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O julgamento tem andamento em praça pública, onde, numa plataforma elevada, está
o JUIZ, que é ASMODEU CARTOLA disfarçado. Numa plataforma menos elevada
estão ASMODEU RÁBULA, que é o promotor da acusação, e os defensores de
CHICO CHICOTE, que são os dois EXECUTIVOS que mais atrapalham que ajudam.
Em semicírculo, aglomera-se o povo, em meio ao qual estão MARIA E ALONSA.
Como uma marionete, CHICO CHICOTE está sendo içado por uma espécie de
guindaste de madeira e lata, lembrando ora uma crucificação, ora um enforcamento,
ou até mesmo uma catapulta – arma de guerra medieval. Ali fica, pendurado pelos
fios, no centro do círculo. ASMODEU RÁBULA dirige a acusação. (ABREU;
CARVALHO, 2005, p.483)
E agora a peça de Brecht, que é toda dedicada ao julgamento de Joana D’Arc:
2 – NA ABERTURA DO GRANDE PROCESSO RELIGIOSO NA CAPELA
DO CASTELO REAL, JEANNE ESCAPA HABILMENTE DAS PERGUNTAS
CAPCIOSAS DOS CLÉRIGOS, QUE PRETENDEM TACHÁ-LA DE HEREGE, E
LEMBRA-LHES COM OUSADIA DA MISÉRIA DA FRANÇA.
Na capela do castelo real. Os padres BEAUPÈRE, CHATION, LA FONTAINE,
D’ESTIVET, MACHON, MIDI, LEFÉVRE, MASSIEU, IRMÃO RAOUL E O
ESCRIVÃO. Entram o OBSERVADOR INGLÊS com o seu AJUDANTE-DE-ORDENS
e o BISPO DE BEAUVAIS. Os padres se ajoelham. (...)O BISPO consulta os seus
JUÍZES-ADJUNTOS. (...)JOANA é trazida por dois SOLDADOS INGLESES.
(BRECHT, Bertold. 1992,p.158, v.11)
Percebemos, na divisão dos capítulos de Hoje é Dia de Maria, uma característica do
teatro épico
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. Pode-se dizer, por exemplo, que a cantiga das águas no início de “Terra dos
Sonhos” é um prólogo; que a narradora ao final de “O Retorno” é o epílogo e as várias canções
funcionam como entreatos; a narradora e o breve resumo no início de cada cena de Brecht
também são paralelos. A carroça dos saltimbancos nos lembra a carroça de Mãe Coragem de
cidade em cidade.
Na Segunda Jornada, que o autor Luís Alberto de Abreu
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considera, ao mesmo
tempo “uma ruptura e um aprofundamento da linguagem” da Primeira Jornada, o estilo de
musicais de Bertold Brecht foi utilizado. “Escrevemos grande parte dos diálogos como sendo
letras de canções, mas a estrutura não é a de opereta”, disse Luiz Fernando Carvalho em
entrevista para o site da minissérie
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. No mesmo site, em entrevista concedida por Luís Alberto
de Abreu, ficamos sabendo que “a pesquisa para a Segunda Jornada de Hoje é Dia de Maria
partiu do musical brechtiano. É um épico urbano, com ritmo mais vertiginoso e intenso.”
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Vale aqui esclarecer, em linhas gerais, que o que se chama de teatro brechtiano ou épico está em oposição ao
teatro aristotélico, das três unidades de ação, tempo e lugar, mas, ao contrário, inclui prólogo, epílogo, narrador, ao
invés de ação direta, e uma interferência da música, que ajuda o ator a apresentar seu personagem para o público,
quebrando assim a chamada ‘quarta parede’ ilusionista, visando criar no espectador uma necessidade de agir, ao
invés da catarse e da identificação esperada pelo teatro clássico grego. De acordo com Renata Pallotini (1983,
p.69), as cenas são independentes, acontecem em curvas, em saltos, não é uma narrativa linear, e trabalha-se a
montagem, como no cinema (e TV);
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Entrevista disponível no site http://hojeediademaria.globo.com.br ; acesso em 25/11/08.
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Entrevista disponível em <http://hojeediademaria.globo.com/l>, acesso em 23/11/08.