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folias se juntaram tornando-se uma, em certos períodos, através de escalonamentos de
foliões
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. Ao longo do tempo, entretanto, houve várias ocasiões em que seus foliões se
separaram, muitas vezes em decorrência de disputas e conflitos entre mestres e foliões
mais importantes. Como escreve Peralta, referindo-se à Folia Manjedoura, “Em
Mangueira, a figura do mestre-folião está diluída numa confusão de disputas de poder e
notoriedade” (2000: 139).
Atualmente os grupos estão separados, estando a Sagrada Família sob os
cuidados e autoridade de Élcio, tendo-a herdado diretamente de Geraldo Raimundo, um
mineiro fixado na Candelária. Por outro lado, a Manjedoura de Mangueira formou-se a
partir do núcleo de migrantes mineiros, estando desde o início sob a tutela de Teixeira,
seu dono. Esta folia passou às mãos de diversos mestres, como Dila, Benício, Jonas,
Simplício, Élcio, entre outros, mesmo sob o controle de Teixeira, até que uma disputa
de poder entre Élcio e Lauro, filho de Teixeira, levou o primeiro a se distanciar e
reativar sua própria folia, a Sagrada Família, iniciada por Serafim.
Assim Élcio testemunha sobre os conflitos que o levaram a sair da Manjedoura:
“Eu cantei nove anos consecutivos na Folia da Manjedoura da Mangueira. E foi
lá que tive minha formação de mestre tanto na prática quanto na teoria. Aí
depois passou e teve um Encontro quando Seu Teixeira tava enfermo, internado,
e iam fazer uma homenagem a ele e reuniram várias folias na Casa França
Brasil. Veio folia de Itaperuna, de Valença, Duas Barras. Todos os estados que
têm federação, associação, mandou um grupo. Aí a parte mais triste foi quando
teve uma parte que foi anunciada que cada mestre tinha que vir ao palco com
seu alferes, com sua bandeireira. Aí quando chamou a Manjedoura da
Mangueira, o Lauro pulou na minha frente, e ele não tava como mestre. Todo
mundo que tava ali e que me conhecia e também da Federação de Reisado do
Rio de Janeiro [FRERJA], ninguém entendeu nada. Mas ali naquele estágio a
gente já não vinha se entendendo bem. Não sei se era por inveja do pai dele, que
o pai dele desde quando eu passei a cantar, o pai dele me dava carta branca deu
decidir as coisas, de apresentação que eu fechava. Então na verdade eu vejo
dessa forma porque eu tava assumindo um lugar que hierarquicamente tinha
que ser dele, mas ele até então na época não tinha capacidade pra tanto, porque
o legal da folia é passar de pai pra filho, então acho que isso mexeu um pouco e
também pelo fato de eu ser um garoto e tá de frente a tanta responsabilidade”.
A narrativa de Élcio evidencia com muita clareza o lugar do conhecimento ritual
na manutenção do poder e da autoridade do mestre junto aos foliões e devotos, e
também a precariedade em mantê-los. Revela igualmente certas hierarquias na escalada
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Integrantes de um grupo, eventualmente, eram chamados pelo outro grupo, muitas vezes por razões
práticas (ausência de um tocador de sanfona ou viola, por exemplo). Desse modo, a formação dos grupos
sempre foi muito dinâmica e transitória. Mesmo no curto período em que acompanhei a Folia Sagrada
Família, notei um grande dinamismo na formação do grupo, com a entrada e saída freqüente de foliões.