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por outro, neste mesmo artigo de 1919, os afetos do analista vão ganhar um estatuto
diferente no manejo clínico. Em sua discussão sobre a técnica psicanalítica, Ferenczi dá
indícios da posição que irá defender posteriormente, destacando o papel central dos
afetos do analista no exercício analítico. Segundo ele, seria justamente a “sensibilidade”
afetiva do analista (1919, p. 118) que o levaria a compreender as “lutas psíquicas do
paciente” (ibid.). No entanto, neste texto, Ferenczi ainda não dá um contorno teórico
muito preciso para o que designa como sensibilidade afetiva.
Em 1926, ao discorrer sobre a experiência de “convicção” ou, em outras
palavras, o elemento de vivência, experiência pela qual se poderia ter o conhecimento
da realidade, Ferenczi é enfático ao afirmar que é pela via afetiva, e não pela intelectual,
que o sujeito poderia adquirir uma convicção. O que ele salienta ao abordar esta questão
é que sua proposta de uma técnica ativa
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– embora reconheça ser possível que se
levantem contra ela inúmeras objeções – teria o efeito positivo de produzir no
analisando uma convicção sobre o material elaborado em análise, convicção que se
daria pela via afetiva. Embora a discussão, neste artigo, esteja circunscrita à experiência
do paciente no processo de análise, ela revela, sobretudo, o destaque conferido à
afetividade, ao privilegiar a experiência afetiva em detrimento do saber intelectual.
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Em 1928, no artigo Elasticidade da técnica analítica, Ferenczi formula uma
nova proposta de manejo clínico, a técnica da elasticidade, que, segundo Pinheiro
(1995), marca o fim da técnica ativa. Nessa ocasião, ele aprofunda sua idéia –
introduzida, como vimos, em 1919 – de uma “sensibilidade” afetiva necessária para o
encaminhamento da análise. Esta sensibilidade, como diz Kupermann (2003),
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A técnica ativa preconizada por Ferenczi (1919, 1921, 1924, 1926) configurava-se como um artifício
técnico que deveria ser adotado nos momentos de estagnação da análise, quando a associação livre não
estava sendo suficientemente eficaz para fazer o paciente produzir material psíquico. Esta técnica
pressupunha uma atividade do paciente, que a partir da demanda do analista, era levado a cumprir
determinadas tarefas, isto é, a responder a injunções e proibições, as quais eram sentidas como
desprazerosas. Num segundo momento, quando o paciente já conseguia extrair prazer dessas ações, o
analista o proibia de realizá-las. Deste modo, Ferenczi formulou a técnica ativa visando respeitar o
princípio de abstinência concebido por Freud, pelo qual se favorecia o incremento de tensão psíquica,
tendo como conseqüência a redistribuição da energia psíquica no paciente.
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Freud (1909), em seu artigo Notas sobre um caso de neurose obsessiva, faz uma breve referência à
experiência de convicção no tratamento psicanalítico. Ele reconhece que uma interpretação comunicada
ao paciente não produz, por si mesma, o efeito de convicção no paciente. Ao relatar o caso do Homem
dos Ratos, Freud mostra o processo pelo qual o paciente consegue chegar à convicção a respeito de uma
determinada interpretação. De início, o paciente teria admitido a plausibilidade da interpretação, mas
ainda não se convencera do conteúdo comunicado por Freud. Somente após um longo trabalho de
elaboração, “paulatinamente”, diz Freud (p.210-211), “o paciente logrou o sentimento de convicção que
lhe faltava” (ibid.; grifos nossos). A expressão “sentimento de convicção” indica claramente que Freud,
assim como Ferenczi (1926), considerava tal experiência como eminentemente afetiva. A diferença da
posição dos dois autores talvez esteja no enaltecimento explícito, por parte de Ferenczi, do valor da
afetividade na experiência psicanalítica.