O título se refere à profética Revelação de São João, que anuncia a Segunda Vinda
de Cristo, e a ação se passa em uma festa religiosa contemporânea, entre os espiões e
mendigos instalados em torno do santuário, que apresentam a segunda Vinda de
Cristo com uma brutal diversão de bêbados. Um bêbado, cujo nome é, casualmente
Simão Pedro, persuade a um inocente – em polaco ciemny, literalmente “o obscuro”,
de conotações satânicas, homem possuído e deformado como marca do seu contato
com o sobrenatural, mas também é um idiota incapaz de compreender o mundo que ,
tradicionalmente, representa a santidade infantil, uma escala de valores muito
diferente – de que na realidade é Cristo, contando-lhe que nasceu em Nazaré e
morreu na cruz porque os homens não o reconheceram como Deus. Então nomeia a
outros: Maria Madalena, João Judas e todos eles repetem cenas arquetípicas da
Paixão e Crucificação de Cristo, por meio do qual expressam seus instintos sádicos,
impulsos subconscientes e ressentimentos. Para o público, isto é como por a prova o
mito cristão, desafiando sua validade por meio de discussão e blasfêmia.
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(INNES,
2000, p. 182).
Em contrapartida, apesar de serem puramente humanas e já não escatológicas, as
ações simbólicas revelam uma dimensão oculta, que transcendem a personalidade do ator, e o
próprio trabalho. Seguindo a tradição delsartiana
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, neste processo empreendido por
Grotowski, o gesto e a ação não substituem a palavra, mas revelam ao homem “o que a
palavra é impotente para expressar”. O corpo e o gesto não são apenas veículos de
comunicação de signos, ou seja, de códigos com significados conhecidos, mas sim, tornam-se
símbolos. Assim, a arte extrapola a codificação e mantém vivos a antinomia e o paradoxo.
Neste trabalho, a auto-revelação não revela apenas o eu, mas um princípio transcendente. O
trabalho sobre o corpo é, portanto, um ato epifânico. A construção de sentidos está baseada na
construção de vínculos com a dimensão volitiva, com a interioridade. O sentido é revelado na
própria experiência corporal.
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“El título se refiere a la profética revelación de San Juan, que anuncia la Segunda Venida de cristo, y la
acción se coloca en uma fiesta religiosa contemporánea, entre los espías y mendigos instalados em torno del
santuario, que presentaban la Segunda venida como un brutal diversión de borrachos. Un ebrio, cuyo nombre
es, casualmente, Simón Pedro, persuade a un simplón – em polaco ciemny, literalmente “el oscuro”, de
connotaciones satánicas, hombre poseído y deformado como marca de su contato con lo sobrenatural, pero
también es un idiota incapaz de comprender el mundo que tradicionalmente representa la santidad infantil,
una muy diferente escala de valores – de que en realidade él es Cristo, contándole que nació en Nazaret y
murió en la cruz porque los hombres no lo reconocieron como Dios. Entonces nombra a otros: María
Magdalena, Juan, Judas, y todos ellos repiten escenas arquetípicas de la Pasión y crucifixión de Cristo, por
medio de los cual expresan sus instintos sádicos, impulsos subconscientes y resentimientos. Para el público,
esto es como poner a prueba el mito cristiano, desafiando su validez por medio de discusión y blasfemia.”
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Grotowski faz referência, em Em Busca do Teatro Pobre , das influências de Françoise Delsarte no que diz
respeito aos modelos de treinamento do ator. Na contracorrente de sua época, Delsarte realizou uma ruptura
com a tendência ao Classicismo, iniciando um movimento de espiritualização da arte. Objetivando uma arte
transcendente, que ultrapassasse a própria arte rumo ao Sublime. Segundo ele, “o artista deve oferecer à
contemplação, não tanto o homem, mas os símbolos, que em perspectivas profundas, se remetem à sua
perfeição ideal e sobrenatural” (in DE ANDRADE, 2002, p. 147).
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