ocidental judaico-cristão.
A Igreja Católica, a principal linha de força do processo civilizatório apresentado pelo texto,
se caracteriza pela sua atuação catequista intensiva e é, na narrativa, a responsável pela formação
cultural do personagem principal, Avá/Isaías que vive o dilema de sentir-se permanentemente
discriminado no mundo civilizado.
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Esta é a dimensão reveladora que marca o retorno do indígena
para o seu universo, e que de certa forma conforma o conflito existencial e identitário do
personagem:
Todo o dia e toda noite já longa revivi meus idos. Os de menino na Aldeia, os de
rapaz no convento de Goiás, os de homem feito e desfeito em Roma. Eles me
marcaram duramente. É como se eu tivesse perdido minha alma, roubada pelos
curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre bichos. Volto, agora que volto de
verdade, me perguntando qual é o ser que levo ao meu povo. Sei bem que não sou o
anjo sem mácula que um dia quis ser, a ingenuidade mairuna submetida a todas as
provações, mas intocada. Não sou inocente. Não sou culpado. Sou um equívoco
.Quem volta não é a forma adulta do menino ignorante, que os mairuns, na sua
inocência, mandaram, um dia, com um padre para aprender a sabedoria dos caraíbas.
Quem volta não é também o catecúmeno esforçado de quem os missionários
quiseram fazer a glória da ordem. /quem volta sou apenas eu. Fui ovelha do senhor.
Volto tosqueado: sem glória sarcerdotal, sem santidade, sem sabedoria, sem nada.
Tudo o que tenho são duas mãos inábeis e uma cabeça cheia de ladainhas. E este
coração aflito que me sai pela boca.
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(grifo meu)
O capítulo “Isaías” marca o princípio do rito de retorno de Avá a sua origem cultural:
Eu que sou o Isaías da ordem missionária e ao mesmo tempo o Avá do Clã Jaguar,
do povo Mairum? Não, jamais, longe de mim essa ambigüidade. Afinal tudo está
claro. Apenas representei e represento um papel, segundo aprendi. Não sou, nunca
fui nem serei jamais Isaías. A única palavra que sairá de mim, queimando minha
boca é que sou Avá, o tuxauarã, e que só me devo a minha gente Jaguar da minha
nação Mairum.
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Um aspecto que singulariza a revelação do ethos indígena, nesse romance, é que cabe à Alma, a
mulher branca, revelá-lo:
Para mim esses Mairuns já realizaram a revolução em liberdade. Não há ricos nem
pobres; quando a natureza está sovina, todos emagrecem; quando está dadivosa,
todos engordam. Ninguém explora ninguém. Não tem preço essa liberdade de
trabalhar ou folgar ao gosto de cada um. Depois a vida é variada, ninguém é burro,
320 A ação aculturadora produzida pela Igreja Católica foi, conforme mostrou de Darcy Ribeiro, a grande contribuição
de Gilberto Freyre acerca da leitura sócio cultural sobre o indígena na sociedade brasileira. Aspecto relacionado no
capítulo 2.
321 RIBEIRO,1989. p.67.
322 RIBEIRO,1889. p.34-5.
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