No segundo dístico, Macrin é associado à poesia lírica amorosa (e, por aproximação
genérica, com a poesia elegíaca) por dois claros ícones clássicos: no verso 3, pelo sintagma
―curua testudine‖, e, no verso 4, por ―ardenteis minas‖. ―Testudo‖, em latim, significa
―tartaruga‖, mas, por metonímia, também designa o ―casco de uma tartaruga‖. Do uso do
casco como caixa de reverberação da lira, por um novo tropo metonímico, ―testudo‖ passou a
indicar a lira, e, conseqüentemente, foi termo icônico da poesia lírica. Quanto a ―ardenteis
minas‖, no verso 4, a expressão é uma clara referência às ameaças amorosas, num vocabulário
associado à poesia clássica amorosa e elegíaca.
No terceiro dístico, Gouveia falará de Bourbon. À parte os adjetivos já analisados,
―fluentem‖ e ―gratum‖, há um conjunto de termos de matriz clássica relacionados à poesia
epigramática: no verso 5, a frase ―Latiis salibusque iocisque‖ é menção direta aos elementos
que constituem a essência dessa poesia, notadamente os ―sais‖, isto é, ―os temperos, os ditos
picantes, mordazes, inteligentes, saborosos‖, e os ―jogos‖, isto é, ―os chistes e gracejos‖. A
presença deles é que garante que se atinja a suprema virtude do epigrama, ou seja, a agudeza,
exposta, por exemplo, nas conclusões inusitadas, plenas de humor e sagacidade. Ao mesmo
tempo, o adjetivo ―Latiis‖ revela uma clara opção por uma poesia epigramática de tom, humor
e teor latinos, cuja fonte e repertório se encontram nos autores da Antiga Roma, sobretudo
Marcial, e não entre os gregos.
Outro ícone da poesia ligeira é o termo ―nugis‖, que ajudou a formar a identidade
desse gênero poético e que acabou por ser assumido por seus poetas, desde a Antigüidade.
Seu significado é ―ninharia, bagatela, bobagem, coisa de pouco valor‖, cuja atribuição
pejorativa ao falar desse gênero poético foi invertida por seus autores, que buscaram investir a
―leveza poética‖ de um caráter positivo, e enxergavam nisso uma qualidade louvável.
Gouveia, com muita habilidade, forma um curioso oxímoro, ao atribuir a ―nugis‖ o adjetivo
―seriis‖. O humanista português já havia desenvolvido essa idéia em dois epigramas
anteriores, do mesmo livro de 1539, os de número I, 60 e II, 18. Nessas duas composições,
Gouveia havia atacado o julgamento daqueles que desvalorizavam a poesia ligeira e a
consideravam incompatível com a legítima qualidade literária. No poema II, 18, por sinal, o
poeta luso já havia usado as palavras ―nugae‖ e ―serium‖ no mesmo verso. O diferencial da
composição ora analisada é que ele associa brilhantemente e com agudeza um termo ao outro,
subvertendo a expectativa dos que costumam identificar as nugae como poesia leviana e sem
valor. O conjunto do dístico, portanto, presta uma grande homenagem a Bourbon, sendo o
oxímoro ―nugis seriis‖ um contundente arremate.