semi-formal 3/78 4% .07
Formal 4/4 100% -
Total 116/243 47%
Fonte: Carneiro (2007).
Observando também a Tabela 2, reforça-se a idéia do contexto, pois é na novela das
sete (com ênfase para o humor), que o uso da forma inovadora é maior (.92). Na novela das
oito (com temas atuais e polêmicos), o uso de a gente também supera o de nós (.71), uma
indicação de que, atualmente, a forma inovadora tem sido mais utilizada do que nós na
oralidade.
Assim, é possível entender ainda que a gente continua tendo seu uso mais ligado à
linguagem informal, coloquial, parecendo haver uma crença de que, em situações formais e
semi-formais, o tradicional nós é mais adequado.
O grupo de fatores inclusão do eu mostrou-se favorável ao entendimento da variação
na dia.
Tabela 4 – Influência da variável inclusão do eu no uso de a gente – 2007
Nº/Total Freq. Peso Relativo
Eu + um interlocutor 78/162 48% .57
Somente eu 3/6 50% .30
Eu + grupo 20/64 31% .34
Total 101/232 44%
Fonte: Carneiro (2007)
31
Contexto informal: em família, festa com amigos, com namorado ou marido estando sozinhos; b) Contexto
semi-formal: em ambientes públicos em que as conversas pessoais são mais polidas, consulta médica,
ambiente de trabalho, com o chefe; c) Contexto formal: falando com autoridades, com chefe se houver uma
distância do empregado, falando para grupo em situação formal.
60
Na inclusão do eu, o pequeno favorecimento na escolha de a gente ocorre quando o
pronome se refere a eu + um interlocutor (.57), como no exemplo seguinte, que se trata de
conversa entre um casal:
(14) A gente separou antes que a presença do outro se tornasse insuportável pra cada um
(ANNA, PV).
Nos demais casos, somente eu (.30) e eu + grupo (.34) a preferência é maior pelo nós.
(15) Bom, Ø precisamos avaliar agora. O risco de uma cistomia é muito pequeno
(MÉDICO, PJ).
(16) Ø Vamos fugir todos juntos (MARCOS, OP).
No primeiro exemplo, um dico faz uso de s no lugar de eu ao se dirigir a uma
paciente. No segundo, o contexto já revela que se trata de um grupo, através da referência ao
pronome indefinido todos.
O uso do pronome para indicar todo mundo / qualquer pessoa foi verificado somente
com o a gente (10 casos):
(17) A gente dá dois passos e ó, ó! (PRIMO CÂNDIDO, PJ)
No exemplo dado, a personagem reclama do tamanho do cômodo da casa.
Analisando o resultado obtido, este difere do encontrado por Lopes (1993; 1996) e
Machado (1995). De acordo com tais pesquisas, o falante tende a utilizar mais nós para se
referir a ele mesmo e mais um interlocutor, e ao ampliar a referência, indeterminando-a,
maior favorecimento para o uso de a gente. Desse modo, esses dados parecem indicar que a
gente está perdendo a característica da indeterminação, tornando-se mais determinado, como
observou Omena (1998).
O último grupo selecionado foi o status
32
do falante (personagem).
Tabela 5 – Influência da variável status no uso de a gente – 2007
Nº/Total Freq. Peso Relativo
Baixo 15/24 63% .97
Médio 34/72 47% .32
Alto 63/147 43% .45
Total 112/243 46%
Fonte: Carneiro (2007)
32
Status baixo: Abarca falantes com linguagem estigmatizada, empregados com menor remuneração no grupo,
desempregados, com pouco ou nenhum poder de influência na comunidade; b) Status médio: Os informantes
medianos. Não são os mais nem os menos importantes; c) Status alto: Os mais influentes, respeitados pelo
poder, linguagem culta, pertence ao grupo com melhor condição econômica. As personagens foram
consideradas de determinada classe também pelo tipo de moradia, situação profissional e poder aquisitivo.
61
Como se pode verificar na tabela acima, é no grupo com status baixo que se encontra
maior uso de a gente (.97). Na fala deste grupo a forma s encontra-se praticamente
substitda por a gente. Por outro lado, personagens com status médio e alto continuam
usando mais nós (.32 e 45 para a gente = .68 e .55 para nós, respectivamente). Resultado
análogo foi encontrado por Menon, Lambach e Landarin (2003): aumento de uso da forma a
gente pela classe social mais baixa e pequena utilização, na classe social mais alta, o que
indica aceitação da forma a gente na linguagem falada por parte deste grupo. No caso das
novelas, o grupo status, de certa forma, abarca critérios semelhantes aos de classes sociais.
Em resumo, Carneiro (2007) constata, através da variável horário das novelas, indícios
de encaminhamento à mudança de s por a gente na linguagem falada na dia. No entanto,
o fenômeno que vem encontrando obstáculos, principalmente no contexto. O uso da forma
inovadora é condicionado pelo contexto, estando muito ligada à linguagem informal. Significa
dizer que embora a gente não seja estigmatizado, seu uso passa por alguma avaliação social e
nós ainda é o pronome que está ligado ao que o falante considera como “melhor falar”.
Conforme foi apresentado, todos os trabalhos referidos atestam aumento no emprego
de a gente. É oportuno citar Paiva e Duarte (2006), que afirmam que a forma a gente parece
estar imune à avaliação social, não havendo oposição entre forma prestigiada e forma não
prestigiada, a não ser o uso de a gente com a desinência mos. Talvez por não ser
estigmatizado, o a gente esteja sendo cada vez mais utilizado.
62
5 BREVE CARACTERIZAÇÃO DE CAIMBONGO
5.1 O TOPÔNIMO
Ao que tudo indica, o topônimo Caimbongo é de origem banto. A palavra, tal como é
conhecida, não foi encontrada nos dicionários e livros pesquisados. Assim, é possível que a
forma tenha sofrido modificações ao longo do tempo e se adequado ao português, como
ocorreu com muitas palavras africanas, fenômeno que Pessoa de Castro (2001) denomina
aportuguesamento de africanismos”.
Mussa (1991, p. 188) verifica que, no momento da aquisição da ngua, os falantes-
aprendizes do português popular do Brasil (africanos adultos) tinham alguns dados
conflitantes no que se referia à questão fonológica. no século XVIII teriam ouvido sons
variantes (semelhantes) de [b; d; g] e, então, teriam adotado esta série em todos os contextos
por ela ser “menos marcada (mais simples)”. Algumas palavras, dentre as que se assemelham
ao topônimo, apresentam variação entre [b] e [g].
Para ilustrar a hipótese do aportuguesamento, as palavras semelhantes encontradas no
Diciorio Kinghost (2007), em Menezes (1949), Pessoa de Castro (2001) e Rougé (2004) são
mostradas a seguir, para dar iia do percurso da pesquisa.
Uma das primeiras hipóteses levantadas foi a possibilidade de o topônimo ser uma
palavra composta. Assim, foi verificado o significado de Bongo:
a) Bongos.m. Instrumento de percussão constituído por dois pequenos tambores de
afinação diferente, fixados um ao outro (DICIONÁRIO KINGHOST, 2007).
b) Bongo (banto) s.m. Apanhador de papel. (Linguagem popular da Bahia, termo
de manifestação folclórica) Kik.
33
/ Kimb.
34
Kibongu (PESSOA DE CASTRO,
2001, p. 178).
c) Bonga
35
En angular, bonga: “agrandir”, “creuser”, “approfondir”. De
bongaru: “profond”. Bonga , litt. “agrandir les yeux”: “grimacer”. Selon
33
Abreviatura. Quicongo e seu conjunto de dialetos (quitando, quitari, etc.).
34
Abreviatura. Quimbundo e seu conjunto de dialetos.
35
Em Angola, bonga: aumentar", cavar”, aprofundar". De bongaru: "profundamente". Bonga , em
linguagem literária: "aumentar os olhos"; sorrir". De acordo com Maurer, em kimbundu, ku-vonga, "ficar
grande". Bonga também é em angolano o nome de um peixe, sem que nós pudéssemos dizer que existe uma
relação com o verbo. Considerando que bonga o é atestado neste Crioulo, bonga mon também é o nome
de um peixe. [Tradução do autor].
63
Maurer, en kimbundu, ku-vonga, “devenir grand”. Bonga est aussi en angolar le
nom d’un poisson, sans que nous puissions dire s’il existe un rapport avec le verbe.
En forro, alors que bonga n’est pas attesté dans ce créole, bonga mon (bonga +
main) est aussi le nom d’un poisson (ROUGÉ, 2004, p. 298).
Como se pode observar, são significados diversos. Desse modo, a tentativa de
entender o significado da palavra a partir da análise da composição não se mostrou produtiva,
desprezando-se a hipótese de palavra composta. Caim não é uma unidade significativa. Ao
contrário, é significativo o prefixo Ka-, elemento presente em inúmeras palavras bantas, dos
grupos kimbundo e kikongo. Seu significado pode ser de diminutivo, pequeno, como em
caçula, por exemplo. Mas nem todo Ka- em início de palavra é prefixo. Assim, restava partir
para a pesquisa dos nomes semelhantes, que resultou nas seguintes palavras:
a) Cambondo (banto) s.m. O tocador do atabaque, dos toques sagrados.
(Linguagem do Povo-de-santo, comunidade religiosa afro-brasileira). Var.
Cambona, cambono. (PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 194).
b) Quimbombô (banto) s.m. Ver quiabo. (Língua-de-santo, linguagem religiosa
afro-brasileira). Kik. Kimbombo/ kimb. Kingombo. (PESSOA DE CASTRO, 2001,
p. 325).
d) Quigombô (banto) s.m. o mesmo que quiabo. (Linguagem popular, regional
brasileira, termo dicionarizado). Var. gambô, gambo, gombô, guambo, quibombô,
quigombó, quingombo, quingombó. (PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 323).
Segundo o Diciorio Aurélio (FERREIRA, 2004), quiabo, s.m. De origem incerta,
fruto capsular cônico, verde e peludo, produzido pelo quiabeiro comum. Sinônimos
brasileiros, todos originados do quimbundo: guingombô, gombô, quibombó, quibombô,
quigombó, quigombô, quimbombó, quimbombô, quingobó, quingombó, quingombô.
Uma das possibilidades é que o topônimo tenha sido originado da palavra cambondo
(O tocador do atabaque, dos toques sagrados.) tenha sofrido aportuguesamento e passado a
caimbongo, devido à variação de [d] e [g]. Na região do Iguape, existem dez comunidades
quilombolas e, embora os moradores de Caimbongo hoje afirmem que não praticam nenhuma
religião de origem africana, sabem que, no passado, rituais eram praticados. Além disso, a
região da qual Caimbongo faz parte é considerada mística pelos terreiros de candomblé
(LOURENÇO, 2005).
A outra possibilidade seria os vários nomes de origem banto para denominar quiabo
(guingombô, quigombô, quibombó, quigombó, quingobó, quingombó, quingombô, quibombô,
quimbombó, quimbombô). É costume de africano pôr nomes da flora como topônimos.
64
Durante muito tempo, a região do Iguape produziu e vendeu quiabo e os antigos moradores de
Caimbongo trabalharam no plantio e colheita do fruto.
A origem banto para o nome Caimbongo é reforçada ainda pela constatação da origem
de topônimos das adjacências. De acordo com Pessoa de Castro (2007), o quimbundo e o
quicongo estão entre as nguas africanas que predominaram na região do Iguape, onde está
localizada a Fazenda Caimbongo. Como exemplos próximos têm-se os topônimos Calemá e
Murundu/Mulundu (definidos a seguir).
1) Calembá é encontrado como Calemba ou kalêmba (DICIONÁRIO KIMBUNDO,
2007), e kalema (em kimbundo ka-lemba) (ROUGÉ, 2004, p. 314), significando mar
agitado, tempestade.
2) Mulundu, do banto, certa dança africana (PESSOA DE CASTRO, 2001, P, 292) e
Murundu, do banto, montículo de terra, amontoado de coisas (PESSOA DE CASTRO,
2001, P, 293). Em Caimbongo, alguns pronunciam mulundu, outros, murundu para se
referirem à fazenda vizinha.
Como é comum a variação entre [d] e [g], existe a possibilidade de o nome ter vindo
de mulungu, do banto, espécie de zingoma
36
muito grande, comprido e estreito, de som
retumbante (PESSOA DE CASTRO, 2001, p, 292).
Uma outra possibilidade ainda é mulungú, leguminosa de bom crescimento, caule
armado; flores encarnadas; lenho levíssimo; rtex peitoral e calmante (MENEZES, 1949, p.
146). É o mesmo que corticeira Bras. Bot. Árvore regular, ornamental, da família das
leguminosas (Erythrina crista-galli), de pedúnculos florais vermelhos e fruto que é vagem
pedunculada, com sementes oblongas e pequenas. Fornece madeira branco-amarelada, muito
leve e porosa. [Sin.: flor-de-coral, mulungu, sananduva.] (FERREIRA, 2004).
Por fim, como se pode verificar, não é fácil tirar conclusões sobre o significado de
Murundu, Mulundu ou Caimbongo. Ao menos a pesquisa aponta possibilidades.
5.2 LOCALIZAÇÃO
A Fazenda Caimbongo Velho está localizada no município de Cachoeira na Bahia, na
região do Vale do Iguape. Nos arredores dessa fazenda centenária, se formou a comunidade
36
Zingoma (banto) Povo-de-santo, comunidade religiosa afro-brasileira) Tambor cilíndrico, de uma face,
feito de um toro oco, usado nas cerimônias congo-angola; Designação genérica para os tambores do culto
(PESSOA DE CASTRO, 2001, p. 357).
65
dos quilombolas, na qual se realizou o estudo sendo, portanto, sempre referida como
Caimbongo para demarcar a diferença entre ambas.
Para se chegar à comunidade, podem-se utilizar três vias de acesso: uma trilha pela
mata até o povoado de Acupe, no município de Saubara; uma trilha pela mata que leva direto
à sede do município de Saubara; e uma estrada de barro recentemente construída que liga a
comunidade ao distrito de Santiago do Iguape, no município de Cachoeira.
A comunidade manteve-se relativamente isolada, principalmente devido à falta de
estradas e a conseqüente dificuldade de locomoção que se intensifica na época de chuvas, mas
Caimbongo, atualmente, apresenta maior aproximação de povoados que o circundam, devido
à construção da estrada de barro no início de 2006.
5.3 POPULAÇÃO
A população de Caimbongo é formada por menos de 60 pessoas. Esse número foi
obtido por contagem diretamente feita com dois dos informantes, indicando o número de
famílias e os nomes de cada membro. Como o número é pequeno, não houve nenhuma
dificuldade. No total, são 15 casas residenciais, uma casa de farinha e uma capela e um bar.
5.4 ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS
O recôncavo baiano é descrito por Fraga Filho (2006), apud Sugimoto (2007), como
uma região que concentrava as atividades econômicas mais importantes na Bahia do século
XIX, por ser a área onde se concentrava o maior mero de engenhos, e pelo plantio de fumo
e de gêneros de subsistência como mandioca, feijão, milho.
A produção do recôncavo abastecia vilas e cidades da região e as feiras de Salvador,
na época, a região com maior população e maior número de escravos. A Bahia possuía 165
mil escravos (12,8% da população geral) em 1872. Em 1887, ano anterior à abolição, este
número caiu para 76 mil, menos da metade em 15 anos, mas ainda assim era a quarta
população cativa do Império.
Quanto à formação do Iguape, conforme Santos e Santana (2006):
[...] o surgimento no século XVI da outrora Vila Nossa Senhora do Rosário, ou
Porto de Cachoeira, às margens do Rio Paraguaçu, esteve relacionado ao processo
de ocupação do território brasileiro e à expansão das fronteiras agrícolas, sendo
posteriormente, no século XVII, constituída como região produtora de cana-de-
66
açúcar, existindo na localidade, especialmente no Iguape, muitos engenhos de cana e
escravos e, conseqüentemente, fugas e rebeliões.
Segundo as autoras, teria sido no contexto de dissolução do regime escravista que as
comunidades rurais negras do Vale do Iguape se formaram nas proximidades de outros
engenhos. A proximidade dos engenhos, antigos locais de trabalho dos ancestrais, a questão
das fugas e rebeliões e as doações de terras, certamente, são fatores que levaram à formação
das atuais comunidades remanescentes de quilombos. Então estabelecidos, de acordo com
Santos e Santana (2006), mantiveram uma organização social que resistiu ao tempo,
conservando traços culturais da afrodescendência como religião, músicas, hábitos alimentares,
terminologias, dentre outros. Essas comunidades teriam passado por processos organizativos
distintos, algumas se envolvendo mais nas associações e sindicatos rurais, o que possibilitou a
busca pela certificação enquanto comunidades remanescentes de quilombo, em 2004. As
comunidades receberam o tulo através da Portaria nº 35, de 06 de dezembro 2004
(FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, 2006).
O Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da
Constituição Federal de 1988 e o Decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003 regulamentam
a identificação dos remanescentes das comunidades de quilombos, o reconhecimento, a
delimitação, a demarcação, a titulação e o registro imobiliário das terras por eles ocupadas. De
acordo com a lei, pode ser reconhecida a propriedade sobre terras que eram ocupadas por
quilombos em 1888 e estavam ocupadas por remanescentes dos quilombos em 5 de outubro
de 1988. A concessão de títulos fica a cargo da Fundação Cultural Palmares em parceria com
outros óros.
Caimbongo é citada por Lourenço (2005), como uma das dez comunidades (Caonge,
Tombo, Calembá, Bendê, Caimbongo, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Engenho da
Vitória, Imbiara e Calolé) localizadas próximas umas das outras, perto da cidade de
Cachoeira, na Bahia. A autora também afirma que teriam sido originadas de antigos
remanescentes de quilombos que se estabeleceram no local distante: como convém a um
quilombo de negros fugitivos, que não querem ser achados, o lugar é de difícil acesso”. De
acordo com Lourenço, trata-se de comunidades seculares que teriam se instalado na região
antes da Abolição da Escravatura e sobrevivido da agricultura e da pesca desde aquele tempo.
Conforme Olegário e Souza e Brazil (2007, p. 8), no Brasil existem inúmeras
comunidades negras rurais que se originaram a partir da doação de terras, por isso, até
questiona a terminologia remanescente. Para as autoras, neste caso, a denominação viria de
outra interpretação: a necessidade de garantir o direito à terra. Quando não se trata de
67
remanescentes de antigos quilombos, gerados da fuga e da manifestação do protesto negro ao
cativeiro, “nestes locais o mais correto seria utilizar a designação de comunidade negra
rural”.
Conforme Fraga Filho (2006 apud SUGIMOTO, 2007), os senhores da região
resistiram à libertação até os últimos momentos. Mas, na década de 1870, possuir escravos
era um privilégio para a populão mais rica e, assim, quem não podia mais possuir escravos
também não defendia mais o regime escravista. Portanto, uma parcela significativa de pessoas
livres e libertas circulava o recôncavo, vivendo de pequenas lavouras ou do comércio nas
cidades.
As a abolição, teriam ocorrido várias situações no Recôncavo: doações de terra,
acordo para morar e trabalhar nas terras das fazendas, dentre outras. Além disso, muitos ex-
escravos, inclusive jovens, optaram por permanecer nos engenhos. De acordo com o autor, os
vínculos familiares foram decisivos para a decisão de permanecer nos engenhos. Os que
saíram foram principalmente para as cidades de Cachoeira, São Félix, Santo Amaro e
Salvador (FRAGA FILHO, 2006 apud SUGIMOTO, 2007).
Perguntados sobre como a comunidade se formou, as pessoas não sabem responder.
Os mais velhos contam que seus pais trabalhavam na usina, na roça e como diaristas na
fazenda, hoje chamada Caimbongo Velho. Algumas pessoas antigas chegaram a perder parte
das terras para o fazendeiro com pagamento de dívidas que contraíam para o próprio sustento
e das suas famílias. Trabalhavam na roça e, quando não tinham dinheiro a receber, iam
acumulando um saldo devedor do que tomavam de adiantamento para comprar alimentação.
Com o tempo, o fazendeiro cobrava a dívida e os trabalhadores, o tendo outra maneira de
pagar, entregavam parte das terras.
Um outro dado geral que talvez explique o fato de ainda hoje serem encontradas
localidades rurais de etnia negra é a informação obtida de Mattoso (1992, p. 164)
37
apresentada em Lopes (2004):
Havia entre os escravos uma preferência pela escolha de parceiros da mesma
origem. Raramente havia união entre africanos e crioulos ou mulatos, mantendo-se,
também, muitas vezes, rivalidades existentes entre as nações da África. Assim, o
mais comum era haver uniões de brasileiros e, além disso, quase nunca alforriado
com escrava ou vice-versa (LOPES, 2004, p. 33).
Esta é mais uma questão importante para entender as relações entre os povos africanos
e brasileiros descendentes e a permanência em grupos remanescentes como os citados. Quanto
aos povos remanescentes de Caimbongo, de acordo com a localização muito próxima da sede
68
da fazenda e das ruínas da antiga usina, é improvável que sejam descendentes de escravos
fugitivos. Em depoimento gravado, um morador da região do Iguape esclarece parte da
história. Os moradores seriam mesmo descendentes de escravos que recebiam permissão dos
donos da fazenda para construírem suas casas (de palha e madeira) nas proximidades, morar e
trabalhar na terra. Em troca, havia o acordo, uma imposição, de trabalhar dias da semana para
o fazendeiro. A seguir parte da entrevista transcrita:
INF: Minha mãe contava. Meu pai contava dos iscravo que... que...
DOC: Qué que ele dizia?
INF: Era. Que era preciso saí cedo chegá lá, pra trabalhá, que num tinha
aqueles direito. Que nem eu quando arcancei, pra falá a verdade, porque dize
que a princesa Isabé libero cativero, mais a princesa Isabé tirô o fraco de
trabalhá com o pé na corrente. Os iscravo, mar não libertô cativero nium. Não
libertô não purque o tempo qui eu arcançei aqui, agora o cativero liberto
agora. Agora é qui liberto. Mar quando eu arcançei num tava liberto qui
tinha o fazendero... o fazendero tinha cinqüenta, cem, cento e tantos home
morano na fazenda. Se ele dissesse: “Amanhã quero aqui trabaiano”, tinha
qui vim trabalhá. Ele pagava quanto quiria e tinha qui vim trabalhá. Se saísse
fosse pescá, muitos cortava da... da... o marisco no caminho, tomava e num
tinha direito de dizê nada, mandava botá boi den da roça... Intão, não tinha o
direito de dicidi, de dizê nada (inint). Mandava disteiá casa como... com o
dono dento, botava pra fora, mandava di... disteiá a casa...
DOC: Mandava embora pra onde?
INF: Tinha qui procurá ota fazenda pra i(r)! [...] Mais enquanto o resto, não sei se
era liberto purque se morasse aqui ele dizia: “Amanhã é pra i(r) trabalhá lá!”
Se não pudesse i(r), era capaz dele... Se o pudesse i(r) trabalhá, muitos
botava boi den da ra, se fosse, se fosse pa maré ele incrontasse cortava os
marisco. Mais eu não sei como era naquele tempo. Purque qdizê qui o
fraco tombém naquele tempo num tinha voz, pronto (SILVA, 2006).
Antes desta etapa, porém, continua uma lacuna que, com um tempo maior de
pesquisa se poderia responder sobre a origem dessas famílias.
Em Caimbongo, residem atualmente cerca de 60 pessoas, 16 casas, para não dizer
famílias, uma vez que é uma comunidade formada por parentes. Com poucas exceções, todos
os moradores têm alguma relação de parentesco. Ainda não foi possível entender como os
primeiros moradores de Caimbongo se estabeleceram. As informações que as pessoas do
lugar dão hoje são principalmente sobre fatos recentes. Os mais velhos relatam lembranças de
seus pais e bem pouco dos avós. Como hoje o morador mais velho do lugar tem 84 anos,
portanto, tendo nascido em 1923; sendo um dos filhos mais novos, estima-se que, na ocaso
do nascimento, seu pai tivesse entre 30 e 35 anos, portanto, teria nascido entre 1893 e 1888.
Deste modo, foi a geração dos seus avós que viveram nesse período imediatamente antes ou
durante o período pós-abolicionista.
37
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Bahia, século XIX: uma província no império. Rio de Janeiro: Nova Frontei-
ra, 1992.
69
Os atuais habitantes não falaram sobre a origem dos antepassados, da época do regime
escravista. Quando questionados, não se reconhecem como descendentes de escravos e nem
mesmo se autodenominam remanescentes de quilombos. Nos relatos, sempre se referem a
tempos mais recentes no trabalho da fazenda, da usina (que até hoje existe em ruínas) e da
roça, no trabalho com fumo e quiabo, que inclusive os mais velhos da comunidade
participaram dessas atividades.
A Fazenda Caimbongo Velho foi ocupada por trabalhadores do MST (Movimento dos
Sem-Terra) e desapropriada cerca de 9 anos, conforme informão obtida através dos
moradores de Caimbongo. As palavras de uma moradora descrevem e define o sentimento da
comunidade com relão às mudanças que tem ocorrido:
DOC 03: E... sobre aqui, sobre os sem-terra, como que era aqui antes deles...
chegarem?
INF: Ah, era uma mata. Era tudo fechado. Era tudo fechado. Num passava
nem carro nem nada. Era aqui aquele caminhozinho nóis passá e
. depois que os sem-terra chegô qui começô a rá e derrubá tudo.
(...) Aqui era muito... era um lugá assim muito atrasado. Num tinha...
Num tinha energia, num tinha nada. A gente num tinha assim... assim,
contato assim mais com as pessoas. Só via quando ia pu Acupe ou então
pa Santiago pudê cunhecê as pessoas, né? Era muito difícil assim.
Agora, tá até melhor agora. (MULHER, 21 ANOS)
As a instalação desses povos na fazenda, criou-se um impasse entre os moradores
quanto ao nome da localidade, dividindo opiniões a respeito de qual localidade é Caimbongo
Velho. Os moradores de Caimbongo, que sempre moraram em uma faixa menor de terra
próxima da sede da fazenda com que mantiveram relações de trabalho por muitos anos,
acompanharam o processo de desapropriação e a chegada de muitas famílias, os novos donos.
Embora o tenham se juntado, essas pessoas vão interferir na vida dos habitantes. Trata-se
de um novo momento, talvez o começo de muitas modificações. A escola que serve à
comunidade, construída junto à sede da fazenda foi construída após este evento. Por outro
lado, houve o reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo, que marcou o
início da conquista de direitos destes povos.
5.5 ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS E CULTURAIS
No que se refere à atividade econômica, há certa diversificação. As principais
atividades econômicas, voltadas para a subsistência, giram em torno da agricultura
(mandioca), caça, pesca, mariscagem, azeite de dene
extração de piaçava (produtos que,
segundo os moradores, apresentam qualidade reconhecida na região), comércio entre os
70
povoados (venda dos excedentes de produção agrícola, farinha, azeite e caça) e comércio local
(bar e casa de farinha).
A casa de farinha é de propriedade de um ex-morador. As pessoas que utilizam o
espaço pagam por ele com parte do produto. A casa de farinha é uma representação do que
ocorria antes, quando os moradores se estabeleciam no lugar para poder trabalhar na terra e
pagavam por isso com trabalho para o fazendeiro. É possível afirmar que esse é um traço que
sobreviveu do pós-escravidão.
Convém salientar que não existem técnicas avançadas de manejo e plantio das culturas
agrícolas, nem tampouco métodos sofisticados de caça e pesca. Tudo ocorre de forma
rudimentar conforme a tradição do lugar. A produção do dendê é totalmente artesanal e ainda
se preserva o modelo das antigas casas de farinha.
As principais profissões surgem, portanto, do extrativismo e do comércio. Sendo
assim, identificam-se entre os moradores: pescadores, marisqueiros, caçadores, agricultores,
comerciantes, carpinteiros, trabalho doméstico e outros trabalhos braçais. É importante
observar a inexistência de divisão do trabalho, uma vez que todos os moradores da região
possuem apties para o exercício de qualquer profissão aqui mencionada. Ademais, os
conhecimentos sobre o exercício das atividades econômicas são passados de pai para filho.
Mesmo os mais velhos, apesar das limitações impostas pela idade, apresentam boa disposição
e vigor para o trabalho.
A única escola que serve à comunidade oferece o ensino primário, até a série.
Atualmente as crianças estão estudando. Os mais jovens da amostra completaram esta
etapa dos estudos em uma outra escola, em Murundu, uma fazenda que faz fronteira com
Caimbongo. As pessoas mais velhas do lugar não receberam instrução formal, portanto, não
são alfabetizadas.
Uma festa católica é tradição na comunidade e teve início com uma promessa a São
Roque para espantar uma praga de lagartas que assolara a comunidade há cadas atrás.
Alcançada a nção, os moradores começaram a realizar, anualmente no dia 26 de dezembro,
como forma de agradecimento, a procissão de São Roque. Até hoje, a tradição se mantém e a
comunidade recebe visitantes das mais variadas localidades para louvar a São Roque a graça
alcançada.
Os hábitos dos moradores são bastante rotineiros e se dividem entre a atividade laboral
e o entretenimento. As atividades laborais são normalmente exercidas durante o dia (caça,
pesca e agricultura) e, algumas vezes, à noite (caça de espera). O entretenimento advém do
71
jogo de domi, cartas, roda de amigos com muita conversa e bebidas (jatobá, cachaça,
catuaba e milhome), rádio e TV.
As viagens são feitas a ou montados para os municípios vizinhos, para onde levam
os excedentes como frutas para vender ou compram mantimentos. Para as localidades mais
próximas, também vão a pé e quem não tem animal traz suas compras no animal de outro.
As habitações são casas, na totalidade, construídas à base de barro e madeira,
construções conhecidas como casa de tapa, por serem feitas com barro e madeira, pondo a
o no barro para preencher a estrutura de paus fincados. Apresentam, na grande maioria,
dois quartos, sala e cozinha. São construídas com certo afastamento uma das outras, estando
ligadas por trilhas. As pessoas costumam desmanchar as casas que com o passar dos anos vão
se deteriorando e construir outra em local próximo, algumas vezes, do lado da que existe,
outras vezes, mais distante.
As trilhas que ligam as casas são de barro batido e não possuem iluminação. Também
o cercas separando as casas. São casas que não possuem esgotamento sanitário e nem
água encanada e a energia elétrica chegou recentemente, no primeiro semestre de 2006.
Grande parte das casas possui fogão à lenha e algumas já possuem também fogão a gás.
O ato de construir as casas é chamado pelos moradores de tapa de casa: acontece com
a ajuda da comunidade e de amigos dos povoados e cidades vizinhas que fazem questão de
participar. É uma espécie de festa regada com muita cachaça.
Na comunidade é feita uma cachaça que é invenção dos moradores, o jatobá, feita
artesanalmente com a entrecasca da árvore, uma iguaria presente nas tapas de casa que
começa a ser conhecida por poucos apreciadores vizinhos e por quem visita Caimbongo.
A água para qualquer necessidade é retirada de dois rios bem próximos. O banho é
tomado principalmente em um dos rios, numa pequena cachoeira. É um banho com roupas,
que geralmente ocorre de forma coletiva, devido aos horários nos quais os grupos se dirigem
ao local. Existem dois lugares para se banhar: a bica (ou cachoeira) e o rio. A bica também é o
local utilizado para a lavagem das roupas, que normalmente acontece em grupo, no sábado ou
domingo.
Caimbongo preservou características muito particulares, por exemplo, a tradição de
utilizar bois para transportar cargas, a forma de preparar o dendê e a farinha de mandioca, os
remédios caseiros, o banho coletivo na cachoeira, a fabricação de cestos, caçuás e a
preservação de uma população não miscigenada, em que todos são parentes: “Esse pessoal
daqui, a maioria é tudo parente. É bem difíce de vê uma pessoa assim... encontrar duas pessoa
72
e perguntá: ‘Ele é o que seu?’ pra dique num é nada. É pa... é prima, é tia... É qualquer
coisa” (INF 11, HOMEM, 27 ANOS).
Cenas raras ou inexistentes em outros lugares chamam a atenção. o os bois,
geralmente criados amarrados a uma corda, usados para transportar cargas em caçuás e/ou
cangalhas – cofa e cangaia na linguagem local – em meio à tranqüilidade do lugar.
Algumas cobras representam perigo para a população, que tem um jeito próprio de
resolver o problema quando ocorre algum acidente. O antídoto é um remédio caseiro feito
com bucho de paca e que algumas pessoas sabem preparar. A cura envolve um ritual em
que o doente não pode sair de casa, mais exatamente do quarto, durante sete dias. O doente
o pode receber visitas, exceto de quem porventura tenha presenciado o acidente e as
pessoas que moram na mesma casa. Embora todos se preocupem com a pessoa, existe a
crença de que o doente não pode ser visto por ningm. Além deste detalhe, existe outro que é
o risco de o sangue não se unir com o de alguém. Quando isso acontece, o estado de saúde do
acidentado se agrava. Sabendo disso, quando se identifica alguém com quem o sangue não
combina, a pessoa é avisada para não passar conversando na frente da casa, o que já seria
prejudicial. As pessoas explicam que o existe relação entre gostar mais ou menos do outro,
simplesmente faz parte da crença e isso é respeitado por todos. Cobras venenosas como a pico
de jaca representam perigo para as pessoas, que vivem em alerta.
Uma frase representa bem a vida em Caimbongo: s tudo aqui no Caimbongo é
todo mundo amigo”. Afirma um jovem de aproximadamente 18 anos o que ouvimos também
de outros moradores.
Sem uma vida privilegiada de riquezas, um dos bens mais valiosos da
comunidade reside nos valores morais e na solidariedade. A comunidade se vangloria da
inexistência de roubos e ajuda mútua que lhes é freqüentemente solicitada por razões diversas.
Existe na comunidade um respeito e cuidado com os mais velhos refletidos pelo carinho e
entendimento de dependências e limitações físicas. Não se pode deixar de observar o jeito
acolhedor e atencioso com o qual são tratados os visitantes: com uma desconfiança no início,
o que posteriormente se transforma em aceitação na forma de sorriso.
Antes da implantação da energia elétrica em Caimbongo, havia um único aparelho de
TV que pertencia a uma das famílias. Conta a dona da casa que todas as noites sua residência
se transformava no ponto de encontro dos interessados em acompanhar as novelas. “A gente
assistia as novela de noite. (rindo) A minha casa inchia de gente assisti. (risos) Porque
aqui ninguém tinha, eu mermo...” (INF 12, MULHER, 23 ANOS)
É verdade que havia um grupo assíduo, alguns que apareciam esporadicamente e havia
ainda os que nunca iam a casa para esse fim. Para os interessados, o aparelho garantia a
73
diversão das noites. Uma miniatura de televisão, funcionando com uma bateria de automóveis
e que, a cada final de semana, precisava ser levada no lombo de animais para recarregar no
distrito ou povoado próximo. Antes da chegada da energia elétrica, tiveram essa TV por um
tempo aproximado de um ano. Chovendo ou fazendo sol, a televisão era um tipo de diversão
nas noites de Caimbongo. Uma opção limitada, em preto e branco, tela pequena, horário
limitado, mas servia para unir as pessoas em uma mesma sala. Uma fase na vida das pessoas
que, certamente, ficará para trás.
A energia elétrica é um capítulo à parte na vida da comunidade. Com a instalação da
energia elétrica, as pessoas comaram a ter um contato mais próximo com os meios de
comunicação e, conseqüentemente, com os mais variados tipos de informações. Agora é
possível comprar alimentos perecíveis e conservar na geladeira. A difusão da TV na
comunidade promoveu um efeito curioso e importante: houve uma distribuição dos grupos de
telespectadores. As pessoas que outrora se concentravam em torno de uma única TV, que
possuía inclusive horário e duração das seções, agora se dispersam para assistir aos programas
em outros aparelhos, inclusive com opção de programação. Agora os moradores dispõem de
energia elétrica e de TV e estas conquistas representam um novo momento para a
comunidade.
74
6 METODOLOGIA
6.1 TÉCNICA DE OBSERVAÇÃO
A metodologia para a análise da variação de nós e a gente na fala da comunidade de
Caimbongo segue os princípios trico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista
(LABOV, 1983; 2001; SANKOFF, 1988; LEMOS MONTEIRO, 2002; TARALLO, 2004).
Seguindo o modelo variacionista, este trabalho consta das seguintes etapas: pesquisa
bibliográfica, visitas à comunidade (para obter informações a respeito do modo de vida, para
entender sobre aspectos sociais e costumes dos moradores), seleção dos informantes, gravação
de entrevistas, composição do corpus, transcrição das entrevistas, codificação dos dados e
análises dos resultados.
A pesquisa bibliográfica tem como objetivo a discussão de aspectos relacionados à
formação do português brasileiro, moldado numa conjuntura histórica e social que o fez
divergir do português europeu; o entendimento da literatura lingüística sobre o surgimento da
forma a gente e o conhecimento de trabalhos existentes sobre o fenômeno da variação nós e a
gente no português do Brasil.
As primeiras visitas à comunidade ocorreram em dezembro de 2005. Em janeiro de
2006, foram iniciadas as primeiras entrevistas, o que serviu de importante base para a escolha
do objeto de estudo. A segunda etapa de gravações ocorreu em novembro de 2006 e contou
com o trabalho de mais dois documentadores, além do pesquisador.
A seleção dos informantes ocorreu a partir de conversa com os moradores e indicação
dos mesmos, com base nas características adequadas ao estudo: pessoas naturais da fazenda
Caimbongo que não tenham se ausentado do lugar por mais de 1/3 de suas vidas, adequadas
as faixas etárias, que foram estabelecidas com base no perfil da população, procurando
agrupar os indivíduos com idades e experiências semelhantes.
Para a composição do corpus, foram gravadas entrevistas do tipo DID. Porém, devido
ao comportamento das pessoas da comunidade, é comum a interferência de outros falantes
durante as entrevistas, pois geralmente quando pedíamos para conversar com uma pessoa
costumavam chegar outras, que iam ficando por perto e, aos poucos, começavam a participar
da conversa. Assim, em muitos momentos, o diálogo deixa de ser somente entre informante e
documentador, envolvendo outro(s) informante(s).
75
As entrevistas, com duração média de 50 minutos, contêm narrativas livres a fim de
obter amostra da fala casual de forma mais espontânea possível, seguindo o mesmo padrão de
tempo e o mesmo tipo de assunto: a comunidade, as histórias de vida, de trabalho, os hábitos,
as situações de perigo vividas, etc. As gravações foram feitas diretamente em mídia digital de
forma a melhorar a qualidade e aumentar a produtividade no processo de transcrição dos
diálogos.
Tendo o corpus organizado e constituído de 12 informantes (Quadros 4 e 5), a etapa
seguinte consistiu na transcrição dos dados, trabalho realizado pelo pesquisador e por dois
estudantes.
A seguir foram selecionados os trechos contendo nós e a gente explícitos e implícitos,
considerando os implícitos em seqüências. Esses dados foram codificados e submetidos ao
pacote de programas VARBRUL (PINTZUK, 1988) para análise estatística. A interpretação
dos resultados foi feita a partir dos dados estatísticos (freqüências e pesos relativos)
encontrados pelo programa, em consonância com a bibliografia sobre o tema, os aspectos
sociais dos falantes e os dados lingüísticos.
6.2 DELIMITAÇÃO DO CORPUS
O corpus é composto por 12 inquéritos, estratificados conforme o quadro a seguir:
Quadro 4 – Divisão da amostra
Gênero/Sexo Faixas
etárias
Escolaridade
Feminino Masculino
F1 20-35
anos
Escolarizados 2 2
Escolarizados 1 1
F2 40-55
anos
Não
escolarizados
1 1
F3 >55 anos
Não
escolarizados
2 2
Procurou-se utilizar para a composição da amostra a técnica seletiva qualificada
uniforme (CAMPOY e ALMEIDA, 2005, p. 58-59). De acordo com esta técnica, os
informantes são eleitos previamente pelo investigador de modo que se ajustem ao perfil do
76
subgrupocio-demográfico de cada célula
38
e, por ser uniforme, os extratos são divididos em
proporções idênticas. Neste caso, a pré-estratificação da população se fará considerando pelo
menos três variáveis: sexo, idade e grau de instrução. De acordo com os autores, a técnica de
amostra seletiva qualificada tem sido a mais utilizada nos estudos sociolingüísticos durante as
últimas décadas, por ser uma amostra de qualidade mais representativa da comunidade
investigada.
As informações sociais sobre os informantes encontram-se de forma detalhada no
Quadro 5, a seguir:
Quadro 5 – Divisão detalhada da amostra
FAIXA
ETÁRIA
GÊNERO
IDADE ESCOLARIZAÇÃO
SAÍDAS
MÍDIA
39
09 Masc. 30 4ª série Não -
10 Fem. 33 4ª série Sim +
11 Masc. 27 4ª série Sim +
F1
12 Fem. 23 4ª série Sim +
05 Masc. 51 Não escolarizado Não -
06 Fem. 48 Não escolarizada o +
07 Masc. 41 4ª série Sim +
F2
08 Fem. 45 4ª série Sim -
01 Masc. 83 Não escolarizado Sim -
02 Masc. 57 Não escolarizado Não -
03 Fem. 62 Não escolarizada Sim +
F3
04 Fem. 76 Não escolarizada o -
Tentou-se fazer a agrupação dos informantes por aproximação êmica (CAMPOY e
ALMEIDA, 2005, p. 45), divisão considera experiências comuns ou ciclos de vida. Na
tentativa de seguir o critério, foram agrupados na F1 (mais jovens) os informantes que viajam
com mais freqüência, tendo mais contato com outras comunidades, todos escolarizados. Os
informantes da F2 (intermedria) já constituíram família e têm um vínculo com o lugar maior
do que os informantes mais novos. Dos informantes da F3 (falantes mais velhos), três são
aposentados e um é comerciante local, proprietário do bar. Todos têm em comum uma vida
mais estável no lugar, não necessitando do trabalho para sobreviver do mesmo modo que os
38
Cada combinação de fatores extralingüísticos. Ex.: Informante alfabetizado, sexo feminino, Faixa I (uma
lula).
39
+ (maior exposição); – (menor exposição).
77
informantes das outras faixas. Contudo, mesmo tendo essas experiências comuns, tem-se
também outras divergentes, como o nível de escolaridade, as saídas da comunidade, o vel de
exposição à dia (Quadro 5), além de outras experiências como ser casado(a), ter filhos, ser
avô/avó.
Por exemplo, na F2, apenas o informante 7 não é avô. Na F1, as mulheres são casadas,
es, enquanto os homens são solteiros e um deles é pai. Outro exemplo, a respeito de
experiência comum, conforme escolaridade, os informantes 7 e 8 deveriam pertencer a F1,
distinguindo-os dos informantes 05 e 06, que passariam a F2. No entanto, com relação às
outras experiências, as divergências continuariam. Enfim, por se tratar de uma comunidade
pequena, é um tanto difícil seguir o critério da aproximação êmica. Por outro lado, não foi
utilizada a aproximação ética. Pelo menos não no sentido que Campoy e Almeida (Idem.
Ibidem, p. 45) a descreve: “A aproximação ética constitui séries de informantes de modo
totalmente arbitrário, normalmente em intervalos de idade similares (décadas)”.
Segundo Radtke e Thun (1999, p. 41), o parâmetro diatópico pode ser subdividido em
topostático e topodinâmico. “O primeiro aborda, de maneira tradicional, os grupos de falantes
fixos à localidade, o segundo, os falantes móveis, cuja existência o pode ser ignorada pela
geografia lingüística, se esta não quer fechar os olhos à vida moderna”.
De acordo com a subdivisão para estudos diatópicos, pode-se considerar a comunidade
como um misto entre os dois parâmetros, tendo pessoas que tiveram e continuam tendo
experiências de sair, tentar a vida fora e retornar e pessoas que, pelo contrário, sempre
estiveram muito ligadas ao lugar, realizando viagens rápidas e freqüentes.
Conforme afirmam Radtke e Thun (1999, p. 41-42), “o fato de que é preciso
documentar não somente a coexistência de línguas e variedades, mas também a mútua
influência que exercem umas sobre as outras, provavelmente seria negado por aquele que
ainda sonha com dialetos puros.” Os autores afirmam ainda que não considerar o contato entre
línguas seria falsear a imagem lingüística do terririo em estudo, uma vez que a mobilidade
populacional multiplica as situações de contato.
6.3 DESCRIÇÃO DAS VARIÁVEIS E HIPÓTESES
No corpus em estudo, a variável dependente – a alternância des e a gente na função
de sujeito pode ocorrer explícita ou implícita (quando numa seqüência). Tal como na
literatura pesquisada acerca do tema, considera-se cada elipse, como repetição do pronome
78
anterior numa seqüência discursiva. Deste modo, são registradas 7 possibilidades de
ocorrência:
1) O falante usa o pronome sujeito a gente explícito ou
2) implícito com o verbo flexionado na 3ª pessoa do singular:
(18) A gente nem acreditô que era verdade. Depois que... que Ø veio acreditá.
(INF 10, MULHER, 33 ANOS)
3) Sujeito nós explícito ou
4) implícito com o verbo na 3ª pessoa do singular:
(19) Purque às vez is vai purque Ø gosta do isporte. (INF 05, HOMEM, 51 ANOS)
5) Sujeito nós implícito com verbo na 1ª pessoa do plural, utilizando formas não
canônicas:
(20) Andamo muito aí na parage desse reconcavo. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(21) E, o que plantô aqui... se a gente plantá... nunca mais plantemo aqui foi fumo.
(INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
6) Sujeito nós explícito com o verbo na pessoa do plural (forma não canônica
com desinência mo, como em paremo, falemo, etc. ao invés de mos como em
paramos, falamos):
(22) O quiabo is paremo há muito tempo também. (INF 02, HOMEM, 57 ANOS)
7) Sujeito nós explícito com o verbo na pessoa do plural (forma padrão), uma
única ocorrência na amostra:
(23) E eu acho um cas... eu acho que nós somos feliz... pur causo disso. (INF 08,
MULHER, 45 ANOS)
Quanto à forma a gente + verbo no plural, foi encontrada na amostra somente uma
ocorrência, sem desinência de número, na fala da mesma informante que utilizou nós com
verbo no plural:
(24) Ah, é. A gente aqui somo muito unido. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
Nao foram observadas outros exemplos do tipo 19 e 20 na amostra ou no contato com
os moradores, o que mostra que este tipo de concordância possivelmente tem índices mínimos
de uso. Essas formas foram analisadas, uma vez que são formas variantes de pronomes de
primeira pessoa do plural.
Foram retiradas da amostra três ocorrências abaixo (em caixa alta) em que era nítida a
dúvida quanto ao pronome sujeito (se nós ou a gente) elíptico. A dúvida decorre do uso
alternado de frases com nós e a gente para o mesmo referente pela informante 08, que utilizou
a construção a gente + verbo no plural.
79
(25) São João a gente fais muito licô, Ø fais muito bolo, muita laranja, milho, amendoim,
Ø faiz uma fuguerinha frente da porta e Ø vai... tomano li pur aí. Ø VAMO de
casa in casa tomano li. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
(26) A gente vai lá po perto de... lá pra Saubara. PESCAMO... PESCAMO... Aqui nesse
rio qui tem aqui imbaxo... a gente pesca. A gente anda tudo aí. A gente pesca no
lado de cá de Santiágua. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
Também foram retiradas da amostra as frases com estrutura de tópico, construções
com suspensao do pensamento ou correção, como as seguintes:
(27) De lá a gente... O pessoal inda tão... inda joga. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(28) Diss qui quanto mais a gente... ur mai velho pegava largata de den de casa, mais saía
largata. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(29) A gente... O povo ia andano assim, (INF 04, MULHER, 76 ANOS)
(30) Era a gente... Do colégio... eu já ia direto... (INF 07, HOMEM, 41 ANOS)
(31) A gente... eu trabaiava lá. (INF 07, HOMEM, 41 ANOS)
Além destes casos, ainda foram retiradas da amostra duas ocorrências de Ø nós na
forma padrão (na verdade, a repetição da mesma frase), por se tratar da reprodução da fala do
professor. Nos exemplos, a informante lembra a frase que o professor passava para que os
alunos escrevessem no caderno como forma de castigo. Deste modo, não é uma construção
encontrada na fala de Caimbongo, e sim linguagem formal, típica da escola.
(32) Passava castigo no caderno e botava a gente lá no colégio de castigo virada pa parede
e botava todo dia assunto no caderno pa a gente fazê: “Ø Devemos respeitar os
colega”. ... botava três, quato página de caderno p’ a gente, pa Ø fazê tudinho
ali! (INF 10, MULHER, 33 ANOS)
(33) E:: botava no caderno também p’a gente fazê: “Ø Devemos respeitar os colegas”. A
gente botava. (ruído) (inint) (INF 10, MULHER, 33 ANOS)
Considera-se que esse fenômeno lingüístico em estudo é controlado por variáveis
independentes, portanto uma variação passível de ser sistematizada. Logo, para a
sistematização e descrão da variação de nós e a gente foram controlados cinco grupos de
fatores lingüísticos e cinco grupos de fatores extralingüísticos (ou sociais), resumidos no
quadro a seguir:
Quadro 6 – Grupos de fatores controlados
GRUPOS DE FATORES
Lingüísticos Extralingüísticos
1. Explicitação do sujeito 1. Gênero/sexo
2. Paralelismo ou forma antecedente
2. Faixa etária
3. Mudança de referente 3. Escolaridade
4. Inclusão do eu 4. Saídas da comunidade
5. (In)determinação do sujeito 5. Exposição à mídia
80
Os grupos de fatores delimitados para a verificação da escolha de s ou a gente
foram, na maioria, observados por estudos realizados em outras comunidades de fala. Para a
exemplificação dos grupos a seguir, são retomados exemplos do referencial teórico (seção
4.2).
6.3.1 Explicitação do sujeito
O português do Brasil vem perdendo a característica de língua de sujeito nulo,
requerendo, cada vez mais, a presença do pronome junto ao verbo. A mudança caracteriza a
perda de capacidade de a morfologia verbal marcar semanticamente o sujeito do verbo,
fazendo com que seja necessário explicitar o sujeito com a presença do pronome. (MENON,
LAMBACH e LANDARIN, 2003).
Acontecimento já referido por Lucchesi (2004a) é tratado também por Mattos e Silva
(2007). A autora explica que com a expansão de você e de a gente como pronomes pessoais e
com a redução do uso do tu e do vós, a 3ª pessoa verbal tende a ser reduzida. Assim, no Brasil
convivem, paralelamente, um paradigma verbal de quatro posições (eu falo ele, você, a
gente fala nós falamos eles, vocês falam), um de três posições (eu falo ele, você, a gente
fala eles falam) e outro de duas (eu falo ele, você, a gente, eles, vocês fala), dos menos
escolarizados e dos não-escolarizados, sobretudo de áreas rurais, que o aplicam a regra de
concordância verbo-nominal.
Portanto, com este conjunto de fatores busca-se verificar a tendência quanto ao sujeito
nulo ou preenchido no português falado pela comunidade.
Questão: O português falado em Caimbongo apresenta maior tendência ao sujeito
nulo ou preenchido?
Hipótese: Devido à característica de redução na flexão verbal comum no português
rural, acredita-se que haja maior tendência ao sujeito preenchido.
Fatores:
Sujeito expcito;
(34) A gente trata carramanchão. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
Sujeito implícito.
(35) Ø Andamo muito aí na parage desse reconcavo. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
81
6.3.2 Paralelismo ou forma antecedente
A variável forma antecedente ou paralelismo consiste na repetição, pelo falante, de
uma mesma forma numa seqüência discursiva e tem-se mostrado importante no entendimento
da variação nós/a gente (Omena, 1998; Lopes, 1993, 1996). Estes estudos mostram que existe
uma tendência de o falante repetir a primeira forma selecionada em uma seqüência,
diminuindo quando há mudança de referência (LOPES, 1996; OMENA, 1998).
Conforme Lopes (1996, p. 119), “Isso nos sugere que o falante, a fim de identificar
para o ouvinte o referente, necessita explicitá-lo formalmente, quando faz sua primeira alusão
a ele, iniciando um tópico”.
Questão: Qual a forma pronominal mais utilizada no paralelismo?
Hipótese: O falante tende a utilizar nós ou a gente numa seqüência, repetindo a
primeira forma empregada.
Fatores:
Primeira referência numa seqüência;
Forma isolada;
Forma antecedente a gente;
Forma antecedente nós;
Forma antecedente zero com desinência verbal de pessoa do singular fazia,
sair);
Forma antecedente zero com desinência verbal de pessoa do plural (ou quarta
pessoa) com referente igual (Ø andamo);
Os fatores são baseados em Omena (1998) e Lopes (1993).
6.3.3 Mudança de referente
Deve-se entender referente como o(s) representante(s) de nós ou a gente em uma
situação específica. Conforme Lopes (1993) e Omena (1998), a mudança de refencia é um
fator relevante para a presença ou ausência do sujeito. Quando mudança de referente, é
maior a probabilidade de o falante explicitar o sujeito (nós ou a gente) como uma forma de
evitar a ambigüidade. Altos índices de sujeito explícito são encontrados quando se trata da
primeira referência de uma série. Seria uma forma de o falante identificar o referente para o
ouvinte.
82
Questão: A mudança de referência motiva a explicitação do pronome sujeito?
Hipótese: Quando o falante precisa mudar a referência, maior tendência de
explicitação do pronome sujeito.
Fatores:
Referência igual ao mencionado anteriormente;
Referência diferente em relação ao imediatamente anterior.
A primeira ocorrência de cada inquérito é sempre descartada.
6.3.4 Inclusão do eu
Por uma questão de praticidade, tamanho do grupo e inclusão do eu (assim analisados
por diferentes autores) são analisados como um grupo único, visto que o objetivo é o mesmo:
saber se diferença na escolha do pronome sujeito quando a referência é restrita (uma ou
duas pessoas) ou mais ampla (um grupo grande).
Conforme Omena (1998), na fala de pessoas pouco escolarizadas, quando o falante
refere-se a grupo grande e indeterminado, favorecimento ao uso de a gente, mas, se o
grupo é grande e determinado, a escolha é maior por nós, o que indicaria a importância da
indeterminação para tal escolha. Quando se trata de grupos pequenos e intermediários,
determinados e indeterminados amalgamados, ocorreu um processo de neutralização, uma
possível evidência de que a forma a gente estaria perdendo a marca de indeterminação.
Lopes (1993, 1996) encontrou o mesmo resultado, analisando dados do português
culto. De acordo com o estudo, o falante utiliza preferencialmente o pronome nós para se
referir a ele mesmo e mais um interlocutor (eu+você) (.91), ou a (eu+ele) (.87): referente
[+perceptível] e [+determinado]. Por outro lado, no momento em que o falante amplia a
referência, indeterminando-a, há maior favorecimento para o uso do pronome a gente (.65).
Questão: O tamanho do grupo e a indeterminação favorecem o uso de a gente no
português rural afro-brasileiro, como ocorre na fala de outras comunidades?
Hipótese: Quando o falante refere-se às pessoas da comunidade (grupo grande e
indeterminado), tende a usar mais a gente. No entanto, o uso da forma vem crescendo e
perdendo a característica da indeterminação, sendo a forma mais usada também para se referir
a grupos pequenos, inclusive para se referir a eu + uma pessoa.
Fatores:
Eu; Eu ou uma pessoa qualquer;
83
(36) Manda a gente fazê. A gente cumeça fazê, elas fica fazeno, fica dirmanchano. (INF
06, MULHER, 48 ANOS)
(37) DOC 01: Amanhã a senhora joga outro tempero?
INF 03: Boto outo tempero no fejão.
[...]
INF 03: E no outo dia, se quiser botá pa cunzinhá, a gente richea o tempero e Ø
joga dento do fejão. (INF 03, MULHER, 63 ANOS)
No primeiro exemplo, a informante relata que quando ensina as filhas a fazerem trança
com palha de licuri (ou nicuri
40
, na linguagem local) para fazer esteiras, elas não se
interessam. Ao invés de tecerem, acabam desfazendo o trançado já feito. Nessa frase, foi
usado o pronome a gente no lugar de eu. Pelo contexto da entrevista, fica claro que a
informante fala de si mesma.
No segundo exemplo, o emprego do pronome a gente pode ser entendido como eu ou
uma pessoa qualquer que esteja fazendo x. A informante explica que costuma fazer um
tempero na véspera e outro no dia que vai cozinhar (feijão, carnes, etc.).
Embora os sentidos de eu no lugar de a gente e eu ou qualquer pessoa sejam distintos,
foram amalgamados em um por causa do objetivo que é verificar o tamanho do grupo.
Duas ou três pessoas (eu + uma pessoa ou eu + duas pessoas);
(38) Vive tudo junto. Agora, se um... Veve tudo junto, mas, se uma comparação, o seu
sangue num se uni(r) com O MEU e com O DE M., aí, se a gente passá conversano
assim na porta e você vê a fala da gente, aí coma a senti(r). Começa a duê, começa a
ININT, começa a duê. (INF 06, MULHER, 48 ANOS)
(39) Então... EU mais ELE, a gente não anda brigano. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
(40) Era três mulé. Era EU, MINHA MININA e A MULÉ DELE. Desse rapaz que eu tô
falano. Todo sábado a gente fazia a festa. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
No primeiro exemplo, a informante um exemplo para a documentadora do que
significa para as pessoas de Caimbongo, “o sangue não se unire a conseqüência para alguém
que foi atacado por uma cobra venenosa, ao ouvir a voz dessa pessoa com quem “o sangue
o se une”. O pronome a gente tem a referência determinada no contexto: Em caixa alta no
exemplo, o meu e o de M. (O nome foi abreviado para o expor os informantes). Trata-se,
portanto, de duas pessoas. O segundo exemplo é ainda mais claro: Eu mais ele, ou seja, eu e
ele = a gente.
O terceiro exemplo, a gente refere-se a três pessoas: eu, minha minina e a mulé dele,
em caixa alta.
40
Conforme o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004), aricuri, [Do tupi.] Substantivo masculino.
1. Bras. Bot. Planta da família das palmáceas (Cocos coronata), de drupas comestíveis, cuja medula fornece
fécula e cuja semente fornece óleo alimentar. [Var.: alicuri, aricuí, iricuri, uricuri, ouricuri, licuri, nicuri;
sin.: urucuriiba, coco-cabeçudo, coqueiro-cabeçudo, butiá, butiazeiro, licurizeiro.].
84
Grupo intermediário (eu + algumas pessoas da comunidade, subgrupo restrito à
determinada atividade, ação; uma família, etc.);
(41) E, no tempo de criança era... a gente jogá aí por esse mei de mundo (INF 01,
HOMEM, 83 ANOS)
No exemplo dado, o informante fala da infância, das brincadeiras. Assim, a gente
refere-se às crianças do seu grupo, da sua época.
Grupo grande (eu + as pessoas da comunidade; pessoas da região de modo geral;
todo mundo).
(42) A gente aqui trata ela Maia de Sapo. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
Neste exemplo, a informante cita uma das cobras peçonhentas da região, a Malha de
sapo e sabe que em outras localidades o animal pode receber outros nomes. O pronome a
gente faz referência às pessoas da comunidade, com a expressão a gente aqui, podendo
abarcar, possivelmente, uma região maior que a fazenda. Portanto, trata-se de um grupo
grande.
Os fatores são baseados nos trabalhos citados, com a diferença que consideram grupo
pequeno de até 4 pessoas e médio com mais de 4 pessoas. Neste trabalho, verifica-se a
tendência de uso das formas quando o falante se refere apenas a ele e mais uma pessoa (duas
pessoas). Os casos de indeterminação completa não foram codificados, pois não se pode
concluir se o referente é eu, eu e algumas pessoas da comunidade ou eu e algumas pessoas da
família.
6.3.5 (In)determinação do sujeito
As formas nós e a gente também são utilizadas para indeterminar a referência. Logo,
este trabalho testa este grupo de fatores seguindo a divisão encontrada em Cunha (2004, p.
128), com o acréscimo da variável referência determinada. De acordo com a autora, três
tipos de indeterminação:
1) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência explícito no
contexto Neste tipo de indeterminação, uma relação de caráter anafórico
entre o pronome e o referente, mas, como este não é literalmente inserido no
contexto, é recuperado por meio de inferência. O pronome se relaciona com um
determinado item lexical no texto, o qual permite sua interpretação. Abaixo, o
85
primeiro exemplo é de Cunha (2004, p. 126) e os outros dois são do corpus em
estudo:
(43) Também nós DA EMPRESA, temos dificuldade de verificar se uma empresa já
deixou de ser pequena e passou a ser média. (EF, 341)
(44) DOC 01: Certo. E... alimentação... AQUI tem o quê? Muita carne seca...?
INF 01: É. Carne seca, carne verde no dia de sábado.
DOC 01: Sábado?
INF 01: É. É um peixe quando a gente vai assim... dia de sábado que Ø incronta.
Que a feira daqui, a gente só faz dia de sábado. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(45) Nós TUDO AQUI faz. [...] Tem uma turma que mora do ôto lado do... da bica, do
sem-terra, que tem também. (INF 09, HOMEM, 30 ANOS)
No primeiro exemplo, a expressão da empresa delimita o grupo de pessoas, dando
idéia do contexto. No seguinte, o advérbio de lugar aqui, na fala do documentador, funciona
como elemento que esclarece o referente. Portanto, quando o informante responde “a feira
daqui, a gente...”, mostra ter entendido que a questão é exatamente sobre os moradores. No
terceiro exemplo, o termo tudo aqui, em caixa alta, significa todos da comunidade.
Outras expressões que explicitam o referente na amostra são: vocês, as menina, o
pessoal, os pessoal, a sociedade, o povo, uma turma, o povo aqui, a turma, a galera, as
crianças daquele tempo, as mulheres, etc.
2) Indeterminação parcial do pronome com um elo de referência implícito no
contexto O pronome se relaciona com elementos contextuais imersos no
discurso. Depreende-se o referente a partir do contexto, sem que haja um item
lexical que guie a interpretação. O item lexical não está dito no texto, mas pode ser
depreendido do contexto, através do recurso da inferência. No corpus estudado, o
referente pode ser deduzido do contexto, da fala do informante ou do
documentador, como no exemplo:
(46) Nóis dava o quiabo a eles e eles pagava depois. (INF 02, HOMEM, 57 ANOS)
O falante o esclarece de quem está falando quando utiliza o pronome nós nesta
frase. Acompanhando a fala, fica implícito que se trata das pessoas da comunidade, mais
especificamente, das pessoas que plantavam quiabo, pois eram estas que entregavam o quiabo
aos compradores.
3) Indeterminação completa do pronome Conforme Cunha (2004), é quando o
pronome não se relaciona com qualquer elemento implícito ou explícito no
contexto, com o qual possa estabelecer relão anafórica; quando o pronome o
se reporta diretamente aos participantes da situação comunicativa (ixis), embora
seja possível interpretá-lo. Exemplo:
86
(47) Brasileiro tem emprego em Nova Iorque, fácil. Vai trabalhar numa loja dessas, que
deve valer muito. Então a gente aqueles brasileiros, tudo falando português e tal.
(CUNHA, 2004, p. 128)
Considero indeterminação completa a impossibilidade de depreender o sujeito da ação,
como no exemplo que segue:
(48) INF 01: Era uma casinha que era lá imbaxo. Depois que risuvi... fiz essa daqui.
DOC 01: Ainda tem a casinha lá embaixo?
INF 01: Não. A gente dirmanchô, Ø derrubô. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
O contexto não permite concluir se quem desmanchou a casa foi o informante sozinho,
ou se ele com a ajuda da família, de alguém ou de um grupo. Portanto, consideram-se
situações similares como indeterminação completa. De acordo com Cunha (2004, p. 129),
quanto mais a interpretação do pronome depende de elementos contextuais (o texto, a
situação comunicativa, o tipo de contexto estabelecido entre os participantes da conversa),
mais próximo ele está de ser indeterminado”.
4) Forma com referência determinada Quando não indeterminação, mas, ao
contrário, o(s) referentes da forma nós ou a gente está(ao) explicitados no discurso,
geralmente através da citação do nome dos envolvidos. Exemplos:
(49) DOC 01: E sua esposa, cadê ela?
INF 02: Num tenho o.
DOC 01: Não tem não?
INF 02: Eu não. Dexei.
DOC 01: Separaram?
INF 02: Foi. Nóis separemo. Tô cum... seis. Tem mais de seis ano.
(INF 02, HOMEM, 57 ANOS)
(50) Ota vez eu fui mais ele, mais meu irmão. Evaiis adiante, caçano...
(INF 05, HOMEM, 51 ANOS)
No primeiro exemplo acima, os referentes de nós estão expcitos no texto na fala do
documentador sua esposa e do informante não tenho não, deixei e nóis separemo. No
segundo, os referentes são eu e meu irmão. Nestes casos, não indeterminação.
Questão: Estaria a forma a gente sendo mais utilizada nos contextos mais
indeterminados? Qual o grau de indeterminação mais utilizado na comunidade e qual/quais
destes favorece/favorecem o emprego da forma a gente?
Hipótese: Por conta da característica indeterminada de a gente, espera-se que o seu
uso seja mais freqüente nos contextos mais indeterminados, enquanto o nós seja mais usado
com o sujeito determinado.
Fatores:
Indeterminação completa;
Indeterminação parcial com referência implícita no contexto;
87
Indeterminação parcial com referência explícita no contexto;
Forma com refencia determinada.
6.3.6 Gênero/sexo
Fisher (1958)
41
apud Paiva (2003) fez a primeira correlação entre variação lingüística
e o fator gênero/sexo. Avaliando a variação velar vs dental na pronúncia do sufixo inglês –ing
formador de gerúndio, o autor teria descoberto que a pronúncia velar mais prestigiada era
mais freqüente entre mulheres.
Conforme Paiva (2003), muitos estudos já identificaram que homens e mulheres falam
de forma diferente, diferença que não se traduz somente em diferenças fisiológicas como
altura e timbre de voz, mas no comportamento de cada indivíduo. As diferenças nos modos de
falar de homens e mulheres determinam a variação e a mudança lingüística.
Segundo Laberge (1977)
42
apud Paiva (2003, p. 35), na variação dos pronomes on
(equivalente a a gente) e nous (nós) no francês falado em Montreal, Canadá, a segunda forma,
considerada padrão, é mais freqüente entre as mulheres do que entre os homens. No Brasil
o é diferente. Scherre (1998, p. 254), analisando a atuação do gênero/sexo e escolarização
no uso da concordância nominal, mostra que as mulheres são mais sensíveis à atuação da
escola do que os homens, “no sentido de favorecer o uso da forma socialmente prestigiada”.
Conforme estudo de Omena (1998), as mulheres tendem a usar mais nós na faixa etária em
que homens e mulheres trabalham (26-49 anos). Neste caso, as mulheres estão dando
preferência à forma conservadora, que está mais ligada à linguagem formal, pois, “embora o
pronome a gente não seja estigmatizado, constitui um elemento geralmente associado ao
discurso distenso validado, em geral, na modalidade oral” (MACHADO, 1995, p. 23).
Lopes (1996) cruzou as variáveis sexo e faixa etária para verificar se o femeno da
substituição de nós por a gente seria um processo de variação estável ou de mudança. A
preferência das mulheres pela forma o-padrão parecia ser um indício de mudança, mas foi
descartada após o resultado da inter-relação das duas variáveis (sexo e idade), indicando
variação estável com mulheres jovens e velhas apresentando índices mais altos que as falantes
da faixa média.
41
FISCHER, J. L. Social influences on the choice of a linguistic variant. Word, 1958. 14: 47-56.
42
LABERGE, S. Étude de la variation des pronoms définis et indéfinis dans le francais parlé à Montréal.
Université de Montréal, Tese de Doutorado, 1977, ms.
88
A amostra contempla informantes de ambos os sexos, pois parte-se da hipótese que
homens e mulheres falam de forma diferenciada. (SCHERRE, 1998; OMENA, 1998; PAIVA,
2003).
Questão: Qual a probabilidade de uso de a gente pelas mulheres da comunidade e
como essa variável se relaciona com a faixa etária?
Hipótese: As mulheres jovens podem estar utilizando mais a gente por preferirem
formas inovadoras e pela influência de outros fatores como contato com pessoas de outras
comunidades e influência da dia e também porque a forma não é estigmatizada.
Fatores:
Homem;
Mulher.
6.3.7 Faixa etária
Segundo Moreno Fernandez (1998, p. 40), a idade dos falantes seria um dos fatores
sociais que, com maior clareza, podem determinar os usos lingüísticos de uma comunidade de
fala. Segundo o autor, a idade condiciona a variação lingüística com mais intensidade que
outros fatores também importantes como o sexo e a classe social. A idade, conforme o tempo
transcorre, vai determinando e modificando as características e os hábitos sociais dos
indivíduos. Também pode ocorrer que a idade, somada a outros fatores sociais, como o nível
de instrução, traga explicações importantes sobre a língua. Ainda de acordo com este autor,
tanto as diferenças que se explicam através da idade como a relação estabelecida pela idade
com outros fatores oferece diversas implicações de acordo com o tipo e a cultura de cada
comunidade.
Para Paiva (2003, p. 41), transformações na organização social podem neutralizar o
efeito da variável gênero/sexo nas faixas mais jovens da população. Desse modo, a
aproximação do comportamento lingüístico de falantes mais jovens pode ser um reflexo de
que, nessa faixa etária, reconfigura-se a atuação do homem e da mulher na sociedade, com
diluição das fronteiras entre papéis masculinos e femininos.
A idade é uma variável social imprescindível para a análise de qualquer fenômeno que
se queira analisar utilizando a metodologia sociolinística variacionista. Tanto no estudo em
tempo aparente como em tempo real, a idade responde quanto ao estágio de variação ou
mudança em progresso.
89
Questão: Por que os jovens da comunidade estão utilizando mais a forma inovadora?
Hipótese: Os informantes jovens utilizam mais a gente pelo fato de viajarem mais e
estarem mais predispostos à utilização de formas inovadoras.
Fatores:
Faixa I – de 20 a 35 anos;
Faixa II – de 40 a 55 anos;
Faixa III – mais de 55 anos.
6.3.8 Escolaridade
Lopes (2002) afirma que, conforme aumenta o tempo de “exposição à pressão
escolar”, aumenta a probabilidade de o falante fazer a concordância no sintagma nominal. O
entendimento com relação à pressão escolar é o de que o femeno ocorre o de forma
natural, fazendo parte do vernáculo dos informantes, mas refletiria a pressão social sofrida por
conta da cobrança feita pela escola. Os dados esclarecem a afirmação quando se observa o
crescimento dos números relativos à realização da concordância nominal: fundamental, com 1
a 5 anos de escolarização (peso relativo .18); nível dio, com 11 anos de escolarização, (.46)
e superior, com um nimo de 15 anos de exposição (.82).
Segundo Oliveira e Silva e Paiva (1998) e Scherre (1998), com relação ao fator
gênero/sexo e escolarização, a mulher se revela mais receptiva à atuação normativa da escola
e mais predisposta à incorporação de modelos lingüísticos.
Por outro lado, a escolaridade atua como motivadora de formas tradicionais, uma vez
que a escola é conservadora. Deste modo, falantes mais escolarizados tendem a utilizar mais
as formas padrão (OLIVEIRA E SILVA, 1998b; OLIVEIRA E SILVA e PAIVA, 1998;
SCHERRE, 1998, dentre outros). Com relação ao femeno estudado, no entanto, não
distinção entre forma prestigiada e não prestigiada, mas conservadora e inovadora.
Tendo uma amostra formada por 6 (seis) informantes escolarizados e 6 (seis) não
escolarizados e a F2 com 2 (dois) escolarizados e 2 (dois) o escolarizados, considera-se o
grupo de fatores por haver a possibilidade de comparação.
Questão: Existe alguma influência do fator escolaridade na variação de nós e a gente
na comunidade?
Hipótese: Em Caimbongo, é muito improvável que a escolaridade exerça influência
com relação ao uso da forma nós na fala. Primeiro, a escola combate as formas estigmatizadas
90
e este não é o caso da forma a gente. Assim, embora a escola ensine nós, não condena o uso
de a gente. Segundo, na comunidade o ensino formal termina na 4ª série do ensino
fundamental. Como são poucos anos de escolarização, é possível que a “motivação” por parte
da escola para o uso de formas tradicionais o exerça grande influência na fala. Portanto,
acredita-se que, em Caimbongo, os informantes escolarizados utilizam mais o a gente.
Fatores:
Escolarizado;
Não escolarizado.
6.3.9 Saídas da comunidade
As viagens para fora da comunidade representam um fator modificador das nguas.
Nas comunidades rurais isoladas como aquelas estudadas pelo Projeto Vertentes do Português
Rural do Estado da Bahia (LUCCHESI, 2006), a ngua recebe influências externas através
dos falantes jovens que normalmente se movimentam mais e por isso estão mais expostos ao
contato externo, o que faz com que seu português seja mais próximo da norma culta do que o
dos mais velhos que se movimentam menos.
Conforme Andrade (2003), que pesquisou a variação na concordância nominal no
português falado em Helvécia BA, os falantes que estiveram fora da comunidade por um
período de pelo menos seis meses fazem mais concordância (.61) dos que os que não viajaram
(.42). Para a autora, os falantes que saíram tiveram a experiência de um contato mais
acentuado com variedades lingüísticas não marcadas pelo processo de transmissão lingüística
irregular.
Araújo (2005) constata que o uso da expressão de posse da gente é maior nos grupos
que estiveram fora das comunidades afro-brasileiras baianas por no nimo seis meses (.75),
por conta da assimilação de padrões externos. Os que não estiveram fora da comunidade, ao
contrário, têm preservado a forma padrão nosso (a) (s) (.31 da gente = .69 nosso). A autora
acredita que a presença de da gente nos dialetos afro-brasileiros seja reflexo do processo de
generalização de a gente na função de sujeito, favorecido devido a sócio-história dessas
comunidades ser marcada pelo contato entre nguas. Dessa forma, o favorecimento de a gente
e da gente (adjunto adnominal) teria ocorrido para recuperar o processo de perda da
morfologia flexional.
91
São consideradas saídas da comunidade viagens para fora da comunidade por 6
meses ou mais ou saídas freqüentes por menos tempo. Por exemplo, sair todo final de semana
para fazer compras no distrito; ter um filho que precise de cuidados médicos e tenha que se
deslocar, pelo menos, uma vez por mês para a cidade; alguém que sempre vai às festas da
região; quem muitas vezes viaja e fica dias na casa de parentes ou amigos, nas cidades.
Embora nos estudos que têm investigado a atuação das saídas se considere somente
aquelas em que os falantes moraram fora por um período determinado, considero que, nos
dias atuais, as saídas freqüentes também trazem interferências. O ideal seria analisar
separadamente os dois tipos de saída para medir o grau de interferência de cada um. mas,
como o corpus e a própria comunidade são pequenos, isso o foi possível.
Assim, o observadas duas variáveis (ausência ou não da comunidade), a fim de
verificar se existe relação com a maior utilização e conseqüente introdução da variante
inovadora na comunidade através do grupo com maior mobilidade.
Questão: É possível verificar diferenças entre a fala das pessoas que mais viajam para
fora da comunidade e as que se mantiveram no lugar?
Hipótese: Informantes com contato mais prolongado com habitantes de outras
comunidades apresentam comportamento lingüístico diferente daqueles que se mantiveram no
lugar, tendo experiências de viagens mais rápidas e esporádicas. Como a forma a gente é mais
nova, acredita-se que os moradores com menor fluxo de comunicação com pessoas de fora da
comunidade utilizem mais nós e, ao contrário, o uso de a gente seja maior na linguagem dos
que estiveram fora da comunidade por um período de seis meses ou mais ou que viajam
freqüentemente.
Fatores:
Sim. Esteve fora da comunidade por mais de seis meses ou sai com freqüência;
Não.
6.3.10 Exposição à mídia
Segundo Borba (2003, p. 51), os novos meios de comunicação (rádio, TV) estariam
contribuindo para a massificação das formas comunicativas.
Oliveira e Silva e Paiva (1998) afirmam que a variável mídia (televisão) possui efeito
mais notável entre as mulheres e, quanto maior a exposição, maior a ocorrência de variantes
prestigiadas. O estudo afirma que não se trata apenas de uma diferença quantitativa pelo
92
fato de as mulheres passarem mais tempo diante da televisão uma vez que os homens
tendem a manifestar maior reserva com relação à mídia televisiva.
Em Caimbongo, o rádio está presente na vida das pessoas muito tempo e a TV é
algo recente. Pretende-se verificar se existe uma correlação entre maior uso de a gente (forma
inovadora) pelas pessoas da comunidade mais expostas à dia TV. A comparação será
feita com os resultados das novelas atuais (2006/2007), encontrados por Carneiro (2007).
Tomam-se como parâmetro apenas as novelas atuais, pois são estas que freqüentemente ditam
a moda, são as personagens que mais influenciam o público. Como a terceira é uma novela de
época, o público sabe que não se trata de posturas atuais, seja na vestimenta, nos cortes de
cabelo ou moda em geral e não toma como referência. Da mesma forma, fica evidente que a
linguagem representa outra realidade.
Questão: Seria possível verificar a influência da mídia sobre os falantes mais expostos
a ela?
Hipótese: Os falantes que assistem às novelas assiduamente, mesmo antes da
instalação da energia elétrica e da ampliação do acesso a aparelhos de TV, estão mais
propensos a utilizarem a variante mais utilizada nesse tipo de programa, considerando que as
novelas exercem fascínio sobre o telespectador além de inspirarem a moda e o consumo.
Fatores:
Mais exposto (Considera mais expostos à dia, falantes que já assistiam novelas
diariamente, desde antes da instalação da energia elétrica, quando havia um único
aparelho funcionando a bateria);
Menos exposto (Falantes que assistiam e assistem TV esporadicamente).
Alguns fatores que se mostraram relevantes para o entendimento da variação entre nós
e a gente nos estudos citados não serão verificados nesta pesquisa, considerando as
características da amostra. Por exemplo, tempo/modo verbal e saliência fônica, fatores
importantes no entendimento do português popular (urbano) e culto, não serão testados neste
trabalho, pois o português falado em Caimbongo não utiliza todos os tempos e modos verbais
e nem apresenta todas as flexões de número, características comuns no português rural, como
foi mencionado. Portanto, ao menos nesses dois aspectos, as regras utilizadas pelo falante
para a escolha desses pronomes são diferentes, a depender da variedade do português.
93
7 ANÁLISE DOS DADOS
Foram submetidas ao VARBRUL 778 dados da variável dependente, sendo 665 (85%)
de a gente e 113 (15%) de nós. Deste total, 301 dados são dos homens e 477 das mulheres;
247 da F1, 330 da F2 e 201 da F3; 464 dados são dos escolarizados e 314 dos não
escolarizados; 543 dos que saíram da comunidade e 235 dos que não saíram; 459 dos menos
expostos à linguagem da TV e 319 dos mais expostos.
Assim, foram realizadas quatro análises com os pacotes de Programas VARBRUL:
1ª Com todos os dados;
2ª Sem explicitação do sujeito;
3ª Com a associação entre gênero e influência da mídia;
4ª Para verificar a atuação da escolarização somente na F2.
Lembrando que os dados de sujeito explícito considerados nesta análise são, salvo
alguns casos de nós, aqueles dispostos em uma seqüência, o grupo Explicitação do sujeito foi
retirado nas análises seguintes para não interferir nos dados, pois tinha o objetivo de apenas
identificar a tendência. Apenas o grupo não foi considerado para efeito de verificação da
variação. Os dados com sujeito implícito continuaram na análise.
Na segunda análise, o programa selecionou os mesmos grupos de fatores e na mesma
ordem da primeira análise, porém, sem explicitão do sujeito, que foi o último selecionado
na primeira. Dessa forma, foram selecionados os sete grupos abaixo (Input 1.00
Significância .012):
1º Paralelismo;
2º Escolaridade;
3º Exposição à mídia;
4º Faixa etária;
5º (In)determinação;
6º Gênero/sexo;
7º Sdas da comunidade.
Os resultados apresentados nas tabelas e nos gráficos são da segunda análise. Para o
repetir tabelas e por conta da pequena diferença nos pesos relativos, na terceira e na quarta
análises, são mostrados somente as tabelas e os gráficos que dizem respeito à junção gênero e
mídia e à escolarização na F2.
94
7.1 FATORES LINGÜÍSTICOS
O paralelismo mostrou-se significativo, sendo o primeiro selecionado nas duas
primeiras análises, o quinto na 3ª e o terceiro na 4ª análise.
No exemplo que segue, a informante usa a gente na primeira referência e repete esse
mesmo pronome numa série, tanto explícito quanto elíptico.
(51) DOC 03: Como é que faz um bolo de carimã?
INF 08: O bolo de carimã a gente o quê? A gente bota a mandhoca n’água, Ø
dicasca ela e Ø bota ela pá amulecê. Adepois de ela mole, aí a gente lava
aqui. A gente lava... den dum saco e:: depois a gente bate cum coco,
mantega e cravo, canela e Ø o bolo. Ø bota no forno pra assá.
assa e depois tá
bom de cumê. (INF 08, MULHER, 45 ANOS)
Tabela 6 – Atuação do paralelismo sobre o uso de a gente
Fatores Freqüência Peso
relativo
Forma antecedente a gente 225/233 = 97% .64
Forma antecedente zero com desinência verbal
de p. singular (a gente elíptico)
108/115 = 94% .61
Primeira referência numa seqüência 159/186 = 85% .48
Forma isolada 166/199 = 83% .41
Forma antecedente nós 5/36 = 14% .13
Forma antecedente zero com desinência verbal
de p. plural (nós elíptico)
2/9 = 22% .06
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,64
0,61
0,48
0,41
0,13
0,06
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
225/233 = 97% 108/115 = 94% 159/186 = 85% 166/199 = 83% 5/36 = 14% 2/9 = 22%
Forma
antecedente a
gente
Forma
antecedente
zero com
desinência
verbal de 3ª p.
singular (a
gente eptico)
Primeira
referência
numa
seqüência
Forma isolada Forma
antecedente
nós
Forma
antecedente
zero com
desinência
verbal de 1ª p.
plural (nós
elíptico)
Gráfico 1 – Atuação do paralelismo sobre o uso de a gente
95
Como se pode observar na tabela e no gráfico acima, o comportamento das variantes
no paralelismo discursivo continua o mesmo constatado por pesquisas anteriores (LOPES,
1993; MACHADO, 1995; OLIVEIRA, 2006), tanto na língua culta quanto na popular.
Quando o falante inicia uma seqüência com a gente, tende a repetir o mesmo pronome numa
série (.64 explícito e .61 elíptico). O mesmo ocorre com s, que apresenta baixos percentuais
da forma inovadora (.13 explícito e .06 elíptico, o que significa .87 e .94, respectivamente, de
opção pelo nós). Quando se trata da primeira referência numa seqüência, o falante tanto pode
usar nós quanto a gente (peso .48). Já a forma isolada no discurso, apresenta ligeira tendência
à escolha de nós (.41 a gente = .59 nós).
O grupo (in)determinação foi selecionado como quinto nas duas primeiras análises e
quarto na 3ª e 4ª análises.
Tabela 7 – Atuação da (in)determinação sobre o uso de a gente
Fatores Freqüência Peso
relativo
Indeterminação parcial com referência implícita no contexto 392/432 = 91% .63
Indeterminação parcial com referência explícita no contexto 166/190 = 87% .47
Indeterminação completa 29/35 = 83% .60
Forma com referência determinada 78/121 = 64% .14
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,63
0,47
0,60
0,14
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
392/432 = 91% 166/190 = 87% 29/35 = 83% 78/121 = 64%
Indeterminação parcial
com referência
implícita no contexto
Indeterminação parcial
com referência
explícita no contexto
Indeterminação
completa
Forma com referência
determinada
Gráfico 2 – Atuação da (in)determinação sobre o uso de a gente
Para facilitar a leitura, retomamos os exemplos de cada tipo de indeterminação. Para
maiores esclarecimentos, consultar, no capítulo de Metodologia, a seção 6.3.5.
96
Indeterminação parcial com referência explícita no contexto:
(52) Tem dia que é a merma coisa. Eu roça, maré mais as menina. E a maré
aqui é longe! A gente vai de manhã, Ø chega de tardinha. (INF 03, MULHER, 62
ANOS)
Indeterminação parcial com referência implícita no contexto:
(53) Nóis dava o quiabo a eles e eles pagava depois. (INF 02, HOMEM, 57 ANOS)
Indeterminação completa:
(54) A gente dirmanchô, Ø derrubô. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
Forma com refencia determinada:
(55) Ota vez eu fui mais ele, mais meu irmão. evai is adiante, caçano...
(INF 05, HOMEM, 51 ANOS)
Na Tabela 7 e no Gráfico 2, é possível observar os pesos relativos favoráveis à escolha
de a gente nos tipos mais indeterminados: indeterminação parcial com referência implícita
(.63) e indeterminação completa (.60). O resultado se explica pela característica
indeterminadora de a gente.
Nos contextos com referência determinada, a preferência do falante é pelo nós (.86) e
na indeterminação com referência explícita no contexto, o peso relativo para a gente se
aproxima do ponto neutro (.47), com uma pequena indicação de maior tendência à escolha de
nós (.53).
Segundo o estudo de Cunha (2004), a indeterminação com referência no contexto
favorece a escolha de s (.79) e quando o pronome expressa uma indeterminação parcial,
uma leve tendência ao uso de a gente (.59).
O grupo explicitação do sujeito, considerado somente na primeira análise, foi o oitavo
grupo selecionado.
Tabela 8 – Usos de a gente quanto à explicitão do sujeito
Fatores Freqüência Peso relativo
Sujeito expcito 465/543 = 86% .59
Sujeito implícito 200/235 = 85% .30
Total 655/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .039
97
0,59
0,30
0,00
0,10
0,20
0,30
0,40
0,50
0,60
0,70
465/543 = 86% 200/235 = 85%
Sujeito explícito Sujeito implícito
Gráfico 3 – Usos de a gente quanto à explicitação do sujeito
Dos 778 dados, 543 são de sujeito explícito (70%) e 235 de sujeito impcito ou nulo
(30%), o que confirma a tendência ao sujeito explícito ou preenchido na fala em Caimbongo.
Levando em conta que esse foi o último grupo selecionado na primeira análise, pode-se
considerar esse grupo como de relativa importância para explicar a escolha de a gente. Por
outro lado, o percentual de sujeito nulo encontrado em Caimbongo (30%) é equivalente ao
encontrado em outras comunidades negras baianas pesquisadas por Lucchesi (2004a):
Helvécia, Cinzento e Barra e Bananal (29%), o que leva a supor que o processo de formação
das variedades lingüísticas destas comunidades foi semelhante.
O peso relativo mostra, com relação ao sujeito explícito, um pequeno favorecimento
ao uso de a gente (.59), enquanto o sujeito implícito favorece nós (.30 a gente = .70 nós). Este
resultado pode ser entendido da seguinte maneira: quando o verbo está flexionado
(fazemos/fazemo, fizemos/fizemo), a elipse de nós não causa dúvida quanto ao sujeito, por
isso, o uso implícito indica favorecimento ao pronome nós. O pronome a gente, ao contrário,
precisa vir explícito já que a flexão verbal é a mesma de outras pessoas do discurso,
principalmente no português rural (Eu/tu/ele/a gente/eles vai).
No entanto, além de este grupo ser o último selecionado, os dados implícitos de nós e
a gente são considerados na seqüência. Por isso, embora o nós impcito em alguns contextos
seja entendido pela flexão do verbo (exemplo 42), na maior parte dos dados, estão em elipse,
concordando com verbo sem marca de flexão (exemplo 43). Considerando este fato e o estudo
ser feito com uma variedade do português rural, o grupo foi retirado das análises seguintes.
(56) Ø Andamo muito aí na parage desse recôncavo. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
(57) Nóis num mata hoje, mair Ø mata amanhã. (INF 05, HOMEM, 51 ANOS)
98
Menon, Lambach e Landarin (2003) constataram que na linguagem dos quadrinhos, as
ocorrências com o pronome s junto ao verbo 86% eram de não-preenchimento e 14% de
preenchimento. Como analisaram dados de 1950 a 1999 e da oralidade (em linguagem
urbana), certamente existiam muito mais marcas de flexão verbal na concordância com nós, o
que dispensa pronome explícito. É algo que não se pode comparar com a variedade do
português rural falado em Caimbongo. No nosso resultado, o peso relativo de .70 para nós
(embora deva-se dar um desconto por conta da análise em seqüência, sem flexão) quando o
pronome é impcito, deve ser devido a essa característica da forma tradicional: flexão verbal
dispensa pronome explícito.
Os grupos de fatores lingüísticos Inclusão do eu e Mudança de referente não foram
selecionados pelo programa em nenhuma das análises. Ainda assim, algumas observações
podem ser feitas.
Com relação ao grau de inclusão do eu, é possível formular algumas hipóteses, de
acordo com os resultados individuais (Tabela 9).
A gente indícios de ter substituído nós na fala da comunidade, quando usado no
lugar de eu (100%).
Quando a gente se refere a duas ou três pessoas, a freqüência é alta (73%) e se
aproxima dos usos para grupos intermedrios (84%) e grandes (89%). Esse
resultado parece indicar perda do traço indeterminador de a gente no português
rural de Caimbongo, característica observada por Omena (1998a) e Carneiro
(2007). Nas pesquisas citadas, o pronome nós era mais usado do que a gente, para
fazer referência a um grupo pequeno (OMENA, 1998a; LOPES, 1993).
Tabela 9 – Freqüências de a gente de acordo com a inclusão do eu
Fatores Freqüência
Eu; Eu ou uma pessoa qualquer 52/52 = 100%
Duas ou três pessoas 65/89 = 73%
Grupo intermediário 284/339 = 84%
Grupo grande 236/264 = 89%
Total 585/692 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
Quanto à Mudança de referência (Tabela 10), os percentuais são bem próximos,
evidenciando certa neutralidade. Contrário ao esperado, na amostra analisada, a mudança de
99
referente o implica tendência à explicitação do pronome. A continuação do estudo
certamente apontará as razões deste fato.
Tabela 10 – Freqüências de a gente quanto à mudança de referente
Fatores Freqüência
Referência igual 469/552 = 85%
Referência diferente 186/213 = 87%
Total 655/765 = 86%
Input 1.00 – Significância .012
7.2 FATORES SOCIAIS
Todos os grupos de fatores sociais testados foram considerados pertinentes para o
entendimento da variação em estudo. A escolaridade foi o segundo grupo selecionado nas
duas primeiras análises e o primeiro na 4ª. A terceira análise, que observa a escolaridade
somente na F2, será comentada separadamente.
Tabela 11 – Atuação da escolaridade sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Escolarizados 453/464 = 98% .63
Não escolarizados 212/314 = 68% .31
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,63
0,31
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
453/464 = 98% 212/314 = 68%
Escolarizados Não escolarizados
Gráfico 4 – Atuação da escolaridade sobre o uso de a gente
Os mais escolarizados usam mais a gente e os não escolarizados usam nós. O
resultado de todos os escolarizados (.63), comparado a todos os não escolarizados da amostra,
100
mostra que a variável escolarização interfere mais no uso de a gente pelos primeiros,
correspondendo ao dobro do favorecimento no uso pelos não escolarizados (.31). Este
resultado parece indicar que o grupo não escolarizado, em Caimbongo, é detentor de formas
mais antigas, tomando como exemplo o nós. o grupo escolarizado, nesse aspecto, aparenta
ser mais inovador com relação à linguagem.
Por outro lado, uma vez que a forma a gente não é estigmatizada, seu uso não é
repelido pela escola e, se até o final da série não tiverem estudado a norma padrão da
conjugação verbal, que exercita o pronome nós, terão ouvido a gente em situações diversas do
contexto escolar. O grupo alfabetizado pode ter lido a gente no livro didático e ouvido na fala
do professor e de pessoas de fora da comunidade, através do rádio e, mais recentemente, da
TV. É interessante observar que os escolarizados da comunidade são os mais jovens: metade
da faixa 2 e toda a faixa 1.
Como se pode verificar no Quadro 4 Divisão da amostra, o corpus é formado por 12
informantes, sendo que 6 são escolarizados e 6 não escolarizados. A F2 é a única com
escolarizados e não escolarizados (04 informantes), por isso foi feita esta análise. O programa
selecionou como pertinentes à varião os seguintes fatores:
1º Escolarização;
2º Gênero;
3º Paralelismo;
4º (In)determinação.
Nesta análise, além dos dois grupos não selecionados anteriormente, o grupo Saídas
da comunidade não foi selecionado, provavelmente por conta da diminuição no número de
dados e a Influência da mídia o foi considerada. Assim, para o estudo do efeito da
escolarização, foram analisados apenas os 330 dados da F2, detalhados na tabela e no gráfico
seguintes (Input .91 – Significância .005).
Tabela 12 – Atuação da escolarização sobre o uso de a gente – F2
Freqüência Peso relativo
Escolarizados 218/227 = 96% .72
Não escolarizados 41/113 = 36% .14
Total 249/330 = 75%
Input .91 – Significância .005
101
0,72
0,14
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
218/227 = 96% 41/113 = 36%
Escolarizados Não escolarizados
Gráfico 5 – Atuação da escolarização sobre o uso de a gente na F2
O resultado da variação de nós e a gente na F2 é o mesmo de todos os informantes da
amostra: escolarizados usam mais a gente (.72), enquanto não escolarizados usam mais s
(.14 a gente = .76 nós), o que reafirma o fato de a escola local não atuar no sentido de
estimular o uso de nós ou, senão, de ser eficaz nesse papel.
Omena (1998b) atesta, com dados de informantes do Rio de Janeiro com pouca
escolarização, que alunos do grau, ainda em contato com a escola utilizavam muito mais a
forma a gente, enquanto os do primário e ginásio
43
utilizavam mais nós. Apesar de a amostra
concentrar todos os informantes adultos no primário, de se iniciar o estudo sistemático da
conjugação verbal com nós na pessoa do plural no primário e embora no ginásio continue
esse estudo, o fato de a forma a gente ser percebida quase como gíriapelos adolescentes,
seria uma possível explicação. Já no português considerado culto (LOPES, 1993), os falantes
universitários da faixa intermediária (de 36 a 55 anos) estavam utilizando mais nós e
retardando a mudança, segundo a autora, possivelmente por conta de pressões sofridas no
mercado de trabalho.
Outro grupo que contribui para explicar as escolhas de s e a gente na comunidade é
o grau de exposição à dia. Este grupo foi o terceiro selecionado nas duas primeiras análises,
o primeiro (associado ao gênero), na 3ª, e o segundo na 4ª análise.
43
Usando a terminologia atual, primário equivale a 1ª a 4ª série do ensino fundamental, ginásio corresponde ao
período que vai da 6ª a 8ª série do ensino fundamental e 2º grau significa Ensino Médio.
102
Tabela 13 – Atuação da exposição à dia sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Mais expostos 318/319 = 100% .87
Menos expostos 347/459 = 76% .21
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,87
0,21
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
318/319 = 100% 347/459 = 76%
Mais expostos Menos expostos
Gráfico 6 – Atuação da exposição à mídia sobre o uso de a gente
O grau de exposição à mídia revela maior uso de a gente pelos mais expostos, o que
sugere que a mídia (TV) está contribuindo para o aumento do uso da forma inovadora.
Embora a freqüência de a gente seja alta nos dois grupos, os pesos relativos mostram que a
interferência da variável é quatro vezes maior no grupo mais exposto (.87), com freqüência de
100%. O grupo com menor exposição à mídia usa mais nós (.21 a gente = .79 nós).
Corroboram para essa observação o fato de a forma inovadora ter uso superior à forma
nós em novelas atuais (CARNEIRO, 2007) e o Rio de Janeiro, cidade onde está localizada a
TV Globo, já ser uma das capitais com mais a gente do que nós na fala culta desde a década
de 1990 (LOPES, 1993).
Conforme Omena (1998b), os falantes que mais vêem TV e/ou lêem jornais usam mais
nós (exposição alta .57; média .51 e baixa .44). Os dados são de falantes com pouca
escolaridade do Rio de Janeiro e o estudo foi publicado pela primeira vez em 1986. Observe-
se ainda que o peso relativo indica apenas um pequeno favorecimento à forma nós no grupo
com exposição alta (.57) e a neutralização com relação ao grupo com exposição média (.51).
Hoje, após duas décadas, analisando uma variedade do português rural de uma comunidade
afro-brasileira com índice mínimo de escolarização, não surpreende que essa comunidade
tenha adquirido a forma a gente pela influência de fatores como a mídia (TV).
103
Como afirma Lucchesi (2006), a interfencia dos meios de comunicação tem sido
percebida em comunidades rurais isoladas: os mais jovens, devido ao fato de freqüentarem
mais a escola, assistirem mais televisão e se movimentarem mais, apresentam linguagem mais
próxima do padrão culto (ou semi-culto) do que os mais velhos.
Realizou-se uma análise para verificar a interação entre gênero e exposição à mídia,
com o objetivo de responder a seguinte questão: Através da observação da variação de nós e a
gente, pode-se dizer que, em Caimbongo, homens e mulheres são influenciados pela
linguagem da televisão da mesma forma? O VARBRUL selecionou como significantes para a
variação os seguintes grupos (Input .97 – Signifincia .008):
1º Gênero associado à dia;
2º Faixa etária;
3º Sdas da comunidade;
4º (In)determinação do sujeito;
5º Paralelismo.
Tabela 14 – Atuação do gênero e da exposição à mídia sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Homens menos expostos à mídia 121/219 = 55% .14
Homens mais expostos à mídia 81/82 = 99% .62
Mulheres menos expostas à mídia 226/240 = 94% .81
Mulheres mais expostas à mídia 237/237 = 100% -
Total 428/541 = 79%
Input .97 – Significância .008
0,14
0,62
0,81
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
121/219 = 55% 81/82 = 99% 226/240 = 94%
Homens menos expostos à
mídia
Homens mais expostos à
mídia
Mulheres menos expostas à
mídia
Gráfico 7 – Atuação do gênero e da exposição à dia sobre o uso de a gente
104
Como se observa na Tabela 14 e no Gráfico 7, a influência da mídia é mais intensa nas
mulheres. As mais expostas usam a gente (237 casos = 100%) (Tabela 14) e mesmo as
mulheres menos expostas utilizam mais a forma inovadora (.81) do que os homens mais
expostos (.62). Já os homens menos expostos, usam mais nós (.14 a gente = .86 nós).
Este resultado corrobora as afirmações de Oliveira e Silva e Paiva (1998), que
observaram o efeito da dia (televisão) mais intenso sobre as mulheres do que sobre os
homens.
O grupo faixa etária foi selecionado em quarto lugar nas duas primeiras análises, e
terceiro, na 3ª análise.
Tabela 15 – Atuação da faixa etária sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Faixa 1 245/247 = 99% .92
Faixa 2 249/330 = 75% .16
Faixa 3 171/201 = 85% .44
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,92
0,16
0,44
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
245/247 = 99% 249/330 = 75% 171/201 = 85%
Faixa 1 Faixa 2 Faixa 3
Gráfico 8 – Atuação da faixa etária sobre o uso de a gente
A freqüência, de modo geral (Tabela 15 e Gráfico 8), mostra o predomínio da forma
inovadora: 85% da amostra analisada, 99% na faixa 1, 75% na faixa 2 e 85% na faixa 3, o que
significa apenas 1%, 25% e 15% de nós, respectivamente.
Na F1, a observação da freqüência (99%) e do peso relativo (.92), o aumento abrupto
de a gente parece sugerir mudança, no entanto, as faixas 2 e 3 apontam pesos relativos
favoráveis à preservação da forma tradicional. Por se tratar de uma comunidade rural afastada
de grandes cidades, esse resultado pode caracterizar o aspecto conservador do falar local,
105
preservado pelo grupo intermediário e mais velho. É possível que o grande aumento de a
gente na faixa mais jovem seja devido a um conjunto de causas sociais.
Nesta comunidade não se percebe, no tocante a nós e a gente, nenhum juízo de valor
com relação à existência de uma forma “mais adequada”, como ocorre no português culto. A
consciência” imposta ou adquirida na escola de que o nós é a forma padrão e a gente mais
ligada ao coloquial não existe na comunidade. Desta forma, o fato de a F2 usar mais nós do
que a F3 não reflete pressões sofridas no mercado de trabalho, pois todos fazem praticamente
as mesmas atividades. Assim, não se trata de gradação etária, ou seja, comportamento
lingüístico que se repete a cada geração. É muito provel que os grupos representem
simplesmente a variedade lingüística de seu tempo. A forma tradicional teve seu tempo de
predonio, atestado pelas faixas mais velhas, mas a forma a gente foi assimilada pela F1.
Acontecimentos como a chegada dos sem-terra cerca de 9 anos, a construção da
escola na Fazenda Caimbongo Velho, a construção da estrada que liga Caimbongo a Santiago
do Iguape e a instalação da eletricidade em 2007, além do acesso à TV, são fatos que marcam
uma época na história de Caimbongo. As transformações melhoraram o acesso (saída e
entrada), deixando as pessoas mais próximas de outros grupos. Agora, os moradores têm
acesso às notícias e à cultura de todo o mundo através da televisão e as crianças da
comunidade estudam com as crianças dos sem-terra, grupo formado por pessoas de regiões
diversas da Bahia. Portanto, a possibilidade de os falantes da F1 repetirem o comportamento
atual da F2 (passar a usar mais s com o passar do tempo) é remota. Parece que a
manutenção de nós está ficando condicionada a contextos específicos. Caimbongo tem
passado por muitas mudanças nessa última década que, certamente, influenciarão o modo de
viver e pensar de todos, principalmente dos mais jovens.
Os dados da faixa etária, tão importantes por serem indicativos de variação e de
mudança lingüística, não permitem uma conclusão segura. É possível que um número maior
de informantes (o que significa mais dados) e a possibilidade de ampliação da análise em
outras funções sintáticas possam responder a questão. O número de informantes do corpus é
significativo com relação à população, que é formada por menos de 60 habitantes. Assim, a
amostra corresponde a 22% da populão, mas, para a análise, são apenas dois informantes do
sexo masculino e dois do sexo feminino por cada faixa. Pode ser que, no momento da análise,
pesem as características individuais, pois quando nos referimos aos homens ou às mulheres da
F1, por exemplo, estamos nos referindo a duplas.
Omena (1998b) afirma que, quanto mais jovem o falante, maior é o uso de a gente e
quanto mais velho o falante, maior emprego de nós (OLIVEIRA, 2006). A autora observa que
106
falantes nascidos a partir de 1960 usam bem mais a forma a gente e afirma que parece ser um
fenômeno em mudança, principalmente considerando os fatores lingüísticos.
Machado (1995), com dados do português falado por pescadores do Rio de Janeiro,
também constatou maior uso de a gente pelos jovens e de nós pelos mais velhos.
Na fala culta (LOPES, 1993), os falantes adultos com formação universitária completa
utilizam tanto nós quanto a gente, os jovens usam mais a gente e os mais velhos usam mais
nós. O estudo conclui que, na fala culta, trata-se de um processo de variação estável.
O grupo gênero/sexo foi selecionado em sexto lugar nas duas primeiras alises, em
primeiro (associado à mídia), na 3ª, e em segundo na 4ª análise.
Tabela 16 – Atuação do gênero/sexo sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Mulheres 463/477 = 97% .75
Homens 202/301 = 67% .15
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,75
0,15
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
463/477 = 97% 202/301 = 67%
Mulheres Homens
Gráfico 9 – Atuação do gênero/sexo sobre o uso de a gente
O resultado mostra que as mulheres da comunidade estão utilizando mais a gente (.75)
do que os homens (.15). Trata-se de uma postura feminina comum, quando se trata de fatos
lingüísticos não estigmatizados. Os homens, geralmente mais conservadores, continuam
preferindo o nós (.15 a gente = .85 nós).
Na comunidade, as mulheres saem e estudam tanto quanto os homens. Uns saem com
freqüência, outros saem esporadicamente e outros ainda tiveram experiência de morar algum
tempo fora. Aqueles que não estudaram, alguns de meia-idade e os mais velhos na sua
maioria, não o fizeram devido às condições de vida de seu tempo e a falta de escola. É preciso
lembrar que a escolarização no Brasil foi tardia, principalmente nas áreas rurais. Essas
107
observações são para justificar que as mulheres do lugar não estão aquém dos homens em
estudo, saídas e outros contatos. Todos, homens e mulheres, vivem de trabalhos da roça, de
pesca e mariscagem, tiram piaçava, lavram a terra, vão aos povoados fazer comprar, à procura
de serviços de saúde ou simplesmente a passeio. Um número menor de atividades são típicas
das mulheres, como lavar roupas, cozinhar e cuidar dos filhos e outras são tipicamente
masculinas, como caçar e tirar madeira, por exemplo.
Omena (1998b) constatou que as mulheres tendem a usar mais s na faixa etária em
que homens e mulheres trabalham (26-49 anos); as mulheres mais jovens utilizam mais a
gente e as mais velhas, mais s.
O grupo saídas da comunidade foi selecionado em sétimo lugar nas duas primeiras
análises e em terceiro na 3ª análise.
Tabela 17 – Atuação das saídas da comunidade sobre o uso de a gente
Freqüência Peso relativo
Sim 517/543 = 95% .62
Não 148/235 = 63% .24
Total 665/778 = 85%
Input 1.00 – Significância .012
0,62
0,24
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
517/543 = 95% 148/235 = 63%
Sim Não
Gráfico 10 – Atuação das saídas da comunidade sobre o uso de a gente
Este grupo mostrou-se significativo para o entendimento da variação, revelando a
interferência das saídas da comunidade na linguagem. O grupo que sai/saiu usa mais a gente
(.62), enquanto o grupo que sai/saiu menos usa mais nós (.76). Assim, percebe-se que a
movimentação dos falantes estimula mudanças lingüísticas, preferencialmente, a da forma a
gente.
Enfim, esses são os fatores que se mostraram favoráveis ao entendimento de aspectos
que regem a varião de nós e a gente na função de sujeito em Caimbongo e, com base em
108
estudos sobre a temática, permitiram a comparação entre o comportamento das variáveis em
outras amostras do português brasileiro, tanto culto como popular; tanto rural quanto urbano.
A observação do corpus de Caimbongo, feita neste trabalho, além do exposto, parece
indicar ainda que a explicitação do pronome leva em consideração uma questão funcional, o
que fica como sugestão para trabalhos futuros. A hipótese para uma futura variável
funcionalista se deve à observação de que o falante tende a explicitar o pronome (nós ou a
gente):
1. na introdução de iias ou pensamentos;
2. para enfatizar determinada informação por motivos como interesse, fato incomum,
acontecimento que julgue importante, que lhe cause alguma exaltação, etc. e
3. em frases conclusivas, como uma maneira de reafirmar o já dito.
A precariedade de tempo, com prazos de conclusão, impediu que se enveredasse por
esse caminho.
Observando-se os pronomes em outras funções sintáticas, não analisadas neste
trabalho pelo número reduzido de dados, percebe-se que o uso de a gente é superior na função
de adjunto adnominal. Foram encontradas 11 ocorrências de da gente e apenas 02 de nosso
(a).
(58) É um primo da gente de Salvadô. (INF 03, MULHER, 76 ANOS)
(59) A gente tira pa lenossa farinha. (INF 01, HOMEM, 83 ANOS)
Este resultado já foi constatado por Araújo (2005), que mostra como o uso do
possessivo da gente foi implementado de maneira mais intensa nas variedades rurais afro-
brasileiras, diferente do que ocorre em comunidades urbanas, em que a forma canônica nosso
e flexões prevalece. Para a autora, o fato se deve à existência anterior da forma de s, que
pode ter favorecido uma maior assimilação de a gente na fuão de adjunto. De acordo com a
pesquisa, a forma de s é a forma crioulizante, mais antiga e pouco freqüente, presente na
fala de informantes mais velhos para designar posse, enquanto as formas nosso e da gente
teriam sido adquiridas por meio da assimilação de padrões externos às comunidades rurais
afro-brasileiras.
Seguindo a observação dos dados que o representam o sujeito em Caimbongo, só foi
encontrada variação nos pronomes possessivos (nosso (a) (s)/da gente), sendo que, nas
demais posições, não variação de nós e a gente. Na amostra, com dados de entrevistas,
se usa a gente.
No lugar do pronome pessoal oblíquo nico conosco são usadas as expressões com a
gente e mais a gente:
109
(60) Tinha um cumpade meu.[...] Ele era home fetcho e aí ele ia brinmais a gente de
roda. (INF 03, MULHER, 76 ANOS)
(61) eles ficaro cum di... tomô esse... dispeito assim com a gente. (INF 08,
MULHER, 45 ANOS)
Ao invés do pronome pessoal oblíquo átono nos (nos ensinava), é usado a gente
(ensinava a gente):
(62) Ela ensinava a gente a fazê cofa, fazê esteira. (INF 06, MULHER, 48 ANOS)
Na amostra foram encontrados 15 dados, sendo 03 pronomes oblíquos nicos e 12
átonos.
Na função de objeto indireto, foram 04 ocorrências. Exemplo:
(63) Aí mamãe comprava pra gente. (INF 03, MULHER, 76 ANOS)
E como adjunto adverbial, 02 ocorrências. Exemplo:
(64) E pra Santiago é mais perto pra gente do que pra... pu Acupe. (INF 01, HOMEM,
83 ANOS)
No total, foram 32 dados com as funções referidas, insuficiente para qualquer análise.
Para analisar os usos de a gente em outras funções seria necessário um número maior de
dados e, para isso, talvez fosse mais produtivo a aplicação de questionário ou outro recurso
mais produtivo. Assim, os resultados apresentados são tomados como exemplos.
Algo interessante foi observado no corpus. Como a comunidade é constituída de
famílias, inevitavelmente os informantes são parentes, de modo que um casal chamou a
atenção pelo fato de, na linguagem do marido, predominar nós e, na fala da esposa, a gente.
Surge, então, a pergunta: Se a língua muda por imitação, por necessidades diversas, por
influências de outros falantes, o que faz com que marido e mulher não se influenciem com
relação ao uso de nós e a gente, a ponto de um fazer o outro mudar?
Na fala da maioria dos informantes, fica nítido o predonio de uma das formas, mas
foi a interfencia do marido no início da entrevista da esposa que destacou essa diferença.
Apesar de terem muitos anos de casados, com filhos e netos, cada um tem suas preferências,
experiências juntos e sozinhos e histórias de vida diferentes, o que os coloca em alguns
grupos separados.
Ela tem 45 anos, morou fora, estudou, sai com freqüência para os povoados vizinhos.
Ele tem 51 anos, não estudou, nunca morou fora e é muito ligado à comunidade. Eles
trabalham na roça, começaram a assistir à TV recentemente e ambos falam muito. Ele, com
nós e ela, com a gente. Ele usa onimo de a gente e ela, de nós.
O contraste fica tido, observando o trecho abaixo: informante 05 = homem e
informante 08 = mulher.
110
INF 05: A... A... Aqui, o São João daqui, num tem nada de... por inxemplo, vocês chego
aqui... num tem nada de você chegá na porta: Ôh de casa! Ôh de fora! Nóis
pegá um licô e... não. Pode chegá e invadi(r)! (superp)
INF 08: É:: A gente vai entrano. A gente larga... A gente larga in cima da mesa!
(superp)
INF 05: É aí ói! (superp)
INF 08: Vai intregano. É bolo, é tira gosto, é tudo! (superp)
INF 05: In todas casa. (superp)
INF 08: É. Aqui é assim.
INF 05: In todas casa. (superp)
INF 08: É. E aqui... as pessoa mermo aqui faiz caso aqui... de dá. (superp)
INF 05: In todas casa. (superp)
INF 08: ...do qui dá não.
INF 05: Tomém na casa qui is chegá, nóis pronto! Tem um som, um rádio... qui aqui
é rádio mermo. É aqui, ôh... chegô aqui, num tem nada dizê... chegó aqui
bebeno, daqui a pôco, chegô a mulhé, pegô vai dançá e vai chegano. É
aqui mermo qui nóis vai brincá. Num tem negóço de dizê: Ói, nóis pode brin
aqui hoje? Num tem esse negóço não! (superp)
INF 08: Aqui, de piqueno a grande, brinca todo mundo! (superp)
INF 05: É. Chego, vai bricá todo mundo numa boa aí ó! (superp)
INF 08: Gente de fora tambem vem, né? Aí a gente brinca até de manhã. (superp)
INF 05: Bebeno. Se tivé um bebo, se embebedó, sente aí no canto. Fique queto. É
assim. (risos)
DOC 03: E são quantos dias de festa dona...?
INF 05: Óh! Praticamente de São João até São Pedro.
INF 08: De São João a São Pedro. É quase oito dia de festa.
INF 05: Aqui todo mundo é fraco, mais aqui, trabalha in cima... (superp)
INF 08: Agora Natal mermo... evém Natal aí.
DOC 03: Sei.
INF 08: A gente cumeça a fazê a festa derna da entrevéspa. Até depois qui passa
primero do ano, aqui é assim direto.
DOC 03: Sei.
INF 08: Direto. Qui a gente fai festa aqui é assim. Direto.
INF 05: Porque nóis... nóis somo fraco, mais nóis faiz... (superp) (inint)
Como sabemos, conforme a sociolingüística, não se considera o falante
individualmente, mas o seu grupo. Os falantes fazem parte de um grupo, um subgrupo dentro
da comunidade, por terem experiências de vida em comum e por terem características que
coincidem com as de outros falantes, como idade, gênero, escolaridade, tipo de
emprego/trabalho que exerce, dentre outros. Sabe-se também que o falante faz escolhas mais
ou menos conscientes, tanto que emite juízo de valor com relação à língua (ao considerar
certa expressão feia, bonita ou inadequada, por exemplo). A observação deste fato deixa
tida a opção de cada um (opção individual do falante) e o efeito das diferenças que os
coloca em grupos distintos.
111
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados confirmam a maioria das hipóteses e atestam que a
variação de nós e a gente é condicionada por fatores lingüísticos e sociais.
A forma a gente, como geralmente concorda com o verbo na forma de singular,
adequou-se perfeitamente ao português rural, que tem como uma das principais características
a ausência de marcas de flexões. Talvez essa característica da forma inovadora tenha
contribuído para o uso cada vez maior desta variante. Assim, a ausência de marcas de
concordância, no verbo, é substituída pelo sujeito explícito a gente.
Ao contrário do que se supôs inicialmente, a comunidade não manteve a forma
tradicional, como a mais utilizada. Se observarmos as freqüências, a forma a gente é muito
mais utilizada do que s em todos os contextos analisados. A surpresa do resultado, não
nesse momento final, mas nas primeiras observações do corpus que seria analisado, remeteu-
me às seguintes palavras de Borba (2003, p. 79): “Uma ngua conservadora não expressa
necessariamente uma cultura apegada ao passado”. Refiro-me ao seu contrário, que também é
verdadeiro, pois língua e cultura não evoluem no mesmo compasso. Embora a população de
Caimbongo tenha preservado aspectos culturais do passado, a ngua tem se modificado com
outra velocidade, como mostra este estudo.
Em Caimbongo, uma comunidade rural afastada de grandes cidades, mantida
relativamente isolada no passado, o uso de a gente na função de sujeito apresenta altos índices
na faixa mais jovem. Este elevado aumento no uso da forma inovadora pelos jovens,
conforme análise dos dados, tem sido motivado principalmente por fatores sociais: saídas da
comunidade, viagens e exposição à dia. Estes fatores, por sua vez, são conseqüências das
transformações sociais que vêm ocorrendo nos últimos anos, como a chegada dos sem-terra, a
construção da escola, a estrada, a eletricidade e o acesso à TV. Não se pode desconsiderar que
esses fatos têm modificado Caimbongo, encurtando as distâncias e intensificando o contato e
o conhecimento do mundo dos atuais moradores. Se fatores externos à comunidade
favoreceram a implementação de a gente – forma utilizada principalmente na linguagem
informal a intensificação do contato com fatores externos poderá, inclusive, fazer com que
os falantes jovens, com o tempo, readquiram o nós. Os dados, no entanto, o apresentam esta
possibilidade.
A manutenção de nós está sendo assegurada pelos falantes de meia-idade e pelos mais
velhos, que tanto usam nós quanto a gente, contribuindo para a manutenção da variação.
112
Continuam usando mais nós os não escolarizados, os que saem pouco da comunidade, os
menos expostos à linguagem da dia e os homens.
Dos dez grupos de fatores testados, sete mostraram-se significativos para o
entendimento da varião em Caimbongo:
O falante tanto pode usar nós quanto a gente numa primeira referência, mas, uma
vez que o falante selecione uma das formas, a possibilidade de repetão desse
mesmo pronome na seqüência é alta. a forma isolada no discurso apresenta
ligeira tendência à escolha de nós;
Os usos mais indeterminados indeterminação parcial com referência implícita e
indeterminação completa – são favoráveis à escolha de a gente, enquanto os
contextos com referência determinada e com indeterminação parcial com
referência explícita no contexto são favoráveis ao uso de nós;
No português falado em Caimbongo, confirma-se a tendência ao sujeito
preenchido (70% dos dados). O sujeito explícito mostra um pequeno
favorecimento ao uso de a gente e o sujeito implícito favorece o uso de nós. Este
comportamento possivelmente deve-se às características de cada um dos
pronomes: ao contrário da concordância com a gente, a flexão do verbo que
acompanha a forma tradicional (quando ocorre) dispensa o sujeito explícito;
Em Caimbongo, escolarizados usam mais a gente e não escolarizados usam mais
nós, evidenciando que a escola local não influencia na preservação da forma
tradicional;
Os falantes mais expostos à mídia (televisão) usam mais a gente e os menos
expostos usam mais nós, mais uma evidência de que a gente é estimulada por
fatores externos à comunidade. A influência da mídia é mais intensa sobre as
mulheres, a ponto de as mais expostas usarem a gente e até mesmo as menos
expostas utilizarem mais a forma inovadora, até mais do que os homens mais
expostos. Os homens menos expostos usam mais nós;
Conforme a idade, nos dados da F1, a gente está prestes a substituir nós. Na F2 e
na F3 é maior o uso de s, mas o os informantes da faixa intermediária que
mais usam nós, ao invés de serem os mais velhos, como esperado, se
considerarmos somente a idade;
São as mulheres que estão saindo na frente na escolha da forma inovadora. Os
homens continuam dando preferência à forma nós;
113
As saídas da comunidade são determinantes para a escolha das formas variantes:
os que saíram usam mais a gente, enquanto os mais fixados ao lugar usam mais
nós.
Além disso, considerando as análises lingüísticas, parece que a permanência de nós é
assegurada, pelo menos, em alguns contextos. Significa dizer que ainda existe um lugar para o
nós, embora cada vez mais reduzido. Por exemplo, quando o pronome tem a referência mais
determinada e quando há indeterminação parcial com um elo de referência explícita no
contexto. Portanto, não parece ser possível prever o apagamento de nós. A possibilidade de
permanência da forma tradicional em contextos específicos, como se percebe em outras
comunidades, pode não ser descartada, até mesmo porque a interação dos habitantes de
Caimbongo com o meio externo vem se intensificando.
Em se tratando dos usos de nós e a gente em outras amostras da fala e da escrita, como
foi discutido neste trabalho, a forma s continua sendo muito utilizada na linguagem
formal e na escrita. O estudo em novelas (CARNEIRO, 2007) mostra que, na linguagem
formal e semi-formal, usa-se mais nós.
Ainda assim, se é verdade que uma mudança lingüística está a caminho, ainda não se
pode assegurar. Os estudiosos do tema que encontraram indícios de uma possível substituição
de nós por a gente (como LOPES, 1993; VIANA, 2006; MENON, LAMBACH e
LANDARIN, 2003) mostram que se trata de uma mudança de baixo para cima, mais
adiantada na fala popular.
114
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ANEXO A – PORTARIA DE RECONHECIMENTO DE CAIMBONGO COMO
COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBO
GOVERNO FEDERAL - MINISTÉRIO DA CULTURA - FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES - PORTARIA Nº 35, DE
06 DE DEZEMBRO 2004
O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES, no uso de suas atribuições
legais conferidas pelo art. 1º da Lei n.º 7.668 de 22 de agosto de 1988, art. 2º, §§ 1º e 2º, art. 3º, § 4º do Decreto
n.º 4.887de 20 de novembro de 2003, da Portaria Interna da FCP n.º 06, de 01de março de 2004, publicada no Diário
Oficial da União n.º 43 de 04de março de 2004, Seção 1, f 07, resolve:
Art 1° REGISTRAR no Livro de Cadastro Geral n.º 001 e CERTIFICAR que conforme Declarações de Auto-
reconhecimento e os processos em tramitação nesta Fundação Cultural Palmares, as Comunidades, a seguir, O
REMANESCENTES DOS QUILOMBOS:
COMUNIDADE DE JATOBÁ, localizada no Município de Muquem do São Francisco, Estado da Bahia, registro n.030, f.32;
COMUNIDADE DE FUGIDO RIO TUCUNARÉ, localizada no Município de Baião, Estado do Pará, registro n.031, f. 33;
COMUNIDADE DANDÁ, localizada no Município de Simões Filho, Estado da Bahia, registro n. 032, f, 34;
COMUNIDADE DE ANDRÉ LOPES, localizada no Município de Eldorado, Estado de São Paulo, registro n.033, f.35;
COMUNIDADE DE RIO DAS RÃS, localizada no Município de Bom Jesus da Lapa, Estado da Bahia, registro n.034,f.36;
COMUNIDADE DE FAMÍLIA SILVA, localizada no Município de Porto Alegre, Estado do rio Grande do Sul, registro
n.035,f.37;
COMUNIDADE DE AREAL - LUIZ GUARANHA, localizada no Município de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do
Sul,registro n.036, f.38;
COMUNIDADE DE MORMAÇA, localizada no Município de Sertão, Estado do Rio Grande do Sul, registro n.037, f.39;
COMUNIDADE DE ARVINHA, localizada no Município de Coxilha, Estado do Rio Grande do Sul, registro n.038, f.40;
COMUNIDADE DE FAMÍLIA DOS AMAROS, localizada no Município de Paracatu, Estado de Minas Gerais, registro
n.039,f.41;
COMUNIDADE DE CAVEIRAS/BOTAFOGO, localizada no Município de São Pedro de Aldeia, Estado do Rio de
Janeiro,registro n.040, f.42;
COMUNIDADE DE SÃO ROQUE, localizada no Município de Praia Grande, Estado de Santa Catarina, registro n.041,
f.43;
COMUNIDADES DE DENDÊ/ENGENHO DA PRAIA/ENGENHO DA PONTE/CALEMBÁ/ CAONGE, localizadas no Município de
Cachoeira, Estado da Bahia, registro n.042, f.44;
COMUNIDADE DE CAIMBONGO VELHO, localizada no Município de Cachoeira, Estado da Bahia, registro n.043, f.45;
COMUNIDADES DE IMBIARA/CALOLÉ/TOMBO, localizadas no Município de Cachoeira, Estado da Bahia, registro n.044,f.
46;
COMUNIDADE DE ENGENHO DA VITÓRIA, localizada no Município de Cachoeira, Estado da Bahia, registro n.046, f.47;
COMUNIDADE DE BURITI DO MEIO, localizada no Município de São Francisco, Estado de Minas Gerais, registro
n.047,f.49;
COMUNIDADE DE BOM JARDIM, localizada no Município de Santarém, Estado do Pará, registro n.048, f. 51;
COMUNIDADE DE BUIEIÉ, localizada no Município de Viçosa, Estado de Minas Gerais, registro n. 049, f.52;
COMUNIDADES DE BANDEIRA E JUÁ, localizadas no Município de Bom Jesus da Lapa, Estado da Bahia, registro n. 050,
f.53;
COMUNIDADES DE PARATECA E PAU D'ARCO, localizada no Município de Malhada, Estado da Bahia, registro
n.051,f.54;
COMUNIDADES DE MANGAL E BARRO VERMELHO,localizadas no Município de Sítio do Mato, Estado da Bahia, registro
n.052, f.55;
COMUNIDADE DE LAGOA DO PEIXE, localizada no Município de Bom Jesus da Lapa, Estado da Bahia, registro n.053,
f.56;
COMUNIDADE DE ÁGUA PRETA, localizada no Município de Tururu, Estado do Ceará, registro n. 054, f. 57;
COMUNIDADE DE CONCEIÇÃO DOS CAETANOS, localizada no Município de Tururu,
Estado do Ceará, registro n. 055, f.58;
COMUNIDADE DE FAMÍLIA PINTO, localizada no Município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, registro
n.056,f.59;
COMUNIDADE DE PITANGA DOS PALMARES, localizada no Município de Simões Filho, Estado da Bahia, registro
n.057,f.60;
COMUNIDADE LAGOA DA PEDRA, localizada no Município de Arraias, Estado do Tocantins, registro n. 058, f.61;
COMUNIDADE DE PIQUI/SANTA MARIA, localizada no Município de Itapecuru-Mirim, Estado do Maranhão, registro
n.059,f. 62;
COMUNIDADE DE INVERNADA PAIOL DA TELHA, localizada no Município de Guarapuava, Estado do Paraná, registro
n.060, f. 63;
COMUNIDADE DE MACHADINHO, localizada no Município de Paracatu, Estado de Minas Gerais, registro n. 061, f. 64;
COMUNIDADE DE SÃO DOMINGOS, localizada no Município de Paracatu, Estado de Minas Gerais, registro n.062, f.65;
COMUNIDADE DE SALAMINAS, localizada no Município de Maragogipe, Estado da Bahia, Registro n. 063, f.66;
COMUNIDADE DE BANANEIRAS, localizada no Município de Salvador, Estado da Bahia, registro n. 064, f.67;
COMUNIDADE DE MANOEL BARBOSA, localizada no Município de Gravataí, Estado do Rio Grande do Sul, registro n.
065,f. 68;
COMUNIDADE DE TININGÚ, localizada no Município de Santarém, Estado do Pará, registro n. 065, f. 69;
COMUNIDADE DE PRETO FORRO, localizada no Município de São Pedro de Aldeia, Estado do Rio de Janeiro, registro
n.066, f.70;
COMUNIDADE DE QUILOMBO, localizada no Município de Águas Belas, Estado de Pernambuco, registro n. 068, f. 72;
COMUNIDADE DE ANGELIN, localizada no Município de Conceição da Barra, Estado do Espírito Santo, registro n. 069,
f.73;
COMUNIDADE DE CHÃ DOS NEGROS, localizada no Município de Passira, Estado de Pernambuco, registro n. 070, f. 74;
121
COMUNIDADE DE TIMBÓ, localizada no Município de Garanhuns, Estado de Pernambuco, registro n. 071, f. 75;
COMUNIDADE DE GUARIBAS, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 072, f. 76;
COMUNIDADE DE JOCOJÓ, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 073, f. 77;
COMUNIDADE DE SERROTE DO GADO BRAVO, localizada no Município de São Bento do Una, Estado de
Pernambuco,registro n. 075, f. 79;
COMUNIDADE DE ALTO IPIXUNA, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n.076, f.80;
COMUNIDADE DE ARINHOÁ, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 077, f. 81;
COMUNIDADE DE CARRAZEDO, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 078, f. 82;
COMUNIDADE DE FLEXINHA, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n.079, f. 83;
COMUNIDADE DE GURUPÁ MIRIM, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 080, f. 84;
COMUNIDADE DE MARIA RIBEIRA, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 081, f. 85;
COMUNIDADE SANTO ANTONIO CAMUTA DO IPIXUNA, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro
n.082, f. 86;
COMUNIDADE SÃO FRANCISCO MÉDIO DO IPIXUNA,localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n.83,
f. 87;
COMUNIDADE DE BACÁ DO IPIXUNA, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 084, f. 88;
COMUNIDADE DE ALTO PUCURUÍ, localizada no Município de Gurupá, Estado do Pará, registro n. 085, f. 89;
COMUNIDADE DE MUMBUCA, localizada no Município de Jequitinhonha, Estado de Minas Gerais, registro n. 086, f.90;
COMUNIDADE DE GAVIÃO, localizada no Município de Filadélfia, Estado da Bahia, registro n. 087, f. 91;
COMUNIDADE DE RIACHO DAS PEDRINHAS, localizada no Município de Filadélfia, Estado da Bahia, registro n. 088,f.92;
COMUNIDADE DE CAJÁ, localizada no Município de Filadélfia, Estado da Bahia, registro n. 089, f. 93;
COMUNIDADE DE CACHIMBO, localizada no Município de Wanderley, Estado da Bahia, registro n.090, f.94;
COMUNIDADE DE VALONGO, localizada no Município de Porto Belo, Estado de Santa Catarina, registro n.091, f.95;
COMUNIDADE DE TOMÉ NUNES, localizada no Município de Malhada, Estado da Bahia, registro n.092, f.96;
COMUNIDADE DE ACAUÃ, localizada no Município de Poço Branco, Estado do Rio Grande do Norte, registro n.093, f.97;
COMUNIDADE DE SANTANA DO CAATINGA, localizada no Município de João Pinheiro, Estado de Minas Gerais, registro
n.094, f.98;
COMUNIDADE DE BAGRES, localizada no Município de Vazante, Estado de Minas Gerais, registro n.095, f.99;
COMUNIDADES DE ÁGUAS BELAS,
APICUM GRANDE,
ARENHENGAUA,
BACANGA, BACURIAJUBA(BACURIJUBA),
BAIXA GRANDE I,
BAIXA GRANDE II,
BAIXO DO GRILO,
BARACATATIUA,
BARREIROS,
BEBEDOURO,
BEJÚ-AÇU,
BELÉM,
BOA VISTA I,
BOA VISTA II,
BOA VISTA III,
BOCA DO RIO,
BOM JARDIM,
BOM VIVER (BOM DE VER),
BORDÃO,BRITO I,
CAÇADOR,
CAICAUA I,
CAICAUA II,
CAJAPARI,
CAJATIUA (CAJITIVA/CAJUTIUA),
CAJIBA,
CAJUEIRO II,
CAMIRIM,
CANAVIEIRA,
CANELATIVA,
CAPIJUBA,
CAPIMAÇU,
CAPOTEIRO,
CARATATIUA,
CASTELO,
CAVEM II,
CENTRO DA EULÁLIA,
CONCEIÇÃO,
COQUEIRO,
CORRE
FRESCO,CUJUPE I,
CUJUPE II,
CURUÇA I,
ENGENHO I,
ESPERANÇA,
FLORIDA,
FORA CATIVEIRO,
GUANDA I,
GUANDA II,
122
IGUAIBA,
ILHA DA CAMBOA (CAMBOA),
IRIRIZAL,
ISCOITO,
ITAPERAÍ,
ITAPIRANGA,
ITAPUAUA,
ITAUAÚ,
JACARÉ I,
JACROA,
JANÃ,
JARUCAIA,
JORDOA,
LADEIRA II,
LAGO,
MARMORANA,
MACAJUBAL I,
MACAJUBAL II,
MÃE EUGÊNIA,
MAMONA I,
MAMONA II,
MANGUEIRAL,
MANIVAL,
MARACATI,
MARIA PRETA,
MARINHEIRO,
MATO GROSSO,
MURARI,
MUTITI,
NOVA ESPERA,
NOVA PONTA SECA,
NOVO CAJUEIRO,
NOVO MARUDA,
NOVO PEITAL (PEPITAL),
NOVOPERÚ,
NOVO SÓ ASSIM,
OITIUA,
PACATIUA (PAQUATIVA),
PACURI,
PALMEIRAS,
PAVÃO,
PERI AÇU,
PERIZINHO,
PEROBA DE BAIXO,
PEROBA DE CIMA,
PIQUIA,
PONTA D'AREIA,
PORTO DA CINZA,
PORTO DE BAIXO (PRAIA DE BAIXO),
PORTO DE CABOCLO,
PORTO DO BOI I,
PRAIA DE BAIXO,
PRAINHA,
PRIMIRIM,
QUIRIRITIUA,
RAPOSA,
RASGADO,
RETIRO,RIO GRANDE I,
RIO GRANDE II,
RIO VERDE,
SALINA,
SAMUCANGAUA,
SANTA BÁRBARA,
SANTA HELENA,
SANTA LUZIA,
SANTA MARIA,
SANTA RITA I,
SANTA RITA II,
SANTANA DOS CABOCLOS,
SANTO INÁCIO,
SÃO BENEDITO I,
SÃO BENEDITO II,
SÃO BENEDITO III,
SÃO FRANCISCO I,
SÃO FRANCISCO II,
SÃO JOSÉ,
123
SÃO JOÃO DE CORTES,
SÃO LOURENÇO,
SÃO MAURICIO,
SÃO PAULO,
SÃO RAIMUNDO II,
SÃO RAIMUNDO III,
SEGURADO, TACAUA I,
TAPICUEM (ITAPECUEM),
TAPUIO, TATUOCA,
TATUROCA,
TERRA MOLE,TERRA
NOVA,
TUMBOTUBA,
TIQUARAS II,
TRAJANO,
TRAPUCARA,
TRAQUAI,
VAI COM DEUS,
VILA ITAPERAÍ,
VILA MARANHENCE,
VILA NOVA I (VILA DO MEIO ),
VILA NOVA II,
VISTA ALEGRE,
localizadas no Município de Alcântara, Estado do Maranhão, registro n.096, f.100.
Art. 2° O referido é verdade e dou fé. Extrai e mando publicar.
Ubiratan Castro de Araujo
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