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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GECILANE FERREIRA
O SABER E O FAZER DA COMUNIDADE VILA BERRANTE
(RIBEIRÃO CASCALHEIRA – MT): REVELANDO INDICADORES
EDUCATIVOS - AMBIENTAIS.
Cuiabá - MT
2009.
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ii
GECILANE FERREIRA
O SABER E O FAZER DA COMUNIDADE VILA BERRANTE
(RIBEIRÃO CASCALHEIRA – MT): REVELANDO INDICADORES
EDUCATIVOS - AMBIENTAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação, na Área de Concentração Educação,
Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa Educação e
Meio Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. Germano Guarim Neto
Cuiabá/MT
2009.
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iii
F345s
FERREIRA, Gecilane.
O saber e o fazer da comunidade Vila Berrante (Ribeirão
Cascalheira – MT), revelando indicadores educativo-ambientais. /
Gecilane Ferreira – Cuiabá (MT): O Autor, 2009.
118 p.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de
Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação.
Orientador: Prof. Dr. Germano Guarim Neto.
Inclui bibliografia.
1. Educação ambiental. 2. Etnografia. 3. Comunidade Ribeirinha.
I. Título.
CDU: 37:504
iv
DEDICATÓRIA
Aos Meus pais:
João Ferreira Filho e
Joana D’arc Ferreira.
Meu alicerce, esteio, telhado...
Bases sólidas da construção do
meu caráter.
v
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal de Mato Grosso – espaço de grande aprendizado.
À Secretaria de Estado de Educação do Estado de Mato Grosso, por
proporcionar minha qualificação.
À Escola Estadual de Educação Básica Cel. Ondino Rodrigues Lima, pelo apoio
e confiança de meus colegas, diretor e CDCE.
Ao meu Orientador Profº Dr. Germano Guarim Neto que transmite
conhecimentos no simples ato de uma conversa. Meu referencial em Educação
Ambiental.
À Dra Tânia Maria Lima Beraldo e ao Dr. Elias Renato Januário pelas valiosas
recomendações dadas.
Aos Ribeirinhos da Vila Berrante, Município de Ribeirão Cascalheira – que
confiaram a mim seus valores e conhecimentos. Serei o mais fiel possível.
Ao Guia e amigo And que encontrava os lugares que pra mim seria
impossível, este trabalho também foi realizado por ele.
Ao meu Filho Murilo B. Ferreira – Minha motivação.
Minha sobrinha Karla Fernanda Ferreira de Souza pelos mapas, os socorros e
por estar por perto nesse momento, “salvando minha pátria”.
Ao meu cunhado/irmão Nilson Gomes de Souza – que acreditou no meu trabalho
e proporcionou a realização do mesmo.
À Dra. Geane Brizzola dos Santos, exemplo de pesquisadora. Pelas várias
contribuições, pelas grandes dicas com Office Word, PowerPoint, Paint e
múltiplas linguagens e ferramentas desse universo tecnológico, que facilitaram
muito meu trabalho.
As amigas do Mestrado Andréia Pereira Silva, Giselly R. S. Gomes. Lila
Francisca R. Mattos, pelos momentos únicos.
Meus amigos, irmãos, compadre e comadres Joanatan Fernades Rocha Reis, Ana
Carolina Lenzi e Olívia Oliveira Serpa – sempre presentes.
Meus familiares: irmãos, irmãs, sobrinh@s, amig@s, alun@s faço isso por
vocês, e espero horá-los.
vi
SUMÁRIO
L
ISTA
D
E
F
IGURAS
...............................................................................................................
Viii
L
ISTA
D
E
Q
UADROS
........................................................................................................ iX
L
ISTA
D
E
T
ABELAS
......................................................................................................... iX
L
ISTA
D
E
A
BREVIATURAS
............................................................................................... iX
R
ESUMO
........................................................................................................................... 01
A
BSTRACT
........................................................................................................................ 02
1-
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 03
1.1
R
EFLEXÕES
I
NICIAIS
............................................................................................
06
2-
O
L
OCUS
D
O
E
STUDO
:
U
M
E
SPAÇO
A
S
ER
E
NTENDIDO
........................................... 13
2.1.
A
C
IDADE DE
R
IBEIRÃO
C
ASCALHEIRA
:
C
ARACTERIZAÇÃO
H
ISTÓRICA E
G
EOGRÁFICA
......
14
2.2.
V
ILA
B
ERRANTE
:
L
UTAS E
C
ONQUISTAS DE UMA
C
OMUNIDADE EM
M
OVIMENTO
........................
16
3-
PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS............................................................. 21
3.
1.
A
SELEÇÃO DA COMUNIDADE E DOS INFORMANTES
............................................
22
3.2
C
ATEGORIAS SISTEMATIZADAS PARA COLETA DE DADOS
...................................
24
3.3
O
MÉTODO EXERCITADO
......................................................................................
24
3.4
T
ÉCNICAS DE COLETA DE DADOS
............................................................................
25
4
MITOS
E
LENDAS
DA
COMUNIDADE............................................................... 28
4.1
M
ITOS E LENDAS NA COMUNIDADE
.....................................................................
29
4.2
M
ITOS E LENDAS SOBRE RELAÇÕES FAMILIARES
.................................................
32
4.3
M
ITOS E LENDAS SOBRE VALORES RELIGIOSOS E ESPIRITUAIS
............................
43
4.4
M
ITOS E LENDAS SOBRE VISÃO DE MUNDO
..........................................................
47
5
-
O
COTIDIANO
DE
UMA
COMUNIDADE
R
IBEIRINHA
...................................... 66
5.1
U
TILIZAÇÃO DO SOLO
..........................................................................................
67
5.2
C
RIAÇÃO DE GADO
:
O USO COMUNAL DE TERRAS
...............................................
69
vii
5.3
F
LORA
:
CONHECIMENTO TRADICIONAL NO USO DE PLANTAS
.............................
72
5.4
F
AUNA
:
ZOOTERAPIA CAÇA E PESCA
....................................................................
81
5.5
A
ARTE
.................................................................................................................
84
5.6–
A
FABRICAÇÃO DA FARINHA
.................................................................................
86
5.7–
R
ELAÇÃO COMUNIDADE
RIO DAS MORTES
.........................................................
88
5.8–
A
FESTA DE NOSSA SENHORA DA GUIA
.................................................................
94
6-
C
ONSIDERAÇOES
F
INAIS
:
COMUNIDADES
TRADICIONAIS
E
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
U
M
D
IÁLOGO
R
ICO
,
F
ÉRTIL
E
R
EAL
...................................
97
6.1
C
ORRENTE
H
UMANISTA
.......................................................................................
98
6.2
C
ORRENTE
H
OLÍSTICA
.........................................................................................
100
6.3
C
ORRENTE
B
IORREGIONALISTA
...........................................................................
101
6.4
C
ORRENTE
E
TNOGRÁFICA
...................................................................................
102
6.5
C
ORRENTE DA
E
COEDUCAÇÃO
............................................................................
103
6.6
C
ORRENTE DA
S
USTENTABILIDADE
.....................................................................
104
6.7
I
NDICADORES
E
DUCATIVO
-A
MBIENTAIS
.............................................................
105
7-
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 113
SOBRE
O
AUTOR.......................................................................................................... 119
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Localização do Município de Ribeirão Cascalheira - MT, 2008........................... 15
Figura 2 – Construções típicas, utilizadas por todas as famílias – Vila Berrante, 2007......... 17
Figura 3 –Sr. Bertoldo e Sr. Lucimar, primeiros moradores – Vila Berrante, 2007.............. 18
Figura 4 - Vista da comunidade Vila Berrante – Fonte: Google Earth, 2007......................... 18
Figura 5 – Croqui da distribuição dos lotes e moradores de Vila Berrante. 2007.................. 19
Figura 6 - Instituições presentes na comunidade. Vila Berrante, 2007................................... 20
Figura 7 – Estrada de acesso: Ribeirão Cascalheira – Vila Berrante, 2007............................ 22
Figura 8 – Margem alagada – acesso aos moradores – Vila Berrante, 2007.......................... 23
Figura 9 – Visita a uma das roças – Vila Berrante, 2007........................................................ 25
Figura 10 – Arranca – Línguas. Fonte: Traudi Hoffman, 2009............................................. 33
Figura 11 – O Lobisomem. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009................................................... 37
Figura 12 – Figueira. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009............................................................ 42
Figura 13 – Pé-de-Garrafa. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.................................................. 46
Figura 14 - Montículos funerários em forma de “fundo de garrafa”...................................... 48
Figura 15 – Pai – do – Mato. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009................................................ 51
Figura 16 – Boiúna. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009............................................................. 55
Figura 17 – Caipora ou Curupira. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009......................................... 60
Figura 18 – Plantas encontradas em uma das roças visitadas – Vila Berrante, 2007..............
68
Figura 19 – Espaço onde o gado e mantido no período de seca – Vila Berrante, 2007.......... 71
Figura 20 – Área de uso comunal para período de chuva – Vila Berrante, 2007................... 72
Figura 21 – Dona Luzia e sua filha Célia – referência em plantas medicinais, 2007............. 73
Figura 22 – Algumas das plantas encontradas no quintal de D. Luzia, 2007......................... 74
Figura 23 – Utilização da técnica de salgar o peixe para conservação, 2007......................... 83
Figura 24 – Mulheres exercitando a pintura ensinada por instrutor do SENAI, 2007............ 84
Figura 25 – Objetos feitos por um dos moradores, Vila Berrante, 2007................................ 85
Figura 26 – Instrumentos utilizados na fabricação de farinha – Vila Berrante, 2007............. 86
ix
Figura 27 – O Rio das Mortes (período de enchente) – Vila Berrante, 2007......................... 92
Figura 28 – Imagens de Nossa Senhora da Guia, Vila Berrante, 2007................................... 93
Figura 29 – Rainha e Capitão da festa de 2005. Vila Berrante.............................................. 95
QUADROS E TABELAS
QUADROS
Quadro 1- Categorias A Serem Observadas. Vila Berrante, Ribeirão Cascalheira, 2007.....
27
Quadro 2 – Síntese Da Interpretação Da Lenda Arranca-Linguas.......................................... 36
Quadro 3 – Síntese Da Interpretação Da Lenda Lobisomem.................................................. 41
Quadro 4 – Síntese Da Interpretação Da Lenda Figueira........................................................ 45
Quadro 5 – Síntese Da Interpretação Da Lenda Pé-De-Garrafa............................................. 50
Quadro 6– Síntese Da Interpretação Da Lenda Pai Do Mato................................................. 54
Quadro 7- Síntese Da Interpretação Da Lenda Boiúna......................................................... 59
Quadro 8– Síntese Da Interpretação Da Lenda Curupira....................................................... 65
TABELAS
Tabela1- Plantas Utilizadas Como Recurso Medicinal........................................................... 76
Tabela 2- Animais Utilizados Como Recurso Medicinal....................................................... 82
Tabela 3 – Peixes encontrados no Rio das Mortes, segundo ribeirinhos, Vila Berrante........ 89
Tabela 4 – Indicadores Educativo-ambientais, Vila Berrante, Ribeirão Cascalheira, 2008... 106
x
Tudo quanto penso
Tudo quanto sou
É um deserto imenso
Onde nem eu estou.
Fernando Pessoa.
1
RESUMO
A presente pesquisa foi realizada em uma comunidade de ribeirinhos, localizada no
município de Ribeirão Cascalheira, Estado de Mato Grosso, conhecida como Vila Berrante.
As bases teóricas e metodológicas dessa investigação fundamentam-se na interface entre as
etnociências, a ecologia humana e a educação. Para adentrar no universo dos ribeirinhos,
optou-se por adotar uma abordagem etnográfica, utilizando-se da ecologia humana como
fio condutor das discussões e fundamentos. Com objetivo de revelar indicadores
educacionais para a Educação Ambiental, foram estabelecidas categorias a serem
investigadas que permitissem conhecer o cotidiano dessa comunidade, sua origem, seus
mitos, a utilização dos recursos naturais na medicina alternativa, manejo do solo, bem como
perceber a relação desse povo com o cerrado e o rio das Mortes, presentes no local. A
comunidade é formada por 29 famílias sendo que foi possível entrevistar 25 famílias.
Foram realizadas entrevistas abertas seguidas de técnica de observação participante como
complemento da obtenção das informações. Ao longo dos trabalhos desenvolvidos percebe-
se o conhecimento aprofundado dessas populações sobre a natureza e seus ciclos e as
estratégias de manejo seguem os conhecimentos desenvolvidos que acabam por gerar uma
forma de manejo sustentável, a utilização de baixa tecnologia gerando conseqüentemente
baixo acúmulo de capital, características típicas das comunidades tradicionais. Revelar ou
mesmo trazer à luz as estreitas relações estabelecidas entre essa comunidade e o ambiente
natural é um desafio que impulsiona, na certeza de que são essas comunidades tradicionais
a fonte inesgotável de saberes, capazes de guiar na direção de uma Educação Ambiental
que se estruture nos conhecimentos adquiridos ao longo da civilização humana. Indicadores
para Educação Ambiental o evidenciados, constituindo elementos férteis para ações
educativo – ambientais as margens do Rio das Mortes.
Palavras chave: etnografia, comunidade ribeirinha, educação ambiental.
2
ABSTRACT
To present research it was accomplished in a community of ribeirinhos, located in the
municipal district of Ribeirão Cascalheira, State of Mato Grosso, known as Vila Berrante.
The theoretical and methodological bases of that investigation are based in the interface
among the etnociências, the human ecology and the education. To penetrate in the universe
of the ribeirinhos ones, she opted to adopt an approach ethnography, being used of the
human ecology as conductive thread of the discussions and foundations. With objective of
revealing education indicators for the Environmental Education, they were established
categories to they be investigated that you/they allowed to know the daily of that
community, his/her origin, their myths, the use of the natural resources in the alternative
medicine, handling of the soil, as well as to notice the relationship of that people with the
savannah and the river of the Deaths, presents in the place. The community is formed by
29 families and was possible to interview 25 families. Open interviews following by
technique of participant observation were accomplished as complement of the obtaining of
the information. Along the developed works it is noticed the deepened knowledge of those
populations on the nature and their cycles and the handling strategies follow the knowledge
developed that they end for generating a form of maintainable handling, the use of low
technology generating low capital accumulation, the traditional communities' typical
characteristics consequently. To reveal or even to bring to the light the narrow established
relationships between that community and the natural atmosphere is a challenge that
impels, in the certainty that they are those traditional communities the inexhaustible source
of you know, capable to guide in the direction of an Environmental Education that it is
structured in the acquired knowledge along the human civilization. Indicators for
Environmental Education are evidenced, constituting fertile elements for educational
actions - environmental the margins of Rio das Mortes.
Key Words: ethnography, ribeirinhos community, environmental education.
3
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...
(Alberto Caeiro)
1. INTRODUÇÃO
4
A Comunidade Berrante é formada por pescadores, habitantes das margens do Rio
das Mortes, localizada no município de Ribeirão Cascalheira, MT. Revelar ou mesmo
trazer à luz as estreitas relações estabelecidas entre essa comunidade, o Cerrado, os ciclos
das águas e o próprio Rio das Mortes é um desafio que nos impulsiona, na certeza de que
são essas comunidades tradicionais a fonte inesgotável de saberes, capazes de guiar na
direção de uma Educação Ambiental que se estruture nos conhecimentos adquiridos ao
longo do tempo de vivência e experiências.
Atualmente, em Mato Grosso, vários são os trabalhos que apontam a valorização
dos conhecimentos das comunidades tradicionais. Entre estes, vale salientar as
contribuições de GUARIM NETO (1987/2001/2008); SOUZA (1985); GUARIM (2000);
DUARTE (2001); SANTANA (2002); SILVA (2006); LEITE (2006); JANUARIO
(2006a/2006b); NOVAIS (2008) e SILVA (2008).
O interesse na forma de relações ambientais dos ribeirinhos, caiçaras, quilombolas e
outras comunidades tradicionais, aumentam uma vez que as etnociências têm aberto seu
campo de ação e através de seus inúmeros pesquisadores, têm demonstrado que os
conhecimentos desses povos devem ser aliados ao conhecimento científico, na busca de
soluções que diminuam o impacto das ações do ser humano no planeta.
Januário (2006a), ao descrever as memórias de uma ribeirinha, reflete segundo o
autor... a realidade de vida de uma parcela considerável da sociedade mato-grossense. Tal
estudo teve como finalidade não situar o povo como peça integrante da história das elites,
mas como sujeitos da própria história. Em seu trabalho, o autor percorre os caminhos
traçados pela memória de sua interlocutora, revelando o meio ambiente ribeirinho,
destacando a riqueza de sua fauna e flora, as adversidades da região, as formas de interação
do ribeirinho com a diversidade local e as transformações ocorridas neste ambiente com o
passar dos anos.
Guarim Neto & Maciel (2008) buscam registrar a relação do ser humano com os
recursos vegetais, considerando os aspectos culturais e biológicos que originam o
etnoconhecimento. Os trabalhos realizados buscaram entrelaçar os conhecimentos
científicos com o saber das populações locais, ressaltando a apropriação dos recursos
naturais e sua utilização por comunidades tradicionais. Ressaltam também os impactos
5
socioambientais causados pelos garimpos, desmatamentos e queimadas que colocam em
risco e preservação desses recursos.
Em uma pesquisa etnográfica, Januário (2006b) revela a complexa estrutura da
comunidade de São Gonçalo, no município de Cuiabá MT, o cotidiano dessa comunidade
e sua relação com o meio ambiente.
O caminho se apresenta de forma que se a valorização do ser humano pelo ser
humano. É chegado o momento de reconsiderar os antigos conceitos, mitos, alternativas
rudimentares, sendo que cada ser humano e sua história de vida poderá e deverá ser
considerado e valorizado, na tentativa de se resolver os conflitos ambientais da
modernidade.
Com objetivo de revelar o conhecimento tradicional da comunidade Vila Berrante
sobre meio ambiente transformando tais indicadores educativos - ambientais em
instrumentos para Educação Ambiental, a presente pesquisa utilizou-se de entrevistas,
visitas e conversas informais, bem como pesquisa documental para conhecer. Foram
realizadas três visitas em períodos diferentes ao longo dos anos de 2007 e 2008. Os
trabalhos se pautaram no quadro de categorias previamente estabelecidas, objetivando
encontrar respostas para os vários objetivos específicos que foram:
- Verificar a relação da comunidade Vila Berrante com o meio ambiente através de
seus costumes e tradições.
- Perceber as diversas formas de utilização dos recursos naturais (Fauna e Flora)
- Detectar de que forma o conhecimento tradicional é transmitido aos jovens.
- Conhecer e interpretar os mitos e lendas locais.
- Verificar de que forma o solo é utilizado para plantio e criação de gado.
- Conhecer as festas tradicionais da comunidade e de que forma tais manifestações
podem ser utilizadas em atividades de Educação Ambiental.
Com os objetivos estabelecidos, foram feitas as visitas na comunidade, para coleta
de dados. Para tanto, utilizou-se vários instrumentos, na intenção de obter o máximo de
informações possíveis, de forma espontânea e verdadeira, possibilitando assim, que o
objetivo principal da pesquisa, que é revelar os indicadores educativo-ambiental, a partir
dos relatos dos moradores.
6
Com um vasto material obtido, tais como, fotografias, entrevistas gravadas e
escritas, atas de reuniões da associação dos moradores, atas da escola, textos publicados
sobre a comunidade e sobre o município de Ribeirão Cascalheira, iniciou-se então a
estruturação deste trabalho. De tal forma, que inicialmente, na introdução e nas reflexões
iniciais, buscou-se situar quanto aos pressupostos teóricos utilizados para embasar tal
pesquisa, bem como introduzir conceitos fundamentais para o entendimento da que se
propõe a pesquisa. .
1.1 – Reflexões iniciais
O presente trabalho tem sua base teórica e metodológica fundamentada na interface
entre as etnociências e a ecologia humana. No domínio cientifico, tem-se fortalecido os
trabalhos de etnociência em seus vários ramos (etnobotânica, etnoictiologia, etnobiologia)
em que as comunidades tradicionais desempenham papel fundamental. Grande parte desses
trabalhos são realizados por uma nova geração de cientistas, que começam a entender a
importância da participação social no estabelecimento de políticas públicas
conservacionistas (DIEGUES, 2000).
Da mesma forma, a ecologia humana ou antropologia ecológica, é o que melhor
permite estudar aspectos ecológicos e que melhor conduz ao conhecimento dos ajustes das
populações humanas às condições ambientais bem como verificar a escala de impactos do
homem nas paisagens em geral (SANCHES, 2004).
Para adentrar no universo dos ribeirinhos, optou-se por adotar uma abordagem
etnográfica, utilizando-se da ecologia humana como fio condutor das discussões e
fundamentos.
A etnografia surgiu como uma forma de relato descritivo dos viajantes e naturalistas
europeus sobre povos cuja cultura fosse anterior a escrita, a partir das expedições de
colonização no século XVI-XIX na América. Em meados do século XIX nasceu a
etnologia, como um campo da Antropologia, cuja tradição foi o estudo das sociedades
humanas pré-industriais fora da Europa (KUPER, 1978).
Ainda, para reconhecer e registrar as complexas relações dos ribeirinhos, bem como
mergulhar no universo de suas emoções e tradições, este trabalho utilizou-se dos conceitos
7
e procedimentos fornecidos pela observação participativa, usando como base da
investigação a percepção, conforme estabelecido pela corrente fenomenológica.
A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela,
tornam a definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência. Mas a
fenomenologia é também uma filosofia que substitui as essências na existência e não pensa
que se possa compreender o homem e o mundo de outra forma senão a partir de sua
facticidade (MERLEAU-PONTY, 1999).
Segundo Merleau-Ponty (1999), quando o ser humano se depara com algo que se
apresenta diante de sua consciência, primeiro o nota e o percebe em total harmonia com sua
forma, a partir de sua consciência perceptiva. Após perceber o objeto, esse entra em sua
consciência e passa a ser um fenômeno. Com a intenção de percebê-lo, o ser humano intui
sobre ele, o imagina em toda sua plenitude, e será capaz de descrever o que ele realmente é.
Dessa forma, o conhecimento do fenômeno é gerado em torno do próprio fenômeno. O ser
humano é o centro da discussão sobre o conhecimento. O conhecimento nasce e faz-se
sensível em sua corporeidade.
A história do pensamento ocidental julgou ter conceituado com clareza o
conhecimento quando etabeleceu a separação, considerada inevitável, entre ideia e fato,
sujeito e objeto, espírito e corpo, olho e intelecto e, por fim, ciência e filosofia. A
fenomenologia busca evitar essas oposições, em que ou tudo é conciência ou tudo é
matéria. A fenomenologia procura superar o dualismo entre sentir e entender, defendendo a
interação de ambos. Numa relação de conhecimento, é necessário um mergulho no sensível,
unindo o sujeito que conhece ao objeto que é conhecido. Essa é tambem a maneira de
complementar o ponto de vista racionalista, predominante na história do conhecimento
(CARMO, 2004).
Ao começarmos o estudo da percepção, encontramos na linguagem a noção de
sensação, que parece imediata e clara: sinto o vermelho, o azul, o frio, o quente. Vai-se ver,
entretanto que ela é a mais confusa possível e que, por tê-la admitido, as análises clássicas
faltaram quanto ao fenômeno de percepção (MERLEAU-PONTY, 1999).
Ao discutir a inserção das ciências sociais na crise ecológica emergente, Guha
(1994) observa a lenta resposta dos cientistas sociais para os dilemas ambientais de nossa
sociedade. Segundo o autor, tal fenômeno pode ter sido influenciado por dois fatores: o
8
domínio do homem sobre a natureza fundamentado pela ética cristã-judaica e o fato das
ciências sociais terem se formado numa época de prosperidade econômica sem precedentes.
Esses dois fatores, segundo o autor, fortaleceram a ilusão de que o homem construiu uma
independência do mundo natural. Reforçou ainda mais essa falsa idéia, o fato do
descobrimento de novas fontes de energia e a colonização de novas terras pelos europeus,
ampliando ainda mais a abundância de recursos naturais.
Guha (1994) aponta também outros enganos conceituais alimentados pelo modelo
econômico da modernidade, tais como a idéia surgida no Renascimento que afirma o
modelo urbano em contraposição ao modelo rural. O mesmo é apontado em Carvalho
(2003), que em sua obra reflete sobre os sentidos dados ao conceito de “ambiental”. Ainda
segundo o autor é preciso perceber que urbano e rural fazem parte do planejamento
ambiental e devem ser pensados como espaços do continuum humano e, portanto, cuja
interferência em um deles poderá afetar o outro.
Para mergulhar o mais profundo possível e permitido no universo de um povo,
que considerar e reconhecer que cada comunidade possui suas particularidades, suas
nuances, seus costumes. É preciso se despir dos pré-conceitos estabelecidos pela nossa
cultura e entender que a história da formação desse povoado, é uma história com valores
culturais específicos, e mesmo, educativo – ambientais.
A cultura é parte integrante e fundamental do patrimônio e da riqueza de um povo.
Através dela as manifestações das diversidades regionais ganham unidade e se projetam
como expressão da identidade cultural de uma nação. Ressalta-se ainda, a importância da
cultura para a reflexão sobre os destinos e o desenvolvimento de um país. A cultura é o
sinal mais evidente da consciência de um povo sobre si próprio, sobre sua identidade e seu
destino (MAGALHÃES, 2002).
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes
comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança
cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura (LARAIA, 2004).
A problemática ambiental não é ideologicamente neutra nem alheia a interesses
econômicos e sociais. Sua gênese dá-se num processo histórico dominado pela expansão do
modo de produção capitalista, pelos padrões tecnológicos gerados por uma racionalidade
econômica guiada pelo propósito de maximizar os lucros e os excedentes econômicos a
9
curto prazo, numa ordem econômica mundial marcada pela desigualdade entre nações e
classes sociais. Este processo gerou, assim, efeitos econômicos, ecológicos e culturais
desiguais sobre diferentes regiões, populações, classes e grupos sociais, bem como
perspectivas diferenciadas de análises (LEFF, 2006).
Monares (1999) relaciona crise ambiental e modernidade e aponta sua origem e
fundamentação em Calvino (XVI), que ao antagonizar seres humanos e natureza, distancia
e separa o homem do mundo natural fundamentando o pensamento que inaugura a
modernidade. Com a reinterpretação da bíblia, Calvino estabelece que o homem, por ter
sido criado a imagem e semelhança de seu criador, é hierarquicamente superior à natureza,
tendo, portanto, direito ao livre acesso e uso da terra. Nessa proposta, estaria legitimada a
liberdade para comercialização desses bens, o que fundamentou a noção de propriedade
privada.
Sendo o homem criador da cultura, segundo Calvino, este não deveria se considerar
animal, colocando-se a parte, fora do ambiente, devendo para isso, superar a dependência
do meio ambiente, através de seu trabalho. O monoteísmo e a idéia do absoluto foram
transferidos ao mercado, para a ordem econômica e tecnológica o que gerou o
fracionamento do mundo, o desconhecimento da diversidade, a desintegração das etnias e
culturas (LEFF, 2003) e a subjugação dos saberes pelo poder do conhecimento científico
positivo (LATOUR, 2001).
De acordo com Leff (2003) o monoteísmo pode se relacionar ao mercado como um
novo deus capaz de salvar a humanidade da escravidão, da necessidade e da pobreza.
Acrescenta que essa dominação e exploração desmedida dos recursos naturais e a economia
como a disciplina mestre do paradigma do desenvolvimento estende-se para a formulação
do projeto de dominação do homem pelo homem (modernidade capitalista). E é frente a
essa noção de mercado como extensão da idéia monoteísta que o movimento ambiental,
partidário da teoria crítica, busca refazer a atual ordem econômica, simbólica e política
vista como responsáveis pelos problemas ambientais (LOUREIRO, 2006)
Podemos dizer que a separação homem-natureza (cultura-natureza, história-
natureza) é uma característica marcante do pensamento que tem dominado o chamado
mundo ocidental, cuja matriz filosófica se encontra na Grécia e Roma clássicas. Quando
afirmamos que é o pensamento dominante no Ocidente, queremos deixar claro que a
10
afirmação desse pensamento que opõe homem e natureza constitui-se contra outras
formas de pensar. Não devemos ter a ingenuidade de acreditar que ele se afirmou perante
outras concepções porque era superior ou mais racional e, assim, desbancou-as. A
afirmação dessa oposição homem-natureza se deu no corpo da complexa História do
Ocidente, em luta com outras formas de pensamento e práticas sociais. Ter isso em conta é
importante não para compreender o momento presente. Isso porque o movimento
ecológico coloca hoje em questão o conceito de natureza que tem vigorado e, como ele
perpassa o sentir, o pensar e o agir de nossa sociedade, no fundo coloca em questão o modo
de ser, de produzir e de viver dessa sociedade (GONÇALVES, 1996).
Para Waldman (1992) a luta ecológica no Brasil alcançará seus objetivos somente
quando esta reconhecer a força e capacidade dos oprimidos e marginalizados do sistema
capitalista. Faz-se necessário um novo projeto social que seja crítico da apropriação privada
da natureza e voltado para uma sociedade ecologicamente responsável e mais justa. Afirma
ainda o autor que a luta ecológica é uma luta socialista que deve negar o sistema que
historicamente nega a vida. Assim, assume-se que a marginalização e injustiças sociais são
as responsáveis pela degradação do meio ambiente. Neste sentido, embora se reconheçam
as ações positivas desencadeadas por experiências cujos resultados se mostram positivos
frente a uma possível sustentabilidade ambiental, Loureiro (2006) questiona até que ponto a
ordem econômica capitalista estaria disposta a contribuir para a real sustentabilidade
ambiental
O desenvolvimento foi então identificado com o crescimento econômico,
tecnológico, urbano e a internalização da gica da acumulação e da produção capitalista
em todas as esferas de vida social. Um modo de vida desenvolvido ou “moderno” foi
estabelecido como um caminho evolutivo, linear e inevitável a ser trilhado pelas sociedades
subdesenvolvidas para superação da pobreza e do atraso. O paradigma de desenvolvimento
a ser alcançado era a sociedade norte-americana (SCOTTO, 2008).
Conforme o que se verifica nos documentos gerados pelo Fórum Brasileiro de
ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (2002), as
conseqüências dramáticas da internacionalização da economia sobre o emprego e sobre o
meio ambiente se fazem sentir cada vez com maior nitidez.
11
Em oposição ao esse pensamento capitalista, surgem as pesquisas que apontam que
o desenvolvimento almejado e aplaudido pelo sistema capitalista, gera cada vez mais
desigualdades sociais. Os olhos começam a voltar para as comunidades tradicionais e suas
formas de desenvolvimento sustentável, instalado e mantido através de gerações. A
integração do ser humano no ambiente se mostra como alternativa de preservação.
Para Diegues (2001) ecologia social ou ecologia dos movimentos sociais baseia-se
por um lado, na constatação do insucesso de muitos parques nacionais e áreas protegida de
uso indireto, e por outro, em argumentos de ordem ética, política, cultural e ecológica. Este
campo considera, sob o ponto de vista ético, injusto expulsar comunidades que vivem em
áreas de florestas desde gerações passadas e que são responsáveis pela qualidade dos
habitats transformados em áreas protegidas, dado seu modo de vida e uso tradicional dos
recursos naturais. Sob o ponto de vista político constatou-se, conforme o mesmo autor, que
sem o apoio dessas comunidades grande parte das ações conservacionistas e
preservacionistas tem efeito oposto a real conservação dos habitats e dos recursos naturais.
Reconhecendo a perspectiva crítica como legítima na luta pela igualdade social
reconhece-se também a importância do movimento socioambientalista, que nasceu da
necessidade de vincular diferentes formas de interesses diante dos recursos naturais. Por
vezes estes interesses são conflitantes tanto entre os grupos como, e principalmente, entre
esses grupos e o Estado. Neste sentido, grupos vinculados a movimentos socioambientalista
assim como povos tradicionais e indígenas e as camadas mais pobres em geral são postos
nas narrativas oficiais como uma ameaça à conservação do ambiente natural. Sob essa
alegação, populações tradicionais são retiradas de suas terras de origem (SANTILLI, 2005).
Ao falar de populações tradicionais aceita-se como definição aquela posta por
Diegues & Arruda (2001) e Santilli (2005) na qual se reconhece o conhecimento
aprofundado dessas populações sobre a natureza e seus ciclos assim como a formulação de
estratégias de manejo de acordo com o conhecimento desenvolvido por eles. Assim, as
populações tradicionais, por definição, são aquelas que possuem manejo sustentável, baixa
tecnologia, baixo acúmulo de capital, dependência da natureza e dos recursos naturais o que
determina, em certa medida, um manejo sustentável dos recursos naturais.
Conforme Souza (2007) o conhecimento das populações denominadas tradicionais pode
ser de grande valia seja para se chegar a uma interpretação do histórico compartilhado entre
12
homens e animais de uma determinada região, identificar o uso de animais na medicina
popular, obter novas fontes de proteína para a alimentação humana, identificar novas
estratégias de conservação das espécies e entender processos ecológicos que as rodeiam, ou
ainda subsidiar ações educativas.
Antes de tudo, trata-se de considerar o homem como uma força da natureza, uma força
entre outras existentes. A necessidade de estreitar as ligações com o ambiente natural e
permitir o desenvolvimento de outras forças cresce no pensamento humano. Deve se ter
como meta o compartilhamento, a utilização racional dos recursos e não seu esgotamento
gerando a escassez. O ser humano precisa renunciar a atitude predatória tão fortemente
ancorada nele (MOSCOVICI, 1974).
Diante destes pressupostos, podemos refletir no papel desempenhado pelas populações
tradicionais na manutenção e conservação do meio ambiente e certamente, nas relações
educativo ambientais que emanam de seus membros mulheres e homens -, que detém
um conhecimento ambiental tradicional.
Conhecimento este que pode consubstanciar ações de Educação Ambiental em
comunidades tradicionais, subsidiar positivas políticas publica de educação e Conservação.
13
Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas
que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol.
(Pablo Picasso)
2. O LOCUS DO ESTUDO: UM ESPAÇO A SER
ENTENDIDO.
14
2.1 – A cidade de Ribeirão Cascalheira: caracterização histórica e geográfica
Ribeirão Cascalheira é um município brasileiro do estado de Mato Grosso.
Localiza-se a uma latitude 12º56'30" sul e a uma longitude 51º49'27" oeste, estando a uma
altitude de 386 metros (Figura 1). Sua população estimada, segundo senso IBGE/2007 é de
8.677 habitantes. Possui uma área de 12.693,7 km². A primeira denominação do atual
município de Ribeirão Cascalheira foi Ribeirão Bonito, nome dado por volta de 1968. Por
algum tempo o local também foi denominado Alta Cascalheira. Boa parte dos pioneiros
vieram com as famílias: mulheres, filhos, parentes e amigos. Formou-se então o núcleo de
povoação pioneiro que gerou o atual município. Além da denominação Ribeirão Bonito, o
lugar recebeu os nomes de Guedolândia e Divinéia. Em 9 de outubro de 1984, foi criado o
distrito de Ribeirão Bonito.
Após a emancipação do município surgiu o nome Ribeirão Cascalheira, como
aglutinação dos termos Ribeirão e Cascalheira. O nome Ribeirão permaneceu devido aos
moradores inicialmente terem se fixado a beira do córrego Suiazinho, e Cascalheira em face
da região ter muito cascalho, o qual foi muito utilizado pelos seus moradores.
O município de Ribeirão Cascalheira foi criado em 3 de maio de 1988, através da
Lei 5.267, com território desmembrado de Canarana e São Félix do Araguaia. Distante
960 km de Cuiabá, sua economia é baseada na atividade pecuária.
A origem do município de Ribeirão Cascalheira está intimamente ligada à ocupação
por posseiros a partir de meados do século passado. Imigrantes da Região Nordeste do país,
de Minas Gerais, e, sobretudo do sul do Pará, de Goiás, e do atual Tocantins, que povoaram
as terras drenadas pelo Rio das Mortes. Essas famílias de camponeses faziam retiro” do
gado junto às vastas várzeas deste rio e de seus afluentes (Mureré, São João, São Joãozinho,
Boqueirão, Gengibre, Piabanha, Gameleira etc.). As famílias que viviam dispersas nas
gerais encontraram um território de domínio ancestral do povo Xavante, índios com os
quais, de alguma forma, conviveram. Com a criação da SUDAM em 1966, os
camponeses/posseiros/ribeirinhos que então habitavam a região, viram suas posses
ameaçadas por fazendeiros que chegavam ali dizendo serem os donos de terras que se quer
tinham visto (PINHEIRO, 2005).
15
Figura 1 – Localização do município de Ribeirão Cascalheira - MT, 2008.
Fonte – Google Earth.
Ainda segundo Pinheiro (2005), com os estímulos da SUDAM, proprietários do
Sudeste tornaram-se latifundiários, cujas fazendas - tais como a Marruá, a Bordom, a
Macife - se sobrepunha às áreas de posse. Os encarregados dessas fazendas ao chegarem à
16
região e constatá-las ocupadas, pressionavam os posseiros a venderem as terras, a preços
baixos e sob violência.
A violência foi uma marca da longa disputa fundiária da região, em que os
latifundiários tinham o Governo Militar e a Polícia como aliados contra os posseiros. A
Prelazia de São Félix do Araguaia atesta os conflitos da época, bem como os trabalhos de
Oliveira (1997) que explicam como foi o processo de ocupação mato-grossense.
A partir dos anos 1980 o movimento de resistência dos posseiros conseguiu a
desapropriação das terras dos grandes projetos agropecuários, muitos abandonados por
terem fracassado. As áreas desapropriadas, ocupadas por essas comunidades rurais
tornaram-se Projetos de Assentamento.
Em comunidades como Vila Berrante e Barreira Amarela (ambas em Ribeirão
Cascalheira) e a cidade de Novo Santo Antônio, a navegação fluvial é um meio de
deslocamento bastante usual, sobretudo na época das cheias, e a pesca é uma importante
fonte de alimento. Outros rios menores que cortam o Cerrado possuem área e período de
cheias menores, mas também influenciam na dinâmica dos cultivos e do gado.
2.2 – Vila Berrante – Lutas e conquistas de uma comunidade em movimento.
A comunidade Vila Berrante está situada às margens doP Rio das Mortes, no
município de Ribeirão Cascalheira – MT.
É uma comunidade tradicional, formada por pescadores e possui uma
particularidade interessante. Por ter seus territórios situados em uma enorme planície as
margens do Rio das Mortes isola-se completamente, por força das enchentes, no período
que vai de novembro a março de cada ano.
Com algumas exceções, que começam a surgir só agora, todas as casas mantêm o
mesmo estilo de quando se deu a ocupação do local (Figura 2). São casas com paredes
construídas com bambu ou madeira entrelaçadas, revestidas por barro. A cobertura é feita
com palha de palmeira, retirada na região, obedecendo ao ciclo das chuvas e frutificação da
espécie vegetal. Todas as famílias possuem duas construções: uma destinada a cozinha e
dispensa e a outra, área social e privada, onde dormem e recebem visitas. Um dos motivos
alegados para essa separação, segundo os moradores, se pelo fato de que todos possuem
17
fogão a lenha, que permanecem com fogo quase que diariamente, sendo assim, a fumaça
poderia prejudicar a saúde.
Todas as casas são construídas de forma que a parte mais comprida do telhado fique
voltada para o rio. Segundo relato de alguns moradores, caso esse costume não seja
observado, o morador terá muitas doenças em sua família.
Figura 2 – Construções típicas, utilizadas por todas as famílias – Vila Berrante, 2007.
O resgate da formação dessa comunidade se deu por meio de entrevistas da
população. Todos os moradores contaram sua versão sobre o surgimento da comunidade,
inclusive, foi possível entrevistar três dos homens que estiveram à frente dos conflitos para
obtenção do direito de permanência no local (Figura 3).
18
Figura 3 –Sr. Bertoldo e Sr. Lucimar, primeiros moradores – Vila Berrante, 2007.
A população é formada por 29 famílias que se alojaram como posseiros e hoje são
proprietários das terras. Cada família, inicialmente tomou posse de um lote de 40 X 60
metros, onde hoje é a vila, e um terreno de 500 m x 12 km (Figuras 4 e 5), para plantio e
criação de gado. Poucas famílias são detentoras de seus terrenos dentro da vila. Muitos
abandonaram ou venderam e ficaram somente com seu terreno maior (posse). Na vila,
continuam morando apenas nove das famílias pioneiras, o restante dos lotes está ocupado
por proprietários de outras localidades, que mantém o espaço para lazer.
Figura 4 - Vista da Comunidade Vila Berrante – fonte: Google Earth, 2007
.
19
Figura 5 – Croqui da distribuição dos lotes e moradores de Vila Berrante. 2007.
Fonte – Desenho esquematizado pelo ribeirinho André.
A comunidade é formada basicamente por pessoas vindas do Pará, Goiás, Minas
Gerais, Pernambuco e de outras localidades do Estado de Mato Grosso. Vivem da pesca, da
agricultura familiar e da criação de gado em pequena escala. Outra fonte de renda que se
agregou as fontes de renda tradicionais é a manutenção das moradias dos proprietários
recentes (são contratados como caseiros) e também, atualmente, recebem turistas e têm uma
renda como guias e na prestação de serviços domésticos.
Estão presentes na comunidade as seguintes instituições: escola e igreja (Figura 6).
A escola denominada Tancredo Neves, é mantida pela prefeitura do município de Ribeirão
Cascalheira. Funciona com a modalidade de ciclo no período matutino com duas turmas
multiseriadas, sendo uma formada por alunos das séries iniciais e outra por alunos das
séries finais do ensino fundamental. Por causa das chuvas no final de ano, a escola segue
um calendário diferenciado, onde em determinados meses os alunos têm aula em período
integral para compensar o término das aulas de acordo com a chegada das chuvas, pois com
isso fica praticamente impossível chegar à escola. No ano de 2007, discutiu na comunidade
a implantação do EJA noturno, que tinha a aprovação de todos os moradores. O entrave
para tal funcionamento se dava na aquisição de um motor gerador de energia elétrica.
Segundo os professores, a EJA seria uma extensão da Escola Estadual Coronel Ondino
Rodrigues Lima, situado em Ribeirão Cascalheira.
20
Na comunidade encontram-se duas congregações religiosas: a Igreja Católica e a
Igreja Evangélica Assembléia de Deus. A sede da Igreja Católica foi construída com
recursos das festas de Nossa Senhora da Guia, padroeira da comunidade. Os festejos
ocorrem na segunda semana de setembro, atraindo um grande número de turistas e parentes
dos ribeirinhos. A igreja Evangélica funciona na casa do Pastor, um morador local.
Figura 6 - Instituições presentes na comunidade. Vila Berrante, 2007.
Escola Municipal Tancredo Neves Igreja católica
Igreja Evangélica
21
"Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele conduz somente até onde os outros
foram."
(Grahan Bell)
3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
22
3.1 - A
SELEÇÃO DA COMUNIDADE E DOS INFORMANTES
Para se chegar à comunidade Vila Berrante, é necessário percorrer 120 km de
estrada de terra, partindo da cidade de Ribeirão Cascalheira. As dificuldades são grandes,
principalmente no período chuvoso, que nos meses de dezembro a fevereiro, faz com que as
estradas de acesso a comunidade, fiquem praticamente intransitáveis (Figura 7). Poucos
veículos conseguem transpor as barreiras impostas pelas chuvas.
Figura 7 – Estrada de acesso: Ribeirão Cascalheira – Vila Berrante, 2007.
Na última visita, que aconteceu em fevereiro, foram necessárias seis horas para
chegarmos ao local, depois de muitos ‘atoleiros’ e caminhos alternativos.
23
Nos últimos anos, algumas famílias abandonaram seus lotes na vila, por preferirem
ficar definitivamente na posse ou por terem vendido seu espaço na vila para outras pessoas,
por isso, além de entrevistar as famílias que moram na Vila, foi necessário deslocar até as
posses, onde muitas famílias se encontram (Figura 8). As visitas a essas posses foram feitas
por terra (carro e moto) e por água (barco a motor).
Para encontrar um dos primeiros moradores da vila, foi feita uma visita a um
povoado vizinho, denominado “Cerradão”, onde foram necessárias três horas de barco,
descendo o Rio das Mortes.
Dessa forma, 25 das 29 famílias puderam ser entrevistadas. Quatro famílias do total
de moradores da comunidade, não foram entrevistadas. Dessas, duas não se encontravam na
região, estavam em viagem, segundo os vizinhos. Duas outras, por dificuldades de acesso.
Uma delas tem sua moradia no meio do varjão, onde não conseguimos chegar nem por
moto nem por carro. A outra família se encontra na margem do rio, mas devido ao volume
de água do rio estar alto, o guia não conseguiu encontrar a entrada de acesso.
Figura 8 – Margem alagada – Acesso aos moradores – Vila Berrante, 2007
.
24
3.2 - Categorias sistematizadas para coleta de dados na comunidade
Com objetivo de revelar indicadores educacionais em Educação Ambiental,
estabeleceu-se algumas categorias a serem investigadas durante a pesquisa que se
desenvolveu com a comunidade ribeirinha, localizada no município de Ribeirão
Cascalheira, Estado de Mato Grosso, comunidade esta, conhecida como Vila Berrante. As
categorias estabelecidas permitiram colher informações sobre o cotidiano da comunidade,
sua relação com o ambiente, seus costumes e tradições, para a produção de conhecimentos
a serem utilizados em Educação Ambiental. Tais categorias foram organizadas no quadro
abaixo (quadro. 1).
3.3
-
O
MÉTODO EXERCITADO
A fim de conseguir ampla flexibilidade e liberdade nas perguntas ou intervenções
em cada caso particular, foram realizadas entrevistas abertas, semi-estruturada (VIEIRA,
2005), pois neste tipo de entrevista o pesquisador propõe sub-temas, na forma de roteiro,
especialmente construído para esse fim (BLEGER, 1980). Como complemento as
entrevistas, adotou-se também a técnica de observação participante.
O roteiro foi utilizado para “... conduzir a entrevista, evitando que o informante
acabe por determinar os rumos do “papo” (por ter encontrado um bom ouvinte),
abandonando por completo a temática da investigação” (PRETI, 2005, p.51).
A entrevista sendo aberta não restrição quanto à sua duração, podendo se
estender longamente; possibilitando aprofundamento das respostas e, a partir das respostas,
permite investigar novos assuntos por vezes inesperados, porém, pertinentes ao objeto de
estudo proposto. A técnica de observação participante é considerada importante para
complementar as informações obtidas neste tipo de entrevista, como proposto por Vieira
(2005).
Os dados transcritos foram então ordenados em categorias, criadas a fim de agregar
os conteúdos similares, tal como realizado por Bardin (1997), mas a técnica empregada
nesta pesquisa não se trata de análise de conteúdo como proposta pelo autor citado, mas
utilizou-se da formulação de categorias enquanto estratégia de ordenação dos dados para
posterior análise e uma sistematização dos fatos observados.
25
3.4
-
T
ÉCNICAS DE
C
OLETA DE DADOS
Para coleta de dados, as famílias foram entrevistadas, seguindo um roteiro básico
para direcionar a interlocução (baseado no Quadro 1). Porém, não havia muita interferência
por parte do entrevistador, deixando que o sujeito entrevistado discorresse livremente. As
categorias previamente determinadas eram inseridas na interlocução de forma aleatórias,
sem quebrar ou forçar a inclusão do assunto na conversa.
As interlocuções foram todas gravadas para posterior transcrição e análise.
Foram ainda feitas visitas pelos quintais, pelo interior das moradias, nas plantações,
currais e acompanhamento de algumas atividades realizadas pelos entrevistados.
Dessas atividades, foi possível presenciar um mutirão onde alguns homens
construíam uma nova casa para um dos moradores e também acompanhar momentos de
pescaria.
Foi possível ainda acompanhar um dos moradores na colheita e manutenção de uma
“roça” (Figura 9).
Figura 9 – Visita a uma das roças – Vila Berrante, 2007.
26
Para melhor identificação dos entrevistados, iniciava-se sempre a conversa com a
apresentação do entrevistador, que se identificava e expunha os motivos de sua visita. Após
o consentimento do entrevistado, o gravador era ligado e iniciava-se com as seguintes
questões.
1- Nome.
2- Quantas pessoas moravam na casa.
3- Quem eram essas pessoas.
4- De onde vieram (cidade, estado).
5- Há quanto tempo mora na comunidade.
6- Como chegou a comunidade.
A partir da sexta questão, iniciava-se uma narrativa por parte do entrevistado e
durante a conversa as categorias que se pretendia investigar eram introduzidas.
O consentimento prévio tanto para as gravações, como para as fotografias e
posterior uso destas e dos dados, foi obtido com todos os participantes da pesquisa de
forma oral.
27
28
O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que
acontecem. Por isso existem
momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.
(Fernando Pessoa)
4. Mitos e Lendas da Comunidade
29
4.1 – Mitos e lendas na comunidade.
Durante a convivência com os moradores da Vila Berrante, é possível perceber a
riqueza cultural presente, bem como a estreita relação que esse povo tem com o ambiente
natural. Dos registros obtidos, seguindo os objetivos previamente estabelecidos, os detalhes
dessa riqueza cultural e a relação desse povo com o Cerrado e o Rio das Mortes serão aqui
expostos e analisados, buscando sempre um referencial teórico para melhor orientação.
A consciência dispõe de duas maneiras de representar o mundo. Uma direta, na qual
a própria coisa parece estar na mente, como percepção ou simples sensação. A outra
indireta, quando por qualquer razão, o objeto não pode apresentar-se à sensibilidade “em
carne e osso”, como, por exemplo, nas lembranças da nossa infância, na imaginação das
paisagens do planeta Marte. Em todos esses casos de consciência indireta, o objeto ausente
é representado à consciência por imagens, no sentido amplo do termo, nesse tipo de
conhecimento, o símbolo desempenha papel fundamental e remete ao ausente ao impossível
de ser percebido (DURANG, 1974).
Os mitos e lendas identificados na comunidade repetiram-se em todas as entrevistas.
Vale ressaltar que alguns dos entrevistados, mostraram-se resistentes nesta categoria. Em
alguns casos, apesar de sutilmente se insistir no assunto, acabou-se em ouvir respostas
negativas a respeito deste assunto. Como por exemplo, a fala de dois moradores que foram
enfáticos em afirmar que “tais coisas” não existem e desconhecem qualquer história.
Essas coisas não existem não! É conversa de gente
que não tem o que fazer. M.B.F – 45 anos.
O povo conta um monte de história sobre o pai do
mato, de garrafa, mula sem cabeça... Mas isso não
existe, meu filho. É coisa pra assustar os meninos, né?
Mas você precisa ouvidos pra isso não!...Não! Não
conheço e nem sei contar nada sobre isso. J.S 43
anos.
Pode-se concluir com esses trechos da entrevista e mesmo durante a conversa, que o
entrevistado não se sentiu a vontade para tocar em tal assunto, temendo ser considerado
30
infantil ou insensato por tratar de algo do imaginário fantástico. A falta de intimidade pode
ter sido o fator determinante para tal comportamento.
Dos entrevistados que se sentiram a vontade para tratar de tal assunto, podemos
citar as seguintes lendas e mitos: Arranca-línguas, Lobisomem, Figueira, Pé-de-garrafa,
Pai-do-Mato, Boiúna e Caipora.
Essas lendas e mitos foram analisados e comparados com as bibliografias existentes.
Foi possível fazer um agrupamento das lendas e mitos como sendo: Relações familiares,
Valores espirituais e religiosos, Visão de mundo ou Cosmovisão. Para esse agrupamento
das lendas e mitos revelados, utilizou-se como base e inspiração, os trabalhos realizados
por Morais (2007).
Para Diegues e Arruda (2001) o imaginário dos povos tradicionais está repleto de
representações. mbolos e mitos que dirigem o comportamento dos grupos frente ao meio
ambiente natural. O autor aponta a etnociência como o campo do saber que tem contribuído
para o conhecimento das populações tradicionais, trazendo importantes informações sobre
os saberes das populações humanas, os processos naturais, a taxonomia usada por essas
comunidades como também aponta a lógica subjacente às essas etnoclassificações.
Apesar de que para muitos, o mito nada mais é que inverdades ou algo fantasioso,
vários estudos antropológicos têm dado outras concepções a cerca do mito. Para Bošković
(1993), mitos e lendas são definidos como criações culturais importantes para todas as
culturas humanas uma vez que explicam o mundo que os rodeia. Para o autor os mitos
traduzem cosmovisões específicas construídas por cada grupo cultural. Destas construções
elaboradas por tais grupos, fazem parte os comportamentos exemplares, ideais, bem como
aqueles que devem ser evitados por expressarem a quebra de normas e valores morais
consensuais ao grupo. O mito não traz em si a pretensão de evocar um costume, mas sim
uma atitude individual que contraria imperativos de ordem moral e social (LÉVI-
STRAUSS, 2004).
Neste contexto, assume-se o mito como uma narrativa de povos tradicionais,
criados e mantidos dentro de uma cultura, com a intenção de dar explicações do mundo que
os cerca. Enquanto mitos podem nos dizer a respeito de eventos de origem que
compartilham uma sociedade e sua cultura, as lendas referem-se a personagens que não são
31
lembrados como parte de um evento de origem, embora possam ter tido um (BOŠKOVIĆ,
1993).
O mito como expressão e valorização de um povo, pode ser percebido desde a
Grécia antiga. Os legisladores, naquela época, utilizavam-se dos mitos para modelar
princípios éticos e morais (Aristóteles, 1978). Laraia (2005) aponta que os mitos podem
explicar a organização social, Bošković (1993) conclui que não existe uma única
definição sobre mito, o mais importante é o contexto sob qual ele se apresenta.
Segundo Diegues (2001), os fundamentos sob os quais as populações tradicionais
agem em relação ao meio ambiente, o construídos a partir de seus símbolos,
representações e mitos. Toda sua relação com o ambiente tem suas bases nas representações
mentais e com o conhecimento empírico acumulado, transformados então, em seus sistemas
tradicionais de manejo. Para o autor, o imaginário dos povos das florestas, rios e lagos
brasileiros estão repletos de entes mágicos que castigam os que destroem, maltratam os
animais ou excedem no uso dos recursos naturais por eles utilizados.
O espaço de interação entre grupos humanos e o ambiente não se reduz à
reprodução econômica das relações sociais. O território é também o locus das
representações mentais e do imaginário mitológico dessas sociedades cujos símbolos, mitos
e lendas construídos fazem parte do contexto que orienta as ações de seus membros frente
ao meio natural (DIEGUES 2001).
As relações com o ambiente, por esses povos tradicionais, estão intimamente
ligadas aos valores que os mitos trazem de geração a geração, moldando assim, o
comportamento ideal frente à natureza, ou punindo os transgressores que não se atentam
aos ensinamentos contidos nesses mitos.
Os mitos que apareceram nesta comunidade foram agrupados de forma a fornecer
melhores entendimentos sobre sua mensagem. Para tanto, dividiu-se em três grupos, onde
serão discutidos os sentidos de cada mito presente. Para melhor esclarecimento sobre
origem, forma e várias interpretações, foram consultadas bibliografias especializadas. Um
breve relato do mito é dado para levar o leitor a se familiarizar com o tema. Como forma de
interpretação, foi criada uma síntese que traduz os conceitos encontrados em cada mito
revelado. Vale ressaltar que tal síntese é uma forma de interpretação dada pelo pesquisador,
mas que não esgota as múltiplas formas de interpretações possíveis e nem deve ser acolhida
32
como produto final, assim, mais uma forma didática de se utilizar dos conhecimentos
tradicionais revelados. Ainda para melhor entendimento, os mitos revelados foram
agrupados em três categorias que são: os mitos que trazem em sua essência as relações
familiares, os mitos que tratam de valores religiosos e espirituais e os mitos que em
sua criação revelam a visão de mundo ou cosmovisão das sociedades que se utilizam
deles.
...os mitos não falam da cosmogenese, não falam só da
passagem da natureza à cultura, mas também de tudo que
concerne a identidade, o passado, o futuro, o possível, e de
tudo o que suscita a interrogação, a curiosidade, a
necessidade, a aspiração. Transforma a história de uma
comunidade, cidade, povo, tornam-na lendária, e mais
geralmente, tendem a desdobrar tudo que acontece no nosso
mundo real e no nosso mundo imaginário para ligá-los e os
projetar juntos no mundo mitológico (MORIN, 1986).
4.2 – Mitos e Lendas sobre relações familiares
A importância dada a unidade familiar, os valores que regem uma família, as
atitudes e condutas ideais presentes numa comunidade tradicional, são uns dos fatores que
se revelam nas narrativas sobre os mitos agrupados nessa categoria. Diegues (2001) associa
esses tipos de conceitos como sendo típicos de comunidades tradicionais.
Castro (2005) ao realizar estudos com jovens de sociedades rurais tradicionais
revela que uma das características mais marcantes dessas sociedades são as relações
hierárquicas que envolvem o jovem e o velho.
Os mitos e lendas que trazem em sua essência os valores, condutas e tabus tidos
como ações corretas ou incorretas pelos mais velhos, servem como norteadores das ações
dos mais jovens. O sagrado, o divino, o mágico contido nas narrativas acaba por encantar e
deixar nas mentes desses jovens, que ouvem desde pequenos tais histórias, uma certeza de
que se algo de errado for feito, um “castigo” ou “maldição” recairá sobre seus ombros.
Nesta categoria, identificamos as lendas do Arranca-Línguas e do Lobisomem:
33
Figura 10 – Arranca – Línguas. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
34
Lenda do Arranca-Línguas:
Esta é uma lenda muito comum na região do Rio Araguaia (Região Centro-Oeste do
Brasil), e por todo estado de Goiás. Muitas pessoas descrevem o Arranca-Línguas como
sendo um monstro de dez metros. quem diga que se parece com uma mistura de gorila
com homem.
Sua lenda diz que ele se alimenta de línguas dos animais e do homem, daí seu nome.
Costuma atacar suas vítimas à noite, matando-as e retirando-lhes a língua para comer.
A narrativa conta a história de um filho único que desobedecendo ao pedido de sua
mãe come parte da refeição (carne de frango) que deveria ser oferecida ao seu pai que
trabalhava na roça. Por essa desobediência é transformado por sua mãe em um bicho
condenado a comer a língua do gado. A partir de então o filho transforma-se no Arranca
Línguas, cuja sina passa a ser comer língua de gado que ele rouba. A história acontece no
contexto das relações familiares onde o filho transgredindo as normas das interações
familiares, sobrepõe o sentido de cooperação e solidariedade e nega a autoridade materna.
Em decorrência de sua transgressão é punido por sua mãe sendo condenado a cometer
constantes transgressões (Morais, 2007).
Na descrição feita por Câmara Cascudo (2001) o personagem Arranca-Línguas
aparece como um monstro gigantesco semelhante a um macaco, com mais de dez metros de
altura, e que costumava atacar os rebanhos bovinos de Goiás, matando-os e arrancando-lhes
apenas a língua.
O personagem dessa narrativa traz em si toda uma carga de valores para com a
família. As relações de parentesco são descritas e o comunal, a solidariedade o respeito com
os mais velhos são atributos que este mito carrega, direcionando as atitudes dos jovens para
o ideal de comportamento (Quadro 2). Como conseqüência pela falha, pelo não
compartilhamento aparece então a punição na forma de maldição. Santilli (2005), ao
conceituar populações tradicionais destaca a importância que elas dão a unidade familiar,
doméstica ou comunal bem como às relações de parentesco para o exercício das atividades
econômicas, sociais e culturais do grupo.
O Arranca-línguas relatado pelos moradores de Vila Berrante aparece com as
mesmas características encontradas nas bibliografias especializadas. Apenas dois
moradores citaram esta lenda.
35
A noite ele sempre aparece. Mas aparece pra
menino malcriado, que desobedece a mãe ou o
pai! Quem se depara com ele, por sorte
consegue escapar. Ele e um monstro muito
grande. Parece muito com um macaco. Só que
muito maior. Bem maior mesmo. E se pega o
infeliz que cruza seu caminho, ele arranca a
língua e come. M.B.F – 47 anos.
Aqui por essas bandas ainda não fiquei sabendo
que ele atacou alguém. Na certa ainda não
atacou, se não todo mundo tinha ficado
sabendo, ne? Sempre se sabe de tudo que
acontece por aqui... Ele e muito feio! Feio mesmo!
me falaram que ele pode chegar a ter ate dez
metros de altura. Imagina só? Se andasse um
desses por aqui, alguém tinha avistado. Não da
pra passar sem ser percebido. Mas esses bichos
são tinhosos! Se disfarça pra não ser avistado.
Pra pegar o cabra de surpresa. Parece muito com
um macaco, desses gorilas. E come a língua de
quem fala mal de alguém da própria família ou
inventa mentira de visinhos e conhecidos. J.G
43 anos.
36
Quadro 2: síntese da interpretação da lenda Arranca-Línguas.
37
Figura 11 – O Lobisomem. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
38
Lenda do Lobisomem
Segundo Câmara Cascudo (2001) o mito do Lobisomem (figura 10) é um mito
universal. Na África existe a tradição sagrada de transformações animais, homens-lobos,
homens-tigres, homens-hienas. Nasce-se lobisomem: em alguns lugares são os filhos do
incesto, mas, em geral, a predestinação não vem senão do acaso e liga-se com o número
que a astrologia acádia ou caldaica tornou fatídico- o mero 7. O Lobisomem é um filho
que nasceu depois de uma série de sete filhas. Aos 13 anos, numa terça ou quinta-feira, sai
de noite e, topando com um lugar onde um jumento se esponjou, começa o destino. Daí por
diante, todas as terças e sextas-feiras, da meia noite às duas horas, o Lobisomem tem de
fazer a sua corrida, visitando sete adros (cemitérios) de igreja, sete vilas acasteladas, sete
partidas do mundo, sete outeiros, sete encruzilhadas, até regressar ao mesmo espojadouro,
onde readquire a forma humana. Sai também ao escurecer, atravessando na carreira as
aldeias onde os lavradores recolhidos não adormecem ainda. Apaga todas as luzes, passa
como uma flecha, e as matilhas de es, ladrando, perseguem-no até longe das casas...
Quem ferir o Lobisomem quebra-lhe o destino; mas que não se suje no sangue, de outro
modo herdará a triste sorte. Esses elementos criaram o Lobisomem, o lubisome, no Brasil.
modificações regionais. Transforma-se em um bicho grande, bezerro de alto porte, com
imensas orelhas, cujo rumor é característico. Procura sangrar crianças, animais novos e, na
falta deles, a quem encontrar antes do quebrar da barra, antes que o dia se anuncie. Para
desencantá-lo basta o menor ferimento que cause sangue. Ou bala que se unte com cera de
vela que ardeu em três missas de domingo ou na missa do galo, à meia noite de Natal.
centenas de depoimentos afirmando encontros e lutas pessoais com o Lobisomem, o mais
popular dos animais fabulosos, com a maior área geográfica de influência e crédito
tradicional. O Lobisomem sai na sexta-feira no ‘‘ponto da meia-noite’’. Seu lugar predileto
são as encruzilhadas. Come galinha, assusta cachorros. Seu corpo é peludo, suas presas
(dentes) crescem e fica em posição de quatro. Após essa transformação, sai correndo à
procura de animais ou pessoas para devorá-los ou assustá-los.
O Lobisomem, ou tecnicamente licantropo (palavra derivada do nome do rei mítico
Licaão),de acordo com Câmara Cascudo (2002), é um ser lendário, com origem em
tradições européias, segundo as quais, um homem pode se transformar em lobo ou em algo
semelhante a um lobo, em noites de lua cheia, só voltando à forma humana, novamente,
39
quando o galo canta. Tais lendas são muito antigas e encontram a sua raiz na mitologia
grega. Uma das personagens mais famosas foi o pugilista arcádio Damarco Parrásio, herói
olímpico que assumiu a forma de lobo durante nove anos após um sacrifício a Zeus, lenda
atestada pelo geógrafo Pausânias.
Ainda segundo Câmara Cascudo (2002) o Lobisomem aparece na Grécia Clássica
onde esse se originou devido a um castigo de Zeus. O autor se refere a três versões
diferentes para a origem do Lobisomem na Grécia Clássica, Zeus castiga Licaon por ter
sacrificado um filho em nome de Zeus. Em Portugal o personagem é geralmente filho do
incesto, porém em geral a sina lhe vem senão ao acaso, sendo um filho homem nascido
após uma série de sete filhas mulheres. Na América pré-colombiana e no Brasil pré-
cabralino não há registros do mesmo, o único relato sobre o mesmo na época é dado por um
manuscrito chamado Notícias do Paraguai onde se relata que a tribo Mbaya acredita que as
velhas se transformavam em jaguares após sua morte e com o poder de ainda ficarem
invisíveis.
No Brasil existem duas tradições para a transformação em Lobisomem, uma no sul
do país que mantém a forma mais pura e tradicional de Portugal onde o predestinado é filho
nascido depois de sete filhas, ou resultado de incesto. Já na região norte uma versão
regional para explicar a transformação, sendo geralmente os portadores de hipoemia,
paludismo, ancilóstomos ou hepatopatias.
A narrativa do lobisomem parece ordenar em primeiro plano os papéis sociais na
família e apontando o masculino como o responsável e provedor do lar, à figura feminina
cabendo as tarefas domésticas e educação das crianças, bem como uma relação de respeito
das crianças em relação às figuras materna e paterna. Considerando que o lobisomem se
forma a partir da categoria criança ou idoso é possível pensar na liminaridade expressa por
esses grupos etários. Ou seja, parece possível de sofrer a transformação crianças que estão
sendo socializadas, portanto, estão em processo de integração na sociedade; e o idoso, que
ainda que esteja inserido na sociedade encontra-se em estado limiar, pois pode deixar esse
pertencimento através da morte. Neste sentido, crianças e idosos se aproximam enquanto
categorias sociais mais vulneráveis (Morais, 2007).
Segundo Morais (2007) ao salientar o Lobisomem como o status e papéis das
diferentes categorias sociais entende-se que, pelo receio da punição crianças, pais e mães
40
devem cumprir seus papéis dentro do grupo. Ao mencionar a quaresma como um momento
adequado para a transformação em Lobisomem a narrativa assume que os valores morais e
religiosos estão imbricados. Tais concepções ancoram-se nas narrativas trazidas por
Câmara Cascudo (2002) quando diz que na Paraíba a influência religiosa é decisiva na
narrativa (Quadro 3).
Por ser muito conhecida e difundida, a lenda do lobisomem é representada na Vila
Berrante conforme consta em referências bibliográficas. Assim como aparece as múltiplas
versões na literatura, na Vila Berrante não foi diferente. Houve quem relatasse ser o
lobisomem o sétimo filho antecedido por seis irmãs. Resultado de incesto ou até mesmo,
sendo essa maldição voluntária, sendo que certos homem possuam o poder de se
metamorfosear. A bala de prata foi o meio indicado pelos moradores como sendo a forma
de aniquilar tal monstro.
41
Quadro 3: Síntese da interpretação da lenda do lobisomem
.
42
Figura 12 – Figueira. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
43
4.3 - Personagens que tratam dos valores religiosos e espirituais.
Lenda da figueira
Nas narrativas que aparecem a Figueira, trata-se de uma árvore que abriga em seu
interior o demônio, que periodicamente faz um chamado para que as pessoas sejam levadas
aos seus domínios. A árvore denominada figueira pelos entrevistados difere quanto a sua
espécie, levando-nos a perceber que se trata de uma categoria de representação,
independente de se tratar especificamente de uma árvore pertencente ao gênero fícus.
Câmara Cascudo (2001) aponta a gameleira como sendo a árvore de primeira linha
dos afros brasileiros, que os nagôs, chamam de Iroco, um deus a quem dão oferenda. A
gameleira depois de preparada ritualisticamente torna-se sagrada, um tabu, não podendo ser
tocada por ninguém. Árvores com esses atributos sagrados acreditam ser abrigos de entes
do mundo espiritual. A gameleira branca da qual trata o autor refere-se ao fícus doliaria.
Segundo Câmara Cascudo (2001) o sentimento religioso dado a essa árvore por
comunidades, é encontrado tanto em europeus, quanto em africanos como em ameríndios.
Os entrevistados atribuem à figura da figueira como a expressão do mal. Capaz de
punir aos que não seguem os princípios morais e religiosos designados por Deus (Igreja).
Tais crenças acabam por nortearem as ações sociais de respeito e partilha, seguindo
os ensinamentos sagrados, bem como acabam por preservar tal espécie de árvores, que
ela carrega toda uma carga de simbologia.
Se por um lado os estudos preliminares mostram que o sentido sagrado atribuído à
figueira pode ser responsável pela sua preservação, por outro lado, expressa a dinâmica
cosmológica do próprio grupo que a ela atribui este sentido. Ao expressar as forças
maléficas (Demônio) em oposição às forças divinas (Deus), a Figueira torna presente
valores morais que dirigem a vida desse grupo. Esse jogo de forças maléficas e benéficas
pode ser exemplificado no chamado do demônio, que pede aproximação do morador ao
pronunciar o nome dele. Caso o morador o atenda antes do terceiro chamado poderá morrer
(MORAIS, 2007).
Conforme demonstra Morais (2007), no jogo entre essas forças positivas
(aproximação de Deus) e negativas (aceitar a aproximação do demônio) o integrante do
grupo deve-se manter correto para que não seja punido com a morte. A expressão da retidão
de caráter é recompensada pela proteção divina que o permite continuar em vida.
44
Importante notar que a Figueira, assim concebida, não se trata de uma árvore determinada
uma vez que esta denominação pode ser dada a árvores de diferentes espécies. Assim, a
Figueira expressa uma idéia que contém valores morais e, portanto, as espécies que a
representam, devem ser preservadas.
O fato de manter uma figueira por perto, sendo ela algo tão maléfico, como a
morada do demônio, pode representar uma forma se ter por perto o risco de se submeter aos
caprichos negativos. Tornando o morador um constante vigilante de suas ações, lembrando
sempre que é preciso estar firme em sua em Deus, para que não caia nos caminhos
obscuros (Quadro 4).
Nenhuma árvore da Vila Berrante foi apontada como sendo uma figueira do diabo.
Muitos moradores afirmaram ter morado perto de uma dessas árvores, em alguma época de
suas vidas. Todos afirmaram ser uma árvore cheia de segredos e mistérios e que era
comum, durante a noite ouvir barulhos e risadas vindas do interior da árvore.
Um morador relatou algo que o consta na literatura, sobre os poderes de tal
árvore:
...nela também e possível deixar todos os pecados
cometidos na vida... Quando o cortejo passar em
baixo dela, coloca o caixão no chão e todo mundo
bate muito no defunto (sem tirar ele do caixão)
com os galhos arrancados da figueira. A surra
serve de punição e paga os pecados. Depois disso,
o caixão fica mais leve, se antes precisava de seis
homens pra carregar, agora dois conseguem.
M. A. S – 38 anos.
45
Quadro 4: Síntese da interpretação da lenda da Figueira.
46
Figura 13 – Pé-de-Garrafa. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
47
4.4 - Personagens que tratam da visão de mundo.
Lenda do Pé–de-Garrafa
Segundo Camara Cascudo (2001), o Pé-de-garrafa é um ente misterioso que vive
nas matas e capoeiras. Não o vêem, ou o vêem raramente. Ouvem sempre seus gritos
estrídulos, ora amedrontadores, ora tão familiares que os caçadores procuram-nos,
acreditando tratar-se de um companheiro perdido. Quanto mais buscam, menos o grito
serve de guia, pois multiplica-se em todas as direções, atordoa, enlouquece. Os caçadores
terminam perdidos ou voltam para casa depois de luta áspera para reencontrar o caminho
habitual. Sabem tratar-se do Pé-de-garrafa, porque assinala sua passagem com um rastro
redondo, profundo, lembrando um fundo de garrafa. Supõem que o fantasma tenha as
extremidades circulares, maciças, fixando vestígios inconfundíveis.
Pé-de-garrafa, Pé-de-quenga, o pé contorço, arredondado, é índice demoníaco. Mãos
em garra e pés redondos são "constantes" do senhor diabo. Tem a figura de um homem, é
completamente cabeludo e possui uma única perna, a qual termina em casco em forma de
fundo de garrafa. Nas velhas Missões de Januária, em Minas Gerais, o mítico Bicho-
homem tem também um (Figura 11), enorme, redondo, e é denominado, por isso,
pé-de-garrafa (Camara Cascudo, 2001).
Vale-Cabral (1978), um dos primeiros a estudar o Pé-de-garrafa, considerou-o
natural do Piauí, morando nas matas como o Caapora, e devia ser de estatura invulgar, a
julgar pela pegada enorme que ficava na areia ou no barro mole.
O sertanista Renato Ignácio da Silva procurou uma explicação racional para as
marcas em forma de fundo de garrafa que povoam no imaginário do caboclo. Seria talvez a
fantasia de uma estratégia nas incursões dos caiapós do Brasil Central para despistar seus
inimigos.
“(...) Mesmo quando são muitos, apóiam-se nos
calcanhares, levantando os dedos dos s. No rasto tão
pequeno deixado pelo primeiro índio caiapó, todo o resto
passará, repisando-o, deixando, no chão, uma rodela do
tamanho do fundo de um copo. O que deu margem à lenda do
bicho-garrafa, tão temido pelos crédulos sertanejos”
(SILVA, 1971).
48
Mesmo que essa curiosa estratégia de despistamento fosse usual entre os indígenas
de todo o Brasil, não explicaria os petroglifos feitos com muita paciência e instrumentos de
percussão (Figura 12). Nos lajedos às margens do rio Negro, em frente à antiga prefeitura
de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas), estão gravados vistosos "fundos de garrafa". O
mesmo ocorre junto a petróglifos multimilenares da ilha de Maracá - Roraima, ( Câmara
Cascudo, 1959).
Figura 12 - Montículos funerários em forma de “fundo de garrafa”. Fonte: R. Stevenson.
Por se tratar de um personagem que vive nas matas e suas ações são reguladoras das
ações humanas perante a meio ambiente, o Pé-de-garrafa enquadra nos mitos que trazem
valores relacionados a visão de mundo ou cosmovisão de uma determinada comunidade.
Tanto nas entrevistas como na literatura especializada o Pé-de-Garrafa está
invariavelmente associado à mata/cerrado seus gritos demarcam os limites do ecossistema
em que ele se encontra. Sendo uma criatura temida e ameaçadora, sua ação tem como meta
a regulação das ações humanas, evitando o abuso na utilização dos recursos naturais
(Quadro 5).
Os moradores em suas narrativas, muitas vezes utilizavam a figura do Saci Pererê
para situar o personagem, como uma comparação.
Em todas as narrativas, o Pé-de-garrafa aparece com uma perna só. Difere do saci
por ser branco e ter o corpo coberto de pelos.
49
Sempre aparece, segundo os moradores, para pessoas que não respeitam as leis do
ambiente natural. Sua ação faz com que o pescador ou caçador se perca pelo Cerrado.
Esse e muito difícil de ver, mas da muito bem pra
ouvir seus gritos. E fácil também saber se ele
passou pelo local, pois sempre deixa a marca do
pe. Tem um pe só. Fica a marca igual do fundo da
garrafa. J. S. 45 anos.
viu falar do Saci? Pois e! e igual. Mas não e o
saci, não. Esse e todo branco. E tem pelos
espalhados por todo corpo. E no final da perna
não tem pe, tem uma coisa redonda, igual o fundo
da garrafa. Por isso se chama pe de garrafa. L. F.
N.S. – 39 anos.
50
Quadro 5: Síntese da interpretação da lenda do Pé-de-
Garrafa
.
51
Figura 15 – Pai – do – Mato. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
52
Lenda do Pai-do-Mato
Câmara Cascudo (2001) descreve o Pai do Mato como sendo um bicho enorme,
maior que todos os paus (madeira) da mata, com cabelos enormes, unhas de dez metros e
orelhas de cavaco. É ainda gritador, com um urro que estronda por toda a mata. Durante a
noite quem por ali passa ouve também sua risada. Alimenta se de carne humana e não pode
ser morto por bala ou faca, se lhe for acertado em um circulo em volta do umbigo. Sua
origem, segundo o autor encontra-se nas Alagoas e Pernambuco onde recebe uma descrição
de animal com pés de cabrito, corpo todo coberto de pêlos e as mãos semelhantes as dos
quadrúmanos, e com fisionomia semelhante à dos homens, com uma barbinha no queixo e
de cor escuro-fosca. Tais características assemelham o personagem ao Deus da Mitologia
Grega, Pã.
Ser regulador das ações humanos no ambiente natural, o Pai do Mato é a
personificação dos limites das matas. Seus gritos confundem os caçadores que não seguem
os conceitos básicos do equilíbrio, fazendo com que se percam. Não impede a caçada,
apenas regula e impede o excesso. Segundo algumas narrativas, este ser tem também o
poder de ressuscitar animais, caso tenham sido abatidos de forma incorreta.
Segundo Santilli (2005) a manutenção dessas crenças é um importante fator que
revela o saber tradicional como sendo um importante meio de regulação das formas de
manejo sustentável dessas comunidades tradicionais.
Câmara Cascudo (1930) faz o seguinte relato do Pai do mato:
Dizem que anda quase sempre nos bandos de queixadas,
cavalgando o maior, e conservando-se sempre à retaguarda.
Raramente anda e raramente aparece ao homem. Quando
alguém se lhe atravessa na estrada, o retrocede, e, com
indômita coragem, procura dar cabo do obstáculo que se lhe
antepõe. É corrente, onde ele tem o seu “habitar”, que arma
branca não lhe entra na pele, por mais afiada e pontiaguda
que seja salvante no umbigo, que é nele instantaneamente
mortal... A urina dele é azul como anil.
53
Nas entrevistas realizadas com a comunidade Vila Berrante, o Pai do Mato é um
personagem unânime, aparece de forma familiarizada. Em algumas conversas foi possível
perceber inclusive, forte apego pelo personagem. Em brincadeiras, alguns membros da
comunidade, chegaram a apontar um determinado morador, como sendo o próprio Pai-do-
Mato. Tal expressão revela o profundo respeito pelo ente e a aproximação que tal povo tem
com esse mito (Quadro 6).
Além de atribuir uma figura totalmente humana na maioria das narrativas, o Pai-do-
mato também aparece em concordância com os atributos fornecidos pela literatura
especializada:
O mais esquisito e o grito que ele solta. Assusta
todo mundo. os bichos que estão
acostumados que não se importam com isso.
Dizem, por que eu nunca vi então não posso
afirmar que ele tem metade de corpo de homem,
da cintura pra cima e metade de bode, da cintura
pra baixo. E corre atrás de caçadores que caçam
animais prenhas. L. M.O. P – 36 anos.
54
Quadro 6: Síntese da interpretação da lenda do Pai-do-Mato.
55
Figura 16 – Boiúna. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
56
Lenda da Boiúna
Câmara Cascudo (2001) a descreve como uma cobra grande e com olhos bastante
luminosos. É tido como o mais popular dos mitos amazônicos. Segundo o autor, o animal
se assemelha a uma jibóia. Tem a princípio a forma de uma jibóia, e com o passar dos
tempos ganha tamanho chegando a um enorme volume, e nesse momento abandona a
floresta e ganha as águas. Segundo o autor esse mito possui grande influência nas
populações ribeirinhas que vivem as margens do rio Amazonas.
Existem outras lendas da cobra grande, muito popular na região norte do Brasil, nos
estados do Pará, Amazônia e Acre. Um dos mitos do Amazonas e possui varias versões. Em
uma delas aparece como uma enorme cobra preta em outra é mostrada como uma cobra
grande com olhos luminosos parecidos com dois faróis. Sua morada são os rios, lagos,
igarapés e igapós.
Em uma das mais fantásticas versões deste mito, o animal é capaz de se transformar
em uma embarcação a vapor ou vela, podendo dessa forma confundir suas presas e cumprir
suas intenções. Em outras versões, até mesmo os pequenos igarapés são formados pela sua
passagem que abre grandes sulcos nas restingas, igapós e em terra firme.
Na Amazônia, recebe inúmeras denominações podendo ser conhecida como Boiúna
Cobra-Grande, Cobra Norato, Mãe d’água, entre outros, mas independentemente de seu
nome, ela é a Rainha dos rios Amazônicos e suas lendas podem ter surgido em virtude do
medo que provoca a serpente d água, que devora o gado que mata a sede na beira dos rios
(Câmara Cascudo, 2001).
As histórias são muitas e cheias de mistérios e encantamentos, uma dessas versões
retrata que uma vez por ano a Boiúna saía de seus domínios para escolher uma noiva entre
as cunhãs da Amazônia. E, diante daquele enorme vulto prateado de luar que atravessava
vertiginosamente o grande rio, os pajés rezavam, as redes tremiam, os curumins escondiam-
se chorando, enquanto um imenso delírio de horror pairava na mata iluminada.
Averbuck (1985) faz a seguinte descrição desse mito:
"nos rios Solimões e Negro, a Cobra Grande nasceu do
cruzamento de uma mulher com uma assombração
(visagem), ou de um ovo de mutum; no Acre, a entidade
57
mítica transforma-se numa linda moça, que aparece nas
festas de São João para seduzir os rapazes desavisados.
Outra lenda diz que uma linda índia cunhãmporanga,
princesa da tribo, ao apaixonar-se pelo Rio Branco
(Roraima), foi transformada numa imensa cobra chamada
Boiúna, pelo enciumado Muiraquitã."
Ainda segundo a autora, uma versão em que transforma a Cobra Grande como
uma "benfeitora na navegação", cujos olhos iluminados como dois faróis, auxiliam os
navegadores em noites escuras e em meio a tempestades.
Nesta lenda que relata a metamorfose cobra-humano, visualizamos a metáfora que
retrata a vida cotidiana de um povo ribeirinho, que como homem-cobra, oscila vivendo em
meio a uma terra úmida ou engolido pelas cheias e correntezas do rio. Terra e Água, estão
na alma, nas lendas, nos mitos e na destes homens. Ser um pouco cobra e um pouco
homem, são símbolos de uma mesma vida.
Todas as serpentes tanto de mar como de água doce, representam as correntes
telúricas nefastas à vida, que são temíveis em suas cóleras, que provocam o furor dos
oceanos e o desencadeamento da tempestade.
As lendas da Cobra Grande ou Boiúna nos fazem lembrar a luta entre a vida e a
morte, inseparáveis uma da outra.
O mito da serpente simboliza a vida que corre como um rio, espalhando a
exuberância e a abundância da mãe-terra, grávida de energia cósmica, pulsando
incessantemente, alimentando-se da morte para gerar mais vida.
A Boiúna também esta muito presente nas narrativas da comunidade de Vila
Berrante. Aparece tanto em historias ligadas ao rio das Mortes como em outras que citam
os lagos das proximidades, serem o morada deste ente.
Varias são as narrativas que descrevem a Grande Cobra. Alguns atribuem a
surgimento deste ser ao crescimento exagerado de uma sucuri, que por viver neste local
muito antes do homem branco por ali chegar, não tinha predador e por isso cresceu a ponto
de se tornar um grande monstro.
58
Em outras narrativas, não se sabia ao certo sua origem, mas e dado o atributo de
divindade, ser que surge por interferência divina, que não e possível ser eliminado.
Ela existe desde muito antes de nós. Sempre existiu e
nunca vai morrer. Ta ai pra proteger o rio e também
aqueles que respeitam o rio...sempre que aparece uns
estranhos pra pescar eu aviso dela. Muitos não
acreditam dão risada! Mas sempre tem uma historia
de um pescador que desapareceu no rio. Foi ela com
certeza! Ele engole aqueles que não respeitam o rio. J.
A. S. – 43 anos.
Me contaram que nasceu de uma índia, eram dois
filhos foram transformados em cobra. Depois
sobrou um. Esse e a Boiúna. Se o ribeirinho conhece o
tempo certo de pescar, ela ate ajuda na pesca, espanta
os peixes pra perto do pescador. Mas se ele pesca no
período de reprodução, ela pode aparecer e engolir o
homem com canoa e tudo. L. M.O. P – 36 anos.
A boiúna segundo os entrevistados pode possuir duas origens, alguns a descrevem
como sendo uma fera vinda da natureza (Figura 13), podendo se originar de um sucuri, e
outra versão que a trata como uma fera transformada de uma criança, cuja mãe teve filho
que não poderia ser concebido. Assim, a mãe tendo jogado a criança no rio ela se
transformou na Boiúna. É um monstro que devora pessoas desavisadas, ou que invadem seu
território. Fera de colossal tamanho pode ser comparada a uma árvore de buriti, quando esta
emerge, seu tamanho é capaz de formar cachoeiras no local.
59
Quadro 7: Síntese da interpretação da lenda da Boiúna.
60
Figura 17 – Caipora ou Curupira. Fonte: Traudi Hoffmann, 2009.
61
Lenda do Caipora
O Caipora ou Curupira faz parte do folclore brasileiro e é descrito como um
pequeno duende de cabelos compridos e vermelhos sendo sua principal característica, os
pés virados para traz (Figura 14). Mora na mata e entre suas atribuições está à proteção das
florestas e dos animais, espantando os caçadores que não respeitam as leis da natureza.
Câmara cascudo (2001) o descreve como um dos mais espantosos e populares entes
fantásticos das matas brasileiras. De curu, contração de corumi, e pira, corpo, corpo do
menino. É representado por um anão, cabeleira rubra, pés ao inverso, calcanhares para
frente. A mais antiga menção de seu nome foi feito por José de Anchieta, de São Vicente,
em 30 de maio de 1560:
“É coisa sabida e pela boca de todos corre que há certos
demônios e que os brasis chamam Corupira, que acometem aos
índios muitas vezes no mato, dão-lhe de açoites, machucam-
nos e matam-nos. São testemunhas disto os nossos irmãos, que
viram algumas vezes os mortos por eles. Por isso, costumam os
índios deixar um certo caminho , que por ásperas brenhas vai
ter ao interior das terras, no cume da mais alta montanha,
quando por passam, penas de aves, abanadores, flechas e
outras coisas semelhantes, como uma espécie de oferenda,
rogando fervorosamente aos Curupiras que não lhes façam
mal”.
Nenhum outro fantasma brasileiro colonial determinou oferenda propiciatória.
Demônio da floresta, explicador dos rumores misteriosos, do desaparecimento de
caçadores, do esquecimento de caminhos, de pavores súbitos, inexplicáveis, foi lentamente
o Curupira recebendo atributos e formas físicas que pertenciam a outros entes ameaçadores
e perdidos na antiguidade clássica. Sempre com os pés voltados para trás e de prodigiosa
força física, engana caçadores e viajantes, fazendo-os perderem o rumo certo, transviando-
os dentro da floresta, com assobios e sinais falsos. Do Maranhão para o sul até o Espírito
Santo, o seu apelido constante é Caipora.
Galvão (1955) faz a seguinte descrição deste ente:
62
“Curupira é um gênio da floresta. Na cidade ou nas capoeiras
de sua vizinhança imediatas não existem curupiras. Habitam
mais para longe, muito dentro da mata. A gente da cidade
acredita em sua existência, mas ela não é motivo de
preocupação porque os Curupiras não gostam de locais muito
habitados. Gostam imensamente de fumo e pinga. Seringueiros
e roceiros deixam esses presentes nas trilhas que atravessam
de modo a agradá-los ou pelo menos distraí-los. Na mata os
gritos longos e estridentes dos Curupiras são muitas vezes
ouvidos pelo caboclo. Também imitam a voz humana, num
grito de chamada, para atrair vítimas. O inocente que ouve os
gritos e não se apercebe que é um Curupira e dele se aproxima
perde inteiramente a noção do rumo”.
O estado de São Paulo, pela lei de 11 de setembro de 1970, assinada pelo
governador Roberto Costa de Abreu Sodré, “institui o Curupira como símbolo estadual do
guardião das florestas e dos animais que nelas vivem”. No município de Olímpia, nesse
estado, por mais de trinta anos consecutivos não são assinados quaisquer documentos
oficiais durante a semana em que ocorre o Festival de Folclore, no mês de agosto, período
em que a autoridade municipal é representada pelo Curupira, que exerce o seu poder
protegendo a população local e os visitantes que ali comparecem, pássaros, matas, etc. No
Horto Florestal da capital paulista um monumento ao Curupira, inaugurado no Dia da
Árvore, 21 de setembro (CÂMARA CASCUDO, 2001).
Segundo Câmara Cascudo (2001) existem outras denominações e atributos para esse
ente, como o caso do Caipora que nada mais é que o próprio Curupira, tendo pés normais.
De caá, do mato, e pora, habitante, morador. O Curupira é um caapora, residindo no
interior das matas, nos troncos das velhas árvores. De defensor de árvores passou a protetor
da caça. Em qualquer direção, pelo interior do Brasil, o Caapora-caipora é um pequeno
indígena, escuro, ágil, nu ou usando tanga, fumando cachimbo, doido pela cachaça e pelo
fumo, reinando sobre todos os animais e fazendo pactos com os caçadores. Do Maranhão
para o sul, o Caipora é um tapuia escuro e rápido. No Ceará, além do tipo comum, aparece
63
com a cabeleira hirta, olhos de brasa, cavalgando o porco, caititu, e agitando um galho de
japecanga. Engana os caçadores que não lhe trazem fumo e cachaça, surra impiedosamente
os cachorros. Em Pernambuco apresenta-se com um só, redondo como o pé-de-garrafa,
e o segue o cachorro Papa-Mel. Na Bahia é uma cabocla quase negra ou um negro velho, e
também um negrinho em que se vê uma banda. Em Sergipe, quando não o satisfazem,
mata o viajante a cócegas. No Paraná é também gigante peludo. Em Minas Gerais e na
Bahia, ao longo do rio São Francisco, é um caboclinho encantado, habitando as selvas, com
o rosto redondo, um olho no meio da testa. Por onde emigra, o nordestino vai semeando
suas figuras e crenças. O Caipora, ou a Caipora, popularizadíssimo no sertão, no agreste e
na praia, vai alargando a área geográfica do seu domínio. O Caipora, com o contato do
focinho do porco, da vara e do ferrão, do galho da japecanga ou da ordem verbal
imperativa, ressuscita os animais mortos sem sua permissão, apavorando os caçadores.
Câmara Cascudo (2001) faz a ligação entre o Curupira e o Orixá Ossanhe. Segundo
o autor, o africano nutre a mesma crença do indígena, neste particular. ‘O Caapora,
vulgarmente Caipora, veste as feições de um índio, anão de estatura, com as armas
proporcionais ao seu tamanho, habita o tronco das árvores carcomidas, para onde atrai os
meninos que encontra desgarrados nas florestas. Outras vezes divaga sobre um tapir ou
governa uma vara de infinitos caititus, cavalgando o maior deles. Os vaga-lumes são os
seus batedores; é tão forte o seu condão que o índio que por desgraça o avistasse era mal
sucedido em todos os seus passos. Daqui vem chamar-se caipora ao homem a quem tudo
sai ao revés’. O gênio da mata que transmite infelicidade a quem o vê. De acordo com o
autor, a primeira alusão ao orixá aparece no livro A Raça Africana, dando a entender que,
adotando o mito da Caipora, o Caipoi na gíria do negro, o afro-baiano supersticiosamente
crê que o espírito da floresta é portador de má morte; chama-lhe Ossonhe, que deve ser uma
falsa audição de Oxonhe ou Oxonhê. O verdadeiro nome do gênio é Eberê; os iorubanos
conhecem o mito, o egbêre, o gênio maléfico, espécie de anãozinho que vaga à noite nas
matas. Oçonhe, ou antes Oxonhe, um nome complementar, preferido dos afro-baianos do
iorubano, ósbónu, iyé, o enfermo ou aleijado da vida”.
Para confundir os caçadores, além de suas pegadas que sempre levam para o local
contrário de onde ele segue, O Curupira solta agudos assobios que assustam e confundem o
64
caçador. Para acalmá-lo os caçadores costumam ofertar a este ente, guloseimas, iguarias,
fumo, podendo dessa forma adentrar sem perigo nos domínios de tal ser.
Como a maioria dos mitos brasileiros, o curupira ou caipora, além de receber nomes
variados, suas características variam de região para região. Podendo ser retratado como um
pequeno menino com pés para traz, um duende de cabelos vermelhos e pés para traz, com
pêlos e dentes verdes. Pode aparecer com enormes orelhas pontiagudas, ligeiramente calvo.
Traz em muitas versões, um machado construído com casco de jabuti.
Além disso, dizem que o curupira gosta de sentar nas sombras das mangueiras e se
deliciar com os frutos, mas se ele sentir que está sendo vigiado ou ameaçado ele logo
começa a correr a uma velocidade tão grande que os olhos humanos não conseguem
acompanhar. Muitos dizem que existem curupiras que se encantam com algumas crianças e
a levam embora para longe dos seus pais por algum tempo, mas são devolvidas quando
atingem mais ou menos os sete anos de idade. Com isso, as crianças "seqüestradas" e
posteriormente devolvidas, nunca voltam como eram devido ao fascínio que passam a
sentir pela floresta onde viveram. (Quadro 8).
Em muitos relatos dos moradores de Vila Berrante, o caipora tem uma aparência de
menino levado. Ao contrario de algumas lendas que foram narradas com um tom sombrio,
o caipora ou Curupira, sempre foi explicado com muitos risos e leveza. Tanto o nome de
Caipora como Curupira, referia-se ao mesmo ente, contado por pessoas diferentes. Os
atributos físicos normalmente foram os mesmo, coincidindo com a literatura especializada.
Menino das matas, criança arteira, moleque atrevido, foram alguns atributos dados a
esse ente pelos ribeirinhos. Porém, ações de malefícios ao homem também foi narrada
pelos interlocutores:
Esse e um menino muito custoso. Vive pra
aporrinhar os caçadores, ne!. E bem pequeno
mesmo. Do tamanho de um menino de sete ou oito
anos. Por causa dos pés virados, o se sabe pra
onde ele ta indo, e ai o caçador se perde. Mas pra
agradar ele e caçar direitinho e sempre deixar
um fumo pra ele, ele gosta muito de fumar. A. S. S
– 28 anos.
65
Quadro 8: Síntese da interpretação da lenda do Curupira.
66
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
(Ricardo Reis)
5. O COTIDIANO DE UMA COMUNIDADE
RIBEIRINHA
67
5.1 – Utilização do solo.
Um tipo especifico de conhecimento pode fazer (e faz) a diferença entre os sujeitos,
da mesma forma com que distingue a interpretação e a ação que tem da e na história. Não
podemos quantificar os significados do que é vivido por cada pessoa, no entanto, conhecê-
lo torna-se fundamental na perspectiva da descoberta de uma história construída e vivida
cotidianamente pelos sujeitos anônimos (REIGOTA, 2003).
Uma decisão sobre o uso da terra é correta quando tende a preservar a integridade,
a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. Essa comunidade inclui o solo, a água, a
fauna e flora, como também as pessoas. É incorreto quando tende para outra coisa
(LEOPOLD, 1949).
O homem produz o meio que o cerca e é ao mesmo tempo seu produto. Nesse
sentido, se deve considerar normal a intervenção do homem no curso dos fenômenos e dos
ciclos naturais, à semelhança das outras espécies que, segundo suas faculdades, agem sobre
as substancias, as energias e a vida das espécies. O que traz problemas não é o fato, mas a
maneira como o homem intervém na natureza. Uma natureza pura, não transformada, é um
museu, uma reserva, um artifício de cultura como outros, na qual somente o naturalismo
reativo acredita. Desse modo, o fundamental não é a natureza em si, mas a relação entre o
homem e a natureza (DIEGUES, 1994).
Apesar de desconhecerem os termos Cultivo Diversificado, Agroflorestas ou
Plantio Consorciado, é essa a prática presente em todas as plantações visitadas nessa
comunidade. Cultivados próximos a áreas de Cerrado nativo, o plantio diversificado conta
com biofertilizantes e com isso o impacto no ambiente é o menor possível.
Em uma das roças visitadas foi possível verificar o cultivo de arroz (Oryza sativa
L.), amendoim (Arachis hypogaea L.), abacaxi (Ananas comosus (L.) Merr.), abóbora
(Cucurbita pepo L.), mandioca (Manihot esculenta L.), cana-de-açúcar (Saccharum
officinarum L.), gergelim (Sesamun indicum L), cabaça (Crescentia cujete L.) e melancia
(Citrullus vulgaris Schrad.) (Figura 15).
Todos os elementos são cultivados de forma que o crescimento de um não
comprometa o desenvolvimento do outro. As noções de ecologia, como competição entre as
espécies, são conceitos vivos na vida desses agricultores.
68
Figura 18 – Plantas encontradas em uma das roças visitadas – Vila Berrante, 2007.
Durante a visita numa das plantações, foi possível perceber que havia nessa mesma
propriedade dois locais destinados ao plantio. Um se encontrava numa área mais alta, que
por sinal, encontrava-se desativada, e outra numa região mais aberta dentro das áreas de
varjão. Questionado quanto à existência dos dois locais, o entrevistado explicou que havia
arroz (Oryza sativa L.) mandioca (Manihot esculenta L.)
gergelim (Sesamun indicum L.) cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.)
abóbora (Cucurbita pepo L.) melancia (Citrullus vulgaris Schrad.)
cabaça (Crescentia cujete L.)
69
essa separação, pois em anos que houvesse maior inundação, mais chuvosos, o plantio era
feito na área mais alta para evitar a perda da roça.
Quando foi perguntado de que forma ele teria certeza em qual área plantar em cada
ano, o entrevistado revelou que vários sinais da “natureza” eram interpretados. Dentre esses
sinais, era observado o comportamento da jacupemba (Penelope superciliaris): se a ave
constrói o ninho na parte baixa das árvores, é sinal de pouca chuva, caso o ninho seja
construído nas partes mais altas, sinal de que muita água virá naquele ano.
5.2 – Criação de gado – o uso comunal das terras
Em propriedade comunal, os recursos são manejados por uma comunidade
identificável de usuários interdependentes. Esses usuários excluem ação de indivíduos
externos, ao mesmo tempo em que regulam o uso por membros da comunidade local.
Internamente à comunidade, os direitos aos recursos normalmente não são exclusivos ou
transferíveis, e sim freqüentemente igualitários em relação ao acesso e uso (DIEGUES &
MOREIRA, 2001).
No domínio comunal o indivíduo produtor, perante os objetos e meios de produção,
adota a atitude como se fossem próprios, atitude mediada pela pertença à comunidade. Os
indivíduos sentem que dispõem de direitos, não necessariamente iguais, de acesso aos
meios naturais, aos bens produzidos e à sua partilha. Os meios de produção pertencem em
comum a todos os membros da sociedade ou grupos humanos, o mesmo acontecendo com a
utilização dos benefícios da produção (ESTERCI, 1987)
Segundo Fachin (1998) O domínio comunal inclui, em geral: o território de caça; o
sistema de acesso aos recursos naturais e a sua apropriação baseada em relações de
parentesco; o usufruto duma determinada porção de território, embora o considerada
como exclusiva pelos membros dum grupo; os pastos, frequentemente utilizados pelos
pastores nômades. Entre os povos pastores a terra adquiria uma importância excepcional
para o grupo. Por isso desenvolveu-se o conceito de propriedade coletiva sobre os vales e
pradarias indispensáveis para a alimentação dos rebanhos.
A forma tribal de domínio é uma forma parcialmente comunitária. Os seus
componentes têm acesso às condições materiais de produção, não sendo nunca proprietários
mas apenas possuidores. o gado era considerado como propriedade individual ou de
70
grupos restritos, incluídos na unidade tribal. Quando o intercâmbio se realiza entre as
tribos, os seus chefes intervêm como seus representantes nas transações e ao negociar o que
é patrimônio comunal começam a apropriar-se duma parte da riqueza social, tratando o
patrimônio como coisa própria.
Embora representando uma pequena parcela no conjunto da economia capitalista,
alguns produtores diretos mantêm formas comunitárias, cultivando terras em regime
familiar ou comunitário, escapando à servidão, desligados da pressão senhorial e resistindo
às vicissitudes decorrentes das ocupações territoriais.
Na Amazônia, além da vasta riqueza e heterogeneidade em termos de fauna, flora,
hidrografia, minerais, clima, encontra-se também uma diversidade de etnias e grupos
sociais (índios, remanescentes de quilombo, seringueiros, castanheiros, babaçueiros,
roceiros, vazanteiros, vaqueiros, pescadores, ribeirinhos) que são importantes segmentos de
camponeses que souberam usar a floresta amazônica sem destruí-la.
Criação de gado é o único tipo de criação animal existente na comunidade com fins
financeiros. Tais criações são tidas como forma de “poupança” para momentos de
emergência. Tal afirmação pode ser confirmada no trecho do depoimento abaixo:
Não temos muitos não. Criamos mesmo umas
vaquinhas que é pra quando surge uma
precisão, né? Quando alguém da família
adoece nós vendemos uma vaquinha que é
para pagar as despesas. J. A. M. – 52 anos.
A venda desse gado foi apontada pelos ribeirinhos como um grande problema
enfrentado atualmente. Devido a fiscalização que é feita nos últimos anos, não se pode mais
vender o gado no município livremente como antigamente. É necessário que o animal seja
levado para o frigorífico da cidade e é feito todo processo de abatimento e venda aos
açougues. A principal reclamação se deu pelo fato que entregando o animal ao frigorífico,
muitas partes do animal não são aproveitadas, tais como as partes internas como coração,
rins e cartilagens. O que consideram um desperdício, pois segundo eles, quando os próprios
ribeirinhos se encarregavam do abatimento e preparação, tudo era aproveitado.
71
Outro fato, é que seguindo as normas estabelecidas, o peso do animal diminui,
caindo assim o valor a ser recebido.
Todo o rebanho da comunidade é vistoriado e vacinado contra a febre aftosa, outro
fator que torna cada vez mais difícil a manutenção dessa atividade, pois segundo disseram,
torna-se muito caro manter um rebanho em suas propriedades.
O gado é mantido da seguinte forma: durante o período de estiagem, onde a seca
diminui a oferta de pastagem, o gado é mantido confinado em pequenos currais e tratados
com ração, fabricadas por eles mesmos. Cada morador tem seu próprio curral e o gado é
mantido separadamente (Figura 16).
Figura 19 – Espaço onde o gado é mantido no período de seca – Vila Berrante, 2007.
no período de chuvas, as planícies (varjão) se tornam fartas e o gado é solto.
Neste período, não existe separação entre um e outro e todos convivem nos mesmos
espaços, é o uso comunal das terras alagadas (Figura 17).
Figura 20 – Área de uso comunal para período de chuva –(varjão) – Vila Berrante, 2007.
72
5.3 – Flora – conhecimento tradicional no uso de plantas
O saber local sobre o tratamento de diferentes males que perturbam/afetam o ser
humano é geralmente evidenciado em conversas com pessoas mais idosas (inserindo os
raizeiros, benzedeiras, donas-de-casa, etc.) que por um motivo ou outro, carregam consigo
essas preciosas informações, recebidas de seus ancestrais. A recuperação dessas
informações é altamente necessária, tendo em vista que elas servem de subsídio para o
conhecimento do potencial medicinal da flora nacional (GUARIM NETO, 2006)
O uso das plantas acompanha o ser humano desde os primórdios da civilização, pois
os frutos serviam de alimento ao homem e aos animais e as flores ocupavam um destaque
decorativo e curativo: temos pinturas aborígenes sugerindo o uso curativo das flores em
momentos específicos como nascimento, parto e até como alimento. Os gregos usavam
coroas de murtas para homenagear seus vencedores. Os orientais valorizavam as flores em
todo momento de contato humano, manifestações de afeto, oferendas, harmonização e
glorificação (CAMPOS, 2004).
Na Comunidade Vila Berrante, a utilização de plantas na medicina alternativa é uma
prática muito difundida entre os moradores. É comum também, o cultivo de plantas
ornamentais que formam jardins nas frentes das casas, sejam plantadas diretamente no solo,
em vasos ou em latas cuidadosamente preparadas para esse fim.
Por não haver posto dico na localidade, os casos considerados mais graves são
levados ao município de Ribeirão Cascalheira ou no município de Santo Antonio. A
dificuldade de atendimento médico faz com que seja comum o cultivo de plantas
medicinais nos quintais das casas.
Cada morador tem sua “farmácia” natural. Com algumas diferenças no tipo de
planta cultivada, basicamente, todas as famílias cultivam as mesmas plantas.
Foi possível perceber uma padronização na forma de utilização e função de cada
planta cultivada. Algumas famílias utilizavam a mesma planta para fins diferentes, não
citados por outra família, mas não houve discrepância em nenhum caso de utilização,
apenas uma maior variedade em seu uso.
De todos os moradores pesquisados, a referência para tal assunto era Dona Luzia
(Figura 18). Tal fato pôde ser confirmado com a visita a sua casa. Dona Luzia, é uma
73
senhora de 39 anos, casada, mãe de duas filhas, uma com 14 e outra com 16, ambas
também casadas e um filho de 18 anos.
Figura 21 – Dona Luzia e sua filha Célia – referência em plantas medicinais – Vila Berrante, 2007.
Dos filhos, apenas a filha mais velha teve interesse em aprender sobre as plantas
medicinais:
essa aqui que gosta de planta, que nem eu. Ela conhece
todas. Conhece até mais que eu. Ela sabe de plantas que
cresce no Cerrado. Dessas eu não conheço direito não,
ela. A outra não gosta disso não, é igual o pai dela, mas até o
pai dela anda gostando das minhas plantinhas... outro dia
tive que viajar e ele ficou sozinho, quando voltei, pensando
que tava tudo morta....que nada...ele molhava elas todo
dia...(risos). Dona Luzia, 39 anos.
74
O quintal de dona Luzia é de longe o mais rico em diversidade de plantas. Além das
medicinais, são cultivadas em grande número, plantas ornamentais e uma bela horta que
segunda a moradora “não estava muito bonita por causa da chuvarada” (figura 19).
Figura 22 – Algumas das plantas encontradas no quintal de D. Luzia – Vila Berrante, 2007.
A utilização de plantas nos processos de cura acompanha o ser humano ao longo de
sua existência. O registro do primeiro sistema de cura que se utilizavam as erva data do
século XIII ac. elaborado por um curandeiro chamado Asclépio. Seiscentos anos depois,
Tales de Mileto e Pitágoras compilaram essas receitas. Os gregos adquiriram seus
conhecimentos de ervas na Índia, Babilônia, Egito e até na China. Nos tempos atuais, as
plantas e ervas medicinais, além de serem utilizadas por basicamente todas as comunidades
existentes, tem despertado o interesse de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento.
Na comunidade Vila Berrante, foi possível recolher informações sobre 48 espécies
de plantas medicinais, algumas nativas do Cerrado.
75
Tabela 1. Plantas utilizadas como recurso medicinal pela comunidade Vila Berrante,
Ribeirão Cascalheira – MT, 2007.
Nome
popular
Nome Científico Família
Parte
utilizada.
Finalidade
Abacateiro
Persea
americana
Mill.
Lauraceae
- Folhas
secas,
- A massa
do abacate
Diurético
elimina
cálculos renais e
biliares.
Cicatrizante
Agrião
Nasturtium officinalis
Boenn.
Brassicaceae
- Folhas Tuberculose,
Tosse,
Bonquite
Alecrim Rosmarinus
officinalis L.
Lamiaceae
- Folhas
- Flores
Tosse,
Asma,
Gripe.
Alfavaca
Occimum basilicum
Lamiaceae
- Folhas
- Flores
- Fruto
Anticéptico,
Cura feridas e
hematomas
Algodoeiro
Gossypium
herbaceum L.
Malvaceae
- Casca da
raiz
Diurética
Cólicas e
dores do
parto.
Alho
Allium sativum L.
Alliaceae
- Bulbos
Expectorante,
Antigripal,
Antinflamatório,
Antibiótico,
Antisséptico,
Vermífugo
Andiroba
Carapa guianensis
Aubl.
Meliaceae
- Semente
Repelente
Vermífugo
Aperta
Ruão/pimenta-
de-fruto
Piper aduncum
L.
Piperaceae
- Raiz
Erisipela.
Araticum
Anona manirote
Kunth.
Anonáceas
- Frutos
maduros
Diurético.
76
Arnica
Brickelia brasiliensis
(Spreng.) B. L. Rob.
.
Asteraceae
- Folha
Contusões,
Varizes,
Reumatismo,
Bolhas nos pés,
Dor de dente,
Arruda
Ruta graveoleons L.
Rutaceae
- Folhas Reumatismo,
Nevr
algias,
Verminoses
Problemas
respiratórios,
Assa peixe
Vernonia ferruninea
Less.
Asteraceae
- Folhas
- Casca
Gripe,
Tosse forte,
Bronquite.
Estanca o
sangramento.
Babosa
A
loe vera (L.) Burm.
Asphodelaceae
- Folhas Queda de
cabelo,
Caspa,
Combate a
piolho e lêndea,
Queimadura.
Barbatimão Atryphnodendrn
adstringens (Mart.)
Coville
Leguminosae
- Casca. Úlceras.
Diarréias,
Disenterias,
Hemorragias
uterinas.
Cabelo-de-
milho
Zea mays L.
Poaceae
- Cabelos
de milho
Diurético,
Cacto/
Mandacaru
Cereus peruviaus
(L.)
Mill.
Cactaceae
- Folhas
Reumatismo e
angina peitoral.
Caju
Anacardiu
m
occidentale Jacq.
Anacardiaceae
- Folhas
- Fruto
Diabetes,
Antiseptico
Infecção da
garganta,
Diarréias,
Disenterias
Camomila
.
.
Matricaria
chamomilla Coss.&
Germ.
Asteraceae
- Folha
- Flores
- Frutos
Ansiedade,
Insônia,
Náusea,
77
Vômito,
Clareadora dos
cabelos.
Menstruação
dolorosa
Cana-do-brejo
Costus spicatus
(Jacq.) Sw
Zingiberaceae
- Raiz
Hérnias,
Inchaços e
Contusões.
Carqueja
Baccharis trimera
Speg.
Asteraceae
- Folhas Gripe,
Doenças do
fígado,
Estômago e
intestinos,
Anemia,
Diarréias
Cipó-imbé Philodendron imbé
Schott.
Aráceas
- Folhas Úlceras.
Reumatismo
Copaíba
Copaifera
langsdorffii Desf.
Leguminosa
- Semente
Anticéptico,
Hemorragias,
Tosses e
bronquites,
Doenças de
origem sifilítica,
Moléstias de
pele,
Incontinência
urinária,
Disenteria e
Urticária.
Embaúba
Cecropia
pachystachya
Trecul
Cecropiaceae
- Fruto Diurético,
Erva cidreira
Lippia alba
(Mill.)
N.E.Br
own
Lamiaceae
- Folhas Tranqüilizante
Antidepressivo.
Erva santa-
maria/mentruz
Chenopodium
ambrosioides L.
Chenopodiaceae
- Folhas Indigestão,
Hemorróidas,
Varizes,
Espinheira santa
Maytenus ilicifolia
Mart.
Celastraceae
- Folhas Úlceras.
78
Fruta de Lobo Solanum lycocarpum
A. St.-Hil.
Solanáceas
- Fruto Diuréticas e
Calmantes
Gengibre
Zingiber officinale
Roscoe
Zingiberaceae
- Raiz
Estimulante
gastrointestinal,
Reumatismo e
Artrites
Guiné
Petiveria
alliaceae L.
Phytolaccaceae
- Casca
Dor de cabeça,
Enxaqueca,
Perda de
memória
Calmante.
Ingá Inga edulis Mart.
Leguminosae
- Casca Curativo de
feridas crônicas
Diarréias
Anticéptico.
Ipê roxo
Tabebuia
impetiginosa (Mart.)
Standl
Bignoniaceae
- Casca.
Bronquite
Jatobá Hymenaea courbaril
L.
Leguminosae
- Casca
- Polpa do
fruto
- Resina
Hepatites,
Fraqueza geral,
Tosses,
Bronquites,
Asma,
Laringites.
Diarréia,
Disenteria,
Cólicas
Jurubeba
Solanum paniculatum
L.
Solanaceae
- Fruto Estimulante das
funções
digestivas, do
fígado e baço
Losna
Artemisia absinth
ium
St-Leg
Asteraceae
- Folha Estimulante
gástrico,
Aumenta o
apetite
Afrodisíaco
79
Mamica-de-
cadela
Brosiumum
guadechaudii
Juss.
Rutaceae
- Fruto Problemas de
pele,
C
ontra picadas de
insetos e cobras.
Mata-pau Clusia insigni Mart.
Clusiaceae
- Resina Rachaduras dos
seios.
Pata-de-vaca: Bauhinia forficata
Leguminosae
- Folhas Diabetes
Pau-terra Qualeagrandiflora
Mart.
Vochysiaceae
- Madeira
- Casca
Feridas,
Úlceras,
Doenças da pele.
Pequizeiro Caryocar brasiliense
Camb.
Cariocariaceae
- Fruto
maduro
Tônico,
Doenças das
vias
respiratórias.
Poejo
Mentha p
ulegium L.
Lamiaceae
- Fruto
Gripes
Resfriados
Quebra-pedra
Phyllanthus niruri
L.
Euphorbiaceae
- Folha
Diurética
Quina Strychna ps
eudoquina
A. St.-Hill.
Rubiaceae
- Raízes
- Cascas
Anti-séptico,
Adstringente.
Gripe,
Febre,
Sapé Imperata Brasiliense
Trin.
Poaceae
- Raiz. Diurético.
Hepatites
Febres
Sucupira Bowdichia
virgiliodes Kunth
Leguminosae
- Semente
Hemorragias,
Fraqueza
Doenças do
estômago
Depurativo,
Manchas na
pele,
Urticária,
Feridas,
Úlceras,
Reumatismo,
Urtiga
Urtica dioica L.
Urticaceae
- Folhas
Depurativa
80
Guarim Neto (2008) discute em sua obra a forma de apropriação das comunidades
tradicionais em relação aos recursos vegetais disponíveis, que passam a integrar as ações de
seu cotidiano, mescla o conhecimento tradicional ao conhecimento científico, embasando
assim o etnoconhecimento. O autor reforça ainda a idéia de potencial dos recursos vegetais
para a medicina e enfatiza que resgate dos valores culturais das comunidades tradicionais,
dentre esses valores, as várias formas de utilização dos recursos vegetais, contribuem para a
preservação ambiental.
5.4 – Fauna – Zooterapia caça e pesca
Além das plantas citadas na medicina caseira, alguns entrevistados citaram também
o uso de partes de animais que são também importantes na medicina não-convencional.
O uso de animais na medicina popular é um fenômeno amplamente distribuído do
ponto de vista histórico e geográfico, que vem sendo estudado sob diferentes abordagens -
etnográficas, médicas, farmacológicas e ecológicas. Toda civilização, para desenvolver seu
sistema médico, exercita a prática da observação e a caracterização empírica dos
fenômenos. Provavelmente, muitos produtos obtidos de animais e plantas foram
incorporados à farmacopéia popular por acaso, pela avaliação dos sintomas experimentados
após o consumo, assim como muitos podem ter sido incluídos ou eliminados após
seqüências de tentativas e erros (FERNADES-PINTO, 2001).
O uso direto ou indireto de frações ou órgãos de animais devido a características
morfológicas é recorrente na medicina popular brasileira. Os exemplos mais comuns são os
amuletos, os quais são usados para atrair o sexo oposto, aumentar o desempenho sexual,
prevenir mal-olhado, entre tantas outras funções. Um caso bem ilustrativo é o da genitália
do boto (Inia geoffrensis) que é usada na Amazônia brasileira e teria a função de atrair o
sexo oposto (COSTA, 1993).
Para se conhecer e identificar usos e formas de uso de partes de animais, durante as
entrevistas realizadas, questionou-se sobre tal assunto. Os nomes populares dos animais
eram anotados, assim como as partes utilizadas e de que forma se dava a utilização. Para
reforçar a sistematização dos dados obtidos, foi feito registro fotográfico desses elementos.
81
Na maioria das citações feitas pelos moradores da Vila Berrante, percebe-se um
grande destaque dado as gorduras de diferentes grupos de animais. Diversos autores têm
destacado a importância das gorduras (banhas) na medicina popular em todo Brasil e o
potencial terapêutico de gorduras animais vem sendo amplamente discutido na literatura
científica. (FERNANDES-PINTO, 2001).
Na Vila Berrante, assim como em outras populações tradicionais brasileiras, a
utilização da medicina tradicional envolve práticas onde os mitos e crenças se confundem
com a prática da medicina (AMARAL, 1982).
O uso de animais ou partes destes, não foi significativo nesta comunidade. Percebe-
se a preferência pelas plantas medicinais na obtenção de remédios caseiros e garrafadas. Tal
fato pode ser associado ao fato de que a caça não é uma prática na comunidade, até por
obediência a legislação. Ao distanciar da caça, pode ter ocorrido esse distanciamento do
uso de animais ou partes de animais na medicina caseira. No entanto, algumas famílias
disseram conhecer o uso medicinal de partes de animais (Tabela 2).
Tabela 2. Animais conhecidos como recurso medicinal pela comunidade Berrante,
Ribeirão Cascalheira – MT, 2007.
Nome popular Táxons Partes ou
produtos
utilizados
Forma de
uso
Finalidade
Anu-preto
Crotophaga ani
Banha Pomada. Reumatismo
Catitu
Tayassu sp.
Banha Pomada. Reumatismo/ asma
Formiga-vermelha Arthropoda – Ymenoptera Seca e moída Chá. Ferida na boca.
Galinha/galo
Gallus gallus
Banha Pomada. Bronquite/pneumonia
Jabuti
Geochelone carbonária
Carne Comer. Reumatismo
Jacu
Cracidae sp.
Banha Pingar Dor de ouvido
Piau
Leporinus piau
Banha Pomada Reumatismo
82
Piranha
Serrasalmus brandtii
Fel Pomada Icterícia
Raposa Chordata:Mammalia Banha Beber Reumatismo.
Sucuri
Eunectes murinus
Banha Beber Reumatismo
Tanajura Arthropoda – Ymenoptera Inteira Comer Inflamação na
Garganta.
Traíra
Hoplias lacerdae
Banha Pomada Reumatismo
A caça de animais silvestres não é praticada pelos ribeirinhos da vila Berrante.
Principalmente as mulheres citaram a caça como algo não saudável.
Não gosto de carne de bicho não, é remosa e
pode trazer doença. L. A. -39 anos.
Além da questão de saúde, um dos depoimentos chamou atenção a respeito da
utilização da caça pelos moradores:
Não precisa caçar não! Tem peixe demais
nesse rio...melhor deixar os bichinhos viver
tranqüilo, né? Josemar.
Se a caça tem um significado negativo para essa comunidade, a pesca, ao contrário,
traz entusiasmo ao ser tratada. A pesca está viva e presente no dia- a-dia dessa comunidade.
Todas as famílias afirmaram pescar todos os dias.
Por não ter como conservar a carne, a pesca é feita diariamente e é pescado apenas a
quantidade possível de ser consumido no mesmo dia. A falta de energia elétrica é o fator
determinante dessa condição, pois a única forma de energia presente são placas solares e as
mesmas não estão em todas as residências (apenas 50% dos entrevistados possuíam placas
solares e sua utilização era para manutenção de lâmpadas e televisão).
83
Em duas residências foi observada a utilização da técnica de salgar o peixe para
conservar (Figura 20). Não é uma prática muito difundida, pois a possibilidade de pesca é
uma realidade, segundo os moradores, todos os dias é possível trazer peixe para casa,
eliminando, portanto a necessidade da conservação do alimento.
Figura 23 – Utilização da técnica de salgar o peixe para conservação – Vila Berrante, 2007.
Durante as pescarias foi possível perceber a intimidade do ribeirinho com o rio. A
escolha do local, a isca apropriada, a distância em que o anzol era arremessado, eram
alguns fatores presentes em todos os pescadores. Outro fator impressionante era o
conhecimento que tinham em saber, antes mesmo de se retirar o peixe da água, pelo
modo em que se fisgava e de como o peixe lutava, o pescador previa, com 100% de acertos,
tratar-se de peixe de escama ou de couro.
5.5 - A arte
É difícil falar de arte. Pois a arte existe em um mundo próprio, que o discurso não
pode alcançar. Isso acontece mesmo quando ela é composta de palavras, como no caso das
artes literárias, mas a dificuldade é ainda maior quando se compõe de pigmentos, ou sons,
ou pedras, como no caso das artes não-literárias (GEERTZ, 1997).
Diversas formas de expressão artística puderam ser observadas na comunidade.
Além dos talentos nato de alguns moradores, cursos de capacitação foram oferecidos na
84
comunidade, trazendo a pintura em tecido (Figura 21), por exemplo, como forma de
distração, expressão e agregação de valores econômicos a essa comunidade.
Uma Forma de expressão artística observada na comunidade é a fabricação da canoa
de coxo e objetos como remos e bancos, tendo um morador que é considerado referência
para esta atividade.
A fabricação da canoa de coxo segue toda uma tradição e conhecimentos
sistematizados para sua confecção. O processo se inicia desde o momento da escolha da
árvore a ser utilizada, que segundo o entrevistado a melhor árvore é o Tamboril
(Enterolobium contortisiliquum), mas também pode ser utilizado o Jatobá (Hymenea
courbaril) e o Jacarandá (Machaerium opacum), até a época e lua ideal para a derrubada.
Para que não hajam rachaduras, não ocorra o aparecimento de broca, faz-se necessário que
a derrubada aconteça em período de lua minguante.
Figura 24 – Mulheres exercitando a pintura , Vila Berrante, 2007
.
85
Figura 25 – Objetos feitos por um dos moradores, Vila Berrante, 2007.
5.6 - Fabricações da farinha
O termo sustentável pode ser aplicado sem engano a essa comunidade. Tudo tem
uma destinação, tudo se complementa tudo que é produzido ou é consumido diretamente ou
acaba por fornecer matéria prima para outra atividade.
Um exemplo disso é a fabricação da farinha. Retirada da roça cultivada pelo próprio
morador, a mandioca agora tem outra finalidade. Passará por um longo processo de
beneficiamento, com utilização de máquinas construídas pelos próprios ribeirinhos e
finalmente dará origem a farinha, muito apreciada por todos da comunidade.
O processo é lento e cuidadoso. Primeiro é escolhida a mandioca na roça, que é
levada para casa, descascada e lavada. Após isso, é triturada e transformada num massa
homogênea (Figura 26 A).
A massa é colocada dentro de um saco que é levado para uma prensa construída
com pedaços de madeira, que são unidos uns aos outros, formando uma espécie de grade
(Figura 26 B e C).
86
Depois de ser prensada e retirada toda a água, a massa é espalhada em uma
superfície lisa que fica exposta ao sol (Figura 26 D).
Depois de secar bem a massa se encontra solta e sem umidade. Finalmente é levada
para ser torrada (Figura 26 E) em fogo de lenha, e permanece por mais ou menos tempo
de acordo com o gosto do morador, sendo mais ou menos torrada.
A farinha resultante e usada para consumo da própria família, principalmente como
acompanhamento do peixe. Da farinha também é feito o pirão.
A – Triturador de mandioca B e C – prensas para mandioca
D – Secagem da massa E- Torrador de farinha
Figura 26 – Instrumentos utilizados na fabricação de farinha – Vila Berrante, 2007.
Foi percebida a distribuição em partes iguais da farinha produzida entre as famílias
que dividiram as tarefas no processo. Mas houve caso também, em que a farinha foi
produzida por uma família e então servia como produto de troca ou mesmo era doada
aos visinhos.
87
5.7 – Relação Comunidade – Rio das Mortes
“O Rio é o nosso pai, chegar no
rio é como chegar na casa do
pai. Na casa do seu pai você
sempre tem lugar pra dormir e o
que comer. O rio é assim para
nós! Seu Ademar, 46 anos.
Iniciar essa parte com o depoimento do senhor Ademar, 46 anos, morador antigo da
Vila Berrante, é a melhor e mais perfeita forma de descrever a relação dessa comunidade
com o Rio das Mortes.
O Rio das Mortes (Figura 25) margeia toda a comunidade. Acorda-se com sua
beleza, com seu canto rouco, com sua imponência. Não se pode determinar quando ele fica
mais belo. Se é no período de estiagem, onde suas águas prateadas circulam as inúmeras
ilhas de praias de areia branca, silencioso, paciente, encantador. Ou se no período chuvoso,
onde seu poder é imposto sob forma de inundações, quando seus braços se estendem por
terra firme, criando inúmeros caminhos, formando incontáveis lagos por toda a planície da
Vila Berrante.
Em um período, suas águas límpidas revelam toda sua doçura, sua fragilidade, seus
encantos e sua abundância. Já no outro, mostra-se profundo e revoltoso, cercado de
mistérios e encantamentos, mas ainda assim, revela sua abundancia.
Os ribeirinhos da Vila Berrante tiram dele basicamente todo o seu sustento. A
dependência desse povo com as águas desse rio, os torna único, cúmplices, parceiros,
defensores um do outro.
Talvez fosse mais fácil afirmar que a dependência seria apenas dos ribeirinhos em
ralação ao rio. Pois é o rio que alimenta suas famílias, que irrigam suas terras, que mata sua
sede, que permite sua passagem cortando suas águas.
Mas penso que o rio também depende do ribeirinho. É o ribeirinho que o torna mais
misterioso, povoando suas águas com seres míticos e animais gigantescos. É o ribeirinho
que o contempla, que o admira, que o ama e o torna mais poderoso quando retratado pelas
vozes experiente deste povo.
88
Ao contrário do que retrata Diegues (2000), para as águas salgadas é dado o atributo
masculino e as águas doces o atributo feminino, nessa comunidade o rio é o pai, é
masculino e traz consigo toda uma carga de conceitos ligados as figuras paterna e
masculina.
Não existe, contudo um machismo ou discriminação de gênero. Mesmo por que, na
comunidade percebe-se uma aceitação de atitudes, tidas como tipicamente masculina, ou
tipicamente feminina, sendo praticado pelo sexo oposto.
O sentido é dado, como sendo algo que protege que, provém que está presente em
todo e qualquer momento, para todos, sem discriminação ou divisão.
O Rio das Mortes é também conhecido como Rio Manso, é um rio brasileiro que
banha o estado de Mato Grosso. É um dos grandes atrativos para o ecoturismo da região. O
nome Rio das Mortes foi colocados pelos indíos Xavante, devido as grandes batalhas com
os Bandeirantes às margens deste rio. Na verdade, o Rio Manso, sustenta um grande
ecosistema, e é tido como o terceiro rio do mundo de água mais pura. Praticamente 40% de
sua extensão se encontra em reserva ecológica, da qual a entrada é permitida através da
prévia autorização dos órgãos competentes como a FUNAI e o IBAMA. É o principal
afluente do Rio Araguaia em território mato-grossense. Tem sua nascente na Serra de São
Vicente, no perímetro entre Santo Antonio do Leverger e Campo Verde. Ele percorre mais
de 6 mil quilômetros, atravessando mais de 19 Municípios, até desembocar entre São Félix
do Araguaia e Novo Santo Antonio, no rio Araguaia (MELO et all, 2005).
Além da beleza, o Rio das Mortes possui uma ictiofauna riquíssima. Na Vila
Berrante, várias espécies foram citadas (Tabela 3):
Tabela 3
Peixes encontrados no Rio das Mortes, segundo ribeirinhos da Vila Berrante, 2007.
Nome
popular
Nome cientifico Ilustração
Aruanã Osteoglossum
bicirrhosun.
89
Barbado
Pinirampus
pinirampus.
Bicuda
Boulengerella spp.
Cachara
Pseudoplastystoma
fasciatum.
Cachorra
Hydrolycus
scomberoides
Cachorra
– facão
Rhaphyodon
vulpinus
Caranha Piaractus
brachypomus
Corvina
Plagioscion spp.
Filhote
(piraíba)
Brachyplathystoma
filamentosum.
90
Jaú
Paulicea luetkeni
Jurupoca
Hemisorubim
platyrhynchos
Lambari
Astianax spp
Mandi Pimelodus spp
Matrinchã
Brycon matrinchao.
Pacu
Mylossoma spp
Piau
Lepoinus frederici.
Piau-
flamengo
Leporinus fasciatus
Piranha-
vermelha
Pygocentrus
natteresi.
91
Piranha-
preta
Serrasalmus
rhombeus
Pirarara
Phractocephalus
hemioliopterus.
Tabarana
Salminus hilarii.
Tucunaré.
Cichala ssp.
* Figuras retiradas do site www.pescamosca.com.
Por causa de se sua beleza e da grande abundancia de peixes, o Rio das Mortes,
inclusive no trecho em que se encontra a Vila Berrante, acaba por atrair turistas e
pescadores.
Segundo os moradores, nos períodos de férias, principalmente as férias de julho, a
Vila Berrante convive com inúmeros visitantes em busca das praias calmas, da
tranquilidade e pesca.
Estes visitantes, vindos principalmente do sudeste do país, chegam em caravana,
muitas vezes em ônibus, trazendo equipamento modernos de pesca e muitas vezes
utilizam-se de artifícios proibidos por lei.
Um grande problema que a comunidade de Vila Berrante enfrentou nos últimos
anos, foi a instalação de uma pousada a poucos quilômetros da vila. Tal pousada acabou
por ser fechada pelo IBAMA, por não seguir as normas estabelecidas pela legislação
brasileira, como por exemplo, utilização de equipamentos de pesca proibidos ou pesca no
período de piracema.
92
Ainda é possível encontrar pequenos grupos de pescadores que passam pela vila.
Alguns ocupam áreas próximas e competem com os ribeirinhos na busca de peixes.
Outra preocupação que aflige os moradores da Vila Berrante, é o excesso de lixo
como latas de cerveja, que são deixadas nos margem do rio.
Figura 27 – O Rio das Mortes (período de enchente) – Vila Berrante, 2007.
93
5.8 – A Festa de Nossa Senhora da Guia
Considerada padroeira dos navegantes, Nossa Senhora da Guia é um dos muitos
títulos atribuídos à Virgem Maria. Este título teve origem no fato bíblico de que Maria
guiou muito Jesus quando Ele era criança e jovem.
A Nossa Senhora da Guia aparece em sua imagem com o Menino Jesus nos seus
braços, ambos coroados, e na outra mão com uma estrela, simbolizando aquela que guia.
Assim como os três Reis Magos seguiram a estrela no Oriente que os conduziram até ao
Menino Deus, Maria é a estrela que leva a humanidade a seu filho Jesus (AMARAL, 1982).
Figura 28 – Imagens de Nossa Senhora da Guia, Vila Berrante, 2007.
Oficialmente sua festa é celebrada em 15 de Agosto, mas podendo ter a sua data
móvel em alguns lugares de devoção.
Sob o aspecto histórico o título de Nossa Senhora da Guia tem sua origem na Igreja
Ortodoxa, onde a Santíssima Virgem Maria é invocada sob o nome “Odigitria”, que
significa “Condutora”, “Guia” de Jesus Cristo desde a infância até o início de sua vida
pública, conseqüentemente invocada como guia e protetora do povo de Deus.
São diversos os locais onde Nossa Senhora da Guia passou a ser venerada. Via de
regra, a Virgem Maria encontra-se sentada, segurando o Menino Jesus como que o
amparando, mas diversos outros ícones da Virgem da Guia variam conforme a localidade e
94
os costumes. Representações mais recentes apresentam Maria a meio corpo, vestida com
uma túnica branca e um manto azul. Sobre a cabeça um véu branco e as mão unidas em
oração.
No Brasil sua difusão deve-se aos portugueses, que trouxeram a devoção de
Portugal, onde a festa comemora-se junto com Nosso Senhor do Bonfim. Por este motivo,
no ano de 1745, um Capitão da Marinha Real aportou na cidade de São Salvador, Bahia,
trazendo em seu navio tanto a imagem de Nossa Senhora da Guia quando a de Nosso
Senhor Jesus do Bonfim, as quais foram transportadas até a Igreja de Nossa Senhora da
Penha, situada na localidade de Itabagipe (AMARAL, 1982).
Católico devoto, decidiu difundir no Brasil a devoção enraizada em Portugal e
passou a aventar a idéia de construir um novo templo dedicado ao Senhor do Bonfim e à
Virgem da Guia. Suas intenções não tardaram. Inicialmente conseguiu liderar um grupo de
fiéis para fundar a Associação de Devoção do Senhor do Bonfim, cuja meta era difundir os
dois cultos, bem como levantar verbas para concretizar a construção da igreja. De fato, as
suas intenções floresceram rapidamente, de forma que em seguida iniciou-se a construção
no então Montserrat, hoje Alto do Bonfim.
Uma tradição na Vila Berrante são os festejos de Nossa Senhora da Guia. A festa
acontece durante quatro dias, na praça central da vila, onde está localizada a Igreja
Católica, sendo a data estabelecida na segunda semana de setembro, iniciando-se numa
quinta-feira e encerrando-se no domingo.
Toda preparação da festa, que tem inicio logo no primeiro mês do ano, com
arrecadação de prendas, busca de patrocínios e organização geral ficam por conta do
Capitão e da Rainha da Festa. No final dos festejos, é eleito o novo Capitão e a nova
Rainha, que normalmente, são pessoas da comunidade ou que possua algum laço com eles.
Cabe ao Capitão e a Rainha, organizar todo o evento e prestar conta dos lucros para
a associação de moradores. O dinheiro arrecadado, normalmente é convertido em alguma
obra ou ação da Igreja católica.
95
Figura 29 – Rainha e Capitão da Festa de 2005. Vila Berrante.
Durante os dias de festejo, a Vila Berrante sua população multiplicar-se por
dezenas de pessoas. Pessoas de várias localidades, principalmente do município de Ribeirão
Cascalheira, chegam na Vila de moto, carros ou ônibus e ocupam as casas de seus
familiares ou montam acampamento nos espaços determinados pelos organizadores ou até
mesmos, nas propriedades que se encontram as margens do rio.
Na primeira noite de festa, é levantado o Mastro com a bandeira de Nossa Senhora
da Guia. O mastro possui aproximadamente dez metros de altura, e é montado sobre uma
base para que possa ser erguido e se mantenha. Cabe aos homens erguer a bandeira e dar
inicio aos festejos. Porém, para que tal ato seja realizado, os homens exigem do Capitão e
da Rainha, pagamento em forma de bebida alcoólica (normalmente cerveja).
O mastro só é erguido, quando o grupo se sentir satisfeito em relação ao pagamento.
Normalmente esse ritual tem inicio pela manha, se estendo por toda tarde para finalmente
finalizar ao cair da noite.
Bandeira erguida, o Capitão e a Rainha sinalizam para o inicio dos festejos que
segue pelos quatro dias e noites, com muita música, danças, leilões de prendas e outras
atividades.
96
“Consta que algo tão pequeno, como o vôo de uma borboleta, pode causar um tufão
do outro lado do mundo!”
Teoria do Caos
6.
CONSIDERAÇOES
FINAIS
:
COMUNIDADES
TRADICIONAIS
E
EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
UM
DIÁLOGO RICO
,
FÉRTIL E REAL
.
97
Para Leff (2003) a Educação Ambiental deve cumprir o papel de unificar todos os
saberes, de modo a estabelecer um novo paradigma no que diz respeito à atividade humana.
Como antídoto à racionalidade econômica ele defende a racionalidade ambiental, ou a
conservação como resposta à exploração desenfreada.
No Estado de Mato Grosso, vários pesquisadores têm revelado o elo entre os
conhecimentos tradicionais e a Educação Ambiental. Dentre estes, podemos citar os
trabalhos de GUARIM & SILVEIRA (2002); GUARIM (1997/2002); NOVAIS (2008);
CARVALHO (2008).
Para tecer o diálogo entre a Educação Ambiental e comunidades tradicionais,
utilizaremos os conceitos e valores apreendidos junto à Comunidade Vila Berrante. Para
que o dialogo se estabeleça de forma a proporcionar um entrosamento das informações,
utilizaremos seis das quinze correntes da Educação Ambiental, propostas por SAUVÉ,
(2005).
As correntes serão aqui resumidas e os conceitos adquiridos durante os trabalhos
realizados na comunidade, serão expostos e discutidos.
A escolha dessas seis correntes se deu pela aproximação de suas bases com os
resultados alcançados nos trabalhos realizados na comunidade investigada. Outro fato é que
em alguns pontos, tais correntes se agrupam em suas proposições ou ainda, se
complementam, de forma a fornecer bases teóricas para os indicadores ambientais
educacionais propostos neste trabalho.
6.1 - Corrente humanista
Segundo Sauvé (2005), esta corrente dá ênfase à dimensão humana do meio
ambiente, construído no cruzamento da natureza e da cultura. O ambiente não é somente
apreendido como um conjunto de elementos biofísicos, que basta ser abordado com
objetividade e rigor para ser mais bem compreendido, para interagir melhor. Correspondem
a um meio de vida, com suas dimensões históricas, culturais, políticas, econômicas,
estéticas etc. Não pode ser abordada sem se levar em conta sua significação, seu valor
simbólico. O “patrimônio” não é somente natural, é igualmente cultural: as construções e os
ordenamentos humanos são testemunhos da aliança entre a criação humana e os materiais e
98
as possibilidades da natureza. A arquitetura, entre outros elementos, encontra-se no centro
desta interação.
Neste caso, a porta de entrada para apreender o meio ambiente é freqüentemente a
paisagem. Esta é seguidamente modelada pela atividade humana; ela fala ao mesmo tempo
da evolução dos sistemas naturais que a compõem e das populações humanas que
estabeleceram nela suas trajetórias. Esse enfoque do meio ambiente é, muitas vezes,
preferido pelos educadores que se interessam pela educação ambiental sob a ótica da
geografia e/ou de outras ciências humanas.
O enfoque é cognitivo, mas além do rigor da observação, da análise e da síntese, a
corrente humanista convoca também o sensorial, a sensibilidade afetiva, a criatividade.
Servimo-nos de tal corrente para revelar a paisagem, a estrutura social estabelecida
e a utilização dos espaços pela comunidade Vila Berrante.
As modificações da paisagem para se adequar as necessidades existentes na
comunidade seguem um padrão de conservação e respeito com o ambiente. Os locais
escolhidos para plantação seguem os conhecimentos que tal povo tem dos ciclos das
chuvas, evitando assim prejuízos em suas colheitas e conseqüentemente, menor exploração
dos recursos naturais disponíveis.
Suas moradias são feitas utilizando o barro que é retirado do espaço destinado à
construção da casa. Toda a cobertura é feita de palha, que tem sua época de corte. Visando
uma maior durabilidade desse recurso, criando assim um sistema de retirada dessa matéria
prima em tempos mais espaçados e também, seguindo a ordem natural de reprodução da
espécie vegetal, uma vez que a biologia dessa planta é profundamente conhecida pelo
ribeirinho.
Todas as particularidades dos diversos nichos existentes são conhecidas e
respeitadas. Como exemplo desse respeito, podemos citar o uso comunal das terras
alagadas para pastagem. Não cercas separando as terras nesse espaço. O fluxo dos
animais silvestres não é interrompido por arquitetura humana. O gado se utiliza do espaço,
do mesmo modo que os animais da região permanecem com seus territórios.
As casas são construídas nas partes altas próximas ao rio, evitando assim
desmatamento de áreas para construções de estradas, uma vez que o rio é sua via de
transporte preferido.
99
Por meio da corrente humanista, pode-se pensar em uma Educação Ambiental
voltada ao resgate das relações humanas e os conhecimentos que tal grupo tem do espaço
onde se insere.
6.2 - Corrente Holística
Segundo os educadores que seguem esta corrente, o enfoque exclusivamente
analítico e racional das realidades ambientais encontra-se na origem de muitos problemas
atuais. É preciso levar em conta não apenas o conjunto das múltiplas dimensões das
realidades socioambientais, mas também das diversas dimensões da pessoa que entra em
relação com estas realidades, da globalidade e da complexidade de seu “ser-no-mundo”. O
sentido de “global” aqui é muito diferente de “planetário”; significa antes, holístico,
referindo-se a totalidade de cada ser, de cada realidade, e a rede de relações que une os
seres entre si em conjuntos onde eles adquirem sentidos (SAUVÉ, 2005).
Uma comunidade tradicional traz em si, diversos fatores que podem ser conduzidos
dentro dessa corrente. A rede de relações estabelecidas numa comunidade tradicional,
revela um forma de utilização dos recursos disponíveis de forma sustentada. O
compartilhamento dos recursos, o uso comunal das terras, a cordialidade e a generosidade
entre os humanos dessa comunidade, transformam-se em ações menos predatórias. Sendo
um indicador de que é possível conviver com o meio, utilizar-se desse meio, sem, no
entanto, esgotar todos os recursos.
É preciso perceber o ser em toda sua complexidade. A utilização dos conhecimentos
prévios de uma pessoa seria a indicação para proposta que valorizem o ser humano. Que dê
vozes para outras formas de conhecimento.
Cada ser humano é um universo. Constituído por sua trajetória, sua cultura e sua
formação. Entender e respeitar a cultura e os valores que cada ser humano tem em sua
construção histórica, seria um caminho para uma forma de Educação Ambiental, solidária,
justa e voltada para justiça social e ambiental.
6.3 - Corrente Biorregionalista
Nozick (1995) pontua que uma biorregião é um lugar geográfico que corresponde
habitualmente a uma bacia hidrográfica e que possui características comuns como o relevo,
100
a altitude, a flora e a fauna. A história e a cultura dos humanos que a habitam fazem parte
também da definição de uma biorregião. A perspectiva biorregional nos leva então a olhar
um lugar sob o ângulo dos sistemas naturais e sociais, cujas relações dinâmicas contribuem
para criar um sentimento de “lugar de vida” arraigado na história natural assim como na
história cultual.
Por outro lado, Sauvé (2005) aponta que o biorregionalismo surge, entre outros, no
movimento de retorno a terra, em fins do século passado, depois das desilusões com a
industrialização e a urbanização massivas. Trata-se de um movimento socioecológico que
se interessa em particular pela dimensão econômica da “gestão” deste lar de vida
compartilhada que é o meio ambiente.
Ainda segundo a autora, o conceito de biorregião possui dois elementos essenciais
que são: 1- trata-se de um espaço geográfico definido mais por suas características naturais
do que por suas fronteiras políticas; 2- refere-se a um sentimento de identidade entre as
comunidades humanas que ali vivem a relação com o conhecimento deste meio e ao desejo
de adotar modos de vida que contribuirão para a valorização da comunidade natural da
região.
Essa corrente remete ao conceito biorregional da Comunidade Vila Berrante. Vem
ampara os profundos conceitos de “lócus”, de lar, demonstrados nas conversas com os
moradores desta comunidade.
A história dessa comunidade se mistura com o espaço natural existente. Nos
inúmeros confrontos entre fazendeiros, jagunços e posseiros, pela posse dessas terras, o
cerrado, o rio, os córregos, os lagos, são elementos protagonistas assim como os homens
que nessas batalhas lutaram.
Os locais de emboscadas, por exemplo, valorizam a árvore que serviu de
esconderijo. O rio é inúmeras vezes citado como ponto de fuga, em casos de confronto
direto.
O sentido de “lugar de vida” como descrito por essa corrente da Educação
Ambiental vem embasar os sentimentos revelados pelos moradores da Vila Berrante.
O espaço foi conquistado. O espaço foi mplice. Cada elemento tem seu
significado. Carrega a memória de volta aos tempos de luta. Aumenta seus laços e
conseqüentemente, o respeito.
101
Cada morador tem sua história de vida, que se remonta nas suas origens e converge
para uma história única, iniciada nas lutas pela conquistas de seus direitos em permanecer
no local e que a partir desse ponto, seguem com suas particularidades, mas unem-se em
diversos pontos convergentes.
6.4 - Corrente Etnográfica
A corrente etnográfica ênfase ao caráter cultural da relação com o meio
ambiente. A educação ambiental não deve impor uma visão de mundo; é preciso levar em
conta a cultura de referência das populações ou das comunidades envolvidas.
O respeito às varias expressões culturais é o primeiro passo para se estabelecer o
diálogo com essa corrente. O pesquisador para atingir um grau de confiança com a
comunidade ou seu sujeito de pesquisa, deve despir-se de seus conceitos e entregar-se ao
“conhecer” esse povo com quem conviverá. Sem julgamentos prévios ou interpretações
formuladas. É preciso evitar o etnocentrismo. Galvani (2001) descreve:
O etnocentrismo que consiste em tomar como referencia as
categorias de pensamento das sociedades ocidentais permitiu
durante longo tempo designar as outras culturas como
sociedades sem estado, sem economia ou sem educação. Pelo
contrario, quando o dialogo intercultural é real, ele produz
uma interrogação radical sobre os problemas mais cruciais
que tem as sociedades pós-modernas(...)
O estudo das formas educativas ameríndias inverte nossa
concepção centrada na transmissão da informação ou do
saber-fazer. A educação ameríndia é antes um
companheirismo iniciático que busca a imersão na
experiência e sua compreensão simbólica (...). A
transformação é inseparável da busca do sagrado (...). Dá-se
ênfase a observação e a participação ativa. O sentido não é
dado a priori, emerge de ressonâncias simbólicas que se
revelam na interação e um evento. Todo evento é
102
potencialmente portador de sentido por integrar, seja um
rito, uma atividade artesanal, a caça ou um ato da vida
cotidiana.
A corrente etnográfica propõe não somente adaptar a pedagogia as realidades
culturais diferentes, como se inspirar nas pedagogias de diversas culturas que tem outra
relação com o meio ambiente.
Para isso, Pardo (2001) explora os contornos, as características e as possibilidades
desta etnopedagogia. Segundo o autor, tal pedagogia se inspira em diversos enfoques e
estratégias de educação adotada pelas populações autóctones quer se trate de povos
ameríndios quer de comunidades regionais caracterizadas por sua cultura particular, suas
tradições específicas, sendo estratégias: a exploração da ngua, por meio do estudo da
toponímia, por exemplo, ou a analise das palavras de diferentes línguas para designar um
mesmo objeto, os contos, as lendas, as canções, a imersão solitária em uma paisagem, o
gesto que será modelo ou exemplo etc.
Tendo como base desta pesquisa a etnografia, um diálogo entre os resultados
obtidos com essa investigação e a corrente de Educação Ambiental denominada
etnográfica, a meu ver provoca uma junção perfeita.
Toda forma de expressão contida na comunidade Vila Berrante convida a
experimentar ações em Educação Ambiental que valorem seus conhecimentos, sua história,
sua cultura, seu ambiente.
A forma que as crianças são tratadas, como companheiros, parceiros, aprendizes
revela uma compreensão de que estão nas ações os melhores exemplos. No dia a dia dessa
comunidade a criança está inserida integralmente. A forma de manejo da terra, os rituais da
pesca, o conhecimento das plantas, tudo enfim, é transmitido na prática diária de
convivência.
6.5 - Corrente da Ecoeducação
Esta corrente está dominada pela perspectiva educacional da educação ambiental.
Não se trata de resolver problemas, mas de aproveitar a relação com o meio ambiente como
caminho de desenvolvimento pessoal, para fundamento de um atuar significativo e
103
responsável. O meio ambiente é percebido aqui como uma esfera de interação essencial
para a ecoformação ou para a ecoontogênese (SAUVÉ, 2005).
A relação com o meio ambiente presente nas comunidades tradicionais inspira a
utilizar tais fundamentos nas atividades de Educação Ambiental, seja em espaços
escolarizados ou não.
A relação da comunidade Vila Berrante com o Cerrado e com o rio é um convite a
transmitir para nossas crianças que é possível utilizar-se dos recursos naturais disponíveis
sem que sejam esgotados, eliminado e degradados.
O respeito com o Cerrado e suas múltiplas espécies é um conceito vivo no cotidiano
dos ribeirinhos da Vila Berrante.
Essa mesma relação de respeito, carinho e compartilhamento, é indicadora capaze
de conduzir para práticas que despertem a afinidade entre o ser humano e os demais
integrantes de um determinado ecossistema.
6.6 - Corrente da Sustentabilidade
A ideologia, segundo Sauvé (2005), o desenvolvimento sustentável, que conheceu
sua expansão em meados dos anos de 1980, penetrou pouco a pouco no movimento da
educação ambiental e se impôs como uma perspectiva dominante. Para responder às
recomendações do Capítulo 36 da Agenda 21, resultante da Cúpula da Terra em 1992, a
UNESCO substituiu seu Programa Internacional de Educação Ambiental por um Programa
de Educação para um Futuro Viável, cujo objetivo é contribuir para a promoção do
desenvolvimento sustentável. Este último supõe que o desenvolvimento econômico,
considerado como a base do desenvolvimento humano, é indissociável da conservação dos
recursos naturais e de um compartilhar eqüitativo dos recursos. Trata-se de aprender a
utilizar racionalmente os recursos de hoje para que haja suficientemente para todos e se
possa assegurar as necessidades do amanhã. A educação ambiental torna-se uma
ferramenta, entre outras, a serviço do desenvolvimento sustentável.
Segundo os partidários desta corrente, a educação ambiental estaria limitada a um
enfoque naturalista e não integraria as preocupações sociais, em particular as considerações
104
econômicas no tratamento das problemáticas ambientais. A educação para o
desenvolvimento sustentável permitiria atenuar esta carência.
Partindo das informações que os povos tradicionais têm sobre a utilização das ervas
na medicina caseira, Guarim Neto (2006) revela que a tais conhecimentos “propiciam
caminhos férteis para a práxis da Educação ambiental, tendo estas plantas como eficiente
instrumento pedagógico, enquanto elementos que podem subsidiar a relação educativo-
ambiental.
No contexto da educação podemos salientar que conservar a biodiversidade
implica, necessariamente, rever o modelo de desenvolvimento e, nesse sentido, a
educação para a conservação não pode ser desvinculada da educação para a cidadania.
Portanto, a sociedade precisa ser informada sobre os custos e benefícios da manutenção
da biodiversidade (GUARIM NETO & DE-LAMONICA, 1995).
Guarim Neto (2006) aponta a Educação Ambiental como um instrumento, que se
utilizando dos saberes não-escolarizados, será então capaz de tornar-se uma educação para
o ambiente. Caracteriza a fitofisionomia do estado de Mato Grosso, como sendo um berço
de espécies vegetais composto pelas três formações biogeográficas existentes: Cerrado,
Pantanal e Floresta. O autor aponta ainda para a utilização dos recursos vegetais pelas
comunidades tradicionais, seja essa utilização para fim alimentício, madeira ou como
medicina alternativa.
O caminho para a sustentabilidade do planeta conduz ao reconhecimento dos
saberes dos povos tradicionais. Nesta pesquisa, vários indicadores são revelados,
propiciando uma aquisição de conhecimentos que podem e devem ser utilizados nas
práticas de Educação Ambiental, levando-nos a crer, serem essas comunidades com suas
múltiplas formas de expressão, as fontes maiores de informações que nos conduza para um
desenvolvimento sustentável, para uma sociedade sustentável.
6.7 – Indicadores educativo-ambientais:
Da pesquisa realizada na comunidade de Vila Berrante, várias lições podem ser
apreendidas e utilizadas no fortalecimento das práticas em Educação Ambiental Formal ou
não-formal. Das informações obtidas na realização deste trabalho, podemos perceber a
105
estreita ligação dessa comunidade com o ambiente onde estão inseridas. E dessa relação
podemos apontar os seguinte indicares eductaivo-ambietais (Tabela 3):
Tabela 4. Indicadores educativo-ambientais, Vila Berrante, Ribeirão Cascalheira, 2008.
Tema. Conceitos a serem abordados.
O Rio das Mortes. Bacias hidrográficas.
Rios de Mato Grosso.
Ictiofauna.
Ecossistemas aquáticos.
Rios das Mortes e as cidades as suas
margens.
Rio das Mortes e os ribeirinhos.
Poluição nos rios.
Pesca.
Pesca predatória.
Legislação sobre pesca.
Períodos de piracema.
Ecoturismo.
Relação dos ribeirinhos com o Rio das
mortes.
A importância do Rio das Mortes para as
cidades localizadas as suas margens.
Áreas alagáveis. Ecossistemas nas áreas alagáveis.
Dinâmica de populações.
Fragilidade dos ecossistemas alagáveis.
.ciclos biogeoquímicos.
O uso das terras alagáveis por
comunidades tradicionais.
A invasão da monocultura nas áreas
alagáveis.
O Cerrado. Fitofisionamia do Cerrado.
106
Diversidade biológica.
Solos.
Água.
Recursos naturais renováveis.
Recursos naturais não-renováveis.
Desmatamento.
Queimadas.
Agropecuária nas áreas de Cerrado.
Agricultura nas áreas de Cerrado.
As comunidades tradicionais e o Cerrado.
Ribeirinhos. Manejo sustentável.
Conhecimento tradicional.
Relação ribeirinho e o rio.
A pesca na visão do ribeirinho.
Cultura popular.
Conhecimento tradicional. O conhecimento científico e o
conhecimento tradicional.
Contribuições para a ciência.
Manejo.
Conservação.
Preservação.
Lendas e Mitos. As lendas e mitos como mecanismo
desencadeador de ações e discussões
sobre o meio ambiente.
Arranca – línguas. Solidariedade e unidade familiar.
Lobisomem. Limites de ação das diferentes categorias
sociais.
Figueira. Comportamento humano no ambiente.
Preservação da árvore.
107
Pé-de-garrafa. Reafirmação do modo de manejo
tradicional.
Pai-do-mato Manutenção dos ecossistemas terrestres.
Boiuna. Ecossistema aquático e terrestre.
Ações do ser humano nestes ecossistemas.
Curupira. Ecossistema terrestre.
Limites estabelecidos para caça
A lenda e as legislações brasileiras de
controle da caça.
Uso comunal das terras.
Adubo orgânico. Cuidados com o solo.
Agrotóxicos e suas implicações.
Tipos de adubos orgânicos e sua
contribuição para o meio ambiente.
Agroflorestas. Conceito de agrofloresta.
Benefícios.
Onde, como e quando poderia ser adotado
esse recurso.
Plantio consorciado. Conceito de plantio consorciado.
Benefícios desta forma de plantio.
Tipos de plantas que podem ser
consorciadas.
Conceito de competição entre espécies de
plantas.
Correção do solo por plantas utilizadas no
consorcio.
Plantas medicinais. Plantas do Cerrado.
Tipos de plantas utilizadas na medicina
caseira.
108
Princípio ativo encontrado nas plantas.
Plantas do Cerrado. Fitofisionomias do Cerrado.
Plantas utilizadas na medicina.
Plantas utilizadas na alimentação.
Plantas utilizadas como recurso
ornamental.
Queimadas e a perda da diversidade.
Zooterapia. Animais utilizados na medicina caseira.
Risco de extinção de animais do Cerrado.
Animais do Cerrado. Animais encontrados no Cerrado.
Os vários grupos de animais (sistemática).
Ecologia.
Habitat.
Nicho.
Expressões artísticas. A arte como identidade cultural.
O uso de recursos naturais de forma
sustentável em atividades artística.
A arte como instrumento de preservação.
A arte como instrumento de denúncia em
favor da preservação e conservação.
As festas. As festas populares como afirmação de
identidade.
Demonstração da diversidade cultural
como forma de demonstrar a diversidade
ambiental.
Etnocentrismo.
109
Ao longo das atividades desenvolvidas com a Comunidade da Vila Berrante, o mais
gratificante conceito apreendido foi da generosidade. Foram generosos ao me receber nas
várias vezes que por estive. Foram generosos em acolher-me em suas casas, em suas
terras, em seus quintais. Foram generosos em compartilhar de seus conhecimentos e faziam
com alegria e entusiasmo, sem egoísmo e sabedores que tais informações poderiam ser
compartilhadas com várias pessoas que tivessem acesso aos resultados finais da pesquisa.
A comunidade é formada por homens, mulheres e crianças guerreiras. Mulheres que
compartilham mulheres que se ajudam que cuidam e que amam suas terras e suas tradições.
Homens que lutaram por seus diretos. Que buscaram uma sociedade que visa o
compartilhamento, a soma dos valores, o comunal.
Crianças que se orgulham de suas terras e admiram as conquistas de seus pais.
Crianças que enfrentam longas jornadas, estradas sinuosas, transporte muitas vezes
perigosos para freqüentarem a escola e assim permaneceram por perto de suas raízes.
A história de formação dessa comunidade está repleta de lutas. Lutas muitas vezes
sangrentas que resultaram em perdas. Mas acima de tudo, luta que reflete a capacidade de
resistência desses ribeirinhos, diante de latifundiários que visam lucro e destruição do local.
A permanência desse povoado representa também uma resistência à ocupação dos
fazendeiros que querem ampliar suas áreas de pastagem e monocultura. São esses
ribeirinhos os verdadeiros protetores desse ecossistema único, impar e belo.
A beleza do Rio das Mortes se reflete nos gestos desse povo. São como o rio,
seguem seu curso. Utilizam os recursos naturais disponíveis se adaptando ao meio.
Durante as entrevistas suas vozes revelavam um mito com a mesmo entusiasmo
com que mostravam uma plantação em toda sua exuberância.
Seus mitos revelam formas de controle das ações humanas diante da família, das
crenças e principalmente do meio ambiente.
Acompanhar suas atividades diárias proporcionou a chance de perceber que a
utilização dos recursos naturais, as interferências no ambiente, são necessárias para
sobrevivência desse povo, mas é feito de forma consciente, saudável e respeitosa.
Grande lição de solidariedade foi revelado ao perceber o uso comunal das terras na
criação do gado. No período que todos utilizam a mesma área, todos também são
responsáveis pelos cuidados com os animais, sem diferenciação.
110
Vimos nos conhecimentos das plantas a utilização dos recursos naturais de forma
sustentável, pois utiliza-se tal recurso mas preserva-se para gerações futuras.
Os animais utilizados na alimentação são retirados de forma que não se acumule não
se desperdice não se acabe. Caça ou pesca o necessário para aquele momento, pois existe
uma certeza de que sempre está lá, pronto para ser utilizado.
Como toda civilização, as formas artísticas de expressão estão presentes. Seja na
arrumação das casas, nos objetos confeccionados com fins de utilização de trabalho, sejam
nas artes para simplesmente ser utilizado como objetos de decoração.
Pensamos que o grande desafio desse trabalho é saber utilizar tão valiosos
ensinamentos em práticas de Educação Ambiental que despertem os laços de afinidade
entre os humanos e o meio onde este se insere. É um desafio também projetar o futuro em
Vila Berrante com seu povo, seu cerrado, com o fantástico Rio das Mortes. Com o
ambiente pleno, com possibilidades educativo-ambientais.
Com o entrelaçamento do saber não-escolarizado com o escolarizado. Com uma
escola que possa efetivamente utilizar destes conhecimentos e seus valores intrínsecos.
Assim, podemos evocar: Continue Vila Berrante... Continue!
111
Nunca o homem inventará nada mais simples nem mais belo do que uma manifestação
da natureza. Dada a causa, a natureza produz o efeito no modo mais breve em que
pode ser produzido.
(Leonardo da Vinci)
112
7.
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118
Sobre o Autor:
Licenciado em Ciências Biológicas Pela Universidade do Estado de Mato Grosso
UNEMAT, professor da rede Pública de Ensino desde 1999. Inicie minha carreira no
Magistério no ano de 1992 onde tive a oportunidade de trilhar os caminhos na Pedagogia
Waldorf no Núcleo Cenecista Experimental de Pesquisa e Aprendizagem Integral, escola
pertencente a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade.
Foi nesta escola que ao fundar o Clube de Ciências, que se propunha a envolver o
aluno em atividades extraclasse, que pude desenvolver vários projetos de pesquisa no
campo das Ciências Naturais com alunos do Ensino Fundamental. Como prova de que essa
atividade é um complemento necessário a aprendizagem, em 1994 e 1995 os trabalhos
desenvolvidos participaram das Feira Estadual e Nacional nos respectivos anos.
Nos anos de 2001/2002 fui Professor assistente no Curso de Biologia da UNEMAT,
Campus Universitário de Nova Xavantina, onde no ano de 2002, exerci a função de Chefe
de departamento do Curso.
Em 2003/2004 tive uma experiência como Instrutor de Cursos Livres no Programa
do Governo Federal Agente Jovem para o Desenvolvimento Humano, na cidade de
Curitiba-PR.
De 2005 a 2008, trabalhei na E.E.E.B. Cel. Ondino Rodrigues Lima, na cidade de
Ribeirão Cascalheira – MT, no cargo de professor de Ciências no Ensino Fundamental e de
Biologia no Ensino Médio. Também nesta escola, no ano de 2006, ocupei a função de
Coordenador de Ciclo.
Em janeiro de 2009 assumi a função de Professor Formador no
CEFAPRO/SEDUC/MT – Pólo de Tangará da Serra.
Paralelo as funções de professor, no ano de 2006 ocupei o Cargo de Coordenador
Pedagógico na Prefeitura deste município, onde em parceria com colegas e professores
criamos um evento para discutir os rumos da Educação Ambiental e apresentar os
resultados obtidos no trabalho diário. Este evento denominado Mostra de Educação
Ambiental faz parte hoje do calendário oficial das escolas do município e os resultados
obtidos com tal acontecimento, foram apresentados no SemiEdu 2007 (IE/UFMT) e Anped
2008 (UnB/UCB – Brasília – DF).
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