Quando nos colocamos em um processo de leitura, estamos sempre correndo riscos, esses riscos são sempre originários das próprias
condições da linguagem. Brandão (1998:19), ao tratar do texto, afirma que a sua superfície lingüística não diz tudo objetivamente. A
autora afirma ainda que um texto, em graus diferentes de complexidade, é sempre lacunar, reticente. Isso implica que ele sempre
apresenta vazios, implícitos, pressupostos, subentendidos. Entrar nos vazios do texto é, de fato, correr riscos, pois, guardados os
níveis de complexidade de cada um deles, entrar nesses espaços vazios é entrar na historicidade do sujeito, ou na sua dispersão no
enunciado.
Pelas considerações anteriores, o leitor se coloca, sempre, em condições de confronto, já que ele é, também, sujeito constituído
historicamente e ideologicamente produzido. Trata-se do processo de produção de sentido, ou de discurso, essencialmente, que
emerge desse confronto. Segundo Orlandi (2000:60), os sentidos não nascem ab nihilo. São criados. São construídos em confrontos
de relações, que são sócio/historicamente fundadas. Portanto, produzir sentido é sempre da ordem do provável, do possível, do
provisório, até mesmo do incerto. Por essa razão, estamos sempre mediando as lacunas, na tentativa de preencher os vazios que cada
enunciado deixa em aberto, e corremos riscos.
A partir dessa condição do processo de leitura é possível supor o signo além da concepção saussuriana. É possível
entendê-lo, segundo Derrida (1973), como escritura, portanto, não dicotomizado, mas como um duplo significante e significante.
Esse duplo constitutivo do signo resultará sempre em outro significante, num processo ad infinitum de escritura.
Tudo que funciona como metáfora nestes discursos confirma o privilégio
do logos e funda o sentido próprio, dado então à escritura: signo
significante de um significante significante ele mesmo de verdade eterna,
eternamente pensada e dita na proximidade pensada de um logos presente.
(Derrida, 1973:18).
Essa concepção de signo supõe, portanto, uma rede de significantes, que deixa permear a história e a ideologia, e são (re)significados
todas as vezes que o enunciado se põe em movimento. Entende-se como escritura, portanto, a produção de linguagem, tanto em nível
de produção escrita como em nível de produção oral. É nesse processo que as formações discursivas concorrentes se põem em jogo,
constituindo a identidade do sujeito, que se manifesta no discurso.
A noção de signo, suposta por Derrida, se sustenta, também, no ponto de vista de Bakhtin a respeito do problema. Segundo o autor,
compreender um signo consiste em aproximar um signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a
compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos. E essa cadeia de criatividade e de compreensão ideológica, deslocando-
se de signo em signo para um novo signo, é única e contínua; (...). (Bakhtin, 1990:33/34).
Da produção do discurso, vista sob o ponto de vista do duplo significante/significante, pode-se concluir que ler e escrever são uma
escritura, isto é, um se constitui na relação com o outro, já que o que acontece, de fato, é a (re)significação do significante, em
qualquer situação de linguagem. O processo, como um todo, guarda, de per si, as complexidades originárias das condições da
produção da linguagem, que trazem, de fato, as complexidades que dizem respeito ao sujeito, tais como: a história, a ideologia enfim,
a memória discursiva. Trata-se dos elementos que dizem respeito aos sujeitos e são, necessariamente, mobilizados na escritura e
envolvem o sujeito autor e o sujeito leitor, ambos fundadores do discurso, em um processo de desconstrução/reconstrução constante
do significante. Nas palavras de Orlandi (2000:58), não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos. Se não se
tem essa concepção de leitura, corre-se o risco de entendê-la como um processo de mão única, ou apenas como um processo de
interpretação.
A compreensão da leitura e da escrita como escritura inscreve o sujeito no seu tempo histórico, sendo essa historicidade, que é
também ideologia, a responsável pela (re)significação dos significantes Esse é o lugar da dialogicidade ou dos discursos em
movimento. É aqui que se pode dizer do sujeito que ele é efeito de sentido. Pode até parecer redundante, mas essa concepção de
leitura e de escrita, considerada enquanto escritura, só pode se dar no universo do sujeito constituído em linguagem, resultante das
formações discursivas. Só esse entendimento da leitura é capaz de abarcar a proposta da AD, para além do comentário, ou da análise
de conteúdo, ou ainda, para além da leitura de texto. Isso implica a possibilidade de concebê-la como compreensão. Segundo Orlandi
(2000:73) a compreensão se instaura no reconhecimento de que o sentido é sócio-historicamente determinado e está ligado à forma-
sujeito que, por sua vez, se constitui pela sua relação com a sua formação discursiva. A partir desse reconhecimento, pode-se levar
em conta o “domínio do saber”, o da constituição do sentido. Compreender, para a autora, é refletir sobre a (e não refletir a) função
do efeito do eu-aqui-agora, (...). (Orlandi: 2000:73)
3.5 Sujeito e autoria no discurso institucional