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ANA PAULA ALVES DE LAVOS
Sociabilidades em conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado:
o caso da COHAB Cidade Tiradentes
São Paulo
2009
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ANA PAULA ALVES DE LAVOS
Sociabilidades em conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado:
o caso da COHAB Cidade Tiradentes
Orientadora:
Profa. Dra. Cibele Saliba Rizek
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo
da Escola de Engenharia de
São Carlos para obtenção do
grau de mestre.
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Para meus pais, Dirce e Evaldo
Foto da Capa: Jorge Hirata. Pesquisa Mobilidades urbanas e trajetórias sociais:
trabalho, moradia e mobilidade cotidiana.Coordenação: Vera Telles e Robert Cabanes.
Agradecimentos
Agradeço aos meus pais, Dirce e Evaldo, por todo o apoio durante os últimos
desafiadores anos, e pelo carinho e confiança ao longo de toda a caminhada.
Aos meus Aurélio e Wagner, e à minha cunhada Fabiana pelo companheirismo.
Agradeço aos meus sobrinhos Rafael e Miguel pelos momentos de descontração e
alegria.
Agradeço aos meus tios, Áurea de Souza Bueno e Osmar de Souza Bueno, por
me acolherem tantas vezes em sua casa quando das minhas constantes viagens a São
Carlos. A meu primo Ricardo de Souza Bueno, agradeço pelas freqüentes caronas.
Intelectualmente há referências fundamentais na consecução deste trabalho. Vera
Telles foi inspiradora brilhante nos anos de formação e grande apoiadora na tarefa da
pesquisa. Robert Cabanes com sua incansável disposição para o campo e para a reflexão
orientou muitos caminhos da pesquisa e fez observações importantes em muitos
momentos. Agradeço a Vera Telles e a Robert Cabanes, ademais, pelo generoso
empréstimo das fotos aéreas de Cidade Tiradentes, material da pesquisa “Mobilidades
urbanas e trajetórias sociais: trabalho, moradia e mobilidade cotidiana”, em que foram
coordenadores.
Agradeço também à Selma Venco, que dispensou momentos de atenção
acompanhando com seriedade, sem ter a obrigação, a etapa final deste trabalho.
Agradeço aos professores João Marcos de A. Lopes e Jacob Lima pelas
importantes observações apontadas no decisivo momento da qualificação.
A gratidão à presença de Cibele Saliba Rizek na orientação deste trabalho é
imensa. Cibele dispensou confiança, apoio e os estímulos necessários em todos os
momentos do processo. Sua dedicação em cada uma das etapas trouxe a suavidade de
sua presença afetiva consolidando sua postura política crítica fundamentada, referência
fundamental nas reflexões tecidas. Sua dedicação na etapa final trouxe a tranqüilidade
necessária à finalização desta dissertação.
Os amigos, em muitos momentos da vida, são figuras que nos fazem mais fortes
e atentos. Geórgia Christ Sarris foi precisa e doce em sua intervenção e a agradeço
muito. Stela Ferreira é um modelo para a conduta em campo, assim como Eliane Alves.
Debates em vários momentos com Nilde Balcão, José César, Daniel Hirata, Gabriel
Feltran, Daniel de Lucca e Isabel Georges ajudaram a desenvolver algumas idéias.
Tatiana Schreiner foi a amiga presente e apoiadora em todos os momentos.
Bia Barros, Flávia Lima, Cristiane Hirata e Aramis Silva são figuras cujas
conversas reflexivas e despretensiosas acompanharam todo o percurso. Alan Pereira,
Bianca Briguglio e Denise Chiccoli muito ouviram sobre a famosa “dissertação” e
sempre tiveram uma palavra de apoio. Nossas conversas são, sempre, muito agradáveis
e estimulantes. Maria Helena Castro Lima teve um papel importante animando a
realização de atividades físicas.
Agradeço carinhosamente a Ricardo Alves da Silva, que vem
acompanhando o desdobramento deste trabalho com sua postura reflexiva e sua
dedicação zelosa. Sua companhia é querida e grata.
Agradeço a Lais Schalch pela versão do resumo para o inglês.
Sem o apoio e a confiança de Juan Sanches e Lucas Cordeiro, da Sert, a
finalização deste trabalho estaria comprometida.
Agradeço a Gilberto da COHAB e ao Nivaldo da biblioteca da EESC pela
realização de importante trabalho de apoio a esta pesquisa.
Do mesmo modo agradeço ao CNPQ pela bolsa de pesquisa concedida entre
março de 2007 e outubro do mesmo ano.
Agradeço a Thaisa Pfaff que diagramou a versão final do texto.
A cada pessoa com quem conversei em Cidade Tiradentes, e que aqui assumem
o talvez desconfortável papel de objeto da investigação, meu muito obrigado e a
lembrança de que papéis são em tudo situacionais.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar as relações de sociabilidade entre os
moradores de um prédio no Conjunto Habitacional Cidade Tiradentes produzido pela
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo COHAB –SP localizado na
zona leste de São Paulo.
O trabalho apresenta um breve histórico da ocupação urbana da cidade de São
Paulo, mostrando alguns dos fundamentos do processo de segregação. Discute-se o
papel do Estado como elemento que, ao invés de coibir, acaba se constituindo como
produtor de segregação sócio-espacial.
Por meio de alguns indicadores sociais, ilustra-se a situação de segregação
sócio-espacial de Cidade Tiradentes. Os aspectos qualitativos desta segregação são
manifestados nas falas dos moradores entrevistados.
É apresentado o conceito de espaço coletivo, espaço real e simbólico situado
entre o espaço público e o espaço privado. Neste espaço a sociabilidade dos moradores
se coloca em cena, em situações de construções de solidariedades e visões comuns ou
de distinções. Por meio da análise destas relações, organizadas no relato de vida dos
moradores, observa-se a produção e a dinâmica do espaço coletivo.
ABSTRACT
This paper has as its aim to analyze the sociability of the residents of a building
in Conjunto Habitacional Tiradentes (Tiradentes Housing Estate) built by the
Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (São Paulo’s Metropolitan
Housing Company) – COHAB – SP located in the eastern area of São Paulo.
This dissertation presents a brief history of the urban occupation of the city of
São Paulo, analyzing the urban segregation process. The State’s role as an urban
segregator element instead of curbing this problem is discussed.
The social-spatial segregation situation in Cidade Tiradentes is illustrated
through some social indicators. The qualitative aspects of this segregation are clarified
in the speech of the interviewed dwellers.
In this dissertation it is discussed the notion of collective, real and symbolic
space situated between the public and the private space. In the collective space the
dweller’s sociability is at spot, in situations of solidarities construction and of common,
different or distinction views. By the analysis of these relations, organized in the
dwellers’ life report, one can observe the collective space construction.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 11
CAPÍTULO 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONFIGURAÇÃO
URBANA DE SÃO PAULO 14
G
ENEALOGIA DA
S
EGREGAÇÃO EM
S
ÃO
P
AULO
17
A
QUESTÃO HABITACIONAL E O SURGIMENTO DA VALORIZAÇÃO DA CASA PRÓPRIA NOS
MEIOS POPULARES
31
A
UTO
-E
MPREENDIMENTO DA
C
ASA
P
RÓPRIA E PERIFERIZAÇÃO
40
CAPÍTULO II - UM CAPÍTULO DA POLÍTICA HABITACIONAL EM
SÃO PAULO: O DISTRITO DE CIDADE TIRADENTES 47
A
TUAÇÃO DA
COHAB-SP 48
E
XPANSÃO URBANA E
C
ONJUNTO
H
ABITACIONAL
S
ANTA
E
TELVINA
53
P
RODUÇÃO
E
STATAL DE
H
ABITAÇÃO EM
C
IDADE
T
IRADENTES
63
A
LGUNS
I
NDICADORES
S
OCIAIS
72
E
QUIPAMENTOS
P
ÚBLICOS EM
C
IDADE
T
IRADENTES
U
MA HISTÓRIA DE CONQUISTA DOS
MORADORES
78
CAPÍTULO III - O ESPAÇO COLETIVO NUMA EXPERIÊNCIA
ETNOGRÁFICA EM UM PRÉDIO DA COHAB CIDADE TIRADENTES EM
SÃO PAULO 81
I
NTRODUÇÃO METODOLÓGICA
84
E
SPAÇO
C
OLETIVO
E
NTRE O
E
SPAÇO
P
RIVADO E O
E
SPAÇO
P
ÚBLICO
88
A
EXPERIÊNCIA DE CAMPO E A GÊNESE DE UM CONCEITO
:
O ESPAÇO COLETIVO
91
C
ONDOMÍNIOS NA
COHAB:
GESTÃO OU DISCIPLINAMENTO
94
M
EDIAÇÕES PARA O ESPAÇO COLETIVO
:
ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO
99
C
IDADE
T
IRADENTES NAS ÚLTIMAS GESTÕES MUNICIPAIS
102
B
REVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA EM
C
IDADE
T
IRADENTES
105
A
EXPERIÊNCIA DO CONDOMÍNIO NA
C
IDADE
T
IRADENTES
:
A VISÃO DA SÍNDICA
109
U
M PERCURSO ETNOGRÁFICO
121
O
S MORADORES
127
P
ERSONAGENS E CENAS
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS 169
BIBLIOGRAFIA 171
ANEXO 179
11
Introdução
A sociabilidade está presente nas relações cotidianas dos sujeitos sociais. A
sociabilidade é produto de suas visões de mundo, de sua vivência no espaço público e
da formação de sua afetividade no espaço privado.
Por meio da sociabilidade são firmados pontos de vista a respeito do outro que
orientam condutas. Estes pontos de vista se relativizam a partir da reflexão sobre novas
informações. Estes pontos de vista orientam aproximações e distanciamentos de grupos
e de condutas coletivas. Estas condutas são vivenciadas nos espaços socialmente
produzidos, mas, ao mesmo tempo, são produtoras destes espaços.
Analisar a produção de moradia de interesse social é observar dinâmicas
espaciais e r luz em formas de entendimento acerca do direito à moradia e das
estratégias das quais o Estado e os diversos governos que nele atuam lançam mão para
sua realização. A perspectiva deste trabalho, por resultar de um percurso de formação
acadêmica da autora, é crítica. Ao mesmo tempo, neste trabalho está o desejo de que
colocar luz em uma situação em que decisões foram tomadas talvez sem considerar
todos os aspectos relevantes promova reflexão, relativize pontos de vista e contribua
para a ampliação da ética e da estética nas consciências daqueles que têm o papel de
promover políticas públicas.
O objetivo deste trabalho é analisar a produção do espaço social e suas
reverberações nas relações de sociabilidade. O tema é amplo e demandou um recorte, a
saber, a produção do espaço pelo Estado num caso específico (o conjunto Cidade
Tiradentes, produzido pela COHAB-SP entre 1970 e 1990) e seus desdobramentos do
ponto de vista das relações de sociabilidade. As relações de sociabilidade foram
recortadas dentro de um único edifício no conjunto habitacional, dados os limites
próprios a uma pesquisa de mestrado.
12
O Estado, instituição que envolve saberes cnicos e poderes políticos no uso do
Fundo Público, está presente em todos os momentos da produção do espaço social. É
por meio de legislações e regulamentos que o espaço é caracterizado, e as relações entre
os cidadãos e o espaço é mediada, por meio de normas para o uso e ocupação do solo,
que organizam o espaço em vias, glebas, loteamentos, espaço público e espaço privado,
estabelecem requisitos jurídicos para os registros da propriedade, regulamentam as
taxações.
Além desta característica reguladora, o Estado age diretamente na produção do
espaço público quando concede anistias em áreas irregulares, promove obras viárias,
promove transporte público, cria equipamentos públicos em áreas pública, promove
habitação por meio de financiamento imobiliário e por meio de promoção de habitação
de interesse social, programas de atuação em cortiços e programas de atuação em
favelas.
No caso estudado tratamos da produção de habitação de interesse social, em que
o Estado promove habitação para uma parcela da população de baixa renda. Esta
modalidade de política pública age em paralelo a outras formas de ocupação do espaço
urbano, e pode ser considerada numericamente pequena em relação à produção do
espaço pelo mercado imobiliário. Compreendendo a atuação do Estado na produção de
política de interesse social é possível observar as forças que atuaram e atuam na
produção do espaço urbano e seus desdobramentos na vida cotidiana das pessoas. Um
dos dados da pesquisa refere-se à busca por terrenos baratos e sem infra-estrutura para a
produção de habitação de interesse social, o que promove desdobramentos em termos de
investimentos em infra-estrutura e tem efeitos nas trajetórias dos moradores, seja do
ponto de vista dos seus deslocamentos diários, seja do ponto de vista do seu orçamento
familiar, seja do ponto de vista do acesso a serviços públicos e acesso ao mercado de
trabalho, seja do ponto de vista das dinâmicas de sociabilidade no bairro. Os dados
estatísticos disponíveis possibilitam a observação de alguns elementos acerca da vida
dos moradores, como renda, ocupação e escolaridade. A análise destes dados possibilita
agregação de situações e comparações com outros distritos, por exemplo. Para a
compreensão de fenômenos de ordem mais qualitativa e dinâmica, como a percepção do
bairro, as facilidades e desafios que ele coloca à vida cotidiana, a pesquisa lançou mão
13
de uma investigação de ordem qualitativa. A escuta das trajetórias dos moradores num
edifício da Cidade Tiradentes possibilitou levantar elementos qualitativos acerca dos
desdobramentos da política habitacional na vida dos moradores. Reiterando, essa escuta
é fundamental na reflexão acerca do papel das políticas públicas.
Estes temas elencados na introdução, como o papel do Estado na produção do
espaço social, as forças relacionadas à produção do conjunto Cidade Tiradentes e o
olhar para a realidade dos moradores foram abordados ao longo de três capítulos.
O papel do Estado na produção do espaço social foi abordado pela observação
da história da urbanização em São Paulo. A sua atuação em relação à promoção da
habitação foi considerada ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que se abordam
dinâmicas urbanas paralelas, como o auto-empreendimento da casa própria e a
periferização das cidades.
A análise da atuação do Estado na produção do espaço social é recortada no
segundo capítulo, em que se aborda o papel dos governos no município de São Paulo
em relação à política habitacional de interesse social e as forças produtoras do conjunto
habitacional Cidade Tiradentes. Observa-se a população do conjunto habitacional
Cidade Tiradentes pela lente dos dados agregados.
As narrativas dos moradores do prédio são apresentadas no terceiro capítulo, em
que se abordam também aspectos metodológicos da pesquisa.
14
Capítulo 1 – Aspectos históricos da configuração urbana de São Paulo
O propósito deste capítulo é apresentar um panorama das dinâmicas urbanas ao
longo do tempo na cidade de São Paulo, com o olhar voltado para o papel do Estado na
produção do espaço social.
Descrever dinâmicas espaciais é ao mesmo tempo descrever dinâmicas dos
grupos sociais na cidade, imbuídos de seus papéis relacionados às forças econômicas. A
origem das relações econômicas está na relação entre a Colônia e a Corte Portuguesa.
Seus desdobramentos são uma crescente absorção da dinâmica econômica pelo país (em
relação à economia mundial, por suposto), acompanhada pela intensificação dos
processos de uso do espaço.
Neste processo, as relações sociais e as formas de uso e ocupação do espaço
tornam-se progressivamente mais complexas. As relações sociais se expressam no
espaço, nas vias definidas por modos de circulação, nos lotes que configuram bairros e
nas expressões arquitetônicas dos edifícios públicos e privados. Dialeticamente, as
relações sociais entre grupos e instituições, indivíduos e instituições, são também
delineadas pelas possibilidades de apropriação do espaço urbano e suas mediações.
Neste capítulo, a abordagem desta relação dialética entre sociedade e espaço seguiu o
fio condutor da história urbana de São Paulo. Ao abordar formas de uso do espaço,
procurou-se demonstrar suas implicações para as relações sociais. Reciprocamente, ao
abordar as relações políticas, sociais e econômicas, dos grupos e das instituições,
procurou-se abordar as suas reverberações nas formas de uso e ocupação do espaço.
Desenha-se, no vai-e-vem destas leituras, a cidade atual, as práticas nela vivenciadas e
os significados nela produzidos.
O objetivo deste capítulo é o entendimento dos processos de configuração
urbana em São Paulo que orientar as práticas urbanas e a dotação de sentidos pelos
sujeitos sociais. Embora partindo da busca de sentidos gerais para a experiência de viver
15
em São Paulo, a genealogia da pesquisa ancora-se em questões específicas, que derivam
da busca de sentidos da experiência de viver num conjunto habitacional na periferia de
São Paulo no século XXI.
A experiência de viver na Cidade Tiradentes está profundamente relacionada
com o entendimento do que é a cidade de São Paulo hoje, dentro do contexto social,
político e econômico mundial. Este entendimento parte de olhares teóricos constituídos
dentro da história do pensamento social brasileiro. Dentre as possibilidades de descrição
mais relevantes para esta conceituação estão o amplo campo das ciências sociais e dos
estudos urbanos
1
que entendem aspectos da cidade como expressão de atraso (teoria da
marginalidade); ou tratam as questões urbanas em termos de segregação; ou, ainda,
assumem a perspectiva de que São Paulo é uma capital inscrita na dinâmica das
chamadas cidades globais.
Uma gama de estudos urbanos que nos interessa encontrou consonâncias com as
teorias sociológicas e econômicas da dependência, segundo as quais a economia
brasileira estava atrelada de forma submissa à economia mundial, relação esta de que
derivava a pobreza urbana, resultante de uma dinâmica de desigualdades regionais e
processos migratórios mais intensos do que o crescimento dos empregos nas cidades
grandes. A crítica a esta visão incorpora o conceito de exército industrial de reserva, a
presença de um enorme contingente de força de trabalho não incorporada ao mercado de
trabalho que pressiona a massa salarial para baixo, realizando os lucros provenientes da
superexploração da força de trabalho dentro da economia à reboque das economias
centrais. Os estudos de sociologia urbana estavam atrelados a uma leitura
macrossociológica segundo a qual a cidade era vista como o espaço de solidificação das
relações entre capital e trabalho. Eles beberam na fonte do urbanismo marxista, de
trabalhos como o de Castells (1983), por exemplo. Neste trabalho, Castells analisa a
cidade em termos da expressão espacial da concentração dos meios de produção, de
unidades de gestão e de meios de reprodução da força de trabalho necessária, assim
como da distribuição de mercadorias solicitadas pelo mercado. Todas as configurações
1
Uma leitura da sociologia urbana pode ser encontrada em Marques & Torres (2005).
16
urbanas resultam desta relação, em que estão desigualmente atuantes o capital (os meios
de produção) e o trabalho.
Os estudos urbanos a partir das décadas de 1970 e 1980 observam o crescimento
das periferias nas grandes cidades brasileiras. Seu esforço descritivo produz teorias
acerca da produção destes espaços.
2
Descrevem-se e são analisados processos como o
auto-empreendimento da casa própria nas periferias. Os analistas urbanos estavam em
campo quando os fenômenos da resistência à ditadura militar da década de 1980
cresciam, com o fortalecimento do movimento operário e dos movimentos sociais nos
bairros. Estes fenômenos passam a ser o objeto de estudo dos trabalhos urbanos em São
Paulo.
3
Esta abordagem possibilitou o crescimento da antropologia nos estudos urbanos,
a partir de estudos minuciosos sobre os moradores da periferia e suas vidas.
4
Como herdeiro desta tradição situa-se o presente trabalho, informado por esta
literatura e orientado pela pesquisa empírica.
2
Como no trabalho de Maricato (1982).
3
O trabalho emblemático desta virada é o de Sader (1988).
4
Como em Telles (1992).
17
Genealogia da Segregação em São Paulo
São Paulo é uma cidade que abriga uma diversidade grande de situações sociais,
expressas no seu ambiente construído. O ambiente construído é manifestação dos
tempos sociais e das relações sociais ao mesmo tempo em que os orienta. É
compreensível, portanto, que as desigualdades sociais estejam expressas no espaço, não
apenas na expressão da arquitetura ou no tamanho das residências, mas também nas
formas de acesso e nas diversas formas de expressão da infra-estrutura urbana. Estas
expressões da cidade são resultantes de processos históricos. A abordagem histórica é
relevante, pois esclarece aspectos dos papéis que diversos atores tomaram ao longo do
tempo na construção da cidade, especialmente o Estado, os grupos de interesse ligados
ao capital e os grupos ligados ao trabalho.
Estes três atores assumem faces diversas ao longo do tempo. No tempo do Brasil
Colônia, o Estado era a figura da Coroa Portuguesa, cujos braços alcançavam o
território da cidade por meio de suas representações oficiais. Os grupos de interesse do
capital estavam ligados à Corte e os grupos ligados ao trabalho eram os escravos.
São Paulo na época do Brasil Colônia era uma cidade na qual estabelecia-se um
padrão de tensão na convivência entre senhores de escravos com suas imensas terras
concedidas e o poder que isso lhes conferia e escravos vivendo nas contra-condutas. Os
escravos criavam espaços de interferência na realidade da cidade, fosse como
demandantes em processos judiciais, fosse como agentes presentes nas relações
privadas das famílias de posse, fosse criando resistência ao modo de vida dos brancos,
nos quilombos. A cidade era dividida entre brancos em terras concedidas e negros
escravos, e as formas de vida e de uso dos tempos destes dois grupos eram diferentes
em tudo
5
, embora os usos se misturassem no espaço. A cidade era apropriada de formas
5
Se aos brancos cabia a vida citadina, aos escravos cabia, pela relação de dominação, a vida de trabalho.
Culturalmente, os brancos importavam uma cultura européia ao passo que os negros escravos cultivavam
suas raízes religiosas e culturais africanas, como forma de união e resistência. A historiografia e os
registros literários de Machado de Assis dão conta de relações mediadas entre negros escravos, brancos
proprietários e uma camada intermediária, de homens livres do clero, ex-escravos e agregados. A
característica do sujeito, a cor ou sua condição social, eram fortemente marcantes do comportamento
18
diferentes por eles, embora brancos e escravos convivessem na mesma região. Como
relata Rolnik (1981), a diferença estava inscrita no corpo de forma inequívoca, pela cor
da pele, reforçada pela forma de se vestir e pelas diferenças culturais. Segundo a autora,
a superação da escravidão inscreveu uma igualdade entre ex-escravos e senhores de
escravos que não era desejada pelos senhores de escravos. A dominação se manteve
com a discriminação em relação à apropriação dos espaços da cidade, no processo de
segregação sócio-espacial.
A noção de segregação está relacionada, pois, à forma como os diversos grupos
usam o solo e paulatinamente criam uma cidade pautada por acessos e restrições. O
conceito de segregação sócio-espacial é nítido nos casos em que ele é enunciado
oficialmente, como nos guetos de Varsóvia no início do século XX. No caso das cidades
brasileiras, o acesso de todos os grupos a todos os espaços da cidade é, em tese, livre.
As mediações que vão sendo construídas é que criam diferentes modos de acesso e
diferentes restrições ao uso do espaço. A mediação fundamental do uso do espaço é a
propriedade privada, que delimita o acesso ao solo. Em outros casos, como nos edifícios
públicos, o acesso é livre, mas nem sempre é percebido como tal. Expandindo o
raciocínio da segregação urbana, bairros são mais ou menos “acessáveis” a depender
das suas características e dos meios de deslocamento até eles. Os acessos e restrições
aos espaços da cidade orientam formas de vida e tempos sociais, reforçando aspectos da
desigualdade econômica. Nesta dinâmica, na atualidade, estão em jogo os meios de
transporte, a localização dos empregos, as formas de acesso à moradia e a oferta de
serviços. Nas cenas sociais, as distinções são visíveis não apenas nos cenários, mas nos
atores. Elas são visíveis nos corpos e no comportamento esperado dos atores,
reproduzindo situações sociais, demarcando o lugar esperado de cada um. O lugar do
escravo na sociedade escravocrata era a senzala, embora toda a sua conduta tenha criado
resistências, como foi mencionado. O local da mulher branca era a família e o seu
círculo social, e o lugar do homem branco, o mundo das negociações envolvendo o
comércio e o dinheiro. Ao longo do tempo essa caricata configuração transforma-se
qualitativamente: os escravos tornam-se homens livres e ao mesmo tempo assumem um
esperado, das permissões e relações de dominação (entre senhores que dispunham dos escravos como
mercadorias) e de favor (entre agregados e senhores), como analisou Schwarz (1992).
19
lugar variável, em tudo diferente do lugar dos homens livres brancos, profissionais
liberais ou do clero, em função de como se fixam no território. O lugar da mulher, por
outro lado, diversificou-se, chegando ao mundo do trabalho (embora sempre numa
condição média inferior ao do homem e com restrições a ocupações), permanecendo no
universo familiar.
A segregação é, pois, um conceito social, e não apenas urbano, que envolve a
compreensão de que as relações entre indivíduos são desiguais, a cada cena social. A
desigualdade se manifesta como desigualdade de gênero, desigualdade de classe,
desigualdade de grupo religioso, desigualdade de raça. A expressão espacial da
desigualdade inscreve no solo urbano as formas de apropriação da riqueza. A
segregação urbana é um fenômeno da desigualdade de classe. A gênese do processo de
segregação urbana diz respeito à forma como o acesso, o uso e a propriedade da terra
foram institucionalizadas na Província de São Paulo.
Nos primeiros séculos de colonização portuguesa os povoados no sudeste eram
dispersos e sua importância econômica era pequena. A pujança econômica localizava-se
no nordeste em decorrência da exploração da cana de açúcar e do comércio de escravos.
O papel dos povoados era de oferecer uma base para a administração colonial e para a
Igreja.
6
A legislação fundiária era baseada na concessão de sesmarias pela Coroa. As
terras eram propriedade da Coroa portuguesa que concedia o uso do solo, chamado de
sesmarias. A Coroa tributava a produção, e não tributava a terra. As terras que não eram
produtivas voltavam à Coroa (as chamadas terras devolutas). As câmaras adquiriram a
atribuição de ceder terras, e de abrir ruas ao passo que os habitantes que adquiriam
direito de uso deveriam fazer uso produtivo dos terrenos pela agricultura ou por
construção de edificações. Simoni (2002) analisa que mesmo após a Independência,
quando as câmaras passaram a legislar apenas sobre as terras urbanas, houve
concentração de terras nos arredores das cidades. A Câmara desapropriava terras para
arruar e indenizava os proprietários, que com o dinheiro construíam edificações, numa
lógica que perdurou até o século XX. Uma instituição pública remunerava, portanto,
proprietários de terras que concentravam o uso do solo nas áreas centrais da cidade. A
6
O trabalho de Simoni (2002) explora a legislação de terras em São Paulo de 1840 a 1930.
20
compra e a venda de terras do Rocio (arredores da Vila destinados ao uso comum dos
habitantes mediante concessão feita pelo Conselho) era modesta, porque a terra não
tinha valor econômico. Os brancos tinham acesso às terras (tinham bons
relacionamentos com os governantes) e aos meios de produção (incluindo os escravos)
ao passo que para os colonos livres o acesso às terras em concessão era mais difícil.
Depois da Independência, até 1850, a forma de acesso à terra passou a se generalizar
por meio da posse, gerando conflitos entre sesmeiros e posseiros.
Pouco antes da Lei de Terras de 1850, foram construídas na cidade de São Paulo
as primeiras estradas de ferro. Impulsionada pela economia cafeeira em gestação, a
estrada de ferro Santos Jundiaí foi construída entre 1855 e 1875.
A Lei de Terras de 1850 foi o divisor de águas da questão fundiária no Brasil e
em São Paulo. A Lei de Terras estabeleceu normas jurídicas para a propriedade da terra,
que era, desde a abolição do sistema de sesmarias com a Resolução 76 em 1822 até
então, simplesmente ocupada de forma legítima. Não por acaso a questão da
propriedade da terra foi equacionada no plano jurídico junto à Lei Euzébio de Queiroz,
que suspendia a importação de escravos. A Lei Euzébio de Queiroz procurava
impulsionar a colonização por meio da ampliação da imigração para aumentar a oferta
da força de trabalho. Por outro lado, a necessidade da regulamentação da terra respondia
à crescente economia cafeeira no centro-sul, que substituía a decadente economia
açucareira do nordeste. A Lei de Terras estabelecia que o acesso às terraspoderia ser
realizado mediante a compra do terreno. O seu objetivo era resolver o problema da
propriedade da terra e ampliar os fluxos imigratórios. Aos ocupantes, até aquele
momento, foi dado o título de proprietários. As terras não ocupadas, propriedades do
Estado, eram vendidas em leilão mediante pagamento à vista. A lei redefiniu o conceito
de terras devolutas como terra devolvida ou terra vaga ou inculta, pois elas passaram a
serem vendidas. O produto da venda de terras devolutas destinava-se a um fundo a ser
aplicado na medição e marcação das terras (atribuição do governo). A Lei revogava as
formas de acesso à terra por concessão ou posse, salvo em caso de fronteira ou em
reservas indígenas. Simoni (2002) mostra em seu trabalho, contudo, que exceções
21
importantes foram mantidas em relação ao regime de compra e venda, revalidando as
concessões das sesmarias existentes.
7
Para a compra e venda de terras devolutas era necessária a legitimação das terras
por meio da demarcação dos limites. O acesso a esta demarcação e a compra de terras
ficou nas mãos dos grupos de antigos senhores representados na Câmara municipal. Por
outro lado, a imprecisão técnica das demarcações facilitou a abertura de negociações
privadas em torno da terra.
Em 1880, a elite cafeeira colocava-se à frente na criação de núcleos-colônias
como complemento à política de imigração. Reiterando a visão racista dos brasileiros de
então, a política de apoio à imigração aconteceu pari-passu à abolição da escravatura.
Com a abolição da escravidão em 1888, os trabalhadores recém libertos tornam-se
trabalhadores livres e sem acesso à propriedade. Mesmo entre os trabalhadores europeus
recém-chegados a São Paulo, o acesso à terra era restrito, pois era realizado por meio de
recursos financeiros, de que eles não dispunham. Depreende-se que o acesso à terra
mediava também o valor da reprodução da força de trabalho, que estava próximo à
capacidade de sobrevivência dos trabalhadores.
Duas observações do período imperial contribuem para a compreensão do
fenômeno da segregação espacial. A primeira diz respeito à dimensão simbólica que a
abolição da escravidão teve na província de São Paulo. A segunda nos remete ao
sustentáculo material desta dimensão simbólica.
Na São Paulo antiga os escravos trabalhavam, e os senhores exerciam suas
atividades de homens livres, como a política, o comércio, as relações financeiras, o
mando na propriedade agrícola. A distinção do lugar de cada um era evidente, sendo
7
“Uma observação fundamental a fazer, portanto, é que os dispositivos da Lei de Terras e seu
regulamento não generalizaram a venda e compra, abrindo exceções que não podem ser menosprezadas.
Em especial, também não aboliram as concessões de terras, ao determinar a revalidação das sesmarias e
outras concessões do governo Geral ou Provincial, mantendo parte importante das terras possuídas
segundo a forma de propriedade definida nas Ordenações. Além de manter um grande número de terras
enquanto concessões revalidadas, e ser omissa quanto às concessões municipais, definiu o aforamento
perpétuo como forma de aquisição dos lotes resultantes da divisão de terras devolutas reservadas para
povoações, com o que a ocupação urbana continuava determinada pelo sistema concessionário com
origem colonial.” Simoni (2002, p. 43).
22
portanto, desnecessários signos espaciais para marcar as diferenças. O acesso a
diferentes espaços sociais demarca a diferença de modo a re-estabelecer a dominação.
Do ponto de vista material, a geração do valor desloca-se da propriedade dos
escravos (que eram comercializados, e cuja posse implicava em patrimônio) para a
propriedade da terra, que passa a ter valor com a Lei de Terras.
A nova forma de poder era elitista, como ficou claro por meio do novo traçado
urbano que se desenhava na cidade. As relações de trabalho eram desiguais, no sentido
que a reprodução da força de trabalho dava-se no nível da sobrevivência, e o acesso ao
solo era, pela Lei de Terras, restrito àqueles que detinham propriedades, heranças das
relações imperiais. As restrições do acesso à terra denotam o processo de segregação
sócio-espacial. Aos trabalhadores livres coube a solução de moradia nos cortiços
próximos ao centro da cidade. Os proprietários de terras que haviam se tornado
cafeicultores, banqueiros e industriais, passaram a ocupar terras altas, partindo dos
campos Elíseos (em 1879) para Higienópolis (em 1891) e para região da Avenida
Paulista (inaugurada em 1891), bairros distantes das várzeas inundáveis dos rios
Tamanduateí e Tietê.
Os novos detentores de poder, republicanos, inspiraram-se nas reformas urbanas
da Europa, nas aberturas de largas vias em Paris, com a reforma do barão de
Haussmann, para singrar as ruas estreitas do centro da cidade e abrir largas avenidas. Os
ideários de higiene com o combate às epidemias estavam na base do discurso e da
prática dos republicanos. Eles buscavam a imagem de uma cidade moderna que não
estaria mais associada ao passado escravista.
O Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia (entre 1935 e 1945) representa a
atuação do Estado na definição urbana da cidade, desde a realização de obras viárias à
gestão de serviços urbanos.
O Plano de Avenidas vem no bojo de reformas urbanas que tiveram início no
começo do século, com os sanitaristas. As reformas eram promovidas por
incorporadores que aprovavam leis específicas e conquistavam serviços públicos para as
23
regiões nobres. Enquanto nos bairros operários o esgoto corria a céu aberto na região da
Avenida Paulista havia rede de água e esgoto, iluminação e calçamento.
8
Os registros sobre a cidade de São Paulo no final do século tratam sobretudo da
aspiração da cidade à modernidade. Quem se debruçou sobre os registros, como Nabil
Bonduki, relata a inexistência de informações sobre a moradia dos trabalhadores em São
Paulo. Não fosse pela intervenção do movimento higienista nos cortiços do centro da
cidade, pouco saberíamos das condições de moradia de boa parcela da população. Este
silêncio enuncia a visão de uma cidade que teria crescido pela força do
empreendedorismo dos proprietários e do saber técnico, omitindo o papel fundamental
dos trabalhadores. Estes, por sua vez, tinham seu espaço na cidade restrito. Embora a
circulação pudesse ser livre, os trabalhadores estavam atrelados à fábrica, e a vida
operária girava em torno do bairro em que a força de trabalho se reproduzia. Fica
evidente nesta relação que o tempo social do trabalho está relacionado à vivência
restrita do espaço, o que torna a cidade segregada.
Os incentivos à imigração a São Paulo, a partir do final do século XIX,
expandiram a cidade. O crescimento do cultivo de café demandava mão-de-obra em
quantidade. A cidade recebia um grande número de imigrantes. Os registros nos falam
de 900 mil imigrantes entre 1886 e 1900.
A cidade crescia e se diversificava. Atividades como o pequeno comércio, a
indústria nascente e o pequeno empreendimento imobiliário cresciam. O pequeno
empreendedor era geralmente um imigrante com algum capital, que investia na compra
do terreno e na construção de inúmeras casinhas, para abrigar famílias de trabalhadores.
A construção de cortiços era, pois, uma atividade bastante rentável.
Os relatórios pesquisados por Bonduki (2004) tratam de cortiços caracterizados
pela qualidade das construções e pela insalubridade das condições, sobretudo de
escoamento de esgoto e água. A leitura que se fazia destas condições respaldava a ação
política de intervenção e de controle sobre as habitações, a iniciar pelas desinfecções,
8
Rolnik (2001).
24
continuando com obras de saneamento, distribuição de água e coleta de esgoto, de
forma tópica, e culminando com a criação de legislação de controle e uso do solo.
O Código de Posturas do Município de São Paulo de 1886 determinava área
mínima de 5m² para cada cômodo, e de espaçamento entre cada linha de cortiços de 5
metros, água disponível em poços (uma para cada habitação) e uma latrina para cada
duas habitações. Além disso, a Lei regulamentava que os cortiços não poderiam estar
junto a áreas comerciais. A Lei 493, de 1900, o permitia cortiços fora do padrão. A
existência de todas as leis, no entanto, não significava que as construções as seguiam.
Pelo contrário, já no início do século XX começam a serem construídas habitações fora
das normas, paralelamente a uma normatização cada vez mais restritiva.
A presença de normas paralela à presença de uma intensa burla à regra faz parte
da história urbana das grandes cidades brasileiras. Este fenômeno foi analisado por parte
da literatura urbana como expressão de duas cidades: a “cidade legal”, por um lado, e a
“cidade ilegal”, por outro lado. Uma das cidades estaria dentro das regulamentações, e
outra crescendo ao largo das normas, em trabalhos como o de Rolnik (1997).
Aprofundando esta análise, Maricato (1996), demonstra que as irregularidades são na
verdade constitutivas do processo de urbanização, pois a forma de criar as normas
evidencia na sua gênese a intenção da segregação.
Se por um lado autores como Rolnik (1997) defendem a existência de cidades
paralelas, as críticas a este modelo interpretativo demonstram que não se pode falar em
dois processos paralelos de urbanização, mas num processo unitário, no qual o respeito
ou o desrespeito às normas são condições de apropriação do uso do espaço pelos
diferentes grupos sociais. Esta apropriação diferenciada, por seu lado, não é planejada.
Não uma dicotomia entre a cidade dentro das normas (trabalhistas, por exemplo, ou
fundiárias), e a cidade do desrespeito à lei. Estes processos estão, ao contrário,
imbricados na mesma origem, pois o mercado se estrutura prevendo e atuando dentro de
uma certa parcela de informalidade das relações. No caso fundiário, em relação à
indústria da construção civil, por exemplo, é condição para o lucro esperado da indústria
que o trabalhador da ponta não conte com garantias trabalhistas. Do mesmo modo,
dentro das práticas urbanas cotidianas, o legal e o ilegal estão mesclados numa fronteira
25
pouco clara
9
. A realização dos lucros dos empreendedores imobiliários do começo do
século, por exemplo, se dava a partir da burla às normas legais. Este tipo de burla era
conhecido pelos técnicos da prefeitura, o que não implicava numa re-orientação da
legislação. Pelo contrário, a lei fazia-se cada vez mais rígida.
O pensamento estruturado a partir do entendimento desta lógica ilumina uma
contradição básica na formação social brasileira. A raiz desta discussão está em “As
idéias fora do lugar”, em que Schwarz (1992) retorna sua análise à sociedade escravista.
A contradição básica é que a sociedade brasileira queria-se moderna e liberal, mantendo
sua base fundiária e escravocrata. A base material da geração do valor era omitida por
todos, que voltavam suas atenções para as idéias que circulavam na Europa, de
liberdade, igualdade e fraternidade. A mediação que estava presente neste mundo não
era a do contrato liberal. Uma relação de favor baseia-se na arbitrariedade do poder e do
mando, e não numa medida igualitária. A lei cumpre o seu papel de formular idéias
liberais, mas as práticas sociais são da arbitrariedade e do mando. Paralelamente, a
literatura sobre a cidade ilegal e a cidade legal (ou a cidade informal e a cidade formal)
demonstra a ineficácia da norma na sociedade brasileira, em que o contrato liberal é
mediado o tempo todo pelo arbítrio. Ao lado da norma sempre um mecanismo para
burlar a regra, e ele é estruturante da economia e das relações de poder no Brasil.
10
O discurso sobre normas e arbitrariedade, de tão presente na sociedade
brasileira, é comumente apropriado como um discurso ideológico ou presente em falas
moralistas. Mais do que uma denúncia moral, o que este debate pode esclarecer é a
fragilidade do pacto social liberal. O pacto social liberal é baseado no contrato e na
norma como mediações universais das relações. Ele é pautado pela funcionalidade das
instituições. A política liberal é a política que existe dentro das instituições e suas
normas de funcionamento. Ao considerarmos o pacto liberal frágil podemos exercitar
9
Esta imbricação entre legalidade e ilegalidade nas periferias urbanas dos anos 2000 foi descrita por
Telles (2006).
10
Oliveira (2003).
26
uma compreensão mais abrangente de política, que considera a constituição das
instituições como próprias da política.
11
A análise da sociedade paulistana do início do século XX pode contribuir para
este exercício. A sociedade paulistana da época era bastante diversificada. A República
trouxe a expansão de grupos sociais. Ao mesmo tempo, o modelo político não
significou a constituição de uma República liberal nos moldes francês ou inglês. Foi
ampliada a burocracia do estado, elemento que suplantou as orientações imperiais
instituindo uma dinâmica de impessoalidade própria da burocracia do estado moderno.
Se, por um lado, os grupos ligados ao desenvolvimento das técnicas e da burocracia
buscavam uma cidade regulamentada e organizada segundo normas convencionadas;
por outro, grupos ligados ao crescente mercado imobiliário, de portes variados,
organizavam sua conduta no sentido do lucro. Estes grupos de investidores tinham
disponíveis recursos que não seriam facilmente aplicados na indústria, e havia, por
outro lado, uma demanda grande por habitação. Como nos informam os pesquisadores
dos documentos históricos, a construção de habitação para as classes trabalhadoras era
um bom negócio.
12
O que se depreende deste movimento é a estrutura hierarquizada da
sociedade, a existência de grupos com poderes desiguais, e o fracasso no sentido de um
consenso formal em torno da questão urbana por parte de todos os grupos sociais. Este
processo evidencia a política do momento.
Cabe esclarecer o conceito de política com o qual se aborda esta dimensão
histórica da constituição urbana. “Política é a demanda da parcela dos sem parcela”,
segundo a formulação conceitual de Rancière (1996). A política nasce de um dano
primeiro, do escândalo de que um grupo desconsiderado como tributário de uma
parcela, demanda a sua parcela. É um movimento que instaura o dissenso e institui a
necessidade de outra lógica para as relações. A existência da parcela dos sem parcela
revela que a política é dissenso e só pode existir na definição das falas de dos corpos, no
11
A fragilidade do pacto social liberal foi analisada e aprofundada no debate entre Franco (1983) e
Schwarz (1992).
12
Bonduki (2004).
27
encontro entre a lógica policial e a lógica igualitária. Por ordem policial Rancière (1996)
entende a:
“ordem dos corpos que define as divisões entre os modos do
fazer, os modos de ser e os modos do dizer, que faz que tais corpos
sejam designados por seu nome para tal lugar e tal tarefa; é uma
ordem do visível e do dizível que faz com que essa atividade seja
visível e outra não o seja, que essa palavra seja entendida como
discurso e outra como ruído” (Rancière, 1996, p. 42).
A política é, pois, aquilo que institui no mundo público um dissenso em torno da
compreensão do outro e da redefinição de dinâmicas sociais. Essa definição parte do
entendimento de que a sociedade é formada por desiguais, em torno dos quais a
definição da igualdade e da diferença se coloca. Essa definição, sobretudo, supera a
naturalização da formulação clássica de política e das instituições liberais. Assim, a
política não se coloca apenas nos espaços institucionais, mas é o jogo segundo o qual
estes espaços institucionais se definem. Neste jogo estão presentes as construções
discursivas que definem e redefinem condutas esperadas. Aquilo que se cristaliza nas
instituições, neste sentido, pode vir a ser o fim da política, e não o seu exercício.
13
Voltando ao objeto em questão, o poder burocrático e o poder da técnica, de
natureza burguesa, foram suplantados pelo poder da expansão imobiliária, fundado na
renda da terra. Em termos de grupos sociais, o grupo de proprietários tornou-se
hegemônico. Este processo ocorreu porque conceitualmente o espaço não é um meio de
produção, mas está ligado à reprodução da dinâmica urbana que estrutura as relações
13
“Expliquemos melhor esse postulado, pelas suas implicações. A política é um assunto de
sujeitos e um movimento social faz política não no processo de identificação coletiva para daí reivindicar
uma parcela. O sujeito político não é aquele que reclama apenas sua parcela, mas quem questiona a
distribuição hierárquica dos lugares e das partes nesta reclamação singular. sujeito político neste
movimento de particularização e universalização. Assim, um modo de subjetivação não cria sujeitos do
nada. Ele os cria transformando identidades definidas da repartição das funções e lugares em experiências
do litígio. A subjetivação política se na relação da potência igualitária com a lógica policial, na
capacidade de inventar uma cena e ainda deslocar os lugares estabelecendo relações de mundos em
litígio.” Miagusko (2008, p. 48).
28
capitalistas na cidade. Diferentemente do meio de produção, cuja posse engendra o
lucro, a propriedade privada da terra não gera por si o lucro, mas está na dinâmica
dentro da qual a disputa pelo espaço cria o seu preço. O capital imobiliário está ligado
ao monopólio do uso do espaço, que abrigará uma atividade produtora de lucro.
14
É
nestes termos que a propriedade está associada ao poder econômico que se expande
como poder político. Do ponto de vista da dinâmica da cidade, no lugar de obra, lugar
de valor de uso, festa e prazer, a cidade torna-se um objeto relacionado ao valor de
troca, como analisou Lefébvre (1991).
Na configuração burguesa da cidade, no início do século, os trabalhadores,
possuidores apenas da sua força de trabalho, representavam a parte mais fraca da
equação urbana. Sem capital para a disputa do monopólio urbano, estavam sujeitos ao
salário e às relações de exploração de sua força de trabalho. Além disso, no início do
século a força de trabalho era composta por trabalhadores imigrantes, cuja
representatividade política era ainda frágil e a repressão à sua organização, policial.
Todo o modo de vida dos trabalhadores estava associado ao trabalho e ao
consumo para a sobrevivência. Como foi dito, sua vivência urbana era
geograficamente localizada junto às fábricas e às suas moradias, os cortiços (forma de
habitação mais generalizada no início do século XX). Acompanhando o processo de
concentração de terra na mão de uma classe de proprietários, outros monopólios foram
surgindo, como o monopólio dos serviços de transporte. As duas formas de lucro para
estes grupos eram fortemente estruturantes do espaço urbano. O monopólio no sistema
de transportes em São Paulo orientou a expansão urbana, tanto do ponto de vista da
abertura das vias quanto do ponto de vista da concentração de moradias populares, de
maneira forte e intensa, em regiões periféricas. Nas primeiras décadas do século XX, os
14
"O 'capital' imobiliário é, portanto, um falso capital. Ele é, sem dúvida, um valor que se
valoriza, mas a origem de sua valorização não é uma atividade produtiva, mas a monopolização do
acesso a uma condição indispensável àquela atividade." Singer (2002, p. 22).
SINGER (1982) analisa a dinâmica urbana do ponto de vista da reprodução do capital: a explosão da
especulação imobiliária é uma atividade que decorre da produção de benfeitorias que o Estado faz no solo
urbano, e a cidade volta-se às atividades produtivas em torno dos bairros que se tornam, assim,
localizações. duas formas de capital imobiliário, segundo Harvey: este de que nos fala Singer, que
explora a cidade para se apropriar da renda (os proprietários e os incorporadores) e aqueles que obtém
lucro a partir do espaço urbano (construtoras e financeiras).
29
serviços usados pelos trabalhadores, como transporte, energia e telefones, eram
controlados por uma única empresa: a Companhia Light. A Companhia Light, a partir
da década de 1920, tomou como sua prioridade o abastecimento de energia na região
sudoeste da cidade e os serviços de transporte público foram relegados a segundo plano,
mesmo porque seus custos aumentavam e a tarifa estava congelada. Os registros
mostram que em 1924, surgiram os primeiros ônibus, clandestinos. A Companhia Light
à época fez uma proposta de instalação do metrô na região central da cidade com
ramificações para as regiões mais distantes através de bondes. A proposta, entretanto,
foi vencida pelo Plano de Avenidas de Prestes Maia, por meio da abertura da avenida
Nove de Julho, uma das avenidas radiais propostas no plano.
A análise do Plano de Avenidas elaborada por Leme (1990) deixa entrever um
plano ambicioso cujo impacto na cidade foi intenso. A autora mostra que termos como
“sanear” bairros como o Bexiga são a tônica da obra, cuja realização configurou o
traçado urbano de São Paulo em centralidade e abriu espaço para a expansão periférica.
No plano previu-se o deslocamento por bondes realizado apenas nas áreas centrais. As
radiais deveriam dar vazão a um transporte mais pido, os “metropolitanos sem
trilho”.
15
O Plano de Avenidas marca um momento de crescente intervenção do Estado
no urbano, por meio de uma camada média de tecnocratas engenheiros e arquitetos,
urbanistas, de um modo geral, que instituíam e fiscalizavam regulamentações para o uso
do solo e para a circulação urbana. De um modo geral, essa camada média agia na
mesma via do desenvolvimento da economia, privilegiando a indústria automobilística
incipiente, bem ao encontro dos caminhos da economia paulistana e brasileira, de um
modo geral.
Do ponto de vista da estrutura urbana, a abertura das vias do Plano de Avenidas
associou-se à expansão do modelo rodoviarista de transporte sobre pneus. Até então as
camadas altas e os operários faziam seu deslocamento por meio de bondes, nas áreas
centrais da cidade. A prefeitura, usando como argumento a execução do Plano de
Avenidas, contrapôs-se à empresa Light que fazia o transporte por bondes. O transporte
15
Leme (1990) enfatiza que o plano de Prestes Maia tinha em seu bojo um modelo de estrutura urbana:
“mononuclear, de baixa densidade, ocupação extensiva do solo, sem barreiras para o crescimento da
área urbanizável e com uma proposta de direções de crescimento.”Leme (1990).
30
sobre bondes, bem como os demais serviços de abastecimento de luz e água da
Companhia Light associavam interesses do capital cafeeiro aos interesses dos grandes
grupos estrangeiros. A entrada da Companhia Light se fez no Brasil por meio da
ferrovia. Do mesmo modo, a Cia articulava-se com a expansão do mercado imobiliário,
comprando terras e vendendo glebas para a construção de bairros inteiros. A expansão
urbana da atividade cafeeira (que também estava associado ao capital bancário e à
indústria incipiente) deu vazão a uma demanda por transporte mais rápida do que os
bondes: as classes altas passaram a andar de carros importados, artigos de luxo. O
transporte metropolitano coletivo, aos poucos, foi se tornando primordialmente feito por
ônibus. O plano de avenidas, de modelo radial perimetral, permitia a expansão da cidade
ao longo dos córregos, que foram canalizados; ao mesmo tempo, sendo realizado o
transporte via ônibus. Este modelo de expansão promoveu também a expansão das
moradias para as regiões periféricas da cidade. Os preços dos terrenos nas áreas em que
foram abertas as avenidas subiram muito, expulsando a população para áreas mais
distantes. Os empreendedores imobiliários, como veremos, passam a optar pela venda
de imóveis no lugar dos aluguéis, por causa da Lei do Inquilinato que congelou os
aluguéis. De forma que as classes baixas passam a ocupar regiões periféricas da cidade,
a partir da auto-empreendimento da casa própria. Ao mesmo tempo, a presença do
transporte rodoviário coletivo, via ônibus, possibilitava o deslocamento dos
trabalhadores das regiões periféricas às regiões centrais das cidades, onde localizavam-
se as fábricas e as atividades comerciais.
31
A questão habitacional e o surgimento da valorização da casa própria
nos meios populares
A questão habitacional já era uma questão importante para a cidade de São Paulo
desde a abolição da escravidão e a chegada à província de centenas de milhares de
imigrantes europeus. A crise habitacional, não apenas em São Paulo, mas em todo o
Brasil, intensificou-se na década de 1930 quando a política de intervenção do Estado
passou a ser a tônica dos envolvidos nas discussões públicas e na máquina pública, que
crescia. A grande mudança na estrutura social que a chegada do Estado Novo promoveu
foi a entrada maciça da figura do Estado nas questões urbanas, na dinâmica do mundo
do trabalho e da produção e nas relações sociais com uma intensidade antes nunca
vivenciada. Se a habitação até então era tratada no âmbito das soluções privadas (dos
empreendedores privados), ela passou a ser uma questão de Estado, assim como a
regulação do trabalho. Até a subida de Vargas ao poder político a intervenção do Estado
nas questões de habitação era legislativa e de repressão, com ênfase sanitária e
higienista. A partir de 1930 predominam nos documentos a visão de que a iniciativa
privada não conta da criação de unidades habitacionais, sendo necessária a presença
do Estado. É um momento de racionalização da questão urbana, de cunho positivista,
que ganhou força com a criação das faculdades de ciências humanas (Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas e Escola Livre de Sociologia e Política) e de
institutos como o Idort (Instituto de Organização Racional do Trabalho). Ao mesmo
tempo, órgãos públicos foram criados para dar conta da crise da habitação (como o
Instituto de Engenharia, Carteira Predial do Instituto de Aposentadorias e Pensões e
Fundação da Casa Popular), e nos discursos dos técnicos e dos políticos o papel do
Estado era destacado como responsável pela promoção da habitação social.
Entidades de classe de arquitetos e urbanistas surgiram e foram consolidadas
nesta época o Instituto de Arquitetos do Brasil IAB, o Instituto de Engenharia de
São Paulo IE, além dos cursos de arquitetura Universidade de São Paulo e
Universidade Mackenzie. A partir de 1940 a visão dos urbanistas deixou de estar
32
voltada para grandes obras e passou a centrar-se na formulação de instrumentos de
regulamentação do solo urbano.
16
Apesar da crescente regulamentação do uso do solo, a
expansão da cidade deu-se em loteamentos irregulares nas zonas periféricas, às vistas
grossas do poder público municipal que obtinham dividendos políticos com os
loteadores.
A política de desenvolvimento urbano ao largo da regulamentação urbana
também estava relacionada à política nacional. Dentro do projeto nacional-
desenvolvimentista da Era Vargas a habitação era uma estratégia para a industrialização
do país. Além da promoção da habitação social implicar num custo mais baixo da
reprodução da força de trabalho, favorecendo a manutenção de baixos salários na
indústria, ela também fortalecia um aspecto ideológico fundamental no processo de
desenvolvimento urbano do Brasil: a casa própria.
A casa própria na periferia das grandes cidades, com todas as características
rurais, era entendida pelos setores ligados aos poderes políticos e econômicos como um
ganho em relação aos cortiços do centro da cidade. Bonduki (2004) defende que a opção
da casa própria na periferia da cidade fazia parte de um projeto das elites para segregar a
pobreza urbana. Em 1942 o congelamento dos aluguéis foi um golpe pesado para os
investidores rentistas. Embora 70% da moradia fosse de aluguel, a defesa da casa
própria tornou-se discurso predominante em todas as esferas sociais do país. A Lei do
Inquilinato significou a redução de lucro dos setores rentistas e a orientação do governo
de investimento no parque industrial. Do ponto de vista ideológico o discurso da defesa
da casa própria implicava em defender o trabalho e seus frutos, ao mesmo tempo em
que quebrava a identificação entre ricos e proprietários, permitindo às oligarquias a
manutenção do seu poder político e econômico. O trabalho de décadas compensaria
pelo seu efeito de garantir ao trabalhador o status de proprietário. Desde a Colônia o
proprietário era identificado como o rico e destarte todos os trabalhadores dedicados
poderiam legar à sua família este símbolo mais do que desejado, a casa própria. O sonho
era acessível de forma que a ameaça do comunismo seria afastada. O binômio da
16
Sobre a institucionalização da figura do urbanista no Brasil ver Feldman (2005).
33
manutenção dos interesses das oligarquias e repressão política aos projetos
revolucionários dos operários seria garantido pela domabilidade das camadas operárias.
“A habitação operária torna-se, portanto, área crucial para a
manutenção da ordem econômica, política e social. Além de ser um
bem essencial para a sobrevivência do trabalhador, a moradia deveria
tornar-se instrumento de transformação do trabalhador em
proprietário, desempenhando um papel importante na criação de um
modo de vida conservador e reproduzindo os padrões de
comportamento moral e cultural burguês entre trabalhadores oriundos
de vários países e longínquas regiões do país. E, além disso, deveria
integrar o rol de iniciativas empreendidas pelo Estado, sob liderança
do ditador Vargas, visando dar assistência às classes trabalhadoras.”
(Bonduki, 2004, p. 86).
Entre 1945 e 1965 consolidou-se no Brasil um estado forte e voltado para o
desenvolvimento industrial. As cidades cresceram e sua expansão seguia o ritmo desse
crescimento. A forma de provisão de moradia contemplava um pacto firmado entre os
empresários e os governos na manutenção de baixos salários. A moradia deveria ter um
baixo custo para poder ser acessada mesmo com baixos salários. Em lugar de destinar
salários dignos que pudessem prover a moradia, o consenso político e econômico dos
grupos ligados ao poder criou possibilidades de moradia compatíveis com o baixo
salário, como o empreendimento da casa própria na zona rural. A zona rural era
composta por loteamentos recém abertos por especuladores, sem serviços urbanos como
rede de esgoto e água encanada, ou coleta de lixo. Os próprios trabalhadores construíam
suas moradias nesses loteamentos, e trabalhavam nas fábricas e no comércio no centro
da cidade. Concomitante ao processo de transporte rodoviário o auto-empreendimento
da casa própria foi criando bairros periféricos nas quatro direções de São Paulo, sendo
atenuada nas regiões em que encontrava obstáculos naturais, como a zona norte com a
serra da Cantareira e a zona sul com as represas.
A casa própria era o empreendimento da vida do trabalhador. A evidência de seu
sucesso e o prêmio pelo qual a vida de trabalho era compensada. Como nota Bolaffi
(1982) a aquisição da casa própria se constitui como evidência de sucesso do
trabalhador, ao mesmo tempo serve de poupança e desonera o orçamento familiar do
aluguel. Num país em que os salários do trabalho eram historicamente achatados, a casa
própria era a poupança de uma vida toda. O corolário comunitário da casa própria era o
34
bairro e a criação de associações de amigos de bairro, voltadas para conquistas de infra-
estrutura nas regiões mais distantes da cidade. Como os estudos sociológicos
demonstram, estas associações eram a base para a política clientelista que definiu a face
de bairros em São Paulo: desde a anistia para os terrenos irregulares às melhorias
urbanas, tudo era conseguido na base da troca de apoio político. Os resquícios desta
política clientelista permaneceram na câmara municipal de São Paulo até a data em que
se escreve essa dissertação. Trata-se de um entendimento de que o voto, expressão da
política representativa (momento por excelência da política partidária) é algo que se
destina para que o representante empreenda uma ação no sentido de beneficiar quem
votou. A assembléia em que se legisla é, neste entendimento, um fórum em que se
delibera o uso do fundo público em função da representatividade que tem maior força
política partidária. Neste fórum são comuns alianças e acordos em função, sempre, de
interesses eleitorais. A abstração do bem comum não está mais em debate, pois é como
se a decisão sobre o mundo comum fosse o ponto de partida, o mundo comum é o
mundo dos trabalhadores e da disputa competitiva por trabalho e meios de vida. A
política não delibera sobre questões constitutivas das formas de vida da sociedade, mas
sobre meios pragmáticos de se obter vantagens em relação aos demais.
17
Em relação ao auto-empreendimento da casa própria, a legislação fundiária era
ignorada, e os loteamentos nas regiões periféricas ampliaram-se ao longo das décadas.
A estrutura urbana surgia via de regra a posteriori, a partir da pressão dos moradores.
O Estado, entretanto, não era apenas uma peça de atuação micro-geográfica
clientelista. O estudo de Bonduki (2004) discutiu a política habitacional durante o
Estado Novo e nos sucessivos governos populistas até o golpe militar de 1964. Sua
análise centra-se nos Institutos de Aposentadorias e Pensões e na Fundação da Casa
Popular, que passaram a financiar a política habitacional a partir de 1930, de maneira
um pouco tímida até 1937 e de forma mais efetiva após esta data, quando, com o
decreto 1.749 ficaram autorizadas a criação de carteiras prediais, redução da taxa de
juros de 8% para 6% e ampliação dos prazos de pagamento. A medida, no entendimento
de Bonduki (2004), visava por um lado proporcionar o acesso à habitação às classes de
17
O conceito de mundo comum foi elaborado por Arendt (2008), e será aprofundado no terceiro capítulo
desta dissertação.
35
renda mais baixa e por outro, destinar recursos da previdência às camadas de renda mais
alta por meio da rentabilidade superior com os títulos da dívida pública. Além disso, o
autor trata de uma disputa por recursos públicos entre os voltados para habitação de
interesse social e os voltados para promoção de habitação de alto luxo, disputa que
permanece na raiz da política habitacional até os dias de hoje.
18
As unidades
habitacionais eram ocupadas por moradores via aluguel, concessão de crédito para
construção em terreno próprio ou empréstimos hipotecários. Bonduki (2004) afirma que
os IAPs trabalhavam no sentido de financiar ou alugar moradias abaixo do custo, sem
condições de manter o próprio instituto, o que configura populismo e não política social.
Esta política foi realizada durante o Estado Novo. Era voltada para interesses
coorporativos e excluiu grande parcela da população. Os IAPs e a Fundação da Casa
Popular produziram cerca de 140 mil unidades habitacionais (quando a população do
país era de 44,9 milhões de habitantes), e sua grande contribuição foi na verdade
qualitativa, definindo novas tipologias de ocupação do espaço e urbanísticas, de viés
modernista. A ocupação principal nas grandes cidades, que concentravam pelo menos
8,7 milhões de moradores, continuava a acontecer de forma irregular e sem intervenção
do Estado nas periferias em que predominou o auto-empreendimento da casa própria.
A grande inovação da experiência da Fundação Casa Popular e dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões foi, portanto, não quantitativa, mas qualitativa. Foi neste
“laboratório” que elementos da arquitetura moderna foram introduzidos e disseminados
no Brasil, como a intensificação da industrialização da construção civil, a inovação
formal de projetos e materiais e a busca da funcionalidade, como analisou Maricato
(1984).
A opção pela habitação social multifamiliar no Brasil estava na busca por
métodos de produção em grande escala. A indústria da construção civil incorporou
tecnologias de construção inovadoras, a uniformidade do projeto de unidades
habitacionais, a padronização dos blocos e revestimentos. Os urbanistas, por seu lado,
buscavam a racionalização do traçado urbanístico. No horizonte dos arquitetos estava
18
Maricato (1984) analisa a política habitacional e conclui que a disputa por uma demanda melhor
remunerada é uma de suas características mais importantes.
36
subjacente o desejo de modernizar o país, a roda motora que do progresso, presente na
pauta das decisões políticas e no nosso universo de idéias. Esta pujança de idéias,
projetos, obras, era paralela a um processo de urbanização bastante menos planejado em
muitas periferias de grandes cidades. Além disso, os exercícios de uso do espaço pelos
traços modernos não foram imunes a críticas, como Bonduki (2004) ao demonstrar a
apropriação privada de espaços destinados ao coletivo.
A forma de atuação do espaço do movimento moderno na arquitetura também
sofreu muitas revisões e críticas, como o movimento Team 10. Nesta crítica, estava
subjacente certo caráter decadente do progresso. A permanência de um conhecimento e
vivências suplantadas pelo novo nos interstícios da história é uma das questões da
modernidade, sobre a qual muitos pensadores se debruçaram, sobretudo os da Teoria
Crítica, que estiveram às voltas com o facismo e o nazismo, como Benjamin (1996) e
Adorno (1994).
Voltada às matrizes econômicas e sociais brasileiras, esta tese foi apropriada por
grandes pensadores sociais, como Prado Jr (1999) e Oliveira (2003). As formas de
geração do valor e de acumulação do capital nos países que têm inserção periférica na
economia mundial preterem parte da população. A acumulação ampliada do capital
residiu até recentemente em grandes lucros em produções que eram restritas. A
expansão do consumo a populações que viviam no “atraso” é um fenômeno recente e
pode revelar uma nova orientação da economia mundial, no sentido da financeirização.
Do ponto de vista da estrutura política, até os anos 2000 a organização política
era necessariamente excludente. A forma política presente na Era Vargas, por exemplo,
estava ancorada na organização coorporativa, que é excludente. Eram “assistidos”
aqueles que estavam no projeto político de Vargas: os trabalhadores. As Constituições
da Era Vargas orientaram-se para atender a oligarquias e aos trabalhadores, e associar
direitos aos vínculos trabalhistas. A Constituição de 1934 tinha características liberais,
como a liberdade de crença e de reunião e manifestação, atendendo aos interesses das
oligarquias, ao mesmo tempo que instituiu direitos sociais (como o direito à educação, à
assistência social para famílias numerosos), direitos civis (voto para as mulheres e
maiores de 18 anos) e direitos trabalhistas (jornada de 40 horas semanais, direito ao
37
repouso semanal, férias anuais e o reconhecimento de sindicatos). Na Constituição de
1937 o poder político se centralizou e os sindicatos passaram a ser atrelados ao Estado.
O Estado passou a garantir direitos sociais aos trabalhadores, associando direito ao
trabalho, num processo que Santos (1979) chamou de “cidadania regulada”.
A política de habitação é parte da cidadania regulada. A habitação era voltada
para o trabalhador, identificado como quem está dentro da ordem e quem tem carteira
de trabalho. No entanto, não havia (e não há) trabalho regulado para todos, pois a
economia organiza-se sem esta universalidade. A habitação de interesse social, para este
trabalhador, era baseada na padronização das unidades, no incentivo à convivência das
famílias nas áreas coletivas, supondo que todas as famílias tivessem os mesmos valores,
sob a visão de igualdade da condição de cidadania dos trabalhadores. Esta política
habitacional, entretanto, teve um forte aspecto de “laboratório”, pois não se
universalizou sequer entre os trabalhadores regulados. Entre os trabalhadores “sem
carteira de trabalho”, as soluções eram ainda mais “domésticas”, como o auto-
empreendimento da casa própria.
em 1957 ficou evidente o caráter restrito da política habitacional.
Levantamento realizado pela Sagmacs - Sociedade de Análises Gráficas e
Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais - naquele ano revelou a existência de
141 núcleos de favelas, totalizando 8,5 mil barracos e 50 mil pessoas. na década de
1940 o auto-empreendimento da casa própria era uma das principais formas de provisão
de moradia em São Paulo.
Em 1964, com o Golpe Militar, foi criado o SFH - Sistema Financeiro de
Habitação e o BNH - Banco Nacional de Habitação, com a Lei 4.380, de 21/08/1964.
Com investimentos compulsórios do FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço -
e em parte voluntária do SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo-, foram
financiadas habitações, saneamento básico e infra-estrutura urbanas. O SFH financiou
4,8 milhões de habitações entre 1964 e 1986, quando foi extinto (praticamente 25% do
número total). Um terço desta produção foi dedicada à moradia para trabalhadores que
recebiam até dois salários mínimos. A política do BNH destinava-se à habitação de
interesse social (população de até 3 salários mínimos), que era provida pelas
38
Companhias Municipais de Habitação – as COHABs, à habitação para as classes médias
da população (de seis a dez salários mínimos) e à habitação para a população com renda
superior a dez salários mínimos. A política do SFH financiou a consolidação de um
mercado de construção civil no Brasil, atendendo a interesses de empresários e ao
mesmo tempo servindo de moeda de troca de política clientelista para os políticos que
trocavam casas por votos.
A política habitacional onerava os salários em 8%, mas não os investimentos das
empresas privadas. Além disso, a instituição do fundo de garantia por tempo de serviço
criou uma conhecida fórmula de empresários e trabalhadores para ajustes de
sazonalidade econômica: as indenizações compulsórias. A construção civil não estava
no cerne do crescimento econômico durante os primeiros anos da ditadura militar tanto
quanto a produção de bens de consumo e a indústria automobilística. A construção civil
criava empregos pouco qualificados e a sua industrialização, que teve um boom nas
décadas anteriores, passou a se tornar mais lenta. Bolaffi (1982) O avalia que se a
economia tivesse se assentado sobre a produção de habitação popular o crescimento do
país seria mais duradouro, ainda que mais lento.
A lenta industrialização da construção civil deu forma aos conjuntos
habitacionais promovidos pelas Companhias de Habitação Municipal
19
, executoras do
PLANHAP Plano Nacional de Habitação Popular. A lenta industrialização da
construção civil resultou de diversos fatores, entre eles a manutenção de uma força de
trabalho pouco qualificada (geralmente formada por trabalhadores migrantes de regiões
de menor desenvolvimento urbano para as grandes cidades) e mal remunerada, o que
barateava os custos da produção para o empresariado da construção civil. Além disso, a
implantação de tecnologias inovadoras nos canteiros de obra implicaria em ampliação
da dependência do setor de construção civil brasileiro às indústrias americanas,
responsáveis pela transferência desta tecnologia.
A face do BNH nas cidades eram as COHABs, que se mantiveram em várias
cidades mesmo após o colapso do SFH, como no caso da COHAB São Paulo. A
19
A este respeito, ver Magnavita (1994).
39
COHAB SP é uma sociedade anônima de economia mista, constituída de acordo à Lei
Municipal no 6738/65 e alterada pela lei 8310/75. De sua criação até 1992 produziu
142.000 unidades habitacionais. Até 1981 seu estoque de terras estava na zona leste
(93% na zona leste, das quais 24,5% estavam ocupadas, sendo que destes 99% estavam
nos distritos de Guaianases e Itaquera). As terras eram localizadas nas áreas periféricas
devido ao seu baixo custo em relação às áreas centrais. O grande volume de terras na
zona leste da cidade explica-se por suas características geomorfológicas, por serem
terras menos acidentadas, porém com veis de resistência do solo que acarretam mais
custos nas fundações.
20
Esta expansão foi amparada pelas modificações no Código de
Obras, em 1975, às condições que regulamentam os artigos 516, 522, 523 e 565 da Lei
8266.
Ao mesmo tempo em que transformava a face das cidades, verticalizando os
centros e criando infra-estrutura urbana nestas regiões, a política do SFH, voltada para
as camadas médias da população, foi acompanhada de um crescimento acintoso das
favelas nas grandes capitais. Em São Paulo, Maricato (1996) analisou a Lei .6.766 de
1979 avaliando que ao criar mecanismos restritivos à legalização dos loteamentos
(lembremos que a auto-empreendimento da casa própria era a forma de provisão de
moradia quantitativamente mais significativa no período) a Lei implicou num
crescimento desmesurado do número de favelas nas cidades. Durante os anos 1980 a
população cresceu acima dos 70% do total. As cidades se periferizavam.
21
A experiência do BNH desdobrou-se em uma série de atividades distantes do
projeto de provisão habitacional. Além das negociações ilícitas com os recursos
públicos, que são citadas por Bolaffi (1982), os recursos do fundo de garantia do
20
Dado de Caio Boucinhas, em entrevista à autora.
21
"Apenas para dar alguns exemplos, 49,3% das favelas de o Paulo têm alguma parte localizada em
beira de córrego, 32,2% estão sujeitas a enchentes, 29,3% localizam-se em terrenos com declividade
acentuada, 24,2% estão em terrenos que apresentam erosão acentuada e 0,9% estão em terrenos de
depósitos de lixo ou aterro sanitário. Do total, 65% estão situadas em área pública e 9% em terrenos de
propriedade mista, ou seja, pública e privada. Estes dados são de 1987, quando o número de favelas era
de aproximadamente 1.600 núcleos onde moravam aproximadamente 8% da população. Em 1993 essa
proporção é de 19,8%." Maricato (1996, p. 58).
40
conjunto dos trabalhadores brasileiros foi revertido para a construção civil, cuja atuação
pode ser questionada em relação à geração de empregos duradouros, bem remunerados
e estruturados do ponto de vista da qualificação dos trabalhadores, para a produção de
habitação voltada para uma parte da população, de rendas médias, e não para o conjunto
dos cidadãos brasileiros. Foi, pois, uma política de concentração de renda e de
concentração de serviços urbanos em determinadas áreas das grandes cidades,
contribuindo para os processos de segregação sócio-espacial. Do ponto de vista da
inovação tecnológica os avanços estavam restritos à indústria e atrelados ao mercado
internacional, não sendo apropriados pelas práticas de construção civil do país.
Auto-Empreendimento da Casa Própria e periferização
As habitações produzidas pelo Banco Nacional de Habitação foram voltadas em
sua maioria para as camadas médias da população. O conjunto de trabalhadores pouco
qualificados das grandes cidades, cujos recursos eram insuficientes para acessar o
mercado privado ou os programas habitacionais, lançou mão do auto-empreendimento
da casa própria para prover sua habitação, via de regra realizado nas regiões periféricas
das grandes cidades, sem infra-estrutura urbana ou serviços públicos. Os problemas
urbanos resultantes deste processo, como os altos custos de implantação de serviços
básicos nas regiões distantes do centro, foram percebidos e descritos pelos analistas
urbanos desde os seus primórdios. O fenômeno de periferização da cidade, com suas
raízes nas decisões urbanas e das políticas habitacionais desde o início do século XX,
intensificou-se ao longo dos anos 1970 e 1980, e pode ser analisado como resultante
das dinâmicas de crescimento engrendradas pelos grupos ligados ao poder econômico
no país, baseadas na manutenção de baixos salários para os trabalhadores e altos lucros
para os grandes empresários, como os empresários da construção civil. Outro fator de
ampliação dos lucros para os empresários e restrição do acesso à cidade para os
trabalhadores foi o aumento do preço do solo urbano. O solo urbano das regiões centrais
das grandes cidades encareceu na medida em que as regiões distantes do centro iam
sendo ocupadas, num processo especulativo. O solo urbano nas regiões centrais
41
concentra, historicamente, o monopólio das atividades produtivas geradoras de renda, o
que contribui para o processo especulativo. Trata-se, ademais, da parcela do solo
urbano que recebe investimentos públicos de melhoria (como abertura de vias, de metrô,
de saneamento). Embora os impostos urbanos tenham sido historicamente equivalentes,
a apropriação dos benefícios dos impostos foi desigual. Enquanto os proprietários das
áreas centrais receberam benfeitorias ao solo urbano sem a contrapartida dos impostos,
o mesmo não acontecia com os bairros da periferia. Para os trabalhadores que
produziram suas habitações o ônus da habitação é mantido no seu orçamento, retirando
a provisão da habitação da cesta de valores que deveriam ser pagos por seu salário e
mantêm-no achatado.
22
Também do ponto de vista tributário o ônus era repassado ao
trabalhador cujo acesso à propriedade era restrito:
"A política fundiária no Brasil, cuja principal característica é a
ausência de impostos significativos sobre a propriedade imobiliária, se
transforma assim no principal mecanismo por meio do qual os capitais
provenientes da arrecadação tributária são transferidos aos
proprietários de casas e terrenos. Enquanto esse processo acelera a
concentração e a acumulação de renda gerada pela nação nos bolsos
da minoria que possui os capitais necessários para adquirir o bilhete
premiado da loteria imobiliária, as cidades do país são
descapitalizadas e empobrecidas."
23
A tese de Singer (1982 ), que seria recuperada por Villaça (2001) anos mais
tarde, nos conta de que a cidade cresce a partir da dinâmica do capitalismo, que cria
localizações (monopólios do uso do espaço) e diferenciações internas, geradoras de
segregação. Ao estudar as relações entre os interesses imobiliários, industriais,
comerciais e os resultados viários em seis capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São
Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife), Villaça (2001) apontou que as
semelhanças encontradas revelam cidades cujos bairros detêm características
arquitetônicas, sociais e econômicas relativamente homogêneas, relacionadas entre si a
22
Este fenômeno foi conceituado por Oliveira (2003) como supertrabalho
23
Bolaffi (1982). A conceituação de Singer citada aqui nos remete ao fato de que o espaço não é um meio
de produção, mas está ligado à reprodução da dinâmica urbana que estrutura as relações capitalistas na
cidade.
42
partir da predominância dos interesses econômicos de consumo, definidores da
circulação e conseqüentemente dos investimentos viários necessários às circulações
preponderantes. Manifesta-se nas cidades estudadas a segregação sócio-espacial por
interesses dominantes que tendem a crescer numa mesma direção, próximas às suas
necessidades de consumo, serviços e lazer. O sistema viário corresponde, nesta lógica,
às necessidades das burguesias, relegando as classes trabalhadoras a necessidade de um
deslocamento mais longo.
“As camadas de mais alta renda controlam a produção do espaço
urbano por meio do controle de três mecanismos: um de natureza
econômica - o mercado, no caso, fundamentalmente o mercado
imobiliário; outro de natureza política: o controle do Estado e,
finalmente, através da ideologia.”Villaça ( 2001, p. 335)
A dinâmica do espaço estrutura o uso do tempo pelos diversos grupos sociais
que habitam a cidade. São os grupos que habitam as regiões mais distantes e pouco
servidas que necessitam de mais tempo para se deslocar em suas atividades cotidianas,
sejam de trabalho ou de lazer. O uso do tempo revela uma dimensão da relação de poder
que o espaço produz, pois o uso do tempo está associado às possibilidades de lazer e de
estudos no chamado tempo livre, que são menores para todos os que precisam de maior
tempo para se deslocar, em função da estruturação dos sistemas viários e de transportes.
As dinâmicas de uso da cidade e do tempo estão em tensão o tempo todo, evidenciando
que a cidade segregada é uma cidade de disputas de poder desiguais. Uma das disputas
urbanas é a disputa por localizações, definidas pelo acesso aos recursos urbanos
socialmente construídos, em geral, absorvidos e usados pelos que detém maior poder.
“É através da relação dialética entre tempo e espaço - na qual
o tempo aparece como tempo de deslocamento do ser humano - que o
tempo deixa de ser um conceito abstrato, uma categoria metafísica que
paira para fora e além do controle dos homens. A produção do espaço
aparece, então, como forma de controle do tempo, por apropriar-se
diferencialmente dos frutos do trabalho envolvido nessa produção”
(idem, p. 359)
No caso histórico do auto-empreendimento da casa própria, dos anos 1960 até a
43
aprovação do Estatuto da Cidade, a dinâmica, descrita por analistas, dizia respeito ao
seguinte jogo: participavam cinco agentes: o empreendedor do loteamento (loteador), o
corretor, os compradores dos lotes (moradores) e o Estado. O proprietário do terreno
trazia a posse do terreno, apenas. O projeto, a aprovação, as obras de terraplanagem,
arruamento e benfeitorias ficavam a cargo do loteador. A fixação da prestação era feita
a partir da disponibilidade de pagamento dos moradores. O corretor era um
intermediador, quem se encarregava da divulgação e da venda. Sua remuneração era
uma comissão dos lotes vendidos. O Estado tinha um papel de financiador, implantador
e gestor dos bens coletivos. Bonduki e Rolnik (1982) analisaram o papel do Estado
como financiador de serviços estratégicas da cidade (como energia e transportes, e
empresas produtivas) mais do que como agente do desenvolvimento da reprodução da
força de trabalho. O papel do Estado foi maior, no caso da provisão habitacional, que é
um dos elementos da reprodução da força de trabalho, como ator que garantiu o suporte
legal para a abertura dos lotes em condições físicas mínimas.
O contexto é um período da formação de um amplo exército industrial de reserva
aliado a uma população controlada politicamente - ditadura militar - situação em que os
salários ficaram abaixo do custo de sua reprodução. E o trabalhador se identifica como
um proprietário ao conseguir, ao custo do supertrabalho e da superexploração, a casa
própria.
O BNH, por outro lado, com moradias financiadas por cooperativas
habitacionais, não ofereceu moradias aos estratos mais baixos da população, usando
estritamente da lógica mercantil: suas casas eram pagas com trabalho pago, seguindo as
normas do código de obras, obedecendo à legislação municipal e oferecendo um
mínimo de infra-estrutura. Destinou-se às camadas médias da população. Não houve
subsídios para a construção de habitação para as camadas de renda mais baixa da
população.
Na década de 1980 agravou-se a crise habitacional. Os aluguéis subiram 500%
entre 1981 e 1986, e as classes médias da população começaram a disputar terreno com
as classes baixas.
24
As favelas iam ocupando os terrenos vazios. As periferias mais
24 Maricato (1988).
44
distantes iam se consolidando.
A reação da cidade de São Paulo às favelas foi ambígua ao longo dos anos.
25
Se,
por um lado, o mercado imobiliário voltava-se primordialmente para as camadas mais
consolidadas da população, aquelas atreladas ao desenvolvimento da economia ligada à
economia internacional e, nestes termos, assegurada pela legislação trabalhista, um
conjunto de trabalhadores pobres em seus empregos e expedientes cada vez mais
precários
26
ligava-se ao solo urbano de forma precária e irregular.
O poder público, por sua vez, ofereceu tratamentos distintos às diferentes
situações de habitação. No caso das favelas houve ao longo do tempo desocupações
violentas seguidas de reurbanização das áreas. Ao longo das cadas que se seguiram a
1980 desocupações violentas foram realizadas em processos em que os moradores
foram tratados de forma arbitrária
27
. O que vige na Lei ainda hoje é a Lei de
Zoneamento de 1972, em que os assentamentos são definidos como subnoramais. Na
prática, agenciamentos e negociações são realizados entre moradores e funcionários e
políticos encarregados da aplicação da norma.
28
Por outro lado, no caso do auto-empreendimento da casa própria assistiu-se à
recorrentes anistias, que tiveram um impacto político amplo, como a lei sobre a
25 Rolnik (1997) lembra que interpretações distintas de diversos matizes da irregularidade. Assim, o
auto-empreendimento da casa própria difere da favela, pois, embora sejam ambas irregulares, a favela tem
em sua natureza apenas o critério da utilização, enquanto a casa própria auto construída está embasada
pela aquisição, base fundamental da noção de propriedade.
26 A literatura sobre precarização do trabalho e globalização é ampla. Recentemente a interpretação do
fenômeno vêm ganhando abordagem urbana como em Telles (2006).
27 São paradigmáticos os trabalhos de Fix (2001) sobre a desocupação da favela às margens do córrego
Águas Espraidas para dar lugar à avenida e o trabalho de Alves (2006) sobre a desocupação do Jardim
São Carlos, em Guaianases.. Para uma história das favelas no cenário carioca ver Valladares (2005).
28 O trabalho de Pulhez (2007) destaca as formas de tratamento dadas às favelas ao longo do tempo nas
cidades brasileiras, ressaltando a visão da favela como uma expressão cultural popular (anos 1960), como
uma expressão da participação social (anos 1970 e 1980) à fragmentação social com a violência urbana
(anos 1990 a 2000).
45
"oficialização de logradouros" , anistiando em massa as ocupações irregulares.
29
Do ponto de vista do planejamento urbano, os órgãos criados para regularizar a
questão urbana não tinham recursos ou meios legais para realização dos planos, como
era o caso da Emurb - Empresa Municipal de Urbanização, criada em 1972 para adquirir
terrenos em valorização para a instalação de metrô e devolvê-las à população com os
serviços públicos instalados.
O crescimento da cidade via periferização é de interesse dos especuladores
imobiliários, pois engendra uma demanda por terrenos vazios e uma extensa
transformação de glebas rurais em urbanas, elevando o preço dos terrenos. A
verticalização das áreas centrais, por outro lado, concentra os investimentos e lucros
imobiliários na região central. Em 1997, com a instituição do Sistema Financeiro
Imobiliário (SFI) pela Lei 9.514 (que dispõe sobre o sistema financeiro imobiliário), o
sistema financeiro passou a reger o mercado imobiliário, acentuando o caráter altamente
especulativo da provisão habitacional.
A forma de urbanização de São Paulo – via auto-empreendimento da casa
própria, periferização e favelização - é um movimento coerente à expansão do mercado
imobiliário por toda a cidade. O Estado esteve presente o tempo todo, orientando os
recursos para a provisão habitacional para uma determinada classe e investindo em
obras viárias e serviços públicos em áreas centrais. Desta forma, o papel do Estado, em
lugar de compensar o processo de segregação cio-espacial, contribuiu para
intensificá-lo.
A produção de habitação de interesse social nos confins da periferia, como
29 O prefeito era Jânio Quadros. Jânio Quadros venceu como governador em 1955 ampliando os serviços
de água para a periferia. Consolidou, com essa política, um primeiro anel de loteamentos. "Este pacto
territorial esboçado desde os anos 30, mas definido mais claramente no contexto da redemocratização e
do populismo, nunca mais foi desmontado. Nem mesmo durante os anos de ditadura, o esquema foi
interrompido: novas regularizações em massa foram decretadas em 1962 e em 1968; as sociedades
amigos de bairro (SAB´s) continuaram a ser recebidas nos gabinetes de prefeitos, vereadores e
secretários. Durante o período de 1969 a 1988, em que não houve eleições para prefeito, a Câmara dos
Vereadores transformou-se no grande canal para as demandas dos bairros por serviços, tecendo redes
políticas que iam de bairros a secretários, assessores e funcionários municipais. E assim, camadas da
periferia foram sendo seletivamente incorporadas à cidade e novas fronteiras se constituíram." Rolnik
(1997)
46
veremos, não apenas atendeu aos interesses das grandes empreiteiras como também
cedeu espaço à especulação imobiliária nas regiões centrais. Formou-se um mercado de
habitação que atende às camadas médias e altas inscritas na cidade, ao mesmo tempo
em que se gerencia a pobreza seja por meio de uma política ambígua em relação às
favelas (das arbitrárias remoções às práticas de reurbanização), seja por meio de uma
política de habitação social de resultados discutíveis (os conjuntos habitacionais), ou,
ainda, através dos controversos mutirões.
30
30 Os mutirões foram uma política encarada de forma bastante controversa dentro dos estudos urbanos.
Uma das principais críticas aos mutirões nesta forma de provisão habitacional uma exploração do
tempo de trabalho dos mutirantes, como em Oliveira (2003).
47
Capítulo II - Um capítulo da política habitacional em São Paulo: o distrito
de Cidade Tiradentes
Neste capítulo será feito um breve resumo da política da COHAB-SP desde
1960 até os anos 2000, mostrando sua ênfase na produção de conjuntos habitacionais de
grandes proporções em terrenos baratos, via de regra em regiões periféricas da cidade.
A política de habitação de interesse social após o fim do Sistema Financeiro de
Habitação, como foi descrito no primeiro capítulo, passou a ser gerenciada por órgãos
municipais, como a COHAB-SP. A abordagem à produção histórica da COHAB-SP
evidencia o papel da política habitacional da COHAB-SP na intensificação do processo
de segregação sócio espacial, produzindo bairros que concentram populações afastadas
dos empregos e de muitos serviços que estão presentes na região central. Do ponto de
vista dos grupos ligados às grandes empresas da construção civil a produção desta
política resultou na manutenção ou ampliação de seus lucros. Do ponto de vista do
mercado imobiliário, esta política implicou no acirramento da especulação imobiliária
nos bairros centrais.
O recorte para o aprofundamento desta análise nesta dissertação é o conjunto
habitacional Santa Etelvina, produzido pela COHAB-SP no final dos anos 1970 e
durante toda a década de 1980. O capítulo contempla um breve histórico deste conjunto
habitacional, bem como alguns indicadores sócio-econômicos para caracterizar os
moradores, explicitando a segregação sócio-espacial.
O objetivo central deste capítulo é evidenciar a política da habitação de interesse
social como produtora e reprodutora de desigualdades sócio-econômicas e como agente
de segregação sócio-espacial.
48
Atuação da COHAB-SP
A Companhia de Habitação de São Paulo foi criada em 1965, como parte do
Sistema Financeiro Habitacional. Entre 1965 e 2000 a COHAB-SP construiu 134.900
unidades, sendo 55 conjuntos de Habitação de Interesse Social HIS, que ocupam uma
área de 22.285.468 m² e abrigam uma população de 655.865 pessoas.
O maior estoque de terras foi comprado entre as gestões dos prefeitos Olavo
Setúbal (1976-1978) e Reynaldo de Barros (1979-1981). A maior parte das terras foi
adquirida na Zona Leste (68%), em grandes glebas. A expansão das construções se deu
no final dos anos 1970 e no início dos anos 1980.
Embora significativa em termos absolutos, em termos relativos a produção da
COHAB-SP entre 1966 e 1985 era reduzida, como observa Sachs (1999, p.22), em
relação à população na região metropolitana de São Paulo, que saltou, entre 1960 e
1985, de 4,8 para 15,1 milhões de habitantes.
Em 1966 foi criado o Departamento de Habitação e Trabalho - HABI. Entre
1966 e 1970, como mostra Constantino (2007), HABI atuou principalmente no
atendimento a famílias residentes de favelas, por meio de compras de casas em
conjuntos da COHAB-SP, compras de terrenos e construção de casas, aluguéis de casas
ou quartos ou destinação de recursos para retorno das famílias ao local de origem.
Entre 1971 e 1975 HABI realizou pesquisas em cortiços e continuou atuando na
remoção de famílias de favelas.
Entre 1979 e 1982 o atendimento passou a priorizar a fixação da população no
local da moradia e a resolução da provisão de moradia. Foram criados programas como
PROMORAR e PROFAVELA.
49
Em 1986, HABI Superintendência de Habitação Popular foi transferida para a
SEHAB Secretaria de Habitação. Na gestão Mário Covas (1983 a 1985) intensificou-
se o processo construtivo por empreiteiras (Constantino, 2007).
Como citado no primeiro capítulo, os anos 1980 foram marcados pela
emergência de movimentos sociais, ligados ao crescimento das periferias via auto-
empreendimento da casa própria. Nos bairros periféricos, surgiram movimentos em
torno de melhores condições de urbanização e de direitos sociais básicos. Ao mesmo
tempo, o movimento de moradia era organizado, revelando a demanda por habitação nas
grandes cidades e buscando estratégias de enfrentamento junto ao poder público. O
movimento de moradia estruturou-se em diversos bairros da cidade de São Paulo,
inclusive em Cidade Tiradentes, revelando uma demanda por habitação superior à oferta
pelo Estado. Durante a pesquisa em campo, houve citações do movimento por moradia
no bairro, estruturado em torno da questão das ocupações em áreas do poder público e
das tentativas de desocupação por parte do governo municipal. Não apenas em Cidade
Tiradentes, mas em bairros da periferia e na região central o movimento de moradia
organizou-se e buscou estratégias de negociação com o poder público.
Na gestão Erundina (1989-1992) os movimentos de moradia interferiram
diretamente na política para habitação, que foi considerada como prioritária pelo
governo municipal. Nesta época os pressupostos da Política Habitacional foram:
a. “Direito à moradia e à cidade, reconhecendo a existência
da cidade real (dos assentamentos precários como favelas,
loteamentos irregulares, cortiços e coabitações);
b. Direito à arquitetura (e engenharia) e respeito ao meio
ambiente;
c. Direito à cidadania e participação popular na formação e
implementação de Programas e Projetos e estímulo à auto-
gestão;
d. Redução de curtos sem perda de qualidade, administração
ágil e eficiente”
Constantino (2007, p.33)
Tratou-se de um movimento de busca por qualidade na habitação de
interesse social, formado em tessitura com quem estava na lida cotidiana com a
50
questão da habitação: os movimentos de moradia. Neste processo foram criados
fóruns de debate e criação de alternativas; foram realizadas avaliações das ações
em andamento (como no caso da COHAB Cidade Tiradentes) e foram
desenvolvidas as experiências dos mutirões.
31
Não obstante as tentativas de implementação de habitação de interesse
social de forma democrática dando abertura à participação dos moradores, a
atuação da COHAB-SP durante as gestões posteriores retomou a proposta de
construção de conjuntos habitacionais via grandes empreiteiras em terrenos
periféricos.
“Logo que os conjuntos habitacionais foram sendo entregues
para as famílias de baixa renda na década de 1970 e 1980, ficou
evidente que se tratava de uma continuidade da segregação sócio-
espacial que construiu os processo de apartação territorial entre ricos e
pobres que estruturou, desde sempre, o crescimento da cidade de São
Paulo em seus períodos de expansão ao longo do século XX,
notadamente nas décadas de 1950 e 1960.As COHABs foram
construídas em meio a loteamentos periféricos precários clandestinos,
e, no caso da COHAB Cidade Tiradentes, fora dos territórios
urbanizados, em áreas distantes dos empregos, escolas, hospitais,
pólos comerciais, espaços públicos, equipamentos culturais, lugares
para o encontro, o convívio, as trocas sociais, enfim, de todos os
atributos que efetivam uma área urbanizada como cidade.” Nakano
(2002, p.95)
.
As principais críticas feitas à política da COHAB-SP dizem respeito à aquisição
de terrenos em locais periféricos, como defendem Nakano (2002) e Maricato (1997), à
padronização das tipologias habitacionais, como em Slomiasnki (2002), à ausência de
participação popular, aos vínculos com a política de clientelismo e de favor, e, afinal, à
despolitização da questão da moradia.
Autores como Nakano (2002) defendem a idéia de que a opção pela construção
de conjuntos habitacionais em terrenos periféricos da cidade abriu espaço para o que ele
chamou de “urbanização clandestina”:
31
Para uma análise dos mutirões em São Paulo ver Carvalho (2004).
51
“A construção de conjuntos habitacionais em locais periféricos
inaugura um círculo vicioso pois cria acessibilidades físicas e expande
as redes de serviços coletivos abrindo frentes de especulação
viabilizando a urbanização clandestina dada a ausência de fiscalização
que controlaria a atuação dos agentes que produzem esse tipo de
espaço urbano ilegal e irregular.” Nakano (2002, p. 97)
É nestes termos que o trabalho de Slomianski (2002) investiga a concentração de
terrenos vazios em Cidade Tiradentes e sua destinação. Ela mostra que as ocupações
correspondiam, no final dos anos 1990, a 26% das áreas destinadas à COHAB, 12% das
áreas verdes, e 22% das áreas públicas vazias.
A abordagem dos dois autores está relacionada ao entendimento de que havia (e
ainda há) na cidade uma cisão entre os aspectos legais e os aspectos ilegais da
urbanização. O próprio argumento, contudo, revela que, na origem, a urbanização
promove situações diversas em relação ao poder público, e que serão tratadas de
maneira diversa pelas gestões municipais. As formas de apropriação e uso do espaço são
diversas e se orientam num mundo de possibilidades, acessos e restrições. A capacidade
de fiscalização do poder público é restrita. O poder público atua com uma legislação
rígida que não é cumprida. Os loteamentos nas periferias das grandes cidades muitas
vezes são abertos com “vista grossa” (corrupção) dos órgãos fiscalizatórios, e muitas
ocupações em terrenos públicos ou privados são levadas a cabo com o apoio de líderes
legislativos municipais ou seus assessores. O sentido do poder público, nestes termos, é
orientado de forma diferente circunstancialmente. O próprio sentido da urbanização do
Estado muitas vezes age na contramão da legalidade. Muitos conjuntos habitacionais
em Cidade Tiradentes foram construídos antes mesmo da regularização dos lotes. Os
tempos da política executiva nem sempre atendem aos prazos da burocracia legal.
Constantino (2007, p. 49) afirmou que: em dezembro de 2000 a COHAB tinha
33.493 unidades habitacionais não regularizadas, e, dessas unidades, 81% estavam
nessa situação há 11 anos e 37% há 15 anos”.
A apropriação do espaço produzido pelo poder público também não é totalmente
livre de arbitrariedades. Muitos moradores contemplados com apartamentos produzidos
pela COHAB-SP, em diferentes gestões, conquistaram o direito ao financiamento por
52
suas ligações políticas. Durante a gestão Erundina, a fim de universalizar o acesso, o
critério ao financiamento foi o sorteio.
O sentido da urbanização é, portanto, o de produção de situações variáveis entre
o que se entende por legalidade e respeito às normas e o que se entende por ilegalidade.
Neste campo de relações os agenciamentos entre o poder público e a população são
móveis e, em muitos casos, arbitrários, ao sabor do reconhecimento do poder.
Em relação às tipologias, elas se referem diretamente à qualidade de vida dos
moradores. A tipologia mais recorrente (96.080 das 134.900 unidades habitacionais) é o
“bloco de apartamentos”, que têm de 4 a 5 pavimentos em “H”.
Segundo Constantino (2007, p. 44):
“A pequena distancia entre as minas que formam o “H” em
relação à altura dos prédios, prejudica a insolação e a ventilação dos
compartimentos inferiores, que m janelas voltadas para a área
interna onde se localiza a caixa de escadas. Isso se agrava com a muito
comum geminação entre blocos em “H”, que cria fossos em que a
iluminação e a ventilação são ainda mais comprometidas.
A ocupação dos térreos por apartamentos implica na redução
da privacidade dessas unidades e obriga que se implante, em áreas
condominiais externas aos edifícios, equipamentos que são essenciais
para seu funcionamento mas que são verdadeiros trambolhos (abrigos
de gás, centros de medição, lixeiras, caixas d´água, e ocupam espaços
que poderiam ser melhor utilizados para implantação de caminhos,
jardins, áreas de lazer, etc. E também não permite a utilização dos
terrenos para o abrigo de veículos, tornando necessária a destinação de
grandes áreas para estacionamento.”
Além destas críticas o autor relata também a existência de 14.000 processos
jurídicos por problemas construtivos, como fissuras nas paredes, e falhas nas
construções elétricas e hidráulicas.(idem, p. 47).
53
Expansão urbana e Conjunto Habitacional Santa Etelvina
À crescente expansão do auto-empreendimento da casa própria nas periferias da
cidade somou-se a provisão de habitação por meio da COHAB-SP. A estratégia da
COHAB era a compra de terrenos baratos, geralmente na periferia da cidade, e a
contratação de construtoras com tecnologia defasada em relação ao desenvolvimento da
construção civil nos países do capitalismo central, conseqüentemente, um canteiro com
relações de trabalho baseadas em baixos salários, pouca qualificação, desperdício e sub-
contratação de mão-de-obra. Tanto do ponto de vista do processo de trabalho quanto do
ponto de vista da cadeia produtiva em questão o processo de construção de habitação de
interesse social baseou-se em uma indústria atrasada e sem investimentos em processos
inovadores. O desenvolvimento da indústria da construção civil está atrelado ao
desenvolvimento industrial brasileiro, em que a regulação Estatal contribuiu para o
achatamento de salários e a existência de uma ampla informalidade nas relações
trabalhistas.
32
Somado a isto, a indústria da construção civil pode manter-se atrasada,
pois seus lucros decorrem em grande medida do valor da terra, e os preços da terra estão
inchados pela especulação imobiliária.
33
Do ponto de vista do projeto a busca por uma solução cada vez mais barata
implicou na construção de apartamentos cada vez menores e prédios em condições de
conforto térmico, acústico e lumínico insalubres. Problemas na estrutura dos conjuntos
também foram encontrados, como foi relatado em entrevista ao diretor técnico da
COHAB durante a gestão Luiza Erundina (1989-1992), Caio Boucinhas. Quando a
gestão Erundina assumiu a prefeitura em 1989 o corpo técnico da Secretaria Municipal
de Habitação interrompeu as obras no Conjunto Habitacional Santa Etelvina e fez um
levantamento das condições estruturais dos prédios. Foram verificadas irregularidades e
32
Oliveira (2003, p.60). “a expansão do capitalismo no Brasil se introduzindo relações novas no
arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo”. Como o autor ressalta, a consolidação das leis
trabalhistas – CLTcriou um enorme exército industrial de reserva, achatando os salários e, desta forma,
mantendo altos os lucros do empresariado.
33
Maricato (1984).
54
centenas de processos contra as construtoras permanecem em andamento até os dias
atuais.
O processo de construção do conjunto habitacional Santa Etelvina, o maior da
América Latina, significou a construção de tipologias habitacionais na extrema periferia
leste, em terreno arenoso, a um custo de terraplenagem altíssimo.
Fotos: arquivo COHAB –SP
Em entrevista, Caio Boucinhas, diretor de habitação da COHAB na gestão
Luiza Erundina, a gestão seguinte ao início das obras na Cidade Tiradentes, afirmou
que, em função dos custos com a terraplenagem e as fundações, o custo de um
apartamento na Cidade Tiradentes equivalia ao custo de um apartamento em Perdizes,
um bairro com estrutura urbana e ambiente construído bastante valorizados. Na gestão
Erundina realizou-se um levantamento dos custos da produção da moradia e dos
processos construtivos: foi realizado o “Dossiê: A Verdade Sobre a COHAB”, segundo
o qual foram movimentados 12 m³ de terra para cada m² de superfície, citado por
Constantino (2007, p. 42). Inúmeros prédios foram considerados inadequados do ponto
de vista da qualidade dos materiais e do processo construtivo. Na gestão Erundina
procedeu-se a um levantamento dos custos da produção da moradia e dos processos
construtivos. Inúmeros prédios foram considerados inadequados do ponto de vista da
qualidade dos materiais e do processo construtivo. Caio Boucinhas trabalhou em uma
construtora antes de trabalhar na e seu primeiro contato com a Cidade Tiradentes data
do momento em que se fazia a terraplenagem do terreno. Em seu depoimento fica clara
a inadequação construtiva do conjunto:
55
“Essa empresa tinha obras em Santa Etelvina... eu ia e
via aquela coisa caótica, terrível, aquele movimento de
terra. Eles falavam que tinha corte de 30 metros e aterros
de 30 metros para fazer platôs para os projetos padrão da
COHAB, que a gente chamava eram os “carimbos H”,
que são aquelas lâminas com escada aqui. Então, assim,
era um carimbo. Quando a Luiza Erundina foi eleita eu
fui trabalhar na COHAB. Eu fui superintendente de obras,
o Santanna era diretor técnico. A gente constatou que o
governo federal boicotava recursos para uma gestão
petista na cidade de São Paulo. E tinha em andamento
vinte e tantas mil unidades habitacionais em São Paulo.
Na cidade Tiradentes se não me engano eram 17 ou 18
mil. E assim, local de acesso dificílimo, e já aquela
tragédia sócio-ambiental que a gente percebia lá.
Transporte deficiente, não tinha equipamento público,
era deficiente, e mais de 18 ou 17 mil unidades lá.
Dezessete mil famílias sem abastecimento, sem padaria,
sem transporte, E a gente começou a ver aqueles platôs,
aquela terraplenagem que foi feita. E os platôs que essa
fotografia mostra. A drenagem não era feita de forma
adequada, então os platôs se desmanchando. A cada
chuva aquela erosão enorme, aquele rapinamento de
todos os taludes e tal. Então era um quadro meio
complicado. E, além disso, os sistemas construtivos em
andamento, a gente verificou que tinham coisas que não
tinham controle técnico adequado. Por exemplo, alvenaria
armada com blocos de concreto, eles estavam fazendo
parede estrutural com blocos de nove de espessura. O
bloco de nove de espessura ele deixa o furo onde você
passa a ferragem e vai gradear, botar aquele concreto
plástico não possibilita que você assegure que a
concretagem foi feita de cima a baixo. Mesmo que você
diminua as fiadas para serem concretadas tem essa
dificuldade. Por que é muito pequeno o furo. E parede
estrutural a gente sabia que era parede de 19 com bloco
de 19, no máximo 15 em alguns casos. Então a gente via
que tinha esses problemas. Uma outra firma que estava
fazendo pré-moldado a gente quis conhecer o projeto
melhor e a gente achou um projeto que não nos parecia
seguro, que ia dar uma estabilidade na edificação. A
gente procurou, teve uma assessoria do IPT e realmente a
gente suspendeu essas obras com alvenaria armada com
parede estrutural com bloco de 9. Os empreiteiros
reclamavam que tinham comprado não sei quantos
milhões de blocos mas que a gente suspendeu... e claro
que as paredes divisórias podiam ser com esse bloco. A
empresa de pré-moldados refez o projeto e foi aprovado.
(...) Para viabilizar esse projeto padrão o sistema
56
construtivo eu podia fazer o que eu queria. O que a minha
empresa podia oferecer. Então tinha pré-moldado, tinha
alvenaria armada com bloco de concreto, tinha alvenaria
armada com bloco de cerâmica, a empresa Seleta, e tinha
altinor, aquelas formas deslizantes com a parede
concretada. Isso eles fizeram bastante em Jardim
Antártica. Eu fui numa reunião à noite e achei aquilo
uma tragédia sem fim. Um horror você morar lá. As ruas
desertas, não tinha local de encontro de pessoas, não
tinha nada. (...)”
A alternativa de suspender as obras foi considerada, mas optou-se por
mantê-las em virtude da lista de espera que passava de 400 mil famílias:
“Teve uma vistoria com Raquel Rolnik, Ermínia
Maricato, para saber se iam ser interrompidas as obras
ou não. (...) em cima da pressão da lista de 400 mil
pessoas decidiu-se manter as obras. (...)”
O aspecto que mais chama a atenção no depoimento de Caio Boucinhas é
forma como os recursos eram geridos. As empreiteiras geriam os recursos
públicos, numa clara demonstração de como os interesses privados se apropriam
do fundo público. Os recursos públicos eram deslocados para as empreiteiras,
que se responsabilizavam sozinhas pelas obras. Os vínculos entre o Estado e o
capital privado eram do interesse privado, e não do interesse público:
“Os empreiteiros é que comandavam os recursos
da Caixa. O Sistema Financeiro de Habitação, quando ele
foi criado, na época da ditadura ele priorizava a classe
média, depois teve esses grandes empreendimentos e as
grandes empreiteiras tinham lucros fabulosos. As firmas
de terraplenagem, imaginem o quanto elas não ganharam
com isso. E os córregos, as nascentes eram aterradas. Era
um desastre sócio ambiental muito claro, muito visível. E
fora o desastre social. (...) Eu lembro de empreiteiro que
falava assim, ´ah, precisa mudar tal coisa, eu ligo para a
(como chamava a ministra do planejamento do governo
Collor, que depois casou com o Chico Anísio? Zélia
Cardoso!) Eu ligo para ela e ela faz uma portaria uma
medida provisória para resolver rapidamente tudo aquilo.
Então eram poderosos. Então assim, a gente conseguiu
melhorar um pouco o sistema construtivo, o acabamento,
57
escolas, transporte... e logo licitar os espaços para
construção de lojas e coisas que estavam previstas. E
fazer a drenagem de águas pluviais nesses taludes, o solo
frágil... o pessoal verificou que era sild, que é muito, é um
solo muito sensível à erosão. Então assim, se tinha um
quilômetro de canaletas passou para quinze quilômetros...
assim uma proteção contra a erosão que quase não
deixava a água se infiltrar. Hoje eu trabalho com
infiltração de água, trabalho em Taboão, em Santo André,
procurando fazer com que a água de chuva infiltre onde
ela cai. Mas naquele momento a gente procurava
trabalhar quase sem deixar a água encostar no solo, para
não erodir. Quer dizer, gastou-se muito dinheiro com
grama para proteger os taludes e a gente fez um
programa de plantios também. Mas a gente viu que não
teve um monitoramento e elas morreram. Não tinha uma
gestão do espaço coletivo adequada.”
Como resultado, a política de habitação de interesse social tornou-se uma
mercadoria privada, provavelmente superfaturada, e de qualidade questionável. O bairro
fruto desta gestão revela problemas decorrentes das opções políticas e técnicas. Os
indicadores sócio-econômicos revelam problemas sociais, como altos índices de
mortalidade por homicídio, baixa escolarização, alta incidência de gravidez precoce,
altos índices de desemprego e salários mais baixos do que no resto da cidade.
58
Cidade Tiradentes fica a 35 km do centro da cidade. Era uma fazenda, chamada
Santa Etelvina, uma área verde preservada, de Mata Atlântica nativa. Foi comprada pela
COHAB-SP, braço da Secretaria da Habitação, e deu lugar a um dos maiores conjuntos
habitacionais da América Latina, a Cidade Tiradentes. Foram construídos no lugar da
Fazenda Santa Etelvina, entre os anos 1970 e 1990, os conjuntos habitacionais Santa
Etelvina I, II, III e IV, V, VI e VII Barro Branco I e II, totalizando 40.000 unidades
habitacionais compostas por prédios de apartamentos e por embriões (pequenos terrenos
com uma construção de 32m²). A tipologia mais recorrente são prédios de 4 a 5
pavimentos com apartamentos de em média 37m². A densidade demográfica é de
15.307 habitantes por km² (a densidade demográfica do bairro de Pinheiros, a tulo de
comparação, é de 5.521 habitantes por km².
59
Algumas questões urbanas são evidentes na produção do espaço pelo poder
público, como se depreende do estudo da construção da COHAB Cidade Tiradentes:
1. A opção pela produção dos conjuntos habitacionais em Cidade Tiradentes
representou custos acima dos esperados, dados os problemas enfrentados com o
solo arenoso. As fotos registram as enormes erosões com as quais os
empreiteiros se depararam, que ampliaram os custos com a terraplanagem;
Fotos: Aquivo COHAB-SP
2. A estratégia de produzir os conjuntos habitacionais em terrenos baratos e
distantes das áreas centrais redunda em problemas relativos ao acesso ao bairro e
dificuldades na instalação de transporte público de qualidade;
60
3. Em Cidade Tiradentes, malgrado o investimento público para a construção dos
conjuntos, houve falta de planejamento em relação aos equipamentos públicos
necessários para atender a população. A luta dos moradores por creches durante
toda a década de 1980 evidencia este fato;
4. A produção de conjuntos habitacionais sem planejamento para áreas verdes e
áreas públicas vazias induziu ocupações irregulares;
5. A política restritiva de uso dos espaços da COHAB como espaços estritamente
residenciais implicou no desrespeito às normas e na produção de espaços
comerciais informais;
6. A política restritiva de comercialização dos apartamentos foi desrespeitada, e a
COHAB tem até hoje grande déficit burocrático em relação a identificação dos
moradores;
7. A ausência de uma norma clara e a mudança de administrações municipais
implicaram num déficit burocrático em relação a regularização da situação de
inadimplência dos apartamentos;
8. A segregação urbana e a má gestão dos apartamentos (com reintegrações de
posse que deixaram apartamentos vazios ocupados posteriormente) auxiliaram
na emergência de intensa violência urbana.
Ao enumeras as debilidades no planejamento e na gestão do conjunto
habitacional, busca-se a racionalidade do processo que levou a COHAB-SP, sob a
gestão do poder público municipal, investir em tamanho empreendimento. Pressionada
por uma lista de demanda por habitação composta por milhares de nomes, a
administração municipal à época (final dos anos 1970) optou por uma obra de grandes
proporções. Soluções alternativas, como a viabilização de moradias nas áreas centrais,
via desapropriação de edifícios vazios, por exemplo, aparentemente não estavam no
cenário dos técnicos e políticos de então. A solução para a questão de moradia seguiu a
“receita” da política habitacional no período da ditadura: contratação de grandes
empreiteiras para a realização de obras gigantescas. Em que pese a fragilidade da
indústria da construção civil do ponto de vista dos usos tecnológicos e do ponto de vista
61
da baixa qualidade dos postos de trabalho, tratada, é possível especular que este tipo
de política abria espaço para a transferência de recursos para as grandes empreiteiras,
grandes financiadoras de campanhas eleitorais de inúmeros políticos paulistanos.
A política de habitação no Brasil obedece à forte presença do Estado, como
analisou Arretche (1990). A natureza desta presença é como organizador da inserção de
empresas privadas no mercado. Paralelo à ação do Estado como fomentador da chamada
habitação de interesse social, ocorreu durante as décadas 1970 a 1990 um enorme
incremento do mercado imobiliário, com especulação de territórios nas áreas centrais da
cidade.
34
O Estado esteve presente em todos os momentos induzindo a especulação
imobiliária, por meio do investimento vultuoso em obras viárias nas regiões mais
valorizadas. Não se trata, como vemos, de abandono das áreas periféricas, mas da
qualidade do investimento público numa e noutra área da cidade. O investimento
público nas áreas centrais induz à valorização imobiliária (obras para melhorar o
tráfego, por exemplos, que têm também grande presença do ponto de vista da
paisagem), o que não acontece nas áreas periféricas, em que o investimento é quase que
exclusivamente voltado aos serviços públicos básicos (o investimento em transporte
público é também mais restrito). A remoção da favela Água Espraiada evidencia a
dinâmica do investimento do Estado. Em 1995, a favela foi removida para dar lugar à
remodelação da avenida dentro da Operação Urbana Faria Lima. Aos moradores
expulsos a prefeitura ofereceu duas alternativas: comprar uma moradia construída pela
prefeitura na Cohab Barro Branco ou receber uma quantia em dinheiro (que variou
conforme a intensidade da resistência dos moradores em sair dali) Fix (2001). Os
moradores foram para a Cidade Tiradentes e para áreas às margens da represa
Guarapiranga, na região de mananciais.
O Estado pode, portanto, dispor dos trabalhadores no espaço, conforme o
interesse de grupos de pressão (que têm poder) em determinada área. Na fase
concorrencial e financeira do capitalismo global o poder de barganha do trabalhador (o
proletário) é pequeno frente às corporações e interesses institucionalizados. Mesmo nos
países de economia central, em que o welfare state consolidou conquistas dos
34
O custo do metro quadrado às margens do Rio Pinheiros subiu de 800 dólares (na década de 1970) para
3,5 mil a 4 mil dólares no final dos anos 1990, segundo Fix (2001).
62
trabalhadores a corrosão de direitos é uma realidade. No capitalismo selvagem dos
países periféricos, históricos fornecedores de mercado de trabalho barato para as
companhias internacionais, os direitos sociais foram uma conquista longa e difícil dos
movimentos organizados, mas desde a emergência de governos neoliberais, os direitos
sociais passaram a ser deslocados do foco da atenção do Estado, e os serviços públicos
foram sucateados. No campo da saúde, da educação e da moradia, o entendimento da
sociedade é que o mercado privado é mais eficiente para suprir serviços de qualidade,
pois baseia-se na livre concorrência e, portanto, na busca pela excelência. Os serviços
públicos, ao contrário, são considerados burocráticos e ineficientes. Os serviços
públicos passaram a ser orientados para uma parcela da população cuja renda não
permite o acesso aos serviços privados. O papel do Estado é regulador dos serviços
privados e executor dos serviços públicos, num processo que tem sido chamado de
gestão da pobreza. (Oliveira & Rizek, 2007). A moradia, embora consolidada enquanto
direito pela letra da Constituição de 1988, na prática é uma mercadoria, e, como tal,
inscreve-se na lógica liberal da oferta e procura. O mercado imobiliário usualmente
garante seus lucros com a especulação imobiliária nas áreas centrais e a demanda por
habitação de interesse social é provida a partir de grandes acordos entre o Estado e as
empreiteiras. O próprio termo “habitação de interesse social” nos remete à idéia de que
o interesse social não é o interesse de toda a sociedade, mas de um segmento. O social,
numa operação fortemente ideológica, passou a ser, a partir da democratização no final
dos anos 1980, um slogan político partidário para definir o apoio aos pobres. O Estado
atua no sentido da ampliação da especulação nas áreas centrais e como mantenedor de
uma política voltada a quem “precisa”, população que é também uma massa de votos
consideráveis, para quem o discurso de Estado benfeitor é dirigido em épocas de
eleições. Não são raras as listas de moradores apresentadas ao poder executivo via
interesses eleitorais de candidatos a vereadores e vereadores, bem como as anistias às
dívidas de financiamento dos mutuários em épocas de pré-eleição.
63
Produção Estatal de Habitação em Cidade Tiradentes
Foto: Jorge Hirata. Pesquisa Mobilidades urbanas e trajetórias sociais: trabalho,
moradia e mobilidade cotidiana.Coordenação: Vera Telles e Robert Cabanes.
Encravado na mata recortada o distrito é composto quase que exclusivamente
por conjuntos habitacionais. Os conjuntos são compostos por edifícios de apartamentos
ou por “embriões”: pequenos terrenos entregues pela COHAB com edificações de
quarto-e-sala. Os moradores dos embriões, com o tempo, investiram na ampliação das
casas nos terrenos. A paisagem é formada por edifícios e casas realizadas por auto-
empreendimento, com a visão em perspectiva dos terrenos vazios e da mata atlântica. É
uma paisagem diferente da paisagem zona leste adentro (da autoconstrução, fabril e de
comércio), pois é uma paisagem em que a visão dos prédios é recorrente, emoldurada
pela mata. Do ponto de vista de projeto, pode-se dizer que o grande conjunto
habitacional é uma expressão rebaixada da arquitetura moderna: prédios funcionais,
64
apartamentos pequenos, equipamentos públicos. As tipologias dos primeiros edifícios
da COHAB-SP são similares. O edifício mais comum é em forma de H, com três blocos
de quatro andares. Mais recentes são edifícios do PAR Programa de Arrendamento
Residencial, edifícios mais altos e compactos.
Tipologia de Edifício: COHAB-SP (à esquerda) e PAR (à direita)
A topografia é montanhosa, muitas ladeiras. As vias recortam os lotes. A via
principal, pela qual se tem acesso ao bairro, é a Avenida dos Metalúrgicos, em que está
concentrado o comércio da região. A avenida é margeada por uma praça contínua.
Adentrado no bairro, no entanto, as áreas verdes públicas são poucas. No interior do
bairro, são freqüentes áreas da COHAB não ocupadas. Os grandes edifícios públicos
(escolas de ensino médio e fundamental, mercado municipal) têm fachadas lisas em e
simples, em tons pastéis. As unidades básicas de saúde e escolas de ensino fundamental
têm fachadas desenhadas.
Escola Estadual (à esquerda) e Escola de Educação Infantil (à direita)
65
Na circunferência externa do bairro o comércio é consolidado: uma grande rede
de supermercados marca presença ali, bem como uma filial de uma grande rede de
comércio de móveis voltada ao mercado popular, instalada no bairro no início dos anos
2000 e sinal de “progresso”.
Igreja e Loja de Comércio de Móveis, próximas ao Terminal de Ônibus.
Neste círculo externo as igrejas são grandes galpões que abrigam fiéis de credos
também presentes na cidade como um todo: Igreja Universal do Reino de Deus,
Congregação Cristã no Brasil. Na Avenida dos Metalúrgicos estão localizadas igrejas
localizadas em garagens menores (como a Igreja Batista) e um comércio de menor
porte, mas diversificado: farmácias, açougues, mercados, lojas de roupas, lojas de
calçados, óticas, pet shops, salões de cabeleireiro. O comércio nas ruas menores é
menos diversificado: os salões de cabeleireiro também estão presentes, mas são mais
comuns os bares, e as pequenas bomboniéres (onde vendem-se doces industrializados) e
papelarias. Este comércio nas áreas menos centrais é também aparentemente menos
próspero.
66
Comércio em garagens de embriões e edifícios. Na Av. dos Metalúrgicos esquerda) e numa
rua dentro do bairro (à direita).
Tanto as tipologias dos edifícios quanto seu estado conservação diferem. As
fachadas, o revestimento dos edifícios são mantidos pelos moradores. Ente os embriões,
os projetos individuais revelam a diversidade de recursos empregados no auto-
empreendimento da casa própria. Da mesma forma, melhorias implementadas em
alguns edifícios revelam situações condominiais de maior ou menor prosperidade.
Embriões
A maior parte dos edifícios não têm manutenção e revela os traços do material
construtivo precário: umidade, pintura desgastada. O acabamento é responsabilidade
dos moradores, bem como a manutenção das áreas comuns, da fachada e paredes
externas dos edifícios.
Detalhe do portão elétrico de edifícios (esq) e muro revestido (dir).
67
As ruas foram desenhando quadras grandes, mas desiguais. Grandes ladeiras e
ruelas tornam a locomoção difícil. Além disso, as vans que realizam o transporte local
fazem poucos percursos.
Nos primeiros anos, Cidade Tiradentes poderia ser considerada como uma
cidade dormitório: o bairro todo era um amontoado de embriões e edifícios de
apartamentos pequenos. Os moradores chegavam de todas as partes da cidade, vindos de
condições de habitação ou situações familiares mais precárias, e entravam nos
apartamentos e nos embriões em busca, invariavelmente, do sonho da casa própria. O
sonho confrontava-se com a dura realidade dos ônibus e trens lotados nas duas únicas
linhas de ônibus existentes, percorrendo não raro três horas de viagem até as regiões de
seus empregos. Considerada área rural pela administração municipal, comércio
inexistente, serviços públicos de educação e saúde insuficientes, a escolha pela Cidade
Tiradentes revelava a falta mesmo de alternativas destas famílias diante da atuação
reduzida da política habitacional.
Os relatos tratam da opção pelo apartamento para “sair do aluguel”, preservando
um pouco mais os baixos salários, ou, ainda, a busca de um espaço próprio, deixando a
casa dos sogros, por exemplo. Ao chegar ali, tudo era a experiência da falta. Os relatos
falam de apartamentos vazios, dificuldades em questões básicas, como compra de
alimentos e falta de atendimento médico. Os prédios ainda estavam vazios e as ruas
eram escuras. Para irem até o ponto de ônibus muitas pessoas precisavam andar na
madrugada por passagens abertas em região de vegetação densa. Faltava água e luz
freqüentemente. Os ônibus eram raros e quando chegavam estavam lotados. Os
moradores relataram que eram comuns os assaltos a caminho do trabalho.
Aos poucos, formaram-se associações de moradores, que ligavam-se ao Partido
dos Trabalhadores, que crescia entre os bairros periféricos de São Paulo, sobretudo na
zona leste da cidade. Estes movimentos reivindicavam creches, escolas, atendimento em
saúde básica, transporte público. Os líderes destes movimentos, encabeçados por padres
católicos da Teologia da Libertação, mobilizavam os moradores e realizavam atos de
mobilização no centro da cidade. Negociações eram abertas a partir destes movimentos
68
de pressão e aos poucos as conquistas foram chegando, como a construção de escolas e
postos de saúde, além das linhas de ônibus. Entre as administrações mais resistentes às
demandas as lideranças do movimento citam as gestões de Paulo Maluf (1993-1996) e
Celso Pitta (1997-2000). Foi na administração de Paulo Maluf que ações de expulsão de
moradores das áreas ocupadas foram tomadas pela Prefeitura.
35
A organização local
ampliou-se, bem como a representação político-partidária. Em 2008, 70% dos
moradores de Cidade Tiradentes votaram em Marta Suplicy no segundo turno. Como
resposta a este apoio maciço, a administração petista realizou o mais intenso
investimento público que o distrito vira desde a sua criação. Foram construídos dois
Centros de Ensino Unificados, um Hospital Municipal e uma Escola Técnica.
36
CEU Água Azul e Hospital Municipal da Cidade Tiradentes embora inaugurados na gestão
José Serra-Gilberto Kassab (2005-2008) , foram concebidos na gestão Marta Suplicy (2001-2004).
A história de Cidade Tiradentes descortina um encontro entre o saber técnico
dos agentes ligados às diferentes administrações e o cotidiano de famílias de moradores.
Entre as administrações Jânio Quadros (1986-1988) e a administração Serra-Kassab
(2005-2008), passando pelas administrações Luiza Erundina (1989-1992), Paulo Maluf
35
O trabalho de Slomianski (2002) mostra que as ocupações correspondiam, no final dos anos 1990, a
26% das áreas destinadas à COHAB, 12% das áreas verdes, e 22% das áreas públicas vazias.
36
É importante, contudo, salientar as críticas presentes no relato dos moradores. O hospital municipal, por
exemplo, é uma estrutura gigantesca, mas na época da pesquisa (2007) não oferecia atendimento, pois
faltavam médicos. Segundo os moradores entrevistados, o atendimento prestado era de qualidade. O
projeto inicial da escola técnica era de uma faculdade de tecnologia na área de saúde, com o objetivo de
formar quadros na região.
69
(1993-1996), Celso Pitta (1997-2000) e Marta Suplicy (200l-2004), houve diversas
gestões da Secretaria de Habitação e da COHAB-SP, enfrentando de modos diversos as
questões e demandas que o maior conjunto habitacional da América Latina colocava.
Paralelamente à ação de agentes ligados ao poder público, como arquitetos,
assistentes sociais, empresas de construção civil, na produção física dos conjuntos
habitacionais, descortinavam-se trajetórias de vida em busca de trabalho na São Paulo
das fábricas, em que “o trabalho procurava o trabalhador”. Mesmo na época áurea dos
trabalhadores paulistanos, no auge da industrialização dos anos 1970, não era na Cidade
Tiradentes que estavam os operários sindicalizados e combativos que fizeram a história
da cidade e do país. As grandes fábricas estavam localizadas no ABC paulista e na zona
sul da cidade. A pesquisa descrita por Telles (2006) em regiões do extremo sul e do
extremo leste da cidade revela que a concentração geográfica dos empregos foi também
a concentração de estratégias de moradia diferenciadas. Nos bairros da zona sul existem
as experiências do Pró-Morar
37
, e muitos bairros foram consolidados. A expansão a sul
segue os efeitos da reestruturação produtiva e do crescimento demográfico, combinando
redução de empregos fabris e ampliação de empregos de serviços para uma população
mais jovem. Na zona leste, os empregos fabris concentravam-se em bairros como São
Miguel Paulista, que era também um bairro de operários do ABC Paulista. Mais à leste
destes bairros os trabalhadores eram os aqueles ligados à experiência do subemprego
nas cadeias produtivas e das empregadas domésticas. Os efeitos da reestruturação
produtiva, no entanto, se fizeram sentir mesmo nas áreas mais distantes das cadeias
produtivas. O desemprego e a informalidade são a tônica dos anos 1990, acirrados com
o declínio dos movimentos sociais, a ascensão de partidos de direita no executivo
municipal e a proliferação de igrejas evangélicas. A gestão pública municipal passa a
atuar com convênios no campo da assistência social, passa por modelos de gestão da
saúde e da educação com características despolitizantes. O cidadão passa a ser
entendido como “clientela”, e os indicadores de eficiência criam um emaranhado de
dados que não se referem diretamente à qualidade do atendimento ou ao grau de
aprendizado. As experiências de orçamento participativo e conselhos municipais, ao
mesmo tempo em que fomentaram a participação popular, denotam os limites desta
37
Programa habitacional criado em 1979, ligado ao SFH, baseado na construção de moradias de alvenaria
em regiões de favelas.
70
participação: a gestão é compartilhada, mas as decisões são limitadas pelas alíneas
orçamentárias decididas em outros fóruns. Não se trata de lutar pelo “fundo público” de
forma igualitária, mas gerir o que cabe aos pobres
38
.
A ocupação real e simbólica de Cidade Tiradentes obedeceu à indução do
Estado. Famílias de trabalhadores oriundas de diferentes estados da federação, após
algum tempo de permanência em São Paulo, inscreveram-se para o sorteio de
apartamentos da COHAB-SP.
39
A maior parte das decisões acerca do uso do espaço foi tomadas pelo poder
público por intermédio da COHAB-SP. Foi a instituição, materializada na ação de seus
funcionários, orientados pelo discurso/ prática de instalação de moradias populares
(bastante bem examinadas por Nakano (2002) como desenvolvimento da arquitetura
moderna capitalista) quem comprou os terrenos, planejou o traçado urbano e o executou
por meio de empresas de construção civil. Também as regras de financiamento dos
imóveis foram decisão da COHAB-SP. Os moradores não participaram de nenhuma
destas etapas, tampouco houve qualquer tipo de consulta popular em relação ao projeto.
Os moradores haviam sido inscritos e os apartamentos foram destinados a eles mediante
sorteio. As regras de uso do espaço postas pela COHAB-SP definiram o uso como
estritamente residencial (aos demandantes de espaços comerciais coube a proposta de
locação de um dos espaços da COHAB-SP). Desta forma, aos moradores do conjunto
coube a gestão e manutenção do espaço interno ao prédio bem como do espaço que
circunda cada conjunto.
Se a maior parte do poder sobre o espaço foi mediada por uma instituição
pública, a relação com ela, e também a relação com o espaço coletivo em muito já pré-
determinado, seguiu inúmeros percursos diferenciados. Observando os inúmeros
conjuntos percebemos que a convivência entre as famílias em cada um deles definiu
espacialidades diferenciadas, resultantes de relações sociais diferenciadas. prédios
38
Sobre a disputa pelo “fundo público” ver Oliveira (1998).
39
Esta é uma observação baseada em experiência de campo, como assistente na pesquisa “Cidade e
Cidadania Mobilidades” entre 2001-2002 e 2005 e confirmada pela pesquisa de mestrado. Infelizmente
a COHAB não mantém em seus arquivos registros sobre os moradores, de forma que a confirmação de
dados demográficos e de origem populacional fica restrita ao censo, cujas informações são agregadas.
71
nos quais, ao largo da proibição da COHAB, moradores implementaram pequenos
comércios. prédios pintados, como prédios cuja textura revela o abandono de
duas décadas. Em alguns deles foram plantados jardins. Em alguns prédios a grama
atinge tamanho e aspecto de um matagal.
Diferenças de manutenção de fachadas dos edifícios.
A ocupação do espaço partiu de ações de poder de Estado, favorecendo grandes
construtoras e abrindo espaço aos interesses especulativos do mercado imobiliário nas
regiões centrais. Diante desta realidade, coube às famílias de baixa renda a situação de
moradia em apartamentos de pequeno tamanho num bairro sem infra-estrutura alguma,
distante 35 km do centro da cidade.
Por outro lado, o poder do Estado não se manifesta apenas no acesso à moradia,
mas na cotidianeidade dos moradores dos conjuntos habitacionais. O poder exercido
pelo Estado em relação à vida dos agentes sociais é internalizado e as pessoas passam a
exercê-lo na relação com o outro na gestão da água do prédio, no afastamento dos
vizinhos, por exemplo. Este é o tema central de nossa pesquisa, e será analisado de
forma aprofundada no capítulo terceiro.
“Como esses espaços de mediação permitem ou recusam as
transformações tanto espaciais quanto sociais que permitem ir
do público ao privado (e retornar?). Como as populações
consideradas vêem essas transformações e transições, elas
mesmas e suas relações com as outras? Quais são as
contradições ou as tensões sociais que esses espaços
cristalizam? Quais características, propriedades ou
extensões/significações do público ou do privado devem estar
em conta para compreender as evoluções relativas?”
(Haumont & Morel, 2005, p. 26, tradução da autora).
72
Alguns Indicadores Sociais
73
Nos últimos anos a produção de indicadores sociais sobre a Região
Metropolitana de São Paulo tem-se ampliado substancialmente. Dados provenientes dos
Censos decenais e de pesquisas mensais, como a pesquisa de Emprego e Desemprego
da Fundação Seade são complementados com pesquisas específicas, como a PNAD
Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares. Estas pesquisas, bem como dados de
registros de serviços públicos como saúde e educação, têm sido fonte para a elaboração
de indicadores sociais, cujo objetivo principal é o subsídio ao planejamento de políticas.
Exercícios teóricos como o Mapa da Exclusão/ Inclusão Social contribuem para
a visualização da inscrição territorial das populações. Por meio do mapa da Exclusão/
Inclusão Social a segregação sócio-espacial torna-se visível: os indicadores que
remetem às dinâmicas de pobreza estão localizados nas áreas periféricas da cidade. Vê-
se, por exemplo, que a renda é mais baixa nas regiões periféricas da cidade.
Neste tópico descrevem-se um conjunto de indicadores sociais ligados ao Mapa
da Vulnerabilidade Juvenil, evidenciando o processo de segregação sócio-espacial. Ao
mesmo tempo, dados demográficos contextualizam a Cidade Tiradentes. Apresenta-se
um conjunto de tabelas em que se podem comparar dados dos diferentes distritos da
cidade, em relação às ocupações e rendimentos. Veremos que tanto do ponto de vista do
emprego formal quanto do emprego informal, Cidade Tiradentes é o distrito com
menores índices de ocupação. Do ponto de vista da renda, em todas as atividades
produtivas (comércio, serviços, indústria e construção civil), os números de Cidade
Tiradentes são inferiores aos demais distritos.
O Censo Demográfico do IBGE no ano 2000 contabilizou 190.644 moradores
em Cidade Tiradentes. Segundo dados distritais da Fundação Seade, a população em
2008 era igual a 242.077 pessoas (1,23% da população total da RMSP). A título
comparativo, a população do distrito Alto de Pinheiros equivalia no mesmo ano a
40.637 pessoas (ou 0,20% do total de população).
A taxa de crescimento da população na Cidade Tiradentes foi de 17,16 entre
1996 e 2000, segundo a PMSP. Entre 2000 e 2008 foi 3,11%, segundo a Fundação
Seade. Este índice alto índice de crescimento foi verificado apenas em outros distritos
periféricos como Anhangüera (5,58) e revela expulsão de moradores das áreas centrais
74
da cidade (no Bom Retiro o crescimento foi negativo: -2,57). Na RMSP o crescimento
foi de 1,24 (Dados da Fundação Seade).
Os moradores estavam em 49.840 domicílios. A densidade demográfica média
na RMSP é de 2.480 moradores por km². No distrito de Aricanduva a densidade
demográfica média é de 13.757 moradores por km²; no distrito do Alto de Pinheiros é
5.403 moradores por km² e no distrito de Cidade Tiradentes é de 16.009 moradores por
km². (Dados da Fundação Seade).
Grande parte da população (42%) tinha de 1 a 5 anos de estudo. 24,6% tinham
de 6 a 10 anos de estudo; 16,6% de 11 a 15 anos de estudo; 6,4% estavam entre a
população com menos de 1 ano de estudo ou sem instrução e apenas 0,4% da população
tinha mais de 15 anos de estudo. Entre os responsáveis por domicílio, 39,58% tinham
ensino fundamental completo (a taxa no município de São Paulo é de 49,69%). Entre os
responsáveis por domicílio com ensino médio completo, a taxa em Cidade Tiradentes
era de 16,87% contra 33,68% no município de São Paulo.
A grande causa de mortalidade em Cidade Tiradentes eram em 2003 os
homicídios. Foram registrados 122 homicídios e 76 doenças do coração no ano,
segundo a Secretaria Municipal de Saúde. No distrito da Bela Vista, no mesmo período,
foram registrados 8 óbitos por homicídio.
Em 2003 não havia leitos do SUS em hospitais na Cidade Tiradentes.Todos os
indicadores de saúde mostram a situação de precariedade do atendimento e inúmeros
problemas de saúde no distrito. A taxa de mortalidade materna, por exemplo, indicador
da Fundação Seade e da Secretaria Municipal de Saúde, contabilizava 81,63 mortes por
100.000 nascidos vivos; contra 55,05 no município de São Paulo.
As tabelas 1 e 2 (vide anexo 1) referem-se ao número de postos de trabalho na
cidade, por distrito. Como se pode ver na tabela 1, o número de empregos formais
criados em Cidade Tiradentes no ano de 2004 era inferior ao número de empregos
criados nos distritos mais pobres da cidade, como Perus. Em Cidade Tiradentes foram
criados 430 empregos, ao passo que em Perus foram criados 758 empregos. Os
empregos em Cidade Tiradentes correspondem a 0,25% dos empregos criados na cidade
75
no mesmo ano. O bairro que mais gerou empregos no ano foi a Sé, com 47.415
empregos, ou o equivalente a 16% dos empregos criados.
O número de empregos formais em 2002 era também menor do que em todos os
outros distritos, como se pode observar na tabela 2. Em Cidade Tiradentes havia 6.195
empregos, ou o equivalente a 0,19% dos empregos em toda a cidade. Um distrito
igualmente periférico, como Parelheiros, contava com 16.508 postos de trabalho
formais (0,50%).
A maior parte dos empregos formais em 2002, como se na tabela 3,
concentra-se na área de serviços. (65%). 12% dos empregos são na indústria, 1,5% na
construção civil e 20,5% no comércio. Se, por um lado, esta distribuição é semelhante à
da cidade como um todo (14,5% na indústria, 4,0% na construção civil, 16,1% no
comércio e 65,4% nos serviços) em bairros como Aricanduva e Mooca, a concentração
dos empregos industriais ultrapassa os 30%. Por outro lado, bairros industrializados nas
décadas de 1980 e 1990 perderam postos industriais, como Santo Amaro, que em 2002
contabilizava 12% dos seus empregos na indústria.
As tabelas 4 e 5 referem-se ao rendimento dos moradores por distrito. Em
relação à renda, 57% dos moradores em Cidade Tiradentes recebiam, em 2000, até 5
salários mínimos; enquanto que na Consolação 69% dos moradores recebiam mais de
10 salários mínimos.(Tabela 4)
Os salários nominais em 2002 também eram mais baixos na Cidade Tiradentes.
Na indústria os salários são semelhantes, mas nas atividades como construção civil e
serviços eles são visivelmente mais baixos do que no resto da cidade, como se observa
na tabela 5. Os salários em Cidade Tiradentes são em média 39% mais baixos do que na
média da cidade. Em relação ao distrito com a média salarial mais alta (Parelheiros), a
diferença chega a 60%.
40
Cidade Tiradentes é um dos distritos com pior índice de vulnerabilidade juvenil,
indicador criado pela Fundação Seade composto por indicadores pela taxa anual de
40
Este dado surpreende. O distrito de Parelheiros, no qual se situam bairros extremamente pobres,
também abriga condomínios de luxo que talvez sejam a origem do dado.
76
crescimento populacional, percentual de jovens de 15 a 19 anos na população por
distrito, taxa de mortalidade por homicídio da população masculina de 15 a 19 anos,
percentual de mães adolescentes, de 14 a 17 anos, no total de nascidos vivos, valor do
rendimento médio mensal, das pessoas com rendimento, responsáveis pelos domicílios
particulares permanentes e percentual de jovens de 15 a 17 anos que não freqüentam a
escola.
77
78
Equipamentos Públicos em Cidade Tiradentes – Uma história de
conquista dos moradores
A conquista de equipamentos públicos de saúde e educação em Cidade
Tiradentes partiu de um movimento dos moradores e de inúmeras ações de força e
embate com as diversas gestões municipais. Os moradores, em entrevistas, são
unânimes ao informar que o bairro, em sua fundação, não contava com equipamentos de
saúde ou de educação suficientes. Caio Boucinhas participou de uma reunião de
moradores que ameaçaram fechar as ruas do bairro e impedir a entrada de qualquer
caminhão de mudanças até que escolas e postos de saúde fossem construídos no local. A
negociação foi feita com a Caixa Econômica Federal, que financiava a construção, e as
escolas foram construídas nos espaços que no parcelamento do solo foram destinadas a
equipamentos públicos. O terminal de ônibus foi construído na sede da COHAB-SP na
Fazenda Santa Etelvina. Para se ter uma idéia dos problemas de deslocamento,
lembremos da distância com o centro da cidade: 35 km, o que equivale a pelo menos
duas horas de ônibus.
Enquanto alguns bairros negociavam na câmara, junto a vereadores, a presença
de equipamentos públicos em áreas nem sempre regularizadas, em alguns bairros foi a
pressão de movimentos sociais organizados quem conseguiu representatividade junto a
órgãos públicos e fez das escolas, creches, postos de saúde e linhas de ônibus conquistas
dos movimentos organizados.
Este é um dos capítulos da história da urbanização dos bairros periféricos na
década de 1980. Mesmo num bairro todo produzido pelo Estado, como Cidade
Tiradentes, não houve planejamento dos equipamentos públicos. A criação de escolas e
postos de saúde, terminais de ônibus e demais serviços públicos foi resultado de um
embate direto dos moradores, organizados em torno dos Núcleos Eclesiais de Base,
movimento da Igreja Católica nos anos de 1980.
79
Esta defasagem entre a política de habitação, o desenvolvimento econômico e
social da cidade e a orientação dos investimentos públicos é o centro do conflito urbano
que criou bairros segregados e modos de vida orientados por tensões diversas. A
apropriação da cidade é diferente para cada grupo social, assim como o uso dos
equipamentos urbanos e da estrutura viária, assim como também as representações e
vivências da cidade são múltiplas. A política habitacional que foi gestada no período
militar, como foi visto no primeiro capítulo, atendia a interesses do empresariado na
conformação de recursos para a indústria e na produção de habitação que não onerasse
tanto o trabalhador, de forma a manter salários baixos. Como vimos, a forma de
produção de habitação mais barata para o trabalhador era o auto-empreendimento da
casa própria pois era a sua própria força de trabalho, em forma de super-trabalho, que
produzia as moradias. O custo da produção estava associado à compra do lote e à
compra de equipamentos de construção, resultados de poupanças e restrições
orçamentárias ao longo dos anos. Este mecanismo funcionou em épocas de altos índices
de emprego (anos 1960 a 1980). Embora o auto-empreendimento da casa própria
permaneça em loteamentos regulares, a sua grande expansão nos anos 1990 dá-se por
meio de ocupações irregulares e favelamento.
Desta forma, a produção de habitação social no Brasil, após a crise do BNH,
obedeceu a políticas municipais, e não conseguiu suprir a demanda por moradias. Nas
décadas de 1970 e 1980, assistimos ao crescimento das atividades de auto-
empreendimento da casa própria, num processo de depreciação dos salários, pois os
trabalhadores usavam o seu tempo livre para a construção de suas casas desobrigando,
desta maneira, que os salários dessem conta de prover a moradia. Àquela época, no final
dos anos 1970 e nos anos 1980, estes bairros eram considerados distantes dos bairros
urbanizados, não tinham infra-estrutura, nem atendimento à saúde básica, tampouco
escolas. Eram bairros distantes dos empregos e o serviço de transporte público era
precário. Foram os bairros que atraíram a força de trabalho incapaz de pagar os aluguéis
nos bairros consolidados e no centro. Este processo de auto-empreendimento da casa
80
própria na periferia sustentou e foi sustentado pela modernização fabril, por exemplo, da
zona sul da cidade de São Paulo (mas não apenas).
41
Ao longo das últimas duas décadas, bairros das regiões periféricas têm crescido
e as relações sociais tornam-se cada vez mais tensas com a emergência de situações
violentas. O horizonte de empregos que mantinha a urbanização de bairros nos anos
1980 cedeu lugar a uma indeterminação crescente que torna a urbanização um processo
associado aos desdobramentos das vicissitudes econômicas. Por outro lado, a redução
de um horizonte de emprego está relacionada à violência, mencionada acima. As
práticas associativas, por exemplo, tornam-se cada vez mais ligadas à lógica gestionária
e cada vez menos espaços de sociabilidade política (como nos anos 1980). A partir dos
anos 2000 as práticas associativas estão cada vez mais relacionadas às instituições, por
meio de convênios com as prefeituras, o que profissionaliza a atividade política e por
isso mesmo arrefece sua potencialidade combativa, que era a tônica da experiência
social que reunia as pessoas em torno das questões do bairro. Com a política
profissionalizada, muitas pessoas afastam-se das discussões coletivas e voltam-se aos
seus horizontes individuais, mediados pelas suas possibilidades de inserção no mundo
do trabalho, cada vez mais restritivo, dadas as condições econômicas. O cenário urbano,
palco destas relações, convida à observação e à reflexão. Estas dinâmicas sociais que
configuram a cidade contemporânea foram estudadas nesta dissertação a partir da
observação de relações sociais em Cidade Tiradentes, como se trata no capítulo 3, a
seguir.
41
Atualmente o processo de crescimento da zona sul ilumina um aspecto muito impressionante do
crescimento da cidade de São Paulo, que é o crescimento das periferias correlato à diminuição dos
empregos. As alternativas de moradia se precarizam mais à medida que os empregos escasseiam e o
trabalho torna-se eventual e mal remunerado.
81
Capítulo III - O espaço coletivo numa experiência etnográfica em um
prédio da COHAB Cidade Tiradentes em São Paulo
A opção pela etnografia reside na experiência da cidade, em suas diferenciações.
Os discursos sobre as diferenciações urbanas são de natureza diversas, e geralmente
orientados pela manutenção de alguma ideologia, que reforçam o processo de
segregação sócio-espacial. Morar é também estar em relação com uma vivência da
cidade, que é distinta para os distintos grupos sociais. Ao abordar um bairro da periferia,
produzido pelo Estado, um dos aspectos evidentes deste processo é o estudo do papel
deste Estado e de suas relações com o urbano, o que foi estudado nos capítulos
precedentes. Por outro lado, o interesse da etnografia é conhecer estes trabalhadores
conduzidos pelo Estado, vivendo em meio de suas mediações. Ao conhecer seu
cotidiano, busca-se refletir sobre as questões urbanas contemporâneas, como as práticas
da cidade e o espaço da política.
Este capítulo busca problematizar a experiência da política na
contemporaneidade a partir do estudo da sociabilidade de famílias em suas relações com
o espaço de um edifício, no maior conjunto habitacional da América Latina. Suas
reflexões baseiam-se na pesquisa de campo realizada entre 2006 e 2008.
82
Edifício na Cidade Tiradentes.
Metodologicamente, a pesquisa baseou-se em entrevistas sobre trajetórias de
vida. Os relatos das trajetórias de vida descortinam momentos significativos nas vidas
dos indivíduos, em que se lêem estratégias de acesso ao mundo (no caso urbano
83
contemporâneo, à moradia, ao trabalho, e à vida associativa). Um olhar para estas
estratégias a partir de um grupo pequeno de entrevistas permite traçar dinâmicas sociais,
as confluências entre as ações de Estado e ações dos trabalhadores, por exemplo. Ao
refletir sobre o modo de vida contemporâneo, a partir das entrevistas e da etnografia, foi
possível refletir sobre o “espírito de época”, contrapondo-o em relação às pesquisas
urbanas nas décadas de 1970-1980.
A opção pela análise do cotidiano de um único edifício surgiu da escolha
metodológica de trabalhar com a etnografia micro-sociológica. Assim, se o objeto das
sociabilidades comparece nesta pesquisa, ele é encarado de forma restrita neste trabalho,
a partir de um recorte etnográfico muito preciso: o edifício. Evidentemente, as relações
de sociabilidade na Cidade Tiradentes extrapolam em muito o aspecto condominial,
mesmo porque nem todos vivem em edifícios. Mesmo entre os que vivem em edifícios,
as relações de sociabilidade estão ligadas a vivências a partir de situações públicas
(escolas, hospitais e postos de saúde), associativas (ONGs), religiosas (igrejas), de lazer
e de esportes. A opção desta etnografia foi de trabalhar com um recorte, a saber, a
experiência do espaço coletivo num condomínio, e como as relações de sociabilidade
dos moradores com o entorno, além de sua atuação no mundo do trabalho, configura a
visão acerca do que é coletivo entre os seus vizinhos. Ao mesmo tempo, ao olhar para
este objeto restrito, buscou-se, a partir das micro-relações, e das trajetórias individuais,
fazer inferências sobre o entendimento do que seja público, privado e coletivo, de como
este conhecimento se constrói e de como ele orienta decisões e momentos coletivos.
A tradição da micro-sociologia ganhou peso nas ciências sociais a partir dos
estudos de Goffman (2006), que analisou processos de interação social como cenas, e
sujeitos sociais, como atores. Segundo esta abordagem, na interação, os atores buscam o
convencimento a partir de atributos colocados na cena. Estes atributos estão ligados ao
reconhecimento das características que definem o ator (sujeito social). A positividade
que se atribui às características do sujeito revela a força deste papel social. Por meio dos
atributos e das características colocadas em cena, é possível ler os sentidos de
pertencimento ou distanciamento nas micro-relações. Estes pertencimentos e
distanciamentos, por sua vez, denotam a capacidade de agregação de grupos sociais e
84
sua inserção em contextos mais amplos. Estas cenas são montadas a partir da
observação e dos relatos acerca do outro.
Este relato não é isento, pois numa situação de entrevista em que se discursa
sobre si e sobre o outro, o entrevistado busca construir aos olhos do entrevistador uma
imagem de si, que é situacional. A partir de sua leitura da situação de entrevista, o
entrevistado busca identificação ou distanciamento do entrevistador, e isto diz sobre a
construção de sua identidade.
Do ponto de vista da pesquisa social interessa, menos do que compreender os
eventos de construção da identidade do entrevistador, compreender os atributos com os
quais ele dialoga, expressões da situação social vivenciada por ele.
Por meio desta abordagem metodológica e conceitual a compreensão das teias
sociais mostra-se ao observador. Estas teias são significados de formas da organização
do trabalho (e, portanto, da produção), formas de organização política e religiosa, que
podem ser entendidos a partir dos vínculos entre o mundo privado dos indivíduos e o
mundo social. Na leitura do mundo privado dos indivíduos considera-se a mediação da
família.
42
Introdução metodológica
O social é um jogo de posições em que a representação de individualidades
biológicas se coloca. As representações sociais são manifestações do habitus
43
, ou seja,
da acomodação de temporalidades pelas quais a individualidade se desloca. As posições
que esta individualidade biológica assume estão asseguradas pelo reconhecimento
42
A metodologia de investigação sociológica com famílias enriqueceu-se com o trabalho Cabanes (2006).
43
O conceito de habitus está relacionado com a cristalização das práticas sociais: “Sem dúvida, podemos
encontrar no habitus o princípio ativo, irredutível às percepções passivas, da unificação das práticas e das
representações (...)”. Bourdieu (1996, p. 186).
85
social, pela instituição de regras e normas de conduta assentadas na irredutibilidade do
eu, sustentada pelo nome próprio. Ao narrar a sua história, o indivíduo buscará um
sentido, a vida sendo contada como um caminho com significado, a partir de um
projeto. O pesquisador, ao ouvir a história, compartilha da mesma ilusão de sentido que
o narrador oferece. Este sentido resvala entre um discurso oficial (algo que se aproxima
da posição da identidade jurídica do indivíduo) e a narração de confidências, oscilações
discursivas a partir da posição que narrador-ouvinte assumem no momento da
entrevista. Desta tessitura discursiva apreendemos, no campo da micro-sociologia, a
cena dinâmica da vida cotidiana, posturas e falas que se encontram e se distanciam nos
espaços comuns de um edifício tecendo aquilo que chamamos de vida cotidiana, imersa
nas possibilidades de deslocamento mediadas pelos espaços e pelos tempos sociais.
O conjunto de entrevistas realizadas na Cidade Tiradentes respondia a
inquietações comuns: em quais momentos das diversas trajetórias se colocava a decisão
de morar ali para cada uma das famílias? O que representava para cada uma das famílias
morar na Cidade Tiradentes? O que representava para cada uma das famílias as relações
de vizinhança? Estas relações de vizinhança se traduziam na criação de um ambiente
comum, com regras e propósitos? Quais seriam esses propósitos e/ ou estas regras? O
que este ambiente comum (ou espaço coletivo) diz sobre a vivência da política em seus
vínculos com a cidade no mundo contemporâneo? A apropriação rebaixada da
experiência da arquitetura moderna é um motivador de experiências políticas, como se
pretendia a vanguarda modernista, ou, ao contrário, uma maneira de arrefecimento da
experiência coletiva?
Uma análise da experiência urbana da Cidade Tiradentes, como esboçada no
capítulo 2, pode levar à conclusão de que a proposta dos conjuntos habitacionais é uma
apropriação rebaixada da arquitetura moderna. A proposta de habitações mínimas
adveio das experimentações realizadas pelos modernistas europeus no início do século
XX, período de intenso desenvolvimento da industrialização e expansão do operariado.
Segundo Kopp apud Silva (2006):
“O habitat operário (...) não é produto do acaso mas
fruto de estudos aprofundados sobre a maneira mais
rentável de alojar o maior número de trabalhadores
em um espaço tão reduzido quanto possível”
.
86
A inspiração modernista estava ligada à busca da superação da situação precária
das moradias após a guerra mundial, e às crescentes transformações urbanas e
tecnológicas da época. São temas presentes nos estudos de arquitetos como Walter
Gropius e Bruno Taut.
44
. A standartização da habitação popular e a produção industrial
dos componentes da habitação passam a ser uma realidade da arquitetura mundial, que
persegue os propósitos da funcionalidade e da economia. Por outro lado, a proposta
modernista estava em consonância a um novo ideal de homem e de humanidade: ao
homem moderno cabia uma moradia moderna e funcional, cujo espaço privado fosse
mínimo e cuja vivência pública (no trabalho, em equipamentos de lazer e em
equipamentos de serviços) fosse maximizada.
“Do projeto do mobiliário ao dos assentamentos
humanos tudo está vinculado a um novo projeto de
sociedade. A idéia da casa como uma “máquina de morar”
estava alinhada com o pensamento tecnisista e a
standardização propostas para o homem da era da máquina.”
Silva (2006, p. 22)
De modo consciente ou inconsciente, a apropriação das máximas da arquitetura
moderna pela arquitetura de interesse social brasileira desdobrou-se ao longo de toda a
sua história e lê-se na preocupação com a redução de custos, a industrialização do
processo construtivo, a standartização dos projetos e projetos baseados em habitações
pequenas (atendendo às necessidades básicas) e grandes espaços de uso coletivo.
(Bonduki, 2004). No caso brasileiro, a experiência do traçado modernista em algumas
44
O programa de May baseava-se no acesso de todas as unidades ao sol e a ventilação e na facilitação
das atividades domésticas. A configuração dos espaços também pretendia diminuir os incômodos entre
os moradores que conviveriam mais próximos. Não existe mais a estratificação da casa burguesa, as
atividades domésticas são assumidas pela mulher que não possui empregados. A cozinha higienizada tem
seu funcionamento otimizado. O espaço gerado é resultado do estudo das atividades humanas dentro do
espírito do existenzminimum. Assim, vários equipamentos passam a ser móveis ou escamoteáveis como
camas e mesas, armários são embutidos e podem dividir os ambientes e as portas podem correr. O
resultado é a considerável redução da área habitada com apartamentos de 40m
2
a 65 m
2
e área média
por ocupante de 10 m
²
. A maioria dos equipamentos, assim como os elementos construtivos, lajes,
paredes e vigas serão pré-fabricados em usinas a partir de normas específicas. A tipificação das
propostas deve atender ao princípio de igualdade com qualidade.” Silva (2006, p.17-18). Gropius foi
nomeado diretor da Bauhaus, escola de Artes e Arquitetura aleque muito influenciou a arquitetura no
início do século XX. Outro arquiteto, Ernest May, também concebia a habitação unifamiliar baseada na
funcionalidade e na economia de custos, como formas de vencer o ficit habitacional que assolava a
Alemanha (experiência similar à Inglesa). O tema da habitação mínima foi discutido no Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna de 1929 em Frankfurt
87
obras, culminou com a privatização de áreas coletivas, revelando a inadequação de um
modelo individualista para uma realidade em que a família nuclear é extensa. De fato,
ao analisar a realidade de um edifício, verifica-se a presença intensa de membros da
mesma família no mesmo edifício, e a circulação de famílias entre os apartamentos ao
longo do tempo. Embora a política seja pública e universalista, na prática, a tendência
de proximidade espacial das famílias na periferia é bastante grande, seja nos quintais
seja num edifício de apartamentos.
A concepção modernista de habitação mínima baseava-se em uma idéia de
libertação do homem, que estava atrelado à casa por sua funcionalidade, apenas. Os
espaços privados, diferentemente da experiência burguesa, eram mínimos. Esta
configuração espacial está imbuída da idéia da superação da afetividade burguesa, mas,
em realidade, seus resultados resvalaram para a experiência da coerção social por meio
do espaço e da supressão das individualidades por meio do processo de coletivização.
Cidade Tiradentes é uma experiência rebaixada da estética modernista, pois
apropriou-se somente de seus fundamentos econômicos: a redução dos custos e a
padronização dos projetos, sem a contrapartida da dimensão e da experiência dos
espaços públicos. Como vimos no capítulo 2, embora abundassem espaços vazios em
Cidade Tiradentes, escasseavam serviços públicos e obras de uso coletivo. Ao longo dos
anos alguns equipamentos públicos de grande monta foram construídos no bairro, como
os Centros de Educação Unificados CEUS e o Hospital Municipal de Cidade
Tiradentes (propostos na gestão Marta Suplicy entre 2001-2004), mas não chegam a
consolidar o espírito de monumentalidade dos espaços públicos propostos, por exemplo,
por Le Corbusier.
Nas palavras de Recamán (2004, p. 19):
“A questão habitacional passará a ser tratada como uma
questão de planilha de custos, investimentos e rentabilidade, e não de
projeto ou arquitetura, muito menos, construção de cidades.
(...)
Os mega-conjuntos populares que vão surgir a partir dos anos
60 são frutos de um processo técnico-positivista tímido que avançou
lentamente em paralelo ao desenvolvimento do mainstream da nossa
88
arquitetura, e que ganhou força com o golpe militar. Correspondem à
coetânea explosão imobiliária dos edifícios residenciais de classe
média, que seguem a mesma lógica da alta lucratividade. Reservada
para outros fins, a arquitetura pompier dos grandes palácios públicos
conviveu com esse tecnicismo hipertrofiado do cálculo financeiro,
reproduzindo um divórcio pré-moderno, agora sem perspectivas de
superação. A técnica retórica do virtuosismo estrutural, característica
primeira da arquitetura moderna brasileira, é sublimação de sua
excepcionalidade antisocial,de sua irreprodutibilidade fetichista. A
cidade brasileira é a composição desses movimentos, que não se
excluem, antes se complementam.”
Espaço Coletivo – Entre o Espaço Privado e o Espaço Público
O espaço urbano de Cidade Tiradentes é um espaço que foi totalmente
planificado. A abertura de vias e a construção de edifícios foi planejada, realizada e
documentada pela COHAB-SP. Como visto, a maior parte dos espaços é de propriedade
da própria COHAB-SP, divididos em áreas verdes, áreas públicas vazias, áreas públicas
destinadas a equipamentos públicos, edifícios e “embriões”. Nos últimos anos, a
situação dos maiores empreendimentos comerciais foi regularizada via licitação para
compra de terrenos. Estes espaços, contudo, são em pequeno número. O comércio da
região é realizado por pequenos comerciantes, que abrem suas garagens para estas
atividades.
Do ponto de vista estritamente físico, o espaço público de Cidade Tiradentes são
as ruas e os edifícios que constituem os equipamentos públicos (escolas, postos de
saúde, hospital, sacolão) e as pequenas praças localizadas em alguns quarteirões. O
espaço privado é constituído pelas casas e apartamentos e o espaço coletivo é
constituído pelos espaços de uso coletivo dentro dos edifícios. Cada edifício possui uma
área livre para convivência e circulação, que inclui as escadarias.
Do ponto de vista conceitual, no entanto, o espaço público, o espaço privado e o
espaço coletivo são abstrações que operam na dinâmica das relações sociais, e
configuram nossa compreensão acerca do que é comum, do que é coletivo e do que é
privado.
89
O espaço público tem sua gênese na polis grega, segundo Arendt (2008). O
fundamental na concepção arendtiana do espaço público é que ele diz respeito à
participação de todos os cidadãos na reflexão sobre o destino comum. O mundo comum,
tal qual existia na Antiguidade, baseava-se na premissa de que é algo que os homens
adentram quando nascem e deixam para trás ao morrer, algo que os transcende, mas que
ao mesmo tempo os impele a existir concretamente. Sua força política consiste em sua
perenidade, pois os homens se colocam nele preocupados com sua imortalidade.
Na análise de Arendt (2008) o mundo comum foi substituído por outras
experiências, como a experiência religiosa e a mediação da mercadoria e da
propriedade. A autora, refletindo sobre a obra do economista Adam Smith, observou
que a recompensa pecuniária pelo reconhecimento público provoca a quebra da garantia
contra a futilidade, garantia esta que está na raiz do mundo público. A recompensa
pecuniária passa a ser a motivação para o reconhecimento público, e não a preocupação
com a imortalidade. O conflito passa a ser a base para interesses individuais, e não um
campo de debates em que se busca o bem comum.
Com o capitalismo, o trabalho passa a ser a mediação fundamental das relações
sociais. Com o final do welfare state e a emergência do chamado “desemprego
estrutural”, a sociedade torna-se uma sociedade de trabalhadores sem trabalho. A busca
por sentido e significado passa a ser cada vez mais individualizada e o que no lugar
da esfera pública é o que Rancière (1996) chamou de cacofonia. É como se a
experiência dos indivíduos, mediadas pelas trajetórias de suas famílias, fossem
ininteligíveis no sentido público
45
. A inteligibilidade é dada apenas pela mediação que é
comum: a mercadoria. A medida dos destinos comuns passa a ser a medida da
45 Para Arendt (2008) a dissolução do mundo comum está relacionada com a perda da inteligibilidade
entre os homens. Nas palavras de Telles (1999, p. 39): “Antes de mais nada, a dissolução desse espaço
público significa a perda de um mundo comum’ que articula os homens numa trama feita por fatos e
eventos tangíveis em seu acontecimento, construindo as referências cognitivas e valorativas de um
horizonte comum e uma interlocução possível. É uma trama construída pela interação entre os homens e
na experiência da pluralidade humana através da qual as opiniões se formam e os julgamentos se
constituem. Nesse caso, a dissolução do espaço público significa a perda de um espaço comum entre os
homens, comprometendo esta capacidade de discernimento que a compreensão e o julgamento exigem,
enquanto ‘ maneira especificamente humana’ de se fazer a experiência da realidade.”
90
mercadoria, o trabalho torna-se um meio para a conquista da mercadoria e a ação do
homem em todos os campos relaciona-se com a esfera mercantil
46
.
O mundo público e o espaço público esvaziam-se. Habermas (1984) localiza a
gênese da esfera pública na sociedade burguesa, e também chega à mesma conclusão
quanto à supressão deste espaço na contemporaneidade. Na visão do autor a esfera
pública burguesa, que foi criada nos salões burgueses, nos clubes, nas dimensões
associativas das cidades, e expandiu-se com a criação da imprensa, entrou em declínio a
partir do século XIX com a intervenção estatal minando a autonomia burguesa e com a
transformação da imprensa em empresa capitalista, concomitantemente à formação da
indústria cultural. De público pensador de cultura, o público torna-se consumidor de
cultura. A esfera pública perde a sua potencialidade política, entendendo-se política
como a capacidade humana de criação de significados públicos, para transformar-se em
legitimadora de um consenso pré-fabricado.
“Se as leis do mercado, que dominam a esfera do intercâmbio
de mercadorias do trabalho social, também penetram na esfera
reservada às pessoas privadas enquanto público, o raciocínio tende a
se converter em consumo, e o contexto da comunicação pública se
dissolve nos atos estereotipados da recepção isolada.” Habermas
(1984, p. 191).
Ao mesmo tempo, os indivíduos deixam de refletir sobre questões comuns e
passam a ocupar-se apenas de questões privadas. Se a esfera pública burguesa foi criada
dentro do campo literário, dentro do tempo livre dos burgueses, na sociedade
contemporânea o próprio tempo de lazer permanece vinculado ao tempo de trabalho e
por isto mesmo à vida privada dos indivíduos
47
.
46
Do ponto de vista da pesquisa de campo o fundamental é observar a realidade, escutar as trajetórias e
se questionar a todo tempo pelos sentidos que elas colocam, buscando evocar o que se coloca entre os
indivíduos e entre as famílias que possa se deixar entrever processos de resistência ou de busca de uma
“vida que valha a pena ser vivida”, para citar Arendt (2008).
47
A dissolução da esfera pública burguesa apresenta-se também em sua dimensão institucional: o
parlamento torna-se espaço de representação de interesses, ao contrário do papel de dignatário de uma lei
genérica de bem comum que pressupunha a discussão pública prévia. Assim também é possível observar
a transfiguração do papel da esfera pública política através da mudança do papel do voto – se antes ele era
91
“Se o tempo do lazer permanece preso ao tempo do trabalho
como seu suplemento, nele pode ter continuidade a persecução dos
negócios privados de cada um, sem poder converter-se na
comunicação pública das pessoas privadas entre si.” Idem, p. 190.
A experiência de campo e a gênese de um conceito: o espaço coletivo
As trajetórias corroboraram a visão de que o mundo comum fragmentou-se em
núcleos de sentidos compartilhados dentro da experiência privada dos indivíduos, isto é,
no campo da necessidade, em que a reflexão é mediada pelas alternativas individuais
dais quais se pode lançar mão. A ação coletiva é minimizada como alternativa para a
construção de outras possibilidades para o mundo público. Numa experiência de
necessidade, a percepção do mundo público surge a partir do entendimento da restrição
de oportunidades. Numa experiência de liberdade, ao contrário, a ação do sujeito é
emancipadora, ou seja, é de criação de sentido no mundo público. Este sentido de
necessidade, por seu turno, é produzido socialmente, por meio de um “espírito de
época” que valoriza o consumo e orienta a conduta de todos os indivíduos neste sentido.
Se, por um lado, podemos observar as trajetórias dos indivíduos mediadas por
suas famílias, entre o mundo do trabalho que não constrói uma solução coletiva
redentora (que em algum momento surgiu no horizonte, ainda que tenha sido para um
grupo restrito, que eram os operários do ABC paulista), ou o mundo da habitação que
cria obstáculos a todo tempo (afirmando que para acessar um lugar privado no mundo
público é necessário dominar os códigos deste mundo público, compreensão esta que é
negada pela trajetória de trabalho que o sujeito teve possibilidades de construir), é
necessário argumentar que a história é um campo aberto e que estes tempos sociais
“apenas o ato conclusivo de uma disputa contínua, feita publicamente, entre argumentos e contra-
argumentos” Habermas (1984, p. 47), agora ele transforma-se em uma “encenação” em que a emergência
da opinião não pública aparece com a publicidade política através da manipulação do inconsciente a que
faltaria os pressupostos de autonomia e racionalidade de uma opinião pública.
92
construídos coletivamente podem pautar transformações. A interpretação deve ao
mesmo tempo reconhecer os obstáculos e as potencialidades da transformação.
Se a linguagem do direito social se esvaziou de sentido com a experiência
mundial de destituição dos direitos, se a linguagem do socialismo se esvaziou de sentido
com a desilusão mundial da apresentação de experiências autoritárias e anti-
democráticas, se a linguagem do trabalho como possibilitador de mediações concretas e
conquistas de classe se esvaziou com a onda neoliberal, e vemos o consumo mediar as
experiências coletivas, os tempos que correm devem sussurrar novas linguagens que
venham a fazer da experiência da vida frente aos imperativos da servidão financeira
48
algo que valha a pena ser vivido, para retomar a expressão arendtiana. Seja no campo da
transmissão geracional de valores da dignidade humana, seja na experimentação de
relações de gênero mais eqüitativas
49
, seja na transmutação dos afetos pela experiência
religiosa, seja na crença na reverberação através das instituições de valores mais
libertários, de algum modo nossa escuta às potencialidades deve estar atenta, informada
todo o tempo pelos limites concretos da experiência contemporânea, mas consciente de
sua humanidade.
Entre a experiência de privação dos indivíduos, a experiência privada que é
medida pela família, em seus afetos e no provimento destas necessidades, e a
experiência pública com o mundo, foi delimitado um espaço de intermediação que foi
chamado de espaço coletivo, dentro do campo de pesquisa: um edifício no conjunto
habitacional Santa Etelvina, em Cidade Tiradentes. Este espaço coletivo é o encontro
dos moradores na cotidianeidade, e é materializado pelos espaços físicos comuns no
edifício.
Se o mundo público no sentido arendtiano ou mesmo habermasiano se esvaziou,
é certo que os indivíduos têm uma experiência com o mundo que é mediada pelos
outros homens, suas instituições, sua história e suas determinações. Ele traz em seu bojo
48
Sobre o conceito de servidão financeira ver Paulani (2008).
49
Sobre relações de gênero ver Cabanes (2006).
93
suas próprias experiências, afetivas, mentais e cognitivas, dialogando a todo o tempo
com o mundo que o recebe no trabalho, na escola, no bairro, no prédio.
O espaço coletivo tratado, assim, como o espaço situacional em que os
indivíduos se reconhecem e criam sentidos comuns, a partir dos quais a ação no mundo
público se orienta. É um espaço que tem existência concreta e também subjetiva
50
.
Materializado na idéia de condomínio, o espaço coletivo perpassa a visão que um
sujeito faz do outro, do seu vizinho. Esta visão do outro é informada pelo mundo
público, em diálogo com o mundo privado. Os valores de um sujeito se constroem nesta
relação e são o estofo para os julgamentos que se fazem do outro. Dada a sua natureza
de local comum, o espaço coletivo é objeto de julgamentos e ações. A gestão do
condomínio é sua expressão direta. Esta gestão demanda que os sujeitos voltem a sua
atenção para o que é comum a todos de forma imediata: a organização em torno do
consumo de água e luz e a organização em torno da manutenção e da limpeza do espaço
comum. Para que estas ações aconteçam pressupõem-se providências coletivas: a
eleição de uma pessoa para síndico, a elaboração de um estatuto, a realização de
reuniões de condomínio, a reação diante de eventualidades. O síndico, por sua vez, está
no papel de mediador entre todos: é por meio de sua equipe que serão contabilizados os
gastos com a água e que o controle do orçamento comum Se esta é uma realidade
cotidiana para todos os que têm experiência em compartilhar um espaço físico comum,
a investigação destas ações nos informa sobre o que os sujeitos pensam que é coletivo e
o que orienta a decisão sobre o que é coletivo. O espaço coletivo situa-se entre o mundo
público, cuja potência foi esvaziada, (o mundo da ação e da reflexão sobre o que é
comum) e o mundo social (em que as necessidades são compartilhadas)
51
. Desta forma,
50
E neste sentido a noção de espaço coletivo aproxima-se do conceito de espaço público em que “a
singularidade de cada um é reconhecível e pode ser reconhecida. (...) Trata-se de uma singularidade
construída através da ação e do discurso e através da ação e da palavra, diz Hannah Arendt, que os
homens se deixam ver e reconhecer na sua individualidade.” Telles (1999, p. 50).
51
Arendt (2008, p. 50) localiza a emergência da esfera social com a emergência da relação de propriedade
mediando todas as relações humanas, e o governo tornando-se administração para proteger os bens. Sobre
a emergência da sociedade ela dirá: “Um fator decisivo é que a sociedade, em todos os seus níveis, exclui
toda a possibilidade de ação, que antes era exclusiva do lar doméstico. Ao invés de ação, a sociedade
espera de cada um dos seus membros um certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas
regras, todas elas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a fazê-los ‘comportarem-se’, a abolir a
ação espontânea ou a reação inusitada.”
94
investigar o espaço coletivo nos permite descrever o que existe no mundo social. Esse
mundo social é, para Arendt (2008), uma corruptela do mundo público.
O relacionamento entre os moradores diz muito sobre o poder a que estão
assujeitados e que reproduzem no momento da gestão do espaço coletivo. As ações
coletivas e as omissões revelam visões de mundo e formas de inserção no social. Na
história deste condomínio, lemos a história recente dos universos do trabalho, da
moradia, do consumo e da religiosidade na periferia da maior cidade brasileira. As
trajetórias são significativas, pois estão inseridas na dinâmica dos acontecimentos
sociais. Mais do que isto, os destinos individuais e sociais se encontram. A trajetória
individual está inserida nos cruzamentos das dinâmicas sociais, mas também orientam
essas dinâmicas sociais.
52
Condomínios na COHAB: gestão ou disciplinamento
O arquiteto Nakano (2002) realizou um trabalho sobre a experiência do
disciplinamento nas COHABs a partir das relações de poder nos condomínios. Tomou
os elementos de ancoragem em Foucault, para quem a coerção se inscreve nos corpos
por meio do espaço disciplinar. Foucault (1997). Para Nakano (2002), os espaços nas
COHABs são pensados como espaços que disciplinam os corpos e promovem a coerção
da espontaneidade dos sujeitos. Foucault (1997) estudou presídios, manicômios e outros
espaços sociais e demonstrou que sua configuração espacial está baseada na coerção dos
corpos.
Segundo Nakano (2002), o espaço disciplinar das unidades habitacionais da
COHAB-SP caracteriza-se pela padronização, e pela forma como o uso é condicionado:
o órgão público disciplina uma unidade habitacional para cada família, enquanto nas
favelas, por exemplo, são comuns espaços de interligação. O autor avalia que a
padronização dos conjuntos habitacionais marca uma diferenciação na paisagem tanto
52
Esta é uma idéia forte em Cabanes (2006).
95
quanto a padronização de um condomínio de luxo. No caso das COHABs, no entanto, a
padronização é estigmatizante, ao passo que na relação do transeunte e do cidadão com
o condomínio de luxo ela está calcada na idéia de distinção e distanciamento, atestando
o status dos que vivem ali.
Os moradores têm direito de uso ao seu apartamento unifamiliar. O espaço do
entorno do prédio é um espaço de uso coletivo, e a decisão sobre sua apropriação é da
gestão do condomínio. A esta apropriação Nakano (2002) chamou de tática de
territorialização. Essas táticas, quando expandidas para além dos limites do espaço de
uso comum, podem ser entendidas como contra-condutas.
Os moradores se apropriam do espaço e criam suas próprias regras a partir desta
apropriação. Os edifícios são entregues sem as garagens, que são construídas pelos
moradores. As garagens, apêndice ao apartamento, são negociadas como valor de uso e
como valor de troca. Como mercadoria, tornam-se um espaço apropriado, geralmente,
como forma de produção de renda: pequenos comércios são montados, em que são
vendidos produtos como alimentos, brinquedos, roupas, e são oferecidos serviços como
os de cabeleireiro. Além disso, muitas garagens são usadas como mini indústrias. No
edifício em que foi realizada a pesquisa, a atividade predominante nas garagens é a
produção de tapioca, iguaria característica do nordeste brasileiro.
Garagens construídas pelos moradores: uso como garagens e uso comercial, ambos usos não
permitidos pela COHAB-SP.
O uso dos edifícios é estritamente residencial, segundo a COHAB-SP. Os
moradores também se apropriam da lógica da propriedade e negociam os apartamentos
96
e as garagens, alugando-os, vendendo-os e comprando-os, mesmo enquanto são ainda
mutuários.
A apropriação dos espaços é restrita às possibilidades arquitetônicas e às
possibilidades de tomadas de decisão coletivas sobre os espaços de uso comum. Para
esta gestão, a COHAB-SP preparou um Manual de Condomínios, orientando os
moradores sobre a gestão do condomínio. Os técnicos da COHAB-SP partem do
entendimento de que os moradores não têm experiência em condomínio, e que muitos
vêm da experiência de favelas. O objetivo deste material, segundo Nakano (2002), é o
disciplinamento dos corpos dos moradores:
“No modelo apresentado, a função disciplinar deste
regulamento é manifesta no terceiro parágrafo onde se determina que
os condôminos deverão por si, seus familiares, dependentes,
serviçais, hóspedes ou visitantes observar sempre os preceitos da
boa moral e dos bons costumes, respeitando as normas que tutelam o
direito de vizinhança, abstendo-se da prática de quaisquer atos que
possam prejudicar a segurança e o bem-estar comum, evitando-se,
portanto, o uso nocivo da propriedade´.” COHAB/SP, s/d, 7 apud
Nakano (2002, p. 137).
53
53
Nakano (2002, p.138) transcreve o sétimo parágrafo do Manual dos Condôminos, em que regras
extremamente restritivas são colocadas aos moradores. Na prática, nenhuma dessas medidas foi
respeitada ou sequer houve qualquer punição ao desrespeito às normas. As regras de conduta evidenciam
muito mais a postura autoritária e distante da realidade dos moradores do que propriamente um
instrumento de auxílio na gestão coletiva. A leitura de algumas normas deixará este ponto claro:
“7º - É expressamente vedado aos condôminos:
A – Mudar ou alterar as fachadas de seus respectivos apartamentos;
B- Decorar ou pintar paredes, janelas, esquadrias externas, etc., de maneira que modifique o aspecto
arquitetônico do edifício que integra o condomínio;
C Afixar cartazes, anúncios, letreiros ou quaisquer placas nas fachadas e partes externas do
apartamento, nas entradas e corredores comuns de acessos às mesmas, bem como em qualquer outra parte
ou dependências comuns;
D Instalar toldos externos ou qualquer outro equipamento nas janelas, assim como colocar, ou permitir
que se coloquem, nas partes comuns do edifício quaisquer objetos ou instalações, sejam de que natureza
forem;
E Sem prejuízo das proibições gerais referentes à locação e cessão dos apartamentos constantes do
título aquisitivo alugá-lo ou cedê-los, no todo ou em parte, para: pessoas de maus costumes, clube de
jogos ou dança, reuniões políticas, escolas de música, entidades que exerçam atividades ruidosas,
depósito de objetos, enfim, dar aos apartamentos qualquer outra finalidade que não estritamente
97
Nakano (2002) analisa o documento de forma literal. É necessário, contudo, um
certo distanciamento para relativizar o seu papel no dia-a-dia dos moradores. Com
residencial, sendo igualmente vedado dividir a unidade autônoma com o fim de aliená-lo a mais de uma
pessoa;
F – Limpar ou remover pó de tapetes, cortinas, bem como das dependências dos apartamentos, de modo a
perturbar e causar incômodo aos demais condôminos;
G Estender roupas, tapetes ou quaisquer outras peças ou objetos nas janelas, bem como colocar objetos
em lugares onde estejam expostos ao risco de cair;
H- Lançar pelas janelas ou outros locais, objetos de qualquer natureza, líquidos, papéis, detritros, etc, às
vias públicas ou internas, áreas verdes, passeios, calçadas, áreas internas e demais dependências do
condomínio;
I Colocar ou depositar lixo, detritos, etc. em outros locais que não coletores e depósitos destinados a
este fim;
J – Manter nos apartamentos, ou em qualquer parte do edifício, substâncias, produtos, assim como instalar
aparelhos que causem risco à segurança e solidez do prédio, ou incômodo aos seus moradores e aos
demais condôminos;
K – Sobrecarregar, com peso superior à sua capacidade, a estrutura e as lages do edifício;
L – Usar rádios, vitrolas, alto-falantes ou quaisquer outros instrumentos sonoros, acústicos e musicais, em
volume de som que possa perturbar os vizinhos;
M – Fazer ou provocar barulhos de qualquer natureza, notadamente depois das 22 (vinte e duas) horas;
N – Utilizar os empregados e serviçais do condomínio para serviços particulares;
O Manter nos apartamentos cães, gatos, ou qualquer outros animais, com exceção de pássaros que não
perturbem a vizinhança;
P Utilizar as entradas, as rampas e corredores de acesso aos apartamentos, bem como as áreas internas,
térreas, cobertas e demais dependências de uso comum, para a guarda ou depósito de quaisquer coisas ou
objetos, sob pena de imediata remoção pelo síndico ou subsíndico, por conta e risco do responsável, e
sem prejuízo de multa ou sanção cabível;
Q Intervir ou de qualquer forma influir nas redes, fiações, ligações, instalações, pontos de iluminação,
registros, medidores e demais equipamentos gerais de água, luz, esgoto e telefone, como também deixar
de pagar tais taxas, sujeitando-se às medidas cabíveis por parte das concessionárias desses serviços
públicos, devendo sempre serem levados ao conhecimento do síndicos, as irregularidades de
funcionamento que venham a ocorrer, ficando os condôminos exclusivamente responsáveis pelos reparos
nas bombas de sucção de água;
R- realizar quaisquer mudanças ou transferências de móveis ou outros objetos, volumosos ou pesados,
sem aviso prévio ao síndico e no período noturno;
S Praticar quaisquer outros atos que constituam violação do estabelecido no presente regulamento e no
contrato aquisitivo.´” (COHAB, s/d: 8-9 apud Nakano 2002, p. 138-139).
98
efeito, da mesma forma que um regulamento de condomínio de classe média, as normas
são usualmente exageradas e nem sempre são cumpridas. A especificidade deste caso é
o desconhecimento dos moradores acerca do documento, e a ausência da COHAB-SP
no apoio aos condôminos e síndicos.
A COHAB-SP, por outro lado, tem uma visão dos moradores como incapazes de
organização coletiva e de gestão do espaço coletivo. Uma técnica da COHAB-SP,
durante entrevista, lamentou a ausência de cursos específicos para os moradores. À
exceção de algumas poucas experiências na gestão Erundina (1989-1992), a COHAB-
SP não realizou cursos ou atividades para preparar os moradores para sua nova vida de
condôminos, disse a técnica. Em sua visão, os moradores trazem a experiência da favela
cujos contornos de atuação são distintos da vida em condomínio. No entanto, o próprio
órgão não mantém registros sobre os moradores, sua origem ou qualquer tipo de
acompanhamento. Sua relação com os moradores é quase fiscalizatória, sobretudo no
que diz respeito ao financiamento dos apartamentos. A intervenção da COHAB-SP nas
questões condominiais é restrita, e só ocorre quando provocada pelos moradores.
A experiência de viver em condomínio revela dificuldades: desentendimentos e
conflitos que redundam em atraso nas contas, cortes de abastecimento e, sobretudo, a
convivência com uma das facetas da violência urbana: o tráfico de drogas na sua face de
crime organizado.
Em relação aos contratos de gaveta, apesar da proibição, os novos moradores
sempre conseguem regularizar, com um contrato na mão, sua relação com a COHAB-
SP. A inadimplência raramente é cobrada e, eventualmente, anistias são concedidas. As
mudanças de gestões municipais tornam as relações pouco claras para os moradores,
pois os critérios de cobrança, valores de prestações e critérios de regularização mudam a
cada nova administração. Os moradores vêem a COHAB-SP como um órgão
fiscalizatório, e não como um apoio nos problemas condominiais ou cotidianos. Quando
estava fotografando no bairro, a autora foi interpelada por uma comerciante com
evidente preocupação “A sra. não é da COHAB ou da prefeitura, é?”.
99
Mediações para o espaço coletivo: entre o público e o privado
Muitos de nossos entrevistados conheceram o mundo do trabalho antes do
mundo escolar. No sertão nordestino, onde nasceram
54
, o mundo que os recebia era a
roça, a religião e a necessidade do trabalho. O mundo urbano era uma promessa contada
por irmãos e parentes mais velhos. Sua relação com o mundo era o trabalho na roça,
durante a infância, mediada pela relação de propriedade ou de “meia” (relação pela qual
o trabalhador usa a terra de um proprietário e tem direito à metade da colheita). Para as
mulheres, o trabalho era também na roça ou, em muitos casos, era o serviço doméstico:
o cuidado dos irmãos. As famílias eram extensas, às vezes com mais de dez filhos e
demandavam muitos cuidados como a preparação dos alimentos e das roupas e o
cuidado com a casa. A escola era uma experiência rara no sertão nordestino pois as
crianças eram uma mão-de-obra importante na dinâmica familiar. Muitos migrantes
entrevistados estudaram pouco, o bastante para aprender a ler e a escrever. Logo em
seguida aos estudos contam-se as histórias de migração: o sonho com uma vida mais
confortável e com a ascensão social, a possibilidade do novo e da emancipação,
sobretudo para as mulheres. A realidade da cidade grande, desde os anos 1930 aos anos
1970, quando a maior parte dos migrantes chegou a São Paulo, era a de uma cidade em
franca expansão industrial e urbana. Nos anos 1960 a 1970, quando os entrevistados
chegaram a São Paulo, a cidade consolidava-se em torno do crescimento industrial.
Muitos dos trabalhadores migrantes chegados entre 1970 e 1980 dedicaram-se à
experiência operária, o que não foi o caso dos migrantes que entrevistamos. Estes não
acessaram o núcleo operário da cidade, mas, via de regra, o trabalho doméstico (no caso
das mulheres) e a construção civil (no caso dos homens). A vida que contam não conta
o sentido da vida operária que se esvaziou com a reestruturação produtiva, como muitos
trabalhos sociológicos demonstram, mas a vida cujos sentidos eram construídos por
mediações diversas, em que pese a mesma mediação presente em todas as suas vidas: o
Estado como condutor da política habitacional. Em São Paulo, a maior parte dos
54
Os dados dão conta de que 48,5% dos moradores de Cidade Tiradentes nasceu em São Paulo, e, entre
os migrantes, o tempo de migração é de 22,3 anos, conforme dados do CEM Centro de Estudos da
Metrópole. Georges & Rizek (2008). Os moradores antigos entrevistados são migrantes e chegaram em
São Paulo na década de 1970.
100
entrevistados instalou-se em bairros da periferia, em favelas ou casas de parentes
construídas precariamente em loteamentos periféricos. Chegaram a Cidade Tiradentes
pelas mãos do Estado, ao inscreverem-se para o sorteio de unidades habitacionais. Os
moradores antigos chegaram ao bairro nos anos 1980 ou início dos anos 1990, e relatam
a falta de estrutura do conjunto habitacional.
Em algum momento cada uma das famílias entrevistadas tomou contato com a
instituição da Companhia de Habitação de São Paulo a COHAB-SP, um dos braços
municipais da política de habitação brasileira, financiada com recursos do FGTS por
intermédio do banco Caixa Econômica Federal. Os estudos na área de habitação
mostram como os recursos dos trabalhadores orientaram a política de moradia voltada
para as camadas médias e altas da sociedade, deixando descoberta uma grande parcela
da demanda, aquela abaixo de 5 salários mínimos.
55
Esta população inseriu-se na cidade
via auto-empreendimento da casa própria, em parte, via ocupações irregulares ou via
habitação produzida pelo Estado, como é o caso de Cidade Tiradentes. A produção de
habitação pelo Estado em Cidade Tiradentes, no entanto, atende a uma prática de
realocação de pessoas expulsas das áreas centrais, seja por processos de desocupação
(como o caso da Operação Urbana Faria Lima), seja por processos de gentrificação, que
aumentam os aluguéis e o custo de vida.
Além da presença forte do Estado em suas trajetórias mediações comuns a
todos, como o trabalho, as escolas e associações de bairro e as mais diversas igrejas.
Em relação ao trabalho, as transformações vêm sendo amplamente discutidas no
âmbito das ciências sociais e dizem respeito à ampliação do desemprego, à introdução
de práticas como a terceirização, a transformações na estrutura produtiva que têm como
resultados uma constante precarização das formas de emprego
56
.
Em relação às práticas associativas e políticas, as mudanças não foram menos
intensas. Na década de 1980, as regiões periféricas de São Paulo estavam embebidas por
55
Maricato (1984).
56
A bibliografia é extensa. Para uma leitura abrangente, ver Antunes (1999).
101
sentimentos de identidade ligados à sua experiência como trabalhadores pobres,
explorados, cuja ancoragem era urbana, a partir da percepção da espoliação urbana que
os migrantes recém chegados à cidade sofriam.
57
As identidades que se construíam
floresciam dentro das igrejas, dentro das chamadas Comunidades Eclesiais de Base,
ligadas à Teologia da Libertação (movimento de esquerda dentro da Igreja Católica nos
anos 1970 e 1980), e agregavam movimentos de lutas por melhorias no bairro: creches,
serviço de abastecimento de água, luz e coleta de lixo, serviço de transportes. A luta
construiu as periferias consolidadas (em paralelo à ação da especulação imobiliária) e
constituiu a base urbana de um partido que nasceu das aspirações sindicais e urbanas
dos trabalhadores brasileiros: o partido dos trabalhadores.
Ao longo das três últimas décadas, o movimento político afastou-se das igrejas
e se institucionalizou, com a presença do partido dos trabalhadores nas administrações
municipais e posteriormente no próprio governo federal. De experiência de militância
combativa e de oposição, a experiência partidária na periferia é hoje um modo e um
meio de vida para muitos daqueles que estão envolvidos com a política partidária
institucional. Este movimento substitui a força combativa por uma participação mais
concorde com as estratégias e práticas institucionais, o que evidencia toda uma gama de
relações burocráticas e de micro-poder atuando nas regiões periféricas da cidade.
Ao mesmo tempo, a experiência religiosa deslocou-se do catolicismo para as
religiões evangélicas, com viés pentecostal. O católico dos anos 1970 e 1980 estava
voltado para a experiência do bairro e para uma prática de solidariedade que procurava
também ser crítica em relação aos poderes instituídos. Na experiência dos evangélicos, a
solidariedade também está presente e se constitui como uma referência importante na
vida do bairro. O pensamento crítico em relação à realidade, contudo, não se coloca. O
fracasso ou o sucesso social são vistos não de forma coletiva, mas individual, e estão
relacionados diretamente a uma instância transcendente, e não à formas de poder que se
pode alterar pela mobilização coletiva.
57
O conceito é de Kowarick (1979) e refere-se ao fato de que toda a urbanização das regiões periféricas
era realizada pelos próprios moradores, que eram assim espoliados.
102
As práticas associativas, por outro lado, que estavam também ligadas a
possibilidades coletivas, passam a ser orientadas por uma lógica semelhante àquela que
gere organizações voltadas para a venda de mercadorias. As práticas associativas, a
partir dos anos 2000, são realizadas pelas organizações não governamentais, cuja
relação predominante é com os órgãos públicos que liberam seus recursos. Suas
práticas, neste sentido, estão o tempo todo orientadas, analisadas e mensuradas pelo
poder público, que também está presente, em muitos casos, como uma forma de
controle das atividades e saberes ali localizados.
O resultado destes movimentos é o que os analistas vêm chamando de
esvaziamento da política, política aqui entendida no sentido forte, como modo de estar
no mundo criticamente, de analisar e refletir e re-pensar coletivamente as possibilidades
de participação na construção do bairro, da cidade, do país.
Cidade Tiradentes nas últimas gestões municipais
Os anos do governo Luiza Erundina (1989-1992) tiveram uma coloração distinta
na Cidade Tiradentes. Experiências de gestão participativa de espaços públicos,
levantamento de um dossiê sobre problemas construtivos, e uma crescente
inadimplência marcam o período que foi também de mutirões na zona leste de São
Paulo. Muita participação social, efervescência de opiniões e fóruns de criação de
espaços coletivos. Caio Boucinhas, arquiteto, ligado à COHAB-SP à época, conta de
uma experiência de produção de jardins coletivos na Cidade Tiradentes. A experiência,
não entanto, não perdurou após o final da gestão, o que pode revelar o peso que as
ocupações cotidianas, os sofrimentos diante das respostas pouco claras do futuro, pode
ter na vida dos moradores. Por outro lado, este período foi conhecido pelos moradores
como muito difícil do ponto de vista da experiência do bairro em relação às atividades
do tráfico de drogas, cujas disputas por territórios provocavam tragédias e homicídios
freqüentes nas redondezas.
103
Os anos dos prefeitos Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000)
foram, para os moradores engajados em atividades políticas, anos de luta e resistência.
Organizados em movimentos, resistiram à expulsão de moradores de áreas ocupadas,
lutaram pela implantação de creches e de linhas de ônibus. No período em que a cidade
é gerida de uma maneira conservadora foi que o tráfico em Cidade Tiradentes se
organizou, criando um poder paralelo que mantém a ordem (ao menos do ponto de vista
das práticas ligadas ao tráfico de drogas) no bairro.
Os anos da gestão Marta Suplicy (2001-2004) foram anos de consolidação de
conquistas, como o hospital municipal, a escola técnica municipal e o centro de
educação unificado, além de espaços como a sub-prefeitura e a conquista de convênios
com entidades sociais na gestão de programas da assistência social e de experiências
com orçamento participativo. Se estas conquistas se consolidaram neste período, é
porque vinham de uma intensa organização coletiva e de representatividade em meio ao
conjunto dos trabalhadores da Cidade Tiradentes. O tráfico, por seu turno, permaneceu
como uma organização “paralela” na Cidade Tiradentes, organizando o tempo de muitas
pessoas que atuam nestas práticas e atuando muitas vezes, também, na mediação de
conflitos.
Os anos Serra-Kassab (2005-2008), por um lado, mantiveram algumas ações da
gestão anterior. Foi neste período que o CÉU Água Azul e o Hospital Municipal,
concebidos e planejados pela administração anterior, foram inaugurados. Percebe-se
uma intensa presença da prefeitura no distrito por meio do que os moradores engajados
e mais críticos chamam de “maquiagem”. As ruas são limpas, o meio fio é pintado, os
varredores estão o tempo todo pela rua. Por outro lado, outras demandas importantes,
como a demanda pela ampliação das possibilidades de trabalho, continuam reprimidas
ao longo de todas as últimas gestões, que consideram o problema um problema mais
abrangente do que as possibilidades de intervenção do poder público municipal. É por
isso que alguns analistas têm chamado o atual modelo de gestão pública de gestão da
pobreza
58
, em que o poder público lida com os efeitos de políticas econômicas mais
amplas, como o desemprego maciço. As políticas de assistência social, por exemplo,
58
O tema tem sido estudado pelos pesquisadores do CENEDIC Centro de Estudos Sobre Direitos e
Cidadania, e foi abordado por Oliveira e Rizek (2007).
104
são mantidas com convênios entre associações (ONGs) e a prefeitura, que mantém
critérios para o atendimento e sistemas de indicadores. Do ponto de vista da política
para a infância e juventude, por exemplo, em Cidade Tiradentes ONGs que realizam
atividades complementares à escola e acompanhamento de jovens em liberdade
assistida. O fôlego para o acompanhamento à família e a integração de políticas, como a
política de geração de emprego e renda, é, por outro lado, restrito. Outro exemplo é a
expansão da política de agentes comunitários de saúde no bairro que não consegue, no
entanto, obter resultados efetivos do ponto de vista da redução dos índices de gravidez
precoce indesejada, para citar apenas um exemplo, que não é dos mais trágicos (os
técnicos da área da saúde estão preocupados com a ineficiência deste atendimento em
relação ao crescimento da tuberculose no bairro, para citar outro exemplo um pouco
mais difícil). Do ponto de vista da educação, o grande desafio dos primeiros anos da
Cidade Tiradentes era universalizar o atendimento. Ao menos o ensino fundamental têm
conseguido estes índices. A evasão em relação ao ensino médio, contudo, permanece. A
escassez de políticas para esta faixa etária é agravada pela presença do tráfico de drogas
como alternativa de ganhos rápidos, status social entre os jovens e presença constante de
atividades que envolvem adrenalina, que usualmente atraem os jovens.
A gestão destas políticas é recheada decnicas de eficiência e indicadores
sociais, mas, efetivamente, talvez as soluções necessárias devessem partir de outras
vias de reflexão e atuação. Esta crítica está presente no campo acadêmico com
freqüência, na análise do esvaziamento do campo da política:
“É no vazio da política que a violência e a gestão das
populações se instalam e produzem a ausência do mundo partilhado
como referência de estar no mundo: substituem os espaços públicos
por estratégias de autolegitimação, ao nos convencer de que, diante de
nossa urgência, o conhecimento especializado de técnicas e fórmulas
de intervenção está para resolver os problemas com eficácia e nos
proteger do incerto. O que eles configuram, no entanto, é um modo de
gestão da vida coletiva que faz repetir, mais uma vez, o bloqueio dos
caminhos que podem revitalizar o impulso das idéias e ações
democráticas, ou seja, a política.” Paoli, (2007, p. 226)
Aparentemente, a atuação das administrações municipais que intervêm no
cotidiano de carências e inseguranças da população pobre por meio de programas e
105
projetos, é impotente diante da lógica das políticas macro-econômicas que são
responsáveis pela manutenção das desigualdades. Um campo alternativo de atuação
deveria supor a capacidade da população, que é entendida como “clientela”, promover
os seus direitos de cidadania por meio da participação efetiva nas políticas e na
possibilidade de repensar até mesmo as políticas federativas.
A participação na Cidade Tiradentes é grande. mais de trezentas
organizações não governamentais e associativas na região
59
. Contudo, sua atuação não
dá conta de produzir alternativas de gestão dos recursos públicos, mas ao contrário, está
atrelada aos recursos orientados. São associações conveniadas ou contratadas pela
prefeitura, cujas intervenções são projetos e programas baseados na técnica de gestão
social, segundo a qual o conflito deve ser apaziguado, e as respostas às questões deixam
o campo aberto da invenção política para se tornarem técnicas que acabam por substituir
a ão e a reflexão políticas. Paoli (2007). É por isso que uma das leituras possíveis da
relação entre Estado e cidadãos na atualidade situa-se no campo da assistência, e não do
reconhecimento de direitos.
Breves considerações sobre o fenômeno da violência em Cidade
Tiradentes
Além da violência simbólica que o cidadão sofre nesta lógica de gestão dos
serviços públicos, não raro tendo que passar por episódios em que servidores públicos
usam de seu micro-poder para humilhá-los publicamente e obscurecer seus direitos, os
cidadãos do bairro confrontam-se com uma sombra provocada por agentes conhecidos
como traficantes.
A história do tráfico em Cidade Tiradentes remonta às origens do bairro. Nos
primeiros anos de urbanização, a violência em realidade estava associada aos freqüentes
assaltos aos próprios moradores. Assaltos na rua (em que se levava o dinheiro da
condução e, às vezes, o dinheiro do pagamento) invasões de casas, roubo de roupas no
59
Segundo pesquisa Ferreira (2009).
106
varal, eletrodomésticos dentro das casas. A partir dos anos 1990 as queixas passam a se
referir a inúmeros homicídios praticados em torno da disputa por “bocas de fumo”
(pontos de vendas de drogas). O bairro fica conhecido como um dos mais violentos da
cidade, e é estigmatizado. Esta situação durou anos e alguns moradores interpretam que
foi parte do processo de construção da organização PCC – Primeiro Comando da
Capital, uma extensa rede de traficantes e assaltantes de bancos que passou a organizar
as atividades criminosas na cidade. A partir dos anos 2000, o PCC torna-se hegemônico
na Cidade Tiradentes, e os homicídios cessam. A organização institui um rigoroso
código de conduta que proíbe, por exemplo, o assalto a moradores da Cidade
Tiradentes. As “bocas de fumo” são gerenciadas por integrantes da organização e estão
submetidas a uma mesma liderança. Com a conquista de território, os embates entre
traficantes cessaram. Os moradores avaliam este processo como um ganho para a vida
do bairro, pois trouxe a todos a sensação de segurança e paz (que está relacionada a uma
autoridade claramente reconhecida). Esta autoridade, no entanto, está contrária as leis
do município e do país, o que não significa que não seja legitimada localmente e mesmo
que mantenha relações com as autoridades policiais para manter o seu domínio,
baseadas na destinação de recursos a parte da polícia.
O tráfico está na cotidianeidade dos moradores. No setor G, por exemplo,
(ocupação originada pela criação de um alojamento para moradores expulsos pela
Operação Faria Lima), moradores avaliam que ao menos 50% de quem vive ali está, de
alguma forma, envolvido com o tráfico, seja participando ativamente nas funções, seja
oferecendo esconderijos para as armas em suas casas. Mesmo distante do setor G, nos
edifícios, muitos moradores compram produtos roubados por preços menores aos
praticados nas lojas.
Aqueles que ascendem no tráfico passam a ter poder reconhecido pelos
moradores e são muitas vezes chamados como mediadores em situações conflituosas em
momentos em que se entende que a polícia não seria tão eficiente. Foi o caso de uma
briga relatada no edifício em que se realizou a pesquisa, iniciada por uma divergência
em relação ao volume do aparelho de som, que evoluiu para um enfrentamento com
faca. O “general” do PCC foi chamado para apaziguar os ânimos e dar um
encaminhamento à situação, que não teve maiores conseqüências.
107
Nem todos os moradores acorrem aos membros do poder paralelo. O discurso
mais comum revela um desejo de distanciamento, acompanhado de um respeito à
autoridade legítima “eu e eles lá”. Mesmo nestes casos, todos os integrantes do
“movimento” são conhecidos e reconhecidos. Não como ficar alheado ao que ocorre
à volta.
Como pesquisadora, a autora não chegou a conhecer ou identificar nenhuma
pessoa associada diretamente a atividades criminosas, ao tráfico ou ao PCC. Numa
ocasião em campo, entretanto fui informada de que o comandante” do PCC sabia de
minha presença e das atividades que eu realizava no bairro. Em nenhum momento, no
entanto, cheguei a ser inquirida ou questionada acerca de minha presença por ali e de
minha pesquisa. Quando muito um morador que trabalha num órgão policial esquivou-
se por inúmeras vezes de minha presença, negando-se a ser entrevistado, sem dar muitas
justificativas.
A violência é um assunto que perpassa o tecido urbano e está presente na Cidade
Tiradentes, no discurso e na prática. Ela surgiu em quase todas as conversas em campo.
Na conversa com a primeira síndica entrevistada em Cidade Tiradentes foi o tema
central. As atividades ligadas ao tráfico são um tema presente, mas não muito
esclarecido, seja porque ele é realmente desconhecido pelos moradores, que mantém-se
à distância, seja por cautela e precaução. O tráfico permanece numa zona de sombra
60
,
algo com o que os moradores têm de lidar, mesmo sem querer. Às vezes ao interpelados
diretamente pelos problemas causados pelo tráfico, como no caso da primeira síndica
entrevistada, que relata casos de ocupação de apartamentos vazios no edifício em que
atuava e morava, às vezes são instados a evitar locais e momentos no bairro para evitar
os traficantes.
O tráfico e o crime organizado são uma constante a partir da década de 1990 não
apenas em Cidade Tiradentes, mas em todas as periferias paulistanas e cariocas, pelo
menos
61
. O tráfico está imbricado no cotidiano dos moradores não por estar
espacialmente próximo, mas por estar próximo em termos dos vínculos, já que a grande
60
A expressão, bastante usada por Telles (2007), é de Agamben (2007).
61
Para uma leitura do fenômeno da violência nas periferias paulistanas ver Telles (2007).
108
parte dos membros do crime organizado são pessoas do bairro, que cresceram e foram
criados nos bairros. Todos os jovens entrevistados têm amigos, companheiros de escola
fundamental, ligados ao “movimento”. Todos os pais ou mães conhecem alguma
história trágica envolvendo filhos de conhecidos. O grande desafio, para os pais, é criar
os filhos ao largo dos riscos da atividade criminosa. Mas, objetivamente, os laços que os
jovens têm entre si e suas escolhas muitas vezes escapam às possibilidades de atuação
dos pais. Esta senda, embora não tenha sido objeto da pesquisa, é um aspecto
relacionado à forma como as práticas urbanas se concretizam, às dinâmicas de acesso
aos espaços e de interdições espaciais, e às representações que se faz do outro.
Não é apenas dentro do crime organizado, no entanto, que a violência ganha
visibilidade e acontece. Assassinatos em brigas são também presentes nos relatos dos
moradores e evidenciam um aspecto de banalização da vida que perpassa o tecido
social, não apenas na Cidade Tiradentes, mas em todas as grandes cidades do país. Em
Cidade Tiradentes, durante a pesquisa de campo, houve um episódio de violência
envolvendo um homicídio. O relato a seguir é trecho do diário de campo produzido na
ocasião:
No dia seguinte à madrugada do crime o ambiente
estava um pouco mais tenso e silencioso do que nos
domingos anteriores e os moradores expressavam ares de
preocupação e discursos de distanciamento em relação ao
que ocorrera. O consenso geral era de que o homem de
alguma forma procurara “encrenca”. O código moral
presente nos discursos dava conta de justificá-lo de
alguma maneira pelo comportamento do assassinado, que
cometera adultério.
O assassinato ocorrera ao lado do edifício da pesquisa, e a vítima era conhecida
dos moradores. O clima era de incômodo, e a necessidade de elaboração passava por
uma maneira de compreender o ocorrido, atribuindo significados que fazem sentido à
vivência compartilhada, o casamento e seus valores. Colocado dentro deste contexto, o
ocorrido passou, deixou de fazer parte das conversas comigo, ao menos. Em seu lugar,
109
voltaram as conversas sobre os problemas associados ao condomínio, as críticas à
síndica, as conquistas ou desilusões profissionais, as preocupações com os filhos. A
violência é tolerada porque as formas de dirimi-la escapam às possibilidades cotidianas.
Esquivando-se dela pelo distanciamento ou tendo uma relação transcendente com as
práticas religiosas, as ocupações primordiais são as interpelações do cotidiano, e nelas o
trabalho é irremediavelmente o ponto mais forte, mesmo na vida de quem está distante
da formalização e não aparece nas estatísticas.
A experiência do condomínio na Cidade Tiradentes: a visão da síndica
O espaço coletivo é um lugar de passagem. Ao mesmo tempo, é um lugar de
parada. É um lugar de troca e de elaboração do cotidiano. Ali não se ganha a vida, como
no ambiente de trabalho. Ali, tampouco, se descansa (como em casa), ou se entende que
se têm obrigações (como no trabalho e em casa). Ali não se transcende (como na igreja)
e não se brinca (a não ser as crianças, sempre criando formas de tornar dicos os mais
insípidos ambientes).
110
O espaço coletivo é o lugar do outro, daquele que se respeita, ou que se
despreza, mas cujo direito de estar ali (em geral) é respeitado. É o lugar da
solidariedade, é o lugar em que se constrói o discurso de proximidade ou de
distanciamento. É o lugar em que se constrói (ou não) a noção da coletividade. É um
lugar em que providências são demandadas, e este é o ponto central do espaço coletivo.
Alguém precisa limpar o espaço coletivo, alguém precisa dividir a conta da água,
alguém precisa cotar os preços para uma reforma. Este alguém é alguém que represente
a todos, que aparentemente neutralize as diferenças entre todos os moradores, mas que,
sobretudo, aja em prol do espaço coletivo. Este alguém é o síndico. Ou, no caso
estudado, a síndica.
Figura presente em estruturas condominiais em edifícios de luxo, em edifícios de
classe média e em conjuntos populares, o síndico é alguém a quem se recorre para a
resolução de problemas de toda a ordem: problemas de infra-estrutura, tensões de
relacionamento. A ele são ditos os incômodos da vida em condomínio e os aspectos que
se materializam nas tensões das relações de vizinhança. Em alguns espaços, ele é
também a figura que agrega, que organiza algum evento comemorativo. No caso
estudado em Cidade Tiradentes, não espaço para festa, mas para a mercantilização
das relações: quanto se paga pelo condomínio, pela taxa de obra, pela água, o que revela
aquilo que se tem em comum, a equivalência da situação de trabalho, a preocupação
constante com o ganha-pão.
111
Alguns condomínios em Cidade Tiradentes entendem que o síndico dedica-se a
atividades pelo bem de todos e que sua função tem o direito de ser remunerada. Outros
condomínios não são orientados por este reconhecimento. Nestes, o síndico (ou a
síndica), é quase um missionário.
Este é o caso de Adriana, a primeira síndica entrevistada na Cidade Tiradentes.
Adriana é uma mulher de meia-idade, às voltas com suas responsabilidades familiares e
a criação de dois filhos casada, mas afirma não poder contar com o apoio do marido,
“enrolado” em questões de trabalho e sobrevivência). Adriana nasceu em Santos, mas
passou sua infância em Sergipe, com a mãe e a avó. Seu pai trabalhava em Santos e ia
esporadicamente para Sergipe. Adriana veio a São Paulo com 16 anos para trabalhar e
estudar. Em Sergipe ela estudava, mas quando seu pai ficou doente ela precisou sair da
escola. A possibilidade de estudar, para ela, estava associada a São Paulo, em que a
possibilidade de conciliar trabalho e estudos parecia-lhe mais promissora.
Em São Paulo ela trabalhou como empregada doméstica e como caixa de
supermercado, vivendo em casa de parentes, até conhecer seu marido. Casada, foi morar
na casa da sogra e trabalhar com vendas de Yakult.
62
Quando foi chamada para ocupar
seu apartamento na COHAB-SP (ela estava inscrita desde alguns anos antes), ela
trabalhava em Interlagos. Fez a opção de manter-se no trabalho por seis meses,
convivendo com um deslocamento cotidiano entre Interlagos e Cidade Tiradentes.
“Eu to falando que, quando eu vim né, nisso, é,
realmente eu achei muito distante e eu fiquei passando
praticamente mal assim. Eu fiquei assim adoentada,
porque às vezes quando alagava a avenida Interlagos,
né, enchia d´água e eu não conseguia atravessar, às vezes
eu chegava aqui, tomava banho e voltava. Eu chegava
praticamente 3 horas, 4 horas da manhã, tinha um ônibus
que trazia a turma de manhã, né, e tomava banho e
62
A comercialização de Yakult, uma espécie de bebida derivada do leite, acontece por meio de uma rede
de vendedoras de rua ligadas a coordenações regionais nos bairros. . O trabalho de porta em porta que
configura a extensão de vendas de empresas como Yakult e Avon, é bastante comum entre a população de
baixa renda. Configura um trabalho sem vínculo empregatício, em que a remuneração é realizada por
comissão pelas vendas. As trabalhadoras (geralmente são mulheres), devem organizar seu próprio
trabalho. Em ambos os casos uma coordenação que é necessária ser seguida, formada por vendedoras
mais experientes.
112
voltava novamente trabalhar, isso pra mim foi assim
dava muito cansaço. Ah, mas eu falei, vou guentar porque
eu tinha que assinar, eu tinha que trabalhar pra poder
assinar o contrato daqui. Por seis meses eu tinha que ter
holerite, tinha que ter tudo direitinho, né, eu guentei os
6 meses.”
No discurso de Adriana, como no de outras mulheres trabalhadoras, o drama de
passar os dias trabalhando é a perda de contato com os filhos. No seu relato, ela põe a
questão da seguinte forma: manter o contato com os filhos ou manter um padrão de
consumo acima da média da vizinhança para eles, como compensação. Esta segunda
alternativa implicaria em maiores conseqüências para eles, ela avaliou, e parou de
trabalhar na zona sul, buscando atividades que fossem mais flexíveis do ponto de vista
do horário de trabalho.
“Acabei saindo [do trabalho], mas saí mais por
causa dos meus filhos mesmo, eu tracei um objetivo na
minha vida que eu só ia, tá, voltá a trabalhar quando
meus filhos tivesse grande e que tivesse com uma cabeça
boa e que tivesse segurança que não era mais perigoso
pra ele, por causa do local onde eu trab..., onde eu moro,
né, eu não conhecia ninguém, então esse objetivo eu tracei
na minha vida , eu falei eu vou, vou voltar a trabalhar
agora quando meus filhos crescer, trabalhar o quê
resistrado, é lógico que eu vou procurar um meio de
sobrevivência sem ser assim o dia todo pra poder ficar
perto deles. que é que eu fiz, fui vender lingerie, fui
vender hot dog, mini-pizza, mas assim, eu, eles estudavam
de manhã, né, eu ia trabalhar de manhã. Eles voltavam à
tarde, eu voltava também. Mesmo algumas horas...Eu saía
pra alguma coisa,sempre estava de olho neles,mas foi um
objetivo que eu tracei na minha vida mesmo.Aí quando
meus,agora meu filho ficou com 17 anos,eu voltei,17,ele tá
com 18, então faz 3 anos que voltei [a trabalhar].”
113
Adriana tornou-se agente comunitária de saúde, atividade ligada à Prefeitura
Municipal de São Paulo, em 2003. Esta sua alternativa de trabalhar no bairro pode ser
compreendida a partir do desdobramento de sua atividade como ndica, que ela
começou a desenvolver logo ao parar de trabalhar na zona sul. Como síndica e como
moradora local, Adriana passou a se envolver com as questões do bairro.
Ela começou a se envolver com as questões do edifício quando ficou em casa
trabalhando, como “viradora” (vendendo salgados). Por outro lado, sua experiência no
mundo do trabalho foi importante para dar a ela uma visão de racionalidade econômica
que ela usou na gestão do edifício. Seu envolvimento nas questões condominiais surgiu
quando uma conta de água do prédio estava atrasada e ela chamou os moradores para
conversar. O consenso dos moradores foi identificá-la como alguém que tomaria conta
das questões coletivas.
O espaço coletivo pode ser o lugar de organização da vida coletiva, ou pode ser
simplesmente o lugar de encontro em que estas questões coletivas não são organizadas
de forma clara. Quando um processo de organização se inicia, são chamadas reuniões e
assembléias, atividades que mobilizam parte dos moradores.
No relato de Adriana, bem como na visão comum sobre as questões
condominiais no edifício pesquisado em Cidade Tiradentes, os moradores omitem-se
das questões coletivas. Esta omissão parte do entendimento de que, de alguma forma,
alguém é mais responsável, ou está mais preparado, para cuidar do que concerne a
todos. Ou então, do entendimento de que aquilo tudo não é tão importante quanto as
questões privadas ou públicas com as quais se têm de lidar cotidianamente. De um ou
de outro jeito, nos dois casos em que a atuação das síndicas foi relatada, houve um
momento de tomada para si de uma responsabilidade entendida como coletiva.
A primeira providência tomada pelo coletivo, nos dois casos, é coletar o dinheiro
e pagar as contas, negociar os atrasados e organizar a emissão de boletos, a conta que
cabe a cada um. No caso de Adriana, este processo envolveu a legalização da situação
jurídica do condomínio, pois, quando ela assumiu, o condomínio não era pessoa
jurídica. Ela usava sua própria conta corrente para movimentar as contas do prédio. Por
outro lado, Adriana tinha medo de ser assaltada ao receber o dinheiro dos moradores
114
para pagar as contas do edifício. Ela mobilizou os conhecimentos adquiridos durante o
período de trabalho com Yakult e implementou uma prática de pagamento via boleto
bancário, o que ressalta a importância da experiência no mundo público para a
organização coletiva. A experiência do trabalho possibilita uma rede social e de práticas
que promovem a qualificação dos trabalhadores, quando eles apropriam-se de práticas
administrativas ou de gestão, por exemplo.
“pra abrir essa,conta foi difícil porque, na época,
era 15 reais,o condomínio,e banco nenhum aceita.
(...)Muito baixo,num aceitava.E eu tinha tesoureira que
ela falou assim ,ah,eu tenho conta no Bradesco lá na
Rebouças,aí eu comecei a andar em tudo quanto é
banco,ninguém aceitava,mas é assim eu abro uma
poupança,falei poupança eu não quero por débito
automático da água e da luz e movimentar a conta com
cheque.Aí não,só se for poupança,e andando.Quando eu
cheguei na,nessa agência que ,a Nádia,chamava
Nádia,a tesoureira me apresentou pro gerente,ele era
novinho,um rapaz bem novinho,ai eu até hoje eu rio,eu dei
uma de doida lá,acho que eu tava tão nervosa,sabe,de
tanto levar não do gerente,quando eu cheguei ele falou
assim,olha não tenho condições,quem vai me garantir que
essas pessoas vão depositar o dinheiro numa conta pra
senhora pondo débito automático da água e luz,quem
vai me garantir?É muito baixo esse valor.Aí,eu falei
assim,eu garanto pra você e eu vou dar um jeito.Ele
falou,não tenho condições,ai eu falei assim,”o senhor
sabia que eu to passando perigo de vida?”,foi
automático,sabe ,aquele desespero,o senhor sabia quantos
bandidos têm onde eu moro?”Cê sabia que eles podem
ir na minha casa,eu tenho 2 filhos e eu mesmo
morrer,porque ele mesmo vão pagar condomínio pra
mim,depois eles mesmo podem ir buscar.Eu quero uma
conta pra guardar esse dinheiro pra não ficar na minha
mão,pra eu ,__,pra eu livrar minha vida,pra pagar as
contas pra eu não ficar movimentando.O senhor teve idéia
de eu sair de Tiradentes,cê tem idéia onde é
Tiradentes?Não senhora.Então,já pensou eu saindo com
dinheiro de lá pra pagar a conta.Pois ai,eu,sei lá,sabe
quando sai?Eu olhei pra ele assim e ainda ri,e se
acontecer alguma coisa comigo o senhor vai ser um dos
responsáveis porque o senhor negando de abrir uma
conta pra mim pra eu guardar um dinheiro porque eu
acho que eu sou uma cidadã e tenho direito.E ele assim,eu
acho que eu falei de uma maneira assim que,ele olhou
assim pra mim,eu lembro como se fosse hoje,ele pegou os
115
papéis e bateu assim em cima da mesa né,começou a rir.
(...) .Ai que que eu fazia,como na Yakult eu recebia tudo
com depósito,eu não mexia com dinheiro,foi isso que eu
expliquei pra ele,eu num,na Yakult não se lida com
dinheiro,se lida com deposito,né,você vem pagar sua
conta com depósito.Então eu implantei no prédio.Vinha
todo mundo pagar pra mim na minha porta,mas com um
comprovante de banco,não com dinheiro.”
Na ocasião da entrevista, Adriana não recebia salário pela função de síndica,
embora fosse isenta da taxa de condomínio. A equipe era composta por Adriana, um
secretário e um subsíndico. A atividade de gestão condominial foi relatada por Adriana
como desgastante. Sua atuação, entretanto, passa a ganhar um espaço que acomoda as
relações no espaço coletivo. É por isso que o afastamento é tão difícil. Adriana tentou
afastar-se, mas sentiu-se compelida a manter a posição pois ninguém assumiu em seu
lugar. Ela voltou a se ocupar das contas do prédio. Neste retorno, fez um levantamento
dos pagamentos das taxas condominiais nos anos em que esteve fora e encontrou um
déficit de R$ 22.000,00. Trata-se de um dinheiro que poderia ter sido aplicado em
benfeitorias do prédio, mas não foi efetivamente.
Períodos longos sem acompanhamento não significam ausência de
acontecimentos, mas, por vezes, podem significar a atenção voltada para outros eventos.
As famílias ficam às voltas com suas questões próprias e muitas vezes a gestão do
espaço coletivo não é entendida como prioritária se não houver uma figura claramente
responsável pelas atividades de cobrança e prestação de contas.
A conta de água no prédio de Adriana foi individualizada, ou seja, cada família
paga sua própria conta e a punição para o não pagamento é o corte do abastecimento da
família. As contas de luz e água coletivas aos espaços comuns são pagas junto à taxa de
faxina, na taxa de condomínio. Adriana instituiu um fundo para cobrir eventuais
descompassos ou imprevistos, com recursos do próprio condomínio. É uma ação
tomada individualmente como prevenção de futuros problemas além de ser em parte, do
conhecimento de planejamento e gestão que se adquire durante a experiência
profissional.
116
A opção pela conta de água individualizada foi tomada após longos e difíceis
processos de cortes no abastecimento. A manutenção do pagamento individual de uma
conta coletiva não garante a continuidade do abastecimento, pois, se todos não pagarem,
não dinheiro em caixa para efetuar o pagamento da conta. O corte é inevitável.
Moradores dos embriões identificam este como o maior problema condominial: contas
coletivas. Com a individualização das contas e a instalação de um relógio em cada
apartamento, cada família responsabiliza-se pela continuidade do próprio
abastecimento.
Relógio de água na entrada de apartamento.
Moradores antigos, como Adriana, conhecem todos no prédio. Sabem da
situação familiar (quem está desempregado, quem está trabalhando, quem está casado e
quem está separado, quem é ligado ao tráfico ou não) e sabem dos contratos de gaveta.
Sabem quem deixa o prédio para uma situação melhor ou quem deixa o prédio para
morar numa favela, por exemplo. Em sua posição de síndica, ela conhece todos os
apartamentos e sua situação, se são alugados ou comprados, e quem tem contrato direto
com a COHAB-SP. Não são informações que ela passe à COHAB-SP, por exemplo. Ela
é uma moradora como outra qualquer, e sua relação com a COHAB-SP é praticamente a
mesma de todos os outros moradores, à exceção de que ela pode ter um contato direto
para situações emergenciais, como foi o caso da ocupação de apartamentos vazios por
pessoas ligadas ao tráfico no seu prédio.
117
Nestes casos, o que se depreende é que a COHAB-SP não mantém
procedimentos padronizados, mas atua caso a caso. Esta atuação é resultado das
mudanças de critério e de políticas quando das mudanças de gestão. Por exemplo,
durante as gestões Maluf e Pitta, houve recorrentes ações de reintegração de posse de
apartamentos inadimplentes. Estes apartamentos, no entanto, não foram prontamente
ocupados por novos mutuários, o que os manteve vazios. Foi neste ínterim que foram
ocupados pelos traficantes, que arrombaram a porta e passaram a usá-los como espaços
de “boca de fumo” ou simplesmente como local de estar, como meio de fazer dinheiro
pela venda de janelas, vasos sanitários.
Foi o maior desafio de Adriana como síndica. Um dos traficantes era conhecido
de Adriana desde menino. Ela precisava tirá-los do prédio para manter a sensação de
segurança em relação aos demais moradores, que a pressionavam, mas sentia-se
ameaçada pela situação. Afinal ela procurou a COHAB-SP, que expulsou os traficantes
com o apoio da polícia.
Este episódio ilustra a atuação da COHAB-SP. Se, por um lado, ela foi
responsável pela produção de um bairro inteiro, por outro lado, ela manteve-se distante
em muitos aspectos. Como foi relatado, houve experiências de fomento às ações
coletivas, como na gestão Erundina. Em outros anos, ela esteve presente apenas com o
posto de apoio, que simplesmente encaminhava os moradores com dúvidas em relação
aos contratos e financiamentos à sede da COHAB-SP, no centro de São Paulo, em que
seus casos eram analisados individualmente, a partir de critérios variáveis em função de
quem fosse a administração. Em outros anos, ela atuou incisivamente buscando
reintegrações de posse, como já foi citado. Em outros anos, ela concedeu anistias a parte
dos mutuários (como na gestão Marta Suplicy). A COHAB-SP não mantém registros
dos moradores originais, nem banco de dados da situação sócio-econômica. Sua atuação
no momento atual é na definição de critérios de cobrança para as prestações. Por outro
lado, não se espera que o valor das obras do empreendimento seja quitado por meio dos
mutuários. A dívida da COHAB-SP com a Caixa Econômica Federal, que financiou a
obra, já foi paga. Os acertos agora são entre mutuários e COHAB-SP
63
.
63
Informação obtida junto à funcionária da COHAB-SP.
118
Durante a pesquisa, a atuação da COHAB-SP foi pouco evidente.
Aparentemente, reina a informalidade ao largo das regras do financiamento dos
conjuntos: comércio em local que não poderia existir, na informalidade, negociações de
apartamentos e garagens que não poderiam existir. No caso das negociações dos
apartamentos usualmente procura-se o órgão para obter o aval. “Basta fazer um contrato
em cartório que ele será reconhecido”, dizem os moradores. E geralmente o novo
mutuário passa a receber seu carnê, se fizer o movimento de procurar a COHAB-SP. Ao
procurar o posto de atendimento para saber de regras de financiamento obtive a resposta
de que as regras ainda não haviam sido definidas.
Embora seja pouco evidente no cotidiano, a COHAB-SP é como uma sombra
para muitos moradores, pois a mudança dos critérios de financiamento e a atuação para
a reintegração de posse, por exemplo, das garagens (com a supressão dos espaços
comerciais), pode vir a acontecer em qualquer momento.
De toda forma, a atuação na gestão Maluf-Pitta ( ) evidencia a pouca
compreensão da dinâmica do bairro e das conseqüências da atuação no espaço. Esta
atuação pode ser entendida como um movimento de legitimação da máquina-estatal
diante da opinião pública, mas que não é solução para as contradições vivenciadas na
periferia e suprime a política ao agir com violência institucional
64
. (Paoli, 2007).
Empreender um conjunto habitacional poderia ser sinônimo de compartilhar a
gestão e integrar políticas públicas, a partir do entendimento de que a moradia é apenas
um dos aspectos dos direitos sociais dos cidadãos. A política habitacional, ao contrário,
é vista e tratada como uma política entre outras, em que as práticas não são mantidas e
registradas, e os critérios de atuação são indefinidos.
64
“Quando esse tipo de exibição das virtudes governamentais no mar da necessidade extrema, como
no caso das inúmeras tragédias violentas na paisagem das cidades brasileiras, o próprio caráter pré-
interpretado do acontecimento como um sintoma’ engendra fantasmas que aprofundam preconceitos e
medos, mas sobretudo a própria indistinção entre o falso e o verdadeiro na vida social e política.
PAOLI (2007, p. 227).
119
No rés-do-chão da realidade cotidiana o mediador (no caso, a síndica) situa-se
entre a sua posição de identidade com os moradores e entre a posição de violência
institucional da máquina pública, posição que a coloca em risco.
No depoimento de Adriana, ela deixa entrever ainda o acirramento da
contradição de sua posição. Um ex-morador do prédio saiu da cadeia e procurou-a em
busca de um lugar para morar. Ele crescera no prédio e retornava após 8 anos na cadeia.
Adriana ofereceu-lhe o apartamento vazio, mas a COHAB-SP apareceu para expulsá-lo.
Adriana estava na posição de uma liderança que institui acordos locais, mas eles não são
legítimos do ponto de vista da COHAB-SP. Se a COHAB-SP se manteve ausente em
muitos momentos, ela surgiu para deixar Adriana numa posição de risco, pois
aparentemente ela seria a pessoa com o contato com a COHAB-SP que teria chamado a
entidade para expulsar o morador. Adriana conseguiu convencer o rapaz de que não
tinha sido ela a chamar a COHAB-SP. O jovem e seus amigos passaram, então, a
ameaçar o funcionário da COHAB-SP. Agora Adriana era protegida pelo tráfico e
ameaçada pela COHAB-SP.
No caso anterior, ela aliara-se à COHAB-SP para expulsar os traficantes. As
negociações são, portanto, circunstanciais. A compreensão do lícito e o ilícito não
podem ser essencializados. As fronteiras são tênues e móveis.
O segundo episódio que Adriana conta terminou de forma trágica, com o
suicídio do rapaz e o incêndio do apartamento, provocado pelos traficantes. A situação
apenas pôde ser amenizada com a prisão dos traficantes, quando Adriana pôde reformar
o local, junto com uma pessoa interessada em morar no apartamento, com o fundo de
obras do prédio.
Adriana, eleita síndica, colocou-se numa posição entre a conivência e a
repressão, a depender do momento e das forças que ela tinha a seu lado ou ao lado dos
traficantes. Quando teve a COHAB ao seu lado, ela entrou em um apartamento
abandonado invadido pelos traficantes. Quando estava sozinha, enfrentou pessoalmente
o traficante, mas sem pedir apoio da polícia. A denúncia significa represália imediata, e,
por isso, todos temem denunciar quem se envolve com o tráfico ou com o crime
organizado. A postura de Adriana mobiliza afetos, posturas que oscilam entre a rigidez
120
e a flexibilidade e fazem com que o seu próprio projeto de vida oriente-se nesta fímbria
entre o legal e o ilegal. Como os estudos recentes têm demonstrado, mais do que uma
clara oposição entre legalidade e ilegalidade o que se vive em cidades como São Paulo -
tanto do ponto de vista da regulação urbana e fundiária - quanto do ponto de vista do
trabalho é um emaranhamento entre o lícito e o ilícito, o legal e o ilegal.
65
Esta convivência entre ilegalidade e legalidade transpassa todas as questões da
vida em Cidade Tiradentes. A começar pela ação do próprio estado, produtor de
irregularidade ao construir num local sem a regularização fundiária.
66
No que tange à
relação com a COHAB-SP, ela é evidenciada pelos altos índices de inadimplência,
geralmente sem conseqüências, e pela trangressão da norma de uso dos apartamentos
como espaços estritamente residenciais.
Beneficiários de política de habitação, a inadimplência junto à COHAB-SP
chega a 60%, de acordo com dados Associação Brasileira de COHAB´s. O uso do
prédio para atividades comerciais não é permitido por lei, mas amplamente usual.
Mesmo porque a ausência desta ação significaria ausência do comércio mínimo dentro
do distrito, uma vez que todas as terras são da COHAB-SP e problemas de
regularização fundiária em todo o distrito. Com o tráfico e com o crime organizado não
poderia ser diferente. Em determinadas situações da vida um indivíduo pode ser
conivente com o tráfico, ou por medo da represália ou por se beneficiar de alguma
vantagem, como proteção ou vantagens pecuniárias. O entendimento da legalidade ou o
entendimento do que é cito advém da força das circunstâncias, do temor ou da
proteção que se tenha em relação ao grupo que “comanda” o tráfico na região.
65
Como em Telles (2006).
66
Silva (2004).
121
Um percurso etnográfico
O olhar etnográfico desta dissertação fotografa momentos de muitas indas e
vindas zona leste adentro, e, ao escrever, percebo as transformações na percepção do
espaço construído, as leituras espaciais, o crescente tomar contato e aproximar-se de
uma realidade que era tão nova alguns anos e que passa a fazer parte da cartografia
da cidade de que hoje disponho.
A extensão do bairro parecia menos explorável do que os bairros pequenos das
periferias por onde eu andara. Éramos uma equipe
67
, e dispúnhamos de contatos cuja
memória original das suas conexões com a vida dos coordenadores já me escapa.
Cidade Tiradentes era longe, e imensa. Cada morador entrevistado pela equipe era um
mundo novo: movimentos políticos combativos, relação com o universo dos perueiros,
vida operária quebrantada pela reestruturação produtiva. Por outros caminhos passei, e
quando retornei à Cidade Tiradentes o bairro já não parecia tão longe, e nem tão
indecifráveis as suas histórias.
Chega-se a Cidade Tiradentes pela Estrada do Iguatemi, desaguadouro da
Avenida Ragueb Choffi, que por sua vez “nasce” no final da Avenida Aricanduva. Do
centro à Cidade Tiradentes, de carro, sem trânsito (num domingo, digamos), chega-se
em uma hora e meia.
A Avenida Aricanduva abriga um grande shopping center da zona leste. Ao
longo dos seus muitos quilômetros, da Penha até Itaquera, o olhar se acostuma com os
grandes supermercados, grandes concessionárias, grandes centros automotivos
(consertos, peças de todas as naturezas), grandes lojas de móveis e de eletrodomésticos,
postos de gasolina, grandes igrejas, alguns bancos e algumas fábricas. Na Ragueb
67
Neste parágrafo relato brevemente minha participação na pesquisa "“Mobilidades urbanas e trajetórias
sociais: trabalho, moradia e mobilidade cotidiana”, coordenada por Vera Telles (CENEDIC) e Robert
Cabanes (IRD-Fr). Os resultados da pesquisa foram elaborados em Telles (2006).
122
Choffi o comércio é parecido, embora o porte seja menor. Ali estão concentrados
depósitos de materiais de construção e vidraçarias, lojas de móveis e eletrodomésticos,
lojas para carros, um posto de gasolina, concessionárias pequenas, supermercados, e
também lojas de roupas, açougues. Os “últimos” bancos da zona leste também ficam
por ali. Na Estrada do Iguatemi o comércio é de outra natureza: olarias, ferros-velhos,
borracharias, mecânicos e auto-elétricos. Neste entorno o aspecto é rural, algumas
casas em ambientes rurais e, num terreno mais extenso, uma favela.
Estrada do Iguatemi.
Aprendi a identificar a chegada a Cidade Tiradentes com a referência do
supermercado “Negreiros”, o maior supermercado da região, dentro do qual situa-se a
sub-prefeitura de Cidade Tiradentes. Dali num instante chega-se à Avenida Souza
Ramos, cujo maior ponto de referência é a Igreja Universal do Reino de Deus, em
direção ao Terminal de Ônibus da Cidade Tiradentes em cuja entrada situa-se o
supermercado Barateiro. Estes comércios estão regularizados, segundo o engenheiro da
sub-prefeitura.
Mais uma caminhada em ruas de morros, vendo edifícios de apartamentos,
embriões e comércio em garagens e chegamos ao edifício em que foi realizada a
pesquisa. O percurso a acostuma ao ambiente, e o olhar para os edifícios e para o
comércio popular deixa de ser tão estrangeiro. Aos poucos a convivência com o campo
é um hábito. Chama a atenção o odor desagradável de esgoto que surge inevitavelmente
em algumas ruas.
123
Tanto aos finais de semana quanto durante a semana Cidade Tiradentes está
cheia. movimento no comércio, durante a semana e, nas ruas e bares, aos finais de
semana. Em virtude da sua característica de distanciamento do resto da cidade, o bairro
tem uma vida própria, em que pese o grande número de moradores que se deslocam
cotidianamente para as regiões centrais para trabalhar. Durante a semana o movimento é
de crianças que vão à escola e de pessoas atarefadas com suas atividades cotidianas.
Aos finais de semana, jovens passeiam de carro ouvindo funks.
O edifício é uma das tipologias mais comuns na Cidade Tiradentes - 5
pavimentos e 3 escadarias, com apartamentos cuja área total equivale a 38,62m² (sendo
34,62m² de área útil e 4,00m² de área comum). De acordo com o relato dos moradores,
sua construção data do início dos anos 1980. Cheguei a ele por meio de um morador que
era conhecido da pesquisa anterior (nota 67), um jovem engajado numa ONG e
recém-casado. Ele me apresentou à síndica, Ilda, a quem conheci sabendo que era
também, como a família deste jovem, militante do partido dos trabalhadores.
Evidentemente é mais confortável entrar num edifício para visitar algum
conhecido. Os portões de entrada dos edifícios, no entanto, são quase todos abertos. Não
porteiros. Pelo hábito, descobre-se o nome das escadarias que identificam os
apartamentos: A, B e C. Geralmente, sobretudo aos finais de semana há som. Os
gêneros preferidos são pagode, funk e sertanejo, que disputam o espaço. ouvi
também pop americano dos anos 1980, “top hits”. Dependendo da hora, cheiro de
comida nos corredores, misturado ao cheiro de mofo. Quase todos os apartamentos
mantém, além das portas, grades de ferro.
124
A partir da primeira inserção, entrevistando a síndica, fiquei sabendo que o
edifício passava por uma reforma (que não terminara até a última visita que realizei, em
março de 2009). À época em que foram realizadas a maior parte das entrevistas, entre
2006 e 2007, era o assunto principal dos moradores em relação à pesquisadora. Todos
tinham um posicionamento em relação às obras, para revestimento das paredes e pisos,
e reforma das áreas comuns, além da construção de outra entrada. Em geral criticava-se
a morosidade do processo.
Outro ponto claro de questão que mobilizava os moradores era, como no edifício
de Adriana, a partilha da conta de água, que é um problema que envolve diretamente o
espaço coletivo e a forma como os indivíduos e famílias se relacionam com ele. O
indivíduo (ou a família) pode priorizar o pagamento da conta, ou não, a considerar a
medida que ele tem da importância desta conta. Pode ser uma medida puramente
mercantil, considerando o cálculo do orçamento familiar, ou pode ser uma medida em
que a natureza do serviço (um serviço coletivo), pesa mais. E, neste caso, conta a
percepção do coletivo e a percepção do outro. Os que pagam a conta em dia sentem-se
prejudicados por aqueles que não pagam, pois a inadimplência em algum momento
resulta no corte do abastecimento, e na cobrança de multas e juros. É por isso que, neste
edifício (como no de Adriana) os moradores optaram pela solução de individualizar a
conta de água. Em cada apartamento foi instalado um relógio que controla o gasto da
família. Excedido o prazo de pagamento, o abastecimento é cortado pela própria
síndica. No sistema anterior, em que a conta era dividida igualmente por todos, o
pagamento da conta por cada família dependia da importância que a família dava à sua
contribuição com o todo, o que revela a medida que ela tem em relação ao que é
coletivo. No sistema atual, esta decisão passa por uma coerção: o corte do
abastecimento.
Atraso no pagamento da taxa de condomínio significa multa e juros. Com estas
práticas, implementadas recentemente, a síndica buscou diminuir a inadimplência, de
forma coercitiva. Como a participação dos moradores em reunião de condomínio é
escassa as decisões são praticamente unilaterais. Isto, contudo, não significa consenso
em relação às questões, mas a vitória do ponto de vista com maior força. O discurso
anti-síndica é presente e intenso. Mas não se realiza como oposição dialogada. É antes
125
um discurso de corredor, de reclamação, mas que raramente interpela a síndica
diretamente. Em alguns casos é quase um rumor. Este discurso, que circula, mas não se
converte em ação, revela que entre aqueles que o detêm, ele promove certa identidade,
mas, ainda que inconscientemente, a situação é vista como dada, pois talvez os
moradores esperem que alguém faça o papel de concentrar as críticas e propor soluções.
É por isso que o espaço coletivo é um lugar de conversas, opiniões, expectativas, e uma
liderança cristalizada.
Como Adriana, Ilda foi síndica do prédio durante a maior parte do tempo em que
foi moradora. No caso de Adriana tivemos uma visão de sua experiência. No caso de
Ilda a gestão do espaço coletivo é observada pela sua fala e pelas suas iniciativas, e
completada por relatos de moradores que a apóiam ou não.
Ilda é uma mulher de cerca de 50 anos, mãe de três filhos, que criou sozinha. A
sua figura é associada à militância político partidária (seja como identificação e apoio à
causa, seja como crítica ao seu lugar supostamente vantajoso, visto com crítica).
A primeira conversa com síndica oscilou entre o relato de sua trajetória de vida e
o relato das questões de condomínio, que se imbricam. A militância, a atuação no bairro
e o papel de síndica foram acontecendo em sua vida em momentos diferentes, mas
como um desdobramento natural, a partir do ponto de ruptura, que foi a sua separação.
Como para outras mulheres de sua geração, a separação foi um ato de libertação. De
fato, no Brasil dos anos 1950 e 1960 o casamento era uma opção quase que
inquestionável para as jovens de todas as classes sociais. Da mesma forma, a separação
anos depois significou para muitas mulheres a possibilidade de ampliar a atuação no
mundo público, além do papel materno.
O ex-marido é visto por Ilda como um oponente a quem ela venceu. Esta relação
de superação da mulher sem o apoio do marido, em contraposição a ele, foi recorrente
em algumas trajetórias relatadas, que retratam os maridos como “perdidos” diante do
mundo do trabalho que se tornou cada vez mais exigente e inteligível. A tolerância em
relação a este homem, não mais o provedor da família, mas uma figura presente na
educação dos filhos, foi variada em diferentes situações. No caso de Adriana, o marido
permaneceu em casa e na educação dos filhos, mesmo sem ter o papel de protagonista.
126
(Como no caso de Marta). No caso de Ilda, como no caso de D. Vera, as mulheres
optaram pela separação. Esta questão de gênero, embora não tenha sido o foco das
entrevistas de da pesquisa, é uma questão recorrente e pode remeter de fato a uma
transformação do mundo do trabalho. Não apenas os empregos “masculinos”, como
também os “femininos” foram precarizados com a reestruturação produtiva. Este golpe
foi, aparentemente, sentido com mais força pelos homens, talvez pelo fato de as
mulheres estarem mais habituadas a trabalhos precários e menores salários, talvez pelo
sentimento de responsabilidade em relação aos filhos ser mais indelével no caso das
mulheres. São questões a serem consideradas não apenas em relação às políticas de
habitação, mas ao conjunto de políticas voltadas à população de baixa renda.
Como a primeira entrevistada no edifício foi Ilda, as demais entrevistas
seguiram-se indicadas por ela e ao mesmo tempo em referência a ela. Seja pela situação
de entrevista, seja por ser a figura central no espaço coletivo, a figura de Ilda foi nos
relatos um divisor de águas nas opiniões dos moradores. Discursos de apoio e de crítica
foram delineando posições dentro do edifício, e permitiram compreender a postura de
cada morador entrevistado em relação ao espaço coletivo.
Ao mesmo tempo, os rumores estavam presentes. A oposição explícita, também.
Houve relatos de enfrentamento à ndica (como no caso de Macedo). Houve relatos de
afastamento consciente das questões condominiais (como no caso de Igor). No entanto,
não houve, durante a pesquisa, oposição organizada. Quais os limites da atuação no
espaço coletivo? Mesmo por parte daqueles que se opõe, oferecer uma alternativa
implica em busca de apoio, não apenas em expor uma idéia. E isto diz da forma como
morador é visto. O morador que se opôs diretamente (Macedo) não é visto com
credibilidade. Nesta visão de credibilidade, a visão de um certo status, além do espaço
coletivo, mas da atuação do sujeito no mundo público, é levada em consideração.
Macedo é pedreiro de pequenos expedientes. Ilda é funcionária pública e ligada ao
partido político, assessora de um deputado federal. Estes vínculos orientam as opções
dos moradores.
Além disso, a assembléia é esvaziada, o que contribui para a dificuldade de
chegar a uma alternativa localmente, e o que maior peso aos atributos externos do
127
que às questões concretas tratadas. Embora a assembléia seja tratada, no discurso, como
um momento importante, na prática as atividades cotidianas não são interrompidas por
uma assembléia. Os moradores justificam sua ausência com discursos que, em geral,
desautorizam o espaço de debate, pois deslegitimam, no limite, os seus vizinhos. O
espaço de debates é visto como um local onde quem vai “faz bagunça”. Este olhar está
em estreita consonância com a visão que as classes dominantes construíram ao longo
dos anos sobre a participação popular, lugar de “bagunça”. (Paoli, 2007). Talvez este
discurso seja uma denegação da ausência de sucesso em momentos discursivos
anteriores (as trajetórias dos moradores revelam históricos de fracassos profissionais e
de fracassos diante da autoridade na figura do patrão, por exemplo). Em tudo é uma
questão que diz respeito às formas como a apreensão do mundo público se dá, ao
reconhecimento da atuação individual como a atuação de um sujeito histórico. A
experiência da apreensão do mundo público advém da relação com as experiências
coletivas, desde a escola. Uma educação que não problematize a reflexão do papel do
sujeito na história orienta condutas que estarão sujeitas a outras referências, como as
referências midiatizadas que fortalecem a estrutura de classes da sociedade e a visão
hierarquizada das relações de trabalho. A apreensão de que o fracasso ou o sucesso são
questões do indivíduo, e não questões produzidas socialmente, estão na raiz do
entendimento de que o coletivo não tem força e estão também nos interstícios das
desventuras de posições contrárias às hegemônicas. Estar na COHAB Cidade Tiradentes
pode significar ter acesso a uma alternativa habitacional conduzida por outras
instâncias, e ter a atuação condicionada a isto. É como se a atuação da COHAB-SP,
fiscalizatória e administrativa, pautasse as relações coletivas em torno de questões
mercantis.
Os moradores
Revestimentos em estado crítico (que passaram por uma reforma. Nas fotos,
vemos os revestimentos após a reforma), músicas disputando o espaço, crianças
brincando nas escadarias, grades nas casas, cheiro de comida no ar. Esta é a moradia de
cerca de trezentas pessoas, distribuídas em sessenta apartamentos. Embora seja muita
gente aos domingos, dias de vista, acostumo a encontrar as mesmas pessoas, que se vão
tornando conhecidas; suas expressões e comportamentos, esperados. Os relatos
128
evidenciam momentos de derrota e momentos de conquistas pessoais intensas.
também uma esperança de um sucesso maior, que está fora da Cidade Tiradentes. Quase
todos têm planos de uma vida fora dali.
Entre os moradores do edifício, situações de vínculo de emprego e momentos de
vida distintos. Os vistos como quem teve mais sucesso são funcionários públicos (cerca
de sete pessoas), cuja estabilidade ocupacional está garantida pela lei. Seguem-se, nesta
pirâmide de percepção do sucesso profissional, os comerciantes informais, que
produzem e vendem cocada e tapioca (cerca de seis pessoas), vistos como
empreendedores. A atividade deles, embora semelhante, é informal e individual (não
consideram a possibilidade de formar uma cooperativa). Outra categoria profissional
presente com freqüência, e vista com menos brilho nos olhos, é a de empregadas
domésticas (mulheres responsáveis pelo domicílio, tendo ou não companheiro),
seguidas pelos viradores (as mulheres fazem bico na costura, cuidando de crianças,
vendendo cosméticos, e os homens são pedreiros, eletricistas). São ocupações dos
trabalhadores pobres, que participam de forma residual dos resultados da economia da
cidade, do país e do mundo (já que muitas vezes estão ligados a cleos de acumulação
de capital de grandes empresas multinacionais, mesmo tendo uma participação
extremamente residual nisso, como é o caso das mulheres que vendem cosméticos de
porta em porta). Os servidores públicos prestam serviços à população da periferia, em
escolas e unidades básicas de saúde, os trabalhadores ambulantes circulam pelas
periferias e pelo centro antigo de São Paulo, comprando sua matéria-prima por atacado
ali mesmo na zona leste, as empregadas domésticas trabalham em casas de família da
zona leste de São Paulo, para famílias associadas a empregos de classe média (como
bancários, por exemplo), e os viradores trabalham nas franjas das franjas do mercado de
trabalho: na própria Cidade Tiradentes. São eles que vão até a Ragueb Choffi comprar
canos para instalar no apartamento vizinho, por exemplo, ou compram blocos das
olarias na Estrada do Iguatemi. Entre os jovens, um deles têm emprego como operário
numa metalúrgica no ABC, conquistado após o curso no SENAI (este é o único jovem
que cursa o ensino superior), e o outro trabalha num posto menor qualificado numa
indústria plástica na grande São Paulo. Os demais estão desempregados. Entre as
jovens, contabilizam-se uma professora de ensino infantil da região, uma agente
129
comunitária de saúde que atua localmente e desempregadas, às voltas com filhos
pequenos.
Durante a semana os desempregados podem ser encontrados, levando crianças à
escola (filhos ou netos), ou realizando alguma atividade de igreja. Aos finais de semana
a maior parte dos moradores está em casa. As mulheres, fazendo faxina, cuidando dos
filhos, cozinhando; os homens, às voltas com netos ou tocando cavaquinho na escadaria.
As crianças, aos finais de semana, usam o espaço para suas brincadeiras, embora seja-
lhes interdito o uso do espaço comum para jogar bola, por exemplo. Elas ficam,
geralmente, restritas às escadarias e ao espaço dos fundos.
Os moradores antigos são velhos conhecidos, e as relações entre eles são
cordiais. Com simpatia referem-se uns aos outros, e em relações profissionais são
lembrados e chamados para trabalhar. Apesar da cordialidade aparente, não houve
momentos festivos. A construção de um salão de festas foi aventada por alguém, mas
rechaçada por todos com quem eu conversei, que não queriam barulho por lá. Pode-se
recorrer aos vizinhos em casos de necessidade (como uma emergência médica), mas
isso é cada vez menos comum (era mais comum nos primeiros anos). Quem usa mais
este tipo de solidariedade são os moradores mais novos, quando a relação de
solidariedade é mais próxima (explicitada em caronas e momentos de atenção às
crianças) talvez mesmo em virtude do ciclo familiar mais jovem, quando as crianças
pequenas requerem atenções maiores.
Personagens e cenas
Ilda, a síndica, tomou conhecimento da COHAB-SP e do conjunto Cidade
Tiradentes quando trabalhava numa empresa de limpeza que prestava serviços para a
prefeitura. Logo que se mudou para o bairro, em virtude de sua atividade, conheceu
muita gente e tornou-se conhecida. Ela trabalhava então na secretaria municipal dos
esportes, cujos eventos atraem bastante público. Entrou na prefeitura na gestão Jânio
Quadros (1985-1988). Nesta época, ela morava em Guarulhos, na grande São Paulo, em
casa própria. saiu por causa da pressão do ex-marido, que queria seu dinheiro no
130
imóvel. Neste ponto da entrevista ela comenta como o ex-marido, visto como um
oponente, foi uma espécie de desafiante para o seu sucesso. Ela não se intimidou e
mudou de vida indo para Cidade Tiradentes.
“(...)Aí, eu sempre sonhava, né, um dia eu vou ter
um cantinho para mim, certo, mais próximo do serviço.
Porque você sair de Guarulhos até aqui era. Ah, porque
você não compra um apartamento da COHAB? Porque
você não compra um apartamento da COHAB? Falei,
não, eu tenho a minha casa, graças a Deus. a ambição,
não leve a mal, não, dos homens é a seguinte: a partir do
momento que a mulher está com pouco tempo, cuidando
de seu casa, sendo independente, começam a crescer os
olhos, né. meu marido começou a achar que eu estava
evoluindo demais, certo. Os filhos chegavam em casa, a
geladeira tinha de tudo, não precisava de nada, você está
entendendo? Ele chegava em casa, as contas estavam
pagas, as crianças estavam bem, né, aí começou ele a
achar que ele estava com uma certa idade, não
arrumava mais emprego para ele poder trabalhar, ele
estava com problema nos rins, precisava se tratar. Ele não
tinha uma casa para ele, certo. Então ele achou de vender
a minha casa, certo, para ele pegar a parte dele.”
Quando se separou, ela fez a promessa a si mesma que pagaria aluguel por um
ano apenas. Acionou a rede de contatos. Um colega que trabalhava com ela tinha um
apartamento na Cidade Tiradentes para vender. Comprou e mudou, e depois ficou
sabendo com um conhecido da COHAB-SP que o apartamento tinha um débito. A
COHAB-SP entrou com um processo e logo ela recebeu a ordem judicial de despejo.
Novamente ela contou com o apoio de conhecidos para mobilizar informações sobre leis
e normas, e, afinal, conseguiu reverter a ordem de despejo argumentando que a filha
tinha uma doença nos rins. Quem a ajudou neste processo foi um advogado conhecido
na época do Jânio. Mesmo antes da Cidade Tiradentes, Ilda orientava-se na sua rede de
apoio formada por pessoas ligadas à administração pública, que usualmente têm mais
mobilidade em se tratando de questões legais e relacionadas à políticas públicas. Este
aspecto evidencia modos de acesso ao direito e às políticas: embora o acesso seja
universal; na prática, alguns acessos são mediados por redes institucionais, dada a
131
profusão de normas especificas e o caráter pouco claro da comunicação pública em
algumas esferas.
Quando Ilda chegou à Cidade Tiradentes, apesar da sensação de insegurança que
o local lhe provocou, foi aos poucos se habituando. Ela disse que o apartamento não
tinha grades, e ela temia que a porta fosse arrombada e o apartamento fosse invadido
enquanto ela estava trabalhando. Daí adveio a necessidade percebida por todos de
reforçar a restrição à entrada com grades nas portas e nas janelas. A sua rede de relações
em Cidade Tiradentes ampliou-se por meio da sua atuação como servidora da secretaria
de esportes. Logo se tornou conhecida dos jogadores de futebol da região, de diversos
times. O futebol é praticado em campos e quadras municipais, e agrega na mesma
atividade homens e rapazes de vários cantos do bairro com inserções bastante
diferenciadas (para citar duas inserções geralmente vistas como polarizadas,
traficantes e trabalhadores).
É interessante notar como nos dois casos estudados (de Adriana e Ilda), a
presença no bairro foi fundamental no desdobramento da tomada do lugar de síndicas.
Esta característica (passar mais tempo na Cidade Tiradentes) deve ter contato não
apenas no momento em que elas passam a se dar conta das questões coletivas dos
edifícios, mas deve ser importante na forma como os moradores as vêem como capazes
de dar orientações a estas questões.
Quando Ilda assumiu a função pela primeira vez no edifício, a gestão coletiva
passava por uma crise. Os moradores haviam contratado uma administradora que não
pagava as contas e o resultado foi um corte no abastecimento e altas multas. Como
solução, foi realizada uma rifa, iniciativa de Ilda. Como havia inadimplentes crônicos,
os pagantes terminaram por pagar a conta de todos, com muita reclamação até os dias de
hoje. Ilda foi fundamental neste processo de regularização dos débitos junto à
companhia abastecedora de eletricidade, a então Eletropaulo.
Ilda teve este papel à época, mas depois afastou-se. Novo desfalque a colocou
mais uma vez na posição de síndica. Desta vez, foi um débito na conta água que passou
pelas vistas do Gérson da tapioca, síndico em 2004, e de todos os moradores. A solução
encontrada por Ilda foi aumentar o valor do condomínio. Para acabar com a
132
inadimplência instituiu juros altos (12% ao mês a partir do primeiro dia de atraso).
Além disso, acirrou a postura em relação aos atrasos nos pagamentos da conta de água:
após um mês de atraso a água é cortada.
Sua gestão é, portanto, “linha dura”. Ela se faz presente e assume medidas
restritivas. Seu entendimento é de que é necessário implementar critérios claros nas
questões coletivas, e, ao mesmo tempo, que possam coagir todos a fazerem a sua parte.
Ela não se preocupa em ser bem vista, mas apenas em organizar as contas e propor as
reformas.
Ilda, assim como Adriana, conhece todos os moradores. Numa ocasião, ela fez um
“mapa”de todos os apartamentos, descrevendo quem morava aonde, quais eram as
relações entre os moradores de um mesmo apartamento (as mais diversas situações:
irmãos, casais e filho, casais, filhos e sogros, ou genros, ou além disso primos, rapaz
solteiro, moça solteira, mãe separada ou viúva e filhos), qual era a situação do
apartamento (quitado, mutuário, primeiro morador, segundo ou terceiro morador,
alugado, recebido em herança), quais eram as atividades profissionais dos moradores
(funcionários públicos, empregadas domésticas, costureiras, ambulantes, tapioqueiros,
pedreiros, operários, traficantes) e discorreu sobre a história de algumas famílias. Foi
por meio dela que foi possível compreender como os apartamentos o apropriados
assim como muitos quintais de famílias das periferias. Uma família nuclear cria os seus
filhos, os filhos se casam e moram junto aos pais e sogros por algum tempo, até que
surja a oportunidade de alugar ou mesmo comprar um apartamento do mesmo prédio).
Há pelo menos três famílias que moram em pelo menos uma dezena de apartamentos no
prédio.
Ilda é uma figura que conquistou seu reconhecimento e seu espaço político na
Cidade Tiradentes, mas não se identifica muito com os moradores dali. Ela a Cidade
Tiradentes como resultado de um fenômeno urbano de “inchamento” da cidade
provocado pela intensa migração, ou seja, de crescimento da cidade em função de
migrantes que chegam “na tentativa de vencer na vida”. Ela vê os moradores do prédio e
da Cidade Tiradentes como pessoas que buscaram um futuro melhor, mas que foram
iludidos pela cidade.
133
“Você vê. E eles ainda colocam na cabeça que
ainda há a possibilidade de você vencer aqui em São
Paulo. acabou isso. São Paulo não tem mais
condição de, aliás, o Brasil inteiro, né. Você a
deficiência que existe. Ainda mais você sair da sua cidade
e se alojar bem lá longe. Em Cidade Tiradentes, você
pode ver. É uma tradição do Norte mesmo, certo, é uma
tradição do Norte mesmo. São pessoas que saíram de
com o intuito de vencer aqui. Alguns conseguiram. Então
aquela que veio primeiro, eu posso falar, por exemplo,
tenho aqui 51, 52. Ele veio primeiro, certo, ele arrumou
emprego, ele é hoje funcionário público, ele já trouxe
uma irmã, já trouxe a outra irmã, você está entendendo, já
trouxe a mãe, certo, através da mãe já veio o sobrinho,
veio outro sobrinho, você está entendendo, tudo com
esperança de conseguir aqui o mesmo que essa pessoa
conseguiu. Porque é assim, eles tem ainda na mente que
se eu consegui ter um emprego fixo, eles também vão
conseguir, você entendeu? E é onde incha, certo. Incha,
por exemplo, de ter em um apartamento desse, certo, hoje
mora eu e meu filho, moraram os dois casados, certo,
os meus dois casados já, cada um tem o seu local e a sua
estabilidade, certo, quer dizer que meu apartamento
desinchou mas acresceu para outro lado, certo. Agora, se
eu tivesse a minha mãe, se estivesse viva e estivesse, por
exemplo, no Norte, o que eu ia fazer nesse
apartamento, certo. Se a minha irmã estivesse lá no Norte,
eu ia trazer ela para cá. Ia trazer minha mãe. Então, quer
dizer que na realidade, eu não ia, por exemplo, expandir,
ia sufocar mais. Eu não ia desvaziar, ia trazer para
para sufocar mais.”
Mesmo que a realidade de Cidade Tiradentes não seja eminentemente de
migrantes, este é praticamente um mito constitutivo da zona leste da cidade, tanto no
imaginário das classes médias quanto no imaginário dos próprios moradores da Cidade
Tiradentes. Ancora-se no momento histórico em que os migrantes chegavam
intensamente a São Paulo (anos 1970 e 1980) e muitas vezes é associado a discursos
preconceituosos.
Ilda aprendeu a lidar com os códigos locais. Compreendeu que o tráfico de
drogas é uma realidade e aprendeu a conviver com os traficantes no campo de futebol e
134
nas imediações. Ela desenvolveu uma espécie de respeito pelas atividades deles, tanto
quanto eles aprenderam a respeitá-la no bairro, ela conta.
Foi por intermédio de Ilda que conheci as pessoas com quem viria a conversar a
seguir no prédio: Marta, Ivani, Assunta e Ana.
De maneira geral, as pessoas foram cordiais e receptivas. Fui recebida em seus
apartamentos e me ofereceram lanches, café, sucos e almoço. Com o tempo, sabendo
de minha presença no final de semana e da distância da padaria que oferece refeições,
algumas famílias conhecidas me ofereciam almoço. Os conhecidos eu encontrava às
vezes na rua. Acenos, abraços, muitos pareciam contentes em conversar comigo e
contar os desdobramentos de alguma situação em pauta, familiar ou do bairro. Houve
também algumas experiências de recusa da entrevista, contudo. Ivani, logo no início do
campo, é a moça que faz a entrega das correspondências para Ilda. Magra, agitada,
concordou com a entrevista e marcou uma data. No dia agendado encontrei-a em meio a
uma faxina no apartamento bem acabado, com móveis novos e decoração religiosa.
Convidou-me para entrar e tentei entabular alguma conversação, ao que ela respondia
“não tenho nada a declarar”. Estranhei sua recusa ter acontecido após uma introdução,
mas respeitei. Continuei encontrando-a a maior parte das vezes que estive ali, mas
mesmo assim não houve abertura. Noutra oportunidade, meses depois, cheguei a
conhecer o citado Gerson da cocada, figura lembrada em muitas outras conversas, como
quem começou o negócio da tapioca, seguido de outros moradores. Fui apresentada a
ele nas garagens, por Igor, uma das pessoas que trabalha com tapioca. Procurei explicar
minha presença ali convidando para uma entrevista, mas ele foi bastante esquivo,
respondendo que “não tinha horário”, não adiantaria tentar encontrá-lo, ou pegar seu
número de telefone. A outra recusa foi de um morador antigo do edifício que trabalha
num órgão policial, até onde foi possível entender. Conheci o apartamento, vazio, chão
de terra batido, com um colchão e uma cadeira na sala mal pintada. Ali moravam
também a filha, o genro e dois netos, além da mulher. A mulher trabalhava como
empregada doméstica, dormindo no emprego. A filha, desempregada, esquivou-se das
conversas. Casada com um motoboy, jovem, estava sempre às voltas com atividades
domésticas, carregando roupas para pendurar no varal coletivo ou varrendo o chão.
Agendei umas duas ou três visitas com seu pai, que nunca estava presente na data e hora
135
marcada. Afinal ele disse-me que não era seguro para ele conversar comigo, dada sua
profissão. Duas moças jovens também se recusaram, uma argumentando dificuldade de
agenda, e a outra, sem cumprir horários e datas marcados, praticamente “desaparecia”.
A primeira era agente comunitária de saúde, e morava com a irmã num apartamento no
último andar. O apartamento estava em obras. Macedo recentemente construíra uma
parede ali, conforme me contara. A parede estava nos blocos, sem qualquer
revestimento de cimento. Amanda, uma moça na faixa dos 25 anos, fazia tranças no
cabelo no dia em que a conheci, mas disse que era um dos raros momentos em que
estava em casa, pois, em todo o seu tempo livre, acorria à igreja evangélica em que
participava dos teatros. Letícia morava sozinha, tendo herdado o apartamento de sua
mãe viúva. Sua situação de mulher solteira morando sozinha suscitou minha
curiosidade, mas ela não estava no dia marcado da entrevista e nunca mais a vi no
edifício.
A cada dia em campo entrevistava uma ou duas pessoas. Muitas vezes, não
entrevistava ninguém. À medida em que os meses se passavam e eu conhecia mais
famílias, os sábados ou domingos eram momentos de visitar as famílias conhecidas e
tentar conhecer mais alguém. As recusas, assim, eram minimizadas pela acolhida de
outras pessoas.
A seguir, exponho algumas trajetórias escolhidas entre as entrevistas realizadas, por
refletirem momentos significativos nas relações com o mundo público e com o espaço
coletivo. Os aspectos sociológicos que as trajetórias suscitam são levantados no sentido
de delinear as relações destes personagens com as cenas e o espaço coletivo.
Marta: as contradições do trabalho doméstico
Os móveis da sala são antigos e revelam o desgaste do tempo. O piso foi trocado
anos, e sofreu algumas quebras. A pintura da parede também está desbotada. A sala
têm um móvel para a televisão, de 20 polegadas, e um sofá de dois lugares. Na sala
estão Marta, uma mulher baixa e troncuda, com expressão séria e cabelo curto, se
aproximando dos seus 50 anos, e sua filha, uma moça com ares adolescentes, às voltas
ela mesma com sua filha, uma menininha de uns quatro anos que anda pra lá e pra cá na
escadaria. Completam a cena familiar Jair, um homem magro e de aspecto desolado,
136
também ele geralmente cuidando da neta, e um cachorro magro que tem acesso livre às
escadarias e dali à rua. Noutro plano, o genro, um rapazote agitado e o filho, operário de
uma indústria plástica numa cidade da grande São Paulo, presente em todas as falas mas
que não cheguei a conhecer. Quando não está trabalhando, está na casa da namorada,
segundo a mãe.
Marta trabalha como empregada doméstica e praticamente mantêm a casa, o
marido, o filho e a filha, o genro e a neta. Passa a semana fora e, ao chegar em casa,
trabalha. Seu marido e a filha passam a maior parte do tempo em casa, com a criança.
Jair realiza uns “bicos”, mas são esporádicos. A filha não trabalha e não busca trabalho,
envolvida na criação da menina. O genro, quando o conheci, estava desempregado e era
visto pela família e pela própria esposa como uma espécie de “estorvo”, relacionado à
sua passagem por uma penitenciária. Durante as minhas visitas, ele arrumou um
emprego. Marta é a provedora da família, aquela pessoa conhecida como “chefe de
família”, responsabilidade que divide parcialmente com o filho. Suas posições são
claras e em seu discurso não espaço para lamentações ou para exacerbações. A fala
sobre si própria é objetiva e racionalizada, mesmo ao falar dos dramas pelos quais
passou.
Um dos dramas diz respeito ao fato de que a vida voltada ao trabalho dificultou
o seu acesso aos filhos.
A trajetória ilumina a situação de muitas mulheres que são responsáveis por
domicílio, que mantêm a casa; e ilumina também a vida de muitos expedientes que
cruzam a trajetória familiar, como o contato com atividades ilegais e sua elaboração
pela família. Ilumina também uma vida que ganha sentido com a maternidade, e que
longe dela não muitas perspectivas, como no caso da filha de Marta. Ou ainda o
percurso errático de um operário que ficou para trás na modernização das relações na
construção civil e vive do comércio ambulante, às voltas com a decisão da prefeitura
sobre o uso do espaço da cidade (povoado por propinas e pela falta de garantia).
A trajetória de Marta esclarece uma das formas de trabalho mais presentes na
vida das mulheres pobres brasileiras: o trabalho doméstico. O trabalho doméstico é a
137
forma de trabalho de 6,5 milhões de brasileiras
68
e constitui uma ocupação em que os
saberes são desvalorizados duplamente, segundo Cabanes & Georges (2007), uma vez
que são femininos (com toda a carga de preconceitos históricos que isto traz) e, além do
mais, trazem, mesmo que redefinidos, alguns resquícios da escravidão. Dentre as
empregadas domésticas, aquelas que trabalham sob a mediação da profissionalização
legal (com a “carteira assinada”), aquelas que são eventuais e recebem por dia (as
faxineiras) e ainda as que trabalham sem vínculo profissional. A rede de
conhecimentos gerada por trabalhos anteriores é indispensável para garantir a re-
colocação na ocupação. Por outro lado, trabalhar mais próximo ao bairro, implica em
geral trabalhar por uma remuneração menor, como o que ocorre com mulheres jovens,
cuja rede de “patroas” é pequena ou inexistente.
No trabalho doméstico são freqüentes os relatos que evocam a ausência de
limites profissionais entre patroas e empregadas, numa lógica que em algumas situações
é de apoio, em algumas situações de exploração (seja da força de trabalho, seja da
intimidade de quem emprega). Para Marta o lado mais duro do trabalho doméstico foi o
sentimento de negligenciar os próprios filhos. Marta diz que não pôde criar os próprios
filhos, mas teve que ajudar a criar os filho das patroas, num sistema do qual ela
discorda:
“(...)hoje em dia, numa casa de família, a pessoa
não tem tanto valor que nem numa firma. Sendo que o
serviço doméstico é pior do que trabalhar numa firma. É
bem pior. Ou é igual. Eles não tinham que comparar
serviço doméstico, trabalha em casa de família e não é
pesado. É. Quem disse que não é? A patroa quer que você
lava, passa, cozinha, limpa, cuida de criança e entrega
tudo na tua mão. A patroa sai pra trabalhar e entrega a
casa na tua mão. E quer que lava, passa, cozinha e cuide
de filho ainda. E filho dos outros não é fácil você cuidar.
Não é fácil você cuidar de filho dos outros. Ainda mais
filhos de pessoas assim que trata os filhos como... As
patroa, hoje em dia, trata... As mães de hoje trata os filhos
como bebiló [Quis dizer bibelô] , entendeu? Aí, a mãe sai
elas denga, mima, sai deixa na mão da gente e a gente é
que se ferra. Você não pode bater, você não pode educar
68
Dados da PNAD 2004 citados por Cabanes & Georges (2007).
138
os filhos dos outros. Se você for educar, entendeu? Eles
não admite que você educa os filhos deles da sua maneira.
Tem que educar que nem eles, mimando. Mas você não vai
ter tempo pra ficar mimando o filho dos outros, né?”
No trabalho doméstico, a mulher está próxima demais da vida privada da
empregadora, chamada de “patroa”, e o trabalho é carregado de afeto, e o ressentimento,
mesmo inconsciente, tem o seu lugar. No depoimento de Marta, fica evidente o
ressentimento que ela nutre por ter-se afastado dos filhos, embora estivesse o tempo
todo com crianças em relação às quais ela não se considerava responsável. Enquanto ela
não pôde educar os filhos, os filhos da patroa eram “mimados”.
“(...)Entendeu? Aí, hoje, todos vão pra psicólogo.
Mas por que as crianças tão indo pra psicólogo? Uma
vez, o médico de um deles chegou em mim e falou: “Ó,
mas eu acho que se essa menina, se hoje eles tão
precisando, você é culpada”. “Por que que eu sou
culpada?” “Ah, você fica o dia inteiro com eles”. Agora,
as crianças tão tudo... por que que umas criança nessa
idade precisa de psicólogo? Eu falei: “Ah, por que?
Porque a mãe quando chega do serviço, mima demais.
Faz tudo o que os filhos quer”. Os filhos cresce tudo
assim: se você não faz a vontade deles, sabe como é o
negócio? As crianças é tão mimada, tão mimada, que
quando a mãe chega - você precisa ver como trata as
crianças “oi, meu filho, tudo bem?” (Marlene imita a
voz da patroa), começa, sabe? Aquela frescurinha de mãe,
né? Aí, as crianças, às vezes, quer uma coisa que você
fala: “não pode”. Mas, a mãe e quando você não dá,
as crianças vêm pra cima. “Minha mãe por que você
não dá? Aí, ficam aqueles mimos. Aí, hoje, vai tudo pra
psicólogo. Por que vai pra psicólogo, entendeu? Porque
se você não der uma educação pra uma criança não
precisa bater, não precisa ser áspero mas também não
precisa ficar só mimando, dengando, você entendeu?
Daquele jeito que hoje as crianças tudo indo pra
psicóloga. Aí, fala: “Mas, você”... O médico de um deles
chegou em mim e falou: “Você que é culpada. Você
também deve mimar demais”. Eu disse: “Eu? Você acha
que eu vou ter tempo de mimar? Me poupe”, falei pro
médico. “Eu não tenho tempo pra ficar mimando
criança”. Não mimei nem os meu, vou mimar filho dos
outros?”
139
As contradições são evidentes e, como a convivência é muito próxima, assume
tons carregados de afetividade. O raciocínio logo se liga ao que ela entende como
conseqüências de seu distanciamento dos filhos. Marta responsabiliza-se pela gravidez
precoce da filha, e avalia que o marido foi incapaz de educar os filhos. O marido de
Marta é visto por ela como um homem sem muito afinco para o trabalho, e é quase
como um filho a mais de quem ela precisa cuidar.
É uma vida repleta de responsabilidades, e ela não assumiria uma
responsabilidade a mais em relação ao espaço coletivo, por exemplo, embora corrobore
com as atitudes de Ilda.
“(...)Porque ela administra bem. Ela sempre
administrou e ela administra bem. Ela faz tudo ali no...
Apesar que alguns discordam. Uns fala que ela rouba,
outros fala que ela tirando muito, entendeu? Mas, você
sabe, o povo eles arruma pra tudo, sabe assim? Eles põe
defeito em tudo. Mas, se você falar, então, fica você na
administração, vai você cuidar do prédio, cuida você. Se
fosse acha que você tem capacidade, então, vai você.
Enfrenta. Porque não é fácil.”
A trajetória de Marta pode ser compreendida à luz das discussões colocadas por
Cabanes (2006), quando descreve as relações de gênero em relação ao mundo do
trabalho e à vida privada. O fenômeno da ampliação da presença das mulheres no
mercado de trabalho permitiria a reestruturação de relações de poder no ambiente
privado, superando a figura da autoridade paterna investida na figura do chefe provedor.
Esta figura está em declínio, como é o caso nítido do marido de Marta. A relação entre
os cônjuges, na argumentação de Cabanes (2006), abriria espaço para uma relação mais
horizontal. No caso de Marta, contudo, o declínio do marido foi substituído por uma
sobrecarga de trabalho e responsabilidades.
Marta é ativa no mundo doméstico e familiar, central mesmo. Sua trajetória, por
outro lado, demanda sua presença constante no trabalho e em casa, retirando sua
possibilidade de atuação no espaço coletivo. Ao marido, que tem disponibilidade de
tempo, que trabalha eventualmente, falta talvez confiança e interesse em assumir as
140
questões coletivas. Sua postura é de quase anulação. Quando tentei entrevistá-lo
usualmente dizia, “fale com a Marta, espere ela chegar”. Fora do apartamento, nas
escadarias ou na laje, distante do gravador, ele contava que foi eletricista de empresas
de construção civil até ser demitido e passar a viver de “bicos”, pequenos expedientes. É
neste papel que ele se coloca no espaço coletivo, como alguém que pode fazer serviços
e está disponível para isso. Durante a pesquisa, sua atividade econômica principal era
como motorista de Gérson da tapioca.
Um discurso de tristeza
Em seguida à entrevista de Marta conversei com D. Assunta. Ela não me recebeu
em seu apartamento, mas conversamos num banco na praça, na rua em que mora. De
outras vezes que tentei conhecer seus filhos, a porta do apartamento foi entreaberta e
ficou claro que eu não era bem vinda no seu espaço doméstico e familiar. Mãe de seis
filhos, filha de pais paranaenses, teve uma vida sofrida e seu discurso é em tom de
lamento. Criou os seis filhos na Cidade Tiradentes. Trabalhou muito – vendendo roupas,
vendendo coxinha – mas não vê as atividades como trabalho, como é comum no
trabalho feminino popular, compreendido como atividades para “ajudar o marido”,
praticamente extensões da vida doméstica que não implementam presença no espaço
público. Sua trajetória constitui-se junto ao marido, mas ela fala pouco sobre ele. Fala
rapidamente de sua doença e sua morte, como quem não está disposta a elaborar o luto.
Dos seis filhos, quatro “saíram para o mundo”, com maior ou menor sucesso. Dois
filhos ficaram com ela no apartamento da Cidade Tiradentes, um deles tem síndrome do
pânico. Busquei meios de conhecê-los, mas ela os protegeu. Em tudo resignada, falou
pouco sobre os vizinhos e não emitiu opinião sobre a síndica.
141
A trajetória de D. Assunta ilumina uma história de ausência de uma rede de
proteção social e seus efeitos à falta de recursos privados. Aparentemente, a perda do
marido significou também uma dificuldade de acesso ao mundo público, seja por meio
do trabalho, seja por meio da possibilidade de refletir sobre as questões do espaço
coletivo para além de suas referências privadas.
Um relato de conversão
Num domingo destes de trabalho de campo bati à porta de D. Vera. Ela havia
sido apresentada a mim por Marta. Com olhar doce, voz baixa, e longos cabelos lisos,
esta mulher de meia idade questionou sutilmente de onde eu era e a que vinha e por fim
abriu o delicado equilíbrio de seu lar para meu convívio. Entrei no apartamento
impecável, cheirando a lavanda, com pisos claros recém-trocados, paredes pintadas em
tons pastéis, uma mesa de vidro, um móvel para a televisão, um sofá colorido e uma
mesinha com um computador, além de objetos de decoração que lembrariam um quarto
de menina-moça.
Mostrei-lhe a carteirinha que me vinculava à universidade, citei as pessoas com
quem havia conversado e ela convidou-me a sentar e ofereceu-me café com leite. Nas
visitas seguintes ao prédio, o momento do café com leite e bolachas na casa de D. Vera
tornou-se freqüente.
Filha de lavradores cearenses, D. Vera morou no interior do Maranhão,
trabalhando na roça e depois na cidade. Da vida na roça trouxe à memória os tempos de
rudeza. Apesar da rigidez do pai, pôde estudar o equivalente ao ensino médio (fato
incomum, sobretudo para mulheres no sertão à época). Casou-se jovem, aos 18 anos.
Viveu com o marido seis anos em São Luis, ele, alfaiate, ela, estudante. Veio a São
Paulo morar na rua Augusta, na década de 1970. Era uma vida de gastos comedidos,
mas confortável. Mesmo sem necessidade, decidiu trabalhar em uma oficina de costura
no Brás, movida pela curiosidade com a cidade, com o mundo do trabalho. Relata um
episódio em que, em função do sotaque, foi maltratada no trabalho, quando era
secretária numa escola de inglês. Ela conta este episódio sem humilhação, mas
consciente da injustiça do fato. À esta época, morava na Praça da República, num
apartamento alugado. O marido montou uma oficina, mas bebia muito e o casamento
142
desandou, até o episódio traumático em que ele foi esfaqueado durante uma briga, e
logo em seguida adoeceu de tuberculose. D. Vera responsabilizou-se pelos cuidados
com o marido. Sem a renda dele, o trabalho dela ficou imperativo, e o orçamento não
conseguia manter o padrão de vida. Foram morar na COHAB José Bonifácio, em
Itaquera. Quando o marido melhorou voltou a trabalhar, montando a alfaiataria do
minúsculo apartamento. Decidiram adotar uma criança para tentar salvar o casamento.
Na mesma época, sua irestava grávida e o bebê nasceu prematuro e com problemas
respiratórios. Foi quando D. Vera decidiu adotar a criança, o que coincidiu com o seu
retorno à igreja, pois ela conta que naquele momento reencontrou a em Jesus e no
evangelho. Registrou o filho, mas a irmã cuidava do neném. Sentiu-se compelida a
afastar a irmã da criança para poder assumir a maternidade. Anos depois, o filho, de
pele mais escura do que a sua, logo se viu diferente dos primos e ela contou a história a
ele. Do apartamento emprestado na COHAB José Bonifácio foi com o marido e o
menino para o apartamento na Cidade Tiradentes, sorteado (a inscrição era dos anos
1970, início da vida em São Paulo). Foi demitida do trabalho por rebeldia (cantou “o
cordão dos puxa-saco” quando o encarregado obrigada as costureiras a trabalhar durante
um apagão) e ficou algum tempo sem trabalhar, vivendo problemas no casamento.
Os sofrimentos foram muitos: sem dinheiro, com filho pequeno numa Cidade
Tiradentes sem infra-estrutura, com vizinhos que pareciam “um bando de índios” (o tom
é pejorativo e revela seu desejo de distinguir-se dos vizinhos). Viveu com o marido
ainda nove anos após o nascimento do filho, quando decidiu separar-se dele. Após a
separação a vida voltou a se organizar. Prestou concurso para auxiliar de
desenvolvimento infantil na própria Cidade Tiradentes, contribuindo na educação de
crianças que hoje já são pais.
No caso de D. Vera, a separação foi um alívio e trouxe a organização da vida
que ela buscava: trabalho estável no serviço público, cuidado com o filho e
posteriormente com a sobrinha e a vida comunitária na igreja evangélica.
D. Vera dedica-se integralmente ao filho, jovem operário que cursa a faculdade
de psicologia, e à sobrinha, professora de educação infantil. Suas atividades diárias são
o trabalho, onde o cuidado também é evidenciado (ela é assistente de educação numa
143
escola de ensino infantil), e o cuidado com a casa. Aos finais de semana, os três
dedicam-se à igreja, recebem pastores, fazem orações em casa. O envolvimento com o
espaço público está um pouco distante das preocupações de D. Vera, que mantém seu
mundo porta adentro do apartamento, com via de entrada para quem é da igreja.
Relaciona-se cordialmente com os vizinhos, mas não participa das reuniões de
condomínio e provavelmente não aceitaria o desgaste de ser uma referência no espaço
coletivo.
Em que pese seu não-envolvimento, D.Vera é mais crítica em relação à síndica
do que D. Marta, por exemplo, no que tange ao que toca diretamente ao seu espaço. Não
está satisfeita com a leitura da conta de água “a gente faz de tudo pra diminuir e não
diminui” e nem com a reforma do prédio, e avalia que a síndica recebe salário pelo
trabalho, mas não se dedica o suficiente. Talvez a sua queixa seja diante da postura de
Ilda, menos sutil do que ela entende que deva ser a postura de uma mulher.
Para manter seu apartamento na Cidade Tiradentes, D. Vera se preparou. As
brigas com o marido se acirraram e ela suportou até sair a separação judicial. O marido
não queria abrir mão do apartamento e pressionava-a para que vendessem o apartamento
e dividissem o dinheiro. D. Vera acreditava no apartamento como seu porto seguro, e
foi juntando dinheiro até a separação judicial. Quando esta aconteceu, ela pagou a parte
dele do imóvel em juízo.
O relato de D. Vera ilumina uma história de decepção no casamento e decepção
com os homens em geral. No seu relato, ela conta de um encontro com um homem,
quando estava separada, que a desapontou. Em lugar de arriscar-se no romance, ela
preferiu voltar à igreja
69
. A religião é fundamental na sua vida, na vida do filho e na
vida da sobrinha, que moram com ela.
Dona Vera: Então, quando...Desse
decorrer da separação, eu... Teve uma época na
minha vida que eu tava com muita depressão
porque eu não era feliz. Eu... “Meu Deus, eu tenho
um filho. Meu filho crescendo. Meu filho
um pré-adolescente”... Tava com dez, com nove
69
A igreja que D. Vera freqüenta é neo-pentecostal.
144
anos já. (...)“Meu Deus, qual é o futuro do meu
filho?” E eu sozinha. Eu queria porque queria
companhia.
Foi quando conheceu um rapaz, encontrou-se com ele mas decidiu-se pelo
distanciamento.
Pesquisadora: Durou muito tempo esse romance?
Dona Vera: Ah, eu acho que uns três meses. Uns
três meses só. E eu ali e com aquela angústia no
meu coração, aquela tristeza, aquela coisa terrível
que eu não sei nem te explicar o que que era. (...)
Mas era Deus trabalhando na minha vida, viu?
E eu sei que eu assisti aquele filme. Cheguei em
casa, o meu filho dormindo, eu olhei pra ele assim:
“Ai, Jesus, eu não quero continuar com essa vida.
Isso não é vida pra mim. Eu não nasci pra viver
essa situação”. Aí, fui na janela do meu quarto e
falei assim: “Meu Deus, eu quero que você mude a
minha história. Eu quero que você mude a minha
situação. A minha história porque eu não quero
continuar nessa mentira”. eu fiquei. Isso foi
numa sexta-feira, quando foi no sábado, no
Domingo, eu fui pra Igreja. Eu era... Eu tinha sido
criada no Evangelho. Eu tinha falado com Deus
que eu queria que ele mudasse a minha história. E
eu sempre falava assim que a minha família tudo é
evangélica.
(...)
Naquele noite de Domingo, eu fui e sentei no
último banco daquela Igreja. Quando eu sentei ali
que o Pastor começou a ministrar a Palavra,
minha filha, a Palavra veio todinha pro meu
coração. Veio toda pro meu coração. Eu chorava,
eu sabia que era Deus que tava falando comigo.
Tudo aquilo que tava passando, aquele processo
de infelicidade, de desilusão, de um monte de coisa
que eu sentia, de tristeza, naquela noite eu
aceitei Jesus como meu Salvador.
(...)
E as provas vieram e Deus colocou pessoas
maravilhosas no meu caminho. A minha sobrinha é
uma pessoa que Deus colocou na minha vida, que
145
eu com a minha sobrinha nós temos uma
comunhão plena. Graças a Deus. Colocou irmãos
e irmãs da Igreja, que hoje eu considero como
filhos. Que pena que eles não tão aqui pra
confirmar isso, que são umas benção na minha
vida. E os meus vizinhos também que são umas
benção. Tirando as dificuldades, mas é com as
dificuldades que a gente aprende, ne? E eu tô aqui,
Graças a Deus”.
O discurso de conversão de D. Vera é emocionado. Na igreja ela encontrou
acolhimento por meio de um discurso redentor e reconciliador. A igreja demanda um
comportamento moral ilibado, e nesta troca entre os pequenos gestos morais (o celibato)
e a comunidade da igreja, ela diz sentir-se realizada. O amor humano passa a ser
depositado no seu filho. Além de amá-lo, ela orgulha-se dele. Renato iniciou um curso
superior na área de psicologia e em seu relato nota-se a satisfação que ele tem com o
emprego como operário e com a igreja.
Toda sua vocação pública D. Vera realiza no trabalho e na sua comunidade
religiosa. Sua relação com os vizinhos é de simpatia, mas ela nutre o desejo de partir da
Cidade Tiradentes. Sua participação na escola e na igreja é como evangelizadora, mas
ela abdica de fazê-lo no espaço coletivo, em que as resistências são maiores.
Uma jovem mãe de família
O apartamento é abaixo do térreo, o que lhe garante um pequeno espaço anterior
à escada que não existe nos outros. Neste espaço três galinhas cacarejam em meio a
quatro meninas que brincam. A sala é pintada de um verde caiado, o sofá velho é o
único móvel do local. Sentamo-nos as seis, Ana, eu, e suas quatro filhas pequenas (a
mais velha na faixa dos quatorze anos). Ana é também filha de nordestinos e trabalhou
como garçonete até encontrar o marido e estabelecer-se na Cidade Tiradentes. Sua
ocupação são as filhas e o trabalho como tapioqueira. Seu marido é garçom no centro da
cidade. Foi por intermédio dela que conheci os tapioqueiros do prédio. A situação da
entrevista, com as crianças presentes, não permitia grandes reflexões ou mesmo que
Ana transcorresse sobre sua vida. Comentamos sobre Cidade Tiradentes, e as meninas
146
foram unânimes em afirmar que o bairro é ótimo, encasquetadas com a minha presença
ali, acreditando mesmo que eu fosse alguma jornalista e que a entrevista tivesse alguma
relação com a televisão.
A tapioca
A tapioca é um elemento importante na vida coletiva do prédio Ao menos seis
famílias estão envolvidas na produção e venda da tapioca. De origem indígena, bastante
comum no nordeste e vendida no comércio informal em São Paulo. O comércio da
tapioca no prédio é o ganha-pão de pessoas como Igor, Ana, Julio, e Gerson.
Gerson é a grande referência da tapioca no prédio. Quem me apresentou a ele foi
Igor, quando descemos para que eu conhecesse sua garagem onde os mantimentos são
guardados e a iguaria é produzida. Gerson estava trabalhando em sua própria garagem.
Aproximei-me, apresentei-me e propus uma entrevista. Ele foi esquivo e disse que seria
impossível conseguir um horário para conversar. Talvez a negativa de Gerson tenha
vindo da preocupação em falar sobre o período em que foi síndico e o em que o prédio
sofreu com o corte no abastecimento de água.
Por meio do relato dos demais fui informada de que Gerson foi o primeiro a
trabalhar com a tapioca no prédio, produzindo-a ali mesmo, numa garagem, e
vendendo-a na feira. Aos poucos outros moradores tomaram conhecimento da produção
e se interessaram pela atividade.
Igor vende tapioca em feira, Ana vende como ambulante no bairro da Santa
Cecília e Julio trabalha como motorista de Gerson. Há uma rede de solidariedade, pois a
informação sobre fornecedores e preços circula entre eles. Embora a atividade seja a
mesma e algumas informações circulem, eles não consideram a possibilidade de formar
uma cooperativa.
147
Entre os personagens envolvidos com a tapioca está Julio, marido de Marta. Está
sempre pelo prédio. Eletricista, viu sua carreira desandar quando o cerco do
neoliberalismo apertou os empregos. Vive como motorista de Gerson, da cocada.
O exemplo de que uma atividade de ambulante pode ser vista como um caminho
para o sucesso adveio do relato de Igor, morador do edifício.
Um relato ascendente: a tapioca de Igor
A decoração não tem muitos adereços. A televisão e o computador são os
elementos centrais da sala no apartamento de acabamento bem feito. À minha frente
está Igor, de camisa e calça social, com sua presença forte e seus óculos de aro fino.
Igor inicia o relato falando que é protestante e o que ele vê como uma diferença
importante em relação aos seus vizinhos. No seu relato, a religião é uma marca próxima
ao que ele mostra como seu sucesso: demarca seu sucesso mostrando o computador e
dizendo que é o único do prédio que tem computador. Veste-se com camisa (a maioria
dos homens usa camisetas) e faz questão de dizer que tem dois carros. Os seus bens são
para ele a prova de que está tendo sucesso, o que atribui à sua postura como protestante.
Embora presente no dia da entrevista, a sua mulher não quis participar ou sequer
tecer algum comentário. Ficou na cozinha, separada da sala por uma cortina clara,
ouvindo o que falávamos e sem aparecer para me cumprimentar. Igor é o chefe desta
família.
Além de seu relato de sucesso, Igor relatou um drama familiar. A sua filha fugiu
de casa. Ele comenta o episódio com desgosto e uma fala repleta de expressões
moralistas.
“A gente fica chateado, né, com o que acontece na
nossa vida, né? Mas, é assim mesmo, né? A gente que fez
a escolha, escolher logicamente do nosso par. Eu escolhi
a minha esposa. A minha esposa me escolheu a mim.
Como também os pais dela também... Sei o que teve ali
de escolher também quem era pra fazer convivência... Ela
também teve a dela, né? Pra mim, não tem futuro. Pra
mim não tem futuro. Porque se tivesse futuro...(...).
148
Pesquisadora: O namorado dela trabalha?
Igor: Namorado nada. É macho mesmo. (Risos)
Vamos falar a linguagem atual. Eu sou daquele tempinho
detrás, sabe? Pra mim não faça a coisa errada aí. Você
sabe muito bem. Antes, se você olhasse no meio de um
multidão e você visse uma biscate assim, você percebia
que era uma putona mesmo no meio de uma multidão.
Você percebia. Hoje em dia você não percebe mais.
tudo murado. É diferente, né? Eu sou desse tempo. E
tenho esse raciocínio comigo e não tenho como mudar,
entendendo? Não tem esse negócio de modernismo. Pra
mim esse negócio de modernismo é sem-vergonhice. É
falta de caráter da pessoa. Acho que a pessoa que tem
caráter não precisa ficar se mostrando que é gostosa. Ou
o homem querendo mostrar que é o mais gostoso ou o
melhor ou o matador ou sei lá o quê. Nada disso. Eu sou
desse tipo. Sou meio isolado também. Qualquer hora você
pode vir no meu apartamento que eu aqui em casa, se
eu não estiver trabalhando. Não sou de ficar na rua
batendo papo fiado. Pra mim, é tudo... Não gosto. Não
gosto de falar da vida de ninguém. Mas, aquilo que for do
meu alcance, eu falo também. Se for, que eu fale. Jamais
eu vou falar mal. Se é pra falar de irmão, eu falo também.
Goste de mim quem gostar. Sou cheio de amizade,
ninguém acredito eu que ninguém vai falar muito mal
de mim aí, se você for fazer uma pesquisa aí. Mas, eu não
gosto. Não sei porque.
(...)
Eu fiz o cursinho básico de computação. Mas, o que eu
aprendi, Graças a deus, vamos dizer assim, eu não tenho
inveja de muitos que tão mexendo aí, não... Esqueci,
claro. Também falta muito aprender. A gente nunca
aprende tudo, né? A gente a cada dia que vai passando, a
gente sempre aprendendo alguma coisa, né? Mas, eu
sou evangélico. Não tenho nada contra a outra religião
qualquer. Mas é aquela coisa, né? Cada um tem, vamos
dizer assim....”
Igor nasceu em 1958 no interior de Pernambuco. Seus pais eram proprietários e
Igor ajudava na criação do gado e no roçado. Veio a São Paulo com o irmão que
trabalhava em uma construtora e foi morar com ele em alojamento da firma. Quebrou a
149
perna num jogo de futebol e passou mais de um ano afastado do trabalho, internado
num hospital. Quando retornou, estava disposto a abandonar o emprego, pois sentia-se
cansado. Foi morar em uma pensão no Tatuapé e foi trabalhar numa indústria plástica.
Na época do milagre brasileiro abundavam vagas de trabalho:
“Porque você passava numa firma não tinha como
você... Sempre existia placa, entendeu? Sempre existia
placa.(...) Se eu chegasse lá, batesse e falasse com o
porteiro, ele ia rapidinho e te mandava prum escritório
lá, que já fazia uma ficha lá e já ficava trabalhabdo.
Quantas vezes eu já... Pra você ter uma idéia, eu saí da
Natel Plástico e entrei na... (inaudível) Pelton
70
. Saí de
manhã e à tarde eu já tava empregado.”
Saindo do ramo plástico, foi trabalhar no ramo de tecidos. Encontrou a esposa na
terra de seus pais, que visitava todo ano. Conheceu-a quando eram crianças, namoraram
por correspondência e casaram-se em São Paulo, fugidos, pois o pai dela era contra o
casamento. Moraram em São Mateus, no Pró Morar. Em seguida na Vila Dalila, onde
moraram sete anos, de aluguel. Compraram um apartamento de uma moradora na
Cidade Tiradentes, sem pesquisar sobre a documentação. O real dono do apartamento
apareceu cobrando o valor do apartamento e Igor deu a ele um terreno em Ilha
Comprida, em troca da regularização junto à COHAB-SP, em 1994. Igor conta sobre a
construção das garagens:
Pesquisadora: E você comprou essas garagens da mesma
pessoa que...
Igor: Não. Quando eu entrei aqui, morando aqui, essas
garagens aí... Bastante tempo, né. Não tinha muita
garagem construída aí. Tinha poucas. Tinha bastante
terreno aí. Então, quem quisesse construir e tivesse
condições de aplicar pra fazer isso aí, né, podia fazer.
onde eu fui e (...) construí.
(...)
Pesquisadora: Mas, tem algum documento? O senhor tem
algum documento da garagem?
70
Os nomes são fictícios.
150
Igor: Não. Eu não tenho documento porque ninguém tem
documento da garagem. Todo mundo respeita onde é a
garagem de fulano, de sicrano, ta entendendo. (...)
Corredor lateral do edifício, com as portas de entrada para as garagens construídas pelos
moradores.
Para a COHAB-SP, as garagens inexistem. Não plantas, não registros de
propriedade. Mas elas o amplamente construídas, utilizadas e comercializadas. Nelas
são realizadas atividades comerciais, que tampouco poderiam acontecer no espaço da
COHAB-SP. A despeito de não existirem no papel, elas são usadas para guardar os
carros, ou para atividades comerciais, e negociadas pelos moradores como imóveis. São
feitos contratos de compra e venda sem nenhum documento ou planta. A regulação
destes espaços é inteiramente realizada dentro do espaço coletivo como extensão do
espaço privado, mas fora da legislação pertinente. É uma apropriação dos moradores,
que se auto-organizam em torno de algo que passa a ter valor para eles, e, embora tenha
151
similaridade com o que existe de legal (são feitos contratos e a relação é mercantil), é
uma negociação autônoma e própria. É uma expressão da medida do reconhecimento de
um valor pertinente a todos, instituído no espaço coletivo. Como os demais valores do
espaço coletivo, é uma mercadoria.
Igor trabalhou até 1996 como empregado e decidiu investir suas economias, o
equivalente na época a três carros populares, em uma pizzaria disk-entrega na COHAB
José Bonifácio. Entrou como sócio com o cunhado, mas este não investiu recursos. A
pizzaria não foi para frente e Igor amargou o prejuízo. Entre as razões da derrocada,
Igor enumera a dificuldade com funcionários e impostos e o fato de o ponto que ele
comprou ser “queimado”: antes funcionava uma pizzaria muito ruim.
Em 1997, Gérson trabalhava com tapioca. Igor conversou com ele em busca
de algum conhecimento com o assunto, como uma alternativa de geração de renda.
Informado sobre o mercado de trabalho, Igor acredita que “emprego não existe mais”.
Sua recuperação da situação da pizzaria se deu concomitante à sua entrada no
mundo do protestantismo. Iniciou sua vida de crente pela Universal do Reino de Deus,
seduzido pela busca do sucesso financeiro, mas logo aprofundou a fé e entrou na
Congregação Cristã do Brasil, em busca de entendimento sobre a Bíblia.
Seu universo hoje gira em torno da produção da tapioca, da venda na feira e da
Igreja. No prédio ele se colocou como uma espécie de gerente da tapioca. Organizou a
destinação do lixo: as cascas de côco eram queimadas e exalavam uma fumaça preta.
Ele conversou com Gérson. Sugeriu que dessem uma caixinha para o lixeiro. Ao mesmo
tempo, fez a ligação da água nas garagens. Enquanto a água era coletiva isso provocava
conflitos, pois pessoas “de fora” (de outros prédios) iam lavar o carro lá. A água
individualizada foi vista por ele como um movimento positivo.
Na feira, a violência aparece. Assaltos e assassinatos em torno da venda das
tapiocas. Para se assegurar de certa tranqüilidade, Igor, como os outros comerciantes,
paga por segurança privada aos próprios policiais.
152
Respeitado no prédio, Igor não concorda com a gestão do condomínio. Acha que
pagam muito caro pela reforma e o trabalho não é executado. Discorda do valor do
condomínio e da taxa da reforma. Admite que houve gestões melhores e gestões piores.
Identifica a figura de Reinaldo, um bom síndico, que saiu do prédio. E de outro
morador, que ele não chama pelo nome, na administração de quem houve roubo.
Acredita que os problemas do condomínio são por falta de união. Numa ocasião, foi
síndico por três dias, em 2001. Desistiu logo que um morador afirmou: “Olha mais um
aí que vem roubar!”. Ficou ofendido e resolveu abandonar a posição. Sua postura desde
então é de não envolvimento, que ele justifica por meio da máxima: “o povo de Deus
não se mistura.”
No espaço coletivo, Igor é o homem de sucesso bastante respeitado. Assim como
sua distinção social fica evidente, o distanciamento que os vizinhos mantém em relação
a ele é evidente. Circula como um empreendedor liberal, ocupado demais para assumir a
gestão do espaço coletivo.
Viração em tempos difíceis: Macedo e Sueli
Macedo e Sueli trabalham no prédio e são bastante conhecidos. Ele faz serviço
de pedreiro na Tiradentes. Ela cuida de crianças. Acolhedores, gostaram de conversar e
me convidaram a entrar desde a primeira visita, no apartamento simples e com aspecto
de inacabado. O banheiro não tem porta, o piso está no cimento e a pintura deve ser a
primeira e única que as paredes viram. Os vidros não são limpos, na cozinha apenas
uma estante e na sala, um móvel para a tevê e um sofá surrado. Um lençol separa o
cômodo do quarto. O investimento no apartamento foi nimo. Sueli não tem boa parte
dos dentes. A filha parece querer uma saída daquele espaço familiar, e o caminho mais
curto é o casamento. Macedo tem uma história de abandono na infância. Um trajeto
triste, uma história de ausências, mas de muito trabalho, como eles contam. Excesso de
trabalho, mas que não consolida conquistas, aparentemente.
Macedo nasceu no interior do Cea e Sueli, no interior de Pernambuco. A
primeira migração de Macedo foi para Fortaleza. Cedo perdeu o pai e foi morar numa
fazenda, trabalhando como faz tudo. Adolescente foi para a capital, e decidiu tentar a
vida em São Paulo. Sua trajetória não ficou muito clara (durante a entrevista estava
153
acompanhado da mulher, que falou mais), mas foi possível saber que ele trabalhou em
firmas com construção civil, atividade que mantém por conta própria sempre que
“aparece serviço”.
Sueli começou a trabalhar aos 14 anos, ainda em Pernambuco. Seu pai a pôs
para trabalhar como empregada doméstica, para que ela pudesse comprar suas próprias
coisas. Aos 16 anos veio a São Paulo morar com o tio e na mesma semana começou a
trabalhar como empregada doméstica. Ela conta um episódio que ilustra a desolação de
uma migrante recém chegada à cidade grande:
“Ai trabalhei sem... A segunda semana que eu
fui, meu tio me deu o dinheiro da passagem, com o
dinheiro da passagem, ai não sei como me atrapalhei
acabei descendo no ponto errado, sem conhecer São
Paulo, sem conhecer nada. Ai eu desci, quando eu vi não
era um lugar conhecido, não era ali... Eu sei que tinha
uma pracinha, né, e era ali mais ou menos parecido onde
eu ia descer, mas não era, e eu não acertei a casa da
mulher e fiquei com vergonha de pedir dinheiro para mim
voltar, voltar para trás. que o dinheiro, na época não
tinha esse cartão que é o bilhete único, e como eu era
muito vergonhosa eu não pedia, fiquei com vergonha de
pedir para os outros. Ai eu fiquei chorando, eu lembro que
eu chorava, suba o ponto chorando, de um ponto pra
outro, porque queria ir embora, mas não tinha como, com
vergonha de pedir a condução, pedir pro motorista para
eu ir embora e com vergonha de pedir a alguém do ponto
o dinheiro de voltar.”
O seu relato evidencia a cidade como o lugar do desconhecido, em que os
recursos que se traz não são suficientes para elaborar uma cartografia simbólica e
concreta que faça sentido. É por isso que ela não se sente à vontade para circular na
cidade. A chegada é um momento de suspensão cognitiva, e muitas vezes a cidade
intimida (como no relato, em que ela expressa vergonha).
Instalou-se numa favela, em um lugar que é nomeado pelos entrevistados de um
modo geral como um lugar “perigoso”: São Mateus. Começou a trabalhar numa
confecção de roupas. Da faxina aprendeu a costurar e passou 13 anos trabalhando nesta
154
firma. De Guarulhos foi morar com a tia na Cidade Tiradentes, no mesmo prédio. Ela
estava então grávida da sua filha. Conheceu Macedo na Cidade Tiradentes, quando sua
filha acabara de nascer. Entrou no apartamento em que está pagando aluguel, mas ficou
sabendo que a situação era irregular. Em negociação com a COHAB-SP, tornou-se
mutuaria, na época do governo Erundina:
Sueli: Ai depois, o dono aqui, como ele tinha esse e tinha
mais outro, na época não podia alugar, né? Porque na
época tinha fiscal da COHAB, então eles viram eu aqui,
pediram meus documentos, né, eu peguei e apresentei os
documentos porque eles pediram o nome do dono e eu não
sabia o nome do dono, que isso aqui já era de vários
donos, sou a terceira, né, e a única, ai eu peguei e
apresentei meus documentos, ai nisso eu fui na COHAB e
a COHAB não deixou mais pagar a prestação, a
prestação não, quer dizer, o aluguel, porque não era para
alugar, ai eu passei a pagar o carnê na COHAB.
Pesquisadora: E não pagou mais o aluguel?
Sueli: E não paguei mais o aluguel.
Pesquisadora: E o proprietário não veio falar com você?
Sueli: Não, não, a COHAB, que na época que eu fui na
COHAB, a COHAB falou para mim que ele, que ele não
era o dono no registro, que o dono é aquela pessoal que
está com os papéis lá na COHAB, na pasta lá, ai como
tinham vários apartamentos, que ele comprou
negociando, né, então a COHAB tomou, porque não podia
negociar os apartamentos da COHAB na época, que era
para aquelas pessoas que precisavam. Hoje não, hoje eles
estão fazendo compra, vendem, alugam, mas antes não
podia alugar...
Foi demitida da empresa pois morava muito longe e, na época (início dos anos
1990) as greves de ônibus eram freqüentes, o que fazia com que ela se atrasasse para o
serviço.
Este fato ilumina a forma como a configuração urbana interfere diretamente nas
trajetórias dos indivíduos. O serviço de transporte é dificultoso e morar em bairros da
155
periferia torna-se critério de seleção em entrevistas de emprego, seja pelo estigma
71
, seja
pelo cálculo do valor do transporte que o empresário faz (no caso dos contratos
formais), seja pela previsão de que o funcionário, ao morar longe, não respeitará o
horário de trabalho. Eventualmente, são situações que se misturam no imaginário do
empregador.
Sueli investiu a indenização do fundo de garantia num terreno em São Mateus,
mas percebeu que o local era irregular e sentiu-se ameaçada pela presença freqüente de
bandidos. Achou melhor “deixar pra lá”.
Na Cidade Tiradentes começou a fazer “bicos”. Comprou duas máquinas de
costura e, com uma amiga, passou a “pegar serviço” de costura. Inúmeras confecções
usam mão de obra contratada por serviço, e as costureiras trabalham em suas casas,
recebendo por peça, em geral valores irrisórios face ao valor de comercialização da peça
na loja, no shopping center. Sueli e amiga não deram conta, pois era “muito serviço”.
Não conseguiram mais pessoas para costurar pois as costureiras da região foram
trabalhar na Acetel, cooperativa da região (cooperativa de mão de obra de costureiras,
fundada e mantida por um personagem ligado ao PCdoB, que mantém um contrato com
o governo federal para a produção dos artigos esportivos das equipes brasileiras e da
bandeira brasileira
72
). O “bico” que restou é cuidar de crianças, atividade pouco
lucrativa e que a mantém ocupada sem muito entusiasmo.
Como já citado, o início da pesquisa coincidiu com uma ampla reforma no
prédio – a troca dos pisos das escadarias e áreas comuns, a pintura externa, a construção
de um muro e de uma nova entrada. Uma obra orçada em R$ 24.000,00 a ser paga em
dois anos pelos moradores, representando um total de R$ 15,00 de acréscimo ao valor
do condomínio. Ressalte-se que nossa primeira entrevistada foi a síndica do prédio, e as
primeiras pessoas contatadas, relacionadas a ela diretamente. Foi, contudo,
surpreendente, entrevistar Macedo, que ressente-se de não ter sido chamado para
executar a obra:
71
O estigma de morar em Cidade Tiradentes tem sido estudado por D´Andrea (2008).
72
Conforme Rizek & Georges (2008).
156
“Isso aqui eles fazem daquele jeitão, sabe. Ela [a
síndica] disse pra mim.
Inclusive eu tinha dito antes, eu disse, olha,
contrata, chama três empreiteiras, faz uma licitação, tipo
de uma prefeitura, que vai três empreiteiras e elas pegam
a melhor, a mais prática e a mais barata, geralmente é
isso. Aí eu disse, chama três empreiteiras, pessoas que têm
responsabilidade, que entendem da área, eles fazem o
orçamento deles. Você me mostra os três orçamentos, se
der eu cubro os orçamentos e eu mesmo faço. Mas, nada
disso foi feito. Por que?... Porque eu não sei. Não sei e
sei, né, porque eles sempre trabalham, a gente não pode
provar, mas sempre eles trabalham com caixa dois, isso
daí não tem jeito. E o nosso país é isso aí.
Pergunta: Mas, você acha que então, quem
contratou o serviço pode estar recebendo por fora?
Resposta: É, às vezes acontece, né.
(...)
Porque o serviço não ia ficar pior comigo do que
com o pessoal de fora..
Macedo, forte e incisivo, foi minoria na Assembléia dos moradores que debateu
a continuidade da obra. Na ocasião, 24 moradores votaram acerca da continuidade ou
não das obras, sendo 16 a favor e 8 contra.
O ressentimento de Macedo está na fala e na postura. Sueli não é diferente. Entre
suas atividades está a de “olhar” crianças cujos pais trabalham. Numa ocasião estava por
lá quando duas crianças estavam sendo olhadas. A expressão é certa. Cuidar de crianças
requer atenção, empenho e disposição que não estão na equação de olhar.
157
Macedo e Sueli são outsiders no espaço coletivo.
73
São vistos como aqueles que
devem ser excluídos e que se tolera, mas cujo lugar não é ali. Em sua encenação social,
eles absorvem estes papéis e reiteram sua posição.
74
Sua encenação não é capaz de
articular as atribuições coletivas que dariam credibilidade à sua posição.
O caminho de saída da Cidade Tiradentes
O irmão de Macedo e sua esposa Fátima vivem também no mesmo prédio que
Sueli e Macedo. Ribeiro, irmão de Macedo, morou também em Fortaleza, onde se
casou, e onde aprendeu a profissão de eletricista. Trabalhou muitos anos na empresa de
abastecimento de energia elétrica do Ceará. Sofreu um acidente no início dos anos 1980
e ficou dois anos afastado, quando então decidiu vir a São Paulo. Em São Paulo foi
morar na Penha, trouxe a família e continuou trabalhando como eletricista predial.
Mudava de emprego mas, até os anos 1990, não ficava desempregado. Sua ocupação
sempre foi irregular pois trabalhava em empresas médias e pequenas, que demitem
quando não têm empreitas contratadas. Continua trabalhando na empresa de um amigo
em que foi demitido em 1995 no sistema de “bico” (sem contrato de trabalho),
eventualmente, em média duas semanas no mês.
Ribeiro e Lúcia são opositores da gestão de Ilda. Em sua fala, questionaram a
reforma desde sua concepção. No entendimento de Ribeiro, eletricista e encanador, toda
a parte do esgoto do prédio deveria ser reformada para afastar os ratos. Mas o projeto
contratado não prevê isso. Além disso, o serviço está atrasado. Lúcia foi tesoureira do
prédio por três meses, quando teve o entendimento de que o valor do condomínio
deveria ser depositado em uma conta corrente para as melhorias, mas isso não foi aceito
pela então síndica.
A família de Ribeiro e Lucia se colocaria como uma alternativa moral para a
gestão do condomínio, mas efetivamente eles não buscam o apoio dos demais, talvez
73
Elias (2000).
74
Goffman (2006).
158
por excesso de escrúpulos em relação aos benefícios que a posição poderia trazer para
seus membros (como para Macedo que viria a se ocupar das reformas, por exemplo.)
Talvez porque o plano seja sair dali, como de fato fizeram alguns meses depois.
Ribeiro e Lucia têm quatro filhos, dois homens e duas mulheres. As mulheres
são casadas e vivem em Arthur Alvim. Um dos filhos é eletricista como o pai e o filho
mais velho estava prestes a começar o curso de sociologia na Fundação Escola de
Sociologia e Política. Filiado ao partido comunista, antagoniza com a síndica e
aparentemente, com toda a realidade à sua volta. Tem um histórico de alcoolismo e
talvez de envolvimento com drogas que não cheguei a conhecer, apenas ouvi boatos.
Estes boatos são muito elucidativos de uma forma de vê-lo. Personagem anti-heróico, o
menino, antagonista frontal da síndica, não é levado muito a sério, nem pela família
nem pelos moradores. As irmãs, casadas, já saíram da Cidade Tiradentes e querem levar
os pais. O projeto da família é o projeto de ascensão que significa sair de Cidade
Tiradentes, diverso do projeto de ascensão e emancipação dentro da Cidade Tiradentes e
do próprio prédio. Heitor, o filho do casal, coloca-se no espaço coletivo como um
antagonista, mas não consegue apoio à sua postura. Uma oposição estabelecida
demanda reconhecimento do potencial de liderança, e escuta. No lugar da escuta, Heitor
tem pressa e inquietação. Seu pai, ao contrário, é figura querida e circula no espaço
coletivo quase como um conselheiro, a quem se pode ouvir. Mantém-se no registro da
vida familiar, sem colocar-se efetivamente nas questões condominiais.
Tornar-se policial na Cidade Tiradentes: um risco.
Da geração jovem de famílias no prédio conversei com Túlio que, em pouco
tempo trabalhando, comprou um carro, um apartamento, e reformou o apartamento.
Andava desempregado e seu projeto é um posto na polícia militar. Túlio sabe que
quando passar no concurso para a polícia militar vai precisar sair da Tiradentes, mesmo
porque ele cresceu com outros jovens que hoje estão no crime organizado. Se ele for
policial na Cidade Tiradentes, seus amigos que hoje estão no “movimento” (como são
chamados quem participa do crime organizado) poderão sentir-se acuados e ele estará
em risco. Seja por tolerância aos seus amigos, seja por temor deles, seu destino é sair da
159
Cidade Tiradentes para agir como policial. Caso a carreira policial não vingue, ele opta
por ficar na Cidade Tiradentes. A Cidade Tiradentes é para ele um local positivo e
dinâmico. Seus amigos estão por perto, eles passeiam bastante pela própria Cidade
Tiradentes e ali ele seu próprio apartamento.
Seu local no espaço coletivo confunde-se com seu papel como filho. Seus pais
moram em um outro apartamento, outra irmã sua mora num terceiro apartamento. Eles
comem juntos, vivem uma vida de família extensa em um prédio.
75
O momento no ciclo
de vida e os investimentos não o fazem considerar como importante a gestão das
questões coletivas.
Migração e trabalho fabril.
A trajetória de Carla conta a história de migração a caminho da cidade nos anos
1970.
76
História de muito trabalho, de conhecer o marido no ambiente da fábrica, de
montar a vida juntos, da rede de apoio familiar (sogra, irmãos). Carla criou os filhos na
Cidade Tiradentes e separou-se do marido. Ela não fala da sua separação. Mostra-se
como uma chefe de família e é respeitada como tal no espaço coletivo. Embora apóie a
síndica, tem suas ressalvas. É alguém que eventualmente participaria de uma gestão
condominial, mas, por comodidade, prefere não se envolver. O projeto da filha, casada,
é um apartamento em que possa levar móveis maiores, uma expressão do seu desejo de
espaço.
A cooperativa de Mão de Obra
Valquíria ilumina o trabalho na cooperativa (que na realidade é uma cooperativa
de mão de obra), a Acetel Associação de Mutuários e Moradores do Conjunto Santa
75
Entre os 60 apartamentos, 14 estavam ocupados por famílias extensas de moradores. O edifício foi
ocupado por famílias extensas e relacionais, todo o tempo solidárias numa esfera de dependências, dentre
as quais os cuidados com as crianças e a comensalidade.
76
Durhram (1984).
160
Etelvina. Sua trajetória revela as ambigüidades da situação. Na cooperativa ela recebe
um salário superior ao que receberia em uma fábrica no Brás, por exemplo. No entanto,
é uma cooperativada-assalariada. Esta cooperativa vem sendo estudada por Rizek &
Georges (2008). Mantém contrato com o Ministério dos Esportes e o presidente Lula
esteve visitando o espaço que abriga também uma grande associação de moradores.
Nascida na luta contra as elevações dos valores das prestações da COHAB-SP a
associação tornou-se um lucrativo negócio para seus diretor, que criaram a cooperativa
de mão-de-obra.
Foto: Jorge Hirata. Pesquisa Mobilidades urbanas e trajetórias sociais: trabalho, moradia
e mobilidade cotidiana.Coordenação: Vera Telles e Robert Cabanes.
Como pontuam as autoras a definição da Acetel como associação/ ong/
cooperativa ou empresa não é uma questão meramente de denominação “já que poderia
desenhar expectativas, práticas, formas de ação das direções assim como de seus
participantes/ membros/ trabalhadores/ filiados”. Rizek & Georges (2008, p. 1).
Valquíria, como outras mulheres que trabalham na Acetel, trabalham quando o
contrato da organização é assinado com alguma empresa ou com o governo. Significa
que ficam boa parte do tempo sem trabalho. Na época da produção intensa, o trabalho
161
excede a jornada permitida por lei. A remuneração é por peça. Embora seja
cooperativada, ela desconhece o estatuto da cooperativa e sua inserção é como a de uma
assalariada sem carteira assinada: na época em que o contrato está vigente trabalha
todos os dias. O sistema de trabalho é intenso e a pressão da supervisão de produção é
grande. Não são permitidas conversas e o horário para o uso do banheiro é restrito.
Para Valquíria, no entanto, a experiência é vista positivamente, pois para ela a
Acetel confunde-se à figura do presidente Lula, por quem ela nutre grande admiração
(exibe a foto que tirou com ele), e, no limite, sua remuneração é maior do que quando
ela trabalhou em empresas de costura no Brás. O trabalho não é visto como precarizado,
comparado à outras experiências de trabalho igualmente precárizadas. Sua geração
conheceu a subcontratação dos serviços de costura. A inserção como cooperativada é
apenas um meio como outro qualquer de acessar o trabalho e renda, e não uma forma de
produção que poderia lhe abrir a possibilidade de organizar a sua forma de trabalhar.
São ambigüidades que estão presentes nos novos vínculos de trabalho, formas de
apropriação da legislação como modo de precarização do vínculo do emprego, via de
regra favorecendo o empregador, que muitas vezes se confunde com o “presidente da
associação” ou o “diretor da cooperativa.”
São ambigüidades presentes em relações diversas com o mundo público na
contemporaneidade, como também ilumina a trajetória de Paula.
Trabalho em ONG na periferia: militância ou emprego?
A trajetória de Paula, trabalhadora em uma organização não governamental,
também ilumina as ambigüidades do mercado de trabalho e da política no mundo pós
fordista. Sua trajetória é sofrida e pode ser lida na chave da busca por autonomia.
Jovem, recém-separada e com um filho pequeno, tem dificuldades de se manter distante
do ex-marido, de quem depende emocionalmente. Paula, talvez por sua infância repleta
de episódios de violência doméstica sofrida tendo como algoz o padrasto, não consegue
162
romper com o ex-marido. Sua relação com o trabalho revela laços privados no que se
pretende uma prática associativa e democrática. Um dos diretores da organização que
ela trabalha se orgulha de dizer que a ong se distingue pela busca de democratização das
relações com os atendidos. Todos os diretores e a presidente da organização são da
mesma família. A organização mantém convênios com a prefeitura de São Paulo e
atende crianças em horário complementar ao da escola, além de manter projetos de
acompanhamento social e jurídico de famílias de adolescentes em conflitos com a lei.
Acompanhei uma assembléia de alunos, que conhecem as normas da organização e
também as contas. Na época da entrevista, Paula era responsável pela limpeza na
organização. Os alunos, numa dessas assembléias, solicitaram-na como educadora, vaga
em aberto na ocasião. Paula, que foi chamada para trabalhar depois de um breve
trabalho junto ao partido, disse-me que a presidente da organização chamaria sua
sobrinha para a vaga, desconsiderando o pedido dos alunos. Por mais horizontalidade
que se busca, a estrutura da ong é vertical e as decisões são tomadas pela esfera que
preside, e não pelos atendidos.
Talvez seja possível ler nesta relação entre a ONG e Paula, a contratada, uma
reprodução de um vínculo compatível à lógica gestionária de que fala Paoli (2007). A
ONG realiza um trabalho em que a democratização das relações não é uma
experimentação da política, mas é uma técnica de gestão, e, como tal, a força do
discurso do poder.
Paula não é exatamente militante. Sua presença no partido era em troca de
salário, assim como seu trabalho na organização é profissional. Nova no prédio, sua
relação com o apartamento é afetiva e é onde estão seus dramas afetivos. Ela não busca
se envolver na gestão do condomínio. Sua presença no espaço coletivo é da carência
afetiva, e assim ela é vista por seus vizinhos.
Ambigüidade da situação de moradia na Cidade Tiradentes: retrocesso de
condição de vida com o acesso à casa própria.
163
Gabriela e Wilson formam um jovem casal recém moradores de Cidade
Tiradentes. Pais de quatro filhos, entre 13 e 4 anos de idade, moravam na V. Maria,
berço da família de Gabriela, e para eles o apartamento em Cidade Tiradentes foi uma
opção para sair do aluguel. Wilson é um rapaz jovem e ativo. Ao longo de sua vida
profissional desenvolveu a profissão de sapateiro, que aprendeu com o pai e atualmente
é segurança e instalador de equipamentos eletrônicos. Gabriela saiu do serviço
doméstico para investir em uma carreira no ramo de confecção. Apesar das restrições
financeiras, são animados e dividem seu tempo livre entre a igreja evangélica e as rodas
de samba e pagode em que Wilson toca cavaquinho. Eles contaram um episódio
dramático da doença de um dos filhos que evidencia as relações solidárias entre os
moradores da Cidade Tiradentes. O menino teve um ataque epilético num domingo à
noite e todos os moradores do prédio saíram para acudir. Um dos moradores emprestou
o carro e levaram-no ao hospital em Cidade Tiradentes. Não havia médicos nem plantão
de atendimento no gigantesco hospital inaugurado recentemente. Felizmente no Posto
de Saúde o menino foi medicado e se recuperou de uma parada cardíaca.
Para Gabriela e Wilson morar no prédio significa, por um lado, um retrocesso na
vida. Da Vila Maria, bairro próximo ao centro, à Cidade Tiradentes a distância é
considerável. Com o olhar nesse movimento da vida da família entende-se que eles
olhem os vizinhos com distanciamento, classificando-os como acomodados, ou seja,
aqueles que têm o apartamento garantido (a inadimplência não implica em expulsão), e
portanto não são muito voltados ao trabalho. Por outro lado, os vizinhos são vistos
como solidários, pois “olham” seus filhos (cuidam das crianças) quando os pais não
estão por perto. Esta presença dos vizinhos terá a sua importância na educação das
crianças. Nesta ambigüidade, fazem planos de reformar o apartamento ao mesmo tempo
em que sonham voltar para a Vila Maria. Seus empregos são instáveis e pouco
duradouros, ao sabor das circunstâncias do mercado (contratos das empregadoras).
Contudo, são dinâmicos e estão sempre realizando alguma atividade produtiva. Sua
presença no espaço coletivo é a de uma família jovem que sonha junto; por isso mesmo,
sua energia não se voltará neste momento para as questões do condomínio.
164
Experiência em favela, experiência de habitação provisória na Cidade Tiradentes
Por intermédio do jovem casal conheci D. Nair. D. Nair é uma senhora com uma
longa e difícil trajetória de vida que está no prédio numa situação provisória. Nasceu no
interior do Paraná e casou-se para fugir das ameaças de abuso sexual do padrasto.
Rompeu definitivamente com a mãe e sua família passou a ser a família do marido.
Perdeu um filho de oito meses, morto de tuberculose. Com sua filha mais velha, decidiu
com o marido tentar a vida em São Paulo.
“A minha primeira impressão foi feia, cheguei na
Rodoviária Velha. Tinha o endereço na mão. A minha
sorte era que tinha um bom dinheiro, porque tinha
plantado e tinha dado bastante.” (...)
“A gente imaginava que era o lugar de ganhar
dinheiro, de muita gente bonita. Não era bem assim.”
Foi morar com o marido num cômodo na Capela do Socorro, zona sul de São
Paulo. O marido trabalhava numa metalúrgica. Em São Paulo nasceu sua segunda filha.
O marido a abandonou para viver com outra mulher, no mesmo bairro. No entanto
permaneceram casados e vivendo como amantes. D. Nair trabalhou numa metalúrgica
de lacre de medicamento e como empregada doméstica. Cansada de sua situação com o
marido, foi para o Para na casa dos sogros. Viveu e trabalhou no Paraná numa
empresa de ônibus durante dois anos. Voltou a São Paulo. Foi trabalhar na casa de
campo da apresentadora de TV Hebe Camargo, no Horto Florestal. Engravidou do
marido e quando a criança nasceu a apresentadora convidou-a para trabalhar no Rio de
Janeiro. Com medo de que a apresentadora roubasse o seu filho
77
, não foi.
D. Nair passou então a trabalhar numa empresa contratada de faxina no Hospital
das Clínicas. Fez um acordo para ser demitida e recontratada para, com o fundo de
garantia, comprar um barraco na Capela do Socorro, por R$ 800,00. , teve um caso e
77
Este episódio inverossímil é contado com credibilidade, o que revela a força do fantástico na re-leitura
da própria experiência, que pode ser mais evidente em pessoas como D. Nair, para quem o vínculo com a
realidade parece tênue.
165
um filho deste caso. Ficou 7 anos no HC e 14 anos na Capela do Socorro. Teve ainda
um outro filho, de um terceiro relacionamento. Tentou a guarda das suas filhas, que
moravam com o marido e com a amante, mas o juiz deu ganho de causa a eles. Quando
o marido morreu se organizou para reivindicar a pensão. Teve uma menina, de outro
namorado, mas decidiu que não ia mais se casar. Um conhecido ofereceu o apartamento
em Cidade Tiradentes para ela cuidar, e é por isto que estava há alguns meses no prédio,
com os três filhos mais jovens. Não trabalha, recebe pensão. Está tentando vender a casa
na Capela do Socorro para ir morar definitivamente em Cidade Tiradentes.
D. Nair ilumina uma relação com o mundo público que passa pela mediação da
família e suas vicissitudes. Nesta relação, o mundo do trabalho lê-se na chave do mundo
da necessidade. Sua relação conflituosa com o marido redundou em um conflito
permanente com as filhas e num projeto familiar bastante vinculado ao sabor das
oportunidades da vida. Sua presença no espaço coletivo é um pouco nebulosa, como
moradora de circunstância, ela não se envolve nas questões do condomínio. Sua
experiência na favela lhe confere um sentido de sociabilidade solidária e expandida,
cuja adaptação ao universo do prédio ainda não havia sido inteiramente realizada.
A força da religião evangélica
Joana e Milton mantêm um casamento cujo maior conflito é o apartamento. Ela
quer morar numa casa (dos pais dela), ele não aceita. Ela, contudo, não aceita separar-se
por isso. Gosta do marido e ademais não quer perder os privilégios na igreja. Para eles,
abraçar o protestantismo significa ao mesmo tempo distanciar-se dos vizinhos, e
distanciar-se das questões coletivas. Milton disse-me que os protestantes devem se
afastar “do mal e da aparência do mal”.
Milton é protético e faz um curso de técnico de segurança no trabalho. Ele fez
observações interessantes sobre a gestão do espaço coletivo. Em sua visão de técnico de
segurança, ele sugeriu durante a entrevista algumas medidas que ampliaria a segurança
do prédio. Questionado sobre o motivo pelo qual ele não sugere estas medidas aos
vizinhos, ele diz que sua condição de protestante o afasta da gestão do coletivo.
166
De forma muito clara, a dinâmica familiar está organizada em torno de relações
que privilegiam o espaço privado e suas conexões com o espaço público numa ordem
simbólica que valoriza o espaço privado em detração de uma esfera coletiva, que é vista
como “aparência do mal”.
De uma forma geral, os comentários, contra ou a favor da síndica criam pontos
de vista a respeito de como deve ser o espaço coletivo. Em torno disso um assunto é
pautado nas conversas, e se coloca em latência. Este espaço coletivo é atravessado por
conflitos, o que é evidenciado pelas disputas em torno do tipo de música e do volume. O
desejo de distinguir-se dos demais está em potência, e está nas falas dos moradores
quando eles dizem que os outros são bagunceiros e incapazes de união. Uma espécie de
frustração está nessa fala, que demonstra o próprio desejo de avivar esta coletividade,
como no caso de Macedo.
Seja pelo investimento ser estritamente privado (D. Vera), seja por opção
justificada por uma visão de mundo (Milton e Joana), seja por inexperiência (Sueli e
Macedo, ou Valquíria), os moradores delegam a tarefa da gestão do espaço coletivo à
síndica. um entendimento se formando em relação ao que é coletivo e das
possibilidades de consolidação desse espaço para alguns (Ribeiro e Lúcia), e a
possibilidade resta latente. Ocorre também uma distinção entre os tempos privados e o
espaço coletivo (o caso de Paula ou de Túlio), ou do próprio tempo coletivo, no caso
dos moradores que se mudaram recentemente (Gabriela e Wilson ou D. Nair).
O espaço coletivo está em experimentação, mas estamos longe de um lugar de
idealização do que se possa chamar de comunidade. Os laços entre as famílias são
tensos, feitos de disputas simbólicas e de desejo de afastamento. Afastamento que
muitas famílias efetivamente conseguem quando mudam dali. O fantasma da violência
está presente, e organiza os julgamentos e os discursos que se transmitem entre
gerações. Este julgamento, ao mesmo tempo em que é bastante profundo em alguns
casos (como no caso dos protestantes), pode em algum momento ser flexibilizado
dependendo da circunstância.
No espaço coletivo a situação social se coloca e diante dele os indivíduos
mobilizam seu conhecimento de si para produzir seus discursos. Cada entrevista é uma
167
situação que pode ser entendida até como cênica
78
, em que os personagens nos colocam
pontos de vista e suas fundamentações. As fundamentações estão na relação com o
mundo do trabalho, com acertos e fracassos sociais, que são transpostas para um espaço
– também cênico do coletivo. Neste coletivo encenam-se os caminhos e as interdições
para uma realização.
A reforma pode ser entendida nessa chave. Como uma ação coletiva, ela se põe
em marcha a partir de uma iniciativa (de Ilda). As alternativas para sua consecução são
colocadas ao julgamento do coletivo. Apresentam-se propostas, como a de Macedo e a
de Ilda. A aceitação da proposta de Ilda em detrimento daquela de Macedo revela que os
moradores entendem os atributos de Ilda mais críveis do que os de Macedo. O olhar
para Ilda, mesmo quando crítico, reconhece seus laços no bairro e isto é visto como
elementos de poder que se devem considerar. Ao contrário, Macedo não conta senão
com sua razão, que não chega a convencer os outros moradores. Nesta cena, houvessem
se posicionado Ribeiro e Lúcia, talvez a força da oposição fosse maior. Eles, no entanto,
permaneceram na possibilidade do não-envolvimento baseada no desejo de sair do
prédio. A situação se desenrolou e os moradores todos tiveram que arcar com o prejuízo
de sua decisão (ou indecisão): o atraso nas obras, que dão margem às suspeitas de roubo
e corrupção. A fronteira entre ilegalidade e legalidade perpassa todo o cotidiano dos
moradores, e não seria de se admirar um novo calote. Diante destas pequenas
frustrações muitas famílias se voltam para o universo familiar, de cálculo mais simples.
A pauta do espaço coletivo, por seu turno, é a pauta da mercadoria. O tempo todo as
relações são mediadas pelo valor monetário: as contas de condomínio, as taxas de
serviços, as taxas de reforma. É como se, no âmbito do coletivo, ao largo das relações
de cordialidade do dia-a-dia, o que interpelasse a vida fosse da ordem do que se pode
pagar. Duas gerações basicamente convivem no prédio, e uma delas guarda a vivência
da ditadura militar. A outra cresceu com a referencia de um mundo público mediada
pelo consumo. As trajetórias individuais reforçam lugares nas cenas coletivas em que os
preconceitos se cristalizam, e os assuntos são pautados. O mundo público está presente,
pois os indivíduos se relacionam com o mundo do trabalho, trazem olhares de suas
trajetórias e das vivências de sociabilidade para além dos muros do prédio. Na
78
Em referência à abordagem de Goffman (2007) ao social.
168
experiência de encontros nas escadarias e relatos a uma pesquisadora, no entanto, este
mundo público parece ser encolhido nas possibilidades do que se considera que seja a
experiência de vizinhança e do entendimento e envolvimento com o espaço coletivo.
169
Considerações Finais
A experiência descrita nesta dissertação, pautada pela pesquisa no campo e pelo
olhar analítico de outros pesquisadores, buscou refletir formas de ocupação urbana e
suas reverberações em trajetórias individuais. Ao mesmo tempo, recortou um ambiente
em que o olhar estático para um outro, próximo do ponto de vista social e espacial,
pudesse dizer de visões de mundo e de compreensões de práticas coletivas. Existirão
práticas coletivas para além de sentimentos de identidade?
O fenômeno da identificação é situacional e político. No caso da vida cotidiana,
da relação com o vizinho, que deve ser acima de tudo tolerado, existe identificação?
Aqui também a identidade é circunstancial, e informada pelo modo como se vê o mundo
e como se reflete. As práticas coletivas, no entanto, evidenciam tensões. Evidenciam a
restrição da iniciativa, que não é prerrogativa de todos, mas daqueles que são investidos
coletivamente desta possibilidade, e também evidenciam erros de julgamento (confiança
depositada que foi frustrada). Isso não quer dizer da fragilidade dos envolvidos, mas do
modo como a experiência coletiva é construída, com base em olhares, rumores,
construções de opiniões, discursos, movimentos de apoio e boicote. Estes movimentos
não estão fora do mundo público, da experiência urbana, do mundo do trabalho e da
vivência da cidade, mas estão por eles mediados. As mediações que estão no mundo
público estão no espaço coletivo. A relação com o trabalho na cidade é mediada pela
mercadoria; e a relação com o vizinho é também mediada pela mercadoria.
Se não consenso em torno da identidade num espaço coletivo, como construí-
lo socialmente, para uma vivência mais libertária da cidade e da experiência do
trabalho? A frase que nasce do horizonte da utopia, continua estimulando a atividade da
pesquisa e da crítica. Não apenas a vida no edifício foi objeto desta pesquisa, mas o
entendimento de que as políticas públicas têm desdobramentos. Por um lado, e mais
evidente, as políticas configuram espacialidades. Por outro lado, elas atuam diariamente
no cotidiano, por meio dos serviços públicos, da experiência nas escolas, e nas relações
170
com a moradia. A política pública pode ser fiscalizatória e coercitiva, e isto tem
implicações para a vida cotidiana, como no episódio relatado por uma síndica. As
políticas mais macro, cujos efeitos não sentimos concretamente, podem ter implicações,
nos preços, no que se constitui como alternativas de trabalho. E estas implicações
muitas vezes não estão claras nos discursos oficiais e nem nos propósitos anunciados de
nenhuma política. É por isto que a atividade de pesquisa ganha sentido e pode contribuir
para a reflexão, seja de quem está envolvido diretamente na atividade de elaboração ou
condução das políticas, seja quem está envolvido diretamente nas atividades de
oposição ao estabelecido. Se esta dissertação puder contribuir com estas reflexões, seu
objetivo está cumprido.
171
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179
ANEXO
180
Celetistas Admitidos (1), por Escolaridade, segundo Subprefeituras e Distritos
Município de São Paulo
2004 (2)
Subprefeituras e
Distritos
Fundamental
Incompleto (3)
Fundamental
Completo (4)
Médio
Completo
(5)
Superior
Completo
Total
MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO
60.712
78.154
124.569
34.395
297.830
Aricanduva 1.334
2.161
2.038
249
5.782
Aricanduva 358
599
580
47
1.584
Carrão 414
677
606
93
1.790
Vila Formosa 562
885
852
109
2.408
Butantã 3.219
2.984
4.169
1.358
11.730
Butantã 982
702
1.181
408
3.273
Morumbi 953
381
592
291
2.217
Raposo Tavares 236
390
460
51
1.137
Rio Pequeno 469
828
1.378
424
3.099
Vila Sônia 579
683
558
184
2.004
Campo Limpo 857
1.440
2.045
558
4.900
Campo Limpo 374
623
900
261
2.158
Capão Redondo 250
359
371
100
1.080
Vila Andrade 233
458
774
197
1.662
Casa
Verde/Cachoeirinha 1.491
1.963
3.385
649
7.488
Casa Verde 584
705
1.109
198
2.596
Limão 549
836
971
203
2.559
Nova Cachoeirinha 358
422
1.305
248
2.333
Cidade Ademar 610
849
1.061
159
2.679
Cidade Ademar 517
722
906
116
2.261
Pedreira 93
127
155
43
418
Cidade Tiradentes 84
183
125
38
430
Cidade Tiradentes 84
183
125
38
430
Ermelino Matarazzo 449
821
1.456
505
3.231
Ermelino Matarazzo 281
541
1.181
449
2.452
Ponte Rasa 168
280
275
56
779
Freguesia/Brasilândia 774
903
869
194
2.740
Brasilândia 396
398
318
57
1.169
Freguesia do Ó 378
505
551
137
1.571
Guainases 280
738
861
162
2.041
Guaianases 86
173
206
26
491
Lajeado 194
565
655
136
1.550
181
Ipiranga 2.120
3.324
4.562
1.425
11.431
Cursino 706
777
1.411
439
3.333
Ipiranga 819
1.584
2.215
686
5.304
Sacomã 595
963
936
300
2.794
Itaim Paulista 943
654
489
68
2.154
Itaim Paulista 847
432
317
37
1.633
Vila Curuçá 96
222
172
31
521
Itaquera 1.078
1.386
1.505
326
4.295
Cidade Líder 200
273
281
24
778
Itaquera 436
520
499
110
1.565
José Bonifácio 82
185
243
32
542
Parque do Carmo 360
408
482
160
1.410
Jabaquara 3.408
2.023
2.867
1.378
9.676
Jabaquara 3.408
2.023
2.867
1.378
9.676
Lapa 4.324
6.702
10.529
2.410
23.965
Barra Funda 960
1.248
2.369
530
5.107
Jaguara 730
762
940
127
2.559
Jaguaré 443
783
878
309
2.413
Lapa 1.012
2.028
3.595
752
7.387
Perdizes 631
909
1.425
438
3.403
Vila Leopoldina 548
972
1.322
254
3.096
M'Boi Mirim 1.197
1.027
1.635
602
4.461
Jardim Ângela 406
427
384
83
1.300
São Luís 791
600
1.251
519
3.161
Mooca 3.465
6.129
7.148
1.259
18.001
Água Rasa 460
1.010
1.050
138
2.658
Belém 508
791
1.100
356
2.755
Brás 1.025
1.713
1.786
155
4.679
Moóca 571
879
1.076
252
2.778
Pari 283
509
503
41
1.336
Tatuapé 618
1.227
1.633
317
3.795
Parelheiros 210
303
520
300
1.333
Marsilac 63
176
169
46
454
Parelheiros 147
127
351
254
879
Penha 1.487
2.388
2.797
525
7.197
Artur Alvim 106
267
178
29
580
Cangaíba 376
683
952
214
2.225
Penha 528
806
1.084
133
2.551
Vila Matilde 477
632
583
149
1.841
Perus 168
216
309
65
758
Anhanguera 21
37
93
21
172
Perus 147
179
216
44
586
Pinheiros 6.419
6.977
14.492
5.352
33.240
Alto de Pinheiros
363
272
334
189
1.158
182
Itaim Bibi 2.757
3.270
8.040
3.137
17.204
Jardim Paulista 916
1.542
3.104
1.119
6.681
Pinheiros 2.383
1.893
3.014
907
8.197
Pirituba 1.320
1.991
2.627
813
6.751
Jaraguá 148
244
213
55
660
Pirituba 788
1.060
1.312
375
3.535
São Domingos 384
687
1.102
383
2.556
Santana/Tucuruvi 2.116
2.497
3.388
694
8.695
Mandaqui 423
536
792
143
1.894
Santana 1.449
1.679
2.296
464
5.888
Tucuruvi 244
282
300
87
913
Santo Amaro 3.392
4.891
7.561
2.834
18.678
Campo Belo 842
869
1.103
315
3.129
Campo Grande 271
810
1.283
422
2.786
Santo Amaro 2.279
3.212
5.175
2.097
12.763
São Mateus 517
1.268
1.559
191
3.535
Iguatemi 59
165
111
6
341
São Mateus 336
789
1.037
120
2.282
São Rafael 122
314
411
65
912
São Miguel 765
1.018
1.087
254
3.124
Jardim Helena 493
355
338
117
1.303
São Miguel 142
399
429
36
1.006
Vila Jacuí 130
264
320
101
815
7.240
9.636
24.102
6.437
47.415
Bela Vista 944
1.542
5.489
1.736
9.711
Bom Retiro 1.032
1.753
2.007
343
5.135
Cambuci 564
688
1.073
290
2.615
Consolacão 465
943
1.657
973
4.038
Liberdade 579
537
2.155
717
3.988
República 1.574
1.589
6.773
1.009
10.945
Santa Cecília 1.048
1.054
1.908
619
4.629
1.034
1.530
3.040
750
6.354
Socorro 1.605
2.158
2.738
552
7.053
Cidade Dutra 450
627
1.053
281
2.411
Grajaú 426
573
596
82
1.677
Socorro 729
958
1.089
189
2.965
Tremembé/Jaçanã 1.881
1.296
927
165
4.269
Jacanã 454
443
496
112
1.505
Tremembé 1.427
853
431
53
2.764
Vila Maria/Vila
Guilherme 1.868
3.435
4.293
1.086
10.682
Vila Maria 936
1.977
2.180
565
5.658
Vila Guilherme 620
1.042
1.710
436
3.808
Vila Medeiros 312
416
403
85
1.216
Vila Mariana
4.944
4.851
11.077
3.412
24.28
4
183
Moema 1.467
1.537
3.196
720
6.920
Saúde 1.152
1.488
3.106
1.182
6.928
Vila Mariana 2.325
1.826
4.775
1.510
10.436
Vila
Prudente/Sapopemba 1.147
1.942
2.348
375
5.812
São Lucas 322
526
603
91
1.542
Sapopemba 427
546
640
153
1.766
Vila Prudente 398
870
1.105
131
2.504
Fonte: Ministério do Trabalho. Caged; Fundação Seade.
(1) Referem-se somente aos contratos de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT.
(2) Dados referentes ao período de janeiro a abril de 2004.
(3) Inclui analfabetos.
(4) Inclui ensino médio incompleto.
(5) Inclui ensino superior incompleto.
TABELA 1: CELETISTAS ADMITIDOS EM 2004 POR DISTRITO
Emprego Formal (1), por Sexo, segundo Subprefeituras e Distritos
Município de São Paulo
2002 (2)
Subprefeituras e Distritos Homens Mulheres Total
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 1.797.542
1.467.251
3.264.793
Aricanduva 25.971
13.583
39.554
Aricanduva 8.097
3.996
12.093
Carrão 8.587
4.204
12.791
Vila Formosa 9.287
5.383
14.670
Butantã 57.324
34.209
91.533
Butantã 16.708
9.605
26.313
Morumbi 10.051
5.869
15.920
Raposo Tavares 6.876
3.078
9.954
Rio Pequeno 14.993
10.535
25.528
Vila Sônia 8.696
5.122
13.818
Campo Limpo 21.301
13.526
34.827
Campo Limpo 8.984
5.654
14.638
Capão Redondo 3.920
2.630
6.550
Vila Andrade 8.397
5.242
13.639
Casa Verde/Cachoeirinha 35.133
17.284
52.417
Casa Verde 13.248
5.871
19.119
184
Limão 12.108
5.649
17.757
Nova Cachoeirinha 9.777
5.764
15.541
Cidade Ademar 12.042
6.106
18.148
Cidade Ademar 10.032
5.173
15.205
Pedreira 2.010
933
2.943
Cidade Tiradentes 5.308
887
6.195
Cidade Tiradentes 5.308
887
6.195
Ermelino Matarazzo 62.283
87.366
149.649
Ermelino Matarazzo 51.383
84.338
135.721
Ponte Rasa 10.900
3.028
13.928
Freguesia/Brasilândia 13.714
7.487
21.201
Brasilândia 5.550
2.876
8.426
Freguesia do Ó 8.164
4.611
12.775
Guainases 9.941
5.776
15.717
Guaianases 3.164
1.482
4.646
Lajeado 6.777
4.294
11.071
Ipiranga 61.523
38.229
99.752
Cursino 15.383
13.448
28.831
Ipiranga 28.309
17.527
45.836
Sacomã 17.831
7.254
25.085
Itaim Paulista 6.786
3.491
10.277
Itaim Paulista 4.522
2.265
6.787
Vila Curuçá 2.264
1.226
3.490
Itaquera 27.375
14.626
42.001
Cidade Líder 3.906
1.861
5.767
Itaquera 9.906
4.252
14.158
José Bonifácio 3.081
1.062
4.143
Parque do Carmo 10.482
7.451
17.933
Jabaquara 46.456
21.082
67.538
Jabaquara 46.456
21.082
67.538
Lapa 126.280
71.491
197.771
Barra Funda 25.877
13.886
39.763
Jaguara 10.653
2.991
13.644
Jaguaré 15.780
11.622
27.402
Lapa 35.294
22.414
57.708
Perdizes 17.872
12.801
30.673
Vila Leopoldina 20.804
7.777
28.581
M'Boi Mirim 24.043
12.589
36.632
Jardim Ângela 7.045
2.598
9.643
São Luís 16.998
9.991
26.989
Moóca 92.801
64.344
157.145
Água Rasa
11.263
7.360
18.623
185
Belém 19.965
13.417
33.382
Brás 19.200
17.432
36.632
Moóca 17.419
8.372
25.791
Pari 5.913
5.144
11.057
Tatuapé 19.041
12.619
31.660
Parelheiros 9.053
7.455
16.508
Marsilac 3.919
3.203
7.122
Parelheiros 5.134
4.252
9.386
Penha 38.302
21.234
59.536
Artur Alvim 2.027
1.650
3.677
Cangaíba 15.257
5.881
21.138
Penha 12.458
8.987
21.445
Vila Matilde 8.560
4.716
13.276
Perus 4.027
2.067
6.094
Anhanguera 1.390
503
1.893
Perus 2.637
1.564
4.201
Pinheiros 145.052
104.781
249.833
Alto de Pinheiros 5.313
3.837
9.150
Itaim Bibi 67.965
45.440
113.405
Jardim Paulista 36.248
31.511
67.759
Pinheiros 35.526
23.993
59.519
Pirituba 45.738
22.624
68.362
Jaraguá 7.142
2.131
9.273
Pirituba 18.408
10.556
28.964
São Domingos 20.188
9.937
30.125
Santana/Tucuruvi 39.883
30.882
70.765
Mandaqui 9.338
7.296
16.634
Santana 25.367
19.730
45.097
Tucuruvi 5.178
3.856
9.034
Santo Amaro 186.101
60.070
246.171
Campo Belo 17.056
9.392
26.448
Campo Grande 15.073
8.649
23.722
Santo Amaro 153.972
42.029
196.001
São Mateus 18.705
12.441
31.146
Iguatemi 3.716
775
4.491
São Mateus 9.291
6.628
15.919
São Rafael 5.698
5.038
10.736
São Miguel 15.370
8.619
23.989
Jardim Helena 7.676
3.174
10.850
São Miguel 3.925
2.814
6.739
Vila Jacuí 3.769
2.631
6.400
287.985
278.478
566.463
Bela Vista 94.479
142.891
237.370
Bom Retiro
30.389
22.859
53.248
186
Cambuci 25.716
14.976
40.692
Consolacão 24.700
14.407
39.107
Liberdade 17.288
11.279
28.567
República 35.594
27.648
63.242
Santa Cecília 26.284
16.193
42.477
33.535
28.225
61.760
Socorro 31.670
18.833
50.503
Cidade Dutra 10.860
7.992
18.852
Grajaú 5.198
2.997
8.195
Socorro 15.612
7.844
23.456
Tremembé/Jaçanã 12.564
7.714
20.278
Jacanã 8.753
5.768
14.521
Tremembé 3.811
1.946
5.757
Vila Maria/Vila Guilherme 66.836
36.732
103.568
Vila Maria 38.147
23.759
61.906
Vila Guilherme 22.670
10.313
32.983
Vila Medeiros 6.019
2.660
8.679
Vila Mariana 234.975
425.135
660.110
Moema 26.758
22.621
49.379
Saúde 170.539
370.074
540.613
Vila Mariana 37.678
32.440
70.118
Vila Prudente/Sapopemba 33.000
18.110
51.110
São Lucas 7.242
4.166
11.408
Sapopemba 12.985
6.064
19.049
Vila Prudente 12.773
7.880
20.653
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Relação Anual de Informações
Sociais – RAIS. 2002;
Fundação Seade.
(1) Emprego formal refere-se ao total de vínculos empregatícios composto por
contratos
regidos pela CLT (trabalhador urbano/rural vinculado a empregador pessoa
jurídica/física, por tempo determinado/indeterminado; trabalhador avulso,
trabalhador temporário e menor aprendiz), pelo Regime Jurídico Único e Militar
(federal, estadual e municipal) e pela Legislação Especial (servidor público não
efetivo). Deve-se mencionar que um único trabalhador pode ter mais de um vínculo
empregatício.
(2) Dados referentes a 31 de dezembro de 2002.
TABELA 2: EMPREGO FORMAL POR DISTRITO EM 2002.
187
Distribuição do Emprego Formal (1), por Setor de Atividade, segundo Subprefeituras e
Distritos -
Total por Localidade
Município de São Paulo
2002 (2)
Em porcentagem
Subprefeituras e Distritos Indústria
Construção
Civil
Comércio Serviços Total (3)
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 14,5
4,0
16,1
65,4
100,0
Aricanduva 31,0
4,4
31,6
33,0
100,0
Aricanduva 46,4
1,9
31,3
20,4
100,0
Carrão 33,1
7,6
30,1
29,3
100,0
Vila Formosa 16,4
3,8
33,2
46,6
100,0
Butantã 13,7
9,4
19,8
56,8
100,0
Butantã 8,5
16,4
18,6
56,4
100,0
Morumbi 5,5
5,9
17,9
70,6
100,0
Raposo Tavares 28,7
11,1
26,1
34,1
100,0
Rio Pequeno 12,9
4,9
13,9
67,9
100,0
Vila Sônia 24,1
7,4
30,6
37,7
100,0
Campo Limpo 23,0
4,7
25,6
46,6
100,0
Campo Limpo 29,7
5,0
19,6
45,7
100,0
Capão Redondo 20,4
7,3
31,1
41,3
100,0
Vila Andrade 17,0
3,3
29,5
50,2
100,0
Casa Verde/Cachoeirinha 30,1
4,9
23,1
41,7
100,0
Casa Verde 33,3
4,3
27,0
35,4
100,0
Limão 34,0
4,2
21,3
40,3
100,0
Nova Cachoeirinha 21,9
6,3
20,5
51,3
100,0
Cidade Ademar 25,8
8,1
33,8
32,4
100,0
Cidade Ademar 25,0
8,4
34,2
32,4
100,0
Pedreira 29,9
6,4
31,4
32,3
100,0
Cidade Tiradentes 12,0
2,5
20,5
65,0
100,0
Cidade Tiradentes 12,0
2,5
20,5
65,0
100,0
Ermelino Matarazzo 5,0
0,4
5,2
89,4
100,0
Ermelino Matarazzo 2,8
0,3
4,3
92,7
100,0
Ponte Rasa 26,8
1,5
14,8
57,0
100,0
Freguesia/Brasilândia 32,0
4,6
30,6
32,8
100,0
Brasilândia 32,9
3,8
34,4
28,9
100,0
Freguesia do Ó 31,4
5,1
28,2
35,3
100,0
Guainases 16,0
8,5
42,6
32,6
100,0
Guaianases 36,4
1,6
38,5
23,6
100,0
Lajeado 7,4
11,4
44,3
36,4
100,0
Ipiranga 30,8
3,6
20,9
44,6
100,0
Cursino
12,5
5,0
20,4
62,1
100,0
188
Ipiranga 34,1
3,6
21,0
41,2
100,0
Sacomã 45,8
2,2
21,3
30,7
100,0
Itaim Paulista 14,6
7,5
43,0
34,8
100,0
Itaim Paulista 14,3
9,1
40,1
36,4
100,0
Vila Curuçá 15,2
4,4
48,6
31,7
100,0
Itaquera 29,0
4,5
18,7
47,6
100,0
Cidade Líder 28,2
15,3
35,8
20,7
100,0
Itaquera 8,4
3,0
19,2
69,3
100,0
José Bonifácio 58,7
1,5
20,9
18,7
100,0
Parque do Carmo 38,7
3,0
12,3
45,7
100,0
Jabaquara 12,7
11,7
14,9
60,7
100,0
Jabaquara 12,7
11,7
14,9
60,7
100,0
Lapa 20,6
4,1
22,4
52,6
100,0
Barra Funda 30,8
3,2
15,2
50,8
100,0
Jaguara 24,8
5,9
17,8
51,6
100,0
Jaguaré 17,0
1,5
15,4
65,9
100,0
Lapa 19,4
4,9
25,4
50,3
100,0
Perdizes 7,6
6,9
21,9
63,5
100,0
Vila Leopoldina 24,2
2,5
36,0
35,9
100,0
M'Boi Mirim 21,1
6,1
25,0
47,8
100,0
Jardim Ângela 19,0
9,6
30,2
41,1
100,0
São Luís 21,9
4,9
23,1
50,2
100,0
Moóca 31,7
2,4
26,3
39,6
100,0
Água Rasa 36,3
1,7
34,0
28,0
100,0
Belém 21,8
2,2
13,2
62,7
100,0
Brás 41,2
1,2
34,5
23,1
100,0
Moóca 40,6
2,9
20,4
36,0
100,0
Pari 41,7
0,2
34,2
23,8
100,0
Tatuapé 17,6
4,6
28,0
49,8
100,0
Parelheiros 19,2
7,5
20,2
52,9
100,0
Marsilac 23,1
7,0
17,8
52,1
100,0
Parelheiros 16,3
7,8
22,0
53,5
100,0
Penha 35,1
2,8
30,0
32,1
100,0
Artur Alvim 15,9
3,5
47,0
33,6
100,0
Cangaíba 46,9
1,6
26,3
25,2
100,0
Penha 26,3
1,4
32,9
39,4
100,0
Vila Matilde 36,1
6,6
26,4
30,9
100,0
Perus 17,7
10,7
31,6
39,9
100,0
Anhanguera 34,3
14,9
16,1
34,6
100,0
Perus 10,2
8,9
38,6
42,3
100,0
Pinheiros 9,8
8,9
17,5
63,6
100,0
Alto de Pinheiros 7,1
7,0
24,7
60,9
100,0
Itaim Bibi 14,2
7,4
15,3
63,0
100,0
Jardim Paulista
3,8
4,2
17,3
74,6
100,0
189
Pinheiros 8,5
17,6
20,8
52,7
100,0
Pirituba 32,3
4,9
18,1
44,7
100,0
Jaraguá 50,7
4,1
13,9
31,3
100,0
Pirituba 10,2
8,3
21,6
59,9
100,0
São Domingos 47,8
1,9
16,1
34,2
100,0
Santana/Tucuruvi 9,9
3,2
23,6
63,2
100,0
Mandaqui 15,6
3,3
27,9
52,9
100,0
Santana 6,8
3,1
20,5
69,4
100,0
Tucuruvi 14,3
3,4
31,0
51,2
100,0
Santo Amaro 13,0
3,5
12,2
71,2
100,0
Campo Belo 6,9
12,3
24,6
56,2
100,0
Campo Grande 45,3
3,6
15,2
35,8
100,0
Santo Amaro 9,8
2,4
10,2
77,6
100,0
São Mateus 21,4
2,3
33,9
42,3
100,0
Iguatemi 21,3
0,9
17,3
60,2
100,0
São Mateus 31,2
1,6
44,0
23,2
100,0
São Rafael 7,0
3,9
25,9
63,3
100,0
São Miguel 27,7
4,0
31,1
37,2
100,0
Jardim Helena 43,2
3,5
11,5
41,9
100,0
São Miguel 17,2
2,9
46,9
32,9
100,0
Vila Jacuí 12,5
5,9
47,7
33,9
100,0
10,8
2,2
12,7
74,3
100,0
Bela Vista 1,6
0,9
3,6
93,8
100,0
Bom Retiro 40,5
3,0
14,0
42,5
100,0
Cambuci 24,3
3,7
15,5
56,5
100,0
Consolacão 12,4
7,3
10,3
69,9
100,0
Liberdade 19,7
3,3
14,2
62,7
100,0
República 7,3
2,4
21,5
68,5
100,0
Santa Cecília 15,1
2,6
24,7
57,5
100,0
7,1
1,2
27,8
63,8
100,0
Socorro 32,8
4,2
30,2
32,7
100,0
Cidade Dutra 22,1
1,7
34,0
42,1
100,0
Grajaú 14,0
11,6
39,1
34,9
100,0
Socorro 48,0
3,7
24,0
24,2
100,0
Tremembé/Jaçanã 30,0
2,6
27,3
40,1
100,0
Jacanã 33,7
1,6
25,3
39,3
100,0
Tremembé 20,4
5,0
32,4
42,1
100,0
Vila Maria/Vila Guilherme 15,5
9,4
23,0
52,1
100,0
Vila Maria 16,8
2,0
17,0
64,2
100,0
Vila Guilherme 11,3
23,6
32,1
32,9
100,0
Vila Medeiros 22,6
8,2
31,3
37,9
100,0
Vila Mariana 1,7
2,3
4,7
91,2
100,0
Moema 6,6
7,2
26,9
59,2
100,0
Saúde
0,8
1,3
1,7
96,3
100,0
190
Vila Mariana 5,4
7,0
12,5
75,0
100,0
Vila Prudente/Sapopemba 29,5
3,6
28,5
38,2
100,0
São Lucas 38,4
2,8
34,1
24,7
100,0
Sapopemba 16,3
4,5
24,5
54,4
100,0
Vila Prudente 36,9
3,3
29,0
30,8
100,0
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Relação Anual de Informações Sociais –
RAIS. 2002; Fundação Seade.
(1) Emprego formal refere-se ao total de vínculos empregatícios composto por contratos
regidos pela CLT (trabalhador urbano/rural vinculado a empregador pessoa
jurídica/física, por tempo determinado/indeterminado; trabalhador avulso,
trabalhador temporário e menor aprendiz), pelo Regime Jurídico Único e Militar
(federal, estadual e municipal) e pela Legislação Especial (servidor público não
efetivo). Deve-se mencionar que um único trabalhador pode ter mais de um vínculo
empregatício.
(2) Dados referentes a 31 de dezembro de 2002.
(3) Inclui o setor Agropecuário.
TABELA 3: EMPREGOS POR SETOR E DISTRITOS EM 2002
2000
Em porcentagem
Faixas de Renda (em Salários Mínimos)
Distritos
Menos de 2
SM
De 2 a
Menos de 5
SM
De 5 a
Menos de
10 SM
De 10 a
Menos de
15 SM
De 15 a
Menos de
25 SM
De 25 SM e
Mais
MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO 13,30
24,39
25,97
11,29
10,98
14,06
Água Rasa 8,33
17,31
26,60
14,01
15,96
17,78
Alto de Pinheiros 3,47
5,44
12,22
9,30
15,85
53,72
Anhanguera 18,29
34,93
31,91
8,90
3,99
1,98
Aricanduva 11,64
24,95
28,47
13,72
13,33
7,88
Artur Alvim 12,03
23,22
31,51
15,87
12,60
4,77
Barra Funda 6,66
11,23
23,98
12,87
14,22
31,04
Bela Vista 4,81
12,59
23,28
15,33
17,46
26,53
Belém 7,77
17,08
24,51
14,79
16,11
19,74
Bom Retiro 10,20
20,04
24,70
14,70
15,57
14,79
Brás 10,27
19,34
31,06
15,23
11,64
12,46
Brasilândia 19,87
34,23
28,27
9,15
5,99
2,49
Butantã 4,93
10,60
16,23
12,10
18,25
37,88
Cachoeirinha 15,74
29,57
28,54
11,17
9,35
5,62
Cambuci 7,77
15,60
23,26
14,99
17,70
20,68
Campo Belo 4,92
9,48
13,81
9,90
13,45
48,44
Campo Grande 5,96
14,00
20,23
11,89
17,63
30,29
Campo Limpo 16,07
28,25
28,71
11,26
9,96
5,76
Cangaíba 12,05
27,17
30,24
12,56
11,56
6,42
Capão Redondo 18,30
32,80
29,82
9,36
6,50
3,22
Carrão
9,18
18,17
25,82
14,91
16,35
15,58
191
Casa Verde 8,51
19,05
28,32
13,74
14,49
15,90
Cidade Ademar 16,73
28,46
28,84
10,73
8,66
6,58
Cidade Dutra 15,30
27,10
29,26
12,03
9,64
6,67
Cidade Líder 14,03
26,70
30,78
13,63
9,14
5,72
Cidade Tiradentes 20,47
36,92
31,23
7,53
3,08
0,76
Consolação 3,77
8,33
17,19
10,49
15,74
44,47
Cursino 8,17
16,65
24,17
13,86
15,21
21,93
Ermelino Matarazzo 15,73
31,16
28,99
11,12
9,04
3,97
Freguesia do Ó 11,20
21,92
28,19
13,88
14,04
10,78
Grajaú 22,92
35,87
28,21
7,55
4,08
1,38
Guaianazes 19,76
35,70
29,17
8,62
5,19
1,56
Moema 2,91
3,43
9,95
8,55
13,78
61,38
Iguatemi 22,67
36,89
28,73
6,87
3,43
1,40
Ipiranga 9,68
20,11
23,56
13,37
14,64
18,64
Itaim Bibi 3,87
6,61
12,98
8,83
14,78
52,92
Itaim Paulista 22,99
37,29
26,86
7,20
4,13
1,54
Itaquera 17,50
29,22
29,28
11,11
8,62
4,28
Jabaquara 10,27
20,27
24,48
13,51
13,56
17,91
Jaçanã 12,37
25,74
28,58
12,99
12,29
8,02
Jaguara 9,64
21,17
30,03
14,78
14,51
9,88
Jaguaré 12,37
22,34
24,14
9,63
14,54
16,99
Jaraguá 15,66
31,57
32,01
10,77
7,42
2,58
Jardim Ângela 22,18
38,05
27,82
6,83
3,82
1,29
Jardim Helena 25,07
36,35
25,61
7,25
4,19
1,53
Jardim Paulista 2,43
4,04
11,97
9,17
16,61
55,78
Jardim São Luís 16,16
31,76
30,08
10,26
7,85
3,89
José Bonifácio 13,76
25,52
32,00
15,65
10,07
3,00
Lajeado 24,67
38,67
25,80
6,66
3,07
1,13
Lapa 4,89
11,86
20,15
12,25
17,97
32,87
Liberdade 6,47
13,96
21,56
11,52
16,90
29,59
Limão 11,30
24,80
25,49
14,25
13,54
10,62
Mandaqui 6,73
15,36
24,64
15,25
17,32
20,70
Marsilac 44,10
31,22
19,47
4,31
0,19
0,71
Moóca 6,70
13,11
21,07
12,54
18,11
28,48
Morumbi 4,00
9,05
10,76
5,67
9,95
60,58
Parelheiros 26,06
38,16
25,79
6,15
2,83
1,01
Pari 10,84
20,53
24,98
14,91
14,95
13,80
Parque do Carmo 16,08
29,07
30,80
11,41
8,25
4,39
Pedreira 21,24
32,70
28,57
8,86
5,60
3,03
Penha 11,25
21,04
26,39
14,51
13,76
13,05
Perdizes 2,70
5,45
12,84
10,72
17,47
50,83
Perus 18,27
35,47
29,33
9,61
4,94
2,39
Pinheiros 3,77
5,98
14,34
9,60
16,53
49,79
Pirituba 11,94
23,63
27,39
13,39
13,55
10,09
Ponte Rasa 11,81
23,99
30,66
13,89
12,35
7,30
Raposo Tavares 12,73
27,95
29,05
12,50
10,54
7,24
República 8,09
16,69
31,18
15,64
14,93
13,46
Rio Pequeno 11,80
22,00
22,77
12,38
13,08
17,96
Sacomã 12,16
23,27
28,38
12,81
12,92
10,47
Santa Cecília 5,53
11,60
23,33
14,45
17,95
27,14
Santana 4,90
9,79
19,97
14,06
18,15
33,13
Santo Amaro 4,17
6,84
16,87
10,41
18,59
43,13
Sao Domingos 9,94
23,88
26,83
12,95
12,93
13,46
São Lucas
11,43
22,31
28,44
14,50
13,85
9,46
192
São Mateus 15,19
29,02
29,37
12,68
9,81
3,93
São Miguel 17,47
30,40
28,29
10,75
8,87
4,23
São Rafael 21,34
35,49
28,48
8,17
4,79
1,74
Sapopemba 18,08
31,19
30,19
10,75
6,79
3,00
Saúde 3,96
9,12
17,22
10,84
18,52
40,33
11,02
25,04
31,85
14,56
10,45
7,09
Socorro 8,65
13,72
24,01
12,82
17,58
23,22
Tatuapé 5,92
11,73
18,17
12,14
18,99
33,05
Tremembé 13,14
27,78
28,30
11,43
9,74
9,62
Tucuruvi 7,27
16,38
24,87
15,11
18,15
18,20
Vila Andrade 14,15
25,13
17,41
5,50
6,37
31,44
Vila Curuça 22,61
34,37
27,32
8,68
4,74
2,28
Vila Formosa 8,10
20,08
28,69
13,91
13,08
16,14
Vila Guilherme 8,79
18,24
27,99
15,52
14,95
14,51
Vila Jacuí 19,02
34,65
28,16
9,23
6,14
2,80
Vila Leopoldina 5,15
19,06
16,64
9,59
15,95
33,61
Vila Maria 12,26
27,16
29,32
12,11
10,93
8,22
Vila Mariana 2,87
7,03
13,69
9,90
17,47
49,05
Vila Matilde 10,26
22,29
28,47
14,83
14,01
10,16
Vila Medeiros 12,32
24,21
31,25
13,80
11,97
6,45
Vila Prudente 10,43
21,42
27,28
12,52
13,92
14,43
Vila Sônia 9,58
16,05
20,05
11,28
13,96
29,07
Fonte: IBGE; Fundação Seade.
Nota: Exluindo-se os domicílios cuja espécie é do tipo coletivo.
Salário mínimo de referência do Censo 2000: R$151,00.
TABELA 4: FAIXA DE RENDA POR DISTRITO EM 2000.
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