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em busca de algo que o instigue: é o próprio flâneur
entediado, que viaja e vai atrás de novidades. O diálogo com
pensadores da modernidade se faz presente de maneira
direta, com citações ou mesmo com a criação de uma
identidade tão forte quanto os seus trabalhos que, segundo
Calvin Tomkins
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, consegue separar bem as figuras do
‘homem que sofre’ do ‘artista que cria’ e com isso alternar
entre personagens, tal como o dândi (de um terno só) ou o
caçador/flâneur que atuava na sociedade para criar uma
nova maneira de se fazer e divulgar a arte.
1.2. Melancolia
A poeira estaria presente como algo análogo ao tédio,
como afirma Benjamin na frase que relaciona a pelúcia como
depósito de poeira, no capítulo ‘Tédio, Eterno Retorno’ de
seu livro ‘Passagens’.
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O local do acúmulo, juntamente com
a sensação de uma perspectiva sufocada e poeirenta do
panorama
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ou mesmo a poeira que se acumula nas
passagens e suja os vestidos das mulheres quando chove.
Essa poeira que sufoca o passado, que se perde em meio a
uma modernidade que se faz presente. A poeira que alerta
para um local que não faz mais sentido, anacrônico frente a
cidade, lançado a sorte, ao inesperado do acaso, pode existir o ‘celibatário’, projeto existencial e
intelectual que Duchamp traçou para si e, quem sabe, para o homem moderno. (...) De situações
fortuitas e aleatórias Duchamp tira mais valia. Daí o flâneur ser o grande caçador de acasos da
sociedade de consumo nascente; o consumidor das vitrinas onde os objetos são como a passante de
Baudelaire que, à distância, perversamente, se oferece à fantasia e à imaginação. À sua maneira, O
Grande Vidro é também uma vitrina.” - TOMKINS, Calvin. Duchamp: uma biografia. São Paulo.
Cosac & Naify, 2005.pág. 9
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TOMKINS, Op.cit., 2005.pág. 7-8.
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BENJAMIN, Walter. Passagens. Ed. org. por Willi Bolle. Belo Horizonte / São Paulo: Ed. UFMG /
Imprensa Oficial SP, 2006. Pág. 143.
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Além dessas construções terem o aspecto melancólico por ficarem expostas ao ‘tempo’ e com isso,
apresentarem o indício da poeira, elas serviam como uma forma de reviver cidades destruídas,
paisagens que haviam sumido, trazendo com isso a questão das ‘ruínas românticas’, que tanto
encantou os pensadores da modernidade, em um paradoxo inerente aos seus textos. Segundo Sonia
Hilf Schulz, em seu livro ‘Estéticas Urbanas’, “(...) os panoramas registravam cenários de cidades
desaparecidas e possibilitavam, assim, a análise das mutações no ambiente construído (...).”
Benjamin diz que as “passagens são casas ou corredores que não têm o lado exterior – como o
sonho.” Os panoramas vão geralmente se localizar na entrada ou na saída de uma passagem, o que
seria quase como um sonho dentro do outro.