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HERIVELTO SOARES DA COSTA
O CONCEITO DE LATIFÚNDIO NA HISTORIOGRAFIA E A FORMAÇÃO DA
IDÉIA DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
MARINGÁ
2006
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HERIVELTO SOARES DA COSTA
O CONCEITO DE LATIFÚNDIO NA HISTORIOGRAFIA E A FORMAÇÃO DA
IDÉIA DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
Dissertação apresentada como requisito parcial para
a obtenção do grau de mestre em História, no
Programa de Pós-graduação Mestrado em História
do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Estadual de Maringá, sob a orientação
do Prof. Dr. Lupércio Antonio Pereira.
MARINGÁ
2006
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HERIVELTO SOARES DA COSTA
O CONCEITO DE LATIFÚNDIO NA HISTORIOGRAFIA E A FORMAÇÃO DA IDÉIA
DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
Dissertação apresentada como requisito parcial
para a obtenção do grau de mestre em História, no
Programa de s-graduação Mestrado em História
do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da
Universidade Estadual de Maringá.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Lupercio Antonio Pereira
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Prof. Dr. José Flávio Pereira
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Prof. Dr. Claudinei Magno Magre Mendes
Universidade Estadual Paulista – UNESP/Assis
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DEDICATÓRIA
À minha esposa Sirlene e ao meu filho Hendrick Breno.
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AGRADECIMENTOS
Ao Lupércio, por ter orientado esta pesquisa, proporcionando, por meio do incentivo à
liberdade de pensamento, meu crescimento intelectual.
Aos professores José Flávio e Claudinei, por aceitarem compor a banca examinadora.
Ao meu amigo Paulo, que me incentivou a seguir o caminho da pesquisa científica.
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RESUMO
Este trabalho analisa os clássicos da historiografia brasileira do século XX e a historiografia
especializada na questão agrária, para verificar em que medida o tratamento dado por essas
obras à questão do latifúndio contribuiu para a formação e para o triunfo da idéia de que a
reforma agrária era um imperativo para o desenvolvimento nacional. Nessa análise, verificou-
se que o latifúndio agrário-exportador aparece, na historiografia, como um dos grandes vilões
da história do país, pois seria um dos principais elementos explicativos dos problemas
econômicos e sociais brasileiros. Constatou-se, também, que níveis diferenciados para essa
relação causal entre o tratamento dado ao latifúndio pela historiografia e a viria da idéia de
reforma agrária. Chegou-se à conclusão de que a historiografia clássica exerceu uma
influência indireta, enquanto historiografia agrária exerceu uma influência mais direta, dado o
caráter panfletário de muitas dessas últimas obras. Constatou-se, também, que o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) soube explorar com maestria os discursos
historiográficos para fazer a opinião pública inclinar-se a favor de suas teses, obtendo, assim,
uma grande viria no plano simbólico, o que lhe permitiu colher significativos ganhos
políticos na virada do século XX para o XXI.
Palavras-chave: Latifúndio, Historiografia, Reforma agrária.
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ABSTRACT
Current research analyzes the classics of 20
th
century Brazilian historiography and the
historiography dealing with rural problems. The importance given to the problem of
latifundium by historiography is investigated to verify the manner it contributed towards the
formation and the success of the slogan that Agrarian Reform was mandatory for the
development of Brazil. Data show that historiography sees the agricultural and exporting
latifundium as one pf the great villains in the history of Brazil, indicted as the main culprit for
Brazilian economical and social problems. It seems that different levels exist in the causal
relationship between the importance given to the latifundium problem by historiography and
the success of the Agrarian Reform concept. In fact, whereas classical historiography has
exerted an indirect influence, agrarian historiography affects Agrarian Reform more directly,
perhaps due to the pamphletary characteristics of its most recent publications. Research has
also shown that the Landless Rural Peasants’ Movement (MST) has exploited with great tact
the historiographical discourses so that public opinion would be inclined to be in favor of its
doctrines. In fact, the MST has obtained great victories on the symbolical front and has
achieved significant success at the turn of the 21
st
century.
Key words: Latifundium, Historiography, Agrarian Reform.
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Sumário
Introdução.............................................................................................................................. 9
Capítulo I – O latifúndio na historiografia hegemônica sobre a história do Brasil............... 14
1.1. Sergio Buarque de Holanda: o latifúndio e a permancia da mentalidade arcaica
(herança ibérica)..................................................................................................................... 14
1.2. Caio Prado Júnior: o latifúndio e a economia voltada para o exterior........................ 20
1.3. Celso Furtado: o latifúndio como uma das causas do subdesenvolvimento
brasileiro............................................................................................................................ 27
1.4. Nelson Werneck Sodré: o latindio como aliado do imperialismo........................... 32
Capítulo II O latifúndio na historiografia especializada na questão agrária no Brasil....... 38
2.1. Ruy Cirne Lima: o latifúndio como conseqüência da desorganização jurídica.......... 38
2.2. Victor Nunes Leal: o latifúndio como causa e efeito do coronelismo........................ 42
2.3. Textos dos anos sessenta: uma declaração de guerra ao latindio............................ 45
2.3.1. PCB: a base teórica dos textos dos anos sessenta.................................................... 46
2.4. Fragmon Carlos Borges: as origens históricas do latifúndio...................................... 48
2.5. Carlos Marighela: o latifúndio como causa do atraso econômico brasileiro.............. 49
2.6. Rui Facó: o latifúndio como o problema agrário brasileiro........................................ 52
2.7. Mário Alves: a reforma agrária revolucionária contra o latifúndio............................ 53
2.8. Paulo Schilling: o latifúndio como o grande mal da estrutura agrária brasileira........ 54
2.9. Reflexões sobre os textos dos anos sessenta............................................................... 56
2.10. Alberto Passos Guimarães: o caráter linear do latifúndio......................................... 57
2.11. Caio Prado Júnior e a questão agrária no Brasil....................................................... 61
2.12. Estatuto da Terra: indício do triunfo das teses historiográficas contra o
latifúndio............................................................................................................................ 63
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Capítulo III A sustentação teórica do MST: a vitória da iia do distributivismo agrário
construída pela historiografia hegenica............................................................................ 67
3.1. Xico Graziano: acerca da atualidade da luta contra o latifúndio.................................77
3.2. Os clássicos não-hegemônicos da história do Brasil: outro modo de ver o
latifúndio................................................................................................................................ 79
Considerações Finais..............................................................................................................84
Referências Bibliográficas................................................................................................... ...87
Bibliografia.......................................................................................................................... ...90
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INTRODUÇÃO
O MST e a luta pela reforma agrária no Brasil
Um fato que chama a atenção no atual momento histórico é a desenvoltura com que o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza suas ações na luta pela
reforma agrária no Brasil. Tais ações são freqüentemente divulgadas pela mídia e fazem
parte do cotidiano jornalístico brasileiro. Algumas ações do movimento o tão espetaculares
que chegam a ser noticiadas, também, pela imprensa internacional. Embora existam outros
movimentos sociais congêneres, o MST é o que mais se destaca por suas ações: conforme a
manchete do Jornal Gazeta do Povo, de 11 de Junho de 2006, as invasões de terra cresceram
168% no primeiro trimestre desse ano. Eis o papel desempenhado pelo MST na composição
dos dados:
“As ocupações de terra nos três primeiros meses do ano representam 50%
das ocorridas no ano passado. A maioria delas foi comandada pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que vê na ocupação
de terras o meio mais eficaz para pressionar o governo federal a acelerar a
reforma agrária. (...)”. (Gazeta do Povo, 11/06/2006)
Uma das coisas que chama a atenção nesse noticiário é alta dose de condescendência
da mídia e da sociedade com essas ações. Mesmo quando o MST é acusado de praticar
excessos em suas ações de ocupão de propriedades ou de prédios públicos, nunca é
questionado quanto à legitimidade de sua luta. Critica-se o excesso praticado, mas não a causa
do movimento. Quase sempre, as ações do MST têm como resposta o atendimento de suas
reivindicações pelo poder público, o que revela a força que a idéia da reforma agrária adquiriu
no imaginário político brasileiro.
De modo geral, podemos destacar como principais ações desse movimento: invasões
de fazendas (produtivas e improdutivas) e matança de animais pertencentes a elas, além da
manutenção de seus empregados em cárcere privado; marchas; ocupação de rodovias; saques
e depredações de cabines de pedágio; desrespeito aos mandados judiciais de reintegração de
posse; saques de cargas de caminhões e ocupações de prédios públicos, principalmente as
sedes do INCRA.
Alguns acontecimentos envolvendo o MST na última década são importantes para
demonstrar a importância gradativa que ele angariou.
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Em abril de 1996, ocorreu o trágico “Massacre de Eldorado dos Carajás”, no qual
dezenove trabalhadores sem terra foram mortos em confronto com a polícia. Desde então, o
mês de abril se tornou simbólico para o Movimento, que o elegeu como o principal período
anual de realização de manifestações pela reforma agrária. O impacto do ocorrido em
Eldorado dos Carajás foi tão grande que, um mês depois, em maio do mesmo ano, o governo
federal recriou o Ministério da Reforma Agrária. Isso demonstra que os conflitos no campo
brasileiro atingem proporções alarmantes, exigindo ações diretas do governo federal.
Em novembro de 1996, o MST ameaçou invadir uma fazenda pertencente à família do
presidente Fernando Henrique Cardoso e o Exército foi acionado para protegê-la. Efeito da
ameaça: um mês depois o governo criou um novo imposto territorial rural para combater os
latifúndios improdutivos. Tal ameaça voltou a ocorrer em setembro de 1998.
Em maio de 2000, o MST invadiu prédios públicos em quinze capitais e um militante
foi morto pela polícia. Qual seria a conseqüência desta ação? “O Palácio do Planalto anuncia
um pacote de 8 bilhões de reais para o financiamento da agricultura familiar e para reforçar o
caixa da reforma agrária – uma forma de inibir os ataques do MST”. (Veja on-line).
Note-se que as ações do MST têm sempre uma contrapartida por parte do governo,
que, nos casos aqui abordados, deu-se por meio da reorganização ministerial, da alteração da
legislação tributária específica para os latifúndios e da destinação de recursos para a reforma
agrária. Mas isto não foi suficiente para conter o ímpeto do movimento.
Em abril de 2002, as ameaças de invasão à fazenda do Presidente da República foram
cumpridas:
Na ação mais espetacular e agressiva de sua história, o MST invade a
fazenda do presidente Fernando Henrique Cardoso, a Córrego da Ponte, no
município de Buritis, em Minas Gerais. Lá, os sem terra permaneceram 22
horas, arrasaram a despensa e a adega, danificaram colheitadeiras e tratores,
mataram galinhas e perus, mexeram em papéis privados. No auge do
deboche, deitaram-se na cama do presidente e abriram o guarda-roupa da
primeira-dama”. (Veja on-line)
Se a idéia de reforma agrária não tivesse sido vitoriosa no imaginário político da
sociedade, poderia servir de base à ousadia deste ato? Curiosamente o próprio presidente
Fernando Henrique Cardoso já havia decretado o dia 17 de abril como o dia nacional de luta
pela reforma agrária, em respeito ao massacre de Eldorado dos Carajás.
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Em maio de 2005, o MST concluiu a marcha de quase 200 km com 12 mil pessoas
para chegar a Brasília e exigir a aceleração no processo de reforma agrária. O que chama a
atenção, neste caso, é a logística utilizada pelo Movimento: caminhões-pipa, banheiros
químicos e cozinhas sofisticadas. De onde vieram os recursos para tal empreitada? Eis os
patrocinadores:
Tudo isso é pago com recursos de variada procedência. Houve os
generosos fornecimentos do governo do Estado de Goiás e da prefeitura de
Gonia. Houve ajuda das prefeituras dos municípios pelos quais passou a
marcha, e até o apoio de fazendeiros o que parece um pagamento de
pedágio” ou “compra de proteção” semelhante ao que se fazia nos sertões
nordestinos, para livrar-se dos grandes cangaceiros, como Lampião e
Corisco. os não menos generosos recursos disponibilizados pelo
governo federal, a título de ajuda a assentados, e os apoios (materiais e/ou
institucionais) de ONGs, nacionais e estrangeiras, além de setores da Igreja
Católica do Brasil”. (O Estado de SP, 14/05/2005)
Percebe-se que o MST tem o apoio não apenas governamental (em suas esferas
municipal, estadual e federal), mas também de organizações não-governamentais e de setores
da Igreja católica.
Embora a idéia de reforma agrária fosse forte politicamente no governo de
Fernando Henrique Cardoso, ao qual o MST se opunha, é importante observar a força que
tomou posteriormente. Vejamos a concepção de latifúndio de Miguel Rossetto, Ministro do
Desenvolvimento Agrário do governo Lula, eleito com o apoio do Movimento. Segundo ele,
há no país “a falsa idéia de que o latifúndio monocultor é moderno e gera emprego. Moderno
para um país é a terra bem distribuída, um modelo agrário com gente trabalhando no campo”.
(Folha de São Paulo, 27/11/2004). Nota-se, nesta declaração, que, para o atual ministro,
encarregado de resolver os problemas agrários e realizar a reforma agrária no Brasil, o
latifúndio é um grande vilão: não é moderno, não gera emprego e, assim, representa uma
instituição arcaica que deveria ser eliminada para viabilizar o desenvolvimento do país. Essa
era a opinião reinante o apenas no meio político, mas também na sociedade de um modo
geral, pois quem ousaria se posicionar contrariamente à reforma agrária distributivista que
exterminaria a tão cruel instituição do latifúndio?
Esses acontecimentos, reveladores da força do MST, conjugados com algumas obras
historiográficas analisadas durante o curso de Especialização em História Econômica,
concluído em 2004, sugeriam, em nosso entendimento, um relevante tema de pesquisa. A
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possível relação entre o tratamento dado pela historiografia ao latifúndio na história brasileira
e a condescendência da mídia, do Estado brasileiro e de amplos setores da opinião pública do
país com as ações do MST e de movimentos congêneres apresentava-se como uma importante
hipótese orientadora da investigação. Ou seja, tal tratamento teria influenciado a historiografia
subseqüente sobre a questão agrária, bem como a formação da idéia, no plano simbólico, de
que a reforma agrária seria vitoriosa no último quartel do século XX.
Definimos, assim, o objetivo básico da pesquisa: investigar se a maneira como a
historiografia abordou o latindio na história brasileira contribuiu para a vitória da idéia de
reforma agrária encampada pelo MST no último quartel do século XX e até que ponto.
Com base nesses eixos norteadores, o trabalho de pesquisa foi realizado e seus
resultados serão apresentaremos em três capítulos, como segue.
No primeiro, constituído por uma retrospectiva dos autores clássicos da história do
Brasil, entre eles, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado nior, Celso Furtado e Nelson
Werneck Sodré, enfatizamos a maneira como eles trataram o latifúndio enquanto instituição.
Neste caso, a referência aos clássicos significa considerar as obras que mais influenciaram o
pensamento historiográfico brasileiro no século XX, tanto no que concerne à história do
Brasil como à questão agrária brasileira. Percebemos que os autores supra-referidos
contribuíram, cada um à sua maneira, para a eleição do latifúndio como um dos grandes vilões
dos problemas brasileiros, em suas várias dimensões: espacial, política, econômica e social.
Dedicamos o segundo capítulo ao exame das concepções reinantes na historiografia
específica sobre a questão agrária brasileira acerca do latifúndio. Entre os autores, destacamos
Ruy Cirne Lima, Victor Nunes Leal, Alberto Passos Guimarães, Carlos Marighela, Fragmon
Carlos Borges, Rui Fa, Mário Alves e Paulo Schilling. Embora, entre os autores clássicos
da história do Brasil e os clássicos da questão agrária brasileira, não exista uma linearidade
em seus modos de ver o latifúndio, essas duas vertentes historiográficas apontam problemas
comuns em relação ao papel representado pela grande propriedade agrária na formação da
sociedade brasileira.
Apesar da importância desses historiadores para a construção do objeto do trabalho,
suas idéias não eram suficientes para respondermos à nossa indagação sobre a influência da
historiografia na vitória da idéia de reforma agrária materializada no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.
Por isso, no terceiro catulo, procuramos abordar o pensamento que dá sustentação
teórica ao MST. Analisamos os escritos de seus principais ideólogos: João Pedro Stédile e
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13
Bernardo Mançano Fernandes. O primeiro, um dos principais líderes do Movimento, e o
segundo, integrante do setor de educação e também pesquisador do MST.
A análise do pensamento que norteia o MST foi fundamental no sentido de
compreendermos por que a idéia de reforma agrária distributivista, encampada pelo
Movimento e vitoriosa no plano simbólico no último quartel do culo XX, adquiriu tamanha
força.
A maneira como a historiografia hegemônica contribuiu para a vitória da idéia de
reforma agrária poderá ser verificada ao longo do trabalho. Antes, porém, de iniciarmos a
análise propriamente dita o necessários alguns esclarecimentos.
Usamos o termo historiografia hegemônica para designar aquelas obras que exerceram
uma influência decisiva na construção do imaginário histórico que gerou as condições ideais
para a viria, no plano simbólico do imaginário político brasileiro, da idéia da reforma
agrária distributivista. Isto implica considerar que essa historiografia que demonizou a grande
propriedade conviveu com outras interpretações da história e, ao mesmo tempo, que as
últimas não tiveram o mesmo sucesso junto aos meios formadores de opinião e ao público em
geral.
Assim, no terceiro capítulo da pesquisa procuramos abordar outras perspectivas
historiográficas sobre a história da questão agrária, as quais, por não terem se
institucionalizado, denominamos historiografia não-hegemônica. Para concluir essa parte
introdutória, um esclarecimento sobre o uso do conceito instituição. Ele é usado tanto em seu
sentido estrito (instituões formais como Igreja, partidos políticos, Estado etc.) quanto em um
sentido mais abrangente. Assim, movimentos sociais como o MST, embora haja discussão
quanto à sua natureza jurídica, são considerados nesta pesquisa na categoria de instituições.
Nesse conceito mais lato, também consideramos que certas obras de pensamento constituem
verdadeiras instituições, dado a influência que exerceram na história.
1
1
Ver, a esse respeito, o texto Instituições e História das Idéias”, de PEREIRA, J. Flávio et alii. IN: Narrativas
da Pós-Modernidade na Pesquisa Histórica. Maringá, EDUEM, 2005, p.215/224.
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CAPÍTULO I
O latifúndio na historiografia hegemônica sobre a história do Brasil
Neste primeiro capítulo examinaremos algumas obras clássicas sobre a história do
Brasil, buscando, em suas respectivas concepções, as causas da existência do latifúndio no
Brasil, bem como suas conseqüências.
A opção por colocar os clássicos da história do Brasil nesta parte inicial da pesquisa
justifica-se pelo fato de que tais obras, verdadeiras instituições fundadoras, foram as bases
teóricas para os estudos posteriores sobre os problemas econômicos e sociais do país.
1.1. Sergio Buarque de Holanda: o latifúndio e a permanência da mentalidade arcaica
(herança ibérica)
A primeira obra que selecionamos para este trabalho é Raízes do Brasil, de Sergio
Buarque de Holanda. A escolha não foi aleatória, pois se trata de uma das obras que
forneceram as bases interpretativas para posteriores análises da história brasileira, sendo,
como avalizou Antonio Candido, um clássico de nascença”
1
. Publicado em 1936, o livro
tinha como objeto de análise as origens do processo de formação da nação brasileira.
Nessa obra, Holanda demonstra que as raízes do Brasil estão em Portugal. Por isso,
para compreender a forma como o país foi colonizado, ele mergulha nos aspectos mais
peculiares do povo português, identificando, como seu principal aspecto, o personalismo
exagerado que se acomodou facilmente à realidade brasileira. Segundo ele, considerando os
trabalhos manual e mecânico como inimigos da personalidade, os colonizadores vieram para o
Brasil em busca daquilo que não poderiam ter na intensidade desejada em Portugal: a
riqueza. A expectativa era de que, no Brasil, eles a alcançariam com o menor esforço possível.
Este colonizador foi definido por Holanda como aventureiro, em contraposição a trabalhador.
O aventureiro tinha como ideal “colher o fruto sem plantar a árvore” (Holanda,
1976:13), mas de que forma pensava atingir seus objetivos? A forma seria o latifúndio, usado
como trampolim para obter a posição que almejava. Verificou-se, assim, a aristocratização do
1
Adjetivo utilizado pelo crítico literário Antonio Candido, na apresentação de Raízes do Brasil.
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15
colonizador português através do latifúndio; ele se tornou senhor de terras, demonstrando que
essa mentalidade mais arcaica do que moderna do português foi a que predominou no Brasil.
Eis a concepção de Holanda acerca das causas da implantação do latifúndio no Brasil.
Ou seja, o latifúndio nasceu em terras brasileiras, como conseqüência de uma mentalidade
dissonante da mentalidade burguesa em ascensão, pois os portugueses não se tornaram
burgueses e, sim, senhores de terras. Para o autor, as conseqüências do latifúndio foram
funestas para o desenvolvimento do país. Passemos a examiná-las.
Para Holanda, o latifúndio no Brasil foi ainda pior do que em outros países que
tiveram esta instituição como base produtiva. Os portugueses jamais se esforçaram para
alterar os métodos utilizados na lavoura e, por isso, predominou no Brasil o latifúndio
predatório. Eis a explicação do autor:
“(...). Mesmo comparados a colonizadores de outras áreas onde viria a
predominar uma economia rural fundada, como a nossa, no trabalho escravo,
na monocultura, na grande propriedade, sempre se distinguiram, em verdade,
pelo muito que pediam à terra e o pouco que lhe davam em retribuição.
Salvo se encarados por um critério estritamente quantitativo, os métodos que
puseram em vigor no Brasil não representam nenhum progresso essencial
sobre os que, antes deles, praticavam os indígenas do país”. (Holanda,
1976:21).
A ousadia era a marca do aventureiro colonizador do Brasil e, por isso, o esforço para
melhorar a produção por meio do trabalho e do desenvolvimento de técnicas não fazia parte
de seu horizonte. Portanto, devido à disponibilidade de terras e aos objetivos dos portugueses,
o latifúndio predatório/exportador/monocultor/escravocrata correspondia aos anseios dos
colonizadores.
Segundo o autor, a primeira conseqüência do latifúndio foi a escravidão; sem essa
forma de trabalho, a produção latifundiária seria inviável. Vejamos a relação de dependência
entre latifúndio predatório e escravidão nas palavras de Holanda:
“(...) A verdade é que a grande lavoura, conforme se praticou e ainda se
pratica no Brasil, participa por sua natureza perdulária, quase tanto da
mineração quanto da agricultura. Sem braço escravo e terra farta, terra para
gastar e arruinar, não para proteger ciosamente, ela seria irrealizável”.
(Holanda, 1976:18)
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16
Conforme Holanda, outra conseqüência do latifúndio foi a impossibilidade de
desenvolvimento de outras atividades econômicas fora de seu raio de influência:
“Uma das conseqüências da escravidão e da hipertrofia da lavoura
latifundiária na estrutura de nossa economia colonial foi a ausência,
praticamente, de qualquer esforço sério de cooperação nas demais atividades
produtoras, ao oposto do que sucedia em outros países, inclusive nos da
América espanhola. (...)”. (Holanda, 1976:26)
Ou seja, o latindio e a escravidão, seu principal apêndice, absorveram tudo,
debilitando a existência de outras atividades, como o artesanato.
Como uma das conseqüências do latifúndio, a escravidão, por sua vez, também teve
conseqüências negativas para o desenvolvimento do país. Porém, o autor pondera que o mal
inicial foi o latifúndio, porque ele foi o elemento gerador da escravidão. Desta forma, atribui a
ele os males causados pela escravidão, especialmente no que concerne ao modo de vida dos
africanos. Entre as características negativas deste modo de vida para a organização política
brasileira, Holanda destaca:
“(...) O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma
acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e
uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades
ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o
contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se
politicamente”. (Holanda, 1976:31)
O latifúndio e a escravidão impediram a vida política brasileira de se organizar de
forma coerente com o que se considera uma nação moderna, no sentido de ordem e disciplina.
Esta afirmação do autor suscita uma indagação: os escravos não eram ordenados e
disciplinados? Todavia, para Holanda, a influência da escravidão africana foi decisiva. Se, de
um lado, a mestiçagem foi a causa do “sucesso” do colonizador português no Brasil, de outro,
foi o complemento (pela moral das senzalas) do caráter de frouxidão das instituições políticas
do país.
A escravidão é considerada pelo autor como uma instituição perversa que foi utilizada
para o desenvolvimento do latifúndio exportador/monocultor/predatório. A questão do
trabalho escravo mereceu uma atenção especial, pois, para ele, o grande marco na história
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brasileira foi justamente a abolição da escravidão em 1888. Segundo Holanda, devido aos
progressos materiais que ocorreram desde a proibição do tráfico negreiro, esta data expressou,
para o Brasil, a possibilidade de se libertar do passado rural e entrar definitivamente na fase
urbana. Todavia, ele ressalta a dicotomia existente entre o passado e a possibilidade do
progresso, pois este seria efetivado por meio do rompimento com o próprio passado, e os
espíritos conservadores observavam atônitos as novas formas de aquisição de riqueza. Eis
como ele expressa o que considera ser o grande obstáculo:
“(...) Como esperar transformações profundas em país onde eram mantidos
os fundamentos tradicionais da situação que se pretendia ultrapassar?
Enquanto perdurassem intatos e, apesar de tudo, poderosos os padrões
econômicos e sociais herdados da era colonial e expressos principalmente na
grande lavoura servida pelo braço escravo, as transformações mais ousadas
teriam de ser superficiais e artificiosas”. (Holanda, 1976:46)
A mentalidade dos latifundiários chocava-se com o progresso. Na visão de Holanda,
embora fosse necessário romper com o passado baseado no latifúndio e no trabalho escravo e
este tivesse sido definitivamente eliminado em 1888, o latifúndio (principalmente a
mentalidade aristocrática) e seus outros apêndices continuaram arraigados à vida política,
econômica e social brasileira. Segundo ele, a mentalidade oriunda da forma de vida
aristocrática penetrou no modo de vida urbano e nas atividades urbanas:
É bem compreenvel que semelhantes ocupações [as urbanas] venham a
caber, em primeiro lugar, à gente principal do país, toda ela constituída de
lavradores e donos de engenhos. E que, transportada de súbito para as
cidades, essa gente carregue consigo a mentalidade, os preconceitos e, tanto
quanto possível, o teor de vida que tinham sido atributos específicos de sua
primitiva condição”. (Holanda, 1976:50)
Neste sentido, o mal causado pelo latifúndio não ficou circunscrito à época colonial e
ao meio rural. Segundo ele, a mentalidade que emanou do latindio resistiu ao tempo e às
mudanças operadas no país com a independência e com a urbanização. A mentalidade pré-
moderna dos grandes proprietários de terra e de escravos projetou-se na vida urbana. Eis a
permancia do mal causado pelo latifúndio.
Outro problema gerado pelo latifúndio consiste, segundo Holanda, no povoamento
irregular do país, pois a colonização permaneceu basicamente na faixa litorânea, inibindo o
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povoamento do interior. Este fato marcaria o desenvolvimento brasileiro ao longo de sua
história. A explicação do autor para tal forma de colonização estaria na importância atribda
pelos portugueses ao comércio com a Europa. Neste caso, os latifúndios deveriam se localizar
na zona litorânea, facilitando, assim, o acesso de seus produtos ao mercado europeu.
Contudo, o homem brasileiro, o homem cordial definido por Holanda, também é fruto
do meio latifundiário, ou seja, a cordialidade do brasileiro emanou do latifúndio, ou, mais
especificamente, das relações que se desenvolveram nesse meio aristocrático. Para o autor,
esta cordialidade seria um obstáculo à modernizão do país, porque o homem cordial se
formou no ambiente latifundiário da família patriarcal, o que resultou em uma dificuldade de
separação entre o círculo familiar e o Estado. “Não era fácil aos detentores das posições
públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção
fundamental entre os domínios do privado e do público” (Holanda, 1976:105). Neste
contexto, ele analisa como a cordialidade do homem brasileiro dificultou a instituição do
Estado burocrático em sua plenitude:
No Brasil, pode dizer-se que excepcionalmente tivemos um sistema
administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses
objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar,
ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares
que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis
a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da
família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa
sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável,
absorvente, do cleo familiar a esfera, por excelência dos chamados
‘contatos primários’, dos laços de sangue e de coração está em que as
relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo
obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde
as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos,
pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas”. (Holanda,
1976:106)
Portanto, a cordialidade do brasileiro implica o predomínio das vontades particulares,
dos interesses pessoais sobre os interesses objetivos. A principal conseqüência desta
característica personalista e patriarcal do homem brasileiro, conforme o autor, é a ausência de
impessoalidade nas relações políticas e econômicas, tão necessárias ao desenvolvimento de
qualquer país.
Em “Nossa Revolução”, último capítulo da obra em questão, Sérgio Buarque faz
reflexões sobre as possibilidades de mudanças no comportamento do homem brasileiro em
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19
face do advento da economia cafeeira e da vida urbana em São Paulo, a partir da segunda
metade do século XIX. Em tese, esse novo cenário poderia gerar relações modernas, tal como
prognosticara Handelmann, um historiador alemão em meados do século XIX, que via na
lavoura cafeeira a possibilidade de promover uma substancial alteração na estrutura fundiária
do país. Mas, segundo Sérgio Buarque de Holanda, esse prognóstico não se realizou:
Redigida em meados do século XIX, essa observação parece refletir
condições de uma época em que a lavoura cafeeira ainda não alcançara uma
preponderância absorvente em nossa economia agrária. A verdade é que,
pelo menos na província do Rio de Janeiro, e em geral no Vale do Paraíba,
as fazendas de café seguiram quase sempre à risca os moldes tradicionais da
lavoura ucareira, constituindo cada qual uma unidade tanto quanto
possível suficiente. A formação e sustentação de semelhantes propriedades
exigiam, por força, grandes capitais, que não se encontravam ao alcance de
qualquer o. E o parcelamento nunca se fez em escala apreciável, salvo
onde o esgotamento dos solos tornava pouco remuneradora sua utilização”.
(Holanda, 1976:128, 129)
Desta forma, o autor argumenta que, com a ascensão do café, a estrutura agrária
brasileira não sofreu alterações fundamentais, sobretudo no que concerne à concentração da
terra e ao difícil acesso à mesma pelas pessoas sem capitais. Portanto, o latifúndio cafeeiro
continuou tão nocivo ao país como fora o latifúndio açucareiro.
Embora a abolição da escravidão houvesse marcado o fim do predomínio agrário e a
ascensão das cidades, Holanda identificava ainda a presença do latifúndio como uma
expressão do iberismo/agrarismo, e isto representava um entrave à Revolução concebida por
ele. Neste contexto, vejamos as considerações finais de Holanda sobre os principais
obstáculos à concretização da Revolução, ou seja, ao desenvolvimento do país:
Essa vitória nunca se consumará enquanto não se liquidem, por sua vez, os
fundamentos personalistas e, por menos que o pareçam, aristocráticos, onde
ainda assenta nossa vida social. Se o processo revolucionário a que vamos
assistindo, e cujas etapas mais importantes foram sugeridas nestas páginas,
tem um significado claro, se este o da dissolução lenta, posto que
irrevogável, das sobrevivências arcaicas, que o nosso estatuto de país
independente até hoje não conseguiu extirpar. Em palavras mais precisas,
somente através de um processo semelhante teremos finalmente revogada a
velha ordem colonial e patriarcal, com todas as conseqüências morais,
sociais e políticas que ela acarretou e continua a acarretar”. (Holanda,
1976:135)
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Estas palavras são conclusivas a respeito do papel desempenhado pelo latindio no
Brasil. O caráter aristocrático que o latifúndio imprimiu à colonização brasileira não foi
extinto com a Independência. Por isso, para o autor, somente com a efetiva liquidação destes
caracteres que compuseram a velha ordem colonial e patriarcal e continuavam presentes no
momento em que ele escrevia sua obra, seria possível corrigir definitivamente os erros do
passado e colocar o Brasil nos rumos do desenvolvimento.
Conforme ficou registrado, para Sergio Buarque de Holanda, os males associados ao
latifúndio eram: a rotina dos métodos produtivos, o impedimento da diversificação produtiva,
o esgotamento dos solos, a emergência da escravidão e sua influência na organização social
do país e a cordialidade como essência do homem brasileiro. Foi dessa maneira que o
latifúndio sustentou o iberismo no Brasil; eliminá-lo seria uma forma de eliminar a
mentalidade arcaica, ou seja, a herança ibérica.
1.2. Caio Prado Júnior: o latifúndio e a economia voltada para o exterior
Outro estudioso, cuja obra se tornou referência para posteriores estudos sobre a
história do Brasil, foi Caio Prado Júnior. Seu livro Formação do Brasil Contemporâneo,
publicado em 1942, lançou as bases de uma interpretação da história do Brasil que exerceu
enorme influência no século XX. A influência dessa interpretação foi tão grande que, segundo
um estudioso, mesmo os seus críticos não conseguiram romper radicalmente com ela:
É verdade que, ao longo destes anos, surgiram várias críticas à maneira de
Caio Prado conceber nosso passado colonial. Todavia, apesar dos seus
esforços, estes críticos o contestaram sua viga mestra, qual seja, a
caracterização da colônia como produção para o mercado externo. Em
conseência moveram-se no interior das formulações gerais de Caio
Prado. Disto resultou que, na sua essência, sua interpretação manteve-se
incólume”.(Mendes, 1997:42)
Além de apontar a hegemonia da interpretação de Caio Prado sobre o passado
colonial brasileiro, Mendes tece outra consideração igualmente importante no âmbito de nossa
pesquisa. Ele revela a essência da formulação de Caio Prado sobre o sentido da colonização.
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Assim, o sentido da colonização – formulação que somente pode ser
compreendida se considerada a partir da proposta de Caio Prado de
constituição da economia nacional acabou assumindo foros de verdade.
Com isso, uma interpretação da colonização motivada por uma proposta
política acabou erigida em descrição do processo real”. (Mendes, 1997:76)
V
erificam-se assim as causas da longevidade dessa interpretação que se mantém
hegemônica até os dias atuais, servindo de matriz teórica para a grande maioria dos estudos
sobre a história do Brasil. Porém, o mais importante para nós consiste nas conseqüências
desta longevidade para o nosso objeto de estudo – o latifúndio. A colonização como produção
para o mercado externo é o fundamento da instituição do latifúndio no Brasil e, na medida em
que esse é um pressuposto teórico básico dos estudos históricos sobre o país, acaba por
subsidiar, ainda que indiretamente, a luta contra o latifúndio. Neste caso, as idéias expressas
em Formação do Brasil Contemporâneo foram mais importantes do que as contidas na obra
A Revolução Brasileira, onde Caio Prado tomou outra posição em relação à questão agrária.
Assim, Formação é que permanece no imaginário político brasileiro.
No plano geral, Formação do Brasil Contemporâneo tinha como objeto de análise o
resultado da colonização brasileira realizada pelos portugueses, por isso, o autor elegeu o
início do século XIX como o momento em que se tornara possível avaliar a obra da
colonização.
O ponto central, que sintetiza e dá o tom à sua análise, consiste naquilo que Caio
Prado chamou de o sentido da colonizão
2
. Este sentido é aqui considerado fundamental,
pois, o nosso objeto de estudo o latifúndio está arraigado nele. Vejamos então qual o
sentido da colonização brasileira para Caio Prado:
“(...) Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde
ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o comércio
europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado
para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse
daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras.
Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do
país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá
seus cabedais e recrutará a mão-de-obra que precisa: indígenas ou negros
importados. (...)”. (Prado Júnior, 1969:31, 32)
2
O sentido da colonização é o fundamento básico dos estudos subsequentes sobre a história do Brasil.
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22
A estrutura agrária do Brasil colônia teria necessariamente de corresponder a este
sentido, ou seja, sua estrutura seria necessariamente latifundiária, uma vez que o objetivo era
a produção em larga escala e a exportação. Conforme o autor, o latifúndio surge no Brasil
como base para a concretização deste sentido da colonização, ou seja, surge de uma
necessidade externa, do objetivo de gerar lucros para Portugal através da comercialização de
gêneros tropicais, dos quais a Europa necessitava.
Demonstradas as causas do surgimento do latifúndio no Brasil na visão de Caio Prado,
passemos agora a examinar como ele aborda as conseqüências desta instituição na evolução
do país.
O primeiro problema, apontado por Caio Prado, decorrente do sentido da colonização
baseada no latifúndio já fora mencionado por Sergio Buarque de Holanda; trata-se da questão
do povoamento. Este se processou de maneira irregular e concentrou-se no litoral, porque, em
correspondência aos objetivos que animaram a colonização, as terras da faixa litonea eram
mais propícias ao cultivo da cana-de-açúcar. O autor ressalta, porém, a conseqüência negativa
deste povoamento para a integração do país:
“(...) Obra considevel e fator básico da grandeza futura do Brasil; mas, ao
mesmo tempo, ônus tremendo que pesará sobre a colônia e depois sobre a
nação, provocando como provocou esta disseminação pasmosa e sem
paralelo que aparta e isola os indivíduos, cinde o povoamento em núcleos
esparsos de contacto e comunicações difíceis, muitas vezes até impossíveis”.
(Prado Júnior, 1969:37)
O latifúndio, com sua produção voltada para a Europa e devido à facilidade de
escoamento da produção, localizou-se necessariamente nas terras úmidas da zona litorânea,
concentrando-se o povoamento. Por isso, a rarefação do povoamento no interior foi uma
conseqüência direta do latindio, que, ao monopolizar as melhores terras, ocasionou a
procura de novas terras em lugares distantes. A questão, segundo Caio Prado, reside na
permancia desta concentração de povoamento na zona litorânea ao longo da história
brasileira e isso se deve às dificuldades que o latifúndio impôs à integração econômica e
social do país. A pecuária no sertão nordestino e no extremo sul também se desenvolveu sob a
forma do latifúndio. Fora isso, com a mineração, houve a interiorização do povoamento, mas
também essa se deu sob a forma da grande exploração, segundo Caio Prado.
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23
O autor menciona ainda a questão dos problemas ambientais causados pelo tipo de
exploração realizado pelos colonizadores e atribui ao latifúndio a causa do atraso técnico e da
conseqüente intensificação do desmatamento e do esgotamento do solo.
Para a instalação de novas culturas, nada de nôvo se realizara que o processo
brutal, copiado dos indígenas, da ‘queimada’ para o problema do esgotamento
do solo, outra solução não se descobrira ainda que o abandono puro e simples
do local por anos e anos consecutivos, com prazos cada vez mais espaçados
que o empobrecimento gradual do solo ia alargando. Para se tornar afinal
definitivo. A mata, sempre escolhida pelas propriedades naturais do seu solo,
e que dantes cobria densamente a maior parte das áreas ocupadas pela
colonização, desaparecia rapidamente devorada pelo fogo. (...)”. (Prado
Júnior, 1969:135)
Todavia, segundo o autor, a estrutura agrária brasileira, baseada no tripé, latindio,
monocultura e trabalho escravo, teve efeitos ainda mais nocivos, sobretudo no que concerne à
economia do país. Neste sentido, destacamos as principais características da economia
brasileira durante o período colonial, na visão de Caio Prado:
São estes, em suma, os característicos fundamentais da economia colonial
brasileira: de um lado, esta organização da produção e do trabalho, e a
concentração da riqueza que dela resulta; do outro, a sua orientação, voltada
para o exterior e simples fornecedora do comércio internacional. Nestas
bases se lançou a colonização brasileira, e nelas se conservará até o
momento que ora nos interessa. (...)”. (Prado Júnior, 1969:125)
As palavras do autor trazem à tona outra implicação negativa do latifúndio para o país,
qual seja, a concentração da riqueza nas mãos dos latifundiários e da Coroa, o que impediu a
formação do mercado interno, pois os lucros gerados pela organização da produção
latifundiária baseada no trabalho escravo eram absorvidos pelos senhores de terras e pela
Coroa. Eis a grande questão para Caio Prado: os caracteres do passado colonial continuaram a
fazer parte da realidade do país, mesmo após a Independência.
“(...) O Brasil não sairia tão cedo, embora nação soberana, de seu estatuto
colonial a outros respeitos, e em que o ‘sete-de-setembro’ não tocou. A
situação de fato, sob o regime colonial, correspondia efetivamente à de
direito. E isto se compreende: chegamos ao cabo de nossa história colonial
constituindo ainda, como desde o princípio, aquêle agregado heterogêneo de
uma pequena minoria de colonos brancos ou quase brancos, verdadeiros
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empresários, de parceria com a metrópole, da colonização do país; senhores
da terra e de tôda sua riqueza; e doutro lado, a grande massa da população, a
sua substância, escrava ou pouco mais que isto: máquina de trabalho apenas,
e sem outro papel no sistema. Pela própria natureza de uma tal estrutura o
podíamos ser outra coisa mais que o que fôramos até então: uma feitoria da
Europa, um simples fornecedor de produtos tropicais para seu comércio.
(Prado Júnior, 1969:127)
Além da concentração do povoamento e da concentração de riquezas, Caio Prado
enfatiza que, no âmbito social, o latifúndio teve outras conseqüências terríveis. Para ele, o mal
gerado pelo latifúndio não ficou circunscrito à organização agrária: a estratificação da
sociedade também é reflexo deste tipo de organização. Ao diferenciar a grande lavoura da
lavoura de subsistência, Caio Prado explicita os efeitos sociais do latifúndio, afirmando:
“A observação é importante porque são justamente êstes caracteres
apontados que distinguem a exploração em larga escala e a individualizam
entre as demais formas de exploração rural. E isto tem grande significação
econômica e social. É dêste tipo de organização em que se constitui a
lavoura brasileira que derivou tôda a estrutura do país: a disposição das
classes e categorias de sua população, o estatuto particular de cada uma e
dos indivíduos que as compõem. O que quer dizer, o conjunto das relações
sociais no quem de mais profundo e essencial”. (Prado Júnior, 1969:143)
A divisão da sociedade em senhores de terras, escravos e indivíduos marginalizados
que não foram utilizados no sistema compôs, basicamente, a estrutura social brasileira durante
a colonização. Portanto, para Caio Prado, as conseências negativas do latifúndio podem ser
observadas nas dimensões espaciais, econômicas e sociais. As instituições do início do século
XIX, e algumas até do momento em que Caio Prado escreveu seus principais trabalhos
(décadas de 1930/40), traziam consigo as marcas do passado colonial, dentre as quais, talvez a
principal, o latifúndio.
Examinemos um pouco mais detidamente a concepção de Caio Prado sobre a
organização social da colônia, pois ela nos fornece um panorama dos efeitos do latifúndio
para as “raças” que formaram o país. Já mencionamos que uma conseqüência direta do
latifúndio foi a escravidão e, por isso, se faz necessário abordar a forma como Caio Prado
concebeu esta instituição no âmbito geral da colonização brasileira. Tal concepção pode ser
verificada na comparação que o autor faz entre a escravidão antiga e a escravidão moderna
que ocorreu na colonização do Brasil. Segundo Caio Prado, a escravidão no mundo antigo
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aparece espontaneamente como um elemento natural da sociedade; a moderna, porém,
apresenta um caráter distinto:
Coisa muito diferente se passará com a escravidão moderna, que é a nossa.
Ela nasce de chôfre, não se liga a passado ou tradição alguma. Restaura
apenas uma instituição justamente quando ela perdera inteiramente sua
razão de ser, e fôra substituída por outras formas de trabalho mais evoluídas.
Surge assim como um corpo estranho que se insinua na estrutura da
civilização ocidental, em que não cabia. E vem contrariar-lhe todos os
padrões morais e materiais estabelecidos. Traz uma revolução, mas nada a
prepara. Como se explica então? Nada mais particular, mesquinho,
unilateral. Em vez de brotar, como a escravidão do mundo antigo, de todo o
conjunto da vida social, material e moral, ela nada mais será que um recurso
de oportunidade de que lançarão mão os países da Europa a fim de explorar
comercialmente os vastos territórios e riquezas do Nôvo Mundo. (...)”.
(Prado Júnior, 1969:270)
Assim, a escravidão ressurgira, no Brasil, como um sistema de trabalho compatível
com o latifúndio monocultor/exportador; mais do que isso, Caio Prado enfatiza que a
escravidão moderna foi na verdade anacrônica
3
, servindo apenas de recurso básico para a
produção latifundiária que abastecia a Europa. Mas esta consideração do autor nos induz à
seguinte indagação: se a escravidão no Brasil ocorreu nos moldes da tradição africana,
verifica-se realmente um anacronismo?
Para o autor, uma questão inerente à escravidão é a miscigenação da população que
formou o país, mas o problema não estava na mistura de raças e sim no baixo nível cultural
das “raças inferiores” indígenas e negros africanos que serviram de o-de-obra para o
latifúndio. Isso acarretaria problemas gravíssimos para o desenvolvimento econômico e social
do país. (Prado Júnior, 1969:276, 277).
Segundo Caio Prado, os males causados pelo latifúndio e pela escravidão tiveram
ainda outras dimensões. Ao criticar a organização da sociedade colonial, ele nos transmite a
mensagem de que o latifúndio teve um caráter ainda mais absorvente. Unidade econômica,
social, administrativa, e até de certa forma religiosa”. (Prado Júnior, 1969:286). O latifúndio,
como unidade econômica, consistia na única forma sólida de produção de riquezas e por isso
envolvia a quase totalidade da população. Na dimensão social do latindio, as relações
3
Esta visão da escravidão como uma instituição anacrônica também está presente na análise de Nelson Werneck
Sodré, que será abordada ainda neste capítulo.
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típicas entre senhores de terras e escravos deram origem ao modo de vida patriarcal.
Administrativamente, o senhor de terras dominava de forma soberana o seu latifúndio, mas,
de fato, o poder dos latifundiários se estendia sobre toda a colônia. Na dimensão religiosa do
latifúndio, verifica-se a dependência da Igreja em relação ao grande domínio rural, que
concentra a maior parte dos fiéis.
Para Caio Prado, o grande problema brasileiro, especialmente quanto ao aspecto do
subdesenvolvimento, reside nas bases em que o país se formou. Por isso, a correção dos erros
do passado somente seria possível com o rompimento com este passado.
Essa maneira de Caio Prado tratar o latifúndio, de destacá-lo como um dos pilares da
colonização e responsabilizá-lo pelas mazelas do Brasil ao longo de seu processo histórico,
teria repercussões no final do século XX, conforme veremos no terceiro capítulo desta
pesquisa.
Conforme demonstramos, os problemas causados pelo latifúndio na visão de Caio
Prado Júnior referem-se ao desenvolvimento de uma economia voltada para o mercado
externo. Entre os problemas, ele destaca: a concentração do povoamento na faixa litorânea, a
concentração de riquezas obviamente nas mãos dos latifundiários e da Coroa impedindo a
formação do mercado interno, o atraso técnico, o desmatamento, o esgotamento do solo, o
anacronismo da escravidão, o baixo nível cultural das raças que formaram o país e o
patriarcalismo
4
·. (Prado nior, 1969:286,287). Por isso, ao sugerir o rompimento com o
passado, ou seja, com as bases sobre as quais o Brasil contemporâneo havia se estruturado,
Caio Prado sugeria a eliminação do latifúndio para viabilizar a economia nacional e a
formação do mercado interno.
Assim, esta obra de Caio Prado contribui para a hostilidade contra o latifúndio, porque
o apresenta como parte do tripé que foi a base da colonização brasileira (latifúndio,
monocultura e trabalho escravo). O que ficou no imaginário político brasileiro foi a posição
que o autor assumiu em Formação do Brasil Contemporâneo, ou seja, a de que a grande
propriedade foi um dos grandes vilões da história do Brasil, pois estava associada à
escravidão, à monocultura, à concentração de renda e exclusão social, ao atendimento de
necessidades de consumidores estrangeiros e não dos brasileiros, ao atraso tecnológico, ao
desmatamento e ao esgotamento do solo.
nos referimos ao fato de que o posicionamento do autor sobre a questão agrária
propriamente dita seria diferente nas obras publicadas na década de 1960, não dando margens
4
Sobre as conseqüências do patriarcalismo, a obra de Sergio Buarque de Holanda que já apreciamos é uma
ótima referência.
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27
para esta interpretação negativa sobre o papel do latindio. Todavia, pela estrutura deste
texto, abordaremos a concepção de Caio Prado sobre a questão agrária no segundo capítulo da
dissertação.
1.3. Celso Furtado: o latifúndio como uma das causas do subdesenvolvimento brasileiro
O economista Celso Furtado é outro estudioso que pode ser considerado um dos
intérpretes do Brasil
5
. Sua obra Formação Econômica do Brasil é considerada clássica pela
importância que tem para o pensamento econômico no Brasil e também por ser a matriz
teórica de vários estudos posteriores sobre a questão econômica brasileira. A exemplo dos
demais autores analisados, como Caio Prado Júnior e Sergio Buarque de Holanda, ele também
influenciou o modo de ver e de conceber a história e os problemas do Brasil.
No âmbito geral, Formação Econômica do Brasil consistia na apresentação do
processo histórico de formação da economia brasileira e conseqüentemente dos problemas
econômicos do país. Publicada em 1959, a obra tinha como foco de análise as causas e
conseqüências do subdesenvolvimento brasileiro.
Atendo-nos inicialmente às causas deste subdesenvolvimento, podemos afirmar que a
forma como Celso Furtado concebeu a colonização do Brasil não difere fundamentalmente da
concepção de Caio Prado nior, mesmo porque o primeiro tinha sido influenciado pelas
idéias do segundo. Enfatizando a dimensão econômica dos objetivos da Coroa portuguesa na
ocupação das terras brasileiras, Furtado entende que o caráter inicial da colonização é de
fundamental importância para compreensão das causas do subdesenvolvimento do país.
Ele ressalta o êxito da empresa agcola como a causa principal da permanência dos
portugueses no território brasileiro, mas identifica, como questão, o tipo de exploração
agrícola desenvolvido. O sucesso econômico da empresa agrícola significou o sucesso da
extração de riquezas através do latifúndio. Neste sentido, o latifúndio nasceu nas terras
brasileiras em razão de uma necessidade externa, ou seja, foi um componente da economia
voltada para fora, uma vez que a Metrópole precisava encontrar uma forma de garantir a
posse de suas terras e extrair lucros de produtos tropicais destinados ao mercado europeu.
Embora a produção para o mercado externo pudesse ser viabilizada também com a pequena
propriedade, isso não se verificou. Os interesses dos colonizadores extrapolavam o que
5
Celso Furtado é mundialmente reconhecido pela sua Teoria do Subdesenvolvimento.
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pequenas extensões de terra poderiam lhes oferecer, pois eles tinham vindo para enriquecer e
não para obter apenas pequenos lucros ou gerar uma economia de subsistência. Por isso,
conforme Furtado, o latifúndio foi um dos pilares da colonização.
Tendo eliminado todos os obstáculos à produção de açúcar em tempo oportuno, os
portugueses obtiveram lucros exorbitantes até meados do século XVII. Segundo Furtado,
todos os problemas relativos à produção, como a técnica, o mercado, o financiamento e a
mão-de-obra, foram resolvidos. Eis a razão do sucesso econômico da lavoura açucareira.
Porém, na segunda metade do século XVII, a situação no mercado mundial de açúcar sofreu
uma grande alteração devido à concorrência representada pelas Antilhas.
Com base no autor, faremos agora uma pequena digressão sobre a produção
açucareira nestas ilhas e também sobre a colonização do norte dos Estados Unidos. A priori,
as Antilhas foram colônias de povoamento, fundadas com base nos objetivos políticos de
ingleses e franceses que vislumbravam assaltar os ricos domínios espanhóis no início do
culo XVII. Porém, devido a problemas de o-de-obra e às oscilações do mercado, estas
ilhas não puderam manter a produção de artigos compatíveis com a pequena propriedade na
qual estava assentada a colonização de povoamento. Segundo Furtado, deste fato resultou a
penetração do açúcar nas Antilhas e, com ele, o sistema latifundiário que lhe foi peculiar.
A partir desse momento (segunda metade do século XVII) começou a intensa
concorrência entre a produção açucareira latifundiária nas Antilhas e a produção açucareira
latifundiária no Brasil. O resultado econômico foi a perda do monopólio brasileiro no
mercado de açúcar e a redução dos preços deste produto, ou seja, a crise do latifúndio
monocultor/exportador/escravocrata.
Contudo, Furtado enfatiza que, ao surgir nas Antilhas, a produção latifundiária
viabilizou economicamente a colonização de povoamento do norte dos Estados Unidos, pois,
como a produção antilhana foi totalmente absorvida pelo úcar, a alimentação de sua
população teve de ser suprida via importação. Assim, as colônias do norte dos Estados
Unidos, produtoras de trigo, passaram a abastecer, com este artigo, as colônias antilhanas
produtoras de açúcar.
Neste caso, na visão de Furtado, o latifúndio em si não foi um problema, fato que
merece ser destacado para o generalizarmos a sua concepção sobre os efeitos do latindio
no que concerne ao período colonial brasileiro. Para finalizar esta digressão, destacamos o
elogio que Celso Furtado faz ao modo de ocupação das terras setentrionais da América do
Norte:
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29
“As colônias do norte dos EUA se desenvolveram, assim, na segunda metade
do século XVII e primeira do culo XVIII, como parte integrante de um
sistema maior no qual o elemento dinâmico são as regiões antilhanas
produtoras de artigos tropicais. O fato de que as duas partes principais do
sistema a região produtora do artigo básico de exportação, e a região que
abastecia a primeira hajam estado separadas é de fundamental importância
para explicar o desenvolvimento subseqüente de ambas. A essa separação se
deve que os capitais gerados no conjunto do sistema não hajam sido
canalizados exclusivamente para a atividade açucareira, que na realidade era
a mais lucrativa. Essa separação, ao tornar possível o desenvolvimento de
uma economia agcola não-especializada na exportação de produtos
tropicais, marca o início de uma nova etapa na ocupação econômica das
terras americanas (...)”. (Furtado, 1980:28, 29)
As palavras do autor demonstram o aspecto positivo da colonização de povoamento
dos Estados Unidos
6
. Mantendo relações comerciais e até mesmo dependendo da produção
latifundiária de outras regiões, esse país seguiu o seu próprio caminho e desenvolveu uma
economia agrícola baseada na pequena propriedade, fato este que influenciaria decididamente
o desenvolvimento do país.
Exatamente o oposto é verificado na colonização brasileira. Neste caso, a economia
agrícola, especializada na exportação de produtos tropicais, obrigatoriamente pela via
latifundiária, é um contraponto que também incidiria no processo de desenvolvimento do país,
mas de maneira negativa. Aqui, tudo girava em torno da produção de açúcar, todo o capital
gerado era aplicado na manutenção dos latifúndios açucareiros. Furtado salienta o fato de a
colônia ter atingido alta rentabilidade desde o início aa primeira metade do século XVII, e
mesmo assim o país não ter se desenvolvido. Como ele explica esse fato? Para o autor, o
problema era que a renda gerada pela produção açucareira estava concentrada nas mãos dos
proprietários de engenhos e de plantações de cana, dos comerciantes portugueses e dos
traficantes de escravos. Isso se deve às características essenciais da economia escravista que
sustentou a agricultura tropical: a renda era voltada exclusivamente para o empresário, ao
contrário da economia industrial, cuja renda é distribuída para a coletividade. Para Celso
Furtado, somente uma economia industrial, voltada para os anseios da nação brasileira,
poderia romper com o passado colonial. Marcado pela produção para o mercado externo, o
latifúndio aplicava os lucros deste sistema na reprodução do próprio sistema, em detrimento
do desenvolvimento do país e da população. Neste sentido, na visão de Furtado, o latindio,
6
Este tipo de colonização também fora mencionado por Caio Prado Júnior em Formação do Brasil
Contemporâneo, o que atesta a importância que os autores atribuíram ao caráter da colonização.
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juntamente com suas articulações externas, foi uma das causas do subdesenvolvimento
brasileiro, pois impediu a formação do mercado interno e a integração econômica do país.
Segundo Furtado, desde o primeiro momento, a escravidão foi necessária para a
sobrevivência do colonizador. Primeiramente, a escravidão indígena utilizada na instalação da
produção latifundiária; na seqüência, a utilização da escravidão negra para expandir a
produção e auferir mais lucros, os quais eram revertidos para os senhores de engenho,
traficantes de escravos e comerciantes metropolitanos. Esta concentração eliminava todas as
possibilidades de formação de mercado interno. Furtado chama a atenção para a rigidez da
estrutura econômica brasileira que, ao depender do mercado externo, não permitiu a
ocorrência de mudanças em suas bases. Eis, em suas palavras, o balanço da economia
colonial:
“(...) A unidade exportadora estava assim capacitada para preservar a sua
estrutura. A economia ucareira do Nordeste brasileiro, com efeito, resistiu
mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se
sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer
nenhuma modificação estrutural significativa”. (Furtado, 1980:53)
Na visão do autor, a raiz do problema econômico brasileiro estava na permanência da
estrutura colonial, ou seja, na permanência do latifúndio monocultor/exportador/escravocrata
com suas conexões prioritariamente externas e que não era decomposto, nem mesmo nos
momentos de crise. Furtado concebe o latifúndio ucareiro como uma grande perversidade,
como causa dos males na economia de subsistência da população nordestina, pois, para ele, se
o latifúndio açucareiro fosse eliminado ou articulasse um circuito interno da economia, muitos
problemas futuros teriam sido evitados:
“(...) A formação da população nordestina e a de sua precária economia de
subsistência elemento básico do problema econômico brasileiro em épocas
posteriores estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da
grande empresa açucareira que possivelmente foi, em sua melhor época, o
negócio colonial-agrícola mais rentável de todos os tempos”. (Furtado,
1980:64)
Neste sentido, para Furtado, a rentabilidade da produção açucareira não promoveu o
desenvolvimento do país. Os lucros gerados pela economia açucareira
latifundiária/escravista/exportadora eram apropriados pelos senhores de engenho, traficantes
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de escravos e comerciantes metropolitanos, impedindo, desta forma, a divisão do trabalho no
interior da colônia, a formação de um circuito interno de renda e, conseqüentemente, a
formação do mercado interno. Conforme Furtado, em razão do latifúndio e de suas
articulações predominantemente externas, o Nordeste brasileiro, que fora uma das regiões
mais ricas do mundo nos séculos XVI e XVII, não se desenvolveu exatamente porque, nessas
condições, não era possível o desenvolvimento interno do país.
Celso Furtado atribuiu ao latifúndio açucareiro, por vincular-se apenas ao circuito
externo de renda, a causa da implantação da economia escravista, da dependência do mercado
externo, da falta de mercado interno e da falta de integração econômica do país. Em suma,
para ele, o latifúndio da fase açucareira foi uma das causas do subdesenvolvimento brasileiro.
No entanto, ele circunscreve o problema representado pelo latifúndio à economia
açucareira, pois, ao se reportar à fase da economia cafeeira, não o considera como um vilão e
explica o porquê:
“(...). A rápida expansão do mercado interno na região cafeeira teria de
repercutir muito favoravelmente na produtividade do setor de subsistência, o
qual se concentrava principalmente no Estado de Minas Gerais. Demais a
transferência de mão-de-obra do setor de subsistência para o cafeeiro
significava que a importância relativa deste estava aumentando. Tendo em
conta a ão destes distintos fatores, pode-se admitir como provável que a
renda real per capita do conjunto da região não estaria crescendo com ritmo
inferior ao do setor exportador. Como a quantidade de café exportado
aumentou 341 por cento e os preços do produto 91 por cento, entre os anos
quarenta e o último decênio do século, deduz-se que a renda real gerada pelas
exportações desse artigo teria crescido com a taxa anual 4,5 por cento. Dado o
crescimento da população, a taxa de aumento anual da renda real per capita
seria de 2,3 por cento”. (Furtado, 1980:146)
Note-se a flexibilidade do pensamento de Celso Furtado, pois a sua preocupação
consistia basicamente na questão da formação de um circuito interno de renda. Na fase
açucareira, o latifúndio e seus apêndices impediram a circulão interna de renda, mas, na
fase cafeeira, com a expansão do mercado interno, o latifúndio viabilizou tal circulação.
Feita essa distinção, enfatizaremos uma conseqüência econômica negativa atribuída ao
latifúndio também por Furtado: a falta de integração econômica do país. Após analisar a
formação econômica do Brasil, o autor traça o seu prognóstico para o desenvolvimento
brasileiro e aponta os obstáculos que deveriam ser superados para tal objetivo:
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O processo de integração econômica dos próximos decênios, se por um
lado exigirá a ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em
certas regiões, por outro requererá uma visão de conjunto do aproveitamento
de recursos e fatores no país. A oferta crescente de alimentos nas zonas
urbanas, exigida pela industrialização, a incorporação de novas terras e os
traslados inter-regionais de mão-de-obra, são aspectos de um mesmo
problema de redistribuição geográfica de fatores (...)”. (Furtado, 1980:242)
Esta passagem da obra sintetiza o pensamento do autor no que concerne à necessidade
de se extinguir a forma do latifúndio e seus respectivos apêndices. Para Furtado, foi o
latifúndio monocultor/exportador/escravocrata, com suas conexões externas, o responsável
pelos problemas econômicos do país ao longo dos culos de colonização. No momento em
que escreve, o efeito negativo do latifúndio é o entrave representando pela monocultura à
produção de alimentos para a população urbana, uma vez que o crescimento desta implicava o
surgimento de novas necessidades no mercado interno e, para atendê-las, a produção agrícola
deveria ser diversificada. Portanto, a integração econômica, tão necessária para o
desenvolvimento brasileiro, somente seria alcançada com a eliminação de formas arcaicas, ou
seja, com a eliminação do latifúndio monocultor.
1.5. Nelson Werneck Sodré: o latifúndio como aliado do imperialismo
Em 1962, Nelson Werneck Sodré publicou o livro Formação Histórica do Brasil,
que também se tornou uma matriz teórica clássica que foi retomada em estudos posteriores
sobre a história do Brasil. Como o próprio título indica, a obra consiste em analisar a
formação do país e fornece, assim, um panorama geral do caminho percorrido pelo Brasil até
o momento em que o autor escreve.
No que concerne ao período colonial, Sodré o apresenta divergências substanciais
em relação às idéias de Caio Prado Júnior e de Celso Furtado: difere apenas em alguns
aspectos pontuais que não são relevantes no âmbito desta pesquisa. Apesar disso,
pontuaremos alguns aspectos da forma como ele concebeu a história do Brasil.
Ele também salienta o teor negativo da forma de produção colonial, baseada no
latifúndio monocultor/exportador/escravocrata, uma vez que esta caracterização marcaria o
país ao longo de sua trajetória histórica. Entre os aspectos negativos da formação do país, que
afetariam seu desenvolvimento histórico, ele ressalta a discriminação ocorrida desde a
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ocupação inicial, nos primórdios da colonização, no que concerne à distribuição de terras,
tendo em vista a finalidade da colonização:
Verifica-se, assim, nos preliminares da colonização, uma irrecorrível
tendência discriminatória, que caracteriza o processo e vai defletir-se na
sociedade da zona açucareira. Há uma discriminação pelo investimento
inicial, dos donatários dos demais senhores, que impossibilita a participão
de elementos metropolitanos habituados ao trabalho. Segue-se a
discriminação na distribuição da terra. Acentua-se, depois, a discriminação
pelo privilégio de montar engenho, a que se junta a capacidade para operá-
lo. Desse conjunto de fatores decorrerá uma sociedade aristocrática, em que
os valores do trabalho serão amesquinhados porque desclassificam”. (Sodré,
1967:72)
Este caráter discriminatório inicial fora mencionado por Caio Prado em Evolução
Política do Brasil
7
. Todavia, para Sodré, tal discriminação, inerente ao surgimento do
latifúndio no país, teve efeitos para além do período colonial. Como existe uma consonância
do pensamento deste autor com os dos outros autores aqui analisados acerca do grande mal
representado pela forma como o país foi colonizado, daremos maior atenção ao tratamento
que ele deu ao latifúndio no período posterior à Independência.
Para Sodré, um ponto importante é o caráter de continuidade do latifúndio após a
emancipação política do país, até porque esta havia sido obra dos latifundiários:
Quando a classe dominante brasileira empresa a autonomia e a realiza com
um mínimo de alterações internas, transfere, na realidade, de fase anterior à
fase posterior uma estrutura colonial de produção (...)”. (Sodré, 1967:188)
Desta forma, Sodcritica a permanência dos caracteres coloniais durante o período
imperial, ou seja, ele critica a permanência do latifúndio. Segundo ele, o Império brasileiro
não rompeu com a herança colonial, não destruiu a estrutura econômica anterior e a sua maior
expressão, o latindio.
No entanto, para Sodré, a questão da continuidade da estrutura colonial não foi
solucionada com o fim do Império, pois a República, ao contrário do que se poderia imaginar,
7
Publicada em 1933, esta obra de Caio Prado Júnior é uma síntese histórica do Brasil Colônia e Império, cujas
idéias referentes ao peodo colonial seriam aprofundadas em Formação do Brasil Contemporâneo.
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ainda conservara o latifúndio. Vejamos a menção sintética de Sodré sobre a linearidade do
processo histórico brasileiro:
Se aprofundarmos a análise, verificaremos que o esfôrço brasileiro
corresponde a uma adaptação às condições do capitalismo agora em fase
imperialista. Tôda a nossa história, e as alterações que ela assinala, marca as
etapas por um esforço de adaptação: da produção colonial ao capital
comercial; da produção colonial ao capitalismo; da produção semicolonial ao
imperialismo. A República, nas alterações que introduz, marca nitidamente,
o extraordinário esforço de adaptação das condições internas às condições
externas, de uma capitalização em início a um processo capitalista que atinge
a sua etapa imperialista. Com a República, assistimos, realmente, ao apogeu
da estrutura colonial de produção: o Brasil é um dos principais supridores de
matérias-primas do mercado mundial e seu produto fundamental é o
alimentício que figura em maior volume nas correntes de troca, com a
particularidade de fazê-lo ainda sem concorrência”. (Sodré, 1967:294)
Com a República, segundo Sod, o problema brasileiro se agravou, pois entramos na
fase de adaptação da produção semicolonial ao imperialismo. O predomínio das oligarquias e
a respectiva política do café-com-leite assinalavam o caráter de classe da República brasileira,
de forma que os senhores de terras eram beneficiados com a valorização do café.
A crise da produção cafeeira exigiria novos rumos para o capital dos latifundiários, o
que viabilizaria a industrialização, porém a mentalidade aristocrática dos senhores de terras
continuaria a existir mesmo quando estes realizassem outras tarefas.
“(...) E, de outro lado, o senhor de terras, a que, a rigor, não pode caber o
título de agricultor, ou aquele que detém capitais para a empresa agrícola,
será ainda o banqueiro, como será, depois, o industrial. Comportando-se
preponderantemente como produtor de matérias-primas e de alimencios
vegetais destinados ao mercado exterior”. (Sodré, 1967:309)
Conforme o autor, o latifundiário não podia ser considerado agricultor, pois os
métodos utilizados no latifúndio eram predatórios. Nem mesmo o capital gerador da
industrialização brasileira seria legítimo, na visão de Sodré, porque, originando-se do
latifúndio, ficou concentrado nas mãos dos latifundiários que, naquele momento, tinham se
tornado industriais.
Porém, a questão central da República, para Sodré, residia na conformação de
interesses entre os latifundiários brasileiros e os imperialistas norte-americanos. Estes últimos,
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além de dominar a comercialização, começaram a penetrar também na esfera da produção de
café, por meio de financiamentos. Isto significava a união do latifúndio e do imperialismo
contra os interesses da nação, o que, para Sodré, reforçava a grande questão histórica
brasileira, que ele formula nos seguintes termos:
“(...) A tendência histórica, entretanto, fundamentada na demanda externa
dos nossos produtos, levou à concentração da propriedade, característica
marcante do quadro agrário brasileiro. Essa concentrão apresenta, como
conseência, o contraste entre a utilização em benefício de reduzida
minoria e os ínfimos padrões de vida da enorme população rural. hoje
consenso na constatação de que este é um dos grandes obstáculos ao nosso
desenvolvimento econômico”. (Sodré, 1967:351).
A concentração da propriedade expressa no latifúndio fazia parte da lógica histórica
brasileira e agora se consolidava em parceria com o imperialismo. Conforme o autor, o
latifúndio, concebido como uma instituão intocada ao longo da história do país, é a causa da
pobreza da população rural. Neste ponto de seu livro, ele utiliza, talvez pela primeira vez na
produção historiográfica, o termo “sem terra” para definir tal população. (Sodré, 1967:307).
Sodré, ao analisar a situação econômica brasileira em meados do século XX, enfatiza
a realidade do campo, pois, para ele, o problema do país residia no atraso do setor agrícola e
no fato de ele ser financiado pelo imperialismo. Na visão do autor, a permanência da estrutura
colonial, financiada pelo capital estrangeiro, reproduzia a tendência histórica de concentração
da propriedade da terra. A união entre o imperialismo e o latifúndio seria também
responsável, segundo o autor, pelo processo inflacionário que abalava a economia do país no
final da década de 1950:
(...). Os beneficrios da inflação crônica, entretanto, detêm maior
influência no aparelho de Estado e reservam-se as suas vantagens.
Dominam a produção e o comércio dos produtos primários. Controlam a
exportação. A inflação deriva de um mecanismo comandado, a serviço do
setor latifundiário. (...)”. (Sodré, 1967:365,366)
Conforme Sodré, verificava-se uma união perversa entre o latifúndio na esfera da
produção e o imperialismo na esfera da comercialização dos produtos primários. Isso
acarretava a permanência do latifúndio, que era, por um lado, a causa do processo
inflacionário devido à absorção das vantagens econômicas por parte dos latifundiários e, por
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outro lado, a conseqüência da inflação porque esta era sustentada por aquela, impedindo,
deste modo, o desenvolvimento nacional. Por isso, Sodré afirma:
“A inflação, assim, é uma das mais eloqüentes manifestações da luta que se
trava no Brasil entre as forças interessadas no desenvolvimento e aquelas
que se vinculam ao atraso. Resulta das contradições internas em nossa
sociedade, agora em fase aguda, da pressão externa imperialista e interna
latifundiária. Expressa, pois, um estado de tensão naquelas contradições,
cuja saída está no desenvolvimento independente da economia nacional”.
(Sodré, 1967:374)
Ao identificar a aliança entre o latifúndio e o imperialismo como um mal gerador do
subdesenvolvimento brasileiro, da inflação e da pobreza da população rural, Sodré propõe
medidas para uma política nacional de desenvolvimento, que, segundo ele, solucionaria o
problema histórico do país.
“Medidas preliminares ao desenvolvimento autêntico seriam obrigatórias: o
monolio estatal do mbio em benefício dos empreendimentos nacionais;
rigoroso contrôle das remessas de lucros e, portanto, das divisas que as
atendem; abolição dos privilégios que cobrem os investimentos estrangeiros
em prejuízo dos investimentos nacionais; nacionalização da produção e da
distribuição da energia elétrica; adoção de formas nacionais inequívocas de
monolio de Estado; reforma agrária; auto-suficiência no abastecimento de
petróleo”. (Sodré, 1967:384)
Para ele, a solução para o problema brasileiro estaria na maciça nacionalização dos
principais meios de produção e, como o latifúndio era aliado do imperialismo, seria necessário
também realizar a reforma agrária, de forma a eliminar o primeiro e atacar indiretamente o
segundo. Um aspecto importante da obra de Sodré é que ele não apenas aborda historicamente
a formação brasileira, mas também propõe soluções diretas para os problemas que vai
detectando ao longo de sua análise.
Os estudiosos referidos anteriormente, embora o tenham proposto diretamente a
realização da reforma agrária, provavelmente influenciaram, com suas concepções, o
pensamento de Sodré. Vejamos as considerações que ele fez sobre o caráter da reforma
agrária, especialmente sua idéia de que esta seria uma ação primordial para o
desenvolvimento do país:
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“(...) Uma reforma agrária poderá ter condições para afetar a estrutura do
sistema existente se abranger a desapropriação total ou parcial das grandes
propriedades com baixo nível de rendimento, obrigatório no caso de terem
sido beneficiadas ou virem a ser beneficiadas por obras públicas como
açudes, estradas, irrigação, etc; o loteamento entre pequenos agricultores
sem terra, com pagamentos módicos e a longo prazo; o aumento dos
impostos sobre a grande propriedade; a utilização das terras do Estado; a
entrega de títulos aos posseiros e a defesa destes contra a grilagem; a
regulamentação dos contratos de arrendamento e parceria, baixando as taxas,
alongando os prazos, fixando as indenizações de benfeitorias e impedindo os
despejos arbitrários; e a exteno ao campo da legislação trabalhista
adequada. Estes são alguns dos pontos que permitirão distinguir uma
reforma agrária de uma simulação destinada a protelar a solução que a
realidade impõe”. (Sodré, 1967:413)
O nacionalismo de Sodré direcionou a sua abordagem e sua conseqüente proposição
da reforma agrária nos termos acima mencionados. Embora ele tenha defendido essa idéia no
início da década de 1960, sua concepção parece muito atual, pois percebem-se seus ecos no
último quartel do século XX. A “atualidade desta concepção de reforma agrária
distributivista será examinada no terceiro catulo desta dissertação.
Nelson Werneck Sodconcebeu o latifúndio como o símbolo da permanência da
estrutura colonial, a qual, aliada ao imperialismo, continuava impedindo o desenvolvimento
do Brasil. O latifúndio continua sendo o gerador da pobreza da população rural, do atraso no
setor agrícola e da inflação no país. Por isso, ele brada contra a permanência da estrutura
colonial expressa no latifúndio.
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CAPÍTULO II
O latifúndio na historiografia especializada na queso agrária no Brasil
Neste capítulo examinaremos o tratamento dado ao latifúndio pelos autores clássicos
da questão agrária brasileira, elegendo obras que são referência obrigatória para a
compreensão do sentido da questão agrária no Brasil. Embora estas não sejam uma
conseqüência imediata da forma como a historiografia analisada no primeiro capítulo desta
dissertação concebeu o latifúndio, verifica-se que alguns dos pontos abordados são
reproduzidos e às vezes intensificados, ao passo que outros são acrescentados. O que de
comum entre os dois capítulos é a eleição do latifúndio como um dos grandes vilões do
subdesenvolvimento brasileiro em suas várias dimensões: a espacial, a econômica, a política e
a social.
O exame desses clássicos da questão agrária no Brasil servirá de ponte para a análise
do discurso do MST, a ser desenvolvida no último capítulo desta dissertação. É, portanto,
imprescindível que esse exame revele como a historiografia pertinente ao assunto contribuiu
para a vitória da idéia de reforma agrária distributivista defendida pelo MST no último quartel
do século XX.
2.1. Ruy Cirne Lima: o latifúndio como conseqüência da desorganização jurídica
Uma obra clássica sobre os regimes de terras no Brasil é a Pequena História
Territorial do Brasil: Sesmarias e Terras Devolutas, de Ruy Cirne Lima. Essa obra foi
publicada, em 1954, e, embora com algumas modificações sobre a versão original de 1935,
manteve sua essência. Por ser considerada pelos juristas como obra fundadora do direito sobre
terras no Brasil, examinaremos seu conteúdo em relação ao latifúndio.
Seu objeto de análise são os aspectos judicos da propriedade da terra no Brasil e, por
isso, Cirne Lima busca as origens dos regimes de terras que vigoraram no país. Inicialmente,
ele tenta compreender a instituição das sesmarias em Portugal, pois entende que a história
territorial do Brasil tem sua origem nesse fato. Tendo por base esta instituição (Cirne Lima,
1954:15) na Metrópole, ele verifica a frouxidão na aplicação da legislação de sesmarias,
especialmente quando ela foi transplantada para o Brasil.
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Para Cirne Lima, no Brasil, a legislação de sesmarias nasceu do fracasso das capitanias
hereditárias, as quais são concebidas por ele como perversas e com graves conseqüências
territoriais e sociais. De seu ponto de vista, com sua instituição, atribuíam-se aos donatários
poderes não apenas territoriais, mas também jurídicos (Cirne Lima, 1954:37). Portanto, para o
autor, a origem do latifúndio no Brasil encontra-se nesse ssimo veículo de colonização, ou
seja, nas capitanias hereditárias porque, como essa forma não obteve sucesso, entrou em vigor
no país a legislação das sesmarias.
Para ele, a implantação desta legislação no Brasil já começou de forma desvirtuada, o
que contribuiu de maneira decisiva para a consolidação do latindio. O regime das sesmarias
foi alterado muito cedo em terras brasileiras e, com o Regimento de Tomé de Souza de 1548,
houve um desvirtuamento dessa legislação, cujas conseqüências foram funestas para o país.
Eis como ele analisa o problema.
O velho preceito das Ordenações, mandando que não se dessem – ‘maiores
terras a huma pessoa que as que razoavelmente parecer... que poderão
aproveitar’ -, tomara, em nosso território, feição peculiar atenta a medida
descomunal, que então a cupidez fixara como de uso aos colonizadores,
em matéria de propriedade”. (Cirne Lima, 1954:39)
Cirne Lima ressalta o aspecto negativo do Regimento de Tomé de Souza, que
significou para ele a facilidade de formação de latifúndios. Sem a observação da
compatibilidade entre a capacidade de produção do colono e a extensão territorial requerida, o
resultado não poderia ser diferente do que foi, ou seja, grandes extensões de terras concedidas
a pessoas impossibilitadas de as utilizarem totalmente.
A descaracterização da legislação de sesmarias possibilitou a formação de latifúndios e
foi acompanhada de outros problemas decorrentes da forma como foram realizadas as
concessões. Para Cirne Lima:
“A concessão de sesmaria não mais é a distribuição compulsória, em
benefício da agricultura, das nossas terras maninhas, ao tempo tributárias ao
Mestrado de Cristo; antes reveste o aspecto de uma verdadeira doação de
domínios régios, a que só a generosidade dos doadores serve de regra”.
(Cirne Lima, 1954:41)
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Para Cirne Lima, enquanto as terras brasileiras estavam sob o domínio da Ordem de
Cristo, a finalidade agrícola das sesmarias impedia, ao menos oficialmente, a formação de
latifúndios. No entanto, com a descaracterização imposta pelo Regimento, o caminho para os
latifundiários adquirirem amplos poderes ficou aberto e foi por eles utilizado. Daí a
consideração do autor de que os latifundiários eram verdadeiros “reis”.
Todavia, o povoamento do território brasileiro processou-se desorganizadamente, o
que refletia a falta de clareza da legislação de sesmarias (Cirne Lima, 1954:46). Quais foram
as conseqüências do regime das sesmarias para o país, ou melhor, as conseqüências do
latifúndio por ele gerado, ao findar o período colonial? Para encaminhar seu raciocínio, Cirne
Lima se apóia na memória de Gonçalves Chaves, cujos aspectos principais podem ser
sintetizados basicamente nos seguintes: pequena população em relação à extensão territorial,
melhores terras ocupadas, famílias pobres perambulando na dependência dos latifundiários
e atraso da agricultura (Cirne Lima, 1954:46, 47). Deste modo, corroborando as
conseqüências do latifúndio apontadas por Gonçalves Chaves, Cirne Lima arremata a sua
concepção sobre a conseqüência negativa do latifúndio para a sociedade brasileira ao longo da
vigência da legislação de sesmarias:
Neste regime latifundiário, porém, em que o cultivador independente, o
lavrador livre é economicamente asfixiado, vê-se, eno, o apossamento
pelos colonos dos tratos de terreno, deixados entre os limites das grandes
propriedades, e assiste-se à migração dos mais audazes, para as paragens
distantes dos núcleos de povoamento, em demanda de terras que, de o
remotas, ao senhor de fazendas lhe não valha ainda a pena requerer de
sesmaria”. (Cirne Lima, 1954:47)
O caráter absorvente do latifúndio, que açambarcava as melhores terras, excla o
pequeno cultivador e o obrigava a deslocamentos para regiões longínquas, causando uma
dispersão populacional. Assim, para o autor, no latifúndio concentrava-se basicamente a
economia do país e a parcela da população que estava diretamente ligada à produção
latifundiária. Depois desta trajetória catastrófica de ssimas conseqüências para a população
do país, com a Resolução de 17 de Julho de 1822, foi oficialmente extinto o regime das
sesmarias no Brasil.
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A extinção do regime de sesmarias assinalou a adoção da posse
1
como forma de
apropriação da terra e, com o passar do tempo, esta se tornou legítima juridicamente.
É importante entender, neste caso, Cirne Lima concebe posse como uma forma de
domínio territorial justa, que pode reparar os males causados pelo latifúndio.
Era a ocupação, tomando o lugar das concessões do Poder Público, e era,
igualmente, o triunfo do colono humilde, do rústico desamparado, sobre o
senhor de engenhos ou fazendas, o latifundiário sob o favor da metrópole”.
(Cirne Lima, 1954:51)
Conforme Cirne Lima, a posse era uma forma moralmente legítima de emancipar o
trabalhador rural, porque o latindio era inacessível às pessoas sem recursos. O autor nos
lembra que, de 1822 a 1850, vigorou o regime de posses no país e estas posses, que, de início,
representavam a pequena propriedade, passaram a abranger verdadeiros latifúndios. “A
humilde posse com cultura efetiva, cedo, entretanto, se impregnou do espírito latifundiário,
que a legislação das sesmarias difundira e fomentara” (Cirne Lima, 1954:58). Eis uma
comprovação de que a dimensão psicológica do latifúndio estava arraigada na cultura
brasileira.
O regime de posses foi extinto com a promulgação da Lei de Terras de 1850. O
aspecto positivo dessa lei, para Cirne Lima, era a possibilidade de colocar ordem na
desorganizada aquisição de terras no país. No regime de sesmarias, elas só eram acessíveis às
pessoas com muitos recursos e, no regime de posses, as muitas confusões que se geravam não
davam segurança jurídica aos proprietários. Neste sentido, conforme Cirne Lima, a lei
fundiária de 1850 poderia democratizar o acesso à terra, uma vez que, em seus termos, ficava
proibida a aquisição de terras devolutas por outro meio que não fosse a compra com o
pagamento à vista (Cirne Lima, 1954:67).
Mas não foi este o resultado obtido com esta lei, pois, como ela tinha o objetivo não
apenas de resolver o problema territorial, mas também o da mão-de-obra na fase de crise do
trabalho escravo, acabou por incorporar os pressupostos wakefieldianos
2
. Assim, para Cirne
Lima, ao impedir o acesso dos pobres à terra, o principal efeito da Lei de Terras foi consolidar
1
A invasão, e ocupação de terras, também foi concebida por Nelson Werneck Sodré, na obra que analisamos no
primeiro capítulo, como uma maneira justa de lutar contra o latifúndio.
2
Os pressupostos wakefieldianos consistiam basicamente em postergar ao máximo o tempo que os imigrantes
levariam para conseguir se tornar proprietários de terras, garantindo assim, mão-de-obra para a lavoura cafeeira.
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o latifúndio. Visando moralizar o regime de terras no país, a lei acabou preservando o
latifúndio.
Para Cirne Lima, o problema da propriedade da terra no Brasil tem uma conotação
histórica, cujas raízes estão no caráter da colonização que fundou o latifúndio. Este Era um
país a ser construído, e não uma propriedade a ser cultivada ou edificada (Cirne Lima,
1954:107). Acrescente-se a isso a desorganização dos regimentos de terras que vigoraram ao
longo da história brasileira, conforme Cirne Lima demonstrou em sua obra, e está “pintado o
quadro” do autor contra o latifúndio.
Como podemos verificar, Ruy Cirne Lima considera o latifúndio como a principal
causa do povoamento desordenado, da desproporção entre o número de habitantes e a
extensão territorial do país e da escassez de terras propícias ao pequeno cultivo. De um lado,
em face do caráter absorvente do latifúndio, ele ainda se posiciona favoravelmente à ocupação
de terras e ao regime de posses, como uma maneira de corrigir a forma injusta como foi
processada a apropriação das terras brasileiras durante o regime de sesmarias. Por outro lado,
não deixa de reconhecer a insegurança jurídica das posses e, por isso, vê a Lei de Terras como
uma possibilidade de se corrigir a desordem do passado quanto à aquisição de terras. O fato é
que, de seu ponto de vista, nenhuma das duas formas conseguiu realizar essa probabilidade.
2.2. Victor Nunes Leal: o latifúndio como causa e efeito do coronelismo
Victor Nunes Leal foi outro jurista cuja obra se tornou clássica e influenciou os
estudos subseqüentes sobre o regime representativo no país. Publicado em 1949,
Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil tinha como
objeto de análise a influência da organização agrária na vida política do Brasil,
especificamente na escala municipal.
A importância desta obra para este trabalho reside no tratamento dado pelo autor às
causas e conseqüências do coronelismo
3
. Em sua abordagem, ele identifica no latifúndio a
causa fundamental do fenômeno coronelista, o qual, por sua vez, representa um grande mal
3
Entre as várias comprovações da predominância da idéia do coronelismo nos círculos formadores de opinião,
fazemos referência à telenovela “Roque Santeiro”, que foi ao ar pela Rede Globo de televisão em 1986. O
fazendeiro Sinhozinho Malta interpretado por Lima Duarte era o exemplo típico do coronel senhor de terras que
exercia inflncia sobre todas as esferas do poder.
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para a organização política do país. Segundo ele, o coronelismo é fruto de um pacto entre os
latifundiários e o poder público, cujo resultado é a preservação do latifúndio.
Por isso mesmo, o ‘coronelismoé sobretudo um compromisso, uma troca
de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a
decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de
terras. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa
estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de
poder privado ainda o visíveis no interior do Brasil”. (Nunes Leal,
1975:20)
Partindo da premissa de que o poder dos latifundiários é histórico e se encontra
arraigado na organização agrária brasileira, Nunes Leal concebe o coronelismo como uma
estratégia da Primeira República para, sobretudo, preservar esse poder emanado do latifúndio.
Ou seja, o coronelismo é, na concepção do autor, a conseqüência política do latifúndio.
Desse ponto de vista, ele analisa a influência dos coronéis nas eleições municipais e
afirma que o poder de decisão centrado nos votos da grande massa, dependente do
latifundiário, expressa a força do fenômeno coronelista no regime representativo do Brasil.
Neste sentido, para Nunes Leal:
Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primário desse
tipo de liderança é o ‘coronel’, que comanda discricionariamente um lote
considerável de votos de cabresto. A força eleitoral empresta-lhe prestígio
político, natural coroamento de sua privilegiada situação econômica e social
de dono de terras. (...)”. (Nunes Leal, 1975:23)
A afirmação acima é baseada na idéia de que a manipulação das eleições municipais
por parte dos latifundiários, cujo sentido é eleger apenas políticos sintonizados com a
preservação da liderança coronelista e, conseqüentemente, com a preservação do latifúndio, é
a viga mestra de sustentação desta liderança. Contudo, a manipulação eleitoral e, nestes
moldes, eleitoreira, não se dá por acaso. A causa principal da ocorrência dos votos de cabresto
é, conforme o autor, a mísera existência da população rural, o dependente e absorvida pelo
latifúndio (Nunes Leal, 1975:30).
A análise de Nunes Leal transmite a idéia de que a dimensão política do latifúndio é,
ao mesmo tempo, causa e conseqüência do coronelismo. Causa, porque é com base no
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monopólio da terra que o coronel exerce seu poder nos municípios, e conseqüência, porque
este poder contribui para a permanência da estrutura agrária baseada no latifúndio.
Outro problema detectado pelo autor é a projeção do coronelismo nas esferas estadual
e federal. Embora seja um fenômeno tipicamente municipal, o coronelismo influencia também
a política estadual e federal, porque, segundo Nunes Leal, os políticos que atuam nestas
esferas de poder, salvo raríssimas exceções, tiveram suas origens nos municípios, e, deste
modo, foram “contaminados” pelo caráter nefasto do coronelismo (Nunes Leal, 1975:38).
Nunes Leal afirma com veemência que o pacto entre o coronel latifundiário e o
governo local deve-se à permanência da retrógrada estrutura agrária do país, assentada no
latifúndio. Neste contexto, eis a relação de dependência entre o coronel e o poder público, na
perspectiva do autor:
“(...) Sem a liderança do ‘coronel’ – firmada na estrutura agrária do país -, o
governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem
essa reciprocidade a liderança do ‘coronel’ ficaria sensivelmente diminuída”.
(Nunes Leal, 1975:43).
Com esta afirmação, fica registrado que o autor atribui ao latifúndio a causa básica do
coronelismo, o qual, por sua vez, tem conseqüências diretas para a sociedade brasileira. O
autor destaca duas dessas conseqüências: primeiramente, a ilegitimidade do regime
representativo, resultante do falseamento do voto; em segundo lugar, a corrupção que
predomina sob a influência dos coronéis e que não é combatida pelos governos,
comprometidos que estão com o coronelismo (Nunes Leal, 1975:52).
Para o autor, todos os governos brasileiros tiveram origem na classe dominante e
foram eleitos com o auxílio do coronelismo (Nunes Leal, 1975:257), o que impedia alterações
profundas na estrutura econômica do país. Conforme o autor, estas alterações eram
necessárias para solucionar alguns problemas, como o limitado mercado interno resultante da
pobreza da população rural, a precariedade da indústria e o baixo nível técnico da agricultura
(Nunes Leal, 1945:258).
Para finalizar esta análise da obra de Nunes Leal, vamos transcrever uma passagem de
seu livro, na qual ele expõe sua concepção acerca das raízes históricas do coronelismo. Esta
passagem contém uma demonstração de que os clássicos analisados no primeiro capítulo
desta dissertação tiveram influência em sua postura crítica. Após explicitar a dimensão
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histórica do poder político dos latifundiários, que perpassou o Brasil Colônia e o Império,
desembocando no coronelismo da Primeira República, o autor enfatiza:
“(...) Somos, neste particular, legítimos herdeiros do sistema colonial da
grande exploração agrícola, cultivada pelo braço escravo e produtora de
matérias-primas e gêneros alimencios, destinados à exportação. A
libertação jurídica do trabalho não chegou a modificar profundamente esse
arcabouço, dominado, ainda hoje, grosso modo, pela grande propriedade e
caracterizado, quanto à composição de classe, pela sujeição de uma
gigantesca massa de assalariados, parceiros, posseiros e ínfimos
proprietários à pequena minoria de fazendeiros, poderosa em relação aos
seus dependentes, embora de posição cada vez mais precária no conjunto da
economia nacional”. (Nunes Leal, 1975:253)
É essa perspectiva
4
que fundamenta o pensamento do autor sobre as raízes históricas
do coronelismo. Deste modo, ele corrobora a tese hegemônica da historiografia brasileira que
identificou o latifúndio exportador/monocultor/escravocrata como o grande vilão dos
problemas do país.
Nunes Leal enfatiza a dimensão especificamente eleitoral do latifúndio (embora esta
dimensão tenha repercussões econômicas e sociais relacionadas ao latifúndio). Segundo ele, a
consolidação do coronelismo deu-se a partir da abolição da escravidão, quando os ex-escravos
passaram a ter direito ao voto. Desde então, eles foram manipulados pelo coronel
latifundiário, de forma a preservar sua liderança e a estrutura agrária. Ou seja, a preservação
do latifúndio era, portanto, causa e efeito do coronelismo.
Pelo exposto, para Victor Nunes Leal, o latifúndio é a causa primeira das grandes
perversidades políticas do país e o coronelismo, como sua conseqüência política na dimensão
eleitoral, mantinha a pobreza da população rural, tornando possível o voto de cabresto. Todo
este processo desencadeado pelo latifúndio resulta, conforme Nunes Leal, na ilegitimidade do
regime representativo no Brasil.
2.3. Textos dos anos sessenta: uma declaração de guerra ao latifúndio
4
A perspectiva histórica de Victor Nunes Leal é basicamente fundamentada naquele sentido da colonização
preconizado por Caio Prado Júnior.
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46
A coletânea de textos, intitulada A questão agrária no Brasil: textos dos anos
sessenta e organizada por Carlos Marighela
5
, é composta por artigos publicados
originariamente no final da década de 1950 e no início dos anos 1960.
O que chamou nossa tenção foi que a organização e a publicação destes artigos
ocorreram justamente no ano de 1980, às vésperas da formação do MST. De nosso ponto de
vista, tal publicação não foi casual, porque, trazendo à tona idéias defendidas nos anos
sessenta, reacendeu o debate da questão agrária no Brasil, dando-lhe atualidade.
Os autores dessa coletânea, que se tornaria clássica, eram integrantes do Partido
Comunista Brasileiro. Por isso, antes de analisarmos os textos, examinaremos a concepção do
PCB sobre a realidade brasileira no final da década de 1950. Isso se justifica pelo fato de que
as idéias neles contidas refletem, em suma, a perspectiva teórica que fundamentava a política
oficial do PCB.
2.3.1. PCB: a base teórica dos textos dos anos sessenta
Três documentos são bastante significativos para nós, pois expressam a concepção do
PCB sobre o momento histórico que o Brasil estava vivendo. o eles: a Declaração sobre a
potica do Partido Comunista Brasileiro, o texto de Luis Carlos Prestes, São
indispensáveis a crítica e a autocrítica de nossa atividade para compreender e aplicar
uma nova política, ambos de março de 1958, e a Resolução Política do V Congresso do
Partido Comunista Brasileiro, de 1960.
Na declaração de março de 1958, ressalta-se primeiramente as modificações na
estrutura econômica que o Brasil havia herdado do passado: naquele momento histórico, para
os comunistas, processava-se um incipiente desenvolvimento capitalista nacional. Este
desenvolvimento, porém, era obstaculizado pela permanência de alguns elementos que
representavam o atraso. É neste contexto que o latifúndio será identificado pelo Partido como
um inimigo a ser eliminado:
Com a penetração do capitalismo na agricultura, combinam-se, em
proporção variável, os métodos capitalistas à conservação do monopólio da
terra e das velhas relações semifeudais, o que permite um grau mais elevado
de exploração dos trabalhadores do campo. O Brasil continua a ser um país
5
Carlos Marighela nasceu em 1911 no Estado da Bahia e foi morto em 1969, em São Paulo, pela ditadura
militar. Dedicou sua vida à causa da libertação nacional e do socialismo.
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de grande concentração latifundiária: em 1950, os estabelecimentos
agrícolas com 500 hectares e mais constituíam 3,4% do número total de
estabelecimentos e abrangiam 62,3% de toda a área ocupada. As
sobrevivências feudais obstaculizam o progresso da agricultura, que se
realiza, em geral, lentamente, mantém o baixíssimo nível de vida das
massas camponesas e restringem de modo considerável as possibilidades de
expansão do mercado interno. As sobrevivências feudais são um dos fatores
que acentuam a extrema desigualdade de desenvolvimento das diferentes
regiões do país, especialmente entre o sul e parte do leste, que se
industrializam, e o resto do país, quase inteiramente agrário.” (Comitê
Central do PCB, 1958:5)
Para os membros do Comitê, apesar da permanência de alguns elementos arcaicos, o
desenvolvimento capitalista nacional se fortalecia e, por isso, seria necessário eliminar
definitivamente a estrutura tradicional arcaica que sobrevivia com base em sua aliança com o
imperialismo. Por isso, o PCB elegeu, como causa dos problemas brasileiros, o latifúndio e o
imperialismo, o primeiro como agente interno do segundo.
Simultaneamente à Declaração, o líder comunista Luiz Carlos Prestes publicava um
texto sobre a necessidade de se realizar a crítica e a autocrítica das atividades do Partido.
Prestes apontava o seguinte equívoco do PCB:
(...). A nossa potica deixou de ser, assim, a decorrência direta das
condições objetivas do Brasil e se tornou uma adaptação mecânica de
fórmulas gerais ou experiências acertadas em outras partes do mundo.
Deixamos de ver os femenos políticos e sociais em movimento e
custamos, por isto, a perceber as transformações que se operavam na vida
real. Não soubemos, em suma, aplicar corretamente os princípios universais
do marxismo-leninismo às particularidades específicas do desenvolvimento
histórico brasileiro”. (Prestes, 1958:29, 30)
Aprofundando sua autocrítica, Prestes define aquele que seria para ele o grande
obstáculo a ser enfrentado pelo PCB naquele momento histórico:
Analisando as contradições existentes na sociedade brasileira, ficávamos
presos a um esquema e o víamos que, em resultado do desenvolvimento
econômico do país, a contradição que se aprofundava cada vez mais era a
que opõe a nação ao imperialismo e aos seus agentes internos. (...)”. (
Prestes, 1958:32)
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Sendo considerado um dos agentes internos do imperialismo, o latifúndio deveria ser
eliminado em meio às reformas daquele regime (capitalista); posteriormente seriam
desencadeadas as transformações radicais que culminariam na implantação do socialismo. Eis
a concepção etapista do PCB sobre a revolução brasileira no final da década de 1950.
Na Resolução Política do V Congresso do Partido Comunista Brasileiro de 1960, tal
concepção se solidificaria e iria demonstrar os novos horizontes vislumbrados pelo PCB.
Novos no sentido de que significavam uma abertura ao radicalismo das cadas precedentes,
pois a política do Partido passava a se orientar pela Declaração de 1958 e pelas
recomendões feitas no mesmo ano por Luiz Carlos Prestes. Vejamos a premissa que norteia
a Resolução Política do PCB de 1960:
Nas condições actuais, entretanto, o Brasil tem seu desenvolvimento
entravado pela exploração do capital imperialista internacional e pelo
monolio da propriedade da terra em mãos da classe dos latifundiários. As
tarefas fundamentais que se colocam hoje diante do povo brasileiro são a
conquista da emancipação do país do domínio imperialista e a eliminação
da estrutura agrária atrasada, assim como o estabelecimento de amplas
liberdades democráticas e a melhoria das condições de vida das massas
populares. Os comunistas se empenham na realização dessas
transformações, ao lado de todas as forças patrióticas e progressistas, certos
de que elas constituem uma etapa prévia e necessária no caminho para o
socialismo”. (PCB, 1960:39)
Para o PCB, portanto, o latifúndio deveria ser eliminado como um agente do
imperialismo que obstruía o desenvolvimento econômico nacional e impossibilitava a
formação do mercado interno e a melhoria das condições de vida da massa camponesa.
Portanto, foi neste ambiente teórico que os integrantes do PCB escreveram, nos anos sessenta,
os textos clássicos sobre a questão agrária no Brasil. Passemos a examiná-los.
2.4. Fragmon Carlos Borges: as origens históricas do latifúndio
Origens Históricas da Propriedade da Terra, de Fragmon Carlos Borges, foi
publicado originalmente em 1958. Seu objeto de análise é o processo histórico de formação da
propriedade da terra no Brasil. Em essência, o texto o difere dos escritos da historiografia
analisada no primeiro capítulo desta pesquisa, mais especificamente do modo como Caio
Prado Júnior tratou a colonização brasileira. Tal como esses historiadores, Borges afirma que
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a formão do latifúndio correspondeu aos objetivos da Coroa de extrair lucros com a
produção de gêneros tropicais que interessavam à Europa.
Borges ressalta os poderes extraordinários que os donatários adquiriram com a
implantação das capitanias hereditárias, as quais são caracterizadas por ele como
essencialmente feudais. Tal como os demais, ele considera a doação de sesmarias como o
principal problema, pois, independentemente das diferenças na doação durante o período das
capitanias hereditárias e o das capitanias reais, o resultado foi o mesmo: a consolidação do
latifúndio. Para Borges, a última alteração na legislação de sesmarias, que data de 1780,
recomenda o não parcelamento das sesmarias, o que representou, na verdade, a consagração
do latifúndio. Assim descreve seus resultados: “Não resta dúvida de que tal imposição
dificultou ainda mais, por muitos anos, o surgimento da pequena propriedade territorial”.
(Borges, 1980:15).
Um problema subjacente à doação de sesmarias, ou, conforme o autor, doação de
latifúndios, foi a falta de demarcação das terras. A desorganização do registro de terras e a
ambição desenfreada dos latifundiários resultaram no caos do sistema da propriedade da terra,
do qual se originaram os conflitos por terras (Borges, 1980:18). Esta desorganização peculiar
ao regime de terras no Brasil, também mencionada por Cirne Lima anteriormente, é uma
marca histórica do país.
O foco principal de Borges é o caráter perverso de distribuição da terra no Brasil, uma
vez que, sendo fruto da ganância da Coroa e dos latifundiários a ela aliados, ela deu origem e
consolidou o latifúndio como instituição. Neste sentido, ao analisar as origens da propriedade
da terra no Brasil, o texto de Borges expõe, na realidade, a origem histórica do latindio,
identificando-o como a causa primeira do problema da propriedade da terra no país.
2.5. Carlos Marighela: o latifúndio como causa do atraso econômico brasileiro
Em 1958, Carlos Marighela publicou o texto, Alguns Aspectos da Renda da Terra
no Brasil, com a preocupação sica de analisar a permanência de restos feudais na
agricultura brasileira, considerados por ele como a causa do atraso econômico do país. Neste
contexto, Marighela identificou o monopólio da terra como o símbolo do atraso, pois, era a
expressão mais clara do teor feudal ainda presente no meio rural brasileiro.
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O fundamento geral da questão agrária no Brasil reside em que o
monolio da terra é a causa do nosso atraso. Abalado ou eliminado esse
monolio, as forças produtivas darão um salto para a frente”. (Marighela,
1980:20)
Para Marighela, o monopólio da terra na forma do latifúndio impedia o
desenvolvimento das forças produtivas, justamente por ser feudal. O problema estava no
obstáculo que os resquícios feudais do latifúndio representavam para o avanço do capitalismo,
uma vez que o pressuposto do autor era de que as forças produtivas desse sistema deveriam se
desenvolver para viabilizar a futura revolução socialista.
Nessa perspectiva, ele analisa os aspectos da renda da terra na cultura cafeeira, entre
os quais detecta a influência negativa do latifúndio na existência conjunta da renda pré-
capitalista e da renda capitalista. Isso seria uma peculiaridade do latifúndio cafeeiro
(Marighela, 1980:23).
Marighela enfatiza a questão da renda da terra para demonstrar a existência de restos
feudais materializados no latifúndio, pois somente esta instituição viabilizava a coexistência
de duas classes antagônicas: os latifundiários e os capitalistas. Eis sua visão sobre este fato:
“Além do mais esse próprio fenômeno, característico das fazendas de café, é
mais uma demonstração do caráter semicolonial e semifeudal do país. Só
num país de fortes revivescências feudais seria possível, numa peça, a
junção de dois elementos tão opostos como o latifundiário e o capitalista,
para uma exploração o brutal como a das fazendas de café. (...)”.
(Marighela, 1980: 25)
Conforme Marighela, esta junção seria a responsável pela péssima situação do colono,
que vivia uma indefinição entre ser proletário e servo. Segundo ele, a condição do assalariado,
substituto do colono, não seria melhor. Para o autor, ao esmagar o colono e implantar o
trabalho assalariado, o latifúndio causou males ainda maiores, como o aumento do êxodo
rural, da fome e da miséria no campo. Assim, o mal deveria ser cortado pela raiz, pois, para
Marighela:
É evidente que este caminho [substituição do trabalho escravo pelo trabalho
assalariado] não leva à emancipação do colono e apenas modifica a forma de
exploração, sem levar a uma profunda modificação nas relações de
produção, possível com a quebra do monopólio da terra”. (Marighela,
1980:30)
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Em que pesem as modificações nas relações de trabalho na cultura cafeeira, o
problema primordial, que, segundo o autor, consistia na permanência do latifúndio, não era
resolvido. Não sendo solucionado este problema, tudo o mais seria secundário, seriam
medidas paliativas que não atingiam o cerne da questão agrária na visão de Marighela.
Na análise comparativa da renda da terra obtida nas culturas do café e da cana,
Marighela destaca a continuidade do problema agrário brasileiro, demonstrando a ligação
entre o latifúndio e o imperialismo, e explicita a conseqüência desta articulação para a
sociedade brasileira:
“A análise teórica da renda territorial no caso da fazenda de cae da usina
de açúcar, servindo para estabelecer pontos de contato e diferenças entre
uma e outra, nos leva, entretanto, a mostrar o papel importante da renda pré-
capitalista, sobretudo nas fazendas de café, onde a composição orgânica do
capital é mais fraca do que nas usinas. Isso fortalece a convicção de que os
restos feudais predominam em nossa economia agrária e encontram sua
principal fonte no monopólio da terra, tão fortemente apoiado pelo
imperialismo para facilitar seu domínio sobre toda nossa economia e o nosso
povo (...)”. (Marighela, 1980:37).
Ao analisar forma como se deu a penetração do capitalismo no campo, Marighela
identifica a presença do imperialismo na produção e no beneficiamento de alguns produtos,
ou seja, observa que ele serve de apoio ao latifúndio, fortalecendo-o com capital estrangeiro.
Para ele, essa aliança era diabólica, pois tornava mais difícil acabar com o latifúndio. Ou seja,
segundo Marighela, ao fortalecer o latifúndio, o imperialismo conservou o caráter feudal da
produção agrícola, impedindo, assim, o pleno desenvolvimento das forças produtivas e o
desenvolvimento do mercado interno.
Além disso, Marighela identifica outra conseqüência fundamental da permancia do
latifúndio: o acirramento do antagonismo entre as classes sociais:
De um lado acumula-se a enorme riqueza dos latifundiários e latifundiários-
capitalistas; de outro lado, a miria e a ruína, a fome e a doença de milhões
de camponeses sem terra. (...)”. (Marighela, 1980:50)
Essas conclusões de Marighela são importantes para nossa pesquisa porque, ao
diferenciar os dois tipos de latifundiários e os correspondentes modos de produção que se
mesclavam no país no momento em que ele escrevia, o feudalismo e o capitalismo, o autor
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realça as péssimas condições de vida do trabalhador rural, bem como sua causa fundamental,
o latifúndio.
Fica claro, portanto, que Marighela se opõe fundamentalmente à propriedade privada
porque a concentração da terra é uma conseqüência lógica do capitalismo. Deste modo, o
autor almejava a revolução socialista e defendia o fim da concentração da terra.
2.6. Rui Facó: o latifúndio como o problema agrário brasileiro
Rui Facó publicou seu texto clássico sobre a questão agrária brasileira, intitulado
Notas sobre o problema agrário, em 1961. O objeto de análise de Facó é a questão agrária
após a extinção do tráfico de escravos, quando, de seu ponto de vista, a mão-de-obra se
apresenta como o cerne do problema agrário. Para tanto, ele faz uma retrospectiva histórica
dos obstáculos enfrentados pelos abolicionistas na luta pela libertação dos escravos e salienta
a separação indevida que se fazia entre a emancipação dos escravos e a da propriedade
territorial. Referindo-se à noção que preponderava em meados do século XIX, de que a
propriedade territorial era sinônima de ordem, Facó afirma o seguinte:
Por ‘propriedade territorial’ compreendia-se apenas a grande propriedade, o
latifúndio monocultor, pois vivíamos de exportação de produtos tropicais em
terras monopolizadas em poucas mãos. Dar terra a pequenos cultivadores era
subtrair braços à fazenda monocultora e exportadora, era prejudicar os
interesses criados da classe dominante sobre todas: a dos latifundiários”.
(Facó, 1980:51, 52)
Para Facó, em razão do caráter absorvente e preponderante do latindio
monocultor/exportador, que necessitava de braços para a produção, o surgimento da pequena
propriedade naquele momento histórico era impossível. Porém, ele observa uma mudança de
postura por parte dos abolicionistas no final do culo XIX. À luta contra a escravidão foi
acrescentada a luta contra o latindio, embora ao triunfo da primeira não tenha correspondido
o triunfo da segunda. Ou seja, apesar da abolição, o latifúndio fora preservado (Facó,
1980:53).
Solucionado o problema da mão-de-obra, para Facó, o problema agrário no século
XX continuou a ser a predominância do latindio, com os resquícios feudais que o
caracterizavam, porque ele impedia o livre acesso dos trabalhadores rurais à terra. Desse
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ponto de vista, ele ataca o latifúndio improdutivo e o destaca como o alvo principal de uma
reforma agrária.
“(...) Que caracteriza principalmente no Brasil a atual estrutura agrária? o
a existência, mas o predomínio do latifúndio semifeudal. Então, o
objetivo básico da reforma agrária, quaisquer que sejam os seus múltiplos
complementos, é acabar com o latifúndio semifeudal. E a maneira mais
simples e direta que existe nas condições presentes para liquidar com o
latifúndio semifeudal é dividir suas terras hoje incultas ou quase
inaproveitadas – em geral à espera de valorizações especulativas – entre
habitantes do campo que queiram cultivá-las e não tenham terra ou possuam
apenas minifúndios antieconômicos. (...). (Facó, 1980:55, 56)
Em síntese, conforme Facó, era necessário atingir a base fundamental da estrutura
agrária brasileira, ou seja, o latifúndio, que, em sua concepção, ainda apresentava
características feudais. Nisto consistia o atraso econômico e social do país. Todavia, Facó
deixa claro que economicamente não era aconselhável dividir as terras dos latifúndios
produtivos capitalistas, uma vez que estes empregavam mão-de-obra assalariada. Deste modo,
sua mensagem principal incidia sobre a necessidade de se eliminar o latifúndio semifeudal,
porque este era improdutivo e, devido ao obstáculo que representava para o desenvolvimento
das forças produtivas, barrava o progresso do país.
2.7. Mário Alves: a reforma agrária revolucionária contra o latifúndio
Outro texto clássico que compõe a coletânea aqui apreciada é Dois Caminhos da
Reforma Agrária, de Mário Alves. Publicado em 1962, o texto tinha como objeto de análise
o caráter da reforma agrária, cuja realização era entendida por ele como uma necessidade
histórica. O problema era o modo como isso se concretizaria.
Para Alves, a justificativa de uma reforma agrária compunha-se basicamente de dois
fatores: de um lado, a contradição entre as forças produtivas e o monopólio da terra inerente
ao latifúndio, com as respectivas conseqüências sociais, e, de outro, a miséria dos camponeses
como um efeito direto do latifúndio.
Suas duras críticas aos planos de reforma agrária anteriores relacionavam-se à idéia de
que eles o tinham como objetivo principal a eliminação do latifúndio; ao contrário, podiam
até contribuir para o seu desenvolvimento.
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Geralmente se destinam a estimular o desenvolvimento do capitalismo no
campo, conservando a propriedade latifundiária e, simultaneamente, criando
condições para a sua evolução gradual no sentido capitalista, através da
aplicação da cnica moderna e do emprego do trabalho assalariado.
Expressam, por conseguinte, a potica de compromisso entre os interesses
da burguesia e os dos latifundiários, à custa da exploração das grandes
massas camponesas”. (Alves, 1980:67)
Posicionando-se contrariamente a esse tipo de reforma agrária, que não solucionaria o
problema agrário brasileiro, Alves defendia uma reforma agrária radical, revolucionária.
Contudo, sua proposta de parcelamento da terra destinava-se exclusivamente aos latifúndios
improdutivos e, em relação às grandes fazendas capitalistas, sugeria apenas a imposição de
alguns limites na extensão territorial, de forma a evitar que essas fazendas tivessem o controle
do mercado e, conseqüentemente, aniquilassem a propriedade camponesa (Alves, 1980:69).
Sua proposta de reforma agrária era inspirada no modelo da Revolução Cubana,
demonstrando, assim, sua tendência ao socialismo. A coletivização das terras na fase final da
reforma agrária seria, segundo ele, uma revolução.
Outro aspecto importante do modelo de reforma agrária sugerido por Alves decorre de
sua postura quanto ao processo de desapropriação dos latifúndios. Ele defendia a necessidade
do pagamento das indenizações em títulos e não em dinheiro, porque o valor dos latifúndios
não era real e, sim, um valor de monopólio, portanto, ilegítimo. Esta idéia se materializou no
Estatuto da Terra, implementado dois anos após a publicação desse texto, e isso, por si só,
demonstra a influência da historiografia sobre as forças políticas.
2.8. Paulo Schilling: o latifúndio como o grande mal da estrutura agrária brasileira
A coletânea de textos dos anos sessenta é composta de dois textos de Paulo Schilling.
O primeiro texto, Da Estrutura Agrária Brasileira, pode ser considerado uma preparação
para o segundo texto, intitulado Do “Caminho Brasileiro” de Reforma Agrária.
No primeiro texto, ao analisar a estrutura agrária brasileira com base nos dados de
1950, o autor brada contra a concentração da propriedade da terra, fazendo críticas contra a
predominância do latifúndio.
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Verifica-se que somente 70 mil grandes proprierios monopolizavam mais
de 62% da área global. Poucos países no mundo apresentam grau tão alto de
concentração agrária. Em toda a América Latina, somente o Chile e a
Bolívia se encontravam, na época, em pior situação”. (Schilling, 1980:93)
Com a concentração da propriedade da terra, em razão do caráter absorvente do
latifúndio, o problema fundamental da população rural, segundo o autor, estava no difícil
acesso à propriedade da terra e nas mazelas que essa dificuldade acarretava; entre elas, a fome
e as carências nutritivas. Corroborando a idéia defendida pelos outros autores da coletânea,
Schilling destaca que o inimigo a ser vencido é o latifúndio feudal.
Em face do quadro da concentração da propriedade da terra, Schilling propõe um
modelo de reforma agrária e, entre os objetivos fundamentais, destaca a eliminação do
latifúndio, como instituição, e do latifundiário, como classe. Neste contexto, o autor elabora
outro conceito de latindio, que transcrevemos literalmente:
“(...) Latifúndio é a propriedade rural, independentemente da sua extensão,
não racionalmente explorada por atividade industrial, agrícola, extrativa ou
pastoril, de maneira que a produtividade não alcance os limites que suas
qualidades intrínsecas e localização permitam. É considerado, igualmente,
latifúndio toda propriedade rural explorada por parceiros, arrendatários,
dentro de qualquer outra modalidade, da qual o proprietário aufira renda sem
empregar atividade ou, ainda, toda propriedade rural onde os assalariados
não gozem dos benefícios da legislação trabalhista”. (Schiling, 1980:109)
Expandindo o conceito de latifúndio, atrelando-o à improdutividade da propriedade e
às relações trabalhistas, o autor demonstra sua preocupação com os trabalhadores rurais.
Seguindo a mesma linha de pensamento dos outros autores da coletânea, Schilling deixa claro
que sua meta é o socialismo. Os latifúndios capitalistas produtivos não seriam modificados no
início da reforma agrária, mas, sim, na fase socialista. Desta perspectiva, ele traça as metas a
serem atingidas: organizar e politizar os camponeses; reformar a Constituição Federal no que
era concernente ao modo de indenização das desapropriações; reformular as regras do
imposto territorial, que seria, conforme Schilling, uma maneira de modificar a estrutura
agrária pacificamente; desapropriar por uso e investigar a legitimidade da posse da terra (em
consonância com a posição de Mário Alves sobre a detecção de posses ilegítimas);
desenvolver a média e a grande lavoura mecanizada e, paralelamente, propagar a pequena
lavoura policultora de trabalho familiar.
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Enfim, Schilling sugere que a reforma agrária deve ser feita pela lei ou pela força.
Sinaliza, assim, o sentido da revolução socialista. Segundo ele, não seria possível uma
revolução burguesa no Brasil, pois a burguesia tinha suas origens no latifúndio e rejeitava
qualquer alteração fundamental naquele momento histórico (Schilling, 1980:126). O espírito
socialista da reforma agrária proposta pelo autor é compreensível no ambiente em que
escrevia, ou seja, no continente americano, em meio à ressonância da Revolução Cubana, e,
no plano mundial, em meio à Guerra Fria.
2.9. Reflexões sobre os textos dos anos sessenta
Para finalizar a análise dos textos clássicos dos anos sessenta, lembramos que o
aspecto fundamental abordado em todos eles é a permanência de restos feudais na agricultura
brasileira, materializada no latifúndio. Suas características feudais o colocavam em desacordo
com as possibilidades de progresso e impediam a evolução do modo de produção. Os autores
tinham como pressuposto a teoria dos cinco estágios defendida por Stálin, segundo a qual um
modo de produção seria necessariamente substituído por outro até o triunfo do
socialismo/comunismo.
Deste modo, ao detectarem sinais de resquícios feudais na organização agrária
brasileira, direcionaram suas pesquisas no sentido de acelerar a passagem do suposto
feudalismo agrário brasileiro para o modo de produção capitalista. Somente assim as forças
produtivas se desenvolveriam e se tornaria possível alcançar o estágio socialista.
Conforme dissemos no início desta parte da dissertação, o fato de esses textos dos anos
sessenta serem reeditados em 1980 é, para nós, bastante sugestivo, Além de esta data ser
próxima à fundação do MST, a apresentação da obra, feita por José Graziano da Silva e Maria
de Nazareth Baudel Wanderley, não apenas contextualizou a postura teórica dos autores dos
textos, como tamm esboçou o fundamento da reforma agrária sob o ponto de vista da
historiografia hegemônica naquele momento histórico. Partindo da premissa de que o
latifúndio o fora destruído, mas apenas modernizado, conservando seus aspectos perversos,
José Graziano e Baudel Wanderley emitiram a seguinte afirmação sobre o caráter da reforma
agrária:
“(...) Uma reforma agrária que não é apenas uma simples reivindicação de
acesso à terra, mas, fundamentalmente, uma luta por um novo sistema de
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organização social e econômica da produção agrícola. Um inimigo que não é
apenas o latifúndio improdutivo, mas também o grande capital monopolista e
seus aliados. Uma reforma agrária, enfim, que não pode ser vista como uma
simples reforma do sistema capitalista, mas como o primeiro passo que pode
levar à sua própria superação”. (Graziano da Silva e Baudel Wanderley,
1980:XII)
Portanto, se o pensamento predominante na década de 1960 consistia na eliminação
dos caracteres feudais do campo brasileiro e, portanto, na criação de condições para o avanço
das forças produtivas capitalistas, o pensamento hegemônico do início dos anos 1980
preservaria o velho paradigma e o velho objetivo de alcançar o socialismo. Como, naquele
momento, o capitalismo havia penetrado no campo, este pensamento se alimentava dos
problemas gerados pelo latifúndio produtivo (desemprego e miséria). Conforme os autores,
estando a serviço do grande capital, essa forma da propriedade permanecia em sua trajetória e
obstaculizava o acesso à propriedade da terra pelos trabalhadores rurais.
2.10. Alberto Passos Guimarães: o caráter linear do latifúndio
Um livro que ascendeu à categoria de instituição porque exerceu e ainda exerce
influência nos estudos referentes ao problema agrário brasileiro foi Quatro Séculos de
Latifúndio, do sociólogo Alberto Passos Guimarães, publicado em 1963. Com o pressuposto
de que os grandes problemas da agricultura e da economia do Brasil eram determinados pela
permancia do latifúndio durante os quatro séculos de existência do país, o autor toma como
objeto de análise a dimensão histórica do latifúndio
O livro, em si, é um verdadeiro ataque ao latindio. A concepção de Guimarães sobre
o surgimento da instituição latifundiária no Brasil é de que ele concebe o latindio como o
pecado original da sociedade brasileira:
Sob o signo da violência contra as populações nativas, cujo direito
congênito à propriedade da terra nunca foi respeitado e muito menos
exercido, é que nasce e se desenvolve o latifúndio no Brasil. Dêsse estigma
de ilegitimidade que é o seu pecado original, jamais êle se redimiria”.
(Guimarães, 1968:19)
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Segundo o autor, a ilegitimidade original do latifúndio o acompanhou pelos quatro
culos que se passaram. A formação do latifúndio representou uma verdadeira hecatombe
para a população indígena e a própria ordem jurídica instituída em defesa dos direitos dos
índios à terra foi desrespeitada em favor da formação da propriedade privada latifundiária.
Deste modo, os quatro séculos de latifúndio são também quatro culos de atrocidades contra
o indígena, que lutou, desde o início da colonização, contra a implantação dessa forma de
propriedade da terra.
Uma palavra que resume a abordagem do autor é continuidade, e continuidade de tudo
o que significaria obstáculo para o desenvolvimento do país. O ponto central da obra é sua
concepção sobre a existência do modo de produção feudal ao longo da história brasileira.
Embora ele caracterize o latifúndio como uma instituição inicialmente feudal, que, mais tarde,
se tornou semifeudal, considera também que ele nunca se desvencilhou desta condição, em
razão das relações de poder com que foi marcado deste o início. Para Guimarães, o poder que
emanava do latifúndio possuía uma dimensão extra-econômica (Guimarães, 1968:35),
decorrente da influência que os latifundiários exerciam além dos limites de suas terras. A
perenidade desse poder é explicada pela dependência da maioria da população em relação ao
latifúndio e pelo fato de que, no Brasil colônia, esta forma da produção absorveu todas as
atenções.
A dimensão extra-econômica acima mencionada refere-se ao coronelismo, o qual,
como nos demonstrou Victor Nunes Leal, fez parte da vida brasileira durante a Primeira
República. Porém, para Guimarães, este fenômeno não ficou circunscrito a esse período e,
com algumas modificações, preservou-se em sua essência até o momento em que ele escreveu
seu livro. Portanto, o efeito social negativo do latifúndio, expresso no poder dos latifundiários,
é visto por Guimarães como algo permanente, arraigado no país, como herança do
latifundismo feudo-colonial.
Guimarães compara as duas formas típicas de latifúndio, o engenho e a fazenda de
gado. O engenho, segundo ele, era mais absorvente, especialmente em relação à mão-de-obra,
que era necessariamente escrava. a fazenda de gado podia ser considerada um latifúndio
um pouco mais suscetível a mudanças, ou seja, era um latifúndio que, além de empregar mão-
de-obra livre, podia ser parcelado, o que para o autor era o mais importante (Guimarães,
1968:69, 70). No entanto, o parcelamento deste tipo de latifúndio também não ocorreu.
Para Guimarães, do ponto de vista social e econômico, com o advento da lavoura
cafeeira, a forma absorvente do latifúndio colonial açucareiro não se modificou em essência.
Diferenciando duas etapas do latifúndio cafeeiro, ele demonstra que, na primeira, o latifúndio
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cafeeiro foi uma transplantação dos caracteres do latifúndio açucareiro; na segunda, a
mudança do sistema de trabalho, com a substituição da mão-de-obra escrava pela assalariada,
não alterou o caráter nefasto do latifúndio. Na verdade, esta foi a forma que os latifundiários
encontraram para preservar o monopólio da terra. Como a idéia de reforma agrária ainda não
estava clara para a grande massa da população, as soluções para a crise do trabalho escravo
direcionaram-se no sentido de preservar o latifúndio, que era, para Guimarães, justamente o
que deveria ser destruído.
Por isso triunfaram, sôbre aquelas soluções [a divisão da propriedade da
terra e instituição em larga escala da exploração camponesa] que seriam as
únicas compatíveis com as necessidades de nosso desenvolvimento, as
experiências de meação e do colonato sistematizadas no contrato de
parceria” de Vergueiro, que constituíram aos olhos dos latifundiários, a
fórmula ideal para a conservação do monopólio da terra”. (Guimarães,
1968:97)
Deste modo, como os caracteres semifeudais e semicoloniais do latifúndio ucareiro
continuavam a ser preservados, o latifúndio cafeeiro continuou sendo o principal obstáculo ao
desenvolvimento do país, contribuindo, assim, para o atraso material e social da população e
esse era, para Guimarães, o grande problema do país. Além disso, Guimarães enfatiza a
consolidação da instituição latifundiária em vários outros setores da produção agrária:
Graças à surpreendente ascensão do latifundismo cafezista, e às
consideráveis fortunas por êle proporcionadas a uma minoria de grandes
senhores da terra, que passaram a dominar e a influenciar a política e o
Estado, puderam os demais latifúndios o da cana-de-açúcar, o do cacau e
todos os outros – enveredar por caminhos idênticos, assegurar sua vitalidade
e resistir com êxito, até nossos dias, às mudanças radicais que as aspirações
ao progresso, a que tem direito a sociedade brasileira, tornaram imperativas e
inadiáveis”. (Guimarães, 1968:103)
Guimarães enfatiza que, do mesmo modo que o latifúndio açucareiro, o cafeeiro
respondeu sempre aos anseios do mercado. Durante as duas Grandes Guerras, teve momentos
de ascensão e de decadência, pois sempre esteve sujeito ao capital internacional e às suas
oscilações. Com as crises de superprodução, passou a depender de dispositivos internos para
sua manutenção, o que estimulou o processo inflacionário. Desta maneira, segundo
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Guimarães, os prejuízos que deveriam ser da classe latifundiária foram repassados à nação
brasileira (Guimarães, 1968:174).
Esta forma de abordar a questão é semelhante à de Celso Furtado, em Formação
Econômica do Brasil. Ou seja, anteriormente, como fonte de riqueza, o latifúndio absorvia
tudo; agora, como não consegue mais gerar riqueza, transfere para a população o ônus de sua
preservação, seja para garantir lucros para a classe latifundiária seja para o capital
internacional que financiava a produção.
Após explicitar as mazelas causadas pelo latifúndio ao longo da história brasileira,
Guimarães faz uma retrospectiva histórica, de forma a apontar a causa fundamental da crise
de latifúndio no Brasil:
“Implantado, originariamente, para prover o mercado externo e para servir
aos interêsses da colonização portuguêsa; remodelado, posteriormente, para
atender aos interêsses e às exigências de outras potências colonizadoras,
como fonte supridora dependente dos mercados mundiais, o sistema
latifundiário brasileiro começou a perder sua principal base de sustentação e
sua própria razão de ser histórica a partir do momento em que passou a
decair sua importância no conjunto de nosso comércio de exportação”.
(Guimarães, 1968:165)
Para Guimarães, o mal inato do latindio consistia no fato de ter desprezado, ao longo
da história do país, todas as necessidades do povo e destinar sua produção para o exterior,
para atender às necessidades do mercado mundial. Como o que justificava a permanência do
latifúndio não era mais predominante e outras formas de produção haviam alcançado
níveis consideráveis na economia nacional, não fazia mais sentido mantê-lo.
Contudo, na primeira metade do século XX, ocorreu, segundo Guimarães, uma
retomada do processo latifundiário. Com a substituição dos engenhos pelas usinas, houve um
recrudescimento do latifúndio e de todos os seus efeitos negativos para a população brasileira
(Guimarães, 1968:177).
Ao finalizar sua retrospectiva histórica sobre o latifúndio, segundo ele, a mais perversa
das instituões do país, ele chama a atenção para o atraso tecnológico da agricultura brasileira
no início dos anos 1960 e atribui ao latifúndio a responsabilidade por tal situação. Enfatiza,
em especial, a estrutura arcaica de poder dos latifundiários, que ainda pesava sobre o
trabalhador do campo e era a causa fundamental das péssimas condições de vida dessa parcela
da população brasileira (Guimarães, 1968:245).
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De acordo com o objetivo deste trabalho, qual seja, o de demonstrar a influência do
conceito de latifúndio na formão da idéia de reforma agrária encampada pelo MST,
finalizamos a abordagem sobre este autor enfatizando sua defesa da forma de acesso à
pequena propriedade - a invasão. Esta, segundo ele, seria a única maneira de abalar a solidez
do latifúndio. Eis o elogio de Guimarães às invasões de terras:
“Intrusos e posseiros foram os precursores da pequena propriedade
camponesa. A princípio, as invaes limitavam-se às terras de ninguém nos
intervalos entre as sesmarias, depois orientaram-se para as sesmarias
abandonadas ou não cultivadas; por fim, dirigiram-se para as terras devolutas
e, não raramente, para as áreas internas dos latifúndios semi-explorados. À
força da repetição dêsses atos de atrevimento e bravura, pelos quais muitos
pagaram com a vida, foi que o sagrado e até então intangível monopólio
colonial e feudal da terra começou a romper-se”. (Guimarães, 1968:113,
114)
Portanto, o tratamento que esse autor concede à invasão de terras (e que corrobora a
visão de Cirne Lima sobre as invasões) encontra respaldo no modo como ele concebeu o
latifúndio. Como ele lhe atribui a responsabilidade histórica pelos males que afligiram e ainda
afligem o país no momento em que ele escreve, a invasão de terras seria uma forma legítima
de se tentar fazer justiça social aos trabalhadores rurais, que viveram por quatro culos em
péssimas condições.
2.11. Caio Prado Júnior e a questão agrária no Brasil
Conforme apontamos no primeiro capítulo, a contribuição de Caio Prado para a luta
contra o latindio deu-se por influência de sua obra Formação do Brasil Contemporâneo,
na qual ele o concebe como parte do nefasto tripé em que se baseou a colonização brasileira e
que ainda não havia sido totalmente destruído no momento em que ele escreveu a obra em
questão.
Retomar este autor neste segundo capítulo, depois de terem sido examinadas as
principais teses hegenicas sobre a questão agrária brasileira, é pertinente porque
pretendemos mostrar que suas idéias sobre a questão agrária são um contraponto a essas teses
e que seu pensamento não foi linear ao longo de sua produção intelectual.
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Os textos Contribuição para a Análise da Questão Agrária no Brasil e Nova
Contribuição para a Análise da Questão Agrária no Brasil, publicados respectivamente
em 1960 e 1962, podem ser considerados textos preparatórios para a obra A Revolução
Brasileira publicada em 1966. O foco principal desta parte da análise será esta última obra,
pois entendemos que ela representa a essência do pensamento de Caio Prado sobre os
fundamentos da questão agrária brasileira, o que explicaria sua atualidade.
A Revolução Brasileira é uma crítica à teoria revolucionária dos comunistas
brasileiros, especialmente ao que Caio Prado entende como os equívocos do PCB no
direcionamento de sua política. Um desses equívocos seria a transplantação, para o Brasil, do
esquema etapista da revolução, motivada pelo que aconteceu nos países europeus. De seu
ponto de vista, um esquema baseado no pressuposto de que todos os países passariam
necessariamente por uma etapa feudal, que precederia o capitalismo, não teria aplicação no
Brasil. Para o autor:
o foi assim, contudo, muito pelo contrário, que se procedeu no caso
brasileiro que estamos considerando. Presumiu-se desde logo, e sem maior
indagação, que no Brasil o capitalismo foi precedido de uma fase feudal, e
que os restos dessa fase ainda se encontravam presentes na época atual. E
partiu-se dessa presunção para ir à procura,
nas instituições vigentes, de
alguma coincidência entre os fatos observados e o esquema presumido.
(...)”. (Prado Júnior,1966:35)
Este esforço para enquadrar o caso brasileiro no panorama da revolução democrático-
burguesa verificado na Europa, juntamente com a conseqüente busca de restos feudais na
realidade econômica e social do país, fez com que os comunistas identificassem o latifúndio
como o grande símbolo dos resquícios feudais. Porém, Caio Prado critica esta tese com
veemência:
“(...). Em nossas origens históricas, aliás tão próximas dos dias de hoje, e
que podemos acompanhar como em livro aberto, sem mistérios, sem
problemas, sem questões, não encontramos, e por isso hoje ainda
continuamos a não encontrar, o ‘latifúndio feudal’. Se por essa designação
entendemos algo mais que um simples rótulo de sabor literário, se lhe
pretendemos dar, como deve ser o caso, um conteúdo econômico e social
preciso e adequado, que permita conclusões de ordem política, e
particularmente de natureza revolucionária, então o conceito de latifúndio
feudal ou semifeudal é inaplicável e inteiramente descabido no que respeita
ao Brasil e à maior e melhor parte de sua estrutura rural”.(Prado nior,
1966:44,45)
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O autor justifica a ausência do latifúndio feudal no Brasil por não ter existido aqui
uma economia camponesa, nos moldes daquela que seria a base do sistema agrário feudal e,
ao mesmo tempo, identifica o que seria o verdadeiro fundamento da questão agrária brasileira:
(...). Não é pela ocupação e utilização individual e parceria dessa terra,
onde hoje trabalham coletivamente e entrosados no sistema da grande
exploração, que aqueles trabalhadores procuram solucionar seus problemas
de vida e superar as miseráveis condições de existência queo as suas. Nos
maiores e principais setores da agropecuária brasileira, naqueles que
constituem em conjunto o cerne da economia agrária do país e onde se
encontra a maior parcela da população rural, os trabalhadores, como
empregados que são da grande exploração, simples vendedores de força de
trabalho, portanto, e não ‘camponeses’, no sentido próprio, aquilo pelo que
aspiram e o que reivindicam o sentido principal de sua luta, é a obtenção de
melhores condições de trabalho e emprego. É isso que nos mostram os
fatos, e é fartamente conhecido de quem observa esses fatos como
realmente ocorrem, e não através de deformadoras teorias que fazem deles o
que pretendem observadores preconcebidos”. (Prado Júnior, 1966:49)
Portanto, para Caio Prado, a solução para o problema agrário brasileiro estava na
melhoria das condões de trabalho e de emprego do trabalhador rural e o na eliminação do
latifúndio feudal por meio do parcelamento e distribuição das terras, mesmo porque,
conforme ele procurava demonstrar, tal instituição jamais existiu no país.
Todavia, esta crítica de Caio Prado à teoria da Revolução Brasileira do PCB parece
não ter feito tanto sucesso quanto o sentido da colonização por ele preconizado em Formação
do Brasil Contemporâneo. Sua oposição à tese do latifúndio feudal na obra de 1966 parece
não ter abalado a interpretação que a historiografia fez e continua a fazer da tese de 1942, ou
seja, a interpretação de que a colonização fundava-se em um tripé, do qual faziam parte o
latifúndio, a monocultura e o trabalho escravo.
2.12. Estatuto da Terra: indício do triunfo das teses historiográficas contra o latifúndio
Para compreendermos o Estatuto da Terra, Lei nº 4504 de 30 de Novembro de 1964, é
necessário fazer algumas reflexões sobre o contexto histórico de sua elaboração. Neste caso,
utilizaremos as considerações de Roberto Campos, então Ministro do Planejamento do
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Governo Castello Branco e um de seus formuladores. Segundo ele, a reforma agrária, foi um
dos desafios lançados pelo Governo de Goulart. Como uma das reformas de base do governo
anterior, criara grande expectativa na sociedade e não podia ser ignorada. Eis a concepção de
Campos sobre a realização da reforma agrária no início do Governo Castello Branco:
O problema era antigo. No tocante à reforma agrária, havia duas
unanimidades e dois grandes obstáculos. As unanimidades eram as seguintes:
o latifúndio improdutivo é um obstáculo ao desenvolvimento agrícola e ao
crescimento econômico; e a reforma agrária é um bom meio para expandir o
mercado interno. Os dois obstáculos eram, de um lado, a indenização justa e
prévia, ‘em dinheiro’, para desapropriações de terras (princípio constitucional
reafirmado na Constituição de 1946) e, de outro, a controvérsia ideogica
sobre se a reforma deveria ser capitalista (com ênfase sobre a propriedade
privada e a produtividade) ou socialista (com ênfase sobre a propriedade
coletiva e chamada ‘justiça social’)”. (Campos, 1994:680)
Note-se que o latifúndio já era considerado, até mesmo por um autor liberal, como um
grande mal que impedia o desenvolvimento do país e a formação do mercado interno.
Assim, podemos avançar na idéia de que o fato de esta temática ser tão enfatizada pela
historiografia analisada até aqui revela uma espécie de consenso. Assim, o problema estaria
na maneira como o latifúndio seria eliminado, ou seja, que tipo de reforma agrária seria
implementado e, na perspectiva de Campos, a reforma agrária deveria ser uma modernização
capitalista das relações no campo e não socialista.
Promulgado neste contexto, o Estatuto da Terra, representou, do ponto de vista teórico
e no plano simbólico, uma vitória da idéia de reforma agrária distributivista, ou seja,
relacionada à necessidade de se acabar com o latifúndio por meio do fracionamento da
propriedade da terra.
Toda a historiografia analisada até este ponto do trabalho foi publicada anteriormente
à promulgação do Estatuto da Terra. Por isso, passaremos a analisar o conteúdo desta Lei, de
forma a verificar possíveis relações existentes entre ela e a tese hegemônica da historiografia
brasileira.
Paradoxalmente, o Estatuto da Terra foi regulamentado em 1964, em plena vigência
do regime militar no Brasil. Este paradoxo é, a nosso ver, um indicativo da foa do
pensamento historiográfico predominante naquele momento histórico e, digamos de
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passagem, em esncia, predominante ainda hoje. Tanto que, no que concerne à questão
agrária brasileira, influenciou até o rígido regime ditatorial
6
.
Inicialmente, consideremos o conceito de reforma agrária constante do capítulo I,
artigo 1° da referida Lei:
Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a
promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de
sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao
aumento de produtividade”. (Lei n°4504 de 30/11/1964)
Essa definição de reforma agrária deixa claro que seu teor é basicamente
distributivista, ou seja, conceitualmente seu objetivo é a melhor distribuição da terra, a
reparação das injustiças sociais e o aumento da produtividade agcola.
Ficam, assim, explícitos os efeitos das teses defendidas pela historiografia na
concepção de reforma agrária que norteia o Estatuto da Terra, pois, salvo diferenças
interpretativas pontuais, as obras clássicas analisadas nesta dissertação chamaram a atenção
para o mal causado pelo monopólio da propriedade da terra, representado pelo latifúndio, para
a injustiça social (miséria dos trabalhadores sem terra) e para a baixa produtividade
(latifúndios especulativos e de baixo nível técnico).
A fim de assegurar a todos a oportunidade de acesso à terra, o Estatuto, em seu
capítulo I, artigo 2°, determinou a observância do cumprimento da função social da terra. Esta
função seria realizada quando o bem-estar dos proprietários e trabalhadores fosse garantido;
quando se mantivessem níveis satisfarios de produtividade, se assegurasse a conservação
dos recursos naturais e se observassem as justas relações de trabalho.
Portanto, na base da proposta, estava a necessidade de se solucionar problemas
históricos, como: promover a harmonia entre os fazendeiros e seus empregados, tornar a terra
produtiva, conservar os recursos naturais defendendo-os da ação predatória do latifúndio
exportador/monocultor e garantir os direitos trabalhistas. Tudo em consonância com as teses
da historiografia hegemônica contra o latifúndio, exceto o ponto referente às relações de
trabalho, queo fazia parte das formulações da historiografia hegemônica. Conforme já
demonstramos, esta questão fora enfatizada por Caio Prado em seus escritos da década de
1960, ou seja, na fase em que ele atualizou seu pensamento sobre a questão agrária.
6
Até mesmo os militares sofreram a influência determinante da historiografia hegemônica.
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Outra influência da historiografia referida no Estatuto é a conceituação abrangente do
termo latifúndio. Conforme o capítulo I, artigo da Lei, o latindio seria identificado de
duas maneiras. De um lado, seria considerado como latifúndio todo imóvel rural que
excedesse a seiscentas vezes o módulo médio da propriedade rural ou a seiscentas vezes a
área média dos imóveis rurais na respectiva zona. De outro lado, estaria o ivel rural que
fosse mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, sociais e econômicas do meio.
Estabeleceram-se, assim, as definições de latifúndio por extensão e por exploração, ou seja, a
oficialização das teses historiográficas contrárias ao latifúndio.
O Estatuto da Terra versa também sobre questões de cuja solução dependeria a
promoção da reforma agrária, desde recursos a serem canalizados até estratégias a serem
adotadas. Ele é, na verdade, um documento importantíssimo do ponto de vista da história das
idéias, porque representou, em essência, a institucionalização da idéia de reforma agrária, ou
seja, a materialização, em forma de lei, da tese, construída pela historiografia brasileira entre
as décadas de 1930 e 1960, que identificava o latifúndio exportador/monocultor/escravocrata
como um dos grandes vilões dos problemas do país.
Contudo, Roberto Campos reconhece o fracasso na aplicação do Estatuto e analisa
suas conseqüências nos seguintes termos:
Com a tíbia implementação do Estatuto da Terra, as posições gradualmente
se radicalizaram, passando os sindicatos rurais de esquerda, e a chamada ‘ala
progressista’ do clero, a utilizar os conflitos agrários como instrumento de
contestação anti-revolucionária. (...)”. (Campos, 1994:695)
Ou seja, ele considera que a falta de rigor na implementação do Estatuto e a
conseqüente não realização da reforma agrária acirraram os ânimos de setores da sociedade
que exigiam sua realização. Segundo ele, isso se tornou um problema político para Castello
Branco, porque o Estatuto da Terra, que nascera para dar uma satisfação à sociedade, acabou
por frustrar as expectativas.
De certo modo, o fracasso na aplicação do Estatuto serviu para alimentar a luta pela
reforma agrária nas décadas subseentes. Assim, o Estatuto da Terra veio coroar as teses
hegemônicas da historiografia, que identificaram o latifúndio como o mal de origem, causador
de todos os outros males, pois elevou à categoria de lei aquilo que a historiografia construiu
idealmente. Eis a força das teses historiográficas hegemônicas.
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CAPÍTULO III
A sustentação teórica do MST: a vitória da idéia do distributivismo agrário
construída pela historiografia hegemônica
Em nossa busca por documentos que nos proporcionassem a compreensão do que
realmente significa o latifúndio para o MST, bem como o seu conceito de reforma agrária,
defrontamo-nos com sérias dificuldades. Uma delas foi certa hesitação por parte da
organização do Movimento em disponibilizar documentos, como, por exemplo, o seu estatuto.
Por isso, optamos por analisar os materiais publicados por seus integrantes, que, de nosso
ponto de vista, acabaram por corresponder satisfatoriamente às necessidades da pesquisa.
Neste terceiro e último capítulo, nosso objetivo é analisar o pensamento que sustenta
teoricamente o MST. Pelo motivo apontado, daremos ênfase aos escritos de dois autores que
podem ser considerados os grandes teóricos do Movimento: João Pedro Stédile, um dos
principais líderes, e Bernardo Mançano Fernandes, integrante do setor de Educação do
Movimento.
no documento final do Primeiro Encontro Nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado em 22 de Janeiro de 1984, que marca sua
fundação oficial, pudemos fazer nossa primeira constatação de que sua fonte de inspiração são
as teses hegemônicas da historiografia brasileira analisada. Esta influência é perceptível na
forma como, nesse documento, estão definidos o caráter e o objetivo da luta dos
trabalhadores:
Esta é a luta do Movimento dos Sem-Terra em quase todo o Brasil, no
campo e na cidade: os acampamentos, as ocupações, o cumprimento do
Estatuto da Terra, até a luta por um governo eleito pelos trabalhadores”. (In:
Fernandes, 2000:82)
A exigência de que o Estatuto da Terra fosse cumprido, por si , indica a influência
da historiografia no sentido traçado pelo Movimento, porque essa lei é expressão dessas
teses
1
. Como demonstramos no capítulo anterior, o conteúdo do Estatuto da Terra é
1
Embora, no decorrer das reuniões, o MST tenha alterado a sua estratégia, solicitando mudanças nas leis
agrárias, no momento de sua formação, o Estatuto da Terra foi a sua referência básica.
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basicamente resultante das teses historiográficas sobre os problemas sociais deixados pelo
latifúndio e, por isso, estava em plena sintonia com os objetivos do MST no momento de sua
formação.
Entre os objetivos gerais que norteariam o Movimento, mais uma constatação da
influência decisiva da historiografia, consta, além do objetivo central de lutar pela reforma
agrária, outro objetivo que é na verdade a razão de ser do Movimento: “lutar por uma
sociedade justa, fraterna e acabar com o capitalismo” (In Fernandes, 2000:83). Note-se que o
MST já nasce identificando o capitalismo como o seu principal inimigo. Nesse objetivo está
expressa toda a essência do MST, em especial, o caráter de continuidade da luta teórica
construída pela historiografia e que se tornou vitoriosa no plano simbólico. De um lado, essa
continuidade revela a absorção das teses que foram sendo construídas contra o latifúndio e, de
outro, em segundo plano, revela que essas teses são utilizadas como uma espécie de escudo
para dar legitimidade ao Movimento, algo como a “hisria nas mãos”.
Neste contexto, é pertinente esboçar como a reforma agrária foi concebida em 1981, às
vésperas da formação do Movimento. O paradigma era, e ainda é, o do distributivismo
agrário, que consiste no fracionamento do latifúndio. Eis a justificativa da reforma agrária
elaborada por José Eli da Veiga, um dos seus maiores defensores:
“A reforma agrária só se colocou verdadeiramente como uma exigência
social premente em países, ou regiões, em que existia uma grande massa de
lavradores impedidos de ter acesso à propriedade da terra. em situações
desse tipo é que ganhou força social a idéia de que a terra deve pertencer a
quem nela trabalha”. (Veiga, 1984:10, 11)
Portanto, o fundamento básico da reforma agrária é de que a conquista da terra é
possível com a eliminação do latifúndio. Na obra O Que é Reforma Agrária, publicada em
1981, após fazer uma retrospectiva histórica das reformas agrárias efetivadas em vários
países, o autor chegou à concluo de que a realização de uma reforma agrária no Brasil
deveria obedecer a esse paradigma. Embora o conceito de reforma agrária seja suscetível a
variações, o enfoque distributivista do autor é o predominante e foi incorporado à concepção
teórica do MST.
Empenhados em atingir o objetivo de demonstrar as relações entre as teses defendidas
pela historiografia hegemônica e as principais premissas defendidas pelo Movimento,
examinaremos agora as idéias centrais de alguns escritos de João Pedro Sdile, um dos
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principais líderes do Movimento, senão o principal. É ele quem realmente se pronuncia em
nome do MST, o que nos leva a fazer de suas palavras, as palavras do Movimento.
Conforme demonstramos nos capítulos precedentes, o latifúndio foi eleito como o
responsável pelo subdesenvolvimento brasileiro e, em razão de seu caráter feudal ou
semifeudal, representava um obstáculo ao avanço das forças produtivas, ao avanço do
capitalismo no campo. Ou seja, o latifúndio era sinônimo de atraso.
É claro que a entrada do capitalismo na produção agrícola brasileira representava um
passo à frente rumo à concretização do projeto socialista. Não faltam exemplos dessa
concepção: os autores clássicos que escreveram sobre a questão agrária entre os anos de 1930
e 1980 absorveram, uns mais outros menos e em uma ordem cronológica, o sentido da
Revolução Russa, depois o sentido da Guerra Fria e, em meio a esta, o sentido da Revolução
Cubana. No entanto, não apenas os autores clássicos são alvo de exemplificação: o ideal
socialista que permeou a maioria das obras clássicas sobre a questão agrária ainda mantém
sua vitalidade. É isso que buscaremos demonstrar nos escritos dos ideólogos do MST, que
passaremos a analisar.
A publicação mais completa de João Pedro Stédile sobre o latifúndio, e à qual tivemos
acesso, encontra-se no livro Sete Pecados do Capital, organizado por Emir Sader e publicado
em 1999. Os autores que compõem a coletânea tiveram como objetivo expressar seus
pareceres sobre os grandes problemas do mundo capitalista, que eles denominaram como
pecados do capital. Deste modo, Stédile escreveu sobre o que, em sua concepção, corresponde
a um dos pecados do capital, ou seja, escreveu sobre o latifúndio. Segundo os demais autores
que defenderam suas idéias neste livro, os outros pecados do capital o, respectivamente: a
avareza, conforme os textos de Frei Betto e Milton Santos; o ecocídio e o biocídio, nas
palavras de Leonardo Boff; a exploração, analisada por Emir Sader; o fetichismo, abordado
por Marilene Felinto; e o roubo do tempo, segundo Alcione Araújo.
Concebido como um pecado pelo principal líder do MST, o latifúndio é posto em
revista por meio de uma perspectiva histórica. Vejamos primeiramente o conceito de
latifúndio elaborado por Stédile:
“Independente do conceito do verculo e das classificações legais, devemos
considerar que são latifúndios todas as grandes propriedades privadas de
terras que existem em nosso país, as quais, por se apropriar de um bem da
natureza, cercar, impor um falso conceito de direito absoluto da propriedade,
e subjugar-se apenas à vontade do seu proprietário legal, se caracteriza como
um pecado, na forma de organização dos bens da natureza, em nossa
sociedade”. (Stédile, 2000:166, 167)
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Observa-se que o autor ampliou, expandiu o conceito de latifúndio, atribuindo-lhe uma
conotação mais abrangente, desconsiderando os tradicionais fatores de produtividade. Stédile
concebe o latifúndio como sendo toda grande propriedade e argumenta com a suposta
ilegitimidade da propriedade da terra. Em seu conceito está implícito aquilo que a
historiografia afirmava quanto ao caráter duvidoso dos tulos de propriedade dos
latifundiários, mas também se encontra explícita mais uma dimensão do caráter ilegítimo do
latifúndio: a idéia de que existe uma indevida apropriação de um bem natural, que não pode
ser considerado uma mercadoria.
Passemos agora ao que Sdile afirma sobre a permanência do latifúndio no final do
culo XX. Neste caso, verifica-se a reprodução sistematizada daquilo que a historiografia
analisada anteriormente havia construído; poucos são os acréscimos.
Em primeiro lugar, Stédile destaca, como conseqüência perversa do latifúndio, o poder
exercido tacitamente pelo latifundiário. Para ele, isso se deve à desigualdade social existente
no Brasil:
(...) Numa sociedade assim, a propriedade da terra tem também um caráter
político. Numa sociedade com tamanha desigualdade, quem tem poder
econômico originário da propriedade de terras, de poder utilizar a natureza
legalmente a fim de poder explorar o trabalho dos outros, adquire
automaticamente um poder político. Um poder de decidir sobre a sociedade,
sobre as instituições, sobre as regras sociais. Enfim, independente de
eleições democráticas ou de cargos públicos, o grande proprietário de terras
no interior do país se transforma automaticamente no manda-chuva’, na
‘autoridade’ a quem todos respeitam”. (Stédile, 2000:169)
Constata-se, na afirmação acima, a referência ao fenômeno do coronelismo, estudado
por Victor Nunes Leal. Tal fenômeno, na análise de Nunes Leal, é apresentado como um fato
predominante durante a Primeira República. Stédile, porém, dá atualidade ao conceito de
coronelismo, como se este caracterizasse a realidade do país no final do século XX. Deste
modo, Stédile não corrobora aquilo que a historiografia construiu, como também dá
continuidade às teses hegemônicas. Embora correndo o risco de que fossem anacrônicas para
o momento em que ele escrevia, elas lhe serviam de escudo e, assim, legitimavam a luta do
MST.
Além disso, Stédile realça o caráter cultural do latifúndio, ao qual ele liga a idéia de
que as marcas do Brasil Colônia não se apagaram:
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“(...) As elites brasileiras foram formadas durante 400 anos no modelo
agroexportador, ou seja, nossa sociedade se gerou em uma sociedade agrária
e exportadora. Ao contrário da Europa e dos países do hemisfério norte, cujo
processo de industrialização remonta às origens da revolução industrial de
1750, começou a se desenvolver aqui, a rigor, a partir da revolução de 1930.
Portanto, as raízes das elites, raízes que influenciaram toda sociedade
brasileira, estão cravadas na propriedade da terra. Propriedade da terra se
confunde com cidadania, com poder, com prestígio. Se confunde com elite”.
(Stédile, 2000:171)
Percebe-se, nas palavras do autor, que ele continuidade à visão negativa da
colonização que se fazia presente nos autores clássicos. O sentido da colonização formulado
por Caio Prado Júnior, por exemplo, serviu de parâmetro teórico de sua formulação de que o
latifúndio foi um mal histórico de repercussões na dimensão cultural da propriedade da terra.
Segundo ele, a tendência ao investimento na aquisição de terras no final do século XX é uma
herança colonial ainda profundamente arraigada na sociedade brasileira.
Quanto ao foco especial que Stédile aos sistemas das capitanias hereditárias e das
sesmarias, entendendo-os como formas de exploração do território brasileiro pela Coroa, com
o objetivo de geração de lucros para o exterior (Sdile, 2000:175), também é notória a
influência da historiografia hegemônica, especialmente a de Caio Prado.
Considerando que essa estratégia da Coroa permaneceu até o fim do século XIX,
Stédile atribui à luta contra a escravidão a causa principal da implementação da Lei de Terras
de 1850. Com a perspectiva do fim da escravidão, esta lei teve como objetivo principal
garantir mão-de-obra para a produção latifundiária. Os clássicos da questão agrária tinham
afirmado, especialmente Cirne Lima, que, a partir de 1850, as compras de terras deveriam ser
feitas em dinheiro, com pagamento à vista, dificultando, assim, a posse da terra. Segundo
Stédile, os pobres e escravos não tinham dinheiro para comprar terras. Desde 1850, portanto,
o processo de consolidação do latifúndio adquiriu uma base legal (Stédile, 2000:177).
Para Stédile, com a legalização e a consolidação do latifúndio, os males por ele
gerados deixaram de se circunscrever ao meio rural. O fim da escravidão, em 1888, teve como
uma de suas conseqüências o deslocamento dos escravos para as cidades, o que deu origem às
favelas brasileiras. Portanto, segundo o autor, generalizaram-se os efeitos perversos do
latifúndio. Eis uma passagem do texto que sintetiza as principais conseqüências do latindio
na visão do autor:
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Portanto, a raiz de nosso subdesenvolvimento, de nossa pobreza, e de nossa
desigualdade social, está no latifúndio, que constitui pecado original da elite
colonizada brasileira”. (Stédile, 2000:181, 182)
Tudo isso nos permite afirmar que Sdile, de forma sistematizada e com ares de
atualidade, apenas reproduz o arcabouço que a referida historiografia construiu sobre o
latifúndio como o grande vilão dos problemas brasileiros.
No entanto, a eliminão do latifúndio como o fundamento básico da idéia de reforma
agrária incorporada pelo MST obedece a um objetivo específico, cujo caminho Stédile
explicita no trecho a seguir:
“A derrota do latifúndio vai ocorrer em nosso país quando houver uma
grande mobilização social e nacional, para implementar um outro modelo
econômico. Um modelo que reorganize a economia brasileira, voltada para a
produção de bens e serviços que atendam às necessidades da população e
não apenas guiados pelo lucro ou por interesses de acumulação do capital.
Nacional ou estrangeiro. Um modelo econômico que se caracterize pela justa
distribuição das riquezas produzidas e da renda gerada, para que cada
brasileiro tenha as mesmas oportunidades de trabalho, de educação, de
moradia. Num modelo econômico que tenha esse caráter popular certamente
a agricultura teuma nova função na sociedade, garantindo a produção de
alimentos para toda a população, servindo como base para a geração de
empregos para milhões de trabalhadores. E democratizando a propriedade da
terra, combatendo o latifúndio, rompendo na sua raiz com a causa da maior
parte das diferenciações sociais e da pobreza no meio rural”. (Stédile,
2000:212)
Assim, Stédile finaliza seu texto defendendo a necessidade de transformação do
modelo econômico vigente no país. Embora se refira a um modelo que seria uma espécie de
correção das injustiças sociais causadas pelo latifúndio, que apresentaria características
socialistas e ainda que suas palavras sinalizem nesse sentido, ele não assume esta posição
diretamente. Por isso, perguntamo-nos: qual seria, então, a relação entre a luta por reforma
agrária empreendida pelo MST e a necessária mudança de modelo econômico defendida por
ele, como seu principal ideólogo? Tentaremos responder esta indagação, com base em outro
texto, produzido em 1994.
Essa coletânea de textos de vários autores, publicada no livro A Questão Agrária
Hoje, representava, segundo ele, a evolução do debate sobre a questão agrária brasileira desde
a década de 1970. Em que pesem as várias linhas interpretativas constantes da coletânea, o
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texto mais significativo para nós é A Questão Agrária e o Socialismo, em que Stédile expõe
claramente a essência e os objetivos maiores da luta do MST.
O primeiro aspecto que nos chama a atenção reside em sua concepção sobre o papel
desempenhado pelo latifúndio na história brasileira. Nesse texto, é possível perceber a noção
de continuidade não no tratamento dispensado ao latifúndio, como também em sua
descrição da linha histórica de evolução dos modos de produção. Stédile corrobora as teses
formuladas contra o caráter feudal do latifúndio, apontando, nas transformações ocorridas
após a cada de 1960, uma mudança de função do latifúndio, acompanhada,
contraditoriamente, da preservação de seu caráter nefasto.
Sua interpretação sobre a consolidação do capitalismo no campo fornece fortes
indícios do caráter linear com que o MST vem conduzindo a questão agrária, linear no sentido
de manter em essência a tese dos clássicos da questão agrária. Para Stédile, o latifúndio ainda
é a instituição que impede a evolução do país, porém, neste momento histórico, evolução
significa a superação do capitalismo e não mais a do feudalismo. Vejamos então a afirmação
de Stédile:
“(...) Que a forma como o capitalismo se desenvolveu na agricultura
brasileira nas últimas duas décadas avançou de tal maneira que a grande
propriedade, o latifúndio, em vez de ser um empecilho para o
desenvolvimento do capitalismo, ao contrário, possibilitou que o capitalismo
se desenvolvesse de uma maneira mais rápida e mais concentrada (...)”.
(Stédile, 2002:313)
Conforme o autor, o latifúndio transformou-se de inimigo em aliado do capitalismo;
ou seja, a burguesia estaria satisfeita com a organização agrária do país, não sendo
interessante para ela qualquer modificação em sua estrutura. Partindo da premissa de que a
forma assumida pelo latifúndio no desenvolvimento do capitalismo tornou-o o principal
obstáculo para que os trabalhadores sem terra tivessem acesso à propriedade desse meio de
produção, Stédile emite seu parecer sobre o único tipo possível de reforma agrária. Além da
descentralização da propriedade, ou seja, da distribuição da propriedade, é imprescindível que
a reforma agrária tenha ainda outra caractestica, qual seja:
“A segunda característica da reforma agrária hoje é que necessariamente ela
vai ter que organizar a propriedade coletiva dos meios de produção, porque a
agricultura está organizada de uma maneira capitalista. Hoje não adianta
mais ter terra. É preciso ter a propriedade dos tratores, dos armazéns, dos
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trens que conduzem a produção. Não adianta mais o cara pegar um
pedacinho de terra e dizer: ‘tá feita a reforma agrária’. Necessariamente com
esse desenvolvimento que o capitalismo teve no campo, uma reforma agrária
tem que abranger a propriedade coletiva de todos os meios de produção que
afetem a agricultura. E por isso, ela adquire um caráter anticapitalista. Não é
só a propriedade da terra que está em questão, mas está em questão a
propriedade de vários meios de produção”. (Stédile, 2002:318, 319)
Se a historiografia sobre a questão agrária lutava contra os caracteres feudais do
latifúndio, o MST luta contra os seus caracteres capitalistas. É neste sentido que consideramos
a existência de um continuísmo no direcionamento historiográfico por parte do MST, embora
essa afirmação o possa ser estendida a todos os aspectos da historiografia analisada. Não
uma ligação direta entre os clássicos da história do Brasil e o MST, mas existe uma
perspectiva comum aos clássicos da questão agrária e aos ideólogos do MST: trata-se da
concepção sobre a transição feudalismo/capitalismo/socialismo.
Deste modo, quando Stédile se refere ao sentido anticapitalista da reforma agrária, está
sinalizando, obviamente, para a reforma agrária socialista. Ele é enfático na defesa dessa
idéia:
Eno, por essas características que eu citei rapidamente, de como está hoje
o capitalismo na agricultura brasileira, é que eu acho que uma reforma
agrária, necessariamente, vai ser socialista. Não tem como fazer uma
reforma agrária capitalista no Brasil e ficar distribuindo meia dúzia de lotes e
meia dúzia de títulos e achar que está resolvendo o problema da agricultura
(...)”. (Stédile, 2002:320)
Portanto, percebe-se que o da questão agrária, na concepção de Stédile, está no
modo de produção, pois, sem que se processe uma transição do capitalismo para o socialismo,
a reforma agrária não faz sentido; não resolve problemas que, segundo ele, são de ordem
imediata.
Eis o caráter ideológico do MST. Por isso, afirmamos que a luta contra o latifúndio e
pela reforma agrária, empreendida pelo Movimento, não pode ser compreendida fora de seu
contexto ideológico, ou seja, de que a reforma agrária é uma condição para a implantação do
socialismo e este, por sua vez, é uma condição para a realização da reforma agrária no Brasil.
O próprio Sdile assume claramente essa posição, ao dizer que:
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Eno, nós imaginamos que vai ser impossível implantar o socialismo no
Brasil se não se fizer a reforma agrária, ao mesmo tempo que não se
consegue a reforma agrária sem implantar o socialismo (...)”. (Stédile,
2002:321)
Conforme Stédile, a luta contra o latifúndio faz parte do contexto mais amplo da luta
pelo socialismo, mas essa não é a única posição defendida no interior do Movimento.
Assim, para o corrermos o risco de tomar como referência apenas um
representante do MST, analisaremos também alguns pontos da obra de Bernardo Mançano
Fernandes, que, além de integrante do Movimento, é também um pesquisador da questão
agrária brasileira e do próprio MST. Quanto a este fato, ele se diferencia de João Pedro
Stédile, que se pronuncia em nome do Movimento, mas não o tem como objeto de pesquisa.
Em 2000, Mançano Fernandes publicou o livro A formação do MST no Brasil, que
era originalmente a sua tese de doutorado. Seu objetivo geral na obra era analisar o processo
de formação do MST, sua justificativa histórica e a sua territorialização. Como esse trabalho é
considerado o mais completo sobre a trajetória histórica do MST, nós o escolhemos como
fonte para nossa pesquisa.
Em razão dos objetivos específicos deste capítulo, focaremos, na obra de Mançano
Fernandes, apenas os pontos que estão em consonância com as posições teóricas de Stédile;
que corroborem e, de certo modo, acrescentem algumas informações que comprovem a
influência da historiografia analisada sobre o arsenal teórico do Movimento.
O primeiro aspecto a ser considerado é o tipo de luta pela terra que inspira o MST.
“As lutas camponesas sempre estiveram presentes na história do Brasil. Os
conflitos sociais no campo não se restringem ao nosso tempo. As ocupações
de terras realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), e por outros movimentos populares, são ações de resistência frente à
intensificação da concentração fundiária e contra a exploração, que marcam
uma luta histórica na busca contínua da conquista da terra de trabalho, a fim
de obter condições dignas de vida e uma sociedade justa. São cinco séculos
de latindio, de luta pela terra e de formação camponesa (...)”. (Fernandes,
2000:25)
Ao atribuir uma dimensão histórica à luta pela terra, o autor revela que sua análise se
relaciona, indiretamente, com as teses hegemônicas dos clássicos da história do Brasil e,
diretamente, às teses hegemônicas da historiografia especializada na questão agrária
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brasileira. Prova disso é sua referência aos cinco séculos de latifúndio, ou seja, uma referência
direta à obra clássica de Alberto Passos Guimarães, Quatro Séculos de Latindio. Ou seja,
Mançano Fernandes apenas acrescenta cronologicamente mais um século à existência do
latifúndio no Brasil.
Contudo, é nas causas da permanência do latifúndio que o autor demonstra maior
sintonia com Stédile:
O MST levará na memória a história camponesa que está construindo. Esse
conhecimento explica que é potico o fato de os camponeses não terem
entrado na terra até os dias de hoje. É a forma estratégica de como o capital
se apropriou e se apropria do território. Portanto, as lutas pela terra e pela
reforma agrária são, antes de mais nada, a luta contra o capital. (...)”.
(Fernandes, 2000:47)
Nesta afirmação, verifica-se não apenas que os integrantes do MST falam a mesma
“língua”, como também compartilham ideologicamente o objetivo final do Movimento, que é
acabar com o capitalismo e implantar o socialismo. Neste caso, a reforma agrária seria uma
etapa da “revolução”.
Antes de finalizarmos a apreciação dessa obra de Fernandes, queremos mencionar uma
passagem que, de nosso ponto de vista, resume a justificativa histórica ou, melhor dizendo, a
justificativa historiográfica da luta do MST contra o latifúndio. Por isso, fazemos dela uma
transcrição literal:
“A história da formação do Brasil é marcada pela invao do território
indígena, pela escravidão e pela produção do território capitalista. Nesse
processo de formação de nosso País, a luta de resistência começou com a
chegada do colonizador europeu, há 500 anos, desde quando os povos
indígenas resistem ao genocídio histórico. Começaram, eno, as lutas contra
o cativeiro, contra a exploração e, por conseguinte, contra o cativeiro da
terra, contra a expropriação, contra a expulsão e contra a exclusão, que
marcam a história dos trabalhadores desde a luta dos escravos, da luta dos
imigrantes, da formação das lutas camponesas. Lutas e guerras, uma após a
outra ou ao mesmo tempo, sem cessar, no enfrentamento constante contra o
capitalismo. Essa é a memória que nos ajuda a compreender o processo de
formação do MST”. (Fernandes, 2000:25)
Este é um trecho lapidar da obra de Mançano, pois prova a contribuição decisiva da
historiografia hegemônica do século XX para a viria da idéia de reforma agrária
distributivista materializada no MST. O que ele chama de memória que inspirou a formação
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do Movimento é, na verdade, cada “tijolo” assentado pela historiografia hegemônica na
construção do edifício em que o MST está refugiado, qual seja: o que abriga os males do
latifúndio.
Portanto, os integrantes do MST posicionam-se abertamente contra o latifúndio. Já no
momento da fundação oficial do Movimento em 1984, posicionando-se abertamente sobre
isso, eles exigiam o cumprimento do Estatuto da Terra, cuja lei, como demonstramos,
estava totalmente em consonância com as teses historiográficas hegemônicas em relação à
condenação ao latifúndio.
Uma vez que a reforma agrária não tinha sido realizada no Brasil, na última década do
culo XX, em virtude da força da idéia e da luta empreendida pelo MST, muitos
assentamentos foram criados. Qual foi, no entanto, o resultado prático de tais assentamentos
em termos sociais e econômicos? Embora esse ponto não faça parte do horizonte desta
pesquisa, faremos a seguir algumas reflexões sobre a luta contra o latifúndio pós realização da
reforma agrária.
3.1. Xico Graziano: acerca da atualidade da luta contra o latifúndio
A partir da década de 1980, o especialista em questão agrária, Xico Graziano, fez
algumas indagações sobre a pertinência da luta contra o latifúndio e, por isso, abordaremos
algumas idéias de sua obra, O Carma da Terra no Brasil, publicada em 2004. Neste livro,
Xico Graziano faz um retrospecto histórico e autobiográfico da questão agrária brasileira,
culminando na análise da luta contra o latifúndio na atualidade. Eis o fundamento da obra, nas
palavras do autor:
“Meu livro almeja explicar por que a reforma agrária não mais certo no
Brasil. Os assentamentos rurais mostram um fracasso produtivo, mal
garantindo subsistência familiar. E, conforme mais gente entra na terra,
aumenta a confusão no campo. Algo de errado acontece nesse processo. É
isso que tenciono mostrar: uma idéia que perdeu lugar na História”.
(Graziano, 2004:14)
Embora reconheça que, no passado, a realização da reforma agrária distributivista
fosse necessária, ele afirma que ela já não faz sentido no Brasil:
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“A idéia de reforma agrária distributivista era perfeita no passado, quando
imperava o latifúndio e mandava o coronel. Uma imensidão de áreas rurais se
encontrava ociosa, contrapondo-se às necessidades do abastecimento popular,
crescente nas cidades, e do emprego, para a massa de camponeses e
trabalhadores rurais. Com a maioria da população ainda morando no campo, a
vida da sociedade dependia basicamente da economia agrária”. (Graziano,
2004:33)
Graziano reconhece os efeitos negativos do latifúndio no passado, porém,
considerando o pensamento distributivista na atualidade como um equívoco, porque está
centrado numa receita antiga que perdeu seu efeito, ele questiona a luta pela sua eliminação:
“Mudou o mundo, como querer repetir o passado?” (Graziano, 2004:38).
Segundo ele, as principais razões da permanência da idéia de reforma agrária
distributivista são a resistência intelectual típica da ciência conservadora, o saudosismo rural,
o sentimento de culpa que os ricos têm pela histórica miséria que assola o país e o fato de a
antiga idéia incorporar-se à dinâmica dos acontecimentos políticos, pautada pelas estratégias
de luta do MST. (Graziano, 2004:34,35e36). Essa permanência parece ser uma espécie de
dívida histórica.
A luta com base nessa idéia de reforma agrária permanece, embora, de acordo com as
considerações de Xico Graziano, não existam mais latifúndios. Como essa constatação,
resultante de sua tese de doutorado defendida em 1989, foi importante para nosso objeto de
pesquisa, vamos expor algumas de nossas idéias sobre uma de suas principais conclusões:
Minha tese trazia algo inacreditavelmente simples: eram falsas nossas
estatísticas agrárias. Enormes latindios, espalhados pelo país,
representavam apenas terras griladas no passado, cadastradas no INCRA,
mas inexistentes na realidade. Nós estávamos brigando contra fantasmas”.
(Graziano, 2004:56,57)
Se esta constatação foi feita há mais de uma década, por que o MST continua firme em
sua luta contra o latifúndio? Tudo indica que a reforma agrária tem hoje um viés mais
ideológico do que prático, pois, para Graziano:
O caráter ideológico da reforma, ou seja, penalizar o latifúndio, provoca
excessiva ênfase na repartição da terra – assentar não estimulando a conta
do outro lado, ou seja, na coluna dos resultados produzir. A própria
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ancia governamental encarregada de promover a reforma não levanta,
regularmente, dados agregados capazes de avaliar produtividade,
rentabilidade e impactos na economia regional. A equão da reforma
agrária termina no assentamento. Depois, bom, é outra
história”.(Graziano, 2004:105)
Embora, conforme o pesquisador, a idéia de reforma agrária distributivista seja uma
idéia fora do lugar, que não se aplica à atual realidade brasileira, por que não existem mais os
latifúndios, ela continua vitoriosamente sendo encampada pelo MST; mais do que isso o
Movimento a utiliza politicamente para a reivindicação de mais terra para os assentamentos.
É importante mencionar que Xico Graziano pode ser enquadrado na historiografia não-
hegemônica sobre a questão agrária no Brasil, uma vez que suas idéias não se
institucionalizaram, pelo menos até o presente momento, mesmo porque são muito recentes
do ponto de vista histórico.
Na medida em que estas dissenes em relação ao foco central do MST também foram
importantes para a pesquisa, finalizaremos este capítulo com um breve resgate da
historiografia não-hegemônica.
3.2. Os clássicos não-hegemônicos da história do Brasil: outro modo de ver o latifúndio
Durante todo este trabalho, nos referimos às obras analisadas como componentes da
historiografia hegemônica. Isso não se deu por acaso, pois, embora as teses dos autores
analisados tenham ascendido à categoria de verdadeiras instituições, em virtude da influência
que tiveram nos meios formadores de opinião, não foram as únicas que forjaram o
entendimento sobre o Brasil.
De nossa perspectiva, como a raiz mais importante da luta contra o latifúndio está na
maneira como os referidos autores conceberam a colonização do país, esboçaremos uma
análise sobre outro tratamento da historiografia sobre a colonização que, embora sólido, não
teve o mesmo sucesso da historiografia hegemônica. Estamos nos referindo às obras de
Roberto Simonsen e de Gilberto Freyre.
Em 1937, Roberto Simonsen publicou sua obra clássica, História Econômica do
Brasil (1500-1820), na qual se propôs a analisar os fundamentos econômicos que
direcionaram a história brasileira no período colonial. Simonsen fez uma análise completa da
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história econômica de todo o Brasil Colônia e, por isso, é pertinente apreciar a maneira como
ele concebeu a colonização brasileira e, como parte dela, a implantação da produção
latifundiária, da formação do latindio no país.
O primeiro aspecto a ser destacado na concepção de Simonsen sobre a colonização
brasileira é sua coerência com aquilo a que se propôs. Ele deixa claro que está analisando a
história do país sob o prisma econômico, porque considera que esse fator passou a ser
preponderante desde o descobrimento do Brasil. Desta perspectiva, o autor reconhece as
grandes dificuldades que os colonizadores do país tiveram que enfrentar:
Tôda espécie de acidentes marítimos, de lutas contra o interior e contra o
exterior, o desconhecimento e a adversidade do meio, impossibilitaram o
inteiro êxito da iniciativa. A falta de um órgão coordenador das donatarias
não permitia a sua cooperação; ao contrário, as hostilidades recíprocas
vieram agravar ainda mais os males reinantes”. (Simonsen, 1969:85)
Deste modo, ele se contrapõe à iia predominante na historiografia hegemônica,
segundo a qual a colonização foi algo fácil. A idéia de que as riquezas do território brasileiro
estariam naturalmente ao alcance dos que aqui chegaram é desbancada por Simonsen, que
elenca os vários obstáculos que se ergueram no caminho do colonizador europeu. Ou seja, em
relação aos demais historiadores, ele apresenta uma visão bastante distinta sobre o significado
da colonização. Comparando-a com as colonizações de outros continentes, ele assim se
posiciona:
“(...) Na América, no entanto, formaram-se novas nações, filhas da
civilização ocidental e a melhor iniciativa sistematizada de colonização foi
oriunda de Portugal e aplicada no Brasil”. (Simonsen, 1969:87)
Portanto, na visão de Simonsen, o sentido da colonização teorizado por Caio Prado
Júnior, e encampado pela historiografia hegemônica, não existiu. Simonsen concebe a
colonização brasileira como uma obra, de certo modo, heróica, ao contrário do que afirmavam
os clássicos hegemônicos. Para ele, a geração de riquezas em um território primitivo e
estranho ao colonizador português, em pleno século XVI, deveria ser reconhecida, e não
condenada.
Outro ponto interessante da concepção de Simonsen sobre o caráter da colonização é o
modo como ele apresenta a escravidão no Brasil. Enquanto Caio Prado Júnior e Nelson
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Werneck Sodré entendiam essa relação como anacrônica, Simonsen contextualiza o trabalho
escravo dentro de sua historicidade. Para ele:
o era mister, portanto, o gesto do Govêrno provisório brasileiro (de
1889), mandando queimar todos os arquivos relativos à escravidão, como
uma mancha indelével de nossa história. Praticamos essa condenável
instituição em uma época em que a noção do trabalho era outra e como
imperativo ineluvel de nossa formação econômica. Aliás, fomos dos mais
brandos na sua utilização; e o entrelaçamento de classes que entre nós se
verifica comprova êsse fato, pois tal não seria possível, se o ódio de raças se
tivesse aqui arraigado, como resíduo e reação contra iníquos tratamentos do
passado”. (Simonsen, 1969:143)
Para Simonsen, a escravidão no Brasil foi necessária e coerente com o pensamento
reinante naquele momento histórico, sendo o único modo de trabalho possível e capaz de
gerar riqueza naquele meio primitivo. A miscigenação da população brasileira realmente
confirma a tese de Simonsen sobre a forma comparativamente mais “suave” da aplicação da
escravidão no país.
Vejamos também as causas do surgimento do latifúndio açucareiro, que transparecem
na afirmação de Simonsen sobre a inviabilidade dos pequenos engenhos:
No Brasil não podia ser assim; eram de tal monta as despesas das
instalações coloniais, nas suas terras virgens e num meio hostil, com todo o
seu necessário aparelhamento de defesa, cultura, transporte e embarque, que
nos primeiros tempos não se justificava a montagem dos então chamados
pequenos engenhos. Daí a construção desde logo de engenhos médios,
produzindo acima de 3 mil arrôbas anuais, os quais, a seguir, se foram
desenvolvendo pela construção de instalações com produção acima de 10
mil arrôbas”. (Simonsen, 1969:98)
Portanto, na visão realista de Simonsen, no momento histórico em que o Brasil foi
colonizado e nas circunstâncias que se apresentaram ao colonizador, a produção teria de ser
obviamente latifundiária. Por isso, o surgimento do latindio em terras brasileiras, o trabalho
escravo e o caráter geral da colonizão foram, para Simonsen, imperativos econômicos
inelutáveis e não caracteres da obra diabólica dos colonizadores europeus em terras
brasileiras.
Finalizamos este trabalho com duas passagens do clássico Casa-grande e Senzala, de
Gilberto Freyre, cujo modo de ver a colonização do Brasil difere substancialmente da
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historiografia hegemônica e está, de certa forma, em consonância com a concepção de
Simonsen. Primeiramente, destacamos que Gilberto Freyre também identificou as
conseqüências negativas do latifúndio e deu especial ateão ao problema da fome. Segundo
ele:
(...). De modo geral, em da parte onde vingou a agricultura, dominou no
Brasil escravocrata o latifúndio, sistema que viria privar a população
colonial do suprimento equilibrado e constante de alimentação sadia e
fresca. Muito da inferioridade física do brasileiro, em geral atribuída tôda à
raça, ou vaga e muçulmanamente ao clima, deriva-se do mau
aproveitamento dos nossos recursos naturais de nutrição. Os quais sem
serem dos mais ricos, teriam dado para um regime alimentar mais variado e
sadio que o seguido pelos primeiros colonos e por seus descendentes, dentro
da organização latifundiária e escravocrata”. (Freyre, 1969:44)
Embora reconhecesse que a forma como o latifúndio fora instituído no Brasil causou
problemas de má alimentação para a população, ao se posicionar em relação às indagações e
lamentações de autores que o precederam sobre o caráter da colonização brasileira, Freyre foi
veemente:
Teria sido mesmo um crime escravizar o negro e levá-lo à América? ’,
pergunta Oliveira Martins. Para alguns publicistas foi erro e enorme. Mas
nenhum nos disse até hoje que outro método de suprir as necessidades do
trabalho poderia ter adotado o colonizador português do Brasil. Apenas
Varnhagen, criticando o caráter latifundiário e escravocrata dessa
colonização, lamenta não se ter seguido entre nós o sistema das pequenas
doações. ‘Com doações pequenas, a colonização se teria feito com mais
gente e naturalmente o Brasil estaria hoje mais povoado – talvez - do que os
Estados Unidos; sua população seria porventura homogênea e não teriam
entre si as províncias as rivalidades que, se ainda existem, procedem, em
parte, das tais capitanias’. Cita o exemplo da Madeira e dos Açores. Mas
essas doações pequenas teriam dado resultado em país, como o Brasil, de
clima áspero para o europeu e grandes extensões de terra? E de onde viria
tôda a gente que Varnhagen sus capaz da fundação de lavouras em meio
tão diverso do europeu? Terra de insetos devastadores, de sêcas, inundações.
A saúva sozinha, sem outra praga, nem dano, teria vencido o colono
lavrador, devorando-lhe a pequena propriedade do dia para a noite;
consumindo-lhe em curtas horas o difícil capital de instalação; o esforço
penoso de muitos meses. Tenhamos a honestidade de reconhecer que a
colonização latifundiária e escravocrata teria sido capaz de resistir aos
obstáculos enormes que se levantaram à civilização do Brasil pelo europeu.
a casa-grande e a senzala. O senhor de engenho rico e o negro capaz de
esforço agrícola e a êle obrigado pelo regime de trabalho escravo”. (Freyre,
1969:338)
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Portanto, para Freyre, o latifúndio e o trabalho escravo do africano foram
necessários e, no ambiente hostil que o Brasil apresentava aos colonizadores europeus, não
havia outra forma de sustentar a colonização e produzir riqueza. Este modo de ver a
colonização do Brasil certamente o correspondeu aos interesses de muitos estudiosos, que
preferiram procurar outros modelos interpretativos.
Publicada em 1933, a obra de Freyre já era do conhecimento dos autores que
compõem a historiografia hegemônica, porém, tanto a obra de Gilberto Freyre como a de
Roberto Simonsen não exerceram a influência que os autores hegemônicos exerceram na
formação da opinião pública que ainda hoje predomina no Brasil.
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Considerações Finais
Retomando o que foi exposto neste trabalho, sintetizaremos a contribuição de cada
autor clássico da tendência historiográfica que se tornou hegemônica no Brasil e, em seguida,
faremos algumas considerações sobre os resultados de nossa pesquisa.
Sérgio Buarque de Holanda destacou, entre os problemas associados ao latifúndio, a
concentração do povoamento na faixa litorânea, a rotina dos métodos produtivos, os
empecilhos à diversificação produtiva, o esgotamento dos solos, a emergência da escravidão
africana e sua influência negativa na organização social do país e, a cordialidade como
essência do homem brasileiro, essência esta, que segundo o autor, era um obstáculo para o
desenvolvimento do país.
Caio Prado nior defendeu a necessidade de se acabar com o latifúndio, já que,
compondo as bases de estruturação do Brasil contemporâneo, ou seja, o tripé latifúndio,
monocultura de exportação e trabalho escravo, era o responsável pelo atraso técnico, pelo
desmatamento, pelo esgotamento dos solos e pela concentração de riquezas nas mãos de uma
minoria de latifundiários, gerando uma economia voltada para fora, tornando, assim,
incompleto o processo de formação nacional.
Celso Furtado identificou no latifúndio açucareiro, com suas articulações externas, o
principal obstáculo à formação de um circuito interno de renda e consequentemente de um
mercado interno.
Nelson Werneck Sodré via na permanência da estrutura colonial, viabilizada pela
união entre o latifúndio e o imperialismo, a principal barreira ao desenvolvimento brasileiro.
Contudo, o modo como estes autores conceberam a história brasileira fincou raízes
profundas, influenciando não apenas a historiografia subseente como também a opinião
pública. Cada um, à sua maneira, deu margens para uma interpretação negativa acerca do
papel desempenhado pelo latifúndio na história do Brasil. Independentemente das posições
dos autores, eles conceberam o latifúndio como um problema, embora nem todos tenham
sugerido a reforma agrária.
Conforme demonstramos na abordagem de Caio Prado, embasados nos estudos de
Claudinei Magno Magre Mendes, uma interpretação da colonizão motivada por uma
proposta política ascendeu a foros de verdade e se institucionalizou. Portanto, as
interpretações dos autores são passíveis de questionamentos, pois, conforme demonstramos,
produziram-se outras interpretações da história do Brasil, as quais, embora tenham
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reconhecido os problemas relacionados ao latindio, não o conceberam como um dos
grandes vilões dos problemas brasileiros.
No que concerne especificamente à questão agrária no Brasil, constatamos também a
hegemonia de certas teses que identificaram o latifúndio como um grande inimigo a ser
eliminado. Entre elas destacamos: a tese defendida por Ruy Cirne Lima, que atribuiu ao
latifúndio a causa do problema do povoamento desordenado e a falta de terras propícias ao
cultivo para os pequenos lavradores; a tese de Victor Nunes Leal, que concebeu o latifúndio
como causa e efeito do coronelismo; as teses dos textos clássicos dos anos sessenta, que viam
o latindio como o principal empecilho ao desenvolvimento das forças produtivas e, deste
modo, ao triunfo do socialismo; a tese de Alberto Passos Guimarães, que enxergava na
permancia do latifúndio a existência de restos feudais que barravam o desenvolvimento do
país. Como resultado de toda a historiografia analisada, o Estatuto da Terra, que oficializou as
teses hegemônicas contrárias ao latifúndio, representando a institucionalização da idéia de
reforma agrária distributivista.
Diante destas constatações, podemos afirmar que , na luta empreendida pelo MST
contra o latifúndio, uma mediação indireta com a historiografia hegemônica analisada nesta
dissertação. Nos clássicos da história do Brasil, o latindio foi identificado como um mal,
entre outros, a ser combatido e, nos clássicos da questão agrária, o latifúndio ocupa o lugar do
grande mal, causador de outros males.
Neste sentido, é palpável a influência dos autores dos textos dos anos sessenta no
pensamento que norteia o MST, o que significa a influência das idéias defendidas pelo PCB.
Aquele velho sonho de transição do capitalismo para o socialismo está muito vivo no âmago
do MST, de forma que a luta do Movimento pela reforma agrária é, conforme ficou registrado
nas palavras de seus integrantes, parte da luta pelo socialismo.
Em nossa abordagem acerca da luta contra o latifúndio na atualidade, percebemos nas
idéias de Xico Graziano, que aquele latindio, execrado pela historiografia hegenica, não
existe mais. Apesar desta constatação, o MST continua, em sua caminhada de luta, a vociferar
contra o latindio e o mais curioso é que a causa defendida pelo Movimento tem o apoio da
opinião pública. Isso é explicável, pois, retornando à indagação que fizemos no início deste
trabalho, quem ousaria se posicionar contrariamente à idéia de reforma agrária distributivista
como uma maneira de acabar com o amaldoado latifúndio?
A historiografia hegemônica forneceu as bases para a idéia de reforma agrária e o
MST soube usar tal idéia de forma magistral, mesmo porque os historiadores não têm controle
de suas próprias formulações, ou seja, não podem prever a forma como suas formulações
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serão apropriadas. De qualquer forma, a verdade é que esta historiografia criou uma cultura
política e sociológica de condenação ao latifúndio, que explica a mediação indireta que se
pode fazer entre seus clássicos e o MST. De fato, não se pode afirmar que foi apenas a
referida historiografia que criou o MST; neste caso, é preciso considerar também o ambiente
propício criado pela crise dos anos 1970/80 e pelo aprofundamento dos problemas sociais.
Esta é uma prova de que a hisria o é neutra. A idéia de reforma agrária
distributivista, vitoriosa no plano simbólico no último quartel do século XX, tem relações com
o tratamento parcial que os clássicos hegenicos dispensaram à história do país e, mais
especificamente, à questão agrária. Talvez, para lançar luz a estas questões, tenha faltado e
ainda esteja faltando a honestidade intelectual que Freyre mencionou.
Por isso, finalizamos com a menção a um campo fértil para futuras pesquisas sobre a
busca dos motivos pelos quais as obras de autores como Gilberto Freyre e Roberto Simonsen
não exerceram a influência que a historiografia hegemônica exerceu. Possivelmente, se isso
tivesse ocorrido, o latifúndio não seria considerado como um dos vilões da nossa história e a
idéia de reforma agrária distributivista não faria parte da agenda nacional no presente
momento histórico.
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