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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA
MABEL MELO SOUSA
“ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO REALIDADES”:
OS SIGNIFICADOS DO TRABALHO PARA MULHERES DO
MUNICÍPIO DE HORIZONTE – CE
ORIENTADORA: IZABEL CRISTINA FERREIRA BORSOI
FORTALEZA
2009
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
MABEL MELO SOUSA
“ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO REALIDADES”:
OS SIGNIFICADOS DO TRABALHO PARA MULHERES DO
MUNICÍPIO DE HORIZONTE - CE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Izabel Cristina Ferreira Borsoi
FORTALEZA
2009
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“Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica elaborada por
Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC
S697a Sousa, Mabel Melo.
“Alinhavando sonhos / construindo realidades” [manuscrito] : os significados do
trabalho para mulheres do município de Horizonte – CE
/ por Mabel Melo Sousa. – 2009.
125 f. : il. ; 31 cm.
Cópia de computador (printout(s)).
Dissertação(Mestrado) – Universidade Federal do Ceará,Centro de
Humanidades,Programa de Pós-Graduação em Psicologia,Fortaleza (CE),
13/03/2009.
Orientação: Profª. Drª. Izabel Cristina Ferreira Borsoi.
Inclui bibliografia.
1-MULHERES – HORIZONTE(CE) – CONDIÇÕES SOCIAIS. 2-MULHERES – HORIZONTE(CE) –
ATITUDES. 3-TRABALHO – ASPECTOS SOCIAIS – HORIZONTE(CE). 4-PROJETO
ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO REALIDADES.I- Borsoi, Izabel Cristina
Ferreira,orientador. II - Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III -
Título.
CDD(22ª ed.) 305.489624098131
25/09
MABEL MELO SOUSA
“ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO REALIDADES”:
OS SIGNIFICADOS DO TRABALHO PARA MULHERES DO
MUNICÍPIO DE HORIZONTE - CE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Ceará como requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Psicologia.
Aprovada em 13 de março de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________________
Profª Drª Izabel Cristina Ferreira Borsoi (Orientadora)
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
__________________________________________________________
Profª Drª Léa Rodrigues Carvalho
Deptº Ciências Sociais – Universidade Federal do Ceará (UFC)
__________________________________________________________
Profº Drº Cássio Adriano Braz de Aquino
Deptº Psicologia – Universidade Federal do Ceará (UFC)
AGRADECIMENTOS
Às participantes do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”, pelos
meses de convivência agradável e pelo aprendizado pessoal e profissional possibilitado;
em especial à Leni, pelo envolvimento no projeto e auxílio na investigação.
Às mulheres entrevistadas, pela disponibilidade e pela permissão de exposição das suas
histórias e opiniões.
Aos meus pais Chico César e Vânia Dutra, pela maneira de nos educar, incentivando-
nos a seguir nossos próprios caminhos, estimulando-nos rumo ao crescimento e
apoiando-nos incondicionalmente.
Aos meus irmãos Cesinha e Tereza, o primeiro pela companhia no dia-a-dia e a segunda
pelo acompanhamento e torcida, mesmo à distância.
À orientadora Cristina Borsoi, pelo cuidado e comprometimento nesses dois anos, pelas
contribuições teóricas.
Aos professores e formadores Fátima Sena e Cássio Aquino, por me introduzirem no
universo da Psicologia Social do Trabalho, e pelo enorme aprendizado no NUTRA.
Aos membros da banca examinadora, professores Léa Rodrigues e Cássio Aquino, pela
disponibilidade e pelas pertinentes contribuições.
À amiga Raquel Libório, por incentivar meu ingresso no Mestrado.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP), pelo apoio financeiro.
Aos amigos Herbert e Allan, o primeiro pela parceria acadêmica e o segundo pelo apoio
“informático”.
Aos meus tios e tias Sousa e Dutra pela torcida constante e pelas orações, em especial,
Conceição e João Wilson, pelo apoio direto e indireto em todo o percurso dessa
pesquisa.
A todos os primos, presentes nos mais diversos momentos da minha vida, representados
por Alice, Aída, Natielly, Tiago.
Às amigas do Mestrado em Psicologia Glícia, Lívia, Andressa, especialmente Mona e
Ju, por acompanharem de perto cada passo, dificuldade e conquista.
Aos amigos do GRAB Adriano, Alexandre, Aline, Chico, Dedé, Elísio, Ferreira,
Hellano, Lourdes, Orlaneudo, Rocha, por ouvirem os desabafos acadêmicos, auxiliarem
quando solicitados e pela amizade.
Aos amigos Regina Protela, Enilce Sturdart, José Maria, Aline e Beth por tornarem meu
dia-a-dia mais agradável nos períodos difíceis da dissertação.
Aos amigos da Prefeitura Municipal de Horizonte, em especial Evandro Nogueira,
Dário Rodrigues e Vanda Lúcia, cujo apoio foi essencial para transformar o
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” em realidade.
Às amigas do colégio Cíntia, Moema, Elane, Karine, Helga, pelos curtos, porém
reenergizantes, momentos de descontração durante os períodos de estresse produtivo.
Às amigas psicólogas Esterfânia e Lia pela constante preocupação e pela compreensão
nos períodos de “reclusão social”.
Às companheiras de casa Eliene e Raimunda, por respeitarem meus horários de estudo e
atenderem meus pedidos.
Aos afilhados Maria Eduarda e Tiago Filho (e seus respectivos pais), por
proporcionarem instantes de descontração nos fins-de-semana.
“Entre toda gente cearense
Um povo se destaca e tem ação
Não cruza os braços, vai à luta
No trabalho encontra a redenção
Que é o caminho da paz, da liberdade
Do progresso e da emancipação”
Primeira estrofe do Hino Municipal de Horizonte.
Autoria: Miriam Carlos Moreira de Souza.
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar como mulheres, moradoras da
comunidade quilombola do município de Horizonte-CE e participantes do projeto social
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” significam o trabalho, sua participação
em um projeto de capacitação profissional e sua condição de mulheres que vivem em
um território reconhecido como quilombola. A partir da década 1970, a crise do
capitalismo é responsável por uma série de transformações no mundo do trabalho,
caracterizadas principalmente pela flexibilização dos processos de produção e de
mercado, pela precarização das condições e das forças de trabalho e pela reconfiguração
das plantas produtivas. As mudanças contribuíram para uma profunda alteração nos
modos de organização e nas dinâmicas do trabalho e do emprego, o que se reflete nas
atitudes de trabalhadores e de empregadores e nas suas representações acerca do
trabalho. O município em questão integra esse cenário e se diante de modificações
profundas em virtude do seu processo de industrialização recente. O projeto social
citado foi elaborado seguindo os pressupostos das políticas públicas atuais e teve como
proposta qualificar profissionalmente mães chefes de família para a geração de trabalho
e renda, priorizando a construção de uma autonomia profissional. A metodologia
utilizada na pesquisa foi a abordagem qualitativa, tendo como técnicas a observação
participante e a entrevista aberta semi-dirigida envolvendo sete mulheres. Os dados
obtidos foram analisados a partir das seguintes categorias: as experiências do emprego
nas fábricas; questões de gênero e de raça ligadas ao trabalho; vivência do projeto; re-
significando o trabalho. O sonho de abrir um negócio ou trabalhar por conta própria,
presente na fala das mulheres, é adiado pelas dificuldades da atualidade, pela
impossibilidade financeira e pelos valores ainda difundidos da chamada sociedade
salarial. As entrevistas mostraram o quanto o trabalho é importante e central na vida de
cada uma delas.
Palavras-chave: trabalho; mulheres; significado.
ABSTRACT
The aim of the present research is to analyze how the women who live in the
community quilombola in the district of Horizonte-CE and participants of the social
project “Sewing the Dreams / Building Realities”, mean the work, their participation in
the Professional capacitating Project and their condition as women who live in a
territory which is known as quilombola. From the 1970’s on, the capitalism crisis has
been responsible for a series of transformations in the working world, characterized
mainly by the flexibility in the processes of production and market, by condition and
workforce precarization and by the reconfiguration of productive plants. The changes
have contributed for a deep alteration in the methods of organization and the working
and jobs’ dynamics which are reflected in the employers as well as in the employees
attitudes and also in their representations concerning the work. The district at issue joins
this scenario and faces deep changes due to the recent process of industrialization. The
mentioned social project was elaborated according to the current public policies
assumptions and had as a proposal to professionally qualify mothers who are household
heads to generate work and income, priorizing the construction of a professional
autonomy. The methodology used in the research was the qualitative approach using as
techniques the participant observation and the semi-directed open interview involving
seven women. The data obtained were analyzed from the following categories: work
experience in plants, a matter of gender or race related to work; experience in the
Project re-meaning the work. The dream of opening their own business or working by
themselves which is present in the women’s speech is postponed by nowadays
difficulties, by financial impossibility and by the values which are still scattered in the
so called wage society. The interviews show how the work is important and central in
the life of each of them.
Keywords: work; women; industrialization.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Remuneração média (R$) em Estados Brasileiros (2006 e 2007)........... 36
TABELA 2 - Remuneração média de empregos formais em Horizonte (31 de dezembro
de 2007). ........................................................................................................................ 41
TABELA 3 - Número de empregos formais em Horizonte (31 de dezembro de 2007).....
........................................................................................................................................ 99
TABELA 4 - Ocupações com maiores estoques em Horizonte (31 de dezembro de
2007). ............................................................................................................................. 99
TABELA 5 - Outros Indicadores do Mercado de Trabalho de Horizonte (Censo 2000) ..
...................................................................................................................................... 100
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Logomarca do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”
........................................................................................................................................ 58
FIGURA 2 – Fotografia do Processo de Seleção ......................................................... 59
FIGURA 3 – Fotografia da Oficina de Retalhos .......................................................... 61
FIGURA 4 – Fotografia da Exposição de produtos ...................................................... 61
FIGURA 5 – Fotografia da Oficina de Fuxicos ............................................................ 63
FIGURA 6 – Fotografia do Curso de Costura .............................................................. 64
FIGURA 7 – Fotografia do Seminário na UFC ............................................................ 65
FIGURA 8 – Fotografia da Oficina de Crescimento e Desenvolvimento Pessoal ....... 66
FIGURA 9 – Fotografia da Roda de Conversa sobre Trabalho .................................... 66
FIGURA 10 – Fotografia da Oficina de Bonecas de Pano ........................................... 68
FIGURA 11 – Fotografia de Reunião Interna do Grupo de Mulheres ......................... 69
FIGURA 12 – Fotografia do Desfile de Moda Infantil ................................................ 70
FIGURA 13 – Logomarca da ARQUA ........................................................................ 85
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1– Caracterização das mulheres entrevistadas............................................. 51
QUADRO 2 – Observações da Avaliação da Oficina de Retalhos............................... 62
QUADRO 3 – Observações da Avaliação da Oficina de Fuxicos................................. 63
QUADRO 4 – Manuscritos de roda de conversa sobre trabalho. ................................. 67
LISTA DE SIGLAS
ARQUA – Associação de Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências
BEC – Banco do Estado do Ceará
CAGECE – Companhia de Água e Esgoto do Ceará
CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
COELCE - Companhia Energética do Ceará
CREDE – Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação
CRST – Centro Regional de Referência em Saúde do Trabalhador
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
CVT – Centro Vocacional Tecnológico
DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito
DST – Doenças Sexualmente Transmissíveis
FIEC – Federação das Indústrias e do Comércio
FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDT – Instituto de Desenvolvimento do Trabalho
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
NUTRA – Núcleo de Psicologia do Trabalho
OITOrganização Internacional do Trabalho
PEA – População Economicamente Ativa
PNQ – Plano Nacional de Qualificação
PSF – Programa Saúde da Família
ONG – Organizações Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSF – Programa Saúde da Família
SEFAZ – Secretaria da Fazenda Estadual
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizado Industrial
SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SER – Secretaria Executiva Regional
SESI – Serviço Social da Indústria
SINE – Sistema Nacional de Emprego
UFC – Universidade Federal do Ceará
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 17
1.1 ALGUMAS NOTAS SOBRE O PORQUÊ DA ESCOLHA DESTE TEMA ..... 21
2 MUNDO DO TRABALHO ........................................................................................ 23
2.1 CRISE DO CAPITALISMO E FLEXIBILIZAÇÃO PRODUTIVA................... 24
2.2 NOVAS DEFINIÇÕES DE ESPAÇOS E OUTRAS CONSEQÜÊNCIAS DA
PRECARIZAÇÃO LABORAL.................................................................................. 28
3 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO ESTADO DO CEARÁ E NO MUNICÍPIO
DE HORIZONTE........................................................................................................... 33
4.1 HORIZONTE E PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO RECENTE ............. 39
4.2 TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE HORIZONTE. ........................................... 44
4 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO.......................................... 48
5 PROJETO “ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO REALIDADES”....... 53
5.1 IMPLANTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO PARTICIPANTE ..... 58
5.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS, AVALIAÇÕES, APRENDIZAGENS..... 60
6 AS NOVAS ARTESÃS: A VIDA, O TRABALHO, A FAMÍLIA, OS SONHOS .... 71
6.1 CRISÁLIA: “MEU SONHO É VOLTAR NOVAMENTE PRA SAPATOS”.... 71
6.2 VIRGÍNIA: “A CORRERIA QUE A GENTE VIVE, CONTANDO COISAS, SE
VAI DAR OU NÃO VAI DAR, ISSO PRA MIM NÃO É VIDA, É UMA
SOBREVIDA”............................................................................................................ 75
6.3 LUCIMAR: “TEM QUE SER ‘MULHER MACHO SIM SENHOR’!”. ............ 78
6.4 ROSALBA: “PRA MIM, TRABALHAR EM FIRMA NÃO DÁ MAIS”. ......... 80
6.5 MIRTES: “É MUITO TRISTE A GENTE DEIXAR OS FILHOS COM OS
OUTROS, MAS É O JEITO”..................................................................................... 82
6.6 VALQUÍRIA: “HOJE NÓS MULHER TEM PULSO FIRME, TEMOS TOM
PRÓPRIO”.................................................................................................................. 84
6.7 LETÍCIA: “A GENTE TEM QUE TRABALHAR DOENTE LÁ”..................... 88
7 ONDE AS HISTÓRIAS SE ENCONTRAM E SE DISTANCIAM........................... 91
7.1 EXPERIÊNCIAS DE EMPREGO NAS FÁBRICAS.......................................... 91
7.2 QUESTÕES DE GÊNERO E DE RAÇA RELACIONADAS AO TRABALHO96
7.3 VIVÊNCIA DO PROJETO “ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO
REALIDADES”: APRENDIZAGEM PARA ALÉM DA COSTURA. .................. 106
7.4 SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO TRABALHO.......................................... 109
8 CONSIDERAÇÕES “FINAIS”................................................................................. 114
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 117
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista para Pesquisa de Campo ................................ 122
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.................................. 123
APÊNDICE C – Ficha de Cadastro.............................................................................. 124
APÊNDICE D – Formulário de Avaliação de Atividades ........................................... 125
17
1 INTRODUÇÃO
Ainda que a reflexão sobre o futuro do trabalho seja bastante antiga, o debate
atual sobre o seu provável fim tem origem na década de 1970 e é reflexo,
principalmente, da preocupação suscitada pelos altos níveis de desemprego que
acompanharam a crise econômica mundial de 1973 (LUQUE, 2006). Na verdade, esse
debate se insere na discussão sobre o fim da sociedade salarial, que teria seus ditames e
valores superados pelas correntes transformações do universo laboral em todo o mundo.
Embora o desemprego seja um dos itens mais visíveis e preocupantes dessa
situação, vários outros aspectos relativamente novos que preconizam uma reflexão
por parte das ciências, tendo em vista suas repercussões para a sociedade em geral.
Conforme Luque (2006), a globalização do capital, o avanço científico e
tecnológico e as novas formas de organização das empresas têm dado lugar a uma
profunda transformação da natureza do trabalho assalariado, modalidade cujos
princípios constituem a mencionada sociedade salarial.
As mudanças no universo laboral ocorrem tanto no que diz respeito às
formas de inserção dos trabalhadores na estrutura produtiva, como também aos modos
de representação sindical e política destes, o que reflete na significação e no sentido
atribuído ao trabalho por parte dos trabalhadores. De acordo com Antunes,
[...] Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a
classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu
não a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua
subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua
forma de ser (1998, p. 15).
Essas transformações podem ser exemplificadas por alguns processos
destacados por Santos (1997), como: a transnacionalização da produção e o consequente
surgimento de empresas multinacionais em distintos países (inclusive países
tradicionalmente fora do circuito industrial); uma fragmentação geográfica e social dos
processos laborais; uma ampliação e diversificação do mercado de trabalho e a divisão
entre países devedores e países credores.
Antunes (1998) aponta que, nesse universo do mundo do trabalho no
capitalismo contemporâneo, observa-se uma multiplicidade de processos. De um lado,
verificou-se, de maneira mais significativa nos países de capitalismo avançado e com
menor repercussão em áreas industrializadas do Terceiro Mundo, uma
18
desproletarização do trabalho industrial fabril. Por outro lado, paralelamente, houve a
efetivação de uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da ampliação do
setor de serviços, uma subproletarização intensificada, observada em uma expansão do
trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado, além de uma
crescente incorporação do contingente feminino ao mercado de trabalho.
Outras características relevantes dessa chamada forma flexibilizada de
acumulação capitalista são apresentadas pelo autor: redução do proletariado fabril
estável; incremento dos assalariados médios e de serviços; exclusão dos jovens e dos
idosos do mercado de trabalho; inclusão precoce e criminosa de crianças; expansão do
trabalho em domicílio; reconfiguração, tanto do espaço quanto do tempo de produção
(ANTUNES, 2006).
A convivência de inúmeros modelos e formas de organização das atividades
laborais configura o que Antunes (2006) denomina nova morfologia ou nova polissemia
do trabalho, pois
[...] além, dos assalariados urbanos e rurais que compreendem o operariado
industrial, rural e de serviços, a sociedade capitalista moderna vem ampliando
enormemente o contingente de homens e mulheres terceirizados,
subcontratados, part-time, que exercem trabalhos temporários, entre tantas
formas assemelhadas de informalização do trabalho, que proliferam em todas
as partes do mundo. (p. 17).
Como resultado dessas transformações, Antunes (1998) aponta, como sendo
o mais brutal, o crescimento do contingente de pessoas em busca de inserção no
mercado de trabalho, ou seja, a expansão do desemprego estrutural, que atinge o mundo
em escala global.
Pontos igualmente importantes das obras de Antunes (1998) dizem respeito
ao trabalho feminino, no sentido de que, embora possa ser observado um aumento
significativo da presença da mulher no mercado laboral, tal inserção é acompanhada,
muitas vezes, pela desigualdade de salários, quando as mulheres são comparadas aos
homens, e pelo preenchimento das vagas relacionadas com atividades de concepção ou
baseadas em capital intensivo pela mão-de-obra masculina. Soares (2006) também
considera que esse processo de crescimento sempre foi acompanhado por
desigualdades, quando afirma que o trabalho das mulheres vem se configurando
geralmente de modo precarizado, desregulamentado, parcial, temporário, terceirizado,
informalizado e com jornadas extensas.
19
Nessa nova reconfiguração apresentada pelo sistema global capitalista,
ocorre um processo em que cada vez mais plantas produtivas são mundializadas, novas
regiões industriais emergem e muitas desaparecem, o que Antunes (1998) denomina de
re-territorialização e des-territorialização. Tal situação pode ser facilmente identificada
no contexto político e econômico do Ceará dos últimos anos.
De acordo com Pereira Jr. (2005), a reprodução dos modelos de gestão do
estado do Ceará do final da cada de 1980 teve sua filosofia traduzida no
“fortalecimento das tendências industrializantes, na ampliação da infra-estrutura
cearense, na atração de investimentos externos e na reestruturação do Estado baseada
numa política de privatização”. (p. 45). Inúmeras empresas passaram a receber
incentivos governamentais para que pudessem instalar suas plantas produtivas em
localidades que não possuíam tradição industrial e apresentavam também carência de
oportunidades de trabalho e características mais rurais que urbanas de organização do
seu espaço. (BORSOI, 2005).
As conseqüências advindas dessa modalidade de implantação industrial, na
qual cidades interioranas recebem empresas de forma abrupta e sem prévia preparação
estrutural, são inúmeras. Pereira Jr. (2005) afirma, por exemplo, que “a industrialização,
ao tomar forma num território, cria uma rede de fluxos responsáveis por novas noções
de deslocamento, aproximação e funcionalidade”. (p. 17). Desse modo, enfatizamos
que, ao mesmo tempo em que a instalação de fábricas em regiões não industrializadas
funciona como uma alternativa para os trabalhadores ao desemprego, acaba também
atraindo contingentes populacionais externos e alterando consideravelmente a
configuração do lugar, nos aspectos social, cultural, ambiental, urbano, entre outros.
O município de Horizonte, no estado do Ceará, integra esse cenário e tem
sido, há pouco mais de duas décadas, alvo importante de grande investimento de capital
industrial, resultante da política de incentivos do governo do Estado, o que inclui
isenção de impostos e oferta de mão-de-obra abundante e de baixo custo. Em razão
disso, o povo da região tem encontrado nas fábricas sua chance de fugir do desemprego,
do trabalho incerto e extremamente precário. (BORSOI, 2005).
Antes de se tornar um dos pólos industriais cearenses, até o final da década
de 1980, a região desse município era referência principalmente na cultura do abacaxi e
do caju, em especial, no aproveitamento da castanha. Outra área produtiva que recebeu
destaque foi a produção avícola, através da instalação de granjas a partir de 1971,
20
posicionando a região, ainda distrito de Pacajus, como um centro importante no Estado.
(BORSOI, 2005).
As conseqüências da chegada das indústrias em Horizonte, no início da
década de 1990, podem ser facilmente observadas na própria estrutura geográfica da
cidade, no incremento do setor comerciário, no aumento do número de escolas, no
redimensionamento das formas de apreensão e consumo do espaço urbano, na mudança
do perfil do processo saúde-doença e da capacidade de consumo de gêneros duráveis ou
não de parte da população. (BORSOI, 2005).
É fundamental enfatizar o intenso crescimento demográfico de Horizonte,
visto que a população quase triplicou em apenas 22 anos de emancipação. Dessa
maneira, em um curto período de tempo, essa localidade vem sendo bombardeada por
inúmeras transformações em vários aspectos, o que inclui um redimensionamento
significativo da cultura do lugar e, principalmente, modificações no âmbito do trabalho.
Nesse contexto de Horizonte, encontra-se um território quilombola,
reconhecido em 2005 a partir de uma proposta do Ministério da Cultura, que
compreende uma unidade étnica e racial composta por cinco localidades e cerca de 520
famílias de descendentes de escravos. Apresenta, como outras comunidades
quilombolas do Brasil, Índice de Desenvolvimento Humano
1
(IDH) abaixo das médias
estadual e nacional, além de inúmeros problemas sociais e econômicos.
Seguindo as prerrogativas da gestão presidencial vigente, cujas políticas de
governo passaram a exigir um compromisso, tanto do poder público como da sociedade
civil na articulação, concretização e implementação de proposições e de alternativas
para os problemas sociais da população brasileira, foi elaborado, pelo Núcleo de
Psicologia do Trabalho (NUTRA), o Projeto de Extensão “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”.
O projeto, que teve o território quilombola de Horizonte como um dos
campos de atuação, foi desenvolvido durante o ano de 2007 e teve, como proposta,
qualificar profissionalmente mães chefes-de-família para a geração de trabalho e renda,
com o oferecimento de cursos e oficinas articulados com a realidade local e a cultura da
região. Surgiu, então, o interesse em analisar como as mulheres que participaram do
projeto significam o trabalho, suas experiências laborais anteriores, sua participação em
um projeto de capacitação, que teve como prioridade a autonomia profissional, e sua
1
O IDH é uma medida comparativa que engloba três dimensões (riqueza, educação e esperança média de
vida) e que vem sendo usada de forma padronizada em todo o mundo.
21
condição de mulheres, descendentes ou não de quilombolas, vivendo em uma
comunidade assim reconhecida. Este constitui, portanto, o objetivo central desta
dissertação.
1.1 ALGUMAS NOTAS SOBRE O PORQUÊ DA ESCOLHA DESTE TEMA
Embora o estudo da Psicologia do Trabalho como disciplina obrigatória
inicie apenas no penúltimo ano da graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Ceará (UFC), o meu contato com essa área ocorreu já no terceiro semestre do curso, em
2002, quando ingressei como estagiária voluntária no NUTRA, projeto de extensão do
Departamento de Psicologia, cadastrado desde 1994. Ainda hoje me considero, e creio
que seja considerada, uma “nutraniana”, pois contribuo e participo, sempre que
convidada, das atividades e eventos do núcleo. Essa inserção foi muito importante para
minha formação acadêmica e pessoal, o que se reflete na minha carreira e atuação
profissional e na escolha dos temas a serem abordados em pesquisas científicas, como é
o caso da presente dissertação.
Mesmo que as ações acadêmicas de toda a UFC sejam pautadas no tripé
ensino-pesquisa-extensão, o Departamento de Psicologia está tradicionalmente voltado
para a Extensão Universitária, ou seja, para um processo educativo, cultural e científico
que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e que viabiliza a relação
transformadora entre Universidade e Sociedade. Seus núcleos e laboratórios têm
apresentado uma cultura de priorizar a realização de projetos voltados diretamente para
a comunidade e para a sociedade em geral, contribuindo assim elaboração da práxis de
um conhecimento acadêmico.
Essas realizações são fundamentais, tendo em vista o próprio compromisso
social que as instituições públicas devem ter com o seu entorno. Acreditamos também
que a pesquisa pode e deve estar vinculada à extensão, de forma que tem havido um
movimento de estímulo ao desenvolvimento de pesquisas e à produção científica na
comunidade acadêmica da Psicologia da UFC.
As inúmeras ações e atividades desenvolvidas pelo NUTRA são embasadas
na perspectiva da Psicologia Social do Trabalho, a partir da qual o homem é percebido
como um sujeito ativo, social e histórico que, através do trabalho, produz sua vida
material, transformando a natureza e sendo por ela transformado, em um processo
22
constante e dialético. Em resumo, consideramos que o homem se desenvolve enquanto
ser humano a partir da sua relação com o trabalho.
Outro fator fundamental para a seleção do campo e tema do presente estudo
foi a vinculação pessoal com a região abordada. Sou filha e grande admiradora de uma
das principais figuras impulsionadoras do desenvolvimento industrial e econômico de
Horizonte, no caso, o primeiro representante político do município após a sua
emancipação. Dada essa informação, tentei distanciar-me o quanto pude dessa posição
afetiva e adentrar no estudo apenas como pesquisadora, mesmo sabendo ser
humanamente impossível assumir uma postura absolutamente neutra em se tratando de
pesquisa, principalmente por ser esta uma investigação que privilegia a abordagem
qualitativa, na qual a subjetividade é integrante incondicional.
Vale ressaltar ainda a vivência enquanto coordenadora do Núcleo Horizonte
e facilitadora de algumas atividades do projeto social “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”, elaborado em conformidade com as políticas públicas
vigentes e do qual os sujeitos pesquisados (mulheres) participaram. Dessa maneira, em
determinados momentos da exposição do resultado de um ano e meio de dedicação a
esse projeto e de dois anos de estudo para o curso de Mestrado, utilizei uma linguagem
mais pessoal e subjetiva, ao passo que, em outros instantes, o texto foi apresentado
seguindo um modelo mais formal.
23
2 MUNDO DO TRABALHO
As profecias que anunciavam o fim do trabalho assalariado não se
cumpriram. A sociedade de princípios do século XXI continua sendo uma
sociedade salarial. As transformações não apontam para a direção de um
desaparecimento material do emprego, e sim mostram uma progressiva
degradação das condições de trabalho para setores mais amplos da
população. (LUQUE, 2006).
O trabalho, uma vez que assume representações as mais variadas,
dependendo do contexto histórico, social e econômico em que é abordado, constitui
temática central para questionamentos, reflexões e estudos sob as mais variadas
perspectivas.
Devido ao seu caráter plural e polissêmico, o trabalho assume, inclusive,
sentidos contraditórios (BORGES, YAMAMOTO, 2004; ANTUNES, 2006;
NAVARRO, PADILHA, 2007), nos quais aspectos positivos e negativos podem
conviver num mesmo lugar e tempo, como podemos perceber no decorrer da nossa
história e na atualidade. De um modo ou de outro, benéfico e / ou maléfico, útil e / ou
inútil, o trabalho possui suma importância na manutenção do metabolismo social entre
humanidade e natureza, conforme afirma Antunes (2006).
Compreendemos que a atividade laboral se posiciona de forma central na
vida das pessoas, pois entendemos que o trabalho ocupa lugar importante do espaço e
do tempo em que se desenvolve a vida contemporânea, constituindo também fonte de
identificação, de auto-estima e de desenvolvimento das potencialidades humanas.
Rebelo (2002) afirma que as mutações registradas na sociedade em geral
contribuíram para uma profunda alteração nos modos de organização e nas dinâmicas
do trabalho e do emprego, o que se reflete nas atitudes de trabalhadores e de
empregadores e nas suas representações do mundo do trabalho, e no modo como
percebemos o trabalho e o emprego.
Ao longo do culo XX, o conceito de trabalho predominantemente se
baseava naquele introduzido pelo modelo industrial, na concepção da sociedade salarial,
criada no seio do Estado de Bem-Estar (AQUINO, 2007), ou seja, estava apoiado na
noção de emprego, de um vínculo estável entre empresa e trabalhador. Contudo, as
recentes alterações na estrutura da relação empregador-empregado, as ltiplas formas
de emprego flexível e a atomização dos tempos e dos locais de trabalho acabam por
24
dispersar a relação de emprego e gerar formas de trabalho frágeis, do ponto de vista
social. (REBELO, 2002).
Devido às diversas nuanças que acompanham o trabalho, para que possamos
adentrar no universo significativo dessa temática pelo grupo de mulheres da presente
pesquisa, faz-se necessário percorrer determinado caminho teórico preliminar, na
tentativa de compreender a formação do atual contexto sócio-econômico e cultural no
qual elas estão inseridas. Isso porque entendemos a importância desses elementos na
composição do modo de vida das pessoas (BORSOI, 2005) e na atribuição de
significados por parte delas ao trabalho, diante de suas vivências e experiências de vida.
Ao mesmo tempo em que o trabalho é fonte de humanização, sob a lógica do
capital ele se torna degradado, alienado, estranhado. (ANTUNES, 2006; NAVARRO,
PADILHA, 2007). Isso ocorre porque o sistema capitalista privilegia a obtenção do
lucro, por exemplo, e põe em outro plano a melhoria das condições de trabalho, do
ponto de vista da qualidade de vida do trabalhador.
Torna-se essencial, então, abordar alguns aspectos do capitalismo e seus
movimentos, para, então, buscar uma compreensão das transformações do mundo do
trabalho nos dias atuais, bem como suas implicações na atribuição de significados ao
trabalho pelas pessoas.
2.1 CRISE DO CAPITALISMO E FLEXIBILIZAÇÃO PRODUTIVA
Para obter o envolvimento do trabalhador nos regimes de produção do
capitalismo, os princípios da ética protestante, difundidos ao longo do século XIX,
foram essenciais. Com o objetivo de vencer as resistências dos trabalhadores diante da
industrialização, forjou-se a idéia de que o trabalho assalariado é fonte de identidade e
de realização pessoal, baseando-se na postergação das satisfações e na sensação de
dever cumprido como fonte de gratificação. (LUQUE, 2006).
A partir de então, tem-se a difusão do conceito de trabalho vinculado à idéia
de emprego, ou seja, de uma forma específica de trabalho remunerado e regulado por
um acordo contratual de caráter jurídico. (BORGES; YAMAMOTO, 2004). Aquino
(2003) faz uma breve distinção entre esses dois termos: trabalho compreenderia a
atividade que é realizada pelos seres para atender suas necessidades individuais ou
coletivas, enquanto que o emprego constitui as condições sociais sob as quais se
25
desenvolve o trabalho e todo o conjunto de garantias e direitos que são mediados por
ele, ou seja, é uma condição básica desenvolvida no âmbito da sociedade salarial, lógica
surgida a partir da industrialização.
O uso dos termos trabalho e emprego como sinônimos ainda está bastante
enraizado em grande parte da literatura e também no senso comum, mas não deverá ser
feito na presente dissertação, uma vez que esta pressupõe o trabalho como sendo
essencial para o desenvolvimento do indivíduo e não somente como meio de obtenção
de recompensas em dinheiro.
A partir do final da década de 1960 e início da década 1970, o planeta é
assolado por uma grande crise da economia capitalista. (LIMA, NONNENMACHER,
1995). Essa situação, também denominada de crise do fordismo, exprimia, em seu
significado mais profundo, uma crise estrutural do capital, na qual o capitalismo, após
um longo período de acumulação, começou a dar sinais de declínio, tendo esgotada a
capacidade de valorização do capital a partir do modelo taylorista-fordista de gestão
produtiva.
Esse modelo é caracterizado pela produção em massa e em série de
mercadorias com estrutura homogeneizada e verticalizada, por um padrão produtivo
baseado no trabalho fragmentado, no qual as tarefas são decompostas em atividades
repetitivas, e realizadas em uma linha de produção rígida, com ritmo e tempo
delimitados e cronometrados, por uma nítida separação entre elaboração e execução e
por uma maior vigilância dos trabalhadores. (ANTUNES, 1998; SILVA, 2004;
BORSOI, 2005).
O quadro do declínio capitalista pode ser caracterizado por: queda nas taxas
de lucros, ocasionada principalmente pelo aumento do preço da força de trabalho
conquistado pelas lutas sociais; maior concentração de capitais; crise do Estado de Bem
Estar Social; desregulamentação e flexibilização do processo produtivo, do mercado e
das forças de trabalho. (ANTUNES, 2000; BORSOI, 2005).
Diante dessa conjuntura e com a finalidade de retomar os patamares
anteriores de acumulação de lucros, iniciou-se um processo de tentativa de
reorganização do capital, o que se deu através da chamada reestruturação produtiva.
Esta consiste em um conjunto de transformações no âmbito da produção e do trabalho
(ANTUNES, 2000; ROSA 2001), no qual as empresas se vêem obrigadas a mudar
algumas regras básicas, até então vigentes na organização da sua produção. (LIMA,
NONNENMACHER, 1995). Segundo Borsoi (2005), os aspectos fundamentais que
26
caracterizam esse processo de reestruturação incidem na substituição gradativa do
homem por máquinas mais modernas e em mudanças no gerenciamento da produção
propriamente dita.
Esse movimento, que juntamente com a globalização vem redefinindo a
estrutura econômica mundial e modificando a própria estrutura social, tem como
instrumento fundamental para sua consolidação e sustentação o neoliberalismo, sistema
ideológico e político de dominação caracterizado principalmente pela privatização do
Estado. (ROMÃO, 1998).
Presenciou-se, a partir da década de 1980, a completa desregulamentação
dos capitais produtivos transnacionais, além da forte expansão e liberalização dos
capitais financeiros. (ANTUNES, 2000). Como pode ser lido em Pereira Jr. (2005), o
capital tem adquirido uma mobilidade sem precedentes na escala mundial, de forma que
“tanto é possível integrar o espaço mundial por meio de uma rede de investimentos e
financiamentos como separar o processo produtivo industrial em diferentes lugares”. (p.
33).
Novas técnicas de gerenciamento da força de trabalho foram então se
desenvolvendo, principalmente a partir de modificações no modelo taylorista-fordista de
organização produtiva. Em um cenário de intensa competitividade, as empresas
passaram a investir em mudanças de ordem tecnológica e organizacional, fazendo
emergir formas de organização do trabalho “mais flexíveis” em várias partes do mundo.
(NAVARRO, PADILHA, 2007).
Uma excelente definição de flexibilização produtiva nos é apresentado por
Luque (2006), que diz ser a “capacidade das empresas de adaptar constantemente as
tarefas e o tempo de trabalho às circunstâncias cambiantes do mercado
2
”. (p. 26).
As empresas com capacidade de competir passam a ser aquelas flexíveis, que
podem dar uma resposta rápida às flutuações da demanda. Didaticamente, Luque (2006)
aponta os procedimentos utilizados pelas empresas para alcançar essa maleabilidade:
a) flexibilidade numérica: capacidade de aumentar ou reduzir a planta
produtiva de forma rápida, minimizando os custos laborais derivados da demissão
através da contratação temporária ou por meio de agências de emprego;
2
Tradução livre do original em espanhol Sociopsicología del trabajo. Barcelona: Editorial UOC, 2006.
27
b) flexibilidade temporal: capacidade de introduzir mudanças rápidas tanto
na quantidade de tempo que os trabalhadores dedicam ao emprego como nos horários e
turnos de trabalho;
c) flexibilidade produtiva: terceirização de alguns processos de produção;
d) flexibilidade funcional: polivalência dos trabalhadores, permitindo sua
rotação em diferentes postos em função das necessidades da organização.
A autora considera que, com todas essas mudanças, estamos diante de uma
crise profunda do emprego. As formas de trabalho que se converteram em norma
durante a década de 1960, caracterizadas pela estabilidade, jornada completa,
estabelecimento de vínculos claramente definidos pela empresa etc., estão sendo
substituídos por formas “atípicas” de emprego. A instabilidade das ocupações, o
contrato a tempo parcial a diversificação dos horários de trabalho, o trabalho por turnos
ou o auto-emprego, são situações cada vez mais freqüentes e que caracterizam o
momento atual.
Dessa forma, embora a flexibilização esteja fundada em propostas que, na
teoria, parecem ser interessantes tanto para as empresas quanto para o trabalhador, na
prática, em geral, acaba privilegiando o mais forte. O discurso em sua defesa se articula
em torno de inúmeras vantagens, normalmente para as empresas, quais são: o trabalho
flexível supõe um aumento da produtividade e da competitividade das empresas, uma
redução dos custos laborais etc. Para os trabalhadores, lida-se com a expectativa de que
possa haver maior autonomia e controle sobre o próprio trabalho e tempo e
possibilidade de conciliar trabalho e outras esferas da vida, como o ócio e a família.
Contudo, Luque (2006) argumenta que estamos longe da situação em que o
tempo de trabalho seja uma negociação pessoal do trabalhador com a empresa. Ao
contrário, a flexibilidade de horário não se traduz em maior participação dos
trabalhadores na gestão de seu tempo, uma vez que foram criados instrumentos
rigorosos para controlar o processo de trabalho e o tempo dedicado a ele.
Nesse sentido, Aquino (2003) chama atenção para a mudança advinda da
nova organização do capitalismo enquanto precarização, no sentido de que a resposta
do capital frente à crise consiste na articulação de novos modelos de temporalidade e
vínculos laborais que, na verdade, vulneram os direitos básicos dos trabalhadores, ou
seja, são apenas novas formas de exploração laboral.
Assim, as modificações que vêm ocorrendo acentuaram o caráter
centralizador, discriminador e destrutivo da acumulação capitalista, em um processo
28
voltado exclusivamente para o lucro daqueles que detém o poder em detrimento da
classe trabalhadora e do indivíduo enquanto sujeito social.
Para ilustrar algumas novidades do mundo do trabalho, o modelo de
gerenciamento articulado no Japão, a partir do pós Segunda Guerra Mundial, pelo
engenheiro Ohno, da fábrica de veículos Toyota, mostra-se paradigmático. As marcas
desse modelo, comumente chamado de toyotismo ou ohnismo, estão na produção
flexível, variada, diversificada e, ao mesmo tempo, conduzida diretamente pela
demanda, na sustentação de estoque mínimo, no aproveitamento máximo do tempo,
concomitante à redução dos tempos mortos, no controle total de qualidade e estoque, na
exigência da polivalência, ou seja, de uma maior qualificação do trabalhador e também
em uma lógica de controle aparentemente sutil do processo de trabalho. (ANTUNES,
1998; BORSOI, 2005).
Como resposta à crise do fordismo, o toyotismo começa então a expandir-se
pelo mundo sob formas mais híbridas (ANTUNES, 1998), sofrendo adaptações, de
acordo com a realidade na qual vai sendo aplicado.
Essa forma flexibilizada de acumulação capitalista, baseada na reengenharia,
na empresa enxuta, apresentou enormes conseqüências para o mundo do trabalho, como
informa Antunes (2006): crescente redução do proletariado fabril estável; enorme
incremento do trabalho precarizado (terceirizados, subcontratados, part time) e dos
assalariados médios e de serviços; exclusão dos jovens e dos idosos concomitante com a
precoce inclusão das crianças no mercado de trabalho; aumento significativo do
trabalho feminino; expansão do trabalho em domicílio; reconfiguração, tanto do espaço
quanto do tempo de produção.
Todas essas e outras características são de suma importância para o
entendimento do que vem ocorrendo no contexto laboral na atualidade, ainda mais
quando se observam as suas intensas repercussões na sociedade. Contudo, outras
merecem ser destacadas e discutidas, tendo em vista a amplitude de suas conseqüências
para a subjetividade do trabalhador.
2.2 NOVAS DEFINIÇÕES DE ESPAÇOS E OUTRAS CONSEQÜÊNCIAS DA
PRECARIZAÇÃO LABORAL
No que se refere ao redesenho do espaço geográfico e temporal que vem se
acentuando a partir da distribuição das fábricas pelo mundo, temos observado o
29
surgimento de novas regiões industriais, o desaparecimento de outras e a mundialização
cada vez maior de plantas produtivas, situações que Antunes (2006) denomina de re-
territorialização e des-territorialização do espaço produtivo.
Tal redimensionamento se concretiza na implantação e na transferência de
estruturas produtivas para localidades as mais diversas, o que acontece, muitas vezes,
para regiões não-industrializadas e que não possuem tradição fabril nem condições
infra-estruturais para receber certos aparatos urbanos e tecnológicos. Conforme aponta
Pereira Jr. (2005), alguns lugares ganham destaque propiciado pela expansão de
equipamentos e pela implementação de políticas públicas e tornam-se, assim, atraentes
para novos investimentos.
Assim, nesse quadro de nova configuração espacial, assistimos a diferentes
definições de distância, que fazem com que antigas barreiras físicas não se apresentem
mais como restrições decisivas ao sistema produtivo, e novas condições de lucratividade
são estabelecidas, uma vez que os novos meios de conexões e telecomunicações
suplantam qualquer limite criado pela descontinuidade geográfica global. (PEREIRA
JR., 2005).
Importante salientar que todas essas alterações têm como núcleos centrais e
detentores dos lucros os países de capitalismo avançado, principalmente Estados
Unidos, Alemanha e Japão, ao passo que, nos países de Terceiro Mundo, a
reestruturação se deu nos marcos de uma condição subalterna. (ANTUNES, 2000).
Nesse sentido, temos que “a lógica da globalização é excludente, fazendo que certos
espaços do globo interessem mais que outros, que alguns espaços exerçam a função de
comando e que outros fiquem relativamente isolados”. (ROSA, 2001, p. 66).
Mudanças sem precedentes no universo laboral podem ser observadas
também com relação à força de trabalho, nos mais diversos âmbitos. Ao contrário do
que seria esperado, que as novas tecnologias e o surgimento das modernas máquinas
amenizariam o sacrifício e a penosidade do trabalho operário, através da gradativa
substituição da força humana por máquinas para diminuir o dispêndio de energia por
parte do homem, o que se verifica é justamente o oposto.
A tecnologia tem permitido intensificar o ritmo de produção. Portanto,
embora as máquinas, em geral, tendam a dispensar atividades intelectuais mais
complexas por parte do trabalhador, tem ocorrido aumento das jornadas de trabalho e
das cobranças de produção pelos empresários.
30
A intensidade de força física requerida para auxiliar ou acompanhar uma
etapa da produção pode ser baixa, mas as condições em que isso acontece e a
quantidade de tempo em que se passa frente à máquina compensam esse aparente pouco
dispêndio de energia e tornam a tarefa penosa.
também a questão do trabalhador polivalente, igualmente inserida pelo
modelo toyotista, que exige do trabalhador conhecimentos de diversos setores. Segundo
Serrano, Moreno e Crespo (2001), “essa organização capitalista pós-fordista demanda
uma dedicação ativa à produção e à resolução de problemas, o que requer uma
disponibilidade temporal e intelectual sem limites”. (p. 51).
Antunes (2006) salienta que, diante da impossibilidade de eliminar o
trabalho vivo do processo produtivo pelas máquinas inteligentes, a introdução da
informatização acaba por exigir também parte dos atributos intelectuais do trabalhador.
Sendo assim, a necessidade da presença do corpo humano vai sendo
dispensada pelo uso da tecnologia e da computação, e quando esta presença é
requisitada, nem sempre profissionais competentes para preencher as vagas
existentes, além de se imperar pela sua manutenção no máximo de tempo possível nos
postos de trabalho.
Fica excluído desse processo o trabalhador que não se encontra plenamente
capacitado e / ou qualificado para assumir determinada gama de atribuições. Ocorre
então um crescimento cada vez maior do número de pessoas sem postos de trabalho,
numa situação em que há, por um lado, excesso de mão-de-obra para funções mais
simples e operacionais e, por outro, carência de profissionais habilitados para a
ocupação de colocações mais gerenciais e complexas.
Origina-se, portanto, uma situação em que o exército de reserva constitui
grandes aglomerados de pessoas de todas as idades e em todos os lugares, revelando um
cenário de crescimento exorbitante do desemprego, talvez a mais grave de todas as
conseqüências das transformações econômicas e sociais no âmbito do trabalho.
Para Amartya Sen (2000), o desemprego não consiste meramente em uma
deficiência de renda que possa ser compensada por transferências financeiras do Estado
para pessoas sem trabalho remunerado; é também uma fonte de efeitos debilitadores
muito abrangentes sobre a liberdade, a iniciativa e as habilidades dos indivíduos, e que
pode acarretar, entre seus múltiplos efeitos, a perda de autonomia, de autoconfiança e de
saúde física e psicológica.
31
Diante dessa situação, tem-se que a classe trabalhadora fragmentou-se,
heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais (ANTUNES, 2006), sendo esse o eixo
sobre o qual se insere o debate acerca da crise da sociedade do trabalho, que vivemos
atualmente (AQUINO, 2003; SERRANO, MORENO, CRESPO, 2001).
Inúmeros são os elementos que fazem parte do contexto dessa crise. Romão
(1998) afirma que a transição do fordismo à acumulação flexível, facilitada pela
automação, robotização, microeletrônica e flexibilização generalizada, vem acentuando
o já mencionado desemprego estrutural, fenômeno encontrado em todos os países do
mundo, em menor ou maior escala. Tudo isso tem originado, conforme aponta Antunes
(2000), uma ação destrutiva contra a força humana de trabalho, que tem enormes
contingentes precarizados.
Navarro e Padilha argumentam que as metamorfoses do mundo do trabalho
ferem não só os direitos e as formas de organização da classe trabalhadora na luta contra
o capital, mas atingem outros âmbitos da vida do trabalhador, implicando perdas do
ponto de vista financeiro e de saúde física e psíquica:
A flexibilização trazida pela reestruturação produtiva que exige
trabalhadores ágeis, abertos a mudanças a curto prazo, que assumam riscos
continuamente e que dependam cada vez menos de leis e procedimentos
formais – não causa apenas sobrecarga de trabalho para os que sobreviveram
ao enxugamento dos cargos, mas acarreta grande impacto para a vida
pessoal e familiar de todos os trabalhadores; sejam eles empregados ou
desempregados. (NAVARRO, PADILHA, 2007, p. 19).
Borsoi (2005) também alerta para as repercussões do modo de organização
da jornada de trabalho no cotidiano do trabalhador, no sentido de que este, ao organizar
sua vida em função do tempo que precisa dispor para fazer valorizar o capital, acaba
“usurpando de si próprio o tempo de vida, assim comprometendo sua própria
capacidade produtiva” (p. 96). A autora reconhece como sendo um dos efeitos mais
danosos da precarização do trabalho a perda de referência de construção da denominada
“identidade operária”, tendo em vista que “os antigos operários estão sendo empurrados
para o trabalho informal, enquanto a fábrica está sendo ‘invadida’ por trabalhadores”
sem experiência fabril.. (BORSOI, 2005, p.23).
Essas implicações nos remetem ao comentário de Aquino (2003) de que esse
modelo perverso de precarização adquire matizes individuais, sociais, políticas e
históricas. Desse modo, diante da crise da sociedade do trabalho, cabe-nos questionar
32
sobre o sentido e o lugar do trabalho na estrutura social, bem como sobre o seu impacto
na construção da subjetividade do trabalhador. Precisamos refletir sobre os paradoxos
que nos são apresentados por essa crise, na qual situações e atividades aparecem como
normais e aceitáveis, mas que, ao mesmo tempo, contradizem alguns dos valores
dominantes da nossa época. Questões como essas constituem desafios para os estudos
da Psicologia Social e do Trabalho.
Outro ponto que merece ser destacado encontra-se na consideração de
Serrano, Moreno e Crespo (2001) de que a precarização não se apresenta como uma
situação passageira, mas que vislumbra uma característica do futuro. Assim, precisamos
refletir sobre os desafios que se apresentam na atualidade, tendo em mente as possíveis
repercussões em um futuro próximo.
33
3 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO ESTADO DO CEARÁ E
NO MUNICÍPIO DE HORIZONTE
O processo de reestruturação produtiva que ocorre no Brasil faz parte de um
quadro de transformações que vêm ocorrendo na economia mundial e que resulta, entre
outros aspectos, na dispersão espacial das atividades produtivas. Uma das características
desse processo consiste na transferência de segmentos tradicionais da indústria para
lugares onde não se tinham constituído plenamente as condições necessárias para o
desenvolvimento pleno do capitalismo. Porquanto, uma série de investimentos
industriais vem proporcionando a novos lugares mudanças significativas na estrutura
produtiva e setorial. (PEREIRA JR., 2005).
O jornal Diário do Nordeste (2005), na sua edição de 28/11/2005, salienta
que a descentralização do processo industrial que ocorre no Brasil para regiões
interioranas vem transformando capitais brasileiras em centros de serviços por
excelência e fazendo surgir novos pólos econômicos, cujo crescimento desordenado do
contingente populacional tem gerado déficit habitacional, desemprego, carência de mão-
de-obra qualificada e de serviços essenciais.
A região Nordeste, em especial o estado do Ceará, constitui um campo
detentor de novos investimentos, tanto provindos de outras regiões brasileiras quanto de
outros países e representa um contexto proeminente para a análise das questões relativas
ao presente trabalho.
Nos anos 1950, no bojo do processo de desenvolvimento promovido pelo
então presidente Juscelino Kubitschek, o Nordeste representava um problema no quadro
econômico nacional, devido às disparidades de níveis de renda entre a região e o
Centro-Sul e à diferença no ritmo de crescimento entre as duas economias. As causas
para tanto eram atribuídas principalmente às características geoambientais da região, de
forma que o único meio vislumbrado para a melhoria da situação consistia na
industrialização.
Foram então formuladas ações diversas pelo Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), com o intuito de mudar aquela realidade, a
saber: reformulação da política de aproveitamento dos solos e águas da região semi-
árida; reorganização da economia da região e abertura de frentes de colonização;
intensificação dos investimentos industriais; solução para o problema da oferta da
34
energia elétrica; aproveitamento de conquistas tecnológicas recentes. (RIGOTTO,
2001).
Dessa maneira, o Governo Federal passou a atuar no Nordeste, investindo
em infra-estrutura viária e energética, através da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE) e de outros órgãos. A partir daí, ações de reestruturação e
expansão industrial aparecem como destaque nos programas federais e estaduais
voltados para a região, visando ao crescimento acelerado.
Portanto, o intervencionismo estatal constitui uma marca no
desenvolvimento econômico e industrial nordestino, através do “esforço de atualização
de modelos e conceitos relativos à administração e organização da produção, a fim de
sintonizar a economia local à global, e inseri-la no circuito da chamada reestruturação
produtiva”. (ROMÃO, 1998, p. 11).
No Ceará, a opção de promover o desenvolvimento industrial adequa-se à
nova divisão internacional do trabalho facilitada pela globalização e
submete-se às regras impostas aos países em desenvolvimento. Os
investimentos produtivos movem-se hoje no planeta em busca da
atratividade dos países e sociedades periféricas com regulamentações menos
restritivas em termos de direitos trabalhistas e ambientais, favorecendo a
transferência de tecnologias e riscos a partir dos países centrais. (RIGOTTO,
2001, p. 52).
Acontece que essa redistribuição das plantas industriais com crescente
implantação de fábricas em áreas como o Nordeste não acontece por acaso. Rigotto
(2001) atenta para o fato de que as empresas de gêneros industriais têm buscado se
localizar no interior nordestino para competir com os concorrentes externos, atraídas
pela superoferta de mão-de-obra e baixos salários, e pela possibilidade de flexibilizar as
relações de trabalho.
Aliado aos impulsos iniciados pelo Governo Federal, o processo de
industrialização cearense contou ainda com importantes acontecimentos na história
política do Estado. Região pobre, de solos ruins e sujeito às secas periódicas, o Ceará
teve na pecuária e no algodão os pilares de sua economia até meados da década de
1980, quando o incentivo à industrialização se torna uma vertente importante também
dos planos de governo no Ceará, justificados pela necessidade de gerar emprego e renda
para combater a pobreza. (RIGOTTO, 2001).
35
A industrialização propriamente dita da região cearense se inicia
principalmente a partir da gestão governamental de Tasso Jereissati (1987-1991
3
) que,
liderando um grupo de jovens empresários, inaugura uma nova etapa na política do
Estado. (RIGOTTO, 2001; BRUNO, FARIAS, ANDRADE, 2002). Isso ocorre através
do sobressalente “Governo das Mudanças” e de uma série de medidas que visavam
combater a precariedade e a situação em que se encontrava o Ceará naquele período:
O Estado estava praticamente quebrado, apresentando um quadro alarmante
de pobreza e concentração de renda, além de uma máquina administrativa
ineficiente, corrupta e sobrecarregada de servidores públicos, muitos dos
quais “fantasmas”, outros em greve devido ao atraso de três meses de
pagamento. A arrecadação de impostos era suficiente apenas para cobrir dois
terços da folha de pagamento. O BEC
4
estava sob intervenção federal. Nos
sertões, além da miséria em larga escala, predominava impunemente os
crimes de pistolagem. (BRUNO, FARIAS, ANDRADE, 2002, p. 31).
Inúmeros motivos contribuíram para a eleição do Ceará como atrativa
alternativa de relocalização e instalação de plantas industriais em seu território, em
especial os incentivos fiscais e benefícios concedidos pelos governos estadual e
municipal, tais como: isenção de até 75% do Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) por até quinze anos, dez anos de isenção de Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), 50% de redução no Imposto Sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS), facilidades na consecução de infra-estrutura (fornecimento de
terreno, água, energia e telefone, construção de galpões, recrutamento dos
trabalhadores). (ROMÃO, 1998; RIGOTTO, 2001; BORSOI, 2005; PEREIRA JR.,
2005).
Sobre o desenvolvimento da economia cearense, Bruno, Farias e Andrade
(2002) afirmam que, ao final do terceiro mandato de Tasso em 2002, o Ceará se
encontrava bem diferente daquele de 1987, sendo um dos estados que, ainda hoje,
apresentam os maiores índices de crescimento do país, proporcionados principalmente
pela industrialização de cidades interioranas e outras próximas à capital.
3
Objetivos do Plano das Mudanças 1987-1991 (CEARÁ citado por RIGOTTO, 2001): acelerar a taxa de
crescimento econômico, buscando atingir melhor distribuição de renda, favorecendo as camadas mais
necessitadas e as áreas menos desenvolvidas; assegurar a criação de empregos produtivos de acordo com
uma política de investimento que contemple a melhoria da produtividade da economia de modo geral;
melhorar as condições de saúde e educação da população, com prioridade para o segmento em estado de
pobreza absoluta. Entre as diretrizes, estão a concentração de esforços para garantir a implementação de
empreendimentos de grande impacto econômico e a interiorização da indústria.
4
Banco do Estado do Ceará, instituição privatizada no ano de 2005.
36
Pesquisa recente do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho
5
(IDT)
veiculada no jornal O Povo no dia 11/08/2007 (CALDAS, 2007), demonstra que as
indústrias cearenses têm se instalado cada vez mais em cidades do interior, caindo a
participação da capital de 74,86% para 67,16% em termos de contratação de mão-de-
obra industrial.
Porém, uma análise mais aprofundada da situação mostra que talvez o fator
de maior impacto na atração de investimentos para o Ceará tenha sido a facilidade de
encontrar uma mão-de-obra de baixíssimo custo e facilmente adequável aos ditames da
acumulação capitalista. Inúmeros autores defendem que indústrias têm buscado se
localizar no interior do Nordeste para competir com os concorrentes externos, atraídas
pela oferta abundante de mão-de-obra, pela possibilidade de oferecimento de baixos
salários, pela escassez de oportunidades de emprego e pela possibilidade de flexibilizar
as relações de trabalho. (ROMÃO, 1998; RIGOTTO, 2001, BORSOI, 2005; PEREIRA
JR., 2005).
Nessas duas cadas de industrialização, o trabalhador cearense tem se
mostrado adaptado às novas regras de flexibilização da força de trabalho. Ele recebe
bem menos que o operário do Sul/Sudeste, mesmo exercendo a mesma função, e se
submete às intensas jornadas e ao ritmo de trabalho que lhe são impostos. A tabela
seguinte mostra os valores médios de salários dos trabalhadores formais registrados no
(MTE), possibilitando a visualização da diferença salarial entre as regiões citadas.
TABELA 1 - Remuneração média (R$) em Estados Brasileiros (2006 e 2007).
2006 2007
Unidade
Federativa
Aglomerado
Urbano
Interior Total Aglomerado
Urbano
Interior Total
CE
1.107,12 572,99 930,45 1.083,47 615,85 927,34
SP
1.799,19 1.300,95 1.577,52 1.804,76 1.324,87 1.591,43
SC
2.054,42 1.048,82 1.191,70 2.064,98 1.064,28 1.204,23
Fonte: RAIS - Dec. 76.900/75. Elaboração: CGET/DES/SPPE/TEM.
Sobre o movimento sindical no Nordeste e no Ceará, cabe ressaltar que,
segundo Borsoi (2005), fatores como o desemprego e o privilégio da terceirização na
contratação da mão-de-obra, além de outras políticas utilizadas pelas empresas,
5
O Instituto de Desenvolvimento do Trabalho é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos,
qualificada pelo Governo do Estado do Ceará como Organização Social apta a executar políticas públicas
nas áreas do trabalho e empreendedorismo, para geração de ocupação e renda. (CEARÁ, 2008).
37
dificultam o fortalecimento dos sindicatos e a organização coletiva dos trabalhadores, de
forma que as reações de contestação se tornam individualizadas.
Como menciona Rigotto, os trabalhadores de um Pólo Industrial do Ceará:
Vivendo em situação de penúria social, sem experiência no trabalho
industrial, sem vislumbrarem outras opções de ocupação e sem poderem
contar com entidades de classe fortes e bem organizadas, tornam-se presas
fáceis das armadilhas da organização do trabalho e da exploração.
(RIGOTTO, 2007, p. 96).
O trabalhador demonstra ter consciência das condições sob as quais exerce
as suas atividades, das conseqüências destas para a sua saúde, seu cotidiano, seu
desempenho físico e sua vida em geral, além da baixa remuneração que recebe por isso.
Mesmo assim, as pessoas se submetem a esses tipos de inserção laboral que lhes são
oferecidos, devido à estabilidade, aumento do poder aquisitivo e outras conquistas
proporcionadas pelo salário baixo, porém pago em dia no final do mês:
Mesmo que o trabalho possa ser considerado “pesado”, “cansativo”,
“puxado”, e sua remuneração aquém do que consideram um “salário digno”,
é ainda o que melhor conseguiram experimentar, pois é ele que tem
garantido algumas certezas para além do dia seguinte; é ele que tem
permitido certa experiência de conforto para si e para o grupo familiar, que
tem assegurado determinada inserção num mundo de consumo impensável
nas experiências anteriores de trabalho. (BORSOI, 2005, p. 153).
As vagas oferecidas pelas indústrias são preenchidas, ao passo que dezenas e
até centenas de pessoas ficam à espera de serem contratadas por essas empresas. Tendo
em vista a própria falta de vivência de situações semelhantes, que o trabalho
industrial constitui uma experiência completamente nova para essas famílias, o contexto
de desemprego estrutural observado e a ausência de uma articulação sindical mais forte,
as atitudes de contestação, quando existem, são pouco significativas, diante da
precarização que faz parte desse contexto.
Mas é justamente esse tipo de trabalhador que as essas empresas buscam: o
indivíduo que necessita do valor pago por aquele trabalho, sabe que necessita, e que, por
isso mesmo, não questiona de maneira realmente eficaz as condições precárias de
trabalho que lhe são oferecidas e a grande quantidade de tempo que utiliza para a
realização das atividades. Contraditoriamente, esse trabalhador se mostra, às vezes, até
grato por receber baixos salários, o que pode ser explicado pelo fato de que, muitas
vezes, ele vivenciou situações de pobreza extrema, de incerteza sobre a próxima
38
alimentação e de impossibilidade de consumir aquilo que desejava. Por tudo isso, a
subordinação às regras do trabalho precarizado constituem praticamente a única
alternativa.
Nesse sentido, parece claro que a reestruturação produtiva no Ceará está
marcada por “precarização do trabalho, baixos salários, longas jornadas, deterioração
das condições de trabalho, descumprimento de direitos trabalhistas básicos,
flexibilização das relações de trabalho, [...] terceirização predatória etc.”. (RIGOTTO,
2001, p. 57).
Torna-se válido destacar ainda que a interiorização de indústrias no Estado
induz um complexo e profundo processo de transformação da sociedade local,
conformando novos espaços urbano-industriais, com impactos no modo de vida e no
processo saúde-doença da população (ROMÃO, 1998; ROSA, 2001; RIGOTTO, 2001;
BORSOI, 2005; PEREIRA JR., 2005), metamorfoses estas que não necessariamente
constituem melhoria da qualidade de vida para as pessoas ou benefícios para a
localidade.
Pesquisas diversas têm levantado dúvidas quanto à positividade do impacto
das mudanças advindas do processo de industrialização em regiões sem tradição fabril
anterior, tendo em vista que, “embora a questão do desemprego esteja no centro da
agenda social contemporânea, não parece haver uma ligação direta e imediata entre
industrialização, geração de emprego e melhoria da qualidade de vida ou da saúde”.
(ROSA, 2001, p. 83).
Além disso, novas demandas e problemáticas vão surgindo a partir das
mudanças urbanas, demográficas, geográficas e sociais ocasionadas pela
industrialização, como aumento da violência urbana, intenso movimento migratório
entre cidades vizinhas, aliadas à falta de infra-estrutura urbana para a recepção de
grandes contingentes de pessoas, entre outras. (BORSOI, 2005). Essas questões podem
ser facilmente discutidas a partir da análise do contexto atual do município de
Horizonte, o que será feito a partir dos tópicos que seguem.
39
4.1 HORIZONTE E PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO RECENTE
Horizonte está localizado na região metropolitana de Fortaleza e tem suas
raízes históricas ligadas ao município de Pacajus, ao qual pertencia enquanto distrito.
Através da Lei Estadual 11.300, aprovada em 6 de março de 1987, a localidade foi
emancipada politicamente, após plebiscito requerido por intenso movimento organizado
por lideranças locais em prol da independência administrativa.
O município possui extensão territorial de aproximadamente 192 km
2
e dista
40 km da capital cearense, cujo acesso se dá pela Rodovia Santos Dumont, comumente
conhecida por BR 116. Geograficamente, divide-se em quatro regiões principais ou
distritos, sendo: Sede, onde se concentram 83,24% da população, e Queimadas, Aningas
e Dourado, nos quais residem 16,76% dos habitantes, constituindo, assim, uma cidade
eminentemente urbana.
Enquanto distrito de Pacajus, a economia de Horizonte girava em torno
basicamente do cultivo de frutas, do beneficiamento da castanha e da avicultura,
modalidade que foi se destacando a partir da década de 1970, com a instalação da
Granja São José e, posteriormente, de outras empresas de criação de aves.
Em apenas vinte e dois anos de emancipação, Horizonte vem construindo
uma história de crescimento econômico, despontando hoje como um dos principais
pólos industriais e estando entre as sete maiores economias do Ceará, resultado da
intensa industrialização ocorrida a partir do início da década de 1990.
Atualmente, o setor primário, apesar do pouco destaque em termos
financeiros para a arrecadação de impostos, é representado pela cajucultura, apicultura,
avicultura, mandiocultura, produção de hortaliças e fruticultura diversificada. o setor
fabril desponta indubitavelmente como preponderante na economia horizontina,
contando com mais de 50 empresas industriais dos mais diversos ramos (SOUSA,
2007). Essas indústrias, cujas origens e ramos são os mais variados, posicionam
Horizonte no campo da reestruturação produtiva, desregionalizando a sua produção.
(BORSOI, 2005).
A emancipação política de Horizonte foi efetivada no ano de 1989, com a
posse do então prefeito Francisco César de Sousa
6
, que na sua primeira gestão
6
Além do período de 1989 a 1991, Francisco César de Sousa, comumente chamado “Chico César”, foi
representante político de Horizonte nas gestões de 2001-2004 e 2005-2008.
40
administrativa aderiu à política de desenvolvimento econômico de estímulo à
industrialização adotado pelo Governo do Estado, preparando o município para atrair
indústrias à região. (BORSOI, 2005). A instalação das primeiras empresas não foi
difícil, tendo em vista as características do território, conforme justifica o texto do
informativo publicitário Gerando Desenvolvimento:
[...] a localização às margens da BR 116, um dos principais eixos
rodoviários do Brasil, faz de Horizonte um lugar especial para receber
investimentos no setor industrial. O Município é atendido por cabeamento
de fibra óptica e pelo Gasoduto Guamaré (RN/São Gonçalo-CE), tendo
instalado um dos quatro City Gates. A apenas 40 quilômetros de Fortaleza,
Horizonte beneficia-se da proximidade com o Complexo Portuário do
Mucuripe e o Aeroporto Internacional Pinto Martins. Outra vantagem
estratégica é o fácil acesso ao mais recente equipamento do setor de
transporte do Estado do Ceará, o Complexo Portuário do Pecém. Por todos
esses motivos, Horizonte está em posição estratégica para travessias do
Oceano Atlântico e conta com excelente acesso à América do Norte e
Central, favorecendo o escoamento da produção industrial. (HORIZONTE,
2004).
Tais peculiaridades, aliadas aos incentivos concedidos pela administração
local, foram essenciais para o início da industrialização, dada a partir da edição da Lei
Municipal 032/1990, que autorizou a criação da Companhia de Desenvolvimento
Industrial de Horizonte, Sociedade de Economia Mista com maior parte do capital
público. (SOUSA, 2007). Outro instrumento legislativo importante para esse processo
foi a Lei Municipal 161/1994, que estendeu os benefícios da Lei 088/1992 e
adotou providências como: isenção de taxas de licença de construção e execução de
obras, de IPTU, de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e de licença de
construção; alíquota do ISS de 1% nos cinco primeiros anos de funcionamento, dentre
outras.
Partindo de informações do Anuário do Ceará 2007-2008, Horizonte ocupa,
desde 2002, a colocação no ranking do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. No
ano de 2003, conforme circulado no O Povo (DUTRA, 2005), Horizonte ocupava o
lugar no somatório de todas as riquezas produzidas por habitante (PIB per capita) do
Ceará, cujo valor de R$ 10.005 foi maior que a média nacional do período (R$ 8.694).
Sobre esses dados, cabe destacar a colocação de Sen (2000) de que “o
crescimento econômico pode ajudar não só elevando rendas privadas, mas também
possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção governamental
ativa” (p. 57), o que tem acontecido em Horizonte.
41
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
população de Horizonte para o ano de 2007 era de 48.660 pessoas (2008), enquanto que,
na publicação Perfil do Ceará 1991-1992, Guilherme Filho (1991) aponta a observa-se,
então, fator de suma importância: em um curto período de tempo, pouco mais de duas
décadas, houve um crescimento populacional de mais de 250% naquele território, o que
ocasionou inúmeras conseqüências positivas e negativas para a região.
O Jornal Diário do Nordeste (2008) divulgou, em meados de janeiro de
2008, dados sobre a evolução do eleitorado cearense de 2006 para 2007. No Brasil, o
Ceará foi o 4º Estado em aumento do número de eleitores, ao passo que a maior
evolução deste foi apresentada por Horizonte, com 12,38% a mais de votantes de um
ano para o outro (de 27.701 para 31.131 eleitores).
Em matéria sobre a geração de empregos no País, o veículo de comunicação
O Povo (SCALIOTTI, 2008) anunciou o município de Horizonte como estando entre os
dez que mais abriram postos de trabalho com carteira assinada no Ceará em 2007, com a
quantidade de 766 novas oportunidades.
Uma pesquisa do IDT revela que as empresas do município ampliaram o
número de contratações de 3.225 trabalhadores em 1997 para 10.543 em 2005, tendo
subido da para a posição em quantidade de empregos gerados no Estado.
(CALDAS, 2007).
Uma das grandes empresas têxteis de Horizonte, que ocupa a segunda
colocação em absorção de mão-de-obra industrial no município, divulgou, em matéria
do jornal Diário do Nordeste (27/01/2008), o perfil de seus funcionários
(aproximadamente 940): 88% são homens; mais da metade (52%) residem na
localidade; 60% têm Ensino Médio completo; 52% possuem estado civil solteiro.
A tabela abaixo apresenta a remuneração média dos trabalhadores formais no
ano de 2007, de acordo com as áreas de atividades laborais.
TABELA 2 - Remuneração média de empregos formais em Horizonte (31 de dezembro
de 2007).
Indicadores Masculino Feminino
Total
Extrativa Mineral 539,03 309,00 521,34
Indústria de Transformação 743,89 558,58 664,00
Serviços Industriais de Utilidade Pública 0,00 0,00 0,00
Construção Civil 553,24 842,00 561,32
Comércio 481,15 478,64 480,43
42
Serviços 666,03 569,96 639,21
Administração Pública 838,95 873,68 859,89
Agropecuária 498,02 557,83 504,57
Total das Atividades 721,34 614,24 675,42
Fonte: RAIS/2007 - MTE
Enquanto região nova, ou seja, que não tem história industrial anterior
(BORSOI, 2005), Horizonte se diante de intensas transformações advindas do seu
processo recente de industrialização. A autora salienta que “até mesmo a simples
presença de uma indústria pode interferir de forma significativa no modo de vida de
trabalhadores que se tornaram ou estão se tornando operários fabris” (BORSOI, 2005,
p.26), afirmação que oferece uma visão esclarecedora do potencial transformador da
sociedade pela industrialização:
Nativo ou migrante, a história de trabalho anterior desses trabalhadores não
difere muito em sua natureza. Agricultura e pecuária, fábrica de
beneficiamento de castanha, olaria, casa de farinha, avicultura, construção
civil, “casa de família” (no caso de mulheres), pequeno comércio são as
fontes de trabalho que antecederam a indústria e que fazem parte da vida
desses trabalhadores. (BORSOI, 2005, p. 50).
De acordo com Sousa (2007), a divulgação promovida pela mídia sobre a
industrialização em Horizonte atrai, devido às eventuais oportunidades de emprego,
pessoas de outras cidades e até outros estados, ocasionando esse intenso crescimento
populacional e um conseqüente crescimento da demanda pelos serviços públicos. A
Secretaria de Desenvolvimento Econômico do município estima que, a cada emprego
ofertado, a procura pelos serviços de saúde e educação, por exemplo, é quadruplicada,
pois normalmente aquele que se dirige a Horizonte leva toda a família.
Dessa forma, a infra-estrutura do município requer um acompanhamento
permanente, visando atender à demanda sempre crescente, motivada pela chegada do
contingente populacional atraído diariamente pelas indústrias.
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Horizonte aponta o
quantitativo de 11.221 trabalhadores no setor industrial para o ano de 2007, sendo que
75% destes locados em uma única indústria, do ramo calçadista. Compondo ainda o
parque fabril encontram-se estabelecimentos dos mais diversos segmentos produtivos:
têxtil, montagem de veículos, metalurgia, alimentos, bebidas, confecções, cervejaria,
reciclagem, beneficiamento de castanha, avicultura industrial, pré-moldados, produtos
de limpeza etc.
43
Alguns estudos vêm sendo realizados em Horizonte diante das
transformações advindas com o processo de industrialização, estudos estes que possuem
os mais diversos olhares.
A pesquisa de Borsoi (2005), por exemplo, trouxe informações relevantes
para a compreensão do que vem ocorrendo no município, principalmente por abordar o
tema sob a perspectiva dos próprios trabalhadores, analisando aspectos da
industrialização a partir do modo de vida dos operários de algumas das fábricas.
Segundo a autora, esses operários vislumbram “o aumento das possibilidades
de emprego, o incremento do comércio, o surgimento de novas igrejas, mais alternativas
de lazer, escolas etc.” (BORSOI, 2005, p. 174) como aspectos positivos advindos com o
crescimento urbano, ao passo que salientam principalmente a violência como
conseqüência negativa. Nesse sentido, “os trabalhadores comparam o tempo em que as
casas e as ruas inspiravam segurança com o agora, quando conseguem acumular alguns
bens materiais, mas precisam, a todo tempo, proteger as conquistas e a própria vida”.
(BORSOI, 2005, p. 176).
Em outra produção acadêmica, uma administradora analisou essas
transformações recentes de Horizonte com enfoque no planejamento do orçamento e
concluiu que o impacto na execução orçamentária de Horizonte é positivo e
significativo. Para chegar a esse ponto, a pesquisadora analisou diversos aspectos
relativos à industrialização do município, tendo mencionado como reflexos positivos:
[...] aumento da oferta de empregos diretos e indiretos, aumento da renda
municipal, pujante crescimento financeiro-econômico, incremento do
comércio local, motivação para capacitação profissional, recuperação e
ampliação de grande parte do acesso ao município pela BR 116, satisfação
da população por ter uma renda própria e comprovada, instalação de
instituições públicas e privadas prestadoras de serviços diversos. (SOUSA,
2007, p 29).
A autora também inferiu questionamentos quanto a aspectos negativos
provocados pela industrialização, com relação a: preenchimento de vagas por
profissionais de outras cidades; falta de capacidade técnica e de nível de instrução da
população local; atração de populações de áreas mais vulneráveis e diversificadas do
estado e de fora do Estado; crescimento da demanda pelos serviços públicos, violência
urbana, perda de parte da identidade e da cultura local. (SOUSA, 2007).
44
O tópico seguinte contém aspectos históricos e culturais da região em que foi
executado o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”, em cujo contexto
se encontram inseridos os sujeitos da presente investigação.
4.2 TERRITÓRIO QUILOMBOLA DE HORIZONTE.
Constituído pelas comunidades de Alto Alegre, Vila Nova, Alto do Estrela e
Cajueiro da Malhada, todas localizadas no distrito de Queimadas, o território
quilombola de Horizonte passa, desde o segundo semestre de 2007, por um processo de
demarcação geográfica, realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA). Essa região está localizada a aproximadamente cinco quilômetros do
centro de Horizonte, sendo fronteira com o município de Pacajus. Devido à dificuldade
de encontrar, ou à inexistência, de publicações e fontes oficiais sobre a história dessa
região no que diz respeito à descendência negra, as informações apresentadas neste
tópico foram obtidas através de conversas informais com moradores e de atividades
realizadas pelas mulheres do projeto social de que trata essa pesquisa.
Ainda que a história da resistência e da cultura negra não seja
completamente difundida entre os residentes desse território, é sabido que pessoas
que descendem de negros que foram escravizados em outros tempos naquela região.
A própria visão da localidade difundida entre os horizontinos remete, mesmo
que de forma bastante irônica e preconceituosa, às origens desse povo, pois ainda hoje
são comuns comentários como “Alto Alegre tem negro”, “fulano mora na terra dos
branquinhos”, entre outros.
A história da descendência negra de Horizonte não se encontra bem definida.
São poucos os registros oficiais ou publicados que contam as origens das famílias que
habitam, e os próprios moradores, com exceção dos mais velhos, demonstram não ter
muito conhecimento acerca dos seus antepassados, ou não estão interessados em
difundi-los.
Os indícios apontam para a habitação da região cerca de quatro ou cinco
gerações anteriores às dos atuais adultos. Quanto à fundação, os moradores são
unânimes em afirmar que se deve a um sujeito chamado Cazuza, que foi um escravo
fugitivo de áreas próximas à atual Barra do Ceará, em Fortaleza, em direção à cidade de
Pacajus. Naquele período, Cazuza conheceu uma descendente indígena, com a qual
45
constituiu uma família, instalou-se na localidade e deu início ao povoado, quando outros
escravos também fugitivos foram se juntando ao casal e formando a comunidade de
Alto Alegre.
A origem desse nome, apesar de haver controvérsias, é delegada ao fato de
que, no início da formação do povoado, as pessoas eram bastante festivas e faziam
muitas comemorações. Uma festa de casamento, por exemplo, segundo contam,
chegava a durar três dias e três noites seguidos. E o local onde geralmente aconteciam
essas festividades ficava em um lugar alto, de forma que, aos poucos, a região ficou
conhecida popularmente por Alto Alegre.
Sobre a escravidão no estado do Ceará, Sousa (2006, p. 89) afirma que:
Por muito tempo, o negro trabalhou duro, limpando o que o branco sujava
nas casas das fazendas e das cidades; carregando nas costas sacos de
rapadura dos engenhos de Aquiraz, Pacajus, das localidades como “Olho
D´Água”, atual Horizonte, Dourado, para abastecer Pacoti, Fortaleza e
outras localidades.
Contudo, ainda hoje os resquícios do trabalho escravo podem ser observados
em Horizonte. O povo de Alto Alegre e adjacências diz que, até pouco tempo atrás, era
explorado pelos grandes proprietários de terra do atual Distrito de Queimadas, membros
de famílias tradicionais do local. Em determinados momentos, durante conversas com
os moradores mais velhos da região, sente-se certo rancor destes com relação a seus
antigos patrões, pois as relações de trabalho pareciam ser injustas, e também relatos
de que alguns trabalhadores eram castigados quando faziam algo que desagradava seus
superiores. Há boatos inclusive de assassinatos por parte de um dos senhores, que
matava os escravos quando o trabalho não era bem feito, enterrava-os de cabeça para
baixo e, em seguida, plantava uma bananeira em cima da cova para esconder os corpos.
As principais atividades laborais realizadas nesse período aconteciam em
casas de farinha, no roçado, na cozinha das casas grandes, e não se realizava a
remuneração em forma de dinheiro. Os homens trabalhavam em troca de alimentos e
moradia, ou recebiam parte da produção através do sistema de meia, no qual o
proprietário fornece a terra, as sementes e as condições para o plantio, enquanto o
trabalhador se responsabiliza por todo o processo de plantação e colheita, recebendo
como pagamento, ao final, metade daquilo que foi produzido.
Interessante ressaltar, com relação às atividades de trabalho, que os mais
velhos geralmente consideram os mais jovens (seus filhos e netos), como pessoas
46
preguiçosas, que não gostam de trabalhar e que ficam à espera do surgimento de
empregos, não valorizando sequer as oportunidades, que eles não tiveram, de estudar e
fazer cursos.
Outras tradições dos mais velhos parecem não ter sido transmitidas de pais
para filhos, como fabricação de artesanatos de palha (tapetes, chinelos, esteiras) e de
coco (pintura de tecidos, objetos de enfeites), uma vez que são poucos os conhecedores
dessas habilidades manuais na atualidade. Alguns elementos tradicionais, porém, ainda
se fazem presentes, como fogão a lenha, panelas de barro, comidas (tapioca, mugunzá,
produtos de milho).
Mesmo com toda a miscigenação que vem acontecendo nos últimos anos na
cidade de Horizonte, com a migração de milhares de família em busca de emprego, o
território quilombola ainda possui uma tradição familiar bastante forte. Alguns
sobrenomes se destacam e estão presentes no registro civil da maioria das pessoas cujas
raízes são da região, pois o casamento entre parentes era bastante valorizado, com
finalidade de dar continuidade à linhagem, ao passo que a união com “brancos” era
rejeitada pelos chefes de família.
Muito interessante é a forma como grande parte dos descendentes dessas
famílias veio ao mundo: com a ajuda de uma senhora que até pouco tempo atrás ainda
atuava como parteira. Jovens com menos de trinta anos, em Alto Alegre, vieram ao
mundo com o auxílio dessa senhora, ainda viva no período desta pesquisa e
carinhosamente chamada de mãe por seus “filhos”.
Contudo, a questão do desconhecimento da história e das origens do povo da
comunidade de Alto Alegre parece ser uma realidade em fase de mudança, visto que, de
alguns anos para cá, inúmeros estudiosos das ciências humanas e sociais e outros
visitantes vêm se interessando pelo contexto daquela região e fazendo pesquisas
históricas, bem como os próprios moradores vêm demonstrando cada vez mais interesse
em buscar e fortalecer suas raízes.
O reconhecimento oficial da localidade enquanto ex-quilombo certamente
contribui bastante para essa questão. Porém, anterior a esse período, a Prefeitura
Municipal de Horizonte já vinha realizando atividades no sentido de resgatar a história e
a identidade cultural das comunidades daquela região, através, por exemplo, do
incentivo à organização dos moradores; busca de parcerias e intercâmbios com outros
municípios e estados, visando à melhoria das condições e oportunidades de crescimento
47
para a localidade; convites e recepção de pessoas e instituições ligadas ao movimento
negro.
Aspectos da cultura negra que estavam esquecidos nesse cotidiano estão
ganhando destaque, especialmente com relação à dança. Há alguns anos, para se praticar
capoeira, as pessoas tinham de se dirigir ao centro de Queimadas, mas atualmente
grupos treinando todos os dias nas mediações de Alto Alegre, no pátio do Posto
Municipal de Saúde e nas escolas. O maculelê
7
e a dança do fogo contam com grupos
que se apresentam nas festividades da região e em outras cidades.
Outro exemplo de valorização da cultura negra na localidade está no fato de
que, no ano de 2008, Horizonte foi a única cidade do Nordeste e uma das três do Brasil
que implantaram devidamente a Lei Federal 10.639 de 2003, que inclui na Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e institui o dia
20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Dezenas de professores
da rede pública de ensino do município foram capacitados para essa tarefa, bem como,
pelo menos seis anos, a prefeitura vem realizando eventos no período dessa data
comemorativa.
Em 2003, foi oficializada a Associação de Remanescentes de Quilombos de
Alto Alegre e Adjacências (ARQUA). Mesmo não possuindo sede própria, a
associação, constituída somente por moradores da região, busca, através de parcerias e
apoios externos, melhorias para a comunidade. O início da execução do projeto
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” foi dado com o auxílio dessa
instituição, que contribuiu principalmente com a divulgação da iniciativa e a captação
de pessoas interessadas.
7
Maculelê: dança de origem afro-indígena, constituída pela mescla de elementos trazidos pelos africanos
com a cultura dos índios brasileiros. Assim como a capoeira, o maculelê era mais uma maneira de luta
contra a escravidão, em que as músicas evidenciavam o ódio e eram cantadas em forma de dialetos para
que os feitores não entendessem o sentido das palavras, e os passos ensaiavam golpes de luta.
(VOLPATTO, 2009).
48
4 PERCURSO METODOLÓGICO DA INVESTIGAÇÃO
De acordo com Quivy e Campenhoudt, “uma investigação é, por definição,
algo que se procura; é um caminhar para um melhor conhecimento e deve ser aceite
como tal, com todas as hesitações, os desvios e as incertezas que isto implica”. (1992, p.
29).
Para a realização dessa jornada, é necessário um planejamento do caminho
do pensamento e da prática exercida na abordagem da realidade. Minayo (1994) afirma
que “a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas
que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do
investigador”. (p. 16). São necessários parâmetros para caminhar no conhecimento, ao
passo que a criatividade do investigador não pode ser desvinculada desse processo.
Rey (2002, p. ix) apresenta a pesquisa como sendo um “processo constante
de produção de idéias que organiza o pesquisador no cenário complexo de seu diálogo
com o momento empírico” e defende a especificidade da produção do conhecimento nas
ciências antropossociais, em que se produz conhecimento sobre um “objeto” de
pesquisa idêntico ao pesquisador. Assim como Minayo, o autor enfatiza a importância
da inserção do investigador na produção do conhecimento, uma vez que este se orienta
por suas próprias idéias, intuições e opiniões. Não se pode deixar de mencionar ainda o
caráter também ativo do próprio objeto do conhecimento, que atua sobre esse processo
muito além da própria consciência do pesquisador.
A partir dos aspectos apresentados, optou-se pela abordagem qualitativa
nessa investigação. Rey (2002) atenta que o qualitativo constitui via de acesso a
dimensões do objeto inacessíveis ao uso que em nossa ciência se tem feito do
quantitativo. Em Minayo (1994), observa-se que essa abordagem envolve um nível de
realidade que não pode ser quantificado, ou seja, trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que o podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.
No final de 2007, a presente pesquisa e sua proposta metodológica foram
devidamente submetidas e aprovadas no Comitê de Ética em Pesquisa da UFC.
O campo de pesquisa foi selecionado por conveniência, diante da
participação da pesquisadora no projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”, exercendo as funções de coordenadora co-executora e de facilitadora de
49
oficinas de crescimento e desenvolvimento interpessoal, dentre outras atividades. Essa
atuação possibilitou um maior contato com as pessoas abordadas nesta pesquisa, no
caso, mulheres envolvidas no projeto acima referido. Dentre as 25 integrantes,
entrevistamos sete.
A primeira técnica utilizada foi a observação participante, que se insere no
que Montero (2006) denomina de método participativo. Este busca preservar a
integridade dos eventos do mundo social. Para a autora, a observação participante é:
[...] la actividad metodológica realizada en el transcurso de la vida cotidiana de
personas o de grupos específicos, a fin de conocer, desde esa posición interna,
eventos, fenómenos o circunstancias a los cuales no se podría acceder desde
una posición externa no participante. Produce una forma de teorización que
surge a partir de la experiencia. (MONTERO, 2006, p. 205).
Montero complementa dizendo que a técnica pode implicar em o
pesquisador ter que desempenhar algum papel na comunidade, participar de tarefas
comunitárias e seguir os ritmos da comunidade, mas sem ocultar o papel principal de
investigador.
No caso desta pesquisa, isso ocorreu tanto através da mencionada
coordenação, como também de visitas periódicas ao território quilombola nas mais
diversas situações: festas juninas, eventos religiosos, reuniões da associação
comunitária, comemorações, desfiles etc. Na condição de coordenadora, foi possível à
autora o acesso a todas as informações oriundas das fichas de inscrição e de avaliação
das integrantes, a observação e o acompanhamento de todo o processo de
desenvolvimento das propostas do projeto.
Em situações como festas, eventos religiosos entre outras, as informações
foram importantes para a compreensão determinadas atitudes, comportamentos, valores,
crenças e outros aspectos da população local, na qual está inserida o grupo de mulheres
abordadas nesta pesquisa.
Nesse sentido, e seguindo a proposição de Rey (2002) de que “a realidade é
constitutiva da subjetividade humana, não podemos seguir identificando-a como
dimensão externa em relação à subjetividade”. (p. 136), buscamos chegar a novos
territórios do real, inacessíveis em termos de informações objetivas imediatas.
Tal forma de trabalho se torna expressiva pelo fato de que interesse o
somente no que as pessoas pensam e expressam, mas, também, em como elas pensam e
porque pensam o que pensam.
50
O principal instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista, que
consiste em uma técnica que permite a produção do sentido. Pinheiro (1999) entende a
entrevista como sendo uma prática discursiva, ou seja, “como uma ação (interação)
situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem
versões da realidade”. (p. 186).
As entrevistas foram abertas semi-dirigidas, utilizando-se um roteiro
estruturado (Apêndice A) que contém 19 tópicos divididos em cinco temas principais:
Trabalho, Horizonte, Território Quilombola, Vida Pessoal e “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”. Respeitando a abordagem selecionada, essas perguntas
funcionaram como um guia, de forma que nem todas as questões foram utilizadas em
todas as entrevistas.
As interrogações foram realizadas em três momentos distintos, dois deles
com a participação de duas mulheres e o terceiro com três, sendo todos gravados e
transcritos. Optou-se por uma abordagem coletiva das mulheres com o intuito de
proporcionar uma interação entre elas e enriquecer o diálogo.
Em uma ocasião estavam presentes os familiares de uma das entrevistadas,
que inclusive opinaram sobre os assuntos conversados. Visando proporcionar mais
personalidade à história de vida das mulheres, foram nomes femininos comuns para
cada identificação fictícia, e a transcrição das falas não passou por correção gramatical
nem semântica. O mesmo ocorreu com os nomes atribuídos às fábricas mencionadas.
A seleção de seis dentre as vinte e cinco mulheres participantes do projeto se
deu por conveniência, pela facilidade de acesso a elas e pela sua disponibilidade em
participar da pesquisa. Completando o grupo pesquisado, foi entrevistada ainda a
assistente técnica do núcleo Horizonte, dado o seu comprometimento com o projeto, o
fato de ter nascido na comunidade e a participação, sempre que possível, nas atividades
também como aluna e não somente como organizadora. Todas assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B).
O quadro da página seguinte apresenta características básicas do grupo de
mulheres entrevistadas:
51
QUADRO 1 - Caracterização das mulheres entrevistadas.
Nome
Fictício
Idade
Estado Civil
Escolaridade
Filhos
Moradia em
Horizonte
(anos)
Casa
Situação
Laboral
Atual
Situação
Laboral
Anterior
Quilombola
1
Crisália 33 Casada
série
3 8 Própria
Dona-de-casa, trabalhos
avulsos (lavagem de roupas,
unhas)
Quatro anos em grande empresa
seis anos atrás
Não
2
Virgínia 33 Separada
série
2 13 Própria
Dona-de-casa, trabalhos
avulsos (lavagem de roupas,
vendas de salgados), recebe
pensão
Três anos em grande empresa
10 anos atrás
Não
3
Lucimar 32 Casada
série
3 09 Própria
Zeladora em empresa de
tecidos
Artesã de tapetes de fiapos
nove anos atrás
Não
4
Rosalba 35 Casada
série
4 09 Própria
Dona-de-casa, vendedora
autônoma
Três anos em grande empresa
cinco anos atrás
Não
5
Mirtes 19 Casada
série
2 19 Própria
Funcionária da Pré-
fabricação da Sapatos
Sim
6
Valquíria 24 Casada
série
1 24 Própria
Dona-de-casa, artesã Dois meses em grande empresa
dois anos atrás
Sim
7
Letícia 26 Casada Ensino
Médio
0 26 Própria
Dona-de-casa, artesã Sete anos em grande empresa
seis anos atrás
Sim
52
Importante salientar que, de acordo com Rey (2002), o conhecimento
científico, a partir do ponto de vista qualitativo, não se legitima pela quantidade de
sujeitos a serem estudados, mas pela qualidade de sua expressão.
As informações obtidas em toda a investigação foram submetidas a dois
procedimentos intimamente relacionados: análise e interpretação. Segundo Gil (1999), o
primeiro tem como objetivo “organizar e sumariar os dados de tal forma que
possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto na investigação” (p.
168), ao passo que a interpretação objetiva a “procura do sentido mais amplo das
respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente
obtidos”. (p. 168).
Para a efetivação desses processos, os elementos foram agrupados nas
seguintes categorias: Experiências de Emprego nas Fábricas; Questões de Gênero e de
Raça relacionadas ao Trabalho; Vivência do projeto “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”: aprendizagem para além da costura; e Significados Atribuídos
ao Trabalho. O estabelecimento dessas categorias emergiu a partir das entrevistas e teve
a pretensão única de organizar as informações de modo a facilitar a leitura, jamais de
engessar o seu conteúdo em grupos estabelecidos. Sendo assim, elas estão intimamente
relacionadas umas às outras.
Silva (2004) considera que é possível contar uma história de muitas formas;
naquela escolhida, o historiador revela-se pelos elementos que delimitam e confortam o
que será contado, definindo os recortes que realçam alguns fatos.
53
5 PROJETO “ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO
REALIDADES”
É uma coisa bem positiva pra mim, porque ele é um curso, não um curso,
aliás, foi um projeto, um curso que veio a me estimular a trabalhar minha
auto-estima, eu não tinha sonhos, não sabia sonhar, aprendi a sonhar,
aprendi uma coisa que eu sempre quis que era costurar, eu não tinha noção
de costura, eu queria fazer esse curso mas eu não tinha condições de fazer, e
o projeto veio e foi uma coisa gratificante, e vai chegar o dia que vai acabar
e vai deixar muita tristeza pra mim. certo que a gente dando
continuidade, eu tenho certeza que não eu, mas as meninas aprenderam
um pouco de cada coisa que ensinaram. (Valquíria).
Antes de descrever o percurso realizado pelo projeto “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”, é necessário contextualizar o panorama nacional que
fundamentou a sua elaboração.
De acordo com Moraes (2005), a reemergência dos movimentos sociais no
Brasil e no mundo, a partir de fins da década de 1970, produz e projeta no país uma
outra concepção de cidadania, baseada no trabalho, na qualidade de vida e na luta
social. Uma cidadania que busca enfrentar os problemas cotidianos da coletividade, em
especial da exploração, da miséria e da desigualdade social, sempre presentes na
formação social brasileira.
Respondendo às reivindicações históricas dos movimentos de mulheres e de
negros de formulação de uma política sustentável de promoção de igualdade, o governo
do presidente Luís Inácio Lula da SIlva criou, em 2003, importantes secretarias para
viabilizar a implementação e concretização das novas políticas de governo, como a
Secretaria de Promoção da Mulher e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR).
Nos últimos anos, a qualificação profissional ganhou novos significados e
importância. Isso se deve, por um lado, à introdução de novas tecnologias e novas
técnicas gerenciais, inerentes aos processos de reestruturação produtiva, e, por outro, ao
crescimento do desemprego e da heterogeneização das formas de trabalho, temas
discutidos anteriormente.
O Plano Nacional de Qualificação (PNQ), lançado em 2003 e coordenado
pelo Departamento de Qualificação da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do
MTE teve como desafio principal a possibilidade de implementar uma política pública
fundamentada na formulação de uma inclusão social pela via do trabalho e da educação.
54
As bases dessa nova política pública estão em consonância com as
discussões internacionais no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
que entende a qualificação social e profissional como direito e condição indispensável
para a garantia do trabalho decente para homens e mulheres. Tal qualificação é
entendida como sendo aquela que permite a inserção e atuação cidadã no mundo do
trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas.
Por essa política, as ações de qualificação social e profissional devem ser
implementadas de forma descentralizada, por meio de Planos Territoriais de
Qualificação (em parceria com estados, municípios e entidades sem fins lucrativos), de
Projetos Especiais de Qualificação (em parceria com entidades do movimento social e
organizações não-governamentais ONG´s) e de Planos Setoriais de Qualificação (em
parceria com sindicatos, empresas, movimentos sociais, governos municipais e
estaduais).
O objetivo dos Planos Territoriais é atender demandas por qualificação
identificadas com base na territorialidade. Os Projetos Especiais, por sua vez, destinam-
se ao desenvolvimento de metodologias e tecnologias de qualificação social e
profissional e os Planos Setoriais buscam o atendimento de demandas emergenciais,
estruturantes ou setorializadas de qualificação. Juntos, esses três planos constituem o
PNQ. (BRASIL, 2009).
Moraes (2005) afirma que, diante desse novo plano, a política de
qualificação adquire uma outra concepção, abordando, como premissas básicas de
governo, as dimensões política, ética, conceitual, pedagógica, institucional e
operacional, que incorporam noções de territorialidade, empoderamento, qualidade
pedagógica, efetividade social, arranjos produtivos locais, gênero e etnia. Estes
conteúdos devem estar integrados, contextualizados numa metodologia participativa e
dialética dentro do tripé trabalho, educação e desenvolvimento.
Nesse contexto, surge também o Programa de Promoção Inclusão Produtiva
de Jovens, através de um acordo firmado entre o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome (MDS). Dentro desse acordo, a promoção da inclusão produtiva deve ser
abordada como sendo:
Co-financiamento de ações sócio-assistenciais complementares às políticas
públicas setoriais que favoreçam a formação profissional, a capacitação e a
geração de renda como estratégia básica para a conquista da autonomia pessoal
55
e familiar, constituindo ações fundamentais para enfrentamento da pobreza na
medida em que promove a inserção produtiva de pessoas, famílias e
comunidades. (BRASIL, 2003).
Esse programa, cujo edital foi lançado em 2006, teve como objetivo
possibilitar a cooperação técnica e financeira entre instituições para a implementação de
projetos visando promover:
I a conscientização e a organização dos jovens frente ao mundo do
trabalho;
II – a valorização da auto-estima e o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários;
III a formação e / ou capacitação para o trabalho com ênfase na
identificação e no desenvolvimento de habilidades pessoais e coletivas;
IV a qualificação profissional como estratégia para a conquista da
autonomia pessoal e familiar;
V o desenvolvimento das capacidades de agir com autonomia e de
protagonizar iniciativas de caráter coletivo;
VI ações de geração de renda que favoreçam autonomia pessoal e familiar
e a melhoria da qualidade de vida;
VII – ações que possibilitem o acesso ao mercado de trabalho;
VIII – geração de renda, por meio do trabalho coletivo, como cooperativas e
outros sistemas associativos;
IX abertura de frentes de trabalho compatíveis com o contexto
socioeconômico dos municípios e o perfil do público alvo;
X – a construção de projetos de vida e de sociedade que mantenham e
ampliem as melhorias possibilitadas pelos programas de transferência de renda.
Os projetos aprovados deveriam contemplar ainda os seguintes aspectos:
a) Participação (valorização do papel ativo dos participantes como
protagonistas);
b) Parceria (com movimentos, organizações e governos municipais e
estaduais no planejamento e desenvolvimento do projeto);
c) Territorialidade (valorização, preservação da identidade e respeito às
especificidades políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais da comunidade);
d) Sustentabilidade (envolvimento e comprometimento de diversos atores
sociais com as ações propostas);
56
e) Qualificação institucional (capacidade de articulação para a execução das
atividades propostas);
f) Igualdade racial e social (envolvimento das categorias de gênero, raça,
geração e etnia);
g) Abordagem multi e interdisciplinar (adoção de enfoques metodológicos
participativos);
h) Continuidade e replicabilidade (orientação, assessoria e / ou avaliação
com o término do projeto).
Seguindo essas prerrogativas, em meados de 2006, o NUTRA elaborou e
teve aprovado o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades um resgate
da criatividade e da cultura para a geração de trabalho e renda entre mães chefes de
famílias oriundas de comunidades de Fortaleza e Horizonte”.
O objetivo geral definido para a ação foi qualificar profissionalmente mães
chefes de família para a geração de trabalho e renda, e o público beneficiado consistiu
em mulheres cadastradas no Programa Bolsa Família
8
, com idade entre 18 e 30 anos,
residentes no território quilombola do município de Horizonte e na área da Secretaria
Executiva Regional (SER) IV da cidade de Fortaleza.
Dentre os objetivos específicos, foram traçados para o projeto (BRASIL,
2006): sensibilização e instrumentalização da clientela assistida para o mercado de
trabalho e para a resposta social; aperfeiçoamento das competências intra e
interpessoais; trabalho com auto-estima e exercício de cidadania; facilitação de um
posicionamento mais consciente frente às opções profissionais; contribuição para a
apropriação da noção de trabalho como uma categoria mais ampla do que a idéia de
emprego formal; incentivo ao engajamento e utilização das forças grupais como
estratégias de enfrentamento das adversidades do mundo do trabalho; facilitação da
construção / resgate da cidadania e da independência financeira das mulheres
8
Programa Bolsa Família (PBF): programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que
beneficia famílias em situação de pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 60 a R$ 120) e extrema
pobreza (com renda mensal por pessoa de até R$ 60). Integra a estratégia Fome Zero e pauta-se na
articulação de três dimensões essenciais: 1) promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da
transferência direta de renda à família; 2) reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de
Saúde e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades; 3) coordenação de programas
complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias. Exemplos de programas
complementares: programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento
de registro civil e demais documentos. (BRASIL, 2009).
57
envolvidas; realização de um resgate histórico da identidade cultural e individual dos
sujeitos descendentes de escravos, dentre outros.
A metodologia utilizada incluiu pressupostos como a valorização do
protagonismo de saberes por parte dos integrantes, partindo de um compromisso,
reforçado pela vinculação afetiva do grupo e da possibilidade de construção de espaços
de aprendizado e troca de informações, com a ampliação dos conceitos para percepção
da realidade e a produção de instrumentos e estratégias baseados na realidade e modo de
vida do grupo.
Esse modo de atuação é consolidado a partir do desenvolvimento da
participação, da organização grupal e do exercício de uma consciência crítica e se funda
na crença de que a humanidade merece ser defendida em sua dignidade e em seus
direitos, além de estar sendo compreendida como dona e construtora de sua própria
história, de sua vida e das formas de superar os obstáculos. (BRASIL, 2006).
Como observado, as diretrizes do projeto “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades” não foram constituídas por acaso, e sim seguiram uma série de
prerrogativas, propostas e metodologias evidenciadas pela atual agenda do governo
federal. A escolha do blico feminino, assim como o território quilombola de
Horizonte, também foi baseada na política pública de inserção social de grupos que se
encontram em situação marginal.
Nesse sentido, não foi difícil obter o apoio do poder público municipal das
duas cidades envolvidas no projeto (Horizonte e Fortaleza), apoio este que foi
fundamental para a execução de todas as atividades da ação, desde a sua elaboração até
a continuidade após o término das capacitações. O item seguinte descreve esse processo
no núcleo Horizonte do projeto.
58
5.1 IMPLANTAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO PARTICIPANTE
FIGURA 1 - Logomarca do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”
Fonte: Elaboração dos autores, 2007.
O cadastramento de mulheres interessadas em participar das atividades do
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” teve 45 inscritas, todas moradoras das
comunidades de Alto Alegre e adjacências. A ficha que elas preencheram no momento
da inscrição (Apêndice C) continha um item aberto que fazia a seguinte pergunta: “Por
que deseja participar do projeto?”. Com isso, pretendeu-se verificar a expectativa das
mulheres em relação à proposta. Do grupo inscrito, 25 candidatas relacionaram suas
respostas ao interesse em ingressar no mercado de trabalho ou arranjar um emprego; 22
candidatas mencionaram melhoria de renda e de vida; e 15 responderam que pretendiam
aprender coisas novas ou ter uma profissão.
O processo seletivo contou com a presença de 35 pessoas. Durante a seleção,
solicitamos a confecção, em grupos, de bolsas femininas, para as quais foram
disponibilizados materiais como retalhos, botões, lantejoulas, vieses e instrumentos para
costura em geral. A fotografia abaixo representa um momento dessa seleção:
59
FIGURA 2 - Fotografia do Processo de Seleção
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Os critérios que nortearam a escolha das 25 mulheres que integraram o
grupo final foram definidos a partir da configuração de organização manifestada nessa
ação coletiva: habilidades manuais, capacidade de trabalho grupal, iniciativa,
comunicação, desenvoltura individual. Essas seriam características importantes para a
constituição de uma equipe tendo como objetivo final a criação de um grupo produtivo
autônomo ou mesmo uma cooperativa de costureiras e artesãs.
A média de idade das mulheres selecionadas foi de 28 anos, tendo doze delas
mais de 30 anos, o que fugiu um pouco do intervalo prioritário definido inicialmente.
Entretanto, analisamos também aspectos sociais e econômicos, como configuração e
renda familiar, o que originou essas exceções. Somente uma das mulheres ainda não era
mãe. As outras tinham dois ou três filhos cada e apenas quatro estavam separadas do
marido ou do pai dos filhos.
O nível e a situação escolar desse grupo eram bastante diversificados:
somente cinco mulheres afirmaram estar estudando naquele período; apenas seis haviam
concluído o Ensino Médio e outras seis o Ensino Fundamental. O último ano de
freqüência à escola foi 1999 para 15 das mulheres.
Quanto à situação ocupacional, duas mulheres apontaram que trabalhavam
por conta própria sem carteira assinada (lavando roupas, fazendo faxinas em casas de
família, fabricando e vendendo artesanato), 11 disseram não trabalhar e 12 afirmaram
estar desempregadas. Contudo, a vivência no projeto mostrou que essas mulheres são
donas-de-casa e responsáveis pelos filhos, além de realizarem atividades adicionais para
aumentar a renda familiar (fabricação caseira de bolos e doces por encomenda, cuidado
60
dos filhos de amigos etc), o que não é apontado por elas, de imediato, como atividade
laboral.
Metade do grupo (12 mulheres) revelou não possuir renda individual fixa
alguma, pois, embora todas as famílias fossem cadastradas no Programa Bolsa Família,
nem sempre o titular eram elas próprias, bem como o município não recebia, no
período, verba suficiente para contemplar todos os indivíduos cadastrados. Quanto à
renda familiar, cinco mulheres disseram receber menos de R$ 100,00
9
por mês, dezoito
até R$ 400,00 e somente duas afirmaram que o valor total recebido por sua família
estava acima de R$ 700,00. Vale ressaltar que cada domicílio contava em média com
quatro ou cinco moradores.
No tocante à cor / raça declarada pelas próprias mulheres, 11 delas se
consideraram, espontaneamente, negras; oito se autodenominaram pardas e o restante
(seis) amarelas ou indígenas.
5.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS, AVALIAÇÕES, APRENDIZAGENS
Devido a contratempos diversos, o início propriamente dito das atividades do
Núcleo Horizonte do “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” ocorreu somente
a partir do mês de fevereiro de 2007.
A primeira capacitação realizada foi a Oficina de Retalhos, durante a qual as
mulheres confeccionaram produtos, principalmente bolsas femininas, utilizando
pedaços e sobras de tecidos doados por costureiras e empresas do ramo têxtil do
município. A facilitadora da oficina foi uma professora do curso de Estilismo e Moda da
UFC, que costumeiramente trabalha com grupos de mulheres na periferia de Fortaleza e
em cidades do interior do Ceará. Todas as peças foram elaboradas conjuntamente e à
mão, uma vez que as máquinas de costura ainda não estavam disponíveis para o grupo,
como pode ser observado no registro fotográfico abaixo:
9
Valor do Salário Mínimo vigente no período: R$ 350,00.
61
FIGURA 3 - Fotografia da Oficina de Retalhos
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
O material produzido nessa primeira oficina foi exposto em um estande na
VI Feira de Negócios de Horizonte, durante as comemorações do 20º aniversário da
cidade, como pode ser visto na fotografia abaixo.
FIGURA 4 - Fotografia da Exposição de produtos
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Os depoimentos, oriundos dos formulários de avaliação preenchidos
anonimamente ao final de cada atividade (Apêndice D), refletem a visão delas acerca da
vivência no projeto, logo no início. O quadro abaixo apresenta, fielmente, trechos dos
textos produzidos pelas integrantes do projeto, razão porque não foi feita qualquer
correção ortográfica:
62
QUADRO 2 – Observações da Avaliação da Oficina de Retalhos.
Críticas nenhuma. Vamos consegui acasar no hobigetivos. Sugestões ter mais hunião
entre o grupo.
Apesar de ter tão pouco tem po até agora deu tempo para aprendermos várias coisas
interessantes isso nos mostra que daqui pra frente temos muita capacidade para
aprendermos mais e mais durante este projeto.
Sugestões para que nois continue quada vez mais desenpenhada nas participação do
nosu curso. Que nuca desista desa grandi oportunidadi.
Tá tudo maravilhoso.
O curço foi muito bom é um sonho realizado. Esperamos que continuem dezevolvendo
cada veis mais.
Eu aprendi muito durante as oficinas e eu quero parabenizar a todas.
Gostei muito do projeto porque mostrou que nois pordemos fazer com nossa
criatividade.
Nunca pensei que fosse capaz. Não costurava nem mesmo as roupas do meu marido e
consegui produzir.
É muito bom trabalhar em equipe, uma ensinando às outras.
A oficina ajudou a dispertar a criatividade de todos
É uma experiência que temos que agarrar.
Poder mostrar nosso produto, nossa história, trabalhar com artesanato.
Foi excelente, em só duas semanas de trabalho já conseguimos expor nossas peças.
Fizemos na mão e as pessoas queriam comprar nossos produtos. Imagine quando
começarmos a costurar.
Por que eu aprendi nova atividade e tive a chance de conhecer novas pessoas capaz de
ajuda o próximo.
Até agora, só posso parabenizar o trabalho de todas as meninas que estão à frente do
projeto e das alunas pela força de vontade.
Porque eu gostei muito de ter aprendido coisas novas.
Fonte: Relatório de Projeto de Extensão, 2007.
A exposição das peças produzidas no mencionado evento municipal parece
ter sido de extrema importância para o pontapé inicial de formação daquele grupo, tendo
em vista os elogios tecidos pelos freqüentadores da feira e a visibilidade proporcionada
ao trabalho e à comunidade das artesãs.
As mulheres que participaram diretamente da exposição manifestaram o seu
contentamento diante dos comentários de reconhecimento de sua coleção e mostraram-
se satisfeitas em apresentarem e divulgarem seus trabalhos para moradores e visitantes
de Horizonte. Mais uma vez os depoimentos das mulheres oferecerem um panorama
acerca da experiência: “na feira conseguimos até encomendas”; “se Deus quiser, ano
que vem estaremos vendendo”; “foi muito bom poder mostrar nosso produto, nossa
criatividade”; “nossa barraca estava cheia de harmonia”. (UFC, 2007, p. 8).
63
A atividade seguinte foi conduzida por uma artesã horizontina, que ensinou
às mulheres a confeccionar peças de “fuxicos”
10
, que podem ser visualizadas na figura:
FIGURA 5 - Fotografia da Oficina de Fuxicos
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Os fatos de a facilitadora ser uma pessoa da mesma classe social que as
mulheres e de ela utilizar uma linguagem simples foram relevantes para o aprendizado,
no sentido de proporcionar uma troca de experiências interessante para todas. Enquanto
profissional do artesanato, a instrutora pôde repassar informações não somente acerca
da criação dos produtos, mas também sobre a sua profissão, os benefícios e dificuldades
de se trabalhar por conta própria. Vale a pena transcrever alguns manuscritos da
avaliação dessa oficina:
QUADRO 3 – Observações da Avaliação da Oficina de Fuxicos.
A instrutora foi muito legal com todos nós. Eu acho que seria muito bom se for
possível ter mais aulas com ela.
A estrutora é muito legal, mais durou muito pouco.
A oficina foi ótima, a capacitadora e muito legal, mas que pena que durou pouco.
Não gostei de algumas pessoas que não fazia nada, mais a instrutora foi maravilhosa.
Pra me so teve pontos positivos foi tudo de bom.
Foi bom porque nós aprendemos mais um trabalho.
O aprendizado de fuchicos como fazer cortinas, flores, enfeites etc. O modo da
professora nos tratar muito bem...
Fonte: Relatório de Projeto de Extensão, 2007, p. 3.
Outro grande momento para o grupo de mulheres ocorreu durante as
primeiras aulas do tão aguardado Curso de Costura, pois, conforme relatos, a maioria
10
Técnica de costura em que círculos de tecido são costurados em forma de pequenas trouxas e cuja
junção origina peças diversas de decoração, vestuário, cama, mesa e acessórios.
64
nunca havia manuseado uma máquina elétrica para esse fim. O aprendizado dessa
capacitação consistiu em um aumento das possibilidades de concepção de peças, já que,
até ali, as aprendizes dispunham apenas de agulhas para a junção dos cortes de tecido.
FIGURA 6 - Fotografia do Curso de Costura
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Vale ressaltar a importância da parceria firmada com a associação
comunitária neste projeto: não foi necessário adquirir novas máquinas de costura através
do financiamento do PNUD, pois a ARQUA havia recebido a doação de 12
equipamentos industriais para quatro tipos diferentes de técnica de costura (overloque,
galoneira, reta e interloque), além de uma máquina para corte de tecido. Assim sendo, o
dinheiro pôde ser investido em outras atividades.
A metodologia usada pela costureira, também moradora de Horizonte, ao
ensinar os passos da atividade, com simplicidade, respeitando o ritmo e valorizando o
conhecimento de cada uma, demonstrou ser outro diferencial, pois pareceu contribuir
ainda mais para a integração do grupo em geral e com o desenvolvimento técnico das
participantes. O projeto buscou, assim, valorizar o potencial dos cidadãos horizontinos e
contribuir para o fortalecimento da identidade e da cultura, através da contratação,
sempre que possível, de profissionais da própria região.
No final de junho de 2007, foi realizado o Seminário Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades, no Auditório da Reitoria da UFC, para socializar as atividades
dos núcleos de Fortaleza e Horizonte em sua primeira etapa e dar visibilidade aos
resultados obtidos até ali. O evento representou um momento importante para a
65
visibilidade interna e externa dos grupos, além de contar com a representação de
membros do MDS, do PNUD e de outras instituições parceiras. A foto seguinte contém
grande parte da equipe de trabalho e das integrantes dos dois grupos do projeto.
FIGURA 7 - Fotografia do Seminário na UFC
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
As mulheres demonstraram estar orgulhosas por aquilo que produziram,
que foi feita uma mostra da produção para a comunidade acadêmica. Na ocasião, elas
tiveram contato, pela primeira vez, com as companheiras do outro núcleo e seus
trabalhos. O seguinte trecho de uma avaliação resume o evento: “Palestras bastante
esclarecedoras, onde aprendemos muito mais com relação ao projeto como um todo e
como ele funciona em outros lugares, enfim foi bem produtivo”.
Esse primeiro contato com o grupo de Fortaleza serviu para estimular a
produção das mulheres, pois, como o primeiro havia iniciado suas atividades semanas
antes, o arsenal produzido foi superior ao das horizontinas, como pode ser constatado na
seguinte opinião de uma integrante: “Creio que a mostra de produtos foi boa, porém
poderíamos melhorar na produção para termos mais a apresentar”. Além disso, o projeto
foi divulgado nas mídias televisiva e impressa, através de matérias nas quais integrantes
deram seus depoimentos sobre a vivência no projeto.
Seguindo o objetivo específico de buscar a melhoria da qualidade de vida
das mulheres e suas famílias, o projeto ofereceu palestras educativas sobre “Auto-
medicação”, “Atenção à Saúde” e “Sexualidade”, visando fornecer esclarecimentos
acerca de cuidados básicos com a saúde, de prevenção a doenças sexualmente
transmissíveis (DST), planejamento familiar e outros assuntos.
66
Oficinas de crescimento e desenvolvimento interpessoal também foram
realizadas com as participantes, durante as quais foram abordados temas como elevação
da auto-estima, auto-conhecimento, desenvolvimento de habilidades de comunicação e
de trabalho em grupo. A fotografia abaixo registra um momento dessas oficinas.
FIGURA 8 - Fotografia da Oficina de Crescimento e Desenvolvimento Pessoal
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Em outra atividade, efetivada para contemplar os propósitos acadêmicos do
projeto de fortalecer o diálogo sobre a Psicologia Social do Trabalho e de ampliar o
debate sobre as novas tendências do mercado de trabalho (BRASIL, 2006), realizou-se
uma roda de conversa sobre trabalho, cuja participação das seis mulheres se deu de
forma espontânea. Foi solicitado que essas mulheres pusessem livremente no papel, sob
a forma de desenho, música, palavras, tudo que lhes viesse à cabeça com relação à
temática. Em seguida, cada uma apresentou sua produção para o grupo, expressando em
que consistiam os desenhos, frases ou palavras escritas.
FIGURA 9 - Fotografia da Roda de Conversa sobre Trabalho
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
67
Algumas mulheres representaram o trabalho através de desenhos diversos:
utensílios e móveis domésticos (vassoura, fogão, talheres), retratos humanos, figuras
bucólicas (flores, jardins), bolo confeitado, peças de vestuário e textos. O quadro
seguinte apresenta partes dos textos escritos por elas. Outros fragmentos dessa
apresentação, que foi gravada com o consentimento delas, serão apresentados em
capítulos posteriores.
QUADRO 4 – Manuscritos de roda de conversa sobre trabalho.
O trabalho é um dom de Deus que nus deu cada um di nois para sermos sidadao.
(Luzirene).
Trabalho nem sempre quer dizer emprego, muitas vezes trabalho é produzir algo sem
ter remuneração. Trabalhar é você sentir útil, produtivo e capaz de com o seu trabalho,
seja ele qual for sentir-se realizado, como profissional e pessoa. Trabalho dignifica, dá
auto-estima e é algo de suma importância na vida do ser humano. (Virgínia).
Trabalho para min e uma fonti que quada um di nos dependi deli porque sem trabalho
nos não somos nada. Dependemos deli para todas as coisas di nossas sobrivivencia.
Trabalho e uma coisa muito inportanti não so di pão vivi o homem mais di toda palavra
da boca di Deus. (Lucimar).
Trabalho e tudo aquilo que faz parte da nossa vida, principalmente quando se faz com
amor carinho e dedicação, paciência. (Letícia).
No meu ponto de vista trabalhar e senpre ter auqela tarefa a fazer todos os dias e fazer
co carinho porque trabalhar e lida do dia-a-dia. Todo dia estamos trabalhando, fazendo
uma coisa ou outra. (Valquíria).
Trabalhar pra mim significa tudo porque através do trabalho nós temos tudo que
sonhamos e se inda não temos com certeza algum dia da vida teremos, pois quem
espera por Deus não cansa. Temos que ter nosso próprio trabalho pra que nós possamos
se alto sustentar comer do próprio suor do nosso rosto por que mente vazia é oficina do
diabo e também eu gostaria de trabalhar para ajudar meu marido e pagar a faculdade do
meu filho. Trabalho que eu amo fazer é costurar. Peço muitas forças a Deus pra que eu
possa alcançar esse objetivo. (Marília).
Fonte: Material interno do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”.
Iniciado o segundo semestre de 2007, as mulheres participaram de um curso
para confecção de bonecas de pano, instruídas por duas senhoras fortalezenses,
integrantes da Rede Cearense de Sócio-Economia Solidária. A foto que segue destaca
um dos modelos aprendidos nesse curso.
68
FIGURA 10 - Fotografia da Oficina de Bonecas de Pano
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
O intercâmbio proporcionado por essa experiência foi importante para a
ampliação dos conhecimentos das mulheres acerca da situação do artesanato na cidade
de Fortaleza. Igualmente importante foi a fabricação de produtos ainda não encontrados
na comunidade, como bolsas infantis em formato de bonecas, enfeites de sapos e outros
bichos, o que resultou em inúmeras encomendas por parte de vizinhas e colegas das
mulheres.
Uma das contribuições dessa oficina foi que as mulheres puderam utilizar os
conhecimentos adquiridos de diferentes formas, pois elas próprias passaram a buscar
outros modelos de bonecas e novos detalhes para diferenciar seus produtos.
O passo seguinte ocorreu com outra oficina, ministrada pela professora de
Estilismo e Moda, para a elaboração de uma coleção de roupas, segundo a criatividade
das alunas, para apresentação durante a I Feira de Integração Universidade-Movimentos
Sociais da UFC. A interface com outros grupos produtivos, de outras cidades e de
produtos variados proporcionado por essa feira, permitiu uma comparação entre estilos
e trouxe novas expectativas e opções para os núcleos.
Esta ocasião constituiu em outro marco nas atividades do projeto, pois foi a
primeira vez que os grupos puderam vender seus produtos. Assim, o aprendizado
ultrapassou os aspectos da técnica e da concepção, uma vez que as mulheres tiveram a
oportunidade de lidar diretamente com o cliente, na relação do comércio daquilo que
elas próprias haviam elaborado.
69
Outra questão importante, ocorrida a partir dessa feira, se deu com a divisão
do dinheiro arrecadado entre as mulheres, cujos critérios utilizados foram definidos por
elas mesmas. Para a realização daquela feira, houve maior engajamento na produção e /
ou na venda por parte de algumas. Outras haviam desistido, afastado-se
temporariamente por doença, nascimento de filhos ou algum outro motivo. Assim, o
dinheiro, que embora não fosse alto, era bastante representativo por consistir no
primeiro fruto financeiro do processo. A fotografia seguinte ilustra a ocasião em que foi
definida a forma de divisão do dinheiro arrecadado.
FIGURA 11 - Fotografia de Reunião Interna do Grupo de Mulheres
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
A segunda oportunidade de venda das peças do grupo ocorreu na I Mostra
Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades na Comunidade de Alto Alegre, ocasião
ansiosamente esperada pelas próprias mulheres e pela localidade em geral, que se
mostrava curiosa em conhecer os resultados de tantos meses de curso e trabalho
conjunto. A população das redondezas reclamava o fato de suas conhecidas terem
participado de feiras na capital e aparecido na televisão mostrando seus produtos e os
ganhos pessoais advindos do projeto, sem, no entanto, terem feito isso na própria
comunidade. Algumas mulheres vendiam peças ou recebiam encomendas
individualmente, mas de forma coletiva ainda não havia acontecido nada nesse sentido.
A essa altura do projeto, alguns aspectos foram se evidenciando, tais como a
diminuição do interesse de algumas mulheres, concomitantemente a um maior
engajamento de outras integrantes, a aptidão de determinadas mulheres para a
divulgação e venda dos produtos, enquanto outras se destacavam na produção e criação.
70
A última atividade organizada e dirigida pela coordenação do projeto foi a
participação em um desfile de moda que aconteceu durante o evento de comemoração
ao Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro). As vestimentas foram
desenhadas, cortadas e costuradas pelas mulheres, isto é, não existiu em momento
algum um facilitador para gerenciar o processo. Crianças da comunidade (foto abaixo) e
garotas de Alto Alegre e adjacências que concorriam ao posto de Miss Negra 2007 de
Horizonte trajaram as peças confeccionadas, apresentando as obras elaboradas por suas
conterrâneas para toda a comunidade.
FIGURA 12 - Fotografia do Desfile de Moda Infantil
Fonte: Elaborado pelo autor, 2007.
Diante da contextualização geral do projeto exposta acima, cabe apresentar
como essas mulheres percebem e significam o trabalho e a experiência no projeto, bem
como o que pensam sobre suas condições de vida, suas experiências de trabalho e sobre
si mesmas, enquanto mulheres e artesãs.
71
6 AS NOVAS ARTESÃS: A VIDA, O TRABALHO, A FAMÍLIA, OS
SONHOS
Temos, todos que vivemos, uma vida que é vivida / E outra vida que é
pensada / E a única vida que temos / É essa que é dividida / Entre a
verdadeira e a errada. (Fernando Pessoa).
Este capítulo trata, principalmente, das informações obtidas durante as
entrevistas realizadas com o grupo de mulheres envolvidas na pesquisa. Aqui
apresentamos, de modo sucinto, a história de cada uma das sete entrevistadas, atentando
para aspectos considerados essenciais para contextualizar a situação atual de vida delas.
Tais aspectos têm o intuito de mostrar como vivem em seu cotidiano, como lidam com
as atividades laborais, a industrialização de Horizonte, os estudos, o cuidado da casa e
dos filhos, os costumes familiares e as experiências no projeto “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”. Para intitular cada uma destas histórias, foram utilizados
fragmentos de falas que caracterizam experiências, momentos ou opiniões de grande
relevância para a vida delas.
6.1 CRISÁLIA: “MEU SONHO É VOLTAR NOVAMENTE PRA SAPATOS
11
”.
Crisália é casada, tem 33 anos, três filhos e mora em casa própria, em
Horizonte, oito anos, para onde se mudou com o marido em busca de trabalho.
Apenas o filho mais novo, de 11 anos, vive com ela, e os dois mais velhos, de 17 e 18
anos, moram com a mãe dela em Quixadá, cidade onde nasceu.
A entrevistada gosta de morar em Horizonte, pois considera o ambiente
calmo e silencioso, sem muito movimento de carros e pessoas, além de o município
oferecer mais oportunidades empregatícias que sua cidade de origem: “Em Quixadá o
movimento que é grande, o emprego lá é mais difícil. O emprego lá tá precário. Agora é
que tem. Aquela rua que eu moro ali é uma maravilha! Eu mal vejo movimento, vejo
bagunça, a gente não vê muita coisa, então eu acho calmo”.
Por se considerar, mesmo que indiretamente, integrante da comunidade
quilombola, Crisália é filiada à associação comunitária ARQUA, para a qual paga a
11
Nome fictício para a maior indústria de Horizonte, do ramo calçadista, que emprega aproximadamente
75% dos trabalhadores formais do município e é responsável por aproximadamente 50% do ICMS
arrecadado pelo poder público municipal.
72
mensalidade de um real, pois tem expectativa de ser ajudada futuramente quando
precisar, por exemplo, de um transporte em caso de doença. “Eu sou quase quilombola,
porque eu partilho às vezes quando eu vou pra reunião, por eu morar aqui e participar
um pouco do que acontece. O povo reclama que eu não sou daqui, que eu não sou como
eles”.
Quando requisitada a opinar sobre as mudanças ocorridas nos últimos anos
no município de Horizonte, Crisália ressaltou aspectos da educação, como um projeto
do qual o filho mais novo participou e foi quando aprendeu a ler e a escrever, e a
disponibilização pela prefeitura de ônibus escolares, que buscam e deixam os alunos na
porta de casa e na porta da escola.
Seu marido trabalha na Sapatos há oito anos e assume as despesas fixas da
casa, enquanto que Crisália faz serviços diversos para aumentar a renda familiar de
aproximadamente um salário mínimo e satisfazer outras necessidades:
Eu me viro como posso. Lavo roupa, faço unha. Esse dinheiro é pras minhas
coisas. Porque meu marido trabalha. Ele bota dentro de casa o que comer,
paga água, luz e o gás. Agora o resto é comigo. Em termos de comprar um
chinelo, uma roupa, calcinha, sutiã. Quando eu vou pra minha mãe, eu não
peço nada a ele. É essas minha necessidade.
Apesar de não trabalhar fora, o dia-a-dia de Crisália não é nada fácil e
ganhar o próprio dinheiro se mostra um aspecto importante até para a sua auto-estima:
Essa correria que eu vivo eu não vejo a vida nem passando. Tem dia que eu
amanheço o dia com a trouxa de roupa na cara. [...] Então faço porque eu
preciso. Quero as minhas coisinhas sem tá dependendo dos outros. [...]
desde pequena que eu tenho costume de trabalhar, não gosto de pedindo a
ninguém.
Crisália não concluiu sequer o Ensino Fundamental e não demonstra vontade
de voltar a estudar, mas incentiva os filhos a se dedicarem aos estudos e a fazerem
cursos profissionalizantes, pois reconhece a importância da educação e da qualificação.
Ela alega que não tivera oportunidades para tanto: “Eu não fiz curso nenhum porque eu
não tinha condições de pagar. [...] É isso que eu digo pra eles, aproveite bem, os estudos
de vocês, aproveite os cursos que aparecendo, é de graça, do governo, porque, no
tempo que eu estudava, não tinha isso”. Nesse aspecto, ela considera que Quixadá
oferece mais opções e facilidades que Horizonte, principalmente para os jovens.
73
Ela revelou ainda que não está oferecendo aos filhos tudo o que gostaria e
que tinha mais condições de fazer isso na época em que trabalhava na Sapatos. Naquele
período, ela conseguia pagar cursos e comprar objetos e remédios necessários com mais
facilidade, além de receber o pagamento no dia certo, com o qual ajudava sua mãe:
Quando eu tava trabalhando, [...] Eu pagava curso pra ele, coisa que eu não
tinha. [...] Todo final de mês eu tinha um compromisso, recebia o meu
dinheiro e ia deixar pra eles lá. [...] que no momento agora ela (mãe) vê,
que eu não tenho condições nem pra mim, me manter direito, nem mandar
dinheiro pra eles. Aí desse jeito eu tô achando ruim.
Sobre o trabalho operário na indústria que mais emprega pessoas em
Horizonte, Crisália apresenta grande desejo de retornar ao seu posto: “Meu sonho é
voltar novamente pra Sapatos. Eu saí porque teve corte, me botaram pra fora. Aqui fora
eu me virando, lavando roupa quando aparece”. Ela tentou várias vezes a
recontratação, mas existe uma política da empresa de não contratar ex-funcionários,
independentemente do tempo de serviço, motivo da saída ou o período em que isso
ocorreu.
A sua opinião acerca das atividades laborais nessa indústria está na seguinte
fala:
Pra mim o povo que reclama de barriga cheia. Passei quatro anos lá,
não tem esforço. Tudo bem que tava numa máquina, costurando. Não tinha
salário atrasado, não tinha cesta básica atrasada, o ônibus não atrasava,
nunca vi. O salário era de acordo. Eu sempre fazia muita extra, então recebia
mais de salário. Tem merenda, tem almoço, tem um ônibus que vem pegar
na porta, saía de vinha pra minha casa. Então, não é uma maravilha? [...]
Eu sinto muita falta, muita, muita falta mesmo.
Interessante que o elogio às condições oferecidas pela empresa e o desejo de
voltar a trabalhar com carteira assinada, tendo acesso a todos os direitos trabalhistas,
predominam no discurso de Crisália: “O meu sonho mesmo é entrar numa firma
novamente, assinar minha carteira, ter todos os meus direitos, porque o que aparece não
é garantia de nada. Com certeza uma Sapatos daria certo pra mim”.
Contudo, no decorrer do seu depoimento, ela apresenta também pontos
negativos dessa sua ocupação:
Quatro anos que eu passei na firma, eu não tinha tempo de sair de casa. Meu
tempo mais era dentro da firma do que em casa. [...] Fazia muita extra pra
poder conseguir ganhar melhor. [...] Tinha dia que saía de manhã cedo, tinha
74
de me acordar três horas, pra deixar almoço, pros meninos merendar e
almoçar. Tinha dia que chegava seis horas da noite, pra fazer extra. O tempo
que eu tinha era de chegar em casa, fazer minhas coisas e dormir.
Não sobrava tempo, assim, para conhecer as pessoas e interagir com a
comunidade, pois, além do trabalho na fábrica, Crisália assumia completamente as
responsabilidades domésticas de alimentação, limpeza, manutenção da casa e cuidados
com os filhos e marido. Porém, trabalhar para Crisália é “[...] uma benção. Pior coisa é a
gente tá desempregada”.
A ex-operária da Sapatos tem planos de ver seus filhos trabalhando nesta ou
em outra empresa de Horizonte, parecendo ser igualmente uma vontade dos jovens,
segundo a mãe: “Gostaria de ver meus filhos trabalhando na Sapatos. Não no serviço
pesado, porque nenhum dos dois tem preguiça de trabalhar. Mas eles pensa muito.
Sempre falei que a firma é boa. ‘Ô mãe, pois um dia nós vamos também trabalhar lá’”.
Mesmo valorizando a educação e a formação profissional, Crisália parece
delegar aos filhos a conquista de certificados e diplomas, como se não fosse mais
possível para ela própria. As oportunidades que aparecem não lhe servem mais, embora
admire a sua mãe pelo fato de ter alcançado mais objetivos nesse sentido:
Minha mãe, ela tem estudo, trabalhando. Isso é uma maravilha já. Os
concursos que apareceram pela prefeitura aqui, eu gostaria de ter
aproveitado. Não aproveitei porque não tinha dinheiro pra pagar e pra
comprar as apostila, porque se eu tivesse entrado no concurso pra prefeitura
eu num tava trabalhando? Não era o resto da minha vida, até eu me
aposentar?
o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” foi uma
oportunidade gratuita que Crisália considera ter aproveitado bem, pois não faltava aos
encontros por qualquer motivo, como acontecia com outras companheiras, a quem
critica: “Algumas delas faltava, eu não era de faltar. [...] A gente tava tendo um curso
daquele, de mão beijada, de graça, se fosse faltar por tudo que acontecia, ninguém ia
aproveitar nada”.
Por outro lado, Crisália não deu continuidade ao que aprendeu, pois, mesmo
tendo as máquinas de costura à sua disposição no espaço físico alugado e mantido pela
prefeitura, no período da entrevista ela não estava sequer exercitando o que aprendera.
A amizade e o fato de ter conhecido novas pessoas parece ter sido o produto mais
marcante dessa sua experiência. Porém, o que ela queria mesmo era o encaminhamento
para uma das indústrias.
75
6.2 VIRGÍNIA: “A CORRERIA QUE A GENTE VIVE, CONTANDO COISAS, SE
VAI DAR OU NÃO VAI DAR, ISSO PRA MIM NÃO É VIDA, É UMA
SOBREVIDA”.
Nascida em Madalena, no interior do Ceará, Virgínia foi morar em
Horizonte 13 anos, sendo acompanhada logo em seguida pelos pais. Eles já tinham
parentes morando no distrito de Queimadas e a busca por emprego, estudo e novas
oportunidades foram os motivos que levaram todos à transferência de cidade. A
entrevistada comenta que esse tipo de mudança para Horizonte é muito comum, pois as
pessoas vão se inserindo nas fábricas, constituindo suas famílias e influenciando seus
conhecidos a fazerem o mesmo.
Virgínia acha interessante morar em um lugar que já foi um quilombo.
Mesmo não conhecendo bem a história dessa descendência, revela que é bom morar em
uma comunidade quilombola e sente-se fazendo parte dela por conta da convivência.
Porém, a moradora não é associada à ARQUA e não sabia nada sobre as origens da
população local até participar do projeto Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”. Ela considera que as mudanças advindas a partir do reconhecimento oficial
do território quilombola e as oportunidades de emprego e profissionalização que têm
surgido fazem com que as pessoas queiram dizer que são constituintes desse contexto,
pessoas que antes negavam qualquer descendência.
Outra observação dela sobre essa questão diz respeito à diminuição, a seu
ver, das atitudes de preconceito e racismo, que ocorriam de forma mais forte entre os
próprios moradores. Atualmente, Virgínia diz que o preconceito ainda existe, mas de
forma “velada”. Sobre as visitas constantes de pessoas de fora, Virgínia as considera
positivas, uma vez que “contribui pro bem do município”.
Aos 33 anos, Virgínia mora em casa própria e com os filhos, pois está
separada do companheiro cerca de um ano. Ela relata que “morar sozinha com dois
filhos pra cuidar é a coisa mais difícil que eu vi na minha vida. Não é fácil, mas é um
aprendizado, não tem só parte ruim, não”.
Para a manutenção da casa, o ex-marido contribui financeiramente com a
alimentação, enquanto que ela recebe ajuda dos pais e realiza atividades diversas para
arcar com todas as outras despesas, além de estudar à noite para concluir o Ensino
76
Médio. Suas palavras revelam a situação difícil do seu cotidiano: “Eu não sei como,
mas eu me viro! Eu faço salgado aqui e acolá pra vender. E a gente vai se virando”.
Nos primeiros anos de moradia em Horizonte, Virgínia trabalhou por poucos
meses na Sapatos e, apesar de haver sido demitida quase dez anos, deseja muito uma
outra oportunidade de emprego na empresa: “Eu sou louca pra voltar pra lá! Mas eu
ainda não consegui voltar, ainda tô atrás, mas não desisti ainda não. Eu quero se for
lá! Eu brincando, com certeza se tivesse outra oportunidade eu queria”. Ela critica as
pessoas que lá trabalham e que reclamam das condições oferecidas:
Hoje você pessoas que dormem no SINE
12
, se for o caso, pra arranjar
uma carta pra Sapatos, se esforçam, fazem de tudo pra ir pra lá. Quando
dá dois meses, três meses que tão lá, começam a reclamar, porque trabalham
demais, porque a comida é ruim. Então, reclamam de mal-agradecidos que
são, eu vejo dessa forma. Vobatalha por um trabalho, quando consegue,
fica reclamando.
Virgínia acha positivo o fato de as empresas darem prioridade aos moradores
horizontinos no momento da contratação: “Nós temos emprego pra população do
Horizonte, principalmente com relação às mulheres, porque nem todas as empresas dão
oportunidade pras mulheres. No caso, a Sapatos é uma das que mais oportunidade”.
A continuação dessa fala apresenta ainda um lugar importante que a Sapatos tem no
imaginário dessas mulheres de Horizonte: é a principal porta de entrada, senão a única,
para as mulheres no universo fabril. “Pra mim esse é um dos pontos mais positivos que
eu vi acontecendo aqui depois desse tempo. É realmente a oportunidade de emprego que
nós temos”.
Quando questionada sobre os seus objetivos e planos para o futuro, Virgínia
afirma que “queria ter uma vida mais tranqüila, [...] um trabalho que me desse a
estabilidade que eu preciso”. Por qualidade de vida, Virgínia entende que:
É você poder oferecer pra sua família uma vida estável, sem voter que ter
aquela correria, sem ter que me preocupar, por exemplo, se eu vou ter
dinheiro pra pagar uma água, uma luz, as minhas contas do mês eu vou
poder pagar. [...] Porque a correria que a gente vive, contando coisas, se vai
dar ou não vai dar, isso pra mim não é vida, é uma sobrevida.
12
O Sistema Nacional de Empregos (SINE) é um programa do governo federal, coordenado pelo MTE,
que tem como missão “contribuir de modo ativo e permanente com o processo de desenvolvimento
econômico e social do Ceará, participando da formulação e implementação de políticas públicas que
assegurem a expansão do volume de emprego no Estado e possibilitem a adequação da força de trabalho
aos espaços ocupacionais ofertados pelos diferentes setores da economia”.
77
Nos seus anseios, Virgínia insere logo aquilo que deseja para os filhos, que
consiste em que eles não precisem passar por tudo aquilo que ela passou. Quando tinha
a idade da sua filha de 12 anos, por exemplo, Virgínia disse que:
trabalhava nas casas de pessoas, porque realmente era preciso, porque
onde a gente morava, o trabalho do meu pai não era seguro e o meu pai não
podia me dar aquilo que eu precisava [...] Então eu não quero que ela precise
fazer isso. Eu quero ter uma estabilidade que a ela a oportunidade de
estudar e arranjar uma coisa boa pra ela futuramente.
Assim, com relação aos filhos, Virgínia fala sobre planos distintos da sua
experiência de vida: apenas, em último caso, gostaria de -los em funções como a que
desempenhou na Sapatos, porque considera que “os jovens de hoje têm oportunidade
tão maiores que a gente tinha que eles podem arranjar uma coisa melhor [...], se eles se
prepararem bem. A Sapatos, ela tem umas oportunidades para o jovem que tá se
preparando direitinho”.
Até certo momento da entrevista, Virgínia demonstrava que estaria satisfeita
se conseguisse um emprego que lhe desse estabilidade. Contudo, ao ser questionada
sobre o trabalho dos seus sonhos, seu discurso começou a mudar:
Eu acho que dificilmente você trabalha com o trabalho dos sonhos, eu acho
que as oportunidades vão surgindo e você vai aproveitando. Trabalho dos
meus sonhos, eu queria trabalhar pra mim, eu não queria trabalhar pros
outros [...] Eu vendo pra pessoas e ganho por comissão. Eu sou muito boa de
vender, por isso o sonho de botar um negócio pra mim. [...], mas isso é tão
difícil! [...] Nesse momento da minha vida eu não vejo a menor
possibilidade de isso acontecer,[...] porque eu tenho que passar ainda muita
coisa.. É tão distante, que no momento, uma Sapatos funcionava.
O projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” é percebido por
Virgínia como uma grande oportunidade que foi oferecida a ela e ao grupo para
aprender várias coisas, além de costurar, mas que poderia ter sido melhor aproveitada
por todas que dele participaram: “Nós poderíamos ter aprendido mais, no caso, de
proveito pra gente, entendeu? Porque o projeto deu essa oportunidade pra nós”. Outro
ponto enfocado foi sua esperança em ser encaminhada pela equipe do projeto para a
Sapatos, pois o que Virgínia realmente quer é uma vaga nesta empresa.
No seu tempo de moradia em Horizonte, Virgínia vislumbrou várias
mudanças na cidade, principalmente no tocante à educação. Ela cita o transporte para os
alunos que moram longe como uma das principais facilidades encontradas, além do
78
ensino de qualidade, dos professores de Fortaleza, da existência de creches e do ensino
da história do município nas escolas. Contudo, ela acha que são as oportunidades de
trabalho mesmo que atraem as pessoas e fazem que elas permaneçam no distrito
industrial: “Porque o município possibilidade de trabalho, seja qual for a família, e o
trabalho a segurança que as famílias precisam, que isso a gente não tinha onde a
gente vivia”.
6.3 LUCIMAR: “TEM QUE SER ‘MULHER MACHO SIM SENHOR’!”.
Lucimar e o marido se mudaram há nove anos para Horizonte, vindos de
Canindé, interior do Ceará, em busca de trabalho. Aos 33 anos, cursou até a série do
Ensino Fundamental e parou de estudar vários anos, afirmando não ter possibilidade
de retornar para a sala de aula naquele momento, por falta de alternativa.
Logo que chegou em Horizonte, o casal fabricava utensílios de decoração
com fiapos de tecidos que comprava de uma fábrica de etiquetas e, com a venda dos
tapetes, centros de mesa e artigos para banheiro, sustentavam os três filhos. Em seguida,
passaram a cuidar do sítio de uma família de Fortaleza, vivendo no local por cinco anos
até comprarem a casa própria, obtida a partir dos salários dos empregos com carteira
assinada que ambos conseguiram.
Sobre a moradia em Horizonte, Lucimar afirma que, em comparação à
cidade onde vivia, as condições de vida em geral são bem mais fáceis, com relação à
alimentação, emprego, calçamento das ruas. Ela não aponta aspectos negativos advindos
com as mudanças em Horizonte a partir da industrialização: “Cada momento pelo
bairro, pelas Queimadas, melhorou muito, não tem nada de ruim, não”.
Mesmo relatando não ser descendente de escravo, essa moradora da
comunidade quilombola considerou a importância e o papel que podem exercer uma
associação comunitária: “Não somos quilombolas. Eu acho que, através de uma
associação, pode conseguir muita coisa pra comunidade. Vamos supor, uma creche, [...]
conseguir uma casa de apoio pros jovens que vive solto nas ruas sem fazer nada, no
mundo das drogas”. Sua percepção sobre o preconceito racial é otimista: “Já teve,
realmente, não com os quilombolas como a gente, ‘morenim’, a gente de passagem,
mas acho que hoje não tem mais não. O mundo hoje as coisas da forma que a gente
vive no mundo, sem preconceito”.
79
O marido da entrevistada trabalhou em uma granja antes de ser contratado
por uma grande fábrica de tecidos, empresa de onde havia sido demitido poucas
semanas antes à entrevista, e onde Lucimar ocupa o cargo de serviços gerais. Embora os
dois sempre tivessem trabalhado, Lucimar aponta que ela é quem resolve as questões
financeiras da família, administrando inclusive o dinheiro recebido pelo marido,
cuidando dos afazeres domésticos, dos filhos e tomando as decisões dentro de casa.
Quando perguntada sobre a situação da mulher na sociedade nos tempos
atuais, com relação ao mercado laboral e à vida familiar, ela afirmou que “Ser mulher
nessa situação é difícil, porque, ao mesmo tempo, você tem que ser mulher pra
trabalhar, pra tomar conta de casa, pra cuidar de filho. Tem que ser ‘mulher macho’ sim,
senhor!”.
Lucimar se percebe como sendo uma mulher muito batalhadora, que gosta
de trabalhar e que sempre trabalhou muito para conseguir suas coisas. Quanto à sua
ocupação laboral, iniciada cinco anos antes, ela menciona que gostaria de arranjar um
emprego melhor, tendo em vista que o marido estava desempregado e a sua
responsabilidade aumentara. E expressa sua opinião acerca da contratação terceirizada
de serviços:
Eu trabalhando, como sempre, na Fronha
13
, como zeladora, trabalho por
uma terceirizada. Eu não trabalho pela empresa mesmo. Pretendo sair de
pra arrumar um emprego melhor, mas eu tenho medo, porque tá difícil, só eu
trabalhando, meu esposo está desempregado, a responsabilidade é grande.
Um emprego melhor pra mim, hoje, eu queria numa quina de costura,
com peças, e eu queria entrar na Sapatos, porque ela é uma empresa própria,
dá todos os direitos aos funcionários. Uma terceirizada que nem eu tô não
direitos aos seus funcionários. Eu e eu sabendo que ela não me dá. É
carteira assinada, mas pra mim sair ou faço um acordo ou peço minhas
contas.
Além de conseguir um emprego melhor que o que possui, Lucimar deseja
uma oportunidade na Sapatos, empresa na qual nunca trabalhara, e também ser
costureira, sendo este um dos seus sonhos no tocante à realização laboral: “O trabalho
dos meus sonhos é ser costureira. Eu tenho um sonho, ainda tenho certeza, tenho muita
vontade de entrar na Sapatos. É um sonho que eu tenho, e meu esposo também”. Ela
percebe a experiência nessa empresa como o meio de tornar-se uma profissional da área
de costura, o que proporcionaria condições para montar o seu próprio negócio: “Meu
13
Nome fictício para grande empresa do ramo têxtil de Pacajus.
80
sonho agora pra mim agora mesmo é trabalhar, costurar, ser uma profissional pra
quando eu sair de lá, um dia, eu poder colocar na minha casa”.
Mesmo não considerando, naquele momento, a possibilidade de ela própria
voltar a estudar, Lucimar tem a seguinte visão sobre o futuro dos filhos:
Sempre eu quero muito pros meus filhos é que eles tenham futuro, eles tenha
uma vida digna, estudando, com um emprego e seja mais assim, tenha mais
educação, uma faculdade mais apropriada, aqui dentro de Horizonte mesmo,
porque a gente tem. Eu tenho muito na cabeça pro futuro dos meus filhos
seja uma educação melhor, mais voltada pra eles, somente o que eles
escolher.
Os comentários de Lucimar sobre o que entende por qualidade de vida
parecem refletir um pouco das dificuldades e necessidades financeiras que ela vivera:
“Qualidade de vida, pra mim, é saber viver, tentar o máximo a paz dentro de casa. As
coisas tão muito cara. Tem que pensar a qualidade de vida pra cada vez mais melhorar
meu sistema da alimentação, da saúde, da educação, da casa, de tudo”.
O aprendizado de Lucimar no projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades” foi além dos conhecimentos técnicos em costura, como ela própria afirma:
Alinhavando foi muito show com certeza. Pelo que eu tive, era não ter medo
de enfrentar a vida, não ter medo de me sentar numa máquina, costurar. Eu
conquistei muita coisa, coisa que eu jamais vou esquecer. [...] Muitas coisas
onde eu trabalho, muita coisa eu achei muito importante nesse curso.
Contudo, o fato de o projeto não ter viabilizado uma organização das
mulheres enquanto grupo produtivo foi visto por ela como um aspecto negativo: “Teria
sido melhor se tivesse continuado como uma cooperativa, ter uma força maior”.
6.4 ROSALBA: “PRA MIM, TRABALHAR EM FIRMA NÃO DÁ MAIS”.
A família de Rosalba é originária de Cascavel, cidade localizada a 30
quilômetros de Horizonte. Casada há 12 anos, ela e o marido vivem há nove nas
proximidades da comunidade quilombola do distrito industrial horizontino, e têm três
filhos, estando a mais velha casada e o mais novo ainda em idade escolar. Quando
chegaram a Horizonte, moravam em casa alugada, conquistando a casa própria alguns
anos depois.
81
Aos 39 anos, Rosalba concluiu a série do Ensino Fundamental. Apesar
de ter trabalhado durante muito tempo em empresas, há cinco anos, ela assume apenas a
função de dona-de-casa. Nos primeiros tempos de moradia em Horizonte, ela trabalhou
seis anos em uma indústria e, em seguida, passou sete anos na Sapatos, logo que esta foi
instalada. A saída se deu por iniciativa própria, pois a filha havia saído de casa para
casar e não tinha quem cuidasse do seu filho mais novo, com dois anos de idade no
período. Desde então, Rosalba não trabalhou mais fora da sua residência: “Passo o dia
em casa, cuidando do meu filho, da minha casa, trabalhar que é bom, não vou, não
tenho mais idade. Fazer o quê? Continuo dona-de-casa”.
O marido é motorista e trabalha para uma firma em Fortaleza, onde passa a
semana e retorna a Horizonte apenas nos finais de semana. A divisão das tarefas e das
atividades domésticas nessa família ocorre da seguinte maneira: o homem arca com as
despesas, e a mulher é responsável pelos afazeres domésticos e pelo cuidado dos filhos,
como bem resume Rosalba: “Faço tudo em casa, e ele paga as contas”.
Quando questionada sobre as intenções de voltar a trabalhar em empresas,
Rosalba apenas responde negativamente, não expondo motivos da recusa, além do
avanço da sua idade, que possam estar relacionados, por exemplo, às suas experiências
anteriores: “Pra mim, trabalhar em firma não mais, eu vou fazer 40 anos”. Rosalba
expressa sua vontade de montar o próprio negócio:
Meu sonho é trabalhar por conta própria, meu sonho é vender peça íntima. O
que eu vendendo agora é da minha irmã, mas é chato porque a gente
ganha por comissão, e sendo da gente pode até facilitar, vender mais barato,
e é da gente [...] Trabalhar pra mim, nem que seja pra ganhar pouco, mas
que seja meu.
As mudanças observadas em Horizonte após a industrialização são
percebidas positivamente por Rosalba: “Eu vejo sempre mudar pra melhor: saúde,
empresa, a água, tudo vai ficando melhor [...] No meu modo de pensar, não tem nada de
ruim com as mudanças”.
Ela relata que são oferecidas muitas oportunidades de emprego para aqueles
vindos do interior, tendo inclusive três sobrinhos nessa situação: um deles mora em sua
casa, trabalha na Sapatos e ajuda nas despesas. Outros aspectos ressaltados por ela são
a educação e a saúde oferecidas pelo município, até para pessoas que não moram em
Horizonte: “A educação daqui eu acho ótima, de coração, eu acho muito boa. [...]
82
Meu pai adoece muito, já veio e ficou no hospital por duas vezes, recebe os remédios,
tudinho aqui. Você vem aqui e consegue”.
Com relação à qualidade de vida, Rosalba demonstra conformismo e
satisfação sobre a sua vida naquele período, respondendo que aquela consiste em
“correr atrás do melhor”, e afirmando que sua vida deveria continuar do jeito que está.
Para os filhos, deseja a independência financeira e um bom futuro no tocante à
educação: “pros meus filhos, quero um futuro muito bom mesmo, estudo. Que eles
consigam se sustentar sem mim”.
Rosalba afirma que aprendeu muita coisa diferente durante a sua
participação no projeto Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” e resume sua
opinião acerca dele: “Concordo com a Lucimar: teria sido melhor se tivesse continuado
uma cooperativa. Como não continuou, foi bom, foi ótimo”.
6.5 MIRTES: “É MUITO TRISTE A GENTE DEIXAR OS FILHOS COM OS
OUTROS, MAS É O JEITO”.
Mesmo tendo somente 19 anos de idade, Mirtes já tem dois filhos e vive com
o companheiro três anos. A família se mudou de Quixadá para Horizonte à procura
de emprego e ela chegou ainda pequena à cidade.
Pelo fato de morar nos arredores da comunidade quilombola e ser membro
da associação comunitária, ela se considera uma pessoa descendente de quilombo,
embora ainda fique reticente quanto a isso: “Nós somos quilombolas, porque faz parte
da comunidade de lá, acho que somos, somos sim”. O preconceito com as pessoas
negras é facilmente visualizado por ela no dia-a-dia daquela região: “Essa semana
mesmo eu vinha do Horizonte, tinha uma moreninha na mesma ‘topice o pessoal
ficou comentando. Ainda existe preconceito”.
Faltando apenas um ano para concluir o Ensino Fundamental, Mirtes deixou
de freqüentar a escola por conta da primeira gravidez, e não voltou mais. Três meses
antes da entrevista, havia começado a trabalhar no setor de pré-fabricados da Sapatos,
manifestando a seguinte opinião acerca do emprego: “Gosto de trabalhar lá, não
gosto mais porque é à noite. gostando, porque eu passando cola, servicinho
mole, é bom, uma oportunidade da gente, de comprar as coisas pra casa”.
83
O marido de Mirtes também trabalha nessa fábrica no período da noite,
porém na cozinha. Segundo ela, a divisão das responsabilidades domésticas entre o
casal se tanto no âmbito financeiro quanto no da execução das atividades, sendo, de
acordo como ela, tudo discutido e acordado entre eles: “Quando a gente tá pra receber
dinheiro ‘nós vamos pagar isso, vamos fazer isso’. É sempre assim. Tem dia que ele
arruma a casa, varre o terreiro, eu cuido da louça e do almoço”.
Durante toda a entrevista, o discurso de Mirtes foi muito voltado para os
filhos, tendo inclusive se emocionado em determinados momentos, como quando
comentou sobre o pouco contato diário que mantém com os filhos, principalmente com
a mais nova, em razão da escala noturna de trabalho:
O meu menino, a gente vem de manhã e banha, dá comida e vai se deitar e
ele fica assistindo televisão. Aí, meio-dia, a gente se levanta, almoça e
banho e ele vai pra televisão de novo. A menina fica na mulher
14
, vem
de tardezinha, a bichinha, infelizmente. É muito triste a gente deixar os
filhos com os outros, mas é o jeito.
Mirtes justifica o fato de trabalhar fora com os momentos difíceis pelos
quais passara: “Eu quis mais trabalhar por causa disso, porque é muito ruim você não
ter o que comer. É horrível! A gente ter precisão das coisa e não ter pra dar, muito
triste”. Nesse sentido, mesmo que tivessem que abrir mão da convivência com os filhos,
Mirtes deixa claro que ela e o marido procuram fazer o que for preciso para evitar que
seus filhos vivam a precariedade que eles haviam experimentado. Por isso, os dois se
esforçam para oferecer aquilo que eles próprios não tiveram:
Quero pra eles tudo que eu não tive, embora que seja pouco. Eu nunca tive
assim um aniversário, minha mãe nunca pôde fazer, eu nunca tive uma
bonequinha boa, nunca tive. É isso. Pra mim, eles estando felizes, é o
bastante. [...] Mais na frente a gente quer colocar nossos filhos numa escola
melhor, porque nós dois trabalhando tudo fica mais fácil.
O significado de qualidade de vida para Mirtes, a partir das suas vivências de
dificuldades de sobrevivência e da sua responsabilidade com os filhos e a família, está
inserida na seguinte fala: “Qualidade de vida é saber viver, porque se eu ganho um
salário, eu não posso gastar mais do que um salário, tem que ser menos, pra tudo dar
certo. Tem que ser assim, andar corretamente”.
14
Pessoa que Mirtes paga para cuidar da filha durante o dia.
84
O início das atividades do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades coincidiu com os primeiros meses de vida da filha de Mirtes, de forma que
ela faltava muito às aulas. Ainda assim, ela se mostra satisfeita com a experiência: “Pra
mim o Alinhavando foi ótimo, nunca tinha pegado nunca máquina. É muito bom,
conhecer novas pessoas, novas oportunidades. Que pena que durou pouco, e eu faltei
muito. Também, minha filha era pequenininha”. Partindo da fala de uma colega de
projeto, que estava participando da entrevista, ela afirmou: “Meu sonho também é ser
costureira. Só você dizer que sabe costurar, já é uma coisa”.
6.6 VALQUÍRIA: “HOJE NÓS MULHER TEM PULSO FIRME, TEMOS TOM
PRÓPRIO”.
A família de Valquíria seguiu um ritmo distinto da maioria das outras
famílias da comunidade horizontina. Originária de Horizonte, mudou-se para outro
município, no interior do Ceará, em busca de mudança de vida, 12 anos atrás. Valquíria,
então com 15 anos, foi junto, voltando um ano depois, praticamente fugindo do pai para
morar com o avô e conseguir, assim, sua “liberdade”.
Valquíria tem 24 anos, é descendente de índios e negros e veste mesmo a
camisa do movimento negro. Suas palavras são pronunciadas com bastante orgulho:
“Eu sou, e me orgulho de ser quilombola” ou “Pra gente é uma coisa de bastante
destaque, por isso eu sinto um prazer imenso em ser quilombola”.
Entretanto, Valquíria tomou conhecimento de sua descendência a partir
do processo de reconhecimento do território quilombola pela Fundação Cultural
Palmares
15
. Conta ela: “Eu fico me perguntando, eu nasci aqui, eu vim descobrir que eu
sou quilombola um dia desses? Eu fazia perguntar ‘vô, porque que aqui tem
neguim?’”. Esse desconhecimento pode estar relacionado com o preconceito que ainda
existe, na sua opinião, naquela comunidade: “A maioria não admite que é quilombola.
Tem muitos que faz é rir, que não tem ainda noção, eu acho que é por isso que eles
rejeitam a ser quilombola. Tem preconceito da gema mesmo”.
A criação da associação comunitária representa outro ponto de orgulho para
Valquíria: “O símbolo da ARQUA pra mim representa a nossa origem, quem nós somos
15
Instituição federal que tem como objetivo corporificar os preceitos constitucionais de reforços à
cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade
brasileira.
85
hoje. O desenho, aquele rostinho, aquelas características, tem tudo a ver com a gente”.
A logomarca da ARQUA está na figura seguinte:
FIGURA 13 – Logomarca da ARQUA
Fonte: ARQUA, 2006.
Valquíria observa muitas mudanças em Horizonte com a instalação das
indústrias, avaliando satisfatoriamente as transformações no aspecto laboral e no poder
aquisitivo dos moradores:
Poucas pessoas hoje trabalha na agricultura porque, como não existia
empresa, o povo vivia da enxada. [...] Essas mudanças foi bom para
Horizonte, porque o campo não é suficiente para a sobrevivência das
pessoas, era um ganho muito pouco [...] Hoje, quem trabalha numa empresa
tem um transporte, nem todas, mas a maioria tem, tem uma casa com uma
estrutura muito boa. Antigamente era uma casa de taipa, tomava água no
pote. Hoje, quase todo mundo tem geladeira. Cada dia mais eu só vejo
melhorar.
Por outro lado, Valquíria se incomoda com a intensa migração e com a
diminuição da segurança das pessoas, dois itens, sob o seu ponto de vista, bastante
relacionados:
Porque aqui a gente tem uma tradição, quase todo mundo aqui é primo, é tio
[...] uns 10 anos ou mesmo uns cinco ou seis anos atrás, aqui muitas casa
não existia porta, era umas portinhas de talo sem segurança alguma, era tão
acochado que podia dormir despreocupado que não havia perigo de nada.
Hoje, o máximo de segurança, se não tiver cuidado, vai pra dentro. Eu acho
que essa diferença quem veio fazer foi as pessoas de fora.
86
Na opinião de Valquíria, a situação da mulher na sociedade, nos dias atuais,
está diferente, e ela própria se considera como um exemplo de superação: “Hoje a
mulher se superou muito. [...] Quem era a minha mãe no passado e quem sou eu como
mulher hoje, porque antes a minha mãe não tinha voz alta dentro de casa. [...] Hoje nós
mulher tem pulso firme, temos tom próprio”.
Casada há seis anos e com um filho de cinco, Valquíria e o companheiro não
recebem qualquer tipo de renda fixa, vivendo do artesanato e da venda de produtos que
plantam no quintal da casa herdada do avô. Ele trabalhou na Sapatos e, segundo ela,
está fazendo de tudo para voltar, pois foi demitido por uma “fatalidade”, um fato que o
obrigou a faltar ao serviço. A situação financeira está bastante difícil, e tudo que
conseguem é compartilhado dentro de casa: “O que eu trago é pra mim, ele e meu filho
e o que ele consegue é pros três. A gente vive assim, hoje a gente arruma tanto, hoje não
arrumamo nada”. Contudo, ela é responsável pelos afazeres domésticos na maior parte
do tempo: “Às vezes a gente divide as tarefas. Quando eu tô muito ocupada eu divido as
tarefas com ele, se eu não tiver, eu faço tudo só”.
Valquíria também trabalhou na maior fábrica de Horizonte, tendo suportado
menos de dois meses de serviço, porque foi submetida a situações que entravam em
desacordo com seus valores pessoais e sua forma de ver o mundo.
Pra mim, foi um desafio grande, porque eu passei a fazer coisas que eu não
queria, e sim por obrigação, por ser mandada. Eu sabia que eu era capaz de
trabalhar, fazer coisas e mais coisas, mas não naquele local. Pra mim eu
estava no lugar errado. Foi tanto que eu pedi a demissão, porque eu chorava,
eu me sentia presa. [...] Até que eu gostava do que eu fazia, não gostava era
do modo como fazia, como a gente era pressionado. Aquilo pra mim era
demais, tava puxando o meu limite. [...] A empresa era boa em termos de
pagamento, não atrasava, era muito pontual, mas existe pessoas muito
desumanas.
Essa trabalhadora aponta uma outra visão da empresa que comumente não
aparece de imediato no discurso de outras entrevistadas: a de superexploração do
trabalhador, os casos de preconceito e de abusos que parecem ocorrer costumeiramente:
“Muita gente costuma chamar de escravabrás’ [...] Eu fiquei assim, porque as pessoas
que trabalham lá, sem ser o chefão, é chamado de ‘oreia seca’”.
A própria Valquíria foi alvo de situações constrangedoras, o que motivou o
seu pedido de dispensa.
87
Até porque essas pessoas que se acham superior à gente, muitos tentam até
fazer assédio com as funcionárias. Muitas tinham me dito, mas eu nem
levava isso a sério, mas quando isso veio acontecer comigo, eu acho que foi
mais isso que fez eu me demitir, por certas coisinhas no meu ouvido. Até
porque eu sou casada e, mesmo que eu não fosse, eu acho que ali não é o
lugar adequado, porque ali é um canto de trabalho. [...] O médico dizia que
se eu quisesse ficar em paz comigo mesma eu me demitisse porque eu já
tava com começo de depressão.
Valquíria demonstra ter consciência das conseqüências daquelas condições
de trabalho na sua vida e na sua saúde. Ainda que tenha trabalhado por pouco tempo,
sentia os sinais dos impactos emocionais e conhecia os riscos do trabalho caracterizado
pela repetição de movimentos e pelo ritmo intenso. Afirma ela: “a pessoa que sai de
não sai mais com saúde, não. O rapaz que me ensinou a fazer a função que eu fazia me
disse: ‘olha, você vai trabalhando nisso aí, mas com um ano você vai estar com dois
cistos na sua mão; olha aqui na minha mão’”.
Talvez também devido à sua percepção do que acredita consistir o trabalho,
Valquíria não tenha se adaptado àquele serviço:
Trabalho pra mim é uma ocupação todos os dias [...] ter obrigação por
prazer. Porque, pra mim, se vofizer uma coisa e não tiver gostando, pra
mim aquilo é insignificante, não tem nem sentido aquilo ali. [...] O trabalho
dos meus sonhos é exercer minha profissão. É assim, construindo o
artesanato na hora, vendendo na hora, uma coisa assim bem natural. Meu
sonho é isso, crescer com o artesanato.
Valquíria concluiu a série do Ensino Fundamental, mas diz que não
retoma a escola por não ter com quem deixar o filho, pois o marido está estudando.
Mesmo sendo incentivada por ele para dar continuidade, ela reconhece o seu
comodismo com relação à sala de aula: “Tenho consciência de que não é tarde ainda,
tem que acordar pra realidade. Pra mim é tarde, eu tenho preguiça, depois tem a
novela (risos)”.
Porém, ela espera que o filho se dedique mais aos estudos, e afirma que
conversa constantemente com ele:
Hoje você a minha vida com o seu pai, porque a gente não tem estudo, a
gente sofre muito pra conseguir um emprego, porque as indústria não
chance pras pessoas que tem um grau de escolaridade baixo. Por isso que
você tem que estudar, fazer uma faculdade, se formar.
A percepção de qualidade de vida de Valquíria é bastante voltada para os
seus sentimentos, relações interpessoais e para a manutenção de uma vida simples:
88
“Viver bem pra mim é, em primeiro lugar, estar de bem comigo mesma. Eu não sou
muito de sonhar alto, é ter meu alimento todos os dias pra me alimentar. É ter saúde, é
ter boas amizades, e ver as pessoas que tá ao meu redor tudo bem”.
Participar do projeto Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”
parece que foi muito significativo para Valquíria, uma espécie de marco mesmo em sua
vida:
Pra mim alinhavando é uma palavra de significativa grande, porque a
gente fez muitas amizades. [...] Veio estimular, veio me ensinar a sonhar, a
ter projeto de vida, que eu não tinha. [...] Eu acho que hoje se eu chegar a ir
pra uma empresa, eu acho que eu preparada pra trabalhar com pessoas
diferentes de mim. Por que foi assim, a gente teve amizade com pessoas
legais, mas cada pessoa tem o seu jeito diferente, mas a gente se sentia
família. [...] Cada palestra, cada coisa, fui tirando um pouquinho de cada
coisa, um sentido pra minha vida.
O aprendizado adquirido nas atividades oferecidas pelo projeto contribuiu
também para alimentar o seu sonho de viver do artesanato e trabalhar por conta própria:
“Hoje eu não tenho uma verba, mas se eu tivesse, eu, com certeza, eu iria trabalhar e
ganhar dinheiro sem medo, porque eu posso dizer que o Alinhavando me preparou. Não
só pra trabalhar, mas também pra sair lá fora, encarar o mundo de frente, sem medo”.
6.7 LETÍCIA: “A GENTE TEM QUE TRABALHAR DOENTE LÁ”.
Letícia foi a única das entrevistadas que realmente nasceu e foi criada em
Horizonte. Apesar de ter morado por sete anos em Fortaleza, isso aconteceu durante
seus estudos, pois sempre que podia voltava para o seu município de origem, nos finais
de semana, feriados e férias. Assim, Letícia acompanhou todo o processo de
industrialização e mudanças da região, mencionando como principal aspecto positivo a
oportunidade de emprego para as pessoas a partir da chegada de empresas, e como
aspecto negativo o aumento da criminalidade: “De primeiro não tinha violência”.
Os pais, irmãos e a própria Letícia são bastante envolvidos com o
movimento quilombola, desde o início do reconhecimento da comunidade, até a criação
da ARQUA e o desenvolvimento de ações desta, o que consiste em motivo de orgulho
por parte da entrevistada: “Pra mim a ARQUA é um ponto de referência, onde a gente
acolhe as pessoas de fora. Pra mim é tudo dentro da comunidade [...] É importante pra
gente porque procura recursos, benefícios”.
89
histórico de escravidão nas gerações anteriores de sua família, mas
parece que a questão só veio a ser realmente assumida após o movimento de valorização
da descendência negra de Horizonte: “Eu sou quilombola da gema, da clara [...] Eu
sabia, com as histórias do meu avô, dos meus tios, que a gente era descendente de
escravo, por causa das histórias. Mas eu não tinha nem noção da importância disso”.
A escolaridade do Ensino Médio foi concluída por Letícia em idade regular,
antes dos 20 anos. Aos 26, ela faz planos de cursar uma graduação, sonho que está
sendo transferido temporariamente para o marido, com quem é casada há três anos, pela
impossibilidade de o casal pagar duas faculdades ao mesmo tempo. Sobre esta questão,
ela afirma:
dando oportunidade ainda ao meu esposo, porque ele trabalhando e
fazendo a faculdade dele. Quando ele terminar [...] eu entro, se Deus quiser.
A gente tá pensando em ter filho, mas eu digo não, eu quero ter uma
faculdade, terminar meus estudo, vou arranjar um emprego digno que é pra
dar uma boa oportunidade pro meu filho.
Como o marido trabalha fora, na Sapatos, as tarefas domésticas são quase
todas realizadas por Letícia, exceto algumas atividades mais pesadas ou em caso de
doença: “A maioria das coisas eu que faço. Ele diz ‘tô cansado’. Mas quando eu
doente não tem cansaço coisa nenhuma, ele que faz. Agora, quando é pra puxar água pra
botar no filtro, a obrigação é dele”. com os recursos financeiros não existe
discordância: “Meu marido não faz diferença, o que é dele é meu, o que é meu é dele. O
que arrecadar a gente vai e divide”.
Esse tipo de relacionamento marital, no qual a mulher tem mais liberdade,
estuda, profissionaliza-se e tem voz dentro de casa, parece ser uma novidade na família
de Letícia, uma vez que seus pais convivem entre si de forma distinta. Ela relata uma
conversa que teve com a mãe: “O pai quer ser do mesmo jeito de antigamente. Às vezes
eu passo o dia na mãe e ela ‘menina, vai pra casa, teu marido chegou!’. eu digo
mãe, o meu marido não é igual o da minha mãe, não”.
Exercer qualquer atividade laboral fora de casa é algo que a mãe de Letícia
nunca fez. a filha trabalhou por mais de sete anos na Sapatos, primeiramente como
auxiliar de produção e depois como técnica de processo. Essa experiência foi muito
importante para o seu aprendizado enquanto iniciante profissional: “Eu achei bom,
porque foi um pontapé inicial pra mim. Em termos de ensinar a maneira de trabalhar, e
foi lá onde eu comecei a aprender a costurar”.
90
Sua demissão se deu por corte de funcionários pela empresa, mas Letícia não
demonstra o mínimo interesse em sequer tentar voltar a trabalhar nessa ou em qualquer
outra fábrica: “Não tenho vontade de voltar pra lá. Não sei por que, mas não tenho
vontade, se não tiver outra opção”. Sobre a Sapatos, ela ressalta alguns aspectos
positivos, geralmente os mesmos que outras entrevistadas apontam:
Mas eu gostava de lá, não tenho queixa, porque era uma empresa, vou fazer
que nem as meninas, não tinha salário atrasado, tinha cesta básica, tinha
transporte. Eu procurando outro meio melhor. Não quero voltar porque
quero realizar meu sonho, prefiro trabalhar por conta própria.
Um aspecto importante a ser ressaltado é que Letícia sofre, até hoje, de um
problema de saúde adquirido seis anos antes, ainda quando trabalhava na Sapatos, e que
é conseqüência do ritmo e das condições de trabalho à qual esteve submetida. Sobre
isso, ela declara: “A gente tem que trabalhar doente lá. Eu tenho um problema urinário
que até hoje eu não consigo segurar. Muita gente sai doente”.
Sobre o significado de trabalho, Letícia afirma:
Trabalho pra mim é tudo! Gosto do que eu fazendo hoje: bonecas. [...] O
meu trabalho dos meus sonhos quase realizando, com o pezinho nas
coisas, que é o que eu faço agora. Meu sonho é trabalhar pra mim mesma e
tá quase realizando. Só falta um pouquinho de patrocínio.
Essa atividade mencionada por Letícia, de fabricar e vender bonecas de
tecido, foi levada para a comunidade pelo projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”. Mesmo não sendo uma das alunas propriamente ditas, pois exercia a
função de assistente técnica, ela aproveitou a oportunidade e a presença nas aulas para
aperfeiçoar o ofício de costurar, aprendido anteriormente na Sapatos: “Pra mim foi
muito importante. Apesar de eu não tá ali dentro, eu tava só ali vendo tudo, bilando tudo
o que acontecia, tudo que chegava de novidade. E hoje agradeço isso, por bilando.
Tô praticando o que eu só bilei”.
Ajudar os outros parece ser uma característica muito forte de Letícia,
aparecendo inclusive na sua fala sobre qualidade de vida: “Pra mim, qualidade de vida é
ter uma vida digna. Eu queria ter boas condições. Eu nunca disse assim ‘eu queria ser
rica’. Eu queria ter boas condições, pra quando uma pessoa disser assim, precisando,
eu poder ajudar”.
91
7 ONDE AS HISTÓRIAS SE ENCONTRAM E SE DISTANCIAM
Ao longo de sua história de vida, o indivíduo vai se posicionando e
buscando uma coerência discursiva, recolhendo e processando narrativas
que vão lhe dar a identidade. (PINHEIRO, 1999, p. 194).
Neste capítulo, analisamos algumas categorias destacadas a partir do
conjunto das histórias apresentadas, quais são: Experiências de Emprego nas Fábricas, e
principalmente na fábrica Sapatos, de Horizonte; Questões de Gênero e de Raça
relacionadas ao Trabalho; Vivência do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades” e Significados atribuídos ao Trabalho. Propositalmente, determinadas falas,
antes citadas, serão retomadas agora com o intuito de compreendê-las a partir dessas
categorias.
7.1 EXPERIÊNCIAS DE EMPREGO NAS FÁBRICAS
Enquanto profissionais do campo da Psicologia Social do Trabalho, estamos
sempre discutindo as conseqüências do trabalho, bem como as representações que os
indivíduos constroem sobre seu próprio trabalho e sua condição de trabalhador.
Questiona-se a qualidade das condições que são oferecidas nos ambientes laborais, bem
como os modelos de gestão produtiva vigentes. Inúmeros aspectos podem ser inseridos
nesse debate, porém, elegemos aqueles que podem ser tratados a partir da subjetividade
das trabalhadoras envolvidas nesta pesquisa.
Borsoi (2005) afirma que o que parece ocorrer em regiões de recente
industrialização, como Horizonte, “é também um processo de ‘reeducação’ dos
trabalhadores, de seus ritmos de trabalho e de vida, formas de consumo, hábitos, modos
de pensar e agir”. (p. 32). Segundo a autora, a partir do momento em que iniciam suas
atividades nas indústrias, os trabalhadores, e às vezes seus familiares também, precisam
aprender, inclusive, determinados hábitos, como postura durante as refeições e cuidados
higiênicos com o próprio corpo.
Buscamos então privilegiar a própria experiência das entrevistadas, o que
elas dizem sobre sua condição de mulher, sua trajetória de vida, em casa, no trabalho e /
ou na comunidade.
92
Um dos aspectos que se destaca é a forma de gerenciamento da produção
utilizada pelas fábricas de Horizonte, que, de acordo com Borsoi (2005), caracteriza-se
como um modelo híbrido, que agrega elementos do toyotismo e, principalmente, do
taylorismo-fordismo:
Se, por um lado, essas empresas estão investindo dentro de uma lógica
reestruturada, pelo outro, continuam atuando a partir do paradigma fordista
de produção. Inovação tecnológica e alguns aspectos da organização da
produção as colocam com um no modelo toyotista, entretanto, o
tratamento concedido à força de trabalho, no que diz respeito às exigências
em torno do perfil de trabalhador a atuar na produção está longe do que reza
a cartilha da reestruturação. A força de trabalho é preparada para o trabalho
fragmentado, seriado, típico da proposta taylorista. (p. 71).
Essa fragmentação e simplificação do trabalho aparecem de modo claro na
fala de Valquíria, quando relata sua experiência de operária na Sapatos:
Pra mim foi um desafio trabalhar num canto fechado, com muita gente.[...]
foi um desafio grande porque eu passei a fazer coisas que eu não queria e
sim por obrigação, por ser mandada. Eu trabalhava na marcação de bico.
Tinha que marcar o sapato na altura certa e tinha, vamos supor, determinado
tanto, fazer tantos pares de sapato em tal horário. Aquilo pra mim era
demais, tava puxando o meu limite. Eu sabia que eu era capaz de trabalhar,
fazer coisas e mais coisas, mas não naquele local. [...] Eu não passei nem
dois meses, foi um desafio. Eu acho assim, fora tinha coisas melhores pra
mim. Até que eu gostava do que eu fazia, não gostava era do modo como
fazia, como a gente era pressionado.
Parece que quem experimentou o ritmo de trabalho fabril, com todas as
condições de precarização que são oferecidas e a pressão por produtividade, não quer
mais se submeter a postos de trabalho desse tipo, a não ser em último caso. Letícia
também tem algo a dizer sobre isso:
Saí em um corte que teve, uma mudança na firma, diminuiu a quantidade de
funcionários. Não tenho vontade de voltar pra lá. Não sei porque, mas não
tenho vontade, se não tiver outra opção [...] Eu procurando outro meio
melhor. Não quero voltar porque quero realizar meu sonho, prefiro trabalhar
por conta própria. A gente tem que trabalhar doente lá. Eu tenho um
problema urinário que até hoje eu não consigo segurar.
Entre as entrevistadas, três afirmam que não se vêem novamente exercendo
funções operacionais nessa indústria (Valquíria, Letícia e Rosalba) e quatro falam do
desejo de assumir uma vaga na produção de uma fábrica, em especial, na Sapatos.
93
Quando a metodologia desse estudo foi elaborada, e enquanto a pesquisa de
campo foi sendo realizada, se indagava da percepção das pessoas acerca do processo de
industrialização como um todo do município, qual a opinião delas sobre o tipo de
emprego que comumente é oferecido por todas as empresas e sobre as transformações
que estão ocorrendo. Contudo, na quase totalidade das abordagens, a Sapatos surge
sempre como referência principal entre as pessoas da região e também entre todas as
entrevistadas em diversos momentos: nas atividades e nas avaliações do projeto
“Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”, nos eventos sociais, nas visitas de
políticos etc. As demais fábricas eram até mencionadas, mas não com a mesma ênfase.
É admirável a representatividade que essa indústria de calçados tem no
imaginário dos moradores do distrito industrial de Horizonte. Não no imaginário,
mas também na realidade da vida dessas pessoas: dos 14.829 trabalhadores com carteira
assinada no final de 2007, quase nove mil estavam trabalhando na Sapatos. Ou seja,
podemos suspeitar que os moradores de Horizonte, provavelmente, têm alguém da
família ou um conhecido próximo que trabalha ou já trabalhou lá.
Vestir o uniforme dessa empresa, entrar no ônibus da sua rota de
empregados, ter a carteira de trabalho assinada com o seu carimbo, mencionar que
trabalha na Sapatos, ter a possibilidade de efetivar compras a prazo, facilitada por esse
emprego, parecem ser um diferencial de status social não somente nesse município,
como também nas cidades vizinhas.
Alia-se a isso ainda o fato de a indústria oferecer alguns “benefícios” que
nem sempre são disponibilizados pelos outros estabelecimentos, como cesta básica
mensal, prêmios por produtividade, brindes no final do ano, transporte para o local de
trabalho com variedade de rotas. Segundo Crisália, o ônibus da Sapatos “Vinha pegar,
vinha deixar. Imagina se fosse na Flor
16
, que o ônibus passa na BR. Não é diferente
uma empresa que o transporte que passa na BR? Então, pra mim, o povo que
trabalha lá reclama às vezes de barriga cheia”.
A política da Sapatos de não recontratar ex-funcionários, independentemente
do motivo da saída, colabora para a exaltação dessa empresa, pois provoca nos
trabalhadores que se encontram fora dela uma espécie de sentimento de arrependimento
pela oportunidade perdida. Isso pode, de certa forma, ser percebido nas falas de Virgínia
e Valquíria:
16
Indústria de confecção do município de Pacajus.
94
Eu saí, mas porque me botaram pra fora. [...] Queria trabalhar lá. Porque é
assim, é verdade, é um sonho que eu tenho de voltar pra lá. É um sonho
pequeno, é, mas acho que tudo começa pequeno. O povo diz ‘Virgínia, teu
sonho é muito pequeno; tu quer trabalhar aqui, quando todo mundo quer
sair’. Pois todo mundo quer sair e eu quero é entrar.
Ele [marido] já trabalhou na empresa também. Ele corre todos os dias atrás
porque ele saiu da empresa por conta de uma fatalidade, não por que ele
queria, foi uma fatalidade que aconteceu aqui fora, que ele teve que faltar.
Então a empresa demitiu ele. Até hoje ele luta pra entrar e não conseguiu
ainda.
Se essas mulheres não podem ser contratadas, seus filhos podem. Contudo,
quando essa contratação é almejada, que seja, preferencialmente, em funções de maior
nível de escolaridade, e não em funções operacionais:
Gostaria de ver meus filhos trabalhando na Sapatos. Não no serviço pesado,
porque assim, nenhum dos dois tem preguiça de trabalhar, tudo que tem pra
fazer eles é disposto, eles faz. Mas eles pensa muito. Sempre falei que a
firma é boa. “Ô mãe, pois um dia nós vamos, também vamos trabalhar lá”.
Porque eu acho que os jovens de hoje têm oportunidade tão maiores que a
gente tinha, que eles podem arranjar uma coisa melhor. Pode, se eles se
prepararem bem, eles podem arranjar uma coisa melhor. A Sapatos ela tem
umas oportunidades para o jovem que se preparando direitinho, tem
coisas lá que realmente eles podem fazer. (Virgínia).
Portanto, as opiniões se misturam: ao mesmo tempo em que se observa um
enaltecimento da Sapatos, os atuais e ex-operários da indústria têm consciência das
condições precárias de trabalho e das conseqüências negativas para a sua vida, de forma
que nem sempre querem aderir novamente a esse tipo de serviço. Às vezes, uma pessoa
que não deseja voltar para as fábricas não consegue expressar ou não quer expor os reais
motivos disso.
Uma questão central de debate sobre o mundo do trabalho diz respeito ao
prejuízo à disponibilidade do tempo que pode ser destinado a outras esferas da vida. Em
Borsoi (2005), vemos que “o trabalhador fabril vive sob a cisão trabalho-casa”, em que
a sua vida fora do ambiente laboral é “regulada, controlada” pelo trabalho para que se
mantenha “sua eficiência muscular e nervosa”. (, p. 29). Isso fica bem claro na fala de
Crisália:
Quatro anos que eu passei na firma, eu não tinha tempo de sair de casa. Meu
tempo mais era dentro da firma do que em casa. [...] Fazia muita extra pra
poder conseguir ganhar melhor. [...] Tinha dia que saía de manhã cedo, tinha
95
de me acordar três horas, pra deixar almoço, pros meninos merendar e
almoçar. Tinha dia que chegava seis horas da noite, pra fazer extra. O tempo
que eu tinha era de chegar em casa, fazer minhas coisas e dormir.
A hora extra, por sinal, é um elemento bastante exigido pelas empresas do
ramo industrial, principalmente em períodos de grande demanda de produção. Chegar
em casa logo após o final do expediente normal parece ser um acontecimento raro entre
os operários dessas fábricas, tornando difíceis o acesso ao lazer e a conciliação entre
trabalho e descanso.
A escolaridade mínima e a qualificação profissional são quesitos cada vez
mais cobrados nas seleções de novos trabalhadores em Horizonte. O coordenador do
IDT do município, em exercício no início de 2009, relata que candidatos sem o diploma
de Ensino Fundamental praticamente não são mais contratados, assim como aqueles
sem nenhuma experiência profissional ou comprovação de capacitação, o que é sabido
pelas mulheres entrevistadas:
Muita coisa mudou em Horizonte. Poucas pessoas hoje trabalha na
agricultura, porque, como não existia empresa, o povo vivia da enxada, não
tinha outro meio de sobreviver a não ser o campo, plantando feijão, milho,
macaxeira, mandioca. Esse era o meio de sobrevivência que até hoje existe
aqui, mas é pouco, devido as empresas que hoje elas trabalham, tem poucas
pessoas que continuam, até porque não tem o grau de escolaridade que as
empresas exige, acabam vivendo da agricultura mesmo. Quem não nas
empresas é porque não tem escolaridade. A maioria que não estuda ainda
não sabe nem assinar o nome. (Valquíria).
Entretanto, entre as mulheres entrevistadas, a busca pela escolaridade e até
da qualificação profissional está em segundo plano, o que será discutido no tópico
seguinte.
Um ponto que merece atenção é o assédio moral no trabalho, como foi
mostrado anteriormente na história de Valquíria, que pediu a sua dispensa do posto de
serviço por estar sendo bajulada por um funcionário ao qual estava subordinada.
Situações como essas podem ser evitadas ou amenizadas quando maior organização
entre os trabalhadores, por exemplo, por meio de sindicatos que, efetivamente,
direcionam suas ações em prol dos trabalhadores. De acordo com Borsoi (2005), “os
sindicatos acabam permanecendo quase sempre alijados do processo de mediação entre
capital e trabalho”. (p. 137). Contudo, esse fortalecimento é um desafio ainda longe de
ser alcançado pelos operários não apenas de Horizonte, mas também das fábricas de
96
Fortaleza, de outros municípios cearenses e dos novos territórios industriais do
Nordeste.
Querendo ou não, a inserção nas indústrias foi o passo inicial de muita gente
rumo a melhorias em relação ao poder aquisitivo, à educação, e, especialmente, à
conquista da casa própria. Todas as mulheres entrevistadas, assim como as outras
participantes do projeto, possuem residência, que foi obtida a partir do trabalho delas ou
de membros da família nas indústrias: “Mudou muita coisa. Eu digo pras minhas irmãs:
hoje eu sou uma pessoa rica. Meu sonho era uma casa, hoje eu tenho minha casa”
(Valquíria); “Pra mim foi uma ajuda boa, um pontapé inicial. Passei sete anos e nove
meses”. (Letícia).
Esse é um fato também presente no estudo envolvendo operários de
Horizonte, no qual Borsoi conclui: “Os opostos ter / não-ter são constantes no discurso
de todos referindo-se a um outro par de opostos: antes / depois do trabalho nas
fábricas”. (2005, p. 160).
7.2 QUESTÕES DE GÊNERO E DE RAÇA RELACIONADAS AO TRABALHO
Para Moraes (2005), as questões de gênero e raça estão entrelaçadas e fazem
parte de um contexto complexo, perverso, injusto, de muita luta diária, de muitas
insistências e desistências. A autora bem resume, de forma metafórica, o seu ponto de
vista sobre a situação da mulher negra na atual sociedade brasileira: “Fazemos parte de
um contingenciamento de mulheres-objeto. Ontem a serviço de frágeis sinhazinhas e de
senhores de engenhos tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres de classe
média e alta, ou de mulatas tipo exportação”. (p. 17).
Tendo em vista o fato de o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades” ter sido pensado inicialmente para um público multiplamente alvo de
preconceito e discriminação no mercado laboral (mulher, jovem, negra), algumas
questões relativas a esses temas merecem ser destacadas. Além disso, um dos núcleos
de execução foi um território quilombola, que é permeado por uma série de aspectos
culturais e vem sendo foco de atenção de políticas públicas nacionais e municipais, o
que fora mencionado anteriormente.
Segundo o Manual de Formação da Oxfam, 1999, a palavra gênero foi usada
pela primeira vez na década de 1970, por Ann Oakley e outros autores, no intuito de
descrever aquelas características de mulheres e homens que são socialmente
97
determinadas, em contraste com aquelas que são biologicamente determinadas.
(MORAES, 2005).
As pessoas nascem machos ou fêmeas e aprendem com os grupos sociais
que convivem a tornarem-se meninos e meninas, homens e mulheres. São ensinados, no
dia-a-dia, comportamentos, atitudes e relacionamentos adequados, papéis e atividades
de meninas e meninos. Esse aprendizado é incorporado, determinando a organização da
identidade de gênero.
O sentido do termo gênero é diferente de papéis, porque gênero constitui o
sujeito, faz parte de sua construção social, ultrapassa a idéia de desempenho de um
simples papel que lhe é determinado por outrem.
O debate sobre gênero está no campo social, pois é nesse espaço que as
relações acontecem na prática e que as desigualdades e as discriminações se efetivam.
Compreendemos que as desigualdades entre homens e mulheres são construídas no
campo social, e não determinadas pela diferenciação biológica. Contudo, encontra-se
extremamente disseminada a idéia de que a divisão de papéis entre homens e mulheres é
determinada pela diferenciação biológica.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), podemos observar um
panorama em nível mundial em que as mulheres:
a) são responsáveis por 2/3 do trabalho realizado e recebem 1/3 dos salários;
b) são detentoras de 1/10 da renda;
c) representam 2/3 dos analfabetos;
d) detêm menos do que 1/100 das propriedades;
e) representam aproximadamente 70% dos quase 1,3 bilhão de miseráveis.
No cenário internacional e nacional, as mulheres têm cada vez mais
aumentado seu espaço nas esferas social, política e econômica, mas é no âmbito da
família que se têm observado as mudanças mais expressivas.
As relações de gênero apresentam-se desiguais e diferentes em vários
aspectos da vida cotidiana. No que pese homens e mulheres exercerem atividades na
esfera da produção e da reprodução, tanto do âmbito público como no privado, no
governamental e no comunitário, as atividades domésticas e familiares são associadas às
mulheres.
Para ilustrar a situação feminina no território brasileiro, tomamos as
informações da Síntese de Indicadores Sociais 2007 (IBGE, 2009), pesquisa realizada a
cada dez anos pelo IBGE e que contempla os dados do censo de 2006.
98
A escolaridade tem um papel importante sobre as condições de vida das
pessoas, além de ser um dos princípios atribuídos para medir a desigualdade. É
considerada um elemento estratégico de mudança da realidade social de um país. Nas
áreas urbanas brasileiras, a escolaridade média das mulheres é de 7,4 anos para a
população total e de 8,9 anos para as ocupadas.
A maior participação das mulheres no mercado de trabalho tem se
concentrado em quatro grandes categorias ocupacionais que, juntas, compreendem cerca
de 70% da mão de obra feminina: serviços gerais (30,7%); trabalho agrícola (15%);
serviços administrativos (11,8%); e comércio (11,8%). No Nordeste, 26,6% das
mulheres, em 2006, eram trabalhadoras agrícolas.
Para as mulheres ocupadas com média de 12 anos de estudo, a inserção no
mercado de trabalho é mais intensa nas atividades de educação, saúde e serviços sociais
(44,5%). O aumento da qualificação feminina tem se intensificado nos últimos anos: das
pessoas que freqüentavam estabelecimentos de ensino em 2006, a proporção de
mulheres era de 57,5%.
O número de mulheres que são indicadas como a pessoa de referência da
família passou de 10,3 milhões em 1996, para 18,5 milhões, em 2006, o que certamente
está relacionado com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho e
representa uma contribuição feminina para o rendimento da família.
Entre os tipos de estrutura familiar, a maior proporção de mulheres “chefes”
encontrava-se em famílias que não contavam com a presença do marido e os filhos
tinham 14 anos ou mais de idade. Cuidar sozinha dos filhos não é uma tarefa fácil para
as mulheres, uma vez que recaem sobre elas não somente a responsabilidade pelo
sustento da família, mas grande parte dos afazeres domésticos e todo o processo de
educação e cuidado dos filhos.
Nas famílias nas quais a mulher era a pessoa de referência, cerca de 31%
delas viviam com rendimento mensal de até ½ salário mínimo per capita; no caso das
famílias com chefia masculina esse percentual era de 26,8%.
Outra desigualdade de gênero apresentada no âmbito da família diz respeito
à divisão dos afazeres domésticos. Somente metade dos homens da pesquisa realizava
atividades em casa, enquanto que nove em cada 10 mulheres tinham essa atribuição. No
Ceará, os números relativos a essa questão são 46,7% para homens e 90,3% para as
mulheres. Ainda discrepância quanto à jornada média semanal despendida nesses
99
afazeres: as mulheres trabalham 24,8 horas, ao passo que os homens não atingem sequer
a metade desse período.
Trazendo a discussão de gênero para a localidade pesquisada, há várias
ocorrências a serem postas em debate. A primeira delas está vinculada ao próprio
projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”: os dados que seguem não
foram pesquisados anteriormente, quando da elaboração do projeto, mas a área de
atuação escolhida acabou indo ao encontro de uma realidade de Horizonte.
De acordo com informações disponibilizadas pelo MTE, através do Perfil do
Município,
17
apenas as contratações de profissionais para as atividades de
Administração Pública superam, em número, as contratações do público feminino em
relação ao masculino, conforme tabela a seguir:
TABELA 3 - Número de empregos formais em Horizonte (31 de dezembro de 2007).
Atividade Masculino Feminino Total
Extrativa Mineral 3664 3 3667
Indústria de Transformação 6.390 4.842 11.232
Serviços Industriais de Utilidade Pública 0 0 0
Construção Civil 139 4 143
Comércio 422 169 591
Serviços 346 134 480
Administração Pública 764 1.160 1.924
Agropecuária 374 46 420
Total das Atividades 8.471 6.358 14.829
Idade de 16 a 24 anos 2.671 1.807 4.478
Fonte: RAIS/2007 - MTE
Ao analisarmos os números relativos às ocupações mais numerosas no
município, observamos que a quantidade de mulheres contratadas formalmente para a
função de costureiro na confecção em série superou em mais de 800% a quantidade de
homens no ano de 2007, como mostra a tabela abaixo:
TABELA 4 - Ocupações com maiores estoques em Horizonte (31 de dezembro de
2007).
Função
Masculino
Feminino Total
CBO 784205 Alimentador de linha de produção 1.970 1.951 3.921
17
Perfil do Município: produto integrante do Programa de Disseminação de Estatísticas do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), que tem como fonte o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED), que oferece um acesso simplificado a informações sobre a composição do emprego e sobre a
movimentação de trabalhadores regidos pela CLT em todo o país.
100
CBO 764205 Costurador de calçados, a máquina
2.013 1.733 3.746
CBO 763210 Costureiro na confecção em série 53 436 489
CBO 991405 Trabalhador da manutenção de
edificações
159 286 445
CBO 411005 Auxiliar de escritório, em geral 169 196 365
Fonte: RAIS/2007 - MTE
Daí que a atividade de costura, tanto de confecções quanto de calçados
(atividade da Sapatos), realmente constitui uma porta de entrada para as mulheres nas
indústrias. A contratação de operários para esses setores exige certo nível de
escolaridade e certificação de qualificação profissional, sendo esta última oferecida pelo
projeto executado pelo NUTRA de que tratamos nesta pesquisa.
Talvez pelo fato de serem mães e pela responsabilidade que lhes é
culturalmente atribuída, como cuidado da casa, dos filhos e do marido, as mulheres
aproveitaram a oportunidade oferecida pelo projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”. Todavia, o retorno aos estudos parece não estar na agenda imediata delas.
Com exceção de Letícia, a única que concluiu o Ensino Médio, e de Virgínia, que está
freqüentando a escola, as demais mulheres não mencionaram planos em curto prazo de
voltar a estudar para concluir sequer o Ensino Fundamental. Ainda assim, os dados
gerais de Horizonte pontuam índices mais favoráveis às mulheres com relação ao nível
de escolaridade, de acordo com a tabela seguinte:
TABELA 5 - Outros Indicadores do Mercado de Trabalho de Horizonte (Censo 2000)
Indicadores Masculino Feminino Total
População Residente 16.976 16.814 33.790
Taxa de Analfabetismo (%) 26,06 20,34 23,21
População Economicamente Ativa
18
(PEA) 8.560 4.569 13.129
PEA Desocupada 1.158 1.075 2.233
PEA Ocupada 7.402 3.494 10.896
Fonte: Perfil do Município – MTE
É como se o tempo delas tivesse passado, que não pudessem mais investir
nelas próprias, pelo menos no momento: “O que eu não pude ter é o que eu quero que
18
A população economicamente ativa, ou simplesmente população ativa, compreende todas as pessoas
com 10 anos ou mais de idade, que constituem a força de trabalho do país. Abrange os empregados e
empregadores, os trabalhadores autônomos, os trabalhadores que estão temporariamente desempregados
etc. Em 1991, a população ativa do Brasil era de 64,4 milhões de pessoas. A população não-
economicamente ativa é formada, principalmente, por aposentados, donas-de-casa, estudantes, inválidos e
crianças. Em 1991, essa população era de 49,1 milhões.
101
ele [filho] tenha. Terminar os estudo dele, fazer uma faculdade, se formar”. (Valquíria).
A melhoria de vida, com relação ao trabalho e à profissionalização, agora é delegada
aos filhos e, às vezes, ao marido. Isso ficou bem claro nas entrevistas durante o
questionamento acerca do que consiste em melhoria de qualidade de vida e dos desejos
para o futuro:
Primeiro a educação cada vez melhor e um futuro que a gente, sempre eu
quero muito pros meus filhos é que eles tenham futuro, eles tenha uma vida
digna, estudando, com um emprego e seja mais assim, tenha mais educação,
uma faculdade mais apropriada, aqui dentro de Horizonte mesmo [...] Eu
tenho muito na cabeça pro futuro dos meus filhos seja uma educação
melhor, mais voltada pra eles, somente o que eles escolhem. (Lucimar).
Eu terminei os estudos e futuramente vou fazer uma faculdade. que
dando oportunidade ainda ao meu esposo, porque ele trabalhando e
fazendo a faculdade dele. Quando ele terminar, que o sonho dele é ir pra
polícia, e pra federal. Se Deus quiser vai pra federal. Quando terminar a
faculdade dele, eu entro, se Deus quiser. (Letícia).
O investimento em si mesmas, pelo menos quanto à qualificação profissional
e à escolaridade, de certo modo é prejudicado pelo papel social e cultural que elas
assumem: atenção às atividades domésticas e maternas. Conforme observado em Borsoi
(2005), as mulheres, muitas vezes, “têm, sob sua responsabilidade, tarefas domésticas a
cumprir, nem sempre passíveis de serem compartilhadas ou transferidas para outras
pessoas, o que faz que tenham vivência obrigatória de dupla jornada”. (p. 86).
Mesmo assim, muitas mudanças podem ser observadas sobre esse aspecto no
cotidiano dessas mulheres. Virgínia assume o lugar de mãe e pai para seus dois filhos,
pois está separada do marido. Letícia, Valquíria e Mirtes relatam como dividem as
despesas e as tarefas de casa:
Ele trabalha, então a maioria das coisas eu que faço. [...] Agora quando é pra
puxar água pra botar no filtro a obrigação é dele. Eu já disse pra ele “isso daí
é sua obrigação”, precisa nem eu mandar, ele faz. Meu marido também
não faz diferença, o que é dele é meu, o que é meu é dele. (Letícia).
O que eu trago é pra mim ele e meu filho e o que ele consegue é pros três.
[...] Quando eu muito ocupada eu divido as tarefas com ele, se eu não
tiver eu faço tudo só. [...] Muitas vezes chega gente aqui, ele varrendo a
casa, ele passando um pano, varrendo ali. Tem gente que passa e fica
em pé aí, olhando pra ele e rindo. “Valha, mulhé, tu faz isso?”. (Valquíria).
Quando a gente pra receber dinheiro “nós vamos pagar isso, vamos fazer
isso”. É sempre assim. Tem dia que ele arruma a casa, varre o terreiro, eu
cuido da louça e do almoço. O meu menino a gente vem e banha e de manhã
dá comida. (Mirtes).
102
Os homens geralmente continuam responsáveis pelas despesas fixas como as
de água, luz, gás de cozinha e comida, enquanto que as mulheres realizam cada vez
mais atividades extras para complementar a renda da casa.
A influência da mulher no relacionamento familiar também vem mudando
na atual geração da família das entrevistadas. Agora elas ganham espaço e voz na
relação com o companheiro:
Meu pai dizia “cala a boa” e ela (mãe) calava a boca. E hoje o homem fala e
é nós que diz “cala a boca” e ele cala a boca. [...] Ele (marido) pega na
vassoura, ele faz uma comida, ele lava uma louça. Isso pro passado, é uma
coisa de sete cabeça, como a minha sogra mesmo diz “meu filho, faça isso
não, isso é muito feio, você é homem!”. eu digo “sim, e se ele pegar na
vassoura o braço dele vai cair? Isso faz a diferença. [...] Se nós mulher
queremos fazer uma coisa nós não precisa “por favor, eu posso fazer isso?”.
Não, a gente apenas comunica. “A gente vai fazer isso, vai acontecendo
isso” e pronto. o tem esse negócio “deixa eu fazer, eu vou ali, deixa eu
ir?”. Não, a gente tá dizendo “eu tô indo”. (Valquíria).
Semana passada eu tava até falando isso com a mãe lá em casa. Porque o pai
quer ser do mesmo jeito de antigamente. E às vezes eu passo o dia na mãe e
ela “menina, vai pra casa, teu marido chegou!” eu digo “mãe, o meu
marido não é igual o da minha mãe não”. (Letícia).
Mesmo assumindo o lugar de mãe e dona-de-casa como ocupação principal,
entre as mulheres pesquisadas, é questão de orgulho próprio ter alguma fonte de renda,
ainda que seja apenas para suprir pequenas necessidades: “Quando eu preciso de alguma
coisa dentro de casa em termos de objeto, eu que tenho que comprar, eu não peço a
ele. [...] Eu sempre tive o meu dinheiro pra me manter, pra comprar minhas
necessidades, sem tá pedindo nem à minha própria mãe”. (Crisália).
A associação comunitária é outro exemplo do avanço da atuação feminina
nessa localidade: o cargo de presidente da ARQUA atualmente é ocupado por uma
mulher, que vem representando essa comunidade de Horizonte nos diversos eventos de
direitos humanos e nos movimentos sociais.
No que diz respeito à questão da raça ou cor da pele, a dominação racista
deriva da configuração histórica de imposição da hegemonia de um povo sobre o outro,
em que prepondera a ideologia da supremacia dos povos brancos.
O PNUD aponta que a emergência de comunidades quilombolas no Brasil
tem origem na crescente organização dos trabalhadores do campo e na ascensão do
103
movimento negro, enquanto movimento político que afirma a identidade étnica inserida
no conjunto das lutas dos trabalhadores pela posse da terra. (BRASIL, 2007).
A Fundação Cultural Palmares considera como sinônimos os termos
remanescentes das comunidades dos quilombos, quilombos, mocambos, terras de preto,
comunidades negras rurais e comunidades de terreiro, que consistem em:
[...] grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com
trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida. (BRASIL, 2007).
Retornando ao relatório da Síntese de Indicadores Sociais 2007 (BRASIL,
2007), temos que a questão da identificação das fronteiras étnico-raciais apresenta
inúmeros desafios conceituais e metodológicos. Na encruzilhada de definições de
categorias, expressa-se o caráter político da operação censitária de classificação. Após
um século de evolução, a categorização dos grupos étnicos se viu recentemente
transformada, passando a distinguir entre origem e língua.
No Brasil, embora na década de 1980 tenha se incorporado de forma
contínua a pergunta sobre cor ou raça nas pesquisas populacionais, conta-se com uma
razoável tradição de experiência estatística de classificação racial, que é definido, desde
1991, por cinco categorias: branca, preta, parda, amarela e indígena.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2006 aponta que a
distribuição da população brasileira por grupos raciais se dá da seguinte forma: 49,7%
branca, 42,6% parda e 6,9% preta.
Entre os cerca de 15 milhões de analfabetos brasileiros, encontram-se mais
de 10 milhões de pretos e pardos. Na população com 15 anos ou mais, 6,5% dos brancos
são analfabetos e 14% dos pretos e pardos não sabem ler nem escrever.
O indicador de média de estudos para a população de 15 anos ou mais de
idade é de 8,1 anos para brancos e 6,2 para pretos e pardos. Entre os estudantes de nível
superior, 56% são brancos e apenas 22% pretos ou pardos. Em 2006, 78% dos
concludentes da graduação universitária eram de cor branca, 3,3% preta e 16,5% parda.
Comparando os rendimentos-hora dentro dos grupos com igual nível de
escolaridade, observa-se que os brancos recebem em média 40% mais que os pretos e
pardos.
104
Entre os grupos de apropriação de renda nacional em 2006, os brancos
alcançaram 26,1% do total de mais pobres e quase 86% entre os indivíduos de classe
mais favorecida, enquanto que os pretos e pardos atingiram percentuais de 73% e 12%
nessas mesmas categorias, respectivamente.
As desigualdades raciais manifestadas nos indicadores sociais da PNAD
2006 expressam a recorrente exclusão social à qual homens e mulheres, identificados
como pretos ou pardos, são submetidos ao longo de suas vidas. Sistematicamente
desfavorecidos quanto às condições de moradia, assistência dico-sanitária,
escolaridade, emprego e renda, para mencionar os mais importantes fatores de exclusão,
este segmento populacional de ascendência africana e indígena também apresenta
maiores níveis de mortalidade infantil, menores índices de esperança de vida ao nascer,
maiores índices de mortalidade de jovens e maiores proporções de mortalidade de
gestantes. (BRASIL, 2007, p.182).
Com relação à nossa pesquisa, cabe informar que, logo no início das
atividades do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”, deparamo-nos
com um quadro de pessoas completamente distinto daquilo que esperávamos: as
mulheres, embora moradoras do território quilombola, não se reconheciam sequer como
negras, muito menos como descendentes de escravos. Na verdade, a quase totalidade
delas vivia naquela região menos de 15 anos. No caso das entrevistadas, somente
três, dentre as sete, reconhecem-se como negras e uma dessas o faz apenas em razão
de morar em uma comunidade quilombola. Dessa maneira, tratar esse assunto aqui faz
sentido mais devido ao contexto local de valorização da cultura negra e às
oportunidades que têm sido direcionadas à localidade de Alto Alegre e adjacências, que
por qualquer outro motivo.
Toda a movimentação em torno da descendência negra em Horizonte teve
início por volta do ano 2000, a partir de uma iniciativa da Prefeitura Municipal de
resgatar a história da população que habita o atual território quilombola décadas.
Desde então, vêm ocorrendo inúmeras iniciativas provindas dos setores blico e social
de valorização da cultura e da identidade étnica dos povos constituintes da população
brasileira, os quais se encontravam esquecidos ou estigmatizados pelo preconceito da
sociedade. Um depoimento de Valquíria ilustra bem esse movimento:
Toda vida a comunidade olhou pra Alto Alegre, que agora ela olha de
modo diferente. Melhorou muito porque a gente participa de reuniões no
auditório da prefeitura, e no Horizonte tem vários distritos. Mas tudo que
105
vem em termos de curso, coisas de municípios, os primeiros que vem, vem
pra comunidade quilombola. Hoje o Alto Alegre é bem visto na Prefeitura.
Por exemplo, nós tem o grupo de dança. O grupo de dança vai se apresentar
em tal canto, a gente pede a Prefeitura, e a Prefeitura manda aquele
transporte. Ah, a comunidade precisa disso, vai na Prefeitura, a Prefeitura
dando um apoio bem forte.
Aquino, Sousa e Monteiro (2008) afirmam que a questão identitária dos
moradores do território quilombola se transformou ao longo dos anos, a partir da
interação com outros grupos e instituições, modificando também, o sentimento das
pessoas em relação a “ser negro”, como revelam, respectivamente, um senhor de meia
idade, uma jovem daquela localidade e Valquíria:
A minha tia parecia que ela estava algemada, ela se sentia avergonhada da
cor dela, de no meio dos brancos. Eu não me sentia avergonhado, mas eu
tinha aquela cisma, sinceramente, eu tinha aquela cisma, mas hoje, graças a
Deus, parece que quebrou as algemas da gente. Nós vivemos bem alegres,
bem folgados, graças a Deus, e hoje eu me sinto feliz, me sinto o nego mais
bonito de Horizonte.
Porque a maioria da negrada tinha um racismo. Não todos, mas a maioria do
pessoal que morava aqui tinha vergonha dos negros. Eu acho que isso aí,
depois de 2005, que houve, que os africanos vieram, vamos dizer, que
resgataram o Alto Alegre, e a gente sabia, que eram descendentes de
quilombolas, eu acho que isso aí mudou muita coisa.
A gente, nós mesmo tinha preconceito com a gente mesmo. E às vezes a
gente tinha certas participações, que a gente tinha que ir pra outro canto, que
surgia o preconceito. “Ah, neguim do Alto Alegre!”. Hoje não. Hoje, vamos
receber a Comunidade Quilombola (voz enfática). muda, todo mundo fica
curioso, quem é os quilombola? Todo mundo fica ansioso. E é assim. Eu
vejo pessoas comentando que hoje eles se orgulham de ser negro.
Depois do reconhecimento oficial da comunidade, inúmeras iniciativas,
como cursos profissionalizantes e seleções de pessoal para novos empreendimentos,
passaram a ser direcionadas prioritariamente às comunidades do distrito de Queimadas,
onde moram as famílias consideradas descendentes.
O próprio projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” foi uma
dessas propostas, deixando como herança, além da vivência relatada pelas mulheres,
toda uma estrutura de móveis, equipamentos e instrumentos que foram utilizados
posteriormente em outras turmas de capacitação em costura e que hoje pertencem à
associação comunitária.
Aquino, Sousa e Monteiro (2008) afirmam que ainda não existem dados
quantitativos sobre os resultados de todas essas ações. Por exemplo, não informações
fidedignas acerca da melhoria ou não da qualidade de vida dessas pessoas, em termos de
106
aumento do nível de escolaridade e de qualificação profissional, diminuição do
desemprego e outros aspectos dessa ordem. Por outro lado, os depoimentos e a
mobilização dos moradores daquela região apontam, no mínimo, para a elevação da
auto-estima das pessoas de forma geral, para o fortalecimento das raízes culturais e para
o aumento da visibilidade do povoado dentro e fora do município.
7.3 VIVÊNCIA DO PROJETO “ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO
REALIDADES”: APRENDIZAGEM PARA ALÉM DA COSTURA.
Não é fácil admitir, mas, ao término, o objetivo inicial pensado para o
projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” não foi atingido como era
esperado. As capacitações acabaram, muitas ações se efetivaram, porém, o grupo
produtivo não chegou a ser constituído. Chegamos com o propósito de montar uma
cooperativa sem saber se essa era realmente a vontade das mulheres, sem saber se o
grupo tinha potencial ou condições para tal.
Na verdade, elas bem que queriam iniciar uma cooperativa na comunidade,
como visto no depoimento de Valquíria: “O sonho de todos nós é trabalhar numa
cooperativa, se caso isso não acontecer a gente vai ficar trabalhando em casa mesmo”.
Entretanto, apesar de as mulheres terem aprendido muito sobre costura e artesanato, a
efetivação da almejada cooperativa, com trabalhadoras autônomas, não aconteceu.
Ainda seria necessário mais tempo de trabalho em equipe para que elas pudessem
empreender um negócio coletivo próprio e de acordo com o interesse da maioria e,
principalmente, recursos financeiros.
Além disso, havia outras concorrências. Concomitantemente ao desejo da
cooperativa, por exemplo, estava a vontade de voltar ao mercado de trabalho, agora
trabalhando numa máquina de costura. Lucimar foi bastante honesta nesse ponto:
“através desse curso que a gente tá, pra mim ele é um trabalho que vai me
profissionalizar amanhã ou depois pr’eu chegar no ponto de profissionalizar meus
filhos”. Virgínia também revelou seus planos:
Antes de terminar o projeto Alinhavando foi feita essa pergunta pra gente ‘o
que você queria fazendo quando terminasse o seu projeto’, e na época eu
disse que queria trabalhando na Sapatos, porque esse continua sendo o
meu desejo. Pra mim tinha que ser assim, sair direto pra lá (Sapatos).
107
De certo modo, esse objetivo estava bem mais ao alcance imediato dessas
mulheres, quer dizer, daquelas que ainda não haviam sido contratadas pela Sapatos em
outro momento. Mirtes foi uma que conseguiu emprego nessa empresa, no setor de pré-
fabricados, mas estava programando um teste para o cargo de costureira, bem como
outras companheiras estavam deixando seu currículo na fábrica. Apenas três ou quatro
dentre as 25 mulheres que finalizaram o projeto continuam produzindo em casa ou nas
máquinas da ARQUA e vendendo seus produtos na comunidade, mas de maneira
individualizada.
Assim, a busca do emprego de carteira assinada, e as possibilidades de
emprego em Horizonte, constituem um adversário forte para a iniciativa de um grupo
produtivo autônomo. Ter a estabilidade e a segurança proporcionadas pelo emprego,
que garante o consumo de mercadorias a crédito, certamente é mais atrativo para elas,
que passaram por dificuldades inclusive de alimentação, do que se arriscar na
instabilidade da atividade artesanal, cujo rendimento é incerto e não depende somente
da habilidade com os tecidos na máquina.
O projeto enfrentou uma gama de influências que versam para o lado oposto,
para a submissão ao emprego e à prestação de serviços que oferecem condições
precárias de trabalho e recompensas financeiras irrisórias, mas que realizam esse
pagamento no dia estabelecido.
Essas interferências, no caso abordado, são forças que estão longe de serem
enfrentadas de igual para igual, entre elas: os valores e pressupostos difundidos pela
sociedade salarial, que ainda estão altamente presentes no imaginário dessas mulheres; o
poder de consumo proporcionado pelo emprego com CTPS; o status social
proporcionado pelo uso do fardamento de uma grande empresa.
Contudo, inúmeros outros frutos foram colhidos desse período de trabalho,
como pôde ser observado na história de cada mulher entrevistada. A busca do
conhecimento da história da comunidade proporcionada pelo projeto “Alinhavando
Sonhos / Construindo Realidades” constitui motivo de orgulho por parte da
coordenação, o que é exposto nessa outra fala de Valquíria:
Foi um projeto que veio ensinar o processo da nossa história. Porque eu
nasci aqui, [...], mas nem eu nem a Letícia sabia a nossa história e [...] foi
através do curso que a gente veio saber da nossa própria origem. Eu não
sabia nem o significado de Alto Alegre. A primeira oficina que pediu o
histórico da comunidade, fez a gente ir de casa em casa, das pessoas mais
velhas, resgatar e conhecer a história. Umas criticaram, eu achei a
108
engraçado, eu levei alguns desaforos, porque na nossa comunidade tem
gente muito ignorante, pra mim, foi muito legal, a gente passou uma semana
pesquisando, achei bom, me senti uma repórter.
Nesse sentido, consideramos que o aprendizado dessas mulheres foi muito
além da mera capacitação em costura, de forma que vale a pena destacar outros trechos
de depoimentos: Tem pessoas que a gente conheceu que a amizade ficou. Saindo de lá
a amizade ficou, aquela amizade que antes não tinha” (Virgínia). São aprendizagens
para a vida dessas pessoas:
Teve uma coisa que aconteceu no Alinhavando que eu achei que foi um
gesto de mãe para filha. Foi minha monitora, que tava ensinando a gente a
costurar. Eu nunca na minha vida tinha visto máquina industrial. Na
primeira vez que eu sentei na cadeira pra costurar, eu tremia tanto, eu tremia
tanto que eu não controlava, eu não segurava nem eu mesma na cadeira. Foi
que a Irene veio e colocou oe pediu preu colocar o pé perto do dela. E
ela “você vai ver que você vai conseguir costurar, acredite que você vai
conseguir”. E ela colocou o dela junto do meu e me ajudou a superar
aquele medo. E quando eu percebi, o pé da Irene não tava mais, e eu tava
costurando sozinha. Aquele jeito dela era como se a minha mãe tivesse
pegando na minha mão me ensinando a dar meus primeiros passos.
(Valquíria).
Sobre a experiência de um projeto social semelhante realizado com mulheres
de uma favela na cidade de São Paulo, Sawaia (1995) relata que foi preciso um
princípio de força para que as mulheres liberassem suas emoções e desejos, princípio
esse vislumbrado nas aulas de artesanato oferecidas e nos movimentos reivindicatórios.
A partir daí, a autora acredita que “a sensação de impotência pode repentinamente se
transformar em energia e força de luta”. (p. 160).
A pesquisa de Sawaia (1995), que partiu do referencial da Psicologia Social
Comunitária, apontou para a necessidade de se trabalhar a, na e com a comunidade”,
tornando-a um sistema relacional que se apresenta como forma de resistência contra a
sociedade excludente, exploradora e competitiva.
Tudo isso está de acordo com os pressupostos do MDS (2007), expostos em
uma publicação da Secretaria Nacional de Assistência Social, que preconiza que o
desenvolvimento integral do ser humano deve abranger as diversas dimensões da sua
vida: individual, familiar, comunitária, social e nacional.
Buscamos atingir não apenas as 25 donas-de-casa, mas também suas famílias
e a comunidade, e esperamos que, assim como no projeto com as mulheres faveladas em
São Paulo, o projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades” tenha
109
representado ou represente um princípio de força propulsor de atitudes de
enfrentamento às diversidades da vida.
7.4 SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO TRABALHO
Concordamos com Borsoi (2005) quando a autora defende, ao estudar o
modo de vida dos trabalhadores de Horizonte, que a compreensão da realidade deve
passar pela consideração da subjetividade. Segundo a autora:
É preciso considerar a dimensão subjetiva dos indivíduos, pois essa, ao
mesmo tempo, expressa e integra a dimensão objetiva da realidade. Através
das representações que os trabalhadores constroem sobre suas vidas, dentro
e fora do trabalho, antes e depois de sua inserção nas indústrias, é que se
poderá chegar a uma compreensão dessa vivência. (BORSOI, 2005, p.34).
Essa idéia esteve presente na realização deste trabalho, pois o interesse maior
estava em retratar o percebido através da expressão das mulheres envolvidas na
pesquisa. Nesse sentido, cabe também trazer alguns elementos da teoria do economista
indiano Amartya Sen, pois, mesmo que sejam de outra área da ciência, muitas de suas
afirmações se aproximam da nossa forma de abordagem.
Sen (2000) procura demonstrar que o desenvolvimento pode ser visto como
um processo de expansão de liberdades reais que as pessoas desfrutam, liberdades estas
que incluem capacidades elementares, como ter condições de evitar privações como a
fome, a subnutrição, a morbidez evitável e a morte prematura, bem como as liberdades
associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos, ter participação política e liberdade
de expressão etc.
A perspectiva do autor em analisar o desenvolvimento se torna interessante
porque, assim como o projeto abordado nessa investigação, focaliza o indivíduo,
considerando a vivência das pessoas, o modo como elas conduzem a sua vida e aquilo
que elas próprias percebem como sendo importante.
Esse enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de
desenvolvimento, como as que identificam este processo exclusivamente com
crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais,
industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Sen (2000), embora não
negue a importância desses elementos, atenta particularmente para a expansão das
capacidades das pessoas de levar o tipo de vida que elas próprias valorizam.
110
Alguns itens do roteiro de entrevista da pesquisa de campo faziam referência
ao que as mulheres entendiam por qualidade de vida, o que desejavam para o seu futuro
e o de suas famílias. O objetivo desses questionamentos era justamente coletar
elementos para compreender aquilo que elas consideram como realmente importantes
em suas vidas. Os depoimentos obtidos confirmam a hipótese da centralidade do
trabalho na vida das pessoas.
Em uma das entrevistas coletivas, tivemos uma colaboração bastante
expressiva do pai de uma das entrevistadas (Virgínia) sobre o significado do trabalho:
Sem trabalho a gente não pode sobreviver. Tem que trabalhar pra trazer
alguma coisa pra casa. Se o caba parado sabe que a casa
desarrumada, que não tem nada. Tem que trabalhar. Eu acho que trabalho é
uma coisa importante pra gente. O cara hoje que tem condições ele tem que
trabalhar, o que não tem é que tem que trabalhar mesmo. O meu trabalho
é de agricultura mesmo, na roça. não gosto mais porque eu velho,
não mais com a saúde que eu tinha. Quando eu tinha saúde eu dava valor
mesmo. Hoje eu não trabalho mais porque a idade avançada. Enquanto
a gente puder, tá trabalhando.
Nessa fala, estão presentes inúmeros pontos relevantes. Inicialmente, está a
questão da própria sobrevivência: o trabalho como propulsor de outras realizações,
como a semente que possibilita a coleta de diversos outros frutos. As mulheres
entrevistadas compartilham dessa percepção e resumem como algo extremamente
valioso:
Trabalho pra mim significa tudo. Porque, através do trabalho, nós temos
tudo. E se ainda não temos, com certeza em algum dia da vida teremos, pois
quem espera por Deus não cansa. Temos que ter nosso próprio trabalho, para
que nós possamos se auto-sustentar, comer do próprio suor do nosso rosto e
porque mente vazia é oficina do diabo. (Maria).
O trabalho pra mim é uma fonte, que cada um de nós depende dele. Porque
sem trabalho nós não somos um pouco de nada. Dependemos para todas as
coisas de nossas sobrevivências. O trabalho é uma coisa muito importante
porque, através do trabalho, nós sustentamos a família, a nós mesmo e até
ajudamos uns aos outros. (Lucimar).
No meu ponto de vista, trabalhar é sempre aquela tarefa a fazer todos os
dias, a fazer com carinho, porque trabalhar é lida do dia-a-dia. Sempre
estamos trabalhando, fazendo uma coisa ou outra. Mesmo que não goste, a
vida da gente é um trabalho. Tudo que você vai fazer tem um trabalho. [...]
Tudo na vida depende do trabalho, sem o trabalho você não tem nada.
(Valquíria).
Assim como o trabalho consiste no meio para atingir outros objetivos, ele
também é fonte de realização individual. Contudo, a análise da trajetória das mulheres
111
aponta que a realização no âmbito profissional, e conseqüentemente, pessoal, está cada
vez mais difícil, por uma infinidade de razões, em especial, pela necessidade de
aproveitar o que aparece, por questões e obrigações junto à família e aos filhos. Virgínia
disse algo sobre isso:
Eu me sinto uma pessoa realizada. Pessoalmente sim, profissionalmente não.
É exatamente o que tô buscando nesse projeto (“Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”). Porque nesse projeto eu tenho a chance de
aprender, ter uma profissão, e através dela me realizar profissionalmente. O
difícil hoje é você trabalhar com prazer, trabalhar naquilo que gosta. A gente
trabalha no que aparece,[...] mas trabalhar com prazer e na profissão que
escolheu é difícil hoje.
Tanto neste como em outros discursos surgiram questões como ter uma
profissão definida e fazer aquilo que prazer como sendo relevantes para a satisfação
pessoal. Para Crisália, constitui motivo de admiração o fato de a pessoa trabalhar,
estudar e ter uma profissão, sendo esse um anseio destinado agora para os seus filhos,
da mesma maneira que pensam outras mães: “Eu queria muito isso pra eles (filhos). Eu
queria que eles estudassem, se formassem e trabalhasse naquilo no qual eles se
formaram. Eu queria muito isso, acho bonito”. (Lucimar).
Para elas mesmas, os sonhos talvez não vão muito longe, mas geralmente
estão relacionados com a vontade de trabalhar naquilo de que gostem e, principalmente,
poder oferecer um futuro melhor para os filhos, com direito àquilo que elas não tiveram.
Qualidade de vida pra mim é você poder oferecer pra sua família uma vida
estável, sem você ter que ter aquela correria, sem ter que me preocupar, por
exemplo, se eu vou ter dinheiro pra pagar uma água, uma luz, as minhas
contas do mês eu vou poder pagar. Eu ter a certeza de que eu vou conseguir
fazer isso. De que meus filhos vão precisar de fazer uma faculdade e eu vou
poder oferecer isso pra eles; vão precisar se profissionalizar em algum curso
e eu vou poder oferecer isso pra eles. (Virgínia).
Esses anseios sempre estão direta ou indiretamente vinculados ao poder de
aquisição proporcionado pelo trabalho, como revela Mirtes: “Mais na frente a gente (ela
e o marido) quer colocar nossos filhos numa escola melhor, porque nós dois trabalhando
tudo fica mais fácil. Meu sonho também é ser costureira. Só você dizer que sabe
costurar, já é uma coisa”.
Retornamos aqui a Sen (2000), quando afirma que a existência do duplo
rendimento numa mesma família permite a distribuição do orçamento de forma mais
equilibrada, bem como a satisfação de novas necessidades. Como apontado por Borsoi
112
(2005), a chegada das indústrias em Horizonte alterou as formas de apreensão da
população, modificando a capacidade de consumo de gêneros duráveis e não-duráveis.
Assim, temos que novas condições de vida determinam novas exigências, constroem ou
despertam novas necessidades. Para Sen (2000, p. 71):
As pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas na conformação
de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos
de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm
papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas.
São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda.
Partindo desse ponto de vista, tem-se que o indivíduo deve levar a sua vida a
partir do que almeja, tendo o Estado o papel de oferecer subsídios para o
desenvolvimento das capacidades das pessoas para realizarem o que desejam.
Essas ponderações são essencialmente importantes em nossa abordagem. No
projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”, trabalhamos com a
perspectiva de oferecer um aprendizado às mulheres para que pudessem, a partir dos
conhecimentos adquiridos e da própria criatividade, assumir uma atividade laboral mais
voltada para as suas aptidões e para aquilo que lhes proporcionasse prazer, não apenas
no resultado final (financeiro), como também no processo de elaboração.
Difundir essa idéia não foi tarefa fácil, nem se pode dizer que foi conseguido
em absoluto. No Estado do Ceará, infelizmente, ainda predomina a forma
assistencialista de lidar com a população mais carente, principalmente em cidades do
interior. As pessoas estão mais acostumadas a receber o tijolo, a telha, a cesta básica, o
fardamento escolar dos filhos, o dinheiro para o pagamento da conta de luz atrasada, o
medicamento para pressão alta. Discordamos dessa postura e acreditamos que o
investimento na educação e na qualificação profissional, ou seja, nas “capacidades
humanas”, para usar os termos de Sen (2000), é mais benéfico e traz melhores
resultados em longo prazo.
O sonho de iniciar um negócio ou trabalhar por conta própria, presente na
fala das mulheres entrevistadas, é adiado pelas dificuldades vigentes e pela
impossibilidade financeira. Embora haja obstáculos, podemos dizer que pelo menos
uma pessoa pareceu entender o nosso recado, ou está mais próxima da nossa forma de
enxergar o mundo do trabalho:
113
Eu nunca peço o peixe, eu peço o anzol Aqui é assim, a gente tem o modo
de sobreviver, a gente sabe fazer o artesanato, que a gente precisa de uma
divulgação [...] O trabalho dos meus sonhos é exercer minha profissão. Eu e
meu marido, que eu fiz parte de um projeto (“Alinhavando Sonhos \
Construindo Realidades”) que me ensinou a sonhar demais. Hoje mesmo a
gente tava conversando sobre o que a gente vai fazer, agora que mais
fácil. A gente vai fazer uma mudança e a gente quer encher de artesanato. E
assim, construindo o artesanato na hora, vendendo na hora, uma coisa assim
bem natural. Meu sonho é isso, crescer com o artesanato. (Valquíria).
A experiência no projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”
parece ter reativado alguns elementos que poderiam estar adormecidos em suas
subjetividades, influenciando na modificação da percepção das mulheres acerca do
trabalho.
114
8 CONSIDERAÇÕES “FINAIS”
Quem com o olhar de espectador ou de investigador descreve e julga a
partir da própria história social e cultural e, assim, dificilmente consegue
entrar nesse universo que soa, ao mesmo tempo, tão comum e tão singular.
(BORSOI, 2005, p. 159).
A instalação de indústrias em Horizonte - CE, indubitavelmente, representa
um marco divisor de águas na vida dos cidadãos do município. Logo após a sua
emancipação, 22 anos atrás, as mudanças interferiram não apenas na infra-estrutura
urbana e no cenário físico da cidade, mas também no cotidiano das pessoas, em especial
devido à migração de milhares de famílias para a localidade em busca de emprego.
Partindo da perspectiva teórica da Psicologia Social do Trabalho, e tendo
como caminho paralelo um período de meses de observação e convivência semanal, a
presente dissertação constituiu uma reflexão sobre o mundo do trabalho e o que este
representa na vida de mulheres participantes do projeto social “Alinhavando Sonhos /
Construindo Realidades”, desenvolvido em um território quilombola, localizado no
município de Horizonte. Tal projeto visava incentivar a construção de grupos
produtivos autônomos, formado por mulheres da comunidade, com a pretensão de criar
alternativas de trabalho que não estivessem voltadas apenas para as fábricas da região.
O caminho traçado possibilitou a obtenção de arremates relevantes.
As condições precárias de trabalho, disponibilizadas pelas fábricas inseridas
nos modelos de produção vigentes, e observadas nas empresas instaladas em Horizonte,
são percebidas conscientemente pelas mulheres entrevistadas. Elas próprias se
submeteram ao regime imposto pelas indústrias, ou conhecem alguém muito próximo
que se encontra nessa situação.
O desejo de ocupar um posto de trabalho na linha de produção nessas
indústrias existe, sendo que, algumas vezes, ele é permeado por questionamentos e
abraçado como possibilidade última e ligada à sobrevivência, principalmente nos casos
de mulheres que tiveram sua saúde física e / ou psíquica prejudicada, em virtude do
tempo de serviço ou da experiência de situações difíceis no ambiente de trabalho. Por
outro lado, pode ser observado, também, entre mulheres do mesmo grupo pesquisado,
intensa vontade em trabalhar ou retornar ao emprego nas fábricas, o que pode ser
explicado pelo aumento do poder aquisitivo proporcionado pelo salário fixo.
115
Sobre essas conquistas possibilitadas pelo emprego de carteira assinada,
cabe destacar a representatividade que a fábrica que mais contrata trabalhadores em
Horizonte possui na fala dessas mulheres, pois, somado a esta grande absorção de
pessoas, ela oferece atrativos a mais que nem sempre são disponibilizados por outras
empresas. Além disso, disponibiliza cargos comumente ocupados pelo sexo feminino, o
que repercute na motivação para a entrada da mão-de-obra feminina na indústria ou no
mercado de trabalho.
A qualificação profissional e um nível mínimo de escolaridade são itens cada
vez mais exigidos por essa e pelas outras indústrias de Horizonte. Nesse aspecto, foi
percebido, entre as mulheres abordadas, certa acomodação com relação a si mesmas,
visto que, em geral, os planos de dedicação aos estudos, no momento atual, são
prioritariamente destinados aos filhos e ao marido. Elas continuam tendo como
ocupação central a manutenção da casa e o cuidado dos filhos, o que não é percebido
como atividade laboral significativa.
A participação no projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades”,
ação direcionada para a comunidade em razão das raízes quilombolas desta, constituiu
uma oportunidade de qualificação profissional abraçada pelas mulheres dessa pesquisa.
O acesso ao conhecimento das origens da comunidade, bem como a aproximação
afetiva a pessoas antes desconhecidas, foram aspectos importantes apontados pelas
mulheres como resultados do projeto.
Algumas entrevistadas perceberam nessa experiência a chance de facilitar o
início ou o retorno ao trabalho fabril, ao passo que outras vislumbraram também a
possibilidade de trabalhar naquilo que realmente poderia ser fonte de prazer, o que não
foi apontado como sendo no chão das fábricas. Entre elas, aquelas que afirmam não
mais conseguir acompanhar o ritmo acelerado das máquinas, subordinar-se a um chefe,
adaptar-se à jornada intensa de horas de trabalho, à falta de tempo para um descanso
adequado ou para a convivência com os filhos e com a comunidade. O projeto atuou
seguindo uma perspectiva mais voltada para o trabalho autônomo, sendo esta uma tarefa
difícil, uma vez que uma constante busca por estabilidade financeira que possibilite
um maior acesso ao consumo.
Essas mulheres estão conduzindo suas vidas e, conseqüentemente, suas
perspectivas em termos profissionais, de acordo com aquilo que elas próprias
consideram importante, quando, por exemplo, optam por tentar ou não um posto de
trabalho nas fábricas de Horizonte. Por esse aspecto, mesmo não tendo constituído um
116
grupo produtivo em forma de cooperativa, o “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades” criou algumas condições para que essas mulheres possam seguir o caminho
que consideram mais adequado, seja na busca de um emprego, seja no trabalho
autônomo.
Portanto, de um modo ou de outro, vinculado a um emprego fixo ou ao
trabalho por conta própria, ficou claro nesse estudo, a partir das falas das mulheres, o
papel central que o trabalho exerce em suas vidas e a consciência por parte delas dessa
centralidade. Elas falaram das conseqüências de suas experiências anteriores de trabalho
em seu cotidiano familiar e social, das conquistas efetivadas a partir delas, bem como
dos sonhos que pretendem realizar. Mostraram que sabem o que gostariam de ter e/ou
de fazer para si e para os filhos. Suas falas revelaram, também, que elas têm consciência
das dificuldades e impossibilidades de pôr seus projetos e sonhos em prática.
Como desdobramentos desse estudo, e da implantação desse projeto social,
algumas questões podem ser aprofundadas, como as influências das diferentes gerações
familiares sobre a atribuição de significado ao trabalho pelo indivíduo, bem como a
comparação entre a percepção do trabalho por indivíduos inseridos numa gica de
trabalho fabril e a de indivíduos que desenvolvem atividades mais autônomas. Isso
somente outras pesquisas poderão mostrar.
117
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SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 4. ed. São
Paulo: Cortez, 1997.
SAWAIA, B. B. Dimensão Ético-Afetiva do Adoecer da Classe Trabalhadora. In:
LANE, S. T. M. Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, EDUC,
1995.
SCALIOTTI, O. Fortaleza é a 5ª cidade em geração de empregos do País. O Povo,
Fortaleza, 21 jan. 2008.
SEN, A. K. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Tradução: Laura Teixeira Motta.
SERRANO PASCUAL, A.; MORENO MARTÍN, F.; CRESPO SUÁREZ, E. La
experiencia subjetiva del trabajo en una sociedad en transformación. In: OVEJERO
BERNAL, A.; AGULLÓ TOMÁS, E. Trabajo, individuo y sociedad. Perspectivas
psicosociológicas sobre el futuro del trabajo. Madrid: Ediciones Pirámide, 2001.
SILVA, M. F. S. A psicologia social e a psicologia (social) do trabalho. In: ______;
AQUINO, C. A. B. (Orgs). Psicologia social: desdobramentos e aplicações. São Paulo:
Escrituras, 2004.
SOARES, A. N. F. A reestruturação produtiva e os seus efeitos sobre o trabalho
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Trabalhadores, 2006, Fortaleza. Anais. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2006. CD
ROM.
SOUSA, M. A. Horizonte – história e vida. Fortaleza: Editora Edjovem, 2006.
SOUSA, M.C. Os efeitos da industrialização na execução orçamentária do município
de Horizonte. 2007. Monografia (Especialização em Contabilidade Pública). Faculdade
7 de Setembro, Fortaleza, 2007.
121
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. Pró-Reitoria de Extensão. Relatório de
Projeto de Extensão 2007. Fortaleza, 2007. 5 p.
______. Núcleo de Psicologia do Trabalho. Relatório Parcial Interno 2007. Projeto
Alinhavando Sonhos / Construindo Realidades. Fortaleza, 2007.
VOLPATTO, Rosane. Maculelê. Disponível em:
<http://www.rosanevolpatto.trd.br/maculele11.html>. Acesso em: 12 de janeiro de
2009.
122
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista para Pesquisa de Campo
TRABALHO
1. O que é trabalho para você?
2. Como é o trabalho dos seus sonhos?
3. Você já trabalhou em alguma fábrica de Horizonte? O que você acha dessas
fábricas e do emprego que oferecem?
4. Você conhece exemplos de pessoas que trabalham ou trabalharam nessas
fábricas que passaram por experiências marcantes?
HORIZONTE
5. Você nasceu em Horizonte? Há quanto tempo mora aqui?
6. Quais as principais mudanças ocorridas nos últimos anos? Quais os aspectos
positivos e negativos?
- Em Horizonte
- Na comunidade
- Na sua família
- Na sua vida
TERRITÓRIO QUILOMBOLA
7. Você é quilombola?
8. O que você sabe sobre o processo de reconhecimento do território?
9. O que você sabe sobre a história negra da comunidade?
10. Existe preconceito com relação a isso?
11. O que você acha das visitas constantes que a comunidade recebe?
12. Você faz parte da ARQUA?
13. O que a associação representa para você? O que ela poderia fazer pela
comunidade?
VIDA PESSOAL
14. Como é a sua participação no orçamento e nas atividades domésticas?
15. Quantas pessoas moram na sua casa? Quais as responsabilidades de cada
membro?
16. O que você deseja para o seu futuro e o dos seus filhos?
ALINHAVANDO
17. Como foi participar do Alinhavando? O que foi mais importante para você?
18.
O que poderia ter sido melhor?
19.
Como está o seu contato com as outras participantes do projeto?
123
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
AUTORIZAÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO EM PESQUISA
Prezada,
Estou realizando a pesquisa “ALINHAVANDO SONHOS / CONSTRUINDO
REALIDADES”: OS SIGNIFICADOS DO TRABALHO PARA MULHERES DO
MUNICÍPIO DE HORIZONTE CE, cujo objetivo é analisar o tema trabalho a partir
da experiência e da opinião de mulheres do projeto “Alinhavando Sonhos / Construindo
Realidades”. Essa pesquisa poderá ser importante para o estudo do trabalho a partir das
mudanças sofridas por Horizonte com a chegada de indústrias no município.
Gostaria de contar com a sua colaboração nessa investigação, através da sua
participação em um grupo focal (roda de conversa sobre o trabalho). Saiba que: seu
nome não será mencionado; você poderá desistir de participar a qualquer momento;
você poderá obter qual informação sobre a pesquisa sempre que queira.
Em caso de dúvida, você poderá a pesquisadora Mabel Melo Sousa (residente à
Rua Cel. João Carneiro, 67, ap 406 Fátima, Fortaleza-CE. Fone 85 3272 3121 / 8806
6714).
O Comitê de Ética em Pesquisa da UFC está disponível para reclamações
pertinentes à pesquisa (fone 85 3366 8338).
Grata,
Mabel Melo Sousa
Pesquisadora.
Horizonte, ___ de ____________de ___.
________________________________
Assinatura do sujeito da pesquisa
__________________________________
Assinatura do (a) pesquisador(a)
124
APÊNDICE C – Ficha de Cadastro
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDADES PARA O DESENVOLVIMENTO
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME
PROGRAMA DE PROMOÇÃO DA INCLUSÃO PRODUTIVA DE JOVENS - BRA/05/028
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
NUTRA – NÚCLEO DE PSICOLOGIA DO TRABALHO
PROJETO “ALINHAVANDO SONHOS, CONSTRUINDO CIDADANIA”
FICHA DE CADASTRO N° ____ ( )Fortaleza ( )Horizonte
Data: ___ / ___ / ___
Nome: ____________________________________________________ Idade: ____
Nasc.: ___ / ___ / ___ RG: __________________ CPF: _______________________
Mãe: _________________________________ Pai: ___________________________
Estado Civil: _________________ Nº de filhos e idades: ______________________
Endereço: ____________________________________________________________
Ponto de Referência: ________________________ Bairro / Regional: ____________
Residência: ( )Própria ( )Alugada Telefone: ______________________________
Mora com quem? ______________________________________________________
Renda total da família: ___________________ Nº Aposentados: ________________
N° Pessoas Trabalhando: ___ Comércio em casa: ( )Sim ( )Não
Fontes de renda: _______________________________________________________
Ocupação atual: ____________________________ Onde? _____________________
Bolsa Família? ( )Não ( )Sim NIS (N° de Identificação Social): _____________
Escolaridade: _________________________________ Sabe: ( ) Ler ( ) Escrever
Está estudando? ( )Não ( )Sim. Série? _________ Que horário? ______________
Trabalhos já realizados: _________________________________________________
____________________________________________________________________
Cursos já realizados: ___________________________________________________
____________________________________________________________________
Já trabalhou ou trabalha com: ( )Costura ( )Bordado ( )Palha ( )Tricô
( )Crochê ( )Pintura ( )Gesso / Argila ( )Fuchico ( ) _____________
Gosta de trabalhos manuais e artesanais? ___________________________________
Já visitou alguma feira de artesanato? _____________________________________
Por que deseja participar do projeto? ______________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
Apreciação da Equipe de Cadastramento: ___________________________________
____________________________________________________________________
____________________________________________________________________
_____________________________ _____________________________
Candidata Responsável pelo preenchimento
NUTRA – Núcleo de Psicologia do Trabalho. Av. da Universidade, 2762 Benfica.
Fortaleza-CE. Fones: 3366 7735 / 33 [email protected] / fatse[email protected]
125
APÊNDICE D – Formulário de Avaliação de Atividades
UFC
NΨTRA – UFC
ATIVIDADE: _______________________________ NÚCLEO: ________________
DATA: ______________________ INSTRUTORA: _____________________
AVALIAÇÃO DO CURSO
1. Os objetivos foram alcançados?
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
2. O curso atendeu às suas expectativas?
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
3. A duração do curso e sua carga horária foram suficientes?
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
Pontos Positivos
Pontos Negativos
AVALIAÇÃO DA INSTRUTORA
1. Domínio sobre os assuntos abordados.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
2. Clareza e habilidade na transmissão do conteúdo.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
3. Utilização de materiais adequados.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
4. Relacionamento com as alunas.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
AUTO-AVALIAÇÃO
1. Participação nas aulas.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
2. Pontualidade / Freqüência.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
3. Treinamento das atividades aprendidas.
( ) Sim ( ) Mais ou menos ( ) Não
CRÍTICAS, SUGESTÕES E OBSERVAÇÕES
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