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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: POLÍTICA E MOVIMENTOS SOCIAIS
LEANDRO LUIZ CORDEIRO
ALCEU AMOROSO LIMA E AS POSTURAS POLÍTICAS NA IGREJA CATÓLICA
BRASILEIRA (1930-1950)
MARINGÁ
2008
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LEANDRO LUIZ CORDEIRO
ALCEU AMOROSO LIMA E AS POSTURAS POLÍTICAS NA IGREJA CATÓLICA
BRASILEIRA (1930-1950)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Hisria, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade
Estadual de Maringá, como um dos requisitos
para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. João Fábio Bertonha
MARINGÁ
2008
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Cordeiro, Leandro Luiz
C794a Alceu Amoroso Lima e as posturas políticas na Igreja
Católica Brasileira (1930-1950) / Leandro Luiz Cordeiro. --
Maringá : [s.n.], 2008.
223 f.
Orientador : Prof. Dr. João bio Bertonha.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá. Centro de Ciências, Letras e Artes, Programa de
Pós-graduação em História, 2008.
1. Lima, Alceu Amoroso, 1893-1983 - Catolicismo -
Brasil. 2. Lima, Alceu Amoroso, 1893-1983 - Igreja Católica
- Brasil - 1930-1950. 3. Lima, Alceu Amoroso, 1893-1983 -
Política - Igreja Católica. II. Universidade Estadual de
Maringá. Centro de Ciências, Letras e Artes, Programa de
Pós-graduação em História. II. Título.
CDD 21.ed.801.95
LEANDRO LUIZ CORDEIRO
ALCEU AMOROSO LIMA E AS POSTURAS POLÍTICAS NA IGREJA CATÓLICA
BRASILEIRA (1930-1950)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Hisria, Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes da Universidade
Estadual de Maringá, como um dos requisitos
para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. João Fábio Bertonha
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Dr. João Fábio Bertonha (orientador)
Universidade Estadual de Maringá
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Ivan Aparecido Manoel
Universidade Estadual Paulista – Franca
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias
Universidade Estadual de Maringá
À minha esposa, Maria Irene, com meu mais
sincero reconhecimento por sua paciência,
incentivo e cumplicidade durante minha
caminhada. Sem sua compreensão, tudo teria
sido mais difícil.
Aos meus pais, Marlene e Osvaldo (Fio). Sem
seu apoio, ao longo de minha vida, eu jamais
poderia desfrutar este momento.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que, de alguma maneira, contribuíram para que este trabalho se
concretizasse.
Não poderia deixar de mencionar as pessoas que me incentivaram durante este
percurso, começando pelos professores.
Ao meu orientador, professor João Fábio Bertonha, pela humildade e simplicidade
com que me tratou. Mesmo sendo um profissional de sucesso, reconhecido nacionalmente,
nunca senti sinal de soberba em sua pessoa. Sempre percebi que confiou no meu trabalho,
dando-me total liberdade de atuação. Mais do que mostrar o caminho, procurou ensinar-me
como trilhar meu próprio percurso.
Aos professores Reginaldo Benedito Dias e Ivan Aparecido Manoel, sou grato por
aceitarem o convite para participar da Banca Examinadora desta dissertação e pelas
indicações que fizeram por ocasião do Exame de Qualificação.
Aos colegas, pela importante colaboração. Agradeço principalmente aos participantes
do Grupo de Estudos sobre os movimentos autoritários do século XX. Em nossas discussões,
a idéia deste trabalho nasceu e criou raízes.
À antiga colega, hoje amiga, Rosangela Kimura, agradeço a oportunidade de diálogo e
troca de experiências. Nossas conversas, sempre muito prazerosas para mim, excediam as
discussões do grupo de estudo.
Aos colegas do Centro Alceu Amoroso Lima para Liberdade (CAALL), agradeço
tanto a disponibilidade quanto o acolhimento com que me receberam. Guardarei com carinho
as lembranças das conversas, durante o lanche vespertino, nas frias tardes do inverno
petropolitano.
À saudosa Sra. Márcia, bibliotecária do CAALL, que merece distinção e
reconhecimento especial. Esta jovem senhora, cujo coração quase não cabe no peito, auxiliou-
me com a documentação relativa ao arquivo e abriu-me as portas da Biblioteca do Instituto
Teológico Franciscano, onde tive acesso à maioria dos periódicos apresentados neste trabalho.
A muitas outras pessoas que me ajudaram nesta caminhada. Peço-lhes desculpas pelo
lapso de memória e pelo pequeno espaço que destino a estes agradecimentos.
Dizia Aristóteles que a mocidade termina aos
cinqüenta anos! Creio que ela jamais termina,
quando sabemos fazer da vida, não uma
despedida contínua de valores superados, mas
uma descoberta incessante de novos valores.
Tristão de Athayde
O capital é como o estrume, é bom quando
espalhado.
F. Bacon
CORDEIRO, Leandro Luiz. Alceu Amoroso Lima e as posturas políticas na Igreja
Católica Brasileira (1930-1950). 2008. Dissertação (Mestrado em Hisria). 224 f.
Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2008.
RESUMO
O principal objetivo desta dissertação é examinar a trajetória do intelectual católico Alceu
Amoroso Lima (Tristão de Athayde), entre 1930 e 1950. Analisando seu pensamento,
pretendemos compreender quais fatores levaram este grande protagonista da história brasileira
a migrar de um catolicismo ortodoxo e autoritário isto é, de uma posição marcadamente de
direita adotado a partir de sua conversão ao catolicismo em 1928 e que caracteriza seu
pensamento durante boa parte da década de 1930, para um catolicismo mais aberto,
progressista caracterizado como posição política de esquerda em fins de 1940. Contudo,
mais que respostas para essa transição, procuramos contemplar as mudanças e as
permanências no seu pensamento e expor sua postura diante das questões mais relevantes e
controversas daquele período. Tentando entender melhor esse contexto, mostramos o
posicionamento da Igreja Católica diante da sociedade e do Estado, ou seja, avaliamos seu
posicionamento político no período. Por outro lado, buscando situar Alceu Amoroso Lima no
debate político e católico da época, delimitamos os campos de disputa em que estava inserido.
Em virtude disso, mais que um estudo acerca das posturas políticas de Alceu Amoroso Lima,
o presente trabalho constitui-se em um estudo das posturas políticas na Igreja Católica
brasileira.
Palavras-chave: Alceu Amoroso Lima. Intelectualidade católica. Posturas políticas. Igreja
Calica.
CORDEIRO, Leandro Luiz. Alceu Amoroso Lima e as posturas políticas na Igreja
Católica Brasileira (1930-1950). 2008. Dissertação (Mestrado em História). 224 f.
Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2008.
ABSTRACT
The main objective of this dissertation is to examine the Catholic intellectual's path Alceu
Amoroso Lima (Tristão de Athayde), between 1930 and 1950. Analyzing his thought intended
to understand which the factors that took this great protagonist of the brazilian history to
migrate of an orthodox and authoritarian catholicism in short of a position remarkably of
right adopted starting from his conversion to the catholicism in 1928, and that it
characterizes his thought during good part of the decade of 1930, to a catholicism more open,
progressive that can be characterized as a political position of left , in the end of 1940.
However, more than answers for this transition, we sought to contemplate the changes and the
permanences in his thought, exposing as it was positioned before the most relevant and
controversial subjects of this period. Trying to understand better this context, we showed
which the positioning of the Catholic Church before of the society and of the State, in other
words, we evaluated his political positioning in the period. On the other side, looking for to
place Alceu Amoroso Lima in the political and catholic debate of the time, we delimited the
dispute fields in which it was inserted. Because of this, more than a study the about of the
political postures of Alceu Amoroso Lima, the present work was constituted in a study of the
political postures in the brazilian Catholic Church.
Keywords: Alceu Amoroso Lima. Catholic intellectuality. Political postures. Catholic Church.
LISTA DE SIGLAS
ACB Ação Católica Brasileira
AIB Ação Integralista Brasileira
AUC
Ação Universitária Católica
CAALL
Centro Alceu Amoroso Lima para Liberdade
CDV Centro Dom Vital
JOC Juventude Operária Católica
JUC Juventude Universitária Católica
LCT Legião Cearense do Trabalho
LEC Liga Eleitoral Católica
PCB Partido Comunista Brasileiro
PDC Partido Democrata Criso
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 10
2 ESTADO, IGREJA E POLÍTICA................................................................... 14
2.1
A Igreja Católica e a conjuntura política mundial no início do século XX:
as doutrinas em voga.........................................................................................
14
2.2 A Igreja Católica no Brasil e seu projeto de restauração (1889-1930)......... 21
2.3 A Igreja Católica e a política no Brasil: 1930-1950........................................ 29
3
DIREITA E ESQUERDA: NA POLÍTICA E NA IGREJA CATÓLICA
(1930-1950).........................................................................................................
50
3.1 Direita e Esquerda na política.......................................................................... 51
3.2
A política no altar: as divisões políticas na Igreja Católica brasileira
(1930-1950)......................................................................................................... 56
3.3 Jacques Maritain: uma das causas da discórdia ........................................... 71
3.4 Progressistas X Integristas: o caso Maritain.................................................. 78
4
CATOLICISMO E POLÍTICA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO
ITINERÁRIO AMOROSIANO....................................................................... 90
4.1 Breve introdução sobre Alceu Amoroso Lima............................................... 93
4.2 Comentadores, biógrafos e escritos posteriores............................................. 102
4.2.1 Os cardeais e o peso da posição oficial............................................................... 103
4.2.2 Identidade ou evolução: volta ao passado ou ida ao futuro.................................
107
4.2.3 O Integralismo..................................................................................................... 114
4.2.4 Interpretações da influência de Jacques Maritain................................................
120
4.3
O itinerário de Alceu Amoroso Lima a partir de suas obras (1930-
1950)....................................................................................................................
124
4.3.1 O capitalismo liberal-democrático e o comunismo............................................. 125
4.3.2 Os regimes de extrema direita............................................................................. 152
4.3.2.1 O Integralismo.....................................................................................................
160
4.3.3 A alternativa católica...........................................................................................
179
4.3.3.1 O distributismo.................................................................................................... 185
4.3.4 Alceu Amoroso Lima: a intelectualidade católica por dentro............................. 191
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 202
REFERÊNCIAS................................................................................................ 206
10
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é resultado da confluência de diferentes leituras realizadas durante nossa
pesquisa de mestrado. Sua motivação inicial foi analisar a trajetória intelectual de Alceu
Amoroso Lima (Tristão de Athayde), entre 1930 e 1950, para entendermos por que, no início
de 1930, apresentava uma postura autoritária e conservadora e, em fins de 1940, fixava-se
numa posição consideravelmente progressista. Todavia, como comprovaremos ao longo
destas páginas, houve desdobramentos que alteraram o projeto inicial. A transição amorosiana
continuou a ser o eixo central de nossa pesquisa, mas, para tanto, sentimos necessidade de
estender a discussão, abordando as diferentes posturas políticas existentes no seio da Igreja
Calica brasileira.
À medida que buscávamos respostas para a questão delineada acima, foram nascendo
novos eixos de discussão. O primeiro deles foi a dificuldade de falar de um intelectual leigo
da Igreja Católica, extremamente fiel à Hierarquia, sem abordar especificamente esta
instituição. Em nosso entendimento não seria possível fazê-lo, por isso o primeiro capítulo
deste trabalho aborda o posicionamento político da Igreja no período recortado. Surgia, então,
mais um problema, “de qual Igreja iríamos falar”, pois, como dizia Alceu Amoroso Lima,
unidade nesta instituição, porém também existe considerável variedade, grosso modo, existem
“várias Igrejas dentro do Vaticano”. Privilegiamos a relação entre a cúpula da Hierarquia
nacional e o Estado, um jogo político que culminou, durante o governo Vargas, em um regime
de cooperação entre ambos. Além disso, analisamos os posicionamentos da intelectualidade
católica brasileira, um seleto grupo que debatia entre si e com a Hierarquia nacional os rumos
que a Igreja deveria seguir, tanto em sua relação com a sociedade civil quanto em sua relação
com a sociedade política (Estado).
O contato com a obra de Antonio Gramsci também refletiu na composição deste
trabalho. Sua concepção de que a “sociedade civil” é uma arena privilegiada da luta de
classes, mas que em meio aos pares de uma mesma classe uma luta interna pela
hegemonia, foi muito importante para o desenvolvimento de nossa pesquisa. Gramsci abriu
nossos olhos para o fato de existirem diferentes formas de hegemonia, a coerção e o consenso,
o que contribuiu consideravelmente para o entendimento da relação entre a Igreja e o Estado,
os quais, em determinado momento, estabeleceram uma correlação de forças.
A abordagem das obras, dos artigos e da correspondência de Tristão de Athayde nos
colocou em contato com o pensamento de outros intelectuais com quem dialogava no cenário
11
nacional, essencialmente aqueles que escreviam nas revistas A Ordem e Vozes de Petrópolis e
no jornal Legionário. Isso fez com que percebêssemos um confronto interno em meio à
intelectualidade católica brasileira, tanto laica como eclesiástica. Seria importante mostrarmos
com quem nosso protagonista dialogava; no entanto, para isso, fazia-se necessário caracterizar
os grupos e os pensamentos em pauta. Mas como definir estes grupos frente à sociedade?
Quais eram seus objetivos e sua visão de mundo? Optamos por tentar observar quem
representava a direita e a esquerda dentro da Igreja brasileira. Com este propósito e norteados
pelos pressupostos de Norberto Bobbio, estabelecemos previamente a abordagem das
diferenças entre tais segmentos políticos. Buscamos visualizar as diferenças centrais entre os
grupos em questão, porém, mais uma vez, sentimos a necessidade de estender a discussão,
pois havia certos posicionamentos entre grupos rivais que apresentavam aspectos
coincidentes, inviabilizando determinada generalização. A historiografia sobre o assunto agiu
como um bálsamo em nossas angústias, da mesma maneira que fez surgir uma tese central em
nosso trabalho, mostrando que não há apenas uma direita ou uma esquerda, e que segmentos
díspares podem apresentar características comuns.
Como apontamos acima, os dois primeiros capítulos apresentam o contexto em que
Alceu Amoroso Lima estava inserido, além de situar as diferenças entre os atores em cena
nesse meio e delimitar os campos de disputa entre os intelectuais católicos. Igualmente,
enfatizam como se posicionavam frente ao Estado e às doutrinas políticas em voga na época
(comunismo, nazismo, fascismo e movimentos autoritários).
Na parte final do trabalho, em que discutimos especificamente o posicionamento do
“Dr. Alceu”, encontrar-se-ão, muitas vezes, assuntos discutidos em picos anteriores. Esta
estrutura de trabalho foi inevitável, afinal tínhamos que introduzir muitas questões antes de
discuti-las; ademais, antes de abordar seu pensamento, optamos por expor o de alguns de seus
interlocutores. Por outro lado, esta seção apresenta um arcabouço bastante delimitado e separa
a discussão historiográfica sobre Tristão de Athayde, assim como seus estudos posteriores
(obras que extrapolam nosso recorte temporal), da análise das fontes (correspondências, obras
e artigos de época). Dessa maneira, espera-se levar em consideração a produção
historiográfica sobre o tema sem perder certa independência intelectual na análise das fontes.
Em virtude desse percurso, mantivemos as motivações iniciais de nossa pesquisa, mas
ponderamos que seria coerente aumentar o foco de análise. Assim, além da transição do
pensamento amorosiano, procedemos ao exame das diferentes posturas políticas na Igreja
Calica brasileira (1930-1950), a partir do estudo da trajetória de Alceu Amoroso Lima.
12
Dividimos nossa exposição em três capítulos. O primeiro comporta um estudo sobre a
relação entre o Estado, a Igreja e a política. Partimos da conjuntura mundial, levando em
consideração as diferentes doutrinas em voga no início do culo XX, até restringirmos a
abordagem ao âmbito nacional. A fim de destacar o esforço político promovido pela Igreja no
início de 1930, recuamos historicamente a um período que foge às nossas balizas cronológicas
e delineamos qual projeto a Igreja Calica brasileira, seguindo as resoluções de Roma
(romanização), possuía para si mesma. No tópico A Igreja Católica e a política no Brasil:
1930-1950”, procuramos desvendar quais foram os meios usados pela instituição para
estabelecer um regime de cooperação com o Estado. A partir da historiografia sobre o tema,
tentamos enfatizar as motivações que a intelectualidade católica leiga possuía para atuar em
benefício desse projeto.
No segundo capítulo, pretendemos visualizar os grupos que disputavam a hegemonia
no interior da Igreja Católica, uma vez que, embora todos atuassem em benefício de seu credo
religioso, possuíam posicionamentos políticos bastante diferentes. Ambos queriam elevar ao
máximo a Igreja, mas os caminhos para atingir tal objetivo eram díspares. Antes de
vislumbrar esses segmentos da intelectualidade calica, buscamos definir, politicamente, as
diferenças entre a direita e a esquerda. Esta opção metodológica deveu-se ao fato de
acreditarmos que um liame entre as diferenças desses conceitos na política (laica) e em
meio às divisões políticas da Igreja. Por outro lado, caracterizamos as posturas adotadas pelos
três diferentes segmentos identificados no catolicismo brasileiro daquele período: os
ultramontanos, os integristas e os progressistas. Estavam, em nosso entendimento, os dois
primeiros à direita e o último a esquerda de Deus”.
Durante nossa pesquisa identificamos que Jacques Maritain era uma das causas da
discórdia entre os grupos em evidência. Para entender esta questão, promovemos uma breve
discussão sobre ele, levando em consideração algumas de suas principais obras. Em seguida,
colocamos em debate os grupos antagônicos que coexistiam no interior da Igreja: os
progressistas, representados, essencialmente, por intelectuais que pertenciam ao Centro Dom
Vital e escreviam na revista A Ordem, e os integristas e ultramontanos, que falavam,
respectivamente, a partir da revista Vozes de Petrópolis e do jornal paulista Legionário.
Destinamos ao estudo do pensamento amorosiano o último capítulo, o qual se inicia
com uma breve introdução sobre o autor. Enfatizando os estudos ligados diretamente ao tema,
analisamos as explicações apresentadas pela historiografia para a mudança do pensamento de
Alceu Amoroso Lima no período recortado. Também utilizamos, nesta parte do trabalho,
13
algumas obras do autor que se referem ao nosso período de estudo, mas foram escritas
posteriormente, em especial aquelas de caráter autobiográfico, ou compostas a partir de
entrevistas concedidas por ele. Graças à farta produção bibliográfica sobre o autor,
concentramos nossa atenção em algumas explicações sobre o tema, contrapondo diferentes
visões acerca de cada uma delas.
No desfecho deste trabalho, ponderamos sobre as obras, os artigos e a correspondência
de Tristão de Athayde, discutindo os aspectos que consideramos mais controversos de sua
obra. Com esse intuito, a fase final da pesquisa foi dividida nos seguintes picos: o
capitalismo liberal democrático e o comunismo; os regimes de extrema direita, discriminando
sua relação com o integralismo; a alternativa católica, discutindo, no âmbito econômico, o
distributismo; e a intelectualidade católica “por dentro”. Dessa forma, contrapondo
posicionamentos de diferentes fases de seu pensamento, conseguimos esboçar as mudanças e
permanências do mesmo, tarefa que foi facilitada pelo diálogo que estabelecia com seus
interlocutores e pela observação das críticas que seus oponentes lhe faziam.
Nas considerações finais, apenas acentuamos nossas impressões sobre o assunto, dado
que está subentendida no transcorrer do texto.
Nosso trabalho não apresenta nenhuma hipótese inédita, muito menos uma concepção
teórica ou metodológica inovadora, porém oferece considerável esforço documental e
bibliográfico. Mais do que respostas, suscita vidas à medida que questiona vários
pressupostos da trajetória de Alceu Amoroso Lima e das posturas políticas na Igreja Católica
brasileira.
14
2 ESTADO, IGREJA E POLÍTICA
Esperamos que este capítulo possa contribuir de alguma forma para o entendimento da
complexa relação entre a Igreja Católica e o Estado no Brasil (1930-1950). Com esse
propósito, estabelecemos a contextualização em âmbito nacional e internacional, para
esclarecer os posicionamentos de alguns intelectuais leigos e de membros da Hierarquia.
Partimos da abordagem em âmbito mundial, analisando seu posicionamento frente às
situações que marcavam o mundo no período estudado, até chegarmos à abordagem em
âmbito nacional, semelhante à anterior. Analisamos a Igreja, assim como o Estado, como algo
que não é “uno”, pois em nossa perspectiva a História é multifacetada.
Dentre os vários teóricos que nos ajudam nessa jornada, devemos destacar, por ora, a
figura de Antônio Gramsci, autor que trabalha com a concepção de luta de classes na política,
de Estado ampliado, de hegemonia, de correlação de forças e de aparelhos privados de
hegemonia
1
. Nosso trabalho não se baseia no autor, apenas utilizamos alguns de seus
postulados a fim de contribuir para entender melhor o tema proposto.
O que desejamos essencialmente, nesta parte do trabalho, é enfatizar as doutrinas em
voga no entreguerras para entender como a Igreja se posicionou frente a elas. Tudo sem
perder de vista que existem “várias Igrejas dentro do Vaticano”, ora prevalecendo uma, ora
imperando outra, tudo à custa de muito embate, de muita luta política.
2.1 A IGREJA CATÓLICA E A CONJUNTURA POLÍTICA MUNDIAL NO INÍCIO DO
CULO XX: AS DOUTRINAS EM VOGA
O período entreguerras foi marcado por grande efervescência política que causou
enormes alterações no cerio internacional. Dessas transformações, emergiram ideologias
totalizantes, de caráter nacionalista, como resposta à desagregação da sociedade tradicional.
Elas prometiam a reintegração do indivíduo à coletividade por meio da radical renovação de
valores e instituições que dariam vida a uma nova ordem, solidariamente cimentada no
sentido da comunidade. Tais concepções foram aceitas, principalmente, porque muitos viam
1
GRAMSCI Antonio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. 8. ed. Tradução de Luz Mario Gazzaneo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da História. 4. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. Tradução de Manuel
Cruz. São Paulo: Martins Fontes, 1978. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura.
Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
15
na democracia liberal
2
um sistema político falido, que favorecia, com seu relativismo e
pluralismo, a desagregação e os conflitos e contribuía para isolar o indivíduo da coletividade
(fato que se tornaria mais agudo com a crise de 1929). Os adeptos dessa crença”
acreditavam que somente a superação da democracia liberal permitiria a criação de uma nova
solidariedade, capaz de reconciliar o indivíduo e a massa em uma nova comunidade orgânica.
3
Na época, as seguintes posições políticas ganharam força: o socialismo, oriundo
principalmente da Revolução Russa; os regimes de “direita”, como o fascismo e o nazismo; e
a doutrina social da Igreja Católica. Embora em crise, a democracia liberal se mantinha viva,
como indicava o exemplo norte-americano. Quanto ao socialismo, parecia ter ganhado mais
força como opção teórica do que como alternativa política no Ocidente, mas, mesmo assim,
não deixou de “assombrar” a elite e os setores mais conservadores de diferentes países.
Ao discutir os movimentos de direita, Eric Hobsbawm dividiu-os em três tipos, todos
eles motivados pela reação contra a revolução social (socialismo) e pela hostilidade às
instituições liberais. O primeiro seria constituído por aqueles que chamou de autoritários e
conservadores anacnicos, os quais não teriam um programa ideológico definido, a não ser o
princípio da luta contra o comunismo. O segundo identificava-se com os regimes fascistas,
em especial a Itália e a Alemanha, sendo dotado de forte nacionalismo, anticomunismo,
antiliberalismo e racismo (principalmente no caso alemão). O terceiro tipo estaria relacionado
à influência da Igreja, produzindo o que ele chamou de estatismo orgânico.
4
Os exemplos mais acabados de Estados corporativos de direita foram encontrados em
alguns países católicos, como Portugal de Salazar e a Espanha de Franco
5
. Com algumas
ressalvas, podemos incluir na lista as “versões latinas desse movimento autoritário de direita”,
também chamadas de “Estados de Novo Tipo”
6
, principalmente o regime de Perón e de
Vargas.
Na orientação totalitária, a política possuía a função de plasmar as massas, criando
novas realidades históricas, isto é, um “Estado Novo” que produziria um homem novo. Criar-
se-ia um tipo de sociedade em que haveria a politização dos indivíduos no sentido fascista, a
absorção do indivíduo pelo Estado, a transformação da sociedade em uma comunidade moral
2
Denominada pelas cartas encíclicas papais, como a Rerum Novarum e a Quadragésimo Anno, de “liberalismo”.
3
GENTILE, E.; FELICE, Renzo de. A Itália de Mussolini e a origem do fascismo. São Paulo: Ícone, 1988. p.
21.
4
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita. o
Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 113-143.
5
Id., ibid.
6
ROSAS, Fernando. Um estudo comparado do fascismo: o “autoritarismo moderno” do Estado Novo português.
In: SILVA, José Luiz Werneck (org.). O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1991.
16
fundada no culto ao Estado e à nação, o antiindividualismo, a organização de massa
controlada pelo alto, o mito do “líder carismático” e o corporativismo
7
. Em suma, como dizia
Mussolini: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”.
Nesse período, os membros da Igreja Católica posicionaram-se principalmente à
“direita”. Tanto que, em 1932, Alceu Amoroso Lima acreditava que o fascismo representava
uma reação sadia contra os erros do liberalismo burguês do século XIX
8
, e Octávio de Faria
defendia a idéia de que o fascismo era a solução para a dicotomia entre proletariado e
burguesia
9
. Essa adesão pode ser explicada pelo fato de a maioria dos movimentos de direita
ser avessa ao comunismo. Para os católicos, o materialismo histórico parecia representar
perigo ainda maior que o mundo burguês, pois, em seu entender, determinava a “morte de
Deus e da Igreja”. Esse posicionamento também se deveu a uma questão filosófica iniciada
durante o papado de Pio IX e abordada, posteriormente, por outros membros da Igreja que se
pautavam na concepção de que o “Homem” era um ser integral, uno, singular, o qual não se
diluiria no liberalismo individualista ou no comunismo coletivista, ambos encarados como
doutrinas materialistas que pretendiam separar o “espírito da matéria, o indivíduo da
personalidade, ou mesmo a Igreja do Estado”.
Criticando tanto os regimes liberais quanto os regimes de esquerda (socialismo e
comunismo), Pio XI deixava claro que, no entender da Igreja Católica:
Como não pode a unidade social basear-se na luta de classes, assim a reta
ordem da economia não pode nascer da livre concorrência de forças [...]
Ora, a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites é justa e
vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora a vida
econômica. Aí estão a comprová-lo os fatos desde que se puseram em
prática as teorias de espírito individualista.
10
A Carta Encíclica Quadragésimo Anno (1931) foi publicada com intuito de relembrar
e homenagear o quadragésimo aniversário da publicação da Carta Encíclica Rerum Novarum,
de Leão XIII. Nesta, ao falar sobre o problema social (do operariado), o pontífice constatou
que ele era fruto dos rumos que o liberalismo capitalista havia tomado, especialmente após as
duas grandes revoluções que marcaram o culo XVIII
11
. Segundo ele, isso teria levado o
7
GENTILE; FELICE, 1988.
8
ATHAYDE, Tristão de. Problema da Burguesia. Rio de Janeiro: Schmitd, 1932. p. 211-214.
9
SADEK, Maria Tereza Aina. Maquiavel, Machiavéis: a tragédia octaviana. São Paulo: Símbolo, 1978. p. 179-
180.
10
PIO XI (PAPA). Quadragesimo Anno (1931). 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 51.
11
A Revolução Francesa que, na concepção católica, trouxe à tona problemas filosóficos e morais, como o
individualismo e o liberalismo desenfreado, e a Revolução Industrial que desembocou em grandes problemas
17
mundo a outro problema: o surgimento do socialismo.
Pelas palavras de Pio XI, notamos o posicionamento do Vaticano diante do
liberalismo e do socialismo.
Para evitar o escolho quer do individualismo quer do socialismo, ter-se-á
em conta o duplo caráter individual e social tanto do capital quanto da
propriedade, como do trabalho. As relações mútuas de um com o outro
devem ser reguladas segundo as leis de uma rigorosa justiça comutativa,
apoiada na caridade cristã. A livre concorrência contida dentro de justos e
razoáveis limites e mais ainda o poderio econômico devem estar
efetivamente sujeitos à autoridade pública, em tudo o que é da sua alçada.
12
O posicionamento da Hierarquia estava muito próximo da posição adotada pelos
regimes fascistas, autoritários e conservadores (de direita), pois acreditavam que o
corporativismo deveria regular de modo paritário as relações entre capital e trabalho.
Existiam diferentes correntes teológicas e políticas no seio da Igreja Católica Mundial,
uma delas era representada pelo que chegou ao século XX do pensamento de Louis Veuillot
(1813-1883), de Joseph de Maistre (1753-1821) e de Juan Donoso Cortés (1809-1859),
também conhecido como ultramontanismo. Segundo os ultramontanos, entre a liberdade, a
democracia e a ditadura, o homem deve optar pela ditadura, tipo de regime que, segundo seus
adeptos, ainda com saudosismo aristocrata, seria a forma ideal de governo, combatendo a
filosofia e a arte moderna, o capitalismo e a ordem burguesa, os princípios liberais
democráticos e as doutrinas de esquerda.
13
Por outro lado, desde fins do século XIX e início do XX, um grupo de católicos
progressistas, também chamados de católicos liberais, pregava a compatibilidade entre a
Igreja Católica e os regimes liberais e alegavam que, ao adotar uma postura ultramontana, os
católicos conseguiam muito mais inimigos do que aliados.
14
Do Vaticano, emanava grande ojeriza à doutrina comunista que, para os representantes
da Igreja, ensinava e defendia o ateísmo, a ditadura do proletariado, a luta de classes, o fim da
propriedade privada e a inexistência de uma vida espiritual. A Revolução Social era encarada
sociais, como denunciara Engels. Cf. ENGELS, Frederich. A Situação da Classe Trabalhadora na
Inglaterra. Tradução de Rosa Camargo Artigas e Reginaldo Forti, São Paulo: Global, 1985.
12
Quadragesimo Anno (1931), 2001, p. 61.
13
RODRIGUES, Cândido Moreira. Tradição, Autoridade, Democracia: “A Ordem”: uma revista de
intelectuais católicos (1934-1945). Assis, 2002. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
História - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, 2002. p. 90-107.
MANOEL. Ivan A. O Ultramontanismo e a História: a teoria de história do Catolicismo Conservador
(1800-1960). Assis, 1990. Pesquisa realizada com apoio do CNPq.
14
MARTINA, Giacomo. História da Igreja de Lutero aos nossos dias. Tradução de Orlando Soares Moreira.
São Paulo: Loyola, 1996. Vol. 3. p. 184-185.
18
como uma revolução contra Deus e suas leis. Por isso, Pio XI se levantava contra o
comunismo, “gritando a alto e bom som” que a doutrina de redenção do socialismo era falsa,
porque nela:
[...] o homem, considerado como matéria, é despojado de liberdade e
dignidade e reduzido a simples roda e engrenagem do sistema que
desconhece direitos, propriedades e valores hierárquicos e tudo faz
depender da coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez
que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam tôda a hierarquia
e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo dos pais; porquanto, como
asseveram, tudo quanto existe de autoridade e subordinação, tudo isso,
como de primeira e única fonte, deriva da sociedade.
15
A incompatibilidade com o comunismo, somada ao desconforto em relação às
democracias liberais e à compatibilidade (em alguns aspectos) entre a doutrina católica e os
pressupostos adotados por regimes autoritários, fascistas e mesmo totalitários, levou muitos
católicos a colaborarem com alguns destes movimentos ou regimes. Afinal, ninguém podia
“ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista”
16
. Essas são algumas das razões
que nos possibilitam entender por quê:
Em setembro [1936], ao receber um grupo de peregrinos espanhóis, Pio XI
condenou a ‘iniciativa satânicado marxismo, que promovera a guerra, e
abençoou aqueles que defendiam os ‘direitos e a honra de Deus contra uma
explosão brutal de forças tão selvagens e tão cruéis que eram quase
inacreditáveis’.
17
Ou o que levou Pio XII, em 1939, a felicitar os espanhóis pela vitória do franquismo
na guerra civil
18
, ou a pouca oposição feita pelos católicos à escalada fascista rumo ao poder
na Itália e o acordo de Latrão de 1929. Tudo isso parecia indicar que a comunhão de
interesses entre o regime de Mussolini e a Santa Sé era bastante lida
19
. Podemos dizer que,
no período entreguerras, houve quase uma tendência geral das Igrejas Católicas nacionais de
apoiarem governos ditatoriais. Os casos citados (Itália, Portugal e Espanha) e até o caso
brasileiro, quando a Igreja negociou seu apoio junto ao regime Vargas, são bons exemplos
disso.
15
PIO XI (PAPA). Divini Redemptoris: sobre o comunismo ateu (1937). São Paulo: Paulinas, 1965. p. 9-10.
16
Quadragesimo Anno (1931), 2001, p. 67.
17
CORNWELL, John. O papa de Hitler a história secreta de Pio XII. Tradução de A.B. Pinheiro Lemos. Rio
de Janeiro: Imago, 2000. p. 194.
18
MANOEL, 1990, p. 125.
19
BERTONHA, João Fábio. “Entre a cruz e o fascio littorio: A Igreja Católica Brasileira, os missionários
italianos e a questão do fascismo, 1922-1943”. História e Perspectivas, Uberlândia, n. 16/17, p. 29-45, 1997.
19
Embora tenha gozado certa liberdade de ação em países onde se instauraram regimes
fascistas e autoritários de “direita”, sendo muitas vezes considerada religião oficial do Estado,
parece-nos que a Igreja logo se confrontaria com os desdobramentos oriundos desses
governos. Em todos os casos, mas essencialmente na Ilia e na Alemanha, os acordos
firmados junto ao Estado levaram-na a “engessar” sua atuação político-social junto a seus
fiéis.
Na realidade, ainda que as relações entre Igreja e fascismo fossem
estabelecidas por um acordo geral, fundado em um propósito de recíproca
instrumentalização, é todavia verdade que a Igreja, ao contrário de um juízo
largamente difundido, ‘não conseguiu, por assim dizer, batizar o fascismo’,
que se desvinculou sempre de condicionamentos muito gidos’,
reivindicando, com brutalidade de modos e meios, a própria pretensão à
fascistização das conscncias.
20
Somente levando em consideração esses aspectos, que posteriormente levariam ao
divórcio entre a Igreja e o Partido Fascista, podemos entender o desenvolvimento do Partido
Democrata Cristão na Itália, o qual, diferentemente do que ocorreu em outros países (como no
Brasil), teve apoio direto da Hierarquia. O envolvimento direto da Igreja na política italiana
foi fruto, dentre outras questões, da falta de alternativa política e do “perigo moscovita”,
personificado na figura do Partido Comunista Italiano. É interessante lembrar que, nas
eleições de 1948, o lema dos democratas cristãos era: “ou por Cristo ou contra ele”.
21
Com relação à Alemanha, o acordo selado entre o Vaticano e o Reich, em 20 de junho
de 1933,
[...] autorizava o papado a impor as novas leis canônicas aos católicos
alemães, além de conceder generosos privilégios ao clero e às escolas
católicas. Em troca a Igreja calica na Alemanha, seu partido político com
representação parlamentar e suas centenas de associações e jornais
abstinham-se “voluntariamente”, seguindo a iniciativa de Pacelli [futuro Pio
XII], de qualquer ação social e política. A renúncia à ão política pelo
catolicismo alemão em 1933, negociada e imposta pelo Vaticano e por
Pacelli, com a concordância do papa Pio XI, permitiu que o nazismo
pudesse se livrar sem qualquer oposição da mais poderosa comunidade
católica do mundo [...] Como o próprio Hitler gabou-se numa reunião
ministerial a 14 de julho de 1933, a garantia de não-intervenção de Pacelli
deixava o regime livre para resolver a questão judaica.
22
20
GENTILE; FELICE, 1988, p. 48-49.
21
CORNWELL, 2000.
22
Id., ibid., p. 18. SUCUPIRA, Luis. Imprensa Catholica. A Ordem. N. 36, Fevereiro, 1933. O autor respalda as
afirmações de Cornowell, pois diz que, na Alemanha, o catolicismo, nessa data, representava uma força
poderosíssima, que tinha uma forte imprensa.
20
A concordata estabelecia que os sacerdotes católicos que ocupassem cargos
eclesiásticos ou exercessem atividade na cura de almas e no ensino deveriam, entre outras
coisas, ser cidadãos germânicos. Tal preocupação pode ser percebida quando os eclesiásticos
tiveram que jurar fidelidade ao Reich, ao Füher, pronunciando as seguintes palavras em seu
juramento:
‘Na presença de Deus e sobre os santos evangelhos, juro e prometo, como
convem a um Bispo, fidelidade ao Reich Germânico e ao Estado. Juro e
prometo respeitar e fazer respeitar o meu clero, o Governo estabelecido
segundo as leis constitucionais do Estado’.
23
Embora não tenha colaborado de maneira direta com o nazismo, a Igreja Católica
ale, sob orientação do Vaticano, omitiu-se em relação ao regime. E nisso reside uma
contradição, pois muitos católicos denunciavam, desde a ascensão de Hitler ao poder, o lado
racista do Reich, chegando a dizer que enquanto os comunistas pregavam uma ditadura de
classe, os nazistas pregavam uma ditadura racial
24
. Pio XI na Encíclica Mit Brennender
Gorde, de 1937, criticou consideravelmente o nazismo.
‘Somente espíritos superficiais, podem cair no erro de falar de um Deus
nacional, de uma religião nacional, e de compreender a tola tentativa de
captar nos limites de um só povo, na estreiteza de uma só raça, Deus,
criador do mundo, rei e legislador dos povos, diante de cuja grandeza as
nações são pequenas como gotas de água que caem dum balde’.
25
No entanto, antes da reta final da Segunda Guerra, em nenhum momento o Vaticano
indispôs-se diretamente com os nazistas.
A percepção de que o fascismo italiano e o nazismo não eram aquilo que os católicos
esperavam, associada à revitalização de alguns regimes democráticos e à expansão do
catolicismo progressista, culminaria em um embate acentuado entre progressistas e integristas
no interior da Igreja. As posições começavam a se inverter: se no entreguerras os integristas
se expandiram, de meados da cada de 1940 em diante seria a vez dos progressistas, o que
também ocorreu no Brasil.
23
A CONCORDATA ENTRE A SANTA E A ALEMANHA. Vaticano, 1933. A Ordem, Rio de Janeiro, n.
43-44, p. 942-953, nov./dez.1933. p. 947. Em algumas notas à Concordata, os tradutores da revista A Ordem
esboçam sua inveja em relação à mesma, sobretudo no que diz respeito ao ensino e a existência de capelães no
exército.
24
MANOEL, 1990, p. 23-24.
25
PIO XI apud LENHARO, Alcyr. Sacralização da Política. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 1986.p. 165.
21
2.2 A IGREJA CATÓLICA NO BRASIL E SEU PROJETO DE RESTAURAÇÃO (1889-
1930)
Embora nosso recorte temporal se estenda de 1930 a 1950, acreditamos que é
necessário retroceder historicamente para compreender determinados fatos e transformações.
Voltando à “Questão Religiosa” e avançando pela “República Oligárquicaaté alcançarmos a
“Revolução de 1930, poderemos compreender melhor o que levou alguns membros da
Hierarquia e do laicato a adotarem determinados posicionamentos políticos e religiosos.
Na “Questão Religiosa”, ainda no Império, identificamos o início de uma mudança na
Igreja Católica brasileira. Esse episódio marca de forma acentuada o momento em que a
Hierarquia nacional luta por autonomia em relação ao Estado, que a tutelava, durante o
Império, em virtude do regime de Padroado. Por outro lado, não podemos nos esquecer de que
esse processo está relacionado à romanização
26
proposta pelo Concílio do Vaticano I (1869-
1870), inaugurando uma estratégia restauradora e reformadora em solo brasileiro.
Nesse período, no Vaticano, predominava o posicionamento ultramontano, segundo o
qual o catolicismo deveria ser o centro aglutinador da sociedade. Nessa perspectiva, a
humanidade era encarada como parte da Igreja Católica e não o contrário. Influenciando o
catolicismo brasileiro, tal corrente de pensamento impregnou-o com certa nostalgia em
relação ao período medieval. Desejava ele autonomia em relação ao Estado, mas não abria
mão de manter-se como religião oficial, conservando-se também contrário à liberdade de
culto e à educação laica.
27
Com a Proclamação da República e, consequentemente, com o fim do regime de
Padroado, a Hierarquia nacional teve que enfrentar as consequências da separação entre Igreja
e Estado. Os resultados foram dúbios, pois, com a Constituição republicana de 1891 (que,
segundo os católicos, não reconheceu Deus), surgia um problema: “O que era pior: viver
tutelado pelo Estado, ou à margem dele?”
28
. A resposta a esta questão apresentava ps e
26
Entendemos por romanização o processo de centralização que pretende a uniformização da Igreja romana na
vida eclesial e eclesiástica. Ralph Della Cava enriquece nossa observação à medida que, apoiando-se em
Roger Bastide, destaca três aspectos que caracterizariam o processo de romanização, a saber: 1) imposição de
uma autoridade institucional e hierárquica às variações da religiosidade católica; 2) inspiração no catolicismo
europeu (principalmente congregações e ordens missionárias); 3) imposição do interesse universalista da
Igreja sobre os interesses locais. Cf. DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Tradução de Maria Yedda
Linhares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
27
MANOEL, Ivan. A. D. Macedo Costa e a laicização do Estado: a Pastoral de 1890. História, São Paulo - Ed.
Unesp, v. Esp., p. 179-192, 1989. PIO IX (Papa). Quanta Cura e Syllabus (1864). Petrópolis,RJ: Vozes,
1947.
28
MONTEIRO, Norma Gouveia de Melo do Rego. Alceu Amoroso Lima: idéia, vontade, ão da
intelectualidade católica no Brasil. Rio Janeiro, 1991. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia
Universidade Católica, Rio de Janeiro, 1991. p. 33. CAES, André Luiz. A Igreja católica no Brasil: as
22
contras, visto que, se por um lado a Constituão não fora feita em “nome de Deus”, por
outro, manteve intocado o patrimônio das entidades católicas, permitindo a entrada de
sacerdotes estrangeiros no país e garantindo a autonomia financeira da instituição
29
. Mas, ao
mesmo tempo em que conseguia autonomia política e econômica, o que acelerava o processo
de romanização, a Igreja enfrentava consideráveis dificuldades, dentre as quais o crescimento
do catolicismo popular, bastante rechaçado pela Hierarquia, e o relativo isolamento em
relação ao Estado, que não amparava mais suas pticas.
No período que se estende de 1889 a 1930, “a Igreja correspondia [apenas] às
necessidades dos dirigentes de disporem de correias de transmissão para a base da pirâmide
social”
30
. Em virtude da colaboração com o Estado Oligárquico, ela usufruiu de grandes
vantagens, sobretudo no campo da cultura e da educação
31
. Além dessas vantagens, almejava
maior participação nas esferas de decisão, a que se acrescentava seu anseio de expandir o
catolicismo.
32
Dentre as principais preocupações dos reformadores, estavam a definição da ortodoxia
católica no campo doutrinário e a reforma dos costumes morais da Igreja, que devia estender-
se da Hierarquia aos fiéis
33
. Em outras palavras, a instituição começava a preocupar-se com o
baixo vel de cultura religiosa do povo brasileiro, principalmente da elite, camada social na
qual esperava encontrar os recursos e os quadros pessoais de que necessitava para o seu
reerguimento organizacional e para o crescimento de sua influência religiosa e política no
país
34
. Posteriormente, na década de 1930, tal posicionamento faria com que fosse criado um
fosso entre essa intelectualidade em formação e o povo, considerado ignorante e
supersticioso.
35
estratégias da reestruturação (1890-1934). Cadernos de História Social, Campinas, n. 1, p. 21-34, jun. 1995.
CUNHA, Célio da. Educação e autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1981. ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. AZZI,
Riolando. O estado leigo e projeto ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994. Todos esses autores enfatizam
em seus respectivos trabalhos a situação da Igreja no começo do período republicano.
29
FARIAS, Damo Duque de. Em defesa da ordem: aspectos da práxis conservadora católica no meio operário
em São Paulo (1930-1945). São Paulo: Hucitec, 1998. p. 92.
30
ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a política no Brasil. o Paulo: Brasiliense, 1979. p. 50.
31
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
32
Os deres da Hierarquia e do laicato acreditavam que o catolicismo fazia parte da tradição cultural brasileira.
Logo, não haveria como criar um sentimento nacional alheio à presença e participação católica.
33
PEREIRA, Mabel Salgado. Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora:
projeto e limites (1890-1924). 2002. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
34
PILLETI, Nelson; PRAXEDES, Walter. Dom Hélder mara. Entre o poder e a profecia. o Paulo: Ática,
1997. p. 42-43.
35
BANDEIRA, Marina. A Igreja Católica na virada da queso social (1930-1964): anotações para uma
história da Igreja no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes: EDUCAM, 2000. p. 19 e 174.
23
É nesse contexto que devemos entender a atuação tanto do Pe. Júlio Maria (1850-
1916) quanto do futuro Cardeal Dom Sebastião Leme (1882-1942). Ambos, embora fossem
figuras públicas bastante distintas e tivessem perspectivas diferentes para a Igreja no Brasil,
fizeram um diagnóstico semelhante do catolicismo brasileiro. Para eles, era necessário dar fim
à inércia dos católicos, porque ainda que a maioria esmagadora da população se confessasse
católica, nenhuma dimensão da vida nacional parecia de fato confirmar essa declaração de
fé.
36
A nova missão da Igreja era cristianizar a sociedade conquistando maiores
espaços dentro das principais instituições e imbuindo todas as organizações
sociais e práticas pessoais de um espírito católico [...] A forma de
influenciar a sociedade da Igreja da neocristandade era triunfalista. A Igreja
queria ‘conquistar’ o mundo [...] Ganhar católicos e competir com outras
religiões eram desafios que assumiam importância considerável.
37
Com esse intuito, Dom Leme, quando ainda era Arcebispo de Olinda, publicara a
Carta Pastoral de 1916 que, segundo Rodrigues
38
, procurava tirar os católicos da posição de
“transe” em que se encontravam.
Somos a maioria absoluta da nação. Direitos inconcussos nos assistem com
relação à sociedade civil e política, de que somos a maioria. Defendê-los,
reclamá-los, fa-los acatados é dever inalienável. E nós não o temos
cumprido. Na verdade, católicos não são os princípios e os órgãos de nossa
vida potica. Não é católica a lei que nos rege [...] Quer dizer: somos uma
maioria que não cumpre os seus deveres sociais. Obliterados em nossa
consciência, os deveres religiosos e sociais, chegamos ao absurdo máximo
de formarmos uma grande força nacional, mas uma força que não atua e não
influi, uma força inerte. Somos, pois, uma maioria ineficiente.
39
Essa não era apenas a visão da Hierarquia, era o ponto de vista de alguns intelectuais
leigos.
[...] é falso o dizer-se que os católicos não se acham pelas leis vigentes,
peiados no exercício de sua religo. Nos quartéis, nos vasos de guerra, nas
prisões, em todos os internatos oficiais, aqueles que professam o
catolicismo estão, de fato, segregados pelo Estado, apartados do convívio
social, e assim privados de todos os atos culturais, por isso que nas casas e
navios do Estadoo entram padres católicos. O Estado apodera-se do
36
MONTEIRO, 1991, p. 76.
37
MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989. p.
45.
38
RODRIGUES, A. M. M. (org.). A Igreja na República. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.
39
LEME, D. Sebastião. Carta Pastoral de Dom Leme. Petrópolis,RJ: Vozes de Petrópolis, 1916.
24
soldado, do marujo, do prisioneiro, do aluno católico, retém-nos em seus
estabelecimentos e assim os coage a faltarem aos seus deveres religiosos. E
nos hospitais? O enfermo o pode, in articulo mortis, ter o supremo
consolo de um perdão que lhe propicie o eterno repouso... E chama-se a isso
liberdade de conscncia.
[...]
E temeroso é sempre o tenta-me, porque os católicos divididos, inermes,
apalermados, não mandam às maras uma resoluta maioria que lhe
propugne os direitos. Os raros deputados declaradamente calicos estão
sempre a tremer diante dos régulos que lhes patrocionam as candidaturas e
do maçonismo que os pôde inutilizar.
40
A nomeação de Dom Sebastião Leme, em 1922, como Bispo Auxiliar do Rio de
Janeiro marcou a emergência oficial de uma intelectualidade leiga em meio à Igreja Católica
nacional, dando início a uma mobilização efetiva destes membros da Igreja. A criação da
revista A Ordem (1921), do Centro Dom Vital (1922)
41
e a congregação de intelectuais a tais
órgãos, como Jackson de Figueiredo, Jônatas Serrano, Hamilton Nogueira, Perillo Gomes,
Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Pe. Leonel Franca, dentre outros, foram parte desse
processo. Percebe-se que havia um grupo de católicos imbuído do desejo de fazer com que a
Igreja retomasse a influência política de outrora. Sua primeira preocupação era “catolicizar” a
inteligência brasileira, com o objetivo de prepará-la para combater os inimigos da Igreja e
expandir o catolicismo.
42
Ao falar sobre a revista A Ordem e o Centro Dom Vital (CDV), nica Pimenta
Velloso respalda as observações acima.
‘A revista A Ordem e o Centro Dom Vital (1922) surgem num contexto
social que tende a adotar uma cosmovisão cada vez mais agnóstica. A luta
que a inteligência católica trava é no sentido de legitimar-se perante esta
sociedade, combatendo os seus erros políticos e religiosos.
O discurso produzido, baseado no pensamento ‘conservador’ europeu
(Donoso Cortez, Charles Maurras, Joseph de Maistre, Antonio Sardinha),
constitui um contra-ataque ideológico às investidas de outros grupos sociais
ascendentes, portadores de uma nova ideologia’.
43
Até o início da década de 1930, esse segmento da Igreja brasileira ainda criou a AUC
(Ação Universitária Católica), em 1929, órgão que, como veremos, desdobrou-se na JUC
40
LAET apud RODRIGUES, 1981, p. 100.
41
Segundo o editorial da revista católica A Ordem, vol. 1, n. 10, maio de 1922, p. 145, o Centro D. Vital era uma
espécie de Sociedade que se propunha, única e exclusivamente, a ajudar o episcopado brasileiro na obra de
recatolização de nossa intelectualidade.
42
CUNHA, Célio da. Educação e autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1981. p. 80-81.
43
Apud RODRIGUES, 1981, p. 09.
25
(Juventude Universitária Católica). A revista A Ordem, o CDV e a AUC foram os pioneiros
no que tange à participação dos leigos no catolicismo nacional, sendo supervisionados e
subordinados à Hierarquia. Esses “braços” da Igreja (e outros que nasceram posteriormente)
podem ser considerados como aparelhos privados de hegemonia
44
. Por meio deles, a Igreja
procurava agir na sociedade brasileira, nas mais diferentes esferas (na política, no meio
intelectual, educacional, operário, familiar etc.). Cabe enfatizar que o arquiteto dessa obra foi
Dom Sebastião Leme, cujo objetivo não era somente criar novos braços” da Igreja Católica,
mas articulá-los entre si.
A figura de Jackson de Figueiredo foi essencial no processo de reação. Segundo
Iglésias
45
, pode-se “fazer a hisria do catolicismo no Brasil antes e depois de Jackson de
Figueiredo. Este, como boa parte dos seus discípulos, migrou de uma posição cética e
descrente a uma posição de militância católica, oficialmente assumida em 1918 (alguns
autores mencionam 1919). Ao seu redor, conseguiu aglutinar um núcleo de intelectuais
solidários à sua direção, que gravitavam em torno da revista A Ordem e do CDV do Rio de
Janeiro. Ele mesmo se considerava um reacionário. Seu pensamento pautava-se no
pensamento tradicionalista e reacionário francês, expresso pelos ideólogos da Action
Française
46
e pelos doutrinadores da contra-revolução
47
. Para ele, o problema da sociedade
brasileira, e mundial, era um problema moral, por isso se pautava na revalorização da ordem,
da autoridade e da hierarquia. Foi um dos primeiros, no catolicismo brasileiro, a denunciar a
necessidade da existência de um regime de autoridade.
Jackson ‘foi o precursor de todos os movimentos de reação antiliberal e
anti-socialista que em nosso meio constituem para a maioria uma novidade
absoluta’, a reação do bom senso’. Tudo isso, ‘até certo ponto [...]
possibilitava identificar Jackson como o precursor do integralismo no
Brasil’.
48
Além disso, era um nacionalista reacionário” que condenava o judaísmo, o
44
Conceito elaborado por Gramsci.
45
IGLÉSIAS, Francisco. História e Ideologia. São Paulo: Perspectiva, 1981. p. 110.
46
A Action Fraaise era um movimento que pretendia a restauração da Monarquia na França, tendo como
principal expoente Charles Maurras. Esse movimento foi condenado pelo Vaticano em 1926, porém teve
reflexos diretos no Brasil, onde, em 1928, fundou-se a Ação Patrianovista Brasileira, um movimento
monarquista e corporativista, de inspiração medieval, que pretendia fundar um Estado corporativo sob uma
base católica.
47
RODRIGUES, 2002. Segundo o autor, Edmund Burke, Louis-Ambroise de Bonald, Joseph de Maistre e Juan
Donoso Córtes eram os principais doutrinadores da contra-revolução.
48
MEDEIROS, Jarbas. Introdução ao estudo do pensamento político autoritário brasileiro (1914-1945). Revista
de Ciência Política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 4, out/dez. 1974. Vol. 17. p. 118-119.
26
liberalismo maçônico, os liberalismos democráticos e o comunismo.
As questões até aqui levantadas nos permitem perceber como a Igreja “oficial”
pronunciava-se em relação às novas questões que se abatiam sobre o mundo Ocidental. Isso
parece claro quando pensamos que, se por um lado, com o processo de romanização a Igreja
Calica brasileira tornava-se mais aunoma em relação ao Estado nacional, por outro, ela se
tornava mais subordinada a Roma. Todavia as “diretrizesvindas do Velho Mundo não se
limitavam ao âmbito institucional, excedendo-o por meio das correntes de pensamento e do
movimento das idéias. Afirmamos isso para mostrar que, mesmo tendo suas peculiaridades, o
catolicismo brasileiro acompanhava não as ordens de Roma, mas também o “movimento”
internacional, fato que deixa evidente a influência que a grande oferta de teorias antiliberais
exerceu sobre as elites intelectuais brasileiras no período do entreguerras, mesmo que
tenham sido assimiladas as concepções que se adequavam à nossa realidade.
49
As influências européias mesclavam-se com as estruturas nacionais construídas
historicamente. Mônica Pimenta Velloso
50
nos fornece um exemplo disto ao ressaltar que, no
Brasil, a estrutura patriarcal e autoritária reforçou ao extremo a prática segundo a qual o
intelectual está incumbido de representar, de falar em nome dos “destituídos da capacidade de
discernimento e expressão”. Para a autora, isso ocorreu porque, ao sentir-se uma consciência
nacional privilegiada, a elite intelectual reivindicou para si o papel de guia, de condutor
arauto. Situação que, no seu entender, foi rompida somente a partir de 1930, quando os
intelectuais passaram sistematicamente a direcionar sua atuação para o âmbito do Estado,
identificando-o com uma representação superior da idéia de nação. Assim, “todos” os
intelectuais, de áreas distintas, buscaram a cura para os males nacionais no autoritarismo e na
desmobilização social. Hamilton Nogueira, um dos membros do CDV, enfatizava a questão
ao dizer:
Quando uma força política modifica radicalmente a constituição de um
povo, as iias que as determinaram não surgem com ela, mas de muito
já vinham atuando sobre a mentalidade desse mesmo povo.
51
Essa questão deve ser entendida como uma forma de valorizar a tradição católica
brasileira, pois para os membros do CDV, principalmente nas décadas de 1920 e 1930, o
49
SADEK, 1978, p. 82.
50
VELLOSO, M. P.. A Ordem; Uma Revista de Doutrina Política e Cultura Católica. Revista de Ciência
Política. Rio de Janeiro, v. 21, p. 117-159, 1978.
51
NOGUEIRA, Hamilton. Jackson de Figueiredo. 2. ed. Rio de Janeiro: Hachette; São Paulo: Loyola, 1976. p.
110.
27
“Brasil ou seria cristão ou não seria brasileiro
52
. Assemelhava-se o passado nacional ao
passado católico, tradição que, para eles, estava sendo ameaçada pelo protestante, pelo ianque,
pela invasão da maçonaria, pelo judaísmo do capitalismo internacional e pelo comunismo.
53
Parecia haver uma convergência entre a Igreja Católica e os movimentos de “direita”.
Em 1929, por exemplo, D. José Maucio da Rocha, bispo de Bragança,
elaborou uma Pastoral de elogios a Mussolini, o qual teria melhorado o
povo italiano e não havia esquecido de promover o ensino de religião nas
escolas italianas e de reintroduzir o crucifixo nas mesmas, bem como nas
repartições públicas de toda a Itália. Cinco anos depois, um bispo
recepcionando cardeal Pacelli no Rio de Janeiro não teve escrúpulos em
pedir ‘Vivas’ à Itália Católica e a Mussolini. O corporativismo também era
bem visto. Três anos depois, o Cardeal D. Sebastião Leme, do Rio de
Janeiro, recebeu uma condecoração italiana e seu discurso de
agradecimento não deixava de salientar sua amizade e admiração pela Itália
e pelo fascismo.
54
A discussão nos permite vislumbrar a grande efervescência teórico-ideológica da
década de 1920 que, além dos eventos católicos, foi marcada pela Semana de Arte Moderna,
pela eclosão do movimento tenentista e pela fundação do Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Diferentes segmentos da sociedade ingressavam razoavelmente organizados na arena
política nacional
55
, refletindo, no Brasil, a influência da conjuntura externa e a busca de
solução para os problemas internos. A própria tentativa católica de aumentar sua gama de
influência era uma forma de combater as “doutrinas perniciosas”, que, segundo Dom Leme,
“infectavam diversos seguimentos da sociedade brasileira.
Voltando a mencionar o perfil da revista A Ordem e do CDV, podemos dizer que tais
órgãos tiveram a face reacionária de Jackson de Figueiredo durante todo o período em que ele
esteve a sua frente. Ambos exerceram a função de grande instrumento de difusão do ideário
católico, com vistas a promovê-lo essencialmente em meio à elite intelectual. É nesse sentido
que devemos compreender a formação de bibliotecas católicas e as publicações de livros e
artigos que promoviam o catolicismo e sua moral.
56
Em 1928, Jackson de Figueiredo morre. Em seu lugar assume a presidência do CDV e
52
MONTEIRO, 1991, p. 191. MICELI, 2001. Segundo Miceli, os católicos, por meio da revista literária
chamada Festa” (que teve seus meros publicados nos anos de 1927-1928 e 1934-1935), diziam-se os
verdadeiros pais da tradição brasileira.
53
CUNHA, 1981, p. 61.
54
BERTONHA, 1997, p. 20-21.
55
CÔRTES, Norma. Católicos e autoritários. Breves considerações sobre a sociologia de Alceu Amoroso Lima.
Revista Eletrônica Intellectus. Ano I, n. 1. 2002. p. 2.
56
GABAGLIA, Laurita Pessoa Raja (Irmã Maria Regina do Santo Rosário). O Cardeal Leme. Rio de Janeiro: J.
Olympio, 1962. p. 182.
28
da revista A Ordem, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), que permaneceu no cargo até
1966. A partir de então, pretendeu dar um novo direcionamento ao CDV; procurou afastá-lo
das atividades político-partidárias e migrar gradualmente da ênfase na “autoridade” à ênfase
na liberdade”
57
, mudança pelo qual ele mesmo passou, e que será discutida adiante.
A situação delineada acima nos permite contemplar o novo cenário político-religioso
em formação no Brasil, em que a luta política se encontrava disseminada por toda a
sociedade. Podemos perceber que estavam em gestação, na década de 1920, movimentos de
esquerda (comunistas e socialistas), movimentos de extrema direita (como o Integralismo) e a
doutrina social da Igreja Católica, que por meio dos seus órgãos procurava atuar sobre o
Estado e a sociedade. Além disso, existiam cismas em alguns movimentos, como indicavam
os conflitos entre os anarquistas e os comunistas, o desentendimento entre os patrianovistas,
que culminara na divisão do movimento e no surgimento do Integralismo, e o embate entre
integristas e progressistas no catolicismo nacional.
No que concerne à Igreja, iniciava-se de forma prática o projeto de recatolicização da
sociedade brasileira. Para muitos líderes católicos, era mais importante reconquistar os
“católicos em transe” do que evangelizar os incrédulos. Pretendia-se enfatizar que o dever
político se subordinava ao dever cultural, mas que ambos subordinavam-se aos deveres
espirituais
58
. Dom Sebastião Leme esclarecia essa necessidade ao argumentar:
Da nossa prescindem os depositários da autoridade... Leigas são as nossas
escolas; leigo o ensino. Na força armada da nossa Reblica, não se cuida de
Religião... Foge de todo a ação da Igreja a indústria, onde no meio de suas
fábricas inúmeras a religião deixa de exercer a sua função moralizadora [...]
a causa última dos nossos males é a falta de instrução religiosa somada à
falta de ação católica.
59
Apoiado nesses pressupostos, Farias
60
observa que, antes de 1920, havia poucas
possibilidades de uma organizão católica coesa no Brasil, pois o processo de urbanização e
industrialização ainda era bastante incipiente. Não obstante, a base proletária era, sobretudo,
de linhagem anarco-sindicalista (portanto, anticlerical) e a elite intelectual, além de estar
muito vinculada às idéias liberais, acreditava que a questão social era “um caso de polícia”.
Dessa forma, podemos dizer que, nesse período, a sociedade civil não estava suficientemente
57
LIMA, Alceu Amoroso. Notas para a história do Centro Dom Vital. Introdução e comentários de Riolando
Azzi. Rio de Janeiro: Educam: Paulinas, 2001. p. 70.
58
LIMA, Alceu Amoroso. Potica. 4. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 1956. p. 247.
59
LEME, D. Sebastião. Carta Pastoral de Dom Leme. Petrópolis,RJ: Vozes de Petrópolis, 1916.
60
FARIAS, 1998.
29
desenvolvida, ou seja, não tinha adquirido certas características que possibilitariam aos
aparelhos privados de hegemonia da Igreja (organizações católicas, como a AUC, LEC, JOC,
etc.) espalhar seus tentáculos pela sociedade, expandindo o catolicismo e, consequentemente,
a influência (o poder de barganha) da Igreja Católica em relação a outros segmentos,
principalmente o Estado. Usando pressupostos gramsmicianos para estudar a atuação do CDV
na sociedade brasileira entre 1930 e 1945, Henze vai além dessas constatações e mostra como
a Igreja atuava tanto na sociedade civil quanto na sociedade política (Estado).
61
Um dos objetivos centrais dos líderes da Igreja nacional, evidente a partir da década
de 1920, foi reatar as relações com o Estado, para readquirir “uma parcela de seus antigos
privilégios de religo oficial”
62
e intervir no processo de administração pública, inserindo
nele suas concepções sobre a ordem e a liberdade social. Para Alves
63
, essa reaproximação
entre Igreja e Estado comou a ocorrer a partir de 1916 e deveu-se essencialmente a dois
motivos. Primeiro, porque a Igreja brasileira havia adquirido coesão interna e, segundo,
porque naquele ano surgiu um líder no seio da Hierarquia nacional, Dom Sebastião Leme.
Essa aproximação, embora bastante modesta durante o regime oligárquico, pode ser percebida
quando observamos o crescimento institucional da Igreja Católica no Brasil. Enquanto em
1889 a Igreja contava com 11 dioceses, em 1920 possuía 58
64
, o que o pode ser pensado
sem levar em consideração a atuação apostólica e política de Dom Sebastião Leme, sobretudo
após sua nomeação como Cardeal do Rio de Janeiro, em 1929.
Esperamos ter conseguido desenhar o quadro da situação e da atuação da Igreja
Calica Nacional durante a chamada “República Oligárquica”, bem como interligá-lo com
outras questões de relevância nacional e internacional.
2.3 A IGREJA CATÓLICA E A POLÍTICA NO BRASIL: 1930-1950
Antes de tratarmos da relação entre a Igreja e a política entre 1930 e 1950, é preciso
refletir um pouco sobre a “Revolução de 1930”. No período, o Brasil passava por uma crise
política marcada pela desmoralização da “política café-com-leite” e pelo descontentamento de
novos grupos que pretendiam ascender ao poder. A sociedade tradicional (oligárquica),
mostrava-se incapaz de acomodar os setores criados a partir de sua própria expansão, situação
61
HENZE, Hans Hebert M. O Centro D. Vital: Igreja, sociedade civil e sociedade política no Brasil (1930-
1945). 1995. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1995.
62
CAES, André Luiz. A Igreja católica no Brasil: as estratégias da reestruturação (1890-1934). Cadernos de
História Social, Campinas, n. 1, p. 21-34, jun. 1995. p. 26.
63
ALVES, 1979, p. 36.
64
CASALI, Alípio. Elite intelectual e restauração da Igreja. Petrópolis,RJ: Vozes, 1995. p. 69.
30
que culminaria na ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Esses setores, dentre os quais a
classe média, lutavam pela modernização das estruturas políticas, no entanto o pretendiam
mudanças radicais no processo produtivo ou abertura popular
65
. Getúlio Vargas, os
estancieiros do Rio Grande do Sul e boa parte dos adeptos do movimento tenentista estavam
entre aqueles que queriam sua “fatia do bolo”.
Sintonizada com o movimento internacional, a Revolução de 1930 instaurou um
regime que primava pela autoridade, em detrimento da experiência liberal do período
oligárquico; foi conservadora, no entanto, impedindo que as antigas “estruturas”
desmoronassem totalmente. Nesse sentido, evitou a explosão de contradições que estavam
bastante avançadas e que podiam culminar em revolta popular. As massas trabalhadoras
haviam crescido muito e, ao reclamarem seus direitos, não podiam mais ser tratadas como um
“caso de polícia”. Com base na “conciliação política”, iniciava-se o processo de construção da
“nação” brasileira.
66
Foram variados os posicionamentos dos católicos (eclesiásticos e leigos) em relação a
esse episódio. Aqueles contrários à “Revolução de 1930diziam que este movimento possuía
comunistas entre os seus pares, o que, na maioria das vezes, devia-se à participação dos
tenentes; outros se mostravam contrários a qualquer revolução, acreditando que ela subvertia
a ordem
67
. D. João Becker estava entre aqueles que apoiavam o movimento e via em Gelio
Vargas a possibilidade de instaurar um regime que restituiria a autoridade, estabelecendo uma
sociedade corporativa e harmônica
68
. Havia, ainda, os indiferentes e aqueles que esperavam o
desfecho do movimento pensando em uma articulação política.
69
Getúlio Vargas, a partir do momento em que chegou ao poder, parecia estar ciente da
diversidade política na sociedade e percebeu que não conseguiria governar apenas pela força.
65
WEFFORT apud FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. Historiografia e História. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1975. p. 93. CHAUÍ, Marilena; FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização
popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978.
66
GOMES, Ângela Maria de Castro. “O Redescobrimento do Brasil”. In: GOMES, Ângela Maria de Castro;
OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta. Estado Novo: Ideologia e Poder. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 1982. p. 115.
67
FARIAS, 1998. Dentre aqueles que não viam com bons olhos o regime de Vargas também estavam os
católicos paulistas que apoiaram o Paulo na malograda tentativa de Revolução de Constitucionalista de
1932. BANDEIRA, 2000. Segundo esta autora durante a Revolução de 1932 o bispo de Botucatu (SP), Dom
Carlos Duarte da Costa assumiu a estranha atitude de comandar um grupo fardado de soldados paulistas.
68
ISAIA, Artur sar. A defesa de uma democracia autoritária no pensamento político de D. João Becker. In:
XII REUNIÃO DA SBPH. Anais... Porto Alegre: [s.n.], 1992. p. 223-226. BECKER, Dom João. A Religião e
a Pátria em face das ideologias modernas. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1939.
69
Essa constituição de diferentes correntes de pensamento na Igreja Católica é bastante explorada por
ANTOINE, Pe. Charles. O integrismo brasileiro. Tradução de João Guilherme Linke. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980. Embora concordemos com boa parte do que o autor discute, acreditamos que
estas querelas internas já ocorriam no Brasil desde o período Imperial.
31
Por isso, trabalhou arduamente buscando a formação de um consenso, que, quando alcançado,
deveria ser mantido pelos órgãos de repressão. Vargas tinha consciência de que se tornaria
hegemônico apenas um “partido” que usasse a força e o consenso, concomitantemente. Por
outro lado, a Igreja também tinha conscncia de tais questões, como demonstravam suas
reivindicações e suas concepções doutrinárias que, posteriormente, seriam convergentes com
muito daquilo que o novo governo colocaria em prática.
Enquanto “à Igreja cabia difundir seus postulados religiosos e amainar o
descontentamento da ‘massa sofredora’”
70
, o governo devia atender aos pedidos dos líderes
católicos. Grosso modo, podemos dizer que Vargas sacralizou o discurso político
71
, mas a
Igreja Católica “politizou seu discurso religioso”. Como salientou P. Richard, a “relação da
Igreja com a sociedade civil passa pela relação da Igreja com a sociedade política”
72
.
Portanto, concomitantemente à sacralização da política, ocorreu a secularização do “discurso
religioso. A Igreja agia, no âmbito político, como auxiliar do Estado na resolução das
contradições sociais”.
73
Nesse sentido, acreditamos que houve “um processo de articulação de diferentes
interesses em torno da gradual e sempre renovada implementação de um projeto de
transformação da sociedade”
74
, pois a Igreja não agia como uma “marionete” nas mãos de
Vargas e não tinha todas as suas reivindicações atendidas a priori. O que havia era um
embate, um jogo, uma troca por meio de que ela procurava obter a representação de seus
interesses. Em suma, uma correlação de forças no sentido gramsciniano.
75
A cooperação que passou a existir entre o Estado e a Igreja não pode ser pensada sem
levarmos em consideração as perspectivas teóricas de Sergio Miceli
76
e de Daniel Pécaut
77
,
duas importantes análises sobre a elite intelectual brasileira. Este parece indicar que as opções
políticas não podem ser consideradas apenas como fruto do meio social ou como estratégia
para se manter no poder. o sociólogo brasileiro defende a idéia de que as opções políticas
70
LENHARO, 1986, p. 90.
71
Id., ibid., p. 110-111. MALATIAN, Teresa M. Os cruzados do Império. São Paulo: Contexto: CNPq;
Brasília: Contexto: CNPq, 1990. p. 25.
72
RICHARD, Pablo. Morte da cristandade e nascimento da Igreja. Tradução de Neroaldo Pontes de
Azevedo. o Paulo: Paulinas, 1982. p. 99.
73
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. Crítica ao populismo católico. São Paulo: KAIRÓS,
1979. p. 146.
74
ALVARES, Sonia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo (orgs.). Cultura e política nos movimentos
sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte: UFMG, 2000. p. 66.
75
A correlação de foas é vista por Gramsci como um equilíbrio instável entre os grupos em luta pela
hegemonia.
76
MICELI, 2001.
77
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Tradução de Maria Júlia
Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990.
32
dos intelectuais não podem ser consideradas à revelia de sua origem social e de seus próprios
interesses de classe. Para o pensador francês, a politizão da elite não foi somente pretexto
para promover interesses próprios, mas, sim, fruto da “vontade”, da ação política. Noutra
perspectiva, Miceli observa que:
[...] não se pode dissociar o ‘rearmamento’ institucional da Igreja católica e
a criação de um partido nacional de direita (a AIB, Ação Integralista
Brasileira) das ameaças que passou a representar a crescente intervenção do
Estado em domínios de atividade cuja gestão fora até então reservada em
regime de exclusividade aos políticos e intelectuais designados pelos grupos
dirigentes do antigo regime.
78
Orientando-se por outro aspecto, Pécaut acredita que os intelectuais não escondiam
seus anseios de participar do governo, de “civilizar pelo alto”; isso, no entanto, estaria ligado
a questões ideológicas. Sobre isso, assinala:
E de fato não faltaram laamentos de candidaturas. Não pretendemos
aludir apenas brevemente à participação dos intelectuais na organização do
regime de 30 e nos movimentos políticos [...] essa participação foi objeto de
uma reivindicação explícita. Assim, o manifesto com o qual Plínio Salgado
inaugurou a Ação Integralista Brasileira (AIB) em 1932 menciona a
necessidade de uma participação direta dos intelectuais no governo da
República.
79
Por outro lado, para Miceli, as derrotas de 1930 e 1932 fizeram com que muitos
paulistas que não haviam sido incorporados ao status quo, sobretudo perrepistas (PRP),
passassem às fileiras dos movimentos radicais. Todavia, para seu oponente, entre 1925 e
1945, os intelectuais mostravam-se preocupados com a identidade nacional e suas
instituições, o que comprovava que pretendiam forjar um povo e traçar uma cultura capaz de
assegurar a sua unidade. Com esse intuito e sem o desejo de perder o status de elite dirigente,
muitos deles teriam aderido a movimentos autoritários ou ao governo Vargas. E a maioria,
naquele momento histórico, desconfiava das democracias, concordando com o fortalecimento
das funções do Estado e compactuando com o desdém pela representatividade democrática.
Pécaut consegue captar algo que não percebemos na análise de seu oponente ao
observar que, além da questão financeira, dos interesses de classe, havia por parte da elite
intelectual da qual fazia parte a intelectualidade católica um “projeto de nação”, que em
certo sentido coincidia com as propostas de Vargas. Dessa forma, a cooptação promovida
78
MICELI, 2001, p. 78.
79
PÉCAUT, 1990, p. 31.
33
pelo Estado não se deu, como quer Miceli, principalmente em virtude de um novo “mercado
cultural”, no qual os intelectuais (dentre os quais os católicos) tentariam recuperar os
empregos que haviam perdido com a queda do regime oligárquico. Note-se, como ressaltou
Florestan Fernandes
80
, que a intelectualidade brasileira sempre esteve vinculada à elite, o que
permitiu a Vargas maior liberdade de atuação. O novo governo parecia saber que a elite não
se converteria em fator de conflito, contra a ordem, pois era a maior representante da sua
defesa.
Embora abrangendo um período posterior, o pensador frans resume bem a visão da
elite intelectual católica no período em discussão:
[...] a ‘sociedade civil’ não é o ‘povo, o as elites específicas que surgem
no contexto de diversas associações; a democratização não é a constituição
do povo como ‘sujeito político’, mas o diálogo entre os intelectuais, os
industriais, a hierarquia eclesiástica etc.
81
Por sua vez, Miceli tem razão ao afirmar que Vargas preocupou-se de maneira
bastante especial com a criação de uma intelligentzia e com a intervenção em todos os setores
de produção, difusão e conservação do trabalho intelectual e artístico.
82
A construção hegemônica [de Vargas] requer a obtenção de uma unidade
‘cultural-social’ mediante a qual uma multiplicidade de vontades dispersas,
com objetivos heterogêneos, são soldadas juntas com um objetivo único,
com base numa mesma e comum concepção de mundo.
83
Beired
84
traz maiores esclarecimentos a respeito dessa situação ao ressaltar que esse
contexto deu origem a uma nova direita política, a qual podia ser dividida em três vertentes:
fascista, como o movimento integralista; católica, como os adeptos do CDV e da revista A
Ordem; e cientificista, cujas referências eram pensadores como Azevedo Amaral e Oliveira
Vianna.
Os adeptos da direita cientificista possuíam muitos pontos em comum com a direita
católica, visto que aderiam a movimentos autoritários, desconfiavam das democracias liberais,
defendiam o fortalecimento do poder central, tinham uma visão hierárquica da sociedade,
80
Apud PÉCAUT, 1990.
81
Id., ibid., p. 304-305.
82
MICELI, 2001, p. 197-198.
83
ALVARES; DAGNINO, 2000, p. 73.
84
BEIRED, J. L. B. Sob o signo da Nova Ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na Argentina (1914-
1945). São Paulo: Loyola: Programa de Pós-graduação em História Social-USP, 1999.
34
eram contrários a qualquer espécie de revolução que não fosse uma revolução moral ou
espiritual; em suma, acreditavam que era a partir de seu pensamento que a nação brasileira
deveria ser arquitetada
85
. O fato de Francisco Campos, nos anos 30, concordar com os
pressupostos católicos de “catolicizar” a sociedade brasileira é um bom exemplo do que
enfatizamos, o que pode ser comprovado a partir de uma entrevista, em 1926, na qual
observava que: “A educação moral não é mais do que um subproduto da educação religiosa
[...] de que precisamos, se precisamos de educação moral, como não se contesta, é de
educação religiosa”.
86
Quanto ao que Beired chama de direita católica, fazia parte dela uma intelectualidade
católica leiga que, agindo sob a tutela da Hierarquia, teria a função de promover uma
“renovação espiritual”, uma reação espiritualista”, uma “neocristandade”
87
no Brasil. Os
adeptos dessa corrente defendiam a idéia de que a religião católica era parte integrante de um
nacionalismo brasileiro, por isso viabilizaram um sentido para a apropriação religiosa do
laicato militante a serviço do movimento de expansão da fé católica.
88
Todo esse contexto, somado à crise do liberalismo democrático no entreguerras,
incentivou um “namoro” entre a intelectualidade católica e os movimentos autoritários de
“direita”, culminando, dentre outras coisas, na revisão acerca do papel do Estado na sua
relação com a sociedade
89
. No Brasil, vale ressaltar que isso também pode ser associado à
descrença no modelo liberal-oligárquico, que se estendia desde o fim do Império.
Os católicos consideravam os comunistas como seus maiores concorrentes
90
na arena
política nacional. Além das diferenças ideológicas, ambos disputavam intensamente a filiação
das massas proletárias, uma vez que os movimentos de direita”, em sua maioria, diziam-se
católicos. Dessa forma, ser católico era sinônimo de não ser comunista e de ser fiel à pátria
91
.
Ao discorrer sobre sua conversão ao catolicismo, Alceu Amoroso Lima evidenciava esta
polarização:
85
PÉCAUT, op.cit.
86
MEDEIROS, 1974, p. 80.
87
HENZE, 1995, p. 45-47. Grosso modo, o projeto de neocristandade pressupunha uma quase identificação da
Igreja com a sociedade civil, cujo intermediador era o Estado. A Igreja Católica, atuando junto ao Estado,
assegurava a ele e às classes dominantes a realização de sua hegemonia.
88
FARIAS, 1998, p. 141-142.
89
CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em cena: propaganda política no varguismo e no peronismo.
Campinas, SP: Papirus, 1998.
90
Cf. LEÃO XIII (PAPA). Rerum Novarum (1891). 13. ed. o Paulo: Paulinas, 2002. PIO XI (PAPA).
Quadragesimo Anno (1931). 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2001.
91
Pesquisando nos arquivos do CAALL (Centro Alceu Amoroso Lima para Liberdade), encontramos vários
pedidos em favor de alemães que chegavam ao Brasil fugindo da situação euroia. Os pedidos eram para que
Alceu Amoroso Lima conseguisse, ou desse aos mesmos, uma “carta de recomendação” em que constasse que
eram católicos.
35
Eu sentia a necessidade de encontrar uma causa pela qual viver, e as duas
causas que eu via eram: ou viver e morrer por uma transformão das
instituições sociais, ou viver e morrer porque uma outra vida, porque
uma revelação sobrenatural, porque uma transcendência. O que está no
Adeus à disponibilidade, publicado no ano de minha conversão, 1928, é
justamente isso: eu via eno apenas duas grandes causas às quais eu
poderia me entregar, para viver e morrer: o comunismo ou o catolicismo.
92
Para a Igreja, o comunismo representava a dissolução da família e o surgimento do
“amor livre”, algo que poderia ocorrer no Brasil a partir da lei de aprovação do divórcio e do
controle de natalidade. O melhor antídoto para defender o povo brasileiro dessas ameaças
seria a defesa intransigente da pátria (daí a expressão que citamos anteriormente: ser brasileiro
era sinônimo de ser católico). Isso também pode ser constatado a partir dos primeiros anos da
atuação católico-política do Pe. Hélder Câmara em Fortaleza
93
(principalmente de 1930 a
1935), o qual, posteriormente, ao refletir sobre este período lembrava:
‘Eu saí do seminário com uma convicção clara: o mundo ia dividir-se, cada
vez mais, entre capitalismo e comunismo. Então a mim me parecia que dos
males o menor. E como o comunismo era apresentado como sendo
intrinsecamente mau, sendo materialista, [...] optei pelo menos mau’.
94
Observando essa polarização, Miceli, a partir da análise da trajetória política de
Hermes Lima no início da década de 1930, constata: “O móvel da concorrência entre os
candidatos às cátedras deslocou-se do terreno estritamente jurídico para a esfera das teorias
políticas e sociais acerca do papel do Estado”
95
. Esse confronto foi marcado por duas
tendências gerais: os defensores do materialismo e os do espiritualismo. Ambos disputavam o
controle das Faculdades e Universidades e das organizações docentes e estudantis. Por meio
delas, procuravam garantir a transmissão de seu referencial teórico. Possuíam desdobramentos
como a Liga dos Estudantes Ateus, a Federação dos Estudantes Vermelhos e o grupo católico
do CAJU (Centro Acadêmico Jurídico Utilitário).
Opondo-se aos comunistas, tanto os intelectuais leigos quanto os membros da
Hierarquia se diziam contrários a qualquer forma de revolução:
92
MOTA, Lourenço Dantas. Entrevista com Tristão de Athayde. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 35-36.
LIMA, Alceu Amoroso. Memorando dos 90: entrevistas e depoimentos. Textos coligidos e apresentados por
Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. LIMA, Alceu Amoroso. Memórias
Improvisadas: diálogos com Medeiros Lima. Rio de Janeiro: Vozez: EDUCAM, 2000.
93
PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 67-68.
94
CASTRO, Marcos de. Dom Hélder, O Bispo da Esperança. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 27.
95
MICELI, 2001, p. 124.
36
[...] nunca revolução alguma foi feita pelo povo nem para o povo e sim,
sempre e sempre, por uns poucos ambiciosos, que sabem explorar a
ignorância popular, seja esta da que se reúne em praça blica ou da que é
sugestionada nos quartéis.
96
Esse contexto evidenciava a adaptação tupiniquim do catolicismo oficial, iniciada por
Jackson de Figueiredo em defesa da ordem e da autoridade, contra as transformações
revolucionárias que agitavam a Europa e ameaçavam introduzir-se no Brasil
97
. No entanto,
desde a década de 1930, iniciou-se um redirecionamento gradual no grupo do CDV e da
revista A Ordem. Alceu Amoroso Lima (que fora elevado à categoria de presidente), embora
tentasse seguir os passos de seu conversor, não compartilhava da mesma postura político-
religiosa de Jackson e se adequava melhor às propostas de Dom Leme.
98
A “Revolução de 1930 despertou diferentes sentimentos na intelectualidade católica
brasileira. Assim como havia o perigo de o novo governo acirrar ainda mais o processo de
laicização do Estado, também existia a possibilidade de ele reconhecer o catolicismo como
“religião oficial”, concedendo à Igreja determinados privilégios. Como veremos adiante,
prevaleceu a segunda opção, de modo que, principalmente após a Constituição de 1934, Alceu
Amoroso Lima identificava no governo de Getúlio Vargas a possibilidade de assegurar a
harmonia e colaboração orgânica, de reagir contra as tendências revolucionárias e de manter a
ordem
99
. A Hierarquia religiosa vislumbrava a possibilidade de novamente “tornar o Brasil
um Estado católico”.
Foi, então, que reluziu a figura religiosa e política de Dom Sebastião Leme. Sua
atitude de colaborar, em plena Revolução de 1930, para que o ex-presidente Washington Luís
abandonasse o governo sem grande derramamento de sangue e aceitasse viajar para o exterior,
trouxe-lhe o respeito e a admiração de vencedores e vencidos. Ele começava a consolidar uma
posição de força perante o novo governo. Também contribuíram para isso as demonstrações
da nova vitalidade da Igreja Católica nacional
100
, a proximidade entre Getúlio Vargas e alguns
líderes da Hierarquia e a presença de Francisco Campos no Ministério da Educação e Saúde
101
(o que não mudaria com Gustavo Capanema). Em suma, o Cardeal intensificava o jogo de
96
FIGUEIREDO, 1922 apud RODRIGUES, 1981, p. 148.
97
PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 67-68.
98
CASALI, 1995, p. 80-81. Segundo o autor, Alceu Amoroso Lima identificava-se mais com a postura jesuítica
de Dom Leme do que Jackson de Figueiredo, pois enquanto Dom Leme fora um grande articulador político-
católico, Jackson fora um militante fervoroso. Além disso, como comprovam rios outros trabalhos, Dom
Leme e seu pupilo tinham posicionamentos controversos em relação à formação de um Partido Católico no
Brasil.
99
RODRIGUES, 2002, p. 240-241.
100
BANDEIRA, 2000, p. 37-38.
101
CASALI, op.cit., p. 87.
37
poder entre a Igreja e o Estado.
No ano de 1931, D. Leme mobilizou uma grande massa de fiéis, em
primeiro de maio, sob a invocação de Nossa Senhora Aparecida, e em
outubro, em homenagem ao Cristo Redentor. A presença religiosa
assegurava a mobilização das massas em datas importantes para a
consolidação do novo regime, comemorava-se o Dia do Trabalho, maio é o
mês consagrado a Maria e outubro é o mês da chegada do Catolicismo na
América. Durante a inauguração da estátua do Cristo Redentor, D. Leme,
cercado por uma multidão, estipulou o preço do apoio da Igreja: ‘ou o
Estado... reconhece o Deus do povo ou o povo não reconhecerá o
Estado’.
102
Na viagem que fez a Roma para receber o “chapéu cardinalício”, em 1930, Dom Leme
articulou a proclamação de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, o que
ocorreu em 19 de junho de 1930. Fato semelhante aconteceu na inauguração do Cristo
Redentor, quando o Cardeal entregou a Vargas um documento, escrito por Alceu Amoroso
Lima, cujo título era “Reivindicações Católicas”. Segundo os principais pressupostos dessas
reivindicações
103
, a Igreja Católica pretendia
[...] o reconhecimento por parte do Estado que a religião católica é, por
assim dizer, a expressão da vontade geral’ do povo brasileiro, isto é, a
religião que anima todo o conjunto da sociedade. Note-se que a
reivindicação não solicita o reconhecimento oficial ao catolicismo, ou seja,
não se trata de reprisar a união entre Estado e Igreja, mas sim de reconhecê-
la como a intérprete da sociedade civil. Neste sentido, suas implicações o
duplas: por um lado, procura-se definir a natureza do Estado se laico ou
neutro –, e por outro lado, defini-se a convivência, bem como a capacidade
de influência na esfera pública, dos outros credos religiosos (judeus,
protestantes e os cultos afro-brasileiros) de fato existentes na sociedade.
104
Entre 1934 e 1946, segundo Tristão de Athayde, houve um “ativo renascimento
espiritual” em nosso país, o que se deveu, dentre outras coisas, à atuação de alguns órgãos da
Igreja Católica que criaram condições para que a Constituição de 1934 fosse feita “em nome
de Deus”
105
. Foram criadas filiais do CDV em várias capitais brasileiras, mas o núcleo do Rio
de Janeiro permaneceu como a principal célula leiga de irradiação e organização do ideário
102
DELLA CAVA, 1975 apud SILVA NIOR, Alfredo Moreira. Catolicismo, poder e tradição: um estudo
sobre as ações do conservadorismo católico brasileiro durante o Bispado de D. Geraldo Sigaud em
Jacarezinho (1947-1961). 2006. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual Paulista, Assis,
2006. p. 34-35.
103
ATHAYDE, Triso. Indicações. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 10, p. 189-198, dez.1930.
104
MONTEIRO, 1991, p.193.
105
MEDEIROS, 1975, p. 42.
38
católico. A Hierarquia coordenava as organizações leigas, por meio das quais pretendia
espalhar seu ideário por toda sociedade. Dentre estas organizações podemos citar: o ICES
(Instituto Católico de Estudos Superiores), criado em 1932, e que foi o “germe” da
Universidade Católica em 1940-1941; a Confederação Católica de Educação, instituída em
1933, em oposição ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932); a ACB (Ação
Calica Brasileira), que ganhou vida oficial a partir de 1935; e a LEC (Liga Eleitoral
Calica), que teve origem em 1932-1933
106
. Tais “braços” da Igreja organizados em torno do
CDV formavam a Coligação Católica Brasileira, que, fundada em 1929, representava o
esforço de organização e centralização que a Hierarquia pretendia impor às associações leigas.
Preocupada com a questão educacional, a Igreja criou muitas associações com o
intuito de defender seus interesses financeiros, opondo-se ao “democratismo escolar” e ao
laicismo educacional dos escolonovistas. Para os intelectuais católicos, a família e a Igreja
eram os verdadeiros responsáveis pela educação dos filhos; não cabia ao Estado a
necessidade, nem o direito natural de assegurar o ensino público e gratuito. A intromissão do
Estado na educação representava o fantasma do comunismo bolchevique, principalmente
porque, na perspectiva desses intelectuais, o comunismo estava associado à proposição de um
ensino leigo, tecnicista e profissionalizante. Tal crença era tão grande que Alceu Amoroso
Lima defendia a concepção de que os analfabetos formavam uma parte muito mais humana e
pura da nacionalidade brasileira do que aqueles que haviam sido formados a partir de uma
educação generalista e superficial (aqueles que se formaram em escolas pautadas no
movimento da educação progressista norte-americana Escola Nova)
107
. Pela proposta
católica, apenas a elite poderia estudar, o que aumentaria ainda mais o fosso entre ricos e
pobres. Por meio da elite, de sua “catolicização”, pretendia-se tanto expandir o catolicismo
(aspecto cultural) quanto obter vantagens políticas.
No campo educacional também nos deparamos com o embate entre comunistas e
católicos, como comprovam as críticas a Anísio Teixeira, considerado comunista. Devemos
lembrar que os aucistas (membros da AUC), seguindo de maneira obediente as determinações
da Hierarquia, entraram em confronto direto com os comunistas no meio universitário. Tristão
de Athayde, em suas “Notas para a Hisria do Centro Dom Vital”, denunciou essas brigas
106
É preciso ressaltar que a Igreja desdobrou-se em uma infinidade de órgãos, dentre os quais, destacamos
apenas aqueles que acreditamos serem mais relevantes aos propósitos de nosso trabalho.
107
LIMA, Política, 1956, p. 118. LIMA, Danilo. Educação, Igreja e ideologia: uma análise sociológica da
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. p. 75. Segundo o autor, os
congressos e encontros promovidos pelos católicos foram bastante inferiores aos apresentados pelos
escolonovistas.
39
ideológicas, e mesmo físicas, entre católicos e comunistas. O enfrentamento era tão notável
que um membro da AUC, Amaro Simoni, estudante de medicina, lançou o seguinte lema:
“Pau e Reza”
108
. Esse embate teve uma característica peculiar a1932, pois as coisas se
acirrariam ainda mais com a criação da Ação Integralista Brasileira, em especial com a adesão
de muitos aucistas às suas fileiras.
Enquanto no campo educacional, essencialmente no ensino sico e médio, os
católicos o viam problema em exercer influência direta, no âmbito político, as coisas eram
mais complicadas. Os líderes da Hierarquia não concordavam com a fundação de um partido
católico. Para resolver esse problema, fundou-se a LEC
109
, cujo objetivo era influenciar o
meio político de forma que as reivindicações católicas, feitas à Constituinte de 1933, fossem
atendidas. Seus membros enviavam formulários aos candidatos para que estes se
pronunciassem sobre determinadas questões que a Igreja considerava de importância para a
sociedade. Eram as chamadas Reivindicações Católicas
110
. Assumindo um posicionamento
que se dizia suprapartidário, a LEC agia como uma espécie de “grupo de pressão”, a fim de
expandir-se a todos os católicos, não somente àqueles que estavam coligados aos órgãos
militantes.
A LEC, segundo seus idealizadores, fazia a seleção dos candidatos levando em
consideração suas idéias e não seu credo religioso, por isso se dizia suprapartidária. Porém
vetava aos católicos o direito de possuir conscncia política oposta à conscncia católico-
religiosa, de cooperar com revoluções injustas ou meramente pessoais e partidárias e de
praticar a abstenção e a oposição sistemática
111
. Os próprios líderes do laicato admitiam que,
ao ser a-partidária, a LEC não se tornara a-política.
No plano geral, a Igreja Católica brasileira havia optado pelo modelo da
neocristandade, concentrando sua ação sobre a elite brasileira, mas no âmbito da LEC essa
questão ainda não estava fixada de maneira clara. Oscilava-se entre agir sobre o Estado
(burocracia) ou sobre a nação (povo).
Pensam esses, catholicos ou não, que a intervenção da Igreja na potica é
perniciosa aos próprios interesses da Igreja e do catholicismo, creando
‘problemasque ainda o possuímos e provocando vindictas como as que
108
LIMA, Notas para a história do Centro Dom Vital, 2001, p. 93-94.
109
ATHAYDE, Tristão de. O Espírito do nosso voto. A Ordem, Rio de Janeiro, n.56, p. 231-238, out. 1934.
110
Documento que, como explicamos anteriormente, expunha as reivindicações da Igreja Católica à Constituinte
de 1933.
111
ATHAYDE, Tristão. Os catholicos e a Política. A Ordem, Rio de Janeiro, n.55, p. 159-167, set. 1934.
40
vemos ocorrerem na Espanha, no México ou na Rússia. Essa é a linguagem
da grande maioria dos indiferentes e agnósticos, que não nos combatem, que
mostram mesmo e por vezes affectam sympathia para com a Igreja, mas que
a desejam ‘nos seus limites’, como dizem, isto, na vida propriamente
religiosa de culto e oração. É também essa, ou semelhante, a linguagem de
alguns catholicos liberaes, que querem affastar de nós o problema do Estado,
que o laicismo é inevitável e que os contactos com a política tendem a
secularizar a Igreja. Desejam, portanto, uma acção exclusiva sobre a nação,
uma actividade religiosa e não social.
112
Dom Sebastião Leme era contrário ao envolvimento partidário dos eclesiásticos e dos
membros do laicato na política. Em virtude disso, criou a LEC, uma organização que não
deixava de ser política, mas não tinha partido próprio e não estava diretamente atrelada a
nenhuma postura partidária. Havia, ainda, um segmento da Hierarquia que pensava que a
Igreja era “universal” e não podia agir de forma segmentária, fixando-se a um partido.
Atualmente, alguns historiadores atribuem essa “neutralidade partidária ao fato de que,
pautada na LEC e não em um partido político, a Igreja não corria risco de derrota eleitoral, o
que possivelmente macularia sua imagem.
113
No primeiro momento, a LEC orientava o eleitor e fazia a seleção preliminar e
eliminatória entre partidos e candidatos, chegando, assim, aos mais diferentes candidatos, dos
mais variados partidos. Esse método era usado como argumento para dizer que respeitava a
liberdade partidária dos fiéis, pois estes, dentre os candidatos pré-selecionados, poderiam
votar em qualquer um
114
. “A LEC não tinha chapa própria de candidatos, selecionando e
recomendando apenas, entre os candidatos apresentados, aqueles merecedores de votos
católicos”
115
. A liberdade de escolha dos fiéis era bastante reduzida, como deixa transparecer
o líder do laicato.
Queremos que cada católico fique certo de que não pode ter qualquer
atitude política que esteja em desacôrdo com os princípios religiosos e
filosóficos. Queremos mostrar a cada um de s que o catolicismo implica
uma concepção geral da vida e que a essência dessa concepção é justamente
a sua integralidade, a sua harmonia e a sua hierarquia. Se mutilarmos uma
parte dessa concepção, agindo na política, por exemplo, sem conhecer a
doutrina católica em face das revoluções, do liberalismo, do pauperismo ou
do socialismo, teríamos quebrado a integralidade de nossa fé.
116
112
REDACÇÃO. Dever Político dos Católicos. A Ordem, Rio de Janeiro, n.25, p. 161-166, mar. 1932.
113
Vale lembrar que o Pe. Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima, orientados por Dom Leme, negaram o pedido
de apoio político feito por Plínio Salgado quando das eleições de 1934, mesmo com a AIB e os católicos
tendo muita coisa em comum no que tange à doutrina.
114
LIMA, Alceu Amoroso. O Problema do Trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 1956. p. 228-229.
115
MEDEIROS, 1974, p.117.
116
LIMA, Política, 1956, p. 236.
41
Usando a LEC, os católicos obtiveram uma tremenda vitória na Constituinte de 1933
e, consecutivamente, na Constituição de 1934, conseguindo uma série de benefícios. Embora
suas reivindicações sintetizassem, essencialmente, três aspectos ensino religioso facultativo
nas escolas públicas, insolubilidade do casamento e assistência eclesiástica às forças armadas
–, o resultado que obtiveram foi superior.
E não foram apenas nossos postulados mínimos que saíram victoriosos.
A constituição com o nome de Deus invocado em seu preambulo; o serviço
militar do clero, sob a fórma de assistencia espiritual ou hospitalar às forças
armadas, o voto dos religiosos (retirado, a certo momento, dos trabalhos
constituintes), a liberdade dos syndicatos operarios catholicos, o descanso
dominical, o reconhecimento do casamento religioso para effeitos civis, a
autorização para cemitérios religiosos, – todas essas aspirações catholicas
além dos três postulados mínimos, objeto de compromisso de candidatos e
partidos, por occasião das eleições tudo isso foi votado pela quarta
Constituinte...
117
Alguns católicos, no entanto, ponderavam “os perigos da vitória” e destacavam,
principalmente, que muitos fiéis e militantes poderiam iludir-se, pensando que o sucesso na
Constituinte de 1933 havia sido fácil, o que os levaria à desmobilização.
118
Enquanto a LEC atuava basicamente nos períodos eleitorais e não era uma
organização perene, a ACB, criada em 1935, era responsável pela aplicação dos princípios
católicos na vida política.
Mais do que intelectuais reunidos em um centro de divulgação e estudos
doutrinais, ou mesmo líderes de um eleitorado em situações específicas,
esses homens agora reunidos na ACB passaram a assumir um outro caráter
passaram a ser de maneira contínua e inconstitucionalmente organizada a
vanguarda mobilizadora e esclarecida do catolicismo e da sociedade
brasileira.
119
A ACB foi fundada com o intuito de coordenar e centralizar a organização dos demais
“bros” da Igreja Católica
120
. Alceu Amoroso Lima, referindo-se a ela, denunciava algumas
de suas preocupações.
117
ATHAYDE, Tristão. O sentido de nossa vitória. A Ordem, Rio de Janeiro, n.52, p. 417-423, jun.1934. Vale
ressaltar que a Hierarquia e os intelectuais leigos apoiaram o voto feminino indiscriminadamente, pois
sabiam que ele era de suma importância para a ampliação de sua força político-social, uma vez que a maioria
dos leigos atuantes na Igreja era do sexo feminino.
118
ATHAYDE, Triso de. Os perigos de nossa victoria. A Ordem, Rio de Janeiro, n.53, p. 03-11, jul.1934.
119
MONTEIRO, 1991, p. 207.
120
DALE, Romeu. Ação católica brasileira. São Paulo: Loyola, 1985. p. 27. Segundo o autor, a ACB pode ser
definida como a participação organizada do laicato católico no apostolado hierárquico.
42
Precisamos formar elementos de qualidade, grupos de elite, que sejam
núcleos de irradiação de e de doutrina no meio das massas amorfas.
Precisamos de dirigentes. Precisamos formar as nossas sentinelas, sempre
presentes e sempre prontas. Esses pequenos grupos valem, por si só, pelas
grandes coletividades e arrastarão a essas para os trabalhos e movimentos
necessários [...] formação em intensidade e em qualidade. Poucos, mas
decididos e firmes [...] eles, formados por uma vida espiritual intensa e
por uma preparação contínua e profunda de inteligência, podeo despertar
as massas católicas da sua confiança descuidada. [...] Só o espetáculo da
força unida ao direito e disciplinada num corpo orgânico e sadio, como
podeser a uniformização das atividades em todo o Brasil, no organismo
total da Ação Católica Brasileira. Formação de chefes e organização de
movimentos eis o contra-veneno com que poderemos imediatamente
atacar os perigos que nos ameaçam dentro e fora de nossas fronteiras.
121
Embora pregasse que os líderes da ACB não deveriam ser engajados em movimentos
políticos, para não misturar suas concepções aos preceitos que norteavam a vida católica, a
Hierarquia deixava clara a importância de que os católicos leigos tivessem suas próprias
conviões políticas, desde que estas não se fixassem nem no comunismo, nem no liberalismo
desenfreado.
Diferentemente da Constituição de 1934, a de 1937 o permitia o princípio da
pluralidade sindical, embora a primeira tenha estabelecido esse princípio apenas na teoria.
Isso fez com que se acentuasse a experiência dos rculos Operários Católicos, promovidos,
principalmente, pela iniciativa do Arcebispo Dom João Becker e do Pe. Leopoldo Brentano
no Rio Grande do Sul. Ambos adotaram posicionamento semelhante ao seguido pelo Pe.
Hélder Câmara em Fortaleza, onde, a partir de 1933 promoveu, por meio da Legião Cearense
do Trabalho (LCT), a sindicalização de vários seguimentos profissionais menos
favorecidos
122
. Nos dois casos, embora em momentos e circunstâncias distintas, procurou-se
estimular o cooperativismo, o ensino-aprendizagem, a beneficência, a saúde, o lazer e, é claro,
a expansão do poder político-social da Igreja.
123
A respeito do circulismo paulista, Farias exalta três fatores.
O primeiro consistiu na orientação de um projeto autoritário e corporativista,
que aproximava o pensamento conservador católico e a prática do circulismo
dos objetivos governamentais nas conjunturas de 30/40. O segundo
constituiu-se pelos impulsos recebidos tanto pela hierarquia calica (que via
no circulismo um movimento estratégico para sua aproximação com o
Estado) como do próprio Estado e da burguesia industrial, interessados na
prática corporativa dos círculos, por sua defesa da manutenção da ordem
121
LIMA, 1936 apud MONTEIRO, 1991, p. 213.
122
PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 85.
123
FARIAS, 1998.
43
social entre os operários e pelo conjunto de obras assistenciais e educativas
que criaram, servindo de “pára-choques” dos conflitos sociais. O terceiro
elemento seria a própria prática que envolvia o operariado no país e em o
Paulo, depois da repressão dos anos 20, e as novas formas de ação e
representação decorrentes da ideologia da outorga.
124
Todas essas atividades e organizações promovidas pela Igreja Calica, somadas aos
interesses de Vargas, fizeram com que o Estado brasileiro gradualmente se aproximasse da
Igreja, a fim de consolidar e, até mesmo, justificar ideologicamente seu poder. Iniciava-se um
processo de cooperação mútua.
Quatro décadas depois da Proclamação da República, a Igreja se rearticulou
ao Estado, preservando sua liberdade com relação a ele, ao mesmo tempo
que eliminava os empecilhos que o Estado leigo lhe antepunha para penetrar
em seus aparelhos ideogicos. A Igreja conseguiu estabelecer o princípio
da cooperação com o Estado, o que significou, na prática, verbas
governamentais para escolas, hospitais, e instituições beneficentes mantidas
pela Igreja. Com a ajuda do laicato, a Igreja logrou integrar novamente o
bloco no poder, junto com as várias facções das classes dominantes: as
antigas oligarquias rurais, a burguesia comercial e financeira e a recém-
articulada burguesia industrial.
125
Isso não quer dizer que Vargas tenha cedido a todas as pretensões Igreja. Levando em
consideração a atuação do Ministério da Educação e Saúde, durante o período em que
Gustavo Capanema fora ministro (1934-1945), podemos perceber a dualidade entre educação
e cultura, entre as concepções católicas e laicas. Enquanto no campo cultural os intelectuais
não-católicos, alguns até tachados de comunistas, conseguiram o apoio do Estado em
detrimento dos intelectuais católicos, o inverso acontecia no campo educacional
126
. Vale
ressaltar que Gustavo Capanema nutria consideráveis simpatias pela intelectualidade católica,
em especial por Alceu Amoroso Lima, com quem manteve razoável correspondência.
127
Sobre a cooperação entre a Igreja e o Estado, mas dirigindo-se especificamente à
figura de Getúlio Vargas, Tristão de Athayde dizia que,
[...] com relação à Igreja, não houve quem mais a patrocinasse, ele nem se
124
Id., ibid., p. 196.
125
BEIRED, 1999, p. 40.
126
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de
Capanema. São Paulo: Paz e Terra: FGV, 2000.
127
Comprovamos isso analisando os arquivos do CAALL. Na pasta de Gustavo Capanema – que contém
correspondências enviadas por ele a Alceu Amoroso Lima , encontramos cartas que se estendem pelo
peodo entre 1932 e 1936. É importante ressaltar que o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas também
contém correspondências entre ambos.
4
4
quer tinha batizado os filhos, que não era casado na Igreja, que vinha de um
laicismo absoluto, e também de uma tradição autoritária muito forte,
originária do Rio Grande do Sul, o único Estado do Brasil que tem uma
aguda consciência política e partidária, formada na luta pelo federalismo.
Getúlio era um homem extremamente sutil. Veja: a abertura a participação
da Igreja na educação, através da liberdade religiosa nas escolas, foi em
grande parte obra sua.
128
O Estado e Igreja comungavam uma posição teórico-ideológica parecida em relação
ao comunismo, de maneira que a Igreja Católica não denunciou o uso da tortura e de outras
formas de violência por parte do aparato policial-militar quando do fechamento brutal da
Aliança Nacional Libertadora
129
. Além disso, embora teoricamente muito próxima ao
Integralismo, não hesitou em optar pelo governo Vargas, em detrimento do grupo de Plínio
Salgado.
130
É preciso observar que o pensamento católico apresentava variações que podem ser
contempladas em trajetórias individuais, como as de Alceu Amoroso Lima e do Pe. Hélder
mara, que, generalizando, passaram do conservadorismo ao progressismo. São constatadas,
ainda, na análise de diferentes pensadores católicos que atuavam no mesmo período, como é o
caso do antagonismo entre Plínio Corrêa de Oliveira e Alceu Amoroso Lima.
O golpe do Estado Novo o alterou a postura de Vargas em relação à Igreja, e a
Hierarquia nacional prosseguia com o intuito de fundar uma “neocristandade”, continuando a
orientar-se muito mais pela influência sobre as classes mais abastadas do que pelo olhar e
atuação em favor dos menos favorecidos. Prova disto é o fato de que, enquanto no Rio Grande
do Sul e em Santa Catarina, Estados ricos, havia um padre para cada 4.377 habitantes, na
Bahia e em Sergipe, Estados pobres, a relação era de 14.933 habitantes por padre
131
. No
entanto há aqueles que acreditam que esses meros decorrem também da luta da Igreja
128
MOTA, 1983, p. 71-72.
129
BANDEIRA, 2000, p. 47. FARIAS, 1998, p. 83-86. Segundo Farias, a cumplicidade entre a Igreja e o Estado,
no que tange ao combate ao comunismo, era tamanha que Filinto Muller (chefe da polícia varguista) tinha
liberdade suficiente para tratar com o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte (1908-1938), como se ele fosse
um aliado comum. Ambos chegaram a trocar ofícios (cartas) nas quais se pedia colaboração mútua no
combate aos “inimigos da tria”.
130
PILLETI; PRAXEDES, 1997. Segundo os autores, Getúlio Vargas sabia que muitos fiéis e rios padres
católicos simpatizavam com o movimento integralista, por isso teria pedido a Fillinto Muller que lembrasse a
Dom Leme que os católicos deveriam ser mantidos afastados das atividades políticas e obedientes às
autoridades constituídas. Desde que seguissem essas orientações, os interesses da Igreja seriam respeitados
pelo novo regime. O Cardeal não se opôs à determinação de Vargas e instruiu os católicos a não se oporem
ao governo. AZZI Apud LIMA, Notas para a história do Centro Dom Vital, 2001, p. 110. BEOZZO, José
Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In: FAUSTO, Boris. (org.)
História Geral da Civilizão Brasileira: o Brasil Republicano. Tomo III. São Paulo: Difel, 1984. p. 273-
341. p. 326.
131
ALVES, 1979, p. 39-40.
45
Calica contra outras religiões em expansão nas regiões sul e sudeste, dentre as quais o
protestantismo, o espiritismo e as religiões afro-brasileiras.
Os intelectuais católicos apoiavam o Estado Novo na medida em que este não
interferisse em seus interesses; havia, portanto, prós e contras. Se, por um lado, Vargas havia
permitido que a Igreja desenvolvesse sua colaboração social e produzido leis incentivando a
promoção do proletariado, por outro, alguns católicos não hesitavam em dizer que, embora
tivessem se tornado colaboradores do regime, sempre fizeram restrições ao seu excessivo
autoritarismo.
Em 1942, faleceu Dom Leme. Segundo sua biógrafa, a Irmã Maria Regina do Santo
Rosário
132
, quando de sua morte ele temia a diminuição da vitalidade e a esclerose precoce
dos “braços” da Igreja Católica nacional. Seu sucessor, Dom Jaime de Barros Câmara, tomou
posse em 15 de setembro de 1943. Em termos de liderança, a Igreja Católica nacional dava
uma guinada ainda mais à “direita”.
Durante o Estado Novo, o episcopado brasileiro, assim como a elite, alarmava-se com
a nova política populista de Vargas, que estimulava as massas por meio da legislação social.
Aguçava-se a contradição dentro do próprio governo, que, embora conservador e autoritário,
lutava ao lado das democracias liberais na Segunda Guerra. A Igreja não ficava alheia a essas
questões, pois a opinião pública anti-Vargas encarava com desconfiança os bispos católicos,
vendo-os como beneficiários do Estado Novo. O episcopado, por sua vez, mantinha-se
indiferente à deposição de Vargas.
133
Segundo Praxedes e Pilleti
134
, no pós-guerra, os católicos liberais e progressistas
ganharam força dentro da Igreja. Dentre os aspectos que explicam sua projeção, estariam as
mudanças políticas ocasionadas pelo desfecho da Segunda Guerra Mundial; os rumos
tomados pelos regimes fascistas na Europa; a morte do Cardeal Leme, que centralizava e
organizava a atuação do episcopado brasileiro; o fato de seu substituto, Dom Jaime de Barros
mara, não ter o carisma nem a habilidade política do antecessor; a influência de uma nova
corrente de pensamento, que tinha Jacques Maritain (1882-1972)
135
como mestre; e o
posicionamento do Papa Pio XII em fins da Segunda Guerra. Tudo isso criou um novo
cenário no panorama católico nacional.
Nessa conjuntura, acirravam-se os ânimos dentro dos próprios órgãos religiosos, que
132
GABAGLIA, 1962.
133
BANDEIRA, 2000, p. 213-214.
134
PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 159.
135
A figura de Jacques Maritain será analisada no próximo capítulo de forma específica, pois seu posicionamento
teórico influenciou a ala progressista da intelectualidade católica.
46
oscilavam entre as ideologias da ordem e da democracia
136
. Se, por um lado, tínhamos um
grupo de católicos liberais e progressistas, por outro, existia um forte grupo integrista que
encarava o pensamento de Jacques Maritain como um desvio doutrinário, promotor de um
nefasto “marxismo cristão”.
137
A postura mais liberal da intelectualidade católica, mais à “esquerda”, pode ser
percebida na maior preocupação com as obras de assisncia social e no discurso que clamava
contra as injustiças
138
. Hugues Portelli, analisando o socialismo no discurso católico, ajuda-
nos a entender esta preocupação de certos segmentos da Igreja.
Ameaçada pelo socialismo junto às classes populares, a Igreja responde
desenvolvendo seu próprio discurso social. Ao fazer isto, ela será levada a
modificar parcialmente sua crítica ao liberalismo, insistindo na dimensão
econômica e social de uma refutação até então sobretudo política e
filosófica, e isso logo após o catolicismo social.
139
Nessa perspectiva, a posição dos integristas pode ser percebida como uma forma de
reação que tenta evitar “qualquer contaminação do povo cristão, de seus intelectuais e de seus
pastores” em relação ao socialismo. Enquanto no século XIX, Pio IX alertava para o perigo da
contaminação liberal, no século XX havia o perigo da contaminação socialista. Até a Rerum
Novarum, a Igreja se limitou a condenar o liberalismo apenas junto à dimensão política e
religiosa; Leão XIII inaugurou a discussão acerca das desigualdades sociais, para romper o
“monolio” que os socialistas possuíam na luta contra os desastrosos efeitos sociais do
capitalismo liberal.
Enfim, a exaltação da concepção cristã da justiça permite à Igreja, ao mesmo
tempo, desenvolver certo discurso socialista sobre a luta contra as
desigualdades, o subdesenvolvimento ao nível interno e internacional, por
uma redistribuição das riquezas e das responsabilidades na cidade e no
trabalho, mas permite-lhe, igualmente, distanciar-se dele nos pontos
tradicionais da doutrina social católica: a crítica ao egoísmo de classe e ao
estatismo, a rejeição de qualquer forma de violência.
140
Em sua análise, Portelli mostra que o marxismo não representava simplesmente um
problema externo, o da defesa contra um adversário irredutível que disputava com a Igreja a
136
RODRIGUES, 1981, p. 12.
137
BUSETTO, Áureo. A Democracia Cristã no Brasil: princípios e práticas. São Paulo: UNESP, 2002. p. 44.
138
Os eclesiásticos que compartilhavam desta visão eram chamados, na década de 1950, denordestinos”.
139
PORTELLI, Hugues. Os socialismos no discurso social católico. Tradução de Helena de Albuquerque M.
Livramento. São Paulo: Paulinas, 1990. p. 11.
140
Id., ibid., p. 97.
47
conquista da massa. O problema também era interno, “o do sincretismo entre religião cristã e
cultura marxista”.
141
As questões internas e externas citadas acima culminariam, contudo, em um
verdadeiro “cisma” na Igreja nacional, pois parte dos chamados “nordestinos” tendia a
distanciar-se da posição oficial da Igreja, alegando que esta, em sua maioria, era elitista e
centralizadora, característica que havia marcado a alta Hierarquia nas décadas precedentes. Os
integristas, por sua vez, denunciavam a preocupação social dos “nordestinos” como um sinal
do “perigo vermelho”.
A AUC (1929), que foi transformada em JUC (1938), pode ser citada como um
exemplo da tensão e transição dentro da Igreja nacional. Isso porque, enquanto na década de
1930 alguns de seus membros lutavam ao lado dos integralistas, em 1962 alguns deles
fundariam a Ação Popular (AP), um movimento que desejava uma democracia que não fosse
meramente política, mas também social, econômica e cultural. A postura adotada
gradualmente pela JUC era elogiada e criticada ao mesmo tempo, dentro dos órgãos católicos.
Enquanto Dom lder Câmara (ex-militante integralista que se encontrava, nesse período,
bastante influenciado pelas obras de Jacques Maritain, ou seja, mais à esquerda”) procurava
amenizar os choques entre a Hierarquia e a JUC, Dom Eugênio Sales e Dom Jaime Câmara
impunham várias limitações e obstáculos aos jucistas.
142
A partir da década de 1940, pela primeira vez, ficou nítido que começava a surgir uma
divisão no episcopado e no laicato nacional. Havia uma ala mais tradicional que acreditava
existir certa incompatibilidade entre a e a atuação política, devendo os católicos ficar mais
preocupados com a dimensão espiritual e uma outra corrente que defendia maior
responsabilidade social do catolicismo, por acreditar que a Igreja não poderia ficar “acima” do
mundo, mas deveria preocupar-se em criar uma ordem social justa
143
. Esse embate entre
“direita e esquerda”, entre tradicional e progressista”, ou entre “conservador e moderno”,
dentro do catolicismo brasileiro, será abordado no capítulo seguinte.
Mônica Pimenta Velloso demonstra que o discurso Estadonovista apontava para uma
união entre duas revoluções, a modernista de 1922 e a política de 1930, e o elo que as unia era
o ideal de brasilidade e de renovação nacional. Segundo a autora, isso explica o “aval” que os
141
Id., ibid., p. 91.
142
À medida que os jucistas preocupavam-se com as queses sociais, aproximando-se de certa maneira do
socialismo, entravam em choque com a Hierarquia, o que causava grande incômodo a ambos os lados. Até
que, em 1962, esse processo de radicalização à esquerda”, promovido gradualmente pelos jucistas, culminou
na criação de um movimento livre, independente do controle da Hierarquia. Nascia a Ação Popular (AP).
143
PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 166-167.
48
católicos deram ao golpe que instituiu o Estado Novo, pretendendo uma renovação política
que os tirasse do ostracismo e identificasse o catolicismo a um símbolo de brasilidade. O novo
regime, por meio de revistas como a Cultura Política e a Ciência Política, expunha que a
unidade moral da pátria era assegurada pelo espírito cristão.
144
Tanto os intelectuais da Igreja quanto os intelectuais estadonovistas encaravam o
liberalismo burguês como culpado pela tragédia social do mundo moderno.
A desqualificação empreendida contra o liberalismo visa destruir a sua força
de influência – enquanto discurso oponente – no campo ideológico. A crítica
às instituições liberais vem revestida de um tom marcadamente moralista,
quando recorre a expressões do tipo ‘sufrágio universal promíscuo’,
‘comédia liberal-democrática’, ‘democracia desvirtuada’, ‘heresia liberal’,
etc. À política ‘individualista’, ‘subjetivista’ e ‘pagã’ desenvolvida pelo
liberalismo, o discurso estado-novista contrapõe uma nova concepção da
política: ‘humanista’, porque voltada para o bem comum; ‘realista’, porque
não extrda de cânones importados, mas voltada para a realidade nacional; e
‘cristã’, na medida em que o cristianismo seria um dos pilares da
nacionalidade.
145
Diferentemente do liberalismo que privilegiava o indivíduo e do totalitarismo no qual
preponderava o Estado, o Estado Novo brasileiro, na concepção de seus idealizadores,
representava uma espécie de terceira via
146
, cuja proposta se identificava com a dos
intelectuais católicos à medida que diferenciava a pessoa do indivíduo e pregava a “unidade
na variedade” (sociedade harmônica).
Contudo, no transcorrer desse período, alguns aspectos, tanto da conjuntura interna
quanto externa, motivaram o gradual afastamento entre Vargas e determinados líderes
católicos.
Alceu Amoroso Lima e o grupo de intelectuais que compartilhavam de
idéias muito próximas às suas, lançam o manifesto contra a ditadura Vargas,
pedindo o seu fim. Esse Manifesto da Resistência Democrática, de agosto
de 1945, foi assinado por inúmeros intelectuais, entre economistas,
advogados, médicos, escritores, poetas, professores, engenheiros e
industriais.
147
144
VELLOSO, nica Pimenta. Cultura e poder potico: uma configuração do campo intelectual. In: GOMES,
Ângela Maria de Castro; OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta. Estado Novo: Ideologia e
Poder. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1982. p. 85.
145
Id., ibid., p. 86-87.
146
Id., ibid., p. 91.
147
RODRIGUES, Cândido Moreira. Alceu Amoroso Lima: matrizes e posições de um intelectual católico
militante em perspectiva histórica 1928-1946. 2006. Tese (Doutorado em História), Universidade Estadual
Paulista, Assis, 2006. p. 282.
49
Dentre os intelectuais que escreviam e militavam com mais periodicidade na revista A
Ordem e no CDV, assinaram esse manifesto Alceu Amoroso Lima, Heráclito Sobral Pinto,
Murilo Mendes, Gustavo Corção, Fabio Alves Ribeiro e João Camilo de Oliveira Torres. O
eixo norteador desse documento era o apelo à liberdade e à justiça social, mas essa questão
era apresentada a partir de vários aspectos, mostrando problemas e apontando possíveis
soluções. O manifesto deixava claro que a “ditadura personalista” do Estado Novo não podia
mais manter-se depois da vitória das democracias nos campos de batalha europeus.
148
A dualidade de posicionamentos da intelectualidade católica parece ter-se exacerbado
após o fim do Estado Novo e o início do processo que se convencionou chamar de
redemocratização. Enquanto uns clamavam por medidas liberais, outros continuavam a
defender algumas premissas praticadas durante o Estado Novo. É interessante observar que o
fim da “Era Vargas” trouxe maiores dificuldades aos católicos, principalmente no que tange
ao atendimento de suas reivindicações. Na Constituição de 1946, eles o tiveram o mesmo
sucesso que na de 1934, ainda que o ambiente da Guerra Fria mantivesse o temor em relação
aos socialistas e comunistas.
149
É importante salientar que concordamos tanto com Boris Fausto
150
quanto com Maria
do Carmo Campello de Souza
151
. O primeiro aponta a existência de uma continuidade,
embora saliente as mudanças entre a estrutura política existente no período oligárquico e a
que passaria a existir depois da “Revolução de 1930”; a segunda faz a mesma ressalva em
relação ao período de redemocratização e observa que, mesmo após a Constituição de 1946,
houve a permanência de aspectos autoritários e de centralização política na sociedade
brasileira. Essa ressalva deve ser estendida à intelectualidade católica, porquanto muitas vezes
postula-se que ela possuía uma posição conservadora, de “direita”, durante a década de 1920 e
1930, mas que, posteriormente, o que se atribui a acontecimentos, conjunturas ou influência
de correntes de pensamento passaria a uma posição mais liberal, mais à “esquerda”.
Acreditamos que tal análise deixa de lado toda a luta política, todo o embate “partidário” e a
multiplicidade de fatores e possibilidades que compõem a Hisria e que, de alguma maneira,
tentamos recuperar.
148
TRANSCRIÇÕES. Manifesto da Resistência Democrática aos brasileiros. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p.
121-140, jul./ago.1945.
149
SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega,
1983.
150
FAUSTO, 1975.
151
SOUZA, op.cit., p. 64.
50
3 DIREITA E ESQUERDA: NA POLÍTICA E NA IGREJA CATÓLICA (1930-1950)
No capítulo anterior traçamos um panorama da postura política adotada pela Igreja
Calica no mundo e na sociedade brasileira, entre 1930 e 1950. No que diz respeito ao Brasil,
levamos em consideração, principalmente, os membros do CDV e da revista A Ordem.
Procuramos mostrar que a Igreja Católica era composta por segmentos com posturas políticas
e teológicas diferentes, conquanto todos estivessem submissos à autoridade do Papa. Neste
capítulo pretendemos discutir como podem ser entendidas, na perspectiva católica e no
período recortado (1930-1950), posturas políticas de direita, de esquerda, conservadoras,
progressistas, reacionárias, liberais e tradicionalistas. Dessa forma, poderemos entender o
itinerário traçado por Alceu Amoroso Lima, bem como constatar a intensidade das
permanências e das mudaas em sua trajetória.
Esta abordagem foi motivada por algumas concepções que não contribuem de maneira
satisfatória para o entendimento do problema, tais como: “ele passou de uma posição
conservadora a uma posição liberal”; “migrou de uma posição de direita a uma posição de
esquerda”; “foi um reacionário”; “foi um contra-revolucionário”; “de tradicionalista tornou-se
um progressista”, dentre outras. Na maioria das vezes, essas perspectivas não explicavam o
que caracterizou a mudança. Será que ser de esquerda no período que estudamos representava
o mesmo que ser de esquerda hoje? Será que ser conservador nos EUA era o mesmo que ser
conservador na França? Será que o nosso conceito de direita é o mesmo que o de qualquer
outra pessoa?
152
Não queremos dizer que se deva partir para uma maior explicação teórica toda vez que
tais termos são usados, isso seria um devaneio. No entanto, quando esses pressupostos são
empregados como núcleo de um trabalho, acreditamos que se deva levar em consideração a
pluralidade de sentidos que eles podem indicar.
Nossa discussão sobre a dicotomia entre direita e esquerda na política é pautada
principalmente por algumas premissas de Norberto Bobbio. Mas as questões que dizem
respeito às divisões políticas na intelectualidade católica levam em consideração outros
estudos bibliográficos.
Este capítulo também apresenta um sucinto estudo sobre Jacques Maritain, filósofo
152
MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1976. O autor observa que é muito
simples dizer que certo tipo de pensamento é liberal, feudal, burguês, proletário, socialista ou conservador;
complexo é apontar as peculiaridades, os pontos de encontro ou discrepância entre eles, ou seja, caracterizá-
los.
51
francês cujo pensamento é de vital importância para o entendimento das posições político-
religiosas adotadas pela intelectualidade católica brasileira.
3.1 DIREITA E ESQUERDA NA POLÍTICA
Embora Bobbio
153
discuta a questão entre a direita e a esquerda depois da queda do
Muro de Berlim, pensamos que podemos nos pautar em seu pensamento para entender melhor
essa dicotomia. Segundo ele, a postura dos indivíduos frente às díades igualdade-
desigualdade, igualdade-diferença e liberdade-autoridade era o que definia se eles eram de
direita ou de esquerda. Custamos a pactuar com esse posicionamento, sobretudo porque os
liames que separam a direita da esquerda são muito nues na atualidade. Claro que este é um
tema polêmico e sempre há, como não poderia ser diferente, aqueles que discordam, mas
acreditamos que
[...] a pessoa de esquerda é aquela que considera mais o que os homens m
em comum do que o que os divide, [...] a pessoa de direita, ao contrário,
maior relevância política ao que diferencia um homem do outro do que o que
os une, a diferença entre direita e esquerda revela-se no fato de que para a
pessoa de esquerda, a igualdade é a regra e a desigualdade, a exceção.
154
De um lado, ficavam aqueles que consideravam que os homens eram mais iguais que
desiguais e, de outro, aqueles que consideravam que eram mais desiguais que iguais
155
. Os
homens que primavam pela igualdade diziam que era preciso eliminar as desigualdades
sociais; já os adeptos das desigualdades diziam que elas eram naturais, por isso não poderiam
ser eliminadas.
[...] o homem de direita é aquele que se preocupa, acima de tudo, em
salvaguardar a tradição; o homem de esquerda, ao contrário, é aquele que
pretende, acima de qualquer outra coisa, libertar seus semelhantes das
cadeias a eles impostas pelos privigios de raça, de casta, classe etc.
156
Segundo Bobbio, uma sociedade liberal-liberalista é inevitavelmente não-igualitária,
assim como uma sociedade igualitária é inevitavelmente não liberal”. Enquanto, para o liberal
153
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. Tradução de Marco
Aurélio Nogueira. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2001.
154
Id., ibid., p.23.
155
Id., ibid., p. 121.
156
BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade
contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 1997. p. 97.
52
“o fim principal é a expansão da personalidade individual, [...] para o igualitário, o fim
principal é o desenvolvimento da comunidade em seu conjunto”, mesmo que isso cause uma
diminuição da liberdade particular de cada indivíduo.
157
Percebemos que a democracia permeia o ideal socialista de Bobbio, contrastando com
o “socialismo real”. No seu entender é preciso reduzir as desigualdades naturais e não
estabelecer um regime baseado na “igualdade de todos em tudo”. Onde a democracia (social e
política) não existisse, não poderia existir socialismo
158
, uma vez que a relação entre ambos
deveria ser complementar.
Embora tenha escrito mais de meio século antes de Bobbio, o pensador católico G. K.
Chesterton (1874-1936) defendia pressupostos muito próximos aos seus. Tanto que definia a
democracia como uma forma de governo em que “as coisas comuns a todos os homens são
mais importantes do que as coisas peculiares a alguns homens”. Ou seja, “as coisas essenciais
aos homens são aquelas que eles possuem e mantêm em comum, e não aquelas que eles
possuem em separado”
159
. Para Chesterton, segundo Corção, a propriedade era um ponto de
honra, devendo o mais simples cidadão ter direito à propriedade de “três alqueires e uma
vaca”. Na contramão do capitalismo liberal e do comunismo, acreditava que “o homem é
livre porque tem a capacidade de se despojar de sua liberdade; é obediente, porque pode
desobedecer”.
160
Por outro lado, a liberdade pregada pelo liberalismo clássico, baseado na desigualdade
como garantia da liberdade (meritocracia), era uma quimera, uma ilusão
161
. Lebrun
162
, ao
refletir sobre as democracias modernas, chegou a uma conclusão parecida: constatou que seus
sistemas de tomadas de decisão (representatividade) designavam, na verdade, monarquias ou
oligarquias esclarecidas que ainda possuíam certo preconceito em relação ao povo. Dessa
forma, quando não promovia a atomização da nação, o liberalismo restringia ainda mais a
participação política por meio das Assembléias Parlamentares.
163
O voto, eixo da democracia liberal, é uma mentira que serve para oprimir os
trabalhadores e para enganar os eleitores, visto que os problemas públicos
157
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 2. ed. o Paulo:
Brasiliense, 1988. p. 39.
158
BOBBIO, 1997, p. 89.
159
CHESTERTON apud CORÇÃO, Gustavo. Três Alqueires e uma Vaca. Rio de Janeiro: AGIR, 1946. p. 227.
160
CORÇÃO, op.cit., 226.
161
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Tradução de João Ferreira. Brasília:
Universidade de Brasília, 1995. p. 40-41.
162
LEBRUN, Gérard. Passeios aou. São Paulo: Brasiliense, 1983.
163
BOBBIO, 1988, p. 36.
53
nunca lhes são apresentados e que votam apenas em nome do princípio
abstrato da vontade geral e da representatividade.
164
Da mesma maneira que com grande desigualdade social não é possível chegar à real
igualdade política, “é perfeitamente legítimo dizer que sem igualdade (como reciprocidade de
poder) não liberdade”
165
. Concordando com esses pressupostos, Gomes ressalta que “o
liberalismo dissociara liberdade e justiça, e compreendera a igualdade como eqüidade política,
aprofundando desigualdades e desorganizando a sociedade”
166
. Nesse sentido, liberalismo e
democracia representavam movimentos antagônicos entre si.
O primeiro [liberalismo] reivindica a liberdade individual tanto na esfera
espiritual quanto na econômica contra o Estado; a outra [democracia]
reconcilia o individuo com a sociedade fazendo desta o produto de um
acordo dos indivíduos entre si.
167
Discutindo a possibilidade de uma “terceira via”, Bobbio
168
salientava que ela podia ter
fins próprios, mas só havia dois meios de atingir qualquer finalidade na política, a ditadura ou
a democracia. Emir Sader
169
, apoiado nos mesmos pressupostos, menciona que aqueles que
acreditavam na justiça social eram de esquerda, pois
[...] a direita se compõe dos conservadores, daqueles que se interessam pela
reprodução e manutenção do sistema vigente, o capitalismo; e a esquerda se
caracteriza por integrar aqueles que desejam a evolução e a superação de tal
sistema.
170
É preciso lembrar que, em nosso período de estudo, as diferenças entre direita e
esquerda tornavam-se ainda mais difíceis de serem visualizadas, pois havia muitas
semelhanças entre os regimes autoritários de direita e de esquerda. A respeito dessas
semelhanças, Leandro Konder ressalta:
Tradicionalmente, a direita desde a Revolução Francesa se opunha à
crescente participação das massas populares na vida política. Nas condições
criadas a partir do fim da Primeira Grande Guerra, contudo, aparece uma
direita moderna que procura assimilar algo da experiência da esquerda
164
CHAUÍ, 1978, p. 140.
165
BOBBIO, 1995, p. 41.
166
GOMES; OLIVEIRA; VELLOSO, 1982, p. 133.
167
BOBBIO, 1988, p. 47.
168
BOBBIO, 1995.
169
SADER, Emir. O anjo torto: esquerda (e direita) no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1995.
170
Id., ibid., p. 21.
54
revolucionária, alguns elementos dos métodos de seus adversários.
171
Desde então, algumas direitas passaram a reivindicar o apoio das massas, o que as
diferencia das antigas direitas” tradicionais (Burke, Donoso Cortez etc.) e evidencia a
existência de diferentes vertentes, dentre as quais, a direita fascista, a conservadora e a liberal-
democrática. Winock lembra, contudo, que desde o século XVIII podemos falar em duas
direitas, a primeira oriunda da Revolução de 1789 e a segunda proveniente da Contra-
Revolução. Respectivamente, uma direita liberal e a outra autoritária.
172
Nascida em oposição aos direitos do homem e do cidadão (durante a Revolução
Francesa), a direita teve de alterar suas posições políticas para corresponder às diferentes
conjunturas históricas ao longo das décadas e dos séculos seguintes. Porém setores
significativos de suas fileiras permaneceram sempre contrários à implementação dos direitos
do homem e do cidadão, ou seja, da justiça social.
173
os movimentos de esquerda, no século XX, em sua maioria, associaram-se ao
comunismo, ao bolchevismo internacional. No Brasil, principalmente durante o Estado Novo,
em vez de defender a liberdade, o bem-estar e os interesses econômico-sociais dos
trabalhadores, a esquerda que não se alinhou ao comunismo internacional alinhou-se ao
populismo de Getúlio Vargas, primando pela questão material. A democracia parecia dividir-
se em duas: a democracia social e a democracia política.
174
O liberalismo estava separado da justiça social, apropriado pela oligarquia
exportadora. E a justiça social estatal estava separada da democracia, porque
privilegiava métodos autoritários de realização das conquistas econômico-
sociais.
175
A liberdade (que se confunde com liberalismo) poderia ser tanto de esquerda quanto
de direita
176
. No primeiro caso ela estaria mais ligada à questão social e no segundo, à
171
KONDER, Leandro. Cultura e política nos anos críticos. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge;
ZENHA, Celeste (orgs.). O século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. Vol. 2. p. 64.
172
WINOCK, Michel. O século dos intelectuais. Tradução de Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2000. p. 765-766.
173
HECKER, Frederico Alexandre de Moraes. Partido Político de Direita. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira
da; MEDEIROS, Sabrina Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do
Pensamento da Direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 355.
174
GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice: Revista dos Tribunais; Rio de
Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1988.
175
SADER, 1995, p. 79-80.
176
BOBBIO, 2001, p. 99. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem burguesa e liberalismo político. São
Paulo: Duas Cidades, 1978. O autor também enfatiza que o liberal pode ser um progressista ou um
conservador.
55
política. Quanto ao liberalismo, ele poderia ser social-trabalhista ou clássico. Dessa maneira, a
liberdade que a direita dizia defender podia ser identificada com a liberdade de mercados;
quando isso não ocorria era sinal de que ela havia se mantido atrelada à questão da hierarquia
e da autoridade, em prol da garantia de algum privilégio ameaçado.
Os autores católicos do período costumavam dizer que a Revolução Francesa e a
Revolução Russa tiveram como principal motor o ódio a qualquer desigualdade. Para eles,
enquanto a primeira culminou no liberalismo individualista, a segunda gerou um grande
movimento igualitarista. Nessa perspectiva, ambas alcançaram extremos opostos, a “anarquia
individualista e a igualitarista”, o capitalismo liberal e o socialismo/comunismo.
Ao tratar da direita e de seus adeptos, Bobbio mencionava:
Quanto à relação entre direita e a desigualdade, disse e repeti várias vezes
que a direita é inigualitária não por más intenções [...] mas porque considera
que as desigualdades entre os homens o não apenas inelimináveis (ou o
elimináveis apenas com o sufocamento da liberdade) como são também
úteis, na medida em que promovem a incessante luta pelo melhoramento da
sociedade.
177
Propondo uma abordagem diferente, mas que se cruza em muitos pontos com a de
Bobbio, Rezende
178
enfatizava que as pessoas de direita acreditavam numa ordem natural pré-
estabelecida, tradicional, hierárquica, harmônica (orgânica) e desigual (socialmente falando).
As direitas, de um modo geral, mantêm uma visão idealizada de uma
evolução lenta e gradual da sociedade, processando-se de forma espontânea,
no curso natural do tempo, em contraposição ao esfoo sistemático em
direção ao progresso, sob o império da razão.
179
Para as direitas, a idéia de revolução tinha outro significado, assumindo a forma de
contra-revoluções preventivas (o nazismo e o fascismo se encaixavam neste modelo). Podia
haver progresso e mudança, mais nada que alterasse a ordem, nada que mudasse “os donos do
poder”. Numa “perspectiva geral, conceitos como os de tradicionalistas e conservadores não
mantêm uma relação obrigatória entre si e não são categorias políticas exclusivas das
direitas
180
, tanto que os “ismos” de direita e de esquerda se tocavam em vários aspectos.
177
BOBBIO, 2001, p. 38.
178
RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Autoridade/Tradição. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da;
MEDEIROS, Sabrina Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento
da Direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000.
179
Id., ibid., p. 59.
180
Id., ibid., p. 60.
56
Com o fim da Segunda Guerra, o quadro político ainda apresentava grandes
dificuldades de definição. Assim como as democracias não podiam ser sumariamente
demarcadas como regimes de direita, os países socialistas tamm não podiam ser
simplesmente taxados de regimes de esquerda. Havia uma especificidade nacional relativa a
cada um deles.
Finalizamos a discussão em torno da dicotomia entre direita e esquerda na política
lembrando que acreditamos que a História tende a desmentir os extremismos, as soluções
absolutas. Podemos dizer que não pensar a multiplicidade, a pluralidade é pensar em
extremos, perdendo de vista toda a gama de conflitos e protagonistas que agem nos meandros
da História. Essa constatação é importante para entendermos o posicionamento político da
intelectualidade católica, visto que não há como estabelecer um modelo de posicionamento
para cada grupo (ultramontanos, integristas e progressistas), pois havia intelectuais que
transitavam em vias comuns e aqueles que não se identificavam com grupo algum. No
entanto, o que podemos fazer é caracterizar o posicionamento de determinado pensador, ou
corrente de pensamento, em um determinado espaço, em determinado período histórico.
3.2 A POLÍTICA NO ALTAR: AS DIVISÕES POLÍTICAS NA IGREJA CATÓLICA
BRASILEIRA (1930-1950)
rios autores que versam sobre o embate interno entre a intelectualidade católica,
tanto do corpo clerical quanto do laicato, trabalham com a idéia de oposição entre liberais e
conservadores ou, como dizem alguns, entre direita e esquerda na Igreja
181
. Para nós, esta
divisão segue algumas das premissas levadas em consideração por Norberto Bobbio para
distinguir as diferenças entre direita e esquerda, principalmente a questão da igualdade.
É preciso lembrar que o catolicismo, não brasileiro, ainda continua dividido por
essas duas grandes correntes. De um lado estão os católicos que desejam uma Igreja voltada
para a edificação da autêntica justiça social, sem a qual nem a democracia poderá criar raízes
e, de outro, os católicos que, organizados em militância anticomunista e antiprogressista,
mobilizam-se agressivamente em defesa da “civilização ocidental e cristã”.
182
Segundo Antoine, a partir da cada de 1920, a ortodoxia católica de Jackson de
Figueiredo resultou em duas correntes antagônicas: a liberal, orientada por Alceu Amoroso
181
MAINWARING, 1989. Este autor usa a expressão direita e esquerda para tratar dos diferentes grupos no seio
da Igreja Católica.
182
ANTOINE, Pe. Charles. O integrismo brasileiro. Tradução de João Guilherme Linke. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980.
57
Lima, e a conservadora, dirigida por Plínio Corrêa de Oliveira e também por Gustavo
Corção
183
. Busetto
184
e Beozzo
185
, concordando com tais pressupostos, enfatizaram a
existência de um conflito no seio da ACB na primeira metade da década de 1940, período em
que se confrontavam os integristas e os progressistas.
Os tradicionalistas
186
ou integristas podem ser caracterizados como aqueles que
negavam insistentemente a maior filiação da Igreja ao mundo moderno. Eram intransigentes e
acreditavam que “o homem é fundamentalmente depravado”, por isso a liberdade deveria
ceder à autoridade, à hierarquia e aos valores da verdade católica.
187
O tradicionalista ou restaurador ignora ou quer negar que um processo
que leva à permanente mudança: a realidade de maneira idílica, tela de
perfeição e de beleza, que não se deve alterar. Negando-se a ver ou o
reconhecendo o movimento, pensa em termos de uma filosofia que supõe
eterna, livre do tempo ou do ambiente. Como a realidade que lhe é dado
viver não é a que idealizou, condena-a como êrro, desvio da verdade,
loucura dos homens.
188
Totalmente submissos à Hierarquia religiosa, apresentavam fortes pontos de
identificação com os ultramontanos
189
. Segundo Casali
190
, eram ligados aos grupos sociais
mais reacionários da sociedade.
Os católicos integrais foram muito felizes durante o papado de Pio X [1903-
1914]; representavam uma tendência européia do catolicismo politicamente
de extrema direita. Naturalmente eram mais fortes em determinados países,
como a Itália, a França, a Bélgica, onde, sob formas diversas, as tendências
de esquerda em política e no campo intelectual manifestavam-se com mais
força na organização católica.
191
183
É preciso ressaltar que Gustavo Corção foi durante muito tempo um aliado e, mesmo, seguidor de Alceu
Amoroso Lima e da tendência progressista que este atribuía aos órgãos do laicato católico, mas, a partir da
década de 1960, fincou-se numa posão integrista, voltando-se para um catolicismo mais “interior”.
184
BUSETTO, 2002.
185
BEOZZO, José Oscar. Cristãos na universidade e na política: história da JUC e da AP. Petrópolis,RJ:
Vozes, 1984.
186
Tradição, do latim tradere, não significa, pois, mero apego ao passado, mas a transmissão, de uma geração
para outra, de um patrimônio de valores”. MATTEI, Roberto de. O Cruzado do século XX Plinio Corrêa
de Oliveira. Tradução de Leo Daniele. Porto: Civilização Editora, 1997. p. 112.
187
ANTOINE, 1980, p. 118.
188
TORRES, João Camilo de Oliveira. História das idéias religiosas no Brasil. São Paulo: Grijalbo, 1968. p.
183.
189
GOMES, Francisco J. S. Integrismo. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina
Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: idéias,
instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000.
190
CASALI, 1995, p. 29. Os trabalhos sobre a questão da terra publicados por Plínio Corrêa de Oliveira, D.
Antonio de Castro Mayer e D. Geraldo Proença Sigaud são bons exemplos disso.
191
GRAMSCI apud CASALI, op.cit., p. 29.
58
Integristas e ultramontanos possuíam muita coisa em comum, arriscamo-nos até a
dizer que os primeiros eram uma espécie de “evolução” dos segundos; ambos eram
antimodernistas, contrários a qualquer mudança da doutrina ou da forma tradicional como o
culto católico era celebrado. Montreuil
192
, ao dicorrer sobre o integrismo, dividiu-o em três
grupos: o integrismo doutrinal, o tático e o moral.
[...] [o integrismo doutrinal] é um tradicionalismo excessivo que, aliás,
enfurecido por o ser seguido pela Igreja, contradiz-se a ponto de soçobrar
no livre-exame, adiantando-se à hierarquia católica nas suas apreciações ou
criticando-a pelas iniciativas que autoriza.
O integrismo tático consiste em declarar que o mundo é reino do erro e do
pecado e que é absolutamente necessário ou fugir dele, ou combatê-lo: já
que não está com Cristo é contra Ele.
O integrismo moral professa a inutilidade da ação e recomenda o abandono
completo dos meios naturais na defesa da verdade; segundo ele, o mundo é
intrinsecamente mau, impermeável à Graça: não convém sequer rezar por
ele.
193
O que mais chama a atenção nessa abordagem é que o autor mostra a existência de
duas formas de integrismo. A primeira, pautada essencialmente no providencialismo, apelava
apenas para a contemplação, ignorando tudo que não fosse oração e confiança em Deus. A
segunda era aquela que, percebendo o perigo iminente, instigava uma cruzada por meios
humanos contra as origens deste mal. Moutreuil opta pela primeira, esboçando que os adeptos
da última erravam tanto quanto os progressistas, que o confiavam nos meios
sobrenaturais.
194
Em muitos aspectos, as práticas dos católicos liberais e dos conservadores se tocavam,
deixando claro que tais designações não são suficientes para o esclarecimento desses
posicionamentos. Silva trata dessa discussão ao ressaltar que não existia (ou existe) um único
conservadorismo e que, além disso, o conservadorismo não era sinônimo de tradicionalismo,
pois este “seria a expressão de um comportamento natural, instintivo e psicológico
195
.
Portanto poderia haver tradicionalistas de direita e de esquerda, sendo puro esquematicismo
colocar os revolucionários de um lado e os tradicionalistas de outro
196
. Como ressaltou Marx,
192
MONTREUIL, Thierry. Notas sobre o Integrismo. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura,
Petrópolis, s/n, p.542-554, set./dez. 1949.
193
Id., ibid., p. 544.
194
Id., ibid., p. 550.
195
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Redefinindo a Direita. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da;
MEDEIROS, Sabrina Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento
da Direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 14.
196
SANTOS, J. de Azeredo. Tradição e Revolução. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura,
Petrópolis, s/n, p. 323-331, maio/jun.1948. p. 329.
59
o conservadorismo foi uma forma de pensamento inscrito na modernidade, visto que a
burguesia foi revolucionária e conservadora ao mesmo tempo, opondo-se às “luzes” que não
fossem ao encontro do seu ideário.
Enquanto no pensamento liberal refere-se [a liberdade] à esfera de ação do
indivíduo, no pensamento conservador a liberdade é concebida como a
garantia da autonomia dos diversos corpos sociais, no interior dos quais e
os indivíduos se qualificam. Fora de tais corpos não liberdade,
posto que a atomização do indivíduo é a desordem.
197
Essa questão é importante para o entendimento da querela entre católicos liberais e
integristas porque ambos, embora se tenham mostrado simpáticos em determinados
momentos aos regimes autoritários de direita, apoiando-os, entendiam por liberdade a
peculiaridade da personalidade humana (espírito). Distinguindo a pessoa do indivíduo,
questionavam qualquer tipo de massificação, fosse a dissolução da pessoa na massa coletiva
ou no individualismo liberal.
Os católicos liberais, diferentemente dos tradicionalistas, aceitavam o diálogo com o
mundo moderno, mas esse diálogo não ia tão longe quanto pensavam os integristas, ou
mesmo alguns historiadores.
Karl Mannheim, em 1929, acreditava que o conservadorismo era baseado no
irracionalismo tradicionalista, pré-capitalista e romântico, oriundo do Antigo Regime em
contraproposta às “idéias de 1789” (uma negação da ideologia burguesa, do igualitarismo
jacobinista e, posteriormente, do comunista). Esse irracionalismo, em sua concepção, atuava
de maneira reativa ao mundo moderno, baseando-se no instinto, na tradição e na crença de
que não eram apenas as forças oriundas da consciência teórica que contribuíam para moldar o
mundo
198
. As revoluções, fossem à direita ou à esquerda, provinham de elementos
irracionais.
199
Apoiado nos pressupostos apontados por Mannheim, mas analisando um período
posterior, Torres acredita que se rompeu, no século XX, a idéia de que religião e ciência ou
religião e razão são totalmente antagônicas. Para comprovar sua tese, cita alguns regimes
políticos, como o nazismo, nos quais houve a racionalização de uma espécie de religião
197
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Redefinindo a Direita. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da;
MEDEIROS, Sabrina Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento
da Direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 20.
198
MANNHEIM, 1976, p. 145.
199
Id., ibid., p. 159.
60
pagã.
200
Segundo essa concepção, não haveria contradição entre o revolucionário e o
reacionário, ambos estariam pautados em princípios espiritualistas. Na perspectiva católica, o
que determinaria se a revolução ou a reação era “boa” seriam os princípios morais e de justiça
social, em suma, os pressupostos cristãos. A fim de se desvencilhar das críticas dos integristas
que os chamavam de “marxistas cristãos”, como veremos adiante, os progressistas, ainda na
década de 1930, enfatizavam esta complexidade conceitual.
E isto porque tudo se reduz a uma questão de nomes. Aquilo que De
Maistre, Jackson e Tristão enaltecem sob o nome de reacção é o mesmo que
Péguy, Maritain e Berdiaef engrandecem sob o nome de revolução. E aquilo
que os três primeiros condenam sob o nome de revolução em nada differe
daquillo que os três últimos incriminam sob o título de reacção. [...] O que
importa é distinguir o bem do mal, as revoluções bôas das revoluções más,
as revolões christãs das revoluções anti-christãs.
201
Por outro lado, segundo Silva: “O conservadorismo não seria uma reação feudal,
antiburguesa, à Revolução Francesa. Estaríamos face a uma reação das parcelas estabelecidas
da própria burguesia”. Assim, o próprio Burke, o filósofo da reação, ao mesmo tempo, era
contrário à tirania do Rei e da massa e não pretendia o retorno ao passado (feudal), mas, sim,
um presente sem as contradições do período s-revolucionário
202
. Seguindo esse raciocínio,
porém com uma pitada de saudosismo católico, alguns militantes do laicato acreditavam que a
tradição era um presente que se transmitia às gerações sucessivas, sem o qual o progresso
levaria à anarquia. Logo o reacionárioo queria um presente exatamente como fora o
passado; mais do que voltar ao passado, ele promovia uma utopia do passado, “vive no
presente e teme todo movimento, inclusive a restauração”.
203
Além dos integristas, o “catolicismo de direita” apresentava uma outra vertente, o
ultramontanismo, que, como observamos anteriormente, teve em Donoso Cortés, Louis-
Ambroise de Bonald e Joseph de Maistre seus mestres. Os ultramontanos estavam fora do
campo da modernidade, negando-a em todos os sentidos, desprezavam totalmente a vida
moderna. O adepto deste seguimento do catolicismo
200
TORRES, 1968, p. 177.
201
SÁ, Júlio. Christianismo e Integralismo. A Ordem, Rio de Janeiro, n.69, p. 415-421, nov.1935. p. 416.
202
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Redefinindo a Direita. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da;
MEDEIROS, Sabrina Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento
da Direita: idéias, instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000. p. 21.
203
Id., ibid., p. 18.
61
[...] se refugia no passado e tenta encontrar uma época ou uma sociedade
em que uma forma extinta de transcendência à realidade dominasse o
mundo, e, através desta reconstrução romântica, tenta espiritualizar o
presente. A mesma função, deste ponto-de-vista, é desempenhada pelas
tentativas de reanimar o sentimento religioso, o idealismo, os mbolos e os
mitos.
204
Nessa forma de pensamento católico, a História tinha dois los antagônicos (como
um pêndulo): a perdição e a salvação, não havia meio termo
205
. Os seguidores de tal vertente
eram intransigentes defensores da infalibilidade papal, “apóstolos da intolerância”, pode-se
até dizer que eram “cruzados” que diziam lutar em nome do Papa. Extremamente
antidemocráticos, remontavam a uma concepção romântica do mundo à moda da nobreza, d
o desprezo pelo liberalismo burguês, o responsável pelo fim daquela sociedade e,
consequentemente, pelo rompimento da unidade entre os homens, anteriormente alicerçada na
figura do rei
206
. Defendendo a ordem, a autoridade e a hierarquia, o governo mais natural seria
a monarquia, porém isso também se relacionava ao fato de encararem o Papa como o
magistrado universal, devendo o poder espiritual condicionar o poder temporal (pois o Papa
era infalível). No Brasil, os ultramontanos promoveram igualmente a apologia da monarquia,
defendendo seu retorno.
Os elementos que colaboraram para a formação do pensamento
ultramontano estão no forte conservadorismo (que, no culo XIX, toma
maior fôlego visto os desafios revolucionários); o medo de perder antigos
privilégios; desconfiaa de tudo o que era desconhecido; esforço
psicológico necessário para abandonar antigos hábitos e adaptar-se a novos;
respeito e veneração por tradições; preferência dada mais à ordem do que a
valores como justiça; tendências a soluções definitivas, válidas para sempre
e que não podem ser discutidas e convicção de encontrar na revelação a
solução para todos os problemas.
207
A respeito do imaginário dessa corrente de pensamento, Iglésias observou que:
Para ele [ultramontano], é absurda a pretensão da igualdade, uma vez que os
homens são naturalmente desiguais; existe então uma hierarquia, com
diferentes atribuições a cada um, em sociedade em que há os que mandam e
204
MANNHEIM, 1976, p. 282.
205
MANOEL, 1990.
206
MANOEL, I. A. Donoso-Cortés e antidemocracia católica no século XIX. In: IX SEMANA DE HISTÓRIA -
X ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH, 1990, Franca. Resumos da IX Semana da História. Franca:
FHDSS/UNESP/ANPUH, 1990. v. Único.
207
CALDEIRA, Rodrigo Coppe. O influxo ultramontano no Brasil: o pensamento de Plínio Corrêa de
Oliveira. Juiz de Fora. 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade Federal de Juiz
de Fora, Juiz de Fora, 2005. p. 45.
62
os que obedecem. Os movimentos pela liberdade parecem-lhe não
perigosos como falsos, frutos da ótica viciada, vistos antes como libertários,
libertinos e liberticidas.
208
Seus seguidores eram românticos idealizadores do passado que cultuavam o instinto e
as forças transcendentais
209
, atribuindo enorme valor à História, “mas a uma história
providencialista, subordinada aos desígnios superiores”
210
. Para Torres, representavam um
tradicionalismo romântico e falso, pois ao pressuporem uma verdade eterna e imutável, eram
anti-históricos, desconhecendo o fluxo, “que é a própria essência da história”.
211
Para os ultramontanos os movimentos populares constituíam uma ameaça, pois à
medida que adquiriam enfoque progressista, começavam a questionar o caráter hierárquico da
sociedade, desafiando a hierarquia, a autoridade e a ordem. Esse foi um dos motivos para
acreditarem que nem em tempos de paz devia-se “baixar à guarda”.
212
Segundo Romano, o catolicismo ultramontano, “[...] na realidade, em vez de se pôr
contra os traços modernos de dominação, volta-se sobretudo contra o laicismo no domínio da
coisa pública e no pensamento”
213
. Ser contrário a isto era sinônimo de travar uma luta de
vida ou de morte pela sobrevivência da Igreja, culminando em certo militarismo. Outro ponto
interessante é que, diferentemente dos integristas e opostamente aos progressistas, os
ultramontanos queriam romper totalmente com o mundo em que viviam, instaurando novas
relações, semelhantes às de um passado idealizado. O retorno ao passado se tratava, sem
vida, “de um retorno à Tradição, mas reelaborada de modo idealizado no fito de uma
eficácia prática atual”
214
. A volta à Idade Média devia-se, talvez, mais ao aspecto moral que
ao hierárquico, pois a autoridade (disciplina) naquele período prevalecia sobre a liberdade.
O posicionamento da “direita calica” colidiria com o movimento histórico, como
aconteceu com o modelo de Igreja da neocristandade”, que, a partir da segunda metade da
década de 1940, começou a entrar em choque com as mudanças pelas quais a sociedade
passava, sobretudo o processo de redemocratização. O povo reivindicava participação, e a
Igreja Católica já não se podia apoiar apenas na elite, era preciso atingir a massa.
Os tradicionalistas que se sentiam mais ameaçados pela esquerda eram os
208
IGLÉSIAS, 1981, p. 112.
209
Id., ibid., p. 113.
210
Id., ibid., p. 120.
211
TORRES, 1968, p. 184.
212
MAINWARING, 1989, p. 55.
213
ROMANO, 1979, p. 103.
214
Id., ibid., p. 244.
63
que apoiavam com menos entusiasmo a doutrina social da Igreja. Sua
solução era reprimir a esquerda e evitar as mudanças sociais. De modo
inverso, o clero mais favorável em relação a doutrina social da Igreja era
menos hostil aos comunistas. Para eles, era preciso uma resposta à esquerda
não porque fossem implacáveis anticomunistas, mas, sim, porque
concordavam com a percepção da esquerda de que havia necessidade de uma
maior mudança social.
215
Por outro lado, os integristas mantinham sua postura anticomunista e usavam como
justificativa a possibilidade de os comunistas tomarem o poder, como havia acontecido no
México e na ssia. Afinal, segundo eles, nesses países os bolcheviques aplicavam uma
política sanguinária e anticristã.
Seria interessante abrir um parêntese em nossa discussão para discutir, embora de
maneira breve, a questão do anticomunismo, principalmente do anticomunismo católico que
nos permite visualizar algumas das divergências e confluências entre progressistas e
integristas. A priori podemos dizer que os dois seguimentos compactuavam a crença de que
havia incompatibilidade entre a doutrina católica e a doutrina comunista. Isso ocorria porque a
intelectualidade calica encarava o comunismo como uma espécie de religião, que pretendia
fundar “o reino de Deus na terra”, ou o “paraíso na terra”. A igualdade comunista também era
criticada, pois esses intelectuais acreditavam que a sociedade era naturalmente desigual e que
as desigualdades se completavam. Atacavam também o conceito marxista de luta classes; para
eles, a sociedade era, e deveria ser, harmônica, orgânica.
Não privavam o capitalismo e as democracias liberais de suas críticas, fato evidente
quando observamos que todos os seguimentos citados concordavam em afirmar que o
comunismo era “filho do liberalismo individualista. Ambos eram criticados por serem
oriundos de uma matriz materialista e acusados de massificar a personalidade dos homens,
cada um da forma que lhe era peculiar.
Enquanto para uns o avanço do protestantismo representava o perigo da perda de fiéis,
para outros:
[...] o protestantismo fazia parte de um plano norte-americano para dominar
a América Latina e destruir o catolicismo, e o espiritismo era uma expressão
da ignorância religiosa popular.
216
O American way of life” era visto com bastante desconfiança, consequentemente,
215
MAINWARING, 1989, p. 56.
216
Id., ibid., p. 54.
64
boa parte das Igrejas Católicas nacionais apoiou regimes autoritários e fascistas no
entreguerras. Tivemos oportunidade de comprovar esta questão pesquisando nos arquivos do
Centro Alceu Amoroso Lima para Liberdade (CAALL), onde encontramos algumas cartas nas
quais os padres pedem conselhos a Alceu Amoroso Lima sobre como se defender do Rotary
Club. Em uma delas, o intelectual católico é questionado da seguinte maneira: “Fundou-se
aqui o Rotary Club, e como vigário devo estar aparelhado para informar bem os meus
paroquianos sobre os perigos que oferece essa instituição de origem americana”
217
. A carta foi
endereçada a Alceu Amoroso Lima, então considerado um católico progressista, e não a
Plínio Corrêa de Oliveira, que muitos intitulavam de ultramontano. Isso evidencia a
necessidade de nossa discussão acerca de alguns conceitos que são atribuídos ora à direita, ora
à esquerda.
Em relação à historiografia anticomunista, deparamo-nos com o litígio entre aqueles
que acreditam que o “perigo vermelho” realmente existiu e aqueles que dizem que ele foi
usado pelos movimentos de direita para arregimentar a massa. Trindade situa-se em um
desses polos ao observar que: “A motivação principal que ocasionou a adesão de cerca de
dois terços dos integralistas foi o anticomunismo
218
. Tal concepção é respaldada por
Marilena Chauí ao notar que “o anticomunismo era puro mimetismo face aos movimentos
fascistas europeus e não uma clara percepção de alguma ameaça comunista interna”
219
.
Apoiando-se em ambos, Oliveira mostra que a força política do PCB foi secundária até o
surgimento da Aliança Nacional Libertadora (1935), fazendo com que grande parte da
importância atribuída a este movimento fosse oriunda de movimentos anticomunistas.
220
Podemos perceber que os medos sociais, como o que causou o anticomunismo,
contribuíram para a manutenção do Estado ditatorial e que o “perigo vermelho” era uma
mescla de perigo real com manipulação do imaginário por parte de um grupo, geralmente de
elite.
Mesmo com o fortalecimento comunista, em virtude da contribuão soviética para a
derrota dos alemães e da conjuntura da Guerra Fria, muitos católicos se preocupavam mais
com o avanço da ideologia bolchevique do que com a possibilidade de os comunistas
açambarcarem forças político-partidárias (depois de terem obtido a legalidade política na
217
JESUS, Vicente F. de (cônego). Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/l, 14/12/1948. CAALL.
218
TRINDADE, Helgio. Integralismo: teoria e práxis nos anos 30. In: FAUSTO, Boris. História Geral da
Civilização Brasileira: Brasil Republicano. Tomo III. São Paulo: Difel, 1981. p. 327.
219
CHAUÍ, 1978, p. 110.
220
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. Perante o Tribunal da História: o anticomunismo da Ação Integralista
Brasileira (1932-1937). 2004. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica, Porto
Alegre, 2004. p. 106.
65
Constituição de 1946). Os próprios integristas pareciam não achar plausível a possibilidade de
os comunistas chegarem ao poder pela via legal. O medo ainda existia, mas era canalizado
para a possibilidade de um golpe de Estado e, mesmo este, parecia não assustar tanto,
principalmente, depois da fracassada Intentona.
Embora concorde com as perspectivas de anticomunismo apontadas acima,
Rodeghero
221
aprofunda a questão ao afirmar que até os partidos de esquerda usavam o
anticomunismo como estratégia. Em seu entender, ser católico e anticomunista era algo
fundamental para aqueles que tinham pretensões políticas
222
. Segundo a autora, a postura
anticomunista da Igreja e sua influência sobre o eleitorado rural transformaram o
anticomunismo em importante elemento de mobilização política
223
. Outro ponto interessante
em sua abordagem é o fato de que não era o perigo nacional o motivador do crescimento do
anticomunismo, mas, sim, o fortalecimento de movimentos comunistas por todo o mundo
após a Revolução Russa, principalmente no México e na URSS. Quanto à relação entre
católicos e comunistas, a autora constata que os primeiros construíram identidades
excludentes, o que significa “definir o nós em oposição a eles, aos outros”.
224
Por outro lado, mesmo reconhecendo que houve variações nas formas de
anticomunismo, Mota
225
acredita que esta postura política foi motivada pela percepção de
ascensão bolchevique. Ou seja, pela sensação de que os comunistas representavam
empiricamente um perigo, concepção que encontra certo respaldo no estudo sobre a “Ação e
repressão policial num circuito integrado internacionalmente” de Cancelli, no qual a autora
mostra que o comunismo não era um perigo tão imaginário.
226
Falamos até aqui essencialmente dos católicos integristas e ultramontanos, agora é
preciso enfatizar algumas peculiaridades dos católicos progressistas. Essa vertente acreditava
que a Igreja precisava “mudar” para responder às necessidades do mundo moderno com maior
eficácia. Também se preocupava com a secularização, com a expansão do protestantismo,
com a ameaça comunista, mas, diferentemente dos integristas, respondia a tudo com maior
abertura ao mundo moderno. Grosso modo, os progressistas mudavam os meios de atuação,
221
RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio
Grande do Sul (1945-1964). 2. ed. Passo Fundo: UPF, 2003.
222
Id., ibid., p. 117.
223
Id., ibid., p. 121.
224
Id., ibid., p. 144.
225
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Anticomunismo. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina
Evangelista; VIANNA, Alexander Martins (orgs). Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: idéias,
instituições e personagens. Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2000.
226
CANCELLI, Elizabeth. Ação e repressão policial num circuito integrado internacionalmente. In:
PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
66
mas pretendiam alcaar os mesmos fins que seus opositores, a expansão do catolicismo.
Embora rejeitassem a mudança radical e tivessem uma concepção limitada (remetemo-nos a
alternativas práticas) da forma de realizar a justiça, eles estavam muito mais preocupados com
a justiça social do que os integristas e ultramontanos. Ainda eram hierárquicos nas práticas da
Igreja, mas se preocupavam em desenvolver organizações leigas mais autônomas e meios
eficazes de atingir o povo.
227
A respeito da plasticidade e da diversidade deste seguimento dentro da Igreja Católica,
Gramsci dizia que ele foi um movimento complexo e ltiplo, com diferentes variações e
formas de manifestão. Todavia tendia a aproximar a Igreja das classes populares, era
favorável à democracia e a uma espécie de socialismo reformista e pregava também a reforma
intelectual da Igreja.
228
Pensamos que nenhuma das vertentes católicas discutidas, entre 1930 e 1950, rompeu
os limites permitidos pelo Vaticano, seja à direita ou à esquerda. Defendemos a idéia de que a
“esquerda católica” não entrou em comunhão com o socialismo. O que ela fez foi dialogar,
teórica e metodologicamente, com o marxismo, buscando soluções para a questão social na
sociedade capitalista, o que, segundo Fernandes
229
, deveu-se ao fato de que a doutrina social
da Igreja identificava-se com uma espécie de “socialismo-sociológico”. Esta concepção seria
caracterizada por um socialismo personalista e humanista, no qual o indivíduo não seria
diluído na massa, nem o Estado seria totalitário, agindo somente o suficiente para que a
justiça social fosse estabelecida.
Essa postura dos progressistas teve péssima repercussão frente aos integristas, que,
baseados em encíclicas de Pio XI e Pio XII, asseveravam que em hipótese alguma o
catolicismo e o socialismo poderiam andar juntos
230
. Para eles, qualquer aproximação entre os
mesmos seriam sinais da infiltração comunista em meio aos católicos mais liberais,
progressistas, os quais taxavam de “agentes moscovitas”. A própria ACB, e principalmente a
JUC, era considerada por alguns como sendo criptocomunista, maculada de heresia,
destruidora dos princípios de autoridade e propagadora das idéias de Jacques Maritain, contra
quem os integristas moviam forte campanha.
231
227
MAINWARING, 1989, p. 57.
228
GRAMSCI, Maquiavel, a potica e o Estado Moderno, 1991, p. 334.
229
FERNANDES, José Antônio. Social-Democracia e Doutrina Social da Igreja. Incompatíveis ou
convergentes. Lisboa: Dom Quixote, 1979.
230
Segundo os pontífices, não havia como ser bom católico e comunista ao mesmo tempo. No entanto é preciso
ressaltar que esses intelectuais católicos usavam os documentos papais como melhor lhes convinha.
231
BEOZZO, 1984, p. 32-33.
67
Várias disputas ocorreram no interior da Ação Católica Brasileira na sua
primeira década de vida. Plínio [Corrêa de Oliveira], de um lado, apontava
uma orientação para o movimento marcado pelo pensamento ultramontano
e, como figura de destaque do laicato paulista, buscava a toda força que sua
orientação fosse hegemônica nacionalmente. Do outro lado estava Alceu
Amoroso Lima, ou Tristão de Ataíde (pseudônimo de crítico literário). Líder
nacional da Ação Católica e ligado ao pensamento neotomista de Jacques
Maritain, Alceu também buscava imprimir suas idéias e orientações no
movimento.
232
Muitos intelectuais católicos já conheciam Jacques Maritain desde o tempo em que ele
fazia parte da Action Française
233
de Charles Maurras, porém Beozzo nos lembra que,
principalmente a partir de 1943, padres estrangeiros chegados ao Brasil e padres que
regressaram de um período de estudo na Europa trouxeram influências liberais ao meio
católico brasileiro
234
. Michael Lowy expande nossa visão ao denunciar que o seguimento
progressista da Igreja Católica brasileira tinha forte ligação, desde o século XIX, com a Igreja
Calica francesa
235
, fato que explicaria porque no Brasil a Teologia da Libertação foi mais
forte que no restante da América Latina.
Ora, desde o final do século XIX a França é um país onde se desenvolve,
dentro do catolicismo, uma corrente crítica, anticapitalista, atraída pelo
socialismo, que vai de Charles Péguy à CFDT dos anos 60, passando por
Emmanuel Mounier, pelos Cristãos Revolucionários da Frente Popular, pelo
‘Testemunho Cristão’, pela revista Esprit, pela JEC, JUC, etc., etc. Na
década de 1950 há uma grande efervesncia na igreja francesa, que
surgirem as correntes teológicas que levam ao Vaticano II (Henri de Lubac,
Yves Congar, Christian Duquoc), bem como outras tendências com
sensibilidade social como os padres operários ou ‘Economia e
Humanismo’.
236
Para Lowy, o período que se estende de 1951 a 1962 marcaria a gênese da “esquerda
cristã no Brasil
237
. Porém Winock identifica esse momento com a criação e o
desenvolvimento da revista católica Esprit, em 1932, na França. O interessante é que, assim
como os progressistas da década de 1940, essa nova “esquerda cristã” procurava agir mais
sobre as causas dos males do que sobre seus efeitos. Não podemos nos esquecer de que ambos
232
CALDEIRA, 2005, p. 86.
233
Este movimento francês de extrema direita foi excomungado por Pio XI, fato que causou o êxodo de muitos
intelectuais, entre eles Jacques Maritain.
234
BEOZZO, 1984, p. 35.
235
LOWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Tradução de Vera Lúcia Mello
Joscelyne. Petrópolis,RJ: Vozes, 2000. p. 231.
236
Id,. ibid., p. 231.
237
Id,. ibid.,, p. 234. No rodapé.
68
eram acusados de comunistas ou de terem aderido à “política da mão estendida”
238
. D. Hélder
mara sintetizou bem a origem dessa desavença ao dizer: “Quando eu pedia às pessoas que
ajudassem os pobres, era chamado de Santo. Mas quando fazia a pergunta: por que existe
tanta pobreza? era chamado de comunista”.
239
Assim como o Pe. Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima e muitos outros intelectuais
católicos do período, Jacques Maritain migrou de uma posição de direita (no seu caso de
extrema direita) para uma posição progressista. Sua influência sobre a intelectualidade
católica brasileira é constantemente ovacionada, chegando, às vezes, a generalizações que não
explicam muito bem tamanha repercussão. Não obstante, toda “influência por si explica
muito pouco”, pois: “Todo movimento social e cultural ‘inventa’ de certo modo suas fontes,
sua origem, seus profetas e inspiradores e os reinterpreta em função de suas necessidades”.
240
Os integristas promoviam uma grande cruzada contra as idéias de Maritain,
principalmente Pe. Antônio Ciríaco Fernandes, Jo de Azeredo Santos e o padre jesuíta
Arlindo Vieira. Para eles, suas idéias promoviam um desvio doutrinário, promotor do nefasto
“marxismo cristão”
241
. Acreditavam que Alceu Amoroso Lima, assim como Maritain, havia
caído na política da “mão estendida”, ou seja, no plano de infiltração comunista.
Tais divergências também estavam ligadas a posicionamentos e questões diretamente
religiosas que, na década de 1930, caracterizavam as diferenças entre integristas e liberais na
Igreja. O Movimento Litúrgico e a ACB são exemplos disso, pois eram constantes pontos de
atrito entre as duas vertentes em questão. Enquanto os progressistas eram a favor da maior
participação dos leigos, na missa ou nas atividades religiosas, os integristas viam tudo isso
com muita desconfiança, reafirmando o princípio da autoridade e do respeito à Hierarquia.
Plínio Corrêa de Oliveira chegou a escrever um livro cujo título era “Em defesa da
Ação Católica”. Nele, toda a discussão gira em torno de duas palavras, participação e
colaboração. Tudo porque não aceitava a idéia de que os leigos participassem da Igreja. Em
seu entender, eles deviam apenas colaborar de maneira submissa à Hierarquia. Na sua visão, a
instituição romana não era uma sociedade de iguais, e, sim, uma sociedade desigual, não
porque uns eram leigos e outros clérigos, mas porque uns eram dotados do poder de santificar
238
Segundo Alceu Amoroso Lima, esta expressão foi criada por Maurice Thorez e se refere a uma aliança,
proposta pelos comunistas, entre católicos e comunistas franceses contra os nazistas, durante o peodo em
que estes últimos ocuparam a França na Segunda Guerra Mundial. LIMA, Alceu Amoroso. Mensagem de
Roma. Rio de Janeiro: AGIR, 1950. p. 105.
239
Apud LOWY, 2000, p. 125.
240
LOWY, op.cit., p. 232-233.
241
BUSETTO, 2002, p.44.
69
e governar
242
. Dessa forma, procurava mostrar que a ACB só podia ser definida como
colaboração (ele usa o termo “colaboradores instrumentais) dos católicos no apostolado, e
não participação, pois só à Hierarquia cabia esta participação.
243
Por outro lado, Alceu Amoroso Lima mostrava-se um grande incentivador do
Movimento Litúrgico, chegando a filiar-se à ordem beneditina, que foi a maior
impulsionadora deste movimento no Brasil, atuando como defensor da maior “participação”
dos leigos nas atividades da Igreja.
A partir de 1940, podemos dizer que “Dr. Alceu” e o grupo da revista A Ordem, do
CDV do Rio de Janeiro, divergiam politicamente do grupo de Plínio Corrêa de Oliveira, do
jornal Legionário, o que acabou com a colaboração tua que se estendia por vários anos
244
.
O mesmo aconteceu entre os primeiros e o grupo da revista franciscana Vozes de Petrópolis,
embora nos primeiros anos de 1930 os dois grupos não estivessem tão distantes.
A Ordem expressava a centralização exigida pelos altos escalões da
hierarquia da Igreja, enquanto a Vozes afirmava opinião mais liberal do
baixo clero e, especialmente, das ordens religiosas independentes.
245
Segundo Krischke, até 1938 as posições liberais tiveram espaço na revista Vozes de
Petrópolis, a partir de então, “ela apoiava as orientações políticas do Estado Novo
246
. Dessa
maneira, passava a representar o polo conservador do catolicismo brasileiro, enquanto a “A
Ordem” caracterizar-se-ia como grupo progressista.
As divergências em meio à intelectualidade católica foram motivadas pelas questões
que temos abordado no corpo deste texto, dentre as quais: o papel dos leigos na ACB e na
Igreja, os pressupostos de Jacques Maritain, o Movimento Litúrgico, a questão social e a
disputa de espaços entre os diferentes segmentos da Igreja Católica brasileira.
Mattei, em sua biografia sobre Plínio Corrêa de Oliveira, realça este embate ao notar
que:
242
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Em defesa da Ação Católica. 2. ed. o Paulo: Artpress Papéis e Artes
Gficas, 1983. p. 34. A primeira edição data de 1943.
243
Id., ibid., p. 38.
244
Pesquisando nos arquivos do CAALL, tivemos acesso à pasta em que constam as correspondências enviadas
por Plínio Corrêa de Oliveira a Alceu Amoroso Lima. Nelas fica claro que, durante a década de 1930, os dois
pareciam grandes amigos, tanto que em várias cartas Plínio constantemente perguntava sobre a família de
Alceu, fazia brincadeiras com um dos seus filhos (quando este cursava um colégio religioso) e chamava-o de
“chefe” do laicato nacional.
245
KRISCHKE, Paulo José. A Igreja e as crises políticas no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1979. p. 140.
246
Id., ibid., p. 164.
70
Tristão de Athayde e Plínio Corrêa de Oliveira figuravam como os
indiscutidos líderes católicos do Brasil, em meados dos anos 30. O primeiro,
no Rio, presidente da nascente Acção Católica; o segundo, em o Paulo,
animador das Congregações Marianas. A vida e o apostolado destes dois
homens, entretanto, estavam destinados a separar-se, até se tornarem
itinerários sitricos e opostos.
247
A querela entre os congregados marianos e os membros dos diferentes segmentos da
ACB também se tornara algo aberto.
A despeito dos frutos incomparáveis que as Congregações Marianas
produziram, não faltou quem lamentasse que elas tivessem florescido entre
nós, porque suas numerosas e noveis realizações no campo do apostolado
prejudicavam a expansão da Ação Católica.
248
Dessa maneira,
Enquanto o Rio de Janeiro representava o pólo progressista da vida religiosa
do país, personificado por Amoroso Lima, em São Paulo desenvolveu-se o
pólo tradicional, cuja liderança secular se encontrava, como recorda o P.
José Silva, ‘nas mãos de Plínio Corrêa de Oliveira’.
249
Desde então, as duas correntes existentes na Igreja Católica brasileira alternar-se-iam
no poder, mesclando períodos de opulência e ostracismo. Entre 1930 e 1945, tivemos a
preponderância do modelo da “neocristande”, um modelo conservador baseado no princípio
de que era preciso “catolicizar a elite” para chegar às massas. Porém, segundo Pierucci
250
, a
partir de 1950 a Igreja brasileira mudaria sua estratégia de influência, seguindo ao encontro
das aspirações populares. Mudança que, para Mainwaring, deveu-se a fatores como a
interação dialética entre leigos do apostolado e da Hierarquia, o posicionamento dos bispos
que controlavam as dioceses e as novas ideologias que surgiam com processo de
redemocratização
251
. A essas questões deve-se acrescentar a influência da conjuntura
internacional no período após a Segunda Guerra Mundial e os rumos que tomaram os
“ismos”. Além disso, a influência do pensamento católico francês se renovava, passando de
Jacques Maritain a Emmanuel Mounier e migrando da “democracia cristã” do primeiro para a
247
MATTEI, 1997. p. 66.
248
OLIVEIRA, Plínio Correa de. Com singular complancia. Legionário,o Paulo, n.505, 17 maio1942.
249
MATTEI, 1997, p. 67.
250
PIERUCCI, A. F. de O.; CAMARGO, C. P. F de.; SOUZA, B. M. de. A Igreja Católica: 1945-1970. In:
FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira: o Brasil Republicano. São Paulo: Difel,
1984, Vol. 3-4, p. 345-380. p. 355.
251
MAINWARING, 1989, p. 55-56.
71
proximidade do socialismo do segundo.
Sempre segundo Whitaker, a JUC e, de modo geral, a Ação Católica
Brasileira dividiram-se, na década de 50, em duas tendências divergentes: a
dos discípulos de Maritain que se tornaram democratas cristãos e a dos
discípulos de Lebret e Mounier – que tomará o caminho do socialismo.
252
Enfim, podemos perceber que o ponto central da oposição entre os dois polos do
catolicismo brasileiro era o “modelo de Igreja” que possuíam (igualdade X desigualdade).
Muitas vezes, no entanto, eles se cruzavam, tornando bastante árdua nossa tentativa de
caracterizá-los sem incorrer em simplificação ou reducionismo. Mais do que reagir contra
uma ordem nova, estava em andamento um processo de recriação de si mesmos, o que
também acontecia com a instituição que representavam.
3.3 JACQUES MARITAIN: UMA DAS CAUSAS DA DISCÓRDIA
Ao analisar especificamente este pensador, nosso objetivo é enfocar alguns aspectos
de sua obra que influenciaram a corrente católica liberal e entraram em choque com o
pensamento dos integristas. Pretendemos apenas expor seu pensamento, uma vez que as
críticas e os elogios ao mesmo serão discutidos a seguir, quando poderemos observar o papel
que ele desempenhou na querela entre as duas vertentes em questão.
Nossos comentários são baseados em suas seguintes obras: Humanismo Integral
(1936), Cristianismo e Democracia (1945), Princípios de uma Política Humanista (1946) e O
Homem e o Estado (1951).
Jacques Maritain nasceu em Paris, a 18 de novembro de 1882, oriundo de uma família
culta e protestante. Estudou na Sorbonne, onde, além do curso de Filosofia, também
frequentou o curso de Ciências Naturais. Ainda na Universidade conheceu Raissa Oumançoff
(judia), com quem viria a se casar em 1904. Converteu-se ao catolicismo em 1906, seguindo
primeiramente o espiritualismo de Bérgson e desenvolvendo, posteriormente, um tomismo
adaptado à sua época, que procurava restaurar a metafísica cristã, em detrimento do
racionalismo antropocêntrico e do irracionalismo panteísta. Por volta de 1914, tornou-se
professor na França, mesmo período em que se filiou à Action Fraaise, da qual iria se
desvincular após a condenação de Pio XI, acusando-a de belicismo e ateísmo. Em 1920,
visitou os Estados Unidos e, em 1936, veio ao Brasil, passando principalmente pelo Rio de
252
LOWY, 2000, p. 237.
72
Janeiro.
Fugindo da Segunda Guerra, o que se deveu, dentre outras coisas, ao fato de sua
mulher ser judia, adotou residência nos EUA, onde ainda viria a trabalhar como enviado
francês. Posteriormente, durante o papado de Pio XII, assumiu o cargo de Embaixador no
Vaticano.
253
Associada aos limites estabelecidos em nosso trabalho, a limitação de nossos
conhecimentos sobre Maritain e sua obra não nos permite ir além desta breve introdução
sobre o autor. Restringir-nos-emos, portanto, à apreciação do que consideramos como tópicos
mais relevantes de sua obra para execução deste trabalho, dentre os quais, sua concepção de
humanismo, sua postura diante dos “ismos”, a relação que estabeleceu entre o cristianismo e a
democracia e sua perspectiva de diálogo com o mundo moderno.
Entre 1930 e 1950, ao delinear os caminhos que o mundo poderia seguir, destacava o
fascismo (e suas variantes), o comunismo e o liberalismo burguês. Para ele, todavia, existia
uma alternativa cristã ao mundo, na qual o Estado seria guiado por uma “base existencial”,
que chamava de quarto Estado”. Neste, existiria: [...] uma liberdade real e uma real
participação na gestão econômica e política”.
254
Criticando o mundo burguês, observava que a principal causa do insucesso das
democracias modernas residia no aspecto espiritual. Em seu entender, a democracia provinha
originalmente de uma inspiração evangélica, não podendo subsistir sem a mesma.
O que a consciência profana adquiriu, caso não se volte para a barbárie, é a
na fraternidade humana; o sentido do dever social de compaixão pelo
homem, na pessoa dos fracos e dos sofredores; a convicção de que a obra
política por excelência é tornar a própria vida comum melhor e mais
fraternal, trabalhando, ao mesmo tempo, para fazer da arquitetura das leis,
das instituições e dos costumes dessa vida comum, um lar para irmãos.
255
Alceu Amoroso Lima, no prefácio do livro Cristianismo e Democracia (1945),
observou que a grandeza deste trabalho era mostrar que o cristianismo representava a
verdadeira e autêntica democracia. Dessa forma, naquele momento histórico, se voltasse às
suas origens (cristãs), a democracia poderia ser um instrumento político atuante em prol da
liberdade e de uma sociedade mais justa, em detrimento dos totalitarismos (há, no livro, a
253
Informações biográficas obtidas no site do Instituto Jacques Maritain do Brasil.
Dispovel em: <http://www.maritain.org.br >. Acessado em: 10 jun. 2007.
254
MARITAIN, Jacques. Humanismo integral: uma visão nova da ordem cristã. Tradução de Afrânio
Coutinho. 5 ed. São Paulo: Nacional, 1965. p. 216.
255
MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia. Tradução de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro:
AGIR, 1945. p. 66.
73
tentativa de colocar lado a lado, democratas e católicos verdadeiros)
256
. O problema seria
“passar da democracia burguesa, ressecada por suas hipocrisias e pela falta de seiva
evangélica, a uma democracia inteiramente humana; da democracia falada à democracia
real”.
257
A fim de delinear o quadro político do mundo em que vivia, Maritain dizia que nele
existia uma
[...] coligação entre os interêsses das classes dirigentes, corrompidas pelo
dinheiro, agarradas com unhas e dentes a seus privilégios e apavoradas por
um terror cego do comunismo (cuja propagação poderia ter sido
eficazmente evitada por uma política clarividente de reformas sociais), as
ambições de aventureiros sórdidos e a filosofia escravocrata ensinada em
todos os países da Europa por utopistas ávidos de verem suas idéias
conquistarem o poder de qualquer modo, sadistas do racismo embriagados
pela alegria de empregar o espírito para trair ao espírito, e vulgares
traficantes da degradão humana.
258
Esses argumentos foram usados para ressaltar que a tragédia das democracias
modernas estava no fato de que ainda não haviam conseguido realizar a verdadeira
democracia. A falência das elites nacionais de diferentes países, que haviam perdido seu
caráter orgânico em relação às demais classes que compunham suas respectivas nações, é
apresentada como uma das causas do problema.
O que digo é que a elite inspiradora de que tem necessidade o povo deve
sempre viver em comunhão com êsse próprio povo, que fornece
infatigávelmente seu trabalho e seu sangue. Agora, por bem ou por mal, será
preciso que, de acôrdo com um postulado essencial do pensamento
democrático, saiam as novas elites das camadas profundas das nações.
259
Maritain também criticava a forma de representação política nas democracias
modernas, que para ele suprimia a autoridade e a hierarquia, mas conservava o poder.
Declarar que a autoridade reside na multidão como em seu objeto próprio e
sem de lá poder sair para existir em tais homens responsáveis, é uma
escamoteação destinada a permitir que mecanismos irresponveis exerçam
o poder sobre os homens sem ter autoridade sobre eles. Assim o poder (o
256
LIMA apud MARITAIN, Cristianismo e Democracia, 1945, p. 10-11.
257
Id., ibid., p. 38-39.
258
Id., ibid., p. 33-34.
259
Id., ibid., p. 91.
74
poder do Estado) mascara a anarquia.
260
Na concepção maritainiana, a expressão que melhor designava o termo democracia
não era “soberania do povo”, mas sim: “Governo do povo, pelo povo, para o povo”
261
. Outra
questão a ser observada é a diferenciação que o autor fazia entre autoridade e poder, ao
analisar o poder como a força por meio da qual podemos obrigar os outros a nos
obedecerem” e a autoridade como sendo “o direito de dirigir e comandar, de ser atendido e
obedecido por outros”.
262
Somada à questão das injustiças sociais, a perda da autoridade levou nosso
protagonista a assinalar, como muitos outros autores, que as democracias liberais burguesas
engendraram o Estado Totalitário, pois exerciam um poder sem autoridade, e que o conceito
de “Soberania e de Absolutismo foram forjados na mesma bigorna”.
263
Ao contrário do que muitos dizem, em sua concepção parece não haver
incompatibilidade entre a liberdade e a autoridade, pois acreditava que “somos iguais na
condição de seres humanos, e essa igualdade é alicerçada nas desigualdades”. Era o que Alceu
Amoroso Lima chamava de “unidade na variedade”. Segundo seu conceito de “democracia
orgânica”, nem a autoridade, nem o poder eram suprimidos, o que não inferiorizava ninguém,
porquanto a autoridade e o exercício do poder deviam ser encarados como um direito de
alguns, enquanto a obedncia seria motivada pelo ideal de justiça, pelo bem comum
264
. Além
disso, a democracia orgânica seria uma democracia pluralista, que representava os diversos
corpos sociais.
Sua concepção de sociedade “temporal ideal” alicerçava-se em três características. Era
comunitária, para a qual o bem maior da civilização era o bem comum, e o apenas o
individual; era personalista, pois procurava respeitar as diferenças individuais, permitindo que
cada pessoa buscasse seus fins supratemporais; e, enfim, era peregrinal, enfatizando que
estamos apenas de passagem por este mundo temporal, o que não significava viver
indignamente.
Ao propor um “Humanismo Integral”, Maritain fazia críticas ao capitalismo e ao
260
MARITAIN, Jacques. Princípios de uma Política Humanística. Tradução de Nelson de Melo e Sousa. Rio
de Janeiro: AGIR, 1946. p. 56.
261
MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução de Alceu Amoroso Lima. 2. ed. Rio de Janeiro:
AGIR, 1956. p. 37.
262
Id., ibid., p. 147.
263
Id., ibid., p. 66.
264
Vale ressaltar que, para Maritain, “[...] assim como o bem comum não é simples soma de bens individuais,
também a vontade comum não é simples soma de vontades individuais”. MARITAIN, Princípios de uma
Política Humanística, 1946, p. 97.
75
comunismo. Em relação ao primeiro, constatava que a liberdade do liberalismo era (e ainda é)
apenas uma caricatura da verdadeira liberdade, pois em defesa das vantagens da propriedade
privada, defesa que ele considerava justa, esquecia-se de que a maioria nem possuía
propriedade. Dessa forma, a palavra liberalismo infelizmente deveria ser entendida no
sentido que ela possui no vocabulário teológico, e designa então a doutrina para qual não tem
a liberdade humana uma regra ou medida senão ela mesma”.
265
O espírito objetivo do capitalismo é um espírito de exaltação das potências
ativas e inventivas, do dinamismo do homem e das iniciativas do indivíduo,
mas é um espírito de ódio da pobreza e de desprêzo do pobre; só existe o
pobre como instrumento de uma produção que rende, não como pessoa; o
rico ademais só existe de seu lado cômo consumidor (para o lucro do
dinheiro que serve esta mesma produção), não como pessoa; e a tragédia de
um mundo como tal é que, para entreter e desenvolver o monstro de uma
economia usuária, será preciso necessariamente tender a transformar todos
os homens em consumidores, ou ricos, mas; então, se não há mais pobres, ou
instrumentos, tôda essa economia pára e morre e morre também, como se vê
em nossos dias, se não há suficientes consumidores (em ato) para fazer
trabalhar os instrumentos.
266
Em virtude dessa situação, seria preciso instaurar um novo humanismo, um
“Humanismo Integral”.
Este novo humanismo, sem medida comum com o humanismo burguês, e
tanto mais humano quanto menos adora o homem, mas respeita realmente e
efetivamente a dignidade humana e dá direito às exigências integrais da
pessoa, nós o concebemos como que orientado para uma realização social-
temporal desta atenção evangélica ao humano, a qual não deve existir
somente na ordem espiritual, mas incarnar-se, e também para o ideal de uma
comunidade fraterna.
267
Criticando veementemente o capitalismo e o comunismo, afirmava que os fins é que
diferenciavam estes dois sistemas (o primeiro visava ao individual, enquanto o segundo
visava ao coletivo), pois os meios
268
de alcançar os fins eram muito semelhantes. Maritain
preferia a democracia à ditadura, seja de classe ou de raça, mas não a democracia pautada em
princípios capitalistas, e, sim, aquela que se baseava em um “Humanismo Integral”, em um
265
MARITAIN, Humanismo integral, 1965, p. 85.
266
Id., ibid., p. 91.
267
Id., ibid., p. 8.
268
Na concepção maritainiana, tanto marxistas quanto “antimarxistas” (capitalistas), concordavam em relação à
relevância do econômico. Além disso, no totalitarismo comunista os operários o viviam nas mesmas
condições que os membros da burocracia, e no totalitarismo nazista o povo ariano, educado a partir de
princípios eugênicos, não vivia nas mesmas condições que a elite dirigente. Fato semelhante acontecia nas
democracias liberais burguesas.
76
humanismo cristão.
Ao falar especificamente do comunismo e de alguns de seus desdobramentos, criticava
os meios que usavam para buscar uma sociedade mais justa. Como justificativa para atingir
este objetivo, fundavam uma sociedade igualitária onde a pessoa humana era diluída na
coletividade. Adequando esta crítica aos dogmas cristãos, ressaltava que os marxistas erravam
ao pretender transformar o mundo a partir da exterioridade do mesmo, e não a partir do
interior de cada homem. A mesma crítica era dirigida à finalidade do comunismo, que
pretendia melhorar as condições materiais dos homens, mas se esquecia de que o homem
também é um ser espiritual.
Como alguns teóricos que o antecederam, pautado, sobretudo, em encíclicas papais,
Maritain considerava o comunismo um erro oriundo do liberalismo burguês, mas alertava que
a “criatura havia suplantado os perigos que o criador representava”, pretendendo fazer “da
libertação da classe trabalhadora um último episódio da luta da libertação contra o
cristianismo e a Igreja, considerados como fôrças de opressão e de obscurantismo
269
. Sua
crítica também contemplava a condenação à concepção marxista da luta de classes e o papel
messiânico que o proletariado adquiria na mesma. Seguindo o “Humanismo Integral”, as
classes deveriam colaborar umas com as outras e não lutar entre si; seria esta a diferença entre
a sociedade de ordens e a de classe:
[...] cada uma das ordens do antigo regime representava uma função bem
definida na sociedade, destinada a perseguir, em seu lugar hierárquico, um
bem comum que era o da sociedade inteira; tende ao contrário, o
proletariado moderno a constituir uma totalidade independente, que se
recusa a reconhecer um bem comum com a classe oposta.
270
Não acreditamos que os teóricos leigos ou eclesiásticos pretendiam a volta ao passado
medieval (não por não sonharem com a mesma, mas por acreditarem que ela não era
possível), pensamos, sim, que, em diferentes temporalidades e lugares, a intelectualidade
católica procurava, por diferentes meios, introduzir seus princípios na sociedade.
Ao contrário do que diziam os integristas, Maritain não propunha a fusão entre o
comunismo e o catolicismo. Isso fica evidente ao ressaltar que havia três atitudes possíveis
em relação aos comunistas: 1) poder-se-ia exterminar os comunistas, mas isso fugia aos
princípios cristãos, pois seriam usados os meios nazi-fascistas; 2) poder-se-ia se unir aos
269
MARITAIN, Humanismo integral, 1965, p. 183.
270
Id., ibid., p. 183.
77
comunistas, formando com eles uma frente única, mas os comunistas depois de aproveitarem-
se desta união poderiam rompê-la. Esta opção era desaconselhada pelo autor, que não
confiava nos comunistas e não concordava com suas premissas teóricas; 3) poder-se-ia
admitir que os comunistas não eram o comunismo (ou seja, que os homens não eram a
doutrina), aceitando ou incentivando sua colaboração para a construção de uma sociedade de
liberdade
271
. Sem vida, parecia ser favorável à última atitude em face do comunismo,
acreditando que os comunistas podiam ser convertidos.
Entramos, desde então, em outro foco da discussão, a perspectiva maritainiana de
diálogo com o mundo moderno, algo que novamente entrava em choque com a direita
católica”. Embora os diferentes seguimentos da Igreja buscassem o mesmo fim, a expansão
do catolicismo, eles o faziam por caminhos diversos. Um exemplo disso residia na forma de
combater o comunismo. Enquanto Maritain acreditava na necessidade de as democracias
reintegrarem o povo russo à comunidade ocidental (convivência entre os diferentes – unidade
na variedade), os integristas defendiam a tese de que era preciso isolar o comunismo enquanto
não se acabasse com ele, a fim de impedir que contaminasse os católicos.
Pelo estudo do pensamento maritainiano, constatamos que ele primava por um regime
democrático, pluralista, em detrimento do comunismo e de qualquer outra forma de regime
totalitário, fosse de direita ou de esquerda.
O que foi adquirido pela consciência profana, se ela se não voltar para a
barbárie, é o sentido da igualdade de natureza entre os homens e da
igualdade relativa que a justiça deve criar entre eles, bem como a convicção
de que, pelo próprio meio das desigualdades funcionais exigidas pela vida
social, deve a igualdade relativa que a justiça deve criar entre eles, bem
como a convicção de que, pelo próprio meio das desigualdades funcionais
exigidas pela vida social, deve a igualdade se restabelecer em um nível mais
elevado, frutificando na possibilidade para todos de alcançarem uma vida
digna do homem, no gozo a todos garantido dos bens elementares materiais
e espirituais de uma tal vida, e na participação real de cada um, segundo
suas capacidades e seus ritos, à atividade comum e à herança comum da
civilização.
272
A desigualdade era desenhada como algo necessário na sociedade, mas “uma
desigualdade de fato” e não de direito. O mesmo deveria acontecer com a igualdade, que não
poderia ser predeterminada.
Negando a concepção comunista, atribuía outro significado ao termo socialização:
271
MARITAIN, Cristianismo e Democracia, 1945, p. 96-97.
272
Id., ibid., p. 59.
78
[...] tomada em seu princípio autêntico, refere-se a êsse processo de
integração social através do qual a associação numa determinada emprêsa se
estende não apenas ao capital invertido, mas tamm aos operários e aos
patrões, de modo a tornar tôdas as pessoas e os vários grupos nela
implicados, de certa forma participantes da co-propriedade e da co-
administração.
273
Para finalizar este esboço sobre Maritain, podemos dizer que seu pensamento se
contrapõe à intolerância civil e religiosa dos ultramontanos e integristas, tanto que, ao criticá-
los, lembrava que, se realmente aplicadas, suas propostas poderiam causar grande distúrbio na
sociedade.
Ora, o que êles deveriam fazer fôra propor francamente a sua solução para o
mundo, exigir que o Estado convertesse em cidadãos de segunda classe
todos os nãocristãos e os não–ortodoxos. Deveriam estar prontos a
enfrentar as conseqüências que tais exigências acarretariam não apenas para
êles próprios, mas para a própria ação da Igreja no mundo, assim como para
a paz e o bem comum da sociedade civil.
274
Em detrimento daqueles que o chamavam de herético, advertia que enquanto a
sociedade contemporânea democrática foi fundada de baixo para cima, com ênfase na
liberdade, a Igreja foi fundada de cima para baixo, primando pela autoridade. E se os
governantes da sociedade política eram os vigários do povo, o Papa era o vigário de Deus.
275
Por fim, embora nos tenhamos restringido a caracterizar o pensamento de Maritain,
acreditamos que conseguimos focalizar o que propomos, podendo mostrar que o autor o era
tão “liberal” como o descreviam os integristas, caso contrário, Pio XII o o teria acolhido e
lhe dado respaldo.
3.4 PROGRESSISTAS X INTEGRISTAS: O CASO MARITAIN
Nos periódicos católicos analisados, encontramos uma polarização de forças entre os
progressistas e os integristas (ambos compostos tanto por leigos quanto por eclesiásticos). Os
primeiros, principalmente na década de 1940, concentravam-se em torno da revista A Ordem;
os segundos, no mesmo período, quando se acentuou o conflito, colaboravam na revista
Vozes de Petrópolis e no jornal paulista Legionário. Entre os dois blocos, estava em jogo uma
considerável disputa política, religiosa (dogmática) e intelectual, em que era comum encontrar
273
MARITAIN, O homem e o Estado, 1956, p. 32.
274
Id., ibid., p. 212.
275
Id., ibid., p. 216.
79
artigos escritos especialmente em resposta a trabalhos publicados por algum oponente. o
exemplos títulos como: A defesa da defesa, Respondendo a uma provocação, Em torno de um
artigo contra..., Resposta..., dentre outros. Também tivemos oportunidade de comprovar esta
polêmica quando, consultando os arquivos do CAALL, encontramos ásperas críticas na
correspondência de Alceu Amoroso Lima a M.P., que posteriormente descobriríamos que
significava Mesquita Pimentel, colaborador da revista Vozes de Petrópolis e crítico da posição
político-religiosa adotada pelos membros de A Ordem.
Embora acreditemos que Jacques Maritain não tenha sido o único responsável pela
guinada sofrida por A Ordem, pois na década de 1930 ele havia assumido uma posição
bastante “democrática”, é inegável que, a partir do momento que suas idéias ganharam força
no cenário mundial, isso também se refletiu no catolicismo brasileiro. Estava criado o
contexto para o confronto entre progressistas e integristas, entre prós e contras Maritain, cuja
principal temática foi a discussão relacionada ao comunismo e ao socialismo.
Mesmo comungando a crença de que as injustiças sociais do capitalismo levariam ao
comunismo, os interlocutores da revista Vozes de Petrópolis, em sua maioria, ignoravam
qualquer tolerância em relação aos socialistas e comunistas. Criticando os seguidores de
Maritain, em especial os que militavam em A Ordem, ressaltavam: “Compreendemos, embora
lamentando, que os maritainistas manifestem sua adesão ao socialismo. O que não podemos
admitir é que o façam como católicos”
276
. Segundo eles, a existência de problemas sociais não
era motivo para cruzar os braços diante do perigo moscovita, nem para aderir à política da
mão estendida”
277
. O problema social deveria ser resolvido a partir do “acesso à propriedade,
mediante a poupança, facilitada pelo salário justo”.
Partem esses revolucionários católicos do pressuposto de que são sempre
desonestos e injustos os processos de adquirir mérito ou fortuna na vida
social, e de que a transição desse patrimônio moral ou material é também
sempre injusta e criminosa.
278
Posicionando-se assim, deixavam evidente sua preocupação com a manutenção do
status quo. Em sua concepção, pregando a “mística da sociedade sem classes”, os
maritainistas invertiam a ordem do problema, pois da concentração de riquezas nas mãos de
276
SANTOS, João de Azeredo. O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos. Vozes de
Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p.473-501, set./dez. 1950. p. 489.
277
SOARES, Marino. Sr. Tristão de Ataíde, o Partido Comunista e a Democracia. Vozes de Petrópolis: Revista
Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 303-323, maio/jun.1948. p. 309.
278
SANTOS, O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, op. cit. p. 497.
80
particulares passar-se-ia ao mesmo processo, porém nas mãos de uma elite burocrática. Por
isso, chamando-os de “ingênuos necessários” ou de lobos disfarçados de cordeiros
279
,
diziam:
O cristianismo progressista pretende batizar o comunismo. É uma utopia. O
comunismo constitui, nos seus princípios e nas concretizações deles, um
sistema intrinsecamente perverso e anti-natural. Para batizar o comunismo,
nem toda água do Jordão. Seria preciso transformá-lo, radicalmente, na
teoria e na ptica. Mas um comunismo, assim transfigurado, não seria
comunismo; e realizá-lo, excederia quaisquer forças humanas.
280
O Legionário concordava com os pressupostos da revista franciscana e observava: “É
ingênuo, ou não tem boa fé, quem acredita que o comunismo renunciou verdadeiramente a
seus propósitos, e deseja realizar uma ordem de coisas compatível com o catolicismo
281
.
Lembrando Pio XI, exaltava que ambos eram radicalmente incompatíveis e não havia
possibilidade de conciliação; boa parte dessa confusão era fruto de católicos “narcotizados”,
tíbios ou tolos que caíam no jogo moscovita da política da mão estendida.
282
Ao falar da realidade política dos católicos, os adeptos do CDV admitiam que, de um
lado, estavam os partidários da tradição e da ordem e, de outro, os desejosos de certas
reformas sociais em prol do melhoramento da vida popular
283
. Em seu entender, algumas
demandas dos comunistas eram justas, entretanto não poderiam ser alcançadas pelos métodos
bolcheviques, mas, sim, por meio da plena democracia, como a que descrevera Maritain.
Pretendiam acabar com “toda hegemonia do dinheiro”, acreditando que, consequentemente,
eliminariam as causas do comunismo
284
. Mas alertavam que, em meio aos falsos princípios,
os comunistas possuíam certas intuições verdadeiras.
Entre os elementos originais do comunismo, encontram-se elementos
cristãos, tanto que Santo Tomás More tinha idéias comunistas. Aliás, a idéia
de ‘comunhão’ é uma idéia cristã. O comunismo é a deformação do conceito
279
TORNAGHI, Ernesto. Pretenso liberalismo católico. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura,
Petrópolis, s/n, p.438-441, jul./dez. 1934. p. 440.
280
MAURÍCIO, P. Domingos. A ilusão do cristianismo progressista. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de
Cultura. Petrópolis, s/n, p. 416-432, jul./ago. 1950. p. 422.
281
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, s/n, 6 maio1945.
282
Id. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.670, 10 jun. 1945.
283
DELGADO, Luiz. À margem da filosofia social de Jacques Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 541-
546, maio/jun.1946. p. 545.
284
REDAÇÃO. Comunismo, reacionarismo, Integralismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p.166-174, set.1945. p.
168. SANTOS, Fr. João Batista Pereira. Atitude do cristão em face do materialismo comunista. A Ordem,
Rio de Janeiro, s/n, p. 190-198, mar. 1949. p. 191.
81
de cristianismo de comunidade.
285
Um comunista poderia dizer que chegou o momento histórico de os
capitalistas, os trusts, os bancos, os que m o tesouro, os tesoureiros de
Deus, que são os ricos, entregarem esse tesouro à coletividade. E eu
responderia que estou de pleno acordo com eles. O que nos separa é a
fundamentação das cousas, é a diversa motivação com que, aqui, cruzamos
os caminhos.
286
Em oposição a tais idéias, Domingos Maurício taxava os progressistas de ajudantes de
comunistas, dizendo que eles podiam até ser capazes de fazer uma revolução social sem os
bolcheviques, pois se opunham aos partidos de direita e ao capitalismo norte-americano.
Concordava com os maritainistas que o comunismo poderia conter elementos do cristianismo,
mas de qualquer forma negava a possibilidade de um “aperto de os” entre ambos.
Salientava, ainda, que nem todos os católicos que mostravam preocupações com a justiça
social poderiam ser taxados de progressistas.
287
Perillo Gomes, ao abordar alguns aspectos que possivelmente teriam levado à mal-
querença de Jacques Maritain, destacava sua filosofia política, sua pregação democrática e sua
atitude perante o mundo contemporâneo. No entanto, não deixava de salientar que ele foi
vilipendiado pelo fato de haver sustentado que devemos ser, nós cristãos, pacientes e
caridosos para com os comunistas”, donde muitos concluíram que ele era comunista, ou pelo
menos, “comunisante
288
. Segundo Alceu Amoroso Lima, muitos católicos também
criticavam Jacques e Raissa Maritain por suas origens, respectivamente, protestante e
judaica.
289
A postura maritainiana diante do comunismo foi defendida por muitos colaboradores
da A Ordem, os quais enfatizavam que:
‘Os católicos não devem cair nos erros de sob pretexto de combate ao
Comunismo se aliarem a grupos reacionários, neofascistas ou que tenham
intuitos de se servirem dos católicos, para fins políticos de caráter totalitário
de direita’.
290
285
CARNEIRO, Orlando. Maritain e o Comunismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 558-569, maio/jun. 1946.
p. 562.
286
CARNEIRO, J. Fernando. Os Calicos em face dos comunistas e dos integralistas. A Ordem, Rio de
Janeiro, s/n, p. 326-341, abr./maio 1944. p. 334.
287
MAURÍCIO, A ilusão do cristianismo progressista, 1950, p. 417-420.
288
GOMES, Perilo. Da mal-querença a Jacques Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 193-199, ago./set.
1946. p. 196. RIBEIRO, Fábio Alves. Observações sobre o caso Maritain”. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n,
p. 487-494, nov./dez. 1944.
289
ATHAYDE, Tristão de. Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 91-115, fev. 1945.
290
REDAÇÃO. Comunismo, reacionarismo, Integralismo, 1945, p. 170.
82
Os membros do CDV do Rio de Janeiro pretendiam, tanto quanto os integristas,
extirpar o “verdadeiro” comunismo, mas procuravam instrumentos democráticos para tanto.
Para eles, devia-se “combater o comunismo amando os comunistas”
291
, pois o comunista não
era o comunismo.
Não temos o direito de odiar as pessoas sob o pretexto de extinguir o êrro
que nelas reside. ‘Eu estou pronto para lavar as mãos no sangue dos
comunistas’, me disse um calico no Rio, católico de comunhão diária. Ó
ironia! Eu vos deixo pensar se êste homem é melhor ou pior do que os
comunistas que êle assim odeia.
292
Diferentemente da esquerda católica, que era consideravelmente tolerante e se
mostrava bastante benevolente, a direita, muito combativa, chegava a dizer que “o católico
deve aliar a prudência da serpente à inocência da pomba”
293
. Embora nosso trabalho não leve
em consideração tais pressupostos, é interessante notar que boa parte dos argumentos dos
integristas era proveniente do Antigo Testamento, um período em que as coisas eram levadas
mais a ferro e fogo; os progressistas usavam basicamente argumentos oriundos do Novo
Testamento, levando em consideração um Deus piedoso e misericordioso. Plínio Corrêa de
Oliveira permite-nos observar essa diferença quando, em oposição aos membros de A Ordem,
dizia:
Uma vítima da revolução francesa, passando por sob a estátua da liberdade,
teve a exclamação famosa: “O liberdade, quantos crimes se cometem em teu
nome”. Com quanto direito poderíamos dizer por nossa vez: O caridade,
quanta sandice e quanto crime em teu nome se tem praticado”.
294
Enquanto a direita católica não distinguia as diferentes formas de socialismo, a
esquerda, além de fazer a distinção, dizia entender as causas do “erro comunista”. Definiam-
se a priori dois tipos de comunistas: aqueles que seguiam a doutrina por modismos e os que
possuíam motivos teóricos e práticos para isso. Estes, segundo Paulo de Sá, mesmo errados,
eram dotados de boa fé em seu erro.
São communistas porque, como a todos os que têm ainda a virtude do
engulho, revolta-lhes as entranhas o espetáculo nauseante de um mundo em
291
REDAÇÃO. Combate ao Comunismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 3-10, jan. 1947. p. 8.
292
SANTOS, Fr. João Batista Pereira. Atitude do cristão em face do materialismo comunista. A Ordem, Rio de
Janeiro, s/n, p. 190-198, mar. 1949. p. 192.
293
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Pacifismo. Legionário,o Paulo, n.385, 28 jan.1940.
294
Id. Juízo temerário II. Legionário, São Paulo, n.476, 26 out.1941.
83
que os bezerros de ouro se multiplicam em rebanhos innumeraveis, e que a
injustiça se envolve em toga e reina nos tribunaes, em que a liberdade é o
pretexto brilhante para a mais abjecta das escravidões, em que apenas
permanecem de os mais fortes, o que quer dizer muitas vezes aquelles
que são menos peiados pelos escrúpulos de consciência’.
295
Azeredo Santos via nisso uma tentativa de suavização do erro comunista, que, no seu
entender, podia ser explicado a partir da premissa da infiltração moscovita nos meios
católicos. No entanto percebemos que os membros da revista A Ordem separavam o regime
econômico da filosofia de vida marxista e eram totalmente condenáveis apenas os regimes
políticos em que vigorasse essa filosofia. O comunismo devia ser combatido, essencialmente,
no plano doutrinal (filosófico), pois a necessidade de maior justiça social, na visão dos
progressistas, era uma crítica justa feita pelos mesmos. Daí a tentativa de mostrar que: “A
gênese do comunismo de Marx não é de ordem econômica, como Engels, mas de ordem
filofica e metafísica”.
296
Segundo os adeptos do CDV, não se podia dizer que todos os comunistas eram
bandidos, pois havia entre eles muitos militantes sinceros que desejavam suprimir as
injustiças sociais que pairavam sobre a classe trabalhadora. Porém constantemente exaltavam
que o mal dos comunistas era pretender promover uma transformação sem Deus. Da mesma
maneira, o erro de muitos cristãos era não perceber que para vencê-los deveriam ser mais
revolucionários do que êles. Revolucionários, no bom sentido da transformação da sociedade
que os Papas não cessam de proclamar inadiável”.
297
Enquanto os seguidores de Maritain diferenciavam o socialismo do comunismo,
aceitando a possibilidade da existência de diferentes formas de socialismo, boa parte dos
partidários do Legionário e da revista Vozes de Petrópolis deixavam claro que, embora
houvesse variações no socialismo, sua finalidade era a mesma: instalar o totalitarismo
igualitarista.
Não nos temos cansado de dirigir a atenção dos católicos para o fato de ser a
luta destinada à implantação do Estado totalitário socialista uma luta de
várias frentes, que se estende desde o mais radical e façanhudo comunismo
ou nazismo, ao mais brando e hicrita ‘socialista cristão’, de que é exemplo
o tipo esposado por alguns elementos representativos da seita anglicana.
[...]
Onde o comunismo revolucionário não consegue entrar, o socialismo
295
SÁ, Paulo. Communista, meu irmão!A Ordem, Rio de Janeiro, n.61, p. 177-180, mar. 1935.p. 178.
296
CARNEIRO, Maritain e o Comunismo, 1946, p. 561.
297
SANTOS, Fr. João Batista Pereira. Atitude do cristão em face do materialismo comunista. A Ordem, Rio de
Janeiro, s/n, p. 190-198, mar. 1949. p. 198.
84
evolucionista força a brecha. E onde as formas avançadas do socialismo são
repelidas, procura-se passar o contrabando de um socialismo atenuado.
298
Grosso modo, o totalitarismo revolucionário seria aquele que pretendia chegar ao
poder usando métodos ilegais, ou seja, a revolução ou o golpe de Estado, enquanto o
socialismo evolucionista pautava-se em métodos legais, atuando dentro da lei. O primeiro era
tratado como sendo o mais violento (comunismo) e o segundo, o mais moderado, mas os dois
eram totalmente condenáveis para os integristas e considerados incompatíveis com o
catolicismo. Azeredo Santos, tentando respaldar este posicionamento, citava um livro de
Lênin, A enfermidade infantil do esquerdismo no comunismo, no qual o autor ridicularizava a
incompreensão e estreiteza dos extremistas, que não percebiam a necessidade da ação legal e
ilegal.
Lênin muito bem compreendia a vantagem da política da mão estendida, e
da colaboração com outros movimentos precursores do comunismo em
lugares infensos a uma campanha aberta e declarada.
299
Plínio Corrêa de Oliveira, ao discutir essa questão e esboçar sua forma de pensar,
dizia: “Se fosses frio ou quente eu te aceitaria; mas como és morno começo a vomitar-te de
minha boca”
300
. Ressaltava ainda: “É o impossível uma esquerda seriamente anticomunista,
quanto é impossível um demônio que deseje seriamente o fracasso dos planos de Satanás”
301
.
Logo podemos constatar que o líder do jornal Legionário, ao ver o mundo em extremos,
identificava todo tipo de socialismo ou de esquerda como símbolo do erro e do mal. Além
disso, esboçava a hipótese de que a subdivisão da esquerda em várias vertentes era apenas
uma questão de tática, pois todas estavam de acordo entre si no final das contas.
302
Por outro lado, assim como mostravam a existência de diferentes esquerdas e de
diversas formas de totalitarismo, os progressistas enfatizavam que não havia apenas uma
democracia.
Parte da imprensa reacioria é incapaz ou não quer fazer distinção entre
liberais, ‘New Dealers’, Social-Democratas e Stalinistas; todos êles o
298
SANTOS, J. de Azeredo. Socialismo e Planificação da Opinião Pública. Vozes de Petrópolis: Revista
Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 406-425, jul./ago. 1949. p. 413-414.
299
SANTOS, J. de Azeredo. Totalitarismo Revolucionário e Totalitarismo Evolucionista. Vozes de Petrópolis:
Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 513-532, set./dez.1949. p. 519.
300
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Apóstolo da intolerância. Legionário, São Paulo, n.474, 12 out. 1941.
301
Id. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.761, 9 mar. 1947.
302
Id. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.747, 1 dez. 1946.
85
vermelhos amaldiçoados. Naturalmente ficamos todos s indignados com
esta venenosa imbecilidade. Mas não nos esqueçamos que a Esquerda, ela
mesma, é em parte responsável por esta confusão.
303
Havia também aqueles que viam na sociedade capitalista uma espécie de “comunismo
parcial”, o qual, como exaustivamente temos mostrado, levaria ao socialismo integral, ao
totalitarismo comunista.
304
O populismo brasileiro e o peronismo argentino eram identificados pelos integristas
como regimes “criptosocialistas”, como indicava a indagação de Azeredo Santos: “Será essa
‘máfia’ que nos livrara das agruras do capitalismo liberal?”
305
. Alguns artigos da revista Vozes
de Petrópolis e do jornal Legionário chegaram a apontar Getúlio Vargas como um comunista
em potencial, alguém que havia facilitado as coisas para os bolcheviques (referiam-se à
legislação trabalhista), esquecendo-se dos meios morais e fincando-se apenas no plano
econômico.
Mesmo o Legiorio não escapava das críticas de Azeredo Santos, o que ocorreu
quando João de Scantimburgo (colaborador do jornal paulista) teria dito que “o único Partido
anticatólico, anticristão, sem Deus... é o Partido Comunista... Os demais partidos, no entanto,
merecem de todos os católicos participação”, fato que destoava dos pressupostos do primeiro,
que pregava que os católicos não deviam colaborar ou participar de quaisquer partidos
socialistas.
306
Baseada nessas concepções, a grande maioria dos colaboradores da Vozes de
Petrópolis foi contrária à legalização do PCB, pós-Estado Novo. Marino Soares acreditava
que: “Fechando, pois, o PCB, o Estado democrático não o fecha por ser o PCB um partido
político, mas por ser um partido político mau, inimigo, portanto, do bem comum e da própria
Democracia”. O autor ainda questionava: “É possível falar em liberdade para a pregação
duma ideologia intrinsecamente má’, anti-humana e ateia como o é a professada pelo P.
Comunista?”
307
. Respondendo a esta indagão, dizia ser incompatível com um católico
pregar a legalidade do PCB, o que também era uma maneira de alfinetar o grupo da A Ordem,
em especial seu diretor, que, para ele, em vez de discutir a doutrina e os fatos, atinha-se às
intenções dos indivíduos. Parafraseando Hamilton Nogueira, que pensava que o fechamento
303
KOESTLER, Arthur. “Babbits” da esquerda. Tradução de Eduardo Borgerth. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n,
p. 325-332, nov.1948. p. 326-327.
304
R. Fr. Communismo parcial. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 1092-1095,
out.1932.
305
SANTOS, Socialismo e Planificação da Opinião Pública, 1949, p. 417.
306
Id. O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, 1950, p. 489.
307
SOARES, Sr. Tristão de Ataíde, o Partido Comunista e a Democracia, 1948, p. 322 e 315.
86
do PCB no Brasil desembocaria na morte da democracia, ameaçando a liberdade dos outros
partidos, replicava:
E não pense, como infelizmente muitos o fazem, que o fechamento do PC
constitua motivo de temor para os outros partidos quanto à sua futura
existência. Acaso, quando o Departamento de Saúde Pública manda fechar
um açougue por ser este nocivo à saúde pública, está com isto pondo em
risco a existência dos outros estabelecimentos congêneres?
308
Boa parte da imprensa integrista, naquele momento, não dizia de maneira direta que o
socialismo era um caso de polícia, mas deixava subscrito nas entrelinhas. Incriminando ainda
mais os comunistas, expunham que a polícia não era suficiente para dar-lhes fim, fazendo-
se necessárias outras medidas. Todavia havia aqueles que apelavam para uma solução
policial.
Negar, pois, à polícia o direito de impedir a expansão do comunismo, em
nome de uma falsa autonomia do pensamento, é cercear a qualquer cidadão a
faculdade de defender o que mais de perto lhe fala: a segurança do seu
patrimônio e a honra do seu lar.
309
Embora estivessem fora da cúpula intelectual católica, os integralistas o ficaram
avessos às suas discussões sobre o comunismo no Brasil. Não é nada difícil deduzir que sua
postura política estava mais próxima dos integristas que dos progressistas, tanto que, em
1937, a imprensa integralista movia considerável campanha contra Maritain.
O vespertino integralista ‘O Povo’, fazendo eco a alguns artigos aparecidos
no ‘Jornal do Comércio’, acusa Maritain de trair a civilização cristã e ajuda
a divulgar a falsa notícia da sua vinda ao Brasil para pleitear a libertação de
Luis Carlos Prestes. (grifo do autor)
310
Por outro lado, os adeptos da revista A Ordem acreditavam que os comunistas e os
socialistas haviam alcançado, em virtude de sua colaboração na derrota nazista, o direito de
participar da construção de uma nova ordem social baseada na justiça. Negando qualquer
possibilidade de colaboracionismo com os mesmos, os adeptos do CDV pregavam a liberdade
dentro da lei democrática e a convivência cristã sem a imposição da pela força ou pela
exclusão dos adversários por meio da violência. Como observamos no início deste tópico, os
308
Id., ibid., p. 322.
309
HORTA, Moisés. Missão defensiva da polícia em face do comunismo. Vozes de Petrópolis: Revista Católica
de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 444-451, jul./ago. 1949. p. 451.
310
RIBEIRO, Observações sobre o “caso Maritain”, 1944, p. 490. No rodapé.
87
progressistas acreditavam que havia duas formas de combater o comunismo. A primeira era
deixá-los livres dentro da lei comum, pois “quanto mais se escondem os ‘tesouros’, mas se
aguça a curiosidade dos piratas”; a segunda era combater tanto os erros do capitalismo liberal
quanto do comunismo.
A respeito do curto período de legalidade do PCB (1945-1947), os adeptos do CDV,
ao ponderar sobre a figura do, então, recém-eleito senador Luís Carlos Prestes, diziam:
Se nós mandarmos prender o sr. Prestes, sem o justo instrumento,s
estaremos favorecendo o comunismo, embora estejamos molestando a
pessoa física do sr. Prestes; porque qualquer arbitrariedade e qualquer
injustiça que se faça é uma vantagem para o comunismo.
311
Surgia entre os progressistas a idéia de um “anticomunismo negativo”, que prepararia
a “cama do comunismopara as massas operárias:
a) porque a intolerável situão destas é um caldo de cultura para tôdas as
propagandas comunistas;
b) porque as medidas oficiais, às vezes tomadas sem discernimento
suficiente, contra tudo que se refere ao comunismo, criam uma atmosfera de
perseguição, que faz surgir novos apóstolos e novos defensores do próprio
comunismo.
312
Reagindo às provocações integristas, alguns membros da “A Ordem”, mesmo após o
fim da Segunda Guerra, mostravam que certos católicos ainda estavam movidos pelo espírito
reacionário e antidemocrático, deixando-se seduzir pelas fórmulas do extremismo de
direita
313
. Ao fazerem isso, tratavam a democracia como símbolo de desordem e de ameaça
aos poderes instituídos, rebatizando um tradicionalismo característico do século XIX.
Essas críticas não ficaram sem resposta, o que parecia ser encargo permanente de
Azeredo Santos, que, citando Pio XII (Alocução à nobreza romana), respondia aos
progressistas.
‘Uma verdadeira democracia, diz Pio XII, vive de sãs tradições, das quais
são representantes as classes dirigentes, instituições aristocráticas, no sentido
mais alto da palavra, como são certas academias de merecido renome, e
também a nobreza, não pelo simples título de nascimento, mas porque essa é
311
REDAÇÃO. Combate ao Comunismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 3-10, jan. 1947. p. 8.
312
REGISTROS E COMENTÁRIOS. O anticomunismo negativo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 104-107,
ago. 1949. p. 106.
313
ACCIOLY, Hidelbrando. Católicos e totalitários. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 187-192, ago./set. 1946. p.
188.
88
ou deveria ser uma daquelas instituições; instituição tradicional, fundada
sobre a continuidade de uma antiga educação, uma elite, em suma, que sabe
cumprir cabalmente as condições e corresponder às exigências
indispensáveis do tempo presente’.
314
Com o intuito de fundamentar sua opção por uma “verdadeirademocracia, o autor
acima citado concluía que o desrespeito à hierarquia social, coligado à idéia de igualdade, era
o que constituía a própria “revolução”. A “verdadeira” liberdade destruía a igualdade social,
pois era o poder que o homem recebeu a fim de fazer o bem, adquirindo mérito. Portanto do
uso que fissemos de nossa inteligência, vontade, dotes físicos, morais ou intelectuais,
nasceria uma hierarquia de valores sociais
315
. Marino Moraes, por sua vez, advertia que a
liberdade não era a faculdade de fazer o que se queria, mas, sim, de fazer o que devia ser feito.
Caso contrário, já não era liberdade
316
.
Pensamos que progressistas e integristas divergiam entre si muito menos do que
pensavam, pois ambos acreditavam que a liberdade era exercer o livre arbítrio voltado para o
bem comum (embora discordassem em torno do que fosse o bem ou o mal). Além disso, suas
concepções de democracia, enquanto forma de governo, tocavam-se em vários pontos.
Os redatores da revista A Ordem, no artigo intitulado A defesa da defesa, diziam
defender o Movimento Litúrgico, a obra de Jacques Maritain, o sentido de participação da
Ação Católica, a política moral, a democracia de inspiração evangélica, a pessoa humana e
todos os defensores desses mesmos ideais (estavam referindo-se a Sobral Pinto, Hamilton
Nogueira e Bernamos). Ao criticar a imprensa reacionária”, expunham que ela continuava a
dançar uma sica de cem anos atrás, como se nada estivesse acontecendo, como se uma
coisa nova (rerum novarum) não estivesse a clamar atenção e solução”
317
. Direcionando-se
especificamente à defesa do Movimento Lirgico exaltavam:
Diz o sr. Mesquita Pimentel que nós tentamos facilitar as conversões a custa
de concessões e tolerâncias doutrinárias, morais e litúrgicas. É uma lástima,
que muito nos dói, que nossos irmãos franciscanos tenham permitido
tamanha ofensa a nossa honra numa revista de que o sr. Mesquita Pimentel
se assenhoreou.
318
Repreendendo Mesquita Pimentel, Gustavo Corção taxava-o de um univocionista e de
314
SANTOS, O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, 1950, p. 496.
315
Id., ibid., p. 475.
316
SOARES, Sr. Tristão de Ataíde, o Partido Comunista e a Democracia, 1948, p. 315.
317
REDAÇÃO. A defesa da defesa. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 97-102, fev. 1947. p. 97-99.
318
CORÇÃO, Gustavo. Respondendo a uma provocação. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 376-406, dez.1947.
p. 402.
89
reacionário católico. Segundo ele, o erro dos univocionistas consistia em pretender ligar a
sorte dos princípios eternos à sorte das situações históricas e culturais concretas, podendo
chegar até o extremo de ambicionar ligar o catolicismo a um determinado regime político
319
.
Elogiando Maritain, Corção enfatizava que ele havia sido fundamental em sua conversão e
que foi o responsável pela restauração do humanismo. É preciso deixar claro que, mais tarde,
Gustavo Corção mudaria de lado, tornando-se um integrista; sua postura, todavia, seria
diferente da adotada por Azeredo Santos, ou mesmo por Plínio Corrêa de Oliveira.
Antes de qualquer crítica ao Movimento Litúrgico, tanto a Vozes de Petrópolis quanto
o Legionário preocupavam-se claramente com a dissociação dos “abusos lirgicos” da
Ordem de São Bento, donde surgira o movimento. Por isso, em alguns artigos, encontramos
afirmações deste tipo: “Não aceitamos estes tabus’. Temos o direito de nos dizer os maiores
admiradores da ordem de o Bento, deplorando embora os excessos do liturgicismo
320
.
Plínio Corrêa de Oliveira, que era partidário da manutenção da “hierarquia e da ordem”,
criticava tanto o modelo de ACB dos adeptos do CDV quanto o Movimento Lirgico. Para
ele, seus abusos levariam à deturpação da tradição e das funções do corpo clerical. Já Azeredo
Santos chamava o liturgismo de totalitarismo religioso, pois, para ele, os liturgistas tentavam
ludibriar a massa com os seus pressupostos de “participação
321
, levando os católicos a uma
espécie de existencialismo sartreano.
Por fim, é interessante perceber que as disputas entre diferentes grupos dentro da
Igreja Católica ainda estão vivas, fato que os observadores mais atentos puderam perceber
tanto a partir da sucessão papal (abril de 2005) quanto levando em consideração a atual visita
do Papa ao Brasil (maio de 2007). Mesmo em âmbito local, constatam-se, por vezes, os
direcionamentos díspares dados a paróquias de uma mesma diocese. É preciso lembrar,
contudo, que as motivações atuais das divergências internas são outras, do mesmo modo que
os católicos conservadores e progressistas da atualidade não apresentam as mesmas
características de seus precursores.
319
Id., ibid., p. 396.
320
CAMARGO, José Fernando de. Maritain e o dogma” de sua infalibilidade. Legionário, São Paulo, n. 590,
28 nov. 1943.
321
SANTOS, J. de Azeredo. As origens religiosas do totalitarismo hodierno. Vozes de Petrópolis: Revista
Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p.134-158, mar./abr. 1950. p. 157.
90
4 CATOLICISMO E POLÍTICA: MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NO
ITINERÁRIO AMOROSIANO
Anteriormente procuramos analisar o posicionamento da Igreja Católica brasileira,
entre 1930 e 1950, entendendo os significados e as variantes desse posicionamento. Nosso
marco teórico inicial foi o fato de haver uma divisão política na Igreja Calica nacional,
desembocando em diferentes concepções religiosas, ou, no mínimo, criando variantes dentro
do catolicismo (que, na concepção romana, deveria ser “uno e centralizado”, pois uma
“verdade”). Salientamos, ainda, que Dom Sebastião Leme, por ser o grande arquiteto da
reação católica, foi o elo que manteve as diferentes variantes unidas em prol de um objetivo
comum, o fortalecimento da Igreja no Brasil. Essa discussão foi necessária para que
pudéssemos entender a trajeria de Alceu Amoroso Lima, sendo impossível compreender a
mudança que se operou em seu pensamento sem a avaliação do contexto no qual ele estava
inserido.
Embora a motivação inicial de nossa pesquisa tenha sido compreender a transição do
pensamento de Alceu Amoroso Lima, pensamos que não poderíamos chegar a esta questão
sem contemplar o posicionamento da Igreja Católica Brasileira, de sua Hierarquia e de seus
intelectuais leigos no período recortado. Algo muito relevante, pois foi atuando nas fileiras
católicas que ele adquiriu considerável relevo nacional e internacional. A partir de 1928, as
discussões em torno da Igreja e de sua relação com o Estado e com a sociedade passaram a ser
parte integrante de sua vida; acreditamos, portanto, que o primeiro capítulo deste trabalho é
importante para compreendermos suas opções políticas posteriores.
Por outro lado, apontando as diferenças entre a direita e a esquerda, na política e na
Igreja Calica, e vislumbrando as diferentes correntes de pensamento que disputavam a
hegemonia dentro desta instituição, procuramos enfatizar quem eram seus interlocutores.
Também buscamos caracterizar a direita, a esquerda e as correntes de pensamento católicas
daquele período com o intuito de, ao final do trabalho, podermos concluir em que âmbito
Alceu Amoroso Lima situava-se.
Nosso trabalho não leva em consideração os motivos que orientaram sua conversão ao
catolicismo, em 1928; pretende, sim, compreender por que entre 1930 e 1950 ele migrou de
uma posição conservadora, autoritária ou de direita, para outra, progressista, liberal e, em
certo sentido, de esquerda. Quando falamos em transição, em mudança, levamos em
consideração as ponderações do próprio autor, visto que, posteriormente, ele expôs que seu
91
posicionamento político na década de 1930 era fruto da influência stuma de Jackson de
Figueiredo, a qual teria sido superada com o passar dos anos.
Toda minha vida acreditei no primado da liberdade sobre a autoridade.
Quando Jackson morreu, me senti numa certa obrigação de fidelidade, de
continuar sua posição, e andei querendo optar pela primazia da autoridade.
Mas isso o é meu natural. E acabei retomando com mais sinceridade o
caminho que é o meu e que hoje defendo com a maior tranqüilidade do
mundo.
322
Minha posição reacionária era como uma imposição póstuma de Jackson de
Figueiredo. Eu me sentia inclinado a identificar o catolicismo com a
posição de direita. Nesta cada, eu ainda não havia assimilado
inteiramente a doutrina católica.
323
Ao analisar seus trabalhos na A Ordem, seus livros, e até sua correspondência,
podemos constatar a “evolução de seu pensamento, observando as permanências e as
mudanças.
Nos primeiros anos depois da conversão, encarava o fascismo como reação sadia
contra os erros do liberalismo burguês e do comunismo ateu. Primando pela tradição, pela
autoridade e pela ordem, festejou a vitória de Franco na Espanha, da mesma maneira que
simpatizou por certo tempo com o Integralismo de Plínio Salgado.
Elogia Mussolini como ‘o homem que, em 12 anos, deu à Itália ordem,
restabelecimento das relações com a Igreja, educação moral, civismo,
equilíbrio econômico e financeiro, enfim, o prestígio, no mundo, de uma
nação que parecia decadente e secundária’.
324
Gradualmente foi aproximando-se da democracia liberal. Reavaliando antigos
conceitos, começou a colocar a liberdade acima da autoridade, a democracia acima da
oligarquia, a liberdade de pensamento acima do dirigismo intelectual.
Diferentemente da postura que adotara no início da década de 30, nos últimos anos da
mesma década e, principalmente, a partir de 1940, Amoroso Lima buscou imprimir uma nova
orientação aos círculos intelectuais católicos, caminhando gradativamente rumo a um
catolicismo mais aberto, democrático e reformista. Sua participação em campanhas contra o
322
LIMA, Alceu Amoroso. Memorando dos 90: entrevistas e depoimentos. Textos coligidos e apresentados por
Francisco de Assis Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. p. 144.
323
Id., ibid., p. 90.
324
MEDEIROS, 1975, p. 78.
92
Estado Novo e em prol da redemocratização
325
e sua contribuição na confecção do programa
do Partido Democrata Cristão (PDC), fundado em 1945
326
, são exemplos dos novos rumos
que tomou seu pensamento.
A sociedade burguesa faliu miseravelmente, como não podia deixar de falir,
dados os seus erros e os seus pecados. A sociedade militarizada que a
precedeu ou ainda pretende substituí-la fracassou ainda mais miseravelmente
e mergulhou o mundo neste oceano de sangue e de lágrimas que vivemos.
327
Quais fatores poderiam ter causado essa mudança no itinerário amorosiano? Em nosso
entender, várias respostas. Geralmente, o pensador francês Jacques Maritain é apontado
como o maior responsável pela mudança de Alceu Amoroso Lima. Concordamos com essa
observação, no entanto, acreditamos que isso não basta para tentar explicar o processo, pois a
maioria dos trabalhos que defendem essa tese não menciona exatamente quando Triso de
Athayde iniciou sua leitura das obras de Maritain. Segundo Carpeaux, “seu interesse pelas
idéias do fisofo francês se renovou depois de 1926, quando Pio XI condenou solenemente
as atitudes de Charles Maurras e da Action Française”
328
. Eno, questionamo-nos por que
essa influência só se manifestaria por volta do fim da década de 1930.
Podemos perceber que o percurso de Alceu Amoroso Lima, depois da conversão, foi
marcado por mudanças que o deixaram “na mira de fogo” tanto da direita quanto da esquerda,
dentro ou fora da Igreja Católica.
o é de hoje que estou acostumado a ser chamado de fascista pelos
comunistas e de comunista pelos fascistas. Ao longo de minha presidência
no Centro Dom Vital habituei-me mesmo, sempre que havia um movimento
político, a ver partirem alguns que discordavam do apartidarismo do
Centro.
329
Em Memórias Improvisadas, ele mesmo reconheceria que depois de sua conversão
caminhou “numa outra direção, passando do liberalismo anterior para uma posição
ortodoxamente autoritária”, sendo tomado da convicção de que o catolicismo era uma
325
TRANSCRIÇÕES. Manifesto da Resistência Democrática aos brasileiros. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p.
121-140, jul./ago.1945.
326
BUSETTO, 2002.
327
LIMA, Alceu Amoroso. Adeus à disponibilidade e outros adeuses. Rio de Janeiro: AGIR, 1969. p. 38-39.
328
CARPEAUX, Otto Maria. Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Graal, 1978. p. 48. OLIVEIRA, Admardo
Serafim de. A influência de Jacques Maritain no pensamento de Alceu Amoroso Lima. A Ordem, Rio de
Janeiro, v. 78, n. 1-4, jan./dez. 1983. LIMA, Alceu Amoroso. Memórias Improvisadas: diálogos com
Medeiros Lima. Rio de Janeiro: Vozez: EDUCAM, 2000. MEDEIROS, 1974.
329
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 327.
93
posição de direita
330
. Daí toda nossa discussão anterior em torno da possibilidade de se falar
em direita e esquerda na Igreja Católica. Na mesma obra, diria: “A partir de 1938, fiz uma
revisão dentro de mim mesmo e voltei politicamente ao que era antes da conversão”.
331
Suas próprias palavras esboçam as questões que norteiam nossas indagações.
A pergunta de sempre, continua sempre sem resposta: mudam as coisas ou
mudamos nós? Será que as coisas mudam tanto quanto nós mudamos, na
opinião do Velho Heráclito? Ou não mudam as coisas e nem nós mudamos,
como queria o velho Salomão? Ou mudamos nós sem que as coisas mudem?
Ou mudam elas sem que nos mudemos? Tudo é possível. Não resposta
idêntica para todas essas combinações. Cada caso é diverso de outro caso. E
todos os casos ocorrem, sucessivamente ou simultaneamente, neste mundo
de possibilidades indefinidas em que nos encontramos, pontuais apenas
naquele último encontro, de que falava o mesmo homem do soneto ao
formular, no fecho, a pergunta feita por Shakespeare.
332
4.1 BREVE INTRODÃO SOBRE ALCEU AMOROSO LIMA
vários trabalhos sobre a vida e a obra de Alceu Amoroso Lima, dentre os quais, os
estudos de Antonio Carlos Villaça
333
e de Otto Maria Carpeaux
334
. Tal fato, associado ao
nosso objetivo neste comentário sobre o mesmo, fez com que nos fixássemos apenas nos
dados biográficos que mostrem sua atuação e importância na sociedade brasileira, permitindo-
nos contribuir para o melhor entendimento de sua mudança de posição, tanto política quanto
católica, entre 1930 e 1950.
Alceu Amoroso Lima nasceu em 1893, na cidade do Rio de Janeiro. Era de família
tradicional e abastada, bem educada e culta, que possuía, na época, a Companhia Cometa
(uma tecelagem). Seu pai, Manuel Jode Amoroso Lima era extremamente ligado à cultura,
principalmente à música. Entre a infância e a juventude, teve contato com personalidades
como Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Rio Branco, Affonso Arinos de Mello Franco (tio)
e Rui Barbosa (de quem foi contemporâneo, vibrando com a campanha civilista). Suas
viagens pela Europa e aos Estados Unidos, feitas no decorrer de seus 90 anos de vida,
permitiram-lhe aumentar ainda mais seus horizontes culturais e intelectuais.
Nunca esteve em uma escola primária, aprendeu suas primeiras letras com a mãe e
com o educador João Kopke. Mais tarde, concluiu o curso secundário do então Ginásio
330
Id., ibid., p. 191.
331
Id., ibid., p. 192.
332
LIMA, Adeus à disponibilidade e outros adeuses, 1969, p. 118-119.
333
VILLAÇA, Antonio Carlos. Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: AGIR, 1985.
334
CARPEAUX, 1978.
94
Nacional (atual Colégio Pedro II), adquirindo o título de bacharel em Letras. Alguns
estudiosos, e até o próprio Alceu, atribuem considerável relevância à sua passagem pelo
Ginásio Nacional, na época, frequentado por alunos de uma classe social inferior à sua, fato
que lhe teria permitido ampliar, logo na adolescência, sua visão social. Formou-se em Direito
em 1913, tendo como principal mestre o positivista e evolucionista Sílvio Romero. Como
advogado, estagiou no escritório de advocacia do tio de Manuel Bandeira, o Sr. João Carneiro
de Souza Bandeira. A literatura e o direito dividiram suas forças por um breve período, mas
ambas reforçavam o laicismo, o agnosticismo e o cepticismo de sua mentalidade na
juventude. Como boa parte dos jovens de sua época, foi influenciado pela literatura de
Anatole France, de Eça de Queiroz e de Machado de Assis, embora também tenha lido sobre
o homem do sertão brasileiro, a partir de Euclides da Cunha (amigo particular de Sílvio
Romero) e de Affonso Arinos de Mello Franco.
Em 1914, entrou em contato com a filosofia espiritualista de Henri Bérgson, assistindo
a suas aulas na Sorbone e no Collège de France. Em Paris, também teve contato com Graça
Aranha, com quem discutia a necessidade de os novos escritores “romperem o marasmo”. No
entanto, em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, teve que interromper sua estadia
na França e voltar ao Brasil, retomando seu trabalho com Souza Bandeira. Segundo Carpeaux,
Alceu Amoroso Lima pode ter entrado em contato pessoal com Jacques Maritain nesse
período.
335
O desenrolar da Grande Guerra”, até seu desfecho, trouxe ao mundo o fim da
sensação de progresso, de evolução, tão característica de fins século XIX. Novos atores
entrariam em cena, enquanto para outros as cortinas se fechavam e apagavam-se as luzes da
ribalta. O espiritualismo e o idealismo avançariam sobre o positivismo, o cepticismo e o
evolucionismo.
Entre 1914 e 1917, Alceu Amoroso Lima trabalhou no escritório de advocacia de
Souza Bandeira. Foi nesse período que surgiu seu primeiro artigo na imprensa, publicado no
Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, no qual falava sobre o então falecido Affonso Arinos.
Era seu primeiro trabalho como autêntico escritor, embora no mesmo ano tenha iniciado sua
colaboração na Revista do Brasil, em São Paulo, naquele período dirigida por Monteiro
Lobato e Paulo Prado. Ainda em 1917, as relações de sua família e a influência do senador
Álvaro de Carvalho permitiram-lhe arranjar um emprego no Ministério das Relações
Exteriores, era o abandono da advocacia. No novo trabalho conheceu Ronald de Carvalho,
335
CARPEAUX, 1978, p. 26.
95
escritor brasileiro ligado ao futurismo português, partidário das idéias de Fernando Pessoa.
Em 1918, enfadado com o serviço burocrático ou com a baixa remuneração, deixou o recente
emprego e assumiu um cargo de direção na fábrica que pertencia a seu pai.
Em 1918, casou-se com D. Maria Teresa de Faria. Em virtude de seu enlace
matrimonial, tornou-se cunhado de Otávio Faria (que, por sua vez, era parente de Graça
Aranha) e de Afrânio Peixoto (que também era casado com uma filha de Alberto Faria). Esse
ano foi realmente um ano marcante para a vida futura de Alceu Amoroso Lima, visto que,
nesse período, conheceu, por intermédio de Afrânio Peixoto, Jackson de Figueiredo, jovem
jornalista sergipano que desempenharia notável importância na guinada que daria em sua
vida.
Em 1919 nascia na imprensa carioca, mais especificamente em O Jornal do Rio de
Janeiro, o primeiro artigo assinado por Tristão de Athayde
336
, pseudônimo adotado por Alceu
Amoroso Lima. Permaneceu em O Jornal a 1946, porém, após assumir importância dentro
do catolicismo nacional, migrou da crítica literária para os problemas de caráter ideológico.
Nesse sentido, sua vida e obra podem ser divididas em três partes: a das formas, da estética; a
das idéias, do pensamento filosófico-religioso; e a dos acontecimentos, na qual comentava os
aspectos políticos e sociais de nosso país.
três ciclos na sua colaboração jornalística: o de O Jornal, que vai de
junho de 1919 a 1946 e é uma fase eminentemente de crítica literária; o do
Diário de Notícias, que se estende de junho de 1947 a julho de 1966, com a
fase mais sistemática e profunda da sua crítica de idéias, e a coluna
dominical se chamava ‘Letras e Problemas Universais’; e derradeira fase, a
do Jornal do Brasil, que começou em abril de 1958 e termina em 7 de
outubro de 1983, depois da morte, ocorrida em 14 de agosto.
337
(grifo do
autor)
Publicou seu primeiro livro, Affonso Arinos, em 1922. Desde então, fica difícil
mencionar todos seus trabalhos, pois, afinal, são 85 livros, alguns dos quais com traduções
para o castelhano e para o francês, e aproximadamente 11 traduções de obras de outros
autores, algumas com colaboração de suas filhas
338
, sem falar de sua vasta correspondência,
336
Em um pico intitulado “Pseudônimo de Pirata”, Francisco de Assis Barbosa ressalta que, em uma
entrevista, Alceu Amoroso Lima lhe confessara que, ao ler uma década de João de Barros, ficou sabendo que
Tristão de Athayde fora um dos mais terríveis piratas portugueses, que no século XVI, na época do vice-rei
Afonso Albuquerque, assolaram os mares da Índia. LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 46-47.
337
VILLAÇA, 1985, p. 11-12.
338
Tristão de Athayde 90 anos. Material comemorativo divulgado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para
Liberdade. 1983.
96
cujo acervo contém mais de 25 mil documentos
339
. É válido lembrar que boa parte de seus
livros nasceu a partir da compilação de artigos e de conferências realizadas no decorrer de sua
vida intelectual. Foi, ainda, um dos fundadores da Livraria Agir Editora, na qual se tornou
diretor da área literária.
Como salienta Carpeaux, mesmo na juventude, Tristão de Athayde não era um escritor
de espírito combativo
340
. Dificilmente encontramos polêmicas em seus artigos, livros, ou
mesmo em sua correspondência. O fato de manter-se em disponibilidade”, de não se apegar
dogmaticamente a nenhuma corrente literária, em especial ao modernismo de 1922, fez com
que pudesse ver as coisas de maneira mais imparcial. Ao meditar sobre o deslocamento
cultural do Rio de Janeiro para São Paulo, quando da Semana de 1922, fizera a seguinte
constatação: “O século XVI pertenceu a Pernambuco, o XVII à Bahia, o XVIII a Minas
Gerais, o XIX ao Rio de Janeiro; o século XX é o século de São Paulo”
341
. Embora não tenha
participado do movimento modernista, nutria consideráveis simpatias por alguns de seus
adeptos, dentre os quais, Mário de Andrade. Manteve, contudo, uma relação controversa com
o modernismo. Em termos de literatura, com o passar dos anos, seus horizontes deslocar-se-
iam de São Paulo para Minas Gerais, tanto que escreveria um livro intitulado A Voz de Minas.
A correspondência entre Triso de Athayde e Jackson de Figueiredo teve início em
1924, dando origem a uma amizade entre ambos e à conversão do primeiro ao catolicismo em
1928. O Padre Leonel Franca, tanto em virtude de aspectos espirituais quanto intelectuais,
também teve participação no processo que culminou em sua conversão. o é nosso objetivo
aqui discutir os fatores que levaram à sua conversão. Propomo-nos apenas a ressaltar algumas
características de seu itinerário, levando o leitor a perceber a relevância do protagonista.
Acreditamos, todavia, que sua conversão não tenha significado ruptura total com o passado.
Isso pode ser percebido quando Sérgio Buarque de Holanda escreve a Tristão de Athayde
questionando-o e pedindo para que definisse sua posição, que parecia já não estar identificada
com a “disponibilidade para o novo”. Em resposta, Tristão de Athayde publicou Adeus à
disponibilidade: Carta a um amigo. Nesta, o então recém-convertido diz ter rompido com a
atitude de uma geração e não com esta geração, mostrando a necessidade de passar a ter uma
vivência integral. Além disso, como ressaltaria alguns anos mais tarde, sua vida foi uma
sucessão de adeuses.
342
339
Seu acervo está no CAALL, em Petrópolis, cujo domínio pertence à Fundação Candido Mendes.
340
CARPEAUX, 1978, p. 34.
341
LIMA, 1917 apud CARPEAUX, op.cit., p. 37.
342
LIMA, Adeus à disponibilidade e outros adeuses, 1969.
97
No mesmo dia em que publicou Adeus à disponibilidade, 15 de agosto de 1928,
confessou-se com o padre Leonel Franca, comungando pela primeira vez depois de adulto. A
conversão ao catolicismo fez com que boa parte da intelectualidade brasileira ligasse sua
efígie à imagem que a Igreja adquiriu historicamente e à postura que a instituição assumia
naquela época. Mário de Andrade chegou a dizer que havia morrido um crítico literário.
Dessa forma, adquiriu o rótulo de conservador, de “direitista” e de reacionário, o que de certa
forma não estava de todo errado, pois como ele mesmo reconheceu em Memórias
Improvisadas
343
, Memorando dos 90
344
e em Entrevista com Tristão de Athayde
345
, passou de
uma posição liberal e céptica, antes da conversão, a uma postura conservadora depois da
mesma, retomando alguns dos traços de sua posição anterior apenas na década de 1940. Daí
toda a discussão se “Dr. Alceu”, como muitos o chamavam, foi ou não integralista. Questão
que se arrasta até hoje e, que de certa forma, abordaremos no decorrer de nosso trabalho.
O próprio Alceu Amoroso Lima atribui sua aproximação às idéias católicas à leitura
de autores como Maritain, Chesterton, Fulton Sheen e Bernanos, aos quais ainda podemos
acrescentar Mauriac e Péguy
346
. Isso representa uma nova ingnita no seu itinerário, pois boa
parte desses pensadores está presente tanto em sua fase “autoritária” quanto na “liberal”.
Segundo Villaça, ele nunca se prendeu a “capelinhas” literárias, grupos ou escolas. Na
crítica literária ou no apostolado católico, buscava caminhar livremente, sem se comprometer
com ninguém e vice-versa.
347
No dia 4 de novembro de 1928, morria Jackson de Figueiredo, acontecimento que
marcaria para sempre a vida de Alceu Amoroso Lima, pois desde então o sucederia, a pedido
de Dom Sebastião Leme, na direção do CDV e da revista A Ordem. Nascia um novo líder
leigo no catolicismo brasileiro.
Segundo Torres, os historiadores das idéias poderiam dividir o posicionamento do
“Dr. Alceu” em três partes, a elegância aristocrática, a sintonia (com o tempo histórico) e o
sentido do povo
348
. Já Odilão Moura, abordando seu pensamento depois da conversão, divide-
o em duas fases. Intitula a primeira de “fase do pensamento claro”, na qual
[...] suas obras, nem sempre profundas, mas sempre bem elaboradas,
didaticamente desenvolvidas, escritas com serenidade, escritas em castiço
343
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000.
344
LIMA, Memorando dos 90, 1984.
345
MOTA, 1983.
346
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 23.
347
VILLAÇA, 1985, p. 16.
348
TORRES, 1968, p. 202.
98
estilo, o obras em geral de divulgação da doutrina católica ou de crítica às
correntes modernas de pensamento contrárias àquelas doutrinas. sempre
nelas uma verdadeira intenção apologética. Percebe-se, em todas, o escritor
dócil à orientação eclesiástica.
349
A segunda fase é chamada de “fase do pensamento difuso”. Seu marco é a morte de
Dom Leme (1942) e do padre Leonel Franca (1948). A partir de então, segundo Moura,
[...] o estilo de Alceu Amoroso Lima tornou-se mais agressivo, tumultuado e
extremado; as suas idéias políticas tomaram a feição esquerdizante e as
teológicas, teilhardianas. Enquanto na primeira fase o nosso literato
mantinha-se ‘fora e acimada política partidária, nesta segunda ele entra de
corpo e alma na vida política nacional.
350
Tristão de Athayde foi contrário à Revolução de 1930, mesmo assim não adotou uma
postura saudosista. Acreditava que uma revolução meramente política não podia mudar as
estruturas sociais. Criticou abertamente o Partido Republicano Mineiro (PRM) e o Partido
Republicano Rio Grandense (PRR), que se diziam revolucionários, mas tinham apoiado o
autoritarismo de Arthur Bernardes
351
. Em certo sentido, aplaudiu o movimento
constitucionalista de São Paulo (1932), sucumbindo, logo em seguida, aos direcionamentos
estratégicos de neutralidade impostos por Dom Leme. Segundo as obras que consultamos,
parecia um pouco indiferente aos movimentos políticos, embora as repercussões desses
movimentos, seus preceitos e seus ideais lhe interessassem, dificilmente participava
diretamente dos mesmos.
Buscando a realização profissional, encontrou no magistério seu lsamo. A fim de
concorrer a cátedras universitárias, escreveu várias teses que se tornariam livros, processo que
se iniciou em 1930 e teve seu último episódio apenas em 1947. Nesse intervalo, trabalhou no
magistério, mas não possuía cadeira cativa. Alguns de seus biógrafos atribuem tal dificuldade
à falta de neutralidade das bancas examinadoras, ou seja, às disputas ideológicas pelas
cátedras. Contudo, em 1935, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Como professor, combateu o movimento da Escola Nova, liderado por Lourenço
Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, condenando especialmente a gestão do último
na Secretaria de Educação do Distrito Federal, durante o período em que Pedro Ernesto fora
349
MOURA, Odilão. As idéias católicas no Brasil: direções do pensamento católico no Brasil do século XX.
São Paulo: Convívio, 1978. p. 154.
350
Id., ibid., p. 154.
351
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO PÓS-1930. ABREU, Alzira Alves de. et al
(coor.). Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2001. Vol. 3. p. 3129-3132.
99
prefeito. Sua proximidade com Gustavo Capanema
352
, associada à influência dos católicos, foi
decisiva para que os interesses educacionais da Igreja Católica prevalecessem. Isso explica
por que se tornou membro do Conselho Nacional de Educação em 1935 e, em 1937-1938,
no Estado Novo, foi nomeado Reitor da Universidade do Distrito Federal, desmontando tudo
que Anísio Teixeira havia feito. Em 1941 adquiriu um cargo de docente na, recém fundada,
Universidade Católica.
Na Igreja, foi eleito presidente da Junta Nacional da ACB em 1934, permanecendo no
cargo até 1945. Só deixou a ACB por discordar do direcionamento que o Cardeal D. Jaime de
Barros Câmara, que substituiu D. Leme, dera à organização. Além disso, teve papel
importante na fundação da LEC, redigindo seu projeto inicial, As Reivindicações Católicas, e
tornando-se seu primeiro Secretário Geral. Em 1932, também participou da fundação da
Coligão Católica de Estudos Superiores (embrião da atual Ponticia Universidade Católica)
e da Confederação Nacional de Operários Católicos.
Em fins da década de 1930, viajou pelo “Cone Sul, passando pela Argentina, Chile e
Uruguai. Neles, falou sobre a articulação de organizações católicas e sobre a situação do
catolicismo na América do Sul. A considerável quantidade de cartas recebidas de intelectuais
sul-americanos que lhe pediam conselhos e interseções que contribuíssem para a fundação de
organizações calicas em seus respectivos países é prova da relevância intelectual que
adquiriu nestes círculos.
Em 1947 retornou ao Uruguai para participar do I Congresso da Democracia Cristã da
América Latina, onde defendeu a criação do Partido Democrata Cristão no Brasil e em toda a
América Latina. Esse partido seria supranacional, pautando-se no humanismo de Jacques
Maritain e na Doutrina Social da Igreja Católica. Vale ressaltar que, em 1945, havia
ajudado na confecção do PDC no Brasil, contribuindo com a criação de um partido que
“representou, no âmbito da milincia católica dos anos 40, o primeiro investimento grupal e
autônomo em relação à hierarquia da Igreja...
353
. É preciso ressaltar que o movimento
inspirava-se nas democracias cristãs européias, posicionando-se como alternativa em relação
ao comunismo e aos regimes de extrema direita.
A partir de 1936, Alceu Amoroso Lima intensificou seu contato com o pensamento
maritaineano. No mesmo ano, Jacques Maritain visitou o Brasil, fazendo um discurso no
CDV a pedido de Tristão de Athayde; também visitou a Academia Brasileira de Letras.
352
SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p. 11.
353
BUSETTO, 2002, p. 396.
uma discussão muito grande, embora na maioria dos casos superficial, sobre a importância
deste pensador na mudança de posição política pela qual nosso protagonista novamente
passou. Indiferentemente do ponto de vista adotado, o que não se pode fazer é negar que
houve certa influência.
Segundo Carpeaux, o próprio Alceu Amoroso Lima acreditava que 1938 foi o ano de
sua “conversão”, ou “re-conversão” política
354
, lamentando, mais tarde, o afastamento de
Maritain, sobretudo a partir do pós-guerra, dos fenômenos políticos. Em virtude disso,
aproximar-se-ia do pensamento de Emmanuel Mounier, de Thomas Merton e de Teilhard de
Chardin.
355
A ditadura do Estado Novo despertou um sentimento ambíguo no maior líder leigo do
catolicismo brasileiro. Por um lado, compactuava com o novo governo, sendo favorável a um
regime de caráter unitário e autoritário, que fosse contrário aos regionalismos e à luta de
classes, um Estado que promovesse a harmonia entre as classes, humanizando a economia por
meio do corporativismo. Todavia, logo surgiram suas primeiras críticas à ditadura do Estado
Novo. Uma delas dizia respeito à perseguição aos intelectuais que não compactuavam com o
pensamento político do novo regime. Em suma, como reconheceria mais tarde: “O Estado
Novo errou politicamente, mas acertou socialmente”; além disso, elogiava o fato de Vargas
ter mantido o diálogo com a Igreja, concedendo-lhe certos benefícios
356
. É interessante pensar
que ele recusou, em 1937, a proposta feita por Francisco Campos para que assumisse o
Ministério do Trabalho. Igualmente, recusara o convite feito por Capanema, a pedido de
Vargas, para que assumisse um cargo de chefia no gabinete civil do presidente
357
. Por outro
lado, em colaboração com outros intelectuais que atuavam no CDV, lançou em 1945 o
Manifesto da Resistência Democrática
358
, no qual deixava claro que a “ditadura personalista”
do Estado Novo deveria ter fim, devendo ser restaurado o regime democrático.
Na primeira eleição para presidente, depois da queda de Vargas, apoiou o Brigadeiro
Eduardo Gomes, subindo pela primeira vez em um palanque em prol de algum candidato
359
.
No mesmo período, recusou o convite da UDN para concorrer ao Senado pelas suas fileiras,
representando o Distrito Federal.
360
Em 1950 fixou residência nos Estados Unidos. Assumiu o cargo de diretor do
354
CARPEAUX, 1978, p. 82.
355
Id., ibid., p. 98. TORRES, 1968.
356
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 332.
357
CARPEAUX, op.cit., p. 77-78.
358
TRANSCRIÇÕES. Manifesto da Resistência Democrática aos brasileiros, 1945.
359
LIMA, Alceu Amoroso. Revolução suicida. Rio de Janeiro: Brasília/Rio, 1977. p. 177.
360
MEDEIROS, 1974, p. 78-79.
Departamento de Cultura da União Pan-Americana em Washington e tornou-se representante
da Organização dos Estados Americanos (OEA) na XI Conferência Geral da Organização das
Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (UNESCO). Desempenhou a função até
1953. No ano seguinte, atuou como delegado do Brasil na Conferência de Caracas (1954).
A convite de Anísio Teixeira ocupou, em fins da década de 50, a tedra de
Civilização Brasileira na New York University. Proferiu ainda cursos e
conferências em rias instituições nacionais e estrangeiras, como as
universidades francesas de Paris (Sorbonne), Bordeaux, Toulouse,
Montpellier e as norte-americanas Católica de Washington, Duke, Texas,
Estadual da Lousiana.
361
Regressando ao Brasil, reassumiu a direção do CDV, que estava sob o comando
interino de Gustavo Corção. Porém a orientação conservadora que Corção dera à instituição,
durante sua ausência, causou dissensão entre ambos, gerando reflexos no próprio CDV.
Entretanto, como ressalta Henze, esta não foi a primeira divergência entre ambos.
Amoroso Lima foi um intelectual e sua relação com o ‘saber’ resultou em
contradições e transformações que afetavam seu convívio com os demais
participantes do Centro, como é o caso do seu atrito, em [1963], com
Gustavo Corção, proeminentemente associado, que resultou na saída deste
último da associação, acompanhado de mais 200 sócios.
362
Acreditamos que as querelas internas, seu descontentamento pessoal, fruto de “nova
conversão”, posterior a de 1928, e suas divergências de pensamento com o novo Cardeal do
Rio de Janeiro levaram-no a deixar seu cargo de direção no CDV, em 1966.
Em 1958 tornou-se colaborador do Jornal do Brasil e da Folha de São Paulo. Na
década de 1960, continuou sua trajetória e, em 1962, foi nomeado membro da delegação
brasileira na abertura do Concílio do Vaticano II. Aos 70 anos, em 1963, foi aposentado
compulsoriamente como professor universitário.
Por meio de seus artigos no Jornal do Brasil, já em 1963 condenava a possibilidade de
qualquer golpe de Estado, que em sua concepção poderia ser desfechado pelos militares ou
mesmo por Jango na tentativa desesperada de continuar no poder
363
. Mostrou-se contrário à
361
COSTA, Marcelo Thimoteo da. Caminhando rumo ao céu. Viagens na vida e vida como viagem:
peregrinações de Alceu Amoroso Lima. 1997. Dissertação (Mestrado em História), Pontífia Universidade
Católica, Rio de Janeiro, 1997. p. 5.
362
HENZE, 1995, p. 76. Segundo o autor, o conflito teria sido em 1943; segundo, no entanto, outras fontes
consultadas, sobretudo o DHBB, o episódio aconteceu em 1963.
363
SYDOW, Evanize Martins. Alceu Amoroso Lima e o regime militar 1964-1968. 2007. Dissertação
(Mestrado em História), FGV-CPDOC, Rio de Janeiro, 2007. p. 31.
Ditadura Militar desde sua deflagração, considerando-a pior que a ditadura varguista do
Estado Novo. Contudo, graças à notoriedade que adquiriu ao longo de sua vida, somada ao
respaldo angariado como católico, possuiu certa imunidade em relação às arbitrariedades
cometidas pelos militares
364
. Segundo Luiz Alberto Gómez de Souza:
Ele, que sempre tinha horror a maniqueísmos extremos, sempre pronto à
dúvida e ao argumento do outro, nos anos 30, seria um campeão das causas
de sua Igreja, às vezes à beira da intolerância; nos anos 60, o denunciador
valente das injustiças, com irada indignação, no lo oposto de sua
tendência inata à tolerância.
365
A Academia de Ciências Morais e Políticas, que fazia parte do Institute de France,
elegeu-o, em 1967, como membro estrangeiro associado. Na mesma época recebeu, nos
Estados Unidos, o prêmio Mary Moors Cabot, por seu trabalho na Imprensa. No mesmo ano,
o Papa Paulo VI nomeou-o membro da Comissão de Justiça e Paz em Roma, tendo que viajar
várias vezes, entre 1967 e 1972, a Roma para reuniões dessa Comissão. Ainda nessa década,
recebeu a comenda da Legião de Honra da República Francesa. Finalmente, em 1977, recebeu
o prêmio Nacional de Literatura da Fundação Cultural de Brasília.
Morreu em 14 de Agosto de 1983, em Petrópolis.
4.2 COMENTADORES, BIÓGRAFOS E ESCRITOS POSTERIORES
A produção historiográfica no Brasil a respeito de Alceu Amoroso Lima é notável,
contando com biografias, estudos sobre o pensamento católico que traçam perfis de seus
maiores intelectuais, livros que estudam seu pensamento e um considerável número de teses e
dissertações que analisam seu percurso intelectual. Alguns desses trabalhos apresentam
perspectivas diferentes da que adotamos; por meio de sua análise, contudo, podemos
contribuir para um melhor entendimento do tema proposto.
Nesta discussão historiográfica, incluímos os trabalhos compilados a partir de
entrevistas concedidas por Alceu Amoroso Lima e algumas obras nas quais tenta explicar seu
passado, nos dois casos publicações que ultrapassam nosso recorte temporal. Embora relate
sua própria vida, tal procedimento foi fruto da preocupação com um considerável
distanciamento dos fatos, o que implica determinado olhar sobre o passado. Ainda nesse
364
BANDEIRA, 2000, p. 363.
365
COSTA, Marcelo Thimoteo da. Um itinerário no século: mudança, disciplina e ação em Alceu Amoroso
Lima. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2006. Prefácio.
sentido, mas noutra perspectiva, em análise posterior, ele poderia, se quisesse, escolher o que
falar ou como falar. Esses são alguns dos motivos de incluirmos estes estudos em nossa
abordagem historiográfica sobre o autor.
4.2.1 Os cardeais e o peso da posição oficial
Na bibliografia sobre Alceu Amoroso Lima, encontramos constantes indicações acerca
da influência de D. Sebastião Leme no seu posicionamento político e religioso, acontecendo o
mesmo em relação a D. Jaime de Barros Câmara. Essas constantes indicações bibliográficas
nos forneceram condições para que desdobrássemos a questão, analisando o “peso da posição
oficial” da Igreja Católica sobre o posicionamento de “Dr. Alceu”.
A relevância deste assunto pode ser percebida em um artigo publicado por Tristão de
Athayde em 1952, intitulado Adeus à Praça Quinze.
Sempre me recordo de uma palavra do Jackson, em 1926, na hora em que a
Action Française foi condenada. [...] Discutimos, ele em plena lua-de-mel
com o catolicismo e eu ainda fora da Igreja, sobre a condenação pela Igreja
do ‘autoritarismo direitista’ representado por Maurras, contra o qual me
parecia necessário reagir. E perguntei ao Jackson: ‘Se a Igreja te fizer calar,
que fará você?’ E ele me respondeu sem hesitação: ‘Quebrarei a pena,
imediatamente’. E acrescentou: ‘com um pouco de melancolia’.
quem pense que, por motivos opostos, poderíamos hoje, quase trinta
anos depois dessa conversa, ouvir a mesma pergunta que em 1926, antes de
minha própria volta [ao catolicismo], dirigi ao Jackson. Se isso ocorresse eu
diria exatamente o mesmo que disse a mim o meu inesquecível amigo:
‘Quebraria imediatamente a pena, com melancolia’.
366
Marina Bandeira
367
, ao examinar a Igreja Católica no Brasil entre 1930 e 1964,
apresenta dados interessantes a respeito dos fatores que poderiam ter influenciado a transição
amorosiana. O primeiro deles seria o “poder” que D. Leme possuía sobre os intelectuais
leigos e membros da Hierarquia. Segundo a autora, um exemplo dessa influência foi seu
pedido ao eno padre Hélder Câmara para que abandonasse o Integralismo, o qual foi
prontamente atendido
368
. Por outro lado, com a morte do Cardeal D. Leme, em 1942, Alceu
Amoroso Lima perderia seu “tutor e protetor”, circunstância que pioraria com a morte do
padre Leonel Franca, em 1948.
D. Leme e o líder do laicato católico pareciam comungar a mesma concepção de ACB,
366
LIMA, Adeus à disponibilidade e outros adeuses, 1969, p. 106.
367
BANDEIRA, 2000.
368
CÂMARA apud BANDEIRA, op.cit., p. 46. PILLETI; PRAXEDES, 1997, p. 120. CASTRO, 1978, p. 35.
principalmente se pensarmos nas disputas desta com as Congregações Marianas. Segundo
Gabaglia, o Cardeal do Rio de Janeiro morreu preocupado com a possível perda de vitalidade
da ACB.
369
Com o advento do novo Cardeal, que não era o de sua preferência, Tristão de Athayde
parece perder espaço, em especial dentro da ACB. Para Bandeira, ele era visto por Dom
Jaime como ‘maritainista’ e o encontra junto ao novo cardeal o mesmo apoio irrestrito que
recebera de Dom Leme”
370
. Ao que tudo indica, era contrário à mudança de modelo da ACB,
ou seja, era avesso as alterações promovidas por D. Jaime na organização que presidiu
durante muitos anos.
Em reunião da Junta Nacional, ao serem apresentadas as sugestões de
modificação, Dr. Alceu reage vigorosamente. ‘A Ação Católica não é uma
carneirada! Essas modificações nos transformarão em carneirada!’Data
desse incidente a animosidade de Dom Jaime com Dr. Alceu.
371
Bandeira acredita que esse episódio tenha sido a gota d’água que o levou a pedir
demissão de seus cargos na ACB. A partir de então, viajou para a Europa e para os Estados
Unidos, mas manteve contato com os padres Távora e Hélder Câmara, responsáveis pela
assistência aos movimentos leigos e sociais da arquidiocese do Rio de Janeiro.
372
Apesar de apresentar outras perspectivas, de certa maneira, Cauvilla chega a
constatações parecidas com as apresentadas acima.
[...] a verdadeira ‘âncora’ que impedia alguns católicos de aderirem a certas
posições políticas, e mesmo a um engajamento partidário, no Brasil de 30,
era D. Sebastião Leme. A junção da personalidade marcante e influente
deste e a atitude de estrita obedncia à hierarquia é que, possivelmente,
impediram homens como Alceu A. Lima e Jackson de Figueiredo a levarem
suas tendências conservadoras e autoritárias a uma adesão explícita e formal
aos partidos de caráter fascista, e também, como no caso específico da
‘Revolução de 32’, a permanecerem numa posição de neutralidade enquanto
católicos.
373
Com relação a “Dr. Alceu” da década de 1930, Cauvilla argumenta que ele era, acima
de tudo, um líder leigo do catolicismo nacional, fiel e firmemente subordinado à autoridade
369
GABAGLIA, 1962, p. 324.
370
BANDEIRA, 2000, p. 280.
371
Dom João Baptista da Motta e Albuquerque apud BANDEIRA, op.cit., p. 280.
372
BANDEIRA, op.cit., p. 281.
373
CAUVILLA, Waldir. O pensamento potico de Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) na década de
30. 1992. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 1992. p. 137.
eclesiástica, ou seja, ao Cardeal Leme, de quem era o “braço direito”. Mas se por um lado
essa proximidade lhe concedia a liderança inconteste no meio católico, por outro, agia como
uma “amarra” que ajudaria a explicar muitos de seus posicionamentos, principalmente se
pensarmos no autoritarismo e no conservadorismo como sendo a própria posição da Igreja
374
.
Como nosso protagonista salientou: “O fato é que encontrei na Igreja mais liberdade que
esperava, mas também mais dureza do que se pensa”.
375
Em seu segundo trabalho sobre Tristão de Athayde, Marcelo Timotheo da Costa
apresenta um estudo bastante lido. Algumas das variantes destacadas coincidem com o que
mencionamos até aqui.
À perda do seu interlocutor na do Rio de Janeiro [D. Leme], irá somar-se
outra, também profundamente sentida por Amoroso Lima. Em 1948, falece o
jesuíta Leonel Franca, intelectual muito admirado por Alceu. O Pe. Franca
esteve próximo desde a conversão amorosiana. De suas mãos, Alceu recebeu
pela primeira vez a comunhão em adulto. Haviam trabalhado juntos, sob a
direção de D. Leme, na fundação do Instituto Católico de Estudos
Superiores. Franca tamm era diretor espiritual e confessor de Alceu por
vinte anos.
376
Segundo Dom Clemente Isnard (bispo de Nova Friburgo), com a morte do Cardeal,
Alceu Amoroso Lima se distanciou um “pouco da hierarquia, da posição oficial da Igreja.
Não que deixasse a Igreja, mas estava mais livre. A ão de Alceu fica menos limitada por
vínculos institucionais”
377
. Mais tarde, ele mesmo admitiria que o Cardeal D. Leme
praticamente o “foou” a disputar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras
378
. Outro
aspecto que respalda essa questão é que, embora “sempre” tenha prevalecido a autoridade de
D. Leme, havia diferenças entre ambos. E elas se acentuaram nos últimos anos de vida do
Cardeal.
379
O desencontro entre o cardeal e Alceu pode ser observado em episódio
ocorrido quando da candidatura de Getúlio para a Academia Brasileira de
Letras. Candidatura apoiada com vigor pelo arcebispo dos cariocas e
desaprovada por Amoroso Lima. Os motivos literários para tanto eram
claros: Vargas não tinha produção no campo das letras que justificasse sua
pretensão. Mas o ato de negar apoio à intenção presidencial também tinha
374
Id., ibid., p. 141.
375
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 186.
376
COSTA, 2006, p. 36.
377
ISNARD, 2000 apud COSTA, 2006, p. 155.
378
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 372. LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 163.
379
COSTA, 2006, p. 160.
implicações políticas senão por outra razão, ao menos por contribuir para
inviabilizar o ganho propagandístico almejado por Vargas.
Pelo que pude apurar, Amoroso Lima, acadêmico, teria sido constrangido
por Dom Leme a votar em Getúlio. No dia da eleição, D. Leme dirigiu-se
pessoalmente à sede da ABL para esperar, à porta doPetit Trianon’, a
chegada de Alceu e reforçar in loco a orientação de apoio ao presidente.
Segundo relato da filha, Amoroso Lima cedeu às pressões do arcebispo, mas
o acontecido nas escadas da ABL teria sido decisivo para o distanciamento
dos dois.
380
Costa menciona também a existência de problemas de relacionamento e diferenças de
pensamento entre “Dr. Alceu” e D. Jaime de Barros Câmara. Este, ao se tornar Cardeal,
direcionou seu trabalho de maneira mais conservadora do que a adotada, anteriormente, por
D. Leme. Desde então, nosso protagonista começava a sofrer reprimendas públicas dentro da
própria Igreja, o que o levou a buscar “refúgio” junto aos beneditinos. Podemos caracterizar
tais reprimendas se pensarmos na negativa que recebeu quando pretendia escrever a biografia
do Pe. Leonel Franca e no episódio em que foi impedido de ser paraninfo de formandos da
PUC-Rio. Tudo isso, entre 1943 e 1950.
381
Como se sabe, o novo titular da Sé do Rio de Janeiro escolhera, ao ser
sagrado bispo anos antes, divisa muito reveladora: Ignem veni mittere (‘Eu
vim trazer o fogo’). Por ela, define-se melhor a linha pastoral de mara,
sempre enfatizando a férrea obediência à hierarquia. A mefora bíblica a
purificação pelo fogo sugere o inflexível tratamento reservado por Dom
Jaime aos discordantes.
382
Antonio Carlos Villaça e D. Clemente Isnard, ao serem entrevistados por Costa,
confirmaram as perspectivas apontadas acima, dando a impressão de que as discordâncias do
novo Cardeal eram maiores com Alceu Amoroso Lima do que com D. lder.
Ainda em relação a esse processo, mas apontando novas possibilidades, Luiz Alberto
Gómez de Souza ressalta que:
[...] foi uma liberação quando, em 42, morreu D. Leme e deixou, logo depois
[em 1945], a Ação Católica, a presidência da Ação Católica, e perdeu esse
caráter oficial, [a imagem] do leigo oficial. [Alceu] Foi para os Estados
Unidos, trabalhou na OEA aqueles anos [1951-53]. E quando ele voltou, já
nos anos 1950, ele voltou como cidadão privado. Então, ele voltou mais
livre. Então ele não precisava mais encarar assim: ‘Qual é a posição da
380
AMOROSO LIMA, Ir. Maria Teresa. 1999 apud COSTA, 2006, p. 160-161. BEOZZO, 2002 apud COSTA,
2006, p. 160-161.
381
COSTA, 2006, p. 36.
382
Id., ibid., p. 153.
Igreja no tocante ao controle da natalidade? No tocante...’. Antes, ele tinha
que responder a isso. [Ao voltar] Ele já era mais livre... então, ele pode se
debruçar sobre o que sempre gostou. Ele sempre gostou exatamente do
acontecimento, a análise estética dele era [sobre] o livro em particular,
aquele livro, aquele poeta, mais ainda, aquele poema. Aquelas coisas bem
concretas onde ele via fluir a arte. E, na Igreja, ele não podia fazer isto
porque ele tinha que dar quase a posição oficial, era quase um magistério
leigo da Igreja. Alceu, no fundo, era isso [... Alceu] o é mais aquela
figura importante dos anos 1930, dos anos 1940, meados dos anos 1940.
Então eu acho que, aí, ele ficou mais livre, mais solto, menos angustiado de
ter que dar opinião sobre tudo.
383
Embora trate de um período mais reduzido que mes de Souza e limite-se a um
breve período depois da conversão (1928), Morais também acredita que o neoconverso
deixou-se prender demais pelas necessidades intitucionais da Igreja.
Tenho para mim – e não é preciso dizer que tal opinião está sujeita a
reavaliações que Alce Amoroso Lima, em seu momento de neo-converso
viveu um equívoco inicial: o de, nos instantes de perplexidade que se
seguiram à conversão, haver aderido mais à Igreja, com seus interesses e
lutas institucionais, do que aos princípios universais do cristianismo
católico.
384
No entanto, em Memórias Improvisadas, quando Medeiros Lima o interpela “Tenho
a impressão de que o senhor é uma vocação política que a Igreja tolheu
385
, responde que
não foi a Igreja que abafou nele o político, mas sim sua autocrítica; nunca, pois, gostou de
política partidária, sempre se ocupando com a política no campo das idéias
386
. Dessa maneira,
podemos supor que um dos motivos que levaram D. Leme a convidá-lo para presidente da
ACB e para secretário geral da LEC foi saber que ele não tinha afinidades com a militância
política.
4.2.2 Identidade ou evolução: volta ao passado ou ida ao futuro
Alguns autores defendem a tese de que o pensamento amorosiano apresenta tanto
identidade (mantém traços característicos de certa fase passada) quanto evolução (acompanha
as transformações do mundo). Dentre os trabalhos que consultamos, a maioria admite que
houve permanência, mas também mudança. O que se discute, portanto, são quais aspectos
383
GÓMEZ DE SOUZA, 2000 apud COSTA, 2006, p. 173-174.
384
MORAIS, João Francisco Reis de. História e pensamento na educação brasileira: contribuição de Tristão
de Athayde. Campinas, SP: Papirus, 1985. p. 99-100.
385
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 459.
386
Id., ibid., p. 460.
apresentam identidade e quais mostram evolução.
A respeito do que chamou de a “reconversão” de Alceu Amoroso Lima, Beozzo, a
nosso ver, enfatiza traços identitários.
‘Se a imagem vale, quando uma árvore cresce muito, os galhos que tomam
mais vento são os mais altos. Se [a árvore] cresce muito e a raiz não afunda,
a árvore corre o risco de ser arrancada. Tenho a impressão de que ele
[Alceu] sentiu o desamparo institucional no qual se encontrava e fez este
itinerário [de volta] às raízes’.
387
Caminhando na mesma direção que Beozzo, Carpeaux acredita que a conversão
amorosiana não representou uma ruptura total com o passado
388
. De certa maneira,
concordando com tais argumentos, Amir Geiger acredita que ele não mudou “tanto assim”,
pois manteve, durante boa parte de sua vida, certa disponibilidade em relão à política.
Na correspondência de Alceu com Jackson de Figueiredo, anterior à
conversão, podem ser encontradas passagens do mesmo teor, em que se
expressa não a admiração (qualificada) de AAL pelos comunistas, e o
reconhecimento de sua pertinência à época, como também o estado de
dúvida sobre a existência, e a necessidade de uma verdade única que
signifique o erro do lado oposto. É interessante ver que o comunismo
aparece como uma (quase-) religião plausível, a que se pode aderir, digna de
empenho da . De um ponto de vista moderno e imanente, a diferença entre
as duas ‘religiões’ é limitada ao conteúdo: são duas causas, duas forças
espirituais e de ão que têm igual amplitude, densidade, capacidade de
transformar o sujeito que a ela se converte e o mundo. É apenas do ponto de
vista englobante, subordinador, dado pela relação com o transcendente, que
o comunismo aparece como apenas uma religião do homem (no duplo
sentido), enquanto o cristianismo (catolicismo) como mais do que uma
religião: a ligação verdadeira com Deus.
389
Para Geiger, Tristão de Athayde não chegou à religião por meio de uma crise, ou
buscando uma solução para determinado problema (isso de maneira direta), mas, sim, de
maneira inteligível, imaginando que seria a saída mais plausível para a revitalização do
mundo moderno.
Praticamente todos os autores que estudam este tema concordam que existem relações
entre a mudança das concepções do escritor e as alterações sociais, políticas e ideológicas de
387
BEOZZO, 2002 apud COSTA, 2006, p. 171. No rodapé.
388
CARPEAUX, 1978, p. 53.
389
GEIGER, Amir. A conversão contramoderna de Alceu Amoroso Lima. Religião & Sociedade, Rio de
Janeiro, v. 25, n. 1, p. 39-71, 2005. p. 12.
seu período histórico. Era o pensador caminhando dentro de seu tempo
390
. Mesmo analisando
a década de 1950, Costa enfatiza essa caminhada amorosiana, na qual o “homem velho” vai se
desintegrando, para que renasça um “homem novo” de suas cinzas.
Mas ele muda ao viajar [Europa e Estados Unidos]. Ele adapta seu discurso
de acordo com tal câmbio [...] Alceu está, constantemente, na sua romaria
existencial, a se remodelar.
391
Remodelar-se, no entanto, não queria dizer abandonar algo totalmente. Pois as
diferentes fases de sua vida foram incorporativas e não excludentes. Em virtude dessa crença,
diria: De maneira nenhuma minha conversão importou no abandono de minhas
conviões”.
392
Pensamos que é preciso levar em consideração que outros intelectuais católicos não
seguiram sua rota. Nesse sentido, talvez o maior mérito do trabalho de Cauvilla seja observar
que seu pensamento autoritário e liberal (dentro do catolicismo) surgiu da mesma matriz
teórica. Ao ponderar sobre as possibilidades de variação que a matriz católica permitia
(podendo dar origem a duas posições distintas, “esquerda e direita”, mas também
apresentando variações dentro de uma posição comum), de maneira perspicaz, ele menciona
que
[...] houve em nosso país dois homens, que tinham um cotidiano muito
parecido: assistiam à missa todos os dias, utilizavam-se do mesmo missal,
tendo a mesma convião de comungar o real corpo de cristo, venerando a
mesma Virgem Maria, rezando o mesmo rosário, aceitando o mesmo credo
dos apóstolos, mas que, ao escreverem seus artigos jornalísticos,
particularmente após 1964, defendiam posições exatamente antagônicas, um
à ‘direita’, apoiando incondicionalmente a ‘Revolução’ de 64 e o outro, à
‘esquerda’, fazendo a crítica contundente ao golpe’ de 64. Os dois tendo
posições políticas diametralmente opostas, e no entanto, doutrinalmente,
podendo e tendo que ser considerados autênticos católicos. O
‘conservadorGustavo Corção e o ‘progressista’ Alceu Amoroso Lima...
393
É preciso ponderar sobre esse fato, sem cair na armadilha de se fechar em uma única
possibilidade, a fim de defender determinada tese.
390
ANDRADE, Djalma Rodrigues de. Diálogo dos extremos. A tensão História-Transcendência em Alceu
Amoroso Lima. 1989. Tese (Doutorado em Teologia), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 1989. p. 107.
391
COSTA, 1997, p. 122.
392
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 186.
393
CAUVILLA, 1992, p. 154-155.
Para mostrar que houve permanências no pensamento de Tristão de Athayde, Cauvilla
observa que as obras Introdução a Economia Moderna, Política e Introdução ao Direito
Moderno, todas publicadas entre 1930 e 1933, tiveram sua reedição, respectivamente, nos
anos de 1961, 1956 e 1978. Para ele, mesmo que no rodapé as reedições apresentem adições,
que justificam as posições passadas, isto evidencia uma concordância no pensamento.
“Temos, então, que a mesma teoria que fundamentou as ões ‘autoritárias’, ‘conservadoras
de Amoroso Lima, também fundamentou as ações ‘democráticas’ e ‘liberais’”.
394
É possível que a nova perspectiva criada a respeito dos Estados Unidos, depois de
residir e viajar por esse país, tenha alguma relação com o aspecto ressaltado anteriormente.
Mas esta mudança está ligada, sobretudo, ao desfecho da Segunda Guerra Mundial, quando
passou a identificar os Estados Unidos como os “defensores da liberdade num século
totalitário”, indicando que a força desse país o devia ser atrelada aos “seus valores técnicos
ou econômicos, mas, acima de tudo, às forças morais e culturais”
395
. O “yankismo”, porém,
ainda representava um perigo para a independência do Brasil, pois em solo norte-americano
ainda existiam vários “ismos” internos, como o macarthismo, o macarthurismo, o
pragmatismo, o neoinquisitorialismo, o monopolismo, dentre outros.
396
Na conclusão de seu trabalho, Eiterer
397
apresenta uma argumentação bastante
interessante, ao tentar explicar o porquê da existência de dois Alceus”, ou seja, Tristão de
Athayde e Alceu Amoroso Lima. Em seu entender, o pseudônimo foi inventado para
expressar algo que a legítima pessoa não podia dizer. Por outro lado, isso explicaria por que
ele não conseguiu abandonar seu pseudônimo, mesmo depois da conversão.
A vida de Alceu poderia ser resumida na luta entre o grande fingidor e o
sincero e verdadeiro Alceu Amoroso Lima. Por isso, oscilava entre: a crítica
literária, a potica e a religião; entre a fantasia, a mentira, o simulacro e o
fingimento e a necessidade da presença e de sentir a verdadeira realidade.
Assim Alceu tornou-se um grande pensador cristão.
398
Respaldando as premissas de Eiterer, Morais acredita que Alceu Amoroso Lima e
Tristão de Athayde representavam aspectos diversos de uma mesma personalidade. E, por
mais que, durante certo tempo, o primeiro tenha tentado matar o segundo, os dois coexistiram
394
Id., ibid., p. 147.
395
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 30.
396
Id., ibid., p. 34.
397
EITERER. Luiz Henrique. A não de despersonalização em Alceu Amoroso Lima. 2004. Dissertação
(Mestrado em Ciência da Religião), Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2004.
398
Id., ibid., p. 133-134.
juntos até sua morte.
399
Ao descrever uma relação um tanto dialética, Eiterer ressalta que a conduziu nosso
protagonista para a religião, que seria a máxima despersonalização humana. Essa
despersonalização, contudo, seria capaz de personalisar novamente o indivíduo (de que
decorre a crítica ao liberalismo burguês e ao comunismo), libertando-o, abrindo seu caminho
para as grandes causas humanas e divinas
400
. Seu estudo procura mostrar que a religo para
Alceu Amoroso Lima “era um meio de o homem restaurar a confiança na razão” e na
liberdade.
401
A crítica é vista por Alceu como uma razão que escolheu se renovar. O
crítico sabe que para renovar a sua razão é preciso querer conhecer o outro: a
razão do outro. Por isso é que em Alceu, esse período, que se estende até
1945, representou o reconhecimento da existência do outro, num explícito
momento de exterioridade.
402
Ao abordar o caráter duplo que a ACB possuía (político e religioso) e que não era
reconhecido por Tristão de Athayde, pelo menos publicamente, Monteiro reforça um dos
significados atribuídos às proposições de Eiterer. Mesmo que não se refira diretamente à
concepção amorosiana de unidade na variedade”, ou de “liberdade na autoridade”, a autora
contribui com nossa discussão.
O que Alceu não percebera, contudo, é que a natureza do duplo é o
simulacro, e que a emulação sue uma rivalidade entre iguais, pois o
espelho não é aquilo que parece, mas exatamente o seu contrário já que a
direita esna esquerda e a esquerda está na direita.
403
Villaça
404
ressalta que as obras de Tristão de Athayde enfatizam a universalidade e a
liberdade. Segundo ele, três livros nos permitem compreender todo o conjunto de seu
trabalho. São eles: O espírito e o mundo, de 1936; Meditação sobre o mundo moderno, de
1942; e Mitos de nosso tempo, de 1943, os quais mostram que nosso protagonista
acompanhou o pensamento leonino e as teses fundamentais da sociologia católica.
“Dr. Alceu” não assumiu uma posição a-histórica diante dos fatos e dos
399
MORAIS, 1985.
400
EITERER, 2004, p. 134.
401
Id., ibid., p. 10.
402
Id., ibid., p. 16.
403
MONTEIRO, 1991, p. 226.
404
VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1975.
acontecimentos, da mesma maneira que manteve seu compromisso com a Igreja, visto ter
encerrado seu período de disponibilidade. Lutando pela humanização da sociedade em nome
de sua fé, os “textos do período final de sua vida” representariam uma tentativa de “síntese
harmoniosa” das concepções adotadas em diferentes momentos de seu itinerário
405
. No
entanto, segundo Jarbas Medeiros, ele mesmo admitiu ter, em virtude da conversão religiosa,
exagerado alguns preceitos políticos.
406
Ao estudar a “identidade e a evolução em Alceu Amoroso Lima”, Fernando Soares
Moreira defende a idéia de que se pode perceber tanto identidade quanto evolução no mesmo.
Foi comparando obras de diferentes períodos que chegou a essa conclusão. Nelas, verificou a
constância de certos temas, “demonstrando uma identidade no autor em diferentes épocas”,
assim como demonstrou a evolução de seu pensamento, levando em consideração a
introdução de novos temas, ou sua variação.
407
Verifica-se que
[...] a evolução de Alceu Amoroso Lima foi no sentido de tornar-se (mais ou
menos a partir de 1938) aquele que denuncia as imposições da classe
dominante e por assim dizer, um tematizador da ideologia das classes
dominadas. No entanto, continua idêntico em suas perspectivas filosóficas,
religiosas, humanistas, ‘liberais’ evolucionistas, que marcam a sua formação
intelectual desde a juventude, passando inclusive pela fase autoritária, o
estuda.
408
Permanece idêntica a afirmação de que comunismo e capitalismo são duas
faces da mesma moeda: o ‘economismo’. Na condenação repetida destes
dois grandes tipos de regimes, acrescenta em 1948, suas simpatias por um
socialismo democrático’ que, ao final, identifica com seu humanismo
político’.
409
Na última citação, o autor não leva em consideração que, na sua “fase liberal”, Tristão
de Athayde foi favorável à legalização do PCB e defendeu a hipótese de que, antes dos
comunistas, deveriam ser combatidos os males sociais que criavam condões para que o
comunismo se alastrasse. Ao que se somava o fato de Oswald de Andrade, em 1941,
considerá-lo um eterno liberal.
410
405
ANDRADE, 1989, p. 272.
406
MEDEIROS, 1974.
407
MOREIRA, Fernando Soares. Identidade e evolução em Alceu Amoroso Lima. Um estudo de Política
comparado a escritos posteriores. 1980. Dissertação (Mestrado em Educação), Pontifícia Universidade
Católica, Rio de Janeiro, 1980. p. 8.
408
Id., ibid., p. 9.
409
Id., ibid., p. 75.
410
LIMA, Memorando do 90, 1984, p. 422.
Contribuindo com a discussão sobre permanências e mudanças no pensamento
amorosiano, Costa acrescenta “que parte significativa das características identificadas como
constituintes do projeto do cristão Alceu são apontadas pelo próprio como mais antigas que
seu cristianismo”, ou seja, estão presentes no seu pensamento antes da conversão. A título de
exemplificação, cita seu gosto pelo contraditório, seu espírito harmonizador e seu anseio por
justiça social e liberdade. Nesse sentido, sua natureza teria sido contrariada pela fase
reacionária que o acompanhou logo depois de sua conversão, processo que mudou a partir de
1940. “Este raciocínio permite a Alceu tomar a releitura de seu registro cristão como um
reencontro de sua mais íntima identidade”.
411
O cerne da discussão de Monteiro gira ao redor da transição, da ênfase na autoridade à
ênfase na liberdade, e considera os resquícios da autoridade como um sinal de identidade e os
sinais de mudança como uma busca pela liberdade. Para compreender a peculiaridade que o
termo autoridade adquire no pensamento amorosiano, descendendo de Maritain, a autora
observa que o Estado não é a fonte da autoridade, mas, sim, efeito dela. A autoridade provém
das relações hierárquicas naturalmente constituídas; está, portanto, assentada na desigualdade
natural dos homens.
412
Dentre os autores que analisamos, apenas ndido M. Rodrigues defende a idéia de
que, desde aproximadamente 1946-1948, Alceu Amoroso Lima abandona o conservadorismo.
Enfim, todas as questões abordadas por Alceu Amoroso Lima nesse
percurso de 1928 a 1946 revelam, com clareza, a conclusão do seu processo
de mudança onde ele abandona definitivamente os elementos conservadores
e ingressa na defesa da democracia e da liberdade.
413
Discordando de Rodrigues, pensamos que seria interessante recorrer ao estudo de
Marcelo Timotheo da Costa, o qual menciona uma informação que contraria a perspectiva
apontada acima. Para comprovar a manutenção do lado conservador e tradicional de Alceu
Amoroso Lima, o autor constata que, mesmo após sua “reconversão”, ele continuou a preferir
as missas mais tradicionais, em especial a missa do Frei Godofredo Siebel, um Frei
“silencioso e que poucas vezes fazia o sermão
414
. Em entrevista concedida a Costa, Frei
Vitório Mazzuco, a esse respeito, afirma:
411
COSTA, 2006, p. 370-371.
412
MONTEIRO, 1991, p. 150 e p. 172-173
413
RODRIGUES, 2006, p. 291.
414
COSTA, 2006, p. 203 a 205.
Então, eu me perguntava: ‘o que Alceu está bebendo? Porque, na época, o
Leonardo Boff celebrava uma missa às onze horas da manhã de Domingo –
era uma das missas mais freqüentadas pela intelectualidade do Rio e de
Petrópolis. [As pessoas] vinham para essa missa para beber um ensinamento
teogico novo. Era um momento florescente do Instituto Teológico
Franciscano de Petrópolis. Então, os grandes pregadores eram grandes
teólogos. E a intelectualidade e mesmo as pessoas que queriam um
conteúdo a mais viam os grandes pregadores. Então, eu me perguntava: ‘Por
que Alceu, que é naturalmente um teólogo e um pensador, vinha nessa
missa de extremo silêncio?’
415
Isto não quer dizer que Alceu Amoroso Lima, em período posterior, fosse contrário à
Teologia da Libertação. Segundo as informações que confrontamos, ele a via com bons olhos,
tornando-se amigo de Leonardo Boff. Queremos apenas enfatizar que manteve traços
anteriores à sua “reconversão”, logo, algumas características de seu período autoritário.
4.2.3 O Integralismo
A primeira metade década de 1930 foi marcada pela crescente polarização política
entre a esquerda (ANL) e a direita (AIB), contexto que serve de referência a outro capítulo
bastante controverso da vida de Tristão de Athayde: sua relação com o Integralismo.
Enquanto alguns dizem que ele foi integralista, outros dizem que foi apenas um simpatizante
do movimento encabeçado por Plínio Salgado. Para que possamos avançar nesta discussão,
pensamos que é preciso estabelecer alguns apontamentos sobre a relação entre o Integralismo
e o catolicismo no Brasil (sem fixar algum caso ou região específica). Não estamos
preocupados em situar o Integralismo historicamente, mas em estabelecer alguns aspectos que
convergem para o posicionamento da intelectualidade católica ou dele divergem.
416
Os integralistas criticavam tanto a predominância do indivíduo sobre a sociedade
(capitalismo) como a predominância da sociedade sobre o indivíduo (socialismo)
417
. Postura
muito parecida com a adotada pelos intelectuais católicos, que criticavam tanto o liberalismo-
burguês quanto o comunismo, para eles, pai e filho, respectivamente. O próprio Alceu
Amoroso Lima reconheceria, mais tarde, que nunca se satisfez com a democracia burguesa ou
415
MAZZUCO, 2001apud COSTA, 2006, p. 205.
416
Para se ter uma idéia da relação entre o Integralismo e o pensamento católico, Plínio Salgado, em Carta de
Plínio Salgado a Getúlio Vargas, 28.01.1938, ao tentar definir o Integralismo, citava várias passagens da obra
de Tristão de Athayde. SILVA, lio. O ciclo Vargas. 1938: Terrorismo em Campo Verde. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964. Vol. 10. p. 124.
417
CHASIN, J. O Integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. São
Paulo: Ciências Humanas, 1978. p. 541.
liberal
418
. Dessa maneira, não é difícil imaginar que ambos comungavam a concepção de que
não devia haver incompatibilidade entre o trabalho e o capital. Como se não bastasse, os
seguidores de Plínio Salgado também não viam com bons olhos os protestantes, que, para
eles, eram agentes camuflados do judaísmo internacional
419
. A lista de inimigos comuns ainda
possuía a maçonaria.
420
Segundo Trindade, a “motivação principal que ocasionou a adesão de cerca de dois
terços dos integralistas foi o anticomunismo”
421
. Odilão Moura tanto reforça essa concepção
como apresenta fatos novos.
Se os católicos estavam concordes na rejeição ao comunismo, o mesmo o
se deu com relação ao integralismo. Quanto ao julgamento deste, alguns
católicos o condenaram apaixonadamente, outros o viam com simpatia e um
grande número de católicos ingressou nas suas fileiras. Dos integralistas, a
quase unanimidade era constituída de católicos. Se não era um movimento
católico, era um movimento de católicos.
422
Maria Tereza A. Sadek, ao enfatizar alguns aspectos de identificação entre católicos e
integralistas, respalda os apontamentos precedentes.
Assim, verá na Ação Integralista a mais radical negação do comunismo; no
nacionalismo, sua posição partidária, a restauração dos princípios da
autoridade, da hierarquia, do dever e da ordem; na sua filosofia
espiritualista, a defesa da supremacia do sobrenatural e da revelação sobre a
natureza e a razão.
Pode-se mesmo afirmar que, em 1935, a identificação entre dois
movimentos é total.
423
Chauí, alertando para o perigo de se generalizar tais observações, indica que o
catolicismo da AIB foi um elemento tático e ideológico de grande envergadura, com o qual
Plínio Salgado jogava.
Todavia, é preciso lembrar que as relações da AIB com a Igreja sempre
foram complicadas e nem sempre pacíficas, havendo necessidade, a cada
passo, por parte do Chefe, de provar sua ortodoxia e apelar para o
testemunho de eclesiásticos integralistas. A ambigüidade de Tristão de
418
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 70.
419
CRUZ, Natália dos Reis. O integralismo e a questão racial. A intolerância como princípio. 2004. Tese
(Doutorado em História), Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
420
TRINDADE, 1981, p. 324.
421
Id., ibid., p. 327.
422
MOURA, 1978, p. 98.
423
SADEK, 1978, p. 167.
Athayde, com quem será travada interminável polêmica, os ataques de D.
João Becker, arcebispo de Porto Alegre, ao lado do pouco fervor religioso de
Gustavo Barroso e das reservas de um Miguel Reale, tornam problemático
admitir como fonte da posição anticomunista a posição religiosa dos
membros da AIB.
424
Segundo Medeiros, associada ao anticomunismo, a reação antiliberal foi um dos
principais fatores que levou muitos católicos a abraçarem levianamente o autoritarismo
nacionalista (de regimes como os de Hitler, de Mussolini, de Franco, Salazar, Perón ou até de
Vargas).
425
Os líderes leigos e eclesiásticos do catolicismo nacional pregavam uma espécie de
“Integralismo cristão”, que, embora não fosse o mesmo Integralismo proposto por Plínio
Salgado e Miguel Reale, apresentava alguns pontos em comum com ele. “Face ao liberalismo,
ao socialismo e ao ‘nacionalismo integral’, o ‘integralismo cristão’ era um ‘re-sintetizador’ de
todos eles, superando-os e o se identificando com nenhum deles em particular”
426
. No
entanto, ambos reivindicam um Estado forte, organizado, coordenador da nação, um Estado
ético-corporativo, baseado na defesa da autoridade, da ordem, da hierarquia e do dever.
O nacionalismo e o espiritualismo do movimento integralista eram vistos, na maioria
das vezes, com simpatia pelos católicos. Sem falar no lema dos integralistas, “Deus, Pátria e
Família”.
Essa trilogia que o integralismo invoca, a todo momento Deus, Pátria e
Família [...], é a mesma que todo católico tem que invocar. [...] Basta isso
para criar entre o integralismo e os católicos uma situação tal que pode
ser interpretada como uma compreensão sincera, não de tudo, mas do que
de justo e necessário nesse movimento.
427
Diferentemente do fascismo italiano, que nunca se declarou (teoricamente) católico,
principalmente antes da concordata com a Igreja (1929), a doutrina integralista era vista como
sendo permeada por princípios católicos.
Para os integralistas e os intelectuais católicos e autoritários (representantes do
Estado), o verdadeiro brasileiro, aquele que mantinha vivas as tradições nacionais, era o
sertanejo, o roceiro do interior. Assim como os intelectuais da Igreja diziam que o Brasil era
um país tradicionalmente católico, Salgado dizia que os integralistas procuravam, e
424
CHAUÍ, 1978, p. 76.
425
MEDEIROS, 1975, p. 48-49.
426
Id., 1974, p. 99.
427
LIMA, 1934 apud KRISCHKE, 1979, p. 152.
exaltavam, uma democracia brasileira que existia antes da chegada do europeu (o Caliban o
progresso). Por outro lado, o “Brasil do litoral” era encarado como um país desvirtuado de
suas reais qualidades
428
. Não podemos nos esquecer de que, na década de 1930, o romance era
um “móvel importante da luta em torno da imposição de uma interpretação do mundo
social”.
429
Porém, à medida que “a filosofia social reacionária se mostrou, em suas verdadeiras
raízes totalitárias, tão inimiga da liberdade e da lei evangélica quanto o comunismo
soviético”, a postura de muitos católicos, dentre os quais Alceu Amoroso Lima, começou a se
inverter
430
. A garantia aos direitos e à intangibilidade da pessoa humana, professada pelo
Integralismo como suficientemente firme para superar e restringir seu potencial autoritário
431
,
não era aceita como possibilidade verdadeira. Rodrigues, em seu estudo sobre a revista A
Ordem, exibe o novo posicionamento para o qual rumaria a elite intelectual católica.
É importante assinalar que essa oposição ao movimento integralista como
um todo tinha para a revista uma justificativa prática. Em primeiro lugar
considerava-o incompatível com o ‘espírito da religião’ e com os propósitos
da Ação Católica. Em segundo, porque entendia que o mesmo
autodeterminava-se uma ‘concepção geral da vida e do universo’ se opondo,
desse modo, aos princípios do evangelho.
432
Depois de ressaltarmos algumas das convergências e divergências entre a doutrina
integralista e o catolicismo brasileiro, podemos destacar o posicionamento de Alceu Amoroso
Lima acerca do mesmo. Ao discutir o pensamento reacionário de Jackson de Figueiredo,
tentando imaginar como seria seu posicionamento diante do Integralismo, Francisco Iglésias
nos fornece as primeiras pistas.
Os integralistas puderam, pois, ver nele [Jackson de Figueiredo] um
precursor. Sem ousar demais, no entanto, parece-nos legítimo duvidar que se
inscrevesse entre as fileiras verdes. Por certo as festejaria no icio, e com
mais entusiasmo que Tristão de Ataíde; em pouco tempo, no entanto, seria
afastado, por não concordar com a absolutização do Estado que os
integralistas pregavam e por ser homem de espírito generoso, com o sentido
da aventura, incapaz de aceitar os limites que a prática do sigma impunha.
433
428
CHAUÍ, 1978.
429
MICELI, 2001, p. 159.
430
MEDEIROS, 1975, p. 48-49.
431
KRISCHKE, 1979, p. 153.
432
RODRIGUES, 2002, p. 337.
433
IGLÉSIAS, 1971, p. 156.
Resta, então, a pergunta: se Jackson de Figueiredo acabaria entrando em choque com a
doutrina integralista, o que esperar de Alceu Amoroso Lima (note que não estamos levando
em consideração o movimento histórico)? Ele mesmo responde.
o. Nunca fui [integralista]. Mas tive uma simpatia pelo integralismo,
porque ele era antiburguês. Eu sempre fui muito antiburguês. Mas acabei
entrando na Ação Católica, que não era uma ação partidária. E fui
radicalmente antipartidário. descobri a liberdade depois de uma
meditação sobre mim mesmo, depois de minha reconversão [...] entre 1928
e 1938, eu passei a ver na Igreja não mais uma mestra de autoridade, mas
um estímulo à liberdade. Eu me converti sob o signo da autoridade e me
reconverti, a partir de 1940, a um espírito de liberdade [...] Tivera simpatia
pelo fascismo e pelo integralismo porque eram contrários ao comunismo.
Mas depois entendi que esses dois contrários eram iguais.
434
Acompanhando os católicos, em geral, ele dá sinais de que sua adesão ao Integralismo
foi mais fruto da negação da sociedade burguesa e da identificação com valores espirituais do
que de uma anuência teórica. Católicos e integralistas buscavam a superação daquela
sociedade em que havia considerável confusão entre burguesia e liberalismo, democracia e
capitalismo”. Com o tempo, passaria a enxergar alguns problemas no Integralismo que
motivariam seu afastamento em relação ao mesmo.
O cesarismo, o poder, a autoridade, o autoritarismo, a concentração do
poder, a primazia da potica sobre a economia e o não primado da moral.
Sobretudo a concentração de poder, o cesarismo. Daí veio minha
divergência fundamental com o que havia de fascismo no integralismo.
435
A fim de caracterizar a postura de Tristão de Athayde na década de 1930, Cauvilla
ressalta que ele nunca se considerou um militante político; fazia política, mas de outro modo:
teorizando.
Combateu a Revolução e defendeu a Contra-Revolução Espiritual,
fundamentada em Cristo; combateu o naturalismo na filosofia, na
sociologia, na política, na economia e defendeu a concepção de uma cultura
fundamentada em raízes metafísicas e religiosas, combateu o espiritismo, o
protestantismo, a maçonaria e defendeu o catolicismo como sendo a única
religião verdadeira.
Chegou a combater a liberdade de cátedra e a própria liberdade de
imprensa! Chegou, em alguns poucos momentos a esbarrar’ numa atitude
anti-semita.
436
434
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p.229.
435
MOTA, 1983, p. 55.
436
CAUVILLA, 1992, p. 141-142.
Como salientamos no primeiro capítulo, os católicos que coordenavam a LEC
negaram apoio direto a Plínio Salgado nas eleições de 1934, mesmo havendo certa
coincidência de pontos de vista entre as duas posições. Para os líderes católicos, a LEC
deveria ser suprapartidária
437
. A Igreja podia colaborar com o Integralismo, mas nunca
confundir-se com ele. Por isso, “Dr. Alceu”, embora fosse contrário à participação de crigos
nas fileiras integralistas, não considerava problema se os leigos o fizessem, desde que não
exercessem um cargo de responsabilidade na Igreja, principalmente na ACB. Mais uma vez,
podemos perceber a autoridade de D. Leme, “salvando” Alceu Amoroso Lima de um
radicalismo mais acentuado.
Conta inclusive com o apoio de dom Leme, então Cardeal do Rio de
Janeiro, cuja experiência e visão o permitem navegar, com habilidade, numa
fase de radicalismo acentuado, sem se deixar compreender e sem levar a
Igreja ao engajamento, como pretendem muitos católicos, especialmente
aqueles que, tendo-se filiado ao integralismo, viam um movimento cuja
doutrina correspondia ao espírito e à moral cristã.
438
Ao analisar esta fase da vida de Tristão de Athayde, Rodrigues indica que ela
representa um dos momentos de maior oposição ao comunismo, um dos motivos que faziam
com que caminhasse, se não de mãos dadas com o Integralismo, no mínimo na mesma
direção
439
. Não podemos deixar de ressaltar que mais tarde seria atacado por seus adversários
por criticar o anticomunismo e se colocar como um “anti-anticomunista”.
Segundo Cauvilla, “Dr. Alceu” apresentava três condições para que os católicos
pudessem aderir ao Integralismo, a saber: a preeminência de sua consciência católica sobre a
política; ter realmente vocação política; e não ter responsabilidade de direção na ACB. A
Igreja vinha antes da pátria.
Ao contrário da lenda, nunca fui integralista. Tive simpatias por esse
movimento, graças principalmente a seu conteúdo antiburguês, mas jamais
me agradou a idéia de ter um chefe. É exato dizer-se que passei da direita
para a esquerda, mas não, como supõem alguns, do reacionarismo para o
comunismo. Defino-me como um socialista pluralista, sinto fascínio pelo
socialismo como liberdade. o comunismo é uma forma de
conservadorismo violento.
440
437
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 236.
438
LIMA, Medeiros apud LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 54-55.
439
RODRIGUES, 2006, p. 223-224.
440
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p.371. MOTA, 1983, p. 54.
Monteiro interpretou essa questão de maneira bastante similar às concepções
apresentadas por outros autores até o momento. Para ela, a maior crítica de Tristão de
Athayde ao Integralismo consistia no fato de que os integralistas entravam em contradição
com alguns princípios religiosos para alcançar o poder, admitindo o emprego da violência
como um dos recursos do jogo político.
441
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, “Dr. Alceu” parece temer o renascimento de
uma espécie de neofascismo, na versão tupiniquim, um neo-Integralismo. Esse neofascismo
“se aproveita do imperialismo soviético para levantar a cabeça e levar de novo o mundo ao
sonho de uma revolução totalitária polinacionalista”
442
. Ainda mantém, contudo, suas críticas
ao que chama de cepticismo democrático e, obviamente, ao comunismo.
4.2.4 Interpretações da influência de Jacques Maritain
Como mencionamos, é inegável que o pensamento de Jacques Maritain exerceu
influência sobre “Dr. Alceu”, colaborando para sua transão da fase autoritária à liberal-
democrática. O que pretendemos, portanto, é analisar as condições em que se deu essa
influência, pois, como admite o próprio “Dr. Alceu”: “Não há dúvida nenhuma de que ele
[Maritain] exerceu enorme influência sobre mim”
443
. Por isso, partimos do princípio de que
essa influência existiu e contribuiu, a partir de nosso protagonista, com certa renovação
cultural do catolicismo brasileiro.
444
As diferentes perspectivas quanto à relação entre Maritain e Tristão de Athayde se
iniciam com um problema de contextualização temporal. “Dr. Alceu” diz que o período entre
1928 e 1932 pode ser caracterizado como sua fase autoritária, da qual migrou a partir do
contato com Maritain, Bernanos e Chesterton
445
. “Só fui reencontrar Maritain mais tarde, à
medida que comecei a me desvencilhar da sombra de Jackson de Figueiredo...”
446
Todavia,
Cauvilla, Moreira e Andrade indicam que ele entrou em contato com Maritain por volta de
1925-1926, quando ele estava desvinculado da Action Française. Embora reconheçam que
sua relação com Maritain se intensificaria mais tarde, não explicam o porquê desse lapso
temporal.
Carpeaux reconhece que, provavelmente, “Dr. Alceu” tenha tido contato com Maritain
441
MONTEIRO, 1991, p. 224.
442
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 26.
443
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 212.
444
VILLAÇA, 1975, p. 116.
445
CARPEAUX, 1978, p. 147.
446
LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 230.
em 1913-1914, quando contemplou a filosofia espiritualista de Henri Bérgson em Paris
447
.
Costa também recua historicamente para tentar entender a questão.
A primeira vez que ouvira falar de Maritain fora em 1913, quando seguia o
curso de Bérgson em Paris. Mais de uma década depois, toma conhecimento
da despedida de Maritain da Action Française e, antes mesmo de se
converter, Amoroso Lima lê Primauté du Spirituel (1ª edição de 1927). E se
a conversão amorosiana se deu motivada pelo diálogo com Jackson de
Figueiredo, Alceu situará a influência de Maritain com quem também
manterá importante correspondência sobre temas contemporâneos – em
rao inversa ao do pensamento de Jackson: à medida que se distancia
deste, vai se aproximando de Maritain.
448
Para Cauvilla, enquanto intelectual católico, “Dr. Alceu” era igual uma soma” de
Jackson de Figueiredo mais Jacques Maritain. Quanto a este, acredita que sua “influência não
se estabeleceu diretamente sobre Alceu, mas foi lentamente ‘digerida’”.
449
Por outro lado, segundo Eiterer, nosso protagonista sempre foi um liberal. Sua fase
autoritária, de direita, deveu-se ao fato de que “até a acomodação e compreensão da nova vida
há um período de afirmação tresloucada da nova experiência”. Mas com o passar do tempo,
com o seu círculo de amizades e com novas leituras (Bernanos, Maritain e Chesterton e,
posteriormente, Lebret, Mounier e Chardin), “vai adquirindo mais serenidade e paciência com
suas idéias e posição
450
. Medeiros Lima indica algo semelhante às suposições de Eiterer:
[...] é de um católico de direita, temeroso de qualquer tipo de concessão que
faça supor de sua parte uma abertura de franco ao adversário. Vê-se assim
compelido a calar possíveis dúvidas e a esquecer a admiração que nutre por
Jacques Maritain, então separado de Henri Massis e da Action Française, e
por Teilhard de Chardin, cujo ‘evolucionismo’ já cita em 1932.
451
Questionamos, no entanto: por que nosso protagonista não absorveu imediatamente a
filosofia maritaineana?
Parece-nos que uma primeira resposta, de caráter mais genérico, se relaciona
com a própria vinculação de Alceu à estrutura oficial da Igreja; esta, por sua
vez é muito cuidadosa’ na adoção de novas posições no campo político e
social. Ainda dentro desse âmbito mais amplo, podeamos dizer que, num
447
CARPEAUX, op.cit., p. 26.
448
COSTA, 2006, p. 137.
449
CAUVILLA, 1992, p. 28. ATHAYDE, Tristão. Preparação à sociologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Getúlio
Costa, 1942. p. 27. Nesta obra menciona que se correspondia com Maritain desde 1929.
450
EITERER, 2004, p. 23.
451
LIMA, Medeiros apud LIMA, Memórias Improvisadas, 2000, p. 56.
momento em que o fascismo parecia ser a única arma efetiva no combate ao
comunismo, a Igreja no mínimo, hesitava em atacar ou condenar aquele
regime, ainda que percebesse nele componentes perigosos, tanto no plano
teórico como no prático.
452
Ao enfatizar que a influência de Maritain foi um aspecto primordial para a
“reconversão” amorosiana, Rodrigues chega a constatações interessantes.
E porque não dizer que Alceu Amoroso Lima portou até certo tempo uma
espécie de conservadorismo vindo do próprio Jacques Maritain, inclusive
por sugestão de leitura de Jackson. Prova disso é o fato de o próprio Jackson
sugerir, em carta de 26 de junho de 1928, que Alceu lesse o livro de
Maritain, Antimoderne, lançado em 1922, o qual expressa sua fase de
relação com a crítica ao mundo moderno e sua ligação a Action Française
de Charles Maurras. uma dezena de referências entre ambos falando de
Maritain e seguramente Alceu, após a morte de Jackson em 1928,
acompanhou as mudanças pelas quais Maritain já estava passando desde
1927, quando saíra da Action Française, caminhando para a democracia e
para a proposição de um humanismo integral e pluralista;
453
Comparando as diferentes posições de Tristão de Athayde em relação ao comunismo,
em suas duas fases políticas distintas, Rodrigues lembra que, na sua fase autoritária (até por
volta de 1942), o comunismo era visto de maneira intolerante, como inimigo mortal” (termo
usado várias vezes pelo autor). na fase liberal-democrática, ele parece contagiado por certa
simpatia nutrida por Maritain pela causa comunista
454
, passando a defender as diferenças entre
socialização e socialismo
455
. Dessa forma, o autor ressalta o grande impacto que a filosofia
maritaineana causou-lhe, principalmente os tópicos que diziam respeito à postura diante do
comunismo e à necessidade de uma sociedade pluralista
456
. Discordando da tese de que
identidade e mudança, ou autoridade e liberdade, caminharam juntas no pensamento
amorosiano, Rodrigues reafirma a tese de que Alceu Amoroso Lima passa por um processo
que o leva do conservadorismo à democracia, por meio do contato com Jacques Maritain e
com sua obra”.
457
Apresentamos várias perspectivas sobre a importância de Jacques Maritain no
processo “evolutivodo pensamento amorosiano. É preciso observar, entretanto, que Alceu
452
CAUVILLA, op.cit., p. 30.
453
RODRIGUES, 2006, p. 17-18.
454
Id., ibid., p. 231. O autor acredita que quando Maritain escreveu Cristianismo e Democracia (1943), ele
alterou sua posição diante do comunismo, passando a ver nos comunistas a possibilidade de conversão, por
mudanças de ordem interna. Em suma, passava a veresperança na transformação espiritual do povo russo”.
455
LIMA, Memorando dos 90, 1984, p. 85.
456
RODRIGUES, 2006, p. 23.
457
Id., ibid., p. 28.
Amoroso Lima parece ter ido além de Maritain:
[...] descobrindo Maritain então, seguindo-lhe a evolução passo a passo, seu
sentido de fidelidade à Igreja, não se falando de sua sintonia com os
acontecimentos, o conduziu para que, na década de 1940, estivesse em
posição política diferente, ligado aos movimentos da democracia cristã,
descobrindo Lebret, e acentuando a sua orientação no sentido social mais
intenso.
458
Como era de se imaginar, havia pontos divergentes entre ambos. Em 1939 “Dr. Alceu
criticava Maritain por não distinguir os fascismos de Hitler e Mussolini dos regimes de
Franco e Salazar.
459
Durante a viagem que fez à Europa em 1949, cujas impressões culminaram na
publicação, em 1951, do livro Europa Hoje, pôde perceber que os pensadores franceses
passaram a considerar Maritain um pensador ultrapassado e excessivamente tradicionalista
460
.
“Acompanhando seu tempo”, gradualmente, também aderiria a esse posicionamento e
intensificaria o contato com outros pensadores católicos, como Mounier e, principalmente,
Teilhard de Chardin
461
. Segundo Torres, ao aproximar-se de Chardin, automaticamente se
distanciava de Maritain, pois este criticava “certas atitudes mais ousadas de muitas correntes
progressistas”, arremetendo-se “contra o teilhardismo, que admite ser uma espécie de gnose
católica”
462
. Isso também nos ajuda a entender os rumos diferentes que tomaram Alceu
Amoroso Lima e Gustavo Corção.
E quando Jacques Maritain, em livro recente, condena certas manifestações
de progressismo católico, encontrou em Gustavo Corção um partidário
entusiasta, enquanto o grupo liderado por Alceu Amoroso Lima promovia
uma inesperada recusa ao mestre francês, criticado de blicos por aqueles
que, durante trinta anos, haviam procurado reproduzir dia a dia as suas
lições. Corção manteve-se fiel a Maritain e ao neo-tomismo, recusando
sistematicamente Teilhard de Chardin.
463
Como pondera Morais, “Maritain abre muitas portas ao pensamento antes represado
458
TORRES, 1968, p. 201.
459
CAUVILLA, 1992, p. 19-20 e p. 29. O autor extraiu essa informação do prefácio que Alceu Amoroso Lima
escreveu à tradução, feita por ele mesmo, da obra Noite de Agonia na França, de Jacques Maritain. Cauvilla
ainda ressalta que ele não mencionou que sua reflexão era baseada em outro autor (o padre francês Congar).
Esse prefácio foi escrito em 1939.
460
COSTA, 1997, p. 22.
461
TORRES, 1968, p. 200-203. É importante ressaltar o expressivo número de obras de Teilhard de Chardin
existentes na biblioteca de Alceu Amoroso Lima.
462
Id., ibid., p. 201.
463
Id., ibid., p. 204.
de Tristão”
464
, todavia, a partir dos anos 60, dá um golpe à direita em seu pensamento
político-social”
465
, o que o leva a dizer que o “aluno ousaria mais do que o mestre”.
Com Bernanos, Alceu tomou horror pelos fascismos; com Maritain fez as
pazes com a democracia; com Chesterton, conheceu o ‘liberalismo
inteligente’, segundo me disse; com Mounier, encontrara uma elucidação
curiosa de suas próprias idéias, talvez ainda meio difusas, bem como
encontrava com Mounier uma espécie de fraternidade de espírito; com
Lebret, caminhou mais a fundo o significado das divisões entre miséria e
fausto, conhecendo uma reflexão rigorosa que pesava como autocrítica de si
e da sua Igreja. Foi, no entanto, o conhecimento das idéias de Teilhard de
Chardin (que primeiro lhe chegaram manuscritas e proibidas de publicação)
que arrancou Amoroso Lima em definitivo das reminiscências fixistas do
tomismo para uma concepção evolutiva. O cristianismo que percorre, em sua
constante trajetória de criação, do alfa ao ômega. Segundo se sabe, a
aceitação de Teilhard por parte de Alceu foi um escândalo sobretudo para
Gustavo Corção e os seguidores do tradicionalismo deste.
466
Finalizando esta questão, podemos dizer que Alceu Amoroso Lima ultrapassa, em
termos de progressismo católico, Jacques Maritain. O que nos permite inferir que, se por um
lado Maritain o influenciou, por outro, ele já trazia consigo o “germe” da mudança.
4.3 O ITINERÁRIO DE ALCEU AMOROSO LIMA A PARTIR DE SUAS OBRAS (1930-
1950)
No tópico anterior, salientamos a existência de uma transição no pensamento de Alceu
Amoroso Lima. Para compreendê-la, levamos em consideração ampla bibliografia, incluindo
algumas de suas obras que extrapolam nosso recorte temporal, sobretudo aquelas de caráter
autobiográfico.
Acreditamos que a análise precedente foi bastante esclarecedora, cabendo-nos, agora,
o exame de seus livros, de seus artigos e de sua correspondência, no período delimitado. O
fato de boa parte dos seus livros ser fruto de coletâneas de artigos publicados (em revistas ou
jornais) ou de palestras e conferências proferidas levou-nos a colocar em segundo plano
muitos de seus artigos publicados em periódicos, principalmente em A Ordem, sem mencionar
a contemporaneidade entre os livros e os artigos
467
. Por outro lado, priorizamos em sua
464
MORAIS, 1985, p. 72.
465
Id., ibid., p. 105.
466
Id., ibid., p. 119-120.
467
Não levamos em consideração seus trabalhos de cunho literário, como: Estudos: Quinta Série (1933);
Contribuição à História do Modernismo (1939); Poesia Brasileira Contemporânea (1941); Três Ensaios
sobre Machado de Assis (1941); Estética Literária (1945); O Crítico Literário (1946); e Primeiros Estudos:
correspondência as pastas de intelectuais de renome na época, de intelectuais católicos com os
quais dialogava, de autoridades em geral e da Ação Integralista Brasileira. Afinal são
aproximadamente 25 mil documentos, cujo estudo requer mais tempo e recursos.
Além disso, demos voz a alguns intelectuais católicos que debateram naquele período
histórico com Tristão de Athayde, sobretudo por meio das revistas A Ordem, Vozes de
Petrópolis e do jornal Legionário. Esse debate também pode ser percebido na sua
correspondência, ainda que seu arquivo contenha, salvo algumas exceções, apenas cartas
recebidas pelo mesmo.
Outro fato importante ao qual estivemos atentos diz respeito às reedições das obras do
autor. Na maioria delas, ele manteve a redação original intocada, acrescentando emendas em
forma de notas de rodapé. Tal procedimento foi bastante relevante, pois, da mesma maneira
que nos forneceu acesso ao texto original, tornou menos árdua nossa tentativa de discernir
temporalmente seu pensamento.
Na tentativa de compreender seu percurso, dividimos a discussão apresentada a seguir
em quatro partes. Na primeira procuramos observar seu posicionamento, no transcorrer do
recorte temporal estabelecido, diante do comunismo e do capitalismo liberal-democrático. Em
seguida procedemos ao mesmo, porém em relação aos fascismos, aos movimentos de extrema
direita. Versamos, ainda, sobre a relação controversa que manteve com o Integralismo, o que
é praticamente um capítulo à parte. Depois de enfatizar sua relação com a esquerda e a direita,
procuramos constatar qual alternativa católica propunha como saída para esse dilema. Por
fim, na última parte, discutimos a relação do autor com a Igreja Católica brasileira e os
conflitos internos que a mesma apresentava, muitos dos quais refletidos em sua obra.
4.3.1 O capitalismo liberal-democrático e o comunismo
Inicialmente, é necessário lembrar que, segundo a doutrina social da Igreja Católica, o
comunismo é fruto dos erros do liberalismo burguês, uma vez que o “abuso da liberdade
levou à supressão da liberdade”
468
. Tanto um como outro seriam oriundos de uma matriz
materialista, fruto do naturalismo filosófico que, para Alceu Amoroso Lima, arruinou as
ciências do espírito, aniquilando o equilíbrio que existia entre espírito e matéria. E. Kant é
contribuição à hisria do modernismo literário (1948). Também não consultamos seus estudos de caráter
educacional, dentre os quais: Debates Pedagógicos (1931); Pedagogia da Escola Nova (1931), com
colaboração de outros autores; e Humanismo Pedagógico (1944).
468
LIMA, Alceu Amoroso. Estudos (Segunda Série). 3. ed. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003. p. 205. (1. ed.
1928).
apontado como responsável pela separação entre o mundo espiritual e o temporal, entre o
mundo positivo e o transcendental
469
. Para nosso protagonista, enquanto o individualismo
moral nasceu com Kant, o que chama de individualismo social surgiu com Rousseau. A partir
de ambos, menciona a existência do naturalismo sociológico, o qual se desdobrou no
socialismo e no liberalismo individualista.
Em 1930 publicou a obra Introdução à Economia Moderna, na qual, em uma análise
de longa duração, ratificava como a sociedade foi perdendo gradualmente a sacralidade que
norteava sua vida, sobretudo no trabalho. Se durante a Idade Média o trabalho estava
indissoluvelmente ligado à vida moral das pessoas, passou, pouco a pouco, a constituir apenas
um elemento de sua vida econômica. “A linha de decadência da sacralidade começava a
coincidir com a linha ascendente da economicidade”.
470
A economia se convertia em economicismo. A produção governava o
consumo. O homem libertava-se de todos os laços morais e via no jôgo livre
dos seus instintos a condição para a harmonia social. E com isso libertava as
fôrças econômicas da subordinação a si próprio, tornando-se pouco a pouco
escravo das as que êle julgava pôr a seu serviço. A sociedade perdia a
unidade. Separavam-se as classes. Cresciam as desigualdades de fortuna.
Apressava-se o ritmo da vida de mais em mais. Subordinavam-se todos os
valores invisíveis aos valores imediatos. E a hipertrofia do economismo
assumia um caráter sistemático e cienfico, que deturpava as próprias
fontes do espírito, colocando o homem cada vez mais dócilmente numa
subordinação crescente ao desmentido das fôrças econômicas naturais, que
o asfixiam e lhe tiram pouco a pouco o próprio gosto da liberdade e
sobretudo todo senso da espiritualidade.
471
O individualismo collocou as fontes da economia e da riqueza das nações na
mão dos particulares. Tanto as forças políticas como as forças espirituaes
[...] tanto o Estado como a Igreja, portanto, desapareceram, até certo ponto,
da vida econômica, que ficou entregue apenas às suas próprias forças. Foi
esse um dos phenomenos typicos do século XIX.
472
Como saída para esse problema, Alceu Amoroso Lima não defendia a volta à Idade
Média, pretendia apenas a humanização da economia, ou seja, que o centro da economia
moderna fosse o homem e não o capital. Era preciso uma reviravolta, pois o capitalismo havia
469
ATHAYDE, Tristão de. Contra-Revolução Espiritual (ensaios). Cataguases,MG: Spinola & Fusco, 1933. p.
182.
470
LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à Economia Moderna. Rio de Janeiro: AGIR, 1961. p. 45. (1. ed.
1930).
471
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 165.
472
ATHAYDE, Tristão de. Uma intervenção dos grupos sociaes, especialmente do Estado e da Igreja, na vida
econômica. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 143-147 e 219-224, jan./jun.
1933. p. 146.
criado “um novo comércio de mercadorias: o mercado do trabalho”.
473
Segundo ele, mais que um anticapitalismo, o marxismo era uma espécie de
hipercapitalismo, cujo erro “não está na depreciação do capitalismo, mas, ao contrário, na sua
excessiva apreciação
474
. Capitalismo e comunismo eram muito semelhantes, ambos criavam
uma cristalização que tornava praticamente impossível a mobilidade social. Ainda a respeito
das semelhanças entre esses dois regimes baseados no materialismo e no economicismo,
afirmaria: O comunismo é o capitalismo do proletariado como o capitalismo foi o
comunismo da burguesia. A diferença é muito maior entre classes que entre regimes
475
.
Embora admitisse que o liberalismo individualista e democrático impusesse uma
uniformização menor que comunismo, reconhecia que “é impossível uma concorrência livre
entre as classes, que o degenere numa exploração dos mais francos pelos mais
poderosos”.
476
Desse modo,
[...] tanto o capitalismo como o comunismo chegam a resultado muito
semelhante, isto é, à concentração da propriedade em um número restrito de
mãos, que no Estado capitalista de amanhã serão os grandes banqueiros e
financistas reunidos em sindicatos gigantescos, e no Estado comunista serão
os grandes políticos encarregados da administração geral da riqueza pública
e particular. Ambas as formas econômicas, portanto, tendem, afinal, a uma
imensa burocracia, ao Estado providencial, a uma forma higiênica e mais ou
menos confortável de servilismo coletivo.
477
Em carta enviada a Alceu Amoroso Lima, em 1931, Paulo Mendes Almeida enfatizava
a existência da polarização ideológica entre “Nova York e Moscou”. “Vejo uma marcha louca
para Nova-York, e não como você, para a ssia. Infelizmente, Alceu, porque entre uma e
outra cem vezes a ssia”
478
. Isso mostra que “Dr. Alceumantinha, desde sua conversão ao
catolicismo, um diálogo com intelectuais ligados à esquerda, relação que parece mais intensa
na década de 1940. Com o tempo também adquiriu aversão ao anticomunismo, algo que Paulo
Mendes de Almeida denunciava. o podemos deixar de registrar seu comentário acerca
dos dois grupos em pauta.
473
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 208.
474
Id., ibid., p. 169.
475
ATHAYDE, Tristão. Preparação Preparação à sociologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Getúlio Costa, 1942. p.
173. (1.ed. 1931).
476
Id., ibid., p. 86.
477
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 220.
478
ALMEIDA, Paulo Mendes. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima. São Paulo, 20/02/1931, CAALL.
Os pagãos de Leningrado irão para o céu. E os capitalistas yankees, os sócios
do Rotary-Club, os magnatas do Automóvel Club, os bobos da Assoc. Cristã
de Moços, os ruibarbosas do Partido e os Clement Vantéis do Jockey Club,
alguns carolas, catões e puritanos sem caridade do Apostolado da Oração
Esses, bem sei para onde tenho vontade de mandá-los!
479
O diálogo sem comprometimento ideológico com alguns intelectuais de esquerda é
confirmado por Murillo Mendes, que, ao discorrer sobre a Coluna do Centro (nome dado à
coluna escrita por católicos, ligados ao CDV, em O Jornal), mencionava que a maneira como
certos colaboradores se referiam à Rússia soviética e ao comunismo estava, mais que atraindo
antipatias, expondo os católicos ao ridículo. Por isso, recomendava boa dose de equilíbrio na
análise dos problemas ligados ao comunismo e à Rússia soviética.
Si o Alceu não individualmente mas como líder católico o deseja
alienar as simpatias que tem no meio esquerdista, procure melhorar, com o
prestígio de que goza, a orientação da ‘coluna’, do contrário cairá a mesma
no ridículo total.
480
Ao mesmo tempo em que parecia manter um bom relacionamento com alguns
intelectuais de esquerda, colaborava com o Estado varguista no combate ao comunismo,
especialmente no âmbito educacional. Analisando sua correspondência, encontramos, na pasta
do Departamento de Propaganda do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, elogios a seu
combate ao comunismo
481
. O episódio coincide com a batalha que travava contra a gestão de
Pedro Ernesto na prefeitura do Distrito Federal, em 1935, o qual havia empossado Anísio
Teixeira na Secretaria de Educação. “Dr. Alceu”, em carta enviada a Gustavo Capanema,
escreveu:
‘Devo apenas advertir-lhe que os progressos recentes da Aliança Nacional
Libertadora, a feição socialista que vai assumindo o governo municipal do
Rio de Janeiro, bem como a impregnação comunista de muitos sindicatos e
de alguns elementos do Ministério do Trabalho vêm trazendo à opinião
pública do país motivos da mais profunda inquietação. E os católicos
esperam do governo uma atitude mais enérgica de pressão ao comunismo,
que assumiu a figura desse partido acima mencionado (ANL) para agir
hipocritamente à sombra de nossas leis’.
482
479
Id., ibid.
480
MENDES, Murillo. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima. s/local, 16/01/1935, CAALL.
481
DEPARTAMENTO DE PROPAGANDA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E NEGÓCIOS INTERIORES.
Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 1936, CAALL.
482
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Gustavo Capanema, 16 de junho de 1935 apud SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA, 2000, p. 191.
Na mesma correspondência, mostrava-se satisfeito com a nomeação de Eurico Gaspar
Dutra para a pasta de Guerra e de Filinto Muller para a da polícia. Expunha a Capanema que
os católicos certamente apoiariam um governo que defendia princípios que se identificavam
com os preceitos da Igreja Católica e combatia inimigos comuns aos dela
483
. No entanto, mais
do que uma cruzada contra o comunismo “satânico e diabólico”, parece-nos que promovia
uma luta pelos interesses da Igreja. Tanto que, um ano depois, um congregado mariano,
assombrado com os atos bolcheviques contra as Igrejas na Espanha, escreveu-lhe pedindo
uma intervenção política que livrasse o Brasil dessa possibilidade.
Procure conseguir dos Deputados Catholicos a apresentação, namara
Federal, de um projeto considerando como ATTENTADO À NAÇÃO
qualquer ato de extremismo ou vandalismo contra todo e qualquer Templo
Catholico, Casas religiosas que encerrem Imagens de Santos ou quaisquer
obras de arte religiosa, Monumentos etc.
484
(grifo do autor)
Apesar de conviver em meio à ameaça comunista, muitas vezes aumentada por alguns
católicos apavorados, Alceu Amoroso Lima encarava o bolchevismo internacional como
perigo sério, merecedor de cuidados, mas não como perigo iminente.
485
Percebemos que criticava tanto o liberalismo quanto o comunismo; a intensidade
dessas críticas, no entanto, variou temporalmente. Dessa forma, logo após sua conversão ao
catolicismo e durante boa parte da década de 1930, constatamos que repreendia o liberalismo
democrático de forma um pouco mais intensa que o comunismo.
Moralmente, concebo que o capitalismo ainda é mais condenável que o
comunismo. Pois, neste, a classe política dirigente está, por sua vez,
subordinada a essa entidade abstrata e toda-poderosa, o Estado, que é de
fato o único senhor da propriedade. Ao passo que, no capitalismo, a
plutocracia domina o Estado, subordina-o de acordo com os seus interesses
de que usa e abusa a seu bel-prazer. E, portanto, ao passo que o comunismo
leva a uma simplificação de vida, pelas privações, por assim dizer, forçadas,
leva o capitalismo a uma dissolução moral da vida, pelo luxo também, por
assim dizer, foado e artificial a que reduz a sociedade. Este é o espetáculo
que vemos, hoje em dia, na Rússia comunista, como em nosso Ocidente,
mais ou menos capitalista. um espetáculo de miséria irritada e aqui um
espetáculo de luxo suicida. Uma civilização que nasce com a alma cheia de
ódio e uma que morre com a alma anarquizada.
Em ambas, portanto, o que vemos é a servidão do indivíduo.
486
483
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Gustavo Capanema, 16 de junho de 1935 apud SCHWARTZMAN;
BOMENY; COSTA, op.cit., p. 192.
484
S/autor. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Santos, 31/08/1936, CAALL.
485
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada ao Pe. Messias Senna Batista, Rio de Janeiro, 29/09/1936, CAALL.
486
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 206-207.
As filosofias burguesa e comunista também são censuradas pela liberdade sexual que
as permeia. Porém, mais uma vez, incidia sobre o liberalismo burguês mais recriminações.
Favorável a famílias grandes, com muitos filhos, “Dr. Alceu” condenava o uso de métodos
anticoncepcionais e a independência que as mulheres vinham adquirindo na sociedade
burguesa, fato que, segundo ele, culminaria no aniquilamento biológico da burguesia e na
desestruturação da família. Por outro lado, esse processo contribuiria para a ascensão das
classes proletárias, pois cresciam numericamente, enquanto a burguesia se auto-
exterminava.
487
Ele acreditava que a maior ameaçava ao catolicismo não eram os sistemas econômicos
ou políticos, mas, sim, os regimes que criavam suas próprias filosofias gerais de vida. Daí a
crítica ao apego aos valores norte-americanos que, em seu entender, culturalmente pretendiam
demolir todo o passado espiritual de nossa civilização, entenda-se, o catolicismo.
488
Na década de 1930, indicava a existência de duas formas de capitalismo, o espontâneo
e o científico. Este teria nascido da reação moral ao primeiro
489
. Henry Ford seria um dos seus
expoentes mais radicais, acreditando que o lucro deveria ceder ao interesse geral.
‘É o bem-estar geral’, escrevia êle no primeiro de seus livros, ‘e não o lucro
creditado na conta do industrial que é sinal de prosperidade. O industrial
não é senão um servidor da comunidade e êle a serve, dirigindo as suas
emprêsas de modo a pôr à disposição do blico artigos cada vez melhores
a preços cada vez mais baixos e pagando aos que participam na produção
salários cada vez mais elevados’.
490
O Rotary Club surge como um símbolo desse capitalismo científico, tendo,
teoricamente, um compromisso com o social. No entanto, não deixa de ser temido, ou no
mínimo, visto com certo receio pelos católicos, e é identificado como um fenômeno típico do
imperialismo moralista e econômico dos Estados Unidos ...”.
491
[o rotarianismo] É o moralismo bem humorado das épocas de predomínio
econômico. E daí seu êxito, entre todos aquêles que deliram pelo progresso
econômico, mas que por boa vontade espontânea, por uma compreensão
487
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 161.
488
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 174.
489
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 225.
490
FORD apud LIMA, Introdão à Economia Moderna, 1961, p. 239-240.
491
LIMA, Introdão à Economia Moderna, 1961, p. 238. JESUS, Vicente F. de (Cônego). Carta enviada a
Alceu Amoroso Lima. s/local, 14/12/1948, CAALL. LINS, Alcides. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima.
Rio de Janeiro, 12/08/1948, CAALL. Este membro do Rotary Club reclama das discriminações e suposições
feitas por parte do clero. Vale ressaltar que outros rotarianos também lhe escreviam pedindo, sobretudo, para
que minimizasse a crítica de alguns padres católicos.
mais inteligente e mais justa do capitalismo, ou pelo secreto temor das
ameaças revolucionárias, desejam reconciliar a sua consciência com a sua
prosperidade. E daí o dístico que explica a nova economia americana e que
de lá se espalhou pelo mundo: Service and Sucess.
492
“Dr. Alceu” também condenou essa nova versão do capitalismo. Afirmava que ela
não respeitava as necessidades humanas, ao tentar incessantemente expandi-las
(consumismo). Ainda que de uma maneira diferente, a produção continuava a condicionar os
seres humanos. Para consumir mais, os homens precisavam de melhores salários e melhores
condições de ócio e lazer, que eram as verdadeiras intenções de Ford. Essas questões, aliadas
às reformas instauradas por Roosevelt, levariam-no a dizer que este presidente norte-
americano promoveu uma transição social sem revolução em seu país, motivo pelo qual
considerava o New Deal uma espécie de fascismo norte-americano.
493
Reprovando a sociedade burguesa voltada para o consumo, pronunciava que a
burguesia não era apenas uma classe social. Ela representava uma concepção geral de vida,
erroneamente baseada na egolatria, na mediocridade e no primado da vida privada sobre a
vida pública
494
. Provavelmente esse seja um dos motivos de defender a equiparação maléfica
entre capitalismo liberal-democrata e comunismo, cuja balaa negativa, no início da década
de 1930, pendia para o primeiro.
Quanto à relação da burguesia com a religo católico-cristã, tecia enormes críticas à
mesma.
Não se faz profiso de anti-christã, mas procede-se em tudo como se o
christianismo já o existisse. o se persegue abertamente o sentimento
religioso, mas relega-se o mesmo para a região precária do sentimentalismo
individual. Esmaga-se o christianismo parecendo defendel-o.
495
É sempre a contradião latente da philosophia burguesa da vida, que
pretende combater, ao mesmo tempo, o christianismo e o communismo, o
que é um contrasenso, pois a única esperança de defeza contra o
materialismo político e econômico integral é a volta á concepção catholica
da vida.
496
Sua aversão ao liberalismo burguês era tamanha que chegou a preferir a honestidade
satânica” dos comunistas ao liberalismo religioso da burguesia.
492
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 238.
493
LIMA, Alceu Amoroso. Indicações Políticas: da Revolução à Constituição. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1936. p. 241.
494
LIMA, Alceu Amoroso. No Limiar da Idade Nova. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1935. p. 15.
495
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 17.
496
Id., ibid., p. 6.
O atheismo russo estará talvez mais perto de Deus, do que o liberalismo
religioso norte-americano. Pretender matar nos espíritos e nas instituições,
até a sombra da idéia de Deus, é ainda reconhecer o poder invencível da sua
Realidade.
497
Esse “catolicismo burguês” censurava a timidez social da Igreja, mas condenava-a se
ela pendia demais para a esquerda
498
. Afinal, segundo o autor: “O a-christianismo da
burguesia é apenas um anti-christianismomido
499
, pois, suprimia
[...] Deus da vida pública, mas conservava-o na vida particular, abolia a
religião dos homens, mas mantinha-a entre as mulheres; tirava da Igreja as
classes ocultas, mas deixava o recinto para o povo, que precisava della como
um freio moral e um consolo à sua subserviência econômica.
500
O capitalismo, em regra, o persegue a religião, coexiste em paz com ela,
suprimindo-lhe, porém, tôda a eficiência social e deixando-a (a seu ver)
morrer de inanição, por efeito do inevitável evolucionismo positivista que
leva os homens à desreligiosidade. A religião, nas sociedades capitalistas,
continua a ser uma coisa em geral respeitada por interêsse e faz parte do
convencionalismo social, que é o do agrado de todo o liberalismo político
e econômico.
501
Tristão de Athayde censurava a prática do catolicismo burguês, que usava a religião
como elemento de “conservação social, de defesa das situações consagradas, de preservadora
da riqueza, das autoridades constituídas, da ordem social existente”. Essa postura, segundo
ele, nunca foi formulada juridicamente pela Igreja, pom muitos leigos e até clérigos se
deixavam inconscientemente infiltrar por esse terrível veneno do mundanismo, que não era
novo na história da cristandade”.
502
Ao longo de nosso período de análise, portanto, a grande cisão do mundo
contemporâneo não estaria entre “direita e esquerda”, ou entre capitalismo liberal-
democrático e comunismo, mas, sim, “entre aqueles que aceitam Deus como medida do
homem, e aqueles que colocam o Homem como medida de Deus”
503
. “É na ordem espiritual
que os campos realmente se dividem”
504
. Apoiado em Berdiaeff, mencionava a possibilidade
de uma “Nova Idade Média”, uma Idade Nova em que haveria um novo processo de
497
Id., ibid., p. 177.
498
ATHAYDE, Triso de. Catholicismo Burguez. A Ordem, Rio de Janeiro, n.62, p. 257-266, out.1935. p. 265.
499
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 18.
500
ATHAYDE, Problema da Burguesia, 1932, p. 87-88.
501
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 178.
502
LIMA, Alceu Amoroso. Pela Cristianização da Idade Nova. Rio de Janeiro: AGIR, 1946. Vol. 2 (Prática).
p. 139.
503
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 181-182.
504
Id., ibid., p. 181.
espiritualização do mundo.
Ao estabelecer parâmetros entre o capitalismo e o comunismo, em Problema da
Burguesia (1932), assinalou que a burguesia não foi sempre revolucionária. Durante seu
período de triunfo social, ela pregava uma filosofia moda, que não deveria provocar nem o
corte categórico com o passado, nem a adesão incondicional ao presente
505
. Diferentemente
dos marxistas, acreditava que seu problema não era irremediável. Admitia, no entanto, que os
burgueses estavam cavando sua própria “cova”, principalmente porque abandonavam Deus.
Em suma, a burguesia só podia salvar-se voltando à religião cristã, tanto que diria:A
salvação da Burguesia está, antes de tudo, na mão dos santos”.
506
Segundo “Dr. Alceu”, quatro fenômenos marcavam o fim próximo da sociedade
burguesa, a saber: a guerra, a revolução, a crise e a reação nacionalista
507
. Diante disso, a
alternativa católica constituía um caminho único, não estando atrelada a nenhuma “filosofia
geral de vida” (comunismo, nacionalismo e democracia liberal). No entanto, no começo de
1930, admitia que o caminho espiritual estaria mais próximo da direita (Maurras, Mussolini e
Hitler) que da esquerda.
508
Em Contra-revolução Espiritual
509
(1933), obra publicada apenas um ano depois de
Problema da Burguesia, reforçava as colocações acima ao pronunciar que: “O contrário da
Revolução é o Christo. E tem sentido a Contra-Revolução quando a serviço do
evangelho
510
. Grosso modo, sem estar aliada à Igreja, a contra-revolução poderia incidir em
um mal tão grande quanto a revolução.
Pois não existe, em face do Espírito, direita ou esquerda e, sim, o bem e o
mal [...] O social ou o potico, e portanto, o revolucionário ou o contra-
revolucionário só tem sentido em face dessa plenitude.
511
Por outro lado, salientava que a Igreja não era revolucionária nem contra-
revolucionária, não recomendava e não rejeitava este ou aquele regime político. Recordando a
505
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 87.
506
Id., ibid., p. 242.
507
ATHAYDE, Tristão de. A Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem, Rio de Janeiro, n.66, p. 103-113, ago.
1935. p. 104 e 105.
508
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 186.
509
ATHAYDE, Contra-Revolão Espiritual, 1933. Este livro foi fruto da juão de artigos escritos pelo autor
no jornal “A Razão”, de São Paulo, entre 1931 e 1933. Seu título é uma espécie de reação a uma palavra que
o autor dizia estar na moda no período em que escreveu: a revolução.
510
Id., ibid., p. VIII.
511
Id., ibid., p. VII.
“Immortale Dei”
512
, observava que a obra da Igreja era de caráter sobrenatural, devendo
permear qualquer forma de regime.
513
A condenação ferrenha direcionada ao espírito burguês” fez com que fosse visto
como favorável à revolução social (socialismo). Como ele mesmo admitia, “para muitos, os
que denunciam o interior desse edifício liberal são apenas cúmplices dos pregadores da
revolução social-materialista”
514
. Esclarecia que sua recusa à concepção burguesa de vida fez
com que, na década de 1930, fosse chamado de “comunista encapotado” pelos burgueses e
de “burguês reacionáriopelos socialistas. No livro Limiar da Idade Nova (1935), reconhece
que seu nome foi fichado na polícia como suspeito de aderir ao comunismo. Segundo ele, isso
se deveu à publicação de seu livro Problema da Burguesia, acima citado.
Eu mesmo verifiquei, há tempos, com certa ironia, que tinha o meu nome
classificado na polícia, entre os ‘suspeitos’, provavelmente porque escrevera
sôbre o ‘problema da burguesia’, um livro em que dizia certas verdades a
essa classe social a que pertenço e cujo suicídio assistimos, no meio dos
artifícios e sedativos com que procuram mascará-lo.
515
Com o tempo, ou pelos rumos que tomaram os regimes de “extrema direita” ou devido
à influência de Jacques Maritain, Alceu Amoroso Lima passaria a enxergar a melhor
alternativa para a sociedade contemporânea no regime liberal democrático, como denunciou
nas retificações feitas no livro Política (1932), que datam de 1948 e 1956.
Em todo caso, não podemos refazer a história e temos de olhar para a frente
e não para trás. E hoje considero o totalitarismo (comunista, fascista ou
neofascista) muito mais corruptor do que o liberalismo. Pode-se viver, num
regime liberal; a vida é insuportável num regime totalitário, seja êle qual
fôr. Eis por que a maior ameaça que pesa sôbre nós não é tanto a volta ao
século XIX, como a corrupção do século XX pelo espírito fanático, que o
cno Direito e nem na Liberdade. (Nota de 1948). É o que os últimos oito
anos têm confirmado de modo exuberante. (Nota de 1956)
516
Enquanto na edição de 1932 equiparava os erros dos liberais aos dos comunistas,
aproximando-se dos regimes de direita, nas edições posteriores se corrigiu, afirmando: “Hoje
considero o totalitarismo de Direita tão opressivo, tão anticristão, tão errado, como o extremo
512
LEÃO XIII (PAPA). Immortale Dei: sobre a constituição dos Estados (1885). São Paulo: Paulinas, 1965.
513
ATHAYDE, Triso de. Indicações. A Ordem, Rio de Janeiro, n.10, p. 189-198, dez.1930. p. 193.
514
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 40.
515
Id., ibid., p. 40-41.
516
LIMA, Política, 1956, p. 98.
oposto. A Reação se equiparou à Revolução”.
517
Na obra Indicações Políticas (1936), composta por artigos escritos antes de 1936,
observava que o mundo, logo a sociedade brasileira, vivia um momento de transição, em que
o liberalismo burguês agonizava. O momento histórico era marcado pela ascensão das classes
trabalhadoras no ambiente político, o que também deveria acontecer em termos econômico-
sociais; somente assim, pois, evitar-se-ia a ascensão do comunismo no Brasil. Na mesma
obra, cronologicamente identificada com a fase em que estava mais próximo do pensamento
autoritário, dizia que muitos católicos não aceitavam esses fatos, pregando uma espécie de
anacronismo social, que, para ele, foi um dos piores venenos daquele período
518
. Embora
antecipando um pico que discutiremos a seguir, julgamos importante destacar que “Dr.
Alceu enfatizava que o melhor antídoto para o comunismo era combater suas causas.
Desde fins da década de 1930, assistimos a certa mudança em seu posicionamento. As
justificativas para essas alterações são muitas, mas passam essencialmente pela influência de
Jacques Maritain, pela eclosão e pelo desfecho da Segunda Guerra Mundial e pelos rumos que
tomaram os totalitarismos de direita. Acreditamos, todavia, que ele manteve certos aspectos
conservadores em meio à indiscutível “evolução progressista. Sua postura diante da
democracia liberal (capitalismo burguês) parece ter mudado mais do que sua visão acerca do
comunismo soviético.
Convencionalmente, seu pensamento é dividido em duas fases. A primeira é
caracterizada por sua proximidade com a autoridade (sua aproximação ao fascismo). A
segunda seria aquela em que se encontrava mais próximo da liberdade. Até então, procuramos
limitar nossa abordagem à fase inicial, recorrendo, em alguns momentos, à “idade” posterior.
Agora, portanto, tentaremos compreender como se posicionou diante do liberalismo burguês e
do comunismo na segunda fase de seu pensamento.
A diferenciação entre pessoa e indivíduo é algo que permeia as duas fases de sua obra.
A fim de compreendê-la, notamos que a busca por parâmetros de diferenciação para esses
dois termos o aproximou de Jacques Maritain. Em 1931 Maritain parecia ajudá-lo no
entendimento desse problema.
‘O nome de pessoa é reservado às substâncias que possuem essa coisa
divina, o espírito, e que por êsse motivo constitue, cada uma delas, um
mundo superior a toda a ordem dos corpos, um mundo espiritual e moral
que, para falar com propriedade, não é uma parte do universo... O que faz da
517
Id., ibid., p. 100.
518
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p.104.
sua dignidade, o que faz da sua personalidade, é precisamente a subsistência
da alma espiritual e imortal e sua independência dominadora em face de
todas as imagens fugazes e de todo o maquinismo dos fenômenos sensíveis...
o nome de indivíduo, ao contrário, é comum ao homem, ao animal, à planta,
ao micróbio e ao átomo... de modo que, na qualidade de indivíduos, nós o
somos senão um fragmento de matéria, uma parte desse universo, sem
dúvida, mas sempre uma parte apenas, um ponto dessa rede imensa de fôrças
e influências, físicas e cósmicas, vegetativas e animais, étnicas, atávicas,
hereditárias, econômicas e históricas, a cujas leis estamos submetidos. Como
indivíduos, somos subordinados aos astros. Como pessoas, nós os
dominamos’.
519
Alceu Amoroso Lima reconheceria que sempre encontrou em Maritain a combinação
harmoniosa entre o espírito de distinção e de união (variedade na unidade)
520
. Isso nos leva a
crer que “estava” com Jacques Maritain desde sua conversão.
No primeiro volume do livro Pela Cristianização da Idade Nova (1932), cujo título
inicial foi Elementos da Ação Calica, ressaltava que o indivíduo estava submisso ao
determinismo das leis que regia a vida na ordem natural. Algo muito semelhante ocorria no
campo social, em que as partes eram subordinadas ao todo, que as anulava. Referia-se,
respectivamente, às sociedades burguesa e comunista. Em contraposição ao individualismo e
ao coletivismo, ambos massificantes, propunha uma espécie de personalismo.
A pessoa é, em nós, o que permanece, o que forma a continuidade do nosso
ser, o que é livre em face do determinismo das leis biológicas, o que
representa realmente a forma substancial da nossa vida e para o qual existe a
sociedade, que não é um fim em si, mas um meio para a melhor realização
do seu destino imortal.
521
Enquanto na ordem capitalista existia variedade, mas faltava justiça social, no
comunismo o direito à diferença era atropelado em prol da justiça social e o progresso pessoal
era sacrificado em nome do progresso social. Dessa forma, nos dois casos se sacrificava ora a
unidade, ora a variedade
522
. Esses dois extremos culminavam na restrição da personalidade
humana, fosse pelo abuso da liberdade, ou pela sua supressão. Era preciso o senso de
personalidade para salvar o indivíduo da submissão ao Estado, e era necessário o senso de
sociabilidade para proteger o Estado da fragmentação individualista
523
. Não se podia
519
MARITAIN, 1925 apud ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 77-78.
520
ATHAYDE, Tristão. Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 91-115, fev. 1945. p. 103.
521
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 1), 1946, p. 54.
522
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 43 e 125. LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961,
p. 175.
523
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 108.
confundir a massa (negação prática da personalidade) com a sociedade (elevação prática da
personalidade, pelo estímulo, pelo contacto, pelo bem viver, que a vida social e cultural
traz consigo).
524
A partir de um estudo sobre o direito moderno, “Dr. Alceumostrou que a fonte do
direito o é o Estado, mais sim a pessoa. Para explicar o processo que submeteu o direito a
uma classe (burguesia ou proletariado), em detrimento das pessoas em geral, denunciava que,
depois da Revolução Francesa, o direito perdeu sua ligação com os costumes comuns, as leis
passaram a ser feitas e refeitas pelo grupo que estava no poder. Baseando-se na sociedade
medieval, observou que ali a legislação não era vista como uma imposição (forma de
dominação), pois, diferentemente do direito moderno, fazia parte da tradição comum.
‘Todo direito consiste na aplicação de uma regra única a pessoas diferentes,
a pessoas que, de fato, não são nem idênticas nem iguais. Por isso, o ‘direito
igual’ equivale a uma violação da igualdade e da justiça’.
525
Ao discutir a necessidade, ou não, da existência de um espírito pan-americano, “Dr.
Alceu”, provavelmente vislumbrando a ameaça cultural norte-americana, ponderava que mais
que um pan-americanismo era preciso defender um poli-americanismo, uma espécie de
doutrina favorável à exaltação das peculiaridades de cada nação americana. Dessa forma, os
diferentes povos desse continente manteriam uma unidade que não feria a variedade, a
personalidade de cada povo. Assim, a influência do catolicismo em boa parte das nações
latino-americanas não seria colocada em risco, evitando-se, também, a expansão do
protestantismo e do American way of life
526
. Este representava o que chamou de
yankismo, uma filosofia que não correspondia ao verdadeiro espírito norte-americano. No
yankismo prevalecia a idéia do “self made man”, cujo individualismo virava as costas para
o sobrenatural (católico).
Essa filosofia da vida, que a civilização americana procura converter em
cultura nova, é justamente o yankismo, contra o qual devemos defender o
nosso próprio ‘way of life’, como por se diz, sem ressentimentos nem
complexos de inferioridade.
527
No âmbito sociológico, essa filosofia de vida era permeada por três aspectos: o culto à
524
LIMA, Alceu Amoroso. Meditação sobre o Mundo Moderno. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942. p. 34.
525
LÊNIN apud LIMA, Alceu Amoroso. Introdução ao Direito Moderno. 2. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 1961.
p. 46. (1.ed. 1933)
526
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933.
527
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 195.
ciência, a democracia e a crença na evolução (culto ao progresso)
528
. Além disso, nessa
concepção o “herói” é o homem que venceu, enquanto no catolicismo persiste certa
“dignificação da pobreza”. Como veremos adiante, “Dr. Alceu” passaria a defender a
vinculação entre o cristianismo e a democracia, o que se configurava como mais um motivo
para criticar a democracia norte-americana.
529
Se o nosso destino, no culo XX, fosse a escolha entre o totalitarismo e o
yankismo, não vejo motivos para optar. Tudo o que nos parece tornar a vida
digna de ser vivida está além e para cima, tanto de um como de outro.
530
Em 1943, Triso de Athayde escreveu Mitos de nosso tempo, no qual constatava que
a luta pela riqueza constituiu-se em um autêntico mito durante o predomínio burguês. No
entanto, o que o autor execrava nesse mito era o enriquecimento individual sem a
contemplação do bem comum, a transformação da riqueza em um fim, sem perceber que ela
deveria ser um meio
531
. Assim como Plínio Corrêa de Oliveira (embora este seja mais
enfático), insinuava que a Maçonaria estava por trás da “doentia” democracia burguesa.
Gradualmente, passou a defender uma nova versão de democracia, ligada à concepção
cristã de vida. Em nota às reedições da obra Política (1932), ressaltou o peso da variação
temporal (1930 a 1950) no uso que fez do termo democracia.
Como se vê, o autor empregava em 1932 o têrmo democrático como regime
essencialmente ligado ao liberalismo filosófico e ao capitalismo econômico.
Era um êrro de terminologia que convém sempre corrigir. Como acima,
dissemos, a democracia, como regime político, nada tem a ver,
necessariamente, com o liberalismo filosófico e o capitalismo econômico. E
o movimento de restauração democrática que devemos empreender, na
defesa das liberdades humanas cada vez mais ameaçadas, é precisamente no
sentido de libertar a democracia das falsas filosofias da vida a que os
equívocos do século passado, por culpa dos próprios católicos quase
sempre, a tinham ilegitimamente amarrado. (Nota de 1948)
532
Somos democratas, mas não contratualistas, pois a verdadeira democracia
nada tem a ver com uma filosofia social contratualista, que está em
desacordo, para nós, com a verdadeira natureza do homem e da sociedade e
por isso a rejeitamos sem rejeitar a democracia. (Nota de 1948)
533
528
Id., ibid., p. 204.
529
SHEEN apud LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p.206.
530
Id. ibid., p. 215.
531
LIMA, Alceu Amoroso. Mitos do nosso tempo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1943. p. 58-59.
532
LIMA, Política, 1956, p. 41.
533
Id., ibid., p. 24.
Podemos dizer que Tristão de Athayde não marchou gradualmente rumo à
democracia; ele apenas encontrou um novo significado para a mesma, fruto da influência de
Maritain e dos novos rumos que tomaram os totalitarismos de direita. Em 1930, contudo,
deixava claro que a democracia burguesa não era a verdadeira democracia, mas, sim, uma
espécie de absolutismo do povo, no qual o sufrágio universal agia como uma ditadura da
maioria
534
. Condenando a absolutização dessa democracia, lembrava que o erro dos
democratas foi querer fazer do povo o soberano absoluto. O povo era soberano, mas sua
soberania devia ser relativa, pois na “terra não há soberanias absolutas”.
535
O interessante é que ele antecipa alguns pressupostos que Maritain defenderia em
Humanismo Integral (1936). Isso pode ser percebido ao ressaltar como a democracia
burguesa se corrompeu.
Essa lei da maioria numérica occasional, desligada de toda finalidade moral
(como seria uma organização cristã) ou social (como seria uma organização
marxista) esse anti-finalismo político da burguesia, além de converter a
democracia sonhada, numa oligarquia real, introduz na sociedade um germe
de dissociação perigoso: o amoralismo político e jurídico.
536
Na década de 1940, manteria sua condenação à democracia burguesa, equiparando-a
aos regimes totalitários.
O número é um mito mortal. Foi ele que transformou a democracia em
totalitarismo. Se o resultado da Guerra fosse apenas uma volta à Democracia
Liberal o imenso sofrimento do mundo moderno teria sido em o. a
qualidade e o o número pode medir o valor de tudo o que se refere ao
homem e à sociedade. A democracia meramente opinativa é a morte da
verdade pelo mero. E o número se exprime sempre pela violência. um
totalitarismo democrático, de que os demagogos se servem sob a invocação
enfática de Democracia pura e simples, que ameaça sempre, em todas as
sociedades, tragar as mais intangíveis liberdades humanas.
537
Política ou economicamente falando, a democracia liberal havia-se convertido em um
processo que levava ao domínio de uma oligarquia. A maioria numérica que praticava o
sufrágio universal acabava desembocando em um governo de minorias. E o pior é que as
minorias que governavam, em geral, não eram qualitativamente superiores
538
. Vale lembrar
534
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 140.
535
LIMA, Política, 1956, p. 65.
536
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 138-139.
537
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 179-180.
538
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 2), 1946, p. 150.
que muitos ligam Jacques Maritain ao progressismo e à esquerda, mas se esquecem de que
seu conceito de democracia (que influenciou “Dr. Alceu”) mantém considerável dose de
hierarquia e de autoridade. Afinal a autoridade asseguraria a “liberdade e a unidade na
variedade”.
Quanto ao princípio de autoridade [...] Ensina-nos a exigir a existência de
um Estado forte e organizado, que o se coloque como agressor da
liberdade em nome dela, como faz o Estado ditatorial moderno, mas que
saiba coordenar e conduzir a nação, unindo-a e dirigindo-a para sua
finalidade natural. O desrespeito à autoridade tem sido o veneno de tôdas as
sociedades modernas. Contra a autoridade de Deus, contra a autoridade da
Igreja, contra a autoridade da Família, contra a autoridade dos direitos
naturais do Homem, tem-se insurgido o mundo moderno. E o resultado é a
anarquia, o ceptismo ou a volta às tiranias improvisadas, em que vivemos
hoje em dia.
539
A autoridade, assim como a liberdade, devia ser encarada como um meio e não um
fim. A finalidade devia ser a justiça, o bem comum. Isso porque “a aristocracia não é
privilégio e sim seleção”
540
. Dessa maneira, percebemos que a segunda fase de seu
pensamento é marcada pela busca de um equilíbrio entre a liberdade e a autoridade. Tal
equilíbrio, em um primeiro momento fora rompido em prol da liberdade, mas, na década de
1940, pendia para a autoridade; d suas intervenções, nas duas ocasiões, em sentido
contrário.
Considerando a Igreja Católica como a grande humanizadora do Ocidente, logo o
antídoto aos totalitarismos, Alceu Amoroso Lima expunha que a verdadeira democracia
(cristã) era o regime político por excelência.
541
Na hora em que um vendaval de Fanatismo Esquerdista amea varrer o
velho continente, como reação contra o incêndio de Fanatismo Direitista ali
ainda não definitivamente apagado, considero, a voz de Maritain, sua
orientação tradicional e sua sensibilidade ao apêlo das exigências mais atuais
do homem moderno e da nova sociedade revolucionada pela guerra, como
sendo verdadeiramente providencial.
542
Em Política (1932), notas de 1948 e 1956, admitiu que com o tempo foi apurando seus
conceitos sobre socialismo e democracia. Na mesma obra, salienta que as reações que teve
durante certo período contra a inclinação moderna ao socialismo, crescentemente comunista,
539
LIMA, Política, 1956, p. 149.
540
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 177-178.
541
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 245.
542
ATHAYDE, Tristão. Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 91-115, fev. 1945. p. 114.
foram de caráter histórico, como a simpatia que admitiu ter tido em relação ao fascismo e ao
Integralismo.
Na análise de suas obras, notamos que, na primeira metade da década de 1930, ele
separava o socialismo em duas correntes: uma caracterizada por uma filosofia geral de vida; a
outra, por uma concepção econômica. Desde então, defendia que o erro dos socialistas não
estaria nas reivindicações econômicas que faziam, mas em sua concepção filosófica
antipessoal, antimoral, puramente material e técnica, e, acima de tudo, antiespiritual. “Esse é o
grande mal do socialismo e não o seu ideal de justiça econômica, que é o mesmo do
christianismo”.
543
No fundo da ideologia socialista o que há é justamente a revolta contra as
desigualdades sociais, o anseio de aumentar a felicidade do homem sôbre a
terra, o desejo de impedir a exploração das classes inferiores da sociedade
em benefício das classes superiores, a proteção dos chamados produtores
contra os abusos dos chamados parasitas.
544
João Azeredo Santos, na revista Vozes de Petrópolis, condenou sua postura diante do
socialismo. Segundo ele, ao separar o aspecto econômico da filosofia de vida socialista, o “Sr.
Tristão de Ataíde procura salvar o socialismo das condenações pontifícias”.
545
No entanto, assinalando uma falta de terminologia comum para o termo socialismo,
“Dr. Alceu” mostrava que, em 1924, um economista inglês, Dan Smith, encontrou 261
definições diferentes para o termo. Igualmente, Sombart, em um período próximo, teria
encontrado 181 resultados distintos
546
. Pautado nesses estudos e na obra O socialismo de
Perillo Gomes, constatava que o socialismo e o catolicismo possuíam pontos convergentes,
principalmente o ideal de uma sociedade mais justa, socialmente falando.
Condenava a violação do direito da pessoa humana, o ateísmo materialista, o uso da
violência e a luta de classes na filosofia socialista. Não podemos nos esquecer de que, para
ele, “a revolução é a mais grave das anomalias interiores de uma nação”
547
, possuindo uma
lógica diabólica e antiespiritual
548
. Mesmo com o transcorrer dos anos, mostrar-se-á contrário
ao comunismo, ou socialismo, que se caracterizasse como uma filosofia geral de vida.
543
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 195.
544
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p, 264.
545
SANTOS, João de Azeredo. O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, 1950, p. 488.
546
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 41.
547
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 135.
548
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 23.
A grande força do mito comunista e da mística revolucionária comunista,
cuja história hoje constitue talvez o capítulo mais rico e mais variado da
formação social contemponea a grande força do comunismo é se ter
transformado num ideal, num mito, numa mística das massas. Não se trata
de um sistema político-econômico e sim de uma filosofia geral da vida.
Mais do que isso, trata-se de uma nova religião. Trata-se de um apelo ao
homem integral, a todas as modalidades de sua vida. Trata-se de uma
refusão completa da sociedade, cuja força está nas injustiças incontestáveis
da sociedade burguesa e capitalista assim como no aceno a uma felicidade
futura conquistada pela transmutação do regime político-social dominante.
549
A partir de meados dacada de 1930, começava a identificar novas formas de
socialismo. Desde então, seus trabalhos mencionam a existência de um “socialismo
democrático ou humanistaque se opunha ao socialismo comunista. Ambos identificados,
respectivamente, como reformista ou moderado (anti-soviético) e soviético (virulento e
totalitário)
550
. Este, “verdadeiramente comunista”, havia extirpado totalmente sua fonte
liberal, comportando-se de maneira errônea em relação à religião. Já o primeiro seria apenas a
“ala esquerda do liberalismo”, um “socialismo manso” que tratava a Igreja e a religião
praticamente como os regimes liberais republicanos.
551
O chamado socialismo democrático, que não existia em 1932, ao ser
redigido êste livro [Potica], é uma tentativa de arrancar do socialismo as
tendências ditatoriais, estatistas, antiespirituais e particularmente anticristãs,
para defender a justiça social, sem o abandono da liberdade. o
partilhamos de sua doutrina, mas reconhecemos o fato.
552
(Nota de 1948)
E à medida que o socialismo marxista foi assumindo, particularmente depois
de Lênin e de Stalin, um aspecto rigidamente totalitário, absolutista e
antidemocrático um elemento de liberdade e de humanismo se introduziu
no corpo do socialismo tradicional, ou impediu, como no caso do
trabalhismo inglês, que se confundisse socialização da produção ou
nacionalização das indústrias básicas, com a estatização e o absolutismo
autocráticos que assumiu o socialismo soviético ou balcânico. Hoje, na
Europa, o socialismo autêntico é tão anticomunista como o liberalismo.
553
Embora também escrevesse na revista Vozes de Petrópolis, Alceu Amoroso Lima era
constante alvo de críticas e ofensas nessa revista durante a década de 1940. Em uma destas
ocasiões fora intitulado (em virtude do posicionamento acima descrito) de adepto do
549
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 104-105.
550
ATHAYDE, Tristão de. A Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem, Rio de Janeiro, n.66, p. 103-113, ago.
1935.
551
ATDE, Tristão. O estado e a religião no século XX. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura,
Petrópolis, s/n, p.288-300, jan./jun.1935. p. 295.
552
LIMA, Política, 1956, p. 93.
553
LIMA, Alceu Amoroso. Mensagem de Roma. Rio de Janeiro: AGIR, 1950. p. 33.
socialismo fabiano, opção política que Azeredo Santos considerava um erro duplo, pois,
assim como um católico não podia ser socialista, o socialismo não apresentava subdivisões.
Além disso, o socialismo fabiano era encarado como uma espécie de socialismo
evolucionista, promovido por vias legais e administrativas, o que não ocorria por questão de
princípios, mas por questão de tática.
554
O fabianismo, [...] foi instituído ‘para salvar o socialismo e o comunismo
das barricadas, da pseudo democracia do sistema partidário, da confuo das
ortodoxias tradicionais do anti-clericalismo, do republicanismo
individualista e do anarquismo da classe média, em resumo para torná-los
um movimento constitucional no qual os mais respeitáveis cidadãos e
famílias possam alistar-se, sem abrir mão de sua posição social ou
espiritual’.
555
Segundo esse colaborador da revista franciscana, o fabianismo (trabalhismo) era
apenas um disfarce do comunismo, mas constituía grande perigo, pois seus membros eram
mais velhacos” que os “verdadeiroscomunistas, pregando sua doutrina à surdina, sem bater
de frente, principalmente, com a Igreja Católica
556
. Plínio Corrêa de Oliveira somava-se
àqueles que viam em toda espécie de socialismo um mal comum. Para ele, o partido
trabalhista inglês não se apresentava como partido socialista para não angariar animosidades,
mas exaltava que sua ascensão ao poder significaria a perpetuação do totalitarismo, travestido
de novas formas
557
. Segundo os integristas, esse socialismo evolucionista não deixava de ser
violento.
E quando se fala em violência, não se trata apenas do assalto a mão armada
da iniciativa privada, como no caso da Rússia soviética, mas também do
assalto por meio de leis e decretos ou por medidas administrativas e fiscais,
como no caso do socialismo fabiano do Partido Trabalhista britânico.
558
Sobre as diferenças entre o socialismo de alguns países europeus e o comunismo,
Carlos Lacerda dizia que, embora menos agressivo, o primeiro era tão obsoleto quanto o
segundo. “O novo socialismo não tem fetichismo do Estado e se informa na fonte cristã da
vida social. Socializa os meios de que se utiliza o homem mas não o próprio homem”.
559
Havia aqueles, como José Fernando Carneiro, que compactuavam com Alceu
554
SANTOS, João de Azeredo. Totalitarismo Revolucionário e Totalitarismo Evolucionista, 1949, p. 521.
555
Id., ibid., p. 523.
556
Id., ibid., p. 528-529 e 532.
557
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.675, 15 jul. 1945.
558
SANTOS, O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, 1950, p. 491.
559
LACERDA, Carlos. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 29/04/1947, CAALL.
Amoroso Lima (sobretudo colaboradores da revista A Ordem), observando que o socialismo
não-comunista deveria receber a atenção dos católicos. Se seus adeptos resistiram ao teste de
conservar-se sem marchar para o stalinismo, ele se sentia impelido a dizer que “êsse socialista
é apenas um católico que se ignora, uma alma cristã que precisa tomar conhecimento de sua
verdadeira natureza”.
560
Embora vislumbrasse novas formas de socialismo, “Dr. Alceu manteve seu
posicionamento em relação ao regime soviético, postura que pôde ser percebida em 1937,
quando reprovou o fato de Sobral Pinto ter aceitado ser advogado de Luís Carlos Prestes.
Mesmo respeitando a opção de seu amigo advogado, questionava-o se havia se esquecido de
que Prestes tentara implantar no Brasil um regime social, total ou parcialmente anticristão e
antibrasileiro”. Segundo ele, Getúlio Vargas havia prestado grande serviço ao Brasil ao reagir
contra os comunistas, e os católicos deviam perdoar-lhe muitas coisas em razão dessa atitude.
Aquela causa não pertencia aos católicos, portanto Sobral Pinto não tinha motivo para atendê-
la. Mantendo tal postura, o máximo que conseguiria seria escandalizar os meios católicos e
fortalecer os adversários da Igreja.
561
Por mais que admire, pois, a beleza, o desinteresse, o cavalheirismo, a ética
profissional de seu gesto não posso deixar de comunicar-lhe a desaprovação
a uma atitude que implica, afinal, uma colaboração com a impiedade e o
erro, com a implantação, no Brasil, de um regime político em que tudo o
que é de mais sagrado desaparecerá, em que a honra das mulheres será
manchada e a dignidade dos homens conspurcada, em que a paz do Cristo
será substituída pelo guante de Stálin.
562
Em 1942, Jorge Amado pedira a Sobral Pinto para que fizesse chegar a Luís Carlos
Prestes, ainda preso, a biografia que escrevera sobre o mesmo, cujo título era Vida de Luís
Carlos Prestes. Ao responder ao pedido, embora dissesse que o tentaria atender, Sobral Pinto
reclamava de Jorge Amado, dizendo que o livro fazia muitas críticas aos católicos, ferindo-o e
deixando-o em uma situação desagradável, pois muitos católicos o haviam ajudado a prestar
socorro a Prestes e a outros comunistas perseguidos pelo Estado Novo.
563
560
CARNEIRO, José Fernando. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 25/03/1947, CAALL.
561
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Sobral Pinto. Rio de Janeiro, 15/01/ 1937, CAALL.
562
Id., ibid.
563
S/autor. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 29/10/1942, CAALL. Esta carta, embora não
esteja assinada, foi escrita por Sobral Pinto e endereçada a Jorge Amado. Foi encontrada, contudo, na Pasta
de Jorge Amado e Zélia Gatai. Acreditamos que Sobral Pinto tenha enviado uma cópia da mesma a Alceu
Amoroso Lima.
Para a edificação, cabe-me dizer-lhe que, nas horas amargas que tive de
atravessar, por causa da fidelidade aos meus deveres profissionais no
processo contra os comunistas, os primeiros gestos de solidariedade, firmes e
intransigentes, que recebi fôram de católicos como Alceu Amoroso Lima,
Hamilton Nogueira, Affonso Penna Júnior, Padre Leonel Franca, e tantos
outros que seria fastidioso aqui enumerar.
564
Ao se pronunciar dessa maneira, indicava que Alceu Amoroso Lima não ficou
indiferente ao seu ato, o que, de certa forma, contradiz a fala do líder do laicato católico,
citada acima. Entretanto, sugere que nosso protagonista já se colocava em uma posição
progressista e de diálogo, desde fins da década de 1930. Continuava, todavia, contrário ao
socialismo soviético; mesmo desejando a vitória dos Aliados durante a Segunda Guerra
Mundial, torcia para que a Alemanha destruísse a União Soviética antes de ser derrotada.
Creio que os interesses da civilização estão pedindo hoje, em primeiro lugar,
a derrota da Rússia pela Alemanha, pois a máquina militar nazista tem
fôrça para liquidar a máquina militar soviética. E o esmagamento do
comunismo será um bem inapreciável para a civilização. Como o será,
depois, a derrota da Alemanha pelo novo eixo Londres-Nova York, isto é,
pela coligação das forças navais, aéreas e industriais anglo-norte americanas,
únicas capazes de liquidar com a máquina militar nazista, esgotada pela luta
de morte contra os exércitos comunistas.
565
Para mostrar que sua posição diante do comunismo manteve aspectos comuns,
reproduziu, na revista A Ordem, em 1950, um artigo que havia sido publicado em 1928 na
mesma revista. Nele constatava que para “evitar a ditadura do proletariado é preciso
começar por impedir a exploração do proletariado”
566
. Também encontramos essa concepção
em alguns de seus trabalhos que datam de meados de 1930, nos quais mencionava que: “Só
um meio de impedir esse curso catastrófico da história: arrancar ao proletariado os motivos
justos de sua revolta...”
567
E a grande arma construtiva contra a revolução está, sobretudo, em impedir
que à causalidade revolucionária política, que é inevitável, mas que por si só
não chega às grandes subversões de regimes, – se venha somar a fôrça
invencível da grande causalidade revolucionária social.
E a maior dessas rças revolucionárias sociais [são] as crises econômicas e
trabalhistas.
568
564
S/autor. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 29/10/1942. CAALL.
565
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 173.
566
LIMA, Alceu Amoroso. O escotismo na indústria. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 54-65, jan./feb. 1950. p.
58.
567
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 185.
568
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 135.
Dialogando com Tristão de Athayde, Van Acker dizia que os comunistas eram
realmente perigosos agentes moscovitas totalitários e que a política intercontinental de
Moscou não era “conto de fadas”. “Mas creio também que os católicos brasileiros não ousam
reconhecer a parte de verdade no comunismo, embora o façam tão prontamente para o
capitalismo liberal”. Deixava claro que a propriedade privada não podia ser abolida, mas
alguma providência distributiva devia ser tomada, senão o totalitarismo comunista em breve
bateria em nossa porta
569
. Salientava ainda que concordava plena e profundamente com o “Dr.
Alceu sobre “a necessidade de integração pacífica da Revolução Russa dentro do
cristianismo”
570
. Orlando Gáudio também caminhava nessa direção, notando que o problema
social, bastante grave no Brasil, criava um “clima favorável ao proliferar desabrido da Praga
de Moscou”.
571
Como indicamos acima, mesmo nos anos iniciais de sua conversão, “Dr. Alceu
aceitava como justas algumas teses levantadas pelos socialistas, defendendo a necessidade de
uma reforma social que atendesse à distribuição mais justa dos valores, impedindo as
usurpações exageradas e indébitas
572
. Segundo ele: “A experiência socialista, na Rússia, se foi
um fracasso moral e político lamenvel, foi um êxito econômico incontestável”
573
. Não
condenava o socialismo, mas encarava-o como uma reação ao liberalismo burguês que havia
se separado das fontes cristãs.
E reagindo [o socialismo] veio restaurar, embora numa base materialista, o
que afirmou sempre a justiça social-cristã. Daí o motivo do nosso encontro,
com os socialistas, na parte crítica de sua doutrina. O que o socialismo tem
de bom é uma volta ao cristianismo, através das ruínas do individualismo
liberal burguês e da traição dos próprios cristãos.
574
Essencialmente a partir de 1940, ganharam intensidade no meio católico as pomicas
relacionadas às denúncias de que Dr. Alceuteria sucumbido à política da o estendida”.
Coincidindo com o momento em que ele denunciava a existência de um “socialismo
democrático, o qual a Igreja deveria complementar a fim de cristianizá-lo, como havia
tentado, sem êxito, com o capitalismo
575
. Na correspondência que manteve com Van Acker,
rebatia as acusações que sofrera dizendo que não havia nenhum espírito colaboracionista,
569
ACKER, Leonardo Van. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 09/04/1946, CAALL.
570
ACKER, Leonardo Van. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 03/07/1945, CAALL.
571
GAUDIO, Orlando. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima,o Paulo, 27/07/1947, CAALL.
572
LIMA, Alceu Amoroso. O socialismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 62-79, jan. 1936. p. 74.
573
LIMA, Mensagem de Roma, 1950, p. 69.
574
LIMA, Política, 1956, p. 147.
575
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 175.
nenhuma “política da o estendida”. “Pelo contrário, há uma viva repulsa ao comunismo
ateu, o mais grave êrro da civilização, anti-cristã, etc”.
576
Em carta endereçada a vários católicos, Jorge Amado pedia para que eles e os
comunistas deixassem suas diferenças ideológicas de lado e se unissem na luta contra as
forças demoníacas do nipo-nazi-fascismo
577
. Aristides Lobo, por sua vez, dizia-se convencido
de que a grande tortura interior em que vivia Alceu Amoroso Lima residia no pressuposto da
incompatibilidade, que considerava artificial e falsa, entre o catolicismo e o marxismo. “O Sr.
enxerga, como eu, que é perfeitamente exeqüível um acordo entre os dois sistemas, pelo
menos no campo da luta social”
578
. Indicando diferentes socialismos, concluía que o
catolicismo passava por um processo análogo ao mesmo.
O marxismo vem sofrendo, por parte do bolchevismo staliniano instalado em
Moscou, um fenômeno análogo ao que se observa com o cristianismo e que
Pio XII tão bem definiu em sua mensagem de Natal:
‘A Humanidade criou um novo Cristianismo, baseado em sua própria
imagem e um novo ídolo que não pode salvar e o pode fugir aos pecados
da carne e de cujos olhos e o brilho da prata e do ouro não se afasta. A nova
Religião é sem alma e as novas almas que surgiram são sem religo. Elas
são a própria máscara do Cristianismo sem o espírito de Cristo.
579
Aristides Lobo, como Jorge Amado, propunha um acordo entre comunistas e
católicos; para que essa “união” ocorresse, ressaltava que ambos deveriam deixar de lado
alguns preceitos: os calicos, a idéia de ateísmo comunista e os comunistas deveriam
respeitar a religião católica.
Alceu Amoroso Lima acreditava que os católicos deveriam tratar todos como irmãos,
estreitando junto ao peito, de maneira fraterna, os mais irreconciliáveis inimigos. Porém
mostrava que tal postura, de certa maneira, era constrangedora, pois muitos não entendiam o
sentido puramente humano e individual deste ato, “em que devemos aceitar as mãos que se
nos estendem, sem qualquer confusão ‘ideológica’, justamente porque para nós a idéia é o que
provoca o gesto e não o contrário”.
580
576
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Leonardo Van Acker, s/local, 15/04/1946, CAALL.
577
LIMA, Alceu Amoroso Lima. Carta enviada a Jorge Amado, Rio de Janeiro, 27/11/1942, CAALL.
578
LOBO, Aristides. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, Janeiro de 1942, CAALL. Não
identificação do remetente, mas deduz-se que fora enviada por Aristides Lobo, pois, além de estar na pasta de
correspondências enviadas pelo mesmo, possui o mesmo endereço de outras cartas assinadas por ele (que
datam de 1948).
579
Id., ibid.
580
LIMA, Alceu Amoroso Lima. Carta enviada a Jorge Amado, Rio de Janeiro, 27/11/1942, CAALL.
[...] não podemos nos esquecer de que a política da famosa main tendue’
representa uma aliança impossível entre atitudes substancialmente
irreconciliáveis. Entre comunismo verdadeiro e verdadeiro catolicismo existe
uma barreira instransponível de princípios irredutíveis. Se cada um de nós
fôr fiel, como somos, ao que cremos, o nos é possível uma aliaa, nem
mesmo temporária, sem uma traição ao que devemos ter de mais profundo
entre nós – a fidelidade ao que acreditamos ser verdade.
581
(grifo do autor)
Segundo Tristão de Athayde, o comunismo ainda iria aderir ao projeto de uma Nova
Cristandade (Idade Nova) que estava por nascer. Embora os católicos não pudessem travar
aliança com os comunistas, estavam igualmente na torcida pelo fim do imperialismo
totalitário, também identificado ao regime soviético. Mesmo não compactuando com os
comunistas, enquanto militantes, ressaltava que os respeitava enquanto pessoas.
582
Longe, portanto, de ter havido em minha atitude qualquer mudança, como
fez crer sua carta, continuo na mesma posição de sempre, desde a conversão,
colocando-me com a cruz contra qualquer mbolo que a contradiga e se
minha modesta qualidade de escritor não pode separar-se de minha qualidade
de católico, não vejo como esquecer essa contradição para uma marcha
comum, que seria um equívoco e uma ilusão.
583
(grifo do autor)
Para Azeredo Santos, entretanto, esse posicionamento representava a distorção da
doutrina católica, aproximando-se mais do comunismo que da Igreja
584
, opção político-
religiosa que era reforçada pelo jornal Legionário.
Se analisarmos mais exatamente as convicções e tendências de tais
católicos, não tardaremos em ver que, em grande número de casos, eles
são, ao mesmo tempo que muito pessimistas e severos no que toca à
Igreja, muito otimistas e indulgentes no que toca ao comunismo. Eles
aceitam com surpreendente facilidade a afirmação de que na URSS tudo se
encaminha no sentido de uma maior compreensão da Religião, e não
ocultam suas esperanças de que o regime russo, evoluindo do
comunismo ao socialismo, acabe por se encontrar com o Catolicismo em
um terreno conciliatório.
585
(grifo do autor)
Ao tecer consideráveis críticas ao “Dr. Alceu” e à filosofia maritaineana, Azeredo
Santos exaltava que a Igreja Católica o era uma “trepadeira”, que outrora se acomodara
com o liberalismo e, então, apoiar-se-ia no socialismo, como queriam alguns católicos.
581
Id., ibid.
582
Id., ibid.
583
Id., ibid.
584
SANTOS, O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, 1950, p. 487.
585
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Um importante artigo no “Obsservatore”. Legionário, São Paulo, n.708, 3
mar.1946.
Diferentemente de seu opositor, que delimitava três posições frente ao comunismo (a política
da indistinção, a política reacionária e o farisaísmo), acreditava ser necessário marcar a
incompatibilidade radical de princípios entre o socialismo e o catolicismo
586
. Aqueles que
diziam que o comunismo não era o que fora outrora, articulando que teria evoluído para um
socialismo aceivel, nada mais faziam do que aumentar o foco “comunistóide”, dando força à
campanha vermelha.
587
Apontando essa divisão na intelectualidade católica, Gustavo Corção mencionava que,
de um lado, estavam os adeptos do CDV do Rio de Janeiro e, de outro, os calicos
radicalmente anticomunistas. Mesmo Corção, que anos mais tarde tornar-se-ia um ferrenho
integrista, posicionava-se ao lado de Alceu Amoroso Lima. Segundo ele, os anticomunistas
inviabilizavam a principal forma de combate ao comunismo.
588
Segundo o pensamento amorosiano, os adeptos da reação incorriam no mesmo erro
que os da revolução (o extremismo): o reconheciam que a racionalização e a libertação do
trabalho eram essenciais para que o labor assumisse sua característica natural (bíblica, pois
para ele o trabalho estava incluso no homem da sociedade paradisíaca não é a vida
trabalho, mas não se vive sem o mesmo). O trabalho deveria ultrapassar o instrumento, ir
além do trabalhador e produzir algo exterior ao mesmo, culminando em uma espécie de
sociedade do trabalho social, antítese de uma sociedade baseada no trabalho escravo, servil ou
proletário. Grosso modo, na sua concepção, a sociedade mundial, s-Segunda Guerra,
deixaria de ser a sociedade do capital para tornar-se a sociedade do trabalho. Em uma
perspectiva otimista, dizia-se convencido de que o socialismo de então era apenas uma etapa
entre o capitalismo e o distributismo, entre a tirania do lucro privado e o espírito de
cooperação
589
. Para que a nova organização social não ruísse, fazia-se necessária uma reforma
moral norteada pelos princípios católicos.
590
Amoroso Lima advertia as elites e os setores mais conservadores da sociedade;
alertava-os de que, ao frearem a ascensão da classe trabalhadora e travar o organismo social,
deixavam uma única saída aos proletários: a revolução. Ao denunciar que o catolicismo e o
conservadorismo não eram sinônimos
591
, indicava a existência de um “catolicismo burguês”
que tentara incorporar a Igreja, colocando-a à direita, como uma força social de ordem, de
586
SANTOS, O Rolo Compressor Totalitário e a responsabilidade dos católicos, op.cit. p. 486. OLIVEIRA,
Plínio Corrêa de. Ainda o comunismo. Legionário, São Paulo, n.670, 10 jun.1945.
587
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Comunismo. Legionário, São Paulo, n.551, 28 fev.1943.
588
CORÇÃO, Gustavo. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/l, 22/07/1945, CAALL.
589
LIMA, Alceu Amoroso. A Igreja e a democracia. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 11-37, jan. 1947. p. 37.
590
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 138.
591
Id., ibid., p.24 e 200.
conservação, em suma, como uma força que estaria ao lado das classes dominantes.
O mêdo nos faz prisioneiros do passado, incapazes de mudar para melhor,
tentados por tôdas as injustiças, à mercê de todos os aventureiros. O mêdo
das chamadas classes conservadoras é o que impede a conservação do que
há de melhor na sociedade moderna e vive ameaçada pela cegueira das
revoluções violentas. É o mêdo que opera esse monstruoso conluio entre a
religião, o poder e a riqueza, que é o esndalo das eras de decadência e
transição. Êsse conluio monstruoso é sempre o fruto do terror e a semente
do sangue dos justos, que pagam pelos errados, pelos covardes, pelos
reacionários. Pois o espírito de conservantismo, manejado pelo do, é a
entrada para o espírito reacionário.
592
Muitos católicos vêem na Igreja apenas uma barreira contra os reformadores
sociais. Sempre que, dentro da Igreja, um padre ou leigo, um bispo ou um
político, insistem na necessidade da Reforma Social e ousam tomar uma
atitude nítida contra o capitalismo ou contra a burguesia exploradora a favor
de uma justa reivindicação social, o mesmo clamor se levanta no meio dos
fiéis criptocomunista, assalariado de Moscou, demagogo, burguês-
progressista, utopista, herético, liberal, enfim todos os termos que impliquem
a convicção de uma traição, de uma aliança com o inimigo.
O mêdo continua a dominar.
593
Esses fatores teriam contribuído para a criação de uma mentalidade católica contrária
ao espírito de progresso social, o que reforçava ainda mais a concepção (já defendida nas
campanhas da LEC) de que a Igreja deveria ser independente em relação ao Estado, a-
partidária.
Na tentativa de prever aonde iria a sociedade da época, ressaltava a existência de
quatro possibilidades: o caminho liberal, o caminho socialista, o caminho nacional-totalitário
e o caminho cristão. Contudo, apontava para um sincretismo entre essas diferentes
possibilidades
594
, sendo a Igreja o elemento que agiria como ressintetizador.
A dissociação social e política entre extrema-esquerda e extrema-direita, que
parecia vir a ser a dominante sociológica do culo XX, está rapidamente
tendendo a um sincretismo político, que representa, aliás, uma tendência
sociológica muito antiga a inclinação natural das sociedades aos regimes
mixtos.É facto que o comunismo está entrando numa fase de transição, de
que sairá provavelmente transformado.
595
Em seu entender, no mundo da Guerra Fria, o trabalho sobrepujaria o capital por meio
592
Id., ibid., p. 29.
593
LIMA, Mensagem de Roma, 1950, p. 111.
594
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 1), 1946, p. 122. LIMA, Meditação sobre o Mundo
Moderno, 1942, p. 176.
595
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 181.
de uma “revolução” que ocorreria com, ou sem, os católicos. Essa era a justificativa usada
para explicar por que a Igreja tinha necessidade de espiritualizar o socialismo, fornecendo-lhe
certa força moral. Advertia, ainda, que se os católicos estabelecessem “alianças anacrônicas
com formas políticas ultrapassadas, de apoio a regimes econômicos caducos ou de apego a
privilégios sociais insustentáveis”
596
, isso se voltaria violentamente contra eles. Porém
lembrava: “Se avançarmos demais a Igreja nos advertirá”
597
. Posicionando-se do lado
progressista, no entanto, fazia saber que os católicos não podiam fugir ao seu dever (questão
social).
Durante a década de 1940, condenou o que chamava de anticomunismo negativo, visto
que o medo exagerado do comunismo criava uma grande onda anticomunista, que trazia
consigo o perigo de um retrocesso totalitário, ou no mínimo autoritário, um ambiente em que
as pessoas acreditavam que
[...] tudo que é anticomunista é bom, o que é uma perigosa falsidade, mas
concorreu muito, também, para a campanha vitoriosa dos fascismos,
‘faraisicamente cristãos’, nos nossos meios católicos de simpatias
totalitárias por mêdo do comunismo’. Êsse mêdo do comunismo foi uma
das perversas criações do próprio comunismo, no período em que estamos
vivendo e de que só êle beneficia, viciando as consciências e prejudicando a
obra construtiva do humanismo cristão, único capaz de vencer os males
iguais e contrários dos vários totalitarismos modernos, neocomunistas,
neofascistas e neocapitalistas.
598
(Nota de 1948)
A filosofia de vida socialista devia ser combatida; isso, no entanto, não podia ser feito
com os mesmos métodos socialistas (violência), mas, sim, lutando contra os males que
levavam o povo a aderir a essa doutrina. Segundo ele, muitos católicos reagiam erradamente
em face do movimento socialista, viam como inimigos aqueles que não aderiam à campanha
anticomunista
599
. Porém não era por ser comunista que alguém deveria ser execrado; por
isso, defendia a legalização do PCB (que deveria adequar-se à ordem pré-estabelecida)
600
,
evento que se constituía em mais um motivo para alguns colaboradores da revista Vozes de
Petrópolis fazerem-lhe oposição
601
. Estes, em vez de se preocuparem com medidas
estonteantes de caráter anticomunista, “inventando fabulosos maquiavelismos políticos e
596
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 200.
597
Id., ibid., p. 202.
598
LIMA, Política, 1956, p. 20-21.
599
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 25.
600
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Leonardo Van Acker, s/l, 15/04/1946, CAALL.
601
SOARES, Marino. Sr. Tristão de Ataíde, o Partido Comunista e a Democracia, 1948. p. 322 e 315.
econômicos”, deveriam estar lutando e pensando a favor de Cristo
602
. Depois que o PCB
retornara à ilegalidade, em abril de 1947, vale ressaltar que Tristão de Athayde alertava que
havia no ar a ameaça do retorno de uma espécie de neofascismo, fruto do alheamento da
sociedade aos valores democráticos e cristãos.
603
Ao criticar os extremismos, logo o anticomunismo, alertava, em 1942, que se a nação
“não souber comportar-se como um corpo e uma alma, na hora em que suas praias são
ameaçadas driamente pelos corsários do inimigo, iremos dar um triste espetáculo ao
mundo”
604
. Protestava dizendo que não era admisvel apregoar que “nossos inimigos
políticos, por discordarem de nossas idéias, são agentes do inimigo”
605
. No mundo do s-
guerra, os católicos deveriam conciliar os princípios que julgavam intangíveis com a
necessidade de conviver pacificamente com os homens partidários de princípios opostos. Em
um mundo democrático, a convivência dos contrários é condição para a preservação dos
valores autênticos na luta contínua contra os falsos valores.
606
Para concluir, entre 1930 e 1950, podemos dizer que Tristão de Athayde criticou tanto
o liberalismo burguês quanto o comunismo. Sua concepção em relação a ambos variou
temporalmente, porém não podemos dizer que migrou de uma posição a outra, mas, sim, que
criou seu próprio caminho. Em nosso entendimento, sempre foi contrário ao comunismo
soviético (d a diferenciação entre sistema econômico e filosofia geral de vida); teve,
contudo, discernimento para perceber as variações que esse sistema apresentou ao longo do
tempo. Foi extremamente progressista, se pensarmos na ênfase que forneceu à questão social,
mas não podemos nos esquecer de que Leão XIII, em 1891, enfatizara tal necessidade. Em
suma, Alceu Amoroso Lima foi um homem de seu tempo, acompanhando as mudanças do
mesmo e mudando de posicionamento à medida que vislumbrava algum problema em
posições anteriores. O observador mais atento, entretanto, perceberá que seu pensamento
manteve aspectos extremamente conservadores até o fim de sua vida.
4. 3.2 Os regimes de extrema direita
Alceu Amoroso Lima manteve, entre 1930 e 1950, uma postura bastante contraditória
frente ao Integralismo e a outros movimentos de reação baseados no fascismo. Em virtude
602
ALVES, Carlos Pinto. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 27/03/1947, CAALL.
603
ATHAYDE, Tristão de. Entrevista de Tristão de Athayde ao “Diário de Notícias”. A Ordem, Rio de Janeiro,
s/n, p. 184-190, jul./ago. 1947. p. 189-190.
604
LIMA, Alceu Amoroso. Pela uno nacional. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942. p. 50.
605
Id., ibid., p. 49.
606
LIMA apud MARITAIN, Cristianismo e Democracia, 1945, p. 14.
disso, geralmente seu pensamento é dividido em duas fases. Na primeira, sua postura
coincidia em muitos aspectos com o fascismo, principalmente no que diz respeito à exaltação
da autoridade. Esta fase marcaria seu pensamento durante toda a década de 1930. A segunda
fase, que se exacerbou durante a década de 1940, seria aquela em que passou a defender
enfaticamente a liberdade, vislumbrando na democracia maritaineana a única alternativa para
que o mundo entrasse naIdade Nova”. Desde então, também passaria a diferenciar o
socialismo soviético de outras formas de socialismo e passaria a condenar tanto os
totalitarismos de direita quanto de esquerda.
Partimos do pressuposto que houve uma transição no pensamento amorosiano. Nosso
objetivo, por conseguinte, não é buscar fatos que comprovem essa mudança, mas indicar
permanências e alterações na maneira como ele se posicionou em relação aos movimentos de
cunho fascista. É preciso observar que, nos capítulos anteriores, apresentamos a discussão
bibliográfica sobre o assunto, por isso, nesta parte do trabalho, restringir-nos-emos às
posições de Alceu Amoroso Lima e de seus interlocutores.
Desde 1930, constatamos que ele buscava o equilíbrio entre a economia, a política e a
religião, sem aderir integralmente ao fascismo (embora o considerasse uma reação sadia), pois
este representava a supremacia do poder político sobre os demais. Todavia isso não o impedia
de elogiar alguns aspectos do regime do Duce.
E na Itália ainda é um regime filho remoto do estatismo absolutista de
Machiavel, que teve a genialidade política, de reintegrar a Igreja em seus
direitos sociais, realizando, por sua vez, a obra econômica com que
sonhavam os socialistas com o espírito ou mesmo a letra das leis preparadas
pelo partido católico.
607
Esse “louvor” ao fascismo italiano é justificável se pensarmos que Mussolini, nos anos
iniciais de seu governo, aceitou a orientação moral da Igreja Católica em alguns campos da
legislação italiana e atribuiu importância ao Pacto de Latrão; substituiu a festa nacional de 20
de Setembro (queda de Roma de Pio IX) pela data da assinatura do tratado de 1929. Grosso
modo, Tristão de Athayde acreditava que o Duce, por meio de seus atos, reconhecia a Igreja
como uma força moral e espiritual.
608
Em um primeiro momento, logo após a conversão, tentando caracterizar o Estado
Nacional fascista, destacava os seguintes aspectos: sua religião era a da maioria, havia
607
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 181.
608
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 117.
cooperação entre a Igreja e o Estado, mas com predomínio do último; sua filosofia era o
idealismo neo-hegeliano; sua política era baseada no Estado Totalitário; e sua economia era
norteada pelo capitalismo corporativo, coordenado e orientado pelo Estado.
609
Nas duas fases de seu pensamento, encontramos censura ao uso que o fascismo fazia
da autoridade, uma vez que, sentindo-se fonte da mesma, caía no absolutismo estatista, no
determinismo social.
Essa deslocação do fundamento da autoridade, da natureza para a rça,
leva gicamente ao despotismo, seja no Estado, como no hegelianismo,
seja de uma classe, como no marxismo.
610
Pensamos que não há como negar sua proximidade com alguns pressupostos do
fascismo no início da década de 1930. Contudo apresentava certo receio quanto à relação
estabelecida entre Igreja e Estado na Itália. As concordatas entre o poder espiritual e temporal
começavam a ser identificadas com o cerceamento da liberdade da Igreja. Não era em vão o
receio que D. Leme apresentava em relação às mesmas, constatação que se aguçou quando
Hitler “passou por cima” da concordata que havia estabelecido com a Santa Sé
611
. Mesmo
constituindo um modus vivendi” entre a Igreja e o Estado, ainda permanecia certa
desconfiança em torno do regime italiano.
É certo que nos doutrinários puros do Estado totalitário, como Gentili ou na
Giovinezza entusiasta dos fascios, vamos encontrar correntemente a teoria
da subordinação da Igreja ao Estado, no modêlo do absolutismo monárquico
dos séculos XVI a XVIII.
612
Em Contra-Revolução Espiritual (1933), advertia que Mussolini queria “repetir os
sonhos ideológicos de Augusto Comte e políticos de Napoleão ou Bismark...”
613
. Equiparava
o fascismo, o liberalismo e o comunismo à maçonaria, pois todos pretendiam subjugar a
Igreja, chegando ao ponto de criar novas religiões (filosofias gerais de vida).
Positivistas de hontem ou fascistas de hoje, banqueiros de Wall Street ou
Commissarios do Povo do Kremlin, e na sombra dos bastidores o fantasma
impalpável dos reconstructores do Templo, dos habitantes da Bensalen de
609
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932. LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 65.
610
LIMA, Política, 1956, p. 52.
611
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 2), 1946, p. 75-76. Segundo “Dr. Alceu”, Maritain tinha
um posicionamento idêntico a D. Leme em relação a este tema.
612
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 118.
613
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 90.
Bacon, a Monaria enfim, rondam todos em torno do palácio do velho
Ulisses.
614
Também podemos identificar como uma crítica ao fascismo o fato de “Dr. Alceu
considerar “toda volta ao passado, em suas condões exteriores, [como] falsa e portanto
socialmente indesejável”, um movimento que, longe de eliminar todos os males da
Revolução, talvez os tenha agravado.
615
Embora censurasse alguns aspectos do fascismo, segundo San Tiago Dantas, Alceu
Amoroso Lima estava tão próximo dele que o reproduzia. “Ora, o que eu penso, é que o
argumento que o senhor tira da nossa formação histórica, em favor da christianisação
brasileira, não é menos fascista do que o argumento combatido”. Para justificar suas
observações, lembrava que o fascismo encarava a Igreja como uma força de coesão política,
vendo no catolicismo uma força de formação nacional.
616
Nos primeiros anos após a conversão, caracterizava o fascismo como um sistema de
caráter corporativo, porém, segundo ele, pautado essencialmente na economia e
demasiadamente centralizado. O verdadeiro sistema corporativo, o católico, era
descentralizador, criando “Estados dentro do Estado”. Dessa forma, deixava claro que não
concordava com o caráter corporativo assumido pelo fascismo.
617
A fim de evitar qualquer confusão com o fascismo, procurou, na década de 1940,
trocar o termo corporatismo católico por sindicalismo católico, ao qual atribuiu cinco
características: a colaboração e organização, contrária à destruição via luta de classes; a
espiritualização; a primazia do privado, não do público (sindicalismo controlado pelo Estado);
a filiação livre, não-obrigatória; e o sindicalismo profissional, e não político.
É preciso sempre distinguir a corporação cristã, baseada na liberdade de
associação e na justiça social, da corporação fascista, dominada pelo Estado
e expressão do monopólio sindical do poder público, contra os direitos da
variedade social. (Nota de 1948)
618
Enquanto sua proximidade com o fascismo parecia clara, não ocorria o mesmo em
relação ao nazismo. Seu caráter racista, chamado de violência de sangue, foi criticado por
Alceu Amoroso Lima desde os primeiros anos após a conversão, chegando ao ponto de
614
Id., ibid., p. 96.
615
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 82-83.
616
DANTAS, San Tiago. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 07/12, s/ano, CAALL.
617
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935.
618
LIMA, Política, 1956, p. 29.
equipará-lo ao comunismo soviético. “E o racismo de Hitler não é menos militarista que o
leninismo de Stalin”
619
. Condenando o regime nazista, afirmava que ele pregava uma religião
própria, uma espécie de neopaganismo, algo característico de um regime totalitário.
Em Meditação sobre o Mundo Moderno, livro composto por artigos escritos entre
1939 e 1941, denunciava que havia algo entre nazistas e comunistas
620
. Nesse período, outros
intelectuais católicos chegaram às mesmas conclusões, fruto, talvez, do Pacto de Não-
Agressão, estabelecido entre a URSS e a Alemanha (1939-1941).
[...] essa aliança [entre a Alemanha e a URSS] veio desmascarar as
afinidades profundas entre os dois regimes, que desde então passaram a
confundir-se na mesma denominação de Estados Totalitários.
621
Tristão de Athayde dizia encontrar muitos aspectos comuns entre o nazismo e o
comunismo, dentre os quais, destacava: a primazia da sociedade sobre o indivíduo; a
economia dirigida; a hipertrofia do Estado; o imperialismo; o espírito de violência
revolucionária; a tendência ao monopólio educacional; a cultura da alma expressa apenas no
culto do sangue ou da classe; o messianismo ou conceito heico e mitológico da vida; a
ascensão das massas; e a subordinação da personalidade humana às coletividades.
622
Embora no extremo oposto, Plínio Corrêa de Oliveira tinha um posicionamento muito
semelhante ao que citamos acima. Em sua concepção, o comunismo e o nazismo
diferenciavam-se apenas quanto aos meios usados para chegar ao poder. De um lado, estavam
os nazistas, mais astutos e perspicazes; de outro, os comunistas, sempre tentando resolver
tudo por meio da violência. Os nazistas também usavam a brutalidade, mas, segundo o líder
do Legionário, eles sabiam como e quando usá-la, o que os tornava mais perigosos. No
entanto, ambos eram disfarces opostos do anticristo, sobretudo, porque faziam oposição à
Igreja
623
. Alceu Amoroso Lima parecia compartilhar dessa perspectiva.
Sob certo aspecto [o nazismo] é ainda mais perigoso pois o comunismo é o
inimigo confessado e integral do Cristianismo, ao passo que o Nazismo é o
inimigo disfarçado, que finge não o ser e chega a pregar na face a máscara
da cruzada anti-comunista, que os ingênuos ou os interessados propalam
como sincera...
624
619
ATHAYDE, Tristão. O novo Garcia Moreno. A Ordem, Rio de Janeiro, n.54, p. 71-75, ago.1934. p. 74.
620
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 5-6.
621
Id., ibid., p. 52.
622
Id., ibid., p. 55.
623
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. À margem do conflito teuto-russo. Legionário, São Paulo, n. 458, 29 jun.1941.
624
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 174.
A ligação obscura entre pardos e vermelhos, segundo o Legionário, teria levado
Hitler, durante a Segunda Guerra, a mobilizar suas maiores forças no front ocidental,
deixando desguarnecido o front oriental. Dessa maneira, mesmo moribundo, o nazismo
ajudava os bolcheviques, seus herdeiros.
625
[...] Hitler prefere que vençam os russos a que vençam os aliados. Como
sempre sustentamos, os nazistas e comunistas o irmãos gêmeos que estão
brigando. Inimigos um do outro são-no ainda mais dos estranhos, que
tenham a insolência de se meter em suas brigas. E, por isto, o nazismo está
cometendo a suprema traição de entregar a Europa lentamente aos
bolchevistas. Hitler não pode lançar o mundo inteiro no nazismo, isto é, no
comunismo pardo? Lança-o então no comunismo, isto é, o nazismo
vermelho.
626
J. Fernando Carneiro também criticava os totalitarismos de direita, expondo que o
comunismo não cometia “crimes” em nome de Deus e da Igreja
627
. Para o cristão, o marxismo
era um adversário mais nobre, uma vez que: “É preferível não ir a missa do que ir lá para
subornar o padre”
628
. Nesse aspecto, os membros da revista A Ordem apresentavam
comenrios parecidos aos feitos pelo jornal Legionário.
Percebemos certa homogeneidade em relação ao nazismo no transcorrer das duas fases
do pensamento amorosiano. Porém, no que tange ao fascismo italiano e a outros movimentos
de reação, não podemos afirmar o mesmo. Em emendas às reedições do livro Política (1932),
Alceu Amoroso Lima, ao explicar os motivos que o levaram a migrar de “Jackson de
Figueiredo a Jacques Maritain” (da autoridade à liberdade), ajuda-nos a entender a questão.
A experiência política dos anos subseqüentes, principalmente durante e
depois da segunda grande guerra, com a atitude do Fascismo em face da
Abissínia e da França, e a subserviência ao nazismo germânico, e a
meditação mais profunda dos princípios da autêntica cncia e sabedoria
política do catolicismo, levaram o autor a modificar sua atitude em face do
autoritarismo político e das diferentes formas ditatoriais modernas de
governo, fascismo, salazarismo, franquismo, nazismo, integralismo,
peronismo ou getulismo. Tôdas elas não o mais do que formas, integrais
ou larvais, de totalitarismo reacionário, suscitado e alimentado pela
crescente ameaça soviética, tão perverso, nocivo e errado quanto o
totalitarismo leninista ou staliniano. (Nota de 1956)
629
625
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. O discurso de Churchill. Legionário, São Paulo, n.617, 4 jun.1944.
626
Id., ibid.
627
CARNEIRO, Os Católicos em face dos comunistas e dos integralistas, 1944. p. 328.
628
Id., ibid., p. 328.
629
LIMA, Política, 1956, p. 13-14.
Na mesma obra, contudo, delineava algumas permanências em seu pensamento, dentre
as quais, o fato de pregar, desde a conversão, a independência e auto-suficiência da filosofia
social cristã frente a outras filosofias modernas, mascaradas ou não, com o epíteto de
cristãs
630
. Como em 1932, continuava contrário aos regimes (filosofias gerais de vida) que
anexavam a Igreja Católica ao Estado, usando-a para atingir seus fins. Por conseguinte, o fato
de passar do elogiou à crítica em relação a Mussolini, pois o relacionamento do Estado
italiano com a Igreja teria passado da colaboração à tentativa de dominação
631
. Grosso modo,
ao impor uma reação sadia em detrimento do internacionalismo revolucionário, o
nacionalismo integral teria culminado em uma espécie de absolutismo do Estado.
Sua identificação com o fascismo deveu-se muito ao espiritualismo dessa forma de
nacionalismo, na qual a nação tornava-se forte porque traduzia em realidade a força do seu
espírito. Tal força do espírito, todavia, em um ambiente de nacionalismo integral, degenerar-
se-ia no espírito da força (belicosidade), na idéia da luta armada (nacionalismo exagerado) e
no hiper-nacionalismo (primado absoluto do estatismo). Em suma, a nação absorvia o Estado,
deturpando os aspectos sadios dessa reação.
632
Na primeira edição do livro Política (1932), Alceu Amoroso Lima causou muita
confusão ao defender o “Integralismo criso”. O termo em si provocava uma aproximação
com o Integralismo brasileiro. Além disso, os fatores que o norteavam criavam um clímax que
levava à identificação da doutrina católica com os movimentos de reação. Pensamos que,
durante a década de 1930, essa identificação procede, porém como “Dr. Alceureconheceria
em 1948, havia algo de particular naquele “Integralismo cristão”.
[...] o emprêgo que dele aí [livro Política] fazíamos era inteiramente diverso
do sentido que nessa mesma época ia ser-lhe atribuído por um movimento
político, que representou o reflexo, no Brasil, do fascismo, isto é, da
filosofia política nacionalista. Esta se baseava como está no texto nos
‘direitos absolutos da nação’, que expressamente rejeitávamos como falsa.
Nessas condições o podemos mais conservar o têrmo do original,
mudando-o para democracia cristã, universalismo ou humanismo político,
que corresponde ao sentido original e atual dessa quarta concepção política,
que reputamos a verdadeira.
633
Para ele, o direito não provinha do Estado, do povo ou do indivíduo, mas sim de Deus.
630
Id., ibid., p. 40. (Nota de 1948)
631
Id., ibid., p. 115. LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 234. LIMA, Meditação sobre o Mundo
Moderno, 1942, p. 60. No rodapé.
632
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 208-209.
633
LIMA, Política, 1956, p. 130.
Essa idéia percorre toda sua obra durante o período analisado, o que mudou, essencialmente,
foi a ênfase dada à autoridade e à liberdade. Inicialmente, prevaleceu a primeira e,
posteriormente, a segunda. Em 1956, reconheceria a liberdade como fator fundamental na
política.
O desrespeito à liberdade do homem e dos grupos sociais naturais, por parte
do Estado ou dos Partidos Únicos, tem sido, durante êste culo, a fonte de
todos ou da maioria dos males sociais que nos oprimem. Essa lição que
aprendi com os acontecimentos entre 1932 e 1948. E que a experncia,
como diz São Tomás de Aquino, é a grande mestra da política. (Nota de
1956)
634
O período após a Segunda Guerra, além da presença da Guerra Fria, foi marcado pelo
medo, por parte dos membros do CDV do Rio de Janeiro, do surgimento de neofascismos que
se somavam à ameaça soviética. Os movimentos que outrora haviam sido considerados
reações sadias aos erros modernos passaram a ser condenados, não eram aceitos como
alternativa plausível para a “Idade Nova”. Em meio aos integristas, esse receio também era
percebido e a visão dos católicos em relação ao regime de Franco na Espanha era um bom
exemplo disto.
O Legionário assinalava que era doloroso ver a evolução política do regime de Franco,
pois ela não se distinguia muito daquela de Pétain na França, onde os elementos germanófilos
ganhavam espaço e força
635
. Destacava que o fascismo, o nacional-socialismo e o falangismo
possuíam a mesma base doutrinária
636
; enfatizava que Franco, desde que chegara ao poder,
tentava um entendimento com a Santa Sé, a fim de restaurar todos os privilégios, honras e
vantagens de que gozava o catolicismo na Espanha monárquica. Mas o preço que o
“caudilho” pedia era muito alto, e a Igreja não podia renunciar a sua liberdade e seus direitos
em nome desses privilégios.
637
Os colaboradores da revista A Ordem, por sua vez, ressaltavam: O falangismo é no
fundo um movimento de caráter nacionalista e maquiavélico que procura colocar a Igreja a
serviço das classes conservadoras e dos interesses imperialistas
638
. J. Fernando Carneiro
enfatizava que Sobral Pinto havia sido, desde o início, contrário ao regime do general Franco
na Espanha, como também o foram Maritain, Mauriac, Ducattillon, Daniel-Rops e
634
Id., ibid., p. 149.
635
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.541, 20 dez.1942.
636
Id. 7 dias em revista. Legionário, São Paulo, n.453, 18 maio1941.
637
Id. A liberdade da Igreja no dia de amanhã. Legionário, São Paulo, n.549, 14 fev.1943.
638
RIBEIRO, Fabio Alves. Resposta a “Reação Brasileira”. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 371-381, out./nov.
1945. p. 378.
Bernamos
639
. Alguns membros de A Ordem salientavam, ainda, provocando os integristas,
que nunca haviam negado as inúmeras atrocidades cometidas pelos comunistas na Espanha, o
que eles procuravam era uma saída que não fosse nem comunista, nem fascista, mas, sim,
democrática.
D’Azevedo, emCarta ao generalíssimo Franco”, felicitava o ditador pela vitória
frente aos comunistas, mas questionava: “Haverá fundados motivos para que v. exc. seja tão
bom estadista como foi admirável soldado? (grifo do autor)
640
. Embora clamasse para que
Franco aniquilasse com os comunistas e anarquistas da Catalunha, alertava o ditador de que o
comunismo havia-se infiltrado na nação mais católica do mundo por negligência dos governos
liberais e da própria Igreja Católica, que não conseguia exercer sua influência benéfica sobre a
população. Por isso, pedia a Franco que não cometesse o erro que alguns regimes totalitários e
fascistas estavam cometendo, pois, ao privar a Igreja de suas atividades, perdiam uma grande
força social que agia em seu beneficio. Visivelmente preocupado, argumentava:
Ai, meu general, o recente tratado, por meio do qual a Espanha adere ao eixo
Roma-Berlim-Tóquio, está me dizendo que mais uma vez foge seu país às
venerandas tradições cristãs, ao cavalheirismo, à nobreza de atitudes que
sempre caracterizou os descendentes de Cid.
641
Dessa maneira, podemos perceber entre integristas e progressistas uma mudança de
postura, muito parecida com a que ocorrera com Alceu Amoroso Lima, em relação aos
regimes de “direita” e aos movimentos de reação. Isso nos ajuda a compreender a transição do
pensamento amorosiano, que, sem dúvida, acompanhava o movimento histórico.
4. 3.2.1 O Integralismo
Como enfatizamos no início deste capítulo, o posicionamento de Alceu Amoroso
Lima diante do Integralismo brasileiro talvez seja um dos tópicos mais controversos de sua
vida política. Pois, ele mesmo reconhece que passou de simpático a crítico do mesmo. Nosso
objetivo, porém, não é buscar fatos e informações que comprovem essa mudança, mas
procurar contemplar algumas peculiaridades desse processo, sejam alterações ou
permanências.
639
CARNEIRO, Os católicos em face dos comunistas e dos integralistas, 1944. p. 327.
640
D’AZEVEDO, Soares. Carta ao generalíssimo Franco. Vozes de Petrópolis: Revista de Cultura Católica,
Petrópolis, s/n, p. 266-272, Maio 1939. p. 268.
641
Id., ibid., p. 271.
Acreditamos que sua proximidade com o Integralismo foi motivada pela crítica ao
liberalismo burguês e ao socialismo, sinônimos da tentativa de destruição da unidade
individual, social e espiritual do homem moderno, herança do christianismo”
642
. Afinal
Jackson de Figueiredo, o mentor de sua conversão, pode ser considerado um dos precursores
desse movimento, defendendo, já na década de 1920, a necessidade de um regime de
autoridade e de reação. “Foi o primeiro que teve o desplante de se chamar a si mesmo
reacionário, contra a moda revolucionária que atingiu quase todos os que se prezavam de
avançados e atuais”.
643
Especificamente sobre o caso brasileiro, os redatores de “A Ordem”, em 1933,
ponderavam que o Integralismo era
[...] uma reação de vitalidade disciplinada e autoritária [que] se processa,
contra o liberalismo e o comunismo, Plínio Salgado, no Sul, Severino
Sombra, no Norte, lançam movimentos, cujas bases estão todas nas
doutrinas políticas defendidas por Jackson.
644
Em correspondência enviada a Alceu Amoroso Lima, em 1931, Plínio Salgado nos
fornece subsídios para entender melhor a associação entre catolicismo e Integralismo.
Meu pensamento, em resumo, é o seguinte: DEVEMOS CREAR O
ESTADO À SEMELHAA DO HOMEM, MAS TOMANDO-SE O
HOMEM NA SUA EXPRESSÃO INTEGRAL, SEGUNDO SUA
FINALIDADE ESSENCIAL E SUAS CONTINGENCIAS MATERIAES’.
(grifo do autor)
645
Os integralistas, como os intelectuais católicos, pregavam a necessidade de uma
regeneração moral da sociedade, permeada por uma espécie de “Humanismo Integral”, sem a
qual não haveria como melhorar as condições materiais dos homens. Ambos condenavam
qualquer revolução vinda “de baixo”.
A salvação do Brasil tem que vir do Alto, nunca das massas, dos partidos. É
a índole da nossa gente. Que é um Chefe? É a resposta objectiva a um estado
de espírito de cultura e de aspiração.
646
642
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 189-190.
643
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 187-188.
644
REDACÇÃO. 1932-1933. A Ordem, Rio de Janeiro, n.45-46, p.799-810, nov./dez. 1933. p. 805.
645
SALGADO, Plínio. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, S. Paulo, 10 de Janeiro de 1931, CAALL.
646
Id., ibid.
Como veremos adiante, “Dr. Alceu” condenaria o culto ao “Chefe”, no entanto
concordava que a salvação teria que vir pelo alto. Seu próprio conceito de autoridade trazia
em si o respeito a uma hierarquia de valores, que, associada ao ideal do bem comum, era a
justificativa para a autoridade de uns e a obediência de outros.
Ao fazer certa apologia ao Integralismo, Júlio Sá constatava que esse movimento tinha
como ponto de partida uma revolução interior, de cunho criso, que não se confundia com o
fascismo nem com o nazismo; ambos eram pautados em valores exteriores, os quais, na
maioria das vezes, colocavam-se acima do valor humano. Segundo o autor, diferentemente do
que ocorria no Integralismo, o cristianismo, no fascismo e no nazismo, tinha um papel
precário. No fascismo, o dogma religioso tinha sucumbido frente ao orgulho, à vaidade, ao
imperialismo, ao direito do lobo sobre o cordeiro, ao paganismo cesáreo e à teoria do super-
homem nietzscheniano. Com o nazismo, havia acontecido o mesmo, em especial em relação
ao orgulho da raça ariana e ao paganismo nazista.
647
O Integralismo está muito acima de tudo isto porque, como dissemos e
repetimos, o seu eixo é a revolução interior, isto é a morte do orgulho e da
vaidade, a rechristianização do homem, a reducção do individuo às suas
justas proporções e a elevação da pessoa à comprehensão da sua finalidade
eterna.
648
Concluindo seu raciocínio, o autor observava que a doutrina do sigma era um tipo de
revolução social cristã adaptada às condições nacionais. Não deixava de dizer que o
verdadeiro cristão deveria filiar-se ao Integralismo, o o fazendo aquele que fosse
materialista ou “falso cristão”.
Antes da fundação da AIB, Plínio Salgado parecia comungar os mesmos ideais de
Tristão de Athayde. Ao escrever a Augusto Frederico Schmidt, destacou a necessidade da
fundação de um periódico que divulgasse o pensamento conservador, também chamado de
revolucionário, uma vez que não pretendia conservar muitos aspectos da sociedade liberal
democrática.
Temos, agora, de acompanhar a onda e dirigil-a num movimento de retorno
às bases moraes da formação brasileira. Assim penso, como potico. Não se
trata de um machiavelismo, e sim de um methodo, do processo mais viavel
para uma solução social que não póde, não deve tardar, afim de que
evitemos que a Pátria Brasileira seja arrastada numa onda de anarchismo e
647
SÁ, Júlio. Christianismo e Integralismo. A Ordem, Rio de Janeiro, n.69, p. 415-421, nov.1935. p. 420.
648
Id., Ibid., p. 420.
de sangue. (grifo do autor)
649
Pela análise das cartas que Plínio Salgado enviou ao líder do laicato católico,
percebemos que ambos estavam presos a determinadas estruturas, dependendo de capitais
alheios para propagar seus ideais.
Quanto à sua acção ahi, deve ser a de ir tomando nota de todos os que estão
de accordo com as nossas idéas e dispostos a uma lucta em todos os
terrenos. Mas V. iexpondo por partes, achegar à absoluta confiança
quando tiver de dizer até que ponto poderemos chegar, nesse movimento. É
preciso muito cuidado. Temos de surgir apoiando, de certa forma certos
figurões (eu pelo menos, tenho de dar essa orientação aqui, pois começaria
por ficar sem jornal si me mettesse a tomar attitudes para as quaes não tenho
ainda base material alguma). É o que lhe digo: sinto-me muito pequenino e
muito humilde; acabrunhantes são os meus soffrimentos pessoaes;
difficuldades de toda a sorte e guerras surdas contra mim; entretanto, sinto
que posso fazer alguma cousa, e quero fazer.
650
Segundo Plínio Salgado, Tristão de Athayde o teria ajudado, dando-lhe conselhos para
a configuração do programa da AIB.
No início de 1930, Plínio Corrêa de Oliveira mantinha diálogo com “Dr. Alceu”,
chamando-o de chefe, porém não via com bons olhos a figura de seu homônimo. Mesmo
admitindo que ele estivesse escrevendo coisas muito próximas às concepções católicas,
parecendo aproximar-se cada vez mais, lembrava que “uma série de pequenos factos tem
demonstrado que elle tem uma hostilidade surda em relação a qualquer acção mais
pronuncialmente nossa”.
651
[...] o Plínio [Salgado] pode talvez ter boas intenções. o tem, porém,
independência alguma. Pobre, paupérrimo, vive debaixo das opulentas asas
do Alfredo Egydio, e não tem fibra suficiente para um movimento qualquer,
de real independência intelectual, e principalmente política.
652
O líder das Congregações Marianas em São Paulo dizia ter grande simpatia pelo
movimento encabeçado por Severino Sombra. Recomendava a ele e a Alceu Amoroso Lima
“muito cuidado com o Plínio [Salgado], que possue raras qualidades de dissimulação
653
.
649
SALGADO, Plínio. Carta enviada a Augusto Frederico Schmidt, S. Paulo, 18 de Fevereiro de 1931, CAALL.
Encaminhada a Alceu Amoroso Lima a pedido do remetente.
650
Id., ibid.
651
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo. 28/03/1932. CAALL.
652
Id., ibid.
653
Id., ibid.
Denunciava, ainda, que a postura do chefe integralista apresentava aspectos de maçonismo.
Vale ressaltar que, nos primeiros anos após a conversão Dr. Alceu vislumbrava na
maçonaria um perigo iminente, cujo “segredo de que se cercava era a sua grande força
654
. A
burguesia liberal e agnóstica era considerada o berçoda maçonaria, fabricando-a em seus
banquetes fraternais de laicismo rotariano ou nas suas cruzadas anti-analfabéticas, de espírito
protestante mas de tolerância universal de credos”.
655
Por mais próximo que estivesse do Integralismo, no início da década de 1930, no
entanto, já denunciava que a Igreja não podia ligar-se a qualquer movimento ou partido
político
656
. Além do mais, a reão nacionalista não aceitava a concepção cristã integral,
“revelando-se por vezes como um socialismo ou um liberalismo às avessas, pouco menos
longe do christianismo do que esses”
657
. Júlio Sá, em artigo publicado no jornal A Offensiva,
também deixou transparecer a diferença entre a postura católica e a integralista. Ao fazer
apologia a ambas, o autor ressaltava que elas promoviam a separação entre pessoa e
indivíduo”. Contudo, salientava que as obras de Plínio Salgado e Tristão de Athayde eram
“faces distintas de um mesmo espírito integral”.
658
No livro Indicações Políticas (1936), “Dr. Alceu” expunha que havia duas grandes
formas de Estado Moderno. A primeira era aquela em que predominava um segmento social,
a segunda aquela em que o conceito fundamental era pautado na pluralidade e na cooperação
entre classes. A primeira possibilidade poderia desembocar ou no Estado liberal-burguês ou
no Estado proletário. A segunda culminaria no Estado nacional (tipo fascista-hitlerista) ou no
Estado humano-criso. Este último, mesmo não podendo ser atingido em sua totalidade, pois
era um Estado ideal, seria norteado pela doutrina social da Igreja Calica
659
. Dessa forma,
tentava mostrar que o cristianismo não era uma posição unilateral, como denunciavam alguns
integralistas que encaravam a doutrina do sigma como “uma posição total.
Em 1932, admitiria que não havia outro partido que pudesse, como a AIB, satisfazer
as exigências políticas de uma consciência católica libertada dos preceitos liberais.
Tenho pelo movimento integralista a mais viva simpatia, como tenho pelo
fascismo e por toda essa moderna reação das direitas, que mostraram a o
inevitabilidade do socialismo. E, ao contrário, a possibilidade de reagir
654
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 85-86.
655
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 194.
656
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 47.
657
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 191-192.
658
SÁ, Julio. A Offensiva (jornal). Nossos inimigos intelectuais. 04/02/1936. Recorte de jornal encontrado na
pasta de correspondências enviadas a Alceu Amoroso Lima por Júlio Sá. CAALL.
659
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 61 a 66.
contra os erros da burguesia, do seu capitalismo e da sua democracia, sem o
recurso à Revolução violenta e à ditadura do proletariado, a mais sangrenta e
a mais estúpida a que se poderia chegar, para dar às classes operárias a
posição justa que amanhã vão ter na sociedade, em reação contra a
disfarçada escravio em que o Liberalismo burguês as vêm mantendo.
660
Havia três forças políticas que, de certa maneira, apoiavam a Igreja no início da
década de 1930: o Integralismo, a ão Imperial Patrianovista e o governo (Getúlio Vargas).
Porém “Dr. Alceu” não deixava dúvidas de que o Integralismo era o único que estreitava essa
relação. Muitos aspectos de seu programa eram coincidentes com os preceitos religiosos do
catolicismo e ambos tinham no comunismo um inimigo comum.
661
Segundo Tristão de Athayde, o comunismo era o maior inimigo da Igreja, mas
lembrava que isso se devia ao fato de ele “não vestir luvas para esmurrá-la”, permitindo uma
guerra franca, universal e aberta contra si. Nessa luta, católicos e integralistas estavam de
mãos dadas, embora, diferentemente destes últimos, não acreditasse na possibilidade de uma
ditadura do proletariado no Brasil. Para ele, a verdadeira ameaça que o movimento comunista
brasileiro trazia era outra.
[...]o perigo que me parece conter o movimento comunista brasileiro é o
terrorismo, a ‘sabotagem’, a anarquia, o caudilhismo, forças mais de ardo
com o nosso estado real de civilização e que seriam postas em liberdade por
uma vitória parcial do movimento esquerdista extremado ou mesmo
moderado.
662
Tal posicionamento causava certo receio em alguns integralistas, levando-os a dizer
que os católicos, principalmente o grupo do CDV do Rio de Janeiro, estariam cruzando os
braços diante da multiplicação de “laboratórios de explosivos sociaes, que vão insidiosamente
preparando toda uma geração que amanhã quererá transformar o Brasil numa sucursal do
México ou da Rússia”.
663
A exaltação do Integralismo nos meios católicos também apresentava aspectos
refutáveis, principalmente no que dizia respeito “a ligação da Igreja com determinado regime
político ou econômico”. Discutindo essa questão, por meio de um balanço hisrico, Dr.
Alceulembrava que os católicos liberais, no século XIX, procuraram, na doutrina social da
660
Id., ibid., p. 209.
661
ATHAYDE, Tristão. A Igreja e o Momento Político. A Ordem, Rio de Janeiro, n.65, p. 5-14, jul.1935. Em
meio à correspondência recebida por Alceu Amoroso Lima, encontramos muitas cartas cujos remetentes
pediam conselhos que os ajudassem a escolher entre a Ação Monarquista Brasileira, os Patrianovistas e o
Integralismo.
662
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p.195.
663
INTEGRALISTAS. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/local, s/data, CAALL.
Igreja, os meios para defender “a Liberdade, a Justiça, a Fraternidade, a Cordura, os Direitos
Naturais do Homem, a Paz nacional e internacional, e com isso combateram as reações
modernas das direitas” (entenda-se o Integralismo). Por outro lado, os católicos sociais, no
século XX, buscaram, na doutrina da Igreja, o que ela mencionava em favor “da Autoridade,
da Hierarquia, da Ordem, da Força, dos deveres, da própria Guerra justa e com isso exaltam
esses movimentos modernos que invocam largamente esses princípios”
664
. A respeito desses
dois direcionamentos tão díspares, embora teoricamente guiados pelos mesmos princípios,
proferia:
É uma luta de maiúsculas contra maiúsculas, da Autoridade contra a
Liberdade, dos Deveres contra os Direitos, da Unidade contra a Variedade e
assim por diante.
No fundo, o êrro é o mesmo.
É o espírito de ligar a Igreja a uma determinada forma de civilização, a um
estado de espírito, a uma época, a uma classe.
665
Comparando os padres liberais dos séculos XVIII e XIX aos padres integralistas do
século XX, mostrava uma impressionante consciência histórica.
É provável, pois, que a condenação que hoje lançamos contra aqueles, venha
a recair amanhã sôbre estes, quando os horizontes forem mais claros e a
posteridade puder julgar sem preconceitos e paixões partidárias.
666
Entre 1932 e 1937, concordava mais com a exaltação do que com a condenação do
Integralismo. Fato bastante compreensível, pois o catolicismo e o Integralismo possuíam
aspectos doutrinários em comum, não sendo difícil deduzir o que os católicos achavam do
lema integralista “Deus, Pátria e Família”. Ademais, possuíam inimigos em comum, dentre os
quais: a maçonaria, o judaísmo, o espiritismo, o protestantismo e o comunismo. O combate a
esses oponentes geralmente estreitava a relação entre católicos e integralistas.
Grande número de catholicos ingressou nas fileiras integralistas, animados
pelo programma do movimento, que de todos os partidos políticos o
confessionaes é aquelle que mais se approxima da doutrina social catholica e
se empenha na defesa expressa das instituições que a Igreja invariavelmente
defende como nucleares de toda sociedade sadia.
667
664
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 191.
665
Id., ibid., p. 191.
666
Id., ibid., p. 192.
667
ATHAYDE, Tristão. A Igreja e o Momento Político. A Ordem, Rio de Janeiro, n.65, p. 5-14, jul.1935. p. 8.
Segundo “Dr. Alceu”, no mínimo, os católicos deveriam tentar entender esse
movimento, podendo em alguns casos passar da compreensão à participação.
A compreensão implica apenas uma penetração simpática do movimento.
Trata-se de uma reação contra males idênticos aos que a Igreja vem
combatendo ha tanto tempo. O Integralismo possue, no campo social, em
grande parte os mesmos adversários que a Igreja.
668
Havia duas formas de participar, ou tomar parte, do Integralismo: a ideal, aceitando os
seus pressupostos doutrinários, e a real, ingressando em suas fileiras.
Avaliando sua correspondência, percebemos que não se limitou a compreender o
movimento do sigma. Como demonstrara D. Leopoldo (ao que tudo indica D. Duarte
Leopoldo, primeiro arcebispo de São Paulo, entre 1908 e 1938), não lhe faltavam “simpatias a
esse messianismo de fogo fátuo e ilurio”
669
. Além disso, mantinha um diálogo cortês com
muitos integralistas, dentre os quais, João C. Faubanks, que pretendia apresentar-lhe uma
comitiva de “jovens camisas verdes, saudando-o com um “Glória a Maria”, e despedindo-se
com um “Afetuoso Anaue”.
670
Dentre os aspectos que censurava na doutrina integralista, podemos citar a hipertrofia
do Estado, o emprego da violência e o juramento ao chefe nacional, conceitos que, segundo
ele, podiam desembocar no paganismo político, estruturado em torno de um Estado
Onipotente, totalitário. Um Estado que, se concretizado, negaria as liberdades
imprescindíveis da Igreja e sua ação na sociedade e particularmente na educação”. Dessa
maneira, mostrava-se contrário à militarização educativa, oposta ao espírito da educação cristã
que a Igreja promovia.
671
Haverá, sem dúvida, problemas bastante obscuros e difíceis a discutir, como
sejam o hegelianismo latente de certas páginas dos livros de Plínio Salgado,
o estatismo exagerado do sr. Miguel Reale, ou o emprego da violência, como
método de ação segundo a teoria soreliana e maurrasiana, que o bem pegou
no solo revolvido do mundo moderno. Haverá também dificuldades a
resolver práticamente, como seja esse misterioso juramento de fidelidade
incondicional ao Chefe Nacional, que evidentemente nenhum católico
conciênte poderá fazer, pois a Deus podemos jurar fidelidade sem
condições.
672
668
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 193.
669
DOM LEOPOLDO. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 23/11/1934, CAALL.
670
FAUBANKS, João C. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, o Paulo, 29/04/1935, CAALL.
671
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 190.
672
Id., ibid., p. 196.
Diferentemente dos integralistas, defendia a sindicalização livre e o pluripartidarismo.
Porém exaltava que nenhum destes pontos (e aqueles citados acima) significava uma
justificativa doutrinária suficiente para impedir os católicos leigos de ingressar nas fileiras
integralistas.
Sendo uma espécie de derivação do fascismo, o Integralismo possuía sua própria
“mística”, um messianismo que alimentava a no movimento, um espírito de dedicação e
sacrifício. Isso representava uma concorrência para a Igreja Católica, uma ameaça filosófica
com desdobramentos político-sociais. Em sua reação contra o abuso da liberdade, os
integralistas chegavam à desconfiança contra toda forma liberdade. “A defesa que a
sociologia católica faz da Pessoa Humana, passa a ser um neo-individualismo pouco menos
perigoso que o antigo”.
A posição suprapartidária da LEC era vista como um “oportunismo democrático
intolerável”, uma “traição ao verdadeiro catolicismo, que é anti-liberal por natureza”. E a
reserva dos católicos ante o uso de métodos violentos de ação política era identificada como
um sinal de “covardia e comodismo burguês”. Em suma, os integralistas começavam a
enxergar o Integralismo como o salvador da Igreja, sem o qual ela não resistiria à onda
vermelha”. Tudo isso era condenado por Alceu Amoroso Lima, que vislumbrava nessa
postura a tentativa de o movimento pretender “ser êle a espada da Igreja, deixando a esta o
recanto das funções meramente sacerdotais”.
673
E os católicos que não ingressam no Integralismo o considerados, logo,
máus brasileiros e, peor do que isso, máus católicos’. Porque, práticamente,
consideram o Integralismo como o único movimento político que reflete o
verdadeiro espírito da Igreja, a despeito da cegueira momentânea ou da
prudência excessiva dos seus chefes e da covardia individual dos
subordinados.
674
José P. Galvão de Souza, concordando com “Dr. Alceu”, ponderava que os moços
católicos estavam sendo assediados por integralistas “que julgam serem necessários’ à Igreja
para salvá-la do comunismo (o mais triste é que muitos catholicos pensam isso do
integralismo!)
675
. Segundo ele, a dispersão dos católicos nos mais diferentes partidos havia
atirado a juventude “nos braços” do Integralismo, movimento que mais se aproximava da
consciência católica. Mas indagava: “As imprecisões doutrinarias e as segundas intenções,
673
Id., ibid., p. 204-205.
674
Id., ibid., p. 207.
675
SOUZA, José Pedro Galvão de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 18/06/1935, CAALL.
como podem percebe-las esses jovens inexperientes e calouros’ na doutrina catholica, muitas
vezes mal sahidos dos gymnasios?”
676
A doutrina encabeçada por Plínio Salgado era vista como uma reação histórica, uma
doutrina política ou uma mística social. Nos dois primeiros casos representaria um
movimento nacionalista sadio, o combate ao comunismo, a exaltação da moral familiar e o
incentivo à restauração da autoridade e da unidade nacional. No terceiro caso, pregando uma
“Revolução Espiritual”, o movimento entrava em questões que “Dr. Alceu” considerava que
cabiam única e exclusivamente à Igreja Católica
677
. Surgia um problema, a temida
substituição da consciência católica pela consciência política, podendo culminar em uma
transição do respeito às autoridades religiosas ao respeito às autoridades integralistas (culto ao
chefe) por parte dos católicos. Pensando nisso, Alceu Amoroso Lima impunha três condões
para que os católicos se filiassem à AIB:
[...] que conservem, intangível, a preeminência de sua conciência católica
sobre a sua conciência política; que tenham realmente vocação política, e
não apenas inclinação social, civica ou partidaria; que não tenham
responsabilidades de direção na Ação Católica.
678
Em resposta a algumas questões levantadas pelo Pe. Dionísio Basso sobre o
Integralismo, enfatizava que nada impedia “ao católico que não seja chefe da A.C. de
pertencer ao integralismo”. Igualmente, nada obrigava qualquer católico “a filiar-se ao
referido partido, nem cabe aos integralistas o direito de exigir isso dos católicos”.
679
Era evidente a preocupação com uma possível desespiritualização (perda de fiéis), o
que podia deteriorar o trabalho de quase meio século da Igreja. “A experiencia tem
demonstrado que ha realmente, no caso de participação dos católicos no movimento
integralista, êsse perigo de substituição insensível de uma coisa por outra”
680
(da consciência
católica pela política):
[...] essa convicção de que fora do Integralismo não ha salvação (política),
essa crítica amarga contra a cegueira dos católicos, que discutem futilidades
bisantinas quando os bárbaros rondam os muros de Roma, com os dentes
aguçados e o apetite aberto, – tudo isso penetra no coração do católico
integralista, como um veneno súbtil e imponderável, que subreptíciamente
676
SOUZA, José Pedro Galvão de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 10/10/1934, CAALL.
677
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 218.
678
Id., ibid., p. 197-198.
679
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada ao Pe. Dionísio Basso, Rio de Janeiro, 26/09/1936, CAALL.
680
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 201.
lhe vai arrancando o espírito sobrenatural e substituindo-o por um espírito
naturalista, que relega o sentimento católico para um canto da conciência, tal
qual o fazia o laicismo mais autenticamente ‘democrático-liberal’.
681
Indicando uma mudança de postura por parte dos católicos que ingressavam nas
fileiras integralistas, Plínio Corrêa de Oliveira relatava que todos os congregados marianos
que se tornaram integralistas passaram a apresentar os seguintes sintomas”: contrariedade e
críticas à ACB; inconformismo com a ACB, dizendo que ela não resolvia nenhum dos
problemas de seu tempo; não falavam em civilização católica, mas em civilização cristã; e
criticavam o episcopado, dizendo que não estava à altura daquele momento e não conseguia
responder às questões do mundo moderno.
682
O movimento integralista gradualmente passava a representar uma espécie de “seita”
concorrente. Muitos jovens deixavam de ingressar nas fileiras das organizações católicas,
como a AC, para fazê-lo nas fileiras integralistas. Dentre eles, boa parte afastava-se das
autoridades e organizações católicas, estreitando seus laços com as autoridades e organizações
integralistas. Cabe lembrar que “Dr. Alceu” censurava consideravelmente os padres
integralistas, pois, em seu entender, “a função do clero não era fazer política”
683
. Os leigos
que exerciam cargos de responsabilidade em organizações católicas eram repreendidos de
maneira semelhante.
Essa dualidade não se restringiu à teoria. Em sua correspondência, encontramos várias
cartas nas quais os remetentes, como Aleides F. Allegretti, contavam que haviam seguido as
“diretrizes amorosianas e não se filiaram ao Integralismo para se dedicarem melhor à ACB,
aos Círculos Operários Católicos, dentre outras organizações da Igreja
684
. D. Lepoldo, por sua
vez, notando a força dos integralistas no interior de São Paulo, demonstrava que eles estavam
desarticulando todo esforço social da ACB
685
. José P. Galvão de Souza também
compartilhava desse posicionamento. A partir da crítica à militância integralista de alguns
clérigos, apontava:
[...] deante do integralismo, em que o espírito agnóstico e fascista de alguns
de seus chefes nos pode conduzir aos perigos do estadismo, devemos
defender a acção catholica e acima de tudo nos preocupar com ella, o que o
senhor tem sabido tão bem mostrar pela palavra e pelo exemplo.
686
681
Id., ibid., p. 207-208.
682
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 22/01/1935, CAALL.
683
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 196.
684
ALLEGRETTI, Aleides F. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Viadutos, 05/11/1935, CAALL.
685
DOM LEOPOLDO. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 23/11/1934, CAALL.
686
SOUZA, José Pedro Galvão de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 18/06/1935, CAALL.
Para Plínio Corrêa de Oliveira, a ACB era um movimento em potencial, que
contribuiria para evolução do catolicismo no Brasil e para melhorar nossa sociedade. No seu
entender, os integralistas erraram ao minimizar o poder supremo de Deus; a ação política era
apenas um acessório para a ação religiosa, e não o contrário.
Portanto, se, em princípio, é desejável o ingresso de catholicos na Acção
Integralista, é certo que, concretamente, isto representaria um grande
enfraquecimento para a Federão Mariana, que é a espinha dorsal da acção
catholica de São Paulo.
687
O Integralismo foi “dos raros movimentos políticos modernos, no Brasil, capazes de
corresponder ao idealismo palpitante e heróico” dos moços, todavia, devia respeitar certas
condições para ter a cooperação ou participação dos católicos. Para “Dr. Alceu”, os católicos
que atuavam no Integralismo deviam pensar primeiro no aspecto social e depois no político,
ou seja, primeiro na ACB, depois na AIB.
688
Julgamos interessante discutir um pouco a relação entre Alceu Amoroso Lima e o
Tenente Severino Sombra, fundador da LCT (1931). A priori, o que se pode dizer é que, ao
ter conhecimento da iniciativa de Severino Sombra, “Dr. Alceu” publicou um artigo no jornal
paulista A Razão enaltecendo a “energia indomável” da obra que este jovem militar estava
realizando em Fortaleza, onde procurava uma solução “racional e cristã ao problema
social”.
689
Severino Sombra foi condenado ao exílio por ter participado da Revolução
Constitucionalista de 1932; até seu regresso, viveu em Portugal, onde entrou em contato com
o Cardeal Cerejeira. Não sabemos ao certo quando regressou ao Brasil, mas, a partir da
análise de sua correspondência (com Alceu Amoroso Lima), acreditamos que tenha sido em
1933. Ao voltar do exílio, desentendeu-se com Pe. Hélder Câmara, que dera continuidade à
LCT durante sua ausência. Além da disputa pela liderança do movimento, uma das causas do
desentendimento foi o fato de Pe. Hélder ter atrelado a LCT ao Integralismo, posicionamento
do qual Severino Sombra divergia, tanto pela desconfiança em relação a Plínio Salgado
quanto pela condenação teórica de alguns aspectos do Integralismo. Coincidentemente ou
não, eram praticamente os mesmos aspectos que Alceu Amoroso Lima censurava. No entanto,
por mais contraditório que pareça, as biografias sobre D. Hélder Câmara indicam que um dos
687
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 22/01/1935, CAALL.
688
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 215-216.
689
LIMA, 1931 apud AZZI, Riolando. Os pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003. p.
20.
principais motivos que o levaram ao Integralismo foi o fato de Alceu Amoroso Lima dizer
que o movimento estava de acordo com o “espírito” católico.
As primeiras correspondências entre os líderes católicos leigos do Rio de Janeiro e de
Fortaleza datam de 1931, período em que Severino Sombra criticava alguns artigos de
Sobral Pinto, identificando neles palavras favoráveis aos comunistas. Ao salientar que fazia “a
contra-revolução e não reacionarismo ignorante, infecundo e demolidor”
690
, deixava
transparecer que não queria ser identificado simplesmente como reacionário. Durante o
período em que esteve exilado em Lisboa, também escreveu ao “Dr. Alceu”; o sabemos,
contudo, se devido à censura ou a outro fator, suas cartas apresentam breves comentários
nesse período, restringindo-se, por vezes, a saudões.
A fim de colaborar para que retornasse ao Brasil, Alceu Amoroso Lima endereçou as
seguintes palavras a Getúlio Vargas:
[...] como ato de justiça e equidade [peço] autorização para que o jovem
nortista Tenente Severino Sombra um dos últimos exilados ainda longe da
Pátria e da família possa regressar sem demora...
691
Severino Sombra e Tristão de Athayde concordavam em muitas coisas, dentre as
quais, a idéia de que a reação nacionalista (fascismo, Integralismo) apresentava aspectos
positivos e negativos. Se o ‘nacionalismo é a grande heresia do século XX’, é também o
caminho da Salvação da civilização e o prefácio místico dos novos tempos de santidade”.
692
Ao abandonar a LCT, Severino Sombra fundou a Campanha Legionária, movimento
que ficava no meio do “fogo cruzadoentre integralistas (que tinham o apoio das lideranças
católicas de Fortaleza) e comunistas. Ao discutir o choque entre ambos, muitas vezes percebia
que, ao reivindicarem seus direitos, os operários eram tratados pelos integralistas como sendo
comunistas. Para resumir esse choque usava a seguinte expressão: O cacete cantou”.
Sentindo-se constantemente agredido pela imprensa integralista, acreditava que os pobres
rapazes integralistas do Ceará estavam fazendo o jogo da maçonaria
693
e não percebiam que o
avanço integralista (avanço laico) solapava pouco a pouco as organizações católicas.
Ironizando, citava um jornal socialista de Fortaleza que dizia que a LEC havia-se tornado
“Liga Integralista Católica”.
694
690
SOMBRA, Severino. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Fortaleza, 01/09/1931, CAALL.
691
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Gelio Vargas, s/l, s/d, CAALL.
692
SOMBRA, Severino. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Fortaleza, 05/03/1933, CAALL.
693
SOMBRA, Severino. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Fortaleza, 17/07/1934, CAALL.
694
SOMBRA, Severino. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Fortaleza, 26/06/1934, CAALL.
Não poupava críticas a Pe. Hélder Câmara, mostrando que ele estava constantemente
envolvido em confrontos violentos. Por meio de alguns dos argumentos amorosianos,
retalhou-o fortemente.
V. preferiu, em defeza de um partido político e de um homem cujo caráter
V. não pode conhecer porque jamais conviveu com elle, promover uma
lucta de graves conseências no próprio meio catholico, para gáudio dos
inimigos da Religo. Aliás, V. o faz mais ação catholica, mas apenas
ão integralista.
695
Assim como “Dr. Alceu”, questionava determinados aspectos doutrinários do
Integralismo, fato que pode ser evidenciado em suas críticas a Pe. Hélder Câmara.
V. conhece os Estatutos da AIB approvados no Congresso de Victoria e
conhece também os dois livros em que Plínio Salgado define a doutrina
integralista. Ora deante delles, ou V. é de uma incapacidade mental absoluta
ou comete uma chatage gravíssima, endossando com o prestigio da sua
batina os erros philophicos, moraes e históricos contidos nesses
documentos.
696
A posição de Severino Sombra estava muito próxima à de Alceu Amoroso Lima.
Todavia, parece ter-se afastado antes e com mais intensidade do Integralismo.
Restringindo nossa discussão aos desdobramentos do pensamento amorosiano,
pudemos averiguar que, em resposta àqueles que lhe perguntavam como orientar suas
atividades cívicas sem errar religiosamente (catolicamente), ressaltava que podiam ser
patrianovistas, integralistas, nacionais corporativistas, cristãos-democratas ou republicanos,
desde que não rompessem com “a verdadeira hierarquia dos valores, isto é, sendo antes de
tudo humanos”
697
. E àqueles que pretendiam ouvir um conselho para que ingressassem no
Integralismo, ou uma condenação incondicional do mesmo, diante da complexidade da
situação, afirmava que não era possível uma resposta absoluta.
Sim, em certas condições, - é o que penso poder dizer. No mais, julgue cada
qual de ardo com a sua consciência, com as suas condições individuais,
com as exigências do seu temperamento, do seu meio, da sua posição, etc.
Deus não nos deu a inteligência para obedecermos servilmente e sim para
695
SOMBRA, Severino. Carta enviada ao Pe. Hélder Câmara, Fortaleza, 08/08/1934, CAALL. Carta
endereçada ao padre Hélder Câmara, mas encontrada na correspondência que Severino Sombra enviou a
Alceu Amoroso Lima.
696
Id., ibid.
697
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 66-67.
aplicarmos os princípios gerais às nossas condições particulares.
698
A idéia de que “para o bem da civilização cristã em terras do Brasil, só podem resultar
benefícios do entendimento sincero e leal entre o Integralismo e o catolicismo permeia,
contudo, a obra Indicações Políticas, em que discute com mais intensidade essa relação
699
.
Observava, ainda, que a polêmica em torno do juramento ao chefe havia sido superada por
meio das explicações de Plínio Salgado, segundo o qual o juramento era subordinado à
manutenção das ‘diretrizes’”
700
. No mesmo livro, escrito antes da fracassada tentativa de
golpe integralista, argumentava que a Igreja possuía motivos para se manter fiel ao Estado,
em detrimento dos integralistas. Se o Integralismo tinha “um programma mais condizente
com os ‘princípios católicos’, tem o governo, por seu lado, um argumento decisivo em face da
Igreja – ser a autoridade constituída”.
701
A partir do início de 1937, iniciavam-se as especulações acerca das eleições que
deveriam acontecer, mas que malograram devido à promulgação do Estado Novo. Nesse
período, muitos católicos questionavam seus líderes leigos e eclesiásticos da seguinte
maneira: “Por que não Plínio Salgado?”. Ou seja, por que a LEC não apoiava diretamente o
líder integralista? Afinal, na “falta de um verdadeiro católico (de um Alceu Amoroso Lima)”,
por que não Plínio? O perigo moscovita, na maioria dos casos, era indicado como a principal
justificativa para essa opção.
702
Imediatamente após a criação do Estado Novo varguista e da fracassada tentativa de
golpe integralista, percebemos sensível aumento no número de integralistas que escreviam a
Tristão de Athayde a fim de criticá-lo por sua posição ambígua em relação ao Integralismo. J.
Oliveira E. Cruz, citando passagens de artigos por ele escritos, nos quais pregava a
cooperação entre católicos e integralistas, repreendia-o dizendo que “havia dado um passo
atrás”, se “acovardando”. Discordando de seu ponto de vista, acreditava que os católicos
deviam ter uniformidade em torno do catolicismo e não podiam ficar escolhendo entre A ou
B. Os eclesiásticos, sim, não deveriam misturar-se à política, mas os líderes católicos leigos
deveriam “orientar a direção de seus irmãos em crença, mostrando-lhes o caminho certo em
face dos conselhos espirituaes da Igreja”. Pois os católicos em geral o tem nem podem ter
conhecimentos sufficientes que os autorisem a, escolher, obedecendo, apenas, a seus próprios
698
Id., ibid., p. 219.
699
Id., ibid., p. 220.
700
Id., ibid., p. 219.
701
Id., ibid., p. 236.
702
AGUIAR, Nelson José Miranda de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/local, 26/07/1937, CAALL.
impulsos”.
703
A impressão que me deixou este recuo de V.S. fez-me lembrar, perdoe-me a
irreverência, o soldado covarde que antes de combater bebe aguardente e
masca fumo em quantidade insufficiente, de modo que no meio da luta,
cessa o efeito da droga e o infeliz foge desabaladamente.
704
Cruz salientava, ainda, que seu posicionamento era “débil, confuso e contraditório”.
Prosseguindo com os exemplos militares, parodiava e afirmava que sua atitude foi como a de
um comandante que diz: “Soldados! Toca avançar; eu vou para um lado e vocês para onde
quizerem ... Bravos!”
705
. Clamando pela cooperação entre católicos e integralistas, exclamava:
“[...] deve V.S. confessar que a minha inclinação pelo integralismo, tanto como a sua
sympathia por esse movimento, não podem sofrer censuras ou restrições”
706
. Por fim,
concluía: Lembre-se ó mestre que a hecatombe hespanhola é conseqüência, em parte, de
accomodações e transigências políticas dos leaders catholicos daquele paiz”.
707
José da Silva Leme, um jovem integralista, também não entendia a motivação da
mudança de atitude por parte dos líderes católicos em relação ao Integralismo. Segundo ele,
enquanto em 1937 o clero e o episcopado o se cansavam de elogiar os integralistas, em
1938 foram coniventes com a pena de morte imposta pelo Estado a alguns deles. Chamava
“Dr. Alceu” de covarde, uma vez que havia incitado a juventude ao Integralismo e
posteriormente a abandonado, deixando-a à mercê “das linhas de frente dos comunistas e do
Estado Novo”.
708
No seu artigo que me suggeriu essa carta, o Sr. confunde deliberadamente
Integralismo, Nazismo, Maçonaria. Nem os comunistas nunca cometeram
contra nós um crime cheio de tanta maldade, perversidade, verdadeiramente
diabólico.
709
O jovem integralista igualmente mencionava que essa mudaa seria um sinal de
aproximação ao comunismo ou de que teria sucumbido diante do liberalismo burguês. Além
de tudo, condenava Alceu Amoroso Lima por plágio.
703
CRUZ, J. Oliveira E. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima,Rio de Janeiro, 25/07/1937, CAALL.
704
CRUZ, J. Oliveira E. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 10/07/1937, CAALL.
705
Id., ibid.
706
CRUZ, J. Oliveira E. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 25/07/1937, CAALL.
707
CRUZ, J. Oliveira E. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 10/07/1937, CAALL.
708
LEME, José da Silva. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Campinas, 18/12/1938, CAALL.
709
Id., ibid.
Uma das coisas que me fez descrer de si e da boa intenção de suas
actividades foi o seu livro ‘Idade, sexo e tempo’. O Sr. copiou páginas
inteiras do chefe e de outros autores integralistas.
710
Gradualmente, como denunciaram os integralistas citados acima, o pensamento
amorosiano foi afastando-se da doutrina do sigma. Desde então, intensificou sua luta em prol
da liberdade, assombrado com a possibilidade de movimentos totalitários (fossem de direita
ou de esquerda). Contudo, é preciso lembrar que, desde a década de 1930, mostrava que em
alguns aspectos discordava da doutrina de Plínio Salgado.
Enquanto na década de 1930 os colaboradores de A Ordem enfatizavam o que havia de
comum entre o Integralismo e o catolicismo, na década de 1940 destacavam as discordâncias
doutrinárias entre ambos.
[...] para o sr. Plínio Salgado parece não existir a possibilidade de vários
movimentos poticos inspirados no Evangelho ou na doutrina da Igreja. [...]
Aliás o sr. Plínio Salgado declarou textualmente que ‘o integralismo é a
repercussão do catolicismo no plano político’.
711
O perigo maior do integralismo está porém, em nossa opinião, no fato de ele
se considerar, à semelhança do comunismo, não apenas um partido político
mas uma concepção geral da vida e do universo.
712
Os redatores da revista A Ordem, na década de 1940, seguindo os pressupostos da
Hierarquia e mostrando-se contrários à formação de um partido católico, enfatizavam que o
catolicismo dos integralistas poderia ter sido uma jogada política.
Em 1937 o integralismo apresentou-se no Brasil como o salvador da
civilização cristã diante do surto comunista, pretendendo exigir por êsse
motivo a adesão incondicional do eleitorado católico. E quando a Igreja
reafirmou a sua posição fora e acima dos partidos nossos chefes leigos foram
cobertos de ultrajes pelos que não compreendiam dessa distinção básica
entre espiritual e temporal, fundamento dos princípios políticos do
cristianismo.
713
Segundo Michel Ahouagi, os seguidores de Plínio Salgado haviam inventado o
“totalitarismo da liberdade”, pregando a necessidade de combatê-lo, mas não se auto-
710
Id., ibid.
711
RIBEIRO, Fabio Alves. O Integralismo e os católicos. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 462-478, nov. 1946.
p. 470.
712
REDAÇÃO. Comunismo, reacionarismo, Integralismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p.166-174, set.1945. p.
173.
713
Id., Ibid.,p. 172.
reconheciam como totalitários. “O liberalismo que condenam é simplesmente a liberdade, de
que tem medo”.
714
Em 1945, Gustavo Corção preocupava-se com o fato de o CDV ser identificado como
um movimento “reacionário”. Para evitá-lo, pregava a necessidade de uma mudança de
postura, lembrando que alguns anos atrás o problema político era muito obscuro para a
maioria dos católicos”, sendo compreensível terem “precisado de um maior desenvolvimento
dos fatos e da providencial obra de Maritain para pegar o fio da questão”. E continuava: “É
impossível desconhecer que a maioria dos católicos no Brasil se enganou, uns mais, outros
menos, a respeito do fascismo e do integralismo”. Assim como Alceu Amoroso Lima, afligia-
se com a ostensiva campanha anticomunista promovida pelo Pe. Sabóia e pelo bispo de São
Paulo (ao que tudo indica, Dom Carlos Carmelo Cardeal de Vasconcelos Motta), o que
considerava muito mais partidário que qualquer opção política de direta, podendo o
anticomunismo extremado causar um revés na opinião blica. Todavia, admitia que alguns
membros do CDV do Rio de Janeiro “pensavam torto demais” (progressistas demais),
causando uma reação inversa, sendo necessário silenciá-los.
715
Corção parecia o concordar com o posicionamento suprapartidário da Igreja, ou
melhor, da intelectualidade católica. Ao justificar sua postura, alertava que combater o
comunismo no meio político era mais eficaz que travar uma batalha doutrinária ou partidária.
O medo de uma possível aliança entre Luís Carlos Prestes e Getúlio Vargas, que culminaria
no “Estado Novíssimo”, fazia com que pregasse a necessidade de a Igreja apoiar diretamente
a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes
716
, para quem “Dr. Alceusubiria no palanque
para fazer campanha. Não podemos nos esquecer de que o trabalhismo de Vargas era
considerado pela maioria dos militares como “filo-comunista e despertava neles o
anticomunismo. Nesse sentido, apoiar Eduardo Gomes era apoiar o anticomunismo, fato que
mostra a complexidade da posição política amorosiana.
A partir de meados de 1940, como discutimos no capítulo anterior, acentuava-se o
racha político entre os intelectuais católicos: de um lado estavam os progressistas
(maritaineanos) e do outro, os integristas. Essa divisão ultrapassava o debate teórico, pois,
segundo o Pe. Orlando Machado não era simplesmente Maritain e Bernamos que eles
[integristas] querem atacar. É o laicato católico. É a A.C. que mais uma vez sobe o calvário”.
Ao criticar os integristas, perguntava ao “Dr. Alceu” se na Espanha de Franco a Igreja católica
714
AHOUAGI, Michel. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Belo Horizonte, 19/11/1947, CAALL.
715
CORÇÃO, Gustavo. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Sta. Maria Madalena, 22/07/1945, CAALL.
716
Id., ibid.
estaria melhor que na URSS de Stalin
717
, crítica também direcionada a Plínio Salgado. Outro
eclesiástico, Pe. Mario Marciano, denunciando a “temperatura reacionária que abafava o meio
religioso”, indicava: Todos os meus colegas brasileiros, salvo poucas exceções, são
integralistas decididos”.
718
Muitos católicos discutiam a possibilidade de serem, ao mesmo tempo, maritaineano e
integralista. E alguns, como o padre José da Costa Matos, achavam que era possível.
Conheço boa parte dos escritos de Plínio Salgado, de um modo especial os
mais recentes, e confesso que não pude ainda apreender o caráter fascista ou
totalitário da sua doutrina política, muito embora condene ataques de adeptos
seus a sacerdotes que discordam das suas idéias e, vez por outra, encontre os
artigos do chefe integralista sutilezas de pensamento que me parecem
velados convites ao fanatismo.
719
Para responder a um católico cujas indagações eram parecidas com as do padre Matos,
Alceu Amoroso Lima retrucou que Jacques Maritain e Plínio Salgado representavam duas
linhas de pensamento antagônicas.
720
Enquanto na primeira metade da década de 1930 a intelectualidade católica tinha
preocupação teórica de dizer que o Integralismo era diferente do fascismo, constituindo uma
reação sadia e espiritualista à crise das democracias liberais, a partir de 1940, os membros do
CDV passaram a identificá-lo aos movimentos de tipo fascista. Em suma, um regime “em que
o totalitarismo não apenas aceita o fato religioso, mas procura mesmo incluir em seu
programa os princípios políticos sociais do cristianismo”.
721
Uma compreensão mais profunda da doutrina social católica; a sábia
orientação da Santa Sé, pela palavra de Pio XI e de Pio XII; a lição de
pensadores como Maritain e Bernamos e a experiência da política nacional e
internacional desses últimos anos, que nos mostraram exuberantemente
como alguns princípios certos e as pequenas vantagens históricas do
fascismo e seus derivados, o nazismo, o franquismo, o salazarismo e o
integralismo etc. – o completamente apagados pelos seus irreparáveis
erros doutrinários, tudo isso concorreu decisivamente para modificarmos,
substancialmente, no dia de hoje, o juízo que cerca de dez anos, por estas
colunas e em face das circunstâncias históricas daquele momento,
expendíamos à cerca do integralismo.
722
717
MACHADO, Orlando Pe. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Belo Horizonte, 1944, CAALL.
718
MARCIANO, Mario Pe. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Rio de Janeiro, 15/07/1949, CAALL.
719
MATOS, José Costa Pe. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Ipueiras/Ceará, 20/01/1950, CAALL.
720
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Wilson Melo de José, Rio de Janeiro, 26/04/1948, CAALL.
721
RIBEIRO, O Integralismo e os católicos, 1946, p. 472-473.
722
REDAÇÃO. Comunismo, reacionarismo, Integralismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p.166-174, set.1945. p.
171.
Ao externar sua perspectiva sobre o Integralismo, Fabio Alves Ribeiro constatou que
os perigos de aderir à AIB eram maiores que os benefícios
723
. Por outro lado, a antipatia que
caracterizava a postura dos intelectuais católicos frente aos integralistas, após a Segunda
Guerra Mundial, perpetuar-se-ia em relação ao PRP (Partido de Representação Popular). A
maioria da intelectualidade católica não acreditava na postura democrática e liberal que o
partido de Plínio Salgado dizia ter adotado.
Por fim, podemos dizer que predefinir o pensamento de Alceu Amoroso Lima acerca
do Integralismo ou seja, estabelecer que, entre 1930 e 1940, foi simpático ao mesmo e,
desde então, caminhou em sentido contrário é simplificar uma relação muito mais
complexa. Nos primeiros anos de 1930, já identificava alguns aspectos negativos nesse
movimento, ao mesmo tempo em que validava a filiação de católicos ao mesmo. O inegável é
que, a partir de 1945, optou claramente pela democracia maritaineana, em detrimento do
socialismo soviético e de possíveis movimentos neofascistas.
4.3.3 A alternativa católica
Anteriormente, examinamos como Alceu Amoroso Lima situou-se diante das
diferentes doutrinas políticas em voga durante o período estudado. Percebemos que ele não
atrelava a doutrina social católica a nenhuma delas, enfatizando que a Igreja possuía um
caminho próprio. Nosso propósito, agora, é tentar delinear a alternativa católica que
propunha, acentuando, principalmente, quais princípios a norteavam.
Até então, procuramos vislumbrar seu posicionamento em distintas temporalidades;
acreditamos, porém, que não precisamos desse cuidado metodológico ao discutir este tópico,
visto que uma espécie de “humanismo cristão” permeia todos os segmentos de sua obra.
Idealizando um Estado pautado nos princípios católicos, constatava que, no âmbito
político, jurídico, econômico e religioso, o mesmo deveria apresentar as respectivas
características: seria uma espécie de regime misto (democracia, aristocracia e monarquia) que
buscaria estabelecer os princípios da ordem, da justiça social, da autoridade, da liberdade e da
caridade; juridicamente alicerçar-se-ia no direito integral, reconhecendo os direitos naturais e
positivos de cada cidadão; seria responsável pela coordenação e orientação das atividades
públicas e privadas; e estabeleceria uma relação de cooperação com a Igreja, fundamentando-
se no equilíbrio entre os poderes temporal e sobrenatural, respeitando a “verdadeira
723
RIBEIRO, Resposta a “Reação Brasileira”, 1945. p. 375.
religião”
724
. Dessa maneira, constituir-se-ia um Estado cristão integral, norteado por uma
concepção espiritual que estabeleceria um “grupalismo hierárquico” e fundamentado,
economicamente, no solidarismo ético.
725
No livro No Limiar da Idade Nova (1935), procurando prever alguns traços do futuro,
apontava dois destinos possíveis, aquele que se desejava e o que realmente aconteceria.
Discordando tanto do determinismo hisrico (Spengler, Spencer, Marx, Hegel e Comte)
quanto do indeterminismo, mencionava que entre ambos existia a força da “graça divina”, a
manifestação religiosa. Afinal, o homem não era o único agente histórico, a vontade agia em
conjunto com outras questões.
Segundo “Dr. Alceu”, quatro fatores marcariam a ascensão dessa “Idade Nova”, a
saber: a decadência da burguesia; a ascensão do proletariado; a importância das máquinas,
fatores técnicos; e a primazia do espírito
726
. No entanto, para que não se repetissem os erros
do passado, era preciso que imperasse
[...] a filosofia de Amor e não de ódio, de Fraternidade e não de opressão, de
Liberdade e não de monopólio, de Diversidade e não de uniformidade, de
Personalismo e não de estatismo, de distribuição da propriedade e não de
supressão da mesma ....
727
Em 1935, indicava que o humanismo de Jacques Maritain
728
poderia salvar a Idade
Nova”. Para tanto, era necessária uma nova cristandade, da motivão para o título de um
de seus livros, Pela cristianização da Idade Nova. O teocentrismo (que não estava
relacionado à criação de uma sociedade teocrática), o grupalismo e o personalismo eram os
carros-chefes dessa idealização. Cabia à doutrina social da Igreja Católica a promoção do
equilíbrio entre a liberdade e a autoridade. Em 1932, sobre o humanismo cristão, ressaltava:
[...] não vem pròpriamente opor-se aos outros sistemas políticos apontados e
apenas completá-los no que têm de justo e corrigi-los no que se tornaram
unilaterais. A concepção política verdadeira deve ser essencialmente uma
síntese e uma harmonia, sem caráter de ecletismo mas também sem
724
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 65.
725
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 187.
726
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 15.
727
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 214.
728
Para Maritain, a Idade Nova seria corporativa, autoritária e pluralista. Autoritária porque, para ele, ao
contrário do que muitos pensam, não deveria haver um governo do povo, mas, sim, um governo aristocrático.
Contudo, esta aristocracia não seria instituída a partir do sangue ou do dinheiro, mas pelo mérito, permitindo
a ascensão social daqueles realmente mais capazes, dando oportunidade a todos. Por outro lado, estes seriam
incumbidos de atuar em prol do bem comum, sendo o sucesso nesta empreitada o objeto de medição do
rito.
unilateralidade.
729
Em detrimento da concepção naturalista (kantiana), na qual “torna-se o homem a
medida das coisas, colocando-se no centro do universo e modelando a realidade dos seres pela
forma do seu entendimento”, propunha uma concepção cristã integral. Nesta, “as coisas é que
são a medida do homem e êste aplica sua inteligência no universo, adaptando-a à variedade
dos objetos aos quais ela se aplica
730
. Assim, distinguindo pessoa de indivíduo, deixava claro
que o homem era o núcleo da sociedade. “O indivíduo existe para a sociedade, a sociedade
existe para a pessoa, a pessoa existe para Deus”.
731
O humanismo cristão vê no homem a sua essência eterna e considera-o
sempre sob êsse ângulo. Isso não representa de modo algum, uma repetição
ou uma conservação de formas passadas. O eterno não é a negação do
moderno. Nem a negação de que a vida seja movimento e transformação. É
apenas a distinção perene das coisas por seus valores hierárquicos. De modo
que, em qualquer momento do tempo, o que há de eterno no homem deve,
não aniquilar, mas dominar o que há nele de moderno. E isso segundo o
princípio fundamental de que o eterno é superior ao moderno, por ser êste
um simples acidente no homem e aquêle a sua própria natureza.
732
Ao pregar a defesa da pessoa humana, diferentemente do socialismo soviético e do
capitalismo ianque, sua proposta se identificava em alguns aspectos com o fascismo italiano e
seus derivados, como o Integralismo brasileiro.
Queremos ‘humanizar a quina’, colocando-a ao serviço do homem, no
que seja poupar a este a parte mais pesada do trabalho, – e não mecanizar o
homemcomo quer o neo-capitalismo moderno, de os dadas com o neo-
comunismo stalinista.
Queremos o ‘Estado-Ético-Corporativo’, (ou ‘sociedade corporativa’, como
propõe Van Acker), que respeite os direitos dos grupos naturais que o
compõem, Família, Sindicato, Escola, Município, Nação, etc., etc., e não o
‘Estado Totalitário’, que dê direitos a esses grupos em vez de apenas os
reconhecer e coordenar.
733
Para Tristão de Athayde, o humanismo cristão ia além do fascismo, do liberalismo e
do socialismo; era universalista e harmonioso. Ao reconhecer “à nação direitos relativos a ser
absolutamente respeitados”, chegava mais pximo “da realidade e da finalidade social, isto é,
729
LIMA, Política, 1956, p. 146.
730
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 13.
731
Id., ibid., p. 78.
732
LIMA, Alceu Amoroso. Idade, Sexo e Tempo. Rio de Janeiro: AGIR, 1962. (1. ed. 1938). p. 187.
733
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 131.
da paz e da prosperidade dos povos”.
734
Era favorável à idéia corporativa, desde que estivesse adaptada aos novos tempos.
Neste caso, sabendo “compensar a idéia de incorporação com a idéia de personificação”, pois
apenas “da soma dessas duas idéias póde nascer uma concepção equilibrada e não desnorteada
do Estado Corporativo
735
. Dentre aqueles que lutavam pela reespiritualização do mundo
moderno, sob as bases do corporativismo personalista, citava Daniel Rops, Jacques Maritain,
Gabriel Marcel, Etienne Gilson, Jacques Copeau, Maurice Brilland e Charles Du Bos, todos
eles expressões da inteligência da “Idade Nova”.
Recusando-se a enxergar a sociedade como um “meio” marcado pela luta entre classes
ou entre o indivíduo e o Estado, a sociologia católica advertia que o homem precisava de
grupos naturais (família, Igreja, sindicato, escola, categorias profissionais etc.) que se
colocassem entre ambos.
736
Segundo a concepção social cristã, nem é o Estado que existe para o
indivíduo, como queriam as revoluções inglesa, norte-americana e francesa
e, nem o indivíduo que existe para o Estado segundo a revolução russa e,
no fundo, a italiana. Conforme a nossa concepção sociogica o Estado e o
indivíduo existem para os grupos intermediários que constituem os órgãos
do corpo social.
737
Nessa perspectiva, a solução para a crise moderna (séc. XX) poderia vir da
proporcionalidade do poder político, da reintegração do poder espiritual e da racionalização
do poder econômico. Não obstante, defendia a harmonia, a organicidade entre o poder
religioso, político e econômico, desdobrando essa idéia para as relações sociais em geral. As
classes deveriam ser incorporadas pelos sindicatos técnicos e proletários como órgãos
políticos da sociedade, os quais seriam regulados pela Igreja (moral e eticamente) e pelo
Estado, atuando em regime de cooperação.
738
Defendemos o Estado social e não apenas o Estado judico. E como a
ordem social o de dissociar-se da ordem moral, pugnamos também por
um Estado impregnado pelos princípios da moral, racional e chris e,
portanto, harmoniosamente em relações com o quarto pilar da vida social: a
734
LIMA, Política, 1956, p. 147.
735
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 152.
736
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 80.
737
Id., ibid., p. 90.
738
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 91.
Igreja.
739
O sindicalismo católico era sinônimo de “cristalização profissional das classes
740
e
fazia parte de uma tentativa de amenizar a crise do poder econômico, fruto do divórcio entre
os dois elementos centrais da economia, o capital e o trabalho. Os recursos materiais deveriam
ser adequados à necessidade do homem, reivindicação que não era monopólio dos
socialistas.
741
O socialismo possue uma filosofia materialista da sociedade. O cristianismo
defende uma filosofia espiritualista da sociedade. Mas ambos julgam
impossível a ordem social sem a consciência de uma finalidade coletiva.
742
De certa forma, Alceu Amoroso Lima condenava a mobilidade social em vigor no
mundo burguês, considerando-a prejudicial a toda e qualquer integridade social. Para
esclarecer, lembrava que havia considerável estabilidade social em uma sociedade em que as
posições sociais eram imóveis (como a medieval)
743
. Não pregava o retorno ao passado,
apenas dizia que a “solução dos problemas sociais está na re-humanização da humanidade, no
humanismo social”. Daí a “necessidade de voltar à unidade humana, à unidade não apenas
exterior, acidental, de fora para dentro, mas orgânica, profunda”, que culminasse na
“fraternização social dos homens, em conseqüência de sua solidariedade social inata”.
744
Pregando a importância da existência da variedade (pluralidade) na unidade, pensava
que o Estado devia lutar pelo bem comum dos cidadãos que o compõem. Portanto, sua função
não era anular a variedade social, mas garantir o direito à variedade dentro de uma unidade
maior.
Pela unidade social dá-se ao Estado, na ordem temporal, um poder de
coordenação e de orientação de todos os grupos naturais. Pela variedade
social, respeitam-se os direitos intangíveis desses grupos, limitando-se, em
prol do bem comum, a tendência normal do Estado de exorbitar de suas
funções e absorver os direitos da família, da corporação ou da Igreja.
745
739
ATHAYDE, Tristão de. Uma intervenção dos grupos sociaes, especialmente do Estado e da Igreja, na vida
econômica. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 143-147 e 219-224,
jan./jun.1933. p. 224.
740
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 87.
741
Id., ibid., p. 120.
742
Id., ibid., p. 102.
743
LIMA, Introdução ao Direito Moderno, 1961.
744
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 94.
745
LIMA, Política, 1956, p. 29
Como salientamos anteriormente, para ele, a “Idade Nova”, o porvir, seria marcado
pela crise da sociedade burguesa e pela ascensão da sociedade do trabalho, em que
obrigatoriamente (para não cair no mal revolucionário) o proletariado ascenderia socialmente.
Pautado nessa crença, nas palavras de São Paulo e nas encíclicas sociais da Igreja Católica,
destacava a importância do trabalho.
Quem não trabalha o come. Quem não ganha, com seu esforço, o direito
de uma condição social adequada, não merece figurar como membro de
uma coletividade humana. O que humaniza a sociedade é o trabalho. O que
permite a justiça é o trabalho. O que justifica a riqueza é o trabalho. O
trabalho é a única lei que garante a grandeza de um povo e de um governo.
É o trabalho o próprio segredo da ascensão e decadência das civilizações
[...] O trabalho é o próprio laço de uno entre os dois elementos que
determinam o ritmo das civilizações e que chamamos o economismo e a
sacralidade.
746
Segundo Alceu Amoroso Lima, após a Segunda Guerra, a nova ordem mundial
configurar-se-ia como regime de justiça social somente se fundamentada em uma
“democracia orgânica ou cristã, e o apenas quantitativa, opinativa ou numérica”
747
. Ao
indicar o papel que o Estado deveria desempenhar, argumentava: “Não é uma conservação
estática que lhe pedimos. É uma intervenção dinâmica no presente, para a preservação e
reintrodução do que tenha havido de melhor no seu passado”.
748
Mesmo entre os calicos, todavia, encontramos alguns questionamentos e críticas
acerca da “saída católica” para os males do mundo moderno. Dentre eles, destacamos a
postura de um correspondente anônimo do “Dr. Alceu”, o qual dizia que seu posicionamento
era vago e evidenciava apenas os fins pretendidos, mas não mostrava como chegar aos
mesmos. Clamando por um posicionamento mais direto, indagava: “Como então deveria ser o
Estado ideal? [...] o desejo receber entretanto os fins, quero os meios”, pois, “a miséria
humana não pode ser vencida pela caridade”. O mesmo autor ainda duvidava da
possibilidade da ascensão da democracia maritaineana, que, segundo ele, nasceria apenas de
uma revolução espiritual, acontecimento que considerava uma ilusão, pois “quem tem fome,
não pode viver de espírito, de palavras”. Em suma, assinalava que o pensamento amorosiano
era idealizado e elitista.
749
Em nosso entender, tais críticas procedem, visto que a alternativa católica não se
746
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 118.
747
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 179.
748
LIMA, Alceu Amoroso. Voz de Minas. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes: EDUCAM, 2000. (1. ed. 1945). p. 213.
749
ANÔNIMO. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/l, 1944, CAALL.
converteu em alternativa real no Brasil. No entanto, em nosso recorte temporal, ora à direita,
ora à esquerda, “Dr.Alceu” parece ter procurado o mesmo fim, uma sociedade mais justa,
mais eqüitativa. Porém, como salientou o autor acima, parece sempre ter concedido mais
ênfase aos fins que aos meios, chegando a reconhecer que a alternativa católica não era
possível de ser alcançada em sua totalidade. Não podemos nos esquecer de que, para ele, a
moral, o pensamento e as idéias eram fatores que determinam a condição social.
4.3.3.1 O distributismo
Especificamente no âmbito econômico, Alceu Amoroso Lima propunha o
distributismo, doutrina desenvolvida pelo inglês Chesterton, um dos pensadores que, ao lado
de Maritain, mais o influenciaram
750
. Ao buscar uma solução para o problema social do
mundo moderno
751
, essa doutrina propunha melhor distribuição das posses, afastando-se tanto
da noção liberal, direito de propriedade ilimitado, quanto da concepção comunista, negação
do direito de posse
752
. Segundo ela, a propriedade deveria ser um bem limitado ou voltado ao
bem comum, possuindo uma função social, como havia indicado Leão XIII e Pio XI. Não
devia ser vista como um objetivo, mas como uma condição, existindo para “alguma coisa que
está além e acima dela, e não por um direito intnseco à existência. A propriedade é um meio
e o um fim”
753
. Portanto, possuir riqueza não era um mal, o erro estava no modo de
empregá-la.
754
Ao retomar uma discussão que se estendia desde o século XIX, ressaltava que a
economia burguesa causava mal aos dois extremos: ao proletariado porque vivia em situação
de extremo pauperismo e a burguesia em virtude da auto-alienação que promovia. O
distributismo viria impedir a acumulação de riqueza tanto nas mãos do Estado, comunismo,
quanto nas mãos de poucos particulares, capitalismo moderno.
755
Pode-se dizer, portanto, que o distributismo vem restabelecer a propriedade.
A propriedade não no sentido romano, mas no sentido humano. A
propriedade limitada e justa. A propriedade que é uma expansão da
personalidade. A propriedade que é o núcleo econômico da família. A
propriedade que fornece o único fundamento social sólido para a liberdade.
750
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 223.
751
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 182.
752
LIMA, Introdão à Economia Moderna, 1961, p. 124. LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 156-157.
LIMA, Política, 1956, p. 197.
753
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 229.
754
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 125.
755
LIMA, Alceu Amoroso. O socialismo. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 62-79, jan. 1936. p. 68.
o pode haver uma sociedade de homens livres sem o direito individual de
propriedade. E não pode haver propriedade justa senão onde haja o inverso
do que se hoje em dia. Isto é, uma sociedade onde haja uma maioria
absoluta de proprietários e apenas uma minoria, inevitável sempre, de
desprovidos de propriedade.
756
Ao contrário das civilizações em que vigorava o protestantismo, principalmente
aquelas de tradição moral-econômica calvinista, nas quais imperava o culto à grande
propriedade e à pequena família”, Alceu Amoroso Lima acreditava que toda civilização
católica ou de base católica deve viver socialmente partindo do culto à pequena propriedade
e à grande família”
757
. Defendia a descentralização econômica e promovia a apologia da
pequena propriedade, do pequeno fabricante e do pequeno cultivador. Dessa forma, criar-se-ia
uma sociedade mais eqüitativa, onde todos pudessem “realizar plenamente a sua
personalidade”, recolocando o homem no centro da sociedade.
758
Sobre o panamericanismo, percebia que, enquanto nós, latinos, éramos grupalistas e
comunalistas, os anglo-saxões eram particularistas. Da mesma maneira que o “caracter
associativo do catholicismo” influenciou a evolução da sociedade brasileira, o “caracter
individualista do protestantismo marcou vivamente a evolução da cultura anglo-
americana”.
759
A phase da civilização particularista está declinando. A phase da civilização
communalista esta se re-erguendo.
Aquella foi caracterizada pelo surto do capitalismo moderno, que levou os
Estados Unidos ao ápice de sua potência.
Esta se caracterizada pelo surto do communalismo, em suas fórmas
variadas, desde o communismo marxista, que é o communalismo integral e
materialista, até o organicismo christão, que é o communalismo equilibrado
e limitado pela importância central que attribue à personalidade humana
integral, o que o distingue radicalmente de todas as formas de
communalismo exaggerado.
760
Uma sociedade grupalista seria caracterizada pela existência de grupos intermediários
entre o indivíduo e o Estado. Grosso modo, pela idéia de uma sociedade corporativa, na qual
o Estado não tutelaria os corpos sociais, dentre as quais, a família, a Igreja, as categorias
profissionais e a escola
761
. No Congresso Nacional Eucarístico de São Paulo, em 1942, “Dr.
756
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 225-226.
757
Id., ibid., p. 201.
758
Id., ibid., p. 227.
759
ATHAYDE, Contra-Revolução Espiritual, 1933, p. 170.
760
Id., ibid., p. 156-157.
761
LIMA, Voz de Minas, 2000.
Alceuenfatizava que o grupalismo cristão era a verdadeira forma da democracia
762
. Mais
tarde, no livro Mensagens de Roma, reafirmaria que uma sociedade constituída à luz dos
princípios de Roma deveria ser autonomista, grupalista e pluralista.
Respeitando a família e a personalidade individual, a “solução cristã” faria do homem
a medida de toda vida econômica
763
e promoveria uma distribuição mais justa dos capitais, à
luz das “necessidades naturais do homem e [...] de princípios morais imutáveis”
764
. Por este
motivo, defendia a difusão intensiva da pequena propriedade e que o salário deveria “ser
medido pelas necessidades do homem e não do capital”
765
, devendo existir uma espécie de
justiça comutativa que regulasse a ação das leis econômicas, adequando-as às necessidades
humanas. O Estado agiria em setores estratégicos da economia, mantendo os preços de
produtos e serviços em um patamar razoável.
O Estado é, por natureza, o regulamento, o coordenador da vida social, não
apenas na ordem política, mas também na ordem econômica. Compete-lhe
participar intimamente da organização econômica, prevenindo as crises,
impedindo as explorações dos mais fracos pelos mais fortes, regulamentando
o trabalho por meio de uma legislação ampla, e que vise a justiça
distributiva, desenvolvendo quando possível a pequena propriedade agrícola,
commercial e industrial e tomando mesmo a si, em certos casos, a
exploração de certas indústrias de interesse público, como a electricidade por
exemplo.
766
Tudo isso visava garantir o acesso à propriedade ao maior número possível de pessoas,
proporcionando-lhes as condições necessárias para sua “liberdade individual, para a
estabilidade de sua família, para ser uma unidade consciente e eficaz na sociedade e não um
simples soldado social, uma célula biológica, um elo de cadeia”
767
. Por meio dela, as
“pessoas” poderiam conservar sua independência, não cedendo seus direitos naturais nem ao
Estado (socialismo), nem permitindo a anulação de sua liberdade pelo excesso da mesma
(liberalismo burguês).
A humanização da economia perpassava pela humanização dos avanços tecnológicos;
passava-se “da era do homem como servidor da máquina à era da máquina como simples
762
LIMA, Alceu Amoroso. Pela uno nacional. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1942.
763
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 185.
764
Id., ibid., p. 120
765
Id., ibid., p. 122.
766
ATHAYDE, Tristão de. Uma intervenção dos grupos sociaes, especialmente do Estado e da Igreja, na vida
ecomica. Vozes de Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p. 143-147 e 219-224,
jan./jun.1933. p. 223.
767
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 229-230. LIMA, Alceu Amoroso. Manhãs de o Lourenço.
Rio de Janeiro: AGIR, 1950. p. 20.
serviçal do homem”
768
, pois o progresso mecânico nada valeria sem o progresso moral. Fazia-
se necessário que a economia e a produção fossem subordinadas à moral e constituíssem
meios e não em fins, visto que “[...] o problema fundamental é o da distribuição e o o da
produção, como modernamente se crê”
769
. Caso a sociedade não seguisse tais pressupostos, o
fim seria a mecanização do homem, fosse pelo capitalismo ou pelo socialismo.
Segundo Tristão de Athayde, ao proporem a integridade da família, a colaboração
entre as classes, a justiça econômica, os direitos da autoridade pública e a subordinação da
política e da economia à moral, os católicos contribuíam para manter o bem estar da
sociedade, mesmo em meio à transformação em curso
770
. No entanto, ainda lhes cabiam duas
“tarefas”:
[...] de um lado, ajudar para que essa transformação se faça sem vioncias
inúteis, de modo a elevar políticamente as classes do trabalho manual,
conservando-lhes, (o que é, graças a Deus, um fato no Brasil) as suas
virtudes morais e religiosas, e de outro convencer as classes liberais e
burguesas das necessidades de abandonarem o seu egoísmo funesto e
servirem ao bem comum, o que poderão fazer integralmente pela sua
conversão ao catolicismo para não serem excluídas da nova sociedade que se
esformando.
771
Sua posição distributista não era fruto de um posicionamento unilateral da
intelectualidade católica brasileira, tanto que Plínio Corrêa de Oliveira, em carta enviada a
ele, dizia que os “catholicos, conquanto unidos na fé, e obedientes à Igreja, estão divididos
quanto a certos pontos de ditame”, dentre os quais, o distributismo.
772
O Dr. Papaterra Limongi, por exemplo, é catholico muito orthodoxo, mas
absolutamente contrário ao distributivismo.
O Sr. e o Dr. Mazagão o distributistas. Esta pequena divergência existe
entre os catholicos do mundo inteiro; mas é preciso que não apareça [...]
Somos poucos; si nos dividirmos, nada faremos [...] Eu mesmo digo-o com
franqueza tenho um pouco de medo de certo exagero que se pode infiltrar no
distributivismo, exagero que meu espírito fundamentalmente conservador e
passadista repele.
773
O interessante é que, em 1931, o futuro fundador da TFP (Tradição, Família e
768
LIMA, Estudos (Segunda Série), 2003, p. 232.
769
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 217.
770
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 101.
771
Id., ibid., p. 104.
772
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/local, s/data. CAALL.
773
Id., ibid.
Propriedade) aludia textualmente, em algumas cartas que enviou ao “Dr. Alceu”, à obra de
Maritain, mostrando que nosso protagonista se identificava com o pensamento do mesmo.
Plínio Corrêa de Oliveira delineava sua faceta ultramontana, manifestando-se contrário ao
distributismo e a alguns pressupostos maritaineanos
774
. Não podemos nos esquecer de que
escreveria, em 1961, em parceria com D. Geraldo de Proença Sigaud, D. Antônio de Castro
Mayer e Luiz Mendoa de Freitas, o livro Reforma Agrária questão de consciência. Nesta
obra, mesmo reconhecendo que a situação social dos trabalhadores devia melhorar, negava a
necessidade de reformas no setor agrário brasileiro e lembrava que o direito de propriedade
era um direito sagrado, que não podia ser violado. Ou seja, a grande propriedade não podia
ser expropriada. Além da questão doutrinária, esse posicionamento era motivado pelo receio
de que o comunismo fosse introduzido no Brasil.
Diferentemente de Plínio Corrêa de Oliveira, Gustavo Corção, que participou
ativamente do CDV entre 1939 e 1963, por meio do livro Três Alqueires e uma Vaca (1946),
tradução de uma coletânea de textos de G. K. Chesterton, mostrou que comungava do ideal
distributista. Quando da análise da obra, dentre outras questões, percebemos expressiva
coincidência entre seu posicionamento social e o de Alceu Amoroso Lima; ambos defendiam
o personalismo e o direito de posse, ao mesmo tempo em que criticavam tanto o socialismo
quanto a democracia liberal burguesa
775
. Apoiados em Chesterton, pregavam a supremacia da
pequena sobre a grande propriedade, bem como a preeminência do rural sobre o industrial.
Na década de 1960, Corção migraria para uma posição integrista, fundando a revista
católica Permanência e escrevendo ensaios jornalísticos extremamente conservadores; no
entanto, não sabemos precisar os rumos que tomou sua antiga postura distributista.
Especificamente sobre a questão do direito à propriedade, “Dr. Alceu” observava que
a posse “segundo o direito cristão era um direito relativo”
776
, sendo identificada ao usufruto
dos bens por parte dos proprietários.
há no mundo um proprietário absoluto Deus. Nossa propriedade não é
mais do que uma administração dos bens terrenos para os fins determinados
por Deus. Logo, não direitos da propriedade contra os direitos da justiça
distributiva. E os teólogos distinguem nitidamente entre posse e uso,
mostrando que, se o uso da propriedade é individual, a posse é social. Logo,
o direito de propriedade além de relativo é social. Existe para o bem geral. O
que equivale a dizer que não direito de propriedade contra o bem comum,
774
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 24/12/1931, CAALL.
775
CORÇÃO, Gustavo. Três Alqueires e uma Vaca. Rio de Janeiro: AGIR, 1946.
776
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 164.
que é a medida dos bens próprios.
777
A partir do conceito cristão (distributista) de propriedade, aludimos a certo elogio que
“Dr. Alceu” dedicava ao período medieval. Porém, como enfatizamos em vários momentos
deste trabalho, não pretendia voltar ao passado, mas, sim, resgatar algumas características
daquela sociedade. Neste caso, as regras morais que presidiam a organização econômica
naquele período
778
, visto que: “O medievalismo econômico é a primeira tentativa de aplicação
das fôrças espirituais à limitação das fôrças econômicas”.
779
O distributismo na sua base filosófica e psicológica o é mais do que uma
solução para o problema social, partindo da existência de valores morais e
humanos que prevalecem sôbre os valores puramente econômicos [...] o
distributismo considera-o como um ser composto, para o qual os interesses
materiais e morais se compenetram, se distribuem, dominam alternada ou
conjuntamente.
780
A única foa que se pode opor a essa força bruta e cega que aglutina a
matéria e que faz o câncer se dilatar [propriedade aumentar], é a revolão
moral, a restauração da propriedade como base econômica da liberdade e da
cidadania, mas condicionada ao uso e ligada à responsabilidade moral.
781
Para divulgar a viabilidade de tal proposta para a sociedade brasileira, salientava que o
distributismo era uma solução racional, nacional e cristã. Postura que se identificava com a
tradição brasileira, principalmente do interior, onde imperava a pequena propriedade agrícola.
Por isso, a respeito dessa doutrina, ponderava:
[...] respeita os elementos de nossa tradição brasileira, especialmente nas
zonas rurais do interior, em que o espírito da pequena propriedade está
perfeitamente radicado, por natureza, nas populações tão adversas à
exploração capitalista quanto à militarização comunista, e ainda por já
existir, especialmente nos Estados do Sul, toda uma organização distributista
espontânea que poderá ser a semente da futura organização brasileira.
782
Concordando com Alberto Torres, Alceu Amoroso Lima enfatizava que o Brasil “tem
que ser uma república social [...] e tem de ser intuitivamente uma república agrícola”
783
.
Embora a grande propriedade representasse um mal que não podia ser extinto, alertava que
777
Id., ibid., p. 164.
778
Id., ibid., p. 115.
779
LIMA, Introdução à Economia Moderna, 1961, p. 89.
780
ATHAYDE, Preparação à sociologia, 1942, p. 183.
781
CORÇÃO, 1946, p. 257.
782
Id., ibid., p. 184-185.
783
TORRES apud LIMA, Potica, 1956, p. 192.
deviam, ao menos, “ir sendo progressivamente limitados e enèrgicamente combatidos os
abusos e vícios”
784
que acarretava. Como condição sine qua non para sua propagação,
principalmente no interior do Brasil (sua obra deixa transparecer que o verdadeiro povo
brasileiro estava no interior, pois o litoral havia sido contaminado pelo cosmopolitismo), o
Estado deveria assegurar a existência de famílias numerosas.
Ao almejar a democratização política e econômica, defendia que este ideal poderia
ser alcançado por meio de reformas pacíficas. Mantendo a essência de seu posicionamento
anterior, dizia estar “convencido de que o socialismo atual é apenas uma etapa entre o
capitalismo e o distributismo, entre a tirania do Lucro Privado e o espírito de cooperação”
785
;
continuava a rechaçar tanto o capitalismo liberal quanto o socialismo soviético.
Em fins da década de 1940, o termo distributismo foi trocado pela denominação
economia democrático-cristã, mas seus princípios norteadores continuavam os mesmos.
A economia democrático-cristã, tão afastada do individualismo como do
coletivismo, parte de alguns princípios práticos fundamentais, como sejam –
a supressão do segrêdo; a associação entre empregadores e empregados; a
racionalização do lucro e a sua distribuição eqüitativa entre os associados; o
desenvolvimento do cooperativismo; a primazia do trabalho sôbre o
capital.
786
Por fim, podemos concluir que o distributismo marcou o pensamento amorosiano
durante o período estudado. Ainda que em alguns momentos mais à direita e em outros mais à
esquerda, constatamos que sempre idealizou uma sociedade harmônica, na qual todos
pudessem exercer seus direitos enquanto “pessoas”, o que, no seu entender, encerrava a
necessidade de posse.
4.3.4 Alceu Amoroso Lima: a intelectualidade católica por dentro
Em vista dos objetivos propostos neste trabalho, fez-se importante vislumbrar a Igreja
e a intelectualidade católica a partir das lentes de Alceu Amoroso Lima, ou seja, de alguém
que atuava dentro das estruturas católicas. Nesse sentido, é interessante ressaltar que, ao
parafrasear Jackson de Figueiredo na confencia que marcou a criação do CDV de São João
del-Rei, “Dr. Alceu afirmou: “Muito me custa ser catholico!”. Explicando-se, lembrava que
o fundador do CDV dissera isto quando teve que conter seus impulsos violentos, os quais,
784
Id., ibid., p. 195.
785
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956, p. 252.
786
Id., ibid., p. 190.
segundo D. Leme, não condiziam com o espírito católico. Contudo, “Dr. Alceu também
parecia sentir que não era fácil ser um verdadeiro católico, associando os elementos da vida
individual e social.
A religião não é uma attitude, nem um systema, nem um hábito, nem uma
herança. O catholicismo ou é uma vida, uma disciplina completa da vida em
todos os seus campos de acção, – ou então é uma permanência morta que
pode infeccionar a alma humana. Pois a falsa religião é tão perniciosa quanto
o atheismo integral.
787
Em Indicações Políticas (1936), ao rememorar seus primeiros contatos com D. Leme,
menciona que, quando este lhe pediu que sucedesse a Jackson de Figueiredo, apresentou duas
exigências. A primeira era que “o logar de Jackson se conservasse vago”, devendo suceder-
lhe, mas não substituí-lo. Além disso, exigia “que se tirasse ao CDV até mesmo as aparências
de caracter político militante que lhe atribuíam”
788
. Dessa forma, o apartidarismo,
inicialmente imposto por D. Leme, foi seguido pelo novo líder do laicato católico.
Julgo, hoje como então, que qualquer participação direta do centro nas lutas
políticas que nos dividem, será transportar para dentro do nosso recinto o
gérmen das paixões que neste momento ameaçam a própria integridade da
pátria.
789
A Igreja deveria ter uma opção política, porém não um posicionamento partidário. Ela
precisava
[...] não de padres-políticos, mas de padres sacerdotes, não de católicos-
revolucionários’ (como lemos em folhas católicas da maior
responsabilidade...) mas de católicos verdadeiramente cristãos, de doutrina e
de fé, católicos disciplinados, ortodoxos, conhecedores do ‘Syllabus’ e
devotados à causa de Nosso Senhor Jesus Cristo...
790
Se os políticos tentavam, em muitos casos, vestir seus atos de roupagem sacra, visando
angariar apoio popular, a intelectualidade católica pretendia realmente sacralizar a política.
Por isso, os padres deviam estar presos ao mundo temporal e sobrenatural, devendo uni-los.
Em 1935, enfatizava que: “O espírito social, pois, é uma necessidade fundamental do padre,
787
ATHAYDE, Tristão de. As repercussões do catholicismo. Conferência pronunciada a 16 de junho de 1932
na solenne instalação do Centro Dom Vital de São João del-Rei. São João del-Rei: Centro Dom Vital, 1932.
p. 26.
788
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 24.
789
Id., ibid., p. 24. LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 1),1946, p. 202.
790
LIMA, Indicações Políticas, 1936, p. 34.
[porque] nossas obras precisam ir adeante”. (grifo do autor)
791
Admitindo a existência de divies entre os católicos, vinculava-as, sobretudo, à
postura que se esperava da Igreja em relação ao mundo moderno
792
, fato ligado à concepção
política individual de cada um. Portanto, discordava daqueles que encaravam essa instituição
como algo “uno”.
Para quem a Igreja por dentro e nela vive, porém, o que assombra cada
vez mais – e o digo com doze anos de experiência – é exatamente o
contrário: é a liberdade, a variedade, a multiplicidade de orientações, as
dissidências, as inclinações diversas, as discussões infindáveis, a falta de
uniformidade nas opiniões. A Igreja é o mundo. E nela se reflete toda a
imensa variedade da vida, dos tempos e dos temperamentos. O que assombra
não é a rigidez, mas a plasticidade. Não é a unidade, mas a variedade. Não é
a autoridade, mas a liberdade.o é a permanência, mas a mudança.
793
Inserida no mundo, a Igreja não podia sobreviver à margem de suas mudanças. Entre
seus membros, leigos e eclesiásticos, encontramos as mesmas divisões políticas que
marcavam a sociedade em geral. Dentre elas, no livro Mitos do nosso tempo (1943), “Dr.
Alceudestacava o liberalismo, o totalitarismo e o oportunismo.
Os primeiros acreditavam que o destino da civilização ocidental e
possivelmente da humanidade depende exclusivamente da vitória das
Democracias.
Os segundos acreditam que esse destino depende da vitória do Eixo.
Os oportunistas aguardam o resultado da luta para se aliarem ao vencedor.
794
Ao longo de nossa discussão, observamos a divisão da intelectualidade católica em
diferentes alas. Leonardo Van Acker, ao escrever a Alceu Amoroso Lima, em 1931,
denunciava os atritos entre maritaineanos e anti-maritaineanos. “Lembre-se dos ataques
[nome ilegível] contra Maritain, a quem [nome ilegível] como um exemplo vivo, sob todos os
pontos de vista”
795
. Três anos mais tarde, dizia não compreender “por que os católicos travam
uma luta silenciosa” entre si
796
. Apontando também essas divergências, Milton Meira
questionava “Dr. Alceu” sobre como agir frente aos católicos intolerantes, os quais
791
ATHAYDE, Tristão de. Clero e Laicato. A Ordem, Rio de Janeiro, n.61, p. 154-160, mar.1935. p. 158-159.
792
LIMA, O Problema do Trabalho, 1956.
793
LIMA, Meditação sobre o Mundo Moderno, 1942, p. 66.
794
LIMA, Mitos do nosso tempo, 1943, p. 231.
795
ACKER, Leonardo Van. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 29/04/1931, CAALL.
796
ACKER, Leonardo Van. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 04/03/1934, CAALL.
pretendiam, com algumas ações, fazer com que toda a Igreja adquirisse a sua imagem.
797
Como denunciaram Van Acker e Milton Meira, e podemos comprovar em Problema
da Burguesia (1932), desde a primeira metade da década de 1930, Tristão de Athayde
descrevia-se como o último dos discípulos de Jacques Maritain
798
. Tais constatações foram
reafirmadas em No Limiar da Idade Nova (1935), quando observou que, mesmo na década de
1920, quando atuava na Action Française, Maritain exercia considerável influência sobre sua
geração
799
. Posteriormente, ao discorrer sobre sua relação com este neotomista, não destoava
das notas anteriores.
Há vinte anos que me confesso seu discípulo. vinte anos que quase outra
coisa não faço senão traduzir em português o que posso aprender do
pensamento dêsse homem admirável dos nossos tempos. vinte anos que
acompanho de perto, pelo coração e pelo entendimento, a marcha acidentada
dêsse grande espírito pelo arquipélago agitado dos tempos modernos e nunca
me arrependi senão do que não tenho sabido aproveitar dos seus
ensinamentos. Se alguns amigos influíram mais em minha vida, como
Afonso Arinos, Jackson de Figueiredo, Wagner Antunes Dutra ou Cipriano
Amoroso Costa, nenhum mestre, nem mesmo Chesterton ou Fulton Sheen,
teve maior influência.
800
Alceu Amoroso Lima acompanhava o pensamento maritaineano desde a época de sua
conversão; a partir da década de 1940, no entanto, é que saiu em defesa dele no meio
intelectual católico. Sua correspondência confirma a mudança de posicionamento, pois,
enquanto em um primeiro momento essa discussão parecia estar velada, posteriormente o
debate era franco e aberto (como procuramos demonstrar no capítulo 2, no tópico
“Progressistas X Integristas: o caso Maritain”).
Ao demonstrar como as questões estavam postas no final da cada de 1930, Ferreira
Lima salientou a dificuldade de defender Maritain no Brasil. Partidário de suas teorias,
denunciava a existência de oponentes dentro do próprio CDV de sua região. Atribuía este
confronto, entre maritaineanos e antimaritaineanos, à proximidade da filosofia de Maritain
com o socialismo, inimigo declarado da Igreja. Segundo ele, pelo baixo nível intelectual,
muitos aderiam ao comunismo por influência dessa corrente de pensamento; circunstância
que era aproveitada pelos integristas que a identificavam como sinais de que os perigos da
Guerra Civil Espanhola rondavam o Brasil. Por isso, expunha: “Que tremenda
797
MEIRA, Milton. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Diamantina (MG), 10/03/1935, CAALL.
798
ATHAYDE, Problema da burguesia, 1932, p. 111.
799
LIMA, No Limiar da Idade Nova, 1935, p. 42 a 45.
800
ATHAYDE, Tristão. Maritain. A Ordem, Rio de Janeiro, s/n, p. 91-115, fev. 1945. p. 12.
responsabilidade é a de êsse homem”. Ferreira Lima solicitava a “Dr. Alceu que não
pensasse ser exagero, pois as coisas estavam realmente “naquele pé”.
801
Pe. Orlando Machado, ao considerar Maritain como um fermento político” que
precisava ser divulgado, permite-nos contemplar tanto a conjuntura calica quanto a posição
amorosiana.
O Sr. não pode imaginar a alegria que me causou a sua carta!Lutar sozinho
é duríssimo, mas a luta torna-se menos áspera quando se tem a certeza que
nos espera um amigo em que podemos confiar.
802
Denunciando a campanha contra Maritain, promovida por Mesquita Pimentel e pelo
Pe. Arlindo Vieira, Gustavo Corção clamava para que o presidente do CDV e da revista A
Ordem consentisse que tais críticas fossem respondidas à altura. “Por isso insisto. Peço-lhe
que deixe a nota cair
803
. No entanto, contrário às polêmicas, Alceu Amoroso Lima não
permitiu que Corção e outros membros da revista respondessem na “mesma moeda”.
Como no caso é contra o estreitismo que estamos debatendo (os homens que
condenam Maritan por ser liberal, Peguy por não ter batisado os filhos, Bloy
por ser irreverente, Bernanos por ser anti-clerical, o que temos de afirmar é
que a Igreja condena ou pelo menos repugna tanto a êsse espírito puritanista
como ao impuritanismo dos existencialistas emotivos e modernistas. (grifo
do autor)
804
Segundo ele, não podiam combater os integristas usando seus métodos, pois não se
combatia o “ódio com o próprio ódio”.
Não nos foi possível compreender como um homem da envergadura de Tristão de
Athayde, que acentuou seu contato com Jacques Maritain na década de 1920, correspondeu-se
diretamente com ele apenas a partir de 1950. Ainda que a correspondência entre ambos seja
uma das mais extensas de seu arquivo, não nenhuma anterior a esta data, fato bastante
intrigante.
Além das questões apontadas acima, havia outros perigos internos que
“assombravam” a relação dos verdadeiros católicos com a política. O primeiro deles era a
permanência de certo governismo, ou seja, de uma reminiscência política da antiga posição
conservadora e autoritária de alguns católicos, algo caracterizado quando um grupo
801
LIMA, Ferreira. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Ceará, 14/03/1938, CAALL.
802
MACHADO, Orlando (Pe.). Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Belo Horizonte, 1945, CAALL.
803
CORÇÃO, Gustavo. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/d, s/local, CAALL.
804
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Gustavo Corção, Petrópolis, s/d, CAALL.
permanecia sempre a favor do status quo. Fato que o combate ao comunismo havia tornado
ainda mais evidente, trazendo consigo o perigo de encarar tudo que era contrário ao
comunismo como positivo. Em virtude disso, muitas vezes eram cometidos inúmeros erros, o
que deteriorava cada vez mais a união entre os católicos.
A segunda ameaça que rondava a relação dos católicos com a política era a adesão ao
neointegralismo, retomando uma posição reacionária. Os adeptos dessa corrente política
seduziam muitos católicos graças à cruzada anticomunista que promoviam e ao fato de se
identificarem com os princípios católicos. Contudo, segundo “Dr. Alceu”, se chegassem ao
poder, poderiam tornar-se extremamente anticlericais e até anticatólicos.
O terceiro risco que os católicos corriam era caírem no conformismo capitalista,
associando os movimentos que, no século XIX, reivindicavam melhores condições sociais e
econômicas ao anticatolicismo e, consequentemente, ao cripto-socialismo. A defesa da
religião católica não podia ser identificada apenas à defesa da ordem econômica dos
proprietários.
O último perigo em que os seguidores da Igreja poderiam incorrer consistia na
tentativa de resolver o problema social por meio do paternalismo e do assistencialismo; assim,
“amenizariam a dor, mas não curariam a enfermidade”.
805
Se a posição política dos católicos diante do mundo moderno era um ponto de atrito, a
atitude, ou a ação, dos mesmos na sociedade também era uma questão controversa. Nos dois
volumes da obra Pela Cristianização da Idade Nova (1946), cujo primeiro volume foi escrito
em 1932, mas publicado pela primeira vez somente em 1938, com o título de Elementos da
Ação Católica, Alceu Amoroso Lima apresenta seu conceito de ACB e o tipo de relação que o
movimento deveria estabelecer com o mundo e com a Hierarquia religiosa. Sua postura
colidia com a de Plínio Corrêa de Oliveira, principalmente porque em sua concepção o laicato
tinha um papel bastante ativo no apostolado religioso (veja também o tópico “A política no
altar: as divisões políticas na Igreja Católica Brasileira”).
Ao traçar a aproximação entre os católicos leigos e os eclesiásticos, “Dr. Alceu
observou que os primeiros estavam associados à Igreja e ao sacerdócio pelo ato do Batismo;
por não terem recebido o sacramento da Ordem (ordenação), constituíam o laicato. “O
sacramento da Ordem, que os membros da hierarquia recebem, completa neles e aperfeiçoa a
obra que o Batismo inaugurou”
806
. Esclarecia, porém: “O bom católico não é o que vive a
805
LIMA, Política, 1956, p. 271-273.
806
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 1), 1946, p. 98. No rodapé.
falar de coisas religiosas, e sim o que cumpre religiosamente com todos os seus deveres de
homem”
807
, portanto, a “melhor Ação Católica é aquela que fazemos sem saber”.
808
Nessa concepção, o espiritismo e o protestantismo, assim como outras seitas
religiosas, expandiam-se no Brasil apenas em virtude da debilidade da ACB. Por isso,
clamava pela colaboração entre a ACB e as Congregações Marianas, pois, embora as últimas
fossem mais antigas que a primeira, deviam complementá-la e subordinar-se a ela. Tal fato,
certamente, não era bem aceito por boa parte da intelectualidade católica paulista, o que levou
o próprio líder dos católicos leigos do Rio de Janeiro a admitir as divisões políticas dentro da
Igreja.
Os católicos não estão, nem podem estar isentos do males que afetam a
civilização. E se vivemos numa época em que os homens e as nações estão
terrivelmente divididos, pelas guerras e pelas Revoluções, não podemos ter a
pretensão de estar isentos dos reflexos dessas divisões. Temos, dentro da
Igreja, a separação entre católicos da direita e católicos da esquerda, entre
liturgista e antiliturgistas, entre tradicionalistas e progressistas.
809
As divergências entre o grupo de Alceu Amoroso Lima e o de Plínio Corrêa de
Oliveira ficam claras quando contempladas à luz da correspondência entre ambos. Até 1941,
ainda encontramos cartas que esboçam certa concordância entre eles, mas, a partir de então,
suas divergências de posicionamento tornam-se cada vez mais perceptíveis. Em 1942, em
São Paulo, alguém condenou os “excessos do Movimento Litúrgico e da Ação Católica”,
denunciando-os, juntamente com seu líder leigo, a D. Leme. Ao que tudo indica, o Cardeal
carioca repreendeu seu pupilo, o qual, obviamente, escreveu a Plínio Corrêa de Oliveira
indagando-o acerca dessa delação. Respondendo aos questionamentos, o congregado mariano
expôs que não havia tomado uma atitude tão baixa” e também não acreditava que qualquer
autoridade eclesiástica de São Paulo tivesse promovido tal ato
810
. Admitia, no entanto, que ele
e Alceu Amoroso Lima estavam em extremos opostos, uma vez que o posicionamento do
grupo do CDV do Rio de Janeiro já havia feito com que sofresse retaliações e críticas no meio
católico.
811
Um dos líderes beneditinos no Brasil, Abade D. Thomaz Keller, mostrava-se um
aliado do “Dr. Alceu” e defensor do Movimento Litúrgico e da maior participação dos leigos
807
Id., ibid., p. 188.
808
LIMA, Pela Cristianização da Idade Nova (vol. 2), 1946, p. 124.
809
Id., ibid., p. 277.
810
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima. São Paulo, 02/05/1942, CAALL.
811
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, São Paulo, 17/07/1943, CAALL.
na Igreja. Portanto, também via Plínio Corrêa de Oliveira como um oponente no meio
católico
812
. Este, ao publicar o livro Em Defesa da Ação Católica (1943), intensificou o
debate. Dentre os vários comentários que encontramos na correspondência de Alceu Amoroso
Lima sobre a obra, destacamos o de cio Andrade, para quem as idéias que o norteiam
poderiam ter saído da cabeça desvairada de Plínio Corrêa de Oliveira
813
. Sua correspondência,
assim como outras, clamava para que “Dr. Alceu” publicasse uma resposta ao livro, pedido
que seria atendido com a publicação de Pela Cristianização da Idade Nova (1946).
Desde a publicação de Em Defesa da Ação Católica, ou seja, a partir de 1943, a
correspondência entre Plínio Corrêa e “Dr. Alceucessou e foi retomada apenas em 1973,
quando o primeiro escreveu ao segundo. Em resposta, Alceu Amoroso Lima, mostrando-se
uma pessoa muito tranila e avessa às polêmicas, dizia: “Se saio, pela primeira vez do
silêncio, é que você me escreveu a respeito. E franqueza amiga, pede franqueza amiga”. Ao
retomar as discussões da década de 1940, articulava: “Realmente, o posso negar que seu
livro nos magoou profundamente”, pois, “longe de ser, para mim, uma ‘defesa’ da A.C. é o
mais terrível ataque que poderia sofrer, vindo de quem vem”
814
. Antes do Congresso Nacional
Eucarístico de 1942, já observava um “clima” diferente em São Paulo.
Quando estive em o Paulo, antes do Congresso, notei que minhas
conferências no Municipal não foram anunciadas e a primeira estava quase
deserta. Houve quem falasse em ‘boicotagem’. O mesmo se deu com a
conferência que fiz na JUC, ainda em São Paulo, durante o Congresso. Tudo
isso mostra hostilidade contínua, sistemática. (grifo do autor)
815
Censurando seu adversário dentro da Igreja, advertia-o de que também possuía vários
aliados, devendo haver limites para o apostolado leigo.
Mas creio que não compete a você, um leigo como nós, fazer-nos acusações
implícitas de heresia. É certo que há padres e bispos que apóiam o seu ponto
de vista. Mas há também padres e bispos que apóiam nosso.
816
Dessa maneira, podemos perceber que Tristão de Athayde defendia uma ACB que
mesclasse ação e contemplação por parte dos fiéis, tendo os leigos um papel relevante. No
entanto, ambos pareciam concordar que os fiéis deviam atuar apenas por meio do apostolado
812
ABADE, Dom Thomaz Keller. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, s/local, Março de 1946, CAALL.
813
ANDRADE, Lúcio. Carta enviada a Alceu Amoroso Lima, Belo Horizonte, 08/07/1943, CAALL.
814
LIMA, Alceu Amoroso. Carta enviada a Plínio Corrêa de Oliveira, Rio de Janeiro, 04/08/1973, CAALL.
815
Id., ibid.
816
Id., ibid.
(dentro das estruturas da Igreja), “fazendo da Ação Católica um preceito geral e capital para
todos os seus filhos”.
817
Por meio da obra Idade, sexo e tempo (1938), na qual procura explicar as mudanças
psicológicas do homem, levando em consideração a idade, o sexo e o tempo
818
, podemos
compreender sua própria mudança. Isso porque acreditamos que sua trajetória motivou-o a
escrever esse livro, no qual enfatiza que a “geração é um fenômeno que implica um elemento
cronológico, um elemento psicológico e um elemento social”
819
. Nesta concepção, cada fase
da vida (idade), cada grupo social, cada tempo (em determinado meio social) possui uma
vocação específica, pois, “[...] o homem é sempre o espelho de seu tempo”
820
. No seu
entender, o termo moderno o tinha significado próprio, visto que “ao moderno pelo
moderno vem sucedendo o moderno por êste ou aquêle ideal: político, econômico, religioso,
etc”. Logo, “há o moderno da direita, como o da esquerda; o moderno espiritualista e o
materialista, e assim por diante”.
821
Na mesma obra ainda estabelecia uma discussão sobre as diferenças entre a
“mocidade” e a “maturidade”, chegando a conclusões que nos ajudam a explicar sua
trajetória.
A infância é naturalmente autoritária. Onde duas crianças se encontram,
uma logo que quer mandar. E mandar a autocraticamente. A democracia é
uma invenção de adultos, com que eles brincam, aliás, como crianças... Ao
passo que a ditadura ou a anarquia são estados naturalmente afeoados às
inclinações da puerícia. A infância também é, por conseguinte, uma idade
de imperialismos fáceis.
822
Se na infância, ou seja, em um indivíduo ainda em formação intelectual, prevalecia o
aspecto autoritário; na mocidade, à medida que se desenvolvia, a disponibilidade de novas
formas de pensamento se fazia presente. Nesta fase, segundo “Dr. Alceu, acolhemos “com
alegria, tudo o que seja novo, diferente, original”.
823
Os moços vivem à procura de um herói. Querem encarnar numa Pessoa suas
817
LIMA, Idade, Sexo e Tempo, 1962, p. 205.
818
É preciso ressaltar que ele reconhece que não uma regra que explique completamente o posicionamento
humano, pois, além das variações de uma pessoa para outra, a influência de fatores intrínsecos
(espiritualidade) e extrínsecos (meio social).
819
LIMA, Idade, Sexo e Tempo, 1962, p. 69.
820
Id., ibid., p. 162.
821
Id., ibid., p. 165.
822
Id., ibid., p. 26.
823
Id., ibid., p. 70.
simpatias e convicções. amam as iias, sim, mas as preferem
concretizadas num ser humano. E convertem fàcilmente os homens em
super-homens. Daí o prestígio que as Ditaduras exercem geralmente sôbre
os moços. O Ditador é o chefe nato, é o homem de vontade de ferro, de
palavras rudes, de atitudes desassombradas, que quebra as estruturas
recebidas, sacode o ambiente, assusta os pusilânimes, lança idéias novas e
novas realizações, encarna êsse conceito de Aventura tão caro aos moços.
Êstes não amam a Lei, são mesmo antilegalistas por natureza, e o Ditador é
o homem que muda a lei, sobrepõe-se à lei, coloca o Fato acima da Lei.
Ora, são os fatos e não as leis que têm ação sobre os moços. E o poder é o
exercício da vontade bre os acontecimentos, o que explica seu prestígio
junto aos moços.
824
Pela inclinação em prol de um regime de autoridade e disciplina, a mocidade buscaria
libertar a sociedade da anarquia, da desordem, da oligarquia e de uma falsa liberdade. Porém,
nesse estágio da vida, a liberdade estaria ligada à vivência dignificante, heróica.
825
Por outro lado, enquanto a mocidade seria marcada por uma febre do saber, a
maturidade seria caracterizada pelo fazer. “A mocidade é a idade subjetiva por excelência. Na
maturidade objetivamos muito mais nossa posição no universo [...] Daí ser a mocidade
dogmática e a maturidade tolerante”
826
. A primeira é “naturalmente aristocrática”, ao passo
que, na maturidade, os homens “se inclinam fàcilmente para a democracia”
827
. Segundo
Tristão de Athayde, às vésperas da chegada da maturidade, os homens, geralmente, estariam
ligados a movimentos reacionários, antimodernos e tradicionalistas. Se o apego ao novo por
parte da mocidade devia-se à crise do “antigo”, este processo se repetiria com o passar dos
anos. Mas isso não se reproduziria na maturidade, porque nesta fase os homens haviam
adquirido uma experiência que evitava tais riscos.
A visão de tanta novidade falida, de tanta descoberta esquecida, de tanta
revolução para pior, torna a maturidade naturalmente avêssa a essas
aventuras, que haviam deslumbrado os nossos vinte anos.
828
Em suma, na maturidade, o “eu” é maior que o dogma de uma geração, embora a
velhice seja apontada como uma espécie de volta à infância, ou melhor, ao que esta fase da
vida possuía de positivo. No esforço de sintetizar o que representava a passagem da mocidade
à velhice, Alceu Amoroso Lima ressaltava:
824
Id., ibid., p. 78.
825
Id., ibid., p. 79.
826
Id., ibid., p. 96.
827
Id., ibid., p. 97.
828
Id., ibid., p. 103.
Em moços queremos geralmente destruir o presente, criar novas formas
sociais, deslocar os consagrados, aposentar os velhos, derrubar os regimes
estabelecidos, fechar as academias. E tudo isso em nome do futuro... Em
velhos também desejamos, não mais destruir o presente, porque não nos
sentimos com fôrças para tanto, mas desmoralizá-lo e concorrer, ao menos
com a nossa palavra de sarcasmo e desdém, para que a sua estabilidade se
enfraqueça. E isso em nome do passado. Pois a experiência da vida nos
ensinou que as revoluções são vãs e o conformismo o aliado das revoluções.
Logo, o que se ime é a reação, a volta ao passado, a demolição para
recompor o que foi substituído para pior.
829
A discussão promovida em Idade, Sexo e Tempo (1938) explica, em parte, seu próprio
itinerário de mudança. Cabe a nós entender essa volta ao passado que propõe não como
anacronismo, mas como tentativa de recuperar traços positivos do passado.
Embora pareça que fugimos da discussão inicial proposta neste tópico, apenas
restringimos a discussão, migrando das diferentes vertentes dentro da intelectualidade católica
às diferentes posturas de Alceu Amoroso Lima. Vale lembrar que esta foi a motivação inicial
de nosso trabalho: tratar das diferentes vertentes do pensamento católico no recorte temporal
proposto, a partir da trajetória amorosiana.
829
Id., ibid., p. 117.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração a trajetória de Alceu Amoroso Lima, tratamos, neste
trabalho, das diferentes posturas políticas dentro da Igreja Católica Brasileira entre 1930 e
1945. Tínhamos como objetivo inicial restringir nossa pesquisa ao pensamento amorosiano,
mas as mudanças e permanências apresentadas por ele, ao longo do período de estudo,
fizeram com que caminhássemos rumo à discussão entre direita e esquerda”, entre
progressistas e integristas, fato que nos ajudou a compreender o entroncamento de seu
posicionamento político.
A maior parte das querelas entre os intelectuais católicos girava, sobretudo, em torno
de como acreditavam que devia ser a relação da Igreja com a sociedade, ou seja, com o
mundo temporal e seus desdobramentos. Todos seus seguimentos concordavam no que dizia
respeito ao tratamento que o Estado devia direcionar à cúpula católica: a Igreja precisava do
amparo estatal, mas não queria perder sua autonomia; para o Estado, era interessante ter o
apoio dos católicos. Podemos dizer, portanto, que ao mesmo tempo em que houve a
“sacralização da política”, ocorreu a “secularização do discurso religioso” junto ao Estado, em
suma, um regime de cooperação. É certo que a situação foi desestabilizada pelos
desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. Associada ao estudo do pensamento
amorosiano, essa questão fez com que encontrássemos, no seio da própria Igreja, diferentes
posicionamentos políticos, pois a crítica ao Estado e a participação em movimentos contrários
ao mesmo eram reprimidos pela Hierarquia nacional.
Frente à complexidade do período histórico recortado, procuramos situar as relações e
posicionamentos da Igreja em âmbito nacional e internacional, enfatizando suas variantes.
Dessa maneira, observamos que ela se aproximou dos regimes autoritários de direita no
entreguerras, vislumbrando, nas democracias liberais burguesas, a causa dos males
contemporâneos, dentre os quais, o socialismo. Tal tendência foi praticamente geral entre os
intelectuais católicos, os quais almejavam uma sociedade orgânica e harmônica, d a
identificação com os regimes autoritários, sobretudo o fascismo italiano. Porém, mais do que
apoiar qualquer projeto social, os intelectuais católicos possuíam um projeto próprio.
Esta guinada à direita da intelectualidade católica, mesmo no início da década de
1930, o pode ser generalizada. Em nosso entender, neste período, “Dr. Alceu já
apresentava alguns posicionamentos que podem ser considerados de esquerda. Sua postura
distributista e sua crença de que era preciso suplantar o problema social para superar o
socialismo são bons exemplos disso. Adentramos, então, em outro aspecto de nossa discussão,
a diferenciação entre direita e esquerda na política e na Igreja Católica. Norteados pelos
pressupostos de Norberto Bobbio, acreditamos que a busca pela igualdade é o que caracteriza
a diferença entre a direita e a esquerda. Estendemos a questão no âmbito do catolicismo,
chegando a dois extremos opostos: de um lado, o ultramontanismo e o integrismo, do outro, o
catolicismo social ou progressista. Apelando mais uma vez à trajetória amorosiana,
percebemos que aspectos que permeiam tanto a direita quanto a esquerda. Ambas podem
ser conservadoras, reacionárias ou mesmo revolucionárias; é preciso ultrapassar os tulos e
caracterizar o que representa cada uma delas.
Alceu Amoroso Lima se manteve bastante conservador durante a primeira metade da
década de 1930. Isso, contudo, o nos permite associar sua postura à dos integristas, muito
menos dos ultramontanos, os quais eram totalmente avessos a qualquer mudança na doutrina
da Igreja e até na sociedade. Defensores da hierarquia, da ordem e da autoridade, mesmo com
o movimento histórico, caracterizado pelos rumos que tomaram os totalitarismos de direita e
pelo renascer da democracia, mantiveram-se estáticos.
Por outro lado, até no que se convencionou chamar de fase autoritária de seu
pensamento, Dr. Alceu” defendia a “unidade na variedade”, o que representava uma crítica
tanto ao capitalismo burguês quanto aos totalitarismos. Além disso, na década de 1930,
mostrava-se partidário do Movimento Litúrgico e da maior “participação” dos leigos da ACB,
travando significativo debate com Plínio Corrêa de Oliveira. Dessa forma, enquanto na fase
autoritária apresentava certos aspectos progressistas, na fase progressista manteve algumas
características do pensamento de direita. Grosso modo, não há como romper totalmente com o
passado, da mesma forma que não é possível mudar totalmente.
Jacques Maritain geralmente é apontado como o vetor da transição de Tristão de
Athayde. Sua relevância realmente é inegável, mas certa generalização. Dizemos isso
porque acreditamos que, nos primeiros anos após sua conversão, havia entrado em contato
com a obra dele, mas defenderia publicamente seu pensamento apenas em fins de 1930,
deixando explícito o respeito à Hierarquia, principalmente, a Dom Leme. Outro indicativo da
possibilidade de veracidade dessa hipótese reside no fato de que sempre foi avesso a
polêmicas, seguindo, consequentemente, as determinações de seus superiores.
Comparado com os integristas e ultramontanos, Maritain parecia de esquerda;
contudo, não o encaramos assim. Embora na contramão de muitos trabalhos relevantes,
pensamos que a democracia maritaineana é consideravelmente conservadora, idealizando uma
forma de governo aristocrática, na qual os “nobres” agiriam em nome do bem comum.
Maritain não almejava a soberania popular; para ele, pois, a ditadura da maioria é tão tirânica
quanto a da minoria ou de uma única pessoa. Deveria continuar havendo dominantes e
dominados, mas a condição social dos menos favorecidos deveria ser suavizada, era
necessário um “Humanismo Integral”.
Noutra perspectiva, os integristas viam, no pensamento maritaineano, a adesão ao
comunismo, à “política da mão estendida”. Há, nisso, mais uma contradição, uma vez que,
desde o como da década de 1930, “Dr. Alceu afirmava que havia duas formas de
socialismo: um representava uma concepção econômica, o outro era caracterizado por uma
concepção geral de vida. Apenas o último seria condenável, pois os ideais de justiça do
socialismo e do cristianismo eram semelhantes.
Ainda em relação a Maritain, é importante ressaltar que Alceu Amoroso Lima
ultrapassaria seu posicionamento na década de 1950, intensificando o contato com E. Mounier
e, sobretudo, Teilhard de Chardin, o que culminaria no rompimento total com Gustavo
Corção, que permaneceu ligado a Jacques Maritain (mais um motivo para pensarmos no
conservadorismo do mesmo).
Favorável a uma espécie de socialismo democrático, embora sem tomar partido, o que
permeia toda a sua vida católica, “Dr. Alceu” manteve sua condenação ao socialismo
soviético e à democracia burguesa; criticou também o fascismo e o nazismo.
Havia considerável variação de pensamento entre os intelectuais católicos; não existia,
em geral, sincronia em relação às mudanças. Os periódicos que analisamos comprovam essa
questão. Enquanto na década de 1930 a revista Vozes de Petrópolis possuía um
posicionamento bastante progressista, na década de 1940 seria a porta-voz da corrente
integrista. A Ordem e os membros do CDV fariam o percurso inverso. Por outro lado, o
Legionário manteria sua posição quase ultramontana. Logo, tentar explicar a opção política
amorosiana apenas a partir do processo hisrico seria tão complicado quanto fazê-lo em
relação à Hierarquia religiosa. Como ressaltamos no decorrer deste trabalho, hávárias
Igrejas dentro do Vaticano”, ora imperando uma, ora outra. Além disso, exceto no que diz
respeito aos ultramontanos, não acreditamos em “posições totais”.
Como outros autores, pensamos que Alceu Amoroso Lima sempre foi um homem com
predisposição “à disponibilidade e se disse “adeus” à mesma, em 1928, aderindo ao
catolicismo, fê-lo por sentir certa obrigação em se manter fiel ao compromisso que havia
contraído. Não obstante recebesse ordens de Dom Leme, durante o período em que
trabalharam juntos gozou de grande margem de atuação no meio católico brasileiro. Após a
morte do Cardeal, foi distanciando-se gradualmente das estruturas católicas, ao que se somava
sua visível incompatibilidade com Dom Jaime de Barros Câmara.
Mesmo estando em um momento mais à direita, noutro mais à esquerda, suas obras,
artigos e correspondência apresentam um fio condutor. Provavelmente, durante o período
estudado, mais do que ele, mudou-se a maneira como seus escritos foram olhados, resultado
da divisão bastante clara entre integristas e progressistas no catolicismo brasileiro. Na época
de sua conversão, isso não estava tão delimitado, visto que a grande maioria dos católicos
militava para que a Igreja brasileira expandisse o número de fiéis, angariando,
consequentemente, o apoiou do Estado, em detrimento de outras religiões.
Não podemos nos esquecer de que Alceu Amoroso Lima não falava por si ,
representava um segmento em meio à intelectualidade católica leiga e eclesiástica, como
indicam os periódicos consultados, ou mesmo sua correspondência. Nisto reside a maior
relevância de nosso trabalho: vislumbrar otodo a partir de uma parte” – a figura de um único
homem que “representou” vários papéis na história do pensamento católico brasileiro sem
sem perder de vista a pluralidade e a variedade de posicionamentos existentes nesse meio.
Devemos isso a Alceu Amoroso Lima.
REFERÊNCIAS
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Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p.134-158, mar./abr. 1950.
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Petrópolis: Revista Católica de Cultura, Petrópolis, s/n, p.473-501, set./dez. 1950.
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Disponível em: http://www.pliniocorreadeoliveira.info/links.asp
SITE DO CENTRO CULTURAL PERMANÊNCIA.
Disponível em: http://www.permanencia.org.br/
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