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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sílvia Cristina Aguetoni Marques
O cinema da paixão:
Cultura espanhola na mídia
São Paulo
2009
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Sílvia Cristina Aguetoni Marques
O cinema da paixão:
Cultura espanhola na mídia
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como requisito parcial para obtenção
do título de DOUTOR em Comunicação e
Semiótica, sob a orientação do Prof. Doutor
Amálio Pinheiro.
São Paulo
2009
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Sílvia Cristina Aguetoni Marques
O cinema da paixão:
Cultura espanhola na mídia
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do título de
DOUTOR em Comunicação e Semiótica, sob a
orientação do Prof. Doutor Amálio Pinheiro.
Banca Examinadora
São Paulo
2009
DEDICATÓRIA
À minha família.
AGRADECIMENTOS
Ao Amálio Pinheiro, amigo e companheiro de viagem
pelo saber, que mais uma vez me orientou no
sentido da liberdade.
Ao Paulo Schettino, meu eterno e querido professor,
por continuar me ensinando o amor pelo saber.
À Christine Greiner, professora e incentivadora, que
lecionou a generosidade e o carinho.
À Maria Alice Carnevalli, amiga inestimável, que
sempre tem uma nova lição para ensinar.
Ao Jorge de Albuquerque , pela confiança.
Ao João Teodoro, irmão de fé, que revisou e
acreditou firmemente em minha pesquisa.
“...os verdadeiros monstros , aqueles em cima de
quem se cospe, são os homens e mulheres que
não são capazes de amar exageradamente, de
enganar-se exageradamente, de revoltar-se
exageradamente.
( KYROU,1966, p.59)
RESUMO
A atual pesquisa tem como objetivo principal desnudar as combinações
entre elementos religiosos/ cristãos-europeus com erotizados/flamencos-arabizantes
que começaram a se formar na Espanha a partir do século VIII e continuam sendo
reelaborados nos dias de hoje , num constante processo de convivência em tensão.
Para tanto serão utilizados alguns filmes de cineastas relevantes no tema em
questão ( Luis Buñuel, Pedro Almodóvar, Carlos Saura e Bigas Luna), que
estabelecerão uma trajetória da cultura espanhola , mestiça e barroca , por meio do
cinema. Apesar de pertencerem a províncias e épocas diferentes e de possuírem
estilos distintos, os quatro cineastas trabalham ou trabalharam exaustivamente com os
grandes ícones da cultura espanhola: as touradas , os pratos típicos como a paella e a
tortilla , a dança e a música flamenca , os ataques terroristas do pós-franquismo. A
tese foi desenvolvida a partir de exemplos de cenas fílmicas que, analisadas
juntamente com autores do cinema e da teoria da mestiçagem, explicitam a
combinação em tensão de elementos variados da cultura espanhola.
Palavras-chave: cinema espanhol; cultura espanhola; mestiçagem cultural.
ABSTRACT
The current research has as main objective to uncover combinations between
religious / Christian European elements and eroticized / flamenco Arabian elements
that started to take shape in Spain from the 8
th
century on and keep being re-
elaborated nowadays in a constant process of tense coexistence. In order to achieve
this objective, some movies by relevant film directors for the subject matter (such as
Luis Buñuel, Pedro Almodóvar, Carlos Saura, and Bigas Luna) will be used,
establishing the hybrid and baroque Spanish culture through the movies. Despite the
fact that these moviemakers belong to different provinces and times and that they have
distinctive styles, the four of them exhaustively work or have worked with great icons
from Spanish culture: bullfights, typical dishes, such as paella and tortilla, flamenco
dance and music, terrorist attacks after Franco’s era. The thesis was developed based
on examples from movie scenes. Analyzed together with screenwriters and the theory
of mestizaje, these examples make explicit the tense combination of different elements
of Spanish culture.
Key-words: spanish cinema; spanish culture, cultural mestization.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................10
CAPÍTULO 1: CINEMA ESPANHOL: UMA BREVE TRAJETÓRIA
HISTÓRICA.......................................................................................................15
1.1 A contribuição da mestiçagem da cultura
espanhola................................................................................................15
1.2 A origem do cinema na Espanha: alguma
História....................................................................................................20
CAPÍTULO 2: O CINEMA NA ERA FRANQUISTA: BUÑUEL E
SAURA...............................................................................................................29
2.1 O cinema de Buñuel....................................................................................30
2.2 A filmografia de Buñuel................................................................................46
2.3 O cinema de Saura......................................................................................48
2.4 A filmografia de Saura.................................................................................62
CAPÍTULO 3: O CINEMA PÓS-FRANQUISTA: ALMODÓVAR E LUNA
...........................................................................................................................63
3.1 O cinema de Almodóvar..............................................................................63
3.2 A filmografia de Almodóvar..........................................................................87
3.3 O cinema de Luna........................................................................................88
3.4 A filmografia de Luna.................................................................................106
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................110
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende estabelecer a presença da cultura espanhola, gerada
a partir de elementos cristãos e ibéricos com flamenco-arabizados , no cinema. A
mescla de tantos povos criou outro extremamente passional com caracteres
trágicos. Existem duas Espanhas que formam uma só. Os limites de uma e da outra
são visíveis, embora inseparáveis porque as diversas heranças culturais geraram
um povo que vivencia situações aparentemente opostas, mas que se combinam em
tensão, em constante reelaboração. A Espanha erotizada, dos espaços abertos, que
cultua o banho, o corpo e as festas laicas, ao se mesclar com a devota, cristã, das
procissões e crucifixos, revela a possibilidade de convivência entre elementos
distintos sem enfraquecer nem um nem outro. Ao contrário, as divergências
ressaltam as características anteriores nesta inter-relação de trocas que se
combinam e se modificam constantemente, num jogo de reciprocidade e
autotransformação.
O termo “paixão” contido no título da pesquisa não se refere exclusivamente
às relações eróticas e afetivas apresentadas pelo cinema espanhol. Passa por elas
e atinge outros patamares como a questão entre o sagrado e o profano dentro da
Espanha e como o cinema reelabora os signos desta cultura híbrida. Será pensada
a visão que cineastas espanhóis têm a respeito da paixão e de que forma esta é
apresentada em seus filmes.
Conforme foi mostrado no mestrado, a partir da invasão moura na Península
Ibérica, a Espanha sofreu um processo de mestiçagem cultural, principalmente na
região da Andaluzia, pela proximidade da África, entre outros fatores. Desenvolveu-
se na Matemática, Botânica, Artes e em tantas outras áreas do conhecimento. Os
árabes, além de eruditos, eram liberais em relação às outras religiões, não proibindo
que cristãos e judeus praticassem seus cultos. Como afirmou Mercedes Arenal
(1975), a Igreja Católica , quando tomou o controle da Espanha arabizada, proibiu
qualquer manifestação religiosa que não fosse católica, impedindo até mesmo que
as pessoas se vestissem com trajes semelhantes aos dos árabes .
Mais tarde, o governo franquista, associado à Igreja Católica, foi o ápice da
repressão política e moral sofrida pela Espanha, que por um lado é erotizada e por
outro, reprimida. Mesmo sob forte vigilância, durante o governo de Franco havia uma
11
sensualidade subliminar na Espanha que nunca foi totalmente sufocada. Da mesma
forma, contém ainda em sua cultura elementos intimamente ligados ao catolicismo
exacerbado, apesar de a Espanha ter-se liberado muito após a morte de Franco.
Com o fim do franquismo, a Igreja Católica perdeu parte do poder e a Espanha,
descrita e analisada por Diego Catalán (1982), híbrida e complexa, se faz mais forte
e presente. Os filmes que serão analisados nesta pesquisa possuem elementos
culturais que discutem o conflito entre a religiosidade e o profano em um país
policultural.
Serão estudadas obras de diretores relevantes para o cinema espanhol: Luis
Buñuel, Pedro Almodóvar, Carlos Saura e Bigas Luna. Os filmes dos cineastas
citados acima apresentam estéticas diferentes e mais de vinte anos separam Esse
obscuro objeto do desejo, de Buñuel, de Carne trêmula, de Almodóvar. Ainda assim,
pode-se perceber nitidamente que um elemento une todas as obras: a paixão sem
limites expressa com vigor e violência. A questão da sexualidade em combinação
com a religião é uma temática constante no cinema espanhol. Buñuel e Saura, numa
classificação mais genérica, poderiam ser vistos como cineastas mais racionais que,
mesmo lidando com temas hiperbólicos, têm uma linguagem mais sóbria. Já
Almodóvar e Luna, usam uma linguagem mais catártica, levando o espectador a
emoções intensas. Ainda assim, podemos reconhecer em todos uma raiz comum: os
conflitos da cultura espanhola, amenizados pela mescla de povos que se
combinaram. Os costumes e as contradições do povo espanhol estão presentes em
todas as obras citadas nesta pesquisa, mudando apenas a forma de colocá-los na
tela. E, fazendo uma análise mais profunda, por mais diferentes que pareçam num
primeiro momento as estéticas dos cineastas em questão, pode-se perceber que
todas têm um caráter metafórico e hiperbólico, porque trabalham as grandes
antíteses culturais, mediante uma linguagem elaborada, não recorrendo a imagens
prontas.
É importante ressaltar que tais características não são exclusivas dos
cineastas citados. Assistindo a outros filmes espanhóis, poderemos encontrar traços
em comum. A escolha de trabalhar com tais autores decorreu do fato de terem eles
uma grande representatividade em temas relacionados à mestiçagem. Por meio de
suas obras, o “ser espanhol” é apresentado sob seus mais variados aspectos:
sexual, moral, religioso e político.
12
A sétima arte é apenas mais um elemento da cultura. E, se a
compreendermos como uma importante manifestação cultural, poderemos por meio
dela fazer uma leitura da realidade da sociedade. O cinema absorve o que é real e
faz uma reelaboração de tal realidade, oferecendo como produto final, mais que um
retrato do que vivemos, uma mescla de elementos do cotidiano de uma cultura, com
utopias, críticas e ideais. Pelas obras de cineastas representativos, será pensado
como o cinema espanhol leva para as telas seus costumes e contradições. A
escolha de dois diretores mais racionais e outros dois, mais catárticos, tem como
objetivo mostrar que, apesar das estéticas divergentes, os mesmos temas são
trabalhados com vigor e senso crítico.
Será discutido de que forma o cinema utiliza os elementos da cultura
espanhola para reelaborar os textos do cotidiano e da História. De Buñuel a
Almodóvar, passando por Saura e Luna, os filmes espanhóis apresentam uma
grande sensualidade e uma forte preocupação social e política. Sexo e revolução
têm sido os maiores tópicos da filmografia espanhola. Para Buñuel, as palavras
“amor” e “revolta” eram as mais revolucionárias que existiam. No cinema de Buñuel
e Saura, a liberação sexual e o amour-fou estavam intimamente ligados ao fim da
ditadura de Franco, servindo de metáforas para o término da repressão política.
Luna e Almodóvar já filmam em uma Espanha liberta do franquismo e dos tabus
sexuais e o grande objetivo de ambos parece ser a reiteração de uma sociedade
livre moral e politicamente.
Mediante a análise de filmes e a comparação de suas estéticas, será
realizado o estudo de uma sociedade que passou por muitas mudanças nos últimos
trinta anos e de que forma tais mudanças foram processadas, integradas à vida
cotidiana, absorvidas e transformadas pelo cinema.
Em seus primeiros filmes, por exemplo, Almodóvar utilizava freqüentemente a
cor vermelha pelos figurinos e pela própria fotografia que apresentava uma imagem
avermelhada. O vermelho é a cor que os toureiros usam para enfurecer os touros e
induzi-los à agressão. Almodóvar, como cineasta provocativo que é, sempre buscou
a fúria emocional de seus espectadores, despertando-lhes o lado mais passional.
Por meio de um elemento cultural, a cor vermelha, Almodóvar cria a atmosfera ideal
para ambientar seus filmes. Já Buñuel dirigiu a maior parte de suas obras durante o
governo franquista e tal circunstância o fez utilizar ataques de grupos terroristas, tão
comuns em seu país e em sua época, como metáfora de um conturbado
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relacionamento em Esse obscuro objeto do desejo. Saura utiliza demasiadamente a
dança flamenca para simbolizar o viver e o amar espanhol. Luna, em Jamón, jamón,
compara o sabor de uma tortilla, prato típico espanhol, com os seios da personagem
protagonista, relacionando sexualidade com culinária e, desta forma, aproximando
os elementos culturais das relações amorosas. Pela decodificação dos recursos
cinematográficos em elementos culturais, a pesquisa tentará responder qual foi a
extensão da contribuição do cinema na vida cotidiana.
O cinema tem diversos objetivos: entreter, informar, educar, conscientizar,
reforçar ideologias, suscitar reflexões, promover catarses e por meio delas purgar
desejos insatisfeitos. É fato que a Espanha não vive mais sob a repressão da
ditadura franquista e que a Igreja Católica não exerce o mesmo poder de outrora.
Mas fica o questionamento se uma civilização pode modificar tão rapidamente e de
forma tão definitiva contradições seculares. A repressão vivida por séculos deixou
marcas no povo espanhol que se vem liberalizando nos últimos trinta anos. Resta-
nos saber até que ponto o cinema acelera este processo de liberalização. Pela
identificação de marcas culturais nas obras cinematográficas, será possível ressaltar
que elementos aparecem como alegorias induzindo mudanças ou se surgem como
signos que, quando decodificados, revelariam uma leitura da realidade. Entre tais
signos estarão: as touradas tão presentes na filmografia de Almodóvar, a dança
flamenca trabalhada exaustivamente por Saura, as instituições repressoras do
cinema de Buñuel e tarefas cotidianas como a amamentação transformadas em
erotismo por Luna.
Alguns dos autores utilizados nesta pesquisa para fundamentar a teoria da
mestiçagem são : Peter Burke, Amálio Pinheiro, Iuri Lotman, Juan Goytisolo, Andrés
Lorca, Thomas Glick , Octavio Paz, Diego Catalán, Mercedes Arenal, Serge
Gruzinsky, Rafael Alberti. Para analisar o cinema como linguagem: Edgar Morin,
Jean-Claude Carriére, Martin Marcel, Félix Gatarri, Miguel Soler, entre outros. Para
estudar o cinema espanhol: John Hopewell, Adonis Kyrou, Fernando Cesarman,
Jean-Claude Carrière, Peter Evans, Antonio Holguín, Mirian Nogueira, Alejandro
Varderi, Reto Melchior, Gabriela Borges, entre outros.
Será possível encontrar uma resposta mesmo que aproximada para definir a
força transformadora do cinema dentro da sociedade espanhola.
No primeiro capítulo será traçada a trajetória histórica do cinema na Espanha,
desde seu surgimento, passando pela era franquista e pelo pós-franquismo, até
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chegar aos dias de hoje, com o cinema atual. No segundo capítulo, falaremos sobre
o cinema de Luis Buñuel e Carlos Saura, buscando semelhanças ideológicas e
temáticas por meio de convergências e divergências estéticas. O terceiro capítulo
será dedicado a Pedro Almodóvar e Bigas Luna, retratando o cinema espanhol atual.
Imagens de diversas naturezas ( pinturas famosas , cartazes de cinema ,
cenas de filmes) foram utilizadas para ilustrar o conteúdo da pesquisa , sem o
intuito de fazer delas um estudo analítico. Elas constam para pontuar as questões
teóricas e mostrar a inserção dos pintores espanhóis no contexto da Espanha
franquista.
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CAPÍTULO 1
CINEMA ESPANHOL: UMA BREVE TRAJETÓRIA HISTÓRICA
1.1 A contribuição da mestiçagem na cultura espanhola
A Espanha foi invadida pelos árabes no século VIII. Tal invasão acarretou
uma série de assimilações da cultura espanhola e cristã pela árabe. Diferentemente
do que o senso comum imagina, essa conquista não foi realizada à força, e sim
desdobrada por meio de incorporações distribuídas por toda cultura, principalmente
pelas classes sociais menos abastadas. Os árabes aceitavam as diferentes crenças
e costumes. Desta forma, os judeus podiam praticar sua religião e os escravos que
se convertiam ao islamismo se libertavam porque entre os islâmicos não existem
escravos .
La condición social de los trabajadores de la tierra no era nada
grata, pues estaban, por la mayor parte, adscritos a la gleba. Con los
mulsumanes mejoró la suerte de esta clase, y eso fue, seguramente, una
de las causas de la rápida islamizácion de la Península: el musulmán,por
ley, no pude ser esclavo, sino hombre libre. Por lo tanto, al convertirse los
españoles al islamismo pasaban a ser hombres libres, y estaban exentos,
además, del impuesto de capacitación que habían de pagar los dimmíes o
sometidos. El Islam español significó, por tanto, una liberación política y
social para la mayoría de la población de origen cristiano. (LORCA, 1990,
p.14)
Não existia realmente uma fácil convivência de muçulmanos e judeus com os
cristãos na Espanha medieval, porque os primeiros precisavam praticar sua religião
escondidos em uma época de perseguições e conversões forçadas ao cristianismo.
... a tendência de assumir que a troca cultural é sempre um reflexo
de tolerância e mente aberta é algo a que os historiadores devem resistir.
Não se deve esquecer que a interação cultural do final da Idade Média na
Espanha, a chamada convivencia, ocorreu em uma época de massacres
judeus, conversões forçadas e inquisidores caçando mouriscos e
marranos, em outras palavras, judeus e muçulmanos que praticavam suas
próprias religiões em segredo ao mesmo tempo em que fingiam ser
cristãos. (BURKE, 2003, p.79)
16
Na região da Andaluzia, onde a incorporação foi maior, o povo tornou-se mais
culto e muitas ciências se desenvolveram. Quando os cristãos voltaram a ter o
poder na Península Ibérica, a aceitação que o mourisco tinha dos costumes alheios
não foi respeitada pelos cristãos que reprimiram qualquer manifestação de outra
natureza, incluindo as referentes ao vestuário.
En realidad, y aparte de argumentos de tipo religioso, se
demuestra la aversión y el rechazo de un modo de vida ( unos hábitos
alimentícios y vestimentarios, una manera de trabajar, de divertirse o
de ocupar el ócio) que no es el de la sociedad cristiana vieja que esta
no solo no admite , sino que siente como una amenaza.(
ARENAL,1975, p. 229)
O mesmo acontecia em relação aos judeus que eram pressionados à
conversão, como foi comentado por Busto (1999, p.122)
Las autoridades navarras protegieron a los judíos, pero les
prohibieron salir de sus aljamas para evitar contágios y que algunos
cristianos se pasasen a su religión. Sin embargo, esta aparente protección
pronto se rompió, ya que, en 1498, los reys de Navarra, Juan de Albret y
Catalina de foix, decretaron la conversión o la expulsión de los judíos.
A incorporação já havia acontecido e, mesmo a contragosto das camadas
dominantes, a Espanha não era a mesma e no lugar do espanhol de outrora havia
surgido o espanhol arabizado, repleto de elementos híbridos e que precisava
administrar várias heranças culturais que se combinaram.
A Espanha foi altamente marcada por duas forças opostas: as
religiões judaico-cristãs e a cultura árabe. Se, por um lado, a Igreja oprimiu
a sexualidade, por outro, os árabes deixaram uma herança de extrema
sensualidade. E, desta grande antítese entre o sagrado e o profano, a
culpa e o desejo, surgiu a Espanha como um país policultural, que sufoca
o corpo e, ao mesmo tempo, o exalta através dos banhos, dos espaços
abertos, da linguagem oral altamente desenvolvida, um país de mulheres
devotas e libertinas simultaneamente, que comungam aos domingos e se
entregam às bacanais do carnaval. (MARQUES, 2003 ,p.95)
A cultura é memória coletiva e serve de mecanismo para a conservação e
transmissão dos mais variados textos e a elaboração de novos. Parece-nos claro
que o contato entre diversas culturas não elimina uma ou outra por completo,
fazendo apenas uma prevalecer. Para Lotman (1996, p.157):
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Desde el punto de vista de la semiótica, la cultura es una
inteligência colectiva y una memória colectiva, esto es, un mecanismo
supraindividual de conservación y transmisión de ciertos comunicados
(textos) y de elaboración de otros nuevos. En este sentido, el espacio de la
cultura puede ser definido como un espacio de cierta memória común, esto
es, un espacio dentro de cuyos limites algunos textos comunes pueden
conservarse y ser actualizados.
A convivência entre diferentes povos gera outros com elementos
reelaborados das culturas originárias. Se novos textos surgem, é possível identificar
que a relação entre elementos primeiramente opostos deixa de existir, pois a mescla
cultural tensiona as divergências, criando uma cultura híbrida e instável dentro da
mestiçagem, como disserta Burke (2003, p.111) a respeito do processo de
crioulização do mundo, que tende a organizar de formas diferentes elementos
ligados ao homogêneo e à globalização.
Os partidários da homogeneização freqüentemente não levam em
conta a criatividade da recepção e a re-negociação de significados
discutidas anteriormente, ou a importância do narcisismo das pequenas
diferenças. Até o exemplo favorito da Coca-Cola foi brilhantemente
reinterpretado pelo antropólogo Daniel Miller em um estudo do que ele
chama de “a contextualização local da forma global”em Trinidad.
Utilizando ainda o pensamento de Burke, é natural aceitar que a cultura
espanhola atual, originada pela combinação de elementos arabizados e
cristianizados, mais elementos judaicos, entre outros, tenha uma certa estabilidade
em tensão e textos divergentes não se choquem porque passaram pelo processo de
adaptação. Para Burke (2003, p.91)
A adaptação cultural pode ser analisada como um movimento
duplo de des-contextualização e re-contextualização , reiterando um item
de seu local original e modificando-o de forma a que se encaixe em seu
novo ambiente.
O objetivo crucial do atual trabalho é investigar até que ponto o cinema se
insere na vida cotidiana do povo espanhol. Utilizando o pensamento de Lotman , os
símbolos são gerados a partir dos textos ou séries culturais e ganham autonomia a
ponto de interagirem livremente com os próprios textos que o originaram. No caso
do cinema espanhol, os símbolos por ele utilizados atuam ativamente com a mesma
cultura a qual ele representa.
18
La tercera función del texto está ligada a la memória de la cultura. En
este aspecto, los textos constituyen programas mnemotécnicos reducidos.
La capacidad que tienen distintos textos que llegan hasta nosotros de la
profundidad del oscuro pasado cultural, de reconstruir capas enteras de
cultura, de restaurar el recuerdo, es demonstrada patentemente por toda la
historia de la cultura de la humanidad (...) En este sentido, los textos
tienden a la simbolización y se convierten en símbolos integrales. Los
símbolos adquiren una gran autonomia de su contexto cultural y funcionan
no solo en el corte sincrônico de la cultura, sino también en las verticales
diacrônicas de ésta ( cfr. La importância de la simbologia antigua y cristiana
para todos los cortes de la cultura europea).En este caso, el símbolo
separado actúa como un texto aislado que se translada libremente en el
campo cronológico de la cultura y que cada vez se correlaciona de una
manera compleja con los cortes sincrónicos de ésta.
( LOTMAN, 1996, p.89)
Ao falar de cinema e de vida cotidiana, estaremos lidando com dois
elementos da vida cultural. Quando dizemos vida cotidiana, queremos dizer vida
cultural, em que os objetos e imagens da cultura impregnam o dia- a- dia. Para
analisarmos até que ponto uma série da cultura se combina com outra, precisamos
entender que estamos trabalhando com uma cultura repleta de dicotomias, porém
buscando combinações, fato que torna a pesquisa mais complexa.
Cultura diz respeito a todas as manifestações de um povo e quando há a
incorporação de uma pela outra, gera-se um novo povo, com novas formas de
manifestação, isto é, com uma nova cultura. O povo espanhol estudado no atual
trabalho é o que surgiu da combinação, pelo menos, das culturas arabizadas e
cristianizadas, portanto, o espanhol arabizado que utiliza as mais diversas séries
culturais para expressar suas contradições.
Num texto comparativo entre cinema e psicanálise, o primeiro é visto como
uma manifestação capaz de afetar profundamente o imaginário dos indivíduos,
embora não tenha controle das alterações que pode acarretar.
O cinema não é, portanto, apenas uma droga a baixo preço. A sua
acção inconsciente é profunda, talvez mais do que em qualquer outro meio
de expressão. A seu lado a psicanálise pouco representa! (...) Do cinema
podemos esperar o melhor ou o pior (...) Ainda se podem produzir bons
filmes, mesmo em condições comerciais adversas, filmes que modificam as
combinações de desejo, que quebram os estereotipos, que abrem o futuro.
(GUATARRI, 1984, p. 1)
É importante ressaltar que povos mestiços não são contraditórios no sentido
do antagonismo de idéias e comportamentos mas, sim combinam elementos
19
opostos e criam uma cultura mais complexa por meio da hibridez, como comenta
Pinheiro (2007, p.10):
O termo mestiço aqui não remete a cor, mas a modos de
estruturação barroco-mestiços que acarretam, pela confluência de
materiais em mosaico, bordado e labirinto, outros métodos e modos de
organização do pensamento. Tais modos não binários desconhecem o
dilema entre identidade e oposição: a mestiçagem se constitui como uma
trama relacional, conectiva, cujos componentes não remontam saudosa e
solitariamente a instâncias aurorais perdidas, mas sim festejam o gozo
sintático desta tensão relacional que se mantém como ligação móvel em
suspensão.
A combinação de elementos que forma a cultura espanhola não representa
uma estrutura contraditória mas, sim uma coletividade, como comenta Catalán
(1982, p.14):
Castro, si bien rechaza la “entidad abstracta, predeterminada y
atemporal” del homo hispanus, reconece que la unidad que cree descubrir
en “lo hispánico” desde el siglo X acá, “exige una coexistencia de una
unidad vital en el agente cuyas obras y experiencias aparecen como unas a
través de su variedad y continuidad”. Consecuentemente, defiende para el
“hombre español” una “fisionomía peculiar” y una inmutabilidad en “la
estrutura última de su ser” que han llevado a mantenerse fiel, durante los
últimos mil años ( más o menos) al sistema particular de valores que
“estructuraron ( o desquiciaron) el total proceso de su vivir histórico”
Pela citação de Diego Catalán, é possível perceber que o processo
combinatório de culturas, que originou o espanhol como ele é há cerca de mil anos,
resultou num conjunto de características bastante peculiares, com interidentidades
muito fortes, formadas a partir de elementos aparentemente divergentes.
Utilizando o pensamento de Lotman, analisado e reelaborado por Amálio
Pinheiro, podemos perceber que, na Península Ibérica , as heranças culturais não se
sucedem com a eliminação da anterior. Existe uma combinação e convivência em
tensão.
Os estudos teóricos e análises concretas sobre as culturas e seus
textos se complicam quando se trata de regiões ou processos civilizatórios
(Península Ibérica, América Latina) onde não vigora o conceito progressivo
e linear de sucessão, esta que tornaria qualquer produto uma variante
hierarquicamente determinada pela suposta influência de algo anterior e
pretensamente mais acabado. Não é mais questão agora apenas de, com
Lotman, por um lado, ver criticamente que "a cultura seja um sistema que
se auto-organiza (...) como algo univocamente predizível e rigorosamente
20
organizado" e, por outro, saudavelmente reconhecer a irrefutável
"indefinição interna desta, o repertório de possibilidades que no curso da
realização da mesma ficam irrealizadas" (Lotman 1996:75). Não é mais o
caso agora somente "da constante afluência de textos de fora" no interior
de uma cultura que, "ao necessitar de um parceiro, cria com seus próprios
esforços esse 'alheio', portador de uma outra consciência, que codifica de
outra maneira o mundo e os textos" (Lotman 1996:71), desencadeando-se
então os processos de tradução intersemióticos a partir das colisões e
trocas entre culturas dominantes de centro e variantes de periferia.
(PINHEIRO, 2004, p.1)
Esta pesquisa utilizará comumente a expressão “série cultural” para se
referir aos diversos aspectos de uma cultura, que incluem desde o idioma de um
povo até o vestuário e a culinária.
A cultura não pode ser vista como um projeto cumulativo na direção
de um coroamento linear no futuro, mas como uma rede de conexões entre
séries, cuja força de fricção e engaste ressalta a noção de processos
dentro de sua estrutura. Daí a importância de se mostrar como certos
processos civilizatórios têm o seu modo de conhecimento fundado numa
especial relação material entre séries culturais concretas que constituem ao
mesmo tempo relações entre sistemas e subsistemas de signos. Tais
processos se constituem especialmente a partir de três categorias
antropossociais, fundantes e interdependentes: o migrante, o mestiço e o
aberto. A primeira determina a mobilidade e a montagem produtivas entre
códigos e linguagens antes inimigas ou heterogêneas. A segunda trata de
engastar mosaicos de alta complexidade, oriundos das mais diversas e
divergentes culturas, indo além das identidades; A terceira exacerba as
relações entre natureza e cultura, entre o dentro e o fora, entre a casa e a
rua. Do micro ao macro, várias combinatórias podem ser montadas, a partir
de séries culturais em processo: por exemplo, oralidade, culinária, louçaria,
mobiliário, arquitetura, espaço urbano. Retículas luminosas permeiam
sistemas culturais intermediários como mercados, ruas e igrejas, com
conexões, engastes e labirintos que se renovam nas pedrarias e arabescos
de prateiros e ourives ou então nas constelações de sílabas, em
corpúsculos pictóricos, nas diagramações de jornal ou nas telas de vídeo
ou cinema.(PINHEIRO, 2007, p.1)
1.2 A origem do cinema na Espanha: alguma História
As dificuldades que o cinema encontra na Espanha são de longa data, mais
especificamente, desde 1896, ano em que chegou ao país o cinematógrafo. Às
portas do século XX, cerca de 70% da população espanhola era camponesa e mais
21
da metade analfabeta. Além de parte considerável da população não estar
preparada intelectualmente para a nova arte, a Igreja Católica não contribuía para o
desenvolvimento do cinema alegando que este era a escola do crime.
Nas primeiras décadas do século 20, enquanto o cinema ainda não possuía
grande representatividade na Espanha, o teatro estava em alta e trabalhava com as
mesmas questões tratadas pelo cinema anos mais tarde. A mestiçagem da cultura
espanhola, a porção cristã tentando sufocar os elementos mouriscos e por
conseqüência, a Espanha arabizada, o conflito entre o sagrado e o profano, o
barroco, todos estes temas foram abordados pelo teatro de García Lorca que, além
de dramaturgo e poeta, viajou pelo país com atores itinerantes, apresentando peças
que revelavam a complexidade de sua cultura. Os anos que antecederam ao
franquismo foram muito ricos culturalmente e prepararam o ambiente da era
franquista para contestações e divergências das mais variadas naturezas. Além de
García Lorca, outro importante autor deste período é Rafael Alberti, poeta que
revelou por meio de sua obra a complexidade da cultura híbrida, estabelecendo
ligações entre o passado e o presente, entre os elementos tradicionais da cultura
espanhola e as novas fontes de interferência, como afirmou o próprio autor em uma
entrevista, que teve um fragmento publicado no livro Sobre os anjos.
Yo busco una gran comunicación en este momento de mi vida y en
este momento de España. Pero, al lado de lo simple, de lo sensillo, de lo
medio popular o popular, como pueden ser , en cierto modo, esas coplas,
que por otra parte están dentro de una grandísima tradición española que
viene de antes del siglo XV, quisiera a la vez llegar a una gran
comunicación a través de procedimientos , de técnicas poéticas que
tengan tanta novedad como pudieron tener los libros que hice en la época
en que publiqué “Sobre los ángeles”. ( ALBERTI apud in :PINHEIRO, 1993,
p.11)
Outro interesse de Alberti, intimamente relacionado às tensões de sua cultura
e de sua época, anos antes do franquismo, foi buscar um ponto de encontro entre as
poesias romano-espanhola e arábigo-andaluza e estabelecer uma relação com
comediantes de filmes mudos. Embora Alberti e Lorca não tenham sido profissionais
do cinema, ambos trabalharam com as mesmas questões apresentadas pelos filmes
que vieram nos anos seguintes, elaborados por artistas como Buñuel e Saura. A
própria preocupação com o cinema como estética também surge no trabalho de
Alberti, já que cinema e poesia estão diretamente relacionados pela questão rítmica.
22
Alberti é rigorosamente consciente de que o cruzamento entre
tradição e atualidade, para não ser mero envoltório turístico de uma na
outra, deve ser reativado por técnicas poéticas novas. Isto é: somente uma
reformulação dos modos de construir e ler o poema dá a medida da sua
inserção qualitativa na história literária, quanto ao gênero, e na
contemporaneidade, quanto às linguagens e à cultura. Trata-se de
atualizar, no elemento poético oportuno e cabível, a tensão entre forças
opostas ou díspares, que dão conta, nessa nova disposição gráfico-
espacial do mundo no poema, de coordenadas antes abandonadas ao
caos quantitativo, agora sustentadas por um desenho relacional medular. É
essa necessidade de encontrar o ponto de cerzidura entre tudo que faz o
poeta transitar do interesse pela poesia romano-espanhola e arábigo-
andaluza para os comediantes e procedimentos do cinema mudo.
(PINHEIRO, 1993, p.10)
O interesse de Alberti pelo cinema revela-se principalmente pelo contato com
importantes nomes que realizaram ou analisaram a sétima arte como Luis Buñuel.
( Alberti) funda em Madri a revista revolucionária Octubre , onde
colaboravam Buñuel, Machado, Cernuda , Louis Aragon, Paul Éluard e
quejandos. Antes de Madri, viagens pela França , Bélgica, Alemanha e
União Soviética. Pinta o clima daqueles dias: “ Era aquele um grande
momento para o teatro, apesar de que Hitler acabasse de tomar o poder na
Alemanha e na nova e iludida República Espanhola começasse a gestar a
sublevação militar de 18 de julho, que nos levará a quase três anos de
guerra civil. Mas eu estava então apaixonado pelo teatro, ao mesmo
tempo em que Federico García Lorca lançava La barraca pelas cidades
da Espanha”. ( PINHEIRO, 1993, p.6-7)
Os artistas dedicados à pintura também se manifestaram em relação ao
franquismo. Um bom exemplo de arte voltada ao auxílio à causa republicana foi uma
gravura feita por Joan Miró , intitulada Ajude a Espanha , vendida por um franco.
23
Salvador Dalí, pintor fundador do surrealismo, que realizou em parceria com
Buñuel os filmes Um cão andaluz e A idade do ouro, pintou na época da Guerra
Civil espanhola um quadro que mostrava a sua visão a respeito da guerra.
Diferentemente de Picasso que a considerava como um fenômeno político, Dalí
pensava que era um fenômeno da História natural.
Via esse confronto de forças elementares como paradoxalmente
necessário para se revelarem os ossos indestrutíveis de uma tradição que
“essa terra de Espanha manteve ocultos” ( CIVITA, 1989, p. 299)
24
Quadro de Dalí
Os primeiros filmes espanhóis foram realizados por Fructoso Gelabert. Mas
foi em 1928, com Um cão andaluz, de Luis Buñuel, que nasceu uma linguagem
experimental e contestadora. Buñuel foi responsável também pelo surgimento do
primeiro cineclube. Quando o governo franquista tomou o poder em 1936, Buñuel
se exilou juntamente com outro nome importante da sua época: Carlos Velo.
25
Por mais de trinta anos, o cinema espanhol produziu filmes moralizantes e
deu muita ênfase às comédias sentimentais e, depois de Marcelino, pão e vinho,
tornou-se comum a prática de colocar crianças para protagonizar os filmes.
O cinema sempre foi utilizado pelas classes dominantes para manipular
ideologicamente as massas. Por meio de filmes vazios e moralistas, os atos de
paixão são punidos , com desfechos artificiais e forjados, para a moral burguesa se
impor. Mas a natureza do cinema, como a do teatro e a da literatura, é desvendar o
ser humano e alguns cineastas souberam utilizá-lo para revelar as mesmas mazelas
sociais que eram escamoteadas por outros como afirmou Lebel (1973, p.120):
O impacto ideológico de um filme depende do condicionamento
ideológico do público ao qual se dirige, e do desvio ideológico e estético
que manifesta em relação às formas que originaram este condicionamento.
Foi apenas no final dos anos 70 que as amarras começaram a se romper,
efeito da morte de Franco em 1975, culminando na tendência de um cinema
extremamente erótico e de baixa qualidade nos anos 80. A entrada do sexo foi um
dos maiores marcos da filmografia espanhola da década de 80. Mas foi apenas nos
anos 90 que cineastas como Almodóvar e Bigas Luna obtiveram êxito, embora já
produzissem na década anterior. Em 1978, Bigas Luna realizou Bilbao, considerado
o mais importante filme de sexo espanhol. Não apenas o filme, mas o próprio Luna
causou impacto na época, pois o contexto cinematográfico espanhol do final dos
anos 70 estimulava produções políticas, ainda ligadas à era franquista ou filmes
sobre sexo sem rigor.
No es fácil imaginar el panorama cinematográfico español de la
segunda mitad de los años setenta, cuando Bigas Luna irrumpió en las
pantallas del país, a un cineasta como él. Por un lado, el cine meramente
comercial se empeñaba en un erotismo carente de rigor. Por el otro,las
películas de calidad permanecían ancladas en un pasado político que a los
espectadores les interesaba bastante menos que las sugerentes formas de
las decenas de efímeras starlettes que se prestaban como carnaza de lo
que se llamó “el destap”.
( MEMBA apud in: PISANO, 2001, p.19)
Pela breve retrospectiva realizada neste subtítulo, é possível perceber que o
cinema espanhol ganhou qualidade, respeito do público e da crítica, inclusive
internacional, há poucos anos, pois a Espanha desde os primórdios da sétima arte
não apresentava condições favoráveis para seu desenvolvimento. Num primeiro
momento, pela repressão religiosa que condenava o cinema associado ao baixo
26
nível de escolaridade de seu povo. Num segundo, pelo governo ditatorial, apoiado
pela Igreja Católica. Em terceiro, pela inabilidade de se fazer filmes numa sociedade
livre, embora o cinema pós-franquista tenha sido considerado muito criativo.
Voltando à época do franquismo, para burlar as repressões política e estética,
foi preciso realizar uma filmografia cifrada que servisse de documento para as
futuras gerações e de aviso para as oprimidas.
A realidade com seus problemas políticos e sociais não podia ser revelada de
forma explícita, acarretando a censura dos filmes e o exílio de seus realizadores.
Mas os cineastas engajados na vida política do país não podiam parar de produzir
ou simplesmente render-se ao sistema, fazendo filmes poéticos , entretanto,
desprovidos de senso crítico , alienados e alienantes como foi o caso do belíssimo
Marcelino, pão e vinho, de 1956. Tal obra comoveu e comove espectadores do
mundo inteiro, mas faz um recorte favorável da religião, ignorando o poder de
decisão que a Igreja na Península Ibérica tinha sobre a vida política e social.
Os cineastas que mais se destacaram na era franquista, que iniciou em 1936,
durante a Guerra Civil Espanhola, desde a tomada do poder por Franco até sua
morte em 1975, foram Luis Buñuel e Carlos Saura. Falaremos no próximo capítulo
sobre suas obras. Foram estes dois cineastas que deixaram para o mundo, por meio
de seus filmes, um retrato da Espanha franquista e reprimida pela Igreja Católica,
que tentava sufocar a porção flamenco-cigano-arabizante do povo espanhol e que
foi comentada no primeiro subtítulo desta pesquisa. Os filmes de Buñuel e Saura
eram construídos sobre metáforas que denunciavam as repressões política, social,
moral e religiosa. Mas não foi apenas o cinema que denunciou o regime franquista.
Podemos encontrar uma caricatura terrível da Espanha franquista, por exemplo, na
peça teatral A casa de Bernarda Alba, escrita por García Lorca e transformada
posteriormente em filme. A peça retrata uma casa que vive com as janelas fechadas
por vontade de sua autoritária proprietária que impede as filhas de viverem sua
juventude e sexualidade sob o pretexto de estarem de luto. O luto, provavelmente, é
a simbologia da morte da liberdade pelo franquismo. A casa com janelas fechadas
possivelmente representa um país que tenta sufocar as interferências de outras
culturas, no caso em questão, os elementos flamenco- arabizantes. As mulheres que
vivem sob as ordens da matriarca enlouquecem pouco a pouco, tornando-se seres
vis. A única que mantém vivo o seu desejo e não reprime sua sexualidade suicida-se
27
no final da peça e a maior preocupação de sua mãe é esconder da sociedade que
sua filha mais moça morreu desvirginada.
Em A casa de Bernarda Alba, filme adaptado de uma peça teatral de
Lorca, a mesma metáfora é trabalhada através de uma mãe dominadora
que vive com suas filhas solteironas. A repressão sexual as torna ainda
mais libidinosas e agressivas, como a própria Espanha que nega o corpo,
por um lado, e o exalta, de outro. (MARQUES,2003, p. 114)
A questão do hímen intacto foi exaustivamente trabalhada por Buñuel. A
virgindade não é apresentada pelo cineasta como simbologia da inocência, mas
como metáfora da repressão, da incapacidade de romper com o estabelecido. A filha
mais jovem de Bernarda Alba rompe com o estabelecido e por isso morre.
Carlos Saura também trabalhou e ainda trabalha com a sexualidade de uma
forma tensa, referindo-se a conflitos que extrapolam a vida pessoal e afetiva de suas
personagens e retratam problemas de ordem política.
Quando Buñuel apresentava o hímen intacto como representação da falta de
capacidade de romper com o estabelecido, ou quando Garcia Lorca fez sua
personagem mais livre e vivaz suicidar-se por ter-se entregado ao desejo sexual, os
artistas em questão não estavam se referindo apenas à repressão moral imposta
pela Igreja Católica. Romper com o estabelecido no contexto da Espanha franquista
era recusar e lutar contra todas as formas de repressão que surgiram e tomaram
conta dos mais diversos setores culturais, incluindo as artes, os meios de
comunicação de massa, os costumes e a militância política, religiosa, familiar e
escolar. Os 40 anos de franquismo fizeram a Espanha perder sua feição e a
pergunta “O que é a Espanha?” deixou de ser absurda. No final dos anos 70, o
cinema foi o melhor meio de a Espanha mostrar para o mundo a sua cultura, longe
dos estereótipos transmitidos na época franquista.
El cine posfranquista ofrece a España uno de los únicos médios
realmente influyentes de corregir los falsos esteriotipos del país y sus
habitantes que los intereses políticos del régimen franquista consiguieron
inculcar en el resto del mundo. Ségun ellos, España era la tierra del sol y
del duende, una experiencia exótica y distinta para los extranjeros, la tierra
de Don Juan y Don Quijote, y los amables, cariñosos, pero,
desgraciadamente, anárquicos, españoles- que, por cierto, acabaron
creyéndose esto-quienes necesitaban una mano dura que velase por
ellos.(...) desde 1982 uno de sus intereses básicos há sido la recuperación
de “parcelas de cultura” perjudicadas, deformadas o reprimidas durante
cuarenta años por una dictadura absolutamente vulgar. (HOPEWELL,
1989, p. 423)
28
A arte tecnológica do cinema consiste num campo privilegiado, em
que se projetam as representações individuais e coletivas, e ao mesmo
tempo, um poderoso motor de imagens que desencadeia a memória
involuntária dos indivíduos e as pulsões subterrâneas da cultura, gerando
experiências de choque, catarse e arrebatamento. A sétima arte pode
servir como uma lente de aumento para contemplarmos a Espanha, a sua
arte, o seu povo, a tradição e a história, e o cinema, particularmente, pode
exibir uma visão profunda do espírito espanhol, no contexto mais amplo da
alma latina. (PAIVA, 2006, p.1)
Embora, atualmente, o cinema espanhol seja capaz de mostrar quem é o
espanhol longe dos estereótipos franquistas , tal cultura permanece suscetível à sua
condição de instabilidade mestiça , altamente complexa e rica.
Em vez de enfrentar as perturbações ocasionais baseando-se num
fundo de ordem sempre pronto a se impor, a maioria dos sistemas
mestiços manifesta comportamentos flutuantes entre diversos estados de
equilíbrio, sem que exista necessariamente um mecanismo de retorno à
"normalidade". (GRUZINSKY, 2001, p. 59)
Atualmente, os filmes destes cineastas são exaustivamente estudados e,
analisando suas obras, juntamente com as de Almodóvar e Bigas Luna, é possível
traçar uma trajetória histórica e estética do cinema espanhol.
Um grande insight da filosofia de Michel Foucault, em As palavras e
as coisas (1966), é a sua contemplação do quadro espanhol Las Meninas,
como pretexto para discutir o problema da representação. O pensador
lança um olho de águia sobre as identidades e alteridades da cultura, mas,
sobretudo, decifra as formas do poder e sua visibilidade que emanam a
partir da iconografia na grande tela de Velásquez. E justamente seguindo
este fio, que perpassa a filosofia, a ciência, a arte, a tradição, a
modernidade, percebemos como a história do cinema espanhol, desde Luis
Buñuel & Salvador Dalí (Un chien andaluz, A idade do ouro), passando por
Carlos Saura (Ana e os Lobos, Cria Cuervos, Mamãe faz cem anos), Pedro
Almodóvar (A lei do desejo, Fale com Ela, La mala educación) até os
cineastas mais recentes, faz-se marcada por uma relação muito íntima com
a temática do poder, seja em termos da ciência política tradicional
(focalizando o Estado, os “aparelhos ideológicos” e as instituições
dominantes), ou no enfoque de uma “micropolítica”, exaltando as “minorias
ideológicas”, cujas representações no cinema têm contribuído para o
exercício da ética, cidadania e as estratégias de politização do cotidiano.
(PAIVA, 2006, p.2)
29
CAPÍTULO 2
O CINEMA NA ERA FRANQUISTA: BUÑUEL E SAURA
Por quase 40 anos a Espanha enfrentou um regime ditatorial comandado por
Franco e apoiado pela Igreja Católica. Durante este período muitas pessoas foram
exiladas como acontece em qualquer ditadura e, entre estas, estava Luis Buñuel,
cineasta que filmou praticamente todas as suas obras em outros países. O cinema
desta época era todo cifrado por causa da censura e tinha o intuito de tecer uma
feroz crítica política, social e moral. Carlos Saura também filmou neste período de
turbulência em que era preciso fazer um cinema em senhas para burlar a censura e
denunciar a Espanha franquista por meio de tramas que retratam a vida privada.
Este foi um período rico artisticamente, pois, apesar das proibições e restrições, os
cineastas possuíam idéias fortes para pregar ou combater.
Para compreendermos ou pelo menos tentarmos compreender a obra destes
dois cineastas, é preciso, entender primeiramente que seus filmes não tinham como
principal objetivo entreter. Eles utilizaram o cinema como uma ferramenta política
para alcançar mais liberdade e cidadania.
La difusión del sentido, metonímias, metáforas, símbolos, alegorias, elipsis,
la plasmación del sentido en la forma , subjetivismo (admitir escenas subversivas
por considerar que son producto de una mente supuestamente desequilibrada
como, por ejemplo, la del industrial de El jardín de las delícias): éstas son algunas
de las estratagemas indirectas utilizadas por los cineastas españoles para
sustraerse de la censura. (HOPEWELL, 1989, p. 131)
Atualmente, os filmes de Buñuel e Saura são considerados áridos pelo
público e realmente o são. Pois, diferentemente da Espanha atual, a Espanha de
Almodóvar, da cor vermelha, das catarses, Buñuel e Saura conheceram uma
Espanha em preto e branco, amedrontada e reprimida. É neste contexto de terror
que precisamos inserir a obra destes dois cineastas para captar a beleza subjacente
que existe nelas.
Muerte de um ciclista (1955) de Juan Bardem-eco, quizás del grito que con
Los olvidados (1950) Buñuel había dado desde el exílio- podría citarse como una de
las pocas alternativas a las producciones de los años cuarenta y cincuenta que, en
su folklorismo, constituían caricaturas del cine de Hollywood-preferido por el grueso
del público, pues le permitía evadirse de esa realidad a la cual aludía el cine
europeo de vanguardia.
(VARDERI, 1996, p. 66)
30
2.1 O cinema de Buñuel
A filmografia de Buñuel tinha como principal objetivo criticar as hipocrisias,
tanto nos âmbitos moral e religioso, como nos âmbitos social e político. Apesar de
tantas preocupações com o mundo que o cercava, Buñuel nunca se esqueceu dos
aspectos estético e artístico. Seus filmes não apenas denunciavam a realidade
social, política, moral e religiosa da Espanha franquista, como também o faziam com
apuro estético e senso artístico.
Buñuel limpava ao máximo suas imagens dos recursos técnicos a fim de atrair
a atenção do espectador para as características fundamentais de seus filmes. Os
planos normalmente gerais e a escassez de trilha sonora levam o espectador a
sentir a monotonia da vida cotidiana, quando esta é construída sobre convenções
muito severas e tradições muito rígidas, que eliminam a espontaneidade das
relações interpessoais.
Nos filmes de Buñuel, a câmera apresenta-se praticamente o
tempo todo aberta, mostrando as personagens a uma certa distância e
permitindo um olhar objetivo do espectador(...)Através de planos mais
gerais e estáticos, Buñuel evitava colocar os recursos técnicos à frente das
próprias imagens.(MARQUES, 2003, p.67 )
Apesar de possuir uma linguagem mais sóbria, Buñuel sempre imprimiu a
temas universais, como o amor, o adultério e a religião, as marcas da cultura
espanhola , tão passional , hiperbólica e trágica. Como afirmou Pinheiro (2004, p.1):
A pluralidade de culturas e de tempos históricos é ainda maior se
se pensa nos países onde confluíram diversas civilizações, como a
Espanha: celtas, romanos, fenícios, visigodos, árabes, judeus. Desta
forma, o caráter passional provém de uma série de combinações em
tensão.
(...) el problema de la estructura social y el carácter del español ,
darán el ambiente, el tinte de los matices de la tragedia, pero la
problemática profunda que plantean, es universal.
(CESARMAN, 1976, p.235)
Por causa do governo franquista que tomou o poder na Espanha no ano de
1936, Buñuel viveu exilado de seu país praticamente a vida inteira. Viveu alguns
anos na França e nos Estados Unidos, mas passou 36 anos no México e adquiriu
dupla nacionalidade. Por isso, quase toda sua obra foi produzida fora da Espanha,
mas, mesmo assim, seus filmes são tipicamente espanhóis, ainda quando
31
interpretados por atores franceses ou mexicanos e falados em outro idioma, pois
Buñuel era um apaixonado pela Espanha e por sua cultura.
Buñuel herdou toda a força de um pensamento espanhol e sua obra é
um reflexo claro desta influência. Perpassando seus filmes encontramos
desde o espírito de Goya (sobre quem Buñuel escreveu um roteiro)-reflexo
da crueldade e o grande retrato de seu tempo, até a geração de Buñuel
que resolveu redescobrir os verdadeiros valores espanhóis, a verdadeira
Espanha–extremamente sarcástica e profundamente herege sob seu
catolicismo sufocante. (NOGUEIRA,1993, p.145)
Os filmes de Buñuel eram enigmáticos já que criticavam ferozmente as
instituições políticas e religiosas em uma época em que o governo de seu país era
ditatorial e a Igreja Católica extremamente poderosa e ligada ao governo. Seus
primeiros três filmes, Um cão andaluz, A idade do ouro e Terra sem pão, desmontam
respectivamente a Igreja e a sociedade que sufoca os sentimentos passionais e
espontâneos e a miséria dos excluídos sociais. Em seus primeiros três filmes estão
contidas as reflexões que se repetirão em toda a sua obra. A crítica à Igreja
apresentada em Um cão andaluz será retomada em diversos filmes, entre eles,
Viridiana e Via Láctea. O sufocamento de sentimentos passionais pela sociedade
burguesa, apresentado em A idade do ouro, repete-se em outros filmes de Buñuel,
entre eles, A bela da tarde e O anjo exterminador. A exclusão social apresentada em
Terra sem pão retorna em filmes como Os olvidados e Viridiana. Outro tema
exaustivamente abordado por Buñuel é a impossibilidade de amar acarretada pela
falta de entendimento entre homens e mulheres, que gera um diálogo absurdo e
patético. Tal tema foi abordado logo em seu primeiro filme e é apresentado em
muitos outros, como afirmou Cesarman (1976, p.234):
En Tristana se maneja otra vez el tema de la imposibilidad de
amar, como la ha planteado Buñuel desde El perro andaluz; la materia está
dispuesta para el encuentro, allí están colocados el hombre y la mujer con
toda libertad exterior para entregarse y continuar esta entrega sin
problema. Pero interiormente, en el carácter de los personajes, en sus
modos de reaccionar, tal libertad no existe. Los personajes se entregan y
parecen poseer una fuerza que los obliga a destruirse, y esta fuerza, de
acuerdo con la dinámica psicológica, es el resultado de un sentimiento de
culpa, porque la personaje escogida como la meta del sentimiento amoroso
es una persona prohibida por ser la representante de impulsos incestuosos.
Seus primeiros três filmes constituem sua primeira fase como cineasta que é
intitulada de fase surrealista.
32
O surrealismo cinematográfico, que atinge sua melhor expressão
em dois filmes de Luis Buñuel, Um cão andaluz (1928) e A idade do
ouro(1930) , estava longe também, evidentemente, de qualquer
preocupação quanto a enredos e estórias. Suas imagens-choque
expressam pulsões, desejos ainda não racionalizados, e um imenso ódio
pela ordem burguesa (...) É uma realidade que só tem existência
cinematográfica, é a maneira do artista se expressar, a maneira que ele
tem de fazer emergir um real oculto nele e em nós, a sua maneira de se
relacionar com o cinema, com a sociedade, com os espectadores. (
BERNARDET, 2006, p.56)
A segunda foi considerada comercial e realizada no México. Buñuel rodou
diversos filmes em pouco tempo e com baixo orçamento. Na época eles eram
produzidos apenas para entreter. Buñuel não lhes dava crédito mas, analisando
cuidadosamente sua filmografia mexicana, encontraremos filmes com alto valor
artístico. Entre eles, Os olvidados, Él, Viridiana (rodado na Espanha com verba
mexicana) e O anjo exterminador. Foi sua terceira e última fase a mais valorizada
pelo público e pela crítica, chamada fase européia ou fase de cinema de autor. Os
filmes mais conhecidos e assistidos de Buñuel pertencem a esta fase: O discreto
charme da burguesia, A bela da tarde , O fantasma da liberdade e Esse obscuro
objeto do desejo. Na primeira fase, a surrealista, Buñuel abusava de elementos
surreais, dificultando a intelecção de seus filmes . Já em obras posteriores, se
utilizava de elementos surreais, mas os roteiros possuíam uma seqüência lógica
com começo, meio e fim. Seus filmes da fase européia, mais ligados ao surrealismo
e que melhor resgatam a linguagem da primeira fase, são: O fantasma da liberdade
e Via Láctea.A bela da tarde, Tristana, Esse obscuro objeto do desejo possuem
uma linguagem mais tradicional, embora contenham elementos absurdos e critiquem
com a mesma ferocidade as instituições que tolhem o indivíduo.
La diferencia más clara entre la técnica surrealista utilizada en esta
película(A bela da tarde) y entre El perro andaluz e La edad de oro, todas
las cuales pueden considerarse como sus realizaciones surrealistas más
ortodoxas , es que en las dos últimas se ven los contenidos reprimidos en
una forma simbólica y onírica, en el sentido de lo absurdo de sus imágenes
en secuencias que se nos pueden ocurrir, pero que no pueden ocurrir en la
vida real. (CESARMAN,1976, p.207)
Buñuel é conhecido atualmente como um cineasta surrealista, como se
escandalizar fosse seu objetivo principal. E, no entanto, analisando a obra de Buñuel
como um todo, podemos perceber que o surrealismo foi uma ferramenta usada por
ele para desvendar um mundo hipócrita e injusto. Embora tenha revolucionado a
gramática dos grandes cineastas, foi mais do que um esteta. Foi um libertário e sua
33
linguagem o meio de alcançar o objetivo principal: as liberdades política, religiosa ,
moral e social que continuam no campo das utopias, apesar dos avanços
decorridos nos últimos 30 anos, que abafaram grande parte do poder da Igreja e
libertaram o país da ditadura franquista.
...a gramática cinematográfica fôra composta por Griffith , Ince,
Eisenstein e alguns outros: Buñuel esqueceu todas as regras e compôs o
grande poema cinematográfico do amor delírio.Assim fazendo, uma
linguagem infinitamente mais rica que tudo o que aparecera até então
impõe-se a Buñuel , que, desdenhando a horrível técnica , sapato muito
apertado nos pés de tantos realizadores, inova em tudo. Seu grande tema
exigia a destruição de todos os limites, não para voejar graciosamente no
céu dos circos, onde as acrobacias gratuitas provocam o entusiasmo dos
estetas e dos esnobes, mas para exprimir plenamente as duas palavras
mais magnéticas de qualquer língua:amor e revolta. ( KYROU,1966, p.21)
O catolicismo e os tabus sexuais , nos filmes de Buñuel, sempre foram
associados aos dramas políticos. Em Esse obscuro objeto do desejo, ele narra o
conturbado romance entre Mathieu, um homem abastado de meia-idade, e Conchita,
uma jovem pobre. O relacionamento é todo construído sobre idas e vindas, rupturas
e reconciliações, e, como pano de fundo, ataques terroristas proporcionam ao filme
um clima de terror e fragilidade constantes. O romance do casal protagonista é
associado aos ataques terroristas. Da mesma forma que a qualquer momento pode
haver uma explosão, Conchita pode romper com Mathieu. Tal filme foi rodado em
1977, dois anos após a morte de Franco, mas, ainda assim, a Espanha sofria as
conseqüências de 40 anos de ditadura. Mathieu e Conchita não conseguem
estabilizar a relação até o final do filme, pois a Espanha ainda não estava totalmente
liberta das forças repressoras.
Conchita é um reflexo da própria Espanha: autoritária,
caprichosa,dominadora, sensual,libertina e casta, repleta de pudores e
preconceitos,intimamente ligada às tradições. Talvez seja por esse motivo
que Conchita nunca perde a virgindade.A Espanha do cinema de Buñuel
buscava saídas para as repressões política e religiosa,mas ainda não tinha
se libertado nem de uma nem da outra.Embora o governo franquista
tivesse chegado ao fim com a morte de Franco em 1975, em 1977, o ano
em que foi realizado Esse obscuro objeto do desejo, a Espanha ainda
carregava as marcas de um governo autoritário, sofrendo ataques de
grupos terroristas. O hímen intacto é a representação desta Espanha que
ainda não tem forças para romper com o estabelecido. (MARQUES, 2003,
p.105)
Em Tristana, a jovem protagonista vive um relacionamento sufocante com seu
tutor e tal sentimento de estar presa a uma relação indesejável é representado por
34
uma cena onde mostra uma greve de operários sendo reprimida por guardas-civis a
cavalo. Da mesma forma em que explosões aparentemente sem importância surgem
em Esse obscuro objeto do objeto, essa cena significa muito mais do que aparenta
num primeiro momento. É mais uma metáfora que associa a vida política da
Espanha com os dramas pessoais e morais.
Don Lope e Tristana viven como amantes y unos dos años
después se nos muestra que los dos se sienten prisioneros en esta relación
. Aparentemente fuera de contexto, se muestra una huelga de obreros que
es reprimida por un batallón de guardias civiles a caballo. Es claro que
ambos personajes sienten necesidad de liberarse. (CESARMAN, 1976,
p.224)
A obra de Buñuel serve de referência para cineastas conterrâneos e é
considerada um marco da filmografia espanhola. Juntamente com Carlos Saura ,
registrou uma era sinistra vivida por seu povo que, sempre que possível, será
relembrada por cineastas contemporâneos como Bigas Luna e Pedro Almodóvar
para que a Espanha e o mundo nunca se esqueçam da crueldade dos regimes
ditatoriais ligados à repressão religiosa.
...en España la violenta censura dictatorial , el fascismo eclesiástico y
la complicidad de una burguesía ultraconservadora, impidieron hacer un
cine abiertamente vanguardista, y mantuvieron en la ignorância o en el
extrañamiento interior a las geraciones de la guerra y de la posguerra.(
VARDERI, 1996, p. 66)
Buñuel optou desde o início de sua filmografia por fazer uma obra sóbria, sem
catarses e limpa no sentido técnico. Desejava que as imagens ficassem à frente dos
recursos técnicos.
Para Buñuel, a câmera e toda a parte técnica eram instrumentos
para dissecar um mundo que não aceitava e que desejava modificar.
Nunca houve, em sua obra, excessos técnicos supervalorizando o meio e
deixando em segundo plano a mensagem. Buñuel limpava ao máximo as
suas imagens dos efeitos tecnológicos, fazendo um cinema realmente puro
no sentido da linguagem. Apenas um esteta muito habilidoso e conhecedor
profundo da sétima arte poderia alcançar uma linguagem tão apurada e o
mais cinematográfica possível.
Através de um estilo sóbrio na forma e feroz no conteúdo, Buñuel revelou
problemas universais sob o ponto de vista espanhol. Em sua filmografia, o
mundo é analisado através da lente passional, indignada, cruel, mestiça,
casta, profana e ambígua da Espanha. (MARQUES, 2003, p. 9)
35
Buñuel trabalhou com os grandes ícones da cultura espanhola, incluindo os
ataques terroristas ocorridos na Espanha na época do franquismo, e a mescla de
elementos sagrados e profanos. Tal característica pode ser encontrada na obra dos
outros três cineastas analisados na atual pesquisa. Em Esse obscuro objeto do
desejo, último filme realizado por Buñuel, os cenários revelam uma série de sutilezas
no que diz respeito às interferências e combinações culturais. A casa de Mathieu em
Sevilha é muito mais colorida do que sua casa em Paris. O vermelho aparece
abundantemente na casa espanhola, sugerindo uma tensão que se inicia em Paris ,
mas que explode na Espanha. É em Sevilha que Mathieu espanca Conchita que
sangra, chora e implora por seu amor. Outro elemento muito marcante na
cenografia do filme é a exuberância do jardim da casa que Mathieu dá a Conchita
em Sevilha. As plantas estão em perfeita harmonia com os elementos
arquitetônicos, revelando uma boa assimilação da cultura espanhola pelos espaços
abertos e híbridos. Os elementos mestiços aparecem na obra de Buñuel não apenas
no que diz respeito à combinação das forças cristianizadas e mouriscas no nível do
conteúdo, mas também em algumas imagens, incluindo figurino, cenário e trilha
sonora. Em Esse obscuro objeto do desejo, a casa que Mathieu compra para
Conchita em Sevilha é integrada a um suntuoso jardim, e o portão vazado permite a
visão da casa por aqueles que passam pela rua. Os limites entre dentro e fora não
são rígidos, revelando que diferentes forças se combinaram na obra de Buñuel. Em
sociedades mais abertas, faz-se necessário olhá-las sob um ponto de vista mais
flexível.
Quando vive num apartamento pequeno em Paris, Conchita faz ensaios de
dança flamenca com seu amigo Morenito. Ela e sua mãe são espanholas que vivem
há muitos anos na França. Ao dançar em seu apartamento, Conchita leva um pouco
da sua cultura para o país onde reside. E mais uma vez, pode-se perceber um
choque entre elementos culturais. Depois de um ensaio com Morenito, lava-se na
pia , enquanto conversa com Mathieu. A presença da água, do banho, o simples
gesto de se refrescar, insinua o erotismo de uma cultura mais aberta que entra em
combinação com outra mais fechada. A mescla de elementos de uma cultura mais
fechada, a francesa, e de outra mais aberta e erotizada, a espanhola arabizada, se
faz presente em muitos momentos do filme. Conchita dança sensualmente em seu
apartamento, e em outras cenas, podemos ver um enorme crucifixo na parede,
sobre a cama. No quarto de Mathieu o mesmo elemento está presente. No quarto
36
em que Mathieu luta com Conchita para possuí-la, podemos ver um crucifixo na
parede. Como afirmou Jean-Claude Carrière, Buñuel tinha uma grande
preocupação com detalhes da cenografia que muitas vezes passavam
despercebidos pelo público em geral:
Essa mobília arranha as paredes, deixando marcas. É isso. Sinais de
ocupação humana. Incrível trabalho de pesquisa feito por um grande profissional,
levando a paixão pelos detalhes lógicos às fronteiras do imperceptível. Um detalhe,
é claro, que ninguém perceberia, mas cuja ausência seria talvez (embora
vagamente) sentida.(CARRIÈRE,1995, p. 193)
Buñuel optou também sempre pela escassez de trilha sonora a fim de evitar
catarses. Normalmente, em seus filmes a trilha é incidental, isto é, um personagem
toca uma música ao piano ou alguém coloca um disco na vitrola. Dizer que Buñuel
utilizou pouca trilha sonora não significa dizer que sua trilha não era apurada. Em
Viridiana, filme rodado na Espanha, com verba mexicana, duas músicas marcam
com maestria a narrativa. Uma delas, Aleluia de Haendel, executada por meio de um
disco de Don Jaime, tio de Viridiana. A outra, um rock and roll que sonoriza a última
cena do filme. Viridiana inicia a trama como uma noviça que renega o corpo e todos
os prazeres terrenos. Ao final, depois de ter sido quase violada duas vezes, depois
de ter-se decepcionado com o grupo de mendigos que tentou ajudar, movida por um
sentimento cristão, um amor maior à humanidade, Viridiana cansa de resistir e negar
os seus impulsos sexuais e subentende-se que entrará num triângulo amoroso com
seu primo que já é amante da empregada da casa. O rock and roll, provavelmente,
simboliza que Viridiana não terá uma vida tão sóbria e séria. Utilizar tais músicas
num mesmo filme, abrindo-o com uma delas e fechando-o com outra, revela mais
uma vez a tendência de Buñuel para mesclar elementos sagrados e profanos:
Viridiana inicia-se com a música Aleluia , de Haendel , e termina com
um rock and roll. Portanto, mais uma vez, Buñuel revelou seu gosto pela
ruptura. Do sagrado, ele passa ao profano e cotidiano. De noviça, Viridiana
passa a integrar um ménage à trois.(MARQUES, 2003, p..83)
As imagens de Luis Buñuel, mesmo em seus filmes coloridos, apresentavam
tons pastéis e suaves. A câmera aberta mostrava planos mais gerais, quase sempre
estática, ressaltando a monotonia do cotidiano e evitando catarses. Do mesmo modo
que Buñuel priorizava os planos gerais e estáticos, Saura também revela um gosto
por este tipo de filmagem. Em Dispara!, quando Ana é violentada, a câmera está
37
aberta, mostrando todo o cenário de violência e humilhação. Diferentemente de
Almodóvar que proporciona intimidade às suas personagens fazendo planos mais
fechados, principalmente nos filmes mais recentes, que esteticamente são mais sutis
que os primeiros. Da mesma forma que Buñuel , e diferentemente de Almodóvar ,
as cores dos filmes de Saura apresentam tons mais pastéis enquanto que as cores
dos filmes de Almodóvar são vibrantes.
La mirada cinematográfica de Buñuel parte de la presencia
específica de los objetos más banales. Buñuel utiliza comúnmente planos
medios y generales estáticos, que recogen sin comentarios una
proliferación desordenada, amontonada, de objetos. Tan ayuna de relieve
como la prosa de Sade, la cámara inmóvil de Buñuel retrata una vida que
fluye con vulgaridad, sin distinción, aunque con autonomía.
(CESARMAN,1976, p. 11-12)
Podemos encontrar elementos comuns à obra de Saura e Almodóvar,
partindo do pressuposto de que o cinema do primeiro foi uma das fontes de
inspiração do segundo, como afirmou Holguín (1994) em uma análise comparativa
do cinema de Visconti, Saura e Almodóvar, colocando os três como filhos de um
mesmo movimento, cada qual , porém, representando uma classe social.
Voltando a Buñuel, a simples escolha de dividir a personagem de Conchita
entre duas atrizes, uma francesa, e a outra, espanhola, denota que ele desejou em
tal filme levar até às últimas conseqüências sua opção pelas mesclas hibridizantes.
A protagonista Conchita do filme Esse obscuro objeto do desejo é
interpretada por duas atrizes: a espanhola Angela Molina e a francesa
Carole Bouquet (...) Uma não representa o lado bom de Conchita , e a
outra, o mau(...) Ambas representam a Conchita apaixonada por Mathieu e
a Conchita que o despreza. Mas é notável que as cenas interpretadas por
Angela Molina, tanto as agressivas como as românticas, possuem um
impacto emocional mais intenso(...) Mesmo quando se mostra apaixonada,
a interpretação de Carole Bouquet possui um tom frio, quase irreal. É uma
paixão caricata, inventada. Apesar de Buñuel não fazer uma divisão rígida
das cenas, o espectador tem a sensação de que Carole Bouquet é o lado
glacial de Conchita, o que tenta adaptar-se à França. (MARQUES, 2003,
p.80)
Conchita divide-se entre uma jovem apaixonada e casta e uma mulher irônica
e cruel. Demonstra sentimentos passionais por Mathieu e, em outros momentos,
mostra-se fria e distante. Provavelmente, Buñuel revelou por meio desta
personagem, interpretada por duas atrizes de nacionalidades diferentes, como
elementos culturais diversos podem conviver.Tais elementos podem se mesclar,
38
originando uma outra cultura. A Conchita que dança, que exibe os seios e que
seduz, é a mesma que se nega ao sexo. Uma possível interpretação é enxergá-la
como o próprio retrato da Espanha que mescla elementos árabes e cristãos, o que
deu origem a uma Espanha e a um espanhol arabizado. O país dos crucifixos e das
procissões é também o da dança flamenca e das bacanais. Como foi afirmado por
Sílvia Marques (2003,p.105) “Conchita é o reflexo da própria Espanha: autoritária,
caprichosa, dominadora, sensual, libertina e casta, repleta de pudores, preconceitos,
ligada às tradições”.
A obra de Buñuel como um todo carrega as características de uma Espanha
marcada por forças opostas que se combinaram e geraram uma terceira cultura em
movimento.
Detrás de Buñuel, toda España. Reyes y prostitutas, santos y
enamorados, monstruos, locos y bufones del delirio español ascienden en
las películas de Buñuel a las mansiones del progreso occidental. Las
figuras de la salud, la seguridad y el optimismo occidentales se pierden en
los laberintos barrocos de España e Hispanoamérica. ( CESARMAN, 1976,
p.23)
Na melhor tradição espanhola, seu realismo une-se ao de Goya,
Quevedo, os romances picarescos, Valle-Inclán, Picasso. Resolve-se num
impiedoso corpo a corpo. Dessa luta, a realidade sai esfolada viva.(PAZ
apud in: KYROU ,1966,p.149)
A obra de Buñuel, que critica veementemente a sociedade franquista , traz à
tona dramas seculares vividos por sua cultura. De 1936 a 1975 houve o ápice de
uma realidade vivenciada desde o século VIII, com a invasão dos mouros na
Península Ibérica. No século XVI, inclusive , como afirmou Burke ( 2003, p. 82-83),
“houve uma forte política por parte da porção cristã espanhola contra as heranças
muçulmanas e judaicas”.
Em meados do século XVI, houve uma tentativa oficial de fechar o
país. Os espanhóis foram proibidos de estudar no exterior para que não
fossem contaminados pelas heresias. O contraste entre a Espanha do final
da Idade Média, a era da coexistência e da interação entre três culturas, a
cristã, a muçulmana e a judaica ( descrita por Américo Castro), e a
Espanha dos séculos XVII e XVIII é de fato muito marcante, e sugere-
como no caso do cristianismo no Japão- pode ter sido a receptividade
cultural das pessoas comuns o que levou as autoridades a tomarem uma
atitude.
39
Em uma determinada cena do filme, Mathieu é assaltado por amigos de
Conchita mas, como ele mesmo define, é um assalto gentil porque os criminosos
pedem uma determinada quantia de dinheiro, deixando o restante para Mathieu.
Provavelmente essa passagem é mais uma das tantas metáforas de Buñuel. Numa
cultura mestiça, as diferenças são melhor assimiladas e existe um maior senso de
humor. Um assalto, um ato condenável, é visto com humor e sem grandes
conseqüências no filme de Buñuel. Podemos interpretar tal episódio como
manifestação do pensamento de que em culturas híbridas os problemas se resolvem
com mais tranqüilidade, com mais leveza. Mas não foi apenas o cinema de Buñuel
que retratou essa riqueza de combinações culturais. Podemos enxergar com maior
nitidez a força destas interferências e mesclas em filmes contemporâneos , como os
de Julio Medem , Bigas Luna e Pedro Almodóvar. Se Buñuel revelava a crueza e a
crueldade de uma cultura mediante uma linguagem sóbria, Almodóvar mostra essa
mesma crueldade , mas de forma hiperbólica, diretamente relacionada a um
hibridismo que se barroquiza. Em Tudo sobre minha mãe, uma enfermeira, uma
freira grávida , um travesti e uma atriz homossexual se relacionam e interagem, uma
modificando a vida da outra, numa comovente combinação que sugere a própria
Espanha ibero-mourisca. Pela convivência entre personagens hetero e
homossexuais, mediante a exposição do corpo e da sensualidade, Almodóvar
encontra uma forma de lidar com as combinações culturais.
Emplazados en el instante de la obra, Sarduy y Almodóvar
anteponen el cuerpo, como la única fortaleza posible contra los avatares
del tiempo y la desintegración de la memoria. Un cuerpo que ninguno teme
campificar y travestir , pues ambos comulgan en una estética dable de
privilegiar las voces acorraladas por la cultura falocéntrica contra los límites
del sistema ( VARDERI, 1996, p. 207)
A convivência entre culturas distintas é sempre um processo em tensão como
afirmou Burke ( 2003, p.97-98):
A “harmonia” cultural , ou pelo menos a apropriação,
aparentemente se combina com a desarmonia social (...) Como pode esta
coexistência de harmonia e conflito ser explicada? A pergunta crucial, fácil
de fazer mas difícil de responder, é a questão do significado. É bem
possível que aquilo que os historiadores hoje vêem como herança comum
possa ter sido percebido tanto por cristãos quanto por muçulmanos como
sendo realmente “deles”.
40
Relações marcadas pela dominação
Tristana e Don Lope
Mathieu e Conchita
41
Casais bizarros e relações marcadas pela violência
Um cão andaluz
A falta de entendimento entre homens e mulheres na obra de Buñuel já foi
revelada em seu primeiro filme. A navalha cortando um olho possivelmente
representa o falo penetrando a mulher com agressividade.
Esse obscuro objeto do desejo e O fantasma da liberdade
Na fotografia à esquerda, Mathieu de Esse obscuro objeto do desejo joga
água em Conchita para sublimar seu amor disfarçado em ódio. Na fotografia à
direita, um casal em O fantasma da liberdade se excita com cartões postais.
42
As diversas formas de violência apresentadas por Buñuel
Violência social mostrada em Os olvidados
43
Violência dos desejos ocultos de A bela da tarde
Violência do fanatismo religioso em Viridiana
Violência do ato sexual simbolizado pelo corte de um olho em Um cão andaluz
44
As pernas e os pés no cinema de Buñuel eram alvo do fetiche masculino
45
Voyeurismo em A bela da tarde
A indolência diante da descoberta dos desejos eróticos e da exploração da
sexualidade.
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2.2 Filmografia de Luis Buñuel
x Esse obscuro objeto do desejo ( Cet obscur objet du désir, França e Espanha,
1977)
x O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberte, França, 1974)
x O discreto charme da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie, França,
Espanha e Itália, 1972)
x Tristana, uma paixão mórbida ( Tristana, França e Espanha, 1970)
x Via Láctea ou O estranho caminho de São Tiago (La voie lactée, França, 1968)
x A bela da tarde (Belle de jour, França e Itália, 1966)
x Simão do deserto (Simón del desierto, México, 1964)
x O diário de uma camareira (Le journal d'une femme de chambre, França, 1964)
x O anjo exterminador (El ángel exterminador, México, 1962)
x Viridiana ( Viridiana, México e Espanha, 1960)
x A adolescente ( La joven, México, 1958)
x Nazarín (Nazarín, México,1958)
x Os ambiciosos (La fièvre monte à El Pao, México,1956)
x A morte no jardim (La mort en ce jardín, México,1956)
x Cela’s appelle l’aurore(Cela’s appelle l’aurore , França,1955)
x O bruto( El bruto, México,1954)
x Ensaio de um crime (Ensayo de un crimen, México, 1954)
x O rio e a morte (El río y la muerte, México, 1953)
x A ilusão viaja de trem ( La ilusión viaja en tranvía, México, 1953)
x Escravos do rancor ( Abismos de pasión, México, 1953)
x Robison Crusoé (Robison Crusoé , Estados Unidos, 1952)
x O alucinado ( Él, México, 1952)
x
Subida ao céu ( Subida al cielo, México, 1951)
x Uma mulher sem amor ( Una mujer sin amor, México, 1951)
x A filha do engano (La hija del engano, México, 1951)
x Suzana, mulher diabólica ( Susana, México, 1950)
x Os esquecidos ( Los olvidados, México, 1950)
x El gran calavera(El gran calavera, México,1949)
47
x Gran casino (Gran casino, México,1946)
x Terra sem pão ( Las hurdes, Espanha, 1932)
x A idade do ouro ( L’ âge d’or ,França, 1930)
x Um cão andaluz ( Un chien andalou, França, 1928)
48
2.3 O cinema de Carlos Saura
Diferentemente de Buñuel, que filmou apenas na época do franquismo, e de
Almodóvar, que fez seus filmes numa Espanha livre, Saura conheceu as duas
Espanhas: a franquista e a que veio depois desta, exageradamente deslumbrada com
sua liberdade. Se compararmos os filmes de Saura da era franquista como Ana e os
lobos e Cría cuervos, com Dispara! de 1993, poderemos perceber que pouco mudou
em sua obra, altamente simbólica, mesmo 18 anos depois do fim do franquismo. A
obra de Saura sempre foi marcada pelas representações políticas por meio das
relações pessoais .
Concomitantemente, as raízes ibéricas se revelam com grande
força estética no cinema de Carlos Saura (Huesca, Aragon, 1932), um
cânone do cinema espanhol, que se caracteriza pela narrativa alegórica
buscando traduzir esteticamente as tensões dos
quase 40 anos de ditadura do General Franco (1939-1975), como se
mostram em Ana e os lobos (1973), Cria Cuervos (1976) e Mamãe faz cem
anos (1979). A trilogia,estruturada com base num regime simbólico que
denuncia os poderes opressivos dos militares fascistas, da família
burguesa e da igreja católica, demarcou um prisma específico no cinema
de Carlos Saura, fortemente marcado pelo caráter contraideológico, e
neste sentido,relembramos ainda Olhos vendados (1978), um registro
contra o autoritarismo, repressão política, tortura e violência durante os
ditos “anos de chumbo”. Contudo, o enraizamento de Carlos Saura não se
restringe às formas da resistência política que marcaram a sua produção
nos anos 70. A magnitude de sua expressão estética se desvela nos
processos intertextuais e intersemióticos, que ele promove no
encadeamento com a música, o teatro e, sobretudo, com a dança,
conforme atestam as películas Bodas de Sangue (1981), Carmen (1983),
Amor Bruxo (1986), Sevillanas (1992), Flamenco (1995) e Tango (1998).(
PAIVA, 2006, p.4)
No filme A prima Angélica de 1973, Saura faz menção à parte da sua
infância repressora, quando necessitou deixar Barcelona para viver em Huesca, na
província de Aragão, sua terra Natal, ao lado de tias e da avó materna. A educação
catalã que recebeu se perdeu naquele ambiente opressor, rígido e extremamente
religioso. Como afirmou o cineasta, sentiu-se exilado em seu próprio país. Em Cría
cuervos, que será analisado mais adiante , a infância também é representada como
um período doloroso e confuso.
Al igual que muchas otras de sus películas, La prima Angélica se
inspira en el fondo en la experiencia personal de Saura. Durante la guerra
civil, su madre le envió a vivir con su abuela y sus tias a Huesca. Él mismo
describió así el desconcierto que sentió al dejar la Cataluña republicana por
el lúgubre hogar familiar. (HOPEWELL, 1989, p.69)
49
A prima Angélica não é apenas um relato da infância, mas também gira em
torno de um tema presente em outras obras de Saura: o espanhol do pós-guerra
civil.
Luis, el protagonista de La prima Angélica, también recuerda los tiempos
de la guerra con tristeza (...) Saura había explorado ya en Peppermint
frappé y El jardín de las delícias , utilizando el mismo actor a fin de
personificar al español de la posguerra. Tampoco el tema de La prima
Angélica es nuevo. La película gira en torno al legado psicológico de la
guerra civil, a lo que Erice denomina “exílio en si mismos” de los españoles.
(HOPEWELL, 1989, p.69)
Diferentemente também de Buñuel, Saura conseguiu produzir na Espanha
filmes políticos e críticos durante o franquismo. É considerado o único cineasta
espanhol que fez os filmes que desejou durante este período. Dois elementos
favoreceram Saura na realização de um cinema autoral: a situação econômica
confortável e sua fama internacional. O sucesso que fazia fora da Espanha foi
explicado por Hopewell (1989, p. 244-45):
De cualquier modo, el hecho de que Saura atrajera la atención
internacional durante el régimen de Franco es perfectamente expicable. En
primer lugar, su obra era sensible a las teorias archiconocidas de Freud (...)
Outro aspecto de Saura que atrajo la atención del público internacional fue
su particularidad, la presencia palpable de España.
Aparentemente mais simples e linear, Dispara! é um lembrete amargo de que
ainda há muito para se caminhar em rumo à liberdade. A personagem protagonista
vivida por Francesca Neri é uma artista circense que trabalha sobre seu cavalo
como atiradora. Depois de ser violentada brutalmente por três jovens sádicos, ela os
assassina e foge. No meio do caminho é interceptada por dois policiais e, mesmo
contrariada, atira neles para continuar sua fuga . Fuga esta que é inútil pois o abuso
sexual desencadeou uma hemorragia interna que a levou à morte. Ana morre
cercada pela polícia, dentro da casa de uma família camponesa, nos braços de um
jornalista apaixonado por ela. Um fato interessante em Dispara! é a protagonista
chamar-se Ana como a personagem central de Ana e os lobos, também violentada e
assassinada. Carlos Saura parece querer por meio do nome Ana unir uma
personagem da era franquista a uma outra da pós-franquista, colocando-as no
patamar de vítimas e carrascas. Talvez, a visão ambígua de Saura em relação às
50
mulheres decorra do fato de ter passado grande parte de sua infância num ambiente
opressor como já foi afirmado.
Em Dispara!, durante o estupro, ninguém presenciou a cena e no entanto
todos os crimes cometidos por Ana tiveram alguma testemunha e os fatos vieram à
tona muito rapidamente pela mídia. Provavelmente é mais uma simbologia de Carlos
Saura para denunciar a Espanha. Malgrado liberta das amarras puritanas da Igreja
Católica, ainda vive o patriarcado, fazendo com que os crimes sofridos pelas
mulheres fiquem sem punição enquanto que os crimes cometidos por elas venham à
tona com conseqüências brutais. Ana de Dispara! é provavelmente mais um ícone
como Ana de Ana e os lobos. Nenhuma personagem presencia também o estupro e
o assassinato de Ana pelos três irmãos que representam a família, a Igreja , o
Governo e os militares na era franquista.
Esta última (Ana y los lobos) es una acerada crítica a tres atributos de
la sociedad franquista – el militarismo, la lascívia y la hipocresía religiosa-
que están personificados en la película por los tres hijos- José, Juan y
Fernando- de una mujer efusiva, epiléptica y tiránica. ( HOPEWELL, 1989,
p.261)
Outra protagonista de Saura chamada Ana é a de Cría cuervos, uma garota
de oito anos de idade, atormentada pela morte da mãe e indiferente à do pai. A
menina parece sentir apenas a perda materna enquanto que a morte do pai era -lhe
um acontecimento agradável e até mesmo idealizado por ela. O pai enfartou
enquanto mantinha relações sexuais com sua amante. Ana, porém, pensava que a
causa de sua morte fosse um copo de leite envenenado que havia servido para o
pai, mas na realidade a substância que a menina colocou no leite não seria capaz de
matar um homem: era apenas bicarbonato. Ana imagina ter matado o pai pois o
crime estava em sua mente e, ao invés do sentimento de culpa, sente que fez justiça
porque responsabilizava o pai pela morte da mãe. Esta faleceu devido a uma
hemorragia uterina mas, como sofria pelas traições do marido, Ana imaginava que
fora o sofrimento emocional que fizera a mãe adoecer. Mais uma vez, a idéia do
crime feminino surge na obra de Saura. Ana pensa ter matado o pai e com a morte
deste passa a viver com a tia e a avó. A tia é uma mulher extremamente enérgica e
pouco afetuosa, o oposto da mãe que era gentil e carinhosa. Viver sob as ordens da
tia, para Ana, era a punição de seu crime: o assassinato do pai.
51
Ana(...) se esfuerza por ser ella misma en una sociedad que prepara
a sus miembros para representar papeles sociales en vez de enseñarles a
desarrollar su individualidad. Su rebelión es confusa, tiene inclinaciones
asesinas y parece estar condenada al fracaso. Confundiendo una cajá de
bicarbonato con veneno, echa un poco del contenido en la leche de su
padre ( le culpa de la enfermedad y la muerte de su madre) la misma noche
em que éste muere de un ataque al corazón. (HOPEWELL,1989,p.250)
O universo de Cría cuervos é ainda mais simbólico que o de Dispara! e Ana e
os lobos, pois trabalha com uma criança que carrega em si um germe do espírito
facínora contido no povo espanhol ,que há muitos séculos já possuía a tendência de
sufocar e exterminar o que não lhe era conveniente. Tanto que, ao término de uma
guerra que durou oito séculos entre cristãos e mulçumanos, a Espanha tentou
exterminar toda a herança árabe, que mesmo a contragosto veio à tona e explodiu
com força na era pós-franquista.
Aunque cristianos y mulsumanes vivían en el mismo suelo, de
manera casí idéntica, sus concepciones en materia tan esencial como el
amor se oponían de modo tan rotundo que no es extraño que su guerra
dure ocho siglos y termine con la aniquilación del vencido. Todo lo que el
español lleva en sí de árabe es reprimido sin piedad , y en primer término,
la sexualidad. ( GOYTISOLO, 1979, p.300)
Para o espanhol arabizado é possível viver a sexualidade e a religião
simultaneamente enquanto que para o cristão tal associação é difícil. Uma das
grandes metáforas de Saura está relacionada à dança flamenca. Explorou essa
série cultural em muitos de seus filmes, entre eles Bodas de sangue e Carmem .
Saura relaciona a dança flamenca com as relações de gênero , extremamente
passionais. Em Tango , a questão da dança simbolizando as relações afetivas
também é trabalhada exaustivamente.
Em Mamãe faz 100 anos , uma das netas da matriarca, uma jovem
extremamente sedutora e liberada, dança ao som de canções flamencas. Tal jovem ,
com sua irmãzinha ainda criança, é o único membro da família que juntamente com
a ex-empregada Ana não conspira contra a vida da avó. Provavelmente, foi mais
uma das metáforas de Saura para dizer por meio de imagens que a jovem dançarina
representa a Espanha livre, arabizada, erotizada e portanto menos facínora. A avó
representa a própria Espanha onipresente, onisciente e onipotente. A família, o povo
espanhol, em sua fase sanguinária.
52
Mamãe faz cem anos , de Carlos Saura, retrata uma família
desunida e intrigueira que conspira contra a matriarca, uma senhora de 100
anos de idade. A protagonista representa a Espanha onisciente e
onipresente. Os parentes representam um povo oprimido e ao mesmo
tempo cruel, que é capaz de atitudes grotescas para libertar-se da
dominação. ( MARQUES,2003, p.112)
Saura rodou Mamãe faz 100 anos em 1979, portanto, o franquismo já havia
terminado e a Espanha passado por mudanças, mas havia muito para mudar ainda.
Pode-se dizer que este foi um período de transição não apenas para a Espanha,
mas para a obra de Saura também, que precisava encontrar o seu lugar num país
democrático que carregava as marcas de 40 anos de ditadura. O filme em questão
foi o primeiro de Saura da era pós-franquista que se remeteu à era franquista de
forma muito direta, utilizando como gancho o filme Ana e os lobos, realizado seis
anos antes. A governanta Ana, estuprada e assassinada, surge nesta obra como se
o estupro e o assassinato não tivessem ocorrido. Vai visitar a família a quem serviu
quinze anos antes acompanhada por seu marido. José, o irmão que representa as
forças armadas, está morto. Juan separou-se da esposa e sua filha mais velha é
uma mulher liberada e sensual. O tom do filme é cômico. Enfim, é uma nova leitura a
respeito da Espanha. Mas ainda se encontra a presença marcante e dominadora da
matriarca que interfere na vida de todos da família.
Ana es ahora una ex institutriz ; José ha muerto, y sus uniformes
se han vendido al Ejército de Salvación Español. Juan há abandonado a su
mujer por la cocinera, hecho que indica el relajamiento de las costumbres
en lo que al matrimonio se refiere y la casi desaparición del servicio
doméstico en la España posfranquista. La hija mayor, Natalia, se ha
convertido en una mujer sexualmente liberada que seduce a Antonio, fuma
hierba y ha decorado su habitación como si fuera la de un sultán:
representa a la nueva juventud española, que era socialmente
“progresista”, pero con tendência al abstencionismo político. (HOPEWELL,
1989, p.262)
Retornando a Cría Cuervos, existem algumas metáforas que merecem
atenção, entre elas, talvez a mais relevante, o fato de o pai de Ana ser militar. Seu
porte imponente se contrapõe à sua vida desregrada. A tríade Governo, Igreja e
Família pretende estabelecer a ordem . No entanto, o pai de Ana é amante da
esposa de seu melhor amigo, traiu a mulher muitas vezes, inclusive assediou a
empregada da casa que é uma das responsáveis pela criação de suas filhas.
53
El padre de Ana perteneció a la División Azul, pero lo que le
distingue en la película no es el fascismo, sino el adultério, la prerrogativa
del cabeza de família franquista. “Soy lo que soy”, le dice a su mujer
cuando ésta le reprocha su infidelidad. Las palabras del padre no son
gratuitas. La tesis política planteada por Saura en esta película es que el
franquismo, en calidad de régimen político, desapareceria, como
desaparecen los padres de la protagonista, pero sus legados psicológicos
no. (HOPEWELL, 1989, p.249)
Em Cría cuervos , da mesma forma que ocorre nos filmes de Buñuel e
Almodóvar, há uma forte presença de elementos religiosos como crucifixos e
santinhos. Em uma determinada cena, a empregada da casa diz a Ana que a cruz
que a menina usa e que foi dada por sua mãe afasta o diabo. A irmã mais nova de
Ana, Maitê, pergunta mais de uma vez quando receberá a Primeira Comunhão.
Quando o coelho de Ana morre, ela e Maitê o enterram e colocam diante da sua
cova a imagem de um santinho. Os ritos religiosos parecem ocupar um espaço
importante na vida das personagens mesmo quando estas não demonstram uma fé
profunda. Possivelmente, umas das mais fortes metáforas do filme surge na cena do
velório do pai de Ana. As filhas são obrigadas a beijar o rosto do pai e Ana se recusa
enquanto as duas obedecem à tia sem impor resistência. Ana representa a revolta,
a que questiona o sistema. Durante a cerimônia, lado a lado, estão um militar e um
padre. À frente, o caixão, e atrás uma senhora sentada em uma cadeira de rodas. O
militar e o padre parecem envoltos numa atmosfera de enfermidade e morte como
se o próprio sistema que confere grande poder aos militares e á Igreja estivesse
enfermo, prestes a morrer. Não podemos nos esquecer de que Cría cuervos foi
realizado em 1975, ano em que Franco morreu. Voltando à recusa de Ana em beijar
o cadáver do pai, podemos nos remeter à idéia de que ela se nega a ter contato com
algo que está putrefato.
Em Elisa, vida mia , Geraldine Chaplin vive Elisa, a filha de Luis interpretado
por Fernando Rey. Geraldine também protagonizou Ana e os lobos, Cría Cuervos e
Mamãe faz 100 anos. Ana Torrent, uma criança na época, interpretou a personagem
de Geraldine Chaplin na infância, tanto em Cría cuervos como em Elisa, vida mia,
respectivamente nos anos de 1975 e 1977. Da mesma forma que Saura parece
desejar ligar personagens da era franquista com personagens da era pós-franquista
pelo nome Ana, ele parece querer estabelecer uma relação entre seus filmes com a
jovem atriz Ana Torrent. Tanto em Cría cuervos como em Elisa, vida mia a infância é
revelada por meio de lembranças, como um passado ainda muito presente, que
54
interfere drasticamente na vida da personagem central. A grande relevância que é
dada ao passado por Saura parece nos remeter à idéia de que o que vivemos é
muito importante e não pode ser esquecido com o simples passar do tempo. Mesmo
depois de 18 anos após a morte de Franco, em Dispara! , Saura traz à tona as
marcas do franquismo e da sociedade patriarcal por intermédio da artista circense
violentada brutalmente, que de vítima passa ao patamar de algoz. Em Tango, filme
argentino de 1998, Saura também resgata pela dança os dramas políticos de
Buenos Aires que podem ser facilmente comparados com os vividos pela Espanha.
Saura relaciona com maestria a vida psicológica de suas personagens com os
dramas políticos de seu país.
Pocos directores han tratado de mostrar con tanta convicción o
consistência lo que Saura denomina “lo más importante... , lo que esse
señor piensa, lo que imagina, los fantasmas que tiene en la cabeza” .
(HOPEWELL 1989,p.245)
Da mesma forma que Buñuel criticava ferozmente as instituições, Saura
também não escondia seu desagrado por elas. Em Cría cuervos criticou os militares.
Em Elisa, vida mia, o pai de Elisa se mostra contra as regras e as leis que na opinião
dele fazem o homem enlouquecer. Ele não possui plano de saúde, aposentadoria,
casa própria, enfim, nenhuma segurança material que o proteja na velhice ou na
invalidez. Ele trabalha para viver da forma mais simples possível, numa casa
alugada e humilde. Ministra aulas para meninas num colégio de freiras e as ensaia
para uma montagem teatral. O simples amor pelo teatro revela um traço importante
de Luis, pai de Elisa. As artes de um modo geral lutam contra as repressões de
qualquer natureza, tendem a libertar o homem de seus dramas sociais e
existenciais. Luis , além de professor, escreve. Tal hábito reforça seu caráter
artístico e espírito libertário. O mais interessante é que Elisa, vida mia é um filme que
discute a importância da arte e as estratégias para se fazer cinema.
Elisa, vida mia puede ser considerada como una metáfora de los
mecanismos y los valores de hacer cine. El tema más evidente de esta
película es la búsqueda de valores en un mundo complejo (...) Es esta
búsqueda lo que hizo que Luis , el protagonista de la película, abandonase
hace ya veinte años la lujosa comodidad de un hogar de clase alta de
Madrid y se retirase a una granja aislada donde vive solo. No conserva
nada de valor, así que la puerta de la casa siempre está abierta.
(HOPEWELL, 1989, p.254)
55
Quando acompanha o pai à aula, Elisa encontra uma freira e comenta que em
seu tempo de criança havia mais rigidez nos colégios de freira. Esta responde que
os tempos mudaram, entretanto, sua expressão revela insatisfação. Elisa, vida mia
foi realizado dois anos após a morte de Franco. Os tempos realmente haviam
mudado, mas ainda carregavam as marcas de 40 anos de ditadura. O casamento
também é bastante criticado neste filme, que mostra três uniões malsucedidas: a de
Luis com a esposa; a de Elisa com o marido; e a de Isabel, irmã de Elisa, com o
marido. Luis abandonou a esposa e as filhas quando estas ainda eram crianças.
Elisa abandona o marido por viver uma relação carente de compreensão, afetividade
e sexo. Isabel mantém um casamento de aparências mas se sente feliz e realizada
com o amante. Nos dois primeiros casos, houve a ruptura por envolver pessoas mais
sensíveis: Luis e Elisa. No caso de Isabel e o marido, conseguem manter o
casamento hipócrita. Tais relações nos levam a fazer mais uma vez comparações
com a obra de Buñuel. Sevérine em A bela da tarde vive um casamento sem sexo e
se realiza com o amante que não ama. Ela dissocia sexo de amor. Vive duas
relações pela metade. Tal comportamento hipócrita , na opinião de Buñuel, é
facilmente encontrado no meio burguês. Em O anjo exterminador do mesmo diretor,
o amour-fou é impossível entre aquelas pessoas esmagadas pelas máscaras e
convenções sociais.
Em Saura, Elisa encerrar seu casamento é uma forma de revelar o protesto
do próprio cineasta em relação aos casamentos hipócritas. Da mesma forma que
Sevérine de A bela da tarde tem sonhos que envolvem violência e humilhação, Elisa
imagina-se esfaqueada pelo marido que não aceita a sua rejeição. Sevérine deseja
ser violentada e maltratada pelos homens, principalmente por seu marido. É um
protesto contra o pacato e formal casamento burguês. Elisa deseja ser morta pelo
marido para sentir-se amada, com a devida atenção sendo-lhe dada.Tanto em
Buñuel como em Saura há a necessidade de se falar sobre a incapacidade de
homens e mulheres dialogarem. As conversas redundam em incompreensão e
ofensas. Em Cría cuervos, a mãe de Ana também tenta dialogar com o marido, mas
tudo que consegue é chorar e dizer que está muito doente. Por parte do marido, não
se percebe compreensão nem compaixão, apenas uma inabilidade para lidar com a
situação. Pode-se dizer que a grande semelhança entre as obras de Saura e Buñuel
é o caráter espanhol associado aos ensinamentos de Freud, como afirmou John
56
Hopewell ( 1989, p.245): “Fue su conciencia del carácter español, unida a una
asimilación de la obra de Freud , lo que vinculó a Saura con Buñuel”.
Em Tristana de Buñuel , a vida pessoal é relacionada aos dramas políticos da
Espanha franquista.
Don Lope recoge en su casa a una bella huérfana de la que es tutor,
utiliza su autoridad para convertila en su amante y la amenaza em tono
patriarcal cuando la muchacha comienza a mostrar signos de querer
independizarse: “Soy tu padre y tu marido.Y hago de uno o de outro según
me conviene.” (HOPEWELL, 1989, p.312)
Tanto Buñuel como Saura se utilizaram muito bem da cenografia para
transmitir informações. No filme Mamãe faz 100 anos, Natalia, neta sensual e
liberada, tem um quarto decorado ao estilo mourisco, se assemelhando à tenda de
um sultão. Podemos citar Esse obscuro objeto do desejo, de Buñuel ,e
relembrarmos que a casa que Mathieu compra para Conchita em Sevilha enaltece
os espaços abertos, a vegetação exuberante, a visão da rua. A própria casa de
Mathieu de Sevilha é muito mais alegre que a de Paris. Para Saura os espaços
externos representam o mistério, o paradoxo e a morte. Não é à toa que Luis, o pai
de Elisa, morre no campo e ela caminha pelo mesmo lugar onde o pai faleceu,
sozinha, depois de rejeitar seu marido.
En esta película (Elisa, vida mia) , como en todas las démas de
Saura, los espacios abiertos dan una idea de mistério, paradojo y muerte.
Es paseando por el campo, por ejemplo, cuando un dolor que anuncia su
fin le hace a Luis caer al suelo. Trás él, un nuevo amanecer se extiende
sobre Castilla. (HOPEWELL, 1989, p.255)
Embora Saura não seja um cineasta que utilize o surrealismo como Buñuel o
fez, há elementos inexplicáveis ou de difícil intelecção em seus filmes. Um bom
exemplo são as patas de galinhas que podem ser vistas três vezes na geladeira da
casa de Ana de Cría Cuervos. Em Aragão, terra de Saura, elas representam má
sorte. Esta é uma boa explicação, já que Ana perdeu os pais e seu coelho de
estimação, num período pequeno de tempo, e é uma menina triste. Elas podem
remeter simplesmente à idéia de morte, teoria mais aceita por Hopewell. Ou ainda,
podem servir apenas para confundir críticos e espectadores que buscam sempre por
seqüências lógicas e compreensíveis.
Buñuel colocava em seus filmes situações que não necessitavam ou
possuíam uma explicação direta e objetiva. Analisando a obra de Saura, as
57
hipóteses de as patas de galinha representarem a morte ou a má sorte parecem
mais convincentes.
A atmosfera mórbida assombra o cinema de Saura construído sobre
arquétipos da Espanha franquista. Na foto à esquerda, Ana de Cría cuervos vela o
corpo do pai, que não amava, da mesma forma que o povo espanhol esperava velar
pelo patriarcado. Na foto à direita, o irmão de Ana e os lobos, que representa a
família e portanto o sexo reprimido, assedia Ana que brinca com o poder .
Em Ana e os lobos, o irmão, que representa a Igreja e portanto a castração,
corta os cabelos de Ana.
58
Ana de Cría cuervos, infância marcada pelo silêncio e pela melancolia.
A forte influência da dança flamenca no cinema de Saura como manifestação
das paixões e das relações de gênero reprimidas por uma sociedade ditatorial. Na
seqüência 1, o vermelho sobressai como ícone da paixão. Ainda na mesma
seqüência, uma mulher está de joelhos diante do homem, reforçando a idéia do
patriarcado. Na foto ao lado, uma mulher tem muitos homens ao seu redor e está
sentada de uma maneira provocativa. A mulher se submete ou domina, ressaltando
o conflito entre a tradição e a ruptura , mas não num sentido dual e sim revelando a
pluralidade das relações pessoais e políticas .
59
Já não servem isoladamente, sem readaptações, as aplicações
teóricas que examinam as culturas híbridas a partir de binariedades
(tradição e ruptura, alto e baixo, centro e periferia...) ainda que seja para
invertê-las ou sintetizá-las. As articulações e deslizamentos entre o
local/internacional e o internacional/local esquivam-se de qualquer tentativa
de explicação dualista ou generalizante.
( PINHEIRO, 2004 , p.1)
A dança, o movimento e o vermelho compõem um quadro de paixão em um cinema
aparentemente sóbrio e cerebral, que critica ferozmente as repressões política,
social, moral e religiosa.
60
O pôster do filme Dispara! de 1993 apresenta uma grande riqueza de
detalhes. Na fotografia maior, podemos ver o casal protagonista num gesto que se
assemelha a um abraço e a uma dança ao mesmo tempo. Na fotografia do lado
direito e abaixo do pôster, podemos ver a personagem de Francesca Neri com uma
espingarda na mão, e um cadáver a seu lado. Mais uma vez a idéia de que o
patriarcado e qualquer tipo de repressão precisam ser vencidos para que o amor e a
“dança” imperem. Dança não apenas no sentido artístico, mas também e
principalmente a representação das relações de gênero.
61
Pôster do filme Mamãe faz 100 anos. A matriarca autoritária e dominadora,
ícone da Espanha franquista, onipotente, onipresente e onisciente surge na parte
superior do cartaz, acima de toda a família.
62
2.4 Filmografia de Carlos Saura
x Fados ( Fados , Espanha, 2007)
x Iberia ( Iberia, Espanha, 2005)
x O sétimo dia ( El séptimo dia, Espanha, 2004)
x Salomé ( Salomé, Espanha,2002)
x Buñuel e a mesa do rei Salomão ( Buñuel y la mesa del rei Salomón,
Espanha, 2001)
x Goya ( Goya em Burdeos, Espanha,1999)
x Tango ( Tango, Argentina,1998)
x Flamenco ( Flamenco, Espanha,1995)
x Dispara!( Dispara!, Espanha,1993)
x Ai, Carmela! (Ai, Carmela! , Espanha, 1990)
x Amor bruxo ( El amor brujo, Espanha,1986)
x Carmen( Carmen, Espanha,1983)
x Bodas de sangue ( Bodas de sangre, Espanha,1981)
x Mamãe faz 100 anos ( Mamá cumple 100 años, Espanha,1979)
x Cría cuervos ( Cría cuervos, Espanha, 1976)
x Ana e os lobos (Ana y los lobos, Espanha,1973)
63
CAPÍTULO 3
O CINEMA PÓS-FRANQUISTA: ALMODÓVAR E LUNA
3.1 O cinema de Almodóvar
Durante o regime franquista, o cinema espanhol voltou-se mais para a
educação moralizante e para as comédias sentimentais que alienavam o povo dos
reais problemas que a Espanha enfrentava. Luis Buñuel e Carlos Saura fugiram à
regra seguida pela maioria dos cineastas e fizeram filmes contestadores. Após a
morte de Franco, a sétima arte começou a se liberalizar, e a sociedade como um
todo também. O sexo entrou no cinema e nomes como Almodóvar e Bigas Luna
começaram a ganhar a atenção do público, embora tenham obtido o respeito deste
apenas nos anos 90.
A partir de la muerte de Franco se procede paulatinamente al
derribo del sistema protector y de falta de libertades del entramado
cinematográfico franquista (sindicato vertical, censura, etc.). Estamos en la
Transición, un período denso de acontecimientos con cambios radicales
que desembocará en la reforma política y en la democracia. En el 76 sube
al poder el primer gobierno democrático y en el 77 se suprime oficialmente
la censura. En el 78 se producen las primeras elecciones democráticas.(
ROJAS, 2003, p.1)
O cinema da década de 80 retratou a euforia espanhola em relação à
liberdade, mas não alcançou qualidade técnica e estética. Foi nesta década que o
cinema comercial e o de oposição passaram a conviver.
Fueron entonces los años de transición , en que la tirania
permanecia adentro y los jóvenes se debatían entre un pasado que
querían borrar, pero sin saber aún muy bien como, y un presente donde
todo cambiaba demasiado deprisa , cuando empiezan a hacerse las
películas puestas a reflejar el momento.(VARDERI, 1996, p. 69)
O final da carreira de Buñuel coincide com o início da de Almodóvar.
Enquanto o primeiro filmava O fantasma da liberdade, o segundo realizava seu
primeiro curta-metragem em super-8. O entrosamento de várias tribos na Espanha é
trabalhado por Almodóvar em seus curtas e em seus primeiros longas. Até hoje, a
questão do hibridismo é apresentada pelo cineasta. Um ano após a realização de O
fantasma da liberdade e o primeiro curta de Almodóvar, Franco morre e o cinema
espanhol se abre para novas possibilidades.
64
As filmagens dos curtas Homenaje e La caída de Sodoma coincidem
com o falecimento del Caudillo em 1975. Este acontecimento acarreta uma
verdadeira eclosão de películas, cujos temas, até então proibidos pela
censura, variam de questões políticas ao sexo explícito. ( MELO, 1996,
p.227)
Embora muitos filmes careçam de qualidade técnica e estética, foi um período
extremamente rico no sentido criativo. Foi nesta fase que os cineastas começaram a
fazer filmes sem restrição de temas e abordagens, por isso, pode-se considerar
como um bom período , no sentido da liberdade de expressão. No entanto, o cinema
ainda carecia de recursos tecnológicos e os profissionais da área demoraram algum
tempo para encontrar uma linguagem realmente apurada.
A marca da luta ideológica contra a censura nos anos 60 foi
substituída pela luta pela sobrevivência do cinema nos anos 70 e sua
diversidade teve reflexo nas várias alternativas encontradas para atrair um
público já bastante familiarizado com a linguagem técnica e narrativa
hollywoodianas. Assim, envoltos e motivados pela onda liberalizante e
interessados na produção nacional mesmo sem uma exigência crítica,
vários realizadores cinematográficos espanhóis apelaram para campos
mais pseudo populares, como o gênero pornográfico.(SANTANA, 1996,
p.21)
Atualmente, o cinema espanhol apresenta muitos nomes interessantes além
de Almodóvar e Bigas Luna, que obtiveram um grande reconhecimento
internacional. Entre eles, Alejandro Amenábar com Mar adentro e Julio Medem, mais
conhecido por seu poético e insólito Os amantes do Círculo Polar .
Os amantes do Círculo Polar de Julio Medem
65
Na era franquista, um cinema que criticava as mazelas sociais e morais,
enquanto os cineastas comerciais faziam filmes para embriagar o povo, transformou-
se nos anos 80 numa linguagem altamente criativa, embora necessitasse atingir
melhores condições estética e técnica.
Marcelino, pão e vinho de Ladislao Vadja
Nos últimos 20 anos parece que o senso crítico de Buñuel e Saura voltam à
tona, mas com uma linguagem de mais fácil intelecção. Tanto Mar adentro, como Os
amantes do Círculo Polar ou Má educação e Volver de Almodóvar, mergulham no
íntimo de suas personagens, a fim de buscar não apenas a realidade social na qual
estão inseridas mas também o que existe de mais subjetivo no ser humano. Os
filmes de Buñuel e Saura são psicológicos, mas a crítica à sociedade, à Igreja, aos
costumes, parecia falar mais alto. Em uma sociedade mais livre, parece possível
investigar mais a fundo a natureza humana, suas paixões e temores, suas buscas e
conflitos. Voltando a Julio Medem de Os amantes do Círculo Polar, de 1998, o
cineasta resgata a linguagem onírica do surrealismo, trabalhada exaustivamente por
Buñuel. Mas este a usava como ferramenta para libertar o homem de uma
66
sociedade repressora. Medem parece usá-la para libertar o homem dele mesmo,
para fazê-lo ver e ouvir o que realmente deseja. A Espanha, por quase 40 anos,
precisou voltar seus olhos para os dramas sociais e atualmente, com a economia
estabilizada e uma sociedade mais livre, os temas subjetivos ganham importância.
Diferentemente de Buñuel e Saura, não é mais preciso relacionar os amores
frustrados e as relações de gênero à vida política e religiosa do país. Se Conchita de
Esse obscuro objeto do desejo não se entrega sexualmente a Mathieu porque não
tem forças para romper com o estabelecido pelo franquismo, Ana e Otto de Os
amantes do Círculo Polar não concretizam o amor, não por falta de capacidade de
entregar-se, mas porque precisam aprender a lidar com a liberdade tão almejada.
Las historias de Medem son a menudo tan cercanas, que llegan a
parecer irreales, tan subjetivas que revelan, en su estado más puro, la
propia naturaleza humana. El director donostiarra destaca por ser un gran
creador de atmósferas inverosímiles. Pero explorando lo más secreto de la
mente humana se consiguen las claves para descifrar sus enigmáticas
propuestas. ( SANZ, 2003 , p.1)
Diferentemente de Buñuel e Saura, Almodóvar e Bigas Luna filmaram e
filmam numa Espanha liberta do franquismo e das amarras puritanas. Logo após a
morte de Franco, o cinema espanhol passou por um período de extrema liberalidade
e de baixíssima qualidade técnica e intelectual. Mas, passados alguns anos, por
meio de Almodóvar, começou a ganhar um rumo e a saber fazer uso da liberdade
pós-franquista. As qualidades técnica e artística aumentaram e o espanhol passou a
assistir filmes espanhóis. Outro fator que colaborou foi o reconhecimento por parte
de Hollywood da obra de Almodóvar. O cinema espanhol ganhou cores e sua
estética tornou-se muito mais catártica. Apesar de utilizarem simbologias, pois a
linguagem do cinema é constituída por elas, os códigos não são tão cifrados como
os apresentados por Buñuel e Saura pois os cineastas atuais não precisam mais
burlar nenhum tipo de censura.
Apesar das facilidades burocráticas de se fazer cinema num país
democrático, toda época de liberdade representa um grande desafio para os seus
artistas: fazer-se denso em um período de aparente tranqüilidade. Criticar uma
ditadura e um sistema repressor é um objetivo definido. Criticar as mazelas de uma
sociedade aparentemente livre é altamente complexo porque seus algozes não são
tão facilmente detectados como num período de guerra ou ditadura. Apesar das
67
liberdades política e religiosa vividas atualmente pela Espanha, o cinema
contemporâneo tem muito o que criticar e combater pois a marginalidade ainda
existe e necessita ser incorporada à sociedade como um todo.
O termo “marginalidade” neste trabalho não está sendo usado no sentido de
criminalidade, mas sim, daqueles que estão excluídos dos padrões morais rígidos
impostos pela tríade Igreja, Família e Governo. Entre os marginalizados estão as
prostitutas, dependentes químicos e travestis, os moradores das periferias, entre
outros.
....a filmografia de Almodóvar traz em si marcas e reminiscências
prenhes dos desejos mais profundos da sociedade espanhola no decorrer
das últimas décadas. Dialogando com desejos reprimidos, sufocados ou
sublimados de uma sociedade que, durante quatro décadas, sobreviveu
sob uma ferrenha ditadura, Almodóvar pôde resgatar antigas e importantes
tradições que há muito haviam sido mascaradas por padrões impostos (...)
Inserida ( a obra) num momento onde o país se via dividido entre enormes
expectativas e frustrações não esperadas que conviviam ,
quotidianamente, lado a lado, a obra do diretor reflete e refrata de forma
surpreendente a vontade, sempre presente, de se romper o limiar e
adentrar o universo do desejo, em sua plenitude.
( SILVA,1996, p.51-52)
A citação do autor acima tem relação com a obra de García Lorca e com sua
forma de pensamento. No pré-franquismo, quando as tensões entre as tradições
híbridas e a opressão se acirraram, as idéias aqui apresentadas por Wilson Silva já
faziam parte do pensamento de Lorca e de outros da geração de 27.
Como já foi comentado, diferentemente do cinema de Buñuel e Saura,
Almodóvar filmou e filma em uma Espanha livre do franquismo e da grande
interferência da Igreja Católica, embora ainda contenha muitos aspectos
conservadores. Pelo fato de Almodóvar não possuir uma obra acabada, torna-se
mais complexa a sua análise. Não é possível dividir tão rigidamente sua obra como
se divide a de Buñuel. Mas é inegável que os primeiros filmes do cineasta tinham
uma linguagem mais rude que os aclamados pelo público e pela crítica :Tudo sobre
minha mãe , Fale com ela e Volver. Entre as primeiras obras e suas últimas, existem
filmes que podem ser considerados intermediários, não só no que diz respeito à data
como no estilo. Comparando Matador de 1986, Carne trêmula de 1998 e Fale com
ela de 2001, encontraremos três linguagens que falam sobre o mesmo tema: o amar
desmedido. No primeiro, um casal encontra o prazer sexual por meio da morte. No
segundo, um jovem passa anos obcecado por uma mulher que o desprezou e, no
terceiro, um enfermeiro centra toda a sua vida ao redor de uma paciente em coma.
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Em Matador, a linguagem é direta, sem poesia, revela a realidade nua e crua, sem
disfarces e recursos técnicos para amenizar a crueldade dos fatos. Em Carne
trêmula, a linguagem é um pouco suavizada mas, ainda assim, caracteriza-se como
um filme cruel. Já Fale com ela aproxima-se de um poema hollywoodiano, em que o
ser e o amar espanhol ficam restritos ao nível do conteúdo, não mais da forma. Esta
é muito mais comercial e formada por clichês que outros filmes de Almodóvar.
Muitos críticos consideram que ele amadureceu artisticamente e atingiu uma
linguagem mais sóbria e delicada, sem apelar para hipérboles estéticas e
emocionais. No entanto, a atual pesquisa pretende estudar a originalidade e a
peculiaridade dos filmes mais antigos, pois são eles que revelam de uma forma mais
fiel e contundente as raízes culturais espanholas.
A maturidade chegou para Pedro Almodóvar, mas não lhe roubou o
senso de aventura. "Fale com Ela", (...) é um filme impregnado de
segurança e serenidade, mas nem por isso sem inquietação. (...)A trajetória
de Almodóvar é a de um cineasta que, aos poucos, foi se despindo dos
efeitos fáceis.( BUTCHER, 2002 , p.1 )
A maturidade dramática encontra ecos na concepção estética.
Almodóvar deixa de usar as cores fortes como visão debochada de uma
cultura kitsch, exploradas em vários filmes anteriores, para empregá-las
como afirmação da cultura latina em um mundo de imagens pálidas ou
monocromáticas - o do cinema contemporâneo. Também deixou de usar o
trágico em favor do cômico e equilibra os dois registros sem sacrifício de
nenhum deles. Isso lhe permite tratar com humor situações delicadas e
injetar conversas triviais no meio de diálogos importantes. O ordinário flerta
com o sublime. (EDUARDO, 2002 , p.1)
O objetivo desta pesquisa é ressaltar a complexidade da cultura espanhola, e
como ela se manifesta de forma tão intensa no cinema. Tudo sobre minha mãe dá o
primeiro passo rumo à linguagem estadunidense e Fale com ela é quase a
consagração do estilo. Almodóvar faz concessões ao grande público, amenizando
os elementos grotescos presentes em obras anteriores. Inegavelmente, são dois
filmes esteticamente agradáveis , mas diferentemente de Matador, Maus hábitos, A
lei do desejo, entre tantos outros, não criam, principalmente Fale com ela , divisão
de opiniões. É possível manter-se indiferente a Fale com ela. Já os primeiros filmes
de Almodóvar provocavam amor ou ódio; ou o espectador tornava-se cativo do
trabalho do cineasta ou o repudiava veementemente. Tal característica aproximava
mais a sua obra da cultura espanhola que é extremista e não absorve bem meios
termos. Por tal razão, o atual estudo se centrará nos filmes mais antigos do cineasta
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com o intuito de identificar os elementos da filmografia de Almodóvar que estão
relacionados à sua cultura e até que ponto estes mesmos filmes interagiram com a
vida cotidiana do povo espanhol.
Em Matador, Almodóvar narra o romance entre Diego e Maria, um toureiro
que se feriu gravemente e uma advogada que atinge o orgasmo assassinando seus
parceiros. Depois de ferir-se numa tourada, Diego passou a dar aulas para
aspirantes à profissão. A morte lhe era extremamente excitante, por isso, se
masturbava ao ver filmes que mostravam assassinatos violentos e pedia à
namorada que se fingisse de morta durante o ato sexual. Maria assassinava seus
parceiros durante o orgasmo e terminava o ato sozinha. Quando se conhecem e se
apaixonam, sabem que foram feitos um para o outro, pois suas obsessões e desejos
são os mesmos: o amor entrelaçado à morte como duas idéias indissociáveis.
Se nos recordarmos de Eros e Thanatos, perceberemos que o amor e a morte
são as duas mais fortes pulsões que existem. Para o espanhol, o sentimento
amoroso está altamente relacionado à violência. O amar espanhol não é comedido
nem moralista, muito pelo contrário, tende a romper com todas as convenções e
imposições sociais, morais e religiosas, num movimento constante de transgressão.
Como afirmou Mirian Nogueira ( 1993, p. 147 ): “ O amour-fou não está longe do
amor total espanhol, do senso da crueldade “.
A seguir, serão analisados cronologicamente alguns filmes representativos
de Almodóvar. Em Mulheres á beira de um ataque de nervos , Carmem Maura vive a
protagonista, mulher explosiva e generosa que é deixada por seu companheiro. O
filme narra uma série de incidentes envolvendo a melhor amiga e o enteado da
protagonista . A cor vermelha é constante nesta obra que explora os aspectos
hiperbólicos da moda, relacionando-os com tumultuados cotidianos. Em uma
determinada cena, a personagem Pepa, vivida por Carmem Maura, pega um táxi em
que os estofados são forrados com um tecido que imita pele de onça. O próprio
taxista é uma figura cômica e exagerada , não se assemelhando em nada com um
taxista comum de qualquer grande cidade. Pepa usa muitas roupas vermelhas e
serve para suas visitas um suco de tomate repleto de calmantes. Mais uma vez o
vermelho surge para ajudar a compor um quadro de passionalidade e desequilibro
emocional. A bebida é vermelha e quem a toma adormece devido aos calmantes
contidos nela. Desta forma, Almodóvar brinca com a idéia de morte, como se a
bebida fosse sangue derramado e mais uma vez a cor vermelha surge como um
70
ícone da cultura espanhola. A obra de Almodóvar tem um caráter carnavalizante,
que sugere, constantemente, estados de espírito passionais.
É de seu brilho cativante que brotam não só suas famosas “cores” ,
como também os reflexos de inauditas fantasias, anseios e sonhos que
povoam as mentes de seus muitos espectadores. Como também, são suas
inquestionáveis leis que regem o universo, carnavalizado e palpitante,
deste diretor que soube, de forma ousada e hábil, levar às telas o “espírito”
de sua época e de sua gente.(SILVA,1996, p.51)
Outro elemento hiperbólico bastante relacionado à cultura espanhola é a
presença de terroristas no filme. Almodóvar parece homenagear Buñuel e Esse
obscuro objeto do desejo, ao mencionar que a melhor amiga de Pepa, uma jovem
promíscua e desajustada, tenha se envolvido sexualmente com um terrorista que lhe
proporcionou muitos momentos prazerosos. Mais uma vez, as idéias de prazer e
culpa se entrelaçam no cinema espanhol que, apesar de ter-se liberalizado nos
últimos 30 anos, ainda carrega algo de conservador e punitivo.
O enteado de Pepa, vivido pelo ator Antonio Banderas, tem uma noiva virgem
e mal-humorada, mas ao conhecer a amiga de Pepa interessa-se por ela. A
virgindade é um aspecto conservador, ligado ao catolicismo . Quando Pepa diz à
jovem virgem que as mulheres que não têm vida sexual são antipáticas, Almodóvar
reitera uma idéia já trabalhada por Buñuel: o hímen intacto é o índice da
incapacidade de romper com o estabelecido.
Em Matador, como já foi falado anteriormente, as idéias de amor e morte
estão entrelaçadas e são vividas até às últimas conseqüências pelas personagens
protagonistas. Por meio de um ícone nacional, a tourada, Almodóvar estabelece
uma relação entre sexo e morte. Tal filme foi admirado por alguns críticos e
rechaçado por outros que consideraram que Almodóvar desrespeitou um dos
principais ícones espanhóis, associando-o a um assassino de mulheres.
O quinto longa-metragem de Pedro ,Almodóvar(...) rodado
em 1986, provocou uma controvérsia entre os críticos de cinema.
Após Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón (1980), Laberinto
de Pasiones (1982), Entre Tinieblas( 1983), ¿Qué he echo yo para
merecer esto? (1984), não se esperava um filme com uma temática
tão tradicional. A tourada, que na Espanha é considerada como festa
nacional, é um assunto amiúde tratado na literatura, pintura e no
cinema e, geralmente, com o devido respeito. ( MELCHIOR, 1996, p.
313)
71
Em Atame! , um dos filmes de Almodóvar mais aclamados pelo público e pela
crítica, podemos encontrar muitas metáforas que simbolizam o viver e o amar
espanhol. Logo em sua primeira cena, aparece um quadro com Jesus Cristo. Esse
quadro aparecerá em outros momentos e em outros cenários, inclusive na casa da
protagonista que é uma ex-atriz pornô viciada. Os elementos religiosos e sensuais
surgem lado a lado no cinema de Almodóvar da mesma forma que surgiam no de
Buñuel. A mesma personagem usa um crucifixo que fica em grande evidência numa
cena em que toma banho de banheira e utiliza um vibrador. O banho em si já
contém uma mensagem erótica se partirmos do pressuposto de que em culturas
mais fechadas era evitado e em culturas mais abertas o banho era exaltado devido
a seu valor lúdico e erótico ( VIGARELLO: 1985 ). O vibrador apenas reforça uma
mensagem que está implícita, tornando a cena hiperbólica, já que o estilo de
Almodóvar tende ao exagero. A mesma personagem , apesar de ser uma mulher
muito sensual, usa para dormir uma camisola branca com modelo infantil e angelical.
Tal composição é muito comum no cinema espanhol, que trabalha
criativamente com elementos aparentemente contraditórios, com naturalidade,
característica própria de culturas acostumadas ao hibridismo, como comenta Peter
Burke (2003, p.17): “...acho convincente o argumento de que toda inovação é uma
espécie de adaptação e que encontros culturais encorajam a criatividade.” Outro
elemento que ressalta o estilo de Almodóvar são as cores vibrantes que aparecem
em quase todos os seus filmes, pelos figurinos, cenários e pela própria imagem.
Amor e morte, prazer e sofrimento são idéias indissociáveis nos filmes espanhóis,
como foi afirmado anteriormente. Em Atame! não é diferente e provavelmente é um
dos filmes de Almodóvar, juntamente com Matador, que trabalha mais
exaustivamente estas antíteses.Mas, diferentemente de Matador, Atame! é um filme
com senso de humor e linguagem mais suave.
O paroxismo da paixão , que une vida e morte, prazer e dor, está
presente em Atame! paixão, signo ligado ao desespero, livrou Rick do
manicômio , num jogo típico do diretor: nem sempre o mal é o MAL, longe
de dualismos reducionistas , o que causa desespero pode trazer cura.
(NOGUEIRA,1996, p.305)
Rick, um jovem com problemas mentais, rapta Marina, uma ex-atriz pornô
viciada, porque está apaixonado por ela. Na primeira metade do filme há um
excesso de cenas violentas, já que Marina tenta libertar-se de Rick de todas as
72
formas possíveis. Conforme o filme vai-se aproximando do desfecho, antes mesmo
de Marina, o espectador descobre que ela também está apaixonada por ele. O ápice
desta descoberta se faz quando Marina diz a Rick o título do filme: “Atame!” Essa
afirmação é mais uma de tantas contradições apresentadas no cinema espanhol. Ao
dizer “atame”, Marina revela para Rick e para o espectador que ela está apaixonada
e portanto atada pelo desejo. Mas, mesmo assim, pede que a prenda com cordas.
O desfecho é satisfatório, no sentido da catarse, pois ambos resolvem morar juntos
e Marina leva Rick para conhecer a mãe dela. Diferentemente das personagens de
Buñuel que iniciam os filmes com uma vida tradicional e partem para a
marginalidade, em Atame!, o contrário acontece: um rapaz transtornado e uma ex-
atriz pornô resolvem constituir família e viver uma vida relativamente convencional
dentro das possibilidades de ambos, já que não são personagens convencionais.
Podemos encontrar traços em comum entre as personagens femininas de Buñuel e
Almodóvar, independentemente do desfecho dos filmes.
A afinidade proposta entre Belle de Jour e Atame! se reveste de
importância crítica por trazer à tona a polêmica discussão do masoquismo
da mulher. Esse comportamento, tradicionalmente definido como a
satisfação sexual encontrada pelo indivíduo ante o controle e a coerção
infligidos por outro,vincula-se, em muitos tratados psiquiátricos, à
“morbidez” da essência humana.
(MELO, 1996, p. 263)
Quando Marina tem relação sexual com Rick, este está machucado, pois
apanhou de traficantes. Mesmo com hematomas por todo o corpo, resiste à dor
física para concretizar o desejo que perseguiu desde o início do filme.
A dor e a violência se fazem presentes em diversos momentos do filme, entre
eles, quando Marina atira objetos em Rick, da mesma forma que Pepa, de Mulheres
à beira de um ataque de nervos, o faz. A histeria feminina é um tema bastante
abordado por Almodóvar, que coloca a mulher como centro de suas obras,
enaltecendo-a não por sua castidade, mas sim, por sua capacidade de amar, de se
expressar, de fazer valer sua vontade num mundo que, mesmo subliminarmente,
ainda é regido pelo patriarcado.
Numa das cenas, em Atame! , um cineasta ao montar seu filme diz que amor
e terror são idéias que se mesclam e se assemelham, reforçando a essência do
filme: o amor sem limites já tão trabalhado por Buñuel. O amour-fou está
73
intimamente relacionado à transgressão, já que rompe com as regras sociais em
busca da realização exacerbada dos sentimentos.
Em Atame!, para simbolizar tal transgressão, Rick comete pequenos furtos.
E, para proporcionar a todo filme uma atmosfera constante de instabilidade,
Almodóvar mergulha no universo dos traficantes, dos loucos, cita romances
rompidos bruscamente , reencontros repentinos. Quando Rick deixa a casa para
doentes mentais, um senhor idoso e bastante perturbado diz que um dia pertenceu à
sociedade. Seu tom de voz é extremamente irônico , sugerindo que a sociedade ,
repleta de regras, convenções e tradições, torna o homem doente. Quando Rick
pega um ônibus, logo depois de deixar a casa para doentes mentais, pode-se ver no
vidro de trás, as palavras Salida de socorro. Dentro do ônibus estão pessoas
consideradas normais e inseridas na sociedade e no entanto as palavras Salida de
socorro nos remetem à idéia de que o mundo como um todo está enlouquecendo e
busca saídas por meio das drogas, das perversões sexuais, do amor sem limites. A
questão da solidão é exaustivamente trabalhada por Almodóvar, já que este estado
de espírito assombra o povo espanhol, como afirmou Nogueira (1996, p. 301):
A solidão é um caráter da cultura espanhola. Desde o arquetípico D.
Quixote (também um “Caballero de La Mancha”), sempre solitário em
busca de aventuras/amor, até as modernas personagens de Almodóvar,
luta-se contra a solidão.
Retomando o tema da violência, esta surge em muitos momentos e é
expressa de muitas maneiras, mas nenhuma de suas formas de expressão é tão
contundente quanto a violência contida nos sentimentos e no amour-fou, tão
presente no cinema espanhol. Um grande símbolo da liberalização feminina nos
filmes de Almodóvar é a recorrência de casos entre jovens e mulheres maduras. Em
Buñuel, homens de meia-idade seduziam mulheres muito mais jovens. Em O diário
de uma camareira, tal idéia é levada ao extremo, ao narrar o estupro e a morte de
uma criança por um pedófilo de meia-idade. Já em Almodóvar são as mulheres
maduras que desfrutam da juventude dos homens, sugerindo assim uma mudança
de valores.
Na fina análise do clássico almodovariano, Mujeres al borde de un
ataque de nervios, Brígida Pastor, em breve passagem pela Universidade
de São Paulo, ofereceu-nos um texto que se detém no questionamento dos
multifacetados comportamentos sexuais criados pelo genial Almodóvar, em
uma Espanha que conseguiu deixar para trás o franquismo, com as
tradicionais estruturas de poder silenciadoras das diversidades e das
74
minorias. Almodóvar sugere uma política de novos papéis sociais em que
os indivíduos possam divergir do padrão machista e patriarcal imperante na
época. Com o final do franquismo, surge uma necessidade urgente de
reinvenção de papéis, em que padrões de gênero se redefinem. Nada é
linear em Almodóvar. Pelo contrário, caracteriza-o a capacidade inata de
retratar os indivíduos presos nas próprias contradições e ambigüidades,
fazendo do riso uma poderosa arma para abordar essas questões.
(PASTOR, 2001, p.1)
Um elemento presente no cinema de Almodóvar e exaustivamente trabalhado
por Buñuel é o acaso. Os filmes de Buñuel eram repletos de incidentes que
aconteciam por acaso e alteravam ou não o curso da narrativa. Em Atame!, uma
jornalista reencontra um ex-amante ao entrevistar um cineasta e uma atriz. Em
Carne trêmula que analisaremos a seguir, a questão do acaso se faz muito presente
quando o destino de cinco pessoas se entrecruzam, modificando a vida de todos. O
acaso no cinema espanhol surge como algo que não podemos entender ou impedir
e, de uma certa forma, assemelha-se ao amour-fou que também não pode ser
entendido ou impedido. Tanto em Buñuel como em Almodóvar, o acaso é uma
manifestação de tudo que não podemos evitar.
Em Carne trêmula, encontramos elementos semelhantes aos de Atame! como
a mescla de elementos religiosos e eróticos. No quarto de uma prostituta, logo no
início do filme, podemos ver um quadro com Jesus Cristo, muito semelhante ao de
Marina de Atame!. . Em Carne trêmula, uma prostituta dá à luz dentro de um ônibus.
Quando o motorista leva mãe e filho para um hospital, pode-se ver escritas num
muro as palavras: Abaixo o Estado. O cinema de Almodóvar é pós-franquista mas,
nesta cena, retratou o ano de 1970, época em que a ditadura ainda vigorava na
Espanha. Tal frase é um mecanismo usado por Almodóvar para que o espectador de
seus filmes sempre se recorde da violência dos regimes ditatoriais. Quando o
protagonista nasce , a cidade está vazia. E 26 anos mais tarde, quando sua esposa
está prestes a dar à luz dentro de um táxi, a cidade está movimentada e alegre.O
protagonista diz, olhando para a barriga da esposa, como se estivesse conversando
com seu filho, que ele estava nascendo numa Espanha muito melhor que a dele.
Almodóvar utiliza muito elementos da cultura espanhola para simbolizar as relações
de gênero. Em Atame! fez uma breve referência ao tango como um elemento
embriagante que dispersa as pessoas de suas reais responsabilidades. Em Carne
trêmula, utilizou uma música flamenca para anunciar uma futura tragédia. Quando
dois policiais aparecem num carro, podemos ouvir a música. O policial mais jovem é
75
amante da esposa do mais velho. O marido, traído e obcecado pela mulher, se
aproveitará de um incidente para tentar matar seu colega, mas tudo que conseguirá
é deixá-lo paralítico e colocar na prisão um rapaz inocente. O jovem que é preso
injustamente, acusado de atirar no policial, é o menino do início do filme, parido
dentro do ônibus.
Em Carne trêmula, Almodóvar também abusa das cores vibrantes e insere o
ritual do banho com uma sensualidade ainda maior que a apresentada em Atame!.
Em uma cena, um casal mantém uma relação sexual dentro de uma banheira e, em
outra, após passar a noite inteira com um homem, a personagem toma uma ducha e
toca o próprio corpo de uma forma muito erótica. O banho nesta cena tem duas
simbologias: a primeira é a de ressaltar a sensualidade da seqüência anterior. E a
segunda está relacionada a uma idéia de purificação. A personagem se relacionou
sexualmente com um homem que não era seu marido e, por ser leal, por meio do
banho tenta purgar a sua infidelidade e exterminar o desejo que possuía por outro
homem. Mas fracassa em ambas as tarefas.
Almodóvar neste filme faz uma referência a Buñuel, fazendo uma
personagem assistir ao filme Ensaio de um crime. Nele , uma governanta morre por
causa de uma bala perdida. O acaso elimina uma vida. Em Carne trêmula, poucas
cenas depois, um homem perderá parte de seus movimentos e outro será
condenado à prisão por causa de um tiro disparado sem que o espectador saiba
quem foi o autor.
Em Carne trêmula, e em Atame! há um relacionamento sexual entre uma
mulher madura e um jovem, que rompe com ela bruscamente. Apesar de toda a
liberalidade feminina apresentada por Almodóvar, a mulher ainda surge em seus
filmes como um ser oprimido pelas próprias emoções, remetendo-nos mais uma vez
à idéia do amour-fou.
É bastante precipitado tecer uma conclusão a respeito da obra de Almodóvar
já que esta está em aberto. O possível é estabelecer algumas comparações com
outros cineastas conterrâneos e, a partir de seus últimos filmes, rascunhar as
tendências de sua obra. Até o presente momento, pode-se dizer que Almodóvar tem
sido um marco do cinema espanhol e talvez sua imagem permaneça durante toda a
sua carreira e depois dela como ocorreu com a filmografia de Buñuel.
Diferentemente de Buñuel, que optou por um estilo sóbrio e racional,
Almodóvar explora as cores vivas e berrantes, leva o espectador às mais diversas
76
emoções e cria uma estética extremamente catártica e hiperbólica. Almodóvar
transforma suas obras e os temas por elas trabalhados em verdadeiros espetáculos.
Se Buñuel intencionava mostrar a monotonia do cotidiano por meio de uma câmera
estática e planos gerais, Almodóvar brinca com a câmera, colocando-a sob a
perspectiva do espectador e revelando o que há de mais bizarro em nosso dia-a-dia.
Apesar das diferenças estéticas, a obra de Almodóvar aproxima-se muito do filme O
fantasma da liberdade, de Buñuel, no que diz respeito à ironia aos valores sociais e
à sua inversão em cenas bizarras.
Para o manchego , a influência de Buñuel limita-se à “presença do
irracional, do exagero. Um certo tipo de absurdo.” Talvez, apenas, Le
Fantôme de la Liberte (1974) aproxima-se do humor irônico, grotesco e
descarado das películas de Almodóvar. Ele transforma os objetos e
dogmas do secular catolicismo em ícones da cultura pop através de uma
abordagem lúdica e inteligente.
( MELO, 1996, p.228)
Nos filmes de Almodóvar há forte presença dos meios de comunicação,
exercendo um grande poder entre as personagens, praticamente se fazendo uma
outra personagem que participa do frenético diálogo de seus filmes que mesclam os
mais variados tipos sociais .A presença dos meios de comunicação de massa
também nos remete à idéia de espetacularização tão forte em seu cinema.
A presença dos meios de comunicação de massa e especialmente da TV nos
filmes de Almodóvar é uma constante. Como um panóptico , ela atua nos filmes da
mesma maneira que na sociedade contemporânea. Está onipotente, intermediando
os acontecimentos e espetacularizando as revelações da vida das pessoas,
principalmente àquelas que envolvem sexo e morte.(BORGES,1996, p.227)
No filme Kika, a personagem vivida por Victoria Abril, a apresentadora de um
programa sensacionalista, invade a privacidade das pessoas, colocando no ar as
cenas mais íntimas possíveis, incluindo um estupro. Para a apresentadora Andrea
Caracortada a vida privada , os traumas , dores e segredos mais pessoais, são a
principal matéria-prima para seu trabalho. A conduta da personagem nos remete não
apenas à espetacularização, mas também a um forte senso de crueldade. Devido a
essa tendência de Almodóvar de lidar com a sociedade do espetáculo, regido pelas
mídias, a pop arte ocupa um lugar privilegiado em sua obra, pois remete à
massificação e ao culto de astros e estrelas.
77
A influência do pop no cinema de Almodóvar é inegável,
convivendo lado a lado com o surrealismo buñueliano, em que fantasmas
pessoais participam da ficção, o que segundo Holguín, é uma herança
surrealista.
(NOGUEIRA,1996, p.303)
Um forte elemento que marca a questão do pop no cinema de Almodóvar é a
presença da publicidade em seus filmes.
A filmografia de Almodóvar está plena de citações/ situações pop. A
publicidade, uma marca registrada dessa arte para as massas, acaba
sempre se inserindo em seus filmes, chegando mesmo a fazer parte deles.
Em Atame! temos um comercial na T.V.Na verdade, uma paródia que
brinca não só com a publicidade em si, mas com o modo de vida dos
espanhóis, com a busca do prazer em contraste com o pragmatismo
alemão. ( NOGUEIRA, 1996, p.303)
Esta espetacularização está relacionada a um sentimento voyeurista que já
podemos encontrar no cinema de Buñuel. Em Viridiana, Ramona, a empregada da
casa, observa a jovem noviça Viridiana despindo as meias e vestindo a camisola
para dormir. No mesmo filme, a filha de Ramona, também observa Don Jaime
beijando Viridiana que está adormecida. Don Jaime vigia a filha de Ramona que pula
corda no quintal. Em A bela da tarde, no bordel onde Séverine trabalha, há um
quarto com um orifício na parede, onde se pode observar o que acontece no quarto
ao lado. O gosto pelo voyeurismo e pelo espetáculo tão explorados por Almodóvar
já podia ser encontrado no cinema de Buñuel.
Os espiadores são muito freqüentes na obra de Buñuel, e a
seqüência do hotel de Él é uma análise minuciosíssima do temor malsão
dos espiadores.Dom Jaime é, além disso, refinado. Inconscientemente,
sem dúvida, faz presente à menina de uma nova corda de pular, que
possui uma particularidade esclarecedora: tem punhos de madeira, punhos
muito fálicos que a menina deve agarrar com força ao saltar, e que,
saltando e modificando os pulos com passos complicados, acabam por
fazer suas meias caírem. Aquela corda é o fio de Ariadne que nos guia
através do filme inteiro, encontrá-la-emos, portanto, muitas vezes.
(KYROU,1966,p.52-53)
A incorporação do estilo pop estadunidense não é encontrada apenas nos
filmes de Almodóvar. Já era possível encontrá-lo no cinema de Buñuel e Saura.
Citando mais uma vez o filme Viridiana, a trama se encerra com um rock and roll que
se choca com a música Aleluia de Handel executada no início do filme. Inclusive, o
roteirista de Viridiana interferiu muito na obra de Almodóvar.
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A la vez que Viridiana , apareció en las pantallas(...) con guión de
Azcona, el guionista español más solicitado de la época , y cuya influencia
Almodóvar siente en situaciones y personajes.
(HOLGUÍN,2006, p.30)
Tal facilidade de assimilação de elementos culturais variados é mais comum
nas fronteiras como afirmou Peter Burke (2006, p.69): “Como culturas inteiras , há
locais específicos que são particularmente favoráveis à troca cultural, especialmente
as metrópoles e as fronteiras” .Num certo sentido, a Espanha é uma região de
fronteiras porque recebeu diversas heranças culturais que se foram combinando e
se assimilando num modelo de mosaicos , não-linear e não sucessivo, como afirma
Amálio Pinheiro em textos diversos.
Antonio Holguín (1994) também comenta sobre a interferência da pop arte no
cinema de Buñuel , que serviu de fonte de inspiração para a obra de Almodóvar. Nos
filmes de Almodóvar, como primam pela catarse, há sempre muita movimentação de
câmera e closes, a fim de buscar e revelar a intimidade das personagens. Outro
elemento em sua filmografia que imprime muita emoção é o excesso de trilha
sonora. A música no cinema de Almodóvar, principalmente a flamenca, anuncia o
desejo ou a tragédia que são as duas grandes pedras de toque de seus filmes e da
própria cultura da qual faz parte. Em Carne trêmula, a música flamenca anuncia a
tragédia que ocorrerá no apartamento de Elena. Naquela noite, um policial fica
paralítico e um jovem passa seis anos preso injustamente. O mesmo ritmo, que
anuncia um destino trágico para duas personagens, serve de trilha sonora para a
cena em que Elena e Victor se relacionam sexualmente. Mais uma vez, amor e
morte andam de mãos dadas na obra de Almodóvar e no cinema espanhol . Esta
mesma busca pela intimidade das personagens pode ser encontrada em Bigas Luna,
que usa cores berrantes e planos variados para alcançar o clímax dos estados
passionais de suas personagens.
Em Jamón, jamón, quando o casal protagonista se encontra num bar, com
outras pessoas ao redor, Silvia se joga nos braços do namorado e ambos se beijam
como se estivessem sozinhos, dentro de um quarto. De uma certa forma, a vida
privada torna-se também espetáculo como nos filmes de Almodóvar, mas sem a
presença dos meios de comunicação de massa.
A questão da religião apresentada nos filmes de Almodóvar surge como um
pano de fundo, diferentemente do cinema de Buñuel. Como espanhol, ignorar os
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ícones cristãos arraigados à cultura tornaria sua obra menos complexa mas, em
seus filmes, a religião não determina o destino das personagens e, sim, passa por
elas, interferindo indiretamente e combinando-se com outros elementos.
Como foi afirmado no capítulo anterior, a música flamenca é muito utilizada no
cinema destes quatro estetas, para anunciar a paixão ou a tragédia. No filme Kika,
mais uma vez, a música flamenca anuncia a tragédia. Um pouco antes da morte da
mãe de Ramón, uma música flamenca foi tocada para completar o cenário de
tragicidade. Em A teta e a lua, a música flamenca anuncia a paixão e o romance que
Estrellita terá com seu jovem amante.
Qual o papel da música no filme? Ainda não estamos à altura de
responder a esta pergunta. Digamos apenas o que ela é: uma presença
afetiva. As partituras dos filmes mudos (incidentais) são autênticos
catálogos de estados de alma cujas categorias principais são as cenas
alegres, as cenas tristes e as cenas sentimentais (MORIN,1997,p.101)
Nos filmes de Almodóvar podemos encontrar a mesma mescla de elementos
sagrados e profanos que encontramos em Buñuel. Há sempre a presença de muitas
imagens religiosas no cinema de ambos. Em Kika, é mostrada por um programa
sensacionalista, uma procissão em que as pessoas se picam até sangrar. O evento
foi intitulado “procissão dos picados”, fazendo um trocadilho com a palavra pecados.
Por meio de um aparente e simples jogo de palavras, Almodóvar brinca com a língua
e revela como as palavras “picados” e “pecados” estão próximas, não apenas no
sentido fonético, mas também quanto ao conteúdo.Esta relação é forjada, mas
somos capazes de identificá-la. A proximidade fonética cria um processo de
musicalização da linguagem que, na opinião de Valery, discípulo de Mallarmé, era
uma forma de tornar a linguagem mais próxima ao mundo real. Os artistas
aproximam forma e conteúdo no sentido de revelar uma mensagem. No caso do
cinema de Almodóvar, a mescla de elementos profanos e sagrados.
Usando a semelhança das palavras, aproxima as idéias de punição física
(picados) de punição religiosa (pecados). Mais uma vez, profano e sagrado
mesclam-se, originando uma combinação em tensão. A combinação de elementos
gera tensões que posteriormente são estabilizadas. Gruzinsky ( 1999, p.236-237)
fala da resistência que a Igreja Católica impunha a todo tipo de manifestação não-
cristã e como temiam a mescla de elementos culturais.
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Na pena do dominicano, os verbos mesclar, entremeter, revolver
designam vários tipos de mistura igualmente perigosas. Nada é mais
alarmante do que aqueles que associam as cerimônias cristãs às do
paganismo- “a velha lei” -, pois, estes geram novidades e práticas
“diabólicas e satânicas que são de sua invenção.”
No cinema de Buñuel e Saura também é dada uma grande relevância a
desvios de linguagem e lacunas de discurso. Como foi dito no segundo capítulo,
Saura dirigiu três filmes em que a protagonista se chama Ana. Ana e os lobos
filmado durante o franquismo, Cría cuervos realizado um ano após a morte de
Franco e Dispara! , 18 anos depois do fim do franquismo. Batizar as três
personagens, de períodos políticos distintos, com o mesmo nome denota um indício
de que todas as três estão ligadas por elementos comuns e o nome Ana representa
muito mais que um nome. Pelo recurso da língua, Saura cria uma relação entre o
mundo real e o da linguagem. O nome Ana torna-se sinônimo de vítima.
Naturalmente, o nome Ana ou outro nome qualquer não torna a pessoa que o usa
uma vítima ou outra coisa. É um recurso artístico para revelar as combinações de
elementos culturais que se fundem e geram um contexto híbrido.
A língua perfeita, essa ilusão adâmica, certamente não existe,
certamente não existia antes, é antes o trabalho do poeta que funda uma
relação necessária entre o nome e a coisa. (MOTTA, 1989, p.58)
Em Buñuel, encontramos muitos exemplos de nomes que se casam
perfeitamente com as personagens. Podemos considerar tal fato mais um delírio
surrealista que pretendia unir objeto à palavra. Em Esse obscuro objeto do desejo, a
personagem protagonista chamava-se Maria de la Concepctión, mas seu apelido era
Conchita. Tal personagem dividia-se entre uma jovem meiga e casta e uma mulher
sensual e cruel. Maria de la Concepctión é o nome de Nossa Senhora, mãe
universal, já Conchita é um termo popular e diminutivo, que se refere ao genital
feminino.
Em A bela da tarde, a personagem protagonista se divide entre uma dama
refinada e uma prostituta. O nome da dama é Séverine, que faz referência à
severidade, à rigidez comportamental. Séverine não mantém relações sexuais com o
marido. Quando trabalha no bordel é chamada pelo nome de A bela da tarde, que
faz referência a uma flor que se abre somente durante o dia.
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Para os surrealistas e lacanianos, os nomes das pessoas e das
personagens dizem muito a respeito delas (...) Em Esse obscuro objeto do
desejo, o nome de Conchita é Concepctión, uma abreviação de Maria de la
Concepctión Imaculada (Santa Virgem). O apelido Conchita, pelo qual ela é
chamada praticamente o filme todo, se refere ao seu órgão sexual, que é
também o obscuro objeto do desejo(...) Em Tristana, Don Lope dissocia o
nome de Tristana em “triste” e “Ana”. Desde o início do filme, Tristana se
mostrava uma jovem enigmática e melancólica(MARQUES,2003, p.32-33)
Provavelmente, um dos mais intrigantes exemplos que podemos citar é o
apresentado no filme O anjo exterminador. A personagem de Silvia Pinal, a mais
exótica e espontânea, capaz de libertar mesmo que momentaneamente o grupo de
amigos, possui dois nomes: Letícia e Valquíria. Ser chamada por dois nomes
possivelmente representa que nenhum nome nos define exatamente e que,
independentemente da forma pela qual somos chamados, nossa natureza é a
mesma. Possuir dois nomes provavelmente também demonstra no filme de Buñuel
que a personagem de Silvia Pinal, por ser a menos convencional do grupo, é a que
mais questiona a linguagem que é convenção.
Definir até que ponto um nome pode sugerir, induzir ou representar na vida
cotidiana, é ainda uma mera investigação, realizada por grandes pensadores como
Platão, por meio do seu diálogo Crátilo, e Ponge, um poeta que recusou a poesia,
afirmando ser um cientista.
Ponge não diferencia o fenomenal do sintático. Os seres do mundo
são-nos complemento direto. Ora, mais que qualquer homem, é o artista
que é assim transitivo, que acusa o golpe do sensível. Dizer é ser objetado
pelo mundo. A gama dos objetos constrói o sujeito. O mundo exterior é seu
pré-texto. (MOTTA, 1989, p.58)
Muito semelhante ao estilo de Buñuel quanto à sobriedade, Saura também
explorou a hibridização cultural, as repressões política e religiosa, por meio de um
cinema cifrado, todo construído a partir de representações, de algo simbolizando
uma situação que não podia ser explicitada. Alguns de seus filmes como Mamãe faz
100 anos também são dotados de uma pitada de senso de humor cruel e irônico
como os filmes de Buñuel, mas tal traço é menos evidente em Saura, que dirigiu
filmes mais pesados no sentido da dramaticidade. Não é possível dizer que Saura
fez um cinema catártico como Almodóvar e Bigas Luna, mas encontramos em sua
obra elementos mais hiperbólicos e emocionais que no cinema de Buñuel. Em Cría
cuervos, a própria condição de órfã de Ana , uma menina melancólica de oito anos,
revela um caráter mais emocional. Em Dispara!, filme mais recente, a cena do
82
estupro, depois a vingança de Ana, causam um incômodo muito grande por parte do
espectador que deseja que a justiça seja feita e que os jovens sádicos que
violentaram Ana sejam punidos. Em Viridiana de Buñuel há uma tentativa de estupro
por parte de um dos mendigos que a protagonista acolheu. Mas a forma com que
Jorge, primo de Viridiana, suborna outro mendigo para impedir o estupro torna a
cena mais irônica, diferentemente do contexto de Dispara!, que é brutal. Não que
não haja brutalidade em Viridiana e em outros filmes de Buñuel, mas tal violência
aparece amenizada por um grande senso de humor e ironia. Já Bigas Luna e
Almodóvar possuem um tom cômico mais bizarro e menos sutil. Ambos gostam de
personagens que fogem dos padrões convencionais quanto à vestimenta, hábitos e
moral. Mas podemos detectar convergências temáticas entre os quatro cineastas em
questão: a revelação da identidade nacional apresentada sob a forma de pratos
típicos, as touradas, a dança flamenca, as relações amorosas levadas às últimas
conseqüências, os elementos sagrados mesclados com os profanos. A Espanha,
apesar de ser dividida em diversas províncias, cada qual com costumes distintos,
possui uma unidade no que diz respeito a alguns ícones relevantes a todo o país,
entre eles, as touradas e a combinação de elementos profanos com elementos
sagrados.
A violência física simbolizando a emocional em Carne trêmula de Almodóvar
83
Posters dos filmes de Almodóvar
Pôster espanhol em que a cor vermelha sobressai sugerindo as pulsões do amor e
da morte, tema central do filme
Pôster espanhol que pela nudez parcial trabalha a sensualidade
84
Pôster espanhol que trabalha as questões do feminino pelos olhos
observadores e o fetiche das pernas desnudas tão trabalhado por Buñuel. A palavra
“Mujeres” em vermelho transmite a tensão do sexo feminino. Pela Psicologia das
cores o vermelho é uma cor que transmite e gera tensão, sensualidade ,
agressividade, dominação e paixão. A boca pintada com batom vermelho explora
uma sensualidade mais explícita, típica na obra de Almodóvar.
85
Pôster espanhol que sugere tensão pelo uso das formas geométricas. As
formas partidas simbolizam o comportamento atípico da personagem vivida por
Antonio Banderas.
86
As cores avermelhadas sobressaem no cinema de Almodóvar sugerindo as tensões
emocionais
87
3.2 Filmografia de Almodóvar
x Volver ( Volver, Espanha, 2006)
x Má educação ( La mala educación, Espanha, 2004))
x Fale com Ela (Hable con ella, Espanha e França, 2002)
x Tudo Sobre Minha Mãe (Todo sobre mi madre, Espanha e França, 1999)
x Carne Trêmula (Carne trémula, Espanha e França, 1997)
x A Flor do Meu Segredo (La Flor de mi secreto, Espanha e França, 1995)
x Kika (Kika, Espanha, França, 1993)
x De Salto Alto (Tacones lejanos, Espanha e França, 1991)
x Atame! (¡Átame!, Espanha, 1990)
x Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al borde de un ataque
de nervios, Espanha, 1988)
x A Lei do Desejo (La Ley del deseo, Espanha,1987)
x Matador (Matador, Espanha,1986)
x ¿Qué he hecho yo para merecer esto?!! (¿Qué he hecho yo para merecer
esto?!! ,1984, Espanha)
x Maus Hábitos (Entre tinieblas, Espanha, 1983)
x Labirinto de Paixões (Laberinto de pasiones, Espanha,1982)
x Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (Pepi, Luci, Bom y otras chicas
del montón, Espanha, 1980)
88
3.3 O cinema de Bigas Luna
Cineasta de estilo catártico e erótico , Bigas Luna enaltece a mesma
liberdade de Almodóvar e seus filmes trabalham os elementos cotidianos com muita
originalidade. Iniciou sua carreira como desenhista nos anos 70 e na mesma década
começou a se interessar pela linguagem audiovisual. Fez alguns curtas-metragens
no início dos anos 70 e em 1976 dirigiu seu primeiro longa: Tatuaje . O universo dos
desejos obscuros de Tatuaje reaparece de forma mais intensa em seus filmes
seguintes: Bilbao e Caniche, respectivamente de 1978 e 1979. Ambos ainda
causam escândalo.
En ambos casos Bigas Luna se centra en el deseo, en particular
en el deseo pervertido, y el tema es tratado de una forma explícita,
completamente inusitada hasta aquel momento en la historia del cine
español. En la primera aborda el sadismo y el voyeurismo, y el la segunda,
en su búsqueda de las raíces de lo perverso, el bestialismo.(EVANS, 2004,
p.13)
Bilbao é um filme de grande importância para o contexto social e
cinematográfico espanhol. Desde o final dos anos 70, o sexo entrou no cinema e
inclusive filmes estrangeiros como O último tango em Paris de Bertolucci,
censurados pela Espanha franquista, entraram no país. Bilbao é considerado o mais
importante filme de sexo espanhol pela visão original e por mostrar a necessidade
de buscar novas saídas que não sejam a pornografia.
La película española de sexo más importante es, no
obstante,Bilbao (1978), donde José Bigas Luna retrata con extraordinaria
originalidad el deseo sexual personificándolo en un individuo obeso, Leo,
que vive con una intimidante compañera, María, pero planea en secreto
poseer el cuerpo de una vulgar prostituta llamada Bilbao (...)Bilbao describe
la frustración de la pornografia. Leo quiere poseer a la prostituta de todas
las formas posibles(...) Bilbao se golpea accidentalmente la cabeza y
muere, por lo que Leo se queda frustrado para siempre, destino simbólico
de alguien que mira el mundo a través de las estructuras de la pornografia.
(HOPEWELL, 1989,p.290)
Pela citação acima é possível estabelecer um paralelo entre a obra de Luna e
Buñuel já que este lidava constantemente com o tema da frustração desde seus
primeiros filmes até Esse obscuro objeto do desejo.
Sendo considerado um cineasta atípico, Luna mudou-se para os Estados
Unidos e passou a fazer filmes nos moldes da indústria cinematográfica norte-
89
americana. O primeiro filme que realizou na Espanha e conquistou a atenção do
público foi As idades de Lulu de 1990 e nos anos de 1992, 93 e 94 realizou a trilogia
Ibérica com os filmes Jamón, jamón, Ovos de ouro e A teta e a lua.
A pesquisa se centrará mais na trilogia ibérica, filmes que sucederam As
idades de Lulu e que trabalham com os símbolos espanhóis. Embora a questão do
desejo pervertido regaste o surrealismo já utilizado por Buñuel em seus primeiros
filmes , fato que estabelece uma relação importante entre Luna e Buñuel, iremos
nos concentrar nos seus filmes que lidam mais diretamente com os rituais
espanhóis.
La exquisita atención tanto a la forma o estética como al contenido
temático caracteriza las tres películas que siguieron a Las edades de Lulu,
la trilogía de “Retratos ibéricos” (...) esta trilogía, aunque insistiendo en los
temas y experimentos formales habituales del director, muestra un ligero
cambio de énfasis sobre todo en el enfoque temático sobre lo español, es
decir, los símbolos, ritos y señas de identidad del país (...) es la trilogía y,
sobre todo, Jamón jamón , la que mejor refleja la cultura de una España
profunda .(EVANS, 2004, p. 14)
A obra de Bigas Luna é uma caricatura de seu tempo e de sua cultura onde
as idéias de morte, sexo e pecado se mesclam compondo um retrato da Espanha
que, mesmo depois do fim do franquismo, ainda apresenta uma arte marcada pela
violência. O contexto de Bilbao como foi comentado anteriormente não era propício
para filmes desta natureza. Ele não se enquadrava nem nos grandes e complexos
filmes políticos como Mamãe faz 100 anos , de Saura nem nos filmes meramente
comerciais que utilizavam o sexo. Como afirmou Memba apud in Pisano( 2001,
p.19):
Los escasísimos filmes que no se adscribían a ninguna de estas
constantes( comercial o política), bien por la bizarria de su argumento, bien
por la de su estética, no se entendían y eran calificados de “escabrosos”.
Como já foi afirmado anteriormente, o cinema espanhol utiliza
demasiadamente a música flamenca para revelar os sentimentos exacerbados e as
paixões. As touradas e os ataques terroristas que assombraram a Espanha, mesmo
depois da morte de Franco, também servem de simbologia para apresentar o ser e o
amar espanhol. Bigas Luna não se apropria apenas de ícones culturais como o
flamenco e as touradas para descrever relações amorosas. Outro elemento que une
a obra de Luna e Buñuel é a questão do surrealismo. Na opinião do primeiro, a
90
cultura espanhola é surreal , fato do qual se deu conta apenas aos vinte anos de
idade por meio da visita de um amigo inglês à Espanha, como o próprio cineasta
comentou numa entrevista publicada por Pisano (2001, p.181-82):
La primera vez que tuve ocasión de observar nuestro país fue gracias
a un amigo inglés que estaba visitando España, y una de las cosas que
más le sorprendió era que tuviéramos piernas de animales colgadas del
techo de los bares(...) Empece a darme cuenta de que vivia inmerso en una
realidad muy próxima a lo surrealista , y comenzó a desarrollarse en mi una
profunda fascinación hacia todo lo que representa nuestra cultura.
Fatos e tarefas cotidianas, como a culinária e a amamentação, simbolizaram
os sentimentos mais densos de algumas personagens. Em Jamón, jamón, um de
seus filmes mais conhecidos, Silvia, a protagonista vivida pela atriz Penélope Cruz, é
uma jovem pobre e namora um rapaz rico da pequena cidade onde vive. Mas a mãe
de seu namorado, não desejando que os dois se casem, contrata um homem muito
atraente para seduzir Silvia e fazê-la desistir de seu filho. Entre muitas idas e vindas,
Silvia e o homem contratado por sua futura sogra acabam, se apaixonando.
Retornando para o início do filme, quando a protagonista namora o rapaz rico, em
uma cena, ambos estão em uma estrada e seu noivo beija os seus seios e diz que
têm gosto de “tortilla”. Silvia e sua mãe fazem tortillas para vender e estas são
consideradas muito saborosas embora, em uma cena, a sua futura ex-sogra as
tenha depreciado. Relacionar os seios de uma jovem com o gosto de um prato típico
espanhol, muito apreciado dentro e fora da Espanha, é mais do que elogiar a
personagem , é também e principalmente colocá-la como um signo da sua cultura.
Dizer que os seios de uma espanhola têm gosto de tortilla é provavelmente o mesmo
que dizer que carrega em si as marcas e a força da sua cultura. Em Bámbola de
1996 ,o cineasta já havia estabelecido a comparação entre a sexualidade e a
culinária por meio de uma protagonista sensual que abre um restaurante com o
dinheiro de um namorado. Em um documentário sobre o cinema espanhol, Bigas
Luna compara o seu povo a uma “paella”. São muitos os elementos que compõem
tanto um como a outra. Se estiverem bem combinados, tanto o povo espanhol como
a “paella” são maravilhosos mas se não estiverem, é um desastre. Quando
pensamos em cultura, nos remetemos às artes , aos esportes e às ciências. Mas
muitos outros elementos constituem a cultura, entre eles, o artesanato, a arquitetura,
a vida cotidiana, e a culinária. Quando Bigas Luna relaciona os seios de uma mulher
a uma tortilla ou o povo espanhol a uma paella, sua comparação tem a mesma força
91
da relação entre matar um amante e tourear estabelecida por Almodóvar em
Matador.
Mas, da mesma forma que o sexo pode ser frustrante, a comida também pode
ser. Se Bigas Luna relaciona o prazer de comer e o de se relacionar sexualmente
em seus filmes, Jamón, jamón, apesar de aparentemente se tratar apenas de um
filme erótico, apresenta um grande teor político e Bigas Luna se coloca como
alguém que analisa as condições culturais que permitiram o desenvolvimento do
franquismo na Espanha.
La España de los princípios de los noventa fue una época lo
suficientemente distanciada de la sociedad autocrática del franquismo
como para permitir un análisis de los valores y creencias que sostenían
aquel sistema político y social. En cierto modo, pues, Jamón jamón aporta
una perspectiva crítica e irônica sobre el pasado y sobre las raíces
ideológicas y culturales que permitieron el desarrollo y el apoyo público de
la dictadura.
(EVANS, 2004, p.21)
Outro importante paralelo entre Luna e Buñuel é o ato de relacionar sexo com
comida. Evans ( 2004 , p. 32) compara Jamón , jamón de Bigas Luna com filmes de
Buñuel :
Abordar el tema de las relaciones familiares desde un punto de
vista psicoanalítico no está fuera de lugar en una película que en
ocasiones alude al surrealismo, en particular a Buñuel- sobre todo a Un
perro andaluz(Un chien andalou [1928]), La edad de oro( L’Âge d’or
[1930]), El ángel exterminador (1962)y El discreto encanto de la burguesía
(Le charm discret de la bourgeoisie [ 1972]), las dos primeras por su
surrealismo, las dos últimas por su combinación de los temas de la comida
y del sexo.
Luna utiliza a comida com um diferencial a mais: como representação da
frustração. Se Buñuel se apropriava do sexo para revelar situações de decepção,
Luna o fez com a comida em Jamóm jamón. Tal transposição é totalmente coerente
se relembrarmos O fantasma da liberdade, de Buñuel e pensarmos que o cineasta
comparou todas as necessidades fisiológicas por meio da cena do jantar às avessas
, em que um grupo de amigos se senta em vasos sanitários ao redor de uma mesa e
quem sente fome se tranca num pequeno cômodo onde é servido com comida e
bebida. Se comer é similar a manter relações sexuais num nível simbólico, é natural
que ambos os atos possam ser frustrantes ou não. Em Jamón, jamón, numa
92
determinada cena, Conchita, a mãe do namorado de Silvia , a humilha dizendo que
as tortillas que ela prepara são horríveis por terem excesso de alho e sal.
La comida, imagen para Bakhtin del placer y de la abundancia, es
aqui –como a menudo en las películas de Buñuel (...) – más bien una
expresión de los prejuicios o represiones de sus personajes. (EVANS,
2004, p.101)
As sobras da paella servida durante o almoço que deveria celebrar a boa
convivência entre as famílias de Silvia e seu namorado, José Luis, acabam sendo
comidas por dois cachorros, como metáfora do fracasso da família e da vida feliz a
dois.
En esta escena , la paella y la tortilla, que hubieron podido ser (...)
una fuente de consuelo, no son nada más que un símbolo del fracaso de la
comunidad, de la família y del ensueño de la pareja feliz. (EVANS, 2004,
p.102)
Ao falarmos de vida familiar frustrante , nos remetemos novamente a Buñuel
e também a Saura. Em Mamãe faz 100 anos, de Saura, durante um jantar familiar, a
matriarca sente-se mal , transformando o jantar num fracasso.
A própria escolha de fazer um filme intitulado Jamón, jamón que significa em
português “Presunto presunto” nos remete mais uma vez à importância que Luna
concede à comida em sua obra. Quando foi questionado a respeito do tema de seu
filme , respondeu Luna apud Pisano (2001, p.181):
El ordenador y el jamón conviven hoy en nuestro país en gran
armonía. Somos, posiblemente, uno de los pocos países donde el culto a lo
animal y a la tecnologia conviven. Zuloaga, hablando de sus cuadros, no
cesa de repetir: ‘hay que atreverse, hay que atreverse a mostrar la realidad
en su momento, hay que chiflarse de todo”. Decidi hacer un retrato de
España, com todo lo que quiero , amor, ódio y que, seguramente, es de
donde salgo yo mismo.
Para Luna, a culinária é um dos pontos principais da cultura espanhola.
Huevos de oro es outro retrato de España(...) la comida, el sexo, lo
surrealista y la especulación imobiliária. Somos lo que somos por el clima
que tenemos y por lo que comemos. Una de las mejores cosas de nuestro
país es nuestra comida, una pieza clave de nuestra cultura. Los huevos
fritos com chorizo son uno de los platos más sencillos
que tenemos, pero de
una gran fuerza, um plato ancestral, casi étnico. Los huevos son la esencia y
seguirán siéndolo siempre; la expresión “que huevos” siempre convella una
alabanza, aunque se utilice para recriminar a alguien.(LUNA apud in: PISANO,
2001, p. 181)
93
Outra série cultural bastante cotidiana que Luna utilizou para falar sobre os
sentimentos e as relações afetivas foi o ato da amamentação apresentado no filme A
teta e a lua. Tete, um garoto enciumado pelo nascimento do irmão, encanta-se pelos
seios de uma jovem estrangeira que chega à sua cidade. Ele não se apaixona pela
jovem como um todo e, sim, pelos seus seios, acreditando que, neles, encontrará
leite. Na realidade, porém, o que Tete deseja não é o leite em si, mas o aconchego
que existe quando se é amamentado. Os seios, em A teta e a lua, não surgem como
um elemento erótico mas sim como a metáfora do amor materno. Neste sentido,
pode-se dizer que o filme de Luna é muito original porque os seios estão
primeiramente relacionados ao erotismo.
Concluye la trilogia hispana con la que podría ser su entrega más
exaltada y, sin embargo, es la más atípica: La teta y la Luna.
(1994).Decimos que es atípica porque, ante la gran cantidad de
posibilidades que ofrecen las glândulas mamarias femeninas- “porque son
eróticas, sensuales y a la vez un órgano alimentício. El único en que se
mezclan dos cosas fantásticas”-, declararia el realizador en su momento-,
Bigas se decanta por la ternura.
(MEMBE apud in: PISANO, 2001, p.25)
Tanto em Jámon, jámon como em A teta e a lua, o erotismo é bastante
evidente, sendo ainda mais explícito no primeiro. A teta e a lua é mais poético e tem
uma linguagem mais suave pois, apesar de toda sensualidade contida nele, devassa
o universo de uma criança. Já em Jamón, jamón, a realidade é revelada de forma
mais rude, embora possua metáforas também e o universo apresentado seja o de
pessoas adultas.
Em A teta e a lua, da mesma forma que aparece em outros filmes espanhóis
como Matador, Carne trêmula, e Esse obscuro objeto do desejo, a música flamenca
anuncia a paixão e serve de fonte de sedução. Em Carne trêmula, o flamenco
antecipou a tragédia, em A teta e a lua, o amor. Não apenas os filmes de Bigas
Luna, mas o cinema espanhol do início dos anos 90 foi bastante inspirado pela obra
de Almodóvar.
Sin embargo, la sombra de Almodóvar se percibe, sobre todo, en un
aspecto que ha influído en el cine español en general:el de la flexibilidad de
las fronteras entre los gêneros fílmicos (...) Almodóvar aportó , además,
una voluptuosidad estética a sus películas. (EVANS, 2004, p.23)
Em A teta e a lua, existem dois triângulos amorosos. Um deles, o mais
explícito, é constituído por uma bailarina portuguesa que vive com um francês e um
94
jovem espanhol que canta música flamenca para seduzi-la. O segundo é formado
por Tete, sua mãe e seu irmão mais novo que é amamentado. Tete sente que a mãe
o deixou de amar com o nascimento do outro filho, pois amamenta apenas o mais
novo. E como Luna coloca o ato de amamentar como representação do amor
materno, Tete se sente excluído do coração da mãe. Estrellita, a bailarina
portuguesa, ama e é amada por seu marido, mas este é muito mais velho do que ela
e já não consegue relacionar-se sexualmente com a mesma desenvoltura de antes.
Seduzida por Miguel, um jovem espanhol apaixonado por ela, Estrellita torna-se sua
amante mesmo amando seu marido. O marido de Estrellita está na mesma posição
de Tete, pois também perdeu o acesso aos seios da mulher amada para alguém
mais jovem. Muito semelhante ao filme A bela da tarde de Buñuel, mais uma vez
surge a idéia do amor físico dissociado do amor espiritual. Na obra de Buñuel, a
protagonista ama seu marido, mas se satisfaz sexualmente com outros homens. Em
A teta e a lua, Estrellita não tem mais prazer sexual com seu marido, mas continua
amando-o e quanto mais se satisfaz eroticamente com outro homem, sente-se mais
próxima de seu marido.
A teta e a lua não é apenas construído sobre metáforas poéticas. Sendo um
filme realizado por um importante cineasta espanhol, não podia deixar de ter uma
dose do senso de crueldade existente não apenas no cinema, mas na cultura
espanhola como um todo. Estrellita é uma personagem muito meiga e no entanto
sente-se atraída por escatologia. Beija os dedos dos pés do marido, pois eles têm
cheiro de queijo e quando descobre que Miguel também tem pés malcheirosos,
encanta-se ainda mais por ele. O que a havia atraído primeiramente em Miguel era o
seu jeito angelical de cantar. Em segundo lugar, foi atraída pelo cheiro dos pés. Mais
uma vez, depararamo-nos com as combinações culturais do cinema espanhol que
lida com o sagrado e o profano, o físico e o espiritual, o belo e o grotesco, lado a
lado. Mas diferentemente de A bela da tarde, onde o triângulo amoroso é
desmanchado por uma tragédia, em A teta e a lua, Estrellita, Maurice e Miguel
seguem juntos. A Espanha de A bela da tarde era ainda a Espanha franquista e por
isso foi preciso que o amante da protagonista morresse e que ela fosse castigada
pelo adultério por meio da doença do marido. Em A teta e a lua não há punições
para as personagens que se amam e se perdoam porque entendem a fragilidade
das relações amorosas. Se, por um lado, Estrellita vive o amor físico com um
homem e o espiritual com o outro, apesar da dissociação, o conflito é muito menor
95
do que o apresentado em A bela da tarde, porque tal ambigüidade é melhor
assimilada. Na cena final de A teta e a lua, durante um show, Estrellita dança entre
Maurice e Miguel e sorri para ambos. Tal cena, aparentemente despretensiosa,
talvez seja uma das mais simbólicas de todo o filme, pois sugere que a Espanha
atual lida melhor com seus elementos híbridos. Embora o cinema de Bigas Luna
possua elementos comuns aos de Almodóvar, ambos realizando filmes eróticos e
catárticos, existe uma diferença crucial na linguagem dos dois cineastas. Almodóvar
busca o sensível, o ingênuo dentro das prostitutas, dos viciados e dos travestis,
aproximando-os do restante da sociedade. Luna não devassa o universo dos
marginalizados mas, sim, busca o erótico, o sensual dentro das pessoas comuns
que trabalham e têm uma vida aparentemente comum.Neste sentido a obra de Luna
aproxima-se da de Buñuel mas sem o pessimismo deste. Buñuel transformava as
mulheres casadas e as noviças em mulheres corrompidas durante seus filmes,
revelando uma degradação. Os filmes de Almodóvar tendem a buscar a inserção
social pelo amor, vinculado ao casamento, como foi mostrado em Atame!, Carne
trêmula, entre outros. Luna não redime nem marginaliza suas personagens,
simplesmente as apresenta em sua totalidade, como seres humanos capazes das
maiores generosidades e dos piores egoísmos.Mas, provavelmente, o elemento
mais importante na filmografia de Luna e de Almodóvar é a busca incessante da
liberdade, até alcançar pontos extremos, para, apenas depois, encontrar o meio
termo, entre a liberdade e a repressão.. Entenda-se equilíbrio como o meio termo
entre a repressão franquista e a histeria pós-franquismo.
A busca desenfreada do prazer e do conhecimento do próprio corpo foi
trabalhada no romance As idades de Lulu, obra na qual Luna se inspirou para
realizar o seu primeiro filme de sucesso. Lulu explora todas as potencialidades de
seu corpo e de sua sexualidade até sentir que o sexo dissociado do amor parece-lhe
vazio de significado. De uma certa forma, a libertinagem de Lulu assemelha-se à
castração do corpo pelas religiões judaico-cristãs. Tal tema trabalhado por Buñuel
em A bela da tarde, onde Séverine dissociava amor carnal de amor espiritual volta
no romance As idades de Lulu. Para as religiões judaico-cristãs , o amor carnal é
renegado e colocado num nível inferior enquanto que, em As idades de Lulu, o corpo
é colocado acima de tudo, criando também uma dissociação.
Como observa con acierto Xavier Domingo, en uno de los pocos
ensayos consagrados al tema ,”el árabe ha integrado el acto sexual en la
96
estructura de sus aspiraciones más elementares. El cristiano, al contrario,
tiende a excluir el sexo, a negarlo. El sentimiento y la sexualidad son para
el árabe cosas indisolubles. Para el cristiano todo lo que concierne al sexo
es nefasto y puede contaminar el alma. (GOYTISOLO, 1979, p.300)
Ainda, em As idades de Lulu, no romance que originou o filme, há uma
passagem em que Pablo, personagem que inicia a trama como namorado de Lulu e
posteriormente se torna seu marido, diz que sexo e amor são coisas distintas mas
que o ato sexual que ele teve com Lulu foi uma expressão de amor. Almudena
Grandes , autora do livro, brinca com a dissociação amorosa e sexual, reforçando-a
num primeiro momento e desfazendo-a num segundo, quando a personagem
afirma ter expresso seu amor por meio do sexo.
Os últimos filmes de Bigas Luna apresentam uma linguagem menos catártica
que os primeiros, embora ele trabalhe com os mesmos temas. A mesma busca de
uma linguagem mais sóbria por Almodóvar ocorreu com Luna. Em Som de mar, por
exemplo, filme de 2001, o tema central é o amor desmedido como em Jamón, jamón
e A teta e a lua. Os três filmes em questão falam sobre adultério, paixão, a busca do
amor sem limites. Mas alguns elementos escatológicos diferenciam os dois primeiros
de Som de mar. Como foi afirmado anteriormente, em A teta e lua, Estrellita se
excita com os pés malcheirosos do marido. E este por sua vez ganha dinheiro
fazendo um número circense que consiste em emitir flatulências. Em Jamón,
jamóm, Silvia e Raúl se abraçam e se beijam num bar como se estivessem num
ambiente privado. Em Som de mar, o próprio posicionamento da câmera sugere
uma linguagem erótica mais amenizada. Em Volaverunt de 1999 já podemos
perceber este traço encontrado em Som de mar, a câmera mais intimista, planos
mais fechados, a busca do olhar das personagens, o sexo menos explícito e mais
sugerido.
A atual pesquisa deixa brechas para futuras análises na área porque levantou
uma questão aparentemente inexistente: a semelhança entre obras , num primeiro
momento, tão distintas. Uma das maiores dificuldades encontradas durante o
processo de pesquisa e escritura é a escassez de textos acadêmicos sobre a obra
de Bigas Luna. Por artigos encontrados na internet foi possível detectar que este
cineasta é ainda pouco reconhecido e sua obra precariamente compreendida pelo
meio intelectual. Um dos objetivos da pesquisa foi jogar luz sobre alguns filmes de
Bigas Luna que deveriam ser analisados com mais cuidado e interesse, não o
97
restringindo a um mero cineasta bizarro e até mesmo grotesco. Algumas de suas
obras nos induzem a conceituá-lo desta forma, mas analisando filmes como Jamón,
jamón e A teta e a lua, encontramos elementos muito significativos nos sentidos
estético e cultural.
98
Erotismo mais sutil nos últimos filmes: Volaverunt, Som de mar e A camareira do
Titanic
Erotismo mais explícito em As idades de Lulu e Jamón, jámon, filmes do final
dos anos 80 e início dos 90 respectivamente
99
Senso de humor aguçado em Ovos de ouro e Jamón, jamón
O universo infantil e onírico de A teta e a lua do mesmo diretor, onde os seios
aparecem como simbologia do amor materno
100
Protagonista de Som de mar. Erotismo e cotidiano mesclados. A sedução parte de
uma tarefa cotidiana e doméstica
101
Pepita Tudó. (Penélope Cruz) posando para Goya em Volaverunt. Fotografia
intimista e busca da beleza
102
Casal protagonista de A camareira do Titanic. Intimismo e sensualidade implícita
103
Isabel Pisano em Bilbao. Sensualidade explícita por meio da nudez
104
Cenas de Ovos de ouro, segundo filme da trilogia ibérica. Bizarrice, humor e
submundo
105
Jamón, jamón: briga com presunto. Elemento da culinária espanhola associado à
violência e ao grotesco
106
3.4 Filmografia de Bigas Luna
x Juani ( Yo soy la Juani, Espanha, 2006)
x Som de mar ( Son de mar, Espanha, 2001)
x Volaverunt ( Volaverunt, Espanha e França, 1999)
x A camareira do Titanic ( La femme de Chambre du Titanic, Espanha e
França, 1997)
x Bámbola ( Bámbola, Espanha e Itália, 1995)
x Lumiere e Cia ( Lumiere e Cia, Espanha , 1995)
x A teta e a lua (La teta y la luna, Espanha e França, 1994)
x Ovos de ouro (Huevos de oro, Espanha , 1993)
x Jamón, jamón (Jamón, jamón, Espanha, 1992)
x As idades de Lulu (Las edades de Lulu, Espanha, 1990)
x Os olhos da cidade são meus (Angustia, Espanha, 1985)
x Lola ( Lola, Espanha, 1985)
x Caniche ( Caniche , Espanha, 1979)
x Bilbao ( Bilbao, Espanha, 1978)
x Tatuagem ( Tatuaje, Espanha, 1976)
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os quatro cineastas analisados na presente pesquisa, apesar de possuírem
estéticas aparentemente divergentes, terem nascido em décadas distintas e
pertencerem a regiões diferentes da Espanha , trabalham ou trabalharam
exaustivamente com os grandes signos da cultura espanhola: as touradas, os pratos
típicos, a dança e música flamencas, os atentados terroristas que marcaram a
Espanha franquista. Todos produzem ou produziram um cinema altamente
arraigado à sua cultura. Por meio destes signos, discorrem sobre os jogos de poder
e a questão da hierarquia nas relações pessoais e políticas. Os temas abordados
por Buñuel, Almodóvar, Saura e Luna também são universais pois falam sobre o
amor, a paixão, as traições, os ciúmes, as relações entre pais e filhos, o casamento,
a dominação nos âmbitos político e pessoal.Tais cineastas usam elementos da
cultura espanhola para trabalhar com temas universais e imprimem , no caso de
Buñuel , ele imprimia, aos seus filmes um tom trágico e hiperbólico que é próprio da
cultura espanhola. O mesmo podemos dizer de Fellini, que integrava à sua
filmografia caracteres da cultura italiana, tornando seu cinema uma fonte de estudo
no sentido cultural. Já não podemos dizer o mesmo a respeito do francês François
Truffaut ou do italiano Antonioni que trabalharam com temas universais sob uma
perspectiva e com uma estética universais.O objetivo é apenas demonstrar que
alguns cineastas possuem esta preocupação como é o caso dos quatros analisados
nesta tese. É a ligação com a cultura espanhola que une a obra destes quatro
estetas, com linguagens aparentemente tão distintas e divergentes.
O cinema, como série cultural, não é um mero reflexo da sociedade e da vida
cotidiana. Há um jogo de interação entre as séries culturais ( arquitetura, culinária,
idioma, crenças, folclore, vestimenta, artes, cinema, etc), em que cada uma vai se
combinando e transformando as outras. Da mesma forma que o cinema não é
reflexo da sociedade, a sociedade também não copia todas as atitudes mostradas
nos filmes. A vida cotidiana serve de inspiração para o cinema e este serve de fonte
de inspiração para a vida cotidiana, numa constante troca e mescla de elementos
que em muito se assemelha com a combinação de elementos sagrados e profanos
na Espanha. Analisar a interação do cinema na vida cotidiana se torna questão
108
relevante a partir do momento em que entendermos e aceitarmos o poder que esta
arte e meio de comunicação exerce sobre os espectadores e o seu enorme alcance.
Ningún espectáculo en la Historia se ha propagado con tal velocidad
y há alcanzado tal penetrácion. No es exagerado suponer, por tanto, que
ha de ejercer considerable influencia en la vida de nuestros
contemporáneos y en la estructura de nuestra sociedad( SOLER, 1956 p.
13)
A atual tese buscou encontrar as semelhanças temáticas de quatro cineastas
espanhóis por suas convergências e divergências estéticas. Com estilos diferentes,
Luis Buñuel, Carlos Saura, Pedro Almodóvar e Bigas Luna falaram ou falam sobre
os mesmos temas. Independentemente dos tons pastéis de Buñuel e Saura e dos
vibrantes de Almodóvar e Luna, dos planos mais gerais dos dois primeiros, dos
planos mais fechados dos dois segundos, os quatro estetas pintam a Espanha ,
cultura marcada por forças opostas que se combinaram e deram origem a um povo
aparentemente contraditório mas , hibridamente, complexo. A cultura hiperbólica,
passional, mesclada com elementos sagrados e profanos, as mulheres religiosas e
sensuais ao mesmo tempo, as igrejas e a movimentada vida noturna, dividindo o
mesmo espaço, estão presentes na obra dos quatro cineastas que, apesar de terem
filmado em momentos diferentes, conseguiram captar o ser espanhol através de
suas lentes. Mesmo pertencendo a regiões diferentes da Espanha, com hábitos,
dialetos e pratos típicos distintos, alguns elementos são comuns à Espanha como
um todo, entre eles, a combinação do sagrado com o profano. Analisando filmes de
outros cineastas espanhóis como Vicente Aranda, Alejandro Amenábar e Julio
Medem, poderemos identificar elementos convergentes das obras dos quatro
cineastas estudados na tese: sensualidade exagerada, hipérbole sentimental, crença
no destino e a religiosidade arraigada ao cotidiano de forma intrínseca. Esta
pesquisa buscou destacar a importância do cinema como manifestação cultural e
principalmente revelar o quanto o cinema espanhol registra de sua História. Apesar
das diferenças de linguagem e de opções estéticas, um elemento une a obra dos
cineastas espanhóis mais reconhecidos pela crítica e pelo público: as raízes da
cultura espanhola nutrindo o cinema e fazendo dele mais que uma arte ou uma fonte
de entretenimento, mas também e principalmente uma importante série cultural que
transforma e é transformada pela Espanha.
109
Em todas as obras analisadas e em outras apenas comentadas brevemente ,
podemos ver nitidamente o lirismo individual relacionado à vida política da Espanha.
Rompimentos amorosos são comparados a ataques terroristas , crises conjugais à
repressão política; sexo e amor comparados à culinária, música e dança flamenca
às relações de gênero, as touradas à dominação sexual.
Em resumo, a tese buscou trazer à tona questões consideradas menores e
até mesmo ignoradas pelos estudos na área cinematográfica, em que diretores e
filmes são analisados separadamente como membros isolados num contexto maior.
O objetivo desta pesquisa foi encontrar pontos comuns que unissem a filmografia
espanhola do pré-franquismo com a do início dos anos 2000, revelando desta forma
, as principais questões pertencentes à cultura espanhola, que aparecem nos filmes.
110
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