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MELISSA DA SILVA FERREIRA
MITOLOGIA E ASCESE:
JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”
FLORIANÓPOLIS
2009
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
CENTRO DE ARTES – CEART
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEATRO (MESTRADO)
MELISSA DA SILVA FERREIRA
MITOLOGIA E ASCESE:
JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Teatro (Mestrado), do Centro
de Artes Cênicas da Universidade do Estado
de Santa Catarina UDESC, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Teatro.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Vargas
Sant’Anna
FLORIANÓPOLIS – SC
2009
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MELISSA DA SILVA FERREIRA
MITOLOGIA E ASCESE:
JERZY GROTOWSKI “ALÉM DO TEATRO”
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teatro (Mestrado), do Centro de
Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Mestre em Teatro.
BANCA EXAMINADORA:
Orientador: _____________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Vargas Sant’Anna
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: _________________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Antunes Netto Carreira
Universidade do Estado de Santa Catarina
Membro: __________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Raffaelli
Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, 16 de fevereiro de 2009.
3
Ao meu pai.
4
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma, contribuíram para a realização
desta dissertação, principalmente:
Antônio Carlos Ferreira, que num momento crucial não me deixou desistir, e por ter instalado
em mim a curiosidade de saber o como e o porquê das coisas.
Sônia C. Da Silva, pela sua extrema fé e confiança em mim e em tudo que eu faço.
Milton de Andrade, pela revisão desta dissertação, por sua presença e seu amor.
Prof. Antônio Vargas, por sua orientação paciente e encorajadora.
Prof. André Carreira e prof. Rafael Raffaelli, pela disposição em compor a banca, e por todos
os comentários e sugestões na qualificação.
Mila, que, na secretaria do PPGT, sempre esteve disposta a ajudar com atenção e simpatia.
Cleuza Ganzert Bassetti, pelo acolhimento e afeto.
Juarez Nunes e Samuel Romão, companheiros de sonhos e conquistas.
José Alvim, pelo incentivo e carinho.
Gabriel, por me apresentar novos desafios e me fazer querer ser uma pessoa melhor.
5
Dizer que a espiritualidade viva do artista é o
conteúdo da arte é o mesmo que dizer que
quem faz arte é uma pessoa única e irrepetível,
e esta, para formar sua obra, se vale de toda
sua experiência, do seu modo de pensar, viver,
sentir, do modo de interpretar a realidade e
posicionar-se diante da vida. (...) A obra de
arte tem como conteúdo a pessoa do artista,
não no sentido de tomá-la como seu objeto
próprio, fazendo dela o seu tema” ou assunto
ou argumento, mas no sentido de que o
“modo” como esta foi formada é o modo
próprio de quem tem aquela determinada e
irrepetível espiritualidade: entre a
espiritualidade do artista e seu modo de formar
existe um vínculo tão estreito e uma
correspondência tão precisa, que um dos dois
termos não pode subsistir sem o outro, e variar
um significa necessariamente variar também o
outro.
LUIGI PAREYSON
6
RESUMO
Este estudo se propõe articular as relações entre as características e os temas da mitologia
heróica e o percurso teatral, “além do teatro”, do encenador polonês Jerzy Grotowski. Na
primeira parte deste volume, são expostas as origens culturais, sociais e teóricas do
pensamento e da prática de Grotowski, demonstrando, assim, a relação entre as suas buscas
pessoais e o seu percurso teatral. Na segunda parte do trabalho, são discutidas as formas de
tratamento do mito no trabalho de Grotowski, sua função, sua importância e a sua influência
nos vários campos do processo artístico, como a escolha e o tratamento dos textos, o papel do
público, o trabalho com o ator na construção da personagem e as técnicas de preparação de
ator. O referencial teórico utilizado para a abordagem das questões míticas e simbólicas
provém da hermenêutica simbólica. Em termos conclusivos, são destacadas as semelhanças
entre as ações da mitologia heróica e o trabalho de Grotowski, no que diz respeito,
principalmente, ao ato sacrificial como forma de consolidação da dimensão espiritual.
Palavras-chave: Teoria do Teatro. Mitologia heróica. Ascese.
7
ABSTRACT
This study proposes to bring in relation properties and themes of heroic mythology and the
theatrical career, in the para-theatrical approach, of the Polish director Jerzy Grotowski. The
first part of this work explains cultural, social and theoretical sources of Grotowski´s thought
and practice, and demonstrates the relationship between his individual searches and his
theatrical career. The second one puts in discussion modes to interpret myths in Grotowski´s
work, its function, its significance and its influence on different kinds of artistic process:
choice and treatment of texts, audience parts, actor´s work on character composition and actor
´s training. Theoretical references about mythical and symbolic questions are extracted from
symbolic hermeneutic theory. In terms of conclusion, this dissertation puts in relief
similarities between actions in the heroic mythology and Grotowski´s work, fundamentally,
sacrificial acts as an way to consolidate an spiritual dimension.
Keywords: Theater theory. Heroic mythology. Ascesis.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Jerzy Grotowski
Figura 2 – As cadeiras
Figura 3 – Akropolis
Figura 4 – Akropolis
Figura 5 – O Príncipe Constante
Figura 6 – O Príncipe Constante
Figura 7 – Riszard Cièslak
Figura 8 – Casa de campo onde aconteceram alguns dos projetos do parateatrais do Teatr
Laboratorium, em Brzezinka, Polônia
Figura 9 – Casa de campo em Brzezinka com neve
Figura 10 – Campo de concentração – Brzezinka (Birkenau em alemão), Polônia
Figura 11- Seleção nazi em Birkenau
Figura 13 – Varsóvia, Polônia, destruída pela guerra, 1945.
Figura 14 – Tanques de guerra durante a Lei Marcial na Polônia em 1982
Figura 15 – Ascona, Suiça
Figura 16 – Arunashala, Índia
Figura 17 – Ramana Maharishi
Figura 18 – Ramana Maharishi
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
1 GROTOWSKI: ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO .......................................15
1.1 A BUSCA POR UM “SENTIDO ESPIRITUAL” NO “NOVO TEATRO” DO SÉCULO
XX.......................................................................................................................................15
1.2 OS ELOS DA CORRENTE DAS PERFOMING ARTS ....................................................22
1.3 GROTOWSKI E A MEMÓRIA SOCIAL DA POLÔNIA................................................31
2 MITOLOGIA, ASCESE E O TRABALHO TEATRAL, “ALÉM DO TEATRO”, EM
GROTOWSKI ........................................................................................................................46
2.1 O SER E A TRADIÇÃO......................................................................................................51
2.2 O TRATAMENTO DO TEXTO: A DIALÉTICA DA EXALTAÇÃO ..............................57
2.3 CORPOREIFICAÇÃO DO MITO.....................................................................................62
2.4 MITO E SACRIFÍCIO .......................................................................................................65
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS..................................................................................80
CRONOLOGIA DE JERZY GROTOWSKI ......................................................................85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................100
ANEXOS................................................................................................................................109
10
INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe relações entre a mitologia heróica e o percurso teatral, “além do
teatro”, do encenador polonês Jerzy Grotowski (1933-1999), um dos principais expoentes do
teatro no século XX.
Para realizar tal aproximação, procura-se identificar um fio condutor do percurso de
vida de Grotowski, que pode ser evidenciado em motivações que o impulsionaram em suas
escolhas pessoais e profissionais, bem como analisar as condições histórico-sociais em que
esteve inserido. Elementos de sua biografia, da história social da Polônia, e conteúdos do
imaginário simbólico polonês serão colocados em evidência, com o intuito de delinear tal
contexto de surgimento das experiências do Teatr-Laboratorium de Grotowski.
Conforme nos lembra Eugenio Barba (2000), apesar de Grotowski ter sido acusado
por seus contemporâneos de não ter uma atitude política frente à situação da Polônia, sua
relação com a tradição e a história de seu país demonstram que seu trabalho não tinha nada de
apolítico. A escolha dos textos no Teatr-Laboratorium, por exemplo, remodelados de acordo
com a identificação e a exaltação do mito fundamental presente na dramaturgia, revelava o
envolvimento de Grotowski com a resistência cultural ao massacre do imaginário simbólico
ao longo da história da Polônia.
No primeiro capítulo desta dissertação, denominado Grotowski: entre a vanguarda e
a tradição, são expostas algumas características no “novo teatro” do século XX, do qual
Grotowski é considerado um dos mestres refundadores. Estas características, que abarcam
principalmente renovações em instâncias estéticas, pedagógicas e éticas, estão relacionadas à
recuperação do imaginário simbólico em vários campos teóricos e práticos como a filosofia, a
psicologia, a antropologia e, em particular, as artes cênicas e as pesquisas sobre mitologia e
símbolo.
No segundo capítulo, Mitologia, ascese e o trabalho teatral, “além do teatro”, em
Grotowski, é evidenciada a importância do mito no trabalho de Grotowski, sua função
simbólica e existencial, e sua influência no processo artístico, em termos de escolha e
tratamento dos textos, o papel do público, o trabalho do ator na composição da personagem e
as técnicas de preparação psicofísica.
Os papéis atribuídos ao público no Teatr-Laboratorium, de acordo com os temas
míticos da encenação, aparecem como rica fonte de entendimento da função do mito no
11
trabalho de Grotowski. O público é testemunha de um processo de revelação simbólica do
ator. Do ponto de vista da recepção teatral, não acontece meramente um processo de
identificação com o mito, mas também um questionamento constante de valores exaltados.
Este processo de exaltação e ridicularização dos valores fundamentais da cultura
polonesa, denominado pelo critico polonês, Konstantin Puzina, de “burla e apoteose”, ou pelo
próprio diretor, de “adoração e profanação”, será entendido como semelhante à forma
paradoxal, presente no mito do herói, de resgatar, reafirmar e manter a tradição através de
questionamentos, negação e abandono.
Será discutido, ainda no segundo capítulo, como os temas da mitologia heróica,
ligados principalmente ao sacrifício, estão presentes nos discursos e escritos de Grotowski, na
prática desenvolvida por ele e nos estudos realizados por teóricos do teatro. O referencial
teórico utilizado para tal análise provém da hermenêutica simbólica, através dos conceitos
acerca do imaginário simbólico, do mito e do símbolo, desenvolvidos pelos autores ligados ao
Círculo de Eranos, como Carl Gustav Jung, Joseph Campbell, Mircea Eliade, Gilbert Durand
e outros seguidores destes, entre eles, Andrés Ortiz-Osés, Luis Garagalza, Eckard Neumann,
Patxi Lanceros.
Pretende-se ainda discutir as relações entre a mitologia heróica e a construção das
identidades artísticas. O enfoque dado a este estudo, provém principalmente das pesquisas de
Jung, Durand e Campbell, nas quais o mito do herói é considerado uma estrutura do
imaginário simbólico, ou arquétipo, que tem forte influência na vivência do indivíduo e na sua
relação com a sociedade, e, mais especificamente, conforme Jung, no processo de
“individuação”.
Foi incluída nesta dissertação a Cronologia das obras e principais eventos da vida e
percurso profissional de Grotowski, com o objetivo de revelar informações pouco
divulgadas a respeito da biografia do diretor, e que permitem estabelecer relações com os
temas da mitologia heróica, como a ascese, o sacrifício, a renúncia, o questionamento, o
afastamento do mundo, etc.
Para tal, a principal fonte de pesquisa foi o livro autobiográfico de Eugenio Barba, La
Tierra de Cenizas y Diamantes: Mi aprendizaje em Polônia (2000), sobre sua temporada de
trinta meses no Teatr 13- Rzedow em Opole na Polônia, no qual, além de detalhes do trabalho
do Teatr -Laboratorium, o autor revela informações sobre os interesses, as referências e a
personalidade de Grotowski, além de apresentar na íntegra as vinte e seis cartas que lhe foram
12
enviadas pelo diretor de 1963 a 1969. O livro de Barba traz, ainda, detalhes sobre a situação
sócio-cultural da Polônia, como a ação da censura, o ambiente cultural, o público, os artistas e
os críticos da época.
Além deste livro, a obra Los imaginários sociales: Memorias y esperanzas colectivas
de Bronislaw Bacsco, com um capítulo dedicado exclusivamente ao período de busca pela
restituição do imaginário simbólico polonês na segunda metade do século XX, teve grande
importância para nos delinear a Polônia de Jerzy Grotowski.
Apesar dos livros, teses, dissertações, artigos e estudos sobre o percurso teatral de
Jerzy Grotowski, pouco se publicou sobre sua biografia e sobre o período do início dos anos
setenta até sua morte, em 1999. Entre os trabalhos acadêmicos realizados no Brasil, que
podemos destacar, encontram-se a tese de doutoramento da Profa. Dra. Marta Isaacsson, O
processo criador do ator - Stanislavski e Grotowski, estudo de uma filiação, de 1991, que
trata especificamente do trabalho do ator. No âmbito do Programa de Pós -Graduação em
Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), podemos ainda destacar duas
dissertações recentes desenvolvidas por Moira Stein, Corpo e Palavra: Organicidade e
Ritualização da Fala em Práticas Formativas do Ator Contemporâneo, e Ismael Scheffler,
Características do Sagrado nas Propostas teatrais de Antonin Artaud e Jerzy Grotowski, que
também utiliza conceitos da hermenêutica simbólica como referencial teórico. Devemos
destacar também as pesquisas da Profa. Dra. Silvana Garcia da Universidade de São Paulo
(USP) sobre as influências de Grotowski nas vanguardas teatrais do Brasil.
Como fonte primária de pesquisa, foi usada grande parte da bibliografia disponível em
português, espanhol e italiano, dando destaque para o livro O Teatro Laboratório de Jerzy
Grotowski/ 1959 1969, que foi publicado pela Editora Perspectiva em 2007, com textos
inéditos em português, bem como os dois livros recentes da coleção Opere e Sentieri,
publicados na Itália, também em 2007, Il Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas
Richards e Jerzy Grotowski – Testi 1968-1998.
Como fonte secundária, deve-se dar destaque ao material de Jeniffer Kumiega, Marco
De Marinis, Eugenio Barba, Peter Brook, Richard Schechner, Jean-Jacques Roubine, Felipe
Reys Palacio, Christopher Innes, Odete Aslan, Fabrizio Cruciani, Nicola Savarese, Eugenia
Casini Ropa, entre outros.
13
Esta pesquisa tem o intuito de trazer novas reflexões e contribuições no que concerne
ao percurso teatral, “além do teatro”, de Grotowski, no período em que ainda realizou
espetáculos. O termo “além do teatro” se refere aos seus objetivos e buscas que nunca
estiveram estritamente ligados ao campo da representação e da direção teatral, mas ao seu
desenvolvimento espiritual, de seus atores, do ser humano.
Grotowski usa o termo salvação” quando se refere ao seu principal objetivo com o
teatro, afirmando que pretendia “salvar-se através do sacrifício teatral”, como veremos
adiante. Esta afirmação provocadora gera uma questão central para nossa pesquisa: em que
consiste a salvação para Grotowski?
A busca em responder esta questão traz novas perspectivas para os estudos
existentes sobre Grotowski e sobre o Teatr-Laboratorium, pois além de localizar seu percurso
na história do teatro, na história da Polônia e da Europa, traz à tona suas fontes, inspirações, e
sua inserção numa sociedade fragmentada por inúmeros massacres reais e simbólicos.
14
1 GROTOWSKI: ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO
1.1 A BUSCA POR UM ‘SENTIDO ESPIRITUAL’ NO “NOVO TEATRO” DO SÉCULO
XX
Segundo o teórico italiano Marco De Marinis, “a revolução do teatro do século XX
não foi exclusiva, nem sequer principalmente, estética”. A tradição que se desenvolveu neste
século, segundo o autor, trouxe uma renovação nas atribuições, necessidades e exigências em
relação à arte teatral. O teatro passou a “dar voz a necessidades e exigências que nunca até
então, havia tratado de satisfazer: instâncias éticas, pedagógicas, políticas, cognitivas,
espirituais”. Segundo ele, um dos motivos fundamentais desta transformação foi a
investigação sobre a eficácia do teatro. A eficácia entendida como “ação real do ator sobre o
espectador, do homem sobre o homem, mas também, e primordialmente, como trabalho sobre
si mesmo”. (DE MARINIS, 2005, p. 227).
Nas três primeiras décadas do Século XX, quando aconteceu a Grande Reforma
Teatral, a partir das pesquisas de Stanislavski, Meyerhold e Vakthangov, entre outros,
difundiu-se a realização de uma prática teatral que não está diretamente ligada à cena. Se um
por um lado, conforme Eugenio Barba, estas pesquisas resultaram numa dimensão amadora
do teatro, difundindo a prática de seminários e cursos, em que é possível viver um cotidiano
teatral, sem pensar necessariamente num resultado artístico; por outro lado, a prática do que
hoje é conhecido como treinamento teatral, tornava-se a “expressão de uma identidade
profissional diversa”:
(...) era a confirmação diária, humilde tangível, da decisão de devotar-se ao teatro,
através da busca por rigor e autodisciplina. Era a conquista pessoal do ator, do como
e do porquê fazer teatro. Forjou as ferramentas de sua independência, crescimento
pessoal e capacidade de resistir sob condições adversas. Encorajou cada ator a
praticar e defender a dissidência individual e artística. (BARBA, 2007, p. 35).
15
A necessidade de manter grupos que realizassem um trabalho sistemático e cotidiano
gerou intensas experiências grupais no âmbito das artes cênicas durante o século XX. A partir
do trabalho pioneiro dos “reformadores teatrais”, métodos e sistemas experimentais foram
criados, porém, o principal resultado destes, foi a consciência da necessidade da construção de
valores, de uma ética grupal e pessoal no trabalho teatral. Para a construção de valores e de
uma “identidade profissional diversa”, se fez necessária a recriação de vínculos entre aqueles
que faziam teatro, ou seja, uma nova lógica nas relações humanas: “a construção de um
mundo dentro do outro”. Experiências de afastamento e isolamento como as de Jacques
Copeau, Rudolf Laban, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba, entre outros, são exemplos da
busca de valores, da busca de uma ética no trabalho do ator através da criação de um espaço
coletivo “laboratorial”, no qual voltava-se o olhar para si mesmo.
Jacques Copeau realizou esta experiência na França, pela primeira vez em 1913,
quando levou um grupo de atores para sua casa de campo, para experimentar várias atividades
que, segundo ele, tinham como objetivo o “enriquecimento do ator”, como leituras, exercícios
físicos e estudo de textos dramáticos. Este encontro, focado na pedagogia do ator, deu início à
escola do Vieux-Colombier, fundada em Limon, neste mesmo ano.
Rudolf Laban transferiu sua escola de dança e arte para o Monte Verità, comunidade
fundada na Suíça, como veremos adiante, também em 1913, para tentar realizar uma
experiência de vida comunitária com seus alunos. No Monte Verità, segundo a teórica italiana
Eugenia Casini Ropa, a dança de Rudolf Laban, “de caráter livre e totalizante”, tornou-se a
expressão ideal daquele novo mundo que estava sendo criado:
A dança “livre” que ele buscava, em contraste com todos os estilos acadêmicos e
virtuosos, e em consonância com a intuição duncaniana, se definia como expressão
substancialmente individual: manifestação lírica exterior da riqueza interior e das
mais altas aspirações de cada um. Para permitir, portanto, a singular individualidade
em uma dança “coral” grande e perene aspiração de Laban no qual cada um,
conservando a plenitude da própria liberdade expressiva, vibrasse em uníssono com
o outro, era necessário uma prolongada experiência de vida comunitária.
afrontando e superando juntos, dia após dia, os problemas materiais e psicológicos
do grupo, dividindo privações e trabalhos, como também, aspirações e conquistas,
Laban pensava que o grupo poderia transformar-se no “tempo vibrante” da sua
utopia expressiva, uma comunidade que soubesse expressar dançando, em uma
16
espécie de oração vibrante, a quintessência da própria alma coletiva.
1
(ROPA, 1988,
p. 32-33).
Estas experiências, porém, não ocorreram somente no âmbito das artes cênicas, mas
fizeram parte de um “movimento” mais amplo que teve início no final do século XIX,
caracterizando-se pelo retorno à natureza e pela redescoberta do corpo humano através da
dança e do gesto.
A crescente industrialização da Europa no século XIX gerou uma crise na organização
social européia, principalmente na Alemanha. A fim de fugir da crise e da poluição das
grandes cidades, “cidades-jardins” foram criadas para que se pudesse viver em harmonia com
a natureza. Em torno deste novo modo de vida criou-se um movimento de Reforma da Vida
(Lebensreform), que buscava “a redescoberta e liberação do homem compreendido na sua
totalidade como corpo, alma e intelecto e das suas potencialidades físicas, psíquicas e
intelectuais ignoradas ou reprimidas”
2
(ROPA, 1988, p. 28).
Uma das experiências mais interessantes que ocorreram neste período foi a fundação
da comunidade Monte Verità, em Ascona, na Suíça. Em Monte Verità os princípios da
Lebensreform puderam ser colocados em prática: se plantava o próprio alimento, praticava-
se o naturismo, realizavam-se cantos e danças rituais resgatados das antigas tradições. Os
fundadores de Monte Verità, segundo Ropa (1988, p. 29),
(...) educavam os próprios organismos a ritmos biológicos primordiais, os
alimentavam só com produtos da terra, os expunham nu a luz, ao ar, ao calor,
os fortaleciam com exercícios físicos constantes, num esforço
autopedagógico que, através da revitalização do corpo, buscava a reconquista
de uma pureza do espírito própria da alegria de viver conscientemente de
acordo com a natureza e com a própria humanidade.
3
1
“La danza “libera” che egli ricercava, in contrasto con ogni accezione accademica e virtuosistica e in
consonanza con l’intuizione duncaniana, si definiva come espressione sostanzialmente individuale, lirica
manifestazione esteriore delle riccchezze interiori e delle più alte aspirazioni di ognuno. Per accordare quindi
le singole individualità in una danza “corale” grande e perene aspirazione di Laban in cui ciascuno, pur
conservando la pianezza della propria libertà espressiva, vivrasse all’unissono con gli altri, era necessaria una
prolungata esperienza di vita e di lavoro realmente comunitari. Solo affrontando e superando insieme giorno
per giorno i problemi materiali e psicologici del gruppo, dividendo privazioni e fatiche come aspirazioni e
soddisfazioni, Laban pensava che il gruppo avrebbe potuto trasformarsi nel “tempio vibrante” della sua
utopia espressiva, una comunità che sapesse esprimire danzando, in una sorta de vibrante preghiera, la
quintessenza della propria anima colletiva."
2
“la riscoperta e la liberazione dell’uomo inteso come totalità di corpo, anima e intelletto e delle sue
ignorate o represe potenzialità fisiche, psichiche e intellettuali.”
3
“educavano i propi organismi a ritmi biologici primigenii, li alimentavano dei soli prodotti della terra, li
esponevano nudi alla luce, all’aria, al calore, il trempavano con il constante esercizio físico, un sforzo
autopegagogico che, atraverso la rivitalizzacione del corpo, mirava alla riconquista di una virginità dello
17
A descoberta do Oriente como fonte de pesquisa de práticas corporais, filosofias e
religiões foi uma das características da comunidade. Além de Rudolf Laban, muitos artistas,
teóricos, pesquisadores passaram por lá, onde puderam desenvolver suas pesquisas e criações
artísticas como Hermman Hesse, Mary Wigman, Rudolf Steiner, Isadora Duncan, Otto Gross,
Emile Jacques-Dalcroze, entre outros.
Também em Ascona, em 1933, foi fundado o Círculo de Eranos por Olga Fröebe-
Kaptein. O Círculo teve orientação filosófica, por muitos anos, de Carl Gustav Jung, porém,
caracterizou-se por integrar pesquisadores de diversas áreas por várias gerações, que
realizaram conferências anuais até 1988.
O Círculo foi fundado inicialmente, com o objetivo de estabelecer uma aproximação
entre as culturas do ocidente e do oriente. A partir da colaboração de Jung, os estudo de
Eranos se orientaram, também, em direção à hermenêutica, resgatando a tradição hermético-
gnóstica, contrapondo-se, assim, ao positivismo agnóstico, dominante na cultura ocidental. A
busca em Eranos deu-se no sentido de estabelecer uma visão intermediária entre a razão e o
mito, adotando uma posição que busca a complementaridade dos opostos.
Nos últimos anos de Eranos, o antropólogo e simbólogo francês Gilbert Durand,
discípulo de Gaston Bachelard, teve grande importância na condução das pesquisas acerca do
imaginário simbólico. Na obra O Imaginário Simbólico, Durand identifica três formas de
tratamento da imagem simbólica desde o século XIII: a iconoclastia, as hermenêuticas
redutoras e as hermenêuticas instauradoras.
A iconoclastia, com origem no pensamento aristotélico, foi difundida pelo pensamento
cartesiano: “O cartesianismo assegura o triunfo do “signo” sobre o símbolo. A imaginação,
como, aliás, a sensação, é rejeitada por todos os cartesianos como a senhora do erro”
(DURAND, 1988, p. 25).
Foi a psicanálise e a psicologia social que, depois de séculos de repressão do
imaginário, restituíram a importância das imagens. Porém, segundo Durand, “essas doutrinas
descobrem a imaginação simbólica para tentar reduzir a simbolização a um simbolizado
sem mistério” (1988, p. 41); e, por isso, são denominadas por ele de “hermenêuticas
redutoras”. Sigmund Freud foi o principal responsável por restituir importância às imagens
simbólicas; porém, seu principal erro, segundo Durand (1988, p. 44), foi ter dado ao símbolo
spirito fautrice della gioia di vivere consapevolmente in acordo con la natura e con la propria umanità.”
18
uma causalidade única, a “libido imperialista”: “o símbolo sempre acabará reconduzido, em
última instância, à sexualidade imatura porque insatisfeita”.
As “hermenêuticas instauradoras” tiveram início com as pesquisas de Ernst Cassirer,
sendo aprofundadas e difundidas por diversos pesquisadores, como Bachelard, Levi-Strauss, e
os participantes de Eranos.
Estes movimentos de revitalização do corpo e instauradores da importância da função
do imaginário simbólico, localizados na Europa, estiveram ligados, também, a um processo de
resgate de um “sentido espiritual” nas artes no século XX.
Para o estudioso Eckhard Neumann (1986), esta busca por um sentido espiritual nas
artes, e na vida em geral, na primeira metade do século XX, se caracteriza como sintoma de
uma sociedade que se viu sem uma identidade espiritual sólida.
Para Jung, e os autores do Círculo de Eranos, a perda de identidade espiritual está
ligada a um longo processo de perda de sentido de imagens simbólicas e símbolos dogmáticos
no Ocidente. Este processo é descrito pelo autor no ensaio Sobre os arquétipos do
inconsciente coletivo, no qual discorre sobre a função do dogma e dos símbolos dogmáticos
na consolidação da consciência da humanidade. Segundo ele, os ensinamentos tribais
sagrados, “perigosos” por revelarem os “movimentos invisíveis da alma”, eram contentores de
sabedoria revelada, originalmente oculta, e exprimiam os “segredos da alma em imagens
magníficas”. Porém, quanto mais “belas, sublimes e abrangentes” estas imagens se tornaram
ao longo da história, mais afastaram o homem da experiência individual e direta. As fórmulas
religiosas, o dogma, pois, substituem a experiência direta das vivências anímicas da
“experiência de Deus”. A vida do inconsciente coletivo foi “canalizada para as idéias
dogmáticas de natureza arquetípica, fluindo como uma torrente controlada no simbolismo do
credo e do ritual”. (JUNG, 2003, p. 19).
Com a Reforma da Igreja Católica, porém, a sociedade ocidental cristã, antes protegida
contra as “coisas abissais da alma” pelas imagens e símbolos dogmáticos, começa a se ver
relegada a uma total falta de proteção. A iconoclastia da Reforma, segundo Jung, “abriu uma
fenda na muralha protetora das imagens”. Os muros, construídos contra os perigos do
inconsciente, desabam no momento em que os símbolos perdem a sua vitalidade. (JUNG,
2003, p. 24).
19
Para Neumann, esta falta de sentido para a existência humana gerada pela iconoclastia,
na contemporaneidade “só pode ser coberta de uma forma muito trabalhosa pela luta por
valores materiais ritualizada pela sociedade”
4
(NEUMANN, 1986, p. 94).
O mesmo havia dito o sociólogo francês Guy Debord na obra A Sociedade do
espetáculo, lançada em 1967 na França, em que faz uma análise da sociedade contemporânea
e de suas formas de relação com o mundo. O conceito de espetáculo, proposto por Debord,
não é um evento ou um acontecimento, mas uma lógica produzida e consolidada pelo sistema
atual de consumo, no qual a vida contemporânea é o próprio espetáculo, ou é passível de se
espetacularizar, ou seja, “é a afirmação da aparência”. O autor discute a inversão de valores
da sociedade contemporânea em relação ao sagrado e ao profano, a verdade e a ilusão, e
afirma que “tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD,
1997, p. 13).
Conforme Debord, o espetáculo aparece como mediador e norteador dos valores da
vida do homem contemporâneo, da mesma forma que o dogma foi, na história da
humanidade, um mediador do homem com seus processos anímicos inconscientes. O símbolo
dogmático que tinha a função de reconduzir o homem para “a experiência de Deus”, para a
vivência, não direta, mas intuitiva, de uma experiência transcendente, estaria sendo
substituído pelo dogma material, ou seja, a reconstrução material da ilusão religiosa”, que
reconduz a uma base puramente terrena.
Esta idéia também aparece em Frederic Jameson, quando ele afirma que, ao invés do
que previu Frederich Hegel, a dicotomia entre corpo e espírito, presente na figuração, não
acaba na pós-modernidade, no sentido da sublimação, mas num surpreendente arraigamento
na matéria: “a figuração, por assim dizer, se distrai de sua missão e destino últimos e se detém
ainda mais perigosamente na matéria e o corpo”
5
(JAMESON, 1999, p. 111).
Renato Barilli, teórico italiano que esforça-se para situar a experiência mística na pós-
modernidade, afirma que a epifania na contemporaneidade se em relação ao próprio
mundo, e não mais em relação a um princípio transcendente, gerando o que ele chama de
êxtase materialista. (BARILLI, 1981, p. 211).
4
“solo pude ser cubierta de una forma muy trabajosa por la lucha por los valores materiales ritualizados pela
sociedad”.
5
“la figuración, por así decirlo, se distrae de su misión y destino últimos y se atasca aún más peligrosamente
en la materia y el cuerpo.”
20
Este processo de perda das imagens simbólicas gerou um mal estar social que, segundo
Neumann, se reflete na imagem e função do artista no século XX. A negação do modo de vida
do século XIX, dos padrões pré-estabelecidos e o desejo de mudar o mundo, como vimos de
forma mais radical nos artistas da Lebensreform, ou mais sutil, mas não menos importante, no
momento em que os fazedores de teatro passam a assumir novos compromissos, éticos,
pedagógicos e espirituais, fez com que, segundo o autor, alguns artistas assumissem
compromisso com a “cura social”, principalmente na segunda metade do século XX.
O percurso de Grotowski “além do teatro” no anos 70, fez com que algumas vezes ele
fosse incluído num círculo de artistas que se autoproclamaram “arautos da salvação”, se
apoderando de mitos e rituais antigos e esquecidos, e utilizando-os com finalidade de “cura
social” contra os males do sistema capitalista e materialista. Conforme Neumann,
O surgimento de numerosas idéias pseudo antropológicas de “xamanismo” e os
experimentos de identificação e formação de ritos na arte dos primeiros anos setenta
não refletem as nostalgias deste “novos transcendentalistas”: são ao mesmo
tempo as causas de uma crescente autoridade do artista no papel de arauto da
salvação. Com curandeiro, xamã, mago e profeta, se converte em psicoterapeuta
artístico na sociedade. Sua crítica social, que diagnostica a carência de
espiritualidade elementar, cai no círculo vicioso do mágico secreto e oculto, e quer
sugerir imagens regressivas contrapostas como remédio dos erros do materialismo,
do positivismo e do racionalismo prático. (NEUMANN, 1986, p. 96).
Pois este foi o trabalho desenvolvido por Grotowski: a criação de um mundo
confinado, longe dos apelos do sistema; a pesquisa das fontes” das culturas não ocidentais,
dos rituais, dos mitos e das práticas arcaicas como a yoga. Além disso, Grotowski sempre
deixou claro que seu percurso no teatro tinha, sobretudo, uma dimensão espiritual. Mesmo na
sua fase teatral, afirmou, em declarações e conferências, que escolheu a arte, assim como
poderia ter escolhido outro meio, para chegar a uma dimensão espiritual. Porque se preocupar
com a arte, segundo ele: “é um amadurecimento, uma evolução, uma ascensão que nos torna
capazes de emergir da escuridão para uma luz fantástica”. (GROTOWSKI, 1987, p. 211).
Segundo ele, seu grupo não procurava criar espetáculos brilhantes, mas desenvolvia
“uma procura religiosa de valores” (GROTOWSKI apud ASLAN, 1994, p. 283). Para ele, a
construção da ética no trabalho artístico e cênico estava ligada com a busca e a revelação de
um princípio transcendente na arte, tendo como foco o próprio homem. A dimensão espiritual,
para Grotowski, não estava ligada a alguma religião ou a Deus. Para ele, que se dizia ateu, a
21
dimensão espiritual se revela no encontro entre os homens. No encontro profundo, no qual as
fronteiras entre um e outro deixam de existir.
Para Kumiega (1985, p. 99) “é opinião quase geral que o trabalho e pesquisa de
Grotowski possa ser definida como messiânica”
6
, pois em cada etapa da sua trajetória, ele
permaneceu convicto de que o teatro poderia mudar as pessoas.
1.2 OS ELOS DA CORRENTE DAS PERFOMING ARTS
Grotowski, apontado por De Marinis como um dos principais expoentes do “Novo
Teatro” e como o homem que tem uma das chaves para entender a revolução do teatro do
século XX, pesquisou profundamente a eficácia do teatro, não em relação aos espetadores,
mas principalmente, como trabalho sobre si mesmo.
A experiência teatral de Grotowski, porém, inicialmente não foi tão radical no que diz
respeito ao isolamento do mundo e a vida comunitária, como nas várias experiências do início
do século XX, citadas anteriormente. O Teatr-Laboratorium, inicialmente Teatr 13 Rzedow
(Teatro das Treze Filas), nasceu em 1959, em Opole, uma pequena cidade na região sudoeste
da Polônia. Apesar do trabalho realizado em Opole ter princípios rígidos e declarados,
conforme Eugenio Barba, os atores tinham uma relação profissional comum e pouco se
encontravam fora do horário de trabalho: não era nem um teatro de grupo e nem um teatro
rebelde”. Segundo ele, o Teatr 13 Rzedow,
Era conhecido como um teatrinho tradicional de província com atores díspares e
com um diretor artístico e outro literário que tinham acabado de se conhecer. Os
atores não eram personalidades extraordinárias, pensavam que na província obteriam
papéis importantes. (...) O Teatr 13 Rzedow compreendia, em miniatura, todas as
hierarquias e especializações dos grandes teatros. Havia técnicos, administradores,
secretarias e inclusive uma pessoa que ajudava aos atores a botar o figurino, e
quando acabava o espetáculo, cuidava dele. No total umas quinze pessoas.
7
(BARBA, 2000, p. 34).
6
“È opinione quase generale che il lavoro e la ricerca teatrale di Grotowski possono essere definiti
messianici.”
7
“Era conocido como un teatrito tradicional de provincia con atores dispares y con un director artístico y otro
literario que apenas se conocían. Los atores no eran personalidades extraordinarias; pensaban que en la
provincia obtendrían papeles importantes. (...) El Teatr 13 Rzedów comprendía, en miniatura, todas las
jerarquías y las especializaciones de los grandes teatros. Había técnicos, administradores, secretarias e
incluso una persona que ayudaba a los actores a ponerse el vestuario y, una vez terminado el espectáculo,
cuidaba de él. En total, unas quince personas.”
22
Experiências de isolamento, e em alguns casos, com um convívio mais intenso, foram
realizadas posteriormente, no período em que Grotowski não realizava espetáculos, ainda
na Polônia na década de setenta; nos EUA, na década de oitenta; e na Itália, na década de
noventa. Apesar disso, Grotowski referia-se ao seu teatro, mesmo na fase em que produzia
espetáculos, ainda em Opole e Wroclaw, como um ashram
8
- nas cartas enviadas por ele a
Eugenio Barba. Esta forma de denominar seu ambiente de trabalho e convívio com os atores
dá a entender que a pesquisa teatral tinha um duplo sentido.
Uma das formas que Grotowski costumava explicar este duplo sentido da pesquisa
teatral era afirmando que nas performing arts existe uma corrente formada por muitos elos: o
“elo visível”, que é o espetáculo, o “elo quase invisível”, formado pelos ensaios para o
espetáculo, e o “treinamento”, que não está ligado diretamente à cena. Estes dois elos, para
ele, estariam numa extremidade da corrente das performing arts. Na outra extremidade,
estaria uma forma de teatro muito antiga, que existiu no passado nos Mistérios, que não é
focada na percepção do espectador, mas na consciência proprioceptiva de quem o faz. Para
Grotowski, esta extremidade da corrente das performing arts se tornou seu objetivo final e seu
ponto de chegada depois de percorrer todas as etapas desde a outra extremidade da corrente.
A primeira extremidade desta corrente, ele denominou de Arte como Apresentação, e a
última, e para ele mais importante, de Arte como Veículo.
Seguindo as indicações deixadas pelo próprio Grotowski no texto A Arte como
Veículo”, bem como por Marco De Marinis e Zbgniew Osinski (em artigos da revista
mexicana Máscara, em número especial sobre Grotowski), além da bibliografia a respeito do
Teatr-Laboratorium, de Eugenio Barba a Jennifer Kumiega, pode-se identificar fases distintas
na trajetória de trabalho de Grotowski, ligadas diretamente às duas extremidades da corrente
das performing arts.
Apenas na primeira das etapas, conhecida como Arte como Apresentação ou Teatro
do Espetáculo, Grotowski realizou espetáculos. Neste período, que foi de 1957 a 1969,
Grotowski desenvolveu-se como diretor teatral, após sua formação na área de atuação e
direção na Universidade da Cracóvia. Depois de ter realizado alguns espetáculos, foi
convidado a fundar com Ludwick Flazsen, o Teatr 13- Rzedow em Opole, em 1959.
8
A palavra ashram deriva do sânscrito e, antigamente, era usada para designar os heremitérios hindus, que se
localizavam em ambientes naturais afastados, propícios à instrução espiritual. Atualmente, o termo ashram é
usado para designar uma comunidade formada com o intuito de promover a evolução espiritual dos seus
membros.
23
Posteriormente, o teatro passou a ser denominado Teatr-Laboratorium, evidenciando o caráter
de investigação, “de pesquisa no domínio da arte teatral”. Desenvolveu-se nesta etapa, todos
os princípios do que foi denominado “teatro pobre”: a eliminação de tudo que pudesse ser
supérfluo na cena, exaltando a relação do ator e do espectador; a pesquisa de um espaço
cênico adequado para cada espetáculo; a autonomia da cena em relação à matriz literária; a
dialética da adoração e da profanação em relação ao mito identificado nas obras dramáticas,
poéticas ou literárias. O tempo de preparação dos espetáculos no Teatr-Laboratorium, que em
Orfeu (1959) havia durado apenas três semanas, foi se tornando cada vez mais longo,
chegando a durar vários anos. Os últimos espetáculos, O Príncipe Constante (1965) e
Apocalypsis cum figuris (1969) não tiveram um longo tempo de preparação, mas
ganharam diferentes versões, conforme o desenvolvimento pessoal dos atores.
Neste período, o “trabalho sobre si mesmo” surgiu em forma de treinamento que
atendia as necessidades específicas de cada processo criativo, como no espetáculo Akropolis
(1962). Logo, o treinamento foi incorporado ao cotidiano do grupo, e denominado por
Grotowski de método da via negativa, no qual cada ator tinha uma seqüência própria de
exercícios com o objetivo de eliminar tudo o que o impedia de agir. Os objetivos, como o
desnudamento, o desvelamento, a auto-revelação, que se buscavam através do treinamento e
que deveriam explicitar-se no ato teatral, se estendiam também ao espectador. Ou seja, o
trabalho sobre si mesmo realizado pelo ator deveria também atingir o espectador, provocando
um expurgo coletivo.
Durante este período, Grotowski teve de transferir seu grupo da pequena Opole, para a
cidade universitária de Wroclaw, que tinha meio milhão de habitantes. Além de algumas
turnês pela própria Polônia, o grupo realizou poucas viagens internacionais e era
desconhecido no exterior. Somente em 1966, o espetáculo O Príncipe Constante, foi levado a
Oslo (Noruega) pelo Odin Teatret, de Eugenio Barba, que foi quem divulgou o trabalho de
Grotowski no exterior.
Após um período na Índia, em 1970, Grotowski decidiu não realizar mais espetáculos,
e iniciou uma fase que foi denominada de Parateatro, Teatro Participativo ou Cultura
Ativa, que foi até 1978. Em palestra no Brasil, neste período, em 1974, Grotowski afirmou
em relação ao período anterior: “Há muito tempo já, no nosso trabalho artístico propriamente
dito, nós não vínhamos mais procurando como representar, mas como renunciar à
24
representação” (GROTOWSKI, 1974 b). Nesta nova fase, dando continuidade a esta busca,
encontros eram organizados pelos integrantes do Teatr-Laboratorium em lugares isolados, e
conduzidos com o objetivo de aprofundar a vivência coletiva e possibilitar o reencontro
verdadeiro do indivíduo consigo mesmo e com o outro, livre dos papéis sociais. Para isso,
segundo De Marinis, Grotowski elaborou uma fórmula extraordinária, “desarmar-se
reciprocamente por completo”. Este período foi o único com efetiva participação de pessoas
externas ao grupo e de diferentes âmbitos e profissões. Esta fase foi provavelmente a mais
caótica e livre, apesar de haver uma direção no sentido de atingir os objetivos. Grotowski
referiu-se, posteriormente, a este período, como uma “sopa emotiva”, um momento impreciso
e confuso do Teatr-Laboratorium. Apesar de tudo, este período produziu resultados muito
interessantes no sentido das relações humanas, “verdadeiros milagres”, conforme afirmou De
Marinis em palestra na Universidade Estadual de Santa Catarina, em agosto de 2006.
Para que ocorresse este aprofundamento das relações e desvelamento recíproco dos
participantes, segundo De Marinis, existia uma “dramaturgia do encontro”. Os atores, ou ex-
atores, do Teatr-Laboratorium, guiavam os participantes e se utilizavam de material teatral
para proporcionar o “encontro” e, através dele, conhecer-se a si mesmo.
No final dos anos setenta e início dos anos oitenta, na fase denominada Teatro das
Fontes, a busca por técnicas de diversas tradições antigas indica um retorno aos interesses
antropológicos e histórico-religiosos, que Grotowski nutria desde a infância incentivado por
sua mãe e irmão. Neste período Grotowski viajou a diversas partes do mundo pesquisando
rituais de transe e possessão, não com o objetivo de realizar um intercâmbio entre as culturas,
mas para buscar o que havia de unitário, de comum nas origens destas técnicas. Esteve no
Haiti, no México, na Nigéria, na Índia, no Japão, entre outros países. Esta pesquisa, depois,
foi aprofundada por Eugenio Barba, que a denominou de Antropologia Teatral.
Grotowski, segundo De Marinis, retomou a idéia de trabalho sobre si mesmo
desenvolvida por Stanislavski, mas que não visava a criação espetacular. Ao contrário do
período anterior, em que a intercomunicação era o objetivo principal, o trabalho nesta fase é
solitário e individual. As técnicas pesquisadas por Grotowski em suas viagens, estavam
focadas naquilo que o ator, ou performer, “pode fazer na sua solidão”, e estavam centradas
principalmente na respiração.
25
Este período teve um fim dramático com o golpe na Polônia, no qual foi implantada a
Lei Marcial pelo governo em 1982. Grotowski, com medo de ser preso e morto pelo regime,
como aconteceu com milhares de artistas, se viu obrigado a abandonar a Polônia, e após um
período no Odin Teatret, na Dinamarca, e também na Itália e Haiti, refugiou-se nos EUA,
onde realizou uma pesquisa na Universidade de Irvigne (Califórnia), denominada de Drama
Objetivo, e considerada por Osisnki uma transição para a próxima fase. Segundo Grotowski,
o Drama Objetivo tinha como meta “reevocar uma forma de arte muito antiga, quando o ritual
e a criação artística eram a mesma coisa”
9
. (GROTOWSKI apud OSINSKI, 1993, p. 97).
Conforme Osinski (1993), o Drama Objetivo foi realizado em três categorias de
“workshops” ou grupos de trabalho: o primeiro era fechado e destinado apenas a estudantes
da Faculdade de Teatro da Universidade de Irvigne, e a artistas de teatro interessados no
trabalho; o segundo, era uma extensão dos cursos universitários; e o terceiro, “workshops
públicos”, que reuniam os participantes dos primeiros grupos, especialistas em diversas áreas
das ciências sociais e participantes em geral.
Grotowski contava com alguns instrutores-assistentes, que tinham experiência em
canto, dança, ritmo e movimento. Segundo Osinski (1993, p. 99), “cada um tinha algumas
experiências interculturais que permitia fazer pontes entre a cultura antiga e a nossa, entre a
tradicional e a contemporânea”
10
. Eles trabalhavam como instrutores nos workshops e como
atores principais nas performances que realizavam nos cursos.
A experiência de trabalhar com pessoas de diversas culturas, com as características
descritas por Osinski, ou seja, a capacidade de fazer pontes, do trabalho realizado por eles,
com a tradição, se mantém permanentemente no trabalho realizado por Grotowski. É nessa
época que Grotowski inicia sua parceria com Thomas Richards, que era aluno dos workshops,
e de descendência jamaicana.
De volta à Itália, na Toscana, Grotowski inicia a última fase do seu trabalho
denominada Artes Rituais ou Arte como Veículo. Em 1986, na cidade de Pontedera,
Grotowski funda The Workcenter of Jerzy Grotowski, incentivado pelo Centro per la
Sperimentazione a la Ricerca Teatrale, dirigido por Roberto Bacci e Carla Pollastrelli.
9
“Revocar una forma de arte muy antigua, cuando el ritual y la creación artística eran la misma cosa.”
10
“Cada uno tenía algunas experiencias interculturales que permitía echar puntes entre la cultura antigua y la
nuestra, entre la tradicional y la contemporánea.”
26
Neste período Grotowski inicia sua fase mais ermitã. Em Pontedera, a experiência de
isolamento é levada à radicalidade, pois, não o trabalho possui princípios rígidos, mas a
vida cotidiana ganha características comunitárias e quase monásticas.
Segundo a descrição de Osinski (1993), que pôde testemunhar as atividades, os grupos
de trabalho eram compostos de vinte pessoas. As condições de trabalho eram muito simples e
os custos eram pagos pelos próprios participantes. A maioria das pessoas era jovem e nunca
tinha trabalhado com Grotowski, anteriormente. O trabalho acontecia seis dias por semana, de
dez a dezesseis horas por dia, em grupos menores, guiados por Maud Robert e Thomas
Richards. Grotowski interferia pouco no trabalho com os grupos, trabalhava diretamente
apenas com os condutores, Robert e Richards. O treinamento físico constituía a parte
constante do programa de trabalho. Dentro da sala de trabalho, cada um dos participantes
executava diariamente, nove exercícios. Eram exercícios particulares de cada um, conforme a
necessidade de cada participante para vencer seus bloqueios e limitações psicofísicas. Além
dos nove exercícios, cada participante trabalhava sobre uma dança própria.
No final do dia, ao ar livre, realizava-se durante uma hora o que era denominado
Motion: uma série complexa de posições e estiramentos do corpo. Estas posições estavam
orientadas sempre para os seis pontos cardeais: leste, oeste, norte, sul, zênite e nadir. Os olhos
devem ser mantidos sempre bem abertos, fixados no horizonte. Conforme Osinski, se
trabalhava muito sobre os detalhes em todos os exercícios executados durante o dia de
trabalho, e procurava-se a máxima precisão na execução de cada movimento.
As últimas etapas das pesquisas de Grotowski colocam em evidência a tendência de
deslocar-se do campo da representação em direção a uma experiência, que apesar de localizar-
se no campo das performing arts, possuía um caráter ritualístico.
O interesse de Grotowski pelo ritual e por outras culturas, não foi exclusivo ao período
do Teatro das Fontes. Neste período seu interesse se tornou mais explícito, pois empreendeu
diversas expedições investigativas “naqueles lugares do globo terrestre onde seguem ainda
vivos os ritos arcaicos”
11
(OSINSKI, 1993, p. 96). Nas diferentes etapas do seu percurso,
Grotowski buscou inspiração dentro e fora do âmbito das artes. A aproximação com o oriente
foi uma forte característica do seu percurso pessoal e profissional. A filosofia budista, a Ópera
11
“en aquellos lugares del globo terrestre donde siguen todavía vivos los ritos arcaicos”.
27
de Pequim, o Kathakali, mas principalmente a tradição yogui tântrica indiana, marcaram
profundamente a prática e os objetivos do trabalho de Grotowski.
Por outro lado, suas principais referências teatrais ocidentais, segundo De Marinis, são
Stanislavski, cuja obra teve contato em Moscow em 1956, e a Reduta, uma instituição teatral
polonesa que funcionou em caráter de associação entre as duas guerras mundiais, sob a
direção de Juliuz Osterwa e de Mieczyslaw Limanowski.
De Stanislavski, Grotowski herdou a tradição técnica, o exemplo do experimentador
incansável que, como verdadeiro ‘cientista’ teatral, se esforça em pensar sobre a base do
prático e concreto, disposto sempre a abrir o debate, com coragem e honestidade, sobre seu
trabalho precedente”
12
(DE MARINIS, 1987, p. 103). Esta forma de trabalhar influenciou
Grotowski na idéia da criação de um teatro laboratório, de um teatro de pesquisa que está
permanentemente sendo questionado e reformulado.
A tradição ética do trabalho de Grotowski teve influência da Reduta, que era ao
mesmo tempo um teatro e uma escola para atores: “durante alguns períodos, a escola se
organizou como uma comunidade em que mestres e discípulos viviam de acordo com uma
disciplina quase monástica, cultivando uma investigação mais ética do que
tecnoprofissional”
13
(DE MARINIS, 1987, p. 102).
Jenifer Kumiega (1989, p. 85) afirma que a ética, “ou a atitude com a qual vem-se a
descobrir, verificar e realizar é de extrema importância para aqueles que pretendem apanhar a
essência do trabalho de Grotowski”
14
, e ressalta o repúdio de Grotowski ao desenvolvimento
de um método rígido e permanente: “não existe um método universal, que venha de encontro
com a exigência de todos”. Para Kumiega, se é que se pode falar em “método Grotowski”, ele
era composto de duas partes: técnica e ética. A técnica, parte mínima do método, é o que
produz o resultado verificável, a ética, porém, é a “guia do uso da técnica”. Mais importante
do que a técnica do Teatro Laboratório, para ela, era a existência de um “núcleo ético sempre
em evolução”.
12
“experimentador inagotable que, como verdadero “científico” teatral, se esfuerza em pensar sólo sobre la
base de lo práctico y lo concreto, dispuesto siempre a abrir el debate, con coraje y honestidad, sobre su labor
precedente”.
13
“durante algunos períodos, la escuela se organizó como una comunidad em la que que maestros y discípulos
vivían de acuerdo con una disciplina casi monástica, cultivando una investigación más ética que
tecnoprofissional”.
14
“ovvero l'atteggiamento con cui queste vengono scopere, verificate e realizzate, ad assere di primaria
importanza per coloro che intendono afferrare l'esenza dell'aproccio e del lavoro di Grotowski.”
28
O fortalecimento deste modo de viver o teatro, seguindo estas duas tradições, resultou
na diminuição na freqüência de produção de espetáculos no Teatr-Laboratorium. Grotowski
institui, assim, desenvolvendo a herança de Stanislavski, a importância da pesquisa no teatro:
a pesquisa que extrapola a técnica, que exige autodisciplina, autodeterminação, a quebra de
paradigmas e a construção de novos valores.
Grotowski, em 1968, se referiu ao teatro como uma “missão moral e social centrada
sobre um núcleo de valores intelectuais, dedicada ao progresso e sustentação de uma nova
ética, laica e racional”
15
(GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1985, p. 99).
Porém, apesar disso, em 1974, Grotowski tinha clareza de que não era diretamente
através da arte que poderia mudar o mundo.
Em que medida podemos mudar a vida, eis a questão.
É uma questão de eficiência; e se pudermos mudar a vida de um modo geral,
devemos faze-lo. Mas não se consegue fazê-lo através da arte.
De qualquer maneira, existe a questão de saber até que ponto se pode, ao mudar a
vida, mudá-la para melhor.
No entanto, dentro de cada um de nós existe a esperança e a vontade de faze-lo, mas
é essencial sabermos que não é através da cultura que se realiza isso, quero dizer,
não através de um caminho tão indireto como é o da cultura.
Através da cultura, é verdade, pode-se falar a propósito das modificações do mundo.
Através da criação pode-se falar como mudar a vida, as estruturas, as civilizações,
como tornar o mundo melhor. Mas “falar a respeito” não modifica nada. Lamento.
(GROTOWSKI, 1974 b).
No seu trabalho, “os meios” foram gradativamente se tornando “os fins”. Em um
primeiro momento, o resgate do imaginário simbólico, de mitos fundamentais da cultura
polonesa, tinha finalidade de promover o questionamento e a profanação dos conteúdos
simbólicos vitais daquela cultura, através da própria história pessoal e social de atores e
espectadores, buscando a transformação de ambos. Em um segundo momento, a utilização de
rituais arcaicos e técnicas orientais de respiração, por exemplo, tinham o objetivo de
proporcionar o autoconhecimento do ator, através da disciplina e da autodeterminação. Por
fim, o abandono do espetáculo, para ele significava um rompimento com a lógica do mercado,
que exigia a produção constante de novas obras, e a quebra com a representação e a
espetacularização da vida. Ele queria apenas um lugar para conhecer-se a si mesmo e
encontrar o outro:
15
“missione morale e sociale imperniata su un nucleo di valori intellettuali, dedicata al progresso e sostenitrice
di una nuova etica, laica e razionale”.
29
Apesar de todos os nossos condicionamentos, o que mais nos distingue são as
maneiras de representar na vida real. Se pararmos a representação, o que é bem
difícil e raro nos tempos que correm, teremos superado as diferenças.
Estaremos ainda condicionados pela história, pelas nossas feridas, pelos nossos
medos, pelas nossas esperanças. Mas, apesar de tudo isso, seremos semelhantes.
Acontece que toda a civilização é uma grande formação de representações (e uso
aqui o verbo representar no sentido inglês de to act,, to perform). (GROTOWSKI,
1974 b).
Esta decisão criou uma aura mítica em torno do seu trabalho e da sua pessoa, e faz com
que ele seja uma forte referência na história do teatro no século XX. Porém, não são seus
espetáculos que continuam tocando aqueles que fazem teatro, mas sim o fato de, no auge de
sua carreira, ter tido a coragem de se perguntar se o teatro ainda era necessário para ele, se era
eficaz na realização dos seus objetivos; e ter decidido abandoná-lo enquanto espetáculo. Esta,
pois, é a provocação que se mantém viva. Para Barba:
A conversão do Teatro 13 Rzedow em Teatr-Laboratorium é um exemplo de um
teatrinho que começa como uma vanguarda artístico-literária e termina encarnando
um processo criativo que é uma tomada de posição artística, política e espiritual.
16
(BARBA, 2000, p. 35).
Zbgniew Osinski chama a atenção para o fato de que, apesar de Grotowski ser
conhecido como homem de teatro, esteve em seus últimos trinta anos de vida pesquisando o
trabalho do ator sem a realização de espetáculos. O mistério que se criou em torno do seu
trabalho, se deve a estes trinta anos de investigação, nos quais poucas pessoas tiveram o
privilégio de ser convidadas a conhecer os resultados do trabalho.
A radicalidade da experiência teatral de Grotowski está na dimensão que o trabalho
ganhou na sua própria vida e na vida dos participantes daquela experiência. No Teatr-
Laboratorium criou-se um cotidiano especificamente teatral, não voltado ao desenvolvimento
de técnicas interpretativas e representacionais, mas à criação de um espaço de essencialização
do ato teatral, entendido como fenômeno da presença. Este princípio tornou-se tão
predominante que o espetáculo deixa de ser necessário. Permanece o teatro como espaço de
autoconhecimento. Para Barba (2000, p. 34), referindo-se ao século XX, “a transformação
16
“La conversión del Teatr 13 Rzedów en el Teatr-Laboratorium es el ejemplo de un teatrito que empieza
como una vanguardia artístico-literaria y termina encarnando un proceso creativo que es una toma de
posición artística, política y espiritual.”
30
deste teatro de província e um conjunto cuja intransigência artística será a semente de uma
profunda regeneração de nossa arte é um dos episódios mais emblemáticos do nosso século”
17
.
1.3 GROTOWSKI E A MEMÓRIA SOCIAL DA POLÔNIA
Apesar do trabalho de Grotowski estar situado como um dos expoentes do novo
teatro”, De Marinis afirma que ele “ocupa uma posição muito singular, mais uma vez anômala
e contra-corrente, entre a vanguarda e a tradição”
18
, pois “mostra nexos muito mais estreitos
com a tradição e com o passado, em particular polaco, do que com a cultura das vanguardas
européias”
19
. (DE MARINIS, 1987, p. 100).
Para Osinski (1993), Grotowski “nunca foi em essência um artista moderno”, pois
como pesquisador e artista, nas diferentes etapas de seu percurso, buscou “as leis imutáveis,
as formas eternas do mundo”, aquilo que era unitário nas culturas. Conforme Flaszen, o que o
Teatr-Laboratorium realizava era mais coerente com a “retaguarda”, do que com a vanguarda:
Nossa atividade pode ser compreendida como uma tentativa de restituição dos
valores arcaicos do teatro. Não somos modernos, pelo contrário, somos totalmente
tradicionais. (...) Acontece assim, que o mais surpreendente sejam as coisas que
alguma vez existiram. E estas nos surpreendem, pela novidade, tanto mais forte,
quanto mais profundo seja o poço do tempo que nos separa delas.
20
(FLASZEN apud
OSINSKI, 1993, p. 112).
Grotowski relaciona-se com o passado realizando o que Durand denomina de
“comparativismo sincrônico” (GARAGALZA, 1990, p. 98), pois sua busca não se dirige na
direção de “descobrir” ou inventar algo novo, nem de resgatar com fidelidade histórica um
tema do passado. Sua pesquisa está direcionada para “o jogo dos eternos retornos”, ou seja,
17
La transformación de este teatro de província e un conjunto cuya intransigencia artística será la semilla de
una profunda regeración de nuestro arte es uno de los episodios más emblemáticos de nuestro siglo.”
18
“ocupa una posición muy singular, una vez más anómala y contra la corriente, entre la vanguardia y la
tradición”.
19
“muestra, sin embargo, nexos más estrechos con la tradición y con el passado, en particular polacos, que con
la cultura de las vanguardias europeas”.
20
“Nuestra actividade puede ser comprendida como un intento de restitución de los valores arcaicos del teatro.
No somos modernos, por el contrario, somo totalmente tradicionales. (...) Sucede así que lo más sorprendente
sean las cosas que alguna vez existieron. Y éstas nos golpen por la novedad tanto más fuerte cuanto más
profondo sea el pozo del tiempo que de ellas nos separa.”
31
para tudo aquilo que ressurge do passado e tem força e vitalidade no imaginário simbólico de
um povo, de uma cultura, no caso, especificamente a polonesa, no presente.
Grotowski considerava-se produto da sua tradição:
Penso que a cada momento em que não mentimos para nós mesmos, retomamos
contato com esta tradição. Não adianta, porém, buscar um contato consciente. A
tradição age de modo real quando é como o ar que se respira - sem pensar nele. Se
alguém deve forçar-se, fazer esforços compulsivos para aferrar-se a ela, mostrá-la
com ostentação - isso significa simplesmente que essa tradição já não está viva nele.
Ora o que não é vivo em nós não vale um ato, pois este não será verdadeiro.
(GROTOWSKI, 1974).
A mais importante tradição com a qual Grotowski teve um contato profundo e
constante no período em que realizou espetáculos, segundo De Marinis, foi o drama
romântico polaco, com autores como Adam Mickiewicz (1798-1855), Stanislaw Wyspianski
(1869-1907), e Juliusz Slowacki (1809-1849), os mais importantes artistas do romantismo
polonês.
A escolha pela dramaturgia polaca do século XIX, obviamente, não se deu por acaso,
mas pela identificação com aquela forma de “sentir o mundo”, que produziu posteriormente,
como apontou o crítico polonês Konstanty Puzyna, uma semelhança com os modos de
representar nos seus espetáculos:
(...) tanto nos dramas polacos do século XIX como nos espetáculos de Grotowski se
avança mediante mudanças bruscas, contrastes violentos, verdadeira contraposição
de contrários no melhor estilo barroco: sublime/ ridículo, bondade/ crueldade, dotes
visionários/ realismo, apoteose/ burla (...).
21
(DE MARINIS, 1987, p. 102).
A escolha dos textos no Teatro Laboratório procurava satisfazer a busca por conteúdos
simbólicos significativos na cultura polonesa, ou seja, os arquétipos e temas míticos
fundamentais capazes de estabelecer associações psicofísicas nos atores e espectadores. Os
textos eram remodelados de acordo com a identificação e a exaltação do mito fundamental
presente na dramaturgia. Porém, apesar da manipulação e aparente dessacralização dos textos
da dramaturgia romântica polaca, De Marinis concorda com Puzyna que observa que as
21
“tanto em los dramas polacos del siglo XIX como em los espetáculos de Grotowski se avanza mediante
cambios bruscos, contrastes violentos, verdadera contraposición de contrarios en el mejor estilo barroco:
sublime/ridículo, bondad/crueldad, dotes visionarias, apoteosis/burla (...).”
32
versões dirigidas por Grotowski respeitam a Weltanschauung
22
daquelas obras, o que, como
veremos adiante, nos revela o envolvimento de Grotowski com a resistência cultural ao
massacre do imaginário simbólico polonês ao longo da história da Polônia.
O Romantismo foi um movimento artístico e filosófico que surgiu, no final do século
XVIII na Europa, como uma resistência ao racionalismo clássico e neoclássico, rejeitando
seus preceitos de ordem, equilíbrio e idealização. O início do Romantismo foi marcado por
um forte nacionalismo, que a Europa passava por grandes revoluções que marcavam o fim
dos governos despóticos e o início do liberalismo político com a consolidação dos estados
nacionais.
Na Polônia, o movimento romântico fez nascer grandes heróis nacionais. Além das
inúmeras invasões e desmembramentos, que marcaram profundamente a história e a cultura
polonesa, o século XIX foi um momento de inúmeras desilusões políticas para o povo
polonês que culminou com o exílio de intelectuais e artistas em vários países da Europa,
dentre eles, Frédéric Chopin (1810-1849), Slowacki, Wyspiánski e Mickiewcz, que se tornou
um herói do nacionalismo polonês.
O movimento romântico dos artistas poloneses foi intensificado por um sentimento de
nostalgia nacionalista dos exilados, que encontravam nos símbolos e dramas nacionais, na
tradição folclórica polaca e na alma popular, os temas e meio de expressão do nacionalismo,
por uma pátria que nunca existiu.
Este espírito revolucionário e ao mesmo tempo nostálgico parece ter sido a forma de
“sentir o mundo” romântica com a qual identificava-se Grotowski, afinal na metade do século
XX, depois de duas grandes guerras mundiais que devastaram o país e sob o comando russo, a
Polônia não vivia uma situação muito diversa do que a realidade dos artistas do século
anterior. Segundo Eugenio Barba, Grotowski sabia de memória fragmentos das obras
românticas nacionalistas e constantemente descrevia a insurreição contra os russos e o exílio
dos intelectuais:
Estava obcecado pela Polônia, mas seu patriotismo não era nacionalismo, era
orgulho dos artistas que não haviam se deixado quebrar nem submeter. Passava
horas inteiras explicando-me episódios da história e literatura polacas. Estava
22
Concepção de mundo.
33
apaixonado pelos grandes autores românticos Slowacki, Norwid e sobre tudo
Mickiewicz.
23
(BARBA, 2000, p. 54).
Se em toda a Europa o depauperamento dos símbolos dogmáticos na Reforma e
Contra-Reforma, como afirma Jung, provocou uma sensação coletiva de desgarramento, na
Polônia, tornou-se ao longo do tempo, não uma sensação, mas uma situação real. Pois tão ou
mais grave do que as invasões, os desmembramentos e as mortes em massa foi o massacre do
imaginário simbólico da cultura polonesa. Para entendermos isso, não é necessário descrever
toda a história da Polônia, basta tomarmos como exemplo, o passado recente, no qual esteve
inserido Grotowski.
Na Segunda Guerra Mundial, a Polônia sofreu um duplo ataque, após um Pacto de
Não-Agressão assinado entre Alemanha e União Soviética, que pretendiam dividir o território
polonês. Entre 1939 e 1945 foram mortos cerca de seis milhões de poloneses e mais de
quinhentos mil foram deportados para a Sibéria, entre eles, funcionários públicos, nobreza e
padres. Com o fim da Segunda Guerra, a Polônia ficou sob forte controle da União Soviética
até 1981, num regime totalitário que usava de todos os artifícios para se manter no poder. E o
principal deles, segundo o polonês Bronislaw Bacsko, foi a manipulação da memória coletiva:
Tanto na ficção como na realidade, a intenção totalitária é fundamentalmente a
mesma: garantir ao poder o controle das mentalidades, e muito particularmente, da
memória coletiva considerada como uma peça mestra. As técnicas desse controle são
essencialmente as mesmas: rigorosa censura de qualquer informação sobre o passado;
supressão de certos fatos históricos, fabricação de “fatos” novos; permanente
atualização das representações do passado em função das necessidades políticas e
ideológicas do presente; fabricação de novas mitologias históricas, fabricação do
carisma do “chefe”, etc.
24
(BACSKO, 1991, p. 159).
23
“Estaba obsesionado por Polônia, pero su patriotismo no era nacionalismo, era orgullo hacia los artistas que
no habían dejado quebrar ni someter. Se pasaba horas enteras explicándome episodios de la historia y la
literatura polacas. Estaba enamorado de los grandes autores románticos Slowaki, Norwid y sobre todo
Mickiewiz.”
24
“Tanto en la ficción como en la realidad, la intención totalitaria es fundamentalmente la misma: garantizar al
poder el control de las mentalidades, y, muy particularmente, de la memoria colectiva considerada como una
pieza miestra. Las técnicas de ese control son esencialmente las mismas: rigurosa censura de cualquier
información sobre el pasado; supresión de ciertos hechos históricos, fabricación de “hechos” nuevos;
permanente actualización de las representaciones del pasado en función de las necesidades políticas e
ideológicas del presente; fabricación de nuevas mitologías históricas, fabricación del carisma del “jefe”,
etcétera.”
34
Segundo Bacsko, desde 1944, a “propaganda” comunista tratava de legitimar, por meio
da construção de um passado fictício, as relações entre a Polônia e a União Soviética, ou seja,
“relação de dependência política, militar e econômica que a propaganda exaltava como uma
aliança livre, fundada na amizade entre os povos, como a única garantia real da independência
da Polônia, de sua gloriosa marcha até o socialismo, (...)”
25
(BACSKO, 1991, p. 162).
Esta operação da propaganda comunista queria garantir na história polaca, como
afirma o autor, “uma estranha coerência”. Mas esta coerência só poderia ser imposta às custas
da amputação de enormes pedaços do passado polonês.
Na história das relações entre a Polônia e a União Soviética, divulgada pela
“propaganda” comunista, o fim do século XVIII e todo o século XIX formam um período
duvidoso:
(...), é o período das divisões da Polônia, quando a Rússia levou a melhor parte, das
insurreições nacionais de 1794, 1830 e 1863, contra a ocupação russa; é também a
época da grande literatura romântica que consolidou a consciência, assim como toda
uma mitologia nacional. Em um país privado de sua independência, que não
dispunha nem de estruturas estatísticas nem de ensino nacional, corresponde a
literatura e a memória coletiva alimentando-se mutuamente, ao lado da religião,
garantir a identidade nacional.
26
(BACSKO, 1991, p. 163).
A propaganda russa buscava reforçar toda a tradição anticlerical e anticatólica do
passado polaco, pois não o drama romântico representava um ponto de resistência da
cultura polonesa contra a dominação russa, mas também a Igreja Católica, presente na
Polônia desde o ano de 966.
Mas sobre tudo a Igreja, apesar dos ataques lançados contra ela, conservou sua
independência e sua enorme influência. (...) representava também um território de
memória livre, que escapava ao domínio totalitário, de uma memória e de uma
tradição vivas, arraigadas na fé, conservadas e reproduzidas pormbolos e práticas,
25
“relación de dependencia política, militar y económica que la propaganda exaltaba como una alianza libre,
fundada en la amistad entre los pueblos, como única garantía real de la independencia de Polonia, de su
gloriosa marcha hacia el socialismo, (...)”.
26
“es el período de las divisiones de Polonia, cuando Rusia se llevó la mejor parte, el de las insurrecciones
nacionales de 1794, 1830, y 1863, contra la ocupación rusa; es también la época de la gran literatura
romántica que consolidó la consciencia así como toda la mitología nacional. En un país privado de su
independencia, que no disponía ni de estructuras estadistas ni de enseñanza nacional, les corresponde a la
literatura y a la memoria colectiva alimentándose mutuamente, al lado de la religión, garantizar la identidad
nacional.”
35
como por exemplo, as peregrinações da Virgem Negra de Czenstochowa ou os
velhos cantos religiosos e patrióticos ao mesmo tempo.
27
(BACSKO, 1991, p. 164).
Por entender a força da Igreja Católica na cultura polonesa, porém, o Partido procurava
manter uma boa relação com a religião:
Na Polônia socialista se podia ser religioso, professar livremente a própria fé,
freqüentar as onipresentes igrejas e paróquias. O regime havia conseguido encontrar
um modus vivendi com a potente Igreja católica, e os intelectuais e escritores
católicos publicavam uma revista que estava entre as melhores daquela época. Mas
ser definido como “místico” ou “idealista” significava que o regime te considerava
seu opositor.
28
(BARBA, 2000, p. 51).
O que ainda geravam mais problemas com a censura e o controle soviéticos, eram as
marcas do nacionalismo romântico, como o misticismo e o idealismo, ambas características
fortes dos autores românticos da Polônia.
Na segunda metade do século XX, os diversos conflitos que ocorreram na Polônia,
como a brutal repressão das greves em Gdansk, a criação do sindicato independente
Solidariedade, os movimentos estudantis, e o Outubro Polaco, segundo Bacsko, tiveram como
objetivo “a reconquista de um espaço simbólico e a reconquista do direito ao passado” do
povo polonês.
Foi neste período que o teatro começou a ressurgir também como um espaço de
liberdade na Polônia. Conforme Kumiega, o período que vai de 1939 a 1956, foi de total
estagnação no mundo teatral polonês. Além do fechamento dos teatros durante a guerra, e dos
inúmeros artistas mortos ou presos, nos anos pós-guerra, houve, por parte do regime
socialista, a implantação do Realismo Socialista como estilo oficial do regime. Esta
imposição, aliada a uma política administrativa centralizada, acabou por destruir “cada forma
de autonomia criativa, componente essencial para um teatro de valor”
29
. (KUMIEGA, 1989,
27
“Pero sobre todo la Iglesia, a pesar de los ataques lanzados contra ella, conservó a la vez su independencia y
su enorme influencia. (...) representaba también un territorio de una memoria libre, que escapaba al dominio
totalitário, de una memoria y de una tradición vivas, arraigadas en la fe, conservadas y reproducidas por
símbolos y prácticas, como por ejemplo, las peregrinaciones de la Virgen Negra de Czenstochowa o los
viejos cantos religiosos y patrióticos a la vez.”
28
“En la Polonia socialista se podia ser religioso, profesar libremnete la propria fé, frecuentar las omnipresentes
Iglesias y parroquias. El régimen había logrado encontrar un modus vinedi con la potente Iglesia católica, y
los intelectuales y escritores católicos pulicaban uma revista que estaba entre las mejores de aquella época.
Pero ser definido como “místico” o “idealista” significava que el régimen te considerava su opositor.”
29
“ogni forma di autonomia creativa, componente essenziale per un teatro di valore.”
36
p. 19). Porém, depois da metade dos anos cinqüenta, com a flexibilização das restrições do
regime, e a tendência à descentralização do poder, o teatro ganhou nova vida na Polônia. Os
diretores dos principais teatros poloneses passaram a ter oportunidade de experimentar um
estilo próprio. Segundo Kumiega, apesar da difusão das tendências das vanguardas teatrais
ocidentais terem ocorrido com as políticas de abertura do regime, elas trouxeram pouca
contribuição artística para o teatro polaco, que vieram reforçar sua tradição, como o
movimento do teatro do absurdo, por exemplo, que existia na Polônia, com os autores
Stanislaw Ignacy Wietkiewicz (1885-1939) e Witold Gombrowicz (1905-1969). Este
momento de maior liberdade artística, porém, tornou possível o tipo de pesquisa totalmente
personalizada que Grotowski realizou no seu teatro.
Com o objetivo de “testar” valores tradicionais da cultura polonesa, Grotowski
realizou um trabalho de intervenção nos textos nunca antes visto na história do teatro. Na
primeira metade do século, Stanislavski havia experimentado mudar o sentido de uma obra
dramática através da interpretação particular do texto, e Meyerhold, através da reestruturação
do texto, realizou quebras nas seqüências das cenas e produção de simultaneidades.
Grotowski, porém, como veremos mas detalhadamente no próximo capítulo, “triturou” e
remodelou os textos conforme as exigências estabelecidas pelo trabalho do ator.
Após um breve período em que trabalhou com alguns textos da vanguarda européia,
como As Cadeiras, de Ionesco, Grotowski buscou nos clássicos os temas e os conteúdos que
fossem vivos na sua cultura, conforme Barba: Grotowski afrontou os clássicos, com a
persistente convicção de que contém um arquétipo, uma situação fundamental da condição
humana”
30
. (BARBA, 2000, p. 44). Os conteúdos míticos, segundo Grotowski, deveriam
funcionar como o elo de ligação entre os participantes do ato teatral:
Para que o espectador seja estimulado a uma auto-análise, quando confrontado com
o ator, deve existir algo em comum a ligá-los, algo que possa ser desmanchado com
um gesto, ou mantido com adoração. Portanto, o teatro deve atacar o que se chama
de complexos coletivos da sociedade, o núcleo do subconsciente coletivo, ou talvez
do superconsciente (não importa como seja chamado) aqueles mitos que não
constituem invenções da mente, mas que são, por assim dizer, herdados através de
um sangue, uma religião, uma cultura e um clima. (GROTOWSKI, 1987, p. 36).
30
“Grotowski afrontó los clásicos con la terca convicción de que contienen un arquetipo, una situación
fundamental de la condición humana.”
37
Grotowski buscou as fontes da tradição mítica polonesa justamente nos grandes
representantes da resistência ao massacre do imaginário simbólico e da memória social da
Polônia: o drama romântico do século XIX e a tradição cristã, que o totalitarismo soviético
tentava apagar.
Na tradição cristã Grotowski buscou inspiração para a nomenclatura com a qual
nomeava seu trabalho, como ator-santo, profanação, confissão, expiação, redenção,
comunhão, transiluminação. Para o teórico Christopher Innes, é natural que um teatro que
rejeitasse a sociedade do século XX, materialista e racionalista, buscasse uma outra escala de
valores, o da religiosa, “enquanto continua rejeitando a religião organizada como cúmplice
do status quo”
31
. Porém, mesmo quando as produções de Grotowski “atacam o que é sagrado
na forma de cristianismo organizado, sua escolha de textos sempre estado dentro da
“grande tradição””
32
. (INNES, 1992, p. 174).
Alguns dos dramas do romantismo polonês que foram encenados por Grotowski
continham, em si mesmos, os temas míticos e a simbologia da tradição cristã, como
Akropolis, de Wyspiánski, que se passa na catedral da cidade polonesa de Cracóvia onde, em
uma noite, personagens se destacam das tapeçarias para recitar trechos bíblicos, sobre a
ressurreição de Cristo.
O texto Os antepassados, de Adam Mickiewicz, foi proibido em diversos momentos da
história da Polônia, por apresentar forte conteúdo anti-soviético. O texto foi escrito por
Mickiewicz no exílio, em 1832, e era considerado símbolo do nacionalismo polonês. Em
1968, data dos grandes movimentos estudantis na Europa e no mundo, a proibição do texto de
Mickiewicz, fez com que estudantes na Polônia realizassem as primeiras manifestações, no
dia 08 de março, antes mesmo do “maio francês”. Estes movimentos fizeram com que
aproximadamente vinte mil pessoas abandonassem o país e treze mil e quinhentas perdessem
a nacionalidade entre 1968 e 1970, segundo documentos dos arquivos do país. Sete anos
antes, em 1961, Os Antepassados, foi o primeiro texto polonês encenado por Grotowski no
Teatr 13 Rzedów. Grotowski buscava aliados no passado da Polônia, com que pudesse
dialogar, e reencontrar a liberdade perdida:
31
“mientras continúa rechazando la religión organizada, como cúmplice del status quo.”
32
“atacan específicamente lo que es sagado en forma de cristianismo organizado, su elección de los textos
siempre ha estado dentro de la “grand tradición””.
38
Sempre encontramos aliados e sempre encontramos inimigos a quem combater. Se
você está diante de um sistema social extremamente rígido, você tem que consertá-
lo, você tem que reencontrar sua própria liberdade, você tem que reencontrar seus
aliados. Talvez eles estejam no passado. Pois, falo com Mickiewicz. Mas falo dos
problemas de hoje. E também do sistema social no qual vivi na Polônia durante
quase toda minha vida. Esta aqui tem sido minha atitude: não é para fazer discursos
que trabalho, e sim, para aumentar a ilha de liberdade; minha obrigação não é fazer
declarações políticas, e sim fazer buracos no muro. As coisas que me foram
proibidas devem ser permitidas depois de mim; as portas que me foram fechadas,
com duas voltas, devem ser abertas; tenho que resolver o problema da liberdade e da
tirania através de medidas práticas. Isto quer dizer que minha atividade deve deixar
rastros, exemplos de liberdade.
33
(GROTOWISKI, 1993, p. 69).
Grotowski, segundo Kumiega, teve um curto período de efetiva participação na vida
política da Polônia, pouco conhecido, em 1957, após o “Outubro Polaco”, participando
ativamente das organizações políticas juvenis. Após este período, Grotowski se afasta da
política, porém, anos depois, ao se referir aquele período diz: “queria ser um mártir político,
um entre os mais importantes. Era fascinado por Gandhi a ponto de querer ser como ele”
34
(GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, p. 16). Seu afastamento efetivo dos movimentos
políticos poloneses talvez tenha levado a falsa idéia de uma postura apolítica aos seus
contemporâneos, mas segundo Barba, cada passo de Grotowski, do Teatr 13 Rzedów ao
Teatr-Laboratorium, era pensado com o objetivo de defender o “essencial” do controle
soviético.
Em Opole, a capacidade de Grotowski de abrir-se e ser extremamente sincero
comigo foi minha “escola de guerra” mais eficaz, a melhor lição para compreender
como se joga xadrez com “as forças sub specie preesentis”: a censura, os delatores, a
polícia secreta, os políticos, os críticos, os adversários. Grotowski me explicava com
todos os detalhes como pensava em se comportar, quais seriam as prováveis e
diversas reações, com quem e até que ponto recorrer ao patriotismo polaco para ser
“ideologicamente incorreto” sem criar problemas de alto nível com os russos. Eu era
testemunha do nascimento e do desenvolvimento de seus processos mentais, que se
transformavam em jogadas estratégicas para defender o “essencial”.
35
(BARBA,
2000, p. 51).
33
“Siempre se encuentran aliados y siempre se encuentran enemigos que combatir. Estás ante un sistema social
extremamente rígido; tienes que arreglártela, tienes que reencontrar tu propria libertad; tienes que reencontrar
tus aliados. Quizás están en el pasado. Pues, hablo con Mickiewicz. Pero hablo de los problemas de hoy. Y
también del sistema social en la cual viví en Polonia durante casi la totalidad de mi vida. He aquí cual ha sido
mi actitud: No es para hacer discursos que trabajo sino para ensanchar la isla de libertad que llevo; mi
obligación no es hacer declaraciones políticas sino hacer agujeros en el muro. Las casas que me han sido
prohibidas deben ser permitidas después de mi; las puertas que me han sido cerradas con doble vuelta deben
ser abiertas; tengo que resolver el problema de la libertad e de la tiranía a través de medidas prácticas: quiere
decir que mi actividad debe dejar rastros, ejemplos de libertad.”
34
“volevo essere un matire politico, uno tra i più importanti. Ero affascinato da Gandhi al punto da volere
essere come lui.”
39
Naquele momento, acima de tudo, podemos concluir que “o essencial” era conseguir
manter um espaço de liberdade. Para, assim, poder continuar a fazer os espetáculos, poder
manter o grupo, o treinamento e os temas que, segundo Barba comentando o espetáculo
Studim o Hamlecie, não tinham nada de apolíticos:
Era possível detectar, levados ao limite, os temas dos espetáculos precedentes de
Grotowski. Todos com um subtexto explicitamente político, todos vinculados com a
história da Polônia: o intelectual que quer atuar (Dzyady e Kordian), que se opõe a
uma vontade mais potente (Dr. Faustus); a coletividade, que arremete contra o
outsider leal aos seus princípios. São temas que reaparecerão em O Príncipe
Constante, onde os atores, sobretudo Ryszard Cièslak, encarnarão de uma maneira
incrível a intensidade do rechaço de uma sociedade e seus valores.
36
(BARBA, 2000,
p. 98).
A mudança de nome de Teatr 13 Rzedow para Teatr-Laboratorium 13 Rzedów, que
aparece pela primeira vez no programa do espetáculo Akropolis, foi um exemplo de um ato
político em defesa do essencial”. Em 1962, Grotowski preencheu um formulário enviado
pelo Ministério da Cultura polonês, no qual assinalou “laboratório” para classificar seu teatro,
por não se encaixar em mais nenhuma opção. Porém, imediatamente se deu conta da
importância deste ato, pois, ao classificar seu teatro como laboratório poderia justificar a
longa duração do processo de preparação dos espetáculos e o número restrito de espectadores.
Além disso, o termo se referia a antecedentes históricos, os laboratórios de Stanislavski, que
era o modelo artístico do teatro soviético.
A ação teatral de Grotowski, segundo Barba, tinha um duplo sentido. Se por um lado, o
espetáculo era para ele, um ritual laico, inspirado na tradição iniciada por Antoine,
Stanislavski e Reinhart, que implica na “osmose espacial” de atores e espectadores, e os faz
35
“En Opole, la capacidad de Grotowski de abrirse y ser extremamente sincero conmigo fue mi “escuela de
guerra” más eficaz, la mejor lección pra comprender cómo se juega el ajadrez con “las fuerzas sub specie
praesentis”: la censura, los delatores, la policía secreta, los políticos, los críticos, los adversarios. Grotowski
me explicaba con todo detalle cómo pensaba comportarse, cuáles serían las probables e diversas reacciones,
con quién y hasta qué punto podía recurrir al patriotismo polaco para ser “ideologicamente incorrecto” sin
crear problemas de alto nivel con los rusos. Yo era testimonio del nacimiento y del desarrollo de sus procesos
mentales, que se transformaban en jugadas estratégicas para defender lo “esencial”.”
36
“Era posible detectar, llevados al límite, los temas de los espectáculos precedentes de Grotowski, todos con
subtexto implícitamente político, todos vinculados con la historia de Polonia: el intelectual que quiere actuar
(Dziady y Kordian), que se opone a una voluntad más potente (Dr. Faustus); la coletividad, que arremete
contra el outsider leal a su principios. Son temas que reaparecerán en El príncipe constante, donde los
actores, y ante todo Ryszard Ciéslak, encarnarán de una manera estupefaciente la intensidad del rechazo de
una sociedad y su valores.”
40
“meditar ativamente sobre as feridas da condição humana”; por outro lado, além do valor
artístico e social do espetáculo, havia no teatro uma “tensão secreta” no sentido da
religiosidade. Esta “tensão”, através de uma estética e uma técnica, impulsionou seu trabalho
no sentido da transgressão:
A representação é um ato de transgressão que permite derrubar nossas barreiras,
transcender nossos limites, encher nosso vazio, realizar-nos, entrar no território do
sacrum. O ator se provoca e se desafia a si mesmo e ao espectador, violando as
imagens, os sentimentos e os julgamentos estereotipados e comumente aceitos. Esta
dessacralização dos tabus causa um choque, lacera a máscara imposta pelas
circunstâncias históricas, nos desnuda. A transgressão de Grotowski foi aplicada aos
valores da tradição que nos transmitem os textos clássicos, às maneiras de conceber
e praticar o teatro, à concepção de uma arte utilitária ou simplesmente ideológica.
37
(BARBA, 2000, p. 46).
Esta forma de fazer e pensar o teatro era extremamente subversivo num regime
socialista. Conforme Barba (2000, p. 46), os soviéticos entenderam que não se tratava de um
teatro formalista, mas de uma força que crescia bem no centro de sua manipulação do mundo,
rejeitando-a: Era uma rejeição simbólica, a única arma do artista”
38
. Para Barba, era
deprimente ouvir e ler as acusações dos artistas “comprometidos” da época, que tachavam
Grotowski de apolítico: “Tais atitudes revelavam uma cegueira absoluta do extremismo
rebelde do pensamento e prática teatral de Grotowski, como também sua luta e estratégia para
defender sua própria verdade sem trair e sem se deixar esmagar”
39
(BARBA, 2005, p. 46).
Na Polônia socialista não era permitido ter passaporte, nem sair do país, a não ser com
um convite oficial e todas as despesas pagas pelo evento. Os únicos espetáculos que viajaram
ao exterior foram Akropolis, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris.
As idéias de Grotowski, através de seus textos, principalmente o Novo Testamento do
Teatro, foram difundidas na Europa por Eugenio Barba, entre 1963 e 1964, numa estratégia
37
“La representación es un acto de transgresión, permite derrubar nuestras barreras, trascender nuestros
límites, llenar nuestro vacío, realizarnos, entrar en el territorio del sacrum. El actor se provoca y se desafía a
mismo e al espectador, violando las imágenes, los sentimientos y los juicios esteriotipados y comúnmente
aceptados. Esta desacralización de los tabúes causa un shock, lacera la máscara impuesta por las
circunstancias históricas, nos desnuda. La transgresión de Grotowski fue aplicada a los valores de la tradición
que nos transmiten los textos clásicos, a las maneras de concebir y practicar el teatro, a la concepción de un
arte utilitario o supinamiente ideológico.”
38
“Era un rechazo simbólico, la única arma del artista.”
39
“Tales actitudes revelaban una ceguera absoluta hacia el extremismo rebelde del pensamiento y la práctica
teatral de Grotowski, como también hacia la lucha y estrategia para defender su propria verdad sin traicionar
y sin dejarse aplastar.”
41
elaborada para fazer parecer aos críticos e as hostis autoridades do regime que Grotowski era
reconhecido no exterior. Barba, como italiano com passaporte e acesso livre a outros países,
realizou suas viagens com o dinheiro da bolsa de estudos que recebia do governo italiano para
estudar na Polônia. Através destas viagens, Grotowski teve seus primeiros convites para
publicações e apresentações no exterior. Dentre as cidades visitadas por Barba estão Viena, na
Áustria; Roma, na Itália; Zurich, Basilea e Genebra na Suíça; Paris, na França, Estocolmo, na
Suécia, Copenhague, na Dinamarca e Oslo, na Noruega. Nestas cidades Barba visitou críticos,
artistas, poetas, escritores, editores de revistas e livros, diretores de teatros e instituições,
universidades, etc. Em Zurich, foi ao Instituto Jung, onde deixou diversos artigos com o
diretor da instituição, James Hillman. Além das visitas, Barba enviou cartas a todas as partes
do mundo através dos contatos conseguidos na viagem, dentre eles, Richard Schechner,
Fernando Arrabal e Mircea Eliade.
Esta jornada era, para Barba (2005, p. 73), uma missão: “O desejo de proteger a obra
de Grotowski, a quem queria bem infinitamente, e esse pequeno teatro que para mim era ao
mesmo tempo lar, aventura, paixão e religião, se converteu em um desafio permanente, uma
obsessão, uma necessidade”
40
.
Em abril de 1964, quando Barba retornava de mais uma viagem, na Noruega, foi
impedido de embarcar porque teve seu visto recusado com argumento de que era persona non
grata no país, tendo que deixar tudo que tinha na Polônia: roupas, livros, discos, notas de
trabalho e o trabalho com o Teatr-Laboratorium. Em outubro deste mesmo ano, Barba fundou
em Oslo, junto com jovens atores, o Odin Teatret, que dois anos mais tarde, organizou a
primeira viagem internacional do Teatr-Laboratorium, com o espetáculo O Príncipe
Constant.
Por conta do controle soviético, o espetáculo Estudo sobre Hamlet (1964) teve
problemas com a censura, tendo sido apresentado poucas vezes e depois retirado da lista
oficial de espetáculos do Teatr-Laboratorium, sendo considerado o espetáculo “judeu” do
grupo. Por conta da censura deste espetáculo, o teatro começou a receber ameaças de ser
fechado pelas autoridades de Opole, com a justificativa de que era irrelevante para a cidade,
pela falta de público.
40
“El deseo de proteger la obra de Grotowski, al que quería infinitamente, y ese pequeño teatro que para mí era
el mismo tiempo hogar, aventura, pasión y religión, se convirtió en un desafío permanente, una obsesión, una
necesidad.”
42
Como vimos com Bacsko, a censura foi um dos métodos usados pelos soviéticos
para manipular a memória social da Polônia. Segundo Barba,
Naqueles anos havia na Polônia uma censura que controlava todo tipo de expressão:
espetáculo, encontro público ou qualquer publicação, mesmo que fosse um cartão de
visitas. Um teatro recebia autorização para o texto que queria apresentar, e logo, um
pouco antes da estréia, havia um controle para verificar que o espetáculo não tinha
aspectos pouco gratos para o regime. Os motivos de censura podiam variar em
função das circunstâncias: tendências formalistas ou decadentes, virulência anti-
religiosa (nos períodos em que o Partido queria manter boas relações com a Igreja
católica), alusões anti-soviéticas, idealismo ou cosmopolitismo.
41
(BARBA, 2000, p.
69).
Em março de 1964, o Ministério da Cultura polonês enviou uma comissão para avaliar
a atividade do Teatr-Laboratorium, e graças à defesa de membros da comissão,
principalmente do crítico teatral e redator Konstanty Puzina, o teatro permaneceu
funcionando. Puzina montou uma estratégia para defender o Teatr-Laboratorium: pediu que
diversas personalidades da área teatral falassem mal publicamente do trabalho de Grotowski,
pois sabia que, assim, seriam escolhidas para integrar a comissão de avaliação mandada pelo
governo. Após visitarem o teatro, porém, anunciaram que o trabalho tratava-se de um
fenômeno excepcional e que deveria receber todo o apoio possível. (BARBA, 2000, p. 154).
Apesar de todos os esforços o Teatr-Laboratium 13 Rezedów foi fechado pelas
autoridades de Opole, pressionados pelas autoridades centrais da Varsóvia, no final de 1964.
A transferência do Teatr-Laboratorium para a cidade universitária de Wroclaw, portanto, não
foi uma escolha feita pelo grupo, mas a saída encontrada para manter o trabalho. As
autoridades municipais de Wroclaw, com o intuito de salvar a companhia, providenciam o
transporte e a abertura do teatro em sua cidade. Opole, na época, tinha sessenta mil habitantes,
enquanto Wroclaw era uma cidade de meio milhão de habitantes. Grotowski, que denominava
seu teatro em Opole de ashram, teve medo de não conseguir manter a qualidade do trabalho
em Wroclaw, mas, enfim, conseguiu adaptar-se. Em Wroclaw, porém, as estratégias para lidar
com a censura continuaram, aliás, por todo o tempo em que Grotowski esteve na Polônia.
41
“En aquellos años había en Polonia una censura que controlaba todo tipo de expresión: espectáculo,
encuentro público o cualquier publicación, aunque fuera una tarjeta de presentación. Un teatro recibía una
autorización para el texto que quería presentar, y luego, un poco antes del estreno, había un control para
verificar que el espectáculo no tuviera aspectos poco gratos para el régimen. Los motivos de censura podían
variar en función de las circunstancias: tendencias formalistas o decadentes, virulencia antirreligiosa (en los
períodos en que el Partido quería mantener buenas relaciones con la Iglesia católica), alusiones antisoviéticas,
idealismo o cosmopolitanismo.”
43
Com a situação tensa na Europa, em 1969, após os movimentos estudantis, a invasão
da Tchecoeslováquia e a nova perseguição aos judeus e artistas na Polônia, Grotowski temia
ser preso, e que, no cárcere, e sob violência física, não conseguisse manter sua dignidade até o
fim. Por isso, pediu em carta a Eugenio Barba que lhe conseguisse veneno, para no caso de
ser preso, por fim a própria vida. (BARBA, 2000, p. 205).
Grotowski não foi preso na década de sessenta, nem na década seguinte, porém, em
janeiro de 1982, teve de abandonar a Polônia com o decreto da Lei Marcial no país, para
instalar-se em Holstebro, num pequeno quarto do Odin Teatret. Após um período na Itália, e
no Haiti, transferiu-se para os Estados Unidos, onde permaneceu como refugiado até 1985.
A situação em que se encontrava a Polônia, com o fechamento dos cinemas e teatros,
racionamento de comida, a proibição de reuniões em grupos numerosos e da saída da cidade
sem autorização, fez com que o Teatr-Laboratorium encerrasse suas atividades em Wroclaw.
Em 1984, o jornal local de Wroclaw Gazeta Robotnicza, publicou o comunicado enviado pelo
grupo:
algum tempo o nosso grupo praticamente desistiu de atuar como um grupo
criativo. Tornou-se uma cooperativa de indivíduos que conduzem uma pesquisa
independente de múltiplas atividades. Isto está na natureza das coisas. Como grupo
Teatro Laboratório, acreditamos ter realizado nesses anos aquilo que devíamos
realizar. Nós mesmos ficamos surpresos de ter continuado em grupo durante um
quarto de século transformando-nos constantemente, inspirando-nos uns aos
outros, irradiando aos outros a nossa energia comum.
A idade criativa de um grupo e a idade criativa de um indivíduo não são a mesma e
idêntica coisa. Entre nós, alguns correrão o rico de uma vida artística totalmente
independente, enquanto outros, talvez queiram continuar a trabalhar juntos no
âmbito de alguma nova estrutura institucional. Cada um de nós sabe bem que as
nossas origens se remetem a uma fonte comum, que se chama Jerzy Grotowski, e ao
seu teatro.
(...) Depois de ter caminhado juntos por vinte e cinco anos, nos sentimos próximos
um do outro justamente como no início, independentemente do lugar no qual cada
um de nós se encontra neste momento: todavia também nos transformamos. Daqui
para frente, cada um deve aceitar, a seu modo, o desafio lançado pela própria
criatividade e pelos tempos em que vivemos.
O grupo do Teatro das Treze Filas, do Instituto de Pesquisa do ator, do Instituto do
Ator, em outras palavras, o grupo do Teatro Laboratório, decidiu dissolver-se em 31
de agosto de 1984, depois de exatamente vinte e cinco anos.
44
A nossa gratidão vai a todos aqueles que nestes anos nos ajudaram, acompanharam e
nos concederam confiança, em Opole, em Wroclaw, na Polônia e no mundo.
42
(in
KUMIEGA, 1989, p. 161).
Nesta declaração assinada pelos membros fundadores do Teatr-Laboratorium,
Ludwick Flaszen, Rena Mirecka, Zygmunt Molik e Ryszard Cieslak, Grotowski transforma-
se na fonte comum que os liga. Mesmo, Flaszen, que era mais velho e mais experiente que ele
e o acompanhava em todas as decisões, o considera como figura central do grupo e remete-se
ao trabalho desenvolvido por eles, ao longo dos vinte e cinco anos, como sendo “o teatro de
Grotowski”. É interessante perceber como imediatamente, criou-se uma forte aura mítica em
torno da sua imagem. No momento de conclusão do Teatr-Laboratorium, as origens do grupo
não se remetem mais a tradição polonesa, mas a figura de Jerzy Grotowski.
42
“Da qualque tempo, il nostro gruppo ha praticamente smesso di agire come gruppo creativo. É diventato una
cooperativa di individui che conducono una ricerca independente e molteplici attività. Questa è nella nature
delle cose. Come gruppo Teatro laboratorio, crediamo di avere realizzato in questi anni che dovevano
realizzare. Noi stessi siamo sorpresi di avere continuato in gruppo per un quarto di secolo trasformandosi
constantemente, inspirandoci a vivenda, irradiando verso gli altri la nostra energia comune. L’etá creativa di
un gruppo e l’età di un individuo non sono la stessa identica cosa. Tra di noi, alcuni correranno il rischio di
una vota artistica del tutto indipendente, mentre altro forse vorrano continuare a lavorare insiema, nell’ambito
di qualque nuova strutura istituzionale. Ognuno di noi sa bene che le nostre origini risalgono a una fonte
comune, che si chiama Jerzy Grotowski e al suo teatro. (...) Dopo aver camminato insieme per venticinque
anni, ci sentiamo vicini l’uno all’altro proprio come all’inizio, independentemente da dove ciascuno di noi si
trova in questo momento: siamo tuttavia anche cambiati. D’ora in poi, ognuno deve accettare, a suo modo, la
sfida lanciata dalla propria creatività e dai tempi in cui viviamo. Il gruppo del Teatro delle tredici file,
dell’Istituto di recerca dell’attore, dell’Istituto dell’atore, in altre parole il gruppo del Teatro laboratorio, ha
determinato di sciogliersi il 31 agosto 1984, dopo esattamente venticinque anni. La nostra gratitudine va a
tutti coloro che in questi anni ci hanno aiutato, accompagnato e concesso fiducia, a Opole, a Wroclaw, in
Polonia e nel mondo.”
45
2 MITOLOGIA, ASCESE E O TRABALHO TEATRAL, “ALÉM DO TEATRO”, EM
GROTOWSKI
A consciência, segundo Durand (1988), dispõe de duas maneiras de representar o
mundo: uma direta, na qual a própria coisa parece estar presente na mente e outra indireta,
quando o objeto não pode se apresentar à sensibilidade “em carne e osso”.
Na representação direta, utilizam-se os signos como meio de economizar as operações
mentais, e estes podem ser escolhidos arbitrariamente. Nos casos em que o signo perde sua
arbitrariedade teórica, ou seja, remete a uma abstração, têm-se as alegorias. As alegorias
remetem a uma realidade significada dificilmente apresentável, “são obrigados a figurar
concretamente uma parte da realidade que significam” (DURAND, 1988, p. 13).
Nos casos da representação indireta, o objeto ausente é re(a)presentado à consciência
por uma imagem. Portanto, a imaginação simbólica se “quando o significado não é
absolutamente apresentável e o signo pode referir-se a um sentido” (DURAND, 1988, p.
14). A função simbólica, para Durand, é a de simbolizar o sentido. O símbolo comparece,
segundo ele, como o único meio através do qual o sentido pode manifestar-se e realizar-se: “o
símbolo é, portanto, uma representação que faz aparecer um sentido secreto; ele é a epifania
de um mistério”.(DURAND, 1988, p. 15).
Os símbolos não pertencem a um indivíduo, e sim à humanidade. Eles surgem das
estruturas do imaginário, provenientes do trajeto antropológico, entendido, segundo a visão
duraniana, como “um constante intercâmbio no nível do imaginário entre as pulsões
subjetivas e as intimações objetivas oriundas do ambiente social” (VARGAS, 1996, p. 01).
Ou seja, os esquemas do imaginário simbólico não resultam de um processo puramente
subjetivo, mas da negociação entre a subjetividade e as exigências culturais.
A área predileta do simbolismo é o não-sensível em todas as suas formas. Ele es
presente nos conteúdos fundacionais da metafísica, da religião, da magia e das artes.
Segundo autores alinhados com a hermenêutica simbólica, como Jung, Joseph
Campbell, Mircea Eliade e Durand, toda obra de arte é um símbolo, no qual simbolizante e
simbolizado são indissociáveis. Sob este enfoque, o símbolo e, portanto, a imagem simbólica
46
não tem função de representação de alguma coisa, como ocorre com o signo, mas é a própria
“coisa” que se faz presente.
Conforme Durand (1988), não é possível apreender totalmente o significado do
símbolo, pois o conteúdo simbólico tem caráter transcendente, por isso, traz consigo, numa
única figura, as características mais contraditórias. A imagem simbólica, portanto, é
indissociável, não é possível separar, como ocorre com o signo, significado e significante, ou
melhor, simbolizado e simbolizante.
O símbolo possui um significante carregado de concretude, e um significado
misterioso, indizível, transcendente, que comporta contradições e antinomias, e é inesgotável
na sua interpretação. Por isso, o símbolo traz consigo um paradoxo: a inadequação. Esta
inadequação se dá, segundo Durand, porque “não podendo figurar a infigurável
transcendência, a imagem simbólica é a transfiguração de uma representação concreta através
de um sentido para sempre abstrato” (DURAND, 1988, p. 15). O significante, ou seja, a
imagem, será sempre inadequada, porque insuficiente para carregar, transmitir e representar o
conteúdo simbólico transcendente.
Para Durand, o mito é o veículo através do qual o símbolo se manifesta, e é através
dele que supera sua inadequação. O mito tem na “redundância aperfeiçoadora”, através da
repetição de relações lógicas e lingüísticas, entre imagens ou idéias expressadas verbalmente,
sua forma de significação e função.
A produção de imagens, por seu caráter transcendente e numinoso, desde os
primórdios da história da humanidade, esteve associada à revelação do sagrado. A figura do
artista, como produtor de imagens, assim, foi sendo associada, ao longo da história, tanto nas
culturas ocidentais como nas orientais, à mitologia heróica cujo papel esteve associado ao da
revelação do oculto e do sagrado.
A partir de estudos dos fenômenos artísticos com enfoques psicológicos, sociológicos,
filosóficos e antropológicos, as pesquisas acerca do imaginário simbólico no século XX,
como as realizadas pelo Círculo de Eranos, proporcionaram a ampliação do entendimento dos
conteúdos míticos nas artes.
Um exemplo de estudo com enfoque sociológico de aproximação entre artista e mito
está na obra, citada anteriormente, Mitos de Artista Estudo psico-histórico da
criatividade (1986), na qual Eckhard Neumann descreve a implicação na construção das
identidades artísticas ocidentais, dos fenômenos de identificação dos artistas de certos
47
períodos e contextos históricos-sociais, com os modelos heróicos culturais-míticos, na história
da arte no ocidente. Estas identificações são decorrentes do contexto sócio-histórico e pessoal
do artista; e se estabelecem a partir da relação dialética entre artista e sociedade. Ou seja, os
modelos heróicos de conduta geram comportamentos que são reforçados pela visão que a
sociedade tem do artista, que por sua vez trata sempre de questionar os padrões e modelos
sociais pré-estabelecidos. Conforme Antônio Vargas (1997, p. 61), “o conceito de artista que
o próprio artista possui está carregado de um sentido simbólico”.
Os diferentes modelos heróicos assumidos pelos artistas ao longo da história, têm
funções sociais, nem sempre explícitas, e estão implicados com heranças antigas, como a
tradição judaico-cristã e a mitologia grega. O artista como mártir, salvador; o artista como
gênio; o artista como louco, são exemplos dos modelos de identificação presentes nas
biografias dos artistas do Maneirismo, do Classicismo, do Sturm und Drang do Romantismo
alemão, etc. Os modelos de identificação estão ligados com algumas características, como a
dor, o sofrimento e o sacrifício.
Outro estudo, também de enfoque sociológico, desenvolvido pelos pesquisadores
Ernest Kris e Otto Kurz, acerca dos conteúdos míticos nas artes, busca compreender como o
artista foi julgado por seus contemporâneos e como o artista é visto na posteridade, ou seja,
como é relatada sua biografia. Segundo eles, a partir da baixa Idade Média, nos séculos XIV e
XV, ocorreu uma transformação na visão que a sociedade tinha do artista: percebe-se a
importância social dada ao artista criador da obra de arte, e não ao homem que vive sua
existência, ou seja, a personalidade estética e não empírica. Nos relatos da vida dos artistas, a
partir de então, aparecem temas típicos como a infância e a destreza do artista. Estes temas
típicos são chamados de anedotas, que estão diretamente ligadas à mitologia heróica:
(...) a anedota está intimamente ligada ao passado lendário em que se originou a
imagem do artista. Os historiadores reconhecem que a anedota em seu sentido mais
amplo se nutre do mito e a saga, dos quais transportam uma grande riqueza de
material imaginativo à história registrada. De modo que, mesmo em artistas
modernos, poderemos encontrar em sua biografia, temas heróicos, provenientes da
história ancestral.
43
(KRIS & KURZ, 1982, p. 28).
43
“(...) la anécdota está íntimamente ligada al pasado legendario en el que se originó la imagen del artista. Los
historiadores han llegado a reconocer que la anécdota en su sentido más amplio se nutre del mito y la saga, de
los que transporta una gran riqueza de material imaginativo hasta la historia registrada.”
48
Sob este enfoque, portanto, o pesquisador tem como objetivo extrair a anedota dos
relatos biográficos do artista, ou seja, revelar a imagem simbólica associada ao artista que o
historiador tinha em mente ao escrever a sua biografia.
Por sua vez, para Jung, os modelos heróicos míticos são “expressões simbólicas do
drama interno e inconsciente da alma” (JUNG, 2003, p. 18).
Com base nestes estudos que buscam o espaço e a importância do entendimento do
imaginário simbólico na análise das obras de arte, nos relatos da vida empírica e estética dos
artistas, bem como das influências míticas e simbólicas na construção de suas identidades
artísticas, neste capítulo serão analisadas algumas características presentes no percurso teatral
e “além do teatro” de Grotowski.
Através das indicações propostas por De Marinis, associadas aos estudos do
imaginário nas artes, busca-se compreender mais profundamente, como a tradição mítica e
arquetípica, não somente polonesa, mas coletiva (comum à humanidade), influenciou nas
escolhas e decisões de Grotowski (conforme foi realizado no segundo capítulo desta
dissertação no que diz respeito a sua relação com tradição histórica e cultural polonesa),
demonstrando como alguns elementos simbólicos e temas míticos são recorrentes nas suas
obras e na sua metodologia de trabalho, como o sacrifício, a mortificação do corpo, a
santidade, a comunhão, a ascese, o ritual, a exaltação e profanação do mito, o si-mesmo.
De Marinis afirma em seus livros e reforça nas suas conferências que, apesar do
percurso de Grotowski ser dividido em fases ou períodos, pode-se perceber o uso de distintos
instrumentos em seu trabalho para se chegar a um objetivo que possui um fio condutor único.
A distinção mais difundida em torno do trabalho de Grotowski “é a que se dá entre o (grande)
criador de espetáculos e o (grande) investigador teatral, além do espetáculo”:
É evidente que seu percurso teatral é extremamente dividido, acidentado,
aventureiro, muito forte, quase dramático. Isto é evidente. Mas é importante insistir
no caso de Grotowski sobre a coerência profunda de sua pesquisa e o caráter
profundamente unitário de sua pesquisa teatral e pós-teatral, do início ao fim.
Porque, no seu caso, o problema do ponto de vista crítico e historiográfico, se trata
dos equívocos produzidos por seu clamoroso abandono do espetáculo, que acontece
em 1969. Isto separa de maneira quase dicotômica, o Grotowski do espetáculo, do
Grotowski que não fazia mais espetáculo. Como se tratasse de duas pessoas
diferentes.
44
(Informação verbal).
44
Informação obtida na palestra proferida pelo Professor Marco De Marinis na Universidade de Santa Catarina-
UDESC em agosto de 2005.
49
Para De Marinis, mais do que insistir nas etapas do trabalho de Grotowski, é
importante identificar o fio condutor que liga seu trabalho do início ao fim. A diferença entre
a etapa teatral e a pós-teatral não está nas perguntas e objetivos que o levaram para o teatro,
que se mantêm os mesmos durante sua trajetória de trabalho, mas sim nos meios de se chegar
a estes objetivos.
Até 1968/69, Grotowski acreditou haver encontrado no espetáculo e no trabalho do
ator os instrumentos mais eficazes para perseguir estes objetivos; depois buscou
outros, convencido que o espetáculo, a representação, podiam inclusive tornar-se um
obstáculo, mas do que uma ajuda. E assim, abandonou o espetáculo, mas não o
teatro, e muitos anos depois realizará, com a “arte como veículo”, não certamente
um retorno ao espetáculo, senão, de alguma maneira graças a Action uma
reconversão no campo das performing arts.
45
(DE MARINIS, 2005, p. 235).
Também para Osinski, o trabalho que Grotowski realizou na última etapa da sua vida,
era coerente com tudo que havia realizado anteriormente. Em 1989, ele afirmou: “O que
Grotowski faz atualmente constitui uma sucessão lógica, plenamente justificada de todas as
fases anteriores de seu caminho criativo (...)”
46
. (OSINSKI, 1993, p. 96).
Nas entrevistas concedidas por Grotowski, em diferentes momentos da sua trajetória,
ele repete que o teatro foi parte de uma busca pessoal, cujo interesse principal era o ser
humano, um ofício possível de buscar o outro e a mim mesmo”. Dentro da trajetória desta
busca, que marcou seu trabalho do início ao fim, desde o período em que produziu os
espetáculos até a pesquisa de Action, nos EUA e em Pontedera, De Marinis, aponta pelo
menos três elementos que permitem identificar um fio condutor que liga o trabalho de
Grotowski: o trabalho sobre si mesmo, o ritual e o “ato total” ou “yoga do ator”.
Além das três características citadas acima, que permitem identificar uma coerência na
trajetória teatral e pós-teatral de Grotowski, segundo De Marinis, é interessante perceber que
algumas polaridades marcaram seu trabalho. A pesquisa de Grotowski, segundo o autor,
sempre oscilou, como um pêndulo, em pólos distintos, porém indissociáveis, nas diferentes
45
“Hasta 1968/69, Grotowski cre haber encontrado en el espectáculo y en el trabajo del actor los
instrumentos más eficaces para perseguir esos objetivos; de inmediato buscó otros, convencido de que la
puesta en escena, la representación, podía inclusive volverse un obstáculo más que una ayuda. Y así
abandonó el espetáculo, pero no el teatro, y muchos años después realizará, com “el arte como vehículo”, no
ciertamente un retorno a la puesta en escena, sino, de alguna manera – gracias a Action – una reconversión en
el campo de las performing arts.”
46
“Lo que Grotowski hace actualmente constituye una sucesión lógica, plenamente justificada de todas las
fases anteriores de su camino creativo (...).”
50
fases do seu trabalho. Segundo ele, as mais importantes são: solidão e coletividade, cultura e
natureza, participação e testemunho.
Conforme Barba, o desejo de recuperar o caráter ritual do teatro, como “cerimônia,
vital para a vida espiritual de uma comunidade, e que, portanto, a compromete
completamente”
47
(2000, p. 102), esteve na base da pesquisa teatral de Grotowski.
Para Kumiega (1989), este desejo de resgatar o aspecto ritual do teatro, bem como o
trabalho sobre si mesmo e, posteriormente, o “ato total”, estava ligado à restituição da
integridade do ser humano, que, conforme as explicações de Luis Garagalza e Patxi Lanceros,
“adquiriu” uma fratura entre corpo e mente no processo ocidental de civilização, como
veremos adiante.
2.1 O SER E A TRADIÇÃO
Mesmo que Grotowski tenha declarado que não é diretamente através da arte que se
pode realizar uma transformação no mundo, para Kumiega, suas ações, em cada fase de seu
percurso, demonstram que ele se manteve convicto de que o teatro pode ser um meio de
mudar as pessoas, contribuindo, deste modo, à evolução global do ser humano”
48
(1989, p.
99). Pois, na realidade, o que ele rejeitava, era o caráter didático do teatro baseado na temática
do espetáculo. O teatro deveria ser uma experiência de conscientização e transgressão de si
mesmo para um público especial”, que realmente estivesse disposto a se transformar. Para
Kumiega (1989), do discurso e trabalho de Grotowski, emergem com clareza os modos de
chegar ao progresso da humanidade e ao melhoramento da vida individual”
49
:
É necessário recompor a fratura entre corpo e mente (a esquizofrenia da sociedade
ocidental); erradicar os obstáculos psicofísicos do indivíduo, para permitir-lhe
alcançar impulsos mais profundos, acercar-se ao próximo, graças às reações
espontâneas e, então, identificarem juntos as fontes de energia, luz e amor, de modo
a tornar mais rica a experiência cotidiana.
50
(KUMIEGA, 1989, p. 99).
47
“cerimonia, vital para la vida espiritual de una comunidad, y que por lo tanto la comprometía
completamente.”
48
“contribuendo in qualque modo al progresso e all’evoluzione globale della razza umana.”
49
“i modi per giungere a un progresso dell’umanità e a un migloriamento dell’esperienza di vita individuale.”
50
“È necessario ricomporre la fratura tra mente e corpo (la schizofrenia della società ocidentale): sradicare gli
ostacoli psicofisiologici dell’individuo, per permettergli di reggiungere impulsi più profondi, avvicinarsi al
prossimo, grazie alle reazione spontanee e, quindi, individuare insieme le fonti di energia, luce e amore, così
51
Para Grotowski, a dicotomia entre e o corpo e a mente, na civilização ocidental,
resulta em bloqueios e atrofias psicofísicas. Esta dicotomia, conforme Luis Garagalza, está na
base da civilização ocidental. Para este autor, o nascimento da filosofia ocidental,
historicamente situado na Grécia, marcou um período crucial na história da cultura no qual
instituiu-se a crença de que o logos deveria substituir o mythos. Ele aponta o nascimento da
filosofia como uma reação contra a tradição e como instaurador do dualismo entre ser e
pensar (corpo e mente, espírito e matéria). A tradição é entendida por Garagalza como o
pensamento antigo que está baseado no conhecimento simbólico e na não-distinção entre o
homem e o cosmos”
51
(GARAGALZA, 1990, p. 32). O maior esforço da filosofia, segundo
ele, é a substituição dos símbolos por signos, e o estabelecimento de uma separação entre o
“eu penso” e as “coisas pensadas”.
Para o teórico Patxi Lanceros, o processo ocidental de civilização provocou
progressivamente a separação entre o homem, o mistério e o mundo, elementos estes que
constituem “os três rostos solidários de uma mesma figura: o Deus, o Homem, a Natureza”
52
(LANCEROS, 1994, p. 415), trindade original que evoca permanentemente a totalidade
dividida, a “ferida trágica”, o sentido fragmentado. Segundo ele, o arquétipo da ruptura está
na base do imaginário coletivo da humanidade e, ao ser continuamente atualizado no
imaginário simbólico, se converte em uma perpétua busca de sentido. Todo mito e símbolo,
ao evocarem sentido, teriam, para ele, função de vínculo com a totalidade original e “sutura”
desta ruptura.
O mito, que tem papel fundamental na vida da sociedade grega, segundo o sociólogo
do teatro Jean Duvignaud (1972, p. 16), sofre uma transformação em sua função. Enquanto
nas sociedades arcaicas, os mitos ditam o comportamento social como forma indispensável de
sobrevivência das mesmas, que nesses mitos não possibilidade de “vencer as forças
cósmicas”, nas sociedades históricas a consciência implícita de todos é dominada pela
capacidade de mudar as estruturas” e “os sinais e os símbolos correspondem, em virtude
dessas mudanças, a mitos ativos”, ou prometeicos.
da rendere più ricca l’esperienza quotidiana.”
51
no-distinción entre el hombre y el cosmos”.
52
“los tres rostros solidarios de una misma figura: El Dios, el Hombre, la Naturaleza”.
52
Duvignaud aponta a similaridade, no que diz respeito à função social, entre as
festividades míticas das sociedades históricas e as celebrações tradicionais das sociedades
arcaicas: elas adquirem a função de resgate dos vínculos, de “recuperação da coerência do
grupo” ao evocar o “mito da gênese do mundo”, como unificador de membros separados de
um grupo. Porém, o autor aponta este retorno a illo tempore como uma negação do caráter
prometeico de tais sociedades históricas. Cabe, no entanto, ter presente que as festividades
míticas, trazem consigo o mesmo paradoxo inerente ao símbolo e mito: a inadequação. E,
segundo Gilbert Durand, é através da repetição, que o mito e o símbolo ultrapassam esta
inadequação. O sentido mítico, ao contrário de uma tautologia, se aperfeiçoa através da
repetição. Sob este entendimento, o retorno, portanto, não seria um retrocesso, uma negação
do caráter prometéico, e sim um processo de reelaboração de sentidos.
Conforme Kumiega (1989), a evolução do trabalho de Grotowski o levou a uma
contínua pesquisa da possibilidade de estender ao espectador o processo vivificador pelo qual
passaria o ator ao ultrapassar a ruptura entre mente e corpo, sentimento e pensamento,
consciente e inconsciente, reflexão e instinto, cérebro e sexo, recuperando sua “originária
integridade”. Grotowski acreditava que isto era possível através da recuperação do caráter
ritual do teatro. Para isso era necessária a identificação do elementar” na cultura européia e
ocidental, de modo a formar uma rede numinosa com imagens e mitos potentes e universais.
Para Grotowski, a única forma de lidar com estas imagens e conteúdos míticos na
contemporaneidade, seria confrontá-los, ou seja, realizar “um teste de valores tradicionais”.
Nas palavras de Grotowski (1987, p. 19):
No meu trabalho como diretor, tenho sido tentado, por essa razão, a usar as situações
arcaicas consagradas pela tradição, situações (no domínio da religião e da tradição)
que constituem tabus. Sentia a necessidade de confrontar-me com esses valores. Eles
me fascinavam, dando-me uma sensação de repouso interior, ao mesmo tempo em
que eu cedia à tentação de blasfemar: eu queria atacá-los, vencê-los, ou apenas
enfrentá-los, com a minha própria experiência, que é determinada pela experiência
coletiva do nosso tempo.
Conforme Lanceros, o teste de valores tradicionais es na base do surgimento do
teatro na sociedade grega. Para ele, não a filosofia, mas, também a tragédia é resultado do
conflito entre mythos e logos. São duas novas formas de exercer o ministério da palavra,
duas novas formas de articular afeto e pensamento, de estabelecer relações de sentido entre o
53
homem, a natureza e os deuses”
53
(LANCEROS), que surgem concomitantemente na Grécia
Clássica. Segundo o autor, a tragédia é a expressão na sociedade grega da ferida trágica, do
trauma provocado pela consciência da sua condição de exilada da natureza e dos deuses.
Ao descobrir a palavra como “instrumento de ação” e transformação “mais eficaz que a
força”, a sociedade grega considerada por Duvignaud como primeira sociedade histórica
diminui a distância entre os deuses e os homens. A história é definida pelo autor como a
“descoberta da capacidade de intervenção de indivíduos e grupos nas estruturas consideradas
até então como intangíveis e imóveis porque apareciam como positivas”
54
(DUVIGNAUD,
1970, p. 23).
É, pois, no momento que a sociedade grega “entra na história”, deixando de ser uma
sociedade arcaica, e tornando-se uma sociedade histórica, de “caráter prometeico”, que surge
o teatro. O teatro passa a existir quando a sociedade grega adquire consciência histórica e
sente a necessidade de “acertar as contas” com o passado, com os mitos tradicionais, de
reelaborar sentidos até então reitores da vida social.
Conforme Duvignaud, a distinção entre a vida social e o teatro não está na oposição
entre a existência imaginária e a existência real, mas no fato de que no teatro a ação se a
ver, restituída em forma de espetáculo”
55
(DUVIGNAUD, 1970, p. 25). Os principais
elementos que definem as fronteiras entre a vida social e o teatro, segundo o autor, é a
polarização do espaço e a extrema individualização do personagem representado.
A delimitação de espaços está presente em praticamente todos os acontecimentos
sociais, porém, nas práticas religiosas, nos rituais e no teatro, ocorre também a polarização do
espaço. Nas práticas religiosas os pólos estão preenchidos, de um lado pelos sacerdotes, e do
outro pelos fiéis e participantes. Estes pólos são indissociáveis, uma vez que o evento nasce
do encontro entre eles. No teatro, estes pólos se fazem com a cena e o público, ou o ator e o
público. Por mais que estas fronteiras tenham sido borradas no século XX, os pólos nunca
deixaram de existir, mesmo nas experiências mais radicais nas quais houve a de aproximação
ou a inserção do público na cena. Grotowski, nas experiências em que inseriu o espectador na
53
Dos nuevas formas de ejercer el ministerio de la palabra, dos nuevas formas de articular afecto y
pensamiento, de establecer relaciones de sentido entre el hombre, la naturaleza y los dioses.”
54
“descubrimiento de las capacidades de intervención de individuos y grupos en las estructuras consideradas
hasta entonces como intangibles e inmóviles porque aparecían como positivas”.
55
“en el hecho de que en el teatro la acción “se da a ver”, restituida en forma de espectáculo”.
54
cena, atribuindo a ele não um espaço físico, mas também uma função dramática, afirmava
que o ator deveria ser um sacerdote que conduziria os participantes a um processo de
transmutação coletiva.
O outro elemento que define a fronteira entre a vida social e o teatro é a extrema
individualização do personagem representado, segundo Duvignaud:
Aqueles que desejam reduzir o teatro a qualquer manifestação folclórica ou a
simples reflexo da vida social, não podem, porém, ignorar a existência de um
personagem individual, de um herói, atormentado ou ridicularizado por haver
infringido as leis comuns.
56
(DUVIGNAUD, 1970, p. 34).
A extrema individualização do personagem representado, na Grécia fez nascer o herói
trágico. O herói trágico surge para recuperar o poder do homem grego desgarrado de sua
tradição após a comoção social gerada pela vitória na guerra contra os persas, no século
V a.C.. Seu novo modo de vida não se integrava ao conjunto dos costumes antigos. A
tragédia, para Duvignaud (1970), surgiu, para recuperar o homem desta situação desgarrada,
“para liberar o homem grego do prestígio dos deuses arcaicos” e restitui-lo à terra. Assim, o
homem passa a não estar mais sob o jugo dos deuses, mas de si próprio, de seu destino.
Segundo Frederich Hegel, o destino é a consciência de si mesmo apresentada como inimiga.
A luta contra seu próprio destino é a tarefa do herói trágico; e esta luta “se a ver” a toda
sociedade:
Sempre, toda tragédia será, mais ou menos um tribunal: nela o homem se enfrenta
com aquilo que o devora, ante um juri integrado por homens que pressentem
obscuramente soluções obscuras. Mas quem diz tribunal, diz um indivíduocontra
todos, um indivíduo atormentado publicamente (…).
57
(DUVIGNAUD, 1970, p. 44).
O herói, para Duvignaud (1970), é aquele que se rebela contra a ordem social, que se
afasta da sociedade com o objetivo de afirmar seu ser”. O herói carrega consigo um
paradoxo: para afirmar-se como ser e preservar seus valores e tradições, ele deve antes
questioná-los e até negá-los. O herói questiona para afirmar e afirma para questionar. Ao
questionar, ele confirma, seguindo a tradição heróica, sua função de instaurador das
56
“Aquellos que desean reducir el teatro a cualquier manifestación folklórica o a un simple reflejo de la vida
social, no pueden, sin embargo, ignorar la existencia de un personaje individual, de un héroe, atormentado o
ridicularizado por haber infringido las leyes comunes.”
57
“Siempre, toda tragedia será, más o menos, un tribunal: en ella el hombre se enfrenta a aquello que lo
devora, ante un jurado integrado por hombres que presienten oscuramente soluciones oscuras. Pero, quien
dice tribunal dice un individuo solo contra todos, un individuo atormentado públicamente (...).”
55
importantes transformações sociais; em contrapartida, a afirmação de seu ser se a partir
do questionamento dos valores da sua cultura.
Segundo Joseph Campbell (1997), as transformações e os “nascimentos” são vitais nas
sociedades: “dentro do espírito e do organismo social” deve haver um ciclo contínuo de
nascimentos, como forma de manutenção desta sociedade, destinados a “anular as ocorrências
ininterruptas da morte”. Jung (2003) afirma que, se por um lado, essas transformações
garantem a liberdade humana, por outro, elas são um atentado contra os instintos. Esta relação
provoca o que ele chama de “culpa prometéica”.
O teatro e a arte, porém, cumprem importante papel na relação do homem com estes
fenômenos de transformação. Para Alicia Piquer Desvaux, “a palavra poética, a arte não
redimem o homem de nada, mas o dignificam mediante o triunfo da identidade e o
conhecimento da beleza” (DESVAUX, 1989, p. 128).
Durand (1988) afirma que a função simbólica estabelece a fraternidade das culturas e
das artes num “antidestino”. Para ele, a liberdade poética se instaura entre as verdades
objetivas desmistificadoras e o “insaciável querer ser, constitutivo do homem”, entre a
fugacidade das imagens e a perenidade do sentido do símbolo; em que se a mediação
permanente entre “a Esperança dos homens” e sua condição temporal.
O teatro não se relaciona com o passado e com o presente: “todo teatro é uma
utopia”, pois experimenta o futuro imediato, através de ações ainda não realizadas, decisões
não tomadas e respostas a perguntas que ainda não foram feitas pela sociedade. “O teatro
continua e prolonga a vida social por outros meios…”, porém, não é reflexo da sociedade e da
cultura. Mas “é uma rebelião contra a ordem estabelecida”
58
(DUVIGNAUD, 1966, p. 471).
O teatro, pois, carrega o paradoxo heróico ao realizar a reatualização do mito. Como
diz Peter Brook, no teatro, o “homem concreto e o homem mítico podem ser captados
conjuntamente, no mesmo instante de tempo” (BROOK, 1999, p. 40). Este instante de
tempo” parece ser exatamente o que buscava Grotowski em seu trabalho. O teatro, segundo
Duvignaud, resiste na história por sua capacidade de reatualização, de reelaboração de
sentidos, por estar sempre inacabado. Esta é, para o autor, a principal função do teatro: sua
capacidade de relacionar-se num processo dialético de “revolução permanente” com a
sociedade.
58
“es una rebelión contra el ordem estabelecida”.
56
2.2 MITO E REALIDADE: A DIALÉTICA DA EXALTAÇÃO E DA PROFANAÇÃO
Com o objetivo de “testar” os mitos e os valores da sociedade polonesa
(principalmente nos seus primeiros espetáculos), Grotowski manifestou o paradoxo heróico
através da dialética da apoteose e do escárnio, ou da adoração e da profanação, buscando
uma experiência verdadeiramente viva e coletiva para atores e espectadores. Como descreve
Jean-Jacques Roubine,
Essa experiência coletiva tem, portanto em primeiro lugar, uma dimensão
diacrônica: ela provém de uma memória cultural. Mas ao mesmo tempo ela deve
assumir uma dimensão sincrônica, para não correr o risco de significar um retorno
ao tradicional teatro de celebração cultural. Ela deve pertencer à memória pessoal do
ator e do espectador. Daí o movimento em mão dupla que anima a busca do ator
grotowskiano e institui uma verdadeira dialética da adoração e da profanação (os
termos são de Grotowski): os mitos em que está enraizada a memória coletiva são
retomados, reativados esta é a adoração; ao mesmo tempo, são confrontados com
uma realidade existencial contemporânea que pode contestá-los, pulverizá-los – eis a
profanação. (ROUBINE, 1998, p. 72).
A dialética da adoração e da profanação, na prática, influenciou diretamente a forma
com que Grotowski interferiu nos textos dramáticos nos processos de criação de seus
espetáculos: “Ele é triturado, remodelado ao sabor das exigências da introspecção e do auto
desnudamento empreendidos pelo ator; ou seja, a partir de uma relação que é estabelecida
entre o mito (experiência coletiva) e a “vivência pessoal”.” (ROUBINE, 1998, p. 72).
Akropolis (1962), baseado no texto de Wyspianski, é um exemplo contundente do
confronto entre valores tradicionais e uma experiência contemporânea e/ou vivência pessoal.
Originalmente situada na catedral da Cracóvia, a Akropolis de Grotowski situa-se num campo
de concentração:
Para Grotowski, a idade contemporânea começa na segunda metade do século XX.
Daí sua experiência ser muito mais cruel que a de Wyspianski, e os valores do velho
século da cultura européia são submetidos a um severo teste. Seu ponto de fusão não
é mais o tranqüilo local da velha catedral, onde o poeta sonhou e meditou na solidão
sobre a história do mundo. Eles se chocam no clamor de um mundo extremado, em
meio a uma confusão poliglota na qual foram projetados pelo nosso século: num
campo de extermínio. Seus personagens reordenam os grandes momentos da nossa
história cultural: mas revivem não as figuras imortalizadas nos monumentos do
passado, porém as fumaças e emanações de Auschwiftz. (FLASZEN in
GROTOWSKI, 1987, p. 53).
57
A apenas dezessete anos do fim da Segunda Guerra Mundial, e a cem quilômetros de
Auschwitz, Grotowski retomou uma experiência viva na memória dos atores e dos
espectadores. Segundo Roubine, “com isso, entram em choque as duas concretizações
antagônicas do pensamento e da civilização do Ocidente” (1998, p. 27). Através da exaltação
dos mitos contidos na obra, recuperam-se valores humanos cristãos como o amor, a caridade,
a abnegação, que são simultaneamente, afirmados e questionados, ao confrontá-los com uma
das experiências mais desumanas da história da humanidade: os campos de extermínio do
nazismo alemão.
Em Akropolis, segundo descreve Flaszen, os personagens mudam de sexo e se
transformam em objetos. Helena, da mitologia grega, amor de Paris, no espetáculo de
Grotowski, é um homem. Jacó dirige seu amor para sua noiva, uma chaminé enrolada em um
pedaço de véu. O Salvador, Cristo, “é um cadáver sem cabeça, azulado, completamente
despedaçado, horrível reminiscência do campo de extermínio” (FLASZEN in GROTOWSKI,
1987, p. 58).
Em 1961, o crítico Tadeusz Kudlinski, ao analisar o espetáculo Os Antepassados
(1961), usou pela primeira vez a expressão “dialética da apoteose e do escárnio” para
denominar a forma com que Grotowski trabalhava com os textos. Segundo Barba (2000, p.
21), “Grotowski retomou imediatamente esta expressão por considerá-la a melhor formulação
do seu modo de trabalhar com os textos clássicos”
59
.
No texto Os Antepassados, o autor Mickiewisz usou um rito popular polonês como
base da estrutura dramática. O título do texto faz referência a uma antiga tradição popular da
Polônia de invocação dos mortos. Grotowski se declarava fascinado pelo aspecto ritual deste
drama: “É uma reunião vinculada a um rito: não tem nada de representado, de exibido, ao
invés disso, se participa de uma cerimônia que libera o inconsciente coletivo”
60
.
(GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, p. 35).
Na sua versão de Os Antepassados, Grotowski (apud KUMIEGA, 1989, p. 36)
pretendeu evidenciar a relação entre o jogo e o ritual: “os atores iniciam o ritual mágico como
59
“Grotowski retomó inmediatamente esta expresión por considerarla la mejor formulación de su manera de
acercarse a los textos clásicos.”
60
“È una reunione vincolata ad un rito: non c'è niente di rappresentato, di esibito; si partecipa invece ad una
cerimonia che libera l'inconscio colettivo.”
58
se fosse uma espécie de passatempo”
61
. Os personagens, ao invés de estarem vestidos com as
roupas típicas da época romântica, usavam colchas, cobertores bordados e cortinas, como
crianças nas brincadeiras de faz de conta. Segundo ele, tratava-se simplesmente de um
componente da “dialética especificamente teatral” que foi trabalhado no espetáculo: “o jogo e
a cerimônia, a tragédia e o grotesco, o donquixotismo e a santidade”
62
. Assim, segundo ele,
realizava-se um ritual laico, com o objetivo de liberar o imaginário simbólico e mítico dos
espectadores.
A fim de criar a comunhão entre atores e espectadores, Grotowski percebeu a
importância da criação de um espaço para que esta relação ocorresse. Por isso, cada
espetáculo tinha uma distribuição espacial única, de acordo com os objetivos da relação que
se queria criar. Não só a inserção espacial do espectador na cena era importante, mas também
a sua inserção enquanto função dramática. Para Innes:
Semelhante comunhão requer a participação imaginativa que pode obter-se
designando aos espectadores uma função temática na representação, não só o tipo de
implicação externa que se produz ao rodeá-los fisicamente com a ação. Por isso, um
dos fatores constantes da experimentação de Grotowski é uma tentativa de impor ao
público uma orientação psicológica que consiga integrá-lo de forma particular com
cada obra.
63
(INNES, 2000, p. 175).
Também para Fabrizio Cruciani, esta forma de lidar com o espaço cênico,
considerando-o como modalidade dramatúrgica, funciona como orientação para atores e
espectadores: “o espaço também expressa, não é o lugar, é um discurso, uma situação da
qual se faz experiência”
64
(CRUCIANI, 1994, p. 233). Conforme Kumiega (1989), ao
considerar os espectadores como “atores/participantes”, em Os Antepassados, Grotowski pela
primeira vez realizou uma total integração espacial entre atores e público.
61
“gli attori iniziano il rituale magico come se si trattasse di una specie di passatempo.”
62
“Il gioco e la cerimonia, la tragedia e il grottesco, il donchisciottismo e la santità.”
63
“Semejante comunión requiere la participación imaginativa que sólo puede obternerse asignando a los
espectadores una función temática en la representación, no sólo el tipo de implicación externa que se produce
al rodearlos físicamente con la ación, Por ello, uno de los factores constantes de la experimentación de
Grotowski es un intento de imponer al público una orientación sicológica que logre integrarlo en forma
particular con cada obra.”
64
“El espacio, también expresa, no es sólo el lugar, es un discurso, una situación de la cual se hace
experiencia.”
59
No espetáculo anterior, Shakuntala (1960), Grotowski iniciou sua parceria com o
arquiteto Jerzy Gurawski, que continuou até em 1965, em O Príncipe Constante. Esta
parceria firmou a pesquisa do espaço como elemento dramatúrgico nos espetáculos no Teatr-
Laboratorium: “ambos buscam um espaço que nasça do drama e seja então específico para
este, e onde também os espectadores sejam colocados em cena no espaço dos atores, ou
melhor, seja colocada em cena sua relação, para obter uma composição dramatúrgica
unitária”
65
(CRUCIANI, 1994, p. 232).
Em Kordian (1962), Grotowski e Gurawski exploraram “o potencial antagonismo da
participação forçada”
66
(INNES, 2000, p. 176). No texto de Slowaki, o personagem principal,
Kordian, é um nobre que quer libertar a sua pátria assassinando o czar, porém, seu atentado
fracassa. Ele é mandado a um hospital psiquiátrico, onde é considerado são, e condenado à
morte. Grotowski, aplicando a dialética da apoteose e do escárnio, situou toda a história em
um hospital psiquiátrico:os discursos patrióticos de Kordian se convertiam, deste modo, em
incandescências de um cérebro doente. Os espectadores eram os pacientes espalhados por
toda a sala entre camas, sobre as quais se moviam os atores, dando vida às visões da
loucura”
67
(BARBA, 2000, p. 28). Além disso, o espetáculo induzia os espectadores, como
prova de sanidade, a renegar os mitos nacionais.
Porém, apesar do acontecimento messiânico se transformar em delírio, segundo
Grotowski, “o sofrimento permanece sofrimento, o ato de sacrifício, ainda que cumprido no
delírio, permanece holocausto, sacrifício de sangue” (GROTOWSKI, 2007(a), p. 58). O
discurso em que Kordian “oferece o próprio sangue pela nação e o sangue da nação polonesa
por todas as nações”, no espetáculo de Grotowski, acontece numa operação médica: “o doutor
tira o sangue de Kordian, Kordian está em estado de choque histérico, o sacrifício do sangue é
um dar o sangue real, portanto é escárnio e é um martírio fictício, mas “demoníaco”, por isso
é afirmado, levado a apoteose” (GROTOWSKI, 2007(a), p. 59).
65
“ambos buscan un espacio que nazca del drama y sea entones específico para éste, y donde también los
espectadores sean “puestos en escena” en el espacio de los actores, o mejor sea puesta en escena su relación,
para obtener una composición unitária dramatúrgica.”
66
“el potencial antagonismo de la participación forzosa”.
67
“Los discursos patrióticos de Kordian se convertían, de este modo, en las incadescencias de un cerebro
enfermo. Los espectadores eran los pacientes esparcidos por toda la sala entre as camas sobre las cuales se
movían los actores dando vida a las visiones de la locura.”
60
Neste jogo de simultaneidades, entre exaltação e questionamento, adoração e
profanação, apoteose e escárnio, o homem mítico e o homem concreto podem ser captados no
mesmo instante de tempo, como disse Peter Brook a respeito da especificidade da arte teatral.
Para Brook, no trabalho teatral é preciso ter a “consciência do presente”: “O local, o contexto
social e político, o pensamento e a cultura dominantes têm que influir na criação de uma ponte
entre o tema e público, na determinação do que afeta as pessoas” (BROOK, 1999, p. 43), pois
assim, a partir da consciência do que é significativo, não nos textos do passado, mas
principalmente, no presente, pode-se encontrar a linguagem apropriada deste contexto para o
mito.
Segundo Grotowski, “a dialética da derrisão e da apoteose atacando” o arquétipo faz
vibrar toda a cadeia de tabus, de convenções e de valores consagrados” (GROTOWSKI,
2007(a), p. 59). Este diálogo entre o mito e a realidade, o passado e o presente, é um dos
aspectos mais importantes, que demonstra a singularidade do trabalho de Grotowski: o
choque entre os valores arcaicos que regem a vida social e comunitária, e os fatos, decisões e
ações no presente que colocam em cheque estes valores.
2.3 A CORPOREIFICAÇÃO DO MITO
Segundo Barba, esta forma de lidar com os textos clássicos, nos quais Grotowski tinha
uma fé sincera em seu valor, que se manifestava através da blasfêmia e da profanação, não era
uma teoria abstrata, mas sim, uma disciplina técnica, uma rie de exercícios e ações
concretas, que foram sendo desenvolvidos ao longo da existência do Teatr-Laboratorium. Um
dos exemplos citados por ele, é o training, que foi desenvolvido para resolver problemas
técnicos do atores, no espetáculo Akropolis. A descrição de Flaszen, acerca do trabalho
realizado pelos atores neste espetáculo, dá uma noção do que era pedido a eles:
No teatro pobre, o ator deve compor uma máscara orgânica, através dos seus
músculos faciais; depois, a personagem usará a mesma expressão, através da peça
inteira. Enquanto todo o corpo se move de acordo com as circunstâncias, a máscara
permanece estática, numa expressão de desespero, sofrimento e indiferença. O ator
multiplica-se numa espécie de ser híbrido, representando o seu papel
polifonicamente. As diferentes partes do seu corpo dão livre curso aos diferentes
reflexos, que são muitas vezes contraditórios, enquanto a língua nega não apenas a
voz, mas também os gestos e a mímica. (FLASZEN in GROTOWSKI, 1987, p. 59).
61
As contradições, o confronto, o teste, a blasfêmia e a profanação deveriam estar
presentes no corpo do ator. Estas exigências em relação ao trabalho do ator deram origem ao
método da via negativa. A partir de 1962, no cotidiano, a pesquisa do trabalho do ator esteve
focada, não mais na aprendizagem de técnicas, mas na eliminação da dicotomia entre corpo e
mente, geradora de resistências e bloqueios sociais, coletivos e individuais.
Neste processo, conforme Odete Aslan (1994), Grotowski “cria um ator arquetipal”,
pois prepara o ator para resgatar as imagens simbólicas arquetípicas, primordiais e inatas ao
ser humano. As imagens simbólicas carregam em si aspectos contrários. Grotowski, ao
trabalhar com aspectos contraditórios, nos seus espetáculos, resgata um aspecto da natureza
simbólica. Ele cria uma contradição entre o ator, o homem concreto, real e contemporâneo, e
o sentido mítico que ele resgata, criando imagens, gestos e ações para o indizível. Conforme
Innes,
Neste vel, o individual se transforma em uma imagem do universal, e todo o
enfoque de Grotowski pressupõe que a personalidade é superficial, artificial,
enquanto que em suas “raízes” a humanidade é genérica. Portanto, toda
manifestação autêntica de reações psicofísicas inconscientes corresponderá
automaticamente aos arquétipos junguianos, em particular aquelas posturas e
agrupamentos encarnados na escultura arcaica ou religiosa, e a conquista de tais
esteriótipos é a garantia que se alcançou a verdadeira expressão do subconsciente, de
que o ator se converteu na “encarnação viva do mito”.
68
(INNES, 2000, p. 177).
A representação de uma personagem, passa a ser um empecilho para este processo. O
papel, como afirmava Grotowski desde os anos sessenta, deveria ser “um instrumento pelo
qual se estuda o que está oculto por nossa máscara cotidiana a parte mais íntima da nossa
personalidade, a fim de sacrificá-la, de expô-la” (GROTOWSKI, 1987, p. 32).
Conforme Innes, os espetáculos do Teatr-Laboratorium, passaram por diferentes
versões em virtude do processo de autoconhecimento dos atores. Akropolis teve cinco versões
distintas entre 1962 e 1967, e o espetáculo O Príncipe Constante, três.
A obra O Príncipe Constante, foi a mais impressionante no que diz respeito ao
trabalho do diretor e do ator a partir dos estímulos simbólicos do texto. O texto foi alterado
68
“A este vel, lo individual se transfigura en una imagen de lo universal, y todo el enfoque de Grotowski
presupone que la personalidade es superficial, artificial, mientras que en sus “raíces” la humanidad es
genérica. Por tanto, toda manifestación auténtica de reacciones sicofísicas inconscientes corresponderá
automáticamente a los arquetipos junguianos, en particular a aquellas posturas y agrupamentos encarnados en
la escultura arcaica o religiosa, y el logro de tales esteriotipos es la garantía de que se convertido en “la
encarnación viva del mito”.”
62
radicalmente, que o número de versos se reduziu a quase dois terços e passaram de um
personagem ao outro e de uma seqüência para outra, com fragmentos da liturgia polonesa
intercalados em momentos chaves. Os catorze papéis principais foram reduzidos para sete,
representados por seis atores. O centro da ação se transferiu, da trama superficial que glorifica
a invasão histórica da Argélia por Fernando, para a relação erótica entre Fênix, princesa
argelina, e Fernando, apenas sugerida no original. (INNES, 2000, p. 185).
O processo de criação do último espetáculo no grupo, Apocalypsis cum Figuris, foi
planejado especificamente para facilitar a auto-exploração do ator. Nas produções anteriores,
“o enfoque de Grotowski na auto-exploração, auto-revelação e auto transcendência do ator
entraram automaticamente em conflito com a caracterização requerida pelos textos dramáticos
tradicionais”
69
(INNES, 2000, p. 182).
Em Apocalypsis cum figuris,
Houve, pois, uma relação orgânica entre a “partitura” (as ações e relações objetivas)
e o processo interno que aquelas deviam comunicar ao espectador. A caracterização
se baseou em arquétipos com os quais os atores haviam se identificado em seu
trabalho anterior, com traços individuais baseados em suas próprias personalidades,
e o diálogo se limitou a citações que não eram não dramáticos quer dizer, não
expressavam um personagem e uma situação em particular mas, tão amplamente
conhecidas, que as palavras não eram associadas a seu autor e poderia supor-se
que representavam a consciência da própria humanidade.
70
(INNES, 2000, p. 183).
A fala dos personagens se limitou ao que era essencial para exaltar o significado
simbólico das ações. Este espetáculo foi a obra que mais se aproximou ao ideal de Grotowski
de uma teatro autônomo da matriz literária. Conforme Innes, a sínteses de opostos presente
nos espetáculos de Grotowski, através do método da exaltação e profanação do mito,
“localiza a ação em um plano puramente humano e não escatológico”, principalmente em
Apocalypsis cum figuris:
69
“el enfoque de Grotowski en la autoexploración, autorevelación y autotranscendencia del autor habían
entrado automáticamente en conflito con la caracterización requerida por los textos dramáticos
tradicionales”.
70
“Hubo, pues, una relación orgánica entre la “partitura” (las acciones y relaciones objetivas) y el proceso
interno que aquellas debían comunicar al espectador. La caracterización se basó en arquétipos con los cuales
los actores habían llegado a idenficarse en su trabajo anterior, con rasgos individuales basados en sus
proprias personalidades, y el diálogo se limitó a citas que no sólo eran no dramáticas es decir, no
expresaban un personaje y una situación particulares – sino tan ampliamente conocidas que las palabras ya no
eran asociadas a su autor y podía suponerse que representaban la conciencia de la humanidad misma.”
63
O título se refere à profética Revelação de São João, que anuncia a Segunda Vinda
de Cristo, e a ação se passa em uma festa religiosa contemporânea, entre os espiões e
mendigos instalados em torno do santuário, que apresentam a segunda Vinda de
Cristo com uma brutal diversão de bêbados. Um bêbado, cujo nome é, casualmente
Simão Pedro, persuade a um inocente – em polaco ciemny, literalmente “o obscuro”,
de conotações satânicas, homem possuído e deformado como marca do seu contato
com o sobrenatural, mas também é um idiota incapaz de compreender o mundo que ,
tradicionalmente, representa a santidade infantil, uma escala de valores muito
diferente de que na realidade é Cristo, contando-lhe que nasceu em Nazaré e
morreu na cruz porque os homens não o reconheceram como Deus. Então nomeia a
outros: Maria Madalena, João Judas e todos eles repetem cenas arquetípicas da
Paixão e Crucificação de Cristo, por meio do qual expressam seus instintos sádicos,
impulsos subconscientes e ressentimentos. Para o público, isto é como por a prova o
mito cristão, desafiando sua validade por meio de discussão e blasfêmia.
71
(INNES,
2000, p. 182).
Em contrapartida, apesar de serem puramente humanas e não escatológicas, as
ações simbólicas revelam uma dimensão oculta, que transcendem a personalidade do ator, e o
próprio trabalho. Seguindo a tradição delsartiana
72
, neste processo empreendido por
Grotowski, o gesto e a ação não substituem a palavra, mas revelam ao homem “o que a
palavra é impotente para expressar”. O corpo e o gesto não são apenas veículos de
comunicação de signos, ou seja, de códigos com significados conhecidos, mas sim, tornam-se
símbolos. Assim, a arte extrapola a codificação e mantém vivos a antinomia e o paradoxo.
Neste trabalho, a auto-revelação não revela apenas o eu, mas um princípio transcendente. O
trabalho sobre o corpo é, portanto, um ato epifânico. A construção de sentidos está baseada na
construção de vínculos com a dimensão volitiva, com a interioridade. O sentido é revelado na
própria experiência corporal.
71
“El título se refiere a la profética revelación de San Juan, que anuncia la Segunda Venida de cristo, y la
acción se coloca en uma fiesta religiosa contemporánea, entre los espías y mendigos instalados em torno del
santuario, que presentaban la Segunda venida como un brutal diversión de borrachos. Un ebrio, cuyo nombre
es, casualmente, Simón Pedro, persuade a un simplón em polaco ciemny, literalmente “el oscuro”, de
connotaciones satánicas, hombre poseído y deformado como marca de su contato con lo sobrenatural, pero
también es un idiota incapaz de comprender el mundo que tradicionalmente representa la santidad infantil,
una muy diferente escala de valores de que en realidade él es Cristo, contándole que nació en Nazaret y
murió en la cruz porque los hombres no lo reconocieron como Dios. Entonces nombra a otros: María
Magdalena, Juan, Judas, y todos ellos repiten escenas arquetípicas de la Pasión y crucifixión de Cristo, por
medio de los cual expresan sus instintos sádicos, impulsos subconscientes y resentimientos. Para el público,
esto es como poner a prueba el mito cristiano, desafiando su validez por medio de discusión y blasfemia.”
72
Grotowski faz referência, em Em Busca do Teatro Pobre , das influências de Françoise Delsarte no que diz
respeito aos modelos de treinamento do ator. Na contracorrente de sua época, Delsarte realizou uma ruptura
com a tendência ao Classicismo, iniciando um movimento de espiritualização da arte. Objetivando uma arte
transcendente, que ultrapassasse a própria arte rumo ao Sublime. Segundo ele, “o artista deve oferecer à
contemplação, não tanto o homem, mas os símbolos, que em perspectivas profundas, se remetem à sua
perfeição ideal e sobrenatural” (in DE ANDRADE, 2002, p. 147).
64
2.4 MITO E SACRIFÍCIO
Conforme descrito no capítulo anterior, o drama romântico polaco foi a mais
importante tradição com a qual Grotowski teve um contato profundo, por identificar-se com a
forma romântica de ver o mundo.
O Romantismo, além do nacionalismo e da nostalgia, foi marcado por uma forte
idealização do sofrimento e da dor. O sofrimento do artista romântico é considerado como
algo sublime e especial, e o separa do mundo, como um iniciado, revelando sua nobreza de
espírito. O tema do sofrimento aparece tanto nas obras como nas biografias dos artistas
românticos. As maldições da solidão, da enfermidade e da morte são, no Romantismo,
instrumentos de purificação na direção de níveis elevados de existência. Segundo o teórico
português Aguiar e Silva:
A aventura do eu romântico apresenta uma feição de declarado titanismo,
configurando-se o herói romântico como um rebelde que se ergue, altivo e
desdenhoso, contra as leis e os limites que o oprimem, que desafia a sociedade e o
próprio Deus. Prometeu é a figura mítica que os românticos freqüentemente exaltam
como símbolo e paradigma da condição titânica do homem, pois que, tal como
Prometeu, o homem é um ser em parte divino, um «turvo rio nascido de uma fonte
pura», cujo destino é urdido de miséria, solidão e rebeldia, mas que triunfa deste
destino pela revolta e transformando em vitória a própria morte (...). (AGUIAR E
SILVA, 1982).
Prometeu, como herói mítico, traz a tona o tema do sacrifício em nome de um bem
comum. O mito de Prometeu, conforme Durand, através da reativação de certos símbolos,
ressurgiu literária e ideologicamente, no final do século XVIII e todo o século XIX na
Europa. Para Durand, o mito vem antes da história: sem as estruturas míticas não
inteligência histórica”, como por exemplo, a encarnação histórica do mito de Napoleão, que
segundo o autor, foi possível graças ao surgimento anterior do mito de Prometeu no
período pré-romântico e romântico.
(...) dentro da duração das culturas e das vidas individuais dos homens que alguns
designam como o termo confuso de história, mas que prefiro chamar, como Goethe,
destino (Schicksal) – é o mito que, de alguma maneira, distribui os papéis da história
e permite decidir o que configura o momento histórico, a alma de uma época, de um
século, de uma época da vida.
73
(DURAND, 1993, p. 32).
73
“(...) dentro de la duración de las culturas y de las vidas individuales de los hombres que algunos designan
con el término confuso de historia, pero que prefiero llamar, como Goethe, destino (Schichsal) – es el mito el
que, de alguna manera, distribuye los papeles de la história, y permite decidir lo que configura el momento
histórico, el alma de una época, de un siglo, de una época de la vida.”
65
Porém, apesar da imagem do sofrimento do artista romântico remeter-se ao mito de
Prometeu, o tema do sofrimento não se sustenta somente a partir deste modelo, pois uma
inversão: no mito de Prometeu, o sofrimento vem como conseqüência de um ato e não como
condição prévia da criação, como ocorre no Romantismo. Junto à exaltação mística do mito
prometeico, no período romântico, aparecem modelos de identificação cristãos, como a
Paixão de Cristo. Conforme Neumann (1986), a aproximação estética do artista com a
imagem do mártir se fez popular a partir da religião judaico-cristã, que considera o sacrifício
como processo de purificação mediante o qual o homem pode chegar à salvação ao longo de
sua existência.
Para Neumann, porém, “o mito de santificação da dor artística projeta sua sombra
sobre todo século XIX e inclusive até nossa época”
74
(1986, p. 53), e não é, portanto, um
comportamento exclusivo do período romântico.
O ideal romântico, conforme Neumann (1986), se mantém até a contemporaneidade
porque as condições que levaram ao surgimento desta forma de comportamento do artista no
século XIX não mudaram nos dias de hoje. Os valores da morte, marginalidade, sofrimento
são contra-valores da sociedade burguesa. Depois de séculos sob a proteção da Igreja Católica
e da corte européia, o artista do século XIX se viu relegado a uma total falta de proteção, o
que gerou um desencanto com as promessas do novo mundo burguês. Foi neste momento que
os conteúdos míticos ligados ao sofrimento e ao sacrifício, apareceram com os ideais de
transformação de si mesmo e do outro. No momento em que o sentimentalismo e a
subjetividade enfrentam o racionalismo, o mito e o símbolo se tornam a melhor linguagem
para se referir aos conteúdos do inconsciente.
Conforme Kumiega, através do tema romântico do ato sacrificial, que se desenvolveu
em todo o movimento romântico polaco, (e que se expressa em todos os espetáculos do Teatr-
Laboratorium), Grotowski demonstra a fusão da técnica e da ética em seu trabalho, que
consistia, para o ator, em “colocar-se em jogo por inteiro”, e assim, estar disposto a anular-se,
a morrer e renascer a cada momento, sendo que a consciência simbólica da morte permite
uma “plena presença na vida”. O ato sacrificial, “uma ação individual baseada sobre o quanto
74
“El mito de la santificación del dolor artístico proyecta su sombra sobre todo el siglo XIX e incluso hasta
nuestra época.”
66
a humanidade tem de comum e imutável, realizada em nome da união dos homens e que
implica sofrimento e, em extremo, a salvação”
75
. (KUMIEGA, 1989, p. 110).
Este processo de encarnação do ato sacrificial nos espetáculos do Teatr-Laboratorium,
se deu em dois momentos, de duas formas distintas. Num primeiro momento, o ato sacrificial
se manifestou através da “dialética da apoteose e do escárnio” sob uma ótica intelectual, com
o objetivo de romper com o pensamento convencional, e entrar em contato com o imaginário
mítico, como em Os Antepassados, e em Akropolis, conforme foi descrito no texto anterior.
Nestes espetáculos, para Kumiega (1989), Grotowski se confrontava intelectualmente com o
mito do sacrifício que buscava na literatura romântica nacional.
A partir do espetáculo, Dr. Faustus (1963), porém, “o princípio do sacrifício começava
já a ser visto como uma santificação, não mais como uma experiência humilhante e piedosa”
76
(KUMIEGA, 1989, p. 111). Foi nesta mesma época, que se desenvolveu no Teatr-
Laboratorium a prática do “ato total” que, sob a luz da ética artística proposta por Grotowski,
pode ser considerado como um ato sacrificial do ator diante do público.
Para o ator comum, chamado por Grotowski de “ator cortesão”, chegar ao que ele
chama de “santidade secular” e se tornar um “ator santo”, significaria estabelecer um desafio
para si e para o outro, e, “através da profanação e do sacrilégio ultrajante”, se revelar, tirar sua
máscara do cotidiano, tornando assim possível também ao espectador empreender o mesmo
processo: Se não exibe seu corpo, mas anula-o, queima-o, liberta-o de toda resistência a
qualquer impulso psíquico, então ele não vende mais o seu corpo, mas o oferece em sacrifício.
Repete a redenção; está próximo da santidade” (GROTOWSKI, 1987, p. 29).
Segundo Neumann (1986, 64), para o artista romântico “o sofrimento está vinculado,
como meio de purificação, com o caminho de santificação na medida em que apela para a
sensibilização e o aprofundamento da experiência vital. o sofrimento capacita a alma para
aceder as alturas vertiginosas que é possível à arte profética do gênio”
77
.
75
“un'azione individuale basata su quanto l'umanità ha di comune e immutabile, compiuta nel nome del
consesso degli uomini, e che comporta sofferenza e, in ultimo, la salvezza.”
76
“il principio del sacrificio cominciava già a essere visto come una santificazione, non piú come
un'esperienza avvilente e pietosa”.
77
“el sufrimento está emparentado, como medio de “purificación”, con el “camino de santificación” en la
medida en que apela a la sensibilización y pronfudización de la experiencia vital. Tan sólo el sufrimiento
capacita al alma para acceder a esas alturas vertiginosas en las que es posible el arte profética del genio.”
67
De acordo com Chritopher Innes, todos as produções de Grotowski são variações do
mesmo tema da transcendência de si mesmo e “o modo como os diversos textos foram
interpretados criou uma notável unidade entre o centro temático das representações e o
enfoque de sua investigação da atuação”
78
. (INNES, 1992, p. 179). Na descrição dos
exercícios desenvolvidos por seus atores, Grotowski deixa claro que o que se pede ao ator é
algo “insuportável”: que ele vá além de si mesmo. Conforme Innes:
E isto foi transferido para as próprias representações: quando o ator encarnava a
figura de Cristo em Antepassados, alcançou tal ponto de esgotamento que seu estado
fisiológico chegou a se sobrepor com o arquétipo que representava e o sangue que
Cristo “suou” da sua coroa de espinhos apareceu como o suor que lhe corria pelo
rosto; ou quando Ryszard Ciéslak literalmente chegou aos limites da resistência
física em O Príncipe Constate. Também encontrou um eco na situação dramática de
cada obra, em que a ação física foi traduzida em termos subconscientes e a trama
externa desapareceu deixando lugar para uma estrutura de sofrimento físico que
conduziria a uma apoteose espiritual.
79
(2000, p. 179).
Para Neumann (1986, p. 64), “uma atitude corporal e sensual para o mundo não é
compatível com a nobreza do espírito segundo a tradição cristã”
80
, que serve de modelo de
identificação para o artista romântico. É através da mortificação do corpo e do sacrifício que
se chega à purificação. Nas Sagradas Escrituras, o sacrifício encontra-se necessariamente
presente na vida moral e religiosa, e relaciona-se às penitências necessárias à reparação dos
pecados e à obtenção de graças particulares.
No caso do trabalho desenvolvido no Teatr-Laboratorium por Grotowski, o sacrifício
proposto aos atores, além do caráter de purificação espiritual, diz respeito ao aspecto
metódico das práticas ascéticas (a imposição de disciplina corporal e mental), enraizado na
antiguidade e destacado posteriormente pelas disciplinas espirituais do Oriente.
78
“el modo en que los diversos textos fueron interpretados creó una notable unidad entre el centro temático de
las representaciones y el enfoque de su investigación de la actuación.”
79
“Y esto fue trasladado a las proprias representaciones, cuando el actor que encarnaba la figura de Cristo en
Antepasados alcanzó tal punto de agotamiento que su estado fisiológico llegó a traslapar con el arquetipo que
representaba y la sangre que Cristo “sudó” desde su corona de espinas apareció como el sudor que le corría
por la frente, o cuando Ryszard Cieslak literalmente llegó a los límites de la resistencia física en El principe
constante. También encontró un eco en la situación dramática de cada obra, en la que la acción física fue
traducida a términos subconscientes y la trama externa desapareció dejando el lugar a una estructura de
sufrimiento físico que conduciría a una apoteosis espiritual.”
80
“Una aptitude corporal y sensual para el mundo no es compatible con la nobleza de espíritu desde esta
tradición cristiana.”
68
O sacrifício, para Grotowski (1987, p. 28), estava diretamente ligado ao corpo, “o ator
é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente. Se este
corpo se limita a demonstrar o que é algo que qualquer pessoa pode fazer -, não constitui
um instrumento obediente capaz de criar um ato espiritual”.
O sacrifício realizado pelo ator, no Teatr-Laboratorium, estava ligado a uma disciplina
que como afirma Aslan (1994, p. 284), “não prepara para a glória”, mas “impõe a observância
de uma ascese”. Esta disciplina consiste na luta diária contra os bloqueios e atrofias
psicofísicas, nas palavras de Grotowski (1987, p. 31): “Se o ator está consciente de seu corpo,
não pode penetrar em si mesmo e revelar-se. O corpo deve ser libertado de toda a resistência.
Deve virtualmente deixar de existir”.
Conforme Barba (2000), Grotowski mantinha em seu quarto a foto do mestre indiano
Ramana Maharishi, por quem nutria grande admiração desde os nove anos de idade, quando
foi incentivado por sua mãe a ler o livro A Search in Secret Indian do inglês Paul Brunton.
No livro, Brunton descreve seu encontro com o mestre indiano, que profere ensinamentos que
vão de encontro com o pensamento e a busca que Grotowski empreendeu através do teatro: o
conhecimento de si mesmo e o abandono da idéia do “eu” ligado apenas ao corpo e a mente.
Nas palavras de Maharishi:
Quando o homem, pela primeira vez, reconhece seu Eu real, uma força vem do seu
íntimo e apodera-se dele; essa força é a inteligência transcendente; ela é incriada,
infinita, divina e perene. Alguns a chamam de Reino do Céu, outros Nirvana; os
hindus a denominam Libertação. Pode-se dar-lhe o nome que quiser isso não
influi. Quando essa força toma posse do homem o homem então se perde
realmente, ou melhor, ele se encontra. (MAHARISHI apud BRUNTON, 2006, p.
149).
O sacrifício de si mesmo, de sua própria identidade, para Serge Ouaknine (2005, p.
51), artista plástico marroquino
81
que presenciou o processo de criação do espetáculo O
Príncipe Constante, é a condição do ator: “(...) O ator-sacrificador aprende a desaparecer, a
esconder-se para ser, a desaparecer para aparecer”
82
. Sacrificar-se para criar o duplo, entre a
aparência e o ser, é o que já reivindicava Artaud. Segundo Ouaknine: “O que queria Artaud é
que a representação fosse um sacrifício para alcançar este duplo, que é a metáfora da
81
Atualmente professor na Universidade de Quebec (Canadá).
82
“El actor-sacrificador aprende a desaparecer, a anonadarse para ser, a desaparecer para aparecer”.
69
realidade, e não uma imitação da realidade, essa é a crueldade: essa morte de si mesmo para
ser verdadeiramente si mesmo”
83
. (OUAKNINE, 2005, p. 51).
Para Brook, este modo de interpretar, era similar aos sacrifícios empreendidos pelos
sacerdotes em favor de seus fiéis:
Portanto, o ato de interpretar é um ato de sacrifício, o do sacrificar o que a maioria
dos homens prefere ocultar: este sacrifício é seu presente ao espectador. Entre ator e
público existe aqui uma relação similar a que se entre sacerdote e fiel. Está claro
que nem todo o mundo é chamado ao sacerdócio e que nenhuma religião o exige.
Por uma parte estão os seculares – que desempenham papéis necessários na vida – e,
pela outra, quem toma sobre si outras cargas, por conta dos seculares. O sacerdote
celebra o rito para ele e em nome dos demais. Os atores de Grotowski oferecem a
sua representação como uma cerimônia para quem deseja assistir: o ator invoca,
deixa descoberto o que jaz em todo homem e que o encobre a vida cotidiana. Este
teatro é sagrado porque seu objetivo é sagrado: ocupa um lugar claramente definido
na comunidade e responde a uma necessidade que as igrejas já não podem satisfazer.
(BROOK, 1994b).
Para Felipe Reyes Palácios, assiste-se a uma verdadeira paixão do ator (no sentido
religioso):
(...) o processo de iniciação a que foi submetido o neófito o conduz à prova suprema
de cada representação, que implica uma experiência simbólica da morte. E a
comunhão, que é possível esperar que ocorra entre o ator santo e os espectadores,
será, então, aquela que seu sacrifício simbólico propicia.
84
(PALACIOS, 1991, p.
111).
Para Brook, o teatro realizado por Grotowski era um exemplo do resgate do aspecto
sagrado do teatro: “Ao seu entender o teatro não pode ser um fim em si mesmo, como a dança
ou a música em certas ordens de dervixes, o teatro é um veículo, um meio de auto-estudo, de
auto-exploração, uma possibilidade de salvação”. (BROOK, 1994 b).
Para Ouaknine, se por um período no trabalho desenvolvido por Grotowski ainda
existia a necessidade de transformar a sociedade e o público, num segundo momento, este
desejo deixou de existir e o trabalho esteve voltado para a própria transformação, para a
própria “salvação”.
83
“Lo que quería Artaud es que la representación fuera un sacrifício para alcanzar esse doble, que es la
metáfora de la realidad, y no uma imitación de la realidad; esa es la crueldad: esa muerte de sí mismo para ser
realmente uno mismo.”
84
“el processo de iniciación a que fue sometido el neófito le conduce a la prueba suprema de cada
representación, que implica una experiencia simbólica de la muerte. Y la comunión que es dable esperar
ocurra entre el actor santo y los espectadores será entonces aquella que su sacrificio simbólco propicie.”
70
Porque desde o começo buscava a Deus e queria uma bênção da vida para fazer a
reparação de si mesmo, e por isso tinha que fazer o sacrifício teatral. Isto me disse
claramente quando alcançou a glória com O príncipe constante; disse “eu busco a
minha salvação”.
85
(OUAKNINE, 2005, p. 51).
Grotowski, em certo momento, reconhece a construção de um personagem de si
mesmo, “alguém que conhece a chave da criação” e “pode fazer uma espécie de milagre
profissional”:
Este personagem não tem nada a ver comigo, mas tem a sua própria vida que me
ajuda. Mas, no fundo, ter construído esse personagem, não em plena consciência,
quem sabe inclusive em plena inconsciência, foi, numa certa época da minha vida,
uma coisa importante para mim.
Eu tinha um forte medo de não existir vocês compreendem e até mesmo, num
certo sentido duvidava que eu fosse real. Então quis existir aos olhos dos outros.
Primeiro aos olhos dos meus colaboradores. Então me tornei um diretor muito
rigoroso, que impunha leis e as maneiras de trabalhar. A seguir, aos olhos da
sociedade, de certos meios da sociedade.
Eu quis me construir, sem me dar plenamente conta de que o estava fazendo, e
acabei construindo. E quando acabei a construção, dei-me conta de que tudo isso já
era uma história passada, que não me dizia respeito.
(GROTOWSKI, 1974 b).
A consciência de que havia construído um personagem para relacionar-se socialmente,
fez com que seu trabalho, nos anos setenta, estivesse direcionado para a eliminação da
representação, levando-o a desistir do espetáculo teatral. No período parateatral, conforme
Innes, Grotowski submeteu os participantes a uma longa sessão de psicoterapia em trabalhos
denominados action therapy, meditação em voz alta e canto de mim mesmo, que foram
preparatórios para os dois Projetos Especiais, realizados em Brzezinka (Polônia), em uma
casa de campo isolada, sem energia elétrica. Para Innes, esta passagem do teatro à
psicoterapia,
(...) de apresentar imagens ritualísticas de auto transcendência a criar ritos em que os
participantes “renascem”, e a conseqüente rejeição da função cênica como
inseparável do “ocultamento e vergonha”, são extensões lógicas da “via negativa” de
85
“Porque desde el comienzo buscaba a Dios y quería una bendición de la vida para hacer la reparación de
mismo, y por eso tenía que hacer el sacrifício teatral. Eso me lo dijo claramente cuando alcanzó la gloria con
El principe constante; dijo “yo busco mi salvación.”
71
Grotowski e seu aprofundamento na autenticidade e na unidade.
86
(INNES, 2000, p.
192).
Para Grotowski, a plenitude se no encontro entre seres humanos que optaram por
acabar com a representação e desconstruir sua identidade social, realizando, assim, uma
comunhão. A salvação para Grotowski, que se declarava ateu, não tinha um caráter religioso
católico. A salvação, para ele, parecia estar ligada à sua própria individuação:
Minha tendência a individuação aumenta, quase a cada semana me traz uma nova
iluminação sobre o ofício. (...) Como pode suceder isso? Parece-me uma mudança
tal, que provavelmente terei que voltar a aprender todo o ofício, quer dizer terei que
estudar baseando-me nesta “consciência orgânica” dos elementos.
87
(GROTOWSKI
in BARBA, 2000, p. 157).
Este processo, segundo Grotowski (em carta a Barba em 1964, quando tinha 31 anos),
trazia uma nova consciência em relação ao seu trabalho. A individuação é o termo junguiano
que designa o que seria o último estágio da personalidade, ouuma possível meta”, no qual
se dá o processo de integração do self, ou seja: “tornar-se um ser único na medida em que por
“individualidade” entendermos nossa singularidade mais última e incomparável, significando
também que nos tornamos nosso próprio si-mesmo” (JUNG, 1996, p. 49). Conforme Jung,
todos os outros processos de integração do inconsciente vividos por um ser humano na vida
individual, são alienações do si-mesmo, “modos de despojar-se do si-mesmo de sua realidade,
em benefício de um papel exterior ou de um significado imaginário”. (JUNG, 1996, p. 49).
Sendo assim, a meta da individuação é liberar-se dos invólucros falsos, das máscaras
socias”, que Jung denominava persona, como também do poder sugestivo das imagens
primordiais (arquétipos).
É interessante perceber que Grotowski, em um primeiro momento da sua trajetória
teatral, trabalhou arduamente para revelar as imagens primordiais e os símbolos da sua
cultura, exaltando-os, questionando-os, profanando-os, ridicularizando-os. Em um segundo
momento, porém, decidiu não mais representar, e trabalhou no sentido de abandonar sua
86
“de presentar imágenes ritualistas de autotranscendencia a crear ritos em que los participantes “renascen”, y
el consiguiente rechazo de la función escénica como inseparable de “ocultamiento y verguanza”, son
extensiones lógicas de la “vía negativa” de Grotowski y su hincapié en la autenticidad y la unidad”.
87
“Mi tendencia a la individuación aumenta, casi casa semana me tare una nueva iluminación sobre el oficio.
(...) Cómo puede suceder esto? Me parece un cambio tal que probablemente tendré que volver a aprender
todo el oficio, es decir tendré que estudiar basádome en esta “conciencia orgánica” de los elementos.”
72
persona, e fazer com que cada participante de seus novos projetos estivessem prontos para
despojarem-se da representação, para deixarem morrer uma certa imagem de si mesmos.
Grotowski e seus atores, quando abandonaram o espetáculo, de certa forma também
descontruíram uma imagem de si mesmos ligadas ao fazer teatral. Conforme Eugenio Barba
(2000), alguns dos atores nunca se recuperaram completamente desta decisão, deste abandono
de um lugar social na arte do espetáculo, como Cieslak, por exemplo, que no fundo se
ressentia por não ter continuado seu trabalho como ator dentro do Teatr-Laboratorium, depois
do estrondoso sucesso de O Príncipe Constante.
O processo de maturação e autoconsciência vivenciado pelo indivíduo na
individuação, conforme Jung, está simbolicamente representado na mitologia heróica, que
conforme foi dito anteriormente, “é a expressão do drama interno e inconsciente da alma”. O
herói, segundo Jung, é um arquétipo do inconsciente coletivo. Para ele, o “ato principal do
herói é vencer o monstro da escuridão”, ou seja, passar por um processo de autoconsciência.
(JUNG, 2003, p. 68).
Este processo, para Durand (1988), seria a conscientização e a aceitação de sua própria
finitude, de sua própria morte; assim como, para Campbell (1997), a primeira ação do herói
mítico é reconciliar-se com sua própria tumba, quer dizer, perder o medo de morrer.
O mito do herói, para Campbell (1997), é uma metáfora da maturação do indivíduo
que tem forte caráter pedagógico. Trata-se, pois, da representação do processo de crescimento
e amadurecimento individual provocado pelo “mergulho” em si mesmo e a luta contra os
próprios “monstros” internos. Este processo é denominado pelo autor, estudioso das várias
faces” do herói mítico nas culturas, de “a saga do herói”, fenômeno vivenciado explicitamente
em algumas culturas com seus ritos de passagem. Para Joseph Henderson, em “O Homem e
seus símbolos”:
(...) é atribuição essencial do mito heróico desenvolver no indivíduo a consciência
do ego o conhecimento de suas próprias forças e fraquezas de maneira a deixá-
lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe de impor. Uma vez passado o
teste inicial e entrando o indivíduo na fase da maturidade da sua vida, o mito do
herói perde a relevância. A morte simbólica do herói assinala, por assim dizer, a
conquista daquela maturidade. (HENDERSON, 1964, p. 112).
Nos mitos heróicos, o herói se rebela contra a ordem, se afasta da sua comunidade, em
busca de benefícios não para si, mas para a sociedade que o cerca. O herói é aquele que
73
“conseguiu vencer suas limitações históricas e locais” e “retornar ao nosso meio,
transfigurado, e ensinar a lição de vida renovada que aprendeu” (CAMPBELL, 1997, p. 28).
Segundo Guillermo E. Molloy (2001, p. 22), pesquisador argentino, as ações do herói
mítico “se encontram sujeitas a uma simples fórmula: a busca”
88
. Esta busca, representada nos
contos, nas lendas, e nos mitos de diversas culturas, é uma representação de uma jornada para
o interior humano, para o próprio inconsciente individual e coletivo.
O momento de auto-enfrentamento, denominado por Grotowski de “via negativa”,
assemelha-se à primeira etapa do caminho do herói mítico, conforme definida na obra O
Herói de Mil Faces de Campbell (1997): é a “separação ou afastamento”, que “consiste num
radical transferência da ênfase do mundo externo para o mundo interno”. Ou seja, retirar-se da
“cena mundana” e penetrar profundamente em sua psiquê, tomar consciência das dificuldades
pessoais a serem efetivamente enfrentadas e, posteriormente, estar apto a “descobrir e
assimilar” diretamente as “imagens arquetípicas”.
Grotowski proporcionou ao seu grupo de trabalho uma experiência de isolamento, que
num primeiro momento, como foi visto anteriormente, não foi um afastamento real da
sociedade, mas a manutenção de uma ambiente favorável ao desenvolvimento pessoal, a
criação de um mundo onde se criam valores e ética própria, onde se possa voltar o olhar para
si mesmo.
Na ocasião de mudança da sede do Teatr-Laboratorium de Opole, para Wroclaw,
Grotowski preocupou-se com a manutenção do ashram, de um lugar propício para o
desenvolvimento pessoal:
(...) as mudanças deste tipo sempre são um emaranhado de perigos. Por exemplo, se
sente que o lugar de trabalho não é aquele pólo de atração exclusiva que poderia
estar no silêncio de uma pequena cidade. Se nesta nova situação mantemos nova
velha estratégia de trabalho chegará inevitavelmente, uma crise, o lugar de trabalho
se converterá num fatigoso lugar de obrigações. O autêntico problema é: como
conservar o silêncio interior onde não existe silêncio no exterior?
89
(BARBA, 2000,
p. 168).
Grotowski, conforme afirmava nos anos setenta, não desenvolveu um método, mas
sim, a realização de uma busca. Segundo ele, “busca do que é mais importante na vida”
88
“se encuetran sujetas a una simple fórmula: la búsqueda.”
89
“los traslados de este tipo siempre son una maraña de peligros. Por ejemplo, se siente de una manera casi
palpable que el lugar de trabajo ya no es aquel polo de atracción exclusiva que podía estar en silencio de una
pequeña ciudad. Si en esta nueva situación mantenemos nuestra vieja estrategia de trabalho llegará
inevitablemente una crisis, y el lugar de trabajo se convertirá em un fatigoso lugar de obligaiones. El
auténtico problema es: como conservar el silencio interior donde no existe silencio en el exterior?”
74
(GROTOWSKI, 1974 (a), p. 9). Esta questão o levou a abandonar o teatro como linguagem
artística espetacular. O que se manteve foi a necessidade de um espaço “laboratorial” de
encontro consigo e o outro. Tem-se assim, não o teatro como profissão, mas como modo de
viver, como uma ética de vida. A resposta para tal busca, segundo ele, “não pode ser
formulada, podemos apenas praticá-la” (GOTOWSKI, 1974 (a), p. 9).
O verdadeiro encontro entre dois seres humanos, que passaram por um processo ou
decisão de eliminação da representação, para Grotowski, era uma forma de superar o medo da
morte.
Se ele procura como eu, se ele não se esconde, se está disposto a assumir os riscos,
se vai ao encontro com a uma coisa derradeira, podemos dizer a nós mesmos: talvez
vamos morrer neste momento.
E talvez não se trate de uma metáfora, e se morrermos, tudo estará bem.
Quando digo isso, vocês podem acreditar que uso metáforas e símbolos, mas estou
dizendo o que sinto, de modo direto. (GROTOWSKI, 1974 b).
Grotowski acreditava que a eliminação da representação, esta morte de si, leva,
inevitavelmente, a uma ascese. Porém, apesar da influência da mitologia cristã e das filosofias
orientais no seu trabalho, Grotowski (1974 b) se dizia ateu, e para ele, a divindade, pode
ser encontrada no próprio ser humano, na sua totalidade, “como seres carnais, sensuais,
espirituais e psíquicos”.
Conforme o pesquisador Marlon Xavier, a integração do si-mesmo é possível
mantendo uma atitude consciente de religio, ou seja, através do funcionamento da função
religiosa: “uma fidelidade, uma entrega ou uma submissão a um fator superior ou a um
princípio ‘convincente’”. (JUNG apud XAVIER, 2006, p. 188).
Para Jung a irrupção de imagens arquetípicas no consciente é por si só, uma
experiência religiosa, pois tais imagens “são percebidas como irresistíveis, autônomas,
fascinantes, plenas de sentido e significado”. Segundo Palmer, “a imagem é viva porque,
empregando-a, as pessoas tocam a parte de si mesmas que é eterna e, por conseguinte,
transcende sua própria particularidade” (PALMER, 2001, p. 172). A tradição religiosa, assim,
não se baseia na religiosa, mas na vivência da imagem. Independente da existência ou
não da divindade, conforme Jung, todo ser humano deve ter a possibilidade de contato com
numinoso, que sua imagem existe, não somente exteriormente, mas como imagem
arquetípica inata. O sujeito, portanto, independente de sua crença tem a possibilidade de
vivenciar a numinosidade da imagem. (XAVIER, 2006, p. 188).
75
Segundo Palmer, “a proposição central do conceito junguiano de Deus é que Deus é
um arquétipo”. Esta afirmação, de que Deus é uma forma arquetípica, implica em dizer que
Deus é um componente estrutural a priori da psique, ou seja, que “todas a concepções de
Deus, por mais sofisticadas ou primitivas, (...), advém de uma modalidade inerente e anterior
à percepção”. (PALMER, 2001, p. 160). Segundo o ponto de vista junguiano, portanto, a
forma arquetípica de Deus é um componente estrutural a priori e imutável da psique, os
conteúdos que estas formas podem assumir, ao invés disso são determinados simbolicamente
nas diversas experiências numinosas. Segundo Palmer, esta afirmação “explica o constante
ataque de Jung a toda imagem de Deus considerada definitiva. (...): Porque os conteúdos-
Deus arquetípicos são sempre simbólicos e nunca literais” (PALMER, 2001, p. 170).
Para Jung, o símbolo é a melhor formulação possível de uma coisa desconhecida”
(JUNG apud PALMER, 2001, p. 168). Para Jung, o que é manifestado (o significado, o
conteúdo) através das imagens (o significante, a forma) não deve ser idêntico à própria
imagem, pois, caso ocorra tal identificação, a imagem não está sendo revelada, e o símbolo é
reduzido a signo.
Grotowski, quando nega uma imagem fixa de Deus, se dizendo ateu, e afirma que Deus
pode ser encontrado no próprio ser humano, se aproxima do que Jung entende por
experiência religiosa. E o que Grotowski descreve como sendo a experiência da plenitude da
comunhão com outro ser humano é similar a uma iluminação, uma revelação divina, uma
experiência de Deus, desencadeada sempre por outro ser humano:
De que modo, então, ver o outro, como olhar para ele?
Com todo o nosso ser, não apenas com os olhos, como se o estivéssemos vendo pela
primeira vez.
Se pudermos fazer isso - e é isso que eu chamo olhar - teremos uma revelação. É
como se um crente estivesse encontrado Deus. No momento em que o verdadeiro
encontro se torna possível - e esse momento pode existir - apesar desse movimento
ser provisório, toda a natureza humana se desencadeia.
Não o problema das impulsões de corpo, não limites para as forças do corpo,
para a voz. Tudo está desbloqueado, tudo está vivo. Existem forças que nos
transbordam, que nos carregam, uma espécie de lucidez que é imediato; é como
sair de uma caverna em pleno dia, é como ver o mundo pela primeira vez, em todas
as suas cores, em tudo aquilo que é palpável, tangível, em toda a sua presença.
(GROTOWSKI, 1974 b).
No processo de criação do último espetáculo, Apocalypsis cum figuris, Grotowski
usava uma metáfora para proporcionar o desvelamento dos atores nos processos de criação
que, conforme vimos anteriormente, criavam seus personagens a partir da identificação
76
pessoal com certos arquétipo: mostra-me teu Homem e eu te mostrarei o meu Deus”.
Segundo ele, só ocorre algo de criativo entre um ator e um diretor quando há um contato entre
dois mistérios: “conhecendo o mistério do outro, conhece-se a si próprio” (GROTOWSKI,
2007(b), p. 181).
Este processo marca um período de afirmação de todos os valores exaltados por
Grotowski durante seu percurso teatral, porém, mais uma vez através de uma “via negativa”.
Conforme Grotowski (2007(b), p. 182):
No caso de Apocalypsis a aceitação do “meu Homem” realizava-se no decorrer do
inteiro processo da sua gênese por meio da rejeição, da renúncia. Ousaria dar uma
formulação nesse termos: como diretor a única semente que conservei do início ao
fim daquele trabalho foi a recusa dos esteriótipos e, especificamente, dos esteriótipos
do meu trabalho.
A renúncia, segundo Grotowski, foi o único tema do trabalho desenvolvido em
Apocalypsis cum figuris, e após este espetáculo anunciou sua renúncia ao teatro, ou melhor,
ao espetáculo.
Ao abandonar o “sacrifício do corpo”, segundo Ouaknine (2005, p. 51), Grotowski
alcançou a “bênção da voz”, na última fase de seu trabalho realizado junto a Thomas
Richards. Grotowski não considerava este último um trabalho propriamente teatral. A
diferença entre teatro e a arte como veículo, segundo ele está na origem do trabalho. A Action,
partitura física e vocal ligada à pesquisa de cantos vibratórios tradicionais de diversas
culturas, segundo Grotowski, não tem mais objetivo de produzir efeitos em quem assiste, mas
em quem faz.
Os cantos tradicionais, conforme Grotowski, eram usados como instrumento de
“verticalidade”, similar aos mantras na cultura budista ou hindu: “o mantra é uma forma
sonora, muito elaborada, que engloba também a posição do corpo e a respiração, e que faz
aparecer uma vibração determinada em um tempo-ritmo a tal ponto preciso que influencia o
tempo-ritmo da mente” (GROTOWSKI, 2007(c), p. 237). A verticalidade” (ou
ascencionalidade) à qual se refere Grotowski, é um “fenômeno de ordem energética: energias
mais pesadas mas orgânicas (ligadas às forças da vida, aos instintos, à sensualidade) e outras
mais sutis”. A verticalidade seria, portanto, a possibilidade de mover-se entre estas energias,
passando das energias mais “cotidianas”e grosseiras a um nível energético mais sutil, e em
contrapartida, descer, trazendo esta energias sutis à realidade cotidiana e à “densidade” do
corpo.
77
O objetivo deste trabalho, conforme aponta De Marinis ao analizar a eficácia” do
trabalho desenvolvido por Grotowski, não é simplesmente “melhorar a si mesmo”, ou “ser
mais feliz”, mas sim, promover um “crescimento pessoal que está ligado a experimentar
concretamente formas, níveis, diferentes estados de consciência, dilatação ou expansão da
percepção”
90
(DE MARINIS, 2005, p. 242). Experimentam-se, pois, transformações
energéticas como nas práticas ascéticas.
Segundo Barba, tal trabalho já era desenvolvido no período em que Grotowski realizou
espetáculos e era denominado de “técnica 2”. A “técnica 2” consistia em um treinamento com
objetivo de “liberar a energia espiritual”, através de técnicas de respiração, yoga e meditação
que, conforme Barba, “permitia ascender a regiões desconhecidas, dos xamãs, dos yogui, dos
místicos. Acreditávamos profundamente que o ator podia ascender a esta ‘técnica’”
91
.
(BARBA apud DE MARINIS, 2005, p. 236).
As obras pertencentes ao período da Arte como Veículo, conforme Antonio Attisani
92
,
podem ser definidas como “eventos teatrais compostos de ações físicas e cantos, organizados
segundo uma sintaxe poética, ou melhor, energética. Pode-se também falar de “montagem
yoguica””
93
(ATTISANI, 2007, p. 132). Grotowski, assim, sustenta uma lógica ritual” ou
“litúrgica”, que está a serviço das transformações da qualidade da energia. “Os espectadores
de tais eventos, ou melhor, os convidados são testemunhas de exercícios espirituais que se
realizam em forma de obras performativas coletivas.”
94
(ATTISANI, 2007, p. 132).
Grotowski dá os créditos da criação de Action exclusivamente a Thomas Richards: “é
uma obra interiramente criada e dirigida por Thomas Richards, e sobre a qual ele prossegue
um trabalho contínuo desde 1994” (GROTOWSKI, 2007(f), p. 126). Segundo ele, o
nascimento deste trabalho não se deu através de uma colaboração entre os dois, no sentido de
90
“crecimiento personal que está ligado a experimentar concretamente formas, niveles, diferentes estados de
conciencia, una dilatación o expansión de la percepción”.
91
“permitía acceder a las regiones desconocidas de los chamanes, de los yogui, de los místicos. Creíamos
profundamente que el actor podía acceder a esta “técnica”.
92
Professor de História do Teatro da Universidade de Veneza.
93
“eventi teatrali composti de azione fisiche e canti, organizzati secondo uma sintassi poetica o meglio
energetica. Si potrebbe anche parlare di “montagio yogico”.
94
“Gli spettattori di tali eventi, o meglio i convenuti, cono testemoni di esercizi spirituali che si realizzano in
forma di opere performative colletive.”
78
uma criação a quatro mãos, mas sim, através da transmissão de uma tradição (a partir do
período em que trabalharam juntos nos EUA, em 1985), transmissão daquilo que ele havia
alcançado em sua vida: o aspecto interior do trabalho.
Grotowski, já nos últimos anos de vida em que estava muito doente, enfatiza em suas
declarações, a importância da transmissão de uma tradição quase como uma missão”: “O
que se pode transmitir? Como e a quem transmitir? São perguntas que cada pessoa que herdou
da tradição se põe, porque herda ao mesmo tempo uma espécie de dever: transmitir aquilo que
recebeu.”
95
. (GROTOWSKI, 2007(f), p. 127). Transmitir o que recebeu e ser fiel, mas ao
mesmo tempo, dar uma contribuição pessoal para aquela tradição, sem contudo fazer um
esforço para exercer uma influência sobre os outros. Pois, conforme afirma, em todas as
experiências na história da arte, e não da arte, em que se procura exercitar uma influência
forçada, aquilo que se quer forçosamente transmitir, morre ou se desvirtua.
Action que, conforme Grotowski afirma, traz uma síntese de tudo que ele alcançou
em sua vida, o que ele chamou de “aspecto interior do trabalho”, e que não foi uma invenção
sua, mas fruto de uma transmissão, é uma das extremidades da cadeia (a arte como
apresentação e a arte como veículo): a extremidade “quase invisível”. O trabalho, a ação
(action) não ocorre mais no exterior, mas no interior do indivíduo, não se a ver, mas pode
ser experimentada. O que é visto pelas testemunhas, os gestos e os cantos, não são o trabalho
em si, porque o trabalho é interior, a “verticalidade”. É, porém, “quase invisível” porque não é
destinada a ser apresentada publicamente mas necessita de testemunhas e compartilhamento,
de encontro, para que possa ser transmitida. Pois, conforme Grotowski, assim como as
influências de seu trabalho no âmbito da arte e da vida, o que ocorre nesta experiência deve
ficar invisível, mas não completamente” (GROTOWSKI, 2007(c), p. 243).
95
“Che cosa si può trasmettere? Come e a chi trasmettere? Sono domande che ogni persona che ha ereditato
dalla tradizione si pone, perché eredita nello stesso tempo una specie de dovere: trasmettere ciò che lui stesso
ha ricevuto.”
79
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Para Grotowski o teatro era “uma missão moral e social centrada sobre um núcleo de
valores intelectuais, dedicada ao progresso e à sustentação de uma nova ética, laica e
racional” (GROTOWSKI apud KUMIEGA, 1989, 99). Kumiega afirma que esta “fé
messiânica” de Grotowski no teatro, é fruto dos anos de formação marxista e do seu fascínio
pessoal pela filosofia oriental.
Conforme aponta o filósofo Leandro Konder, para Marx “os caminhos da mudança
podiam ser caminhos da revolução, da ação prática, política voltada para mobilização dos
trabalhadores, para a organização das massas do povo” (KONDER, 2003, 133). Grotowski,
porém, desistiu logo aos vinte e poucos anos de mobilizar as massas e fazer a revolução
política. Durante sua pequena participação efetiva na vida política da Polônia, declarou que
queria ser como Gandhi: um herói para seu povo. Logo percebeu que isto não seria possível e
seu desejo de transformar o mundo se transferiu para o teatro. Ou melhor, o teatro passou a
ser uma ferramenta de transformação com a qual ele faria a revolução. Não das massas, mas
de si mesmo e daqueles que estiveram com ele.
Seu trabalho também sempre esteve em constante revolução, e o único método que se
manteve durante todo seu percurso foi o da “via-negativa”. O método da eliminação.
Primeiramente, eliminou cenários, figurinos, efeitos de luz e som, na busca do que era
essencial para a realização do fenômeno teatral. Assim, restaram o ator e o espectador.
Depois, propôs aos seus atores um trabalho diário com o objetivo de eliminar qualquer
impedimento aos impulsos corporais orgânicos. Em seguida, eliminou o que ele chamava de
“exercício público da profissão”, o espetáculo. Porém, não pretendia eliminar apenas o
espetáculo, mas também a representação. A representação teatral e as representações sociais.
A coerência da busca de Grotowski está pautada nas suas motivações pessoais que
sempre apontaram na direção de uma busca por espiritualidade: uma espiritualidade laica, que
segundo ele, se revela no encontro verdadeiro entre seres humanos que resolveram não mais
representar em suas vidas.
Grotowski estava sempre à procura de algo novo e desconhecido, algo que não o
deixasse acomodado na consolidação de técnicas e métodos. Assim, impôs a si mesmo, e aos
que trabalharam fielmente com ele durante anos, uma vida de renúncia e sacrifício. Renúncia
80
a lugares cômodos, renúncia à fama, renúncia à representação no teatro e na vida e, a mais
importante de todas, renúncia à própria identidade de artista.
É interessante, no que diz respeito ao vínculo de Grotowski com a filosofia oriental,
tentar responder a uma questão: qual era a idéia de Oriente de Grotowski? Afinal, como
apontou Eugenia Casini Ropa
96
, o Oriente não é, na história da refundação de valores do
teatro europeu do século XX, meramente um lugar exótico e uma localização geográfica
distante, mas sim uma construção mental, uma categoria do pensamento, pautada, muitas
vezes, em inverdades e equívocos. Grotowski mesmo se refere a esta questão no texto
Oriente/Ocidente (1993, 63): “quando falamos de Oriente e de Ocidente está a confusão.
Onde começa o Oriente? Certos povos considerados orientais por outros, não se consideram a
si mesmos como ocidentais? E o contrário também é verdade.”
O primeiro contato de Grotowski com o Oriente foi através de um livro lido aos nove
anos de idade, refugiado numa pequena vila na Polônia, Nienadówka, no momento em que
seu país era destruído e milhões de pessoas eram mortas durante a Segunda Guerra Mundial.
Este contexto foi significativo para delinear a idéia de Oriente de Grotowski, que, ao que tudo
indica, está na origem de sua busca por uma evolução espiritual.
Mais um fato parece ser relevante na origem de sua espiritualidade: Grotowski tinha
sérios problemas de saúde, desde muito jovem. Conforme Eugenio Barba, a trajetória de
Grotowski estava totalmente vinculada à experiência eminente da morte. A busca por
transcendência, pela imortalidade, por assim dizer, esteve associado ao seu “medo de morrer”.
O teatro, estando no campo da experiência simbólica, pode também ser considerado uma
forma de transcendência da “finitude”, um “anti-destino”; pois, como afirma Durand (1988), a
função simbólica tem o papel, justamente, de afastar o homem da sua condição temporal.
Esta reflexão sobre a transcendência como anti-destino nos faz retomar a pergunta: o
que era a salvação” para Grotowski? Conforme salientado no segundo capítulo, a idéia de
“salvação” está ligada ao processo simbólico de individuação: a integração do self (si-mesmo)
através de um processo de “essencialização”. A idéia de “essência” aparece diversas vezes nas
falas e propostas de Grotowski. Quando, por exemplo, propõe a eliminação, através do
training, daquilo que impede que o ator “se mostre verdadeiramente” ao espectador, ou seja,
96
Docente de "História da Dança e do Mimo" no Departamento de Música e Espetáculo (DAMS) da
Universidade de Bolonha Itália, em conferência, Entrelaços de ramos e raízes: a dança européia no
terreno composto da intercultura, no Seminário Internacional Intercultura e Poéticas Teatrais no Centro de
Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, em novembro de 2008.
81
que se mostre em “essência”. Também aparece na sua busca pela “essência” do teatro: “a
essência do teatro é o encontro” (Grotowski, 1987, 48). A salvação simbólica, porém,
pressupõe um sacrifício real.
Como vimos, a tradição artística polonesa com a qual Grotowski se relacionava, a
companhia teatral Reduta e os autores do Romantismo polonês, como também o contexto
histórico-sócio-cultural em que esteve inserido, a influência da tradição cristã, das Guerras
Mundiais, da stalinização da Polônia e a formação marxista, associados a uma compreensível
fascinação familiar por um Oriente distante, geraram em Grotowski a idéia de que era
necessário um sacrifício “para realizar a reparação de si mesmo”. Um sacrifício, por um lado,
ligado ao martírio político, à construção de uma nova ética, através de trabalho e de
disciplina, e do desejo de se sacrificar em nome de seu povo, como Gandhi. Por outro, um
sacrifício ligado ao martírio espiritual, com práticas corporais provindas de diversas culturas
destinadas à ascese, com o objetivo de expandir a percepção, de atingir níveis energéticos
mais sutis, retomando, assim, a idéia de elevação espiritual através da purificação do corpo e
da mente, presentes em algumas filosofia orientais, como na yoga e no hinduísmo, mas
também na tradição cristã.
Porém, como acima indicado, a constante luta de Grotowski por manter-se vivo,
realizando sucessivas cirurgias, tendo que manter-se por longos períodos em hospitais, torna-
se também uma busca concreta por uma “salvação” física. Grotowski (1974) afirma que, por
vezes, tinha um estranho medo de não existir, o que revela uma identidade frágil. No seu
percurso artístico, Grotowski diz ter se dado conta da construção de um personagem de si
mesmo, o “diretor teatral”, para se afirmar enquanto ser, para acabar com o sentimento de não
estar no mundo. Personagem de si mesmo que, paradoxalmente, ele deseja abandonar em
certo momento da sua vida, quando se decide pela experiência parateatral. Neste processo de
individuação, se dilui a afirmação de uma identidade social. Como afirma Jung, a
individuação é possível através de uma atitude de religio, ou seja, de conexão com algo
transcendente, simbólico, que ultrapassa a individualidade e o tempo. Uma experiência que
faz com que o indivíduo entre em contato com a totalidade e com a eternidade. Jung chamava
esta experiência de “experiência de Deus”. Palacio (1991) afirma que, paradoxalmente,
quando Grotowski alcançou resgatar o ritual no teatral, o teatro se acabou para ele. O teatro
deixou de ser necessário para Grotowski quando a experiência simbólica da totalidade não
pedia mais a representação de papéis.
82
Pensando na arte teatral na contemporaneidade, por outro lado, seria ingênuo pensar
que o teatro, enquanto arte representacional, faça parte de uma primeira etapa “menos
evoluída” da vida do artista, e que esta deva ser abandonada quando se atinge uma certa
maturidade espiritual. Este foi um caminho muito particular de Grotowski, resultado de um
percurso único, pautado em buscas pessoais que, porém, nos fazem refletir sobre as artes
cênicas na contemporaneidade e a sua função na vida social e na vida daqueles que fazem
teatro.
Grotowski iniciou seu percurso teatral perguntando-se o que era especificamente
teatral, o que diferenciava o teatro de outras artes, e chegou à conclusão que era oencontro”
real, vivo entre o ator e o espectador. Se pensarmos na contemporaneidade, quando tudo se
torna espetacular, ou tudo se a ver em forma de espetáculo, numa realidade mediada e
estetizada, qual seria então o lugar do espetáculo teatral? E qual é a melhor forma de se
colocar artisticamente em relação a um mundo cheio de injustiças, de tragédias e
desigualdades? Grotowski nos deixou um legado: a ênfase na não-representação e no encontro
social vivo e real entre seres humanos, além de um modo irônico e corrosivo de se colocar em
relação ao mundo, a dialética da “apoteose” e do “escárnio”, da “exaltação” e da
“profanação”, da “afirmação” e da “superação”: a refundação da saga heróica.
No percurso pessoal e profissional de Grotowski podemos encontrar alguns motivos e
temas que aparecem nas mitologias heróicas, como o afastamento do mundo social, a
renúncia, o questionamento, o sacrifício e a ascese. Além disso, ele retomou constantemente
nos seus espetáculos, os heróis míticos e históricos poloneses e os heróis míticos cristãos. A
mitologia heróica sempre narra a saga de um homem em busca de benefícios reiais e
simbólicos, não para si mesmo, mas para todos que o cercam. Um homem que se sacrifica
em nome da sua comunidade, da sociedade e da humanidade. Grotowski e seus atores
sacrificaram sua identidade de artistas em nome de uma busca ideológica, ética e espiritual,
que influenciou inúmeras pessoas, desde aquelas que participaram efetivamente dos projetos
do Teatr-Laboratorium, os participantes dos projetos especiais em Brzezinka, as testemunhas
da Action, até muitos outros que foram tocados pelo contato com sua pessoa e seu trabalho.
E voltamos à questão: a prática deste teatro foi capaz de melhorar ou tornar mais feliz
quem o praticou? De Marinis (2005) cita a declaração de Mario Biagini que se refere sobre as
sensações experimentadas na prática dos cantos, a “verticalidade” (o que Thomas Richards
83
chama de action interior, a ascensão e mudança de qualidade de energias), como uma “volta
para casa”:
(...) pode-se também dizer que é o sujeito eu que muda de qualidade, como se
meu ser, minha percepção de mim mesmo no mundo e do mundo em mim, mudasse
de qualidade. (...). E logo esta percepção termina e, por sua vez, fica algo como uma
ressonância dela em você e com você. E você não é melhor que antes, somente
tentou, quase desesperadamente, voltar para casa”.
97
(BIAGINI apud DE MARINIS,
2005, 245).
Esta volta para casa pode ser interpretada como uma volta para si mesmo, uma
experiência de totalidade e intemporalidade. Mas, também, como um retorno a uma tradição
com a qual é possível identificar-se e sentir-se parte. Esta talvez seja a “salvação”: a sensação
de “estar novamente em casa”.
Grotowski, ao ser perguntado sobre o que restará depois de sua morte, afirmou: “o que
restará depois de mim não pode ser da ordem da imitação mas da superação” (2007(g), 118),
citando como exemplo os mestres budistas e seus discípulos: a importância e o dever de
transmitir aquilo que foi transmitido por outros que vieram antes, de transmitir uma tradição
e, ao mesmo tempo, dar sua própria contribuição para aquela tradição, realizando uma
superação sem deturpar ou destruir o que recebeu. Esta também é uma forma de perpetuar-se
no tempo, tornar-se imortal, fazer parte de uma tradição, de uma história, de “salvar-se”.
Conforme Barba (2000), Grotowski tinha cópias em várias línguas do trecho do livro
In Search of The Secret India, em que Paul Brunton descreve seu encontro com o mestre
Maharishi. Ele as entregava para todos que trabalhavam com ele no Teatr-Laboratorium.
Além disso, Grotowski mantinha uma foto de Maharishi nos quartos em que viveu
98
.
Grotowski, na eterna busca pelo seu Oriente, esteve na Índia quatro vezes e, na última
delas, visitou com sua mãe, Arunashala, o retiro espiritual do mestre Maharishi. Antes de
morrer, pediu que sua cinzas fossem levadas às montanhas de Arunashala: ele finalmente
voltaria para casa.
97
“puede también decir que es el sujeto yo el que cambia de cualidad, como si mi ser, mi percepción de mí
mismo en el mundo y del mundo en, cambiasen de calidad. (...) Y, luego, esta percepción termina y a su
vez queda algo como una resonancia de ella en ti y contigo. Y no eres mejor que antes, solamente has
intentado, casi desesperadamente, volver a casa.”
98
Barba (2000) chama atenção para o fato de que Grotowski nunca teve uma casa, sempre morou em quartos
com livros por todos os lados.
84
CRONOLOGIA DE JERZY GROTOWSKI
1933
Grotowski nasceu no dia 11 de agosto de 1933, em Rezeszów, próximo a
fronteira oriental da Polônia. Seu pai era guarda florestal e sua mãe professora
de escola, ambos eram filhos de professores universitários. Seu único irmão,
Kasimierz, três anos mais velho, tornou-se professor de teorias psíquicas na
Jagielloński University na Cracóvia. Seus avós maternos eram interessados em
estudos sobre o Oriente. (KUMIEGA, 1989, p. 14).
Grotowski reconhece a forte influência dos parentes maternos nos seus
primeiros anos de vida e admite ter herdado de seu avô a convicção que o que é
sagrado não é, necessariamente, religião. Seu avô freqüentava o seminário e,
um pouco antes de ser ordenado, fez uma viagem para Roma para ver o Papa.
Lá, teve uma espécie de “visão reveladora” que o fez renunciar a sua
ordenação, e posteriormente, casar-se. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 1).
1938
Morre em Moscou, o ator, diretor teatral e pedagogo russo Constantin
Stanislavski.
1939
Na Segunda Guerra Mundial, a Polônia foi invadida pela Alemanha e pela
União Soviética, após o pacto de não-agressão entre Hitler e Stálin. A
ocupação nazista na Polônia conduziu ao extermínio de seis milhões de pessoas
nos campos de concentração e nos inúmeros ataques, onde cidades inteiras
foram destruídas.
Durante a guerra, Emilia Grotowska, com seus dois filhos, Kasimierz e Jerzy,
refugiou-se em Nienadówka, uma vila de camponeses próxima a Rzeszów,
onde permaneceram até o fim da guerra. Nesta época, o pai de Grotowski, era
85
oficial do Exército Polaco e mais tarde foi transferido para Inglaterra, onde
morreu em 1968. (KUMIEGA, 1989, p. 14).
1942
Grotowski, aos nove anos de idade e incentivado por sua mãe,, o livro In
Search of The Secret Índia, do escritor inglês Paul Brunton, durante o refúgio
na cidade de Nienadówk. Alguns capítulos são dedicados ao mestre Ramana
Maharishi, por quem Grotowski passou a nutrir grande admiração e interesse.
Durante os anos de trabalho no Teatr-Laboratorium, Grotowski manteve
cópias em várias línguas dos capítulos sobre Maharishi, que distribuía para
todos que trabalhavam com ele. (BARBA, 2000, p. 63).
1949
Com dezesseis Grotowski ficou gravemente doente. Ele teve que permanecer
no hospital por um ano inteiro, rodeado de doentes terminais. Grotowski foi
transformado por esta experiência. Antes disso era alegre e ativo, um exímio
nadador, depois desta experiência, começou a estudar, a meditar, e ler muitos
livros. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 2).
1951
Grotowski ingressa na Escola de Estudos Superiores de Teatro da Cracóvia,
decidido a tornar-se diretor. Porém, inscreveu-se para a formação de atores,
pois decidiu que precisava de experiência como ator antes de tornar-se diretor.
No formulário de inscrição, Grotowski menciona sua necessidade de suporte
financeiro, alegando que o pequeno salário de sua mãe não era suficiente para
sustentar três pessoas, e que ele havia contribuído no rendimento familiar
durante o ensino médio, quando tinha bolsa de estudos.
Durante seus estudos continuou a cultivar seu interesse pelo Oriente, indo a
palestras e procurando professores. Entre eles estavam Professora Helena
Willman-Grabowska (1857-1957), uma autoridade em cultura indiana e
iraniana, e Dr. Franciszek Tokarz (1879-1973), um especialista em filosofia
indiana. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 3).
86
1955
No início de 1955, Grotowski estreou como escritor free-lance. Seu primeiro
artigo, "O Balão Vermelho", publicado em um suplemento para o Dziennik
Polski Cracóvia, apelou à criação de um Clube de Jovens Artistas na Cracóvia:
“Nós precisamos prestar homenagens à tradição com ações e não com palavras.
Nós precisamos cultivar as sementes do passado, que podem florescer em
novos valores em solo moderno. (...) Nós queremos influenciar o homem e o
mundo com a nossa arte. Nós temos a coragem de lutar aberta e
fervorosamente pelas questões mais importantes porque somente estas questões
têm valor para lutar por elas”. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 3).
Grotowski concluiu seus estudos atorais na Cracóvia. Ele foi designado para o
Stary [Old] Teatro de Cracóvia após sua graduação, de acordo com as práticas
correntes no Estado. Em seu contrato, ele recebeu garantia de emprego no
teatro a partir de outubro de 1955 até setembro de 1958, mas sua nomeação foi
adiada quando ele recebeu uma bolsa para estudar Direção Teatral no Instituto
de Artes cênicas (GITIS), em Moscou. teve como instrutor o professor Yuri
Zavadski, ator de Eugeni Vajtangov e Constantin Stanislavski.
Estudou técnicas de Stanislavsky, Vakhtangov, Meyerhold, e Tairov. Mas,
naquela época estava especialmente interessado em Stanislavski,
principalmente no “método de ações físicas". (KUMIEGA, 1985, p. 14).
1956
Grotowski, mais uma vez, interrompe seus estudos por problemas de saúde.
Para se recuperar, obteve uma bolsa e fez sua primeira viagem à Ásia Central,
viajando por dois meses durante o verão. (KUMIEGA, 1985, p. 14).
Grotowski retornou a Polônia em outubro para estudar direção na Escola de
Teatro da Cracóvia. Porém os acontecimentos daquele tempo acabaram por
envolvê-lo. Ele participou ativamente das organizações políticas juvenis
durante o “Outubro Polaco”, movimento de insurreição contra a burocracia
stalinista, que levou ao poder o liberal, recém saído da prisão, Wladislaw
Gomulka. Grotowski chegou a ser secretário do Comitê Central do Movimento
da Juventude Socialista. (KUMIEGA, 1985, p. 15).
87
1957
Início da fase denominada de Arte como Apresentação ou Teatro do
Espetáculo, que vai até 1969. (DE MARINIS, 1993, p. 84).
Grotowski, como professor assistente no Teatro Escola (abril de 1957 ao verão
de 1959), realiza sua primeira produção, co-dirigindo com Aleksandra
Mianowska, o texto As Cadeiras, de Ionesco no Teatro Stary. (KUMIEGA,
1985, p. 16).
Grotowski visitou a França pela primeira vez para o Encontro Internacional da
Juventude em Avignon. Durante esse tempo ele soube do trabalho de Jean
Vilar e seu professor, Charles Dullin. (KUMIEGA, 1985, p. 16).
No outono deste ano, Grotowski foi chamado na Cracóvia pelo poder político
para justificar a sua participação nas atividades da POLA (Political Center of
the Academic Left) ZMS (Union of Soviet Youth). Sua explicação foi aceita
apenas parcialmente, e mais tarde ele foi criticado e atacado por sua associação
com a organização. (GAFIELD-KNIGHT, 1992, p. 8).
1958
Grotowski organizou e conduziu um ciclo de conferências semanais sobre
filosofia oriental para estudantes da Cracóvia. Entre os temas abordados
estavam: Budismo, Yoga, o Upanishad, Confúcio, Taoísmo e o Zen-Budismo.
(KUMIEGA, 1985,p. 15).
1959
Dirigiu Tio Vânia (Tchecov), sua última produção no Stary Teatr antes de se
transferir a Opole. O espetáculo teve uma boa aceitação da crítica, inclusive de
Ludwick Flaszen, que na época, era diretor literário do importante Teatro
Slowaki. Na época todo teatro polonês tinha um diretor artístico e outro
literário, que tinha papel de “crítico interno”, de questionador, de “advogado do
diabo”, papel indispensável que, mais à frente, Flaszen desempenhou também
no Teatr- Laboratorium. (BARBA, 2000, p. 31).
Grotowski é convidado para, junto com Ludwick Flaszen, administrar o
pequeno Teatr 13-Rzedow (Teatro das Treze Filas) em Opole, onde neste
88
mesmo ano, dirigiu Orfeu (Jean Cocteau) em apenas três semanas.
(KUMIEGA, 1985, p. 22).
Grotowski, mais uma vez, visitou Paris, onde conheceu Marcel Marceau e
ficou muito impressionado com o trabalho da mímica. Alguns exercícios de
pantomima foram incorporados ao training. (BARBA, 2000, p. 61).
1960
Grotowski recebe finalmente o diploma da Escola de Teatro da Cracóvia, junto
com a qualificação profissional de diretor.
Em Opole, neste ano, dirigiu Caim (Lord Byron), Mistério Bufo (Maiakowski)
e Sakuntala (Kalidassa). nestes primeiros espetáculos, Grotowski usava ao
se referir ao autor do texto, como sendo “segundo” tal autor, e não “de”, pois
assim, manifestava sua autonomia em relação ao texto que ele encenava,
deixando claro nos libretos, que eram a inspiração, ou o ponto de partida do
processo de criação do espetáculo, mas que a obra espetacular era independente
da matriz literária. (KUMIEGA, 1985, p. 22).
Além do repertório principal, alguns outros projetos foram realizados a partir
do ano de 1960, no Teatr- Laboratorium, como o Kabaret Blazeja Sartra
(Blaise Sartre’s Cabaret), baseado no texto de Adam Kurczyna, com canções
de Antoni Jaholkowski, e dirigido por Zygmunt Molik. (CHOJAK, 2006, p. 2).
Montou Fausto, de Goethe, no Teatro Polaco, em Poznán. Este será seu único
trabalho fora do Teatr 13-Rzedow em todo seu percurso. (KUMIEGA, 1985, p.
22).
Grotowski declara as influências do hinduísmo no seu trabalho num texto
escrito durante os ensaios de Sakuntala, para uma intervenção no Círculo de
Amigos do Teatr-Laboratorium, em setembro de 1960. (BARBA, 2000, p. 64).
1961
Dirigiu Os antepassados, segundo Adam Mickiewcz, o primeiro drama
romântico de um autor polonês, dirigido por ele. (KUMIEGA, 1985, p. 23).
Eugenio Barba, estudante de teatro na Polônia, com bolsa de estudos italiana,
convidado por uma amiga, faz sua primeira visita ao Teatr 13-Rzedow,
89
interessado em conhecer o trabalho de Flaszen, que era considerado um dos
melhores críticos literários e teatrais da época, e famoso por seus textos
proibidos pela censura, que revelavam sua atitude crítica em relação a cultura
oficial. Na ocasião, Barba assistiu Os Antepassados, que segundo ele, o deixou
indiferente, e o fato de os atores circularem entre os espectadores não o
impressionou. (BARBA, 2000, p. 18).
1962
Dirigiu Kordian, outro drama do romantismo polonês, de Slowaki.
(KUMIEGA, 1985, p. 38).
Em janeiro, após uma segunda visita ao Teatr 13-Rzedow, Barba chega em
Opole para trabalhar com assistente de direção de Akropolis. (BARBA, 2000,
p. 28).
com Barba como assistente de direção, montou, Akropolis (Wyspianski) e A
trágica história de Dr. Faustus (Marlowe), inaugurando a fase, que foi
denominada em um artigo por Flaszen (sobre Akropolis), “teatro pobre”, que
privilegia acima de tudo a relação entre o ator e o espectador, em detrimento do
cenário, figurino, maquiagem, efeitos de iluminação e som. (BARBA, 2000, p.
32).
No programa do espetáculo Akropolis aparece pela primeira vez o nome Teatr-
Laboratorium 13 Rzedów (Teatro Laboratório das Treze Filas). (BARBA,
2000, p. 52).
Grotowski é convidado a integrar uma delegação oficial polonesa que vai ao
Festival da Juventude de Helsiski, na Finlândia. (BARBA, 2000, p. 40).
Grotowski, também em uma delegação oficial polonesa, vai a China por três
semanas. Ao assistir espetáculos chineses, chamou-lhe a atenção o que ele
chamou de “princípio chinês”, que mais tarde seria denominado por Eugenio
Barba, de equivalência, um dos princípios da Antropologia Teatral. (BARBA,
2000, p. 62).
Eugenio Barba viaja pela Europa com a missão de difundir as idéias e
espetáculos do Teatr- Laboratorium. (BARBA, 2000, p. 74).
90
1963
O casal francês Raymonde e Valentin Tenkine, cuja influência foi determinante
para o trabalho de Grotowski ser reconhecido no estrangeiro, visitou o Teatro
Laboratório e assistiu Akropolis. Raymonde era crítica teatral em Paris,
escrevia para o Combat, periódico fundado por Camus, e para outras revistas
francesas e suíças. (BARBA, 2000, p. 40).
Eugenio Barba viaja para a Índia, sem saber se sua bolsa de estudos na Polônia
iria ser renovada pelo governo italiano. Permaneceu na Índia por seis meses
estudando o teatro indiano. Depois, ao saber que sua bolsa havia sido renovada,
volta a Opole, e leva seu aprendizado ao Teatro Laboratório, incorporando
alguns exercícios ao training. (BARBA, 2000, p. 92).
O inglês Mike Elster, estudante de direção cinematográfica em Lódz, na
Polônia, realiza um documentário, “Carta de Opole”, sobre o Teatr-
Laboratium, com cenas do cotidiano, do teatro, do training e do espetáculo Dr.
Faustus. Este, que foi o trabalho de conclusão de curso de Elster, é o mais
antigo documentário do Teatr-Laboratorium. (BARBA, 2000, 71).
Acontece o primeiro contato por carta do americano Richard Schechner com o
teatro Laboratório. Na carta ele solicita textos e fotos de Dr. Faustus para a
edição sobre Christopher Marlowe, da Tulane Drama Review, da qual
Schechner era diretor. (BARBA, 2000, p. 75).
Aconteceu na Varsóvia o X Congresso Internacional do ITI (Instituto
Internacional de Teatro). Neste congresso o trabalho de Grotowski, através do
espetáculo Dr. Fautus teve, pela primeira vez, visibilidade internacional.
Apesar de não ter sido convidado oficialmente para participar do Congresso, o
grupo resolveu se instalar na cidade vizinha Lodz, e numa estratégia elaborada
com Eugenio Barba, levaram os participantes do evento para ver o espetáculo.
(BARBA, 2000, p. 82).
1964
Estréia, no 17 de março, o espetáculo Estudo sobre Hamlet. (KUMIEGA,
1989, p. 58).
91
No verão deste ano, a Tulane Drama Review difundiu o trabalho do Teatr-
Laboratorium pela primeira vez na América. (BARBA, 2000, p. 75).
Em abril, Eugenio Barba, em uma das viagens com o intuito de divulgar o
trabalho de Grotowski, foi impedido, em Oslo, na Noruega, de voltar a Polônia.
Ao solicitar, numa mera formalidade, o visto de entrada no país, recebeu uma
negativa do consulado polonês com a alegação de que era persona non grata.
(BARBA, 2000, p. 101).
Em outubro, Barba, cria em Oslo (Noruega), o Odin Teatret, junto com jovens
atores “rejeitados pela escola nacional de teatro”. (BARBA, 2000, p. 109).
O Teatr-Laboratium 13 Rezedów é fechado pelas autoridades de Opole,
pressionados pelas autoridades centrais da Varsóvia. As autoridades municipais
de Wroclaw, com o intuito de salvar a companhia, providenciam o transporte e
a abertura do teatro em sua cidade Opole, na época, tinha sessenta mil
habitantes, enquanto Wroclaw era uma cidade de meio milhão de habitantes.
(BARBA, 2000, p. 161).
1965
Em janeiro, o Teatr-Laboratorium 13 Rzedów, transfere-se e inicia seus
trabalhos em Wroclaw, ganhando o status oficial de Instituto de Investigação
Teatral. (BARBA, 2000, p. 167).
Ainda este ano, o nome do grupo muda legalmente para Studies of Method of
Acting – Laboratory Theatre. (CHOJAK, 2006, p. 2).
Em termos de organização e orçamento, entretanto, o grupo ainda não era uma
instituição independente. Para as necessidades administrativas o teatro adquiriu
um pequeno espaço no terceiro andar e o porão do edifício Old Market Square,
e como espaço teatral, uma das salas do Centre of Culture and Art. (CHOJAK,
2006, p. 2).
Em maio, Grotowski e Ryszard Ciéslak foram convidados pela editora Masilio
para ir a Itália, dar conferências nas cidades de Pádua, Milão e Roma, que não
aconteceram pela falta de organização e divulgação, já que Grotowski ainda era
praticamente desconhecido no exterior. (BARBA, 2000, p. 110).
92
Depois de anos proibido de viajar para fora do país, o Teatr-Laboratorium
ganha permissão das autoridades polonesas para viajar. (BARBA, 2000, p.
162).
Estréia de O Príncipe Constante, uma adaptação de Slowaki do texto de
Calderón de La Barca. (KUMIEGA, 1985, p. 60).
Grotowski viaja a Inglaterra pela primeira vez por ocasião do casamento de
Eugenio Barba com Judy Jones. Em Londres, através de Mike Elster, conhece
Peter Brook. (BARBA, 2000, p. 72).
1966
Em fevereiro, pela primeira vez o Teatr-Laboratorium sai da Polônia e
apresenta um espetáculo no exterior, O Príncipe Constante, em Oslo, levados
pelo Odin Teatret. Os componentes do Teatr-Laboratoruim ficaram
hospedados nas casas dos atores do Odin ou de amigos. Na época, o Odin era
formado, além de Eugenio Barba, por quatro atores, todos com menos de vinte
anos. (BARBA, 2000, p. 111).
Em julho, depois do Odin Teatret, se transferir de Oslo para Holstebro
(Dinamarca), uma pequena cidade de dezoito mil habitantes, o grupo organiza
um seminário de quinze dias com Grotowski y Ryszard Ciélak. O seminário
teve trinta participantes procedentes de toda Escandinávia. Atores de renome
do Teatro Real de Copenhage e de teatros municipais de outras grandes cidades
realizaram algo que era completamente novo para a época: o trabalho
essencialmente físico, o traning, os exercícios físicos e vocais, o trabalho que
não partia da interpretação do texto, mas sim, do trabalho sobre si mesmo. Os
seminários aconteceram todos os anos, com a participação de Grotowski, até
1969. (BARBA, 2000, p. 112).
1967
Richard Schechner participou de um seminário que Grotowski realizou no
Canadá, em Montreal. Em dezembro do mesmo ano, colaborou para convidá-lo
a ir a New York University, da qual era professor. (BARBA, 2000, p. 76).
93
1968
A Polônia foi palco de uma das primeiras revoltas estudantis na Europa. As
manifestações chegaram ao seu auge no início de março, após a censura da
peça de teatro "Os Antepassados", do poeta romântico Adam Mickiewicz.
As autoridades socialistas do país consideraram a peça contrária à Rússia e
proibiram a sua encenação. A censura provocou uma manifestação espontânea
por parte dos estudantes em frente ao monumento do poeta, na Universidade de
Varsóvia.
Os líderes da manifestação foram expulsos da universidade e, no dia 8 de
março, foi iniciado um ciclo de manifestações e repressões que atingiu à outros
centros e cidades da Polônia.
Os judeus foram responsabilizados pelos fatos e, com a ajuda da polícia
política e dos radicais do partido, o chefe do Partido Comunista Polonês,
Wladyslaw Gomulka (1956- 1970), ordenou a caça ao "judeu comunista".
Aproximadamente 20 mil pessoas abandonaram o país e 13.500 perderam a
nacionalidade entre 1968 e 1970, segundo documentos dos arquivos do país.
1969
Em fevereiro de 1969 estreou o último espetáculo de Grotowski, Apocalypsis
cum figuris. (KUMIEGA, 1985, p. 65).
O processo de criação do espetáculo durou quatro anos. Iniciou em 1965 partir
do texto de Slowaki, Samuel Zborowski, depois, em 1966, se concentrou nos
Evangelhos, para acabar fazendo uma montagem de textos da Bíblia, T.S.
Eliot, Dostoievsky e Simone Weil. (BARBA, 2000, p. 124).
Grotowski viajou pela segunda vez a Índia, visitou mestres de yoga e lugares
sagrados, como Bodh-Gaya, o lugar onde Buda meditou embaixo da árvore e
tornou-se “iluminado”. (BARBA, 2000, p. 2003).
1970
Inicia o período que foi denominado Parateatro, que vai até 1978. (OSINSKI,
1993, p. 96).
94
O nome do grupo muda, mais uma vez, para Actor´s Institute Teatr-
Laboratorium. Na metade dos anos setenta, decidiu eliminar as palavras “ator”
e “teatro”, deixando apenas Laboratorium Institute, porém este nome nunca foi
formalmente oficializado. (CHOJAK, 2006, p. 3).
Após sua viagem para Índia, aos 39 anos, Grotowski anuncia publicamente sua
decisão de não fazer mais espetáculos.
1971
Grotowski e Barba organizam um encontro de três semanas do Teatr-
Laboratorium no Odin Teatret, com espetáculos, encontros e entrevistas na
televisão. Grotowski viajou a Dinamarca com seus atores, Ludwick Flaszen,
Zbiniiw Osinski, dois representantes oficiais de Wroclaw e da PGART, a
agência governamental polonesa que “vigiavam” as companhias teatrais que
viajavam ao exterior. (BARBA, 2000, p. 125).
O livro Em Busca de um Teatro Pobre é publicado pela primeira vez no Brasil
e influenciou grupos teatrais, como o Teatro Oficina, de José Celso Martinez
Correa.
1972
Torgeir Wethal, ator e diretor, integrante do grupo Odin Teatret, realizou um
filme sobre o training de Ryszard Ciéslak. (BARBA, 2000, p. 72).
1973
Yan Michalski, teórico, crítico teatral e ensaísta polonês, radicado no Brasil
desde os doze anos de idade após o seqüestro dos seus pais pelo regime nazista
na Segunda Guerra Mundial, em 1973, a convite do governo da Polônia,
retornou a sua cidade natal, Czestochowa, e visitou, em Wroclaw, o Teatr-
Laboratorium de Jerzy Grotowski. (Enciclopédia Itaú Cultural, 2008).
Criação do American Institution for Research and Studies into the Oeuvre of
Jerzy Grotowski (Instituto Americano de Pesquisa e Estudos do Trabalho de
Jerzy Grotowski), cujo principal objetivo era o de "popularizar” as' descobertas
artísticas e idéias de Grotowski no EUA. (Mokrzycka-Pokora, 2002).
95
Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade de Pittsburgh (EUA).
(Mokrzycka-Pokora, 2002).
1974
Grotowski visita o Brasil pela primeira vez. No dia 8 de julho realiza uma
palestra no Teatro Nacional do Rio de Janeiro, traduzida por Yan Michalski.
1975
O Teatr-Laboratorium apresentou Apocalypsis cum figuris na Bienal de
Veneza.
Neste ano o Teatr-Laboratorium organizou no Teatro das Nações, em
Wroclaw, uma série de eventos denominada de University for the Exploracion
of Theatre Of Nations (Universidade de Pesquisa do Teatro das Nações). Neste
período os maiores pesquisadores da área teatral do mundo viajaram para
Wroclaw, muitos deles inspirados por Grotowski. Os participantes incluíam:
Eugenio Barba, Jean-Louis Barrault, Peter Brook, Joseph Chaikin (Open
Theatre), Andre Gregory, e Luca Ronconi. (Instytut im. Jerzego
Grotowskiego).
1976
Inicia o período que foi denominado Teatro das Fontes, que vai até 1982. (DE
MARINIS, 1993, p. 85).
Grotowski visita a Índia pela quarta e última vez, com sua mãe Emília
Grotowska. Juntos vão a Arunashala, montanha onde se retirou o mestre
Ramana Maharishi, na década de 40. (BARBA, 2000, p. 63).
1978
O polonês Karol Józef Woityla (1920-2005) tornou-se o Sumo Pontífice da
Igreja Católica, Papa João Paulo II, tornando-se o primeiro Papa não italiano
em 450 anos (desde o holandês Adriano VI, no século XXVI).
1980
No início dos anos oitenta o Teatr-Laboratorium, composto por Rena Mirecha,
Teresa Nawrot, Irena Rycyk, Antoni Jaholkowski, Zbigniew Kozlowski, e
Stanislaw Scierski, depois de anos sem realizar espetáculos, teve uma
experiência na área performance: Polski. Inkantacje (Polish Thanatos) dirigida
96
por Ryszard Ciéslak, apresentada pela primeira vez na cidade de Olsztyn, em
janeiro de 1981. (CHOJAK, 2006, p. 4).
Lech Walesa funda e lidera o sindicato Solidarność (Solidariedade), durante a
greve dos estaleiros navais em Gdansk.
1981
Em 13 de dezembro, numa noite de sábado para domingo, o primeiro-ministro,
o general Wojciech Jaruzelski, decretou lei marcial na Polônia para pôr fim às
atividades do sindicato Solidariedade, que tinha quase dez milhões de
membros, dezesseis meses depois de sua criação. O sindicato é considerado
ilegal e seus líderes são presos, inclusive Lech Walesa.
1982
Com o decreto da Lei Marcial, Grotowski, em 12 de agosto, abandonou sua
pátria para instalar-se em Holsebro, num pequeno quarto do Odin Teatret.
(BARBA, 2000, p. 129).
Após um período na Itália, e no Haiti, transferiu-se para os Estados Unidos,
onde permaneceu como refugiado até 1985. (OSINSKI, 1993, p. 96).
Manteve vínculo com a Columbia University de Nova Iorque (EUA) como
professor de drama. (OSINSKI, 1993, p. 96).
1983
Desenvolveu o programa Drama Objetivo na University of California, em
Irvine (EUA), subvencionado pela própria universidade, pela Rockefeller
Foundation e o Nacional Endowment of the Arts. Este trabalho realizado neste
ano e no ano seguinte é considerado como um período de transição entre O
Teatro das Fontes e as Artes Rituais. (OSINSKI, 1993, p. 96).
1984
Grotowski conhece Thomas Richards que, na época, era um ator em formação
que começou a freqüentar os estágios ministrados por Grotowski na University
of California.
1985
Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela University of Chicago (EUA).
(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).
97
Grotowski inicia na Itália uma pesquisa, que é considerada a quinta e última
fase de seu trabalho, que será denominada Artes Rituais. (OSINSKI, 1993, p.
96).
1986
Grotowski transfere-se a Pontedera, na Toscana e funda The Workcenter of
Jerzy Grotowski, onde trabalha com Thomas Richards e Mario Biagini, entre
outros. Grotowski foi a Pontedera convidado pelo Centro per la
Sperimentazione a la Ricerca Teatrale (agora Fondazione Pontedera Teatro),
dirigido por Roberto Bacci e Carla Pollastrelli, com o suporte da University of
California, em colaboração com Peter Brook e seu Centre Internacional de
Creations Theatrales (Paris, França) e Academie Experimentale dês Theatres
(Paris, França), com colaborações e concessões de várias fontes, incluindo a
Rockefeller Foundation.
1991
Foi nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade de Wroclaw (Polônia).
(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).
1996
Grotowski decide mudar o nome do centro de pesquisa em Pontedera para The
Workcenter of Jerzy Grotowsi and Thomas Richards, reconhecendo a
importância singular da sua colaboração com Richads. Na última fase da
investigação, Grotowski estava preocupado com a transmissão. “A natureza do
meu trabalho com Thomas Richards tem caráter de “trasmissão”; transmitir
para ele aquilo o qual cheguei na minha vida: o aspecto interior do trabalho.”
(Instytut im. Jerzego Grotowskiego).
Atualmente, Thomas Richards conduz o centro, continuando e desenvolvendo
as pesquisas. Mario Biagini, um membro chave do centro desde sua fundação,
tem sido Diretor Associado do Workcenter, desde 2003. (Instytut im. Jerzego
Grotowskiego).
Grotowski viajou ao Brasil para participar do simpósio internacional,
promovido pelo SESC Consolação/São Paulo: A pesquisa do diretor Jerzy
Grotowski e Thomas Richards sobre a Arte como Veículo. O programa do
simpósio contou com dois encontros com Grotowski, quando foi apresentado o
98
documentário Art as Vehicle, produzido por Mercedes Gregory, e com mais
três encontros, com Roberto Bacci, Georges Banu, Mario Biagini, Edgar
Ceballos, Jean-Marie Pradier e Anatoli Vassiliev. Além dos encontros, seu
grupo de trabalho realizou demonstrações da Action somente para convidados,
conduzidas por Thomas Richards. (GARCIA, 2005, p. 37).
Recebe Laurea Honoris Causa da Universidade de Bolonha (Itália).
1997
Em março inaugura a disciplina de Antropologia Teatral no College de France
em Paris com uma série de palestras intitulada A "linha orgânica" no teatro e
no ritual. (Instytut im. Jerzego Grotowskiego).
1999
Grotowski morre no dia 14 de janeiro em Pontedera. Seu último desejo foi que
suas cinzas fossem levadas até a montanha de Arunashala, na Índia. (BARBA,
2000, p. 63).
99
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108
ANEXOS
109
Figura 1 – Jerzy Grotowski
110
Figura 2 – As cadeiras
111
Figura 3 – Akropolis
Figura 4 – Akropolis
112
Figura 5 – O Príncipe Constante
113
Figura 6 – O Príncipe Constante
114
Figura 7 – Riszard Cièslak
115
Figura 8 – Casa de campo onde aconteceram os projetos parateatrais do Teatr- Laboratorium,
em Brzezinka (Polônia).
Figura 9 – Casa de campo em Brzezinka com neve.
116
Figura 10 – Campo de concentração – Brzezinka (Birkenau em alemão), Polônia.
117
Figura 11- Seleção nazi em Brzezinka.
Figura 13 – Varsóvia (Polônia), destruída pela guerra, 1945.
118
Figura 14 – Ascona (Suiça)
Figura 15 – Arunashala (Índia)
119
Figura 16 – Ramana Maharishi
Figura 17 – Ramana Maharishi
120
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