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Conhecedores profundos da flora e da fauna da região, possuidores da
força de trabalho, com conhecimento empírico da produção regional e dos
produtos da natureza, encontraram na espacialidade reducional a possibilidade
de garantir a sua sobrevivência, protegidos do regime de “encomienda” e dos
ataques dos bandeirantes, em “liberdade reduzida”.
A partir destas condições históricas, buscaram, no espaço reducional,
sobreviver ao “cataclisma” que foi a invasão européia. Neste processo, a
Companhia de Jesus era a responsável perante o Estado espanhol, pela redução.
Havia conquistado o monopólio sobre a utilização da força de trabalho dos
indígenas que conseguissem agrupar em suas missões. Porém, neste novo
empreendimento que estava se instituindo, o trabalhador deveria dominar os
códigos sociais dessa nova sociedade
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.
Portanto, era imperativo esse trabalhador ser cristão, freqüentar o culto
e a escola, ser monogâmico e, principalmente, dominar os novos instrumentos
técnicos da produção: o arado, o machado, a serra, a tecelagem, o cavalo, etc.
No espaço reducional, essas relações sociais produziram novos
imperativos, que obrigaram os índios a realizar novos sacrifícios e novas
inserções sociais, criando uma dependência em relação à produção material da
redução, desviando-os para novas formas de deleite, arruinando a sua antiga
organização política e econômica, esfacelando antigas instituições como o
“xamanismo” e a dos “caciques hereditários”
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.
Estas novas formas de deleite foram introduzidas pelos jesuítas, cujas
primeiras preocupações referiam-se à segurança alimentar. Para tanto, de
acordo com Furlong (1963), o padre Cristovão de Mendonça introduziu o gado
vacum, cavalos, ovelhas e animais domésticos. Também a agricultura foi
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Na visão dos historiadores ligados à Companhia de Jesus, três foram as maiores conquistas
que os jesuítas obtiveram em “favor” dos guaranis: 1. Erradicaram a “bebedeira”; 2. A
“poligamia”; 3. A “ociosidade”. Para terminar o hábito da excessiva bebedeira, estimularam o
chimarrão e o tereré. Para acabar com a poligamia, introduziram o conceito de matrimônio
monogâmico e de família. Para superar a ociosidade, introduziram as mais variadas frentes de
trabalho, permeadas por música e canto. O que podemos afirmar contraditoriamente a esta
premissa, é que através de aldeamento e do sistema educativo incluíam a leitura, a escrita e a
educação para o trabalho. A força de trabalho indígena foi explorada em grande escala, sendo
também um canal para a implementação de valores “cristãos” e eurocêntricos, adequados à
política colonialista.
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Melia (2004, p. 210) afirma: “Cuando se reducian, los Guaranis se hacian “cristianos”, eran
bautizados, pero no se hacían españoles. Permanecia ava índio, ava karai, pero no ava y koarai;
índio “cristiano”, pero no índio y “español”. Con la reducción se mantienen los mismos
conceptos tradicionales de ava, karai y pai’i, pero dispuestos en otra figura. Karai puede
adjetivarse en el ava, pero no puede substantivarse simultáneamente con el índio”.