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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING ESPM/SP
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E PRÁTICAS DE CONSUMO
Maria Cristina Dias Alves
CONSTRUÇÕES RETÓRICAS DO DISCURSO
PUBLICITÁRIO DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS.
São Paulo
2009
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Ficha Catalográfica SBE Biblioteca Central SP
Campus I “Francisco Gracioso”
Alves, Maria Cristina Dias
Construções retóricas do discurso publicitário de condomínios
residenciais. / Maria Cristina Dias Alves. - São Paulo, 2009.
137 p., il: col.
Orientador: Prof. Dr. João Anzanello Carrascoza.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo). -
Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2009.
1. Publicidade imobiliária. 2. Mito. 3. Identidade. 4. Análise de
Discurso. 5. Retórica. 6. Consumo. I. Título. II. Maria Cristina Dias
Alves. III. João Anzanello Carrascoza. IV. Escola Superior de Propaganda
e Marketing.
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Maria Cristina Dias Alves
CONSTRUÇÕES RETÓRICAS DO DISCURSO
PUBLICITÁRIO DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS.
Dissertação apresentada à ESPM como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação e Práticas de
Consumo.
Orientador: Prof. Dr. João Anzanello Carrascoza
São Paulo
2009
Maria Cristina Dias Alves
CONSTRUÇÕES RETÓRICAS DO DISCURSO
PUBLICITÁRIO DE CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS.
Dissertação apresentada à ESPM como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Comunicação e Práticas de
Consumo.
Aprovado em 18 de março de 2009.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Presidente: Prof. João Anzanello Carrascoza, Doutor Orientador, ESPM/SP
____________________________________________________________
Membro: Profa. Isleide Arruda Fontenelle, Doutora, FGV/SP
____________________________________________________________
Membro: Prof. Vander Casaqui, Doutor, ESPM/SP
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, por me ensinar a enxergar.
Ao meu marido, pela forma e cores do seu amor.
À minha irmã, minha filha e família, pela compreensão.
Aos amigos queridos e colegas de trabalho, pela espera.
Aos colegas e colaboradores do Programa de Mestrado, pela convivência.
Aos professores do Programa de Mestrado, pelo carinho e ensinamento.
Ao meu orientador, por dividir o seu olhar.
RESUMO
A publicidade de lançamentos imobiliários possui algumas especificidades decorrentes dos
próprios produtos que anuncia, bens de alto valor aquisitivo, que não podem ser consumidos
no momento da compra (não existem materialmente). O que se anuncia é um vir a ser,
simulado em imagens hiper-realistas do empreendimento e em um protótipo de apartamento
decorado para a experiência do consumo no estande de vendas. O imóvel se assemelha aos
produtos de consumo de massa quanto à sua fabricação em série, que aliena o trabalhador do
processo final de seu trabalho. A publicidade, como mito da nossa época, ocupa um lugar
intermediário entre a produção e o consumo, classificando os produtos. Nela, o imóvel
residencial adquire sentido: ganha um nome, uma marca, uma “embalagem conceitual” que o
distingue. Se no lançamento o imóvel nem começou a ser construído, ele já “existe” no
universo mágico da publicidade, que começa no anúncio e se estende até o estande de vendas.
Em nosso trabalho, realizamos dois movimentos de análise de anúncios de lançamentos
imobiliários residenciais na cidade de São Paulo: a Análise de Discurso, para verificar as
condições de produção e os sentidos que engendram, e a Análise Retórica, para verificar os
elementos persuasivos utilizados, voltados à razão ou à emoção. Investigamos, assim, a
construção da personalidade dos produtos e seus anúncios, que captam o imaginário e
seduzem com modelos de identidade e de estilo de vida.
Palavras-chave: Publicidade imobiliária, Mito, Identidade, Análise de Discurso, Retórica.
ABSTRACT
The real estate advertisement presents some peculiarities owing to the products advertised,
i.e., high value goods that cannot be consumed by the time of the purchase (do not exist in
concrete). What is advertised is to become simulated in a hyper-realistic image of product and
in a prototype of decorated apartment by the consumption experience at the sales stand. The
real estate compares to a mass consumption product in relation to its serial assembly line,
which alienate the worker from the final process. Advertising, as a myth of our time, occupies
an intermediate ranking between production and consumption by classifying products,
wherein the residential real estate obtains a sense: it acquires a name, a brand, a “conceptual
packaging”, all of which distinguish it. On the occasion of the launch, the real estate has even
not been edified, however, it “already exists” in the magic universe of advertisement, which
starts in the advertisement and extends to the sales stand. In our work we have carried out two
analysis movements on residential real estate launching advertisements in the city of São
Paulo: The Discourse Analysis to verify the production conditions and the senses it comprises
and the Rhetoric Analysis to verify the employed persuasive elements, which are focused on
the reason or emotion. In this manner have we investigated the construction of the products
personality and their advertisements, which catch the imaginary and seduce with identity
models and life style.
Key-words: Real estate advertisement, Myth, Identity, Discourse Analysis, Rhetoric.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Anúncio da Construtora João Carlos Della Manna..................................................17
Figura 2 Anúncio do empreendimento Alameda dos Pinheiros............................................18
Figura 3 – Anúncio do empreendimento Domínio Marajoara. ................................................21
Figura 4 e Figura 5 – Capa do folheto de vendas e perspectiva da fachada do empreendimento
Yorker.......................................................................................................................................22
Figura 6 Primeira página do folheto de vendas do empreendimento Yorker. .......................23
Figura 7 Capas dos folhetos dos empreendimentos Reserva dos Ipês, Arte e Vida Marajoara,
Parc Vivre, Quinta da Baronesa e Vida & Alegria...................................................................28
Figura 8 Capas dos folhetos de vendas dos empreendimentos Roof e Comfort House.........28
Figura 9 Folheto de vendas e caixa do empreendimento L’Essence Jardins.........................29
Figura 10 Fragmento do tour virtual do empreendimento Bairro Novo Cotia......................30
Figura 11 Fragmento do tour virtual do empreendimento Vision..........................................31
Figura 12 Fragmento do tour virtual do empreendimento Fascination Penthouses.............31
Figura 13 Planta baixa residencial.........................................................................................37
Figura 14 – Planta do empreendimento MaxHaus. ..................................................................38
Figura 15 Perspectiva artística da varanda do empreendimento Sítio Anhanguera. .............39
Figura 16 – Perspectiva artística da do living do empreendimento Innova Blue. ....................40
Figura 17 Perspectiva artística da cozinha do empreendimento More Alphaville................40
Figura 18 Anúncio do empreendimento Belíssimo Clube Residencial.................................48
Figura 19 – Anúncio do empreendimento Gahia.....................................................................51
Figura 20 - Anúncio do empreendimento Fascination Penthouses. ........................................61
Figura 21 Anúncio do empreendimento Central Park Prime, com detalhe ampliado..........67
Figura 22 Anúncio do empreendimento Paulistano Bairro Privativo. ..................................83
Figura 23 Anúncio do empreendimento Uniqueness. ...........................................................90
Figura 24 Anúncio do empreendimento Terrara. ..................................................................94
Figura 25 Anúncio do empreendimento Terrara. ..................................................................94
Figura 26 Anúncio do empreendimento Arthé......................................................................96
Figura 27 e Figura 28 Pintura Le Bassin aux nymphéas e fotografia da ponte japonesa do
Parque Ibirapuera......................................................................................................................97
Figura 29 Anúncio do empreendimento Vila Nova Leopoldina I e II.................................100
Figura 30 Anúncio do empreendimento Arquitetura de morar. ..........................................105
Figura 31 Anúncio do empreendimento AcquaVita NovaMooca Residencial Clube. .........111
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1
2. PREPARANDO O TERRENO PARA A CONSTRUÇÃO..............................................7
2.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO.........................................................................................8
2.2 NO TERRENO DO INCORPORADOR........................................................................11
2.3 ARQUITETURA E PUBLICIDADE.............................................................................12
2.4 NO TERRENO DA PUBLICIDADE.............................................................................16
2.5 O PRODUTO E SUA CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA..................................................19
2.6 MATÉRIA-PRIMA PARA A CRIAÇÃO. ....................................................................25
2.7 A CONSTRUÇÃO DA EMBALAGEM CONCEITUAL.............................................27
3. LAR, MÁGICO, LAR: AS NARRATIVAS DA PUBLICIDADE IMOBILIÁRIA.....35
3.1 DO PROJETO, A CASA................................................................................................41
3.2 DA CASA, O LAR.........................................................................................................44
3.3 OS TIJOLOS, O CIMENTO E O BRICOLEUR............................................................49
4. SER, ESTAR, FICAR, PERMANECER..........................................................................53
4.1 IDENTIDADE EM CRISE. ...........................................................................................57
4.2 IDENTIDADE E O “NÓS”............................................................................................62
4.3 IDENTIDADE E MEDIAÇÃO......................................................................................64
5. A ANÁLISE DE DISCURSO............................................................................................70
5.1 UMA ANÁLISE DE DISCURSO..................................................................................71
5.1.1 Gênero de discurso. .................................................................................................73
5.1.2 Cena de enunciação.................................................................................................75
5.1.3 Ethos........................................................................................................................76
5.1.4 Memória discursiva, dialogismo, intertexto e interdiscurso....................................78
5.1.5 Polifonia. .................................................................................................................80
5.2 O DISCURSO E AS MARCAS.....................................................................................81
5.3 O DISCURSO E O SLOGAN........................................................................................84
6. A CONSTRUÇÃO RETÓRICA.......................................................................................85
6.1 O MODELO APOLÍNEO..............................................................................................87
6.2 O MODELO DIONISÍACO...........................................................................................91
6.3 O READY-MADE. ..........................................................................................................95
7. AS ANÁLISES....................................................................................................................98
7.1 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA NOROESTE DE SÃO PAULO. .........100
7.1.1 Descrição sumária..................................................................................................101
7.1.2 A análise do discurso.............................................................................................101
7.1.3 A análise retórica...................................................................................................103
7.2 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA SUL DE SÃO PAULO........................105
7.2.1 Descrição sumária..................................................................................................106
7.2.2 A análise do discurso.............................................................................................107
7.2.3 A análise retórica...................................................................................................109
7.3 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO...................111
7.3.1 Descrição sumária..................................................................................................112
7.3.2 A análise do discurso.............................................................................................112
7.3.3 A análise retórica...................................................................................................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ..............................................................................120
OUTRAS REFERÊNCIAS:...............................................................................................126
1
1. INTRODUÇÃO
“A representação de uma casa não permite que um
sonhador fique indiferente por muito tempo.”
(Gaston Bachelard)
Um dos primeiros desenhos que costumamos fazer quando criança é o da nossa
casa, muitas vezes rodeada por árvores, pássaros, o sol, um caminho e até uma chaminé
fumegante. Característica incomum nas residências urbanas brasileiras, mas pertencente às
casas de muitos personagens de histórias infantis, com os quais compartilhamos nossos mais
remotos desejos e medos.
A casa é o lugar de retorno, de volta à proteção que ela evoca, física e
simbolicamente. É o nosso primeiro mundo
1
e antes mesmo de mudarmos para uma nova casa
nela já habitam os nossos sonhos.
Qual seria o desenho da nossa casa se o fizéssemos hoje, adultos? Seria a mesma
casa da infância ou um edifício com vários andares? Se um edifício, de que maneira
representá-lo como sendo nosso, identificando nele o nosso lar e a nós mesmos?
Representações da casa e do lar estão presentes no imaginário desde a infância,
nos textos culturais que consumimos até hoje e, entre eles, a publicidade imobiliária, que
dialoga com os nossos “desenhos e desejos” em seus anúncios de jornal, meio no qual
encontra uma das mais antigas moradas.
Há 200 duzentos anos a publicidade
2
imobiliária atravessa a leitura dos jornais
com seus anúncios, principalmente aos fins de semana.
O primeiro anúncio que se tem notícia no Brasil, de 1808, foi de um imóvel no
jornal A Gazeta do Rio de Janeiro.
3
E ainda atualmente a publicidade imobiliária tem uma
posição de destaque no meio, ocupando o segundo lugar entre os maiores anunciantes por seis
anos consecutivos.
4
1
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 24.
2
Em nosso trabalho utilizamos apenas a denominação publicidade, inclusive quando nos referimos a materiais
promocionais, uma vez que estamos discutindo o sistema publicitário. Segundo Camargo, propaganda (do latim
propagare) relaciona-se à propagação de idéias, conceitos e publicidade (do latim/francês publicité), refere-se à
divulgação comercial de produtos e serviços. CAMARGO, R. Zagallo. A publicidade como possibilidade. In:
PEREZ, Clotilde., BARBOSA, I. Santo. (Orgs.) Hiperpublicidade, fundamentos e interfaces, v. 1. São Paulo:
Thomson Learning, 2007, p. 129.
3
RAMOS, Ricardo. Do reclame à comunicação. Pequena história da propaganda no Brasil. São Paulo: Atual,
1985, p. 9.
4
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS. Maiores setores anunciantes no jornal. Disponível em:
<http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-setores-anunciantes-no-jornal/>. Acesso
em 15 jun. 2008.
2
O imóvel residencial é um produto que se diferencia dos demais por seu alto valor
aquisitivo é um dos bens mais caros e desejados por diversas classes sociais cuja compra
não se dá por impulso, já que demanda altos investimentos, muitas vezes à custa de anos de
economia de uma família ou de um planejamento financeiro de longo prazo.
No caso de um imóvel em lançamento, a sua comunicação tem algo peculiar, por
anunciar não um produto acabado, mas um projeto arquitetônico que ficará pronto em dois ou
três anos. O que se anuncia são as plantas, o desenho da fachada, os ambientes internos e
externos simulados em ilustrações hiper-realistas e em um protótipo de um apartamento
decorado, para ser visitado no local onde será construído o imóvel.
Assim, se o pensamento mágico governa o consumo, como assinala Baudrillard,
no consumo antecipado do signo
5
, no caso de um lançamento imobiliário a antecipação é
ainda maior, uma vez que o produto não “existe” no momento em que é anunciado, nem no
momento em que é “comprado”.
Já que a consumação tem de ser adiada para um futuro distante, o que é
consumido em um anúncio de lançamento? Quais sentidos seus discursos deslocam? Quais
vozes mobilizam seus diálogos? Como é produzida a publicidade de lançamentos imobiliários
que constrói esse futuro no presente? Quais elementos persuasivos ou de convencimento
utiliza?
Carrascoza nos lembra que convencer e persuadir se distinguem, visto que o
discurso do convencimento é endereçado à razão, à mente e, o persuasivo, é voltado ao
sentimento, à vontade, como acontece na arte da sedução.
6
Se os argumentos racionais, que salientam os atributos de produtos imobiliários
localizados em uma mesma região, não apresentam grandes variações de um empreendimento
para outro número de quartos, de suítes, grandes áreas de lazer, vagas de garagem, bem
como o preço e as condições de pagamento como são diferenciados os lançamentos?
Para responder a essas perguntas é que a retórica da publicidade se tornou central
no nosso trabalho, já que por meio dela um empreendimento ganha nome, marca e uma
identidade única, que, quando sublinhada é, por isso mesmo, valorizada.
7
Esse é, portanto, o nosso objeto de estudo: a publicidade de lançamentos
imobiliários residenciais na cidade de São Paulo que tem por objetivo examinar a
elaboração das mensagens de três anúncios de jornal de condomínios residenciais lançados
5
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 21, 23.
6
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário. São Paulo: Futura, 1999, p.17.
7
PERELMAN, Chaim. O Império Retórico. Retórica e Argumentação. Porto, Portugal: Edições Asa, 1999, p.47.
3
em três regiões da cidade e cujo recorte permite comparar modelos diversos de moradias e de
classes sociais e verificar se são também distintas as representações presentes nos anúncios.
Objetivamos averiguar como um condomínio residencial, que no lançamento é
apenas um projeto arquitetônico composto por plantas e ilustrações, se “materializa” em bem
de consumo na publicidade.
A nossa pesquisa justifica-se pela presença cada vez maior da publicidade
imobiliária nos mais diferentes meios, reflexo do crescimento expressivo de lançamentos e
que fez do mercado imobiliário um dos grandes propulsores da economia do país nos últimos
dois anos
8
. Crescimento motivador, inclusive, do surgimento de encartes segmentados em
jornais e revistas de grande circulação, bem como um guia exclusivo de imóveis com
distribuição gratuita em toda a cidade.
9
Segundo a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio, na última década, a
capital paulista teve 4.374 lançamentos imobiliários, entre prédios de apartamentos e
condomínios horizontais, totalizando 358.751 unidades. Já entre agosto de 2006 e julho de
2007, cerca de 40.400 unidades foram lançadas.
10
São milhares de novos endereços para
milhares de pessoas, as mesmas que “escolhem identidades” para estar na cidade-mundo
também são confrontadas por construções, tanto físicas quanto simbólicas, para permanecer
nela.
O que diferencia a produção da mercadoria-imóvel dos demais bens de consumo
(e também o que o torna um dos mais caros para a aquisição) é o fato do terreno onde o
imóvel será construído constituir-se, também ele, uma mercadoria. Até por isso a localização
de um imóvel já foi comparada à das marcas de produtos:
Assim como os objetos, os bairros da cidade vão adquirindo valores de marca. Desta
forma, dizer em São Paulo que alguém é morador do bairro do Morumbi ou dos
Jardins, da mesma forma que dizer que outro é morador de Itaquera ou Cidade
Ademar, por si só, já permite que se crie uma idéia da classe social a qual este
indivíduo pertence.
11
8
SECOVI- SP. Balanço de 2008. Disponível em: <http://www.secovi.com.br/pesquisa/balanco/2008/download/
mercado.pdf >. Acesso em 13 fev. 2009.
9
Minha Casa, Meu Imóvel da revista Isto É, Revista Morar do jornal Folha de S. Paulo, Caderno Imobiliário do
jornal Estado de S. Paulo, Caderno JT Imóvel do Jornal da Tarde, além das quatro edições do Guia Qual, com
tiragem de 400 mil exemplares mensais distribuídos gratuitamente. GUIA QUAL IMÓVEL Disponível em:
<www.guiaqual.com.br>. Acesso em 06 jul. de 2008.
10
EMBRAESP. Pesquisa. Empreendimentos Residenciais (Período 10 anos). Disponível em:
<http://www.embraesp.com.br/principal.asp?escolha=pesquisas/estat>. Acesso em 21 jan. 2008.
11
RENNÓ, Raquel. Espaços residuais: análise dos dejetos como elementos comunicacionais. 2007. Tese
(Doutorado em Comunicação e Semiótica) Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica,
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 48.
4
Sobre esse aspecto, Baudrillard já alertava para a importância do espaço e da sua
marcação nas sociedades contemporâneas, podendo o habitat ter uma função oposta à dos
objetos de consumo, servindo para tanto para homogeneizar como para discriminar.
12
Verificamos que, nos anúncios de condomínios residenciais, um dos “enclaves
fortificados”, construídos como espaços homogêneos, na concepção de Caldeira,
13
trazem
representações que transitam entre “um privado e um público”, já que é possível estar na
privacidade de “casa” e na comunidade do condomínio ao toque do botão do elevador.
A criação de marcas e respectivos conceitos não apenas ajuda a distinguir um
lançamento de outro, como também acaba por denominar novos territórios simbólicos, além
dos impostos pela arquitetura e pelos muros dos empreendimentos.
Foram essas percepções sobre produto imóvel articuladas com a singularidade da
produção das mensagens imobiliárias, que deram origem a este estudo. Nele analisamos mais
detidamente os anúncios que atravessam leitura dos principais jornais da cidade de São Paulo
com suas páginas triplas e duplas “colorindo” as notícias.
Para nós a publicidade tem um papel central na sociedade, não de “manipuladora”
de consumidores, mas como um dos principais agentes midiáticos contemporâneos, mediando
comportamentos no mundo atual, com as suas rápidas mudanças, o esvaziamento das relações
e a busca de um lugar de permanência e de pertencimento.
O estudo mais detido da produção das mensagens, dos significados e estilos de
vida que habitam nos seus discursos, pode contribuir para um avanço no campo da
comunicação por sua especialidade e atualidade.
Para compreender as características de um lançamento imobiliário, abordamos, no
primeiro capítulo, alguns conceitos da produção do espaço na sociedade capitalista a fim de
localizarmos o imóvel residencial sob a perspectiva da constituição do produto. Nosso
objetivo foi verificar quais os envolvidos no lançamento, a origem das decisões sobre a
composição do produto, que subsidiam o seu planejamento e, conseqüentemente, a criação da
campanha publicitária. Avaliamos também a influência das agências de publicidade nessas
decisões, as principais especificações do briefing recebido pelos publicitários, as peças que
compõem uma campanha de lançamento e a experiência do test living, que é a visita ao
apartamento-modelo decorado.
12
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 56.
13
CALDEIRA, Teresa P. do Rio. Enclaves fortificados: a nova segregação urbana. Novos estudos CEBRAP,
n.47, p. 155-176, mar., 1997.
5
No segundo capítulo, nos aproximamos dos estudos de Everardo Rocha sobre a
publicidade como mito contemporâneo, estendendo as suas análises para a publicidade
imobiliária. Assim, depois de localizar o empreendimento no domínio da produção,
investigamos a sua inserção na esfera do consumo por meio de um sistema de classificação,
no qual o produto ganha um nome e uma marca que irá contar outra história dentro do
anúncio, que nada tem a ver com a da sua produção.
No terceiro capítulo, investigamos a multiplicidade das identidades atuais
acompanhando Hall em um percurso sócio-histórico, e também com Bauman e Kellner, como
substrato para o entendimento do papel da publicidade imobiliária mediando sentidos de
pertença e de permanência em uma cidade-pressa como São Paulo.
No quarto capítulo, a partir dos conceitos basilares da Análise de Discurso
Francesa, elencamos alguns pressupostos teóricos de Maingueneau, que orientaram os
procedimentos de análise do discurso do nosso corpus, a partir das “cenas de fala” onde são
incorporadas identidades e sentidos.
No quinto capítulo, à luz da retórica presente na publicidade, discutimos os
modelos apolíneo e dionisíaco de Carrascoza em suas características gerais e específicas, bem
como o ready-made apontado pelo autor como um recurso retórico muito utilizado pelos
criativos nas campanhas de bens de consumo de massa.
Por meio dessas aproximações, delineamos o percurso das discussões teóricas que
nos serviram de norte para desvelar a construção simbólica dos produtos imobiliários de
nosso corpus, cujas análises do discurso e retórica realizamos no sexto capítulo.
Como escreve Silverstone:
Examinar os textos da mídia retoricamente é examinar como os significados são
produzidos e arranjados, de modo plausível, agradável e persuasivo. É explorar a
relação entre o familiar e o novo; decifrar a estratégia textual […] compreender
como os lugares-comuns se relacionam com o senso comum; como a novidade é
construída sobre uma base familiar; e como os truques são criados e os clichês
mobilizados em mudanças de gosto e estilo.
14
Lembramos DaMatta na introdução de A casa e a rua, na qual convida o leitor a
adentrar o texto como se estivesse entrando em sua casa.
15
Para o autor, há um sentido de hospitalidade por trás da maneira formal com a
qual recebemos visitas em casa. Um vamos entrando, não repare que revela respeito por
quem vem até nossa casa, querendo conversar conosco, uma forma de amortecer “a passagem
14
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002, p. 76.
15
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco,
1997.
6
entre a casa e a rua”, transformando estranhos ou conhecidos em visitas e fazendo de quem
recebe um anfitrião.
16
Se, para DaMatta, o livro é uma casa, para nós, este trabalho tornou-se um
pequeno edifício que investiga a publicidade imobiliária na paisagem midiática na sociedade
contemporânea.
Sabemos que, apesar de pronto para receber visitas, ele pode ser reformado,
ampliado e melhorado. Por hora ele está de portas e janelas abertas para a sua leitura.
16
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua..., op. cit. p. 11.
7
2. PREPARANDO O TERRENO PARA A CONSTRUÇÃO.
“A maneira como é satisfeita a necessidade de abrigo
é um critério indicador do modo como são
todas as outras necessidades.”
(Friedrich Engels)
Fazer um passeio por alguns bairros de São Paulo aos fins de semana é deparar
com uma cena cada vez mais comum: homens e mulheres agitando bandeiras ou exibindo
estandartes, chamando a atenção de motoristas e pedestres para um terreno aparentemente
vazio, circundado por tapumes pintados com logotipos de construtoras e/ou incorporadoras.
Dentro dele há uma construção: um estande de vendas identificado com a marca de um
imóvel em lançamento (que pode ser um apenas um edifício ou vários em um condomínio),
uma placa com a descrição sumária do produto como número de dormitórios, suítes,
metragem e os nomes das construtoras, incorporadoras, empresa de vendas e dos
engenheiros e arquitetos responsáveis pela obra.
Dentro do estande vemos a maquete do empreendimento no centro de uma sala
com mesas e cadeiras, cujas paredes são decoradas com plantas arquitetônicas e imagens
hiper-realistas dos ambientes internos e externos do imóvel.
Anexa ao estande há ainda outra construção, que simula o produto: um ou mais
apartamentos-modelo decorados exclusivamente para que o visitante possa conhecer o
imóvel, um projeto de moradia que só ficará pronto em dois ou três anos.
Antes mesmo de essas construções estarem prontas, a demolição de casas ou a
movimentação de máquinas e de caminhões limpando o terreno e, depois, o lugar totalmente
vazio comunicam transformações da paisagem urbana.
Em uma linha de montagem fabril, como escreve Rocha, a produção ocorre entre
matérias-primas e máquinas, resultando em um trabalho múltiplo, indeterminado, indistinto,
já que
[...] o ponto central do processo de produção não é o grupo específico de operários,
mas o conjunto de máquinas dispostas a receber qualquer operário. Isso significa a
ausência da marca do humano, pois esta é, por excelência, marca de particularidade
e diferenciação.
17
Ao contrário das fábricas, onde os produtos são feitos longe do olhar do
consumidor, a construção de um imóvel permite acompanhar o seu processo de produção. Dia
17
ROCHA, Everardo P. G. Representações do Consumo: estudos sobre a narrativa publicitária. Rio de Janeiro:
Mauad, 2003, p.23.
8
após dia a obra comunica o trabalho sendo transformado em produto, mas também se trata de
um produto impessoal, feito em série, pertencente ao domínio da produção e não do consumo.
Ainda que os estilos arquitetônicos mudem de um edifício para outro, continuam a
ser construções físicas indistintas se não houver uma valoração de uso: “Sem o consumo o
objeto não se completa como produto: uma casa que permaneça desocupada não é uma
casa.”
18
E, acrescentamos, uma casa em construção ainda não é uma casa.
Entre a produção e o consumo existe um espaço intermediário ocupado pelo
sistema publicitário que confere sentido ao produto. É nesse lugar que “o produto calado na
sua história social se transforma em um objeto imerso em fábulas e imagens.”
19
2.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO.
Para discutirmos o lugar intermediário que ocupa a publicidade,
entre a produção
e o consumo, é fundamental revermos alguns conceitos sobre a sociedade capitalista e os
processos de produção do imóvel, para, então, compreendermos a sua construção física e
simbólica.
Recorremos ao conceito marxista das condições gerais de produção, das quais os
meios de circulação material (meios de comunicação) também fazem parte
[…] na medida em que estendem o processo de produção ao processo de circulação
entrando, portanto, na esfera do consumo produtivo através do qual o trabalhador
consome os meios de produção e os converte em produtos de um valor maior que o
desembolsado pelo capital.
20
Como produção, Lojkine refere-se à atividade que permite a reprodução da força
de trabalho, não entendendo a fabricação material dos suportes físicos (da produção civil), de
tal maneira que consumir não é sua função social, mas sim fazer com que o consumo seja
possível. Até por isso insiste na interação constante entre a esfera da produção, a da troca e a
do consumo.
21
Em A Cidade do Capital, Lefebvre analisa, sob a concepção marxista, as
diferenças entre a produção impessoal de coisas (produtos) e a de obras, como sendo todo o
resto (dependente de sujeitos): “[…] Produzir em sentido amplo é produzir ciência, arte,
18
SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro: URFJ, 2004, p. 182.
19
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo, um estudo antropológico da publicidade. São Paulo:
Brasiliense, 1995, p. 67.
20
LOJKINE, Jean. O papel do estado na urbanização capitalista. In: FORT, Reginaldo (Org.). Marxismo e
urbanismo capitalista. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p.19.
21
Ibid. p. 27-37.
9
relações entre os seres humanos, tempo e espaço, acontecimentos, história, instituições, a
própria sociedade, a cidade, o Estado, em uma palavra: tudo.
22
A produção do espaço e da cidade na sociedade capitalista tem sido objeto de
estudos dos campos da arquitetura, urbanismo, geografia, engenharia e antropologia, nas
quais encontramos muitos autores que nortearam a discussão do papel do incorporador como
um dos principais agentes na produção imobiliária contemporânea.
O imóvel residencial, seja ele denominado produto-imóvel, imóvel-mercadoria ou
mercadoria-habitação, apresenta características que o diferencia dos produtos de consumo de
massa, como um televisor ou um automóvel, a partir da sua própria “fabricação”, uma vez que
o terreno sobre o qual será construído, de acordo com Topalov,
23
é em si mesmo um dos
meios de produção. Isso lhe confere uma especialidade por não ser possível reproduzir o
terreno, como acontece com as máquinas, as ferramentas, a energia das linhas de produção
das fábricas. Outro fator de diferenciação é o seu período longo de produção
24
(dois ou três
anos, em média).
O terreno a construir é definido por Topalov como um pedaço de espaço onde a
produção de uma construção irá acontecer, fornecendo o valor de uso necessário à sua
realização comercial. Nesse sentido, o autor salienta que o solo é a condição do valor de uso
da mercadoria-habitação,
25
cuja valorização depende da localização. Um terreno na periferia
da cidade de São Paulo, por exemplo, cujas imediações não disponham de serviços públicos
de qualidade, transporte, rede de água e esgoto, entre outros, tem um preço diferente daquele
situado em um bairro mais central, servido por completa infra-estrutura pública e privada
(valores de uso fornecidos pela aglomeração urbana).
Tanto que condomínios residenciais similares (e muitas vezes até iguais,
construídos por uma mesma empresa), mas localizados em regiões distintas da cidade, têm
valor de venda diferentes:
[…] para produzir duas unidades habitacionais idênticas, do ponto de vista de valor
de uso, o montante de capital que deve ser empregado pelo empreiteiro é diferente
segundo as localizações: para realizar a mesma operação, a soma do preço de
produção das mercadorias particulares que compõe variará; o empreendedor
22
LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 80.
23
TOPALOV, Christian. Análise do ciclo de reprodução do capital investido na produção da indústria civil. In:
FORT, Reginaldo. (Org.) Marxismo e urbanismo capitalista. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas,
1979, p.72.
24
Ibid., p. 54. Topalov esclarece que o período de produção compreende “[…] o período de trabalho duração
total dos processos de trabalho necessários para entregar o produto em seu estado final e as interrupções no
processo de trabalho. A duração do período de produção depende também do período de rotação do capital fixo e
da parte relativa deste no capital investido.”
25
Ibid., p. 56.
10
compara, segundo os terrenos, o preço de custo construção mais equipamentos” a
um valor de uso idêntico a diferença desta grandeza, segundo as localizações, vai
ser um primeiro componente na formação do preço do mercado dos terrenos.
26
De acordo com Lefebvre, o espaço é usado da mesma maneira que uma máquina
(numa fábrica) só que em outro nível, uma vez que o modo como é feito o “arranjo” espacial
de uma cidade ou de uma região, aumenta as forças produtivas
27
, já que o espaço produzido
torna-se, também ele, produtor.
A absorção do espaço preexistente, da terra e do solo é uma marca da
sobrevivência do capitalismo para o autor, pulverizando o espaço social da vida cotidiana por
meio do desenvolvimento e do planejamento econômico urbano, produzindo o seu próprio
espaço, transformado em mercadoria. Uma mercadoria que, contudo, não pode ser comparada
a nenhuma outra, já que ao mesmo tempo em que é produto e meio de relações sociais,
também reproduz produtos e relações sociais.
28
Em uma pesquisa com moradores de Copacabana na década de 1970, Velho
constatou que morar naquele bairro era um símbolo de prestígio social em determinado
período, bem como a existência de uma hierarquia de bairros e da sociedade como um
estímulo para que houvesse um deslocamento no espaço e, assim, novas despesas e
investimentos.
29
A ascensão de bairros (e até ruas) a categorias de “marcas” como um elemento de
distinção social aparece em campanhas de lançamentos imobiliários para valorizar ainda mais
o produto (e seu futuro morador). O contrário também ocorre, para sinalizar que o preço do
imóvel é mais acessível devido à sua localização periférica.
30
Isso porque bairros e ruas da cidade, como marcas de prestígio, aumentam ainda
mais o preço dos produtos imobiliários, segundo Costa. A terra assimilada como parte do
produto faz com que os atributos da localização física e simbólica do espaço urbano resultem
na geração de um preço de monopólio, que, na concepção marxista, é determinado pelo
26
TOPALOV, Christian. Análise do ciclo de reprodução do capital investido na produção..., op. cit., p.69.
27
Apud GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1997, p.127, 128.
28
Ibid., p. 133, 134.
29
VELHO, Gilberto. A utopia urbana. Um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1974,
p. 88,89.
30
Outro estudo sobre as localizações de empreendimentos imobiliários como marcas pode ser encontrado em
RENNÓ, Raquel. As cidades das marcas, marcas na cidade. In: INTERCOM - CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 26, 2003, Belo Horizonte. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP15_renno.pdf>. Acesso em 27 jul. 2007.
11
desejo e pela capacidade de pagamento dos compradores e não conseqüência do valor do
produto ou do preço de produção.
31
De acordo com Ribeiro, a não reprodutibilidade de uma das condições de
produção é que funda o preço de monopólio, “[...] em outras palavras, o fato de que as
condições habitacionais são profundamente diferenciadas pelo efeito de localização [...] faz
com que cada habitação produzida seja singular, apresente-se no mercado como única [...]
produzida pelas condições que regulam o solo.”
32
Costa analisa os processos de diferenciação do espaço na lógica do capitalismo
contemporâneo, na qual mercadorias são transformadas em signos para serem consumidos
com vistas a satisfazer necessidades conseqüentes da produção, entre elas a que se refere à
realização de uma localização (entre outros atributos) para a obtenção de sobrelucros.
33
Sob esse aspecto, Lefebvre alerta para o papel simbólico da propriedade
“fundiária” que, além dos efeitos econômicos, quantitativos, pressiona o desenvolvimento da
cidade qualitativamente. Isso ocorre por meio de novos significados atribuídos às
localizações.
34
2.2 NO TERRENO DO INCORPORADOR.
Para esclarecer quais os envolvidos na elaboração de um produto imobiliário,
Costa acompanha os conceitos de Topalov sobre a figura do incorporador, atuando “[…]
como suporte das práticas que visam contornar os obstáculos peculiares que envolvem a
atividade, tais como a questão da não reprodutividade da terra e a longa duração do período
de produção e circulação da mercadoria.
35
A incorporação imobiliária foi instituída por lei no Brasil em 1964 e Eduardo
Fontenelle cita a existência do incorporador em vários países, a fim de proteger os interesses
dos proprietários do imóvel em construção, devido aos grandes investimentos que esse tipo de
atividade demanda.
36
O incorporador é definido pela lei como
31
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem: uma investigação acerca da construção
dos discursos na produção do espaço urbano. 2002. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2002, p. 57.
32
RIBEIRO, L. C. Queiroz. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção de moradia na
cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Civilização Brasileira, 1997, p. 125, 126.
33
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit p. 57, 59.
34
LEFEBVRE, Henri, A cidade do capital, op. cit., p. 167, 168.
35
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 52.
36
FONTENELLE, Eduardo C. Estudo de caso sobre a gestão do projeto em empresas de incorporação e
construção. 2002. Dissertação (Mestrado em Engenharia) Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São
Paulo. 2002, p. 37.
12
[…] a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a
construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno […]
coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o
caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras
concluídas.
37
O incorporador é um gestor da produção e da circulação da moradia, responsável
pela coordenação e controle de várias fases do processo, desde a arrecadação do crédito
(devido ao longo tempo de produção), dos recursos produtivos até a comercialização do
produto. Desta forma, Costa analisa o exercício do projeto arquitetônico como parte das
estratégias da incorporação imobiliária (além das atribuições simbólicas das localizações),
adaptando o produto ao mercado, o que ratifica as afirmações de Topalov sobre o papel do
promotor imobiliário nas determinações da mercadoria-imóvel, adentrando na esfera das
atividades arquitetônicas.
38
Cambler nos esclarece sobre aqueles que formam o conjunto do empreendimento
imobiliário, “[…] o proprietário do terreno (quando o próprio incorporador não é o titular do
domínio), o projetista, o construtor (quando o incorporador não desenvolve essa atividade), o
agente financeiro, o corretor de imóveis, o adquirente.
39
Ao discutir o consumo simbólico na sociedade contemporânea, Costa discorre
sobre a cultura de consumo se impondo à produção da mercadoria-imóvel, na qual o projeto
arquitetônico de um lançamento imobiliário acaba por se alinhar com o projeto da campanha
publicitária.
40
Ao acionar as técnicas que são da publicidade (ou permitir que elas prevaleçam), o
espaço que ela constrói passa a ter um caráter dominante de representação,
comunicação, destinada a exercer-se principalmente não no espaço construído, mas
no espaço publicitário (mídia, jornais).
41
2.3 ARQUITETURA E PUBLICIDADE.
Percorremos também as análises de alguns conceitos de Eco sobre a arquitetura, a
fim de compreender esse alinhamento de que trata Costa.
37
Ibid.
38
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 50.
39
CAMBLER, E. Augusto. Parecer Ademi - Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da
Bahia. Disponível em: <http://www.sindusconjp.com.br/anexos/documentos/12222 79964870.doc>. Acesso em
01 fev. 2009.
40
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 23, 24.
41
Ibid., p. 29.
13
Ao situar a arquitetura como comunicação de massa, Eco se refere a vários
discursos arquitetônicos: o persuasivo, o da persuasão oculta, o fruído na desatenção, entre
outros, salientando do mesmo modo que a arquitetura está sujeita às determinações do
mercado.
Em arquitetura os estímulos são ao mesmo tempo ideologias. A arquitetura conota
uma ideologia do habitar e, portanto, se oferece, no momento mesmo em que
persuade, a uma leitura interpretativa capaz de levar a um “acréscimo” informativo.
Informa sobre algo novo, quanto mais quer fazer habitar de modo novo e quanto
mais quer fazer habitar de modo novo tanto mais persuade, mediante a articulação
de várias funções segundas conotadas a fazê-lo.
42
O autor evidencia a necessidade de articulação dos significantes arquitetônicos
para denotar funções (significados daqueles significantes), porém, acrescenta que o sistema de
funções não pertence à linguagem arquitetônica, mas a outras esferas da cultura. Como fato
cultural, a arquitetura institui-se por outros sistemas de comunicação, que configuram a
realidade por meio de instrumentos diversos, como gestos, relações espaciais e
comportamentos sociais.
43
Eco assinala ainda a distinção entre a construção do objeto e a elaboração do
projeto do objeto, cuja leitura depende dos códigos utilizados nas diferentes formas de
notação do projeto.
44
Discorrendo sobre O Capital, Harvey
45
reafirma a forma exclusivamente humana
do trabalho, na qual o projeto surge na imaginação do trabalhador antes de se transformar em
realidade ou, nas palavras de Marx:
[...] o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua
construção antes de transformá-la em realidade […] não transforma apenas o
material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha
conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar
e ao qual tem de subordinar sua vontade.
46
O arquiteto, contudo, não tem total liberdade de ação segundo Harvey. Sua prática
é espaço-temporal, sua vontade de criar entra em um processo sujeito a regras, custos,
preferências dos clientes, de tal forma que os promotores, as empresas de crédito, as
42
ECO, Umberto. A estrutura ausente. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 224 -226.
43
Ibid., p. 231-247.
44
Ibid., p.217
45
HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Ed. Loyola, 2004, p. 262, 263.
46
MARX, Karl. Processo de trabalho e processo de produção de mais valia. In: O capital, v. 1. Cap. VII.
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ma000067.pdf>. Acesso em 25 out. de
2008.
14
construtoras e o conjunto do Estado “têm mais a dizer sobre a forma final da coisa a
construir” do que o arquiteto”.
47
Os empreendimentos existem na imaginação antes de serem realizados e, de
acordo com o autor, a força do capitalismo com sistema social reside na capacidade de
“mobilizar múltiplos imaginários dos empreendedores, financiadores, promotores de
desenvolvimento, artistas, arquitetos e mesmo planejadores e burocratas governamentais”, e
até o do trabalhador comum, envolvendo-os em atividades materiais que alimentam a auto-
reprodução do sistema.
48
Costa analisa a publicidade na ideologia do consumo, discutindo a sua não
exterioridade à mercadoria para compará-la à arquitetura na incorporação imobiliária,
portanto, ambos sujeitos à lógica do capital.
49
O autor nos lembra que, as imagens (o design do produto) são trabalhadas por
profissionais de marketing para agregar valor ao imóvel, articuladas com a diferenciação dos
produtos pela publicidade, para a geração de preço de monopólio, transformação simbólica do
uso do solo, entre outros.
50
Para nós, a criação publicitária trabalha com elementos fornecidos pelos
responsáveis pelo lançamento, da mesma maneira que o arquiteto, sejam eles diretores ou
gerentes de incorporação ou de marketing. Estes últimos, por sua vez, podem ser profissionais
das empresas incorporadoras, de agências de publicidade ou mesmo de empresas de vendas.
Carreira aponta os atributos da dimensão simbólica dos bens de massa (não
apenas os da dimensão funcional) como aqueles que mais valorizam uma mercadoria.
Segundo ele, é no departamento de marketing que nasce o posicionamento do produto que,
“[...] sob a perspectiva da circulação de significado, permite pensar a mercadoria e sua marca
como um texto que comunica algo e que faz algum sentido para quem a compra.
51
O mesmo ocorre com os lançamentos imobiliários. A equipe criativa das agências
elabora as campanhas tendo em mãos as informações decorrentes desse posicionamento,
incluindo as imagens da arquitetura, ainda que as mesmas tenham sido orientadas por um
profissional de marketing para projetar determinados ambientes em lugar de outros com o
objetivo de estabelecer diferenciais para os produtos.
47
HARVEY, David. Espaços de esperança, op. cit., 267, 268.
48
Ibid., p. 268.
49
COSTA, André.. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., Op. cit. p. 24- 31.
50
Ibid., p. 89-103. O autor esclarece as funções de marketing e de propaganda em seus estudo, deixando claro
cada uma das atribuições, inclusive citando os 4 Ps Produto, Preço, Praça e Propaganda.
51
CARREIRA, José C. Da estratégia do anunciante à comunicação publicitária: o caminho do significado. In:
PEREZ, Clotilde; BARBOSA, I. Santo. (Orgs.). Hiperpublicidade, Fundamentos e interfaces. São Paulo:
Thomson Learning, 2007. v. 1. p. 106, 107.
15
Aí se dá o alinhamento de que trata Costa, o arquiteto cria um projeto seguindo as
orientações de um briefing, cujo posicionamento foi concebido pelo incorporador e/ou
profissional de marketing.
Muitas vezes o processo de elaboração de um lançamento imobiliário possui
outros envolvidos, além dos profissionais da empresa incorporadora, como o dono do terreno
(que pode negociar parte das unidades em permuta, com direito a interferir no projeto), as
empresas de crédito, quando atuam como participantes, e as empresas de vendas.
A influência das empresas de vendas é bastante significativa ainda hoje, por
estarem “mais próximas dos potenciais compradores” devido ao contato diário de seus
profissionais (corretores de imóveis) ou por trabalharem com diversos incorporadores.
As empresas de vendas funcionam como “consultoras” na formatação das
características do projeto e para isso, inclusive, algumas criaram departamentos de marketing
especialmente para atender clientes que não disponham desses profissionais.
52
Igualmente a agência de publicidade pode assumir a função do profissional de
marketing, como uma extensão da empresa. Quer por estruturar seu departamento de
planejamento com vistas a suprir necessidades de clientes menores, quer por criar uma
estratégia de negócios orientada para oferecer uma gama maior de serviços para o
incorporador.
A influência de algumas agências de publicidade no planejamento do produto
passou a ser mais intensa a partir da década de 1980, coincidindo com a intensificação dos
lançamentos de condomínios residenciais verticais.
Esse modelo de moradia, com uma ou várias torres de apartamentos e enormes
áreas verdes e de lazer, é uma edificação recente na cidade de São Paulo. O próprio hábito de
viver em apartamentos se tornou mais freqüente a partir de 1960/1970, conforme destaca
Simone Villa
53
, sendo que, ainda hoje, os apartamentos representam apenas 25,04% dos
domicílios da cidade.
54
Nos anos de 1970, segundo a autora, as áreas de uso comum começaram a surgir
em empreendimentos de alto luxo, tendência que foi consolidada nas décadas seguintes como
um diferencial: “se por um lado, na década de 1980, na maioria dos anúncios publicitários de
52
Em 2006 uma das maiores empresas de corretagem, a Abyara, se tornou incorporadora. Disponível em:
<http://www.abyara.com.br/ri/>. Acesso em 05 fev. 2009.
53
VILLA, Simone B. Mercado Imobiliário e Edifícios de Apartamentos: produção do espaço habitável no século
XX. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp390.asp>. Acesso em 07 jul. 2007.
54
Dos 2.826.603 tipos de domicílios do município de São Paulo, 73,45% são casas; 1,49%, cômodos e 25,04%
são apartamentos. FUNDAÇÃO SEADE; IBGE, Censo Demográfico 1991, 2000. Disponível em
<http://www.seade.gov.br/produtos/msp/hab/hab1_005.htm> Acesso em 08 jun. 2008.
16
ofertas de apartamentos para venda, a ênfase era dada sobre o produto [...] a partir de meados
da década de 1990, os estilos de vida começaram a ser valorizados.
55
A mudança na configuração dos empreendimentos coincide com a mudança de
apelos criativos das mensagens das campanhas, a partir da criação de conceitos de moradia
carregados de significados emocionais, além dos aspectos racionais dos produtos.
A propaganda com conceito passa a ser mais comum a partir de 1960, como
aponta Carrascoza, com a utilização de novos procedimentos criativos e recursos retóricos. O
modelo apolíneo, contudo, ainda era o dominante, com o uso de argumentos racionais para
destacar os atributos do produto fundamentados em uma estrutura dissertativa, de
convencimento.
56
No decorrer dos anos de 1970 e nos seguintes, encontramos mais presentes os
apelos emocionais característicos do modelo dionisíaco, alicerçados em narrativas persuasivas
e não mais de convencimento, que privilegiam estilos de vida
57
; a emoção (human interest)
sobrepondo-se a razão (reason why) na busca pela adesão do leitor e sua identificação com o
“universo mágico” da publicidade.
2.4 NO TERRENO DA PUBLICIDADE.
Para ilustrar esse período de transição pelo qual passou a cidade, e a publicidade
imobiliária, com a chegada de um grande número de lançamentos de condomínios verticais,
utilizamos dois anúncios que trazem diferentes recursos suasórios.
O primeiro, da construtora Della Manna do fim da década de 1970 (figura 1),
segue mais o modelo apolíneo, alicerçado na razão, elencando as desvantagens de morar em
apartamentos comparativamente aos benefícios de viver em uma casa.
55
VILLA, Simone B. Mercado Imobiliário e Edifícios de Apartamentos..., op.cit.
56
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário. São Paulo: Futura, 1999, p.104, 105.
57
Id. Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura, 2004. p. 181, 182.
17
Figura 1 Anúncio da Construtora João Carlos Della Manna.
Fonte: II Anuário do Clube de Criação de São Paulo, 1977, p. 66
Os argumentos são divididos em quatro rounds: o primeiro aborda a posse e a
privacidade: Quando você mora em apartamento, o dono é o síndico. Quando você mora em
casa, o dono é você mesmo. O segundo volta-se para a questão econômica: Em São Paulo
existem apartamentos de alguns bi. Já imaginou isso empregado na construção de uma casa?
O terceiro apela para a liberdade e o bem-estar: O que faz um homem morar em um
apartamento em lugar de uma casa? As pessoas que vivem nas grandes cidades estão
perdendo alguma coisa de essencial. [...] Elas praticamente hibernam. Em anônimos
apartamentos onde a sua liberdade só termina e a dos outros só começa.
E, finalmente, o último round, que traz alguns atributos da empresa: Nós não
somos uma fábrica de edifícios, mas um escritório de artesanato. Construímos como você
imagina que deva ser sua casa.
Mais racional e, portanto, próximo do modelo apolíneo, o slogan sintetiza e
ratifica a mensagem do anúncio: A vitória do bom senso.
Já o anúncio da década de 1980, do Condomínio Alameda dos Pinheiros (figura
2), faz da disputa entre casa e apartamento uma narrativa bem humorada, discorrendo sobre os
problemas de uma família que mora em uma casa, em vez de ressaltar as qualidades do
produto (um condomínio de apartamentos), características mais próximas do modelo
dionisíaco: Querido: O filtro da piscina quebrou. A fossa entupiu. O piso da quadra de tênis
está uma droga. Parece que a antena da TV está fora do lugar, não está pegando nada.
18
Figura 2 Anúncio do empreendimento Alameda dos Pinheiros.
Fonte: X Anuário do Clube de Criação de São Paulo, 1985, p. 178.
O anúncio não tem título, apenas um slogan em que é feita referência ao produto,
como solução para todos os problemas: O jeito é comprar um apartamento no Altíssimo de
Pinheiros. É o papel da "moral da história", mais comum em slogans de textos de feitio
dionisíaco.
58
A importância do conceito na publicidade e dos apelos emocionais nas campanhas
de lançamento é percebida como resultado de uma estratégia que visa agregar valores aos
produtos, físicos e simbólicos, como resposta aos “anseios” do consumidor.
Reproduzimos abaixo um trecho de uma entrevista do documentário Arquitetando
Imagens: o marketing imobiliário, em que o dono de uma agência de publicidade trata
exatamente dos conceitos como um diferencial para os produtos e sua comunicação:
Os produtos imobiliários estão com valores agregados e isso a agência tem
participado bastante […] gente que gosta de viver sozinha, a gente cria essa
Comunicação, e o empreendimento tem uma série de serviços para atender esse tipo
de consumidor […] a agência tem participado bastante nos valores e nos serviços
desses produtos e a Comunicação é um reflexo desse tratamento, dessa pesquisa.
Diferente do mercado imobiliário no passado, onde você tinha um produto único,
quer dizer, você vendia um espaço de 60 m2 e a publicidade tinha de se desdobrar e
inventar moda para tornar aquele produto diferente, atrativo.
59
Assim como Costa havia sinalizado o papel das empresas de vendas e das
agências de publicidade no atendimento às incorporadoras na época de seu estudo, pudemos
58
CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade no texto publicitário..., op. cit., p.190.
59
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 77.
19
observar um relativo aumento de profissionais de marketing nas próprias empresas de
incorporação e de construção. Alguns deles são egressos de agências de publicidade, onde já
exerciam a função de mediadores entre as áreas técnicas e de desenvolvimento de produtos
das empresas e a equipe de criação.
Em outros casos, engenheiros e arquitetos complementam a formação em cursos
de extensão e pós-graduação em marketing, acumulando funções na empresa.
Creditamos esse fato ao crescimento do mercado imobiliário nos últimos anos e,
mais recentemente, a necessidade de lançamentos concomitantes decorrente das exigências da
abertura de capital na bolsa de valores.
60
2.5 O PRODUTO E SUA CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA.
Os profissionais de marketing são responsáveis por acompanhar todo o processo
da criação do produto
61
, conhecedores das diferentes fases do processo de elaboração do
lançamento imobiliário, articulam as áreas técnica (do projeto), comercial (vendas) e
institucional (das empresas envolvidas), interferindo diretamente na criação do projeto, da
campanha publicitária e nas estratégias de vendas.
62
Ao se aproximar do arquiteto, discute os parâmetros para a criação do projeto
levando em conta o perfil de morador, fazendo sugestões de estilo arquitetônico, de novos
ambientes nas áreas de uso comum e detalhes que possam agregar “valor” ao produto.
Na sua relação com a equipe de criação das agências, além de ser o responsável
pelo briefing para a elaboração da campanha, fica bem próximo dos profissionais nas
discussões sobre caminhos criativos ainda em processo, acompanhando de perto a produção
das peças.
Com os responsáveis pelos custos, sugere a faixa de preço ideal e as possíveis
condições de pagamento a partir de limites preestabelecidos.
60 Entre 2005 e 2007, vinte e uma construtoras, incorporadoras ou corretoras de imóveis abriram o capital na
bolsa de valores. CARVALHO, Denise. A bolsa não perdoa. Portal Exame, São Paulo. Disponível em:
<http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0909/negocios/m0147802.htm>. Acesso em 31 out.
2008.
61
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 72. Segundo o autor, esse
profissional trabalha do marketing interno à estrutura de lançamento e estratégia de vendas, orientando,
inclusive, os corretores a partir dos diferenciais do produto.
62
FONTENELLE, Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p. 199. Em uma das empresas
estudadas pelo autor, cabe à gerência de produto orientar a confecção da maquete e das ilustrações do produto,
repassando-as para a gerência de marketing. Esta, por sua vez, planeja a estratégia de lançamento, contrata a
agência e acompanha tanto o desenvolvimento da campanha como das demais peças, inclusive a confecção da
maquete, das ilustrações e do estande de vendas.
20
Ao apresentar a campanha para a equipe de vendas, por exemplo, fica a cargo
desse profissional discorrer sobre o conceito do produto e o que esse conceito abarca: do
estilo arquitetônico ao estilo de vida.
Relembramos que ele pode trabalhar na incorporadora ou na construtora, bem
como na empresa de vendas ou na agência de publicidade.
Quanto à formatação do produto, Eduardo Fontenelle trata das estratégias de
diferenciação de lançamentos imobiliários, que podem ocorrer tanto no produto (projeto),
quanto na forma de distribuição e nas ações de marketing. Dentre as estratégias apresentadas
destacamos as de implementação produtos voltados para nichos de mercado, depois da
análise das características do público alvo por meio de pesquisas de mercado as de
tecnologia ou a de serviços e, enfim, a estratégia de lançamento que deve enfatizar essa
diferenciação.
63
As pesquisas de mercado são uma maneira do profissional de marketing legitimar
sua autoridade para se alinhar à satisfação do consumidor:
[…] ele é o profissional que representa este consumidor, estuda e interpreta o
imaginário que envolve o consumo de bens imóveis; identifica, segmenta e constrói
as demandas diferenciadas; decodifica, codifica e recodifica a composição dos
atributos do produto imobiliário, sejam eles de natureza arquitetônica, de serviços ou
puramente simbólicos […] permitindo que a cada nicho de mercado definido pelo
perfil corresponda um preço de venda produzido pela prática da criação de diferenças
e construção de identidades sociais […]
64
Para Eduardo Fontenelle, o uso sistemático das pesquisas de mercado não está
totalmente consolidado. Ainda que seja reconhecida a importância do procedimento para o
sucesso comercial, “[…] essa etapa é muito mais um “pré-requisito” para definição precisa do
produto imobiliário, especialmente como forma de direcionar a compra de terreno.”
65
A pesquisa pode ser um dos itens, uma vez que um produto a ser lançado passa
por alguns estudos de viabilidade:
[…] sob responsabilidade direta da incorporadora, com a assessoria técnica da
construtora em alguns momentos, essa etapa vai desde a análise de terrenos
ofertados ou buscados pela empresa, definição do produto e estudo de massa,
passando pelo estudo de viabilidade do empreendimento, até o desenvolvimento do
projeto legal e lançamento do produto ao Mercado.
66
63
FONTENELLE, Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p. 30.
64
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 82, 83.
65
FONTENELLE, Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p. 306.
66
FONTENELLE, Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p. 261.
21
No anúncio a seguir, do empreendimento Domínio Marajoara (figura 3), a
imagem "hiper-realista" de uma piscina, cercada por palmeiras e exuberante vegetação
poderia ser a de um resort, a de um hotel na praia ou a de clube de campo.
Figura 3 Anúncio do empreendimento Domínio Marajoara.
Fonte: Estado de S. Paulo, 28 out. 2007.
A publicidade cria a “embalagem conceitual” para um projeto residencial
concebido com esses diferenciais, ou seja, a partir de um posicionamento e de uma
“ambiência” (que faz a área de lazer parecer um paraíso tropical) criada pelo projeto de
arquitetura.
Como se refere Baudrillard, a natureza “verdadeira” não transforma a ambiência
cotidiana, mas sim o seu oposto, as férias, “esse simulacro natural” que vive da idéia da
natureza. São as férias que fornecem as cores que comandam o cotidiano.
67
No anúncio, as cores desse cotidiano se complementam no enunciado: Viva o
clima de praia, campo e cidade num só lugar, todos os dias.
Isso nos faz pensar que, assim como a publicidade serve de álibi para o
consumo
68
, a “imagem da arquitetura” legitima o consumo da publicidade imobiliária.
Ela (a publicidade) se baseia também na existência imaginária das coisas, da qual ela
é a instância. Ela implica a retórica, a poesia, sobrepostas ao ato de consumir,
67
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1993, p. 41.
68
Ibid., p. 175, 176.
22
inerentes à representação. Essa retórica não é apenas verbal, mas também material.
[…] Consumo imaginário, consumo do imaginário os textos de publicidade e
consumo real não têm fronteiras que os delimitem […]
69
Se a publicidade completa as representações da arquitetura, como vimos no
anúncio do Domínio Marajoara, o contrário também pode ocorrer, já que, muitas vezes, a
agência recebe o briefing para a criação da campanha ao mesmo tempo em que o arquiteto
recebe o briefing para a criação do projeto, e a arquitetura pode, assim, contemplar conceitos
trazidos pela equipe criativa.
A campanha sugerida pela agência pode suscitar determinado estilo arquitetônico
para a fachada ou mesmo para o paisagismo. Essa interferência, contudo, é resultado de uma
“embalagem conceitual” e apenas se avizinha à arquitetura para que ambas atendam às
solicitações do briefing.
No exemplo a seguir, do empreendimento Yorker, podemos associar o nome do
produto na capa do folheto (figura 4) ao estilo arquitetônico da fachada (figura 5), que lembra
o de alguns edifícios nova-iorquinos.
Figura 4 e Figura 5 Capa do folheto de vendas e perspectiva da fachada do empreendimento Yorker.
Além da marca do produto, o uso da foto de uma das pontes de Nova Iorque e o
enunciado na primeira página do folheto de vendas reforça essa percepção (figura 6): De
Nova York para o mundo. O seu mundo.
69
LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991, p. 100.
23
Figura 6 Primeira página do folheto de vendas do empreendimento Yorker.
A palavra Nova Iorque é a idéia central para a construção de uma rede associativa,
prática muito comum entre os criativos a partir da década de 1990, de acordo com Carrascoza,
como estratégia persuasiva de anúncios ou mesmo de campanhas.
70
A “embalagem conceitual” criada a partir do nome do empreendimento, os tipos
utilizados na marca, os tijolos aparentes da capa do folheto e a imagem da ponte
nova-iorquina ilustrando o conceito do produto, formam uma rede associativa por
semelhança
71
e sinalizam, a partir do estilo arquitetônico, o estilo de vida que o
empreendimento irá abrigar.
Harvey se refere ao modo como a arquitetura e o projeto pós-moderno fazem uso
das citações de informações e de imagens de formas urbanas e arquitetônicas de vários
lugares do mundo como uma re-representação típica da sociedade contemporânea “[…] o
mascaramento vem não só da inclinação pós-moderna de citação eclética, mas de um evidente
fascínio pelas superfícies […]
72
Isleide Fontenelle também discute a arquitetura pós-moderna dialogando com
Arantes, para quem suas imagens funcionam como imagens publicitárias e a cidade se torna
70
CARRASCOZA, João Anzanello. Redação publicitária: estudos sobre a retórica do consumo. São Paulo:
Futura, 2003, p. 18.
71
Id. Do caos à criação publicitária. Processo criativo, plágio e ready-made na publicidade. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2008, p.19.
72
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo:
Loyola, 2007, p. 86, 87.
24
midiática por meio do predomínio de um tipo de “onipresença do superficial” na forma
arquitetônica e cuja “matriz” é a cidade americana.
73
Como muitas vezes o briefing chega à agência e ao arquiteto ao mesmo tempo, e a
discussão sobre o estilo arquitetônico do produto pode ser realizada em reuniões com a
presença dos vários envolvidos, incluindo a empresa de vendas, a definição do produto pode
ser conseqüência dessas várias articulações.
A valorização das áreas de lazer dos empreendimentos, que aumentaram de
tamanho, ao contrário dos apartamentos, também surge como um diferencial e, nesse caso, o
arquiteto responsável pelo projeto paisagístico pode ser um dos principais influenciadores no
“estilo do produto”.
Para Villa, a valorização das áreas coletivas, em contrapartida à diminuição das
áreas dos apartamentos, faz com que atividades que antes eram feitas dentro dos lares,
passassem a ser realizadas nos ambientes de uso comum.
Além dos espaços de lazer tradicionais como piscinas, playgrounds e áreas verdes,
vários empreendimentos começaram a oferecer espaços específicos para outras
atividades, anteriormente realizadas nos apartamentos de áreas maiores […] A
unidade reduzida teve que exportar muitas das atividades antes realizadas em seu
interior para o espaço coletivo dos edifícios e neste sentido, ao longo do tempo, o
mercado viu nestes equipamentos coletivos a venda de uma imagem. Modernidade,
eficiência, praticidade e segurança compuseram a retórica do mercado nestes
últimos cinqüenta anos.
74
Villa se aproxima das discussões de Righi e Castro para analisar a importância
estética do projeto de arquitetura para o produto imobiliário, como condutora de um estilo de
vida, concluindo ser o arquiteto o que menos opina sobre o desenho das unidades, portanto, o
apartamento é mais resultado de estratégias de marketing do que do trabalho deste “[…] tudo
é decidido pela dupla incorporador-vendedor, sendo este último o que tem contato com o
comprador no stand de vendas, e se arroga, por isso, o direito de definir padrões […]
75
.
Em lugar da dupla incorporador-vendedor, como escreve a autora, acreditamos
que essa posição de “definidor” do produto pode ser ocupada por um ou mais profissionais, da
73
FONTENELLE, Isleide A. O nome da marca: McDonald’s, fetichismo e cultura descartável. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2002, p.220.
74
VILLA, Simone B. O produto imobiliário paulistano: uma crítica a produção de apartamentos ofertados no
mercado imobiliário a partir de 2000. Disponível em:
<http://www.lares.org.br/2006/artigo%20Simone%20Villa%20vfinal.doc>. Acesso em 21 out. 2008.
75
VILLA, Simone B. O produto imobiliário paulistano.., op. cit. A autora acredita que a aproximação do
arquiteto dos reais anseios do consumidor poderá mudar essa situação, já que consumidores não estão satisfeitos
com as atuais configurações dos apartamentos.
25
empresa incorporadora, do escritório de arquitetura e paisagismo, da empresa de vendas, da
agência de publicidade e é, portando, um lugar híbrido, resultado de várias influências.
76
É desse lugar híbrido que nasce o planejamento do produto que orientará o
briefing, tanto para o projeto arquitetônico quanto para a campanha de lançamento.
2.6 MATÉRIA-PRIMA PARA A CRIAÇÃO.
As orientações para a definição do produto chegam aos criativos das agências com
uma série de informações que precisam “traduzir” os aspectos técnicos relativos ao projeto e
seus diferenciais de estrutura, arquitetura, localização e serviços, entre outros. Esse é o
momento da elaboração da “embalagem conceitual” e requer o maior número de dados
possível para que a equipe possa dar forma a um conceito criativo do produto.
A equipe de criação irá “construir” o produto simbolicamente antes mesmo de ele
começar a ser construído fisicamente, momento em que os atributos do produto e de seu
posicionamento vêm se somar ao repertório cultural dos criativos.
O briefing de um lançamento imobiliário traz a síntese do processo de formatação
do produto, desde o resultado das pesquisas com possíveis compradores (quantitativa e
qualitativa), informações relevantes sobre a localização micro e macro região e dados da
concorrência.
Reúne ainda os principais diferenciais do produto, físicos e simbólicos (discutidos
em reunião com o grupo influenciador, formado pelos vários envolvidos como já
descrevemos, ou definidos pelo departamento de marketing da incorporadora), como o estilo
arquitetônico, as características do projeto de paisagismo, os itens de lazer das áreas comuns,
informações sobre a planta do apartamento e materiais de acabamento que sejam relevantes. E
ainda sugestões de caminhos criativos e de peças de acordo com o perfil de público.
Em alguns casos, traz percepções dos envolvidos em comparação com outros
bens, lugares ou até pessoas, a fim de delimitar “marcadores” sociais com os quais o produto
deve ser reconhecido, em perguntas como: Se esse imóvel fosse um automóvel, que marca
76
Em uma das empresas estudadas por Fontenelle, a conceituação técnica é feita internamente. Já a fase de
“conceituação do produto” tem tido intervenções externas, do arquiteto contratado, para elaborar o briefing e
estudos preliminares “[...] sobre os quais os outros intervenientes irão opinar: a imobiliária, a administradora do
condomínio, a empresa do sistema de segurança, a agência de marketing, a administradora do estacionamento,
dentre outros.” FONTENELLE, Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p. 155.
26
seria? Uma rua, um hotel ou restaurante de São Paulo? Se fosse uma cidade do mundo? Uma
top model? E se fosse um relógio ou uma grife de roupas, qual seria?
77
Basicamente o briefing chega à equipe de criação com as seguintes informações:
Localização: rua, bairro, imediações que devem ser citadas na campanha, vias de
acesso, serviços públicos e privados disponíveis, proximidade de centros de compras, de
serviços, culturais e de lazer. Perfil do bairro, tendências de ocupação, vantagens e
desvantagens da região.
Produto: estilo arquitetônico, detalhes da fachada que possam ser relevantes
(funcionais ou estéticos), número de torres x tamanho do terreno, número de unidades por
torre, informações sobre automação predial nas áreas privativas e comuns.
Configuração dos apartamentos: número de suítes/quartos, composição das áreas
social, privativa e de serviço, varanda, acesso à unidade (hall social do andar) etc.
O preço das unidades, condições de pagamento, respectivos bancos e
financiadoras.
Profissionais envolvidos: nomes das empresas ou profissionais responsáveis pelo
projeto arquitetônico, de decoração das áreas comuns, de paisagismo e do apartamento-
modelo decorado para visitação.
Nas áreas comuns: características da implantação e das áreas comunitárias, itens
de lazer, esportes e de convivência, o estilo do paisagismo e se há áreas arborizadas (pomar,
bosque, praças, bulevares etc.). Serviços disponíveis (internet, creche etc.) e sistema de
segurança.
Quando o projeto arquitetônico já está em fase de finalização, as imagens prévias
dos ambientes e da fachada são anexadas ao briefing. Outras vezes estão em fase de estudo
(quanto o arquiteto recebe o briefing juntamente com a criação), nesse caso alguns aspectos
que possivelmente farão parte do projeto são informados como o mais provável caminho.
Posicionamento estratégico: sob quais diferenciais físicos e simbólicos ele se
destaca em relação à concorrência ou a nichos de mercado. A originalidade do projeto e
caminhos sugeridos de acordo com a percepção do consumidor, quando há pesquisa, nas
77
Essas e outras perguntas são realizadas pela agência, na reunião de brainstorm com o cliente e envolvidos,
como um exercício de definição das expectativas quanto à “imagem” de marca que o produto deve ter, já que se
trata de um produto “aspiracional”, de acordo com as informações obtidas em um dos modelos de briefing
pesquisados.
27
quais, algumas vezes, são discutidos o “conteúdo e o formato” do empreendimento, a fim de
determinar quais itens são relevantes ou não para o público-alvo.
78
Mas, como escrevemos anteriormente, o posicionamento pode nascer nas reuniões
entre os envolvidos (inclusive a agência) ou, ainda, ser uma sugestão da equipe de criação a
partir de um nome e de uma marca.
79
Lembramos Carreira quando escreve que o briefing é estratégico e tático, trata do
produto como objeto físico e traz o significado, “o enunciado do posicionamento para a
construção da identidade da marca”, que, ao chegar à equipe de criação, irá ser traduzido em
uma campanha.
80
Histórico das empresas responsáveis: trajetória de lançamentos, prêmios e
certificações, informações importantes para garantir a credibilidade do produto e sua entrega
no prazo, uma vez que se trata de um projeto que será construído em dois ou três anos.
Os objetivos de comunicação e de vendas: inclusive com previsões de prazos em
função da estratégia comercial, indicando a verba disponível para a campanha de pré-
lançamento, lançamento e de sustentação.
81
Essas informações são encaminhadas também para o departamento de mídia, que
dialoga com a equipe de criação para sugerir formatos e mídias alternativas, de acordo com
cada caso.
2.7 A CONSTRUÇÃO DA EMBALAGEM CONCEITUAL.
A mercadoria-imóvel é um dos bens mais desejados e que demanda o maior
volume de investimento por parte de uma família. A essas características vem se somar o fato
de que, ao ser lançado, o produto ainda não “existe materialmente”, é um vir a ser
representado em imagens criadas pela arquitetura e pela publicidade imobiliária, ambas
construções de sentido, como discutimos anteriormente.
78
Fontenelle escreve sobre o procedimento adotado em uma das empresas estudadas: “[…] foi feita uma
pesquisa qualitativa de grupo para testar o conceito, a unidade, a área de lazer, os serviços a serem oferecidos no
condomínio, a localização, o estilo arquitetônico e o preço: ‘Essa pesquisa nos serviu de base para algumas
alterações na unidade, na área comum e nos deu fundamentos para a campanha publicitária’.” FONTENELLE,
Eduardo. Estudo de caso sobre a gestão do projeto..., op. cit., p.154, grifos do autor.
79
Como exemplo, podemos citar o processo de criação do empreendimento Grands Jardins de France,
localizado na zona sul de São Paulo, no qual, de acordo com a agência, o nome e a marca serviram de sugestão
para elaboração do projeto de paisagismo (com jardins formais e espelhos d’água, típicos franceses). Um dos
comerciais de lançamento foi gravado nos jardins formais do Museu do Ipiranga, em São Paulo, com uma
referência direta a esse estilo.
80
CARREIRA, José. C. Da estratégia do anunciante à comunicação publicitária..., op. cit., p.117.
81
A verba da campanha de pré-lançamento, lançamento e sustentação é normalmente definida em função do
VGV Valor Geral de Vendas sob o qual é aplicado um índice entre 3% e 6%.
28
Isso faz dos folhetos de vendas (figura 7) uma das principais peças das campanhas
de lançamentos imobiliários, nos quais a “embalagem conceitual” do produto se desdobra em
várias páginas, com seus elementos persuasivos alinhavando as informações sobre o
empreendimento, construindo esse lugar de desejo, personalizado e único.
Figura 7 Capas dos folhetos dos empreendimentos Reserva dos Ipês, Arte e Vida Marajoara, Parc Vivre,
Quinta da Baronesa e Vida & Alegria.
Podemos perceber a relevância que o folheto de vendas tem para a campanha a
partir do cuidado com que é produzido. Alguns têm formatos diferentes, lúdicos, com
dobraduras. Outros trazem textos de escritores conhecidos, histórias de bairros com
depoimentos de moradores e artistas (figura 8).
Figura 8 Capas dos folhetos de vendas dos empreendimentos Roof e Comfort House.
29
Muitas vezes são encadernações de capa dura, com papéis especiais, semelhantes
a álbuns de fotografia, com efeitos de acabamento ou mesmo embalados em caixas (figura 9).
Em todos eles o produto é apresentado detalhadamente em seus atributos físicos e simbólicos.
Figura 9 Folheto de vendas e caixa do empreendimento L’Essence Jardins.
Para Costa, no lugar do produto está o folheto, que ele chama de “catálogo”,
talvez por trazer uma “lista” de imagens e informações sobre o empreendimento:
a metragem dos cômodos, as plantas coloridas, as perspectivas artísticas decoradas
dos ambientes internos, privados e comuns, a fachadas, as fotografias compradas em
banco de imagens retratando casais e famílias em momentos de felicidade plena,
textos exaltando a personalidade do consumidor, “o seu estilo de vida”, a “arte de
viver”; frases e cenas que compõem a localização do lugar “com charme”, “com
tudo que sua família precisa”[…] Um verdadeiro receituário lúdico de amalgamação
entre o produto e um sujeito que, em hipótese, busca identidade no consumo […]
82
Para nós, contudo, o folheto de vendas não ocupa o lugar do produto, como quer
Costa, ele é o produto consumido no estande de vendas.
Baudrillard escreve que, mesmo sem crer no produto, há a crença na publicidade
porque é ela quem faz com que o produto seja crível, conquistando pela atenção, sempre
solícita ao falar e ocupar-se conosco.
83
Nos questionamos, então, se não seria um lançamento
imobiliário a forma mais “explícita” da mercadoria-signo de que trata o autor?
Se no briefing o posicionamento orienta a criação, na campanha esse
posicionamento ganha um nome, uma marca que irá diferenciar o produto de tantos outros
lançados na cidade. Uma identidade única que serve de alicerce para a construção das
82
COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., p. 116.
83
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p. 175, 176.
30
mensagens persuasivas que dialogam com os desejos do consumidor e do corretor de vendas.
Isso porque a “embalagem conceitual” se desdobra em diferentes peças a partir do folheto, e
para diferentes públicos não apenas o consumidor.
São as seguintes peças que compõem uma campanha de lançamento imobiliário:
Para o consumidor: anúncios de jornal e de revista, encartes, comerciais (de TV,
de cinema e de internet), spot ou jingle de rádio, outdoor, bikedoor, informeciais (de TV ou
de rádio), publieditoriais em revistas e jornais.
Folheto de vendas, volante de rua, postais, e-mail marketing, brindes e várias
peças de marketing direto enviadas via correio ou web; o hot site que reproduz quase a
totalidade das informações e imagens do folheto de vendas e peças de marketing de
relacionamento, pré e pós-venda.
Destacamos o passeio ou tour virtual, muito freqüente em lançamentos de alto
padrão, exibido nos estandes de vendas, disponível no hot site ou em DVD (anexo ao folheto
ou utilizado como peça de marketing direto). Trata-se de uma animação computadorizada 3D
das imagens do empreendimento que “simula” um passeio nos ambientes externos ou
internos, como no do empreendimento Bairro Novo (figura 10). Pode ser também um vídeo
dos principais ambientes do apartamento-modelo decorado, como os dos lançamentos Vision
Campo Belo (figura 11) e Fascination Penthouses (figura 12).
Figura 10 Fragmento do tour virtual do empreendimento Bairro Novo Cotia.
Fonte: Site do produto (www.bairronovo.net), 2008.
31
Figura 11– Fragmento do tour virtual do empreendimento Vision.
Fonte: Site do produto (www.visioncampobelo.com), 2008.
Figura 12 Fragmento do tour virtual do empreendimento Fascination Penthouses.
Fonte: Site do produto (www.vivaestapaixao.com.br), 2008.
Peças para o corretor: pasta de vendas, vídeos informativos, e-mail marketing,
comunicados impressos, via web ou celular; newsletter, brindes e campanhas de
endomarketing com várias etapas e peças, conforme o tempo de venda previsto para o
empreendimento.
32
No terreno: o estande de vendas, banners, estandartes, bandeirolas, totens,
sinalizadores externos e internos (identidade visual), painéis com a reprodução das imagens
da arquitetura, a maquete do empreendimento, vídeo das empresas e do produto e ainda outros
suportes que reproduzem as imagens do imóvel.
No estande é construído um “protótipo” do apartamento para a visitação,
denominado apartamento-modelo decorado
84
, que pode ter a assinatura de profissionais
conhecidos no mercado, avalizando a qualidade do projeto e emprestando uma “grife” à
decoração do mesmo. E, como um test living, o visitante pode “experimentar” o futuro em
ambientes simulados.
Para Baudrillard, a ambiência é a “culturalidade sistemática" ao nível dos objetos.
Na tirania da forma (só ela é exigida e lida) é a funcionalidade que determina o estilo.
85
Um
estilo dado a partir de um lugar construído com a função de comunicar.
Móveis e objetos que se encaixam “perfeitamente”, muitas vezes criados sob
medida para os ambientes.
Um guarda-roupa cuja dimensão não deixa revelar a sua pouca profundidade, mas
que combina com o “quarto do menino ou da menina”.
Sons, aromas e aconchego desenhado por luzes indiretas.
Espelhos que duplicam o ambiente ao infinito.
A “materialização” do vir a ser em um modelo criado exclusivamente para a
visitação estende, assim, a “fábula da publicidade” para outra instância, a da experiência do
consumo, para além das ações exploradas pelas estratégias do marketing tradicional que se
atêm às características e benefícios dos produtos e seus valores funcionais.
No marketing experimental, os objetivos são as experiências do consumidor:
sensitivas, afetivas e de conhecimentos; de ações e identificações.
86
São os Modelos Experimentais Estratégicos voltados para o marketing dos
sentidos (experiências sensoriais), dos sentimentos (experiências afetivas), do pensamento
(experiências cognitivas), de ação (afetar as experiências, o estilo de vida e os inter-
84
Essa denominação foi uma maneira encontrada para não haver comprometimento com as medidas exatas das
unidades, já que se refere a um “apartamento-modelo”, podendo, algumas vezes, ter móveis criados sob medida
para “caberem” nos ambientes. Assim que o edifício é sumariamente construído e, portanto, o estande de vendas
em parte destruído para dar lugar às obras, uma unidade do primeiro andar é reservada para a montagem de uma
nova decoração, substituindo o apartamento-modelo pelo apartamento “real”, a partir daí denominado apenas
apartamento decorado.
85
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p. 53-60.
86
SCHMITT, Bernd H. Marketing experimental. São Paulo: Nobel, 2000, p. 41-45.
33
relacionamentos) e de identificação (experiências relacionadas ao self). E também os
Provedores de Experiências.
87
Conceitos que partem da perspectiva fenomenológica de Merleau-Ponty, do
mundo percebido, para justificar a necessidade da construção de um cenário e de um ambiente
que propiciem experiências pelas quais o consumidor deseja passar, como sinônimo de
acontecimentos individuais em resposta a um ou mais estímulos.
88
No caso do apartamento-modelo decorado, podemos perceber “estímulos”
similares aos de uma loja de móveis ou de uma mostra de decoração (motivo pelo qual,
algumas vezes, essas simulações são denominadas eventos de arquitetura com a assinatura de
renomados profissionais).
As lojas de móveis e acessórios da Ikea são decoradas representando situações de
consumo, onde se cria um estilo de vida imaginário para o consumidor. Seus
folhetos também mostram os produtos em situações de consumo como, por
exemplo, “saindo para um piquenique” ou “aproveitando o jardim” em que oferece
“tudo que podemos precisar para colocar a carne na churrasqueira e convidar os
amigos.
89
Do mesmo modo, no apartamento-modelo é criado um estilo de vida imaginário
com tudo o que o consumidor precisa para ver “materializado” o seu sonho. Tão
perfeitamente acabado, e com ambientes tão bem “resolvidos”, que muitas vezes ele quer
aquele apartamento visitado para si, exatamente igual ao experimentado, com todos os itens
de decoração inclusos.
90
Essa tendência também aparece em outros países, como na Austrália, em que
casas-modelo têm móveis e objetos dispostos com respectivos preços, para que o consumidor
possa adquirir tudo o que deseja ao mesmo tempo e saber na hora quanto vai pagar por isso.
Visitar apartamentos-modelo decorados chega a ser um programa de fim de
semana para muitos, mesmo aqueles que não têm interesse pela aquisição de imóveis. Assim
como a ida a shopping centers torna-se um passeio (independentemente da compra de
produtos) para consumir moda e tecnologia nas vitrines, conhecer apartamentos-modelo
decorados torna-se um passeio em que são consumidos modos de morar.
87
SCHMITT, Bernd H. Marketing experimental, op. cit., p. 77, 91
88
Ibid., p. 74.
89
Ibid., p. 43, 44
90
Hoje tidos como uma indispensável ferramenta de marketing, os apartamentos decorados são criados com o
intuito de levar ao futuro comprador de um apartamento a noção de como aquele espaço pode ser aproveitado.
Entretanto, não são raras as ocasiões em que o impacto desses espaços vai além do seu propósito e o cliente
acaba adquirindo, além da unidade do empreendimento, também a decoração exposta.” In: ÚLTIMO
SEGUNDO. Decorado vira produto de venda. Agência Estado, 25 ago. 2008. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2008/08/25/decorado_vira_produto_de_venda_1597057.html>.
Acesso em 30 set. 2008.
34
Muitos estandes têm, inclusive, salas especiais com brinquedos para que os pais
deixem os filhos enquanto visitam o apartamento.
Como exemplo, citamos o lançamento do condomínio Projeto Viver na Zona
Leste da cidade, cujo estande foi montado como uma casa de espetáculos. Os consumidores
aguardavam em uma ante-sala até serem conduzidos a um auditório onde era exibido um
vídeo, ao mesmo tempo em que a maquete do condomínio era iluminada por fases, de acordo
com a descrição de cada uma das áreas externas.
Quando as luzes do auditório se apagavam o conjunto de todas as poltronas
girava, enquanto um locutor informava que o apartamento-modelo seria, enfim, apresentado.
As luzes acendiam novamente e o apartamento-modelo estava em exposição em uma ampla
sala: imensa vitrine para ser contemplada pelos visitantes e consumida como um espetáculo.
Isso nos levou a aproximar a “experiência” da visita ao apartamento-modelo
decorado das atividades realizadas em não-lugares no sentido descrito por Augé, que tem as
instalações pensadas para a circulação de pessoas e de bens. Um não lugar nem identitário,
nem relacional, nem histórico que nunca se realiza totalmente: “palimpsesto(s) que se
reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da identidade e da relação.”
91
a promessa da chegada de novas tecnologias ao estante de vendas que irão
possibilitar ao visitante uma visão 360° do terreno e do empreendimento por meio de uma tela
transparente, sensível ao toque, para simular a vista do andar de acordo com a unidade
escolhida. Ou ainda visualizar o apartamento e modificá-lo, trocando as cores das paredes, do
piso e a disposição dos móveis.
92
São experiências mediadas por vitrines reais ou virtuais que reafirmam os
propósitos do marketing experimental que “considera o consumo uma experiência holística,
reconhece o direcionamento racional e emocional do consumo e utiliza metodologias
ecléticas.
93
No estande do Projeto Viver, a maquete e o apartamento-modelo decorado eram
os astros. Já na campanha publicitária, quatro apresentadores de TV Hebe Camargo, Gugu
Liberato, Celso Portioli e Raul Gilanunciavam a chegada do empreendimento em um palco
iluminado: um show de qualidade de vida. Histórias narradas dentro do mundo dos anúncios
e sobre as quais iremos discutir no próximo capítulo.
91
AUGÉ, Marc. Não-lugares, introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994,
p. 73, 74.
92
M&M ONLINE. Eugenio apresenta novidade no SISP 2008. Disponível em: <http://www.meioemensagem.
com.br/novomm/br/Conteudo/?Eugenio_apresenta_novidade _no_SISP_2008>. Acesso em 25 set. 2008.
93
SCHMITT, Bernd H. Marketing experimental..., op. cit., p. 45.
35
3. LAR, MÁGICO, LAR: AS NARRATIVAS DA PUBLICIDADE IMOBILIÁRIA.
“Nas prateleiras de produtos, surgiu uma desordem, um esquecimento,
uma vontade de fugir da decisão. [...] Sou um homem sem marcas,
quase sem identidade. Andava e voltava para definir uma manteiga.
Que manteiga é a melhor?”
(Fabrício Carpinejar)
Do convite a visitar o futuro em um terreno aparentemente vazio, para uma visão
da cidade, de seus vários edifícios, aparentemente uma massa uniforme de torres cinzas. Ao
aproximar o olhar, notamos algumas diferenças arquitetônicas: uns contemporâneos, outros,
neoclássicos, outros sem estilo definido. Os envidraçados, os de tijolos expostos, os de
pastilhas de cerâmica, os coloridos, os brancos, os desbotados.
Podemos ainda distinguir os edifícios residenciais por seus vestígios, como as
varandas com churrasqueiras, redes e cadeiras, as flores atrás das cortinas da janela, um
brinquedo esquecido entre o vidro e a tela de proteção. Difícil ver mais do que isso, já que os
muros impedem que o olhar “entre em casa”.
Ao caminhar pelas ruas de um bairro tipicamente residencial paulistano, por
exemplo, e olhar essa diversidade dos edifícios, nos questionamos: se tivéssemos de escolher
um deles para chamar de lar, qual seria? Aqueles imponentes, de um apartamento por andar?
Um mais antigo, com poucos andares e sem elevadores? Os condomínios fechados cheios de
edifícios?
Apesar de conseguir diferenciar edifícios residenciais de tantos outros, podemos
identificar em algum deles a marca de um lar?
O arquiteto Carnielo Miguel, em seu artigo sobre a casa e o lar, no qual discute a
essência da arquitetura, escreve sobre as diferenças entre ambos e salienta que não é o aspecto
material do imóvel que faz com que ele seja um lar: “[…] a casa é um objeto construído que
pode ser vendido ou alugado. Um objeto inerte, não estabelecendo valores de uso,
convivência e entrosamento familiar. Projeta-se a casa, constrói-se a casa. Os seus moradores
podem fazer dela um lar […]
94
A indagação sobre reconhecer um lar entre tantos edifícios de apartamentos na
cidade de São Paulo foi se formando durante as leituras de Everardo Rocha, especialmente
quanto narra um episódio ocorrido em uma viagem à Bolívia na década de 1970.
94
MIGUEL, Jorge M. C. Casa e Lar, a essência da arquitetura. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp156.asp>. Acesso em 08 jun. 2008.
36
Ele e seus amigos, ávidos por consumirem produtos de um mercado nativo de
Cochabamba, não conseguiram comprar nada, por não identificarem nenhum sinal que os
levasse ao consumo.
Pararam em frente a uma índia que expunha vários produtos sobre um lençol
branco estendido no chão. Uns eram potes idênticos com líquidos de diversas cores. Outros,
objetos de formatos e consistências distintas, esféricos, triangulares, quadrados, ovais, que
lembravam torrões, bolinhas, cones, laços, tubos, objetos miúdos dos quais não reconheciam
o uso.
O lençol, a senhora dos mistérios e seus produtos. A perplexidade [....] Existiam as
coisas, não existiam as palavras. Ao colocar as palavras e as coisas na disjunção, o
ato de consumo nascia morto. Faltava um código, um sistema simbólico que
completasse os objetos, atribuindo-lhes usos e razões. Faltava, enfim, a classificação
capaz de oferecer sentido aos produtos. Faltava o sistema da mídia que recortasse os
produtos sob a forma de desejo, oferecendo significados sob a forma de utilidade
[…] Nada era bonito. Nada, também, era feio.
95
O autor usa essa experiência para evidenciar a ausência de uma marca particular
fazendo com que objetos sejam destituídos de valor de uso, da magia que transforma um
sabonete em desejo de consumo, seja ele material ou simbólico: As três mulheres do
sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
96
Para Rocha, essa magia que a publicidade fornece aos produtos faz com que ela
ocupe um papel intermediário entre a produção e o consumo, classificando-os, nomeando-os
com suas marcas e embalagens, conferindo-lhes uma personalidade única para que passem do
domínio da produção em série, feita entre matérias-primas e máquinas, para o do consumo,
uma operação realizada entre homens.
Partimos do olhar da cidade com seus edifícios prontos para um produto
residencial em lançamento, que não existe “materialmente”, procurando estabelecer de que
maneira essa intermediação acontece.
Assim como os produtos que Rocha encontrou em sua viagem, os apartamentos
residenciais, ao serem criados em programas de computador, são, aos olhos do consumidor
comum, um amontoado de traços que se cruzam, formando quadrados e retângulos simétricos
(figura 13).
95
ROCHA, Everardo P. G. Representações do Consumo: estudos sobre a narrativa publicitária. Rio de Janeiro:
Mauad, 2006, p. 87-90.
96
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da Manhã,. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008, p.65.
37
Figura 13 Planta baixa residencial.
A leitura de um projeto está sujeita aos códigos com os quais se constrói,
lembrando novamente Eco: “num projeto temos, antes de mais nada, diferentes formas de
notação, cujo uso de códigos impróprios pode nos levar a outra leitura.
97
Para identificar na planta de um apartamento o quarto ou a sala, é preciso a
legenda do arquiteto ou o desenho de móveis e equipamentos (pia, cama, mesa etc.)
sinalizando os ambientes, cuja utilidade lhes é atribuída, como nos esclarece Sahlins:
[…] a ‘utilidade’ não é uma qualidade do objeto, mas uma significância das
qualidades objetivas […] Nenhum objeto, nenhuma coisa existe ou tem movimento
numa sociedade humana exceto pela significância que os homens lhe possam
atribuir […]
98
.
Na perspectiva a seguir, do empreendimento MaxHaus (figura 14), a bicicleta
ergométrica e a esteira sinalizam um ambiente “pensado” para atividades físicas, apesar do
tamanho exíguo do apartamento.
97
ECO, Umberto. A estrutura ausente, op. cit., p.217.
98
SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro: URFJ, 2004, p. 183, 184.
38
Figura 14 Planta do empreendimento MaxHaus.
Fonte: Site do produto (www.maxhaus.eu), 2008.
Nosso olhar se volta para os projetos de condomínios residenciais lançados em
São Paulo, com os significados atribuídos não só aos ambientes, mas também aos modos de
consumir a “casa”.
Rocha analisa a produção seriada das fábricas, na qual a marca do humano é
apagada, ou, na sua expressão, coloca o “humano” em quarentena.
Essa separação do trabalhador do resultado final do seu trabalho, característica do
sistema capitalista, faz com que qualquer homem possa operar qualquer máquina, excluindo a
marca pessoal, e o trabalho torna-se desumano no duplo sentido que essa palavra pode
comportar.
Ao citar a crítica de Marx a esse processo, acrescenta que: “Além de projetar a
expulsão do trabalhador do processo produtivo, o modo de produção capitalista transforma o
instrumento de trabalho em máquina e esta se torna concorrente do próprio trabalhador […]
99
.
Verificamos o mesmo processo na produção em grande escala de apartamentos
com a padronização das edificações por meio de sistemas construtivos “industrializados
(como o dry wall, tilt-up, entre outros
100
), tendo em vista estabelecer um sistema que possa
99
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 65
100
O dry wall e o tilt-upo estruturas pré-fabricadas utilizadas com mais freqüência no Brasil a partir de 1990
e, segundo Nóbrega, inseridas no conceito “fast construction”. NOBREGA, Petrus G. B. da. Análise dinâmica
de estruturas de concreto: estudo experimental e numérico das condições de contorno de estruturas pré-
moldadas. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia de Estruturas) Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2004, p. 12. Disponível em:
<http://www.set.eesc.usp.br/pdf/download/2004DO_PetrusGorgonioBNobrega.pdf.>. Acesso em 29 nov. 2008.
39
diminuir os custos da obra, bem como o tempo de construção, que são, como vimos, alguns
dos problemas da produção do imóvel.
Porém, se na esfera da produção o homem se acha alienado, ausente do produto
final de seu trabalho, a esfera do consumo necessita da sua presença para acontecer, uma vez
que o produto feito em série deverá ser consumido por “seres humanos particulares”. No
consumo, portanto, o objeto se completa, ganha valor de uso, utilidade e sentido:
[…] É no consumo que homens e objetos se olham de frente, se nomeiam e se
definem de maneira recíproca. A constante determinação dos valores de uso faz de
um tipo de produto genérico uma idiossincrasia. Da construção, o lar. Do vinho, a
cerimônia. Da roupa, a identidade. Da comida, a refeição. Um processo social
permanente de seres humanos definindo-se num espelho de objetos e a estes num
espelho de homens […]
101
De acordo com Frederico, o extenso caminho entre a produção e o consumo é
encurtado pela publicidade, que “apressa” a realização do valor de troca da mercadoria, como
parte do sistema de circulação e, por isso mesmo, não pode ser dissociada da produção.
102
O
consumo faz parte do sistema social e deve ser compreendido como tal, atribuindo sentido aos
objetos pelo consumo: “da casa, o lar”.
A perspectiva de uma planta ganha a dimensão de ambientes em desenhos hiper-
realistas em 3D, que simulam os de uma residência um terraço, uma sala, uma cozinha
(figuras 15, 16 e 17, respectivamente) - mas que, ainda assim, não podem ser “lidos” como
um lar.
Figura 15 Perspectiva artística da varanda do empreendimento Sítio Anhanguera.
Fonte: Site da empresa de vendas (www.abyara.com.br), 2008.
101
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 68.
102
FREDERICO, Celso. O consumo nas visões de Marx. In: BACCEGA, M. Aparecida. (Org.). Comunicação e
Consumo. São Paulo: Atlas, 2008, p. 87.
40
Figura 16 Perspectiva artística da do living do empreendimento Innova Blue.
Fonte: Site da empresa de vendas (www.abyara.com.br), 2008.
Figura 17 Perspectiva artística da cozinha do empreendimento More Alphaville.
Fonte: Site da empresa de vendas (www.abyara.com.br), 2008.
Rocha acompanha a operação classificatória do totemismo de Lévi-Strauss para
aproximá-la da publicidade, lugar onde ocorre a classificação dos produtos. É na
publicidade
103
que o produto adquire sentido, torna-se distinto e também distingue os seres
humanos. É pela publicidade que se dá, então, a omissão do processo de produção que ausenta
a marca do trabalhador, calando a “história social do produto”.
104
A omissão de um lado, a nomeação e a conseqüente particularização do bem do
outro lado. Por meio da publicidade, o produto ganha um nome, uma marca, uma embalagem
conceitual” que o distingue dos demais e também o relaciona com os demais, produtos e
seres.
103
Lembramos novamente que utilizamos a palavra publicidade para abarcar o “sistema publicitário”.
104
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 67.
41
3.1 DO PROJETO, A CASA.
O operador totêmico no pensamento selvagem de Lévi-Strauss articula as
diferenças entre natureza (não humano) e cultura (humano). Como sistema, o totemismo
classifica por meio da complementaridade entre ambos.
De maneira simplificada, uma vez que esta é uma operação bastante complexa,
usamos o exemplo de DaMatta utilizado por Rocha, da associação entre três animais urso,
tartaruga e águia e três clãs tribais. Cada clã se distingue do outro pelo animal associado a
ele. E cada clã se complementa no outro, porque não é possível viver sem ursos, águias e
tartarugas.
105
Em nosso sistema social, a natureza, lugar não humano, equivale à produção. O
humano, ocupado pela cultura, é o do consumo. Já o lugar do totemismo corresponde ao da
publicidade:
Assim como o “operador totêmico”, a publicidade promove a aliança pela
complementaridade que estabelece entre produtos e pessoas. Os produtos antes
indiferenciados são aliados aos “nomes”, “identidades”, “situações sociais”,
“emoções”, “estilos de vida”, “paisagens” dentro dos anúncios [...] A marca, o
“nome próprio” é o primeiro passo.
106
A atribuição de uma marca ao produto que se assemelha ao nome de uma pessoa,
com identidade e história, que não é aquela contada pela produção.
Um estudo de Souza sobre a cidade de São Paulo no início do século passado
aponta a presença dos nomes de famílias dos construtores dos edifícios, na época produzidos
prioritariamente para locação.
107
Até a década de 1970/1980 nomes de pessoas em empreendimentos eram comuns,
como Edifício Carla, Edifício Sandra. Ou ainda denominações referentes às ruas e aos bairros
em que eram lançados os produtos, como Edifício Santo Amaro ou Condomínio Alameda dos
Pinheiros, evidenciando a localização para gerar certo reconhecimento, uma vez que algumas
regiões da cidade começavam a chamar a atenção do mercado imobiliário.
Como apontamos no capítulo anterior, a propaganda com conceito passa a ser
mais explorada a partir da década de 1960, com os apelos emocionais se sobrepondo aos
argumentos racionais dos produtos.
É nessa década que a linguagem da propaganda brasileira impressa atinge seu status
de arma persuasiva, influenciada por publicitários americanos que vieram a adotar
105
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 104, 105.
106
Ibid., p. 107, 108.
107
Apud COSTA, André. A imagem da arquitetura e a arquitetura da imagem..., op. cit., 2001, p. 132.
42
novos procedimentos retóricos […] ao mesmo tempo em que sofisticavam as
técnicas de marketing, a palavra mágica daquele momento.
108
A partir dos anos de 1980, os lançamentos passaram a ter mais freqüentemente
nomes de obras de arte e artistas, cidades ou palavras em outro idioma, como, por exemplo,
Grand Jardins de France, Lalique ou Vision; “embalagens conceituais” com logotipos cada
vez mais elaborados, assim como os produtos que nomeavam.
Na publicidade imobiliária, portanto, o conceito criativo a partir do nome, de
uma identidade única - classifica o produto e o diferencia dos demais, bem como quem irá
ocupá-lo.
Nas entrevistas realizadas por Rocha, um dos publicitários relata o lançamento
como o mais importante para a “vida” do produto, momento em que a personalidade lhe é
atribuída e o define.
109
Em arquitetura, lançamento é “o assentamento dos alicerces de um edifício ou da
pedra fundamental de uma construção”.
110
Podemos pensar que no lançamento de um
empreendimento residencial, cuja construção normalmente tem início somente quando boa
parte das unidades foi vendida, os alicerces são “assentados” pela publicidade imobiliária. Se
o imóvel ainda não começou a ser construído (materialmente), a pedra fundamental é, por
conseguinte, o nome, a marca, enfim, o seu “anúncio” no mercado.
O terreno, como vimos, não pode ser reproduzido. Essa peculiaridade faz com que
cada produto (ainda que constituído de vários apartamentos em vários edifícios) seja tratado
como único, bem como o seu endereço. Uma “individualização” valorizada, muitas vezes, ao
incorporar a localização do terreno ao nome do produto, articulando outra diferença que o
distancia ainda mais da produção.
De forma que não só o produto se humaniza (da construção, a casa), mas também
a localização (do bairro, da rua, o endereço da casa).
Para Rocha, a interação entre personalidades de pessoas e “personalidades” de
produtos é uma espécie de classificação das “categorias de compradores”, realizada pelo
sistema publicitário por meio de invólucros simbólicos. O autor cita as várias marcas de
automóveis como exemplo colhido em uma das entrevistas com publicitários, que traduzem
impressões como “bom senso”, “requinte”, “emoção forte”. E ainda seus modelos, tipos e
cores para explicitar que essa passagem do geral ao particular, do sem nome ao identificado e,
108
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário..., op. cit., p. 105.
109
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 69, 70
110
MICHAELIS: Moderno dicionário da língua portuguesa. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br >.
Acesso em 22 de nov. de 2008.
43
depois, a lógica que classifica pessoas e objetos pelas diferenças, como acontece no trabalho
do operador totêmico.
111
Para ilustrar como ocorre essa singularização dos produtos imobiliários, que
indica a personalidade, uma maneira de ser, ou um tipo particular de caráter e seu espaço
social, como escreve Rocha,
112
listamos abaixo alguns nomes de empreendimentos lançados
por uma corretora de São Paulo
113
, que classificamos de acordo com os conceitos criativos
que os nomes suscitam:
Nomes ligados às artes: Adagio, Arte Arquitetura, Casablanca, Duetto Jardins,
Entretons, Espaço das Artes, Murano, Vila das Cores.
Nomes ligados à natureza, ecologia e ao meio ambiente: Arboreto, Biosfera
Rudge Ramos, Eco Vitta Ipiranga, Ecolife Butantã, Flora Viva, Oasis.
Nomes ligados a lugares: Bretagne, Central Park Mooca, East Side, Fontana di
Trevi, Hyde Park, Nyc Duplex Berrini, Parc Dominique, Piazza Della Forteza, Plaza
Monjardino, Riverside.
Nomes ligados à qualidade de vida: Clube & Vida, Nuova Vitta, Vivamais.
Nomes em outra língua: Combinatto, Diversitá, Grand Loft, Haus, Higher, Il
Terrazzo, Intense, L´officina, La Grande Roche, La Tour, Le Locle, Le Millésime, Leeds
Hall, Maxim, New Concept, Nine, Paradiso, Personale, Premium, Privilege, Sky house,
Sofistic, Terra Vitris, Thassos, The Place, The Quest, The View, Villa Amalfi, Welcome,
Windows Jardins.
Nomes em outra língua e com referência à localização: Azuli Vila Mariana,
Breeze Alto da Lapa, Crystal Port Morumbi, Fiori di Perdizes, Giorno Vila Mariana, Grand
Boulevard Jardins, Neo Morumbi, Panoramic Alto de Pinheiros, Real Moema, Villaggio
Panamby Doppio Spazio, Villaggio Panamby Double View.
Nomes em outra língua ligados à marca da construtora: Helbor Atmosphere,
Helbor Grand Palais, Helbor Home Flex Style, Helbor La Reserve, Helbor Metropolitan,
Helbor Parc Joly, Helbor Spazio Club.
Detemo-nos apenas aos nomes, procurando compreender a função primeira do
totemismo que é nomear.
Para Douglas e Isherwood, os nomes dos bens são “partes acessíveis de um
sistema de informação” que ajuda o consumidor a compreender melhor o seu projeto de vida.
111
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 72, 73.
112
Ibid., p. 109.
113
Relação de nomes que constava do site da empresa de vendas Lopes, em 2006, época em que demos início ao
nosso projeto de pesquisa. Disponível em: <www.lopes.com.br>. Acesso em 24 jun. de 2006.
44
São marcadores tanto da sua presença nos “rituais” de consumo, como para si mesmo,
ajudando-o a se adequar ao mundo.
114
O homem é um ser social. Nunca poderemos explicar a demanda olhando apenas
para as propriedades físicas dos bens. O homem precisa de bens para comunicar-se
com os outros e para entender o que se passa à sua volta. As duas necessidades são
uma só, pois a comunicação só pode ser construída em um sistema estruturado de
significados. Seu objetivo dominante como consumidores, colocado em termos mais
gerais, é a busca de informação sobre a cena cultural em constante mudança […] seu
objetivo como consumidor racional também envolve um esforço para estar próximo
do centro de transmissão e um outro esforço para selar fronteiras do sistema.
115
A partir da nomeação do produto, o imóvel torna-se outro, uma vez que é
introduzido no universo mágico da publicidade, que suspende o tempo para contar uma outra
narrativa do cotidiano. “O operador totêmico observa a sociedade de certo ângulo. Para fazer
crer na classificação de objetos e pessoas, o sistema publicitário precisa apresentar uma visão
do mundo particular. Porque é um discurso sobre o mundo [...]
116
Como o Marco Pólo de Calvino
117
nos adverte em As cidades Invisíveis, jamais se
deve confundir a cidade com o discurso que a descreve, mas é preciso, contudo, saber que
existe uma ligação entre ambos.
3.2 DA CASA, O LAR.
A publicidade como mito contemporâneo foi estudada por muitos autores, dos
quais destacamos Barthes, Maffesoli e Rocha.
Para Barthes, a publicidade é um mito: fala escolhida pela história e definida por
sua intenção, pela maneira com que é proferida. Uma fala não do objeto, mas do uso social
que é acrescentado à sua matéria. “Pode, portanto, […] ser formada por escritas ou por
representações: o discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o
esporte, os espetáculos, a publicidade, tudo pode servir de suporte à fala mítica.
118
O caráter imperativo do mito faz com que ele seja acolhido em toda a sua
ambigüidade, característica do processo da ideologia burguesa: “nele as coisas perdem a
lembrança da sua produção”. Entretanto a função do mito não é negar, mas falar das coisas,
114
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de
Janeiro: URFJ, 2004, p.131.
115
Ibid., p. 149.
116
ROCHA, Everardo P. G. Representações do Consumo..., op. cit., p.37.
117
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 59.
118
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Difel, 1978, p. 132.
45
inocentando-as. “A mitologia é uma concordância com o mundo, não tal como ele é, mas
como pretende sê-lo.
119
Maffesoli considera a publicidade a mitologia da nossa época, formada de
pequenas histórias que contamos a nós mesmos, histórias com “h” minúsculo, cujo objetivo é
gregário.
Para o autor, as dimensões lúdicas e oníricas da publicidade são as que mais
interessam: “o sonho, o jogo, o imaginário”.
Maffesoli vê o consumo como perda constante (consumação) e a publicidade
como luxo (luxação), comparando-a com a não funcionalidade de um membro que se
encontra “luxado”. A publicidade nada teria a ver, portanto, com funcionalidade e sim com a
aparência da realidade, como expressão da imagem, as formas formadoras reiterando
Spinoza.
120
Também Semprini menciona à passagem do papel funcional para constitutivo das
marcas na contemporaneidade, quando associadas à lógica da comunicação.
Os mundos possíveis apresentados pelas marcas (mundos subjacentes ao produto)
propõem construções de sentido, sistemas simbólicos que ajudam a pensar o mundo, frente ao
enfraquecimento das “grandes narrativas
121
, assunto que iremos abordar adiante.
Olhar a publicidade como um mito dos nossos dias possibilita enxergar esses
tantos discursos que permeiam a sociedade sem juízos de valor, da mesma maneira com que a
antropologia analisa os mitos das sociedades primitivas, pela capacidade que têm de “revelar
o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que os homens
devem manter entre si e com o mundo que os cerca.
122
Encontramos nos anúncios imobiliários uma visão própria de mundo, ilustrada em
desenhos hiper-realistas dos ambientes dos empreendimentos em que, na maioria das vezes, o
horizonte é infinito, sem vizinhos à frente. Em imagens de casais, crianças, jovens e famílias
em momentos de alegria e contentamento num dia-a-dia em que não há problemas.
Um mundo ideal em um tempo mágico à disposição de todos. Como nos lembra
Rocha, consumir publicidade é diferente de consumir produtos ou serviços, “podemos até
119
BARTHES, Roland. Mitologias, op. cit., p.131-178.
120
MAFFESOLI, Michel. O Brasil pode ser um laboratório da pós-modernidade: depoimento. [julho/agosto,
2007]. São Paulo: Revista da ESPM. Entrevista concedida a Clovis de Barros Filho e J. Roberto Whitaker
Penteado.
121
SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São
Paulo: Estação das Letras, 2006, p. 81-320.
122
ROCHA, Everardo P. G. O que é mito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 5.
46
pensar que o que menos se consome num anúncio é o produto”
123
, sua venda é para alguns, já
o anúncio pode ser consumido por todos.
Segundo Lévi-Strauss, o pensamento mítico procura a coerência e não a verdade,
uma visão de mundo para satisfazer o espírito, construído como a partitura de uma orquestra,
nas quais as partes se superpõem, uma respondendo à outra: “mito é ao mesmo tempo uma
história contada e um esquema lógico que o homem cria para resolver problemas que se
apresentam sob planos diferentes, integrando-os numa construção sistemática.”
124
Recorremos ao mito grego de Héstia, ou Vestia para os romanos, deusa do lar.
Irmã mais velha de Zeus e de grande ajuda para que ele dominasse o universo. Considerada
uma das únicas deusas a permanecer casta, além de permanecer em casa, já nunca abandonava
o Olimpo.
É a divindade do fogo doméstico (ao contrário do fogo indomável de Hefestos ou
o de Prometeu, que deu autonomia aos mortais), o fogo de Héstia vem da lareira que aquece,
cozinha os alimentos e que fortalece a unidade familiar,
125
por isso era venerada antes de
qualquer deus e também nas celebrações e às refeições: “Héstia, em todas as moradas dos
homens e dos imortais é tua a honra maior.
126
Defensora da vida familiar e da cidade (o lar comum) era representada pelo
elemento fogo, mantido sempre aceso pelas castas Vestais em seu santuário.
127
O fogo representado por Héstia, a deusa grega do lar associa-se à casa para
representar a criação de um lar, que através de sua chama traspassa a imagem da
fertilidade e metáfora da vida. O fogo representa a alma da casa, sendo um símbolo
da fertilidade feminina e da vida, chama sagrada e benéfica
.128
Lar é uma palavra originária de lareira
129
, fogo ao redor do qual todos se reuniam
para aquecer corpos e relacionamentos.
O que a publicidade acrescenta aos objetos, sem o que ‘eles não seriam o que são’
é o ‘calor’. […] a mola da ‘ambiência’: assim como as cores […] de igual modo
todos os objetos são quentes ou frios, isto é, indiferentes, hostis ou espontâneos,
sinceros, comunicativos: ‘personalizados’ […] Você é visado, amado pelos objetos.
123
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 27.
124
LÉVI-STRAUSS, Claude. “A gesta de Asdiwal” In: LÉVI-STRAUSS, et.al. (Orgs.). Mito e Linguagem
Social, Ensaios de Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p. 141, 142.
125
MITOLOGIA. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 402.
126
HAMILTON, Edith. A mitologia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983, p. 44, 45.
127
A história da formação de Roma está ligada ao mito de Vestia. Uma das vestais, violentada por Marte,
concebeu Rômulo e Remo, os fundadores da cidade. (FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DA UFBA. Mitos.
Disponível em: < http://www.facom.ufba.br/com112_2000_1/mitos/hestia.htm>. Acesso em 25 dez. 2008).
128
MIGUEL, Jorge M. C. Casa e Lar, a essência da arquitetura..., op. cit.
129
CUNHA, Antônio G. da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1991, p. 465.
47
E porque é amado, você se sente existir: você é ‘personalizado’. Isto é o essencial: a
própria compra é secundária.
130
Por meio desse calor que particulariza o produto ao mesmo tempo em que
reconhece a particularidade de quem o consome, a história da produção é esquecida para que
o produto seja lembrado como um “bem”, que conta outra história, mágica, aconchegante,
onde o tempo e as mazelas do cotidiano não existem.
Da mesma maneira que Rocha alerta que um anúncio está situado aquém e além
de nossas escolhas, já que “aparece” no cotidiano e nos coloca frente a “acontecimentos” em
seu interior
131
, Barthes refere-se à publicidade como um gesto
feito da relação material, corporal quase, que o criador e o consumidor (não
poderiam ser dissociados) mantêm com o objeto cultural, quando o traçam ou
decifram. Pois o signo, a figura, a frase, não se dão de modo abstrato, mas implicam
uma matéria que os sustenta, e essa matéria é sempre viva, uma vez que é o meu
próprio corpo que a enfrenta, percebe, ignora, experimenta, abandona, evita, etc.
132
Um gesto que, na contemporaneidade, tornou-se integrado, parte da nossa relação
com o mundo. Particularmente familiar, tranqüilo e íntimo no caso da publicidade jornal,
cujas mensagens “arrumadas entre muitas outras” desliza em torno de nós.
133
Para esse encontro entre consumidores e os universos mágicos dos anúncios,
Rocha atribui um espaço de ritualização
134
(que se estende até o consumo) com mecanismos
de condensação subjacentes ilusão que faz com que as imagens do anúncio “pertençam” ao
produto. Porque, se não fosse assim, ao adquirir um produto o consumidor desejaria ter acesso
imediato a todo o universo apresentado no anúncio.
É desta maneira que o autor relaciona o “espaço da recepção” do anúncio com o
“espaço ritual” do consumo, como uma extensão, citando as lojas-conceito (como as
conhecemos atualmente) e os shopping centers: “mitos, rituais e o pensamento mágico em
geral são, como anúncios, uma forma de discursar sobre a realidade.
135
Isso nos remete ao apartamento-modelo decorado, discutido no primeiro capítulo,
como uma das partes desse ritual, e seus ambientes criados com a função de comunicar e onde
é possível adentrar em um mundo que não é “de verdade”, mas que “existe” para ser
experimentado.
130
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p.180, grifos do autor.
131
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 132.
132
BARTHES, Roland. Inéditos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 3 v. p. 101, 102.
133
Ibid., p. 101.
134
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 148.
135
Ibid., p.154
48
O apartamento-modelo decorado no anúncio do empreendimento Belíssimo Clube
Residencial (figura 18) tem o mesmo peso que a ilustração hiper-realista da piscina e a
fotografia da família – pai, mãe e duas crianças.
Figura 18 Anúncio do empreendimento Belíssimo Clube Residencial.
Fonte: Estado de S. Paulo, 29 jun. 2008.
Cada uma das imagens é completada por enunciados, a primeira Minha família
merece pelas informações do produto e de sua localização; a segunda, uma imagem hiper-
realista da piscina pelas informações dos itens de lazer. Já a terceira, a fotografia das salas
do apartamento-modelo decorado, é completada pelo convite para conhecê-lo, sendo este
avalizado pela arquiteta que tornou possíveis aqueles ambientes “existirem”.
As legendas das imagens da piscina e da família deixam claro serem ilustrações,
só a do ambiente refere-se a uma fotografia, imagem de um lugar que pode ser visitado.
Para que não haja dúvidas de que o anúncio é uma “narrativa” sobre o produto, de um mundo
dentro do anúncio. “Mundo nem enganoso nem verdadeiro, simplesmente porque seu registro
é o da mágica.
136
136
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 25.
49
A ideologia do discurso publicitário não visa promover apenas a venda, para além
disso, dialogar com o cotidiano por meio de modelos ideais de objetos e sujeitos que, assim
como nos mitos, servem para classificar, educar, informar, enfim, ordenar a sociedade.
Como esclarece Barthes, o trabalho dialético da publicidade “visa a dispor dentro
dos limites draconianos do contato comercial algo de propriamente humano.
137
Nada mais
humano do que os mitos.
Acompanhamos, contudo, a afirmação de Rocha de que seria simplista constatar
que a publicidade é um mito contemporâneo como justificativa de sua permanência:
Ela é mais que uma técnica mercadológica apenas e dispõe de margem maior de
autonomia [...] idealizando a vida sempre no mesmo sentido, se torna espelho onde
se reflete um projeto social [...] reflexo de uma ideologia de pequenos cotidianos que
se quer permanente em sua ordem e “natural” em sua estabilidade [...] o estudo da
publicidade pode render, dentro de uma perspectiva em que ela se coloca como
instrumento capaz de operar conciliações em níveis contraditórios no interior da
ideologia de nossa formação social [...]
138
Níveis esses que são as contradições entre a economia, a técnica (produção) e os
homens (consumo), conciliando-os por meio de um sistema de produção de sentidos e de
diferenças.
139
3.3 OS TIJOLOS, O CIMENTO E O BRICOLEUR.
Como um edifício formado de vários tipos de materiais que separadamente têm
um significado tijolo, concreto, aço, vidro mas que juntos formam uma estrutura distinta,
assim também os mitos são formados por pedaços de saberes disponíveis em uma sociedade,
que conhece isoladamente cada um deles, mas os reconhece de outra maneira quando estão
juntos. E também se reconhece neles distintivamente.
Desta forma Rocha, afirma que o anúncio, por excelência em sua forma de
produção, pode ser considerado mito, por ser construído com partes de vários saberes que se
sobrepõem como acontece na bricolagem, a operação intelectual dos mitos.
140
O autor realizou análises etnográficas de grupos de publicitários a fim de
compreender os mecanismos pelos quais a produção dos anúncios é realizada, bem como as
representações sobre o desempenho profissional desses grupos.
137
BARTHES, Roland. Inéditos, op. cit., p. 100.
138
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 59, 60.
139
ROCHA, Everardo P. G. Representações do Consumo..., op. cit., p. 104.
140
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 58
50
Em seus estudos e entrevistas, encontrou o modelo de um “fazer publicitário” que
envolve muitos campos do saber, motivo pelo qual os profissionais se autonomearam
conhecedores de “cultura geral”, para poderem atender à demanda tão diversa de trabalhos.
São saberes dos campos da arte, da ciência, do cotidiano, além dos estereótipos relacionados
ao público alvo, que são combinados no trabalho da criação:
Seu ponto de partida e sua operação lógica é agregar todos os fragmentos de saber
disponíveis e reuni-los na elaboração de um instrumental. É nesse sentido que
podemos relacionar publicidade e bricolagem […] O publicitário recebe um
instrumental dado de fora pelos saberes já construídos na nossa sociedade.
141
A diversidade de projetos a serem realizados, a necessidade de um pensamento
ordenado e organizado, as exigências de rapidez, o “caleidoscópio” de idéias que precisam ser
combinadas, os padrões de raciocínio não lineares são características desse fazer publicitário
analisado por Rocha.
Ao aproximar o pensamento publicitário do bricoleur de Lévi-Strauss, o autor
lembra ainda que ambos se assemelham por não possuírem um projeto, já que essa é uma
prática composta por pedaços aglomerados à espera do momento certo para serem usados.
No caso específico da publicidade imobiliária, os criativos têm em mãos uma
série de informações sobre o produto a ser lançado e a exigência de que aquele edifício ou
condomínio ganhe uma “embalagem conceitual” que o diferencie dos demais. O trabalho de
retrospecção e de bricolagem pode ser orientado a partir da localização, pela composição das
áreas, pelo estilo arquitetônico, ou por compreender atributos “incomuns” que visam atender
às necessidades detectadas em pesquisa, como vimos no capítulo anterior.
Portanto, quanto mais informações a equipe de criação das agências obtiver sobre
o projeto e seu posicionamento, quanto mais abrangente for o conhecimento sobre o
“repertório” do público alvo, maiores serão as chances de construir um conceito que embale o
produto com diferenciais únicos.
Por meio da associação de idéias, os criativos constroem simbolicamente um bem,
a partir de um nome, uma marca e uma campanha, com folheto, anúncios e as demais peças já
descritas, que são a pedra fundamental do empreendimento. Estrutura e corpo de uma
narrativa própria, que fala de um mundo mágico em que utilidades e necessidades serão
revestidas de emoção.
Carrascoza estuda a associação de idéias como um dos métodos mais explorados
pelas duplas de criação das agências, utilizada com mais força a partir da década de 1990.
141
ROCHA, Everardo P. G. Magia e Capitalismo..., op. cit., p. 54.
51
Como o bricoleur do pensamento mítico, os criativos “atuam cortando, associando, unindo e,
conseqüentemente, editando informações do repertório cultural da sociedade.
142
Iremos discorrer sobre demais elementos persuasivos utilizados nas campanhas
publicitárias no quinto capítulo. Por ora, queremos explicitar como a bricolagem, na qual uma
idéia é ligada a outra, cria uma rede associativa na publicidade imobiliária.
Segundo o autor, a associação de idéias se dá por semelhança, contigüidade e por
causa e efeito:
Uma paisagem reproduzida num quadro conduz naturalmente nossos pensamentos
para o seu original [...] associação por semelhança. Quando se fala sobre um
apartamento de um edifício, abre-se caminho para uma conversa sobre outros
apartamentos, a associação se dá então por contigüidade. E, se pensarmos num
ferimento, é quase impossível não refletirmos acerca da dor que o acompanha [...]
causa e efeito.
143
No anúncio de pré-lançamento do empreendimento Ghaia (figura 19),
podemos notar a associação de idéias a partir do nome do produto, referência à divindade
grega primordial Gaia, que simboliza a “mãe terra”.
144
Figura 19 Anúncio do empreendimento Gahia.
Fonte: Estado de S. Paulo, 18 nov. 2007.
142
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 18.
143
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 19.
144
MITOLOGIA..., op. cit., p. 17, 18.
52
A associação por contigüidade se dá partir do nome, a idéia central ao redor da
qual outras orbitam, como os quatro elementos da natureza que “embalam” os atributos do
produto.
Terra praça de convivência, minigolfe e muito verde para você e sua família.
Água complexo aquático de piscinas adulto e infantil.
Fogo quadra de tênis, quadra esportiva e praça da fogueira.
Ar puro (e não apenas ar) reserva biológica do Tamboré, com mais de
3.500.000 m2 de área preservada.
O título faz referência à imagem hiper-realista da varanda sobre a foto de uma
grande área verde: Você nunca viu tanto verde da sua varanda.
Abaixo da marca, formada pela intersecção de quatro círculos iguais aos que
aparecem sobre cada um dos elementos, o slogan: O lar que a natureza criou que ratifica o
nome do produto (Ghaia) e a sua localização em Tamboré, região distante do centro urbano e
onde há muitas áreas verdes.
Nesse anúncio, ao contrário do Belíssimo, a informação sobre os apartamentos
decorados - por Gisela Bento Gonçalves - não está em destaque. E também não há imagem de
pessoas.
O enunciado com o verbo no presente é dirigido ao leitor, convidando-o a se
colocar naquele ambiente de “sonho” e se sentir acolhido pela “mãe terra”, que é Ghaia, esse
lar criado pela natureza, como reforça o slogan, e que “já existe” dentro do anúncio.
A história do anúncio nada tem a ver com aquela contada na sua produção, que
acontece entre tratores, escavadeiras, dry wall, concreto, vidro, aço e homens. É uma história
contada da varanda de um apartamento, sem limites para o horizonte, sem problemas nem
dores. Suprime o tempo e constrói um lugar simbólico para abarcar um estilo de vida que tem
a natureza como cenário primordial.
Como vimos até aqui, o sistema de classificação realizado pela publicidade, que
transforma diferenças na produção em distinções na esfera do consumo, é mágico-totêmico
mito, como resultado do trabalho do bricoleur e rito, no momento da recepção, quando
atravessa a leitura diária do jornal.
Situar publicidade entre as “manifestações da cultura” nos permite discutir a
maneira pela qual ela traz representações da sociedade contemporânea, assunto que iremos
discutir no próximo capítulo.
53
4. SER, ESTAR, FICAR, PERMANECER.
As cidades, sabemos,/são no tempo, não no espaço,/e delas nos
perdemos/a cada longo esquecimento/de nós mesmos.
(José Paulo Paes)
Nosso olhar agora muda, não sai da cidade de São Paulo, mas volta-se para quem
vive a cidade-pressa, que empurra a não perder um minuto do dia com o “fazer nada”. E,
muitas vezes, nem oferece condições para isso.
Usamos como exemplo a Avenida Paulista: se algum cidadão quiser sentar-se em
um banco público, não vai conseguir. Não existe sequer um banco público em todo o seu
percurso, só os dos pontos de ônibus. As poucas praças adjacentes e o parque Trianon
possuem bancos, mas ficam longe do frenesi da avenida.
Parece impossível parar e deixar-se estar, como um espectador da cidade. Apenas
mais um entre milhares, milhões de pessoas. Afinal, a sensação de ser mais um pode ser
confortável se não for preciso decidir quem se é. Fazer nada e ser ninguém.
Do mesmo modo que somos compelidos a fazer cada vez mais coisas em cada vez
menos tempo, também precisamos ser alguém. Não apenas um, mas vários. A mudança
constante da opinião, cantada por Raul Seixas em Metamorfose ambulante
145
, agora é a da
identidade, que pode ser escolhida na prateleira de um “supermercado cultural
146
,
descartada, reciclada, num reinventar-se todos os dias.
A sociedade do capitalismo leve trouxe o instantâneo, a realização imediata, que
exaure e faz desaparecer o interesse
147
, inclusive pelo outro. Se a cidade é a concretização do
desejo de estar junto, como nos lembra o arquiteto Paulo Mendes da Rocha
148
, hoje assistimos
a um distanciamento, a falta de encontro, a exclusão do outro simplesmente por não vê-lo.
Do fenômeno da banalização do espaço do flanêur em Walter Benjamin
149
, que
fez da cidade paisagem e da multidão razão da sua existência, passamos ao fim da resistência
do espaço em Bauman, o instantâneo que faz a materialidade dos objetos se tornar líquida.
150
Nas ruas da modernidade, o flanêur sentia-se em casa. Na multidão se
completava, pela diferença. O tempo, que passara a ser medido (como o trabalho), podia ficar
145
Composição de Raul Seixas e Paulo Coelho, 1973.
146
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 75.
147
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p.137.
148
ROCHA, P. Mendes da. “Meu medo é dessa geração educada atrás de muralhas”: depoimento. [18 de
novembro, 2007]. São Paulo: Caderno Cultura do jornal Estado de S. Paulo. Entrevista concedida a Silvia
Penteado.
149
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III. São Paulo: Brasiliense, 1989.
150
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida, op. cit., p.145.
54
suspenso enquanto o seu olhar observava a diversa cidade, as pessoas, o colorido dos cartazes,
as placas pintadas, as bancas de jornal.
Para Bauman, a atitude blasé dos vagabundos de Simmel, que assistiam aos
dramas urbanos, mesmo a do flanêur de Baudelaire, não era a busca por uma comunidade
com a qual pudessem se identificar
151
. Para ele, eram atitudes de autopreservação contra o
excesso de estímulos da modernidade, o mergulhar num tanque de energia elétrica de
Benjamin
152
, já que as identidades podiam ser preenchidas a qualquer momento, nos modelos
disponíveis no trabalho e na família.
O narrador do conto O homem da multidão, de Edgar Alan Poe
153
, descreve
peculiaridades desses modelos, o trabalhador das firmas, as mocinhas, os carregadores de
anúncios, os artesãos e tantos outros. Até por isso ele fica hipnotizado ao deparar com um
homem em meio a tantos que não pode ser “lido”.
Hoje, ao contrário da modernidade, são poucos os que se interessam por
identidades que não possam ser trocadas. Agora as referências de identidades são construídas
na mobilidade de grupos e a autopreservação pode ser comprada: “[…] ligados ao celular
desligamo-nos da vida.
154
Acrescentamos que os aparelhos de mp3, tão comuns hoje em dia,
são mais uma maneira de desligar os sons e as vozes da cidade, ligando identidades às suas
trilhas sonoras “personalizadas”.
Mas, afinal, quem precisa de identidade? Essa é a pergunta que faz Hall ao
observar o aumento das discussões sobre o conceito de identidade nos últimos tempos. Para
ele, existem dois movimentos de crítica a esse conceito: um que opera “[...] no intervalo entre
a inversão e a emergência: uma idéia que não pode ser pensada da forma antiga, mas sem a
qual certas questões-chaves não podem ser sequer pensadas [...]
155
O outro é conseqüência
desse ser um conceito central, como elemento ativo na ação individual, e pela importância do
significante “identidade” no contexto dos movimentos políticos de identidade.
Também para Bauman trata-se de um conceito muito contestado e que envolve
lutas, na intenção de devorar, contra o ser devorado.
156
Após analisar a questão da diferença que submerge da identidade, por ser
construída no jogo do poder, Hall utiliza o termo identidade como
151
BAUMAN, Zigmund. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p.31.
152
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas III, op. cit., p. 125.
153
POE, E. Alan, O homem da multidão. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/poe/
index96.html>. Acesso em 01 jul. 2008.
154
BAUMAN, Zigmund. Identidade..., op. cit., p.33.
155
HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.).
Identidade e diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p.104.
156
BAUMAN, Zigmund. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 83,84.
55
[...] posições que o sujeito é obrigado a assumir, embora ‘sabendo’ [...] que elas são
representações, e que a representação é sempre construída ao longo de uma ‘falta’,
ao longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro e que, por isso mesmo, não são
iguais aos processos de sujeito que são nelas investidos. 157
Para compreender o que significa essa representação, recorremos a Goffman, que
a define como “[...] toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado
por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre
estes alguma influência.
158
Na representação há o indivíduo como personagem, que é um efeito dramático, e
o indivíduo como ator, que tem atributos de natureza psicológica,
159
definições que
relacionamos com o discursivo e o psíquico de que trata Hall, em cuja sutura se constitui a
identidade.
160
Partimos, agora, da discussão sobre o conceito de identidade para localizá-lo nos
anúncios imobiliários. Essa articulação se faz necessária, como vimos no capítulo anterior,
para analisá-los como textos culturais
161
produzidos pela sociedade e de que maneira
influenciam indivíduos e grupos e seus construtos identitários.
Se a cidade de paisagem tornou-se apenas passagem, congestionada, caótica, e a
multidão, algo que precisa ser transposto pela urgência, ainda existem os lugares que
permanecem fixos, é neles que temos raízes ou acreditamos criá-las ao constituir uma casa,
um lar, um sentido de permanência, de pertencimento, mesmo que o espaço possa ser cruzado
em um piscar de olhos.
162
“A volta ao lugar é o recurso de quem freqüenta os não-lugares”, segundo
Auge,
163
e a publicidade imobiliária fornece imagens desse lugar que deixa a cidade do lado
de fora. Em seus anúncios ou comerciais, nos folhetos distribuídos nos semáforos, nos
banners virtuais que saltam aos olhos na tela do computador, a retórica da publicidade
imobiliária convida a escolher um lugar para ficar, permanecer.
A preocupação em convencionar um estilo de vida e uma consciência de si estilizada
não se encontra apenas entre os jovens e os abastados; a publicidade da cultura de
consumo sugere que cada um de nós tem a oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a
si próprio, seja qual for a idade ou a origem de classe.
164
157
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade?..., op. cit., p.112.
158
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 29.
159
Ibid., p. 232.
160
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade?..., op. cit., p.131.
161
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: Edusc, 2005.
162
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade...., op. cit., p. 72, 73.
163
AUGÉ, Marc. Não-lugares, introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994,
p. 98.
164
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995, p.123.
56
A retórica da publicidade imobiliária faz o convite à permanência, ao contrário da
cidade, e de reconhecimento de si em um “lugar”, esse sim fixo, ao contrário das identidades.
É na publicidade imobiliária que esse lugar torna-se distinto pelo estilo de vida que abarca,
pelas identidades que habitam os anúncios.
Nas palavras de Isleide Fontenelle, “as pessoas procuram permanência na
superfície das marcas, por exemplo”, em uma cultura descartável, resultado do
desmoronamento dos “discursos que organizavam o projeto de ordem da cultura moderna.”
As identidades promovidas pelo mercado já vêm aprovadas socialmente, sem a necessidade
de autoconstrução, nem mesmo a de negociar essa aprovação.
165
Hoje a identidade é mutável, tanto quanto uma peça de roupa (que, aliás, ajuda a
compô-la), modelagens para um jeito de ser, de parecer, de pertencer, de ver-se a partir
de/com o outro. E os estilos de vida (e modos de morar) estão colados a essas identidades.
Sabemos que não se troca de casa como se troca de roupa, é claro. Mas consumir
estilos de vida e modos de morar independe do consumo do produto. Há o consumo material e
o simbólico, sobre ambos é que estamos discutindo aqui.
No encontro de um produto com o indivíduo há uma relação, no encontro do
indivíduo com a imagem do produto inserido no universo mágico da publicidade há outra, um
gesto cultural integrado, como escreve Barthes, o espaço ritual apontado por Rocha.
McCracken compara o consumo de bens a uma ponte entre o real e o ideal,
mesmo que esse bem seja apenas cobiçado. Para ele, o pensar sobre a posse do bem
desencadeia um exercício de reflexão sobre um jeito de viver, um estilo de vida, ainda que as
circunstâncias neguem isso no momento.
166
De acordo com Giddens, não podemos escapar da escolha de um estilo de vida,
uma vez que este comporta um conjunto integrado de práticas que preenchem necessidades
utilitárias e também dão materialidade a uma narrativa particular de “auto-identidade”
(instituída e amparada nas atividades rotineiras e reflexivas do indivíduo). Noções que, para
ele, foram apropriadas artificialmente pela publicidade na elaboração do eu.
167
Para discutirmos o conceito de identidade fragmentada da atualidade, com a qual
a publicidade dialoga, acompanhamos o olhar retrospectivo de Hall nas origens do que ele
chama de descentramento do sujeito, resultado de um processo maior de mudança cultural que
165
FONTENELLE, Isleide A. O nome da marca..., op. cit., p. 320, 322.
166
MCCRACKEN, Grant. Cultura e consumo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades
de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003, p. 142-150.
167
GIDDENS, Antony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar. 2002, p. 54-79.
57
o desalojou de referências (noções de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade)
que funcionavam como localizadores sociais.
168
4.1 IDENTIDADE EM CRISE.
Hall divide a identidade em três concepções o sujeito do Iluminismo, o sujeito
sociológico e o sujeito pós-moderno por meio das quais apresenta as mudanças da sociedade
tradicional, em que o passado e o passar das gerações eram valorizados como constitutivos da
identidade; para a sociedade moderna, que precisava abarcar as grandes massas e a
confrontação com o outro e, enfim, para a pós-moderna, sob o impacto da globalização.
O sujeito do Iluminismo tinha a capacidade da razão, de consciência e de ação. Ao
se livrar do dogma e da intolerância, sua identidade tornou-se o centro do eu.
169
Formado e
conformado na origem, nascia e morria com a identidade trazida por ela.
Isso nos faz lembrar um estudo do período elisabetano, citado por McCracken ao
analisar a teoria da pátina como legitimadora de status em Cultura e Consumo, sobre as
condições exigidas para que uma pessoa da plebe pudesse ascender socialmente e ser
considerada plenamente nobre. Eram necessárias até cinco gerações para a confirmação da
mudança, só então a família poderia ser aceita como nobre.
170
Ainda que suas posses
mudassem, o status de nobre demorava a chegar, assim como a tão desejada nova identidade.
Já o sujeito sociológico da sociedade moderna não tinha autonomia nem auto-
suficiência, pois era conseqüência da relação com a cultura do mundo do qual fazia parte. A
identidade tinha então a função de “costurar” o sujeito à estrutura, estabilizando tanto um
quanto outro.
171
Esse era um sujeito também articulado pela biologia darwiniana, da razão
advinda da mente e do cérebro, bem como pela divisão das novas ciências sociais: a
psicologia e a sociologia.
172
Um sujeito do mundo fordista, conforme escreve Bauman, das autoridades, dos
professores, dos líderes, que ditavam modelos de comportamento, de identidade
173
e que
tinham por objetivo uma “boa sociedade”.
168
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade..., op. cit., p. 8-10.
169
Ibid., p. 11,12.
170
MCCRACKEN, Grant. Cultura e consumo....., op. cit., p. 61.
171
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade..., op. cit., p.12.
172
Ibid., p. 30, 32.
173
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida...., op. cit., p. 76.
58
Hall passa ao sujeito pós-moderno, fragmentado pelas identidades disponíveis,
conseqüência das mudanças estruturais e institucionais que questionam a continuidade e a
historicidade das identidades, acirradas pelos confrontos culturais globais.
174
Nesse mundo do capitalismo leve, os líderes de antes foram substituídos por
conselheiros que, em vez de ser seguidos, são contratados, como os terapeutas, os médicos,
175
entre outros e aos quais incluímos os personal trainer e stylist além de outros recentemente
criados.
176
Hall discorre ainda sobre os avanços na teoria social e nas ciências humanas na
segunda metade do século XX, que tiveram como resultado o descentramento do sujeito
cartesiano e cuja principal característica é a diferença.
Se por um lado essa diferença desloca as identidades do passado, tornando-as
instáveis, por outro permite novas articulações e a criação de novas identidades e de novos
sujeitos.
177
O primeiro descentramento, seguindo a sua análise, advém das teorias de
Althusser na reinterpretação do marxismo na década de 1960, que nega o sujeito real e coloca
o indivíduo como resultante das condições históricas.
O segundo, a partir de Freud e a descoberta do inconsciente, a identidade sendo
formada em processos psíquicos e simbólicos do inconsciente e não originária da razão.
Lacan também contribui com a teoria da formação do eu na relação com o outro (teoria do
espelho), um eu nunca inteiro nem acabado, mas que se complementa no outro, sempre em
processo.
O terceiro descentramento do sujeito é conseqüência das teorias da língua como
sistema social, com Saussure. Um posicionamento bem parecido com o de identidade em
Lacan, que coloca os significados das palavras como móveis, emergindo das relações de
similaridade e de diferença.
O quarto descentramento a partir de Foucault e a Genealogia do Sujeito Moderno
e a aplicação de um poder disciplinar e de um saber que produz corpos dóceis ao mesmo
tempo em que individualiza ainda mais o sujeito.
178
Por último, na década de 1970, o descentramento resultante do feminismo, que
politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação e que Hall considera o
174
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade..., op. cit., p. 84.
175
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida...., op. cit., p.77.
176
MOHERDAUI, Bel. Os personal trainers deram filhotes. Veja On-line. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/151003/p_108.html>. Acesso em 30 dez. 2007.
177
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade..., op. cit., p.16-18.
178
Ibid., p. 37-43
59
mais importante de todos os movimentos surgidos na mesma época.
179
Tanto o feminismo
quanto os demais movimentos foram emblemáticos para fornecer modelos de identidades,
ainda que a indústria cultural tenha estandardizado seus discursos e ídolos.
Esse olhar retrospectivo do autor nos leva ao sujeito atual e suas possíveis
identidades resultantes dos impactos da globalização, de uma vida social mediada por padrões
mundiais de consumo:
[...] quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global [...] mais as
identidades se tornam desvinculadas desalojadas de tempos, lugares, histórias e
tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’. Somos confrontados por uma
gama de diferentes identidades […] dentre as quais parece possível fazer uma
escolha. Foi a difusão do consumismo […] que contribuiu para esse efeito de
‘supermercado cultural’[...]
180
Hall analisa os efeitos da globalização sobre as identidades nacionais (culturas
nacionais como dispositivos discursivos) nas quais a diferença pode ser constituída por
unidade ou identidade da nação. Ele vê como tendências resultantes da globalização: a
desintegração de identidades locais, o reforço destas identidades pela resistência, ou ainda, o
declínio das identidades nacionais por um efeito plural identidades híbridas, assim como são
híbridas as culturas nacionais modernas.
181
Entender a globalização como constitutiva da multiplicação de identidades, em
que o desenvolvimento da tecnologia é parte fundamental, nos ajuda a compreender as novas
reconfigurações do global e do local e a maneira pela qual os discursos da mídia são
responsáveis pela formação de identidades, nacional e globalmente.
Um exemplo é o inegável papel das telenovelas brasileiras influenciando a moda e
o modo de viver do brasileiro, homogeneizando identidades nacionais com seus padrões de
fala, de vestuário, de moradia e de comportamentos. Telespectadores chegam a ligar para a
emissora solicitando informações sobre como conseguir determinada peça de roupa ou
acessório usado por personagens das telenovelas.
182
Mais atualmente, os reality shows, dos quais destacamos o Big Brother Brasil,
trazem modelos de comportamento e, inclusive, de relacionamentos, expondo nas telas um
cotidiano “real” ainda que dentro de uma casa-estúdio. A suposta heterogeneidade dos
componentes, originários de diversos lugares do país, acaba minimizada pela dinâmica
imposta pelo estilo de vida da casa.
179
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade..., op. cit., p. 43-46.
180
Ibid., p.75.
181
Ibid., p. 62-69.
182
MEIRELES, Mariana. Conheça os figurinos de sucesso na TV. TV Press, 22 ago. 2004. Disponível em:
<http://moda.terra.com.br/interna/0,,OI367840-EI1118,00.html>. Acesso em 28 dez. 2007.
60
Semprini comenta o impacto desses programas sobre a maneira como o indivíduo
constrói relações sociais e projetos de vida individual, uma vez que as fronteiras entre ficção,
espetáculo e vida cotidiana são tão embaralhadas. Indivíduos “comuns” tornam-se
celebridades instantâneas, sem terem percorrido qualquer caminho, profissional ou artístico,
decorrente apenas do “dispositivo midiático”.
183
Lembramos também as análises que Kellner fez sobre a cultura americana “[...]
invadindo outras culturas do mundo, produzindo novas formas de popular global [...]
184
,
visto que os seriados norte-americanos, ao serem transmitidos no Brasil, são simplesmente
traduzidos, mantendo originalmente seus formatos, trilhas sonoras e estruturas narrativas. Ao
contrário das telenovelas brasileiras que, segundo Renato Ortiz, têm as marcas do que é local
apagadas quando vão para o exterior (como o número de capítulos e a trilha sonora) e as
telenovelas deixam de ser brasileiras para ser do mundo.
185
Sob essas novas formas do popular global de que trata Kellner, lembramos que
muitas agências de publicidade costumam consultar bancos de imagens
186
para escolher
fotografias ou ilustrações para as suas campanhas de lançamentos, sendo a maioria desses
bancos localizada nos Estados Unidos, e só mais recentemente na Ásia, com poucas opções de
bancos nacionais ou mesmo latino-americanos.
No anúncio do lançamento imobiliário do empreendimento Fascination
Penthouses (figura 20), podemos observar o diálogo entre o local e o global na constituição da
“personalidade” do produto e o estilo de vida que pretende abrigar.
183
SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna...., op. cit., p. 67.
184
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia..., op. cit., p.14.
185
ORTIZ, Renato. Modernidade e cultura. In: SOUZA, Mauro W. (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor.
São Paulo: Brasiliense; São Paulo: ECA-USP, 1995, p. 228.
186
A consulta a banco de imagens é uma prática muito comum nas agências que “locam” fotografias, ilustrações
e até filmes e vídeos por períodos predeterminados, com ou sem exclusividade de uso. Há, ainda, bancos royalty
free, cujas imagens são compradas para uso sem restrição de tempo e sem exclusividade. Alguns bancos de
imagens disponíveis atualmente são: ImageBank, Getty Images, Latinstock Brasil e Free Stock Photos.
61
Figura 20 - Anúncio do empreendimento Fascination Penthouses.
Fonte: Estado de S. Paulo, 11 nov. 2007.
Trata-se de um anúncio-convite para um evento no estande de vendas do
empreendimento, no qual o produto aparece como uma das atrações oferecidas pelas
empresas responsáveis pelo lançamento: Convite, Fascination Penthouses, Dream Day.
Tishman Speyer, Company e Fernandez Mera convidam você para viver um dia de sonhos.
Conheça de perto os últimos lançamentos da BMW no Brasil e as novidades sobre
Automação Residencial by Paulo D’Avila. Você ainda concorre a uma viagem dos sonhos
para Nova York, com direito a um acompanhante.
Somente no fim do texto é que há referência ao produto, sem, contudo, explicitar
as suas características: Aproveite e traga a família para conhecer também o Fascination
Penthouses um projeto como você sempre sonhou e que se tornou o maior sucesso imobiliário
do ano no Campo Belo.
Não há imagens do produto, a não ser uma pequena foto de um ambiente com a
legenda Dream Experience, abaixo da foto do automóvel BMW com a legenda Dream Drive.
Tanto o automóvel quanto o apartamento-modelo decorado são atrações do evento, seja em
um test drive ou em um test living.
Em destaque a foto de um dos edifícios do Rockfeller Center de Nova Iorque, com
uma imensa árvore de Natal (este anúncio foi veiculado em novembro de 2007) na frente da
62
qual há a foto da modelo-apresentadora Ana Hickmann em roupa de gala. O edifício norte-
americano é identificado por uma legenda, o nome da modelo não é sequer citado.
A localização do produto é novamente evidenciada ao final do anúncio, quando
são informados a data, horário e o local do evento: Hoje, a partir das 9 h no Showroom do
Fascination. Confirme presença com Margarida pelo telefone (11) 3066-1000. Manobristas
no local. Rua Edson, 600. Uma das mais valorizadas ruas, num dos mais desejados bairros
de São Paulo, entre a Rua Constantino de Souza e Barão de Jaceguai.
Assinando o anúncio, sobre as marcas das empresas, uma chamada visite
apartamentos decorados como um segundo convite, só que agora para o produto.
Da escolha do nome do empreendimento Fascination, à sua categoria penthouse.
Do nome do evento, Dream Day, à exposição de veículos BMW, Dream Drive. Da
apresentação dos serviços de automação residencial by Paulo D’Avila, Dream Experience, à
imagem do Rockfeller Center e ao prêmio, que é uma viagem à Nova York. São várias as
marcas da cultura americana no anúncio, elementos que buscam dialogar com a cultura-
mundo do suposto público evidenciando a “personalidade” do empreendimento por meio de
um estilo de vida “internacional”. As marcas locais ficam por conta do endereço do imóvel,
num dos mais desejados bairros da cidade.
4.2 IDENTIDADE E O “NÓS”.
O desenvolvimento de novas tecnologias da informação mudou a percepção do
espaço e do tempo: “Nova Iorque é mais perto que o sertão
187
. E se antes precisávamos
esperar que a televisão nos mostrasse as imagens do mundo que ela escolhia exibir, hoje
podemos acessar as imagens do mundo que “queremos vasculhar”, a qualquer momento, ao
clique do mouse.
Podemos, inclusive, assistir às cenas de cidades em tempo “real
188
, observando o
seu movimento, as condições do tempo, os carros. Em vez de ir ao espaço público, é possível
-la à distância, no espaço privado, próximos apenas da tela do computador.
Muitos autores já se debruçaram sobre a mediação da comunicação de massa
construindo uma noção de realidade, como Baudrillard,
189
quando analisa os efeitos de real
que produz. Para ele, o conteúdo das mensagens são fatores de segurança, na recusa do real.
187
“Nova Iorque é ali, Tão perto daqui, O piloto sorri, Lá se vai o avião, Eles são o que rola, Eles fazem a moda,
Nova Iorque é mais perto, Que o sertão [...]" Música de Sá e Guarabira, Ziriguidum Tchan.
188
Câmeras em tempo real. Disponível em: <www.earthcam.com>, <http://www.exibir.com >. Acesso em 25
dez. 2007.
63
Para Silverstone, a mídia faz parte da textura geral da experiência “[...] como se
ver e ouvir fosse compreender. Como se informação fosse conhecimento. Como se acesso
fosse participação. Como se participação fosse efetividade [...]
190
A geração nascida após o advento da televisão e, mais recentemente, a nascida em
tempos de internet, acostumou-se a ver o mundo também por uma tela, janela aberta para
tantas paisagens que ajudam a marcar tanto a proximidade quanto a distância do cotidiano.
Assistir às cidades de longe, seja aquela em que vivemos e a que está do outro
lado do planeta, é uma maneira de pertencer ao local e ao global ao mesmo tempo, sem
precisar pagar por isso o preço em dinheiro e em riscos desde que haja um lugar para
“estar verdadeiramente”.
O desejo de pertencer a uma comunidade numa vida moderna cada vez mais
líquida aparece como defesa.
191
“Separar e manter distância se tornam a estratégia mais
comum na luta urbana atual pela sobrevivência […] (cujo resultado) se estende entre pólos de
guetos urbanos voluntários e involuntários […]
192
Assim Bauman analisa os guetos étnicos pobres, cujo pertencimento não é
“escolhido”, das comunidades de livre-escolha dos condomínios fechados, vigiados por
câmeras e seguranças armados, lugares que, para ele, são habitados e usados pela elite global.
Para o autor não há identidade que não seja construída nem afirmação que não
seja auto-afirmação e, citando Sennet, analisa a construção do “nós” como um mecanismo de
autoproteção.
193
Isso nos leva a pensar que, se na cidade o mecanismo de autoproteção é o
desligar-se da vida (celular, mp3, óculos escuros), aqui é o ligar-se a uma comunidade ainda
que construída “artificialmente”. Como as identidades são tantas e tão móveis, a sensação de
pertencimento a um grupo pode fortalecer o “eu” na conformação com o outro, num lugar
tanto físico quanto simbólico, como são os edifícios e os condomínios residenciais. Neles é
possível se sentir na privacidade “de casa” e na comunidade ao toque do botão do elevador.
Ao sair do apartamento e descer para as áreas dos condomínios chamadas de
“comuns”, o encontro acaba sendo inevitável, nem que seja apenas o encontro do olhar;
reconhecer no outro mais um morador e identificar-se por essa semelhança, a da escolha do
mesmo lugar para viver.
189
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo... , op. cit., p. 24, 25.
190
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002, p. 14-211.
191
BAUMAN, Zigmund. Modernidade líquida...., op. cit., p. 205.
192
Id. Tempos líquidos , op. cit., p. 78.
193
Id. Modernidade líquida..., op. cit., p. 205, 206.
64
Para pessoas inseguras, desorientadas, confusas e assustadas pela instabilidade e
transitoriedade do mundo que habitam, a ‘comunidade’ parece uma alternativa
tentadora. É um sonho agradável, uma visão de paraíso: de tranqüilidade, segurança
física e paz espiritual.
194
Ainda que existam lançamentos criados para grupos específicos,
195
as
comunidades dos condomínios ainda não existem quando o produto é lançado no mercado.
Como vimos anteriormente, a publicidade imobiliária cria a personalidade do
projeto arquitetônico a partir de um posicionamento, atribuindo-lhe uma marca única e
fornecendo imagens tanto do lugar quanto de quem irá ocupá-lo, referenciais para estilos de
vida e marcadores de territórios simbólicos, além dos físicos impostos pelos muros do
empreendimento.
A publicidade imobiliária constrói o lugar simbólico agora, que só vai existir
fisicamente daqui a dois ou três anos. Mostra o que ser e viver no futuro por meio de
identidade que pode ser escolhida hoje.
Desta forma, o sentido de permanência e de pertencimento passa antes pela
identidade do lugar, como extensão da própria identidade. Ser e pertencer são a mesma
instância de reconhecimento. Como se fosse possível ver a si mesmo no lugar, fixando-se,
apesar do instantâneo, da insegurança, da liquidez das relações sociais.
4.3 IDENTIDADE E MEDIAÇÃO.
Em A Cultura da Mídia, Kellner questiona a denominação moderna ou pós-
moderna para a cultura das imagens e as formas de identidades atuais. Para ele, inclusive, a
cultura não é totalmente nova, mas oposta ao que sobrou dos valores e práticas tradicionais,
nas quais “[...] a mercadorização, o individualismo, a fragmentação, a reificação e o
consumismo ainda são componentes-chave da idade moderna [...]
196
Sobre a falta de consenso sobre a localização do pós-moderno, Featherstone
discute o uso dessa e de outras denominações similares e seus significados, que chamam a
atenção para mudanças na cultura contemporânea, como aquelas que envolvem modos de
produção, consumo e circulação de bens simbólicos: “[...] nas práticas e experiências
cotidianas de diferentes grupos, que [...] podem estar usando regimes de significação de
194
BAUMAN, Zigmund. Identidade... , op. cit., p. 68.
195
THOMÉ, Clarissa. Construtoras miram gays e evangélicos. Estado de S. Paulo, São Paulo. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080824/not_imp229865,0.php>. Acesso em 01 jan. 2008.
196
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia... , op. cit., p. 328.
65
diferentes maneiras e estar desenvolvendo novos meios de orientação e estruturas de
identidade [...]
197
Por isso a relevância das lutas pelo conceito de identidade, que abordamos no
início deste capítulo com Hall e Bauman, como também as “guerras” sob as quais alerta
Semprini,
198
pelo controle dos símbolos e dos mecanismos que garantam as referências e não
mais pela posse de riquezas e de meios de produção como ocorria antes.
Para identidades construídas pela linguagem (e significados, portanto), torna-se
indispensável o aprofundamento nos estudos dos textos (e imagens) da mídia, a fim de
verificar de que maneira aparecem na formação das identidades instáveis.
199
Partindo de algumas análises de “produtos” da mídia, como as do filme Uma linda
mulher, da série televisiva Miami Vice, da cantora Madonna, da publicidade dos cigarros
Marlboro e Virginia Slims, Kellner busca apontar quais modelos apresentam e como são
indicativos para a construção de identidades.
Em sua análise da série Miami Vice, discorre sobre construção de identidades
decorrente de escolhas de estilos de vida e de comportamentos sociais (dos personagens) que,
como aparecem na série, podem ser trocadas a qualquer momento, num jogo em que é natural
fazer isso
200
.
De acordo com Kellner, a publicidade “vende” estilos de vida e identidades
almejadas socialmente, como decorrência do produto, tanto quanto o produto em si. O
consumo indistinto do anúncio, como já apontamos.
Para Schudson, a publicidade é a instituição central da sociedade de massa e faz
parte da reflexão da cultura simbólica, delineando o senso de valores:
A publicidade [...] liga um vendedor a um comprador. A publicidade, tanto de
chocolate quanto de carros, nos cerca e entra em nós, quando falamos a maneira de
falar faz referência à linguagem da publicidade e nos vemos também por meio dos
esquemas que a publicidade revela.
201
197
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo... , op. cit., p. 30.
198
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. São Paulo: Edusc, 1999, p. 125.
199
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia... , op. cit., p. 299.
200
Ibid., p. 310. O autor assinala que “[...] a estabilidade das identidades dos policiais em Miami Vice é
explorada num roteiro que utiliza suas múltiplas identidades [...]. indícios [...] de que a identidade é construída e
não dada [...]"
201
SCHUDSON, Michael. Advertising, the uneasy persuasion: Its dubious impact on American Society. New
York: Basic Books, 1986, p. 209, 210, (tradução nossa). “The advertisement [...] links a seller to a buyer
[...]Advertising whether or not is sells car or chocolate, surrounds us and enters into us, so that when we speak
we may speak in or with reference to the language of advertising and when we see we may see thought
schemata that advertising has made salient for us.”
66
Acreditamos que, da mesma maneira, a publicidade imobiliária liga uma
construtora ao sonho da casa própria, oferecendo referenciais que ajudam a dar materialidade
a esse sonho por meio da identidade de quem irá ocupá-lo.
Os bens de consumo, como fixadores de significados, são acessórios rituais
usados para dar sentido ao curso dos acontecimentos; marcando assim os intervalos de tempo
(tempo de viver, de morrer, de amar) um tempo cuja passagem tem muitos significados.
202
Como parte desse ritual, a publicidade imobiliária fornece no presente modelos
ideais de um cotidiano feliz no futuro, construído por meio da retórica e das imagens de
ambientes e de paisagens perfeitas, com pessoas em momentos de lazer, esportes, ao lado de
familiares, amigos, amores.
São muitas as pessoas que condicionam a compra de um imóvel às realizações
individuais ou familiares, postulados como o “quem casa quer casa”, ou “a conquista da
liberdade” ou ainda “a família vai aumentar”, são lugares-comuns que ajudam a legitimar
decisões que podem ser tomadas a qualquer tempo.
A publicidade não se dirige a um só homem, mas na relação que o diferencia dos
demais, de modo espetacular convida toda a sociedade hierarquizada para seu processo de
leitura.
203
A ansiedade do desconhecido decorrente de uma mudança de vida e,
principalmente, a da aquisição de um bem tão caro como um imóvel, pode ser compartilhada
por todos na publicidade imobiliária, em mensagens e imagens que servem como mediação.
Se por um lado as identidades nesse mundo fluido parecem frágeis e vulneráveis,
como quer Bauman, a “identidade experimentada, vivida, só pode se manter unida com o
adesivo da fantasia”,
204
assim como a moda, a publicidade também assume o papel dessa cola.
Fornecendo modelos de estilos de vida (que participam da construção de
narrativas de auto-identidade) a publicidade “individualiza” a escolha, por meio da retórica,
como se personalizasse o produto à imagem e semelhança de quem o escolhe.
Mais do que um argumento publicitário, segundo Baudrillard, essa personalização
“é um conceito ideológico fundamental de uma sociedade que visa ‘personalizando’ os
objetos e as crenças, integrar melhor as pessoas.”
205
A comunidade do condomínio, contudo, não é evidenciada pela publicidade
imobiliária, mas sim o único, o privativo e o particular. Há um apagamento do todo para
202
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de
Janeiro: URFJ, 2004, p.113.
203
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p. 64.
204
BAUMAN, Zigmund.. Modernidade líquida... , op. cit., p. 98.
205
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p.149.
67
emergir uma identidade com a qual possa haver identificação. O coletivo só é valorizado
quando há interesse de reconhecimento, de distinção.
Na tentativa de reconstrução de si in abstrato” pela força dos signos, como
escreve Baudrillard, o ser perdido recria uma individualidade de síntese, “já que a diferença é,
por definição, o que não tem nome.”
206
O significado e a identidade são construídos socialmente por causa da
incapacidade das pessoas se decidirem em meio ao global o que é o local, de acordo com
Castels, “[…] meu vizinho, minha comunidade, minha cidade, minha escola, minha árvore
[…] minha paz, meu meio ambiente […]
207
São significados e identidades construídos pela diferença: sei onde quero ficar,
porque sei onde não quero estar; mesmo que o “meu seja nosso”, reconheço nesse “nosso” o
que é meu. São as escolhas de estilo de vida, esse mecanismo do gosto que classifica o
classificador, como escreve Bourdieu.
208
O anúncio a seguir (figura 21), do empreendimento Central Park Prime lançado
do bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo, elucida as identidades e os sentidos de
permanência trazidos em nossa discussão.
Figura 21 Anúncio do empreendimento Central Park Prime, com detalhe ampliado.
Fonte: Folha de S. Paulo, 04 nov. 2007.
206
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo, op. cit., p. 88, 89.
207
Apud BAUMAN, Zigmund. Tempos líquidos, op. cit., p. 89.
208
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
68
No topo do anúncio a primeira aproximação é feita pela informação da localização
do empreendimento, dividindo o lançamento com o bairro Parabéns Tatuapé, o sucesso do
Central Park Prime é uma conquista do bairro ainda que o título do anúncio se dirija a toda
a cidade: Atenção, São Paulo: ainda dá tempo de fazer parte deste grande sucesso.
O nome desse lançamento em inglês Central Park Prime faz referência ao
parque nova-iorquino, oásis verde no meio da cidade, e dialoga com a cor verde predominante
no anúncio.
Com exceção do preço e da descrição sumária do produto, as demais informações
têm a mesma relevância, inclusive os mais de 50 itens de lazer”, áreas que a publicidade
imobiliária embala com conceitos sofisticados (como lounge, espaço gourmet, pet care,
garage band, spinning, entre outros
209
), denominações das várias atividades disponíveis para
as múltiplas identidades da sociedade contemporânea.
Ocupando metade do anúncio há duas imagens, uma ilustrativa do bosque do
empreendimento com a legenda: Perspectiva artística da vista do parque. E logo abaixo
outra: Perspectiva artística que mostra o parque com vegetação de porte adulto. O porte da
vegetação na entrega do empreendimento será de acordo com o projeto paisagístico uma
imagem de um futuro que pode ser visto hoje.
210
Ao lado, a foto de uma criança abraçando o tronco de uma árvore e um “brasão”
com o nome da família Almeida: O 1° apartamento com árvore privativa de São Paulo. Uma
árvore num parque com o nome da cada família como se a identidade familiar pudesse criar
raízes, se tornar estável, estabilizando todos os seus componentes sob a sombra de uma
mesma árvore.
Vamos novamente recorrer a Bauman, quando analisa a segregação decorrente
dos condomínios urbanos das grandes cidades. Para ele, a escolha por permanecer em um
ambiente uniforme, na companhia de “semelhantes”, é um modo supérfluo e prosaico de
socializar-se e pode fazer com que as pessoas desaprendam a viver com a diferença,
aumentando ainda mais a separação territorial. Paliativo por um lado e origem de mais
segregação de outro.
211
209
No site do empreendimento, estão discriminados os 50 itens de lazer, dos quais destacamos alguns: bosque
privativo, estar mamãe e bebê, mini-anfiteatro, xadrez gigante, espiribol, mini-arvorismo, home theater infantil,
thecno house, espaço mulher, ateliê de artes, redário, orquidário, tenda de massagem, riacho, fitness, pilates, spa,
squash. Disponível em <http://www.cyrela.com.br/Web/ ficha/centralparkprime/>. Acesso em 05 jul. 2008.
210
A primeira parte da legenda dessa imagem está diferente no site do empreendimento: “Perspectiva artística
com vegetação de porte adulto, que será atingido após anos de entrega do empreendimento. Disponível em
<http://www.cyrela.com.br/Web/ficha/centralparkprime/>. Acesso em 05 jul. 2008.
211
BAUMAN, Zigmund. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 134, 135.
69
Segundo a sua análise, a segurança e a estabilidade sugerida pelos condomínios
não eliminam nem acabam com a insegurança existencial dos nossos dias, em que há a
instabilidade nos mercados de trabalho, que tornam frágil o valor de nossas competências e
habilidades, bem como a falta de vínculos e de compromissos. Por isso, para ele “[…] as
reformas urbanas devem ser precedidas de uma reforma das condições de existência”.
212
Não são apenas os muros que têm dois lados, o de dentro e o de fora, como
escreve Bauman. Também a cidade os tem. A urgência, os perigos e a insegurança que
atravessam as ruas têm seu duplo na busca de um sentido de permanência e de pertencimento
em tribos, comunidades, edifícios, condomínios. Lugares que a publicidade imobiliária
ajuda a construir simbolicamente como extensão das múltiplas identidades que povoam os
seus anúncios e que, como textos culturais, refletem e refratam as atuais condições de
existência.
Para esse “ser” mutável e esse “estar” provisório (na cidade, no trabalho, na vida),
há o convite da publicidade imobiliária para um “ficar e permanecer” em lugares fixos, por
meio do consumo simbólico que, como os mitos, não busca a verdade, mas a coerência,
ajudando a mediar o individual e o coletivo (o global e o local, a cidade e o bairro, o bairro e a
comunidade, a comunidade e a família, a família e o indivíduo) nem que seja por alguns
minutos, enquanto durar o encontro desse indivíduo com o anúncio.
212
Ibid., p. 140.
70
5. A ANÁLISE DE DISCURSO.
“A memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade
comece a existir.”
(Ítalo Calvino)
Os métodos advindos das ciências humanas para estudar a cultura, bem como os
das ciências sociais que investigam a comunicação “são valiosos para os estudos culturais”
por meio de linhas de análise voltadas à construção de identidade, à subjetividade, à
globalização e à pós-modernidade
213
, que orientaram as nossas discussões.
Os Estudos Culturais devem ser olhados sob dois pontos de vista, segundo
Escosteguy, como projeto político e como um novo campo de estudos, que não se
configuram, contudo, disciplinas, mas intersecção de disciplinas para o estudo dos “aspectos
culturais da sociedade.
214
Foucault nos lembra que as ciências humanas surgiram como decorrência do
pensamento de Kant, em cujo eixo está o homem como objeto e sujeito de conhecimento.
215
Segundo o autor, “o homem como objeto de ciência é um acontecimento na ordem
do saber.
216
Saberes que emergem configurados por outros saberes que acabam por definir o
que pode ou não ser pensado, de que maneira e sob quais critérios e ordem.
No século XIX, sujeito e linguagem pressupunham uma transparência e uma
previsibilidade que não é compatível com o sujeito e a linguagem atuais, como escreve
Orlandi, que são pensados sob duas relações, com o inconsciente e com a ideologia: “[...]
onde não há transparência, controle nem cálculo que possa apagar o equívoco, a
imprevisibilidade e a opacidade constitutivos dessas noções sobre as quais se sustenta o
conjunto de saberes que constituem o que chamamos Ciências Sociais ou Humanas.
217
Sob essa perspectiva, compreendemos o “nascimento” dos Estudos Culturais em
torno da década de 1960, que passam a situar a cultura como teoria de produção e reprodução
social, concomitante (e não decorrente) ao da Análise de Discurso Francesa, ambos em uma
mesma localização sócio-histórica.
213
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia, op. cit.,p. 53.
214
ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu. (Org.). O que
é, afinal, Estudos Culturais? Petrópolis: Vozes, 2000, p. 137.
215
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.225.
216
Ibid., p.477.
217
ORLANDI, Eni P. Discurso, imaginário social e conhecimento. Aberto, Brasília, n. 61, jan./mar. 1994, p. 54.
Disponível em: <http://www.emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/911/817>. Acesso em 30
dez. 2008.
71
Mais do que a relação entre sociedade e linguagem, a Análise de Discurso
Francesa define o discurso como um processo social que tem uma materialidade lingüística,
havendo uma “construção conjunta entre o social e o lingüístico.
218
O discurso é um fenômeno social, arena de disputas na qual os significados se
constituem na relação entre os interlocutores. Em um discurso não há informação apenas, mas
processos de identificação de sujeito, de argumentação, de construção da realidade. O
discurso é efeito de sentidos entre interlocutores.
219
Para Baccega, o discurso da comunicação tem como base a “metassignificação”
dos vários outros discursos sociais (inter-relacionados e apreendidos no discurso da literatura
e da história),
220
é discurso do “outro”. Estudar a linguagem, portanto, não é estudar o texto,
mas a práxis:
Nela a realidade objetiva se desvenda como ‘o outro’ com relação ao ser (sujeito)
bem como formadora e forma específica da própria condição do fazer humano [...] A
práxis compreende o fazer sobre a realidade, a interação com a realidade, o
conhecimento da realidade, a reflexão sobre esse conhecimento, o construir-se a si
mesmo.
221
Neste capítulo, iremos discutir alguns conceitos de Análise de Discurso e as
sistematizações propostas por Maingueneau que consideramos fundamentais para o nosso
trabalho e cujos pressupostos orientarão as análises do corpus: gênero de discurso, cena de
enunciação, ethos, memória discursiva, interdiscurso, intertexto, dialogismo e polifonia.
5.1 UMA ANÁLISE DE DISCURSO.
Herdeira do marxismo, da lingüística e da psicanálise, a Análise de Discurso da
Escola Francesa surge, principalmente, com Pêcheux na década de 1960 e sofre
transformações durantes os anos seguintes sob influência das teorias de Foucault
(a formação discursiva por trás do conjunto de enunciados) e de Bakhtin (o dialogismo, a
polifonia, discurso tecido por várias vozes).
[...] a análise de discurso se constitui na conjuntura intelectual do estruturalismo do
final dos anos 60, em que a grande questão é a relação da estrutura com a história,
do indivíduo com o sujeito, da língua com a fala, assim como se interroga a
interpretação [...]
222
218
ORLANDI, Eni P. Discurso, imaginário social e conhecimento, op. cit., p. 56
219
Id., Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2003, p. 21.
220
BACCEGA, M. Aparecida. O campo da comunicação. In: CORRÊA, Tupã Gomes. (Org.). Comunicação
para o mercado. São Paulo: Edicon, 1995, p. 59, 60.
221
Id., Comunicação e linguagem: discursos e ciência. São Paulo: Ed. Moderna, 1998, p.72
222
ORLANDI, Eni P. A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. p. 6. Disponível
em: <spider.ufrgs.br/discurso/evento/conf_04/eniorlandi.pdf> Acesso em 10 nov. 2007.
72
Para Pêcheux, no discurso os indivíduos são interpelados em sujeitos pelas
formações discursivas que representam na linguagem. Ou seja, palavras, expressões e
suposições podem mudar de sentido de acordo com quem as utiliza, revelando assim posições
ideológicas.
223
Os procedimentos de Análise de Discurso têm características diversas, por ser
distinto o seu objeto: um objeto do conhecimento, que é o discurso enquanto interação,
relação dialógica.
A Análise de Discurso busca estudar como a linguagem está "materializada na
ideologia e como a ideologia se manifesta na língua
224
Em O Discurso, estrutura ou acontecimento, Pêcheux evidencia a sua
preocupação quanto às práticas de Análise de Discurso:
[...] o problema principal é determinar [...] o lugar e o momento da interpretação em
relação aos atos da descrição [....] de um enunciado... (que) coloca necessariamente
em jogo o discurso-outro como espaço virtual de leitura desse enunciado [...] Nos
espaços transferenciais da identificação [...] as ‘coisas-a-saber’ coexistem (assim)
com os objetos [...] inscritos em uma filiação e não são produto de aprendizagem
[...] não podemos negar esse equívoco, negando o ato de interpretação no próprio
momento em que ele aparece.
225
Orlandi nos adverte que, em vez de procedimentos de análise, devemos adotar
instruções e, em vez de regras, regularidades, já que não há precisão no abstrato, tudo
“depende do 'lugar' de que se olha.
226
E acrescenta que, mesmo tendo um caráter
exploratório relativamente preciso, e apesar da falta de um modelo acabado, a Análise de
Discurso possui sistematizações que intervêm no real do sentido.
227
Do diálogo entre as várias disciplinas que estudam o discurso (das ciências
humanas e sociais) e as diferentes linhas de análise, podemos distinguir quatro grandes pólos:
o do discurso no quadro da interação social; o que privilegia o estudo dos gêneros de discurso;
aquele que articula funcionamentos discursivos com condições de produção de conhecimento;
e os trabalhos em que a organização textual está em primeiro plano.
228
223
Apud BRANDÃO, H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p.
79.
224
Ibid., p. 17.
225
PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1997, p. 54, 55.
226
ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1996, p.179.
227
Id., Análise de discurso..., op. cit., p. 5.
228
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU,Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo:
Contexto, 2006, p.45.
73
A escolha de um ou outro pólo direciona também os procedimentos de análise,
que não limitam a “interpretação”, mas acabam por iluminar um ou outro caminho.
De acordo com Maingueneau, um texto publicitário deve ser estudado como uma
atividade enunciativa ligada a um gênero de discurso, em que é preciso levar em conta o lugar
social do qual surge o discurso, se ele é oral, escrito, televisivo; qual o tipo de transmissão,
aspectos que fazem parte da maneira como o texto é organizado.
O autor diferencia enunciado, enunciação e texto, considerando o primeiro “com
o valor de frase inscrita num contexto particular”, o segundo, a produção do enunciado e o
terceiro as “unidades verbais pertencentes a um gênero de discurso.
229
Ao estudar a matéria verbal do texto, salienta que “um texto publicitário em
particular, é fundamentalmente imagem e palavra; nele até o verbal se faz imagem.
230
Isso
porque, como nos lembra Carrascoza, além do código lingüístico, “um anúncio é constituído
também por códigos visuais (morfológico, cromático, fotográfico e tipográfico), cujas
relações resultam num incontestável (e, muitas vezes, indispensável) reforço persuasivo.
231
5.1.1 Gênero de discurso.
O discurso publicitário é construído em função de sua finalidade e o lugar
instituído pela fala do enunciador, e também o meio do qual ele fala é constitutivo do seu
dizer.
Desta forma, Maingueneau salienta que, mesmo que a publicidade busque seduzir,
sua finalidade é “vender”, seu texto coloca um consumidor e uma marca em relação, num
lugar e um momento de enunciação.
Para explicitar como o lugar “afeta o modo de consumo”, comparamos a
publicidade imobiliária em um ônibus busdoor –, cuja leitura é rápida, e a de um folheto
desses entregues nos semáforos flyer que pode ficar disponível para leitura por tempo
indeterminado. No caso do busdoor é mais difícil estabelecer um público, uma vez que pode
atingir tanto pedestres quanto motoristas e passageiros, crianças, homens, mulheres, pessoas
dos diferentes bairros por onde circula o ônibus. Seu trajeto, contudo, pode dar indicativos de
um público potencial um ônibus que percorra uma importante avenida próxima a um
229
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez: 2004, p. 56, 57.
230
Ibid., p. 12.
231
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário, op. cit., p. 19.
74
lançamento imobiliário “pode ser o lugar certo” para atingir diferentes moradores de um
mesmo bairro.
Não há garantias de que os leitores potenciais o leiam, “podem não ter tempo,
nem, talvez, desejo de lê-lo. Nesse caso o publicitário criador [...] deverá se contentar com um
texto simples, bem curto e com letras grandes.
232
Em relação ao flyer, é possível supor qual público será atingido pela escolha do
bairro, de um cruzamento que tenha maior fluxo de veículos, de um horário específico para a
distribuição, no qual circulem, por exemplo, homens e mulheres que se dirijam ao trabalho,
ou ainda pessoas em trânsito que morem, estudem ou trabalhem nas proximidades do
lançamento.
O fato de abrir o vidro do veículo para pegar o flyer pode ser um indicativo de
interesse, ainda que seja possível descartá-lo na primeira lixeira. Por isso, nesse caso, há dois
níveis de textos, um “fragmento curto em letras grandes que condensa a informação e atrai o
olhar” e outro com letras menores e o desenvolvimento de argumentos.
233
Qualquer gênero de discurso, por ser uma relação entre interlocutores, não pode
prescindir de regras conhecidas, um contrato de comunicação
234
, antes denominado “contrato
de fala” e que valida o ato de comunicação do ponto de vista do sentido, definido como
[...] o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação [...]
É o que permite aos parceiros de uma troca linguageira reconhecerem um ao outro
com os traços identitários que os definem como sujeitos desse ato (identidade),
reconhecerem o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade) e considerarem a
relevância das coerções materiais que determinam esse ato (circunstâncias) [...]
pode-se dizer que o conjunto de coerções trazido pelo contrato é o que define um
gênero de discurso.
235
Outro conceito trazido por Maingueneau é o de papel dos parceiros implicados
num gênero de discurso “sob a ótica de uma condição determinada e não todas as suas
determinações possíveis” e o de jogo, com suas regras preestabelecidas e conhecidas
mutuamente e que podem ser transformadas de gênero para gênero.
236
O autor afirma que o texto é inseparável de seu modo de existência material
(papel, rádio, televisão, etc.), que ele denomina midium.
232
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 67.
233
Ibid., p. 67.
234
Para mais detalhes sobre o emprego deste termo por semioticistas, psicossociólogos da linguagem e analistas
do discurso e suas filiações, ver CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de
Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2006, p. 130, 132.
235
Ibid., p. 132.
236
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 70
75
Mais do que meio de transmissão de uma mensagem, o midium produz aspectos
que conduzem o uso do seu conteúdo. Por isso, além do suporte material, é preciso levar em
conta o dispositivo comunicacional integrado ao midium, uma vez que “[...] o modo de
transporte e de recepção do enunciado condiciona a própria constituição do texto, modela o
gênero de discurso.
237
Um enunciado oral se diferencia do escrito por associarmos ao segundo uma
estabilidade e permanência, porém são as formas de preservação tanto de um quanto de outro
que garantem a estabilidade.
238
Os procedimentos do slogan, por exemplo, com textos curtos
para serem repetidos e memorizados, podem torná-lo estável e permanecer na memória
coletiva: “como linguagem compactada [...] e por ser intensamente repetido [...] instala-se na
mente como um poema.
239
Oral, escrito e impresso são regimes de enunciação. Uma das propriedades
evidentes do texto escrito é o fato dele poder circular longe de sua origem, de encontrar
distintos públicos sem a necessidade de ser modificado. Essa distância entre enunciador e co-
enunciador estabelece um espaço para comentário crítico ou análise do co-enunciador, na
qual ele elabora interpretações.
240
O texto impresso é fechado em si mesmo, tem a forma que lhe confere a escolha
de caracteres, o modo como ocupa o espaço, as cores, de maneira que pode ser associado a
elementos icônicos: “todo o texto constitui em si mesmo uma imagem, uma superfície
exposta ao olhar”.
241
5.1.2 Cena de enunciação.
Sobre o suporte físico do jornal (o midium, segundo Maingueneau), os anúncios
de lançamentos imobiliários têm grande destaque com muitas páginas triplas e duplas
ocupando grande parte dos cadernos, principalmente aos fins de semana.
242
Ao deparar com um anúncio em meio às notícias
243
, de que maneira o leitor é
interpelado pela cena de enunciação? Essa denominação, usada em Análise de Discurso,
237
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 72.
238
Ibid., p. 74.
239
CARRASCOZA, João Anzanello. Redação Publicitária...,op. cit., p. 56
240
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 79.
241
Ibid., p. 80, 81.
242
Na edição de domingo, 9 de dezembro de 2007 do jornal Estado de S. Paulo (veículo considerado referência
para mercado imobiliário), das 96 páginas dos principais cadernos de notícias (excluindo os de cultura, arte, os
de veículos, feminino, casa e, inclusive, os de imóveis), 29 delas eram anúncios de lançamentos e pré-
lançamentos imobiliários, ou seja, quase um terço das páginas desses cadernos.
76
determina o espaço que o discurso ocupa, definido pelo seu gênero, bem como por sua
construção, que, ao se “colocar em cena”, estabelece um espaço de enunciação.
244
Seguindo as análises propostas por Maingueneau, é necessário levar em conta três
cenas de enunciação: a cena englobante, que corresponde ao tipo de discurso, no nosso caso,
o publicitário; a cena genérica, que é a do gênero de discurso, portanto, um anúncio de
imóveis em jornal, e a cenografia, que é constituída pela enunciação e visa provocar o
descolamento desse quadro cênico para que haja persuasão: “fonte do discurso e aquilo que
ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la.
245
Um recurso comum é a utilização das cenas de fala validadas, “já instaladas na
memória coletiva”, de padrões valorativos ou de rejeição, ou ainda a representação de
arquétipos que se tornaram populares pela mídia. Porém o autor adverte que não se trata de
cenografia validada”, já que se referem a um estereótipo “autonomizado,
descontextualizado, disponível” e não ao discurso.
246
Como vimos, o publicitário é o bricoleur por excelência, ao criar seus anúncios
reúne fragmentos originários do repertório da sociedade da literatura, das artes plásticas, do
cotidiano, da música, bem como modelos de comportamento. Seu instrumental é dado de fora,
ele seleciona, combina e reelabora.
247
Os gêneros ligados ao discurso publicitário não podem prescindir da escolha de
uma cenografia (que pode se apresentar de maneiras diversas, uma conversa ao telefone, um
discurso científico, uma carta, entre outras), escolhidas do repertório da sociedade e visa
captar o imaginário do interlocutor, atribuindo-lhe uma identidade em uma cena de fala.
248
Maingueneau acrescenta que, por meio da cena de enunciação, a personalidade do
enunciador é revelada a sua “voz” para além do texto, o ethos validando o seu dizer.
5.1.3 Ethos.
Na retórica aristotélica, o ethos é a imagem de si que o orador produz em seu
discurso e não pessoa real. Na pragmática de Ducrot, essa imagem de si é associada ao
243
Em nossa pesquisa exploratória, observamos que a maioria dos lançamentos de média a alta renda é
anunciada nos principais cadernos do jornal (Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo), entre as notícias, com
exceção dos cadernos específicos de esportes, cultura, veículos, etc. Já os lançamentos mais populares ocupam
preferencialmente os cadernos de imóveis, entre os anúncios classificados e as matérias sobre o mercado.
244
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise ..., op. cit., p. 95.
245
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 87, 88.
246
Ibid., p. 92
247
ROCHA, Everardo P. G. Magia e capitalismo..., op. cit., p. 54.
248
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 97.
77
locutor e não ao sujeito, localizando-se na fonte de enunciação. Em análise de discurso,
Maingueneau retoma e reelabora o ethos retórico aristotélico:
[...] o enunciador deve legitimar seu dizer: em seu discurso, ele se atribui uma
posição institucional e marca sua relação a um saber [...] se deixa apreender também
como uma voz e um corpo [...] o ethos assim definido se desenvolve em relação à
noção de cena de enunciação [...] A imagem discursiva de si é, assim, ancorada em
estereótipos, um arsenal de representações coletivas [...]
249
São os efeitos que o enunciador pretende produzir sobre o seu auditório, impostos
pela formação discursiva, que permite ao leitor construir uma maneira de dizer que remete a
uma maneira de ser do enunciador.
Por meio da sua fala, o ethos confere uma identidade compatível com o mundo
que será construído no enunciado. “O poder de persuasão de um discurso consiste em parte
em levar o leitor a se identificar com um corpo investido de valores e socialmente
especificados.
250
A identificação com esse corpo, que é uma ação do ethos sobre o co-enunciador,
Maingueneau chama de incorporação. Em sintonia com a conjuntura ideológica, o ethos
exerce um poder de captação, para que haja identificação e adesão ao discurso e, assim, o co-
enunciador atribui sentido ao texto.
Como fim desse processo de incorporação constitui-se o corpo da “comunidade
imaginária”, que “adere” ao mesmo discurso. Para persuadir, a publicidade associa o produto
que está à venda “a um estilo de vida, uma forma de habitar o mundo [...] procura encarnar
por meio da usa própria enunciação, aquilo que ela evoca, isto é, procura tornar sensível.”
251
De acordo com Casaqui, a identificação pode ocorrer em termos perceptivos, ou
seja, traços do enunciatário relevados pelas paixões investidas na mensagem que possam ser
identificados com traços do público-alvo (sócio-psíquico-linguísticos). Quer seja na
composição visual, na oralidade, ou nos elementos narrativos e figurativos.
252
Essas determinações conferem “entonações” distintas para as mensagens, cujas
especificidades acabam por identificar o segmento para o qual se dirige.
253
249
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise ...,op. cit., p. 220, 221.
250
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação... , op. cit., p. 99
251
Ibid., p. 100.
252
CASAQUI, Vander. Publicidade, marcas e análise do ethos. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo,
v. 2, n. 4, p. 113,114, jul. 2005.
253
Ibid., p. 116.
78
Assim, a mensagem publicitária traz em suas escolhas, em suas paixões investidas, a
tradução enunciativa dos dados sócio-psico-lingüísticos fornecidos pelas pesquisas
sobre o target, que, por sua vez, pode se identificar com a publicidade, como um
espelho que reflete e refrata a si próprio. Na linguagem publicitária se instauram as
corporalidades do público-alvo e do anunciante, manifestadas pelas e nas estratégias
sígnicas, atualizadas no processo enunciativo/enunciado.
254
5.1.4 Memória discursiva, dialogismo, intertexto e interdiscurso.
A troca de palavras em orientação dialógica é um fenômeno de todo o discurso, de
acordo com Bahktin e Volochinov, uma vez que um discurso sempre encontra outro e com ele
interage, ou seja, há sempre um destinatário “real ou virtual:”
[...] toda enunciação, por mais significante e complexa que ela seja por si mesma,
constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta
(que toca a vida cotidiana, a literatura, o conhecimento, a políticas, etc.). No entanto,
essa comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um elemento da
evolução ininterrupta de um grupo social dado.”
255
Segundo Brandão, o dialogismo tem uma dupla orientação em Bahktin, voltada
para o outro da interlocução (o destinatário) e também para outros discursos.
256
O dialogismo é, portanto, constitutivo da linguagem e, da mesma maneira, a
exterioridade é constitutiva do discurso: “um discurso só adquire sentido no interior de um
universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho.
257
Usamos o conto Desemprego, de Carlos Drummond de Andrade
258
, para tratar
dessas e de outras noções que orientam a análise do discurso.
- Não está me reconhecendo? Sou a terceira mulher do Sabonete de Araxá.
Aquelas do anúncio.
- Eu sei. As três mulheres do poema de Manuel Bandeira.
- Não, do anúncio do sabonete. O poema veio depois, nós já existíamos antes.
- E o que foi feito das duas outras?
- A primeira passou a trabalhar para a Sentinela Juropapo. A segunda está no
galarim, só trabalha para a Secom. Eu estou desempregada, não dá pra me arranjar uma
boa mordomia no INPS? “Sei que é difícil me aposentar, porque já tenho idade de sobra,
mas...”
254
Ibid., p.117.
255
Apud CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso, op. cit.,
p. 161.
256
BRANDÃO, H. Nagamine. Introdução à análise do discurso, op. cit., p. 64.
257
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 55.
258
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 2006, p.71.
79
Em A morte do autor, Barthes discute a diversidade de escritas que formam um
texto “espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escritas variadas,
nenhuma das quais é original", acrescentando que o ser total da escrita não é o autor, mas o
leitor, “onde se inscrevem as citações de que a escrita é feita.”
259
Maingueneau difere intertexto de intertextualidade, definindo o primeiro como o
“conjunto de fragmentos convocados (citações, alusões, paráfrase etc.) em um corpus dado”
e, o segundo, como o sistema de regras implícitas que subordinam esse intertexto, “o modo de
citação que é julgado legítimo pela formação discursiva, o tipo ou o gênero de discurso do
qual esse corpus provém.”
260
O intertexto, portanto, refere-se às alusões ao poema, ao poeta e ao anúncio e seu
produto. A intertextualidade é decorrente do mesmo tipo de discurso, o literário.
O jogo intertextual é elemento constitutivo da arte literária. Como toda obra artística
é um olhar novo sobre o já conhecido portanto, uma releitura no plano estrutural e
simbólico -, esse jogo se dá no tabuleiro semântico do discurso em que as
referências frasais são peças dialogantes.
261
O fato de estarmos usando um conto para discutir essas noções neste capítulo é
um exemplo do que Maingueneau chama de “intertextualidade externa”, ou seja, quando o
discurso advém de um campo discursivo diferente do estudado.
Se no intertexto temos “um jogo de retomada de textos configurados e
ligeiramente transformados”, no interdiscurso temos o “conjunto das unidades discursivas [...]
com os quais um discurso particular entra em relação implícita ou explícita”.
262
A distinção entre intertexto e interdiscurso é que partimos do texto (sua
materialidade) para sua “objetividade” material contraditória: “para que nossas palavras
façam um sentido é preciso que (já) signifiquem. Essa impessoalidade do sentido, sua
impressão referencial, resulta do efeito de exterioridade: o sentido lá.
263
O interdiscurso é, portanto, “a memória do dizer, o saber discursivo, a filiação de
sentidos.
264
259
BARTHES, Roland. A morte do autor. Disponível em:
<http://www.facom.ufba.br/sala_de_aula/sala2/barthes1.html>. Acesso em 04 set. 2008.
260
Apud CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise ..., op. cit., p. 289.
261
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 43.
262
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise..., op. cit., p. 286.
263
ORLANDI, Eni P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996, p.
39.
264
Ibid., p. 138.
80
Ao retirarmos pedaços de um discurso para inseri-los em outro, a conformação
semântica desses pedaços se modifica, de onde advém o conceito de Polissemia em Análise
de Discurso: “deslocamento e ruptura do processo de significação
265
.
No nosso exemplo, os pedaços advindos de outros discursos são colocados em
uma ordem discursiva, que os ressignifica. “[...] ao fazer a remissão a outro(s) discurso(s), o
sujeito recorre a elementos elaborados alhures, os quais, intervindo sub-repticiamente, criam
um efeito de evidência que suscita a adesão de seu auditório
266
Da relação com outros discursos, os sentidos que atravessam o “novo” discurso
não são mais o da publicidade, o da literatura, mas a transitoriedade da beleza, o desemprego,
a abastança do funcionalismo público, o jeitinho brasileiro, revelando, enfim, uma formação
ideológica.
5.1.5 Polifonia.
A noção de polifonia é advinda da música “um autor pode fazer falar várias
vozes ao longo de seu texto
267
e tem sido usada para estudar diferentes fenômenos.
O valor e o sentido do termo polifonia ganharam novos contornos com Bahktin,
em seus estudos da literatura, e também em Análise de Discurso.
A polifonia de Ducrot trata dos problemas associados às diversas formas de
discurso citado ou representado (apelo aos enunciadores ou pontos de vista), já o modelo de
Genebra, estuda a descrição polifônica em suas relações com outros aspectos da organização
do discurso (vários locutores, reais ou representados).
268
Apesar de polifonia ser uma noção
complexa, em Análise de Discurso ela “é um fenômeno de fala e, nesse sentido, concreto".
269
Maingueneau refere-se à polifonia como as várias vozes percebidas
simultaneamente em um enunciado,
270
que, no nosso exemplo, são as vozes que aparecem nos
“eus” e no “nós” que, como sujeitos da enunciação, desvelam o lugar social de onde falam.
265
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso..., op. cit., p. 36.
266
BRANDÃO, H. Nagamine, Introdução à análise do discurso, op. cit., p.95
267
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise ..., op. cit., p. 384.
268
Ibid., p. 387.
269
Ibid., p. 388.
270
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 137,138.
81
5.2 O DISCURSO E AS MARCAS.
Em vez de “imagem de marca”, “identidade de marca”. Mudança que traz em
seu bojo o relacionamento das marcas contemporâneas com o mercado, de produtoras de
produtos e serviços para provedoras de experiências.
Em sua análise sobre as marcas pós-modernas, Semprini as localiza num sistema
de produção de sentido:
É a identidade de uma marca que o público conhece, reconhece e, eventualmente
aprecia. É ainda a identidade que funciona de maneira metonímica para exprimir, de
forma rápida, condensada e simplificada a grande variedade de significados e
nuances da manifestação da marca [...] que define em poucas palavras a missão e a
especificidade e a promessa da marca.
271
Para o autor, a noção de identidade substitui a de imagem de marca - não mais a
imagem no pólo da produção e a identidade no pólo da recepção - mas funcionando na análise
dialética desses dois pólos.
272
A marca constrói “mundos possíveis”, dotados de sentido e pertinentes para os
receptores, mundos estes onde os indivíduos alimentam as suas identidades, dão sentido e
unidade à experiência em face do esfacelamento das “grandes narrativas”, assuntos que
discutimos anteriormente.
Como nosso estudo aborda as marcas de produtos e não de empresas,
consideramos que as peculiaridades da produção dessa mercadoria podem revelar
conformações diversas. Para essa análise iremos utilizar algumas distinções feitas por
Maingueneau e que apresemos a seguir.
Nome de marca: “é um tipo de nome próprio [...] que só pode designar uma única
entidade.” Refere-se a uma empresa, com características ligadas a um indivíduo humano
(como Microsoft e Bill Gates). As marcas das empresas são produtoras de discursos para os
produtos, investindo valores com os quais querem que sejam reconhecidos.
As representações associadas ao nome de uma marca são resultado dos discursos
que a marca constrói sobre ela mesma e seus produtos, sua “imagem de marca.” São as
“histórias” que a marca conta que “encarna” uma identidade por meios dos seus discursos,
particularmente o publicitário. Nessas histórias, a partir de uma cenografia e de um ethos, o
processo de incorporação tem um importante papel como mediador entre “o princípio
271
SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna...., op. cit., p. 123, 124.
272
Ibid., p. 126.
82
abstrato representado pela marca e os conteúdos que ele pretende veicular.
273
Ao analisar os efeitos de sentido dentro do processo de comunicação da marca
em relação aos nomes, Maingueneau cita alguns tipos de nomes de marca: nomes próprios de
fundadores ou nomes próprios decorrentes de mudanças lexicais, as siglas, os nomes humanos
e os nomes evocadores.
Em harmonia com o discurso publicitário, o processo de formação de siglas
conota em si mesmo, e prioritariamente, eficiência tecnológica, como no exemplo do autor,
IBM. Acrescentamos que também pode representar um “estilo” decorrente desse avanço
tecnológico, como o RBK muitas vezes utilizado no lugar de Reebok (marca de artigos
esportivos), tipo de contaminação decorrente das abreviações utilizadas nos programas de
conversa virtuais.
O uso de nomes humanos em marcas “confere aos seres coletivos o mesmo
tratamento dispensado aos seres singulares”, quer enfatizando a dimensão individual
biográfica, quer relacionando a uma “individualidade criadora” ou, ainda, ao uso de prenomes
sob a aparência de alguém próximo.
Já os nomes de marca evocadores são constituídos sob designações neológicas,
nomes novos que trabalham o imaginário e possibilitam diferentes leituras, ou desviadas,
emprestando “valores semânticos de unidades já em circulação” para o discurso da marca.
Nome do produto: um nome próprio que, ao contrário do de marca, designa um
“número a priori ilimitado de mercadorias idênticas”.
Os nomes de produto podem ser siglas, neologismos e ainda desvio de nomes
comuns ou próprios, que, de acordo com a categoria na qual se inserem, podem ser lidos
como gêneros de produtos
Nome da categoria: nome comum que se refere às classes de produtos e seus usos
reconhecidos.
As classificações realizadas pela publicidade, como vimos no segundo capítulo,
são uma maneira de “humanizar o produto”. Dar nomes significa “embalar” um produto de
sentido.
No caso dos nomes das categorias, Maingueneau salienta que, ao ser introduzido
no mercado, um produto pode: ratificar uma denominação estabelecida, inventar uma nova
denominação sem perder de vista uma categoria estabelecida ou criar nova categoria.
Para o autor, “os nomes das categorias são palavras, cujas virtualidades de sentido
273
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p.213.
83
agem ‘à sombra”, e seu discurso filtra de acordo com a conveniência.”
274
Por meio da
cenografia e das cenas de enunciação de um anúncio, as categorias de produtos podem se
reencontrar em gêneros de discurso.
No anúncio de pré-lançamento do empreendimento Paulistano (figura 22), a
marca associa-se à “categoria” de bairro, porém um Bairro Privativo.
Figura 22 Anúncio do empreendimento Paulistano Bairro Privativo.
Fonte: Estado de S. Paulo, 16 mar. 2008.
Paulistano faz referência à cidade de São Paulo (paulistanos são todos os bairros
da cidade), porém ao ser classificado como Bairro Privativo se descola da categoria de
condomínios residenciais e também da de bairro, criando uma “nova” categoria.
O enunciado “Está para nascer um novo bairro em São Paulo e com ele a grande
chance de você fazer parte da história da nossa cidade” e, mais além,um bairro totalmente
novo” reforçam o “discurso” da marca e sua categoria, como um acontecimento que vai ficar
para a “história” da cidade.
Podemos ainda ver a marca como uma unidade Paulistano Bairro Privativo e,
nesse caso, em vez de categoria de produto ser considerado um nome próprio de produto, cuja
marca é um desvio de um nome comum, de modo que o condomínio ao ser denominado
bairro privativo, por metonímia enfatiza a “grandiosidade” do empreendimento.
274
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 211.
84
5.3 O DISCURSO E O SLOGAN.
A permanência do slogan na memória tende a ser mais longa do que a de outros
enunciados publicitários, uma vez que ele é criado para ser facilmente memorizado e repetido.
Carrascoza o aproxima da poesia, devido à sua construção, na qual aparecem
muitos recursos habitualmente empregados na literatura. Costuma ser uma frase curta, ou às
vezes duas, e busca “atingir e explicar, pela simplicidade, o complexo [...] Perseguir a síntese,
com economia de meios, para se fazer mnemônico e agradavelmente dito e repetido.
275
Maingueneau aproxima o slogan dos provérbios, pelo mesmo motivo: fórmula
curta, criada para ser repetida, que “joga com rimas e simetrias silábicas, sintáticas ou lexicais
[...] como o provérbio constitui uma espécie de citação [...] sem explicar a fonte, que supõe
ser do conhecimento do co-enunciador.
276
O slogan, contudo, é ancorado na cena de enunciação, já o provérbio não
necessita de um contexto particular para ser interpretado, uma vez que as “vozes” no
provérbio são atribuídas à “sabedoria popular”, segundo Maingueneau.
Para os dois autores, são vários os fatores que diferenciam o slogan tanto da
poesia, quanto do provérbio, por ser este um elemento pragmático de comunicação
persuasiva
277
, associado a uma sugestão para fixar uma marca e que se modifica com as
transformações da mídia, “se liberta de estruturas rígidas destinadas à memorização.
278
Para Carrascoza, slogans que se aproximam de textos de viés apolíneo são mais
afirmativos, sintetizam e reiteram o conteúdo de todo o anúncio, e, em textos de viés
dionisíaco, são mais próximos do papel da “moral da história”, modelos cujos conceitos
iremos discutir no próximo capítulo.
275
CARRASCOZA, João Anzanello. Redação publicitária... , op. cit., p. 57-59.
276
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 171
277
CARRASCOZA, João Anzanello. Redação publicitária..., op. cit., p.56.
278
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 172.
85
6. A CONSTRUÇÃO RETÓRICA.
“Faça-me o favor de falar português. Reclamo é o que eu emprego,
e o emprego muito bem; porque é assim que se chama o instrumento
com que o caçador busca atrair as aves; às vezes é uma ave ensinada
para trazer outras ao laço [...]”
(Machado de Assis)
No discurso, o elemento persuasivo está “colado como a pele ao corpo”, como nos
lembra Citelli, ainda que um texto afirme um propósito de não persuadir, é por meio da
persuasão que essa negação pode tornar verdade para alguém.
279
Para Eco, “a maior parte dos discursos que fazemos nas relações com os nossos
semelhantes são discursos de persuasão”, cujo objetivo é convencer levando em conta aquilo
que já sabemos, já desejamos e tememos.
280
Por isso, os dois movimentos de análise: o do discurso e o da construção retórica,
para estudar na materialidade lingüística do texto, os elementos persuasivos utilizados na
construção das mensagens dos anúncios de lançamentos imobiliários, “a fim de apreender os
procedimentos que permitem ligar a adesão de um ponto de vista àquelas idéias que lhe são
apresentadas.
281
Perelman afirma que todo discurso que não almeje a uma “validade impessoal”
não pode prescindir da retórica: “Desde que uma comunicação tenda a influenciar uma ou
várias pessoas, a orientar os seus pensamentos, excitar ou apaziguar emoções, dirigir uma
ação, ela é do domínio da retórica.
282
Discursos dirigidos a todas as espécies de auditório, assim concebidos na nova
retórica (teoria da argumentação), visam convencer ou persuadir, seja qual for o auditório a
que se dirige e a matéria a que se refere.
283
O discurso do convencimento é endereçado a um auditório universal, ou seja, com
premissas e argumentos universalizáveis. Já o discurso persuasivo é dirigido a um auditório
particular, no ponto de vista das intenções do enunciador, que precisa conhecer o seu
auditório para garantir a eficiência do seu discurso.
284
279
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1995, p. 5, 6.
280
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1971, p. 281.
281
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão, op. cit., p. 17.
282
PERELMAN, Chaim. O Império Retórico. Retórica e Argumentação. Portugal: Edições Asa, 1999, p.172.
283
Ibid., p. 24.
284
Ibid., p. 37
86
“Convencer é, pois, um esforço direcionado à mente [...] persuadir é domínio do
emotivo” segundo Carrascoza.
285
O autor salienta que, de posse do conhecimento do público-alvo (seu repertório
cultural), os criativos das agências selecionam os elementos que utilizarão em uma campanha
ou anúncio, combinando-os, tendo como norte os objetivos e as informações passadas no
briefing.
Esse é o trabalho da bricolagem, o de colher pedaços de vários saberes do
repertório do público-alvo, rever aqueles que mais se alinham à sua “intenção”, combinando-
os e configurando-os para obter adesão do auditório.
Nas suas escolhas, os criativos poderão percorrer um caminho mais racional ou
mais emocional (ou ambos, conciliando razão e emoção), para os quais Carrascoza utiliza a
terminologia nietzschiana apolíneo ou dionisíaco, respectivamente:
o apolíneo está ligado ao sonho, e não por acaso os textos publicitários que se
apóiam nesse conceito e exploram a racionalidade, intentam persuadir o público com
um conceito idílico, ainda que baseado na lógica formal aristotélica [...] é construído
muito mais sobre o ideal do auditório, a esfera do sonhado, do que do seu real. É a
promessa básica de felicidade, de um amanhã onírico.
286
os anúncios de viés dionisíaco buscam despertar emoções, encantando e
explorando os sentidos, como na essência do dionisíaco nietzschiano, que “nutre analogia
com a embriaguez, especialmente com o sentimento de liberdade e alegria que ela desperta.
287
Apolíneo ou dionisíaco, emoção ou razão, ou ambos, ”calibrando o discurso em
consonância com o público-alvo, visando a comunhão com ele.
288
Carrascoza aproxima esses modelos do mapa semiótico geral de Semprini (que
expande os conceitos do quadrado semiótico de Floch) para discutir os valores que balizam a
criação do texto publicitário apolíneo ou dionisíaco.
289
285
CARRASCOZA João Anzanello. A evolução do texto publicitário., op. cit., p. 17
286
CARRASCOZA João Anzanello. Razão e sensibilidade..., op. cit., p. 31.
287
Ibid., p. 32.
288
Ibid., p. 303, 304.
289
Ibid., p. 36.
87
Os textos criados sobre o viés apolíneo encontram-se entre crítico/utópico/prático,
no quadrante da informação, e os de perfil dionisíaco entre utópico/lúdico/prático, no
quadrante da euforia.
6.1 O MODELO APOLÍNEO.
Os gêneros da retórica na classificação de Aristóteles são: o deliberativo
(futuro), que visa aconselhar ou desaconselhar; o judiciário (passado), que comporta uma
afirmação ou defesa, e o demonstrativo ou epidítico (presente), que abarca o elogio ou a
censura.
290
De acordo com Carrascoza, o modelo apolíneo se assemelha ao gênero
deliberativo, sua função é aconselhar o público a avaliar favoravelmente um produto e, por
conseguinte, o levar à compra no futuro. Pode ainda elogiar o produto, enaltecendo as suas
qualidades “o que torna relevante também o seu caráter demonstrativo.
291
Seguindo a Arte Retórica de Aristóteles, Carrascoza assinala que a coerência de
um discurso decorre de quatro etapas básicas:
292
O exórdio: a introdução do discurso, que pode ser um elogio que induza a fazer
algo ou uma censura, que afaste. Sua função primordial é suscitar o interesse.
290
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário..., op. cit., p. 25.
291
Id., Razão e sensibilidade....., op. cit., p. 39.
292
Apud CARRASCOZA, João. Anzanello. A evolução do texto publicitário, op. cit., p. 27.
88
A narração: nessa parte do discurso apenas os fatos conhecidos são mencionados,
“sem prolixidade e na justa medida que ‘consiste em dizer tudo quanto ilustra o assunto, ou
prove que o fato se deu [...] que ele tem a importância que lhe atribuímos’.
293
As provas: que devem ser demonstrativas, podendo ter exemplos de fatos
passados para aconselhar, uma vez que a deliberação é futura.
A peroração: o epílogo, composto por quatro fases dispor bem o ouvinte em
nosso favor; amplificar ou atenuar o que foi dito; excitar as paixões no ouvinte e, finalmente,
a recapitulação.
Para Perelman, para obter a adesão de um auditório, a ordem dos argumentos no
discurso modifica a sua aceitação:
Na medida em que a finalidade do discurso consiste em persuadir um auditório, a
ordem dos argumentos será adaptada a essa finalidade: cada argumento deverá
surgir no momento em que maior efeito exerça. Mas, como aquilo que persuade um
auditório pode não convencer um outro, este esforço de adaptação é permanente.
294
Os textos de modelo apolíneo possuem ainda outras características:
A unidade: devem ser construídos em torno de um único assunto, normalmente
introduzido no título (uma única proposição de venda unique selling proposition
295
), que
será desenvolvido no texto. A variedade de informações sobre o produto deve ser explorada
dentro de uma unidade.
A circularidade: o tema dado no título deve ser retomado ao fim do texto. “O
texto em circuito fechado evita o questionamento e objetiva levar o leitor a conclusões
definitivas”.
296
A escolha lexical: indispensável na construção de textos de modelo apolíneo,
centrados no co-enunciador (com a função de aconselhar). A escolha palavras mais
conhecidas do “auditório” o aproxima do texto, cria intimidade, ilusão de diálogo.
As figuras de linguagem: usadas para aumentar expressividade da mensagem. As
de sintaxe (elipse, zeugma, silepse, pleonasmo, polissíndeto, assíndeto, inversão, anacoluto,
anáfora, aliteração e onomatopéia), as de palavras (metáfora, metonímia, catacrese,
sinédoque, sinestesia e antonomásia) e as figuras de pensamento (antítese, hipérbole,
apóstrofe, prosopopéia, gradação, perífrase, eufemismo, ironia, reticências e retificação).
293
CARRASCOZA.João Anzanello. A evolução do texto publicitário, op. cit., p. 27
294
PERELMAN. Chaim. O Império Retórico... , op. cit., p. 161.
295
CARRASCOZA João Anzanello. Razão e sensibilidade....., op. cit., p. 45. De acordo com o autor, esse termo
foi cunhado por Rosser Reeves, nos anos da década de 1950.
296
Ibid., p. 47.
89
As funções de linguagem: referencial (focalizada no produto e seu contexto),
conativa (centrada no co-enunciador) e fática (estabelece contato com o co-enunciador).
“Como o texto publicitário apolíneo é deliberativo, objetiva aconselhar, é natural
que prevaleça junto à função referencial a conativa, centrada no interlocutor, alvo de
aconselhamento.
297
A função conativa, além de aumentar o sentimento de presença como uso do
verbo no imperativo, tem um importante papel ao auratizar a mercadoria que, do domínio
não humano da produção em série, passa para a esfera do consumo, objeto de troca entre
homens, conceitos discutidos no capítulo dois.
Os estereótipos: são os lugares-comuns, os clichês (no plano verbal ou visual)
usados para evitar o questionamento do que está sendo comunicado. Como nos lembra
Lippmann: “os tipos aceitos, os padrões correntes, as versões padronizadas, interceptam a
informação no trajeto rumo à consciência.
298
O apelo à autoridade: citações ou comentários de especialistas (ou celebridades,
atletas, artistas), que avalizam a afirmação com seu testemunho. Os provérbios, máximas e
ditos populares também podem ser considerados apelo à autoridade
299
, uma vez que são
creditados à “sabedoria popular.”
Afirmações e repetições: para conquistar a adesão, sem deixar dúvidas,
asseverando e também reiterando.
Presentificação: objetiva a aproximação com o leitor pelo uso do verbo no
presente do indicativo, mais o imperativo, criando um “sentimento de presença.
300
Lugares de quantidade: “quando se diz que aquilo que é proveitoso para a maioria,
que é mais durável e útil [...] preferível ao que só aproveita uma minoria ou não serve senão
em situações particulares.” E lugares de qualidade: “o fato de ser único e raro, insubstituível
[...] o excepcional mais do que o normal.”
301
Comparações: normalmente usadas para valorizar um produto (ou serviço)
desqualificando a concorrência.
A rede semântica: um recurso que passou a ser mais explorado no texto
publicitário a partir da década de 1990, na qual uma idéia é associada à outra, formando uma
297
CARRASCOZA. João Anzanello. Razão e sensibilidade...., op. cit., p. 55.
298
LIPPMANN, Walter. Estereótipos In: STEINBERG, C. (Org.). Meios de Comunicação de Massa. São Paulo:
Cultrix, 1970, p. 153.
299
CARRASCOZA. João Anzanello. Redação publicitária, op. cit., p. 58
300
Ibid., p. 60.
301
PERELMAN Chaim. O Império Retórico..., op. cit., p. 49.
90
rede de significados. “Por meio dessa práxis, uma idéia é ligada, mesclada ou amalgamada à
outra, gerando uma nova informação.
302
A partir das definições de Saussure de signo lingüístico união de uma imagem
acústica (significante) a um conceito (significado) das suas relações sintagmáticas (termos
presentes numa série real) e associativas ou paradigmáticas (termos numa série mnemônica
virtual), Carrascoza estuda as relações associativas no texto publicitário, “sobretudo aquelas
por analogia dos significados”, como um recurso retórico construtivo bastante utilizado nos
textos publicitários.
303
No capítulo dois vimos um exemplo de associação por contigüidade no anúncio
do empreendimento Ghaia (figura 19), já no anúncio de pré-lançamento do empreendimento
Uniqueness (figura 23), encontramos uma associação por semelhança tanto no campo verbal
quanto visual.
Figura 23 Anúncio do empreendimento Uniqueness.
Fonte: Folha de S. Paulo, 11 nov. 2007.
302
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária...., op. cit., p. 18.
303
CARRASCOZA, João Anzanello. A evolução do texto publicitário, op. cit., p. 52.
91
Tomando quase todo o anúncio a imagem de um anel e o título: Metros quadrados
são como pedras preciosas: são muito parecidos até se transformarem em jóias. Abaixo da
marca do produto Uniqueness o slogan: Objeto de desejo feito para morar.
Na seqüência as informações sobre o produto: Vem aí um empreendimento mais
do que único 4 suítes, 4 vagas, 239m2 de área privativa no melhor do Brooklin, com frente
para três ruas: Arandu x Arizona x George Ohm.
A rede é formada pela associação das palavras: pedras preciosas, jóias, objeto do
desejo, além da imagem do anel com uma grande pedra (diamante, brilhante?), “construindo”
assim o sentido de raridade que ratifica o nome do produto Uniqueness.
6.2 O MODELO DIONISÍACO.
O modelo dionisíaco é regido pelo gênero epidítico e tem por objetivo criar
predisposição no auditório (público-alvo), orientando-o a julgar favoravelmente um produto e,
assim, levá-lo à venda. Nesse modelo a intenção de aconselhamento é implícita, ao contrário
gênero deliberativo comum nos textos de viés apolíneo.
Em sua maioria, são narrativas focadas na emoção e no humor, semelhantes aos
contos e crônicas, porém com cunho mais pedagógico e ilustrativo, pendem para um discurso
mais fechado, ao contrário do literário.
Nesses textos, o aparato de persuasão não se apóia na razão e na lógica, “que, por
um processo de mimetismo, assumem a forma de relatos ficcionais, o produto ou serviço
passa a ser um elemento inserido na história de forma velada […] o convite ao consumo […]
apenas insinuado.
304
E aí está sua carga de persuasão.
Outra característica é a complementaridade semiótica entre código lingüístico e
visual. Vejamos agora os recursos do modelo dionisíaco apontados por Carrascoza:
O gênero: há dominância da narração, que busca influenciar o leitor pela história,
aconselhando (de maneira implícita) a uma ação de consumo.
A unidade: regido por uma unidade intrínseca (que são os objetivos do
anunciante), com personagens, lugares, tempos e ações diversas.
Sobre a estrutura do texto, Carrascoza discute os três níveis de leitura a partir dos
conceitos de Savioli e Fiorin: superficial ou estrutura discursiva (nível das manifestações do
narrador, personagens, ações etc.); intermediário ou estrutura narrativa (nível em que são
304
CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade..., op. cit., p. 91.
92
estabelecidas conjunções e disjunções); e profundo ou estrutura profunda (nível em que
residem os significados mais abstratos e simples). Segundo o autor, nesse nível podemos
reconhecer os significados abstratos opostos entre si euforia e disforia ou valores positivos
e negativos inscritos no texto e que não podem ser modificados. O encadeamento dos
significados é realizado por essa oposição.
305
Os componentes da narrativa: o foco narrativo, o enredo, os personagens, o
ambiente e o tempo.
As fases da narrativa: a manipulação, a competência, a performance e a sanção.
Na publicidade, as mais focalizadas pelo narrador são a “manipulação (pela tentação e/ou
sedução) e a sanção (a recompensa para o personagem que agiu em consonância com os
padrões determinados pela lógica do capital).”
306
Os modos de narrar: em primeira pessoa, cujo efeito de subjetividade é maior, e
em terceira pessoa (narrador onisciente ou observador), que produz um efeito de objetividade
maior pela ausência do narrador.
A escolha lexical: como no modelo apolíneo, a escolha de palavras “amplia a
presença e fortalece a adesão”, feita em função do público-alvo e determinada pela precisão
conceitual, a sonoridade, entre outros.
As figuras de linguagem: além de aumentar a expressividade do discurso, são
usadas para “intensificar a sedução da narrativa”.
As funções emotiva e poética: no lugar de se voltar ao produto ou ao destinatário,
como no modelo apolíneo, essas funções reproduzem as características dos gêneros literários.
Estereótipos: personagens estereotipados geram mais rápida identificação com o
público-alvo.
A intertextualidade: por meio da narrativa, o modelo dionisíaco busca
identificação com o universo cultural do público-alvo, “essa é uma forma de exibir às claras
alguma erudição e, às ocultas, sua autoridade.”
307
As figuras: “o percurso figurativo é extremamente persuasivo”, com o uso de
palavras e expressões que criam efeito de realidade e de presença.
Discurso direto, indireto e indireto livre: produzem efeitos de sentido. No direto, o
narrador fala por sua própria voz ilusão de diálogo -, no indireto, a fala do narrador invade a
305
CARRASCOZA.João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 101.
306
Ibid., p. 106.
307
Ibid., p. 115.
93
do personagem ao contrário do indireto livre, no qual a fala do personagem invade a do
narrador.
Os testemunhais: apesar de trazerem argumentos apolíneos é “uma estratégia de
persuasão predominantemente dionisíaca”, seja um personagem “real” ou ficcional, visa a
personificação, um elemento que busca a estabilidade, a concretude e a presença de um grupo
para que haja coesão. “A personificação é usada para apresentar um modelo que, além de
indicar a conduta a seguir ‘serve também como caução a uma conduta adotada’.”
308
O exemplo: se no modelo apolíneo esse recurso corresponde a uma prova dentro
do texto, no dionisíaco toda a história narrada pode servir de exemplo.
A ilustração: diferente do exemplo, onde uma regra é fundamentada, a ilustração,
busca reforçar a “adesão a uma regra conhecida e aceita”.
309
A história oculta: a informação principal está acobertada pela narrativa. Para
esclarecer sobre esse ocultamento, Carrascoza dialoga com Piglia, para quem há sempre duas
histórias em um mesmo conto uma visível (1) e uma secreta (2) e a arte do contista está
em cifrar a secreta nos interstícios da visível: “Uma história visível esconde uma história
secreta, narrada de um modo elíptico e fragmentário. O efeito de surpresa se produz quando o
final da história secreta aparece na superfície.
310
O autor se vale dos conceitos de Eco, da construção do dito sobre a isotopia do
não-dito em qualquer discurso
311
, e dos dois níveis de leitores: o primeiro, chamado
semântico, aquele que quer saber o que acontece na história, bastando, para isso, apenas lê-la;
e o segundo, o semiótico, que deseja saber como é narrado o que acontece na história, que
necessita mais de uma leitura.
Nos anúncios seqüenciais de pré-lançamento do empreendimento Terrara (figura
24 e 25), encontramos algumas marcas do modelo dionisíaco, como o foco na narrativa, o
testemunhal, a valorização lúdica e a intertextualidade.
308
CARRASCOZA. João Anzanello. Razão e sensibilidade..., op. cit., p. 121, 122.
309
Ibid., p. 125.
310
Ibid., p. 127.
311
Apud CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade..., op. cit., p. 130.
94
Figura 24 Anúncio do empreendimento Terrara.
Fonte: Estado de S. Paulo, 26 abril 2008.
Figura 25 Anúncio do empreendimento Terrara.
Fonte: Estado de S. Paulo, 26 abril 2008.
No primeiro anúncio, dois personagens da história em quadrinhos Turma da
Mônica conversam num cenário típico desse tipo de publicação. O primeiro (Cebolinha)
aponta para o desenho de um muro: Cascão, você viu o que eu vi? O segundo (Cascão)
procura com o olhar: Eu? O quê? Onde? Onde? Onde?
95
Há o domínio da narrativa, no qual identificamos a fase da manipulação, por meio
da curiosidade (tentação).
Além do uso da primeira pessoa no diálogo dos personagens, há um narrador
onisciente no enunciado: Você nunca viu nada igual. Um lugar para ser, viver, conviver. Ou
seja, subjetividade por meio dos personagens e objetividade por meio do narrador.
Como são dois anúncios seqüenciais, a sanção, outra fase da narrativa, encontra-
se no segundo anúncio, que complementa o anterior, ainda que sem diálogo. Nele, mais dois
personagens da mesma “turma” juntam-se aos outros e os quatro “olham admirados” para
uma composição de fotografias de pessoas em momentos de lazer (na piscina, no skate,
correndo, à bicicleta etc.). É a recompensa para os personagens, que sanciona a chegada do
produto.
Mais uma característica do modelo dionisíaco é a intertextualidade, o exemplo (os
dois anúncios servem de exemplo à história da chegada do produto) e o testemunhal.
Quem primeiro “presencia” a chegada do empreendimento são os personagens
infantis. Eles não “falam” do produto, mas testemunham, surpresos, as imagens relacionadas à
sua chegada. Personificação que serve de “caução” do comportamento, de surpresa e
encantamento para o que “vem aí”.
6.3 O READY-MADE.
O uso de enunciados fundadores no processo associativo realizado pelos criativos
das agências foi estudado por Carrascoza a partir do ready-made de Marcel Duchamp, que
buscava anestesiar os objetos esteticamente, retirando-os de um contexto original e inserindo-
os em outro, alterando ou retificando o seu significado.
Essa intervenção, que Duchamp chamava de assistir, podemos dizer que
corresponde à ação dos redatores e diretores de arte quando deslocam frases e
imagens já conhecidas do público para a moldura da peça publicitária.
312
Na utilização do pronto como solução criativa, elementos de um campo
discursivo (verbal ou visual) são levados para uma peça publicitária, ganhando o status” de
uma citação de autoridade, na qual uma marca, produto ou serviço, é associado ao discurso.
313
Como aponta Carrascoza, o uso assistido de enunciados fundadores tem sido um
elemento retórico bastante comum em anúncios, filmes, jingles ou em campanhas inteiras e
312
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 79.
313
Ibid., p. 84
96
pode, assim, anestesiar a memória do público, “ratificando os valores e as crenças do grupo
social que enuncia a mensagem.”
314
O autor estuda a ocorrência da intertextualidade interna ou externa, (do mesmo
campo discursivo ou de campos discursivos distintos
315
), como opções as quais recorrem os
criativos e que podem resultar em associações mais comuns ou mais ricas e inusitadas,
respectivamente.
O anúncio de pré-lançamento do empreendimento Terrara, esse pronto são os
personagens da Turma da Mônica (e suas histórias), que, levados para o anúncio “emprestam
sua autoridade” atestando assim o clima de expectativa quanto à chegada do produto.
Intertextualidade de outro campo discursivo, cujo deslocamento reforça o propósito dos
anúncios seqüenciais, que é suscitar a curiosidade.
O ready-made como recurso retórico, além de expandir a memória discursiva
interna e externa (os acréscimos trazidos por novos enunciados numa formação discursiva ou
formações discursivas anteriores) “proporciona ao leitor prazer em reconhecer na
decodificação de uma peça publicitária formas presentes em outros textos já lidos por ele
316
.
Prazer também de reconhecer a citação a uma pintura do século XIX na paisagem de
um anúncio imobiliário, como no caso do pré-lançamento do empreendimento Arthé (figura
26), no qual há intertextualidade no plano visual.
Figura 26 Anúncio do empreendimento Arthé.
Fonte: Estado de S. Paulo, 17 abr. 2008.
314
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 84.
315
Conceitos de Maingueneau já vistos no quarto capítulo.
316
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 135.
97
Podemos ver o diálogo entre uma ilustração que alude às pinturas da ponte
japonesa dos jardins de Monet (figura 27) e uma fotomontagem da ponte japonesa do Parque
Ibirapuera em São Paulo (figura 28).
Figura 27 e Figura 28 Pintura Le Bassin aux nymphéas e fotografia da ponte japonesa do Parque Ibirapuera.
Fonte: www.intermonet.com/oeuvre/pontjapo.htm e www.sampaonline.com.br
Acima da imagem o título: Breve lançamento na esquina mais desejada de
Moema, sinaliza a localização do empreendimento próxima ao parque.
A marca do produto Arthé é um neologismo a partir da palavra arte, nome
evocador, que, como vimos, empresta “valores semânticos de unidades já em circulação” para
o discurso.
A marca está sobreposta às imagens e acompanhada do slogan: A arte imita você
que ratifica o diálogo entre a “arte” e a “realidade”, uma imitando a outra, como acontece
no próprio anúncio.
98
7. AS ANÁLISES.
"Não descobrimos, pois, o real: a gente se depara com ele,
dá de encontro com ele, o encontra."
(Michel Pêcheux)
O nosso corpus foi definido a partir de uma amostragem com mais de 130
anúncios de lançamentos e de pré-lançamentos de condomínios residenciais, recolhidos entre
janeiro de 2007 e agosto de 2008, dos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo e da qual
selecionamos três:
Vila Nova Leopoldina I e II, das empresas Bueno Netto, Agra e Abyara, na Vila
Leopoldina, zona Noroeste.
Arquitetura de Morar, das empresas Camargo Corrêa e Coelho da Fonseca, no
Morumbi, zona Sul.
Residencial Clube AcquaVita NovaMooca, das empresas Goldfarb, PDG Realty e
Avance, na Mooca, zona Leste.
A pesquisa exploratória levou em conta quatro critérios: anúncios de apartamentos
de 2, 3 e 4 dormitórios, para contemplar padrões distintos de moradia, de diferentes regiões da
cidade; das maiores empresas do segmento,
317
com marcas já consolidadas, e que evidenciem
elementos persuasivos na construção das mensagens e não apenas informações sobre a
composição do produto, como ocorre nos anúncios classificados.
A escolha dos veículos Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo é resultado do
cruzamento das seguintes variáveis: maiores jornais do Brasil versus percentual de
investimento em mídia impressa.
318
Ainda que as campanhas de lançamentos imobiliários sejam compostas por várias
peças, como vimos no primeiro capítulo, a opção por anúncios de jornal se deve ao fato de
esse ser o principal meio utilizado pelas agências para lançamentos e pré-lançamentos (o
mercado imobiliário é o segundo maior anunciante do meio há seis anos consecutivos)
319
,
suporte midiático em que o conceito do produto é introduzido no mercado e que irá dar o
317
EMBRAESP. Ranking das maiores incorporadoras. Disponível em:
<http://www.embraesp.com.br/pesquisas/ Rankings%20Incorporadoras%20-%202007.htm>. Acesso em 11 fev.
2009.
318
Segundo a Associação Nacional de Jornais, os investimentos publicitários em jornal em 2007 foram de
16,38%; em revista 8, 47%; TV aberta, 59,21%; TV fechada, 3,36%; rádio, 4,04%; internet 2,77%; mídia
exterior 2,82%, outros 5,95%. Disponível em: < http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-nobrasil/
investimento-publicitario>. Acesso em 25 jul. 2008.
319
Ibid.
99
“tom” da campanha. Muitas vezes os anúncios são reproduzidos em revistas, havendo apenas
uma adaptação para o formato da publicação.
Realizamos dois movimentos de análise do corpus, a análise do discurso, para
desvelar os sentidos que atravessam os anúncios, as “cenas de fala” onde são incorporadas
identidades, suas representações, os modos de morar e estilos de vida.
Principais procedimentos para a análise do discurso:
Marca
Cenografia
Interdiscurso
Intertexto
Polifonia
Ethos
Com a análise retórica procuramos evidenciar os elementos de persuasão
utilizados e que servem à construção do universo simbólico dos anúncios, bem como quais
apelos (racionais ou emocionais) envolvem o leitor em suas narrativas.
Principais procedimentos para a análise retórica:
Modelo apolíneo
Modelo dionisíaco
Ready-made
100
7.1 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA NOROESTE DE SÃO PAULO.
Figura 29 Anúncio do empreendimento Vila Nova Leopoldina I e II.
Fonte: Folha S. Paulo, 21 jun. 2008, Estado de S. Paulo, 22 jun. 2008.
101
7.1.1 Descrição sumária.
A fotografia de um livro aberto sobre uma madeira e, saindo dele, como uma
dobradura, uma ilustração hiper-realista de um ambiente de piscina, vegetação e caminhos de
madeira com dois edifícios ao fundo, e acima uma faixa verde.
Sobre a ilustração, a marca Vila Nova Leopoldina II e a fotografia de um casal
abraçado do lado direito e, do esquerdo, a marca Vila Nova Leopoldina I e um garoto com um
skate. Abaixo mais três ilustrações hiper-realistas de ambientes de lazer e o mapa de
localização do empreendimento. Círculos e semicírculos com as informações do produto.
Lançamento.
Lazer completo é como uma boa história: transforma a sua vida sempre em
diversão.
4 dorms., 158 e 210 m2.
Terrenos de 33.000 m2 e 12.000 m2.
4 dorms., 125m2.
Visite os 3 modelos decorados.
As legendas e endereço:
Praça do espelho d’água**, Espaço mulher*, Piscina coberta** e Recreação
infantil**.
Croqui de localização sem escala.
Rua Naguel (esquina com Rua Aroaba), Vila Leopoldina,
Tel.: (11) 3888-9200,
Nossos corretores adoram explicar sobre este produto,
www.vilanovaleopoldina.com.br.
O texto legal e informações:
*Espaço mulher: referente ao Vila Nova Leopoldina I, **Praça do espelho d’água,
Piscina coberta e Recreação infantil: referentes ao Vila Nova Leopoldina II. Artes
meramente ilustrativas. Imagens meramente ilustrativas.
As marcas das empresas responsáveis:
Planejamento e realização: Bueno Netto e Agra Incorporadora; Planejamento,
realização e vendas: Abyara
7.1.2 A análise do discurso.
O nome do produto Vila Nova Leopoldina é uma designação desviada de um
nome próprio, que, segundo os pressupostos de Maingueneau, exploram “valores semânticos
de unidades já em circulação”
320
.
320
MAINGUENEAU, Dominique. Análise dos textos de comunicação, op. cit. p. 219.
102
Evoca o “conjunto aberto de contextos geográficos
321
ao qual faz referência, que
é o bairro onde está localizado o empreendimento. Ganha, assim, o estatuto de um nome
próprio de produto que, associado ao adjetivo Nova, libera conotações voltadas à renovação
pela qual passa o bairro.
A região da Vila Leopoldina, antes reduto de indústrias, entrepostos e armazéns,
mudou seu perfil de ocupação a partir da década de 1990, com muitos lançamentos
imobiliários residenciais
322.
Escolher a localização para nomear o empreendimento teria,
portanto, dois propósitos: “coincidir” com o bairro e também fazer dessa localização a sua
primeira “particularidade”.
É a classificação dos produtos de que trata Rocha, por meio de um nome e de uma
marca que o individualiza, articulando a diferença da localização para valorizar o produto.
O nome do produto Vila Nova Leopoldina I e Vila Nova Leopoldina II está
dentro de círculos de cores diferentes, laranja e verde, respectivamente, sob um semicírculo
que é um desenho estilizado do nascer do sol. O círculo da marca se reproduz em todo o
anúncio, sendo a figura mais usada, delimitando as informações bem como a imagem
principal.
A cenografia que encontramos no anúncio é a de um livro de histórias, legitimada
pelo enunciado Lazer completo é como uma boa história: transforma a sua vida sempre em
diversão, que, por sua vez, legitima o próprio Vila Nova Leopoldina como aquele que “conta”
essa história.
O anúncio remete à memória discursiva dos contos infantis (e seus bosques
encantados) e também de paraísos tropicais (hotéis/resorts), locais de não moradia, com
caminhos rodeados por plantas e palmeiras, a água azul. Não há pessoas ocupando seus
amplos ambientes para que o co-enunciador possa se “ver” naquele lugar: um território
fabular de muito lazer e diversão, cenário mágico para a boa história do enunciado.
Interdiscursividade que promove um deslocamento, re-significando tanto o
universo mágico das histórias infantis quanto a “ambiência” das férias por meio de um estilo
de vida que combina dois mundos, o idílico e o lúdico.
No plano visual, o intertexto faz uso de alusões: sobre o livro aberto “saltam”
imagens das áreas de lazer e fotografias de pessoas (sobre as imagens e não dentro delas),
acompanhadas pelo desenho de estrelas do mesmo modo que nos contos infantis, em que
321
MAINGUENEAU, Dominique. Análise dos textos de comunicação, op. cit. p. 223.
322
FLACH, Natália; PEREIRA, Carolina. Vila Leopoldina muda, cresce e atrai moradores. Gazeta Mercantil,
Caderno Imobiliário, Relatório, 05 fev. 2009, p. 6. Disponível em:
<http://www.investnews.net/GZM_News.aspx?parms= 2325585,718,3,1>. Acesso em 07 fev. 2009.
103
“seres humanos” e desenhos compartilham do mesmo plano de ação. Para que o co-
enunciador se sinta a estrela daquele mundo mágico.
O ethos evidenciado no anúncio é familiar, de dois perfis diferentes. O menino é o
indicador de uma família com filhos maiores e independentes. Já o casal jovem sugere uma
família sem filhos, no início da vida conjugal. Essa diferença é reforçada pela posição das
imagens e das marcas dos produtos, uma de cada lado do anúncio.
O casal está vestido de maneira descontraída, ele com roupas informais; ela, um
pouco mais esportiva. São “flagrados” em movimento, como em um passeio. Sorriem
enquanto caminham abraçados.
O menino também está com uma roupa esportiva, em movimento, brincando com
o seu skate, salta sobre a imagem.
Não há traços que indiquem características muito específicas, além das que
discorremos, estereótipos para que haja identificação com um número maior de co-
enunciadores.
O aspecto mais presente é o da comunidade familiar, mesmo tendo indivíduos de
diferentes idades e identidades. Parecem separados pela “grande e paradisíaca” praça do
espelho d’água, porém o que os une são as imagens dos ambientes de lazer e o mapa da
localização, enfileirados sobre o livro, a ponte pela qual essa comunidade compartilha a boa
história.
7.1.3 A análise retórica.
Encontramos no anúncio a predominância das características do modelo
dionisíaco, cujo foco é a valorização do lúdico e do utópico, por meio da história contada no
plano verbal e visual, que intenta seduzir o co-enunciador para que haja identificação com
esse estilo de vida.
O enunciado Lazer completo é como uma boa história: transforma a sua vida
sempre em diversão é uma ilustração, associada às imagens dos ambientes e ao
“comportamento” dos personagens. Os atributos do produto são os elementos da narrativa, a
boa história comprovada em todo o anúncio.
Os features do produto são informados nos limites da imagem, de maneira
sucinta, para que a atenção seja voltada para história que o anúncio conta: um mundo ideal
que suspende o tempo, como nos mitos, “aquecido” pelo nascer do sol da marca.
104
A presença do discurso direto traz a voz que propõe a posição da marca, a
concretização do briefing por meio de uma “embalagem conceitual”.
Encontramos a rede semântica construída entre as imagens e o texto, a partir da
fotografia do livro e do modo pelo qual as imagens estão dispostas, “saltando” do livro, mais
a faixa verde no topo do anúncio, elemento comum em desenhos de contos de fadas, os ícones
circulares e semicirculares, as estrelas e a boa história do título.
Notamos o predomínio do modelo dionisíaco, inclusive no final do anúncio, que
apenas insinua de maneira afetuosa o convite a acessar o hot site: Nossos corretores adoram
explicar sobre este produto, www.vilanovaleopoldina.com.br.
105
7.2 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA SUL DE SÃO PAULO.
Figura 30 Anúncio do empreendimento Arquitetura de morar.
Fonte: Estado de S. Paulo, jan. 2008.
106
7.2.1 Descrição sumária.
Sobre a pauta de uma composição musical, duas grandes imagens: do lado
esquerdo a fotografia em preto e branco de Tom Jobim com um charuto e, sobre ela, a marca
do produto. Do lado direito, um desenho de uma praça/parque infantil cercado de árvores,
vegetação rasteira e desenhos de pessoas. Abaixo do desenho, um mapa de localização.
Do lado esquerdo:
Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário
Apresenta.
Jobim, Arquitetura de Morar, Música de 1976 (marca)
Um projeto urbanístico inspirado na vida e obra de Tom Jobim.
Tom Jobim não é apenas uma das personalidades mais importantes da cultura
brasileira, também é um exemplo de vida. Tom acreditava que preservar a natureza,
conviver com as pessoas queridas e viver com tranqüilidade era fundamental. E é
exatamente isso que você vai encontrar no Arquitetura de Morar, um bairro verde
onde Tom Jobim está presente em cada detalhe, do som dos passarinhos ao nome de
cada empreendimento, escolhidos em homenagem à sua obra.
Do lado direito:
No Arquitetura de Morar tudo foi pensado para que você e sua família tenham uma
vida tranqüila em contato com a natureza, com os vizinhos e os amigos.
Calçadas ecológicas convidam ao passeio, ruas com trechos de pisos intertravados,
além de mais bonitos, também melhoram a absorção e o escoamento das águas
pluviais.
O projeto também prevê praças espalhadas pelo bairro, equipadas com aparelho de
ginástica, alongamento, brinquedos e espaço para meditação. Além disso, terá
viveiro de plantas com flores e diversas espécies de chás e temperos que
sensibilizam e aguçam os sentidos.
Abaixo do desenho:
Apartamentos de 101 m2, 127 m2, 150 m2, 170 m2, 195 m2.
Visite decorados por Débora Aguiar, Fernanda Marques e Silvana Mattar, no inédito
e exclusivo showroom da Camargo Corrêa. Rua Nelson Gama de Oliveira, 1.101,
Jardim Sul (Na altura do n° 5.812 da Av. Giovanni Gronchi), Tel.: 3888-3000, 3745
-6000. www.arquiteturademorar.com.br
Perspectiva artística de uma das praças do bairro Jardim Sul.
Croqui de localização sem escala.
As marcas das empresas:
Incorporação: Camargo Corrêa, Planejamento e vendas: Coelho da Fonseca.
O texto legal:
Texto legal do Condomínio Wave e dos edifícios Passarim e Corcovado. E ainda:
Todas as fotos são meramente ilustrativas. Todas as perspectivas são sugestões de
decoração. A vegetação entregue será composta de mudas, conforme especificado
no projeto executivo de paisagismo, sendo suas imagens a representação da fase
adulta das espécies. A viabilização do projeto urbanístico do bairro depende da
107
colaboração, licenças, permissões, aprovações e autorizações das autoridades
públicas competentes.
7.2.2 A análise do discurso.
A marca Arquitetura de Morar é nome próprio de uma obra artística musical
acompanhada da assinatura de seu autor, Jobim, e da data em que foi criada, Música de 1976.
Apesar de ser nome de produto, comporta-se como nome de marca de acordo com as
definições de Maingueneau: designa uma única entidade (que é a obra de arte) e também seu
“criador”, Jobim, que é diretamente seu referente e cuja “interpretação predicativa, explora as
propriedades atribuídas ao detentor no nome próprio.”
323
O significado da expressão Arquitetura de morar, contudo, não dependeria da
música para nomear o produto imobiliário e o fato de ser uma música pouco conhecida de
Jobim (as mais conhecidas dão nomes aos edifícios
324
), faz com que venha acompanhada data
em que foi composta para evidenciar essa informação.
A assinatura do autor e a data da composição são avalistas da autenticidade da
marca: Arquitetura de morar deixa de ser nome de música para se tornar a identidade da
marca e produtora de valores abstratos, decorrentes da fruição de uma obra de arte.
Podemos, então, depreender dois deslocamentos de sentido: o primeiro, da
expressão para a música, ao se tornar nome de obra artística; o segundo, do nome da música
para o nome do produto. Não mais a expressão, mas a obra artística nomeia o produto.
A marca, o nome próprio, como escreve Rocha, é o primeiro passo para que haja a
complementaridade entre produtos e pessoas,
325
essa “embalagem conceitual” torna distinto o
produto, aliando-o a um lugar nobre e artístico.
Creditamos essa mescla de características de nome de marca e de produto ao fato
do empreendimento ser um projeto urbanístico, com vários edifícios e fases,
326
e que poderá
ainda adquirir o estatuto de nome de categoria, não de um condomínio residencial, mas de
323
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 183, 186.
324
Edifícios ou condomínios: Águas de marco, Corcovado, Fotografia, Passarim, Antígua, Oficina, Andorinha e
Luiza. Disponível em: <www.arquiteturademorar.com.br>. Acesso em 20 jul. 2007.
325
ROCHA, Everardo P. G. Magia e capitalismo..., op. cit. p. 107, 108.
326
No site do empreendimento, além dos nomes e localizações dos edifícios, há a descrição do bairro na qual é
citada a recuperação paisagística e a adoção de praças públicas. Disponível em:
<www.arquiteturademorar.com.br>. Acesso em 19 de fev. 2009.
108
“um novo bairro”
327
. Estratégia que revela o “arranjo” espacial da cidade de que trata
Lefebvre, com vias a aumentar as forças produtivas.
Arquitetura de Morar, como nome de produto, tem a sonoridade de uma música, e
seus acordes escritos à mão sobre uma pauta compõem a base do anúncio, conduzindo a
cenografia de uma apresentação de obra musical: um libreto no qual são sintetizados os
elementos dessa apresentação: Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário Apresenta,
notadamente no enunciado: Um projeto urbanístico inspirado na vida e obra de Tom Jobim.
O enunciador apresenta o produto e, ao mesmo tempo, a empresa que tornou
possível a harmonia entre música e arquitetura.
Há dois momentos distintos nessa cenografia: do lado esquerdo, sob a foto de
Tom Jobim e a legenda com seu nome, vemos um texto com tipologia e entrelinhas grandes e
apenas um parágrafo, que introduz a “peça”, o seu conceito.
A mistura de tempos verbais Tom Jobim não é; Tom acreditava que; Tom Jobim
está presente em cada detalhe é um efeito de sentido que confere uma “verdade
inquestionável” ao enunciado. A genialidade do artista e seu modo de vida, e até o som dos
passarinhos (e não canto), podem ser compartilhados pelo co-enunciador.
A referência aos nomes das músicas nos empreendimentos deixa antever que são
vários empreendimentos, porém a atenção no anúncio está voltada para o “conjunto da obra”.
Acima da ilustração, do lado direito, em três parágrafos, há a descrição do
produto, “os atos” dessa composição, que também misturam os tempos dos verbos tudo foi
pensado; você e sua família tenham; o projeto prevê praças; terá viveiros dialogando com
o vir a ser do produto.
O enunciado recorre ao conhecimento do co-enunciador para reconhecer as
características de outros discursos, como o ecológico trechos de pisos intertravados;
absorção e escoamento das águas pluviais; o naturalista e fitoterápico viveiros de plantas;
chás e temperos que sensibilizam os sentidospara validar a sua particularidade.
O enunciador deixa vislumbrar a sua opinião pisos intertravados, além de mais
bonitos com um comentário que visa ampliar a aproximação do co-enunciador.
O ethos que emerge da cenografia advém da percepção das idéias do compositor,
do modo como viveu e de sua estreita relação com a natureza, mais do que da sua produção
musical, apesar de a música Arquitetura de Morar ser o nome do produto.
327
Como tem ocorrido com a denominação Panamby, que o mercado imobiliário já considera um bairro, porém
não encontramos essa denominação na prefeitura. SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO.
Disponível em: < http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1992.jpg >. Acesso em 19 fev. 2009.
109
Como escreve Maingueneau:
A distinção entre ethos dito e mostrado se inscreve nos extremos de uma linha
contínua, uma vez que é impossível definir uma fronteira nítida entre o “dito”
sugerido e o puramente “mostrado” pela enunciação. O ethos efetivo, construído por
tal ou qual destinatário, resulta da interação dessas diversas instâncias.
328
No processo de incorporação, o co-enunciador atribui um “caráter” um jeito de
ser e viver de Tom Jobim fiador do discurso e, principalmente, do produto, ainda que por
um não-dito.
O ethos de um artista, criativo, talentoso e engajado com causas ambientais.
Recorre assim à competência do co-enunciador em conhecer a história de vida e a
produção artística de Tom Jobim, (levando em conta os dados sócio-psico-linguístico do
público-alvo informado no briefing).
O ethos de homem ou mulher mais maduros que, apesar de viverem num centro
urbano como São Paulo, escolhem um bairro verde para a família, querem conviver com os
amigos e ouvir o som dos passarinhos. Podem ou não ser artistas, mas têm um estilo de vida
de artista.
7.2.3 A análise retórica.
Verificamos no anúncio a predominância do modelo apolíneo, que se assemelha
ao gênero deliberativo, intenta assim aconselhar o co-enunciador a julgar favoravelmente o
produto. Segue o esquema aristotélico:
O exórdio, introdução que suscita o interesse: Camargo Corrêa Desenvolvimento
Imobiliário Apresenta Arquitetura de Morar, Um projeto urbanístico inspirado na vida e
obra de Tom Jobim.
A narração, em que são mencionados fatos conhecidos: Tom Jobim não é apenas
uma das personalidades mais importantes da cultura brasileira até viver com
tranqüilidade era fundamental.
As provas, demonstrativas, com exemplos: E é exatamente isso que você vai
encontrar no Arquitetura de Morar até o fim da descrição do produto Apartamentos de
101 m2, 127 m2, 150 m2, 170 m2, 195 m2.
O apelo à autoridade explora valores abstratos associados a Tom Jobim, com o
verbo no passado.
328
MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do ethos. In: MOTTA, Ana Raquel; SALGADO, Luciana
(Orgs.), Ethos discursivo, São Paulo: Contexto, 2008.
110
A função referencial, que focaliza o autor da obra, com o verbo no presente Tom
Jobim não é apenas uma das personalidades; você e sua família tenham uma vida tranqüila,
Calçadas ecológicas convidam ao passeio etc.
Juntamente com a função conativa, que busca aproximar o co-enunciador é
exatamente isso que você vai encontrar no Arquitetura de Morar ampliando a
intertextualidade para designar o produto “conceitualmente embalado”: um bairro verde onde
Tom Jobim está presente em cada detalhe.
As figuras de linguagem que aumentam a expressividade da mensagem, com
predomínio da hipérbole: É exatamente isso; Tom Jobim está presente em cada detalhe; tudo
foi pensado para que você e sua família.
A escolha lexical explora a valorização de um estilo de vida mais natural possível
para buscar a adesão ao discurso: bairro verde, som dos passarinhos, vida tranqüila, contato
com a natureza, calçadas ecológicas, espaço para meditação, chás e temperos que
sensibilizam e aguçam os sentidos.
Da mesma maneira que na operação intelectual dos mitos, “o publicitário recebe
um instrumental dado de fora pelos saberes já construídos em nossa sociedade
329
, como
escreve Rocha, e os combina ao criar uma marca, um anúncio ou uma campanha inteira.
A intertextualidade se dá a partir do nome do produto, com a assinatura Jobim; na
fotografia preto-e-branco de Tom Jobim fumando um charuto, alusão às imagens documentais
sobre a vida do compositor. E ainda o fundo do anúncio, que é a reprodução da pauta da
composição musical, com os acordes e demais anotações feitas à mão por Jobim.
Essas marcas de intertextualidade, do emprego do ready-made como recurso
retórico, buscam encantar e seduzir o leitor expandindo a memória discursiva,
proporcionando “prazer de reconhecer na decodificação”
330
da peça as formas e imagens de
outros textos que são de seu conhecimento, como acontece em viver com tranqüilidade era
fundamental que faz referência à beleza é fundamental do poema Receita de mulher de
Vinicius de Moraes, parceiro de Tom Jobim em muitas composições.
O enunciado sob a marca Um projeto urbanístico inspirado na vida e obra de
Tom Jobim funciona como um slogan, ainda que esteja no início do anúncio está sob a
marca e reitera o seu discurso. Não mais uma composição musical, mas uma composição
urbanística. Não apenas “notas” sobre uma pauta, mas as “anotações” arquitetônicas sobre
essa pauta.
329
ROCHA, Everardo P. G. Magia e capitalismo..., op. cit., p. 54.
330
CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária..., op. cit., p. 135.
111
7.3 CONDOMÍNIO RESIDENCIAL NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO.
Figura 31 Anúncio do empreendimento AcquaVita NovaMooca Residencial Clube.
Fonte: Estado de S. Paulo, 31 mai. 2008, Folha de S. Paulo, jun. 2008.
112
7.3.1 Descrição sumária.
O casal de atores Alexandre Borges e Julia Lemmertz está apoiado em um balcão
de madeira rústica. Eles “posam” para uma fotografia à frente de uma ilustração hiper-realista
de uma grande piscina (com espreguiçadeira, bangalô rústico e uma palmeira no meio da
água) e uma parte dos edifícios ao fundo.
Sobre a madeira, a marca do produto, enunciados e o mapa de localização do
empreendimento.
Hoje lançamento na Mooca.
A alegria de viver em sua forma mais pura.
Mensais a partir de R$ 356, durante a obra.
3 e 2 dorms. suítes home clube.
Home clube com mais de 70 itens de lazer.
Piscina de recreação adulto, Bar molhado, Toboágua, Biribol, Piscina Infantil,
Piscina coberta com raia de 25m, Biblioteca/revistaria, Salão de festas
Adulto/Infantil, Brinquedoteca/Baby Room, Horta Infantil, Espiribol, Quadra
Esportiva, Play Baby/Play Kids, Redário, SPA, Estação de Ginástica, Espaço
Gourmet, Churrasqueira Coberta c/ Forno de Pizza, Pub, Salão de Jogos
Adulto/Infantil, Mesas de Xadrez, Quadra Poliesportiva, Churrasqueira Coberta c/
WC, Pomar, Play Aventura, Praça do Luau c/ Fogueira, Pista de Cooper, E muito
mais....
Rua Itajaí, 350, Mooca, www.acquavitamooca.com.br.
As legendas:
Perspectiva artística do complexo aquático.
Croqui de localização sem escala.
As marcas das empresas:
Incorporação e construção, Goldfarb, Realização, PDG Realty, Vendas Avance
Brasil Brokers e os telefones.
O texto legal:
A unidade com mensal de R$ 356, é referente aos blocos 1 a 4 - Finais 3 e 6 (2
dormitórios) 1° ao 4° andar. As ilustrações contidas nesse material são meramente
ilustrativas. Móveis, utensílios e objetos de decoração não fazem parte do contrato.
Equipado e decorado conforme descritivo do memorial.
7.3.2 A análise do discurso.
A marca do produto Residencial Clube AcquaVita NovaMooca, em três planos
distintos, cada qual com tamanho de fonte e cores diferentes, possibilita três leituras que se
complementam.
113
A primeira, AcquaVita: é o nome de produto, evocador, com designação desviada,
transferindo “para o produto traços semânticos das duas unidades lexicais”.
331
Porém são duas
palavras de outra língua, o italiano, escritas juntas, para conferir uma propriedade de nome
próprio. Têm o mesmo significado em português, água e vida, semelhantes, inclusive,
foneticamente, para que seus valores possam ser facilmente reconhecidos, permitindo
conotações e cujos traços são enfatizados no discurso do anúncio.
A segunda, NovaMooca: que adquire também a propriedade de nome próprio,
porém evocador da localidade.
A Mooca foi um dos bairros de São Paulo que recebeu grande número de
imigrantes italianos no início do século passado, sendo ainda hoje conhecida por essa
característica.
A escolha de palavras da língua italiana para denominar o produto faz referência à
memória do bairro; jogo interdiscursivo que visa reforçar a sua tradição. O adjetivo Nova
teria, assim, o sentido de renovação ao se unir ao nome do bairro, para que seja amenizado
qualquer aspecto “antigo” que essa tradição possa trazer.
A terceira, Residencial Clube: em tamanho menor e na cor cinza, é também uma
designação desviada, que empresta os valores tanto do residencial quanto do clube para criar
uma categoria de condomínio residencial, ratificada pelo nome do produto.
Apesar de ter muitas palavras, a tipologia fina confere leveza à marca, bem como
as suas cores: os três tons diferentes de azul, nas palavras Acqua, NovaMooca, a cor verde na
palavra Vita, mais o desenho de bolhas d’água em um outro tom de azul.
O nome AcquaVita NovaMooca Residencial Clube sintetiza assim os valores que
se complementam no discurso da marca: água e vida, tradição e renovação, moradia e clube.
Encontramos a voz da ficção atravessada pela “vida real”, uma vez que, além de
participarem de várias novelas e filmes, Alexandre Borges e Julia Lemmertz são um dos
exemplos de “casal de artistas casados” que aparecem na grande mídia. O fato de os dois
estarem juntos no anúncio (de não apenas um ou o outro) faz uso desse conhecimento prévio
do público.
A alegria de viver na forma mais pura, localizado logo abaixo da imagem dos
dois sorrindo, objetiva a associação do enunciado ao casal.
A indefinição de uma cenografia visa captar características de outros gêneros de
discurso, como as matérias de revistas de celebridades e os catálogos de turismo e locais de
331
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação, op. cit., p. 222.
114
férias (como hotéis, resorts e parques aquáticos), reforçada pela predominância da cor azul. A
imagem hiper-realista é denominada complexo aquático e não piscina.
Alegria de viver é um lugar-comum e traz traços de intertextualidade, como uma
verdade aceita, que associada à sua forma mais pura, remete à água da imagem da piscina
sobre a qual está o valor das mensais em destaque.
Logo acima da marca AcquaVita, há uma outra, em tamanho menor, que não é
nem a da empresa nem a do produto: o desenho do globo terrestre e de uma pequena folha
circundados pelo enunciado Goldfard Planet Life, Responsabilidade ambiental e respeito pela
natureza.
Tem praticamente as mesmas cores da marca do produto, contudo sua tipologia é
igual à da marca da empresa responsável pelo empreendimento, que “chama” para si a
responsabilidade pela “vida do planeta” Goldfarb Planet Life e deixa clara uma formação
discursiva ecológica.
O enunciado Home clube com mais de 70 itens de lazer traz uma subcategoria,
um home clube dentro do residencial clube, designação que se repete na descrição dos
apartamentos 3 e 2 dorms., suítes, home clube, aproximando, assim, o clube do conceito de
lar, porém em inglês, numa alusão ao home sweet home.
O ethos que emerge é o de um casal jovem, com ou sem filhos, que leva em conta
a tradição, seja a do casamento como a de viver em um bairro como a Mooca, renovado pela
forma mais pura do produto.
Como assinala Rocha, a classificação de produtos “recorta, de alguma forma” o
que será fixado no anúncio como representação e imagem, um espaço revestido de valores
associados às identidades.
332
7.3.3 A análise retórica.
O anúncio tem a predominância do modelo apolíneo, ou seja, ligado ao sonho,
explora a racionalidade, intenta persuadir o público com um conteúdo idílico, ainda que
baseado na lógica-formal aristotélica.”
333
Apresenta as quatro etapas básicas:
O exórdio: Hoje lançamento na Mooca.
A narração: os fatos conhecidos, que ilustram o assunto, Home clube com mais de
70 itens de lazer.
332
ROCHA, Everardo P. G. Representações do consumo..., op. cit., p. 51.
333
CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade..., op. cit., p. 31
115
As provas: demonstrativas, desde o preço e features do produto, como os 3 e 2
dorms., até os itens de lazer - Pista de Cooper, E muito mais....
A peroração: que dispõe a favor e sintetiza o que foi descrito no anúncio: A
alegria de viver na sua forma mais pura.
A função referencial: que focaliza o objeto do anúncio e o contexto Hoje
lançamento na Mooca, Home clube com mais de 70 itens de lazer; mensais durante a obra,
entre outros.
O apelo à autoridade: a presença dos atores no anúncio visa conferir autoridade ao
que o anúncio diz, pela posição que ocupam.
Os lugares de quantidade: mais de 70 itens de lazer, e no fim da descrição do
lazer: E muito mais....
Os estereótipos: é o lugar-comum do Alegria de viver, como uma “verdade” já
aceita pelo co-enunciador.
Como assinala Carrascoza, os anúncios constituídos sob o viés apolíneo trazem o
mundo dos sonhos “o espaço daquilo que é almejado pelo indivíduo, de sua aspiração [...] É a
promessa básica de felicidade, de um amanhã onírico.”
334
334
CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade..., p.31.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Ao chegar ao fim deste trabalho, olhando retrospectivamente para cada um dos
capítulos de sua construção, fazemos um caminho de volta até a porta desse nosso edifício,
para rever todo o alicerce sobre o qual amalgamamos as nossas discussões.
Logo na entrada, buscamos compreender as características da produção do espaço
na sociedade capitalista e a relevância do terreno onde será construído o imóvel, que, além de
ser meio de produção não reproduzível, também é produto e meio de relações sociais.
Uma especificidade que faz da localização de lançamentos imobiliários um
importante atributo, físico e simbólico, a partir dos benefícios da aglomeração urbana e da
distinção social que propicia.
O bairro pode, desta maneira, dar nome a um empreendimento imobiliário, como
vimos com maior evidência no Vila Nova Leopoldina I e II, re-significando a localização
como marca de um estilo de vida.
Por outro lado, no “arranjo espacial da cidade”, a chegada de um grande
condomínio residencial também valoriza determinada região, como no caso do Arquitetura de
Morar, denominado projeto urbanístico, com vistas a adquirir estatuto de bairro.
Para tornar possível a realização comercial de um imóvel, verificamos que o
incorporador, como gestor da produção da circulação da moradia, acaba por centralizar
decisões sobre a elaboração do projeto, adentrando em domínios que antes eram do arquiteto.
Decisões essas que, a nosso ver, são originárias de um lugar híbrido, onde os
profissionais de marketing das incorporadoras, bem como os da agência de publicidade, da
empresa de vendas, da empresa de financiamento, arquitetos, paisagistas, entre outros,
interferem na forma final do produto.
O alinhamento de que trata Costa, entre arquitetura e publicidade por meio da
produção de imagens e de diferenciais,
335
é resultante do posicionamento do produto advindo
desse lugar híbrido, no qual nasce tanto o briefing para o arquiteto quanto o briefing para os
criativos das agências.
As imagens do projeto “ganham corpo” nas mãos dos arquitetos, que transformam
plantas baixas em ilustrações hiper-realistas de ambientes, seja os de um apartamento ou os
das áreas de lazer, cuja funcionalidade das formas determina o estilo.
335
COSTA, André. A imagem da arquitetura..., op. cit., p. 153
117
As citações das formas urbanas nas imagens da arquitetura pós-moderna têm seu
duplo nas associações de idéias e na intertextualidade das mensagens publicitárias.
Aí está o trabalho de bricolagem dos criativos, que aglutinam saberes para
construir uma visão particular do mundo dentro do universo mágico da publicidade, a partir
de um nome, uma marca, uma “embalagem conceitual” que torna singular o produto.
A publicidade, como um operador totêmico, transforma um produto imobiliário
“fabricado” em série em um bem particular, objeto de troca entre homens. Em vez de mais um
projeto com quinze torres de edifícios na zona sul paulista, é lançado o Arquitetura de Morar,
adquirindo coerência, na superfície dos signos.
Para tornar-se objeto de consumo é preciso que o objeto se torne signo, quer dizer,
exterior a alguma forma a uma relação da qual apenas significa portanto arbitrário
e não coerente com essa relação concreta, mas adquirindo coerência e
conseqüentemente sentido em uma relação abstrata e sistemática com todos os
outros objetos-signos.
336
Produtos similares, lançados em uma mesma rua ou bairro, com preços até
idênticos, tornam-se distintos na publicidade imobiliária, que pode ser consumida por todos
em jornais, nas revistas, na internet, em glamourosos folhetos de vendas, nos flyers
distribuídos nos faróis e no estande de vendas, na simulação do apartamento-modelo
decorado.
O protótipo do apartamento criado para a visitação promove a extensão do mundo
ideal da publicidade para outra instância também idealizada, a da experiência do consumo.
Uma vez que o apartamento será construído em dois ou três anos, a publicidade
imobiliária traz representações que constroem no presente modelos de identidade e de estilos
de vida no futuro, onde tanto lugar quanto sujeito são ambos potencialidades.
Baudrillard alerta para a conversão dos objetos-símbolos tradicionais (os
utensílios, os móveis, a casa) em objetos-signos que idealmente se multiplicam ao infinito
para preencher uma realidade ausente. “Finalmente é porque se funda sobre uma ausência que
o consumo vem a ser irreprimível.”
337
A ausência das grandes narrativas de identidade, a cultura descartável, como
escreve Isleide Fontenelle, são indicativos da necessidade de escolha de identidades
promovidas pelo mercado e pré-aprovadas socialmente, de modo que o estilo de vida
construído nas atividades do cotidiano é perpassado pelos modelos fornecidos pela
publicidade imobiliária.
336
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p. 224.
337
Ibid., p. 206, 207.
118
Os procedimentos de Análise de Discurso propostos por Maingueneau
possibilitaram verificar tanto as condições de produção quanto as identidades que emergem
no ethos discursivo dos anúncios.
O Arquitetura de Morar recorre ao repertório sociocultural do público-alvo para
constituir o produto a partir de um conhecimento prévio da vida e da obra do compositor Tom
Jobim. Não há muitos detalhes sobre os features do produto, nem imagens hiper-realistas dos
ambientes, como nos demais anúncios do corpus, e também a localização não é o foco
principal.
Os recursos retóricos empregados, como em uma partitura musical, vão se
sobrepondo para asseverar um estilo de vida de artista, com marcas de intertextualidade que
podem ser reconhecidas pelo público-alvo definido no briefing.
No anúncio do Vila Nova Leopoldina I e II, a localização é re-significada na
marca que orienta a narrativa construída entre lugares-comuns, para abranger um número
maior de consumidores. É o familiar no sentido mais amplo, da localização aos recursos
retóricos textuais e visuais, às identidades que emergem dos estereótipos do discurso.
O anúncio do Residencial Clube AcquaVita NovaMooca, baseado em uma
estrutura de convencimento a partir do nome, descreve o produto, álibi que persuade pela
solicitude de informar sobre desejos e visivelmente racionalizá-los.
338
Nesse caso, é o produto que valoriza a localização e não o contrário.
Diferentemente de Arquitetura de Morar, inspirado na vida e obra de Tom Jobim, os atores
apenas compartilham da alegria do produto, entre elas, a facilidade de pagamento.
Os nomes dos produtos imobiliários, analisados sob os modelos apolíneo e
dionisíaco propostos por Carrascoza, sublinham retoricamente a singularidade de cada
lançamento em consonância com o público-alvo a que se destinam.
A marca Arquitetura de Morar, sob esse ponto de vista, se aproxima do modelo
dionisíaco, faz uso da intertextualidade para contar a história do estilo de vida que o produto
abarca, ainda que os textos do anúncio sejam alicerçados na razão.
A marca Vila Nova Leopoldina, mais próxima do modelo apolíneo, traz um apelo
racional que remete à localização do produto e faz um contraponto à história fabular contada
no anúncio.
338
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, op. cit., p. 176.
119
A marca Residencial Clube AcquaVita NovaMooca traz a complementaridade
entres os dois modelos, a sedução pela água e o argumento racional pela novidade numa
localização tradicional.
O recorte do nosso corpus permitiu verificar que as condições de produção dos
discursos e as representações dos anúncios delimitam territórios e comunidades
simbolicamente construídas, da mesma maneira que serão os muros dos empreendimentos.
Como escrevemos no início do nosso trabalho, ainda que aparentemente vazios,
os terrenos cercados por tapumes estão repletos de construções que são consumidas antes dos
edifícios e dos condomínios, muito antes mesmo do início das obras. E a publicidade,
juntamente com a arquitetura, é criadora desses edifícios de significados à disposição de
todos.
Na publicidade imobiliária não se consome apenas o lar dos contos de fadas, o
estilo de vida de artista, as férias no cotidiano. Consome-se o próprio sonho de consumo, o
mais caro e desejado sonho, que remete ao nosso primeiro mundo. Mais do que um modo de
morar, o que se consome é um modo de consumir o morar.
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