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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
BRICE SAMPAIO TELES FONTELES
A PUBLICIDADE ABUSIVA EM FACE DA HIPOSSUFICIÊNCIA DA
CRIANÇA
SÃO PAULO
2008
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BRICE SAMPAIO TELES FONTELES
A PUBLICIDADE ABUSIVA EM FACE DA HIPOSSUFICIÊNCIA DA
CRIANÇA
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
Direito Político e Econômico
Orientador: Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
SÃO PAULO
2008
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F682p Fonteles, Brice Sampaio Teles
A publicidade abusiva em face da hipossuficiência da criança. / Brice Sampaio Teles
Fonteles
São Paulo, 2008.
122 p.; 30 cm
Referências: p. 101-105.
Dissertação de mestrado em Direito Político e Econômico Universidade Presbiteriana
Mackenzie, 2008.
1. Publicidade. 2. Criança 3. Hipossuficiência 4. Direito do Consumidor
CDD 342.54
BRICE SAMPAIO TELES FONTELES
A PUBLICIDADE ABUSIVA EM FACE DA HIPOSSUFICIÊNCIA DA
CRIANÇA
Dissertação apresentada à Universidade
Presbiteriana Mackenzie, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
Direito Político e Econômica.
Aprovada em _____ de ____________ de 200__.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_______________________________________________________
Prof. Dr.Sérgio Seiji Shimura
Pontifícia Universidade Católica
_______________________________________________________
Prof. Dr. José Francisco Siqueira Neto
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dedico esse trabalho ao meu amado
marido Daniel, companheiro de todas as
horas.
E aos meus pequeninos e amados filhos
Ana Liz e Pedro Arthur, que foram a minha
inspiração no cuidado com a escolha do
tema.
AGRADECIMENTOS
À Deus toda a Honra e toda a Glória, porque foram a Sua imensa graça e
misericórdia, e Seu constante cuidado que me propiciaram milagrosamente enfrentar
o desafio de levar a cabo o presente trabalho, em meio ao nascimento do meu
segundo filho.
À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela oportunidade de realizar esse curso
de mestrado e ao Mackpesquisa pela bolsa de estudos e apoio financeiro
concedidos.
Ao meu professor orientador, Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio, por sua gentileza
em aceitar ser meu orientador, por toda a sua dedicação, paciência e compreensão
em todos os momentos, e por ter me dado liberdade para o desenvolvimento do
tema.
Ao Professor Dr. José Francisco Siqueira Neto, por todo o apoio e colaboração
desde os primeiros contatos.
Ao Professor Dr. Sérgio Seiji Shimura, que o gentilmente me honrou com sua
presença e colaboração em minha banca examinadora.
Ao meu Amado marido Daniel, por ser um companheiro incansável que me
incentivou e me auxiliou direta e indiretamente em todos os momentos para que eu
pudesse realizar o curso de mestrado.
Aos meus queridos sogros, Graça e Manassés Fonteles por todo o acolhimento,
estima, pela grande ajuda e apoio logístico destinados a mim e à minha família
Aos meus queridos pais Cristina e Ebert Teles, por tudo o que eles representam na
minha vida e por todo o apoio, ainda que à distância.
À amiga Maria de Fátima, pela grande ajuda prestada nas preparações alimentares
e no auxílio com as minhas crianças.
Ao Renato Santiago, por todo o auxílio e atenção.
Aos colegas de mestrado pelas agradáveis e proveitosas horas que passamos
juntos trocando conhecimentos.
A todos os amigos e familiares que de alguma forma contribuíram.
A todos que oraram por mim.
Que Deus abençoe a todos!
(...) ―Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é lago sereno,
O céu um manto azulado,
O mundo um sonho dourado,
A vida um hino d'amor!‖ (...)
Casimiro de Abreu, (1839-1860)
RESUMO
A presente dissertação aborda a temática da publicidade dirigida ao
público infantil, especialmente aquela veiculada através da mídia televisiva. Para
tanto, ressaltam-se os problemas advindos do consumismo na infância e como estes
estão diretamente ligados à publicidade dirigida às crianças. Esse tipo de
publicidade é considerado abusivo pelo Código de Defesa do Consumidor porque se
vale da deficiência de julgamento e experiência das crianças que são seres
humanos em formação. Em virtude dessa peculiaridade, segundo a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, a infância deve ser
protegida de forma abrangente. O entrelaçamento dessas três normas aponta para
um sistema de proteção integral que torna intrinsecamente ilegal toda a publicidade
dirigida ao público infantil. Conclui-se ainda que essa restrição pode coexistir com o
estado democrático de direito tendo em vista o desenvolvimento da cidadania em
razão da proteção destinada à infância, seja através de diplomas legais, seja por
meio de ações da sociedade como um todo.
Palavras-chave: Publicidade; criança; hipossuficiência; consumidor.
ABSTRACT
The present dissertation approaches publicity aimed at children,
specifically the one which is shown on television media. It is here emphasized
problems generated by childhood consumerism and how this consumeristic behavior
is related to publicity aimed at children. Brazilian Consumer Protection Code
considers the publicity aimed at children abusive because it takes advantage of the
lack of experience and ability to judge attributed to children, who are still developing
individuals, and for this reason have their rights broadly secured by the Brazilian
Federal Constitution of 1988 and the Brazilian Child and Adolescent Statute. The
encounter of these three set of laws establishes a complete protection system that
makes publicity aimed at children intrinsically illegal. In conclusion, this restriction
could coexist with the state of democratic rights, considering citizenship development
based on infancy protection, which could be secured by laws or by the civil society as
a whole.
Keywords: Publicity; children; under sufficiency; consumer
LISTA DE ABREVIATURAS
CDC Código de Defesa do Consumidor
CF Constituição Federal de 1988
CONAR Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária
CNARP Código Nacional de Autoregulamentação Publicitária
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
PL Projeto de Lei
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
1- DA PUBLICIDADE....................................................................................... 15
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES ............................................ 15
1.2 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE PARA A FORMAÇÃO DO
MERCADO DE CONSUMO .......................................................................... 18
1.2.1 A INDÚSTRIA CULTURAL E O CONSUMISMO NA SOCIEDADE
DE MASSA ................................................................................................ 22
1.3 DO CONCEITO DE PUBLICIDADE ........................................................ 27
1.4 PUBLICIDADE X PROPAGANDA .......................................................... 29
1.5 DO PROCESSO CRIACIONAL DA PUBLICIDADE................................ 30
1.6 DA PUBLICIDADE ABUSIVA ................................................................. 32
2- LIMITES DA PUBLICIDADE ....................................................................... 37
2.1 CONTROLE AUTO-REGULAMENTAR OU AUTOCONTROLE ............. 38
2.2 CONTROLE ADMINISTRATIVO............................................................. 41
2.3 CONTROLE ESTATAL ........................................................................... 42
2.4 A PUBLICIDADE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ................................ 44
2.5 A PUBLICIDADE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR......... 50
2.5.1 OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
QUE REGULAMENTAM A PUBLICIDADE ............................................... 52
a) Princípio da Identificação da Publicidade .............................................. 54
b) Princípio da Vinculação contratual da publicidade ................................ 55
c) O princípio da veracidade ..................................................................... 56
d) Princípio da não-abusividade ................................................................ 56
e) Princípio da transparência da fundamentação da publicidade .............. 57
3- A PUBLICIDADE DIRIGIDA À CRIANÇA ................................................... 57
3.1 A CRIANÇA EM FACE DA PUBLICIDADE ............................................. 65
3.2 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DA CRIANÇA ................. 70
3.3 SISTEMA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA ................................................. 75
4- ESTUDO DE CASO DE PUBLICIDADE CONSIDERADA ABUSIVA ......... 82
Histórico do caso: ...................................................................................... 84
5- AÇÕES DE CIDADANIA NA PRÁTICA DO CONSUMO ............................ 90
CONCLUSÕES ................................................................................................ 96
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 99
ANEXO........................................................................................................... 105
INTRODUÇÃO
As relações sociais e econômicas, sobretudo a partir da segunda
metade do século XX, assumiram o caráter de práticas generalizadas, em que a
individualização tornou-se um luxo acessível a poucos. Tudo é voltado para a
grande massa, e praticamente toda e qualquer relação passa pelo consumo de algo.
A doutrina jurídica, considerando a evolução dessas relações,
preocupa-se em observá-las com cuidado. E um dos seus principais objetos de
estudo é a mensagem publicitária, especialmente quando esta se mostra abusiva.
Desta feita, para o direito, a publicidade conduz o mercado de consumo, ou seja, ela
tem o poder de mudar hábitos e costumes, gerar expectativas, acelerar o consumo e
aumentar até gerar conflitos familiares e exacerbar as diferenças entre as classes
sociais.
Não se questiona a importância da comunicação de massa para o
desenvolvimento do mercado de consumo, entretanto tem-se o cuidado de identificar
que seus desvios e abusos podem levar a situações prejudiciais aos consumidores,
sobretudo tratando-se de crianças.
Alijar a publicidade abusiva do mercado de consumo é primordial, a
fim e sanear os métodos antiéticos utilizados pela indústria do marketing.
Não será analisada a publicidade abusiva como um todo. Dela foi
destacada a publicidade voltada para o blico infantil por se entender que é
intrinsecamente carregada de ilegalidade em virtude da própria condição da criança
indivíduos com vulnerabilidade exacerbada, presumidamente hipossuficientes.
As crianças se submetem a um processo de socialização em
que aprendem como ser consumidores. Um pouco desse
conhecimento é instilado pelos pais e amigos, mas em grande
parte vem da exposição à mídia de massa e da publicidade.
Como as crianças em alguns casos são facilmente
persuadidas, os aspectos éticos do marketing dirigido a elas
são muito debatidos entre os consumidores, estudiosos e
praticantes de marketing.
1
1
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002.p.300.
A eleição da mídia televisiva deu-se em razão da forma fácil e
instantânea com que se propaga. Esta atinge a um imenso número de pessoas, de
todas as classes sociais, sendo certamente a que mais atinge ao público infantil.
Objetiva-se, portanto, com o presente trabalho demonstrar a
necessidade de proteger as crianças dos abusos cometidos pela publicidade voltada
para o público infantil, sobretudo a veiculada pela mídia televisiva, uma vez que as
conseqüências decorrentes do consumismo estimulado pela da publicidade, têm se
tornado uma preocupação para toda a sociedade.
Tamm objetiva-se apresentar os mecanismos de controle da
publicidade dirigida à criança que estão postos no ordenamento jurídico brasileiro.
Bem como ressaltar a importância de serem observados na realidade, para além da
lei em si.
Sendo assim, nossa análise inicia-se com um estudo acerca de
questões cnicas referentes à publicidade, como algumas considerações históricas
acerca da publicidade; a conceituação legal e doutrinária de publicidade, bem como
sua diferenciação do conceito de propaganda; e por fim analisamos o que vem a ser
a publicidade abusiva, objeto do presente trabalho.
Nesse mesmo capítulo realizamos um estudo de como a publicidade
influenciou o mercado de consumo conduzindo-o desde seu nascedouro a
chegarmos ao molde como o temos hoje. Esse tópico traz uma abordagem histórica
acerca de como nasceu a sociedade de consumo de massa e como a publicidade foi
essencial para seu nascedouro e desenvolvimento até chegarmos aos moldes
atuais.
Achamos que seria importante abordar a questão filosófica ligada ao
tema, como conceito de Indústria Cultural e de Sociedade de Consumo ligadas a
Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Também achamos necessário ressaltar a
Escola teórica que se contrapôs em alguns pontos àquela, denominada de Estudos
Culturais.
O segundo capítulo trata dos meios de controle da publicidade. Seja
através da auto-regulamentação, seja através dos meios estatais, incluindo ai o
tratamento dado à publicidade na perspectiva da Constituição Federal de 1988, e do
Código de Defesa do Consumidor.
No capítulo terceiro analisamos como a publicidade influencia o
consumismo infantil e as conseqüências que isso tem trazido para a criança e para
sociedade como um todo. Tamm estudamos a condição da criança frente à
publicidade. Nesse caso foi necessária a análise do sistema legal de proteção da
criança, tratando de conceitos como o de vulnerabilidade e o de hipossuficiência e
de dispositivos encontrados na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da
Criança e do Adolescente e no Código de Defesa do Consumidor, e de como em
virtude dessas condições, a publicidade voltada para esse público deve ter limites
restritos.
Analisamos ainda, nesse mesmo capítulo, o Projeto de Lei nº 5.921/01
que desde 2001 tramita na Câmara dos Deputados e propõe a proibição da
publicidade voltada para vendas de produtos infantis bem como traz a
regulamentação dessa questão.
No capítulo quatro fazemos um estudo de caso de publicidade
considerada abusiva, ilícita, portanto. Escolhemos um comercial de TV cuja
veiculação foi suspensa por recomendação do órgão que auto-regulamenta a
publicidade o Conar por trazer abusividade flagrante e claramente se aproveitar da
deficiência de julgamento e experiência da criança.
O capítulo cinco é destinado a realçar esperanças perante a
problemática abordada. Estudam-se ações que estão acontecendo e as que ainda
podem ser feitas para proteger as crianças da publicidade abusiva. Procurando-se,
com isso alargar a idéia de cidadania incorporando-a nas relações de consumo.
1- DA PUBLICIDADE
1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS RELEVANTES
―Na mitologia grega, Mercúrio é o símbolo ou o Deus da comunicação.
Com asas nos pés, arranca a idéia do cérebro do orador e coloca-a com a ponta de
uma lança, no cérebro do ouvinte‖.
2
Da mesma forma, nos dias atuais a mídia
eletrônica pode levar as idéias à todo o globo terrestre numa fração de segundos.
As primeiras notícias de publicidade informativa datam do século XV,
na Inglaterra. Nos EUA, nas décadas de vinte de vinte e trinta, as grandes empresas
fornecedoras imprimiam catálogos de seus produtos, com desenhos chamativos
para os padrões da época, mas somente depois da Segunda Guerra e do
incremento industrial que a ela se seguiu podemos dizer que a publicidade tomou a
dimensão que hoje tem.
3
As relações de consumo na sociedade pré-industrial, onde se produzia
em baixa escala, não exigia grandes esforços dos fabricantes para a colocação de
produtos no mercado. Vendedor e comprador em geral se conheciam e a relação de
confiança entre ambos era prevalecente.
Com a Revolução Industrial mudanças sociais e econômicas se
sucederam ao que a publicidade surge como mais um desses fenômenos. A
principio era basicamente uma comunicação informativa entre vendedor e
comprador. Essa relação ainda estava baseada na confiança, e refletia o conceito de
seriedade e honestidade de que desfrutava o vendedor, assumindo um caráter de
garantia de qualidade da mercadoria e conveniência de sua aquisição.
A publicidade nesse período era considerada mero convite à oferta, o
que significa dizer que ela não vinculava o fornecedor, pois, para a concretização do
2
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8.078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr. 2002, p.364.
3
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.02/03.
negócio o consumidor, atraído pela publicidade, deveria comparecer ao
estabelecimento e apresentar uma oferta, que seria ou não aceita pelo fornecedor
4
.
No entanto, com o avanço da produção em série, o consumo tornou-se
massificado, despersonalizando assim as relações de mercado e a produção que
era destinada a poucos se estendeu a toda a coletividade. Por conseguinte a
publicidade tamm se reformulou, tornando-se destinada à massa de
consumidores, tendo a finalidade precípua, como visto anteriormente, de criar
mais demanda fazendo com que determinados produtos e marcas se tornassem
mais conhecidos, sobressaindo-se sobre os demais.
E no curso desse processo, nem sempre as estratégias publicitárias
eram aplicadas com rigoroso respeito de valores éticos, servindo de exemplo a
intensa divulgação, de produtos aparentemente concorrendo na mesma faixa de
mercado, mas criados, produzidos e vendidos pelo mesmo fabricante...‖
5
Assim, ―nem sempre a publicidade fica a serviço da transparência das
relações de consumo‖.
6
Muitas vezes difunde informações errôneas ou tendenciosas
sobre o produto e procura criar novas necessidades propícias à produção em série
ou em massa.
E ―à medida em que aumentava a concorrência, tanto no segmento
industrial, quanto no dos publicitários, o rebaixamento ético ficou mais evidente,
como subproduto da massificação da economia...‖
7
No Brasil, os primeiros anúncios publicitários foram publicados no
jornal ―Gazeta do Rio de Janeiro‖, por volta de 1808 e tratavam de assuntos
imobiliários ou de recrutamento de trabalhadores, mas logo os jornais foram se
proliferando, assim como os anúncios
8
.
Segundo Valter Ceneviva
9
, a transformação no alcance da publicidade
teria sido impossível nesse sistema clássico de publicidade impressa, pois ―a
passividade do ouvinte de rádio e do telespectador, que não precisa de qualquer
4
CHAISE, Valéria Falcão, A Publicidade em Face do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 02.
5
CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.
22.
6
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90. 5.
ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p.365.
7
CENEVIVA, Walter. Op. cit. p.23.
8
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p. 22.
9
CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.
28.
esforço para se entreter com os dois meios de radiodifusão aumentaram a
possibilidade de incentivo ao consumo (...)‖.
―Assim tenho por incompleta a compreensão do fenômeno jurídico do
consumo, sem entender a influência do rádio e da televisão na tarefa de
convencimento dos consumidores (...)‖.
10
Não obstante todas essas considerações deve-se tamm ter em
conta que a publicidade é muito importante para a economia, sobretudo aquela que
se vale da criatividade e bom humor, sem se afastar dos princípios éticos e do
respeito a quem se destina.
A publicidade é um dos elementos mais destacados da
informação, que se prende a uma mensagem comercial. É
inquestionavelmente, uma atividade que, na esfera econômica,
tem por finalidade aumentar a difusão e o consumo dos
produtos fabricados em grande escala. Por ser uma das
peças-chave da dinâmica do sistema econômico, a publicidade
conta com técnica sofisticada no mercado de consumo e seus
variados aspectos são analisados pela psicologia, sociologia,
semiologia etc.
11
A publicidade como meio de aproximação do produto e do serviço ao
consumidor tem guarita constitucional, ingressando como princípio capaz de orientar
a conduta do publicitário no que diz respeito aos limites da possibilidade de
utilização desse instrumento.
12
Valéria Falcão Chaise
13
ressalta que a publicidade, como fenômeno
social contemporâneo, não pode ser rechaçada ou proibida, mas deve ser
controlada, regrada, para que se estimule o consumo de bens e serviços sem
abusos, de forma sadia. Portanto, a publicidade, sendo como é de grande
importância para a economia moderna, não é menos importante para o direito.
10
Ibidem, p. 28/29.
11
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p.364/365.
12
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 2. ed São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 61.
13
CHAISE, Valéria Falcão, A Publicidade em Face do digo de Defesa do Consumidor, São Paulo:
Saraiva, 2001. p.25.
1.2 A INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE PARA A FORMAÇÃO DO
MERCADO DE CONSUMO
Ao longo do tempo as relações de consumo foram se desenvolvendo
de maneira muito peculiar. Do primitivo escambo e das pequenas operações
mercantis, que levaram séculos e séculos evoluindo, chegou-se hoje à complexas
operações, que envolvem milhões e que acontecem e se reformulam mais que
rapidamente.
Na era pré-industrial, o consumo se dava de forma
proporcional e adequado à demanda. Era a necessidade do
produto que determinava sua produção; esta produção auto-
regulativa determinava uma estabilidade e ao mesmo tempo a
desnecessidade de qualquer mecanismo próprio insuflador
face à estabilidade e constância.
14
A Revolução industrial abriu a possibilidade de uma produção em
larga escala, era preciso então que houvesse demanda. ―Seria necessário forjar a
sociedade de consumo
15
.
Uma transformação importante do capitalismo do século XIX
para o capitalismo contemporâneo é o aumento da importância
do mercado interno. Toda essa organização econômica
repousa no princípio da produção e consumo em massa.
Enquanto no século XIX a tendência geral era para
economizar, e não para permitirem-se gastos que não
pudessem ser pagos imediatamente, o sistema
contemporâneo é exatamente o contrário. Todo mundo é
incitado a comprar tudo o que pode mesmo antes de haver
economizado o suficiente para pagar suas compras. A
publicidade e todos os demais meios de pressão psicológica
estimulam poderosamente a necessidade de um consumo
maior.‖
16
14
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.04.
15
VOLPI, Alexandre. A história do consumo no Brasil: do mercantilismo à era do foco no cliente. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 43.
16
FROMM, Erich, Psicanálise da sociedade contemporânea. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1961,
p.113/114.
O século XX foi marcado pela industrialização e urbanização da
sociedade e, ao longo de cem anos, foram inúmeras as transformações que
ocorreram na produção, na distribuição, na troca, no consumo e nas relações
sociais. A dinâmica social e espacial deste período é caracterizada pelo modo de
vida urbano e de muitas mudanças em um curto espaço de tempo.
No entanto, no Brasil, seria estabelecida uma perniciosa
equação em que o aquecimento do consumo era inversamente
proporcional ao avanço social. As desigualdades seriam mais
evidentes nessa nova sociedade. Estariam estampadas nos
próprios indivíduos, em sua maneira de vestir, de se portar, de
ostentar e de viver.
17
No Brasil, com as facilidades oferecidas pelas inovações tecnológicas
bens como o telefone, o rádio, o cinema, a bicicleta, o automóvel, a fotografia
passaram a ser consumidos por quem podia pagar para tê-los. ―O milagre da
produção leva ao milagre do consumo. o barreiras tradicionais a impedir
que alguém compre o que bem lhe aprouver. Tudo o que necessita é dinheiro (...)
18
.
Do outro lado, porém, ficava mais evidente o legado de desigualdade
social produzido por uma economia rural escravista de quase quatrocentos anos.
O processo de industrialização veio a consolidar-se, no entanto
somente após a II Guerra Mundial com a indústria automobilística, eletroeletrônica e
de bens de consumo não duráveis.
Todo esse mundo urbano em transformação acabou também gerando
um ambiente muito dinâmico para as relações de consumo. Tendo o comércio, ao
lado da indústria um papel de destaque na moldagem dos novos padrões sociais de
consumo, pois para acompanhar o ritmo frenético da produção em massa era
17
VOLPI, Alexandre. A história do consumo no Brasil: do mercantilismo à era do foco no cliente. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2007,p. 43.
18
FROMM, Erich, op. cit., p. 115.
necessário que o comércio tamm alargasse suas fronteiras para a evidente
canalização de toda essa produção.
A partir da década de 1950, dentre as formas que o comércio passou a
introduzir no espaço urbano, ao lado dos pequenos armazéns e lojas, estão os
Supermercados, os Shopping Centers, os Hipermercados, as Franquias e as Lojas
de Conveniência que não os substituíram, mas ao contrário, criaram mais um
espaço para estímulo do consumo, tendo como habilidades gerar necessidades e
hábitos de consumo até então inexplorados.
Tudo demonstrava que o consumidor seria o grande beneficiado por
todo esse processo, um verdadeiro imperador do sistema. Entretanto, em face das
extraordinárias proporções alcançadas por esse processo produtivo, cada vez mais
fortalecido, o consumidor, já imbuído do espírito consumista que esse mesmo
processo produtivo veio a impingir-lhe, tornava-se, na verdade, um servo.
Assim, foram ficando para trás aquelas relações de consumo que
estavam intimamente ligadas às pessoas que negociavam entre si para dar lugar às
operações impessoais e indiretas, em que não se importância ao fato de não se
ver ou conhecer o fornecedor.
Os bens de consumo passaram a ser produzidos em série, para um
número cada vez maior de consumidores. Os serviços se ampliaram em grande
medida. E essa produção em massa aliada ao consumo em massa, gerou a
sociedade de consumo ou sociedade de massa.
E como afirma Josué Rios
19
: ―na moldura dessa sociedade de
consumo, prefere-se a produção de automóveis mais elegantes à produção de
alimentos para quem tem fome, ou roupas da moda em lugar de vestes para quem
tem frio‖.
―Problemas antes ignorados sugiram como conseqüências das
mudanças, não pelo excesso de bens a consumir, como tamm, em certas
circunstâncias, pela falta deles‖
20
.
Ressalte-se que os motivos pelos quais consumimos são variados e
vão desde a necessidade de sobrevivência, ou de insersão em determinado grupo
social até o consumo por simples desejo.
19
RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Rio de
Janeiro: Mauad, 1998, p.11.
20
CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991,
p. 22.
A compra de um produto tido como importante pelo grupo social ao
qual o consumidor pertence produz uma imediata sensação de prazer e realização e
geralmente confere status e reconhecimento a seu proprietário.
Segundo Erich Fromm
21
hoje a maior parte do prazer é derivada das
coisas para serem usadas e mostradas no meio em que determinado indivíduo está
inserido. Assim, afirma que ao se adquirir um bem é fator importantíssimo o desejo
de notoriedade. O automóvel, o refrigerador, o televisor, destinam-se a ser
realmente usados, mas também à ostentação. Dão categoria ao proprietário‖.
Tamm é certo que uma legitima necessidade de maior
consumo à medida que o homem se desenvolve culturalmente
e tem necessidades mais refinadas de alimentos melhores, de
objetos de prazer artístico, de livros, etc. Porém nossa ânsia
de consumo perdeu toda relação com as necessidades reais
do homem. Originalmente, a idéia de consumir mais e
melhores coisas se destinava a proporcionar ao homem uma
vida mais feliz e satisfeita. O consumo era um meio para um
fim: a felicidade. Agora se tornou um fim em si. O aumento
incessante de necessidades nos obriga a um esforço cada vez
maior, obriga-nos a depender dessas necessidades e das
pessoas ou instituições por cuja mediação podemos satisfazê-
las
22
.
Esse mundo de satisfações das necessidades, de aceitação social, de
realização pessoal e mesmo de conforto físico, mediante o consumo constante, é
elaborado pelos meios de comunicação de massa e pela indústria de publicidade.
―A publicidade comercial passou a interferir fortemente nas relações de
consumo, e assim, na vida de todos os cidadãos. A interferência observada foi um
dos fenômenos geradores da economia de massa‖
23
.
21
FROMM, Erich, Psicanálise da sociedade contemporânea. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1961,
p136.
22
Ibidem. p.138.
23
CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991,
p.22.
1.2.1 A INDÚSTRIA CULTURAL E O CONSUMISMO NA SOCIEDADE DE
MASSA
Em meados do século XX despontaram na esfera filosófico-cultural os
estudiosos da Escola de Frankfurt, que tinham como principal foco denunciar os
aspectos negativos e ideológicos da expansão cultural, utilizando-se de bases e
conceitos teóricos marxistas.
O expressivo avanço do capitalismo e a ascensão de regimes
totalitários, por meio da utilização intensa da propaganda favoreceram que esses
filósofos chegassem ao conceito de ―Indústria Cultural‖, termo esse amplamente
usado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, e que representou uma das maiores
contribuições dessa escola de pensamento.
Para esses teóricos, o capitalismo havia se apropriado não só da
produção de bens concretos, mas também culturais. E cuja maior arma seria a
comunicação em massa, produto este dessa poderosa Indústria.
A ideologia apregoada pela Indústria Cultural faz com que o
conformismo substitua a consciência e cujo objetivo último é a dependência e
servidão dos homens, pois ―ela impede a formação de indivíduos autônomos,
independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente‖
24
.
(...) a Escola de Frankfurt via na comunicação de grande
alcance uma forma de manipulação, cujo único objetivo era a
manipulação das massas na obtenção dos bens culturais
ditados pelo mercado. Dessa forma, os meios de comunicação
nada mais seriam senão ferramentas de manipulação para a
manutenção do domínio capitalista, que se fazia pela
ostensiva divulgação dos bens simbólicos da classe
dominante
25
.
Segundo essa perspectiva, o receptor das mensagens era
praticamente anulado diante do poder da comunicação de massa e das regras do
mercado de bens culturais. Assim, a publicidade coloca o consumismo como forma
absoluta de valor de vida em sociedade.
24
RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Rio de
Janeiro: Mauad, 1998, p 99.
25
DOLGHIE, Jaqueline Ziroldo, FONTELES, Heinrich Araújo, CAMPOS, Breno Martins. Cultura, Mídia
e Educação: abordagens transdisciplinares. São Paulo: LivroPronto, 2008, p.22/23.
Segundo Galbraith
26
a ligação ainda mais direta entre a produção e as
necessidades é proporcionada pelas instituições da propaganda e do marketing.
Estas não podem ser conciliadas com a noção de desejos determinados
independentemente, pois sua função primordial é criar desejos dar corpo a
necessidades que não existiam antes...‖ e completa: ―o caminho para um aumento
da produção deve ser preparado por meio de uma expansão adequada da verba
despendida com a publicidade‖.
E ainda, T.H. Marshall
27
cita uma afirmação de um jornal local ainda
em 1890 ‖que anunciara que a propaganda é para o comércio o que o fertilizante é
para a agricultura‖, e ressalta: mas a transformação da função da propaganda de
atrair procura para a de criar procura ainda era coisa do futuro‖.
Assim, no consumo estariam baseadas as novas relações
estabelecidas entre os objetos e os sujeitos. A importância dos objetos cada vez
mais é valorizada pelas pessoas.
De acordo com sociólogo francês Jean Baudrillard
28
, qualquer bem,
para que seja consumido, deve se transformar primeiramente em signo. Sendo
assim, as relações de consumo se modificariam, ultrapassando o âmbito dos objetos
e dos indivíduos, e definindo-se como uma ideologia. Tratar-se-ia de uma atividade
no domínio da manipulação dos signos.
Ainda segundo Jean Baudriland
29
, ―todos são iguais perante os objetos
enquanto valor de uso, mas não diante dos objetos enquanto signos e diferenças,
que se encontram profundamente hierarquizados‖.
Sobre essa idéia tem-se que:
(...) numa sociedade como a nossa, de concentração
industrial e urbana, de maior densidade e promiscuidade, a
exigência de diferenciação cresce ainda mais depressa que a
produtividade material. Quando o todo o universo social de
urbaniza e a comunicação se faz total, as necessidades
intensificam-se e crescem segundo uma assímptota vertical
não por apetite, mas por concorrência
30
.
26
GALBRAITH, John Kenneth. A sociedade afluente. 2. ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,
1974, p 159.
27
MARSHALL T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar,1967, p.204.
28
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991, p.173.
29
BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995, p.91.
30
Ibidem, p. 64.
Por outro lado, o consumo atinge a todos, pois as classes médias e os
trabalhadores mais pobres sofrem o mesmo tipo de pressão para que consumam.
As mídias foram responsáveis pelo processo de relativa unificação do
campo simbólico do consumo, por meio da difusão das mercadorias consideradas
consensualmente como objetos de desejo. Tamm aproximaram o universo dos
diferentes setores sociais, tornando-os membros do mesmo sistema simbólico e
com a globalização esse processo perde todos os limites.
Paulo Vasconcelos Jacobina
31
ressalta que exatamente um dos males
da publicidade está no fato de que
ela não atinge somente ao chamado consumidor-alvo, ou seja,
alguém predisposto, com senso crítico suficiente, e capaz
economicamente de adquirir o bem ou serviço anunciado. Ela
atinge tamm aos demais extratos da sociedade, gerando
desejos e necessidades em quem não pode satisfazê-los, e,
além disso, induzindo-os à ação imediata para a satisfação
desse desejo.
Assim, as pessoas de poucos recursos financeiros são tamm
solicitadas a consumir. E não podendo consumir, embora estimuladas pelo jogo
ideológico da indústria da publicidade, sentem-se falidas ou desvalorizadas tanto no
que se refere ao poder ter quanto ao desejo de ter.
A exclusão social é um processo de frustração de desejos e da
sensação de participar, dentre outras coisas, da sociedade de consumo. E esse
processo corrói o tecido social, anestesia e embrutece a sociedade que exclui.
Exemplo dessa situação, segundo o historiador Jo Murilo de
Carvalho
32
―foi a invasão pacífica de um shopping center de classe média no Rio de
Janeiro por um grupo de sem-teto...‖. Essa invasão ―revelou a perversidade do
consumismo‖, eles reivindicavam o direito de consumir. ―Não queriam ser cidadãos,
mas consumidores, ou melhor, a cidadania que reivindicavam era a do direito ao
consumo.‖
31
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p. 17.
32
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização brasileira, 2003, p. 228.
Outro exemplo bastante contundente dessa situação infere-se de um
estudo de caso trazido a lume pelos publicitários MOTHERSBAUGH, BEST e
HAWKINS
33
e que se trata do seguinte, em resumo:
André, recém-saído da condição de sem-teto, tem orgulho
evidente de ter sido capaz de economizar para comprar um
par de tênis Nike. Ele sem dúvida poderia ter comprado um de
marca diferente que atenderia a suas necessidades físicas,
além de custar menos. Embora ele não diga por que comprou
o nis da Nike, mais caro, uma interpretação razoável é que
ele funciona como um mbolo visível de que André voltou a
ser membro bem sucedido da sociedade. Na verdade a Nike
as vezes é criticada por criar, por meio de suas atividades de
marketing, símbolos de sucesso e status que são
indevidamente dispendiosos(...) Se as propagandas fossem
proibidas ou restritas a mostrar apenas as características do
produto, será que os produtos e marcas ainda assim
adquiririam um significado simlico?
É bem certo
(...) que as necessidades humanas podem ser bem mais
atendidas com um sistema de informação adequado sobre os
bens e serviços colocados à disposição do consumidor. Mas é
igualmente verdadeiro que esse mesmo sistema não se
interroga, nem mesmo minimamente, se esses bens e serviços
correspondem, efetivamente, às reais necessidades da
coletividade (...) ou sim às necessidades daqueles que
fornecem tais bens ou serviços.
34
Somos impelidos em direção aos desmandos provocados pela
publicidade, que não tem a leveza que muitos profissionais da
área gostariam de imprimir a ela. A oferta pública,
notadamente feita pela publicidade lato senso, não é um
chamariz descompromissado, mas um efetivo mecanismo pré-
contratual, onde o indivíduo é chamado a contratar e consumir.
Aquela desnecessidade eventual se transforma, no mínimo,
numa necessidade de conhecer o produto, o que faz com que
33
MOTHERSBAUGH, David L; BEST, Roger J; HAWKINS, Del I. Comportamento do consumidor:
construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier: 2007, p 21.
34
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas. 2. ed.rev. e
ampl. São Paulo: Edipro, 2000, p. 53/54.
todo e qualquer produto e serviço seja lançado no mercado de
forma instantânea, criando-se uma necessidade.
35
Retomando-se a questão filosófica em si percebe-se que são bastante
contundentes as idéias apregoadas pelos teóricos da Escola de Frankfurt e por
todos aqueles que, de algum modo, são influenciados por eles.
No entanto, a título de enriquecimento das informações aqui contidas,
convém lembrar que a Escola de Frankfurt tamm foi alvo de críticas por parte de
outros estudiosos, quais sejam: primeiramente tem-se que o consumo em massa era
obtido a partir do processo de comunicação de massa manipulado ideologicamente
pela classe dominante, detentora dos meios de produção, que se utilizavam da
indústria da propaganda para criar necessidades com o objetivo de criar mercado
consumidor para seus produtos.
Nessa perspectiva, o consumidor teria uma condição completamente
passiva diante do que lhe estaria sendo veiculado, denotando um movimento
totalmente determinista de sua situação. A outra questão é que também diante
desse pensamento, a cultura seria compreendida como um produto estático diante
das forças produtoras, e não parte de um processo dinâmico em meio à vida social.
Assim sendo, os pesquisadores do denominado Center for
Contemporany Cultural Studies (CCCS); que faziam parte da Universidade de
Birminghan, na Inglaterra, cuja escola teórica ficou conhecida por ―Estudos
Culturais‖; ao analisarem os fenômenos culturais e comunicacionais passaram a os
enxergar como processos sociais em si mesmos, desvinculados do conceito de
super-estrutura, rompendo com uma tradição reducionista do marxismo.
Sob essa ótica, o consumidor ou receptor das mensagens publicitárias
teriam um papel ativo, podendo reagir de diferentes formas, exercendo resistências,
de forma tamm dialética, e não mais tendo um papel determinista diante desses
produtos culturais impostos.
―Os produtos culturais não são reduzidos pela imposição econômica,
mas são resultados de relações sociais complexas entre os receptores e a própria
indústria cultural‖
36
.
35
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação à violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 02.
Assim sendo, não é que se despreze o caráter dominante da
comunicação e de sua força na manipulação de idéias e símbolos, mas os
expectadores são vistos sob outras condições, sendo capazes de interpretar as
mensagens apregoadas das mais diferentes maneiras, e embora a mídia
especializada colaborasse muito para o consumo, ela não o determinaria.
―Assim, o consumo de um bem simbólico não é analisado na
perspectiva do poder relacionado à produção, mas na ótica do consumidor, que
trava a luta pela apropriação desse bem
37
.
No entanto, quando a comunicação mercadológica é voltada para o
público infantil, entende-se que essa capacidade de oferecer resistência fica deveras
mitigada, senão inexistindo por completo.
E dependendo da faixa de idade da criança, de seu meio social, e seu
grau de instrução, em geral ainda não têm um sendo crítico desenvolvido, não
podendo se auto-determinar diante da comunicação midiática.
Daí a preocupação com a publicidade destinada às crianças, pois
dessa maneira entende-se que esta esta sempre se aproveitando de sua
deficiência de julgamento e experiência.
1.3 DO CONCEITO DE PUBLICIDADE
O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária define
publicidade em seu artigo como ―toda atividade destinada a estimular o consumo
de bens e serviços‖.
No mesmo caminho segue o conceito elaborado pelo Decreto n.
57.690/66 (norma que regulamenta a profissão de Publicitário) como ―qualquer
forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias, produtos ou serviços por parte
de um anunciante identificado (art. 2º)‖.
36
DOLGHIE, Jaqueline Ziroldo, FONTELES, Heinrich Araújo, CAMPOS, Breno Martins. Cultura, Mídia
e Educação: abordagens transdisciplinares. São Paulo: LivroPronto, 2008, p. 25.
37
Ibidem. p.30.
Para Cláudia Lima Marques
38
a "publicidade é toda a informação ou
comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos
consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou
meio de comunicação utilizado".
Para José Geraldo Brito Filomeno
39
a publicidade vem a ser a
mensagem estratégica e tecnicamente elaborada por profissionais especificamente
treinados e preparados para tanto, e veiculados igualmente por meios de
comunicação de massa mais sofisticados‖.
―A publicidade não se restringe às mensagens de órgãos de
comunicação de massa, pois abarca aquelas contidas nos rótulos, embalagens e
outros meios individualizados dirigidos ao consumidor.
40
Compreende toda e qualquer atividade de comunicação comercial para
a divulgação de produtos e serviços independentemente do suporte ou do meio
utilizado. Assim am de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio e
banners na internet, também podem ser citados, como exemplos embalagens,
promoções, merchandising, disposição de produtos nos pontos de vendas, etc.
Ferreira de Almeida
41
adverte que devem ser considerados como
publicidade os métodos chamados de promoção de vendas, reunindo ações diretas
junto a compradores potenciais, como os concursos, vendas com prêmio e outras
formas de vendas agressivas. É indispensável que o número de pessoas atingidas
pela campanha seja tal que se possa qualificá-lo de público.‖
No dizer de João Batista de Almeida
42
a publicidade deixou de ter um papel meramente informativo
para influir na vida do cidadão de maneira tão profunda a
ponto de mudar-lhe hábitos e ditar-lhe comportamento. Trata-
se de instrumento poderosíssimo de influência do consumidor
nas relações de consumo, atuando nas fases de
convencimento e de decisão de consumir.
38
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código
de defesa do consumidor: arts. 1 a 74, aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004,
p.470.
39
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 9. ed., rev. ampl. e atual. São
Paulo: Atlas, 2007, p.179.
40
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p.367.
41
ALMEIDA, Ferreira de. Os direitos dos consumidores: Coimbra, Livraria Almedina, 1982, p. 80.
42
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p111.
1.4 PUBLICIDADE X PROPAGANDA
Publicidade e Propaganda são conceitos distintos, embora a sinonímia
seja claramente utilizada em nosso país. Até mesmo no direito positivo brasileiro, em
inúmeros diplomas legais, como por exemplo, a Lei nº 4.680/65, que regulamenta a
profissão de publicitário e agenciador de propaganda, dispõe: art. 5º - compreende-
se por propaganda qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou
serviços por parte de um anunciante identificado‖. Essa mesma regra é repetida no
regulamento da lei: Decreto nº 57.690/66, em seu art. 2º.
O Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária utiliza os dois
termos: ―publicidade‖ (art. 5º, 7º); ―propaganda política‖ (art. 11); ―publicidade
governamental‖ (art. 12). E conceitua da seguinte maneira: Artigo 8º- O principal
objetivo deste Código é a regulamentação das normas éticas aplicáveis à
publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular
o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou
idéias.
A Constituição Federal por sua vez, parece não fazer distinção, pois se
refere a ―propaganda‖ (art. 220, § 3º, II), ―propaganda comercial‖ (art.22, XXIX, e § 4º
do art. 220), ―publicidade dos atos processuais‖(art. 5º, LX), publicidade‖ (art. 37,
caput e § 1º).
A distinção que se infere feita através dos dispositivos da Carta Magna
é que a ―propaganda comercial‖ é aquela voltada para consumidores por parte de
empreendedores, uma vez que quando utiliza esse texto se refere à bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e agrotóxicos, ou a produtos, práticas e serviços
nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Até mesmo a lei n 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)
inovadora no tratamento à publicidade mistura os temas quando fala em
―publicidade‖ nos arts. 6º, IV, 30, 35, 36, 37, Seção III, art. 67, 68, e 69) e
―propaganda‖, mais especificamente ―contrapropaganda‖: art. 56, XII, e 60, caput, e
§1º.
Doutrinariamente tem-se que esses dois braços da comunicação
distinguem-se por seus objetivos. A publicidade tem fim comercial, pois procura
persuadir os consumidores a adquirir determinado produto ou a utilizar certo serviço;
a propaganda tem objetivo mais abrangente, pois inclui na divulgação de ideologias,
religião, política.
―Fora isso, a publicidade além de paga, identifica seu patrocinador, o
que nem sempre ocorre com a propaganda‖.
43
―Unânime é o consenso de que publicidade é uma forma de
comunicação identificada e persuasiva visando a divulgação de um evento ou
dirigida aos consumidores de determinado produto ou serviço‖.
44
Para efeitos do desenvolvimento do presente trabalho tais termos não
se confundem sendo cada um entendido e utilizado de forma restritiva conforme já
visto. Assim a utilização do vocábulo publicidade refere-se a prática comercial da
oferta de produtos voltados para o mercado consumidor.
1.5 DO PROCESSO CRIACIONAL DA PUBLICIDADE
Inicialmente é necessário identificar os agentes envolvidos na
publicidade, quais sejam: o anunciante, a agência, o veículo e o público-alvo.
Por anunciante entende-se aquela pessoa física ou jurídica que
pretende vender seu produto ou serviço no mercado de consumo, a agência é o ente
que se encarrega de realizar a criação do anúncio, o veículo é o meio hábil para
levar a mensagem até o consumidor que é o público-alvo, ou seja, a quem a
mensagem publicitária se dirige.
A relação entre agência e anunciante é sempre muito próxima.
Geralmente esse relacionamento inicia-se bem antes da veiculação da peça
43
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al.Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.307.
44
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p.368.
publicitária, pois ―o anúncio, muitas vezes é apenas uma das etapas da estratégia
mercadológica criada para um produto ou serviço‖.
45
Primeiramente há necessidade de se realizar pesquisas no sentido
estudar o comportamento do público-alvo, identificando suas características,
necessidades e desejos e de que forma se pretende atingi-lo, levando-se em conta
os objetivos pretendidos na campanha publicitária.
Todas essas informações são dispostas no briefing, que é um
documento que guiará toda a criação do anúncio publicitário.
Ressalte-se que o briefing é de grande importância jurídica, na aferição
da responsabilidade da agência pela publicidade enganosa, ―pois através dele a
agência poderá eventualmente comprovar que ela própria fora enganada pelo
fornecedor que lhe forneceu dados falsos―
46
- o que não lhe isenta de
responsabilidade perante o consumidor, uma vez que a responsabilidade nesse
caso é solidária e objetiva, mas podendo ser útil em caso de ação regressiva.
Posteriormente se faz planejamentos no sentido de criar estratégias.
―Essa fase processa-se no interior da agência, de maneira coletiva, com a
participação de uma equipe, composta de profissionais com funções diversas‖.
47
A estratégia de marketing começa com uma análise do mercado que a
organização está considerando. Isso requer uma análise detalhada das capacidades
da organização, dos pontos fortes e fracos dos concorrentes, das forças econômicas
e tecnológicas que afetam o mercado e dos consumidores atuais e potenciais no
mercado.
48
no que se refere à criação do anúncio este é fruto da criatividade
balizada e dirigida para um objetivo bem específico‖ e é nesse estágio que surge,
normalmente, o anúncio abusivo, ―do qual o anunciante não esquiva sua
responsabilidade, por que tem o poder de reprovar a peça publicitária antes de levá-
la a publico‖.
49
45
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996,p 17
46
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996,p 18.
47
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al.Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.311.
48
MOTHERSBAUGH, David L.; BEST, Roger J.; HAWKINS, Del I. Comportamento do consumidor:
construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier: 2007, p.08.
49
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Op. Cit.p. 19.
Tamm no que se refere ao momento da criação do anúncio, este
não é um ―exercício absolutamente livre: depende ela sempre do que se busca com
o anúncio. Logo um tanto exagero na exaltação da expressão mágica liberdade
de criação.‖
50
Posteriormente tem-se a veiculação do anúncio, que será realizada
segundo a disponibilidade de recursos do cliente anunciante, dos meios de
comunicação disponíveis e dos objetivos perseguidos.
1.6 DA PUBLICIDADE ABUSIVA
O Código de Defesa do Consumidor - CDC criou duas categorias de
publicidade ilícita, a enganosa e a abusiva. A publicidade enganosa está diretamente
ligada àquilo que se pretende inserir no mercado, levando o consumidor ao erro na
escolha do produto por acreditar que este teria as vantagens oferecidas na oferta. A
publicidade abusiva, por sua vez, está relacionada à própria forma de abordagem do
consumidor, não sendo obrigatório qualquer vínculo da nocividade da publicidade
com as características do produto oferecido.
No presente trabalho será analisado, entretanto, somente esse
segundo tipo de publicidade ilícita, aquela considerada abusiva.
A publicidade abusiva é aquela que não está necessariamente ligada
às qualidades e peculiaridades do produto. Ela é nociva em si e independe de se
referir ou não ao produto ou serviço.
Claudia Lima Marques
51
define a publicidade abusiva assim: “... é, em
resumo, a publicidade antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor, que fere
valores sociais básicos, que fere a sociedade como um todo‖.
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin
52
segue no mesmo
sentido: Abusivo seria aquilo que ofende a ordem pública (public policy), o que o
50
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. loc cit.
51
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
código de defesa do consumidor: arts. 1 a 74, aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004. p. 482.
52
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al.Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 297.
é ético ou o que é opressivo ou inescrupuloso, bem como o que causa dano
substancial aos consumidores.
A publicidade abusiva independe do produto ou serviço que veicula.
Ela é ilícita em função da forma com que ela se aproxima do consumidor. Ela
sempre consisti num interesse difuso por impossível de se determinar o
interessado.
53
No dizer de João Batista de Almeida
54
esse tipo de publicidade
não chega a ser mentirosa, mas é distorcida, desvirtuada dos
padrões da publicidade escorreita e violadora de valores éticos
que a sociedade deve preservar. Além disso, deturpa a
vontade do consumidor, que pode, inclusive, ser induzido a
comportamento prejudicial ou perigoso à sua saúde de
segurança.
Para Paulo Vasconcelos Jacobina
55
a publicidade,
nesse afã de despertar desejos e necessidades, muitas vezes
não se detém em considerações de ordem ética, moral ou
social, atropelando valores culturais para vender produtos ou
serviços, ou mesmo aproveitando a inexperiência da criança
ou de outras classes de consumidores com baixa capacidade
crítica.
A publicidade abusiva é tratada de forma analítica pelo Código de
Defesa do Consumidor, ou seja, o legislador apresentou hipóteses para sua
configuração no art. 37 § 2o.
No início do parágrafo, a utilização da expressão "dentre outras"
significa que o rol o é taxativo, mas exemplificativo. A lista contém, portanto,
algumas modalidades de publicidade abusiva e, em todas elas observa-se ofensa a
53
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação a violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p 63.
54
ALMEIDA, João Batista De. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p 117.
55
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996.p. 95.
valores da sociedade: o respeito à criança, ao meio ambiente, aos deficientes de
informação, à segurança e à sensibilidade do consumidor.
Assim, estas são as formas de abusividade, conforme o art. 37 § 2º.:a
publicidade discriminatória de qualquer natureza; a que incite à violência; a que
explore o medo; a que explore a superstição; a que se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança; a que desrespeita valores ambientais; a que
seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de maneira prejudicial ou
perigosa à sua saúde; e, a que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar
de maneira prejudicial à sua segurança.
Entretanto, para o desenvolvimento do presente trabalho acadêmico,
interessa-nos a análise do dispositivo que expressamente considera publicidade
abusiva a qual se aproveita da deficiência de julgamento e de experiência da
criança.
Levando-se em conta o fato de que, em sua grande maioria, as
crianças não são capazes de compreender a complexidade das relações de
consumo, fica evidente que sempre que a publicidade for voltada para a criança, vai
se valer dessa deficiência de julgamento e de experiência.
Ressalte-se, que segundo Rizzato Nunes
56
o caráter de abusividade
não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas
sim como os efeitos da publicidade que possam causar algum mal ou
constrangimento ao consumidor. E tamm que para a caracterização da natureza
abusiva de um anúncio não é necessário que ocorra de fato um dano real ao
consumidor, uma ofensa concreta. ―Basta que haja perigo, que exista a possibilidade
de ocorrer o dano, uma violação ou ofensa. A abusividade, aliás, deve ser avaliada
sempre tendo em vista a potencialidade do anúncio em causar algum mal‖.
Para saber do abuso é suficiente que se leve em consideração
o consumidor ideal. É ele que deve servir de parâmetro para a
avaliação. Ainda que num caso particular aquele consumidor
não se tenha sentido lesado, se o anúncio for capaz de atingir
o consumidor em potencial, será abusivo. Por isso tamm
com a publicidade abusiva o melhor controle é preventivo
57
.
56
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 2. ed São Paulo:
Saraiva, 2006, p..490.
57
Ibidem, p. 494.
Dessa forma, se um fornecedor faz publicidade abusiva, por exemplo,
e se ninguém jamais reclama concretamente contra ela, ainda assim isso não
significa que o anúncio não é abusivo, nem que não se possa, por exemplo, o
Ministério Público ir contra ele.
O órgão de defesa do consumidor, agindo com base na legitimidade
conferida pelos art. 81 e s. do CDC, pode tomar toda e qualquer medida judicial que
entender necessária para impedir a continuidade da transmissão do anúncio
enganoso ou abusivo, para punir o anunciante, independentemente do aparecimento
real de um consumidor contrariado.
Sendo, portanto o judiciário acionado, seja individual ou coletivamente,
por meio de seus órgãos públicos de defesa do consumidor, poderá determinar a
supressão tanto do anúncio veiculado como da campanha inteira do anunciante ou
parte dela. Pode tamm o judiciário impedir a publicação e ou transmissão do
anúncio como medida preventiva, segundo o que está determinado no art. 6º, VI do
CDC.
Ressalte-se que a publicidade abusiva também sofre controle
administrativo por parte de seu órgão regulamentador, o CONAR, como será
estudado no curso do trabalho.
Além disso, não necessidade de averiguação de dolo ou culpa do
anunciante (nem da agência ou do veículo, que são também responsáveis por sua
veiculação), pois mesmo que esses elementos não se verifiquem, ainda assim o
anúncio será tido como abusivo caso incorra em algum ponto contrário ao que a lei
dispõe. Para que fique caracterizada a infração, basta que o anúncio em si comporte
abusividade, sendo a responsabilidade objetiva do anunciante, de sua agência e do
veículo.
A agência, como produtora do anúncio responde solidariamente com o
anunciante, independentemente de haver cláusula contratual entre ambos que tenha
a previsão de que uma vez aprovado o anúncio pelo fornecedor, corre por conta e
risco deste um possível dano, isentando assim expressamente a agência. Esta
cláusula vale entre as partes, não afetando a garantia legal conferida às pessoas
atingidas pela publicidade.
Da mesma forma o veículo também é responsável solidário do
anunciante e da agência, pois ele é o instrumento de contato com o público, e no
momento da contratação pode perfeitamente negar-se a veicular um comercial
manifestamente abusivo, não somente pelos efeitos civis, mas também pelos
aspectos morais e criminais.
A responsabilidade, portanto, é solidária de todos aqueles que
participam da produção do anúncio e da sua veiculação, por expressa previsão do
CDC no parágrafo único do art. 7º:
A prática da publicidade abusiva tamm está tipificada como crime no
CDC, em seus art. 67 Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber
ser enganosa ou abusiva: Pena detenção de 3 (três meses) a 1 (um) ano e multa;
E art. 68 Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber
ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a
sua saúde ou segurança: Pena Detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e
multa.
Entretanto, a medida condenatória mais importante e eficaz aplicada
pelo judiciário nesses casos é aplicar ao fornecedor a obrigação de realizar a
contrapropaganda (ou contrapublicidade).
A contrapropaganda para ser eficaz deve conter uma mensagem que
possa desfazer o resultado da comunicação anteriormente realizada de forma
abusiva. Devendo ser publicada, no mínimo, de igual forma como o foi com a
publicidade considerada abusiva, com vistas de atingir o mesmo público alvo, com a
mesma freqüência de divulgação e mesmo período de duração.
Essa medida é necessária, ao menos para aliviar os danos causados
pelo anúncio abusivo, ou pelo menos atenuar os malefícios, pois uma vez veiculada,
uma publicidade abusiva atinge um universo difuso de consumidores (e no caso do
nosso estudo atinge crianças das mais diversas idades) ficando difícil constatarem-
se os reais danos e suas proporções.
Tal poder de alcance e de atuação é muito importante uma vez que os
órgãos associativos de censura ética não têm poderes para retirar a publicidade do
ar e conceder ressarcimento aos prejudicados, podendo no máximo sugerir tal ação,
sem coercibilidade. Tais medidas não proporcionavam cobertura ampla aos
interesses dos consumidores nas diversas esferas.
2- LIMITES DA PUBLICIDADE
A fim de que a publicidade não se desvirtue, desequilibrando as
relações de consumo, seja entre fornecedores com a prática de, por exemplo,
concorrência desleal, seja entre fornecedores e consumidores com a prática de, por
exemplo, publicidade enganosa ou abusiva, faz se necessária a sua
regulamentação.
Essa regulamentação ou controle legal o visa à eliminação da
publicidade, mas tão somente a conter seus abusos.
Antes do advento do Código de Defesa do Consumidor o controle da
publicidade era feito de forma fragmentária, com regras esparsas pelo ordenamento
jurídico brasileiro, não havia uma sistematização com regras claras de proibição
expressa à publicidade enganosa e abusiva, muito embora o Código Brasileiro de
Auto-regulamentação Publicitária já tratasse delas.
Agora o controle da publicidade, no Brasil, pode ser feito em três
esferas distintas: através do autocontrole, através da via administrativa e através da
esfera judicial.
São sistemas independentes e não complementares um do outro. O
sistema privado, embora às vezes beneficie o consumidor, tem como função
defender interesses dos associados, ou seja, defender os anunciantes à vista de
concorrentes desleais, enquanto o sistema legal visa à tutela direta do consumidor.
Ressalte-se que o anunciante que desrespeita uma norma legal
relativamente à publicidade, sendo ele associado ao CONAR, responderá perante os
dois sistemas.
―A precisão e o caráter técnico do Código de Auto-regulamentação
Publicitária não foram - como o são- suficientes para impedir, isoladamente, toda
sorte de abusos praticados contra os interesses dos consumidores,‖
58
Daí ter o Código de Defesa do Consumidor adotado um sistema misto
de controle, conjugando o sistema privado ou auto-regulamentar, o sistema
administrativo e do Poder Judiciário.
2.1 CONTROLE AUTO-REGULAMENTAR OU AUTOCONTROLE
O sistema privado ou auto-regulamentar no Brasil nasceu da
necessidade de manter a confiança dos consumidores nas mensagens veiculadas.
Os profissionais da área reconhecendo os perigos de anúncios agressivos e
enganosos criaram o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária
CBARP sendo a sua aplicação confiada ao Conselho Nacional de Auto-Regulação
Publicitária - CONAR .
O CONAR, fundado em São Paulo, em 5 de maio de 1980, é uma
sociedade civil sem fins lucrativos, à qual cabe, dentre ouras atribuições ―funcionar
como órgão judicante nos litígio éticos que tenham por objeto a indústria da
propaganda ou questões a ela relativas (arts.1º e 5 dos Estatutos Sociais).
É organizado por agentes econômicos como, anunciantes, agências
publicitárias, veículos de comunicação, que espontaneamente aderem ao quadro
social. Por conseguinte, a regra da auto-regulamentação ou autodisciplina o
vincula todos os operadores, limitando-se àqueles que aderem, voluntariamente a tal
modalidade de controle.
Tamm não somente edita normas e disciplina sanções, como
tamm apregoa princípios a serem seguidos, não restritos ao âmbito das relações
de consumo, mas à publicidade e propaganda em geral.
Seu Conselho de Ética tem competência para julgar as representações
por infração ao Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, aplicando as
58
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.312.
sanções cabíveis, que compreendem advertência, recomendação de sustação de
divulgação do anúncio, recomendação de alteração ou correção e divulgação da
posição da entidade.
Bastante relevância atinge a ação do CONAR, pois uma vez criando
limites internos à atividade publicitária, podendo até mesmo realizar manifestação
pública de reprovação, exerce um papel educativo.
No entanto, seu objetivo primordial é o de estabelecer regras éticas
para a indústria da propaganda
59
.
―Uma década antes do surgimento no CDC se reconhecia a
vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor, devida à deficiência dos seus
conhecimentos sobre os bens e serviços colocados no mercado‖.
60
O art. 23 do
CBARP contém clara recomendação às agências de publicidade e aos anunciantes
para que respeitem essa hipossuficiência técnica do consumidor.
É, ainda, indispensável pontuar que o Código de Auto-
Regulamentação Publicitária, aplicado pelo Conselho de Auto Regulamentação
Publicitária CONAR regulamenta a publicidade dirigida às crianças.
Especificamente, o texto do Código condena o uso de comandos imperativos
dirigidos às crianças em campanhas publicitárias
61
.
E mais, os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação à
segurança e às boas-maneiras e, ainda, abster-se de: empregar crianças e
adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão
de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações
pertinentes de serviço ou produto
62
.
59
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p.113.
60
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p. 371.
61
O artigo 37, da Seção 11, do aludido Código de Ética, a respeito de crianças e jovens, determina o
seguinte: Artigo 37 Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem
encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores
conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo
diretamente à criança.‖ Disponível em < http://www.conar.org.br > Acesso em: 22 mai 2008
62
Art. 37, I Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas
maneiras e, ainda, abster-se de: f) empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar
apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação
deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto. Ibidem.
Tamm devem abster-se de impor a noção de que o consumo do
produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade
63
; ou de provocar
situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com
o propósito de impingir o consumo
64
; ou ainda se utilizar situações de pressão
psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo
65
.
Tais recomendações do CONAR demonstram que, em um sentido
ético, até o próprio mercado publicitário reconhece que o uso de imperativos em
mensagens de compras direcionadas para crianças gera nelas o sentimento de
obrigação para seu cumprimento, bem como angústia na hipótese de tal compra não
ser satisfeita. E, por isso, devem ser coibidos.
As mensagens dos anunciantes, fabricantes de produtos e serviços
destinados à criança, deverão ser sempre endereçadas aos adultos e estarão
submetidas às penas previstas no Código de Defesa do Consumidor, que impõe
detenção e multa ao anunciante que cometer abusividade, e às regras éticas
dispostas no Código de Auto-regulamentação.
Além disso, o CONAR dispõe de um canal de recebimento de
denúncias contra abusos na publicidade, mobilizando-se no sentido de impor limites
à publicidade para a venda de produtos para crianças, o obstante seja a iniciativa
daqueles mesmos que produzem tal atividade.
A própria norma auto-regulamentadora reconhece a influência que o
anúncio publicitário exerce sobre a coletividade, uma vez que realça esse aspecto
textualmente no seu art. 7º: de vez que a publicidade exerce forte influência de
ordem cultural sobre grandes massas de população. Isso reforça a necessidade do
controle administrativo e judicial da publicidade comercial.
As punições previstas no art. 50 do Código Brasileiro de Auto-
Regulamentação Publicitária se apresentam em quatro categorias: advertência,
recomendação de alteração ou correção do anúncio, recomendação de suspensão
da veiculação e, por último, divulgação da posição do CONAR com relação ao
anunciante, à agência e ao veículo, através de veículos de comunicação, em face do
não-acatamento das medidas e providências preconizadas.
63
Art. 37, I, d.- Impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua
falta, a inferioridade;
64
Art. 37, I ,e - provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar
terceiros, com o propósito de impingir o consumo;
65
Art. 37, I, i,- utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir
medo.
Valéria Falcão
66
observa que em relação à massa de consumidores
sujeita a danos pela veiculação de publicidade ilícita há uma desproporção entre as
penas previstas no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária e os
danos causados pelos infratores.
Em suma o sistema privado de regulamentação da publicidade é de
grande importância para o meio publicitário, ele se propõe a aplicar punições ao
agente econômico associado ao CONAR que descumprir regras do código de ética
da categoria. Entretanto a auto-regulamentação não visa, de forma direta, a
proteção ao consumidor, pois suas decisões do CONAR são de cumprimento
espontâneo.
Valéria Falcão Chaise
67
frisa que o CONAR sempre foi atuante e que
após o advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor continuou
exercendo seu papel.
2.2 CONTROLE ADMINISTRATIVO
O controle administrativo da publicidade é previsto no Código de
Defesa do Consumidor, no art. 55, § 1º, devendo ser realizado pelo Poder Público,
no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Nessa espécie de controle as sansões são de natureza administrativa,
sem prejuízo das sansões de natureza civil e penal, e consistem na aplicação de
multa aos agentes publicitários e na imposição da contrapropaganda, conforme o
disposto no art. 56, I e XII do Código de Defesa do Consumidor.
As sanções desse nível são aplicadas pela autoridade administrativa
competente, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente,
conforme o parágrafo único do art. 56.
E segundo o art. 60 e 60 §1º do mesmo diploma legal, a imposição da
contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática da
publicidade enganosa ou abusiva, e será divulgada pelo o considerado responsável
66
CHAISE, Valéria Falcão, A Publicidade em Face do Código de Defesa do Consumidor, São Paulo:
Saraiva, 2001, p27.
67
Ibidem, p.29.
da mesma forma, freqüência e dimensão, e preferencialmente no mesmo veículo,
local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício causado.
Embora haja a previsão desse tipo de sansão, sua aplicação fica
adstrita a casos poucos e isolados e geralmente é feito contra publicidade realizada
através da mídia escrita, outdoors, e banners, mas dificilmente se um caso de
imposição de contrapropaganda de uma publicidade veiculada através de mídia
televisiva, a qual é muito mais lesiva em virtude de seu alcance.
Tamm no que se refere a esse tipo de sansão, em relação a
publicidade voltada para o público infantil acredita-se que é praticamente ineficiente
para reparar danos pois a criança, como visto não compreende nem a publicidade,
nem menos ainda a contrapublicidade, sendo então melhor controle, nesses casos,
feito através da prevenção.
2.3 CONTROLE ESTATAL
Os meios adotados no sistema privado ou auto-regulamentar nem
sempre são suficientes para coibir mensagens nocivas ao consumidor ou ao
concorrente. Suas regras não m poder coativo. Ademais, a regra de autodisciplina
somente sujeita aqueles que aderem voluntariamente a tal forma de controle.
O sistema de controle exercido por meio estatal é decorrência da
necessidade de se adequar as leis às novas e sempre mutantes regras do mercado
de consumo, pois a publicidade tem uma relação de simbiose com a economia.
Esta modalidade de regramento se faz exclusivamente por intervenção
estatal, ou seja, somente o Estado pode ditar normas de controle da publicidade e
implementá-las.
O grande benefício desse sistema de controle é o poder coercitivo do
Estado, segundo o qual a inobservância das normas de ordem pública acarreta
sanções de natureza jurídica, nos âmbitos civil e penal.
Nesse sistema de controle o judiciário pode ser acionado individual ou
coletivamente, por meio dos órgãos públicos de defesa do consumidor, ou através
de associações de consumidores.
E conforme visto anteriormente, no capítulo em que estudamos a
publicidade abusiva, no âmbito cível, para haver a responsabilização dos agentes
publicitários não necessidade de averiguação de dolo ou culpa do anunciante
sendo considerada objetiva a responsabilidade pelo Código de Defesa do
Consumidor.
A responsabilidade, portanto, é solidária de todos aqueles que
participam da produção do anúncio e da sua veiculação, por expressa previsão do
CDC no parágrafo único do art. 7º:
na esfera criminal as infrações previstas no Código do Consumidor
referentes à questão publicitária, mais precisamente sobre a publicidade abusiva,
estão previstas nos seguintes: artigos 67º e 68º do CDC.
Ressalte-se que no presente trabalho, não nos caberá analisar os
aspectos processuais desse referido sistema de controle da publicidade.
O artigo 67 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, é o
principal artigo do objeto deste estudo, no que tange à esfera criminal. Este artigo
trata e veda exclusivamente a publicidade enganosa e a publicidade abusiva. O que
se tem como objeto jurídico neste artigo é a confiança que o consumidor tem na
publicidade.
Faz parte da peça publicitária, sua criação, patrocínio e a divulgação
de seu conteúdo. Para não gerar divergências e discussões, o legislador tipificou a
conduta apenas no termo "fazer publicidade", desta forma, a conduta tipificada no
artigo tanto pode ser para o anunciante como para a agência que criou a peça. A
conduta do dolo direto ou eventual é incriminada, no momento que o artigo utiliza a
expressão "que sabe o deveria saber".
O artigo 68 CDC trata da publicidade abusiva como o § do art. 37,
deste mesmo código, que foi devidamente comentada anteriormente. O código
quando tipificou como crime as condutas da publicidade abusiva, o fez através do
art. 67 em gênero, e a do art. 68 do CDC como uma espécie que caracteriza-se
quando a publicidade induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou
perigosa à saúde ou segurança.
O controle judicial da publicidade também poderá ser feito argüindo-se
outros diplomas legais, bem como os princípios basilares do Direito de acordo com
cada situação e para qual tipo de consumidor a proteção está sendo requisitada.
No caso do presente estudo a proteção é destinada ao público infantil
o que nos parece relevante fazer análise de outros dispositivos legais nesse sentido.
2.4 A PUBLICIDADE E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O art. 170 e o art 5º, inciso XXXII da Constituição Federal, constituem
previsão constitucional de proteção às relações de consumo, e a edição do nosso
Código de Defesa do Consumidor apresenta-se como sua conseqüência mais
imediata, refletindo uma tendência de proteção dos interesses difusos.
A defesa de interesses básicos do consumidor implica não somente
reconhecê-los na órbita jurídico-normativa, como fez a CF, mas também no
entendimento da gênese dos conflitos em torno desse tema, pois se entendendo a
causa pode se combater as conseqüências não desejadas.
―A prevenção de ações prejudiciais ao consumidor é encargo estatal,
como diria o art. 170, e essa defesa faz-se por processos preventivos e punitivos‖
68
.
Segundo João Batista de Almeida
69
tema dos mais relevantes na
atualidade, a intervenção do Estado no domínio econômico guarda estreita relação
com o surgimento da tutela do consumidor.
Assim, conforme vimos anteriormente tem-se que as atividades de
cunho econômico nascem e se desenvolvem por conta de suas próprias leis, em
decorrência da livre empresa, da liberdade de concorrência, bem como do livre jogo
dos mercados.
No entanto, essa ordenação sofre desequilíbrios, em função da
possibilidade de concentração do poder econômico nas mãos de um, ou de poucos.
Isso acaba com toda e qualquer iniciativa, constrange a concorrência, promove a
dominação do mercado e, conseqüentemente, desestimula a produção, a pesquisa e
o aperfeiçoamento.
68
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p. 183.
69
ALMEIDA, João Batista De. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 25.
Em face desses desequilíbrios, o Estado se obrigado a intervir no
domínio econômico para proteger os valores da livre empresa, da livre concorrência,
do direito do consumidor, assim como para manter a compatibilização da liberdade
de iniciativa e do lucro, com o interesse social, visando, primordialmente, promover
justiça social e garantir o respeito à dignidade da pessoa humana.
Assim se faz necessário um aparato de normas e princípios para reger
todo esse sistema, e é a partir do texto constitucional que precisamos iniciar a
análise.
Nenhum sistema econômico é possível sem que um conjunto
de normas jurídicas discipline os deveres e as obrigações dos
detentores dos recursos e das unidades que os empregarão.
Tamm não como prescindir de um conjunto de
instituições políticas, que definam as esferas de competência
de cada agente, e de instituições sociais, que estabeleçam
valores de referência e regras de conduta
70
.
A Constituição Federal de 1988, ora vigente, estabeleceu as diretrizes
do sistema econômico brasileiro elencando uma série de princípios que tratam da
atividade econômica.
O sistema constitucional de 1988 traz o delineamento de um Estado
Intervencionista, voltado ao bem-estar social, na medida em que reforça a idéia de
que a participação estatal é imprescindível sob muitos aspectos, em especial no
campo social.
que se ter em vista que entre direitos econômicos, sociais e
culturais e direitos, liberdades e garantias existe uma relação indissociável, torna-se
necessário, pois, em uma sociedade democrática, o exercício, pelo Estado, de uma
atividade conformadora e planificadora das estruturas sócio-econômicas.
A adoção, pelo Estado, de políticas econômicas e medidas
administrativas ou legislativas no âmbito econômico deverá, levar em conta os
fundamentos e os princípios norteadores da ordem econômica explicitados no art.
170, que dentre outros bens a serem protegidos preceitua a observação do princípio
da defesa do consumidor.
70
ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.158.
Por outro lado tamm assegura a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.
A expressão ―defesa‖ dos consumidores no dizer de Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior
71
é plena de significação, indicando que o Estado, por meio de
todos os seus órgãos e funções, deve partir do pressuposto de
que o consumidor é a parte mais vulnerável das relações de
consumo, reclamando, portanto um intervenção protetiva, quer
no sentido de garantir um sistema legal de proteção, quer no
sentido de criar organismos que impeçam ou reprimam lesões
aos consumidores.
No mesmo sentido na visão de José Afonso da Silva
72
A defesa dos consumidores responde a um duplo tipo de
razões: em primeiro lugar, razões econômicas derivadas das
formas segundo as quais se desenvolve, em grande parte, o
atual tráfico mercantil; e sem segundo lugar, critérios que
emanam da adaptação da técnica constitucional ao estado de
coisas em que hoje vivemos, imersos que estamos na
chamada sociedade de consumo, em que o ter mais do que o
ser é a ambição de uma grande maioria das pessoas, que se
satisfaz mediante o consumo.
E ainda nessa direção:
Se o consumo traz à baila questões de relevância social,
somos, então, conduzidos a examinar a obliteração da
liberdade, a desigualdade e as lesões aos consumidores
tamm em face da atuação do Estado, locus privilegiado em
termos dos interesses atinentes à esfera do público.
73
71
ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JR. Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 10 ed,
revista e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 175.
72
SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16 ed, revista e atualizada, São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 266.
73
RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Rio de
Janeiro: Mauad, 1998, p.31.
Ao mesmo tempo também em que reconhece uma estrutura de
mercado, a Constituição Federal preformas de intervenção direta e indireta do
Estado na economia. Tal fato não descaracteriza o sistema capitalista, ao contrário,
atende aos seus interesses, na medida em que objetiva sanar as falhas do mercado
(formação de monopólios, cartéis, concorrência desleal, etc), mantendo o equilíbrio
entre livre iniciativa e livre concorrência.
A coexistência de valores, fundamentos e princípios diversos no texto
constitucional repercute sobre o modelo econômico adotado de modo a
descaracterizá-lo como sendo de natureza puramente descentralizada. Pode-se
falar, na verdade, da adoção de um modelo econômico misto que não resguarda
os princípios liberais da livre iniciativa e da concorrência, mas tamm ampara a
atuação normativa e reguladora do Estado brasileiro diante da atividade econômica.
E levando-se em conta a relevância da atividade publicitária para a
economia de qualquer país, esse braço da economia não poderia passar
despercebido pelo alcance da lei, sendo então pacífica a necessidade de um
controle estatal das práticas publicitárias.
No entanto, há aqueles que evoquem como tolhimento da liberdade de
expressão e como utilização de censura no que diz respeito ao controle da
publicidade.
A proteção à liberdade de expressão e a proibição da censura
igualmente são princípios constitucionais que devem ser levados em conta diante
dessa questão e estão descritos nos arts. 5º, inciso IX, e 220 da Carta Magna os
quais nos cabe enunciar tão somente para esclarecimento da questão.
Art. 5º. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:(...) IX- é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença".
Art. 220- "A manifestação de pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veiculo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto
nesta Constituição".
Diante do exposto inicialmente tem-se que a publicidade não é uma
atividade preponderantemente informativa, sua finalidade principal é convencer e
estimular o consumo de bens e serviços visando ao lucro.
Não é, também, uma legítima expressão cultural ou artística, embora
seja plena de criatividade, sobretudo aquela que não é abusiva, pois do contrário a
publicidade ilícita não se vale da criatividade, mas da apelação psicológica.
Tamm não pode ser considerada uma manifestação de pensamento
uma vez que tão somente realiza uma atividade econômica visando ao lucro
empresarial.
Sendo assim, a regulamentação da publicidade e seu conseqüente
controle em nada ofendem o princípio constitucional que assegura a liberdade na
comunicação social, nem tão pouco corresponde à prática da censura.
Além disso, o próprio art. inciso XXXII da Constituição Federal
tamm assegura a defesa do consumidor, como se vê:
art. 5o - "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: (...) XXXII- o Estado promoverá, na
forma da lei, a defesa do consumidor;"
Assim, se caso realmente com o controle da publicidade estivesse
havendo uma lesão a um princípio constitucional, ainda assim estaríamos diante de
um conflito aparente de princípios, em que haveria de se levar em conta qual bem
jurídico a ser protegido seria ao mais relevante para se obter uma solução.
No entanto, não se pode falar em proteção integral do consumidor sem
a regulamentação da publicidade, haja vista que o sistema privado de
regulamentação, não tem poder coercitivo e se estende somente aos associados,
não consegue portanto por fim às mensagens nocivas.
Destarte, assevera Mônica Caggiano
74
―vale reconhecer uma
hierarquia das fontes normativas que deve ser encabeçada pelos princípios e regras
contidos na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988‖.
74
CAGGIANO, Mônica Herman Salem et al. Direito constitucional econômico: uma releitura da
constituição econômica brasileira de 1988. Barueri, SP: Manole, 2007. p.10.
Pois são eles que funcionam como critérios de integração e que dão coerência ao
sistema normativo. E também são quem deve guiar a interpretação das normas do
ordenamento jurídico uma vez que contêm em seus regramentos a escolha do
modelo de estado e os fins a serem por ele alcançados.
2.5 A PUBLICIDADE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
―O Código não se limitou ao regramento das relações contratuais de
consumo. A proteção do consumidor tem início em momento anterior ao da
realização do contrato de consumo‖.
75
Essa relação surge ainda no momento e por
meio das técnicas para a estimulação do consumo, ―quando de fato, ainda sequer se
pode falar em verdadeiro consumo, e sim em expectativa de consumo. A
publicidade, portanto, como a mais importante dessas cnicas, recebeu atenção
especial no Código.‖
76
Segundo Rizzatto Nunes
77
―assim como a atividade de exploração
primária do mercado, visando à produção, tem limites estabelecidos, a publicidade
que dela fala - da produção- deve ser restringida.‖ Sendo o referido controle exercido
por meio de normas estabelecidas nos arts. 36 a 38, nos tipos penais dos arts. 67 e
69, bem como de forma indireta, em outros dispositivos do mesmo diploma legal, tal
como o art. 30.
Assim sendo,
a publicidade, aa edição da Lei consumerista, era norteada
pelo auto-regramento, imune a providências específicas e
adequadas à sua efetividade no mundo comercial. Em nosso
tempo, onde as opções do indivíduo se constituem numa
ampla gama de possibilidades de consumo, a inexistência de
uma legislação adequada às peculiaridades do consumo é
inconcebível, e a lei em vigor atende cabalmente a estes
reclamos
78
.
A publicidade está, no entanto intimamente ligada ao Direito:
... pense-se por um instante, na publicação de uma lei para
que dela todos tenham conhecimento e, portanto,
presumivelmente em favor da sociedade, como pode estar
prestando um desserviço a essa mesma sociedade, quando
75
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. in GRINOVER, Ada Pelegrini et al.Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.315.
76
BENJAMIN, loc cit.
77
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 2. ed São Paulo:
Saraiva, 2006, p 131.
78
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação a violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p 02.
veicula informações enganosas ou abusivas tendentes a
provocar o ludibrio do consumidor.
79
A Lei n. 8.078/90 estabelece logo em seu art. 1º, seu caráter
protecionista e de interesse social sendo essa uma questão básica que justifica a
existência da lei, a qual leva inclusive ao direito do Estado de intervir no domínio
econômico, dada tamanha necessidade de proteção do consumidor.
E no dizer de João Batista de Almeida
80
A primeira justificativa para o surgimento da tutela do
consumidor, está assentada no reconhecimento de sua
vulnerabilidade nas relações de consumo.... pois se do
contrário admiti-se que o consumidor está cônscio de seus
direitos e deveres informado e educado para o consumo,
então a tutela não se justificaria.
O objetivo do regramento contido no Código de Proteção e Defesa do
Consumidor é de controlar a publicidade; não excluí-la. Entretanto, em função do
influxo de informações que o consumidor recebe, sobretudo as crianças por meio da
mídia televisiva, estas informações tendem a formar neles uma convicção que difere
da realidade, sendo preocupação do código, eliminar a publicidade enganosa ou
abusiva.
Inicialmente tem-se que os consumidores são os destinatários da
mensagem publicitária. Assim o Código buscou amparar todas as pessoas
envolvidas direta ou indiretamente nas relações de consumo.
Portanto consumidor segundo do art. do CDC é toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". O qual
seria aquele que retira o bem do mercado adquirindo-o para uso.
79
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas. 2. ed. rev. e
ampl São Paulo: Edipro, 2000, p 55.
80
ALMEIDA, João Batista De. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p22.
no parágrafo único do art. tem-se que "equipara-se a consumidor
a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis que hajam intervindo nas
relações de consumo".
o consumidor exposto às práticas comerciais é o consumidor
equiparado referido no art. 29 do CDC, aplicável a todas as seções do Capitulo V,
"Das Práticas Comerciais", onde se inclui a publicidade.
Esta é a regra do art. 29 "Para fins deste capítulo e do seguinte,
equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas
às práticas nele previstas".
Este é o conceito de consumidor equiparado mais abrangente, ou
seja, para se caracterizar como tal, basta que a pessoa esteja exposta às práticas
comerciais ou contratuais. Portanto, sendo a publicidade uma das atividades
incluídas nas práticas comerciais é de se entender que todas as pessoas são
protegidas contra os efeitos danosos dos anúncios enganosos ou abusivos, ou seja,
todas as pessoas determináveis ou não são equiparadas aos consumidores.
2.5.1 OS PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR QUE
REGULAMENTAM A PUBLICIDADE
Os princípios o os pilares de embasamento e o farol de orientação
aos quais devemos nos remeter quando da análise de alguma questão relacionada
ao Direito. Assim são necessários alguns comentários, ainda que de forma breve,
sobre esses norteadores da interpretação das matérias jurídicas.
Foram reservados como princípios para regulamentar a publicidade o
artigo 30 - vinculação da publicidade-, o artigo 31 - transparência das informações -,
artigo 36 e § único - identificação da publicidade -, artigo 37 e parágrafos primeiro e
segundo -publicidade enganosa e abusiva- do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor.
Embora existam autores que se refiram a outros princípios como, por
exemplo, a inversão do ônus da prova, transparência da fundamentação da
publicidade, correção dos desvios publicitários dentre outros, nos reservaremos ao
estudo dos princípios acima descritos por entendemos que estes estão
intrinsecamente ligados à questão da publicidade voltada para o público infantil.
E tamm concordarmos com o entendimento de Paulo Vasconcelos
Jacobina
81
para quem apenas aqueles é que teriam o caráter genérico e abstrato o
suficiente necessário para se constituírem como princípios, pois os outros são de
alguma forma decorrentes dos princípios aqui apontados.
Assim sendo, inicialmente tem-se que o reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo reflete a principal razão da
tutela do consumidor, servindo sempre de parâmetro para interpretação das normas
e situações relativas à publicidade em face do direito consumerista.
Em segundo lugar, aliado ao princípio anterior, tem-se os princípios da
boa-fé e da equidade cujos pressupostos também pautam as relações
consumeristas de uma forma geral. Essa idéia está relacionada com a
pressuposição que os agentes da relação de consumo agem com honestidade, com
boas intenções, com confiança um no outro, embora cada um queira atender seus
interesses e necessidades.
As normas e princípios consumeristas serviriam então para sanar
possíveis desigualdades e trazer equilíbrio e harmonia para essa relação, uma vez
que se reconhece a desigualdade entre as partes.
O princípio da boa- está previsto de forma nítida através do inciso III
do artigo 4º do nosso CDC. A intenção deste princípio enfatiza a colaboração,
estabelecendo a reciprocidade entre as partes, ou seja, um consenso mútuo: uma
das partes quer ou precisa consumir, e a outra quer fornecer um produto ou serviço.
Dessa forma, tendo-se a boa- manifestada através de lealdade e
confiança, e o princípio da equidade como equilibrador das desigualdades entre os
sujeitos da relação de consumo, está formado o alicerce para o estudo dos
princípios específicos da publicidade comercial presentes no Código de Defesa do
Consumidor.
Assim, do texto do CDC podem-se extrair alguns outros princípios que
norteiam a atividade publicitária no que diz respeito ao seu relacionamento com o
consumidor.
81
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p.70.
a) Princípio da Identificação da Publicidade
O art. 36 caput traz o princípio da identificação publicitária, ou seja, a
veiculação deve ser de forma que o consumidor de maneira fácil e imediata, a
identifique como tal.
O princípio da identificação diz respeito à forma de inserção da
mensagem publicitária a ser adotada pelo anunciante, ou seja, como ele deverá
proceder ao propagar sua mensagem publicitária. A identificação da publicidade pelo
consumidor é uma exigência do legislador que não aceita a publicidade dissimulada,
a publicidade clandestina e a publicidade sublimar.
Muitas vezes os anunciantes querem que a mensagem publicitária
passe quase que despercebidamente, como se fosse uma reportagem ou um
testemunho desinteressado de alguém - principalmente se for uma pessoa famosa -
ou de algum personagem do programa, assim aumentaria sua credibilidade. Outras
vezes, é feita a exposição de um produto de forma casual, como se estivesse
integrando naturalmente uma cena, na televisão ou no cinema.
A essa prática -se o nome de merchandising,, pelo qual se entende
como a colocação de uma mensagem publicitária ―no cenário de um filme, novela ou
locução radiofônica, quer com o logotipo do que se quer anunciar, quer com o
diálogo entre artistas, ou mesmo exibição por breves instantes do próprio produto‖
82
.
tamm a prática do teaser que se trata de chamar atenção do
consumidor, incitar sua curiosidade, sem, no entanto, ―qualquer identificação do
produto ou serviço que se queira anunciar.‖
83
No entanto, se o consumidor for capaz de identificar o propósito
comercial contido nessas situações tais práticas o aceitáveis, do contrário, podem
ser consideradas publicidade dissimulada ou clandestina.
A expressão "fácil e imediatamente" adotada pelo legislador leva ao
entendimento de que o consumidor equiparado - a que se refere o art. 29, ou seja,
todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais - deverão
saber de imediato e no momento da exposição, sem esforço ou exigência de
82
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p.183.
83
Ibidem, p. 183.
conhecimentos específicos, que se trata de uma publicidade, fato que conforme visto
anteriormente não se aplica quando o destinatário da mensagem publicitária é
criança.
b) Princípio da Vinculação contratual da publicidade
Esse princípio está consagrado nos arts. 30 do CDC, do qual se extrai
o seguinte entendimento: As informações e promessas contidas na peça publicitária
devem ser suficientemente precisas e obrigam o ofertante, sendo consideradas
integrantes do contrato.
Assim uma vez aceita a oferta pelo consumidor o fornecedor tem a
obrigação de cumpri-la, ou seja, a vinculação de certa publicidade constitui
obrigação por parte daquele que anunciou.
No que diz respeito à publicidade voltada para as crianças frente a
esse princípio também há de se questionar a seguinte situação: geralmente os
anúncios voltados para as crianças contêm bonecos cercados de assessórios, em
chamativos cenários realizando as mais interessantes coisas, mas qual não é a
decepção da criança ao descobrir que, na verdade, na maioria das vezes cada peça
é vendida separadamente.
Alguns anúncios até trazem um pequeno aviso no canto inferior da
tela, informando que os acessórios são vendidos separadamente, mas acontece que
muitas vezes aquele anúncio está sendo dirigido a crianças que nem são
alfabetizadas ainda, não tendo, portanto, nenhum efeito diante delas.
Outros até mesmo anunciam oralmente tal fato, mas quando o fazem é
de forma rápida, já no final do anúncio quando a criança ainda está totalmente
inebriada e entusiasmada pela novidade apresentada, e, portanto, nem dá atenção a
tal fato.
Diante de situações como esta se questiona de que forma se aplicaria
o princípio da vinculação. Ou seja, o destinatário de tais mensagens são crianças, os
objetos são mostrados como fazendo parte do mesmo brinquedo, participando da
mesma cena, no entanto a criança não consegue ler a ressalva feita pelo
anunciante, sobretudo porque até determinada idade ela nem compreende a
publicidade. Assim sendo o ideal é que fosse proibida de qualquer maneira a
publicidade voltada para o público infantil.
Para o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, entre outras
formas de proteção, destaca-se a necessidade de informação e educação para o
consumo, sendo ainda proibida qualquer forma de publicidade portanto se inclui
a oferta que possa levar ao engano do consumidor, ressaltando a importância
disto para o público infantil.
Essa mesma situação também é posta frente ao princípio da
veracidade que se verá a seguir.
c) O princípio da veracidade
O princípio da veracidade contido no art. 37, § 1º, dita que a
publicidade deve ser honesta, apresentando as reais características do produto,
coibindo assim a publicidade enganosa.
A mensagem publicitária deve ter adequação entre aquilo que se
apregoa sobre o produto ou serviço e aquilo que é de fato, ou seja, as mensagens
publicitárias devem ser verdadeiras, corretas, respeitando o consumidor frente a sua
vulnerabilidade.
A lei estabelece que tudo aquilo que foi anunciado que despertou certo
desejo no consumidor, obrigatoriamente tem que ser verdade e não induzir o
consumidor a erro. Devendo acima de tudo, o que foi anunciado, ser de forma
completa e correta, do contrário pode-se caracterizar a publicidade enganosa por
omissão.
d) Princípio da não-abusividade
Tal princípio apregoa que a publicidade deve ser correta, ―não deve
conter mensagens que venham a agredir os valores sociais‖
84
.
84
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p 68.
Tal princípio encontra-se positivado no §do art. 37 do CDC, o qual
pretende apregoar que a publicidade deve preservar valores éticos de nossa
sociedade e não induzir o consumidor a situação que lhe seja prejudicial.
Esse dispositivo legal transformado em princípio é a razão de ser
desse trabalho, no entanto no que ser refere à publicidade voltada
especificamente para o público infantil, uma vez que se julga abusiva, dentre outras
questões, toda a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e
experiência da criança.
Assim sendo a análise desse princípio é feito de forma macro por todo
o corpo do presente estudo.
e) Princípio da transparência da fundamentação da publicidade
Entende-se por esse princípio como a exigência que a lei faz que toda
mensagem publicitária seja devidamente fundamentada pelos dados fáticos,
técnicos e científicos.
O anunciante tem liberdade para anunciar, desde que respeite o
consumidor, devendo, entretanto, antes de veicular o anúncio manter consigo um
estudo com dados técnicos e científicos demonstrando toda a intenção da
campanha publicitária, e ainda sejam estes disponíveis para quem se interessar
possa ter acesso.
3- A PUBLICIDADE DIRIGIDA À CRIAA
Com relação às crianças, aqui entendidas como indivíduos entre 0 e 12
anos
85
, o apelo pelo consumo cada vez mais freqüente também não difere muito
daquele do mundo adulto.
O processo de consumo, ou pelo menos a vontade de fazê-lo, inicia-se
ainda nos primeiros anos de vida, quando estão em plena formação e
desenvolvimento, e, portanto, bem mais vulneráveis que os adultos.
Tamm acabam sofrendo cada vez mais cedo as conseqüências
relacionadas ao consumismo, como por exemplo, obesidade infantil, erotização
precoce, consumo precoce de álcool, ansiedade, desgastes familiares.
Para tal processo de inserção de crianças no mercado de consumo o
marketing apresenta-se como ferramenta de grande importância para as empresas,
pois através de seus instrumentos, mais que apregoar o produto divulgado, tem o
papel de persuadir seu público alvo em favor dos objetivos a que se propõe.
Não nascemos consumidores, mas aprendemos a -lo. Da
mesma forma, a vontade de obter produtos o é inata,
mesmo se uma necessidade subjacente existe, mas aprendida
num contexto social e cultural. Na realidade, as crianças vão
aos poucos tomar consciência de que possuir um produto
pode constituir resposta apropriada ao aparecimento de um
desejo, o qual tem a sua base numa necessidade. Essa
consciência virá da observação do comportamento de seus
pais e da influência da propaganda e do marketing.
86
As crianças são consideradas hoje pelo mercado publicitário, fortes
influenciadores dos adultos na aquisição de produtos, haja vista a quantidade de
anúncios com apelos infantis tais como bonecos animados, brindes colecionáveis,
mascotes, animais, efeitos especiais, excesso de cores e atores crianças.
―Mesmo sem ganhar dinheiro, as crianças vêm assumindo um papel
cada vez mais ativo na escolha de produtos. Elas são fortes influenciadoras‖
87
.
85
Lei 8.069, 13 de jul. de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. : Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm. Acesso em 10 mai 2008.
86
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000, p. 241.
87
MOTHERSBAUGH, David L.; BEST, Roger J.; HAWKINS, Del I. Comportamento do consumidor:
construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier: 2007, p.65/66.
Segundo o publicitário Michael Solomon as crianças tamm
―aprendem sobre consumo vendo e imitando o comportamento de seus pais. Esse
tipo de modelo é facilitado pelos profissionais de marketing que embalam produtos
para adultos em versões infantis‖
88
.
Assim as crianças também m sido alvo de publicidade para venda de
produtos, como carros, produtos de limpeza, eletrônicos e até de financiamentos
bancários.
Acerca da utilização da criança como impulsionador das compras
familiares, válida se mostra reproduzir as palavras do publicitário Nicolas
Montigneaux
89
:
As empresas acabaram reconhecendo essa realidade
econômica. Ator econômico de primeira classe, a criança é
considerada cada vez mais responsável nos mecanismos de
consumo(...) Seu poder de compra é considerável, quer este
seja conseqüência, diretamente, do dinheiro da mesada que
as próprias crianças gerenciam, seja indiretamente por
intermédio de pedidos acolhidos. Trata-se de uma população
fortemente influenciadora, participante das decisões de
compra de produtos e serviços que lhe dizem respeito
diretamente ou que fazem parte do conjunto familiar. (...) A
introdução de personagens atrativos ao público infantil em
embalagens de produtos ou de personagens licenciados que
fazem sucesso entre os pequenos nos mais diferentes
produtos contribui para que a criança seja atraída e induzida a
querer determinado produto, não pela sua qualidade ou
características nutricionais, mas para garantir a obtenção do
brinquedo. Não raro, as crianças pressionam seus pais para
que adquiram certo produto que viram na televisão ou que
contém determinado personagem como ―anunciante‖. O
posicionamento das crianças de pedir insistentemente um
produto é responsável por muitos desgastes familiares e
sociais. Essa estratégia é, altamente recomendada entre os
publicitários para impulsionar a venda de determinados
produtos.
Esse aumento do poder de influência nas compras acontece também
em virtude da mudança de perfil das crianças, que agora, com menos liberdade
88
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002. p.295.
89
MONTIGNEAUX, Nicolas. Público-alvo: crianças a força dos personagens e do marketing para
falar com o consumidor infantil. Rio de Janeiro: Campus, 2003, p.17/18.
devido ao modo de vida urbano e ao risco da violência, ficam mais tempo em casa
expostas à mídia como TV, internet, games, rádio, MP3 players, dentre outros.
Mas a televisão é a principal mídia utilizada pela publicidade,
sobretudo pelo fato de a criança brasileira passar, em média, quatro horas, 50
minutos e 11 segundos por dia assistindo à programação televisiva
90
.
―Não é segredo que as crianças vêm bastante televisão. Como
resultado, são constantemente bombardeadas com mensagens sobre consumo,
apresentadas em comerciais e nos próprios programas de TV.‖
91
Assim, esse mundo lúdico vem se transformando, pois acompanha
diretamente a evolução da sociedade e da tecnologia, por isso cada vez mais as
crianças demandam por brinquedos eletrônicos, que imitam os equipamentos
que as cercam na vida real, ou mesmo por aparelhos eletrônicos reais, como
aparelhos celulares, TVs de plasma, DVDs players, etc.
Para o setor de brinquedos, a chamada categoria de
eletrônicos infantis é um excelente negócio, registrando
índices de crescimento de dois dígitos nos últimos três anos e
agora representando mais de 5% das vendas de todos os
brinquedos. As vendas de brinquedos como um todo se
mantiveram estáveis em torno de US$ 22 bilhões por ano nos
últimos cinco anos, segundo a empresa de pesquisa de
mercado NPD Group.
92
Tamm pesquisa realizada pela empresa de informação TNS
InterScience, em outubro de 2003 cujo título é: Como atrair o consumidor infantil,
atender às expectativas dos pais e ainda, ampliar as vendas
93
. Mostrou que entre
os fatores que mais influenciam para as compras entre o blico infantil está em
90
Painel Nacional de Televisores, IBOPE 2007. Disponível em:
<http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/ConsumismoInfantil.aspx>.Acesso em 10 mai 2008.
91
SOLOMON, Michael R.. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002.p.296.
92
Disponível em:<http://g1.globo.com/noticias/economia_negocios/0,,mul201108-9356,00-
acabou+a+brincadeira+agora+a+molecada+quer+os+brinquedinhos+dos+adultos.htm
Acesso em: 08 mai 2008.
93
Disponível em:
<http://www.interscience.com.br/site2006/download/estudosInstitucionais/influenciaCrianças.pdf p.38>
Acesso em: 07 mai 2008.
primeiro lugar a publicidade, seguida da presença de personagens infantis da moda,
as embalagens, as marcas conhecidas, os brindes/joguinhos.
O setor infanto-juvenil movimenta R$ 50 bilhões/ano, e as marcas
estão cada vez mais atentas para isso. Os gastos com publicidade aumentaram de
R$ 65 milhões em 2003 para R$ 117 milhões em 2004
94
.
Outra estratégia da indústria publicitária que se mostra bastante eficaz
é colocar modelos e atores mirins para participar e sua utilização é da ordem de
50% do total da publicidade veiculada anualmente, é o que informa um estudo
realizado pelo jornal O Estado de São Paulo
95
: ‖para falar com esse público,
ninguém melhor do que outra criança, que possua os mesmos referenciais, a
mesma espontaneidade, que esteja na mesma faixa de sintonia.‖ O referido estudo
tamm informa que as crianças somam mais de 14 milhões de consumidores ativos
no Brasil e é a faixa de público mais exposta à publicidade na televisão.
Os meios de comunicação de massa em nosso país - como
em qualquer outro - influenciam as atitudes e o
comportamento social. É claro que essa influência, na
perspectiva nacional, leva a resultados que se distinguem em
função de uma série de fatores, mas no final das contas, os
meios de comunicação de massa repercutem na conduta dos
indivíduo e da coletividade.
96
Por outro lado, o comportamento dos pais tamm tem se modificado.
―Hoje em dia, ambos os pais trabalham fora, de modo que as compras que não se
encaixam na hora do almoço acabam se tornando um programa de família‖
97
.
No mesmo caminho, muitas vezes para compensar as muitas horas
passadas longe dos filhos em virtude do trabalho e da movimentada vida urbana,
procuram compensar-lhes presenteando-os, levando-os aos shoppings centers
(mais um reduto do consumismo) para passear, mas a criança ainda não tem noção
de limites e anseia por satisfações imediatas querendo mais e mais o que lhe é
estrategicamente oferecido.
94
VIANA, Gustavo. Gazeta Mercantil/ 26 jul. 2007, caderno C, p. 06.
95
O Estado de São Paulo, Caderno Economia & Negócios, 06 abr. 1990, p. 12.
96
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p. 368.
97
UNDERHILL, Paco. Vamos às compras !: a ciência do consumo, indispensável para quem gosta de
consumir, imperdível para quem quer vender. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p 130.
―O mercado deseja as crianças, necessita das crianças e elas são
cortejadas pelo convite e o aceitam com prazer‖
98
.
Dessa forma, o estímulo ao consumo, engendrado pela publicidade,
obstaculiza o processo educacional justamente numa fase em que as crianças
deveriam estar aprendendo com a ajuda dos adultos a conter seus impulsos e
desejos.
A busca por maior equilíbrio entre as ações da publicidade e os
interesses da sociedade deve se tornar mais intensa, e algumas ações já estão
sendo desenvolvidas nesse sentido, uma vez que o público infantil entra cada vez
mais no alvo do marketing do consumismo e sofre cada vez mais suas
conseqüências.
Um exemplo contundente das conseqüências que o consumismo
infantil desenfreado traz é a questão da obesidade infantil, que vem se tornando
alarmante. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, atualmente cerca de 15%
das crianças do país sofrem de obesidade contra 3% comparado com a década de
80. Um dos fatores importantes que contribuíram para esse aumento foi o
crescimento do consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares, exatamente
aqueles que são oferecidos pelos fabricantes juntamente com uma série de brindes
colecionáveis, brinquedos e jogos como forma de estimular o consumo. Tudo isso
associado a um sedentarismo excessivo uma vez que as crianças têm passado
muito tempo em passatempos pouco ativos como assistir TV, vídeo games, e jogos
de computador.
99
A sociedade brasileira e as entidades de defesa do consumidor
públicas ou privadas vêm pressionando os órgãos competentes a tomarem
providências quanto aos abusos da publicidade voltada para crianças.
Anúncios antiéticos tais como os que estimulam o consumo de
alimentos pouco saudáveis, ou que instigue os filhos a pressionarem os pais, ou que
ensinam de que maneira os filhos devem agir para ganhar tal produto, ou que
contenham comandos imperativos, ou que claramente se aproveitem da ingenuidade
da criança não têm passado despercebidos por aqueles que têm consciência de que
podem mudar essa realidade.
98
Ibidem, p. 131.
99
Revista Pro Teste, Ano VII, nº 74- Outubro de 2008, p.8.
O intuito é de que se não acabar de vez com a publicidade voltada
diretamente para o público infantil, pelo menos que se acabe a apelação na
divulgação de produtos infantis em geral, com a utilização de frases como "peça
para a mamãe comprar" ou "faça como eu, use". Tamm se deve rechaçar a
associação do consumo a conceitos como superioridade ou inferioridade bem como
se deve impedir a publicidade que influencie em maus hábitos alimentares.
A publicidade também deverá respeitar a menor capacidade de
discernimento das crianças e terá de valorizar aspectos nobres e não poderá expor
os pequenos ou seus responsáveis a situações de constrangimento.
Da mesma forma, a publicidade voltada para o público infantil não
pode incitar diretamente a criança a comprar um produto ou serviço; não deve
encorajar a criança a persuadir seus pais ou qualquer outro adulto a adquirir
produtos ou serviços; não pode explorar a confiança pessoal que a criança tem em
seus pais, professores, e outras figuras de autoridade
100
.
E as crianças que aparecem em anúncios não podem se comportar de
modo inconsistente com o comportamento natural de outras da mesma idade, nem
de modo ilícito, nem contrários às regras gerais de comportamento social, nem de
modo violento, nem podem criar situações perigosas que ponham em risco sua
saúde, além de não se poder criar situações que passem a impressão de que
alguém pode ganhar prestígio com a posse de determinados bens de consumo.
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece que falta à criança
capacidade de ponderar e de decidir autonomamente, e que essa capacidade se
desenvolve mediante a educação, durante a qual se presume o amadurecimento de
sua capacidade de refletir e deliberar, bem como o despertar do senso crítico. É
preciso que nesse período a criança receba formação adequada e seja protegida
física, emocional e mentalmente.
A proteção dos consumidores face à publicidade abusiva, para ser
completa e eficaz deve ser realizada na esfera extrajudicial e, se necessário,
tamm na esfera judicial, uma vez que o Brasil dispõe de um sistema híbrido que
coaduna ambos os aspectos, sendo fundamentais para reparar e coibir riscos de
danos causados aos consumidores.
100
BENJAMIN. Antonio Herman de Vasconcelos in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 344.
O Código de Defesa do Consumidor conta com um dispositivo
específico sobre a publicidade, em que considera abusiva toda aquela que se
aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Da mesma forma
tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não dispõe especificamente de
dispositivo contra a publicidade, mas que juntamente com a Constituição Federal
oferecem a proteção integral à infância.
Assim sendo, os instrumentos estão postos quase duas décadas,
mas o papel da sociedade como um todo, e especificamente dos pais e da escola é
fundamental para a implementação desses direitos e no cuidado com esses
pequenos indivíduos, futuros cidadãos.
3.1 A CRIANÇA EM FACE DA PUBLICIDADE
É necessário salientar alguns aspectos que envolvem a posição das
crianças frente à publicidade a elas dirigida: em primeiro lugar tem-se que a razão
de ser da publicidade é convencer as pessoas a comprar os produtos por ela
anunciados. E, para tanto lançam mão de estratégias por vezes inescrupulosas e
antiéticas, que seduzem as crianças e até mesmo os adultos.
Outra questão é que a criança é mais suscetível de ser manipulada,
uma vez que ainda não adquiriu condições de julgar a intenção comercial por traz
das promessas veiculadas, tornando-se um alvo cil de serem ludibriadas pelas
táticas mercadológicas.
Assim, o público infantil é muito visado pela publicidade seja porque
constitui um mercado atraente de consumo, seja porque é um meio para atingir os
adultos.
Portanto,
a publicidade dirigida à criança deve ter limites restritos porque
a criança, diferentemente do adulto, não possui discernimento
para compreendê-la em sua magnitude. Para a criança, é mais
difícil, até mesmo, reconhecer a mensagem publicitária como
prática comercial que é, ainda que não seja clandestina,
subliminar ou disfarçada. Ao contrário do adulto, que possui
mecanismos internos para compreender as diversas
artimanhas utilizadas pela publicidade, a criança não tem
condições de se defender dos instrumentos de persuasão
criados e utilizados pela tão poderosa indústria publicitária.
Deve, por isso, ser cuidadosamente protegida‖.
101
.
O processo de socialização do consumidor começa com os bebês, que
acompanham seus pais às lojas. Nos primeiros dois anos as crianças começam a
pedir objetos desejados. Em tendo autonomia para caminhar também já são
capazes de fazer suas próprias seleções quando estão nas lojas. Por volta de cinco
101
HENRIQUES, Isabela Vieira Machado. Publicidade Abusiva dirigida à criança. Curitiba: Editora
Juruá, 2006, p.145.
anos, ―a maioria das crianças faz compras com a ajuda dos pais e avós, e aos oito
fazem compras independentes e tornam-se consumidores habilitados.‖
102
A criança, ao aprender a falar, tamm aprende a dizer marcas
facilmente pronunciáveis, principalmente se a caixa do produto contiver brindes, ou
figuras de personagens de sua predileção. Além disso, ainda não questionam ou
criticam o que lhes é sedutoramente oferecido.
O fato de bebês e crianças pequenas pedirem ou
reconheceram marcas de maneira nenhuma reflete que sejam
―espertas‖ a respeito do marketing, o que implicaria uma
capacidade de decodificar e resistir às mensagens de
publicidade. Sugere, na verdade, que crianças bem novas são
altamente suscetíveis a várias formas de sugestão, incluindo o
marketing.
103
Dessa maneira as crianças não conseguem ter olhos críticos à
publicidade (e à toda a comunicação mercadológica) e nem se auto-determinar
perante anúncios comerciais, dado o seu estágio de compreensão e entendimento
do mundo em processo de desenvolvimento.
Com relação ao desenvolvimento cognitivo, Jean Piaget, utilizou
observações minuciosas e experimentos engenhosos para demonstrar como a
compreensão intelectual infantil aumenta com o amadurecimento.
Segundo Piaget as crianças passam por estágios distintos de
desenvolvimento cognitivo, ou habilidades de compreender conceitos de
complexidade crescente e que cada estágio seria caracterizado por uma certa
estrutura cognitiva que a criança utiliza para manipular informações. Essa seqüência
de desenvolvimento apóia a noção de que as crianças não pensam da mesma forma
que os adultos, e não se pode esperar que usem as informações do mesmo modo.
104
102
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002.p.295.
103
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006. p.51.
104
PIAGET, Jean. A linguagem e o pensamento da criança. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1973, passim.
―As defesas cognitivas das crianças ainda não estão suficientemente
desenvolvidas para filtrar apelos comerciais (...) e não necessariamente entendem a
intenção persuasiva dos comerciais - ou que eles são pagos.‖
105
Isso nos mostra que elas nem sempre chegam às mesmas conclusões
que os adultos quando informações sobre produtos lhes são apresentadas. ―Por
exemplo, é provável que as crianças não percebam que algo queem na TV não é
real e por isso sejam mais vulneráveis a mensagens persuasivas‖
106
.
Assim, a veiculação de campanhas publicitárias de
brinquedos, por exemplo, na televisão ou por qualquer outro
meio, alimentos infantis, roupas com apelos para os principais
personagens que agradam as crianças em determinado
momento, certamente se beneficiam da condição da criança
de poder crer que o Supermanpode voar ou que a boneca
vem acompanhada de todos os acessórios, ainda que haja
uma pequena informação de que os acessórios são vendidos
separadamente.
107
Segundo a autora Sue Palmer
108
, as crianças não desenvolvem a
capacidade de entender o marketing que lhes é dirigido até alcançarem a idade de
11 ou 12 anos, lembrando, ainda, que até os 8 anos elas não compreendem a
intenção dos marketeiros.
A publicidade na TV tem o mesmo efeito que a programação
habitual: é instantânea e globalizante. A diferença fundamental
consiste no fato de não ter a criança um critério objetivo nem
sequer condições de avaliar, de per si, a extensão da fantasia
e da realidade.
109
A maioria dos canais televisivos, que fazem programas voltados para o
público infantil, tanto da TV aberta, como dos canais a transmitidos via cabo,
105
SOLOMON, Michael R. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002.p.299.
106
Ibidem.p.298.
107
CUNHA, Belinda Pereira da. Engano? Não, apenas publicidade infantil com vistas ao consumo. 26
abr 2007. Disponível em:
<http://www.procon.df.gov.br/003/00301009.asp?ttCD_CHAVE=49020>, Acesso em 05 mai 2008.
108
Toxic Childhood: How the modern world is damaging our children and what we can do about it’.
Disponível em:<http://www.criancaeconsumo.org.br/pesquisas_infancia.html> Acesso em 05 mai
2008.
109
FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva: incitação a violência. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.48.
certamente de posse dessas informações acerca da condição da criança,
aproveitam-se, e vão muito além do razoável. Eles veiculam um comercial as
outro, de forma repetitiva, insistente e agressiva até.
Alguns canais, inclusive, usualmente interrompem de forma abrupta o
desenho que está sendo transmitido para veicular os comerciais, e outros o fazem
de forma subreptícea, mas também sem anunciar que vai entrar o intervalo do
programa, como se de fato os comerciais fossem parte do conteúdo do programa.
E como muitos comerciais de TV têm a forma de desenhos animados,
fica realmente difícil para a criança distinguir, isso sem falar no merchandising que é
feito nos próprios programas.
Até se poderia questionar se acaso as pessoas não seriam inteligentes
o suficiente para não se deixarem manipular pelas publicidades. Admitamos que
seja verdade para os adultos, mas certamente não o será para as crianças.
A percepção das intenções da publicidade tende a crescer de
forma diretamente proporcional com a idade da criança. O
estado de desenvolvimento cognitivo, junto com a idade e
nível atingido na escola, é o determinante central da
compreensão dos comerciais de TV.(...), é por volta dos 8 a 11
anos que a maioria das crianças está realmente capacitada a
tomar consciência tanto dos objetivos informativos quanto
persuasivos, nos quais se baseia o discurso publicitário.
110
Aliado a essa incompleta capacidade, tem-se os problemas com a
educação, que no Brasil ainda é muito incipiente, quando na verdade a escola é
fundamental para o desenvolvimento do senso crítico perante o mundo e as coisas
que são postas.
A autonomia intelectual e moral são construídas ao longo do
desenvolvimento. Até então a criança é extremamente sensível a aceitar comandos
vindos de pessoas ou personagens que lhes sejam fonte de prestígio e autoridade.
Como as publicidades para público infantil costumam ser veiculadas
pela mídia, através de seus personagens preferidos e como esses personagens
juntamente com a mídia em si costumam ser vistos com prestigio, é certo que seu
poder de influência pode ser grande sobre as crianças.
110
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000, p.221.
―As crianças tendem a lembrar-se daquilo que as personagens fazem e
não daquilo que elas são, e retêm melhor a imagem de um produto que é
manipulado por tais personagens (...)‖.
111
Além disso, tem-se que os apresentadores de programas infantis são
tidos como figuras de autoridade perante os olhos infantis, uma vez que as crianças
querem fazer o que eles fazem; ter os acessórios que eles têm e adquirir os
produtos por eles anunciados. Logo seu poder de influência acaba sendo exercido,
não em benefício da criança, mas sim dos anunciantes.
Importa vender brinquedos que representam a cultura da
mídia, solucionando problemas de vendas em diversos níveis,
uma vez que brinquedos baseados em personagens ou
programas de televisão são uma mina de ouro tanto para as
empresas de brinquedos quanto para os conglomerados da
mídia.
112
Dessa forma, existe a tendência de a criança julgar que aquilo que
mostram é realmente como é, e que aquilo que dizem ser maravilhoso, necessário,
de valor, realmente possui essas qualidades.
A priori o tem motivo algum para não acreditar naquilo que
vêem na propaganda ou naquilo que lhes é dito. que os
pais e educadores ensinam as crianças a não mentir, como
poderiam elas imaginar que alguém na televisão poderia tentar
conscientemente enganar as pessoas? Entretanto, à medida
que crescem, um duplo fenômeno começa a surgir: a tomada
de consciência de que os adultos transgridem as regras e de
que nem sempre fazem o que dizem, e o acúmulo de
experiências malsucedidas com produtos que pareciam de
início extremamente atraentes na televisão, mas não
correspondiam às expectativas na realidade(...) Porém, céticas
ou não, o fato de verem uma marca numa propaganda influi
no momento da escolha.
113
Por isso mesmo éo delicada essa questão da publicidade voltada ao
público infantil, porque o marketing para ter sucesso, ou seja, para atrair a atenção
111
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000, p. 229.
112
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006.p.51.
113
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000, p 229/230.
desse público-alvo e conseguir vender os produtos que anuncia, se vale estratégias
abusivas e antiéticas, portanto totalmente condenáveis.
―Como as crianças diferem em suas habilidades de processar
informações relativas a produtos, muitas questões éticas sérias são levantadas
quando os publicitários tentam apelar diretamente a elas.‖
114
Além disso, tem-se que as crianças não conseguem identificar a
publicidade como tal, daí também se conclui que qualquer marketing que lhes seja
dirigido viola tamm o princípio da identificação da mensagem publicitária.
Na realidade deve-se levar em conta o fato de que, em sua grande
maioria, as crianças não são capazes de compreender a complexidade das relações
de consumo.
Dessa forma, por todas essas razoes apresentadas pode-se afirmar-se
que qualquer publicidade dirigida às crianças assim consideradas as pessoas
menores de 12 anos é por si abusiva, na medida em que, as crianças não
compreendem o caráter parcial da mensagem publicitária e não têm condições de
entendê-la como tal e, por isso, elas estarão sempre tendo a sua deficiência de
julgamento e experiência explorados pela publicidade.
Daí porque uma publicidade pode ser absolutamente verdadeira e
correta quanto à informação e, ao mesmo tempo, ser proibida por ser considerada
abusiva e, portanto, ilícita.
3.2 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA DA CRIANÇA
O inciso I do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor - CDC
reconhece a vulnerabilidade do consumidor, sendo tal reconhecimento uma primeira
medida de realização da isonomia garantida na Constituição Federal.
114
SOLOMON, Michael R. . O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2002.p.299.
O artigo do CDC é uma norma-objetivo de fundamental importância,
pois define uma série de princípios. Destaca-se dentre eles aquele já referido
anteriormente o qual reconhece a vulnerabilidade do consumidor, que segundo
Newton De Lucca
115
―constitui-se na pedra angular de toda a disciplina tutelar‖. E
assevera ainda que um dos campos em que a vulnerabilidade do consumidor se
manifesta com toda intensidade é exatamente frente à publicidade enganosa ou
abusiva, sendo na verdade um dos maiores inimigos do consumidor.
Isso significa que a
Vulnerabilidade é o princípio pelo qual o sistema jurídico
positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou
daqueles sujeitos mais fracos na relação de consumo, tendo
em vista a possibilidade de que venham a ser ofendidos ou
feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no
âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da
mesma relação.
116
E no dizer de Rizzatto Nunes
117
, que o consumidor é a parte mais
fraca da relação jurídica de consumo. Essa fragilidade é real, concreta e decorre de
dois aspectos: um de ordem técnica e outro de cunho econômico‖.
A vulnerabilidade técnica está ligada aos meios de produção cujo
conhecimento é de propriedade do fornecedor, incluindo ai além da maneira de
produzir também a qualidade dos insumos utilizados, ficando o consumidor a mercê
da boa-fé do fornecedor.
o aspecto econômico diz respeito à maior capacidade econômica
que, via de regra, tem o fornecedor, muito embora possa acontecer o contrário, mas
não é a regra, e em se tratando de crianças tanto mais.
Tamm Pai Moraes
118
salienta outras espécies de vulnerabilidade do
consumidor, além das duas anteriormente referidas, quais sejam: a vulnerabilidade
jurídica, política ou legislativa, biológica ou psíquica, ambiental, social.
115
DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor: aspectos práticos: perguntas e respostas. 2. ed. rev. e
ampl São Paulo: Edipro, 2000, p 51.
116
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p 96.
117
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 2. ed São Paulo:
Saraiva, 2006, p.125.
Sendo que a vulnerabilidade jurídica manifesta-se em relação às
dificuldades que o consumidor possui para defender seus direitos, tanto na esfera
administrativa quando judicial.
―A vulnerabilidade política acontece porque o consumidor ainda é
bastante fraco no cenário brasileiro, inexistindo associações ou órgãos capazes de
influenciar decisivamente na contenção de mecanismos legais maléficos para as
relações de consumo‖
119
.
Já a vulnerabilidade ambiental decorre da utilização de produto ou
serviço que tenha algum potencial danoso ao meio ambiente que é de
conhecimento do fornecedor.
A vulnerabilidade biológica ou psíquica decorre da simples natureza
humana de se deixar influenciar por idéias postas e repetidas tantas vezes pela
mídia, sobretudo no que diz respeito a crianças.
No dizer de Eduardo Gabriel Saad
120
falar-se em vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo não é o mesmo que dizer ser ele, sempre o
economicamente mais fraco, um hipossuficiente, que devida a
essa circunstância faz jus à proteção parecida com aquela que
a CLT dispensa ao assalariado (...) mercê da sua complexa
natureza, as relações de consumo processam-se de modo
mais favorável aos interesses do fornecedor que os do
comprador ou usuário de serviços de terceiros. Por outras
palavras, nessas relações é mais fácil o consumidor ser lesado
em seus direitos que o fornecedor, o que importa dizer que ele
é mais vulnerável ao dano que o fornecedor.
Assim, a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor são
elementos característicos da fragilidade deste frente ao fornecedor e que o coloca
em posição de desequilíbrio na relação de consumo.
118
MORAES, Paulo Valério dal Pai. Código de defesa do consumidor: o princípio da vulnerabilidade.
2. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002, p.133.
119
Ibidem, p.133.
120
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002, p148.
A vulnerabilidade é inerente a todo consumidor; enquanto a
hipossuficiência é relativa a um indivíduo considerado em si ou a certas categorias
de indivíduos, como os idosos, as crianças, os doentes, etc.
A hipossuficiência considera a situação concreta do consumidor, seu
grau de cultura, instrução, situação financeira e o meio em que vive. A
vulnerabilidade é um princípio intrínseco das relações de consumo, abrangendo
todos os consumidores independentemente da situação em que figurem.
Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin
121
ressalta que são
distintos os conceitos de vulnerabilidade e hipossuficiência. Vulnerável é todo
consumidor. Hipossuficientes são certos consumidores ou categoria de
consumidores, como crianças, idosos, etc. A primeira é aferida objetivamente, a
segunda, é aferida mediante um critério subjetivo, caso a caso.
O reconhecimento da hipossuficiência tem reflexos perante questões
processuais, como a possibilidade de inversão do ônus da prova, em caso de
demanda judicial que envolva esse tipo de consumidor, no entanto esse aspecto não
é objeto do presente trabalho, não devendo, portanto, ter sua análise abordada.
As crianças, desta feita, encontram-se em peculiar processo de
desenvolvimento, e são titulares de uma proteção especial, denominada no
ordenamento jurídico brasileiro como proteção integral.
Como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, segundo
Antônio Carlos Gomes da Costa
122
:
Elas desfrutam de todos os direitos dos adultos e que sejam
aplicáveis à sua idade e ainda m direitos especiais
decorrentes do fato de: não terem acesso ao conhecimento
pleno de seus direitos; não terem atingido condições de
defender seus direitos frente às omissões e transgressões
capazes de violá-los; não contam com meios próprios para
arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; não
podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e
obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o
adulto, por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico,
cognitivo, emocional e sociocultural.
121
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.343.
122
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Direito da Infância e da Juventude, Belo Horizonte, Editora Del
Rey, 2001, p.32.
Assim, por conta da especial fase de desenvolvimento biopsicológico
das crianças, quando sua capacidade de posicionamento crítico frente ao mundo
ainda não está plenamente desenvolvida, nas relações de consumo nas quais se
envolvem serão legalmente sempre presumidos hipossuficientes, ou seja,
consumidores extremamente vulneráveis.
Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin
123
observa, a propósito
da publicidade que é dirigida às crianças, que elas são consideradas, para fins do
Código de Defesa do Consumidor, hipossuficientes.
A noção de que o consumidor é soberano no mercado e que a
publicidade nada mais representa que um auxílio no seu
processo decisório racional simplesmente não se aplica às
crianças, jovens demais para compreenderem o caráter
necessariamente parcial da mensagem publicitária. Em
conseqüência, qualquer publicidade dirigida à criança abaixo
de uma certa idade não deixa de ter um enorme potencial
abusivo.
Em semelhante sentido, Antônio Herman de Vasconcellos e
Benjamin
124
assevera:
A hipossuficiência pode ser físico-psíquica, econômica ou
meramente circunstancial (...). O Código, no seu esforço
enumerativo, mencionou expressamente a proteção especial
que merece a criança contra os abusos publicitários (...). É em
função do reconhecimento dessa vulnerabilidade exacerbada
(hipossuficiência, então) que alguns parâmetros especiais
devem ser traçados.
123
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.343.
124
BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos in GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed., rev., ampl. e atual.
conforme o novo Código Civil Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p.343/344.
É em função do reconhecimento da hipossuficiência da criança que o
Código de Defesa do Consumidor dispensa atenção especial em relação à
publicidade endereçada a este público.
A criança não compreende os comerciais, pois, em virtude da forma
lúdica de ver o mundo, facilmente mistura fantasia com realidade, e, portanto, não
consegue distingui-las da programação na qual são inseridas, nem, tampouco,
conseguem ainda compreender seu caráter persuasivo.
Assim, em virtude dessa presunção de hipossuficiência dada à
incontestável vulnerabilidade infantil é que houve o cuidado de se inserir
expressamente no Código de Defesa do Consumidor, dispositivos que viessem
protegê-las.
Portanto é abusiva a publicidade que se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança. (art. 37, § 2º), bem como é uma prática abusiva
(artigo 39, IV), o fornecedor valer-se da ―fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe
seus produtos ou serviços‖.
A chamada publicidade clandestina tamm é proibida pelo CDC pela
regra estatuída no caput do seu art. 36, que dispõe: ―A publicidade deve ser
veiculada de tal forma que o consumidor fácil e imediatamente, a identifique como
tal‖.
Todos somos vulneráveis como consumidor, as crianças além de
vulneráveis são hipossuficientes em grau maior.
3.3 SISTEMA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA
A Constituição Federal ao instituir os direitos e garantias fundamentais
de todos, promove os direitos e garantias tamm das crianças e adolescentes,
assegurando os direitos individuais e coletivos à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade, além de elencar os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, à
segurança, à proteção, à maternidade e à infância.
No artigo 227
125
, a Constituição Federal estabelece o dever da família,
da sociedade e do Estado de assegurar ―com absoluta prioridade‖ à criança e ao
adolescente os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Tamm determina que todas as crianças devem ser protegidas de
qualquer forma de neglincia, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Tudo isso se resume no princípio do atendimento prioritário aos direitos
da criança (art. 227 da Constituição Federal de 1988), que uma vez associado ao
paradigma da proteção integral posto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente cria
um contexto onde se exige um cuidado minucioso de todos aqueles cujas atividades
possam afetar esses direitos.
O paradigma da proteção integral‖ tem na formação integral uma
meta a ser alcançada.
Dessa forma, será configurado como abusivo o exercício de atividade
que não observe finalidades e limites com vistas a proteger interesses do público
infantil.
Assim os operadores de mídia televisiva têm um grande dever em face
da criança e do adolescente, a ponto de se concluir que a TV, por força de lei, está
integrada ao sistema protetivo dos direitos da criança e do adolescente, incluída
como um instrumento para a consecução do escopo da formação integral
126
,.
No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece
os direitos dessas pessoas em desenvolvimento e o respeito à sua integridade
125
Constituição Federal de 1988. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%E7ao.htm>, Acesso em: 21 mai
2008.
126
PEREIRA JR., Antonio Jorge. O direito da criança e do adolescente à formação integral em face da
TV comercial aberta no Brasil: o poder-dever de educar em face da programação televisiva. Tese de
Doutorado. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2006, passim.
inclusive com relação aos seus valores, nos artigos 3°, 4° , 5° , , , 17 , 18 , 53 ,
dentre outros
127
.
127
Art. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.)
Art. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
Art. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Art. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos
valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do
adolescente.
Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões,
espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento .
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm, Acesso em 10 maio de 2008.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não disciplina a publicidade de
forma específica, que, por competência delegada pela Constituição Federal à
proteção do consumidor, é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Assim, se diante da questão da publicidade voltada para o público
infantil, for feita uma interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor,
concluir-se-ia pela total ilegalidade dessa prática. Ainda que na vida cotidiana essa
atividade seja tolerada.
No entanto, está clara a existência de um macrossistema legal,
formado pela coordenação de dispositivos da Constituição Federal de 1988, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor em
torno da proteção à infância, cujo objetivo paradigmático da proteção integral deve
ser colocado em primazia perante as questões postas em discussão em nossa
sociedade.
―Devemos levar em conta a condição peculiar da criança e do
adolescente para atingirmos o objetivo de dar-lhes proteção integral.‖
128
É importante visualizar as conexões feitas entre essas citadas normas
formando um verdadeiro bloco cuja finalidade é a proteção à infância.
Cláudia Lima Marques trazendo a lume os ensinamentos Erik Jayme
Heidelberg, ressalta justamente a necessidade de coordenação entre as leis no
mesmo ordenamento como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo.
129
Expressando como ―diálogo das fontes‖ a aplicação simultânea, coerente e
coordenada, seja de forma subsidiária ou seja complementarmente, das plúrimas
fontes legislativas convergentes.‖
130
Compreende-se que esta não é uma questão fácil de ser resolvida na
prática, em virtude do conflito de interesses envolvido, sobretudo por se tratar de ir
contra um promissor e lucrativo público-alvo da indústria da publicidade.
A cultura do marketing que permeia todas as nossas
comunidades, da mais pobre à mais rica (...) compete com os
128
SMANIO, Gianpaolo Poggio. . Interesses difusos e coletivos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p 59.
129
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
código de defesa do consumidor: arts. 1 a 74, aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p 24.
130
Ibidem, p 26/27.
valores familiares dentro das mentes, almas e corações das
crianças. (...) Hoje, a cidade que educa nossos filhos foi
transformada pela mídia, uma força onipresente movida pelo
comercialismo em toda a nossa vida. Isso significa que as
crianças são bombardeadas da manha à noite com
mensagens produzidas não com o objetivo de tornar suas
vidas melhores, mas de vender alguma coisa. A publicidade
claramente influencia as coisas que as crianças pedem - se
não fosse assim, é claro que as empresas não gastariam tanto
dinheiro com isso.
131
3.4 PROJETO DE LEI 5.921/2001 Proibição da publicidade para
vendas de produtos infantis.
Em 2001 foi enviado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
5.921/01
132
, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que pretendia
coibir a veiculação de publicidade direcionada ao público infantil.
O referido projeto de lei tinha como proposta acrescentar mais um
dispositivo ao artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor proibindo
especificamente a publicidade para a venda de produtos infantis.
O projeto permaneceu na Comissão de Defesa do Consumidor da
mara dos Deputados por quase sete anos, tendo sido arquivado por duas vezes
durante esse período. O primeiro arquivamento foi em janeiro de 2003 e o segundo
em janeiro de 2007, sendo que nas duas vezes em este fato ocorreu o deputado
autor do projeto solicitou o desarquivamento.
131
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006.p.56/57.
132
Disponível em:< http://www2.camara.gov.br/proposicoes >Acesso em 23 nov de 2008.
Finalmente em maio de 2008 foi pedida a aprovação do referido projeto
pela relatora, a deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), mas com a apresentação
de um substitutivo
133
(Anexo ).
As alterações sugeridas pela relatora propõem modificações no texto
do projeto, objetivando a criação de uma lei especifica sobre a regulamentação da
publicidade infantil, e não apenas inserindo mais um dispositivo no Código de
Defesa do Consumidor.
O documento substitutivo ao projeto inicial apresentado é composto
por nove artigos que estipulam o que são, e quais são as formas de publicidade e de
comunicação mercadológica que ferem a integridade, a dignidade e a credulidade
infanto-juvenis e determina limites para esses recursos publicitários tratando tamm
da punição para campanhas ilegais e abusivas.
Dentre as determinações está o artigo 3º
134
“Fica proibido qualquer tipo de publicidade e de comunicação
mercadológica dirigida à criança, em qualquer horário e por
meio de qualquer suporte ou mídia, seja de produtos ou
serviços relacionados à infância ou relacionados ao público
adolescente e adulto.
A proposta prevê tratamento diferenciado para campanhas de utilidade
pública o aplicando as vedações dispostas na lei quando estas campanhas
tratarem de informações sobre boa alimentação, segurança, educação, saúde, entre
outros itens relativos ao melhor desenvolvimento da criança no meio social.
Em sendo aprovado o projeto de lei, alguns aspectos deverão ser
observados para se veicular uma campanha publicitária como por exemplo:
a) a publicidade e comunicação mercadológica incluem anúncios
impressos, comerciais de TV, spots de rádio, banners e sites na internet,
133
Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/571215.pdf > Acesso em 23 nov de
2008.
134
Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/571215.pdf > Acesso em 23 nov de
2008.
embalagens, promoções, merchandising e disposição dos produtos nos pontos de
venda;
b) é considerada publicidade e comunicação mercadológica dirigida às
crianças aquela que apresenta aspectos como linguagem infantil, efeitos especiais e
excesso de cores, trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por crianças,
pessoas e celebridades com apelo entre o público infantil, desenho animado ou
animação, entre outros.
c) os infratores estarão sujeitos a multas, cujo valor será decidido
conforme a gravidade da infração e situação econômica do infrator e não poderá ser
inferior que 1 mil, nem superior a 3 milhões de Unidades Fiscais de Referência.
Além disso, o artigo descreve e regulamenta especificamente
situações específicas consideradas de publicidade abusiva para efeitos legais.
No entanto se, de um lado, um grande número de congressistas
mostra-se preocupado em estabelecer limites para a publicidade e seus efeitos, por
outro lado existe uma forte resistência e oposição a essa questão, haja vista o tempo
de tramitação do projeto de lei somente em uma das comissões da Câmara dos
Deputados.
O argumento utilizado pelos deputados opositores ao projeto bem
como pelos representantes do mercado publicitário é sempre no sentido de que
regulamentar tal questão pode ser uma ameaça à liberdade de expressão e
criatividade publicitárias.
Os opositores tamm costumam argüir uma discutível
inconstitucionalidade do projeto de lei devido a no artigo 220, § da Constituição
Federal de 1988, estarem descritos os produtos específicos cuja publicidade pode
ser restrita, ou seja, somente quando se trata de publicidade de produtos
potencialmente danosos como tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,
medicamentos e terapias.
No entanto, o obstante a existência da norma constitucional nesse
sentido, deve-se dar primazia ao valor maior a ser resguardado que é a proteção à
criança, que tamm é resguardada constitucionalmente e por todo mais o conjunto
de normas que formam o sistema da proteção integral, conforme já foi tratado
anteriormente.
Atualmente o projeto encontra-se da Comissão de Desenvolvimento
Econômico, Indústria e Comércio para ser analisado. O que se espera é que não
demore mais sete anos para ser posto em votação, pois a indústria da publicidade
poderá subsistir sem realizar publicidade para o público infantil, já os danos diretos e
indiretos causados pela publicidade à infância precisam urgentemente cessar.
Pois as maiores vítimas da propaganda antiética são as crianças,
porque elas ainda acreditam no que se fala em propaganda.‖
135
. É o que diz Magy
Imoberdorf, uma das maiores publicitárias do país.
4- ESTUDO DE CASO DE PUBLICIDADE CONSIDERADA
ABUSIVA
São incontáveis as reclamações que chegam regularmente aos
Procons, às agências reguladoras e ao Departamento de Proteção e Defesa do
Consumidor, do governo federal.
O que parece ser mais positivo nessa pressão da sociedade é que até
o próprio conselho de auto-regulamentação do setor publicitário, Conar, atualizou
suas regras para ficar mais próximo dos interesses de cidadania. E isso se dá,
sobretudo devido a ter aumentado intensamente os processos contra agências de
publicidades e seus clientes.
A metodologia utilizada no presente estudo de caso foi a analise
qualitativa de um caso de anúncio televisivo considerado de publicidade abusiva por
parte do CONAR, e que cuja veiculação teve recomendação para ser sustada e
assim ocorreu.
O caso a ser analisado foi escolhido por ser extremamente
representativo de uma estratégia de marketing altamente eficaz para atrair a atenção
das crianças, que é vender um produto oferecendo junto a ele um brinde, sendo que
135
IMOBERDORF, Magy in DIAS, Sérgio Roberto et al. Tudo o que você queria saber sobre
propaganda e ninguém teve paciência para explicar. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1989 p. 173.
muitas vezes o brinde é mais valorizado e apregoado que o próprio produto que se
quer vender.
Tamm esse tipo de estratégia de venda para as crianças já é
utilizado bastante tempo especialmente por essa empresa anunciante -Indústria
de Calçados Grendene Ltda -, cujos primeiros comerciais com esse exato tipo de
apelo datam de 1986.
Eis o caso conforme se apresenta na página de julgados do CONAR:
Sandália Moranguinho que vem com a “Fantasticorda
136
Representação nº 330/07
Autor: Grupo de Consumidores (Instituto Alana)
Anunciante e agência: Grendene e Escala Comunicações
Relatora: Marisa D'Alessandri
Sexta Câmara
Decisão: Sustação
Fundamento: Artigos 1º, 3º, 6º, 37 e 50, letra "c" do Código
O Instituto Alana, organização de defesa dos direitos
relacionados ao consumo das crianças e dos adolescentes,
pediu manifestação do Conselho de Ética sobre comercial de
TV da Grendene. A denúncia alega que a peça transmite
mensagem direta ao público infantil e incentiva a criança a
pedir o produto anunciado uma sandália aos pais, com o
intuito de receber o brinde exibido no deo. Acrescenta que a
recomendação "Comece agora mesmo a brincar com ela"
dirige apelo imperativo à criança, que o comercial emprega
modelo infantil para vocalizar sugestão de uso de brinde e que
a oferta de produto associada à entrega do brinde caracteriza
venda casada, em infração ao Código de Defesa do
Consumidor. Foi concedida liminar sustando a veiculação.
Não houve manifestação do anunciante. Em seu parecer, a
relatora deu razão à denúncia, considerando que fica claro na
peça que o foco não é o produto em si, mas o brinde com ele
136
Disponível em <www.conar.org.br/decisões e casos/ resumo decisões / abril, ano 2008>. Acesso em
15/09/2008.
vendido, com a intenção de despertar o interesse da criança
para, de forma indireta, vender o produto, especialmente
porque a criança é chamada para influenciar os pais na
decisão de compra. Assim, recomendou a sustação definitiva
da peça, aceita unanimemente.
Histórico do caso:
Em 20 de dezembro de 2007, o Instituto Alana que, dentre outras
atribuições cuida da defesa de casos relacionados com o consumo infanto-juvenil,
enviou de forma documental, uma denúncia de publicidade abusiva ao Conar contra
o anúncio televisivo da Indústria de Calçados Grendene Ltda anunciante
produzida pela empresa de publicidade Escala Comunicações & Marketing Ltda
sobre uma sandália que vinha acompanhada de um brinde, uma corda de brinquedo.
O comercial trazia uma garotinha de aproximadamente 6 anos que
anunciava o produto: ―a nova sandália da Moranguinho vem com a Fantasticorda,
para você contar seus pulos‖.
Ou seja, uma sandália da personagem Moranguinho, que vinha
acompanhada de uma corda de brinquedo, denominada de ―Fantásticorda‖ que
tamm tem um contador automático que permite que as crianças tenham o seu
número de pulos contados.
Essa cena inicial se passa em um cenário todo de desenho ao fundo e
ainda há uma frase em destaque: ―Fantasticorda exclusivo contador‖
No comercial a modelo fala diretamente ao publico infantil afirmando
que a referida Fantasticorda levaria a criança à terra da Moranguinho, a
Morangolândia. Então a menina aparece dando pulos e se transferindo para
diferentes mundos fantasiosos, a que chega ao destino pretendido, a
Morangolândia, ―um mundo todo feito de doces‖.
O anúncio é bastante colorido, e conta com recursos de desenho
animado inserido num universo bastante lúdico com animais e coisas fantasiosas.
No final do anúncio há um apelo com tom imperativo que diz expressamente:
―Comece agora mesmo a brincar com ela‖.
Assim, durante todo o comercial, o brinde é muito mais demonstrado e
claramente mais valorizado que o próprio produto que se intensiona vender. Como
se a sandália fosse o acessório e não a corda.
Na manifestação, a organização de consumidores apontou a promoção
de venda casada, ão considerada ilegal pelo Código de Defesa do Consumidor, e
o descumprimento do artigo 37, do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação
Publicitária, que estabelece que anúncios não podem apelar imperativamente para
induzir o consumo infantil e nem usar crianças e adolescentes como atores na
publicidade.
O Conar acatou a denúncia e por unanimidade recomendou a
suspensão do referido comercial. A decisão final foi tomada em 17 de abril de 2008,
sendo que já havia sido concedida uma liminar de sustação do comercial em 3 de
janeiro de 2008. O Conselho de Ética - que no julgamento foi composto por nove
conselheiros Claúdia Wagner, Flávio Vormittag, Fred Muller, José Francisco Queiroz,
Marisa D’ Alessandri, Paulo Levi, Rafael Davani Rodrigo Lacerda e Rodrigo Marti -
recomendou a suspensão porque detectou ilegalidades no filme publicitário.
A relatora do caso Marisa D’Alessandri
137
na peça liminar observa o
seguinte:
No caso em análise, observo que o Anúncio é inteiramente
formulado com base em elementos e recursos do universo
infantil (modelo com idade inferior a 12 anos, cenário
fantasioso, animais humanizados, cores fortes etc.). Com isso
se nota a clara intenção da Anunciante em atrair a atenção de
crianças para o brinde anunciado. Essa percepção é reforçada
pelo fato de que o foco do Anúncio está completamente
voltado ao brinde e não ao produto (sandália); o Anúncio
pretende despertar na criança o interesse pela Fantasticorda,
para, indiretamente, vender o produto. A criança é, pois,
chamada a influenciar seus pais na decisão de compra do
produto.
Entendeu também a relatora que a modelo infantil é empregada no
anúncio para transmitir diretamente à criança sugestão de uso do brinde. A modelo
137
Disponível em:
< http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/acoes/moranguinho-
grendene/grendene_sandmoranguinho_liminar_conar.pdf > Acesso em 16/09/2008.
não demonstra o produto anunciado; ela divulga o brinde por meio de atuações e
falas que visam a atingir o público infantil. A fala final, no imperativo, evidencia o
apelo direto à criança.
Tal prática é ilegal à luz do artigo 37, §2º, do Código de Defesa do
Consumidor, visto que há um flagrante aproveitamento da deficiência de julgamento
e experiência da criança, na medida em que a convence a querer o produto apenas
para adquirir o brinde e porque esse referido brinquedo teria o poder de lavá-la à
terra da personagem Moranguinho.
Além disso, o Conselho lembrou que o comercial da Moranguinho
violou os preceitos éticos estabelecidos nos artigos 1º, 3º, e 37º, do Código
Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária
138
.
A agência de publicidade que produziu ―Sandália da Moranguinho‖, a
Escala Comunicações Ltda, alegou que o filme não feriu nenhum dispositivo do
código do Conar e pediu o arquivamento da representação por conta do término da
veiculação do comercial. Já, a Grendene, anunciante e fabricante do produto não se
manifestou.
Apesar do argumento da Escala Comunicações, o Conselho de Ética
avaliou que a recomendação deve ser aplicada porque o filme publicitário poderia
voltar a ser veiculado caso a pena não fosse dada.
O referido instituto denunciante juntou em sua denúncia o parecer da
psicóloga Maria Helena Masquetti
139
para avaliar de que maneira um anúncio como
esse atinge o imaginário infantil.
138
Artigo Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser
honesto e verdadeiro.
Artigo Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de
Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.
Artigo Toda publicidade deve estar em consonância com os objetivos do desenvolvimento
econômico, da educação e da cultura nacionais.
Artigo 37 - Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na
publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes.
Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à
criança. E mais:
I Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e,
ainda, abster-se de: f) empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto,
recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas
demonstrações pertinentes de serviço ou produto;
Disponível em:< www.conar.org.br> Acesso em 12/10/2008.
139
Disponível em:
<http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/acoes/moranguinho-
grendene/grendene_sandmoranguinho_parecer.pdf >Acesso em 16/09/2008.
Em seu parecer a referida psicóloga observa que o anuncio em
questão explora a credulidade infantil no mundo imaginário com a intenção de obter
de lucro, sendo, portanto abusivo. Segundo ela a abusividade manifesta-se pelos
seguintes aspectos:
I-A criança é manipulada a desejar a sandália;
II-A maior parte da mensagem consiste em valorizar e vender
muito mais o brinde atrelado do que o produto em si, deixando
clara uma estratégia de exploração da sedução natural da
criança pelos brinquedos;
III-E no caso do brinquedo em questão, este lhe assegura o
ingresso num mundo fantástico de cores e guloseimas. Assim,
o atrelamento do brinquedo (Fantasticorda) à venda do
produto faz com que a criança peça pela sanlia. Mesmo que
ela não necessite ou não deseje possuí-la;
IV-A manobra criativa da promoção contorna uma possível
negativa dos pais à compra do produto, induzindo a criança a
suplicar por ele em função do brinquedo e do mundo mágico a
ele atrelado; Além disso, ao ter que explicitar para a criança as
razões da negativa em comprar o produto, os pais se vêem
obrigados a desfazer sua fantasia infantil.
V-O brinquedo oferecido pode inibir a interação social das
crianças, pois a corda dispõe de um contador de pulos. E a
brincadeira de pular corda está relacionada à idéia de
competição entre as crianças, consistindo na contagem, em
coro, dos demais coleguinhas na ânsia de poderem
ultrapassar a criança que pula quando de sua vez de pular. De
forma nenhuma, portanto, a precisão mecânica da contagem é
mais saudável para a socialização das crianças do que o
contar coletivo. Assim, a mecânica de contar os pulos,
oferecida pelo brinquedo, neutraliza o sentido da interação
social que o ato de pular corda propicia.
VI-O atributo conferido ao brinquedo não é verdadeiro. Por sua
livre vontade, a criança pode criar quantas possibilidades
quiser para os objetos que fazem parte de seu cenário infantil.
É algo que, afinal, está sob seu controle e flui a partir de suas
demandas subjetivas. Isto é completamente diferente de se
criar, para ela, um mundo imaginário criado com a finalidade
de lucrar às custas de sua capacidade de transitar e
maravilhar-se com ele.
VII- A protagonista do comercial está sendo afetada em sua
ingenuidade infantil. A protagonista do comercial está sendo
induzida a iludir outras crianças. Deve-se levar em conta o
impacto em sua percepção infantil o fato de ter protagonizado
um filme fantasioso de cuja construção ela participou e
testemunhou. Sabendo, portanto, tratar-se de uma montagem,
pode-se pressupor o conflito para ela em reconhecer que o
que diz a outras crianças não é verdadeiro, além de
desconstruir precocemente suas crenças no mundo
imaginário. É importante frisar que a capacidade de fantasiar é
natural e necessária para o desenvolvimento saudável da
criança.
Com relação a abusividade da publicidade analisada não dúvidas
que uma flagrante ilegalidade, um flagrante desrespeito ao parágrafo segundo do
artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor.
Inicialmente fica claro que a publicidade é voltada para o público
infantil e fala diretamente com as crianças, pois a atriz que anuncia a promoção é
uma menina de aproximadamente seis anos; o cenário é todo colorido de forma
infantil e vários mundos fantasiosos o apresentados em forma de desenho
animado; há presença de animais infantilizados e é feito um convite de forma
imperativa, diga-se de passagem à brincadeira de pular corda.
A mensagem pretende, claramente, persuadir a criança a querer a
sandália para a obtenção do brinquedo. Estratégia essa que funciona eficazmente,
pois para as crianças sandálias qualquer uma pode ter, mas o brinquedo apregoado
terá quem adquirir aquela sandália específica do comercial. Daí ocorre a
situação de que muitas vezes a criança nem está precisando do calçado, mas insiste
com os pais para a compra tendo em vista o brinde altamente sedutor.
Tal situação além de gerar o sentimento consumista nas crianças
tamm acarreta desgastes familiares uma vez que as crianças se contentam
quando conseguem o produto pretendido, ainda que para isso passem a pedi-los
insistentemente para seus pais ou responsáveis.
E como a mídia televisiva atinge um grande número de consumidores
esse tipo de publicidade é muito prejudicial, sobretudo às pessoas de baixa renda,
cujas crianças também são chamadas a querer o produto da mesma maneira, o que
pode acarretar assim um grande ônus para essas famílias.
O fato é que a publicidade voltada especificamente para o público
infantil, induz as crianças a querer decidir sobre um tema de consumo que deveria
ser da competência exclusiva dos adultos.
Além disso, o comercial explora despudoradamente a credulidade da
criança e incentiva o público infantil a querer o brinde porque esse seria capaz de
levá-las à terra da personagem Moranguinho, o querida e admirada, sobretudo
pelas meninas. Podendo caracterizar nesse caso, além da abusividade, uma
publicidade enganosa, infringindo assim também o parágrafo primeiro do artigo 37
do Código de Defesa do Consumidor.
A nosso ver a publicidade em questão também viola o disposto no
art.39, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor que proíbe, como prática
abusiva, o fornecedor valer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em
vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus
produtos ou serviços.
Também o brinquedo em questão, a Fantasticorda, pode ser
adquirido juntamente com a sandália da Moranguinho, pois aquela seria um
acessório a esta. No entanto, o apelo para a aquisição do acessório, pela sua
excessiva valorização na publicidade, aquela é que parece o produto principal, o que
deveria, portanto, tamm poder ser adquirido separadamente. Como essa
possibilidade não é possível caracteriza-se a prática de venda casada, tamm
considerada ilegal perante o CDC.
Além de todas as ilegalidades descritas, no final do filme do anúncio
publicitário tem-se a frase final da menina: ―Comece agora mesmo a brincar com ela‖
(com a Fantasticorda). O que representa ainda um desrespeito ao próprio Código de
Autoregulamentação Publicitária aplicado pelo Conar, cujo art. 37, I, alínea f: veda
expressamente o emprego de atores crianças para vocalização direta e imperativa
de apelo, recomendação ou sugestão de uso ou consumo.
Assim, diante de todas as ilegalidades acreditamos que a
recomendação para a retirada da veiculação do comercial em questão, foi a decisão
mais acertada.
5- AÇÕES DE CIDADANIA NA PTICA DO CONSUMO
Inicialmente tem-se que a história da cidadania coincide em grande
parte com a história do desenvolvimento dos direitos humanos. Aquela longe de ter
um conceito estático antes representa um processo em permanente construção,
tanto quanto este último. E ambos relacionam-se estreitamente com a busca por
afirmação de valores como a liberdade, a igualdade, a democracia, a justiça.
Ser cidadão não tem a ver apenas com os direitos reconhecidos pelos
aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com
práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento.
Dessa forma é necessário se repensar a cidadania, renovando seu
conceito e suas dimensões, conectando-a com o consumo, como um possível
espaço de conscientização, de luta contra o poder econômico, de afirmação e
integração social.
A luta em prol do reconhecimento da cidadania dentro das relações de
consumo desenvolveu-se ao longo de século XX em países do hemisfério norte,
chegando à América Latina por volta dos anos 70, o consumerismo foi um
neologismo criado para identificar esse movimento e sua premissa de partida era
que as relações de consumo deviam ser ―encaradas como um tratado bilateral, em
que cada uma das partes está envolvida em algo mais do que a simples troca entre
uma determinada quantia em dinheiro por uma mercadoria ou serviço‖.
140
A demora em se chegar os movimentos em prol do consumidor no
Brasil, deu-se dentre outras razões em virtude do próprio desenvolvimento da
cidadania, pois segundo Marshall
141
haveria uma seqüência lógica para o
desenvolvimento da cidadania, sendo inicialmente conquistados os direitos
individuais -de liberdade, de pensamento, de propriedade-, depois os direitos
políticos -de poder eleger seus representantes, de ser eleito, enfim de tomar parte
nos rumos do estado-, e somente então, advindos dos efeitos desse direitos
140
VOLPI, Alexandre. A história do consumo no Brasil: do mercantilismo à era do foco no cliente. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2007, 97.
141
MARSHALL T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar,1967.passim.
conquistados, se atingir a conquista dos direitos de igualdade, ou direitos sociais,
dentre os quais a medida em que foram se desenvolvendo acabaram por originar
uma nova dimensão, em que se inserem os direitos do consumidor.
No entanto, no Brasil essa referida seqüência descrita por Marshall,
não se desenvolveu pela forma teorizada, pois ao se analisar a história percebe-se
que a conquista de direitos teve grandes alternâncias, sendo na verdade, doados e
suprimidos em razão dos governos que se sucederam desde a Proclamação da
República.
Nos poucos períodos democráticos avançava-se na conquista de
direitos políticos e de liberdade individual; nos períodos ditatoriais eram os sociais
que se destacavam, como se fossem uma moeda de troca, um prêmio de
consolação em virtude do cerceamento das liberdades.
Dessa maneira, os direitos no Brasil foram sendo postos até que se
chegou à Constituição Federal de 1988 inaugurando a vigente ordem jurídica,
trazendo um novo delineamento ao estado, e elevando a defesa do consumidor à
categoria de direito fundamental, bem como programando a criação do Código de
Defesa do Consumidor.
A ação governamental para proteção do consumidor é realizável direta
ou indiretamente. Da primeira forma, o poder público organiza-se para atender aos
interessados e sustentação às atividades fiscalizadoras que podem aplicar as
sansões administrativas, penais e civis. No segundo caso, estimula a criação de
associações representativas dos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor
amparado na Constituição Federal abre campo para múltiplas atividades das
associações que representam os consumidores, credenciam-nas a representar os
consumidores nas esferas administrativa e judicial, o que as torna respeitadas-
senão temidas - pelos fornecedores em geral
142
.
No entanto, interessa-nos de fato acreditar que todos esses
mecanismos legais podem ser usados e apregoados em nome de uma tutela real e
efetiva e não apenas teórica. Pois consideramos que a lei não precisa ser somente
um comando, mas acima de tudo um fator para a educação social, determinante
para mudança de hábitos em relação ao consumo, e fundamental para formação de
cidadãos cônscios de seus direitos e deveres, da importância de sua inserção
142
SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao código de defesa do consumidor: lei n. 8078 de 11.9.90.
5. ed., rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2002,p 149.
participativa na formação e desenvolvimento na sociedade e que papel se espera
dele.
A lei, por si só, necessariamente não transforma a realidade, mas a
possibilidade de transformação, e essa transformação -se com a observância da
lei na prática cotidiana.
Assim, em o Estado atuar contra o abuso do poder econômico de uma
forma geral e mais especificamente atuar de forma preventiva e repressiva contra a
publicidade abusiva voltada para a criança, contra a formação de cartéis e
oligopólios, contra as práticas de concorrência desleal e fraudes de uma forma geral
tamm se estará promovendo a defesa do consumidor e conseqüentemente a
defesa da cidadania.
João Batista de Almeida
143
afirma no que diz respeito à repressão ao
abuso do poder econômico, que ―a defesa da economia e a defesa do consumidor
são faces da mesma moeda. A realização da primeira reflete no desempenho da
segunda.‖
a autora Susan Linn ressalta: ―como a história mostrou repetidas
vezes, é a regulamentação governamental, não a auto-regulamentação, que faz com
que a indústria controle as práticas exploradoras.‖
144
E complementa: ―Só porque o marketing para crianças é um fato da
vida neste momento não significa que tenha de ser sempre assim. Em vários
momentos da história males sociais como escravidão, trabalho infantil, eram fatos da
vida. Já não são mais.‖
145
Porém toda essa transformação, ao lado das ações estatais, deve
iniciar-se pela educação do consumidor, sobretudo começar junto às crianças,
passando por uma maior repressão ao abuso do poder econômico, dando condições
para a instrumentalização dos setores de defesa do consumidor e pelo estímulo
efetivo às associações privadas de defesa do consumidor e da criança. Entendo que
quanto maior o grau de união da sociedade civil maior é o grau de cidadania
alcançado.
Iniciando-se pela necessidade da educação dos consumidores,
entende-se que aquele que não conhece seus direitos não sabe como reivindicá-los,
143
ALMEIDA, João Batista De. A proteção jurídica do consumidor. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 288.
144
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006. p.246.
145
Ibidem. p.244.
o que fatalmente termina pela continuidade de práticas danosas, às quais a lei
pretende reprimir. É necessária a formação de bitos saudáveis para a formação
de consumidores críticos perante a publicidade bem como outros assuntos relativos
ao consumo e responsáveis social e ambientalmente.
O ideal é que essa educação para o consumo e para a cidadania
comece pelo ensino formal, com a inclusão nos currículos escolares de noções
mesmo básicas de educação para o consumo, analogamente como já se fazem com
assuntos como trânsito, meio-ambiente, drogas, e outros assuntos do cotidiano, com
a diferença que boa parte dos escolares já vive a realidade do consumo, seja de
forma direta, como quando compra doces nas barraquinhas que geralmente em
frente às escolas; seja de forma indireta, quando pedem a um adulto que lhe
comprem algo ou mesmo influenciando nas compras da família.
Por outro lado tem-se o que se poderia chamar de educação informal,
que seria aquela feita pelas organizações de consumidores, fundações de defesa da
criança, pelos órgãos de defesa do consumidor, entidades de classe e
principalmente pelos meios de comunicação de massa, os mesmos que provam seu
grande poder de alcance difundindo publicidades, poderiam e deveriam cada vez
mais serem usados para difusão de informões acerca dos direitos do consumidor.
Muito embora, alguns telejornais e outras mídias impressas se
ocupem em divulgar matérias nesse sentido, a utilização desses espaços como meio
de educação ainda é muito incipiente. Seu potencial é pouco explorado se levarmos
em conta o poder que têm de formar opinião e influenciar pessoas.
Não se trata de ―contrapor a escola à ―escola paralela‖, mas de projetar
olhares críticos sobre algumas facetas da mídia, muitas vezes não consideradas nos
planejamentos educacionais pelo corpo docente e nem pensadas pelos gestores
escolares‖.
146
Nesse mesmo caminho, as medidas advindas de organizações
privadas de consumidores precisam ganhar mais espaço para que possam ter voz
na difusão dos direitos dos consumidores; para que possam fazer pressão junto a
fornecedores no intuito da criação de certificação para empresas que sejam
comprometidas com o desenvolvimento da infância e que não realize publicidade
voltada para o público infantil; para que possam influenciar comportamentos; terem
146
DOLGHIE, Jaqueline Ziroldo, FONTELES, Heinrich Araújo, CAMPOS, Breno Martins. Cultura,
Mídia e Educação: abordagens transdisciplinares. São Paulo: LivroPronto, 2008, p.49.
poder suficiente para fazer boicotes a maus fornecedores, e o mais importante, que
possam levar informações sobre esses direitos até às pessoas mais simples, e a
os mais longínquos cantos deste país.
Porque a mínima atuação que seja das associações de consumidores,
fundações de defesa da criança e dos consumidores, dentre outras nesse mesmo
sentido, já têm se mostrado um importante aliado no combate à comunicação
mercadológica em geral dirigida às crianças por ficar claro que os danos causados
pela lógica insustentável do consumo irracional podem ser minorados e evitados.
A publicidade - e o marketing de uma forma geral - é um problema da
sociedade, que não pode ser solucionado por um indivíduo, ou mesmo por um grupo
e defesa único, trabalhando sozinho. A solução está nos esforços conjuntos para
influenciar o poder publico.
Tamm não se pode deixar de fora dessa luta o papel fundamental
dos pais. Pois ―quando se trata de aliviar os danos causados pela publicidade às
crianças, a solução mais fácil é culpar os pais. É o que a indústria adora fazer. No
entanto, como pode uma família, sozinha, proteger seus filhos de uma indústria que
gasta US$ 15 bilhões anualmente para manipulá-los?‖
147
É bem verdade que os pais precisam avaliar seus próprios valores e
decidir passar mais tempo com seus filhos, limitar o tempo passado em frente à
televisão, ensiná-los a ter um olhar crítico diante da publicidade e demais
mensagens da mídia, e fundamentalmente aprender a dizer não aos apelos de seus
filhos influenciados pelo marketing.
A sociedade clama por mais respeito aos direitos do consumidor e da
criança, e as empresas que quiserem permanecer no mercado, em um futuro bem
próximo, terão de se adequar a essas idéias, assim como algumas fizeram e
outras estão em processo em relação à proteção ao meio ambiente.
Indivíduos conscientes e responsáveis são a base de uma sociedade
mais justa e fraterna, que tenha a qualidade de vida não apenas como um conceito a
ser perseguido, mas uma prática a ser vivida.
Mas, para se chegar a esse estágio a infância efetivamente precisa ser
preservada em sua essência como o tempo indispensável e fundamental para a
formação da cidadania.
147
LINN, Susan. Crianças do consumo: a infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006. p.243.
Segundo Josué Rios
148
, ―a defesa do consumidor, portanto, evoca o
direito à participação, à cidadania, que equivale, na feliz expressão de Celso Lafer,
ao direito a ter direito‖
148
RIOS, Josué. A defesa do consumidor e o direito como instrumento de mobilização social. Rio de
Janeiro: Mauad, 1998, p.27 et seq.
CONCLUSÕES
A maioria das sociedades economicamente desenvolvidas é
denominada, sociedade de consumo. A maior parte dos indivíduos dessas
sociedades passa mais tempo envolvida no consumo do que em qualquer outra
atividade, que tamm inclui o trabalho e o sono. Portanto, o conhecimento acerca
dos hábitos de consumo pode melhorar a compreensão de nosso ambiente e de nós
mesmos. Tal compreensão é essencial, para o desenvolvimento de uma cidadania
bem fundada em hábitos de consumo saudáveis e em uma ética empresarial
razoável.
Literalmente milhares de empresas gastam milhões para influenciar a
todos nós consumidores. Essas tentativas de nos influenciar ocorrem nas
publicidades, nas embalagens, nas características dos produtos, no discurso de
vendas e no ambiente das lojas, enfim no marketing de uma forma geral.
Essas mesmas tentativas também ocorrem no conteúdo de muitos
programas de televisão, nos produtos usados em filmes e até mesmo nos materiais
apresentados às crianças nas escolas. Trata-se, portanto, de uma atividade
importantíssima para a geração de riquezas podendo-se dizer que a economia
moderna, sem o marketing, não sobreviveria.
Dada à magnitude desses esforços diretos e indiretos de influenciar e
manipular é importante que os consumidores entendam claramente as estratégias e
táticas que lhe estão sendo dirigidas.
É igualmente importante que todos nós, como cidadãos, entendamos a
implicação que essas estratégias têm em nossos hábitos de consumo para que
possamos estabelecer limites apropriados quando necessário.
149
.
Os métodos publicitários de persuasão são deveras eficazes. E para
tanto muitas vezes seus elaboradores excedem os limites da ética e fazem
publicidade aproveitando-se da deficiência de julgamento e experiência da criança,
fato que é considerado como publicidade abusiva segundo o nosso código de defesa
do consumidor, sendo, portanto um ato ilícito.
149
MOTHERSBAUGH, David L.; BEST, Roger J.; HAWKINS, Del I. Comportamento do consumidor:
construindo a estratégia de marketing. Rio de Janeiro: Elsevier: 2007, p07/08.
Não obstante todo o exposto cabe-nos ainda ressaltar algumas
conclusões peculiares observadas no curso da pesquisa bibliográfica e de
observação de comerciais televisivos, tanto de canais da TV aberta como de TV a
cabo, para a elaboração da presente dissertação de mestrado.
Primeiramente cumpre-nos alertar para o crescente consumismo
infantil que vem se tornando exacerbado, tendo como seu principal causador o
marketing dirigido à criança. Dentre as modalidades de marketing destaca-se,
sobretudo e principalmente a publicidade veiculada através da mídia televisiva, em
virtude de sua instantaneidade e largo alcance.
Como conseqüências diretas do consumismo infantil influenciado pela
publicidade, destacam-se, na sociedade brasileira os crescentes casos de
obesidade infantil; a crescente ansiedade observada nas crianças para ter os
produtos apregoados nos comercias, fato que também acaba gerando um aumento
dos desgastes familiares, em virtude do comportamento insistente das crianças para
que os pais e responsáveis comprem os produtos anunciados. E também a
erotização precoce das crianças, pois a mídia de uma forma geral acompanhada
pela publicidade costuma ditar comportamentos, assim o que está ―na moda‖ são
crianças maquiadas, vestidas e calçadas como se fossem um miniadulto e tendo
preocupações impróprias para sua idade como por exemplo: o namoro.
Tamm se percebe haver aumentado a quantidade de publicidade no
intuito de vender produtos para adultos com formato e estratégias típicos da
publicidade infantil, como por exemplo com a utilização de cenários bastante
coloridos, com a utilização de animais infantilizados, de bonecos, de desenhos
animados, personagens de filmes, etc. Tudo isso porque as crianças estão sendo
consideradas fortes influenciadores nas compras da família de um modo geral.
Outra constatação, desta feita inusitada para s, ocorreu no curso da
pesquisa bibliográfica. Trata-se do fato de que na maioria dos manuais de marketing
consultados, ao contrário do que se imaginava, os autores não trazem fórmulas de
estratégias mirabolantes de como os marketeiros devem explorar a inocência das
crianças para atingirem seus objetivos. Ao contrário, as maiorias dos autores
consultados chamam a atenção dos alunos para as questões éticas que envolvem a
publicidade voltada para o publico infantil e de como essa questão é delicada.
O que nos leva a concluir é que os profissionais de marketing uma vez
no mercado de trabalho, têm a exata consciência do que estão fazendo quando
realizam uma publicidade abusiva, mesmo possivelmente tendo sido alertados para
essa questão nos manuais em que estudaram.
Tamm com relação aos instrumentos de controle da publicidade
constata-se a necessidade de o Poder Público ser mais vigilante para dar mais
efetividade aos dispositivos legais postos no ordenamento positivado, uma vez
que a autoregulamentação não é um meio de todo eficaz.
E por fim se a criança não consegue compreender a publicidade como
tal, ou seja, um meio destinado a apregoar produtos existentes no mercado de
consumo com a finalidade de vendê-los, esse fato viola o disposto no artigo 36 do
Código de Defesa do Consumidor, que é o princípio da identificação da mensagem
publicitária.
E mesmo que venham a compreendê-la, o que possivelmente
acontece com o avançar da idade. Continuam sendo seres facilmente manipuláveis,
devido a sua alta vulnerabilidade, tendo, portanto sempre a sua deficiência de
julgamento e experiência explorados. Nesse caso violando o disposto no artigo 37, §
2º do Código de Defesa do Consumidor, constatação que torna a publicidade voltada
para o público infantil intrinsecamente abusiva e, portanto ilegal.
O que se entende é que tais dispositivos legais do Código de Defesa
do Consumidor precisam ser observados e efetivados na prática, como um dos
meios de se alcançar a proteção integral à infância, paradigma legal previsto na
Constituição Federal e no instituído no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A dialética consumidor-fornecedor dá-se desigualmente, sobretudo
quando essa relação envolve crianças, que são seres que carecem de proteção
especial em virtude de sua peculiar condição de pessoa em formação e com grande
vulnerabilidade. Faz-se necessária, portanto uma vigilância e atuação incessantes,
seja do Poder Público através dos órgãos de defesa do consumidor, seja por parte
da sociedade civil organizada, seja dos próprios cidadãos.
Dessa forma, tamm é necessário se repensar a cidadania,
renovando seu conceito, alargando suas dimensões, conectando-a com o consumo,
desenvolvendo um espaço de possível conscientização, de formação de indivíduos
críticos, de afirmação e integração social, de respeito aos direitos e à dignidade
humana.
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Projeto de lei nº 5.921/2001
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Acesso em 23 nov de 2008.
Projeto de Lei substitutivo ao Projeto de Lei nº 5.921/2001
Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/571215.pdf >
Acesso em 23 nov de 2008
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