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Rosangela Kimura
POLÍTICAS RESTRITIVAS AOS JAPONESES
NO ESTADO DO PARANÁ
1930-1950
(DE CORES PROIBIDAS AO PERIGO AMARELO)
Marin
2006
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POLÍTICAS RESTRITIVAS AOS JAPONESES
NO ESTADO DO PARANÁ
1930-1950
(DE CORES PROIBIDAS AO PERIGO AMARELO)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de s-Graduação em História da
Universidade Estadual de MarinUEM, para
obtenção do título de Mestre em História (Área
de concentração: Política, Movimentos
Populacionais e Sociais. Linha de Pesquisa:
Potica e Movimentos Sociais).
Orientador: Prof. Dr. João Fábio Bertonha.
Marin
2006
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POLÍTICAS RESTRITIVAS AOS JAPONESES
NO ESTADO DO PARANÁ
1930-1950
(DE CORES PROIBIDAS AO PERIGO AMARELO)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de s-Graduação em História da
Universidade Estadual de MarinUEM, para a obtenção do título de Mestre em História
(Área de Concentração: Política, Movimentos Populacionais e Sociais; Linha de Pesquisa:
Potica e Movimentos Sociais).
Aprovado em: _______________________________________________________
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
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“E na cidade que se avistava entre as montanhas, agrupadas como ondas, estava a
guerra, que se estendia por longo tempo, como uma lenda, grandiosa e dura, e exalava
um ar viciado.”
Kenzaburo Oe
Para Geórgia, inspiração sempre!
Para todos aqueles que foram estrangeiros um dia...
E todas as vítimas da Segunda Guerra Mundial e de todas as guerras...
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AGRADECIMENTOS
“O tema de uma pesquisa quase sempre revela muito de seu pesquisador. No decorrer do
contato com o conhecimento ‘burilado’, este que é produzido nas Instituições de Ensino, vamos
‘descobrindo’ caminhos: primeiro os que não devemos percorrer, depois aqueles nos quais nos
arriscamos num aprendizado de como sentir suas sinuosidades e apreciá-las de forma a oferecer
mais prazer ao nosso caminhar sentindo o relevo do chão que pisamos.
Zueleide Casagrande de Paula, historiadora e grande amiga, assim inicia sua
dissertação de mestrado. Eu, como descendente de imigrantes, nascida no norte do Paraná,
não poderia deixar de me reportar a estes sentimentos na produção deste trabalho. Primeiro,
na escolha da temática e, segundo, na maneira como conduzi a pesquisa, tentando desvelar
um pouco da região onde nasci. Sei que, independente da etnia, as vivências de
descendentes de imigrantes se interpõem aos acontecimentos do chamado “Norte Novo” do
Paraná, então, humildemente, ofereço este trabalho a todos os que, como protagonistas ou
excluídos, fizeram parte desta história.
Também tenho muito a agradecer, aos amigos de longa data, às pessoas que
conheci e que me acompanharam ao longo desta empreitada, peço desculpas por não poder
nominar todos.
Em primeiro lugar, gostaria de expressar minha gratidão ao meu orientador, João
Fábio Bertonha, pela orientação sempre oportuna e segura todas as vezes em que me vi à
deriva, mas, sobretudo, pela liberdade que tão generosamente concedeu-me, o que permitiu
a escolha de meus próprios caminhos. Assumo, pois, os equívocos que posso ter cometido.
Aos professores da minha banca de qualificação, Ângelo Priori e Sidnei Munhoz,
agradeço os valiosos apontamentos e sugestões. E a todos os professores da linha de
Potica e Movimentos Sociais” e do programa de s-graduação em História da
Universidade Estadual de Maringá e, especialmente, à Secretária Giselle, sempre tão amiga
e solícita.
Agradeço, sinceramente, aos funcionários do Arquivo Público do Paraná, a
gentileza e a prontidão com que sempre me atenderam em todas as visitas e pedidos.
Para o Prof. Adriano Duarte, meus agradecimentos, pela correspondência ao longo
do trabalho, quando apontou questões que fizeram com que eu persistisse e expandisse meu
tema e por me mostrar, de algum modo, que na pesquisa científica, assim como na música,
é possível e é preciso, ler com sensibilidade e em várias claves.
Nunca conseguirei agradecer a contento, porém, preciso mencionar a ajuda
inestimável que recebi de Claudio Seto, autor do livro “Ayumi caminhos percorridos”, a
acolhida em Curitiba e a generosidade com que me forneceu documentos e informações
que foram de indescritível valia para que eu pudesse pensar questões e enriquecer o
trabalho.
Meus agradecimentos também:
Ao fotógrafo Chuniti Kawamura, pela partilha das histórias de família e a gentileza
de me fornecer fotos de seu acervo pessoal. Espero que continue a sua busca e encontre
muitas histórias escondidas...
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Para meu tio, Prof. João Corrêa de Andrade que, gentilmente, abriu sua biblioteca.
Agradeço o incentivo e o material, sem o que esta pesquisa seria, certamente, muito mais
limitada.
E, assim como fazem os japoneses e todos os orientais, agradeço a todos os meus
antepassados cuja memória, talvez, genética, faz de mim o que sou e aos meus tios e primos
por serem tão parte de minhas lembranças.
Expresso, ainda, minha gratidão eterna:
À minha mãe, pelo incentivo e por suas histórias de guerra que contou durante toda
a minha infância: lembranças de constrangimentos, humilhações e medo que assombraram
tantas crianças brasileiras, descendentes de imigrantes do eixoe ao meu pai, pelas suas
apelações” para que comêssemos sem reclamar pois “milhares de crianças morrem de
fome, vitimadas por guerras” – eles foram, sem dúvida, os responsáveis pela minha vontade
de querer saber mais: sobre guerras e... suas vítimas...
Aos meus irmãos Ricardo, Fernando e Simone, meus... ora “aliados”... ora
“inimigos”... em tantas “guerras fratricidas”. Muito obrigada por tantas trocas...
E, ainda, para: Maki, minha amaterna, Natsu, minha avó paterna e “Nagasse-san
no Obasan”, minha avó do coração, sempre laboriosas e valentes e Michi, pai de minha
mãe, de quem herdei o gosto pela escrita. O velho Sangoro, pai de meu pai, que sempre nos
deu exemplos de como encarar desafios e de Nagasse-san, meu apor adoção e meu herói
da infância, cuja história como fugitivo de um campo de concentração na Manchúria, desde
pequena me fascinava e, quem sabe, tenha me inspirado a encarar o desafio de escrever este
trabalho, que gostaria de oferecer, também, à memória de minhas tias:
Takeko, duplamente vítima, da aventura da emigração e da brutalidade da guerra ...
E Thereza, professora de história, que... na minha infância, talvez, tenha me
despertado o gosto por esta disciplina.
Agradeço, ainda, a todos aqueles que me ajudaram a caminhar durante a pesquisa,
conversando... trocando... empurrando-me... acolhendo-me...
Tiago Vicius Monteiro de Lucena, meu amigo de nome castiço” e colega de
tema, pela valiosa ajuda na busca por documentos no Arquivo do Estado do Rio de Janeiro.
Elza Tsujii e seu filho Bruno pela autorização à abertura do prontuário do der da
Shindô Renmei no Paraná, Saijiro Tanita, no Arquivo do Rio de Janeiro.
Aos meus colegas de mestrado, uns mais próximos, outros nem tanto, mas, nem por
isso esquecidos. Aguardo todos para a comemoração das “bodas de prata” de nossas
defesas. Aos colegas da linha de potica e movimentos sociais: Leandro Brunelo
(interlocutor constante) Mariana, Sandra, Janaína, e Eurico, saudades de nossas reuniões
teórico-gastronômico-etílicas” Muito Obrigada pelo carinho, pela companhia, pela
cumplicidade, pela alegria...
Aos colegas do “grupo de política”: Jussara, Kátia, Rafael, Leandro Cordeiro e
outros transitórios, pelas conversas que me ajudaram a pensar os problemas e amenizar
inquietudes
Tia Atsuko que escreveu o ideograma (lê-se: IMIN - imigrante) da capa do trabalho.
Minha maninha Simone e meu primo Ademir, por terem dado uma cara” melhor a este
trabalho “cansado de guerra”. Néia Terciotti, pelo “help” no último sufoco.
Às amigas-irmãs desde os tempos de graduação: Zu, Néia Sanches Gomes, Wal,
Vera, Mari, que me acompanharam por toda a vida e souberam me estimular nos momentos
de desânimo e perdoar minha indisponibilidade durante o processo da escrita. Paulo
Fernando, pela força e os afagos, durante o tempo em que eu não sabia se ficava ou ia... à
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Fátima que me brinda com uma amizade esporádica mas muito cúmplice e verdadeira.
Kellin pelos “papos-cabeça” nos intervalos da guerra. Dna Carmen, Dna Nilda, Nete,
Cherley e Ottavia, o carinho de sempre e Paulo Ferrarezzi pela amizade divertida que
ganho todas as vezes que nos encontramos (obrigada pelas lindas fotos!). Paolo e Cris, pela
presença e pelo presente (adorei!) quando entrei no mestrado. À Lúcia, minha amiga de
incontáveis horas de estudo na época de conservatório, as acolhidas nas minhas visitas-
relâmpago a Curitiba para pesquisar.
Ao “Chave de Lá”: Giuliano (que sempre me faz pensar o “musicaos” em que
vivemos) e ainda: Bella, Silvia, Mário, Drake, Felipe, Roberto, Ednei (que me socorre nos
apuros com a tecnologia): companheiros todos de “pirações musicais” e “Estados
Alterados”!
“Não buscamos nem o céu nem o inferno, como os protagonistas da guerra, temos o nosso lugar
e esse lugar é aqui, no Chave de Lá(...)
(...)Não buscamos o lado de ou o lado de cá, como os tolos, somos o e cá, ou melhor ainda,
queremos ser dois pra lá e dois pra cá.”
(trecho do Manifesto do Chave de Lá – out./2001)
Todos amigos que fiz em minha estadia no Japão: aos japoneses, de diferentes
gerações do pós-guerra que pouco ou... nada, conservaram da cultura ancestral trazida ao
Brasil pelos emigrantes e que, justamente por isso, fizeram-me sentir... estranhamente
japonesa. E aos brasileiros, Ângela, Marta, Val, Érica, Waldomiro (e tantos outros), por me
fazerem sentir festivamente brasileira!
Marie, minha bruxa preferida, muito obrigada por ter me ensinado a acreditar em
possibilidades, reinvenções, recomeços, redenções...
Para Saulo Schneck, minha gratidão por mostrar, a todos, que na arte está uma
possibilidade de reinvenção do mundo e por mostrar, a mim, a possibilidade de recomeço e
redenção de uma história.
E para Geórgia, Natalia, Isadora, Kelly, Nathália, Carol, Natalinha, Gabriel, lia,
Adriana, Larissa, Marcel, Vitor, Mateus, Ieva, Natan, Artur, Cássia e as pequenas: Clara e
Anna (filhas de minhas queridas Mayra e Flávia), adultos do século 21: meus sinceros
desejos de que eles possam saber sobre guerras, somente através dos livros de história e não
mais por noticiários.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 12
CAPÍTULO 1
IMIGRAÇÃO JAPONESA: PROJETO DE BRANQUEAMENTO VERSUS BRAÇOS PARA A
CAFEICULTURA ----------------------------------------------------------------------------------------------------------- 21
1.1.
R
EVOLUÇÃO
M
EIJI
:
JAPONESES MUNDO AFORA
--------------------------------------------------- 21
1.2.
P
OLÍTICAS RESTRITIVAS AOS NIPÔNICOS
----------------------------------------------------------- 23
1.3.
IMIGRAÇÃO PARA O BRASIL: MOVIMENTO CONTRÁRIO ------------------------------------------- 25
1.4.
O
S PRIMEIROS JAPONESES EM TERRAS PAULISTAS
:
LUTAS E FUGAS
----------------------------- 30
1.5.
A
GESTAÇÃO DO
E
STADO
N
OVO E AS LEIS DE IMIGRAÇÃO
--------------------------------------- 34
1.6.
C
OTAS DE IMIGRANTES NA
C
ONSTITUIÇÃO
:
UM DEBATE
----------------------------------------- 38
1.7.
A
C
ONSTITUIÇÃO DE
1934
E AS
CORES PROIBIDAS
--------------------------------------------- 43
Os quistos raciais --------------------------------------------------------------------------------------------------- 48
Leis eugenistas: “germens profundos da discórdia” ----------------------------------------------------------- 50
1.8.
I
MIGRANTES JAPONESES NO PROJETO COLONIZADOR DO
P
ARANÁ
------------------------------ 52
1.9.
O
P
ARANÁ BRANCO E SEU PROJETO COLONIZADOR
----------------------------------------------- 54
1.10.
RETÓRICA DO PRECONCEITO DEFININDO O INIMIGO --------------------------------------------- 59
Imprensa curitibana: inquietação e temor ----------------------------------------------------------------------- 60
CAPÍTULO 2
A COMUNIDADE JAPONESA NO MUNDO EM GUERRA ------------------------------------------------------ 76
2.1.
M
UNDO EM GUERRA
:
JAPONESES
,
FORA
! ----------------------------------------------------------- 76
2.2.
O BRASIL NA GUERRA: O PERIGO VEM DO MAR ---------------------------------------------------- 80
2.3.
J
APONESES DO
B
RASIL
:
GUERRA SOLITÁRIA
----------------------------------------------------- 84
2.4.
M
APEANDO O INIMIGO
:
A ESTRUTURA REPRESSIVA DO
E
STADO
N
OVO
------------------------- 88
Em Curitiba: “súditos do eixo” vigiados ------------------------------------------------------------------------ 94
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9
Dossiês das delegacias Regionais: estrangeiros suspeitos de espionagem ---------------------------------- 96
Litoral paranaense: "expulsão dos quinta-colunistas" --------------------------------------------------------- 97
Japoneses expulsandos do litoral: internação na Granja do Canguiri? ---------------------------------- 108
2.5.
NO NORTE DO PARANÁ, NÚCLEOS COLONIAIS E IMIGRANTES PERIGOSOS:
LIBERDADE VIGIADA ------------------------------------------------------------------------------------------ 115
Ingleses no Paraná ----------------------------------------------------------------------------------------------- 118
Estado ausente: “o norte do Paraná é outra coisa” --------------------------------------------------------- 120
Aparato policial: “zelo aos interesses da Pátria” ------------------------------------------------------------ 125
CAPÍTULO 3
SHINDÔ RENMEI SOB VÁRIOS PRISMAS ----------------------------------------------------------------------- 133
3.1 A RENDIÇÃO – A SITUAÇÃO DA COMUNIDADE NIPÔNICA ANTE A DERROTA DO
JAPÃO -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 135
3.2. SHINDÔ RENMEI E O “TERRORISMO” ----------------------------------------------------- 140
3.3 . SHINDÔ RENMEI: CASO DE POLÍCIA OU PROBLEMA SOCIOLÓGICO -------------- 143
3.4. SHINDÔ RENMEI: DISSENSÔES GRUPAIS OU CONFLITO DE CLASSE. -------------- 151
3.5. SHINDÔ RENMEI: O PROCESSO --------------------------------------------------------------- 156
3.6. SHINDÔ RENMEI NO PARANÁ: “PROPAGAÇÃO DO ESPÍRITO JAPONÊS”? -------- 158
CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 172
FONTES E BIBLIOGRAFIA-------------------------------------------------------------------------------------------- 179
ANEXOS --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 188
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RESUMO EM PORTUGUÊS
Como forma de controlar os estrangeiros, o Estado Novo submeteu jornais e revistas à
fiscalização, promoveu o fechamento de escolas e criou um sistema de registro de
estrangeiros que possibilitava a vigilância e o controle de todos os imigrantes. O Paraná
antecipou-se em quase todas as medidas repressoras aos imigrantes (alemães, italianos e
japoneses), no período da Segunda Guerra Mundial, inclusive, naquela que promoveu a
evacuação de áreas consideradas de “segurança nacional”, através de ordem do
Departamento de Ordem Política e Social, executada pelas delegacias regionais, em 25 de
setembro de 1942. Pretende-se, a partir da expulsão de um pequeno grupo de japoneses da
orla marítima paranaense, perceber o momento em que se consolida a idéia de que eles
representavam perigo para a nação brasileira. Intenta-se verificar, ainda, a situação da
comunidade nipônica do Paraná no contexto da Segunda Guerra Mundial e depois de seu
final, quando a comunidade japonesa cindiu-se em duas facções, os que acreditavam na
vitória do Japão, liderados pela associação Shindô Renmei, e os que aceitavam a sua
derrota.
Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial, imigrantes japoneses, Paraná, evacuação,
Shindô Renmei.
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RESUMO EM INGLÊS
As away to control the foreigns dictatorial regime (Estado Novo) restricted the
press, closed schools, created a registration system capable as controlling and survillance of
the immigrant. Paraná was the precursor of almost all repressive action the immigrants
(German, Italian and Japanese), during the Second World War, it also evacuated areas
considered “national security”, through order from the DOPS (department of social and
politic order), executed by the local responsible department, in September 25 th in 1942. It
is intended to, after the expulsion of a small groups of Japanese from Paraná’s sea shore,
showing the moment that authority thought they represented danger to Brazilian nation. It is
noted to check, still the situation of Japanese community divided in two factions, those who
believed in Japanese victory, leadered by Shindô Renmei society, and who accept its
defeat.
Key words: Second World War, Japanese immigrants, Paraná, evacuation, Shindô Renmei.
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INTRODUÇÃO
“No Texas, pode-se comprar um jarro com a figura de um cow-boy e uma
inscrição em inglês regional. É feito no Japão. Os japoneses foram a todos
os mercados e submeteram-se às condições da freguesia. Quando a
expansão comercial japonesa alcançou o seu apogeu, em 1935, seus
comerciantes exportavam relógios para a Suíça, canetas-tinteiro de ouro
para a Áustria, spaghetti para a Itália e perfume para a França.”
(MORAES, 1942, p.187).
Em diferentes momentos da história ocidental contemporânea, parecem retornar,
discursos de matizes xenófobos, referentes a orientais. Os “fanáticos”, “suicidas”, no
momento personificados nos árabes, são descritos pela mídia como terroristas infiltrados
nas cidades prontos a promover ataques sanguinários. Compondo esse quadro estão,
também, os chineses que estariam, segundo esse mesmo tipo de discurso, ocasionando uma
verdadeira inundação no mundo com seus produtos baratos, provocando a queda de
empregos e a instabilidade econômica no ocidente.
Voltando um pouco, em menos de um século da entrada de japoneses no Brasil, é
possível verificar na literatura de época, como essa imigração foi cercada de ambigüidades.
Os japoneses foram tanto o “elemento-braço” que incrementaria as lavouras paulistas, em
razão do decréscimo das levas imigratórias euroias, no início do século XX, como os
elementos inassimiláveis, fanáticos, suicidas que pretendiam desencadear uma guerra
sanguinária no mundo a fim de abrir passagem às suas mercadorias baratas e consolidar sua
hegemonia na Ásia.
Além de tudo, poderiam, devido sua “tradição de miséria e sobriedade”, desbaratar
o trabalhador nacional por se contentar com salários baixos, e, por ocasião da Segunda
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Guerra Mundial, transformaram-se nos terroristas, espiões quinta-coluna” que agiam em
favor de um grande plano de ocupação.
A ambiidade marcaria, assim, toda a história da imigração japonesa no Brasil.
Desde o início do século XX, já na discussão sobre o tipo de imigrante desejável para o
Brasil, quando do refluxo imigratório da Europa, intensos debates foram travados na
imprensa. Defendida e condenada, sob os aspectos, étnicos, políticos e econômicos, a
entrada de nipônicos seguiria sua trajetória cercada de contradições.
A história dos japoneses, fora de seu país, iniciou-se na era Meiji
1
. Com a
Revolução, por volta de 1868, o Japão, devido a uma série de problemas como
superpopulação, escassez de terras, tributação pesada e endividamento dos lavradores-
proprietários, começou a enviar trabalhadores a várias partes do mundo. Inicialmente para
as ilhas do Havaí e, após a sua incorporação pelos Estados Unidos, para o oeste norte-
americano.
Posteriormente, levas de trabalhadores foram levadas para o Canadá e Peru.
Concomitantemente, japoneses se deslocaram para outras regiões da Ásia, como a Coréia e
Manchúria e, mais tarde, também o Brasil receberia nipônicos.
Contudo, diferentes eram esses imigrantes, assim como o tipo de trabalho que eles
desempenhariam nos países hospedeiros. Segundo Tsukamoto, os que seguiram para a
Coréia e Manchúria foram recrutados “como efetivos de defesa, de caráter voluntário”; este
tipo de imigração visava consolidar o expansionismo japonês no Oriente e, muitas vezes,
1
-
A Era Meiji no Japão iniciou-se em 1868 com Meiji Tenno (1852-1912) caracterizou-se pela
supressão feudalismo e dos privilégios pessoais, o foi, contudo, uma revolução ideológica, pois
não arruinou a classe feudal, nem terminou com a hierarquia japonesa, somente simplificou-a
colocando no ápice o Imperador e abolindo o xogunato; em 1889 foi promulgada a constituição que
instaurou a monarquia constitucional.
Os estadistas da Era Meiji determinaram em todos os campos de atividade, político, religioso e
econômico, 1os deveres da “devida posição” entre o Estado e o povo (BENEDICT, 2002, p.73).
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14
tinha como função suprir de alimentos as bases militares. Para o Havaí, seguiram
trabalhadores sem muita qualificação. Para a costa dos Estados Unidos, os japoneses
dirigiram-se como trabalhadores da frente pioneira e, para a costa do Pacífico do Canadá e
o Peru, como contratados da indústria pesqueira e madeireira. Para o Brasil, esses
imigrantes vieram como colonos das fazendas de café (1973, p.18).
Muitos estudos também se referem aos entraves impostos pela classe potica
brasileira à imigração japonesa, quando das primeiras tentativas de se trazer esses
imigrantes. Indisposição, esta, que se fez sentir novamente na década de 30, no auge do
maior fluxo imigratório japonês (1925-1935), quando foi aprovado o projeto em que a
quota para entrada de japoneses foi limitada a 2711 pessoas por ano. Esses trabalhos
esboçam um quadro sobre a questão eugênica que permeou a política de imigração
brasileira, sobretudo no regime estadonovista.
Existem, ainda, inúmeras discussões sobre o conflito étnico que ocorreu após a
guerra com a formação da ShindôRenmei
2
, que dividiu a colônia entre os que aceitavam a
derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e os que não
aceitavam. Exposto como fato
jornalístico, descrito sob o prisma jurídico, analisado como fenômeno psicanalítico,
explicado como movimento social ou luta de classe, inúmeros trabalhos já foram escritos
tentando explicar a ShindôRenmei.
2
- SHINDÔ RENMEI: foi uma sociedade japonesa criada em meados da década de 1940 e que
ficou conhecida através da mídia, nos últimos anos, apenas como a protagonista da “guerra”
fratricida que cindiu a colônia entre os imigrantes que acreditavam que o Japão havia vencido a
Segunda Guerra Mundial (“kachigumi” ou vitoristas) e aqueles que aceitavam a derrota
(“makegumi” ou derrotistas)
*A grafia em português para o nome da referida sociedade varia muito, assim, manter-se nas
citações, a empregada pelo autor e neste texto, a escrita Shindô Renmei, ao que parece, mais
próxima do sistema de romanização empregado no Dicionário Básico Japonês-Português Aliança
Cultural Brasil-Japão. (1989)
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15
No entanto, pouco se falou, ainda, sobre a situação dos japoneses com a inserção do
Brasil na Segunda Guerra Mundial. Raros trabalhos se propuseram a entender como o
regime criava mecanismos de atuação para mapear os movimentos desses supostos
inimigos poticos e de guerra nos quais se converteram todos os súditos do Eixo, bem
como, a institucionalização da violência policial que permitiu “a aplicação de punições
severas nem sempre decorrentes de sentenças judiciais, como a deportação para colônias
agrícolas em áreas de fronteira, o confinamento e expulsão do país.” (DEZEM e
TAKEUCHI, 2001).
A bibliografia sobre imigração japonesa, comumente, afirma que logo após as
primeiras experiências nas lavouras de café, devido a uma série de fatores como baixos
salários, endividamento, falta de adaptação ao trabalho e às condições impostas pelos
fazendeiros, houve descontentamentos de ambas as partes. Restrições comaram a ser
impostas à entrada de nipônicos no Brasil com a finalidade de obliterá-la.
Na verdade, contudo, entraves ao ingresso de braço asiático foram comuns em
várias partes do mundo, desde o século XIX. No Brasil, percebe-se na literatura de época
(trabalhos científicos ou crônicas de jornais) que, paralelamente a uma corrente
antinipônica, uma legião de defensores da mão-de-obra e da cultura japonesas. Esses
discursos serão abrandados ou acirrados em vários momentos.
Houve, ainda, um capítulo trágico na história dos imigrantes nipônicos em várias
partes do mundo: a Segunda Guerra Mundial que, seguramente, provocou marcas
indeléveis em todos os povos envolvidos direta ou indiretamente. Marc Ferro, por ocasião
do cinqüentenário do final da guerra, afirmava: as sociedades ainda estão sob o choque de
um conflito que as feriu profundamente...” Sem dúvida, argumentava ele, “o ressentimento
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16
das nações se explica pela violência dos combates, pela vastidão dos dramas humanos, pela
multiplicidade dos crimes cometidos.” (1995, p. 31).
Com o ataque da base americana de Pearl Harbor pelo Exército Imperial do Japão,
exacerbaram-se os problemas dos japoneses que viviam fora de seu país. Logo após o
episódio, imigrantes nipônicos passaram a ser tratados como inimigos de guerra nos
Estados Unidos, iniciando uma série de ações repressivas que culminaram, em muitos
lugares, com expulsões, confisco de bens imóveis e até internamentos em campos de
trabalho.
Essas ações, que atingiram japoneses e seus descendentes durante a Segunda Guerra
Mundial, ocorreram, quase simultaneamente, em todos os países que abrigavam nipônicos,
inclusive no Brasil.
Historiadores concordam que a população brasileira, apesar da escassez de
alimentos, não vivenciou, efetivamente, as agruras da guerra. Porém, todos os grupos
étnicos sofreram, durante a Segunda Guerra, algumas restrições como: a proibição de falar
idiomas que não fosse o português e a obrigatoriedade do salvo-conduto para se deslocar de
um lugar para outro. Cytrynowicz assevera, no entanto, que nenhuma comunidade foi tão
atingida com a entrada do Brasil no conflito (ao lado dos aliados”), como os japoneses.
Segundo o autor, a Segunda Guerra significou para estes imigrantes, o marco mais
importante e trágico de sua história no Brasil (2000, p. 139).
O “perigo amarelo”, que se constituía num suposto plano de invasão diabólico dos
japoneses, fez parte do imaginário popular em vários países durante a Segunda Guerra
Mundial. A acusação de ser um “quinta-coluna”, ou seja, um agente deste plano de ataque,
afetou japoneses e seus descendentes de diversas maneiras, desde simples xingamentos em
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brigas de crianças, até o cerceamento da liberdade sob alegação de espionagem e
sabotagem.
O clima de suspeição, combinado a vários ingredientes, acabaria por fazer com que
os japoneses residentes na orla marítima fossem expulsos de suas casas. Fernando Morais
chama de “internamentos” ou evacuações”, as transferências compulsórias dos nipônicos
para o interior do país. As medidas discriminatórias aos japoneses, no entanto, parecem a
ponta de um problema muito mais complexo. Traçar um panorama da situação dos
japoneses durante a Segunda Guerra, implica uma análise muito acurada da própria
condição do imigrante no Governo Vargas e, quiçá, de uma política racista advinda da
tentativa de assimilar os estrangeiros no contexto de consolidação de um projeto nacional.
O Paraná antecipou-se em quase todas as medidas repressoras aos imigrantes
eixistas” no período da Segunda Guerra Mundial, inclusive, na que seria a mais dura ação
levada a cabo pelo governo Vargas contra estes estrangeiros: a expulsão de suas casas e o
suposto confinamento em campos de trabalho. No litoral paranaense, em 25 de setembro de
1942, alemães, italianos e japoneses, chamados “súditos do Eixo”, foram obrigados a
desocupar toda área até 60 km da costa em menos de 24 horas. O estudo, ora apresentado,
trata da situação enfrentada pela comunidade nipônica durante conflito mundial e suas
repercussões no pós 1945.
Nesse sentido, a documentação do Departamento de Ordem Pública e Social e das
Delegacias Regionais disponível nos arquivos públicos dos estados é imprescindível para se
entender como se configuravam os mecanismos de vigilância e repressão aos imigrantes
acusados de espionagem e sabotagem. Nesta pesquisa, foram consultados o material do
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (“Arquivos da Pocia Potica”; setor:
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Japonês), do Arquivo Público do Estado de São Paulo e, principalmente, do Arquivo
Público do Estado do Paraná.
No Arquivo Público do Paraná, localizado em Curitiba, o material sobre as ações
repressivas aos estrangeiros “eixistas” consta, basicamente, de correspondência entre o
Departamento de Pocia Potica e as Delegacias Regionais, bem como fichas sobre
imigrantes detidos e material apreendido sob alegação de espionagem. Foram consultadas
as pastas temáticas da Delegacia de Ordem Potica e Social (DOPS), “Consulado do
Japão”, Diligências” e “Documentos Antigos”. Porém, o as pastas das delegacias de
polícia regionais que concentram o material referente à execução das ações, onde é possível
perceber como agia o aparato montado para vigiar e reprimir a ação dos imigrantes e,
também, como se davam as relações entre a população brasileira e tais estrangeiros.
Em princípio, pretendia-se trabalhar apenas com o material disposto nas pastas das
cidades paranaenses. No entanto, no manuseio das informações, outras questões
sobrevieram. Assim, buscou-se olhar com mais acuidade tanto para o momento da entrada
de imigrantes no Paraná (a fim de entender porque o estado se antecipou na repressão aos
imigrantes eixistas”), como para o pós-guerra para investigar como a comunidade
processou todas as pressões e as pesadas sanções a que foi submetida.
Um outro ponto preponderante para se pensar a situação do imigrante japonês no
Paraná daquele período foi se delineando a partir da administração de Manoel Ribas (1932
a 1945). Este interventor parecia ser a chave para se entender muitas contradições daquele
momento, posto que, manteve uma relação bastante ambígua com a comunidade japonesa.
Amado por uns e odiado por outros, é difícil saber se sua decisão de internar os japoneses
tinha cunho ideológico ou, simplesmente, ele vislumbrou nessas ações a possibilidade de
obter mão-de-obra gratuita e especializada para suas colônias agrícolas, pois, é sabido que
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mostrava enorme interesse pela agricultura diversificada e altamente produtiva dos
nipônicos. E a pergunta inevivel: o que tal situação de opressão aos japoneses acarretou?
Ela haveria potencializado um “fenômeno” como a Shindô Renmei? A falta de documentos
sobre o movimento nas cidades do sul poderia significar sua supressão devido às ações
repressivas? A violência sofrida pela comunidade no Paraná teria imprimido um outro
caráter aos movimentos de resistência cultural, diferentemente de São Paulo?
Inicialmente, o objetivo era trabalhar somente com evacuação do litoral paranaense
durante a Segunda Guerra Mundial, pom, outras questões conduziram ao período que se
seguiu ao seu final e a outros caminhos, ainda pouco trilhados. Os resultados desse percurso
são apresentados em três capítulos.
O capítulo I intenta mostrar, brevemente, como a imigração japonesa sofreu, desde
seus primórdios, restrições em várias partes do mundo. No Brasil, a entrada de nipônicos
apesar de veementemente condenada por alguns segmentos foi, não menos, defendida por
outros. Esta ambigüidade revela-se, sobretudo, nos embates travados para a votação das leis
que regiam a entrada de imigrantes. Na aprovação do regime de cotas da Constituição de
1934, principalmente, explicita-se a luta entre o projeto de branqueamento, de melhoria da
raça nacional e a agricultura cafeeira, carente de braços para suas lavouras.
Tentando tratar das especificidades do Paraná, é possível perceber na imprensa da
época que desde as primeiras discussões sobre a entrada de asiáticos no país, existiram
vozes contrárias que encamparam uma dura batalha contra a introdução desses imigrantes
no estado. Igual na busca por imigrantes, o Paraná diferia de São Paulo quanto à sua
“necessidade”, que era a escolha do tipo racial perfeito para ocupar suas grandes áreas
“vazias”. Contudo, ambíguas, também, foram suas relações com os imigrantes japoneses.
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O capítulo II trata da comunidade na guerra. A documentação sobre a ação das
delegacias regionais revela como se configuraram a vigilância e repressão aos imigrantes e
levanta pistas de que essa população, retirada da área considerada “de segurança nacional”,
não foi totalmente transferida para casas de familiares em Curitiba como quer fazer parecer,
os documentos das delegacias do litoral.
Através das fontes da DOPS disponíveis no Arquivo Público do Paraná e do livro
“AYUMI – Caminhos Percorridos”, sobre japoneses no sul do Paraná, é possível perceber a
situação dos japoneses do litoral durante a guerra: vigiados, acuados, expulsos de suas
propriedades, tornaram-se prisioneiros de uma guerra não declarada, afinal, o Brasil
declarou guerra ao Japão no final do conflito. Contudo, enquanto esses imigrantes eram
retirados do sul, no norte do estado, através de projetos de colonização, outros entravam em
profusão, transformando a região num lugar que colocou o governo de Getúlio Vargas em
alerta.
Através da análise dos documentos produzidos pela pocia e dos depoimentos, o
capítulo III pretende investigar como era a vigilância a esses imigrantes e a atuação da
organização Shindô Remmei no Paraná. A situação dos japoneses durante e no pós-guerra e
o processo de inserção desta comunidade são temas ainda pouco explorados pela
historiografia que trata destes imigrantes no estado. É em tal direção que se pretende lançar
um olhar mais acurado.
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CAPÍTULO 1
IMIGRAÇÃO JAPONESA: PROJETO DE BRANQUEAMENTO VERSUS
BRAÇOS PARA A CAFEICULTURA
1.1. Revolução Meiji: japoneses mundo afora
A emigração de japoneses teve início na Revolão Meiji, com o deslocamento de
alguns grupos dentro da própria Ásia. Esses movimentos migratórios para o Extremo
Oriente iam de encontro ao expansionismo japonês. Assim, os japoneses se dirigiram à
Coréia após 1910, às ilhas sob mandato de Carolina, Saipan, Yap e Palau e, também, à
Manchúria, depois de 1934. Staniford afirma que o governo japonês incentivava a
imigração de agricultores para as possessões além-mar, a fim de aliviar o excedente de
população da zona rural, bem como, conseguir suprimentos para as ilhas centrais. Desta
forma, na fronteira interior da Manchúria, por exemplo, colônias agrícolas paramilitares
tinham a função de suprir de alimentos as bases militares (in: SAITO e MAEYAMA,1973,
p.38-39).
Simultaneamente, outros grupos se lançaram para lugares bem mais longínquos,
para as Américas, num movimento voluntário de indivíduos em busca de fortuna e que
visava a atender aos interesses do novo continente, carente de mão-de-obra barata para seu
crescimento. Muito diferente, portanto, é aquela emigração regida pela potica
governamental para consolidar o controle sobre os povos conquistados, desta que se dirigiu
ao hemisfério ocidental. Já os movimentos migratórios de caráter voluntário, guardam
algumas semelhanças. Hiroshi Saito afirma que a imigração japonesa para a América do
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Sul, iniciada em fins do século XIX, e a imigração para o Havaí, Estados Unidos e Canadá
são parecidas tanto no que se refere à intenção dos imigrados quanto a mecanismos
reguladores de seu encaminhamento.” O autor salienta, no entanto, que “as condições
prevalecentes nos países imigratórios da América do Sul se apresentassem assaz diferentes
em comparação com as vigentes nos Hawaii e nos Estados Unidos.” (1961, p.21).
Segundo Saito, a primeira experiência de saída de japoneses aconteceu em 1868,
quando 148 homens foram recrutados para um contrato de três anos nas fazendas de açúcar
no Hav. Esse episódio resultou em conflito entre os dois países em questão, uma vez que,
se tratava de imigração ilegal. A pendência entre Japão e Havaí se resolveu, muitos anos
depois, com o restabelecimento das relações diplomáticas e a assinatura do “Tratado de
Amizade” em 1871. A partir de 1875, iniciou-se a migração regular (1961, p.21).
Esse acordo oficial, segundo Arlinda Nogueira, foi rompido em 1894 e a emigração
passou a ser promovida por empresas particulares. Porém, em 1898, quando o Havaí foi
anexado pelos Estados Unidos, foi proibida esta transação, pois a legislação americana
permitia a imigração de caráter temporário e espontâneo, o que fez com que essas
companhias passassem a procurar novos mercados (1984, p.39).
Nos Estados Unidos, os japoneses começaram a entrar em 1869, mas as grandes
levas de japoneses aflram depois de 1880, como trabalhadores contratados da estrada
de ferro e das fazendas do norte da Califórnia, formando, a partir de 1900, uma numerosa
comunidade na Costa Oeste americana até 1924, quando houve eliminação completa da
corrente.Também a Austrália, em 1883, mostrou-se interessada em conseguir imigrantes
japoneses para o trabalho na busca de pérolas
nas ilhas Thursday.
A emigração japonesa para o Peru teve início em 1899. Através de um contrato
firmado com uma agência de quio em 20 de maio de 1895, estabeleceu-se que, o país
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andino receberia quinhentos trabalhadores para suas lavouras de cana-de-açúcar e algodão.
Assim como o Peru, todos os outros países sul-americanos, segundo Arlinda Nogueira,
lançaram mão da imigração subvencionada para suprir a sua constante falta de braços
(1984, p.42).
Hiroshi Saito, ainda em sua análise sobre as correntes migratórias japonesas que
adentraram nos mais diversos países do ocidente, afirma que, confrontados casos como o
Peru e Havaí, ressaltam-se vários pontos comuns, como o destino a trabalhos assalariados
em grandes plantações de cana e algodão e o caráter temporário e solitário dessas
empreitadas, onde os imigrantes partiam sem suas famílias e visavam o acúmulo de
recursos em funções braçais (1961, p.24).
A fórmula sucesso fácil e retorno ao país de origem”, segundo Saito, foi factível na
América do Norte, em fins do século XIX, porque a oferta de trabalho com altos salários e
uma legislação que só admitia imigração em caráter temporário e espontâneo, vinha de
encontro às aspirações japonesas de então. Com a desintegração do regime feudal (baseado
no sistema de castas), o Japão viu uma grande população desprovida de recursos técnicos e
intelectuais que, apenas na emigração além mar, a fim de oferecer sua força de trabalho
braçal e temporária, vislumbravam uma maneira de ascender socialmente (1961, p.66).
1.2. Políticas restritivas aos nipônicos
Arlinda Nogueira, ao analisar a situação dos imigrantes japoneses em vários locais,
afirma que, nos Estados Unidos, a emigração japonesa, iniciada em 1869, foi fomentada
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nos vinte anos compreendidos entre 1880 e 1900, quando se formaram numerosas
comunidades na costa oeste que perfaziam mais de cem mil elementos em 1908.
A autora assegura, ainda, que com a anexação do Havaí, muitos japoneses, movidos
especialmente pela diferença salarial, reemigraram para os Estados Unidos onde
desencadearam uma competição e vários conflitos com os nacionais, o que resultou no
decreto do governo norte-americano proibindo a reemigração não dos japoneses
estabelecidos no Havaí, mas também no Canadá e México.
Para Nogueira, as restrições à entrada de nipônicos eram comuns nos países que
recebiam imigrantes e, variadas, as objeções aos asiáticos: sociais, pois consideravam tais
imigrantes como inassimiláveis e portadores de iias estranhas; econômicas, já que esses
trabalhadores concorreriam com a mão-de-obra local por se satisfazerem com salários
irrisórios; morais, porque fumavam ópio e eram dados ao jogo e outros vícios; poticas, por
provocarem o temor de uma dominação, acarretada pela sua multiplicação, de toda costa
banhada pelo Pacífico (1984, p.40-41).
Staniford calcula que, já a partir de 1900, os norte-americanos já viam com muita
preocupação a presença dos grandes “quistos” de asiáticos, situação que se agravava com o
alarma que a rápida modernização do Japão e sua atividade política no Extremo Oriente
inspiravam. Delineava-se assim o temor ante o perigo amareloque resultou no chamado
“Gentleman’s Agrément” (in: SAITO e MAEYAMA, 1973, p.41).
Nogueira afirma que o Gentlesmen’s Agrément foi resultado do antiniponismo que
teve um grande aliado na imprensa e chegou à campanha potica de 1906, com os dois
partidos calcando sua propaganda na exclusão da mão-de-obra japonesa. Ele consistiu num
acordo de cavalheiros em que o Japão comprometia-se a não mais permitir a emigração aos
Estados Unidos, a não ser com o objetivo de união familial, como no caso das noivas
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residentes no Japão que se casavam através de contrato com um imigrante japonês no
estrangeiro (picture brides). Este acordo foi seguido no ano seguinte pelo Canadá e em
1924, foi instituído o Imigration Act que limitava a entrada de imigrantes nos Estados
Unidos, também instaurado, logo após, pelo Canadá (1984, p.40-41).
Alguns autores canadenses asseguram que em seu país, os japoneses estavam
sujeitos à pratica do racismo desde o final do século XIX. Desprovidos de direitos civis,
tinham um status semelhante ao dos judeus na Alemanha nazista. Os nipo-canadenses não
tinham direito a voto e não podiam concorrer a trabalhos públicos ou governamentais e
eram submetidos a intensa pressão por competidores brancos. Excluídos da prática do
Direito e da Medicina, foram, desde os primórdios de sua entrada, segundo essa literatura,
timas do acaso individual e da violência coletiva (IACOVETTA et. al., 2000).
A Austrália também havia restringido a imigração japonesa desde 1901, instituindo
a potica da “Austrália Branca”. Países da América do Sul e Central, como o Paraguai,
Colômbia, Costa Rica e Guatemala, também se adiantaram nas restrições à imigração
japonesa. Segundo Nogueira, os motivos alegados eram, sempre, os mesmos:
o perigo potencial do nipônico dado o seu sucesso no Oriente, sobretudo
após a guerra russo-japonesa (1904-5); o aumento de seu número nas
zonas de imigração; a concorrência com o trabalhador local; a influência
da campanha anti-nipônica dos Estados Unidos e, enfim, o
desenvolvimento de um nacionalismo econômico por parte dos países de
imigração, o que provocou a multiplicação de leis abertamente contrárias
aos japoneses (1984, p.41).
1.3. Imigração para o Brasil: movimento contrário
Saito assegura que os japoneses que aportaram no Brasil também vinham imbuídos
do mesmo intento daqueles que imigraram para outros lugares, ou seja, trabalho temporário
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com plano de breve retorno ao país de origem. Porém, as condições oferecidas no Brasil
estavam muito aquém daquelas encontradas no Have, além disso, o governo brasileiro,
continua Saito, exigiu que os imigrantes constituíssem família. O que teria levado os
japoneses a criarem um artifício, a família “composta”
3
onde predominavam os membros
ativos e excluíam os inativos, como os velhos e as crianças (1961, p.25).
A família “composta” era, na prática, a incorporação de pessoas estranhas
(aparentadas ou não) no rol dos membros de uma família, amparada no sistema familial
japonês e no código civil antigo que permitiam esses arranjos. Esta artificialidade visava
suprir a exincia do regulamento de emigração que determinava um número nimo de
pessoas capacitadas para o trabalho, bem como, diminuir as despesas de viagem. Nesses
arranjos, como lembra Saito, não se podia esperar a estabilidade nas relações como nas
famílias naturalmente formadas, o que contribuiu para a não fixação dos colonos japoneses
nas fazendas o que, mais tarde, foi uma dos motivos alegados para se restringir a imigração
japonesa (SAITO, 1961, p.62).
Traçando brevemente a história dos japoneses no Brasil, pode se dizer que ela tem
início em 1892, quando o governo brasileiro decidiu promover a imigração japonesa e
chinesa e abriu, nos dois países, embaixadas e consulados. Assim começou o cortejo entre
as autoridades brasileiras e japonesas, porém, somente em 1895 foi assinado o primeiro
3
- As famílias compostas deveriam ter, no mínimo, três indivíduos aptos para o trabalho. O que
resultou nos seguintes arranjos:
- Casais sem filhos que faziam “adoção de solteiro desconhecido através do escritório de
emigração, que unia arbitrariamente os candidatos a emigrante com a promessa de que a “adoção”
seria desfeita quando fosse concluído o prazo contratual de trabalho na fazenda de café. Esse
agregado ficou conhecido como “terceira enxada”.
- Casais jovens com filhos menores de 12 anos, que traziam um parente como agregado. Esse irmão
mais novo, primo, cunhado ou sobrinho também ficou conhecido comoterceira enxada”.
- jovens que arranjavam casamento para poder vir e traziam parentes, amigos ou até desconhecidos
comoterceira enxada” (ANDO, 1967).
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tratado Brasil-Japão. Depois de muita especulação e tentativas frustradas, somente com a
proibição dos Estados Unidos ao ingresso de japoneses no seu território, em dezembro de
1907, é que as companhias japonesas de imigração resolveram convencer seu próprio
governo da viabilidade de se enviar trabalhadores para o Brasil.
que se observar, contudo, que o Brasil estava num movimento contrário aos
outros países que recebiam imigrantes, ou seja, abria as portas à vinda de nipônicos quando
todas as outras nações fechavam as suas. Isto, sem dúvida, consistiu numa das maiores
críticas ao governo brasileiro, como é possível notar na literatura da época. Nas matérias
antinipônicas dos jornais curitibanos do início do século XX, por exemplo, a oposição à
imigração asiática era um ponto recorrente. Essa crítica voltou à tona nos anos seguintes, na
década de 1930, quando se formulava uma política coibitiva à entrada de imigrantes, como
se pode notar em “A Ofensiva Japonesa no Brasil”, um dos libelos antinipônicos bem
característicos do período:
A instituição de inúmeros feudos japoneses no Brasil, propiciada pela
falta de atenção de nossos governos e pela organização de empresas
subvencionadas pelo Japão para estabelecerem aquí zonas de futuras
influências comerciais e políticas possibilitou grandemente se tornasse
nosso país receptáculo de enormes contingentes amarelos, ante o
fechamento dos portos de outras nações que, mais previdentes que nós,
antepuseram rigorosas leis ao ingresso dêsses elementos, manifestamente
indesejáveis para os interesses nacionais (MORAES, 1942, p.92).
Todavia, após a proibição do governo italiano de que seus cidadãos aceitassem
transporte subsidiado para o Brasil
4
, o secretário da Agricultura do Brasil passou a trabalhar
a possibilidade de implantação de mão-de-obra japonesa junto ao ministro plenipotenciário
4
- A proibição do governo italiano da vinda de seus cidadãos para o Estado de São Paulo, em 1902,
devido à crise criada pela queda do preço do café, provocou um duro golpe nos fazendeiros.
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japonês. Como resultado dessas negociações, mais de 781 japoneses aportaram em Santos
no dia 18 de junho de 1908 a bordo do Kasato-Maru, depois de uma viagem de 51 dias.
Os principais trabalhos sobre a imigração japonesa no Brasil salientam que está
mão-de-obra foi introduzida, principalmente, na lavoura de café, onde a tentativa de
utilização de imigrantes italianos havia se frustrado, pois essa força de trabalho não se
fixou. Nogueira chama a atenção para o fenômeno da instabilidade que as fazendas
brasileiras passaram a conhecer, desde a substituição da mão-de-obra escrava pela do
imigrante europeu. O que explicaria, segundo a autora, a luta dos fazendeiros paulistas pela
entrada massiva de imigrantes, para que a oferta excedesse a procura a fim de tornar
salários compatíveis e fácil substituição de braços (1973, p.59).
A introdução de colonos ninicos visava, desta maneira, a substituição da mão-de-
obra européia e resolver o problema da deficiência de braços nas lavouras de café. O que se
pode inferir do relatório enviado em 1905, por Sugimura, então Ministro Plenipotenciário
do Japão no Brasil:
Em conseqüência da suspeno da migração de colonos italianos, o Estado
de o Paulo está fazendo face a uma profunda falta de braços. Tanto o
governo do Estado de São Paulo como os fazendeiros em geral, estão
interessados em receber nossos trabalhadores. Acredito, por conseguinte,
que a introdução de nossos imigrantes nesse Estado seria muito mais
interessante e preferível a mandar para os Estados Unidos, onde avultam
as perseguições. Naturalmente, as despesas de viagem seriam mais
dispendiosas em comparação àquele país devido à grande distância.
Felizmente, o govêrno do Estado de o Paulo se propõe a subvencionar
total ou parcialmente a passagem marítima, o que contrabalança, a certo
ponto, a citada desvantagem. Proibida a entrada na Austrália,
discriminados nos Estados Unidos, perseguidos no Canadá e agora
limitados também nas Hawaii e Ilhas do Pacífico, os nossos colonos
trabalhadores encontrarão no Estado de São Paulo uma rara felicidade e
um verdadeiro paraíso (in: Niponjin Hattenshi”, Tomo I, p. 253. Citado
por SAITO, 1961, p.28-29).
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Arlinda Nogueira entende, no entanto, que a imigração japonesa para o estado
paulista tinha outros interesses, pois existia a preocupação de suprir a deficiência de braços
para a lavoura, mas, também planejava-se estabelecer laços comerciais entre os dois países,
o que favoreceria a conquista de novo mercado para o café (1984, p.94).
Sobre tal questão, Lesser, fundamentado nas notícias do Correio Paulistano de junho
de 1908, assegura que, Novas relações comerciais foram estabelecidas apenas uma semana
após os imigrantes terem desembarcado e foi assinado um contrato para a abertura de
quinze casas de café no Japão.” (2000, p.161).
Sem adentrar na questão do interesse brasileiro no mercado externo, tentar-se-á
centrar a discussão na imigração japonesa como mão-de-obra substituta da força de
trabalho européia nas lavouras de café. Isto parece diferenciar a história dos japoneses no
estado de São Paulo do estado do Paraná, onde os primeiros nipônicos que chegaram, em
princípios do século XX, já faziam parte de projetos de formação de colônias. Arlinda
Nogueira também aponta para essas diferenças regionais no trato com os imigrantes quando
afirma que, enquanto os estados sulinos permaneciam com sua potica de alocar os
trabalhadores estrangeiros (no caso, europeus) em núcleos coloniais, São Paulo e Minas
Gerais procuravam satisfazer a necessidade de braços para a lavoura (1984, p.47).
1.4. Os primeiros japoneses em terras paulistas: lutas e fugas
A entrada de japoneses em São Paulo se deu através da atuação de empresas de
emigração que subsidiavam parte da passagem marítima, cabendo a outra parte aos
fazendeiros empregadores que a descontariam dos salários dos colonos.
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Sobre a primeira leva de japoneses, não obstante os combates travados desde o final
do século XIX, sobre a conveniência ou não desses imigrantes para o Brasil e a forte
oposição de alguns setores, os jornais elogiaram o asseio e a disciplina em sua passagem na
Hospedaria dos Imigrantes
5
. Contudo, a experiência com os primeiros japoneses se revelou
frustrante, pois os empregadores, que esperavam quietos e diligentes trabalhadores,
descobriram que as condições de trabalho que ofereciam não eram aceitáveis nem pelos
japoneses, além do que, muitos fazendeiros queixavam-se de hábitos culturais japoneses
como os banhos coletivos para ambos os sexos e das famílias “falsas”, que fizeram aqueles
arranjos para cumprir a determinação do governo brasileiro que exigia famílias compostas
(LESSER, 2000, p.163).
Os japoneses sentiram-se enganados pelas companhias de emigração que
vaticinavam fortuna rápida e fácil. Lesser afirma que, em fins de 1908, os japoneses
iniciaram uma greve por melhores salários na fazenda São Martinho de propriedade da
família Prado, que contou com a intervenção do governo japonês. Tais interferências,
segundo o autor, pouco contribuiriam para que se mantivessem os imigrantes no trabalho
(2000, p.163).
O memorialista Tomoo Handa em O Imigrante Japonês história de sua vida no
Brasil dedica um capítulo às tensões envolvendo trabalhadores japoneses em terras
paulistas. Relatando a revolta e tentativa de insurreição dos primeiros imigrantes alocados
na Fazenda Dumont no interior de São Paulo, conta que depois de inúmeras reivindicações
negadas, os japoneses receberam os representantes da companhia e o intérprete com lanças
de bambu, enxadas e foices (1987, p.43). Para Saito, que empreendeu grandes estudos sobre
5
- A Hospedaria dos Imigrantes, localizada no Bairro do Brás em o Paulo, abrigava os recém-
chegados antes da partida para as fazendas.
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mobilidade e fixação dos imigrantes japoneses, o caso da Fazenda Dumont em que o grupo,
depois de frustradas tentativas de acordo entre fazendeiros e colonos, acabou voltando para
a Hospedaria dos Imigrantes, foi apenas o início de uma rie de conflitos e revoltas em
quase todas as fazendas que receberam japoneses (1961, p.115-125).
Lesser menciona um estudo realizado pela delegação japonesa em São Paulo que
mostrava que dos 780 imigrantes japoneses enviados às seis fazendas em junho de 1908,
em fins de janeiro de 1909, somente 358 nelas permaneciam e nove meses depois, apenas
191 (2000, p.164).
Diante de variados conflitos envolvendo japoneses nos primeiros anos, em 1914,
com a introdução do décimo contingente, a Secretaria de Agricultura do Estado de São
Paulo rescindiu o contrato sobre transporte de imigrantes e suspendeu os subsídios àquela
imigração. Saito afirma que a alegação do governo paulista é que a fase experimental com o
colono japonês não fora bem sucedida: “Dentre os motivos pouco desejáveis destacaram-se
a instabilidade do colono, o deslocamento freqüente de uma fazenda para outra; prêsas fácil
engambelamento organizavam fugas coletivas e ao abandonarem as fazendas provocavam
distúrbios.”
6
Porém, em 1916, devido aos esforços das empresas de imigração, restabeleceu-se o
fluxo migratório que novamente foi rompido em 1921 sob alegação da Secretaria de
Agricultura de que a imigração subsidiada pelo Estado de São Paulo estava limitada a
10.000 pessoas por ano, sendo que, portugueses, espanhóis e italianos tinham prioridade,
excetuando-se alemães e austríacos. Sobre a restrição ao colono japonês, alegava o então
secretário da Agricultura, Heitor Penteado, que além de ser seu transporte mais dispendioso
6
- Aviso expedido pelo então Secretário da Agricultura, Morais Barros, às empresas de imigração
in: SAITO, 1961, p.127.
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32
do que trabalhadores de outras nacionalidades, o japonês não se fixava e se tornava
independente em apenas um ano o que aumentava o ônus para o governo, ao ter que
preencher sua vaga.
No início do século XX, desde a sua entrada em 1908, a imigração nipônica sofreu
variadas mudanças ante a opinião pública brasileira e na década de 1920, intensos debates
foram travados, inclusive no parlamento acerca da questão japonesa.
Em 1923, a Sociedade Nacional de Agricultura organizou um grande inquérito
sobre a conveniência ou não da introdução do trabalhador japonês. Consta que este
inquérito concluiu que, a despeito de todas as diferenças raciais que apresenta o ninico, o
que o impedia de se acomodar como colono de café, e apesar de sua tendência a se mover
constantemente, e formar aglomerações próprias, ainda assim, seria aconselhável aceitar e
acolher a imigração amarela.
Conjunturalmente, a questão japonesa tornava-se cada vez mais complexa, o
governo japonês vivenciava um impasse, os problemas advindos do crescimento
populacional eram cada vez maiores e a colocação de seus nacionais, cada vez mais difícil,
devido a poticas restritivas nos países que recebiam estrangeiros. Amesmo no Brasil, o
debate em torno da imigração japonesa saia do âmbito econômico e passava para o político.
Em 1924, foi apresentado à Câmara dos Deputados um projeto que proibia a entrada de
negros e limitava a de amarelos. Para Saito, este projeto, mesmo sendo rejeitado pelas
Comissões de Agricultura e Indústria, pode ser considerado comoa semente de uma
legislação discriminatória, que germinaria uma década mais tarde: o regime de cotas.”
(1961, p.128).
Casos como o da fazenda Dumont, em que os japoneses alegando péssimas
condições de trabalho e não cumprimento das cláusulas do contrato, faziam paralisações e
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promoviam fugas coletivas, foram bastante comuns. Porém, essa mesma literatura que trata
da imigração sob o prisma sociológico e que centra seus estudos na dificuldade de
assimilação e integração
7
do japonês à época de sua entrada no Brasil e na consolidação do
processo de brasilização”, que teria ocorrido após a Segunda Guerra, também demonstra
casos em que os japoneses se adaptaram ao trabalho e alcançaram, desde o início, altos
índices de produtividade.
Esse parece ser o fator que tornou a mão-de-obra japonesa imprescindível para as
lavouras paulistas, pois, a despeito da grande mobilidade dos japoneses, as fazendas
continuavam requerendo esses trabalhadores. Nogueira afirma que, das vinte propriedades
que receberam nipônicos, somente treze contavam com seus serviços, entretanto, a
Secretaria da Agricultura de São Paulo recebia pedidos freqüentes de fazendeiros
interessados em contratar trabalhadores daquela procedência (1984, p.103).
A demanda de braços para as lavouras paulistas foi o cerne de um dos maiores
debates travados na Constituinte de 1934, que pretendia estabelecer um regime de cotas a
fim de regulamentar a entrada de imigrantes no Brasil.
Porém, entender esta problemática implica reportar àquela situação restritiva aos
japoneses em vários países, dentro de um contexto mundial de acirramento dos
nacionalismos. No Brasil desse período, se pretendia a consolidação do Estado Nacional
através de um projeto potico unificador, projeto esse que teve ampla participação de
intelectuais na sua concepção e, entre outras coisas, infligiu as medidas que causaram a
exclusão de uma parcela de imigrantes tidos como “inimigos da pátria”.
7
- Ver, por exemplo: SAITO (1961); SAITO e MAEYAMA (1973); NOGUEIRA (1984).
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34
1.5. A gestação do Estado Novo e as leis de imigração
O Estado Novo se engendrou em meio às transformações em curso desde o início do
século XX. Contradições advindas da dependência econômica e da emergência de novas
forças sociais se agravavam e fizeram aparecer concepções que se contrapunham ao sistema
de dominação vigente. Segundo Garcia: “Esses fatores, somados à influência dos
movimentos europeus, ofereciam as condições para o surgimento de toda uma geração de
artistas e intelectuais que se definiam por uma postura antiliberal e nacionalista.” (1982,
p.53-54). O autor localiza na década de 1920, principalmente com a influência do
movimento modernista, a intensificação das concepções nacionalistas.
Para José Luis Beired:
os anos 20 foram decisivos para a configuração da ideologia e da
corrente autoritária-nacionalista, uma vez que uma série de fenômenos
convergiam para reforçar a sensação de que o modelo político liberal-
oligárquico era incapaz de responder aos desafios de então.” (1999, p.33-
34).
Pois existia um quadro com muitos acontecimentos marcantes, o movimento
tenentista, a Revolta do Forte Copacabana, a Semana de Arte Moderna, a fundação do
Partido Comunista Brasileiro e do Centro Dom Vital e, além disso, o ciclo de greves
operárias de 1917-1920. Tudo isso, mostrava um Estado cujos instrumentos se revelavam,
cada vez mais, inadequados para lidar com essa realidade conflitante.
Na década de 1920, firmou-se, então, na maior parte do campo intelectual, o
diagnóstico que se desenvolveu na década seguinte, que o problema nacional residia na
cópia de modelos estrangeiros e na falta de contato entre as instituições e a realidade
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35
brasileira” (1999, p.34). Isso teria provocado entre os intelectuais, a consciência da
necessidade de sua intervenção no cenário nacional, como na Revolução de 1930. Esse
evento contou com grande participação da categoria, através de expoentes como Oliveira
Vianna.
Este intelectual orgânico do Estado Novo interessa, particularmente, pois, foi um
dos adeptos do arianismo, cujas idéias de depuração da raça, de grande penetração nos anos
de 1930, influenciaram, fortemente, o debate acerca de quem seriam os “povos
indesejáveis” para o Brasil dentro da política imigratória.
Nesse contexto que, ao final da década, culminou na ditadura do Estado Novo
(1937-1945) é que se instalou, representada por diversos segmentos, a Assembléia Nacional
para a elaboração da Constituição de 1934. Para Hélio Silva, os oito meses que duraram sua
elaboração foi uma fase de transição em que os constituintes eleitos pelo povo se
arvoravam o direito de examinar aprovando ou não os atos do “Govêrno Provirio”,
segundo o autor, a ditadura de fato”. A Constituinte, simbolizava, então, todo um povo, a
nação inteira crente numa restauração da democracia. Silva, contudo, não deixou de se
referir às diferenças no seu interior:
A instalação da Assembléia Nacional evidenciava o antagonismo
existente entre os vários grupos, ainda não coordenados sob o bastão de
um verdadeiro líder. A bela cerimônia de instalação dos trabalhos
marcara, sem dúvida, o vencimento de uma primeira batalha. Não seria a
última (SILVA, 1969, p.29).
Sobre a questão imigratória, a Constituição de 1934 se constitui num marco, posto
que, foi ela quem regulamentou a entrada de imigrantes e definiu quem eram os imigrantes
indesejáveis para o Brasil. Neste capítulo, tentar-se-á mostrar, através da história da
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Constituinte de 1934, que a questão ninica em São Paulo teve um caráter diferente da
presença japonesa para o Paraná.
Através da polêmica votação da Emenda Miguel Couto
8
, é possível perceber que
São Paulo, contrariamente a todo o movimento antijaponês que se avolumava
mundialmente, precisava lutar pela conquista de mão-de-obra para suas lavouras. Já o
Paraná, almejando um projeto colonizador “europeizante e branqueador” para as suas áreas
“vazias”, rechaçou a imigração japonesa desde as primeiras discussões sobre a
possibilidade de se introduzir mão-de-obra amarela” no Brasil. Também propagou um
discurso antininico que precedeu em muitos anos, os argumentos raciais utilizados pelos
intelectuais que encamparam a luta pelo depuramento da raça brasileira, um dos motes do
Estado Novo.
A Constituição de 1934 consolidou, através da prescrição de medidas reguladoras
da entrada de estrangeiros, uma política imigratória de teor racial, que era a preocupação
dominante dentro do pensamento social brasileiro, na década de 1930.
O início do século XX foi um período marcado por ideologias nacionalistas que
tinham como base o eugenismo, quando se elaborou o ideal de branqueamento e coesão que
pudesse suplantar a heterogênea realidade brasileira. Segundo Seyferth, este ideal de
branqueamento, tornado evidente nas especulações sobre o poder branqueador da
miscigenação, herança dos tempos coloniais, era imaginado como processo seletivo de
mistura racial próprio do meio social brasileiro e supunha que era “tendência” dos mestiços,
8
- A Emenda Miguel Couto, representada pelo art. 121, teve a redação primitiva feita por Xavier de
Oliveira e foi defendida por Miguel Couto, Teotônio Monteiro de Barros, Teixeira Leite, Alde
Sampaio e Pacheco Silva. Por esta emenda, ficava restrita a imigração asiática para o Brasil em 2%-
ano, do total dos imigrantes japoneses então existentes no país, além de proibir a entrada de
qualquer leva africana.
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37
o casamento com pessoa mais clara, o que poderia produzir, em três gerações, elementos
brancos (in: PANDOLFI, 1999, p.211).
Oliveira Vianna, que se dedicou de forma mais sistemática aos estudos dos
problemas de assimilação e fusibilidade das raças e empreendeu elaboradas análises
matemáticas e antropológicas sobre o “melting-pot” brasileiro, fazia afirmações como:
Êstes aborígenes puro-sangue têm que acabar, é claro, fatalmente entrando no “melting-
pot” e fundindo-se.” (1959, p.71).
É assim que se configura o “anátema da inferioridade racial” de que fala Seyferth,
que condenou os não-brancos ao desaparecimento e disseminou a idéia de que imigração
branca poderia depurar a raça brasileira. Segundo a autora, Essa forma mais racista de
pensar a nação não é única, mas dominou o pensamento social brasileiro aa década de 30
e, de modo mais subjetivo e eufemístico, persistiu no Estado Novo, influindo na potica
imigratória.” (1999, p.211-212).
Este pensamento se materializou nas emendas restritivas à entrada de imigrantes
propostas na Assembléia Constituinte de 1934, cuja história tentar-se-á traçar neste
capítulo.
1.6. Cotas de imigrantes na Constituição: um debate
“...fui chamado ao consultório do meu amado mestre, Miguel Couto, cujo
nome não pronuncio sem ser presa de grande emoção, e estavam os
dois à minha espera: ele e Félix Pacheco. Ao lhes revelar que poderia
passar a quota de 2% se sse extensiva a tôdas as nações do mundo,
Miguel Couto respondeu: prefiro fique a questão como está, a estender a
quota de 2% a todas as nações emigrantistas da Europa. Disso resultará
que o Brasil receberá menos emigrantes europeus, e isto é prejudicial à
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38
nossa própria formação eugênica. Melhor será não mais tratarmos do
assunto.”
9
O livro de Carlos de Souza Moraes, “A Ofensiva Japonesa no Brasil” se constitui
num importante documento sobre o racismo antijaponês no Brasil, posto que, em suas mais
de trezentas páginas sobre a presença japonesa em território nacional, demonstra os temores
que o Japão expansionista de então, provocava no Ocidente e as duras batalhas
empreendidas para livrar o Brasil de asiáticos. Seu detalhado relatório estatístico sobre a
atividade nipônica, demonstra como se materializava o “perigo amarelo e se constitui
numa importante fonte documental que, ao descrever a trajetória daqueles que lutavam pelo
“interesse da defesa nacional”, desvela, entre outras coisas, o quanto era polêmica a questão
japonesa. no seu preâmbulo, Moraes se imbui da missão de salvar a Pátria da invasão
amarela:
Publicando o presente livro, não nos moveram preocupações de fazer
trabalho original e erudito. Outras foram as razões que o determinaram.
Constituindo a colonização japonesa um dos mais graves problemas
nacionais, tornava-se necessário fôsse publicada alguma obra que desse a
conhecer, aos brasileiros, em todos os seus aspectos, ainda que
perfuntorialmente, a atividade nociva dos amarelos em nosso território,
pois que as publicações aparecidas, com raríssima exceção, só têm
encarado o imigrante nipônico como produtor, realizador. Apenas, artigos
de jornais e revistas trataram do verdadeiro sentido dessa atividade e
examinaram a questão, social, econômica e politicamente (1942, p.5).
O texto de Moraes apesar de ser uma elegia antinipônica, na sua sua narrativa sobre
a aprovação da Emenda Miguel Couto, apresenta as posições dos apologistas da imigração
japonesa”, num contraponto aos intelectuais que pretendiam levar a cabo um projeto
eugenista para melhoria da raça brasileira. É através da sua “história da constituinte de 34”
9 - XAVIER OLIVEIRA citado MORAES (1942, p.64) a emenda “patrocinada” por Miguel
Couto, segundo Moraes, foi objeto de uma rie de ataques na chamada “Comissão dos 26” onde se
propôs a exteno da cota restritiva de 2% não somento aos asiáticos, mas a todos os outros países,
sob pena de não ser aprovada.
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39
que se pretende verificar que tipo de críticas sofreu o regime de cotas e que tipo de
antagonismo se desenhava na sociedade brasileira de então, o que acabou por se expressar
na Assembléia Nacional. Como se pode verificar em afirmações como:
Contra aqueles que, na Constituinte de 1934, apoiaram e fizeram vitoriosa
a emenda Miguel Couto e, em associações patrióticas e na imprensa,
advogavam medidas restritivas contra a avalanche amarela, certos jornais
e deputados na Câmara de o Paulo usaram de linguagem desabrida e
criaram-lhes, nos dias que atravessamos e em que se descobrem
diariamente a atividade nociva dos súbditos do Império do Sol Nascente
em nosso país, uma situação pouco lisonjeira, por certo, para as suas
catilinárias, que sempre constituirão elementos preciosos para quem
queira analisar-lhes o pensamento e os propósitos (MORAES, 1942,
p.57).
Na sua defesa do regime de cotas, Moraes mostra que até publicações importantes
como o “Observador Econômico”, nas suas palavras:
órgão que deveria examinar com mais cuidado questão tão complexa
como a da imigração, mormente no caso da restrição estabelecida ela
Constituição de 1934, deixou de tocar pelo mesmo diapasão das críticas
citadas, cometendo verdadeiros deslizes em sua apreciação, não só quanto
ao fato de julgar que a providência da Constituinte teria estancado tôdas
as levas imigratórias, que antes nos procuravam em grandes proporções,
como também quando se refere à crise na lavoura paulista (1942, p.61).
E cita trecho em que o mensário de economia publicado em março de 1936, critica o
erro de técnica constitucional que se cometeu com as leis de cotas, matérias que deveriam
ser regulamentadas por leis ordinárias:
A limitação da entrada dos imigrantes estrangeiros adotada pela
Constituinte de 34, mormente na percentagem mínima de 2% sôbre o total
de cada nacionalidade fixada no país nos últimos cincoenta anos,
constitui, sem dúvida, um dos maiores erros do legislativo contemporâneo
(MORAES, 1942, p.61).
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40
Sobre os opositores ao regime de cotas, Moraes transcreve vários trechos de
discursos de Alfredo Ellis nior, que classifica como regionalista extremado” e “um dos
maiores apologistas da imigração japonesa para o seu Estado natal, o de São Paulo”.
Alfredo Ellis, segundo o autor, por ocasião da aprovação da Constituição de 1934,
abandonou o recinto da Câmara dos Deputados, enquanto era executado o Hino Nacional,
após o segunite pronunciamento:
...ao ser debatida a questão da imigração, por ocasião da elaboração da
Carta-Magna Brasileira, houve a influência manifesta de várias entidades,
entre elas de uma Sociedade dos Amigos de Alberto Tôrres, sociedade de
verdadeiros fanáticos nacionalistas, que acham que o Brasil pode viver no
verdadeiro regime da autarquia humana, isto é, de se suprir a si mesmo,
nas suas necessidades de braços. A tal ponto ia êsse fanatismo que os
membros dessa Sociedade proferiram pela imprensa, na ocasião em que se
debatia o assunto na Câmara Federal, o seguinte destampatório, que peço
licença para ler (10), a fim de que fique constando dos nossos anais, para
que se veja até que ponto vai a inconciência dessa gente:
–“não precisamos de imigrantes para ser uma grande Nação” – é o que diz
essa Sociedade, que desconhece completamente o problema paulista, quer
o da lavoura de café, quer o do povoamento.
Se o jôgo das seleções tivesse podido reunir depois de produzidos por êle
um grupo de indivíduos completamente obumbrados de lógica, de
inteligência e de cultura, não teríamos grupo mais vesgo e mais
prejudicial do que êsse rotulado de Sociedade de Amigos de Alberto
Torres.
Essa gente tem sido para São Paulo o que Átila era para a humanidade.
Essa sociedade, foi, na ocasião, auxiliada pelo sr. Xavier de Oliveira,
deputado nordestino, que queria, à viva fôrça, a introdução de emendas
muito mais restritivas em relação à obtenção de braços alienígenas por
São Paulo. Os maiores disparates foram advogados por essa gente sem
visão e sem cérebro (citado por MORAES, 1942, p.58-59).
Moraes julgava importante contar a história do salutar dispositivoque “evitou que
estivéssemos hoje com quase um milhão de japoneses em nosso terririo”. Assim, citou
também, outro opositor da emenda Miguel Couto, Mário Pinto Serva que havia atacado da
seguinte forma a fixação das cotas:
10
- Discurso na Câmara de Deputados de S. Paulo, Diário Oficial de 2 de otubro de 1935.
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41
Só uma mentalidade medieval, arcaica, incapaz de nenhuma concepção de
progresso poderia ter arquitetado assim uma tal asfixia do progresso, um
tal esmagamento da atividade dinâmica dos paulistas, tolhida na sua base
fundamental por êsse dispositivo (1942, p.59).
A questão das cotas foi tão polêmica que chegou a se esboçar um movimento
revisionista da “Carta Magna”. Getúlio Vargas em sua mensagem na Assembléia Nacional
de 1935, também criticou o estabelecimento do regime de cotas. Explanando sobre o
problema imigratório, o então Presidente, embora reconhecesse a relevância de preceitos
que assegurassem a formação nacional, através de uma progressiva integração étnica,
enfatizava a inadequação de medidas como estas dentro da rigidez dos textos
constitucionais, sem falar nos obstáculos a sua aplicabilidade, segundo ele, porque “o
critério estabelecido, exige penosa reconstrução estatística”, além do que, salienta a
necessidade de braços para as fazendas paulistas:
Para compreender os inconvenientes de semelhante restrição,
intransponível pelo fato de estar contida num dispositivo constitucional,
basta observar que só de colonos japoneses as fazendas paulistas precisam
de cerca da 40.000 para o corrente ano. Dentro do limite fixado, não é
possível a entrada dos referidos colonos, como também não é possível
suprir o défict com elementos de outras nacionalidades, igualmente
sujeitos à quota de 2%, calculados sobre o número dos imigrantes aqui
fixados, durante os ultimos cincoenta anos. 11
Moraes, no entanto, alega que dos 146 constituintes, apenas 41 não tiveram dúvidas,
entre a técnica constitucional e o interesse da defesa nacional e tornaram vitoriosa a emenda
Miguel Couto, representada pelo art. 121 da Carta-Magna.
11
- República dos Estados Unidos do Brasil . Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 3 de
maio de 1935 pelo Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1935 p.106-107. Disponível em: http://wwwcrl.uchicago.edu/
. Acesso em: 7 dez. 2005.
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42
O histórico da Constituinte de 1934, contada através de um autor antinipônico, é
interessante para se perscrutar discurso e movimento de uma parcela preocupada com um
projeto de nação pensado não somente por políticos e intelectuais, mas, também por
diversos setores da sociedade como a Academia Nacional de Medicina. Sobre isto cabe
citar as palavras do próprio Moraes:
“o resultado da cruzada japonesa realizada no seio da imprensa nacional e
fora dela só veio à lume em toda sua intensidade, quando se discutia
aquele dispositivo constitucional e, posteriormente, quando se esboçava o
movimento revisionista.” (1942, p.56-57).
Na sua discussão sobre a Constituinte, Moraes elege como o motivo condutor de
toda a problemática japonesa, o que ele chama de “interesse puramente econômicodos
paulistas. Para o autor, na busca desenfreada por mão-de-obra para suas lavouras, os
representantes da cafeicultura do estado de São Paulo e parte da imprensa, punham em
risco, não só a formação racial do brasileiro, como também a soberania nacional.
Aparte toda a discussão em torno da aprovação de suas emendas e a despeito de
todas as críticas sofridas, a Constituição de 1934 definiu uma potica imigratória,
regulamentando a entrada de estrangeiros, estabelecendo medidas para salvaguardar o
trabalhador nacional e, principalmente, elucidando quem eram os imigrantes indesejáveis.
1.7. A Constituição de 1934 e as “cores proibidas”
A legislação brasileira sobre imigração considerava imigrantes somente os
passageiros de terceira classe com passagem paga por si ou por terceiro, o que denotava
imigração espontânea ou subsidiada. No Brasil até 1930 era expressiva a imigração
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espontânea, entretanto, essa modalidade não satisfazia as necessidades de braços, pois, o
imigrante espontâneo raramente se dirigia à lavoura.
Porém, a questão imigratória remete a uma discussão bem mais antiga, do século
XIX, que relacionava imigração estrangeira à colonização. Assim, Giralda Seyferth
12
, ao
analisar este processo no sul do Brasil, explana sobre a opção pelo europeu, mais,
especificamente, o alemão que, pelo menos, nos primórdios, era tido como o imigrante
ideal por sua vocação para as lides da terra, laborioso, morigerado, perfeito para realizar a
colonização nas terras devolutas em finais do XIX. Quanto ao imigrante japonês, segundo a
autora, destinado majoritariamente a São Paulo, poderia ser considerado viável para outras
regiões como o Rio de Janeiro e Amania, desde que fosse para a lavoura cafeeira. Para
colonizar, não preenchia, porém, ao contrário dos europeus, os quesitos raciais.
Todavia, para se entender o problema japonês nos anos 1930 é preciso pensá-lo em
meio ao contexto fascistizante, fortemente influenciado pelas teorias eugenistas do final do
século XIX.
13
Desde 1933, o Brasil havia iniciado um processo de “nacionalização”,
movimento que pretendia “abrasileirar” política, cultural e economicamente vários aspectos
da vida nacional.
O memorialista Tomoo Handa relembra que a lógica do governo brasileiro à época
era promover a unidade nacional, posto que, para levar a cabo a modernização no país,
havia introduzido um grande número de imigrantes estrangeiros e diante da conjuntura
12
- Ver por exemplo: SEYFERTH. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Disponível
em: http://www.usp.br/revistausp/home/home.html p.12. Acesso em: 26 nov. 2005 e SEYFERTH
in: PANDOLFI, 1999.
13
- A Eugenia como movimento científico e social cresceu a partir do final do século XIX, tinha,
como preceito científico, o controle das leis da hereditariedade humana a fim de produzir
nascimentos desejáveis. Como movimento social visava promover casamentos entre determinados
grupos e desencorajar uniões consideradas nocivas à sociedade (SCHWARCZ, 1993, p.6).
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44
internacional da época, em que se enaltecia a consciência racial, o temor do governo
brasileiro era que os descendentes de imigrantes, mesmo com nacionalidade brasileira, não
assumissem o Brasil como tria.
As medidas de nacionalização do governo Vargas iniciaram-se em princípios da
década de 1930, com o decreto estadual sobre educação de abril de 1933, segundo este, era
proibido o ensino de línguas estrangeiras aos analfabetos em ngua portuguesa, menores de
10 anos. No entanto, somente entre 1938 e 1939 é que o governo resolveu acirrar o controle
sobre as organizações estrangeiras e limitar as atividades educativo-culturais dos
imigrantes. Para Handa, o problema do nacionalismo é bastante complexo, uma vez que
envolve tanto o nacionalismo brasileiro, em discussão naquele momento, devido a
preocupação estadonovista de criar uma identidade nacional, como também, diz respeito ao
nacionalismo japonês que era, por assim dizer, o sustentáculo dos imigrantes (1987, p.596-
597).
No tocante à legislação, Endrica Geraldo enfatiza que pouco se falou sobre os
debates e medidas imigratórias do Governo Vargas. A autora afirma que para se tentar
entender a constituição dessas políticas e o significado dos calorosos debates acerca da
imigração, trabalho nacional e estrangeiro, travados ao longo da Constituinte, é preciso
avaliar as preocupações com a entrada japonesa para o país e sua relação com a criação de
restrições que culminaram na aprovação da lei que estabelecia o regime de cotas por
nacionalidade.
14
Porquanto na fala de Getúlio Vargas, então Chefe do Governo Provirio, em
ocasião da sessão de instalação da Assembléia, se delineou o quanto seria polêmica a
14
- GERALDO. A ameaça vem do oriente a imigração na Constituinte de 1933/34. Disponível
em: http://www.unicamp.br/cecult/texto_endrica.pdf p.1. Acesso em: 26 nov. 2005.
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45
discussão sobre imigração. Trabalho e povoamento foram as duas questões que suscitaram
debates e elaboração de emendas nesta Assembléia. Endrica Geraldo afirma que Vargas,
apesar de salientar que o Brasil era um país que carecia de braços para cultivar seu imenso
território, asseverava que a política imigratória necessitava ser reformulada. Para o
presidente, era necessário criar medidas que evitassem a introdução de imigrantes
considerados fora das condições desejadas e assegurassem o aproveitamento dos
trabalhadores nacionais.
Destarte, o Decreto-lei n. 18.482 de 12/12/1930 explicitava a relação: imigração-
tensões sociais e a legislação que rege a entrada de imigrantes caminhou no sentido de
conduzir o fluxo às áreas rurais e coibir a entrada à área urbana. Hatanaka afirma que a
necessidade de ordenação da entrada de estrangeiros, desdobrou-se, então, em duas
direções: restringindo a entrada de imigrantes, aqueles identificados como os que viajam
em terceira classe e direcionando o fluxo imigratório. Sobre isto, escreve a autora:
Constitui uma espécie de reserva de domínio das atividades urbano-
industriais em favor do trabalhador nacional, exatamente em um momento
em que o pólo dinâmico do sistema econômico localiza-se cada vez mais
nesses setores. Aos imigrantes descortina-se o-somente o vínculo com o
trabalho nas áreas rurais (2002, p.27).
Segundo Hatanaka, o imigrante aparecia marcado pela ambigüidade: problema
social posto em relação de competição com a mão-de-obra nacional. Constituía-se em
trabalhador produtivo somente para o setor agrícola. Hatanaka afirma que, também no
decreto n 19.482 de 1931 que regula o preenchimento dos cargos nas empresas, restringe-se
o acesso dos estrangeiros ao trabalho urbano.
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46
Mas, por volta de 1934, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio formou
uma comissão com a finalidade de discutir e elaborar um ante-projeto para reforma da
legislação sobre a questão imigratória. Esta comissão, presidida por Oliveira Vianna, um
dos intelectuais que trabalhou de forma mais sistemática sobre a tese de branqueamento da
raça brasileira, buscava um ideário de depuração racial, pautado nas teorias científicas
européias do século XIX.
Hatanaka salienta que dessa comissão saíram os dois decretos, n. 24.215 (9/5/1934)
e n. 24.258 (16/5/1934) que redefiniram a potica sobre o assunto, por estabelecer quem
era o “imigrante”, que a partir daquele momento, não seria mais o estrangeiro que viajava
de terceira classe e, sim, todo aquele que viesse trabalhar para sua própria subsistência, bem
como, as condições para sua entrada. O trabalhador, de preferência técnico ou agricultor,
deveria vir através de Carta de Chamada, uma espécie de Termo de Responsabilidade,
assinada até mesmo por um parente.
Getúlio Vargas justifica essas medidas como cautela a fim de se evitar a
aglomeração de estrangeiros fora das condições desejadas e promover o que chamava de
“nacionalização do trabalho”, incentivando o aproveitando de trabalhadores nacionais
15
.
Sobre isso, Vargas se pronunciou da seguinte forma:
Visando esse objetivo, adotamos o salutar prinpio da nacionalização do
trabalho, só agora incorporado ao texto das nossas principais leis. Passou-
se a exigir, em virtude do mesmo decreto, que regulou a entrada de
estrangeiros, que todos os indivíduos, companhias, empresas ou firmas
que explorem qualquer ramo da indústria e comércio, mantenham,
constantemente, nos quadros do pessoal dos respectivos estabelecimentos,
dois terços pelo menos, de brasileiros natos.
Não inspirou a adoção dessa medida qualquer sentimento egoísta e de
hostilidade ao trabalhador estrangeiro. Ela se destina, lógica e
15
- GERALDO. A ameaça vem do oriente a imigração na Constituinte de 1933/34. Disponível
em: http://www.unicamp.br/cecult/texto_endrica.pdf p.3. Acesso em: 26 nov. 2005.
p.3. acesso: 26 nov. 2005.
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47
naturalmente, a amparar o operariado nacional dos centros urbanos, para
onde afluem os imigrantes de profissões idênticas, afastados do País de
origem pela falta de trabalho. Ressalvando os interesses da nossa
expansão agrícola, não levantamos obstáculos à penetração, nas zonas do
interior, das correntes imigratórias, fornecedores de braços adestrados no
cultivo da terra.
16
Sobre essa questão, Giralda Seyferth afirma que o discurso político sobre os
trabalhadores nacionais, que caracterizava o Estado Novo, não diminuiu o espaço para o
imigrante qualificado, agricultor ou artesão (estabelecido na legislação). Contudo, assegura
a autora, os estrangeiros não deveriam formar comunidades homogêneas e a expressão
colônia mista”, passou a denotar eficiência no processo de assimilação, tanto que, segundo
essa concepção, as novas áreas de colonização abertas no sul, principalmente no planalto
catarinense e paranaense, deveriam receber imigrantes de diferentes procedências, e
também colonos nacionais, evitando a formação dos chamados "quistos étnicos".
17
Os quistos raciais
Carlos de Souza Moraes em sua “A Ofensiva Japonesa no Brasil dedicou um
capítulo todo aos enquistamentos” de japoneses em São Paulo, que ele analisou com base
em cifras oficiais que considerava como alarmantes. Sobre os “quistos”, Oliveira Vianna
referindo-se às zonas de concentração de japoneses em São Paulo, escreveu:
... um dêstes núcleos contém 1.072 famílias japonesas e apenas 75
famílias brasileiras ou sejam 6.190 japoneses para pouco mais de 600
brasileiros. Pode-se imaginar o futuro dêste núcleo, o que nos reserva êle
em matéria de nacionalização, dadas as condições extremamente
favoráveis em que está colocado para a constituição, dentro de um período
16
- “Mensagem do Chefe do Governo Provisório” in: Anais da Assembléia, vol. 1 p.115-120. idem.
p.3-4. Acesso em: 26 nov. 2005.
17
-
SEYFERTH. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Disponível em:
http://www.usp.br/revistausp/home/home.html p.12. Acesso em: 26 nov. 2005
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48
muito curto, de um quisto racial perfeitamente caracterizado (citado por
MORAES, 1942, p.109).
É preciso lembrar que as diferenças biológicas e culturais do japonês foram
importantes fatores para a atribuição do estigma de raça inassimilável. Ficou notória a
expressão cunhada por Oliveira Viana de que o japonês “é como o enxôfre: insolúvel”. Este
intelectual, examinando o caso japonês, citava o trabalho dos psico-antropologistas, Porteus
e Babcock (Temperament as Race, 1926) no Havaí sobre asiáticos que obteve uma
conclusão, segundo Vianna, “absolutamente imprevista”: que as duas raças amarelas,
especialmente a japonesa, “estudadas cientìficamente em relação aos testes da intelincia e
do caráter (temperamento), não são em nada inferiores a nenhuma das raças européias e – o
que é mais surpreendente em alguns dos testes se mostraram mesmo superiores!”. Para
Vianna, o problema do imigrante japonês no Brasil era infinitamente mais difícil de
resolver do que o dos imigrantes de outras raças devido a sua impossibilidade de
assimilação (1959, p.154).
Deste modo, a Constituição de 1934 foi um marco na legislação de imigração,
porquanto a Comissão responsável pelo seu anteprojeto já estabelecia no artigo 128 que a
lei federal poderia proibir ou favorecer a emigração ou imigração de acordo com os
interesses nacionais. Uma de suas emendas, a de n° 1074, fazia alusão a possíveis restrições
de caráter etnológico, higiênico, além de estabelecer cotas étnicas que iriam assegurar a
assimilação do grupo introduzido.
Emendas foram propostas sempre no sentido de coibir a entrada de imigrantes “de
cor”. A segunda emenda (n°1053), encaminhada pela bancada baiana, de autoria de Arthur
Neiva permitia apenas a imigração de brancos. Miguel Couto assinou uma terceira emenda
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49
que proibia a entrada de africanos e negros norte-americanos e regulava em 5% ao ano, a
entrada de asiáticos.
Leis eugenistas: “germens profundos da discórdia”
Um grupo de eugenistas ligados a Oliveira Viana, propuseram a emenda (n° 1164)
que “proibia a entrada no Brasil de elementos das raça negra e amarela de qualquer
procedência para efeito de residência.”
Aclarava-se, assim, quais eram as “cores proibidas” para o Brasil e se explicitava o
racismo no teor de emendas como a de Arthur Neiva, que se referia aos “homens de cor”,
os asiáticos e negros africanos ou norte-americanos, como possíveis “portadores de
germens profundos da discórdia”. Os negros norte-americanos não eram bem-vindos por
estarem associados ao comunismo e os japoneses por serem imperialistas.
Em 1921, um episódio que envolveu o corpo diplomático brasileiro e um grupo de
americanos, descendentes de africanos, que teve seu pedido de entrada no Brasil negado,
evidenciava, segundo Lesser, a preocupação racial crescente na política brasileira após a
Primeira Guerra Mundial que culminou na ditadura do Estado Novo. Segundo o autor, no
final do século XIX tanto o Brasil como os EUA elaboraram legislação imigratória racista a
fim de excluir os não brancos ou não europeus, mas contrariamente aos norte-americanos
que legislaram claramente contra a entrada de algumas nacionalidades, as leis brasileiras
eram expressas em termos geográficos de amplo alcance.
De acordo com a lei brasileira, todos os cidadãos dos Estados Unidos eram
considerados norte-americanos, independentemente de raça, etnia ou religião e, tinham,
portanto, o direito de entrar e se estabelecer no Brasil. O Itamaraty, então, para manter sua
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50
política de “branqueamento”, impedindo a entrada de elementos racialmente indesejáveis,
adotou a estratégia de definir os cidadãos negros americanos como africanos (LESSER,
1994).
O artigo 121 da Nova Constituição também demonstrava preconceito racial em
parágrafos como o e que autorizavam restrições a entrada de imigrantes que viessem
garantir integração étnica e vedavam concentração de imigrantes em qualquer lugar do
território nacional. Mas, o japonês, segundo Lenharo, além de se configurar uma ameaça ao
projeto de embranquecimento, também era tido como agente de um plano conspiratório. As
restrições a esses imigrantes, transcendiam questões de cunho cio-econômicas, e estavam
de acordo com o racismo internacional daquele momento. Escreve Lenharo:
Predestinação natural ao crime, ao suicídio, á insanidade mental, os
atributos negativos vão se avolumando de tal forma a mostrar, não que a
miscigenação fosse impossível, mas sim, inadmissível. O perfil do
japonês vai sendo pincelado com tons sombrios e misteriosos, sua face e
sua cor denotam frieza e calculismo, a partir do que se passa a esperar
dele gestos de desconfiança, de traição
(1986, p.132).
Neste sentido, é lapidar o discurso de Xavier de Oliveira, deputado pelo Ceará,
sobre a questão imigratória que teria sido cindida pela Primeira Guerra Mundial:
É assim que, antes da conflagração mundial, o problema da imigração dos
povos se apresentava, quase que exclusivamente, pelo seu lado
econômico, tanto para as nações emigratórias, como para as massas que
emigravam, como ainda, até, para os países imigratórios. depois da
conflagração mundial é que surgiu, positivamente, a fase que se pode
chamar política – da migração. Passados, alguns anos, digamos, 10, dois
lustros após o grande conflito, chegamos à fase atual, que se caracteriza
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51
por ser um tanto ou quanto egoísta: é a fase nacionalista, a fase
antropológica, a fase eugênica da migração.
18
A questão imigratória é reelaborada, ganhando contornos científicos sobre
possibilidades de caldeamento, porcentagens, pareceres médicos. Como atesta o próprio
Getúlio Vargas em mensagem ao Poder Legislativo de 3 de maio de 1935:
O problema assume, pois, novo aspecto, que exige solução inteligente e
imediata. O Gorno organizou uma comissão, composta de especialistas
nos assuntos relativos à imigração e á eugenia, incumbindo-a de estudar a
questão. Dessa comissão fazem parte o dr. Roquete Pinto, antropologista e
diretor do Museu Nacional; dr. Renato Kehl, eugenista; Conde Debanné,
antigo cônsul do Brasil nos países do Oriente; dr. Dulphe Pinheiro
Machado, antigo diretor do Departamento do Povoamento; dr. Vaz de
Melo, diretor dos Serviços de Passaportes do Ministério do Exterior.
Preside-a o dr. Oliveira Viana, consultor jurídico dêste Ministério e
estudioso dos problemas etnológicos (MORAES, 1942, p.61-62).
O discurso que associava japoneses à degenerescência racial, taras, distúrbios
psíquicos, terrorismo e ameaça à soberania nacional, embasado em teorias científicas” foi
largamente utilizado durante o Estado Novo e, no Paraná, foi difundido desde os primeiros
anos do século XX, até mesmo antes de serem consolidados os tratados que permitiriam a
entrada de japoneses no Brasil.
1.8. Imigrantes japoneses no projeto colonizador do Paraná
“... para autoridades e imprensa paranaense, restou tentar impedir que
os japoneses entrassem no Paraná no que foram eficientes conforme
18
- Anais da Assembléia Nacional Constituinte. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1934-37, 22
vols. Citado por GERALDO. A ameaça vem do oriente a imigração na Constituinte de 1933/34.
Disponível em: http://www.unicamp.br/cecult/texto_endrica.pdf
p.8. Acesso em: 26 nov. 2005.
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52
atesta, ao longo dos anos, a seqüência desta história.” (SETO e UYEDA,
2002, p. 20).
A questão japonesa no Paraná sempre foi muito complexa, tentar desvendá-la,
talvez, implique voltar ao final do século XIX, quando as terras devolutas passaram ao
controle de cada estado e o governo do Paraná preocupava-se com a questão do trabalho,
que envolvia imigração e colonização. Colonizar para ocupar e garantir assim seu espaço
político, como proncia recentemente emancipada que era e, ainda, utilizando-se de mão-
de-obra imigrante. A introdução do colono estrangeiro passou a ser o caminho tanto para a
depuração da raça como a solução para o aprimoramento do trabalho.
Para Giralda Seyferth, a colonização recomeçou no período que se buscava dissociar
o Brasil do escravismo e transformá-lo num país de imigração, que até o início da década
de 1870 se relacionou ao agenciamento de alemães. Escreve a autora:
A exclusão dos não-brancos estava subjacente, dada a relativa ausência do
elemento nacional nessa forma de ocupação territorial. A escolha dos
alemães, porém, foi ditada pela imagem do agricultor eficiente cultivada
por uma parte da elite imigrantista, embora recebesse críticas
contundentes de setores nacionalistas preocupados com a introdução em
massa de gente com língua, cultura e religião muito diferentes da
realidade brasileira.
19
É significativo, portanto, segundo Seyferth, que a Lei de Terras (Lei n°601, de
1850)
20
tenha sido promulgada no mesmo ano em que foi proibido o tráfico de africanos. O
19
- SEYFERTH. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Disponível em:
http://www.usp.br/revistausp/home/home.html p.12. Acesso em: 26 nov. 2005.
20
- A Lei de Terras de 1850 promoveu mudanças com relação a posse e ocupação das terras, pois
determinava, entre outras coisas, que somente a compra legalizaria a propriedade das terras
devolutas. Fora isso, estabelecia formas de ocupação das terras devolutas e permitia ao governo a
promoção da vinda de colonos custeada pelo Tesouro e a criação de colônias onde lhe aprouvesse
LOPES, 1984, p.23; NOGUEIRA,1984, p.52.
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53
que levou a uma potica de substituição do trabalho escravo pela mão-de-obra livre
imigrante, impulsionando a imigração para as quatro proncias mais ao sul. O sistema de
colonização vigente no sul tinha como principais metas, segundo a autora, o povoamento
do território, privilegiando, portanto, a ocupação de terras públicas ou devolutas com
imigrantes europeus, na condição de pequenos proprietários (1999, p.200-201).
Para Nadalin, o discurso oficial se sustentava em diretivas articuladas em torno do
imigrante, cuja colonização que pudesse promover em áreas vazias possuía objetivos não
políticos, mas, estratégico-militares: “ocupar, colonizar, significava controlar o país”. Ao
mesmo tempo, o trabalho livre renovaria tanto a forma de produção como de propriedade.
Dessa forma, continua o autor:
... a imigração européia revelava-se também uma estragia de
povoamento com finalidades de inovação cnica e ‘industrial’,
fundamentada no pressuposto da qualidade superior do elemento
estrangeiro enquanto ‘produtor’ de trabalho. Por este ângulo, apurar a raça
significava também ensinar o nacional a trabalhar (2001, p.75).
E o sistema de concessão de terras e colonização no Paraná, de acordo com Lopes,
sofreu com o temor de um possível recesso da imigração, por volta de 1890. Porém, com o
fluxo imigratório em pleno desenvolvimento, o Governo Federal patrocinava os gastos de
vinda e fixação dos imigrantes e o estado cedia as terras devolutas (1983, p.38).
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54
1.9. O Paraná branco e seu projeto colonizador
Em 1820, o botânico francês Auguste Saint-Hilaire já observava que em nenhuma
parte do Brasil havia encontrado homens tão genuinamente brancos como no distrito de
Curitiba. Embora sua população tivesse misturas com índios guaranis e negros africanos,
era composta, essencialmente por brancos portugueses e castelhanos até as primeiras
décadas do século XIX. Assim, o Paraná seguiu tentando a coesão política e o progresso
através da via racial.
Na tentativa de visualizar como se deu a colonização do Paraná, que se almejava
conseguir com o labor do imigrante ocupando os “sertões” do estado, pretende-se chegar ao
litoral, na época da Segunda Guerra Mundial, onde os japoneses sofreram sob uma potica
repressiva e racista que parecia resvalar em (res)sentimentos bem anteriores.
A presença de japoneses no Paraná tem a peculiaridade de não resultar de
imigração, Seto e Uyeda afirmam que, oficialmente, a entrada de nipônicos ocorreu, através
de migração dos estados de São Paulo e Minas Gerais, em projetos de colonização.
Segundo esses autores, os debates publicados na imprensa curitibana do início do século
XX sobre a introdução de mão-de-obra estrangeira denotam que o Paraná não tinha
condições financeiras de arcar com os encargos desse empreendimento que, desde a
proclamação da República, estava sob a tutela dos estados (2000, p. 11).
Somente algumas unidades da Federação, como São Paulo e Minas Gerais,
conseguiram manter a imigração subvencionada. O Paraná, para retomar a corrente
imigratória, foi obrigado a colocar à disposição do Governo Federal, suas terras devolutas
para a criação de núcleos coloniais. É interessante lembrar o Decreto 218, de 1907, que
decorreu da criação da Comissão de Colonização do Estado.
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55
Lopes destaca alguns pontos do decreto referentes à colonização de imigrantes no
Paraná. A crião de núcleos coloniais destinados a estrangeiros podia ser empreendida
pelo Estado, pela União ou por particulares (proprietários de terrenos que comportassem,
no nimo, cinqüenta lotes de 20 ha cada um, ou seja, propriedades de pelo menos 1000
ha) e sua localização teria que possibilitar o escoamento dos produtos agrícolas. O decreto
prescrevia, ainda, que o projeto fosse realizado em terras de fertilidade natural, com
abastecimento d’água permanente e que permitissem a lavoura por processos mecânicos
(1983, p.38).
Como foi dito, a história dos japoneses no Paraná, também está relacionada à
criação de núcleos coloniais. No norte do estado, eles foram assentados como pequenos
proprietários, através das companhias de colonização. Por isso, é comum a referência a
cidades dessa região (por exemplo, Assai: “Sol Nascente” e Uraí: “Sol Poente”, as duas
cidades colonizadas inteiramente por japoneses) como exemplos da penetração nipônica no
Paraná (Oguido, 1988, p. 51-52).
A cidade de Assaí, no norte do estado, é um caso típico de colonização empreendida
por companhias. Era a principal vila do núcleo de Três Barras, área de 18.340 alqueires que
foi loteada e vendida pela BRATAC
21
. No entanto, Três Barras tem a singularidade de ter
recebido somente imigrantes antigos e não aqueles trazidos diretamente do Japão como nas
“malfadadas”, segundo Tomoo Handa, experiências de Bastos e Tietê. O autor assegura que
a decisão da BRATAC pelos imigrantes antigos foi tomada por causa dos baixos resultados
21
- Cooperativa de Colonização do Brasil (Takushoku Kumiai), conhecida como BRATAC, era a
representante no Brasil da Confederação das Cooperativas de Emigração (Kaigai Iju-Kumiai
Rengokai).
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56
de produtividade apresentados por aqueles imigrantes que já vinham do Japão como
cooperados (1987, p. 440-450).
Assim, a história dos japoneses no Paraná é mais conhecida através da colonização
do chamado Norte Novo; porém, a entrada dos primeiros japoneses ocorreu em Curitiba.
Existem registros de aventureiros que chegaram em terras paranaenses no início do século
XX, em 1909, um ano depois do desembarque do Kasato-Maru em Santos.
Mas a introdução de mão-de-obra ninica de forma sistemática, iniciou-se no
litoral em 1916, mais precisamente, em Barro Vermelho, zona rural de Antonina. Os
imigrantes, no início, foram levados até lá para a colheita de bananas. Como esta atividade
era pouco rentável e eles ameaçaram debandar, foi conseguida a permissão, junto aos
fazendeiros, para que nos intervalos da safra, tentassem desenvolver a rizicultura. Através
do incentivo desse tipo de empreendimento, pode-se perceber a preocupação do governo
nipônico em tentar estabelecer os japoneses no Brasil, em núcleos de colonização
independente.
A primeira colônia paranaense fundada por japoneses foi a Cacatu em 1917, que
tinha 250 alqueires no vale do rio Cachoeira, para onde os imigrantes se deslocaram depois
do ingresso pelo Porto de Santos. A Companhia Toyo de o Paulo foi quem viabilizou
este projeto, pois, o Paraná não fazia contratos com empresas japonesas de imigração (Seto
e Uyeda, 2002, p.96).
A partir da década de 1920, o Paraná começou a ser sondado como local para
abrigar projetos colonizadores com imigrantes japoneses. Em 1924, Ryu Mizuno, um dos
responsáveis pela emigração de japoneses para o Brasil, instalou-se em Curitiba, com o
intuito de criar uma colônia no Paraná. Segundo Oguido, a pedido do interventor Manoel
Ribas, Mizuno inciou um projeto em terras pontagrossenses (próximas ao hoje Parque de
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57
Vila Velha) que foi mal-sucedido, pois os japoneses que foram ali alocados preferiram
partir para terras paulistas (1988, p.58).
A implantação de imigrantes japoneses no Paraná, porém, nunca foi consenso.
Sofreu, desde sempre, muita resistência no meio político e foi alvo de acaloradas contendas
na imprensa. Uma das figuras paranaenses mais proeminentes no cenário político nacional,
senador Ubaldino do Amaral, nos debates do senado sobre a conveniência ou não de se
implantar mão-de-obra asiática no Brasil
22
, posicionou-se contrariamente.
Para este senador, o asiático era como moeda fraca da lei de Greshaw, elemento
sóbrio, infativel, portador de sentimento grupal com seus compatriotas e movido pelo
objetivo de trabalhar e voltar ao solo pátrio, vivo ou morto, fatalmente, faria concorrência
aos elementos de outras raças, em face disto, era de opinião que trazer uma raça que,
sabidamente, não coexistiria com as demais, não passaria de potica desastrosa.
23
Segundo Seto e Uyeda, o Salão Hauer em Curitiba foi cenário de uma reunião
convocada pela diretoria da Sociedade Germânica para tratar da imigração asiática,
noticiada pelo jornal “A Federação” na edição de 29 de setembro de 1892:
Compareceu grande número de cidadãos naturalizados e natos. Foi
nomeada uma comissão encarregada de pedir ao Sr. Vice-presidente da
República, em nome dos sentimentos do povo paranaense, que não
sancione a lei que autoriza a introdução de chins no Brasil (2002, p.19).
A imprensa curitibana teve um importante papel na propagação do sentimento
antijaponês que surgiu desde os primórdios da imigração japonesa no Brasil. Através de
22
- A lei (n° 97) que instituía laços de amizade com a China e o Japão e possibilitava a entrada de
braços asiáticos foi sancionada por Floriano Peixoto em 5 de outubro de 1892.
23
- Brasil. Congresso Nacional. Annaes da Câmara dos Deputados, Rio de Janeiro, 1892, v. 6, p. 62
Ver NOGUEIRA, 1984, p.81.
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58
alguns editoriais de jornais paranaenses, principalmente do articulista Celestino Júnior, o
mais contundente crítico à imigração japonesa, procurar-se-á traçar a retórica do
preconceito da elite curitibana com relação ao recém-chegado braço amarelo
24
. Tucci
Carneiro, lembra, no entanto, que esta retórica, expressão do pensamento sobre a diferença
e a desigualdade, não deve ser considerada como a única forma de manifestação de uma
mentalidade preconceituosa, visto que é apenas um dos fragmentos da realidade
(CARNEIRO, 1996, p.22).
1.10. Retórica do preconceito – definindo o inimigo
Um jornal paranaense comentava a assinatura do contrato entre Ryu Mizuno e os
governantes do Rio de Janeiro e São Paulo que permitia a entrada de japoneses no Brasil,
em novembro de 1907, mostrando aos seus leitores o quanto essa imigração era considerada
perniciosa pela imprensa de países como a França e a Suécia. Informava o “A República”
de 23 de novembro de 1907
25
:
... A imprensa mostra-se admirada como o Brasil admitte com
facilidade em seu territorio os irriquietos açambarcadores da industria
e do commercio, representantes de um povo que não se quer imiscuir
na civilisação latina ou entre a raça branca, sinão para exercerem
paulatinamente a sua acção ambiciosa no domínio avassalante da
preponderancia.
Os jornaes negam as qualidades de trabalho dos japoneses n’um clima
que lhes se todo adverso e extranham que, tendo os estados Unidos
reagido contra elles, seja o Brasil tão solicito em acolhe-los.
24
- As restrições aos imigrantes japoneses não foram a preocupação somente da imprensa
paranaense, Celso Vieira também enumerava, em 1908, os inconvenientes que tal imigração traria
ao Brasil (VIEIRA citado por MORAES, 1942, p.44-45).
25
- Todas as matérias de jornais curitibanos do início do século XX transcritas aqui, foram retiradas
do livro de Seto e Uyeda (2002).
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59
A conclusão das folhas é que o Brasil, promovendo a immigração
japoneza, um mau passo e arrependerá do mau exemplo, pelo qual
não lhe serão agradecidas as nações irmãs (in: SETO e UYEDA, 2002,
p.30-31).
Conforme o teor desta matéria, na ocasião do firmamento do tratado entre Brasil e
Japão, para a entrada de imigrantes japoneses, é possível perceber que o Brasil estava na
contra-mão de um crescente movimento antijaponês mundial. Estranhamente, a entrada de
japoneses no Brasil a bordo do navio Kasato Maru em 29 de junho de 1908, não despertou
muito interesse na imprensa curitibana, porém, a partir de julho, segundo João Correia
Andrade, os jornais da capital iniciaram, efetivamente, uma campanha contra a imigração
japonesa (1975, p.32).
Imprensa curitibana: inquietação e temor
Diário da Tarde, Curitiba, 6 jul. 1908. p.1, 2c
IMMIGRANTES JAPONEZES
O brilhante diário fluminense O País tomou a sua conta a defesa de imigração
japonesa, preconizando-a pelas virtudes morais e notável resistência física.
O correspondente telegráfico desta folha, em um dos seus despachos em
nossa última edição, mencionou a atitude de O País, elucidando que este
jornal considerava a imigração nipônica superior as outras até agora
canalizadas para o Brasil. Com certeza o órgão carioca escorou
proficuamente sua afirmativa, aduzindo argumentos irrefragáveis que muito
desejamos conhecer. Porque somos de pensar diametralmente oposto:
julgamos a imigração japonesa perniciosa, por muitos motivos, preferindo
contingentes alemães, italianos, polacos, holandeses, etc.
Não padece dúvida que o japonês é de rija têmpera e excelente trabalhador,
incanvel e brio. Mas precisamente por essas virtudes é que ele se torna
fator nocivo visto como, aberta a concorrência, os operários de outras raças
não podem com ele competir. Ao invés de ser elemento de progresso e
concórdia, torna-se elemento perturbador e perigoso mercê principalmente da
faculdade de adaptação.
Frisantíssimo o exemplo que nos apresentou pouco tempo a América do
Norte onde os trabalhadores americanos foram vencidos pelos japoneses que,
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econômicos e sombrios, se contentaram com os salários muito menores,
obtendo por isso preferência dos patrões.
O governo ianque teve que lançar mão de medidas rigorosas, inclusive a
delimitação da imigração dos filhos do Império do Sol Nascente.
Complicações semelhantes, e outras de longa enumeração, nos aguardam, si
tivermos a imprudência de encher o Brasil de japoneses (CELESTINO
NIOR in: SETO e UYEDA, 2002, p.45).
Como se pode depreender do editorial de 6 de julho, Celestino Junior o principal
articulista da campanha anti-nipônica paranaense, desde o início, alegava a preferência por
imigrantes europeus, revelando assim, a opção do Paraná dos oitocentos, pelo colono
europeu, trabalhador “morigerado”. Na recusa ao imigrante “amarelo”, o argumento de que
este seria o elemento perturbador da sociedade, pois que concorreria com os operários de
outras raças.
A campanha anti-japonesa empreendida pelo “Diário da Tarde” de Curitiba,
enumerava as desvantagens e os riscos que uma imigração em massa desta raça poderia
trazer ao Brasil. Andrade, chama a atenção para os argumentos utilizados pelo articulista
paranaense do início do século, que antecipavam, em muitas décadas, o teor dos discursos
antijaponeses propagados por Arthur Neiva, Miguel Couto e Félix Pacheco. Estes
intelectuais ficaram conhecidos como “os três heróis da Campanha Anti-Nipônica” e se
destacaram nos debates sobre imigração e assimilação que ocorreram na década de 1930 e
ressoaram na década seguinte (1975, p.32-37).
Entretanto, foi durante a década de 1920, com a visibilidade que os japoneses
começaram a ganhar, que a campanha anti-nipônica tornou-se mais pública. O deputado
federal Fidélis Reis que havia liderado um movimento contra a entrada de negros, tornou-se
um dos arautos da campanha anti-japonesa, juntamente com Miguel Couto, presidente da
Academia Nacional de Medicina, Arthur Neiva e José Félix Alves Pacheco, ministro das
Relações Exteriores de 1922 a 1926.
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61
O editorial de 8 de julho, versava sobre a concorrência desleal que o japonês
promoveria ao elemento nacional e a imigrantes de outras etnias, sobre os problemas de
construção moral, potica e religiosa, além da degenerescência racial que poderia promover
ao cruzar-se com os brasileiros.
Diário da Tarde, Curitiba, 8 jul. 1908. p. 1, 2c.
IMMIGRAÇÃO JAPONEZA
Os immigrantes japonezes importados pelo Estado de o Paulo estão
alojados na respectiva hospedaria, e completamente vacinados, segundo
uma nota do “O Estado de São Paulo”.
São 800 japonezes que iniciaram uma corrente imigratória repelida pela
América do Norte. Cremos que o intuito das autoridades paulistas é fazer
apenas uma experiência, não tivessem somente em vista o presente e
procurassem calcular as conseqüências futuras. Bem recentemente ainda
ecoou pelo mundo inteiro a (sic.) notícias de uma provável e próxima
guerra entre o Japão e a América do Norte. Remontando as origens do
conflito, que terminou a tempo pela negociação diplomática, chegando à
conclusão de que a América está sofrendo a immigração japoneza.
Em São Francisco da Califórnia os japonezes são aos milhares e ativos,
sóbrios e econômicos. Os operários japonezes em abundância, ofereciam-
se para fazer o mesmo trabalho que os americanos, por um salário menor.
Os americanos que estavam em sua casa irritaram-se contra os intrusos e
com razão. A facilidade permitida na immigração ia transformando por
completo as condições de vida econômica de um Estado.
Se os nacionais não tivessem reagido ver-se-ia, em pouco tempo, na
necessidade de se equipararem, percebendo pequenos salários e arrastando
uma vida de privações e miséria em aproveito do capitalismo mais
enriquecido. Ora, não é esta precisamente a solução ideal para a situação
do proletariado que tanto preocupa os governos no tempo moderno.
O Japão e os japonezes considerados em si, como povo que renasce cheio
de vigor, merece a nossa calorosa simpatia. Mas se ele é interessante lá,
nos confins do Oriente, abatendo o orgulho da Rússia, ensinando à Europa
como se pode melhorar ainda a civilização ocidental, é para ser temido e
respeitado posto em confronto conosco, medindo força de trabalho.
Os governos, nas suas iniciativas, não deviam só considerar
superficialmente os interesses das empresas dos grandes, do capital enfim.
Deviam por misericórdia, cogitar, ao menos um pouquinho do bem estar
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62
do povo. O infeliz, completamente esquecido, nunca entra em linha de
conta nas altas cogitações de plano reformistas.
Se a immigração japoneza é boa, e oportuna para os ricos fazendeiros de
São Paulo, é péssima para o povo.
Se os americanos que têm uma reputação mundial de bons trabalhadores;
trabalham tão intensivamente que morrem antes de chegar a velhice; que
trabalham conscientemente, intuídos em escolas práticas de todo gênero;
que fazem a mais colossal metalurgia do mundo, não pode competir com
os japonezes, o que poderemos então? E não somos nós porque
tratando-se de o Paulo e falando-se em povo, é necessário tomar em
consideração as centenas e milhares de italianos, as dezenas de milhares
de alemães que ali colaboram para nossa prosperidade.
E não somos s porque tratando-se de o Paulo e falando-se em
povo, é necessário tomar em consideração as centenas de milhares de
italianos, as dezenas de milhares de alemães que ai colaboraram para a
nossa prosperidade.
A immigração japoneza se continuar, vai ali se estabelecer em proveito
dos fazendeiros uma concorrência esmagadora para todos que ali labutam
e que em breve terão de recuar aos últimos limites da miséria.
Os japonezes, considerado o nosso ponto de vista, são um inimigo muito
mais terrível do que vulgarmente se pensa.
Em qualquer ramo de atividade em que exerça as suas faculdades,
conquista rapidamente os primeiros lugares. Para exemplificar seria
interessante relatar a história de um imigrante japonez que, na Califórnia,
primeiro economizando à custa de privações; depois capitalizando as
economias dos patrícios por um sistema de mutualismo muito em uso
entre eles, em breve de simples cultivador, passou a ser o “rei da batata”.
Na sua mão concentrou o comércio desse produto, derrotando todos os
competidores nacionais.
Como este milhares de exemplos na floricultura, na agricultura, etc.
É evidente que nós não podemos por em confronto as nossas qualidades
com as deles, máximo em questão de trabalho. Segundo parece, um dos
nossos traços característicos é uma espécie de fidalgo na especulação
direta, hábito que nos ficou do tempo em que mandávamos escravos,
considerando o trabalho muito aviltante.
Eles vêm de uma ilha estreita, pouco produtiva, com a população
densíssima. Têm o instinto da especulação atavicamente desenvolvido.
s para o nosso edifício moral temos apenas alguns (sic) material
acumulado. Agitámo-nos num período de formação que, se não é
embrionário, inicia apenas a seleção, e no meio da explosão de interesses
desencontrados de todas as ordens, não temos um pouco de unificação
onde repousar. Eles têm construção moral política religiosa solidamente
constituída, resultando daí esforços harmônicos para um objetivo. As
nossas idéias vagam ao impulso do temperamento. Eles têm idéias
reguladas pela instrução. Claro está que argumentamos observando a
massa e não os casos de exceção. Além de todas as razões que nos
obrigam a encarar a imigração (sic) japoneza intensiva como um grande
perigo, outras que, embora mais sutis, não deixam de merecer
considerações.
Que raça será a nossa no futuro se nos saturarmos de immigração
japoneza? Ou eles não se radicam no Brasil pelos laços de família e serão
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63
então um imenso aparelho sugador, transportando para a pátria deles
riquezas consideráveis ou cruzam, imprimindo na nossa raça os
característicos deles, que com franqueza, não o grandemente
apreciáveis.
Nesse caso precisamos ainda reportarmo-nos á América do Norte. Os
Estados Unidos, que têm uma origem política, pronunciadamente anglo-
saxônica, observam agora com surpresa que o tipo da sua raça aproxima-
se mais do neolatino. Para povoar o seu vasto território abriram de par em
par as portas à immigração. Por elas entraram os povos europeus que
estavam em declínio e que modificaram o tipo nacional. Certamente o
trabalho ainda não está completo, mas do hibridismo resultou um animal
magnífico para a luta, cabeça forte, nervos vibráteis e corpo de atleta.
s, com nosso tipo nacional já bastante minguado, que híbrido iremos
produzir cruzando-o com uma raça fisicamente ridícula? A saúde, a beleza
e a força não são apenas ornamentos dispensáveis. Pensado bem -se que
concorrem, senão como fatores, ao menos como condições de bom êxito
no conflito econômico.
Desejamos firmemente que a experiência de São Paulo não prossiga,
evitando resultados funestos em futuro mais ou menos próximo
(CELESTINO JUNIOR in: SETO e UYEDA, 2002, p.46-47).
Este antológico artigo de Celestino Júnior é quase uma profecia, não em relação
às críticas e argumentos que serão utilizados mais tarde pelos intelectuais que encamparam
a luta antinipônica, como aponta Andrade, mas também por retratar a ambiidade com que
a questão japonesa será tratada no Brasil, nas cadas seguintes. Em algumas passagens
memoveis se nota o temor e o fascínio com que os japoneses foram vistos, pelos
brasileiros, desde que aportaram na manhã de 18 de junho de 1908.
O Japão e os japonezes considerados em si, como povo que renasce cheio
de vigor, merece a nossa calorosa simpatia. Mas se ele é interessante lá,
nos confins do Oriente, abatendo o orgulho da Rússia, ensinando à Europa
como se pode melhorar ainda a civilização ocidental, é para ser temido e
respeitado posto em confronto conosco...
Lesser assegura que, ao contrário dos chineses e dos árabes, os imigrantes japoneses
levavam consigo o lastro de serem uma potência mundial, o que fazia com que o discurso
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brasileiro em relação à imigração japonesa combinasse o “medo social da ‘mongolizaçãoe
o desejo de imitar o desenvolvimento econômico e social do Japão.”. O autor lembra que,
ao encantamento diante da sofisticação da marinha japonesa, sentido pelo capitão do navio-
escola Benjamin Constant, contrapunha-se, por exemplo, o temor de Alcino Santos Silva,
cônsul em Yokohama, de que os “feios e baixos” japoneses não se adaptassem aos
costumes ocidentais. Segundo Lesser, essas imagens contraditórias são recorrentes nas
cartas de Luiz Guimarães, segundo-secretário da delegação em quio ao ministro das
Relações Exteriores brasileiro, após acompanhar uma visita de diplomatas japoneses ao
Brasil (2000, p.159).
O articulista curitibano parece ter profetizado também sobre o “perigo” que
representava o japonês na agricultura.
Os japonezes, considerado o nosso ponto de vista, são um inimigo muito
mais terrível do que vulgarmente se pensa.
Em qualquer ramo de atividade em que exerça as suas faculdades,
conquista rapidamente os primeiros lugares. Para exemplificar seria
interessante relatar a história de um imigrante japonez que, na Califórnia,
primeiro economizando à custa de privações; depois capitalizando as
economias dos patrícios por um sistema de mutualismo muito em uso
entre eles, em breve de simples cultivador, passou a ser o “rei da batata”.
Na sua mão concentrou o comércio desse produto, derrotando todos os
competidores nacionais.
Pois os japoneses se lançaram à produção de batatas. Sobre a introdução da
agricultura japonesa no Brasil pelos imigrantes, Ono Escreve:
À semelhança daqueles que, imbuídos do espírito de emprerios, se
dirigiram para as grandes fronteiras do desbravamento, entre esses
japoneses que vieram estabelecer-se perto de o Paulo houve alguns que
se atiraram à produção batateira em grande escala, transcendendo-se pois
dos pequenos produtores (in: SAITO e MAEYAMA, 1973, p.141).
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65
An afirma que, com a aplicação de adubos adquiridos coletivamente em 1919
(portanto, a primeira operação “cooperativista”), as terras exaustas recuperaram a
fertilidade, o que aumentou rapidamente a produção. Segundo o autor, com a notícia de que
Cotia produzia batata boa, transferiram-se muitos agricultores pra lá e começou-se a
empregar trabalhadores do local ou das proximidades. Devido à escassez de mão-de-obra,
houve elevação dos salários e competição entre os agricultores. A Associação Japonesa que
tinha dado, então, o primeiro passo no sentido da união cooperativa, com a compra de
adubo, interveio, também, para tentar firmar um acordo entre os lavradores, a fim de evitar
a elevação desordenada do salário pago aos camaradas.
Os japoneses tiveram, também, muitas dificuldades com o transporte e
comercialização da produção, pois, como não entendiam bem o português, eram facilmente
ludibriados na pesagem do produto. Mais uma vez a Associação Japonesa atuou para
conseguir mais carros de boi dos povoados seguintes e fixou uma tabela de carretos. A
Associação tinha, ainda, segundo Andô, função punitiva, prescrevia castigos aos
agricultores que infligissem as regras.
Com o aumento da produção e a conseqüente necessidade de melhoria no sistema de
transporte e a falta de lugar para estocar adequadamente o excesso de batatas, cogitou-se a
criação de uma cooperativa de produtores, pois, a Associação já não era capaz de viabilizar
empreendimentos como a melhoria da estrada que ligava o povoado à rodovia principal
(1973, p.164-175).
A melhoria da técnica de produção da batata tornou-se uma obsessão entre os
produtores que cuidavam da escolha de sementes e adubos à própria lavra. O sucesso no
cultivo deste tubérculo foi tamanho que Sack Miura, diretor do jornal Nippak Shinbun, de
São Paulo, descrevendo a Aldeia de Cotia, em seu Elogio da Batata”, assegurava que o
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trono de Cotia, como rei da batata” mesmo que aumentasse o número de produtores, não
sofreria abalo algum. Conclamava, no entanto, a necessidade de organização dos
produtores: “Não é nada abonador que esse rei permaneça inerte, diante do abuso de
comerciantes, ficando à sua mercê, porque não consegue ter um depósito.” (in: SAITO e
MAEYAMA, 1973, p.182).
A produção de batatas foi, assim, o grande propulsor na formação da Cotia,
cooperativa que foi alvo de inúmeros ataques, como a campanha encampada pelo
semanário carioca Diretrizes” que exigia que 51% de brasileiros tomassem conta dela,
apesar da liberdade de associação cooperativa existente no Brasil. Segundo Lenharo, a
revista pedia vigilância sobre todas as organizações nipônicas do Brasil”. Para o autor, as
críticas dos “nacionalistas” brasileiros pareciam advir de uma incontida admiração “pela
eficiência do nacionalismo japonês, que conseguia agrupar solidamente seus nacionais,
mesmo fora da própria pátria.” Lenharo cita o pronunciamento de Arthur Neiva na
Constituinte que atribuía ao perigo japonês”, a sua “superioridade de organização. Os
nipões são o milagre da organização e nós o prodígio da desorganização” (1986, p.136).
Celestino Júnior ao condenar a imigração japonesa também apelava ao governo para
que se olhasse para a situação do brasileiro nato:
Os governos, nas suas iniciativas, não devia considerar
superficialmente, os interesses das empresas, dos grandes, do capital
enfim.
Deviam, por misericórdia, cogitar, ao menos um pouquinho do bem estar
do povo. O infeliz, completamente esquecido, nunca entra em linha de
conta nas altas cogitações de planos reformistas.
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67
Umas das grandes críticas aos imigrantes japoneses é que as concessões de terras
para a formação de colônias como a de Ribeira de Iguape no litoral paulista
26
, se
constituíam em espoliação aos “caboclos” brasileiros. Monteiro Lobato denunciou a
atenção dispensada aos estrangeiros em detrimento do nacional, utilizando-se de
argumentos muito parecidos aos do articulista curitibano:
“Esgotamo-nos em criar-lhes facilidades para que os invasores tenham
um paraíso terreal, e venham derrotar-nos dentro de nossa própria casa,
enriquecer-se às rápidas, apossar-se de tudo, fazendo do pobre brasileiro
um pária faminto e errante a gemer de lazeira num território que cada vez
é menos seu.
Os nossos governos vivem apostados em amimar quanto bípede louro,
vermelho ou r de côco põe em nossos cais; dão-lhes o que elês
pedem e o que não pedem; dão-lhes a justiça fácil e rápida esse sonho
inatingível do aborígene.” (citado por MORAES, 1942, p.75).
Andrade destaca expressões como “construção moral potica e religiosa
solidamente construída”, “idéias reguladas pela instrução”, utilizadas pelo redator
curitibano como próximas das palavras dos próceres” da campanha antijaponesa (1975,
p.36).
Fidélis Reis, agrônomo e professor da Universidade de Minas Gerais, autor de um
dos projetos que restringia a imigração japonesa, em entrevista ao jornal carioca “O Pais”,
também fazia uso de argumentos similares:
Raça de outra mentalidade, outra moralidade, outras crenças, falando
idioma muito diferente, sem nenhum contacto com a nossa, ainda que se
adapte ao meio sico, não se afeiçoará ao nosso ambiente. Grave erro o
26
- A lei estadual n° 1.299 F, de 29 de dezembro de 1911, sancionou o contrato entre o governo
paulistano e o Sindicato de Tóquio, para as concessões territoriais na região de Iguape, transferidas
em 30 de junho de 1913 à Brasil Takushoku Kaisha, antecessora da Kaigai Kogyo Kabushiki
Kaisha (MORAES, 1942, p.72).
A Kaigai Kogyo Kaisha, abreviada geralmente de K.K.K. foi fundada em 1917 e passou a
monopolizar os serviços de emigração para o Brasil e foi o primeiro passo do governo japonês no
sentido de imprimir caráter nacional e estatal à política emigratória para o Brasil (SAITO, 1961,
p.32).
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insistirmos na sua integração com a nossa raça, no período ainda de
formação desta e não homogeneização e suficientemente consolidada para
isso (MORAES, 1942, p.52).
É importante destacar que na ocasião das discussões em torno das restrições à
“imigração amarela” para o Brasil, também a Academia Nacional de Medicina foi chamada
a se pronunciar a respeito dos elementos asiáticos e referendava os preceitos aventados
no início do século na imprensa curitibana:
Considerando que os aborígenes da Ásia. Qualquer que seja o seu valor,
são absolutamente inassimiláveis no Ocidente, por diferenças
fundamentais de religião, de índole e de costumes:
“Considerando que as leis eugênicas e econômicas se opõem à entrada de
elementos dessa origem no território brasileiro. Resolve, de conformidade
com o art. 2.° dos seus Estatutos, endereçar à Câmara dos Deputados a
expressão do seu aplauso ao substitutivo da comissão de Agricultura e
Indústria, o qual emendou o projeto 391, de 1923, e reduziu, anualmente,
o número de imigrantes asiáticos a cinco por cento dos localizados em
cada Estado e reconhecidamente agricultores.
Faz-se mister salientar que a campanha antijaponesa curitibana antecede também os
argumentos eugenistas na preocupação com a formação do povo brasileiro:
Que raça será a nossa no futuro se nos saturarmos de immigração
japoneza? Ou eles não se radicam no Brasil pelos laços de família e serão
então um imenso aparelho sugador, transportando para a pátria deles
riquezas consideráveis ou cruzam, imprimindo na nossa raça os
característicos deles, que com franqueza, não o grandemente
apreciáveis.
A melhoria da raça brasileira foi uma das preocupações estadonovistas, ao ponto de
Oliveira Vianna se defender da acusação de não ter trazido solução para os problemas
raciais do Brasil da seguinte forma: Ora, na verdade, eu nem sequer ‘tentei’ resolvê-los.
Contentei-me simplesmente em sugerir a necessidade de pesquisas sistematizadas,
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cientìficamente conduzidas, no sentido de achar solução para os vários problemas da nossa
formação e evolução racial.” (1959, p.5).
A campanha curitibana foi, ainda, precursora na alegação de que a imigração
japonesa favorecia os fazendeiros de o Paulo: “Se a imigração japonesa é boa, é ótima
para os ricos fazendeiros de São Paulo, é péssima para o povo.” Carlos de Souza Moraes
mostrou vários e ilustrativos embates entre os defensores da cota que regulava a entrada de
asiáticos e Alfredo Ellis nior, representante do estado deo Paulo, por ocasião da
aprovação da emenda Miguel Couto na Constituinte de 1934, que persistiram na mesma
nica, imigração japonesa servindo aos interesses das lavouras paulistas (MORAES,1942).
Diário da Tarde. Curitiba, 26 de agosto de 1908. p. 1
IMMIGRANTES JAPONEZES
A sympathia pelo Japão nasceu e irradiou no Brasil por ocasião da
formidável guerra russo-japoneza.
O Império do Sol Nascente veio para a ribalta e entrou em moda achar-
se excelente tudo quanto elle tem, faz e mostra aos povos ocidentaes,
boquiabertos deante de tamanha (sic) maravilhas.
Não admira, pois, que fosse recebida com enthusiasmo a Idea da
introdução em nosso paiz de immigrantes dessa nacionalidade.
E vieram algumas levas para S. Paulo. Logo o enthusiasmo começou a
esfriar-se: os japonezes desertavam allegando não suportar o serviço!
Ora essa! Elles que todo mundo apregoava a resistência physica
superior a dos allemães, dos polacos, austríacos, italianos, etc., colonos
aqui no Paraná e em outros Estados! O insucesso, porem, foi adeante:
um indiscreto, que visitou os núcleos japonezes em São Paulo, trouxe á
imprensa notas interessantes e desabonadoras.
Entre essas notas, deram estas os jornaes paulistanos: em Martinho
Prado e Guatapará, vêem-se grupos de homens, mulheres e creanças
em completa promiscuidade, sem recato mesmo do pudor, pois todos
costumam ir em completa nudez banhar-se ao rio.
Os japonezes não são casados: entre elles um contracto com
licitação de tempo, podendo dessa forma um homem ter dez ou
mais contractos, ou sejam dez ou mais esposas.
Pura polygamia.
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70
E verdade que numa época de povovamento de solo, esses
immigrantes deviam ser preferidos...
Nem todos tomaram por surpreza o que se verificou nos referidos
nucleos paulistas; não ficaram sorprehendidos os que conhecem o livro
de William Ellis, que foi observar de visu o povo nipponico.
E esses livro (sic) ha informação de que esse povo é cheio de egoísmo
calculado, cruel, consistindo o mais grato divertimento dos rapazes em
torturar insetos.
Finalisemos com estas linhas de William: No Japão considera-se ponto
de honra uma rapariga, entrar para um bordel a fim de arranjar dinheiro
com que pagar as dividas do pae.
Com a experiência feita em o Paulo, é de suppor que no Brazil
esfriando a admiração incondicional de muitos nipófilos exaltados
(CELESTINO JUNIOR in: SETO e UYEDA, 2002, p.52-53).
Alguns problemas que foram apontados pelo articulista do jornal paranaense do
início do século como a ineficiência do trabalhador japonês:
... E vieram algumas levas para S. Paulo. Logo o enthusiasmo começou a
esfriar-se: os japonezes desertavam allegando não suportar o serviço! Ora
essa! Elles que todo mundo apregoava a resistência physica superior a dos
allemães, dos polacos, austríacos, italianos, etc., colonos aqui no Paraná e
em outros Estados!
Em entrevista ao Jornal “A Noite”, Fidélis Reis, retomava esses pontos:
Êle é inferior como colono, instável nas fazendas e tudo que economiza remete para o seu
país... Muito sóbrio, alimenta-se mal, e pouco exigente em matéria de confôrto e não tem a
resistência física que se supõe.”
(citado por MORAES, 1942, p.53)
.
Os costumes e a suposta crueldade e imoralidade dos japoneses lembrados por
Celestino Junior: “... E esses livro (sic) ha informação de que esse povo é cheio de egoísmo
calculado, cruel, consistindo o mais grato divertimento dos rapazes em torturar insetos.”,
também se constituiram nas principais premissas do antiniponismo que caracterizou o
período do Estado Novo:
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71
Quando se examina um brinquedo japonês, dessas miniaturas de que só
êles o capazes, a reflexão que as faz é da novel e inimitável paciência
dum elemento humano de alma pura e espírito delicado, incapaz de gestos
de destruição, de ferir o próximo. Mas, qual! A delicadeza que encerra um
sses objetos trabalhados por suas mãos representa o instinto de sadismo
recalcado, de realizar as cousas gozando lentamente os efeitos de sua
tarefa. A paciência na execução de suas obras de arte decorativa e de
escultura tem correspondência com o sacrifício com que realizam a
destruição do inimigo, gozando gota a gota o sangue que jorra da tima
imolada (MORAES, 1942, p.203).
Na curiosa repetição dos mais variados argumentos desabonadores à imigração
japonesa, décadas depois das matérias publicadas no Paraná no início do século XX, nota-
se a consolidação da imagem distorcida daquele que é o diferente, Tucci Carneiro chama de
deformação do real, efetuada pela retórica racista através da força das metáforas, exagero
nos traços e contrastes técnicos e ideológicos (CARNEIRO,1996, p.29).
Tais características eram bastante contundentes em publicações como o “Jornal do
Commercio”, de propriedade de Félix Pacheco. Um volume que reuniu uma série de artigos
publicados no referido jornal, intitulado, O perigo japonês”, apontava a necessidade de
esclarecer a opinião brasileira sobre a raça e os costumes japoneses e, ainda, o erro que
constituiu a entrada em massa dos imigrantes japoneses no Brasil, quando nenhum país do
mundo não os queria receber” (1942, p.5). Como que se cumprindo a profecia do jornal “A
República”, de 23 de novembro de 1907, sobre o mau passo e mau exemplo do Brasil em
contratar mão-de-obra asiática pelo que poderia se arrepender mais tarde.
No prefácio da referida edição, é possível notar o teor antijaponês dos constantes
debates sobre imigração e assimilação da época:
O ‘Jornal do Commercio’ bateu-se com energia e tenacidade contra a
entrada do imigrante japonês no Brasil, enfrentando muitos obstáculos e
contrariando inúmeros interesses, não porque o animasse um preconceito
qualquer, uma obstinação ou um capricho sem justificativa, mas porque
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estava convencido que nenhum mal maior se podia fazer ao Brasil do que
esse de permitir aqui a infiltração de um povo inassimilável, fisicamente
inferior, moralmente diferente do nosso, instrumento passivo de uma
política imperialista que se ensaiava, através da nossa boa fé, não
contra o nosso país mas também contra todo o continente americano
(1942, p. 5).
O que é possível depreender do discurso dos opositores da imigração japonesa, além
dos argumentos racistas, são os argumentos nacionalistas e, faz-se necessário, atentar para
este viés que alguns opositores à entrada de japoneses, imprimiam em seus discursos.
Porém, a imigração japonesa sempre foi muito polêmica e até mesmo na imprensa
paranaense do início do século XX, houve, segundo Seto, quem a defendesse. Em artigos
publicados pelo jornal “Diário da Tarde”, já em 1907, um articulista carioca chamado
Miranda Rosa Júnior foi o único defensor da entrada de ninicos no Brasil. E nos
acalorados debates, principalmente na cada de 1920, Lesser afirma que eram comuns as
respostas públicas aos artigos de jornais e consistia em estratégia dos favoráveis à
imigração, abafar as críticas tentando mudar a opinião dos adversários (2001: p. 178).
Este editorial de outro jornal curitibano, é particularmente interessante por apontar
quais os imigrantes que convinham ao Paraná.
O COMÉRCIO – Curitiba, 9 dez.1908, p.1
IMMIGRAÇÃO
O Paraná em coisas de immigração tem sido o mais feliz e o mais
distinguido pelos poderes da nação. A maior e a melhor corrente
immigratória tem sido, nestes últimos tempo, dirigida ao nosso Estado.
É bem sabido que as colonisações austríacas, polacas, suissa, allemã e
italiana são as que mais facilmente se desenvolvem e prosperam,
assimillando-se ao (sic) nossos costumes.
O holandez é um povo um tanto diferente. Trabalhador infatigável tem,
entretanto, tendências para a desobediência, um ardor belicoso oriundo da
sua educação e dos costumes do seu paiz. Terra de leis libertinas, a
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Hollanda, os seus filhos, quando são obrigados à desobediência de leis
severas, só a muito custo se submettem.
A immigração japonesa é um perigo pára o povo que a aceita. Um jornal
caioca assim della nos diz:
Sabemos que é o Japão o paiz mais adeantado da Azia, o único que é
regido por constituição liberal, modelo de garantia aos direitos
individuaes.
Admiramos o entranhado amor que vota o japonez á sua pátria, a sua
coragem e seu valor lico; sabemos que mães japonezas cuidam desde
cedo de incutir no espirito da creança sentimentos altruisticos e nobres.
Mas tudo isso não justifica que aceitemos a immigração japoneza. Não
nos convém.
A raça brasileira é um produto da fusão de três raças – a branca, a negra e
a cabocla – sob a influencia de causas atmosphericas e de zonas tropicaes.
A portugueza, que era mais forte, em contacto com a tupys e africanos e
sob aquella influencia tomou outras feições, transformando-se,
concretizou em um producto novo, o povo brasileiro, que se diversifica do
negro e do índio, tambem é bem diverso delle europeu.
O cruzamento com o japonez vinha afeiar o typo lindo da mulher
brazileira essas moças ágeis, fortes, vividas, de um doce amorenado, de
olhos negros e cabellos bastos, sadias jovens em cujas veias circulam, por
certo, já bem diluidas gotas de sangue africanos.
Os nippões não nos convem como elemento racico, como tambem não nos
convem como braços para nossos campo (sic). Como foi demonstrado
praticamente no Estado de o Paulo, que de novo os vae mandar buscar.
O japonez que emmigra é, em regra, o que sonha com um mercado
opulento para sua actividade e para o lucro fácil.
ainda o outro perigo de ordem econômica e de ordem política, que
devem ser encarados com cuida de estudado com prudencia.
O governo paulista não se deteve em estudar a questão e talvez venha em
breve arrepender-se do seu ato impensado.
O Brazil precisa de povoar o seu vastissimo territorio, mas isso não quer
dizer que não escolha a emmigração que mais lhe possa convir.
Não ha muito, em Estado não longinquo houve corrente de sympathia
pelo chin. O governo deixou-se impressionar pela propaganda chinophila
e algumas centenas de chins foram mandados vir. E mandaram-nos em
sua quase totalidade, da raça taquia e peor de todas.
O resultado foi desatroso, como havia sido nos Estados Unidos que se
viram obrigados a expulsa-los.
O que aconteceu com o chim, vae acontecer com o japonêz o abandono
dos campos. São differentes, dir-no-ão, apezar da sua semelhança physica.
Mesmo assim nem o coli, em nippão nos convem.
Temos o colono portuguez, em primeiro logar, depois o italiano do Norte,
o suisso e o allemão e quiçá o indiano, para nossas baixadas onde reina
epidemicamente o impaludismo, visto estar o seu organismo habituado
aos miasmas dos “pattes”.
A excellencia daquelles esta provada praticamente. Friburgo e Sanne
devem o seu progresso ao suisso, como Petrópolis, Blumenau e Joinville
ao allemão; S. Paulo inteiro e exerce o factor de excellencia da nossa raça,
como dissemos acima.
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74
São esses europeus que devemos trazer para povoar no nosso solo. A
fazer-se uma experiencia busquemos indianos
(in:SETO e UYEDA,
2002, p.58-59).
Explicitava-se, nesta matéria, a opção pelo trabalhador que poderia cumprir os
propósitos de ocupação, promover a melhoria tanto das técnicas de produção, como da raça,
através do caldeamento. Porém, os critérios eram bastante controversos, como atestar-se-á
no caso da imigração assíria. Rogério Ivano, ao tratar da colonização do norte-paranaense,
toca nesta questão que envolveu o governo Vargas, entidades internacionais e a Paraná
Plantations. Segundo o autor, “Apesar de brancos, católicos e agricultores, a imprensa passa
a qualificar os assírios como inassimiláveis, perigosos, indesejáveis e toda sorte de atributos
desumanizantes.” (2002, p.134-135).
Aliás, “inassimiláveis, perigosos, indesejáveis” também foram as denominações
mais comuns que os japoneses receberam no início de sua história no Brasil. A dificuldade
de se fixar como colonos, o não caldeamento e a degenerescência racial foram os principais
argumentos contra a sua entrada, no entanto, restrições embasadas na temática eugenista,
marcaram a imigração japonesa em países, culturalmente, bastante distintos.
Na observação das variações sobre este mesmo tema é que se pretende verificar a
situação dos japoneses e seus descendentes no contexto brasileiro. Longe de pretender
desrespeitar as idiossincrasias de cada grupo de imigrantes ninicos e seus países
hospedeiros, é importante observar que, experiências de privação de direitos civis e
sujeição a ações repressivas, durante a Segunda Guerra Mundial também foram sofridas
pelas comunidades nipônicas de diversos locais.
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75
CAPÍTULO 2
A COMUNIDADE JAPONESA NO MUNDO EM GUERRA
2.1. Mundo em guerra: japoneses, fora!
“I was four years old and sensitive enough to feel the tension. There was
strange solemnity in the leathery faces of the folks as we swayed together
in unison. Some of the Women had cried when we left Los Angeles, but
now they just stared out at the silent emptiness, impassively swaing, their
dry tear stains leaving lacy patterns on their cheeks. All of us wore
numbered identification tags attached with soft wire firmly twisted into
our clothes
.”
27
(TAKEI, 1994, p.7).
27
- “Eu tinha quatro anos e sensibilidade o bastante para sentir a tensão. Havia na face das pessoas,
uma estranha solenidade, enquanto balançávamos em uníssono. Algumas das mulheres tinham
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76
Como visto, a introdução de mão-de-obra japonesa sempre sofreu restrições em
todos os países que receberam imigrantes desde finais do século XIX. Entretanto, após o
ataque do exército japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941,
cresceu no mundo o sentimento antinipônico. Logo após este episódio, nos Estados Unidos
foram decretadas, através da “Ordem Executiva n.
0
9066”, assinada por Franklin Delano
Roosevelt em 19 de fevereiro de 1942, medidas que cercearam a liberdade de milhares de
japoneses e seus descendentes até a quarta geração, internando-os em dez campos de
confinamento.
O Departamento de Justiça norte-americano calcula que, na Costa Leste e no Hav,
mais de 120 mil cidadãos de origem japonesa foram retirados de suas casas em ações
chamadas pelo governo dos Estados Unidos de “internação” ou “relocação”. Esse fato seria
decorrente de uma verdadeira onda de pavor aos asiáticos que tomou conta da sociedade,
temerosa de que imigrantes japoneses pudessem praticar atos de sabotagem (FOLHA DE S.
PAULO, 23/8/1998).
Também no Canadá, no início da década de 1940, houve o temor ao “perigo
amarelo” e à “quinta-coluna”
28
e japoneses e seus descendentes foram retirados de suas
chorado quando deixamos Los Angeles, mas agora, elas somente olhavam fixamente para fora, em
meio ao silêncio vazio, impassivelmente, secando as lágrimas que deixavam marcas em seus rostos.
Todos tínhamos um número de identificação, numa etiqueta atada a um fio flexível, firmemente
preso em nossas roupas.”
Trecho extraído da autobiografia do ator George Takei (Mr. Sulu de Star Trek) que foi internado
com sua família no Camp Rohwer ou Rohwer Relocation Center, como era, eufemisticamente,
chamado pelo governo norte-americano, durante a Segunda Guerra Mundial.
28
- [Do esp, quinta-columna, t.criado durante a Guerra Civil Espanhola (1936) para designar os que,
dentro de Madri, apoiavam as quatro colunas rebeldes que marchavam contra esta cidade.] S.f. 1.
Quinta-colunismo (1). S2g. 2. Pessoa (estrangeira ou nacional) que atua sub-repticiamente num país
em guerra ou em via de entrar em guerra com outro, preparando ajuda em caso de invasão ou
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77
casas em ações que visavam evacuar imigrantes “do eixo”, logo após as relocações que
aconteceram nos Estados Unidos.
Iacovetta, Perin e Príncipe, analisando a situação dos imigrantes em campos de
internamento no Canadá durante a Segunda Guerra afirmam, no entanto, que não
comparação entre a “italophobia” e a “niponophobia”, para eles, os italianos, tanto
individual, como em grupo, embora timas de hostilidade e discriminação, não estavam
sujeitos à prática do racismo a que estavam os japoneses. Privados de vários direitos,
sofriam constantemente com as práticas persecutórias de competidores brancos. Segundo os
autores, Pearl Harbor, teria dado, finalmente, aos “brancos Estados Unidos da América
Britânica”, a oportunidade de exigir seu terririo limpo de japoneses (2000, p.122-123).
A história sobre o confinamento dos japoneses canadenses na Segunda Guerra
Mundial rende acalorados debates entre os historiadores e polarizaram as explicações em
dois modelos. O paradigma dominante assegura que a decisão de remoção dos nipônicos foi
tomada por razões puramente raciais e é resultado de uma longa história de pensamento
intolerante na Costa Oeste. A outra corrente considera o relocamento desses imigrantes
uma medida puramente estratégico-militar, uma vez que, no contexto da guerra, um ataque
japonês pelo Pacífico era bastante provável, já o tratamento depois do confinamento,
segundo esta vertente, este sim, teve caráter racial.
29
fazendo espionagem e propaganda subversiva; quinta-colunista. Dicionário Aurélio Eletrônico
Século XXI.
29
- Factors in the decision to intern Japanese-Canadians
Disponível em: http://members.tripod.com/intern_canada/Internment/Internmilitary.htm Acesso
em: 14 dez. 2005.
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78
autores, no entanto, que atribuem aos dois motivos o confinamento de 21 mil
japoneses canadenses que foram relocados da costa para o interior e pradarias a fim de
executar trabalhos forçados em fazendas e campos de construção.
Da América Latina, Grace Shimizu, representante norte-americana da Campanha
por Justiça”
30
, estima que 2264 homens, mulheres e crianças de origem nipônica foram
levados para campos de concentração norte-americanos. Cerca de 80% desses imigrantes
eram provenientes do Peru e o restante, de mais outros 12 países latino-americanos:
Bolívia, Colômbia, Costa Rica, República Domenicana, Equador, El Salvador, Guatemala,
Haiti, Honduras, México, Nicarágua e Panamá.
No Peru, os imigrantes japoneses tiveram seus bens confiscados e as contas
bancárias bloqueadas. Segundo a socióloga peruana Amélia Morimoto a comunidade
japonesa atendendo a interesses econômicos e políticos, serviu de “bode expiatório” para o
governo e parte da sociedade peruana. “Os japoneses passaram a ser acusados de ser
responsáveis pela pobreza e desemprego que assolaram o Peru na década de 30”. Morimoto
afirma ainda que, embora não houvesse sido comprovado o critério para deportação, na
lista de pessoas que iriam para os campos de concentração, elaborada pelo governo,
estavam japoneses de destaque na comunidade peruana. A autora afirma, ainda, que esses
“internamentos” possibilitaram o confisco e saques a estabelecimentos comerciais dessas
pessoas, justificados por motivos raciais e de guerra (ESTADO DE S.PAULO, 29/7/2001).
Internações compulsórias, cerceamento da liberdade, confisco de bens, ódio racial e
humilhação provocaram marcas tão fundas que, ainda hoje, a comunidade peruana teme um
30
- “Campaign for Justice” é uma organização internacional, sediada nos Estados Unidos, que
localiza latino-americanos de origem japonesa que foram internados nos campos de concentração
norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Disponível em:
http://www.campaignforjusticejla.org/resources/speeches/dor2004_grace_shimizu.html
Acesso em:
3 jan. 2006.
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79
recrudescimento do clima de hostilidade que pesou sobre ela, no período da guerra.
Sintomática, é a preocupação dos descendentes de japoneses peruanos com a decisão do
Japão, ocorrida alguns anos, de não extraditar o ex-presidente Alberto Fujimori que
possui cidadania japonesa e se refugiou depois da eleição fraudada. O aprofundamento
da crise econômica, as denúncias de corrupção e fraude eleitoral envolvendo o ex-
presidente abalaram a boa reputação que os nipo-peruanos tinham conquistado e isso trouxe
de volta temores oriundos da experiência na última guerra (ESTADO DE S. PAULO,
29/7/2001).
2.2. O Brasil na guerra: o perigo vem do mar
“O ano de 1942 foi, sem dúvida, o mais trágico para nossa Marinha
Mercante. Até o fim de novembro soçobraram cerca de 17.500 toneladas e
aproximadamente 800 vítimas desapareceram no mar. (SILVA, 1974,
p.87).
Ponto estratégico para uma possível invasão alemã à América pelo Nordeste, devido
sua proximidade com a África, mesmo depois de descartada esta hipótese, o Brasil
continuou importante por causa da distância com o continente africano, pois era do
Nordeste que saiam os aviões norte-americanos para o combate aos submarinos germânicos
no Atlântico Sul. Além disso, afirma Bertonha, o Brasil detinha matérias-primas essenciais
para a guerra. Aproveitando-se de tal situação, o governo de Getúlio Vargas obteve várias
concessões dos EUA para seu projeto de desenvolvimento (2001, p.48).
Com esta aproximação e a permissão para a instalação de bases norte-americanas no
Nordeste do país em 1941, a Marinha alemã empreendeu uma guerra submarina na costa
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80
brasileira. Aquino afirma, no entanto, que antes da declaração de guerra à Alemanha,
Vargas passou por um período em que, ameaçando se aliar ora aos países “do Eixo”, ora
aos “aliados”, tentou conseguir concessões das duas partes, na chamada “diplomacia
pendular” (in: COGGIOLA, 1995, p.173-194).
Porém, diante da pendência do Brasil para o lado norte-americano, a Alemanha
passou a torpedear embarcações brasileiras, o que resultou no afundamento de 38 barcos
entre 1941 a 1943 e 1.040 mortes (BERTONHA, 2001, p.49).
Hélio Silva, ao descrever o torpedeamento de navios mercantes, afirma que as
timas de guerra na Marinha Mercante não se limitaram às embarcações que foram
atingidas, pois alguns colidiram, acarretando avarias que as impediam de prosseguir viagem
e, em vários desses acidentes, houve vítimas fatais. O autor mostra como a Marinha
Brasileira lidava com esta questão, através da transcrição de uma carta do Almirante
Henrique Aristides Guilhem ao Presidente Vargas. Muito interessante, porém, é a sua
narrativa sobre a ação dos alemães no litoral brasileiro, onde é possível notar o clima de
suspeição e temores da época, ante a ação de uma rede de espionagem nazista:
Certamente muita coisa ainda constitui um mistério. O elevado número de
navios mercantes brasileiros afundados se deve, principalmente, à ação da
coluna. Ela exercia suas atividades por toda parte. De terra, estações de
dio clandestinas, colocadas em pontos estratégicos e ao mesmo tempo
isolados, do litoral brasileiro, transmitiam o movimento dos portos, dando
as entradas e saídas. Mais adiante outra estação colaborava na
confirmação do rumo das embarcações. Também no mar a 5ª coluna
trabalhava sem cessar, denunciando aos submarinos do Eixo as
coordenadas de nossos navios (1974, p.54-55).
O memorialista Tomoo Handa relatou os dias que antecederam a declaração de
guerra do Brasil contra a Alemanha e a Itália, como um período marcado por muita tensão,
pries, multas e manifestações contra os países do “eixo”, como a que aconteceu no dia 18
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81
de agosto de 1942, planejada por estudantes de direito, depois do afundamento de cinco
navios brasileiros em alto-mar, perto de Natal, em dois ou três dias sucessivos. Essa
demonstração de força para a quinta-coluna”, segundo o autor, reuniu mais de 200 mil
pessoas na Praça da em São Paulo. Sobre a opressão sofrida na época pelos imigrantes,
relembrou as palavras de um amigo: É como se estivéssemos trabalhando sob um teto
prestes a desabar. É horrível!” (1987, p.637-638).
Fernando Morais também descreve esse sentimento antiestrangeiro que foi
crescendo ao longo do ano de 1942, à medida que se sucederam os ataques de submarinos
alemães aos navios brasileiros. O autor afirma que, em São Paulo, todas as privações que a
guerra impunha aos brasileiros, eram atribuídas aos ninicos, até mesmo o racionamento
de alimentos. De acordo com o discurso da época de que os japoneses agiam como
vampiros do solo, praticando uma agricultura predatória, alguns jornais alegavam que, por
isso, eles eram os responsáveis pela escassez de gêneros de primeira necessidade (2000,
p.54).
O clima antijaponês também fez acontecer no Brasil, aos moldes do que estava
acontecendo em outros países do mundo, a disseminação de idéias sobre o “perigo
amarelo”. Segundo Takeuchi, os japoneses, juntamente com outras minorias étnicas,
ocupavam o centro das discussões sobre a consecução do projeto étnico no Estado Novo e,
com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, mesclado ao medo do expansionismo japonês,
ressurgiu o conceito de “perigo amarelo” (2002, p.15-16).
Interessante, porém, é que houve uma adaptação no discurso brasileiro. À época da
discussão sobre a entrada de asiáticos, chineses e japoneses eram igualmente inaceitáveis,
porém, na década de 1940, nas crônicas do “Jornal do Commercio”, reunidas em “O Perigo
Japonês”, se enfatizava que o perigo era essencialmente nipônico, não se podendo
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82
generalizar o conceito com a expressão vulgar e muito usada de ‘perigo amarelo’”
segundo o articulista porque: O chinês não possue a agressividade do japonês, e não está
imbuido da noção de que é o portador de uma missão universal. É forçoso distinguir e os
acontecimentos da hora presente estão a demonstrá-lo.” (1942, p.4).
Cytrynowicz faz menção às crônicas e reminiscências de Jorge Americano que
revelavam “gostos e temores das classes altas paulistanas”, onde o autor associava
pescadores japoneses, colonos agrícolas e submarinos alemães” numa possível “invasão
japonesa” (2000, p.143).
Espionagem e sabotagem de agentes japoneses disfarçados também eram as
principais preocupações do “Jornal do Commercio”, justificados no prefácio de “O Perigo
Japonês”:
... o propósito de alertar os espíritos para a ameaça que ainda pesa sobre o
Brasil. A ação da polícia, logo que rompemos as nossas relações
diplomáticas com os paises do Eixo e depois que fomos levados à guerra
contra a Alemanha e a Itália, em defesa de nossa soberania, vilmente
ofendida com o ataque aos nossos navios mercantes e o sacrifício de
centenas de brasileiros inocentes, revelou as manobras de espionagem
exercidas pelos japoneses no nosso país, com a trama da sua ação na orla
do litoral, onde se fizeram pescadores, e no interior do país, onde passam
por lavradores, para melhor concentrar os seus técnicos e fazer os seus
levantamentos, as suas pesquisas e as suas observações militares. As
investigações policiais constituíram a confirmação flagrante e
documentada daquilo que o ‘Jornal do Commercio’ sempre afirmou na
sua campanha patriótica contra a imigração nipônica (p.XVI-XV).
Combinada a outros ingredientes, esta verdadeira onda de “histeria coletiva” criada
em torno de um iminente perigo japonês, acabou por fazer com que todos os imigrantes
eixistas” fossem expulsos da orla marítima. Estas transferências compulsórias para o
interior do país ficaram conhecidas como “evacuações”. Do litoral paulista, segundo
Morais, 10 mil imigrantes residentes na Baixada Santista, dos quais quase 9 mil eram
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83
japoneses e os demais, alemães e italianos, foram retirados de suas propriedades em 8 de
julho de 1943 (2000, p.58). Porém, em São Paulo, os moradores da zona de maior
concentração de ninicos, como as ruas Conde de Sarzedas e dos Estudantes também
foram evacuadas em 6 de setembro de 1942. Estas não foram, porém, as únicas sanções
imputadas aos imigrantes “eixistas” e os japoneses, devido ao ataque japonês à Pearl
Harbor e todos os temores que despertavam desde sempre, foram especialmente atingidos
durante o conflito mundial.
2.3. Japoneses do Brasil: “guerra solitária”
“Todavia, não te havido imigrante que tivesse abandonado os seus
costumes mais do que o japonês. E a razão era a diferença por demais
grande do modus vivendi que havia tido até vir ao Brasil. Desde o dia da
chegada, teve que morar numa casa sem tatami, tirar o quimono, jogar
fora a tijela (sic) e o hashi, beber café ao invés de chá. Ainda arcando com
o epíteto de povo inassimilável...” (HANDA, 1973, p.400).
A Segunda Guerra Mundial para a maioria da população brasileira pode ter
significado apenas um período de escassez de alimentos e algumas novidades como a fila
do pão e o uso do gasogênio
31
. Historiadores concordam que os brasileiros não vivenciaram
um cotidiano de guerra. Bertonha afirma que São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades,
chegaram a realizar exercícios contra possíveis ataques aéreos de japoneses e alemães, tão
improváveis, no entanto, que provocavam nas pessoas, mais riso que preocupação (2001,
p.51). Porém, para os imigrantes italianos, alemães e japoneses e seus descendentes, os
31
- Devido à carência de trigo e, segundo o discurso do governo, para melhorar a alimentação da
população, foi instituído o “pão de guerra” à base de farinha que se conseguia com um aumento da
extração da moagem do trigo, aproveitando-se a parte dos envoltórios da semente e do germe (hoje
chamada de integral).
O Gasogênio, à base de carvão vegetal, foi a alternativa brasileira para a escassez de combustível
durante a Segunda Guerra. Sobre o cotidiano em São Paulo nos anos do conflito mundial.Ver
CYTRYNOWYCZ, 2002.
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84
chamados “súditos do eixo”, a guerra remete a lembranças de variadas violências, delações,
invasões, apreensão de seus pertences, expulsão de suas casas, negação de suas origens.
Os japoneses e seus descentes, apartados da sociedade brasileira, viveram, ainda,
uma guerra insólita e solitária. Tomoo Handa fala de um “sofrimento racial” pois, após
passar por intensa opressão antes e durante a guerra, com o seu término, a comunidade
nipônica vivenciou o fratricídio e terror num conflito intragrupal.
Todavia, olhar para a comunidade japonesa na década de 1940, requer alguns
cuidados, pois, apesar do antiniponismo presente em muitos países, desde o final do século
XIX até a década de 1930, a Segunda Guerra provocou uma mudança na nica do
discurso contra os japoneses. Com o ataque do Japão a Pearl Harbor, materializou-se o
temor de uma possível invasão “amarela”, o que transformou esses imigrantes indesejáveis
em inimigos potenciais nos países que os abrigavam.
Com a entrada efetiva do Brasil na guerra, o japonês que, antes, era o alienígena
inassimilável”, passou a ser um problema de segurança nacional. Entretanto, essas críticas
foram se transmutando ao longo do tempo. Lesser, ao analisar a imigração nipônica na
imprensa e nos estudos “acamicos”, afirma que eles indicam uma expansão da
etnicidade. As discussões, que antes se centravam na capacidade que esses imigrantes
tinham em melhorar ou piorar a “raça” brasileira, passaram, mais tarde, a incluir questões
ligadas à nacionalidade. Segundo o autor, contrariamente à argumentação dos japoneses,
que desde a década de 1930, insistiam que a “devoção à autoridade”, uma das
características naturais dos nipônicos, “fora transferida para o Brasil, no momento de sua
chegada.”, integrantes do movimento antijaponês alegavam que “a etnicidade era
imutavelmente ligada à nacionalidade, e que os imigrantes seriam sempre leais ao Japão.”
(2000, p.215).
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85
As palavras de Moraes, no auge do antiniponismo da década de 1940, ilustram bem
essa questão:
O apregoado desejo de tornar-se bom brasileiro é um mito. O japonês com
seu eterno sorriso, é capaz de confessar que é mais brasileiro do que
qualquer outro cidadão aquí nascido e perfeitamente ambientado.
Shintoísta, não tergiversará em proclamar que é católico, protestante ou
fiel de qualquer outra confissão religiosa, consoante a conveniência.
Entretanto, desejando ser bom brasileiro, registra o seu filho no
Consulado do Japão, desprezando o Cartório do Registro Civil, amparado
por nossas leis. muitos casos de registro em nossos cartórios; mas
nunca deixam de ser repetidos no Consulado (1942, p.107-108).
Mas etnicidade e nacionalidade eram temas extremamente controversos nas
primeiras décadas do século XX. Pode-se perceber que, no decorrer da história brasileira,
alemães, judeus e japoneses foram, ora em diferentes, ora em iguais épocas, taxados de
inassimiláveis e propensos a formar “quistos raciais”. Esses discursos de matizes xenófobos
variaram de intensidade, mas tiveram no Estado Novo, segundo Seyferth, “o período de
desqualificações, mais radical, das diferenças de natureza étnica e cultural que eram
imaginadas como ameaça à unidade do Estado-Nação.”
A autora afirma ainda que, “no cenário mais tenso da Segunda Guerra Mundial, a
discussão da potica imigratória, mais do que nunca, apelou para exclusões de natureza
racial. Os japoneses eram comumente acusados de raça difícil, fora dos padrões de
caldeamento e fusibilidade, o mesmo tipo de argumento aparece também em relação aos
alemães denunciados e reprimidos, mesmo antes da guerra, como inimigos potenciais pelos
agentes nacionalizadores.
32
32
- SEYFERTH. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Disponível em:
http://www.usp.br/revistausp/home/home.html p.12. Acesso em: 26 nov. 2005.
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86
O movimento de nacionalização empreendido pelo governo Vargas, segundo
Tomoo Handa, tinha como objetivos “abrasileirar” política, cultural e economicamente a
vida nacional. Escreve o memorialista:
Nos parágrafos da lei de imigração (a famosa lei número 3, artigo 10), o
ensino da língua estrangeira é totalmente proibido. Essa lei de imigração
regulou a vida dos imigrantes em todos os aspectos: ingresso no país
como imigrante, residência, naturalização, formação de núcleos de
colonização, ensino primário. Houve ainda a promulgação da lei que
permitia que somente um terço dos trabalhadores de estabelecimentos
comerciais e industriais fossem estrangeiros. Como conseqüência da
promulgação desta lei, as escolas japonesas da colônia foram todas
fechadas. Se, depois disso, ainda houvesse escolas japonesas funcionando,
elas seriam clandestinas (1987, p.596).
Mas as medidas nacionalizadoras têm que ser entendidas no contexto político-social
da época. A formação do Estado Nacional implicava na homogeneização da cultura, dos
costumes, da ngua e da ideologia. Para Schwartzman, Bomeny e Costa esta
uniformização da cultura implicava na exclusão dos ‘estrangeiros’”, entendidos aqui como
grupos estranhos ao projeto de nacionalização”.
33
Como forma de controlar os estrangeiros e efetivar seu projeto, o Estado Novo
impôs desde medidas como a regulamentação e fiscalização de jornais e revistas, até o
fechamento de escolas
34
que, segundo o nacionalismo vigente, promoviam uma obra
33
- Os autores enfatizam que a acepção de estrangeiro” para o Estado Novo “poderia fugir à
simples e direta vinculação à pátria de origem”, pois era uma estigmatização político-ideológica em
que cabiam, também, brasileiros que discordassem da doutrina oficial. E o comunismo e o nazismo,
foram muito visados por serem considerados focos de contaminação” e entraves à unificação do
país. SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA. Tempos de Capanema. Disponível em:
http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit5.htm#_1_1
Acesso em: 13 jan. 2006.
34
- Tomoo Handa escreve que um decreto estadual sobre educação, de abril de 1933 proibia o
ensino de língua estrangeira aos analfabetos em ngua portuguesa, menores de 10 anos, mas a
realidade rural e o grande ingresso de estrangeiros no país faziam com que o governo estadual
anterior à revolução de 1930 não procedesse com muito rigor. Somente depois da instauração do
Estado Novo e da promulgação da Constituição de 1937 é que o governo ditatorial decidiu, entre
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87
desagregadora no trabalho de incorporação dos descendentes de imigrantes à vida
brasileira. O diretor da Revista Diretrizes, Samuel Weiner que realizou inúmeras
campanhas nacionalistas, se ocupou em vários artigos sobre as escolas nipônicas, em
reportagem publicada em dezembro de 1941, escrevia:
Em S. Paulo diz por sua vez o sr. Abgar Renault, diretor do
Departamento Nacional de Ensino do Ministério de Educação – o perigo é
também muito rio, dado o considerável número, não de alemães e
italianos, mas também de japoneses, cujos filhos, nascidos no Brasil, são
todavia, educados num sentido inteiramente em desacôrdo com as
tradições brasileiras. A língua que aprendem, os livros em que estudam,
os motivos de suas composições em aula, as suas festas cívicas, as suas
canções, tudo, afinal, é estrangeiro (citado por MORAES, 1942, p.144).
Todos esses dispositivos, entretanto, não atingiram os imigrantes de igual forma,
tampouco houve uniformidade no modo como foram efetivadas nos diversos estados.
Cytrynowycz afirma que imigrantes alemães da região urbana de São Paulo, por exemplo,
apesar de ações como a nacionalização do Banco Alemão, foram bem menos atingidos do
que as populações rurais do Sul do país, especialmente Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Por outro lado, em São Paulo, imigrantes japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial, se
transformaram no epicentro da política racista do Estado Novo (2002, p.140-147).
2.4. Mapeando o inimigo: a estrutura repressiva do Estado Novo
... a música contribuiria para reverter a rica e perigosa desordem do ‘país
novo’ em ordem produtiva, calando a múltipla expressão das diferenças
culturais numa cruzada monocórdica... (SQUEFF e WISNIK, 1982,
p.174).
1938-39, executar a fiscalização de organizações e publicações estrangeiras e limitar suas atividades
educativo-culturais, através de decretos para acelerar a integração dos estrangeiros à sociedade
brasileira (1987, p.596).
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88
O Estado Novo, implantado por Vargas, extinguiu os partidos, suspendeu as
liberdades civis e instalou um aparato policial que disseminou a violência por todos os
lados. Essa força repressiva tinha como objetivo combater os supostos inimigos da ordem e
da estabilidade de um projeto de nação homogênea e coesa que não admitia as diferenças.
Guibernau afirma que “A existência de um inimigo comum desenvolve um papel crucial na
construção da identidade de um grupo” (1997: p.147).
Porém, segundo Lenharo:
Do ponto de vista do regime e de sua propaganda, a criação de um
inimigo externo poderoso e ameaçador facultava-lhes ganhar adeo e
coeo internas, assim como a justificação para um movimento interno de
militarização do país e de sua gente, visto como inevitável e necessário à
defesa nacional (1986, p.135).
Muito oportuna para a consecução do projeto nacional, então, foi a utilização da
figura do inimigo como conquistador organizado para realizar a sua invasão, como os “trust
amarelos” de Francisco Campos, compostos por companhias de navegação e colonização,
associadas a bancos e que estaria se utilizando das correntes imigratórias para o Brasil para
conquistar a América Latina. Esta teoria conspiratória, atribuída aos japoneses, supunha
que, desde a vitória contra a Rússia, a imigração japonesa estaria obedecendo a um plano
de dominação, apoiado na concentração maciça de migrantes no estado economicamente
mais rico do país. Este plano supunha, ainda, que um perigoso exército formado por
técnicos, engenheiros, soldados e oficiais, juntamente com agricultores, infiltrou-se no
porto de Santos às margens do Rio Paraná. Lenharo lembra, também, das chamadas
cooperativas amarelas de São Paulo, que foram alvo de uma aberta campanha do
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89
Semanário carioca Diretrizes, que pedia vigilância a todas as organizações ninicas do
Brasil” (1986, p.133-136).
O perigo iminente representado pelos estrangeiros legitimava a exclusão e o
policiamento de diversos grupos de imigrantes potencialmente subversivos que poderiam
corroborar para a fragmentação da unidade nacional. Schwartzman fala da preocupação do
Estado Novo com os núcleos de colonização estrangeira e, principalmente o alemão, devido
à fácil relação que se fazia deste grupo com o nazismo.
Adriano Duarte assegura, no entanto, que o tratamento dispensado pelo Estado
Novo aos imigrantes não foi igual e aqueles cuja presença sica provocava maior
estranheza, tiveram que enfrentar de forma mais dramática, esse projeto totalitário. Escreve
o autor:
A singularidade da comunidade nipo-brasileira está na ambigüidade com
que foi vista pelo poder público: como estrangeiros deveriam ser
assimilados e desaparecer em meio à comunidade nacional, mas como
diferentes por excelência deveriam ser mantidos à margem dessa
comunidade e, portanto, destinados a uma espécie de limbo social (1997,
134).
Entretanto, com a ruptura das relações diplomáticas e a declaração de guerra do
Brasil ao “Eixo”, em 22 de agosto de 1942, todos imigrantes oriundos desses países e seus
descendentes, tornaram-se suspeitos em potencial de atos de sabotagem e espionagem e
uma ameaça à segurança nacional. O controle desses inimigos pelo Estado cabia à Pocia
Potica que, munida de mecanismos sistemáticos de vigilância, tinha a incumbência de
registrar todos tipo de comportamento e iias que parecessem suspeitos.
Takeuchi afirma que o Departamento de Ordem Política e Social, como um dos
sustentáculos do governo estadonovista, estava sempre alerta vigiando e reprimindo
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90
qualquer ação praticada pelos estrangeiros do “Eixo” a fim de garantir a “ordem potica”, o
que é perceptível nos prontuários onde se constrói a “lógica da desconfiança”. Segundo os
critérios policiais, os cidadãos eram todos avaliados como implicados ou culpados. Para a
historiadora, os prontuários oferecem uma gama multifacetada de informações,
possibilitando ao pesquisador desvendar nuances diferenciadas do aparato repressivo e do
universo simbólico sustentado pelo Estado autoritário.” (2002, p.83-84).
Angelo Priori descrevendo o conteúdo da documentação produzida pelas Delegacias
de Ordem Potica e cia no Paraná, enfatiza que esses documentos permitem conceituar
tanto os sujeitos poticos como os movimentos sociais a partir do estudo da lógica da
suspeição. Escreve o autor:
Por sua vez, esse caminho nos remete ao cotidiano da polícia política
enquanto um aparelho repressor do Estado. As regras instituídas pelo
poder policial são reveladoras não apenas do aparato de exclusão
permitido pelo Estado, como também são expressivas a tentativa desse
Estado em legitimar a idéia de estar lutando contra “grupos perigosos” e
suas “ideologias exóticas” (1998, p.23).
A atuação das delegacias locais também autorizava, com a anuência da Delegacia
de Ordem Política e Social da capital, a presença e permanência de indivíduo natural dos
países do “Eixo”. De acordo com Takeuchi, “Antes mesmo da conclusão do DEOPS,
aquele cidadão deveria ficar sob vigilância e, até mesmo, detido na Cadeia local se
houvesse razões para isso.” (2002, p. 40).
A socióloga Célia SakuraI afirma que acusação de ser um “quinta-coluna”, ou seja,
um espião colaborador do “grande plano de invasão da costa brasileira”, era suficiente
para se levar japoneses à prisão, apesar da falta de evidências sobre o interesse japonês em
ocupar porções de terras brasileira. Esses prisioneiros eram distribuídos para delegacias de
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91
São Paulo e alguns deles, assegura a autora, foram mandados para um presídio na Ilha
Anchieta, localizado no litoral paulista, como presos poticos (FOLHA DE S. PAULO,
23/8/1998). Japoneses, alemães e italianos residentes na região Norte também foram
recolhidos em Tomé Açu (PA), a “ilha solitária” do continente (TAKEUCHI, 2002, p.35).
Visando fiscalizar de forma sistemática os súditos do Eixo”, o governo federal
empreendeu várias ações, como a obrigatoriedade de se obter um salvo-conduto para se
deslocar de um local para outro. O documento deveria ser requerido através do
Superintendente de Segurança Potica e Social e, no caso do interior, junto à Delegacia
local que o encaminharia às instâncias superiores. Emitido o salvo-conduto o cidadão ainda
teria que se apresentar na localidade de destino para que sua presença fosse registrada pelas
autoridades competentes.
Segundo Takeuchi, tanto o salvo-conduto introduzido pela polícia do Distrito
Federal, com base nas Portarias n7576 de 26 de janeiro e n.º 8604, de 30 de outubro de
1942, como a autorização para transferência de resincia estavam sujeitos aos mesmos
trâmites burocráticos. Criavam-se, assim, mecanismos de controle dos estrangeiros que
também eram obrigados a comunicar a mudança de endereço, no prazo de 10 dias para que
fosse registrada na carteira modelo 19 ou certidão modelo 20. Além disso, também foi
restrito o uso de automotores por parte dos “súditos do Eixo”, “como uma ação preventiva
de atos subversivos”, sendo que os veículos pertencentes a essas pessoas deveriam ser
conduzidos por brasileiros natos.
A imprensa local também deveria colaborar na vigilância e controle, divulgando os
“novos residentes” além de incitar a população a se tornar um agente-colaborador com a
obrigatoriedade de informar às autoridades sobre qualquer ato suspeito. É oportuno lembrar
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92
que a mobilização popular em torno da guerra, das forças armadas e do nacionalismo era
uma forma do governo Vargas reforçar o próprio poder.
Montou-se um aparato que induzia a população ao colaboracionismo. Em nome da
segurança nacional, todo fato considerado relevante deveria ser indicado.“Persistia o
sentimento de que qualquer forma estranha de pensamento e de ação contrárias àquelas
preconizadas pelo regime eram atitudes antipatrióticas. Para o Estado interventor, o terror e
o medo eram elementos indispensáveis para garantir o ato de delação.” (TAKEUCHI, 2002:
p. 28).
Além da cooperação de populares com o regime, para se garantir a defesa da nação,
foram tomadas, ainda, várias medidas coercitivas contra estrangeiros, como o confisco de
livros e revistas. Em São Paulo, a primeira apreensão em estabelecimento japonês ocorreu
em 23 de maio de 1943 e continuou nos dias seguintes em outras livrarias. Handa relata,
porém, que desde 1940, os japoneses já estavam sujeitos a variadas multas como por
exemplo, por se expressar em sua língua. Reuniões e leitura de jornais não brasileiros
também estavam proibidas o que, segundo o autor, estavam enriquecendo os órgãos
públicos do interior. A esses pequenos abusos, segundo o memorialista, somavam-se
violências atrozes como espancamentos até a morte e fuzilamentos (1987, p.629-630).
Embora seja difícil de se comprovar tais acontecimentos, é possível entrever a situação
opressiva que se avolumava antes da entrada efetiva do Brasil na Segunda Guerra.
Tanto os crimes contra a economia popular como os crimes sociais passaram a ser
tratados como crime potico, pairando no ar, como afirma Takeuchi: a idéia de que a
ordem social e a segurança nacional estavam sendo garantidas pela ação sistemática dos
órgãos oficiais de repressão e censura, responsáveis pela vigilância e punição aos inimigos
da nação.” (2002, p. 22).
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Tracejava-se, assim, o que Takeuchi chama de “geopolítica do controle” e um clima
de tensão que se acirrou com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha em 22 de agosto
de 1942. No Paraná, isto logo se fez sentir, em 25 de setembro de 1942, alemães, italianos e
japoneses receberam a ordem de evacuação, em menos de 24 horas, de toda área até 60 km
da costa marítima.
Era o Paraná antecipando-se nas medidas repressoras. Tomoo Handa afirma que,
exceto a proibição do ensino da língua japonesa, imposta primeiramente à São Paulo, no
Paraná, todas as pressões que atingiram os estrangeiros foram anteriores (1987, p.630).
Mas a anterioridade não concedeu uniformidade às ações repressivas. Em Curitiba,
uma cidade que possuía grande número de imigrantes provenientes de países do “Eixo”,
montou-se um aparato que contou em grande medida com o apoio e a mobilização de seus
habitantes. no litoral, os documentos das delegacias regionais não evidenciam que havia
uma vigilância tão sistemática, porém, por medida de segurança, através de uma ordem de
evacuação, retiraram todos os estrangeiros eixistas” de uma área de até 60 km da costa
marítima, no dia 25 de setembro de 1942, em menos de 24 horas.
Em Curitiba: “súditos do Eixo” vigiados
Em Curitiba, devido o grande contingente de imigrantes “eixistas”, coube
principalmente à Delegacia de Ordem Potica e Social (DOPS), a tarefa de fiscalizar e
reprimir reuniões poticas de estrangeiros, bem como, manifestações contra o Brasil e a
favor das nações inimigas. Ao “Departamento de Imprensa e Propaganda” (DIP), competia
a censura prévia e controle das notícias e opiniões veiculadas pelos meios de comunicação.
Zucon descreve a atuação de algumas instituições criadas na cidade como a “Liga de
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94
Defesa Nacional”, fundada em abril de 1942, que se dedicava exclusivamente a assuntos
referentes à guerra e o “Serviço de Defesa Passiva” que tinha entre as suas incumbências, o
recrutamento de voluntários e a organização e orientação da população em exercícios de
blecaute, segundo o autor, foi instituído, também, umServiço de Defesa Anti-aérea”
(1997, p.106).
Otavio Zucon afirma que, sobretudo a partir da entrada do Brasil na guerra, os
jornais curitibanos, a exemplo da imprensa nacional, passaram a veicular intensas críticas
aos países do Eixoe inúmeras menções às ações dos “inimigos da nação”, fazendo dos
imigrantes do bloco “eixista”, vítimas não só da crítica jornalística, mas também, da
população “nacional”. O autor afirma, ainda, que se mobilizava a população para a
vigilância aos imigrantes suspeitos e para treinamentos em caso de ataques aéreos, onde se
escurecia toda a cidade previamente notificada pelos meios de comunicação. Aqui, o rádio
exercia também, uma função fiscalizadora, pois transmitia o decorrer das atividades direto
do prédio da prefeitura e recebia denúncias sobre o descumprimento das regulamentações,
noticiando em seguida os endereços dos infratores, passíveis de penalidade. Segundo
Zucon, Por vezes, a luz acesa de uma casa, sendo esta de propriedade de imigrantes
descendentes de eixistas”, era suficiente para a acusação de “súdito do Eixo” e, grosso
modo, as penalidades “recaíam sobre indivíduos de origem ou descendência alemã, italiana
e japonesa.” (1997, p.105-107).
Claudio Seto afirma que o movimento antinipônico iniciado no princípio do século,
ganhou forças com os ventos nacionalistas do período e retomou os velhos argumentos
sobre a dificuldade do povo japonês de se caldear. Ironicamente, continua o autor, o próprio
Consulado do Japão já havia levantado que Curitiba e Antonina eram as cidades brasileiras
com maior número de casamentos inter-raciais, com uma das partes japonesa.
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95
Com o intuito de contra-argumentar a campanha antinipônica, a associação japonesa
“Rengo Nihonjinkai”
35
com seus recursos, editou um livreto chamado “Cruzamento da
Ethnia Japoneza”
36
. Contam os antigos moradores, que por causa deste trabalho, enviado
aos governos estadual, federal e jornais da cidade, os japoneses de Curitiba não foram
expulsos.
Dossiês das Delegacias Regionais: estrangeiros suspeitos de espionagem
A documentação do Departamento de Ordem Pública e Social e das Delegacias
Regionais disponíveis nos arquivos públicos dos estados o imprescindíveis para se
entender como o regime se comportou ante esses supostos inimigos poticos e de guerra
nos quais se converteram todos os súditos do Eixo”. No Arquivo Público do Paraná, o
material encontrado refere-se à correspondência entre o Departamento de Polícia Potica e
as Delegacias Regionais e fichas sobre imigrantes detidos e material apreendido, sob
alegação de espionagem. Entretanto, não se pode esquecer que arquivos não falam por si,
como observa Etienne François, é preciso um rigoroso critério no trato com as fontes, sem
perder de vista o tipo de regime que as produziu (in: BOUTIER e JULIA, 1998, p.157).
Aqui, faz-se imperioso recordar que essa documentação do Departamento de Ordem
Potica e Social (DOPS) foi produzida durante a Segunda Guerra Mundial pelo Estado
35
-
A
Rengo Nihonjinkai resultou da fusão de vários pequenos grupos de japoneses de Curitiba,
numa só associação, no início da década de 1940.
36
- Segundo Seto, o livreto foi sugestão do poeta Dario Vellozo e tinha fotos de falias de
japoneses com mulheres brasileiras e texto de autor desconhecido. Sua primeira edição foi impressa
em o Paulo e encaminhada pela própria gráfica aos Constituintes de 1934. A segunda edição foi
feita pela Impressora Paranaense, mas, diante das proibições vigentes em 1941, omitiram-se os
créditos da gráfica e da entidade que a financiou (2002, p.178-184).
Texto em anexo – anexo 1: p.188.
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96
Novo que visava uma potica nacionalizadora. Porém, o rompimento das relações
diplomáticas do Brasil com as potências do Eixo” tornou mais complexa a problemática
em torno dos imigrantes “eixistas”, de elementos indesejáveis, como os japoneses e
alemães
37
, eles se transformaram em inimigos potenciais, mudando o teor da preocupação
com os chamados “quistos” raciais.
Antes, esses agrupamentos de imigrantes eram tidos como “erosão culturale se
constituíam num grande inmodo por se apresentar como entraves ao caldeamento. Como
foi visto no capítulo anterior, esse problema envolveu vários setores da sociedade na
polêmica discussão em torno da proibição de novas correntes imigratórias. Segundo a
concepção dos que defendiam as cotas de imigrantes, elas contribuiriam na formação e
melhoramento do nacional, pois, favoreciam os europeus que já eram a maioria, por outro
lado, alguns grupos raciais como judeus, negros e amarelos, tidos como difíceis de se
assimilar, deveriam ser excluídos e suas colônias, consideradas “quistos étnicos”,
combatidas. Com a entrada do Brasil na guerra, os enquistamentos passaram a ser, mais do
que um obstáculo à asssimilação dos estrangeiros, um problema de segurança nacional.
Litoral paranaense: expulsão dos “quinta-colunistas”
No litoral, como já foi dito, os documentos da polícia não comprovam a existência
de uma vigilância sistematizada, contudo, deixam entrever que havia uma forte resistência
da população nativa aos imigrantes. Mesmo hipóteses aparentemente improváveis, como a
37
- O caso dos alemães era bastante peculiar, pois, se por um lado eles preenchiam os requisitos
raciais (brancos, morigerados), por outro, sua tendência aos “enquistamentos” os desqualificavam.
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97
que transformou a instria antoninense de papel num ícone do “quinta-colunismo” e
portanto alvo da ira da população, não deixam de expressar a forte tensão existente entre
“nacionais” e “estrangeiros” que culminou em muitos atos de depredação às propriedades
dos alemães, italianos e japoneses.
Apesar de não existir um chamamento à população ante um possível ataque inimigo,
como acontecia em Curitiba, é possível perceber a construção da imagem de uma ameaça
externa no litoral paranaense, em documentos como mapas de enquistamentos dos súditos
do Eixo”
38
. A designação de um novo inspetor de polícia para prestar “serviços de interesse
da segurança nacional” em “extensa faixa litorânea”
39
, revela uma outra preocupação
constante do aparato policial, a presença de estrangeiros em “pontos estratégicos do litoral”.
Isto é bastante visível nos relatórios encontrados nas pastas das delegacias regionais.
Existe na pasta da Delegacia de Paranaguá, um relatório da Delegacia de Vigilância
e Investigações
40
onde se percebe que eles tentavam mapear a existência de japoneses nas
ilhas circunvizinhas. também um outro documento, possivelmente de um Inspetor da
Delegacia de Curitiba ao Delegado do Departamento de Ordem Pública e Social
41
que trata
da localização e atividades de “súditos do Eixo”, sobre os japoneses, detém-se naqueles que
têm atividades ligadas à pesca ou que possuem bens, principalmente, embarcações.
38
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARADOPS Delegacia de Polícia de Antonina (0422)
Top. 47 – 87. período: 1942-1945.
39
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 - 546/43 – período: 1941-1947.
40
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 – 28/242 - período: 1941-1947.
41
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 – 34/236, 33/237, 32/238 - período: 1941-1947.
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98
É possível também perquirir através da correspondência entre a Delegacia de
Antonina e a Delegacia de Ordem Potica e Social que havia uma preocupação com as
atividades pregressas de todos os imigrantes “eixistas”, o que se comprova na investigação
sobre o italiano Ítalo Pelizzi que, segundo carta do Delegado Penny Withers Rodebár
42
,
organizou uma “empreza brasileira (Indústria Antoninense de Papel Ltda) para a fabricação
de pasta mecanica para papél que será extraída de uma madeira imbaúva, abundante em
suas terras.”. A carta relata, ainda, que Italo Pelizzi serviu o exército italiano na Grande
Guerra de 1914/18. Sobre a Indústria Antoninense de Papel, vários documentos:
requerimentos da referida empresa para aquisição de bens ou material para a fábrica,
fotografias e auto de apreensão de bens como o rádio, efetuada pela Delegacia de Antonina.
Esta documentação é importante, pois, através dela, é possível entender a relação da
população nativa e os “súditos do Eixo”. Há, inclusive, uma tentativa de explicação para a
hostilização dos antoninenses para com os imigrantes, relacionada à empresa de papel.
Segundo tal hitese, os japoneses teriam formado uma associação para fornecer
matéria-prima para a fábrica, cujo dono era o italiano Italo Pelizzi
43
, e o engenheiro
responsável, um alemão, isto fez com que se acirrassem os ânimos dos nativos, insuflados
por elementos do partido comunista, no auge da guerra, culminando com depredações às
propriedades de japoneses e alemães (REZENDE,1991, p.91-92). Embora esta hitese seja
interessante, ela não se sustenta, pois, segundo dossiê da Delegacia de Pocia de Antonina
(de 1942 a 1945), consultado, não evidências documentais que associem os japoneses à
citada fábrica. E, embora, existam relatórios que comprovem as depredações às
42
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Antonina (0422) 59
– 16/3/42. Top. 47.
43
- Na documentação, da Delegacia de Antonina (0422), cx. 47 - um relatório sobre o italiano
Italo Pelizzi – 1677. Top.369 – período 1942.
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99
propriedades dos chamados “súditos do Eixo”, não há referências a elementos ligados ao
Partido Comunista” nesse período.
O prontuário 156
44
alude às depredações que a população promoveu às propriedades
de japoneses e alemães “depois de comícios patrocinados por autoridades locais, num
protesto veemente contra atentados desuhumanos sofridos por nossa Pátria por parte do
‘Eixo’ que transcorreu dentro da mais absoluta moral e espírito patriótico”.
As depredações e saques realizados pela população às propriedades de japoneses
corroboram teses que consideravam os estrangeiros adversários ameaçadores da segurança
nacional. Este relato sobre os atentados também evidencia a prática de uma das
manifestações ritualísticas, características do Estado Novo: os comícios organizados com o
intuito de exaltar os símbolos pátrios, no período da Segunda Guerra. Nestas práticas
ritualizadas havia sempre os oradores (regentes) que incitavam as pessoas contra os
“inimigos da nação”.
Para Zucon, “O período do Estado Novo estabelece a emergência da comemoração
festiva como instrumento de construção e consolidação do civismo e do patriotismo.”,
segundo o autor, com a definitiva tomada de posição do Brasil a favor dos aliados,
sobretudo a partir de 1942, quando se deu o rompimento das relações diplomáticas com os
países do Eixo”, exacerbou-se o discurso contra a “quinta-coluna” tornando essas datas,
que eram demonstrações de unidade nacional, também, eventos de protestos contra o “nipo-
nazi-fascismo” (1997, p.109).
As manifestações, como aquela descrita no relatório acima, além ser uma evocação
à unicidade da nação ameaçada, onde se reverenciavam a bandeira e o hino, signos que
44
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS – Delegacia de Antonina (0422) – Top.47
21/8/42 e 24/8/1942
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100
ajudavam na legitimação das práticas estadonovistas, ao que parece, se constituíam ainda,
num exercício de culto ao poder e à hierarquia. Símbolo de autoridade, “aquele que rege” (e
esses comícios sempre contavam com oradores que se comportavam como regentes) tem o
dom de conduzir a multidão, de quem se esperava somente a obediência, pois, a maior
virtude que as massas poderiam ter, era a capacidade de se deixar conduzir. É bem
sintomático que o canto orfeônico
45
, implantado por Villa Lobos e aplicado nas escolas
com o intuito de imprimir disciplina e civismo procurava desenvolver as apties de
alunos-regentes potenciais. No Brasil, o canto orfeônico foi decretado obrigatório nas
escolas por Getúlio Vargas em 1932, apresentados nas exortações cívicas, os orfeões
transformaram-se, durante o seu governo, em manifestações públicas de apoio e
homenagem à figura do presidente.
O documento do prontuário 156 é particularmente interessante pois embora trate da
ofensa aos bens dos imigrantes, utiliza-se de uma retórica bem peculiar do período para
justificar as depredações que foram um protesto veemente contra atentados desuhumanos
sofridos por nossa Pátria por parte do ‘Eixo’ que transcorreu dentro da mais absoluta moral
e espírito patriótico”. Há, ainda, um requerimento da Delegacia de Antonina ao Secretário
do Interior, Justiça e Segurança Pública do dia 24/8/42, que trata da destruição das
propriedades dos imigrantes e pede provincias para evitar depredações nas propriedades
dos “súditos do eixo” e, principalmente, nas obras da Indústria Antoninense de Papel Ltda.
Aqui, cabe mencionar as recomendações do general da Região Militar em evento
durante a Semana de Caxias em Curitiba, para que o povo curitibano não proceda com
45
- Orpheon ou Orfeon: Grande conjunto de coros populares sem acompanhamento e intrumentos.
Foi a denominação dada na França no culo XIX por Bocquillon para os corais, destinados a
cultivar a canção popular. Na Alemanha chamava-se Liedertafel (BENEDICTIS, 1970, p.92).
Sobre a relação entre o orfeão de Villa Lobos e o regime estadonovista, ver SQUEEFF e WISNIK,
1983.
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101
depredações e “fanfarronagens”, que constituem desordem e anarquia”, pois estariam
sendo destruídas, “em última análise, nossas propriedades, porque todos aqueles bens
poderão ser amanhã, por força de lei, confiscados pelo governo”.
46
Cláudio Seto cita algumas propriedades de japoneses que sofreram intervenção do
governo, como a Companhia Japonesa de Pesca”
47
com sede em Curitiba e filial em
Paranaguá. Esta ação foi matéria do jornal “Gazeta do Povo” do dia 29 de abril de 1942
48
:
Sob controle governamental a Companhia Japoneza de Pesca Ltda.
O SR. PAULO CUNHA NOMEADO INTERVENTOR.
Medida sobremodo louvável e oportuna vem a ser adotada pelos poderes
públicos Paranaenses em relação a Companhia Japoneza de Pesca Ltda.
Companhia constituída por sócios de nacionalidade estrangeira, integrada,
notadamente, por súditos, que a história fartamente tem revelado e que os
acontecimentos presentes vêm confirmando, que fazem do exercício de
pesca o ambiente propício para as observações das regiões mais
extremamente delicadas que possuem todos os países, que são sem
dúvida, as extensas zonas litorâneas da costa.
Considerando o estado a que culminaram os sucessos internacionais, e as
nossas relações, de extrema delicadeza, com os países totalirios, nada
mais acertado, nem mais oportuno, que o controle, de parte do governo
daquelas atividades exercidas em singularidades profundamente
ameaçadoras da nossa própria segurança.
Assim, o Interventor Federal no Estado do Paraná, no uso de suas
atribuições
RESOLVE
Nomear Paulo Cunha Franco, Prefeito Municipal de Paranaguá, para
exercer as funções de Interventor na Companhia Japoneza de Pesca Ltda.,
sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com sede nesta Capital
e filial na cidade de Paranaguá da qual são únicos quotistas Francisco de
46
- Matéria depágina da Gazeta do Povo do dia 20/8/1942 citado por ZUCON, 1977, p.111.
47
- A empresa de pesca aparece duas vezes no relatório da Delegacia de Ordem Política e Social de
Curitiba de 9 de setembro de 1942, em referências sobre seu proprietário e suas embarcações.
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Paranaguá (0584-a) – Top.
65 – 34/236 - período: 1941 - 1947.
48
- Citado por SETO, 2002: pp. 231-232. No Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor:
Japonês, também um recorte do Jornal A Manhãde 29/04/42 sobre nomeação do prefeito de
Paranaguá, Paulo Cunha Franco, como interventor da.Companhia Japonesa de Pesca LTDA.
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102
Paula sobrinho, de nacionalidade italiana e Yazuzi Shimizu, japonês,
como medida preliminar e preventiva da segurança e defesa nacional.
Palácio do Governo do Paraná, em 27 de abril de 1942. 54° de República.
(aa) MANOEL RIBAS
João de Oliveira Franco, Cap. Fernando Flores e Ângelo Lopes.
Seto menciona, ainda, a desapropriação de uma chácara na Colônia Affonso Pena
em São José dos Pinhais, respaldada no decreto lei 3.303 de 21 de junho de 1941, segundo
o autor, a família de Kihashi Ishii foi surpreendida, nas terras em que cultivava hortaliças,
por soldados do Exército comandados por oficiais americanos que começaram a fincar
estacas e fazer exercícios de topografia, logo após, os Ishii receberam uma ordem para
deixar a propriedade, no prazo de três dias, onde seria construída uma pista de pouso (2002,
p. 232).
Em Antonina e Paranaguá, entre os documentos da DOPS, há requerimentos de
proprietários pedindo para voltar as suas terras, mas, não é possível constatar o que
aconteceu com as propriedades dos imigrantes expulsos. Seto alega que esses bens jamais
foram devolvidos e hoje pertencem a várias empresas
49
.
O relatório já citado, sobre os japoneses de Paranaguá
50
, alude à sujeição dos
“nacionaes” para com a empresa japonesa de pescados de quem arrendava as redes e, por
isso, ficavam obrigados a pescar somente para ela. A alegação de que as atividades dos
japoneses prejudicavam os nacionais era recorrente na literatura antijaponesa do período,
como na seguinte passagem de “O Perigo Japonês”:
49
- Depoimento à autora em 13/1/2006.
50
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 – 34/236, 33/237, 32/238 - período: 1941 - 1947.
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103
Quem quer que percorra o litoral paulista ouvi queixas idênticas da parte
dos pescadores brasileiros ante a concorrência que lhes fazem os
japoneses sumariamente naturalizados para poder competir com os nossos
patrícios sob o regime de nacionalização da pesca (1942, p.122).
O referido relatório também cita japoneses de Paranaguá que se naturalizaram
brasileiros, como Jaugemou Hagimoto e Thero Kagueiama a fim de obter carteira de
pescador e eram proprietários de boas embarcações. Este relatório é importante, pois, além
de mapear os japoneses suspeitos por terem poder econômico e embarcações, também
sinaliza para possíveis rancores dos nacionais em relação aos japoneses enriquecidos do
litoral paranaense. Claudio Seto afirma que os atos contra os imigrantes do “Eixo no
litoral eram puro vandalismo de pessoas que tentavam imitar as manifestações que
aconteciam em São Paulo, Curitiba e norte do Paraná e não tinham o caráter ideológico do
movimento antijaponês em Curitiba (2002, p.234-235). Porém, os documentos revelam
ressentimentos das autoridades e da população nativa, em relação aos japoneses
proprietários como o relatório referido acima que descreve os bens pertencentes a japoneses
e termina de forma queixosa: “No mercado Municipal de Antonina, a quasi totalidade dos
vendedores que alugam quartos para negócios são japoneses, que deslocaram d’ali os
nacionaes.”
Os imigrantes radicados no litoral aparentemente foram os que sofreram de forma
mais contundente a repressão policial. Sob alegação de espionagem e sabotagem, todos os
imigrantes foram retirados de suas propriedades, através de ordem de evacuação do
Departamento de Polícia Potica, executada pelas delegacias regionais de Antonina e
Paranaguá. Abaixo o documento enviado à Delegacia de Ordem Política e Social de
Curitiba pelo Delegado Penny Whiters Rodebár com a lista dos imigrantes alemães,
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104
italianos e japoneses intimados a deixar a cidade de Antonina, por queses de segurança
nacional:
Delegacia de Polícia de Antonina
Antonina, 25 de setembro de 1942
Fl 176
Ilmo Sr Dr Delegado de Ordem Política e Social
De acordo com a vossa determinação contida em telefônema de ôntem,
tenho a honra de anexar ao presente, a relação dos súbditos do “Eixo”,
residentes nesta cidade, que estão sendo intimados para se retirarem do
Município, o mais bréve possível, com destino á essa capital, onde
deverão se apresentar á V.S. –
Fornecerei “Salvo Conduto” bem como uma relação das famílias que
forem embarcando, avisando-as da necessidade de apresentação á
Delegacia de Ordem Política e Social; pias das relações, remeterei á
essa Delegacia, pelo correio, para poder estabelecer melhor fiscalisação.
Saúde e Fraternidade
Penny Withers Roder
Delegado de Polícia.
Na lista de imigrantes que deveriam deixar o litoral, constavam o nome de 85
pessoas: 10 alemães, 22 italianos e 53 japoneses
51
. No dossiê da Delegacia de Pocia de
Paranaguá há, somente, a “Relação nominal dos súditos do eixo, residentes no litoral,
abaixo declarados que transferiram-se para Curitiba”
52
e nenhuma intimação, como a
recebida pela Delegacia de Antonina.
51
- ARQUIVO BLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Antonina (0422) Top. 47 -
p.176.
52
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 – 46/224 - período: 1941 – 1947.
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105
É interessante notar que, embora as duas delegacias tenham documentos que se
referem de alguma maneira à “transferência” dos imigrantes para Curitiba, uma carta do
inspetor 9 ao Delegado de Curitiba
53
, que indícios de que não havia uma vinculação
ou informão entre as delegacias regionais e que nem todos os evacuados seguiram para
Curitiba. Segundo depoimentos colhidos por Cláudio Seto, os imigrantes foram
encaminhados primeiramente à Chácara Tozan onde os barracões e as casas pertencentes
aos japoneses ficaram abarrotados e sem condições de abrigar a todos os que não tinham
parentes na cidade, uma vez que, faltava até o nimo necessário, água e fossa. O autor
afirma que as famílias foram, então, transferidas em caminhões do Exército para as
estações agrícolas experimentais do governo. Sendo os japoneses levados para Palmeira,
Castro, Ponta Grossa e para a Granja do Canguiri (atualmente Parque Castelo Branco).
Cláudio Seto afirma que esta se assemelhava a um campo de concentração de prisioneiros
japoneses e nipo-brasileiros:
Os adultos foram obrigados a trabalhar na produção agrícola e na criação
de galinhas. As crianças, separadas dos pais, foram levadas para a Escola
Agrícola Militar de Castro. Essa iniciativa do interventor Manoel Ribas, a
pretexto de dar educação às crianças, foi interpretada pelos japoneses da
Granja do Canguiri, como medida pra evitar fuga do local (2002, p. 243).
Nas pastas do Arquivo Público do Paraná, referentes às cidades de Palmeira, Castro
e Ponta Grossa, não há evidências da passagem ou do estabelecimento de japoneses durante
o período da Segunda Guerra, porém, há a carta referida acima, do Inspetor 9” ao
Delegado de Curitiba, cujo teor, a averiguação de motivo do estabelecimento de japoneses
no Bairro das Mercês”, é bastante elucidativo.
53
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Paranag(0584-a)
Top. 65 – 40/230 - período: 1941 – 1947.
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106
Segundo este relatório, “Depredações levadas a efeito por populares na cidade de
Paranaguá, por ocasião dos últimos cocios alí realizados, obrigaram a que diversas
famílias daquela nacionalidade procurassem refúgio nesta capital.” O Inspetor 9
esclarece, ainda, que nove famílias chefiadas por um senhor JoKaway, conseguiram
arranjar novo trabalho (agrícola) na fazenda de propriedade do Exmo. Snr. Interventor
Federal nêste Estado, para aqui se dirigindo em caminhões (C.A. 37.370 C.A. 37.361
C.A. 10.705).” Depois de explicar como se deu a distribuição das famílias nos bairros de
Curitiba, o Inspetor 9 conclui, informando que o senhor Kaway teria dito que no dia
seguinte, seguiriam para Castro, “logar em que está situada a fazenda acima referida.”
É possível notar que, no relato sobre o estabelecimento dos japoneses na capital, o
inspetor não se refere aos imigrantes como: expulsandos, pelo contrário, eles aparecem
como: beneficiários da generosidade do interventor, que teria concedido moradia e trabalho
em sua propriedade para livrá-los da situação de vítimas das depredações em Paranaguá.
A leitura deste relatório leva à reflexão sobre a acuidade que se deve ter com as
fontes. Étienne François, ao analisar a abertura dos arquivos da República Democrática
Alemã”, acautela sobre “a miragem dos arquivos” e a crença de que documentos podem
revelar tudo. O autor salienta o cuidado que se deve ter no trato com arquivos da pocia ou
relatórios de informantes que, entre outras coisas, são redigidos para agradar os que vão ler
ou para se obter vantagens para seus autores (in: BOUTIER e JULIA, 1998, p.157).
Guardadas as devidas diferenças entre os arquivos da RDA e os do DOPS, o que
não se pode esquecer, é que o Estado Novo criou uma teia de relações entre a pocia e a
população, transformada em colaboradores, o que deu margem a incontáveis intrigas e
delações. Zucon afirma que os ‘informantes’ da pocia eram civis que, motivados por
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107
‘ideais patrióticos’ ou mesmo por alguma desavença pessoal, encaminhavam a denúncia,
sendo em seguida averiguada por um investigador ou inspetor.” (1997, p.107).
Sem julgar o teor do relatório do inspetor 9, o que se pode depreender é que nem
todos os japoneses ficaram em Curitiba, como afirma o documento que apresenta a relação
nominal de todos os imigrantes de Paranaguá que se transferiram para Curitiba.
54
Japoneses expulsandos do litoral: internação na Granja do Canguiri?
Os campos de concentração, segundo Hannah Arendt não foram invenção dos
movimentos totalitários, surgiram pela primeira vez durante a Guerra dos Bôeres, no início
do século XX, e continuaram a ser usados na África do Sul e na Índia para afastamento dos
elementos indesejáveis”, tais campos, continua a autora, “eram usados para ‘suspeitos’
cujas ofensas não se podiam provar, e que não podiam ser condenados pelo processo legal.
(1989, p.491).
No Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, o confinamento dos
imigrantes considerados do Eixo”, segundo Priscila Perazzo, não significou apenas uma
preocupação ligada à edificação do Estado Novo, para quem interessava deter, sob a
condição de prisioneiros de guerra, os imigrantes alemães, italianos e japoneses tornados
indesejáveis. Para a autora, o tratamento desses estrangeiros se constituiu, também, num
dos elementos de negociação entre Brasil e Aliados no campo da política internacional.
54
- Relação nominal dos súditos do eixo, residentes no litoral, abaixo declarados que transferiram-
se para Curitiba.” ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de
Paranaguá (0584-a) – Top. 65 – 46/224 - período: 1941 – 1947.
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108
Perazzo afirma que a partir de 1942, a repressão que o Estado Novo empreendeu
contra os imigrantes “eixistas”, deixou de pertencer à política interna e ingressou no campo
dos interesses internacionais. Escreve a autora:
A repressão e a exclusão dos elementos nazi-fascistas no Brasil, como
endosso ao alinhamento com os Aliados, pautou-se na diferença de
valores entre grupos políticos. E foi a partir do rompimento das relações
diplomáticas com o Eixo, da aliança definitiva com os Estados Unidos e
da entrada efetiva do Brasil na guerra, que o tratamento dispensado aos
‘súditos do Eixo deixou de ser apenas uma questão nacional, para
projetar-se como um dos elementos de negociação no campo da política
internacional, servindo, inclusive, à intersecção dos interesses entre
política interna e externa (2002, p.10-11).
A autora assegura que a exclusão desses imigrantes através de internamentos apesar
de se configurar na forma culminante da repressão estadonovista, garantiu a esses
estrangeiros a proteção internacional, a partir do momento em que passaram a ser
prisioneiros de guerra
55
. Perazzo afirma, ainda que o governo brasileiro fazia questão de
cumprir condições de encarceramento regulamentadas por uma legislação internacional,
não dependendo exclusivamente das decisões autoritárias e arbitrárias da política interna do
Estado Novo.
Durante a Segunda Guerra Mundial, não os oficiais militares eram considerados
prisioneiros de guerra, a prática de internamentos de cidadãos em territórios inimigos foi
largamente utilizada, Perazzo atesta que no Brasil, vários estabelecimentos carcerários
foram transformados em campos de concentração e os cidadãos tiveram variadas condições
de aprisionamento sendo que a legislação destinada à criação e a regulamentação dos
55
- O tratamento dos prisioneiros de guerra entre 1939 e 1945 foi regulamentado pela Convenção
de Genebra de 1929. (“Convenção de genebra relativa ao tratamento dos prisioneiros, 27 de julho
de 1929”. In: MELLO, R. F. de. Textos de Direito Internacional e História Diplomática de 1815 a
1849. RJ: Editor A. Coelho Branco Filho, 1950. citado por PERAZZO, 2002, p.11
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109
campos de concentração era, normalmente, estabelecida pelos próprios Estados, diante de
suas possibilidades carcerárias (2002, p.12).
Entretanto, no Paraná, o confinamento de japoneses em colônias agrícolas parece ter
uma relão direta com a política de Manoel Ribas e nenhuma regulamentação formal. Este
interventor governou o Paraná de 1932 a 1945 e sua administração sempre se pautou nos
preceitos do governo federal, isto fez com que gozasse de situação bastante confortável, o
que o permitia, por exemplo, prescindir de alianças com as elites locais, os ervateiros
(MAGALHÃES, 2001, p.48).
Manoel Ferreira Ribas nasceu em Ponta Grossa em 8 de março de 1873. Pertencia a
uma família histórica da classe dominante do Paraná. Mudou-se em 1897 pra Santa Maria,
no Rio Grande do Sul, onde foi eleito prefeito em 1927. Sua vida potica no estado o levou
a travar relações com Getúlio Vargas. Ribas foi também um dos organizadores da
Cooperativa da Viação Férrea gaúcha. Sua vinculação à classe dominante dos Campos
Gerais do Paraná e sua liderança frente aos trabalhadores ferroviários, segundo Oliveira, fez
de Ribas, uma indicação meticulosamente pensada por Getúlio Vargas para assumir a
Interventoria Federal do Paraná. Para o autor, esses fatores ajudam a explicar a sua
continuidade frente do Poder Executivo paranaense (1997, p.49).
Contudo, Ribas, teria herdado, da administração liberal republicana, segundo Ivano,
um território estadual retalhado em grandes áreas por uma potica de concessão de terras
onde imperavam empresas nacionais e estrangeiras, naquele momento, acusadas de não
conseguirem desempenhar seu papel de agentes colonizadores (2002, p.127).
Ao tornar-se interventor do Paraná, Ribas iniciou a desapropriação de áreas
anteriormente doadas pelo Estado e que continuavam improdutivas. Em 1934 decretou
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110
caducas extensões que chegavam a dois milhões e trezentos mil hectares de terras de
primeira ordem, que reverteram ao patrimônio do Estado (SETO, 2002, p.177).
Em setembro de 1936 o interventor concedeu a Ryu Midzuno
56
2.767 hectares em
Campo Grande, município de Ponta Grossa, para implantação de uma colônia agrícola com
imigrantes japoneses. Sobre o que se pronunciou nos seguintes termos:
Diversas concessões tem sido feitas a pessoas idôneas ou empresas
credenciadas com títulos de idoneidade, para promoverem a colonização...
Campo Grande, no município de Ponta Grossa, constituído de terras
aforadas que reverteram ao estado, está sendo organizado por japoneses.
57
Em relatório de 1939, Manoel Ribas apregoava:
O serviço de colonização, em 1932, era inteiramente de iniciativa
particular... Dessa prática, resultaram inconvenientes de grande gravidade,
que fomos obrigados a sanar. Áreas enormes, achavam-se à mercê de
colonizadores inidôneos, que, aos poucos, fomos eliminando do convívio
administrativo.
58
Este interventor pode ser a chave para se entender muitas contradições daquele
momento, posto que, ele próprio manteve uma relação bastante ambígua com a comunidade
japonesa. Inicialmente estabeleceu laços de amizade com japoneses e criou, em parcerias
com esses imigrantes, colônias para a produção de alimentos, preocupado, talvez, com o
abastecimento dos centros que começavam a crescer e com as expectativas do governo
federal que incluía a expansão das fronteiras agrícolas.
56
- Ryu Midzuno proprietário da “Companhia Imperial de Emigração Ltda” (KOKOKU
SHOKUMIN KAISHA) que intermediava a vinda de emigrantes japoneses ao Brasil.
57
- COLONIZAÇÃO. Mensagem de Manoel Ribas a Assembléia Legislativa. Curitiba, 1937.
Citado por SETO, 2002, p.189.
58
- RIBAS, Manoel. Relatório do Interventor Federal no Estado do Paraná (1932/1939). Curitiba,
1940, p.22. Citado por IVANO, 2002, p.127.
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111
Foi muito admirado pela colônia japonesa do sul do Paraná pelas suas maneiras que
desprezavam formalidades e etiquetas sociais. Diferentemente de seus antecessores, não
privilegiava a monocultura do mate, pelo contrário, se interessava pela agricultura
diversificada e, logo, se sentiu atraído pela produção agrícola em grande escala que os
japoneses estavam tentando desenvolver.
Em 1934, segundo Seto, os japoneses que entraram no Norte do Paraná começaram
a apresentar resultados positivos. Entusiasmado com a experiência, Manoel Ribas teria
especulado com alguns imigrantes a possibilidade de formar na região sul uma grande
colônia nipônica. Em Curitiba, continua o autor, dez plantadores de tomate também
obtiveram sucesso, em 1936, organizaram uma espécie de cooperativa que enviava a
produção para São Paulo. A diferença climática fazia com que o tomate curitibano chegasse
na entresafra paulista, conseguindo bons preços no mercado. Nessa mesma época, Tei
Tachibana, a convite de Manoel Ribas, deu início à criação de galinhas na Granja Canguiri
(SETO, 2002, p.189-191).
Durante a guerra, no entanto, com a intensificação da pressão aos japoneses,
imigrantes nipônicos e seus descendentes foram retirados de suas propriedades. O
interventor teria internado muitas dessas pessoas, forçando-as ao trabalho e expondo-as a
visitação de estudantes como animais. Claudio Seto conta que em Curitiba, Manoel Ribas, à
frente da Liga de Defesa Nacional, organizou campanha para arrecadação de sucatas de
borracha ou metal que seriam recicladas pela indústria norte-americana. Como prêmio, a
“Campanha da Borracha Usada” oferecia uma audiência com o Interventor Federal ou um
passeio à Granja do Canguiri onde as famílias japonesas foram alojadas nos boxes dos
galpões-currais. Conta o autor:
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112
Semanalmente chegavam vários estudantes premiados para ver a triste
demonstração de poder das autoridades paranaenses. Eles se divertiam
fazendo gozações como os nipônicos e seus descendentes brasileiros.
Invariavelmente os estudantes curitibanos, em atitude de chacota,
ofereciam capins aos alojados com imitação de mugido, relincho e berro
de bode (2002, p.243).
Cláudio Seto afirma que nesse cenário preconceituoso é que nasceu o apelido de
“bode” para designar os japoneses, alcunha que se alastrou por todos os lugares onde
existiam japoneses, principalmente no norte do Paraná. Fugir da Granja do Canguiri,
assegura o autor, era impensável, pois, pais e filhos foram separados, além disso, era
preciso o salvo-conduto para viajar e mesmo aqueles que o possuíam, estavam
impossibilitados de se locomover porque seus documentos ficavam guardados” na
administração da Granja. Não restando, segundo Seto, outra alternativa, senão amargar a
humilhação e o trabalho forçado até o fim da guerra.” (2002, p.244).
Seto lembra que a internação dos japoneses ocorreu muito antes de ser oficializada a
declaração de guerra entre Brasil e Japão, em 6 de junho de 1945. Com a capitulação do
Japão em 14 de agosto de 1945 e o final do conflito mundial, Manoel Ribas teria
abandonado esses prisioneiros à própria sorte, em situação de miséria absoluta. O autor
assegura, no entanto, que o interventor, durante todo o esse período, teve o cuidado de
manter boas relações com os japoneses de Curitiba, principalmente da região central, onde
ele estava exposto aos olhos da opinião pública.
Sobre o internamento de japoneses no Paraná, as únicas informações encontradas
são aquelas apresentadas no livro “Ayumi – Caminhos Percorridos” que Claudio Seto
conseguiu através de depoimentos, o autor afirmou, porém, que encontrou muitas
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113
dificuldades neste trabalho, pois poucos imigrantes se dispuseram a falar sobre a
experiência do confinamento durante a guerra.
59
.
Yamochi discutindo a situação do imigrante japonês no Período Vargas, mencionou
a estranheza que lhe causaram alguns depoimentos (coletados por ele e também outros) que
foram apresentados no “Histórico do 60 Aniversário da Colônia Japonesa do Paraná”. O
autor afirma que muitos depoentes negam qualquer tipo de perseguição durante a Segunda
Guerra Mundial, sendo impressionante, segundo ele, o número de pessoas que elogiaram o
interventor do Paraná (1993, p.88).
Aqui ocorre, ao que parece, a administração do esquecimentoou “mecanismo de
silêncio seletivo tema que Hobsbawm tratou no ensaio Não basta a história de
identidade”, onde evoca questões delicadas como o acordo tácito que comunidades inteiras
são obrigadas a firmar, a fim de “enterrar conflitos do passado”, os para voltar à vida e a
uma certa normalidade (1997, p.281-292).
Os campos de trabalho onde imigrantes japoneses no sul do Paraná foram
internados durante a Segunda Guerra Mundial permanecem uma ingnita, pois, não
vestígios de sua existência nos documentos da polícia potica.
Estranhamente, nas pastas das delegacias regionais do litoral onde ocorreram as
expulsões dos imigrantes do “Eixo”, não constam relatórios detalhados que denotem uma
vigilância tão cerrada quanto os relatórios da delegacia de Assaí, no norte do estado. Nas
pastas da delegacia de Assaí há um rico material, tanto produzido pela pocia, como
resultado de apreensões nas propriedades de japoneses. Os relatórios à Delegacia de
Curitiba são muito mais detalhados do que aqueles que os delegados das regionais do litoral
59
- Depoimento prestado à autora em 13/1/2006.
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114
enviavam, embora seja possível que o material das Delegacias de Antonina e Paranaguá
esteja incompleto.
2.5. No Norte do Paraná, núcleos coloniais e imigrantes perigosos: liberdade
vigiada
“Inglesas eram muitas das estradas de ferro, das firmas de importação e
exportação e das casas bancárias; inglesas eram as companhias de
navegação, as agências de seguro, as empresas de transporte urbano, água
e gás; os tecidos, a cerveja, a manteiga, os remédios, os pianos, as
pratarias; as sementes, as ferramentas agrícolas, o aço, os produtos
químicos, o cimento e o futebol.
Mais que tudo isso, inglesas eram as vidas que o Brasil republicano
tinha a saldar.” (IVANO, 2002, p.108-109).
Diz-se que a “Missão Montagu” aportada no Rio de Janeiro em 30 de dezembro de
1923 veio a convite do presidente da República, Arthur da Silva Bernardes. Integrada por
Lord Edwin S. Montagu, ex-secretário financeiro do Tesouro da Inglaterra; Charles Addis,
diretor do Banco da Inglaterra e presidente da Hong-Kong and Shangai Banking; Hartley
Withers, comentarista de assuntos financeiros e ex-diretor do The Economist, de Londres; e
Simon Joseph Fraser Lord Lovat agrônomo e diretor da Sudan Cotton Plantations
Sindicaty, assessor para assuntos de agricultura e florestamento, que tinha também como
incumbência dos acionistas da Sudan, estudar a possibilidade de vir essa poderosa empresa
inglesa a aplicar seu capital no Brasil e obter algodão para a florescente indústria têxtil
inglesa. Mas, muito mais do que procurar campos para investimento a “Missão”, veio
sondar como o Brasil iria pagar suas dívidas. Zuza Barão escreve:
MONTAGU chegava ao Brasil a bordo do vapor ARAGUAIA,
capitaneando uma missão, visando a coordenação tributária do ESTADO
NACIONAL, orientando o sistema arrecadador para sanear as finanças do
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115
governo brasileiro, tornando-as líquidas e disponíveis para cumprir
obrigações com o tesouro inglês, porque o Brasil era o grande tomador de
empréstimos da Inglaterra como pano de fundo, a MISSÃO visava
localizar terras para comprar e colonizar.
60
Existe uma série de discussões sobre a presença inglesa no Paraná, fala-se de seus
objetivos escusos e que a Missão Montagu”, foi, na verdade, uma imposição e não
resultado de um convite.
Tomazi assegura que essa presença foi um fator significativo para o processo de
ocupação do Norte do Paraná e que fazendeiros tudo fizeram para que os ingleses se
interessassem em fazer investimentos na região e, principalmente, na extensão da ferrovia.
O autor cita um depoimento de Gastão de Mesquita Filho
61
que define os objetivos dos
fazendeiros do norte-paranaense: despertar a atenção de Lord Lovat para as imensas áreas
de terras que, com uma colonização racional utilizando recursos ingleses, poderia
transformar-se em fonte de riqueza para os agricultores, o estado do Paraná e a Nação
(1989, p.30).
As pretensões dos agricultores foram alcançadas como atesta trecho do relatório da
missão inglesa, citado por Ivano:
60
- Fala-se que a “Missão Montagu”, além dos objetivos propalados, investir capital inglês,
investigar as finanças brasileiras e de outros não tão declarados como o bem urdido plano de
apropriação das terras norte paranaense (JOFFILY, citado por GONÇALVES, 1999, p.97), tinha
uma missão secreta. Segundo Barão, vinha também, “à constatar a existência de condições
favoráveis de instalar no Brasil, a maior colônia judaica fora da Terra Santa.” BARÃO, Zuza. “O
Jogo de Bilhar” – Convergência da Missão Montagu com a imigração judaica no Brasil – um sonho
desfeito no Paraná. Disponível em:
http://www.famiglia.barone.nom.br/index46.htm
Acesso em: 19 fev. 2006.
61
- Gastão
de Mestquita filho era o engenheiro que construiu os 29 primeiros quilômetros da estrada
de ferro o Paulo-Paraná que ligava Ourinhos à Cambará, por ser conhecedor da região, foi
convidado a integrar a comitiva que acompanhou Lord Lovat na viagem de observação ao norte do
Paraná.
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116
Ficamos muito impressionados com as grandes possibilidades do solo
fertil do Brasil e com as riquezas que aguardam exploração...
... Desejamos poder dizer, ao regressarmos á Europa, não que o capital
estrangeiro é necessário para esse fim, como tambem que motivos ara
acreditar com segurança: I – que o capital empregado nas estradas de ferro
brasileiras dará lucros magníficos; e, II que a reorganisação das
facilidades de transportes, bem como o futuro desenvolvimento destes,
está em via de ser seriamente estudado, afim de entrar em execução
immediata (2002, p.116).
Para se entender, no entanto, a colonização do Norte do Paraná e a presença inglesa,
é necessário tocar na questão da terra, nesta região. Como já foi mencionado, o governo do
estado desde o final do século XIX já estava preocupado em promover o povoamento e esta
preocupação, segundo Tomazi, aumentou no início da segunda década do século XX.
Escreve o autor:
A vontade do governo estadual de ocupar extensas áreas devolutas do
estado, aliava-se à situação favovel do Paraná, referente à cafeicultura,
pois não tinha nenhuma amarra devido a convênios dos estados
produtores e tinha condições de se expandir, basicamente, na região norte,
devido à existência de terras roxas. Deste modo, colonização, povoamento
e incentivo à cafeicultura tinham um mesmo sentido (1989, p.98).
Lenharo assevera que a potica geral de colonização no Estado Novo, centrada
sobre a criação de colônias agrícolas nacionais no interior do país nas chamadas áreas
“vazias foi implantada simultaneamente à manutenção de alianças com os grandes
proprietários de terras que não foram afetados diretamente pelas leis trabalhistas aplicadas
nas cidades. Para o autor, as colônias foram programadas para compor um linha divisória
entre as áreas “vazias” e as “ocupadas” de maneira a cercar” as áreas ocupadas com a
proposta de colonização baseada na pequena propriedade e, principalmente, sobre o sistema
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117
cooperativo de produção e comercialização, concentrados nas mãos de burocratas ligados à
alta administração (1986, p.14-15).
Ingleses no Paraná
Ivano afirma que ao assumir a interventoria, Manoel Ribas encontrou o Paraná em
meio a um quadro desolador, herança da administração liberal republicana: “A potica de
concessão de terras tinha retalhado o território estadual em grandes áreas dominadas por
empresas nacionais e estrangeiras, agora acusadas de serem incapazes de desempenhar seu
papel de agentes colonizadores.” (2002, p.127).
Segundo um relatório do interventor Manoel Ribas de 1939, quase um terço do total
da área do estado eram de “terras usurpadas ao seu domínio, por meio (sic) escusos e
ilícitos”
62
.
Assim, os ingleses colocaram em andamento seus planos de colonização o que
resultou na criação de uma grande empresa colonizadora de capitais ingleses e nacionais,
chamada Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), mais tarde transformada, segundo
Gonçalves, em Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) que adquiriu terras do
governo do estado na década de 1920 e gerenciou sua ocupação a partir dos anos 30 (in:
DIAS e GONÇALVES,1999, p.96).
Ivano destaca que, de alguma forma, a companhia inglesa se encaixava na potica
agrícola do governo Vargas que procurava incentivar a policultura, extinguir
62
- RIBAS, Manoel, Relatório do Interventor Federal do Estado do Paraná, citado por IVANO,
2002, p.129.
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118
progressivamente o latifúndio, proteger e organizar a pequena propriedade e formar núcleos
coloniais com a gente da terra (2002, p.129).
A Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP ou Land Company) foi fundada
subsidiariamente pela Paraná Plantations LTD que controlava, além dela, a Companhia
Ferroviária São Paulo-Paraná.
A CMNP começou a adquirir terras entre os rios Paranapanema, Tibagi e Ivaí em
1925, perfazendo 515.000 alqueires (12.000 Km
2
) em 1927, negociando sua compra com o
governo do estado, com posseiros e com concessionários. Acabou por fundar em território
paranaense, 63 cidades e patrimônios e vendeu 35.103 lotes rurais, em geral, inferiores a 30
(trinta) alqueires paulista e 70 (setenta) mil com a média de 500 (quinhentos) metros
quadrados, resultando na afluência de migrantes internos e de imigrantes italianos, alemães,
suíços, japoneses e de outras nacionalidades. O autor afirma:
Núcleos coloniais formados por imigrantes de nacionalidades diversas
iam lentamente transformando as terras de companhia inglesa num
território afrontosamente livre: italianos, alemães, japoneses, russos,
tchecos, austríacos, poloneses e outros misturavam-se aos brasileiros
vindos de diferentes regiões (2002, p.137).
Ivano afirma que as práticas liberais da Land Company que, a despeito do nativismo
exacerbado, do racismo, da xenofobia e das leis restritivas sobre imigração prescritas pela
Constituição de 1934, introduziam nos “sertões” do Norte do Paraná, todos os imigrantes
que representavam ameaça, perigo e outros medos, o que tornava esta região alvo de muita
inquietude.
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119
Estado ausente: “o norte do Paraná é outra coisa”
“Curitiba é Curitiba, o Paraná é o Paraná e o Norte do Paraná é outra
coisa. Esse é o pensamento comum aqui do Norte. Colonizados por
mineiros e paulistas e italianos e alemães e japoneses, entre tantos outros
povos, temos é preciso admitir um pouquinho de ressentimento em
relação ao Sul. E esse ressentimento é histórico, que prosperamos quase
que da noite para o dia, sobre o que foi uma imensa floresta, por muitos
séculos e talvez milênios, passando ao largo e bote largo nisso das
atenções do governo”
63
(PEDRIALI, citado por TOMAZI, 1999, p. 62).
Sem adentrar na política empreendida pelas companhias inglesas, o que interessa
aqui, é a discussão sobre a ausência do Estado no Norte do Paraná. Existe uma iia
amplamente aceita e difundida de que na região se constituiu num bem sucedido modelo de
ocupação em que o Estado, pouca ou nenhuma função, exerceu.
O que se verifica do discurso da própria companhia:
Famílias vindas de todos os quadrantes do Brasil, na maioria das
vezes tendo de seu unicamente a roupa do corpo, mas irmanadas no
desejo de progredir, ali depositavam suas maiores esperanças.
Desbravavam a mata, cultivavam café, plantavam cidades,
encontravam enfim sua oportunidade de possuir terra, de se
tornarem proprietários. Aos trabalhadores mais humildes, graças
à divisão de terra em lotes pequenos e às condições módicas de
pagamento, conseguiam adquirir o seu pedaço de chão e nele
semear suas esperanças. Desse trabalho resultou riqueza para
muitos; do sistema de colonização que aceitaram decorreu a justa
repartição dessa riqueza. E assim a democracia autêntica floresceu
no Norte do Paraná, onde a iniciativa privada realizou uma
verdadeira, justa e pacífica reforma agrária. Publicação
Comemorativa do Cinqüentenário da Companhia Melhoramentos
Norte do Paraná (1977, p.148-150).
63
- Este trecho citado por Tomazi é de um artigo intitulado: “Um ressentimento históricode José
Antônio Pedriali (FOLHA DE LONDRINA, 23/10/1996. cad., p.3) e faz parte de uma discussão
sobre o projeto de integração desenvolvido pelo governo de Jaime Lerner em 1996. Tomazi lembra,
no entanto, que desde a década de 1920, vários segmentos sociais trabalham numa construção que
tenta reafirmar a existência de um norte e um sul, cujas “identidades” são diferentes. E desde a
Constituinte de 1934 a tentativa de criação de um estado à parte na região norte-paranaense é
recorrente (TOMAZI in: DIAS E GONÇALVES, 1999, p.60-64).
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120
Gonçalves discutindo esta questão demonstra que a imagem do Norte do Paraná”
como a “Nova Canaã” ou como o “slogan” da própria Companhia de Terras Norte do
Paraná ostentava na época: “A MAIS NOTÁVEL OBRA DE COLONIZAÇÃO QUE O
BRASIL JÁ VIU ”, se relacionava com a inserção do “Norte do Paraná” nos embates sobre
a questão agrária no Brasil, em finais da década de 1940, onde se procurava demonstrar,
cabalmente, que um bem-sucedido modelo de ocupação poderia e deveria ser empreendido
sem o concurso do Estado (in: DIAS e GONÇALVES, 1999, p.107).
A Companhia de Terras Norte do Paraná foi vendida pelos ingleses a um grupo de
acionistas brasileiros, que a transformaram em Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná. Sobre o sucesso de sua atuação, persiste a nica sobre a ausência do Estado na
região no processo de colonização. Em seu livro comemorativo sobre o cinqüentenário da
CMNP (citado), existe um capítulo: Norte do Paraná, Exemplo para o Mundo” que trata de
sua ”pioneira experiência de reforma agrária”:
Portanto, o norte do Paraná, colonizado pela Companhia, é antes de tudo
um exemplo a seguir, um exemplo do que pode alcançar o agricultor
brasileiro quando trabalha um solo fértil que seja seu, amparado pela
certeza do lucro e pelo direito de propriedade. Não dúvida de que essa
fabulosa região prosperou contando basicamente com a organização
objetiva e dinâmica da empresa privada que a desbravou, e com a vontade
de vencer dos que para ela afluíram atraídos pelas perspectivas de
liberdade de empreendimento que se lhes apresentavam (1977, p.146-
148).
Tomazi adverte sobre a intenção de um discurso como o do “Norte do Paraná” em
que se enfatizava a ação da empresa privada e seu “elevado interesse público”, geralmente
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121
com o “sentido de silenciar e até negar, quando não denegrir, a presença do poder público
no processo de (re)ocupação.”
64
Aceito por muitos intelectuais que se propuseram a estudar a colonização da região,
sem a preocupação de questioná-lo, este discurso também foi adotado pelas pessoas que
fizeram parte do processo, o que se pode depreender da fala do campineiro Álvaro Godoy
em sua queixa sobre o comportamento das autoridades que, segundo ele, vinham a
Londrina para taxá-los: ... Nós apenas trabalhávamos. Quando conhecemos o governo,
soubemos que tinha governo porque foi feito uma cadeia e uma coletoria ...”
65
.
Gonçalves discutindo a literatura técnico-científica produzida a partir dos anos 1930
sobre o Norte do Paraná, observa o quanto a credibilidade nos documentos produzidos pela
CTNP/CMNP acabaram por reiterar a perspectiva da empresa colonizadora e,
conseqüentemente, reproduzir o seu discurso sobre a ausência do poder público na região.
Escreve o autor:
A idéia de Estado que prevalece entre os arautos do liberalismo agrio
nacional parece excluir esta última função que é estrutural das elites
dirigentes. Assim, ele confere autenticidade aos atos de violência
praticados sob o manto da lei pelos agentes do Estado Nacional que
espanam caboclos e indígenas para as limbos de um “vazio
demogfico”fantasmático ou que reprimem com dureza as tentativas de
organização sindical e as múltiplas ações de reivindicação das classes
trabalhadoras. Todavia, despe o poder público de legitimidade quando
este cobra impostos, estabelece políticas fiscais, enfim, age no sentido de
regular as atividades econômicas (in: DIAS e GONÇALVES, 1999,
p.110-111).
64
- Tomazi chama de (re)ocupação o processo de posse para exploração sistemática do território
que ocorreu no Norte do Paraná, no início do século XX, pois considera que o discurso oficial,
principalmente aquele criado pelas companhias que dirigiram a potica de povoamento da região,
escamoteia a presença indígena. TOMAZI in: DIAS e GONÇALVES, 1999.
65
- Núcleo de História Oral: Álvaro Lázaro Godoy, fitas A.008B; A009 A/B. Coleção Pioneiros.
Entrevista a Donato parizotto, 07/05/74. CDPH/UEL, citado por IVANO, 2002, p.144.
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122
Não cabe aqui, adensar a questão sobre a ocupação do Norte do Paraná e “crião
da imagem de projeto bem-sucedido de colonização empreendido por empresas privadas e
realizado sem os recursos públicos, porém, o importante é enfatizar que o Estado estava
presente na região sim, e não “sob a forma patrimonialista, burocrática e parasitária”,
como afirma Ivano (2002, p. 143).
Tomazi, ao tratar do processo de concessão de terras efetuado pelo governo, mostra
que no primeiro decênio do século xx, a ocupação foi realizada por levas de paulistas,
mineiros e nordestinos para o norte paranaense o que trouxe alguns problemas relativos à
legalização da posse da terra. Foi assim que, para se evitar a ocupação ilegal e predatória,
foi promovida a divisão em lotes e a venda a preços bastante baixos, de extensa área.
Porém, nos anos vinte a ocupação já tinha outro caráter, as “terras virgens” estavam na mira
de empresas comerciais (manobrando vultosos capitais estrangeiros) que almejavam
transformá-las em cafezais. E a ação do Estado, segundo o autor, possibilitou a existência
de terras livres para o capital, o que se pode observar com a entrada da CTNP que adquiriu
terras no norte-paranaense (1989, p.96-101).
Desta forma, é difícil pensar num Estado ausente, ele se fez presente dirigindo a
política de concessões às companhias colonizadoras e a particulares. Conta o engenheiro
paulista Gastão de Mesquita Filho que organizou o grupo sucessor da CTPN junto com
Gastão Vidigal, fundador do Banco Mercantil de São Paulo e, na época, um dos maiores
financistas do país, que mesmo na transação em que a Companhia de Terras Norte do
Paraná foi vendida a nacionais, necessitou-se da aprovação do Estado.
Depois da deflagração da Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra adotou uma potica
de retorno compulsório de capitais ingleses no exterior para suprir suas imensas despesas,
segundo Gastão de Mesquita Filho, o governo britânico havia fixado como limite prazo
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123
para a repatriação de capitais, o dia 31 de dezembro de 1943 e o negócio envolveria as
terras e a estrada de ferro, que por ser concessão do governo federal, deveria ser ouvido.
São suas as palavras:
O Brasil dispunha de excesso de moeda estrangeira, como conseqüência
das avultadas compras aqui feitas pelos países envolvidos no conflito, mas
assim mesmo era preciso obter anuência oficial. O presidente Getúlio
Vargas concordou com a transação, mas com uma condição: a estrada de
ferro, que então se estendia de Ourinhos a Apucarana, seria adquirida pelo
Governo federal por apenas 88.000 contos de réis, quando o preço fixado
pelos ingleses – contabilizado e reconhecido pelos próprios órgãos oficiais
– era de 128.000 contos de réis. Assim, os investidores brasileiros ficavam
obrigados a adquirir dos ingleses por 128 mil e a ceder ao governo federal
por 88 mil, absorvendo portanto o ônus correspondente à diferença, isto é,
40.000 contos de réis. Além disso, leve-se em conta que a ferrovia, na
época, era rendosa: em 1944 seu balanço registrou um lucro de 52 mil
contos
(1975, p.98-99).
Parece difícil, portanto, pensar na colonização do norte-paranaense sem a presença
estatal que cumpriu, ainda, seu papel de instrumento de vigilância e repressão, ditados pelos
cânones estadonovistas. Numa região que congregava japoneses, italianos, alemães
arianos” e alemães de origem judaica e tantos outros estrangeiros em núcleos coloniais, o
Estado tratou de trazer esses imigrantes atentamente observados. Ivano assegura que:
... em meio às crescentes restrições formuladas pela política de
imigração do governo de Getúlio Vargas e às suas dúbias relações
com países de regime totalirio, as práticas liberais da Land
Company em meio ao sero paranaense eram alvo de preocupada
vigilância... (2002, p.137).
É o que parece demonstrar, o Dossiê Delegacia de Pocia de Assai”
66
.
Visivelmente, os documentos sobre estrangeiros suspeitos são bem mais minuciosos do que
aqueles produzidos pelas delegacias de Antonina e Paranaguá.
66
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 e Delegacia de Polícia de Assaí – (0429b) – Top. 48 – 1946
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124
Aparato policial: “zelo aos interesses da Pátria”
Um exemplo interessante de que a simples presença de um imigrante era motivo
pra se assuntar e perscrutar toda a sua trajetória no Brasil, é o relatório do Aspirante a
Oficial Sub-Delegado de Polícia, sobre o japonês Shinko Kuniyoshi
67
. Neste, é possível
verificar como os imigrantes eram vigiados na cidade de Assaí, local com grande
concentração de japoneses e, portanto, perigosa, aos olhos do governo.
A partir da premissa do Estado Novo de que todo estrangeiro é um inimigo
potencial, é possível perceber nos documentos produzidos pela pocia que isto constituiu o
mote para se registrar qualquer tipo de comportamento ou idéia considerada duvidosa,
inclusive, mobilizando os “legítimos” brasileiros a colaborarem na fiscalização a esses
elementos. O que se verifica no relatório do Sub-Delegado Miguel Demeterco ao D. D.
Chefe de Pocia do Estado do Paraná
68
de 24 de fevereiro de 1942:
Em cumprimento ao meu dever e interesse da Pátria, tomei a liberdade de,
em nome de V. Excia., convidar a senhorita APARECIDA DE SOUSA,
filha de José Brunes, de 18 anos de idade, residente em Jangada, para
comparecer nesta Sub-Delegacia, a fim de prestar algumas informões
sobre os fatos que relacionam com a situação atual do paiz, visto ter
aquela moça servido de emprega (sic) por muito tempo na casa do
Japones, digo, em a Cooperativa, onde aprendeu perfeitamente a lingua
Japonesa, e que, conseqüentemente, tem conhecimento de muitos fatos
que ali ocorreram durante a sua permanencia no seio da (sic) familias
daquela nacionalidade.
Que todos os dias 5 (cinco) de cada s, os japoneses faziam suas
reuniões, da qual tomavam parte os elementos mais destacados do Distrito
(de cada secção um elemento), para tratarem, além de outras cousas,
assuntos de guerra, principalmente, com relação ao Brasil e a sua terra
67
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 – Sub-Delegacia de Assaí – 5/3/1943.
68
- - ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia de Assaí (0429a)
Top. 48 – 1942-1943 – p. 12. 89. 82.
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125
natal, em cujas secções sempre tomava parte os japoneses. “NAGAIA”
(que farei seguir a essa Capital, logo que o destacamento esteja com um
número de praças maior, conforme minha solicitação a V. Excia.) que se
destacava com mais entusiasmo quando o assunto era contra o Brasil.
NAGAIA é o 2° gerente da Cooperativa.
O relatório é bastante longo e detalhado, mas, volta a falar da mobilização dos
japoneses na cooperativa:
Na Cooperativa existe um aparelho de radio receptor, em quarto de
costura de Harue Kikute (japonesa) que todas as manhãs recebia notícias
por intermédio do memo aparelho, de Tokio, e depois distribuía nas
secções, todas as manhãs, em forma de carta.
Foram vistos, por Aparecida de Sousa, acima referida, os japoneses
Kimura e Wada, nesse mister.
Os relatórios demonstram que todos os japoneses eram constantemente observados
mas, imigrantes que tinham alguma ligação com o exército japonês e alguma atividade que
aglutinasse japoneses mereciam maior atenção, um exemplo é o documento endereçado ao
“M.D. Delegado Adido á Delegacia de Ordem Potica e Social, Licinio Barbosa”. Nele, o
aspirante a oficial apresenta as investigações solicitadas nos seguintes termos:
Em reposta ao seu telegrama de 4 do corrente mês, tenho a honra de
informar-lhe que o Sr. Shinko Kuniyoshi, de nacionalidade japonesa, com
42 anos de idade, acha-se registrado no Serviço de Extrangeiros, da
Delegacia de o Pedro do Turvo, no Estado de São Paulo, sob certidão
n°150, de 28 de maio do ano de 1942. O Sr. Kuniyoshi, dezembarcou no
Porto de Santos, em data de 19/7/929, vindo na Embarcação Montevideo,
diretamente da cidade de Hokinauhá, Japão.
O relatório segue descrevendo detalhadamente a trajetória do imigrante que
chegando aqui, passou a se dedicar à atividade teatral, fundando na cidade de Registro, no
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126
estado de o Paulo, uma Companhia Circense denominada Pavilhão Teatro Nancho, isto,
no ano de 1933.
Depois de vários insucessos, segundo o relatório, no ano de 1940, o Sr. Kuniiashi (a
grafia aparece de várias maneiras) fundou em novo circo composto de pessoas de sua
família e quatro brasileiros, com a denominação de (a partir daqui, o texto aparece grifado
em vermelho):
Pavilhão Teatro Nancho o qual está até a presente data em funcionamento.
Com o Pavilhão Teatro Nancho, o sr. Kuniyiashi, já percorreu varias
cidades do Estado de o Paulo e do Norte deste Estado. Atualmente o
Pavilhão Teatro Nancho é composto de 18 brasileiros e dois japoneses que
são o Sr. Shinko Kunyiashi e Sra. Turú Kunyioshi. O Pavilhão Teatro
Nancho chegou a esta localidade procedente da cidade de Londrina aquí
chegando a 9 de fevereiro próximo passado e pretende demorar-se até 15
de abril vindouro, mais ou menos.
O grifo parece sugerir que a suspeita sobre imigrante Shinko Kuniyoshi advém de
sua atividade itinerante, um outro motivo, provavelmente, deriva de sua relação com o
exército japonês:
Em poder do sr. Shinko Kunyioshi, foi encontrado um certificado
reservista do Exército Imperial Japonês, tendo o referido sr. a graduação,
náquele exército, de cabo.” Embora, afirme, no final que “quando de
minha visita ao Pavilhão Teatro Nancho, não foi encontrada nenhuma
arma de fogo.
Ao relatório, o aspirante a oficial comunica que juntará a caderneta de reservista do
Exército Imperial Japonês, uma fotografia 3x4 e uma ficha datiloscópica do mesmo. A
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127
pasta de Assaí conta também com outros relatórios mais gerais que tratam de autos de
apreensão, imigrantes suspeitos ou brasileiros que demonstram simpatia aos japoneses.
69
Conforme o relato os objetos apreendidos eram os mais variados:
1°) Em data de 20 do corrente numa diligência procedida na Secção
Palmital deste Distrito, foi feito uma busca na casa do japonês G. OTANI
e apreendido um aparelho DUPLICADOR”, que se encontrava
enterrado, meio metro, mais ou menos no solo e em outra residência de
japonês, na mesma seção, foram apreendidos um retrato dos soberanos do
Japão e um revolver (lavrado auto de apreensão).
2°) As armas apreendidas remeterei a V. Excia., tão logo tenha uma
carga suficiente para fretar uma condução.
3°) Organizei uma escolta composta do sargento Jorge de Souza
Brasil e duas praças, pertencentes a este destacamento, para de acordo
com as denúncias apresentadas (quasi todas positivas), proceder
apreensões de armas, nas diversas secções, o que está sendo feito
regularmente.
4°) – Em virtude de ter sido tentada a distribuição pela Cooperativa
Agrícola Três Barras, de avisos ás diverssas (sic) Secção, sem o
necessário franqueamento postal, escrito em japones, em forma de
circular, e apreendido em fragrate (sic) um destes documentos,
determinei, que os Gerentes do Banco América do Sul Ltda., Cooperativa
e qualquer estabelecimento poderiam distribuir correspondências
daquela natureza, mediante o visto da polícia.”
O item deste relatório é bastante interessante, ele se refere ao Decreto-
lei n°4.166 de 11 de março de 1942 que dispõe sobre as indenizações
devidas por ato de agressão contra bens do estado brasileiro e contra a
vida e bens de brasileiros ou de estrangeiros residentes no Brasil. No
texto, o Sub-Delegado de Assaí, afirma que, aparentemente, os japoneses
estavam dispostos a cumprir o referido decreto, posto que, mandaram
comunicações ao Banco do Brasil, “dando pelos mesmos, cumprimento ao
Decreto-Lei n°4.166, de 13 do corrente, do Exmo. Snr. Dr. Getúlio
Vargas, Presidente da República.”
O item do longo relatório revela como eram obtidas as informações
sobre os japoneses: “Graças ao serviço secreta (sic) que estão
desempenhando alguns brasileiros, funcionários de estabelecimentos taes
como: Banco, Cooperativa, Usina elétrica, serrarias e outras casa (sic)
comerciaes de grande movimento, estou ao par de tudo que se passas
dentro dos mesmos, com relação aos interesses da Pátria, dentre os
69
- Ver por exemplo: o relatório do Sub-Delegado de Polícia ao D.D. Chefe de Polícia do Estado do
Paraná, Fausto Bitencourt - ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ DOPS Delegacia de Polícia
de Assaí (0429a) Top. 48 – 1942-1943. p.71.129.64
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128
brasileiros que cooperam com a polícia encontra-se um
civil................................, que compreende 50%, mais ou menos, daquela
língua.
O relatório tem 19 itens descreve atividades de japoneses e de brasileiros suspeitos
de colaborarem com os japoneses em troca de dinheiro. O item revela que o delegado
tinha liberdade para pedir a demissão de funcionários das empresas que parecessem
“simpáticos aos japoneses”, da mesma forma que também indicavam outros de sua
confiança.
Em 8 de dezembro de 1942, os estrangeiros residentes no Brasil, foram afetados
pela censura oficial à correspondência internacional. Remessa e recebimento de cartas,
livros, mapas, projetos ou qualquer outro tipo de documento gravado (gravação fotográfica
ou qualquer técnica de reprodução, telegramas, carbogramas, radiotelegramas e conversas
telefônicas) seriam controlados pelo Serviço de Correios e Telégrafos. No entanto, este
relatório de 24 de março de 1942 já demonstra que a correspondência dos imigrantes
japoneses estava fiscalizada pela pocia:
12°) Dentro da Vila de Jataí, encontra-se o Japones, Wakamia, que
servindo de intermediario dos japoneses desta Vila, recebe e expede as
cartas escritas em japonês, cujo japonês não tem outra ocupação na
referida localidade, sendo ele alí encarregado, também do embarque e
desembarque de encomendas.
13°) – Junto uma carta escrita em Japonês apreendida, em viagem, quando
o portador se destinava a esta Vila, procedente de Jataí.
Sobre a apreensão de mapas, um relatório do Inspetor 49, José Honorio da Silva,
ao delegado de Curitiba, de 16 de março de 1942
70
comunicava o levantamento geral
70
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 – parte n°289. p. 76. 69. 127
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129
efetuado na “Fazenda Treis Barras” em que conseguira um mapa da fazenda e outro de
Assaí, além de uma “cópia fiel e integral da ata da assembléia geral extraordinária da
mesma Cooperativa.” O relatório menciona, ainda, a relação nominal da Cooperativa, a
relação do levantamento e uma “lista de elementos perigosos”.
É possível depreender da correspondência entre as delegacias de Assaí e Curitiba
que a Cooperativa Três Barras, era constantemente vigiada. Um outro relatório do Inspetor
n°49 comunica ao Delegado
71
, possivelmente de Curitiba, as atividades do japonês Mituji
Gondo, gerente da referida cooperativa e assegura que ele estaria “organisando serviço
secreto de ligação com os japoneses de todas as seções. Observei que tem distribuído
boletins para todas as seções, avisando os japoneses, que compareçam a dita cooperativa a
fim de receberem instruções.”
Os relatórios da Sub-Delegacia de Assaí demonstram que existe uma desavença
entre a Assaí e São Jerônimo. No ocio ao M. D. Delegado Adido á Delegacia de Ordem
Potica e Social, Licinio Barbosa
72
, o sub-delegado de Assaí, Miguel Demeterco, relata:
Devidamente, escoltados, por ordem do Snr. Dr. Walfrido Piloto,
Delegado da Ordem Política Social, fiz seguir para essa Capital os
Escrivão Distrital Antenor Henrique Monteiro, Antonio Teixeira Alves e
o Japonês Kiukichi Yamassaki, proprierio do aparelho apreendido
conforme auto de apreensão do mesmo junto.
Para dificultar as deligencias (sic) policiais sempre que há uma prisão, por
determinação superior, comparecem a esta Sub-Delegacia de Polícia
pessoas de São Jeronimo, procurando satisfazer os desejos dos nossos
inimigos, fazendo pressão para que seja dado obediencia (sic) à Delegacia
de o Jeronimo, antes de proceder as referidas deligencias, o que não
faço em virtude da ordem verbal que V. Excia. Deu-me.
71
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 – parte n°279. p. 81. 74. 126.
72
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 – Sub-Delegacia de Assaí – 5/3/1943.
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130
As divergências são tema recorrente nos relatórios, sendo que em um deles, o sub-
delegado de Ass se defende das queixas de pessoas de São Jerônimo dizendo: “ratifico
cumprir rigorosamente as ordens recebidas principalmente, com relação, aos interesses da
nossa Pátria e jamais permitir que os nossos inimigos (japoneses) pratiquem atos que
ofendam a nossa honra, julgo, portanto, tratar-se de elementos suspeitos, conforme declarou
aquela autoridade, que procura por todos os meios que eu seja afastado do cargo.”
Aqui, novamente se faz necessário um certo cuidado com a leitura das fontes, pois
percebe-se uma preocupação muito acentuada por parte dos representantes da delegacia de
Assaí em provar eficiência e presteza aos seus superiores. Também é preciso considerar que
numa região em que se reúnem todos os elementos “perniciosos à nação”, os olhos com que
a pocia vai espreitá-los, seguramente, vão ser muito mais atentos. E uma pergunta se faz
necessária, toda a prontidão que aparece nos relatórios é resultado de um aparato muito
bem montado pelo Estado a fim de trazer bem vigiados todos aqueles que representam
perigo à ordem e segurança blica, ou esses relatórios foram produzidos visando uma
ascensão na carreira do Sub-Delegado.
Algo que chama a atenção, mesmo numa leitura mais superficial, é que os relatórios
da Delegacia de Assaí, quase todos assinados pelo Aspirante Oficial, Sub-Delegado
Demeterco, parecem muito sequiosos em agradar, como por exemplo, na sua narrativa
sobre as desavenças com autoridades de São Jeronimo que pediram o seu afastamento:
Exmo. Snr. Dr. Chefe, ratifico cumprir rigorosamente as ordens recebidas
principalmente, com relação, aos interesses da nossa Pátria e jamais
permitir que os nossos inimigos (japoneses) pratiquem atos que ofendam a
nossa honra, julgo, portanto, tratar-se de elementos suspeitos, conforme
declarou aquela autoridade, que procura por todos os meios que eu seja
afastado do cargo, mas com a consciencia limpa de um brasileiro que
deseja zelar pelos intersses (sic) da Pátria, aqui encontro-me, graças a
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131
confiança que venho merecendo de V. Excia, para garantir até mesmo
com o sacrifício da propria vida, a manutenção da ordem e respeito as leis
do paiz.
73
Documentos devem ser lidos com muito critério, esses relatórios produzidos por
uma delegacia de interior, por um oficial que a todo tempo tentava apregoar sua eficiência
no cumprimento do dever, podem significar a presença de um bem montado aparato
policial numa região inóspita e habitada por todos os “inimigos da nação”?
O que se pode inferir através do exame dos documentos é que, independentemente
da eficiência ou não das delegacias de polícia, existia a intenção de se vigiar os imigrantes
que representavam perigo. E este aparato policial, ao menos na repressão aos japoneses no
episódio que se seguiu após a guerra, foi bastante eficaz, o que se atestará mais adiante.
CAPÍTULO 3
A SHINDÔ RENMEI SOB VÁRIOS PRISMAS
73
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Polícia de Assaí – (0429a) – Top.
48 – 1942-1943 – 71/129/64.
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132
Como já foi visto, a introdução de imigrantes japoneses no Brasil sempre foi uma
questão bastante polêmica. Em São Paulo, esta imigração foi defendida pelos
representantes da agricultura paulista como alternativa à diminuição da entrada de
imigrantes europeus e condenada por uma elite intelectual, preocupada com a melhoria da
raça nacional e com a consecução de um projeto de branqueamento, aos moldes das teorias
eugenistas em voga no início do século XX. O Paraná, assim como São Paulo, tamm
necessitava de braços, porém, é possível se inferir que a escolha do tipo racial era a
preocupação primordial para o estado que almejava o imigrante perfeito”: o branco
europeu que pudesse efetuar a colonização de suas áreas consideradas “vazias” e, ainda,
contribuir para a melhoria da raça, através do caldeamento.
Assim, o Paraná combateu, ferrenhamente, a entrada de nipônicos em seu território,
desde as primeiras discussões sobre a possibilidade de se introduzir essa mão-de-obra no
Brasil, como se viu no capítulo 1. No período em que se desenrolou o conflito mundial,
como se tentou mostrar no capítulo 2, a história dos japoneses no Paraná se tornou bastante
contraditória, pois imigrantes nipônicos foram retirados de suas propriedades no litoral
paranaense, em ações de evacuação de inimigos, promovidas pelas Delegacias de Ordem
Potica e Social, ao mesmo tempo em que japoneses entravam no norte do estado, vindos
principalmente de São Paulo. Pode-se constatar, entretanto, que esses imigrantes no norte-
paranaense eram alvo de preocupação e de constante vigilância por parte das delegacias
regionais, durante a guerra.
No imediato pós-guerra, a comunidade nipônica cindiu-se entre aqueles que não
acreditavam na derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial e aqueles que a aceitavam,
provocando um conflito intragrupal. A luta entre as duas facções foi protagonizada por uma
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133
organização denominada Shindô Renmei, que teve muitos filiados em São Paulo e também
no Norte do Paraná.
O capítulo 3 analisa os relatórios entre as delegacias regionais e os documentos,
apreendidos pela pocia potica, pertencentes à Shindô Renmei, bem como os depoimentos
dos membros da entidade, com o intuito de verificar de que maneira comunidade nipônica
do estado, processou a derrota japonesa. Intenta, também, rastrear a origem da Shindô
Renmei, discutindo vários trabalhos produzidos sobre o movimento e confrontando com as
informações que Claudio Seto, autor do livro “Ayumi caminhos percorridos” (2002) e
neto de Noriyasu Seto, de Guaiçara, um dos líderes da Shindô Renmei, concedeu em
depoimento à autora, em que apresentou uma versão bastante inusitada sobre o icio do
conflito intragrupal.
74
Através da análise dos documentos, pretende-se, ainda, investigar
possíveis especificidades sobre a história dos japoneses no Paraná e da organização Shin
Renmei.
A Shin Renmei foi uma sociedade japonesa criada em meados da década de 1940
e que ficou conhecida através da mídia, nos últimos anos, apenas como a protagonista da
guerra” fratricida entre os “kachigumi” ou vitoristas, aqueles que confiavam na vitória
japonesa e os “makegumi” ou derrotistas, aqueles que admitiam que o Japão havia perdido
a guerra.
Para uma parte da literatura sobre o movimento, a Shin Renmei foi se
transmutando: durante o conflito mundial, tornou-se, senão inteira, ao menos uma parte
dela, mais militante. Nesse período, a organização ficou conhecida pelos atos de sabotagem
às plantações de hortelã e às criações de bicho-da-seda, cujos produtos, considerados como
74
-
Nesta entrevista, realizada nos dias 10 e 12 de janeiro de 2006, Seto falou da ligação de seu a
com a organização, das reuniões que aconteciam na fábrica de saqpertencente a sua família e
relembrou uma série de fatos referentes à Shindô Renmei.
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esforço de guerra aliado”, eram exportados para os Estados Unidos. No pós-guerra, a
entidade protagonizou um conflito que, na superfície, cindiu a colônia entre os que
acreditavam na derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e os que não a aceitavam. E,
finalmente, diante da proporção que tomou o combate intragrupal e da violência e
arbitrariedades com que foi conduzido o processo judicial contra os “terroristas”, a Shindô
Renmei transformou-se numa espécie de movimento pelos direitos dos “japoneses do
Brasil”.
Objeto de muitos estudos, acadêmicos ou não, a Shindô Renmei foi analisada sob
enfoques psicanalítico, sociológico e, ainda, sob o prisma policial. Resultou, ao longo de
doze anos e quatro meses, com seus 23 volumes, dispostos em 6.035 folhas, no maior e
mais longo processo criminal já tramitado no Judiciário brasileiro (Hatanaka, 2002, p.12).
3.1. A RENDIÇÃO – a situação da comunidade nipônica ante a derrota do Japão:
A rendição japonesa ocorreu logo após os bombardeios atômicos de Hiroshima e
Nagazaki em 6 e 9 de agosto, respectivamente, promovidos pelos norte-americanos. Pela
primeira vez, o Imperador veio falar aos seus súditos. Através de uma transmissão pelo
rádio, anunciou ao mundo, a rendição incondicional do Império do Sol Nascente, em 14 de
agosto de 1945.
A incredulidade ante a notícia da derrota do Japão gerou muita confusão no interior
da colônia nipônica no Brasil, tanto pela péssima qualidade da transmissão, como pelo fato
de os japoneses nunca terem ouvido a voz do Imperador, agravado pelo próprio
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pronunciamento que, feito na linguagem reservada à família imperial, era quase
incompreensível aos demais japoneses.
O memorialista Tomoo Handa ao tratar do período da derrota japonesa na Segunda
Guerra, afirma que o estado psicológico dos que aguardavam o comunicado oficial”, era
de muita ansiedade, pois aqueles “a quem impuseram anos de refreamento, moderação e
sofrimento, queriam, então, acreditar na vitória de sua pátria. Handa relembra, ainda, que
todo o contexto do surgimento da notícia foi, demasiado, estranho. Os japoneses esperavam
que o comunicado oficial” viesse de um emissário plenipotenciário, representante oficial
do imperador, a bordo de um navio militar imperial ou de uma aeronave, ostentando a
bandeira nacional japonesa, de forma a transmitir, fielmente, o rescrito imperial anunciando
a vitória japonesa (1987, p.655).
Para o memorialista, o fato de a sagrada fala imperial aparecer nos jornais em
português já causou estranhamento e, ainda, comunicava a derrota japonesa. Isto fez os
japoneses acreditarem na possibilidade de falsificação das palavras do imperador. Além do
que, continua o autor, havia surgido uma outra versão da fala imperial “num japonês
bastante duvidoso”, o que aumentavam as suspeitas sobre a autenticidade do rescrito. E
além de todas essas estranhezas, ainda havia o fato de que, a “mensagem oficial” veio
através de um governo estrangeiro, em forma de um simples telegrama. Aos japoneses,
segundo Handa, era inadmissível que um emissário oficial não fosse enviado para
comunicar a rendição e a derrota japonesa, principalmente no caso do Brasil, onde viviam
mais de 200 mil súditos do “Império do Sol Nascente” (1987, p.655).
O “comunicado oficial”, que se constituía de duas partes: o “rescrito imperial”
anunciando o final da guerra em 14 de agosto de 1945 e a mensagem dirigida aos
compatriotas do além-mar, proferida pelo então “ministro das Relações Exteriores – Togo”,
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chegou ao Brasil cumprindo uma estranha trajetória. A mensagem chegou às mãos do padre
Guido Del Toro, diretor do Colégio São Francisco, depois de enviada pelo Ministério das
Relações Exteriores japonês, via carbograma, à sede da Cruz Vermelha em Genebra que,
por sua vez, a passou à sua filial Argentina e esta à filial brasileira. Ao padre coube
comunicar a alguns elementos da colônia, para que estes, finalmente, informassem seus
compatriotas.
Handa relata que, no final de agosto de 1945, chegava às bancas de jornais da
cidade de São Paulo, a revista Time, cuja capa sugeria o desaparecimento completo do
Japão militarista e trazia em primeira página um artigo sobre a bomba atômica. Apesar de
todas as evincias, os imigrantes não tinham, segundo o autor, condições psicológicas para
discernir a realidade, mesmo porque, os boatos proliferavam por todos os lados.
Em meio a essas incertezas, em 2 de setembro, às 10 horas e 30 minutos, surgiu a
confirmação da rendição do Japão a bordo de um encouraçado americano, o Missouri”.
Em seguida, assegura Dezem, uma central de propagação de boatos, em Pinheiros (SP),
transmitiu a notícia de que um emissário notificando a vitória do Japão chegaria e que os
compatriotas deveriam preparar-se para uma recepção (2000, p.54).
Foi neste contexto, segundo o memorialista, que surgiu oficialmente, no dia 23 de
setembro, no bairro Jabaquara em São Paulo: a “Liga do Caminho dos Súditos”, a Shin
Renmei, pelas mãos daqueles que, durante o transcurso da guerra, procuravam
demonstrar o seu patriotismo através da prática do shindô, ou seja, o código de conduta dos
súditos em relação ao imperador”.
Uma grande confusão instaurou-se na colônia japonesa e, em várias cidades, houve
comemorações pela vitória japonesa. Em meio a todo esse tumulto havia, ainda, segundo
Tomoo Handa, o trabalho de contra-informação da Shin Renmei que divulgava
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maciçamente a vitória japonesa, com algumas providências para que o comunicado oficial
não fosse propagado. Foi assim que os imigrantes viram-se numa situação em que “não
conseguiam discernir a verdade da farsa” (1987, p.657).
Dezem relata que, em setembro de 1945, já se percebia no discurso policial, uma
preocupação com as manifestações dos imigrantes sobre a “viria” do Japão e se buscava,
como se evidencia no ocio de 26 de setembro de 1945 do Delegado de Polícia da cidade
de Bastos, endereçado ao Delegado Auxiliar da Divisão Policial de São Paulo, “indícios
que pudessem justificar uma ordem de deportação contra os ‘indesejáveis japoneses’
rotulados de ‘sórdidos amarelos e seus filhos inadaptados’” (2000, p.56).
Neste município, mór parte dos japoneses (85% inclusive descendentes,
formam parte da população local), anda alvoroçada, cheia de boatos e
incrivelmente crente de que seu país foi vitorioso na Guerra, anda a cata
de boletins do teor dos que remeto; tenho informações de que estão
confeccionando bandeiras (duas foram apreendidas por esta Delegacia);
para hastearem no dia em que receberam a notícia de sua ‘vitória’ (16 de
outubro próximo, segundo consta). A única solução para o caso presente,
para o futuro também, se a deportação em massa dos sórdidos amarelos
e seus filhos inadaptados. Verdadeiramente isto aqui sendo uma
cidadezinha japonesa.
75
As cidades de Bastos, Tupã, Marília, Valparaíso, Bauru, núcleos de colonização
japonesa, eram considerados pela pocia como “quistos” japoneses e, portanto,
constantemente vigiados, desde o início da década. O autor afirma que esse controle da
polícia, podia ser confirmado, por exemplo, através de documentos como um relatório de
agosto de 1942, que a Superintendência de Segurança Potica e Social tinha em mãos,
sobre as atividades de japoneses nas cidades de Lins, Marília, Guararapes, Bastos em São
75
- Pront. n° 71071. Shogiro Inoue (vol.I). Doc. 07, fl. s/n. Deosps/sp, Daesp. Citado por Dezem
2000, p.56.
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138
Paulo e norte do Paraná. Esse relatório contém mapas dos locais onde predominava a
população japonesa sobre a brasileira (2000, p.44).
Sobre a crise que se instalou na colônia japonesa no pós-guerra, Dezem afirma que
os primeiros sinais vieram da cidade de Marília, São Paulo, onde segundo informações da
Pocia Potica, nas madrugadas de 24 a 28 de abril de 1944, no tio Bandeirantes, distrito
de Primavera, foram incendiados 6 gales de criação de bicho da seda que ficaram
totalmente destruídos.
76
Sobre a divisão entre “vitoristas” e “derrotistas” após o final da Segunda Guerra,
Dezem credita à falta de fontes de informação e ao isolamento no interior do Estado de São
Paulo em que viviam a maioria dos japoneses. Aproximadamente 70% dos imigrantes (240
mil pessoas, na década de 1940), acreditavam que o Japão não havia perdido a guerra. Para
o autor, os “derrotistas” eram um grupo formado por pessoas que tinham maior acesso aos
meios de comunicação brasileiros, o que os possibilitava “a formação de uma consciência
da verdade”, por isso propagavam a capitulação japonesa (2000, p.50).
O racha na Colônia entre as duas facções fez com que “viessem à luz” diversas
sociedades clandestinas, formadas durante a guerra. Tais sociedades propagavam a vitória
do Japão no conflito e a volta dos japoneses aqui radicados para os territórios da Ásia
anexados pelo Japão. Dezem assegura que a Shindô Renmei (Liga do Caminho dos Súditos
ou dos que Seguem as Diretrizes Imperiais) era a que se destacava entre essas associações e
que, não apenas difundia a vitória do Japão e a volta à pátria, como também, combatia
aqueles imigrantes que acreditavam na derrota japonesa, considerados traidores da tria
(2000, p.51-53).
76
- “comunicado preparado por ‘s-2’ com relatório das investigações na região dirigido ao chefe da
S.S. São Paulo, 06/05/1944. Dossiê 10-B-6. Doc. 07, fls. 07/09. DEOPS/SP, DAESP Dezem, 2000,
p.48.
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A Shindô Renmei, nos anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial,
protagonizou, o que, pelo menos aos olhos da polícia política e da maioria da população
brasileira, parecia uma verdadeira guerra dentro da colônia japonesa, com nipônicos
atentando contra bens e a vida de seus próprios compatrícios.
3.2. SHINDÔ RENMEI e o “terrorismo”
“... O fato de nós 300.000 compatriotas não podermos tomar parte
pessoalmente desta provação divina oportunidade raríssima e sermos
obrigados a permanecer como simples observadores de braços cruzados,
ainda que isso seja por força maior, é para s motivo de grande lástima,
que dói profundamente em nossas almas. E se um único indivíduo indigno
houver, que enquadre na descrição acima – aquele que tiver esquecido das
obrigações pertinentes à tradição do sangue da raça japonesa e estiver
maculando os frutos por encarar de frente a nossa pátria? Senhores
integrantes desta Liga, rogamos que auxiliem o sr. Kikawa, nosso
presidente, a realizar uma completa operação de limpeza, varrendo todas
as impurezas advindas dos nossos compatriotas residentes no Brasil para,
com isto, podermos tomar parte na realização deste grande
empreendimento sem precedentes a que se unem, em uníssono, todas as
almas japonesas...” (Colônia Sengo Junenshi - História da Colônia, nos
dez anos do pós-guerra in: Handa, 1987, p.659).
Segundo Handa, os princípios ideológicos da Shindô Renmei, foram formulados
com palavras solenes e apaixonadas, que tocavam a maioria dos imigrantes. Para o autor, os
japoneses que nunca imaginariam um Japão derrotado na guerra e que, portanto, odiariam
aqueles que propagaram o rescrito imperial sobre o final da guerra e a derrota japonesa,
seriam capazes de jurar e colabor na varredura das “impurezas”. O que é possível se inferir
da transcrição do trecho sobre os princípios da Shindô Renmei, publicada na revista da
organização:
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140
... No entanto, ouvimos falar da existência de alguns homens de projeção
na colônia – com a importante função de liderar e orientar os compatriotas
que, manipulando palavras e atos os mais ultrajantes imagináveis, se
fizeram intrumento de uma tendência reacionária contra a construção de
um mundo de novos valores, prestes a ser consumado, neste momento,
pelo povo japonês. Se isto for verdade, não ignomínia maior que macule o
resplandecer da glória do nosso povo, que ora brilha intensamente. (citado
por Handa, 1987, p.659)
O memorialista descreve o contexto brasileiro da época como uma “era democrática
do pós-guerra”, com a derrocada do presidente Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945 e
a posse do general Dutra. E para os japoneses, segundo o seu relato, a crença de que a
situação mundial “estava nas mãos das vontades do Japão vitorioso na guerra”, ia
solidificando, cada vez mais, a convicção dos imigrantes de que viviam o prenúncio de “um
mundo de novos valores”
(1987, p.660).
Este era o clima em que o primeiro atentado da tokkôtai foi praticado contra Ikuta
Mizobe, diretor superintendente da Cooperativa de Bastos, alvejado pelas costas por quatro
elementos no quintal de sua casa, no dia 7 de março de 1945. Menos de um mês após esse
crime, no dia de abril, Chuzaburo Nomura, ex-redator chefe do jornal Diário Nippak e
posteriormente secretário-geral da Divisão e Difusão da Associão Cultural, foi
assassinado. E no mesmo dia, o ex-vice-embaixador japonês na Argentina Shigetsuma
Furuya, teve sua casa atacada, porém, não foi atingido. O autor afirma que os incidentes
continuaram, até que em 2 de junho, o ex-coronel japonês Jinsaku Wakiyama foi
assassinado em sua residência em São Paulo e em julho, ocorreram 17 atentados com o
saldo de dez mortos e sete feridos.
Segundo Handa, alguns depoimentos sobre a organização secreta acentuavam que:
A Shindô Renmei é uma autêntica organização de formação moral, que
unifica as tendências ideológicas dos compatriotas residentes no Brasil,
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sob o signo da veneração ao imperador, procurando protegê-los das
influências malignas de uma ideologia derrotista
(1987, p.683-684).
Mas, segundo o autor, a maioria, ao ser interrogada, declarava que a Shin Renmei
não tinha ligação alguma com os homicídios cometidos. Mesmo porque, até os membros
dos tokkôtai, os agentes e causadores diretos dos diversos assassinatos políticos, também
afirmavam que esses casos não passavam de atos praticados isoladamente por jovens do
interior, sendo que eles mesmos não tinham certeza se seus superiores recebiam ou não
ordens diretas da sede da Shindô Renmei.
No entanto, esta organização, por vezes se impunha a seus associados, com a
autoridade de quem representava as autoridades oficiais japonesas. Tanto que alguns chefes
regionais se arvoravam os protetores dos interesses dos japoneses residentes no Brasil, uma
vez que, já não havia representantes diplomáticos japoneses. A embaixada espanhola e,
posteriormente, a sueca, foram as designadas para representá-los no Brasil, pom, não
eram reconhecidos pelos imigrantes, Handa acredita até que desconheciam a sua existência
(1987, p.685).
Mas a Shin Renmei, obviamente, não foi somente a organização que falsificou
notícias, engendrou e executou atentados a propriedades de “derrotistas” ou planos de
extermínio dos “maus japoneses”. Neste capítulo, tentar-se-á mostrar o fenômeno Shin
Renmei sob vários prismas.
3.3. SHINDÔ RENMEI: caso de polícia ou problema sociológico?
Devido à repercussão que ganharam os atentados, na imprensa brasileira, o aspecto
que mais ficou evidente, dentro dessa problemática da Shindô Renmei, foi a violência. As
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142
ações desta organização foram tão impactantes na sociedade brasileira, que fez recrudescer,
na Constituinte de 1946, a discussão sobre a conveniência da entrada de japoneses no
Brasil.
Os atos como a destruição de plantações de hortelã e galpões para a criação de bicho
da seda, atribuídos à Shin Renmei durante a guerra, eram tratados pelos jornais como
ações da “quinta-coluna”. Quando os atentados passaram a ser contra a vida dos próprios
japoneses, cresceram o sensacionalismo e a rejeição aos japoneses.
A obra de Fernando Morais, “Corações Sujos” (2000), que apresentou o episódio
ao grande público, tem um tom jornalístico e é bastante rico em informações, pois se utiliza
de variadas fontes de pesquisa. No entanto, expõe a Shindô Renmei apenas como uma
guerra que dividiu a colônia japonesa entre imigrantes que aceitavam a derrota do Japão e
os que acreditavam na vitória.
Lesser e Cytrynowicz chamam a atenção para a complexidade do conflito, a fim de
não reduzi-lo a fato isolado da guerra ou problema policial. Os autores lembram que é
preciso analisar e mostrar este acontecimento dentro do contexto do Estado Novo e da
história da imigração japonesa, principalmente, durante os anos da Segunda Guerra
Mundial.
77
Sobre os atentados atribuídos à Shin Renmei, sabe-se que foram executados pelos
cavaleiros “tokkôtai” como atos de “vingança” aos japoneses considerados “derrotistas
traidores”. Adriano Duarte adverte para o fato do “tokkôtai” ser composto por jovens,
solteiros, desprovidos de bens materiais, ao contrário de suas timas, homens mais velhos
77
- LESSER e CYTRYNOVICZ. Shindô RemeiA história merece mais respeito, 2000.
Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/ol18072000.htm -
Acesso em: 8 mai. 2005.
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143
com situação econômica melhor, detentores de cargos e prestígio na sociedade brasileira.
Para o autor, aqui se configura a fissão gerada pelo Estado Novo, de um lado o grupo cuja
inserção na sociedade brasileira, tornava-o menos atingido pelo “limbo social produzido
pelo Estado Novo” e de outro, o grupo composto por jovens, talvez, de imigração mais
recente, sem propriedades e, portanto, sujeitos ao trabalho assalariado. Duarte assegura que
estes últimos, mais dependentes das “redes de solidariedade internas à colônia”, uma vez
que quase não possuíam nexos com a comunidade nacional, eram atingidos de forma mais
contundente pelo “limbo social” produzido pelo Estado Novo.
A derrota japonesa teve, então, significações diferentes para os dois lados. Para os
estabelecidos”
78
na sociedade brasileira, o final da guerra representava a possibilidade de
volta às atividades e conexões comerciais interrompidas durante o conflito. para aqueles
que estavam à margem da sociedade brasileira, o final da guerra, segundo o autor, denotava
uma clivagem no projeto da imigração: não haveria mais a possibilidade do retorno,
porque o Japão que eles haviam deixado já não existia mais.” (no prelo, p.13).
A Shin Renmei foi mesmo um marco dentro da história da imigração japonesa, a
divisão intragrupal que se figurou com ela, expôs uma série de problemas, tensões latentes,
rancores ocultos, psicopatias. Buscando as variadas tentativas de explicação sobre o tema, é
78
- Duarte empreende uma análise sobre os “tokkotai” a partir dos conceitos: “established” e
“outsiders”, utilizados por Norbert Elias e John Scotson na análise dos habitantes do povoado
industrial Winston Parva. Segundo este estudo, os primeiros fundamentavam suas prerrogativas no
princípio de antigüidade, moravam muito mais tempo e por isso encarnavam os valores da
tradição e da boa sociedade”, os outros eram estigmatizados com atributos associados à anomia,
como a delinqüência, a violência e a desintegração.
Elias também se refere a um estudo sobre uma minoria japonesa denominada “burakumin” que,
apesar da origem igual à maioria dos japoneses, parece descender de grupos ligados a atividades
profissionais consideradas de “baixa categoria”, relacionadas à morte, ao parto e ao abate de
animais, o que segregava totalmente seus membros, pois o contato com eles era tido como
“poluidor”. Esse comportamento, dentro da sociedade japonesa, que leva à criação de parias, é
importante para se entender as tensões latentes dentro da colônia japonesa, radicada no Brasil, que
poderiam ter engendrado um fenômeno como a Shindô Renmei. Ver ELIAS, 2000, p.35-36.
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144
preciso atentar para as análises de cunho sociológico empreendidas por estudiosos da
imigração japonesa alguns anos após o conflito. As análises de diversos autores, como Ruth
Cardoso, Kumasaka, Izumi, e os próprios Saito e Maeyama, ligados à vertente desenvolvida
na Escola de Sociologia e Potica nas décadas de 1940 e 50, e organizadores da obra
“Assimilação e Integração dos japoneses no Brasil” consideram, de modo conciso, a Shindô
Renmei como um fenômeno que surgiu com os problemas de adaptação dos imigrantes às
condições brasileiras, situação que foi agravada pelas restrições impostas aos japoneses
durante a guerra e a dificuldade de se obter notícias seguras sobre o desenvolvimento e o
desenlace do conflito. Segundo esses autores, a Shin Renmei significou, para a
comunidade japonesa, um importante passo na aceitação dos padrões de vida vigentes no
Brasil e a conseqüente aculturação e assimilação.
Saito e Kumasaka afirmam que os movimentos ultranacionalistas surgiram
paralelamente à “febre de repatriamento”. Com o relaxamento da vigilância do governo
brasileiro, as organizações, até então clandestinas, passaram a atuar de modo mais efetivo
no recrutamento de adeptos. A Shindô Renmei foi uma dessas associações e que acabou por
incorporar outras entidades. Ela tinha como objetivos declarados, segundo os autores, a
promoção de paz e prosperidade no Brasil e no mundo, através da propagação do ‘espírito
japonês’” (1973, p.454).
A Shindô Renmei foi, para Saito e Kumasaka: o momento crucial na história dos
imigrantes japoneses, na medida em que ela representava o esforço consciente para que a
cultura japonesa fosse aceita no Brasil e não propriamente no sentido de persuadir seus
compatriotas para o repatriamento(1973, p.454). Eles lembram que embora o desejo de
retorno ao Japão fosse o sentimento expresso dos imigrantes, no período antecedente à
guerra. Na década de 1940, mais da metade dos agricultores nipônicos já eram
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145
proprietários, ademais, seus filhos, mesmo a contragosto dos pais, já tinham assimilado
muito da cultura brasileira. Isso fazia com que a meta de retorno ao Japão ficasse cada vez
mais difícil de ser alcançada.
Sobre o movimento da Shin Renmei, Kumasaka e Saito alegam que ele era a
expressão da necessidade que os agricultores imigrantes tinham de justificar sua filosofia
no passado e, também, compensar o sonho distante de retorno à tria. Este sonho que se
constituía numa espécie de fuga da situação de isolamento a que eles mesmos se impunham
e, ainda, uma maneira de “escape ao seu próprio lar”, onde os filhos, à medida em que
cresciam, adotavam formas de pensar, agir e falar, estranhas aos pais. Desta forma, para os
autores, a aceitação da derrota do Japão, para esses imigrantes, significava “a perda desse
refúgio simbólico e, com ela, o estabelecimento de uma situação inaceitável.” (1973,
p.455).
Ruth Cardoso enfatiza que, no processo de aculturação dos imigrantes japoneses,
podemos reconhecer duas fases tidas. A Segunda Guerra Mundial, pelos problemas que
colocou, foi o marco divisor. Para a autora, as restrições sofridas pela comunidade
japonesa, como o fechamento de jornais, durante o período da guerra, agravou a situação de
isolamento dos imigrantes que, em sua maioria não conhecia o português. A falta de
notícias sobre o desenvolvimento do conflito, somado ao sentimento de orgulho e
fidelidade que os ligava ao Japão militarista, possibilitou, então, o aparecimento de
movimentos chamados “vitoristas” que não aceitavam a derrota do Japão. (1973, p.323)
Maeyama, por sua vez, empreende um estudo sobre religião e identificação de
grupo dos japoneses na zona rural do momento de sua chegada ao Brasil em 1908 até 1950.
Esta análise delineia a trama de relações que os japoneses constituíam com sua casa, seus
antepassados, a vila em que nasceram. O autor assegura que no Japão tradicional, o
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146
indivíduo não é uma unidade independente na composição de sua vila (mura ou buraku) e
ele somente é significativo como membro do ie
79
, tais relacionamentos se interpolam e, na
maioria das vezes, se sobrepõem formando uma complexa rede social (1973, p.421).
Essas relações têm um sentido religioso de culto aos antepassados e de preservação
das famílias. No entanto, para Maeyama, os emigrantes japoneses, “embora fortemente
ligados, no nível da sua consciência, às suas comunidades de origem”, iniciaram um
processo de formação de grupos de vivência e de trabalho no Brasil. Assim, as práticas
religiosas, que tinham como função manter a identificação de grupo, foram substituídas
pela “niponicidade”, que passou a ser enfatizada “como o princípio básico da identificação
de grupo, pelo menos no nível da comunidade local, e entre o grupo minoritário japonês em
geral.” (1973, p.434).
No contexto puramente ninico, os imigrantes jamais haviam se identificado como
“japoneses”, a niponicidade” foi assumida no Brasil quando entraram em contato com
outras etnias e culturas diferentes. E é assim que se explicaria a devoção dos japoneses ao
Imperador que era o mbolo máximo da niponicidade, pelo menos até o término da
Segunda Guerra Mundial”. O culto ao Imperador poderia ser considerado uma espécie de
variação do culto aos antepassados, como uma dramatização da identificação de grupo,
entre os japoneses no Brasil.” (1973, p.435).
Para este autor, a maioria dos imigrantes do pré-guerra chegou ao Brasil no período
entre 1926-1936 e sofreram enorme influência da situação potica vigente no Japão, o que
ele chama de “fascismo japonês e que desenvolveu uma “pseudoteocracia”, onde se
79
- Nakano e Matsushima definem ie” da seguinte forma: “Distinguindo-se da família, ie” é um
corpo organizacional, no qual um empreendimento econômico é mantido baseado na sua
propriedade; os membros compartilham a vivência em comum e os antepassados o comumente
cultuados, sendo a entidade mantenedora da economia doméstica e a parte constituinte de
agrupamento inter-ie”. Citado por SAITO e MAEYAMA, 1973, p.421.
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147
enfatizava a lealdade incondicional ao soberano. Maeyama assegura que isto, afetou a
natureza do culto ao Imperador na colônia e a derrota na guerra que pôs fim à deificação
daquela figura, trouxe o final do “fundamento lógico e simbólico da integração e
identificação de grupo”.
Segundo Maeyama, Essa derrocada ideológica deve ser levada em conta na análise
dos conflitos entre as duas facções japonesas no Brasil, imediatamente após a Segunda
Guerra Mundial.”, pois havia uma razão estrutural para que o Imperador assumisse, para os
imigrantes, uma importância simbólica muito maior que no Japão (1973, p.435-437).
Vários outros autores que estudaram a imigração japonesa apresentam pistas sobre
os motivos que possibilitaram ou, pelo menos, potencializaram a emergência do conflito
que surgiu no após-guerra. Seiichi Izumi estudou a situação conflitante originada no seio da
comunidade nipônica no Brasil pela derrota japonesa, dez anos após o término da guerra e,
em sua análise, o conflito entre os dois grupos facciosos que ainda subsistia em 1955,
indicava um afloramento da estrutura psicológica dessa comunidade” (1973, p.361-362).
O autor, na análise dos dados, toma como principal variável a atitude dos
entrevistados em face da derrota do país de origem, sendo o grupo dividido em três
categorias ou subgrupos: os esclarecidos”; os duros”; os “fanáticos”. Izumi conclui que
os três subgrupos chegaram a formar facções tão fechadas entre si que não havia nenhum
canal de comunicação que possibilitasse contacto intergrupal”. Izumi considera, no
entanto, que prevalece uma estrutura psicológica comum, para ele, a explicação sobre as
graves dissensões que ocorreram no pós-guerra e perduraram dez anos depois,
fundamentava-se “não nas diferenças significativas de atitude, mas principalmente nos
fatores circunstanciais e externos a que o grupo japonês estava afeto dentro da sociedade
dominante.” Por exemplo, no tocante às dificuldades pelas quais passaram os japoneses, o
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148
autor, afirma que a hostilidade dos brasileiros haveria recaído principalmente sobre o grupo
que ele chama de “esclarecidos”, posto que, os japoneses desta categoria tinham um maior
relacionamento com brasileiros.
O trabalho de Izumi também tenta explicar um acontecimento como a Shin
Renmei como uma etapa para a consumação da assimilação, todavia, é interessante sua
afirmação de que os grupos “duros” e “fanáticos” não tivessem acreditado piamente na
“vitória de sua mãe-pátria”, o autor calcula que em finais de 1946, pouco mais de um ano
após a derrota, cerca de 90% dos japoneses teriam percebido, ainda que vagamente, este
fato. No entanto, continua Izumi, a essa altura, o ressentimento criado nas relações
intergrupais era tão profundo que não haveria meios de pacificação (1973, p.384).
Outro estudo interessante para se pensar nas relações que se firmaram entre os
japoneses do Brasil é a análise que Morio Ono empreende sobre a agricultura japonesa. O
autor lembra que a forma tradicional de pequena produção de mercadorias baseada no
trabalho familiar e a comunidade “mura” (vila), encontrados no Japão, foram recriados
pelos imigrantes que, de certa forma, a despeito de ter encontrado um modo de vida e um
sistema de produção completamente distintos do Japão, produziram no país hospedeiro, um
‘habitat’ japonês. Ono salienta, entretanto, que as dificuldades encontradas na sociedade
hospedeira, maiores do que na própria comunidade “mura” do Japão, tornaram a vida social
num bairro (“buraku”) de uma comunidade de japoneses mais fechada, com relações
humanas mais introvertidas.
Esses japoneses, moradores de um desses bairros no Brasil, eram provenientes de
regiões distintas no Japão, não existindo, até então, qualquer vínculo entre si até que
viessem a se encontrar no lugar onde passaram a residir. Escreve o autor:
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149
Nas circunstâncias peculiares que aí se observam, o denominador comum
existente entre os imigrantes japoneses, ou seja, a consciência no sentido
amplo, existente entre os camponeses japoneses, passa a agir
reciprocamente, e então a prevalecer as relações humanas como se todos
eles proviessem de um mesmo ‘mura’. É adotado o sistema de
estratificação social pela idade. São fundadas as associões de moços
(‘sei-nen-dan’ que têm os seus protótipos no ‘wakamono-shu’ no Japão).
Fundam-se escolas japonesas, onde o ensino primário do Japão é
reproduzido à base do Edito Imperial sobre a Educação, com vistas a uma
possibilidade de equiparação ao ensino no Japão quando voltassem para a
sua terra de origem. As relações humanas no ‘bairro’ eram amarradas
pelas ‘aparências’ (‘sekentei’) frente à comunidade, sendo a liberdade de
ação, individual ou de uma família, grandemente limitada. O sentimento
de solidariedade dentro de um ‘bairro’ se manifesta em termos de
exclusão de outros bairros, reproduzindo-se de maneira clara e nítida o
espírito de ‘bairro’ existente no Japão
(in: SAITO e MAEYAMA,
1973, p.137)
Essa análise que Morio Ono empreende sobre a constituição dos grupos de
japoneses no Brasil e a trama de relações que se criam no interior dessas comunidades, é
muito procedente pois sinaliza, talvez, para as tensões internas que, segundo Claudio Seto
explicam a eclosão do movimento Shin Renmei.
Ono cita os acontecimentos verificados logo após a guerra envolvendo os ditos
“vitoristas” e os “derrotistas”, que se desenrolaram com violência, também, na região da
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Segundo o autor, para isso contribuiu, em muito, a
estrutura fechada da sociedade japonesa de “bairro”. Um japonês do “bairromesmo que
reconhecesse a derrota do Japão, não estaria em condições de comunicar isso a outros
japoneses do mesmo “bairro”.
As características da estrutura social do “mura”, à japonesa, foram salientadas pelo
isolamento da comunidade nipônica no Brasil, que se encontrava no ponto mais avançado
do processo de desbravamento. Ono atribui a isso, o alastramento desses acontecimentos. O
problema não era, segundo ele, ser “vitorista” ou derrotista”. Significava, apenas, que
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150
fora ampliada a tensão existente nas relações humanas dentro da comunidade, que jazia
latente desde antes.” (1973, p.139).
3.4. SHINDÔ RENMEI: dissensões intragrupais ou conflito de classes?
Daniela Carvalho também recorda que a aparente harmonia da comunidade japonesa
escondia rancores de conflitos existentes antes da guerra. A autora afirma que entre 1920-
1930, havia uma divisão entre os japoneses de São Paulo, o grupo próspero, era chamado
ue machi (cidade alta) e aos que não conseguiram enriquecer, cabia a denominação de shita
machi (cidade baixa). Os conflitos eram tantos que, o Cônsul Geral do Japão, na tentativa
de apaziguar as desavenças, tentou criar uma associação de todos os imigrantes residentes
em São Paulo. E o período que compreende as décadas de 1930-40 acirrou as diferenças
entre os japoneses devido à reorganização da economia dos imigrantes, pois desapareceram
os pequenos varejistas e o comércio concentrou-se nas mãos de alguns indivíduos ligados
às cooperativas.
A guerra trouxe um significativo aumento no preço dos produtos do bicho-da-seda e
os envolvidos naquele negócio prosperaram. Daniela Carvalho assegura que é plausível
concluir que todos os que obtiveram sucesso econômico e social fossem aqueles que
admitiam e disseminavam as notícias da derrota japonesa, ao passo que, os outros que não
conseguiram nenhum ganho, queriam reter a imagem do Japão como símbolo da opulência
(1999, p.109-110).
Handa enumera algumas hipóteses sobre o surgimento do conflito. Uma das
explicações, segundo ele, baseia-se no problema da assimilação dos japoneses agravado por
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151
questões referentes ao nacionalismo tanto japonês como brasileiro, a guerra e a derrota
japonesa. Outra vertente explica o conflito entre vitoristas e derrotistas como uma
expressão da luta de classes, dos imigrantes que formavam a base da sociedade, contra
empresas como a BRATAC
80
e a Companhia Ultramarina de Empreendimentos e, ainda, os
orientadores do derrotismo, vistos como representantes da classe dominadora.
Tomoo Handa afirma que, nos panfletos dos vitoristas, aparecia freqüentemente a
frase: “Sepultemos a antiga classe dominadora!” e para ele, esta interpretação era viável
considerando-se que todos os envolvidos no movimento se encontravam em situação pouco
privilegiada no Brasil e, em Tupã, Bastos e Oswaldo Cruz, onde eclodiram as ações
terroristas, praticava-se a agricultura especulativa do algodão, segundo ele, “altamente
oscilatória e que, portanto, causava forte instabilidade também psicológica nas pessoas que
a ela se dedicavam.”
Seguindo essa hipótese, Handa investiga onde estariam os inimigos que os
“vitoristas” precisavam eliminar e onde eles viam o “perigo”. Conclui que a ideologia
japonesa era o que os vitoristas” tentavam preservar. Tal ideologia camuflava o único
meio que os imigrantes sem capital possuíam de ascender socialmente, na medida em que,
o sistema familiar japonês obriga todos os membros a colaborarem gratuita e
silenciosamente nos empreendimentos familiares. O fato de alguns imigrantes aceitarem a
derrota do Japão, pôs em xeque as instituições japonesas em que os “vitoristas” se
apoiavam. Escreve o autor:
80
- BRATAC - como ficou conhecida a Cooperativa de Colonização do Brasil (Takushoku
Kumiai), representante, no Brasil, da Confederação das Cooperativas de Emigração (Kaigai Iju-
Kumiai Rengokai).
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152
Se tudo isso puder ser considerado como uma forma de luta entre classes,
então talvez possamos entender que o caso dos vitoristas foi um
movimento de resistência à modernização e de apego ao status quo. Ou
seja, os derrotistas, com uma mente liberal, representavam um ’perigo’,
isto é, a modernização que os vitoristas repudiavam (1987, p.691).
Handa, contudo, ainda conjecturando sobre a Shindô Renmei como expressão da
luta de classes, assevera que, caso os imigrantes subjugados se rebelassem, seria mais
lógico que seus oponentes fossem os latifundiários, comerciantes e industriais brasileiros. E
também havia o fato, adverte o autor, de que membros do tokkotai”, tinham ordens de não
reagir às autoridades policiais brasileiras.
O memorialista lembra, também, que os imigrantes ao se sentirem esquecidos e
subjugados, viam na edificação da ”área de co-prosperidade da grande Ásia”, a redenção de
sua condição de abandonados, assim, sem conseguir discernir muito bem os causadores da
pressão que os submetia, voltaram-se para os inimigos mais próximos, seus patrícios que
acreditavam na derrota do Japão e, conseqüentemente, destruíam o paraíso prometido”
(1987, p.691).
Todas as análises sobre a origem da Shindô Renmei que advertem para existência de
tensões internas anteriores à derrota japonesa, alegam que os japoneses que se encontravam
à margem da sociedade brasileira, por não terem conseguido sucesso econômico e,
portanto, não poder prescindir da retenção da imagem de um Japão vitorioso, investiram,
então, contra os aculturados, os “maus japoneses”, aqueles que ganharam dinheiro com a
guerra e galgaram alguma posição social dentro da sociedade brasileira.
Claudio Seto, mesmo alegando que a Shindô Renmei nasceu de tensões internas
entre os membros da comunidade japonesa. Faz uma análise inlita sobre o início das
dissensões. Assegura que os ressentimentos que desencadearam todo o conflito, eram muito
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153
anteriores à guerra, provinham das diferenças sociais dos japoneses no país de origem. Tais
diferenças foram transplantadas para o Brasil e se refletiam na exclusão daqueles
imigrantes oriundos de camadas mais pobres e, portanto, desprovidos de lastro cultural.
Seto ressalta que tais imigrantes, apesar de obterem sucesso econômico e, talvez, algum
prestígio na sociedade brasileira, não ascendiam dentro da colônia, por exemplo, nunca
alcançando a presincia de uma associação japonesa.
As associações, chamadas “Nihon-jin-kai”
81
, sempre tiveram um papel muito
importante no seio da comunidade nipônica e eram, invariavelmente, segundo Seto,
lideradas por japoneses originários de classes mais cultas da sociedade japonesa
82
. O papel
dos “nihon-jin-kai” era tentar promover a cultura japonesa. Com o acirramento da
repressão aos japoneses, esse tipo de associação estava terminantemente proibido pelo
governo brasileiro. O advento da guerra, teria dado aos “novos ricos” a oportunidade de
vingança, denunciando as “subversões” dos japoneses de elite” à pocia e conquistando,
assim, tanto a confiança das autoridades brasileiras, como a posição almejada dentro da
colônia.
Segundo Seto, a sociedade japonesa aqui no Brasil se sustentava sobre o tripé:
Imperador, consulado e “nihon-jin-kai”. A derrota japonesa deixou a sociedade ninica
no Brasil sem sustentação uma vez que, devido à guerra, o consulado havia sido fechado e
os representantes do governo japonês extraditados. Assim, os “nihon-jin-kai” se viram na
obrigação de representar os japoneses, pois seus deres acreditavam que seu papel era
81
- “Nihon-jin-kai”nihon-jin: japos - kai: assembléia, associação, sociedade, reunião, encontro.
82
- Segundo Claudio Seto, um dos recursos de que se utilizavam os japoneses de origem social mais
elevada para reconhecer um compatrício de origem mais humilde era chamar para uma partida de
um jogo chamado “mil poetas e mil poemas”, conhecido pela elite japonesa, caso recusasse, eles
saberiam a que classe pertencia o conterrâneo, no país de origem.
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154
tutelar os patrícios. Seto, em sua análise, enfatiza, também, o ressentimento dos membros
mais jovens da colônia em relação aos mais velhos que, proibidos de tomar parte dos
“nihon-jin-kai”, tinham a própria associação, os chamados “seinen-kai”
83
. Seto assegura
que os atos de violência que foram creditados à Shin Renmei, foram, na verdade,
exclusivos dos “seinen-kai” e, acredita, ainda, que a organização nem sabia dos planos de
execução.
Seto assegura que a maior parte dos japoneses que foram indiciados como membros
da Shindô Renmei, não fazia parte dessa organização, acontece que todos os “nihon-jin-
kai”, segundo ele, foram transformados em Shindô Renmei pela polícia potica. Isso
explicaria o enorme número de filiados. Morais, fala em 31.380 imigrantes identificados e
fichados pela polícia paulista, como suspeitos de ligações com a “seita” (2000, p.331).
3.5. SHINDÔ RENMEI – O Processo
“... Como vemos da prova dos autos, o escopo do movimento iniciado e
desenvolvido pela ‘Shindo Remmei’, pelas outras sociedades japonesas,
não nesta cidade, como no interior do Estado, era a ameaça a ordem
política e social, com graves atentados contra pessoas, com o fito de
infundir o terror, de armas em punho, aos nipônicos sensatos e não
filiados a agremiações rebeldes, e animando a luta contra supostos
inimigos ou opressores, os próprios correligionários, por motivos políticos
...”
84
(NEVES, s/ ano de edição, p.23).
83
- Vários autores fazem referência sobre os conflitos existentes entre a primeira geração de
japoneses nascida no Brasil e os membros mais velhos da colônia. Sobre isso, é interessante um
documento encontrado entre os papéis apreendidos pela Delegacia de Assaí, chamado “Os
pensamentos de um nipo-brasileiro”. Ver anexos: anexo 3, p.196.
84
-
Trecho da denúncia que deu início, em abril de 1950, ao processo da Shindô Renmei (NEVES,
s/data de edição, p.23).
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155
Maria Lúcia Hatanaka empreendeu um estudo sobre o processo judicial da Shindô
Renmei em que utilizou como fontes, basicamente os depoimentos coletados no processo
judicial. A autora afirma que cartas, anotações ligeiras, manuscritos e listas redigidas em
idioma japonês, depoimentos, matérias de jornal, pareceres, despachos burocráticos, folhas
de antecedentes, certidões, fotografias e cartas anônimas, comem tal processo formando
um “tecido compacto e bem urdido” (2002, p.53).
A autora apresenta a cronologia da série de inquéritos que se inicia com a prisão de
Junji Kikawa em setembro de 1944. Componente do Exército Imperial japonês, na época da
prisão estava com 69 anos e estava estabelecido na cidade de São Paulo como tintureiro e
ficou detido até novembro de 1945, acusado de sabotagem contra agricultores japoneses.
O segundo inquérito foi instaurado no pós-guerra, em outubro de 1945. Hatanaka
chama a atenção para a possibilidade de que com ele, já se começavam a levantar
informações sobre a existência da Shindô Renmei. Aqui, o centro das acusações refere-se à
divulgação de falsas notícias sobre a guerra.
Com uma dilincia policial à casa de Ryotaro Negoro, um dos dirigentes da Shindô
Renmei, em 31 de janeiro de 1946, dá-se início ao terceiro inquérito. Nesta data, foram
apreendidos: mapas, manuscritos em idioma japonês e valores em dinheiro relativos à
contribuição de associados e, com isto, começaram a se materializar, documentalmente,
segundo a autora, a existência da Shindô Renmei e de outras associações. E é neste
inquérito que se colhem as primeiras informações sobre as atividades ilícitas e criminosas
da Shin, inclusive, as ameaças de morte aos que acreditavam na derrota japonesa e a
exploração dos incautos sob a promessa de regresso ao Japão.
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156
O quarto inquérito, instaurado na primeira quinzena de mês de março de 1946,
revela o nome de outra associação de caráter patriótico, a Zaihaku Zaigo Gunjin-kai
(Associação dos Ex-militares Japoneses no Brasil). Segundo Hatanaka, seu fundador, Kiyo
Yamauchi, tal como os dirigentes de outras associações, é ex-militar e sexagenário.
Kiyo Yamauchi também havia integrado a Sindô Renmei, inclusive substituindo
Kikawa no período de sua prisão.
Depois de pichações com insultos e ameaças, em casa de dois japoneses, entre os
dias 11 e 12 de março de 1946. Inicia-se o quinto inquérito. A importância desse conjunto
de inquéritos é que eles delineiam a situação da comunidade de então, para a autora as
informações colhidas desvelam:
uma colônia japonesa coalhada de associões de caráter ilegal e cunho
patriótico, atravessada por tensões e conflitos internos. Eles se revelam,
seja sob a forma de antagonismo em relação aos ‘derrotistas’, seja através
da constituição, por um mecanismo de fissão, de associações com
propósitos semelhantes (2002, p.56).
O que fez com que centenas de imigrantes fossem indiciados por atentado contra a
segurança blica e “incursos no art. 3, 16, combinado com o art.1, do Decreto-Lei 431,
de 18 de maio de 1938”, segundo denúncia do Promotor Público, Adhemar Ferreira de
Carvalho, em 3 de abril de 1950 (Neves, s/data de publicação, p.26).
No processo “Shindô Renmei” não foram indiciados muitos imigrantes do Paraná,
isto torna dicil a investigação sobre a referida sociedade, através dos depoimentos. No
entanto, o panorama desenhado pelos inquéritos, a atuação de diversas associações
clandestinas, apreensão de materiais pertencentes a sociedades secretas, denúncias, prisões,
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157
fornece subsídios para se perscrutar tanto a ação da pocia, como da Shin Renmei no
Paraná.
3.6. SHINDÔ RENMEI NO PARANÁ: “propagação do espírito japonês”?
Pouco foi escrito, ainda, sobre a situação no após-guerra da comunidade nipônica no
Paraná, composta de agrupamentos de imigrantes mais antigos, na região sul e um núcleo
de imigração mais recente no norte do estado. Com base nos documentos da polícia,
disponíveis no Arquivo de Curitiba, não é possível entrever o que aconteceu aos
expulsandos de Antonina e Paranaguá. No entanto, o material das Delegacias de Ordem
Potica e Social revelam a vigilância cerrada que exerciam aos japoneses da região de
Assaí (localizada a 48 km de Londrina, a maior cidade do norte do estado).
Esse material, talvez, ajude a explicar um pouco do que foi o norte do Paraná
durante o período da Segunda Guerra Mundial. Como foi brevemente exposto no capítulo
2, as companhias de colonização introduziram na região, milhares de imigrantes, de
diversas etnias e algumas consideradas “indesejáveis” pelo governo do Estado Novo, pois
eram consideradas raças “perigosas”, inclusive no período da Segunda Guerra Mundial.
Os japoneses, além de entrar na categoria de “indesejáveis”, eram, também,
inimigos de guerra, por isso estavam sob permanente suspeição. Procedimentos em relação
a estrangeiros suspeitos, aparecem, por exemplo, na correspondência entre as delegacias,
como mostra o prontuário de Hiroma Udihara
85
, onde um ocio em que o Delegado de
85
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – prontuários – 1575 – cx.363
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158
Ordem Potica e Social pede ao delegado da regional de Londrina que destitua o imigrante
do cargo de agente da Cia. de terras Norte do Paraná ou, pelo menos, reduza o exercício das
mesmas, além de submetê-lo à permanente vigilância pois, “Apesar de possuir um filho
servindo o exército (of. de reserva, convocado) e de haver o referido japonês, requerido sua
naturalização antes da guerra, e, mais, de estar residindo 35 anos no Brasil, parece a
esta DOPS dever, o mesmo, ser considerado perigoso como os demais.”
As Delegacias regionais também se ocupavam em mostrar o empenho em ações de
vigilância e repressão aos japoneses, como atesta o relatório abaixo
Delegacia de Ordem Política e Social 161.36
831/42 7 abril 3
of./G.
Ilmo Sr. Delegado de Polícia
Assai
Esta DOPS teve informação segura de que o soldado destacado na Seção
“Balsamovem procedendo de modo a merecer censura e recolhimento.
Dentre os fatos que os informantes comunicam destacaremos os seguintes:
I – Vem o referido soldado que é muito moço – sendo subornado e
manobrado pelos japoneses da são.
II Permite que os japoneses exerçam comércio ilícito de querozene,
comprando a razão de Cr.$ 150,00 a lata e vendendo à Cr.$9,00 o litro.
III Não atende a carência desse produto, em que fica elementos
nacionais, quando os japoneses e pessoas a estes simpáticas gastam a
vontade.
IV Não tem cumprido com o dever que lhe cabe, de exercer, severa e
discreta vigilância em torno dos japoneses. Mesmo quando alertado a
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159
respeito de prováveis reuniões, não se preocupa. Não realiza rondas nas
regiões que lhe competem trazer vigiadas.
V Não se interessa em verificar o que trazem para a seção, caminhões
que, à noite, percorrem aquela zona. se constatou que a carga de que os
mesmos o portadores é gazolina e querozene, cujo carregamento é feito,
às ocultas, nas propriedades dos japoneses
86
.
A situação a que estavam submetidos os japoneses no norte do Paraná podem ser
delineados através de relatórios, ofícios trocados entre as delegacias regionais e a Delegacia
de Ordem Potica e Social, dos autos de apreensão. Nesses tipos de documentos é possível
perceber que a pocia contava, inclusive, com a utilização de informantes, que muitas
vezes, eram brasileiros que trabalhavam para esses imigrantes.
Já, sobre a organização Shindô Renmei, sabe-se de sua existência no Paraná, pois,
no Arquivo de Curitiba, as pastas da delegacia de Assaí possuem vários documentos sobre
a entidade. Muitos japoneses radicados no norte-paranaense também foram indiciados no
processo que tramitava em São Paulo.
Entre os papéis apreendidos pela polícia, estão a relão dos diretores e associados
da “Shindo-Remmei” em Três Barras
87
, além de auto de apreensões
88
, traduções para o
português de documentos como a Ligação do caminho dos súbditos (Shindo-Remmei)” e
86
-
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Assaí (0429-a) – pasta 1 - Top.
48 – período 1946.
87
- Três Barras era um patrimônio fundado pela Companhia Colonizadora no Município de o
Jerônimo da Serra, anos mais tarde, passou a ser chamado de Assailand (terra do sol nascente) e em
1938, foi elevado à condição de distrito de São Jerônimo, recebendo a denominação definitiva de
Assaí (OGUIDO, 1988, p.127).
A relação com os nomes de diretores e associados encontra na pasta “Delegacia de Assai” (0429-b)
- Top. 48 – período 1946.
88
-
ARQUIVO PÚBLICO DO PARADOPS Delegacia de Assaí (0429) - Top. 48 21/20 -
período 1946. Este auto de apreeno se refere à Shindô Renmei e descreve o material
apreendido: correspondência e boletins em japonês, caderno de cartografia, atlas mundiais, como
pertencentes à organização clandestina.
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160
Orientação para os japoneses residentes no Brasil” de 23 de julho de 1945
89
. Dentre esses
documentos, os autos de declarações”, merecem especial atenção, pois enfatizam
determinados aspectos que, talvez, confiram alguma singularidade à Shindô Renmei
paranaense:
Ichisuke Yamada
90
Filho de Zenchirô Yamada e Issa Yamada, com 38 anos,
nacionalidade japonesa - Otaru, Hokkaido, casado, comerciante, residente à Av. Rio de
Janeiro s/n°:
Declarou que o objetivo da organização era o de estimular no seio da
colônia japonesa domiciliada no Brasil o ESPIRITO JAPONES,
propagando o culto das tradições japonesas, os costumes japoneses, e
trabalhar pela escola japonesa que presentemente estava proibida pelo
Governo e que para o futuro fôsse conseguido, afinal e como proposito de
não prejudicar o ESPIRITO JAPONES o uso constante da língua
japonesa.
Depois de tecer algumas considerações sobre o final da guerra, o uso da bomba
atômica pelos Estados Unidos, afirma não acreditar na “derrota de seu Paiz o que
acontecerá si um representante japonês declare a derrota militar japonesa”. Declara ainda
não ter certeza sobre a destruição das cidades japonesas pelas bombas atômicas;
que a organização puniria com a morte a todo japonês que acreditasse na
vitoria Americana e derrota japonesa, isso em o Paulo, porém em Assaí
tal não aconteceria, pois a hoje não se pensou de (sic) matar ninguém
aqui e o programa da Organização apenas visava a propagando (sic) do
ESPIRITO JAPONES, tal como declarou o grupo dos suicidas,
“ANSSATU-DAN”, que o existe na Shindo-Renmei, sendo que
“SUISHIN-TAI” equivale a dizer tropa de choque que faz parte da
89
- ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS Delegacia de Assaí (0429-b) - Top. 48 –
período 1946. Ver anexos: anexo 2, p.193.
90
-
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Assaí (0429) - Top. 48 – 5/4 -
período 1946. “Auto de Declarações” de 16/4/1946.
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161
Organização; que o depoente ficou assustado com as noticias estampadas
pelos jornais pois Schindo Renmei pelo seu regulamento não autorisa a
eliminação de seus sócios mesmos traidores como fizeram em o Paulo;
que Shindo-Renmei não é uma organização militar todavia visa a
disciplina e obediência de todos os japoneses ao Grande Japão, que em 3
Barras a orgnização foi fundada com chefes de família e só
posteriormente é que poderia admitir os jovens e adolescentes; que a
fundação da Shindo-Renmei da colônia Três Barras (Assaí) foi feita no
mês de agosto do próximo passado, sobre a presidência de MASSANUBU
SATÔ e OSSAWA ou SAWADA outras pessoas:
Fala do número de sócios que cresceu e da contribuição mensal para as despesas da
organização.
Afirma que sabia da proibição do funcionamento da organização e
atribuía que houvesse maior tolerância por parte do Governo e isso que
seus amigos de São Paulo diziam que a Delegacia de Polícia hiam
deixando funcionar; que o depoente informa que deante dos últimos
acontecimentos não tem mais vontade de continuar a Shindo-Renmei e se
o Governo permitir pedi licença em primeiro lugar para depois tratar da
Organisação de qualquer sociedade. (grifos da autora)
Chuya Teraoka
91
, 41 anos, japonês, casado, sapateiro, residente à Av. Rio de Janeiro
s/n°
Que o declarante sabe que o funcionamento da Shindo-Renmei era
prohibido pelo Governo Brasileiro mas supóz que uma vez terminada a
guerra entre o Japão e América do Norte, pudesse funcionar a sociedade
japonesa em apreço; que todavia o declarante assume inteira
responsabilidade desta sua atitude e está disposto a ser punido mesmo
com pena capital o que receberia com satisfação por dar a sua vida a causa
do Japão e até sua própria família não fazia mal que fosse sacrificado pela
mesma causa; fala do objetivo da Shindo-Renmei
afirma que se considera desligado da Shindo-Renmei, mas
ardentemente espera que seja dada autorisação para o funcionamento da
organisação pra continuar no seu patriótico objetivo defendendo o espírito
japones para que seus filhos possam ser bons cidadãos nipo-brasileiros
respeitando as leis do Brasil ao mesmo tempo que possam render culto ao
grande império japones.
91
-
ARQUIVO PÚBLICO DO PARANÁ – DOPS – Delegacia de Assaí (0429) - Top. 48 – 7/6 -
período 1946.
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Em todos os outros depoimentos encontrados, os declarantes falam sobre os
objetivos da Shindô Renmei, alegam que souberam dos atos violentos praticados pela
organização em São Paulo, apenas pelos jornais e, inclusive, diziam duvidar que os
atentados tivessem relação com a entidade que, no Paraná, segundo eles, visava somente
cultivar o espírito e as tradições japonesas. Parece oportuno lembrar que todos os
depoimentos pediam autorização para o funcionamento de organizações de japoneses.
Embora as declarações sobre o caráter pacífico da associação, bem como, o pedido
de autorização para o funcionamento dela, sejam previsíveis em um depoimento à polícia e
exista a afirmação de Homero Oguido que em Assaí, 16 pessoas foram assassinadas e
outras 11, foram feridas pela Shindô Renmei (1988, p.133). É preciso salientar que nas
pastas da Delegacia dessa localidade, não há nenhuma referência a atentados, homicídios
ou qualquer ato de violência praticado por japoneses. Apenas no Arquivo do Estado do Rio
de Janeiro, menção a uma investigação à Shindô Renmei, sobre a ameaça de morte
sofrida por Zengoro Iwakura da Cidade de Caviúna.
Inúmeras, porém, são as questões sobre a Shindô Renmei no Paraná. Como era sua
atuação? A situação de constante tensão em que viviam os imigrantes poderia ter
contribuído para que a entidade tivesse características distintas de sua matriz em São
Paulo?
Para Cláudio Seto, a associação no Paraná não passava de um braço da central em
São Paulo. No entanto, alguns documentos dão indícios de que a entidade tinha uma
preocupação em defender os direitos dos japoneses da região, como faz crer um documento
apresentado por Herculano Neves, o último advogado da Shin Renmei a atuar no
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163
processo. Em sua obra, “O Processo da Shindo-Remmei”, onde arrola os depoimentos mais
significativos, o autor se refere a um requerimento (fls. 2340 a 2344 dos autos) feito por
Saijiro Tanita, de Três Barras, Município de Assaí, subscritado por mais 12 japoneses,
datado de 23 de abril de 1946 e destinado ao, então Presidente da República, general Eurico
Gaspar Dutra.
O advogado afirma que junto a esse requerimento havia um relatório que “foi
transcrito ‘ipsis literis’ e, dentre os signatários, em número de 13, conseguimos ler os
seguinte nomes: Saijiro Tanita, Sakujo Kawashima, Shokichi Shibukawa, Jintaro de tal,
fulano Takahata, Seiji de tal, Shinkichi Harikawa, fulano Otuki, Takamiti Fujiwara, Hisashi
Ono, fulano Maeda e Koneiti Yomaka” (s/data de edição, p.404-408).
Abaixo o relatório dos japoneses de Assaí:
Diante da situação em que se acha a colônia nipônica, uma tanto
numerosa, é que venho solicitar a VV.SS. obséquio de designar uma
comissão, a fim de averiguar pacificamente o atual estado de nossa
colônia. Pois tínhamos solicitação do advogado (dr. Professor), junto à
Segurança Pública, requerimento a fim de obter a legalização da nossa
sociedade. No intervalo que aguardamos a aprovação, atividades dos maus
elementos (derrotistas) da nossa colônia, levou-nos a gravíssima situação
atual.
Os nipônicos não o infiltrados em meios políticos, ou mesmo em
partidos que apoiam o governo e muito menos em partidos que não
merecem confiança; são japoneses que se dedicam ao trabalho com único
intuito de manter a sua família, educando seus filhos até para o bem do
Brasil. É raro encontrar algum elemento de nossa colônia que não tenha
esse ideal.
Dentro desse ideal nós japoneses não esquecemos a terra hospitaleira que
é o Brasil e também não deixamos de amar nossa terra natal. Sendo o
Brasil, agora um país com princípios democráticos, s acreditamos que
não desrespeitamos as suas leis, ao tomarmos a liberdade de formar uma
associação entre s japoneses. Como japoneses nós pensamos que, assim
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164
como brasileiros ou pessoas de todas nacionalidades, que um elemento
que renega a pátria não merece a consideração de seus compatriotas.
Existem algumas pessoas na nossa colônia, tentando exigir que os
300.000 patrícios tenham o mesmo ideal que eles: o de odiar o Japão. São
pessoas de destaque na comunidade que, em tempo normais(sic)
trabalhavam em empresas de capital japonês, onde recebiam salários
bastante compensadores para os cargos que ocupavam na Capital. Mas
que na realidade, como não correspondiam (as remunerações que
recebiam) foram demitidos, pelo qual acham-se desmoralizados. Essas
pessoas fazem o possível para se vingar. Mas a maioria da colônia
nipônica não concorda com as idéias desses elementos, e vem
colaborando com todo esforço nos seus respectivos serviços. Frustradas
em seus intentos, as referidas pessoas, recorrem à polícia para denunciar,
dizendo que esta ou aquela organização é inconveniente dentro do país,
sem mesmo conhecer as mesmas. O mais grave dessas falsas denúncias é
que resultou na prisão de pessoas dignas da maior confiança de seus
patrícios.
A polícia deteve inúmeras pessoas, orientada pelas falsas denúncias, sem
averiguar as mesmas, e isto tem sido de praxe. As pessoas foram detidas
de todas as maneiras: uns diretamente do serviço da lavoura, sujos como
se encontravam, outros nem sequer puderam avisar as famílias, etc. Há
pessoas que estiveram presas entre 10 a 20 dias e tornaram a ser detidas
logo depois, pois as autoridades não averiguam direito e confundem uns
com outros. Muitas pessoas ficaram presas e sequer foram chamadas para
prestar declarações, demonstrando uma ação policial sem sentido. As tais
pessoas despeitadas (derrotistas), freqüentam diariamente as delegacias,
denunciando e instigando as maneiras como a polícia devem (sic)
trabalhar os japoneses detidos, sugerindo atos desumanos como cortar
cabelos e sobrancelhas. As autoridades parecem não ver essas coisas
absurdas. Por causa dessas pessoas despeitadas (derrotistas), a polícia está
cada vez mais intransigente.
Consta que um grupo de jovens mais exaltados praticaram alguns crimes,
o que não razão para tantas prisões, apesar de que esses crimes, foram
praticados por exaltação dos jovens, que o contrários aos que procuram
a desarmonia na colônia japonesa. Em vista de ser época de colheita de
vários cereais, com a prisão de centenas de chefes de famílias, estão em
vias de serem perdidas e as autoridades não tomam nenhuma providência.
Essas pessoas despeitadas (derrotistas) continuam praticando atos
desmoralizantes e em várias cidades do interior andam armadas,
ameaçando, ou melhor, atemorizando as famílias dos detidos e o
sabemos quando isso acabará. Pedimos também aos senhores, autoridades
do governo, providências quanto aos jornais sensacionalistas deo Paulo
que publicam em letras garrafais, estampando simples lavradores como se
fossem perigosos terroristas que desacatam a Segurança Pública. Fato
como esses faz com que as autoridades desconfiem de todos nós
japoneses, sendo que dentro da nossa colônia, uma pequena e
insignificante parte, que somente procura desarmonizar seus patrícios.
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Esses patrícios que trabalham com ardor para o seu bem estar e ano
mesmo tempo para o progresso da cultura nacional.
A colheita do algodão, arroz e vários outros cereais acontece uma única
vez por ano. Infelizmente estamos assistindo diariamente, a produção
perdendo seu valor, abandonada no campo. Como sabe, este prejuízo o
seapenas dos agricultores. A plantação de tomates e legumes em geral
está sendo prejudicada da mesma forma. Por causa da atitude desses maus
elementos (derrotistas), formou-se uma comissão de japoneses, que
dirigiu-se junto ao Secretário de Segurança para obter os detalhes para que
pudéssemos organizar uma sociedade japonesa. Fomos bem atendidos. O
sr. Secrerio, estava encaminhando nossa solicitação junto as
autoridades competentes, quando surgiu a atual situação e a polícia
aproveitando das assinaturas dos requerentes, deteve centenas de pessoas.
Diante das medidas exageradas das autoridades policiais, não podendo
deixar assim sem que seja tomada uma medida ou providência. Por isso
pedimos junto a VV. SS. para desembaraçar quanto antes essa situação
lamentável. Antes de terminar, peço-lhe a bondade de mais um pouco de
atenção. Dentro da nossa colônia alguns japoneses que estão um tanto
desorientados e julgamos que a causa seja a situação internacional que até
hoje não está bem clara.
Quanto a esse atual crime, s japoneses estamos envergonhados,
portanto pedimos aos senhores, autoridades, que deixassem a s
encaminhar essas pessoas acima mencionadas e também as colônias
japonesas em geral, para o bem estar de todos os japoneses e para o bem
do Brasil. Teríamos imenso prazer em ser intérprete de VV. SS. se desejar
qualquer esclarecimento sobre nossa colônia, e caso formos atendidos,
responderemos as perguntas com de VV.SS. com a devida
responsabilidade. s cremos que estas idéias sejam para o bem da
humanidade. Agradecemos antecipadamente a vossa valiosa atenção e
esperamos sermos considerados, subscrevemo-nos responsabilizando por
esse documento.” (grifos da autora)
Seguem as 13 assinaturas
Este documento parece ratificar as afirmações e preocupações encontradas nos
depoimentos de imigrantes japoneses residentes em Assaí, sobre o desejo de legalizar o
funcionamento de uma associação de japoneses. Vários outros pontos também merecem
atenção, principalmente, o que se refere aos chamados “derrotistas”, apresentados, nas
mais variadas análises sobre o movimento, como os japoneses bem-sucedidos. No entanto,
no texto acima, eles são apontados como ressentidos imigrantes, capazes de delatar seus
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conterrâneos à pocia: “... São pessoas de destaque na comunidade que, em tempo normais
(sic) trabalhavam em empresas de capital japonês, onde recebiam salários bastante
compensadores para os cargos que ocupavam na Capital. Mas que na realidade, como não
correspondiam (as remunerações que recebiam) foram demitidos, pelo qual acham-se
desmoralizados. Essas pessoas fazem o possível para se vingar (...) Frustradas em seus
intentos, as referidas pessoas, recorrem à polícia para denunciar, dizendo que esta ou aquela
organização é inconveniente dentro do país, sem mesmo conhecer as mesmas...” Essa
posição é compartilhada por Cláudio Seto
92
, que afirma ainda que, ao ato de vingança,
somavam-se as vantagens de se tornar um informante das autoridades brasileiras. Aqui,
também, talvez haja um indício do ressentimento dos “vitoristas”, de que fala Handa, para
com empresas japonesas, como a BRATAC e a Companhia Ultramarina de
Empreendimentos, em relão a quem, os imigrantes se sentiam oprimidos (1987, p. 690).
Sobre a denúncia de que os “derrotistas” eram os colaboradores da polícia, Claudio
Seto também alega que eram os próprios japoneses delatores quem sugeriam táticas para
induzir esses imigrantes a se confessarem como membros da Shindô Renmei. Uma das
práticas da pocia era, como lembra Daniela Carvalho, pedir aos japoneses para que
pisassem na bandeira ou imagem do imperador. Caso o imigrante se recusasse seria
considerado suspeito de pertencer àquela organização (1999, p.111).
92
-
Depoimento concedido à autora no dia 12/1/2006. Claudio Seto lembrou que chamou muito a
sua atenção, quando tentou entrevistar descendentes de “derrotistas”, uma certa culpa que parecia
pairar sobre essas famílias, como se realmente os derrotistas fossem apenas os delatores” e não as
vítimas da história.
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Ocorre que este era o meio empregado pelas autoridades japonesas para descobrir se
um japonês era adepto do cristianismo
93
, nesta prática denominada “fumie”, ordenava-se
que o suspeito pisasse numa cruz. Caso se negasse, seria considerado cristão e crucificado.
Seto assevera que somente um japonês poderia sugerir à polícia que empregasse o mesmo
procedimento.
Interessante também, é a reivindicação para se tome provincias sobre a atuação da
imprensa no caso. Tomoo Handa, afirma que não era possível falar de modo categórico
sobre o que se passava intimamente com os deres da Shindô Renmei, pois os jornais
enfatizavam somente os estelionatos praticados, assim como a polícia privilegiava as
investigações e efetuava prisões relacionadas aos atos criminosos. Isto fazia com que a
organização fosse vista apenas como uma entidade oportunista, com fins lucrativos que se
aproveitava do estado psicológico dos vitoristas para extorqui-los (1987, p.686).
O pedido para que se olhe a situação do campo, com agricultores presos e suas
colheitas se perdendo, merece atenção pois, prisões de japoneses em Assaí, eram muito
comuns desde o período da guerra. Essas pries eram efetuadas por quaisquer motivos,
desde os mais fúteis, como reuniões para comemorações, aaqueles considerados “ações
da quinta-coluna”, como a distribuição de panfletos divulgando notícias da guerra ou
incitando a campanhas contra o cultivo de hortelã.
Bens pertencentes à comunidade nipônica também sofreram danos, como a
destruição da máquina de beneficiamento de algodão da Cooperativa Três Barras, causada
por incêndio e destruição da máquina de arroz da Bratac. Além de desapropriações dos
93
-
O cristianismo foi introduzido no Japão no século XVI, pelo missionário português, Jesuíta São
Francisco Xavier. O fechamento de todos os portos pelo General Tokugawa no século XVII, baniu
o cristianismo, considerado subversivo à nação, que foi proibido durante 250 anos a meados do
século XIX, quando o Japão reabriu suas portas. Referências de tradição oral (familiar).
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168
lotes cedidos pela Bratac, para construção de escolas e sedes de associações (OGUIDO,
1988, p.132-133).
Este parece ser o cenário que teria motivado a escrita do requerimento que segundo
Herculano Neves, solicitava medidas visando abrandar a situação aflitiva em que se acham
milhares de cidadãos brasileiros, filhos dos mesmos, no esforço em que vivem trabalhando
para a maior grandeza do Brasil.” (s/data de edição, p.405). Bem como, do relatório supra
citado que Claudio Seto chamou de “Carta do Paraná”, segundo ele, Tanita viajou para o
Rio de Janeiro, então capital do Brasil, para entregá-la pessoalmente ao presidente da
República.
Antes, porém, passou por São Paulo, onde recebeu uma carta de Sakuzo
Kawashima, outro membro da Shindô Renmei, que pedia ao Consulado da Suécia,
esclarecimentos sobre a autenticidade do documento que atribuía a aquele, o exercício de
representação dos japoneses no Brasil.
A “Carta do Paraná” não foi entregue ao presidente, pois, Saijiro Tanita, ao
desembarcar no Rio de Janeiro, já era esperado por agentes do DOPS, informados pela
DOPS de Curitiba. Desconfiando que fora traído pelo “dr. Professor” (tradutor cujo nome
foi omitido na carta), Tanita foi preso e interrogado no Rio de Janeiro e depois enviado,
segundo Seto, à Casa de Detenção em São Paulo, onde respondeu inquérito e foi,
posteriormente, exilado na Prisão Agrícola de Ilha Anchieta, litoral Norte de São Paulo.
Em Curitiba e nas cidades do litoral, não documentos referentes à Shin
Renmei. Porém, Lesser, referindo-se aos arquivos do DEOPS, afirma que encontrou
diferentes posturas dos estados ante à Shin Renmei e que, o Arquivo do Paraná,
demonstra que muitos grupos de japoneses além daquela associação estavam lutando contra
a ditadura de Vargas (2002, p.12-16).
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Os depoimentos de membros da entidade encontrados nas pastas da cidade de Assaí,
não permitem, contudo, visualizar com precisão como se configurava essa luta, no estado,
mas é possível se inferir que havia uma preocupação, entre os imigrantes, em legalizar uma
associação que fosse capaz de lhes assegurar alguns direitos. Mesmo porque, segundo Seto,
havia também um ressentimento grande por parte não dos membros da ShinRenmei,
mas de todos “nihon-jin-kaiem relação aos representantes do governo japonês por tê-los
abandonado à própria sorte aqui no Brasil. O que fez com que essas associações se
atribuíssem o papel de representantes dos ninicos.
Seto salienta, inclusive, que em Curitiba, mesmo diante da pesada repressão sofrida
pela comunidade nipônica e a proibição vigente no país, à criação de associações de
estrangeiros, houve várias tentativas de organização por parte dos japoneses, como forma
de resistência cultural. Mesmo o requerimento que o der da Shindô Renmei no Paraná
tentou encaminhar ao então presidente da República, General Eurico Gaspar Dutra e que
Seto chama de “Carta do Paraná”, tenta chamar atenção da sociedade brasileira para os
desmandos cometidos pela polícia e reivindicar direitos aos “japoneses do Brasil”.
Tanto este requerimento como documentos da polícia potica demonstram que a situação
da colônia japonesa era de constante e sistemática opressão, principalmente, durante a
Segunda Guerra e no período que seguiu ao seu término.
É certo, porém, que os documentos das DOPS podem não explicitar, inteiramente, o
que foi o norte do estado em tempos de guerra, entretanto, é possível afirmar que, com
certeza, eles desenham uma paisagem que não está presente nas publicações comemorativas
das cidades, nem nos panfletos das companhias que colonizaram esta região, decantada
como o “eldorado” e anova Canaã”.
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170
CONCLUSÃO
“...Millions are willing to give lives for you
Does nothing live on?
Learning to cope with feelings aroused in me
My hand in the soil, buried inside of myself
My love wears forbidden colours
My life believes (in you once again)...”
94
(SAKAMOTO e SYLVIAN, 1988)
94
-
“...Milhões estão prontos para dar suas vidas a vo
Nada para alimentá-los?
Aprendendo a lidar com o sentimento que nasceu em mim
Minha mão na terra, sepultada dentro de mim
Meu amor veste cores proibidas
Minha vida acredita (em você novamente)...
Trecho da música Forbidden Colours” de Ryuichi Sakamoto e David Sylvian, composta para a trilha do
filme “Merry Christmas Mr. Lawrence”.
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171
A história da imigração japonesa no Brasil, no limiar de seu centenário, ainda não
foi devidamente contada. Como raça indesejável para cumprir o desígnio de povoar e
melhorar o tipo nacional, os japoneses foram uma das cores proibidas” pela Constituição
de 1934 que proibia a entrada no país de “indivíduos” de cor. Durante a Segunda Guerra
Mundial, diante do temor a sua política expansionista, transformaram-se no perigo
amarelo” e no após-guerra envolveram-se entre si, numa guerra fantasiosa e solitária.
A trajetória desses imigrantes no Brasil, iniciou-se com o declínio do fluxo de
imigrantes oriundos da Europa, no final do século XIX. Necessitados de braços para as
lavouras, principalmente de café, setores da sociedade paulista vislumbraram uma saída
com a imigração japonesa e em 1908, desembarcou em Santos a primeira leva de
imigrantes.
Os anos de 1930 e 1940 tratados aqui, mostram que, na contramão dessa tentativa
de se implantar a força de trabalho ninica nas lavouras paulistas, tomava vulto um
movimento de intelectuais e setores da sociedade comprometidos com um projeto de nação.
A imigração japonesa tornou-se, assim, o mote de inúmeras contendas na sociedade
brasileira. Esta disputa expressou-se nos debates da Constituinte de 1934 que tentava
definir o tipo de imigrante ideal para a consecução da unidade nacional, onde os japoneses,
devido às suas diferenças biológicas e culturais não eram convenientes.
Este episódio desvela apenas uma faceta da questão japonesa no Brasil, mas, mostra
que na busca por imigrantes, São Paulo diferia do Paraná, pois, apesar da mesma
necessidade de mão-de-obra, para o último, prevalecia a preocupação desde o século XIX,
em buscar um imigrante que não pudesse ocupar suas áreas chamadas “vazias”, mas
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trouxesse novas técnicas de agricultura e, ainda, pudesse ajudar a depurar o tipo racial,
através do caldeamento.
Esta preocupação, presente no Paraná, desde os primeiros debates sobre a
possibilidade de se introduzir mão-de-obra oriental no Brasil, traduziu-se em intolerância à
imigração nipônica e, na ocasião da entrada dos primeiros japoneses no início do século
XX, uma intensa campanha antijaponesa foi iniciada na imprensa curitibana.
Durante a Segunda Guerra Mundial, intensificaram-se as restrições aos ninicos no
sul do Paraná e através de uma ação das Delegacias de Ordem Potica e Social das cidades
de Antonina e Paranaguá, imigrantes alemães e italianos, juntamente com japoneses foram
retirados de suas propriedades. No entanto, é impossível olhar para essa ação, sem
considerar o que acontecia às comunidades japonesas mundialmente. O ataque do Japão à
base norte-americana de Pearl Harbor, materializou o “perigo amarelo” que combinava um
racismo antijaponês, provocado pela ofensiva econômica do Japão no ocidente, com o
medo de uma invasão devido à política expansionista nipônica no oriente. Assim, os
Estados Unidos iniciaram internações em campos de confinamento de todos os imigrantes
japoneses e seus descendentes como medida de segurança. Seguidos pelo Canadá e
diversos países da América Latina.
Os japoneses do litoral do Paraná faziam parte de uma pequena comunidade e foram
retirados de suas casas em 25 de setembro de 1942 e, segundo depoimentos de imigrantes,
internados em colônias agrícolas. Esta ação causa muita estranheza pois foi anterior à
expulsão de imigrantes ditos “do eixo” ocorrida em Santos, litoral paulista, em 8 de julho
de 1943. E muito antes da declaração de guerra do Brasil ao Japão, somente em 6 de junho
de 1945.
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Não é possível saber com certeza, quais foram as motivações do governo
paranaense que, aliás, realizou essa operação muito próxima dos Estados Unidos, que
iniciaram suas “relocações” a partir do decreto Ordem Executiva n.
0
9066” de 19 de
fevereiro de 1942. Contudo, é bastante provável que as ações empreendidas à comunidade
japonesa no Paraná, tenha relações diretas com o interventor do Estado na época, Manoel
Ribas.
Assecla do presidente Getúlio Vargas, este interventor não fazia alianças com os
ervateiros, a elite local, e manteve relações ambíguas com a colônia japonesa. Interessou-se
pela agricultura diversificada e produção em grande escala que os japoneses estavam
promovendo no interior de São Paulo. E é possível, também, que tenha vislumbrado com
esses internamentos de japoneses, a possibilidade de fomentar os projetos de colônias
agrícolas que ele tinha criado com alguns imigrantes desta etnia. Ora, a criação de colônias
agrícolas no interior do país, em áreas consideradas “vazias” pelo governo, era onde se
assentava, segundo Lenharo, a política geral de colonização do Estado Novo (1986, p.14).
Sintomática, portanto, é a entrada de imigrantes japoneses no norte do Paraná
através das companhias de colonização que atuavam na região, simultaneamente à retirada
de japoneses de suas propriedades no litoral e ao possível internamento dessas pessoas em
colônias agrícolas. A ocupação dessas áreas consideradas “vazias”, também pode ter sido o
motivo propulsor da permissão para que tais companhias agissem livremente no norte do
estado, introduzindo imigrantes de várias etnias, inclusive algumas consideradas
perigosas” e, portanto, “indesejáveis”, pelo Estado Novo.
As companhias faziam crer que ocupavam o lugar do Estado já que este se fazia
ausente” e que estavam promovendo uma verdadeira e ordeira reforma agrária”. Ocorre
que a ausência do Estado na região é um mito. Ele dirigiu a concessão de terras a
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particulares e às companhias e, pelo que mostra os documentos da polícia política, no
período da Segunda Guerra Mundial, também esteve presente com seu aparato policial, no
encalço daqueles imigrantes “perigosos” e “indesejáveis” que precisavam de vigilância.
Diferente ou não de São Paulo, a situação dos japoneses no Paraná ainda tem muito
que ser desvendada, principalmente no tocante a sua situação no imediato pós-guerra. Sabe-
se que a comunidade se manteve organizada, tanto no sul, como no norte do estado. Porém,
os documentos das cidades sulinas não revelam a existência da Shin Renmei, uma das
associações de nipônicos mais conhecidas e que protagonizou o episódio mais marcante da
história da imigração japonesa no Brasil.
A Shindô Renmei provocou uma verdadeira implosão dentro da comunidade
nipônica e, se não foi a responsável, como querem alguns, pela cisão dentro da colônia
entre os que não acreditavam na derrota japonesa na guerra e os que a aceitavam, esteve
diretamente envolvida no conflito intragrupal. Estudiosos concordam que a verdadeira
guerra que se desencadeou entre as duas facções, foi fruto de tensões internas,
potencializadas pela situação de isolamento e opressão a que foram submetidos os
japoneses.
Sobre a origem dos ressentimentos que levaram às dissensões no pós-guerra, a
maior parte dos estudos considera que aqueles imigrantes que não tinham conseguido
amealhar fortuna e nem posição dentro da sociedade brasileira, voltaram-se contra os
imigrantes estabelecidos ou aqueles que tinham enriquecido com a guerra, produzindo
gêneros para os “aliados” e portanto, inimigos do Japão.
Claudio Seto, no entanto, empreende uma análise sobre a Shin Renmei que a
caracteriza como a explosão de rancores profundos e conflitos em todas as instâncias. Dos
derrotistas (japoneses bem-sucedidos no Brasil mas que não conseguiam ascender
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socialmente na colônia) em relação aos vitoristas (japoneses mais cultos, provavelmente de
uma classe social mais elevada no Japão). Dos vitoristas em relação aos derrotistas por
acharem que estes exploravam os demais japoneses e estavam se aproveitando da guerra
para enriquecer. Dos “nihon-jin-kai” em relação às autoridades japonesas que os tinham
deixado à própria sorte no Brasil. Dos mais jovens que não tinham espaço dentro dos
“nihon-jin-kai”, associações lideradas pelos japoneses mais velhos. Seto, em sua análise,
enfatiza o ressentimento dos membros mais jovens da colônia em relação aos mais velhos,
que proibidos de tomar parte dos “nihon-jin-kai”, tinham a própria associação, os
chamados “seinen-kai”. O autor assegura que os atos de violência que foram creditados à
Shindô Renmei, foram, na verdade, exclusivos dos “seinen-kai” e, acredita, ainda, que a
organização nem sabia dos planos de execução.
Apesar de todos os esforços empreendidos para se dissecar o que foi a Shin
Renmei, ela não foi inteiramente explicada. Jeffrey Lesser lembra que a maior parte da
produção intelectual sobre o movimento, trata da questão sob duas perspectivas. A
historiografia brasileira tende a analisar a documentação do DEOPS, como o único discurso
sobre a Shindô Renmei (cujo foco é o discurso antijaponês) e a historiografia em ngua
japonesa (produzida no Brasil e Japão) interpreta o movimento como “histeria de massa”,
para o autor, ambas as vertentes apontam a Shindô Renmei como um movimento
“japonês”. Lesser assevera, todavia, que a documentação do DEOPS que precisa ser lida
juntamente a muitas outras fontes, revela que a Shindô Renmei foi, na verdade, um
movimento bem brasileiro. O seu surgimento seria uma resposta ou estratégia étnica de
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176
setores das comunidades “nikkei”
95
e japonesa a fim de mudar a potica brasileira e criar
seus próprios espaços.
De qualquer maneira, a história da Shindô Renmei ainda está fortemente associada à
violência. Porém, através deste estudo, pode-se concluir que, no caso do Paraná, se não
provas de que a entidade era pacífica e visava à propagação do “espírito japonês”, como
alegavam seus membros, ao menos, os documentos disponíveis no Arquivo de Curitiba
sinalizam para possíveis especificidades da Shindô Renmei e da própria história da
imigração japonesa no estado.
A entrada de japoneses no Paraná, através de projetos de colonização e não
simplesmente para substituição da mão-de-obra européia nas lavouras de café, como
ocorreu no estado de São Paulo, traz uma certa singularidade a esta colônia nipônica. O
forte sentimento antijaponês no pré-guerra que levou à comunidade a uma situação extrema
como a expulsão de suas propriedades e o internamento em campos de trabalho na região
sul e o permanente e cerrado estado de vigilância a que estavam submetidos os japoneses
no norte do Paraná, podem ter motivado as organizações a não se aterem somente à
preservação da cultura japonesa, mas, também, a lutar pela conquista de direitos aos
“japoneses do Brasil”.
95
- Nikkei – descendente de imigrantes japoneses.
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177
FONTES E BIBLIOGRAFIA
- ARQUIVOS
Arquivo Público do Estado do Paraná:
Pastas temáticas da DOPS:
1) Dossiê – Consulado do Japão – 1941 a 1943 (0360) top.42
2) Dossiê: DOPS (dilincias) – 1942 a 1943 (0769) top.87
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178
3) Dossiê: DOPS (documentos antigos) 1938, 1942, 1943, 1946 a 1948 (0780-b)
top.89
4) Dossiê: Delegacias de Pocia:
a) Delegacia de Polícia de Andirá – 1944-1946 (0421) top.47
b) Delegacia de Pocia de Antonina – 1942-1945 (0422) top.47
c) Delegacia de Polícia de Assaí – 1942-1943 (0429-a) top.48 e 1946 (0429-b) top.48
d) Delegacia de Pocia de Bandeirantes – 1942-1946 (0433) top.49
e) Delegacia de Polícia de Castro – 1942-1945 (0460) top.52
f) Delegacia de Polícia de Jacarezinho – 1942-1945 (527-b) top.58
g) Delegacia de Pocia de Londrina – 1941-1943 (5440) top.61
h) Delegacia de Pocia de Palmeira – 1942-1945 (579) top.64
i) Delegacia de Pocia de Paranaguá – 1941-1947-1949 (0584-a) top.65
j) Delegacia de Pocia de Ponta Grossa – 1943-1944 (0598-a) top.66, (0598-b) top.67
e (0598-c) top.67
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro:
Arquivos das Pocias Poticas – setor: Japonês
Arquivo Público do Estado de São Paulo:
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acesso: 9/4/2006 às 10:36.
ANEXOS
Anexo 1
(citado na p.95-96)
CRUZAMENTO DA ETHNIA JAPONESA
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187
HYPOTHESE DE QUE O JAPONEZ NÃO SE CRUZA COM OUTRA ETHNIA
O povo japonez atual é o resultado do multiplo caldeamento das diversas
raças no longo do curso de sua história. Conseqüentemente a hypothese de que a ethnia
japonesa não se cruza com outras, é por isso mesmo um argumento erroneo. Discorreremos,
pois, em ligeiras considerações, sobre a materia do cruzamento dos immigrantes japonezes
no Brasil da forma seguinte:
1 – FACTOR – TEMPO
Primeiramente, é cedo para se trazer à baila o problema do cruzamento dos
immigrantes japonezes no Brasil, pois, desde que os primeiros immigrantes dessa
nacionalidade aportaram a Santos, decorreram apenas cinco lustros. Desses immigrantes
apenas sobrevivem cerca de 200, e ainda assim velhos, em sua maioria. Depois dessa
primeira léva, a corrente immigratoria japonesa soffreu, não poucas vezes, interrupções em
sua história, não se tendo verificado, por tal motivo, o augmento do seu volume no Brasil, é
constituido, portanto, pelos que entraram nos últimos 10 annos.
Todavia, a immigração japoneza é composta de familias quase todas recem-
formadas no Japão, pouco antes de emigrarem para este paiz, e acompanhadas de filhos
menores, quase que na sua totolidade, e, pois, sem a edade precisa exigida para o
matrimonio. Conseqüentemente, pode-se avaliar, facilmente, a falha do factor-tempo em
relação a este assumpto, o que seria por si um argumento absoluto e indiscutível.
2 A IMMIGRAÇÃO JAPONEZA É DE AGRICULTORES E CONSTITUIDA
POR FAMILIAS POR ELLES FORMADAS.
Reside o objetivo essencial da immigração japoneza no facto dos immigrantes para
aqui virem com o animo de fixarem neste paiz residencia difinitiva, adaptando-se aos seus
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188
costumes e delle fazerem a sua segunda patria, e não como andorinhas que procuram
temporariamente paragens de clima favoravel.
Nem seria admissivel outra concepção no immigrante japonez, uma vez que
se deslocam de uma paiz, geographicamente separado deste por uma distancia enorme.
E porque seja elevada, sobre todos os pontos de vista, a intenção dos colonos
japonezes, nunca lhes faltou, por parte do governo japonez, bôa vontade, estimulo e amparo
ás correntes emmigratorias, certo como tem sido, que ellas sempre foram constituidas por
familias de agricultores sadios, honestos e ordeiros, por isso mesmo capazes de contribuir
para o desenvolvimento do paiz que os recebe, numa correspondencia digna offerecida.
O Brasil é um paiz agricola, e, para o desenvolvimento de sua riqueza, tem
recebido, com braços abertos, milhares e milhares de immigrante agricolas de toda
procedencia, tendo até subvencionado, por tal motivo, a vinda desses trabalhadoes
agricolas.
Para serem bons e efficientes, os immigrantes que veem trabalhar na lavoura
do paiz, devem, as suas correntes, ser compostas de familias.
A experiência determinou, com clareza, que os trabalhadores sem familia
não permaneceram por muito tempo na lavoura seduzidos pela vida facil das cidades, onde
acreditam arranjar qualquer trabalho mais suave e mais rendoso.
No entanto, na sua quase totalidade, os immigrantes japonezes entrados no
Brasil, a despeito da crise que os assoberbou e ainda assoberba em consequencia do
desequilibrio economico mundial, não concorreram nem concorrerão para o augmento do
contingente dos sem trabalho das cidades.
Ao contrario, permanecem nos campos contribuindo efficazmente para o
desenvolvimento economico do paiz. É que, para tal, contam com o grande estimulo que é a
assistencia da familia constituida, reforço natural que os habilita a enfrentar a vida rude dos
campos onde mourejam.
3 SUPREMACIA, EM NUMERO, DO SEXO MASCULINO SOBRE O
FEMININO, OFFERECIDO PELA IMMIGRAÇÃO.
Quando se trata de emigração de qualquer paiz verifica-se, segundo as estatisticas
que ha certa supremacia do sexo masculino em numero, em relação ao feminino.
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189
É muito natural que a colonização, ou melhor, a emigração, seja um
emprehendimento cheio de aventuras.
Quanto aos japonezes que immigram para o Brasil, é de se notar que elles
deixam a patria que os viu nascer, como todos os seus bens, e as tradições, impulsionados
pela esperança de se estabelecerem em um paiz que lhes é totalmente desconhecido.
Dahi o constituir tal passo uma caracterizada aventura, para a realização da
qual o homem sempre tomou a iniciativa. Dahi a supremacia do chamado sexo forte sobre o
fraco. Dahi, ainda o facto da predisposição dos homens para o cruzamento com mulheres de
outras raças e do consequente numero pequeno, insignificante mesmo, das mulheres lhe
seguirem o exemplo.
No Japão, porém, o caso é inverso. É muito commum o casamento dos
extrangeiros lá residentes, com japonezas, e raro o de japonezes com estrangeiras. Sendo,
como é, a mulher japoneza, especialmente a camponeza, muito conservadora em relação á
vida social, é perfeitamente explicavel o facto della, no Brasil, procurar consorciar-se de
preferencia com os seus patricios, ao envez de o fazer com brasileiros, não importando, tal
facto, na ideia de menor repulsa ás qualidades destes, para ella igualmente nobres ás
daquelles. Só os leigos na matéria desconhecem essa verdade.
4 A IMMIGRAÇÃO JAPONEZA, CONSTITUIDA COMO É, DE
LAVRADORES, DESTINA-SE A REGIÕES INCULTAS, ONDE POUCA OU QUASI
NENHUMA POPULAÇÃO EXISTE.
Quem examinar, com seriedade, a acção dos japonezes aqui aportados, de
vinte annos a esta parte, observará por certo, que elles, de preferencia, procuram se
localizar em regiões de mattas seculares, ou em logares menos prosperos, e, portanto,
abandonados. Nessas paragens abriram lucta conta a força da natureza vegetativa e contra a
canceira do humo. E essas regiões que primavam pela ausência quase que absoluta dos
seres humanos, constituem hoje pequeninas mas prosperas cidades.
Em abono, ainda, desses trabalhadores, citaremos a acção por elles
desenvolvida nos subúrbios da antiga cidade litoranea do Estado do Paraná: Antonina.
Pouco tempo, após a vinda dos primeiros immigrantes japonezes para o Brasil, alguns
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190
delles se áquelle visinho Estado, localizando-se na referida cidade, onde se dedicam á
plantação de verduras, á fructicultura, á fabricação de aguardente, tendo formado, segundo
os dados actuaes, vinte famílias mais ou menos, das quase treze são de casamento
internacional.
É de notar, todavia, que o casamento do japonez com indígena é mais
frequente neste Estado, porque os primeiros japonezes que se encaminharam a essas regiões
se esparramaram entre as populações já existentes, o que favoreceu o dito cruzamento pelas
circunstancias e pelas necessidades individuaes.
O problema do casamento, nacional ou internacional, não admite nem
concebe discussões no terreno theorico. Elle é resultante de um facto natural adstricto ao
ambiente, formado na convincia dos seres, onde a correspondencia dos sentimentos
nivela os sentidos predispondo-os ao amôr que conduz o casamento.
Nem de outra forma se poderia ou poderá admitir uniões mesmo entre
pessôas da propria nacionalidade, quanto mais entre as de nacionalidades diversas.
Nem a extranhos se deve reconhecer competência para a discussão de um
caso cujo conhecimento só pode ser attribuido aso dois sexos differentes, unicos nelle
interessados.
Nem se diga que, para a sua solução, no casamento, possa haver outro factor
que não o predominio traduzido nos designios da Providencia.
5 OS FILHOS O SENSIVEIS Á INFLUENCIA DOS COSTUMES E DOS
MEIOS QUE ADOPTAM SUAS MÃES
Não são poucos os criticos que adoptam como base de sua argumentação, theorias
que se traduzem na condemnação do japonez, como inassimilável, porque allegam elles
não se cruza facilmente com outras raças. Mas, si bem que, de accordo com a doutrina
exposta, não seja muito commum o casamento de japonezes com brasileiros, o certo é que
delles já existe um grande numero. E sendo verdade que as crenças deixam-se grandemente
influenciar pelos hábitos, costumes, idioma, religião e pensamentos de suas mães, conclue-
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191
se que os filhos de taes uniões amam verdadeiramente o Brasil, e delle exclusivamente se
consideram filhos.
Anexo 2
(citado na p.161)
LIGAÇÃO DO CAMINHO DOS SUBDITOS (SHNDO-RENMEI) 429 – b
Top.48
OBJETIVOS: 1946
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192
1°) s somos súbditos do Grande Japão. Nós japoneses residentes no Brasil temos
orgulho de ser japoneses. Nunca deixaremos de cultivar o espírito japonês. Para isso é
preciso possuir elevada mural, ser esforçado e resignado, ter nerasmo (?) para com o país.
2°) Apesar a construção da Grande Ásia. Nós japoneses residentes no Brasil, para
aquele fim teremos que educar adequadamente, de modo geral, respeitante a idéia de Deus
e dos antepassados. Deve ser forte e decidido fisicamente, educando seus filhos pelo
sistema japonês, principalmente quanto a ngua japonesa, afim de que se torne um grande
homem, e para que não olvide o espírito japonês.
- 23 de julho de 1945. Séde Shindo-Renmei
Orientação para os japoneses reisdentes no Brasil
Embora se modifique o sistema político do Brasil ou mesmo do mundo, deve o
japonês conservar sempre o sentimento espiritual de sua pátria.
1°) Compenetração do espírito japones:
a) Respeitar a Deus, o templo de culto aqueles que morreram pela pátria, voltar-se para
o sol nascente quando em cerimonia.
b) Educação japonesa.
c) Incentivar a prática da esgrima em geral. (jiu-jitsu, esgrima de baioneta, flexa, luta
japonesa, em suma todos os esporte japoneses.)
d) Educação para adultos. Cultivar o sentimentos patrioticos, reunido-se em grupos de
10 e 15 famílias para o serviço de assistência, defesa passiva, e outros misteres
relacionados com a guerra.
e) Estado novo do Japão.
2°) Organização do novo regime.
a) Secção de informações, tesouraria, estatística, correspondencia, etc. etc (Séc. de
verificação dos prejuízos sofridos pelos japoneses do Brasil).
b) Secção propulsora (obedecem as ordens diretas da matriz)
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193
c) Correspondência, laudo em japonês como em português.
d) Propaganda por meio de jornais, panfletos, conferencias, discurso.
e) Sec. Recrutiva, - cinema, música, etc.
Séde Shindo-Remmei
ESTATUTOS DO SHINDO-REMMEI
Art. - Nome – Shindo-Remmei
Art. 2 - Finalidade orientar sobre o caminho a seguir pelos subditos do grande
Japão, apoiando o estado novo da Pátria.
Art. - Séde – São Paulo, com filiais em diversos pontos do interior do Brasil.
Art. - Organização Farão parte da sociedade somente pessoas que não temem a
morte.
Art. - Diretoria Sua organização: - Conselheiro, Presidente, Diretor Gerente,
Vice-diretor Gerente, Diretor para o Interior, membro dos Diretores das Filiais (chefe e
sub-chefe) e outros.
Art. - A nomeação e de missão dos membros de Diretoria serão feitas em reunião
da Diretoria.
Art. - O mandato da diretoria é por tempo indeterminado e sem honorários.
Art. - Das Assembléias:
a) – Congresso da Diretoria em geral, três vezes por ano)
b) – Reunião das sub-diretorias nos dias 1° de cada mês, as 3 horas da manhã, na séde.
c) Assembléia extraordinária, quando houver matéria urgente a resolver, funcionará
quando convocada por mais de 3 membros das diretorias (Chefes do Interior)
d) Assembléia geral será realizados com autorização do Presidente, e com
apresentação do relatório dos serviços e balancetes.
Art. - Cada associado contribuirá com 2 cruzeiros por mês.
Art. 10° - Encargo dos Sub-Diretores amplos poderes. Educação Informações
Diplomacia – Porpulsão.
Art. 11° - As transgressões destes dispositivos serão punidos moralmente!
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Anexo 3
(citado na p.155)
Os pensamentos de um nipo-brasileiro
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Sou um pobre nipo-brasileiro que estou sempre sendo mal visto pelos japoneses
natos. Isto para nós nipo-brasileiros traz grandes desgostos, porem estudarei muito para não
atrazar, ou melhor para ver se consigo superar-los (a eles japoneses natos)
Dezejo que os senhores compare a educação que tivestes e a que nós temos hoje.
È certo que nós devemos respeitar nossos superiores, pais e irmãos (japoneses
natos). Seria desrespeitoso nós os nipos-brasileiros contraria-los, porém para nós termos
razão do que damos exemplos: Nós sempre respeitamos a grandeza da nossa pátria (Japão)
e a educação paterna que nós tivemos como sendo raça superior, nós soubemos que no
Japão, as imagens dos Imperadores são tratados com maior cuidade, sendo expostas
perante o publico, nos dias de grandes festas, mas aqui no Brasil vemos até na sala de
visitas sendo mexido e remexido como se fosse um simples quadro decorativo. Assim
sendo foi até desrespeitado pelas autoridades policiais do Brasil. Eu mesmo (Nipo-
Brasileiro) tenho presenciado terem sido pronunciados palavras desrespeitosas na presença
dessas imagens sagradas, que isto representa falta gravissima de respeito, consideração
sendo por isso, mas os sócios da Shindo-Renmei, fazemos cumprir esses insinamentos (sic),
que nós tivemos de um a um, desde hoje peço que respeitem mais a imagem.
Estas palavras ditas pelos Nipo-Brasileiros que são solidários a Shindo-Renmei,
peço a todos comprehenderem que nós soubemos da reviravolta do mundo atual.
Nós (Nipo-Brasileiros) que nascemos no mundo do renascimento, estamos
contentes e sabemos da responsabilidade que nós teremos com o auxilio de voz (sic)
(japoneses natos) para que sejamos uteis e prestar mais serviços ao nosso imperador.
Não respeitar as imagens sagradas, também a bandeira do sól nascente, devemos
trata-la com o máximo carinho e respeito, acho que isto é a base da educação, peço
desculpas em ter dito estas palavras de desrespeito, pois não foi possível conter-me ao ver
os quadros nas (sic) quais aparecem as imagens do Imperador e Imperatriz, nas salas de
visitas sem a menor cerimônia.
Sem assinatura
Palavras de um Nipo-Brasileiro
(carimbo da Del. de Assaí)
Anexo 4
(imagens)
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