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2.3 O cinema de Carlos Saura
Diferentemente de Buñuel, que filmou apenas na época do franquismo, e de
Almodóvar, que fez seus filmes numa Espanha livre, Saura conheceu as duas
Espanhas: a franquista e a que veio depois desta, exageradamente deslumbrada com
sua liberdade. Se compararmos os filmes de Saura da era franquista como Ana e os
lobos e Cría cuervos, com Dispara! de 1993, poderemos perceber que pouco mudou
em sua obra, altamente simbólica, mesmo 18 anos depois do fim do franquismo. A
obra de Saura sempre foi marcada pelas representações políticas por meio das
relações pessoais .
Concomitantemente, as raízes ibéricas se revelam com grande
força estética no cinema de Carlos Saura (Huesca, Aragon, 1932), um
cânone do cinema espanhol, que se caracteriza pela narrativa alegórica
buscando traduzir esteticamente as tensões dos
quase 40 anos de ditadura do General Franco (1939-1975), como se
mostram em Ana e os lobos (1973), Cria Cuervos (1976) e Mamãe faz cem
anos (1979). A trilogia,estruturada com base num regime simbólico que
denuncia os poderes opressivos dos militares fascistas, da família
burguesa e da igreja católica, demarcou um prisma específico no cinema
de Carlos Saura, fortemente marcado pelo caráter contraideológico, e
neste sentido,relembramos ainda Olhos vendados (1978), um registro
contra o autoritarismo, repressão política, tortura e violência durante os
ditos “anos de chumbo”. Contudo, o enraizamento de Carlos Saura não se
restringe às formas da resistência política que marcaram a sua produção
nos anos 70. A magnitude de sua expressão estética se desvela nos
processos intertextuais e intersemióticos, que ele promove no
encadeamento com a música, o teatro e, sobretudo, com a dança,
conforme atestam as películas Bodas de Sangue (1981), Carmen (1983),
Amor Bruxo (1986), Sevillanas (1992), Flamenco (1995) e Tango (1998).(
PAIVA, 2006, p.4)
No filme A prima Angélica de 1973, Saura faz menção à parte da sua
infância repressora, quando necessitou deixar Barcelona para viver em Huesca, na
província de Aragão, sua terra Natal, ao lado de tias e da avó materna. A educação
catalã que recebeu se perdeu naquele ambiente opressor, rígido e extremamente
religioso. Como afirmou o cineasta, sentiu-se exilado em seu próprio país. Em Cría
cuervos, que será analisado mais adiante , a infância também é representada como
um período doloroso e confuso.
Al igual que muchas otras de sus películas, La prima Angélica se
inspira en el fondo en la experiencia personal de Saura. Durante la guerra
civil, su madre le envió a vivir con su abuela y sus tias a Huesca. Él mismo
describió así el desconcierto que sentió al dejar la Cataluña republicana por
el lúgubre hogar familiar. (HOPEWELL, 1989, p.69)