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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO EM
EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
GEPLL – GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO
ANDRÉIA APARECIDA DE OLIVEIRA CAMBRAIA
O PENSAR E O FAZER DE ALFABETIZADORAS E ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ - MT
CUIABÁ-MT
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO EM
EDUCAÇÃO
ÁREA: TEORIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
GEPLL – GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM LEITURA E LETRAMENTO
ANDRÉIA APARECIDA DE OLIVEIRA CAMBRAIA
O PENSAR E O FAZER DE ALFABETIZADORAS E ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ - MT
CUIABÁ-MT
2009
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ANDRÉIA APARECIDA DE OLIVEIRA CAMBRAIA
O PENSAR E O FAZER DE ALFABETIZADORAS E ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ - MT
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, do Instituto de
Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso como requisito para a obtenção do
título de Mestre em Educação, na Área de
Concentração Teorias e Práticas Pedagógicas
da Educação Escolar. Linha de Pesquisa
Educação e Linguagem.
Orientadora: Profª Drª Ana Arlinda de Oliveira
CUIABÁ-MT
2009
C172p
CAMBRAIA, Andréia Aparecida de Oliveira.
O pensador e o fazer de alfabetizadoras e alunos da educação de
jovens e adultos em uma escola publica de Cuiabá - MT. / Andréia
Aparecida de Oliveira Cambraia – Cuiabá (MT): A Autora, 2009.
189 p.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Orientador: Profª. Dra. Ana Arlinda de Oliveira.
Inclui bibliografia.
1. Educação. 2. Alfabetização de jovens e adultos. 3. Leitura e
escrita. 4. Letramento. I. Título.
CDU: 376.6
AGRADECIMENTOS
A Deus, que é o Senhor da minha vida e me concedeu saúde, paciência e capacidade para
enfrentar este desafio e conquistar mais esta vitória.
Ao meu querido esposo Junior, que sempre me apoiou em todos os momentos, esta vitória
também é sua.
Aos meus pais que sempre acreditaram na minha capacidade e me instruíram no caminho
correto.
Ao meu querido irmão Adilson e cunhada Alessandra, que mesmo distante sempre me
incentivaram a buscar um futuro melhor.
À querida Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira, carinhosamente chamada por nós de
“linda”, pela oportunidade, paciência, carinho e dedicação sempre a mim dispensado.
Obrigada pelas orientações, pois, elas foram fundamentais para a construção satisfatória
deste trabalho. Você já faz parte da minha vida, muito obrigada!
À professora Dra. Claúdia Graziano Paes de Barros e professora Dra. Ilma Ferreira
Machado por aceitarem o convite para compor a Banca Examinadora deste trabalho e pelas
significativas considerações.
Ás queridas e amadas amigas e companheiras Cirene, Margarete e Kenia, por tantos
momentos de muitas alegrias, mas também de algumas grimas, de certezas, mas também
de dúvidas, de persistência, mas também de vitórias, obrigada pela parceria que
construímos. Apenas s compreendemos a intensidade desta amizade que a cada dia foi
crescendo e hoje se tornou tão importante e forte. Vocês moram no meu coração, obrigada
por tudo!
Aos meus amados amigos Reginaldo e Evelise, obrigada pela amizade indescritível que
construímos pautada pelo respeito, admiração e carinho. Vocês são muito especiais para
mim.
Ao PPGE, por meio de Mariana, Luiza e Jeison. Vocês são exemplos de funcionários
competentes e atenciosos. Obrigada pelo carinho e cuidado.
A todos os professores e funcionários desta instituição e deste Programa que direta ou
indiretamente contribuíram para a realização de mais esta conquista.
Elogio do Aprendizado
Aprenda o mais simples! Para aqueles
Cuja hora chegou
Nunca é tarde demais!
Aprenda o ABC; não basta, mas
Aprenda! Não desanime!
Comece! É preciso saber tudo!
Você tem de assumir o comando.
Aprenda, homem no asilo!
Aprenda, homem na prisão!
Aprenda, homem na cozinha!
Aprenda, ancião!
Você tem de assumir o comando!
Freqüente a escola, você que não tem casa!
Adquira conhecimento, você que sente frio!
Você que tem fome agarre o livro: é uma arma
Você tem de assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer
Veja com seus olhos!
O que não sabe por conta própria
Não sabe
Verifique a conta
É você que vai pagar.
Ponha o dedo sobre cada item
Pergunte: O que é isso?
Você tem de assumir o comando.
Bertolt Brecht
RESUMO
Esta pesquisa objetiva compreender o pensar e o fazer pedagógico de professoras e alunos
da Alfabetização de Jovens e Adultos em uma escola pública de Cuiabá - MT. Esse assunto
é de grande relevância face ao contexto educacional em que estamos inseridos,
especialmente na Educação de Jovens e Adultos. Percebemos que ainda existe muito por se
fazer nesta modalidade de ensino que deve ser um instrumento por meio do qual se
desenvolvam indivíduos críticos, autônomos e participativos em sua sociedade. Trata-se de
um estudo de natureza qualitativa, pois o mesmo ocorreu por meio de observações,
entrevistas gravadas e coleta de informações nos documentos da escola. Escolhi como
relevantes para este estudo, autores que tratam da leitura, alfabetização, letramento e
educação popular. Ao procurar responder aos objetivos propostos nesta pesquisa, constatei
a dicotomia existente entre o que pensam e fazem as professoras pesquisadas, pois, elas
apresentam uma visão tradicional do que seja o ato de ensinar. Os alunos, “presos” a um rol
de palavras para codificar e decodificar, estão inseridos em uma aprendizagem pouco
significativa da leitura e da escrita. O ensino está centrado em textos cartilhescos
tradicionais, sem nenhum auxílio de gêneros textuais e outros suportes de leitura. Apesar
disso, as professoras dizem que estão satisfeitas com os resultados obtidos e nota-se que os
alunos possuem um certo nível de letramento construído nas relações entre a família, o
trabalho, a escola, entre outras; isso ocorre porque são indivíduos inseridos em uma
sociedade que a cada dia cobra níveis mais elevados de letramento.
Palavras-chaves: Educação; Alfabetização de Jovens e Adultos; Leitura e escrita;
Letramento.
ABSTRACT
This research aims to understand the thinking of teaching and make teachers and students
of the Youth and Adult Literacy in a public school in Cuiabá - MT. This matter is of great
importance to the educational context in which we operate, especially in adult and youth
education. I noticed that there is still much to be done in this type of education that should
be an instrument through which individuals can develop critical, independent and
participatory in its society. This is a qualitative study of nature, because it occurred through
observations, recorded interviews and collection of information in the documents of the
school. Chosen as relevant to this study, authors dealing with the reading, literacy, literacy
and education. In seeking to meet the objectives in this research, see the dichotomy
between what they think and do the teachers surveyed, because they have a traditional view
of what the act of teaching. Students, "prisoners" to a list of words to encode and decode,
are inserted in a slight learning of reading and writing. The education focuses on traditional
texts cartilhescos without any aid from other genres and media of textual reading.
Nevertheless, the teachers say they are satisfied with the results and note that the students
have a certain level of literacy built in relations between family, work, school, among
others, this is because individuals are inserted into a each day that the company charged
higher levels of literacy.
Key words: education; the Youth and Adult Literacy, Reading and writing; Literacy.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11
CAPÍTULO 1 – ORIGEM E CONTEXTO DA PESQUISA ........................................ 20
1.1 Os caminhos metodológico ............................................................................... 20
1.2 Objetivos ........................................................................................................... 26
1.2.1 Objetivo geral ........................................................................................... 26
1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................ 26
1.3 A configuração do problema da pesquisa .......................................................... 27
1.4 O contexto da escola .......................................................................................... 27
1.5 Os sujeitos da pesquisa ...................................................................................... 29
1.6 Os instrumentos de coleta para análise .............................................................. 32
1.7 As categorias de análise ..................................................................................... 33
CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR E
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...................................................................... 35
2.1 Alguns aspectos da Educação de Jovens e Adultos .......................................... 38
2.1.1 Os marcos legais da Educação de Jovens e Adultos .......................... 39
2.1.2 As funções .......................................................................................... 40
2.1.3 Objetivos e Metas................................................................................ 41
2.1.4 Diretrizes da EJA ................................................................................ 44
2.1.5 A avaliação nesta modalidade de ensino ............................................ 45
2.2 Uma proposta de educação ................................................................................ 47
CAPÍTULO 3 – ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EJA ............................. 66
3.1 Compreendendo o processo de alfabetização .................................................... 66
3.2 O processo de construção do conhecimento para Paulo Freire.......................... 89
3.3 O ABC do método Paulo Freire ........................................................................ 92
CAPÍTULO 4 ANÁLISE DO PENSAR E DO FAZER PEDAGÓGICO DAS
ALFABETIZADORAS E ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS.........................................................................................................................100
4.1 O cotidiano escolar .......................................................................................... 101
4.1.1 O primeiro momento .............................................................................. 101
4.1.2 As aulas observadas ................................................................................ 102
4.2 O pensar e o fazer das alfabetizadoras ............................................................ 119
4.2.1 O pensar das alfabetizadoras sobre a leitura .......................................... 119
4.2.2 O método utilizado: concepções ............................................................. 122
4.2.3 Os usos do livro didático ........................................................................ 123
4.2.4 A literatura na sala de aula ..................................................................... 126
4.2.5 O que pensam as professoras sobre sua prática pedagógica .................. 130
4.3 O pensar e o fazer dos alunos .......................................................................... 138
4.3.1 A importância da escola para cada indivíduo ......................................... 138
4.3.2 Fatores que motivaram o retorno aos estudos ........................................ 142
4.3.3 O apoio ou não da família ...................................................................... 144
4.3.4 A importância da leitura e da escrita ...................................................... 145
4.3.5 O significado da leitura e da escrita ....................................................... 147
4.3.6 Os textos para leitura .............................................................................. 149
4.3.7 As dificuldades encontradas no processo de aprendizagem ................... 159
4.3.8 O que pensam os alunos sobre sua aprendizagem da leitura e da escrita.161
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 166
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 172
ANEXO I ......................................................................................................................... 181
ANEXO II ....................................................................................................................... 184
INTRODUÇÃO
O analfabetismo não é uma doença ou “erva daninha”,
como se costumava dizer entre nós. É a negação de um
direito ao lado da negação de outros direitos. O
analfabetismo não é uma questão pedagógica, mas uma
questão essencialmente política (GADOTTI e ROMÃO
2007 p.32).
O atual momento é muito propício ao estudo e pesquisas em Educação de Jovens e
Adultos, pois, educadores e autoridades educacionais estão em meio a discussões políticas e
teórico-metodológicas sobre alfabetização. Discute-se hoje porque alunos brasileiros lêem e
escrevem mal, ocupando os últimos lugares nas avaliações institucionais de leitura e escrita.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007,
a taxa de analfabetismo caiu de 10,4% da população em 2006, com 15 anos ou mais, para
10% em 2007. No entanto, segundo dados do Ministério da Educação, o Brasil tem 14
milhões de analfabetos e mais 15 milhões de pessoas que freqüentaram a escola por menos
de quatro anos.
O processo de alfabetização de jovens e adultos oferece muitos desafios tanto para
quem alfabetiza quanto para quem é alfabetizado. As limitações são várias; entre elas, a
escolha de conteúdos e métodos de ensino. Freqüentemente, a responsabilidade pelo
fracasso na alfabetização também é imputada ao professor. E então nos momentos de crise
é comum surgirem defensores dos métodos do passado, não valorizando assim, os avanços
das pesquisas sobre aprendizagem do indivíduo.
A alfabetização das classes populares ainda continua sendo um desafio, pois a
escola é uma das grandes responsáveis pela evasão, fruto de barreiras burocráticas e sociais
que incentivam a desistência de alunos antes mesmo de chegarem ao estágio de
alfabetizados.
É importante destacar a relação entre escola e sociedade. A ideologia do mérito de
que não faz quem não é capaz, quem não quer, continua mantendo os privilegiados em
um patamar elevado, afinal para que se tenha a chamada elite, é necessário que existam os
desprivilegiados.
12
A busca de um novo método dentro das escolas para a transformação dessa situação
é a que deve mover docentes que desejam um maior número de alfabetizados com níveis
mais elevados de escolarização. Método esse que produza alunos criativos e críticos, donos
de seus pensamentos e idéias. É o que se espera na alfabetização das classes populares, sem
rotulá-los de “incapazes” e “deficientes”.
O que a alfabetização comprometida com o sucesso de qualquer indivíduo busca é
antes de qualquer coisa o resgate do sentido e a recuperação da autoria. É porque busca
sentido que o sujeito precisa se apropriar do código escrito. Aprender a ler e escrever é
primeiramente, aculturar-se num novo mundo de comunicação e expressão.
Para Mortatti (2004, p.34), nos dias atuais é necessário saber utilizar a leitura e a escrita
de acordo com as exigências sociais, e esse saber é denominado por “letramento”. Portanto,
é importante que se compreenda a diferença entre analfabeto, alfabetizado e letrado, é
relevante também observarmos as diferentes definições de letramento para alguns autores.
A grande maioria dos alunos da Educação de Jovens e Adultos é receptiva às situações
de aprendizagem, demonstram encantamento com os procedimentos, com os novos saberes
e com as vivências que a escola proporciona. Essa atitude de encantamento com o
conhecimento é importante e precisa ser valorizada pelo professor, porque simboliza uma
abertura para o exercício do raciocínio gico, da reflexão, da análise, da abstração e, desta
forma construir o chamado conhecimento científico.
Desde Paulo Freire, a educação de jovens e adultos vem caminhando para uma
educação democrática e libertadora, comprometida com a realidade social, econômica e
cultural dos mais pobres. No entanto, ainda temos muito por construir nessa direção.
Assim, o móvel deste estudo teve início em minha trajetória escolar e acadêmica. Essa
inquietação teve início na graduação ao passar pela disciplina de Educação e Linguagem.
Foi um momento importante em que pude adquirir conhecimentos que fizeram com que
sentisse o desejo de investigar e entender melhor esta problemática, afinal, meu
aprendizado em relação a leitura e a escrita ocorreu de forma oposta ao que estava
aprendendo nessa disciplina e isso me incomodou; apesar de compreender que esse
processo se deu em outro contexto. Portanto, tenho alguns questionamentos a respeito do
que pensam e fazem alfabetizadoras e alunos de uma Escola blica de Cuiabá MT nos
dias atuais.
13
Pensando em ampliar meus conhecimentos sobre esta temática, realizei este trabalho
na Educação de Jovens e Adultos, área esta pela qual senti forte interesse após concluir o
curso de Pedagogia. Compreendi então, que para encontrar respostas para minhas dúvidas
sobre esta temática, teria que buscar mais conhecimento sobre o assunto, principalmente
por ser uma área pouco “desbravada” por mim, e desde então, venho amadurecendo tal
problemática tão importante e ao mesmo tempo tão complexa. O problema central desta
pesquisa consiste em detectar como pensam e fazem suas práticas pedagógicas,
relacionadas à alfabetização, duas professoras de EJA e seus alunos, de uma escola pública
de Cuiabá.
No primeiro capítulo, falo sobre a origem e contexto da pesquisa, os caminhos
metodológicos, os sujeitos da pesquisa e os instrumentos de coleta de dados para análise.
Algumas questões orientam minha investigação como: Na classe de alfabetização da EJA
uma prática pedagógica que proporcione aos alunos a aquisição da lecto-escrita e o
desenvolvimento do letramento? O livro didático ainda norteia o processo de aquisição da
leitura e da escrita? Os jovens e adultos têm contato com a diversidade textual no processo
de alfabetização? A literatura tem um papel fundamental no processo de alfabetização? Que
concepções permeiam as práticas de leitura e escrita na fase de alfabetização nesta sala de
EJA?
No segundo capítulo, destaco os conceitos de Educação Popular, pois a mesma tem
sido alvo de debates desde a década de vinte do século XX, com o objetivo de garantir uma
educação popular para todos. Em 1959, educadores e intelectuais iniciaram manifestações
em prol da escola pública, entendendo que o progresso econômico do país aconteceria
pela educação. Tornaram-se necessárias mudanças, no contexto das quais surgiu, a partir de
1960 a Educação Popular, idealizada por Paulo Freire, que buscava conscientizar a
população para a emancipação social, política e cultural.
No terceiro capítulo, discorro sobre a Alfabetização e Letramento na EJA, conceitos
indispensáveis para uma compreensão mais abrangente e significativa sobre esta e outras
modalidades de ensino. Essas discussões são de grande relevância, pois pouco se tem feito
para mudar a triste realidade que priva e exclui os menos favorecidos aos direitos
educacionais que lhe são outorgados.
14
Por fim, no quarto capítulo, descrevo sobre as análises do pensar e do fazer
pedagógico das alfabetizadoras e alunos da educação de jovens e adultos; as discussões são
feitas com o aporte teórico mencionado, optando pela construção de um conjunto de
categorias para uma melhor organização e análises mais profundas. Faço um paralelo entre
o que falam as professoras e os alunos e o que realmente praticam, suas dificuldades,
desejos e perspectivas para o futuro.
Nas considerações finais, retomo o problema e os objetivos propostos pela pesquisa
e busco respondê-los com o objetivo de contribuir para as práticas desenvolvidas na
Educação de Jovens e Adultos. Proponho também concepções e práticas que valorizem o
indivíduo, que é um ser carregado de significados e bagagem de mundo, tão importante
para um processo de ensino-aprendizagem significativo, que liberta e oportuniza uma vida
mais digna, democrática, e que valoriza os menos privilegiados.
15
Minha história de leitura
Foi assim que, numa tarde chuvosa no Recife, céu
escuro, cor de chumbo, fui a Jaboatão, à procura de
minha infância. (...) (FREIRE, 1999, p.31).
Nascida em de julho de 1982, na cidade de Rondonópolis, no sul do Estado de
Mato Grosso, casada e sem filhos, sou filha de Maria Aparecida de Oliveira e Vilson da
Silva Oliveira, com apenas um irmão chamado Adilson Silva de Oliveira.
Meus pais são paulistas da década de 60, período em que o país estava em plena
Ditadura Militar e passava por um processo de grandes transformações, principalmente na
área da educação.
Meu pai trabalhou por um período da vida cuidando de fazendas, mas sua profissão
sempre foi a de motorista. Minha mãe, o acompanhou, enquanto cuidava dos dois filhos.
Aos dois anos de idade, meus pais, em busca de uma vida melhor e influenciados por meus
avós que aqui moravam, mudaram para a cidade de Cuiabá e depois para Várzea Grande,
cidade em que conseguiu emprego de motorista.
Quando criança brincava com minhas coleguinhas, brincávamos de esconde-
esconde, pega-pega, passa meu bombarqueiro, casinha, fazíamos piquenique no fundo de
casa, onde tinha um quintal enorme, mas a brincadeira que mais gostava era a de escolinha.
Eu sempre era a professora e minhas colegas as alunas. Meu pai sempre dizia que quando
eu crescesse seria professora, e ele me incentivava para isso. Comprava giz, quadro, enfim,
tudo para que despertasse em mim este desejo.
Minha casa nunca teve um ambiente para leitura, meus pais possuíam apenas o
ano das séries iniciais e não me recordo da haver livros, revistas ou outras literaturas que
me despertasse o gosto pela leitura, a não ser a blia e alguns livros religiosos, visto que,
sempre fomos Evangélicos. Meus pais nunca me proibiram de ler o que tivesse vontade,
mas, infelizmente neste período tive pouco interesse pela leitura, talvez por não ter sido
motivada para tal prática.
As únicas ocasiões de leitura que recordo de minha infância são as histórias
contadas por meu avô José e meu tio José. Todos os anos passávamos as férias no sítio do
meu avô e ficávamos ansiosos para que a noite chegasse, pois, após o jantar sentávamos ao
16
redor dele para ouvir histórias de reis, rainhas, princesas, fantasmas, entre outras. Eram
histórias que duravam até uma semana para ser concluída; cada noite ele contava uma parte
e quando chegava no melhor da história ele dizia: “amanhã a história continua”. Ficávamos
“doidos” para continuar ouvindo a história no dia seguinte.
Meu tio José morou conosco por alguns meses, e foi um dos períodos que mais me
recordo e tenho saudades; tinha aproximadamente 6 anos de idade. Ele possuía uma
imaginação muito fértil para criar histórias. Deitávamos na cama e ele começava a contar;
nunca me esqueço de um personagem que ele criou e inventava várias histórias para ele,
chamava-se Rorói. Quando se aproximava o fim do dia e percebia que estava próxima sua
chegada do trabalho, ficava ansiosa para ouvir qual seria a história daquela noite. Quando
ele chegava não lhe dava mais sossego, mas tinha que aguardar ele tomar banho, jantar e só
depois contava as histórias. Sentia-me como se estivesse dentro da história. São momentos
que guardo com muito carinho em minha memória.
Meus pais nunca foram de contar histórias, aliás, não me recordo de nenhuma que
eles tenham contado. Não sei se na casa de minhas amigas e vizinhas isto era uma
realidade, pois meus pais quase não permitiam que eu freqüentasse a casa delas, por
excesso de cuidado mesmo, afinal era a caçula.
Outro momento de leitura muito marcante pra mim foi aos 12 anos de idade.
Morava próximo a casa do tio Donizete, que possuía um acervo imenso de gibis, pois
sempre foi fascinado por este gênero textual. Ele também era desenhista e criava as
próprias histórias e construía os próprios gibis, e como ele sabia que eu gostava, sempre
que terminava uma edição nova ou um desenho novo, mostrava e pedia minha opinião. Seu
acervo tinha desde a turma da Mônica até os famosos gibis de Téx e Conan, mas os meus
preferidos sempre foram os do Chico Bento, os quais passava horas lendo e relendo.
Lembro-me que eram vários e demorei muito tempo para ler todos. Este período também
marcou muito minha história de leitura e ajudou a reforçar o gosto pela leitura.
A escola não foi um ambiente em que éramos estimulados a ler. Nas séries iniciais,
o único momento de leitura era quando a professora “tomava a leitura da lição” e as leituras
de “textos” e palavras, apenas com o objetivo de aprendermos a ler, escrever e responder as
atividades. O que mais gostava nos livros didáticos eram as histórias, e apesar dessas
histórias servirem para responder os exercícios de interpretação de texto, lia todas quase de
17
uma vez. Sempre “viajei” nas histórias que lia, tinha a sensação que fazia parte daquelas
situações, que para mim eram mágicas.
Lembro-me, como se fosse hoje, meu primeiro dia de aula. Estava ansiosa por ir a
escola, estava tudo pronto e então fui, claro, acompanhada por minha querida mãe. Tive
uma adaptação difícil, pois apesar de desejar muito ir para a escola, eu era muito apegada à
vida familiar, e o medo do novo que sempre tinha, apavorava-me, pois sabia que não
teria o carinho e proteção da família e que estava entrando em um mundo completamente
diferente.
Foi no ano de 1989, no bairro Jaime Campos, na cidade de Várzea Grande - MT,
numa pequena escola pública que iniciei minha caminhada escolar aos seis anos de idade
(quase sete). Não tive educação infantil, chamada de pré-escola e a direção da mesma
achou viável que eu iniciasse na 1ª série, devido à minha idade. Era uma escola de pouca
estrutura, lembro-me bem da quadra de esportes que não tinha cobertura e quando tínhamos
aula de Educação Física ficávamos expostos ao sol. Mas, sentia-me feliz por estar lá,
principalmente, quando conheci minha primeira professora chamada Beatriz.
O ensino vigente era o tradicional, neste caso, os rituais eram voltados para a
manutenção da disciplina, da organização, do patriotismo, etc. Assim fazíamos a fila,
cantávamos o hino nacional em posição de sentido, e depois íamos para a sala, onde
éramos tratados como bonequinhos”, e todos tínhamos que ser iguais, apesar de muito
diferentes.
Minha professora e eu tínhamos um segredo: eu ainda chupava chupeta e não
conseguia ficar sem ela, por isso levava escondida na minha mochila. Entre as leituras,
escritas e atividades desenvolvidas em sala estava a chupeta, colocava a boca dentro da
mochila, dava uma rápida chupadinha e escondi-a novamente. Consigo relembrar a imagem
da professora me olhando e achando graça, porém, nunca revelou nosso segredo.
Permaneci nesta escola até o fim da 2ª série, quando fui transferida para uma
escolinha particular chamada Oldemar Pereira, onde cursei a e séries. Era uma escola
com apenas três salas de aula muito pequenas, pouco arejadas, escuras e sentíamos muito
calor. Éramos incentivados a permanecer em silêncio e sentados, calando assim a voz da
dúvida, da opinião, do conhecimento. Contudo, a vida dentro dessa escola ainda buscava
18
fazer conexão com o mundo fora, pois, como indivíduos do meio, éramos formados para
o contexto social, político e econômico daquela época.
Ao final da 4ª série, motivado por mais uma mudança de residência, fui transferida
de escola. Voltei para a escola pública e nesta permaneci por um ano.
Final de 1993. Devido à mudança de emprego do meu pai, mudamos para Cuiabá
novamente, mais precisamente para o Bairro Pedra 90, matriculando no Colégio CAIC nas
séries 6ª, 7ªe 8ª e, a seguir, cursando o antigo segundo grau (Ensino Médio), que conclui em
1999.
Guardo boas lembranças dessa época, apesar do ensino ser tradicional, essa escola
parecia ter mais vida, isso talvez por ter estudado nela um tempo maior do que as outras.
Alguns professores se mostravam mais próximos e até amigos, como a professora
Rosângela, que fez com que eu gostasse ainda mais da língua portuguesa.
No final de 1999, prestei pela primeira vez o vestibular da UFMT para o curso de
ciências da computação. Ainda estava sem horizonte e como a computação estava no auge,
decidi tentar este curso. Estava muito empolgada, mas tal foi minha tristeza quando recebi a
notícia de que não havia passado.
Não desisti, no ano seguinte, lá estava prestando o vestibular da UFMT, agora para
o curso de Pedagogia, acredito que pela inquietação e descontentamento de como ocorreu
meu processo de ensino-aprendizagem, principalmente no ensino fundamental. Novamente
fiquei decepcionada ao ver que a cena se repetia, fui reprovada pela segunda vez, cheguei a
ser classificada, mas, não chamada.
Em nenhum momento pensei em desistir, pois queria estudar em uma universidade
pública. Mas, ao mesmo tempo, via este sonho muito distante de mim, principalmente pela
forma como havia ocorrido meu processo escolar, em sua maioria um ensino com poucas
perspectivas para o futuro, mas também sabia que, para mudar este quadro, teria que fazer a
minha parte que era estudar muito para alcançar meus objetivos.
Em 2002, tentei novamente o vestibular para o curso de pedagogia, estava confiante,
mas, preparada para mais uma decepção. Foi quando recebi um telefonema de um amigo
me parabenizando por ser a mais nova graduanda de pedagogia da UFMT. Não conseguia
acreditar naquela notícia, pois, depois de tantas tentativas consegui meu objetivo, passar no
vestibular.
19
No primeiro dia de aula na UFMT, 05 de maio de 2003, estava ansiosa, mas
muito feliz por aquele o sonhado momento ter finalmente chegado. A aula inaugural foi
no auditório do Instituto de Educação, onde pude ter noção do que me aguardava nos anos
seguintes.
Em setembro de 2003, aos 21 anos de idade, passo por uma nova fase da minha
vida, o casamento. Agora um novo desafio, ser esposa do Junior Cambraia Soares, uma
pessoa muito especial. Graças a Deus, fui muito feliz na minha escolha, pois além de
companheiro, sempre me incentivou a estudar e alcançar meus objetivos.
no primeiro ano do curso em que estudamos os fundamentos da educação, foi
despertado em mim um interesse pela disciplina de Linguagem, hoje retornando às minhas
memórias, compreendo porque escolhi esta linha de estudos. Mas foi no segundo ano, em
meio às metodologias, que realmente me interessei pelo conteúdo da disciplina, mais
precisamente pela alfabetização.
Sempre mantive uma postura de resistência no quesito alfabetização que acredito ser
conseqüência do processo de alfabetização a que fui submetida. Compreendi então, que
para superar meus medos, teria que buscar mais conhecimento sobre o assunto e após
concluir o curso de Pedagogia, senti um forte interesse em buscar este conhecimento na
Educação de Jovens e Adultos.
Hoje, concluindo o Mestrado e refletindo sobre os momentos marcantes de minha
vida, momentos que quase já não me lembrava mais, mas que ao buscá-los na memória e na
história compreendo que se cheguei até aqui, é porque minha formação teve significado.
Foi reportando à minha história de leitura, minha trajetória escolar e acadêmica, que hoje
busco e encontro sentido e respostas para minha vida pessoal e profissional. Valeu a pena!
20
CAPÍTULO 1
ORIGEM E CONTEXTO DA PESQUISA
1.1 Os caminhos metodológicos
É preciso compreender que a construção do conhecimento é um processo, que é
histórico, individual e coletivo ao mesmo tempo, e que deriva da práxis humana e, portanto,
não é linear nem neutro, como desejava a ciência positivista. Desta forma, toda pesquisa
tem uma intenção: elaborar conhecimentos que proporcionem compreensão e
transformação da realidade; por ser uma atividade, está posta em determinado contexto
histórico-sociológico, ligada à valores, ideologias e conceitos de indivíduo e de mundo.
Por considerar que a pesquisa qualitativa é a que mais se adequa a este estudo,
fundamento-me em alguns teóricos como: Bogdan e Biklen (1994), Fazenda (1991), Ludke
e André (1986), Zago, Carvalho e Vilela (2003), que descrevem sobre esta abordagem.
Nas metodologias qualitativas, os indivíduos pesquisados não são reduzidos a
variáveis isoladas ou a hipóteses, mas vistos como parte de um todo, em seu contexto
natural e habitual. Acredita-se que ao transformar pessoas em estatísticas, perde-se de vista
a natureza subjetiva do comportamento humano. Existem melhores maneiras de conhecer
os seres humanos e entender como ocorre a evolução das definições de mundo destes
sujeitos fazendo uso de dados descritivos derivados de registros e anotações pessoais, de
falas de pessoas e de comportamentos observados.
Dentre as várias características da pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen discorrem
sobre algumas:
1) Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o
investigador o instrumento principal: O investigador desprende grande quantidade de tempo
em escolas, famílias, bairros e outros locais tentando elucidar questões educativas. Mesmo
utilizando equipamentos de áudio e vídeo ou um simples bloco de anotações, os dados são
recolhidos e complementados pelas informações obtidas através do contato direto.
21
Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o
contexto. Acreditam que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas
em seu ambiente habitual de ocorrência.
2) A investigação qualitativa é descritiva: Os dados recolhidos são em forma de palavras ou
imagens e não de números. Os resultados são baseados nos dados para ilustrar e dar
substância à apresentação. Nos dados incluem transcrição de entrevistas, notas de campo,
fotografias, vídeos, documentos pessoais e outros registros oficiais. O investigador analisa
os dados em toda sua riqueza, respeitando ao máximo a forma como foram registrados ou
transcritos.
3) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente
pelos resultados ou produtos: Como é que se começaram a utilizar certos termos e rótulos?
Como é que determinadas noções começaram a fazer parte daquilo que consideramos ser o
“senso comum”? Qual a história natural da atividade ou acontecimentos que pretendemos
estudar?
4) Os investigadores qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva: O
investigador não recolhe dados ou provas com o objetivo de confirmar hipóteses
previamente construídas, ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os
dados que foram recolhidos vão sendo agrupados. Não se trata de montar um quebra-
cabeças cuja forma final conhecemos de antemão.
5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa: Os investigadores que
fazem uso deste tipo de abordagem se interessam pelo modo como diferentes pessoas dão
sentido à vida. Centram-se em questões como: quais os juízos que as pessoas fazem sobre
suas vidas? O que consideram ser “dados adquiridos”? (BOGDAN E BIKLEN,1994, p.48-
50).
A pesquisa qualitativa, pelas características apresentadas, é particularmente útil para
a investigação de questões ligadas à vida das pessoas e aos significados que as mesmas
atribuem ao mundo. Experiências educacionais de pessoas de todas as idades tanto em
contexto escolar como exteriores à escola, podem constituir um objeto de estudo, portanto
na investigação qualitativa, não esgotam a diversidade de estratégias de investigação. Os
investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o
contexto. Acreditam que as ações podem ser mais bem compreendidas quando são
observadas em seu ambiente habitual de ocorrência.
Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa selecionem questões
específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem de investigação não é feita com
o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam a
compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As
causas exteriores são consideradas em segundo plano, recolhem os dados em função de um
contato aprofundado com os indivíduos.
Dentre as estratégias mais representativas da investigação qualitativa, podemos
destacar a observação participante e a entrevista em profundidade. O investigador introduz-
se no mundo das pessoas que pretende pesquisar, tenta conhecê-las, dar-se a conhecer e
22
ganhar sua confiança, elabora um registro de tudo o que houve e observa e complementa o
material com outros dados, como registros escolares, fotografias, etc.
Apesar de ser reconhecida pouco tempo, a investigação qualitativa possui uma
longa e rica tradição que auxiliam investigadores qualitativos em educação a compreender a
sua metodologia em contexto histórico. O investigador qualitativo em educação busca
constantemente questionar os sujeitos investigados, com o objetivo de perceber o modo
como eles interpretam as suas experiências e como eles próprios estruturam o mundo social
em que vivem.
Segundo Ludke e André (1986, p.1), “para realizar uma pesquisa é preciso promover
um confronto entre os dados, as evidências as informações coletadas sobre determinado
assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”. Para isso, os autores
defendem que:
Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o
interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do
saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. Trata-se, assim, de uma
ocasião privilegiada, reunindo o pensamento e a ação de uma pessoa, ou de um grupo, no
esforço de elaborar o conhecimento de aspectos da realidade que deverão servir para a
composição de soluções propostas aos seus problemas (LUDKE e ANDRÉ 1986, p.2).
Eles afirmam ainda que é importante lembrar que, como atividade de caráter
humano e social, a pesquisa traz uma carga de valores, preferências, interesses e princípios
que orientam o pesquisador. Como o indivíduo faz parte de um tempo e de uma sociedade
específica, refletirá em seu trabalho de pesquisa os valores e princípios considerados
relevantes naquela sociedade, naquele contexto.
Para Ludke e André (1986, p.20), “a pesquisa qualitativa procura dar respostas aos
aspectos da realidade que não podem ser quantificados. Trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”. Eles abordam também
algumas características desta pesquisa:
*A busca da descoberta, na qual o pesquisador procurará manter-se constantemente atento a
novos elementos que podem emergir como importantes durante o estudo.
*A ênfase na interpretação do contexto, em que o objeto se situa visando sua apreensão
completa.
* A retratação da realidade completa e profunda, buscando revelar a multiplicidade de
dimensões da situação.
23
* O uso de várias fontes de informação pelo pesquisador, coletadas em diferentes situações
e com uma variedade de tipos de informantes.
* A representação de pontos de vista diferentes e conflitantes numa situação social, que o
pesquisador iprocurar trazer para o estudo, revelando ainda o seu próprio ponto de vista
sobre a questão. Então, a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo
uma única que seja a mais verdadeira (LUDKE e ANDRÉ 1986, p.20).
Assim, o estudo de natureza qualitativa tem um grande potencial para conhecer e
compreender melhor os problemas estudados. Por isso, é importante que o pesquisador não
se satisfaça apenas com as descrições detalhadas daquilo que observou, mas que registre
também os seus sentimentos e questionamentos no decorrer do processo de coleta de dados.
Outra autora que contribui com a pesquisa educacional é Ivani Fazenda (1991,
p.19), ela descreve que “a formação do pesquisador, desde cedo, precisaria desenvolver o
compromisso por ‘ir além’ além do que os livros falam, além das possibilidades que
lhe são oferecidas, além dos problemas mais conhecidos. Entendo que se ocorresse desta
maneira, grandes avanços ocorreriam no âmbito da pesquisa.
Ela relata ainda que estudar o cotidiano escolar é fundamental para a compreensão
de como a escola tem desempenhado sua obrigação como socializadora, seja na transmissão
dos conteúdos acadêmicos ou na divulgação das crenças e valores que surgem nas ações,
interações, nas rotinas e nas relações sociais que caracterizam o cotidiano da experiência
escolar. Ainda para Fazenda,
O processo de análise dos dados qualitativos é extremamente complexo, envolvendo
procedimentos e decisões que não se limitam a um conjunto de regras a serem seguidas. O
que existem são algumas indicações e sugestões muito calcadas na própria experiência do
pesquisador e que serve como possíveis caminhos na determinação dos procedimentos de
análise (FAZENDA 1991, p.44).
Os levantamentos sociais têm grande importância para a compreensão da história da
investigação qualitativa em educação, dada a sua relação imediata com os problemas
sociais. Nos anos oitenta e noventa do século XX, cresceu o número de publicações para
artigos qualitativos. Uma grande inovação foi a utilização do computador na recolha, gestão
e análise dos dados qualitativos.
24
Uma das principais influências do pós-modernismo nas metodologias qualitativas
foi a modificação no entendimento da natureza da interpretação e no papel do investigador
qualitativo como um intérprete. Ao invés de entenderem o material escrito textos,
manuscritos, artigos e livros pelo seu valor facial, os investigadores qualitativos pós-
modernos tomaram-no como objeto de estudo.
Outra característica da pesquisa qualitativa nos é apresentada por Zago; Carvalho;
Vilela (2003),
Uma das características da pesquisa qualitativa e, dentro desta, da entrevista compreensiva,
é permitir a construção da problemática de estudo durante o seu desenvolvimento e nas suas
diferentes etapas. Em razão disso, a entrevista compreensiva não tem uma estrutura rígida,
isto é, as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme o
direcionamento que se quer dar à investigação (ZAGO; CARVALHO; VILELA, 2003, p.
295).
Vale destacar a grande importância do gravador nas pesquisas realizadas por meio
de entrevistas, prática essa que segundo tais autores, exige uma negociação com o
informante, para obter sua aprovação. A gravação do material é de fundamental
importância, pois, com base nela, o pesquisador está mais livre para conduzir as questões,
favorecer a relação de interlocução e avançar na problematização (
ZAGO; CARVALHO;
VILELA, 2003, p.299).
Esse registro tem uma função primordial na organização e análise dos
resultados e mais completo do que as anotações, permitindo ainda, escutar novamente as
entrevistas, revendo seu conteúdo sempre que necessário.
Ainda para estes autores, na pesquisa qualitativa:
A entrevista se desenvolve em uma relação social. Nesse sentido, o pesquisador não pode
ser interpretado como se ele não fosse tal pessoa, não pertencesse a tal sexo, etnia e
profissão, ou ainda, como se não ocupasse determinado lugar na sociedade. A entrevista
expressa realidades, sentimentos e cumplicidades que um instrumento com respostas
estandardizadas poderia ocultar, evidenciando a infundada neutralidade científica daquele
que pesquisa (ZAGO; CARVALHO; VILELA, 2003, p.301).
Os investigadores qualitativos, ao longo dos anos têm sido acusados de
influenciarem seus dados com seus preconceitos e atitudes. Particularmente quando os
dados precisam ser processados” pela mente do investigador antes de serem postos no
papel, surgem as preocupações relativas a riscos de subjetividade. Será que o investigador
25
se limita a registrar aquilo que pretende ver e não o que realmente se passa? Será que se
preocupam com os efeitos que a sua subjetividade possa ter nos dados que produzem?
Os dados carregam o peso de qualquer interpretação, assim, o investigador tem
constantemente de confrontar sua opiniões próprias e preconceitos com eles. Além disso,
muitas opiniões e preconceitos são muito superficiais. Os dados recolhidos proporcionam
uma descrição muito mais detalhada dos acontecimentos do que mesmo a mente mais
criativamente preconceituosa poderia ter construído, antes do estudo ser concluído. O
principal objetivo do investigador é o de construir conhecimento e não o de dar opiniões
sobre determinado contexto.
Em investigação qualitativa, uma das estratégias utilizadas baseia-se no pressuposto
de que pouco se sabe das pessoas e ambientes que irão constituir o objeto de estudo. Os
planos evoluem conforme se familiarizam com o ambiente, pessoas e outras fontes de
dados. Quando iniciam um trabalho, ainda que os investigadores tenham uma ideia do que
irão fazer, nada é detalhado antes da recolha dos dados. É o próprio estudo que estrutura a
investigação, não ideias preconcebidas ou um plano prévio detalhado.
Não se pode negar que um investigador qualitativo possui um plano e é baseado em
hipóteses teóricas e nas tradições da recolha de dados. Estas fornecem os parâmetros, as
ferramentas e uma orientação geral para os passos seguintes. Não se trata de negar a
existência de um plano, mas na investigação qualitativa trata-se de um plano flexível.
Incorporar a pesquisa qualitativa à prática do professor, não é mais do que se tornar
autoconsciente, pensar e agir ativamente semelhante a um investigador qualitativo. Quando
adotar tal prática, começará a ter menos certezas sobre si próprio e passará a ver-se mais
como um objeto de estudo. Passará a ser mais reflexivo, capaz de ganhar uma visão mais
ampla do que está se passando.
A abordagem qualitativa, aplicada pedagogicamente, é um método de investigação que
procura descrever a analisar experiências complexas. Possui semelhanças com os métodos
de relações humanas na medida em que, como parte da recolha dos dados, devemos escutar
corretamente, colocar questões pertinentes e observar detalhes. Uma investigação pode
contribuir para tirar conclusões que sejam de crucial importância para a educação ou para a
sociedade, em geral.
26
1.3 A configuração do problema de pesquisa
Proponho, para compreender o tema abordado, o seguinte problema:
- Como pensam e fazem suas práticas pedagógicas, relacionadas à alfabetização,
duas professoras de EJA e seus alunos, de uma escola pública de Cuiabá – MT?
Algumas questões orientam minha investigação:
1) Que concepções permeiam as práticas de leitura e escrita na fase de alfabetização na
sala de EJA estudada?
2) Na classe de alfabetização da EJA uma prática pedagógica que proporcione aos
alunos a aquisição da lecto-escrita e o desenvolvimento do letramento?
3) Os jovens e adultos têm contato com a diversidade textual no processo de
alfabetização?
4) Quais materiais didáticos são usados no processo de leitura e escrita?
5) A literatura tem um papel fundamental no processo de alfabetização?
1.2 Objetivos
Para melhor delineamento deste trabalho, apresento, a seguir, os objetivos que
conduziram esta pesquisa:
1.2.1 Objetivo geral
Compreender o que fundamenta e norteia o pensar e o fazer pedagógico de duas
professoras alfabetizadoras de Jovens e Adultos e seus alunos, em uma escola pública de
Cuiabá - MT.
27
1.2.2 Objetivos específicos
Analisar se na classe de alfabetização da EJA há uma prática pedagógica que
proporcione aos alunos a aquisição da lecto-escrita e o desenvolvimento do
letramento;
Identificar quais materiais didáticos são usados no processo de leitura e escrita;
Identificar se os jovens e adultos têm contato com a diversidade textual no
processo de alfabetização;
Perceber se a literatura tem um papel fundamental no processo de alfabetização.
Identificar quais concepções e métodos do ensino da leitura e da escrita norteiam
o processo de ensino e aprendizagem, de modo a propiciar o desenvolvimento
do letramento.
1.4 O contexto da escola
A escola escolhida é a Escola Estadual Dr. Mário de Castro, localizada na rua
Santos Dumont, nº. 102 - Bairro Pedra 90, onde estudei a e série do Ensino
Fundamental. Pensei que seria uma ótima oportunidade de contribuir com a comunidade,
visto que resido há quatorze anos neste bairro.
Fundado em 1990, o Pedra 90 é um dos bairros mais populosos de Cuiabá e tem em
média 60 mil habitantes. Pode ser considerada uma cidade de médio porte devido à sua
grande extensão, ao grande número de moradores e pela variedade de serviços que possui,
como supermercados, posto de gasolina, rede de farmácias, escolas, etc. A maioria de seus
moradores é formada por pessoas carentes, desprovidas de recursos financeiros e muitas
necessitando de infra-estrutura e de equipamentos sociais comunitários, cujos serviços são
oferecidos em várias áreas pelo Estado e pela Prefeitura Municipal, como escolas públicas,
creches, centro de múltiplo uso entre outros.
No passado, o bairro Pedra 90 foi vítima de discriminações, por ser longe do centro,
e pela ideia equivocada de que tem violência. Hoje, o bairro é prestigiado, dotado de
infra-estrutura parcial e tem a escola Rafael Rueda com o maior número de salas de aula da
28
Capital. É o bairro com maior concentração de artesãos da cidade e com características de
zona urbana e zona rural. O bairro comporta em média 820 chácaras, que compõem o
Cinturão Verde.
Segundo o Projeto Político Pedagógico, a escola pesquisada pertence à Rede Oficial
de Ensino e é mantida pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso. Foi criada
pelo Decreto N.º 802 de 18 de Fevereiro de 1992, sendo reconhecida o dia 15 de Dezembro
de 1992 sob. N.º 277, sendo autorizada a funcionar o grau e Supletivo de I a IV: Fase I e
Fase II no ano de 1992. No ano de 2001, deu-se início ao Ensino Médio.
A escola em questão é denominada Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio “Dr. Mário de Castro” e foi resultado da construção do Bairro Pedra 90, que atendia
desde o Ensino I a VI até o ano de 1992. Desde 2004 atende as séries de 1ª, e fase do
ciclo 3ª, 4ª,5ª série VI a VIII e EJA de I a IV a V a VIII e, em 2001, iniciou o Ensino
Médio. O nome da escola foi escolhido em homenagem a um célebre médico, admirado por
todos por ter construído uma história de saúde solidária em Cuiabá.
A escola conta com prédio em boas condições de funcionamento. Ao final de cada
dois anos, a comunidade escolar elege o diretor que deve ser membro nato do Conselho
Deliberativo Escolar. Funcionam nela 14 salas de aula distribuídas em três períodos,
matutino, vespertino e noturno. Está em seu décimo quarto ano de funcionamento, e no
final de 2007 foi eleito, por votos da comunidade, seu novo diretor.
A filosofia da escola Dr. Mário de Castro, segundo seu Projeto Político Pedagógico, é
de atender sua clientela com o compromisso político social, visando, sobremaneira, a
formações de cidadãos ativos/críticos; que possam atinar para a continuidade do
crescimento científico/tecnológico e psicológico, sob a ótica de aluno como sujeito da sua
própria aprendizagem.
Ainda segundo o Projeto Político Pedagógico, as metas da escola são: erradicar a
evasão escolar e diminuir e/ou eximir o problema da repetência; possibilitar ao aluno
oportunidades de crescimento intelectual e social no intuito de fazer com que esse cresça
como cidadão crítico/participativo na sociedade à qual está inserido; Oferecer condições
materiais e psicológicos para que o aluno seja capaz de tornar-se um cidadão capaz de
exercer sua cidadania.
29
Algumas considerações sobre os conteúdos trabalhados na EJA são feitas no PPP da
escola:
Os conteúdos serão desenvolvidos através de projetos comuns, do qual se extrai
todo o conteúdo programático fazendo a interação dos mesmos com todas. Serão
trabalhadas de forma integrada e estreitamente vinculadas à realidade do aluno.
Será considerado todo o conhecimento que o aluno traz sobre o assunto, fazendo
desse senso comum o ponto de partida do mesmo rumo ao conhecimento,
cientifico e sistematizado.
A articulação entre as áreas com o conteúdo deve ser priorizada. Serão
utilizadas metodologias reflexivas aos momentos sociais; A organização do
trabalho escolar de pesquisa qualitativa: os trabalhos em grupo, como forma de
construir o conhecimento de maneira gradual em relação ao nível de
complexidade do conteúdo.
O projeto Político Pedagógico deve sempre ser um norteador das atividades
desenvolvidas pela escola, ao verificar tais considerações percebo que os objetivos
da escola pesquisada estão dentro dos parâmetros designados para essa modalidade
de ensino.
1.5 Os sujeitos da pesquisa
Os sujeitos desta pesquisa são 27 alunos com idade entre 27 e 70 anos, pertencentes
à classe de alfabetização da escola em questão e 2 professoras.
Praticamente todos os alunos não tiveram condições ou acesso à escola quando
criança. A idade de cada pesquisado demonstra o tempo em que ficaram sem frequentar a
escola, pois, a maioria teve que começar a trabalhar muito cedo para ajudar a família no
sustento do lar. A turma é constituída basicamente de empregadas domésticas, do lar,
serviços gerais, entre outros. A identidade de cada sujeito será resguardada pelas iniciais do
nome. Nas tabelas abaixo é possível verificar melhor o perfil de cada pesquisado.
30
PROFESSORAS
IDADE
FORMAÇÃO
ESCOLAR
TEMPO DE
DOCENCIA
EXPERIÊNCIAS
PROFISSIONAIS
KCSM
31 anos
Magistério
14 anos
Recepcionista, secretária
e professora
MLCS
53 anos
Pedagogia
32 anos
Professora,
Coordenadora e diretora
ALUNOS
IDADE
SEXO
PROFISSÃO
PORQUE
ABANDONOU
A ESCOLA
PORQUE
RETORNOU
A ESCOLA
CSC
45 anos
Feminino
Doméstica
Mudanças
constantes
Expectativa de
emprego
melhor
ECS
29 anos
Feminino
Doméstica
Para trabalhar
Expectativa de
emprego
melhor
IFP
27 anos
Masculino
Bicicleteiro
Para trabalhar
Tirar carteira
de motorista
MJA
53 anos
Feminino
Doméstica
Nunca estudou
Aprender ler e
escrever
MJS
56 anos
Feminino
Do lar
Nunca estudou
Aprender ler e
escrever
DLR
44 anos
Feminino
Do lar
Falta de
interesse
Aprender ler e
escrever
JAJ
62 anos
Feminino
Doméstica
Para trabalhar
Aprender ler e
escrever
BCS 31 anos Feminino Do lar Para trabalhar Ajudar filhos
AFS
47 anos
Feminino
Do lar
Nunca estudou
Aprender ler e
escrever
ALX
41 anos
Feminino
Doméstica
Para trabalhar
Aprender ler e
escrever
CASA
40 anos
Masculino
Almoxarifado
Para trabalhar
Expectativa de
emprego
melhor
IVS
42 anos
Feminino
Do lar
Nunca estudou
Conseguir
emprego
DGN 30 anos Masculino
Tratorista Para trabalhar Fazer cursos
GFN
29 anos
Masculino
Açougueiro
Para trabalhar
Adquirir mais
conhecimento
SRDL
33 anos
Feminino
Doméstica
Mudanças
constantes
Para prestar
concurso
31
EPC
28 anos
Masculino
Soldador
Para trabalhar
Expectativa de
emprego
melhor
SMBM
27 anos
Feminino
Do lar
Nunca estudou
Ter uma
profissão
MOF
36 anos
Feminino
Do lar
Nunca estudou
Aprender ler e
escrever
CLS
41 anos
Masculino
Op. máquina
Para trabalhar
Ser alguma
coisa na vida
SPS
70 anos
Masculino
Lavrador
Nunca estudou Aprender ler e
escrever
ASRM 23 anos Masculino
Chapa Para trabalhar Para aprender
AOV
42 anos
Masculino
Bicicleteiro
Para trabalhar
Melhor
desempenho
no trabalho
LFS
34 anos
Feminino
Serviço geral
Para trabalhar
Melhor
desempenho
no trabalho
MSJV
49 anos
Feminino
Do lar
Para trabalhar
Aprender ler e
escrever
NSO
31 anos
Feminino
Doméstica
Dificuldades de
aprendizado
Aprender ler e
escrever
MNS
38 anos
Feminino
Doméstica
Nunca estudou
Aprender ler e
escrever
AAS
40 anos
Feminino
Serviço Geral
Para trabalhar
Melhor
desempenho
no trabalho
Todos os alunos pesquisados pertencem a uma mesma classe social: são pessoas
com baixo poder aquisitivo, que consomem apenas o básico para sobreviver: aluguel, água,
luz, alimentação e remédios (quando podem comprar). O lazer e a informação ficam por
conta da televisão e dos momentos freqüentados na igreja ou na casa de parentes e vizinhos.
O principal objetivo desses alunos é aprender a ler e escrever para conseguir um emprego
melhor, pois, sentem o desejo de viver de forma menos sofrida do que já viveram até hoje.
Toda essa realidade fez com que Paulo Freire, ainda nos anos de 1960, reconhecesse o
analfabetismo como uma questão não apenas pedagógica, mas social e política, mostrando
que educar a favor dos pobres é transformar uma sociedade geradora desta pobreza.
32
1.6 Os instrumentos de coleta para análise
Como diz Pádua (1997, p.30), na verdade, a questão dos procedimentos é uma
questão instrumental, portanto se refere à prática do pesquisar, como um conjunto de
técnicas que permitem o desenvolvimento desta atividade nos diferentes momentos do seu
processo”. Assim, as técnicas que auxiliam e proporcionam a elaboração do conhecimento
sobre a realidade, não podem ser consideradas como meros instrumentos formais,
mecânicos, desligados de um aporte teórico que as contextualize numa totalidade mais
ampla.
A pesquisa em questão, foi realizada em uma sala de alfabetização de Jovens e
Adultos, por meio de observações realizadas durante 4 meses (de agosto a dezembro de
2007), entrevistas gravadas com questões abertas com as professoras e alunos, coleta de
dados, busca de suporte teórico na legislação e PCNs referentes à EJA, informações nos
planos de ensino (que não foi possível obter, pois, as professoras não possuíam planos) e no
Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola. Segundo Ludke e André,
Tanto quanto a entrevista, a observação ocupa um lugar privilegiado nas novas abordagens
de pesquisa educacional. Usada como o principal método de investigação ou associada a
outras técnicas de coleta, a observação possibilita um contato pessoal e estreito do
pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma série de vantagens. Em
primeiro lugar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência
de um determinado fenômeno (LUDKE e ANDRÉ, 1986 p.26).
A observação direta possibilita também que o pesquisador se aproxime das
expectativas dos sujeitos, um importante alvo nas pesquisas qualitativas. Enquanto o
pesquisador acompanha as experiências diárias dos sujeitos pesquisados, pode buscar
compreender o significado que eles atribuem à realidade que vivem e às suas próprias
ações.
Analisar os dados qualitativos implica estudar todo o material obtido na pesquisa,
ou seja, os relatos das observações, as transcrições das entrevistas, as análises de
documentos, pois são considerados documentos quaisquer materiais escritos que possam
ser usados como fonte de informação sobre o comportamento humano” (Phillips 1974
33
apud Ludke e André, 1986, p.27) e as demais informações disponíveis. Analisar os dados
implica organizar todo o material e relacioná-lo à tendências e padrões relevantes.
Posteriormente, essas tendências e padrões são reavaliados e busca-se relacioná-los e inferi-
los em níveis de abstração mais elevados.
Para as análises, optei por preservar a variação linguística dos entrevistados, pois,
como diz Goulart (2006),
a fala das pessoas nos elementos para conhecê-las, saber seu estado de espírito, seu
temperamento, suas origens sociais. O sotaque, o tom de voz, determinadas palavras usadas,
o modo como se utilizam as construções sintáticas, as referências, e tantas outras marcas,
deixam entrever aspectos das pessoas que, muitas vezes, elas não se dão conta de que estão
sendo evidenciadas (GOULART, 2006, p.69).
Uma questão importante neste caso é o preconceito linguístico, de acordo com
Bagno (2002), ao afirmar que,
... no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o Português, esse
Português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não por causa da
grande extensão territorial do país que gera diferenças regionais bastante conhecidas, e
também vítimas, algumas delas de muito preconceito, mas principalmente por causa da
trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição social de
todo o mundo (BAGNO, 2002, p.16).
Do ponto de vista linguístico, a maneira como os alunos entrevistados nesta
pesquisa falam (e que optei por transcrever suas falas respeitando esta variação), tem o
mesmo valor que aquelas que a classe dominante faz uso, já que dão conta das necessidades
dos falantes que as utilizam. Portanto, não podemos considerá-la errada, já que as línguas
vivem uma variação grande, expressando a diversidade de origens sociais e regionais.
1.7 As categorias de análise
Por considerar essencial para melhor compreensão dos dados, elaborei algumas
categorias e subcategorias de análises, criadas a partir do questionário utilizado na
entrevista dos pesquisados. São elas:
34
O cotidiano escolar;
o O primeiro momento
o As aulas observadas
O pensar e o fazer das alfabetizadoras;
o O pensar das alfabetizadoras sobre a leitura;
o O método utilizado: concepções;
o Os usos do livro didático;
o A literatura na sala de aula;
o O que pensam as professoras sobre sua prática pedagógica;
O pensar e o fazer dos alunos.
o A importância da escola para os alunos;
o Fatores que motivaram o retorno aos estudos;
o O apoio ou não da família;
o A importância da leitura e da escrita;
o O significado da leitura e da escrita;
o Os textos para leitura;
o As dificuldades encontradas no processo de aprendizagem;
o O que pensam os alunos sobre sua aprendizagem da leitura e da escrita;
35
CAPÍTULO 2
CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Não é apenas em uma sociedade transformada que se
cria uma nova cultura e um novo homem. É ao longo do
processo coletivo de transformá-la através do qual as
classes populares se educam com a sua própria prática,
e consolidando o seu saber com o aporte da educação
popular (BRANDÃO, 1985, p.70).
O termo Educação Popular é alvo de debates e preocupações desde a cada de 20
do século passado, cujo objetivo foi desde o início garantir uma educação popular para
todos. Assim sendo, em 1959 educadores e intelectuais iniciaram manifestações em prol da
escola pública, entendendo que o progresso econômico do país aconteceria pela
educação, uma educação mais técnica, ou seja, para ensinar a fazer e menos clássica para
formar intelectuais. Paiva confirma esta teoria:
[...] a educação do povo só começou a ser valorizada como processo sistemático quando a
revolução industrial na Europa passou a exigir o domínio das técnicas da leitura e da escrita
por parte de um maior número de pessoas, [...] tornou-se ainda mais importante quando o
desenvolvimento do capitalismo permitiu percebê-la como um importante instrumento de
ascensão social (PAIVA, 1987 p. 26).
Foi então, que a partir de 1960 surgiu a Educação Popular no Brasil, idealizada por
Paulo Freire que buscava conscientizar a população a buscar uma emancipação social,
política e cultural. Freire nos propõe uma educação como prática da liberdade e suas idéias
nascem como uma das expressões da emergência política das classes populares e que
conduzem a uma reflexão e prática sobre o movimento popular.
A alfabetização aparece como destaque neste contexto por ser o campo inicial do
trabalho do autor. O autor sempre acreditou que a alfabetização e a conscientização jamais
36
se separam, ou seja, todo aprendizado deve estar associado à consciência da situação real
vivida pelo indivíduo.
A compreensão de uma pedagogia libertadora requer clareza e só adquire total
significado quando toma parte com a luta dos homens por libertar-se. Uma pedagogia da
liberdade pode ajudar uma política popular, pois a conscientização leva à compreensão das
estruturas sociais como modos da dominação e da violência.
Dessa maneira, a complexidade de ser professor, não está apenas em ser professor
da Educação de Jovens e Adultos, mas em ser profissional e ter a sensibilidade de perceber
que o ser humano está inserido no mundo complexo em que podem ser conduzidos a vários
caminhos da existência, e por meio dessa trajetória, como afirma Tardiff, o professor estará
se constituindo.
O profissional do ensino é alguém que deve habitar e construir seu próprio espaço
pedagógico de trabalho de acordo com limitações complexas que ele pode assumir e
resolver de maneira cotidiana, apoiando necessariamente em visão de mundo, de homem e
de sociedade (TARDIFF, 2002, p.149).
A formação da identidade do professor está além da escola, das técnicas e
metodologias das práticas educativas; ser professor exige saberes amplos além do saber
ensinar. Nóvoa (1995, p.14) salienta que a maneira de ensinar evolui com o tempo e com
as mudanças sociais”
Para a pedagogia da liberdade, democracia não pode significar apenas converter o
analfabeto em eleitor, mas prepará-lo para as críticas apresentadas pelas elites e criar
possibilidades de escolher seu próprio caminho. Historicamente, os políticos se
interessavam pelas massas oprimidas na medida em que elas tornavam-se manipuláveis
dentro do jogo eleitoral, pois, era uma sociedade comandada por uma elite em que o
homem simples, minimizado (sem consciência desta minimização), era tratado como
“coisa”.
Então, a educação dessas massas tornou-se algo fundamental entre nós, criando
assim, uma força de mudança e libertação, tornando o homem-objeto em homem-sujeito.
Paulo Freire nunca achou que suas idéias pudessem ser aceitas pelas forças dominantes em
que o interesse maior estava na alienação do homem e da sociedade em geral, mas sempre
acreditou que o que deve ser superado é o discurso vazio sobre a educação e o que deve ser
37
implantado é uma pedagogia que começa pelo diálogo, que possibilite ao povo uma
consciência crítica de tudo o que ocorre ao seu redor, interferindo, ao invés de simples
expectador acomodado. Sobre as discussões da EJA, Soares (2005) afirma que:
a Educação de Jovens e Adultos m priorizado as seguintes temáticas: a necessidade de se
estabelecer um perfil mais aprofundado do aluno; a tomada da realidade em que está
inserido como ponto de partida das ações pedagógicas; o repensar de currículos, com
metodologias e materiais didáticos adequados às suas necessidades; e, finalmente, a
formação de professores condizente com a sua especificidade (SOARES, 2005, p.127).
A Educação de Jovens e Adultos vem, de forma rápida, ocupando um espaço cada
vez maior e mais importante no cenário mundial; e “com o advento das novas relações com
o mundo do trabalho, a educação dessa população passou a ser focada como estratégia e
elemento de requalificação profissional.” (Soares, 2005, p. 123)
A Lei de Diretrizes e Bases . 5.692/71, pela primeira vez na história da educação,
dedicou espaço ao ensino supletivo, sua aprovação aconteceu em 11 de agosto de 1971
substituindo a Lei nº. 4.024/61 reformulando assim o ensino de e 2º graus e garantindo
acesso a educação àqueles que não tiveram oportunidade de continuar os estudos em idade
própria. A Lei . 5692/71 ofereceu autonomia e flexibilidade aos Conselhos Estaduais de
Educação para normatizarem as ofertas de cursos supletivos em seus Estados. De acordo
com o artigo 38 a Educação de Jovens e Adultos é concebida
como habilitadora para prestação de exames e concursos para o prosseguimento de estudos,
o que indica o reconhecimento da necessidade de escolarização. A integração do homem aos
papéis sociais – as responsabilidades profissionais, a participação política, a participação nas
organizações sociais exige uma educação que considere a sua integração individual e
coletiva. O trabalho, sem dúvida, é o maior instrumento para a integração social (LEMOS,
1999, p.22).
Apesar de todas as propostas existentes para garantir o direito à escolarização para
todos os cidadãos, o mero de analfabetos ainda é considerável em nosso país. Esse
fracasso pode ser explicado por vários fatores, entre eles, a metodologia usada na EJA,
sendo que, a Educação de Jovens e Adultos deve proporcionar o conhecimento e a
integração na diversidade cultural, uma educação que desenvolva a compreensão mútua,
contra a discriminação e exclusão vigente. Segundo Soares (2001), o tratamento dado à
38
EJA no Brasil não alcança resultados satisfatórios, permanecendo patente as dificuldades
das iniciativas que buscam alfabetizar e introduzir as pessoas jovens e adultas desprovidas
de um mínimo de escolarização no mundo das práticas letradas.
2.1 Alguns aspectos da
educação de jovens e adultos
Refazer o percurso da educação de jovens e adultos não é uma tarefa fácil, a síntese
e os dados contidos neste capítulo, foram feitos pela Secretaria do Estado de Mato Grosso
(2001-2002) e tem a intenção de contribuir para a fundamentação desta modalidade de
ensino e, assim, contribuir com este trabalho. O quadro, a seguir, sintetiza
cronologicamente, aspectos e eventos desse percurso.
Década de 30 A educação de adultos começa a delimitar seu lugar na história da
educação no Brasil.
Década de 40 Ampliação da educação elementar, inclusive da educação de jovens e
adultos. Nesse período, a educação de adultos toma a forma de
Campanha Nacional de Massa.
Década de 50 A Campanha se extinguiu antes do final da década. As críticas eram
dirigidas tanto às suas deficiências administrativas e financeiras, quanto à
sua orientação pedagógica.
Década de 60 O pensamento de Paulo Freire, assim como sua proposta para a
alfabetização de adultos, inspira os principais programas de alfabetização
do país.
Ano de 1964 Aprovação do Plano Nacional de Alfabetização, que previa a
disseminação por todo o Brasil, de programas de alfabetização orientados
pela proposta de Paulo Freire. Essa proposta foi interrompida com o
Golpe Militar e seus promotores foram duramente reprimidos.
Ano de 1967 O governo assume o controle dos Programas de Alfabetização de
Adultos, tornando-os assistencialistas e conservadores. Nesse período
lançou o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.
Ano de 1969 Campanha Massiva de Alfabetização
Década de 70 O MOBRAL expandiu-se por todo o território nacional, diversificando
sua atuação. Das iniciativas que derivaram desse programa, o mais
importante foi o PEI – Programa de Educação Integrada, sendo uma
forma condensada do antigo curso primário.
Década de 80 Emergência dos movimentos sociais e início da abertura política. Os
projetos de alfabetização se desdobraram em turmas de pós-
alfabetização.
39
Ano de 1985 Desacreditado, o MOBRAL foi extinto e seu lugar foi ocupado pela
Fundação Educar, que apoiava, financeira e tecnicamente, as iniciativas
do governo, das entidades civis e das empresas.
Década de 90 Com a extinção da Fundação Educar, criou-se um enorme vazio na
Educação de Jovens e Adultos.
Alguns estados e municípios assumiram a responsabilidade de oferecer
programas de Educação de Jovens e Adultos.
A história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil chega à década de
90 reclamando reformulações pedagógicas.
Ano de 1990 Acontece na Tailândia/Jomtiem, a Conferência Mundial de Educação
para Todos, onde foram estabelecidas diretrizes planetárias para a
Educação de Crianças, Jovens e Adultos.
Ano de 1991 Plano Nacional de Alfabetização (PNAC) – Governo Collor.
Ano de 1996 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394/96, dedica dois
artigos (arts. 37 e 38), no Capítulo da Educação Básica, Seção V, para
reafirmar a obrigatoriedade e a gratuidade da oferta da educação para
todos que não tiveram acesso na idade própria.
Ano de 1997 Realizou-se na Alemanha/Hamburgo, a V Conferência Internacional de
Educação de Jovens, promovida pela UNESCO (Organização das Nações
Unidas). Essa conferência representou um importante marco, a medida
em que estabeleceu a vinculação da educação de adultos ao
desenvolvimento sustentável e eqüitativo da humanidade.
Ano de 2000 Sob a coordenação do Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury, é
aprovado o Parecer nº 11/2000 – CEB/CNE, que trata das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Também
foi homologada a Resolução nº 01/00 – CNE.
Em Mato Grosso, foi homologada a Resolução 180/2000 CEE/MT,
que aprovou o Programa de EJA para as escolas do Estado, a partir de
2002.
Fonte: Secretaria de Educação de Mato Grosso (2001, 2002)
2.1.1
Os marcos legais da educação de jovens e adultos
A legislação da EJA tem como referências legais os seguintes documentos:
* A Constituição da República Federativa do Brasil de l988, que assegurou aos
jovens e adultos o Direito Público Subjetivo ao Ensino Fundamental Público e Gratuito.
* A nova Lei de Diretrizes e Bases, 9394/96, que destaca a integração da EJA à
Educação Básica, observando sua especificidade e garantindo também a flexibilidade da
40
organização do ensino básico, diminuindo as idades mínimas dos participantes dos Exames
Supletivos, passando de 15 anos para o Ensino Fundamental e l8 anos para o Ensino Médio.
* O Parecer 11/2000 e a Resolução 01/2000, pertencentes ao Conselho Nacional de
Educação, são instrumentos que oferecem o novo paradigma da EJA, sugerindo a extinção
do termo supletivo; restabelece também o limite de idade para o ingresso na EJA (14 anos
para o Ensino Fundamental e l7 anos para o Ensino Médio); atribuindo também à esta
modalidade de ensino funções reparadoras, equalizadoras e qualificadoras, objetivando
promover a formação dos docentes e contextualizar currículos e metodologias, obedecendo
os princípios da Proporção, Equidade e Diferença.
* O Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172 de 09 de janeiro de 2001, com
duração de 10 anos, que tem como um dos objetivos a integração de ações do poder público
que conduzam à erradicação do analfabetismo (art. 214, I). Trata-se de tarefa que exige
uma ampla mobilização de recursos humanos e financeiros por parte dos governos e da
sociedade.
2.1.2 As funções
Para compreendermos melhor as funções da Educação de Jovens e Adultos, o
Parecer 11/2000 CEB/CNE do Ministério da Educação, nos esclarece de forma objetiva
as mesmas:
Função reparadora: significa não só a entrada o circuito dos direitos civis pela restauração
de um direito negado: o direito de uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento
daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na
história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bel real, social e simbolicamente
importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento.
Função equalizadora: vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais
como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema
educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão,
seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser
saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas,
possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo de trabalho, na vida social, nos
espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais
vagas para estes “novos” alunos e “novasalunas, demandantes de uma nova oportunidade
de equalização.
Função qualificadora: refere-se à educação permanente, mais do que uma função, ela é o
próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo
41
potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não
escolares. Mais do que nunca ela é um apelo para e educação permanente e criação de uma
sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade.
2.1.3 Objetivos e Metas
Segundo o Ministério da Educação por meio do Plano Nacional de Educação, de 2001
até 2011, os objetivos e metas para a Educação de Jovens e Adultos são:
* Estabelecer, a partir da aprovação do PNE, programas visando a alfabetizar 10
milhões de jovens e adultos, em cinco anos e, até o final da década, erradicar o
analfabetismo.
* Assegurar, em cinco anos, a oferta de educação de jovens e adultos equivalente às
quatro séries iniciais do ensino fundamental para 50% da população de 15 anos e mais
que não tenha atingido este nível de escolaridade.
* Assegurar, até o final da década, a oferta de cursos equivalentes às quatro séries
finais do ensino fundamental para toda a população de 15 anos e mais que concluiu as
quatro séries iniciais.
* Estabelecer programa nacional, para assegurar que as escolas públicas de ensino
fundamental e médio localizadas em áreas caracterizadas por analfabetismo e baixa
escolaridade ofereçam programas de alfabetização e de ensino e exames para jovens e
adultos, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais.
* Estabelecer programa nacional de fornecimento, pelo Ministério da Educação, de
material didático-pedagógico, adequado à clientela, para os cursos em nível de ensino
fundamental para jovens e adultos, de forma a incentivar a generalização das iniciativas
mencionadas na meta anterior.
42
* Realizar, anualmente, levantamento e avaliação de experiências em alfabetização
de jovens e adultos, que constituam referência para os agentes integrados ao esforço
nacional de erradicação do analfabetismo.
* Assegurar que os sistemas estaduais de ensino, em regime de colaboração com os
demais entes federativos, mantenham programas de formação de educadores de jovens e
adultos, capacitados para atuar de acordo com o perfil da clientela, e habilitados para no
mínimo, o exercício do magistério nas ries iniciais do ensino fundamental, de forma a
atender a demanda de órgãos blicos e privados envolvidos no esforço de erradicação do
analfabetismo.
* Estabelecer políticas que facilitem parcerias para o aproveitamento dos espaços
ociosos existentes na comunidade, bem como o efetivo aproveitamento do potencial de
trabalho comunitário das entidades da sociedade civil, para a educação de jovens e
adultos.
* Instar Estados e Municípios a procederem um mapeamento, por meio de censo
educacional, nos termos do art.5º,§1º da LDB, da população analfabeta, por bairro ou
distrito das residências e/ou locais de trabalho, visando localizar e induzir a demanda e
programar a oferta de educação de jovens e adultos para essa população.
* Reestruturar, criar e fortalecer, nas secretarias estaduais e municipais de educação,
setores próprios incumbidos de promover a educação de jovens e adultos.
* Estimular a concessão de créditos curriculares aos estudantes de educação superior
e de cursos de formação de professores em nível médio que participarem de programas de
educação de jovens e adultos.
* Elaborar, no prazo de um ano, parâmetros nacionais de qualidade para as diversas
etapas da educação de jovens e adultos, respeitando-se as especificidades da clientela e a
diversidade regional.
* Aperfeiçoar o sistema de certificação de competências para prosseguimento de
estudos.
43
* Expandir a oferta de programas de educação a distância na modalidade de
educação de jovens e adultos, incentivando seu aproveitamento nos cursos presenciais.
* Sempre que possível, associar ao ensino fundamental para jovens e adultos a oferta
de cursos básicos de formação profissional.
* Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos a capacidade de atendimento nos
cursos de nível médio para jovens e adultos.
* Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam
adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível
fundamental e médio, assim como de formação profissional.
* Incentivar as instituições de educação superior a oferecerem cursos de extensão
para prover as necessidades de educação continuada de adultos, tenham ou não formação
de nível superior.
* Estimular as universidades e organizações o-governamentais a oferecer cursos
dirigidos à terceira idade.
* Realizar em todos os sistemas de ensino, a cada dois anos, avaliação e divulgação
dos resultados dos programas de educação de jovens e adultos, como instrumento para
assegurar o cumprimento das metas do Plano.
* Realizar estudos específicos com base nos dados do censo demográfico da PNAD,
de censos específicos (agrícola, penitenciário, etc) para verificar o grau de escolarização
da população.
* Articular as políticas de educação de jovens e adultos com as de proteção contra o
desemprego e de geração de empregos.
* Nas empresas públicas e privadas incentivar a criação de programas permanentes
de educação de jovens e adultos para os seus trabalhadores, assim como de condições
para a recepção de programas de tele educação.
44
* Articular as políticas de educação de jovens e adultos com as culturais, de sorte que
sua clientela seja beneficiária de ações que permitam ampliar seus horizontes culturais.
* Observar, no que diz respeito à educação de jovens e adultos, as metas
estabelecidas para o ensino fundamental, formação dos professores, educação a distância,
financiamento e gestão, educação tecnológica, formação profissional e educação indígena.
* Incluir, a partir da aprovação do Plano Nacional de Educação, a Educação de
Jovens e Adultos nas formas de financiamento da Educação Básica.
2.1.4 Diretrizes da EJA
O Programa de EJA insere-se em um movimento mais abrangente de renovação
pedagógica e busca construir uma educação emancipatória, democrática, inclusiva e de
qualidade, direcionando esforços para a aprendizagem e atribuindo aos indivíduos,
oportunidade de se tornarem sujeitos ativos em seu processo de construção de
conhecimento. As equipes escolares que fazem parte deste Programa têm competência e
autonomia para criar de forma coletiva projetos pedagógicos e planos de curso para cada
segmento do Ensino Fundamental e Médio. Segue abaixo algumas Diretrizes do Plano
Nacional de Educação para a EJA:
*As profundas transformações que vêm ocorrendo em escala mundial, em virtude do
acelerado avanço científico e tecnológico e do fenômeno da globalização, têm implicações
diretas nos valores culturais, na organização das rotinas individuais, nas relações sociais,
na participação política, assim como na reorganização do mundo do trabalho.
*A necessidade de contínuo desenvolvimento de capacidades e competências para
enfrentar essas transformações alterou a concepção tradicional de educação de jovens e
adultos, não mais restrita a um período particular da vida ou a uma finalidade
circunscrita. Desenvolve-se o conceito de educação ao longo de toda a vida, que de se
iniciar com a alfabetização. Mas não basta ensinar a ler e a escrever. Para inserir a
45
população no exercício pleno da cidadania, melhorar sua qualidade de vida e de fruição
do tempo livre, e ampliar suas oportunidades no mercado de trabalho, a educação de
jovens e adultos deve compreender no mínimo, a oferta de uma formação equivalente às
oito séries iniciais do ensino fundamental.
* A integração dos programas de educação de jovens e adultos com a educação
profissional aumenta sua eficácia, tornando-os mais atrativos. É importante o apoio dos
empregadores, no sentido de considerar a necessidade de formação permanente o que
pode dar-se de diversas formas: organização de jornadas de trabalho compatíveis com o
horário escolar; concessão de licenças para freqüência em cursos de atualização;
implantação de cursos de formação de jovens e adultos no próprio local de trabalho.
Também é oportuno observar que milhões de trabalhadores inseridos no amplo
mercado informal, ou à procura de emprego, ou ainda sobretudo as mulheres
envolvidos com tarefas domésticas. Daí a importância da associação das políticas de
emprego e proteção contra o desemprego à formação de jovens e adultos, além de políticas
dirigidas para as mulheres, cuja escolarização têm, ademais, um grande impacto na
próxima geração, auxiliando na diminuição do surgimento de "novos analfabetos".
Todas as bases legais indicam que, em todas as idades e épocas da vida, é possível
se formar, desenvolver e constituir conhecimentos, competências, habilidades e valores que
levem à realização pessoal e ao reconhecimento do outro como sujeito.
2.1.5 A avaliação nesta modalidade de ensino
Como toda avaliação, esta também deve ser reflexiva, pois é fundamental em
processos que intenciona mudanças, como são os de ensino e aprendizagem. A Educação
de Jovens e Adultos adere a substituição dos mecanismos de avaliação classificatória,
competitiva, recriminatória e excludente, e sugere práticas de avaliação escolar que
auxiliem a aprendizagem. Ela deve ser feita com a participação de docentes e alunos
através de diálogos e planejamentos que possibilite rever constantemente as decisões em
relação ao processo de construção do conhecimento. Desta forma, a avaliação torna-se
46
contínua e processual, pois, o momento da busca de diagnóstico é tão importante quanto o
momento de aferir resultados. Posterior aos resultados da avaliação pode ocorrer o processo
de classificação ou reclassificação dos educandos jovens e adultos, explicitados a seguir
pela Secretaria de Educação de Mato Grosso:
De acordo com artigo 17 da Resolução CEE\MT 180\00, e o Programa de Educação de
Jovens e Adultos/Res 177/02 a escola ao detectar que o aluno reúne condições para avançar
em seus estudos poderá avaliá-lo e proceder ao aproveitamento de estudos parcial ou total
das áreas do conhecimento da fase a qual esta matriculado garantindo-se a inserção na fase
subseqüente (reclassificação). Conforme a Resolução CEE\MT 150\99, nos artigos 27 à 31,
pautada também na Lei 9.394/96 no artigo 24 inciso II. Os procedimentos de avaliação
diagnóstica devem subsidiar a classificação dos alunos independente de escolaridade
anterior, mediante avaliação feita pela escola, que define o grau de desenvolvimento e
experiência do candidato e permita sua inserção na fase adequada (SEDUC 2002).
O processo de avaliação que a escola pratica deve estar fundamentado em uma
concepção que a comunidade escolar compreenda, para não haver dicotomia entre discurso
e prática. Mudar a forma de avaliar pressupõe também mudanças na relação ensino-
aprendizagem e a relação educador-educando que para muitos, significa a perda de poder.
Vasconcelos (1993, p.45) sugere repensar o fazer pedagógico, ao afirmar que as
“novas idéias abrem possibilidades de mudanças, mas não mudam. O que muda a realidade
é a prática”. Portanto, é preciso criar uma cultura avaliativa que instigue a escola a
questionar o seu papel e comprometer-se com a construção e socialização de um
conhecimento emancipatório.
Para Gimeno (1995), quando avalia, o professor o faz a partir de suas concepções,
seus valores, expectativas e também a partir das determinações do contexto (institucional),
sendo que muitas vezes nem ele próprio tem muita clareza ou mesmo sabe explicitar estes
dados considerados na avaliação dos alunos.
A avaliação em si é um meio e não um fim. Por isso, é sempre um processo
contínuo, diagnóstico e deve ser considerada como integrante das relações de ensino-
aprendizagem. A avaliação engloba o coletivo da escola e indica caminhos mais adequados
para a ação pedagógica, ou seja, a avaliação não deve classificar, excluir ou promover o
aluno, mas um parâmetro da práxis pedagógica que transforma os erros e acertos em
elementos sinalizadores para o seu planejamento.
De acordo com Luckesi (1984, p.76), "o
47
ato de avaliar não se encerra na configuração do valor ou qualidade atribuídos ao objeto
em questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao objeto da
avaliação, com uma conseqüente decisão de ação."
Dessa forma, a avaliação deve superar o autoritarismo e a forma de avaliar como
instrumento de punição, deve-se estabelecer novas perspectivas, marcada pela autonomia
do educando. Como afirma Vasconcelos:
O professor que quer superar o problema da avaliação precisa, a partir de uma auto-crítica:
abrir mão do uso autoritário da avaliação que o sistema lhe faculta, lhe autoriza; rever a
metodologia do trabalho em sala de aula; redimensionar o uso da avaliação (tanto do ponto
de vista da forma como do conteúdo); alterar a postura diante dos resultados da avaliação;
criar uma nova mentalidade junto aos alunos, aos colegas educadores e aos pais
(VASCONCELOS, 1994, p.54).
A avaliação não pode ser considerada como processo meramente técnico, é
necessário o domínio de conhecimentos e técnicas com o uso de critérios e objetivos claros.
Pensar sobre o processo avaliativo atual requer um olhar crítico e metas definidas pela
comunidade escolar, como um processo gradual de mudanças com o fim de aperfeiçoar a
avaliação escolar, sendo respeitado o tempo e a cultura de cada educando, para que ele se
torne sujeito ativo nas relações sociais.
2.2 Uma proposta de educação popular
Surge, com Paulo Freire, a proposta de uma educação que possibilite ao homem
uma discussão autônoma de sua problemática e de inserção na mesma, que o leve a ouvir,
perguntar e investigar criticamente. De acordo com o pensamento de Freire,
... estamos convencidos hoje de que, para tal, teria o homem brasileiro de ganhar a sua
responsabilidade social e política, existindo essa responsabilidade. Participando. Ganhando
cada vez maior ingerência nos destinos da escola do seu filho. Nos destinos do seu
sindicato. De sua empresa, através de agremiações, de clubes, de conselhos. Ganhando
ingerência na vida do seu bairro, de sua igreja. Na vida de sua comunidade rural, pela
participação atuante em associações, em clubes, em sociedades beneficentes. Assim, iríamos
ajudando o homem brasileiro, no clima cultural da fase de transição, a aprender democracia,
com a própria existência desta (FREIRE, 1983, p.92).
48
Portanto, a necessidade de uma educação corajosa, que possibilite ao homem o
direito a tais participações, na tentativa de mudança de atitude, de transformar hábitos de
passividade em hábitos de participação.
Instituir uma educação pública popular, é criar para a educação escolar um currículo
pensado na população.
É pensar uma escola que segundo Freire (1990 p. 43): estimula o
aluno a perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a construção do conhecimento
coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas
experiências no mundo”.
Para Gadotti (1992, p.56), a educação popular tem sido a criação de uma nova
epistemologia antipositivista, que não é baseada no saber dos intelectuais nem dos
tecnocratas, mas no respeito ao conhecimento popular para a democracia, pois não se pode
entender educação popular sem ajuda popular. O objetivo desta educação é desenvolver nas
classes menos favorecidas, algumas capacidades necessárias para uma vida mais produtiva
dentro de uma sociedade, problematizar o senso comum para descobrir a teoria existente na
prática popular desconhecida pelo povo.
Alguns termos como educação de adultos, educação popular, educação não-formal e
educação comunitária não são sinônimos. No entanto, o termo educação de adultos tem se
tornado popular principalmente por organizações internacionais como a Unesco, referindo-
se a uma área especializada da educação. Brandão nos ajuda a entender melhor esses
termos sem separá-los mecanicamente:
A educação de classe entendida como os processos não formais de reprodução dos
diferentes modos de saber das classes populares;
A educação popular como processo sistemático de participação na formação,
fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos populares com o
objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da
comunidade ao saber de classe na comunidade;
A educação do sistema (oficial), isto é, os programas de capacitação de pessoas e grupos
populares, sob o controle externo, visando produzir a passagem dos modos populares de
saber tradicional para modelos de saber modernizado, segundo os valores dos pólos
dominantes da sociedade (BRANDÃO, 1984, p.181).
Paiva (1987, p.20) entende educação popular como aquela oferecida a toda a
população, gratuita e universal e também aquela voltada para as camadas populares. Para
49
ela, o
s ideais democráticos e socialistas impulsionaram a luta em favor da educação popular
em
todo mundo nos últimos 50 anos. O Sistema Educacional tem mostrado as desigualdades
sociais e
os interesses das classes dominantes em adquirir uma dinâmica própria que advém da
revolução francesa (direito à educação de base gratuita e obrigatória).
Paiva tem mostrado em seus depoimentos que, nas crises, a atuação educativa de
massas adquire importância e os grupos comprometidos na luta política ligam-se ao campo
da educação para fortalecerem suas posições. Portanto, a educação tornou-se como
instrumento ideológico para os poderes ou para os que os disputam. Segundo a autora,
A importância da educação como instrumento ideológico poderoso é muito clara tanto para
os que detêm quanto para aqueles que pretendem disputá-lo. A diferença quanto à
possibilidade de sua utilização reside no fato de que os detentores do poder político se
encarregam de determinar a política educacional a ser seguida, os programas a serem
promovidos ou estimulados e o conteúdo ideológico dos mesmos. Para os que disputam o
poder, a educação é um instrumento somente quando as contradições dos sistemas, as crises
o clima de efervescência ideológica chegou a um ponto em que os programas educacionais
podem ser controlados por aqueles que se opõem a ordem vigente (PAIVA, 1987 p. 23).
Isso ocorre devido a importância dada à educação como instrumento de mudança
social, sendo associado, portanto às lutas políticas. E essa importância pode ser
encontrada em sociedades onde a instrução popular não é generalizada e o sistema
educacional existente não absorveu toda a demanda real e potencial por educação
elementar.
Para Buffa (2000, p.28), os termos cidadania e cidadão ganharam destaque a partir
do século XVIII, no período da Revolução francesa, em que a burguesia defendia igualdade
para todos. Neste mesmo período, surgiu o capitalismo moderno falando em educação e
cidadania. Contudo, tornou-se conhecido que essa idéia se limitou apenas aos filhos da
classe burguesa. A vontade de criar essas novas idéias para transformar a vida humana
frente ao que se começava a produzir materialmente exigiu diferentes formas de relações
sociais entre os homens.
Até o fim do período da Idade Média, a população trabalhadora dedicava-se ao
ofício como aprendizes, e com o passar do tempo alcançavam o nível de seu mestre na
corporação. Ao findar este período, inicia-se a produção artesanal nas manufaturas onde a
mercadoria torna-se muito importante. Devido a mudança de relação que passa a existir
50
entre empregado (escravo) e empregador (senhor) percebe-se exigências reivindicadas para
melhorar e aumentar a produção, surgindo então a necessidade da educação e da escola.
Percebe-se que nessa nova relação a ferramenta não é mais o empregado, mas o
capitalismo que o emprega. Para isso, agora o empregador oferece sua força de trabalho
como própria mercadoria. Mesmo sendo livre, o empregado não possui coisas necessárias
para o desenvolvimento de sua potência enquanto trabalhador e sua produção torna-se
coletiva.
A partir dessas transformações, a organização política também sofre alterações,
surgindo a necessidade de uma nova educação, logo, um novo saber. É necessário tornar
notório o saber e separar da razão, natureza da religião, política da igreja. Ao acontecer
isso, permite-se a investigação técnica sobre a natureza tanto física como humana,
indispensáveis para se alcançar o conhecimento científico. Buffa apresenta uma nova
dimensão educacional, afirmando que,
A educação moderna vai se configurando nos confrontos sociais e políticos, ora como um
dos instrumentos de conquista da liberdade, da participação e da cidadania, ora como um
dos mecanismos para controlar e dosar os graus de liberdade, de civilização, de
racionalidade e de submissão suportáveis pelas novas formas de produção industrial e pelas
novas relações sociais entre os homens. Percebe-se uma constante: a educação passa a ser
encarada como o santo remédio, capaz tanto de tornar súditos cidadãos livres, como de
controlar a liberdade dos cidadãos (BUFFA, 2000, p.36).
O que se vincula nas diversas formas de luta popular pela escola não é apenas ser a
demanda atendida, mas as formas sociais, os processos políticos em que se inserem
inúmeras mulheres, homens, associações, sindicatos, profissionais da educação, entre
outros. As lutas pela escola e pelo conhecimento vêm constituindo em um dos campos de
avanço político significativo na história dos movimentos populares. A luta pela cidadania,
pelo direito ao espaço pedagógico é o que constitui o verdadeiro processo de formação do
cidadão.
Para Hurtado (1992, p.40), o termo educação popular precisa ser bem esclarecido,
pois o temor que a palavra se torne apenas moda para se referir a antigas fórmulas
inventadas na América Latina por várias tendências e intenções. Para ele, um novo modelo
começa a ser intitulado de educação popular, é a chamada "educação de adultos”; ou seja,
educação dirigida aos não atendidos pelos programas estabelecidos pela educação formal.
51
O conteúdo desta educação ocorre muitas vezes sobre aspectos próprios da escola formal,
porém não tem validade acadêmica oficial.
Em sua grande maioria, o conteúdo traz temas relacionados à vida familiar, social e
comunitária, ou seja, educação para a saúde, relações familiares, educação sexual,
artesanatos, habilidades e ofícios são características principais deste tipo de programa. O
autor denuncia que em muitos casos, as metodologias de trabalho utilizadas são super
tradicionais e praticamente escolares e que as paróquias e os centros comunitários são
mostras clássicas deste tipo de programa.
Hurtado enfatiza também que em algumas ocasiões, alguns programas possuem
modalidades mais próximas de um autêntico trabalho popular, tanto em orientação e
conteúdo, como em métodos e técnicas. A maioria das experiências novas (oficiais ou
privadas) deste tipo acontece pela relativa utilização de metodologias e técnicas
participativas e de certas ferramentas didáticas. A ênfase dada ao pedagógico e ao didático
faz muitos definirem seus programas como de educação popular, identificando o uso de
audiovisuais, filmes, dinâmicas, etc., com as características essenciais da educação popular.
Para o autor, a característica essencial da educação popular, mesmo com alguns
elementos de outros modelos, é definida por sua concepção e compromisso de classe e por
sua ligação com o movimento popular, definido em termos políticos e não necessariamente
partidários. Portanto, para os educadores a educação popular é um processo de formação e
capacitação que ocorre dentro de uma perspectiva política de classe que se vincula à ação
organizada do povo para conquistar o objetivo de criar uma nova sociedade de acordo com
seus interesses. Hurtado (1992) conceitua Educação Popular da seguinte forma:
Educação popular é o processo contínuo e sistemático que implica momentos de reflexão e
estudo sobre a prática do grupo ou da organização; é o confronto da prática sistematizada
com elementos de interpretação e informação que permitam levar tal prática consciente a
novos da compreensão. É a teoria a partir da prática e não a teoria “sobre” a prática. Assim,
uma prática de educação popular não é o mesmo que “dar” cursos de política para a base,
nem fazer ler textos complicados, nem tirar os participantes por muito tempo de sua prática,
para formá-los, sem tomar a própria realidade (e a prática transformadora sobre essa
realidade) como fonte de reconhecimentos, como ponto de partida e de chegada permanente,
percorrendo dialeticamente o caminho entre a prática e sua compreensão sistemática,
histórica, global e científica sobre esta relação “entre teoria e prática”. Assim os
conhecimentos produzidos sobre outras práticas, os eventos formativos com tais, os
materiais de apoio, o intercâmbio de experiências, etc., adquirem sua justa dimensão
(HURTADO, 1992, p.44).
52
Sendo assim definida, a educação popular não deve ser entendida apenas como
conscientizadora ou difusora de consciência crítica, mas dar o sentido de consciência
solidária que se transforma em prática transformadora quando convertida em solidariedade
organizada de classe.
Por isso, o desenvolvimento da consciência de classe não pode dar-se à margem ou por cima
da prática transformadora da classe, que se torna tal ao ser coletiva, organizada e histórica. E
é histórica na medida em que consegue teorizar sua prática, isto é, situá-la, interpretá-la e
projetá-la dentro da perspectiva científica de transformação, de acordo com o projeto
histórico da classe explorada em sua luta organizada (HURTADO, 1992, p.46).
Para Brandão (1986) não é possível compreender o significado de educação popular
sem investigá-la em profundo sentido de história e de uma cultura popular, que desde os
primórdios das idéias e experiências no Nordeste, tem se tornado um novo modelo de
educação.
Mais do que um modelo ou uma convergência de modelos pedagógicos opostos à educação
de adultos, a educação popular é o limite de sua realização. É a possibilidade de uma fração
do trabalho do educador realizar-se por algum tempo em estado de movimento, contrário e
resistente à instituição consagrada. A educação popular não é um modelo definitivo de
trabalho do educador com o povo. Ao contrário, ela é um momento da possibilidade de o
trabalho pedagógico dirigido às classes populares ser um serviço político de/a tais classes,
através da educação (BRANDÃO, 1986, p.20).
Um dado que, segundo Brandão, ainda tem sido pouco lembrado é que a educação
popular, que um dia foi pensada no Brasil e, posteriormente, amadurecida em outros países
da América do Sul, não fez críticas apenas a educação de adultos e também não se mostrou
como opção de educação “para adultos”, pensada para pobres, camponeses ou operários.
Sendo assim, no início dos anos 60, Freire e seus companheiros em Pernambuco, criticaram
um sistema “bancário” de educação em seus vários níveis, mas, por outro lado, fizeram
uma proposta sob bases populares, objetivando mudanças sociais para um novo sistema de
educação, em que a alfabetização de adultos é apenas um dos níveis e toda a educação de
adultos um conjunto de etapas.
O objetivo central da educação popular dos anos 50 visava a conquista do Estado e
mudança radical da política econômica e social. Hoje, o que assistimos é a educação
53
popular dispersando-se em milhares de pequenas experiências, perdendo aquela grande
unidade teórica, mas ganhando em diversidade. Esses pequenos grupos e movimentos são
as verdadeiras forças instituintes da nova sociedade, lutando em múltiplos campos: luta
pela terra, direitos civis, direitos humanos, alfabetização, luta das mulheres, dos que tratam
de reconstruir as raízes africanas de suas culturas, novos movimentos vinculados à
religiosidade popular, movimentos ecológicos, de produção associada, por moradia, de
meninos e meninas de ruas etc. Esses numerosos movimentos trazem no seu bojo uma nova
concepção da educação popular e do Estado.
A grande luta para vencer o analfabetismo tem a marca das organizações não-
governamentais e dos movimentos populares. O diálogo e a união, entre esses e o Estado, é
primordial, se desejar com vitória, encarar esse desafio, que é de caráter internacional e
histórico.
Ao tornar-se mais eficiente, institucional e aceita, gradativamente a educação de
adultos visava transformar-se em uma espécie de educação barata e compensatória, em que
a estabilidade recupera os excluídos do sistema seriado, associando-os ao convívio social e
às experiências restritas que provavelmente pouco motiva mudanças e desenvolvimentos,
enquanto cidadãos educados.
Gradativamente, alfabetizadores de adultos, demais educadores e especialistas
associados, passaram a perceber por meio de suas próprias práticas, como implantam a elas
os conhecimentos e metodologias trazidos de fora. Observando estudos e pesquisas
percebe-se que, houve alguns avanços teóricos e práticos, entrando em consenso que era
impossível realizar experiências que não seguissem princípios consagrados a partir de
mudanças como:
1ª. A passagem de campanhas de alfabetização rudimentar para programas estáveis de
alfabetização funcional; 2ª. A diferenciação e a adequação de projetos aos seus contextos
específicos e o reconhecimento da necessidade de o trabalho do educador ser levado a efeito
a partir das condições de vida e dos valores de cultura de diferentes grupos étnicos e sociais
de educandos participantes; 3ª. O trânsito de uma educação compensatória para adultos,
tomados como unidades de “marginalizados” a serem individualmente integrados “ao seu
meio sócio-cultural”, para um trabalho educativo destinado, entre outras coisas, a gerar ou
fortalecer grupos de base organizados e comunidades populares participantes; 4ª. A
conseqüente subordinação de algumas metas quantificáveis e individualizantes a objetivos
de organização social, em um primeiro momento, com a melhoria coletiva dos indicadores
da qualidade de vida (saúde, alimentação, habitação, lazer, etc.) e, depois, com o trabalho
político de transformação social e participação popular (BRANDÃO, 1986, p.27).
54
Esses e outros progressos em consenso com as idéias e intenções, realizados por
educadores latino-americanos juntamente à agências oficiais de educação de adultos,
somente de forma ocasional conseguiram produzir resultados concretos e persistentes.
Houve de forma expressiva um desenvolvimento de princípios e métodos, mas que apenas
em parte traduz novas relações entre educando e educador.
Segundo Brandão, é com a possibilidade de mudanças de relações por meio da
educação, que a prática do educador vai procurar mudar o teor pedagógico em político e
redefinir:
a) a crítica das causas da reprodução da desigualdade do saber e da cultura; b) o lugar
histórico do trabalho político através da cultura das classes populares na transformação
da ordem social e na democratização conseqüente da cultura; c) o significado da educação
na construção de uma outra ordem social, pensada através da lógica e realizada a partir do
trabalho de atores populares finalmente educados, ou seja, conscientizados (BRANDÃO,
1986, p.28).
O momento em que acontece a construção coletiva de um novo saber popular é
um trabalho político, portanto, que liberta. Torna-se também um meio pelo qual o indivíduo
que se educa percebe-se consciente do que realmente é, daquilo que faz e ainda pode fazer,
da forma como vive e o que fazer para modificá-la.
Programas anteriores de educação e desenvolvimento têm considerado como finais,
a criação de cooperativas de produção de alimentos, de grupos populares responsáveis pela
saúde da comunidade, a atuação organizada da comunidade em trabalhos para melhorar a
infra-estrutura da mesma, a redução do analfabetismo, mão de obra qualificada, tornando-se
objetivos intermediários e instrumentalizados em programas advindos da educação popular.
É relevante lembrar que a importância do que é conquistado como resultado da
melhoria das condições de vida, também é atribuído ao trabalho da comunidade ao tomar
consciência de seu lugar na sociedade, dos problemas que possui, de suas causas e o que é
necessário ser feito para sua melhoria.
Se a educação sempre possuiu uma dimensão política se de um modo ou de outro ela lida
com relações de poder através de relações de saber é preciso desvelar esta dimensão e o
seu sentido. É necessário fazer a crítica dos seus usos e, a partir de então, colocar o trabalho
do educador a serviço do educando: não mais o sujeito individual que aprende, ou a
comunidade que se organiza, mas a classe popular que reconstrói a sua própria cultura na
medida em que reaprende a criar o seu próprio saber (BRANDÃO, 1986, p.30).
55
Uma forma semelhante de definir a educação popular nos dias atuais é dar ênfase no
fato de lidar diretamente com o saber social. Não importa o setor de aplicação, da saúde da
comunidade à sua religião, de cooperativas de produção a movimentos populares da
periferia; ela acontece de forma direta e intencional como forma de saber e na esfera
política da questão do saber.
Falando no âmbito amplo da cultura a educação está ligada a dimensão do saber;
por intermédio de projetos e processos sociais, internalização e reprodução de variados
saberes. Da mesma forma, motivado politicamente pela cultura popular, educação popular
está ligado com o saber popular.
A educação popular é uma prática que lida, fundamentalmente, com o conhecimento: este é
a sua “matéria-prima”. Evidentemente não é só a educação que se ocupa do conhecimento
na sociedade. E nem o conhecimento é produzido só pela educação: ele nasce e se
desenvolve na medida em que as pessoas pensam e refletem sobre a experiência vivida em
todas as práticas; e para pensar sobre essa experiência não é necessário participar de
atividades educativas... O que estamos querendo dizer é que segundo nos parece, a educação
popular é uma prática entre outras na qual o que está sendo criado, transformado,
desenvolvido ou, pelo contrário, destruído, é basicamente o conhecimento das camadas
populares (e dos agentes) (COSTA apud BRANDÃO, 1986, p.84).
Ao relacionar o conhecimento popular com o dos agentes educacionais, sua
realização nas mais variadas situações e atividades, a educação torna-se parte de um esforço
para criar relações em que a reflexão crítica das experiências da população retroceda a estas
próprias experiências, consolidando-as como meios de acumular poder e exercício de
crítica das relações sociais, subordinando as classes populares.
Brandão (1986), destaca que um dos grandes problemas da educação é que ela se
cerca de mitos que ocultam sua realidade. O autor nos dá dois exemplos disto:
Desde Paulo Freire, a característica mais importante do que veio a ser anos mais tarde a
“educação popular”, está no fato de que ela desvela o teor político da educação (onde ela era
apenas consagradamente social e cultural). Desvela-o a ponto de transformar em refrão o
que foi dito um dia: “toda a educação é política” e, ao invés de procurar se livrar disto, acusa
os modelos antecedentes de o haverem feito e assume plenamente como um ato político
através de relações de saber. (...). Outro exemplo: para a maior parte dos educadores
dedicados a trabalhos com populações rurais, tem insistentemente escapado um dado que,
esquivo, é fundamental. A educação é urbana. A escola e o sistema escolar são, desde a
Grécia, um produto da Polis. Mais do que isto, a educação o é apenas uma criação da
56
cidade para uso entre cidadãos (habitantes da cidade). (...). É o lugar que constitui o saber da
cidade e ilegítima o saber do camponês (BRANDÃO, 1986 p.125).
Pensar um trabalho ligado ao povo como um trabalho popular, é mais que tornar a
prática do educador mais politizada e democrática. É, apesar de todos os problemas que
enfrenta, uma forma de realizar sem disfarces, por meio do saber que a educação deve
desvelar, um valor que existe no poder e que o homem livre deve encontrar.
Desde as lutas pela escola pública e o combate ao analfabetismo, que conquistas
foram sendo obtidas, mas a busca por uma educação popular nunca foi realizada
plenamente em nosso país. Ainda hoje o índice de analfabetismo é grande, principalmente
nas regiões rurais e menos industrializadas. Todos os esforços feitos até o presente
momento ainda não foi suficiente para ofertar uma educação que seja compatível com reais
necessidades, tais como: instrução, formação, instrumentalização e capacitação do povo.
Contrariando o que se costuma apontar, e educação popular não é uma variante da
educação de adultos. Estando a frente de um modelo originado na Europa, internalizado
com o trabalho com as classes populares por intermédio da educação e, considerado como
trabalho pedagógico consagrado, a educação popular surge como movimento político com
as classes populares por meio da educação.
Diante de um modelo educativo, a educação popular não se oferta como educação
mais avançada de realizar as mesmas coisas. Ele intenciona reconfigurar todo o projeto
educativo por um vies popular. Brandão define a educação de adultos como,
... aquilo que, existindo entre sujeitos à margem do sistema escolar e regular da educação,
existe para suprir emergencialmente carências de homens e mulheres carentes do povo.
Sujeitos famílias, grupos e comunidades a quem a privação de condições de pleno acesso
aos benefícios sociais regulares obriga a procura de agências especiais de serviços
compensatórios. Seus exemplos: a Legião Brasileira de Assistência, a FEBEM, a Saúde
Pública e o MOBRAL
(BRANDÃO,
1985, p.62).
Entre outros autores que discorrem sobre este assunto, Gadotti tornou-se um dos
pilares da vertente clássica para dar base aos estudos que envolvam a educação de adultos.
Para Gadotti (1998) a educação popular surgiu na América Latina no período das lutas
57
populares, e como principal incentivador, emerge Paulo Freire como propagador de uma
educação libertadora.
Ainda segundo Gadotti (1998, p.22), a educação popular, em seu percurso passou
por inúmeros momentos epistemológico-educacional e organizativo. Ele discorre sobre três
períodos da educação popular: o primeiro ocorrido entre a cada de 1950 e 1960, no qual
se buscou a conscientização; o segundo, nas décadas de 1970 e 1980, que defendia a escola
pública popular e comunitária (entendida pelo autor como vertente da educação de adulto);
até chegar a proposta da escola cidadã (que na concepção do autor significa autonomia),
dos últimos anos.
Antecedendo os períodos citados a cima, entre 1946 e 1958, a Educação Popular
era entendida como educação de adultos, e oficialmente, inúmeras campanhas tentaram
erradicar o analfabetismo no Brasil. Antes, porém, na década de 40, a educação de adultos
integrou-se à denominada educação popular, ou seja, para o povo, criada como extensão da
educação elementar.
A partir dos anos 80 a educação popular é confundida com movimento social,
devido a mobilização da sociedade que crescia a cada dia, enfrentando e deslegitimando
uma política autoritária vigente. Esta década foi de negociações numa fase em transição,
denominada redemocratização.
Posterior à segunda metade da década de 80, a educação popular passa a ser
discutida com outras expressões, como nos refere Gadotti:
Escola Pública Popular, que está associada à proposta de tornar popular o público; Escola
Pública Popular Autônoma, no sentido de autogoverna-se; e Escola Cidadã. Essa última
constitui uma extensão das duas primeiras expressões. É um modelo de escola pública onde
o poder blico deve garantir sua manutenção e a comunidade participar de sua gestão
(GADOTTI, 1998, p.8).
Na década de 90, do século XX a educação popular se redefine na América Latina.
De acordo com Gohn (2001) esta década foi um período de revisar e redefinir os objetivos
da Educação Popular, antes centralizado na política e na estrutura da sociedade e que agora
se converte para os indivíduos, sua cultura e representações.
O que se destaca nesse novo processo é a recriação e reinterpretação do que ocorre
no processo educativo, a partir de então, surgirão novos conhecimentos. Além de tais
58
inovações, esse novo paradigma propõe preparar o indivíduo para ser, fazer, conviver e
conhecer.
A educação popular tornou-se numa turbulência de paradigmas e Gonçalves (1998)
assinala que tal crise tem causado debates sobre a implantação da mesma, na atualidade.
Contrariando muitas teses, a autora afirma que a educação popular permanece e sua
heterogeneidade representa uma educação múltipla e diversa. Para ela, a educação popular
é um conceito “que indica diferentes práticas educativas que buscam o fortalecimento das
organizações e movimentos populares, cujas tendências precisam ser tomadas como objeto
de estudo antes que se decrete apressadamente mais um fim” (Gonçalves, 1998, p.228).
Melo Neto (1999), ressalta alguns elementos da educação popular que se diferenciam
das demais, ao afirmar que esta é:
um sistema educativo aberto, caracterizado por um conjunto de elementos teóricos que
fundamentam ações educativas, relacionados entre si, ordenados segundo princípios e
experiências (...) um sistema que na sua visão forma um todo, uma unidade, alicerçada por
uma filosofia com uma teoria de conhecimento, metodologias da produção desse
conhecimento, com conteúdos e técnicas de avaliação, sustentado por uma base política
(MELO NETO, 1999, p.68).
Em princípio, para o autor, a educação popular tem definição ambígua, uma que vez
que está intrinsecamente ligada ao contexto histórico em que surgiu. Sua essência está em
transformar os sujeitos em agentes transformadores de sua própria história, gerando um
movimento de emancipação e conscientização de suas condições sociais, fazendo-os
ascender para a construção e apropriação do conhecimento. Tornando-se um instrumento de
luta política, a educação popular nasce do confronto das relações entre Estado e sociedade
civil, despertando em suas concepções a qualificação do potencial popular. No intuito de
romper com a lógica do capital, ela elabora estratégias que resignificam a educação,
qualificando os indivíduos não para o mercado, mas para a vida.
Paulo Freire (1987) enfatiza o popular como sinônimo de oprimido, isto é, daqueles
que estão excluídos dos usos e bens culturais vigentes. Daquele que vive sem as condições
elementares para o exercício de sua cidadania, considerando que também está fora da posse
e uso dos bens materiais produzidos socialmente. O autor destaca ainda que,
59
a libertação é um processo doloroso, pois depende do próprio individuo expulsar ou não o
opressor de dentro de si. O homem que nasce deste parto é um homem novo que é viável
na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A
superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não o opressor, não
mais o oprimido, mas homem libertando-se (FREIRE, 1987, p. 18).
Quanto mais as massas populares desvelam a realidade objetiva e desafiadora sobre
a qual elas devem incidir sua ação transformadora, tanto mais se inserem nela criticamente.
Para Freire,
O grande problema está em como poderão os oprimidos, que “hospedam” o opressor em si,
participar da elaboração, como seres duplos, inautênticos, da pedagogia de sua libertação.
Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir
para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é
parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido,
que não pode ser .elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta
crítica — a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como
manifestações da desumanização (FREIRE, 1987, p.20).
A educação popular, tendo como ponto de partida a realidade do oprimido, pode se
tornar um agente importante nos processos de libertação do indivíduo e da sociedade. Uma
educação que incentive a participação, ou seja, a busca da cidadania, compreendida em suas
dimensões crítica e ativa. Uma educação que contribua ao exercício de cobranças das ações
políticas geradas em nome do povo e que também possa incentivar aspectos éticos e
utópicos que, para os dias de hoje, se tornam uma exigência social.
Desta forma, Freire defende uma teoria crítica, que transforme de forma progressiva
a sociedade, cuja relevância defina a educação popular que é entendida como: “espaço de
mobilização, organização e capacitação das classes populares; capacitação cientifica e
técnica (...) o conhecimento do mundo é também feito através dessas práticas que
inventamos” (Freire e Nogueira, 1989 p.86).
O pensamento de Freire vai na direção de que toda ação educativa deve ser antes de
qualquer coisa uma ão cultural que objetive uma mudança moral e intelectual. Essa ação
cultural inicia-se na descoberta da razão que reproduz as estruturas materiais e simbólicas
de dominação. Tal descoberta perpassa pela crítica e pelo anseio de mudanças conduzindo
os indivíduos à ação de novos valores e padrões de relações racionalmente dialogais.
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Na perspectiva do popular como algo que promove a democracia, segundo
Rodrigues (1999), há a exigência de que os grupos que compõem o povo precisam se
comportar democraticamente. Para ele, “muito mais através de ações que de palavras, a
Educação Popular objetiva democratizar a sociedade e o Estado, mediante a formação de
hábitos, atitudes, posturas e gestos democráticos, dentro dos grupos onde atua”
(Rodrigues, 1999, p.23)
A questão conceitual da educação popular no âmbito dos movimentos sociais, como
concebe Souza (1998),
(...) se situa numa perspectiva estratégica (mais além de suas distintas concepções) sendo
sempre uma opção que surge da conjunção dialética de vários fatores sociais (econômico-
deológicos) e pedagógicos, inserida na práxis cotidiana de sujeitos coletivos e da
escolarização popular. A EP se compreende como dinamizadora do aspecto organizativo
pelo potenciamento da dimensão educativa própria das ações sociais. Mas também do
processo didático escolar (SOUZA, 1998, p.20 e 21).
O autor reitera que, esses movimentos sociais expressam correntes de opiniões
capazes de firmar interesses diante de posicionamentos contrários dos dominantes. Eles são
externados sobre os vários campos da existência individual e coletiva desses setores da
sociedade. Nesse sentido, os “segmentos sociais explorados, oprimidos e subordinados,
cujos temas, quase sempre de maior incidência em suas vidas, em seu cotidiano são:
trabalho, habitação, alimentação, participação, dignidade, paz, direitos humanos, meio-
ambiente, gênero, gerações etc” (Souza, 1998, p.38).
No conceito de Calado (1999, p.137), educação popular se mostra como “uma
perspectiva, uma metodologia, uma ferramenta de apreensão/compreensão, interpretação
e intervenção prepositiva, de produção e reinvenção de novas relações sociais e
humanas”. Para ele a educação popular se faz atuante onde estiverem presentes os
protagonistas da ação educativa. Por isso não considera necessário delimitar um espaço
para realizar a mesma, pois, está inerente nas relações cotidianas do individuo, como uma
malha de relações humanas, estando presente nos diversos espaços e dimensões sociais. Ela
deve até ultrapassar estas dimensões, tentando associar e articular a realidade social para
além das leituras científicas do mundo, mas sim dialogando com o que forma o homem,
suas subjetividades, seus desejos e inteligências.
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Em termos práticos, é possível criar uma educação popular participante como meio
de ação transformadora, a partir do momento que ela gera situações de permanente reflexão
da realidade existente. Um dos problemas para se criar tais situações é a não organização
popular. Um Programa de Educação Popular pode se tornar um dos instrumentos para tal
organização inicial e sua expansão, pois
tem como fundamento a necessidade e a possibilidade de que o sistema seja transformado
pelo povo, para que ele possa plenamente transformar-se em agente de sua própria história.
Toda a instrumentalização da Educação Popular deve procurar, em última análise, uma
maior inadequação ao sistema opressor e, ao mesmo tempo, uma adequação maior aos
processos através dos quais se mobiliza a ação transformadora (BARREIRO, 1980, p.23).
Quando a educação popular não tem o objetivo de servir como instrumento para
organização e mobilização do povo para implantar um sistema de relações sociais, serve
unicamente para que os opressores continuem em nossas sociedades. A sociedade é o
sujeito de sua própria história, e se passa por momentos de opressão, a mesma deve ser o
agente determinante na luta por libertar-se de tal situação.
Uma das causas da opressão é o fato que os oprimidos não têm consciência de tal
condição, não possuem perspectivas de superar a estrutura social opressora, não conseguem
dimensionar seu papel na tarefa de libertar-se. Para Barreiro, a educação popular
É um veículo pedagógico de conseqüências liberadoras. É produzida como um modo de
oposição as técnicas sociais instituídas para o povo e pelos grupos dominantes. Ela se opõe:
ou simplesmente à educação (opressora, alienada, bancária), ou a uma política de opressão
(BARREIRO, 1980, p.104).
O atual desenvolvimento econômico exige dos trabalhadores uma educação que
desenvolva maior autonomia e versatilidade no momento em que assumir outros papéis que
lhe são postos. Barreiro (1980, p.114), cita alguns fatores como: “capacidade de se
comunicar, trabalhar em equipe, possuir preparo técnico, ou seja, uma educação
continuada pensada para a formação universal e domínio tecnológico”.
Na visão Gramsciana todos possuem papel importante no processo de
desenvolvimento social por considerar que todo indivíduo possui uma intelectualidade nata,
mas nem todos desempenham funções intelectuais na sociedade. Para ele se um simples
62
camponês estiver manuseando suas ferramentas, está realizando um trabalho intelectual.
Segundo o próprio autor:
Quando se distingue entre intelectuais e o-intelectuais, faz-se referência, na realidade, tão
somente, á imediata função social da categoria profissional dos intelectuais, isto é, leva-se
em conta a direção sobre a qual incide o peso maior da atividade intelectual específica, se na
elaboração intelectual ou se no esforço muscular-nervoso. (...). Mas a própria relação entre o
esforço de elaboração intelectual-cerebral e o esforço muscular-nervoso não é sempre igual,
por isso, existem graus diversos de atividade específica intelectual (GRAMSCI, 1995, p.79).
Para Gramsci, nenhuma sociedade pode ser coagida a fazer algo por nenhum tipo de
grupo; a sociedade civil e mundial caminha a cada dia para um avanço ainda maior da
globalização, portanto, precisa de líderes, direções sérias e democráticas, com o objetivo de
encontrar melhores soluções para os problemas vigentes em nosso país e porque não dizer,
no mundo.
Sendo influenciado por Sorel de que a esfera produtiva podia dar base para uma
nova civilização, Gramsci escreveu que os conselhos contribuíam para unir classes
trabalhadoras e permitir aos mesmos descobrir seu lugar no sistema produtivo e social, e
também desenvolver saberes (faculdades), necessários ao surgimento de uma nova
sociedade, um novo Estado em período que a classe burguesa não mais assegurava o
desenvolvimento das forças produtivas. A única forma de excluir a antiga sociedade e
sustentar o poder da classe operária era começar por construir uma nova ordem.
Desta forma, surge neste período o conceito de hegemonia de Gramsci, ou seja, a
possibilidade de criar novas instituições da classe trabalhadora era possível tendo por causa
o declínio do papel do empresário individual, pelos investimentos cada dia maiores dos
bancos e do Estado, e pela crise democrática liberal como conseqüência dessa
transformação nas relações entre as instâncias políticas, social e econômica.
Sendo também influenciado por Maquiavel, Gramsci argumenta que o partido
revolucionário é o que permitirá à classe popular recriar uma nova sociedade, oferecendo-
lhe meios para desenvolver intelectuais orgânicos e uma hegemonia alternativa.
Segundo Gramsci, a crise na política, na sociedade e na economia capitalista, pode
provocar uma reorganização da hegemonia mediante várias modalidades de revolução
passiva, com o objetivo de eliminar a ameaça, por parte dos movimentos populares, ao
controle político e econômico exercido pelos poucos que dominam, ao mesmo tempo em
63
que garante o crescimento progressivo das forças produtivas.
Não há como questionar a importância da educação na vida de todo ser humano. Em
época de avanços surpreendentes, a educação torna-se a pedra fundamental e de caráter
permanente na construção de um novo modelo educacional.
De acordo com o pensamento de Pinto (1984, p.28), “a educação é o processo pelo
qual a sociedade forma seus membros à sua imagem e em função de seus interesses”. E,
ainda:
Educação é formação do homem pela sociedade, ou seja, o processo pelo qual a sociedade
atua constantemente sobre o desenvolvimento do ser humano no intento de integrá-lo no
modo de ser social vigente e de conduzi-lo a aceitar e buscar os fins coletivos (PINTO,
1984, p.29).
Desenvolver uma escola pública popular é expandir os desejos educacionais
populares, aliados à reorientação política do Brasil, é criar um currículo pensado na
população. É fazer uma escola que segundo Freire (1983 p. 43), “estimula o aluno a
perguntar, a criticar, a criar, onde se propõe a construção do conhecimento coletivo,
articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediado pelas experiências no
mundo”.
Freire afirma ainda que, como seres políticos, os homens não podem deixar de ter
consciência do seu ser ou do que está sendo, e é necessário que se envolvam
permanentemente no domínio político, refazendo sempre as estruturas sociais, econômicas,
em que se dão as relações de poder e se geram as ideologias. A vocação do ser humano não
é de ser dominado, massacrado, modelado ou dirigido, mas, de “ser mais”, fazer e refazer a
sua história, intervindo no seu meio. Esse processo é importante, pois “Não é no silêncio
que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão”(Freire, 2003,
p.92).
Portanto, Freire (1996, p. 26) afirma que, “o educador democrático não pode
negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando,
sua curiosidade, sua insubmissão”. Diz ainda, que para se aprender criticamente, exige-se a
presença de educadores e educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente
curiosos, humildes e persistentes” (Ibid, p. 26). assim é possível formar sujeitos
conscientes, autônomos, que saibam ler as palavras, mas, sobretudo, o mundo ao seu redor.
64
Tornam-se muito relevantes as palavras de Souza (1998, p.13), quando ele afirma
que a perspectiva da educação popular é se fortalecer por intermédio dos processos
pedagógicos para aumentar sua participação na construção dos poderes, objetivando
expandir a força cultural e o sentido mobilizador dos valores da justiça, da solidariedade e
da igualdade. Desta forma, surgirá a implantação de um poder ético e uma integração social
sem exclusões.
Deseja-se que os processos de EP contribuam efetivamente para a construção de um poder
ético a partir das lutas e da solidariedade que podem garantir a integração social, reduzir o
ímpeto avassalador do processo de inclusão perversa da maioria da população na ordem
nacional e mundial, permitir assim o avanço das condições da democracia. Esta emerge
como a construção das possibilidades da realização integral da pessoa humana, em suas
condições de gênero, étnico-culturais, de idades, intersubjetivas e subjetivas, num meio
ambiente sustentável (SOUZA, 1998, p. 15).
Outro dimensionamento, segundo o autor, seria um maior relacionamento entre os
educadores populares e a educação escolar, sobretudo da educação pública, na medida em
que a questão da escolarização das camadas populares vem ocupando o centro da agenda
educacional de grande parte dos países ditos emergentes.
Entre as discussões sobre este assunto tão relevante, alguns princípios ficam muito
claros; a educação popular é a negação da negação” (Brandão, 1985, p.21). Não é um
método que conscientiza, mas um trabalho sobre a cultura que transforma a consciência de
classe e indica direções. É a negação de uma educação oferecida aos menos favorecidos da
sociedade.
Ao existir dentro dos processos de ensino-aprendizagem, a educação popular torna-
se mais uma prática social em que sua especificidade é lidar com o saber e com o
conhecimento. Pensar como uma prática coletiva e organizada pela própria população em
que o educador contribui com seu conhecimento em nome de um trabalho político atuante e
específico para o domínio do conhecimento popular.
Posterior a todas essas considerações feitas até agora, surgem algumas indagações
que nos fazem refletir: como tratar as diversas diferenças sociais existentes no campo
intelectual, emocional e prático?
65
Na educação popular, a escola tem de se tornar o espaço de todas as vozes, de todas as falas
e de todos os textos, sendo o professor alguém que não se apresenta como possuidor de um
saber maior do que o dos demais, capaz de corrigir e de aprovar a escrita dos outros, mas
sim como alguém que vem dialogar a criar condições necessárias, como mediador, para que
todas as vozes sejam ouvidas e cresçam juntas (RAMAL, 1999, p.49).
A tarefa do educador é antes de tudo, criar uma nova educação, pois ela foi a do
colonizador, do opressor, de interesses de uma ordem colonialista, dominante. Foi no
passado uma educação que confirmava a desigualdade do saber, da vida social. Portanto,
torna-se fundamental uma nova educação, mostrando que a mesma é um trabalho político
que estava escondido numa “missão pedagógica” e que agora, aparece como missão
política de libertação através do ensino, da educação.
66
CAPÍTULO 3
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EJA
Saber ler e escrever, saber utilizar a leitura e a escrita
nas diferentes situações do cotidiano são hoje
necessidades tidas como inquestionáveis tanto para o
exercício pleno da cidadania, no plano individual,
quanto para a medida do nível de desenvolvimento de
uma nação, no nível sociocultural e político
(MORTATTI, 2004, p.15).
Ler e escrever nos dias atuais constitui, uma demanda social que necessita ser re-
significada e atendida pela escola. Desta forma, é primordial redefinir junto aos educadores
o conceito de alfabetização e o significado de estar alfabetizado numa sociedade
contemporânea letrada. Para Chartier (1994, p.13) “a leitura é sempre uma prática
encarnada em gestos, em espaços, em hábitos”. Portanto, dominar o sistema linguístico é
fundamental para se exercer a cidadania, embora experiências demonstrem que nem sempre
saber ler e escrever significa que o indivíduo possui autonomia e participação civil.
Apesar de indissociáveis e ligados entre si, a escrita, a alfabetização e o letramento
nem sempre têm sido considerados como um conjunto pelos estudiosos. Para Tfouni (2006,
p.11), “... a relação entre eles é aquela do produto e do processo: enquanto que os
sistemas de escritura são um produto cultural, a alfabetização e o letramento são
processos de aquisição de um sistema escrito”. A seguir, compreenderemos um pouco
melhor este processo tão importante.
3.1 Compreendendo o processo de alfabetização
O indivíduo adulto está na fase mais rica de sua existência, no auge de
possibilidades. Portanto, na medida que a sociedade se desenvolve, a educação de adultos
torna-se mais importante e necessária. Apesar de atuarem como educados, ainda não o
67
estão em forma alfabetizada, escolarizada. A sociedade necessita educá-los não para criar
participações já existentes, mas para que tal participação aconteça em níveis mais elevados.
A atitude de condenar o analfabeto está alicerçada no erro sociológico de pensar que
o adulto é culpado de sua própria ignorância, não reconhecendo que “o adulto não é
voluntariamente analfabeto, não se faz analfabeto, senão que é feito como tal pela
sociedade, com fundamento nas condições de sua existência” (Pinto, 2007, p.52).
Para iniciar um trabalho significativo com a língua, a escola deve levar em conta as
aprendizagens sobre a escrita que os alunos possuem ou que, percebem no “ambiente
letrado” em que vivem. Portanto, é necessária a ação consciente e competente do educador,
que, juntamente com os alunos, deve descobrir o que cada um sabe sobre a escrita e de que
forma ela se mostra. Segundo Freire (1982, p.20), “na medida em que os alfabetizandos
vão organizando uma forma cada vez mais justa de pensar, através da problematização de
seu mundo, da análise crítica de sua prática, irão podendo atuar cada vez mais
seguramente no mundo”.
Para que isso ocorra, é preciso conhecer as etapas que os indivíduos passam para
aprender a escrever, e que os professores busquem meios de encorajar seus alunos a
manifestar a ortografia, pois “o educador tem de considerar o educando como um ser
pensante. É um portador de idéias e um produtor de idéias, dotado freqüentemente de alta
capacidade intelectual, que se revela espontaneamente em sua conversação, em sua crítica
aos fatos, em sua literatura oral” (Pinto, 2007, p. 83). É importante relembrar que toda
atividade de escrita na sala de aula deve ser integrada às outras atividades, para que a
escrita seja valorizada e enfatizada, sem restringi-la numa única aula.
O ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito
abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra.
Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram
o mundo e a seguir escreveram as palavras. Esses são momentos da história. Os seres
humanos não começaram por nomear A!F!N! Começaram por libertar a mão e apossar-se do
mundo (FREIRE; MACEDO, 1990, p. 32).
Vivemos numa sociedade letrada, na qual os que desconhecem o código escrito
estão automaticamente marginalizados pelas relações sociais. Jovens e adultos que não
tiveram contato com a escola e nem oportunidade de se relacionar com os sinais que
68
constituem o universo da escrita, limitam-se no entendimento das situações de leitura do
cotidiano, como, por exemplo, ler cartazes, formulários, placas, bulas de remédios, entre
outros. Tornam-se dependentes da boa vontade alheia para ajudá-los em tarefas como:
escrever cartas ou decifrar instruções simples. Com isso, correm riscos de ser enganados e
são sempre descriminados pelos demais que sabem ler.
Os analfabetos sabem que são seres concretos. Sabem que fazem coisas. Mas o que às vezes
não sabem, na cultura do silêncio, em que se tornam ambíguos e duais, é que sua ação
transformadora, como tal, os caracteriza como seres criadores e recriadores. Submetidos aos
mitos da cultura dominante, entre eles o de sua “natural inferioridade”, não percebem, quase
sempre, a significação real de sua ação transformadora sobre o mundo (FREIRE 1982,
p.49).
A tendência do indivíduo quando começa a ser alfabetizado é a de reproduzir
através da escrita, os sons que surgem na fala. No entanto, segundo a Proposta Curricular
da EJA segmento (1999, p.54), “a escrita não é uma mera transcrição da fala. Não
escrevemos do mesmo jeito que falamos, pois a comunicação tem outras exigências e
utiliza-se de outros recursos”. Quando escrevemos, o leitor não se faz presente, portanto, é
necessário utilizar recursos próprios que organizam o discurso.
Para Goodman citada por Ferreiro (1987, p.13), “o que diferencia a língua oral da
língua escrita são principalmente as circunstâncias de uso”. Utilizamos a língua oral para
comunicação imediata face a face, a língua escrita para comunicação através do tempo e
do espaço.
Sobre este assunto, Emília Ferreiro (1992, p.22), nos chama atenção dizendo que,
desde o início do período de alfabetização é exigido do aluno que ele pronuncie como está
escrito, invertendo desta forma as relações fundamentais entre a fala e a escrita: “não são
as letras que ‘se pronunciam’ de certa maneira; são as palavras que ‘se grafam’ de certo
modo”. Ferreiro também nos afirma que é errado supor que a escrita represente diretamente
a fala.
Qualquer intenção de justificar a ortografia a partir da pronúncia leva a desprezar as
variantes de fala das populações socialmente marginalizadas, e a dificultar sua
aprendizagem. Esta é uma das razões fundamentais porque a correção ortográfica não pode
ser exigida nas primeiras etapas da alfabetização, com risco de se distorcer o processo desde
o início (FERREIRO, 1992, p.27).
69
A autora fala isso, porque como a escrita tem prestígio, supõe-se que é mais correto
considerar o modo de fala dos grupos poderosos, em detrimento das variações linguísticas
de grupos socialmente marginalizados considerados inconveniente para dar acesso à escrita.
Segundo Ferreiro (1992, p.27), “não há nenhuma prova empírica que permita concluir que
é necessário certo tipo de pronúncia para ter acesso à língua escrita”. A experiência
empírica nos mostra exatamente o contrário: nos diversos países latino-americanos de
língua espanhola, os indivíduos privilegiados se alfabetizam sem dificuldades, mesmo com
as diferenças dialetais existentes entre as denominadas normas cultas de fala desses países.
Como a escrita sempre representa a modalidade linguística de mais prestígio, a
proximidade da escrita com a fala será maior para os falantes desta camada de prestígio.
Desta forma, o caminho a ser percorrido é mais árduo para alguns do que para outros.
Por exemplo, para o falante de português que diz “muié” em lugar de “mulher”, ou “craro”
em vez de “claro”, a escrita apresenta alguns problemas muito mais misteriosos do que para
o que diz “mulher” e “claro”. Além disso, depois de sofrer muito tentando entender quando
deve usar lh, pode estender o uso de lh a palavras onde esta grafia não aparece ( ABAURRE
apud FERREIRO, 1990, p.79).
Sobre esses problemas torna-se necessária pesquisa que nos possibilite conhecer
melhor a relação existente entre a língua oral e a língua escrita, permitindo, definir
maneiras de agir pedagógicas, modificando também as avaliações, ao permitir que os
conceitos e valores formulados sobre a escrita de diferentes falantes considerem o trajeto
que cada indivíduo precisou trilhar.
Dois momentos tornam-se importantes no ensino da língua a jovens e adultos.
Primeiro aquele em que os educandos se percebem capazes de decodificar mensagens
escritas e de criá-las, sentindo-se “alfabetizados”, nem que seja em sentido imediato do
termo. Esse é um dos primordiais objetivos da Língua Portuguesa: tornar o estudante
capacitado para o domínio dos mecanismos e recursos do sistema de representação da
escrita.
Posteriormente, é o momento em que o educando vai além, tornando-se autor dos
próprios textos, podendo expressar-se por escrito e de forma eficiente, adequada, e
70
descobrindo-se capaz de narrar histórias, criar poemas, textos, etc. Nesse momento, é
importante o tipo de relação que o professor estabelece com a escrita do educando.
Segundo a Proposta Curricular para Jovens e Adultos,
A aprendizagem do mecanismo da escrita não se dá de forma linear. Ela ocorre à medida
que o aluno recebe informações que desestabilizam suas hipóteses de como escrever e
reorganizar seus conhecimentos (...) Para ter acesso nessa aprendizagem, é preciso
desenvolver atitudes como interesse pela leitura e pela correção da escrita, perseverança e
paciência com o ritmo de realização das tarefas dos companheiros e com seu próprio
processo de aprendizagem o professor deverá propor atividades que favoreçam a troca de
informações entre os colegas, em que o desafio seja a escrita significativa e a ampliação de
conhecimentos e não a repetição mecânica de exercícios desvinculados do que o aluno
sabe. O domínio da leitura também será favorecido se os educandos tiverem acesso a textos
interessantes, que desafiem sua curiosidade (BRASIL, 1999, p.69-70).
Os alunos jovens e adultos com menor poder aquisitivo raramente têm acesso, após
alfabetizados, a uma diversidade de livros ou textos literários; seja por falta de
conhecimento da variedade de gêneros existentes, ou por falta de condições financeira que
os impedem de adquirir as obras. Sobre isso, Chartier (1990, p.78-79) nos diz que “as
modalidades de apropriação dos materiais culturais são sem dúvida, tão ou mais distintos
do que a inegável distribuição social desses próprios materiais”.
Por isso, a escola é um ambiente privilegiado, e na maioria das vezes o único, que
proporciona ao educando contato com a variedade de textos escritos da nossa cultura. Por
isso, quanto mais próximo da realidade do aluno estiver o conteúdo, mais significativo se
tornará e, logo, maior a possibilidade do mesmo auxiliar o processo de aprendizagem. “Sem
significado não leitura, e os leitores não podem obter significado sem utilizar o
processo”. (Goodman apud Ferreiro, 1987, p.14). Toda leitura é considerada interpretação,
e aquilo que o leitor é capaz de compreender decorrente da leitura depende
expressivamente daquilo que ele conhece e acredita, antes da leitura.
Concordo quando se diz que a escola é a instituição responsável pela alfabetização
dos indivíduos, “assim, o que compete ao educador é praticar um método crítico de
educação de adultos que ao aluno a oportunidade de alcançar a consciência crítica
instruída de si e de seu mundo” (Pinto, 2007, p.84). Mas, outras instituições, como a
família, a política cultural que é desenvolvida na mesma, também são fundamentais para
que este processo aconteça de forma satisfatória. A leitura deve ser inserida no contexto
social, renunciando a qualquer neutralidade para que, assim seja propulsora de mudanças
71
significativas. Mas, como afirma Garcia (1993), nem sempre o educador sabe como
desenvolver tal prática.
Na escola muitas vezes afirmamos que é preciso colocar os alunos num “ambiente
alfabetizador”. Pergunta-se então: o que seria um “ambiente alfabetizador” para as
professoras? Um ambiente que permitisse que elas entrevissem o sentido que têm as
palavras “ler e escrever” do lado de cá da sociedade? Que atividades promover? Que
instrumentos utilizar? (GARCIA, 1993, p.85).
Ainda sobre estas questões importantes, Pinto (2007), também questiona sobre o
que se necessita ensinar na fase de alfabetização, e ele mesmo sugere a resposta.
É evidente que se necessita aprender os elementos básicos do saber letrado, as primeiras
letras, a escrita, os rudimentos da matemática, mas este saber, ainda que fundamental e
indispensável, só vale por seu significado instrumental, por aquilo que possibilita ao
educando para chegar a saber. É o saber para chegar a saber, para o mais saber. Por
consequência, é preciso que a sociedade tenha preparado todo o elenco de oportunidades de
saber para ser adquirido pelo alfabetizando depois de terminar sua alfabetização. Do
contrário, a simples alfabetização é um jogo sem finalidade, um luxo social que não
recompensa a comunidade dos elevados custos que apresenta (PINTO, 2007, p.85).
Para nos auxiliar nessas questões, Paulo Freire nos sugere a criação de Projetos
Políticos Pedagógicos que não possuam modelos pré-determinados, que surjam dentro da
comunidade escolar, partindo das necessidades reais dos mesmos, inseridos em um
determinado contexto social. Que seja criado a partir dos problemas, das tensões, das
dificuldades, de algo concreto para a comunidade.
Para Freire, a educação deve procurar desenvolver a consciência e a criticidade, para
que o homem aprenda a escolher e a decidir, tornando-se livre em lugar de ser domesticado,
adaptado, como ainda acontece na educação vigente em vários países.
Mas como realizar esta educação? Como proporcionar ao homem meios de superar suas
atitudes, mágicas ou ingênuas diante de sua realidade? Como ajudá-lo a criar, se analfabeto,
sua montagem de sinais gráficos? Como ajudá-lo a inserir-se? A resposta nos parecia estar:
a) num método ativo, dialogal, crítico e criticizador, b) na modificação do conteúdo
programático da educação, c) no uso de técnicas...Somente um método ativo, dialogal,
participante, poderia fazê-lo (FREIRE, 1995, p.15).
72
A prática da liberdade é um importante foco da pedagogia de Paulo Freire, que
apenas se torna eficaz quando existe a participação livre e crítica dos educandos. Seu
método é o da dialogicidade, que permite a prática da liberdade aos não livres, pois ele diz:
“proponho e defendo uma pedagogia críticodialógica, uma pedagogia da pergunta”
(Freire 2000, p.83). A alfabetização está ligada à democratização da cultura, alfabetização
como ato de criação e re-criação; capaz de contribuir com a organização reflexiva do
pensamento, combatendo a inexperiência democrática e valorizando os interesses
populares. Sobre isto, Saviani (1983) sustenta que:
Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a escola; não será
indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada em que a escola funcione bem;
portanto, estará interessada em todos de ensino eficazes. Tais métodos se situarão além
dos métodos tradicionais e novos, superando por incorporação as contribuições de uns e de
outros. Portanto, serão métodos que estimularão a atividade e a iniciativa dos alunos sem
abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos alunos entre si e
com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo com a cultura historicamente
acumulada; levarão em conta os interesses dos alunos, os ritmos de aprendizagem, mas sem
perder de vista a sistematização dos conhecimentos, sua ordenação e gradação para efeitos
do processo de transmissão-assimilação dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 1983, p. 72-
73).
Na proposta de alfabetização que Freire criou, a leitura é apenas parte da
aprendizagem, face às novas perspectivas de vida, que vão sendo construídas pela
conscientização. Aqueles que são alfabetizados por tal método passam a acreditar na
possibilidade de transformação, que parte da leitura do seu mundo para a leitura da palavra.
E ainda, “somente a educação não alienada pode servir aos objetivos da sociedade em luta
pelo seu desenvolvimento, e pela transformação da vida do homem”(Pinto, 2007, p.55). A
conscientização é resultado de um compromisso histórico, de ação e reflexão, em que,
exige-se que os homens tornem-se sujeitos da própria história, que não se conformem com
as condições em que vivem; a conscientização convida o homem assumir um lugar face ao
mundo.
É impossível levar avante meu trabalho de alfabetização ou compreender a alfabetização,
separando completamente a leitura da palavra da leitura do mundo. Ler a palavra e aprender
como escrever a palavra, de modo que alguém possa lê-la depois, são precedidos do
aprender como “escrever o mundo”, isto é, ter a experiência de mudar o mundo e estar em
contato com o mundo (FREIRE, 1990, p.31).
73
Freire solicitou uma reinvenção e recriação do ensino, mas, não foi atendido. Com
isso, professores têm utilizado meios tradicionais, reproduzindo o que aprenderam em sua
formação, tratando e ensinando os adultos como o fazem com as crianças; “supõe que a
educação (alfabetização de adultos) consiste na ‘retomada do crescimento’ mental de um
ser humano que, culturalmente, estacionou na fase infantil. O adulto é considerado assim,
um ‘atrasado’” (Pinto, 2007, p.87). Por isso mesmo,
... A leitura do mundo precede mesmo a leitura da palavra. Os alfabetizandos precisam
compreender o mundo, o que implica falar a respeito do mundo; finalmente, uma
alfabetização crítica, sobretudo, uma pós-alfabetização não pode deixar de lado as relações
entre o econômico, o cultural, o político, o pedagógico (FREIRE, 1990, p.32).
O adulto não alfabetizado chega à sala de aula com uma bagagem de conhecimento
e experiência de vida, sendo necessário que o professor discorra sobre todas essas relações
e jamais admita que estes sejam tratados como crianças. Sobre o que difere uma
modalidade de ensino da outra, Pinto (2007, p.72), afirma que, “não é, portanto, o
conteúdo, os métodos, as técnicas de instruir e sim os motivos, os interesses que a
sociedade, como um todo, tem quando educa a criança ou o adulto”.
Mesmo os jovens e adultos que nunca passaram pela escola possuem conhecimento
sobre a escrita, pois muitos deles conhecem algumas letras e conseguem até assinar o
próprio nome. Muitos indivíduos já se depararam com a necessidade de identificar o
ônibus, placas, preencher algum formulário, ler uma carta, etc. Na escola, o professor
deve criar situações em que os educandos exponham e reconheçam aquilo que sabem
sobre a escrita”. (Proposta Curricular da EJA – 1º segmento, 1999, p.53). Pois, “a
alfabetização decorre como consequência da visão da realidade, associando-se a imagem
da palavra à imagem de uma situação concreta” (Pinto, 2007, p.99). O professor poderá
definir quais conteúdos trabalhar baseado no que os alunos conhecem, observar quais
aspectos deve chamar mais a atenção, para que os alunos elaborem seus conhecimentos até
se tornarem autônomos desse sistema de representação.
Daí que sempre tenha insistido em que as palavras com que organizar o programa da
alfabetização deveriam vir do universo vocabular dos grupos populares, expressando a sua
real linguagem, os seus anseios, as suas inquietações, as suas reivindicações, os seus sonhos.
Deveriam vir carregadas da significação de sua experiência existencial e não da experiência
do educador (FRERIE, 1989, p.20).
74
Segundo Moura (1999), a questão do ensino-aprendizagem foi explicada por
Vygotsky e Freire da seguinte maneira:
Para Vygotsky aprender é constituir-se. Dar significado para os conhecimentos e ensinar é
mediar a construção desses significados. Ensino e aprendizagem para ele o constitutivos
de um mesmo processo. Para Freire aprender e ensinar é um processo dialético em que só se
ensina o que se aprende. O homem e a mulher descobriram que era possível ensinar
porque aprenderam, tanto é que sempre houve aprendizagem, o ensino e, principalmente, o
ensino formal só vem ocorrer muito tempo depois ( MOURA, 1999, p.16).
Mesmo a alfabetização sendo uma prática política, sua natureza é pedagógica,
devendo objetivar, dar condições de ensino-aprendizado que leve os indivíduos a se
“apropriarem” de um sistema que representa a realidade. Por isso, “o método crítico visa
constituir no educando uma consciência crítica de si e de sua realidade, e admite que,
como elemento, como parte dessa consciência, surge espontaneamente a compreensão da
necessidade de alcançar um plano mais elevado do saber, o plano letrado” (Pinto, 2007,
p.98). Moura (1999) observa que existe um conflito entre o pedagógico, o político e o
lingüístico.
Entendemos que esse conflito precisa ser superado de forma que, ao buscarmos um
embasamento na lingüística como ciência que estuda os modos de funcionamento dos
sistemas de escrita, o estudo dos confrontos entre o sistema fonológico da língua e seu
sistema ortográfico bem como o apoio da sociolingüística e da psicolingüística,
adquiramos as condições favoráveis à manutenção da conciliação entre os três campos; a
lingüística, a pedagogia e a política (MOURA, 1999, p.22).
A história da alfabetização de adultos no Brasil, acompanha a história da educação
de modo geral, diferente do que acontece com a educação infantil; a alfabetização de
adultos tem sido alvo de movimentos diferentes na história da educação. Dessa forma,
somente por meio das políticas e ações desenvolvidas durante o processo da história
brasileira, é possível buscar referenciais teóricos que nortearão o conceito, objetivos e
meios para o desenvolvimento da alfabetização.
O importante é compreender que o analfabeto adulto atual, ao qual nos dirigimos, vive numa
sociedade letrada e por isso suas exigências culturais implícitas são as da linguagem
alfabética, que é a de seu meio. Basta, portanto, retirá-lo das condições inferiores de
existência em que vive e fazê-lo compreender sua realidade para que imediatamente
75
incorpore o saber letrado como elemento natural da consciência crítica que começa a
produzir para si (PINTO, 2007, p.100).
Durante muito tempo foi considerado que uma pessoa estava alfabetizada quando
sabia ler e escrever em nível muito rudimentar, como, por exemplo, escrever o próprio
nome. Foi a partir desta concepção que muitas campanhas de alfabetização de jovens e
adultos foram orientadas.
Acreditava-se que por um curto período de dois ou três meses era possível ensinar
princípios da codificação dos sons em letras, e que, a partir daí jovens e adultos estariam
prontos para utilizar tais conhecimentos em benefício próprio. Tal idéia levou muitas
campanhas de alfabetização de jovens e adultos ao fracasso.
Desta forma, o conceito de “analfabetismo” e “alfabetização” possui inúmeros e
complexos significados, e isto acontece pelos vários critérios existentes para defini-los.
Sobre tal assunto, Letellier diz que:
A imprecisão e ambigüidade em que têm sido mantidos os próprios conceitos de
analfabetismo e alfabetização contribuíram para a proliferação de termos (frequentemente
superposto ou parcialmente superposto) para descrever os diferentes estágios e veis
intermediários ao eixo analfabetismo-alfabetização, tais como analfabetismo absoluto, puro,
regressivo, por desuso, funcional ou os de analfabeto, semi alfabetizado, neo-alfabetizado
(LETELLIER, 1996, p.10).
Os debates sobre alfabetização e letramento ganham destaque a cada dia e novas
perspectivas são apontadas. O letramento é considerado como um processo complexo, que
quase sempre é visto como associado à alfabetização. Segundo Batista (2006, p.10), “trata-
se de um termo que é conceituado de modo diferente por autores que estudam o fenômeno;
mas, em suma, pode-se dizer que o letramento é um processo histórico-social”.
Para Mortatti (2004), os termos “analfabeto” e “analfabetismo” possuem
significados que indicam antecedência (cronológica) ao aprendizado das primeiras letras
(leitura e escrita) e a instrução primária. Posteriormente, esses termos passaram a ser
necessários para designar o novo estado ou condição de saber ler e escrever, e foram
criados os termos “alfabetizar” e “alfabetismo”, derivados de “alfabeto”; e “alfabetização”
e “alfabetizado”, derivados de “alfabetizar”.
76
Ainda segundo Mortatti (2004), as palavras “analfabeto” e “letramento” são
encontradas em três dicionários gerais da língua portuguesa:
* (Grande) Dicionário de língua portuguesa, de Antonio de Moraes Silva, que teve dez
edições entre 1789 e 1949 e é considerado um modelo para os demais dicionários de ngua
portuguesa;
* Novo dicionário da Língua portuguesa, de Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, que teve
três edições, com muitas reimpressões, entre 1975 e 1999; esta última edição tem como
título Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa;
* Dicionário Houaiss da língua portuguesa, publicado em 2001, no qual se registram
também as fontes históricas dos verbetes, os antônimos e termos científicos, com indicação
da década em que surgiram e o respectivo domínio de conhecimento (MORTATTI, 2004, p.
37 e 38).
Tais palavras foram agrupadas de acordo com o pertencimento ao mesmo campo
semântico, por ordem cronológica da época provável em que surgiram.
De acordo com os três dicionários, a palavra “analfabeto” é a de uso mais antigo
(início do c. XVIII). Como substantivo masculino, seu significado se mantém estável até
a atualidade: o ignorante das letras do alfabeto, que não sabe ler nem escrever e, também,
que não tem instrução primária” (Mortatti, 2004, p.38).
Nos dias atuais, tais termos incorporaram outros sentidos, pois inúmeros debates
educacionais trouxeram outras perspectivas para compreender e utilizar os mesmos.
Mortatti (2004) nos diz que novas exincias da sociedade relacionados à leitura e escrita
fizeram com que a partir do censo da cada de 1950, considerassem alfabetizada apenas a
pessoa que conseguisse ler e escrever um simples bilhete, a pessoa que conseguisse assinar
apenas o nome era considerada analfabeta.
A palavra alfabetização’ passou portanto, a partir desse momento histórico, a designar um
processo de caráter funcional e instrumental, relacionado com o escolanovismo e com o
ideário político liberal e democratização da cultura e da participação social. Desse ponto de
vista, ‘alfabetização’ passou a designar explicitamente um processo escolarizado e
cientificamente fundamentado, entendido como meio e instrumento de aquisição individual
de cultura e envolvendo ensino e aprendizagem escolares simultâneos da leitura e da escrita,
estas entendidas como habilidades específicas que integravam o conjunto de técnicas de
adaptação do indivíduo às necessidades regionais e sociais (MORTATTI, 2004, p.67).
Assim, o termo “alfabetização” foi usado de forma ampla nos âmbitos político,
pedagógico e, principalmente, nas cartilhas de alfabetização. Ao mesmo tempo, outros
educadores populares como Paulo Freire, deram outros sentidos aos termos “alfabetização”,
77
“alfabetizado”, “analfabetismo”, “analfabeto”, compreendendo a leitura e a escrita não
apenas no âmbito escolar, mas também na “leitura de mundo”, que ansiava uma
conscientização da relevância do homem no seu contexto político e social.
É preciso, na verdade, que a alfabetização de adultos e a pós-alfabetização, a serviço da
reconstrução nacional, contribuam para que o povo, tomando mais e mais a sua História nas
mãos, se refaça na feitura da História. Fazer a História é estar presente nela e não
simplesmente nela estar representado (FREIRE, 1989, p.40).
A história da palavra “letramento” surgiu em nosso país somente na década de
1980, quando influenciado pelo termo inglês literacy”, que até a década de 1990, era
traduzido por “alfabetização”, e mais recentemente, por “alfabetismo”.
A palavra em inglês, literacy, deriva do latim litteratus, que significava “um
erudito”. Nos primórdios da Idade Média, o litteratus (em oposição ao illiteratus) era uma
pessoa que sabia ler em latim. Posteriormente, literacy passou a significar a capacidade de
ler e escrever em sua língua-mãe. O que sugere uma interação entre exigências sociais e
competências individuais. Assim, os níveis de letramento necessários ao funcionamento
social podem variar e, de fato, têm variado de uma cultura para outra e, dentro da mesma
cultura, de uma época para outra (Mortatti, 2004).
No Brasil, a necessidade de ampliar o conceito de alfabetização teve início quando
novos fatos, como a condição de alfabetizado e a extensão da escolarização básica,
começaram a ser vistas, produzindo novas idéias e novas maneiras de entender tais
fenômenos.
Sobre a diferença entre alfabetização e letramento, Soares (2000) afirma que,
um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é
aquele indivíduo que sabe ler e escrever; o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em
estado de letramento, é não aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa
socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às
demandas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2000, p.39-40).
Segundo o ex-representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, lentamente o
termo “alfabetização” está sendo substituído por “alfabetismo”, na tentativa de melhor
tradução para “literacy” e ampliação do significado de alfabetização (Mortatti, 2004).
Atualmente em nosso país, “alfabetização” continua sendo usado com freqüência,
78
ressaltando o esforço de um conceito ampliado, mas, com as perspectivas construtivistas e
interacionistas.
O termo “letramento” parece ter sido utilizado pela primeira vez por Mary Kato, em
seu livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística, (1986, p.07). “Acredito
ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada culta, é conseqüência do letramento,
motivo por que, indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da
linguagem falada institucionalmente aceita”. A autora faz uma definição da palavra
relacionando-a com a função da escola de formar “cidadãos funcionalmente letrados”, tanto
do ponto de vista cognitivo individual quanto da sociedade.
Quando falamos no contexto do letramento, Magda Soares torna-se uma grande
referência nesta temática, concebendo o letramento como o uso da leitura e da escrita em
práticas sociais, ou seja, o sujeito pode não saber ler e escrever, ser analfabeto, mas pode
ser, de certa forma, letrado, ao utilizar a leitura e a escritura em práticas sociais.
Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita denomina-se letramento, que
implica habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes
objetivos para informar ou informar-se, para interagir com outros, para imergir no
imaginário, no estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-
se, para orientar-se, para apoio à memória, para catarse...; habilidades de interpretar e
produzir diferentes tipos e gêneros de textos; habilidades de orientar-se pelos protocolos de
leitura que marcam o texto ou de lançar o desses protocolos, ao escrever, atitudes de
inserção efetiva no mundo da escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo
utilizar a escrita para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou
lendo de forma o interlocutor (SOARES, 2003, p. 91-92).
A pressão que o mundo letrado exerce sobre as pessoas tem feito com que a
capacidade de desenhar letras ou decifrar o código da leitura, não seja mais suficiente.
Acompanhando o mesmo processo de países desenvolvidos, o final do século XX exigiu de
quase todos os povos que a ngua escrita não fosse mais vista como meta de conhecimento
desejável, mas condição verdadeira para a sobrevivência e a conquista da cidadania. Foi no
contexto das grandes transformações culturais, sociais, políticas, econômicas e tecnológicas
que o termo “letramento” surgiu ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia
por alfabetização (Soares, 2003).
Mas como ir além da alfabetização na escola ou nos programas de alfabetização de
adultos? Alfabetizar letrando é a resposta de Soares: “Assim teríamos alfabetizar e letrar
79
como duas ações distintas, mas não inseparáveis, [.. . ] ensinar a ler e escrever no contexto
das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo
tempo, alfabetizado e letrado.” (Soares, 2000, p. 47). Muda-se a idéia de que analfabetos
não praticam a leitura e a escrita, uma vez que no conceito do letramento, mesmo sem
serem alfabetizados, os indivíduos podem alcançar níveis de letramento superiores as
pessoas com veis mais altos de escolarização, pois não é apenas a leitura e a escrita, tão
enraizadas à escola, que desenvolvem tais níveis cognitivos.
Outras atividades também desenvolvem o aspecto cognitivo do sujeito, como
atividades políticas como a militância em partidos políticos, movimentos da sociedade
civil, organizações e outras que pode relacionar-se a mudanças cognitivas.
Por isso a alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro,
como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto,
somente ajustado pelo educador. Esta é a razão pela qual procuramos um método que fosse
capaz de fazer instrumento também do educando e não do educador e que identificasse,
como claramente observou um jovem sociólogo brasileiro (Celso Beisiegel), o conteúdo da
aprendizagem com o processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos nas
cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma doação e que
reduzem o analfabeto mais à condição de objeto de alfabetização do que de sujeito da
mesma (FREIRE, 2000, p. 72).
O papel do educador é mediar a aprendizagem, priorizando, nesse processo, a
bagagem de conhecimentos trazida por seus alunos, ajudando-os a transpor esse
conhecimento para o "conhecimento letrado". “A escrita não é um produto escolar, mas sim
um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade” (Ferreiro,1985, p. 43).
A necessidade do conhecimento do mundo letrado não significa que o homem
iletrado é inculto, pois, segundo Freire (1987, p. 20): Não há homem absolutamente
inculto”. Dessa forma, o conceito de inculto não é de fácil solução, uma vez que a
construção do conhecimento é um processo seletivo que começa com as primeiras
percepções da realidade, desenvolve-se na família, no meio social e na escola. Para Magda
Soares:
[...] um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se
vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se interessa em ouvir a
leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita
cartas para que um alfabetizado as escreva, [...] se pede a alguém que lhe leia avisos ou
indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz
uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 2000, p.24).
80
Em seu livro Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso (1988), Leda V. Tfouni
situa letramento no âmbito do social e indicando algo mais que alfabetização, que situa no
âmbito individual. Para a autora, letramento é questão complexa em sociedades letradas e
que, nas relações entre pensamento e linguagem, não existe identificação entre analfabeto e
iletrado.
Atualmente, tão importante quanto conhecer como funciona o sistema de escrita é
poder se efetivar em práticas sociais letradas, poder responder aos apelos de uma cultura
grafocêntrica. Desta forma, “enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita
por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-
históricos da aquisição de uma sociedade” (Tfouni, 1995, p. 20).
Notando a independência e a interdependência entre alfabetização e letramento,
alguns autores contestam a distinção de tais conceitos, defendendo um único e indissociável
processo de aprendizagem. Em uma concepção progressista de “alfabetização” (nascida em
oposição às práticas tradicionais, a partir dos estudos psicogenéticos dos anos 80), o
processo de alfabetização internaliza a experiência do letramento não passando de
redundância em função de como o ensino da língua escrita já é concebido. Quando
questionada sobre o novo conceito da palavra “letramento”, Ferreiro (2003) declara a sua
rejeição ao uso do termo:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão letramento. E o que
aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser
o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um
retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa
a perceber a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência
fonológica (FERREIRO, 2003, p. 30).
Diante desta ambivalência conceitual, percebe-se o grande desafio dos educadores
da língua escrita: o alfabetizar letrando. Para Kleiman (1995), letramento pode ser definido
como práticas sociais de leitura e escrita.
Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos
81
específicos (...). As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática
social a qual o letramento era definido e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao
longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa
definição, apenas um tipo de prática de fato, dominante que desenvolve alguns tipos e
habilidades, mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita (KLEIMAN, 1995, p. 15).
Ainda segundo a mesma autora,
... a aprendizagem da língua escrita envolve um processo de aculturação através, e na
direção das práticas discursivas de grupos letrados - , não sendo, portanto, apenas um
processo marcado pelo conflito, como todo processo de aprendizagem, mas também um
processo de perda e de luta social. (...) uma dimensão de poder envolvida no processo de
aculturação efetivado na escola: aprender – ou não – a ler e escrever não equivale a aprender
uma técnica ou um conjunto de conhecimentos. O que está envolvido para o aluno adulto é a
aceitação ou o desafio e a rejeição dos pressupostos, concepções e práticas de um grupo
dominante a saber, as práticas de letramento desses grupos entre as quais se incluem a
leitura e a produção de textos em diversas instituições, bem como as formas legitimadas de
se falar desses textos -, e o conseqüente abandono (e rejeição) das práticas culturais
primárias de seu grupo subalterno que, até esse momento, eram as que lhe permitiam
compreender o mundo (KLEIMAN, 2000, p. 271).
Na prática, o longo e difícil caminho que o indivíduo pouco letrado tem a percorrer,
sua reação diante da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do mundo letrado,
termina por expulsar o mesmo da escola, o que é possível se evitar se o professor souber
criar em sala de aula uma interação capaz de mediar as tensões, negociar significados e
construir outros contextos de inserção social. Como afirma Freire (1983, p.59)
"Uma
educação que lhe propiciasse a reflexão sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse sua
instrumentalidade, por isso mesmo, no desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas
potencialidades, de que decorreria sua capacidade de opção". Em outras palavras, uma
educação que "tratasse de ajudar o homem brasileiro em sua emersão e o inserisse
criticamente no seu processo histórico. Educação que por isso mesmo libertasse pela
conscientização" (Freire, 1986, p.66).
Embora o termo “letramento” se reporte a uma dimensão complexa e plural das
práticas sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja na sociedade ou
em campo específico de conhecimento (ou prática profissional) estimulou o surgimento de
inúmeros estudos sobre suas especificidades. Por isso, notamos nos meios educacionais e
82
acadêmicos a referência no plural “letramentos”. A definição do termo para Magda Soares
é sintetizada assim:
Letramento: Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita.
O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de
ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais (SOARES, 2000, p.08).
Ribeiro (1999), opta por utilizar o termo “alfabetismo” em vez de “letramento”, por
ser um termo dicionarizado e também por guardar a mesma raiz de “alfabetização”,
relativo ao ato de ensinar ou disseminar o ensino da leitura e da escrita.
Tantas características nos levam a considerar a pluralidade do conceito de
letramento, evitando as diferenças por meio de fórmulas simplificadoras que visem à
homogeneização do que ainda é provisório e heterogêneo. Mas, talvez seja necessário
conhecer entre as diferenças e as semelhanças, aspectos comuns nas considerações feitas
acima.
Achei interessante o comentário de Soares (1986, p.25) ao afirmar que o fracasso da
alfabetização está em que as classes populares terem conquistado o acesso à escola. E esta
democratização do ensino não veio acompanhada dos avanços necessários para uma
educação de qualidade que os mesmos tinham (e tem) direito.
Responsabiliza-se também a escola pela obrigação da aprendizagem das habilidades
da leitura e escrita, ou seja, além de alfabetizar deve desempenhar seu papel nas práticas
sociais, isto é, o letramento, e o que tenho visto em depoimentos e pesquisas é que o
mesmo não tem ocorrido em sua maioria.
Acredito que tal fator decorre dos termos que se confundem. Quando ouvimos falar
de alfabetização não temos dúvidas quanto ao seu significado, mas não acontece o mesmo
com o letramento.
Podemos dizer que um analfabeto pode ter certo nível de letramento, ao não se
apropriar do código escrito, utilizando-se de quem o possui para fazer uso do mesmo, (o
filme Central do Brasil retrata bem este exemplo), mas isso ocorre também com crianças.
Para Soares (2003), separar alfabetização e letramento é um grande equívoco
porque, nas atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e
escrita, a entrada do indivíduo no mundo da escrita acontece simultaneamente por meio
83
desses dois processos: aquisição do sistema convencional de escrita a alfabetização, e
pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e
escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.
Como foi relatado anteriormente, não são processos independentes, mas
interdependentes e indissociáveis: a alfabetização acontece em contextos sociais de leitura e
escrita, ou seja, por meio de atividades de letramento, o que por sua vez, desenvolve-se
apenas no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em
dependência da alfabetização.
Enfim, ainda segundo Mortatti (2004), letramento está relacionado diretamente
com a língua escrita e seu lugar, suas funções e seus usos nas sociedades letradas, portanto,
grafocêntrica, isto é, sociedades que se organizam em torno de um sistema de escrita em
que por intermédio do texto escrito, assume grande importância na vida e nas relações das
pessoas com o mundo que as rodeia. De acordo também com Soares,
(...) à medida que o analfabetismo vai sendo superado, um número cada vez maior de
pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se
tornando cada vez mais centrada na escrita (...), um novo fenômeno se evidencia: não basta
apenas aprender a ler e a escrever (SOARES, 2000, p.45).
Para Braggio (1992, p.03) no modelo interacionista de leitura, surgido no final dos
anos 70, não apenas o indivíduo é considerado, mas também o objeto, pois, é na interação
entre ambos que surge o ato de ler. Ou seja, tanto o sujeito como o material impresso
concorrem para a compreensão, construção do significado, sendo visto como resultado da
interação entre leitor e texto.
A aquisição da leitura e escrita acontece de forma significativa e satisfatória
quando trabalhada com textos reais, ou seja, os conteúdos devem fazer parte da realidade de
vida dos indivíduos, para que o aprendizado tenha sentido e seja prazeroso. Mortatti (2000,
p.107) também afirma que “não se trata... de primeiro alfabetizar-se e depois aprender a
ler o mundo. Linguagem e realidade estão dinamicamente entrelaçadas”. A escolha de
temas que envolvam o cotidiano dos alunos é primordial para o sucesso do processo ensino-
aprendizado, uma vez que não se limita exclusivamente ao processo do letramento.”A
educação tem caráter permanente. Não seres educados e não educados. Estamos todos
84
nos educando. Existem graus de educação, mas estes não são absolutos”(Freire, 1980,
p.28).
É relevante destacar também a importância entre eventos e práticas de letramento
que é unicamente metodológica, podemos ver este exemplo na vida cotidiana e na escola:
Na vida cotidiana, uma narrativa, um poema aparece em um livro que atrai pela capa, pelo
autor, pela recomendação de alguém; examina-se o livro, escolhe-se um trecho, começa a ler,
deixa para depois; na escola, os mesmos estão no manual didático, desligado de seu portador
original, não escolha, não importa se existe interesse pelo assunto, ele dever ser lido e relido,
interpretar metáforas, etc (SOARES, 2003 p.106).
Para alguns estudiosos é como se ao passar pela escolarização e retornar à
sociedade, o letramento fosse corrompido.
Galvão (2003) afirma que quanto mais cedo a criança entra em contato com a
diversidade de leitura, mais chance terá de se tornar um adulto que usará a leitura e a escrita
em seu cotidiano.
Ela afirma também que o hábito de ler não é algo que se dá de forma natural, mas
com trabalho e esforço cotidiano, tanto pelas gerações que legam, quanto daquelas que
herdam. Mas o importante é que os fatores econômicos, sociais e geográficos não são os
únicos determinantes para a utilização da leitura e escrita pelos indivíduos. A ajuda da
família e de práticas do cotidiano que muitas vezes passa despercebida são fatores
fundamentais para o sucesso da prática da leitura (Galvão, 2003, p.48).
O grande desafio da Educação de Jovens e Adultos é romper com os limites que
restringem a atividade escolar à mera repetição de conteúdos. Procurar formular propostas
que integram os conteúdos das diversas disciplinas, diferentes formas de abordar a
realidade presente dentro e fora da escola, configuram o maior desafio a ser enfrentado.
A prática educativa deve acontecer sem interesses próprios da escola, por isso, a
importância do respeito às diferentes posturas profissionais dos professores e a necessidade
constante de busca de conhecimentos e atualização. Freire (1996, p.59) fala da esperança e
do otimismo necessários para mudanças dentro deste contexto e nunca se acomodar, pois
no seu entendimento “as pessoas são seres condicionados, mas não seres determinados”.
Freire (1996, p.52) afirma ainda em sua fala a necessidade dos educadores criarem
as possibilidades para a produção ou construção do conhecimento pelos alunos. Insiste que
85
“... ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria
produção ou a sua construção”, e que o conhecimento precisa ser vivido e testemunhado
pelo agente pedagógico.
Enquanto a preocupação da alfabetização é a aquisição da escrita pelo indivíduo, o
letramento foca os aspectos sócio-históricos de aquisição de um sistema escrito por uma
denominada sociedade.
Estudos realizados sobre letramento não são restritos apenas àquelas pessoas que
internalizaram a escrita, ou seja, a alfabetização. Mas busca compreender as conseqüências
da falta da escrita no âmbito individual, mas sempre fazendo relação com o social. A
presença da escrita ou a falta dela na sociedade são muito importantes, porque atuam como
causa e efeito de transformações necessárias para seu progresso.
Em termos sociais mais amplos, o letramento é apontado como sendo produto do
desenvolvimento do comércio, da diversificação dos meios de produção e da complexidade
crescente da agricultura. Ao mesmo tempo, dentro de uma visão dialética, torna-se uma
causa de transformações históricas profundas, como o aparecimento da máquina a vapor, da
imprensa, do telescópio, e da sociedade industrial como um todo (TFOUNI 1995 p.21-22).
O significado de letramento é muito bem explicado no poema de Kate M. Chong,
uma estudante norte americana que representou sua história pessoal de letramento em
versos bem singulares. Acredito que este poema elimina qualquer duvida que ainda possa
haver sobre o significado do termo em questão. Tal poema encontra-se citado por Magda
Soares (2003).
O QUE É LETRAMENTO?
Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é treinamento
repetitivo de uma habilidade, em um martelo quebrando blocos de gramática.
Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol.
São notícias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV e mesmo nica e Cebolinha
nos jornais de domingo.
86
É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete
de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos.
É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens,
heróis e grandes amigos.
É um Atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, manuais, instruções, guias, e
orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido.
Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de
tudo que você pode ser.
De acordo com a análise de Soares, os primeiros versos conceituam o processo de
alfabetização, e o restante expressa o letramento como um estado, uma condição que está
presente diariamente na vida de cada indivíduo e no acesso que os mesmos têm por
intermédio da diversidade de leitura e escrita existente.
O objetivo de tantos conceitos e teorias é tentar proporcionar ao máximo o
entendimento de pesquisas realizadas para o avanço do conhecimento não apenas no Brasil,
mas no mundo. Assim, Chartier (2002, p.08) nos afirma que: “todas as práticas: sociais,
econômicas e culturais dependem das representações utilizadas pelos homens para
conferirem significado a seu mundo”.
Torna-se necessário pensar a questão do letramento na atual sociedade brasileira, de
criar políticas públicas que permitam o acesso aos variados objetos escritos e ambientes que
proporcionem o desenvolvimento e a continuidade do letramento, para só então a prática da
leitura se tornar um exercício de conhecimento do mundo, de nós mesmos e dos outros.
Kleiman (1989) diz que a aprendizagem do indivíduo tem fundamento na leitura e
que é fundamental ensinar o mesmo a compreender o texto escrito. Mas como nós,
professores, podemos ensinar essa compreensão? O papel do professor é criar
oportunidades para que esse processo cognitivo aconteça.
Para isso, torna-se necessário que o professor desenvolva a metacognição, ou seja,
que ele reflita sobre o próprio saber, para que o mesmo torne-se acessível à mudanças. Mas
a leitura não é apenas um ato cognitivo, mas também social entre dois indivíduos que
interagem: o autor e o leitor. Para se compreender um texto, torna-se necessário utilizar
87
nosso conhecimento prévio, como o lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, para
então construirmos o sentido do texto, por isso, a leitura é um processo interativo.
Para que utilizemos nosso conhecimento prévio é necessário que ele esteja ativado
para fazer as inferências necessárias às relações diversas de textos e ter um todo coerente.
Por isso torna-se importante partir da realidade do indivíduo para construir o processo de
ensino aprendizagem.
Outra questão importante é a da hipótese. As hipóteses do leitor são essenciais para
o processamento e compreensão daquilo que está lendo. O leitor adulto guiado por seu
conhecimento prévio o decodifica, mas adivinha guiado pelas hipóteses de leitura;
diferente da criança, segundo Kleiman, quando ela está sendo alfabetizada, decodifica, algo
diferente da leitura.
Em ntese, a leitura é um ato interativo que exige a participação efetiva do leitor. Para se
estabelecer, com sucesso, a compreensão do texto é preciso duas atividades de natureza
metacognitiva:- o estabelecimento de objetivos, pois a leitura deve surgir de uma necessidade, a
fim de se chegar a um propósito, e a formulação de hipóteses sobre essa segunda atividade.
Vários autores consideram que a leitura é, um jogo de adivinhação, pois o leitor ativo, realmente
engajado no processo, elabora hipóteses e as testa, à medida que vai lendo o texto (KLEIMAN,
1989, p.36).
Concordo que oferecer apenas escola aos indivíduos não é suficiente, como afirma
Toro citado por Wada, pois, jovens e adultos
precisam ter domínio da leitura e da escrita; ter capacidade para fazer cálculos e resolver
problemas; ter capacidade de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações;
compreender e atuar em seu entorno social; receber criticamente os meios de comunicação; ter
capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada e planejar, trabalhar e
decidir em grupo (TORO apud WADA, 2004, p.28).
Para isso, é necessário haver uma educação de qualidade, que proporcione ao
indivíduo autonomia e criticidade, que tenha vez e voz, que seja capaz de “ler nas
entrelinhas” o que lhe é repassado, ou seja, uma educação libertadora como propõe Paulo
Freire.
Universalizar a alfabetização no Brasil ainda hoje constitui um grande desafio.
Freire (1982, p.86), entende a alfabetização não apenas como a aquisição do domínio da
88
leitura e da escrita, mas como a capacidade de usar essas habilidades no desenvolvimento
pessoal e coletivo visando construir uma sociedade cidadã. A aquisição mecânica da escrita
na forma como é aplicada, nas várias campanhas em prol do fim do analfabetismo, não
habilita o indivíduo a ser agente transformador. A criação e consolidação da sociedade,
alicerçada na ética, justiça e solidariedade, exige aprendizado, pressupondo a educação
como um processo amplo, permanente e contínuo. Segundo Sonia Kramer
Escrever significa (re)escrever os textos e a história, inferir no processo, deixar-se marcar
pelos traços do vivido e da escrita, ser leitor de textos escritos e da história pessoal e
coletiva, inscrevendo nela novos sentidos. Práticas de escrita como experiência, constituem
ações em que o vivido vai além do finito, contando-se no texto: quem escreve e quem
enraízam-se numa corrente, constituindo-se com ela, aprendendo com o ato e com a escrita
do outro, formando-se (KRAMER, 2005, p.43).
É necessário que um projeto de alfabetização alcance o pleno desenvolvimento da
pessoa. Essa concepção de educação busca expandir os conhecimentos internalizados
pelos indivíduos, para que essa busca pelo mesmo, não termine a cada aula ou curso, mas
que estimule a continuidade e o desejo de conhecer cada vez mais.
Desta forma, não se deve ensinar apenas conteúdo, mas ensinar também a pensar de
forma crítica, ou seja, a estar sempre em dúvida com as próprias certezas
,
a partir de
observações de tudo o que nos cerca. As perguntas mais que as respostas, apontam
caminhos a seguir, e andar por estes caminhos requer compromisso com a pesquisa.
3.2 O processo de construção do conhecimento para Paulo Freire
Segundo Freire (1987, p.47), “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para sua produção e construção”. Portanto, é fundamental refletir e
incorporar alguns requisitos do ato educativo: respeito à autonomia dos educandos;
consciência de que os mesmos estão em constante processo de transformação; estar
convicto de que mudar é possível; ter humildade, tolerância e lutar em prol dos direitos dos
educadores. Enfim, construir saberes que mude a prática da educação bancária.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que
julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia
89
da opressão a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da
ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre
o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas
posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca (FREIRE, 1987,
p.58).
Ao contrário, Freire (1983) nos afirma que a formação do sujeito humano deveria
ser,
(...) uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a
reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no
novo clima cultural da época de transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão
sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, por isso mesmo, no
desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que decorreria sua
capacidade de opção. Educação que levasse em consideração os vários graus de poder de
captação do homem brasileiro da mais alta importância no sentido de sua humanização
(FREIRE, 1983, p. 59).
Neste processo amplo e desafiador, a
educação problematizadora” ou “educação para
a liberdade”, conforme propõe Paulo Freire ocorre numa relação horizontal, onde educadores e
educandos estabelecem constante diálogo, para que o último tenha consciência de que não
apenas está no mundo, e sim, com o mundo, buscando mudar a realidade. O respeito ao
conhecimento prévio que o educando possui é de grande importância, para que se possa propor,
e nunca impor, o que, e de que forma será desenvolvido o trabalho em sala de aula.
Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e
libertação. A opção, por isso, (terá) de ser também, entre uma “educação” para a
“domesticação”, para a alienação, e uma educação para a liberdade. “Educação para o
homem-objeto ou educação para o homem-sujeito” (FREIRE,1983, p.36).
Nessa perspectiva, uma educação que forma o sujeito humano apresenta-se como
imprescindível. Mas, isso se torna possível apenas se trabalharmos com as bases da
sociedade, a multidão anônima produzida pelo neoliberalismo.
nas bases populares e com elas, poderíamos realizar algo de sério e autêntico para elas.
Daí, jamais admitirmos que a democratização da cultura fosse a sua vulgarização, ou por
outro lado, a doação ao povo, do que formulássemos nós mesmos, em nossa biblioteca e que
a ele entregássemos como prescrições a serem seguidas;...(mas), a serem substituídas pela
participação, uma forma de sabedoria (FREIRE, 1983, p.102).
90
Essa concepção de educação firma-se em sua base epistemológica, que Freire
explicita da seguinte maneira:
Conhecer o é o ato através do qual um sujeito, transformado em objeto, recebe dócil e
passivamente os conteúdos que outro lhe ou lhe impõe. O conhecimento, pelo contrário,
exige uma presença curiosa do sujeito face ao mundo. Requer sua ação transformadora
sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e reinvenção (FREIRE,
1975, p.27).
Portanto, Paulo Freire afirma que o processo de aprendizagem requer a apropriação
do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, reinventá-
lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas.
Pelo contrário, aquele que é “enchido” por outros de conteúdo cuja inteligência não percebe,
de conteúdos que contradizem a própria forma de estar em seu mundo, sem que seja
desafiado, não aprende (FREIRE, 1975, p.27-28).
Precisa-se hoje, retomar o conceito de educar, repensar, redimensionar as suas
características e, conseqüentemente, promover a sua transformação. A educação integrada à
sociedade é capaz de produzir uma imensa modificação na realidade social, através do
desenvolvimento do conhecimento num aprender a viver juntos. Uma educação dialogante
que estabeleça a autêntica comunicação da aprendizagem entre as pessoas. E apenas neste
processo se aprende e constrói conhecimento. Conhecimento que transforma o mundo e que
automaticamente nos transforma, pois, “o ato de conhecer, de aprender, exige do homem
uma postura impaciente, inquieta, indócil. Uma busca que, por ser busca, não pode
conciliar-se com a atitude estática de quem simplesmente se comporta como depositário do
saber.” (Freire, 1975, p.46).
Desta forma, a produção do conhecimento e a aprendizagem só acontecem quando o
ser humano se transforma em “um ser da práxis” (idem, p.39), dando oportunidade para “a
afirmação do homem como sujeito, que pode ser na medida em que engajando-se na
ação transformadora da realidade, opta e decide” (idem, p.42-43).
Na perspectiva freireana, entende-se o conhecimento como construção
interacionista e multidirecional, resultado da relação entre o sujeito e a realidade. Ele não é
estático, nem neutro, mas possui uma função social, e deve contribuir para desvelar a
91
realidade, para compreendê-la de forma mais crítica, capacitando educadores e estudantes a
agir e modificar a realidade vigente, oportunizando o crescimento dos mesmos.
De acordo com Gadotti (2002), cabe à escola na concepção freireana:
[...] tomar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de
contentamento cultural; cabe-lhe selecionar e rever criticamente a informação; formular
hipóteses, ser criativa e inventiva (inovar): ser provocadora de mensagens e não pura
receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimento elaborado. E mais: numa
perspectiva emancipadora da educação, a escola tem que fazer tudo isso em favor dos
excluídos. Não discriminar o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode construir e
reconstruir conhecimentos, saber, que é poder. A tecnologia contribuiu pouco para a
emancipação dos excluídos se não for associada ao exercício da cidadania. A escola deixará
de ser “lecionadora” para ser gestora do conhecimento”. A educação tornou-se estratégica
para o desenvolvimento. Mas para isso não basta modernizá-la. Será preciso transformá-la
profundamente. [...] A escola precisa dar o exemplo, ousar construir o futuro. Inovar é mais
importante do que reproduzir com qualidade o que existe. A matéria prima da escola é sua
visão do futuro (GADOTTI, 2002, p.16).
Com o olhar de Paulo Freire, a educação escolar busca promover a autonomia numa
sociedade diversa e rica de muitas culturas, contribuindo ainda para uma formação
democrática e libertadora.
Paulo Freire elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora e
seu princípio traduz-se numa célebre frase: “A leitura do mundo precede a leitura da
palavra”. Surgiu a partir desta proposta um novo paradigma pedagógico, um novo
entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social.
Prescindindo o uso das cartilhas, desenvolveu um conjunto de procedimentos
pedagógicos que ficou conhecido como método Paulo Freire. Portanto, entendo ser
pertinente discorrer sobre este todo tão importante que tomou grandes proporções no
país.
3.3 O ABC do Método Paulo Freire
Métodos de alfabetização têm material pronto, ou seja, cartazes, cartilhas,
cadernos de exercícios, etc. Paulo Freire pensou num método construído a partir da idéia de
um diálogo entre o educador e o educando, onde exista partes de cada um no outro e
portanto, não poderia dar início ao processo com o educador trazendo tudo pronto, do seu
modo, do seu saber.
92
Um dos pressupostos do método é de que ninguém educa ninguém e ninguém educa
sozinho, a educação deve ser um ato coletivo, solidário, um ato de amor, não pode ser
imposta. Não pode também ser resultado de quem supõe deter todo o conhecimento sobre o
outro que “não possui nenhum”. Paulo Freire diz que “não educadores e nem educandos
puros”. De ambos os lados se ensina e aprende.
O método deve envolver o máximo de pessoas da comunidade onde serão formadas
as turmas de alfabetização. Depois que a comunidade aceitar envolver-se com o trabalho de
alfabetizar, a primeira tarefa é uma pequena pesquisa, realizada coletivamente para a
construção do conhecimento da realidade local.
Esta primeira etapa da construção do método foi denominada por Paulo Freire com
vários nomes: levantamento do universo vocabular, descoberta do universo vocabular,
pesquisa no universo vocabular e investigação do universo temático. Mas, independente do
termo usado, a idéia é a mesma, ou seja, de que um universo de fala da cultura da gente
do lugar, que dever ser investigado, levantado, descoberto.
E como é feita essa primeira descoberta?
(...) Caderno de campo na mão, olhos e ouvidos atentos, se possível (se adequado)
gravador em punho. As pessoas do “programa de educação” misturam-se com as
“da comunidade”. Se for viável, habitam sem molestá-lo o seu cotidiano. Não
questionários nem roteiros predeterminados para a pesquisa. Se houvesse, eles
seriam como uma cartilha. Trariam pronto o ponto de vista, sobre casos
acontecidos, sobre o trabalho, sobre modos de ver e compreender o mundo
(BRANDÃO, 1986, p.25).
Trata-se de uma pesquisa simples que tem como objetivo obter os vocábulos mais
usados pela comunidade a ser alfabetizada.
(...) É tão importante saber como os lavradores do lugar fazem o seu trabalho com a
terra, como saber de que modo as mulheres guardam a sabedoria do cuidado de
seus filhos. O vivido e o pensado que existem vivos na fala de todos, todo ele é
importante: palavras, frases, ditos, provérbios, modos peculiares de dizer, de
versejar ou de cantar o mundo e traduzir a vida (BRANDÃO, 1986, p.26).
A pesquisa deve ser conduzida de modo que reduza a diferença entre o pesquisador
e o pesquisado. O levantamento deve ser dito de forma clara à comunidade.
93
(...) A todo o momento é preciso fugir da imagem da pesquisa tradicional, que se
alimenta justamente da oposição pesquisador/pesquisado. O que se “descobre” com
o levantamento não são homens-objeto, nem é uma “realidade neutra”. São os
pensamentos-linguagens das pessoas. São falas que, ao seu modo, desvelam o
mundo e contêm, para a pesquisa, os temas geradores falados através das palavras
geradoras (BRANDÃO, 1986, p.27).
Após o levantamento das palavras têm-se o repertório dos símbolos através dos
quais os educandos passarão para as etapas seguintes do aprendizado coletivo: a da
realidade social que se vive e a da palavra escrita que a traduz. Tal método aponta regras de
fazer, mas não impõe formas únicas, formas sobre como fazer. É sempre possível criar
sobre os métodos, novos instrumentos e procedimentos de trabalho.
Em síntese:
O objetivo da pesquisa do universo vocabular e temático é surpreender a maneira
como uma realidade social existe na vida e no pensamento, no imaginário dos seus
participantes. A pesquisa deve ser um ato criativo e não um ato de consumo. A
descoberta coletiva da vida através da fala; do mundo através da palavra não deve
servir apenas para que os educadores obtenham um primeiro conjunto de material
de alfabetização: palavras, frases, dados, desenhos, fotos. Deve servir também para
criar um momento comum de descoberta(...) (BRANDÃO, 1986, p.28).
Após o término da pesquisa o que se tem em mãos é o próprio trabalho a ser
desenvolvido. Frases como: “aqui o melhor mês é março”, “a criançada aqui aprende é com
os mais velhos, vendo a gente na roça, na lavoura todo o dia”; ou seja, frases que contam o
cotidiano da comunidade, e dessas frases saem as palavras geradoras.
Quando o solitário criador de uma cartilha de alfabetização escolhe palavras-guia
para o ensino da leitura, ele lança mão de critérios puramente lingüísticos que
submete aos pedagógicos. Pode até ser que use critérios afetivos, mas sempre serão
os seus, pessoais e, para os alunos-alfabetizandos, arbitrários. Por isso, palavras
como: Eva, Ivo, ovo, ave, sapato, são tão universais quando vazias (...)
(BRANDÃO, 1986, p.30).
Neste método, as palavras não são apenas instrumentos de leitura da língua, mas
também de releitura coletiva da realidade social em que vivem, portanto, as palavras
precisam servir às duas leituras.
94
As palavras geradoras devem conter todos os fonemas da língua portuguesa e incluir
dificuldades de pronúncia e escrita, tais como: s, ss, ç, ch, x, lh e outros. Mas devem
também conter sentidos claros e diretos, ou seja, devem ser palavras usadas no dia-a-dia
desta comunidade e apontar para as questões da vida e do trabalho.
Cada palavra tem sua carga de afeto e criticidade, por exemplo, “trabalho”,
“roçado”, “farinha” são palavras cheias de vida de quem vive no campo e dele tira seu
sustento. Portanto, é necessário prestar atenção nas falas das pessoas, pois cada palavra,
está carregada de questões, para temas de debates: temas geradores. Mas, antes de usar as
palavras para alfabetizar, elas são sugeridas para desafiar os indivíduos a pensar sobre.
As palavras geradoras são instrumentos que durante o trabalho de alfabetização,
levam os debates à compreensão de mundo, sendo aprofundadas nos temas geradores, fase
posterior à alfabetização.
O material para o início do trabalho com o Método de Paulo Freire está pronto
quando:
1º) em uma comunidade comprometida com um trabalho de educação popular
existem um ou mais círculos formados ou em formação, com o seu grupo de
educandos e o seu animador (um agente de educação “do programa” ou um
educador já alfabetizado, da própria comunidade”;
2º) foi feito um primeiro momento do trabalho de pesquisa de descoberta do
universo vocabular e/ou do universo temático;
3º) todo o material da pesquisa feita dentro e fora da comunidade (sempre sobre ela
e a partir dela) foi reunido, organizado, discutido, inclusive com a gente do lugar;
4º) o instrumental do trabalho de alfabetização foi codificado,transformado em
símbolos de uso no rculo de cultura: palavras geradoras, cartazes e fichas com as
palavras, desenhos e fonemas, fotos, etc.
5º) a equipe de trabalho e, sobretudo, os animadores de círculos de cultura, estão
não familiarizados com o método e o seu material específico para trabalho no
lugar, com a sua gente, mas também treinados sobre o método a ponto de sabê-lo
usar, ao mesmo tempo, com eficiência autônoma e criatividade (BRANDÃO, 1986
p.41).
Nas primeiras experiências no Brasil e no Chile, não se iniciava o trabalho de
alfabetização com as palavras geradoras, mas, com as fichas de cultura (desenhos feitos
em cartazes ou slides) para iniciar seu aprendizado. Elas tinham o objetivo de provocar os
primeiros debates e trocas de idéias entre o animador e os educandos, ou entre os
educandos.
Como o próprio nome sugere, as fichas de cultura têm o objetivo de introduzir
idéias de base que, partindo de situações reais, possibilitam a compreensão do conceito de
cultura e conduza a outros conceitos que surgirão durante o processo de alfabetização.
95
assim a alfabetização cobra sentido. É a conseqüência de uma reflexão que o
homem começa a fazer sobre sua própria capacidade de refletir. Sobre sua posição
no mundo. Sobre o mundo mesmo. Sobre o seu trabalho. Sobre seu poder de
transformar o mundo (...) (BRANDÃO, 1986, p.49).
O animador deve sempre evitar fazer para ou por. Deve criar situações em que, com
sua ajuda, o grupo pense e reflita coletivamente, portanto ele não guia, mas, orienta. O
grupo deve sentir que é um trabalho de problematização da realidade que envolve a todos.
Um bom exemplo é com a primeira palavra que apareceu no Movimento de
Educação de Base, em Goiás, em 1964. A palavra foi Benedito e aparece assim:
Benedito
O animador caminha com os dedos pelo traçado e pergunta: tão vendo pessoal?
Olha, esse homem que a gente tava falando sobre ele e a vida dele, o nome dele está escrito
aqui. Assim, ó: Benedito. Repetem comigo: Benedito (pede para que repitam várias vezes).
Agora, o monitor coloca diante do círculo outro cartaz com o nome desdobrado em
seus fonemas (pedaços):
Be – ne – di –to
be bi ba bu bo
ne ni na nu no
di de da du do
to te ta tu ti
Então, explica que assim como uma casa tem várias partes: quarto, cozinha, etc, tudo no
mundo tem seus pedaços e uma palavra também tem. E explica que cada pedaço do nome
do Benedito tem a sua família (e também repetem a leitura vári as vezes).
Logo depois, o momento mais criativo do trabalho: a ficha de descoberta:
ba be bi bo bu
na ne ni no nu
da de di do du
ta te ti to tu
96
Agora, ela introduz outro momento, a criação da aprendizagem. A partir dela o
grupo pára de repetir o que e começa a criar com o que repetiu vendo. Primeiro os
fonemas em todas as direções possíveis (horizontal, vertical, diagonal, salteados), e explica
que, da mesma forma como se pega a palavra Benedito e separa em várias partes, pode
reunir de novo os pedaços e formar além de Benedito, outras palavras (pede-se então para
que tentem formar palavras).
Assim, o método foi a matriz construída e testada de um sistema de educação do
homem do povo (e de todas as pessoas, por extensão) que imaginou poder inverter
a direção e as regras da educação tradicional, para que os seus sujeitos, conscientes,
participantes, fossem parte do trabalho de mudarem as suas vidas e a sociedade
que, pelo menos em parte, as determina (...) (BRANDÃO, 1986, p.84).
Ribeiro (1992), leva em conta que o “método Paulo Freire” é um grande referencial
para as práticas de alfabetização de adultos, devendo ser avaliado e esclarecidas suas
limitações. Segundo ela, deve-se considerar as críticas quando é enfatizada a silabação das
palavras geradoras, como é proposto por Freire. Porém, estudos da psicolinguística
declaram a importância que Paulo Freire sempre outorgou à construção do significado
desde o princípio da alfabetização.
Com o golpe militar de 1964, os programas de alfabetização e educação popular que
se haviam multiplicado no período entre 1961 e 1964 foram vistos como uma grave ameaça
à ordem e seus promotores foram duramente reprimidos. O governo permitiu apenas a
realização de programas de alfabetização de adultos assistencialistas e conservadores.
Então, em 1967, o próprio governo lançou o Mobral Movimento Brasileiro de
Alfabetização. Foi uma resposta do regime militar à situação do analfabetismo no Brasil. O
Mobral foi constituído como organização autônoma em relação ao Ministério da Educação,
e pode contar com significativos recursos para o seu desenvolvimento.
Em 1969, lançou-se numa Campanha massiva de alfabetização. Foram instaladas
Comissões Municipais responsáveis pela realização das atividades, mas a orientação, a
supervisão pedagógica e a produção de materiais didáticos eram centralizadas.
O Mobral reproduziu muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios
dos anos 60, mas não possuiu sentido crítico e problematizador. Sua proposta era de
97
alfabetizar a partir de palavras-chave, retiradas “da vida simples do povo”, mas as
mensagens a elas associadas eram sempre de uma sociedade moderna e praticamente sem
problemas.
Durante a década de 70, o Mobral expandiu-se por todo o país, diversificando sua
atuação. Concomitantemente
,
diversos grupos aliados à educação popular continuaram a
realizar experiências de alfabetização de adultos com propostas mais críticas,
desenvolvendo a proposta de Paulo Freire. Essas experiências aconteciam junto à
movimentos populares que se organizavam em oposição à ditadura, comunidades
religiosas, associações de moradores e sindicatos de oposição. Paulo Freire, que fora
exilado, seguia trabalhando com educação de adultos no Chile e posteriormente em países
africanos.
Após perder o crédito nos meios políticos e educacionais, o Mobral foi extinto em
1985. Ocupou seu lugar a Fundação Educar, que abrindo mão de executar diretamente os
programas passou a apoiar técnica e financeiramente as iniciativas de governos, entidades
civis e empresas que a ela possuíam convênios.
A educação é um dever do Estado e da família, no entanto, os sistemas educacionais
têm tentado melhorar a qualidade do ensino, sem grandes avanços. Afinal o que impede que
esta tão sonhada qualidade aconteça? O que está faltando? Por que apesar de tantas teorias,
na prática ainda constatamos resultados negativos e alarmantes?
Wada (2004) nos elenca alguns fatores: Condição sócio-econômica das crianças e
suas famílias; espaços físicos e materiais; baixo nível de formação acadêmica dos
professores e profissionais da educação; políticas educacionais.
A proposta de Andrade (2004) para um professor reflexivo parte de uma prática em
que o mesmo tenha condições de buscar a teoria, levando em conta seu letramento e
proporcionando acesso aos meios de publicação, como: bibliotecas, livrarias, internet entre
outros. Em síntese, indivíduos, professores e pesquisadores devem estar em constante
processo de formação e segundo Silva:
(...) A leitura não se configura como um processo passivo, longe disso, por exigir descoberta e
re-criação, a leitura coloca-se como produção e sempre supõe trabalho do sujeito leitor (...) O
leitor, além de partilhar e re-criar referenciais de mundo, transforma-se num produtor de
acontecimentos, em função do aguçamento da compreensão e de sua consciência crítica. Nesse
sentido, ler é um modo o de conhecer, mas também de praticar a cultura (SILVA apud
SUASSUNA, 1998, p.42).
98
No capítulo a seguir relato a parte prática desta pesquisa em que foi possível
analisar o pensar e o fazer pedagógico das professoras e alunos a partir dos referenciais
teóricos até agora explanados.
99
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DO PENSAR E DO FAZER PEDAGÓGICO DAS
ALFABETIZADORAS E ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
O objetivo deste capítulo é apresentar a análise das informações contidas nos
instrumentos utilizados na pesquisa, tais como: o diário de campo em que foram registrados
as observações feitas em sala de aula e entrevistas gravadas com questões semi-estruturadas
com as professoras e alunos.
Para melhor compreensão dos dados obtidos na pesquisa, os mesmos foram
organizados em três categorias: o cotidiano escolar; o pensar e o fazer das alfabetizadoras;
o pensar e o fazer dos alunos. Tais categorias foram compostas por subcategorias que
deixam evidente o que pensam e fazem as alfabetizadoras e alunos a partir desta temática.
Como mencionado anteriormente, essas categorias surgiram dos questionários de entrevista
feita aos pesquisados.
A discussão a ser feita a partir daqui é baseada nas concepções de alfabetização,
leitura e letramento apresentadas no segundo capítulo e baseada no pensar e o fazer das
alfabetizadoras e alunos da Educação de Jovens e Adultos em questão.
O caminho para se chegar a tal concepção e às práticas que dela decorre, é intrincado e
árduo. Intrincado, porque implica numa visão de homem e de sociedade e numa
conseqüente opção teórica sobre a natureza da linguagem e sua aquisição. Árduo, porque
significa fazer frente às concepções ingênuas que pari passu com aquela concepção
subsistem e resistem. Práticas que tolhem, alienam e massificam os indivíduos (BRAGGIO,
1992, p.01).
Portanto, a coleta de dados com as professoras e alunos foi feita por meio de
entrevistas e como outros instrumentos de coleta de dados, esta não é neutra. Ela se apóia
na necessidade decorrida da problemática do estudo, pois a mesma nos leva a fazer
interrogações sobre o social e a buscar estratégias adequadas para respondê-las.
Optei para análise dos dados a construção de um conjunto de categorias descritivas,
e para formulá-las, foi preciso ler e reler o material até chegar a uma espécie de
100
internalização dos conteúdos. Torna-se necessário que a análise não se limite ao que está
claramente posto no material, mas procure ir além, revelando mensagens implícitas,
contraditórias e silenciadas. A maior dificuldade encontrada por mim nas análises foi o que
disse Fazenda (1991, p.13), “... a dificuldade para escrever, pois a expressão escrita
requer, antes de mais nada, uma apropriação do objeto da escrita.” Assim, busquei
transpor esta dificuldade resultando nas considerações feitas, a seguir.
4.1 O COTIDIANO ESCOLAR
4.1.1 O primeiro momento
A observação é a primeira forma de aproximação do
indivíduo com o mundo em que vive. Dessa atividade
primitiva decorrem aprendizados que são fundamentais
para a sobrevivência humana. Pelo olhar entramos no
mundo, começamos a nos comunicar com ele e
iniciarmos o conhecimento a respeito dos seres que nele
habitam (ZAGO; CARVALHO; VILELA, 2003, p.184).
Como afirma Zago, Carvalho e Vilela (2003), a observação é como um mergulho na
vida de um grupo objetivando desvendar as redes de significados, produzidos e
comunicados nas relações interpessoais. Há segredos do grupo, fórmulas, padrões de
condutas, silêncios e códigos que podem ser desvelados.
Portanto, quando o observador chega ao campo é sempre considerado como
estranho e a forma como ocorrerão as primeiras aproximações será fundamental para a
imagem que os sujeitos irão fazer dele. É imprescindível levar em conta também a tensão
gerada nos primeiros momentos entre observador e observado, os indivíduos tendem a
mostrar um comportamento ou um discurso para agradar a expectativa do observador. Por
isso, é necessário cuidado para não se deixar levar pelas primeiras impressões.
Meu primeiro dia na escola estadual em questão foi de muita ansiedade, pois não
sabia como seria recebida pela professora e alunos. A noite começou com uma reunião na
101
sala de professores para discussão de reposição de aula, pois a escola ficou quinze dias a
mais de férias para reforma.
Ainda na sala de professores, perguntei a professora KCSM em que ano e qual a
faculdade ela estava estudando, visto que, quando fui pela primeira vez à escola ela havia
dito que estava fazendo Pedagogia. Ela ficou toda sem jeito e disse que já fazia dias que ela
não ia. Insisti na pergunta e então ela disse que não estava mais fazendo o curso fazia uns
dois anos, porque não teve como continuar pagando. Mas que ela amava dar aula e gostaria
muito de continuar na profissão.
A professora KCSM acredita que a escola aceitou-a porque não conseguiu outro
professor. Segundo ela, ninguém quer vir ao bairro no período noturno para lecionar. Mas
ela também está nesta escola porque possui o magistério.
Então fomos para a sala de aula. Ao chegar à sala a professora me apresentou a
turma e então disse por que estava ali. Percebi que eles não entenderam muito bem, mas
concordaram em colaborar no que fosse necessário. Fui sentar no fundo da sala e comecei o
trabalho de observação.
4.1.2 As aulas observadas
As aulas observadas foram momentos de investigação menos normatizados e mais
flexíveis, oportunizando análise mais profunda das práticas dos pesquisados, como vemos
abaixo.
Observação do dia 20 de agosto de 2007 – 1ª aula
Os alunos começam conversando sobre assuntos do dia: reclamam, falam
do trabalho, que estão cansados, o marido de uma aluna faltou hoje para
assistir novela, etc. A professora ouve tudo com atenção e dá sua opinião.
A aula de hoje é revisão, porque ficaram vários dias sem aula. Ela já
começa dando o primeiro exercício: Complete o quadro com o alfabeto com
letra maiúscula na esquerda e na direita com letra minúscula. Ela explica como
se faz, mas alguns têm dificuldade para escrever, então ela pega o lápis da mão
de alguns e faz para eles.
Enquanto ela aguarda o restante da turma terminar, ela entrega o boletim
com as notas. Agora os alunos deixam de fazer a atividade para discutirem
sobre as notas.
102
Muitos têm dificuldade para lembrar as letras do alfabeto, principalmente
quando é maiúscula ou minúscula. Então a professora vai para o quadro e
responde o exercício, ela diz: “agora vamos ler”, e todos lêem: “a,b,c,d,e,f...”.
Ela diz: “Olha só, vocês estão lendo bem, mas têm dificuldade para escrever”.
Hoje uma aluna que perdeu seu bebê com 6 meses de gestação estava triste
e outra que está de quatro meses foi aconselhada pela professora a deixar de
fumar e ir ao médico. A professora disse que o bebê estava sendo sufocado pela
fumaça do cigarro e ela sorrindo disse que não estava nada: “Se eu não fico ele
também não fica”.
O segundo exercício é posto no quadro: Escreva palavras começadas com
as vogais: a,e,i,o,u. A professora KCSM explica e comenta que talvez mudar
para uma fazenda daqui uns vinte dias. Alguns dizem que se ela for, desistem da
escola.
Ela me confessa em particular que não gostaria de deixar a turma faltando
apenas quatro meses para terminar o ano, mas pressionada pelo marido, estava
tentando convencê-lo a deixá-la ficar durante a semana e nos finais de semana
ela iria para a fazenda, visto que é perto da escola. Ela diz estar preocupada,
porque a turma não aceita outra professora. Ela disse que tentaram colocar
outra professora, formada em pedagogia, mas que esta professora só sabia
brincar com eles, não dava aula de verdade”, então a turma disse que não
estava vindo na escola para brincar, mas para aprender a ler e a professora
KCSM voltou.
no primeiro dia ouvi a professora dizer: i de igreja, a de abelha, e de
escola, u de uva. Uma aluna lembra da música da Xuxa que fala do alfabeto e
começa cantar. Ela vai ditando as palavras: escada, abacaxi... É g de gato
(uma bolinha e puxa para baixo), em alguns momentos ela pega o pis da mão
de alguns alunos e faz para eles. Depois de dar um tempo, vai ao quadro e
responde.
A terceira atividade é passada no quadro: Escreva duas palavras com: uma
sílaba, duas sílabas, três labas. “escrevam deste jeito, para deixar espaço na
frente para responder”. Ela um exemplo de cada no quadro e aguarda que
os alunos façam. Os alunos vão fazendo e levando para ela corrigir.
Eles utilizam o caderno de caligrafia diariamente e quando pergunto a
professora se eles tem algum livro didático, ela diz que não e que seria ótimo se
tivessem, e diz: “Aqui tem um livro mais é de interpretação. Como eles vão
interpretar se ainda não sabem ler?”.
Percebe-se que as atividades desenvolvidas, propiciam aos alunos uma construção
pouco significativa do conhecimento. Eles até que se esforçam para aprender, mas acabam
dispersos por esta prática desenvolvida pela professora KCSM.
Durante quase toda aula os alunos conversam sobre vários assuntos do cotidiano:
sobre o trabalho, a família, entre outros. Sendo assim, a professora deixa passar a
oportunidade de alfabetizar partindo do contexto de vida e realidade dos próprios
103
indivíduos, como nos sugere Paulo Freire, para então, alfabetizar com i de igreja, a de
abelha, e de escola, u de uva.
O que também chamou minha atenção foi o fato da professora dizer que os alunos
não m condições de interpretar um texto porque ainda não sabem ler. Isso evidencia que,
ler para a professora é apenas decodificar as palavras, demonstrando pouco conhecimento
teórico que lhe permita saber que o indivíduo traz consigo uma bagagem de mundo que lhe
propicia interpretar e opinar sobre muitos assuntos mesmo não sabendo ler.
Observação do dia 27 de agosto de 2007 – 4ª aula
A atividade de hoje começa com um texto (segundo ela) para exercitar a
escrita: O trem de ferro.
“O trem de ferro quando sai de Pernambuco vai fazendo xique, xique até
chegar no Ceará. Rebola pai, Rebola mãe, Rebola filho, eu também sou da
família também quero rebolar”.
Após dar um tempo para copiarem o texto, ela vai até o quadro e pede para
que leiam juntamente com ela em voz alta. Então, passa a atividade: “Circule
as palavras começadas com f.” Depois passa outras atividades como: “circule
o nome do desenho” e risque a palavra que não pertence ao conjunto”. Todas
as atividades não têm nenhuma relação com o texto proposto. A professora
pede para que primeiro todos copiem para depois fazerem juntos. Enquanto
copiam, eles comentam sobre quem irá substituir a professora KCSM. Eles
dizem que não querem a professora que antecedeu a KCSM, porque ela fazia
muita brincadeira e que se fosse ela, muitos iriam desistir. A professora disse
que eles tinham o direito de reivindicar uma professora que “desse aula de
verdade”, afinal, eles esperaram tanto para estudar, não podiam perder
tempo.
Enquanto estávamos saindo para ir embora, a professora comenta comigo
que tem uma aluna que não consegue se desenvolver (não aprende), que ia
trabalhar de forma diferenciada com ela, mas a coordenadora não permitiu
dizendo que a aluna iria se sentir excluída por estar aprendendo de outra
forma. Eu disse a ela que ninguém aprende igual a ninguém, porque somos
diferentes e que ela deveria sim, trabalhar de forma diferenciada com esta
aluna. Mas ela me respondeu que não podia porque não tinha autorização da
coordenadora.
O trecho citado acima demonstra falha de seqüência didática em relação às
atividades propostas e desenvolvidas em sala, e isso implica planejamento. Como diz
Calhau citada em Salto para o Futuro (1999, p. 53): No caso da educação de jovens e
104
adultos, o planejamento precisa levar em conta as exigências do contexto social no qual
estão inseridos, as características de cada grupo, suas aspirações, projetos e
necessidades”. A professora objetivando desenvolver a prática da leitura e escrita usa um
“texto” solto, sem coesão e coerência e, seguidamente, propõe atividades que não se
relacionam com o texto.
Garcia (1993, p.66) afirma que, a escrita não é um processo mecânico”. Ela ganha
significado quando as palavras são desenvolvidas a partir de textos significativos, o seu
sentido é dialético, pois estabelece ligações entre o pensar e fazer. A aquisição e o domínio
das práticas de leitura e escrita devem ser realizadas de forma potencial, interativa,
dinâmica e cooperativa.
Também é relevante destacar a fala da professora KCSM, quando estimula os
alunos a reivindicarem “aula de verdade”, pois não tinham tempo a perder. Aqui ela se
refere a sua antecessora, que segundo os alunos, gostava de dar aula brincando. O que
pude inferir neste relato é que a professora anterior buscava desenvolver sua prática de
forma diferenciada para que pudesse facilitar o processo de ensino-aprendizagem, mas não
obteve sucesso, tanto que deixou a turma. Para os alunos, a única forma de “aprender de
verdade” é usando o método silábico, destituído de significado, desconsiderando a eficácia
de outros meios de ensino.
Esta turma possui uma aluna que tem grandes dificuldades de aprendizagem por
questões neurológicas e quando perguntei a professora se ela não desenvolvia algum
trabalho diferenciado com ela, fui surpreendida com sua resposta de que a coordenadora
não permitia porque a aluna poderia se sentir excluída por estar sendo ensinada de forma
diferente dos demais alunos.
Percebe-se o a fragilidade no conhecimento teórico e prático da professora e da
coordenadora pedagógica, para saber que a aprendizagem não se constitui assim, ambas
acreditam que a aprendizagem ocorre da mesma forma para todos. Esse dado nos faz
refletir como ocorreu a formação dessas profissionais e como tem sido a formação
continuada das mesmas.
É significativo o número de estudos sobre educação de adultos que buscam na
psicologia seus referenciais, com o intuito de determinar as especificidades cognitivas do
105
educando adulto. Analisar abordagens sobre a cognição do adulto analfabeto ou pouco
escolarizado é importante para a reflexão sobre a metodologia da educação de adultos.
A aquisição do conhecimento ocorre na interação do sujeito com o objeto de
conhecimento e, na alfabetização de adultos, o indivíduo já possui certa compreensão do
código escrito antes mesmo de entrar na escola, ou seja, possui algumas concepções sobre a
escrita, portanto ninguém aprende da mesma forma.
A seguir, apresento uma seqüência de atividades apresentadas pela professora:
Observação do dia 28 de agosto de 2007 – 5ª aula
Como disse a professora, hoje a nossa aula começa com uma “copiazinha”:
Cachorrinha.
“Mas que amor de cachorrinha! Pode haver coisa no mundo mais branca, mais
bonitinha. Pode haver coisa no mundo mais travessa, mais tontinha quando vem
fazer festinha, remexendo a traseirinha.”
Observação do dia 29 de agosto de 2007 – 6ª aula
A cópia desta noite chama-se: Os nomes verdadeiros.
“Lalá olhava para as nuvens do céu. Nas nuvens ela descobria: carneirinhos,
fadas e bruxas. De repente, que surpresa! Ela descobriu, desenhada no céu a
letrinha do seu nome. Era a letra a, porque Lalá chama-se Ana. Lalá é
apelido.”
Observação do dia 30 de agosto de 2007 – 7º aula
Novamente a aula de hoje começa com uma “copiazinha” (fala da
professora).
A bailarina
“A menina tão pequenina quer ser bailarina. Não conhece nem nem ré, mas
sabe ficar na ponta do pé. o conhece nem mi nem fá. Não conhece nem
nem si, mas fecha os olhos e sorri. Roda, roda, roda com os bracinhos no ar e
não fica tonta nem sai do lugar.”
106
Como sempre, enquanto os alunos copiam, ela corrige os cadernos de
caligrafia e passa mais. Após dar um tempo para copiarem, ela primeiro
sozinha, depois com todos. Ela diz: “Agora vamos fazer tarefinha?”.
Observação do dia 04 de setembro de 2007 – 9ª aula
Na aula de hoje ela passa um texto: O trânsito
“Bi-bi, faz um carro, fom- fom- fom, faz o outro.
Vão tão apressados...
Que coisa de louco!
Têm olhos, têm boca, têm pés e têm dente...
Embora sem roupa, têm cara de gente. Correndo ou brecando, chegando ou
partindo, lá vão tantos carros o caminho seguindo.”
Observação do dia 11 de setembro de 2007 – 14ª aula
estou vários dias em observação e a cada dia a professora inicia a
aula com o termo “copiazinha”.
A aula de hoje começa com uma “copiazinha” (palavras da professora).
“O vaga-lume contente repetia a toda gente que da estrela era parente. Mas
quando soube daquilo, estrelinha deu o estralo: - Não sou parente de grilo!”
Observação do dia 12 de setembro de 2007 – 15ª aula
“Copiazinha”:
“Sentado em seu trono o rei Penico nono todo dia um novo decreto cria. Ontem
mesmo proibiu qualquer um de fazer “pum” e o povo obediente agora faz
“pom, pom, pente”. O decreto de hoje é ainda mais severo ninguém pode fazer
cocô nos penicos do castelo.”
Após ler o texto, os alunos acham engraçado. A professora senta para fazer o
mesmo ritual de todas as noites com os cadernos de caligrafia.
Observação do dia 13 de setembro de 2007 – 16ª aula
Hoje a aula começa com uma “copiazinha pequeninha”. O caracol viajante.
107
“Rodolfo anda devagar. Ele não tem pressa de chegar. Rodolfo leva a casa nas
costas. A barriga vai no chão. A cabeça vai no ar. Rodolfo vive sempre
satisfeito. Ele não tem aluguel para pagar.”
Ao citar vários trechos semelhantes das aulas, quis atentar para as características de
sua prática, ma qual o ensino está centrado em textos cartilhescos, o que torna a
aprendizagem monótona e repetitiva. Os termos usados em sala para se referir ao ensino da
leitura e da escrita são usados no diminutivo: “copiazinha”; “tarefinha”; ela dizia aos
alunos: “vamos voltar a ser crianças”, infantilizando o ensino e a aprendizagem. Vários
foram os momentos em que ela utilizou tais termos, mas imagino que os citados são
suficientes para as análises feitas.
Na seqüência de cada “texto” utilizado pela professora, ela desenvolvia atividades
que não faziam quase nenhuma referência a ele; tais “textos” tinham o objetivo de
exercitar a codificação e decodificação das palavras.
Torna-se necessário reforçar o que disse em outro momento desta pesquisa, que
para iniciar um trabalho significativo com a língua, a escola deve levar em conta as
aprendizagens sobre a escrita que os alunos possuem ou que, percebem no “ambiente
letrado” em que vivem. Portanto, é necessária a ação consciente e competente do educador,
que, juntamente com os alunos, deve descobrir o que cada um sabe sobre a escrita e de que
forma ela se mostra. Para que isso ocorra, é preciso conhecer as etapas que os indivíduos
passam para aprender a escrever e que os professores busquem meios de encorajar seus
alunos a manifestar a escrita espontânea.
Por motivos pessoais a professora KCSM deixou a turma e quem assumiu a sala nos
dois últimos meses de aula foi sua mãe, a professora MLCS. Ela é Pedagoga aposentada
quatro anos e no início não queria assumir a sala, mas por insistência da filha e por ser
apenas dois meses, ela aceitou. Doravante passei a observar as aulas da professora MLCS.
Observação do dia 02 de outubro de 2007 – 23ª aula
Percebe-se que ela ainda está um pouco desconfortável, temerosa, afinal ela
“pegou” uma turma já no final do ano, acostumada ao ritmo da professora
KCSM. Parece-me que ela está tentando seguir o estilo (método) de aula de sua
filha. Acredito que é para eles não sentirem tanta diferença. A professora
108
com eles em voz alta, explicando como se aprende a ler, ou seja, juntando
sílaba com sílaba. Ela pediu a um aluno para ler um texto da Cartilha Eu gosto
de Comunicação: Língua Portuguesa. Célia Passos e Zeneide Silva. Editora
Nacional. série, ano 1997. Mas ele ficou mido e com vergonha, então ela
disse, “Deixa para lá! Vamos fazer uma atividade mais fácil, quem sabe ao
final do ano vocês conseguem”.
Ela segue o mesmo ritual de KCSM no corrigir os cadernos de caligrafia...
Os alunos se dispersam muito, saem da sala. Ela deixa muito tempo vago. Ela
separa a sala por fileiras e pede para que leiam um de cada vez.
Desde o período em que esteve na sala, a professora KCSM e agora a professora
MLCS, percebe-se a falta de planejamento mais delineado e seqüencial das aulas. Os
alunos estavam em processo de construção, e assim, passaram apenas a reproduzir o que
elas produziram (ou também reproduziram). A estratégia adotada por ambas, aposta na
habilidade de copiar e decifrar, a leitura do B/A = BA, se resume à mera soletração e à
escrita, que sob o controle da convenção ortográfica se reduz à cópia.
Observação do dia 03 de outubro de 2007 – 24º aula
A aula de hoje é para praticar a leitura e a professora MLCS separou a
atividade para os que estão sabendo ler e os que ainda tem muita dificuldade.
Ela pede para que ninguém ensine um ao outro, para ela saber em que níveis
estão. A professora faz exatamente esta divisão no quadro e repete quem deve
copiar o que está de um lado e quem deve copiar o que está do outro lado.
Para os mais adiantados: dinheiro, galinheiro, pinheiro, cozinha, vizinho,
sobrinho.
Para os mais atrasados: bolo, gato, sapato, rato, sala, salada.
Uma aluna do fundo da sala exclama: “Professora, você não colocou a data
de hoje no quadro!” Ela disse isso porque a outra professora fazia este ritual
diariamente. Então a professora MLCS também fez a mesma coisa para
satisfazer ao costume anterior, perdendo uma ótima oportunidade de trabalhar
a individualidade de cada pessoa, que ninguém faz nada igual. Ela vai aos
alunos individualmente para “tomar a leitura das palavras”, eles resistem, pois
se sentem inseguros para ler, todos conseguem escrever do quadro, mas na
hora da leitura têm muita dificuldade. Ela também usa o termo “tarefinha”.
Hoje eles vão fazer uma pequena avaliação para ter a nota do bimestre. Ela
pede para eles não se preocuparem, pois eles são avaliados diariamente.
109
A avaliação se resume nas seguintes atividades:
1)Preencha os espaços com as letras iniciais minúsculas do quadro:
c
d
l
a
v
e
__idade, __vião, __aca, __lefante, __edão, __ua.
2) Escreva antes das palavras: o ou a
__mesa __casa __vaca
__apito __vassoura __sol
3) Separe e dê o número de sílabas, como no exemplo:
Sapo = sa - po – duas sílabas
Cidade = trabalho = telefone = bolo =
Muitos ainda conseguem fazer com dificuldades, sendo necessária ajuda da
professora.
O que a professora chama de “praticar a leitura”, nada mais é que, decodificar
palavras desconectas de qualquer contexto. São palavras aleatórias que o tem poder para
diferenciar o aprendizado dos mais adiantados” em detrimento dos mais “atrasados”. A
leitura nesta turma, tem o objetivo de reconhecimento das palavras e não o
desenvolvimento de um processo ativo. Desta forma, os alunos não conseguem
compreender o que leram, dificultando a compreensão das atividades propostas.
O grande desafio do ensino da leitura e escrita para jovens e adultos, assim com as
demais disciplinas do currículo escolar, é o de formar pessoas capazes de participar da vida
social, de compreender as mensagens dos meios de comunicação e as ideologias da vida
política, indivíduos autônomos no próprio estudo e também na própria vida.
Notei que a professora MLCS deu sequência à prática anterior da professora KCSM.
Até mesmo a escrita do cabeçalho no quadro foi igual, termos também como “tarefinha”,
sempre tem sido utilizado por ela.
no processo de avaliação, no momento de constituir uma nota (0 a 10) a
professora MLCS assim com a professora KCSM, tiveram a preocupação de levar em conta
e avaliar todo o processo de aprendizagem dos alunos. Mas, elas faziam algumas avaliações
escritas, pois a coordenação exigia essa prática.
110
Sobre a avaliação, Calhau citado (1999, p.59), nos diz que na educação de jovens e
adultos é fundamental envolver os educandos na avaliação como um processo educativo,
pois implica tomar consciência sobre o que sabem e o que precisam e desejam aprender.
Significa trabalhar a favor de sua autonomia, no desenvolvimento de seu pensamento
crítico e na possibilidade de (re)construção de uma prática pedagógica que esteja a
serviço de uma melhor qualidade de vida em sociedade.” No entanto, não percebi o
envolvimento dos alunos nesse processo avaliativo.
Observação do dia 08 de outubro de 2007 – 26º aula
Hoje a professora começa a aula “tomando a leitura” dos alunos no
quadro.
Leitura e escrita:
Sapo – sola – sorvete - sino – passar – missa - osso – assobio – casa camisa –
tesoura – besouro – solar – verso – cansado – urso – cestinha – mosca – fósforo
- espelho.
Após a leitura feita no quadro em voz alta por todos, a professora inicia as
atividades da noite:
1) Adivinhe quem sou eu: Começo com a letra R, tenho 7 letras e 12 números.
Quem me possui, jamais perde a hora. ________
2) O que está no começo da rua, no meio da cara e no fim do mar? ________
Apenas dois alunos descobriram a 2º charada. Após deixá-los pensando
bastante a professora diz a resposta... Em seguida ela passa conteúdo de
matemática, apenas “continhas” de adição e subtração.
A professora interage com os alunos, pedindo para eles responderem no
quadro... Eles temem a princípio, mas gostam da idéia. Dizem que não sabem,
não dão conta e ficam surpresos ao verem que conseguem. Um aluno não foi
até o quadro.
A NSO, aluna que a professora sempre disse que tem dificuldades de
aprendizagem foi até o quadro e conseguiu fazer uma conta de subtração.
Todos ficaram admirados: a professora, os colegas e até ela mesma não
acreditava, dizendo que estava errado, mas a verdade é que ela havia acertado.
A professora incentiva-os dizendo que “Aqui não tem mais ninguém
analfabeto”, pois já sabem escrever o nome.
111
As aulas de leitura continuam como sempre, por meio de textos e palavras sem
contexto significativo, com repetições de palavras infantilizadas pelo emprego de
diminutivos.
A professora MLCS tenta inovar um pouco com dois exercícios de charada, mas
não obtém grandes resultados, os alunos encontram muita dificuldade para adivinhar a
charada, prova disso é que apenas dois alunos conseguiram entender e respondê-la.
Segundo Haddad citado por MOURA (1999, p.27), “a visão que se tem do alfabetizando
(...) é sempre de quem possui um vazio a ser preenchido por um saber do qual não tem o
domínio e que o levaria à sua auto-promoção. A ignorância seria vencida pelo esforço
próprio e a escola, o instrumento de sua realização.” Por isso, a dificuldade dos alunos em
desenvolver o raciocínio lógico, para entre outras coisas, conseguir “matar a charada”
proposta pela professora.
Outra situação que mereceu destaque, neste dia, foi o momento em que os alunos, a
pedido da professora, vão até o quadro para tentar responder as “continhas” propostas por
ela e qual foi a surpresa quando muitos conseguiram responder. A surpresa maior foi
quando a aluna NSO conseguiu responder a uma das “continhas”, a sala toda ficou agitada,
inclusive a professora, pois ninguém acreditava que ela fosse capaz de desenvolver uma
operação matemática.
Podemos notar nesta situação que a professora pouco acreditava na capacidade da
aluna, dentre outras coisas, de efetuar uma simples “continha” de adição. Tal rótulo gerou
uma grande dificuldade de aprendizado na mesma e, durante a realização de algumas
atividades, ela própria se excluía do restante da turma.
De forma geral, os alunos não são instigados a desenvolver suas capacidades
cognitivas. O professor atento para esse fato buscará sempre mover o aluno provocando
essa sensação de falta, por exemplo, por meio de proposições de problemas que toquem
realmente o aluno, ou seja, problemas ligados a sua vivência.
Outro momento que merece atenção é quando a professora diz que “aqui não tem
mais ninguém analfabeto, porque sabe escrever o nome”. Esta fala da professora MLCS
confirma a concepção de alfabetização vigente durante muito tempo em nosso país. Foi
considerado que uma pessoa estava alfabetizada quando sabia ler e escrever em nível muito
rudimentar, como, por exemplo, escrever o próprio nome. Foi a partir desta concepção que
112
muitas campanhas de alfabetização de jovens e adultos foram orientadas e com resultados
negativos.
Observação do dia 16 de outubro de 2007 – 28ª aula
Hoje a professora começa a aula entregando as avaliações feitas semana
passada, os conceitos da prova vão de bom a ótimo e não tem números
(quantidade). Segundo a professora, a maioria foi muito bem, até parece
contradição, visto que, eles tiveram muita dificuldade. Hoje eles farão uma
revisão de alguns conteúdos de português, valendo como avaliação. Ela entrega
uma folha a cada um para eles entregarem no final da aula (da avaliação).
Atividades
1) Separe as sílabas:
Roxo = ---- ---- peixe = ---- ----
Abacaxi = ---- ---- ---- ---- amizade = ---- ---- ---- ----
Azedo = ---- ---- ----
2) Coloque o número de sílabas das palavras:
Gostosa ---- Dudu ---- batizado ---- buzina ----
3) Ligue as palavras iguais:
Azeitona beleza
Buzina irmão
Professor mamãe
Mamãe professor
Irmão buzina
Beleza azeitona
Perguntei a professora se as atividades que ela tem passado são dos livros
didáticos e ela responde que sim. Apenas as revisões, ela resgata dos cadernos
da professora KCSM, professora anterior. O aluno CLS traz cópia de uma
cartilha bem antiga, do a-z, na qual tem “x de xale, d de dado”, etc. A
professora olha e diz: “Nossa! Essa sim que é boa para eles, vou pegar
emprestado para tirar cópia e passar para eles”.
113
Nota-se que o processo de avaliação é feito com as atividades detalhadas acima, e
que as mesmas continuam não surtindo o efeito esperado. Quando a professora que o
aluno CLS, tem nas mãos uma cartilha tão antiga, que nem capa tem mais, interessa-se por
ela, confesso que fico um pouco espantada, visto que ela é uma pedagoga formada e que
tem (ou deveria ter) conhecimento para compreender que aquela cartilha não desenvolveria
uma alfabetização significativa, tampouco o letramento.
Observação do dia 22 de outubro de 2007 – 31ª aula
Eles gostam muito de ajudar-se mutuamente. A professora tenta ajudar a
NLO que tem dificuldades de aprendizagem, ela diz que NLO tem problemas
mentais, mas ninguém até então desenvolveu nenhum trabalho diferenciado
com ela, e nenhum diagnóstico foi feito para descobrir seu verdadeiro
problema. Ela vai a escola simplesmente para ocupar seu tempo.
A professora tira uma cartilha velha da bolsa, caindo aos pedaços, para retirar
um pequeno texto para eles. O texto traz rimas e chama-se “Quadrinhas”.
“Você diz que sabe muito, borboleta sabe mais: anda de perna pra cima, coisa
que vonão faz. Eu te vi e tu me viste, tu me amaste e eu te amei, qual de nós
amou primeiro nem tu sabes, nem eu sei. Quem me dera ter agora um cavalinho
de vento para dar um galopinho aonde está meu pensamento.”
Gostaria de abrir um parêntese na observação feita neste dia. Não é intenção deste
trabalho tratar da Educação Especial, assunto este de vital importância no cenário
educacional, mas tornam-se necessárias algumas considerações. Chamou atenção a situação
da aluna NLO. Ela estuda alguns anos nesta escola, e até hoje ninguém sabe seu real
problema, a única coisa que os alunos e a professora falam é que ela tem dificuldade de
aprendizado por que tem problemas mentais.
Concordo que ela tenha dificuldades de aprendizagem, mas seria capaz de
desenvolver suas habilidades se fosse feito um trabalho e acompanhamento diferenciado e
específico com ela, partindo de um diagnóstico realizado por profissionais da área, para
conhecer suas reais necessidades e possibilidades.
114
As mensagens que mais têm sido proclamadas o: “educação para todos”, “todos
na escola”, “escola para todos”, mas, ao meu ver, isso tem sido entendido apenas como
promoção social. Falar sobre a educação especial é muito difícil. Mas, mais difícil, são as
contradições com as quais convivem os educadores nos cenários éticos, políticos,
econômicos e sociais, pois refletir sobre as tendências atuais da educação especial, implica
em construir tais cenários.
Nas novas tendências da educação, entende-se que educação para todos é, também,
a educação para cada um, isto é, para as diferenças individuais, levando-as em consideração
para a aprendizagem. Independente das necessidades e das diferenças individuais, cabe à
escola examinar as barreiras de aprendizagem e eliminá-las, auxiliando a aprendizagem do
educando.
Sem dúvida, para que o paradigma da inclusão seja bem sucedido, deve-se construir
um sistema educacional diferente do existente atualmente. A inclusão prevê uma escola
aberta à diversidade, independente de suas características pessoais. Esperam-se
providências estaduais, municipais e do Distrito Federal para apoiar as escolas,
minimizando as práticas de exclusão existentes.
Para que o sistema educativo se reformule, é necessário mudar a atitude dos
educadores frente às diferenças dos alunos. É fundamental na formação inicial ou
continuada, oferecer aos educadores os conhecimentos práticos necessários e um sistema de
apoio, que lhes permitam atender ás necessidades básicas de aprendizagem de qualquer
educando.
O ensino regular e a educação especial devem se unir para satisfazer as necessidades
de todos os educandos, pois, o processo de inclusão deve ser desejo de todos os educadores.
As mudanças ocorrerão quando todos estiverem juntos: os da educação especial e os do
ensino regular, buscando o aprimoramento de sua qualidade.
Observação do dia 24 de outubro de 2007 – 33ª aula
A professora começa expondo no quadro várias sílabas para formar palavras:
Bra – bre – bri – bro – bru
Cra – crê – cri – cro – cru
Gra – gre – gri – gro – gru
Braço briga creme frito
115
Brasil broto crime fruta
Brasileiro bruto comadre tigre
Bravo cravo cofre grilo
Trigo trilho livraria livro
A seguir, vai de cadeira em cadeira “tomando a lição”, para ver como estão
lendo. O aluno Gilson sempre traz algum livro ou pega na biblioteca para ficar
lendo sozinho...
Ela entregou a todos uma cópia do texto: “Mimi” e pede para que leiam.
“Mimi aprendeu a comer no prato.
Mimi aprendeu a lavar o prato.
Mimi brinca com Patrícia.
As tranças são compridas!
Outro dia, Patrícia escrevia e estudava no livro.
- Mimi não posso brincar agora!
Mimi saiu triste e foi olhar a zebra na jaula.”
As palavras formadas com as sílabas propostas não advinham do universo vocabular
deles, o objetivo central era a repetição das sílabas e palavras criadas pela própria
professora MLCS, sem nenhuma contribuição dos alunos.
O “texto” apresentado, além de infantil, traduz o estilo cartilhesco, no qual uma
frase se justapõe a outra. o excesso de aliteração e os períodos curtos reduzem o texto a
um punhado de frases. Em virtude disso, observa-se que os alunos passam a realizar
atividades que valorizam os conhecimentos prontos e acabados, transmitidos como verdade
absoluta pelo professor, realizando a concepção de educação bancária denunciada por
Paulo Freire.
Observação do dia 05 de novembro de 2007 – 36ª aula
Esta é uma semana atípica, pois é a semana de olimpíadas na escola. A aula
começa com sete alunos e provavelmente o restante da semana será assim, para
passar o tempo e decidir se vai dar aula ou não, a professora passa uma
atividade para os presentes.
Leitura e cópia:
Bra = cobra cra = cravo dra = pedra
Bre = pobre crê = creme dre = padre
Bri = cabrito cri = cria dri = quadrinho
116
Bro = broto cro = crocodilo dro = vidro
Bru = bruxa cru = cruel dru = madrugada
Após a leitura ela resolve dispensar todos e diz que durante esta semana
devido as olimpíadas, eles devem vir à escola para participar nem que fosse
para assistir, mas não eram obrigados. Eles disseram que não viriam, na
próxima semana em que teriam “aula de verdade”.
A professora perde uma ótima oportunidade de desenvolver o tema das Olimpíadas
e a importância dela para as questões individuais e sociais, como saúde, lazer, relações
interpessoais, entre outros. Ao invés disso, prefere considerar que na próxima semana terão
“aula de verdade”, deixando de trabalhar questões do próprio cotidiano escolar.
Observação do dia 21 de novembro de 2007 – 37
ª aula
Após vários dias sem aula e também ter faltado por motivo de doença,
retorno hoje à escola para dar continuidade a pesquisa. A professora MLCS
está preocupada com os alunos que ainda tem dificuldades para ler, então o
foco dela é a leitura, pois falta menos de um mês para o término das aulas. Ela
começa com as letras, passa para as sílabas e depois as palavras: b, c, d, f, g,
p, t, v.
Bra = cobra cra = cravo dra = pedra fra = frade
Bre = pobre crê = creme dre = padre fre = freio
Bri = cabrito cri = cria dri = quadrinho fri = fritada
Bro = broto cro = crocodilo dro = vidro fro = fronha
Bru = bruxa cru = cruel dru = madrugada fru = fruteira
A única preocupação da professora a partir deste momento é apenas fazer com que
os alunos aprendam ler, portanto, todas as atividades realizadas até o último dia de aula
tiveram este propósito, atividades como as explicitadas até o momento.
Em todas as aulas observadas, pouco presenciei a relação entre educador e educando
em que ambos ensinam e aprendem juntos, através do diálogo e da colaboração. Como
afirma Paulo Freire (1989, p. 47), alfabetizar é um ato político, pois não educação
neutra, é uma ação organizativa através da qual educador e educando criticam e buscam
alternativas para a transformação da sociedade.
117
A observação é um recurso muito importante, pois, nos permite consultar
seguidamente e, ao reler o que escrevemos cada vez mais nos faz interessar pelas anotações
feitas do que foi observado e pelo que vamos percebendo e apreendendo. Torna-se
extremamente importante quando é preciso confrontar informações dispares, analisar
diferentes posições diante de situações ocorridas ou relembrar uma seqüência de fatos.
Contudo, não podemos nos esquecer que fazemos parte do mundo que estudamos e
pesquisamos e que, portanto, não podemos fugir do senso comum, nem evitar nossa
interferência no objeto investigado.
Esta pesquisa aponta que a adesão das professoras é pela concepção tradicional do
ensino da leitura e da escrita. Assim, para essas professoras o foco está no professor que
ensina. Porém, ambas sempre demonstraram grande satisfação em ensinar e carinho pelos
alunos, mesmo na simplicidade e enfrentando dificuldades, elas demonstraram
compromisso e cuidado com eles.
O esforço dispendido por ambas é no sentido que o aluno aprenda, porém o caminho
seguido para esse fim é o do método repetido e mecânico, contrariando os estudos e
pesquisas atuais que afirmam que o sujeito aprende em interação com o objeto, e que é
necessário o acesso da variedade textual de forma constante.
Os “textos” apresentados pelas professoras não oferecem condições para o
desenvolvimento da leitura fluente e crítica pelo aluno. Assim, o letramento escolar, tão
necessário ao desenvolvimento desses leitores fica comprometido.
4.2 O PENSAR E O FAZER DAS ALFABETIZADORAS
4.2.1 O pensar das alfabetizadoras sobre a leitura
Em depoimento as professoras pesquisadas declararam a satisfação e gosto pela
profissão docente. A professora KCSM mesmo possuindo apenas o magistério, leciona a 14
anos e declarou que sempre teve vontade de alfabetizar adultos, pois acredita ser mais
gratificante e sente-se mais vitoriosa. Durante uma conversa informal ela disse que iniciou
118
o curso de Pedagogia em uma instituição particular, mas, por problemas financeiros não
pode continuar, sentindo grande pesar, pois afirma gostar muito da profissão. Ela também
tinha receio de ser demitida, visto que, não possuía curso superior.
A professora MLCS é Pedagoga e lecionou durante 32 anos e ao voltar à sala de
aula neste momento como substituta, afirma que seu sonho sempre foi ser professora e,
ainda fazendo ginásio, começou a dar aula. Essas professoras tiveram uma trajetória de vida
cheia de sonhos e desejos de fazer a diferença na vida de seus alunos, mas também de se
realizarem enquanto mulheres e profissionais.
O conceito de leitura das professoras é determinante para compreender a prática
pedagógica, sendo possível nesse sentido, por meio dele compreender qual concepção a
orienta. Foi perguntado inicialmente às professoras o conceito de leitura, e as respostas
variaram:
Com as minhas palavras? Acho que ler é descobrir um mundo novo, porque muitas vezes,
igual é... alfabetização, eles vão pra um lugar eles não sabem ler, eles têm que pedir pra
outra pessoa ler pra eles. Eles decoram o número do ônibus porque vêm 90 no final, mas
eles não sabem ler o Pedra, eles leem o 90, só o número, aí fica fácil pra eles vim pra casa,
então eles têm que ficar pedindo, então pra eles é uma grande vitória. (professora KCSM
31 anos)
Ler pra mim é entender, sabe é... não leva assim a ler, porque as vezes o aluno... Eu até
vou falar do caso aqui dos meus, né... eles não leem corretamente, assim, na leitura, mas
eles lê no pensamento, na expressão. Pra mim, isso que é ler. (professora MLCS – 53 anos)
A forma de se conceber um conceito é sempre baseada na forma como o indivíduo
pensa o mundo. Quando expomos uma opinião a respeito de alguma situação, pessoa ou
objeto estamos demonstrando uma concepção de mundo que está sempre impregnada de
ideias e valores de uma sociedade e daquilo que se pretende alcançar.
Nota-se que quando a professora KCMS diz que ler “é descobrir um mundo novo”,
ela ultrapassa o conceito da mera decodificação das palavras e percebe as possibilidades da
leitura. A professora KCMS se aproxima do conceito de Freire quando ele expõe sobre a
leitura de mundo antes da leitura da palavra. Ela compreende a necessidade que o adulto
analfabeto tem de adquirir a língua escrita, para resolver seus problemas cotidianos. Em sua
119
concepção, o adulto não escolarizado está sempre dependendo do outro para resolver sua
problemática de vida.
Quando a professora MLCS centra a leitura como prática de “lê no pensamento, na
expressão...”, não promove efetivamente a aquisição do código escrito, o que dificulta o
acesso ao mundo letrado.
Percebe-se que ambas as professoras m dificuldade em compreender o conceito de
leitura, que além de decodificar, é compreender e interpretar de forma crítica fatos que os
cercam, perdendo desta forma a oportunidade de construir com os alunos um conceito mais
amplo, completo e uma prática reflexiva sobre a linguagem.
Saber ler é utilizar o código escrito, dando significado à grafia que aparece em
nosso cotidiano. O sujeito alfabetizado é aquele que compreende a estrutura do sistema
alfabético. Se o adulto o mundo do qual é parte, ler o código escrito trará mais
possibilidades de posicionar-se perante ele.
As professoras não têm uma compreensão mais abrangente do que seja e o que
significa se apropriar do código escrito pelo adulto, pois percebem a dimensão da leitura
de mundo. Esse modo de pensar não deixa de ser um avanço, mas não podemos nos
esquecer que ele só se completa com a leitura do código escrito.
A leitura e a escrita propiciam o acesso a novas idéias e conhecimentos
fundamentais para o desenvolvimento humano. Portanto, é imprescindível que os
professores também cultivem o hábito da leitura para que isso se reflita em sua prática
pedagógica. Pensando nisso, perguntei às professoras com que freqüência elas leem.
De vez em quando, eu num sô muito... (professora KCSM – 31anos)
Ah, eu gosto de ler, qualquer que seja os livros. (professora MLCS – 53 anos)
Para uma análise mais sólida, perguntei também que tipos de leitura mais lhes
chamam atenção.
Ah, eu gosto de ... eu gostava muito de era... os romances. Agora não, agora eu gosto
mais de outros tipos de coisa, mais eu gosto mais de alguma coisa que fala da Bíblia,
aqueles textinhos que eles dão pra gente na rua, eu gosto de aquilo, eu adoro lê aquelas
coisinhas. Eu num mais muito de livros, essas coisas não. (professora KCSM 31
anos)
120
História mesmo, é... de história, eu gosto de ler umas leitura é que tem uma história bem
maravilhosa e com um final bem feliz... (risos). (professora MLCS – 53 anos)
Solicitei também que me dissessem quais livros leram ultimamente.
Não, não li nenhum livro não. O último livro que eu li foi... “Canções de Deus”, faz muito
tempo. Ah, na verdade quando você lendo um romance, você imaginando que
acontecendo de verdade, você acha que realmente é de verdade, você se imagina naquela
situação, é a mesma coisa... O que me chama mais atenção é isso o realismo... que a gente
fica... no imaginário, a gente fica imaginando. Igual mesmo um livro pra criança, até
hoje mesmo, quando eu leio, eu fico imaginando, a gente entra na história. É bem gostoso, é
maravilhoso. (professora KCSM – 31 anos)
Hoje mesmo eu tava lendo um livro é... O livro que eu tava lendo hoje... ai! Eu até esqueci o
nome dele, era sobre religião, irmãos coragem... parece que é... Irmãos a caminho! (risos).
Lembrei do filme, Irmãos a caminho, muito gostoso. Se quer saber, ultimamente eu tô lendo
mais livros medicinais, ta mais chamando atenção nessa área, justamente porque na minha
condição, eu tive colesterol, né, um pouco alterado e, eu estudando tudo de raiz...(risos).
(professora MLCS – 53 anos)
Para tornar-se formador de leitores competentes, o professor precisa gostar desta
prática, mas para isso, ele precisa ter recebido uma formação que lhe permita desenvolver
esse gosto. Sobre isso, Tezzari nos diz que,
Se o professor não é leitor e, por isso, não se sente leitor; ou é leitor de escrita veiculada em
suportes que, para ele, não são representativos da ‘boa leitura’ e, também por isso, não se
sente leitor, como se sentir legitimamente autorizado a estimular seus alunos a serem
leitores? (TEZZARI, 2001, p.43 apud MENDES, 2008, p. 80).
É possível perceber na fala das professoras que ambas pouco cultivam o hábito da
leitura apenas por prazer, ou leram muito tempo ou as leituras atuais são de caráter
religioso e medicinal. De qualquer forma, a leitura praticada pelas professoras está inserida
no campo pragmático, ou seja, leem para aplicar o conhecimento de modo utilitário.
A professora KCSM fala dos livros que aguçam a imaginação, porém este pensar se
coloca apenas no plano do discurso ao afirmar que o último livro que leu “faz muito
tempo”.
121
Um bom leitor e formador de leitores precisa, além de boa vontade, de tempo e de
recursos que o capacite a realizar uma prática significativa. Portanto, o grande desafio é o
de não ser um mero transmissor de conhecimentos, mas um educador que saiba ler
criticamente o mundo que o cerca, que continue buscando uma mudança não apenas nas
metodologias, mas na mentalidade. É importante, que o professor suscite o gosto pela
leitura, para que a sociedade tenha indivíduos sujeitos da própria história, que façam cultura
e motivem a transformação, galgados em princípios humanos de solidariedade e liberdade.
4.2.2 O método utilizado: concepções
A Educação de Jovens e Adultos em muitos casos é a única alternativa de inclusão
social para os alunos que estão fora do sistema de ensino. Diante disso novas estratégias de
ensino precisam ser experimentadas. Pensando nisso, perguntei às professoras sobre qual o
método elas utilizam para a alfabetização dos alunos:
O método, ai meu Deus, deixa eu ver... Ah, eu... o meu método que eu utilizo com eles é só...
tipo assim, matérias leves assim da série que eles estão aprendendo agora, é... Eu
recorto, eu faço as sílabas, mando eles colocar em cartaz, igual eles têm bastante, então eu
tiro umas xérox e mando eles responderem ou um desenho pra eles pintarem... Eu não
aprofundo muito em coisas muito difícil não porque senão, eles confundem a cabeça deles.
Eu mando eles juntar as sílabas. As vezes, eu faço atividades no quadro: “separe as
sílabas”, em seguida eu mando:” junte as sílabas”. Então pra mim é uma forma deles ir
separando e lendo as sílabas que eles tão fazendo, e juntando. Eles mesmo vão lendo as
sílabas que eles tão juntando até chegar na palavra. (professora KCSM – 31 anos)
O método mesmo utilizado pra alfabetização deles foi incentivo, né. Incentivando e
levando a conhecer as letras, as sílabas, formar palavras e somente, o uso de material
didático somente o quadro e o giz... Ensino juntar... como juntar as palavras, formar a
palavra, formando sílaba, formando frases. Esse foi o método. (professora MLCS 53
anos)
A professora KCSM deixa transparecer em sua fala o uso do método tradicional do
ensino da leitura e da escrita; ela afirma utilizar apenas “matérias leves” para não confundir
a cabeça deles, limitando a capacidade dos alunos em seu processo de aprendizagem.
Percebemos isso quando afirma que ela própria é quem recorta e faz as sílabas para eles
122
colocarem em cartazes que, segundo ela, eles m vários, mas durante o período em que
estive em sala, não notei a presença de nenhum cartaz.
A professora MLCS também tem uma opinião parecida com a da professora KCSM
quando diz que leva os alunos a conhecer letras, sílabas e formar palavras e já adianta o que
discutiremos posteriormente, que os únicos materiais didáticos que tem utilizado é o quadro
e o giz. As professoras repetem uma prática comum existente em muitas escolas, a
educação bancária denunciada por Freire, que apenas deposita conhecimento e faz o
educando reproduzi-lo durante sua formação.
Percebe-se que o “método” de alfabetização utilizado pelas professoras é centrado
no professor ao afirmar em sua fala: “Eu mando...” a prática pedagógica está centrada na
apresentação de “xerox” de desenho ou exercícios de escrita estereotipados. Não há, nesta
sala, atividades alfabetizadoras que levem em consideração a cultura e a realidade dos
alunos, grande parte deles trabalhadores. A aprendizagem da língua escrita se faz por meio
de exercícios silábicos repetitivos, sem a efetiva participação dos alunos. A sua função é
fazer a transcrição daquilo que a professora manda fazer.
4.2.3 O uso de recursos e materiais didáticos
O livro didático vem se constituindo ao longo da história da educação escolar
brasileira como importante recurso, se não, o mais importante, utilizado por professores e
alunos. Embora não seja o único material disponível, a falta de preparação, tempo e
recursos financeiros, muitas vezes leva o professor a planejar suas aulas apenas com a
proposta do livro didático.
Baseado nessas considerações, p
erguntei às professoras se
achavam importante o uso dos livros didáticos.
Sim. Eu acho importante o livro didático porque ele ajuda a gente a esclarecer muitas
coisa, né, que esses livros didáticos não vem completo, votem que ficar indo ni um ni
outro, e as experiências que você teve, você vai formulando novas descobertas pra eles,
porque é difícil esses livros didáticos de hoje em dia. (professora KCSM – 31 anos)
Não, eu não acho assim importante porque é... o livro didático ele é assim, é mais uma peça
pra eles chegar porque eles vão pregar muito assim no livro. Eu acho assim... o didático,
123
ah! Não, não eu... o livro didático é uma base, né, pra o professor, mas nem sempre é... a
aula que você dá é aquela que vem escrita, você muda sempre. (professora MLCS 53
anos)
Em seu depoimento a professora KCMS enfatiza a importância desse instrumento,
mas demonstra a dificuldade de uso dos novos livros didáticos, fato freqüente entre os
professores que ainda tem dificuldades com metodologias diferentes daquelas propiciadas
pelos métodos tradicionais. Ao dizer que ela mesma formula novas descobertas para os
alunos, está barrando a prática espontânea que o jovem e adulto reconstrói na sua história
da escrita. Parece que de fato, a professora não consegue se apropriar de novas
metodologias e conteúdos mais significativos para sua prática pedagógica.
A professora MLCS conclui que o livro didático é uma base para o professor, pois
as aulas podem variar de acordo com as necessidades. Nesse discurso, sua fala não se
reproduz na prática, visto que suas aulas em nada mudavam no período em que esteve à
frente desta turma. As professoras não percebem no livro didático um material de apoio, no
qual seria possível aprimorar suas aulas.
O material didático atual traz para o professor a diversidade textual e novas formas
de incrementar o ensino da leitura e da escrita. Temos então um dilema, no qual as
professoras não fazem uso dos livros didáticos, mas também não avançam, criando suas
próprias alternativas metodológicas.
Paulo Freire foi contra as cartilhas que domesticam, mas nunca negou a importância
do material de apoio. Além disso, em 1986, se colocou contrário a um único texto de
alfabetização, pois que se considerar a relevância da existência de temas nacionais bem
como as diferenças regionais, para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem da leitura e
escrita.
Em continuidade à questão do livro didático, perguntei a elas se extraíam atividades
do livro para aplicar aos alunos.
Às vezes eu tiro e às vezes eu mesmo que crio, baseado no que eles estão aprendendo, no
que eles já sabem e no que eu estudei antes né, no que eu dei antes pra eles. Porque
esses livros não é muito legal pra alfabetizar. Sabe por quê? Porque... eles não sabem
interpretação de texto, eles não sabem ler. Vem aqueles livros com aquelas interpretação
enorme, se eles não sabem ler. A maioria não sabe ler, eu não acho muito... assim, algumas
coisinhas só. (professora KCSM – 31 anos)
124
Tiro, do livro, o que eu usei aqui foi somente os livros. Não usei nada mais que livro aqui
nesses dois meses que fiquei com eles. (professora MLCS – 53 anos)
Baseado na fala da professora KCSM, ela impõe aos livros didáticos a culpa de
quase não utilizá-los na alfabetização. Ela diz que devido os alunos ainda não saberem ler,
não são capazes de interpretar os textos sugeridos pelos livros didáticos.
Em geral os livros didáticos trazem orientações ao professor sobre como utilizá-los
de forma a obter resultados satisfatórios, e os autores desses livros afirmam que é um
material de apoio para melhorar a prática dos professores, como meio para o alargamento
do horizonte das atividades que envolvem leitura, produção de textos e reflexões sobre a
linguagem”. (Cereja; Magalhães, 2002 p. 02 apud Mendes, 2008 p.128).
Torna-se necessário relembrar que o indivíduo não é uma tabula rasa, que chega à
escola sem nenhum conhecimento prévio de mundo. Tais alunos são perfeitamente capazes
de fazer interpretações e inferências sobre variados assuntos, pois os mesmos não vivem
isolados do mundo. Tão importante quanto conhecer o sistema da escrita é efetivá-las em
práticas sociais letradas. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais os conteúdos
desenvolvidos em sala de aula precisam seguir um padrão mínimo, e ao mesmo tempo,
estar associados com as especificidades de cada realidade onde o ensino está sendo
desenvolvido.
Os alunos precisam receber condições para construir idéias partindo de suas
próprias experiências, ou seja, é necessário que se desenvolva o ensino que resguarde as
orientações da Lei de Diretrizes e Bases 9.424/96 que determina que:
Os currículos de ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigidas pelas características regionais e locais da sociedade (Cap. 2, Seção-
I, Art. 26).
A escolha de temas que envolvam a realidade dos alunos é fundamental para o
sucesso deste processo de ensio-aprendizado. Na fala da professora MLCS notamos que o
livro didático foi o único instrumento utilizado por ela durante os dois meses em que
assumiu a sala. Nas observações, o momento que ela utilizava o livro era para extrair
algumas atividades, aquelas mais fáceis para que os alunos as reproduzissem. Como a
125
turma não possui nenhum livro didático adotado, as professoras ficam livres para usar quais
livros quiser.
Acredito que, como o processo de formação dessas professoras não ocorreu na
Educação de Jovens e Adultos, explica-se porque elas têm dificuldade em visualizar a
importância dos variados gêneros textuais na EJA e as formas de ensino que podem
trabalhar com os alunos, com o objetivo de construir juntos um aprendizado rico e
significativo, desenvolvendo a autonomia de cada aluno.
4.2.4 A literatura na sala de aula
A escola é uma instituição a serviço da sociedade e que exige de seus cidadãos
algumas competências, entre elas a prática da leitura e escrita. Essa instituição se torna,
assim, a principal agente na formação de leitores e escritores, devendo oportunizar uma
educação emancipadora. Quanto maior o contato com a Literatura, maior a possibilidade de
o leitor compreender as sutilezas do texto, de trazer para a sua realidade situações descritas
pelos autores. A Literatura deve provocar encantamento e prazer no indivíduo. Por
considerar fundamental a literatura nesse processo de desenvolvimento, perguntei às
professoras o que elas entendem por literatura.
Ah, pra mim literatura o... tipo assim... igual fala, é um mundo de fantasia, né. Muitas
vezes, né... os livros de histórias infantis, a criança tá descobrindo, tá... A minha filha, eu
conto história pra ela. Ela adora história pra dormir (risos). (professora KCSM – 31 anos)
O modo como trabalhar a... tanto faz se adulto ou crianças. Na literatura? No modo em
geral, né, o tratamento de cada um dependendo da idade. É isso? (professora MLCS 53
anos)
Em relação ao significado da literatura, quando a professora KCSM diz que é “um
mundo de fantasia”, ela faz referência apenas à literatura infantil, citando o exemplo da
própria filha que adora ouvir histórias na hora de dormir.
Quando perguntei a professora MLCS, ela ficou alguns minutos pensando no que
responderia, pois tinha dúvidas sobre o significado de literatura. Insisti para que ela falasse
1
26
com as próprias palavras, sem se preocupar se estava certo ou não, e então, ela deu a
resposta citada acima.
O que mais chamou a atenção durante os quatro meses em que fiquei nesta turma foi
exatamente esta questão. Os alunos não eram motivados pelas professoras a desenvolver e
entender a importância e a necessidade da leitura literária, pois em todas as atividades
desenvolvidas, utilizava-se apenas o livro didático. Embora o livro didático atual traga
variados textos literários, não pude ver essa categoria de leitura ser apreciada na sala de
aula pelo fato de que elas utilizaram livros didáticos mais antigos. Notamos isso nos
“textos” utilizados e nos exercícios.
Nesse caso, os textos literários apresentam-se como irrelevantes, que o objetivo
principal é atender às necessidades diárias e imediatas desses educandos. Desta forma, a
concepção de alfabetização funcional restrita parece insuficiente quando desconsidera o uso
da literatura no processo de alfabetização, “considerando-a acessório para as reflexões que
envolvem as necessidades de analfabeto em uma sociedade letrada” (Kleiman, 2000,
p.146).
Para que o indivíduo torne-se reflexivo e desenvolva sua capacidade de leitor, é
necessário, além do livro didático, ter contato com os diversos gêneros textuais existentes,
tendo a possibilidade de acesso ao universo da escrita e ser agente de seu próprio processo
de letramento.
Mesmo verificando que elas não utilizavam a literatura em sala de aula, perguntei se
elas utilizavam a mesma para alfabetizar.
Não, ainda não tô utilizando não
.
(professora KCSM – 31 anos)
Há... Olha, aqui foi bem difícil sabe, aqui primeiro, os alunos nunca gostaram de reunir, de
buscar nada, somente dentro dos livros, e a... nem mesmo o livro, só no quadro e a
explicação. No que eu assim pude até observar é que a gente num pode assim trabalhar
uma... uma aula assim aberta com eles, mais é fechada mesmo. É no ba be bi bo bu e
pronto...Eu acho que é... eles vêm com muita vontade de aprender a ler e a... escrever e
contar... É o único objetivo deles. A aula deles é essa e pronto. (professora MLCS 53
anos)
A professora KCSM foi muito sincera ao responder que não utiliza a literatura para
alfabetizar. A professora MLCS, também não faz uso da literatura, dizendo que os próprios
alunos não gostam de buscar “nada diferente”, nem mesmo nos livros didáticos, e que eles
127
ficam com o que está no quadro e a explicação dela. Com isso, ela afirma que o único
objetivo dos alunos é aprender ler, escrever e contar, desta forma, lhe restando ensinar o
que segundo ela diz “uma aula fechada mesmo”, o ba be bi bo bu.
Todos os alunos desta turma pertencem a uma classe social que tem pouquíssimo
poder aquisitivo, e advêm de famílias muito pobres, portanto nunca tiveram acesso a níveis
de instrução que lhes permitissem ter a clareza da importância da leitura autônoma. Esses
indivíduos nunca foram instruídos quanto à importância do ato de ler e muito menos buscar
por si só essa prática. Por isso, a escola muitas vezes é o único ambiente capaz de despertar
esse desejo nos alunos, de lhes proporcionar o contato com os gêneros textuais, logo, é de
responsabilidade também da escola, especialmente dos professores, despertarem seus
alunos para a importância da leitura.
Mas o que precisamos compreender é que, os professores só despertarão seus alunos
para essa importância se eles próprios também foram despertados para isso em seu processo
de formação. Portanto, não podemos julgar tampouco condenar a prática dessas professoras
que tiveram uma formação voltada para o método tradicional de ensino. Mas também não
podemos deixar de dizer que é necessário que cada professor reflita sobre sua prática e
busque novos conhecimentos e alternativas para aperfeiçoá-la.
Na busca de compreender melhor a falta do uso da literatura em sala, pergunto às
professoras se os alunos têm acesso à biblioteca.
Sim. Se eles puderem pesquisar lá, sim. Eu acho que eles ainda não foram esse tempo todo
não, porque geralmente os trabalhos que eu faço pra eles é na sala de aula mesmo, eu
levo recortado e eles mesmo vão colando, vão fazendo.(professora KCSM – 31 anos)
Olha acesso eu até ouvi falar que sim, mas os meus nunca fizeram nenhum trabalho,
nenhuma pesquisa lá na biblioteca, aliás, os meus, digo alunos aqui da 1ª e 2ª série do EJA.
Por falta de informação! Falta de informação.(professora MLCS – 53 anos)
Nas falas acima as professoras dizem que seus alunos nunca foram à biblioteca.
Para elas, a biblioteca é lugar apenas para fazer trabalhos, e a professora KCSM acha não
ser necessário, pois, ela faz para eles na sala mesmo, levando as atividades recortadas
para eles apenas colar. É imprescindível que os alunos freqüentem a biblioteca
regularmente, pois neste local, o leitor convive com as diversas produções culturais
necessárias à sua formação.
128
Segundo Soares (2006, p. 93), “Despertar para a beleza dos gêneros textuais,
vivenciar as várias possibilidades de se ler criticamente... e colaborar com o fomento da
leitura e de práticas letradas são algumas sugestões atuais ao papel social da biblioteca
para que efetivamente se torne um espaço cultural para a população”. Mas o que
presenciei na biblioteca da escola pesquisada foi um espaço muito pequeno, livros mal
organizados nas estantes, enfim, sem nenhuma condição de ser freqüentada pelos alunos.
Além do mais, não possui nenhum mediador que cuide do bom andamento e do acervo, por
isso, está desta forma; alunos entram e ficam perdidos em meio a tanta desordem e acabam
saindo de da forma como entraram, com a sensação de não ser um lugar importante para
se freqüentar. Prova disso é que a maioria dos alunos pesquisados nunca foi até a biblioteca
e nem sabiam que poderiam ir. Se algo não for feito no sentido de mudar a visão da escola e
dos alunos sobre a importância da biblioteca, dificilmente essa prática será mudada.
Diante deste quadro, pergunto a elas que gêneros textuais trabalham com os alunos
e de que forma.
Eu gosto de trabalhar mais os textos, assim... igual, se eu dando uma... apresentação de
uma sílaba, eu gosto de trabalhar aquele texto que tem a ver com aquela sílaba que eu
apresentando pra eles, né. Igual, br né, uma sílaba cr. Tem que ser uma coisa assim que
associe a essas sílabas que eu tô dando pra eles. Porque se eu der uma diferente não vai
entender, né, e eu vou lendo, vou circulando as palavras que tem as sílabas, né. Fica mais
cil pra eles. Eu gosto de trabalhar música, poema... música e poema, pra tirar as sílabas
do texto que eu tô trabalhando com eles. (professora KCSM – 31 anos)
Como assim, eu não entendendo... o nosso foi mais... deixa eu ver... O nosso era mais
história. Somente no quadro, lendo e mostrando quem era os principais, é o... como que
chama... como que é menina? ... mostrando o autor do texto. Não era o autor, não. Era a...
idéia principal do texto.(professora MLCS – 53 anos)
Notamos na fala da professora KCSM que ela utiliza apenas textos que possuem as
sílabas que pretende trabalhar com os alunos, dando caráter apenas técnico a eles,
declarando que se fizer diferente os alunos não conseguem entender. Então ela faz da forma
que compreende como a mais fácil possível. No período em que estive em sala, não
presenciei momentos de trabalho com músicas, apenas uma vez ela usou um poema, mas
com o objetivo de utilizá-lo como ela explicou acima.
129
A professora MLCS demonstrou dificuldades em entender o termo “gênero textual”,
o que é perfeitamente normal, aliás, este é um termo que não se tem um consenso até
mesmo entre os teóricos que discutem sobre o assunto. Existe aqui um distanciamento entre
a formação das professoras e os novos conhecimentos. Portanto, perguntei a ela quais
“tipos de textos” ela trabalhava em sala, e novamente ela confirma o que temos notado em
todas as suas falas: trabalha apenas textos cartilhescos para que os alunos exercitem a
leitura e escrita de forma mecânica.
Torna-se importante relembrar que a professora MLCS é pedagoga formada pela
UFMT, então levanto uma questão muito discutida no curso de pedagogia, os alunos
passam quatro anos em processo de formação, mas muitos não aplicam aquilo que
aprenderam, preferem ficar na “bolha” do ensino tradicional onde pensam estar mais
protegidos, não querem ou temem evoluir e transformar sua prática. É fundamental que a
escola e os professores entendam que ensinar por meio da ngua e, principalmente, ensinar
a língua é tarefa não apenas técnica, mas também e, principalmente, política.
4.2.5 O que pensam as professoras sobre sua prática pedagógica
As práticas pedagógicas atuais buscam resgatar o papel do professor, destacando a
importância de pensar uma formação não apenas acadêmica, mas desenvolver bem o papel
do professor na escola e preparar o aluno para o futuro, envolvendo também uma prática
pedagógica responsável, valores e saberes que os professores devem sempre envolver em
seu cotidiano escolar. Para isso, estes saberes são construídos a partir de uma reflexão na e
sobre a prática. Pensando nisso, perguntei às professoras se sua formação deu base para
desenvolver um bom trabalho pedagógico e se estão satisfeitas com os resultados obtidos
até agora.
Ah, eu acho que sim viu. Olha porque, igual... eu tenho muitos alunos na minha sala que
entraram sem saber escrevê, eu tinha que fazê no caderno deles pra eles escrevê embaixo.
Eu fiquei um mês assim, de repente eles começaram a escrevê do quadro, começaram a
desenvolver, e essas experiências que eu tive dando aula ajudou bastante. Eu mesmo que
não tenho formação de nível superior, mas foi bem proveitoso pra mim. Tá me ajudando, eu
dava bastante aula, né, eu sei lidar com eles, tanto é que você vê, né, que eles num... Então
ajudou, ajudou porque os professor na época que fiz magistério era bem diferente, eles
130
eram bem assim sabe, eles tinham bastante cursinho pra gente, ensinavam mesmo, não
tinha aquela coisa assim... A gente estudava mesmo, não era nem... era coisinha,
materinha de 3ª de 4ª série. A gente só se aprofundava nisso, no que a gente ia fazê. Ah, era
muito bom, eu gostava demais do magistério! Ajudou, nossa, ótimos professores. Estou
muito satisfeita com os resultados até agora, pena que eu vou sair (risos), mas estou muito
satisfeita, é o que eu esperava. Tipo assim, a gente faz o que a gente pode, né. Tem muitos
que a gente sabe que não vai conseguir, não é por culpa, não é porque nós falhamos, é
porque às vezes mesmo, , tá muito tempo sem ir na escola, problema da idade que eu
acho. Porque eu falei com o Gonçalo (coordenador), e ele falou pra mim, nem todos, não
adianta passar sem saber ler mesmo, pelo menos o básico, né. Tem muitos que não tem
como... Eu vou estar prejudicando eles. (professora KCSM – 31 anos)
Nem só com essa turma, como com as outras, né. Porque quando você fazendo o curso,
quando era o magistério, você achava que sabia tudo, né. Quando você passa a estudar e
fazer uma Pedagogia que foi o que eu fiz, é... você vai aprendendo, o que voaprende
como trabalhar com criança você quer desenvolver na sua sala. Então é isso , deu base.
Eu não vou dizer assim que eu fiquei tão satisfeita, porque foi pouco tempo que eu fiquei
com eles, e não deu tempo assim pra mim é... chegar até... porque o objetivo deles era
aprender ler e aprender escrever, aprender a contar e eu não consegui o suficiente. Um
pouco eu sei, eu reconheço, a gente mesmo faz um exame de consciência, né. Foi o que fiz,
eu sei que eles conseguiram algo. Até quando você é... esticava um pouco , eles já ficavam...
Eh! Credo agora ficou difícil! Coisa de série que eu passava pra eles era muito difícil,
mas eu acho que teve a base e foi também, eu acho que teve aproveitamento. Pelo pouco
tempo que eu fiz, gostaria de ter feito mais, não pude. (professora MLCS – 53 anos)
Pude constatar na fala da professora KCSM, a fragilidade da sua formação, a mesma
não possui nível superior, mas acredita que sua formação em nível de Magistério, segundo
ela era coisinha, materinha de e série”, lhe deu base para desenvolver sua prática
de forma satisfatória, especialmente com esta turma. Nota-se a dificuldade de aplicar
princípios políticos-pedagógicos defendidos pela EJA, até mesmo, por falta de discussões
que levem à uma construção coletiva dos mesmos.
Destaco ainda na fala da professora KCSM, o momento em que ela afirma fazer o
que pode, mas que os próprios alunos também são responsáveis por não haver um melhor
aproveitamento, como o tempo fora da escola e a idade avançada. Afirma ainda que, se não
os reprovar, estará prejudicando-lhes. Em relação à reprovação ou não, é um assunto que
tem gerado muitas discussões na área educacional, visto que, as opiniões se divergem entre
os professores, mas os estudos têm mostrado que a reprovação é a pior saída para resolver o
problema do não aprendizado do aluno, ao contrário, gera atraso e exclusão do indivíduo
face ao seu processo de desenvolvimento social e cognitivo.
131
A professora MLCS destaca a importância da base que o curso de Pedagogia lhe
proporcionou, mas reconhece não ter ficado tão satisfeita, como a professora KCSM, pelo
pouco tempo que ficou com a turma. Segundo ela, o pouco que eles conseguiram aprender
foi por causa do que fez não percebendo que se tivesse realizado uma prática diferenciada,
teria obtido resultados mais satisfatórios.
A falta de familiaridade dos alfabetizadores com diferentes gêneros literários, com
as diferentes modalidades de ensino, precisa ser superada com um processo contínuo de
estudo e reflexão sobre a prática. Destaco a necessidade de aprofundamento das discussões
sobre a formação de professores, mais aproximada da realidade escolar, com
fundamentação teórica articulada à prática pedagógica; pois segundo Kramer (2006, p.40)
“... não são as idéias ou os conceitos sobre leitura e escrita que geram as práticas nem as
práticas de leitura e escrita que linearmente determinam as idéias. As duas esferas a
produção conceitual e o cotidiano, seus fazeres e seus saberes – interagem dinâmica,
dialógica e dialeticamente”.
Sobre a formação profissional do professor, Nóvoa (1992), na vertente de oposição
à racionalidade cnica e a favor de uma construção de identidade profissional para o
professor e valorização do profissional de educação, diz que a formação de professores
pode desempenhar um papel importante na configuração de uma nova profissionalidade
docente, estimulando a emergência de uma cultura organizacional no seio das escolas”
(Nóvoa, 1992, p.36). Formar professores com esta visão pode contribuir para o surgimento
de um novo modelo de professor, cujo percurso deve ser considerado e colocado como
prioridade, para que ele possa aprender com o saber da experiência.
A formação de professores, mais do que um espaço de aquisição de técnicas e de
conhecimentos é o momento chave da socialização e da configuração profissional. A
formação deve estimular os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas
de autoformação participada (NÓVOA, 1992, p.25).
Esta nova profissionalidade de que fala o autor, deve tornar o professor capaz de
dominar os saberes que realizam em suas práticas, confrontando suas experiências junto ao
contexto escolar em que está inserido, sendo que a formação deve ser compreendida como
espaço de trabalho e formação. Sobre a questão da formação docente, Soares (2005)
destaca também que,
132
A formação de um profissional que atenda às necessidades de uma população específica,
formada por jovens e adultos, tem-se colocado como questão central nos debates. A atuação
das Universidades na formação destes docentes é, ainda, muito tímida. É irrisório o número
de Faculdades de Educação que formam educadores voltados para atuar com jovens e
adultos. Em muitos casos, sem um quadro de professores com formação inicial para atuar
com esta população, as iniciativas governamentais e não-governamentais têm procurado
realizar essa formação em serviço (SOARES, 2005, p.127)
É possível notar que, as professoras em diversas ocasiões utilizaram alguns termos
no diminutivo, infantilizando o processo de ensino aprendizagem dos alunos. Tratando
assim os adultos analfabetos, resulta uma errônea maneira de vê-los, na qual não é
reconhecida a experiência existencial bem como o acúmulo de conhecimentos decorridos
dessas experiências. Sobre este assunto, perguntei se elas acham que seus alunos aprendem
a ler e escrever da mesma forma que as crianças e por quê?
Não, eles não aprendem da mesma forma, porque as crianças tem mais facilidade de
aprender, assim, digamos uns seis meses, metade do ano a maioria das crianças já tem a
noção e eles não, o mais devagar, tão mais cansados. Eles num pegam as coisas
igual a criança né, a mente deles é mais... tem que esforçar mais, é muito esforço pra eles.
As vezes mesmo eu olho assim e falo assim, não, chega gente, hoje chega, vamos fazer outra
coisa porque eles tão cansados de escrevê de lê porque... cansa. Diferente da criança.
Criança não, criança é curiosa, né, aprende muito mais rápido. (professora KCSM 31
anos)
Olha, é bem mais difícil, né. Eles aprendem sim, só que é diferente. As crianças, elas pegam
bem mais rápido aquilo que você faz. Também a criança você puxa mais também por
eles, né, e eles não é menos. Você já fica até imaginando: será se eu vou conseguir, né? Que
era o meu caso. Eu tinha hora que eu... olha duas horas de aula o aluno já tinha que sair:
professora eu vou embora! A criança ele chega ele senta, o quatro horas, ele fica as
quatro horas, ele sai aquele pouquinho mas na hora certa ele , ele se preocupa em fazer
tudo aquilo. o adulto não, é bem mais diferente, eles aprendem mais devagar. A
diferença é essa: eles são mais devagar. Eles têm mais dificuldades que as
crianças.(professora MLCS – 53 anos)
Ambas reconhecem que jovens e adultos não aprendem da mesma maneira que as
crianças, por vários fatores, entre eles a dificuldade de aprendizagem como decorrência da
idade. Elas dão ênfase maior na aprendizagem das crianças por considerar que elas
aprendem muito mais rápido, pois são mais curiosas e tem mais facilidade neste processo.
A professora MLCS faz uma comparação entre dar aula para crianças e para adultos, sendo
possível inferir na sua fala que é mais fácil dominar as crianças, fazê-las reproduzir tudo
133
aquilo que o professor quer e que um adulto já tem vontade própria e, muitas vezes, não
aceita ser dominado pelo professor.
No discurso, as professoras afirmam que o aprendizado em cada faixa etária ocorre
de maneira diferente, mas o que observamos na prática contraria a fala. Constatamos
conteúdos, métodos, e situações em que são utilizados termos no diminutivo, infantilizando
o processo de ensino aprendizagem dos alunos. Sobre a questão da diferença de
aprendizado entre o adulto e a criança Vigotsky declara que,
... adultos, como bem se sabe, dispõem de uma grande capacidade de aprendizagem... Mas
até agora não se descreveu adequadamente o que diferencia de forma substancial a
aprendizagem do adulto da aprendizagem da criança... um mesmo mecanismo caracteriza a
formação de hábitos tanto no adulto como na criança; no primeiro, o processo ocorre mais
veloz e facilmente do que na segunda, e reside toda a diferença (VIGOTSKY, 1988,
p.103).
Dessa forma, a realização de um satisfatório trabalho docente com esses alunos
exige um domínio cnico e teórico no intuito de prover a eles conhecimentos e
experiências culturais que os tornem aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em
função de suas necessidades. As situações de aprendizagem precisam adequar-se às faixas
etárias de EJA, suas experiências e conhecimentos adquiridos no percurso de suas vidas.
A prática educativa é um fenômeno social e universal, sendo necessária à existência
e funcionamento de todas as sociedades. Cada sociedade deve preparar seus indivíduos para
a participação ativa e transformadora nas várias instâncias da vida social.
Não sociedade sem prática educativa nem prática educativa sem sociedade. A
prática educativa deve tornar apto o indivíduo (em cada idade) a atuar no meio social e
transformá-lo em função de necessidades econômicas, sociais e políticas da coletividade.
Tais influências se manifestam através de conhecimentos, experiências, valores, crenças,
modos de agir, técnicas e costumes acumulados por várias gerações de indivíduos e grupos,
transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações.
Devido a evasão ser expressiva nesta modalidade de ensino, especificamente nesta
turma, perguntei às professoras de que forma elas incentivam os alunos a não desistirem de
estudar.
134
Ah, eu incentivo eles assim, eu falo pra eles assim: “Ó gente é o seguinte: muitos de vocês
não tiveram chance de estudar, né, então ao invés de vocês ficarem em casa assistindo
televisão, vamos estudar. (risos). Vamos pra escola?” eu fico conversando com eles,
falando sobre a leitura, como é que eles têm que ser. Igual eu falei, muitas vezes eles têm
que ler um documento tem que ficar pedindo para os outros lerem, abrir uma conta no
banco tem que ficar pedindo. eles lendo... fica mais fácil pra eles. Eles já estão
convencidos. Muitos ainda não desistiram porque eu fico ali incentivando, falando: “Não,
não quero, não aceito que vocês desistam!Muitos desistiram, infelizmente, né, mas... a
maioria desistiu por serviço, porque arrumaram serviço, foram embora, mudaram. Mas não
assim, por falta de incentivo, porque eu incentivei bastante eles a não desistir... até hoje.
(professora KCSM – 31 anos)
Primeiro lugar, eu incentivo, no meu modo de ver... é o professor não desistindo, não
faltando que é o meu caso. Não tem um dia que eu não viesse que eu o tivesse aqui,
mesmo com problema de saúde eu tive do lado deles, e procurando compreendê-los, né.
Porque o mais importante pra eles é isso, compreendê-los! Qualquer coisa que eles vêm
você ir contra eles... o. Você tem é que concordar, concordar com eles e incentivando
mesmo, mostrando pra eles que o objetivo deles é esse, pois eles vão em frente. Não
desistam porque nunca é tarde pra gente conseguir o que deseja, né... é isso. (professora
MLCS – 53 anos)
Pude notar nas falas das professoras que elas incentivam os alunos para o uso
funcional da escrita, sempre destacando que precisarão dela para ler algum documento
importante, carta, conseguirem emprego melhor, até mesmo para não serem enganados por
terceiros. Claro que tudo isso é importante, mas não deve ser o único foco deste processo de
ensino-aprendizagem, como já vimos anteriormente.
Assim, a alfabetização se reduz ao que Paulo Freire denomina ato mecânico de
“depositar” palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos, tornando a palavra algo justaposto
ao homem que não a diz, mas simplesmente a repete, não fazendo relação com o mundo e
com as coisas que nomeia. O que sempre fica evidente na fala das professoras é que elas
fazem questão de dizer que a parte delas é feita, e, que se não fosse assim, o aprendizado
dos alunos estaria pior.
Para quem lida com a educação, especialmente na EJA é imprescindível
desenvolver a capacidade de descobrir as relações sociais implicadas em cada
acontecimento, situação da sua vida e da sua profissão, em cada matéria que ensina, nos
discursos, nos meios de comunicação, nas relações na família e no trabalho, pois as
relações sociais são fundamentais no processo de uma aprendizagem significativa.
O campo específico de atuação do professor é a escola e ele deve assegurar ao aluno
um domínio de conhecimentos e habilidades, desenvolvimento de suas capacidades
135
intelectuais, de pensar independente, crítico e criativo. Desta forma, penso que o professor
estará incentivando o aluno a permanecer na escola e lutar pela transformação social.
Perguntei às professoras se recebiam apoio ou incentivo por parte da escola para
desenvolver algum trabalho diferenciado com os alunos.
Não, não. A coordenadora do EJA não vai nem na escola falar com a gente. Porque tem
uma coordenadora do EJA que é a Raí, ela num vai nem lá, pelo menos comigo não.
Ninguém nunca chegou em mim e falou: “KCSM vamos fazer isso, vamos fazer uma coisa
diferente”. Nunca sentou comigo, só comigo assim, “vamos ficar uns dois dias, elaborando
umas atividades diferenciadas para os alunos”. Ninguém nunca sentou comigo pra
conversar assim, o que eu fizer feito, eles não vem saber, não vem saber porque eles tão
vendo os alunos, né, muitos conhecem, tão vendo que melhorou bastante. Eles vão e falam
com a diretora, falam: “Ó eu gostei dessa professora”. Eu fiquei uma semana sem ir na
escola por causa da outra professora que ia voltar e eles ficaram desesperados:Não, não
queremos, queremos a professora KCSM”. Porque, eu acho que eu ensino mais simples que
os outros, eu ensino do jeito mais simples que eles entendam. Eu acho mais cil do jeito
que eu dou aula pra eles. (professora KCSM – 31 anos)
Nenhum. Eu acho que... primeiro eles disseram que era uma coordenadora, né. Essa
coordenadora eu nunca vi aqui a noite, durante o período que eu estive trabalhando e o
outro coordenador que é o atual diretor nunca passou, assim nenhum tipo de incentivo,
nada. Apoio nenhum. Somente a sala de aula com a caixa de giz e eu e pronto. Eu acho que
era sim muito, porque eles... aos alunos eles incentivavam mais, bom apesar de que é...
entrou uma professora antes mesmo da KCSM, depois, parece que ela quis trabalhar
brincando como a gente costuma fazer brincando e eles não aceitaram e reclamaram. Eu
sei o que é, é brincar como aprender o que é direita o que é esquerda, essas coisas, pelo
que ele me falou eleso aceitaram. Contar né, brincando, aprender matemática cantando,
desenhando e eles não aceitaram... Não aceitaram. (professora MLCS – 53 anos)
Entendo que é de fundamental importância que os professores sejam assistidos pela
direção e coordenação da escola, no sentido de dar apoio e auxilio na construção de uma
prática satisfatória para ambos. Percebe-se na fala das professoras que não recebem auxilio
algum neste sentido; é na atividade conjunta entre direção, professores e alunos que
acontece a transmissão e assimilação de conhecimentos, habilidades e hábitos, tendo em
vista a instrução e a educação. Sabe-se que o grande problema do fracasso escolar se deve a
fatores externos à escola, mas também, aquilo que a escola e os professores fazem ou
deixam de fazer.
A professora MLCS se coloca como a única que incentiva os alunos ao aprendizado.
Sua concepção de ensino e de aluno é a de que o professor é o centro do processo e que o
136
aluno é uma tábula rasa que deve receber o conhecimento. Conteúdos apresentados a partir
de atividades lúdicas não fazem parte da metodologia desta professora. Quanto à professora
KCSM, seria preciso refletir sobre o que ela entende por um “ensino mais simples” que o
dos outros.
Acredito que uma das características da Educação de Jovens e Adultos como
modalidade diferente do ensino regular seja a diversidade de contextos em que ela se
desenvolve e a pluralidade de seus sujeitos. Por meio de suas histórias de vida, reúnem
marcas identitárias semelhantes ao mesmo tempo que singulares, é como se educadores e
educandos vivenciassem, na relação pedagógica, o encontro de várias experiências: a
desigualdade de oportunidades; a negação do direito à educação e à formação, que fica
evidente com tantos não, nenhum, nunca”, nas falas das professoras acima; as jornadas
longas de trabalho; o desemprego ou subemprego e as lutas por uma educação de
qualidade.
Diante dessa análise, pergunto: quem são os educadores e educadoras da EJA? Em
que condições atuam? Como motivam os educandos para estudar? O que os leva a se
envolverem com a EJA? Que lugar os professores da EJA ocupam nas definições das
políticas públicas para esta modalidade? Como a EJA é, de fato, concebida pela escola, e
que tipo de suporte e acompanhamento pedagógico é dado a essa modalidade de ensino?
Tais questões precisam ser apreciadas se queremos uma educação de jovens e adultos com
a qualidade.
Ao realizar suas tarefas básicas, a escola e os professores estão cumprindo
responsabilidades sociais e políticas. Proporcionando aos alunos capacidade para a atuação
no trabalho e nas lutas sociais pela conquista dos direitos de cidadania. Contribuindo assim
para a democratização social e política da sociedade.
O professor tem importante compromisso com a sociedade, como, desenvolver seu
trabalho docente, preparando os alunos para se tornarem cidadãos ativos e participantes na
família, no trabalho, na vida cultural e política. A escola e os professores têm sua parte a
cumprir na luta contra o fracasso escolar, adequando métodos, objetivos e conteúdos às
experiências e a ao nível de preparo dos alunos.
137
4.3 O PENSAR E O FAZER DOS ALUNOS
4.3.1 A importância da escola para os alunos
“Dar voz” aos sujeitos que foram, de alguma forma,
silenciados, é de puçá valia se não tentarmos, por
exemplo, compreender como e porque essas vozes foram
silenciadas. A compreensão das subjetividades requer
que se busque relacioná-las às condições sociais em que
foram produzidas, procurando ir além da mera
descrição e contribuindo para a acumulação do
conhecimento (ZAGO; CARVALHO; VILELA, 2003,
p.37).
Vários foram os fatores que levaram estes alunos a abandonar a escola, portanto,
antes de entendermos a importância desta para eles, torna-se necessário “dar voz” a estes
que foram silenciados pelas circunstâncias de vida. São relatos feitos entre lágrimas e risos
em que as palavras não seriam suficientes para transmitir a emoção por eles e por mim
sentida nestes momentos.
Perguntei a eles porque haviam parado de estudar. As falas dessas pessoas revelam
as difíceis condições da existência:
Eu comecei agora estudá, não tinha condições, morava no sítio e meu pai não tinha
condições de levá a gente pra cidade pra estudá, tinha um rio e o rio era muito grande,
então tinha dificulidade pra atravessá aquele rio, num estudei. (MJA feminino 53
anos)
Quando eu era pequena eu nunca num estudei, meu pai só ponhava eu na roça pra cuidá da
lavora, né. Agora depois de casada, com muito tempo, com os filhos tudo criado e casado,
inventei de estudá, e dano certo, graças a Deus, é a primeira vez que estudano aqui
agora. (MJS – feminino – 56 anos)
Eu parei de estudá que minha madrasta roeu com dez ano da minha mãe, me lepra
São Paulo.Robô com dez ano, pegô pra trabalhá pra ela, né, e daí eu larguei dos estudo. Aí
eu fiquei trabalhando em casa de família e sustentando ela lá e depois ela pegou eu e trouxe
pra Mato Grosso sem minha mãe sabê, ela tieu da escola pra trabalhá. Por isso que
eu num pude mais estudá, mas eu tava estudando eu ia até passá de ano, tieu da
escola pra trabalhá. morava no emprego e vinha em quinze em quinze dia pra casa por
causa dela, e agora que eu casei com esse policial aí, ele deu força pra mim arrumá um
138
estudo pra mim estudá. Aí que eu consegui arrumá um estudo e tô estudano. (BCS –
feminino – 31 anos)
Eu parei de estudá porque meus pais num tinha condições de pôr eu na escola. Era uma
época que minha mãe o tinha condições, minha mãe tava doente, né, e ela lavava roupa
pra fora, né, pra sustentá a casa. eu trabalhava em casa de família, né, no Ceará, eu
era faxineira, né, eu ajudava ela pagá aluguel, comprá as coisa pra casa. não dava pra
estudá, aí eu fiquei sem estudá. Nunca fui à uma escola.(LFS – feminino – 34 anos)
Eu parei porque, por causa da dificuldade que tava tendo, num tinha supletivo, eu parei.
quando eu era criança num era como hoje, né. A liberdade que tem hoje, as criança tem
mais facilidade, né, e aquele tempo morava em sítio, longe da cidade, pessoa humilde, né.
mais na roça trabalhando. As escola que tinha era na fazenda, fazenda longe, num
tinha como estudá. Minha mãe que me ensinava assim, comprava cartilha, ensinava, falava
que a gente tinha que aprendê fazê o nome, era assim, por isso que eu num estudei.(AAS
feminino – 40 anos)
Podemos perceber o quanto foi difícil a vida da quase totalidade destes alunos.
Alguns nunca foram à escola e os que foram, permaneceram por pouco tempo devido a
fatores familiares, financeiros, sociais, entre outros. A maioria deles teve que trabalhar
desde muito cedo para ajudar no sustento do lar. A aluna BCS foi roubada por sua madrasta
que a obrigava a trabalhar, outros por condições de distância da escola a própria mãe
ensinava escrever o nome. Assim, cresceram sem oportunidade de freqüentar a escola,
sendo privados do direito à educação que todo indivíduo tem.
Grande parte desses alunos pertence a famílias oriundas da zona rural, e eles
próprios tiveram que trabalhar nas lides de sítios e fazendas para ajudar os pais. As
mulheres, quase sempre se tornavam empregadas domésticas ou criavam os irmãos mais
novos, já que era comum nas famílias a prole ser numerosa.
É importante destacar que uma parte dos entrevistados cita a freqüência com que
mudavam de Estado, em busca de novas oportunidades de trabalho, o que prejudicava a
permanência na escola.
... Depois que minha mãe morreu, né, meu pai ficou assim mudando de um lugar para
outro, né, e não tivemo oportunidade muito mais pra estudá. (CSC – feminino – 45 anos)
Eu não estudei quando criança porque meu pai morava na roça, né, e quando (...) se tava
estudano, aí de repente ela muda pra outro lugá. Eu já viajei lugá pur , ixi... se eu te
contá... (IFP – masculino – 27 anos)
139
A gente morava no sítio, né. (...) Na mesma hora que tava no sítio, nóis não tinha terra
própria, né... Nóis tinha que ta mudando pra li, pra cá... Nóis saimo do Paraná eu tinha
oito ano de idade, fomos pro estado de Rondônia... (AOV – masculino – 42 anos)
Após enfrentar muitas dificuldades no decorrer da vida e perceber a importância de
estudar, sentiram necessidade de retornar à escola, então, perguntei se a escola era
importante para eles.
Com certeza né, acho que se num fosse, eu num taria aqui, eu aqui porque eu quero fazê
a minha carteira de motorista, né. Eu num tenho, né. eu quero aprende a pra fazê a
carteira de motorista. (IFP – masculino – 27 anos)
É, é muito importante! Porque eu quero aprendê a lê. Eu sei que eu num arcançá mais
assim... pra um advogado.... importante é sabê lê, sabendo bão demais. (DLR
feminino – 44 anos)
Ah, pra mim é importante, né. Porque a minhas criança sabe lê; quando eu peço pra ele
fazê alguma coisa pra mim eles num gosta de fazê. Aí pra mim é importante. (ALX
feminino – 41 anos)
Sim, é importante sim! Pra gente sê alguém na vida tem que estudá, sade alguma coisa
senão... (CASA – masculino – 40 anos)
A aluna MOF nos impressiona com sua história:
Ah, eu acho, porque eu desde criança, não me deram oportunidade. Eu não fui criada com
meu pai nem com minha mãe. Fui criada por uma família que mora no CPA, né, que eu
num gosto nem nunca visitei, nem pretendo nunca nem... nem falá com eles, porque eles me
trancavam quando eu falava em escola. E eu morava com ela é... desde os oito anos e ela
era professora, não sei se ainda é hoje, né. E eu falava pra ela, eu chorava, eu fugia com
livro dela, ía pra escola, ela me pegava na sala na marra, me levava pelos cabelo e eu
ficava irritada com aquilo. eu falava pra ela que eu queria estudá, que eu queria
alguém na vida, ela falava assim, que não precisava, eu tinha que trabalhá, fazê o que ela
mandava, não estudá, isso não era importante pra mim. Mas eu tinha desde criança
aquela... aquela sede de estudá e crescê, de lê tudo que eu sempre gostei, né. foi indo
assim, de tanto ela me proibi ir à escola, eu fugia ela ponhava a polícia atrás, eu ía de
novo, eu fugia de novo. a segunda vez que ela me pegou na sala, a professora veio à
frente dela e falou assim: “porque você num faz a matrícula dela, tem vaga, eu ponho ela
aqui”, ela falava que não queria porque eu ía pegá amizade com a turminha da escola, eu
poderia também levá pra casa e ela não ía aceitá isso, aí quando chegava em casa ela batia
e falava assim: “você não exprementa fugir de novo, que filho de gente burro não precisa tê
estudo”, que ela conhecia meus pais e eles num sabiam lê também. ela falava que não
porque eles não sabia que eu ia que sabê, que eu não precisava aprendê. Então isso me
140
revolto muito. Então eu passei a morá com outras família, . Depois que eu fugi dela, ela
procurou, pôs polícia atrás, caçaram mas eu me escondi bem, que eu entrei... fui morá
com ela eu tinha oito anos, com quinze anos que eu fugi dela, nunca mais ela me s a
mão. que, assim, com a família que eu morava sempre tinha criança pequena, eles
trabalhava, eu tinha que cuidá da casa e dos filho, então nunca sobrô chance pra mim. Aí a
revolta que eu tinha de escola que quando falava:“MO você tem que estudá”, eu falava
“não estudá, não porque não suporto entrá numa sala de aula”, eu tinha revolta
daquilo. Aí depois que eu arrumei meu marido, que eu com essa idade, eu falei: “não,
eu preciso aprenlê, eu tenho que aprendê”. Eu tenho duas filha também que lê, escreve
de tudo e eu falo pra elas: “uma coisa que vocês tem na o que eu nunca tive”. Eu quero
que elas continue no estudo até... (MOF – feminino – 36 anos)
Todos os alunos foram enfáticos em considerar importante a escola, o principal
desejo deles é aprender a ler e escrever para ser independentes em coisas simples como tirar
a carteira de motorista. É impactante quando o aluno CASA diz que para ser “alguém na
vida” tem que estudar, desta forma acredita não ser ninguém, não percebe o papel social
que tem, capaz de intervir e transformar a realidade em que vive, mesmo não sabendo ler e
escrever, então, como sugere Freire (1980, p.15), torna-se parte das “massas silenciosas”
que carentes de consciência crítica mantêm e eternizam o status quo.
É triste e forte o depoimento da aluna MOF, percebendo-se o trauma e a revolta que
sempre carregou em relação a escola devido a criação que recebera. Foi sempre muito
maltratada e humilhada principalmente pela “mãe” que a criou, tendo negado o direito de
freqüentar a escola. Só hoje, após casar e ter filhas é que criou coragem para voltar à escola
e aprender o que mais estima, ler e escrever. Vimos, por meio da triste história de MOF
duas faces de ser professor. Uma da “professora” que a criou” lhe negando o direito ao
conhecimento ao afirmar que “filho de gente burro não precisa ter estudo”. E a outra face
de uma professora que incentivava e intercedia para que MOF frequentasse a escola.
4.3.2 Fatores que motivaram o retorno aos estudos
Ao perguntar aos alunos porque voltaram a estudar, todos foram claros em seus
ideais.
141
É... porque eu procurava serviço e não encontrava, só achava assim se tivesse um estudo,
então eu falei o único jeito é vortá estudá. Como a idade que eu tô com ela né, vortá estudá.
(CSC - feminino)
Ah, porque eu quero aprendê, né. Porque toda vez que eu ia no centro, no banco, eu tinha
que o dedão né. Eu achava tão chato, ficava com vergonha, eu quis estudá pra mim tê
aumenos uma profissão assim de ... Eu quero lê, né, e também na minha igreja todo mundo
canta no hinário, lê bíblia e eu num leio. Eu quero lê, cantá no hinário, é isso... pra isso que
eu voltei estudá. (MSJV – feminino – 49 anos)
Porque eu decidi voltá estudá? É por causa dos meus filho, ele falô (marido) “Não, você
tem que estudá porque se você num estuvai ficá ruim pra você e prás criança”. Porque
as criança na quarta série, uma na quarta e outra na terceira, eu num sabê ensiná
eles o que eles vai precisá de mim, né. eu coloquei as coisa na minha cabeça que eu
tenho que estudá mesmo pra ensina eles, as lição deles de casa e eu também que... sabê fazê
as coisa sozinha, né. (BCS – feminino – 31 anos)
Eu voltei estuporque melhora pra mim né, meu serviço também que eu trabalho por
conta, talvez tem que fazê uma nota, eu tenho que pedindo favor pra minha esposa, pro
meus filho. Tem hora que num tem nenhum deles, eu fico preocupado. Tem vez que eu
deixo de venuma bicicleta, vendê peça porque o cara qué a nota, “Ah, eu num tenho a
nota”. o cara vai embora... eu perco de vendê, né. Por isso que eu voltei estudá. Não,
voltei estudá porque é melhor pra gente né, que a gente sem estudo num é ninguém. (AOV
masculino – 42 anos)
Eu? Interessado, né, que nem pra gente andá nesses ônibus tem que sabê um pouco de
leitura, né. Tudo quanto é coisa fica perguntando pros otro, vai notro canto tem que
perguntando pros otro, então já falei “vô tomá vergonha, a escola aqui perto de casa, eu vô
estudá”. (SPS – masculino – 70 anos)
A motivação primeira desses alunos é a necessidade de assinar o próprio nome,
possibilitando solucionar problemas práticos, especialmente os referentes à utilização de
documentos, emprego, família, independência no locomover-se através do transporte
público e problemas de caráter simbólico, ou seja, de sentirem-se libertos do estigma
negativo atribuído socialmente à condição de analfabeto.
Apesar da maioria dos entrevistados dizer que pretendem arrumar um emprego
melhor, Paulo Freire vai dizer que a simples aprendizagem da leitura e da escrita não faz
milagres, não é ela, em si mesma, a que cria empregos. Aprender a ler e escrever torna-se
uma oportunidade para que mulheres e homens percebam o real significado do uso das
palavras, que tenham um comportamento humano que envolve ação e reflexão.
Os jovens e adultos procuram a escola, como já disse, movidos pela expectativa de
conseguir um emprego melhor, ou pelo desejo de elevação da auto-estima, da
142
independência e da melhoria de sua vida pessoal, como, por exemplo dar bons exemplos
aos filhos, ajudá-los em suas tarefas escolares, etc. Em suma, pode-se deduzir que o maior
motivo da procura da escola é a necessidade de fixar sua própria identidade como ser
humano e social.
A aluna MSJV relata a vergonha que sentia toda vez que precisava “colocar o
dedão” para assinar algo, também sempre sentiu o desejo ler a Bíblia e cantar no hinário
como todos na igreja; esta fala se repetiu várias vezes entre as mulheres evangélicas e de
mais idade. A Bíblia é um estímulo para que esses alunos desejem aprender a ler e escrever.
... Eu gosto muito de lê a Bíblia que pra mim também é muita coisa importante pra mim,
né... (JAJ – feminino – 62 anos)
Eu acho importante, né. Porque eu evangélica, né, e eu quero ir na igreja. Eu quero
uma Bíblia, eu vejo todo mundo e eu num posso, porque eu num sei lê. (ALX – feminino –
41 anos)
... A gente vai na igreja, por exemplo, eu tenho um hinário. Eu num sei lê. Aí, eu chego na
igreja, sento lá, ta todo mundo com o hinário cantando, abre o hinário, sabe o hino que
cantando. vai lê a Bíblia, eu num sei lê, como que eu vô... então isso me deixa
irritada... (MOF – feminino – 36 anos)
...Eu to afim é de sabê alguma coisa, assim... num precisá ficá pedindo pros filhos, nem
pra genro, nem pra nora, nem pra ninguém. Eu mesmo pegá e lê, na,a Bíblia, uma carta,
um biete, quarqué coisa que vim, né... (MJS – feminino – 56 anos)
A partir dos relatos dos alunos percebe-se a prática da leitura e da escrita no intuito
de adquirir conhecimentos de forma mais geral, numa dimensão utilitária, expressando
assim, somente a visão funcional das mesmas.
O mundo atual está exigindo níveis de letramento cada vez maiores, obrigando os
indivíduos a freqüentarem a escola, mas sabemos que eles precisam desses conhecimentos
não apenas do ponto de vista técnico, mas dizer sua palavra como direito de expressar-se e
expressar o mundo, de criar e recriar, de decidir e optar.
143
4.3.3 O apoio ou não da família
Sabemos que em qualquer idade o apoio é fundamental, especialmente neste caso
em que os alunos nunca o receberam para estudar, mas como estão vivendo um nova fase
da vida, perguntei a eles se tiveram apoio da família para voltar a estudar ou se receberam
críticas.
Não... meus filho sempre, sempre me deram muito apoio. Sempre eu tinha vergonha de vim
pra uma sala de aula achando que era só eu que era analfabeta, e depois... muitas pessoas,
né, e tem muito mais que tem vergonha, né, de vim na escola, mas eu acho assim que todo
mundo que num sabe tinha que tê uma oportunidade de vim pra conhecê a escola. Que eu
tenho minhas vizinha que num sabe, sempre dando força pra elas vim pra estudá.
elas pega: “mais eu tenho vergonha, na idade que agente tá...”. eu falei: não, mais eu
cabei a vergonha. Quando eu entrei na sala de aula eu achei que era eu e era um monte
de gente, e a gente conversando com as pessoa, você vai descobrindo que tem muitas
pessoa analfabeta, muito analfabeto. Tem muitas pessoa que num conhece nem o
abecedário, né, e eu conheci porque sempre meus filho me ensinô um pouco. O pouco que
eu sei eles que me ensinô. Mas é assim, oportunidade de estudá quando criança eu nunca
teve mesmo. (AFS – feminino – 47 anos)
Tive. Do meu esposo, dos meus filhos, todo mundo me apoiô, se esforçô pra mim vim, né.
Quando eu falo que eu quero pará, ele: “Não, é pra mim continuá”. Ele num qque eu
paro. (DLR – feminino – 44 anos)
Agora? Sim, tive apoio sim da minha família. (DGN – masculino – 30 anos)
Tive sim, as vezes eles pedia pra mim estudá, voltá a estudá, né. Eu pensava muito, até que
eu falei não, vou estudá sim, né, porque a família apoiando, tem mais uma força a mais.
(GFN – masculino – 29 anos)
Apoio de família eu num tenho porque eu num conheço meus parente, né, mas os amigo
critica a gente... essas coisa, né: “pra que estudá?” eu falo: “a idade nunca é tarde pra
estudá”. Na minha opinião, eu com trinta e oito ano... eu quero consegui alguma coisa...
(MNS – feminino – 38 anos)
A maioria dos alunos respondeu que agora tem apoio de familiares e amigos, mas
nem sempre foi assim. A aluna AFS mostra o que a impedia de voltar à escola, vergonha
por pensar que ela era analfabeta. Muitos alunos têm vergonha de freqüentar a escola
depois de adultos, pois pensam exatamente como a aluna AFS, que serão os únicos adultos
em classe que “não sabem nada” e por isso sentem-se humilhados, m insegurança quanto
144
a sua própria capacidade para aprender. a aluna MNS mesmo não tempo apoio,
permanece firme em seu propósito, pois almeja conquistar seus objetivos.
O analfabetismo, além de grande injustiça, ameaça a ordem econômica da
sociedade, gerando sérias conseqüências, como a incapacidade dos analfabetos de tomarem
decisões por si mesmos, de participarem do processo político e de inserção no mercado de
trabalho. Dessa forma, o analfabetismo ameaça o caráter da democracia. A alfabetização
não pode ser considerada como simples lidar com letras e palavras, como uma esfera
puramente mecânica. Precisamos transpor essa compreensão gida da alfabetização e
encará-la como a relação entre os educandos e o mundo, mediada pela prática
transformadora desse mundo, que tem lugar no ambiente em que vive.
4.3.4 A importância da leitura e da escrita
É comum encontrarmos pessoas que têm dificuldades para escrever no papel suas
ideias a respeito de algo. Isso ocorre principalmente porque o indivíduo não tem
informação suficiente sobre aquele assunto específico. De outra forma, também não é
comum encontrar essas mesmas pessoas lendo uma obra poética, de ficção, um jornal, uma
revista, etc. O que todos precisam compreender é que a leitura é a base para a boa escrita e
mais que isso, deve-se ler para enriquecer-se culturalmente, ler pelo prazer. Pensando nisso,
perguntei aos alunos se achavam importante ler.
Justamente. Porque é preciso, né. Como que vai saí num lugá, vai assiná um papel,
como que vai assiná aquele papel sem ele, sem sabê o que significano aquele papel
pra você assiná? num tem como né, tem que sabê mesmo. (ASRM masculino 23
anos)
Ah, eu acho muito importante, porque pelo menos eu sabendo o que se passando
dentro de um jornal. Você passa a saber, o que tá se passando dentro de um livro. eu gosto
muito de lê... (JAJ – feminino – 62 anos)
Ah, eu acho, porque a gente que num sabe lê, a gente é cega, né, e quando a gente começa a
a gente começa enxergar o mundo de outro jeito, né. A professora memo ensinando
como falá certo né; que o que a gente fala tá errado. Então ela tá ensinando a gente corrigí
a língua da gente tudinho. Então eu acho que isso que é importante na vida da gente. (AFS
– feminino – 47 anos)
145
Sim, porque você precisa de ir num lugar, lugares que você tem vergonha de se informar, e
outros não, mas tem muitas pessoas que o te informam as coisas certo, te bota num
ônibus errado. Então, é muito importante você sabê. (SRDL – feminino – 33 anos)
Eu acho. Ah, a leitura é tudo né, porque se agente num sabe lê... perdi muitas coisa
assim, serviço que é pra quem sabe lê, escrevê bem. eu num peguei porque eu num sabia
né. Talvez a gente trabalha numa casa, eles pedem pra anotá um número, um telefone.
Número de telefone eu sei anotá né, agora pra fazê o nome das pessoa... Eu trabaiei na
casa de um advogado... era sacrifício... As vez alguém deixava recado pra podê dei
anotado e eu num sabia. Tudo isso eu ficava triste com aquilo, eu ficava muito pensando
assim né, tem que estudá né, pra...(AAS – feminino – 40 anos)
Todos os alunos foram unânimes em responder que acham a leitura importante,
principalmente, para realizar atividades sociais como assinar um papel, ler um jornal, ler
livros, pegar um ônibus, fazer anotações no trabalho, entre outros. Chama atenção quando a
aluna AFS diz que quando não se sabe ler a gente é cegae quando começamos a ler a
gente começa enxergar”. Este conceito está baseado no senso comum, principalmente nas
camadas populares, pensam não ser capaz de vislumbrar nada se não souberem decodificar
símbolos, desconhecem a importância da vivência de mundo que possuem.
Destaco ainda a fala desta mesma aluna quando diz que a professora ensinando
como falá certo, que o que a gente fala errado”. É preciso enfatizar o preconceito
lingüístico praticado pela professora. Sobre isso, Ferreiro (1992, p.26) afirma que, “ao
desprezar uma variante dialetal se está desprezando não somente o aluno, mas também o
grupo social a que ele pertence (...) a escola não pode, por mais que o pretenda modificar
a língua oral da comunidade”.
A variedade linguística, da qual os alunos são portadores, parece ser vista pela
professora como “errada, feia, vulgar, variedade que comete deslizes, ou que chamam de
erro por ferir a outra variedade, considerada, em contrapartida, bonita, certa, preciosa e
útil para que o indivíduo ascenda socialmente” (Braggio, 1995, p.114). Esta variação
ocorre porque os alunos carregam a marca linguística de sua língua materna, e também pela
diversidade regional existente na sala, por isso, a forma como os alunos falam, não pode ser
considerada errada. Para esta professora a modalidade padrão da língua é o modelo, julgado
superior às outras variações. Por ter essa concepção ela corrige as falas e escritas de seus
alunos, conforme vimos nas falas dos sujeitos
146
A importância de se aprender a ler e a escrever esenraizada no conceito de que o
homem torna-se livre através do domínio da palavra para se integrar à sociedade letrada da
qual fazem parte por direito, mas que não pode participar plenamente quando não domina a
leitura e a escrita. A linguagem é considerada tão importante que a história dividiu-se em
antes e depois da escrita. Posterior a isso, o homem passou a registrar sua cultura, suas
descobertas, emoções, enfim, sua forma de ver o mundo. Antes, o homem se comunicava
através do desenho e da pintura, mas com a escrita passou a se comunicar e socializar seus
registros através de um sistema convencional de sinais fechados.
Para que o indivíduo construa a habilidade de ler e escrever é necessário que
compreenda a sua própria existência e tenha consciência que a função da escrita é de
registrar acontecimentos criados e vividos pelo homem. Portanto, a escola deve buscar o
desenvolvimento de um variado número de competências, incluindo a habilidade de
construção da escrita e da leitura (mas não somente) de forma significativa.
4.3.5 O significado da leitura e da escrita
Solicitei aos alunos que explicitassem seu conceito de leitura, e percebi que a
maioria tem uma visão generalizada do que seja o ato de ler. A leitura para eles está sempre
ligada ao fazer algo, ou seja, mais sobre a utilidade da mesma em seu cotidiano.
Ah... conhecê as letras. (ECS – feminino – 29 anos)
Ah, eu acho que é lê é... é um sonho, né, é flutuá num livro né, numa Bíblia assim, e eu acho
assim que a hora que eu aprendê a lê mesmo, eu vô muito, porque agora mesmo eu tenho
curiosidade, né, de lê, de pegá as coisa e tentá lê. Eu vejo uma placa eu quero lê, então eu
acho que é assim, é uma clareza na vida da gente. Que a gente vive assim no escuro, que se
chegá uma coisa na sua casa você num sabe o que que tá escrito, você tem que esperá a
pessoa... filho ou esposo chegá pra lê. Então, as vez é uma coisa importante e vonum
sabendo o que que é. (AFS – feminino – 47 anos)
Eu acho que lê é importante, né. Eu acho que significa... eu num sei ... eu queria aprendê
pra mim sabê se é importante ou não, mas eu acho que é importante sabê , porque a
pessoa tá escrevendo lá e você num tá sabendo o que a pessoa tá escrevendo se tá xingando
você ou não. Importante que eu acho é de sabê o que tá escrito, né, pra mim explicá. As vez
147
eu num posso explicá pro meus filho o que eles num sabe porque eu também num sei, aí eles
num aprende nada que presta, porque eu num sei. (ALX – feminino – 41 anos)
Olha eu acho que lê é uma coisa tão boa, é... que distrai a gente, outra... é... a gente qué
manda uma carta pra família, pro irmão que longe, até pra mãe ou pra uma tia. Mas
como que manda, num sabe nem o endereço, num sabe escrevê o endereço da casa, num
sabe o endereço da mãe? Precisa pedir ajuda, que num é todo mundo que tem essa vontade
de ajudá, né. Eu acho que o estudo, a leitura é a melhor coisa que tem. (MOF feminino –
36 anos)
pra mim, vamo supô assim, é uma obrigação que todos nós somo brasileiro, tem que lê.
Tem que lê porque se nós não soubé lê, como é que nós vamo em frente? Tem a história
quem num sabe vai a Roma, mas vai porque é informação, por informação você vai em
qualqué lugar, sem informação num vai. Talvez lá o nome na frente tem que
perguntano duas, três vez: “Será que é aqui, será que eu tô certo?” Igual no início quando
eu cheguei aqui em Cuiabá, fui trabaiá na minha profissão que é borracheiro, perdi, o
serviço porque os vário dia que eu tava trabaiano, trabaiei atrês mês depois os cara falô
“Você vai tê que saí pra fora”. Quando chego lá, a firma falo: “Pra nós num serve, você
num sabe fazê nota, num sabe nada. quando eu retornei pra trás, o quadro tava cheio
na firma, a firma me dispensô. Vários serviço também que eu perdi. É mesma coisa de você
chegá numa encrusilhada e o cara fala assim: “É pra lá ou pra cá?”Aí você num tem como
segui adiante, né. (AOV – masculino – 42 anos)
Além da visão utilitarista que todos os alunos têm do ato de ler, a aluna AFS
considera a leitura como um sonho, flutuar num livro”, a leitura é pensada por ela como
um mundo de fantasias que ultrapassa esta dimensão. Esta concepção também é muito
considerada pelas crianças que têm o imaginário bastante aguçado; ao considerar a prática
da leitura como um “sonho” desconsidera-se que a leitura é uma prática social que se
realiza nas relações sociais. A leitura também é vista pela aluna MOF como forma de
distração, importante estímulo para ajudar a desenvolver este hábito. Poucos, entre os
alunos entrevistados vêem a leitura como forma de prazer e divertimento.
O aluno AOV considera a leitura como obrigação que todos devemos ter, até faz
uma relação com o ditado popular “quem tem boca vai a Roma” dizendo quem num sabe
vai a Roma”, ele faz esta referência por considerar que se chega até Roma através da
informação, considerando também a leitura como um meio de informação. Este conceito de
leitura aproxima-se das categorias de leitura que Silva propõe:
a) Leitura de informação: atualiza o leitor acerca dos acontecimentos que ocorrem ao seu
redor. Temos como exemplo os periódicos, enciclopédias e outros.
148
b) Leitura de conhecimento: relaciona-se com os processos de estudo e pesquisa do leitor.
Estão circunscritos à área de atuação profissional na sociedade. A consciência busca os
textos que se referem aos problemas da sociedade.
c) Leitura de prazer: o prazer pela leitura estética que conduz aos textos literários em que
suas interpretações são infinitas, dada a polissemia da palavra literária (SILVA apud
OLIVEIRA 2005, p.150).
Embora a ênfase da fala do aluno AOV seja dada apenas a uma dessas categorias,
elas não acontecem de forma isolada, elas sempre vão se encontrar em algum momento do
texto.
Segundo Freire (1989, p.28) a leitura de mundo precede a leitura da palavra
porque na realidade estamos lendo o que nos permeia, tudo o que está ao nosso redor é uma
leitura que se faz, de acordo com quem olha. O ato de ler expande o leque de experiências
do ser enquanto criança ou adulto, vislumbrando novas formas de pensar o mundo e a si
mesmo. São várias as possibilidades de abertura de horizontes quando o indivíduo se
apropria do ato de ler. Portanto, a leitura deve ser concebida como atividade de construção
dos sentidos de um discurso do “eu” com o “outro”, mediatizados pelo mundo; o ato de ler
não pode ser considerado simplesmente, como uma atividade receptiva. Tal habilidade não
está somente ligada às estratégias cognitivas individuais dos educandos, mas ao
compromisso social dessa prática, pois cada ser humano, estudante ou não, traz para o ato
de ler sua bagagem de vivência do mundo
.
4.3.6 Os textos para leitura
Todas as entrevistas foram feitas na biblioteca da escola pesquisada, visto que era
um local quase nunca frequentado pelos alunos, tornando-se assim um lugar calmo e
silencioso para realizar esta tarefa. Perguntei aos alunos se eles sempre vinham à biblioteca
para tentar ler os livros. Fiquei impressionada ao constatar que praticamente todos os
alunos nunca haviam entrado lá e nem sabiam que podiam frequentar este espaço, embora o
acervo existente fosse bastante precário.
Não, nunca vim aqui, nunca entrei aqui não, é a primeira vez. (MNS – feminino – 38 anos)
Não, aqui não, aqui eu nunca vim não, mas quero vim.
(CLS – masculino – 41 anos)
149
Não, nunca vim, é a primeira vez que eu tô entrando aqui. (DLR – feminino – 44 anos)
Nunca vim, nunca vim, mas a gente pode vim então? Que legal, né! Que bom pra aprendê
mais, né?! (IVS – feminino – 42 anos)
Não, nunca vim. A gente nunca teve essa liberdade, né. A professora nunca falô se a gente
podia ir ou não, né. (AOV – masculino – 42 anos)
Dos vinte e sete alunos desta turma, apenas uns poucos entraram na biblioteca
durante todo o ano letivo.
Eu vim aqui uma vez com a professora (NSO – feminino – 31 anos)
Eu só entrei uma vez aqui só. (IFP – masculino – 27 anos)
Eu venho aqui, eu venho direto. É eu tento lê, eu sozinho eu leio bem, assim no meio do
povo que eu né... que eu mexo com computador em casa né, falo um pouco inglês, falo
um pouco Paraguai, né. A vergonha num deixa a gente falá no meio do povo, né. (DGN
masculino – 30 anos)
Sim, já vim aqui várias vezes, vim, já li sobre as histórias, achei bom. Ajuda porque aqui
ce num lugar aqui isolado, aqui você tem mais tempo pra você lê e entendê. Conhecê as
coisas ... Como eu já tive muito tempo parado e aqui é melhor pra reconhemais. (GFN
masculino – 29 anos)
vim algumas vezes, uma olhada, mas nunca peguei assim pra mim falá assim não,
olhei alguma coisa, já dí alguma lida num livro. Num cheguei assim de pegá, sentá e levá
pra sala pra mim ficá lendo, ainda não, porque também o tempo da gente é meio curto né. A
gente chega do serviço, vem pro colégio, sai do colégio tem que ir pra casa descansá, então
o tempo é meio complicado. (EPC – masculino – 28 anos)
Já, eu vim, olhei, levei dois livro pra casa, quase na metade do livro . Eu quando
não entendo eu buscá no livro, eu peço ajuda pra quem sabe mais que eu, eles me
ensina. (SMBM – feminino – 27 anos)
Foi possível perceber que a interação entre a biblioteca e os alunos desta escola é
praticamente inexistente. O espaço é pequeno, o acervo precário, sempre desorganizado por
não possuir ninguém responsável para manter o local em ordem, além de ser um local
150
muito fechado e quente, não proporcionando aos alunos um ambiente adequado para
leitura. Na verdade, não se pode considerar este espaço como biblioteca e sim uma sala
com alguns livros.
O aluno AOV diz que nunca tiveram a liberdade para ir até a biblioteca, culpando as
professoras que nunca disseram se poderiam ir ou não, reclama também que sempre ocorre
mudança de professoras, fato este que a professora KCSM comenta que muitos professores
acabam desistindo de continuar nesta escola por considerar o bairro perigoso e distante para
trabalhar no período noturno.
Este retrato confirma os dados da pesquisa realizada pelo INAF (2005), em que
perguntou aos entrevistados se estiveram numa biblioteca e onde. Os dados mostraram
que diminuiu o número dos que estiveram numa biblioteca pública (de 59% para 49%),
mas aumentou um pouco os que estiveram numa biblioteca escolar (45% para 49%). A
maioria dos alfabetizados no nível rudimentar e básico não costuma ler livros (29% e 16%)
ou lêem um tipo de livro (42%), geralmente a Bíblia ou livros religiosos. entre
pessoas alfabetizadas no nível pleno tem uma maioria de leitores que diversifica seus
interesses (33% costumam ler dois gêneros e 34% três ou mais gêneros). No geral, ainda é
pequena a quantidade de livros nos domicílios brasileiros. Um terço dos entrevistados
(33%) afirma ter menos de 10 livros em casa e 45% estimam ter de 11 a 50 livros. 21%
estimam que em sua casa há mais de 50 livros.
Comparando esses dados com os do Instituto Pró-Livro (2008) percebemos que a
biblioteca ainda é vista como um lugar desinteressante para a população. A maioria dos
entrevistados - 67% - afirmou que sabe da existência de uma biblioteca pública em sua
cidade, mas 73% declararam que não costumam usar o serviço. A estimativa indica que três
a cada quatro brasileiros não vão às bibliotecas. A pesquisa mostra ainda que 8% dos
brasileiros, cerca de 15 milhões de pessoas, não têm nenhum livro em casa.
Ainda segundo esta pesquisa, a maior parcela de não-leitores está entre os adultos:
30 a 39 (15%), 40 a 49 (15%), 50 a 59 (13%) e 60 a 69 (11%). O número de não-leitores
diminui de acordo com a renda familiar e de acordo com a classe social. Quase não não-
leitores na classe A e há apenas 1% de não-leitores quando a renda familiar é de mais de 10
salários mínimos. Isso pode levar à conclusão de que o poder aquisitivo é significativo para
151
a constituição de leitores assíduos e que a diminuição do número de pessoas que foram a
uma biblioteca pública deve servir de alerta para orientar políticas de promoção da leitura.
Portanto, apesar de não ter um enfoque específico, recai sobre a escola (embora não
sobre ela) a tarefa de reverter o índice de não-leitores no Brasil, não apenas por meio de
programas de alfabetização de jovens e adultos, mas também, pelo investimento em curto
prazo e maior na valorização social da leitura e do livro e no aperfeiçoamento do processo
educacional.
Para se formar leitores, os PCNs (2001, p.58-59), afirmam que além de bons livros e
materiais impressos, são fundamentais momentos de leitura livre e propostas guiadas para
este sentido, o que é ratificado por Freire, ao afirmar que a biblioteca não deve ser
considerada como depósito de livros, mas um espaço cultural para uma ampla forma correta
de ler.
Ainda sobre os textos para leitura, levei alguns exemplos de textos diversos para o
momento da entrevista, com o objetivo de verificar os níveis de leitura e letramento de cada
aluno. Solicitei a cada um que lesse e dissesse qual “tipo” de texto era aquele. Os textos
encontram-se nos anexos desta pesquisa. O primeiro gênero textual é uma poesia e onze
alunos conseguem fazer a leitura com muita dificuldade, “comendo” muitas palavras e
letras. Vejamos a transcrição da leitura feita pelos alunos:
Feliz e sorrindo sou singular, eu erro e aprendo e a natureza da via, vou sorrindo e
aprendendo os conhecimento da vida a cada dia buscando em aprender em todas as horas a
vida é uma estrada a percorrer e aprender e atingimos o sabedoria e assim sou como uma
águia azul que não tem as dificuldades sobrevoando este céu azul e sentindo a brisa do
mar. (JAJ – feminino – 62 anos)
Feliz e sorrindo sou... sigular eu era e aprendendo e a natureza da vida vou sorindo e
aprendendo os conhecimentos da vida a cada dia buscando em aprender em todas as horas
a vida e uma estrada a percore e aprender e atingimos a sabedoria e assim sou como uma
águia azul que não teme as dificuldades sobrevoando este céu azul e sentindo a brisa do
mar (BCS – feminino – 31 anos)
Sim, vou vê. Feliz e sorrindo, sou sigular, eu erro e aprendo e a natureza da via vou
sorrindo e aprendendo os conhecimentos da vida a cada dia buscando em aprender em
todas as horas, a vida e uma estrada a pecorre e aprender atingirmos a sabedoria e assim
sou como uma agia azul que não teme as dificuldades sobrevoando este céu azul e sentindo
a brisa do mar. (IVS – feminino – 42 anos)
Feliz e sorrindo, sou... sigular eu era... erro e aprendo é a natureza da vida, vou sorrindo a
aprendendo os conhecimento da vida a cada dia buscando em aprender em todas as horas e
a vida é uma estrada é a percorrer e aprender atingimos a sabedoria e assim sou como um
152
algumas azus que são tame as dificuldades sobrevivendo essa céu azul e sentindo a brisa do
mar. (EPC – masculino – 28 anos)
Feliz e sorrindo, sou singular eu erro e aprendo eu a natureza da vida vou sorrindo e
aprendendo os conhecimento da vida a cada buscando a cada dia buscando em aprende, e
tudo as horas a vida é uma estrada a percorrer e aprender e di... atigremos a sabedoria e
assim sou que não teme as dificuldade sobrevoando este céu azul este e sentindo a brisa no
mar. (SMBM – feminino – 27 anos)
O restante da turma (dezesseis alunos), não conseguiu ler.
Ainda não, ainda não. (MJA – feminino – 53 anos)
Num consigo. (MJS – feminino – 56 anos)
Não Andréia, não. (AFS – feminino – 47 anos)
Num dô conta. (ALX – feminino – 41 anos)
Não, nenhum pedacinho (risos). (NSO – feminino – 31 anos )
Apesar de alguns alunos conseguirem decodificar com dificuldade o texto, apenas
dois conseguiu explicar a mensagem do mesmo.
Ah! É um tipo de texto assim que eu pude entendê, que a gente nunca pode desistí do sonho,
que é sonhando que um dia a gente vai consegui chega lá. (EPC – masculino – 28 anos)
Acho que é um texto que... ensinando que não deve pará, eu acho. Passando assim uma
mensagem assim, de apoio, né, força pra gente. (SMBM – feminino – 27 anos)
Mas não souberam reconhecer (ambos os que leram ou não) este gênero como sendo
uma poesia. Como não sabiam o significado do termo “gênero”, perguntei se sabiam que
“tipo” de texto era este:
Num sei. (CSC – feminino – 45 anos)
Não, num sei dize não. (CLS – masculino – 41 anos)
Não, não sei. (BCS – feminino – 31 anos)
Ah, eu num sei. (MNS – feminino – 38 anos)
Não, num sei. (AAS – feminino – 40 anos)
153
O próximo gênero apresentado a eles foi uma notícia de Jornal, perguntei que “tipo”
de texto era e se sabiam de onde havia tirado. A maioria soube responder que era de um
jornal.
Dum jornal? (DLR – feminino – 44 anos)
“Dengue fez sete vitimas fatais em Mato Grosso este ano”. Nossa! É do jornal. (IVS
feminino – 42 anos)
“Dengue fez sete timas fatais em Mato Grosso este ano”. De um jornal? Um jornal serve
mais pra elevá a gente o conhecimento sobre o mundo, sobre a vida fora, sobre as coisa
que a gente não tem conhecimento, tipo a dengue né, é bom. (GFN – masculino – 29 anos)
De um jornal. (SRDL – feminino – 33 anos)
Isso é dum jornal, né? Justamente dum jornal. “Dengue fez sete vítimas fatais em Cuiabá
que é o MT, este ano”. (ASRM – masculino – 23 anos)
Apenas cinco alunos não souberam responder:
Não sei. (ECS – feminino – 29 anos)
Da onde que tirou? Eu num tô lembrada não (JAJ – feminino – 62 anos)
Não. (CASA – masculino – 40 anos)
“Deus felizes sente, é vitina fatas em MT este ano”. É um negócio de igreja num é? Eu
acho. (CLS – masculino – 41 anos)
Não, sei não. (SPS – masculino – 70 anos)
Ao perguntar a eles como sabiam que era de um jornal se a maioria não sabia ler, as
respostas surpreendem:
Ah! (risos). Ah! ... pela, pela folha, né. (CSC – feminino – 45 anos)
Pelo tipo do papel é de um jornal. (IFP – masculino – 27 anos)
As letra é parecido, né, pelo tipo do papel. (MJA – feminino – 53 anos)
Porque tá parecido o papel. (MJS – feminino – 56 anos)
Pelas palavra, né, pelas letra eu conheço. (DLR – feminino – 44 anos)
154
Todos foram unânimes em dizer que reconheceram que era de um jornal pelo tipo
da letra e do papel, demonstrando que mesmo a maioria não sabendo ler, possuem um grau
de letramento em relação ao jornal, por terem contato com o mesmo no trabalho, na rua e
em outros lugares.
Dando continuidade, o próximo gênero apresentado aos alunos foi o anúncio de uma
loja, perguntei a eles se sabiam de onde havia tirado. Algumas pessoas não souberam
responder, outras sabiam que era de uma loja, mas não entendiam a intenção do anúncio.
Alguns pensaram que havia sido tirado de um jornal e a minoria compreendeu que se
tratava de uma propaganda.
Da loja... loja americana, né? Algumas coisa assim eu pegano, com o tempo eu
pegano legal. É a fachada da loja, né? (CASA – masculino – 40 anos)
“Lojas Americanas, grandes marcas, preços baixos todos os dias”. É uma revista, né, É um
texto de uma revista. falando da loja, ? falando que tem preços baixos todos os
dias, né... pra comprá né? (IVS – feminino – 42 anos)
Isso aí é de revista, né. Eu acho que sim. (MOF – feminino – 36 anos)
Esse aqui? Esse aqui também é dum jornal, né. (MSJV – feminino – 49 anos)
Isso aqui é duma revista, justamente. “Lojas Americanas”. Isso aqui é duma revista sobre
lojas, né? O que ele tá querendo dize, né, no meu pensar que é uma loja, lojas de produtos
de venda, né. (ASRM – masculino – 23 anos)
Como se tratava de um folheto de anúncio de uma loja, alguns pensaram ser do
jornal, ou de uma revista, mas no geral, a maioria sabia que estava se referindo à uma loja.
Outro gênero mostrado a eles e perguntado se sabiam qual era foi uma bula de
remédio.
É uma... como que fala... é uma receita de dentro de uma caixa de medicamento, num é uma
receita, é uma... é uma bulinha de um medicamento. (SRDL – feminino – 33 anos)
Aqui é duma farmácia, né. É de remédio isso aqui. Esse aqui é uma receita. (CLS
masculino – 41 anos)
Uma receita de remédio, não, isso aqui é uma bula de remédio, “Benerva”, né? (JAJ
feminino – 62 anos)
Esse aqui é receita de remédio. (BCS – feminino – 31 anos)
É uma receita, uma bula. (SMBM – feminino – 27 anos)
155
Também pelo tipo da escrita e pelo tamanho do papel, a maioria dos alunos
souberam que se tratava de uma bula, alguns usaram o termo “receita” mas referindo-se à
bula. Neste caso, foram bem mais rápidos em responder, visto que, é muito comum terem
contato com medicamentos.
Mostrei a eles também um versículo da blia e perguntei se conseguiam ler e dizer
de onde havia pegado. A metade conseguiu ler com bastante dificuldade e a outra metade
não.
Não. (SPS – masculino – 70 anos)
Esse aqui é um texto tirado dum livro, né. “A pessoa que procura segurança no Deus
Altíssimo...” Isso é um texto tirado de uma Bíblia, né, justamente. (ASRM – masculino 23
anos)
Não. (LFS – feminino – 34 anos)
“A pessa que procura sengencado no dias e a lentríssima a e sem as abria na sobre
protrege dos troto protesse dize a Ele ou se nome ou sim sem nome de tu sem o menso o
defensor e ou meu protetor tu sem ou meu Deus eu confio ne ti”. É a Biblia, né, da Bíblia.
(AAS – feminino – 40 anos)
Também não... não. (CSC – feminino – 45 anos)
Quando se trata de textos para leitura, a proporção desta turma é sempre esta, a
metade consegue ler de forma bastante precária e a outra parte não de forma alguma.
Com medo de tentar, eles dizem: “Eu não sei, não consigo, não vou nem tentar”,
demonstrando muita insegurança e um senso de incapacidade para leitura, tornado-se algo
constrangedor e vergonhoso para eles.
Por fim, apresentei a eles uma charge relacionada ao período do caos aéreo que
viveu o país no ano passado, apenas três alunos souberam relacionar a charge com a crise
aérea.
Um avião, né. Acho que é só esse cabra aqui mesmo, né, esse é o Lula, não é? falando
da crise aérea do avião, né. Eu num assisto muito televisão, esses negócio, mas sei que é da
crise aérea. (IFP – masculino – 27 anos)
Aqui é dentro do avião, né, “resolvendo definitivamente a crise, toca pra Congonhas
comandantes”. É sobre a crise aérea, né? Isso aqui é uma CPMI né, pra mim é... pra
resolver a crise aérea, né. (DGN – masculino – 30 anos)
156
Ah, esse aqui é um... esse aqui é resolvê a crise aérea, né, que tendo tanto pobrema...
tendo tanto pobrema no nosso pais, morrendo gente... Então, eles tão tentando se acha
alguma forma de... “troca para congonhas comandante”. Eu conheço o presidente Lula.
Esse aí ele teve que trocá de presidente pra vê se ... de piloto, né, pra vê se, ou de
administrador... pra se as coisa melhora né, porque a crise aérea feia, A situação
complicada, tem muita gente, muito acidente, deve alguma faia técnica, né, que ninguém
discubriu. Então quem sabe trocando alguém lá essa faia num volta acontecê. (EPC
masculino – 28 anos)
Os demais alunos tiveram opiniões bem divergentes em relação à imagem que
viram. O que chamou a minha atenção é que a maioria não teve dificuldade em reconhecer
o Presidente Lula na charge, fato este responsável pela presença maciça da televisão nos
lares brasileiros. Amesmo nas classes mais pobres, como neste caso, alguns criticam o
Presidente e outros elogiam e demonstram ter algum ou nenhum interesse por política.
Resolvendo difinitivamente a crise toca pra conjonhais comandante. É... os pessoal da
câmara municipal, eles tão em Brasília... o Lula. É a crise deles, que a gente passa e
financeiro, essas coisas. (ECS – feminino – 29 anos)
Isso daqui... essas pessoa, tem várias pessoa aqui que eu vi. Eu acho que é jornal
também, revista. Esse daqui eu num sei com é o nome... esse daqui é o nosso presidente...
Essa daqui é a muié que foi prefeita de o Paulo parece, a Marta... num sei como que é o
nome dela eu esqueci... Eu acho que eles estão em Brasília, num é? (MJS feminino 56
anos)
Não, eu conheço os pessoal que é da política, né, mas aqui eu num sei explicá não. O
desenho aqui a foto dos político, . Eu num me envolvo muito com esse lado não,
política é... Eu num procuro entendê não, é muita coisa pra gente entenaquilo ali, né.
(CASA – masculino – 40 anos)
“Resolvendo difinitivamente a crise, toca pra com... congonhas comandante”. Isso é um
avião, o comandante é que tá comandando o avião. Essa pessoa são passageiro, conheço só
o Lula... Eles tão dentro do avião, eles tão viajando, né? Toca pra Congonhas, vão pra
outro país, né. Pra resolvê a crise, eu acho que a crise tá em geral, né, saúde... tráfico,
tudo... tudo errado. (SMBM – feminino – 27 anos)
Isso aqui é de eleição. “Toca pra Congonha comandante”. Aqui eles tão dentro de um
avião, né, até o Lula aí, aqui eles tão tocano pra congonha. Pelo menos o Lula eu
conheço, agora essa daqui eu num conheço. São tudo político aí, tudo farinha do mesmo
saco, político, né (risos). Num consigo entendê. (CLS – masculino – 41 anos)
Todos os textos apresentados para os alunos tiveram o propósito de verificar
aspectos do letramento e da leitura desses indivíduos e de constatar a hipótese de que os
alunos possuem certo grau de letramento, mas não suficiente para fazer deles indivíduos
autônomos e críticos. São textos do cotidiano, os quais, qualquer pessoa que tenha certo
157
nível de escolaridade pode reconhecer. Diante das leituras apresentadas pelos alunos, pude
constatar nesta sala de aula que a atividade de ensinar, é pensada apenas como transmissão
das matérias aos alunos, realização de exercícios repetitivos, etc. O aluno apenas reproduz o
que o professor transmite, este é o ensino existente hoje na maioria das escolas, o chamado
ensino tradicional. Este ensino causa limitações pedagógicas e didáticas, tais como: o aluno
se torna reprodutor mecânico daquilo que o professor diz e passa; é dada muita importância
somente ao livro didático, ao seu conteúdo, sem a preocupação de um ensino significativo.
Ele deve ser um recurso auxiliar, mas depende da iniciativa e imaginação do professor; o
trabalho docente fica restrito à sala de aula, sem a preocupação com a vida cotidiana do
aluno, fora da escola.
Com relação aos textos, pude constatar que falta aos alunos o contato mais
frequente, o que implica que estes tenham muitas dificuldades de compreensão do texto.
Para que o letramento possa alcançar graus mais elevados, o leitor precisa ter acesso à
variedade textual de modo mais frequente, para internalizar sua estrutura e conteúdo. De
acordo com a prática pedagógica das professoras, assentada no Ensino Tradicional, torna-se
difícil para os alunos o contato com textos que circulam nas práticas sociais de leitura e
escrita.
4.3.7 As dificuldades encontradas no processo de aprendizagem
Na tentativa de compreender melhor as angústias e dificuldades dos alunos,
perguntei quais as maiores dificuldades encontradas por eles em aprender a ler e escrever.
Ah, o mais difícil eu acho é juntá as sílaba, né. Mais num junta mesmo! (IFP masculino
27 anos)
Olha, eu acho mais difícil, que eu cunheço as letra e eu num consigo juntá elas pra mim lê,
as palavra grande, né, as pequena eu já consigo lê, as palavra de... as palavra de seis letra,
de duas, de três, de quatro assim eu já consigo, mais as palavra grande que eu num
consigo. Esse que é a minha dificuldade. (AFS – feminino – 47 anos)
Mais difícil que eu acho? Que o negócio meu é soletrá, né, tem muita letra que num pra
mim soletrá, pra mim falá o nome, que quando é fácil pra mim falá soletrano eu
embora, mas quando num tem uma no meio que me complica, isso é mais difícil. (SPS
masculino – 70 anos)
158
Eu acho muitas coisa difícil, porque tem hora que eu pelejo, pelejo pra lê, eu fico pensando,
eu falo: “Ô meu Deus, eu pelejo pra consegui e num consigo”! É muito importante a gente
aprende lê, e é muito difícil. O mais difícil que eu acho é matemática, né. Copiá eu sei né,
eu copio bonitinho, certinho, que é muito difícil pra aprendê lê, pra juntá. Eu num vô
menti eu num sabendo juntá direito ainda, aprendendo porque tem uma colega minha
que tá me ensinando. (LFS – feminino – 34 anos)
É o serviço que a gente chega cansada, né. Ainda tem que cuide casa, fazê janta, essas
coisa. As vez a gente chega cansada..., a professora é legal ca gente, né. As vez a gente tem
que copiá rápido pra passá pra outro, né. Acho que é isso. (MNS – feminino – 38 anos)
As respostas variaram um pouco, mas a maioria disse que a maior dificuldade é no
momento de juntar as sílabas para formar as palavras. Isso é o reflexo de uma prática
pedagógica não adequada ao contexto e às necessidades educativas destes jovens e adultos
que trabalham durante todo o dia e a noite vão para a escola em busca de algo que não
tiveram oportunidade, que os motive à uma vida melhor em todos os âmbitos. O método e
as concepções adotados pelas professoras não incentivam o aprendizado do todo, mas de
fragmentos, a leitura e a escrita nunca terá significado real utilizando a repetição mecânica
das sílabas, por isso os alunos têm tanta dificuldade em aprender.
Os alfabetizandos passam a ser impedidos de construir seu próprio conhecimento,
de aprender, descobrir, criar soluções, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha,
pois recebem tudo "pronto", e esta realidade escolar dos alunos, revela a incapacidade de
percepção do analfabetismo em suas implicações políticas e sociais, resultando em algo
estritamente lingüístico.
Perguntei também aos alunos se buscam aprender a ler em casa ou no trabalho, ou
quando estão na escola e percebi que apenas quatro pessoas disseram que buscam
aprender na escola, todos os outros alunos mesmo com dificuldades e falta de tempo,
sempre buscam ler e escrever em casa ou no trabalho.
Não, em casa eu leio, eu tenho muito livro lá em casa assim já que eu ganhei, livro usado eu
leio um pouco porque é pra mim pratina leitura, porque eu gaguejo muito, né. Pra mim
praticá na leitura e escrevê também que eumeia péssima pra escrevê, mas eu vô aprendê
e escrevê se Deus quisé, porque meu incentivo é aprendê pra lê desembaraçado. (JAJ
feminino – 62 anos)
Não, eu leio bastante em casa quando eu tô bem nervosa assim, eu pego livro, sento
debaixo da árvore assim e . Começo bastante assim pra mim melhorá um pouco o meu
astral, né. É aí eu gosto de lê. (BCS – feminino – 31 anos)
159
Não, lá em casa também, quando eu com a cabeça boa, né, eu pergunto...lá tem uma
vizinha atrás, ela me ensina um pouco também. (SPS – masculino – 70 anos)
Eu aprendo em casa e no trabaio, porque eu preciso também, né. eu mexo com carga, aí
tem que sabê o nome dos produto, que produto vai descarregá, se é produto químico se
num é. Aí tem que aprendê muito. (ASRM – masculino – 23 anos)
Não em casa também, né, a gente tem trabaio de... quando num tem serviço a gente pega
um livro lá, um ablia né, a gente é evangélico, tenta o nome, né. Os livro da Bíblia eu
conheço tudo, mas juntá os nome a gente num junta, porque fica dificuldade pra gente, né.
Num sei ... porque quando eu era pequeno, eu sofri um derrame no meu pé, aí o médico falô
pra minha famía “ou ele vai aprendê ande bicicleta ou ele vai aprendê lê”. Bicicleta foi
a coisa mais fácil pra mim aprendê, a gente ficô com aquilo na mente né, depois que eu
falei, não... de uns dia pra cá, tem uns oito mês atrás, mas isso é conversa do doutor... A
gente tem que fazê aquilo que a gente tem vontade, o outros me chamava, eu falava num
vale a pena eu num aprendê, eu tava com aquela mente que o doutor tinha falado, né.
Ele falou, mas pra gente era pió, coloca a mente da gente ocupada naquela coisa, aí fica
sem refleti. (AOV – masculino – 42 anos)
A leitura faz parte do cotidiano de todas as pessoas, seja em casa, na escola, no
trabalho, na igreja; a leitura e a escrita sempre estarão presentes na vida do ser humano.
Todos os alunos m consciência da importância da leitura e da escrita para viverem em
sociedade e desenvolver suas atividades corriqueiras, mas o que eles não têm consciência é
de que forma isso deve ser feito para que possam fazer e refazer a própria história. Desta
forma, como diz Freire (1982, p.90), o processo de alfabetização de adultos, visto de um
ponto de vista libertador, é um ato de conhecimento, um ato criador, em que os
alfabetizandos exercem o papel de sujeitos cognoscentes, tanto quanto os educadores”.
Assim, os alfabetizandos não serão vistos como vasilhas vaziasque recebem as palavras
do educador.
Chama atenção e emociona a fala do aluno AOV que quando criança sofreu uma
sentença cruel do médico que o atendera, dizendo que ele aprenderia andar de bicicleta ou
aprenderia ler. É visível o quanto isso marcou a vida deste aluno, a ponto de sempre ter
pensado que como aprendeu andar de bicicleta, não aprenderia ler. Após muita “luta” o
desejo de aprender “falou mais alto”, e agora decidiu que vai aprender ler e escrever, pois
um dos seus objetivos é conseguir ler a Bíblia.
Esse depoimento revela o poder que a palavra exerce sobre a vida do ser humano,
portanto, é necessário que as pessoas se atentem aos discursos e falas daqueles que buscam
o poder a qualquer preço. Isso acontece porque boa parte dos mal-entendidos, das escolhas
160
erradas, da falta de compreensão da realidade da vida, é devido às armadilhas das palavras,
que obedece a uma intenção e planos definidos. Ao manipular a linguagem como forma de
oprimir, o ser humano é conduzido à ignorância, especialmente quando se tem a intenção
de usar as pessoas como massa de manobra.
Gostaria de concluir esta categoria de análise demonstrando a força e o poder das
palavras na visão de Bakhtin (1999, p. 113): Toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última
análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim
numa extremidade, na outra se apóia sobre o meu interlocutor”.
4.3.8 O que pensam os alunos sobre sua aprendizagem da leitura e da
escrita
A visão do mundo que uma pessoa adulta tem após retornar à escola depois de
tantos anos, ou até mesmo aquela que nunca possuiu uma trajetória escolar no decorrer da
vida, é bastante peculiar. São pessoas com histórias reais e ricas experiências vividas, que
chegam à escola com crenças e valores existentes. Então, perguntei aos alunos o que
achavam que poderia melhorar nas aulas para facilitar a aprendizagem. Várias pessoas
responderam que não precisa melhorar nada, que está muito bom assim, outras fazem
sugestões.
Olha, eu acho que num tá faltando nada, só mesmo abrir a mente minha que num tá...
(risos), tá muito bom, só minha mente tá um pouco fechada pra isso, né. (MOF – feminino –
36 anos)
Olha Andréia, isso eu nem sei falá o que que falta, eu acho assim... é eu acho que tem
que... que a gente tem que tê mais tempo de aula, assim... porque aqui no Mário tem muitas
folga, muitas férias, muito negócio, muitos dias sem aula, qualquer coisa num tem aula. Pra
nós um dia de aula que nós perde parece que é um mês, né, porque é difícil da gente
aprendê as coisa. (AFS – feminino – 47 anos)
Oh, poderia melhorá tipo... ensiná cada pessoa que tem o conhecimento perdê aquela
timidez, soltá, dispende si o medo e a vergonha e mostrá pra pessoa que ali sabe lê.
(GFN – masculino – 29 anos)
O negócio é o seguinte...pra gente aprendê, é é a pessoa se concentrá, a cabeça no
lugá e pensá e deixá de se preocupá com as coisa, porque se se preocupá a pessoa esquece
161
de tudo, não é verdade? Eu me preocupo muito né, porque eu tenho um filho de quinze anos
e namorando. Eu venho estudá, mais primeira coisa que eu penso é no meu estudo,
porque eu tenho que aprendê, professora tem três ano que eu estudo, e num aprenlê?
É ruim, é muito triste. Teve muita gente que já fez pouco de mim, que mangô de mim,
me chamo até de burra me chamô, mangô de mim porque eu não sabia lê e escrevê, mas
essa pessoa eu mostrá pra ela um dia, eu mostrá pra ela que eu sei e escrevê meu
nome. É muito importante a gente sabê fazê o nome da gente. Ah. eu graças a Deus que
eu sei fazê meu nome! Eu não sabia fazê meu nome, eu chorava, eu me maldizia, eu dizia,
assim: todo mundo sabe fazê o nome eu eu num sei fazê meu nome. Ah desse jeito num dá.
(LFS – feminino – 34 anos)
Melhor é... esforça mais o aluno, né, igual ela tem esforçado, igual ela falô: “antes de
acabá a aula aqui eu fazê um nome pra cada um, não é nome pequeno não, vai tê quê
lê”. Mais do aluno, porque o que ela é possível fazê ela fazeno. Ela é excelente
professora. (AOV – masculino – 42 anos)
Alguns alunos pensam que eles precisam melhorar, e que a professora faz o
que pode, portanto sentem-se responsáveis pela melhoria das aulas. Claro que cada aluno
precisa fazer sua parte, mas o aprendizado acontece nas relações e a partir da interação
aluno/professor, neste sentido os educandos não são os únicos responsáveis por uma
educação de qualidade. Alguns sugerem melhorias através apenas de reforço conteudista,
outros como o aluno GFN, consegue “enxergar além”, não sente a necessidade de
melhorias apenas de conteúdo, mas enquanto indivíduo. Ele sugere que ensine o aluno
perder a timidez, o medo, a vergonha; ele fala isso pensando também em si, pois é
exatamente assim que se comporta, com timidez, vergonha e medo de evoluir.
O relato da aluna LFS a faz verter lágrimas ao relembrar os momentos de
humilhação que passou por não saber ler e escrever, e como forma de mostrar que era
capaz, decidiu estudar para aprender escrever o próprio nome, pois era o que mais a
incomodava e hoje graças a Deus por conseguir alcançar este objetivo que para ela é de
extremo valor. Percebo que ao perguntar sobre algum assunto aos alunos, a maioria sente a
necessidade de relatar fatos ocorridos que marcaram suas vidas. É como se pedissem
“Socorro, me ajude!”, confirmando o que Freire concebe sobre a opressão que essas
pessoas sofreram e ainda sofrem.
As escolas recebem jovens e adultos com características de vida, origens, idades,
vivências profissionais, históricos escolares, ritmos de aprendizagem e estruturas de
pensamento completamente diferentes. Cada realidade reflete um tipo de aluno - e não
poderia ser diferente - são pessoas que trabalham, que têm responsabilidades sociais e
162
familiares, possuem valores éticos e morais formados a partir da experiência, do ambiente e
da realidade cultural em que estão inseridos. Portanto, necessitam também de uma prática
que proporcione um aprendizado diversificado e condizente com sua realidade.
Devido as diversas dificuldades que os alunos enfrentam para estudar e vários
terem desistido desde o início do ano, (cerca de vinte pessoas), perguntei a eles se
pensaram em desistir da escola alguma vez e por quê? Quase metade da sala pensou em
desistir mais de uma vez
.
Tem vez que eu penso. Ah, sei lá, porque é tão difícil sabê lê, menina. Mas quando a gente
sabe, a gente fala que é fácil, mais inté pra gente o primeiro passo não é fácil. Não
desisti porque se eu desisti eu fico sonhando querendo sabê lê (risos), num consigo, né.
Porque a gente as vez qué fazê alguma coisa e num consegue fazê aquele... aquela coisa
que a gente afim. Então, a gente fica sonhando assim, é porque se eu tivesse continuado
eu tinha acertado, eu tinha aprendido, mas eu desisti eu num aprendi, então fico assim,
então eu tenho que tentá, né. (MJS – feminino – 56 anos)
Muitas vez eu já pensei em desisti, por causa de professora mesmo assim que as vez a gente
que aquele professor num dando certo assim. Sabe, o professor, avexa demais a
gente... Pra quem num trabalha... Mas no tempo que eu trabalhava, pelo menos pela idade
da gente, minha idade eu acho que o professor começa avexá assim demais. Vai me dano
esquentamento na mente, aí pronto! (JAJ – feminino – 62 anos)
Eu pensei em desistí por causa desse negócio que aconteceu comigo, esse problema
desagradável, né. Entrei na depressão, eu queria desistí da escola, os vizinho
falo.“Não, não adianta você desistí porque se você desisti, vo vai ficá mais assim
mesmo, né”. Aí eu pensei no meu estudo e nas criança também, né. Falei num vale a pena a
gente jogá o estudo pra fora e... tem que enfrentá o problema, né. Deus é Deus, né. (BCS
feminino – 31 anos)
Eu pensei em desisti esse ano, porque eu tava muito cansada do serviço e não tinha
condições. Eu chegava em casa tinha que fazê tudo de novo, eu ficava cansada, as vez
chegava atrasada. E eu num desisti porque eu quero aprendê lê, a minha vontade maior é
de aprendê lê. (ALX – feminino – 41 anos)
Já, várias vezes. Cansaço, né, chega muito tarde do serviço... Tem dia que num pra mim
vim que trabaio até onze horas da noite, né. Aí tem hora que essa parte faz eu querê desisti.
Mas a vontade é muito grande, né, a vontade é maior de estudá e aprendê. (ASRM
masculino – 23 anos)
Os motivos são variados, mas sempre envolvendo a família e o trabalho como
causadores do pensamento de desistir. Eles relatam muitos problemas relacionados ao
cônjuge, filhos, noras, netos, que os faz ter vontade de desistir de tudo; ou porque chega
muito tarde do trabalho e no caso das mulheres, ainda fazem os serviços domésticos antes
163
de ir para a escola (inclusive deixar a comida pronta para o marido e filhos). Muitos se
foram, e eles perseveram, o desejo de poder “enxergar”. Como alguns dizem, é maior que
os problemas que tentam fazê-los desistir; ao optarem pelo caminho da escola os jovens e
adultos desejam alcançar o seu desenvolvimento pessoal.
Eu espero que eu consiga me formar em Advogada, eu pretendo isso, o duas coisas que
eu tenho vontade de formá: prestá um concurso da prefeitura, uma efetiva do Estado e
me formá em advocacia. (SRDL – feminino – 33 anos)
O que eu espero no meu futuro? No meu futuro eu espero muita coisa, né, a melhoria.
Algum dia sê dono de uma agência ou um comerciante e demais coisas, né, ou sê um
locutor, e assim vai chegando . Demais coisa, como secretário, que isso também vem
muito na minha cabeça... (GFN – masculino – 29 anos)
O que eu espero pro meu futuro? Eu... eu se formá, pegá meu diploma, e realizá o sonho de
meu marido, né. A vontade dele é que eu termine meus estudo e realizo o meu sonho que
daqui pra frente eu ando sozinha, posso dirigir sozinha, levá as criança onde eles quisé,
levá ele no serviço, pra mim melhorá bastante a minha situação, né. (BCS feminino 31
anos)
Pro meu futuro? Eu quero aprendê, sabê, contá e montá uma lanchonete, é ... é meu plano,
montá uma lanchonete. Estudá pra sabe passá o troco direitinho... (JAJ feminino 62
anos)
Ah... eu prefiro passá logo de ano e... entrá na faculdade. Eu tenho vontade de sê policial.
(ECS – feminino – 29 anos)
Os alunos e alunas da EJA têm uma visão de vida influenciada por suas origens
culturais, suas vivências sociais, familiares e profissionais. Eles trazem uma noção de
mundo relacionada ao ver e o fazer e ao escolher trilhar o caminho da escola, vêm abertos à
aprendizagem, com um olhar receptivo, sensível, curioso, explorador, olhar que investiga,
que pensa. Os conhecimentos dessas pessoas são inúmeros e adquiridos ao longo de sua
história de vida e estão diretamente ligados às suas práticas sociais que norteiam não apenas
os saberes do cotidiano, mas também os aprendidos na escola. Mas, de que forma a
organização do trabalho pedagógico da escola pode acolher essas especificidades da EJA e
potencializar a formação desses jovens e adultos?
O ensino e a aprendizagem devem valorizar os conhecimentos prévios dos alunos,
para que produzam novos saberes que façam sentido dentro e fora da escola, possibilitando
a acesso do aluno jovem e adulto ao mundo letrado.
164
Os jovens e adultos buscam na escola mais do que conteúdos prontos para
reproduzir, como cidadãos e trabalhadores querem e precisam sentir-se ativos,
participativos e crescer nas dimensões cultural, social e econômica. Mas, fica uma
pergunta, como lidar com essas questões em um modelo de sociedade capitalista, como a
nossa?
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomo, neste momento, o problema, objetivos e questionamentos propostos no
início desta pesquisa, objetivando respondê-los, com o intuito de contribuir com as práticas
desenvolvidas na Educação de Jovens e Adultos, propondo também concepções e práticas
que valorizem o indivíduo, que é um ser carregado de significados e bagagem de mundo,
tão importante para um processo de ensino e aprendizagem significativo, que liberta e
oportuniza uma vida mais digna, democrática, e que valoriza os menos privilegiados.
Em nenhum momento tive a pretensão de criticar ou julgar as professoras e alunos
pesquisados; a única intenção desta pesquisa foi contribuir com a educação do nosso país,
especialmente com a Educação de Jovens e Adultos, modalidade esta, que respeito e
admiro. Sei das dificuldades que a educação enfrenta no Brasil e, que ainda está longe de
ser uma educação ideal, portanto, torna-se necessário pesquisas deste cunho, para que, em
meio a discussões e constatações, busquemos e encontremos a melhor saída para
alcançarmos uma educação de qualidade para todos.
O problema central da pesquisa teve o objetivo de conhecer como pensam e fazem
suas práticas pedagógicas, relacionadas à alfabetização, duas professoras de EJA e seus
alunos, de uma escola pública de Cuiabá MT. Ao analisar todos os dados coletados,
constatei que existe certa relação entre o pensar e o fazer das professoras, e alguns
elementos contraditórios nesse processo. Em conversas informais com as professoras, o
discurso era de que, ensinavam da maneira mais eficaz e, que os alunos só aprenderam algo
pelo método de ensino aplicado por elas.
Ambas possuem uma visão tradicional do ensino da leitura e da escrita; ao mesmo
tempo em que dizem estar satisfeitas com as práticas desenvolvidas e com os resultados
alcançados, percebe-se que este processo não ocorre de forma satisfatória, não
proporcionando uma aprendizagem autônoma aos alunos.
Uma das professoras diz em seu discurso que ler é descobrir um mundo novo. Desta
forma, ultrapassa o conceito da mera decodificação das palavras e percebe as possibilidades
da leitura, mas, este conceito não se reflete na prática, situando-se na concepção
Mecanicista, como mero ato de decifrar o código escrito. Acredito que esta prática refletiu a
formação que as mesmas receberam em suas trajetórias de vida e profissional.
166
Uma característica comum dos alunos nesta modalidade de ensino, especialmente
dos alunos pesquisados é a baixa auto-estima, pois, os que eventualmente passaram pela
escola, foram marcados pela exclusão e/ou pelo insucesso escolar. Com um desempenho
escolar fragilizado e comprometido, esses alunos voltaram à sala de aula revelando e
expressando muita insegurança e sentindo-se desvalorizados perante aos novos desafios que
foram surgindo. Pude então perceber que a escola poderia ter feito mais no sentido de
elevar a auto-estima deles, para que os mesmos superem suas dificuldades.
Respondendo aos objetivos, procurei demonstrar se na classe de alfabetização da
EJA uma prática pedagógica que proporcione aos alunos a aquisição da lecto-escrita e o
desenvolvimento do letramento. Levando em consideração que o conceito de letramento,
mencionado anteriormente, é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais
de leitura e escrita, o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais, concluí que
nesta classe a prática pedagógica que estimule a leitura precisa ser melhorada, ou então, vai
continuar ocorrendo o que afirma Kleiman:
o contexto escolar não favorece a delineação de objetivos específicos em relação a essa
atividade. Nele a atividade de leitura é difusa e confusa, muitas vezes se constituindo apenas
um pretexto para cópias, resumos, análise sintática, e outras tarefas do ensino de língua
(KLEIMAN, 1989, p.30).
Ambas as professoras poderiam estimular mais o aprendizado autônomo dos alunos.
Percebi tal problemática quando afirmaram levar as atividades todas prontas e recortadas
somente para os alunos colar nos cartazes, cartazes esses que nunca presenciei em sala.
Afirmando também fazer isso para não confundir a cabeça dos alunos, uma forma de
desenvolver conteúdos “leves” para eles.
Outro objetivo que busquei constatar foi se o livro didático ainda norteia o processo
de aquisição da leitura e da escrita dos indivíduos. Os alunos não possuem nenhum livro
em que possam ser auxiliados neste sentido. Diariamente os alunos chegam à escola
somente com o caderno na mão, sentam e esperam a professora “despejar” os conteúdos,
então, codificam e decodificam e retornam para casa. Apenas as professoras possuem livros
didáticos e antigas cartilhas, utilizando-as para extrair os textos” e as atividades para os
167
alunos, que pouco ou nenhum significado apresentam para o desenvolvimento da leitura e
do letramento e, portanto, carentes de significados para a vida. A leitura e a escrita precisa
ser considerada por seu valor como instrumento social de inclusão desses sujeitos.
Nesta situação, seria mais produtivo se os alunos tivessem seu livro didático, pois
teriam um norte para estudar em casa. Se levarmos em consideração que os livros didáticos
atuais em EJA trazem significativas contribuições para esta categoria de pessoas, podemos
afirmar que eles seriam um suporte de aprendizagem, abrindo possibilidades de acesso às
diversidades textuais. Percebe-se que os alunos sentem falta do livro didático. Possuir um
livro é para eles algo de muita importância, pois, sabem que por seu intermédio podem
aprender a ler e escrever consultando-o quando melhor lhe aprouver.
Uma das professoras diz ter dificuldade para utilizar os atuais livros didáticos,
portanto, ela mesma formula “novas descobertas” para os alunos, impedindo desta forma a
prática espontânea que estes indivíduos tenham condições de desenvolver e reconstruir na
sua história da escrita.
Procurei identificar também se os jovens e adultos têm contato com a diversidade
textual no processo de alfabetização e os dados demonstraram que esta prática pode ser
melhorada nesta turma. Uma das professoras disse que utiliza apenas, o quadro e o giz
como se fossem os instrumentos mais importantes na construção deste processo.
É importante que a escola e os professores entendam que ensinar por meio da língua
e, principalmente, ensinar a língua é tarefa não apenas técnica, mas também e
principalmente, política, portanto, é imprescindível que os alunos tenham contato com a
maior quantidade de diversidade textual possível, para que, se inserindo no mundo, tenham
condições de nele interferir de forma consciente.
Por considerar a Literatura de grande relevância, também procurei perceber se ela
tem um papel fundamental no processo de alfabetização, pois quanto maior o contato com a
Literatura, maior a possibilidade de o leitor compreender as sutilezas do texto, de trazer
para a sua realidade situações descritas pelos autores; a literatura deve provocar
encantamento e prazer no indivíduo. Infelizmente, os alunos não tiveram acesso a ela e,
mesmo as professoras têm dificuldade para compreender o que é literatura e sua
importância, pois ambas possuem o hábito da leitura apenas de textos que lhe tragam
alguma utilidade, resultando na falta de incentivo aos alunos para tal prática.
168
Sobre o Projeto Político Pedagógico dessa escola, ele afirma que, os conteúdos
seriam desenvolvidos por meio de projetos comuns, considerando todo o conhecimento que
o aluno traz sobre o assunto e que a articulação entre as áreas com o conteúdo seriam
priorizadas. Portanto, essa pesquisa aponta uma prática pedagógica que não está totalmente
em consonância com o que diz esse documento.
Ao procurar identificar quais concepções e métodos do ensino da leitura e da escrita
norteiam o processo de ensino e aprendizagem desta turma, concluí que o ensino é
tradicional, ou seja, de forma mecânica e repetitiva, o método é o sintético, partindo da
codificação e decodificação das letras e labas aa construção de pequenas frases soltas,
não relacionadas com a realidade dos indivíduos. Não pude presenciar indícios de uma
prática pedagógica que levasse em conta os princípios de Paulo Freire tão relevantes nesta
modalidade de ensino.
Precisamos destacar novamente a formação que essas professoras tiveram, apesar de
uma delas ter nível superior em Pedagogia. É difícil “romper os laços” do passado e de uma
formação carregada de uma cultura que aliena, domina e exclui os menos favorecidos.
Antes de fazermos qualquer crítica é importante fazermos esta reflexão, pois estas
professoras são frutos do meio e de um contexto existente no período em que receberam a
formação para a docência.
Falando um pouco dos alunos, acreditamos que eles não têm consciência que
necessitam de uma educação libertadora, como diria Paulo Freire,
...Uma educação que, por ser educação, haveria de ser corajosa, propondo ao povo a
reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas responsabilidades, sobre seu papel no
novo clima cultural da época de transição. Uma educação que lhe propiciasse a reflexão
sobre seu próprio poder de refletir e que tivesse sua instrumentalidade, para isso mesmo, no
desenvolvimento desse poder, na explicitação de suas potencialidades, de que decorreria sua
capacidade de opção. Educação que levasse em consideração os vários graus de poder de
captação do homem brasileiro da mais alta importância no sentido de sua humanização
(FREIRE, 1983, p.59).
Nesse sentido, uma educação que forme o sujeito humano torna-se necessária e
fundamental; para isso, é fundamental trabalhar com as bases da sociedade, ou seja, os
setores popularizados e anônimos produzidos pelo neoliberalismo. Freire acredita que
169
nas bases populares é que podemos realizar algo realmente sério para elas, e somente
através da curiosidade do sujeito face ao mundo é que seu conhecimento será construído.
Percebo a falta que faz aos educadores de Jovens e Adultos o conhecimento da
teoria de Paulo Freire, pois, ela orienta para uma educação comprometida com a libertação
do indivíduo, os transforma de seres “vazios” em pessoas conscientes, que problematizam
as situações em relação ao mundo. É preciso lembrar que pensamos, fazemos e
emocionamos na coletividade, vivendo com outras pessoas, com a natureza, a cultura, em
situações cotidianas e históricas, em outras palavras, nas relações sociais, que nas palavras
de Freire nos é mostrada de forma bela, mas ao mesmo tempo nos chamando a agir:
Foi reinventando-se a si mesmo, experimentando ou sofrendo a tensa relação entre o que
herda e o que recebe ou adquire do contexto social que cria e que o recria, que o ser humano
veio se tornando este ser que, para ser, tem de estar sendo. Este ser histórico e cultural que
não pode ser explicado somente pela biologia ou pela genética nem tampouco apenas pela
cultura. Que não pode ser explicado somente por sua consciência como se esta em lugar de
ter-se constituído socialmente e transformado seu corpo em um corpo consciente tivesse
sido a criadora toda poderosa do mundo que o cerca, nem tampouco pode ser explicado
como puro resultado das transformações que se operam neste mundo. Este ser que vive, em
si mesmo, a dialética entre o social, sem o que o poderia ser e o individual, sem o que se
dissolveria no puro social, sem marca e sem perfil (FREIRE, 2003 p.67).
Na busca da construção desta humanidade, surge entre os indivíduos conflitos,
contradições e nos deparamos com nossos próprios conflitos, este é um processo que
realmente causa tais dificuldades, mas um processo necessário se quisermos transformar
situações desumanas em situações mais humanas.
Se reportarmos às nossas próprias lembranças dos tempos da escola, tanto as boas
quanto as ruins, vamos notar que o que fica na memória não são apenas conteúdos, mas os
professores que marcaram nossa vida. A figura do professor ou da professora aparece como
alguém que nos influenciou em nossas escolhas profissionais, mesmo como alguém que
não nos ensinou muito ou como aquela pessoa que não gostaríamos de encontrar na rua.
Essa reflexão é importante e nos ajuda a compreender o quanto o professor e a escola
exerce um papel fundamental e determinante na contribuição tanto do sucesso quanto do
fracasso escolar de seus alunos.
Sabemos que o sucesso escolar produz auto-estima e segurança no educando,
enquanto o fracasso causa grandes estragos na relação com o outro e consigo mesmo. Por
170
isso, afirmo a importância da construção do diálogo para uma educação diferenciada, para
Paulo Freire (1987 p.93), “O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo
mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”.
O mundo do trabalho hoje é caracterizado pela diversidade de funções e vínculos e
os alunos da EJA, são muitas vezes indivíduos que sofrem para conseguir administrar sua
sobrevivência econômica: fazem “bicos”, trabalham como autônomos, pintores,
construtores, serviços gerais, vendedores ambulantes, entre outros. Para eles, conseguir um
certificado escolar ou profissionalizante não garante uma vaga no mercado de trabalho,
devido a quantidade de profissionais que se formam em uma área, mas terminam por atuar
em outra e, até mesmo, pela grande concorrência existente no mercado de trabalho.
Seria interessante se a escola pensasse sobre as habilidades que poderia ajudar a
desenvolver para contribuir com os alunos nesse universo abrangente e competitivo que é o
mercado de trabalho. Não quero dizer que a escola deva ter a responsabilidade de preparar
o trabalhador, nem deixar para o aluno a responsabilidade de conquistar um “emprego
melhor”, pois esta tarefa é de responsabilidade social maior e mais próxima das políticas
governamentais e empresariais.
O que pretendo sugerir é que a escola potencialize essa competência que os jovens e
adultos desenvolvem em seu cotidiano ao administrar suas finanças e sua sobrevivência.
Ajudá-los a se comunicar de forma clara e competente, ordenando as idéias, aprendendo a
argumentar; mostrando as diversas formas de trabalho que a sociedade oferece atualmente e
os meios de se ascender nas diversas esferas da vida. A escola funcionaria, desta forma,
como um espaço de conhecimentos ligados ao mundo do trabalho, ou seja, à realidade dos
indivíduos, penso que essa seria uma das maneiras relevantes de se desenvolver o
letramento em seu mais profundo sentido.
Assim como contei minha história de vida e de leitura, meus entrevistados também
expuseram suas histórias. Cada um de nós teve momentos de avanços e recuos na
aprendizagem, e tivemos ou temos ainda que lutar contra as barreiras sociais a nós
impostas, para chegar a um nível de escolaridade que nos permita a participação consciente
nesta sociedade desigual em que vivemos.
171
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180
ANEXO I
181
QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS
Nome:
Idade:
Formação escolar:
Quais experiências profissionais já tiveram:
Quanto tempo leciona:
1- Quais os motivos que levaram e levam você a alfabetizar?
2- Para você o que é ler?
3- O que você entende por literatura?
4- Você utiliza a literatura para alfabetizar?
5- Você acha importante o uso do livro didático? Por quê?
6- Você tira atividades do livro para aplicar?
7- Os alunos têm acesso à biblioteca? Por quê?
8- Você freqüenta biblioteca? Com que freqüência?
9- Que gênero de textos você trabalha com eles? E de que forma?
10- Você tem feito cursos de formação continuada em EJA?
11- Você considera que imagens são textos para ler?
12- Você costuma trabalhar com os alunos a leitura de textos visuais? (fotografia,
charges, obras de arte, escultura, etc.).
13- Qual o método utilizado para alfabetizar seus alunos?
14- Você lê com freqüência?
15- Que tipo de leitura mais lhe chama atenção?
16- Que livros você leu ultimamente? Fale um pouco sobre os que mais lhe chamaram
atenção.
17- No decorrer da sua formação escolar, você teve contato com livros? Quais lhe
marcaram mais? Fale um pouco sobre isso.
18- Quem estimulava você a ler?
19- Você acha que a sua formação lhe deu base para desenvolver um bom trabalho com
esta turma? Por quê? Você está satisfeita com os resultados obtidos até agora?
20- Você acha importante os alunos aprenderem a ler e escrever a esta altura da vida?
Por quê?
21- Você acha que eles aprendem a ler e escrever da mesma forma que as crianças
aprendem? Por quê?
22- De que forma você incentiva os alunos a não desistirem de estudar, visto que a
evasão é grande nesta fase?
23- Quais as maiores dificuldades encontradas por você para alfabetizar jovens e
adultos? Por quê?
24- Você recebe apoio ou incentivo por parte da escola para desenvolver algum
trabalho diferenciado com os alunos? Por quê?
25- O que você espera que os alunos conquistem ao se alfabetizarem?
182
QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTA PARA OS ALUNOS
Nome:
Idade:
Profissão:
1- Por que você parou de estudar?
2-A escola é importante para você?
3- Por que você voltou a estudar?
4- Você teve apoio da família para voltar a estudar? Ou recebeu críticas?
5- Você acha importante ler? Por quê?
6- O que é ler para você?
7- Você já sabe ler?
8- Para que serve ou servirá a leitura na sua vida?
9- Você pretende apenas aprender ler e escrever ou vai continuar estudando?
10- Você sempre vai á biblioteca para tentar ler os livros?
11- Você busca aprender ler em casa ou no trabalho, ou só quando está na escola?
12- Quais suas maiores dificuldades em aprender a ler e escrever?
13- O que você acha da sua professora? Você gosta da forma como ela ensina? Como ela
ensina vocês a ler?
14- O que você acha que poderia melhorar nas aulas para facilitar a aprendizagem?
15- Você já pensou em desistir alguma vez? Se sim, por quê?
16- O que você espera para seu futuro?
17- Você consegue ler esse texto? (levar um pequeno texto)
18- Que gênero é este? Para que serve estes textos? (levar poesia, notícia de jornal, anúncio,
bula de remédio, versículo da bíblia, charge ou tira).
183
ANEXO II
184
Alguns Gêneros textuais utilizados nas entrevistas com os alunos
1º - Poesia 4º- Bula de remédio
2º- Notícia de Jornal 5º- Verso da Bíblia
3º- Anúncio (propaganda) 6º- Charge
Feliz e sorrindo
Sou singular
Eu erro e aprendo
É a natureza da vida
Vou sorrindo e aprendendo
Os conhecimentos da vida
A cada dia buscando
Em aprender em todas as horas
A vida é uma estrada
A percorrer e aprender
E atingirmos a sabedoria
E assim sou
Como uma águia azul
Que não teme as dificuldades
Sobrevoando este céu azul
E sentindo a brisa do mar
Aguia
Publicado no Recanto das Letras em 26/11/2007
Código do texto: T753839
Aguia
Rio de Janeiro/RJ - Brasil, 51 anos, Escritor Amador
185
186
187
188
A pessoa que procura segurança no Deus Altíssimo e
se abriga na sombra protetora do Todo-Poderoso pode
dizer a Ele: “Ó Senhor Deus, Tu és o meu defensor e o
meu protetor. Tu és o meu Deus, eu confio em Ti”.
Salmos 91: 1 e 2
189
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo