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estranho. Nesse caso há uma duplicação, divisão e intercâmbio do eu (self) e, por
conseguinte um retorno e uma repetição dos mesmos aspectos, características, vicissitudes,
crimes, através das diversas gerações (Freud, 1996 p.296) Silva afirma ainda que:
Essa imagem do duplo, tão freqüente em literatura e nos contos da autora
tem suas raízes fincadas no solo fértil da mitologia, podendo ser
encontrada sob diferentes aspectos em narrativas sagradas e profanas.
Projeção de si mesmo, aliado ao inimigo, complemento ou contraste do
sujeito, o outro apresenta-se como um desafio. Precisa ser encontrado ou
destruído. Muitas vezes encontrá-lo é destruir-se. (Silva, 1985, p.84)
No caso de “A caçada”, o duplo é a cena da tapeçaria que é, ao mesmo tempo,
estranha e familiar ao protagonista. Ainda em Freud, vemos que o duplo surge ao mesmo
tempo como negação e anunciação da morte.
Originalmente, o “duplo” era uma segurança contra a destruição do ego,
“uma enérgica negação do poder da morte”, como afirma Rank; e,
provavelmente, a alma imortal foi o primeiro duplo do corpo. Essa
invenção do duplicar como defesa contra a extinção tem sua contraparte na
linguagem dos sonhos, que gosta de representar a castração pela
duplicação ou multiplicação de um símbolo genital.(...) Tais idéias, no
entanto, brotaram do solo do amor-próprio ilimitado, do narcisismo
primário que domina a mente da criança e do homem primitivo.
Entretanto, quando essa etapa está superada, o duplo inverte seu aspecto.
Depois de haver sido uma garantia da imortalidade, transforma-se em
estranho anunciador da morte. (Freud,1996 p.296)
Ao entrar no antiquário, local onde se passa a narrativa, o que mais chama a atenção
do protagonista é a antiga tapeçaria localizada no fundo da loja. Sendo um assíduo
freqüentador do local, nota que cada vez que observa a tapeçaria, é como se ela sofresse
alterações dia após dia. Porém, essa mudança só se faz pelo olhar do protagonista, pois a
dona da loja não consegue ver modificações.
–– Parece que hoje está mais nítida...
–– Nítida? – repetiu a velha pondo os óculos. Deslizou a mão pela
superfície puída. – Nítida, como?”
–– As cores estão mais vivas. A senhora passou alguma coisa
nela?(M. p.23)
A familiaridade entre obra e espectador vai se afunilando e provoca a dúvida no
personagem de como e quando esta relação se estabelece. A cena parece, a cada dia, ficar
mais visível na tapeçaria o que na realidade representa o processo de reconhecimento do que