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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Vera Lúcia da Encarnação Bacelar
A LINGUAGEM PSICOCORPORAL COMO EXPRESSÃO DE ESTADO
LÚDICO
Salvador
2007
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VERA LÚCIA DA ENCARNAÇÃO BACELAR
A LINGUAGEM PSICOCORPORAL COMO EXPRESSÃO DE ESTADO
LÚDICO
Dissertação apresentada como exigência do
Curso de Mestrado da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia
para obtenção do Grau de Mestre em
Educação.
Orientador: Prof
o
. Dr. Cipriano Carlos Luckesi
Salvador
2007
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Biblioteca Anísio Teixeira – Faculdade de Educação / UFBA
B117 Bacelar, Vera Lúcia da Encarnação.
A linguagem psicocorporal como expressão de estado lúdico
/ Vera Lúcia da Encarnação Bacelar. – 2007.
112 f.
Orientador: Prof. Dr. Cipriano Carlos Luckesi.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia,
Faculdade de Educação, 2007.
1. Educação de crianças. 2. Ludicidade. 3. Linguagem
corporal nas crianças. 4. Comunicação não-verbal nas crianças.
I. Luckesi, Cipriano Carlos. II. Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Educação. III. Título.
CDD 372.2 – 22 ed.
VERA LÚCIA DA ENCARNAÇÃO BACELAR
A LINGUAGEM PSICOCORPORAL COMO EXPRESSÃO DE ESTADO
LÚDICO
Dissertação apresentada como exigência do
Curso de Mestrado da Faculdade de
Educação da Universidade Federal da Bahia
para obtenção do Grau de Mestre em
Educação.
Aprovada em 21 de junho de 2007.
BANCA EXAMINADORA
Profª Dra.Bernadete de Souza Porto
Faculdade 7 de Setembro
Prof
o
. Dr. Cipriano Carlos Luckesi - Orientador
Universidade Federal da Bahia
Profº Dr. Dante Augusto Galeffi
Universidade Federal da Bahia
Salvador
2007
Dedico esta dissertação a meu pai (em memória) com quem muito aprendi sobre a
linguagem não-verbal. Muito mais do que com palavras, ele me ensinou com suas
atitudes, ações e exemplo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as crianças que participaram desta pesquisa e a todas as outras com
quem sempre tive oportunidade de aprender;
Às auxiliares Rita, Selma, Deise, Tais, Dineusa e Marinalva que estiveram presentes nos
momentos da realização das atividades. Sem elas este trabalho não seria possível;
Às amigas com quem compartilho as descobertas da indescritível experiência de ser
educadora infantil na Creche da Universidade Federal da Bahia: Ana Maria, Ana Lúcia,
Flávia, Fernanda e Regina;
Ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade – GEPEL, pela
oportunidade de reflexão e vivências instigantes e desafiadoras;
Ao meu orientador, Cipriano Luckesi, que com a sabedoria dos grandes mestres,
apontou os caminhos por desvendar;
Aos meus professores, Bernadete Porto, Dante Gallefi, Cristina D’Ávila, Celi Taffarel,
Maria Cecília, Roberto Rabêlo, Terezinha Fróes, que socializaram conhecimentos
imprescindíveis para a realização desta pesquisa;
A todos os meus amigos e familiares, pela partilha de sentimentos e experiências
singulares;
Aos meus irmãos, André e Washington, a minha prima Lara e ao meu sobrinho
Bruninho por existirem e despertar em mim amor e carinho profundos;
À minha mãe, Renilda, pelo exemplo de força, determinação, coragem, justiça e
dignidade que contribuiu de maneira muito especial para constituição do meu ser;
A Flávio de Queiroz (Meu Gatinho), pela maneira amiga, enriquecedora, estimulante e
nobre com que participa da construção do meu saber, preenchendo o meu coração de
amor sincero;
A Deus, por todas as oportunidades de aprendizado e realizações.
Quem não compreende um olhar
tampouco compreenderá uma longa explicação.
Mário Quintana
BACELAR, Vera Lúcia da Encarnação. A linguagem psicocorporal como expressão
de estado lúdico. 2007.112 f. Monografia (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal da Bahia. Orientador: Profº Dr. Cipriano Carlos
Luckesi.
RESUMO
É natural se pensar em ludicidade quando falamos sobre Educação Infantil. Entretanto,
nem sempre a criança que participa das atividades que são propostas, com o objetivo de
serem lúdicas, vivencia os sentimentos de alegria, de prazer, entrega, embevecimento ou
divertimento. A palavra ludicidade, repetida diversas vezes ao longo dessas páginas,
refere-se a uma experiência que se passa no interior do indivíduo, motivada por uma
atividade qualquer, que lhe traz sentimentos de inteireza, alegria, prazer. Esses
momentos lúdicos podem atualizar e modificar experiências negativas vividas
anteriormente, proporcionando bem-estar, liberando a pessoa de possíveis
ressentimentos para viver e conviver de forma mais livre e construtiva. Na experiência
lúdica, os aspectos corporal, emocional, mental e social do indivíduo estão presentes de
forma integrada, contribuindo para uma construção equilibrada do ser. Contudo, para
que a ludicidade alcance este objetivo na Educação Infantil, é fundamental a atenção do
educador para o fato de que as crianças realmente vivam essa ludicidade. O desafio está
em verificar a vivência da ludicidade numa dimensão interior, através das expressões
corporais: o olhar, os sons, a postura, o ritmo e intensidade dos movimentos, a tensão e
relaxamento muscular. E é a este fenômeno que esta pesquisa se dedica. Busquei nas
teorias de Jean Piaget e André Lapierre o suporte a respeito de como se dá o
desenvolvimento da criança na faixa etária de um a três anos, para entender suas reações
e expressões. De posse desses conhecimentos, o educador pode avaliar as crianças e
atendê-las, na medida das possibilidades inerentes à realidade do espaço de educação
em que estão inseridos, ou seja, a estrutura física, os recursos materiais e humanos
disponíveis, que são indispensáveis para a consecução das atividades com crianças
numa creche. Nesta fase de vida, o corpo é o instrumento de comunicação das crianças
com os objetos e pessoas a sua volta. É através dele que a criança expressa suas
necessidades, seus sentimentos e emoções. Entretanto, de nada vale essa expressão se os
educadores à sua volta não estão atentos a essa linguagem psicocorporal. No transcurso
da pesquisa, desenvolvi atividades diversificadas, com o objetivo de constatar a
possibilidade de avaliar, através das expressões não-verbais das crianças, a vivencia da
ludicidade. Com o resultado das observações, cheguei à conclusão de que o educador
precisa estabelecer uma comunicação com o educando, através da sua expressividade.
Isso requer sensibilidade, amorosidade e percepção, na relação com a criança, a fim de
compreender suas atitudes, gestos e reações, como expressão da sua vida interior. Dessa
maneira, conclui que é possível identificar, durante as situações de aprendizagem, se a
experiência está sendo lúdica, considerando-se as diferenças individuais, a história de
cada um, seus limites. É um processo próprio de ser, estar, fazer e sentir, para o qual as
atividades lúdicas se apresentam como recurso importante. Contudo, nem sempre a
mesma proposta provoca o mesmo resultado para todos que delas participam. No caso
das crianças da creche envolvida nesta pesquisa, foi possível avaliar isso através de uma
observação cautelosa da linguagem não-verbal.
Palavras-chave: educação infantil, ludicidade, linguagem psicocorporal.
Bacelar, Vera Lúcia da Encarnação. Psychocorporal language as an expression of a
ludic state. 2007. 112. il. Master Dissertation – Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Educação. Advisor: Profº Dr. Cipriano Carlos Luckesi.
.
ABSTRACT
It is natural to think of ludicity when it comes to Childish Education. However, not
always the child who participates of the activities that proposed, with the objective of
being cheerful, gets the feelings of joy, pleasure, surrendering, amazement or having
fun. The word ludicity, mentioned many times throughout these pages, refers to an
experience that happens inside of the individual, brought about by a random activity,
which brings him the feelings of fullness, joy, pleasure. These ludic moments may
update and modify negative experiences lived before, providing well-being, freeing the
person of possible resentments to live and socialize in a freer and more constructive
way. In the ludic experience, the individual’s corporeal, emotional, mental and social
aspects are present in an integrated way, which contributes to a balanced construction of
being. Nevertheless, in order the ludicity to reach this objective in Childish Education, it
is fundamental the educator’s attention so the children can actually live this ludicity.
The challenge lies in verify the existence of the ludicity in an interior dimension,
through the corporeal expressions: the look, the sounds, the posture, the movements’
rhythm and intensity, the muscular tension and relaxation. To this very phenomenon the
present research dedicates itself. I have sought in Jean Piaget’s and André Lapierre’s
theories the bases about how the one to three-year-old children’s development happens,
in order to understand their reactions and expressions. In possession of this knowledge,
the educators may evaluate the children and attend them, according to the possibilities
inherent in the reality of education which they are inserted into, it means, the physical
structure, the available material and humane resources, which are indispensable to the
obtainment of the activities with children at a day nursery. In this phase of life, the body
is the children’s device of communication with the objects and people among them. It is
through it that the child expresses its necessities, its feeling and emotions. Though, this
expression is not worthwhile at all if the educators among it are not attentive to this
psycho-corporeal language. During the research, I have developed diversified activities,
with the intent to confirm the possibility to evaluate, through the child’s non-verbal
expressions, the experience of ludicity. With the observation’s results, I have reached
the conclusion that the educator needs to establish a communication between himself
and the child, through its expressiveness. It requires sensitivity, ludicity and the feeling
in the relation with the child, so it becomes possible to comprehend its attitudes,
gestures and reactions as expressions of its interior life. Thus, I have concluded that it is
possible to identify, during the apprenticeship situations, if the experience is actually
being ludic, regarding the individual differences, each one’s story, its limits. It is a
peculiar process of being, doing and feeling, to which the ludic activities are shown as
an important resource. Regardless, not always the same proposal provokes the same
result to everyone that participates of it. In the case of the children from the day nursery
enveloped in this research, it was possible to evaluate this fact through a cautioned
observation of the non-verbal language.
Key-words: Childish Education, ludicity, psychocorporeal language.
SUMÁRIO
01 INTRODUÇÃO
09
02 AS BASES DE DESTA INVESTIGAÇÃO
12
2.1 A EDUCAÇÃO INFANTIL 13
2.2 LUDICIDADE: O QUE É ISSO ? 14
2.3 LUDICIDADE E EDUCAÇÃO INFANTIL 15
2.4 ATIVIDADES LÚDICAS E VIVÊNCIA LÚDICA: PRECISANDO
CONCEITOS
19
03 O QUE JEAN PIAGET E ANDRÉ LAPIERRE ME AJUDAM A
COMPREENDER DO MEU OBJETO DE PESQUISA
21
3.1 JEAN PIAGET 22
3.1.1 O jogo
23
3.1.2 O desenvolvimento infantil
25
3.1.3 A contribuição de Piaget para uma melhor compreensão
do meu objeto de estudo
31
3.2 ANDRÉ LAPIERRE: O DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A
CONSTRUÇÃO DE UMA PERSONALIDADE AUTÊNTICA
32
3.2 CONCLUINDO 37
04 A LINGUAGEM PSICOCORPORAL E LUDICIDADE
41
4.1 A EXPRESSÃO PSICOCORPORAL DA CRIANÇA: UM OLHAR
FENOMENOLÓGICO
42
4.2 O PAPEL DO EDUCADOR LÚDICO: SABERES E DESAFIOS 49
4.2.1 Saberes e desafios
50
4.2.2 Ludicidade, arte e comunicação
53
4.2.3 O saber subjetivo da experiência
56
4.3 CONCLUINDO 58
05
UMA EXPERIÊNCIA, MUITAS OBSERVAÇÕES... 61
5.1 SOBRE A CRECHE UFBA 63
5.1.1 Atividades desenvolvidas na Creche UFBA
64
5.1.2 As necessidades, as possibilidades
65
5.1.3 Ludicidade na Creche UFBA
67
5.2 REGISTRO E ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES 68
5.2.1 As observações
68
5.2.2 Concluindo
101
06 CONCLUSÃO
104
REFERÊNCIAS
107
APÊNDICE A - Relação das atividades propostas 112
9
1 INTRODUÇÃO
Quero começar dizendo que esta pesquisa tem como tema a linguagem não-verbal da criança
como expressão de um estado interior de ludicidade, enquanto participam das atividades
propostas na creche.
É uma tentativa de apontar para uma questão de suma relevância para a sociedade em geral:
faz-se premente um investimento no sentido de ampliar a compreensão da ludicidade,
reconhecendo sua validade enquanto possibilidade de uma vivência mais plena em todos os
âmbitos da convivência humana, na família, no trabalho, nos círculos de amizade, e na escola.
A minha investigação esteve voltada para a ludicidade no trabalho de educação infantil numa
experiência de uma creche.
Mas esta prática de pesquisa, também reflete minha necessidade de aprimorar cada vez mais
as relações que estabeleço com as pessoas com as quais tenho contatos freqüentes. E a
comunicação, para mim, é de fundamental importância para o sucesso dos relacionamentos,
seja ele entre pais e filhos, amigos, namorados, colegas de trabalho, educador e educandos.
Ao longo da minha carreira de professora, trabalhei com adultos, adolescentes, e atualmente,
com crianças. Nesse percurso, o diálogo, baseado na afetividade e respeito recíprocos, sempre
esteve presente na relação que estabeleci com os educandos, sustentando o processo de
aprendizagem.
Entretanto, quando comecei a trabalhar com Educação Infantil, o primeiro contato foi
desestruturante. Comecei com uma turma de vinte e quatro crianças que tinham um ano de
idade. Estabelecer um diálogo com essas crianças que ainda não falavam, foi um desafio
inesquecível. Entender o que elas diziam através do seu choro, da recusa em realizar as
atividades, enfim, de todas as suas expressões corporais, inicialmente foi desesperador.
Porém, mantendo a calma e observação constantes, aos poucos, fui percebendo suas variadas
expressões, aprendendo a entendê-las.
Ao longo de nove anos como professora em uma creche, cresceu a necessidade de desvendar
o que as crianças ainda não conseguem dizer com as palavras, mas podem estar expressando
10
através de outras linguagens. Este é um desafio contínuo. Através da convivência com as
próprias crianças, é possível decodificar suas expressões. Para essa tarefa há necessidade de
uma pré-disposição, uma abertura para a comunicação via o sentimento, a intuição, a
percepção. É necessário estar sempre aprendendo, o processo não tem fim.
Meu desejo de aprofundar esse tema, nesta pesquisa, surgiu de uma observação do
comportamento diferenciado das crianças frente à mesma atividade proposta. Ao lado desta
observação, comecei a participar dos estudos e discussões realizados no GEPEL
1
sobre a
ludicidade enquanto uma experiência interna, a qual só o próprio indivíduo pode saber se a
experiência está lhe proporcionando prazer, interesse, envolvimento, alegria.
Então comecei a questionar se o professor de Educação Infantil poderia identificar este estado
de ludicidade nas crianças com faixa etária de um a três anos de idade, durante a realização
das atividades pedagógicas. Além disso, se as diferentes reações frente à mesma proposta de
atividade significavam diferentes modos de viver a ludicidade, ou se algumas reações
significavam a vivência desta ludicidade e outras não.
Apresento os resultados de minha investigação nos passos que sinalizo abaixo. No primeiro
capítulo, situo a questão da ludicidade na Educação Infantil, seu conceito e importância para a
educação das crianças. Delimito o problema que motivou esta pesquisa e aprofundo conceitos
básicos.
No segundo capítulo, apresento as idéias de Piaget e Lapierre, como referências teóricas que
deram suporte às minhas observações no campo e às posteriores análises dos dados. Essas
teorias apresentam uma explicação para o desenvolvimento cognitivo e a formação da
personalidade, respectivamente. Ambas estão articuladas ao desenvolvimento afetivo. De
posse das informações apresentadas por esses autores, o educador tem um recurso para
entender a expressão não-verbal da criança, relacionando-as ao seu nível de desenvolvimento
e aos seus conteúdos subjetivos.
1
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação – Universidade Federal da Bahia.
11
No terceiro capítulo, ressalto a importância da linguagem psicocorporal, como expressão da
vivência lúdica, e que, para a relação entre educador e educando, é fundamental a
comunicação não-verbal. Nesse sentido, aponto os saberes e desafios inerentes ao papel do
educador.
Finalmente, o quarto capítulo retrata o meu trabalho de campo. Apresento a parte
metodológica, explicitando minha hipótese, descrevendo a Creche da Universidade Federal da
Bahia (local da minha pesquisa), o objeto de estudo, o método utilizado. Estão registradas,
nesse capítulo, as atividades que desenvolvi, as observações das expressões psicocorporais
das crianças participantes, que, no total, foram cinqüenta e uma; e, por fim, as minhas
análises.
Encerro com a conclusão, que demonstra as constatações realizadas no processo da minha
experiência nesta pesquisa, considerando as condições e o espaço em que ela foi realizada e as
pessoas que com ela estiveram envolvidas. Possivelmente, em outras situações, outros
recursos, outra estrutura de funcionamento de creche e com outras crianças e educadores, as
conclusões possam ser diferentes. Na conclusão, ainda, levanto algumas perguntas que
continuam a inquietar meu coração de educadora.
Em síntese, minha investigação seguiu um fio condutor que me fez reconhecer a possibilidade
da linguagem não-verbal revelar o estado interior do educando infantil, utilizando as
atividades lúdicas como recurso de prática educativa com crianças.
A lição mais significativa que permanece é que a busca por uma aprendizagem rica e
enriquecedora seja pautada numa relação cada vez mais cuidadosa, alegre, prazerosa,
construtiva, acolhedora, sincera, afetuosa e lúdica entre educadores e educandos.
12
2 AS BASES DESTA INVESTIGAÇÃO: EDUCAÇÃO INFANTIL, LUDICIDADE,
EXPRESSÃO NÃO-VERBAL DE ESTADO LÚDICO.
Neste capítulo, configuro o problema de pesquisa que me moveu a realizar esta investigação.
A seguir, encontram-se delimitações dos conceitos básicos que guiaram a pesquisa empírica e
que guiarão as abordagens dos capítulos que seguem.
Educar crianças é um desfio constante e ainda cercado de incertezas... Algumas teorias
ressaltam a importância da ludicidade nesse processo. Essas discussões, quando abordam a
questão da ludicidade, referem-se a ela do ponto de vista externo ao indivíduo, descrevendo e
analisando a brincadeira que a criança realiza espontaneamente ou a partir de um estímulo de
outra criança, dos pais ou de um educador. De modo geral, ao falar em ludicidade, a primeira
imagem que vem a nossa mente está relacionada à brincadeira, divertimento, prazer.
Abordando teoricamente, descreve-se o modo de realizar a brincadeira.
Sem desconsiderar essa fenomenologia, desejo aprofundar o entendimento da ludicidade
enquanto uma experiência interna do sujeito, conceito que vem sendo desenvolvido e
aprofundado no GEPEL
2
. A partir dessa compreensão de ludicidade, surgiram muitas
perguntas.
A brincadeira sempre é lúdica para uma criança? Se a própria pessoa é quem define se uma
experiência é lúdica ou não (LUCKESI, 2002), como saber isso de uma criança que ainda não
fala? Quais os referenciais que podemos usar para avaliar por outras manifestações que não o
da fala se a criança está vivenciando ludicamente a atividade proposta?
Essas perguntas despertaram meu interesse no estudo da ludicidade na educação infantil e de
sua linguagem não-verbal como expressão de seu estado interno lúdico ou não. O que parece
ser tão óbvio, despertou-me uma dúvida... Observando várias crianças na realização de uma
2
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação – Universidade Federal da Bahia.
13
mesma proposta, pude identificar reações diferenciadas. Sem desconsiderar as diferentes
histórias de vida de cada criança, os gostos e preferências, a maneira como cada criança se
relaciona com os objetos e colegas, as peculiaridades do comportamento de cada uma delas, e
a cultura familiar, já que todos esses fatores podem interferir na maneira como cada
individualidade se expressa, algo estimulou o meu desejo de observar um pouco mais a fundo
a questão, na tentativa de poder avaliar se as suas expressões psicocorporais poderiam revelar
a vivência de estado lúdico, como expressão de um estado interno.
2.1 A EDUCAÇÃO INFANTIL
A Educação Infantil, no Brasil, caracterizou-se, inicialmente, por um atendimento
assistencialista. Contudo, à medida que esse tipo de educação foi se expandindo, outras
perspectivas foram surgindo além da principal preocupação de atender às necessidades das
mães que têm uma atividade produtiva fora do lar. Entretanto, até os dias de hoje, podemos
identificar que, de modo geral, com algumas variações, nessa prática educativa, é destinado
para as crianças um cuidado especificamente voltado para o atendimento das necessidades de
alimentação e higiene, na faixa de 0 a 3 anos (creche) e, de 4 a 6 anos (pré-escola), a
preparação da criança para o Ensino Fundamental (CAMPOS, 2001).
Com a promulgação da Constituição de 1988, a creche foi incluída, ao lado da pré-escola, na
área de competência da Educação. Isso muda a concepção de atendimento à criança. Agora,
mais do que atender a uma necessidade da família, cuja mãe precisa de um espaço para deixar
os filhos enquanto trabalha, é preciso atender a esta criança em todas as suas necessidades
enquanto um ser em desenvolvimento.
A Lei de Diretrizes e Bases a Educação
3
, no Art. 29, determina: “A educação infantil,
primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da
criança até seis anos de idade em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade”.
No documento Critérios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos
Fundamentais das Crianças (CAMPOS; ROSEMBERG, 1997), podemos verificar que, em
3
BRASIL. Lei nº9.394 (20/12/96) Título V, Capítulo II, Seção II Da Educação Infantil.
14
termos legais pelo menos, a educação infantil já está voltada para uma compreensão da
criança enquanto um ser que precisa de atendimento em seus diversos aspectos como uma
individualidade situada num tempo e espaço e que, portanto, possui especificidades que
precisam ser consideradas e respeitadas. Na 1ª parte desse documento, denominado “Esta
creche respeita Criança - critérios para a unidade creche”, dentre outros, destaco os tópicos
que estão diretamente relacionados com o problema que levanto nessa pesquisa: Nossas
crianças têm direito à brincadeira; Nossas crianças têm direito à atenção individual; Nossas
crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão.
Entretanto, não basta apenas propor brincadeiras, mas estas brincadeiras precisam propiciar a
vivência de um estado lúdico, e não simplesmente assumirem o caráter de atividades que
sirvam de apoio ao alcance de objetivos para o ingresso no Ensino Fundamental. É
indispensável que as atividades propostas na educação infantil possam permitir às crianças o
exercício dos seus direitos enquanto pequenas cidadãs, ao mesmo tempo que, atuando em seu
desenvolvimento, prepara-a para o Ensino Fundamental.
2.2 LUDICIDADE: O QUE É ISSO?
Freqüentemente, o jogo e a brincadeira são utilizados como sinônimos de lúdico.Vemos
também, muitas vezes, o lúdico associado ao lazer, à satisfação, ao deleite, ao prazer.
Como já disse o autor Johan Huizinga (1993, p.03) “o jogo é fato mais antigo que a cultura”.
Contudo, à medida que o ser humano foi descobrindo como controlar a natureza, dominando-
a e se distanciando a ponto de criar uma “antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a
natureza, a alma e o corpo” (Marx e Engels), o lúdico também deixou de ser inerente à própria
atividade do homem e passou a ocupar um determinado lugar e hora na vida. Esses são os
momentos de diversão. Será que eles são lúdicos? Como saber isso?
A ludicidade é de fundamental importância para o desenvolvimento da criança e,
possivelmente, por isso, a brincadeira tem sido uma questão bastante discutida por diversos
teóricos tais como: Tizuko Kishimoto, Sanny Rosa, Brougére, D. W. Winnicott, dentre
outros.
15
A discussão do tema já é ampla e, atualmente, o brincar pode ser estudado tendo como
suporte diversas áreas do conhecimento: Antropologia, Pedagogia, Psicologia, Filosofia,
História etc. Sua importância na educação é inquestionável.
Nesta pesquisa, não estarei estudando diretamente as atividades lúdicas. Meu olhar estará
voltado para as expressões corporais da criança tendo por base o conceito de ludicidade como
uma experiência interna do sujeito (LUCKESI, 2002), no desejo de saber se através dessa
linguagem, o educador pode saber se uma atividade é lúdica ou não para uma criança.
O Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade
4
vem discutindo e ampliando o
conceito de ludicidade enquanto uma experiência plena, que pode nos colocar em um estado
de consciência ampliada e, conseqüentemente, em contato com conteúdos inconscientes de
experiências passadas, restaurando-as e, em contato com o presente, anunciando
possibilidades para o futuro.
Sendo assim, no estado lúdico, o ser humano está inteiro, ou seja, está vivenciando uma
experiência que integra sentimento, pensamento e ação, de forma plena. Nessa perspectiva,
não há separatividade. A vivência se dá no corporal, no emocional, mental e no social de
forma integral. Esta experiência é própria de cada indivíduo, se processa interiormente e de
forma peculiar a cada história pessoal. Portanto, só o indivíduo pode expressar se está em
estado lúdico. Uma determinada brincadeira pode ser lúdica para uma pessoa e não ser para
outra. Como saber isso numa criança que não fala?
2.3 LUDICIDADE E EDUCAÇÃO INFANTIL
Na educação infantil, há uma série de atividades programadas com o objetivo de estimular a
aquisição de conhecimentos e habilidades necessários para que as crianças possam se
desenvolver.
4
GEPEL é um grupo vinculado à linha de Pesquisa Educação, Arte e Diversidade do Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia sob a coordenação do Professor
Cipriano Carlos Luckesi.
16
Segundo Piaget, a criança já nasce com as pré-condições neurológicas do conhecimento, mas
as condições de fato se dão através de atividades que ele denomina jogos (de exercício,
simbólicos e de regras, conforme as idades).
Essas atividades serão mais prazerosas se forem consideradas e respeitadas as emoções, os
sentimentos e necessidades das crianças, no momento em que estão vivenciando as propostas
trazidas pelo educador.
Entretanto, nas creches, em função da demanda para uma aprendizagem escolarizada precoce,
acontece algo que, a meu ver, é preocupante: as atividades propostas têm sido didatizadas
visando o treinamento de habilidades preparatórias para a alfabetização. Gisela Wajskop
(2001, p. 23) em sua pesquisa realizada em escolas da cidade de São Paulo, identificou que “a
maioria das escolas tem didatizado a atividade lúdica das crianças, restringindo-as a
exercícios repetidos de discriminação viso motora e auditiva, através do uso de brinquedos,
desenhos coloridos ou mimeografados e músicas ritmadas”.
Em decorrência da preocupação demasiada na realização dessas tarefas de treinamento para
alfabetização, muitas vezes o educador não considera a importância do sentimento de recusa,
desânimo, desatenção dos educandos em realizar tais atividades. Embora, seja uma tarefa
relevante, talvez não seja o momento mais adequado, ou a forma mais indicada de trabalhar
esta ou aquela habilidade. Então faz-se necessário um ajuste entre o nível de
desenvolvimento, o interesse e a necessidade da criança. Talvez, dessa forma, possamos
proporcionar vivências que despertam o estado lúdico.
O lúdico tem um papel muito mais amplo e complexo do que, simplesmente, servir para
treinamento de habilidades psicomotoras, que se colocam como pré-requesitos da
alfabetização. Através de uma vivência lúdica, a criança está aprendendo com a experiência,
de maneira mais integrada, a posse de si mesma, e do mundo, de um modo criativo e pessoal.
A ludicidade, como uma experiência que é vivenciada internamente, vai além da simples
realização de uma atividade, é na verdade a vivência dessa atividade de forma mais inteira.
17
Podemos afirmar que a participação em uma atividade lúdica (brincadeira, dança, jogo,
desenho, canto) não significa necessariamente que esteja sendo uma vivência lúdica para a
criança, ou seja, uma vivência plena, de inteireza e de integração do sentir, pensar e agir.
Na infância, supõe-se que as atividades lúdicas sempre são plenas, que as crianças vivenciam
com inteireza e de forma integrada as atividades que realizam. Mas, será isso uma regra geral?
Será que sempre que participam de brincadeiras, jogos, desempenhos cênicos, as crianças
estão em estado lúdico?
Vera Barros de Oliveira (1992) observou, descreveu e analisou a evolução das manifestações
da função semiótica com enfoque em brincadeiras e desenhos nas crianças de creche da
cidade de São Paulo, através da observação do comportamento interativo, exploratório, lúdico
e gráfico. Em determinada situação, quanto ao desenho, poucas crianças, 13 de um total de
48, riscaram no papel e nos objetos, sendo que apenas duas se utilizaram do papel só para
riscar. Ela observou que as crianças, com freqüência, não olhavam para o desenho enquanto
desenhavam, mas para outro lugar. Isso pode ser um indício que crianças podem realizar
atividades sem estarem plenas, sem estarem num estado interno lúdico.
Na apresentação à edição Brasileira do livro de S. Lebovici e R. Diatkine (1985, p.07),
Significado e Função do Brinquedo na Criança, Inúbia Duarte afirma : “Muitas e muitas
vezes o mundo infantil dos brinquedos é invadido por atividades denominadas ‘lúdicas’, mas
na realidade possuem objetivos pedagógicos claramente impostos pelos adultos. Ainda que a
criança seja induzida a ‘brincar’ com esses jogos educativos, chega um determinado
momento em que ela mesma interrompe, dizendo: ‘- bem, agora vamos brincar, tá?’ ”.
Esta observação nos leva a pensar que a criança pode realizar atividades sem,
necessariamente, estar vivenciando a proposta de forma prazerosa, em que sua emoção,
pensamento e ação estejam sendo acionados de forma integrada, o que expressaria a vivência
lúdica. Entretanto, muitas vezes, nós educadores infantis, não estamos atentos ao momento
presente da criança, e propomos atividades que consideramos importantes para seu futuro.
Freqüentemente, preocupados com o futuro da criança, propomos atividades que estarão
preparando-as para aquisição de hábitos, atitudes, conhecimentos que, na nossa intenção,
18
serão importantes para sua vida, quando, na verdade, o importante para a vida da criança é
poder expressar-se, poder brincar pelo brincar, no momento presente, tomando posse de si
mesmo, motora e psicologicamente. Viver o presente com a orientação e intervenção do
adulto para dar suporte às suas necessidades é uma ótima maneira de estar vivendo
intensamente as suas potencialidades, experimentando desafios de modo que esteja saudável
emocionalmente para o momento seguinte. Quero dizer que é vivendo o presente, de maneira
cuidadosa, que nos sentimos prontos para o futuro. Professores, educadores e pais precisam
entender que as crianças não devem ser submetidas, no presente, à uma rotina de preparação
para um futuro. Quanto mais as crianças puderem viver de acordo com suas necessidades no
presente, tanto mais estarão prontas para os desafios do futuro. É uma conseqüência natural.
Mas se elas são exigidas de tarefas e comportamentos que são inadequados para seu momento
de desenvolvimento psicocorporal, possivelmente terão dificuldades de responder
adequadamente em fases futuras.
Concordo, então, com Giovanina Gomes de Freitas Olivier (2003 p. 23 e 24) quando diz que
reconhecer o lúdico na infância é permitir que as “crianças sejam e vivam como criança; é
ocupar-se do presente, porque o futuro dele decorre... reconhecer o lúdico é redescobrir a
linguagem dos nossos desejos e conferir-lhes o mesmo lugar que tem a linguagem da razão; é
redescobrir a corporeidade ao invés de dicotomizar o homem em corpo e alma”.
Diante de todas essas observações, vejo que precisamos ampliar a nossa avaliação da
importância de não somente estar propondo atividades, ditas lúdicas, mas principalmente,
permitindo a vivência lúdica das crianças na educação infantil. Isso é uma necessidade para as
crianças e se constitui em grande desafio para nós educadores e educadoras que lidamos,
principalmente, com a faixa etária das crianças que ainda não falam, pois isso exige, além de
um conhecimento técnico especializado em relação ao seu desenvolvimento e seu processo de
aprendizado, uma disponibilidade para uma escuta sensível, uma observação mais cuidadosa
das expressões psicocorporais da criança, respondendo a elas também de modo cuidadoso.
Defendo a idéia de que a brincadeira e demais atividades na educação infantil precisam ser
para a criança uma experiência de vivência do estado lúdico, pois assim ela poderá contribuir
para o desenvolvimento da criança de maneira saudável.
19
2.4 ATIVIDADES LÚDICAS E VIVÊNCIA LÚDICA: PRECISANDO ESTES
CONCEITOS
Já temos assumido a diferença entre esses dois fenômenos – atividade lúdica e ludicidade.
Porém, vamos precisar um pouco mais esses conceitos, pois estão na base dessa pesquisa na
medida em que estou interessada em saber se, pela linguagem não-verbal, é possível ter
ciência em relação ao estado lúdico ou não da criança, enquanto realiza uma atividade.
O conceito de atividade lúdica se diferencia do conceito de ludicidade, que utilizo nessa
pesquisa. A atividade lúdica é externa ao indivíduo e que pode ser observada e descrita por
outra pessoa enquanto é realizada. Pode ser em grupo ou individual, apresentando variações
no seu formato que são determinadas por gosto, preferências, cultura, regras pré-estabelecidas
por uma instituição ou por quem a realiza.
Porém a vivência lúdica, ou ludicidade, é interna ao indivíduo. É o estado interno que se
processa enquanto o indivíduo realiza uma atividade lúdica. A atividade lúdica, como
expressão externa, só será lúdica internamente se propiciar ao sujeito a sensação de interna
plenitude, prazer alegria.
A ludicidade, como experiência interna, integra as dimensões emocional, física e mental.
Nesta perspectiva, a ludicidade envolve uma conexão entre o externo (objetivo) e o interno
(subjetivo) e, portanto, é de relevância significativa para a vida em todas as suas fases e,
especialmente, na educação infantil.
A exemplo, poderíamos dizer que a atividade lúdica é a brincadeira de roda. A ludicidade tem
a ver com os estados de inteireza, de plenitude, de prazer com os quais o indivíduo faz contato
enquanto brinca de roda. Várias crianças estão na roda, mas a maneira como cada criança
experimenta, sente e vivencia internamente esta experiência, é individual e pode ser
totalmente diferente para cada uma delas. Donde se conclui que, uma mesma atividade lúdica
pode propiciar a vivência lúdica para algumas crianças e para outras, não. Ou seja, em um
grupo onde todos realizam a mesma atividade lúdica, algumas crianças podem fazer contato
com a ludicidade e outras, não. Pois que o processo é do indivíduo que vive a experiência e
este, está relacionado com sua história de vida, é uma vivência interior.
20
Como podemos saber o que se passa internamente com o outro enquanto pratica uma
atividade lúdica? O adulto compartilha, relata, fala; e a criança que ainda não fala, como
expressa seu estado interno? Essa é a questão desta pesquisa. A interseção entre a ação e
estado interno é que vai possibilitando ao sujeito (infantil, adolescente ou adulto) tomar posse
de si mesmo, na medida em que vivenciando a experiência, toma consciência do que acontece
consigo mesmo. O processo de desenvolvimento é o processo de tomar posse de si mesmo.
21
3 O QUE JEAN PIAGET E ANDRÉ LAPIERRE ME AJUDAM A COMPREENDER
DO MEU OBJETO DE PESQUISA
A questão que investigo me remete a autores que estudaram o desenvolvimento infantil e o
significado da ludicidade nesse processo, ainda que eles não operem com o conceito de
ludicidade que estou utilizando nesta investigação. Assim sendo, o que aprendo com eles, que
contribui para minha investigação?
Apresento aqui as compreensões de dois autores sobre o desenvolvimento infantil e o papel
do jogo nesse processo. Embora o foco de suas teorias sejam diferentes, Jean Piaget e André
Lapierre abordam questões no que se refere a movimento, corpo, comunicação, afetividade,
relação subjetividade e expressividade, de modo pertinente ao meu objeto de estudo e, assim,
contribuem de maneira significativa para a compreensão do processo de desenvolvimento da
criança oferecendo uma base teórica relevante para minha pesquisa.
À medida que explicito os conhecimentos por eles desenvolvidos, estabeleço uma relação
com a percepção e definição de ludicidade como um caminho de desenvolvimento da
individualidade infantil, através de sua ação no mundo.
Piaget, biólogo por formação, apresenta uma complexa teoria sobre como a criança aprende,
para tanto, descreve minuciosamente, o desenvolvimento das suas estruturas mentais no
percurso do seu amadurecimento biológico.
Lapierre, psicomotricista relacional, desenvolveu uma prática educacional e terapêutica,
considerando que o corpo é mais que experiências sensório-motoras e perceptivo-motoras. Ele
carrega e expressa a organização tônica, involuntária, espontânea, que faz parte da experiência
afetiva e emocional da criança, relacionada às pulsões e conflitos relacionais.
22
Sem a pretensão de esgotar esses estudos, abordarei sinteticamente seus fundamentos
principais na intenção de fundamentar a minha pesquisa, no sentido de delimitar o campo
teórico no qual sustento a minha hipótese.
3.1 JEAN PIAGET
Piaget desenvolveu múltiplas investigações sobre o desenvolvimento infantil a partir das quais
construiu uma teoria complexa, onde revela sua compreensão do mundo da criança, a
comunicação com a realidade exterior e seu processo de afirmação da personalidade. O
desenvolvimento do ser humano, para ele, vai período sensório motor em direção ao período
das operações representativas e formais.
Apresenta uma explicação de como a criança pensa, como desenvolve a linguagem, o juízo e
o raciocínio, as noções de tempo e espaço, como se dá a representação infantil, a percepção e
também a afetividade.
Os mecanismos de assimilação e acomodação são utilizados para explicar a aquisição do
conhecimento. Para Piaget (1972), o indivíduo traz ao nascer as estruturas mentais. Durante as
experiências que vai vivenciando estabelece uma interação de fatores internos e externos.
Toda conduta humana é uma assimilação do dado a esquemas anteriores
(assimilações a esquemas hereditários em graus diversos de profundidade) e toda
conduta é, ao mesmo tempo acomodação destes esquemas à situação atual. Daí
resulta que a teoria do desenvolvimento apela, necessariamente, para a noção de
equilíbrio entre fatores internos e externos ou, mais em geral, entre assimilação e
acomodação (PIAGET, 1972, p. 95 e 96)
.
Ao manter contato com o meio, assimila informações, o que por sua vez produz modificações
nessas estruturas. Quando a criança está num jogo simbólico, por exemplo, transforma uma
caixa de fósforos em um carro. Ela transforma objetos de acordo com seu desejo, então, a
assimilação está predominando. Outras vezes, é a própria criança que se modifica para imitar
uma pessoa ou um animal. Então, a predominância é da acomodação.
Segundo Piaget (1964), nos jogos de exercícios (0-2 anos) predominam a acomodação em
função da imitação, que é predominante. Nos jogos simbólicos (2-6 anos), predomina a
23
assimilação que ocupa a maior parte do tempo pela experiência do “faz-de-conta”. Mas desta
faixa em diante, há um processo de equilibração constante entre assimilar e acomodar.
Podemos verificar nas suas obras, as explicações permeadas pelo sentido biológico de
equilíbrio, a partir do qual fundamenta sua teoria. Entretanto, é possível identificar também
um estudo em torno da comunicação infantil, referente à construção da noção de símbolo e as
relações com desenvolvimento da linguagem. E para complementar, defende a idéia de que a
afetividade está sempre presente durante esse processo. Embora o seu principal foco não
esteja nas relações que a criança estabelece com o outro, oferece subsídios para que possamos
compreender melhor como essa relação pode acontecer de forma mais saudável.
A seguir, algumas compreensões que considero importantes para o tema da minha
investigação. Elas têm a ver com o papel das atividades lúdicas pela criança, o que propicia a
sua expressividade.
3.1.1 O jogo
Ao conjunto de atividades que propiciam o desenvolvimento Piaget denominou ‘jogo’. Sendo
assim, o desenvolvimento do sujeito depende da sua ação nessas atividades. Os jogos, então,
apresentam características diferente, conforme a fase de desenvolvimento: Jogos de exercício
(0-2 anos), predominam a acomodação; jogos simbólicos (2- 6/7 anos), predominam a
assimilação; jogos de regra (7/8 anos em diante), equilíbrio entre assimilação e acomodação.
Referindo-se ao desenvolvimento do jogo, Piaget (1964) afirma que quase todos os
comportamentos por ele estudados, a propósito da inteligência, são suscetíveis de se converter
em jogo, uma vez que se dão por assimilação pura, isto é, por simples prazer funcional. Diz
ele:
Se a acomodação extravasa incessantemente os limites da adaptação propriamente
dita (ou equilíbrio entre a acomodação e a assimilação), o mesmo se pode dizer da
assimilação. O motivo é simples: os esquemas momentaneamente inutilizados não
poderiam desaparecer sem mais nem menos, ameaçados de atrofia por falta de uso,
mas vão outrossim, exercitar-se por si mesmos, sem outra finalidade que o prazer
funcional ligado a esse exercício. Tal é o jogo nos seus primórdios, recíproca e
complemento da imitação (PIAGET, 1964, p. 117).
24
Possivelmente essa descrição do surgimento do jogo pode estar relacionada ao conceito de
ludicidade, na perspectiva que vem sendo discutido no GEPEL
5
: algo que acontece
internamente com a criança, ao repetir alguma atividade; ela vai assimilando para acomodar,
até que, num determinado momento, depois de já realizar a ação com desenvoltura, ela a
repete pelo prazer que tal atividade proporciona.
A vivência da ludicidade, na fase de desenvolvimento infantil, pode contribuir para construir
novos modos de agir no mundo ou compreender como eles acontecem, assim como também
pode contribuir para restaurar alguma experiência que não tenha sido bem sucedida para a
criança. E, muitas vezes, ela repete a mesma brincadeira ou movimento, e nesse processo
pode estar processando informações necessárias para sua compreensão do mundo que a rodeia
e sentimentos que acompanham esses acontecimentos.
A imitação também possui uma relação estreita com esses processos de assimilação e
acomodação. Piaget (1964) demonstra, através da análise da evolução desses processos que:
sempre que a acomodação se prolonga ocorre a imitação, e quando a assimilação predomina
sobre a acomodação, surge o jogo. Ou seja, quando a criança está imitando, predomina a
acomodação e quando está jogando simbolicamente, há o predomínio da assimilação. A
evolução do jogo, por sua vez, percorre o caminho que vai do jogo de exercício até chegar ao
jogo de regras, passando pelo jogo simbólico. O jogo simbólico representa a assimilação do
mundo externo ao mundo interno do sujeito.
O autor refere-se ao símbolo sempre que a criança vai além do jogo motor, há um sentimento
de “como se”, “uma assimilação fictícia de um objeto qualquer ao esquema, e exercício deste
sem acomodação”. E diz ainda que
o esquema simbólico de ordem lúdica atinge, pois, o nível do ‘signo’(...) O signo é
um significante ‘arbitrário’ ou convencional, ao passo que o ‘símbolo’ é um
significante ‘motivado’, isto é representa uma semelhança com o ‘significado’;
conquanto arbitrário, o signo supõe, portanto, uma relação social, como se evidencia
na linguagem ou sistema de signos verbais, ao passo que a motivação (ou
semelhança entre significante e significado) própria do símbolo poderia ser o
produto do pensamento simplesmente individual (PIAGET, 1964, p. 129)
.
5
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade – GEPEL, PPGE/FACED/UFBA.
25
Portanto, para Piaget o signo social contribui no sentido de direcionar a representação
simbólica. Contudo,
“todo esquema participa sempre, simultaneamente, da assimilação e da acomodação.
São apenas as suas relações recíprocas que determinam o caráter adaptativo,
imitativo ou lúdico do esquema. [...] No símbolo lúdico o objeto atual é assimilado a
um esquema anterior sem relação objetiva com ele; e é para evocar esse esquema
anterior e os objetos ausentes que com ele se relacionam que a imitação intervém a
título de gesto ‘significante’. No símbolo lúdico a imitação não diz respeito ao
objeto presente e sim ao objeto ausente, que se faz mister evocar” (PIAGET, 1964,
p. 136).
Se o símbolo lúdico está associado ao gesto significante, e surge para atender a uma necessidade
de ordem interior e individual, mas, ao mesmo tempo, mantém uma relação com o social,
podemos pensar que, ao jogar, essas dimensões, interior individual e interior coletiva estão
presentes. Ou seja, o indivíduo não somente assimila o que faz algum sentido para si
(significante), mas também o que apreende do convívio que estabelece com os outros à sua volta
(signo).
Ora, toda conduta supõe instrumentos ou uma técnica: são os movimentos e a
inteligência. Mas toda conduta implica também modificações e valores finais (o
valor dos fins): são os sentimentos. Afetividade e inteligência são, assim,
indissociáveis e constituem os dois aspectos complementares de toda conduta
humana (PIAGET, 1972, p.21 e 22).
No próximo tópico explicitarei como o jogo pode contribuir para o desenvolvimento da
conduta humana nesses aspectos afetivo e cognitivo.
3.1.2 O desenvolvimento infantil
O desenvolvimento infantil apresenta, em sua complexidade, muitos aspectos a serem
considerados: social, emocional, corporal, mental, espiritual. Esses aspectos estão inter-
relacionados; contudo, nem sempre se desenvolvem de forma equilibrada, devido, muitas
vezes, à ênfase que é dada a determinados aspectos em detrimento de outros.
Piaget pesquisou as etapas pelas quais passa a criança do nascimento até a adolescência,
descrevendo a formação dos mecanismos mentais na criança, assim como se dá o
desenvolvimento das estruturas de pensamento, linguagem e afetividade. De posse desse
26
conhecimento, é possível o entendimento da expressividade das crianças, da faixa etária de
um a três anos, que, no caso, é a faixa de idade das crianças observadas na minha coleta de
dados, nesta pesquisa.
Segundo Jean Piaget, o desenvolvimento psíquico é comparável ao crescimento orgânico e
ambos orientam em direção ao equilíbrio gradativo, o mesmo acontecendo com a afetividade
e as relações sociais. “No entanto, respeitando o dinamismo inerente à realidade espiritual,
deve ser ressaltada uma diferença essencial entre a vida do corpo e a do espírito”(PIAGET,
1972, p.11). Piaget explica que o equilíbrio do crescimento orgânico é mais estático, uma vez
chegando ao seu pleno desenvolvimento, em seguida há uma evolução no sentido contrário.
Ou seja, o organismo, depois de alcançar um determinado nível de maturidade, não tem mais
como se desenvolver e, tende a perder, progressivamente, a sua capacidade, até a velhice.
Entretanto, as funções da afetividade e da inteligência superior tendem a um equilíbrio móvel:
quanto mais estáveis, maior mobilidade e o fim do crescimento não significa o começo da
decadência. Ou seja, quanto mais desenvolvido, maiores possibilidades de mais conquistas.
Em todas as fases de desenvolvimento, existem funções que são gerais da conduta e do
pensamento, contudo, existe o interesse que desencadeia as ações que podem ser de
motivação fisiológica, intelectual ou afetiva. Essa função de interesse se apresenta como uma
pergunta ou um problema e são invariáveis em todas os estágios de desenvolvimento.
Entretanto, ao lado do interesse (invariável) existem os interesses que variam de um nível
mental para outro, e as explicações particulares são diferentes em função do desenvolvimento
intelectual.
À medida que a criança se desenvolve, edifica suas características sobre as estruturas originais
que são variáveis, modificadas pelo progresso posterior, como conseqüência da sua melhor
organização, resultante do amadurecimento trazido pela experiência vivenciada. Mas esses
estados sucessivos de equilíbrio são acompanhados da função de interesse, que são constantes
e comuns a todas as idades, ou seja, há um certo funcionamento constante que se repete com
todas as crianças que propicia a passagem de um nível de conduta para outro mais complexo.
Mas esse funcionamento varia de acordo com o conjunto de noções adquiridas e
disponibilidade de cada criança na busca do sentido que cada experiência lhe desperta.
27
Esses mecanismos funcionais são comuns a todos os estágios de desenvolvimento e
correspondem a uma necessidade.
A criança só realiza alguma ação exterior ou mesmo inteiramente interior quando
impulsionada por um motivo e esse traduz sempre sob a forma de uma necessidade
(uma necessidade elementar, ou um interesse, uma pergunta etc.) (PIAGET, 1972, p.
14).
Essa necessidade surge porque alguma coisa entrou em desequilíbrio e clama por uma volta
ao estado anterior - equilíbrio. Quando a ação desencadeada leva à satisfação da necessidade,
então acaba o interesse e o equilíbrio é restabelecido. Esse movimento de equilibração é o
móvel da ação humana.
Para Piaget, a necessidade em todas as idades tende “1º a incorporar as coisas e pessoas à
atividade própria do sujeito, isto é, ‘assimilar’ o mundo exterior às estruturas já construídas, e
2º, a reajustar estas últimas em função das transformações ocorridas, ou seja, ‘acomodá-las’
aos objetos externos”(PIAGET, 1972, p.15). E é ao equilíbrio das assimilações e
acomodações que Piaget denomina ‘adaptação’.
O processo é contínuo: um desequilíbrio manifesta-se como uma necessidade que desencadeia
uma ação. Esta ação leva o indivíduo à assimilação, que impulsiona o pensamento, os objetos
e a própria ação a se acomodarem ao que foi assimilado. Se esse processo
assimilação/acomodação se dá de forma equilibrada, acontece então a adaptação. Desse
modo, progressivamente a criança vai estabelecendo sua relação com os objetos, as pessoas,
de maneira cada vez mais equilibrada e completa em relação às experiências precedentes.
Do nascimento até a aquisição da linguagem, o desenvolvimento da criança é marcado por
uma inteligência prática apoiada em percepções e movimentos. Entretanto, os reflexos do
recém nascido
enquanto estão ligados às condutas que desempenharão um papel no
desenvolvimento psíquico ulterior, não têm nada desta passividade mecânica que se
lhes atribui, mas manifestam desde o começo uma atividade verdadeira que atesta,
precisamente, a existência de uma assimilação senso-motora precoce(PIAGET,
1972, p. 16).
28
Nesta fase inicial, a vida mental se reduz ao exercício reflexo, depois esses exercícios se
tornam mais complexos por integração nos hábitos e percepções organizados, constituindo a
base de novas condutas. Isso se constitui a partir de um ciclo reflexo que ao se repetir
incorpora novos elementos, e vai cada vez mais se ampliando. Essa ‘reação circular’
representa, segundo o autor, forma mais evoluída da assimilação e seu papel é essencial no
desenvolvimento senso-motor.
Essa assimilação senso-motor aparece antes da linguagem e do pensamento interior, podendo
ser comparada à assimilação da realidade por meio de noções e pensamentos. Inicialmente,
não há diferenciação entre interior e exterior, ou seja, a diferenciação da sua consciência
pessoal e dos objetos exteriores não existe. Mas, aos poucos, as impressões vividas vão se
diferenciando e o eu, que até então é inconsciente de si mesmo, vai se tornando centro da
realidade interna ou subjetiva, ao mesmo tempo em que o mundo externo vai se objetivando.
Ao longo dos dois primeiros anos de vida, segundo o ponto de vista do autor, quatro
categorias de ação precisam ser construídas: do objeto e do espaço, da causalidade e do
tempo. Isso se dá através do progresso da inteligência senso-motora e nesse processo o
próprio corpo aparece como elemento entre os outros, e ao qual se opõe a vida
interior, localizada neste corpo.(...) No fim do segundo ano, está concluído um
espaço geral que compreende os outros, caracterizando as relações dos objetos entre
si e os contendo na sua totalidade, inclusive o próprio corpo. Ora, a elaboração do
espaço é devida essencialmente à coordenação de movimento, sentindo-se aqui a
estreita relação que une este desenvolvimento ao da inteligência senso-motora
(PIAGET, 1972, p. 19 e 20).
As experiências intelectuais, corporais e afetivas são indissociáveis. A afetividade então, está
relacionada ao intelecto e o desenvolvimento de um está intimamente relacionado ao outro.
Para Piaget (1972), a evolução da afetividade é semelhante ao estabelecido para as funções
motoras e cognitivas, afirmando que há um paralelo entre a vida afetiva e a intelectual no
decorrer do desenvolvimento de toda a infância e adolescência. Para ele, é falsa e superficial a
idéia do senso comum que separa a vida do espírito em dois compartimentos estanques: o dos
sentimentos e o do pensamento.
Os sentimentos também estão presentes no processo de desenvolvimento cognitivo. Ao primeiro
estágio de técnicas reflexas, diretamente ligadas ao desenvolvimento do pensamento,
29
correspondem os impulsos instintivos elementares, no que se refere aos sentimentos. As
emoções estão relacionadas ao sistema fisiológico das atitudes e posturas; “os primeiros
medos, por exemplo, podem estar ligados à perda de equilíbrio ou a bruscos contrastes entre
um acontecimento fortuito e a atitude anterior” (PIAGET, 1972, p. 22).
Piaget relaciona o segundo estágio aos sentimentos elementares ou afetos perceptivos ligados
“às modalidades da atividade própria: o agradável e o desagradável, o prazer e a dor etc.,
assim como os primeiros sentimentos de sucesso e fracasso” (PIAGET, 1972, p. 22).
E o terceiro nível de afetividade surge a partir da elaboração do universo exterior, e da
construção do esquema de “objeto”. “Os sentimentos elementares de alegria e tristeza, de
sucessos e fracassos etc., serão então experimentados em função desta objetivação das coisas
e das pessoas, originando-se daí os sentimentos interindividuais.” (PIAGET, 1972, p. 23). E
esses sentimentos interindividuais está associado à comunicação estabelecida entre os
indivíduos, que por sua vez se dá através da linguagem. Segundo Piaget a comunicação é o
sinal mais evidente do aparecimento da linguagem. Afirma ele que a linguagem começa desde
a segunda metade do primeiro ano, através da imitação. A imitação está intimamente
relacionada com o desenvolvimento senso-motor.
Em relação à imitação, este autor descreve:
Primeiramente, é simples excitação, pelos gestos análogos do outro, movimentos
visíveis do corpo (sobretudo das mãos) que a criança sabe executar
espontaneamente; em seguida, a imitação senso-motora torna-se uma cópia cada vez
mais precisa de movimentos que lembram os movimentos conhecidos; e, finalmente,
a criança reproduz os movimentos novos mais complexos (os modelos mais difíceis
são os que interessam às partes não visíveis do próprio corpo, como rosto e a
cabeça) (PIAGET, 1972, p. 25)
.
Assim também acontece com o som. A criança imita o som associado a uma determinada
ação. Repete o som cada vez mais parecido com o modelo apresentado. Até que relaciona,
por exemplo, uma palavra a um acontecimento: ele fala água e alguém lhe oferece um copo
com água. Logo quando ela sente sede, fala “água”, o adulto responde: “quer água?” e
oferece-lhe um copo com água. Aos poucos, a criança vai aprendendo a introduzir verbos:
“quero água”; até que um dia ela fala a frase completa: “pró, eu quero água”. A imitação do
30
som associada a determinadas ações, prolonga-se como linguagem. E, ao contrário da relação
interindividual que se limita à imitação de gestos corporais exteriores, a linguagem (palavra)
se constrói na medida em que pode ser comunicada. Nesse processo de construção três
categorias de fato, segundo Piaget, podem ser postas em evidência: 1ª - Subordinação e
coação espiritual exercida pelo adulto sobre a criança; 2ª Intercomunicações que transformam
as condutas materiais em pensamento; 3ª Monólogos variados que acompanham seus jogos e
atividades.
Quero chamar a atenção em relação a esta 2ª categoria quando o próprio Piaget questiona se a
criança sabe comunicar inteiramente seu pensamento e perceber o ponto de vista dos outros.
Afirma que as conversações entre crianças são rudimentares e ligadas à ação material
propriamente dita.
Quando se procura dar explicações, umas às outras, conseguem com dificuldade se
colocar do ponto de vista daquela que ignora do que se trata, falando como que para
si mesmas. Esta espécie de ‘monólogo coletivo’ consiste mais em uma mútua
excitação à ação do que em troca de pensamentos reais.
(PIAGET, 1972, p. 26).
Isso reflete que até os sete anos a criança só está iniciando seus primeiros passos em relação à
verdadeira socialização. O papel do educador se faz fundamental no sentido de intermediar
essa passagem de um estado egocentrado para o estado sócio-centrado. Nessa passagem,
muitos aspectos da personalidade vão se estruturando, a individualidade se fortalecendo com
o exercício da troca e da partilha. É um processo que envolve um ato amoroso e esse ato
amoroso não significa sempre acolhimento, mas envolve também a confrontação. Este é o
desafio. Confrontar sem deixar de ser amoroso exige habilidades do educador. Mas, com
paciência vamos encontrando um caminho de estimular amorosamente a construção da
autonomia, que é de fundamental importância para o desenvolvimento da individualidade.
Enquanto educadores precisamos estar atentos, especialmente em se tratando de crianças da
educação infantil, que inspiram naturalmente a nossa proteção e apresentam dependência em
muitos aspectos.
Nesse sentido, as atividades que envolvem o jogo, a brincadeira, que são freqüentemente
propostas para crianças num espaço de educação, têm um papel fundamental para o
desenvolvimento das suas estruturas cognitivas, físicas e afetivas. E, brincando, a criança assimila
31
a realidade de forma, freqüentemente, prazerosa. Brincando, dá os primeiros passos em direção a
socialização, através da construção de regras. Através dessas atividades a criança exercita e
aprimora suas características pessoais, construindo as bases para um desenvolvimento cada vez
mais pleno.
Contudo, o educador precisa estar consciente que, durante as brincadeiras, pode acontecer coisas
que dificultem o desenvolvimento da criança, como por exemplo: ser freqüentemente desafiada
muito além das suas possibilidades o que pode gerar sentimento de tristeza, ou insegurança; ou a
qualidade da relação com os colegas ou com o educador pode promover situações as quais ela
tenha sentimento de rejeição, por algum motivo relacionado a sua própria história de vida etc.
3.1.3 A contribuição de Piaget para uma melhor compreensão do meu objeto de estudo
Conhecer e entender o processo de construção do pensamento descrito por Piaget ajuda a
entender, e até prever, em algumas situações, as reações das crianças. Sua teoria esclarece, por
exemplo, porque as crianças na idade de um ano de idade não conseguem participar de uma
projeção de filme, tal como as crianças de dois anos, pois, o tempo de concentração e seu
interesse com este tipo de atividade é muito diferente. Portanto, ao observar as crianças numa
atividade, antes de tudo, é preciso avaliar se a atividade está adequada para sua faixa etária, à
sua fase de desenvolvimento.
Outra contribuição de Piaget refere-se à compreensão da afetividade. Ele afirma, nos seus
livros: Seis Estudos de Psicologia (1972) e A Psicologia da Criança, este último em parceria
com Bärbel Inhleder(1985), que as emoções estão relacionadas ao sistema fisiológico das
posturas e atitudes. Também afirma que a criança expressa nas relações com as coisas e
pessoas os sentimentos de medo, alegria, tristeza, prazer. Através dessas relações é que os
sinais de comunicação se estabelecem e permitem uma aproximação afetiva entre educador e
educando. Quanto maior a atenção no sentido de compreender as expressões desses
sentimentos, maior será a possibilidade de atender às necessidades interiores de cada criança,
respeitando a sua individualidade. Desenvolvimento e afetividade estão articulados no
processo de formação da criança.
32
Esses dados ajudam o educador, em geral, e a mim, neste momento como pesquisadora, a olhar
para as expressões psicocorporais das crianças, percebendo-as como reflexo do que se passa no
seu interior, seja no nível cognitivo ou afetivo. Assim, podemos identificar se as atividades estão
condizentes com as suas necessidades enquanto ser em desenvolvimento, se estão proporcionando
alegria, prazer etc. Então, dessa forma, estarão sendo lúdicas ou não.
3.2 ANDRÉ LAPIERRE: O DESENVOLVIMENTO INFANTIL E A CONSTRUÇÃO DE
UMA PERSONALIDADE AUTÊNTICA
Como psicomotricista relacional, Lapirre desenvolveu uma compreensão voltada para o diálogo
que a criança estabelece com o seu corpo, gestos, toque, tonalidade da voz. Por isso, destaca a
importância de cuidarmos da relação que estabelecemos com as crianças pequenas, pois esta,
interfere na qualidade da saúde mental e pode desencadear transtornos de ordem psicológica. O
autor afirma que a criança, desde os primeiros meses, sente as tensões afetivas, sejam elas
positivas ou negativas e responde através de seu corpo, mímicas, gritos. E essa experiência ficará
guardada em si como referência para suas relações posteriores. A partir dessa comunicação é que
se estrutura as relações, a maneira de agir, reagir e perceber, próprio a cada indivíduo. A este
modo próprio de estruturar essas relações, ele chama de personalidade.
A contribuição de Lapierre ajuda a compreender porque é tão importante darmos maior atenção
para o diálogo não verbal, no sentido de tomarmos mais cuidados para as necessidades afetivas e
psicológicas das crianças, pois isso vai contribuir para a conquista da sua personalidade
autônoma. E ao educador oferece um diagnóstico do que está ocorrendo no momento, o que, por
sua vez permite uma tomada de decisão de como agir.
Ele participou de uma experiência em creches na França, onde sua proposta tinha como foco
atender a criança não apenas nas suas necessidades de higiene e segurança, mas também as
afetivas. Em suas palavras, podemos identificar a sua preocupação em buscar uma prevenção de
transtornos emocionais que geram muitas dificuldades de convívio social:
As causas aparentes do desequilíbrio neurótico ou da crise psicótica situam-se no
presente, sendo costume apontar como culpados as condições de vida atuais, o
desequilíbrio do meio social. Não negaremos os danos causados por uma sociedade
tecnocrática e tecnológica, onde o indivíduo, reduzido estritamente a seu papel
profissional, concentrado numa família reduzida e freqüentemente conflitual,
assistido e agredido ao mesmo tempo, encontra com uma dificuldade cada vez maior
a possibilidade de uma comunicação humana satisfatória. Mas todos esses fatores de
33
estresse só têm conseqüências graves e duráveis sobre uma personalidade frágil, na
qual provocam a descompensação de um equilíbrio já precário. (LAPIERRE, 1987,
p. 9)
A seguir, apresento algumas das idéias de André Lapierre que auxiliam a compreensão de muitas
questões relacionadas às crianças pequenas e como a brincadeira pode ajudar na construção de sua
autonomia. Acredito que, em função de ele ter vivenciado a experiência em creches, que é um
ambiente que apresenta características peculiares no qual as crianças vivenciam uma realidade
específica, é relevante considerar as suas conclusões.
Segundo Lapierre, uma ação educativa envolve processos conscientes e inconscientes,
simultaneamente. O primeiro estaria relacionado aos conhecimentos e o segundo, mais essencial
para ele, ao estado de ser, ao comportamento do educador, ao meio educativo e aos desejos
primitivos da criança. Critica a educação que condiciona a criança a uma segurança pautada no
conformismo ao desejo do adulto e, progressivamente, a perda da sua autonomia. Por isso defende
uma postura de educador que se preocupa com o processo de formação da pessoa.
A ‘qualidade de vida’, é a qualidade do ser, não do ter. Ser, existir, é exercer
livremente seu poder de agir sobre seu meio, conservar a autonomia de suas
decisões. [...] Mas esse acesso a autonomia não é possível a não ser que ele tenha
sido preparado em profundidade, desde a mais tenra idade, por uma educação
completamente diferente
. (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986, p. 84)
“Partimos do corpo, do corpo que age numa relação direta com os objetos, os sons,
o espaço, os outros. (...) são as tensões emocionais subjacentes que se exprimem
através do simbolismo do agir, e é aí que a pessoa encontra sua autenticidade, sua
verdade. O
gesto, o movimento, o agir, tomam então uma significação simbólica; é
a satisfação simbólica dos desejos mais profundos, os mais autênticos. (LAPIERRE;
AUCOUTURIER, 1986, p. 87)
Precisamos recordar que antes do nascimento, quando a criança está no ventre da sua mãe, sua
sensação é de plenitude fusional difusa e sem limite. Nesta fase, normalmente, todas as suas
necessidades fisiológicas são satisfeitas, não há desejos e conseqüentemente não acontecem as
frustrações. Entretanto, ao nascer muitas sensações, dantes não experimentadas, passam a fazer
parte da sua vida: o frio, a fome, a luz etc.
Concomitantemente a essas primeiras sensações, há o sentimento de perda. Faz-se necessário um
tempo para que a criança tenha condições de vivenciar o processo de separar-se de sua mãe (ou
substituta) sem o sofrimento motivado pela ruptura do contato. Os momentos de presença e
ausência, a qualidade dos contatos corporais, esses movimentos alternados entre o desejo e sua
34
satisfação, estão presentes na trajetória em direção a formação da sua imagem corporal e, em
seguida, a construção da sua identidade.
Necessariamente existem momentos de ausência vividos inicialmente como
sofrimento e uma perda. Essa alternância de presença e ausência vai causar o medo,
a angústia de perda, uma perda que ameaça ser definitiva todas as vezes que aparece
(LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1984, p. 13)
.
Nesse sentido, Lapierre desenvolveu um estudo que aponta para algumas possibilidades nesse
campo afetivo relacional, onde o diálogo corporal é o ponto de partida para a comunicação com o
mundo. O autor defende a vivência afetiva como base para integração das funções racionais,
diferenciando a afetividade primitiva e ‘natural’ e a afetividade artificial. Esta última seria o
desejo do sucesso proveniente de ser valorizado aos olhos do adulto; medo do fracasso e da
desvalorização. Ao contrário disso, a dimensão afetiva verdadeira e profunda é que deve ser
cultivada. Referindo-se à afetividade primitiva afirma:
Essa vivência emocional é encontrada inicialmente no estado mais puro ao nível das
situações espontâneas que são determinadas pela procura do prazer viver seu corpo
em relação com o mundo, com o espaço, com os objetos, com os outros
(LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986, p. 24)
.
Dessa maneira a criança precisa superar as suas frustrações através das substituições simbólicas
do prazer, não mais no corpo do outro, mas num espaço de encontro: a comunicação. Essa
comunicação pode acontecer mediada pelo gesto (que pode ser em contato direto ou à distância) o
olhar (fixo, ausente, presente, vacilante, profundo), sons (o grito, a voz, ou palavras carregadas de
afeto, tensões), a mímica do rosto e do corpo (expressando abertura, abandono, ausência,
isolamento, defesa, entrega), o objeto (elo entre o corpo da criança e do adulto).
Na creche podemos nos comunicar com as crianças através de todos esses mediadores, brincando.
É através da brincadeira que podemos transitar entre as polaridades dar e receber, passividade e
atividade. Nisso reside o equilíbrio fusional. "Dar é se projetar simbolicamente para o outro e
fantasmaticamente no outro”
(LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1984, p. 21). Esse exercício favorece a
dinâmica da identidade e da afirmação do indivíduo. Brincando a criança pode vivenciar seus
medos, suas angústias, expressar sua agressividade de maneira simbólica. Através desse confronto
imaginário elas vão criando as regras de seus jogos e as relações de troca com seus pares.
Superando o seu estado exclusivamente fusional, para uma relação onde é capaz de tomar a
iniciativa, exercer sua autonomia.
35
É importante considerar que não é um processo linear. Mas, quanto mais o ambiente e os adultos
favorecerem esta conquista, tanto melhor será para as crianças. Isso porque, é muito difícil, para
um ser em desenvolvimento, conquistar a sua autonomia, onde os desejos expressos são sempre
reprimidos ou nem sequer percebidos.
Pais autoritários, por exemplo, normalmente, inibem a tomada de iniciativa dos filhos. Segundo
Lapierre, a criança numa atitude transferencial atribui ao educador o papel de “pai”. E essa
relação pode se configurar numa submissão do educando ao educador. Para que essa relação possa
ser modificada a vivência psicomotora pode ter um papel importante, contribuindo para que
progressivamente, a criança conquiste sua autonomia.
Para isso, o educador precisa jogar com o que ele chama de contrastes pedagógicos:
de liberdade e de diretividade; aumentando as fases de liberdade na medida em que
elas se tornam mais produtivas;de implicação e retirada, retirando-se cada vez mais
do jogo na medida em que o grupo assume sua autonomia real; de segurança e
insegurança; para conduzir a criança a renunciar progressivamente à proteção
segura da autoridade (mesmo se ela a combate) e a assumir, ele mesmo, esta
margem de insegurança que é contrapartida da independência (LAPIERRE;
AUCOUTURIER, 1986, p. 17)
.
Nesse processo, é fundamental que o educador esteja muito consciente do seu papel:
“estar disponível, saber esperar, não querer, numa preocupação de eficácia aparente,
que não passa de uma projeção da ansiedade pedagógica, precipitar uma evolução
que demanda tempos de integração suficientemente longos para permitir o
investimento e a ultrapassagem progressivos do prazer ligado a cada etapa”
(LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986, p. 23)
Inicialmente os objetos utilizados na brincadeira podem ajudar na relação que começa a se
estabelecer entre o corpo da criança e do educador, assim como com as outras crianças.
Progressivamente, a criança vai se apropriando do seu corpo, formando sua identidade e
conseguem a utilizar o objeto como algo independente de si.
Somente depois de ter esgotado a vivência dinâmica, onde o corpo ficou
incessantemente em relação com o objeto e com o outro, as crianças (ou os adultos)
começam a se interessar pelos próprios objetos, independente de sua utilização
corporal. É o acesso a sua primeira intelectualização que é a separação do objeto e
do corpo, abstração do corpo, tomada de distância em relação aos objetos. Estes
adquirem uma autonomia relativa e podem ser utilizados em sua relação estrutural
36
entre eles. As primeiras estruturas produzidas situam-se no nível afetivo, e são a
expressão mais ou menos simbolizada do imaginário. Elas também vão chegar a
expressão plástica, artística, numa espécie de ‘visão poética’ do espaço, antes de
exprimir-se num nível racional através das relações lógicas, matematizáveis
(LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986, p. 40)
.
Portanto, as atividades que devem ser propostas devem levar em consideração essa seqüência de
fases, explorando o interesse da criança, sem antecipar o exercício de habilidades e
conhecimentos pelos quais a criança não está em condições de responder adequadamente.
E é através do contato e afastamento com os objetos e com o outro, que a criança vai alcançando o
estado de desenvolvimento que permitirá o nível de abstração para uma comunicação simbólica,
como a linguagem.
Aumentar a distância, sem romper a comunicação, é simbolizar cada vez mais a
relação; é a troca através da trajetória, do olhar, do gesto, é aumentar seu espaço de
comunicação, investir ao nível afetivo, o espaço e suas direções. É a alternância
desse contraste que vai cindir a ambivalência e manter a tenção emocional:
abandonar-se... reencontrar-se.
Mesmo diálogo de distância com o solo: viver perto do solo, é procurar a segurança,
a regressão que pode ir até o contato efetivo com um a superfície lisa; afastar-se do
solo, é escapar, se libertar, conquistar volume, conquistar a independência, até o
salto espontâneo que é alegria de evasão. Isso vai, talvez, nos levar também ao
contraste do equilíbrio e do desequilíbrio, com seu significado simbólico de
passividade e de dinamismo, que reencontraremos na expressão plástica. Talvez
também em direção ao contraste vivido do “alto” e do “baixo”, do vertical e do
horizontal (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1986, p. 27).
A vivência corporal precisa ser avaliada levando-se em conta o emocional. Nas relações que vai
estabelecendo com o meio a sua volta, a criança se expressa através dos seus movimentos, e esse
movimento vivenciado está entremeado por uma simbologia. Explorar e entender essa simbologia
pode nos ajudar a entender o que se passa internamente com as nossas crianças. Para isso, é
preciso investir atenção no diálogo corporal e estimular a prosseguir no seu movimento de
desvelar o mundo. E esse movimento ela realiza intensamente com o movimento corporal.
Durante os três primeiros anos (pelo menos) da escola elementar, a criança vive
ainda aquele estágio de exploração do mundo através do movimento do seu corpo...
que nós chamamos agitação. Colocar a atenção no jogo espontâneo da criança,
valorizá-lo, dele participando, ajudando sua evolução, é caminhar no sentido de uma
educação aberta para a vida, para a criatividade, para a autonomia, para o
desenvolvimento de todo o potencial da pessoa (LAPIERRE; AUCOUTURIER,
1986, p. 39).
37
Isso, segundo Lapierre, é o nível inicial que dará lugar aos níveis mais abstratos e
intelectualizados, depois de ter mobilizado o sistema hipotalâmico de modulação do tônus
emocional. Enquanto as crianças estão a explorar o mundo, no seu movimento naturalmente
investigativo, ou em atividades que lhes são propostas, é possível, que possamos acessar a sua
vivência interior, a partir de uma observação cuidadosa, dos seus gestos, expressões e reações
psicocorporais.
Quando permitimos que a brincadeira seja capaz de propiciar a vivência lúdica no sentido interno,
podemos então dizer que, a afetividade primitiva e ‘natural’, está sendo experimentada. A
repetição dessas experiências pode descondicionar a afetividade artificial.
Dessa maneira a vivência da ludicidade estará acontecendo, pois a “ludicidade é um processo
interior que brota de dentro para fora e não de fora para dentro, apesar de ser influenciada e
estimulada por agentes externos para se concretizar” (FALCÃO, 2002, p.92).
Portanto, quanto mais as crianças puderem vivenciar atividades que possibilitem a expressividade
da sua afetividade, quanto mais elas puderem ser acolhidas na sua espontaneidade e
compreendidas na sua comunicação psicocorporais, tanto mais elas poderão entrar em contato
com a ludicidade e, desse modo, estaremos contribuindo para o desenvolvimento integrado do ser,
que convive e conhece o mundo e tem muito do que precisa para ser feliz: pensamento próprio e
criativo; sentimentos sinceros e de autoconfiança; conhecimento de si mesmo e autonomia para
dirigir a sua caminhada na vida pautada em respeito, colaboração e confiança.
3.3 Concluindo
Os estudos de Piaget, centrados no desenvolvimento das estruturas mentais da criança, ajuda a
entender o comportamento expresso por ela na relação com as coisas e pessoas ao seu redor,
trazendo contribuições significativas para uma prática educativa mais eficaz, assim como para
a percepção do que ocorre na sua experiência interna, expressa em suas condutas e gestos.
Dentre outras coisas, o autor deixa claro que o jogo propicia à criança uma experiência rica de
aprendizado e desenvolvimento dos seus aspectos físico, cognitivo, afetivo. Para ele esses
aspectos não estão dissociados e é um erro separar um do outro. A criança desde o nascimento
38
até a aquisição da linguagem precisa construir, segundo Piaget, categorias de objeto e do
espaço, da causalidade e do tempo. Essa construção vai se realizando na medida que a sua
inteligência senso-motora progride e nesse processo o corpo e o movimento exercem um
papel relevante. Pois, através da coordenação do movimento a criança vai estabelecendo
relação com os objetos e construindo a noção de espaço.
A partir do que a criança revela, na relação que vai construindo com os objetos e pessoas,
podemos identificar o seu nível de desenvolvimento e, então, desafiá-la para que ela prossiga
avançando. As contribuições da pesquisa realizada por Piaget apresentam uma seqüência
invariável de desenvolvimento das estruturas mentais e, por faixa etária, as possibilidades de
reações e de realizações pelas crianças.
Considerando que estão associados o movimento, a inteligência e afetividade, a criança ao
brincar constrói suas estruturas e expressa externamente essa construção, revelando o nível de
desenvolvimento mental em que se encontra e também os seus sentimentos. Brincando, revela
o que está se passando em seu interior. E um olhar sensível pode identificar as conexões que
ela consegue estabelecer entre o que assimila a partir do convívio do mundo a sua volta
(signos) e o seu interior (significante). Dessa forma, a brincadeira se apresenta como uma
oportunidade de vivenciar afetividade, inteligência e convivência como aspectos
complementares da conduta humana.
A pesquisa realizada por Lapierre trouxe uma contribuição significativa no que diz respeito,
principalmente, à preparação da criança para assumir sua autonomia. Sugere para isso que a
criança seja preparada através de uma educação que possibilite exercer a sua maneira livre de
agir sobre seu meio. Essa preparação deve levar em consideração a relação do corpo com os
objetos, o espaço, os outros. Segundo este autor, o gesto, o movimento, o próprio agir, estão
permeados de significações simbólicas dos desejos mais profundos e autênticos.
Nesse sentido, tanto Lapierre como Piaget são congruentes. Contudo, enquanto Piaget deu
ênfase a descrever a fenomenologia do processo de desenvolvimento no aspecto cognitivo
articulado ao afetivo em busca da autonomia da reciprocidade com o outro, Lapierre traz a
questão do desenvolvimento voltado para a formação da personalidade autônoma e
39
argumenta porque devemos cuidar da relação que a criança estabelece com os objetos e
pessoas. Nesse sentido, o diálogo não verbal e a construção da autonomia assumem destaque
na sua obra.
O que Lapierre propõe é que a autonomia da criança seja exercitada com uma atuação consciente
do educador através do que ele chama de contrastes pedagógicos. Esses contrastes significam um
jogo de equilíbrio entre liberdade e diretividade. À medida que a criança demonstra segurança
numa determinada tarefa, o educador sai um pouco de cena, deixando que ela assuma a direção da
atividade. Em um determinado momento ela revela que já tem condições de assumir a condução
da atividade sem a proteção da autoridade, com certa margem de insegurança, mas também de
liberdade.
Esse exercício começa com o próprio corpo da criança, a relação com o espaço, com objetos,
sons, e a comunicação que ela estabelece nesse processo também é corporal. É corporalmente que
ela expressa suas tensões, medos, alegrias, desejos, recusas. Acolher essa expressão é de
fundamental importância para o seu desenvolvimento. Mas, aos poucos, é preciso desafiar os seus
limites no sentido de estimular o seu progresso.
Desta forma, o educador dá condições à criança para aprender a expressar seus sentimentos,
transformar seus desejos em realizações, com autonomia e condições de responder por eles.
Assim, poderá ser capaz de desenvolver sua autenticidade, sem medo e culpa.
Esta é uma maneira de sentir e viver a ludicidade, pois na medida em que realizamos algo
motivados por uma decisão interior sem culpa ou medo, naturalmente, realizamos de forma inteira
e prazerosa.
Considerando o processo de desenvolvimento descrito por Piaget e os estudos de Lapierre, é
possível que o educador possa reconhecer nas expressões corporais das crianças, o que se
passa no seu interior, identificando a repercussão das atividades que estão sendo realizadas,
no sentido de estarem ou não sendo lúdicas.
40
Portanto, esses autores, reforçam a minha hipótese de que é possível poder avaliar, através das
expressões psicocorporais das crianças um estado de ludicidade.
Uma prática que proporcione a vivência da ludicidade pode contribuir mais eficazmente para
o processo de assimilações e acomodações das crianças, principalmente na construção das
relações interindividuais. Se o educador estiver atento a essas expressões não-verbais, assim
como, ao diálogo que pode ser estabelecido corporalmente, pode jogar com o que Lapierre
chamou de ‘contrastes pedagógicos’(alternar a relação: de diretividade e de liberdade; de
implicação e retirada; de segurança e insegurança), buscando a autonomia da criança, a fim de
mediar as conquistas a serem realizadas.
A partir das observações da expressividade da criança, é que o educador poderá tomar as
decisões mais acertadas na sua prática pedagógica no sentido de contribuir para o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos educandos.
A teoria desses dois autores oferece subsídios para um olhar sensível no que se refere à
expressividade da criança. Com essa intenção fui a campo, buscando avaliar, se as crianças
podem revelar a vivência da ludicidade durante a realização de atividades na creche, a partir
das suas expressões psicocorporais.
41
5 A LINGUAGEM PSICOCORPORAL E LUDICIDADE
As expressões psicocorporais a que me refiro neste estudo, envolvem os gestos e os conteúdos
emocionais que os acompanham, ou seja, o que a criança expressa com o olhar, o sorriso, a
postura, o movimento que está realizando. E quando me refiro à ludicidade, estou usando como
referência o conceito que vem sendo construído pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e
Ludicidade
6
: uma vivência interna, desencadeada pela realização de uma atividade lúdica
(brincadeira, leitura, conversa, caminhada etc.). Esta vivência permite o contato com estados de
consciência ampliado e focado.
A ludicidade como vivência de uma experiência interna, também integra as dimensões emocional,
física e mental. Nesta perspectiva, a ludicidade envolve uma conexão entre o externo (objetivo) e
o interno (subjetivo) e, portanto, é de relevância significativa para a vida em todas as suas fases e,
especialmente, na educação infantil.
Este capítulo está organizado em dois tópicos. Meu propósito, no primeiro tópico, é estudar sobre
até que ponto as atividades propostas na creche estão proporcionando a vivência da ludicidade e
como é importante a atenção do educador para as expressões psicocorporais, no sentido de buscar
entender o que está se processando internamente na criança.
Sustento as minhas reflexões em alguns autores: Luckesi (2002), que conceitua o fenômeno
da ludicidade, partindo de uma abordagem que “foca na experiência lúdica como experiência
interna do sujeito que a vivencia”( p.22), Merleau-Ponty (1999) que ressalta a contribuição da
Fenomenologia no sentido de unir “o extremo subjetivismo ao extremo objetivismo em sua
noção de realidade”(p.18); Dante Gallefi (2003) que traz o termo Ser-sendo como um
contínuo fazer-se e, portanto, a possibilidade infinita de “ser a abertura para o aberto: poder-
ser-sendo”(p.226) e Verden-Zoller (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004) que defende a
idéia que existem “limitações emocionais geradas pela nossa cultura de mundo ocidental, e é
6
Grupo de Pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação – Universidade
Federal da Bahia.
42
o amor que pode nos possibilitar aceitar o outro como é no presente. Então, a partir daí, a
relação interpessoal pode ser vivida como brincadeira” (p.222).
Considerando as idéias desses autores, nota-se que o papel do educador é de fundamental
importância para que se estabeleça uma comunicação efetiva, através das expressões
psicocorporais. Por isso, o segundo tópico, é sobre os saberes necessários ao educador para
que ele adote uma prática na qual possa incluir a avaliação das expressões psicocorporais das
crianças com o objetivo de propor atividades que possam proporcionar às crianças o contato
com a dimensão lúdica.
Ressalto os desafios inerentes ao exercício da profissão do educador e aponto alguns saberes
necessários para o enfrentamento e superação das dificuldades, especificamente, na prática da
educação infantil. Destaco a importância da arte e da ludicidade na formação e prática do
educador, pois apresentam possibilidades de expressão e comunicação fundamentais para a
relação educador/educando e, conseqüentemente, para o desenvolvimento de ambos. Minha
experiência, enquanto educadora atuante em Educação Infantil
7
aliada aos estudos que venho
desenvolvendo no GEPEL
8
e nas disciplinas - Filosofia e Educação; Arte Ludicidade e
Formação do(a) Educador(a)
9
, estimularam a construção das idéias aqui apresentadas.
4.1 A EXPRESSÃO PSICOCORPORAL DA CRIANÇA: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO
Compreender e saber ler a fenomenologia que se expressa no corpo, nos gestos da criança é
mesmo fundamental para o educador que trabalha com crianças que ainda não se expressam
verbalmente.
Podemos perceber que, ao longo das atividades pedagógicas propostas na Creche da
Universidade Federal da Bahia, na qual trabalho, a receptividade para uma mesma atividade é
diferenciada e, às vezes muito claramente, percebemos a falta de envolvimento integral das
crianças na realização da mesma, através das suas reações psicocorporais.
7
Professora da Creche da UFBA desde 1997.
8
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Ludicidade, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da
Bahia.
9
Disciplinas oferecidas pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal da Bahia.
43
Como as crianças da creche são pequenas (um a três anos de idade) e ainda não se expressam
claramente através da fala, já que estão no processo inicial de aprendizado desta linguagem, o
educador infantil precisa aprimorar e/ou aprender a estabelecer um nível de comunicação
mais sutil, contudo, muito profundo: a linguagem expressa pelo corpo.
A Fenomenologia, enquanto o estudo da essência dos fenômenos, é uma abordagem que pode
fundamentar uma prática que busca a essência na existência, no cotidiano. Este cotidiano que,
por vezes, se transforma numa repetição automática de ações, sem uma observação atenta ao
que está sendo expresso, assim como ao sentido do que está sendo vivenciado. Uma atitude
fenomenológica, ao contrário, é uma atitude que reflete o incansável questionamento a
respeito da nossa prática, dos nossos relacionamentos, buscando investigar e compreender o
que está instituído como natural, aceitável, normal, procurando o sentido disso tudo.
Segundo Merleau-Ponty(1999), a fenomenologia como um retornar “às coisa mesmas”
10
é
antes de tudo a desautorização da ciência. Diz ainda que todas as idéias que concebemos e até
a própria compreensão do que é a ciência, passa sempre por uma visão e experiência de
mundo. Esta visão é pessoal, está relacionada com o processo que cada um estabelece a partir
da sua vivência.
Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos
pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente o seu sentido e o seu
alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela
é a expressão segunda”(MERLEAU – PONTY, 1999, p. 10) .
Isso nos remete à idéia que precisamos, também, de um retorno ao entendimento do ser que
está vivenciando a experiência no mundo. Conhecer o próprio homem é um desafio constante
e necessário, desde a antiguidade já sabemos disso, entretanto, sempre estamos
negligenciando esse conhecimento em detrimento de outros.
Concordo com Merleau-Ponty (1999) quando diz que o ser vivo, o homem, a sua consciência,
vão além do conjunto de caracteres descritos e reconhecidos pela zoologia, anatomia social ou
psicologia indutiva. Ele afirma:
“...eu sou a fonte absoluta; minha experiência não provém de meus antecedentes, de
meu ambiente físico e social, ela caminha em direção a eles e os sustenta, pois sou
eu quem faz ser para mim ( e portanto ser no único sentido que a palavra ser possa
10
Husserl apud Merleau-Ponty, 1999.
44
ter para mim) essa tradição que escolho retomar, ou este horizonte cuja distância em
relação a mim desmoronaria, visto que ela não lhe pertence como uma propriedade,
se eu não estivesse lá para percorrê-la com o olhar (
Merleau-Ponty, 1999) .”
É notória a ênfase dada à experiência como algo que tem um valor preponderante na
constituição do ser. Mesmo considerando a história, a herança cultural e genética para a
constituição deste ser, é a partir da sua experiência, das suas relações, da sua vivência de
mundo, que este vai se estruturando. E quanto mais atentos a este ser complexo em seu
desenvolvimento e aprendizado, principalmente nos anos iniciais de sua vida, tanto melhor
serão as conquistas realizadas por todos, educadores e educandos.
Por isso, ao ser compreendido no seu processo de construção contínua, é preciso aprender a
entender e conviver numa perspectiva de constante aceitação, de conhecimento e de respeito
ao seu estado presente-mutante. Como diz Dante Galeffi (2003, p. 226) o Ser-sendo,
“nunca é apenas o ente simplesmente dado, nunca é apenas o que já se encontra
feito, porque também é o ser fazendo-se: o ser propriamente dito, mas nunca
circunscrito no limite do dito. (...) Ser, assim, é a abertura para o aberto: poder-ser-
sendo.”
Desse modo, é imprescindível que o educador perceba o educando com a perspectiva de
abertura para as muitas possibilidades de interlocução. À medida que a criança vai crescendo,
estabelecendo relações com o mundo, percebendo sua realidade a partir da sua experiência,
que é individual e única, possivelmente será mais feliz se nós, educadores, pudermos entendê-
la também, através das suas expressões psicocorporais. Para tanto, faz-se necessário
ultrapassar as limitações que estão presentes nas relações que estabelecemos com as emoções.
Segundo Verden-Zöller, essas limitações são geradas pela nossa cultura de mundo ocidental,
que nos impede de perceber a interligação das nossas emoções, fisiologia e anatomia. “E por
causa dessa limitação cultural, temos sido particularmente incapazes de perceber que o amor
participa na geração das consciências individual, social e de mundo da criança em
crescimento” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 222). Ainda referindo-se à
emoção, Verden-Zöller afirma: “o amor é a emoção que constitui o domínio de ações no qual
o outro é aceito como é no presente, sem expectativas em relação às conseqüências da
convivência, mesmo quando seja legítimo esperá-las. Em tal modo de vida, a atenção da
criança pode estar plenamente nas próprias atividades e não em seus resultados. O brincar,
45
como relação interpessoal, só pode acontecer no amor, uma relação interpessoal que ocorre no
amor é necessariamente vivida como brincadeira” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER,
2004, p. 222).
E é essa relação de amor que é preciso resgatar na educação infantil, mesmo com todas as
dificuldades inerentes a nossa educação de modo geral e em especial nessa faixa etária. Mas
se estivermos alimentando e permitindo o sentimento do amor, através das nossas expressões
psicocorporais, as relações interpessoais inerentes ao processo educacional poderão propiciar
uma vivência mais lúdica. Pois é na educação infantil que começamos a interagir com as
novidades do mundo, é o primeiro espaço fora da família em que o ser inicia a sua percepção
do mundo. Vale ressaltar, que importa, tanto ou mais do que o que é percebido, a maneira
como esse processo é vivenciado pela criança para que esta possa, de fato, “ser-sendo”.
Merleau-Ponty (1999) diz que o mundo é o que percebemos e, se o que é percebido, é real, a
“experiência da verdade” é o nosso saber primordial do “real”. Portanto, a percepção não é
presumida como verdadeira, contudo é um acesso à verdade. A verdade que podemos buscar
na vivência, como fruto da comunicação que se estabelece entre o ser e o mundo é, portanto,
inesgotável.
A aquisição mais importante da fenomenologia foi sem dúvida ter unido o extremo
subjetivismo ao extremo objetivismo em sua noção de realidade. A racionalidade é
exatamente proporcional às experiências nas quais ela se revela. Existe
racionalidade, quer dizer: as perspectivas se confrontam, as percepções se
confirmam, um sentido aparece. O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o
sentido que transparece na intersecção de minhas experiências, e na intersecção das
minhas experiências com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras; ele
é portanto inseparável da subjetividade e da intersubjetividade que formam sua
unidade pela retomada de minhas experiências passadas em minhas experiências
presentes, da experiência do outro e da minha (MERLEAU-PONTY,1999, p.18).
Então, fazendo uma relação entre a fenomenologia e a ludicidade penso que também esta
última pode unir subjetividade à objetividade, pois quando vivenciamos ludicamente uma
experiência há um aspecto no qual estamos com a atenção focada, é o que estamos realizando
concretamente, numa dimensão material, mas paralelamente, também há uma vivência
interior que acompanha a ação externa e que pode nos conduzir a uma consciência ampliada
naquele momento. Este estado no qual, muitas vezes, conflitos podem ser desfeitos, soluções
para problemas podem ser encontradas, ou ainda, simplesmente a pessoa pode fazer contato
46
com uma sensação de alegria, prazer ou plenitude, sensações estas que só podem ser descritas
por quem vive a experiência.
A ludicidade também realiza a intersecção das experiências pessoais com as do outro.
Vivemos num mundo de relações, e freqüentemente, estamos realizando atividades com
outras pessoas. E o que vivenciamos com as outras pessoas, o que aprendemos através da
troca de conhecimentos, sentimentos etc, se revela nas nossas vivências. E nesse processo
vamos amadurecendo, crescendo, progredindo.
Quando uma criança brinca de carrinho, por exemplo, ela pode vivenciar de forma integrada,
uma experiência que envolve os aspectos: corporal (realizando algum movimento com um
carro ou algum outro objeto que esteja significando um carro); mental (realizando alguma das
atividades desta área: atenção, abstração, memória etc); emocional (pode estar sentido
tensão/relaxamento, alegria/tristeza etc). Ao realizar esta atividade muita coisa, em dimensões
subjetivas podem estar acontecendo... Além desse processo que se dá no próprio indivíduo,
acontece aqueles decorrentes das relações com outras crianças ou adultos, nesse momento em
que está brincando, e/ou re-atualizando aprendizados realizados anteriormente com outras
pessoas.
É a partir da realização dessa atividade lúdica que acontece o transitar entre a objetividade da
ação e a subjetividade do ser, entre o presente, passado e futuro, integrando no aqui e no agora
as dimensões emocional, física, mental; integrando o ser, o viver, o sentir e o aprender.
Portanto, como diz Merleau-Ponty (1999, p. 19), “a verdadeira filosofia é reaprender a ver o
mundo, e nesse sentido uma história narrada pode significar o mundo com tanta
“profundidade” quanto um tratado de filosofia. Nós tomamos em nossas mãos o nosso
destino, tornamo-nos responsáveis, pela reflexão, por nossa história.” E cada um faz a sua
história de acordo com as condições externas, mais também a partir das suas próprias
características de personalidade, maturidade emocional etc. O caminho pode ser o mesmo,
mas o caminhar é próprio de cada um.
E esse caminhar próprio é que não deve ser desconsiderado, pelo contrário, deve estar a todo
momento presente na prática de todo professor, principalmente o da educação infantil. O
47
respeito à individualidade de cada criança, não deve ser uma frase de efeito para constar nos
projetos pedagógicos da creche, nas legislações referentes à criança. Deve ser uma prática.
Precisamos dessa atitude de respeito às crianças na Educação Infantil para que elas se
revelem, se expressem com autenticidade, permitindo e aceitando as diferenças de gostos,
personalidade, desejos, pois assim estaremos abertos para reconhecer nas crianças a sua forma
e jeito de comunicar-se. Para isso, precisamos nos livrar do autoritarismo, do controle sobre a
criança e, muitas vezes, de conceitos pré-estabelecidos, para poder vê-la como é, buscando
entender o seu jeito próprio de aprender e relacionar-se. Isso precisa de muita atenção e
cuidado com cada criança.
Para Dante Galeffi
a provocação de Husserl pelo movimento de ‘retorno às coisas mesmas’
foi acolhida como uma possibilidade:
a de ser o movimento metódico de esvaziamento de todo pretenso saber absoluto e
de toda imperativa moralidade que queiram se apresentar como a verdade e a norma
transcendentes e indiscutíveis. (...) A atitude fenomenológica, assim, nos mantém
atentos ao presente. É, desse modo, um estado de atenção absoluta (GALLEFI,
2003, p.103).
Assim ocorre com a ludicidade. Cada ser tem a sua vivência própria, só quem vivencia a
atividade lúdica pode experimentar, descrever, definir se foi uma vivência lúdica ou não. Ao
propor uma atividade de modelagem com argila, por exemplo, eu não posso garantir que esta
atividade será lúdica para as crianças da creche. Para algumas crianças, poderá ser divertido,
prazeroso, mobilizador, entretanto, pode acontecer que algumas nem queiram pegar na argila
por estranheza, nojo, para não sujar as mãos etc. a depender das experiências vivenciadas
previamente. Se o educador está atento apenas a propor a atividade e não observa as reações
das crianças; se já propõe a atividade partindo do pressuposto que todas as crianças gostam de
argila, então o seu olhar não será capaz de identificar as crianças para as quais a atividade não
está sendo lúdica. Neste caso, o aspecto formal da ação pedagógica oblitera a possibilidade de
interação lúdica entre criança e a atividade proposta, por falta de um olhar mais atencioso em
sua expressão psicocorporal. Isso porque ao longo da nossa história essa comunicação gestual,
corporal foi ficando à margem de nossa utilização.
Na contemporaneidade e na sociedade adulta, a comunicação mais utilizada é a fala. Esta, é
tão usual que lhe atribuímos, automaticamente, significados variados aos termos utilizados,
48
sem esforço para entender nas entrelinhas o que está sendo dito. Freqüentemente, falamos
uma coisa e o nosso corpo diz outra sem que notemos e sem que nossos interlocutores
também se apercebam.
Na comunicação com os adultos talvez isso possa ser melhor assimilado, entretanto, com as
crianças precisamos de um olhar mais cuidadoso, visto que, sua capacidade de comunicação
por outras linguagens está mais aguçada, ou melhor, ainda não foi tão prejudicada pelas
influências do mundo atual.
Por isso importa que o educador possa aguçar a sua percepção para enxergar, nas reações
psicocorporais das crianças, como estão sendo para elas as experiências propostas,
principalmente aquelas que ainda não conseguem expressar-se claramente através da
linguagem oral, e tentar respeitar o momento de cada criança, permitindo que elas sejam
autênticas na expressão de seu desejo através das suas ações e não ações.
Como nos diz de forma tão bela e emocionante Merleau-Ponty (1999)
Perdemos a consciência do que há de contingente na expressão e na comunicação,
seja junto à criança que aprende a falar, seja junto ao escritor que diz e pensa pela
primeira vez alguma coisa, seja enfim junto a todos que transformam um certo
silêncio em fala. Todavia, está muito claro que a fala constituída, tal como opera na
vida cotidiana, supõe realizado o passo decisivo da expressão. Nossa visão sobre o
homem continuará a ser superficial enquanto não remontarmos a essa origem,
enquanto não reencontrarmos, sob o ruído das falas, o silêncio primordial, enquanto
não descrevermos o gesto que rompe esse silêncio. A fala é um gesto, e sua
significação o mundo (p.250).
É imprescindível que retomemos o que há de contingente... Valorizar expressão psicocorporal
da criança e prestar mais atenção na forma como nós educadores infantis, especialmente,
estamos nos expressando psicocorporalmente, é no mínimo uma atitude amorosa que em
muito contribuirá para uma comunicação mais saudável e, também, para a vivência da
ludicidade na educação infantil.
Tendo presente a abordagem até aqui desenvolvida, acredito que se faz necessário um
investimento da atenção do educador no sentido de buscar, mais enfaticamente, entender as
expressões psicocorporais das crianças, para tentar avaliar se as atividades propostas estão
sendo, de fato, lúdicas para a criança.
49
Para tanto, faz-se necessária uma postura fenomenológica, ou seja, buscar a essência das
reações psicocorporais das crianças (fenômeno) no contexto que se apresenta o seu sentido,
não de forma isolada, mas estabelecendo as conexões entre a objetividade, subjetividade e
intersubjetividade, dessa fabulosa engrenagem que é o ser humano, que o faz um ser único e
ao mesmo tempo plural.
É mais um desafio para o educador, e para enfrentá-lo, precisa despojar-se de preconceitos em
relação às crianças, buscando o reconhecimento e respeito a sua individualidade, para
encontrar na relação que se estabelece o jeito peculiar de expressão de cada educando.
A comunicação com as crianças, aprendizes da fala, se dá muito através do corpo e nós
adultos temos que voltar a dar atenção a esse meio de expressão e a tudo que o corpo pode nos
comunicar independente do que as palavras possam traduzir.
Então, a partir do que as crianças vão sinalizando, é imprescindível atendê-las nas suas
demandas, gostos, preferências e necessidades, para que seu aprendizado seja desafiador,
contudo, também lúdico, no sentido de apresentar possibilidades de integração dos saberes
(ser, sentir, aprender, conviver) assim como da integração das dimensões do seu ser:
(corporal, mental, espiritual, emocional), criando um ambiente seguro onde a expressividade
possa acontecer de forma transparente, respeitosa e livre.
Retomar essa comunicação será um aprendizado rico, além de estimulador e todos sairão
ganhando: crianças e educadores. Abriremos as portas para que a ludicidade realmente
aconteça e conseqüentemente a nossa expressividade poderá ser mais amorosa e autêntica.
4.2 O PAPEL DO EDUCADOR LÚDICO: SABERES E DESAFIOS
O professor da contemporaneidade, pelo menos, em algumas nações, dentre elas o Brasil, está
imerso numa séria e desafiadora tarefa: educar indivíduos em uma sociedade onde o
conhecimento racional cognitivo tornou-se a única meta, com vistas a uma aprovação no
vestibular.
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Tendo em vista a valorização do desenvolvimento cognitivo, racional, informativo, em
detrimento de outras capacidades e habilidades, que integram as dimensões do ser humano,
que deveriam fazer parte do programa de todas as instituições educacionais. Infelizmente,
nem a esta dimensão mental, a que se propõe os referidos programas, a escola tem
correspondido satisfatoriamente, considerando-se as lacunas de conhecimento e de cultura dos
nossos jovens e adultos atualmente.
Para o educador da educação infantil, especificamente da creche, essa realidade chega a ser
angustiante, levando-o, freqüentemente, ao desestímulo, à baixa auto-estima, somatizações e
até ao abandono da carreira. Contudo, o quadro freqüentemente avaliado com muitas críticas
negativas ao professor, não pode ser de responsabilidade apenas deste. O professor é, muitas
vezes, apenas uma vítima de um sistema que vem cada vez mais sendo negligenciado em
todos os aspectos, desde a falta de recursos humanos e materiais até a falta de políticas
públicas condizentes com as características de um Brasil tão rico em diversidade, artes,
saberes, cultura, geografia, tradições etc.
Diante das dificuldades do professor - falta de materiais, falta de condições adequadas, falta
de apoio emocional etc - resta-lhe uma saída: conviver driblando a falta, se quiser continuar
sobrevivendo na sua profissão. Parece um pouco de exagero, mas é o que acontece, com
algumas poucas variações.
Superar essas dificuldades é um desafio constante e pode ser mais fácil se a arte e a ludicidade
estiverem presentes. E é sobre a contribuição da arte e da ludicidade nesse processo de educar
crianças na creche, que pretendo discorrer no próximo item.
4.2.1 Saberes e desafios
Frente às inúmeras dificuldades do nosso sistema educacional, de maneira geral, e
especificamente, na educação infantil, as responsabilidades recaem muito na pessoa do
professor, que diante da realidade tem que encontrar saídas de emergência para manter o
sistema em funcionamento, na maioria das vezes, sem a menor condição.
Concordo plenamente com Schon quando diz que:
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é preciso investir positivamente os saberes de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista
teórico e conceptual. Os problemas da prática profissional docente não são meramente instrumentais; todos eles
comportam situações problemáticas que obrigam decisões num terreno de grande complexidade, incerteza,
singularidade e de conflitos de valores (Schon apud Antônio Nóvoa, 2002. p. 59).
E Antônio Nóvoa (2002, p.59), acrescenta: “As situações que os professores são obrigados a
enfrentar (e a resolver) apresentam características únicas, exigindo portanto respostas únicas”.
E como se não bastassem os desafios inerentes à própria tarefa de educar, nos deparamos
ainda com a falta de condições generalizada na rotina do professor, que estão relacionadas às
condições de trabalho e condições salariais; às relações com colegas e hierarquias superiores;
às relações com a família dos educandos e com a sociedade de modo geral. Associada a todas
essas dificuldades estão as lacunas na sua formação, que normalmente, é muito limitada e
dissociada da realidade, não trabalhando os saberes necessários para uma prática condizente
com as necessidades dos educandos.
Os saberes docentes, segundo Tardif (2002, p. 39) envolvem os saberes curriculares, os
disciplinares e os experienciais. Ele afirma que
o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu
programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e
à Pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana
com seus alunos.
Independentemente dos conhecimentos que o professor precisa adquirir, estes conhecimentos
por si só, não contribuem muito para a sua atuação se estiverem isolados de outros saberes,
mesmo que o professor domine teoricamente todos eles. Isso porque, mais do que saber é
preciso vivenciar. E esta associação entre saber e viver pode trazer um diferencial nos
resultados da sua prática que justifica um investimento nessa busca. É um desafio que está
posto não apenas para o processo de formação dos educadores, mas também para que ele
esteja apto a propor para seus educandos atividades e conhecimentos onde saber e viver
estejam juntos. Mais uma vez cito Tardif”(2002, p. 44): “o saber transmitido não possui, em si
mesmo, nenhum valor formador; somente a atividade de transmissão lhe confere esse valor”.
Portanto, se esse saber não é transmitido de forma significativa, de maneira que o educando
possa experimentar, vivenciar por meio das diversas dimensões do seu ser (física, emocional,
cognitiva, espiritual), possivelmente, esse saber poderá contribuir pouco para sua formação de
educadores e educandos.
52
Pensando nas dificuldades inerentes ao próprio ato de educar, precisamos considerar que a
educação infantil exige do professor mais do que uma formação especializada. Exige,
obviamente, habilidades relacionadas à capacidade técnica, mas, principalmente, requer
sensibilidade e percepção associada a uma habilidade de comunicação que é anterior aos
códigos formais da linguagem falada e escrita. Esta comunicação está permeada de conteúdos
subjetivos, que precisam ser entendidos por uma via que nem sempre conseguimos abarcar
através dos conhecimentos científico-intelectuais.
E em função da especificidade de estabelecer comunicação com crianças pequenas e que
ainda não falam, aliada às dificuldades acima citadas, o professor de educação infantil precisa
constantemente criar alternativas de superação dos desafios.
É de grande relevância que ele tome consciência da sua responsabilidade, mas também, da
responsabilidade dos pais, da família, diretores, políticos, a fim de não trazer para si o que é
da competência de outros. Isso significa que a responsabilidade por não estar realizando um
trabalho como deveria ser, não é só responsabilidade sua. Contudo, no que estiver dentro do
seu limite de atuação ele deve fazer sempre o melhor.
Para fazer sempre o melhor, é preciso preencher as lacunas da sua formação buscando o
conhecimento que lhe falta: isso sempre. A atualização, a formação continuada, trazem um
suporte importante não só para o trabalho junto às crianças, como também para saber
reivindicar junto as autoridades competentes os direitos que lhe cabe. Para isso, é
imprescindível se organizar com os colegas e se fortalecer enquanto categoria, a fim de
conquistar melhorias: de condições de trabalho, condições para formação continuada e
relações trabalhistas.
E estará fazendo o melhor, se estiver produzindo algo que identifique como importante, algo
que permita fazer contato com coisas significativas para si próprio enquanto pessoa. Que a sua
atividade de professor esteja ancorada em um sentido maior na sua filosofia de vida, e que seu
sentimento de crescimento pessoal esteja presente. Nessas condições, as dificuldades não
deixam de existir, entretanto, a motivação para superá-las oferece a força e perseverança
capazes de superação dos desafios. Esse caminhar, que é árduo, ganha novas configurações na
medida em que nos conectamos com a ludicidade.
53
4.2.2 Ludicidade, arte e comunicação
Ludicidade, como experiência interna, é uma abordagem discutida por Luckesi (2002), que
nos faz entender e diferenciar atividade lúdica de vivência lúdica. A atividade é o que
realizamos como brincadeira, passatempo, lazer etc. A vivência é o que se passa internamente
enquanto realizamos a atividade. São os sentimentos de alegria, tristeza, raiva, ternura, paz,
saudade etc. A mesma atividade realizada em um grupo pode motivar, diferentemente, a
vivência das pessoas envolvidas. Pode até provocar vivências diferentes na mesma pessoa
quando realizada em outras condições ou outro tempo.
Segundo Luckesi (2002) a ludicidade enquanto uma vivência interna, ou seja, uma vivência
lúdica, no momento de uma atividade lúdica, não admite divisão; a nossa atenção e presença é
inteira, sem dispersão. Corpo, mente, emoção estão integrados. Entretanto, segundo este
mesmo autor, “ludicidade é um fenômeno interno do sujeito, que possui manifestações no
exterior”(LUCKESI, 2002, p.26).
O contato com as dimensões emocional, mental, espiritual de forma integrada, que a
ludicidade proporciona, nos leva a estabelecer conexões importantes com o nosso próprio ser
abrindo os canais para comunicação com o exterior, e portanto, numa situação educacional
poderemos manter uma comunicação mais efetiva entre educadores e crianças. Isso se o
educador estiver atento aos sinais que a criança expressa, seja com o choro, o sorriso, o brilho
do olhar, a vivacidade ou não dos seus movimentos, a sua interatividade com os colegas etc.
E da qualidade de comunicação que estabelecermos com as crianças dependerá o atendimento
às suas necessidades enquanto um ser em desenvolvimento que ainda não consegue expressar
através da linguagem oral seus desejos, dores, tristezas, alegrias,...
A arte, seja plástica, dramática, dança, música etc., também permite ampliar a nossa
percepção sensível da expressão do outro, porque mesmo considerando os códigos existentes
para esta expressão no campo profissional, por exemplo, a arte está muito relacionada à
dimensão estética, emocional e sensível do ser humano. Ela acessa algo que está para além
dos códigos, tanto em quem realiza a arte, quanto em quem a aprecia. Reconhecer sua
54
importância enquanto uma linguagem, assim como a falada e a escrita, no desenvolvimento da
criança é poder contribuir muito para o processo educacional.
As atividades de desenho, pintura, a dança espontânea, os jogos protagonizados, são
excelentes atividades que além de serem expressões da arte podem ser vivenciadas
ludicamente pelas crianças e/ou, vivenciados pelas crianças e o educador concomitantemente.
Nesse sentido, a arte pode se configurar num meio de expressão e comunicação muito rico
para o processo educativo.
A comunicação que se estabelece a partir da leitura que o professor faz da expressão corporal
e estética da criança e esta, do professor, possui uma estreita relação com a capacidade de
perceber o outro, através de uma linguagem onde os códigos são construídos e conhecidos ao
longo da convivência, da intimidade nas relações únicas que se constroem entre: educador e
educando; educador e os educandos; entre educandos. Essa linguagem, que está diretamente
relacionada com a expressão interior, pode ser sinalizada através de gestos, olhares, ritmo e
forma de movimentos do corpo etc. É uma linguagem que ainda precisamos valorizar mais,
no sentido de dar mais atenção ao que está sendo exposto pela criança e, a mensagem que o
adulto está lhe transmitindo. Esta expressão tem grande força, em se tratando de crianças
pequenas. E nós, freqüentemente, prestamos mais atenção às palavras do que aos outros meios
de comunicação. É importante reconhecer que ambas são importantes e complementares.
Quando somos crianças estamos mais abertos a esta comunicação. Basta observamos as
crianças brincando que percebemos como elas se comunicam... Mas, ao longo da vida vamos
nos distanciando desta habilidade de entender o outro, principalmente se as palavras não
estiverem claramente expressas. Por isso, às vezes temos dificuldades para mantermos contato
com as crianças de forma mais significativa. Com a mãe, este diálogo acontece de maneira
mais efetiva, em função da ligação emocional. Linhares (2003, p.206)) trata desta questão,
dizendo que
o campo expressivo do outro (e não só o discurso que é a palavra) precisa ser relido
e recepcionado de um modo ativo. Nosso potencial expressivo criador vai sendo,
desde a escola, esvaziado e, em seu lugar, põe-se o sujeito alheado de si,
padronizado na própria esfera do sentir, desde a infância.
55
E esse potencial expressivo vai dando espaço para a sensibilidade intuitiva, como diz
Maffesoli (1998, p. 140), referindo-se a intuição e aspectos racionais da vida; a vivência e
experiência; e ao ato de apreendê-los intelectualmente:
Trata-se de revitalizar a razão pura porque o mundo das formas é um mundo plural,
complexo e porque induz, justamente em função desse pluralismo, ao relativismo
gnoseológico. Por isso mesmo fica-se ligado à experiência, reconhece-se que a
razão, não importa o que pensem os defensores do racionalismo, é construída a partir
de uma intuição inteligente.
E é essa intuição que, ao longo da nossa história de vida, vamos desenvolvendo ou sufocando,
sobre um lastro de subjetividades pessoais relacionadas com a nossa história, com as relações
que vamos construindo com as pessoas e com as situações do dia a dia. Esta subjetividade,
segundo Merleau-Ponty (1999), está relacionada com a subjetividade do outro, nas
experiências do presente que retomam e atualizam as experiências passadas.
Nessa perspectiva, tanto o potencial expressivo dos educandos, quanto o dos educadores, são
plenos de significados peculiares a experiência vivida por cada um. Então, a relação vai se
construindo de maneira mais consistente e criativa, se é dado o espaço para a expressão e
compreensão dessas subjetividades, respeitando-se as características individuais de cada
educando.
Estarmos atentos à subjetividade da criança nos ajuda a entender o seu processo de
desenvolvimento e relações com o meio e com as pessoas a sua volta, e assim, poderemos nos
fazer entender e entendê-las melhor.
E através das atividades artísticas, as crianças podem expressar seus sentimentos, podem
revelar conflitos, liberar angústias, ansiedades, emoções... para o educador atento, a
observação e percepção desses conteúdos será de grande valia para propor caminhos para os
educandos encontrarem o entendimento e, quem sabe, soluções para seus conflitos, se for o
caso. Se essas atividades artísticas são vivenciadas de forma que as crianças sintam prazer, de
forma que elas estejam presentes e felizes, então essas atividades artísticas estarão sendo
lúdicas.
56
4.2.3. O saber subjetivo da experiência
Como afirma Maffesoli (1998, p 143),
assim que se adentra o domínio do humano, a simples abordagem objetiva deixa de
ser completamente, ou unicamente, operatória. É necessário acrescentar-lhe o
elemento subjetivo e intersubjetivo capaz de lançar uma nova luz sobre a
investigação”. (...) Há uma ambiência amorosa em nossas sociedades. Ela não é mais
o feito exclusivo das relações privadas; pelo contrário, engloba amplamente a esfera
pública, e é permanecendo fixado numa atitude racionalista que se corre o risco de
nada compreender das conseqüências cotidianamente induzidas por tal ambiência.
Urge a necessidade de tomarmos consciência e agirmos de acordo com essa realidade: a
emoção e o sentimento estão permeando nossas relações e, conseqüentemente, devemos
considerá-los sempre presentes, nas atitudes e reações, buscando integrá-los ao nosso modo
de analisar as situações, realizar planejamentos e avaliações, e principalmente, atuarmos
positiva e construtivamente.
Na ambiência da Educação Infantil, o que mais podemos constatar é a forte manifestação
emocional. A criança expressa sua emoção de variadas formas, contudo, muitas vezes não
estamos preparados para interpretar sua forma peculiar de se comunicar e não conseguimos
identificar os códigos utilizados por ela, conseqüentemente, não a compreendemos.
Entretanto, se estivermos com predisposição interior, para além do lógico-racional, talvez
possamos sentir, perceber, intuir algo que a criança está expressando, o que poderá ajudar a
encaminharmos, para alguma direção mais acertada, as atividades que se fazem necessárias na
situação.
Talvez, esta atitude e comportamento vão de encontro a muitas teorias ditas científicas, mas
diante da nossa realidade, onde tudo nos falta, este ainda é um dos caminhos de superação e
resolução dos problemas enfrentados pelo professor de educação infantil: uma percepção
intuitiva, aliada a um saber técnico. A improvisação que é tão presente nas artes dramáticas
principalmente, também é muito vivenciada pelo professor de educação infantil na creche. E
para improvisar, é preciso dominar habilidades, conhecimentos, ter sensibilidade e intuição
trabalhadas. Não será a isso que Maffesoli (1998) chamou de intuição inteligente?
57
E saber improvisar é uma arte que o professor adquire na prática. Tardif (2002, p.54) ressalta
a importância do saber experiencial
como núcleo vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam
transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relações de
interioridade com sua própria prática. Nesse sentido, os saberes experienciais não
são saberes como os demais; são, ao contrário, formados de todos os demais, mas
retraduzidos, ‘polidos’ e submetidos às certezas construídas na prática e na
experiência.
É uma aprendizagem que se realiza e se aprende a cada dia, a todo momento. E na medida que
estimularmos as crianças, não somente a adquirir os conhecimentos construídos e acumulados
historicamente, como também, a manter contato com sua própria subjetividade e com a
subjetividade dos outros, estaremos valorizando uma ambiência onde possamos estabelecer
relações significativamente positivas, contribuindo para sua autonomia e o desenvolvimento
de sua personalidade de forma equilibrada.
As palavras de Duarte Júnior (2004, p.181), de forma muito poética, fala sobre esta questão:
Uma educação do sensível, da sensibilidade inerente à vida humana, por certo
constitui o lastro suficiente para que as naus do conhecimento possam singrar os
mares mais distantes de nossas terras cotidianas, como os oceanos da matemática ou
da mecânica quântica. Inevitavelmente, após viajarmos por tais paragens longínquas
acabaremos sempre por retornar aos nossos portos do dia-a-dia, nos quais
convivemos com outros marinheiros e companheiros de jornada, tendo de trocar,
com eles, e com a paisagem ao redor, informações e procedimentos que precisam
nos tornar mais humanos e menos predadores.
É tão belo quanto premente que sigamos nesta direção. É notório que sozinhos, isoladamente,
não conseguiremos grandes mudanças. Esta meta se configura em um movimento coletivo,
entretanto, começa necessariamente com a nossa consciência e nossa mudança enquanto
indivíduos, co-autores de uma construção conjunta.
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Isso exige de cada um de nós uma mudança perante a vida. Uma mudança de atitude diante
das situações, dos objetos, dos ambientes, das pessoas de forma ativa e consciente. A arte
oferece os meios para essa viagem. E a ludicidade, numa perspectiva de experiência interna,
pode nos dar o suporte para essa vivência de integração.
3 CONCLUINDO...
A tarefa do professor da Educação Infantil apresenta, em suas especificidades, muitas
dificuldades a serem superadas, dentre elas a necessidade de estabelecer com os educandos
uma comunicação através de códigos não usuais em nosso cotidiano, que vai além do aspecto
objetivo, visível e concreto das relações. É uma comunicação que envolve muita
subjetividade, e o educador precisa desenvolver habilidade e sensibilidade para perceber a
expressão psicocorporal das crianças.
Considerando que, de um a três anos de idade, está se formando a base do desenvolvimento
humano, como vimos no estudos de Jean Piaget e André Lapierre exposto no capítulo dois, é
necessário entender a relevância desta comunicação não verbal, pois dela depende o sucesso
da relação que se estabelece entre o educador e educando e, conseqüentemente, o
desenvolvimento saudável da criança em todos os aspectos: corporal, cognitivo, emocional,
social. Apesar de os cursos de formação de professor ainda não contemplarem nos seus
programas um espaço para a discussão e estudo da necessidade dessa comunicação não
verbal, o professor precisa resgatar essa habilidade, que vem se perdendo no mundo dos
adultos.
A comunicação com crianças que ainda não dominam a linguagem oral, não é uma tarefa
muito fácil, pois as dificuldades são de toda ordem, principalmente a grande quantidade de
crianças nas salas, torna esta ação mais difícil. Contudo, pode ser viabilizada, pelo menos em
algumas situações e momentos, se o educador buscar alternativas para vivenciar uma relação
significativa com as crianças. Uma convivência amorosa e autêntica, o contato corporal
através das brincadeiras, uma observação atenta nos momentos em que elas estejam mais
tranqüilas, pode contribuir muito para que o educador, aos poucos, tenha condições de avaliar,
59
através das expressões corporais, se a criança ao participar das atividades está: atenta,
concentrada, alegre, encantada, envolvida, ou não. É através da sua postura, do seu olhar, dos
seus gestos, que ela expressa o que se passa no seu interior.
Nesse sentido, o educador precisa olhar para a criança, respeitando sua individualidade,
considerando a singularidade no seu jeito de expressar seus sentimentos, de experimentar e
vivenciar as atividades que lhe são propostas, enfim, sua maneira peculiar de estar no mundo.
É relevante também compreender que o jeito de ser de cada criança está relacionado às suas
relações familiares, sua cultura, suas características pessoais. Portanto, uma criança pode
manifestar reações de satisfação ou de contrariedade, alegria ou tristeza, diferentemente de
outra.
A partir desta avaliação, é possível direcionar as atividades de modo que elas sejam mais
lúdicas quanto possível, respeitando o direito da criança de expressar o seu sentimento, seu
desejo, sua atitude, mesmo que não corresponda ao objetivo da proposta inicial do educador,
mas, possivelmente, atende a outro objetivo interno da mesma que, eventualmente, pode estar
inacessível ao nosso olhar naquele momento.
É importante ter cuidado. Investir no desenvolvimento dos educandos, é preciso. Mas
também, é imprescindível que a ludicidade esteja presente nas interações realizadas pelas
crianças, sejam elas com os objetos de conhecimento ou com as pessoas à sua volta. Num
espaço de creche, as crianças vão viver diferentes experiências, que naturalmente podem
estimular diferentes tipos de emoções e sentimentos. Em algumas situações, a ludicidade
poderá estar presente, em outras, não, contudo, estas podem ser importantes para o seu
desenvolvimento.
O educador precisa, então, estar atento, para atuar de maneira que possa equilibrar as suas
propostas de atividades, a fim de que não atenda somente aos seus presunçosos planos de
aula, sem considerar as repercussões destas atividades no interior de cada criança. Sempre o
educador tem que se questionar e buscar respostas através de suas observações nas reações
corporais da criança: Será que está atividade está contribuindo para seu desenvolvimento?
Está proporcionando alegria, prazer, bem estar?
60
Nesse sentido, é necessário propor atividades diversificadas que possam atingir o mais
prazerosamente possível a maioria das crianças, a fim de que possa atender aos diversos
gostos, necessidades e personalidades. Desse modo, as possibilidades de vivenciar e permitir a
vivência da ludicidade enquanto experiência interna, como diz Luckesi (2002), pode se tornar
possível. E o desenvolvimento das dimensões: corpo, mente, sentimento, possibilitará a
plenitude da experiência dos educandos.
Para tanto, faz-se mister uma atitude fenomenológica do educador no sentido de sempre
questionar as atitudes e os comportamentos observados nas crianças, mas também, questionar
sua própria prática enquanto educador infantil, e as possibilidades de mudanças no seu fazer
pedagógico, tendo em vista o atendimento das necessidades da criança: aprender, crescer,
conviver, ser feliz. Acredito que é esse é um desafio constante.
Viver e permitir a vivência da ludicidade é uma conquista que se constrói consciente e
pacientemente, fazendo contato com as coisas simples do cotidiano, observando os detalhes
dos acontecimentos a nossa volta, dando-se conta das mudanças que acontecem no nosso
interior. É uma obra de arte. E, como o artista, o educador precisa buscar conhecer, viver e
realizar com maior perfeição, a cada dia, a tarefa da Educação Infantil.
61
5 UMA EXPERIÊNCIA, MUITAS OBSERVAÇÕES...
O meu objetivo com esta pesquisa foi identificar os comportamentos psicocorporais das crianças
de 01 a 03 anos, durante a realização de atividades lúdicas propostas na creche que expressassem
a vivência de estado lúdico.
A minha hipótese é que, através da expressão psicocorporal infantil, o educador pode avaliar
o estado de ludicidade (ou não) da criança, diante das atividades propostas na creche. Por se
tratar de uma questão que lida com o subjetivo, as variáveis são inumeráveis, contudo, levei em
consideração: p
reparo do educador para decodificar a linguagem psicocorporal das crianças;
postura corporal de cada criança; a sua presença nas atividades; o tipo de atividade; absorção
de cada participante.
A pesquisa teve como ponto central um fenômeno significativo relacionado a uma totalidade
subjetiva: avaliar, através das expressões psicocorporais, se as crianças estão vivenciando uma
experiência lúdica.
Em função de sabermos que as crianças podem expressar-se corporalmente, ou ainda, “que esta é
a sua comunicação mais presente” e sabendo que podemos perceber e avaliar se uma criança está
triste, alegre, concentrada, e uma série de outros estados de sentimentos a partir dessa expressão,
investiguei mais precisamente como a sua expressão psicocorporal revela a sua vivência lúdica,
considerando-a interior e particular a cada indivíduo. Para tanto, optei pela abordagem
fenomenológica-hemenêutica.
Segundo Alex Coltro (2000, p. 39), “a pesquisa fenomenológica parte da compreensão do viver e
não de definições ou conceitos, e é uma compreensão voltada para os significados do perceber”.
Então, no momento que estava no campo, debrucei-me sobre as expressões psicocorporais das
crianças, percebendo-as como as protagonistas de sua cena, buscando observar desde os
movimentos mais amplos, até os mais restritos e sutis; observei as suas atitudes e reações mais
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freqüentes e as menos freqüentes; desde os comportamentos mais coletivos até aos mais
singulares, considerando cada gesto como expressão de subjetividades.
De acordo com Masini (1989) não existe o ou um método, e sim uma postura/atitude
fenomenológica - atitude de abertura. Então, observei as expressões psicocorporais das crianças,
colocando-me numa postura de abertura e acolhimento, mas também de desconfiança em relação
às minhas próprias percepções, sem conceitos pré-estabelecidos de quais são os comportamentos
que as crianças expressam quando vivenciam um estado lúdico. Deixei que elas me dissessem
isso... Foi uma investida na tentativa de devolver a criança o direito de ser ouvida, percebida e
respeitada nas suas necessidades de pequena cidadã.
A fundamentação teórica utilizada está, de forma didaticamente explicitada, nos capítulos
anteriores baseada na Psicologia do Desenvolvimento e Psicomotricidade. Para tanto, os autores
escolhidos foram: Jean Piaget, no que diz respeito a Psicologia do Desenvolvimento que traz
contribuições significativas para a compreensão do processo de desenvolvimento da criança,
associado a sua expressividade; e André Lapierre, no que se refere a psicomotricidade, pois trata
de articular a expressão abstrata com o simbolismo do movimento e da ação, propondo uma
prática educativa que proporcione o desenvolvimento de uma personalidade autônoma.
Nesse sentido, a minha expectativa, em relação ao desenvolvimento infantil, é que ele se dê de
forma lúdica, sempre que possível. Que na creche, o educador esteja com a atenção voltada não
apenas para as atividades que propõe, mas também se elas, de fato, estão proporcionando a
vivência da ludicidade.
O meu campo de pesquisa foi a Creche da UFBA, e as crianças com as quais trabalhei estavam na
faixa etária de 01 à 03 anos de idade.
Utilizei o método da pesquisa participante, já que ao mesmo tempo em que propus as atividades
lúdicas observei as expressões psicocorporais das crianças. Os registros das observações das
reações psicocorporais das crianças foram reunidos para análise da pertinência dessas atividades
com a ludicidade enquanto vivência interior de prazer, alegria, interesse, satisfação.
A seguir
descrevo a Creche da Universidade Federal da Bahia, meu campo de pesquisa, sua
estrutura, seu funcionamento, o quadro de profissionais que nela atuam e a clientela que é
63
atendida. Também faço referências ao desenvolvimento das atividades, as dificuldades
encontradas, e as ações de superação.
Em seguida, descrevo as atividades desenvolvidas e as observações que pude realizar nas
expressões das crianças, buscando identificar a vivência, ou não, da ludicidade.
5.1. SOBRE A CRECHE UFBA
A creche da UFBA é um espaço de educação infantil que atende crianças dos 4 meses aos 4
anos de idade. Em sua origem, atendia somente a filhos de estudantes, contudo, atualmente,
atende também a filhos de funcionários e de professores da UFBA. Funcionando de 7 horas
da manhã às 19 horas, possui em seu quadro de funcionários: porteiro; recepcionista;
secretárias; enfermeira e auxiliares de enfermagem; nutricionista; cozinheiro e ajudantes de
cozinha; pedagoga, professoras e auxiliares de classe; bibliotecária; ajudantes de serviços
gerais e uma coordenadora geral.
No que diz respeito a sua estrutura física, possui uma sala para cada setor abaixo relacionado:
secretaria e recepção, coordenação geral, enfermagem, nutrição, biblioteca, pedagogia. Tem
um salão, com três subdivisões, onde ficam as crianças do berçário. Há um salão grande que
funciona como o refeitório e também é o espaço onde as crianças maiores (1 a 3 anos) são
recepcionadas no início do turno e onde elas brincam. Nesse espaço ficam alguns brinquedos
de parque: escorregadeira, trenzinho, balanço, e também mesas e cadeiras que são utilizadas
para as refeições, para atividades pedagógicas e para as brincadeiras que as crianças desejam,
tais como trenzinho, carrinho etc.. As salas com um banheiro contendo uma pia e um vaso
sanitário de tamanho adequado à estatura das crianças, para cada um dos três grupos: grupo
um (G1), grupo dois (G2), grupo três (G3). Além deste salão e das salas, utilizamos a
biblioteca para atividades de projeção de filmes e conto de história.
As crianças são agrupadas de acordo com a idade (porém este não é um critério decisivo), o
desenvolvimento físico e psicoemocional. Quando chegam com quatro meses, ficam no
berçário até completarem um ano de idade. As crianças do berçário têm pouco contato com as
crianças dos grupos 1 (G1), 2 (G2) e 3 (G3). Entretanto, estas, passam mais tempo em
atividades que possibilitam a integração e troca de experiências entre elas, pois essa
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convivência contribui muito para o desenvolvimento psico-afetivo e social. Quando os bebês
completam um ano, se já tiverem maturidade psicoemocional, passam para G1 e ficam até
completarem dois anos. Aos dois anos, aproximadamente, integram G2 e aos três vão para
G3.
5.1.1 Atividades desenvolvidas na creche UFBA (como são realizadas, como são vivenciadas,
como são avaliadas)
As atividades na creche são realizadas ora em grupos separados por faixa etária aproximada (G1,
G2, G3), ora com todas as crianças dos três grupos, e raramente, com as crianças do berçário, em
função de uma série de especificidades no funcionamento da rotina dos bebês (horário da
alimentação, do sono, sua locomoção ainda dependente de um adulto etc).
Geralmente, a maioria das atividades propostas é vivenciada com boa aceitação pelas crianças,
pelo menos aparentemente. Entretanto, vez por outra, se observarmos atentamente, as crianças se
comportam com agressividade, apresentam choro, desatenção e até isolamento, principalmente as
dos grupos 1 e 2. No grupo 3, isso também acontece, contudo como a linguagem oral é um pouco
mais desenvolvida, quando percebemos uma mudança de comportamento e questionamos, às
vezes, é possível entender o que se passa e, quando possível, dar uma direção apropriada.
Em função do número de crianças e de poucas opções de espaço e material, nem sempre é
possível atender individualmente as crianças em suas necessidades. Então, percebemos que essas
reações podem ser fruto das condições inapropriadas aos desejos e necessidades da criança, ou são
próprios à sua fase de desenvolvimento. Porém, ficamos atentas observando se elas insistem em se
repetir em variadas atividades e/ou dias. Nesse caso, procuramos investigar com outros
profissionais que lidam com as crianças e com os pais, na tentativa de entender a reação da
criança realizando os encaminhamentos que se fizerem necessários.
A avaliação da reação do grupo, obrigatoriamente acontece durante a realização de cada atividade.
É inevitável não percebermos se a atividade agradou, se está funcionando para o grupo, se a
maioria está envolvida... O tempo de duração das atividades nos três grupos é pequeno, e este
tempo é progressivamente reduzido. Quanto menor a idade, menor o período de concentração e,
portanto, menor o período de tempo com cada atividade. Ao propor uma atividade que está
inadequada, com um pouco de sensibilidade, logo percebemos que alguma coisa precisa ser
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modificada rapidamente sob pena de criar uma dinâmica confusa, porque as crianças ficam
impacientes, podem começar disputas, agressões físicas, conflitos, choro, estresse, tornando a
situação difícil para as crianças e para os educadores.
Sempre são avaliadas as reações das crianças à proposta apresentada, e quando necessário,
realiza-se modificações na idéia original e/ou muda-se totalmente de atividade. Mas não é só a
aceitação de modo geral pela turma, mas também a aceitação individual. Tem crianças que não
realizam determinadas atividades, durante um período do seu desenvolvimento. Assistir a uma
projeção de vídeo, por exemplo. Já tive uma aluna que não ficava sentada para assistir nada
durante algumas semanas. Sempre que íamos para a biblioteca, ela levantava, queria levar um
brinquedo, queria ir ver os livros nas prateleiras etc. Esse comportamento atrapalhava a atenção
das outras crianças que estavam concentradas. Quando tinha algum adulto mais disponível para
ficar com Fernanda, esse ia atendendo a sua demanda e até ia para outro ambiente. Quando não,
tínhamos que encerrar a atividade antes do tempo previsto visando o bem estar de Fernanda e a do
grupo, que, muitas vezes, era interrompido na sua concentração por causa dos incômodos de
Fernanda. Mas esse pouco tempo que ficávamos foi contribuindo para seu aprendizado e seu
amadurecimento. No final do semestre, ela já estava mais atenta às projeções de vídeo, já
demonstrava interesse por algum filme.
As atividades são programadas, levando-se em consideração o perfil da turma que tem uma
configuração própria, independente das características da faixa etária. Essa avaliação é realizada a
partir dos contatos que vamos tendo com cada turma, através de um olhar atento e sensível para o
comportamento das crianças. Contudo, cada dia é um dia novo, diferente, com acontecimentos
conhecidos e acontecimentos imprevisíveis, que fazem com que a programação tenha que ser
readaptada a cada momento, ou não. A avaliação é contínua e o professor tem que sempre ter mais
uma “carta na manga”.
5.1.2 As necessidades, as possibilidades
A Creche não é considerada formalmente pela UFBA como uma Unidade de Ensino, e por
isso, não possui dotação orçamentária. Suprir as necessidades de uma instituição de educação
infantil, sem dotação orçamentária, é um desafio a mais para quem está todo dia utilizando
muitos recursos materiais, didáticos e equipamentos tais como cd’s, televisor, som, sem
previsão de recursos. Além do mais há as despesas com alimentação das crianças, manutenção
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da estrutura física, contas, pagamento de funcionários, enfim todas as despesas de uma
instituição de educação que atende a uma clientela tão específica e que requer muitos
cuidados.
Dentre as necessidades para o setor pedagógico, que são muitas, destacamos:
9 os brinquedos como um recurso muito importante e que é bastante precário, quase
inexistente;
9 espaço livre em contato com elementos da natureza, tais como árvores, plantas, terra,
animais etc.
9 concurso para professores e auxiliares para diminuir a relação adulto/criança;
Estes fatores são os que inviabilizam maiores possibilidades de experiências enriquecedoras
para crianças, principalmente nesta faixa etária.
Todavia, as necessidades são maiores dos que as citadas acima. Entretanto, diante dessas
necessidades, há um grande empenho por parte dos profissionais para superação dos limites
impostos pela política administrativa da Universidade que, por sua vez, está sujeita a uma
conjuntura mais ampla das políticas educacionais do país.
É na busca dessa superação que professores e auxiliares, principalmente, estão a cada dia
inventando maneiras de manter o ânimo e a força, ingredientes indispensáveis, na execução
dos seus papéis enquanto educadores. E para isso, o único caminho, quando faltam recursos,
espaço e equipamentos é o apelo aos recursos humanos: contando com seu corpo, suas
crenças, seus sentimentos, sua criatividade, seus desejos, sua consciência, sua determinação,
sua dedicação, seu amor, é que as pessoas, que estão diretamente trabalhando com as crianças,
podem contar no dia a dia. E é claro que, como humanos, o movimento e funcionamento
dessas dimensões são dinâmicos e está sujeito a muitas variáveis externas e internas. Mas é
com isso que os profissionais de educação infantil têm que conviver e estar sempre tentando
manter a sua saúde física e emocional a fim de poder oferecer-se às crianças, quando tudo
falta, muito de si, com o pouco de recursos físicos e materiais que existem, a fim de
construírem com essa troca um ambiente saudável, onde as crianças possam aprender e se
desenvolver.
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5.1.3. Ludicidade na Creche UFBA
Comecei a trabalhar na creche da UFBA em 1997, junto com outras seis professoras que foram
aprovadas no mesmo concurso. A partir dos nossos estudos e reflexões, começamos a avaliar a
prática educacional existente e começamos a sugerir algumas mudanças, principalmente no que
diz respeito ao tempo destinado às brincadeiras. E algumas vezes, fomos criticadas pelo grupo de
técnicos e outros profissionais (que não estudaram nada a respeito do desenvolvimento infantil,
por isso estão isentos de culpa), pois diziam que as crianças ficavam o tempo todo brincando.
Percebíamos que a compreensão do significado e importância a respeito da brincadeira era muito
limitada e, ao longo desses anos, temos tentado dar a dimensão da sua importância para o
desenvolvimento da criança. Digo isto só para demonstrar que a brincadeira, até para crianças de
idade de um a três anos, no geral, é considerada de pouco valor, mesmo aos olhos de profissionais
numa Creche que pertence a uma Universidade.
Se a brincadeira é considerada como algo não relevante para a criança, todas as outras atividades
(relacionadas ao bom funcionamento da creche) são levadas mais a sério do que as brincadeiras
das crianças. Por exemplo, se as crianças estão brincando no salão e a chefe da limpeza se
programou para lavar esse espaço no mesmo horário, as crianças têm que ir para a sala. Elas
brincam lá mesmo. Não demonstram sensibilidade para saber se, naquele momento, as crianças
estão precisando de um espaço maior para utilizar sua energia e processar suas aprendizagens. Em
vez de reprogramar a lavagem para outro horário, são as crianças que têm que readaptar as suas
necessidades.
Outro exemplo: as crianças estão brincando e chega um funcionário para fazer algum reparo, tais
como: trocar lâmpadas, consertar um ventilador, etc. Não importa o que nós e as crianças estamos
fazendo. Temos que sair da sala, pois o funcionário que vai realizar o serviço vem através de uma
programação realizada pela Prefeitura do Campus Universitário e, se ele não fizer naquele
momento, possivelmente só voltará meses depois.
É claro que coisas deste tipo não acontecem todos os dias... Mas com uma freqüência maior do
que gostaríamos. E quem tem que flexibilizar sempre são as professoras e as crianças, fazendo
adaptações, reprogramando as atividades, entretanto algo se perde nesses momentos. O que quero
dizer é que esses acontecimentos são previsíveis e poderiam ser programados de forma que não
comprometessem o movimento de realização e construção das crianças nas atividades, que são
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interrompidas muitas vezes, sob seus protestos e os nossos, sem contudo gerar os resultados
esperados por todos nós. Se houvesse sensibilidade e cuidado com as atividades educativas dentro
da Creche, poderíamos continuar com a atividade e o serviço ser executado em momento mais
adequado. Melhor, os serviços de manutenção seriam programados tendo como parâmetros as
atividades educativas.
É neste contexto que precisamos ampliar a compreensão da importância da brincadeira e demais
atividades que podem ser lúdicas, a fim de que todos os profissionais busquem colaborar no
sentido de permitir condições mais favoráveis para que a ludicidade possa, de fato, ser uma
constante na rotina da creche.
5.2 REGISTRO E ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES
5.2.1 As observações
De início, importa observar que eu nunca havia trabalhado com crianças de 3 anos de idade na
creche. O que se segue são relatos de atividades e observações sobre a vivência das crianças,
na perspectiva de verificar como a linguagem não-verbal (corporal e gestual) revela a
ludicidade ou não de uma experiência como vivência interna, em conformidade com as
compreensões teóricas anteriormente expostas. Eu mesma fotografei algumas situações que
estão ao longo das descrições das atividades abaixo descritas.
O número de crianças de cada grupo envolvido nesta pesquisa está definido no quadro abaixo,
assim como, o número de auxiliares de cada grupo que estavam presentes na realização das
atividades, sempre que possível. Às vezes, elas estavam desempenhando outra atividade com
alguma criança ( banho, enfermagem etc)
Idade Quantidade de crianças Auxiliares
Grupo 1 1 ano 15 02
Grupo 2 2 anos 24 02
Grupo 3 3 anos 12 02
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“Um conto de mistério e suspense – Murucututu: a coruja grande da noite.”
(G3) 10 a 12 min.
Antes de iniciar o conto, tivemos uma breve conversa sobre avós. Perguntei quem gostava de
ouvir história da vovó, qual era a história que a vovó contava etc.. Durante esta conversa, uma
criança de nome Alice chateou-se com uma das auxiliares de classe que pediu para ela ficar
sentada num lugar diferente do que ela tinha escolhido. E como é uma criança que se chateia
com facilidade e fica de mau humor, retirou-se do círculo e sentou-se afastada de todos.
Aparentemente, sem dar atenção ao seu afastamento, cantei a música que seria cantada
algumas vezes no decorrer da história: “Murucututu na beira do telhado, Murucututu na beira
do telhado, vem comer este menino que ainda está acordado, vem comer este menino que
ainda está acordado.” Comecei a narração da história que envolve mistério e suspense... Aos
poucos, Alice foi desfazendo a rigidez e tensão facial adquiridas pela chateação e, silenciosa e
discretamente, foi se reaproximando do círculo, com o olhar direcionado para as imagens do
livro. A partir de então, acompanhou o desenrolar da narrativa, participando de maneira tão
integrada que nem parecia a mesma menina que havia se aborrecido minutos antes. Igor, uma
criança que apresenta, geralmente, um comportamento tranqüilo e amável, estava com o olhar
atencioso, mas, ao mesmo tempo, demonstrando certo receio ou medo. Quando num
determinado trecho da história em que cantei a música e fui chegando perto dele,
imediatamente ele falou apontando com o dedinho para o colega ao lado: “Eu não, é ele.”
Então, percebi, nesse momento, que Igor estava realmente envolvido e seu olhar expressava
medo. Deste ponto em diante, não me aproximei tanto dele nos momentos em que a narrativa
envolvia suspense. As demais crianças estavam com o olhar fixo e pareciam vibrar com o
desenrolar dos acontecimentos. Mas, para a surpresa de todos, o Murucututu dessa história
não pegou a menina, pelo contrário, levou-a a passear e ver paisagens jamais vistas numa
noite de lua. O relaxamento corporal expresso pelo sorriso de alívio geral foi interrompido por
um olhar de expectativa ao dia posterior quando a menina revelou para avó que esteve
mentindo nos últimos dias e contou tudo sobre o encontro com o Murucututu. Todos, quase
não se moviam. Até o piscar dos olhos pareciam não acontecer. Olhos arregalados, brilhantes.
Apesar de ser uma narrativa um pouco longa, a temática foi bastante envolvente, talvez por ter
mexido com os medos. A curiosidade para ver o desfecho da história, manteve todos
concentrados e as crianças demonstraram muita atenção.
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O que mais me chamou atenção nessa experiência foram os olhares, fixos e arregalados. Não
desviaram a atenção. Quase não se mexiam nos lugares. Entretanto, nos momentos de maior
suspense, pareciam se encolher buscando abrigo nos colegas ao lado. No geral, as crianças
expressaram as emoções trazidas pela narrativa, principalmente através das variações da
musculatura facial e dos olhares, em conjunto com a contratura e relaxamento dos ombros.
Esta me pareceu uma atividade que foi lúdica para todas as crianças presentes. As linguagens
corporal e gestual, conforme descrição acima, permitiram essa leitura.
“Dançançando com a Murucututu.”
( G3) 3min.
Após a narração da história, fizemos uma dança ao som da música “Murucututu” do Cd de
Eugênio Tadeu e Miguel Queiroz, selo Palavra Cantada. A participação foi total, embora sem
muita empolgação. Apenas seis crianças aproximadamente demonstraram entusiasmo: Rhus,
Alice, Sofia, Francisco, Lavínia e Dafyna. Os demais fizeram alguns movimentos de
deslocamento, entretanto não apresentaram movimentos espontâneos como estes seis citados.
Não percebi sorriso na face, nem vivacidade nos movimentos. Parecia que estavam se
movendo impulsionados pelos colegas, muito mais do que por motivação própria. Talvez por
ser o Murucututu um bicho recém apresentado para eles, ou ainda por estarem mobilizados
com a história. Mas, é importante considerar, também, que a dança é uma atividade de
exposição corporal e algumas crianças podem apresentar inibição, de acordo com a sua
história pessoal.
“Barriga de bola.”
(G1) 15 min.
Esta atividade é muito livre. Coloquei o saco de bolas o mais alto que pude no centro da sala e
deixei as bolas irem caindo aos poucos dizendo: “Chuva de bolas coloridas”. As crianças
vieram sorrindo, com os braços esticados para cima. Algumas, como que encolhendo a cabeça
e fechando um pouco os olhos, como se antecipassem o impacto da bola sobre a sua cabeça.
Outras, não se aventuraram a vir ficar embaixo do saco e foram pegando as que já estavam
caídas no chão. Quando todas as bolas já estavam fora do saco fiquei a observar as diferentes
maneiras das crianças brincarem com as bolas: tem aquelas que querem acumular na mão
71
muitas bolas; outras, jogavam inúmeras vezes a bola longe e, a seguir indo buscá-las;
algumas, colocaram a bola na boca; outros atiraram pela janela; outros chutaram como
futebol.
Uma criança escondeu uma bola embaixo da camisa formando uma “barriguinha” e uma
outra, vendo isso, tentou imitar, mas teve dificuldade. Então foi ajudada pela primeira. Esta
brincadeira de esconder a bola embaixo da camisa foi imitada por outras crianças. Teve
criança que colocou mais de uma bola embaixo da camisa formando uma “barriga” maior.
Uma criança sorriu e o seu sorriso de quem está achando muita graça foi contagiando outras
crianças a tentarem fazer a mesma “barriguinha”. Uma tentou, algumas vezes, e não
conseguiu, não aceitou ajuda, preferiu desistir e começou a atirar a bola pela janela.
Pude observar uma criança se esparramando sobre um grande número de bolas próximas no
chão, como se estivesse numa piscina... (Figura1)
Depois de uns cinco minutos após ter derramado as bolas no chão, coloquei à disposição das
crianças balaios de palha de tamanho pequeno e médio. Alguns pegaram o balaio e encheram
com as bolas, outros encheram e despejaram como fiz com o saco inicialmente, outros
deixaram as bolas e começam a empilhar os balaios. Transcorridos mais ou menos cinco a
sete minutos, começaram as disputas entre algumas crianças que queriam as bolas que
estavam com outros colegas. Tentei mediar um entendimento conversando sobre a
necessidade de deixar algumas bolas para o colega brincar ou então juntando as bolas para
brincarem juntos. Funcionou até alguns poucos minutos e então voltaram as disputas. Resolvi
então mudar de atividade e coloquei o saco vazio no meio da sala e pedi que me ajudassem a
guardá-los. Eles começaram a jogar as bolas dentro do saco. Este momento para eles se
configurou numa brincadeira animada. Demonstram prazer em jogar dentro de um grande
saco, as bolas pequenas. Algumas crianças foram rapidamente recolhendo as bolas vieram
sorridentes e atiram com força as bolas no saco. Outras crianças trouxeram uma a uma as
bolas, outras trazem duas ou três bolas por vez. Poucas crianças não quiseram recolher as
bolas, ao contrário, queriam despejar no chão aquelas que já tinham sido recolhidas.
Entretanto, os que estavam catando não deixaram e, quando aconteceu de alguns tirarem as
bolas de dentro do saco, outros ficaram bravos. Num determinado momento, todos resolvem
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guardar as bolas e a grande alegria foi carregar em grupo aquele grande saco de bolas de
várias cores para guardar no armário.
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
73
Neste tipo de atividade, aparece muito imediatamente o interesse das crianças mais ativas,
elas quase que “roubam” todos os nossos olhares para seus movimentos, contudo, as crianças
mais quietas se revelaram muito envolvidas, embora com movimentos de amplitude menor,
aparentemente sem chamar a atenção, estavam elaborando movimentos reveladores, como foi
o caso de Raíssa que, muito quietinha em seu canto, estava escondendo a bola embaixo da
camisa, isoladamente (Figura 2). Até que uma outra criança, percebendo o movimento, se
aproximou tentando, sem sucesso, colocar a bola embaixo da sua própria camisa (Figura 3) e
foi de Raíssa que obteve ajuda para conseguir seu intento (Figura 4). No geral, foi uma
atividade aparentemente prazerosa. No momento da disputa de bolas entre algumas crianças,
para estas, pode ser que por alguns momentos, a sensação tenha sido de desprazer
especialmente para quem estava perdendo as bolas, entretanto, a energia empreendida por esta
criança, através da “luta” (choro acompanhado de uma corrida atrás da criança que havia
pegado as bolas) pela recuperação do seu objeto de desejo, tenha sido intensa e possivelmente
exigido um esforço conjunto para reconquistar as bolas perdidas. O movimento corporal, os
gestos, as expressões faciais, os olhares, a ocupação dos diversos espaços, a participação nas
atividades, todos esses elementos, isoladamente ou em conjunto, permitem ao educador saber
se uma atividade foi lúdica ou não para as crianças com quem trabalha.
“Cantando e Dançando.”
(G1, G2 e G3 – atividade realizada conjuntamente com os três grupos) 25 min.
Esta atividade foi realizada no salão, no momento da chegada. Iniciamos com
aproximadamente 20 crianças. Aos poucos foram chegando outras. As crianças ficaram
sentadas nas cadeirinhas em semicírculo em volta do aparelho de som. Fui colocando alguns
cd’s de músicas já conhecidas e que cantamos também quando estamos em sala. Algumas
músicas são cantadas com alguns movimentos e as crianças ficam tentando acompanhar tanto
a letra da música, quanto os movimentos que vamos sugerindo. Nessa atividade temos as
crianças de todos os três grupos sentadas de forma aleatória, de modo que crianças menores
ficam sentadas junto a outras maiores, ficam sentadas próximo a adultos que não são da sua
turma, ou seja, há uma certa interação de crianças e adultos de turmas diferentes.
Pude observar que algumas crianças ficaram ouvindo sem cantar e sem realizar os
movimentos, contudo o olhar voltado para mim ou para outras crianças que estavam
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realizando os movimentos também. Algumas crianças não cantaram, mas acompanharam a
música com os movimentos, cada uma dentro de suas possibilidades. Outras cantaram e
acompanharam com os movimentos. Estas três possibilidades não estão relacionadas somente
à idade, mas também ao tempo em que as crianças já freqüentam a creche e ao nível de prazer
que têm com a música.
Foi muito interessante observar que uma mesma atividade pode despertar diferentes reações
em crianças da mesma idade e comportamentos parecidos em crianças de idades diferentes.
Intencionalmente prolonguei o tempo da atividade para observar o que aconteceria, quais das
crianças teriam mais concentração, desejo e prazer em ficar por mais tempo.
Transcorridos dez minutos, percebi que algumas crianças começaram a se interessar pelos
brinquedos no salão ou por outras brincadeiras. Esse comportamento também não foi restrito
a um determinado grupo, embora os maiores tenham se dispersado em maior quantidade.
Continuei com as que permaneceram.
Num determinado momento, uma criança de nome Sara (2 anos), levantou-se e começou a
dançar com os braços para cima de forma muito graciosa e, em seguida, se dirigiu até outra
criança de nome Dafyna (3 anos), segurando-a pelas mãos como que convidando-a a dançar.
Neste momento, observei que Dafyna não demonstrou desejo de atender ao convite de Sara,
entretanto, uma das auxiliares de classe, que estava próxima às duas, estimulou dizendo:
“Dafyna, ela quer dançar com você. Dance com ela!” Neste momento, Dafyna ficou de mãos
dadas com Sara que estava visivelmente animada: sorriso largo, olhar vibrante em direção a
sua parceira e todo o corpo se movia ao som da música (Figura 5). Enquanto Dafyna, ao
contrário estava com o olhar voltado para outra direção, o corpo parado, só os braços mexiam
em resposta aos movimentos de Sara (Figura 6). As crianças que ainda estavam sentadas,
algumas ainda assistiam à cena de Sara e Dafyna, outras, embora ainda sentadas estavam com
a atenção para outros movimentos que aconteciam no salão: crianças brincando no
escorregador, outras correndo, crianças chegando. Aproximava-se a hora de cada grupo ir
para sua sala, então encerrei o momento pedindo palmas para Sara e Dafyna.
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Figura 5 Figura 6
Os gestos, os movimentos e expressões corporais compõem a linguagem não-verbal. Os
profissionais que trabalham numa creche devem estar sempre atentos a essa linguagem.
“Canto: passaporte para alegria.”
(G1) 8min.
Esta atividade foi proposta para um grupo de dez crianças. Começamos a cantar músicas que
envolviam movimentos corporais e algumas vezes as próprias crianças sugeriam o que
queriam cantar. André Felipe tinha pouco tempo que freqüentava a creche, ainda em fase de
adaptação, estava choroso querendo colo. Sentamos no chão, mais ou menos em círculo.
Coloquei-o perto de mim e comecei a cantar a música da Dona Aranha. É uma música que, ao
longo da minha experiência, normalmente as crianças desta idade gostam de cantar.
“Dona Aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou, pou! Já passou a chuva, o
sol está surgindo e a Dona Aranha continua a subir. Sobe, sobe, sobe. Sobe Dona Aranha,
Sobe, sobe, sobe, sobe até cair.”
Cantamos e enquanto as crianças tentavam realizar, com as mãos e os braços, os movimentos
da Dona Aranha subindo e caindo, a criança que estava chorosa começou a diminuir o choro e
prestar atenção nos movimentos, embora ficasse numa postura meio desconfiada, por alguns
momentos, parecia esquecer o motivo da sua tristeza. Mas, logo que a música acabou, ela
parecia lembrar da sua dor e recomeçava a chorar. Então, repetimos a mesma música e ela
parou de chorar outra vez, mas não tentou realizar os movimentos, só olhava para mim e, de
vez em quando, para os colegas. E, quando a música estava terminando, recomecei num ritmo
mais acelerado e as crianças sorriram, tentando realizar mais rapidamente os movimentos
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demonstrando expressões alegria (sorriso, olhar, excitação corporal). André parou de chorar,
porém, ainda não tentava realizar os movimentos. Ele é uma criança carismática e atenta. E eu
fiquei contente dele ter parado de chorar. Propus que cantássemos a música da cobra, muito
conhecida pela turma da educação infantil e que envolve muitos movimentos:
“A cobra não tem pé, a cobra não tem mão. Como é que a cobra sobe no pezinho de limão?
Estica, encolhe, seu corpo é todo mole. A cobra se esticou, se esticou, se esticou e logo se
encolheu, se encolheu, se encolheu. Olhe o bote que ela deu: Hão...”
Ao cantarmos esta música, os olhinhos ficaram atentos aos meus gestos e as crianças que já
sabiam realizaram os movimentos de esticar e encolher da cobra e também deram o bote no
final. André ficou olhando e já esboçou um sorriso, apesar dos olhinhos apresentarem
umidade das lágrimas derramadas. Repetimos a música, ao que ele já começou a se defender
timidamente do bote e o sorriso apareceu mais claramente definido que o primeiro.
Para encerrar este momento de canto, coloquei uma outra música no aparelho de som, que as
crianças já tinham ouvido em outro momento. A letra da música é a seguinte:
“Para cantar bem eu abro a boca assim
Faço biquinho assim,
E uma bochecha assim.
Estouro pipocas com a boca assim
Mando beijinho assim,
E solto a voz.”.
Cantamos acompanhando com movimentos. Nesse momento, achei que André estava mais
presente ao que estava acontecendo. Seu rosto apresentava sinais de relaxamento, a respiração
mais tranqüila. Acredito também que a influência da energia do grupo, que estava muito
favorável a integração, pode ajudá-lo no seu próprio processo de integração. Foi notória a
mudança do seu estado de ansiedade para o de relaxamento através das suas expressões. Foi
ótimo poder perceber essa mudança.
“Canto: passaporte para o respeito”
(G2) 10 min.
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Com este grupo a atividade de canto apresentou uma receptividade muito significativa. O
grupo sugeriu o que queria cantar e, é claro, freqüentemente duas crianças diferentes querem
cantar músicas diferentes; então combinamos primeiro uma e depois a outra. Eles pediram a
música da cobra, da chuva, do sol, quero ver quem pega, abra a roda, peixinho, as árvores,
soprei a minha bola de sabão.
A participação foi tranqüila e as crianças, realizam os movimentos com desenvoltura e
graciosidade. Embora os movimentos sejam mais ou menos os mesmos, pude perceber as
variações entre as crianças no que diz respeito a amplitude e a definição dos movimentos, a
participação do corpo como um todo ou a utilização mais intensa dos braços ou apenas das
mãos. Percebi, no geral, que elas estavam demonstrando prazer em realizar tal atividade.
“Canto: passaporte para a integração.”
(G3) 10 min
Com o G3 prepusemos a aprendizagem de uma música também com movimentos, entretanto,
nenhuma das crianças presentes a conhecia.
“ Lá na estrada em curva fez um furo no pneu (repete três vezes)
Consertamos com michelin.”
Ao final da estrofe, dá um beijo na mão, e manda para os colegas do grupo. Na medida que
vamos repetindo a música, vamos eliminando as palavras da primeira frase e realizando
apenas os movimentos que estão relacionados a essas palavras. Parecido com a música “O
Meu Chapéu tem três pontas”.
Inicialmente, fui fazendo os movimentos e falando as palavras. Depois fiz os movimentos e
palavras também. Fomos interrompidos com a chegada de uma criança nova que estava
atrasada. Era o terceiro dia dela na creche. Ela não quis sentar-se junto ao grupo que estava
em círculo no chão. Convidamos: Venha Gael, nós vamos aprender uma música nova. Ele não
quis. Então, deixamos que ficasse sentado numa cadeira com a companhia de uma auxiliar,
mas numa posição que pudesse ver o que estava acontecendo. Então repeti as frases e
movimentos e depois, cantei a música com os movimentos. Convidei todos a tentarem.
Alguns se aventuraram logo a realizar os movimentos e cantarem, outros só tentaram repetir
78
os movimentos e outros não tentaram e só observaram com o olhar de curiosidade. Fizemos
algumas vezes e a medida que fomos repetindo, a participação foi aumentando e o
desempenho também. Fui estimulando com frases: “Vocês estão aprendendo rápido!”; “Veja
Dineusa, (uma das auxiliares) como eles estão ótimos!” “Alice, você está fazendo tudo!” etc.
Perguntei a Gael se ele não queria tentar, ele respondeu negativamente com um balanço de
cabeça. Estava na hora de lavar as mãos para o lanche. Depois fomos para o salão e enquanto
o lanche estava sendo servido, observei de longe, que algumas crianças estavam cantando a
música que eu havia acabado de ensinar, inclusive Gael.
“A bela e a Fera ou Tarzan ?”
(G2) 30min
Fomos à biblioteca assistir a um filme. Antes fizemos uma consulta de qual filme queriam
assistir. Houve uma certa homogeneidade na escolha por A Bela e a Fera e uma menina
apenas queria assistir Tarzan. Depois de muita negociação, chegamos a um acordo:
Assistiríamos a Bela e a Fera e, em seguida, um pouco de Tarzan. Para minha surpresa nos
dois filmes a atenção foi geral. As crianças ficaram quase que hipnotizadas pelas imagens. E
os músculos da face iam se contraindo ou relaxando de acordo com os acontecimentos. É um
pouco parecido com o momento do conto de história, entretanto parece ser mais forte o
fascínio causado pelos múltiplos estímulos do filme. Eles viveram intensamente as emoções,
mesmo num filme como a Bela e a Fera que eles já viram mais de uma vez. Mas, algumas
cenas parecem ter o poder de exercer um domínio, especialmente em determinadas crianças.
No filme de Tarzan, por exemplo, uma criança de nome Gustavo sempre queria esconder o
rosto atrás do braço de um dos adultos presentes, sempre que a onça aparecia em cena. Outra
coisa também que observei é que determinadas cenas estimularam uma torcida geral, uma
criança começou e outras iam se contagiando, como na cena em que a Fera luta com Nestor
(filme da Bela e a Fera). Nesses momentos, os braços se agitam e elas quase que ficam a pular
sobre as cadeiras. Esta é uma atividade muito bem aceita por esta faixa etária, especialmente
se o filme tiver músicas, diálogos curtos e, é claro, muita ação.
“Bichos, música e movimento: ótima combinação!”
(G1) 10min.
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Utilizei um DVD com os musicais do Cocoricó, com o qual um pai havia presenteado à
creche recentemente e que já tinha sido utilizado e aceito pelos grupos “dois” e “três”.
Propomos para o grupo “um” e foi também impressionante como eles ficaram atentos.
Sentadinhos e com a atenção focada no aparelho televisor, como nunca ficaram em nenhuma
outra projeção. A primeira música que é apresentada pelo DVD, é uma música conhecida
através de audição do CD que utilizamos na creche e, possivelmente, em casa também devem
ter ouvido, pois é o tema de abertura do programa apresentado na pela televisão. Eles
pareciam estar gostando, alguns até se mexiam no ritmo da música, balançando o tronco e os
bracinhos. Eles ouviram até a segunda música de maneira concentrada, sem que
precisássemos fazer qualquer mediação. A partir da terceira música, alguns já começaram a se
interessar pelos diversos estímulos que a sala apresenta: prateleiras com livros, alguns
bichinhos de pelúcia, objetos e brinquedos em cima da mesa etc.. Com a nossa intervenção
chamando a atenção para o que estava sendo apresentado, eles voltaram a se concentrar por
alguns segundos, para, logo em seguida, dispersar novamente, levantando da cadeira, pegando
os livros nas prateleiras... Esse movimento de alguns foi estimulando os outros e
permanecemos só mais um pouco até uma parte da quarta música, visto que alguns poucos
ainda estavam atentos.
Apesar do material ser de boa qualidade e muito bonito, a maioria das crianças, neste primeiro
dia com o DVD do Cocoricó, não apresentou um grau de concentração grande, se comparado
com os grupos “dois” e “três”. Contudo, o grupo apresentou muita atenção durante o tempo
que esteve concentrado, o que foi significativo. Em dias posteriores, esse tempo foi se
alargando, entretanto o máximo conseguido no semestre foi de 25 a 30 min.
“Brincando com a fantasia”
(G2) 30min.
Nessa atividade, deixei os poucos brinquedos que a creche tem para que as crianças
brincassem livremente. Os brinquedos foram colocados no centro da sala e eles foram
pegando o que desejavam. Como já são brinquedos conhecidos, algumas crianças já têm seus
preferidos e correm para pegá-los. Aos poucos, foram se agrupando por afinidades e iniciando
suas brincadeiras. O grupo estava com 18 crianças nesse dia e estávamos na sala. As mesas e
cadeiras estavam encostadas numa parede para o espaço ficar mais livre, entretanto, também
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ficam à disposição para serem utilizadas caso desejem. Eles foram com alguns brinquedos
para baixo da mesa (boneca, roupinhas, banheira, xícaras, colheres, mamadeira, baldinhos
etc.) (Figura 7), e a mesa era a casa. Havia três meninos e quatro meninas neste grupo. Outro
grupo com três meninos iniciaram uma brincadeira como se estivessem dirigindo um carro,
andavam pela sala, paravam na sinaleira etc. (Figura 9) Outros três meninos, individualmente,
ficaram brincando com alguns carros no chão (Figura 8).
Figura 7
Figura 8
Figura 9
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Pude perceber que as crianças estavam completamente envolvidas nas suas “tarefas”
desempenhando seus papéis com afinco, de mãe, de pai, de motorista.
“Construtores variados e uma observadora atenta”
(G3) 25 a 30min.
Distribui no chão vários modelos de brinquedos de montar de forma que eles ficaram
distribuídos em cinco grupos. As crianças foram se aproximando de acordo com sua
preferência. Embora estivessem próximos não montaram nada em conjunto, cada um foi
construindo o que quis (Figuras 10 e 11). Depois de algum tempo eles mudam de grupo, para
brincar com outro modelo de jogo.
Observei uma criança que não se aproximou de nenhum grupo. Maria Luísa pegou um
brinquedo (Um boneco Piu-Piu de plástico) e sentou-se afastada de todos (Figura 12). Por
muitos minutos ficou aparentemente quieta com o Piu-Piu na mão a observar o movimento
dos colegas. Fiquei observando por muito tempo para ver se ela, em algum momento, sairia
da posição de observadora. Mas ela se manteve sentada no mesmo lugar. Enquanto isso, seus
colegas estavam tão concentrados na sua própria arte, que nem se dava conta que estava sendo
alvo do olhar atento de Maria Luíza. Foi o caso de Sofia, que, mesmo de forma isolada dos
colegas, não se afastou fisicamente deles. Ela iniciou a montar seu jogo sentada, depois se
inclinou ao chão com a barriga para baixo, como querendo olhar mais de perto sua criação,
depois de alguns minutos estava deitada no chão, de vez em quando ajeitando algo para que
seu brinquedo ficasse ainda mais perfeito. Três meninos estavam formando um grupo que
trocavam opinião sobre o brinquedo. Depois de construído o brinquedo, que parecia uma robô
ou monstro, eles interagiram utilizando-os como se estivessem em combate. Outras duas
meninas fizeram do brinquedo de montar, elementos de compras no mercado e utilizaram os
baldinhos de guardar o jogo como sacolas ou bolsas. Locomoviam-se de um determinado
lugar da sala, onde estavam as mesas, para o lado oposto, que interpretei como se fosse a casa.
Lá conversaram sobre o que compraram e o que ainda estava faltando; então, uma disse que
voltaria para comprar. Maria Luíza, ouvindo a conversa, levantou-se do lugar que se
encontrava e eu pensei que ela resolvera participar da brincadeira. Para minha surpresa, ela foi
para outro ponto da sala e se colocou mais uma vez na posição de observadora, ainda com o
Piu-Piu na mão. Fui até ela e perguntei se estava tudo bem. Ela respondeu afirmativamente.
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Eu perguntei: “Você não quer brincar?” Ela simplesmente balançou a cabeça negativamente.
Não me pareceu triste, nem zangada. Estava numa postura corporal bastante relaxada.
Transcorreram uns 25 a 30 min. Esta atividade e as crianças estavam interagindo bem, sem
disputas nem desentendimentos. Solicitei que, guardássemos os brinquedos e eles ajudaram
inclusive Maria Luíza.
Figura10
Figura 11
Figura 12
Percebi muita satisfação na realização dessa brincadeira. Mesmo com estes jogos já tão
conhecidos, e que muitas peças já se desgastaram ao ponto de não mais encaixar, mesmo
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assim, oferecem possibilidades de criação de algo diferente. Este é um desfio que está sempre
presente na creche, não somente para os professores, mas também para as crianças.
“Quando a brincadeira acaba, pode continuar de outro jeito...”
(G1, G2 e G3)
Embora não seja uma atividade em si, mas se configura num momento de aprendizagem e
trocas de experiências. Ela acontece, freqüentemente, após a utilização de brinquedos e outros
materiais utilizados pelo grupo. Quando estão juntos os três grupo no salão, nem sempre há
adesão para a arrumação geral; sempre tem alguns que preferem usar os minutos finais
daquele momento no escorregador, o que lhes é permitido, porque em outros momentos essas
crianças normalmente participam. Contudo, quando realizamos a arrumação após uma
atividade com a participação de um só grupo, as crianças que não ajudam são solicitadas de
forma mais direta.
Observei este momento nos três grupos e constatei que, na maioria das vezes, as crianças
realizam essa atividade com agilidade e animação, o que a torna um divertimento. Senti a
disposição e rapidez de alguns. E todas as vezes que emitimos, (eu ou outro adulto) algum
reforço positivo, ai então eles capricham. Os que gostam demonstraram animação nas suas
atitudes (mostrando as mãos com alguns brinquedos, querendo dizer que consegue pegar
muitos brinquedos de uma só vez; desafiam os colegas a fazerem o mesmo etc). Vez por
outra, alguma criança não quis interromper a atividade e não ajudou a guardar o brinquedo.
Alguns apresentaram reação de choro, outros, ficaram segurando o brinquedo sem querer dar
para o colega que pretendia tirar de qualquer jeito das suas mãos para guardar. Nesses
momentos, tive que intervir e, de acordo com a situação, ou deixamos o brinquedo na mão da
criança, quando a atividade seguinte não ficaria comprometida ou, então, estimulei-a a
guardar, indicando a outra atividade que faríamos em seguida. Quando era uma coisa que a
criança em questão gostava ficou mais fácil. Quando não, tentamos justificar a necessidade de
guardarmos o brinquedo naquela hora. Este tipo de situação, da criança expressamente não
querer guardar o brinquedo, ocorre com mais freqüência nos grupos dois e três.
O que em princípio pode ser uma tarefa sem atrativo para as crianças, pode tomar a
configuração de uma brincadeira. Percebi que, como outras atividades, as crianças expressam
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o seu sentimento: de contentamento (a rapidez e agilidade ao recolher os brinquedos, os
sorrisos de satisfação ao conseguir pegar muitos brinquedos de uma só vez); ou de
descontentamento (isolamento, realizando outra coisa, ou olhando os colegas recolhendo os
brinquedos).
“Pequenos se revelam grandes artistas”
(G3) 20 min.
As crianças se revelaram muito responsáveis e cuidadosas em estar construindo algo que iria
para o mural no corredor. Depois do conto de uma história “Bom dia todas as cores” de Ruth
Rocha, as crianças receberam os personagens desenhados em tamanho grande, (folha de papel
cartolina) e cada personagem foi pintado por três crianças, com cola colorida. No processo da
pintura, percebi que algumas crianças foram logo explorando o material com muita satisfação,
usando os dedos da mão, espalhando bastante quantidade de cola sobre grande área da
superfície do papel, demonstrando estar gostando do que estava fazendo. Outras, de maneira
mais tímida, tocaram de leve na cola, utilizando a ponta de um dedo, apenas. Mas no
transcorrer da atividade, foram explorando melhor o material, com mais propriedade. Depois
que o material secou, com a nossa ajuda, colaram com cola e fita adesiva os personagens,
agora coloridos por eles, numa folha grande de papel metro. Em seguida, todos juntos
segurando aquele imenso mural, fomos andando corredor a fora para afixar o painel na parede
que ficou muito lindo. O olhar e sorrisos de satisfação que eles revelaram foi emocionante. E
depois eles começaram apontar os personagens que eles pintaram, dizendo orgulhosamente:
“Olhe o que eu fiz”. E muitos falavam ao mesmo tempo, querendo que todos vissem o que
cada um tinha feito. Duas crianças que normalmente ficam mais caladas (Bruno e Maria
Luíza) também falaram, apontando seus trabalhos. Maria Luíza e Gael foram os que ficaram
mais calados, só olhando... quando percebi e perguntei qual foi o que eles haviam pintado
Gael se restringiu a apontar, e Maria Luíza, abriu um largo sorriso e disse; “eu pintei esse”.
Pintar no mesmo papel com outros dois colegas também me pareceu ser uma atividade que
houve um estímulo entre os pares. Inicialmente, as crianças mais tímidas em relação a esse
tipo de atividade, vendo a participação do colega de equipe, se animaram e começaram a
pintar apresentando maior interação com a cola colorida, o papel e os colegas. Pude perceber
a cabeça, o pescoço, os dedos, as mãos, os braços, o tórax das crianças num movimento
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integrado. O espírito de colaboração entre eles, também no desenvolvimento da atividade se
revelou como extensão da integração pessoal. Ao apontar seus trabalhos expostos no mural,
eles demonstraram orgulho através do brilho do olhar, acompanhado de sorrisos encantadores.
“Os bastidores de uma grande apresentação”
(G3) cada ensaio tinha uma duração aproximada de 10 min.
Com a idéia de realizar uma apresentação no dia do encontro com a família, quando os pais
estariam presentes, fizemos a proposta de ensaiarmos um dos contos que foram trabalhados
no projeto em andamento: “Contos, cantos, encontros”. As crianças disseram que queriam
dramatizar a história da Dona Baratinha, aquela que tem ‘fita no cabelo e dinheiro na
caixinha”. Depois de termos contado a história com as ilustrações do livro e termos ouvido a
história narrada de um CD, definimos junto com eles quem gostaria de ser qual personagem.
Apenas uma criança não desejou ser nenhum personagem: Rhus. Depois disso, demos início
aos ensaios. Foi um exercício muito exigente de concentração para eles. No início dos
ensaios, normalmente estavam todos dispostos e atentos, porém, bastava que um ou dois
personagens entrassem em cena, para que os outros, começassem a conversar ou brincar com
o colega; então, quando chegava a hora destes entrarem em cena, eles não sabiam; por outro
lado, os que já estavam em cena não queriam esperar que explicássemos aos que iam entrar.
Devido essa dispersão, suspendemos o ensaio sem nem ter avançado para a terceira cena.
Deixamos para continuar no dia seguinte. Começamos a introduzir alguns elementos de
cenário, figurino e da trilha sonora nos ensaios, percebemos que eles se concentraram melhor
ao ver o colega com algum elemento de vestuário, caracterizando os respectivos personagens.
Aos poucos, fomos, em cada ensaio, avançando mais e mais em número de cenas. Contudo,
estava difícil chegar ao final: a hora do casamento. Aproximava-se o dia da apresentação e eu
pesei que não conseguiríamos. Dois dias antes, resolvemos não começar do início, para poder
ver se ensaiava o casamento e o final da dramatização: quando Dona Baratinha resolve não
querer mais casar e sai toda feliz para aproveitar a vida. Conseguimos fazer essa parte, com
certa dificuldade. As crianças que não entravam em cena não conseguiam esperar muito
tempo, sem ficar conversando ou levantando par fazer outra coisa. Conversamos várias vezes
sobre a necessidade de todo mundo ajudar ao coleguinha, fazendo silêncio e olhando para dar
idéias, mas o efeito da conversa durava pouco tempo. Eles iam, faziam a cena direitinho, mas
depois, iam cuidar de fazer o que queriam, esperar a vez de retornar ou esperar os colegas
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fazerem seu personagem, não fazia parte do universo dessas crianças. Nós fomos realizando
na medida do possível... Não sabíamos o que aconteceria no dia da apresentação, mas nos
preparamos como se tudo fosse dar certo. Pintamos com eles o cenário, arrumamos ao
caldeirão onde Dom Ratão cairia, pedimos aos pais para trazerem com roupas da cor dos
bichinhos, organizamos a trilha sonora etc.
Pude observar que as crianças nesta idade ainda não estão preparadas para ficar ensaiando
uma dramatização como a história da Dona Baratinha. Mesmo sendo as falas curtinhas,
esperar muito tempo para entrar em cena, sem começar uma atividade paralela, é muito difícil
para elas. Além disso, representar um personagem diante de uma platéia é uma tarefa que
exige muita desenvoltura. As crianças também têm, de acordo com suas características
pessoais e a sua própria história, mais ou menos suas dificuldades para “fazer teatro”. Durante
os ensaios, as expressões, de alguns, revelaram um certo incômodo na situação (falaram
baixinho, a postura mais encolhida, quase não olhava para a platéia, diziam a frase
rapidamente e sem vibração emocional do personagem, ficavam corporalmente estáticos etc.)
Entretanto, outras crianças tiveram atitudes que demonstraram desenvoltura em representar
um personagem diante da platéia dos colegas e auxiliares (falaram de forma que todos podiam
ouvir, mudaram a voz e a postura corporal imitando bichinho ao qual estavam imitando,
apresentaram uma postura firme, porém sem tensões musculares etc).
Mais uma vez constatei que a expressão não-verbal está presente em tudo que realizamos e
que é possível para o educador avaliar se a criança está vivenciando ludicamente ou não a
atividade proposta.
“Em cena: muitos talentos”
(G3) 8 a 10 min.
Dia da apresentação, estavam todos as famílias deste grupo de crianças presentes, e alguns
dos outros grupos também. Antes da apresentação da dramatização, convidamos a platéia para
um canto coletivo. Demos as boas vindas às famílias, agradecendo as presenças. Iniciamos a
apresentação chamando os artistas, que saíram da sala devidamente maquiados e
caracterizados, para ficarem juntos, próximos ao “palco”. Neste momento, uma das crianças,
chamada Ziggy, foi direto para perto do pai dizendo que não queria apresentar e nós não
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conseguimos convencê-la a outra coisa. Rhus, a criança que não quis ser nenhum personagem,
chegou nessa hora, dizendo que ia fotografar a apresentação. O pai normalmente fotografa
eventos como este lá na creche. Rhus estava sorridente e sentou-se próximo ao palco.
Demos início a apresentação que transcorreu muito tranqüilamente. Algumas crianças, como é
natural, mais desenvoltas, outras mais tímidas, mas todas representaram, até Ziggy que estava
sentado com o pai, no momento que o personagem dele (O Gato) tinha que entrar em cena, ele
levantou correndo e disse que iria fazer e fez, para surpresa de todos.
Achei incrível como eles nos ensaios ficaram tão inquietos, mas na hora fizeram tudo
direitinho. Ficaram tão compenetrados... O depoimento dos pais e mães, foram emocionados e
emocionantes.
Observei que mesmo as crianças mais tímidas, conseguiram realizar o que ensaiamos.
Embora, para essas crianças tenha sido uma realização difícil, acredito que trouxe uma
sensação de bem estar e alegria ao ter conseguido, pois quando entramos para nossa sala
estavam todos muito sorridentes e de olhos brilhantes. A alegria deles, nesse momento, estava
muito visível. Quando conversamos sobre a apresentação eles sorriam quando nós
educadoras, elogiamos a atuação deles. Com essa experiência, pude, não somente identificar a
ludicidade nas expressões corporais, mas também sentir sua repercussão através da energia
que era transmitida por essas crianças.
“Dançando de tudo”
( G1) 8min.
Propomos uma dança com músicas de um CD de Telma Chan. São músicas de curta duração,
compostas especialmente para crianças pequenas. Fomos dançando mais ou menos conforme
a música sugere e as crianças também dançam tentando nos imitar.
“Salta, salta, o sapinho salta,
Pula, pula lá no brejo
Até se cansar”
Com esta, saltamos, pulamos e na hora de cansar fazemos que estamos descansando,
relaxando o corpo curvado ou sentando no chão ou deitando.
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“Pula de um galho, já está no outro,
o macaquinho é bem maroto
Se coça e faz careta, come banana
Faz pirueta.”
Com esta viramos verdadeiros macaquinhos, realizando os movimentos sugeridos pela letra.
Na hora da pirueta, damos uma volta de 180º em torno do nosso próprio eixo.
“Ir pra rua pra jogar amarelinha
Jogar bola na vidraça da vizinha
Correr, pular, brincar
É uma curtição
Melhor que ver televisão.”
Esta também fizemos os movimentos sugeridos e na hora de chutar a bola as crianças
adoraram.
“Badagalá a varinha mágica,
pirlimpimpim, você fica assim”.
No momento desta música oferecemos uma “varinha de condão” feita de papel de revista
enrolado, e vamos “enfeitiçando” a todos. Quando a música pára, nos transformamos por
alguns segundos em estátuas. Então repetimos a música por algumas vezes.
Nessa atividade, pude observar que as crianças ficam com o olhar atento aos meus
movimentos corporais e elas vão tentando imitar. Mas, ao mesmo tempo, elas se divertiram
com o meu jeito de ir vivenciando as músicas. Observei que a proposta dos movimentos
significam da atividade as crianças vão construindo seu movimento próprio e apropriado ao
seu corpo, sua característica pessoal. E aos poucos elas se envolvem com o ritmo das música,
umas antes que outras, e vão demonstrando alegria com seus movimentos. Sorriem ao
conseguir realizar um movimento mais complexo ou desafiador. Parecem incansáveis!
Dançaram com entusiasmo cada vez maior quando repeti as músicas.
“Um passeio pelo céu”
(G3) 5 min.
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Depois de atividades mais agitadas é comum fazermos um “relaxamento”. E o tempo e a
forma como é conduzido, depende do grupo.
No grupo três estendi um grande tecido e disse que estava na hora do relaxamento. Convidei
para deitar. Disse para respirar murchando bem a barriga e depois enchendo-a. Coloquei uma
música instrumental “Soneto em mi menor” do Cd de Paulinho Nogueira, pedi que fechassem
os olhos e imaginassem que estavam numa nuvem, passeando pelo céu. Fui descrevendo
lugares que eles poderiam ver lá de cima das nuvens (árvores, praia, parque, cachoeira).
Depois a música a ser tocada foi “chovendo na roseira” do mesmo Cd. Fui conduzindo a
nuvem para a creche e chegando novamente na sala.
Durante o tempo total que foi de cinco minutos, as crianças permaneceram deitadas,
entretanto, poucas ficaram de olhos fechados (Figuras 13 e 14). Algumas ficaram rindo para
as que estavam ao lado (Figura 15), outras acariciavam os colegas que estavam quietos e de
olhos fechados. Contudo, o tempo em que eles param, pelo menos nos dois primeiros minutos
iniciais, pode ter permitido uma observação das batidas do coração, ou da própria respiração
ofegante.
Diante da postura que elas apresentaram posso inferir que elas gostaram de ter participado da
atividade, até mesmo aquelas crianças que, na maior parte do tempo, ficaram inquietas. Elas
demonstraram alegria ao sentir o colega deitado ao seu lado. A proximidade dos corpos
deitados permitiu a intimidade que incentivou alguns a tocarem e fazerem carinho no colega.
E o toque carinhoso pareceu dar prazer. Alguns sorriram. Outros ficavam quietinhos, como se
estivessem embevecidos com tamanha sensação de bem-estar.
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Figura 13
Figura 14
Figura 15
“A magia das bolas de sabão”
(G1, G2 e G3 – atividade realizada separadamente em cada grupo)
No grupo um, as crianças ainda não conseguem soprar com sucesso o aro para formar a bola
de sabão, mas adoram correr atrás das bolas feitas pelos adultos. Ficam tentando pegar as
bolas por muito tempo. Algumas insistem em querer soprar e nós deixamos, mas depois de
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algumas tentativas, logo preferem ir pegar as bolas que estão no ar, e ao que percebi, se
frustram ao vê-las estourarem. Preferiam ficar apreciando em sua própria mão. Outras
crianças vão pegar as bolas como que querendo estourá-las.
No grupo dois, algumas crianças já conseguem soprar, mas também gostam que a gente sopre
para que elas disputarem entre si quem consegue pegar as bolas.
No grupo três, as crianças só querem soprar as suas bolas. Ficam experimentando fazer bolas
maiores, bolas coladas etc. É incrível quando algumas delas se colocaram a correr atrás das
bolas e alcançá-las com a mão. Elas correm e saltam sorrindo e se conseguem, expressam um
sorriso de satisfação.
Pude observar nos três grupos, o fascínio que bola de sabão exerce sobre as crianças. Elas
acompanham o movimento da bola pelo ar, com um olhar de encantamento. Uma criança do
G1, Micaela, no período de adaptação, chorava muito e era com as bolas de sabão que ela
parava um pouco de chorar. Uma criança do grupo três, periodicamente solicita: “Pró, vamos
brincar de bola de sabão?”
“Corta e recorta”
(G3) 10min.
Esta atividade foi bem aceita pelas crianças embora ainda não consigam segurar
adequadamente a tesourinha. Elas ficam tentando repetidas vezes e podemos perceber que
algumas delas não cortam, rasgam as revistas com a tesoura. Mas todas querem a tesoura para
cortar a revista e depois colar seus recortes.
O curioso é identificar que a ludicidade aparece também nesses momentos de desafios. Pelo
menos para algumas crianças. Apesar da dificuldade, elas tentam e querem provar, talvez,
para ela mesma, que consegue, ainda que a gravura não fique bem recortada. Algumas
ficaram mais impacientes, outras mais perseverantes. Mas ficam imbuídas do desejo de
conseguir. Isso é lúdico. Algumas poucas crianças desistiram logo nas primeiras tentativas.
Neste momento eu me aproximei tentando encorajá-las, mas elas não quiseram tentar...
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Preferiram rasgar com as mãos e colar no papel. Isso passou a ser gratificante para elas, então
deixei que continuassem. Numa outra oportunidade tentaria mais uma vez.
“Cola-cola”
(G3) 3 min.
Após o recorte, as crianças são convidadas a colar seus recortes numa folha de papel metro
afixada na parede da sala. Elas ficam empolgadas em expor seu trabalho. Não apresentaram
nenhum movimento ou gesto de desagrado em espalhar a cola na gravura. Algumas crianças
querem logo lavar as mãos quando terminam. Outras, ao contrário, gostam de ver a cola secar
e depois puxar como se fosse uma pele. Para essas, a ludicidade continua para além da
colagem propriamente dita.
“Tudo que é possível com o giz de cera”
(G1 ) 3 a 5 min.
(G3) 10 a 15 min.
No G1, desenho com giz de cera não funciona muito como desenho. As crianças ainda estão
aprendendo a segurar os lápis, mas elas vão tentando...As “mais velhas” (com mais de 17
meses) têm mais sucesso e por isso permanecem mais tempo realizando a atividade com mais
interesse, demonstram prazer em imprimir cores no papel, com efeitos diferenciados a partir
do jeito que tocam o papel com o lápis (movimento de vai-vem, circulares, batendo, riscando
com o lápis deitado etc). As mais novas, logo começam a atirar o lápis no chão, batucar na
mesa ou colocá-los na boca. A ludicidade para esses não está na atividade que foi proposta,
mas na atividade que eles “inventam”.
93
Figura 16
No grupo três, pude observar que eles realizam esta atividade demonstrando atenção.
Deixamos disponíveis várias cores de lápis e eles vão trocando de cor. Algumas crianças
ficam muito concentradas e nem conversam, outras, conversam apresentando o que estão
desenhando. Em ambos os casos, percebo que elas gostam do que fazem. O movimento
cuidadoso do lápis sobre o papel, o rosto expressando a firmeza, ou leveza, dos movimentos.
Figura 17
94
“Pintando com tudo” (pincel, bucha, rolinho de espuma, com as mãos)
(G1) 5 min.
(G2) 15 min.
(G3) 20 min.
Figura 18
Figura 19
A atividade de pintura foi realizada nos três grupos separadamente em diversas situações. Na
maioria das vezes depois do conto de uma história. No grupo três, que foi proposta esta
atividade também depois de projeção de filme.
À medida que as crianças foram explorando o material, sentimos um crescente envolvimento
no seu fazer “artístico”. Para algumas, esse envolvimento aos poucos foi diminuindo e elas
mesmas disseram que já haviam terminado antes mesmo de darmos um limite (isso aconteceu
mais no G2 e G3). Outras quando dissemos para ir terminando, elas encerram sem protestos, e
outras, sempre querem ficar mais tempo além do que estipulamos.
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Chamou minha atenção um episódio no grupo três. Aconteceu que o papel de alguns que
queriam continuar já estava para rasgar de tanto que recebeu tinta e atrito. Então demos outro
papel para estes e deixamos os que já haviam concluído brincarem no salão, pois esta era
nossa próxima atividade. Depois de alguns momentos, os que ficaram sentados pintando, ao
verem os colegas brincando lá no salão, resolveram concluir seus trabalhos também e foram
brincar.
Pintura, de modo geral, seja com pincel, bucha, rolinho ou com as mãos, despertou o
interesse das crianças em todos os grupos. O que percebi é que algumas crianças ficaram
resistentes ao contato direto com a tinta, enquanto outras preferem esta técnica,
principalmente do grupo um. Pude observar que é uma atividade na qual a maioria das
crianças permanecem muito mais tempo envolvida do que em outras.
“Estica, enrola a massa”
(G1) 15min.
Sentamos no salão, nas cadeirinhas em torno da mesa. Preparei a massa na frente delas,
Utilizei uma massinha caseira, feita com farinha de trigo, sal água e anilina culinária.
Aproximei a bacia de cada criança para que vissem de perto e tocassem os ingredientes
separadamente. Depois de pronta, distribuí uma quantidade para cada criança e fui
estimulando-as a amassar, esticar, embolar. À medida que falava ia manuseando uma
quantidade de massa também. Depois cantei a músicas da cobra, que elas já conheciam e ia
esticando e encolhendo a massa, conforme a cobra da música.
As crianças demonstraram satisfação. Uma criança, inicialmente, não quis pegar na massa.
Mas nós deixamos a sua quantidade perto dela. Olhava para os coleguinhas brincando, olhava
para mim falando e para as formas que eu ia dando à massinha que estava na minha mão e,
depois de algum tempo, tentou tocar por algumas vezes. Primeiro com o dedo indicador só
deu um toque, depois como que ia furar a massinha, entretanto não manuseou.
96
“Lendo o mundo: das imagens às fantasias”
(G2) 10 a 15 min.
Distribuir revistas para as crianças com o enunciado: Quem quer ler revista? Ouvi crianças
dizendo eu quero, algumas vieram logo ao meu encontro buscar, outras crianças não falaram
nada mas aceitaram a revista quando entreguei. Teve crianças que não quiseram. Para essas
não apresentei nenhuma alternativa. Sentei-me entre as crianças no chão e comecei a
perguntar o que estavam vendo e elas animadamente começaram a relatar quase que ao
mesmo tempo. Combinamos de falar uma de cada vez e mostrar para os demais colegas. Os
que já haviam mostrado seus achados continuavam procurando outras coisas para mostrar e só
quando um deles anunciava uma coisa que interessava, interrompia a busca e olhava. Aos
poucos foram naturalmente mostrando aos que estavam mais próximos. Eduardo, uma das
crianças que não quis a revista, ficou olhando, mas não se animou em buscar uma revista para
si. Eu abri uma revista e também comecei a procurar coisas que pudessem atrair a atenção de
Amanda, outra criança que estava sem revista, mas sem me dirigir diretamente a ela. Ela não
demonstrou muita diferença de comportamento. Ficou sentada no mesmo lugar. Fui até ela e
perguntei: “O que você acha que vai ter na próxima página?” Ela não respondeu, só encolheu
os ombros como se dissesse: “Sei lá”. Eu disse: “Acho que vai ter um sorvete” e virei a
página. Não tinha, mas ela me olhou e disse: “Acho que tem na outra? ”Virei a página e não
tinha. Então eu disse: “Agora é sua vez de adivinhar o que tem na próxima página”. Ela olhou
para cima, parecendo pensar em algo e disse: “Acho que tem um bicho”. Virei a página e
disse: “Não tem.” Ela me surpreendeu dizendo: “Mas lá no fundo tem peixinho e baleia”. Era
uma foto de uma praia. Então disse-lhe: “É mesmo, lá no fundo tem muitos bichinhos...”
Continuamos nessa brincadeira por alguns minutos e outras crianças vieram participar
conosco desta adivinhação.
Foi fácil perceber as crianças que estavam envolvidas com a atividade. Elas olhavam
detalhadamente ás páginas e conversavam com os colegas. Com as crianças que não
apresentaram logo de início interesse, fui conquistando sua atenção e aos poucos pude
observar que elas entraram no jogo da adivinhação. Nesse momento acredito que esta
brincadeira passou a ser lúdica para elas também.
97
Viagem ao mundo da imaginação
(G3) 20min.
Foi um momento em que senti as crianças de três anos apresentando um comportamento
quase de gente grande.
Eu expliquei que naquele momento nossa visita à biblioteca seria para consultarmos os livros.
Disse que eles poderiam pegar o livro que quisesse, mas prestassem atenção em qual
prateleira eles pegaram porque teriam que, depois, guardar no mesmo lugar. A seguir,
poderiam escolher outro se quisesse.
Eles ficaram ansiosos para escolher, mas, aos poucos, foram sentando nas cadeirinhas (na
biblioteca não tem mesas para as crianças). Na hora de devolver, alguns disseram que não se
lembravam de onde havia retirado... Então, fui tentar encontrar o lugar junto com eles. Alguns
manuseavam rapidamente as páginas e iam trocar de livro, outros ficavam olhando
atentamente as ilustrações e até mexiam os lábios como se estivessem lendo a história para
eles próprios. Outros mostravam alguma coisa para o colega ao lado. Depois de 20 min.
Aproximadamente, anunciei que estava na hora de guardar os livros, uma criança não quis
(Alice) guardar o livro que estava manuseando. Então negociamos que ela o levaria, mas
depois voltaria para guardar.
As crianças se apresentaram empolgadas diante de tantas possibilidades de manuseio. Através
do jeito em folhear os livros, o olhar atento para as gravuras, as idas e vindas em direção às
prateleiras percebi que foi um momento lúdico.
“O fantástico mundo das histórias”
(G2) 20min.
Com alguns livros de histórias já conhecidas pelas crianças em cima da mesa, perguntei quem
queria contar uma história. Todos pegaram o livro. Sentamos em círculo no chão e eu
perguntei quem queria ser o primeiro. Maria Eduarda e Caio falaram na mesma hora:”Eu
quero”. O que combinamos foi que Maria Eduarda contaria primeiro, e depois Caio. Maria
Eduarda foi logo levantando o braço e, ao meu sinal, começou sua narrativa. A sua era a
98
história de Branca de Neve e os Sete Anões. Os colegas ficaram atentos olhando as gravuras
que ela ia mostrando ao mesmo tempo que ia narrando a história com muita desenvoltura.
Quando ela terminou, aplaudimos. Chegou a hora de Caio. Eu disse que ele poderia começar.
Ele ergueu o livro, posicionando-o na primeira página e não falou nada. Sua história era de
Chapeuzinho Vermelho. Ficamos aguardando... ele olhou para o livro, olhou para o grupo, e
não falava. Os colegas começaram a pedir que ele contasse. Caio foi ficando cada vez mais
vermelho, mas não conseguia falar. Eu perguntei: “Caio, você ainda quer contar a história ?
Ele respondeu que sim, e eu disse que ele podia contar, mas ele continuou sem falar nada. Eu
perguntei se ele queria ajuda dos colegas. Então ele respondeu afirmativamente balançando a
cabeça. Então ele foi mostrando as gravuras e os colegas iam narrando os acontecimentos. Ao
final aplaudimos Caio que abriu um sorriso largo e iluminado. Mais duas crianças contaram
história. Uma, João Fernando, foi logo dizendo que também queria ajuda, porque era uma
história “bem grande”. Era a história da Bela e a Fera. A outra, Matheus, contou a história de
Rapunzel, disse que não queria ajuda dos colegas.
O que observei nesta atividade, de modo geral, principalmente através do olhar voltado para
quem estava contando a história, foi que as crianças gostaram de participar e estavam atentas.
Mesmo Caio que, talvez por timidez, não usou a linguagem oral para contar a história,
conseguiu participar do seu jeito. Os que não foram contar porque não houve tempo e/ou
porque não expressaram o desejo, estavam atentos ao ouvir e não dispersaram em direção a
nenhuma outra atividade.
“Uma conversa, muitas linguagens”
(G3) 10 min.
Foram muitos os momentos de conversa com o grupo três. E normalmente tem aqueles que
mais falam e outros que quase nunca falam, mesmo quando direcionamos uma pergunta
diretamente a eles. Tomarei como referência uma conversa posterior a um desentendimento
entre duas crianças, Sofia e Rhus, que são amigas e que tinham tido um conflito no dia
anterior, ao qual não presenciei, pois eles estavam com outra professora. O pai de Sofia logo
na chegada quis falar comigo e, logo depois, o pai de Rhus. Ambos querendo saber o que
havia acontecido. Conversei com os dois separadamente, sem a presença das crianças e disse-
lhes que iria procurar saber o que tinha acontecido, pois não estava presente quando tudo
99
aconteceu, e orientei-os a tratar o caso através da conversa em casa. No primeiro momento,
quando entramos na sala, enquanto eles tiravam os sapatos eu ouvi uma conversa. Algumas
crianças estavam falando que Sofia não receberia ovo de páscoa e Sofia respondendo irritada
que iria receber sim. E um dizia que não ia, ela dizia que ia. Então eu sentei perto deles e
perguntei o que estava acontecendo. Alice, que é falante, disse que Sofia não ganharia ovo de
páscoa porque havia mordido Rhus no dia anterior. Então começamos a conversar e fui
procurando saber o que tinha acontecido, porque eles brigaram, o quê os colegas acharam
daquilo etc. Rhus, que não é dos mais falantes, falou, explicou a situação. Sofia é menos
falante do que Rhus, e nesse momento ficou caladinha, abraçando os joelhos encolhidos,
respondendo apenas com a cabeça quando a pergunta cabia uma resposta assim. Com as
respostas dadas por Sofia ela pareceu reconhecer que errou e que não faria mais isso. Contudo
quando disse para ela pedir desculpas ela não o fez. Foi Rhus que falou: “Eu desculpo Sofia.”
Mesmo assim Sofia não quis pedir desculpas. Já havia se passado quinze minutos
aproximadamente e eu disse que Sofia iria pensar sobre tudo que a gente tinha conversado e
depois falaria com Rhus, porque já estava na hora de lavarmos as mãos para o lanche.
Não havia mais o que conversar para convencê-la a pedir desculpas. Talvez, mesmo
reconhecendo o erro, não tenha se arrependido do que fez... talvez, seja isso um sinal de que
não guardou o sentimento de culpa ou pedir desculpa em público fosse muito esforço para
quem não falou nem para se explicar... Como saber o que se passa no coração destes
pequenos?
Segundo Piaget, até os sete anos as crianças não sabem discutir, colocando-se no lugar da
outra criança, mas isso nem muitos adultos conseguem... Acredito que sob as limitações
inerentes ao desenvolvimento das suas estruturas mentais e emocionais, em algumas situações
podemos conseguir algum diálogo.
“Inventando a brincadeira”
(G2) 20 min.
Esta atividade é muito espontânea. A proposta é deixar a criança organizar sua brincadeira. É
claro que já existe o limite de espaço, dos materiais que ficam disponíveis para a utilização
delas (escorregadores, pequeno túnel, bolas, bambolês etc) e dos móveis que ficam no salão.
100
É interessante observar como algumas crianças ficam agitadas, inicialmente, querem correr,
escorregar, freqüentemente em grande velocidade e aos poucos, a energia que estava
possivelmente pouco ou muito contida, vai se equilibrando, para alguns. Outras, mesmo
realizando as mesmas atividades, apresentam outro ritmo, o que revela a característica de cada
ser. Tem crianças que usam o escorrega para sentar e realizam outra atividade, como por
exemplo, cantar (Figura 20). Por ser um momento de atividade livre, elas normalmente
realizam o que gostam e escolhe suas companhias de acordo com as afinidades. É curioso
observar como elas repetem movimento de outros dias (Figura 21) e às vezes continuam
histórias por elas inventadas, imitam umas às outras, se desentendem e depois,
freqüentemente, fazem as pazes, combinam estratégias de ação etc. É o que nós podemos
chamar, geralmente, de momento lúdico.
Figura 20
Figura 22
101
4.2.2. Concluindo...
As compreensões de Jean Piaget e André Lapierre, descritas no capítulo dois, contribuíram
para as constatações que se seguem.
Em cada atividade, pude perceber as diferentes reações das crianças, como por exemplo, em
“Dançando com o Murucututu”; “e Cantando dançando” e “Construtores variados e uma
observadora”. Mas também, muitas vezes, percebi reações muito parecidas em “A magia das
bolas de sabão”; “Dançando de tudo” e “Viagem ao mundo da imaginação”. Essas reações
variam em relação às preferências em cada atividade propriamente dita, mas também em
função da idade, do jeito de ser e as preferências dos educandos.
O gesto, o olhar, a postura, o ritmo, intensidade do movimento etc., de cada criança variou em
função da sua história, do seu desenvolvimento e do estado emocional no momento da
atividade. Mas sempre expressaram emoções, sentimentos e um estado interno a que podemos
definir como lúdico, em algumas situações, em outras, não.
As reações das crianças em uma mesma atividade em dias diferentes revelaram as conquistas
que elas realizam dia após dia, através da convivência com as outras crianças e da repetição
de exercícios corporais semelhantes. Como no caso das crianças do G1, ao participarem da
atividade “Bichos, música e movimento: ótima combinação!”; no G3 com a repetição da
música na atividade “Canto: passaporte para integração”.
Através das atividades nas quais as crianças ficam alegres e concentradas é possível
conquistá-la mais facilmente no seu período de adaptação, principalmente, quando os
primeiros vínculos estão sendo formados. Como no relato da atividade “Canto: passaporte
para alegria” na qual André Felipe estava muito choroso, mas pareceu conseguir esquecer, por
alguns instantes, a sua dor. Nessa atividade, onde a imitação está presente e é, segundo Piaget,
um jogo em que predomina a acomodação, característico na faixa de 0-2 anos de idade, foi
adequada para o momento de André, produzindo um resultado que, a meu ver, foi gratificante.
No momento em que as crianças observam e tentam realizar os movimentos, há todo um
trabalho de coordenação viso-motora, acuidade auditiva, mas também há uma mobilização
interior desencadeada pela alegria que a música proporciona, pela satisfação de estar
102
movimentando o corpo fazendo circular a energia vital. Corpo, sentimento, emoção tudo
acionado de forma integrada. Como diz Piaget, as experiências intelectuais, corporais e
afetivas são indissociáveis.
As atividades lúdicas também ajudam as crianças no processo de construção de sua
autonomia, na medida em que elas conseguem realizar os movimentos sozinhas e nós a
elogiamos, elas repetem no sentido de aprimorar, pois o ambiente é estimulador e ao mesmo
tempo acolhedor. Segundo Lapierre, a exploração do mundo pela criança se dá inicialmente
através do seu corpo. Quando as primeiras experiências são acolhidas, valorizadas,
acompanhadas, a criança tem condições de evoluir para a criatividade e a autonomia. Pude
constatar essa evolução por diversas vezes, durante as observações acima relatadas.
A conclusão central a que cheguei, após a realização de todas as propostas de atividades e
observações acima descritas, foi a certeza de que é possível avaliar a possibilidade de vivência
da ludicidade, sob o ponto de vista interno, através das expressões corporais das crianças.
Entretanto, para que isso seja possível, é preciso que o educador estabeleça uma relação de
afetividade e confiança com seus educandos, buscando conhecer seu jeito singular de estar no
mundo e de se comunicar com os objetos e pessoas à sua volta. O educador precisa, também,
desenvolver a sua sensibilidade para estabelecer uma comunicação com as crianças para além
dos códigos verbais. E é indispensável uma compreensão sobre o processo de
desenvolvimento cognitivo, emocional e corporal das crianças.
No período das minhas observações, eu já conhecia a maioria das crianças do semestre
anterior e isso ajudou muito nas minhas avaliações. Vale ressaltar que, foram no total
cinqüenta e uma crianças envolvidas, destas, quinze só conheci no período da pesquisa. Em
relação a essas crianças precisei levar mais tempo para poder avaliar com maior eficácia suas
expressões, em função da falta de intimidade que existia entre nós. Mas busquei estar sempre
aberta às suas variadas possibilidades de expressão, experimentando também uma
comunicação corporal com elas, expressando-me de formas diversificadas, utilizando,
principalmente, o contato corporal e a arte.
103
Nesse processo, é fundamental que o educador esteja disponível para saber esperar. Não ter pressa
para alcançar resultados aos quais as crianças ainda não tenham condições de corresponder, seja
no aspecto do desenvolvimento cognitivo, motor, ou emocional. Dessa maneira, não tentará
antecipar uma evolução que exige tempo para amadurecimento e integração das experiências
vividas em cada etapa de aprendizados.
Considerando o processo de desenvolvimento das crianças, e as teorias explicativas desse
processo, é relevante constatar que podemos optar por um caminho no qual a ludicidade esteja
presente nesse caminhar. Sabemos que o espaço da creche UFBA, não oferece condições para
que as crianças possam se desenvolver vivenciando a ludicidade todo o tempo em que lá
estão. Acredito até, que viver em estado lúdico permanente é impossível. Contudo, é
indispensável reconhecermos a importância de, sempre que possível, propiciar esses
momentos.
As crianças precisam ser respeitadas no seu jeito, desejos e necessidades. Vamos atendê-las,
sempre que for possível, para o bem do seu desenvolvimento.
104
6 CONCLUSÃO
Inicialmente, quero dizer que os passos dados para o desenvolvimento desta pesquisa,
contribuíram muito para a sistematização de um raciocínio que enriquecerá profundamente a
minha prática como educadora e isso será multiplicado no meu espaço de atuação, trazendo
benefícios para outros profissionais e, principalmente para as crianças.
Uma das principais idéias relacionadas ao meu objeto de pesquisa, é que uma mesma
atividade pode ser lúdica ou não, e isso está relacionado à pessoa que vivencia a experiência.
Suas características, sua história, suas preferências etc. são determinantes no processo da
vivência lúdica.
Ludicidade é um conceito que vem se expandindo e vem, cada vez mais, assumindo um lugar
de destaque na área da educação. Contudo, é preciso cuidado em relação a forma como essa
ludicidade é considerada e aplicada nas salas de aula. Na educação infantil, especificamente, é
freqüente o educador propor atividades acreditando que elas proporcionarão o contato com o
lúdico. Em função de variados fatores, não alcançam este objetivo e, muitas vezes, a criança
expressa corporalmente, mas isso, não é identificado pelo professor. A atividade pode até ser
uma brincadeira, mas isso não garante por si só, que ela seja lúdica para todas as crianças.
Esta prática, leva em consideração a técnica utilizada, sem considerar que as repercussões
individuais no interior de cada criança.
Entretanto, o termo ludicidade utilizado nesta pesquisa, se referiu à experiência interna,
inerente a pessoa que participa da atividade. Envolve uma dimensão objetiva relacionada à
ação, às expressões corporais, às atitudes. Mas também, há uma dimensão interna que diz
respeito à história, à cultura, às questões subjetivas dos indivíduos que estão inseridos no
contexto da proposta.
Em função da faixa etária das crianças da creche, não podemos esperar que elas externem
com palavras o que estão sentindo ao participar das atividades. Diante da complexidade desta
105
situação, o educador tem necessidade de estabelecer com os educandos uma comunicação
não-verbal. E através das suas expressões, avaliar se as crianças estão vivenciando
experiências as quais podemos identificar como lúdicas, ou não.
Sinalizo as teorias de Piaget e Lapierre como referenciais significativos, pois ajudam a
desvelar o processo pelo qual passam as crianças em direção ao seu desenvolvimento. Mas
também ajudam a olhar para a expressividade da criança, compreendendo o que se passa em
seu interior, seus desejos, seus sentimentos e suas emoções.
Piaget afirma que através dos processos de assimilação e acomodação a criança desenvolve
suas estruturas cognitivas. A afetividade está permeando essa construção, favorecendo um
equilíbrio nas conquistas realizadas, de forma que um aspecto está articulado ao outro. As
ações exteriores e mesmo as interiores são motivadas por uma necessidade. O desequilíbrio é
a origem dessa necessidade, que desencadeia uma ação da qual o indivíduo vai assimilar e
acomodar algo novo. Desde o nascimento, o ser humano realiza esse movimento tornando
diferenciado seu interior do exterior, antes indiferenciado. Sendo assim, o seu eu passa a ser o
centro da sua realidade interna, subjetiva, enquanto que, o mundo externo, objetivo.
Essa mudança vai se realizando através do jogo. Inicialmente, é o jogo de exercício (ênfase na
atividade motora), depois o jogo simbólico (assimilação de um signo) e em seguida o jogo de
regras (envolve os símbolos e as relações interindividuais). Esses tipos de jogos estão
relacionados às etapas de desenvolvimento da criança.
A teoria de Lapierre está voltada para o desenvolvimento da personalidade autônoma da
criança. Para ele o gesto, o movimento, o próprio agir, estão permeados de significações
simbólicas dos desejos mais profundos e autênticos. Respeitá-los e acolhê-los é o caminho
para a conquista da autonomia.
O jogo se apresenta como um meio onde a criança pode superar frustrações. Através das
substituições simbólicas, a criança pode vivenciar seus sentimentos de medo, vulnerabilidade
e de perda que o impedem de assumir sua própria identidade. A comunicação não-verbal
exerce um papel fundamental nesse processo. Lapierre afirma que o corpo revela as tensões
emocionais através do simbolismo do agir.
106
Diante dessas contribuições de Piaget e Lapierre e reconhecendo todas as dificuldades
inerentes ao processo de educar crianças numa creche, acredito que o papel do educador é
desafiador, porém, preponderante, visto que, independente das condições que a instituição
oferece, é ele quem está mais diretamente relacionado à criança e, portanto, é quem tem a
responsabilidade de estar avaliando seu nível de desenvolvimento, suas necessidades,
decodificando seus sentimentos através dos sinais por elas expressos corporalmente e,
concomitantemente, agindo no sentido de responder a sua demanda.
Durante a realização das atividades nesta pesquisa, pude tomar decisões e atitudes em relação
às crianças a partir das observações expressas por elas através da linguagem não-verbal, no
sentido de oferecer suporte para seu desenvolvimento cognitivo (com referencia aos estudos
de Piaget) e afetivo (principalmente com a referência de Lapierre).
É uma tarefa que requer do educador uma postura de busca permanente do aprimoramento do
seu fazer pedagógico e da sua formação profissional. Exige muito comprometimento e
abertura para o novo.
Só assim, poderá estabelecer uma comunicação significativa com seus educandos, que
permitirá um encontro de amor, capaz de superar as dificuldades, frustrações e descobrir
novas possibilidades, dantes impossíveis, para que, independente das condições exteriores,
possa viver a alegria, a compreensão, a paz, a ludicidade.
Restam-me duas inquietantes indagações. O professor pode cuidar da ludicidade de seu
educandos, mas quem é que cuida para que o educador possa realizar o seu fazer pedagógico
com ludicidade? Até quando as dificuldades existentes na creche e na escola, que são geradas
por uma série de situações históricas e administrativas externas e internas a ela, recairão
sempre nas mãos do educador, para que ele dê um jeitinho?
107
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112
APÊNDICE A - Relação das atividades propostas
1. Conto de história com livro e de cineminha. (Murucututu, O Caracol, Peixe Pixote, O
Camaleão, Ventinho)
2. Brincadeira livre com bolas de plástico pequenas
3. Audição de música e movimento
4. Canto
5. Projeção de filme
6. Projeção de musicais
7. Livre exploração de brinquedos
8. Brinquedos de montar
9. Arrumação os brinquedos após a brincadeira
10. Construção de painel coletivo
11. Ensaio de dramatização para o encontro com a família
12. Apresentação da dramatização
13. Dança livre (após a hist. do Murucututu; Com o CD de músicas de Telma Chan; Estica
encolhe etc)
14. Relaxamento
15. Bola de soprar
16. Recorte de revista
17. Desenho (com giz de cera e com giz colorido)
18. Pintura (com pincel, bucha, rolinho de espuma, com as mãos)
19. Modelagem
20. Colagem
21. Leitura em sala
22. Visitas à Biblioteca para manuseio e leitura dos livros pelas crianças
23. Narração de histórias crianças
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