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relação do tipo Eu-Tu
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. Nessa relação não está implícita nenhuma causalidade, por isso
não há previsibilidade ou segurança. Embora o homem necessite da segurança para
viver o amanhã, “a segurança primordial é a dos vínculos relacionais interpessoais, não a
previsibilidade dos padrões de comportamento”, uma vez que somente na relação com
alguém digno de confiança é que se pode estabelecer uma relação de total segurança
em relação ao futuro. Como decorrência de tais características, os espaços de isonomia
e de tempo antropológico dão as condições de possibilidades de enraizamento (Tunes,
Bartholo e Tunes, 2006, p.23), entendido este tal como Weil (2001) o faz:
“Um ser humano tem raiz por sua participação real, ativa e natural na existência
de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos de futuro. Participação natural, ou seja, ocasionada
automaticamente pelo lugar, nascimento, profissão, meio. Cada ser humano
precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber a quase totalidade de sua vida moral,
intelectual, espiritual, por intermédio dos meios dos quais faz parte naturalmente”
(p.43).
O tempo linear referido por Ramos (1989) e anteriormente comentado seria
análogo ao tempo cosmológico concebido por Buber. Nele inclui-se o tempo cíclico grego
e o linear cristão. Nesse modo temporal, encontram-se o passado, o presente e o futuro,
“lógica e cronologicamente encadeados” (Tunes, Bartholo e Tunes, 2006, p.21). Nesse
modo temporal, tudo é apreensível por meio do conceito. Os acontecimentos dão-se por
definições a priori, por regras de causalidade eficiente. Assim, não há espaço para as
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A sociedade marcada por todo o processo de servidão humana, em que optamos viver, reflete as precárias
relações estabelecidas entre as pessoas, relações marcadas pela impessoalidade e pelo descompromisso
com o outro. Cada vez mais se estabelece entre os homens uma relação de objetivação do outro, o que
implica a desconsideração do outro em sua plena alteridade. Essa realidade faz menção ao que Martin Buber
denomina de relação Eu-Isso, afirmando que “o Isso pode ser qualquer ente tomado como objeto de
experimentação, conhecimento ou uso de um Eu” (Bartholo, 2001, p.80). Dessa forma, quando o outro é visto
como um Isso, ele sofre um processo de objetivação. Apesar da inevitável ocorrência desse tipo de relação, a
insistência em mantê-la, em diversos momentos, prejudica a própria existência humana, pois inviabiliza a
troca de afetos, de diálogo autêntico e do próprio encontro com o outro. Embora o homem precise do mundo
do Isso para viver, “quem vive somente a relação Eu-Isso se desumaniza” (Bartholo, 2001, p.80). E por
considerar as limitações desse tipo de interação, Buber (1979) ressalta a importância do encontro com o
outro, no qual ele é visto como um ser em sua alteridade e, portanto, deixa de ser Isso para ser Tu, numa
relação Eu-Tu. Sobre esse assunto, Buber acrescenta que: “A relação com o Tu é imediata. Entre o Eu e o
Tu não se interpõe nenhum jogo de conceitos, nenhum esquema, nenhuma fantasia; e a própria memória se
transforma no momento em que passa dos detalhes à totalidade. Entre o Eu e o Tu não há fim algum,
nenhuma avidez ou antecipação; e a própria aspiração se transforma no momento em que passa do sonho à
realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os meios são abolidos acontece o
encontro (Buber, 1979, p. 13).Dessa forma o encontro dá-se de forma autêntica e sem nenhuma cobrança,
apenas “o Tu encontra-se comigo” (Buber, 1979, p.12). No desencontro, os meios que deveriam ser
abolidos para que acontecesse o encontro têm primazia. Assim, “não importa também que meu Tu seja ou
possa se tornar, justamente em virtude de meu ato essencial, o Isso de outros Eus (‘um objeto de experiência
geral) (Buber,1979, p.13). Em suma, a relação “Eu-Tu e Eu-Isso são dois modos de existência. Sobre eles o
homem é reiteradamente chamado a escolher, em liberdade e responsabilidade, ao longo de sua vida”.
(Bartholo 2001, p.80).