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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
ARIADNE CATANZARO
DEPOIS DO JOGO, ANTES DO JOGO
Um estudo de Corra Lola Corra
SÃO PAULO
2009
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ARIADNE CATANZARO
DEPOIS DO JOGO, ANTES DO JOGO
Um estudo de Corra Lola Corra
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do Programa de
Mestrado em Comunicação, área de
concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação do Profa. Dra.
Sheila Schvarzman e co-orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
SÃO PAULO
2009
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FICHA CATALOGRAFICA
ARIADNE CATANZARO
DEPOIS DO JOGO, ANTES DO JOGO
Um estudo de Corra Lola Corra
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre do Programa de
Mestrado em Comunicação, área de
concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação do Profa. Dra.
Sheila Schvarzman e co-orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
Aprovado em 20/03/2009
Orientadora: Profa. Dra. Sheila Schvarzman
Convidada: Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno
Convidado: Prof. Dr. Samuel José Holanda de Paiva
DEDICATÓRIA
Para meus pais e maiores referências, Wladimir e Suely, que desde cedo me
apontaram a importância do conhecimento, ajudaram com a lição de casa e me
acolheram quando eu achei que não conseguiria.
Para meu marido, companheiro e melhor amigo, Felipe, por me ajudar a concentrar
nos momentos difíceis e dispersar nos momentos necessários.
AGRADECIMENTOS
A todos os professores do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade
Anhembi Morumbi, meu muito obrigado.
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo um estudo do filme Corra Lola Corra, de 1998,
dirigido pelo alemão Tom Tykwer. A análise feita neste trabalho teve como base os
principais fatos históricos que podem ter influenciado o roteiro e as escolhas
estéticas do filme. A partir de um breve sobrevôo pelo século XX e fatos marcantes
especificamente da década de 1990, buscamos elementos do filme que caracterizam
o mesmo como um produto audiovisual da cultura pós-moderna, ou ainda, enquanto
um produto da cultura da mídia. Para isso percorremos fatos como a emancipação
feminina, a revolução tecnológica, a globalização e a desterritorialização cultural
enquanto importantes fatores históricos e sociais que influenciam o roteiro do filme.
As características do cinema da década de 1990, a estética do videoclipe, o
hibridismo, a hipertextualidade, a cultura da mídia e a formação de múltiplas
identidades foram os fatores audiovisuais que influenciaram a estética escolhida
para a narrativa de Corra Lola Corra.
Palavras-chave: Cultura de mídia. Revolução Tecnológica. Hibridismo.
Intertextualidade. Pós Modernidade.
ABSTRACT
The goal of this research is the analysis of the movie Run Lola Run, 1998, directed
by the German movie maker Tom Tykwer. The analysis which was done here has
been based on the main historic facts which have probably influenced the script of
the movie and the esthetics choices made by the director. Based on a brief review
of the 20
th
century, and significant facts specifically from the 1990s, we brought
elements of the movie that represent it as a post-modern culture product, or even
better, a media culture product. Concerning that we went through facts such as
women emancipation, technology revolution, globalization and cultural
desterritorialization, considered to be important social and historic facts that might
have influenced the script of this movie. The characteristics of 1990s movies, video
clip esthetics, intertextuality, metanarratives, media culture and multiple identities will
be audiovisual factors that might have influenced the chosen esthetics for telling Run
Lola Run story.
.
Key-words: Media Culture. Technology Revolution. Metanarratives. Intertextuality.
Post Modernity.
SUMÁRIO
Introdução 14
1. Capítulo I – O mundo em 1990 21
1.1 A queda do muro 21
1.2 A emancipação feminina 23
1.3 A revolução tecnológica 29
1.4 A globalização 32
1.5 A Desterritorialização 35
1.6 O videoclipe 36
1.7 O surgimento da MTV 39
1.8 Hibridismo e Intertextualidade na Cultura Pós-Moderna
40
2. Capítulo II – Lançando Corra Lola Corra e o Cinema em
1990
43
2.1 O lançamento 43
2.2 O cinema da década de 1990 46
2.3 A Cultura da Mídia e a formação de múltiplas
identidades
48
3. Capítulo III – Exercício de análise de Corra Lola Corra
56
3.1 Corra Lola Corra - o filme
56
3.2 As personagens de Corra Lola Corra : Entre o bem e o
mal
58
3.3 Corra Lola Corra e as possibilidades midiáticas
62
3.3.1 Película, Cores Vibrantes
64
3.3.2 Fotografia still - Imagens estáticas, quadro a
quadro
64
3.3.3 Vídeo. Câmera na Mão, luz estourada
65
3.3.4 Vídeo. Preto e Branco. Imagem acelerada
66
3.3.5 Videogame
67
3.3.6 Videoclipe
67
3.3.7 Animação
68
3.3.8 Filtro vermelho
68
Conclusão
70
Bibliografia
72
Anexo A – Letra e tradução de “I wish I was a Hunter”, trilha
musical da terceira versão da jornada de Lola
75
Anexo B – Filmografia de Tom Tykwer
77
Anexo C – Ficha técnica de Corra Lola Corra
78
14
INTRODUCÃO
“Não cessaremos de explorar,
E ao fim de nossa exploração
Voltaremos ao ponto de partida
Como se não o tivéssemos conhecido.”
T.S. Eliot
Corra Lola Corra é um filme de certo modo diferente do que estamos
acostumados. É um filme que começa três vezes e termina três vezes. O filme tem
três começos iguais, mas o desenrolar da trama em cada uma das versões é
diferente, e então, o filme também tem três finais diferentes. Por isso definimos
Corra Lola Corra como um filme cíclico.
Lola é uma jovem na faixa dos 20 anos. Aparentemente não tem nenhuma
atividade fixa, como trabalho ou estudo. Também não parece ter muitos amigos. Seu
maior vínculo é o namorado Manni, também jovem, trabalha com contrabando.
Lola mora com sua mãe. A introdução do filme, momento em que estas três
personagens são apresentadas ao espectador, nos dá a entender que a mãe de
Lola não trabalha, tem problemas com bebida e provavelmente mantém um caso
extraconjugal.
Lola está em casa quando recebe uma ligação de Manni. Através de uma
conversa dos dois, nesta ligação, a trama é apresentada ao espectador.
Manni tinha uma difícil missão a cumprir. Uma missão-teste. Chegaria num
local afastado, encontraria algumas pessoas e lhes entregaria uns diamantes. Estas
pessoas checariam as pedras e lhes entregariam o dinheiro. Manni pegaria o
dinheiro, e encontraria Lola em seguida. Só que Lola não conseguiu chegar no
horário e no local combinado. Lola, a caminho do encontro com Manni, parou para
comprar cigarros e teve sua motocicleta roubada, por isso não conseguiu encontrar-
se com Manni. Ao perceber que Lola não estava lá, Manni decidiu caminhar até o
15
metrô. Quando estava no trem, uns policiais entraram no vagão e Manni, num
reflexo ao qual já estava acostumado, saiu rapidamente do metrô. ‘A bolsa!’. Manni
esqueceu a bolsa com o dinheiro dentro do metrô. Cem mil marcos. Uma missão-
teste.
A conversa dos dois é ilustrada com imagens de flashback em preto e branco.
Lola promete a Manni que irá ajudá-lo. Manni diz que tem apenas vinte
minutos para entregar o dinheiro à gangue, caso contrário, estará morto. Lola pede
que Manni espere por ela. O cartão telefônico de Manni acaba e cai a ligação.
Lola pensa, desesperadamente, a quem recorrer. Depois de alguns
segundos, percebe que a melhor, e nem por isso boa, opção é seu pai.
Lola começa a correria. Passa por sua mãe na sala. Um movimento de
câmera panorâmico, de 360 graus, nos apresenta o cenário da sala de estar de Lola.
A câmera pára no aparelho de televisão e a imagem do filme se funde com a
imagem de animação de dentro da televisão. É em animação que vemos Lola
correndo até a portaria do prédio.
As escadas do prédio de Lola são espirais. Lola desce correndo por elas.
Esta é a introdução do filme que se repete três vezes. A história começa a
mudar a partir da correria de Lola na escadaria do prédio. Em cada uma das três
versões, a correria de Lola vai ser diferente a partir da escada de seu prédio.
Lola corre até o banco onde seu pai trabalha.
O pai de Lola é um homem de negócios, na faixa dos 50 anos. Trabalha
muito, passa pouco tempo em casa. Não sabe muito sobre a vida da filha. Sente-se
explorado pela mulher. Tem um caso extra conjugal como uma colega de trabalho.
Ele se assusta ao receber Lola em seu escritório. Lola pede o dinheiro, cem mil
marcos, e ele recusa.
Na primeira versão da história, ele a coloca para fora do banco, diz que ela
não é sua filha e que vai se casar e ser feliz com outra mulher.
16
Lola chora, mas logo volta a correr ao encontro de Manni. Quando Lola chega
no local combinado, Manni está assaltando um supermercado. Lola, sem outra
opção, entra no supermercado e ajuda no assalto.
Os dois fogem com o dinheiro, mas a polícia os alcança. Ao serem
abordados, Lola é acidentalmente baleada e morre.
Na segunda versão, o pai de Lola recusa dar-lhe o dinheiro. Lola pega a arma
do segurança do banco e inicia um assalto ao cofre, tendo seu pai como refém. Lola
corre e consegue chegar ao local combinado exatamente no momento em que
Manni está entrando no supermercado para realizar o assalto. Lola grita e consegue
impedi-lo, mas ao vê-la, Manni pára no meio da rua, e é atropelado por uma
ambulância. E morre.
Na terceira versão Lola não chega a tempo de encontrar com seu pai no
banco. Desesperada e com pressa, vai parar em um cassino. Entra e tenta sua
sorte. Aposta e ganha cem mil marcos na roleta.
Corre em direção a Manni. Pega uma carona com a ambulância que passa
por ela.
Enquanto isso Manni vê o mendigo que estava no mesmo vagão que ele, com
sua sacola de dinheiro. Manni consegue perseguir o mendigo e recuperar o dinheiro.
Lola e Manni se encontram.
Final feliz.
17
O filme Corra Lola Corra e a pós-modernidade
A modernidade pode ser definida como um momento em que os avanços da
ciência e da tecnologia resultaram em importantes fenômenos sociais. A rápida
urbanização e o crescente excesso de informações foram peças-chave para este
processo de mudança.
Havia uma nova visão de mundo e as grandes transformações tiveram que se
reorganizar para se adequar a essa nova visão. Houve uma revisão de valores e
uma re - avaliação a respeito das estruturas, da política e das artes.
Já nos anos 60 foi possível perceber a quebra de algumas utopias da
modernidade. Já não há mais fé na razão, no progresso tecnológico ou na ciência
enquanto substituição da religião.
Não há verdades absolutas ou conceitos universais. Já não se questiona mais
a dependência do Iluminismo na razão como forma de verificação da verdade. A
ruptura está em também questionar a verdade, fé e a ciência.
É uma tarefa complexa distinguir o moderno e o pós moderno, pois não há um
consenso sobre essas diferenças, mesmo porque o pós-moderno pode ser visto
como uma linearidade conseqüente do moderno.
Na pós-modernidade, com a desconstrução do que se compreendia como
verdade, e o questionamento da lógica científica, os pós-modernos assumem
posturas relativizadoras. Estas posturas trarão conseqüências para o fazer artístico e
para o pensar histórico do fazer artístico. Há diversas maneiras de ver, sentir e
contemplar as obras de arte. Podemos utilizar como exemplo as instalações, onde o
espectador pode interagir com a obra, e até mesmo modificá-la. O público passa a
ser participante ou também artista responsável pelas criações das modificações
daquela obra. No teatro a peça ganha um novo estilo com o happening, onde há a
participação ativa do público.
Para o crítico literário e político marxista, Fredric Jameson, o conceito “pós-
moderno” não é apenas mais um termo para a descrição de um determinado estilo:
(...) É também, um conceito de periodização cuja principal função é correlacionar a
emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo
tipo de vida social e de uma nova ordem econômica – chamada, freqüentemente e
eufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de
consumo, sociedade dos mídia ou do espetáculo, ou capitalismo multinacional.
Podemos datar esta nova fase do capitalismo a partir do crescimento econômico do
18
pós-guerra nos Estados Unidos, no final dos anos 40 e começo dos 50, ou então, na
França, a partir da instituição da Quinta Republica, em 1958. A década de 60, sob
muitos aspectos, é o período-chave de transição, um período em que a nova ordem
internacional (neocolonialismo, a Revolução Verde, a informatização e a mídia
eletrônica) não só se funda como, simultaneamente, se conturba e é abalada por
suas próprias contradições internas e pela oposição externa (1985: 18).
Tudo já foi feito e a arte perde a originalidade. Uma das práticas ou traços
mais importantes da pós -modernidade hoje é o pastiche.
O pastiche envolve a imitação, o mimetismo de outros estilos. Como explica
Jameson:
o pastiche é, como a parodia, a imitação de um estilo singular ou exclusivo, a
utilização de uma mascara estilística, uma fala em língua morta: a sua pratica desse
mimetismo é neutra, sem as motivações ocultas da parodia, sem o impulso satírico,
sem a graça, sem aquele sentimento ainda latente com a qual aquilo que está sendo
imitado é, sobretudo cômico. O pastiche é parodia lacunar; parodia que perdeu seu
senso de humor: o pastiche está para a parodia assim como aquela coisa curiosa, a
prática moderna de uma espécie de ironia branca, está para o que Wayne Booth
chama as ironias cômicas e estáveis, isto é, as ironias do século XVIII. (1985: 19)
É característica da cultura pós-moderna se apropriar de linguagens e
estéticas, ou tiques estilísticos (Jameson) de outros períodos. A mistura de estilos
também pode ser vista como uma destas características.
O filme Corra Lola Corra, de Tom Tykwer, realizado na Alemanha, em 1998,
tem em seu roteiro esta característica. Ele se apropria de diversas linguagens,
mistura estéticas, compõe um mosaico pós- moderno e ritmado. Por isso, este filme
será analisado neste trabalho. Corra Lola Corra enquanto um filme da pós-
modernidade. .
“Depois do jogo é antes do jogo”, escolhida como título desta dissertação, é a
frase que introduz o filme, um dos primeiros elementos que vemos na tela,
anunciando que trata-se de um filme cíclico. Redondo. A frase é do treinador de
futebol alemão Stepp Herberger (1897 – 1977). O filme, além de cíclico é rápido,
ágil e ligeiro. Quase eletrônico. Na trilha musical e na linguagem de vídeo-game. Um
filme pós-moderno. São variadas as possibilidades do cinema produto de uma
cultura pós-moderna. Neste trabalho analisaremos a cultura da pós-modernidade
pelo viés da cultura gerada pela e através da mídia.
19
Neste filme encontraremos elementos referentes a importantes
acontecimentos do século XX, tais como: a emancipação feminina, a revolução
tecnológica, a globalização e a desterritorialização cultural. Ao analisarmos estes
importantes acontecimentos do século XX, poderemos perceber que as
configurações estéticas audiovisuais também foram influenciadas por estes fatos. O
hibridismo e a intertextualidade são características que representam estas
influências.
O alemão Corra Lola Corra com suas várias versões exemplifica o mundo
virtual, os vários caminhos que podemos seguir - as novas mídias, a
intertextualidade e o hibridismo de configurações audiovisuais como configuração
assumida pelo diretor.
No primeiro capítulo, através de uma breve pesquisa sobre o século XX e as
mudanças que o mundo enfrentava em 1990, poderemos analisar melhor o contexto
social e suas influências no cinema mundial contemporâneo e, mais
especificamente, no filme de Tom Tykwer. O historiador Eric Hobsbawn será o nosso
condutor nessa viagem no tempo; Andrew Goodwin e Arlindo Machado nos darão
orientações sobre o videoclipe enquanto nova configuração audiovisual e o
surgimento da MTV; Fredric Jameson nos ajudará a compreender a cultura pós-
moderna. Michelle Perrot, através de uma entrevista feita com Jean Lebrun, nos
apresenta a emancipação feminina. Denilson Lopes nos guiará durante a
explanação do cinema da década de 1990 e suas características.
Douglas Kellner será o fio condutor do segundo capítulo, nos instruindo e
motivando a pensar a respeito da Cultura da mídia, que nos fornece imagens,
espetáculos, discursos e narrativas que são capazes de construir prazer e
identidades de que os espectadores se apropriam. Essas imagens podem estar
relacionadas a modelos sociais, comportamentos sexuais, estilo, aparência, jeito de
falar, andar, vestir etc, que acabam por ser os recursos para a formação e a
reestruturação da identidade. Recursos estes facilmente substituídos por outras
novas possibilidades de posição de sujeito. A Cultura da mídia é que nos fornece
material e recursos para estas escolhas da identidade.
Lola não só vira um desenho animado na televisão como também o filme
assume diferentes estratégias estéticas que poderíamos comparar ao videoclipe, ao
videogame, à publicidade, ou então Tom Tykwer mistura outras configurações como
vídeo, foto still (imagem estática) ou planos totalmente monocromáticos ou P&B,
20
também mistura imagem acelerada e imagem em slow motion. Lola assume
diferentes identidades ao longo do filme. Identidades que ela agarra graças a uma
flexibilidade e uma importante competência para lidar com diferentes situações.
Podemos também analisar as mutações da identidade de Corra Lola Corra a partir
de um estudo sobre as configurações e as estratégias estéticas escolhidas pelo
diretor. Partiremos então do fato de que Corra Lola Corra, enquanto fruto da Cultura
da Mídia, é também um filme com múltiplas identidades.
No terceiro e último capítulo, faremos um exercício de análise do filme,
baseado nas configurações estéticas escolhidas pelo diretor: videoclipe, videogame,
filtro vermelho, imagem estática, animação, preto & branco, película, cores vibrantes,
vídeo, luz estourada, câmera na mão. Analisaremos também as personagens e suas
características, para compreendermos melhor como elas podem estar entre o bem e
o mal em cada uma das três versões da jornada de Lola.
Boa viagem.
21
CAPÍTULO I
O mundo em 1990:
Para podermos melhor compreender o filme Corra Lola Corra (1998), de Tom
Tykwer, apresentamos neste capítulo alguns dos acontecimentos que marcaram a
época em que o filme foi produzido e lançado. Através destes fatos, estudamos
algumas características das personagens do filme, elementos do roteiro e
peculiaridades técnicas escolhidas pelo diretor para configurar o filme.
Nosso percurso começa logo após a queda do Muro de Berlim e se expande
por quase toda a década de 1990. No entanto, não ficamos apenas neste período,
para a melhor compreensão de onde Lola veio, percorremos outras décadas do
século XX e tentamos levantar alguns acontecimentos que podem ter influenciado
direta ou indiretamente a arquitetura do filme Corra Lola Corra.
1.1 A queda do muro.
Década de 1990. O século XX está no fim. Havia a esperança de uma Europa
unificada e democrática.
O mundo estava incomparavelmente mais rico do que nas décadas
anteriores, com uma imensa produção de serviços e bens, contando com uma
grande variedade destes. A maioria das pessoas era mais alta e mais pesada que
seus pais, graças a uma melhor alimentação. A população global era a maior da
historia do mundo.
Os índices de alfabetismo eram maiores, talvez até mesmo pela primeira vez
na história, pelo menos era o que diziam as estatísticas oficiais, mas podemos
desconfiar que o significado dessa conquista era uma competência mínima aceita
como alfabetização, ou seja, um domínio quase nulo da leitura e da escrita em
muitas camadas das sociedades.
Eric Hobsbawn, em Era dos Extremos, afirma que não há como duvidar
seriamente de que em fins da década de 1980 e inicio da década de 1990 uma era
se encerrou e outra nova começou. O mundo todo enfrentava grandes mudanças e
inúmeras novidades.
22
Na década de 1990 a maioria das pessoas era mais alta e pesada que seus pais,
mais bem alimentada e muito mais longeva, embora talvez as catástrofes das
décadas de 1980 e 1990 na África, na America Latina e na ex-URSS tornem difícil
acreditar nisso. O mundo estava incomparavelmente mais rico que jamais em sua
capacidade de produzir bens e serviços e na interminável variedade destes. Não
fora assim, não teria conseguido manter uma população global muitas vezes maior
que jamais antes na
história do mundo. Até a década de 1980 a maioria das pessoas
vivia melhor que seus pais e, nas economias avançadas, melhor que algum dia tinha
esperado viver ou mesmo imaginado possível viver. (Hobsbawn, 1994: 21)
E, o mesmo autor, em uma entrevista para a Folha de S. Paulo feita por
Sylvia Colombo, intitulada como Eric Hobsbawn - 90 anos de lucidez!, afirma que
nos anos 90 não se podia dizer tão seguramente, como se poderia ao longo dos
séculos 19 e 20, que estávamos num caminho de progresso e que as coisas só iriam
melhorar. O processo da globalização não pararia, e talvez o preparo que se exigia
dos jovens era para que soubessem como iriam lidar com essa aceleração
dramática.Como o otimismo é uma característica tão natural na juventude, era
preciso que refletissem sobre como direcioná-lo a alvos certos”. (Folha de S. Paulo,
30/09/2007)
Os anos 90 começaram como uma incógnita absoluta: O muro de Berlim,
símbolo da divisão da Alemanha em duas entidades – República Federal da
Alemanha e República Democrática Alemã - havia recém caído.
O muro dividia a cidade de Berlim ao meio, e era uma metáfora da divisão do
mundo em duas partes: capitalismo e socialismo. Foi construído em 13 de Agosto
de 1961 e caiu em 09 de Novembro de 1989. Surge então a República Federal da
Alemanha, acabando com a divisão do mundo em dois blocos. Este momento
também pode ser apontado como o fim da Guerra Fria.
Com a queda do muro e uma Europa unificada, durante os anos 1990 não
havia mais tantas utopias como nas décadas anteriores, e além disso, uma dúvida
cruel sobre o que aconteceria no tão esperado ano 2000: alcançaríamos um mundo
realmente unificado? Acabaríamos com a fome e a miséria? O fim dos tempos
finalmente chegaria? O bug do milênio? Os anos 90 seriam imprevisíveis.
23
1.2 A emancipação feminina
Em Corra Lola Corra podemos notar uma interessante inversão de papéis: Lola é
a heroína do filme. É ela que busca Manni no trabalho, ela é quem o salva do perigo,
é para ela que ele liga quando está desesperado. Obviamente aqui Lola não
representa sexo frágil algum. Frágil? Não... frágil não é um bom adjetivo para Lola.
Porém essa já é uma discussão ‘antiga’ em 1990. Ninguém mais se admira com
uma mulher que assume a postura antigamente esperada apenas dos homens. Na
década de 1990 a mulher já conquistou seu espaço no mercado de trabalho ou na
academia e sabemos que chegar até aqui não foi simples assim...
A chegada da mulher no mercado de trabalho, segundo Eric Hobsbawn, foi uma
mudança que afetou a classe operária e também a maioria dos outros setores das
sociedades desenvolvidas.
Em 1940, as mulheres casadas que viviam com os maridos e trabalhavam por salário
somavam menos de 14% do total da população feminina dos EUA. Em 1980, eram
mais da metade: a porcentagem quase duplicou entre 1950 e 1970. O fato da mulher
ter entrado no mercado de trabalho não era, claro, novo. A partir do fim do século
XIX, o trabalho em escritórios, lojas e certos tipos de serviço, por exemplo em
centrais telefônicas e profissões assistenciais, estava fortemente feminizado, e essas
ocupações terciárias se expandiram e incharam a custa (relativa e por fim
absolutamente) dos setores primários e secundários, quer dizer, agricultura e
indústria. (1994: 304)
As mulheres também entraram, e em número impressionantemente
crescente, na educação superior, porta de acessos as profissões liberais.
:
Segundo Hobsbawn:
Imediatamente após a segunda Guerra Mundial, elas constituíam entre 15% e 20%
de todos os estudantes na maioria dos países desenvolvidos, com exceção da
Finlândia – um farol de emancipação feminina – onde já somavam quase 43%.
Mesmo em 1960, em parte nenhuma da Europa e da América do Norte elas eram
metade dos estudantes embora a Bulgária – outro, e menos amplamente alardeado,
pais pró - mulheres – já quase alcançasse essa cifra. (Os Estados Socialistas foram
no todo mais rápidos na promoção do estudo das mulheres – a RDA deixou para trás
a República Federal da Alemanha - , mas fora isso a ficha feminina deles era
irregular.) Contudo em 1980 metade ou mais da metade de todos os estudantes eram
24
mulheres nos EUA , Canadá e seis países socialistas, encabeçados pela Alemanha
Oriental e a Bulgária , e em apenas quatro países europeus elas constituíam então
menos de 40% (Grécia, Suíça, Turquia e Reino Unido). Numa palavra, o estudo
superior era agora tão comum entre as moças quanto entre os rapazes. (1994:. 305)
No entanto, a partir da década de 1960, por meio de movimentos radicais, as
mulheres começaram a revoltar-se contra aquilo que consideravam práticas
opressivas das sociedades patriarcais contemporâneas e de seus consortes. A
primeira onda de feminismo dos anos 1960 descobriu clássicos como O segundo
sexo, de Simone Beauvoir, texto feminino de grande riqueza, e a importância da
experiência e da cultura das mulheres para o projeto radical.
O feminismo começa nos EUA, mas espalha-se rapidamente pelos países
ricos do Ocidente e nas elites de mulheres educadas no mundo dependente – mas
não, inicialmente, nos recessos do mundo socialista - e segundo Hobsbawn, a partir
daí haverá um impressionante reflorescimento do feminismo.
Embora esses movimentos pertencessem essencialmente, ao ambiente da classe
media educada, é provável que na década de 1970, e sobretudo na de 1980, uma
forma política e ideologicamente menos específica de consciência feminina se
espalhasse entre as massas do sexo (que as ideólogas agora insistiam que devia
chamar-se “gênero”), muito além de qualquer coisa alcançada pela primeira onda de
feminismo. Na verdade, as mulheres como um grupo tornavam-se agora uma força
política importante, como não eram antes. O primeiro e talvez mais impressionante
exemplo dessa nova consciência de gênero foi a revolta das mulheres
tradicionalmente fiéis nos países católicos romanos contra doutrinas impopulares da
Igreja, como foi mostrado notadamente nos referendos italianos em favor do divorcio
(1974) e de leis de aborto mais liberais (1981); e depois na eleição para presidência
da Irlanda da beata Mary Robinson, uma advogada muito ligada a liberação do código
moral católico (1990). (1994: 306)
Ainda segundo o historiador, no inicio da década de 1990, pesquisas de
opinião registraram uma impressionante divergência de opiniões políticas entre os
sexos em vários países. Não admira que os políticos começassem a cortejar essa
nova consciência feminina, sobretudo na esquerda, onde o declínio da consciência
operária privava os partidos de parte de seu antigo eleitorado.
Contudo, a própria amplitude da nova consciência de feminilidade e seus
interesses torna inadequadas as explicações simples em termos da mudança do
25
papel na economia. De qualquer modo, o que mudou na revolução social não foi
apenas a natureza das atividades da mulher na sociedade, mas segundo Hobsbawn,
também mudaram os papéis desempenhados por elas ou as expectativas
convencionais do que devem ser esses papéis, e em particular as suposições sobre
os papéis públicos das mulheres, e sua proeminência pública. (Ibidem: 307)
A inserção das mulheres na vida pública e no mercado de trabalho são
mudanças inegavelmente significativas e revolucionárias em relação a expectativa
das mulheres sobre elas mesmas, nas expectativas do mundo sobre o lugar que
elas podem ou devem ocupar na sociedade.
Segundo Jean Lebrun, em entrevista para Michelle Perrot, em Mulheres
Públicas:
As mulheres livres de hoje podem defender-se melhor porque trabalham e ganham
sua vida. O trabalho das mulheres não é uma fantasia, mas sim a possibilidade de
sua autonomia. É por isso que elas fazem questão dele, e não em nome de não sei
que amor perverso ao trabalho! (1998: 142)
Na política, o acesso sempre e em toda parte foi difícil para as mulheres.
Segundo Jean Lebrun:
A cidade grega, primeiro modelo de democracia, excluía-as radicalmente. No mundo
contemporâneo, a parte das mulheres nas instancias representativas está longe de
ser igual em todos os países. Elas chegam com freqüência ao poder executivo como
substitutas, prosseguindo uma tradição familiar (...). (1998: 118)
Alguns exemplos:
Indira Gandhi (India, 1966-84), Benazir Bhutto (1988-90; 1994) e Aung
San Xi, que teria sido chefe da Birmania não fosse o veto dos militares, como
filhas; Sirimavo Bandaranaike (Sri Lanka, 1960-7), Corazon Aquino (Filipinas,
1986 – 92) e Isabel Peron (Argentina, 1974 – 6), como viúvas.
Isso em si não teria sido mais revolucionário que a sucessão de Maria Teresa
ou Vitoria no trono dos impérios habsburgo ou britânico muito antes.
26
Hobsbawn afirma que:
(...) era o óbvia a nova proeminência de algumas mulheres na política, embora não se
possa usar isso de forma alguma como um indicador direto da situação das mulheres
como um todo nesses países. Afinal, a porcentagem de mulheres nos parlamentos
eleitos da América Latina machista (11%), na década de 1980, era consideravelmente
superior a de mulheres nas assembléias equivalentes da nitidamente mais
“emancipada” América do Norte. (1994: 307)
Mulheres na vida pública, mulheres no mercado de trabalho, mulheres na
política. A sociedade havia mudado e a família também.
Em 1990 isso já é realidade. A personagem Lola do filme de Tom Tykwer é
filha da geração que lutou pelo direito a pílula anticoncepcional, pela revolução
sexual, por direitos iguais. Para Lola, todas essas conquistas já são uma realidade a
qual ela e toda sua geração já estão facilmente adaptadas e inseridas.
Porém, não podemos deixar de afirmar que a forma que Tom Tykwer trata
dessa troca de papéis, da emancipação feminina, não é, de certa forma, tão
freqüente no cinema, principalmente hollywoodiano, das décadas de 1980 e 1990.
Podemos citar aqui alguns filmes desta mesma década que tratavam deste mesmo
assunto de maneira muito mais violenta, sexista, chauvinista e conservadora.
Tomemos Thelma e Louise, como exemplo. Um filme dirigido por Ridley Scott
em 1991 que pode estar sujeito a uma interpretação que chegue a conclusão de
que as mulheres não conseguirão obter libertação na atual sociedade onde o poder
pertence apenas ao homem. O filme conta a história da infeliz esposa, Thelma, que
com sua amiga Louise, realizam uma viagem. Porém, as duas acabam por se meter
em várias situações problemáticas que envolvem inclusive o crime, e passam a ser
perseguidas pelo FBI. Com o desenvolver da trama, as amigas se vêem sem
alternativas e atiram o carro num penhasco, como única forma de “libertação” .
Douglas Kellner, no livro A Cultura da mídia, afirma que
Thelma e Louise (...) apresenta um feminismo mais radical na sua critica a brutalidade
masculina que obriga as protagonistas a violência e ao crime. No entanto, o final
poderia ser interpretado como um solapamento da afirmação de irmandade e triunfo
das mulheres ao mostrar as protagonistas saindo de carro de um rochedo, como se a
libertação e solidariedade entre as mulheres fossem impossíveis. Contudo, esse final
também poderia ser interpretado como afirmação de sua solidariedade e como
indicação de que as mulheres não podem obter libertação na atual sociedade e a
27
cultura de violência e poder masculino, devendo transformar radicalmente a
sociedade e a cultura antes que a libertação real seja possível. (2001: 149)
Para Michelle Perrot, a afirmação de solidariedade entre mulheres pode
também ser analisada enquanto uma forma de luta contra as reações dos homens à
emancipação feminina.
Entender as proibições é também compreender a força das resistências e a maneira
de contorná-las ou de subverte-las. As frentes de luta das mulheres, suas tentativas
de atravessar os limiares muitas vezes provocam a violenta reação dos homens. Mas
existem também outros tipos de relações – de aliança, de cumplicidade, de amizade e
de amor. Trata-se menos de guerras do que de escaramuças, menos de frentes do
que de linhas quebradas ou deslocadas. (1998: 91)
Outro exemplo que podemos citar é o filme Atração Fatal, de 1987, dirigido
por Adrian Lyne, estrelado por Michael Douglas e Glenn Close. A trama é sobre um
advogado que aproveita o fato de sua mulher estar viajando para ter um rápido caso
com uma executiva. Porém, esta mulher é capaz de qualquer coisa para fazer parte
da vida dele. A executiva, mulher solteira e bem sucedida no mercado de trabalho, é
aqui a representação da destruição do lar e da família. A personagem é uma mulher
descontrolada e perigosa.
Em A mão que balança o berço, filme de 1992, com direção de Curtis
Hanson, um casal contrata uma babá que, sem que eles saibam, tem um terrível
plano contra eles. Novamente a destruidora de lares. Estes dois filmes contrapõem
mulheres como ‘mocinhas’ e ‘bandidas’. As esposas, as donas-de-casa tradicionais
representam as ‘mocinhas’, enquanto as profissionais independentes ou as solteiras,
são retratadas como carentes e capazes de comportamento violento, criminoso e
destrutivo. Uma ameaça à sociedade.
Douglas Kellner nos dá ainda como exemplo, o filme Instinto Selvagem,
dirigido por Paul Verhoeven em 1992. No filme, uma escritora é a principal suspeita
do assassinato do dono de uma casa noturna e para ajudar na investigação, entra
em cena o psiquiatra da policia. Kellner afirma que:
O mais impressionante desse filme é o grau de envilecimento de todas as
personagens femininas. O complicadíssimo roteiro não esclarece se a escritora ou
uma psicóloga da polícia obcecada pela escritora são realmente culpadas do crime.
28
Duas outras personagens femininas importantes, a amante da escritora e uma mulher
mais velha, também são mostradas como assassinas em série de membros de suas
respectivas famílias, numa representação das mulheres como seres malvados e
perversos em si – estereótipos sexistas tradicionais. (...) Instinto Selvagem também
denigre as lésbicas, apresentando-as como pervertidas e vorazes, e retrata as
mulheres como seres desejosos de assumir o poder e o controle fálico masculino. Na
verdade, o filme pode ser interpretado como uma alegoria alarmista daquilo que as
mulheres fariam se assumissem o poder fálico. (2001: 152/153)
Kellner também utiliza o filme Top Gun de 1986, com direção de Tony Scott,
como um filme que versa sobre o poder fálico e as ameaças aos valores
“masculinistas” dos anos 1960 e 1970 e sua reafirmação nos anos 1980. Em uma
análise psicanalítica, Kellner descreve:
Ser “top gun” evidentemente significa ser supergaranhão e superpiloto de caça
aéreo, e as duas competências estão relacionadas em todo o filme. Quando Maverick
sai triunfante de suas façanhas militares consegue a mulher que queria; quando falha,
ela o deixa; quando triunfa, no fim, ela está ali para validar sua vitória. Top Gun está
cheio de símbolos e poderes fálicos, de imagens da potência masculina, desde as
primeiras imagens dos aviões fálicos até as cenas de batalha do desfecho. Portanto,
a perspectiva psicanalítica reforça a feminista, e não por acaso muitas feministas
adotaram as perspectivas psicanalíticas. (...) Numa leitura diagnóstica, Top Gun
expressa o medo de que o poder masculino esteja sendo ameaçado pelas mulheres
na sociedade atual e realiza um resgate de privilégios. (2001: 151)
Kellner acredita que as apresentações ideológicas das mulheres na
sociedade contemporânea nos filmes de Hollywood muitas vezes deixam de fora os
modos como as mulheres estão se unindo para lutar contra a opressão masculina,
não só por meio da amizade, como em Thelma e Louise, mas também por meio da
organização e da formação de associações. A hegemonia, portanto, funciona por
exclusão e marginalização, assim como por afirmação de posições ideológicas
específicas.
Certamente a emancipação feminina foi um das mais significantes mudanças
do século XX. Como vimos acima, alguns dos filmes de Hollywood expressavam o
medo das conseqüências desta mudança, com roteiros classificados de sexistas.
29
Não é o caso de Tom Tykwer em Corra Lola Corra, que parece acreditar na
emancipação feminina, já que o filme nem retrata este fato com foco maior.
No próximo tópico, outra mudança importante do século XX: a revolução
tecnológica, que, como a emancipação feminina, não entra enquanto um elemento
do roteiro, mas sim, na escolha da configuração estética feita pelo diretor. Veremos
como a seguir.
1.3 A revolução tecnológica
Lola não utiliza internet ou telefone celular. Seu telefone vermelho, é de
modelo antigo, com dial de disco. Manni se comunica com Lola pelo telefone público.
A revolução tecnológica não faz, definitivamente parte do roteiro. Não é mais um
elemento para contar a história de Lola. Mas Tykwer utiliza-se de elementos
tecnológicos variados como elementos da direção do filme. Como assim? O filme
tem múltiplas escolhas estéticas, variadas configurações audiovisuais que nos
evidencia o fato de que Tom Tykwer é um diretor interessado na revolução
tecnológica e dos meios de comunicação. Ainda mais que isso, Tykwer experimenta
a convergência de mídias e como resultado Corra Lola Corra produz a sensação de
que sim, este filme é resultado, ou fruto, da revolução tecnológica.
A revolução tecnológica do século XX trouxe produtos certamente muito
significativos para o cotidiano. Os discos de vinil em 1948, a televisão na década de
1950, as fitas cassete em 1960, e muitos outros ao longo do século: rádios
portáteis, relógios digitais, calculadoras de bolso a bateria ou energia solar,
equipamentos de foto e vídeo e, um dos aspectos mais significativos dessas
inovações, o sistemático processo de miniaturização e portabilidade de tais
produtos, que ampliou imensamente seu alcance e mercado potenciais. Foi na
década de 1990 que acompanhamos e identificamos o desenvolvimento tecnológico
mais rápido já visto até então, através da popularização e aperfeiçoamento de
equipamentos inventados na década anterior. Na informática podemos citar como
exemplo o Processador Pentium, da Intel; o Microsoft Windows; o crescimento da
internet com conexões mais rápidas, gerando assim um comercio eletrônico.
30
Douglas Kellner cita as novas tecnologias do computador :
(...) como uma forma de substituição de muitos empregos e a criação de outros
novos, oferecendo novas formas de acesso a informação e a comunicação com
outras pessoas e propiciando as alegrias de uma nova esfera publica informatizada.
As novas tecnologias da mídia e da informática, porem, são ambíguas e podem ter
efeitos divergentes. Por um lado proporcionam maior diversidade de escolha, maior
possibilidade de autonomia cultural e maiores aberturas para as intervenções de
outras culturas e idéias. No entanto, também propiciam novas formas de vigilância e
controle, em que os olhos e sistemas eletrônicos instalados em locais de trabalho
funcionam como encarnação contemporânea do Grande Irmão. (2001: 26)
O telefone celular, pagers e PDAs tornam-se populares e mudam a maneira
de se comunicar (é chegado o momento dos meios de comunicação instantânea).
Em nossas casas, o vídeo cassete dá lugar ao aparelho de DVD. Os videogames se
aperfeiçoam e, com a popularização dos PCs, cresce também a demanda de jogos
para computadores. Com a internet, começamos a baixar música em casa, ver
filmes online e os canais de televisão percebem as vantagens de disponibilizar seu
conteúdo na web. As câmeras de vídeo ficam menores e mais fáceis de manusear.
Cineastas começam a fazer experimentos com vídeo e o cinema digital traz uma
tecnologia que sofre constantemente novos aperfeiçoamentos. O mundo digital veio
com a possibilidade de se produzir um filme de forma mais barata e menos
complicada. E conseqüentemente, uma maneira de democratizar e desmistificar a
comunicação e seus meios.
Vivemos nos anos 90 uma avalanche de possibilidades tecnológicas e a
possibilidade da mistura de todas elas.
Corra Lola Corra é um filme da década de 1990. Qual era a realidade
tecnológica desta década?
Em 1990, o mundo estava em um constante avanço tecnológico, que ia muito
além das evoluções nos transportes e na comunicação que a humanidade havia
presenciado durante todo o século XX. Já na década de 1990, a tecnologia havia
praticamente anulado a distância e o tempo. Pessoas em diferentes partes do
mundo conseguiam se falar apenas clicando em alguns botões. Isso certamente
31
também contribuiu para a desintegração de velhos padrões de comportamento e
relacionamento social humano. Este terremoto tecnológico, como diria Eric
Hobsbawn, transforma absolutamente a vida cotidiana.
Na década de 1990, a revolução tecnológica e das comunicações já era uma
realidade em constante avanço, e a quebra da barreira do tempo e do espaço
também é refletida no cinema e na televisão enquanto enredos comuns. Não que
isso fosse novidade, pois há muito tempo o audiovisual vem brincando com a
possibilidade de dominar tempo / espaço, mas sempre através da ficção cientifica
tratando do impossível. Na década de 1990 já estamos adaptados a este enredo e
familiarizados com a experiência de transitar pelo passado e futuro através da tela
de cinema ou de TV.
Outro fator também muito significativo, tanto para a revolução dos meios de
comunicação quanto para a economia mundial e os aspectos culturais diversos, foi a
globalização.
No século XX, tempo e distância deixam de ser obstáculos. Com a
globalização e a revolução dos meios de comunicação, passamos a ter a impressão
de que o mundo diminuiu de tamanho com a mudança da noção de tempo.
Barreiras da distância e do tempo foram quebradas, como em Corra Lola
Corra. Lola corre para burlar o tempo. Quando o tempo parece extrapolar, Tykwer
resolve o problema através da convergência das mídias. Simples assim: troca os
modos narrativos, as configurações técnicas e estéticas e o tempo volta ao ponto
inicial. Distância não será problema. Lola é rápida como um foguete de desenho
animado.
Uma das características da globalização não é exatamente essa? Quebrar
barreiras de tempo e distância?
32
1.4 A globalização
Para Hobsbawn, a segunda transformação mais significativa entre 1914 a
1990 foi a globalização.
Segundo o historiador:
Entre 1914 e o início da década de 1990 o globo foi muito mais uma unidade
operacional única, como não era e não poderia ter sido em 1914. Na verdade, para
muitos propósitos, notadamente em questões econômicas, o globo é agora a unidade
operacional básica, e unidades mais velhas como as “economias nacionais”, definidas
pelas políticas de estados territoriais, estão reduzidas a complicações das atividades
transnacionais. O estágio alcançado na década de 1990 na construção da “aldeia
global” – expressão cunhada na década de 1960 (McLuhan, 1962) – não parecera
muito adiantado aos observadores de meados do século XXI, porem já havia
transformado não apenas certas atividades econômicas e técnicas e as operações
da ciência, como ainda importantes aspectos da vida privada, sobretudo devido a
inimaginável aceleração das comunicações e dos transportes. Talvez a característica
mais impressionante do final do século XX seja a tensão entre esse processo de
globalização cada vez mais acelerado e a incapacidade conjunta das instituições
públicas e do comportamento coletivo dos seres humanos de se acomodarem a ele.
É curioso observar que o comportamento humano privado teve menos dificuldade
para adaptar-se ao mundo da televisão por satélite, ao correio eletrônico, as férias
nas Seychelles e ao emprego transoceânico.
(1994: 24)
A globalização sendo um processo de integração econômica, social e cultural,
só poderia mesmo ser uma grande transformação para o comportamento humano,
apesar de ‘fácil’ de adaptar-se a ele. A globalização trouxe o barateamento dos
meios de transporte e comunicação, a dinâmica do capitalismo que permitiu maiores
mercados para os países desenvolvidos, a nova forma dos países interagirem,
aproximarem pessoas e culturas, o mundo interligado levando em consideração
aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, embora talvez as catástrofes das
décadas de 1980 e 1990 na África, na America Latina e na ex-URSS tornem difícil
acreditar apenas em aspectos positivos da globalização. Com a desagregação do
bloco soviético e as mudanças políticas econômicas nas nações de regimes
socialistas, a globalização se generalizou e se intensificou através do
desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo pelo mundo, havendo uma
nova divisão do trabalho internacional e a flexibilização dos processos produtivos e o
33
desenvolvimento da tecnologia proporcionou a possibilidade de máquinas mais
eficientes substituírem o trabalho humano.
Em 1990 vivemos uma fase onde os modos de produção e reprodução do
capital são globalizadas, a industrialização é orientada para a exportação. Estamos
desterritorializados em uma cultura estandardizada, com padrões sócio-culturais que
‘engolem’ as culturas locais.
Segundo Stuart Hall em A identidade Cultural na pós modernidade, as velhas
identidades, que por tanto tempo estabilizaram as sociedades estão mudando.
Um dos aspectos desta mudança está relacionado ao processo da
globalização, que causa impactos significantes na sociabilidade contemporânea. A
globalização tem como objetivo aprofundar a integração econômica, social, cultural e
política. Abrange uma variedade de fenômenos e gera impactos diferenciados em
diversas áreas: representa a homogeneização dos centros urbanos, uma cultura de
massa planetária, a hibridização entre culturas populares locais, a expansão das
corporações para regiões fora de seus núcleos geopolíticos, a reorganização
geopolítica do mundo em blocos comerciais e, principalmente a ser tratada neste
trabalho, a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica.
Estamos em uma nova era do capitalismo. Quando temos uma tentativa de
cultura de massa em larga escala, assistimos uma fusão entre a economia e a
cultura. E, dessa forma, a globalização cultural. A cultura não é vista mais como uma
forma de construção de representações, mas como um modo de produção de
capital, neste sentido, seus produtos tornaram-se um tipo de mercadoria. Se
olharmos para as diferentes culturas a partir de suas especificidades, a criação de
uma cultura de massa planetária é, antes de tudo, ignorar o que cada uma delas tem
de singular. Portanto, significa colocar todas a singularidades em um mesmo
contexto, numa espécie de desterritorialização cultural que leva a uma grande
separação entre os que globalizam e os que são globalizados.
Para poder discutir este assunto, devemos primeiramente analisar o conceito
de cultura e identidade nacional. A identidade nacional não vem impressa em
nossos genes, mas são formadas e transformadas. Segundo Stuart Hall:
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização
universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de
comunicação em toda uma nação, criou uma cultura homogênea e manteve
34
instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional.
Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma característica-chave de
industrialização e um dispositivo da modernidade. (...) as identidades nacionais foram
uma vez centradas, coerentes e inteiras, mas estão sendo agora deslocadas pelos
processos de globalização. (2006: 49-50).
Devemos também levar em conta que estas identidades nacionais são
constituídas de histórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos,
símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências
partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. Porém,
uma identidade cultural é realmente formada por indivíduos com os mesmos
interesses e valores, como a cultura nacional tenta unificá-los?
Hall afirma que “não importa quão diferentes seus membros possam ser em
termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa
identidade cultural, para representá-los todos como pertencendo à mesma e grande
família nacional” (2006: 59).
A globalização transforma a todos em consumidores dos mesmos bens,
clientes dos mesmos serviços e público dos mesmos cinemas. “É difícil conservar as
identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através
do bombardeamento e da infiltração cultural.” (HALL, 2006: 74)
Corra Lola Corra opta por não discutir e nem apresentar maiores elementos
ligados a identidade cultural e nacional alemã. E baseados nesta ausência de
identidade nacional, falaremos no próximo tópico a respeito de desterritorialização
cultural.
35
1.5 A Desterritorialização
O termo desterritorialização foi criado pelo psicoterapeuta Felix Guattari no
final da década de 1960, e era utilizada para o entendimento de processos
inicialmente psicanalíticos. A princípio, Guattari estava se referindo à
desterritorialização da psicanálise. Mais tarde, junto a Gilles Deleuze, esse termo foi
ampliado para toda a filosofia desenvolvida por esses dois autores. Hoje a
expressão se insere em um amplo debate sobre Ciências Sociais, Antropologia,
Ciências Políticas e à Geografia. Portanto, podemos associar o termo
desterritorialização a pós-modernidade, onde a sociedade é dominada pela
mobilidade, pelos fluxos, pelo desenraizamento e pelo hibridismo cultural. Todos
estamos desterritorializados, simultaneamente em busca de uma nova identidade.
Para Deleuze e Guattari na obra O Anti-Édipo - Capitalismo e Esquizofrenia,
Mil Platôs, a história é um processo de desterritorialização. A sociedade é estática, e
todo gesto, ação e até mesmo corpo é governado através de regras. Tudo é social.
O território é claramente marcado. A tribo dá códigos à máquina territorial selvagem,
que é quem desterritorializa a tribo, mas continua mantendo a ordem social por uma
produção altamente codificada.
Em contraste, temos o Capitalismo, que decodifica e desterritorializa
radicalmente a vida social. Inventa o indivíduo privado, dono do seu próprio corpo e
trabalho. Para realizar esta desterritorialização o sagrado, os rituais ou tradições
mudam. O Capitalismo não tem necessidade de qualquer sistema sagrado de
convicção. É o mais radical de todos os sistemas, desde que corte na raiz o que
puder gerar um indivíduo autônomo.
Presumivelmente, esperava-se que o Capitalismo conduzisse a uma liberdade
absoluta, nômade, mas não foi isto que aconteceu.
O Capitalismo não está e nunca esteve preocupado com virtudes e sim com
juros, dividendos e com sua própria reprodução.
Deleuze e Guattari argumentam que o capitalismo é um sistema
esquizofrênico porque só está interessado no indivíduo e no lucro que subverte ou
desterritorializa todos os agrupamentos tais como a igreja, a família ou qualquer
arranjo social. Ao mesmo tempo, desde que o Capitalismo requer agrupamentos
sociais para funcionar, tem que permitir reterritorializações, agrupamentos sociais
novos, novas formas do estado, da família ou do grupo. Estes eventos acontecem
36
ao mesmo tempo. A vida de qualquer cultura está sempre desmoronando e sendo
reestruturada.
A desterritorialização poderá ser refletida nos meios de comunicação através
do hibridismo de configurações estéticas.
O cinema, o vídeo, a televisão, o videoclipe e o videogame estão em
constante retroalimentação. E todas estas escolhas podem ser encontradas em
Corra Lola Corra. Além da desterritorialização da cultura com a ausência de uma
identidade nacional neste filme, Tykwer também opta pela desterritorialização da
narrativa, e a partir desta escolha, utiliza o hibridismo da imagem e das
configurações estéticas audiovisuais para contar esta história.
Para entendermos melhor o hibridismo no campo audiovisual, vamos primeiro
discorrer sobre o videoclipe, que é uma forma audiovisual que trabalha com uma
multiplicidade das configurações estéticas audiovisuais. Estudar o videoclipe nos
permite compreender melhor tanto uma linguagem audiovisual contemporânea que
possui uma função muito importante nas indústrias televisiva, fonográfica e
cinematográfica, quanto compreender a própria contemporaneidade.
E, certamente, falando sobre este assunto, devemos abordar também o
surgimento da MTV, fato com muita importância para a televisão e as novas
linguagens televisivas nas décadas de 1980 e 1990.
1.6 O videoclipe
Corra Lola Corra ficou famoso na imprensa e pelo público por ter, entre outros
elementos estéticos, uma linguagem próxima a do videoclipe, por suas longas cenas
com planos de curta duração e edição sincronizada com a música. Veremos a seguir
as características deste novo produto audiovisual, tão importante para a
convergência das mídias e para a construção de novos olhares e novas
configurações estéticas no audiovisual a partir da década de 1980 e com maior
difusão e divulgação na década de 1990.
O videoclipe, segundo Arlindo Machado “é um formato enxuto e concentrado,
de curta duração, de custos relativamente modestos se comparados com os de
filmes ou de um programa de televisão, e com um amplo potencial de distribuição”
(2000: 173).
37
Apesar de alguns videoclipes não serem tão enxutos como atesta Machado
(um bom exemplo é Thriller, de Michael Jackson, que possui quase onze minutos de
duração), esta característica é pertinente para a quase totalidade desse universo.
Definir videoclipe é uma tarefa árdua, já que este formato (como classificou
Machado) possui a diversidade como uma de suas mais marcantes características.
Ao abordarmos o videoclipe não podemos afirmar que determinada característica
seja válida para todos seus exemplares.
As quase infinitas formas de se articular imagem e som no videoclipe
possibilitam exemplares muito diferentes entre si, o que explicita a criatividade como
componente marcante de sua estrutura, mas ao mesmo tempo dificulta uma
conceituação detalhada que valha para todos neste universo audiovisual.
Tentar definir a linguagem do videoclipe também é difícil, como aponta
Machado:
Na verdade, o nome [linguagem] não é muito adequado para dar conta dos processos
de articulação de sentido que ocorrem no vídeo. O termo “linguagem”, de inspiração
lingüística, pode dar idéia de um parentesco enganoso com as chamadas línguas
naturais, de extração verbal, e isso pode dar origem a uma compreensão equivocada
do vídeo como sistema significante ou como processo de comunicação (...) ora, as
regras de formar, no universo do vídeo, não são tão exatas e sistemáticas como nas
línguas naturais. A gramática do vídeo, se existir, não tem o mesmo caráter normativo
da gramática das mensagens verbais. (1997: 189)
Podemos citar algumas características do videoclipe, que são válidas, ao
menos, para grande parte de seus exemplares, como definiu E. Ann Kaplan em
Rocking around the clock: Music-television, post-modernism & consumer culture “o
abandono da narrativa tradicional (oriunda do cinema ocidental), a violação das
relações de causa e efeito, tempo e espaço e o conceito de personagem.” (1987: 33)
O corte rápido, ou seja, uma edição de imagens normalmente sincronizada
com a música e com planos de pouca duração que é visto na maioria dos
videoclipes (principal característica associada ao videoclipe por leigos a este
formato), segundo Andrew Goodwin em Dancing in the distraction factory: Music
television and popular culture, é utilizado “porque editar na velocidade do cinema ou
da televisão faria com que as imagens ficassem incongruentes em relação à música.
Claro que nem todos os videoclipes são rápidos” (1992: 61). A falta de velocidade na
38
edição de determinados videoclipes se deve à introspectiva e lenta natureza das
letras das canções ou a um efeito criativo intencional.
Arlindo Machado também caracteriza o videoclipe pela descontinuidade:
Tudo muda da passagem de um plano a outro: a indumentária dos interpretes, o lugar
onde se ambienta a canção, a luz que banha a cena, o suporte material (filme ou vídeo
de distintas bitolas) e assim por diante. Os planos de um videoclipe (mas admitamos
que o conceito de plano é problemático no universo do clipe) são unidades mais ou
menos independentes, nas quais as idéias tradicionais de sucessão e de linearidade já
não são mais determinantes, substituídas que foram por conceitos mais flutuantes,
como os de fragmento e dispersão. Na verdade, não existem razões para a obediência
aos cânones clássicos de continuidade pela simples razão de que pouquíssimos clipes
são realmente narrativos nos sentidos literário e cinematográfico mais habituais. O que
se vê com maior freqüência nos clipes é algo assim como um efeito de narração, ou
um simulacro de ficção – termos usados por Zunzunnegui a propósito justamente de
alguns videoclipes – sugeridos por cenas isoladas, mas que não engrenam jamais uma
continuidade narrativa do tipo clássico. (2000: 180)
O videoclipe surge e se desenvolve na televisão. Este meio ainda é seu
principal divulgador, através dos canais ou programas específicos para este gênero
ou mesmo inseridos na programação normal de canais “convencionais”. Por isso, é
fundamental que entendamos o surgimento da Music Television (MTV). A seguir,
uma breve explanação sobre o principal veículo de exibição e divulgação da
produção de videoclipes.
39
1.7 O surgimento da MTV
Nos EUA, a MTV surgiu em um contexto social e econômico bem peculiar.
Seu nascimento se deve a interesses e desenvolvimentos ocorridos paralelamente
na indústria televisiva e na fonográfica. Inicialmente, a MTV era um fluxo de
videoclipes ininterruptos, 24 horas por dia. Como seu próprio nome deixa
transparecer (música + TV). Sua programação era formada exclusivamente por
videoclipes, que até então eram poucos e exibidos repetidamente. Não possuía
separação por blocos, programas específicos para cada estilo musical, nem mesmo
comerciais. De acordo com Goodwin sua existência só foi possível graças ao fato
das gravadoras pagarem pela produção dos videoclipes. Este fato possibilitou o
aparecimento da emissora, já que dessa forma o canal não precisava arcar com os
custos dos “programas” que veicularia. (1992: XVI)
De acordo com Goodwin:
Desenvolvimentos na própria indústria fonográfica (principalmente a norte-americana)
foram o último elemento responsável pela ascensão da MTV. A Music Television
surgiu como resposta à crise de lucros dos anos 80 enfrentados pela indústria
fonográfica. Frente às mudanças ocorridas nos padrões demográficos do consumo de
música (a demanda pelos produtos culturais gerados pelos artistas do pop e rock
crescia vertiginosamente), a indústria fonográfica se viu obrigada a otimizar e ampliar
as formas de divulgação de seus artistas. (1992: 39)
A indústria fonográfica percebeu que a MTV era a solução para o impasse
que enfrentava. Os custos de produção de videoclipes eram menores do que se
esperava por um serviço como este, ou seja, publicidade para seus lançamentos e
conquista de uma nova parcela consumidora que até então era difícil de alcançar
através da televisão: os jovens consumidores.
No final da década de 80 a MTV se encontrava em um excepcional período
de expansão. Em 1987 surge a MTV Europa e passa a ser exibida no Japão, no
México e na Austrália. A MTV estabeleceu seu selo, vendendo musica, vídeos e
produtos de merchandising.
A chegada da MTV no Brasil foi em 20 de outubro de 1990. Nos EUA a MTV
era uma TV a cabo e aqui no Brasil ela era transmitida em rede UHF (aberta, mas
com sinal não suficientemente forte para funcionar em todo o país). Atualmente, ela
se encontra disponível tanto em UHF quanto nos sistemas a cabo ou via satélite.
40
Apesar da MTV ser o canal mais conhecido e de maior influência junto às
gravadoras e aos artistas do cenário pop, podemos encontrar videoclipes na
televisão brasileira em diversos canais. Na TV aberta, algumas emissoras exibem
videoclipes em sua programação, na maior parte das vezes em programas de
variedades ou de auditório, em programas dedicados ao público jovem ou ainda em
programas sobre cultura. Na TV a cabo, os canais Multishow, Cartoon Network e
Sony Entertainment Television incluem videoclipes em seus blocos comerciais,
deixando explícita sua função mercadológica.
Como citado acima, a estética assumida pelo videoclipe é também uma das
características de Corra Lola Corra. Podemos perceber que Tom Tykwer utiliza o
hibridismo e a intertextualidade como principais características da estética abordada
pelo diretor, e estes elementos podem ser reconhecidos como principais
características da cultura pós-moderna.
1.8 Hibridismo e Intertextualidade na Cultura Pós-moderna
Nas últimas décadas, como atesta Arlindo Machado (2000: 67), a idéia de
gênero audiovisual tem sofrido um questionamento esmagador, de parte inicialmente
da crítica estruturalista e posteriormente do pensamento dito pós-moderno, para os
quais essa discussão se tornou anacrônica, quando não irrelevante. Mas, “por mais
que os críticos tentem analisar uma obra em sua individualidade, operam dentro de
determinadas categorias (cinema, música, videoclipe), o que demonstra a existência
da categorização, mesmo que seja por tipo de arte”.
Machado ainda afirma que os gêneros são categorias fundamentalmente
mutáveis e heterogêneas (não apenas no sentido de que são diferentes entre si,
mas também no sentido de que cada enunciado pode estar “replicando” muitos
gêneros ao mesmo tempo). (2000: 71)
A TV é um meio (suporte físico), que veicula tanto sua própria configuração
(como os comerciais, as separações por blocos e programas, seus diversos
programas – shows de auditório, telejornais, programas infantis e de entretenimento,
de entrevistas etc) quanto outras configurações, como a do cinema por exemplo (a
televisão – meio – veicula a linguagem cinematográfica ao exibir filmes feitos para a
tela grande). Dos filmes exibidos na televisão, alguns são produzidos para a própria
(os “telefilmes”), o que possibilita a estes filmes uma mistura das linguagens
41
cinematográfica e televisiva. Outros, no entanto, são apenas veiculados por esta
mídia, sendo produzidos originalmente para a grande tela. É claro que algumas das
características desses filmes são modificadas ao serem exibidos em um meio que
não aquele pensado originalmente para eles, como a definição da imagem
(granulada, devido às linhas de resolução da TV) ou a forma como é assistida (no
cinema o filme exige a atenção total do espectador, na televisão ele concorre com o
que se encontra ao redor do espectador, não sendo sua única fonte de atenção), por
exemplo. As indústrias culturais estão em processo de convergência, tanto no
âmbito das instituições (fusões de indústrias de diferentes áreas: televisual,
cinematográfica, fonográfica etc) quanto no conteúdo.
Para exemplificar podemos utilizar a MTV, que é um caso clássico dessa
fusão, representando tanto a indústria televisual quanto a fonográfica. A MTV
converge em si a indústria televisiva, a fonográfica e a cinematográfica, entre outras
de menor contribuição, e sua configuração também é híbrida, sendo um dos
primeiros canais a explicitar este hibridismo. Outro exemplo interessante que
podemos citar é a AOL Time Warner, instituição que surgiu da fusão entre a AOL
(Internet), a Time (revista) e a Warner (produtora de cinema e televisão). As mega-
fusões são características da atualidade: as maiores empresas de diferentes ramos
da comunicação associam-se para se fortalecer frente à concorrência, além de
poderem compartilhar informações entre si.
Segundo o jornalista Silvio Essinger, no Almanaque dos Anos 90, nesta
década o mundo virou de cabeça para baixo. “Toda diversidade – social, cultural,
sexual, veio à tona nessa mexida. As United Colors of Benneton (cores unidas da
Benneton) deixaram sua marca na moda e na publicidade exaltando as diferenças.
Misturar virou a senha”. (2008: 09)
Mas, seria esta uma característica própria desta década? Fredric Jameson,
como já citado na Introdução deste trabalho, chamaria essa mistura de pastiche, e
defenderia esta característica como um sintoma da cultura pós-moderna. Para
Jameson, o conceito “pós-moderno” não é apenas mais um termo para a descrição
de um determinado estilo.
É também, um conceito de periodização cuja principal função é correlacionar a
emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo
tipo de vida social e de uma nova ordem econômica – chamada, freqüentemente e
eufemisticamente, de modernização, sociedade pós-industrial ou sociedade de
42
consumo, sociedade dos mídia ou do espetáculo, ou capitalismo multinacional.
Podemos datar esta nova fase do capitalismo a partir do crescimento econômico do
pós-guerra nos Estados Unidos, no final dos anos 40 e começo dos 50, ou então, na
França, a partir da instituição da Quinta Republica, em 1958. A década de 60, sob
muitos aspectos, é o período-chave de transição, um período em que a nova ordem
internacional (neocolonialismo, a Revolução Verde, a informatização e a mídia
eletrônica) não só se funda como, simultaneamente, se conturba e é abalada por
suas próprias contradições internas e pela oposição externa. (1985: 17).
Neste filme encontraremos elementos referentes a importantes
acontecimentos do século XX, tais como: a emancipação feminina, a revolução
tecnológica, a globalização e a desterritorialização cultural. Ao analisarmos estes
importantes acontecimentos do século XX, poderemos perceber que as
configurações estéticas audiovisuais também foram influenciadas por estes fatos. O
hibridismo e a intertextualidade são características que representam estas
influências.
O alemão Corra Lola Corra com suas várias versões exemplifica o mundo
virtual, os vários caminhos que podemos seguir - as novas mídias, a
intertextualidade e o hibridismo de configurações audiovisuais como configuração
assumida pelo diretor.
43
CAPITULO II
Lançando Corra Lola Corra e o Cinema em 1990
Neste capítulo, abordamos o lançamento de Corra Lola Corra, sua recepção
pelo público e pela imprensa, e faremos isso baseados em notas, artigos e matérias
do jornal Folha de S. Paulo.
A partir daí, apresentamos fatos da carreira do diretor Tom Tykwer e da atriz
Franka Potente e curiosidades sobre a produção do filme.
Ainda neste capítulo, passamos pelas salas de cinema da década de 1990
para melhor entender as características deste cinema. E o último, e mais longo
tópico deste capitulo tem por objetivo localizar o filme Corra Lola Corra como um
produto da cultura da mídia, e a partir daí, falamos a respeito da formação das
múltiplas identidades, até mesmo como uma dos mais importantes elementos da
pós-modernidade.
2.1 O lançamento
Em 1998, o diretor alemão Tom Tykwer, lança o filme Corra Lola Corra. Aos
33 anos, já tinha em seu currículo a direção dos curtas-metragens Because (1990) e
Epilog (1992), e dos longas-metragens Deadly Maria (1993) e Winter Sleepers
(1997), mas nenhum destes filmes foi recebido com muita empolgacao pelo público.
Corra Lola Corra trouxe ao diretor, no ano seu lançamento, importantes
prêmios e nomeações:
Ganhou o Independent Spirit Awards de Melhor Filme Estrangeiro
Ganhou Premio de Mlehor Filme – Voto popular no Sundance Film Festival
Recebeu uma nomeação ao BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro
Recebeu uma nomeação ao grande Premio Cinema Brasil de Melhor
Filme Estrangeiro
A partir destas informações conseguimos perceber que o filme teve muito boa
aceitação fora da Alemanha. Em matérias de jornais da época, afirmava-se que
Corra Lola Corra havia sido o primeiro filme a recolocar a Alemanha no cenário
44
internacional desde os anos 60 / 70 (época de diretores como Fassbinder e Wim
Wenders).
O filme custou por volta de US$ 2 milhões e arrecadou US$ 14 milhões só na
Alemanha. Nos EUA, arrecadou US$ 100 mil no final de semana de estréia,
ocupando apenas cinco salas do país. Duas semanas depois alcançava US$ 1
milhão!
O primeiro grande sucesso de bilheteria do jovem diretor. Tykwer além de ter
roteirizado, produzido e dirigido o filme, compôs também a trilha musical. A trilha foi
feita em parceria com a atriz Franka Potente.
E com o sucesso do filme, veio também o sucesso da atriz. Depois de Lola,
correu para Hollywood para atuar em filmes como Profissão de Risco, ao lado de
Johnny Depp, com direção de Ted Demme, e depois em A Identidade Bourne,
contracenando com Matt Damon.
Depois de Tom Tykwer, surgiu uma nova geração de cinestas alemães que
vem trabalhando geralmente com temas sociopolíticos, em busca de uma identidade
alemã em meio a globalização. Podemos citar exemplos de cineastas como Faith
Akin (alemão de origem turca), diretor de Contra a Parede, de 2004, (Faith foi o
primeiro cineasta alemão a receber o Urso de Prata no Festival de Berlim em 18
anos), Hans Weingartner, diretor de Edukators, também de 2004 de e Achim von
Borries, realizador do filme Para que serve o amor só em pensamento, 2004.
Um artigo do jornal Folha de S.Paulo de 29 de setembro de 1999, o jornalista
Alexandre Maron comenta o filme no dia de seu lançamento no Festival do Rio:
“Você já viu esse filme antes. Uma pessoa - que pode ser um homem de meia idade
ou uma jovem de vinte e poucos anos- enfrenta uma situação complicada e acaba
recebendo uma nova chance de fazer as coisas darem certo. Mas nunca na
velocidade de "Corra Lola Corra", (...) Na história, Lola corre como uma louca durante
quase todos os 81 minutos de projeção. Ela precisa arrumar 100 mil marcos para
salvar a vida do namorado, Manni, metido com um traficante barra-pesada. Acontece
que essa dinheirama tem que ser conseguida em apenas 20 minutos. O grande
interesse é descobrir o que o diretor Tom Tykwer faz com os outros 61 minutos de
filme. (...) O apuro visual e a fluidez narrativa de "Corra Lola Corra" são o grande
diferencial deste filme.”
(Folha de S. Paulo, 29/09/99)
45
Em São Paulo, Corra Lola Corra foi lançado na Mostra Internacional de
Cinema e sua aceitação, através da imprensa, também foi muito boa. Lucio Ribeiro,
então editor adjunto da Ilustrada / Folha de S. Paulo, afirmou que a produção Corra
Lola Corra era:
(...) O melhor filme germânico de ação de que se tem noticia. De tirar o fôlego,
moderno no visual e de inventiva estrutura narrativa, Corra Lola Corra construiu sólida
carreira neste ano, em festivais mundo afora, ate aterrissar impávido nas bilheterias
americanas. (Folha de S. Paulo, 20 de outubro de 1999).
Joyce Pascowitch, em clima de retrospectiva, no dia 31 de dezembro de
1999, colocou a seguinte nota em sua coluna: “Nem tudo é Hollywood: o alemão
Corra Lola Corra, hit na Mostra Internacional de Cinema”. E José Geraldo Couto, em
janeiro de 2000, define Corra Lola Corra como um cinema de consumo rápido
modernoso, e, ainda para a Folha de S. Paulo, em 04 de janeiro de 2000, Sergio
Davila (editor da Ilustrada), Amir Labaki (articulista da Folha) e Suzana Amaral
(cineasta) escolheram Corra Lola Corra como um dos dez melhores filmes de 1999.
Nesta mesma lista estavam: A Bruxa de Blair, de Daniel Myrick; De Olhos Bem
Fechados, de Stanley Kubrick; Dogma, de Kevin Smith; Os Idiotas, de Lars Von
Trier; Tudo sobre minha mãe, de Pedro Almodóvar; Desconstruindo Harry, de
Woody Allen; Matrix, de Larry e Andy Wachowski; Clube da Luta, de David Fincher;
Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, de Guy Ritchie.
1999 foi um ano interessante para o cinema mundial contemporâneo. A Bruxa
de Blair deu um ânimo especial ao cinema independente americano, e desconstruiu
a estética de grandes efeitos especiais utilizada em Hollywood com uma história de
terror sem sustos, sem vilões em formato de monstros, extras-terrestres fantasmas
ou terroristas. O filme foi comprado por uma distribuidora americana que montou
uma estratégia de marketing utilizando a Internet como ponto de disseminação da
forma como passamos a olhar o filme sem ter visto uma única imagem dele – a
primeira coisa que fizeram foi montar um site com notas, noticias e “falsas”
informações sobre o filme e o que havia acontecido durante a filmagens. Foram
capazes de criar uma mitologia em torno do filme. Matrix, o filme de ficção mais
comentado da década, traz um hacker com a missão de salvar o mundo do poder de
uma máquina. Um Blade Runner da década de 90, que se dispõe a questionar o
46
sentido da vida, com a estética cyberpunk da cultura pop e um resgate do apelo
religioso numa época racional e materialista.
De Olhos Bem Fechados, também teve sua inegável importância por ser a
última obra de Stanley Kubrick. O diretor morreu pouco depois de finalizar a obra. O
filme é sobre sexo, traição, paixão, vida e morte, sonho e realidade. As críticas
também apontam que Clube da Luta provocou diversas reações, uns adoravam,
outros odiavam. Apologia à violência ou linha de fuga para a rotina? Tudo sobre
Minha Mãe, de Pedro Almodóvar, acabou sendo um dos favoritos ao Oscar 2000 de
melhor filme estrangeiro.
2.2 O cinema da década de 1990
O cinema desta década é um cinema de produção diversa, com diferentes
abordagens. Segundo Denilson Lopes, organizador do livro Cinema dos Anos 90, a
prática deste cinema foi reconfigurada “a partir de uma convergência tecnológica,
apontando para futuro da imagem áudio-visual, híbrida e impura, para além dos
limites estreitos de uma linguagem” (2005: 10). Influenciado pela fragmentação das
imagens televisivas pelas imagens virtuais, o cinema contemporâneo aderiu à
rapidez e passou a nos hiperestimular cada vez mais.
Segundo Denilson Lopes:
O cinema dos anos 80 teve como característica marcante, o “desejo de revisitação
do cinema clássico sob o signo do pastiche, do fascínio pelo cinema de gênero; nos
anos 90 firma-se uma outra estratégia que, em vez de um cinema do cinema, cinema
publicitário, cinema do simulacro, marcado pelo artificialismo, seria um desejo de
resgatar o cotidiano, pessoas e estórias simples.( 2005: 11)
A convergência tecnológica traz ao cinema uma outra possibilidade de
configuração. A intertextualidade, a interatividade e o ritmo acelerado transformam o
cinema que surge.
Fernão Pessoa Ramos, no prefácio do livro Cinema Mundial Contemporâneo,
afirma que:
O apetite intertextual da modernidade dos anos 1960 vai se dilatando, dilatando, até
estourar. Ao estourar, acaba cortando o modernismo com o pós – instaurando uma
espécie de modernismo de si mesmo. No pós-modernismo, as cascatas de citações e
referencias proliferam, junto à imagem da própria imagem. Quando o cinema já não
47
pode falar sobre o mundo, debruça-se sobre si e sua historia, criando a tendência
predominante nas duas décadas (2008: 11)
Tivemos acesso, nesta mesma década, ao cinema dinamarquês, através do
manifesto Dogma 95, encabeçado por Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. Este
manifesto foi escrito com a intenção da criação de um cinema mais realista e menos
comercial. Esteticamente falando, poderíamos achar que o Dogma 95 é quase um
resgate do neo-realismo italiano (movimento que surgiu na Itália depois da Segunda
Guerra Mundial e que se caracterizou pelo uso de elementos da realidade na ficção,
e que representava a realidade social e econômica, utilizando assim pouquíssimos
recursos de equipamento, figurino e cenário, com a saída dos estúdios que então
significavam a mentira, o uso de não atores próximos do papel a representar, mas
antes de tudo, fim do estrelismo
O Dogma 95 tinha como princípio do manifesto a utilização apenas de cenas
externas, sem a construção de cenários em estúdios. O som era sempre captado no
momento da captação das imagens, sem que pudesse ser tratado numa pós-
produção. A música só poderia ser usada de maneira diegética. A câmera sempre
na mãos, sem uso de tripé. São proibidos filtros nas lentes, para que se utilize
sempre a luz natural da locação.
Em seu artigo O Dogma 95, do livro Cinema Mundial Contemporâneo,
Mauricio Hirata Filho define a proposta estética do movimento;
Imagens feitas em vídeo por meio de câmeras semi-amadoras, tremidas e
granuladas, articuladas por uma montagem repleta de jump cuts, em um desapego de
sua estetização como há muito não se via no cinema. Ambos os filmes,
aparentemente, possuíam um ‘que’ de amadorismo e de despojamento radical
surpreendentes no fazer cinematográfico. Somando-se a isso, havia o fato de terem
sido realizados em vídeo como câmeras de formato MiniDV, extremamente baratas.
(2008: 121)
O Dogma 95 está relacionado não apenas a uma nova maneira estética de se
fazer cinema, e sim, a aspectos econômicos, já que os filmes Dogma 95 tiveram um
valor de produção baixo se comparados aos valores exorbitantes gastos em filmes
comerciais, tanto na Europa quanto, principalmente, nos EUA. Pode-se ver o Dogma
95 como um grito de independência à indústria americana. E nos anos 90, no
48
contexto econômico mundial da globalização, e com as revoluções da tecnologia e
dos meios de comunicação, o cinema mundial começou a aparecer com mais
freqüência nas telas de todo o mundo.
Dogma 95 é critico a uma concepção de cinema vigente que abusa de
recursos, mente – ele se aproxima do cinema moderno. Corra Lola Corra é critativo
a partir das escolhas de configurações audiovisuais.
Corra Lola Corra entrou para a lista como um dos favoritos do público. Talvez
por sua narrativa fragmentada e simultânea, por seu formato de videoclipe, por sua
trilha musical da moda, pelo (terceiro) final feliz, pela referência ao videogame cheio
de game over e a sensação da tecla de play again ou pelo visual clubber-punk da
mocinha heroína do filme.
O sucesso de Corra Lola Corra pode ser atribuído também à sua
característica de produto-resultado da cultura da mídia.
Veremos a seguir algumas das características da cultura da mídia que
podemos identificar com características do próprio filme Corra Lola Corra.
2.3 A Cultura da Mídia e a formação de múltiplas identidades
Com o advento das novas tecnologias, os hábitos, o comportamento e as
identidades também são modificadas. Influenciada pela mídia, a sociedade encontra
outras maneiras de representação, novas referências, nova maneira de comunicar-
se e agir.
A televisão, por exemplo, é constituída como um instrumento de
entretenimento, e está claro que seus produtores acreditam que o público se diverte
com histórias, com narrativas que contenham personagens, argumentos,
convenções e mensagens familiares e reconhecíveis e com gêneros (humorismo,
novela, ação, aventura, suspense etc) bem conhecidos.
Uma das primeiras grandes transmissões feita pela televisão foi a dos Jogos
olímpicos de Berlim, em 1936. Após a Segunda Guerra Mundial, devido aos avanços
tecnológicos, o uso da TV aumentou significantemente, porém, os aparelhos ainda
eram muito caros e havia pouca produção de programação.
Desde então a TV tem exercido uma influência significativa em nossa história.
Tomemos como exemplo a Guerra do Golfo, na decada de 1990. Douglas
Kellner afirma que a Guerra do Golfo foi uma guerra publicitária na mídia.
49
Quando os EUA deram inicio a acao militar contra o Iraque em 16 de janeiro de 1991,
a grande mídia transformou-se em canal de comunicação das ações políticas do
governo e do Pentágono e raramente permitia que suas posições, sua desinformação
e as atrocidades cometidas durante a guerra fossem criticadas. (2001: 269)
A televisão funcionou durante a guerra, sobretudo, como instrumento de
propaganda para as forças multiraciais reunidas contra os iraquianos e como
‘torcida’ para suas vitórias. Kellner afirma sob estes aspectos que:
A mídia enquadrou a guerra como uma narrativa emocionante, uma minisserie
noturna, com conflito dramatico, acao e aventura, perigo para as tropas aliadas e para
os civis, maldade perpetrata pelos viloes iraquianos acoes heroicascometidas pelos
estrategistas americanos, por sua tecnologia e suas tropas (2001: 270).
A televisão também apresentava a guerra visualmente com imagens
dramáticas produzidas pela alta tecnologia que mostravam precisamente a guerra
aerea sobre Bagda e os bombardeios na Arabia Saudita e em Israel. Detalhe: com
direito a replay em câmera lenta! Segundo Kellner:
Analisando-se o discurso de guerra da perspectiva da produção e dos efeitos da
representação que a mídia fazia da guerra, conclui-se que a televisão e a grande
mídia serviram de arma de propaganda para o governo americano. A mídia repetia
sem parar as “grandes mentiras” da administração Bush, como por exemplo as
alegações de que estavam sendo ebviados esforcos para negociar um acordo de paz
com os iraquianos, enquanto o próprio governo minava a possibilidade de um acordo
diplomático. (...) A grande mídia projetou a imagem da guerra desejada pelo
Pentágono e pela administração Bush, ou seja, que aquela era uma guerra high tech
eminentemente limpa e bem-sucedida (2001: 272)
Poderíamos afirmar que a Guerra do Golfo foi quase que uma novela, ou um
seriado, com começo, meio e fim. Uma narrativa perfeitamente adaptada à televisão.
A TV passou a ser nossa janela para o mundo e nosso principal referencial de
identidade. Através de imagens e sons (hoje em dia muitas imagens e muitos sons
ao mesmo tempo), o espectador tem acesso ao maior e melhor exemplo de
hiperestímulo. Kellner define a televisão enquanto formador ou reestruturador das
50
identidades contemporâneas, através da estandardização de pensamentos e
comportamentos. O trecho a seguir explanará essa idéia:
(...) é exagero dizer que o aparato televisivo solapa inexoravelmente o significado e
afoga os significantes sem significados num hiperespaço plano e unidimensional sem
profundidade, efeitos ou significações. Portanto, contrariando a noção pós-moderna
de desintegração da cultura na imagem pura sem referentes, conteúdos ou efeitos –
ruído puro, em última análise - , argumentaremos que a televisão e outras formas da
cultura da mídia desempenham papel fundamental na reestruturação da identidade
contemporânea e na conformação de pensamentos e comportamentos. (...) A
televisão hoje em dia assume algumas das funções tradicionalmente atribuídas ao
mito e ao ritual (ou seja integrar os indivíduos numa ordem social, celebrando valores
dominantes, oferecendo modelos de pensamento, comportamento e sexo para
imitação etc). (2001: 304)
Segundo Douglas Kellner:
(...) Em certo sentido, a cultura da mídia é a cultura dominante hoje em dia;
substituiu as formas de cultura elevada como foco da atenção e de impacto para
grande número de pessoas. Além disso, suas formas visuais e verbais estão
suplantando as formas da cultura livresca, exigindo novos tipos de conhecimentos
para descodificá-las. Ademais, a cultura veiculada pela mídia transformou-se numa
força dominante de socialização: suas imagens e celebridades substituem a família, a
escola e a Igreja como árbitros de gosto, valor e pensamento, produzindo novos
modelos de identificação e imagens vibrantes de estilo, moda e comportamento. (...)
Com o advento da cultura da mídia, os indivíduos são submetidos a um fluxo sem
precedentes de imagens e sons dentro de sua própria casa, e um novo mundo virtual
de entretenimento, informação, sexo e política está reordenando percepções de
espaço e tempo, anulando distinções entre realidade e imagem, enquanto produz
novos modos de experiência e subjetividade. (2001: 27)
A respeito do filme de Tom Tykwer, Corra Lola Corra. O que é Lola senão um
produto da cultura da mídia?
Lola, no início do filme aparece como um desenho animado na televisão da
mãe. O que Tykwer poderia estar querendo nos dizer com isso? Um dos modos de
olhar para Lola é como um produto desta cultura midiática, um fruto da revolução
tecnológica, um entretenimento em nossas televisões, uma personagem de cabelos
51
vermelhos e roupas coloridas que corre pela cidade para salvar o namorado. Um
filme.
Um filme com cara de vídeo. Um vídeo que poderia ser um clipe. Um clipe
que toma a configuração de game. O P&B acelerado da antiga imagem de cinema,
ou o filtro avermelhado em reflexões e discussões da relação de Manni e Lola.
No terceiro capitulo falaremos mais a respeito desta configuração tecnológica
que Tykwer nos apresenta. Por enquanto continuaremos nos atendo as
modificações de maior importância para o século XX sob o ponto de vista da
comunicação contemporânea que julgamos, incidem na produção e compreensão de
Corra Lola Corra.
O filme Corra Lola Corra, em sua seqüência inicial, mostra Lola em animação,
saindo do apartamento e correndo pelos corredores e escadas do prédio onde mora.
Vemos esta cena pelo aparelho de TV da sala. Lola sai de casa para entrar na tela
de TV, virar uma personagem, uma jovem típica descendente da cultura da mídia.
Lola é parte de uma geração que cresceu influenciada pela cultura da mídia.
Douglas Kellner traça o seguinte comentário a respeito da geração que chegou à
juventude na década de 1990):
Essa geração provavelmente foi concebida e desmamada em meio a imagens e sons
dessa cultura, socializada pelos úberes vítreos da televisão, que serviu de chupeta,
babá e professora a uma geração de pais para quem a cultura da mídia,
especialmente a televisiva, constituiu um pano de fundo natural e parte integrante da
vida diária (2001: 190)
Lola é fruto da cultura da mídia, e por isso faz tanto sentido ela se transformar
em uma animação e ir parar dentro da TV, já que enquanto jovem desta geração,
Lola também é um produto gerado pela cultura da mídia. A mídia satura a cultura da
juventude contemporânea e lhe fornece o material para a produção de significados,
identidades e vínculos.
Mas em que consiste a cultura da mídia? Kellner definirá da seguinte
maneira:
A cultura da mídia é a cultura. Os estudos já feitos sobre os efeitos da mídia foram
restritos demais em seus métodos (pseudo)científicos de pesquisa, deixando de ver
como a cultura da mídia põe em circulação imagens, artigos, informações e
52
identidades de que o público se apropria, utilizando-os para criar prazeres e
identidades (2001: 185)
A mídia é grande responsável pela identidade pós-moderna que é construída
a partir de imagens de lazer ou consumo, e por isso é mais instável e sujeita a
mudanças. Ainda há uma idéia de que a identidade é escolhida e construída, mas na
sociedade contemporânea a mudança da identidade baseada no que a mídia
apresenta como ‘moda’ parece bem natural. Douglas Kellner acredita que isso possa
produzir uma erosão da individualidade e um aumento em relação ao conformismo
social, portanto ainda existe algum potencial positivo nesse retrato pós-moderno da
identidade como construto artificial, já que “a noção de identidade pode sempre ser
reconstruída e que somos livres para nos transformarmos e nos produzirmos
conforme nossa escolha” (2001: 312)
A cultura da mídia fornece imagens, espetáculos, discursos e narrativas que
são capazes de construir prazer e identidades de que os espectadores se
apropriam. Essas imagens podem estar relacionadas a modelos sociais,
comportamentos sexuais, estilo, aparência, jeito de falar, andar, vestir etc, que
acabam por ser os recursos para a formação e a reestruturação da identidade.
Recursos estes facilmente substituídos por outras novas possibilidades de posição
de sujeito. Se houve um tempo em que a identidade significava aquilo que se era
através de compromissos, escolhas políticas, éticas e morais, nos dias de hoje a
identidade é aquilo que se aparenta ser: imagem e estilo. A Cultura da mídia nos
fornece material e recursos para estas escolhas da identidade.
Lola não só vira um desenho animado na televisão como também o filme
assume diferentes estratégias estéticas que poderíamos comparar ao videoclipe, ao
videogame, à publicidade, ou então Tom Tykwer mistura outras configurações como
vídeo, foto still (imagem estática) ou planos totalmente monocromáticos ou P&B,
também mistura imagem acelerada e imagem em slow motion.
Segundo Douglas Kellner, “identidade pós-moderna é uma extensão das
identidades múltiplas livremente escolhidas do eu moderno que aceita e afirma uma
condição instável e rapidamente mutável” (2001: 316). Vamos trabalhar a partir
desta afirmação.
Essa condição de multiplicidade de escolhas, para o eu pós-moderno, é
responsável por fragmentos eufóricos de experiência e freqüentes mudanças de
53
imagens e de identidades. Jameson (1984:62), citado por Kellner, afirma que a
ansiedade desaparece na cultura pós-moderna. Kellner acredita que as crises de
identidade ainda acontecem e são freqüentemente agudas. “Na verdade quando a
mudança de imagem e modo de ser é freqüente, há sempre ansiedade em relação a
possibilidade de aceitação e validação por parte dos outros, por meio de
reconhecimento da nova identidade” (2001: 316).
Primeiramente analisamos Corra Lola Corra a partir da personagem central, a
heroína do filme. Lola assume diferentes identidades ao longo do filme. Identidades
que ela agarra graças a uma flexibilidade e uma importante competência para lidar
com diferentes situações.
A princípio Lola parece uma mulher independente. Tem sua moto e com ela
busca o namorado no trabalho como em uma rotina. Em seguida, o roteiro nos
apresenta o fato de que ela vive com os pais, e de mulher independente ela passa
para uma jovem até de certa forma infantilizada, pois não parece trabalhar ou ter sua
própria renda. A identidade de Lola vai variando então relacionada às situações que
ela vive em cada uma das três versões da história: Na primeira Lola assume o papel
de assaltante de supermercado, ainda que resistente a esta posição de sujeito, para
acompanhar a escolha do namorado Manni. Na segunda história Lola assalta o
banco onde o pai trabalha, sem que ninguém a influencie para isso. A escolha é dela
e, em um resquício da história anterior ou mesmo uma espécie de déjà vu, Lola sabe
até mesmo como manusear uma arma. Já na terceira história, Lola é jogadora de
cassino, não assume nenhuma identidade criminosa, pelo contrário, ajuda um
paciente em uma ambulância a estabilizar seus batimentos cardíacos. No final da
primeira história ela está morta. No final da segunda história ela perde o namorado.
No final da terceira história ela está viva e feliz.
Podemos também analisar as mutações da identidade de Corra Lola Corra a
partir de um estudo sobre as configurações e as estratégias estéticas escolhidas
pelo diretor.
É cinema, mas utiliza também configuração de vídeo. Utiliza fotografia still
(imagem estática) para anunciar o futuro. Imagem P&B acelerada para mostrar o
passado. Cenas monocromáticas para reflexão. Durante a corrida de Lola, a estética
de videoclipe prevalece, tendo a música eletrônica como constante pano de fundo.
Trata-se de uma personagem com posições de sujeito bem flexíveis e um
filme com múltiplas identidades estéticas e tecnológicas.
54
Portanto, a partir daí nossa hipótese é que Corra Lola Corra está modelado
como um produto da cultura da mídia, marcadamente pós-moderna quando se vê o
filme através de uma de suas estratégias narrativas mais importante: a flexibilidade
da identidade. Lola escolhe não viver as experiências até o fim, caso o fim não seja
como ela deseja. ‘Nega-se’ a morrer na primeira história. Nega a morte do namorado
na segunda. A experiência fragmentada e desconexa de Lola também são
características da pós-modernidade. Segundo Douglas Kellner:
(...) Os teóricos pós-modernos afirmam que os sujeitos implodiram, formando
massas (Baudrillard 1983b), que a característica fundamental da cultura pós-moderna
é um modo de experiência fragmentado, desconexo e descontínuo, tanto em seus
aspectos subjetivos quanto em seus textos (Jameson, 1983, 1991). Argumenta-se
que na sociedade pós-moderna da informação e da mídia somos, no máximo, um
“termo no terminal” (Baudrillard, 1983c), ou um efeito cibernetizado de “fantásticos
sistemas de controle”. Deleuze e Guattari (1977) festejam as dispersões nômades e
esquizóides do desejo e da subjetividade, valorizando exatamente a desintegração e
a dispersão do sujeito da modernidade. Segundo essas teorias, a identidade é muito
mais instável e, para alguns, desapareceu pura e simplesmente do ‘cenário pós-
moderno’ (...) (2001: 298-299)
Na pós-modernidade a identidade não desaparece, como pode dar a
impressão. Ao contrário disso, a identidade está simplesmente sujeita a novas
determinações e a novas forças, ao serem oferecidas outras possibilidades de
identidades construídas na velocidade da cultura da imagem. Isso cria identidades
instáveis e, ao mesmo tempo, oferece diferentes possibilidades para as constantes
“atualizações” da imagem do sujeito no mundo.
Vivemos em constante estado de busca por identidades no que se refere, por
exemplo, à aparência, imagem, estilo de vida, jeito de ser etc. Douglas Kellner utiliza
Michael Jackson e Madonna como exemplos de figuras da mídia que mostram que
identidade é construto, que pode ser constantemente modificada, redefinida e
reestruturada. Identidade, neste caso, é uma questão de imagem.
Michael Jackson desfaz as fronteiras entre negro e branco, mulher e homem, adulto e
jovem. Em alguns de seus videoclipes ele aparece como negro; em outros, como
branco; em outros ainda, é indeterminado. As vezes parece muito masculino, as
vezes mais feminino, e as vezes, andrógino. Em algumas ocasiões aparece como
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adulto que tem firme controle de sua carreira de rei do pop, enquanto em outras
ocasiões aparece com jovem, amante de crianças, alguém que se sente mais a
vontade com guris e sendo guri do que ao lado de adultos. (2001: 331)
Já estamos acostumados a estas figuras na mídia e suas constantes
modificações. Hoje em dia, inclusive, graças ao advento da tecnologia dos
computadores, a escolha por diferentes identidades tornou-se ainda mais simples e
comum. Através de salas de bate-papo, jogos online, sites de relacionamento,
Second Life, a mudança da identidade pode vir ainda em maior escala: muda-se, em
questão de segundos, a profissão, a cor da pele, dos cabelos e dos olhos, a situação
financeira, etc. Algumas chegam até a multiplicar as personalidades assumidas
atrás da tela do computador. As possibilidades, as ofertas e as escolhas são muitas.
Basta agarrar-se em uma e assumir o papel.
56
CAPITULO III
Exercício de análise de Corra Lola Corra
3.1 Corra Lola Corra - O filme
Trata-se de um filme cíclico. Redondo. Rápido, ágil e ligeiro. Quase
eletrônico. Na trilha musical e na linguagem de vídeo-game. Um filme pós-moderno.
Dentro de tantas definições de pós-modernidade, é possível dizer que existe um tipo
de filme, uma categoria, ou mesmo um gênero que podemos chamar de pós
moderno? Segundo David Harvey, em Condição Pós Moderna, “os artefatos
culturais pós-modernos são, em virtude do ecletismo de sua concepção e da
anarquia de seu assunto, imensamente variados” (1992: 277).
Também são variadas as possibilidades do cinema pós-moderno. Porém, há
características específicas que a pós-modernidade nos apresenta. Mas antes disso,
devemos pensar no termo cinema pós-moderno. O que significa ser um filme pós-
moderno?
Apesar do cinema contemporâneo não ter uma única definição podemos
encontrar em Corra Lola Corra algumas das características da sociedade pós-
industrial e da cultura pós-moderna.
Lola não tem grandes questionamentos, não é o tipo de filme que te faz
refletir horas, ou dias, depois da sessão. Como José Geraldo Couto, da Folha de S.
Paulo, definiu, Lola é um filme de consumo rápido, imediato. Vale por sua
performance. E como um filme de performance, Corra Lola Corra cumpre seu papel.
São vários filmes em um. Tem para todos os gostos: final romântico que a mocinha
morre no final. Final trágico que o mocinho morre no final. Feliz feliz onde o casal vai
embora de mãos dadas, a la Charlie Chaplin em Tempos Modernos. Clima de
Romeu e Julieta misturado com Bonnie & Clyde. Ao som de música eletrônica. Às
vezes, ao som de jazz tradicional, na voz da Billie Holiday. E quanta diferença um
dia faz! Um dia não, alguns segundos. O filme brinca com as possibilidades do
destino. Tom Tykwer não vê a vida de forma predestinada, do tipo “tinha que
acontecer”. Ao contrário disso, Lola pode mudar seu destino como conseqüência de
qualquer escolha que faça. E ela faz muitas escolhas! Lucio Ribeiro definiu Corra
Lola Corra como “um filme alemão que fala muitas línguas: a do cinema, vídeo,
musica, fotografia, animação, videogame, tudo ao mesmo tempo. Um excelente
57
anúncio publicitário versão extended.” Corra Lola Corra é um filme de fácil digestão.
Não é pretensioso, apesar das brincadeiras com o uso de diferentes configurações
estéticas e narrativas visuais. Ele mistura citações de T.S. Elliot (1888 – 1965), poeta
modernista, dramaturgo e crítico literário britânico-norte-americano, com frases do
técnico do jogador e treinador de futebol alemão Stepp Herberger (1897 – 1977),
que levou sua seleção a vencer a Copa do Mundo em 1954, na Suíça. O diretor,
baseado no desaparecimento das fronteiras entre alta cultura e baixa cultura nas
narrativas contemporâneas, como observou Lyotard, parte para uma mistura de
Elliot e com Herberger. No roteiro também percebemos esse tipo de representação.
Lola, por exemplo, a partir das idéias que vai tendo ao longo das três versões
da história, alcança o objetivo de salvar Manni. Como seria necessário em um jogo
de futebol. Ou videogame.
Se pensarmos em Lola com base na descrição do saber narrativo de Lyotard,
compreenderemos esta personagem como alguém que tem as idéias do saber-fazer,
saber-viver, saber-escutar etc. Competência que excede a determinação e a
aplicação do critério único de verdade e que se estende as determinações e
aplicações dos critérios de eficiência.
Segundo Lyotard em A Condição Pós-Moderna o saber narrativo é:
aquilo que torna alguém capaz de proferir “bons” enunciados denotativos, mas
também “bons” enunciados prescritivos e avaliativos (...). Permite “boas
performances a respeito de vários objetos de discursos: a se conhecer, decidir,
avaliar, transformar... Daí resulta uma de suas principais características: coincide com
uma “ formação” considerável de competências, é a forma única encarnada em um
sujeito constituído pelas diversas espécies de competência que o compõem (2008:
36)
Lola é julgada “boa” porque está de acordo com os critérios pertinentes e
necessários para salvar Manni. Vira a heroína do filme, como nas histórias populares
que, segundo Lyotard:
contam o que se pode chamar de formações positivas ou negativas, isto é, os sucessos
ou os fracassos ou dão sua legitimidade às instituições da sociedade (função dos
mitos), ou representam modelos positivos ou negativos (heróis felizes ou infelizes) de
integração as instituições estabelecidas (lendas, contos) (2008: 37/38).
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3.2 As personagens de Corra Lola Corra: Entre o bem e o mal
Em Corra Lola Corra os personagens não são heróis ou vilões. Não há um
maniqueísmo que separa o bem e o mal.
Lola, na primeira parte da história, assalta o supermercado com Manni, atira
(sem querer) em um policial e quase acerta seu rosto. Na verdade Lola não é uma
assaltante. Ela reluta em participar do crime. Pede que Manni largue a arma e vá
embora com ela. Ao perceber que não há mais volta, ela se junta ao namorado e faz
cobertura enquanto ele tira o dinheiro das caixas registradoras.
Na segunda parte, Lola pede cem mil marcos ao pai, mas este, como na
primeira parte, nega. Lola então toma a iniciativa de assaltar o banco onde o pai
trabalha. Tira a arma da cintura do segurança do banco, pega o pai de refém,
ameaça as pessoas que cruzam seu caminho e sai do banco com o dinheiro
59
desejado. A polícia não a reconhece como assaltante, e Lola consegue fugir e ir ao
encontro de Manni.
Na terceira parte da história, Lola não participa de nenhum assalto, por
vontade de Manni ou por vontade própria. Lola, ao contrário disso, pega carona em
uma ambulância, acalma o paciente que está sendo transportado, e é deixada na
frente de um cassino. Entra e tenta a sorte. Tem pouco tempo para arriscar suas
moedas e ganhar cem mil marcos. O gerente do cassino pede que ela se retire, já
que, esteticamente, Lola não corresponde àquele lugar. É jovem no vestir, é jovem
na cor do cabelo, é jovem no agir. É vista como uma marginal num local fino e
sofisticado. Lola pede para ficar e tentar apenas mais uma vez. Com seus gritos,
nada finos e nada sofisticados, mas sempre providenciais, Lola parece influenciar a
roleta. A sorte é sua, e Lola sai de lá com o dinheiro que precisa. Sem infringir a lei.
Lola é cidadã comum, apesar da aparência ‘estranha’ aos olhos dos homens de
terno e das mulheres de taier que freqüentam o cassino.
Lola não é heroína e nem vilã do filme. É a protagonista jovem indiferente a
sua condição identitária na narrativa. Esta condição pode ser boa ou má,
dependendo da circunstância em que se encontra a personagem. Tem sim o papel
de heroína, mas não faz apenas boas ações para salvar Manni, ou nem mesmo é
uma heroína a lá Robbin Wood, que rouba dos ricos para dar aos pobres. Lola é
humana como representação midiática da humanidade. E o espectador “vê” isso.
No assalto ao supermercado, ao banco ou mesmo na diferença visível entre o
universo de Lola e o cassino, percebemos que aos olhos de outras personagens ou
aos olhos das autoridades, Lola é alguém que merece ir presa ou, no caso do
cassino, retirar-se dali imediatamente. Aos olhos do espectador, Lola é passional e
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merecia mais tempo para tentar resolver aquela história de uma melhor maneira,
sem precisar apelar ao crime. O espectador sabe que Lola age daquela maneira por
desespero apenas. O espectador, que não passa de uma testemunha muda e
invisível.
Arlindo Machado em O sujeito na tela, diz que esta estrutura mobiliza de
maneira múltipla o olhar.
Há o olhar frio da câmera, que ‘registra’ a ação, porém, já tirando proveito da
ambigüidade da situação, jogando com as diversas espécies de olhares que
dramatizam o campo da ficção. (...) Há o olhar inquieto e cheio de simpatia do
público, identificado com os protagonistas nos que eles têm de transgressores e
vítimas, mas deles apartado no que têm também de inocência estúpida. Enfim, há
ainda mais um olhar, este virtual e hostil, o olhar do aparelho repressivo, que
atormenta a cena como um intruso. (2007: 97)
O mesmo acontece com um personagem secundário:
o segurança do banco. A princípio ele é apenas um homem desagradável,
inconveniente e invasivo. Mas na primeira parte da história isso não faz diferença.
Com o desenvolver da segunda e da terceira parte, vamos conhecendo melhor este
personagem, que vai mostrando que pode ser muito mais desagradável ou invasivo
do que foi na primeira parte. Na segunda parte da história, como Lola apanha sua
arma, este personagem será um homem indefeso apenas, e nada mais. Na terceira
parte da história, ele é um homem um tanto agressivo que gosta de seu papel de
(pequena) autoridade.
O pai de Lola é um homem de negócios. Trabalha
muito, não tem uma vida familiar. Sente-se explorado pela mulher e pela filha, alega
que elas só sabem procurá-lo para pedir dinheiro. Na primeira parte, fica sabendo
que sua amante está grávida. Revela a Lola que ela não é filha verdadeira dele. O
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que vemos aqui é um homem sozinho, quase um estranho, dentro de sua própria
casa. Um homem sério e arrogante. Na segunda parte da história percebemos um
homem também com sensibilidade, como qualquer outro ser humano, que tem medo
de ficar sozinho e também quer se sentir amado. Na terceira parte da história ele
não tem a função de pai. Lola não consegue encontrá-lo. Ele não é herói e nem
vilão. Nem bom e nem mal. Sofre um grave acidente. Não sabemos quão grave este
acidente pode ser. Sabemos apenas que, aparentemente, está inconsciente após
bater a cabeça.
Manni é um jovem contrabandista. É estupidamente
ingênuo. Comete um grave erro numa ação de muita importância. Está prestes a
perder a vida por conseqüência deste erro. Para concertar, planeja cometer outro
erro: assaltar o supermercado. Acredita que conseguirá fugir sem ser detido e
entregará o dinheiro que ficou devendo para a gangue. A única pessoa que pode lhe
ajudar é Lola, mas mesmo assim, Manni não acredita que ela conseguirá. Por isso, a
primeira parte, quando percebe que Lola não está no local combinado, Manni entra
no supermercado e inicia o assalto. Na segunda parte, Lola chega a tempo de
impedir que Manni entre no supermercado, porém, ao chamá-lo, Manni perde a
atenção na rua e morre atropelado por uma ambulância: uma vítima. E finalmente na
terceira parte, Manni, enquanto espera Lola, vê o mendigo que está com sua bolsa
de dinheiro. Corre atrás dele, e o espectador agora torce por Manni. Corra Manni
Corra. O espectador sabe que se ele conseguir pegar a bolsa de volta, nada daquilo
de mau que aconteceu nas partes anteriores, acontecerá. Nem Lola morrerá
baleada por policiais e nem Manni morrerá atropelado por uma ambulância.
Sabemos que tudo se resolverá, e tudo ficará bem. E quando percebe, o espectador
está torcendo pelo contrabandista amador, que causa toda essa louca confusão
corrida que Lola enfrenta. Manni não é bom e nem mal. É contrabandista, mas não é
profissional. É um garoto, um moleque, bobo e estupidamente ingênuo.
Estas permutações e mudanças de papéis nos permitem experimentar um
misto de segurança e fragilidade, onipotência e abandono. O espectador
provavelmente se identificará com algumas destas faces. Não é difícil em Corra Lola
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Corra, o espectador torcer por Lola assaltante ou por Lola jogadora. Tanto faz,
desde que o espectador tenha se identificado por ela no início da película.
O cinema não é apenas o que vemos. O cinema é a história que refletimos. É
o que nos faz sentir. É o que nos causa identificação ou repulsa. Ainda citando
Arlindo Machado:
O cinema não é apenas o que vejo, não é apenas o que me é mostrado no recorte do
quadro, através da mediação da câmera. A minha percepção depende
fundamentalmente do que eu adivinho na percepção do outro, do que eu suponho
que o outro vê (ou não) e do que eu suponho que o outro sabe (ou não) que eu vejo.
O mesmo campo escópico que constitui o sujeito é também o local onde o sujeito
fracassa como fonte originária, como foco, como ‘ponto de vista’ , porque, malgrado
esteja no ponto privilegiado de vidência, ele não é o único vidente da cena. (2007:
97).
Mocinhos e bandidos. Final triste e final feliz. Música eletrônica e jazz. Vídeo
digital e película. Publicidade e videogame. Câmera na mão e câmera estática.
Poeta modernista e técnico de futebol. Parece que Corra Lola Corra utiliza todas as
possibilidades do hibridismo. Mas estes recursos não são gratuitos. Estão inseridos
na narrativa que o diretor Tom Tykwer utiliza para contar a história de Lola.
Corra Lola Corra teve um importante papel na cinematografia contemporânea,
como um produto típico da cultura da mídia, é um filme feito para consumo rápido.
Como fogos de artifício que causam um estardalhaço e enchem os olhos, mas seu
efeito acaba rapidamente. Mesmo assim, valeu a pena ter visto.
3.3 Corra Lola Corra e as possibilidades midiáticas
O desenvolvimento da tecnologia da informação que marca a sociedade pós-
industrial vem causando profundas alterações no mundo. Considerada mais
significativa que a Revolução Industrial, a Revolução da Tecnologia da Comunicação
é caracterizada principalmente pela velocidade com que produz e transmite
informações.
A pós-modernidade trouxe consigo diversas transformações, virtualizações e
desterritorializações de imagens. A potência do vídeo trouxe novas técnicas e
procedimentos de produção, desconfigurando o cinema e se incorporando a ele.
A emergência do vídeo, sua configuração estética e mais especificamente a
produção de filmes para a televisão e o consumo doméstico do cinema, tornam-se
signo de uma crise, dando-nos a impressão de que estávamos assistindo o
63
desaparecimento do cinema enquanto linguagem e hábito social através da
diminuição das salas de cinema, do consumo de filmes na TV e a substituição da
linguagem do cinema pela estética do vídeo.
Esta estética estava relacionada a uma definição de imagem inferior, a
configuração ‘documental’ que fazia coincidir o real e sua encenação com o registro
sem interrupções, ou mesmo a representação da possibilidade do uso doméstico
dos meios audiovisuais. E mesmo sendo vista como inferior a qualidade da imagem
captada em película, a mistura de bitolas (película e vídeo) inova a estética do
cinema, principalmente nas décadas de 80 e 90.
A utilização da estética de vídeo não é exatamente algo que surge na pós-
modernidade, mas passa a ser característico nesta época. Como a pesquisadora
Ivana Bentes bem explica:
Hoje, a percepção da hibridação entre os meios é dominante, assim como sua dupla
potencialização. O vídeo aparecendo como potencializador do cinema e vice-versa.
Podemos destacar cineastas que, mesmo fazendo cinema, já trabalhavam com
princípios (a não-linearidade, a colagem) que se tornariam característicos da
videoarte e da linguagem do vídeo. O cinema de Jean-Luc Godard ou os
procedimentos do cinema direto (para ficarmos nos anos 60) já traziam algumas
dessas questões, caras ao novo meio e que iriam influenciar fortemente o cinema
moderno. Uma linha de continuidade entre cinema e vídeo bem mais longa pode ser
traçada, principalmente se pensarmos em processos e procedimentos em vez de
suportes (2003: 79)
Corra Lola Corra utiliza a possibilidade do hibridismo das configurações
estéticas. Na trilha musical, mistura jazz tradicional com música eletrônica. Na
imagem, a mistura de película, vídeo, animação e fotografia (imagem estática).
Estética de videoclipe, estética de videogame. Câmera na mão câmera estática. Mas
estes recursos não são gratuitos. Estão inseridos na narrativa que o diretor Tom
Tykwer utiliza para contar a história de Lola.
A seguir vamos percorrer pelos diferentes estilos estéticos e narrativos de
Corra Lola Corra:
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3.3.1 Película, cores vibrantes. - A maior parte do filme, onde
acompanhamos Lola em casa, pelas ruas da cidade, no banco, na
ambulância, no cassino, enfim, quando, com a protagonista, corremos
atrás da solução dos cem mil marcos. Para estas cenas o diretor optou
pela alta definição da imagem, câmera no tripé trepidando muito pouco
ou raramente. O cenário é composto por locações urbanas e
elementos sempre das cores: amarelo, azul e vermelho.
3.3.2 Fotografia still - Imagens estáticas, quadro a quadro - As trombadas
de Lola no meio dessa correria: a cada pessoa que cruza com Lola, é dado
um destino, que o diretor nos mostra através de colagem de fotos (imagens
estáticas), quadro a quadro, com áudio de câmera de fotografia ao fundo. A
mulher com o carrinho de neném, tem um futuro ruim na primeira historia,
ganha a loteria na segunda e vira religiosa terceira. O rapaz da bicicleta se
acidenta na primeira história e conhece a mulher com quem se casará, mas
torna-se um drogado na segunda historia. seu destino não é mostrado na
terceira história. A mulher com quem Lola tromba no banco onde seu pai
trabalha sofre um acidente e morre na primeira história, mas tem um caso
com o moço do caixa na segunda. Seu destino também não é mostrado na
terceira versão.
65
3.3.3 Vídeo. Câmera na Mão, luz estourada – Os momentos em que Lola
não aparece, quando acompanhamos as personagens protagonistas (como o
mendigo, o pai e amante, Manni). A câmera na mão trepida e dá um ar
documental ou de making of, feito com câmera de vídeo caseira. A câmera
parece mais próxima das personagens, causando um corpo-a-corpo com a
mise-en-scène, o que torna a câmera (o aparelho / a máquina) uma
personagem participativa. Uma maneira de mostrar a hierarquizar as
personagens e os acontecimentos. Quando acompanhamos Lola, a
personagem principal, ou Manni, a trama/conflito principal do filme, a imagem
é perfeita, com boa definição e cores fortes. Nos acontecimentos paralelos, a
câmera semi-amadora, com estética de vídeo, imagens tremidas e
granuladas, representa um desapego da estética de cinema das cenas
anteriores.
O uso da imagem captada em vídeo misturada com imagem captada
em película, em um mesmo filme, traz atualidade ao cinema. Com a
possibilidade da digitalização do cinema, este passa a incorporar outra
linguagem. O processo de finalização eletrônica do filme vem alterando sua
estética.
Esta mistura da película com vídeo pode ser considerada uma
característica do pós-modernismo do cinema. Pode, inclusive, ser associada à
tão comum intertextualidade nos meios de comunicação da cultura pós-
moderna, pois estas características de convergência de mídia que Corra Lola
Corra apresenta também pode ser fruto da influencia que a Publicidade
exerce sobre o cinema.
Segundo Ivana Bentes:
O cruzamento da linguagem da publicidade com o filme de ficção, o documentário e a
linguagem do videoclipe não qualifica e nem desqualifica a priori nenhum desses
meios e linguagens. Mas, sem dúvida, há conseqüências estéticas nessa hibridação
que não são ‘ neutras’ ou irrelevantes. (2003: 83)
Nasce, a partir deste cruzamento, uma nova maneira de se fazer
cinema, uma nova maneira de se fazer publicidade e uma nova maneira de se
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fazer videoclipe. Numa retroalimentação todas estas mídias se misturam e se
reinventam.
Com este hibridismo e estas rupturas, a estetica cinematográfica
passar a ser recriada e reinventada.
Corra Lola Corra, mistura pelicula com video. Estes trechos em video
inseridos no filme foi uma das marcas do “pós-modernismo” no cinema dos
anos 80. Ivana Bentes afirma que:
quase um “ piscar de olhos” do cineasta sobre a exaustao das narrativas classicas,
que a camera de video ajudava a descontruir, apontando para uma potencial
renovacao da narrativa e a popularizacao do video, como nova tecnologia e o modo
de consumo das imagens. (2003: 87)
3.3.4 Vídeo. Preto e Branco. Imagem acelerada – Esta é a escolha do
diretor Tom Tykwer para representar os flashbacks, momentos em que
Lola ou Manni contam um ao outro o que aconteceu durante o tempo
em que se desencontraram, logo no inicio do filme. Estes trechos
também servem como forma de ambientalizar o espectador na história,
apresentar as personagens de Lola e Manni e, finalmente, colocar o
espectador a par do conflito do roteiro. Estas cenas, como citadas
acima, são aceleradas, em Preto & Branco, e aparentemente captadas
com câmera de vídeo, como se fossem imagens de um documentário
ou um making of.
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3.3.5 Videogame – Grandes planos gerais, câmera alta (plongée). Lola
passa correndo na diagonal do quadro, como uma referência aos primeiros
jogos de videogame, ainda sem a qualidade do 3D. Imagem chapada.
3.3.6. Videoclipe – Longas cenas sem fala, apenas música e imagens em
movimento - geralmente muito movimento, causado pela correria de Lola ou
pela narrativa fragmentada criada na edição. Relembrando as características
do videoclipe, como já citadas neste trabalho:
O videoclipe, segundo Arlindo Machado “é um formato enxuto e
concentrado, de curta duração, de custos relativamente modestos se
comparados com os de filmes ou de um programa de televisão, e com um
amplo potencial de distribuição” (2000: 173). Apesar de alguns videoclipes
não serem tão enxutos como atesta Machado (um bom exemplo é Thriller, de
Michael Jackson, que possui quase onze minutos de duração), esta
característica é pertinente para quase a totalidade desse universo.
O corte rápido ou seja, uma edição de imagens normalmente
sincronizada com a música e com planos de pouca duração que é visto na
maioria dos videoclipes (principal característica associada ao videoclipe por
leigos a este formato). Nem todos os videoclipes são rápidos. A falta de
velocidade na edição de determinados videoclipes se deve à introspectiva e
lenta natureza das letras das canções ou a um efeito criativo intencional.
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3.3.7 Animação – no início de cada uma das três versões. Lola joga o
telefone para cima e este cai sobre o gancho. Corta. Lola sai do quarto
correndo e, uma câmera 350 graus termina o take na tela da televisão, onde
continuamos a acompanhar a correria de Lola, mas agora, em animação.
É interessante analisar porque Tom Tykwer escolheu utilizar animação
neste momento do filme. A animação, ao contrário das imagens captadas em
vídeo, não dá ao filme uma estética de documentário ou nos aproxima mais
das personagens como a estética da câmera-na-mão. Ao invés disso, nos dá
a certeza de estarmos em uma ficção, ou em uma obra audiovisual
fantasiosa, recoloca o filme de ficção no seu devido lugar e introduz um
elemento lúdico. Chegamos a ficar na duvida se o que esta acontecendo na
animação é realmente o que acontece com Lola no filme, ou se esta arte é
apenas um clipe de introdução.
3.3.8 Filtro vermelho – Cenas que separam as três versões da história de
Lola. Ao final de cada versão, entra a cena (um plano seqüência) de Lola e
Manni no quarto, deitados na cama.
No final da primeira história, quando Lola é baleada acidentalmente
pelo policial, há um primeiro plano no rosto de Lola, e conforme a câmera se
aproxima de seu rosto, a cena vai ficando cada vez mais avermelhada, até
que não haja mais outra cor. Não estamos mais na rua, e Lola não está mais
baleada no chão. Agora, o cenário é um quarto, apesar de não conseguirmos
ver mais nada que não seja os travesseiros. O plano fechado, mostrando
apenas os rostos de Lola e Manni, num plano seqüência. Os dois falam sobre
amor. Lola está insegura, pelo tom da conversa. No final do diálogo, Lola diz
“Não quero ir embora” . Corta. O telefone volta a cair no gancho e a segunda
historia se inicia.
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CONCLUSÃO
O filme Corra Lola Corra, objeto deste estudo, pode ser compreendido como
uma representação da cultura pós moderna, ou ainda, da cultura da mídia.
A cultura da mídia a que nos referimos trata de uma sociedade pós-moderna
organizada em torno da simulação, cuja ruptura com as sociedades modernas tem
como demiurgos os modelos, os códigos, a comunicação, as informações e a mídia.
Nesse caleidoscópio pós-moderno, as subjetividades estão fragmentadas e
perdidas, enquanto surge um novo domínio da experiência, tornando obsoletas e
irrelevantes as teorias sociais e a política anteriores.
Corra Lola Corra é uma mistura de técnicas e tecnologias, que fazem sentido
quando se trata de um filme cuja história tem três finais. Finais tristes e finais felizes
se misturam também, como o diretor Tom Tykwer consegue colocar todas estas
linguagens para conversar.
O filme constrói uma narrativa descentrada, ancorada não em uma realidade
socialmente conexa, mas em uma realidade que tem como ponto de partida o
espaço midiático modelado por diferentes estratégias, entre elas, por exemplo,
animação – em um processo híbrido que converge para uma espécie de
“destotalização” .
Por isso a ambigüidade do filme ao figurar determinados estereótipos
narrativos e, ao mesmo tempo, desconstruir estes estereótipos por não estabelecer
diferenças entre o presente do acontecimento, o flashback e o flash-forward – em
um processo de “desreferencialização” .
Outro fator importante, o filme torna consciente para o espectador o
acontecimento como tempo. E, simultaneamente, tenta anular a temporalidade do
acontecimento com estratégias narrativas, fazendo com que a historia se configure
em 20 minutos.
Encontramos em Corra Lola Corra aspectos da ficção, ou então, da realidade
apenas possível nas telas de cinema: Uma história que recomeça ao dar errado, e
insiste em recomeçar até que o final satisfaça a todos – personagens e
espectadores. Esta alternância entre as três histórias enquanto uma escolha
narrativa de Tom Tykwer, desconstrói o cinema clássico em relação a linearidade,
porém, o retoma com o final feliz.
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É característica da cultura pós-moderna se apropriar de linguagens e
estéticas, ou tiques estilísticos de outros períodos. A mistura de estilos também pode
ser vista como uma destas características.
Nesta pesquisa, discorremos a respeito dos elementos referentes a
importantes acontecimentos do século XX encontrados no filme. São eles: a
emancipação feminina – Lola é uma personagem que reflete a revolução sexual: ela
é a heroína do filme, é para ela que o namorado pede ajuda, Lola dirige, fuma. Não
há aqui nenhum resquício de uma sociedade que proíba a mulher de ‘ser como os
homens’; a revolução tecnológica – nas estratégias estéticas que Tykwer faz para a
narrativa de Corra Lola Corra, misturando várias configurações midiáticas como:
animação, videogame, videoclipe, vídeo digital e película; a globalização e a
desterritorialização cultural – quando sabemos que o filme está acontecendo na
Alemanha mas não há uma identidade cultural no filme ou nas personagens. O filme
não faz questão de ser alemão ou de divulgar uma identidade nacional.
O filme Corra Lola Corra com suas várias versões exemplifica o mundo virtual,
os vários caminhos que podemos seguir - as novas mídias, a intertextualidade e o
hibridismo de configurações audiovisuais como configuração assumida pelo diretor.
Definimos Corra Lola Corra enquanto um reflexo, ou melhor, um produto da
cultura da mídia, e o fizemos através de um exercício de análise a partir da
sequencia inicial do filme, onde Lola, numa versão em desenho animado, sai do
apartamento e corre pelas escadas do prédio onde mora. Vemos esta cena pelo
aparelho de TV da sala de sua casa. Lola saindo de casa para entrar na tela de TV,
virar uma personagem, uma jovem típica descendente da cultura da mídia.
Se Lola é mesmo um resultado da cultura da mídia, faz sentido ela se
transformar em uma animação e ir parar dentro da TV, já que enquanto jovem desta
geração, Lola também é um produto gerado pela cultura da mídia. A mídia satura a
cultura da juventude contemporânea e lhe fornece o material para a produção de
significados, identidades e vínculos.
Como já citado nesta pesquisa, a mídia é grande responsável pela identidade
pós-moderna que é construída a partir de imagens de lazer ou consumo, e por isso é
mais instável e sujeita a mudanças.
E sujeito a mudanças é Corra Lola Corra que representa bem o momento em
que vivemos e a cultura a que estamos sujeitos.
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1991.
JAMESON, Fredric. A virada cultural – reflexões sobre o pós-moderno. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
_____. “Pós Modernidade e Sociedade de Consumo”. In: Novos Estudos. n. 12,
junho de 1985.
KAPLAN, E. Ann. Rocking around the clock. Music-television, post-modernism &
consumer culture. New York: Routledge, 1987.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia – estudos culturais: identidade e política
entre o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
LABAKI, Amir (org.). O cinema dos anos 80. São Paulo: Brasiliense, 1991.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 10ª ed. Rio de janeiro: José
Olympio, 2008.
_____. O pós-moderno explicado às crianças. Lisboa: Dom Quixote, 1987.
LOPES, Denilson (org.). Cinema dos Anos 90. Chapecó: Argos, 2005.
MACIEL, Guilherme. Hibridismo e Intertextualidade: Aparições da Televisão nos
Videoclipes. Universidade Metodista de São Paulo. 2005.
MARON, Alexandre. “Filme vale uma corrida ao cinema” In: Ilustrada, Folha de S.
Paulo. 29/09/1999.
MACHADO, Arlindo. O sujeito na tela: modos de enunciação no cinema e no
ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2007.
74
_____. Pré-cinemas & Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
_____. A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2005.
MÜLLER, Jürgen (ed.). "El cine de las superficies". In: Lo mejor del cine de los 80.
Köln: Taschen, 2005, pp. 04-16.
PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1998.
RIBEIRO, Lucio. “Corra ao Cinema que a Lola vem aí”. In: Ilustrada, Folha de S.
Paulo, 20/10/1999.
PASCOWITCH, Joyce. “Spray”. In: Ilustrada, Folha de S. Paulo, 31/12/1999.
RORTY, Richard. “Habermas e Lyotard quanto à pós-modernidade”. In: Ensaios
sobre Heidegger e outros – escritos filosóficos vol. 2. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 1999, pp. 221-236.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naif, 2007.
75
ANEXO A
Letra e tradução de “I wish I was a hunter”, trilha musical da terceira versão da
jornada de Lola. Música composta por Franka Potente e Tom Tykwer.
I Wish I Was A Hunter
in Search Of Different Food
I Wish I Was The Animal
which Fits Into That Mood
I Wish I Was A Person
with Unlimited Breath
I Wish I Was A Heartbeat
that Never Comes To Rest
I Wish I Was A Stranger
who Understands The Sky
I Wish I Was A Starship
when Saturn's Flying By
I Wish I Was A Princess
with Armies At Her Hand
I Wish I Was A Ruler
who'd Make Them Understand
I Wish I Was A Writer
who Sees What Is Yet Unseen
I Wish I Was A Prayer
expressing What I Mean
I Wish I Was A Forest
of Trees That Do Not Hide
I Wish I Was A Clearing
no Secrets Left Inside
76
Tradução:
Eu queria ser um caçador
Em busca de comida diferente
Eu queria ser o animal
Que se encaixa nesta disposição
Eu queria ser uma pessoa
Com um fôlego interminável
Eu queria ser a batida de um coração
que nunca descansa
Eu queria ser o estrangeiro
que entende o céu
Quando Saturno está ao redor
Eu queria ser uma Princesa
com exércitos a seu dispor
Eu queria ser o soberano
que os faz entender
Eu queria ser um escritor
Que vê o que ainda não foi visto
Eu queria ser uma oração
Expressando o que eu desejo
Eu queria ser uma floresta
de arvores que não escondem
Eu queria ser mais clara
sem segredos escondidos lá dentro.
77
ANEXO B
TOM TYKWER - Filmografia:
Direção
Trama Internacional - Longa Metragem 2009
Paris, Eu Te Amo - Longa Metragem –
segmento Faubourg Saint-Denis
2006
Perfume: A história de um assassino
Longa Metragem
2006
Paraíso – Longa Metragem 2002
A Princesa e o Guerreiro – Longa
Metragem
2000
Corra Lola Corra – Longa Metragem 1998
Inverno Quente – Longa Metragem 1997
Deadly Maria – Longa Metragem 1993
Epilog – Curta Metragem 1992
Because – Curta Metragem 1990
78
ANEXO C
Ficha Técnica de Corra Lola Corra:
Título Original: Lola Rennt
Gênero: Ação
Tempo de Duração:
81 minutos
Ano de Lançamento
(Alemanha):
1998
Site Oficial:
www.spe.sony.com/classics/runlolarun/index.html
Estúdio:
X-Filme Creative Pool / Westdeutscher
Rundfunk/ German Independents / Arte / Bavaria
Film
Distribuição:
Sony Pictures Classics / Columbia TriStar Films
Direção: Tom Tykwer
Roteiro:
Tom Tykwer
Produção:
Stefan Arndt
Música:
Reinhold Heil, Johnny Klimek, Franka Potente e
Tom Tykwer
Direção de Fotografia:
Frank Griebe
Desenho de Produção:
Alexander Manasse
Figurino:
Monika Jacobs
Edição:
Mathilde Bonnefoy
Efeitos Especiais:
Berliner Spezialeffekte Atelier / Das Werk
Livros Grátis
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